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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .................................................................................................. 4

1 O PÚBLICO DOS PROGRAMAS DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E


ADULTOS ................................................................................................................... 5

1.1 O Contexto Social ................................................................................ 6

1.2 A Dimensão Econômica ....................................................................... 6

1.3 A Dimensão Política ............................................................................. 8

1.4 A Dimensão Cultural............................................................................. 9

1.5 Diversidade Cultural E Cultura Letrada .............................................. 10

2 OS JOVENS E ADULTOS E A ESCOLA .................................................. 12

2.1 Expectativas ....................................................................................... 12

2.2 Conquistas Cognitivas ........................................................................ 14

3 A ESCOLA COMO ESPAÇO DE INSERÇÃO SOCIAL ............................ 16

4 APRENDIZAGEM DE ATITUDES E VALORES ....................................... 20

5 O EDUCADOR DE JOVENS E ADULTOS ............................................... 21

6 OS CONHECIMENTOS JÁ ADQUIRIDOS ............................................... 23

7 A MARCA DO TRABALHO ....................................................................... 25

8 O PLANEJAMENTO ................................................................................. 28

8.1 História do planejamento .................................................................... 29

9 PLANEJAR X IMPROVISAR..................................................................... 30

10 PLANEJAMENTO - O QUE DIZ ESTA PALAVRA?............................... 32

11 PLANEJAMENTO CURRICULAR ......................................................... 33

12 PLANEJAMENTO PEDAGÓGICO OU PROJETO POLÍTICO


PEDAGÓGICO .......................................................................................................... 33

13 O PLANEJAMENTO DO(A) PROFESSOR(A) ....................................... 34

13.1 Como planejar ................................................................................. 35

13.2 Para que ensinar? ........................................................................... 35

1
13.3 O que ensinar?................................................................................ 36

13.4 Como ensinar? ................................................................................ 38

14 A CONCEPÇÃO DEMOCRÁTICA DO CONHECIMENTO .................... 40

14.1 O conhecimento é próprio dos seres vivos ..................................... 40

15 A CONSTRUÇÃO DAS REPRESENTAÇÕES MENTAIS ..................... 42

16 ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DA CONCEPÇÃO DEMOCRÁTICA . 43

16.1 A finalidade do conhecimento ......................................................... 43

16.2 A produção do conhecimento.......................................................... 44

17 A NECESSIDADE E O PENSAR SÃO VITAIS NA PRODUÇÃO DE


CONHECIMENTO ..................................................................................................... 45

18 A NECESSIDADE DE CONHECER E A SALA DE AULA ..................... 46

19 A REFLEXÃO ACELERA A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO ......... 47

19.1 As diferentes formas de pensar ...................................................... 49

19.2 A reflexão, o conhecimento e os alunos da EJA ............................. 49

19.3 É a ação humana que produz conhecimento .................................. 50

19.4 Ninguém aprende sozinho .............................................................. 51

19.5 A variedade de conhecimentos nas classes da EJA ....................... 52

19.6 Conhecer exige esforço .................................................................. 52

19.7 O conhecimento vem de conhecimentos já existentes e provoca


conhecimentos futuros ........................................................................................... 53

20 A TEORIA E A PRÁTICA ....................................................................... 55

20.1 Extensão ......................................................................................... 57

20.2 Nossa teoria não se reduz a ideias formuladas em palavras .......... 57

20.3 Somente somos capazes de pôr em prática a nossa própria teoria 58

20.4 Só mudamos a prática que temos quando mudamos a teoria que


sustenta esta prática .............................................................................................. 59

20.5 Faça o que eu falo e não faça o que eu faço .................................. 59

20.6 Um exemplo simples da interação teoria e prática .......................... 60

2
20.7 Diferença entre a teoria e o discurso .............................................. 62

BIBLIOGRAFIA ............................................................................................... 64

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INTRODUÇÃO

Prezado aluno,

A Rede Futura de Ensino, esclarece que o material virtual é semelhante ao da


sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno
se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta,
para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse
aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No
espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser
direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil.
Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa
disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das
avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que
lhe convier para isso.
A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser
seguida e prazos definidos para as atividades.

Bons estudos!

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1 O PÚBLICO DOS PROGRAMAS DE EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS

Fonte: www.ceasc.com.br

No Brasil, há mais de 35 milhões de pessoas maiores de catorze anos que não


completaram quatro anos de escolaridade. Esse grande contingente constitui o
público potencial dos programas de educação de jovens e adultos correspondentes
ao primeiro segmento do ensino fundamental.
Além dos 20 milhões identificados como analfabetos pelo Censo de 1991, estão
incluídas nesse contingente pessoas que dominam tão precariamente a leitura e a
escrita que ficam impedidas de utilizar eficazmente essas habilidades para continuar
aprendendo, para acessar informações essenciais a uma inserção eficiente e
autônoma em muitas das dimensões que caracterizam as sociedades
contemporâneas.
Em países como o Brasil, marcados por graves desníveis sociais, pela situação
de pobreza de uma grande parcela da população e por uma tradição política pouco
democrática, baixos níveis de escolarização estão fortemente associados a outras
formas de exclusão econômica e política. Famílias que vivem em situação econômica
precária enfrentam grandes dificuldades em manter as crianças na escola; seus
esforços nesse sentido são também mal recompensados, já que as escolas a que têm
acesso são pobres de recursos e normalmente não oferecem condições de
aprendizagem adequadas.

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No público que efetivamente frequenta os programas de educação de jovens e
adultos, é cada vez mais reduzido o número daqueles que não tiveram nenhuma
passagem anterior pela escola. É também cada vez mais dominante a presença de
adolescentes e jovens recém-saídos do ensino regular, por onde tiveram passagens
acidentadas. Em levantamento realizado no programa de educação básica de jovens
e adultos do município de São Paulo, em 1992, apurou-se que 26% do alunado tinha
até dezoito anos de idade e 36% tinha entre dezenove e 26.
Na cidade do Recife, apurou-se que, dos alunos de programas para jovens e
adultos das redes municipal e estadual, 48% tinha de treze a dezoito anos de idade e
26%, de dezoito a 24 anos. A presença dos adolescentes tem sido tão marcante que
se começa a pensar em programas ou turmas especialmente destinadas a essa faixa
etária.
A quase totalidade dos alunos desses programas, incluídos os adolescentes,
são trabalhadores. Com sacrifício, acumulando responsabilidades profissionais e
domésticas ou reduzindo seu pouco tempo de lazer, dispõem-se a frequentar cursos
noturnos, na expectativa de melhorar suas condições de vida. A maioria nutre a
esperança de continuar os estudos: concluir o 1º grau, ter acesso a outros graus de
ensino e a habilitações profissionais.

1.1 O Contexto Social

As exigências educativas da sociedade contemporânea são crescentes e estão


relacionadas a diferentes dimensões da vida das pessoas: ao trabalho, à participação
social e política, à vida familiar e comunitária, às oportunidades de lazer e
desenvolvimento cultural.

1.2 A Dimensão Econômica

O mundo contemporâneo passa atualmente por uma revolução tecnológica que


está alterando profundamente as formas do trabalho. Estão sendo desenvolvidas
novas tecnologias e novas formas de organizar a produção que elevam bastante a
produtividade, e delas depende a inserção competitiva da produção nacional numa
economia cada vez mais mundializada.

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Fonte: www.sistemafibra.org.br

Essas novas tecnologias e sistemas organizacionais exigem trabalhadores


mais versáteis, capazes de compreender o processo de trabalho como um todo,
dotados de autonomia e iniciativa para resolver problemas em equipe. Será cada vez
mais necessária a capacidade de se comunicar e de se reciclar continuamente, de
buscar e relacionar informações diversas.
O outro lado da moeda do avanço tecnológico é a diminuição dos postos de
trabalho, que torna a disputa pelo emprego mais acirrada. Níveis de formação mais
elevados passam a ser exigidos na disputa pelos empregos disponíveis. A um grande
número de pessoas, impõe-se a necessidade de buscar formas alternativas de se
inserir na economia, por meio do auto emprego, organização de microempresas ou
atuação no mercado informal. A invenção dessas formas alternativas também exige
autonomia, capacidade de iniciativa, de comunicação e reciclagem constante.
Portanto, podemos dizer que, de forma geral, uma inserção vantajosa no mercado de
trabalho exige hoje uma melhor formação geral e não apenas treinamento em técnicas
específicas.
No Brasil, alguns setores de ponta da indústria e dos serviços já assimilaram
esses avanços tecnológicos. Entretanto, sabemos que essas inovações convivem
com a manutenção de formas de trabalho tradicionais, que utilizam tecnologias
arcaicas e onde a maioria exerce funções que exigem pouca qualificação.

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Nas zonas urbanas, alunos de programas de educação de jovens e adultos
normalmente são empregados com baixa qualificação no setor industrial, comercial e
de serviços, e uma grande parte atua no mercado informal.
Nas zonas rurais, são pequenos produtores ou empregados de empresas
agrícolas. Nessas funções, eles têm poucas oportunidades de utilizar-se da leitura e
escrita e escassas oportunidades de aperfeiçoamento, acabando por limitar-se a
conhecimentos específicos do ofício, em muitos casos transmitidos oralmente por
familiares ou companheiros mais experientes.
No aspecto econômico, o Brasil tem de enfrentar ainda uma somatória de
problemas antigos e modernos: produzir mais para suprir as carências materiais de
grandes parcelas da população, distribuir a riqueza mais equitativamente e cuidar para
que uma exploração predatória não esgote os recursos naturais de que dispomos.
Parece haver um razoável consenso de que para se atingir essas metas é preciso
elevar o nível de educação de toda a população.
Reforçando argumentos nesse sentido, tem sido muito apontado o exemplo de
países asiáticos que conseguiram um importante desenvolvimento econômico
baseado num investimento maciço em educação. Trabalhadores com uma formação
mais ampla, com mais iniciativa e mais capacidade de resolver problemas e aprender
continuamente têm mais condições de trabalhar com eficiência e negociar sua
participação na distribuição das riquezas produzidas.

1.3 A Dimensão Política

Neste ponto nos remetemos às exigências educativas que a sociedade nos


impõe no âmbito político. A possibilidade de os diversos setores da sociedade
negociarem coletivamente seus interesses está na essência da ideia de democracia.
Na história da civilização moderna, o ideal de democracia sempre contemplou o ideal
de uma educação escolar básica universalizada.
Através dela, pretende-se consolidar a identidade de uma nação e criar a
possibilidade de que todos participem como cidadãos na definição de seus destinos.
Para participar politicamente de uma sociedade complexa como a nossa, uma pessoa
precisa ter acesso a um conjunto de informações e pensar uma série de problemas
que extrapolam suas vivências imediatas e exigem o domínio de instrumentos da
cultura letrada.

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Fonte: www.ceale.fae.ufmg.br

Um regime político democrático exige ainda que as pessoas assumam valores e


atitudes democráticas: a consciência de direitos e deveres, a disposição para a
participação, para o debate de ideias e o reconhecimento de posições diferentes das
suas.
Na última década, o Brasil vem reconstruindo as instituições democráticas e
nesse processo a educação tem um papel a cumprir com relação à consolidação da
democracia em nosso país. Um grande número de pessoas ainda não tem acesso a
informações necessárias para fazer sua opção política de forma mais consciente.
Além disso, os longos anos de autoritarismo que marcaram a nossa história desafiam
a educação a desenvolver atitudes e valores democráticos. É preciso ter em mente
que a democracia não se esgota na eleição de representantes para os poderes
Executivo e Legislativo, ela deve implicar também a possibilidade de maior
participação e responsabilidade em todas as dimensões da vida pública.

1.4 A Dimensão Cultural

Assim, chegamos às exigências educacionais que a própria vida cotidiana


impõe crescentemente. Para se ter acesso a muitos dos benefícios da sociedade
moderna, é preciso ter domínio dos instrumentos da cultura letrada: para se locomover

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nas grandes cidades ou de uma localidade para outra, para tirar os documentos ou
para cumprir um sem número de procedimentos burocráticos, para mover-se no
mercado de consumo e, finalmente, para poder usufruir de muitas modalidades de
lazer e cultura.
Até no âmbito do convívio familiar, surgem cada vez mais exigências
educacionais. Para educar crianças expostas aos meios de comunicação, num mundo
com tão rápidas transformações, os pais precisam constantemente se atualizar,
precisam ter condições para apoiar os filhos em seu percurso escolar, cuidar de sua
saúde etc. Até para planejar a família, para que se possa ter quantos filhos se deseje
e se possa criá-los é preciso ter acesso à informação, referenciar-se a valores e
assumir atitudes para as quais a educação pode contribuir.
Vemos assim que promover a educação fundamental de jovens e para educar
crianças expostas aos meios de comunicação, num mundo com tão rápidas
transformações, os pais precisam constantemente se atualizar adultos que não
tiveram a oportunidade de cumpri-la na infância é importante para responder aos
imperativos do presente e também para garantir melhores condições educativas para
as próximas gerações. Melhorar o nível educacional de um país é um desafio grande
e complexo, que exige esforços em todos os níveis.

1.5 Diversidade Cultural E Cultura Letrada

No item anterior, caracterizamos o público dos programas de educação de


jovens e adultos como um grupo homogêneo do ponto de vista socioeconômico. Do
ponto de vista sociocultural, entretanto, eles formam um grupo bastante heterogêneo.
Chegam à escola já com uma grande bagagem de conhecimentos adquiridos ao longo
de histórias de vida as mais diversas. São donas de casa, balconistas, operários,
serventes da construção civil, agricultores, imigrantes de diferentes regiões do país,
mais jovens ou mais velhos, homens ou mulheres, professando diferentes religiões.

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Fonte: www.vrnews.com.br

Trazem, enfim, conhecimentos, crenças e valores já constituídos. É a partir do


reconhecimento do valor de suas experiências de vida e visões de mundo que cada
jovem e adultos pode se apropriar das aprendizagens escolares de modo crítico e
original, sempre da perspectiva de ampliar sua compreensão, seus meios de ação e
interação no mundo.
Os jovens e adultos já possuem alguns conhecimentos sobre o mundo letrado,
que adquiriram em breves passagens pela escola ou na realização de atividades
cotidianas. É inegável, entretanto, que a participação dessas pessoas nessas
atividades é muito precária, limitada e dependente.
Por exemplo, um recém-chegado na cidade grande pode demorar muito tempo
para sair do bairro onde mora e se aventurar, de ônibus, num passeio ao centro da
cidade. Para ler uma carta que chegou do interior, essa mesma pessoa dependerá da
boa vontade dos outros. As informações que recebe pelo rádio e pela televisão podem
ser assimiladas de forma incompleta e fragmentada.
Por exemplo, a pessoa pode saber que o jogo do Brasil na Copa do Mundo
será transmitido por satélite, mas terá uma noção muito vaga do que é um satélite.
Pode votar nas eleições para a Câmara Federal sem saber o que compete a um
deputado federal. Além disso, se as pessoas pouco letradas podem criar estratégias
alternativas para resolver problemas práticos simples, tais como saber o destino de
um ônibus ou preencher um formulário, elas se encontram radicalmente excluídas da

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possibilidade que nossa cultura oferece de estudar uma ciência ou ler literatura, de
ser médico ou operário especializado.
Vemos, portanto, que, apesar de as pessoas pouco letradas possuírem muitos
conhecimentos válidos e úteis, elas estão excluídas de outras muitas possibilidades
que a nossa cultura oferece. Muitas vezes elas interpretam essa desvantagem como
incapacidade, a ponto de não reconhecerem como tal aquilo que sabem ser
conhecimento útil e válido. A exclusão do conhecimento que se adquire na escola
marca essas pessoas profundamente pela imagem que fazem de si e pelo estigma
que a sociedade lhes impõe. É por isso que muitas delas, mesmo tendo outras
responsabilidades no trabalho e em casa, decidem estudar.

2 OS JOVENS E ADULTOS E A ESCOLA

2.1 Expectativas

Com base na experiência ou em pesquisas sobre o tema, sabemos que os


motivos que levam os jovens e adultos à escola referem-se predominantemente às
suas expectativas de conseguir um emprego melhor. Mas suas motivações não se
limitam a este aspecto. Muitos referem-se também à vontade mais ampla de entender
melhor as coisas, se expressar melhor, de ser gente, de não depender sempre dos
outros. Especialmente as mulheres, referem-se muitas vezes também ao desejo de
ajudar os filhos com os deveres escolares ou, simplesmente, de lhes dar um bom
exemplo.
Todos os adultos, quando se integram a programas de educação básica, têm
uma ideia do que seja a escola, muitas vezes construída baseada na escola que eles
frequentaram brevemente quando crianças. Quase sempre, apesar de se referirem à
precariedade dessas escolas, lembram delas com carinho e sentem com pesar o fato
de terem tido de abandoná-la ou de nunca terem tido chance de frequentá-la. É
provável que esperem encontrar um modelo bem tradicional de escola, com recitação
em coro do alfabeto, pontos copiados do quadro negro, disciplina rígida,
correspondendo a um modelo que conheceram anteriormente. Com relação aos
educandos com essas expectativas, o papel do educador é ampliar seus interesses,
mostrando que uma verdadeira aprendizagem depende de muito mais que atenção
às exposições do professor e atividades mecânicas de memorização.
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Fonte: www.gpeducacional.com.br

Com relação aos adolescentes, essa situação tende a ser diferente.


Especialmente nos centros urbanos, eles estão normalmente retornando depois de
um período recente de sucessivos fracassos na escola regular. Têm, portanto, uma
relação mais conflituosa com as rotinas escolares. Com relação a eles, o grande
desafio é a reconstrução de um vínculo positivo com a escola e, para tanto, o educador
deverá considerar em seu projeto pedagógico as expectativas, gostos e modos de ser
característicos dos jovens.
A imagem que os educandos têm da escola tem muito a ver com a imagem que
têm de si mesmos dentro dela. Experiências passadas de fracasso e exclusão
normalmente produzem nos jovens e adultos uma autoimagem negativa. Nos mais
velhos, essa baixa autoestima se traduz em timidez, insegurança, bloqueios. Nos mais
jovens, é comum que a baixa autoestima se expresse pela indisciplina e
autoafirmação negativa (se não posso ser reconhecido por minhas qualidades, serei
reconhecido por meus defeitos). Em qualquer dos casos, será fundamental que o
educador ajude os educandos a reconstruir sua imagem da escola, das aprendizagens
escolares e de si próprios.

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2.2 Conquistas Cognitivas

Mas o que, de fato, a educação escolar pode trazer de novo para esses jovens
e adultos que já são cidadãos e trabalhadores, que já estão integrados de um modo
ou de outro em nossa sociedade? Podemos enumerar algumas conquistas bem
evidentes, como o domínio da leitura e da escrita, das operações matemáticas básicas
e de alguns conhecimentos sobre a natureza e a sociedade que compõem as
disciplinas curriculares. Mas os produtos possíveis da educação escolar não se
resumem a esses mais evidentes. Muitos estudiosos e pesquisadores da cognição
humana trataram de estudar as diferenças cognitivas, ou diferenças nas formas de
pensamento, entre pessoas que dominam a escrita e que passaram por vários anos
de escolarização e pessoas que não o fizeram.
Muitos desses estudos concluem que pessoas com mais tempo de
escolaridade têm mais facilidade para realizar operações mentais a partir de
proposições abstratas ou hipotéticas, operando com categorias que não são as
organizadas pela experiência imediata. Esse tipo de operação cognitiva está bastante
relacionado com a escrita e com o desenvolvimento do pensamento científico. Através
da escrita nos chegam informações dos séculos passados, de outras partes do mundo
ou de mundos imaginados; ela impõe uma relação mais distanciada entre os
interlocutores. Com base na escrita também se desenvolveram as ciências modernas,
que organizam os dados da experiência em categorias e leis gerais, formulando
proposições altamente abstratas.
Outra característica importantíssima das formas de pensamento letrado e
científico diz respeito à chamada metacognição, ou seja, à capacidade de tomar
consciência das operações mentais, de pensar sobre o pensamento e, assim, poder
controlá-lo melhor. A metacognição é a marca distintiva do pensamento científico:
diferentemente de uma pessoa que resolve problemas práticos do cotidiano ou de um
oráculo que adivinha o futuro, o cientista tem de demonstrar ou justificar seus
postulados e teorias.

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Fonte:www.s2.glbimg.com

Essa capacidade de pensar sobre o pensamento está relacionada com o


domínio da escrita de forma mais geral: um texto escrito é uma forma de pensamento
plasmado no papel, é como se no papel pudéssemos ver o pensamento, retomar
quantas vezes quisermos seu ponto de partida ou cada um de seus enlaces. É comum
as pessoas recorrerem à escrita para organizar as próprias ideias. A escrita nos ajuda
a controlar nossa atividade cognitiva quando, por exemplo, fazemos uma lista de
compras antes de ir ao supermercado e riscamos cada item à medida que os
compramos.
A escrita amplia de forma geral a capacidade de planejamento, quando
podemos anotar no papel todas as tarefas que temos a cumprir nos próximos meses
e conferir periodicamente quais ainda não foram cumpridas.
A vida na sociedade moderna oferece uma série de oportunidades para
desenvolvermos essas formas de pensamento autoconsciente e que transcendem
nosso contexto de vivência. Mas a escola é, sem dúvida, um lugar privilegiado para
se desenvolvê-las e, certamente por isso, as pessoas que a frequentam por muitos
anos levam vantagens nesse aspecto.
Isso porque a escola é o privilegiado para se lugar onde as pessoas vão para
aprender coisas, tendo a oportunidade de pensar sem estarem premidas pela
necessidade de resolver problemas reais imediatos. Por exemplo, ao conferir o troco
que lhe deu o cobrador de um ônibus, a pessoa tem de fazer uma operação rápida,

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empurrada pelo passageiro que vem atrás. Na escola, ela poderá resolver, com calma,
um grande número de operações de subtração usando diferentes procedimentos
representá-las no papel, compreender o porquê do empresta um, chegar a uma
compreensão ampla sobre o funcionamento do sistema de numeração decimal.
Ela aprenderá na escola um conjunto de conceitos que não têm nenhuma
utilidade prática imediata mas que podem ajudar a organizar o sistema de conceitos
que compõem sua estrutura cognitiva. Na escola, ela exercita a realização de tarefas
segundo planos ou instruções prévias. Todas essas aprendizagens colaboraram para
desenvolver essa modalidade cognitiva que definimos como característica do
letramento.

3 A ESCOLA COMO ESPAÇO DE INSERÇÃO SOCIAL

Educadores e grupos populares descobriram que a Educação Popular é


sobretudo o processo permanente de refletir a militância: refletir, portanto, a
sua capacidade de mobilizar na direção de objetivos próprios. A prática
educativa, reconhecendo-se como prática política, recusa a deixar-se
aprisionar na estreiteza burocrática de procedimentos escolarizantes.
Lidando com o processo de conhecer, a prática educativa é tão interessada
em Possibilitar o ensino de conteúdos às pessoa quanto em sua
compreensão do mundo. Dessa forma são tão importantes para a formação
certos conteúdos que o educador lhes deve ensinar, quanto a análise que
façam de sua realidade concreta. Paulo Freire.

Na década de 1940, quando começaram as primeiras iniciativas


governamentais para lidar com o analfabetismo entre adultos, entendia-se que o seu
fim seria fundamental para o crescimento econômico do país. O analfabetismo era
visto como um mal social e o analfabeto como um sujeito incapaz.
A década de 1950, por sua vez, viu no adulto analfabeto um eleitor em
potencial, uma vez que, nessa época, analfabeto não votava. Era a crença na
participação de todos - como eleitores - para o desenvolvimento do país.
No começo da década de 1960 a alfabetização juntou-se aos movimentos
estudantis e sindicais e a questão do analfabetismo passou a ser vista como
consequência direta da pobreza e de uma política de manutenção de desigualdades.
Foi nesse contexto que as ideias de Paulo Freire ganharam dimensão nacional.
Sua proposta inovadora, pregava a necessidade de uma alfabetização voltada para a
libertação, para a conscientização dos homens e mulheres como sujeitos capazes de

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transformar a realidade social. A educação passou a ser entendida com um ato
político.

Paulo Freire, educador pernambucano, nasceu em 1921 e morreu em 1997.


Durante a ditadura, foi exilado e passou 16 anos fora do Brasil morando no Chile,
Estados Unidos e Suíça. Tornou-se conhecido e respeitado, em todo o mundo, por
suas ideias expostas em livros, como: “Educação como Prática da Liberdade,
Pedagogia do Oprimido e outros mais. Inspirou trabalhos de educação junto aos
povos pobres de todos os cantos do mundo. No Brasil, suas ideias estão presentes
principalmente na educação de jovens e adultos. Dedicou toda sua vida ao sonho de
ajudar a construir uma sociedade justa e democrática em que homens e mulheres não
fossem mais vítimas da opressão e da exclusão social.

Desde Freire, a educação de jovens e adultos vem caminhando na direção de


uma educação democrática e libertadora, comprometida com a realidade social,
econômica e cultural dos mais pobres. No entanto, ainda temos muito por construir
nessa direção. Vejamos um exemplo:

Renata, uma professora em Rio Claro, cidade do interior de São Paulo, é alfabetizadora de um
grupo de colonos da região de sua cidade. Influenciada pelas ideias de Paulo Freire ela, desde o
começo dos encontros com seus alunos e alunas, procurou conversar com eles sobre o que gostariam
de ler e escrever e por que isso era importante para eles. Já no primeiro encontro, os alunos contaram
que todos os meses precisam ir até a cidade para fazer as compras do mês. Iam num determinado
supermercado, que enviava um ônibus para buscá-los. Lá recebiam panfletos com produtos e preços
em ofertas. Queixavam-se de não conseguir ler os folhetos para fazer suas listas de acordo com os
preços mais baixos. A professora foi percebendo que a ida ao
supermercado era uma geradora de situações ligadas a conhecimentos
como: ler, escrever, contar, comparar preços e escolher produtos. Tudo
poderia se transformar em bons materiais para o trabalho junto aos alunos.
Na sala de aula, o grupo passou, então, a identificar os produtos, listar seus
nomes, comparar palavras em termos de quantidade, variação e
semelhança entre letras, a escrever novas palavras a partir daquelas.
Puderam, ainda, se dedicar ao cálculo de preços: produtos mais baratos,
mais caros, cálculo total a partir de uma lista dos produtos que precisavam
comprar, aumentos nos preços ocorridos de um mês para outro etc.

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Fonte: www.forumeja.org.br

Pensando sobre o trabalho da professora Renata e seus alunos podemos


observar coisas interessantes:
Desde o princípio, a professora Renata atuou a partir de um novo paradigma:
o de que seus alunos lidam com problemas reais e que, a partir deles, a construção
de conhecimentos sobre a leitura, a escrita, os números e as operações pode
acontecer de maneira eficaz e significativa. Ela acreditou, desde o início, que era
possível estabelecer uma aliança entre o mundo real e concreto dos alunos e os
conhecimentos formais, podemos dizer, escolares.
É bom lembrar que, muitas vezes, o(a) professor(a) chega para as aulas com
propostas de leitura e escrita prontas e preparadas segundo um modelo clássico:
palavras simples, muitas vezes desprovidas de sentido e significado, sobre as quais
os alunos vão se debruçar memorizando suas partes, seus sons, copiando-as,
repetindo-as.
Nos momentos dedicados à Matemática, esse(a) professor(a) geralmente
propõe que leiam em voz alta e copiem os números em blocos crescentes. Só mais
tarde vai ensinar a calcular - sempre recorrendo à conta armada, primeiro com
quantidades pequenas para ficar mais fácil.
A professora Renata, ao contrário, sabia que o universo de escrita, números e
cálculos de seus alunos adultos é mais complexo, porque é real, vivo e carregado de
sentido bastante prático. Sabia, também, que aprendemos a ler lendo, aprendemos a
escrever escrevendo e que aprimoramos nossa capacidade de cálculo, calculando.

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Por isso ela criou situações onde os alunos eram convidados a ler e a escrever,
mesmo não realizando estas ações de forma convencional.
Além disso, acreditava que seus alunos eram capazes de aprender e que
quanto mais os conteúdos estivessem vinculados às questões reais, maiores seriam
as chances de proporcionarem novos conhecimentos.
Outro aspecto interessante de ser notado na prática dessa professora é o fato
de olhar para seus alunos como sujeitos sociais e sujeitos do conhecimento, isto é
pessoas que tomam iniciativa e atuam sobre o que estão conhecendo. Ela os convidou
a falar, a pensar e expor suas necessidades e a construir, com seu auxílio, caminhos
de mudança.
Juntos foram construindo um corpo de saberes que, para além do
conhecimento do código ou de alguns recursos de cálculo, mudam a relação destes
homens e mulheres com a realidade com a qual lidam diariamente: tornam-se mais
poderosos, capazes de avaliar vantagens e desvantagens, de programar/planejar
suas compras; tornaram-se mais conscientes e, por isso mesmo, mais donos das
situações, com menor chance de serem enganados.
O conceito de conhecimento na escola e nas classes de EJA não deve perder
essa dimensão de tornar os alunos mais capazes de agir de forma autônoma e
independente reagindo a imposições que tira deles a escolha do que mais lhes
convêm.
A forma de agir da professora Renata e seus alunos confirmam nossa crença
de que é possível aprender a ler, escrever e calcular por caminhos os mais diversos.
Há que se optar por aqueles nos quais os alunos são sujeitos e podem trabalhar para
suprir uma necessidade real em suas vidas.
Afinal, os alunos jovens e adultos não voltam para a escola para recuperar um
tempo perdido e distante, voltam para satisfazer necessidades atuais em suas vidas.

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4 APRENDIZAGEM DE ATITUDES E VALORES

Fonte: www.3.bp.blogspot.com

É importante também ter em vista que o valor que a escola pode ter para esses
jovens e adultos transcende em muito a mera aquisição de conhecimentos ou essas
conquistas intelectuais a que nos referimos.
Ao avaliarem sua passagem por programas de educação fundamental, muitos
jovens e adultos tematizam conquistas que dizem respeito à sua autoimagem e à sua
sociabilidade: agora eu me sinto mais seguro, não tenho vergonha de falar; a escola
era o lugar onde eu podia encontrar amigos e conversar; na escola a gente aprende
a conviver com gente diferente etc.
Somados a esses aspectos, devemos lembrar também que a escola é um
espaço especialmente propício para a educação da cidadania: um espaço para se
aprender a cuidar dos bens coletivos, discutir e participar pessoal pelo bem-estar
comum.

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5 O EDUCADOR DE JOVENS E ADULTOS

Algumas das qualidades essenciais ao educador de jovens e adultos são a


capacidade de solidarizar-se com os educandos, a disposição de encarar dificuldades
como desafios estimulantes, a confiança na capacidade de todos de aprender e
ensinar. Coerentemente com essa postura, é fundamental que esse educador procure
conhecer seus educandos, suas expectativas, sua cultura, as características e
problemas de seu entorno próximo, suas necessidades de aprendizagem.
E, para responder a essas necessidades, esse educador terá de buscar
conhecer cada vez melhor os conteúdos a serem ensinados, atualizando-se
constantemente. Como todo educador, deverá também refletir permanentemente
sobre sua prática, buscando os meios de aperfeiçoá-la.
Com clareza e segurança quanto aos objetivos e conteúdos educativos que
integram um projeto pedagógico, o professor deve estar em condições de definir, para
cada caso específico, as melhores estratégias para prestar uma ajuda eficaz aos
alunos em seu processo de aprendizagem. O educador de jovens e adultos tem de ter
uma especial sensibilidade para trabalhar com a diversidade, já que numa mesma
turma poderá encontrar educandos com diferentes bagagens culturais.
É especialmente importante, no trabalho com jovens e adultos, favorecer a
autonomia dos educandos, estimulá-los a avaliar constantemente seus progressos e
suas carências, ajudá-los a tomar consciência de como a aprendizagem se realiza.
Compreendendo seu próprio processo de aprendizagem, os jovens e adultos estão
mais aptos a ajudar outras pessoas a aprender, e isso é essencial para pessoas que,
como muitos deles, já desempenham o papel de educadores na família, no trabalho e
na comunidade.
Também é uma responsabilidade importante dos educadores de jovens e
adultos favorecer o acesso dos educandos a materiais educativos como livros, jornais,
revistas, cartazes, textos, apostilas, vídeos etc. Deve-se considerar o fato de que se
trabalha com grupos sociais desfavorecidos economicamente, que têm pouco acesso
a essas fontes de informação fora da escola.
Finalmente, os educadores devem atentar para o fato de que o processo
educativo não se encerra no espaço e no período da aula propriamente dita.
O convívio numa escola ou noutro tipo de centro educativo, para além da
assistência às aulas, pode ser uma importante fonte de desenvolvimento social e
21
cultural. Por esse motivo, é importante também considerar a dimensão do centro
educativo como espaço de convívio, lazer e cultura, promovendo festas, exposições,
debates ou torneios esportivos, motivando os educandos e a comunidade a frequentá-
lo, aproveitando essa experiência em todas as suas possibilidades.

SÍNTESE DOS OBJETIVOS GERAIS


Que os educandos sejam capazes de:
Dominar instrumentos básicos da cultura letrada, que lhes permitam melhor
compreender e atuar no mundo em que vivem.
Ter acesso a outros graus ou modalidades de ensino básico e
profissionalizante, assim como a outras oportunidades de desenvolvimento cultural.
Incorporar-se ao mundo do trabalho com melhores condições de desempenho
e participação na distribuição da riqueza produzida.
Valorizar a democracia, desenvolvendo atitudes participativas, conhecer
direitos e deveres da cidadania.
Desempenhar de modo consciente e responsável seu papel no cuidado e na
educação das crianças, no âmbito da família e da comunidade.
Conhecer e valorizar a diversidade cultural brasileira, respeitar diferenças de
gênero, geração, raça e credo, fomentando atitudes de não-discriminação.
Aumentar a autoestima, fortalecer a confiança na sua capacidade de
aprendizagem, valorizar a educação como meio de desenvolvimento pessoal e social.
Reconhecer e valorizar os conhecimentos científicos e históricos, assim como
a produção literária e artística como patrimônios culturais da humanidade.
Exercitar sua autonomia pessoal com responsabilidade, aperfeiçoando a
convivência em diferentes espaços sociais.

22
6 OS CONHECIMENTOS JÁ ADQUIRIDOS

Fonte: www.ecrau.com

Os conhecimentos de uma pessoa, que procura tardiamente a escola, são


inúmeros e adquiridos ao longo de sua história de vida. Enfatizaremos, nesta
publicação, duas espécies destes conhecimentos, originados das experiências de vida
dos alunos e alunas: o saber sensível e o saber cotidiano.
O saber sensível diz respeito aquele saber do corpo, originado na relação
primeira com o mundo e fundado na percepção das coisas e do outro. Caracterizado
pela Filosofia como um saber pré-reflexivo, nos leva à ideia de que existe um
conhecimento essencial, acessível a toda a humanidade: uma verdade mais antiga
que todas as verdades conquistadas pela ciência, anterior a todas as construções
realizadas pela cultura humana.
O saber sensível é um saber sustentado pelos cinco sentidos, um saber que
todos nós possuímos, mas que valorizamos pouco na vida moderna. É aquele saber
que é pouco estimulado numa sala de aula e que muitos professores e professoras
atribuem sua exploração apenas às aulas de artes.

23
No entanto, qualquer processo educativo, tanto com crianças quanto com
jovens e adultos, deve ter suas bases nesse saber sensível, porque é somente através
dele que o(a) aluno(a) abre-se a um conhecimento mais formal, mais reflexivo.
Os alunos jovens e adultos, pela sua experiência de vida, são plenos deste
saber sensível. A grande maioria deles é especialmente receptiva às situações de
aprendizagem: manifestam encantamento com os procedimentos, com os saberes
novos e com as vivências proporcionadas pela escola.
Essa atitude de maravilhamento com o conhecimento é extremamente positiva
e precisa ser cultivada e valorizada pelo(a) professor(a) porque representa a porta de
entrada para exercitar o raciocínio lógico, a reflexão, a análise, a abstração e, assim
construir um outro tipo de saber: o conhecimento científico.
Olhar, escutar, tocar, cheirar e saborear são as aberturas para nosso mundo
interior. Ler e declamar poesia, escutar música, ilustrar textos com desenhos e
colagens, jogar, dramatizar histórias, conversar sobre pinturas e fotografias são
algumas atividades que favorecem o despertar desse saber sensível.
A segunda espécie de saber dos alunos jovens e adultos é o saber cotidiano.
Por sua própria natureza, ele se configura como um saber reflexivo, pois é um
saber da vida vivida, saber amadurecido, fruto da experiência, nascido de valores e
princípios éticos, morais já formados, anteriormente, fora da escola.
O saber cotidiano possui uma concretude, origina-se da produção de soluções
que foram criadas pelos seres humanos para os inúmeros desafios que enfrentam na
vida e caracterizam-se como um saber aprendido e consolidado em modos de pensar
originados do dia-a-dia.
Esse saber, fundado no cotidiano, é uma espécie de saber das ruas,
frequentemente assentado no senso comum e diferente do elaborado conhecimento
formal com que a escola lida. É também um conhecimento elaborado, mas não
sistematizado. É um saber pouco valorizado no mundo letrado, escolar e,
frequentemente, pelo próprio aluno.
O saber cotidiano não é necessariamente um saber utilitário, desenvolvido para
atender a uma necessidade imediata da pessoa. Pelo contrário, pode também se
configurar em uma espécie de conhecimento que requer um afastamento, uma
transcendência com relação ao seu objeto.

24
Fonte: www.rotadosertao.com

Uma cozinheira, por exemplo, pode executar uma simples receita mas pode,
também, recriá-la, estabelecendo hipóteses a respeito de um novo ingrediente que
poderia ser acrescentado para melhorar o sabor do prato em questão.
Os conhecimentos que os alunos e alunas trazem estão diretamente
relacionados às suas práticas sociais. Essas práticas norteiam não somente os
saberes do dia-a-dia, como também os saberes aprendidos na escola.

7 A MARCA DO TRABALHO

As alunas e alunos da EJA, em sua maioria, são trabalhadores e, muitas vezes,


a experiência com o trabalho começou em suas vidas muito cedo. Nas cidades, seus
pais saíam para trabalhar e muitos deles já eram responsáveis, ainda crianças, pelo
cuidado da casa e dos irmãos mais novos. Outras vezes, acompanhavam seus pais
ao trabalho, realizando pequenas tarefas para auxiliá-los. É comum, ainda, que nos
centros urbanos, estes alunos tenham realizado um sem-número de atividades cuja
renda completava os ganhos da família: guardar carros, distribuir panfletos, auxiliar
em serviços na construção civil, fazer entregas, arrematar costuras, cuidar de crianças
etc.

25
Nas regiões rurais, a participação no mundo do trabalho começa ainda mais
cedo: cuidar da terra, das plantações ou da criação de animais; auxiliar nos serviços
caseiros. Muitas vezes, acompanhando os pais e irmãos mais velhos, é comum
encontrar um grande número de crianças e jovens já mergulhados no trabalho.
Nessas regiões, os horários, os períodos de colheita, de chuva e de seca marcam a
vida cotidiana das pessoas e isto, aliado às grandes distâncias, configura condição
bastante precária para a escolarização.
Se cada região de nosso país tem suas particularidades em relação às demais,
todas as salas de EJA se unificam em torno deste fato: a grande maioria dos alunos
são trabalhadores que chegam para as aulas após um dia intenso de trabalho. É claro,
que estas mesmas salas apresentam um número significativo de desempregados e
de trabalhadores temporários ou informais.
Mas, sempre que pensamos em EJA temos que considerar que nossa atividade
conta com mulheres e homens trabalhadores. Vale notar, ainda, que em todas as
regiões do país, o trabalho é apontado pelos alunos de EJA tanto como motivo para
terem deixado a escola, como razão para voltarem a ela.
Sem dúvida alguma, o tema TRABALHO tem um lugar especial na EJA e deve
importar ao trabalho dos professores, das professoras e da escola.
Entretanto é preciso lembrar que o trabalho experimentado pelas alunas e
alunos não passa nem de longe pelo trabalho como atividade fundamental pela qual
o ser humano se humaniza e se aperfeiçoa. O trabalho que conhecem é na maior
parte das vezes repetitivo, cansativo e pouco engrandecedor.
Apesar de tudo, vale pensar, por exemplo, na quantidade de saberes que cada
destes alunos-trabalhadores possui em função das atividades que realizam ou
realizaram. Saberes, certamente, não-escolares, mas saberes. Saberes a partir dos
quais novos conhecimentos poderão ser construídos.
Uma tarefa fundamental para o(a) professor(a) é conhecer que saberes e
habilidades os alunos e alunas desenvolveram em função do seu trabalho.
Procure fazer um quadro sobre os saberes de seus alunos. Como pode ser
visto no exemplo acima, muito do que pretendemos ensinar na escola tem relação
direta com o que fazem nossos alunos e alunas em seu cotidiano. É importante
estabelecermos estas relações.

26
Fonte: www.alfabetizacaocidada.wordpress.com

Muitos alunos dizem estar na escola para poder arrumar um emprego,


conseguir um trabalho melhor, crescer na profissão. Sabemos que nos centros
urbanos e no âmbito do trabalho formal a escolarização básica e, muitas vezes, a
conclusão do ensino médio, são pré-requisitos para muitos empregos. Ao preencher
uma ficha atestando a não escolaridade muitas pessoas são excluídas de entrevistas
ou da realização de seleção.
O mundo do trabalho se caracteriza hoje pela diversidade de atividades e
vínculos. Nossos alunos, das classes de EJA, são muitas vezes pessoas que
administram sua sobrevivência econômica: fazem bicos, são autônomos, circulam por
diferentes profissões como auxiliares ou ajudantes de pintura, construção, serviços
domésticos, venda ambulante etc. Possuir um certificado escolar ou profissionalizante
não implica em garantia de trabalho, haja vista a quantidade de profissionais que
formados numa área, atuam em outra.
Pode ser interessante pensar sobre as habilidades que a escola pode ajudar a
desenvolver e que contribuam para uma atuação mais eficiente nesse universo
diversificado e competitivo que é o do trabalho. Não queremos dizer com isto que a
escola deva tomar para si a responsabilidade da preparação do trabalhador, nem
deixar a responsabilidade da conquista de um emprego melhor nas mãos do(a)
aluno(a). Como já sabemos, esta é uma responsabilidade social mais ampla e mais
próxima das políticas governamentais e empresariais.

27
O que queremos pensar é justamente nas formas da escola potencializar essa
competência que os jovens e adultos já desenvolvem em sua vida cotidiana de
administrar suas finanças e sua sobrevivência.
Comunicar-se de forma competente com clareza, ordenação de ideias,
argumentação; conhecer as diferentes formas de trabalho da nossa sociedade nos
dias atuais, o trabalho formal e o informal, por exemplo; dominar os caminhos
possíveis para a obtenção de empregos, a procura por agências, a preparação de
currículos; ver na construção de uma pequena fábrica, na abertura de um comércio
em sua região um possível canal de trabalho; conhecer, em sua região ou
comunidade, os espaços gratuitos de formação técnica cursos de eletricidade,
pintura, computação, confecção e outros são saberes passíveis de serem aprendidos
na escola. Ela funcionaria, assim, como espaço de conhecimentos ligados ao mundo
do trabalho.

8 O PLANEJAMENTO

O planejamento faz parte da história da humanidade porque mulheres e


homens sempre quiseram transformar suas ideias em realidade e isso sempre exigiu
planejamento. Todos os dias enfrentamos inúmeras situações que demandam algum
tipo de planejamento.
Até mesmo um simples passeio envolve planejar: quanto dinheiro pretendo
gastar, qual o tempo que disponho, como chegarei ao lugar escolhido, levarei que tipo
de lanche, quem convidarei
Como nossas ações diárias vão se transformando em fatos rotineiros, nem nos
damos conta dos diferentes planejamentos que estão embutidos nelas.
Diferentemente, para realizar as atividades que fogem do dia-a-dia, precisamos
pensar e estabelecer uma forma para chegar ao que desejamos.
É impossível considerar todos os tipos e níveis de planejamento que são
necessários às ações que realizamos. Por tudo isso, o planejamento sempre foi um
instrumento importante, em qualquer setor da vida em sociedade: no governo, na
empresa, no comércio, em casa, na igreja, na escola, em Com o planejamento
podemos definir o que queremos a curto, médio ou longo prazo.

28
Fonte: www.bemparana.com.br

Isto significa, que tanto podemos traçar planos para a noite de hoje como para
a compra de uma casa, no futuro. Além disso, o planejamento nos leva a prever
situações, organizar atividades, dividir tarefas para facilitar o trabalho e até avaliar o
que já foi feito.

8.1 História do planejamento

Homens e mulheres fizeram planos desde que se descobriram com capacidade


de pensar antes de agir. A arqueologia nos mostra desenhos indicando como seriam
feitas construções que exigiam tarefas complicadas ou a presença de muita gente na
sua execução.
Com o crescimento do comércio, no início do capitalismo, a administração das
riquezas exigiram novas formas de conduta. O aumento da concorrência entre os
comerciantes tornou necessário o saber prever, antecipar situações, projetar novos
negócios. Com a industrialização cresceu a produtividade.
Tornaram necessárias as previsões das matérias primas, as funções dos
operários, os salários, o comportamento dos mercados.

29
A organização racional das empresas chegou à análise das relações entre os
trabalhadores. Mais uma vez, o planejamento entrou em cena. Com a industrialização
surgiu, também, o planejamento das vendas.
No começo do século XX, o planejamento atingiu todos os setores da
sociedade causando grande impacto.
Como vimos, o planejamento é uma arte que se desenvolveu para melhorar a
capacidade de intervenção das pessoas na sua realidade.
Na educação não é diferente. Nela o planejamento busca a intervenção mais
eficiente do(a) professor(a), organizando melhor os recursos disponíveis: o tempo
do(a) professor(a) e dos alunos, o espaço físico, os materiais pedagógicos
disponíveis, a experiência dos alunos etc.
Hoje em dia, a palavra PLANEJAMENTO faz parte do nosso vocabulário diário
e ocupa um lugar de destaque nos meios de comunicação.

9 PLANEJAR X IMPROVISAR

Podemos dizer que uma ação planejada é uma ação que não foi improvisada.
Mesmo assim, sabemos que os improvisos não ficam totalmente afastados porque
fazem parte da vida e são esperados em qualquer planejamento.
Entretanto, deixamos de improvisar, ou improvisamos menos, quando temos
um objetivo em vista e queremos que ele se realize.
Quando não sabemos bem aonde queremos chegar, acabamos nos limitando
ao momento presente e nos deixamos levar pela improvisação.
Mas existem situações onde as improvisações se tornam mais raras. São
situações onde:
 Há várias pessoas participando da ação, todas elas comprometidas com
os objetivos comuns e
 Os recursos para a realização dos objetivos são pequenos. Nessas
situações usamos os meios disponíveis da forma mais eficiente possível.
Isso exige saber o que é fundamental e que não pode ficar para depois.
No relato que segue, a professora Rita de Cássia descreve uma situação de
improvisação que, no final, ela considerou como acertada.

30
Provavelmente, isso só foi possível porque Rita não se afastou de seu principal
objetivo que era tornar os alunos alfabetizados.

Ontem foi o dia do improviso. Mas o resultado foi muito bom. Será que foi só
improviso? Nem tanto, por que foi uma oportunidade de usar muitos dos nossos
conhecimentos e tentar chegar a outros. Estava começando a aula, quando Seu
Antoninho foi até a janela e chamou a minha atenção para umas placas grandes que
haviam fincado num terreno, bem na frente da nossa sala. Foi a conta. Todos queriam
saber o que as placas diziam. Cada um imaginava que era uma coisa diferente.
Pediam que eu lesse para eles. Tive, então, uma ideia. Saímos do prédio para juntos
ler as placas. Cada um foi destacando o que conseguia ler, no meio de tanto escrito.
Ali tem o número 2, aqueles parecem número de telefone, olha, lá está escrito RUA,
porque eu li'. Quem sabia mais e eu fomos ajudando até que lemos tudo. A placa
anunciava a construção de dois prédios de três andares, com apartamentos de 2
dormitórios. Dizia que a obra ia levar 18 meses para ficar pronta e que as vendas já
haviam começado. Voltamos para a sala contentes porque Seu Antoninho disse que
a construção ia ser uma coisa boa, ia dar emprego para pedreiros e ajudantes e a sala
está cheia de alunos com parentes procurando serviço. Mas, disse também, que o
apartamento ia ser coisa cara e que nenhum deles nunca ia ter dinheiro para comprar
um. O assunto da moradia foi tema de muitos comentários. Com a questão da
moradia, ainda na cabeça, decidimos que cada um escreveria o seu endereço, bem
completo: rua, bairro ou vila, cidade. Fiquei a disposição para ajudar nessa escrita.”
Rita de Cássia Almeida

A aula contada por Rita nos confirma que quando a professora tem clareza em
relação a seus objetivos consegue superar as deficiências da improvisação.
A professora conseguiu criar uma situação de leitura e de escrita bem diferente
naquela noite de aula. E, o mais interessante: envolveu os alunos.

31
10 PLANEJAMENTO - O QUE DIZ ESTA PALAVRA?

Fonte: www.1.bp.blogspot.com

Consultando o dicionário encontramos:


Planejamento - Ato ou efeito de planejar. Trabalho de preparação para
qualquer empreendimento, segundo roteiro e métodos determinados. (Dicionário
Aurélio).
Planejamento - Serviço de preparação de um trabalho, de uma tarefa, com o
estabelecimento de métodos convenientes; planificação. Determinação de um
conjunto de procedimentos, de ações, visando à realização de determinado projeto.
(Dicionário Houaiss)
Num sentido amplo, planejamento é um processo que visa dar respostas a um
problema, estabelecendo fins e meios que apontem para sua resolução, de modo a
atingir objetivos antes previstos, pensando e prevendo necessariamente o futuro, mas
considerando as condições do presente, as experiências do passado e os diferentes
aspectos da realidade. Desta forma, planejar e avaliar andam de mãos dadas.
Na escola existem diferentes planejamentos que devem se articular em torno
dos mesmos princípios e da mesma visão de conhecimento.

32
11 PLANEJAMENTO CURRICULAR

É a proposta geral das aprendizagens que serão desenvolvidas. Funciona


como a espinha dorsal da escola. O planejamento curricular envolve os fundamentos
das área que serão estudadas, a proposta metodológica escolhida e a forma como se
dará a avaliação.

12 PLANEJAMENTO PEDAGÓGICO OU PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO

É o projeto integral da escola. Envolve os aspectos pedagógicos, comunitários


e administrativos. Em função da sua grande importância, voltaremos a ele mais
adiante.
Existem outros termos que se referem ao planejamento.
Vamos acrescentá-los:
Plano: um documento utilizado para o registro de decisões, como o que se
pensa fazer, como fazer, quando fazer, com quem fazer. Todo plano começa pela
discussão sobre os fins e objetivos do que se pretende realizar. Na educação, ele
apresenta de forma organizada as decisões tomadas em torno das práticas educativas
que serão desenvolvidas. O plano é produto do planejamento e funciona como guia
do(a) professor(a). Como acompanha uma prática, está sempre sujeito a
modificações.
Há diferentes planos na educação
Plano Nacional de Educação: nele se reflete a política educacional de um
povo, num determinado momento da história do país. É o de maior abrangência
porque interfere nos planejamentos feitos no nível nacional, estadual e municipal.
Plano de Curso: é a organização do conjunto de matérias que vão ser
ensinadas e desenvolvidas durante o período de duração de um curso. O plano
sistematiza a proposta geral de trabalho do professor.
Plano de Ensino: o plano de disciplinas, de unidades e experiências propostas
pela escola, professores, alunos ou pela comunidade. Ele é mais específico e concreto
em relação aos outros planos.
Plano de Aula: é o plano mais próximo da prática do professor e da sala de
aula. Refere-se totalmente ao aspecto didático.

33
Fonte: www.cdn.revistabula.com

Projeto: a palavra projeto significa ir para a frente. O projeto traz a ideia de


movimento.
No projeto são registradas as decisões das propostas futuras. Como tudo que
envolve mudança, projetar significa sair de uma situação conhecida para buscar uma
outra.

13 O PLANEJAMENTO DO(A) PROFESSOR(A)

Com registros em cadernos, fichas, ou qualquer outra folha de papel, boa parte
dos professores planeja o que pretende desenvolver na sala de aula.
Mesmo assim, há professores que dizem que o planejamento é dispensável.
Muitas delas afirmam que não sentem, como necessário, fazer o planejamento por
escrito, uma vez que já tem tudo pronto na cabeça.
Para outros professores, o planejamento é o cumprimento de uma exigência
Provavelmente, um planejamento feito com esse espírito não tem função no
dia-a-dia porque não corresponde a nenhuma necessidade apontada pela avaliação
da realidade onde o trabalho acontecerá.
Infelizmente, existem professores que trabalham na base do improviso: Na hora
eu decido o que vou fazer com os alunos.

34
Outros, transformam o livro didático em plano de trabalho. Dizem: É mais
prático, não tenho tempo para ficar criando novidades.
Ainda outros, repetem todos os anos o mesmo plano: Afinal, para que mudar?.
Para o(a) professor(a) comprometido(a) com seu trabalho, o planejamento faz
parte do processo de tomada de decisão sobre a sua forma de agir, no dia-a-dia da
sua prática pedagógica. Nele estão envolvidas ações e situações que se dão de forma
continuada entre professor(a) e alunos e alunos entre si.

13.1 Como planejar

Para planejar, o(a) professor(a) precisa responder a algumas perguntas:


 Para que ensinar? Pergunta que leva aos objetivos;
 O que ensinar? Pergunta que faz pensar na seleção dos conteúdos;
 Como ensinar? Pergunta que faz escolher quais métodos e técnicas
usar.

13.2 Para que ensinar?

Esta pergunta nos leva a considerar onde esperamos chegar com o nosso
trabalho educativo. Isto significa dizer quais os resultados que buscamos atingir.
Mas, só temos condições de estabelecer esses objetivos depois de analisar o
grupo de alunos, com as suas características, seus limites, suas histórias de vida e
suas facilidades.
Sem estas considerações corremos o risco de tornar o nosso planejamento um
instrumento sem função, inútil por não corresponder às verdadeiras necessidades dos
envolvidos.
Esse processo de definição dos objetivos se torna muito mais eficiente quando
envolve os alunos. Afinal, esse processo é tão importante para o(a) professor(a)
quanto para eles.
Alguns cuidados são importantes na definição dos objetivos que buscamos com
o nosso trabalho.
É preciso que os objetivos escolhidos sejam:

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Fonte: www.guiadoestudante.abril.com.br

 Claros, objetivos - para que não deixem dúvidas. Os objetivos devem


ser expressos de tal forma que tenham o mesmo significado, tanto para
o(a) professor(a) quanto para o aluno. Para isso devem estar numa
linguagem simples e de fácil compreensão;
 Viáveis - ou de possível realização. A escolha dos objetivos deve levar
em conta as condições reais do grupo e da escola, respeitando sua
capacidade, interesse e motivações;
 Apresentados na sua totalidade - os objetivos devem ser apontados
como uma ação que envolve atividades a serem realizadas ou
comportamentos a serem demonstrados;
 Possíveis de serem avaliados - os objetivos devem deixar evidentes
os
 Conteúdos que serão desenvolvidos, para que permitam conhecer o
avanço dos alunos no domínio deles.

13.3 O que ensinar?

O que ensinar é a pergunta que nos leva aos conteúdos, isto é, ao


conhecimento a ser desenvolvido. Abrange tanto os conhecimentos que a

36
humanidade acumulou durante sua história - informações, dados, fatos, princípios e
conceitos - quanto atitudes e comportamentos.
Na hora de escolher os conteúdos, alguns critérios devem ser levados em
conta.
Apontando alguns deles, podemos dizer que os conteúdos devem:
 Ter validade - devem ser os mais importantes e significativos para a
realidade e a época em que se vive;
 Ter significado - devem estar relacionados com os alunos, suas histórias
de vida, suas experiências e motivações;
 Possibilitar a reflexão - devem levar o aluno a associar, comparar,
compreender, selecionar, organizar, criticar e avaliar os próprios conteúdos;
 Ser flexível - devem estar sujeitos a modificações, adaptações, renovações
e enriquecimentos;
 Ter utilidade - deverão considerar as exigências e as características do
 Contexto socioeconômico e cultural dos alunos;
 Ser viável - os conteúdos deverão ser possíveis de aprendizagem dentro
das limitações de tempo e dos recursos que temos.
A razão de ser desses critérios é apontar para aspectos que facilitam o trabalho
pedagógico.
Mas, não podemos esquecer que os conteúdos mais válidos são sempre
aqueles que melhor levam os alunos a responder as suas necessidades, fazendo-os
aprender o que é mais útil para a vida deles.
Na educação de jovens e adultos, os conteúdos devem permitir aos alunos o
exercício pleno da cidadania, o saber indispensável às suas ações que vão desde
desempenhar uma profissão até participar de sua comunidade.
A organização dos conteúdos
Precisamos lembrar que planejar não é apenas relacionar atividades a serem
desenvolvidas.
É um processo de:
 Conhecer a realidade sobre a qual se vai trabalhar;
 Propor ações para influir nela e desenvolver as ações propostas avaliando
sempre seus resultados para a continuidade do mesmo processo: avaliação,
planejamento, execução e avaliação, e assim por diante.

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Fonte: www.faculdadeapoena.com.br

Pensando assim, o planejamento que o(a) professor(a) faz envolve aspectos


que são nossos velhos conhecidos:
O conhecimento dos alunos - o que eles já sabem, suas experiências de vida,
suas expectativas, motivações etc.;
A concepção que orienta o nosso projeto de educação - que tipo de pessoa
queremos formar;
A realização de atividades de aprendizagem que respondem ao nosso projeto
- a coerência entre o que fazemos e o projeto educativo é fundamental;

13.4 Como ensinar?

Ao fazer esta pergunta, indagamos sobre os procedimentos, métodos e


técnicas que poderão criar as condições adequadas à aprendizagem.
Para alguns autores, as condições que melhor favorecem a aprendizagem são
aquelas que criam entre alunos e professores um clima de afetividade e estima, etc.
Para outros, são os procedimentos didáticos que garantem a aprendizagem. Com
certeza, o elemento afetivo entra no processo ensino aprendizagem. Mas é importante
que a professora saiba definir seus objetivos, selecionar os conteúdos, utilizar boas
técnicas de ensino e avaliar constantemente seus alunos.

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Não podemos esquecer que todo projeto educativo tem como base uma
concepção de educação, acontece num determinado contexto socioeconômico e
cultural e envolve pessoas de uma classe social bem definida na sociedade.
Desta forma, a opção que o(a) professor(a) faz por um método, uma técnica e
pela forma de orientar as atividades didáticas não pode se dar por acaso. Sua opção
precisa ser coerente com seu projeto político-pedagógico.
É comum confundir método e técnica de ensino.
Um método é o modo sistemático e organizado pelo qual o(a) professor(a)
desenvolve suas atividades, tendo em vista à aprendizagem dos alunos.
Para utilizar um método, o(a) professor(a) se vale de técnicas. Assim, técnica
é um conjunto de procedimentos didáticos que a professora utiliza para
operacionalizar o método.
Por exemplo, o texto é um recurso que o(a) professor(a) pode utilizar para que
os alunos aprendam um assunto. O estudo através da leitura de textos constitui uma
técnica de ensino.
Todas as técnicas e todos os métodos têm vantagens e limitações.
As técnicas variam segundo:
 Os objetivos a alcançar - por exemplo, se queremos desenvolver nos
alunos a capacidade de análise, devemos utilizar as técnicas de estudo
dirigido ou de trabalho de grupo;
 A experiência didática do(a) professor(a) - qualquer técnica só tem êxito
quando utilizada com espontaneidade e segurança. Para isso o(a)
professor(a) precisa saber o que está fazendo;
 As características dos alunos - interesses, motivações, necessidades,
idade etc.;
 O tempo disponível para realizá-las - não é boa coisa deixar o trabalho
incompleto.

39
14 A CONCEPÇÃO DEMOCRÁTICA DO CONHECIMENTO

Fonte: www.prosaber.org.br

14.1 O conhecimento é próprio dos seres vivos

Os seres que não são vivos submetem-se integralmente às leis da natureza,


especialmente à física e à química, sem nenhuma possibilidade de intervir no seu
destino.
Os seres vivos, entretanto, dispõem de uma capacidade de “perceber” o
ambiente em que estão e selecionar ou construir algumas alternativas para interagir
com o ambiente em que estão inseridos com ele. Isto lhes permite conviver com o
ambiente de forma mais conveniente às suas características. Esta capacidade é o que
podemos chamar de Conhecimento.
Um bom exemplo dessa capacidade é o movimento que faz a planta ao voltar
as suas folhas para a luz do sol.
Evidentemente, esta capacidade é exercida pelos recursos biológicos próprios
de cada espécie de ser vivo: recursos muito simples no caso dos seres unicelulares
ou muito complexos como os dos mamíferos, com destaque para os seres humanos.
Essencialmente, o conhecimento desempenha em todos os seres vivos as
mesmas funções: perceber o ambiente, identificar e selecionar ou construir
alternativas para responder aos desafios.

40
Os seres humanos são um caso específico que merece uma explicação
especial. Neles, a constituição neurológica altamente sofisticada desenvolveu uma
capacidade única que lhes permite ir além da realidade presente: não se restringem
só a ela.
Os seres humanos são capazes de representar simbolicamente a realidade e
trabalhar mentalmente com esta representação. Isto significou um passo gigantesco
que provavelmente explique a sua condição hegemônica entre os seres vivos.
Não precisam restringir-se ao que está acontecendo no momento. Podem
registrar simbolicamente o momento e operar com esta representação quando lhes
for conveniente. Podem com isto trabalhar com o passado e planejar o futuro. Mais do
que isto, esta capacidade de simbolizar lhes permite construir mentalmente realidades
não existentes e trabalhar com elas.
Em outras palavras, podem fazer literatura, artes plásticas, música, podem
filosofar e fazer ciência. Podem sonhar.
No bonito texto abaixo, Marx ressalta a ideia de que ser capaz de construir
projeto é a marca diferenciadora dos seres humanos.

Uma aranha executa operação semelhante às do tecelão e a abelha supera mais de


um arquiteto ao construir sua colmeia. Mas o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha
é que ele figura na mente sua construção antes de transformá-la em realidade. No fim do
processo do trabalho aparece um resultado que já existia antes idealmente na imaginação do
trabalhador. Ele não transforma apenas o material sobre o qual opera; ele imprime ao material
o projeto que tinha conscientemente em mira, o qual constitui a lei determinante do seu modo
de operar e ao qual tem de subordinar sua vontade.

Iremos a seguir explicar mais detalhadamente este aspecto que realmente


torna os humanos únicos na escala biológica, no que diz respeito ao conhecimento.

41
15 A CONSTRUÇÃO DAS REPRESENTAÇÕES MENTAIS

Fonte: www.educacaopublica.cederj.edu.br

Ao defrontar-se com o mundo, as pessoas vão construindo mentalmente uma


imagem codificada dos aspectos da realidade com que estão lidando. Não se trata da
própria realidade mas de uma representação dela.
Desta imagem ou ideia fazem parte as características da realidade que lhe são
significativas por infinitas e variadas razões. Fazem parte dela também as múltiplas
relações que sua inteligência e sensibilidade foram capazes de fazer sobre esta
realidade, inclusive as lembranças e experiências pessoais provocadas por ela. Esta
imagem ou ideia é que constitui o que podemos chamar de conhecimento.
Para facilitar o entendimento do que foi dito, vamos dar um exemplo simples
para tornar este conceito mais concreto.
A representação, ideia ou conhecimento de uma pessoa sobre uma caneta
qualquer, pode conter códigos relacionados com a forma, a cor, a textura, o cheiro e
a consistência dela. Conterá também informações sobre o funcionamento, o material
de que é feita, a marca, ano e processo de fabricação, histórico, usos possíveis,
experiências bem ou mal sucedidas, prazerosas ou desagradáveis com ela: a mancha
de tinta na roupa nova ou o momento em que a recebeu por ter se destacado na
escola.

42
Abrangerá igualmente todas as relações que forem estabelecidas neste
processo de construção da representação. É fácil perceber que os aspectos possíveis
de fazerem parte desta representação mental de uma simples caneta são infinitos.
Além disso, é preciso considerar que está representação não é estática. Pode
crescer ou alterar-se não apenas quando existir um contato físico entre a pessoa e a
caneta, mas também quando a pessoa lembrar-se dela ou mesmo conversar sobre
canetas. Quando isto acontecer, esta representação mental que é o conhecimento de
caneta de uma certa pessoa, se comunicará com o conhecimento de caneta da outra
e as possibilidades de crescimento e alteração do conhecimento sobre canetas
poderá se multiplicar.
Este exemplo simples nos ajuda a perceber porque se pode afirmar que as
possibilidades de crescimento do conhecimento são infinitas.
Também nos faz compreender porque se diz que sábios são aqueles que
percebem que quanto mais aprendem mais podem aprender.
O que dissemos sobre o conhecimento hipotético de uma caneta pode ser dito
também sobre todo e qualquer objeto de conhecimento, inclusive objetos abstratos
tratados pelas ciências ou filosofias.

16 ALGUMAS CARACTERÍSTICAS DA CONCEPÇÃO DEMOCRÁTICA

16.1 A finalidade do conhecimento

O conhecimento faz parte integrante da nossa vida. É com ele que percebemos
o mundo que nos cerca e encontramos as maneiras de superar as dificuldades e os
obstáculos decorrentes do viver neste mundo. Com ele somos capazes de utilizar os
recursos disponíveis para construir nossa felicidade. Não há como viver sem
conhecer.
Nós e as outras pessoas estamos sempre nos relacionando. Relacionamo-nos
entre nós mesmos e com o mundo em que vivemos. Esta relação faz que nós nos
tornemos diferentes, ao mesmo tempo em que vamos tornando o mundo diferente.
Quando plantamos, por exemplo, uma roça de café, vamos mudando o mundo criando
uma paisagem diferente (a roça de café onde antes havia pasto ou mato), mas
também vamos nos tornando diferentes: mudamos nossos hábitos, o ritmo e a forma

43
de trabalhar, o medo da geada, o assunto da nossa conversa, nossas preocupações
e interesses.
Neste mesmo exemplo, poderemos dizer que nossa relação com outros
plantadores, consumidores e comerciantes de café modificam nossas representações
sobre o cultivo e comercialização desse produto. Seguramente modifica também as
representações deles sobre o mesmo tema.
É verdade que a intensidade e profundidade destas mudanças são variáveis e
dependem de uma série de fatores que incluem oportunidade, necessidade,
curiosidade, interesse e da infinidade de fatores que constituem a complexa natureza
humana.

16.2 A produção do conhecimento

O conhecimento nasce da relação dos seres humanos entre si e com o mundo.


Mas nem sempre se soube disso. Houve época em que se acreditou que o
conhecimento estava nas pessoas e que ensinar era o processo pelo qual se fazia
aflorar este conhecimento interior, inato.
Houve também um tempo em que se acreditou que o conhecimento estava fora
das pessoas e que ensinar consistia em transferir este conhecimento externo para
dentro das pessoas. A escola tradicional é a explicitação desta forma de pensar.
Nem fora nem dentro: o conhecimento se constrói na relação dos seres
humanos com o mundo.
Vimos que o conhecimento nasce na relação dos homens e mulheres com o
mundo, incluindo nele os outros seres humanos. Mas sabemos que esta relação não
é sempre igual.
Algumas vezes, o mundo está sendo exatamente do jeito que as pessoas
gostam. Outras vezes, nada está sendo como as pessoas querem. Entre estes dois
extremos pode-se imaginar uma infinidade de possibilidades.
No primeiro caso, é fácil perceber que a produção de conhecimentos é muito
pequena, quase nula. Não há razão para mudar, inclusive o conhecimento, quando as
coisas estão indo como a gente quer.

44
Fonte: www.polemicaparaiba.com.br

Mas, se as coisas não estão do jeito que queremos, o estímulo para mudar
torna-se grande. Aparece a necessidade de aprender novas coisas para enfrentar a
situação e mudar o mundo que não está nos satisfazendo.
A existência de necessidades a serem satisfeitas desempenha papel
fundamental para que se produza conhecimento. Mas não basta que elas existem. É
preciso disposição e empenho em satisfazê-las. Quando isto ocorre, as pessoas usam
todos os seus recursos pessoais para atender estas necessidades, inclusive o de
pensar.

17 A NECESSIDADE E O PENSAR SÃO VITAIS NA PRODUÇÃO DE


CONHECIMENTO

É pensando que as pessoas compreendem melhor suas necessidades e como


satisfazê-las. É pensando que escolhem as alternativas de ação. Pondo em prática
estas alternativas, voltam a pensar nos resultados e em possíveis alterações que,
postas em prática, fornecem novas pistas para novas reflexões, reiniciando-se o ciclo
do pensar e fazer.
Em cada momento deste ciclo, novas informações e representações são
incorporadas e novos conhecimentos são construídos.

45
Percebe-se, portanto, que é agindo e pensando que os seres humanos
constroem o seu conhecimento. Não é só agindo e não é só pensando, mas fazendo
os dois. Nem sempre nos damos conta disto porque se trata de um movimento natural,
quase instintivo, em que o agir-pensar-agir se dá quase que simultaneamente.
Foi agindo e pensando que os seres humanos construíram toda sua cultura e
é agindo-pensando que todos nós continuamos a construir e a modificar o mundo e a
nós mesmos.
O Homem é, entre outras coisas, um ser de necessidade: O que observamos, historicamente,
é que o hominídeo não desenvolvia uma ação qualquer, mas uma ação carregada de sentido, visto
corresponder a uma carência. Assim, foi construindo representações vez a vez mais elaboradas da
realidade, que se tornavam cada dia mais importantes a fim de poupar esforço desnecessário, diminuir
o sofrimento e poder garantir a sobrevivência da espécie: a alimentação, a defesa contra os animais e
intempéries, a defesa frente a outros bandos, a habitação, etc. O conhecimento, pois, sempre esteve
ligado a necessidades, interesses, sendo que a partir deles o homem se empenhava no enfrentamento
da realidade, vindo a construir cada vez mais representações mentais, (...) Portanto, a necessidade faz
surgir o conhecimento e, com o tempo, o próprio conhecimento torna-se uma necessidade, como
mediação para satisfazer outras necessidades. Celso Vasconcellos.

18 A NECESSIDADE DE CONHECER E A SALA DE AULA

Se a necessidade é a grande impulsionadora do fazer e consequentemente do


aprender, temos aí, um elemento forte para a escolha do que ensinar.
Quais as necessidades dos alunos da EJA?
Sabemos que são bem variadas dependendo do lugar onde vivem os alunos e
das circunstâncias que enfrentam.
Quando procuramos responder a esta pergunta, muitas vezes nos
surpreendemos.
Encontramos questões que nunca pensamos, muitas vezes bem diferentes das
que tradicionalmente têm lugar nas salas de aula.
Estas são algumas das necessidades apontadas pelos alunos de diferentes
salas de aula:
 Saber fazer orçamento por escrito (o que escrever, a forma de escrever,
como calcular preços);

46
Fonte: www.cdn.massanews.com

 Conhecer o desenvolvimento das crianças (grande preocupação das


mães);
 Alimentação e saúde;
 Onde passear no fim de semana;
 Como divulgar o que se faz para vender: tricô, doces, sabonetes, pães;
 Fazer orçamento doméstico para controlar os gastos;
 Compreender as questões ou geralmente saber o porquê: o frio e calor
de uma região; as fases da lua; o dinheiro dos outros países; entender o
que diz a televisão (notícias); aspectos ligados a hereditariedade, fazer
recibos;
 Saber preencher fichas (em firmas, oficinas, bancos, INSS);
 Criar senhas, usar caixas eletrônicas.
Não é difícil perceber que a partir destas questões chegamos de forma natural
a muitos dos conteúdos considerados escolares e que, de fato, se constituem como
elementos importantes para solucionar as questões da vida diária.

19 A REFLEXÃO ACELERA A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO

Separar o fazer do pensar é uma possibilidade humana. Todos vivemos


quotidianamente a experiência de fazer alguma coisa e ao mesmo tempo pensar em

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algo que nada tem a ver com o que estamos fazendo. Muitos atropelamentos já
ocorreram porque o pedestre estava com a cabeça na lua enquanto atravessava uma
avenida.
Muitos de nós usam continuamente a capacidade de pensar separadamente
do que fazem, como uma defesa contra a monotonia das tarefas repetitivas. A dona
de casa que liga o rádio enquanto cozinha ou arruma a casa, normalmente está
fazendo isso. Outros, procuram atividades repetitivas como bordar, tricotar ou lavar o
próprio carro como forma de descansar a cabeça. Enquanto o fazem, acham que não
precisam ficar pensando, na verdade ficam pensando em outra coisa.
Separar a ação do pensamento é muito menos frequente do que possa parecer.
Na verdade, muitas ações humanas dispensam totalmente o pensamento. Ao
encostar a mão em uma panela muito quente ou numa ponta de cigarro, qualquer
pessoa saudável retirará imediatamente a mão. O aparecimento inesperado de um
rato, barata ou cobra fará muitos correrem sem se dar ao trabalho de pensar se este
deveria ser o melhor comportamento. Estas ações, chamadas de reflexas ou
instintivas, dispensam totalmente o uso do pensamento para ocorrerem.
Mas, não é todo fazer que dispensa o pensar. O pedestre distraído não andará
com a cabeça nas nuvens em um bairro tido como perigoso altas horas da noite. A
dona de casa não ouvirá o rádio quando estiver experimentando pela primeira vez
uma receita nova e complicada para um jantar de cerimônia. Igualmente, ninguém
imagina que irá descansar a cabeça procurando consertar os erros que a amiga fez
na blusa que estava tecendo para o namorado.
As pessoas não farão isto porque sabem que, para responder aos desafios que
estão enfrentando, precisam concentrar-se no que estão fazendo. Suas cabeças
estarão pensando, ocupada em identificar as informações pertinentes e relacionar
estas informações com os conhecimentos que já dispõem. Imaginam hipóteses e
alternativas para responder ao desafio. Fazem isso manipulando suas ideias da forma
mais disciplinada possível para obter os resultados pretendidos. Estão refletindo. Por
isso não desviam seus pensamentos para outras coisas. Concentram-se nos objetivos
e com isso, aumentam seus conhecimentos.
Saberão o que não sabiam e portanto serão capazes de fazer e o que não
faziam.

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19.1 As diferentes formas de pensar

Não é preciso ser um especialista para perceber que existem diversas formas
de pensar. O pedestre de que falamos certamente está pensando enquanto atravessa
a rua. A dona de casa ouvinte de rádio também. Isto porque é praticamente impossível
deixar de pensar.
Mas, não existe apenas uma única forma de pensar. O apaixonado que
rememora o encontro com a namorada está pensando. O pedestre desatento, está
pensando. Igualmente, o operário regulando a máquina, o pedreiro acertando o prumo
da parede, a professora montando a estratégia para que seus alunos aprendam
determinado conteúdo estão pensando.
Nestes exemplos é possível identificar pelo menos dois tipos básicos de
pensamento. O pensamento sem nenhum compromisso com a busca de soluções e
o pensamento destinado a resolver problemas. O primeiro é normalmente prazeroso,
já o segundo, em razão da necessidade de obter resultados, costuma dar menos
prazer e consome trabalho.
Os antigos filósofos chamavam de devaneio o primeiro tipo de pensar e
costumavam condená-lo como um vício que apenas consumia tempo sem nenhum
outro resultado além de dar prazer ao pensador.
Mesmo considerando que dar prazer a quem pensa não é um vício mas, uma
virtude, temos que concordar que a busca de prazer não é a única razão pela qual os
seres humanos são dotados da capacidade de pensar.

19.2 A reflexão, o conhecimento e os alunos da EJA

Mesmo considerando que a reflexão como elemento básico para o


conhecimento, não podemos esquecer que vivemos numa sociedade onde a reflexão
é pouco incentivada. Habituados a seguir ordens, os alunos da EJA são frágeis do
ponto de vista da prática do pensar e do tomar decisões.
Isso aumenta a responsabilidade da escola como espaço capaz de incentivar
essa capacidade tão fundamental ao ser humano.
Isto significa que a sala de aula da EJA tem a responsabilidade de ser marcada
pelas atividades que envolvem o pensamento, em detrimento das que apontam a
mera memorização do que se pretende ensinar.

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Comentar o que está sendo aprendido, tomar posição diante de um fato
ocorrido e contribuir na sua própria avaliação são situações que certamente
contribuirão para o crescimento desses alunos.

19.3 É a ação humana que produz conhecimento

O conhecimento é um dos produtos da ação humana sendo decorrência da


vocação dos seres humanos de relacionarem-se com o mundo de forma ativa e
transformadora. Nesta relação, os homens e mulheres encontram dificuldades,
estímulos e recursos necessários que os levam a agir intervindo no mundo.
Nesta ação, homens e mulheres percebem o próprio ambiente, identificam
situações desfavoráveis, inventam ou descobrem alternativas possíveis para enfrentá-
las ou alterá-las, experimentam, avaliam o que fizeram, rejeitam ou aceitam-nas e
neste processo produzem e incorporam uma infinidade de ideias (que também
chamamos de representações mentais) e constroem conhecimentos.
Foi com o trabalho que o ser humano desgrudou um pouco da natureza e pode,
pela primeira vez, contrapor-se como sujeito ao mundo dos objetos naturais. Se não
fosse o trabalho, não existiria a relação sujeito-objeto. O trabalho criou para o homem
a possibilidade de ir além da pura natureza. A natureza, como tal, não cria nada de
propriamente humano (...)

O homem não deixa de ser animal, de pertencer à natureza; porém, já não


pertence inteiramente a ela. Os animais agem apenas em função das
necessidades imediatas e se guiam pelos instintos (que são forças naturais);
o ser humano, contudo, é capaz de antecipar na sua cabeça os resultados
das suas ações, é capaz de escolher os caminhos que vai seguir para tentar
alcançar suas finalidades. A natureza dita o comportamento dos animais; o
homem, no entanto, conquistou certa autonomia diante dela.” Leandro
Konder.

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19.4 Ninguém aprende sozinho

Fonte: www.conteudo.imguol.com.br

A ação-reflexão que produz conhecimentos é capaz de mudar o Mundo e a nós


mesmos. Todos nós vivenciamos esta experiência segundo nossos valores,
aspirações e de acordo com nossas experiências anteriores. Esta vivência pessoal
pode ser comunicada mas não pode ser transferida aos outros. Vivência não se
transfere.
Igualmente, o conhecimento que é parte integrante desta vivência não pode ser
transferido. Pode ser comunicado, mas comunicar conhecimento não é transferi-lo.
Posso comunicar o que conheço, por exemplo, sobre dirigir automóvel. Mas
isto não faz com que as pessoas que me ouvirem passem a conhecer o assunto como
eu ou mesmo passem a dirigir. Para isto ocorrer, elas terão que incorporar a
comunicação à sua vivência, com tudo o mais que constitui esta vivência de agir-
pensar-agir que constrói conhecimentos.
O mesmo se dá com matemática, alfabetização ou qualquer outro
conhecimento. Comunicar o que eu sei sobre como se lê ou escreve não tornará
ninguém alfabetizado. É preciso que este alguém passe pela experiência de agir-
pensar que constrói o conhecimento.
Embora pessoal e intransferível, o conhecimento de cada um depende dos
outros porque ninguém está só no Mundo. Cada um age-pensa-age com os outros.

51
Como se comunicam, as ações e as descobertas de cada um se confrontam, se
complementam. Fazem parte do Mundo com o qual todos lidamos.
Podemos perceber assim, que o processo de conhecer se faz na relação com
os outros. O conhecimento dos outros repercute nos meus e os meus repercutem no
dos outros, mesmo quando não nos damos conta disto.
Este maravilhoso processo humano de conhecer, que combina o esforço
pessoal com a interdependência entre as pessoas, levou Paulo Freire a afirmar que
ninguém ensina ninguém, mas ninguém aprende sozinho.

19.5 A variedade de conhecimentos nas classes da EJA

Pensando que conhecer se dá no coletivo, nos lembramos que a variedade de


saberes do coletivo interfere significativamente nas possibilidades de aprender de
todos. Neste sentido, a heterogeneidade da sala de aula deve ser vista como um fator
positivo. Para isso, é fundamental a criação de um clima de confiança e amizade que
permita a participação de todos no esforço de descobrir o que se busca conhecer.
A diversidade de olhares nascida das diferentes experiências vividas pelos
alunos contribui fazendo crescer as possibilidades de compreender o que está sendo
estudado.

19.6 Conhecer exige esforço

A produção do conhecimento é resultado da ação humana e implica no uso


direcionado de pensamento.
Pensar é uma atividade natural e espontânea nos seres humanos, mas o
conhecer, que usa o pensamento como instrumento, não é espontâneo. Implica em
direcionar o pensamento, a vontade e as próprias ações para dominar, enfim, para
apreender aquilo que precisa ser conhecido.
Este direcionamento exige trabalho de quem vai conhecer. Não há
conhecimento sem esforço. Esforço para manter o pensamento na atividade de atuar
sobre o objeto do conhecimento. Esta atividade assume várias formas, entre elas
destacamos perceber o objeto, admirá-lo e intuir o seu significado.
Mas esta atividade implica também em relacionar este objeto com outros já
conhecidos, em dividi-lo, mentalmente, em partes (analisá-lo); relacionar as partes

52
entre si e com o que já é sabido; em construir explicações para este objeto; julgá-las.
Aceitando ou rejeitando-as; concluir os resultados desejáveis e assim por diante.
Como se pode ver, isto tudo não se faz sem trabalho.
É possível perceber que este esforço envolve também as ações necessárias à
produção do conhecimento: a ação de fazer, de experimentar, de refazer, de tornar a
experimentar e assim sucessivamente até que o conhecimento atingido seja
considerado satisfatório. Como vimos, as possibilidades de conhecimento de qualquer
objeto são infinitas e portanto é necessário que estabeleçamos um limite para nossa
busca. Isso não significará que saibamos tudo sobre o objeto, mas apenas que
conhecemos o suficiente para as nossas necessidades do momento.
Em cada uma destas ações o pensamento direcionado a buscar o
conhecimento estará presente consumindo esforço e trabalho.
Este esforço só será feito se as pessoas quiserem fazê-lo. E as pessoas
raramente querem fazer esforço se não perceberem alguma compensação
proporcional a ele. No caso do conhecimento, a compensação costuma ser a de ajudar
a resolver algum problema que esteja preocupando ou responder a alguma
necessidade. Conhecer por conhecer, embora muito elogiado, é tão raro que apenas
confirma a regra geral de que o conhecimento costuma ser pragmático.
Felizmente para nós que trabalhamos na educação, existe nos seres humanos
uma necessidade universal: a de satisfazer a própria curiosidade. Responder à
curiosidade tem sido um aliado considerável na construção do conhecimento da
humanidade. Mas, é preciso lembrar também que somos muito mais curiosos sobre
as coisas que nos afetam pessoalmente.

19.7 O conhecimento vem de conhecimentos já existentes e provoca


conhecimentos futuros

Só foi possível existirem armas ou ferramentas de metal depois que os homens


aprenderam a manejar o fogo. Os veículos apareceram depois das rodas. Podemos
perceber um desenvolvimento crescente e cada vez mais complexo nos
conhecimentos da humanidade. Cada um deles vai indo além do conhecimento
anterior e por sua vez torna possível a existência de novos conhecimentos. A
humanidade não passou da era da pedra lascada à conquista espacial de uma só vez.
Foi construindo seu conhecimento gradativamente, um passo após o outro.

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No plano pessoal ocorre o mesmo fenômeno. As pessoas não passam a
conhecer as coisas de uma vez só. Vão aprendendo por aproximações sucessivas
aquilo que pretendem conhecer. Começam percebendo que ele existe, depois vão se
aproximando dele, admirando-o, identificando suas características, construindo
relações, ampliando a quantidade e qualidade delas e incorporando-as ao universo
das relações já construídas.
Neste processo, cada conhecimento novo supera um conhecimento anterior
menos completo e serve de base para a construção de um novo mais elaborado. Note
que não estamos estabelecendo nenhum juízo de valor.
Quando dizemos que o conhecimento é mais elaborado ou complexo não
estamos dizendo que ele seja necessariamente melhor. Melhor ou pior são avaliações
subjetivas. Quem estiver preocupado com a forma física pode preferir ir de bicicleta
ao trabalho do que de moto ou automóvel, embora estes últimos sejam muito mais
complexos e sofisticados que a primeira. Saber tocar violão em uma roda de amigos
é muito mais realizador do que saber tocar órgão, embora aprender órgão seja mais
sofisticado. Conhecimento melhor é aquele que serve melhor a quem o tem.
Assim como na história da humanidade, as pessoas não passaram do “não
saber” ao saber, de uma vez só, mas foram construindo o seu conhecimento
gradativamente.
Também, como na história da humanidade, não existem limites para o
conhecimento. Sempre será possível saber o que não se sabe e sempre será possível
saber melhor o que já se sabe.
Cada novo aprendizado só se torna possível graças aos conhecimentos
anteriores. Cada conhecimento obtido torna possível avançar para novos
conhecimentos. Podemos dizer que o conhecimento que se tem é sempre fruto de
conhecimentos anteriores e semente de novos conhecimentos.

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20 A TEORIA E A PRÁTICA

Fonte: www.static.coto.me

A teoria, assim como o conhecimento, nasce da prática. Você se lembra


quando estudamos a concepção de conhecimento que sustentou a escola tradicional?
Nela, percebe-se uma nítida separação entre o fazer e o pensar, entre a teoria
e a prática. A teoria costumeiramente é apresentada na forma de texto genérico e
amplo. A prática, na maior parte das vezes, costuma ser apresentada na forma de
exemplos apenas para facilitar a compreensão da teoria. O fato de que todas as
teorias nascem da prática raramente é destacado dando a falsa impressão de que a
teoria é uma construção mental, fruto da inspiração e pensamento de seu formulador.
A consequência costuma ser a valorização exagerada da teoria. Parece que
apenas ela deve ser aprendida, porque é ela o que realmente interessa. A prática
qualquer um faz, já a teoria...
Não que a prática seja desprezada mas o ensino costuma dedicar-se
prioritariamente ao ensino da teoria. A prática costuma ser relegada a momentos
eventuais das aulas de trabalhos manuais, artes ou às atividades em laboratório,
raramente equipados devidamente.
Na concepção democrática do conhecimento a separação entre teoria e prática
é apenas formal.
Esta dicotomia entre teoria e prática é tão generalizada na concepção
tradicional de conhecimento que são corriqueiras afirmações do tipo: Ele tem a teoria

55
mas eu tenho a prática ou Na prática a teoria é outra ou mesmo; Detesto o ensino
teórico, prefiro o ensino prático. Estas três afirmações são absurdas fora da
concepção tradicional.
A teoria nasce de fenômenos percebidos, provocados ou não, onde as pessoas
envolvidas conseguem estabelecer algum tipo de relação. A mais comum é a relação
de causa e efeito. A Lenda do Café ilustra bem como isso ocorre. Segundo a lenda,
pastores do oriente viram que as suas cabras ficavam agitadas quando comiam os
frutos de um arbusto (prática) e concluíram que provavelmente, o fruto deste arbusto
tinha efeitos estimulantes (teoria). Resolveram experimentar (prática) e concluíram
que realmente isso acontecia (teoria). Passaram a usá-los quando precisavam ficar
acordados vigiando o rebanho (prática).
A teoria é um conjunto de ideias, relacionadas entre si, que permitem explicar
ou prever eventos reais e, com isto, construir ou identificar alternativas de intervenção
adequada nesta realidade. Isto que foi dito, embora simples, representa o essencial
em toda e qualquer teoria. Seja a da descoberta do café ou a da Relatividade de
Einstein. É lógico que é possível e algumas vezes até necessário classificar estas
teorias segundo a sua abrangência ou forma de construção: pode ser científica se
construída usando-se o método científico. Filosófica quando sustentada por uma
lógica filosófica. Teológica ou religiosas se construída a partir de elementos de
revelação religiosa. Ou então qualquer outra categoria de classificação.
As teorias podem ter maior ou menor prestígio social. Na essência, porém,
todas as teorias partem de eventos, reais ou imaginários, em que se consegue
estabelecer relações para explicá-los, prever seus desdobramentos e identificar
alternativas de ação perante eles.
Fazer teoria não é privilégio dos teóricos: é necessidade dos seres humanos.
Dentro desta visão de teoria, mais ampla do que o senso comum costuma considerar,
é fácil perceber que ela está mais presente em nossa vida do que costumamos
imaginar. Mais do que isto, podemos perceber que sem ela estaríamos condenados à
imobilidade.
Vejamos um exemplo corriqueiro e imaginário para ilustrar isto. Peçam aos
seus alunos para desenhar um BULIPAN. Isto mesmo, um bulipan! Vocês verão que
eles ficarão estáticos sem saber o que fazer. Nunca ouviram falar disso e não fazem
a menor ideia do que isto seja. Não têm a mínima ideia sobre isso. Nunca viram ou
ouviram contar de nenhum evento com este nome. Não podem, assim, estabelecer

56
relações que lhes permitam explicar ou compreender o que seja. Estão sem nenhum
elemento que ajude a prever algo ou identificar alternativas para desenhar o bulipan.
Em outras palavras, não possuem nenhuma teoria, por simples que seja, sobre
bulipan. Estão condenados a não realizar a tarefa até ter uma teoria a respeito. Caso
interesse aos alunos fazer o que foi pedido na esperança de agradar ou ter melhor
avaliação, procurarão suprir a deficiência. Instintivamente, procurarão recolher outras
informações de você para montar uma teoria que lhes permita agir.
É provável que tentem conferir o seu entendimento. Talvez, você tenha pedido
outra coisa sobre a qual já tenham alguma teoria. Tentarão obter informações
adicionais desde a forma direta do tipo: O que é isso? ou indireta como Parece com
que? ou É uma peça de automóvel? Instintivamente sabem que só poderão fazer o
que foi pedido se conseguirem obter uma teoria mesmo que simples e pouco
abrangente, mas que possibilite a ação.
Estamos tentando convencer você de que, para exercer qualquer ação que não
seja apenas reflexa é preciso estar sustentado por uma teoria.
Não existe prática sem teoria. A função da teoria é exatamente esta: sustentar
a prática.

20.1 Extensão

A teoria que sustenta nossa prática é muito mais ampla do que qualquer
discurso que pretenda formulá-la. O discurso ou texto é sempre uma codificação e o
mesmo ocorre com o discurso teórico. O leitor ou ouvinte terá sempre que decodificá-
lo para compreendê-lo. Ao codificar uma teoria será necessário, portanto, reduzi-la ao
formato necessário a qualquer discurso. Nesta formatação, muitos elementos são
excluídos e outros são acrescentados e modificados pelos leitores ou ouvintes.
Assim, a extensão do discurso nunca será capaz de cobrir toda a extensão da
teoria.

20.2 Nossa teoria não se reduz a ideias formuladas em palavras

Decorrente dessa condição de sustentação da prática, a teoria tem todo o


compromisso com a realidade. O discurso é mais amplo e tem muito mais
compromisso com a retórica do que com a verdade.

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De uma certa forma, na prática que desenvolvemos somos escravos da teoria
que temos sobre as questões relativas a esta prática. Isto é, somos escravos do
conjunto de representações mentais que constituem a nossa teoria. Percebam que
falo em representações mentais e não apenas ideias. Porque, diferentemente das
teorias que costumamos ver formuladas, a teoria que sustenta a nossa prática
também é composta de emoções, sentimentos, recordações e eventuais ligações,
experiências e raciocínios que vamos construindo durante a nossa vida. Nem todas
estas representações mentais estão codificadas em palavras e nem por isto deixam
de ser importantes na condução da nossa prática.
As recordações que temos, por exemplo, da forma como a nossa professora
alfabetizadora trabalhou conosco e da nossa reação frente a este trabalho fazem parte
das representações mentais que constituem a nossa teoria sobre a prática de
alfabetizar. É possível que estas representações mentais repercutam mais na nossa
ação alfabetizadora do que as leituras que fizemos sobre as pesquisas da
Psicogênese da Língua Escrita, das professoras Emília Ferreiro e Ana Teberosky.

20.3 Somente somos capazes de pôr em prática a nossa própria teoria

Gostaríamos que ficasse claro que estamos chamando de prática as ações que
fazemos de forma organizada e destinadas a conseguir atingir os objetivos que
pretendemos. Não nos referimos às ações instintivas, reflexas ou mecânicas que
também fazem parte da nossa vida ativa mas que obedecem a outros fatores. Feito
este esclarecimento, gostaríamos de salientar que um equívoco muito comum,
cometido por quem está tentando aprimorar a sua prática pelo estudo, é o de tentar
pôr em prática as teorias que está estudando. Quando estuda as teorias de Piaget,
por exemplo, pensa que deve tentar pôr em prática as teorias formuladas por Piaget,
ou Frenet, ou Paulo Freire e assim por diante.
Nada mais equivocado. Teorias não são formuladas para serem postas em
prática. Podem ser testadas, rejeitadas ou aprimoradas. Podem inspirar novas teorias,
ajudar na compreensão e previsão de fenômenos mas não são construídas para
serem postas em prática. Isto por várias razões e algumas delas tentaremos explicar
aqui.
Como vimos acima os discursos ou textos teóricos são codificações que em
razão das regras de comunicação não incluem todos os aspectos que compõem a

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teoria. Portanto, ao tentar pôr em prática um texto ou discurso teórico estaríamos
tentando pôr em prática uma teoria incompleta o que certamente redundaria em
fracasso.
Outra razão de fracasso é ignorar que a prática oferece nuances e desafios que
nenhuma teoria tem condições, por si só, de dar conta. São infindáveis as teorias que
podem ajudar no enfrentamento das dificuldades de uma prática. Ao contrário do que
muitos acreditam, a prática é muito mais complexa que qualquer teoria tomada
individualmente. Ignorar isto é sinal de fracasso certo. É o mesmo que tentar calçar
um pé 42 num sapato 34. Não cabe!!!
Não estamos aqui, de jeito nenhum, diminuindo a importância da teoria. Ao
contrário, já afirmamos que ela é tão necessária e importante que sem ela a prática é
impossível. O que estamos tentando, apenas, é eliminar um equívoco muito comum
que é transformá-la em uma simples receita.

20.4 Só mudamos a prática que temos quando mudamos a teoria que sustenta
esta prática

Como a ação voluntária e consciente que estamos chamando de prática é


sustentada pelas teorias que temos, decorre que só mudamos esta prática quando
alteramos a teoria sobre a qual sustentamos esta prática. Vale dizer que a simples
memorização de formulações teóricas não altera em nada a prática.
Para que exista alguma mudança nela é preciso que a teoria estudada se
componha com as teorias que já temos, produzindo uma nova síntese. Esta síntese
passará a sustentar a nova prática. Sendo diferente, produzirá uma prática diferente.

20.5 Faça o que eu falo e não faça o que eu faço

Esta frase bastante cínica certamente já foi ouvida por você. Ela demonstra que
as pessoas podem falar uma coisa e fazer outra. Isto ocorre porque quando falamos
ou escrevemos estamos basicamente interessados em agradar, convencer quem nos
ouve ou lê. Estamos orientados pelas reações do nosso interlocutor. Não estamos
obrigados a dizer exatamente o que pensamos se isso for desfavorável aos nossos
objetivos. Na maior parte das vezes, tendemos a dizer o que o nosso interlocutor quer

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ouvir. Já existiram filósofos e psicanalistas que afirmaram que as palavras são feitas
para esconder o que pensamos.
O mesmo não ocorre com as teorias que temos. Salvo casos muito especiais,
tendemos a fazer o que consideramos melhor para a ação que pretendemos.
E este melhor, está balizado pelas teorias que temos ou assumimos. Nas ações
que fazemos são expressas as ideias ou teorias em que realmente acreditamos.
Estaremos mais próximos de saber o que os outros pensam ou acreditam de
verdade se observarmos o que eles fazem ao invés de ouvir o que eles dizem. Não
confunda teoria com discurso. Muitas vezes, se justifica colocar uma teoria em
palavras. É construído um discurso oral ou escrito para facilitar a sua comunicação.
Nestes casos, esta formulação segue as regras e preceitos da comunicação.
Diferentemente da teoria, que tem por objetivo sustentar as práticas e ações, o
discurso teórico visa sensibilizar o interlocutor. São coisas absolutamente distintas: a
teoria tem compromisso com a prática, já o discurso tem compromisso com quem lê
ou escuta.

20.6 Um exemplo simples da interação teoria e prática

Para ilustrar o mecanismo da interação entre a teoria e a prática bem como as


formas de alterá-las vejamos um exemplo hipotético, com a única finalidade de tornar
mais claro o que estamos dizendo.
Imagine que alguém tenha recebido a função de varrer uma sala sem nunca ter
varrido nada antes. Caso este alguém não faça a menor ideia do que seja varrer uma
sala, será impossível cumprir a tarefa. Como já vimos, qualquer prática é sustentada
pela teoria que se tenha sobre ela. Quem não tem a mínima ideia do que seja varrer
obviamente não tem nenhuma teoria a respeito.
Se, no entanto, essa pessoa tiver algumas ideias sobre varredura, já será
possível assumir a tarefa. Saber, por exemplo, que varrer é pentear o chão com um
instrumento com pelos ou fibras para juntar a sujeira e removê-la já é suficiente para
começar o trabalho. Como se vê, as ideias são rudimentares e incompletas, mas
constituem um pequeno esboço do que podemos chamar de Teoria da Varreção.
O primeiro passo seria procurar uma vassoura. Olha aqui, pergunta dali e o
nosso herói acaba descobrindo um armário com vassouras de vários tipos e
tamanhos. O que fazer? Sua teoria incipiente não oferece nenhuma indicação sobre

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o tipo ou tamanho da vassoura a ser usada. Usando o bom senso ou qualquer outro
critério, nosso amigo escolhe uma vassoura bem pequena. Parece-lhe bastante leve
e fácil de utilizar. E lá vai ele pilotando a vassourinha com a mão direita enquanto usa
a esquerda para segurar o cigarro.
Caso complete a varredura de forma que lhe pareça satisfatória terá
enriquecido sua Teoria de Varreção com um elemento novo, o de usar uma vassoura
de tamanho pequeno. Sua teoria passaria a ser então: Varrer é pentear o chão com
um instrumento com pelos ou fibras na ponta, de preferência pequeno para juntar a
sujeira a fim de removê-la. Logicamente a prática de varrer, caso ele pense sobre ela,
poderá ajudá-lo a aprimorar a sua teoria. Por onde começar a varreção?; Trazer a lata
de lixo para perto ou transportar a sujeira até o lixo?; Molhar o chão ou varrer a seco?
são alguns exemplos de perguntas cujas respostas podem ajudar a aprimorar sua
teoria. Mas as teorias podem ser modificadas de outras maneiras. Por exemplo, no
caso que estamos acompanhando, imagine que a partir de determinado momento
comece a aparecer uma dor nas costas do nosso herói. A dor nas costas poderá
estimulá-lo a pensar sobre suas causas. Poderá perceber que a vassoura muito
pequena o está obrigando a uma posição forçada para varrer.
E ele já sabe, por experiências anteriores, que posições forçadas costumam
fazer as suas costas doerem. O surgimento de dificuldades estimulam a mudança da
teoria para resolvê-las.
Neste momento a sua Teoria de Varreção volta a mudar: Varrer é pentear o
chão com um instrumento com pelos ou fibras na ponta, de preferência com um
tamanho que não obrigue a posições forçadas, para juntar a sujeira a fim de removê-
la.
Pensar a prática pode levar os praticantes a mudar sua teoria e a mudança
teórica, quase sempre, implica em mudança da prática. Na próxima vez, nosso herói
escolherá uma vassoura com o tamanho mais adequado.
Existe uma outra maneira de provocar uma mudança teórica.
Digamos, usando este mesmo exemplo, que alguém entre na sala e veja o
nosso herói varrendo com a vassourinha. Reparando no tamanho da vassoura diga
alguma coisa do tipo: Puxa vida, se eu varresse o chão com uma vassoura deste
tamanho, morreria de dor nas costas... Pronto! Embora possa não parecer, dada a
sua simplicidade, esta afirmação inclui uma constatação teórica de quem a disse. É
genérica, nasce da prática, ajuda a fazer previsão e indica alternativas de ação.

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No momento em que uma pessoa escuta (ou lê) a comunicação da teoria de
uma outra pessoa, especialmente sobre assunto de seu interesse (neste caso estar
com as costas doendo) fica normalmente tentada a comparar a sua teoria com a teoria
comunicada. Dessa comparação podem surgir mudanças teóricas que irão refletir na
prática de quem as faz.
Aí está a chave do estudo destinado a aprender para melhorar a prática! A
leitura produtiva de qualquer estudo teórico só ocorre quando o leitor dedica-se a
comparar a sua própria teoria com a teoria exposta.
Este ovo de Colombo é ignorado por uma quantidade enorme de gente que
imagina que estudar a teoria de um autor é memorizá-la ou, o que é pior, buscar
transformar esta teoria em uma receita para enfrentar suas dificuldades. São os que
imaginam ser possível colocar em prática a teoria lida ou ouvida.
As teorias são péssimas receitas pela sua generalidade. Sofrem também da
carência de informações, decorrente da necessidade de serem codificadas para
atingir a finalidade da comunicação, que é sensibilizar ou convencer quem está sendo
informado. Quanto estudo e quanto esforço se perderam pelo desconhecimento desta
realidade tão simples.

20.7 Diferença entre a teoria e o discurso

Embora muitas vezes apareçam juntos discurso e teoria são coisas


absolutamente distintas. O essencial no discurso (falado ou escrito) é ser instrumento
de comunicação. Na teoria o essencial é ser instrumento de compreensão da
realidade para intervir nela da melhor forma possível.
Teoria e discurso costumam andar juntos porque é impossível comunicar total
ou parcialmente uma teoria sem usar o discurso. Mas teoria e discurso possuem
identidades próprias que não podem ser esquecidas.
Certamente você já percebeu que é muito mais fácil mudar o discurso do que
a prática. Está para ser mudada, como já vimos, necessita de uma mudança teórica
enquanto que o discurso precisa apenas da vontade de quem o faz e da expectativa
que tem sobre a reação do interlocutor. Não podemos esquecer que somos frutos de
uma cultura onde dizer o que o interlocutor quer ouvir faz parte das regras usuais de
etiqueta.

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Portanto, quem quiser saber no que alguém acredita realmente, é preferível ver
o que ele faz do que perguntar a ele.

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