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VÍCTOR GARCÍA HOZ

EDUCAÇÃO INFANTIL
PERSONALIZADA
Este livro traz dez capítulos firmados todos eles por figuras símbolos no campo das matérias tratadas –
e sete apêndices que completam o livro como unidade harmônica, solidamente construída, oferecem ao leitor
interessado o horizonte amplíssimo da EDUCAÇÃO INFANTIL PERSONALIZADA. Um título talvez forçado
pela terminologia oficial – a LOGSE, de 1991, introduziu a denominação de Educação Infantil, comprimindo um
conceito que é bem mais amplo –, ainda que a designação anterior, Educação Pré-escolar, pecava
seguramente de insuficiência. Enquanto se formula o termo justo, que será o definitivo, o título adotado dá a
idéia exata, entretanto, do que suas páginas contêm.
ÍNDICE

APRESENTAÇÃO ................................................................................................................................................... 1

1 - A CRIANÇA COMO PESSOA. PANORÂMICA DE SUA EDUCAÇÃO .................................................... 3


1.1 Uma olhada para a história .......................................................................................................................3
1.2 Frente aos reducionismos. A criança como pessoa .................................................................................4
1.2.1 A pergunta .............................................................................................................................................5
1.2.2 Uma cena e sua interpretação como resposta......................................................................................5
1.3 Características pessoais na infância.........................................................................................................6
1.3.1 Abertura ao mundo. Egocentrismo e domínio .......................................................................................7
1.3.2 Tendência à alegria ...............................................................................................................................8
1.3.3. Predomínio sensório-motor. Curiosidade ..............................................................................................8
1.3.4 A brincadeira..........................................................................................................................................9
1.3.5 A linguagem. aptidões culturais e relações sociais ...............................................................................9
1.3.6 O mundo dos valores: estética, ética, religião.....................................................................................10
1.3.7 O sentido da vida na singularidade infantil ..........................................................................................11
1.4 Primeira consequência pedagógica. a pessoa nas relações educativas ...............................................11
1.4.1 O risco pedagógico da ambivalência infantil .......................................................................................12
1.5 A criança e seus âmbitos educativos ......................................................................................................13
1.6 A dupla institucionalidade da educação infantil pré-escolar ...................................................................14
1.7 Tendências e hábitos ..............................................................................................................................14
1.7.1 Hábitos do homem adulto e hábitos da criança ..................................................................................15
1.7.2 Hábitos de vida diária e hábitos de cultura na educação infantil ........................................................16
1.8 Síntese. A educação infantil na educação humana ................................................................................17

2 - CAMPOS E ATIVIDADES DA EDUCAÇÃO INFANTIL .........................................................................19


2.1. A escolarização, uma grande mudança na vida das crianças ................................................................19
2.2 Características da programação didática ...............................................................................................20
2.3 A programação nos distintos âmbitos da educação infantil ....................................................................23
2.3.1 A educação da corporeidade (sensibilidade e motricidade) ...............................................................23
2.3.2 A educação da sensibilidade estética .................................................................................................24
2.3.3 A educação intelectual ........................................................................................................................24
2.3.3.1 A educação da língua ......................................................................................................................25
2.3.4 A educação da vontade .......................................................................................................................27

4 – O CURRÍCULO DA EDUCAÇÃO INFANTIL E O DESENVOLVIMENTO


DAS CAPACIDADES COMUNICATIVAS...................................................................................................31
4.1 Introdução ...............................................................................................................................................31
4.2 Características dos meninos e meninas destas idades ..........................................................................31
4.3 Finalidades da educação infantil .............................................................................................................33
4.4 A estruturação em ciclos .........................................................................................................................34
4.5 Metodologia .............................................................................................................................................35
4.6 O papel do educador ...............................................................................................................................36
4.7 A avaliação ..............................................................................................................................................37
4.8 Aquisição e desenvolvimento da capacidade comunicativa ...................................................................38
4.9 Importância curricular da área de comunicação .....................................................................................39

5 - MODELOS E PROGRAMAS DE EDUCAÇÃO INFANTIL ........................................................................45


5.1 Introdução ...............................................................................................................................................45
5.2 Características dos modelos e programas .............................................................................................45
5.2.1 Maturescência .....................................................................................................................................46
5.2.1.1 Pressupostos teóricos ......................................................................................................................46
5.2.1.2 Desenvolvimento curricular..............................................................................................................47
5.2.1.3 Programas derivados do modelo .....................................................................................................47
5.2.2 Transmissão cultural ...........................................................................................................................48
5.2.2.1 Pressupostos teóricos ......................................................................................................................48
5.2.2.2 Desenvolvimento curricular..............................................................................................................49
5.2.2.3 Programas específicos ....................................................................................................................50
5.2.3 Modelo de orientação cognitiva ...........................................................................................................51
5.2.3.1 Pressupostos teóricos ..................................................................................................................... 52
5.2.3.2 Desenvolvimento curricular ............................................................................................................. 53
5.2.3.3 Programas específicos ................................................................................................................... 54
5.3 Avaliação de programas de educação infantil ....................................................................................... 57

6 - A EDUCAÇÃO SENSORIAL: FUNDAMENTAÇÃO, PANORAMA, METODOLOGIA E


OBJETIVOS .............................................................................................................................................. 59
6.1 Introdução .............................................................................................................................................. 59
6.2 Importância da educação dos sentidos .................................................................................................. 61
6.3 Panorama da educação sensorial .......................................................................................................... 62
6.4 O princípio de graduação dos estímulos................................................................................................ 63
6.5 Objetivos gerais da educação sensorial ................................................................................................ 63
6.6 As sensações visuais: desenvolvimento e educação ............................................................................ 64
6.7 As sensações auditivas: desenvolvimento e educação ......................................................................... 65
6.8 As sensações táteis: desenvolvimento e educação .............................................................................. 67
6.9 As sensações olfativas: desenvolvimento e educação .......................................................................... 71
6.10 As sensações gustativas: desenvolvimento e educação ................................................................... 72

7 - A AULA NA EDUCAÇÃO INFANTIL ....................................................................................................... 73


7.1 Marco da questão ................................................................................................................................... 73
7.2 Dimensões da aula pré-escolar ............................................................................................................. 74
7.2.1 Dimensão físico-espacial .................................................................................................................... 75
7.2.2 Dimensão organizativo-normativa ...................................................................................................... 77
7.2.2.1 Ordem e organização...................................................................................................................... 77
7.2.2.2 Recursos e materiais didáticos ....................................................................................................... 79
7.2.2.3 Estabelecimento de normas ........................................................................................................... 80
7.2.2.4 Sistemas de controle e de inovação ............................................................................................... 81
7.2.3 Dimensão de desenvolvimento pessoal ............................................................................................. 81
7.2.3.1 Processo de socialização ............................................................................................................... 81
7.2.3.2 Orientação e facilitação da tarefa ................................................................................................... 82
7.2.3.3 Aspectos motivacionais .................................................................................................................. 84
7.2.4 Dimensão relacional ........................................................................................................................... 85
7.2.4.1 Relações entre o grupo de colegas ................................................................................................ 85
7.2.4.2 Relações com os adultos ................................................................................................................ 86
7.3 O professor e a gestão da aula .............................................................................................................. 87

8 - A IMAGINAÇÃO SIMBÓLICA, O JOGO E O BRINQUEDO .............................................................. 89


8.1 Dificuldades na definição da atividade lúdica ........................................................................................ 89
8.2 Notas que distinguem especificamente a atividade lúdica .................................................................... 90
8.3 Características do jogo em sua tipologia fundamental .......................................................................... 90
8.3.1 O âmbito do jogo de exercício ............................................................................................................ 91
8.3.2 O âmbito do jogo simbólico ................................................................................................................ 92
8.3.3 O âmbito do jogo de regras ................................................................................................................ 93
8.4 Possibilidades educativas do “jogo simbólico” no desenvolvimento da personalidade integral da
criança ............................................................................................................................................................... 94
8.4.1 O jogo simbólico e o desenvolvimento intelectual .............................................................................. 94
8.4.2 O jogo simbólico e a vida social ......................................................................................................... 94
8.4.3 O jogo simbólico e o desenvolvimento afetivo ................................................................................... 95
8.5 O jogo simbólico e outras aprendizagens na vida da criança................................................................ 96
8.5.1 O jogo simbólico e o desenvolvimento psicomotor ............................................................................ 96
8.5.2 O jogo simbólico e o desenvolvimento lingüístico .............................................................................. 96
8.5.3 O jogo simbólico e o desenvolvimento do pensamento lógico-matemático....................................... 97
8.5.4 O jogo simbólico, promotor de âmbitos criativos e de liberdade ........................................................ 97
8.6 Fatores condicionantes e possibilitantes de um ambiente lúdico .......................................................... 98
8.7 O brinquedo como instrumento educativo ............................................................................................. 99
8.7.1 Virtualidade educadora do brinquedo................................................................................................. 99
8.7.2 Considerações práticas sobre a validade do brinquedo e das utilidades lúdicas .............................. 99
9 - OS MEIOS AUDIOVISUAIS NA EDUCAÇÃO INFANTIL .................................................................101
9.1 A imagem na educação infantil: tipos e utilização ................................................................................101
9.2 O vídeo educativo .................................................................................................................................103
9.2.1 Formas de utilização do vídeo educativo ..........................................................................................104
9.2.2 Funções educativas do vídeo ............................................................................................................105
9.2.3 O vídeo na educação infantil .............................................................................................................107

10 - A AVALIAÇÃO EM EDUCAÇÃO INFANTIL .......................................................................................109


10.1 Introdução ..........................................................................................................................................109
10.2 O sentido da avaliação em educação infantil ....................................................................................109
10.2.1 O projeto educativo em educação infantil .........................................................................................111
10.2.2 Consequências para a avaliação ......................................................................................................111
10.2.2.1 Avaliação e valia pessoal...............................................................................................................111
10.2.2.2 Avaliação e eficácia do programa ..................................................................................................112
10.2.2.3 Avaliação, personalização e excelência pessoal...........................................................................112
10.2.2.4 Avaliação do ambiente ...................................................................................................................112
10.2.3 As funções da avaliação em educação infantil .................................................................................113
10.2.3.1 A função diagnóstica e preventiva da avaliação............................................................................113
10.2.3.2 A melhora da atividade do aluno ...................................................................................................114
10.2.3.3 A função de melhora do programa ................................................................................................114
10.3 O processo avaliativo em educação infantil ......................................................................................114
10.4 Técnicas de avaliação .......................................................................................................................115
10.4.1 Diversidade de técnicas ....................................................................................................................115
10.4.2 Técnicas potenciadoras .....................................................................................................................116
10.5 A observação como técnica básica de avaliação..............................................................................116
10.5.1 As características da observação......................................................................................................117
10.5.2 Aspectos a considerar no processo de observação .........................................................................118
10.6 Critérios e referências para a avaliação ............................................................................................120
10.6.1 Critérios .............................................................................................................................................120
10.6.2 Referências........................................................................................................................................120
10.7 Instrumentos ......................................................................................................................................121
10.7.1 Listas e escalas de observação ........................................................................................................121
10.7.2 Provas padronizadas .........................................................................................................................122
10.7.2.1 Aptidões .........................................................................................................................................122
10.7.2.2 Provas de caráter pedagógico .......................................................................................................123
10.7.2.3 Provas de personalidade ...............................................................................................................125
10.7.3 Outros instrumentos ..........................................................................................................................125
10.8 Como conclusão ................................................................................................................................126

APÊNDICE A: VISITA A UMA ESCOLA INFANTIL QUE DESENVOLVE O SEGUNDO CICLO .................127

APÊNDICE B: A FORMAÇÃO RELIGIOSA DA CRIANÇA DURANTE A EDUCAÇÃO INFANTIL ...............145


(ZERO A SEIS ANOS) ...........................................................................................................145

APÊNDICE C: SOBRE A INICIAÇÃO NA LEITURA-ESCRITA......................................................................153

APÊNDICE D: DO CONTAR AO SUBTRAIR, ATIVIDADES NUMÉRICAS DO PRÉ-ESCOLAR .................157

APÊNDICE E: COMO CRIAR O AMBIENTE ADEQUADO NA AULA DE EDUCAÇÃO INFANTIL ...........161


* * *
APRESENTAÇÃO

No panorama educativo do século XX, pode-se ver um espetacular desenvolvimento da


preocupação educativa pelos primeiros anos da infância. Provavelmente, os dois fatores que mais
têm influído no atual destaque da educação na infância são, por um lado, a crescente importância
que se atribui aos primeiros anos da vida humana e, por outro, a mudança social no que se refere,
sobretudo, ao enfraquecimento dos laços familiares e ao trabalho da mulher fora do lar.

O título deste volume, número 10 dentro do Tratado de Educação Personalizada, não deixa
de ser polêmico. Intitula-se Educação Infantil Personalizada, empregando assim uma nova
denominação que vem substituir a tradicional de Educação Pré-escolar. Isso se deve à nova
denominação introduzida na Lei de Ordenação Geral do Sistema Educativo que, em 1991, publicou-
se na Espanha. Tampouco o título é perfeito porque, não é infantil, por exemplo, a educação que
compreende as crianças entre seis e nove anos? Tendo presente que os problemas de linguagem
não respondem a situações definitivas, mas que mudam com os usos e costumes, não podemos dar
por definitivamente resolvido o problema do título que se deve dar a uma publicação desta índole.
Como o extenso título de Educação Pré-escolar também não é uma denominação satisfatória, já que
algo de escola tem o afazer educativo com as crianças, pode o leitor considerar sinônimas ambas as
denominações.

Seguindo com o título, pode parecer uma redundância falar de Educação Infantil
“personalizada” para intitular um livro que se encontra dentro de um tratado (Manual algorítmico)
dedicado a este tipo de educação. Entretanto, neste caso a personalização tem um peculiar sentido.
Trata-se de chamar a atenção para o fato de que a criança é também uma pessoa. Não se quer com
isto estabelecer o problema ontológico, para nós já resolvido positivamente, se um ser humano é
pessoa a partir do primeiro momento de sua existência; trata-se do fato empírico de que a vida da
criança tem as características essenciais próprias da pessoa humana. A personalização educativa
não será simplesmente uma adaptação às características individuais da criança, de cada criança,
coisa que necessariamente se dá por suposta, senão também a consequência de que o pequeno ser
humano deve ser tratado como uma pessoa; ou seja, com o respeito devido e com a idéia clara de
que a vida, os atos, dos primeiros anos condicionam fortemente a existência inteira do homem.

A criança não é simplesmente um objeto de entretenimento ou um centro de


preocupação, senão um ser a quem é mister ajudar para que vá se tornando capaz de dominar as
coisas que tem a seu redor, para dominar-se depois a si mesmo e para transcender sua própria vida,
compartilhando-a com os demais. Se, em qualquer caso, a educação é ao mesmo tempo vida e
preparação para a vida, nos primeiros anos da existência é muito mais. Viver com plenitude a vida
propriamente infantil é a melhor preparação para viver com plenitude a vida adulta. A criança não é
um adulto em miniatura; é um ser humano que já tem sua própria personalidade levando incluída
nela sua condição de candidato para a vida adulta.

Talvez na Educação Infantil, como em nenhum outro tipo de educação, se faça real o
princípio de complementariedade. A imitação infantil deve-se entender como base para a iniciativa
pessoal, a adaptação deve-se entender como marco social no qual cada criança possa desenvolver
sua originalidade, a aprendizagem é a base material para a criatividade, a brincadeira é a melhor
preparação para o trabalho. A estas idéias respondem de uma ou outra maneira os estabelecimentos
teóricos e as orientações práticas deste volume em que, sem dúvida, se encontrarão idéias úteis
para o trabalho educativo da infância, mas sobretudo poderá servir como fonte de sugestões para a
iniciativa de cada educadora ou educador dedicado a este afazer que tem o principal ponto de apoio
na família e seu complemento obrigatório na instituição escolar..

VÍCTOR GARCÍA HOZ

1
* * *

2
A CRIANÇA COMO PESSOA. PANORÂMICA DE SUA EDUCAÇÃO

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A CRIANÇA COMO PESSOA.
PANORÂMICA DE SUA EDUCAÇÃO

Víctor García Hoz

1.1 Uma visão da História.


1.2 Frente aos reducionismos. A criança como pessoa.
1.2.1 A pergunta.
1.2.2 Uma cena e sua interpretação como resposta.
1.3 Características pessoais da infância.
1.3.1 Abertura ao mundo. Egocentrismo e domínio.
1.3.2 Tendência à alegria.
1.3.3 Predomínio sensório-motor. Curiosidade.
1.3.4 A brincadeira.
1.3.5 A linguagem. Aptidões culturais e relações sociais.
1.3.6 O mundo dos valores: estética, ética, religião.
1.3.7 O sentido da vida na singularidade infantil.
1.4 Primeira consequência pedagógica. A pessoa nas relações educativas.
1.4.1 O risco pedagógico da ambivalência infantil.
1.5 A criança e seus âmbitos educativos.
1.6 A dupla institucionalidade da Educação Infantil Pré-escolar.
1.7 Tendências e hábitos.
1.7.1 Hábitos do homem adulto e hábitos da criança.
1.7.2 Hábitos da vida diária e hábitos de cultura na educação infantil.
1.8 Síntese. A educação infantil na educação humana.

1.1 UMA OLHADA PARA A HISTÓRIA

Compreender a criança não é fácil. Dependente da proteção e ajuda dos adultos, estes costumam
olhá-la como um ser cuja vida necessita estar absolutamente dirigida e controlada pelos adultos.

Durante séculos, a criança foi considerada simplesmente como algo pequeno que não merecia maior
atenção. O vocabulário que tem chegado até nós – e que hoje continuamos utilizando – revela um grande
predomínio de atitudes pejorativas a respeito da criança e ainda à etapa da vida a que dá nome. Criança,
garoto, - garotinho -, menino, infante - infância -, rapaz, rapazote, criança pequena, são as palavras que na
linguagem coloquial se referem ao ser humano nos primeiros anos de sua vida. E resultam significativas de
determinadas atitudes.

Deve-se começar dizendo que a palavra fundamental, “criança”, parece ter, a partir de sua origem, um
significado senão neutro a respeito do apreço com que devem ser olhados os sujeitos a quem se aplica.
Segundo pode se ler no dicionário de Corominas, parece que a palavra apareceu em torno de 1140 e provém
de um romance antigo divulgado por Cataluña, no sul da França e Itália. Designa-o também outra etimologia
derivada do vocabulário infantil ninno. Em todo caso, nos encontramos com uma palavra que não tem uma
conotação afetiva específica. Não ocorre o mesmo com os outros termos utilizados para referir-se ao mesmo
ser humano.

Garoto – garotinho – e menino dão idéia de pequenez; garoto se emprega também na acepção de
pequeno, reduzido. Menino não é mais que a transcrição da voz latina parvulus, diminutivo do latim parvus,
que tem um bem conhecido significado de pouco, pequeno, curto... A palavra infância, que dá título à época da
vida da criança, tem uma significação claramente negativa. Infans é um excluído de falar e significa o que não
fala; propriamente o mudo. Outras palavras tais como rapaz, tradução do rapax latino, significa rapaz,
propenso ao roubo, e posteriormente se usou para nomear os criados e escudeiros nos quais se supõe uma
certa tendência ao furto. Algumas palavras usadas em países hispano-americanos também têm o mesmo
sentido negativo. Assim, choramingão significa tanto como chorão.

3
A CRIANÇA COMO PESSOA. PANORÂMICA DE SUA EDUCAÇÃO

Do sentido pejorativo que se acaba de mencionar, apenas se livram algumas palavras como anjinho,
termo muito usado em ambientes cristãos, sobretudo se estão um pouco tocados de romanticismo. É talvez um
fraco reflexo da completa revolução que significaram os ensinamentos de Cristo relativos à perfeição da vida
humana, nas que a criança se põe como paradigma do que está em disposição de participar na vida divina.
“Se não vos tornardes e fizerdes como crianças, não entrareis no Reino dos Céus” (Mateus, 18,3), são as
palavras precisas de Jesus de Nazaré. Nelas, ao tratar de colocar um modelo universal no terreno das futuras
criaturas, não se assinala “nem aos sábios, ainda que a sabedoria seja um dom de Deus, nem aos poderosos,
ainda que o Reino dos Céus só se abrirá aos que façam violência, nem aos prudentes, ainda que se há de ter
a prudência das cobras, senão, coisa desconcertante, às crianças” (García Hoz, 1981, 12).

Mas não parece que a idéia cristã da superioridade das crianças agrade em excesso, apesar da
grande extensão do cristianismo. Os termos recolhidos mais acima refletem a primigênia mentalidade clássica,
mas se formularam dentro do idioma castelhano nos séculos XII ao XVI, nos que o cristianismo já havia
impregnado a cultura de todos os povos nascidos do Império romano. A idéia prevalente sobre a criança segue
sendo a de que se trata de um ser pequeno, com muitas limitações – entre elas a incapacidade de falar -, e
cujo comportamento é mais extremoso, limitado ao choro e à inconstância.

No clássico livro de Áries, sobre a criança através da História, ao estudar o descobrimento da infância
através da iconografia, observa que as crianças são sempre representadas como adultos “simplesmente
reproduzidos a tamanho reduzido” (Ariés, 1987, 57).

As crianças estavam junto aos adultos na vida cotidiana. Nas cenas de costumes se vêem reunidos,
em trabalhos e jogos, simultaneamente crianças e adultos. Durante o século XVI, se desenvolveu um
sentimento de infância graciosa, digna de atenção especial, que transladou para a infância o protagonismo da
educação ao estender-se a idéia de que era mister que todas as crianças recebessem educação, idéia em que
influiu notavelmente José de Calasanz e as Escolas Pias com sua dedicação à escola popular. A distinção
entre o mundo das crianças e o dos adultos se iniciava, reforçando-se nos séculos XVIII e XIX com a filosofia
da Ilustração e suas preocupações educativas, personificadas em Rousseau e Pestalozzi. Os estudos de
psicologia da criança, desenvolvidos extraordinariamente a partir do final do século XIX, contribuíram
enormemente para fortalecer a idéia da criança como um sujeito singular, com características próprias,
diferentes das do ser humano nas seguintes etapas da vida.

1.2 FRENTE AOS REDUCIONISMOS. A CRIANÇA COMO PESSOA

Em um dos tantos movimentos oscilantes que se percebem na História, em contraposição à idéia


clássica da criança como adulto reduzido, surgiu a de considerá-la como um ser totalmente diferente. Como
em tantas questões, a realidade não se acha somente em uma das situações extremas; antes é uma situação
de síntese na qual se destaca uma idéia que é aplicada a qualquer ser humano. Parece que foi Diógenes de
Apolônia o que pela primeira vez viu de um modo sintético a existência simultânea de igualdade e diferença
entre as coisas: “Todas as coisas existentes se diferenciam entre si e são ao mesmo tempo a mesma coisa”.
Pode a frase singularizar-se e ser aplicada aos homens com toda propriedade: todos os homens são iguais e
simultaneamente todos são diferentes. Se isto é assim, vamos fazer da criança um ser totalmente diferente do
que será em sucessivas etapas de seu desenvolvimento? Parece legítimo concluir que a criança é
simultaneamente igual e diferente do adulto.

Para não cair em reducionismos, é mister dizer que, a partir de um ponto de vista, as crianças são
iguais aos adultos e de outros pontos de vista as crianças são diferentes. São iguais porque participam como o
adulto da natureza humana e de sua condição de pessoas. Há tendências fundamentais orientadas ao fim
próprio do homem que existem e operam em cada um dos seres humanos. Mas tanto quanto pessoas, e
precisamente por isso, porque são donos cada um de sua própria vida, cada criança, como cada adulto, tem
um modo ou alguns modos peculiares de realizar suas ações. Pudera esta idéia dizer-se de outro modo: há
uma igualdade fundamental dos homens e existe uma desigualdade funcional entre eles.

O anterior raciocínio não seria válido se à criança não se atribuísse a condição de pessoa. A questão
básica para entender o ser e construir, a existência e a vida da criança, reside em atribuir-lhe ou negar-lhe a
condição de pessoa.

4
A CRIANÇA COMO PESSOA. PANORÂMICA DE SUA EDUCAÇÃO

1.2.1 A pergunta

Uma olhada superficial ao modo de uma criança comportar-se provavelmente levaria à conclusão de
que se trata de um pequeno animalzinho cujos atos sempre têm um caráter material e sensível. Também é
verdade que a seguir começam a manifestar-se possibilidades e atos que são exclusivamente humanos. Mas a
possibilidade de que lhe possa atribuir a condição de pessoa, é difícil de aceitar. Se se considera como
característica própria do ser pessoal a possibilidade de realizar atos conscientes e livres, nascidos da iniciativa
própria, e se, por outro lado, as grandes motivações que explicam a conduta humana se resolvem, ou podem
ser resolvidas, no desejo de segurança, no sentimento de dignidade e na vivência da solidariedade. Pode-se
seriamente dizer que a criança age com consciência e liberdade e que responde, vive ou aspira à segurança, à
dignidade e à solidariedade? Não se trata da questão ontológica sobre quando a criança alcança sua condição
de pessoa, questão fora de dúvida porque a criança já é um ente singular com personalidade própria desde o
momento próprio de sua concepção; trata-se da questão empírica sobre se em seus atos se manifesta já sua
condição de pessoa ou esta se encontra latente até um momento determinado de sua vida.

1.2.2 Uma cena e sua interpretação como resposta

A resposta não e fácil. Os termos usados, liberdade, dignidade, solidariedade, são palavras demasiado
solenes para que as possamos aplicar à atividade da criança. Entretanto, tendo presente que a criança age de
acordo com o modo infantil, ou seja, de maneira diferente da do adulto, podemos pensar que as tendências
próprias do ser humano atuam nos primeiros anos da vida, ainda que de modo diferente. Uma observação
atenta da conduta da criança pode servir-nos como ponto de apoio para aventurar uma resposta. Valha como
exemplo uma cena cujo protagonista é uma criança de um ano e alguns meses que foi à casa de seus avós
para uma reunião familiar. Sua conduta pode ser descrita do seguinte modo:

“Havia ido poucas vezes à casa. Mas aos parentes, que nesse dia se reuniram, os via em sua própria
casa (a da criança) de vez em quando; pode-se supor que por volta de uma vez ao mês.

Ao chegar à casa de seus avós, adotou uma atitude de reserva e não se separava de sua mãe.

Ao fim de um certo tempo – uns quinze minutos aproximadamente –, entrou com sua mãe na sala
onde estavam alguns parentes, avós, tios, irmãos.

Ao entrar, estendeu os braços para seu avô. Mas quando este a pegou e a separou de sua mãe, voltou
rapidamente para ela.
Os parentes da criança, pessoas adultas, estavam sentados ao redor de uma mesa baixa e a criança
foi se familiarizando com a situação. Ao fim de um tempo, se desprendeu de sua mãe e iniciou um jogo que
consistia em dar sua chupeta aos parentes para que estes brincassem com ela, com a chupeta. Ria e ficava
contente quando pegavam sua chupeta e faziam qualquer coisa com ela, virá-la na mão, levá-la à boca, jogá-la
para cima. Mas em pouco tempo voltou a reclamar – com gestos, principalmente – a chupeta para dá-la a outra
pessoa. Com esta pessoa repetia o mesmo jogo, que consistia em que os adultos tomassem a chupeta e
brincassem com ela, mas não por muito tempo. De fato, a criança dirigia o jogo.

Durante toda a cena, a criança sorria, se movimentava, pegava a chupeta, a dava, a tirava, se irritava
se não a devolviam quando ela a pedia. Integrou a todas as pessoas presentes em seu jogo dando-lhes e
tirando-lhes sucessivamente a chupeta.

Deve reparar-se que durante toda a cena olhava com frequência para sua mãe para assegurar-se de
que não havia saído”.
Até aqui, a descrição objetiva do que a criança fez. Como pode se interpretar tal conduta?
No exemplo transcrito, indicam claramente as características e manifestações da pessoa humana em
sua modalidade infantil, ou seja, com os limites próprios do começo da vida humana aos que mais adiante me
referirei.
Recordemos que o conceito de pessoa acrescenta ao de homem as idéias de realidade, uma e
concreta, com dignidade peculiar e caráter ético, princípio de atividade manifestado na consciência e a
liberdade, abertura à realidade objetiva, social e transcendental. Esta disposição de abertura determina a
relação pessoa-mundo, cuja realidade multiforme, às vezes, se apresenta como coadjuvante para o bem e
para a alegria, e às vezes, como obstáculo. Tal ambivalência condiciona o ser humano e gera nele as
motivações de segurança, dignidade e solidariedade.

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A CRIANÇA COMO PESSOA. PANORÂMICA DE SUA EDUCAÇÃO

A singularidade da criança se torna patente em relação às outras pessoas que participam na cena.
Não é necessário insistir nesta manifestação de singularidade. Mais difícil é aceitar a existência dessa peculiar
dignidade que tolera o conceito de pessoa.

Que na criança havia também um princípio de atividade seria estúpido negá-lo; mais difícil é aceitar
que esse princípio de atividade tivesse uma manifestação consciente e livre. Entretanto, todo o jogo
transcorreu seguindo a iniciativa infantil; o pequeno era quem tomava e dava a chupeta, quem escolhia as
pessoas às quais em cada momento se dirigia; talvez seja exagerado falar de consciência e liberdade, mas
não de conhecimento e de iniciativa, que certamente se evidenciavam ao distinguir umas pessoas de outras e
ao dirigir-se separadamente a cada uma delas.

Por outro lado, todo o jogo foi uma abertura à realidade; à realidade objetiva do brinquedo, do espaço,
dos móveis, tanto quanto os elementos físicos do ambiente e a abertura às pessoas que se encontravam em
cena.

Parece supérfluo, mas vale a pena mencionar a tendência para a felicidade ou a alegria que também
operou constantemente na cena e que se evidenciou nas risadas constantes e na alegria contagiosa da
criança.

Quanto às motivações, começamos por pensar na dignidade, talvez a motivação em forma mais
distanciada da vida infantil. Na cena que comentamos, quando alguém tardava em responder adequadamente
aos desejos da criança, de dar-lhe ou tirar-lhe a chupeta, o bebê se aborrecia. Não é arriscado afirmar que o
aborrecimento destacava o sentido de dignidade ferida porque não se atendiam ou se atendiam muito tarde
seus requerimentos.

O desejo de segurança estava latente em toda a cena, a ponto de manifestar-se quando algum
incidente o fizesse necessário; semelhante, o episódio do choro à entrada quando o avô a separou dos braços
maternos; o não querer separar-se de sua mãe no começo da cena e, depois, o fato contínuo de olhá-la
frequentemente ao longo de todo o jogo.

Da solidariedade e do afã de comunicação é óbvio falar, porque, apenas se sentiu um pouco segura na
situação, se dedicou justamente a entabular contatos com todos e cada um dos presentes.

Após esta rápida interpretação da cena familiar, já não parecerá exagerado contestar à pergunta
formulada, dizendo que à criança deve-se reconhecer sua condição de pessoa. As tendências e motivações do
ser humano se encontram entre as aspirações infantis. Uma sumária recordação das principais características
da infância reforçará esta idéia.

1.3 CARACTERÍSTICAS PESSOAIS NA INFÂNCIA

Não é tarefa fácil sintetizar as idéias que circulam sobre as características do ser humano nos
primeiros anos de sua vida. Toda uma lista de nomes vem complicar o campo das teorias do desenvolvimento.
Watson, Skinner e o behaviorismo (1953); Erikson (1950) e a teoria psicoanalítica; Vygotski (1960) e Zaprozets
(1974) e a teoria da psicologia soviética; Rogers e a concepção humanista (1970); Heider (1958) e Weiner
(1974) e a teoria da atribuição no desenvolvimento humano; Emmerich (1968) e Lerner (1976) e a teoria
ipsativa; finalmente, todo o movimento cognitivista, iniciado por Piaget (1936) e que parece primar ainda em
nossos dias.

Nestes autores e tantos mais que poderiam citar-se, podem ser encontradas idéias relativas à
psicologia infantil; entretanto, na preocupação psicológico-evolutiva em que se incluem estes estudos, e que
pode ser considerada iniciada por Preyer, que em 1882 publicou sua obra Sobre a alma da criança, adquiriram
espetacular importância e volume graças à obra de Piaget, com seu interesse particular no estudo do
desenvolvimento e crescimento intelectual das crianças, “como algo importante em si próprio e possuidor de
suas próprias regras e peculiaridades”. Deve ficar claro que as insistentes pesquisas de Piaget, mostrando que
as crianças não raciocinam da mesma forma que os adultos, não suprimem a radical igualdade de uns e
outros, já que, junto às diferenças, “há muito de verdade” nas semelhanças cognitivas nos primeiros anos e
nos anos posteriores da vida (Tucker, 1982, 95).

Mas, se bem que se reconhece a existência de elementos comuns e elementos diferenciais no pensar
de crianças e adultos, não se estabeleceu o problema das relações entre as peculiaridades da atividade infantil
em relação e como germe das manifestações da vida que constituem o homem em pessoa. E este é o
estabelecimento das páginas seguintes.
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A CRIANÇA COMO PESSOA. PANORÂMICA DE SUA EDUCAÇÃO

Aceitando que a criança é igual e diferente do adulto e que uns e outros têm a condição de pessoa, em
que medida os atos próprios da infância estão abertos ou, dito de outro modo, têm como finalidade última a
capacidade para realizar os atos próprios do adultos? Tentarei responder.

1.3.1 Abertura ao mundo. Egocentrismo e domínio

A atividade da criança pode ser interpretada como abertura ao mundo exterior no terreno do
conhecimento e no da ação material.

A abertura da pessoa humana e, pelo mesmo, a abertura na criança, tem como pontos de referência a
realidade objetiva – afã da criança por conhecer o que a rodeia -, a realidade social - trato pessoal -, no que é
fundamental a linguagem, e também, inicialmente, a realidade transcendental, que na criança é uma certa
capacidade de extrapolação, para ir percebendo relações mais além do puramente sensível e concretamente
relações de causalidade.

Ao tentar explicar a cena familiar descrita no item 1.2.2, falei da dificuldade que alguns podem
encontrar em atribuir a dignidade à conduta infantil. Penso que tal dificuldade se desvanece se se tem em
conta uma das características infantis assinaladas muito particularmente por Piaget (1978), o egocentrismo, e
uma aquisição psicológica que se adquire nos primeiros anos da vida, a auto-imagem.

O egocentrismo, que a partir do ponto de vista cognitivo é a projeção da experiência de si mesmo para
interpretar a realidade, é um fenômeno típico da infância; mas não só tem significação puramente estética. É,
evidentemente, uma aprendizagem, predominantemente uma aprendizagem social, mas significa também a
tentativa de chegar a um “domínio e controle do ambiente” (Mischel, 1981). Neste afã de conhecimento,
domínio e controle do ambiente se vê com clareza a tendência a sentir-se superior, ou seja, possuidor de uma
peculiar dignidade a respeito do mundo em volta.

Estreitamente vinculado ao desenvolvimento do sentimento de dignidade está o autoconhecimento,


idéia básica na psicologia do eu, ou seja, do núcleo central da personalidade humana como um todo. Uma
série de termos, dissimulando-se uns para outros indicam a complexidade do tema. Como em tantas ocasiões,
se encontram muitas definições nas quais se fala de processos psicológicos de percepção, aprendizagem,
memória, consistentes em “uma imagem visual da aparência do próprio corpo, imagem auditiva do som do
próprio nome, imagens quinestésicas e amorfas, e recordações de acontecimentos pessoais” (Ausubel, 1991).

A evolução do conceito de si mesmo, estreitamente ligado ao sentimento de dignidade, constitui um


longo processo desde os dois primeiros anos da vida, nos quais se alcança um certo “conhecimento sentido”
ou “sentimento percebido” do próprio eu em relação, e até oposto, aos demais. Este conhecimento germinal se
utiliza como ponto de referência pelo que a criança se distingue de todos os demais. Quando uma criança diz
“eu quero isto” ou “isto é meu” está utilizando seu autoconhecimento como ponto de atribuição de direitos e
fundamento de seus pedidos e reclamações. O citado Ausubel assinala três estados no desenvolvimento do
eu. Um primeiro estado de “eu onipotente” (desde os primeiros meses até os dois anos e meio,
aproximadamente), em que a criança se considera capaz e deseja ter tudo e fazer tudo; o estado de
“satelitização” (depois dos três anos até a puberdade), no que vai descobrindo suas impotências concretas e
busca para remediá-las a adesão a alguém, normalmente um adulto da família em quem confiar e ao qual se
submete; um terceiro estado, o da “dessatelitização”, significa voltar a tomar a atitude de independência. É
nesta fase, sem dúvida alguma, onde o sentimento de dignidade aparece claramente, constituindo uma das
características próprias da adolescência. Satelitização e dessatelitização valem tanto como dependência-
independência. Em boa medida, a passagem da primeira para a segunda pode ser interpretada como um
caminho para a capacidade de agir livremente da criança.

Quanto à segurança, basta contemplar o espetáculo do mundo atual para ver que o problema da
segurança, tanto nas grandes sociedades como nos Estados, como nas pessoas individuais, é um dos mais
estimulantes problemas que perturbam a vida de hoje. Pelo que se refere à criança, basta tomar algumas
palavras de Tucker: “Todas as crianças mostram certa tendência ao medo ante os estranhos, que se faz
patente na segunda metade de seu primeiro ano de vida (...) Geralmente, desde que surge este tipo de atitude,
a criança busca refúgio junto a um membro da família ao apresentar-se um estranho. A reação ante os objetos
e situações não familiares é parecida. Mas, se a criança se encontra em um posição segura, talvez no colo de
alguém a quem conhece bem, então se sente capaz de explorar as novas situações, sempre que possa
regressar à sua base rapidamente, caso que se apresentem novos motivos de alarme” (Tucker, 1982, 70).

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A CRIANÇA COMO PESSOA. PANORÂMICA DE SUA EDUCAÇÃO

A respeito da solidariedade não é mister empregar nem muitas palavras nem muito tempo. Só há de
observar uma criança no marco da família, no campo de jogos ou na escola para vê-la imediatamente atuando
como membro do grupo, sem que por isso desapareça a capacidade para que em outra ocasião se concentre
em um jogo solitário.

1.3.2 Tendência à alegria

Parece desnecessário falar da tendência à alegria nas crianças; em circunstâncias normais, estão
prontos ao riso e prontos ao choro. O riso parece uma confirmação de sua tendência à alegria; mas também o
choro e as expressões de tristeza, tão chamativos na criança em ocasiões, são confirmação de sua tendência
a sentir-se satisfeitas, alegres. A razão é que, dada a ambivalência dos valores – ao bem se opõe o mal, à
beleza, a fealdade, à posse de algo, sua carência -, quanto mais fortemente se deseja algo mais fortemente se
reage contra a impossibilidade de alcançá-lo ou contra sua perda. O choro frente ao que desagrada é
testemunho da intensidade do prazer que se teria se houvéssemos alcançado o agradável. Não é aventurado
dizer que a criança se alegra e se entristece ou se irrita com um caráter de totalidade. Ri e chora com todo o
corpo; os gritos ou as risadas vêm acompanhados de animação nos olhos, gritos, movimentos de pés,
movimentos de braços, movimento do corpo inteiro. White diz que nada pode justificar a constante mobilidade
dos jovens como a própria satisfação que encontram na mera atividade (White, 1967). A confirmação definitiva
da tendência à alegria na criança se acha no fato de que o jogo, sua atividade universal, não é outra coisa que
atividade prazerosa em si mesma.

Nunca é demais recordar que a alegria não tem fundamento em si mesma, senão que se apóia em um
bem alcançado. As fontes da alegria, nas que, por sua vez, se resumem as motivações na vida da criança,
podem ser resumidas em duas: a atividade gratificante e a convivência. Uma atividade é fonte de alegria,
prazer ou satisfação quando responde à própria iniciativa, quando resulta agradável em si mesma ou quando
se espera obter um prêmio no resultado do próprio trabalho.

Se a atividade é fundamentalmente trato com coisas, a convivência é relação com pessoas; já se tem
falado da abertura social da pessoa humana e também da criança. Basta dizer aqui que a convivência é fonte
de alegria quando nela a espontaneidade não se restringe porque o sujeito se sente integrado na comunidade
e ao mesmo tempo aceito pelos outros. Esta aceitação da pessoa e de suas obras é outra das grandes
motivações da vida infantil.

Lembre-se também que a alegria está condicionada pela vivência da criança no âmbito em que vive,
prelúdio de sua posterior vivência do posto que ocupa no mundo. A experiência positiva de sua situação no
âmbito de vida se encontra condicionada, tal como já se disse em páginas anteriores, pelos sentimentos de
segurança, dignidade e solidariedade.

1.3.3. Predomínio sensório-motor. Curiosidade

O sentido coloquial que comumente se dá à atividade ou à ação coincide com sua acepção primitiva de
“origem do movimento”. Na atividade, nosso organismo se põe em movimento para entrar em relação com seu
entorno. E é talvez a atividade a primeira impressão que recebemos ante a presença de uma criança. “A
criança inicia suas interações com seu entorno desde o próprio momento que vê a luz”, diz Tucker (1982, 65).
Mas fica limitada esta expressão, porque as recentes pesquisas sobre o desenvolvimento do feto mostram que
já no seio materno o novo ser reage a diferentes estímulos sensoriais. Sua entrada no mundo é a de um ser
disposto a atuar nele, ordenando as diferentes sensações que recebe de seu entorno. Piaget destaca o caráter
dinâmico do começo da vida humana, dizendo que seus dois primeiros anos constituem a etapa de
desenvolvimento sensório-motor. Durante esta primeira infância, a criança muda a partir de um ser que
necessita de constante ajuda até um sujeito que domina as bases do desenvolvimento das grandes destrezas
motoras (Cartwrigh e Peters, 1982, 481).

Convém destacar que, dado o caráter predominantemente sensível nestes dois primeiros anos, a vida
da criança se rege por reações primárias, a espontaneidade é uma das características predominantes da
infância.

O caráter repentino próprio das reações primárias e da espontaneidade destaca, por sua vez, o caráter
pré-temporal dos primeiros anos infantis. A criança começa por não ter consciência do tempo, razão pela qual
busca uma satisfação imediata de suas necessidades e uma gratificação, também imediata, de seus atos,
tanto no resultado dos atos próprios, como na aprovação daqueles que a contemplam.

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A CRIANÇA COMO PESSOA. PANORÂMICA DE SUA EDUCAÇÃO

Não parece manifestar-se uma grande diferença entre os movimentos desta primeira etapa da vida e
os que realiza um animal vertebrado. Entretanto, o desenvolvimento motor se orienta para um duplo domínio
do mundo físico: o do próprio corpo e dos objetos que se utilizam na vida diária. Esta última manifestação já
diferencia claramente a vida da criança da de um animal. Mais adiante aludirei ao finalismo implícito nos atos
da criança.

Os primeiros movimentos do bebê não só indicam sua tendência à manipulação das coisas; são
também indicadores da curiosidade, porque se sentem inclinados a explorar tudo que os rodeia; basta ver os
movimentos da cabeça e dos olhos em uma criança de poucas semanas, para dar-se conta do elemento
cognitivo que se persegue quando olha e dá atenção para o lugar de onde vem um estímulo novo. Mas a
criança apenas tem capacidade de atenção continuada, precisamente por sua escassa ou nula vivência do
tempo; a descontinuidade é também uma característica infantil. Isto não quer dizer que seja impossível para a
criança a atenção continuada para um fato ou um objeto determinado; muitas vezes as vemos presas de
movimentos ou brincadeiras dos adultos; a atenção depende do interesse imediato. A descontinuidade, tal
como aqui se entende agora, é justamente a característica de uma atenção que não exige esforço voluntário;
se move por interesses sensíveis e imediatos. A curiosidade é a primeira fonte de conhecimento, mas se
caracteriza precisamente por ser como um instinto; o estudo em sentido estrito, ou seja, uma atividade
voluntária para aprender, é fenômeno que aparecerá mais tarde e que constitui uma das características
diferenciais entre a escola e outros âmbitos educativos (Benedict, 1935).

1.3.4 A brincadeira
Ao falar da atividade infantil, obriga-se a mencionar explicitamente a brincadeira, que em seu aspecto
material tem manifestações parecidas às dos jogos de alguns animais, mas que também tem características
próprias do ser humano. Não vou entrar agora em detalhes da questão, porque um capítulo deste mesmo livro
está dedicado ao estudo deste modo de vida infantil. Basta dizer que é uma típica e universal ocupação da
infância (Sutton-Smith e Roberts, 1981) e que nela se desenvolve não só uma aprendizagem mecânica, mas
também uma aprendizagem do sentido da realidade. É também manifestação clara da iniciativa, que se
evidencia no fazer e no pedir (Tucker, 1982, 62).

As primeiras manifestações da vida humana nascem como expressão das necessidades que a criança
tem: alimento, limpeza, postura conveniente. Logo, nas primeiras semanas, pode se apreciar com clareza que
a criança recebe com prazer novos estímulos e reage com uma atitude de jogo contínuo, de tal sorte que
pouco a pouco vai organizando suas sensações, capacitando-a progressivamente para conhecer e manipular
melhor os objetos que a rodeiam. A brincadeira é um meio de aprendizagem através da experiência. Em
especial, os jogos construtivos – um castelo com blocos, uma ponte na areia, uma obra plástica – contribuem
para a promoção do hábito de esforço contínuo. Neste afazer, o jogo é um fator positivo na promoção e reforço
da alegria na atividade.

1.3.5 A linguagem. Aptidões culturais e relações sociais


A abertura social, sem a qual as crianças não podem satisfazer suas próprias necessidades, dá origem
à linguagem, que começa por ser uma atividade não-verbal – choro e movimentos – para pedir ajuda material e
afeto.
A aquisição da linguagem verbal, tipicamente humana, no que tem de aprendizagem social, é também
uma amostra da crescente dignidade da criança, que em suas relações sociais vai substituindo, ainda que não
desapareça totalmente, a linguagem não-verbal de gestos e gritos, em parte semelhante à dos animais, pela
linguagem falada, propriamente humana. A criança “dirige sua linguagem aos adultos melhor que às outras
crianças” (Ames, 1979, 26); uma clara amostra de que é caminho de crescimento mental com o que a criança
se aproxima do adulto.

Assim como o jogo é um meio de aprendizagem principalmente pela experiência, a linguagem é um


meio de aprendizagem principalmente pela comunicação. Ao terminar o primeiro ano de sua vida, a criança já
é capaz de pronunciar alguma palavra; as sucessivas palavras que vai aprendendo são indicadores clássicos
dos conhecimentos que adquire, ao mesmo tempo que desenvolve sua capacidade para fazer perguntas e
formular pedidos.

A linguagem mostra igualmente como a criança vai ordenando o mundo que tem a seu redor. Esta
ordenação progressiva vai tornando-a capaz de realizar atividades programáveis de antemão, colocando-a em
disposição de uma atividade pré-escolar que pode considerar-se principiante até os três anos, desenvolvendo
a capacidade de atenção sustentada e a de cumprir uma tarefa.
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A CRIANÇA COMO PESSOA. PANORÂMICA DE SUA EDUCAÇÃO

Embora a linguagem verbal seja a tipicamente humana, não se devem esquecer as formas de
linguagem e comunicação não-verbais. Em conjunto, umas e outras permitem entrar na atividade sistemática,
chegando a criança a ser capaz de obras ou atos nocionais que se manifestam no enriquecimento do
vocabulário e também de obras materializadas em produções numéricas ou plásticas.

Na relação social, que constitui a base da linguagem, a criança encontra segurança; em seus
conhecimentos através da capacidade de perguntar e em suas necessidades e atividades, a capacidade de
pedir e a esperança de encontrar ajuda.

Tanto que dirigido aos adultos, a linguagem infantil vai se enriquecendo por via de imitação – sem que
a imitação se reduza unicamente à linguagem – e tanto que dirigido a seus colegas, é um forte laço de
solidariedade que facilita e dá sentido à comunicação e convivência. Se o jogo é fundamento de satisfação na
obra feita, a linguagem fundamenta a alegria na convivência.

1.3.6 O mundo dos valores: estética, ética, religião

Uma questão polêmica deve ser estabelecida antes de terminar estas curtas reflexões sobre as
características da vida infantil: a incidência que nela tem o mundo dos valores.

É obrigação falar em primeiro lugar da assombrosa capacidade estética das crianças para perceberem
e expressarem a beleza. Fácil é observar sua disposição para o movimento e ritmo em palavras, sons e
movimentos, assim como sua aptidão para a criação musical e plástica sempre que lhes dê ocasião e
disponham de material.

A atribuição de caráter ético aos atos, e pelo mesmo à vida da criança, tem duas significações: em
primeiro lugar, um peculiar influxo na vida infantil, mediante o qual se vá dispondo o sujeito para realizar obras
cada vez mais acordes com a dignidade e as exigências da pessoa humana. Em segundo lugar, consciência
do bem e do mal como elemento atribuível aos próprios atos.

O primeiro dos sentidos responde à influência do lar na criança, posto que esta, com independência de
que seja ou não consciente disso, se vai fazendo cada vez mais capaz, vai desenvolvendo a possibilidade de
agir de acordo com as normas éticas da existência humana, do mesmo modo que vai desenvolvendo outras
aptidões ou capacidades de tipo mental ou conativo. A segunda das significações vai realizando-se em virtude
do contato com os adultos.

Após as motivações que acabam de ser mencionadas, a satisfação das necessidades e o impulso para
o prazer, começa a agir na criança, ao finalizar o primeiro ano da vida, a capacidade de adaptação às normas
externas de conduta que lhe vêem daqueles que com ela convivem. Esta segunda significação é a que se
costuma ter em conta nas pesquisas relativas ao desenvolvimento da capacidade moral da criança.

Os trabalhos de Piaget e Kohlberg (Piaget, 1932 e Kohlberg, 1978) constituem a mais importante
contribuição a este problema. Como se sabe, as pesquisas destes autores se situam no marco da teoria
cognitiva, que termina descrevendo o desenvolvimento geral da criança e, em concreto, o desenvolvimento
moral em duas etapas sucessivas, duas segundo Piaget; três níveis segundo Kohlberg . Ambos os autores, em
definitivo, coincidem em considerar o desenvolvimento moral da criança como um caminho que vai desde uma
moral heterônoma a uma moral autônoma, ou seja, de uma moral nascida nos conceitos de outros até uma
moral que se justifica na própria consciência de cada um.

A compreensão e a utilização de palavras referidas às coisas bem feitas ou mal feitas, capacidade que
na criança se dá no segundo ou terceiro ano de vida, indica a iniciação de uma consciência moral que a
experiência da criança e os ensinamentos que receba irão desenvolvendo paulatinamente.

Na evolução do conceito de si mesmo, questão já mencionada, a criança vai adquirindo a experiência


que a leva a distinguir entre os acontecimentos que simplesmente contempla e aqueles outros cuja realização
se deve a seus próprios esforços. O conhecimento de si se constitui em ponto de controle (Arter, 1978;
Gilmore, 1978). O “ponto de controle” serve como base para a atribuição de causa ao próprio sujeito, e dá
nascimento, por essa razão, ao sentido de responsabilidade.

Concedendo-lhe maior ou menor ênfase, pode-se ter como idéia comum a de que o desenvolvimento
moral da criança se encontra estreitamente influído pelo ambiente social (Ross, 1988), assim como a influência
religiosa (Vergling, 1990) que, em ambientes idôneos começa a manifestar por volta dos quatro anos.

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A CRIANÇA COMO PESSOA. PANORÂMICA DE SUA EDUCAÇÃO

A influência do fator religioso começa com a capacidade da criança, que costuma a ser alcançada por
volta do quarto ano de vida, para transladar, antropomorficamente, para um mundo imaginativo e supra-
sensível, determinadas pessoas e situações da vida familiar.

1.3.7 O sentido da vida na singularidade infantil


Em páginas anteriores, se mencionou o finalismo, um dos conceitos essenciais devidos a Piaget
(1978). O conceito piagetiano se refere à finalidade imediata das crianças, tanto que todos os seus atos têm
um fim que pode ser a construção de um objeto material ou pode ser o descobrimento inicial de uma relação
de causa entre dois fatos diferentes. A idéia de finalismo que agora interessa, transcende a mentalidade da
própria criança, como efeito de uma tendência superior a quem realiza o ato; nas operações infantis pode se
descobrir uma finalidade intrínseca na própria obra, com independência da finalidade mais ou menos
consciente do que a realiza. E esta finalidade não é outra senão a de ir aproximando o pequeno ser humano
para o desenvolvimento pessoal completo.

1.4 PRIMEIRA CONSEQUÊNCIA PEDAGÓGICA. A PESSOA NAS RELAÇÕES EDUCATIVAS

Na descrição da vida familiar, que tem servido de base para as reflexões anteriores, chegou-se à
conclusão que na vida da criança se manifestam as características da pessoa humana. Espero que tal
conclusão ficará reforçada com a breve incursão que se acaba de fazer na psicologia da criança.

Atribuir à criança a condição de pessoa não é uma questão puramente retórica. Se os atos
supostamente educativos não se orientam à perfeição de cada pessoa humana, em alguma de suas
manifestações, a educação perde sua essência; deixa de ser tal para converter-se em um puro adestramento.
Em particular, tem uma clara incidência no modo como se relacionam o educador e a criança. Atribuindo a um
e outro a condição de pessoas, sua relações não podem ficar no puramente objetivo, próprio da relação
didática ou de qualquer outro tipo de relações exteriores. A relação entre eles deve ser – parece uma repetição
– pessoal.
Na relação puramente didática, o objetivo de ensino – o que a criança deve aprender – é o foco de
atenção de educador e educando. O professor e o aluno se defrontam com um objetivo que deve ser
aprendido. Trata-se de uma relação pessoa-objetivo material; nesta, os campos se encontram bem
delimitados. A pessoa é a que olha, a que tenta penetrar no ser da coisa olhada e adquirir a imagem ou a idéia
que a representa. O objeto, por sua parte, é simplesmente o que se olha. A atividade é algo que realiza
unicamente quem olha e conhece. O objetivo de ensinamento e de aprendizagem é a coisa olhada, observada,
conhecida, sem que de nenhum modo olhe, observe e conheça.

Mas a relação didática pode ser considerada existente em sua pureza só dentro dos níveis superiores
de educação institucional, no caso de um ensinamento inicial em que a criança necessita ser atendida e guiada
constantemente para reforçar sua atenção e sua capacidade perceptiva, qualquer relação tem um caráter
pessoal. A professora ensina um objetivo mas não afasta a vista do pequeno sujeito ao que lhe quer ensinar
algo. Por sua parte, este se encontra em qualquer momento disposto a afastar o olhar do que tem que
aprender e fixá-lo em sua professora. Não se trata de uma relação pessoa-objeto, mas de uma relação entre
duas pessoas.

Na relação pessoa-pessoa os dois termos são por sua vez sujeito e objeto, observadores e
observados. Isto quer dizer que na relação interpessoal do docente e o discente, um e outro são ao mesmo
tempo sujeito e objeto. A professora, queira ou não, influi com sua pessoa – sua presença e seus atos – na
pessoa da criança. Ainda que sua responsabilidade primeira seja a de estimular qualquer aprendizagem
concreta, não se pode eximir de uma certa responsabilidade nas reações e, através delas, na pessoa do
pequeno estudante.
Por outro lado, a noção de pessoa leva dentro de si a idéia de dignidade. Quer dizer que se a criança é
uma pessoa deve se reconhecer a mesma dignidade ontológica que se reconhece para um adulto. A criança
não pode ser simplesmente um objeto encantador, cujo trato nos relaxa com suas ocorrências e atitudes; como
tampouco pode ser simplesmente o sujeito incômodo que nos aborrece com suas impertinências ou com suas
birras. Tanto que pessoa é, ainda que pareça estranho tratando-se de uma criança pequena, um sujeito que
tem direito a ser olhado com o mesmo respeito que uma pessoa adulta. E respeito quer dizer não só
reconhecimento de sua dignidade, mas sobretudo atuação congruente com ela, ou seja, aceitação e
compreensão de sua capacidade de atividade, de um espírito de iniciativa, de sua necessidade de ajuda real,
que não é anular suas atuações, mas criar um ambiente adequado para que dentro dele possa fazer uso de
todas as suas possibilidades.

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A CRIANÇA COMO PESSOA. PANORÂMICA DE SUA EDUCAÇÃO

A personalização educativa resulta fácil na primeira educação infantil. Todos os elementos da situação
educativa nestas idades estimulam este tipo de educação. A flexibilidade de programações e conteúdos da
aprendizagem, a fácil mobilidade nos agrupamentos infantis e distribuição de tempos, a disponibilidade das
crianças para dedicarem-se a múltiplas atividades, sugeridas pela professora ou estimuladas pelo próprio
ambiente e material de que dispõe o centro, e, finalmente, o reduzido número de alunos a cargo de uma
professora, em comparação com outros níveis de educação, assim como a disposição espontânea das
crianças para chamar a atenção de sua professora, são algumas entre outras tantas condições deste tipo de
educação que parecem estar pedindo uma educação personalizada.

No quadro 1, sintetizam-se as características da vida infantil que podem servir de fundamento para
uma educação personalizada.

QUADRO 1. CARACTERÍSTICAS DA VIDA INFANTIL

- Abertura à realidade
Egocentrismo e domínio
Inicial auto-imagem
Insegurança. Solidariedade
- Tendência à alegria
Na atividade
Na convivência
- Predomínio sensório-motor
Reações primárias. Espontaneidade. Curiosidade.
Descontinuidade
- Jogo
Iniciativa. Aprendizagem na experiência
- Linguagem
Relações sociais
Aprendizagem na comunicação
Aptidões culturais
- Valores
Expressão estética
Moral heterônoma
- Finalismo

1.4.1 O risco pedagógico da ambivalência infantil

Já se tem dito repetidas vezes que a criança vive sua vida de ser humano com o estilo infantil. Tem de
se ver a pessoa em cada criança como uma grande possibilidade, mais que como realidade já feita.
Possibilidade de trabalhar e de receber.

Como possibilidade de trabalhar, a criança tem uma potência extraordinária; todas as possibilidades de
ação humana estão abertas ante dela. Igualmente, tanto que possibilidade de receber, a criança é um foco de
sensibilidade aberta a todos os estímulos do ambiente, assim como às próprias forças genéticas de sua
personalidade. Na criança se dá o paradoxo de estar disposta a tudo mais que energia, e de não ter quase
nada mais que vida feita. Essa mistura de indigência e capacidade explica a extraordinária rapidez do
desenvolvimento nos primeiros anos da vida e, por essa razão, a excepcional importância dos primeiros
tempos do viver humano. Por outro lado, todas as disposições da criança atuam com uma finalidade, a de
crescer e desenvolver-se até alcançar a plenitude da pessoa humana.

Com toda razão, Claparède, no início do século, disse da criança que sua característica fundamental é
ser candidato (Claparède, 1972, 58-59). Candidato a homem adulto. A criança vive de modo diferente do
adulto, mas se orienta pela vida do adulto. É candidato a homem completo. A experiência comum destaca esta
condição. Basta ver a satisfação com que uma criança pega como brinquedo as coisas de sua mãe, as chaves,
uma escova, qualquer utensílio de sua casa; por outra, em boa medida, os atos infantis são imitação dos do
adulto.

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A CRIANÇA COMO PESSOA. PANORÂMICA DE SUA EDUCAÇÃO

Esta dupla condição da vida infantil em relação à do adulto leva consigo, por sua vez, um duplo risco
que deve ser esguelhado. Tendo presente a diferença entre ambas as vidas, pode-se cair na tentação de
puerilizar a vida da criança, reduzindo suas atividades aos interesses e possibilidades imediatos e, por outro
lado, pode-se correr o risco contrário de que a criança atue como um adulto. É mister um espírito e uma atitude
compreensivos nos que a criança se coloque em condições de agir de acordo com sua maturidade e que este
agir, por sua vez, tenha sentido em posteriores situações e atividades.

Não é difícil evitar os riscos apontados. A própria natureza humana oferece solução. Basta considerar
que as grandes funções da vida começam a realizar a partir do primeiro momento da existência: a recepção de
estímulos e a reação com respeito a eles são atos que inclusive no feto tem-se podido observar. Transladando
esse pensamento à vida comum não é difícil ver que as grandes funções em que se apóia o pensamento
humano, preferentemente a observação e a manipulação da realidade, são atividades que as crianças
realizam. A criança olha, escuta, pega as coisas, as manuseia, fixa a atenção no que tem à sua volta. Atender,
olhar, escutar, falar, andar, manipular as coisas, são atos que respondem a determinadas atitudes que vão se
aperfeiçoando na própria atividade. A diferença consiste em que, à medida que vai transcorrendo a vida, o ser
humano muda de interesse e vão sendo diferentes os objetivos aos quais aplica sua atividade. Se a criança
observa onde está o botão que tem que apertar para que seu carro ande, para pará-lo ou para mudar de
direção, quando for jovem e adulto será capaz de examinar o motor e ver o que acontece para que funcione
ou não funcione; a criança conta as bolas de um ábaco ou de uma caixa, depois será capaz de realizar
operações matemáticas complicadas. Há uma linha contínua de união entre as atividades da infância e as que
se realizarão depois na idade adulta e na ancianidade, como há uma linha contínua no desenvolvimento
biológico desde a infância até a velhice.

1.5 A CRIANÇA E SEUS ÂMBITOS EDUCATIVOS


Dito está, de muitas maneiras, que o conceito de pessoa inclui as idéias de distinção e relação. A
criança, da mesma forma que o adulto, por ser pessoa, tem seu próprio ser, intransferível; mas, se dá o
paradoxo de estar necessariamente aberto à comunicação com a realidade exterior. Nesta abertura radica a
necessidade de que, se se quiser entender qualquer sujeito humano, seja necessário encará-lo enquanto tal,
mas também ao marco referencial de toda comunicação, ao âmbito no qual vive.

Para compreender o homem, é necessário encarregar-se da comunidade familiar como primeiro


âmbito de desenvolvimento pessoal, posto pela natureza, absolutamente necessário para o desenvolvimento
do ser humano. Justamente a primeira característica diferencial que se repara na criança, a respeito do adulto,
é sua relativa fragilidade corporal e, provavelmente, uma das impressões que a criança tem de si própria e de
sua situação, é a de encontrar-se em um lugar povoado de gigantes (Tucker, 1982, 63). À pequenez de seu
corpo corresponde a pequenez dos âmbitos em que se desenvolve sua vida. Em primeiro lugar, o lar familiar,
que é praticamente o único âmbito em que transcorre a primeira infância.

Mais assim como em sua pequenez, reside a força que atrai a ajuda dos adultos, na pequenez de seu
âmbito reside a intensidade de suas relações com ele.
Mas também o tempo pode ser interpretado como âmbito, encontrando-nos com uma realidade que
também resulta mais limitada na criança que no adulto. Enquanto neste opera a recordação do tempo passado
e a previsão do futuro, a criança vive no presente.

O tempo presente e o espaço familiar são os principais condicionantes da vida e da educação infantis.
A vida irá sendo uma ampliação de tais âmbitos, da pequena comunidade familiar às grandes sociedades
culturais, econômicas, políticas e à humanidade inteira, e do tempo presente à aceitação do passado, a
preparação do futuro e o enfrentamento com a certeza do fim do tempo.
As transformações sociais da época industrial foram aparando as possibilidades de ação familiar. As
crescentes dificuldades da família, para atender e educar os filhos, vêm tentando ser dissimuladas por outras
instituições – sociais e educativas – que tentam ajudar a família em suas responsabilidades. Entidades como
berçários, creches, escolas maternais, jardins de infância, nasceram para desempenhar este papel que tem
seu sentido quando de verdade são coadjuvantes ou complementárias, e não obstaculizadoras das tarefas
familiares.
A quadra de jogos, com seu caráter aberto, não necessariamente institucional – trate-se de um parque
público ou de um espaço privado –, vem a ser uma extensão da família e das instituições pré-escolares.
Família, quadra de jogos, escola infantil pré-escolar são os três âmbitos espaciais em que se desenvolvem a
vida e a educação dos primeiros anos da infância, digamos que até os seis anos aproximadamente. Não será
demais ter presente que o ideal da educação, nestes anos, é a harmonia entre a ação dos três âmbitos na vida
da criança, cada um com suas características e ação peculiares, reforçando-se mutuamente.
13
A CRIANÇA COMO PESSOA. PANORÂMICA DE SUA EDUCAÇÃO

Não vou entrar em uma detalhada referência particular a cada um destes três âmbitos, que já têm seu
tratamento correspondente neste Tratado de Educação Personalizada. Creio que serão úteis, entretanto,
algumas reflexões encaminhadas para mostrar como as exigências da educação personalizada têm cabimento
na educação infantil, precisamente porque a criança é uma pessoa não só em seu sentido sincrônico, isto é, na
medida que na criança já se dá a unidade entre os diversos componentes da pessoa humana, mas também
em um sentido diacrônico, ou seja, que a educação infantil sendo infantil – respondendo às possibilidades e
limitações desta etapa da vida humana, não fica encerrada em si mesma, mas que, como já foi dito, é o ponto
de partida do caminho ou dos caminhos que levam à plenitude humana.

1.6 A DUPLA INSTITUCIONALIDADE DA EDUCAÇÃO INFANTIL PRÉ-ESCOLAR

Antes de falar em concreto da educação infantil como atividade sistemática, é mister encarregar-se de
que não se trata de uma atividade escolar unicamente, nem sequer primordialmente. A dependência familiar da
criança é fator decisivo em sua vida e também em sua educação. Por esta razão, convém ter presente que a
ação educativa familiar não só é primeira no tempo a respeito de qualquer outro tipo educativo, senão também
que continua sendo o fator mais influente na vida da criança que, além disso, condiciona qualquer outra
atuação educativa. Em outras palavras, falar de educação infantil requer começar por falar da educação
familiar. Em anos posteriores a escola irá complementar a ação da família. Família e escola são duas
instituições – natural, uma; cultural a outra – em que normalmente transcorrerá a vida da criança até chegar a
suas responsabilidades de adulto. Com eles, outros fatores – o mundo do jogo da criança – e outros ambientes
influirão em sua vida e configurarão sua personalidade.

1.7 TENDÊNCIAS E HÁBITOS

Qualquer que seja o âmbito e as atividades que a criança realize, para que sejam educativas é mister
que respondam às tendências fundamentais do homem que, como repetidamente se tem dito, se iniciam na
vida infantil, ao começar a própria vida do ser humano.

Não é questão de repetir aqui o conjunto de tendências cuja satisfação constitui a vida humana, mas
vale a pena ressaltar as que são fundamentais e que vêm a resumir-se em duas: a tendência à alegria, como
síntese do desejo de perfeição que há no homem, e a tendência à iniciativa em suas atividades, já que elas
constituem o meio universal de educação. As duas tendências mencionadas devem estar operantes em
qualquer atividade educativa. As atividades como princípio eficiente e a vida feliz como finalidade.

As atividades que de fato a criança pode realizar no momento e situação em que se encontre são a
base e o ponto de partida para sua educação. A alegria que nelas pode encontrar é como a realimentação
constante, mediante a qual não só se conservam, mas que se aumentam as energias para trabalhar.

Toda a educação se resume na formação de novos elementos na pessoa humana, para criar
disposições estáveis que lhe permitam trabalhar bem, tomando esta palavra em todos os seus sentidos.

Uma disposição permanente para agir de um modo determinado se vem chamando tradicionalmente
hábito. O apreço e a utilização do vocábulo hábito tem sofrido modificações, especialmente devidas à atitude
negativa frente à corrente aristotélica da Filosofia. Apesar de tudo, a palavra continua se mantendo como
tendência a reagir de maneira semelhante em situações semelhantes. Trata-se de uma qualidade adquirida
pela experiência e no significado originário implica as notas de fenômeno tendencial, caráter permanente
adquirido, facilidade e satisfação na realização dos atos. Um hábito vai se adquirindo, mantendo e reforçando
quando uma pessoa estabelece as mesmas relações entre o estímulo e suas respostas em uma classe
específica de situações. O hábito adquirido significa qualidade estável, difícil de remover, em virtude da qual se
realiza determinado tipo de atos com facilidade, perfeição e complacência. É de notar que a teoria da
aprendizagem é provavelmente o campo psicológico em que mais se utiliza este conceito. A educação pode
ser entendida como formação de hábitos para agir bem; na linguagem clássica, aquisição de virtudes; em
linguagem axiológica, capacidade de perceber e realizar valores; em qualquer caso, aperfeiçoamento das
potências naturais do homem.

14
A CRIANÇA COMO PESSOA. PANORÂMICA DE SUA EDUCAÇÃO

1.7.1 Hábitos do homem adulto e hábitos da criança

Posto que a educação se resolve na formação de hábitos, é obrigação uma pergunta: que hábitos deve
promover?

A resposta é fácil: todos os hábitos que aperfeiçoem a natureza humana e a cada pessoa em
particular. Em outras palavras, a educação deve promover os hábitos que têm sentido positivo na existência de
cada pessoa, ou seja, as virtudes e os valores.

Após a fácil resposta que acaba de ser mencionada, surge o problema da identificação de tais hábitos,
e como se sabe que são muitos, também existe um problema de ordenação ou classificação.

Se se tratar da educação do homem em geral, é preciso retratar ou aceitar um sistema de hábitos


valiosos que cubram todas as manifestações da vida humana. Tal sistema servirá como marco de referência
para selecionar aqueles hábitos que se acomodem, ou seja, tenham maior sentido na vida pessoal de cada
sujeito determinado. Mas, tratando-se da educação infantil, o aludido sistema de hábitos de realizar de um
modo sui generis. Não podemos desprezá-los porque, segundo se disse em páginas anteriores, a criança é
uma pessoa humana que, enquanto tal, tem as tendências fundamentais do adulto; mas as tendências se
manifestam de diferentes modos. É nos apresentado aqui a questão da igualdade e da desigualdade
simultânea de crianças e adultos. Como seres humanos são iguais, mas como crianças, diferem dos adultos.

O sistema de hábitos e valores próprios da idade adulta serve como ponto de referência final da
educação. A manifestação infantil de tais hábitos deverá servir como base de partida. O processo educativo se
converte no caminho de enlace entre os hábitos possíveis na vida infantil e os hábitos necessários da vida de
adulto. Sobre este suposto, é fácil ver que a autêntica e eficaz educação infantil não consiste em substituir as
atividades – e muito menos as iniciativas – de cada criança, mas em fazê-las frutificar, dando-lhes
possibilidades de realização. Uma vida intensamente infantil é, por sua vez, a melhor preparação para uma
vida intensamente adulta.

Para concretizar, no terreno prático, as idéias que acabam de se expor, é necessário ter uma noção
clara do sistema de hábitos que cubram a existência do homem em sua plenitude de desenvolvimento, como
antes se disse, mas também é mister possuir uma idéia clara dos hábitos suscetíveis de serem alcançados na
idade infantil. Cada um destes sistemas constitui os dois mundos que devem ser enlaçados.

Examinando a realidade da vida em geral e a realidade da vida particular nos âmbitos educativos, se
encontra uma semelhança básica que pode servir de razão comum para ordenar as atividades educativas
infantis, de tal modo que, respondendo aos interesses infantis, sirvam também como base para o posterior
desenvolvimento da educação.

Tanto na vida como nos âmbitos educativos, há hábitos que são necessários para o viver cotidiano de
qualquer homem, a fim de tornar possível a comunicação humana, e há, ao lado deles, hábitos específicos
próprios dos diferentes tipos de cultura que se tem desenvolvido ao longo da História. Hábitos de vida diária e
hábitos de cultura. Os primeiros podem ser considerados como hábitos naturais que se adquirem na
convivência diária, enquanto que os outros são hábitos técnicos que se orientam a um determinado tipo de
cultura e trabalho.

Os hábitos da vida diária são os principais constitutivos do ambiente em que se vive. A aquisição de
hábitos técnicos requerem uma programação específica de atividades provocadas. Poderiam também ser
considerados como hábitos de vida diária e hábitos de cultura. A educação será completa na medida que, de
acordo outra vez com o princípio de distinção e complementariedade, torne possível e acessível a aquisição de
um e outro tipo de hábitos que não se contrapõem entre si, mas que se apóiam mutuamente.

Como a ação do ambiente é o primeiro influxo educativo que o homem recebe, parece natural que na
educação se comece por atender, em primeiro lugar, aos hábitos da vida diária porque é nela onde se devem
inserir os hábitos de cultura e trabalho.

Todos e cada um dos três âmbitos da educação, que se mencionaram antes, exercem uma influência
em ambos os tipos de hábitos; mas está claro que o âmbito familiar e o âmbito de jogo apontam diretamente
aos hábitos da vida diária, enquanto que o âmbito pré-escolar já inclui uma iniciação dos hábitos culturais e de
trabalho.

15
A CRIANÇA COMO PESSOA. PANORÂMICA DE SUA EDUCAÇÃO

1.7.2 Hábitos de vida diária e hábitos de cultura na educação infantil

Na formação de hábitos para a vida diária é imprescindível utilizar a própria vida das crianças no centro
educativo. A atenção sistemática às obras incidentais (García Hoz e outros, 1991, 31-44) é um bom meio. No
Apêndice E, deste volume, se descreve um possível método para a formação deste tipo de hábitos no próprio
ambiente do colégio. Como pode se ver, consiste em selecionar e atender especialmente as obras incidentais
mais próprias das crianças, enquadradas nos três grupos seguintes:

- Obras referidas ao cuidado e ao uso das coisas.


- Obras referidas ao trato social.
- Obras referidas ao porte pessoal.

É fácil compreender que atos tais como: “guardar o material quando tiver terminado de brincar ou
trabalhar”, “limpar os instrumentos de trabalho, se ficam sujos depois de seu uso: pincéis, recipientes, canetas,
lápis”, “não jogar papéis no chão”, são atos que, através do uso cotidiano das coisas, contribuem para formar
hábitos de ordem e de esforço para fazer o que tem que se fazer. Atos tais como: “pedir as coisas por favor”,
“levantar a mão, ou fazer outro sinal conveniente, para indicar que quer se falar em classe”, “evitar os
empurrões nos colegas”, “compartilhar o material”, são também atos da vida infantil que contribuem a formar
hábitos de generosidade e de colaboração, base de toda a vida social. Outros atos tais como: “manter atados
os tênis ou sapatilhas de esporte”, “evitar roer as unhas”, dão entrada à formação da auto-imagem e a um
inicial sentimento de dignidade que começa a manifestar no porte pessoal. Ao estudar o ambiente educativo
em geral (García Hoz e outros, 1991,38) estabeleceu-se uma tabela de correspondências entre obras
incidentais e hábitos; ela serviu de base para o quadro 2.

QUADRO 2. CORRESPONDÊNCIA ENTRE AS OBRAS INCIDENTAIS E OS HÁBITOS DA VIDA DIÁRIA

Tipos de O.I. Hábitos

Ordem
Uso de coisas
Fortaleza
Limpeza

Justiça
Sinceridade
Trato social
Generosidade
Amizade
Colaboração
Responsabilidade

Decoro
Porte pessoal
Amabilidade
Alegria
Simplicidade

O quadro não deve ser interpretado de uma maneira rígida, como se só o uso de coisas exercesse
influência nos hábitos de ordem ou fortaleza. Tendo presente a relação que entre si mantenham os hábitos
tanto quanto qualidades de uma mesma pessoa, as relações expressadas no quadro devem ser entendidas
como relações principais, mas não únicas ou exclusivas. Um mesmo ato pode influir em mais de um hábito ou
motivação e, reciprocamente, um mesmo hábito pode se manifestar em diferentes atos.

Os hábitos da vida diária que acabam de ser mencionados, se adquirem e se reforçam em qualquer
âmbito, situação e atividade em que a criança age. Os hábitos de cultura se encontram relacionados
diretamente com o caráter preparatório, pré-escolar, que podem ter, e de fato têm, a educação infantil. Estes
últimos são os que prevalecem nos currículos escolares. No nível que estamos tratando, são principalmente
hábitos de caráter instrumental, e se sintetizam no cultivo das diferentes linguagens, verbal, numérica, plástica,
musical e corporal. Não vou entrar neles porque são tratados em sucessivos capítulos deste mesmo volume.

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A CRIANÇA COMO PESSOA. PANORÂMICA DE SUA EDUCAÇÃO

1.8 SÍNTESE. A EDUCAÇÃO INFANTIL NA EDUCAÇÃO HUMANA

Consideradas simultaneamente a peculiaridade da vida infantil e sua relação com a vida adulta, é
obrigação retratar um tipo de educação que tenha seu ponto de apoio nas características da vida infantil e
esteja aberto à continuação do processo educativo, até chegar à maturidade do adulto.

A última valorização de qualquer atividade ou programa de educação infantil consiste em comprovar –


na medida do possível – o grau de influência que tal atividade tem exercido na transformação de cada criança.
Não se esqueça que a educação transforma a quem se educa. Daqui que seja interessante perguntar-se
também se a transformação de cada criança tem iniciado o caminho que começa em suas características
próprias e se orienta para as qualidades de uma pessoa humana na plenitude de seu desenvolvimento. Trata-
se de uma transformação complexa com diversas manifestações entre as quais convém destacar as que se
indicam no quadro seguinte.

QUADRO 3. PONTO DE PARTIDA E META ORIENTADORA


NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Características
Características da vida infantil Meta orientadora
da vida humana (Ponto de partida)
Atividade Atividades senso-motrizes Operações controladas pela
vontade

Abertura ao mundo Egocentrismo Objetividade e solidariedade

Tendência ao bem Prazer sensível Alegria na atividade e convivência

Tendência ao Curiosidade Amor à verdade e esforço no


conhecimento estudo

Brincadeira Imitação, iniciativa, satisfação Reforço na atitude lúdica e de


alegria, estendendo-a a pequenos
trabalhos

Linguagem total Prática de todas as suas formas Aperfeiçoamento de todas as suas


manifestações

Linguagem verbal Vocabulário frases-palavra Composições complexas, verbais


Ordens escritas e escritas

Aspiração aos valores Sentido estético, Aperfeiçoamento de capacidades


Rotinas de vida diária e hábitos estéticas, racionalização de
de convivência hábitos transformando a moral
heteronômica em moral autônoma
e responsável
Sentido da vida Atos isolados e pequenos Grandes projetos de tempo e de
projetos atividades. Projeto pessoal de vida

O quadro 3 reúne as principais características da vida humana, as mesmas características em sua


vivência infantil, descritas em páginas anteriores, e as metas educativas que, apoiando-se na realidade da
infância, se hão de alcançar ao longo da vida humana. O mesmo quadro pode ser utilizado como critério para
apreciar se determinadas atividades ou programas educativos cumprem a dupla condição de enriquecer as
personalidades infantis e, ao mesmo tempo, abrir caminho para que todas e cada uma das crianças possam
recorrer eficazmente as sucessivas etapas da educação no transcorrer de sua vida.

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* * *

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CAMPOS E ATIVIDADES DA EDUCAÇÃO INFANTIL

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CAMPOS E ATIVIDADES
DA EDUCAÇÃO INFANTIL

Educardo Soler Fiérrez

2.1 A escolarização, uma grande mudança na vida das crianças.


2.2 Características da programação didática.
2.3 A programação nos distintos âmbitos da educação infantil.
2.3.1 A educação da corporeidade (sensibilidade e motricidade).
2.3.2 A educação da sensibilidade estética.
2.3.3 A educação intelectual.
2.3.3.1 A educação da língua.
2.3.4 A educação da vontade.

2.1. A ESCOLARIZAÇÃO, UMA GRANDE MUDANÇA NA VIDA DAS CRIANÇAS

A educação infantil, que compreende normalmente desde o nascimento até os seis anos, costuma se
desenvolver em dois períodos; um fundamentalmente familiar (zero a três anos) e outro com certo caráter pré-
escolar, no qual costuma se situar a escola infantil.

O ingresso na escola infantil vai supor, normalmente, um desprendimento da vida familiar, que tem
muita importância. Quando as crianças passam todo o dia no colégio, costuma aparecer a “síndrome de
abandono”, que se não for solucionada pode incidir negativamente no desenvolvimento de sua personalidade.

A primeira consequência, que vai ter esta escolarização precoce, é a alteração do ritmo vital a que a
criança estava acostumada: horários de sono e de vigília, horários de asseio, refeições, saídas e, sobretudo,
alteração do ritmo em que costumava fazer tudo isto, já que agora as crianças terão que se acomodar ao
“tempo médio” de realização das diferentes tarefas.

Levando em conta o anterior, a escola deve proceder com grande flexibilidade, adequando o tempo ao
ritmo que cada criança imponha e dando oportunidade aos mais rápidos para que realizem atividades livres.
Inclusive esta flexibilidade, como ocorre já nas instituições mais avançadas, pode fazer-se extensiva aos
horários de entrada e saída, enquanto ficam inalterados os das refeições e do sono (White e Buka, 1987).

Junto com a mudança do ritmo vital, se produz também uma variação de costumes que não deixa de
ter importância. A escolarização implica em muitos casos, por exemplo, o abandono do descanso após as
refeições, pois é imprescindível que a criança durma o suficiente de noite (de dez a onze horas), e a mudança
também de outros costumes que ainda, aparentemente, careçam de transcendência, não deixam de repercutir
nas crianças se estavam muito arraigadas: hábitos de convivência e higiene, jogos, lugares de recreação, etc.

Por todas estas razões, os pedagogos especializados no nível aconselham que a vida de um centro
infantil seja o mais parecido possível à vida familiar, e ainda que o novo âmbito não propicie a identidade total,
deve-se procurar que a escola conte com os ambientes próprios da casa e que a imite em tudo o que seja
possível.
Os professores, por sua vez, devem ter muito em conta que só o amor e o respeito pela
espontaneidade das crianças pode criar uma atmosfera propícia para seu desenvolvimento. Talvez tenha sido
Maria Montessori a que melhor viu as condições que devem reunir as escolas infantis: “O ambiente deve estar
adaptado ao desenvolvimento físico-psíquico da criança e permitir a liberdade de escolha dos objetos (...)
Portanto, o local deverá ter um espaço suficiente para permitir o livre movimento dos pequenos. Por outro lado,
é necessário tornar possível uma vida isolada e independente, que contribua, também materialmente, a
fomentar em cada um dos grupos uma vida em família; por essa razão, não amplos salões comuns, mas, se
possível, pequenas casas, ou ao menos salas separadas, para os diversos grupos, cujo interior seja alegre e
acolhedor, com pequenas mesas claras, pequenas cadeiras leves, pequenos armários, pequenas estantes,
vasos de flores, quadros, estatuetas, cortinas variadamente coloridas, que constituam o marco alegre do
mundo das crianças. Cada objeto deverá ter seu lugar fixo, de tal maneira que possa ser facilmente colocado
pelas crianças em seu devido lugar. Deste modo, o ambiente estará dotado de um poder de ordem para as
ações infantis.
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CAMPOS E ATIVIDADES DA EDUCAÇÃO INFANTIL

Os objetos deverão estar adaptados à criança, não somente por seu tamanho e peso, mas também pela
simplicidade de sua confecção, de tal modo que não cansem a criança nem esgotem seu interesse.
Igualmente, os objetos deverão destacar por uma particular característica de beleza, da qual nasce a “voz das
coisas que capta a atenção do pequeno”. (Titone, R., 1974, 94-95).

Na prática, a educação infantil teria, por um lado, que preparar o ambiente, adaptando-o às exigências
da idade, e, por outro, estimular a vida escolar com brincadeiras e outras ocupações adequadas, contando
com um material idôneo.

2.2 CARACTERÍSTICAS DA PROGRAMAÇÃO DIDÁTICA

As influências pedagógicas que as crianças recebem nesta etapa devem estar estruturadas e reunidas
em uma programação didática na qual se encontrem:

1. Os objetivos que se pretende conseguir.


2. As atividades que o aluno realizará para conseguir os objetivos.
3. A metodologia que os professores praticam.
4. Os recursos que servirão de base às atividades.
5. As formas de avaliação que são consideradas adequadas.

É um erro crer que toda a atividade dos meninos e meninas se monta com o único fim de se
prepararem para os níveis seguintes, ou seja, para a escola obrigatória. Quando se atua com estes motivos, se
adiantam, em muitos casos, aprendizagens e se descuidam do próprio desta etapa, que responde às
necessidades educativas do grupo que escolariza. O tentar adiantar etapas, fato muito frequente entre nós,
traz como consequência que se perca o sentido do nível educativo e, pelo menos, a perda de oportunidades
para fazer conquistas que se não forem conseguidas em seu momento, podem ocasionar problemas
posteriores. Por isso, a programação da educação infantil deve ser o suficientemente aberta para que cada
criança possa fazer o que deseja, livre de opressões, situado em um meio rico em estímulos que a dê
segurança e lhe convide a atuar por sua conta, podendo reconstruir tudo o que o âmbito escolar coloca a seu
alcance.

Os objetivos devem fugir de qualquer tentação academicista e dirigir-se a enriquecer a experiência,


partindo da própria de cada escolar; por isso, cada instituição tem que programar seus objetivos em função de
seu alunato, do nível cultural das famílias, do ambiente social que rodeia o centro: rural, urbano, industrial,
marítimo, etc., se quisermos que se possa falar de uma autêntica educação personalizada neste nível.

Uma educação desconectada da experiência daria à escola infantil um ambiente artificial, e sua ação
cairia no vazio.

Os objetivos, do mesmo modo, devem cobrir os diferentes âmbitos nos quais tem que incidir esta
educação:

a) Educação sensomotriz, por meio do livre movimento e de jogos variados e exercícios


progressivamente classificados e adaptados às possibilidades de ação destas idades, e que
ajudem a despertar os sentidos, a explorar e observar o mundo próximo.

b) Educação manual, à base de manipular e transformar objetos adequados, e dar forma a materiais
plásticos moldáveis.

c) Educação da sensibilidade estética, sobre a base de escutar música adequada, de ouvir poemas
que façam a criança descobrir o encanto das palavras e a levem a realizar jogos verbais, e
também instalando-se em ambientes decorados de maneira alegre. A dança e o canto ocupam
neste item um papel importantíssimo.

d) Educação intelectual, que está ligada a todas as atividades que se realizam, e cujo fim específico
seja dirigir a observação, a análise e a exploração do mundo natural, familiar e social, assim como
colocar ordem nas percepções.

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CAMPOS E ATIVIDADES DA EDUCAÇÃO INFANTIL

e) Educação da linguagem, como meio privilegiado de comunicação e de relação com os demais,


para fazer partícipes as crianças da vida social. A língua materna deve ter, na educação infantil,
um lugar preferente, já que seus atrasos, difíceis de compensar e recuperar, vão repercutir
desfavoravelmente no rendimento escolar na etapa obrigatória. Para seu desenvolvimento, não
deve ser desperdiçado nenhum meio: jogos dramáticos (fantoches, marionetes, bonecos,
encenações espontâneas, preparadas, etc.), contos infantis e populares, assim como lendas,
audição de poemas que apresentem modelos de língua fáceis de imitar, jogos de palavras, trava-
línguas, adivinhações e toda a grande variedade de entretenimentos verbais que nos proporciona
nosso folclore.

f) Educação da vontade, que virá determinada pelo clima educativo que saiba criar a escola, pela
prática de hábitos, modos e costumes.

Como pode ser observado, esta proposta de programação cobre todas as necessidades básicas da
idade, que, segundo Ovídio Declory, poderiam resumir-se nestas quatro:

1. Necessidade de alimento.
2. Necessidade de limpeza.
3. Necessidade de defender-se contra as inclemências exteriores e contra os perigos e inimigos
diversos.
4. Necessidade de praticar e trabalhar solidariamente, de divertir-se e aperfeiçoar-se material e
espiritualmente.

Entretanto, um quadro mais completo e desenvolvido destas necessidades infantis, em que embasar a
programação didática, é o que propomos a seguir:

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CAMPOS E ATIVIDADES DA EDUCAÇÃO INFANTIL

1. Necessidades 1.1 Alimentação


fisiológicas 1.2 Sono
1.3 Higiene
1.4 Proteção
1.5 Abrigo
1.6 Descanso
1.7 Ambiente adequado

2. Necessidade de atividade e 2.1 Autonomia


especialmente de brincadeiras 2.2 Liberdade de movimento
e atividades criativas 2.3 Espaço para correr e brincar sem maiores riscos
2.4 Manipulação de objetos
2.5 Possibilidades de ação
2.6 Brincadeiras livres
2.7 Brincadeiras regradas
2.8 Brincadeiras de imitação
2.9 Brincadeiras simbólicas
2.10 Brincadeiras individuais
2.11 Brincadeiras coletivas
2.12 Manipulação livre das coisas e do material escolar
2.13 Observar e explorar
2.14 Expressão de forma própria
2.15 Busca de novas soluções a problemas habituais
2.16 Desenhar, pintar, modelar, recitar, contar e cantar

3. Necessidade de relação 3.1 Companhia


com os demais (expressão e 3.2 Convivência ativa com os pais e os demais familiares
colaboração) 3.3 Convivência com os professores e cuidadores
3.4 Convivência com os colegas
3.5 Convivência com os vizinhos e amigos
3.6 Conversas com os pais e com os professores
3.7 Conversas com os colegas
3.8 Utilização de diferentes formas de expressão e de comunicação para
expressar desejos, sentimentos, estados de ânimo...

4. Necessidades afetivas 4.1 Carinho e contato físico com pais e familiares


(sentir-se querido, aceito e 4.2 Carinho com os professores
valorizado) 4.3 Segurança
4.4 Confiança
4.5 Experimenta a sensação de que os demais o consideram
4.6 Recebe atenções e ajuda dos demais
4.7 Conecta afetivamente com novas pessoas

Como recomenda Nicole du Saussois (1982, 13) , ao elaborar a programação na escola infantil,
haveria que:

a) Alternar as atividades coletivas ou de grupo com as individuais, com o fim de que as iniciativas
pessoais possam manifestar-se mais facilmente em determinados momentos, enquanto que em
outros se estabeleça a discussão.

b) Ajustar as atividades que exigem atenção com aquelas que se baseiam na manipulação ou
movimento, que, como se sabe, facilitam e estimulam a atividade mental.

c) Durante a jornada escolar, esforçar-se por satisfazer o mais possível as necessidades das
crianças, de acordo com sua idade.

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CAMPOS E ATIVIDADES DA EDUCAÇÃO INFANTIL

d) Respeitar o ritmo biológico, cujo ritmo de trabalho é irregular. Da mesma forma que acontece aos
adultos, as crianças sentem momentos de fadiga nos que necessitam tranquilidade e repouso,
enquanto que outros momentos são adequados para as atividades intensas e o movimento.

2.3 A PROGRAMAÇÃO NOS DISTINTOS ÂMBITOS DA EDUCAÇÃO INFANTIL

2.3.1 A educação da corporeidade (sensibilidade e motricidade)

A clássica educação física, melhor chamada educação da corporeidade, em suas duas manifestações
fundamentais, a sensorial e a motriz, é um dos grandes campos da educação infantil (Ames e outros, 1979).

“A criança está dando o primeiro passo para a autonomia: sabe mover-se andando, correndo,
trepando; manipula os objetos, faz uso dos sentidos; domina o ambiente da vida de cada dia; se vê e se sente
diferente dos demais; sabe que pode imitar o que os outros fazem, não conhece as consequências de seus
atos...” (Gianola, P., 1967, 394).

Realizada ao ar livre, a educação física facilita a oxigenação pulmonar e canaliza o desgaste de


energias com exercícios de caminhada, equilíbrio, saltos, com os que a criança vai adquirindo o controle de si
própria, ajudando ao mesmo tempo o equilíbrio de seu corpo e o controle do gesto, a percepção espaço-
temporal e a utilização do corpo como meio de expressão.

Aos três anos, a criança aprende a subir e descer escadas sem ter que colocar ambos os pés no
mesmo degrau, como fazia um ano antes; é capaz de dar piruetas, corre com certa graça e ritmo, e pode
regular a velocidade da corrida. Aos quatro anos, adquire grande flexibilidade nas articulações, o que lhe vai
permitir realizar exercícios ginásticos mais complexos, como equilíbrios sobre um pé, saltar com os pés juntos,
etc. Aos cinco anos, a locomoção e o movimento conseguirão total estabilidade, podendo realizar exercícios de
caminhadas, corridas e equilíbrios praticamente perfeitos.

Para as irmãs Rosa e Carolina Agazzi, o exercício físico, associado ao exercício da vida prática
cotidiana, foi o ponto de partida de toda sua didática: “O exercício físico consistente no contato com a terra,
com o sol, com a água; ou seja, mediante pequenos e divertidos trabalhos de jardinagem e horticultura; mais
tarde, o exercício de limpeza e arrumação da casa”. (Titone, R., 1974. 112).

Estas atividades, ao mesmo tempo que contribuem ao desenvolvimento físico, fazem com que as
crianças se sintam seres úteis, capazes de compartilhar as tarefas com os adultos e de contribuir para a
consecução de um meio limpo e habitável.

Entre os objetivos deste âmbito temos os seguintes:

- Perceber e diferenciar quando o corpo está parado e/ou em movimento.

- Conseguir o equilíbrio do corpo parado e em movimento.

- Expressar-se por meio de movimentos corporais.

- Comprovar a longitude (longo-curto, mais longo mais curto) de um itinerário por meio da
caminhada.

- Realizar os movimentos necessários para conseguir uma coisa.

- Dar piruetas sobre superfícies macias.

- Realizar caminhadas presos pela cintura ou soltos.

- Fazer um percurso de quinze metros, dando saltos e com os pés juntos.

- Descer e subir escadas sem segurar no corrimão.

- Saltar dois degraus de escadas (três anos), três degraus (quatro anos) e quatro degraus (cinco
anos), caindo de pé.

23
CAMPOS E ATIVIDADES DA EDUCAÇÃO INFANTIL

A vida de relação com o mundo que nos rodeia se inicia através dos sentidos e, pelas sensações que
percebemos, a mente constrói suas primeiras idéias. Desde muito pequena, a criança começa a sentir atração
por tudo o que tem a seu redor.

O educador tem que ter sumo cuidado em uma apresentação ordenada e coordenada de tudo o que a
estas idades pode ser percebido, já que a educação sensorial é de vital importância na etapa infantil.

Convém adiantar que, para cada um dos sentidos, pode ser proposto o seguinte esquema de
programação:

1. Exercício para a educação do sentido em questão.

2. Diagnóstico de possíveis problemas.

3. Tratamento adequado dos problemas.

4. Recursos sensoriais imprescindíveis.

5. Avaliação.

6. Recuperação

2.3.2 A educação da sensibilidade estética

Desde os primeiros anos, a infância deve progredir para a arte, desenvolvendo o gosto para todo o
belo. Mais que uma programação específica para a formação estética, é necessário conseguir, em torno da
criança, um ambiente agradável no que ela possa se desenvolver; daí que seja necessário cuidar de todo tipo
de detalhes, desde a decoração da classe, do espaço, até a maneira de falar ou gesticular ante ela; desde a
decoração até as ilustrações dos livros que manuseia.

Mas a criança é um ser criativo por natureza, por isso não podemos nos conformar com uma formação
passiva neste campo. Unindo a poesia e a educação sensorial, poder-se-iam propor, uma vez que o aluno já
alcançou um grau aceitável de maturidade sensorial, exercícios que versem sobre distorções das percepções
tradicionais; novas cores para objetos, dissonâncias musicais, formas abstratas, etc. A estimulação da
criatividade conseguirá, entre outras coisas, uma maior tolerância, por parte das crianças, às situações
inovadoras que a escola e a experiência vão lhe apresentando.

Deve cultivar a expressão desde os primeiros momentos, e levar o princípio didático da atividade à
educação estética, tratando de despertar nas crianças a iniciativa e originalidade à base do desenho livre, da
melodia repetida, da expressão corporal nova, da mímica, dos contos inventados, etc.

Quando, desde os primeiros momentos, o ensinamento toma esta orientação, conseguem-se dois
objetivos estéticos importantes:

- A formação do gosto.
- A criação de obras com beleza.

As atividades que podem ser realizadas com a língua, a atividade manual, a expressão corporal, etc.,
são de uma grande variedade.

2.3.3 A educação intelectual

Talvez sejam os estímulos intelectuais os que melhor provenham a instituição escolar (Wilkinson,
1988). Realmente, todos os objetivos e atividades que figuram em uma programação que siga o prospecto
apresentado neste capítulo, coadjuvam à educação intelectual, se não é que a procuram diretamente. Não
obstante, a linguagem vai ser a que mais contribua para estruturar o pensamento, já que irá servir de ajuda à
criança para que observe melhor a realidade e lhe permita aprimorar seus conhecimentos e transmiti-los
(Drum, 1990). Junto com a linguagem, a experiência representa a mais importante fonte de obtenção de
conhecimentos, ao facilitar o contato com o mundo exterior, do qual se perceberá através de seus sentidos. Os
sentidos são as janelas pelo que a criança se põe em contato com seu entorno; daí que na educação infantil
nos tenhamos que empenhar em seu desenvolvimento e em aperfeiçoar sua agudeza.
24
CAMPOS E ATIVIDADES DA EDUCAÇÃO INFANTIL

A brincadeira tem uma grande importância na forma de adquirir e afiançar os conhecimentos. É o


grande meio de aprender por meio da experiência. Os meninos e as meninas não costumam brincar com o que
desconhecem, porém a brincadeira tem sempre um conteúdo relacionado com a experiência vivida, ou
relacionado com o trabalho dos pais, etc. É importante dar novos conteúdos às brincadeiras, descobrindo-lhes
novas possibilidades. Existe atualmente abundante material para as brincadeiras infantis, orientado ao
desenvolvimento da inteligência; assim, por exemplo:

- Para jogos de associação (de formas, coloridos...).

- Para jogos de encaixe (permitem comparar volumes).

- Para jogos de quebra-cabeças (planos e cúbicos, que permitem observar e manter o esquema
corporal ou a forma da figura que vai ser formado).

- Para jogos de construções (contribuem ao desenvolvimento do fator espacial da inteligência).

- Para jogos de palavras (que permitem a habilidade verbal e ajudam o desenvolvimento da


linguagem).

- Para jogos lógicos (numéricos, de linguagem ou de figuras).

- Para jogos labirínticos (desenvolvem o sentido da orientação espacial).

2.3.3.1 A educação da língua

Atualmente, há consciência clara de que a língua desempenha um papel fundamental na primeira


educação, e que sua influência vai ser decisiva no rendimento acadêmico posterior: “O êxito ou fracasso da
criança, em todas as atividades, dependem do grau em que se tenha desenvolvido seu domínio ativo sobre a
linguagem” (Feldman, D., 1978, 8).

Se em outros níveis do sistema educativo pôde-se falar de pandidactismo lingüístico, na educação


infantil, cujas idades são críticas para certas aprendizagens da língua, com mais razão ainda, já que qualquer
que seja o conteúdo que se queira transmitir, a língua será, normalmente, o meio mais usado, fazendo-se o ato
de ensinar análogo a ensinar língua, ao ser esta, sem dúvida, elemento interdisciplinar por excelência.

A atenção primordial que deve receber a língua na programação didática não é exagerada se
pensamos q0ue a linguagem é elemento indispensável para a interação social, para o desenvolvimento do
pensamento lógico, e o veículo pelo que vai chegar à criança quase toda a informação do mundo que a rodeia,
além de ser o instrumento espontâneo de expressão pessoal.

O vocabulário e o domínio das estruturas morfossintáticas devem ser principais objetivos. O aumento
natural do vocabulário pode ver-se muito enriquecido por uma ação escolar sistemática.

Como comenta G. Fracescato (1971, 125), as grandes diferenças que se encontram comparando os
dados numéricos sobre a quantidade de palavras que as crianças conhecem, segundo os diferentes autores
“são, na realidade, pouco importantes: já estamos advertidos de que as cifras absolutas não devem ser
supervalorizadas”.
O enriquecimento do vocabulário ativo se consegue à base de que os alunos cheguem a:

- Designar o que vêem (saber o nome do que os rodeia).

- Pedir o que querem (saber formular desejos e vontades).

- Compreender o que ouvem (decifrar mensagens orais).

- Expressar o que sentem (manifestar seus sentimentos, pensamentos, gostos, sensações...).


Junto com a aquisição do vocabulário necessário, as crianças não devem terminar este nível sem
haver conseguido uma linguagem foneticamente correta e o manejo das estruturas gramaticais imprescindíveis
para poder enunciar, interrogar, pedir, exclamar, duvidar, induzir, desejar..., ou seja, que cheguem a controlar o
sistema fonológico da língua materna, assim como a dominar o vocabulário necessário e as estruturas
morfossintáticas.
25
CAMPOS E ATIVIDADES DA EDUCAÇÃO INFANTIL

As atividades que podem incluir-se em uma programação são muito variadas, e estarão sempre em
função dos objetivos:

1. Compreensão auditiva
1.1 Manter a atenção, escutando durante curtos períodos de tempo:
• Escutar estórias infantis adaptadas à idade.
• Escutar estórias populares adaptadas à idade.
• Assistir à projeção de filmes infantis.
• Apresentar algum tema, ilustrando-o com música, desenho ou fotografia.
• Explicar como se faz algo, para que serve, etc., apoiando a explicação na realidade
concreta.

1.2 Compreender e realizar ordens orais e simples explicações, encargos e incumbências (as
ordens devem estar claramente diferenciadas no tempo, e não se deve dar uma nova
ordem até que a anterior esteja realizada):
• Seguir as instruções dadas antes de realizar uma nova atividade.
• Explicar quais são seus jogos favoritos.
• Descrever a classe, seu quarto, etc.

1.3 Identificar e diferenciar os sons e ruídos mais conhecidos dos elementos naturais, animais
e objetos, e reproduzi-los verbalmente (onomatopéias):
• Reconhecer os ruídos reproduzidos por: cadeiras que se arrastam pelo chão, lápis que
caem, papel que amassamos, gizes que escrevem na lousa, etc.

• Distinguir um aplauso, uma passada, um assobio, etc.

• Reconhecer os sons que emitem os animais domésticos e reproduzi-los.

• Reconhecer os sons produzidos pelos instrumentos musicais e reproduzi-los.

• Reconhecer as vozes das pessoas conhecidas.

• Reconhecer pela voz o estado de ânimo de uma pessoa.

1.4 Distinguir os sons de fonemas e sílabas parecidas:


• Advertir que vai ser feito uma pronunciação exagerada do fonema ou fonemas
duvidosos, para que todos os distingam bem (variará segundo as áreas lingüísticas:
ceceio, yeismo, aspiração de consoantes finais, relaxamento excessivo da letra – d –
intervocálica, etc.)

• Escutar como outros alunos pronunciam exageradamente o fonema ou fonemas


duvidosos.

• Ouvir a recitação, exagerando a pronunciação de estribilhos e trava-línguas onde


aparecem os fonemas duvidosos em contextos fáceis de recordar pela rima ou a
repetição de certas palavras.

1.5 Adivinhar um objeto por sua descrição real ou figurada:

• Propostas adivinhatórias individuais ou por equipes para acertar o nome de objetos,


baseando-se em definições ou descrições exclusivamente orais (como se chamam as
cobertas de lã com as quais nos cobrimos na cama?, como se chama o animal de quatro
patas que corre e late?, qual é a bebida que todos temos que tomar e que agrada a
todos?, etc).

• Propostas adivinhatórias para descobrir de que pessoa se fala (quem é a criança que
tem...? Se refere às características mais destacadas de algum aluno... Qual é a criança
que viu...?).
26
CAMPOS E ATIVIDADES DA EDUCAÇÃO INFANTIL

• Propostas adivinhatórias nas quais se trate de adivinhar a ação (o que se faz


normalmente quando se tem fome?; quando alguém derrama lágrimas, por que é?, etc.).

1.6 Interpretar e utilizar mensagens que impliquem várias ações sucessivas:

• Transmitir aos pais uma mensagem enviada pelo professor.

• Levar ao professor uma mensagem enviada pelos pais.

• Recordar para certas atividades ou jogos as normas que os regem, com quem se faz
par, que lugar deve ocupar, que aparato espacial se necessita, etc.

2. Elocução

2.1 Pronunciar corretamente os fonemas isolados e constituintes de sílabas diretas ou


inversas:
• Repetir palavras e frases breves onde apareçam de maneira predominante
determinados fonemas.
• Dizer em voz alta determinadas frases, reforçando certos fonemas.

• Repetir trava-línguas e jogos de palavras onde predominem determinados fonemas (por


exemplo: “O cachorro de São Roque não tem rabo...”; “Um tigre, dois tigres, três
tigres...”).

2.2 Pronunciar corretamente as palavras de seu vocabulário básico:

• Oferecer paradigmas corretos de língua para que os alunos o repitam imediatamente.

• Corrigir as faltas de pronúncia que cometam os colegas.

2.3 Pronunciar palavras e frases com entonação correta:

• Dizer frases interrogativas.

• Dizer frases dubitativas.

• Dizer frases imperativas.

• Dizer frases enunciativas.

2.4 Memorizar simples poesias e declamá-las com boa entonação e ritmo:

• Escutar séries, canções, adivinhações e poemas infantis até que os aprendam de cor.

• Recitar ante os demais os poemas aprendidos.

• Cantar canções infantis.

• Propor adivinhações aos demais.

2.3.4 A educação da vontade

Os aspectos intelectuais e físicos da educação cobram seu sentido vital na capacidade humana para
decidir e agir de acordo com um fim previamente conhecido. Esta capacidade é justamente a vontade.

Nas primeiras fases da vida se age por impulsos primários, especialmente o do prazer e da atividade.
Quando a criança diz “quero fazer... (tal coisa)” já está apontando a vontade que irá desenvolvendo nos
contatos sociais, cotidianos.

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CAMPOS E ATIVIDADES DA EDUCAÇÃO INFANTIL

A escolarização representa uma ocasião privilegiada para a convivência, já que vai ver multiplicadas as
relações com seus iguais. O primeiro âmbito de vida e convivência é a família, cuja ação pode se ver reforçada
por uma escola de caráter maternal. Mas é necessário que a experiência escolar “não seja prematura, que seu
começo seja gradual, continuando a mãe como pessoa principal nesta idade..., e que se trate de uma “boa”
escola maternal, ou, mais exatamente, de uma boa mestra, “maternal”, consciente das necessidades afetivas e
dos conflitos normais desta idade”.

Como é lógico, a educação social vai sendo conseguida pela forma que adote o trabalho escolar
(Bossert, 1988), pelos métodos e agrupamentos que se pratiquem e pela segurança afetiva que saibam
infundir os professores, aqueles que se verão obrigados a prolongar na escola o carinho protetor e o ambiente
tranqüilizante e de confiança que a família sabe dar, fazendo-o sentir-se como em sua própria casa.

A partir dos três anos, as crianças podem ter contatos ativos entre eles, tanto na brincadeira como na
atividade escolar. Aos cinco anos, a convivência com os demais se intensifica, por isso se torna necessário a
aquisição de certos hábitos:

- De integração (sentindo-se parte do grupo de classe).

- De respeito (tolerando os demais, não agredindo-os; aceitando os demais como são, debilitando-
se com sua companhia, etc.).

- De comunicação (interatuando com os demais).

- De co-participação (trocando objetos, livros, brinquedos, material didático, etc.) e colaboração


(jogos e trabalhos em comum).

- De generosidade (ajudando em tarefas de grupo, confinando-lhe certas responsabilidades).

- Adquirir hábitos de comportamento e atuação corretos.

- Distinguir o que está “bem feito” e o que está “mal feito”, o que é “bom” e o que é “mau” segundo o
critério dos adultos educadores.

- Aceitar as diferenças físicas e psíquicas que se dão entre colegas (raça, cor, nacionalidade,
idioma...).

- Introduzir as práticas religiosas da vida familiar.

- Respeitar os hábitos religiosos e crenças dos demais colegas.

- Salvaguardar os colegas de possíveis perigos, sempre que estiver a seu alcance.

- Interiorizar a necessidade de serem pontuais, ordenados, limpos e sociáveis.

- Ajudar os demais nos casos de necessidade, ou quando solicitem ajuda.

- Respeitar a propriedade alheia.

- Adquirir hábitos de desprendimento, emprestando e compartilhando com os demais o que se tem.

- Adquirir uma atitude de não violência, dominando a raiva e aquecendo o que não se deseja, antes
de provocar qualquer dano.

- Experimentar os resultados da própria conduta e tirar conclusões sobre o que é aceito e o que não
é.

- Um meio eficaz para ir promovendo e reforçando os hábitos morais e sociais é a atenção particular
às obras incidentais, criadoras de ambiente e formadoras de hábitos, como destacou-se em
recentes trabalhos (Garcia Hoz,1991).

Convém, desde o princípio, formular objetivos com normas positivas de convivência e que não inibam
as relações sociais.

28
CAMPOS E ATIVIDADES DA EDUCAÇÃO INFANTIL

Nestas idades, o comportamento moral é um comportamento ajustado às normas que emanam dos
pais, dos professores e das pessoas mais velhas em geral. O egocentrismo não permite uma educação moral
propriamente dita, que só poderá dar-se quando a criança vai dando lugar aos sentimentos altruístas. Ou seja,
o comportamento moral, dos três aos cinco anos, é completamente heteronômico; os atos se avaliam segundo
sua adequação às normas que emanam das pessoas mais velhas, e costumam dar-se sentimentos de culpa
quando as crianças comprovam que lhes retira o apoio e a confiança por infringir as regras. Se são muito
sensíveis a estas reações, há que administrá-las com cuidado, já que o sentimento de “eterno culpado” incide
negativamente no amadurecimento da personalidade, com sentimentos de desconfiança e agressividade.

A lei moral, pois, vem à criança de fora, como se se tratasse de uma lei física à qual inevitavelmente
tem que submeter-se, e que proporciona a compensação da inserção na sociedade familiar e escolar. Em
conversações – que se iniciam com perguntas tais como “por que fez isso...” ou “para que quer fazer tal
coisa...”, com as quais se estimula a criança para que pense – tem-se um meio contínuo de ir iniciando a
criança na atuação da vontade.

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* * *

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CURRÍCULO E DESENVOLVIMENTO DA CAPACIDADE COMUNICATIVA

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O CURRÍCULO DA EDUCAÇÃO INFANTIL E O DESENVOLVIMENTO
DAS CAPACIDADES COMUNICATIVAS

Ma Victoria Reyzábal
4.1 Introdução.
4.2 Características dos meninos e das meninas destas idades.
4.3 Finalidades da educação infantil.
4.4 A estruturação em ciclos.
4.5 Metodologia.
4.6 O papel do educador.
4.7 A avaliação.
4.8 Aquisição e desenvolvimento da capacidade comunicativa.
4.9 Importância curricular da área de comunicação.

4.1 INTRODUÇÃO

A educação infantil constitui o primeiro degrau do sistema educativo. Não tem atualmente (nem teve
antes) caráter obrigatório, ainda que isso se deva a razões não estritamente pedagógicas. Sua finalidade
consiste em favorecer o desenvolvimento, o antes possível, das diversas capacidades tanto físicas como
afetivas, intelectuais ou de interação social. No passado, estas tarefas se realizavam no contexto do lar; mas
atualmente, a incorporação da mulher ao trabalho e a transformação do núcleo familiar, junto com as
mudanças nas condições de vida e a maior complexidade das demandas sociais, tornam imprescindível a
estreita colaboração da instituição escolar com os pais. Por isso, esta etapa apresenta características próprias,
já que se deve adaptar às peculiaridades e necessidades das crianças de zero a seis anos.

A importância da educação infantil provém da contribuição que o centro educativo fornece ao


desenvolvimento da criança em seus primeiros anos. Como este desenvolvimento não se realiza
automaticamente, o centro deve organizar, de forma adequada, atividades que garantam o intercâmbio entre
iguais e a interação com os adultos, propiciando experiências variadas e fornecendo espaços, materiais e
estímulos que constituam o meio ótimo para que as aprendizagens se realizem adequadamente. Além disso, o
centro de educação infantil pode e deve contribuir, de maneira eficaz, para compensar carências e nivelar
desequilíbrios originados pelo entorno social, cultural, econômico, etc.

A educação infantil é a primeira etapa de um longo processo que se continua nas seguintes. Neste
sentido, deve existir uma grande coordenação e interdependência entre os objetivos, conteúdos e métodos da
infantil e a primária, de maneira que se garanta um percurso coerente, positivo e funcional, além de
rigorosamente seqüenciado. Por isso deve realizá-lo sem que, em nenhum caso, implique subordinação ou
dependência de uma a outra, mas adequação e correlação entre todos seus componentes curriculares.

4.2 CARACTERÍSTICAS DOS MENINOS E MENINAS DESTAS IDADES

O desenvolvimento psicológico é o resultado das complexas e numerosas interações que se dão entre
o ser biológico da criança e a estimulação física e social que recebe. Nesta etapa, o amadurecimento biológico
como tal é fundamental e segue um processo mais ou menos equivalente em todos os sujeitos. Entretanto, as
crianças desenvolvem sua identidade e diferentes destrezas em relação com o meio físico e social em que
vivem. Por isso, resulta tão importante oferecer-lhes nestes anos um entorno adequado que potencie e
estimule seu crescimento integral, pois a mais ricas experiências corresponderão, indubitavelmente,
habilidades mais variadas. A tarefa do docente, neste sentido, consiste em facilitar o desdobramento de
possibilidades de cada aluno e em promover paulatinamente sua autonomia.
Ao longo da primeira infância (desde o nascimento aos 18/24 meses) os bebês desenvolvem múltiplas
capacidades. Nascem com reflexos como os de sucção, pressão, etc. e, pouco a pouco, adquirem controle
progressivo de seu corpo. Estes progressos implicam um grande componente maturescente espontâneo, mas
também alguns são conseguidos ou reforçados pela interação com os adultos, nos que a criança encontra
modelos, motivações, apoio, estimulações, etc., o que `` lhe permitirá, por exemplo, conquistar o
domínio da linguagem. Posteriormente, construirá relações como as de causa e efeito, meios e fins, de tempo,
de espaço...

31
CURRÍCULO E DESENVOLVIMENTO DA CAPACIDADE COMUNICATIVA

Antes que esquemas conceituais, as crianças manejam mecanismos de ação, manipulam realidades,
inclusive complexas, antes de serem capazes de trabalhar com símbolos. Assim, afirma o Desenho Curricular
Base (D.C.B.): “É por isso que se diz que a primeira inteligência da criança é de caráter sensório-motor, e que
os estímulos mais adequados no primeiro ano e meio são os que incitam a experimentação sensório-motora (o
que a criança pode manipular, colher, examinar, chupar, girar, os que produzem efeitos interessantes quando
se faz algo com eles...)”. Os adultos, como já indicamos, são fundamentais não só para satisfazer as
necessidades dos pequenos, mas também porque são mediadores, com evidente carga emocional, entre a
criança e o meio natural e cultural. Apoiando-se nessa mediação se desenvolvem as capacidades
comunicativas (verbais e não verbais) e do balbucio (a partir dos quatro meses) se passa à articulação inicial
dos sons da língua materna (até os oito ou nove meses), para chegar (mais ou menos a um ano) a emitir as
primeiras palavras.

Mais tarde, ao longo do segundo e terceiro ano, as aquisições lingüísticas resultam surpreendentes,
dada a dificuldade do que está aprendendo (e aparentemente se consegue sem esforço). O vocabulário se
amplia e se dominam com certa eficácia as regras morfossintáticas, ainda que não com total correção. Mas o
uso que o menino e a menina fazem de sua língua, nestes momentos, lhes resulta perfeitamente funcional
para suas necessidades básicas de comunicação. As palavras que as crianças vão aprendendo se referem
aos objetos com os que brincam, correm, se vestem..., ou às ações que realizam com eles. As palavras, pouco
a pouco, substituem às coisas que representam, já que sua evocação provoca reações parecidas; isso permite
manipular “economicamente” a realidade e a interação com os que possuem a mesma língua. Assim, segundo
Vygotski, a linguagem transforma tudo: percepção, atenção, memória e pensamento. Para este autor, por volta
dos seis anos, pensamento e linguagem se entrelaçam e dão como resultado o pensamento verbal.

Neste campo, o trabalho dos adultos é essencial. O desenvolvimento da linguagem só se consegue


mediante a interação, e é o adulto o que deve estimulá-lo, corrigindo (de maneira afetuosa e estimulante) erros
de pronunciação, construções incorretas, falta de léxico adequado, confusões de termos, etc. Às crianças
destas idades, deve atendê-los esmeradamente, falar-lhes, ler-lhes, cantar com eles..., de maneira recorrente
e continuada para que adquiram, pouco a pouco, as destrezas básicas.

Por outro lado, não se deve esquecer que no centro de educação infantil os pequenos não se
relacionam só com adultos, mas também estão em contato com outros meninos e meninas de sua idade, e
essa situação também é fonte de experiências de todo tipo, mas especialmente comunicativas. Por isso, o
docente deve aproveitar esta realidade para explicitar e praticar regras de convivência nas que a linguagem
tem enorme relevância, através de suas três funções essenciais (comunicativa, representativa, reguladora).

Como consequência destas e de outras aprendizagens, os meninos e meninas constroem sua


identidade, reconhecendo as partes de seu corpo e uma grande variedade de traços, como seu nome, seu
sexo, seus grupos de pertinência, seus gostos... O equilíbrio emocional e a auto-imagem que desenvolve a
criança de si própria, depende em boa parte de que os educadores não a tenham feito sentir-se incompetente
e insegura.

Em geral, já aos três anos as crianças possuem autonomia motora, começam a comer sozinhas e
realizam certas atividades de limpeza; além disso, como assinalamos, mantêm vivências afetivas estáveis,
manejam as regras básicas do código oral, o que indica que adentraram no âmbito do simbólico. Os
educadores devem recordar a importância educativa do jogo nestas idades e o papel das rotinas e da
regularidade para gerar segurança e hábitos positivos nas crianças. E tampouco deve esquecer que a maior
parte das conquistas até agora conseguidas tem que ser consolidada e ampliada nos anos seguintes (como,
por exemplo, o desenvolvimento da motricidade fina, imprescindível para o acesso à escrita).

Posteriormente, entre os três e os seis anos, se produzem novos avanços e consolidações no plano da
linguagem. Vocabulário e sintaxe são melhorados, canalizando dificuldades como as das conjugações
irregulares. Mas, também, cada vez é mais importante o papel que exerce a língua como reguladora de sua
conduta, pois aparece como instrumento para a “comunicação consigo mesmo”, servindo para organizar as
próprias ações. A princípio, em voz alta, e logo interiorizando seu dizer, o menino e a menina planificam sua
ação e a ordenam antes de executá-la. Neste sentido resulta fundamental a organização de diferentes espaços
(para trabalhos manuais, para experiências, para biblioteca, para imagens, para plantas...) que facilitem
atividades grupais e individuais múltiplas.

Estes progressos se produzem também, e de forma paralela, no plano intelectual, assim


progressivamente se desenvolve a capacidade de atenção e memorização com as que o menino/a amplia seus
conhecimentos sobre o mundo que o rodeia e a capacidade de representá-lo verbalmente (pouco a pouco
relaciona causas e efeitos, observa regularidades, entende sequências, interferências...). A organização de seu
pensamento se encaminha para os raciocínios lógicos, ainda que de maneira irregular e não sem retrocessos.
32
CURRÍCULO E DESENVOLVIMENTO DA CAPACIDADE COMUNICATIVA

É o tempo de aproveitar ao máximo a espontaneidade dos pequenos, a brincadeira e a criatividade como


práticas estimuladoras, sem cair em atividades não educativas, sem objetivos claros e avaliáveis. Quando um
menino ou menina escuta, declama um poema, relata uma conversação ou escuta um conto, põe em jogo seu
controle motor, sua atenção, sua memória, sua competência verbal, sua experiência das relações sociais, suas
vivências afetivas e, inclusive, seus valores incipientes e, ao mesmo tempo, o potencial regulador e
representativo de seu saber lingüístico, assim como sua capacidade para entender as inter-relações familiares
e grupais em geral, e reajustar sua auto-imagem.

Em suas experiências de relação com as outras crianças, aprenderá normas comunicativas como as
de esperar a vez da palavra, as fórmulas de cortesia (saudações, agradecimentos, despedidas, desculpas...),
etc., enquanto interiorizará o valor da amizade, da cooperação, da solidariedade, ainda que também provará os
dissabores dos ciúmes, as invejas, a rivalidade, o conflito. Nestes casos, o papel do adulto resulta
fundamental, e da atitude que assuma ante estas situações, dependerá em parte a personalidade futura
dessas crianças.

Aos seis anos, os alunos alcançaram um grau de autonomia considerável para mover-se em seus
ambientes. Seu progresso cognitivo/verbal lhes permite não centrar-se exclusivamente em si próprios, nem
tampouco no entorno imediato com o que adquirirão uma visualização cada vez mais objetiva da realidade.
Reciprocamente, esta expansão requererá novas competências comunicativas (maior precisão léxica, maior
respeito das normas lingüísticas, maior domínio de tipos de textos orais, iniciação no código escrito) e deixará
aflorar evidentes desejos de entrar em “outros” mundos como os que lhe oferecerão a leitura e a escrita.

4.3 FINALIDADES DA EDUCAÇÃO INFANTIL

Entre as finalidades desta etapa destacam-se dois aspectos fundamentais:

1. Potenciar, guiar e afiançar o desenvolvimento geral da criança.

2. Oferecer os meios necessários para o domínio das competências, destrezas, hábitos e atitudes
básicas que facilitem sua incorporação plena à vida escolar e social posteriores.

No entanto, estas metas de futuro não devem privar de realismo o presente. No referente aos
conteúdos educativos e vitais, os pequenos, neste momento, tanto ou mais que em anos posteriores,
necessitam interagir verbalmente com os outros e, inclusive, como já se disse, “dialogar” com eles mesmos,
conseguir uma crescente representação da realidade cada vez mais nítida, objetiva e matizada, ceder cíclica
mas progressivamente às convenções lingüísticas (articulatória, morfológica, sintática) e ao uso fluido da
língua para refletir e planificar sua conduta...

Ao longo de toda a etapa, o professorado da educação infantil deve estimular e orientar o caminho que
conduz do sensório-motor ao simbólico, do pré-verbal ao verbal, do intuitivo ao lógico, do eu ao nós, do
subjetivo ao objetivo..., com o que conseguir-se-á a integração dos meninos e meninas nos distintos meios em
que devem se desenvolver. Para conseguir estes objetivos, os pequenos devem:

- Conhecer, controlar e cuidar de seu corpo.

- Valer-se de si próprio das atividades básicas escolares, familiares, de brincadeira, de higiene, de


relação...

- Observar e explorar seu entorno físico e social imediato, identificando características e


propriedades gerais.

- Compreender e expressar aspectos diversos da realidade ou imaginários.

- Utilizar a língua oral com eficácia para fazer-se compreender e compreender os outros.

- Apreciar as manifestações artísticas (musicais, plásticas, corporais, audiovisuais, etc.) e aproveitá-


las para sua expressão.

- Integrar-se de maneira ativa em grupos de pertinência (família, classe, amigos...).

- Relacionar-se com seus semelhantes (colegas de classe, de brincadeiras, etc.) e com os adultos
de maneira adequada.
33
CURRÍCULO E DESENVOLVIMENTO DA CAPACIDADE COMUNICATIVA

- Interagir verbalmente nos grupos em que participa, respeitando as regras de convivência (aguardar
a vez da palavra, opinar, respeitar o que dizem os outros, prestar atenção ao que fala...).
- Desfrutar de certas manifestações populares e culturais (literatura infantil, folclore, festas,
tradições...).
Se se analisarem com atenção estas metas, se constata que nenhuma delas pode ser alcançada de
maneira adequada se não se conseguir um considerável domínio da linguagem verbal, o que revela por si só a
importância central dos conteúdos da área de comunicação nesta etapa.

4.4 A ESTRUTURAÇÃO EM CICLOS


Se a etapa de educação infantil deve ser considerada como um período educativo integrado e,
portanto, sem cortes, não podemos esquecer que, ainda que o desenvolvimento da criança seja contínuo,
todavia se constatam certos momentos diferenciados ao longo do processo escolar que implica os seis anos,
ainda que as mudanças que os pequenos vão experimentando não se produzam de modo uniforme para
todos, nem exatamente ao mesmo tempo. Por isso, convém estruturar a etapa em ciclos, talvez idealmente
três, ainda que a LOGSE o tenha feito em dois (0-3 e 3-6). O que o docente e os pais devem saber é que,
durante o segundo ano de vida das crianças, se produz um avanço qualitativo fundamental, pois se afiança a
autonomia motora, se anui ao simbólico e se consolidam progressos linguísticos importantes, tanto para a
aquisição da própria identidade, quanto para as atividades de interação social.
Resulta inaceitável, portanto, que cada ciclo tenha perfis próprios e se organize a partir das
características psicopedagógicas dos meninos e meninas, as quais conferem traços diferentes a cada um
deles e permitem, assim, sequenciar adequadamente objetivos, conteúdos, critérios de avaliação... sem que a
etapa perca o caráter de unidade que deve ter.
No entanto, já que os projetos de etapa e ciclo e as programações de curso devem selecionar e
organizar diferentes situações de aprendizagem, tendo em conta as características evolutivas dos pequenos e
a realidade social em que vivem, convém definir alguns eixos curriculares que permitam estruturar o trabalho
pedagógico. Assim, pretende-se que a consideração de grandes áreas ou âmbitos facilite a determinação da
tarefa docente, ainda que não deva perder-se nunca a idéia de processo de ensino/aprendizagem global. Por
isso, o D.C.B diz que: “esta estruturação, cuja principal incumbência é ajudar o educador a sistematizar,
ordenar e planificar sua atividade docente, não implica uma concepção da realidade em blocos diferenciados,
nem tampouco supõe que o trabalho no centro de educação infantil se organize delimitando rigorosamente as
atividades para cada uma das áreas. Pode considerar-se que algumas atividades se ajustam mais a um âmbito
determinado, ainda que, provavelmente, a maioria delas engloba aspectos de mais de um âmbito”.

Entretanto, esta argumentação não exclui que, talvez, no Decreto de Mínimos e nos posteriores
desenvolvidos do MEC e das CC.AA., estes conteúdos fossem oferecidos à comunidade educativa já inter-
relacionados entre si, de maneira que não se corresse o risco de especificações não desejadas e se facilitasse
a organização concreta e global do afazer na aula, para que realmente funcionassem como “âmbitos de
experiência” e não como disciplinas.

Definitivamente, os meninos e meninas têm que realizar múltiplas experiências que lhes permitam
aprender certas coisas, ou seja, construir seu saber e não receber o ensino por simples transmissão. Isto
implica tanto manipular, brincar, saltar, como observar, escutar perguntar ou opinar. Mas sempre considerando
o caráter de globalidade que tem tudo o que a criança faz ou pensa e, em consequência, o enfoque
globalizador que deve respeitar, em geral, a metodologia da etapa de educação infantil (o que não exclui que
em determinadas circunstâncias, o educador, para alcançar alguns objetivos específicos, retrate atividades
próprias de um âmbito ou outro).

Os âmbitos ou áreas que fixa a Administração estatal são:


- Identidade e autonomia pessoal.
- Descobrimento do meio físico e social.
- Comunicação e representação.
Ainda que esta ordem não implique hierarquia, eu o começaria pela última área, pois como
assinalamos, não existe identidade nem autonomia, nem descobrimento possível do meio físico e social senão
e desenvolvimento prévio e suficiente da capacidade de comunicação e representação, pois a comunicação é
a mediação tanto do sujeito consigo mesmo como dele com seu meio. Os códigos verbais, gestuais, musicais,
icônicos..., são os instrumentos que possibilitam a compreensão e a expressão do mundo interior e exterior;
por isso, esta interação é a que serve de base para a aquisição dos conhecimentos próprios desta e das outras
áreas curriculares.
34
CURRÍCULO E DESENVOLVIMENTO DA CAPACIDADE COMUNICATIVA

4.5 METODOLOGIA

Se puder aceitar-se que, em geral, nunca há um método único que conduza a uma meta, nem que
exista o método ideal, pode-se falar sim na etapa de educação infantil da necessidade de um enfoque ou
tratamento educativo idôneo.

Como a família é a primeira escola de socialização da criança, o contexto em que realiza suas
aprendizagens iniciais e estabelece os primeiros vínculos afetivos e o grupo a partir do que incorpora hábitos
sociais e culturais, então, a educação que o centro de educação infantil pretende realizar deve ser
compartilhada e assumida pela família. Portanto, a coordenação e comunicação com os pais resulta essencial,
para o que a equipe de professores terá que favorecer canais de participação eficazes, tanto individuais como
coletivos.

As primeiras referências no centro são recebidas dos pais e, posteriormente, se analisará com eles a
evolução de seus filhos, se avaliarão esforços, aprendizagens, dificuldades, avanços, necessidades,
predisposições... “Além deste contínuo contato, os pais poderão colocar à disposição do centro sua
experiência em diversas áreas: realizar atividades com as crianças, executar trabalhos práticos ou participar de
tarefas de organização do centro: infra-estrutura, equipamento, admissão de novos alunos, etc. (D.C.B).

Obviamente, esta co-responsabilidade que devem compartilhar pais e educadores, não pode ser
transformada em que alguns se imiscuam, de maneira irrespeitosa ou perturbadora, nas obrigações de outros,
e no que diz respeito aos centros que a “aparição” da família não seja esporádica ou episódica, mas
continuada e colaboradora para que dela se derivem benefícios educativos, sem esquecer que a
responsabilidade docente do centro é própria dos educadores do mesmo.

Por outro lado, e para que as aprendizagens se realizem, a educação infantil deve oferecer aos
meninos e meninas conteúdos significativos mediante os que se construam novos conhecimentos. Para isso,
deve ter em conta não só a experiência real dos pequenos, mas também sua curiosidade, suas destrezas, seu
desenvolvimento verbal, etc. “Para que as crianças cheguem a ter participação ativa em sua própria
aprendizagem, é importante encontrar métodos que os permitam assumir parte da responsabilidade de decidir
quais tarefas empreender e como abordá-las”. (Wells, G.,1988, 146). Isto não implica que o mestre tenha
deixado sua responsabilidade, mas que tenha em conta sugestões e diferentes possibilidades de trabalho; isto
pode ir desde induzir as crianças a selecionarem por sua conta alguns aspectos de certas tarefas, a tratarem
temas livres em desenhos, canções, etc.

A realização de aprendizagens significativas implica um processo complexo mediante o que cada


sujeito constrói seus conhecimentos, partindo dos prévios, e interagindo com os demais. Para que este esforço
se realize, o pequeno estudante assim como o grande sábio devem estar motivados, já que são receptores e
emissores desta construção ou reconstrução. O trabalho do professor ou professora, neste caso, consiste em
orientar, facilitar, criar o clima adequado, provocar as situações de aprendizagem, retratar as atividades
apropriadas, corrigir erros ou desajustes, fazer e responder perguntas; em definitivo, ajudar e guiar seus alunos
para que aprendam aquilo que foi selecionado da melhor maneira possível. Neste sentido, as ponderações, as
explorações os descobrimentos, as manipulações não podem fazer esquecer a importância das explicações
que pode dar o educador, sempre que estas tenham em conta o grau de desenvolvimento verbal da criança;
além disso, estes intercâmbios linguísticos são fundamentais nesta e em posteriores etapas como modelos de
fala (corretos, coerentes e apropriados).

No entanto, no sentido destas reflexões gerais, convém também estabelecer-se o “como” ensinar, e
isto não pode desvincular-se das teorias mais recentes sobre a aprendizagem. Dentro destas coordenadas, o
mais adequado parece consistir na adoção de um enfoque globalizador, que se baseia na teoria de que as
crianças nestas idades realizam suas aprendizagens não mediante acumulações, justaposições ou adições,
mas que são o produto de uma captação da realidade como globalidade. Ou seja, que a aproximação e
paulatino conhecimento que a criança faz da realidade implica um processo global, que será mais rico
enquanto as experiências, as relações entre elas e os significados que se construam, se diversifiquem e se
hierarquizem passo a passo.

O enfoque globalizador considera a resolução dos problemas nos que os meninos e meninas
mostraram interesse e nos que estão motivados, por isso põem em funcionamento um processo ativo e
participativo de aprendizagem significativa. Esta opção globalizadora respeita as sequências e características
dos pequenos, pois nela se requer simultaneamente de conteúdos de diferente tipo (conceitos, procedimentos,
atitudes, normas...) e de diferente âmbito ou área. Assim, as crianças se vêem implicadas em processos que
requerem diversas e diferentes atividades relacionadas entre si, mas que servem a uma meta comum.

35
CURRÍCULO E DESENVOLVIMENTO DA CAPACIDADE COMUNICATIVA

Uma programação baseada nesta concepção exige tanto o abandono de estabelecimentos educativos,
cujas atividades se justapõem entre si, de maneira simplesmente acumulativa e sem rigor, como do enfoque no
qual a globalização implica perda de rigor ou finalidade didática. Não por somar assentos, contar quilômetros e
subtrair vagões se sabe usar os meios de transporte. Deve evitar a artificialidade e falta de rigor de algumas
programações supostamente globalizadas. Misturar e bater não é globalizar. Da mesma maneira que a criança
corra dentro ou fora da aula não implica metodologia ativa, participativa, baseada fundamentalmente em
experiências e aquisição de procedimentos. É fundamental que o sujeito se envolva, que atualize idéias
prévias, que reestruture novas aprendizagens, que realize novas conexões... Quando a criança “trabalha” ou
“brinca” na aula, não é consciente de quanto aprende, como amplia seu vocabulário, como corrige condutas,
como experimenta vivências diferentes, como se controla, etc. Sua finalidade se centra em realizar uma tarefa
que lhe interessa, mas o docente sim deve saber para que, o que, quando e como está aprendendo.

A própria atividade da criança não é sua fonte principal de aprendizagem, mas esta atividade deve
estar guiada para que se garanta um desenvolvimento cognitivo adequado. Assim, os menores descobrirão as
propriedades dos objetos, mediante ações sensório-motoras, mas isso também acontece nos que são um
pouco maiores, pois mediante manipulações diretas ou “manipulações simbólicas e mentais” acedem a
conhecimentos novos e necessários para desenvolver-se nesta sociedade. Isto também é válido para todo o
âmbito comunicativo e de maneira especial para o lingüístico, a criança deve “manipular” a língua (ouvi-la,
repeti-la, imitá-la, compreendê-la, produzi-la, reinventá-la...).

De importância capital, para que se produza toda comunicação e especialmente nestes anos, é que as
crianças no centro de educação infantil encontrem um ambiente acolhedor e seguro, sem superprotecionismos
nem consentimentos negativos, para que sejam estimuladas as relações interpessoais e ajustada uma auto-
imagem adequada. Apenas quando a criança se sente tranquila, querida e valorizada pode enfrentar com
equilíbrio as metas que lhe fixa a educação sistemática. Nesta idade, os meninos e meninas necessitam,
também, ter uma relação pessoal e calorosa com o educador, que deve ter em conta este fato em todo
momento, especialmente com os menores. A partir do afeto, o professor ou professora deve educar nas
normas, fazer respeitar as regras, afiançar hábitos positivos, etc. Nos últimos anos da educação infantil,
convém que os alunos participem na elaboração das normas que regem a convivência do grupo, com o qual
cada um se fará co-responsável de sua elaboração e cumprimento.

4.6 O PAPEL DO EDUCADOR

Qualquer educador, mas fundamentalmente o de educação infantil, deve assumir posturas flexíveis e
antidogmáticas, pois sua atuação na aula é essencial para criar o clima idôneo que a criança necessita. Tem
que estar atento aos interesses e necessidades das crianças, para motivá-las e orientá-las em seu afazer,
criando situações variadas de aprendizagem, interagindo em todo momento com seus alunos, ajudando-os,
conscientizando-os, elevando seus progressos, constatando suas dificuldades, modificando as programações
cada vez que seja oportuno, etc. Também, os educadores e educadoras deveriam aceitar que sua tarefa é
complexa, mas gratificante, e que têm que desempenhá-la com uma esmerada qualificação profissional. Isto,
entre outras coisas, requereria que os pais a valorizassem também como tal: “É provável que um aumento do
reconhecimento e da valorização dos educadores competentes, seja por parte dos pais, das mães ou dos
próprios educadores, traga consigo um incremento da qualidade...” (Willis, A., e Ricciuti, H., 1990, 135).

Na prática, a atuação educativa pode adotar diferentes modos de intervenção, mas conviria que
fossem analisados e decididos com antecedência, ainda que isto não negue a evidente necessidade de ser
flexível na aula. O papel do professor tem muitas facetas, talvez demasiadas, mas não pode, em nenhum caso,
deixar de refletir sobre a prática. “Isto significa que o professor tem que ser um co-trabalhador com a criança;
um co-pensador que ajuda a esclarecer, a fixar e a comunicar. Significa que o professor tem que ser um
assessor que saiba como descobrir os interesses e a compreensão da criança. E significa que o professor tem
que ser um perito em relações humanas, que compreenda a dinâmica do grupo e possa motivar as crianças e
seus colegas...” (Saunders, R., e outros, 1989, 170).

Para orientar e guiar a evolução dos meninos e meninas, o docente fixa não só algumas metas, mas
também o caminho que deve seguir para alcançá-las, com o fim de que os pequenos construam suas
aprendizagens. Se o educador tem claro o que quer ensinar, como e quando, observa com critérios didáticos a
evolução dos alunos, atende a seus interesses, fomenta suas motivações, se adequa a eles, respeita a
diversidade de seus ritmos, aceita seu registro verbal para, a partir dele, melhorar a comunicação. Quanto mais
conhecer a criança, mais reflexivamente tenha assumido sua programação de aula, com mais eficácia poderá
adaptar atividades e corrigir defasagens. O fato de que algumas crianças avançam mais rapidamente que
outras está comprovado. Mas, na maioria dos casos, isso não implica que os que progridem com mais lentidão
não alcancem ou possam superar com o tempo os outros.
36
CURRÍCULO E DESENVOLVIMENTO DA CAPACIDADE COMUNICATIVA

Em uma sociedade tão competitiva como a atual, o docente tem que recordar que o rendimento real das
aprendizagens não depende de velocidades. Destacar as crianças que vão na frente, pode induzir os outros ou
seus pais a tirarem conclusões errôneas que as prejudiquem. Especialmente quanto ao desenvolvimento da
linguagem verbal dão-se diferenças individuais, familiares, sociais..., que evidentemente têm repercussão no
rendimento acadêmico e que haverá que considerar para tratar de compensá-las quando for necessário.

Por outro lado, o educador como profissional individual deve estar integrado em seu grupo para:
- Colaborar na elaboração do projeto educativo.

- Colaborar na elaboração do projeto da etapa de educação infantil.

- Colaborar na elaboração da programação de ciclo.

- Colaborar na organização geral do centro.

- Colaborar na avaliação do projeto educativo, de etapa e ciclo.

- Elaborar e avaliar a própria programação de aula.

- Manter-se em contato com pais, professores de educação primária, orientadores, inspetores, etc.

- Manter-se em contato com outras instituições ou dependências (CEPs, Prefeituras, serviços


sociais, de saúde...).

Não podemos esquecer que, para o desenvolvimento social e cultural dos meninos e das meninas, o
crucial não é tanto os simples estímulos físicos quanto as atividades nas quais os adultos (e especialmente os
educadores) interagem de alguma maneira com eles, estabelecendo distintos tipos de relações, orientando
certa manipulação de objetos, guiando-os por processos selecionados, incitando-os a resolver alguns
problemas ou, inclusive, corrigindo atitudes ou incorreções conceituais. Daí a importância do caráter
intencional e sistemático da tarefa docente, e a necessidade de uma preparação rigorosa. Resultaria
inadequado, obviamente, fazer recair o peso da educação sobre a aprendizagem espontânea dos pequenos ou
de sua possível seleção de conteúdos e metas.

4.7 A AVALIAÇÃO

Se os objetivos são as metas ou o para que ensinar (ensinamos para que o menino ou a menina seja
capaz de...), mediante a avaliação contínua e formativa se pretende recolher, ao longo de todo o processo de
aprendizagem (por isto a diferenciamos em avaliação inicial, processual e final), os dados necessários com o
fim de tomar em cada momento as medidas oportunas. Obviamente, este tipo de avaliação não apenas
constata a evolução do alunado, mas também a adequação da prática docente e da própria programação e
projeto de ciclo e etapa.

O importante é ajustar a intervenção educativa (projetos, programações e ações) às características de


cada criança, para que as aspirações e os êxitos reais não pareçam objetivos diferentes. Assim, a avaliação
guia e reconduz o processo não só de aprendizagem, mas também de ensinamento. Portanto, uma avaliação
não tem como fim qualificar, destacar ou marginalizar ninguém (nem aluno ou aluna, nem professor ou
professora), mas adaptar conteúdos, métodos, recursos, etc., para que a intervenção educativa resulte eficaz:
“Necessitamos obter dados específicos para que possamos fazer mudanças apropriadas, de acordo com as
necessidades mutantes das crianças e para que possamos ter algum controle sobre os efeitos de nossa
conduta no entorno” (Saunders, R., e outros, 1989, 278). A auto-avaliação, neste caso a do educador, é uma
das mais importantes técnicas para melhorar a própria tarefa. O autor antes citado enumera os cinco erros
mais comuns e que devemos evitar:
1. Permitir que os preconceitos ocultem fatos importantes.
2. Emitir conceitos baseados em instrumentos não confiáveis.
3. Usar equivocadamente a informação numérica.
4. Ignorar variáveis importantes porque não se sabe como avaliá-las ou porque resulta trabalhoso
fazê-lo.
5. Permitir que os problemas de avaliação entorpeçam ou paralisem os processos de aprendizagem.

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CURRÍCULO E DESENVOLVIMENTO DA CAPACIDADE COMUNICATIVA

A avaliação inicial dos alunos de educação infantil é fundamental, pois não há informe escolar prévio
destas crianças, como acontece em etapas posteriores. Quando os pequenos ingressam em um centro de
educação infantil, os educadores devem entrevistar-se com seus pais para recolher informação sobre as
características da criança (rotinas, hábitos, preferências, destrezas, dificuldades, predisposições...). Estes
dados se completam com a observação direta que o docente realiza os primeiros dias, sobretudo no que se
refere à relação com outras crianças e adultos, adaptação à vida escolar, atitude ante situações ou objetos
novos... Assim, a avaliação é parte da formação que se oferece à criança, pois ajuda a selecionar atividades, a
desenvolver certos conteúdos antes que outros, a ajustar objetivos específicos, etc.

A observação dos pequenos em diferentes situações é a técnica mais rica de avaliação nesta etapa. O
educador pode realizá-la tanto fora da aula (recreio, refeitório, entrada, saída...) como durante a realização de
tarefas concretas na aula (brincadeiras, desenhos, declamações, dramatizações...). O anedotário e a escala de
valorização são dois instrumentos fundamentais para realizar o modelo de avaliação a que estamos aludindo.
Em todo caso, a avaliação deve ter em conta o conseguido e o não conseguido pela criança, mas convém falar
disso de maneira positiva e não desqualificadora. Deve iniciar nesta etapa o processo de auto-avaliação do
próprio aluno, dando-lhe a oportunidade de que opine sobre si próprio e seu “trabalho”.

O êxito de uma programação depende que se baseie no que a criança já conhece, e tenha claro o que
pretende que alcance. Ou seja, deve-se conhecer o que o pequeno sabe em cada momento do processo para
partir de suas idéias prévias, o que revela a importância de uma avaliação inicial e processual.

A avaliação não é uma informação válida somente para o docente e o centro, mas é de fundamental
importância para a família. Ao compartilhar estes dados, os professores e os pais podem confrontar opiniões
sobre as atitudes e condutas da criança em sua casa e na escola. Deste enriquecimento mútuo, ambos os
setores podem tirar consequências proveitosas para a educação do pequeno em cada um dos dois âmbitos.

4.8 AQUISIÇÃO E DESENVOLVIMENTO DA CAPACIDADE COMUNICATIVA

Na etapa de educação infantil, merecem especial atenção os problemas relacionados com a


comunicação em geral e com a verbal em particular. Não pode se negar que a aprendizagem mais importante
que realizam os meninos e as meninas, de zero a seis anos, é a de sua língua materna, o que, de alguma
forma, condicionará sua maneira de ver-se a si próprios e ao mundo. A linguagem garante mais funções que a
da comunicação, pois as crianças irão pouco a pouco não só nomeando os objetos que as rodeiam, mas
referindo-se a suas qualidades, relações, propriedades; ou seja, que lhes permitirá organizar o pensamento,
estruturá-lo, abstrair traços, generalizar..., e, como já assinalamos, lhes dará a possibilidade de regular,
planificar sua própria conduta. Por isso, as complexas e essenciais funções que cumpre a linguagem (não
existe cultura sem língua) a convertem no eixo central do processo educativo em que deve apoiar-se a
construção pessoal da própria identidade e o conhecimento do mundo. Qualquer fato ou situação que dificulte,
atrase ou perturbe a aquisição das destrezas lingüísticas básicas (ouvir e ler compreensivamente, falar e
escrever adequadamente) prejudicará o desenvolvimento integral da criança.

Deverá considerar que, nestes primeiros anos, a aquisição da linguagem não é linear. Podem e
costumam surgir problemas ou necessidades que devem ser atendidas de maneira imediata: dificuldades para
a articulação de certos sons, pobreza de vocabulário ou atraso no domínio e manejo de certas estruturas
gramaticais, etc., devem ser trabalhadas no centro até que sejam superadas por todas as crianças, salvo
casos especiais.
Não obstante, quando surgirem problemas educativos graves a respeito da linguagem, será necessário
informar os pais e recorrer ao assessoramento de especialistas. A maior parte dos transtornos do
desenvolvimento geral incide nos da linguagem em particular, mas tem especial relevância os relacionados
com a surdez e com algumas paralisias cerebrais (Casanova, M. A., 1990). Neste sentido, não deve esquecer-
se que o irrecusável é garantir a comunicação da criança e se isso não é possível mediante o uso do código
oral, será preciso apelar a outros tipos de linguagem que lhe permitam organizar seu pensamento e regular
sua conduta. Neste caso, a linguagem utilizada pela criança deve ser conhecida pelas pessoas que a rodeiam
e a educam.

A maioria das crianças adquirem, aparentemente de maneira espontânea, muitos hábitos e habilidades
ou, ao menos, o fazem sem grande esforço. Não obstante, o professor ou a professora deve estar pendente
destas aquisições, pois costumam ser importantes para aprendizagens posteriores e mais complexas. Estes
hábitos e habilidades, difíceis de catalogar, vão desde os referentes às posturas (algumas imprescindíveis para
o trabalho com lápis e papel), aos das normas de convivência e relação, como respeitar a vez de falar, pedir as
coisas em vez de pegá-las, saudar, agradecer, pronunciar todos os sons...

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CURRÍCULO E DESENVOLVIMENTO DA CAPACIDADE COMUNICATIVA

O domínio e o respeito destas questões devem ser cuidados na educação infantil, pois são as bases nas que
se basearão aprendizagens futuras...

4.9 IMPORTÂNCIA CURRICULAR DA ÁREA DE COMUNICAÇÃO

Referir-se à comunicação é falar de uma característica essencial do ser humano. Ela possibilita a
relação do indivíduo consigo mesmo e com seu entorno. Por isso, para o prospecto e as programações da
área deve recordar que quanto mais ricas e diversas sejam as situações de comunicação pelas quais passa o
sujeito, mais fácil lhe resultará logo compreender e expressar-se com precisão e sem renunciar às matizes.

Desde muito pequenas, as crianças se comunicam espontaneamente com os seres que têm mais
próximos (expressam sua fome, sua incomodidade, sua alegria, seu sono, sua vontade de brincar...). Mas
conforme evolui seu psiquismo, o menino ou a menina desenvolvem novas necessidades comunicativas e
também novas possibilidades. Sua capacidade de representação progride, sua relação com o meio se
aprofunda e amplia seu domínio comunicativo com o paulatino desenvolvimento da linguagem verbal.

Por isso, durante a etapa de educação infantil devemos oferecer às crianças a possibilidade de ampliar
sua experiência, de aumentar suas destrezas comunicativas e representativas, de interagir
enriquecedoramente com outros adultos diferentes aos de sua família. Assim acederão a novos e mais
elaborados mecanismos de compreensão e expressão. O progresso verbal permitirá, ao mesmo tempo, que os
educadores possam transmitir conteúdos cada vez mais variados e ricos e otimizar assim as aprendizagens.

De todas as maneiras, a cuidadosa atenção que os docentes devem prestar ao desenvolvimento


lingüístico da criança não implica que possam desatender-se outras linguagens (o gesto, o desenho, a
dinâmica corporal, a canção...) de grande funcionalidade comunicativa e social. A possibilidade de dominar
distintos códigos permite compreender e utilizar as diferentes chaves de acesso à totalidade da cultura: “A
linguagem pode ser concebida como um código a decifrar, mas antes que o menino e a menina empreendam
tal tarefa, já se familiarizaram com o código em uso. Se o encontraram em interações significativas nas que
intervêm simultaneamente canais mais “naturais” como são a vista, o ouvido, o tato e o olfato.” (Wells, G.,
1988, 49).

Neste sentido, trabalhar a comunicação em todas as suas manifestações durante os ciclos que
compreende a educação infantil, implica programar com rigor para facilitar que os meninos e as meninas se
apropriem progressivamente das diferentes formas de representação, criando para isso as situações
adequadas (não parece necessário recordar novamente, é óbvio, a estreita e inevitável relação desta área com
as outras do currículo, pois para a aquisição das aprendizagens de qualquer âmbito resultam imprescindíveis
os deste).

Cada código tem suas próprias características, o que deve ter-se em conta para seu ensinamento. Não
apresenta a mesma dificuldade, complexidade nem potencialidade social a expressão corporal, por expor um
caso, que a verbal. Então, dada a diferença que existe entre as distintas linguagens, a variedade de funções
que cumprem, os diferentes ritmos de aprendizagem, a consideração de sua frequência de uso, etc. é
necessário, ainda trabalhando-os de maneira integrada, separar na programação – que não necessariamente
na prática docente – seus objetivos e conteúdos.

Conforme a criança amplia sua capacidade de comunicação verbal e de representação, poderá


também regular sua conduta mediante as palavras dos adultos primeiro e as suas depois. A língua será assim
não só um instrumento de comunicação e regulação interpessoal, mas também de comunicação e regulação
de si próprio. O desenvolvimento e maturidade da capacidade reguladora da língua é fundamental e de lenta
aquisição (como prova a conduta de muitos adultos) e se opõe às ações impulsivas, às respostas automáticas
não meditadas, às condutas compulsivas. O acesso a esta função da linguagem é custoso e não espontâneo,
exige uma educação sistemática que começa já em níveis pré-verbais e deve ser prolongada ao longo de toda
a educação obrigatória, mas cujo trabalho é essencial em educação infantil para qualquer desenvolvimento
posterior. Mas o certo é que a principal razão que impulsiona a criança a falar é seu desejo de comunicar-se
com mais precisão, isto é, que as primeiras locuções são de caráter eminentemente funcional e esta é a
orientação que devemos dar à área; aprender a falar implica, para cada sujeito, “reinventar” com ajuda, a
linguagem. Mas, além disso, as crianças não apenas aprendem a falar, mas que porque o fazem, aprendem
muitas outras coisas, pois a linguagem é uma ferramenta para pensar.

No relativo ao código oral, ao terminar esta etapa, as crianças devem poder comunicar-se com fluidez,
expressar-se com coerência em diferentes intenções; devem articular corretamente os sons de sua língua
materna (exceto pequenas dificuldades com alguns ou com sílabas trabalhadas, por exemplo) e usar também
de maneira apropriada as estruturas morfossintáticas básicas (para afirmar, negar, interrogar, exclamar...).
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CURRÍCULO E DESENVOLVIMENTO DA CAPACIDADE COMUNICATIVA

No entanto, para que os conteúdos linguísticos resultem ricos e significativos (fundamentalmente os


comportamentais e posturais), deve diversificar as experiências no centro, o que supõe uma ampliação das
possibilidades que oferece à criança seu meio natural. No êxito destas metas colaboram atividades orais do
tipo de descrições de desenhos, figuras, bonecos, brinquedos, pessoas, animais ou objetos vários..., descrição
de uma sequência gestual, de uma representação mímica ou de um baile..., resumo de filmes, de histórias
lidas ou narradas pelo professor ou professora, de fantasias, histórias inventadas pela criança...,
dramatizações simulando diferentes nomes, imitações..., manipulação de objetos depois de escutar instruções
orais..., memorização e recitação de pequenos poemas, canções, produção de rimas..., exercícios guiados
pelo docente com famílias de palavras ou campos semânticos simples..., reprodução da própria mensagem
com palavras diferentes, conversações inventadas entre marionetes..., jogos com marionetes que falam...

Quando se programam e realizam estas atividades, deve recordar que durante a educação infantil o
menino e a menina não apenas se formam, mas se transformam, abandonando maneiras de ser, de pensar e
de falar, pois passam de uma linguagem egocêntrica a outra que, cada vez mais, se assemelha à dos adultos,
com tudo o que isto implica; por exemplo, deve aprender a dizer “obrigado, não me agrada...”, em vez do
simples: “Não quero”. Assim, por um lado, progride para um uso da língua mais rico, mais variado, mais
complexo, mas, por outro, deve aceitar cada vez mais estreitas codificações e convenções.

Neste sentido, a brincadeira surge como uma atividade eminentemente educativa por sua mistura de
liberdade e normativa, é um lugar de reconciliação entre a autonomia pessoal e as limitações que exige a
convivência. Os “jogos” que se realizam com a linguagem, como assinalamos acima, têm que orientar para o
“descobrimento” pessoal mediante a própria “pesquisa”. Pouco a pouco, o pequeno terá que passar de
“consumidor” ou “receptor” de jogos a “produtor” dos mesmos, propondo ele alguns a seus colegas.
Frequentemente, os jogos infantis auxiliam o emprego da linguagem. “A intensa relação entre jogo e linguagem
fica destacada em um estudo de Levy (1984), no qual esta pesquisadora examinou grande quantidade de
textos sobre o uso do jogo e da linguagem em crianças de cinco anos. Descobriu uma “associação inegável” e
chegou à conclusão que o jogo é um meio eficaz de estimular o desenvolvimento da linguagem e as inovações
com seu emprego, sobretudo para o esclarecimento de palavras e conceitos novos, a motivação e a prática da
linguagem, o desenvolvimento de uma consciência metalingüística e a promoção do pensamento verbal (Levy,
1984, 60)” (Moyles, J. R., 1991, 54). Além da importância que tem o jogo para o desenvolvimento da
linguagem, estão as interessantes atividades que implicam jogar com a linguagem, coisa que costuma agradar
as crianças e é de grande proveito educativo.

Para que seja possível a comunicação verbal plena, em nossa sociedade se requer, além do domínio
do código oral, o do escrito. A comunicação escrita tem um valor especial já que, mediante ela, se “vencem”
distância e tempo e se estende a múltiplos contextos (na família, nos meios de comunicação de massas, nos
livros, na escola...), dada a frequência e variedade de seu uso. Por isso, adquirir e dominar este código é um
dos objetivos fundamentais da educação obrigatória. Daí que, na etapa de educação infantil, se apresente
como uma expectativa docente e, às vezes, como uma demanda dos pais.

As posturas ante o ensinamento da leitura e da escrita na educação infantil costumam ser enfrentadas.
Para uns, estes conteúdos não devem figurar na etapa, pois as crianças não alcançaram a maturidade
suficiente para eles e lhes obriga um esforço que termina sendo negativo em relação a suas futuras
aprendizagens. Outros sustentam que o adequado é que os pequenos passem à educação primária com a
aquisição destas destrezas iniciadas, ainda que tenham que fazer um esforço. Em qualquer sociedade
alfabetizada, todos os pequenos formam hipóteses sobre as funções e características da linguagem escrita, a
partir de experiências cotidianas e prévias à sua aprendizagem sistemática.

Talvez, como em muitos outros casos, a melhor seja a postura ponderada. O desenvolvimento da
capacidade de ler e escrever implica a aquisição prévia de muitas outras destrezas que devem ser trabalhadas
inquestionavelmente nos últimos cursos desta etapa. Assim, as crianças têm que ir sabendo que a leitura e a
escrita requerem que se respeitem múltiplas convenções e exigências: manter o livro direito, percorrer as letras
da esquerda para a direita, ir passando das linhas de cima às de baixo, diferenciar palavras de ilustrações
ainda que representem o mesmo, diferenciar a escrita dos rabiscos, as linhas, os desenhos... No último ano do
ensino fundamental podem sequenciar-se atividades significativas que tenham em conta o texto escrito:
identificar anúncios, seguir no livro a leitura de histórias feita pelo adulto, observar como escreve o professor
ou professora na lousa, reconhecer o próprio nome ou inclusive reproduzir suas grafias para tarefas ou
necessidades funcionais dentro da aula, como identificar ou indicar o cabide da roupa, algum outro objeto
pessoal, o desenho que penduramos na parede, etc., seguir no livro a leitura de histórias feitas pelo adulto, já
que“... a conexão entre a experiência de escutar histórias na primeira infância e o posterior rendimento
acadêmico fica confirmado... pois as crianças às quais havia lido assiduamente estavam melhor preparadas
para narrar um acontecimento, descrever uma cena e seguir instruções” (Wells, G., 1988, 192-193).

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CURRÍCULO E DESENVOLVIMENTO DA CAPACIDADE COMUNICATIVA

A aparentemente simples aprendizagem de, por exemplo, fazer as grafias, implica uma série de
exigências: controle neuromuscular preciso, coordenação entre a vista e o traço, controle dos dedos,
coordenação entre a pressão dos dedos sobre o lápis e o deslocamento do mesmo, automatização da
realização encadeada de traços retos e curvos, etc. Além disso, “se trata não só de iniciar a criança no sinal
gráfico e criar-lhe uma habilidade específica, mas também de permitir-lhe a leitura do sinal gráfico, entendendo
por leitura a capacidade de reconhecer, identificar, compreender, evocar situações, experiências, relações...”
(Selmi, L., e Turrini, A., 1989, 49).

Em todo caso, o importante é respeitar os ritmos e necessidades de cada indivíduo. Para algumas
crianças será um esforço iniciar-se na escrita, para outras um sacrifício o não iniciar-se, ainda que isto sempre
deva fazer-se de maneira elementar. O importante é que não se constitua na meta central de nenhuma
programação, mas que estes conteúdos estejam condicionados às capacidades, necessidades ou interesses
manifestos dos pequenos.

Os professores podem assumir didaticamente a forte motivação por aprender o código escrito de suas
crianças; ainda que, como já assinalamos, antes devem ser realizadas muitas e muito complexas
aprendizagens significativas prévias e preparatórias para a leitura e a escrita, como por exemplo exercitar-se
no manejo do lápis. As crianças menores de seis anos muitas vezes não alcançam o amadurecimento da
motricidade fina e a lateralidade que exige a escrita. Passar do controle motor grosseiro ao controle motor fino
requer múltiplas atividades, não apenas com lápis e papel, mas com pintura de dedos, manejo de tesouras,
modelagem com massinha de modelar ou barro, desenhos... Igualmente, distinguir um lado do outro exige
“recorrer” com diferentes recursos (desenho, jogo...) e em diferentes situações o espaço sobre o papel ou o
que realmente rodeia a criança. Também o reconhecimento do próprio esquema corporal é um meio
imprescindível para situar adequadamente os objetos externos, entre eles e com relação a ele próprio. Todas
estas atividades devem ter sentido em si mesmas para o menino ou a menina, e não ser nem parecer uma
simples preparação para a escrita.

Definitivamente, pode-se dizer que o ideal não parece estar em separar da educação infantil a leitura e
a escrita, ou em obcecar-se em ensiná-la, mas em dar-lhe um tratamento didático adequado que respeite as
possibilidades evolutivas dos alunos e os estabelecimentos curriculares da educação infantil na área de
comunicação. Seria tão incoerente em uma etapa como esta exigir às crianças que escrevam como requisito
curricular, como negar-lhes o diálogo e as práticas elementares sobre algo que as rodeia por todas as partes e
que, em alguns casos, realizam em casa.

As relações que a criança descobre e estabelece entre as coisas, inicialmente são sensório-motoras, a
seguir intuitivas e posteriormente lógicas. Esta evolução permite que cada vez objetive mais sua realidade e
tudo isso se apoiará e fará progredir suas aquisições verbais. Aprenderá assim a manejar um instrumento
essencial para viver em comunidade, capaz de permitir-lhe conhecer e estruturar o meio, e que terá enormes
repercussões no desenvolvimento de suas habilidades cognitivas: “O requisito para progredir em nosso
sistema educativo será que a criança aprenda a voltar a linguagem e o pensamento sobre si próprio. Deve
chegar a ser capaz de orientar seus próprios processos de pensamento de uma forma reflexiva. Deve chegar a
ser capaz não só de falar, mas de escolher o que vai dizer; não apenas de interpretar, mas de considerar
possíveis interpretações. Seu sistema conceitual deve aumentar até conseguir representar-se a si próprio.
Deve ser capaz de manipular símbolos” (Donaldson, M., 1978, 88-89).

Em função das fases que as crianças destas idades atravessam, os conteúdos desta e qualquer outra
área devem basear-se na própria atividade e usos comunicativos dos pequenos. Novas experiências criarão
novas necessidades e estas gerarão registros comunicativos cada vez mais ricos e complexos. Os conteúdos
linguísticos, por exemplo, serão mais significativos se a criança os constrói como solução de suas
necessidades e como ferramenta para suas tarefas globais. Assim, quando se guia o menino ou menina para
que descubra as características de seu corpo, as diferenças e semelhanças com outros; quando lhe orienta
para que explore seu entorno, fazendo comparações, medindo, contando; quando se pede que salte, cante ou
memorize..., não só se busca que alcance os objetivos de um âmbito educativo específico, mas os gerais do
ciclo e da etapa. Neste sentido, é óbvia a importância da aquisição e domínio adequado da linguagem
matemática.

Por outro lado, são necessários a atenção e o desenvolvimento das capacidades de comunicação
mediante a plástica, a música, a expressão corporal, a dramatização, etc. Estas linguagens oferecem um meio
de expressão rico em possibilidades e, ainda que são diferentes, apresentam alguns traços em comum. Assim,
é importante destacar sua grande carga de emotividade e criatividade, justamente por este poder comunicativo
“especial” que deve ter um papel importante na educação dos pequenos.

41
CURRÍCULO E DESENVOLVIMENTO DA CAPACIDADE COMUNICATIVA

Não obstante, estas características não devem fazer esquecer as possibilidades que oferecem no campo do
conhecimento e a relação social. Estas linguagens têm técnicas e “sintaxes” próprias que devem ser
aprendidas para poder estender todo seu potencial comunicativo.

Nos primeiros anos, os pequenos constroem um repertório de rotinas, sensações e expectativas, e a


partir de sua própria experiência dão um sentido ao mundo físico e social. Baseando-se nestas aprendizagens,
entre os dois e os seis anos, passam de exploradores a seres usuários de símbolos. Isto é, que: “Adquirem a
gramática fundamental de sua língua materna (Brown, 1973), os fundamentos de um sistema de renovação e
as convenções que regem a música que escutam e cantam (Davidson, 1983). Consequência desta exploração
no desenvolvimento dos símbolos é que as crianças que até então só foram espectadores pictóricos
(Deloache, Strauss e Maynard, 1979) se somam à comunidade de criadores pictóricos (Wolf e Gardner, 1980)”
(Hargreaves, D. J., 1991,44).
Segundo Boada, H. (1986, 17): “A comunicação ‘por outros meios’ precede a comunicação lingüística e
em suas formas mais primitivas cumpre algumas das funções que cumprirá mais tarde a linguagem (verbal) “...
“O número de funções que se pode ser conseguido mediante a comunicação parece ser ilimitado. A aparição
do sistema léxico-gramatical e o acesso a formas comunicativas culturais conseguirá o crescimento do número
de funções”. Para Eisner, E. W. (1987) não há atividade afetiva sem cognição, por isso sustenta que, por
exemplo, ter um sentimento e não sabê-lo é como não tê-lo. Por outro lado, agrega que não existe atividade
cognitiva desprovida de sentimento. Também Dewey, J. (1958) pensa que: “A produção de uma obra de arte
exige provavelmente mais inteligência que a maior parte do chamado pensamento que se dá entre aqueles
que se orgulham de ser inteligentes”.

Na realidade, o confronto entre cognição e dados sensoriais é antigo. Já Platão menosprezava o


conhecimento sensorial. Muitos consideram que a garantia de um pensamento “verdadeiro” está em depurá-lo
de sentimentos e dados sensoriais. Esta postura Bifronte, com respeito ao ser humano, se relaciona com a
dicotomia mente/corpo, pensamento/sentimento, obra intelectual/obra manual. Assim os alunos que realizam
bem tarefas manuais ou artísticas costumam ser considerados como “talentosos ou hábeis”, mas não como
inteligentes, enquanto que os “bons” em matemática ou em ciências são qualificados como brilhantes
intelectualmente, ainda que sua fraqueza física e falta de sensibilidade sejam extremas.

No entanto, para muitos estudiosos, o certo é que através dos sentidos não só se recebem
passivamente os “impulsos ou impressões” do mundo empírico, mas que se selecionam e organizam. E como
parece provado “que se um organismo não tem oportunidade de usar determinadas capacidades em períodos
críticos de sua vida, não será capaz de usá-las uma vez transcorrido esse período” (Eisner, E. W., 1987, 65),
isto justificaria a importância de incluir no processo de ensino-aprendizagem da educação infantil, os
conteúdos correspondentes para garantir o adequado desenvolvimento das capacidades sensoriais e o caráter
construtivo da percepção. Pois: “A formação de conceitos depende da construção de imagens derivadas do
material que proporcionam os sentidos” (Eisner, E. W., 1987, 68). E ainda que autores como Adam Schaff e
muitos outros defendem a primazia da linguagem verbal sobre os não verbais, isso não implica que estes não
devam ser considerados e trabalhados na aula de maneira pertinente (Schaff, A., 1973,118).

Tanto a expressão corporal como a dramática utilizam o corpo, seus movimentos e gestos. Mediante a
expressão dramática, os meninos e as meninas representam situações, pessoas ou animais e mediante a
corporal podem manifestar estados de ânimo. Ambas as linguagens provêm da comunicação gestual e se
prolongam em jogos simbólicos de simulação ou imitação, pois o “ator” atua como se fosse outros. Todo este
âmbito é um campo aberto à fantasia, à imaginação e à criatividade no que se manifestem sentimentos,
identificações, rechaços, tensões e também o conhecimento das coisas e dos seres; servem, também, para
enriquecer as relações interpessoais.

O docente deve fomentar um ambiente de liberdade e estímulo para que as crianças tirem o máximo
proveito destas atividades, passando das mais convencionais e simples às mais pessoais e ricas. E o centro
deve prover os espaços, materiais e projetos necessários para que estas experiências sejam uma realidade
cotidiana.
Algo parecido acontece com a pintura, o desenho, a modelagem, etc., pois são meios de expressão
que apresentam o duplo interesse de revelar os progressos que vai fazendo a criança e de permitir a
consecução dos objetivos gerais da educação infantil. Também, em geral, todas as atividades que estão
relacionadas com estes conteúdos contam com a boa disposição dos pequenos, os quais desfrutam
trabalhando-os. O docente deve, portanto, estimular as crianças para que busquem e encontrem novos
recursos e desenvolvam diferentes técnicas que aumentem a eficácia da expressão e a diversifiquem. Assim a
criança adquirirá, pouco a pouco, sensação de domínio e destreza, poder de criação e comunicação,
desenvolvendo uma imagem positiva de si próprio e projetando-se para o entorno de maneira segura e
gratificante.
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CURRÍCULO E DESENVOLVIMENTO DA CAPACIDADE COMUNICATIVA

Grande satisfação produz, no pequeno, terminar “sua obra” e poder pendurá-la ou entregá-la a seus pais. Este
processo não só reforça a dedicação ao trabalho, a valorização da tarefa bem feita, a idéia que o sujeito tem
de si mesmo, mas também sua tendência para expressar-se de maneira criativa e variada.

Em todas estas manifestações, tanto corporais como plásticas, musicais ou de simples recorte,
perfurações, costura, etc., a criança percorre um longo caminho que vai desde as execuções mais simples até
as mais finas, ajustadas e conseguidas do último ano. É importante recordar que muitos dos conhecimentos
que a criança aprende os recebe através das imagens de revistas, filmes, vídeos, fotografias, etc., pois é
evidente que vivemos em um mundo eminentemente audiovisual, por isso, na programação, convém também
considerar esta realidade e iniciar não só na “leitura” da mesma, mas em sua compreensão crítica. “Ao serem
as fontes mais significativas de informação, educação e entretenimento compartilhados, os meios de
comunicação exigem que lhes dedique maior atenção informada e crítica do que costuma conceder-se. Esta
atenção deve ser desenvolvida nas escolas” (Bazalgette, C., 1991,13).

Os bebês apresentam uma tendência natural para os sons (respondem, por exemplo, à voz humana,
as palavras da mãe acalmam o choro de seu filho), e mais adiante lhes agradam as atividades rítmicas que se
realizam com eles, desfrutam com canções, palmas, danças, etc. Como nos casos anteriores, os pequenos
passam ao longo da educação infantil de expressões mais ou menos rudimentares e dependentes da ajuda do
adulto a outras mais elegantes e autônomas. Não deve esquecer que não se pretende que os meninos e as
meninas aprendam música, mas que sejam capazes de mover-se ou de cantar seguindo certo ritmo. Estas
atividades desenvolvem seu esquema corporal e as noções de espaço, velocidade, intensidade, volume,
entonação, etc. Em definitivo, cantar e dançar é colocar-se em harmonia com o cosmos.

Por outro lado, através destes conteúdos, a criança conhecerá outra das facetas culturais de sua
comunidade, tradições, danças e canções folclóricas, etc. Como uma das metas claras da educação infantil é
facilitar à criança a introdução em sua cultura, com o fim de que, com o tempo, participe nela como membro
ativo e criador, então a educação no centro de educação infantil deve colocar todos os meios para que isto se
leve à prática, isso se consegue, entre outros fatores, mediante a aproximação a todas e a cada uma das
formas de expressão social. Neste sentido, não deve esquecer-se que, para muitas crianças, as experiências
deste tipo no centro podem ser quase as únicas que realizem ou ao menos as únicas que realizem de maneira
educativa.

A intenção fundamental de uma área como esta, na educação infantil, deve consistir em ajudar o
menino ou a menina para que cresçam como membro ativo, criativo e crítico de sua cultura (receptor e emissor
consciente de todo tipo de mensagens). Para isso, o docente tem que selecionar cuidadosamente os
conteúdos e programar “muito bem” as atividades adequadas, já que os objetivos desta área pretendem que o
menino e a menina sejam capazes de:

1. Compreender as mensagens orais que lhes transmitam os demais.

2. Usar a linguagem oral de maneira fluida para comunicar-se com os outros.

3. Utilizar as diferentes linguagens (verbal, plástica, musical, matemática, gestual...) para comunicar-
se.

4. Interessar-se e apreciar as produções comunicativas mais representativas de seus companheiros.

5. Compreender e expressar sentimentos, desejos, fantasias e pensamentos, mediante a linguagem


oral, tendo em conta contextos e situações comunicativas habituais.

6. Respeitar as normas que regem a interação verbal (escutar, aguardar a vez de falar, usar fórmulas
de cortesia...).

7. Compreender e produzir alguns tipos tradicionais de textos (adivinhações, canções, expressões,


contos...).

8. Interessar-se pela linguagem escrita e valorizá-la adequadamente.

9. Interpretar e usar de maneira básica o sentido de imagens, modelagens, representações


matemáticas, dramatizações, carinhos, danças..., e valorizá-las como formas de comunicação,
aprendizagem e desfrute.

10. Regular de maneira simples a própria conduta mediante a linguagem verbal.


43
CURRÍCULO E DESENVOLVIMENTO DA CAPACIDADE COMUNICATIVA

Os objetivos enumerados aqui coincidem no essencial com os propostos no D.C.B., e no Decreto


1333/1991, mas incluem, fundamentalmente, a meta da progressiva regulação de condutas, de importância
capital em todo o processo educativo e especialmente neste etapa, pois o uso da língua não permite somente
a comunicação; é algo ainda mais precioso e vital: implica a possibilidade de relacionar, ordenar o
conhecimento da realidade exterior e interior, até ser capaz de modificá-la e “possuí-la”. E se em nossos dias
as crianças vivem imersas no sistema de comunicação de massas, baseado em geral na combinação de
diversas linguagens, não devemos esquecer a importância do lingüístico: “Ainda aceitando todos os elementos
positivos das “outras” linguagens em relação à verbal (a ampliação do campo dos falantes, a facilidade da
comunicação, a planetariedade, a rapidez, a espetacularidade, o sensacionalismo, a forte carga emocional, a
beleza das formas, a mistura com outras linguagens: música, cores, palavras, movimentos, etc.), a escola deve
estabelecer o problema das relações entre as diferentes linguagens, de forma que a inclusão (com o que
estamos totalmente de acordo) de múltiplas linguagens na escola, não se converta em uma operação de
acrítica superficialidade ou em uma soma de gestos, palavras, condutas, movimentos, cores, etc., incapaz de
conseguir a formação de uma personalidade não superficial, não difusa, não reflexiva, não construtiva” (Selmi,
L., e Turrini, ª, 1989,31).

Em conclusão, e de acordo com o exposto, podemos afirmar que um bom estabelecimento desta área
e uma adequada reconstrução na aula de seus conteúdos (conceituais, procedimentais e posturais), facilitará a
meninos e meninas uma vida verdadeiramente gratificante e significativa.

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MODELOS E PROGRAMAS DE EDUCAÇÃO INFANTIL

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MODELOS E PROGRAMAS DE EDUCAÇÃO INFANTIL
Ma Teresa Aguado Odina

5.1 Introdução.
5.2 Características dos modelos e programas.
5.2.1 Maturescência.
5.2.1.1 Pressupostos teóricos.
5.2.1.2 Desenvolvimento curricular.
5.2.1.3 Programas derivados do modelo.
5.2.2 Transmissão cultural.
5.2.2.1 Pressupostos teóricos.
5.2.2.2 Desenvolvimento curricular.
5.2.2.3 Programas específicos.
5.2.3 Modelo de orientação cognitiva
5.2.3.1 Pressupostos teóricos.
5.2.3.2 Desenvolvimento curricular.
5.2.3.3 Programas específicos.
5.3 Avaliação de programas de educação infantil.

5.1 INTRODUÇÃO
A intensa atividade que se realiza na planificação, implantação e avaliação durante as duas últimas
décadas, no âmbito da educação precoce e da educação infantil, provoca a proliferação de programas
educativos diversos, que respondem a concepções e modelos teóricos diferentes. Todos aspiram conseguir “o
melhor” para a criança, mas, de fato, não há consenso sobre o que é “o melhor”, por exemplo, quanto à
concepção do desenvolvimento; padrões, habilidades, conhecimentos e valores que deveriam ser promovidos;
metodologia utilizada; vinculação e/ou predomínio do meio familiar ou escolar; idade adequada para o início do
programa; avaliação. As respostas dadas a cada uma destas dimensões configuram um modelo educativo
determinado.
Dentre as possíveis classificações dos modelos de educação infantil, entendido como: “plano
estruturado que pode usar-se para configurar um currículo, para projetar materiais de ensino e para orientar o
ensino nas aulas” (Joyce e Weil, 1980, 11), optamos pela que adota, como critério diferenciador, a justificação
teórica derivada de uma determinada concepção sobre o desenvolvimento. Ficam, assim, estabelecidos três
grandes modelos de educação infantil: romântico/maturescente, pré-acadêmico e cognitivo-interacionista em
correspondência às três grandes teorias do desenvolvimento que os sustenta: maturescente, condutivo e
cognitivo-interacionista.

A adoção deste critério classificador se justifica tanto por ser o proposto no Projeto de reforma para a
educação infantil (MEC, 1987/90) como por evitar os solapamentos inevitáveis em outras tentativas de
classificação focalizadas em aspectos parciais dos modelos de educação infantil. É o caso de classificações
em função dos estilos de ensinamento e ambiente social da classe (Bennet, 1988), tipo de interação
professor/aluno (Weber, 1970); grau de estruturação do modelo (Bennet, 1976); conduta instrutiva
desenvolvida (Joyce e Weill, 1980); grau de diretividade do professor (Carballo, García e Oliveros, 1988).

A seguir, se descrevem as características dos três grandes modelos estabelecidos, tanto no que se
refere aos pressupostos teóricos que os justificam como a seu desenvolvimento curricular e programas
específicos elaborados a partir de cada um deles. Por último, se expõem algumas considerações sobre a
situação atual, e resultados significativos obtidos nos estudos avaliativos acerca dos efeitos de diversos
programas de educação infantil.

5.2 CARACTERÍSTICAS DOS MODELOS E PROGRAMAS


Como foi indicado, são três as grandes correntes psicológicas que explicam o desenvolvimento
humano e a partir das quais se derivaram diferentes modelos de educação infantil: mecanicista, organicista e
contextual-dialética. Assim, Kohlberg e Mayer (1972) perfilam três grandes modelos que podem ser
considerados como ponto de referência paradigmático a partir do qual referir as variadas denominações
utilizadas por diversos autores: romântico ou maturescente, transmissão cultural ou pré-acadêmica e de
orientação cognitiva ou escola interativa de pensamento.

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MODELOS E PROGRAMAS DE EDUCAÇÃO INFANTIL

A seguir, se expõem as características específicas de cada um dos modelos, em uma síntese que
pretende ser esclarecedora e sistemática das descrições e contribuições realizadas desde diferentes
perspectivas, tanto no que se refere a seus pressupostos teóricos – teoria do desenvolvimento, metáfora
explicativa do modelo, posição epistemológica, sistema axiológico, estratégias utilizadas para definir objetivos
– como em função de variáveis relevantes na implementação dos programas desenvolvidos a partir de cada
um dos modelos – objetivos gerais, conteúdos, método, processo e etapas da aprendizagem, motivação, papel
do professor, atividade da criança, interação professor/aluno, horário, materiais, tipo de agrupamento,
participação dos pais e estratégias de avaliação – (Decker e Decker, 1988; De la Orden, 1986; Ellis, 1977;
Franklin e Biber, 1977; Nuss e Hodges, 1982; Peters, Naisworth e Vawkey, 1985; Stevens e King, 1987).

5.2.1 Maturescência

Ao etiquetar esta perspectiva de romântica, não a acusa de ser acientífica, senão que se reconhece
que o descobrimento no século XIX do desenvolvimento natural da criança fazia parte de uma filosofia
romântica, de uma ética e epistemologia que implicavam o descobrimento do natural e interior do eu. Algumas
ideologias educativas, que refletem esta corrente, são: a escola de A. S. Neill, em Summerhill; as “escolas
livres”, a “desescolarização”, os movimentos de “escolas abertas” (De Vries e Kohlberg, 1987). Não obstante,
utilizaremos a denominação maturescência por considerar que este adjetivo reflete a característica que mais
eficazmente define o modelo.

5.2.1.1 Pressupostos teóricos

Este enfoque responde a uma teoria do desenvolvimento baseada na maturidade e a um modelo de


tipo semântico representado pela metáfora do crescimento orgânico em que o ambiente ajuda, proporcionando
o alimento que põe em prática o desprendimento dos estados inatos, pré-moldados e predeterminados. O
desenvolvimento socioemocional e físico se contempla como um processo não dependente do crescimento
cognitivo. O homem se concebe primariamente como o produto de uma herança genética e só
secundariamente como o produto de sua experiência com o ambiente (Gessel e Ilg, 1949). Implica aceitar que
o mais importante no desenvolvimento da criança é o que procede do interior dele próprio. Assim, dado o
apropriado ambiente psicológico, físico e nutricional, a criança alcançará cada etapa do crescimento e do
desenvolvimento de conformidade a um programa predeterminado. A criança é livre para explorar diferentes
papéis sociais e expressar-se mediante diferentes modalidades de atividade. A educação deve realizar-se em
um ambiente acolhedor e socialmente bom. As experiências ambientais influem em:

a) A relativa facilidade com que se manifesta cada etapa do desenvolvimento.

b) A forma particular que adotam os padrões de desenvolvimento mais gerais (Cowles, 1973, 490).

Sua posição epistemológica é existencial ou fenomenológica, o conhecimento e a realidade se


discutem em termos de uma experiência do eu imediato e interno. Seu sistema de valores se centra na defesa
da liberdade individual e a ênfase em uma ética humanística que destaca os direitos e a felicidade da criança.
Suas raízes filosóficas estão nos escritos de Rousseau (1712-1778) e nas derivações psicológicas dos
trabalhos de Freud, Erikson, Gesell e, mais recentemente, Rogers.

Seus objetivos se derivam de teorias psiquiátricas que postulam a espontaneidade, criatividade e


autoconfiança como desejáveis para a saúde mental, conduzem a objetivos expressos como um conjunto de
traços que caracterizam uma personalidade ideal e a pleno funcionamento (Freud, 1938; Erikson, 1950; Freud,
1965). O processo de aprendizagem se concebe como a necessidade de ajudar o indivíduo a estar consciente
das situações conflitivas que encontrar, e auxiliá-lo para que descubra formas eficazes de resolver tais
situações. Espera-se que a criança adquira modos independentes para interagir com os demais e com seu
ambiente, por meio do domínio das situações problemáticas que encontrar em suas experiências (Stevens e
King, 1987). Sua meta é o desenvolvimento global e harmônico do sujeito com um interesse especial no âmbito
socioafetivo que se concretiza em favorecer as relações interpessoais, o autocontrole e o autoconceito
positivo; assim como a independência e a criatividade no trabalho.

Outras denominações do modelo são: de desenvolvimento infantil (Mayer, 1971), permissivo (Bissell,
1973), organicista (Coll, 1979; Marchesi, Palacios e Carretero, 1982), psicosexual-interativo (Stevens e King,
1987), não diretivo (García García, 1989).

46
MODELOS E PROGRAMAS DE EDUCAÇÃO INFANTIL

5.2.1.2 Desenvolvimento curricular

Em função dos objetivos educativos já mencionados – favorecer o desenvolvimento, resolver


problemas pessoais e sociais, autocontrole e autoconceito positivo – os programas derivados do modelo
maturescente utilizam conteúdos fundamentalmente sociais, emocionais e físicos, tanto que os intelectuais
ocupam um segundo plano. O nível de utilização da linguagem é escasso, e sempre se tenta que seja
adequado ao nível de compreensão e de expressão da criança.
O método predominante é o baseado no descobrimento em um ambiente liberal, acolhedor e rico em
estímulos que permita respeitar os ritmos pessoais e o desenvolvimento da confiança, autonomia e
laboriosidade. Muitas vezes as experiências curriculares se organizam por unidades ou centros de interesse,
os que consistem em uma série de atividades organizadas em torno de um tema central (família, bairro,
estações do ano, transportes, ofícios, etc.). Além das atividades em classe e no pátio, outro componente
básico do currículo constituem as saídas e excursões à comunidade. Em alguns casos, estas se convertem no
centro de interesse em torno do que giram as atividades de trabalho, as habitações, o jogo dramático. A
motivação se consegue respondendo a interesses e necessidades da criança. As atividades da criança são
autodirigidas e isto proporciona sua própria igualdade, mediante a seleção de tais atividades. Predomina a
exploração ativa, o jogo simbólico e livre. O nível de interação menino/menina é moderado.
A função do professor é observar, estruturar o ambiente e ajudar a criança a reconhecer os problemas
e dificuldades que se apresentem e a resolvê-los de maneira que apoiem o desenvolvimento pleno do ego,
mediante o domínio do conhecimento e da autonomia (Biber, 1984). O conceito de “disposição maturescente”
estabelece que o professor deve ser capaz de reconhecer estes períodos de disposição e de proporcionar as
atividades e os materiais apropriados para ativar a aprendizagem. O professor é responsável de criar um
ambiente caloroso, positivo e organizado, e espera que a criança mostre os sinais da disposição e maturidade
para ler, escrever ou desejar a posição de conhecimentos matemáticos. Nos programas costuma participar um
assistente do professor ou um auxiliar dos pais. O nível de interação menino/professor é baixo (Decker e
Decker, 1980).
Estabelecem-se rotinas desde princípios do ano, mediante um programa e um horário da sala de aula
que o professor organiza firmemente e que em raras ocasiões se altera, a não ser em resposta a escolhas
específicas das crianças, consideradas significativas pelo professor (Stevens e King, 1987). Os materiais
utilizados são variados. Sua utilização é flexível e adaptada ao nível de desenvolvimento das crianças. O nível
de interação criança/material é alto. O tipo de agrupamento predominante é individual e grupo pequeno.
A avaliação se realiza mediante a crítica objetiva e construtiva realizada por todos os participantes,
sempre que a idade o permita.

5.2.1.3 Programas derivados do modelo


São programas representativos do modelo maturescente os desenvolvidos no movimento das escolas
infantis inglesas (Clark e Cheyne, 1979; Osborn e Milbank, 1987), as pré-escolares tradicionais dos Estados
Unidos ou de currículo centrado na criança, algumas realizações de escolas abertas; e serviu como base para
a maior parte das pré-escolares desenvolvidos nos Estados Unidos em populações de classe média e é o que,
na fase inicial do projeto Head Start/Bank Street foi mais amplamente aplicado em meios desfavorecidos
cultural e economicamente. Neste último caso, foi denominado “estratégia de enriquecimento” (Mayer, 1971).

Um exemplo concreto seria o Developmental interaction program (Biber, Shapiro e Wicken, 1971) no
que a aprendizagem está determinada pela etapa de desenvolvimento em que se encontre a criança, e deve
responder à sua disposição maturativa. O conteúdo do programa é de tipo físico, afetivo e social. O conteúdo
cognitivo não se contempla ou se pensa que não é adequado neste nível.

Junto a estes, o programa Bank Street, elaborado por Franklin e Biber (1977), é uma evolução do
anterior e supõe uma aproximação ao modelo construtivista de desenvolvimento cognitivo e, para alguns
autores, vem a ser o representante contemporâneo mais vital da tradição de “desenvolvimento da criança” ou
“centrada na criança” em educação infantil (De Vries e Kohlberg, 1987). Estabelece quatro objetivos gerais em
termos de “quatro processos na sequência de desenvolvimento” (Biber, 1984, 429):
1. Potenciar a competência ou capacidade: Habilidades específicas, adequação e qualidade
lingüística, instrumentos conceituais para adquirir o conhecimento, uso adaptado de todos os
recursos e autoestima.
2. Individualidade/identidade: Orienta-se para a objetividade na identificação de qualidades pessoais,
a variedade de relações exercidas e as expectativas e aspirações realistas (Biber, 1977, 430).

47
MODELOS E PROGRAMAS DE EDUCAÇÃO INFANTIL

3. Socialização: Inclui a recondução dos impulsos da criança para permitir sua participação na ordem
social da classe.

4. Integração de funções: Em oposição à sua participação e implica uma síntese do mundo exterior e
interior, do pensamento e do sentimento.

Seus objetivos específicos são (Biber, Shapiro e Wickens, 1971, 17): servir a necessidade da criança
de provocar um impacto sobre o meio, através da manipulação e contato físico direto; promover a capacidade
para organizar a experiência por meio das estratégias cognitivas; desenvolver o conhecimento funcional do
ambiente; apoiar a brincadeira como forma de adquirir experiências; ajudar a criança a internalizar o controle
de seus impulsos; colocar a criança na necessidade de fazer frente aos conflitos intrínsecos desta etapa do
desenvolvimento; facilitar o desenvolvimento de uma imagem de si mesmo como pessoa cívica e competente;
ajudar a criança a estabelecer padrões facilitadores da interação.

Bank Street não é um currículo nem um método. As descrições práticas tendem a ser princípios gerais
e atividades modelos, com sucintas descrições da vida da classe. O papel do professor é o de mediador entre
o mundo da família e o seu grupo de iguais e a sociedade em geral. Além disso, fomenta o desenvolvimento do
ego infantil e sua saúde mental. Entre suas funções estão:

1. Valorizar o pensamento da criança tanto particularizado em uma ação dada como generalizada e
transferível. Dirigi-lo para novos níveis de domínio conceitual, e ampliar a imagem de conteúdos
sob controle.

2. Responder verbalmente, ampliar, repetir, corrigir os comentários, confissões e ações da criança.

3. Promover o pensamento intuitivo e associativo.

4. Estabelecer problemas que provoquem o pensamento indutivo.

No programa se incluem atividades características do currículo centrado na criança, como cantar, tocar
instrumentos, escutar histórias, jogos de areia e água, pintura, excursões, etc.

Outras denominações de programas baseados neste modelo são “permissivo-enriquecedores” (Bissell,


1973); “centradores” (Weikart, 1972); “de desenvolvimento informal”; de “desenvolvimento centrado na
criança”(Mayer, 1971); de “desenvolvimento-maturescente” Ellis, 1977).

5.2.2 Transmissão cultural

A explicação mecanicista do desenvolvimento está presente na tradição empirista e nas teorias


condutivas e de programação da aprendizagem mais recentes. O modelo educativo derivado deste marco de
referência teórico recebe diferentes denominações: didático-verbal (Mayer, 1971); transmissão cultural
(Kohlberg e Mayer, 1972; Peters, Neisworth e Vawkey, 1985); de estrutura informativa (Bissell, 1973);
trasnformacional (De Vries e Kohlberg, 1987), ambientalista (Decker e Decker, 1980), acadêmico (Maccoby e
Zellner, 1970; Miller, 1979; Kartz e Mohanty, 1985), estímulo-resposta (Stevens e King, 1987), condutiva
(Garcia Garcia, 1989), entre outras.

5.2.2.1 Pressupostos teóricos

A metáfora ou modelo semântico ao qual responde é a máquina. O ambiente se concebe como input,
como informação ou energia mais ou menos diretamente transmitida para e acumulada no organismo, o qual,
por sua vez, emite condutas output. Esta visualização inclui a aprendizagem por associação, o processamento
da informação e as teorias de desenvolvimento de contingência ambiental. Inicia-se em Locke (1632-1704) (a
“folha em branco”) e chega até as leis da aprendizagem de Pavlov (1927), Thorndike e Skinner (1967) – ao
aceitarem que todas as pessoas e animais podem ser ensinados a realizar tarefas com êxito, se a unidade de
aprendizagem é suficientemente pequena e se o reforço oferecido é desejado pelo sujeito – e a programação
da aprendizagem baseada na análise conceitual de Engelmann.

Sua posição epistemológica reflete a tradição empirista que assume o conhecimento como resultado
da informação procedente do exterior do indivíduo, que chega ao interior através dos sentidos. O
conhecimento é determinado primariamente pela natureza dos estímulos externos.

48
MODELOS E PROGRAMAS DE EDUCAÇÃO INFANTIL

4 Thorndike e seus seguidores pretendem ser neutros a partir do ponto de vista axiológico, defendendo
métodos de instrumentação e medida válidos para a prática educativa sem pressupostos de valores
específicos e prioritários. Frente a isto, Kohlberg e Meyer (1972) argumentam que a determinação de fins
educativos ou prescrições práticas não podem evitar a introdução de valores. Assim, o uso de reforços
concretos não é imparcial a partir do ponto de vista ético.

Ao definir os objetivos educativos, utilizam duas estratégias:

1. Aceitar os padrões de conhecimento e conduta da escola e os que prognosticam o “êxito”, o poder


e o status social.

2. Utilizar os conteúdos acadêmicos dos testes e provas psicométricas.

Neste marco, a aprendizagem implica uma mudança observável na conduta, algo que pode medir-se.
Os professores especificam a conduta objetiva a conseguir; dirigem, reforçam ou modificam a resposta. Uma
sequência de habilidades se desenha mediante uma análise dos tipos de destrezas prévias e condições que
são necessárias para executar uma tarefa. Aprender a ler e escrever, realizar operações matemáticas, ser
capaz de compreender conceitos científicos, são habilidades básicas neste enfoque, já que se pensa que o
êxito escolar ajuda a assegurar o êxito na vida profissional.

1. Dinâmico e ecológico. Enfatiza a interação criança-ambiente.

2. Emprega acontecimentos anteriores e posteriores da conduta para explicar a mudança condutora.

3. É otimista quanto à possibilidade de mudar as capacidades da criança ao considerar que


dependem de mudanças no ambiente.

5.2.2.2 Desenvolvimento curricular

São muito numerosos os desenvolvimentos curriculares de educação infantil desenhados conforme


esta orientação (Bereiter e Engelmann, 1966; Bijou e Baer, 1961; Bushell, 1970; Haring, Hayden e Allen, 1971;
Karnes, Zelirbach e Teska, 1972; Miller e Camp, 1972; Resnick, 1977).

Neles, o objetivo fundamental é a preparação para o êxito escolar, mediante a aquisição de habilidades
acadêmicas básicas (Smilansky e Smilansky, 1970). Os conteúdos se centram em diferentes habilidades pré-
acadêmicas, a motivação para o êxito e a persistência. Staats (1968) apresenta um repertório condutor básico
para ensinar no que abrange a área de linguagem (fonemas e combinações fonológicas, respostas, associação
de palavras); atenção (discriminação, encontrar o sentido); habilidades sensório-motoras (equilíbrio,
coordenação), e motivação (reforços materiais ou atividades gratificantes, auto-reforçamento). Espera-se que
as crianças desenvolvam conceitos positivos sobre si mesmas por meio do domínio das destrezas praticadas e
dos êxitos alcançados na área cognoscitiva.

O processo de aprendizagem se concebe como uma mudança condutora observável e mensurável


diretamente que conduz o aluno do simples ao complexo, do concreto ao abstrato, mediante a análise lógica
de tarefas (Stevens e King, 1987). Em alguns casos, se especificaram etapas ou fases no processo de
aprendizagem (Gagné, 1974; Peters, Neisworth e Vawkey, 1985):

1. Motivação do aluno que provoque sua implicação ativa na tarefa.

2. Focalização da atenção do aluno nos aspectos relevantes do material e da atividade.

3. Ajudar a criança a “adquirir” o material que se a ensina.

4. Assegurar a retenção do aprendido.

5. Generalização ou transferência da aprendizagem a novas situações.

6. Estimular o aluno para tentar resultados ótimos em sua aprendizagem.

Desenvolvem-se estratégias de aprendizagem fortemente centradas no mestre e dirigidas por ele. Este
diagnostica e depois prescreve as tarefas de aprendizagem, estrutura o ambiente, instrui, proporciona
informação e reavalia o nível de destreza adquirido para determinar se os procedimentos de ensino foram
eficazes.
49
MODELOS E PROGRAMAS DE EDUCAÇÃO INFANTIL

Em termos do problema da combinação ambiente-habilidade, o mestre iguala a dificuldade da tarefa ao nível


de destreza e capacidade da criança (Hunt, 1974). O aluno costuma ser passivo; sua atividade se centra em
dar respostas; discriminar estímulos; evitar e corrigir erros; evitar situações de dúvida ou insegurança, e imitar
a conduta modelada pelo mestre. O nível de interação criança/professor é alto, enquanto que o do
menino/menina é baixo.

A motivação se consegue mediante a utilização de recompensas e reforços seletivos. Para o ensino de


destrezas acadêmicas básicas (leitura, escrita, cálculo), o modelo exige o projeto de reforço sistemático. As
recompensas podem oscilar desde sorrisos e elogios até doces, sanduíches, oportunidades para sair para o
jardim, escutar uma história. As recompensas se outorgam só por uma conduta acadêmica ou social
melhorada, e se aplicam o mais imediatamente possível, depois da conduta desejada.

Organiza-se o tempo em função de cinco grandes blocos de atividade:

1. Recebimento e ajuste no começo e no final de cada sessão.

2. Instrução direta para a aprendizagem de objetivos curriculares.

3. Atividade livre em centros ou áreas de materiais, habilidades ou informações específicas.

4. Atividades de asseio, alimentação, brincadeira ao ar livre.

5. Atividades em grande grupo, música, expressão corporal.

O material deve ser selecionado em função dos objetivos pré-acadêmicos fixados. Costuma ser muito
estruturado e se utiliza conforme sequências previamente estabelecidas. O nível de interação criança/material
é baixo (Decker e Decker, 1988), e o tipo de agrupamento predominante é o pequeno grupo.

A avaliação se centra no produto e recorre à observação e registro das realizações do aluno, em


função dos objetivos do programa. Os instrumentos utilizados não costumam incluir provas estandardizadas,
mas escalas, listas de registro de frequência/duração de condutas e provas de ganho especificamente
elaboradas. Especial atenção se dedica à avaliação rigorosa dos materiais empregados.

Os programas baseados no modelo de transmissão cultural contêm, em maior ou menor medida,


atividades orientadas para conseguir uma maior implicação dos pais no desenvolvimento e aprendizagem de
seus filhos. A condução de reuniões e conferências com pais, e a elaboração de informes de progresso são
habilidades que o professor deve adquirir. Junto a isto, os programas costumam incluir:

1. Informação geral às famílias sobre os objetivos e técnicas do programa.

2. Informação específica sobre o progresso da criança nos objetivos propostos.

3. Informação sobre como os pais podem provocar oportunidades de aprendizagem no lar.

4. Propiciar ocasiões para que os pais sugiram objetivos apropriados para a educação de seus filhos.

A partir desta perspectiva, todo programa de treinamento de pais deve incluir uma explicação dos
princípios condutores básicos (Becker, 1971; Patterson, 1976; Smith e Smith, 1976); treinamento na utilização
de estratégias para a modificação de condutas no lar (Miller, 1975); guia para estabelecer os passos a seguir
no desenvolvimento de um programa (Redd e Sleatoz, 1978); treinamento em pequenos grupos, sessões de
role-playing, exercícios, gravações audiovisuais (Berger, 1981). Recomenda-se, do mesmo modo, a
participação direta dos pais na aula, o que favorece a aquisição de técnicas específicas e uma maior
objetividade na valorização de seu filho e do programa.

5.2.2.3 Programas específicos

Dentre a variedade de programas projetados a partir do modelo pré-acadêmico, se expõem a seguir


alguns dos mais representativos:

50
MODELOS E PROGRAMAS DE EDUCAÇÃO INFANTIL

- O programa DISTAR ou pré-acadêmico (Bereiter e Engelmann, 1966) proporciona uma seção de


atividades rigidamente estruturadas e altamente verbais, com esquemas prefixados e práticas
modeladas. O professor trabalha com pequenos grupos de alunos, em atividades com materiais de
aprendizagem cuidadosamente programados, que se tornam mais difíceis à medida que avança o
ano. Durante cada lição ou grupo de lições, o professor deve avaliar se as crianças cumpriram o
objetivo previsto, já que o êxito nas lições posteriores depende do domínio das primeiras
destrezas. Para facilitar a aquisição de respostas generalizadas, as crianças têm a oportunidade
de praticar a aplicação da destreza ao longo de várias lições.

Os materiais do programa DISTAR devem ser empregados quase exatamente como o


estabelecem os criadores nos guias e manuais para professores. O programa de linguagem se
centra no ensino dos conceitos empregados no pensamento lógico, em vez de centrar sua atenção
nos aspectos sociais e interpessoais do uso da linguagem. Inclui também leitura e matemática.

- O programa DARCEE (Demonstration and research center for early education, de Gray, 1965), se
baseia na premissa de que o êxito escolar necessita do desenvolvimento de conceitos básicos, tais
como cor, forma, tamanho e sequência. Além disso, está fortemente centrado no desenvolvimento
da linguagem.

- O programa de Instrução direta (FT Program) se desenvolve a partir do de Bereiter-Engelmann.


Seu objetivo é adquirir destrezas em aritmética, uso efetivo da linguagem, domínio de símbolos
visuais e conceitos de cor.

- O Learning accomplishment profile (LAP) (Sanford, 1978), o HICOMP curriculum (Willonghby-Herb


e Neisworth, 1983) e o Portage project curriculum (Shearer e Shearer, 1972), são outros tantos
programas derivados de modelos condutores. Podem ser aplicados com uma mínima
reestruturação da aula. O Portage está especialmente projetado para ser utilizado no lar, pois a
implicação dos pais é essencial para o êxito. Incluem um sistema para a avaliação das habilidades
iniciais, assim como instruções detalhadas para a utilização do material, a realização de atividades
opcionais ou suplementares e a organização do tempo. A linguagem utilizada é clara e precisa. Os
objetivos se estabelecem em nível condutor.

- No HICOMP currículo, se estabelecem quatro grandes áreas de objetivos: comunicação (jogo


relacionado com a linguagem, auto-expressão); autocuidado (saúde, segurança,
autocompetência); habilidades motoras (controle motor fino e grosso, controle de mastigação,
etc.), e solução de problemas (atenção, imitação, formação de conceitos).

5.2.3 Modelo de orientação cognitiva

Alguns autores, como Kohlberg e Mayer (1972), Parker e Day (1972), Evans (1987), rechaçam tanto a
tradição romântica ou maturescente do crescimento natural como a condutora. A primeira se considera
inadequada para determinar metas educativas por sua excessiva ênfase na ética que denominam do “estojo de
virtudes”, enunciados de metas que representam traços arbitrários e vagos de personalidade, geralmente
revestidos de uma filosofia carregada de conceitos de valor, sem validade universal acerca da saúde mental,
implicando conceitos como espontaneidade, curiosidade, autodisciplina, independência de conceito, ajuste
social positivo. A segunda por crer que se baseia em conceitos defeituosos da aprendizagem e da motivação.

É discutível determinar quais são os conteúdos acadêmicos e utilizar provas de ganho sem as
necessárias garantias e indiscriminadamente. Para eles, só é possível uma opção: as metas devem estar
definidas tanto em termos de desenvolvimento intelectual como moral. A educação é questão de proporcionar
estimulação apropriada para manter o ótimo ambiente ao longo das etapas de desenvolvimento, consideradas
como universais para todas as crianças. Assim, a teoria do desenvolvimento cognoscitivo e o movimento
progressista iniciado por Dewey (1916) servem como fontes, a partir das quais obter as metas educativas. O
modelo educativo assim exposto responde ao enfoque contextual-dialético ao qual nos referíamos ao
estabelecer as teorias psicológicas do desenvolvimento, marcada pela crença na interação entre herança e
ambiente e, portanto, intermediária entre as posições maturescentes e ambientalistas.

Esta orientação cognitiva está representada por enfoques e realizações como o método Montessori; o
modelo construtivista, derivado da teoria cognitiva de Piaget; o de formação de conceitos, derivado da teoria
cognitiva de Bruner (1966); o modelo cognitivo de organizadores prévios, derivado da teoria da aprendizagem
verbal significativa de Ausubel (1968/1977), e o modelo neopiagetiano (Case, 1985) que pretende facilitar à
criança o desenvolvimento das capacidades de solução de problemas.
51
MODELOS E PROGRAMAS DE EDUCAÇÃO INFANTIL

A exposição que segue, em continuidade se centra no modelo derivado da teoria cognitiva de Piaget e
isso não só por sua ampla e frutífera repercussão na elaboração de estratégias de intervenção educativa, mas
também pelo interesse específico que tem para o presente trabalho haver configurado em grande medida o
marco teórico básico, a partir do que se elaborou o “Projeto curricular base, para a reforma da escola infantil”
(MEC, 1989).
Os modelos transacionais são qualificados também como “cognitivo-verbal” (Mayer, 1971), “estruturais-
cognitivos” (Bissell, 1973), “interacionista-cognitivo” (Ellis, 1977) “desenvolvimento cognitivo” ou “escola de
pensamento interativo” (De Vries e Kohlberg, 1987).

5.2.3.1 Pressupostos teóricos


Os teóricos transacionais ou do desenvolvimento cognitivo contemplam os genes e o ambiente, ou
seja, a natureza e a criança, como mais ou menos iguais quanto à sua influência no desenvolvimento. Crêem
que este é o resultado da experiência nivelada com as diferentes formas em que os humanos interpretam,
reorganizam ou modificam tal experiência. As cinco grandes influências no desenvolvimento seriam o
amadurecimento ou fatores genéticos principais; a experiência ou inputs ambientais; as tarefas mediante as
que o indivíduo interage com seu meio; as consultas com outras pessoas; a interação de todas as influências
anteriores (Decker e Decker, 1980; Kohlberg e Meyer, 1972).
O modelo semântico ao que responde é o de um processo dialético. A criança é um científico, poeta ou
filósofo que progressivamente reorganiza o conhecimento sobre as bases de uma “leitura” pessoal de sua
experiência. Esta metáfora dialética foi elaborada por Platão, reinterpretada por G. Hegel e adotada para a
filosofia educativa por J. Dewey, J. M. Baldwin, E. Claparède e, finalmente, J. Piaget.
Sua posição epistemológica está representada pela epistemologia genética de J. Piaget. Este
argumenta que o estímulo não é um estímulo para o indivíduo, até que este atue sobre aquele. No modelo
piagetiano O ↔ S (organismo ↔ estímulo), a flecha que vai até o estímulo representa a assimilação, pela qual
o organismo atua sobre o estímulo e o interpreta em termos de conhecimento prévio. A flecha que vai até o
organismo representa a acomodação pela qual o conhecimento prévio é modificado. A acomodação ocorre em
resposta a uma assimilação incompleta ou contradição com o esperado.
Esta postura epistemológica – denominada muitas vezes como interacionista ou, também,
construtivista – reconhece na criança um indagador, cujo conhecimento é produto do processo de atuar que
implica uma “leitura” da experiência e eventualmente confronta e comprova as inadequações e contradições
dessa “leitura”; um indivíduo que constrói ativamente o conhecimento, mediante a interação dinâmica de
múltiplos aspectos do “conhecido”, incluídas idéias errôneas que eventualmente desaparecem (De Vries e
Kohlberg, 1987). A visão de Piaget, sobre a prática educativa, está enraizada em sua teoria sobre o papel da
ação no desenvolvimento (Piaget, 1972, a, b, 1974, a). Apenas graças ao significado da atividade espontânea
da criança, lentamente se desenvolve na direção de uma organização cognitiva que prepara para o raciocínio
lógico.
Seu sistema de valores se centra em universais éticos e cognitivos. A epistemologia genética e a
psicologia do desenvolvimento oferecem descrições de estados psicológicos, em termos da evolução para
formas de raciocínio moral e cognitivo progressivamente mais adequadas (Piaget, 1932/1965; Kohlberg, 1982).
Piaget estabelece estágios ou períodos de desenvolvimento caracterizados por sua invariabilidade – a
sequência de desenvolvimento tem ordem fixa e definida – e desenvolvimento acumulativo – a qualidade do
comportamento cognoscitivo de uma criança depende da qualidade da experiência sensório-motora e
simbólica, adequada a uma cognição particular anterior. As etapas do desenvolvimento cognoscitivo
identificadas por Piaget são bem conhecidas: sensório-motor, pré-operacional, operações concretas e
operações formais.
Na etapa pré-operacional (de dois e meio a sete anos) a criança explora seu ambiente e concebe o
mundo a partir de uma perspectiva egocêntrica. Suas percepções conduzem a maior aquisição da linguagem e
dos conceitos de espaço, de classificação, de tempo, de seriação e de enumeração. Não desenvolveu uma
compreensão da conservação da matéria nem da reversibilidade, mas que continua assimilando informação e
adequando seu conhecimento novo ao já adquirido.
Na etapa das operações concretas (oito a onze anos) a criança consegue compreender a conservação
da matéria e da reversibilidade. Adquire a capacidade para entender que os objetos possuem numerosas
características de forma simultânea. Chega a compreender mediante o contato real com os objetos que, ainda
que sua aparência possa mudar, seu número, peso e densidade não podem ser mudados a menos que os
alteremos diretamente. A etapa final do desenvolvimento cognoscitivo (pensamento formal) se alcança até os
doze anos. O indivíduo utiliza a linguagem para formar orientações teóricas e generalizá-las às idéias e
conceitos de maior complexidade. Pode colocar-se no lugar de outro, conceber ações e idéias em termos do
passado e do futuro, elaborar teorias acerca da humanidade, etc.
52
MODELOS E PROGRAMAS DE EDUCAÇÃO INFANTIL

Sua estratégia para definir objetivos se deriva de um padrão interno e formal de adequação que não se
reduz à ordem dos acontecimentos no tempo, que deve ser elaborada como um conjunto de princípios éticos e
epistemológicos, e justificado em termos éticos e filosóficos. Piaget começa por estabelecer critérios lógicos e
epistemológicos para decidir qual das estruturas é mais adaptativa e adequada para copiar com complexidade.
Para fazer uma declaração de fins educativos, o educador construtivista deve fazer coordenar as noções de
princípios com a compreensão dos fatos do desenvolvimento.

Não se trata tanto de criar projetos individuais de instrução como de dotar a aula de suficiente material,
para que se produzam ocasiões de reestruturação cognitiva (Mc Nally, 1977); Gingsburg e Opper, 1979). O
modelo está pouco estruturado e se centra na criança (Kamii e De Vries, 1983). Alguns dos pesquisadores e
educadores que seguiram este modelo são: Weikart (1971), Lavatelli (1970), Kamii e Kohlberg (1987), Hooper
(1972), Nimnicht (1972).

Uma variedade destacada da orientação cognitiva constitui o método de M. Montessori por ter sido
uma das propostas mais criativas na educação infantil de seu tempo e se encaixar amplamente na orientação
de desenvolvimento cognitivo (Hunt, 1968; Elkind, 1983). Suas idéias a respeito da estimulação cognitiva eram,
de certa forma, uma síntese de duas correntes contraditórias: desenvolvimentismo (Rousseau, Dewey, Piaget)
e psicologia associacionista dos séculos XVIII e XIX. Da mesma forma que Piaget, considera que:

- Organismo e mente formam um todo estruturado.


- A transformação da estrutura mental se produz mediante a experiência.
- Deve centrar-se no desenvolvimento cognitivo, e não no lingüístico ou na aquisição de habilidades
acadêmicas.

Pelo contrário, para ela:

- As abstrações estão baseadas na pura percepção dos atributos sensoriais dos objetos.
- Não considera educativos os erros ou hipóteses equivocadas ou incompletas.
- Destaca uma mudança na mentalidade da criança para os seis anos, quando a capacidade para a
memória, a compreensão e o pensamento aparecem.
- Põe especial ênfase no desenvolvimento e exercício da atenção.

Esta variante do modelo é qualificada também como “modelo cognitivo-sensorial” (Mayer, 1971) ou
“programa de ambiente estruturado” (Bissell, 1973).

5.2.3.2 Desenvolvimento curricular

Os programas baseados neste enfoque normalmente respeitam um currículo de marco aberto, no qual
o professor introduz idéias e respostas às atividades das crianças (Weikart, 1972). Seu objetivo básico é
melhorar a amplitude e a profundidade do desenvolvimento, mediante a estruturação da experiência e da
atividade exploratória e transmitida. Os conteúdos – estruturas cognitivas, esquemas internos, conhecimento
físico, lógico-matemático e social – se apresentam globalizados mediante o estabelecimento de centros de
aprendizagem que estimulem o interesse da criança e que façam surgir a curiosidade e o desejo de aprender.

O método utilizado é fundamentalmente o de descobrimento cognoscitivo. O processo de


aprendizagem se planifica em função das etapas evolutivas estabelecidas por Piaget e inclui atividades
espontâneas, jogo livre, construção ativa da realidade e facilitação dos processos de assimilação e
acomodação (estabelecimento de hipóteses, experimentação, comprovação, utilização dos erros).

As funções do professor são observar, avaliar, estruturar o ambiente, segundo o interesse da criança,
formular perguntas, redirigir a aprendizagem. Durante grande parte do tempo, o professor observa e questiona,
reúne dados para guiar a seleção de materiais e atividades adicionais que ampliem os interesses e as
destrezas da criança. O professor atua como um companheiro que minimiza o exercício da autoridade e o
controle sobre as crianças. Os guia e estimula sua iniciativa, a brincadeira, a experiência, o raciocínio e a
colaboração social (Weil e Murphy, 1982; De Vries, 1987).

Em qualquer programa deste tipo, a criança se exercita sobre o ambiente, com o objetivo de fazer com
que este resulte significativo; planeja, experimenta, comprova, coopera e soluciona problemas mediante
experiências moderadamente novas e complexas que aproveitam e facilitam o desenvolvimento cognitivo.

53
MODELOS E PROGRAMAS DE EDUCAÇÃO INFANTIL

Em geral, se trata de fomentar a atividade mental espontânea do aluno. As interações entre as crianças
oferecem extensas e variadas oportunidades para a cooperação (incluindo conflitos) em situações que
inspiram na criança o desejo de ajustar-se com outros. Assim, o nível de interação da criança com o professor,
com o material e com outras crianças é alta (Evans, 1987; De Vries, 1987). Considera-se que a motivação
radica no interesse intrínseco da atividade para a criança (Decker e Decker, 1988). Os alunos intervêm na
planificação do tempo e das atividades.

Em geral, os programas se desenvolvem em uma sala de aulas centrada na criança, projetada para o
auto-ensino (autodidatismo) e a aprendizagem por descobrimento. Os materiais e espaços são variados e sua
utilização flexível, já que devem fomentar a exploração, experimentação e o descobrimento autônomos. O tipo
de agrupamento se seleciona em função das características do grupo e da atividade (Saunders e Bingham-
Newman, 1989).

A avaliação se centra nos processos. Fomenta-se a auto-avaliação individual e grupal. Os erros não
são censurados, senão são utilizados como meio, a partir do que evolui o pensamento operacional concreto e
formal. Em alguns casos, se utilizam as operações e estratégias do método clínico estabelecido por Piaget
para analisar o progresso das crianças: observação sistemática das interações da criança com seu ambiente e
esquema de interrogação que permite a criança verbalizar as razões que dá para explicar e/ou interpretar o
que observou, seja na vida diária ou em um ambiente experimental.

A participação dos pais no processo educativo é fundamental, neste modelo como facilitadores do
desenvolvimento cognitivo de seus filhos. A escola e o lar deverão unir esforços e padronizar seus objetivos e
interesses. Para isso, é imprescindível escutar os comentários, preocupações e propostas dos pais;
proporcionar-lhes apoio e informação adicional; trabalhar com eles na utilização dos princípios derivados da
teoria do desenvolvimento cognitivo, e estabelecer objetivos realistas a respeito de seus filhos. As estratégias
utilizadas para alcançar estes objetivos são as sessões de informação e treinamento, participação direta na
aula, visitas ao lar, cartas, grupos de encontro, conversas e conferências.

Alguns dos programas que seguiram este modelo são o de “Currículo orientado cognitivamente” de
Weikart (1971), o currículo de Lavatelli (1970), o enfoque de Kamii e De Vries (1983), Kamii e Kohlberg (1987),
Hooper (1972), o currículo responsivo de Nimnicht (1972) ou a proposta didática de Saunders e Bingham-
Newman (1987).

5.2.3.3 Programas específicos

Dentre a variedade de programas de orientação cognoscitiva, se apresentam em primeiro lugar três


exemplos de programas construtivistas, por sua representatividade e claras repercussões e influenciadas na
educação infantil. Trata-se de:

- Early childhood curriculum: a Piaget programm, de Lavatelli (1970 a/ 1973; 1970 b/ 1973).

- High/scope cognitively oriented curriculum, de Weikart e colaboradores (Weikart, Rogers, Adcock e


McClelland, 1971; Hohmann, Banet e Weikart, 1979).

- Enfoque de Kamii-De Vries (Kamii e De Vries, 1975/77, 1976, 1978, 1980; De Vries, 1978).

Reconhecem-se quatro pontos em comum entre os três programas selecionados:

1. Promovem mudanças estruturais no raciocínio infantil, orientando-o para o pensamento operativo.

2. Dão especial ênfase na ação da criança como geradora da aprendizagem e do conhecimento.

3. Tomam emprestadas idéias da tradição do desenvolvimento da criança na educação infantil, no


que se refere a materiais, equipamentos, recursos e atividades que permitem a criança ser ativa
(Kamii e De Vries, 1973).

4. Nenhum dos programas é apenas “piagetiano”. Cada um deles reconhece certas limitações no uso
da teoria de Piaget, ao ser utilizada como base para a prática educativa.

As diferenças e características específicas de cada um destes três programas são expostas a seguir.

54
MODELOS E PROGRAMAS DE EDUCAÇÃO INFANTIL

O Early childhood curriculum: a Piaget program, de Lavatelli (1970, a/1973; 1970b/1973) tem por
objetivo básico o desenvolvimento da competência intelectual, mediante a auto-atividade e o questionamento.
Trata-se de ajudar a criança a passar do pré-operativo às operações concretas e formais. Promovem-se
atividades de classificação, seriação, medida, conceitualização numérica e conservação. Sobrepõe-se um
modelo para o treinamento da linguagem desenvolvido, em grande parte, no contexto das atividades
organizadas em períodos breves de dez a quinze minutos, com grupos de cinco a seis anos, reforçados com
brincadeira auto-dirigida. O programa estabelece umas cem atividades diferentes para trinta semanas. O
professor pergunta, estabelece normas, modela e dirige. O interesse é conseguido mediante a utilização de
materiais atrativos.

O High/scope cognitively oriented curriculum (Currículum orientado cognitivamente), de Weikart e


colaboradores (Weikart, Rogers, Adcock e McClelland, 1971; Hohmann, Banet e Weikart, 1979, Schweinhart e
Weikart, 1980) se iniciou em meados dos anos setenta e ainda está em andamento em cerca de mil classes
dos Estados Unidos e Europa. Baseia-se na sequência de desenvolvimento de Piaget com elementos
adotados das contribuições de Bruner. Assim, o currículo é estabelecido em função de três níveis:

1. Nível motor de abstração. Utilização do próprio corpo para experimentar e aprender conceitos
(tocar, cheirar, manipular, degustar).

2. Nível lingüístico. Denominar e etiquetar o que se explora e experimenta.

3. Nível simbólico. Os objetos se tornam familiares e os símbolos representam objetos segundo esta
sequência. Trata-se de desenvolver habilidades para pensar de maneira abstrata.

São atividades habituais do programa as de classificação e seriação de objetos, e outras que implicam
a compreensão de relações espaço-temporais. Insiste-se na planificação, execução e avaliação dos
processos, na utilização dos pensamentos e idéias espontâneas das crianças, proporcionando variadas
oportunidades para provocar a iniciativa da criança (Weikart, Rogers, Adcock, McClelland, 1971; De Vries e
Kohlberg, 1987).

A partir da proposta de Weikart, se desenvolveram programas especialmente destinados aos pais,


como o “Programa Follow Through de educação para pais” (PEFTP, 1960) em que se conjugam os
estabelecimentos piagetianos, algumas referências montessorianas e a assunção de um sistema ecológico de
desenvolvimento humano (Bronfenbrenner, 1979). Seu objetivo é estimular o desenvolvimento intelectual e da
personalidade e produzir mudanças na auto-estima materna e em sua convicção de que esta poderia afetar
tanto a ela como a seu filho (Beller, 1973). Inclui serviços sociais e médicos, visitas semanais ao lar de
paraprofissionais durante as que se prepara as mães para colocar em prática condutas educativas adequadas
e participação dos pais na tomada de decisões e atividades diversas no centro (Rubin, 1981; Rubin, Olmsted e
Kelly, 1981).

Entre as instruções proporcionadas aos pais, nas interações com seus filhos, está que, antes de iniciar
uma atividade, se explique o que vai ser feito; dar-lhe tempo para familiarizar-se com os materiais; formular
perguntas que tenham mais de uma resposta correta e/ou que requeiram mais de uma palavra; animar a
criança a ampliar suas explicações; estimulá-la para que pergunte e estabeleça conceitos baseados na
comprovação mais que na adivinhação, reforçar as aprendizagens quando se observam passos para a direção
correta, destacar-lhe os erros de forma neutra e utilizá-los para que realize novos descobrimentos.

O enfoque adotado por Kamii e De Vries (1974a) introduz elementos novos a respeito dos programas
anteriores. Para estas autoras, as implicações educativas da teoria de Piaget devem derivar-se de uma
consideração epistemológica mais que dos termos psicológicos literais da teoria. Ou seja, as bases para definir
o ambiente de aprendizagem mais adequado se baseiam não tanto na análise de como pensa a criança em
cada etapa, como nos estudos acerca da natureza do conhecimento e da forma em que a criança o adquire. É
a construção do conhecimento mediante a interação “indissociável”, entre a experiência e a razão, o que
constitui a chave da planificação educativa. Assim, o construtivismo é o processo mediante o qual se diz que
evolui a inteligência e o conhecimento adaptativo da criança.

O objetivo básico do programa será o desenvolvimento cognitivo como a ativação da função


adaptativa, favorecendo a compreensão do aluno e, de forma mais geral, a autonomia global do sujeito em
nível cognitivo, emocional, social e moral (De Vries e Kohlberg, 1987). Os conteúdos se selecionam e
estruturam tendo em conta três tipos de experiência psicológica descritos por Piaget (1936/1952, 1937/1954):

1. Experiência física, que consiste em ações individuais sobre objetos e conduz ao conhecimento dos
objetos em si mesmos. Refere-se a esta ação como abstração simples ou empírica.
55
MODELOS E PROGRAMAS DE EDUCAÇÃO INFANTIL

2. Experiência lógico-matemática, consiste em ações sobre objetos que introduzem características


dos mesmos que não fazem parte das idéias do indivíduo acerca desses objetos. Refere-se a elas
como abstração reflexiva. Não pode haver experiência física sem um marco lógico-matemático e,
no caso das crianças, não pode haver experiência lógico-matemática sem objetos postos em
relação a outros.

3. Conhecimento social arbitrário, cuja fonte são as pessoas. Inclui verdades assumidas por
convenção, normas aceitas por coordenação de pontos de vista.

Os recursos utilizados para provocar a atividade espontânea da criança são o interesse, a brincadeira,
a experiência, as discussões, a cooperação e as relações sociais. Também se utilizam algumas atividades
características dos modelos mais tradicionais. Especial atenção se concede ao fomento da experimentação e
da cooperação.

As funções do professor são, entre outras, criar situações para a aprendizagem significativa,
proporcionar materiais, responder, ajudar a ampliar as idéias e experiências, avaliar o que acontece na mente
de seus alunos.

A aula costuma ser organizada em áreas de atividade livre, experimentação ou jogo: assembléias e
postos em comum, construção, atividades tranquilas, jogo simbólico, arte, etc. O aluno as acessa em função
de seu interesse ou da planificação diária/semanal.

As normas, a avaliação e o reforço se derivam do próprio sujeito ou do grupo de duplas. Promove-se a


autodireção, favorecendo que os alunos sejam responsáveis de sua própria aprendizagem, conduta e
avaliação. A medida disciplinária que prevalece é o raciocínio sobre o próprio comportamento.

No âmbito europeu os programas de educação infantil desenvolvidos se caracterizam, a respeito das


realizações no contexto norte-americano, por oferecer projetos com uma estrutura mais flexível e menor
atenção à monitorização e avaliação do programa. Em geral, respondem a modelos ecléticos nos que, a partir
do modelo maturescente, se incorporam componentes próprios dos enfoques cognitivos.

Este é o caso, junto com os tradicionais programas montessorianos, das experiências renovadoras
implementadas em outros países da Europa, entre eles Espanha, das que é paradigma das Escolas Infantis
das municipalidades da região de Emilia-Romagna (Itália). Para Baldiserri (1987) os fundamentos desta nova
proposta educativa se encontram na tradição da pedagogia européia – Decroly e Froebel, especialmente -, em
Freinet e sua escola para o povo e nas contribuições piagetianas mais recentes. Trata de responder à
exigência de dar uma dimensão social à experiência infantil, de recolher e fortalecer a união com o ambiente
natural e humano e a sensibilidade em direção à necessidade de exploração e pesquisa. Os objetivos do
programa podem resumir-se como segue:

1. Integração e cobertura das necessidades infantis (curiosidade, socialização, construção).

2. Superação do modelo assistencial típico.

3. Eliminar barreiras sócioculturais.

4. Privilegiar atividades expressivas e cognitivas.

5. Valorização da socialização e da democracia.

A programação da atividade diária exige conhecer a realidade educativa em que se trabalha, definição
de conteúdos e métodos e especificação de recursos adequados. É preciso investigar e experimentar, a escola
deve manter uma relação de reciprocidade sociocultural com seu entorno.

Para Bertolini e Frabboni (1989), o tipo de criança que resulta destes objetivos é intelectualmente
curioso, socialmente autônomo e loquaz, eticamente espontâneo, afetivamente vital e esteticamente desejoso
de experiências criativas diferentes.

56
MODELOS E PROGRAMAS DE EDUCAÇÃO INFANTIL

5.3 AVALIAÇÃO DE PROGRAMAS DE EDUCAÇÃO INFANTIL

Desde os anos trinta, começou a acumular-se evidência acerca da importância da educação precoce e
de que as carências extremas em estimulação, durante a primeira infância, provocavam graves defeitos no
desenvolvimento físico, cognitivo e social (Clark-Stewart, 1982; De Miguel, 1979; Horowitz e Paden, 1973;
Lazar e Darlington, 1982; Mussen, Conger e Kagan, 1976; Martin Moreno e Roda, 1976; Tizard, 1975).

Várias décadas mais tarde, influências diversas levaram à ênfase na avaliação dos efeitos cognitivos
da experiência precoce, especialmente representada pelas medidas em C. I. Uma destas evidências foi
fornecida por Hunt (1961), em uma revisão da bibliografia sobre o tema após o que conclui que a inteligência
não é fixa, mas que está submetida a mudanças. Outra foi a fornecida pela análise de estudos psicométricos
realizados por Bloom (1964) que o levou a concluir que grande parte do desenvolvimento intelectual se produz
por volta dos quatro anos de idade.

Durante a década de sessenta, se estabelece a hipótese do déficit acumulativo: o intervalo ou


diferenças entre as crianças da classe média e baixa aumenta com o tempo. O debate iniciado contribuiu a
firmar uma opinião otimista sobre as possibilidades que a educação infantil precoce tinha para evitar os
fracassos na escola e na vida. Nos Estados Unidos, sobre a base desta opinião coletiva, se estabeleceram
programas federais tais como Head Start, Follow Through e Parent-Child Centers, cuja afetividade e eficácia
foram avaliadas a partir de diferentes perspectivas (Bronfenbrenner, 1974; Gotts, 1973; Horowitz e Paden,
1973; Hunt, 1975; Mann, Harrel e Hunt, 1976; White e outros, 1973b; Wolf e outros, 1978).

As medidas utilizadas nestas avaliações se distribuem em linhas gerais como segue (Goodwin e
Driscoll, 1984, 423):

Âmbito de desenvolvimento Porcentagem

Perceptivo-cognitivo 41
Socioemocional 30
Da linguagem 15
Médico, sanitário 7
Psicomotor 6
Estilo de vida 1

No contexto europeu, a preocupação pela educação infantil se centra prioritariamente sobre aspectos
referidos à política social como resposta à demanda de escolarização precoce, por parte das famílias, mais
que em aspectos referidos ao desenvolvimento psicopedagógico e à avaliação dos efeitos da experiência pré-
escolar (DHSS/DES, 1976; Mayal e Petrie, 1983; Woodhead, 1979). Na década de setenta, Tizard (1975) só
encontrou três projetos significativos orientados a analisar os efeitos da assistência a pré-escolar na execução
escolar posterior dos alunos.

A prática mais generalizada na pesquisa foi utilizar medidas de resultados relativamente globais, para
avaliar os efeitos comparativos. Predomina o uso de medidas padronizadas - de inteligência geral ou
execução (Brofenbrenner, 1974) – ou outras derivadas de metas ou fins geralmente aceitos em educação
infantil (Kirchner, 1973a). Em algumas ocasiões, a observação sistemática das variações entre programas se
relacionou sistematicamente com as medidas dos resultados (Hom e Robinson, 1977; Goodwin e Driscoll,
1984). Foi frequente a realização de estudos dedicados ao desenvolvimento da criança, independentemente
das práticas educativas, considerando a educação e o desenvolvimento como processos distintos (Del Río e
Álvarez, 1985; Carmona e outros, 1986).

A análise dos resultados obtidos nos estudos sobre a eficácia da educação pré-escolar e os efeitos
diferenciais de diversos modelos e programas de educação infantil, permite estabelecer as seguintes
considerações acerca da situação atual das pesquisas e a eficácia dos diversos programas desenvolvidos:

1. O predomínio de pesquisas realizadas a partir da perspectiva da transmissão cultural, utilizando


medidas psicométricas (p. ej., C. I.) e de execução (habilidades acadêmicas).

2. Em geral, a hipótese acerca do incremento a longo prazo da inteligência psicométrica, devida à


educação pré-escolar, não foi consistentemente confirmada pelos dados empíricos.

57
MODELOS E PROGRAMAS DE EDUCAÇÃO INFANTIL

3. A educação infantil apresenta efeitos positivos a longo prazo: menor taxa de retenções em anos
posteriores, maior taxa de escolaridade secundária, menor índice de delinqüência juvenil e de
dotação de aulas particulares, maior nível de emprego (Berruta-Clement, Schweinhart, Barrett,
Epstein e Weikart, 1984; Lazar e Darlington, 1982; Miller e Dyer, 1975; Ministère d’Education,
France, 1975; Schweinhart, Weikart e Larner, 1986; De Miguel, 1988).

4. Foi comprovado que diferentes modelos e estratégias educativas oferecem diferentes vantagens,
ou seja, produzem diferentes efeitos em diferentes áreas, em função de seus objetivos e
desenvolvimento curricular. Entretanto, carece-se de provas empíricas que apoiem de maneira
inequívoca as afirmações relativas para que qualquer estratégia de educação infantil seja
substancialmente melhor que qualquer outra (Curtis, 1985; Parry e Archer, 1974).

5. As dimensões de conduta de classe que mais discriminam entre programas não são sempre as
que correlacionam mais fortemente com o desenvolvimento e a aprendizagem do aluno (Soar e
Soar, 1972).

6. Os programas cuidadosamente planificados e implementados, com uma sólida base teórica, são
mais eficazes que os programas elaborados e implementados intuitivamente (Hom e Robinson,
1977).

7. Os efeitos do programa são superiores quando se implementa logo e durante mais tempo
(Carmena, Cerdán, Ferrandis e Vera, 1986; Clark e Cheyne, 1979; Osborn e outros, 1984).

8. Os programas orientados pré-academicamente obtêm melhores resultados no desenvolvimento do


desempenho intelectual e na aquisição de destrezas específicas, quando são avaliados mediante
tarefas estruturadas por adultos (Bissell, 1973; Lazar e Darlington, 1982; Miller e Dyer, 1975;
Smith, 1973; Weisberg, 1974).

9. Os modelos tradicionais e cognoscitivo-interativos favorecem a formação de um autoconceito mais


positivo e de maior motivação (De Vries e Karnes, 1989).

10. Os modelos cognoscitivo-interativos são mais eficazes no desenvolvimento da complexidade e da


diversidade do pensamento, transição ao estagio das operações concretas, atitudes de
colaboração, autonomia e habilidades sociais quando se avaliam a partir de estabelecimentos
construtivistas.

11. Os programas cognoscitivo-interativos apresentam efeitos a longo prazo mais positivos que os
conseguidos por outros modelos; maior taxa de emprego, menor índice de delinquência juvenil
(Lazar e Darlington, 1982) e melhores níveis de desempenho escolar (Bissell, 1973; Smith, 1973;
Weisberg, 1974).

12. Os programas que incorporam a participação dos pais; caracterizados por estruturar a situação de
aprendizagem na família, individualização, concentração na díade mãe-filho e sistema de apoio
compreensivo à família, apresentam resultados superiores e mais duradouros na maior parte das
variáveis analisadas, especialmente em habilidades lingüísticas, desenvolvimento conceitual,
motivação, interesse por aprender e autoconceito (Ball e Bogatz, 1971; Bronfenbrenner, 1972;
Lazar e Darlington, 1982; Tizard e outros, 1981); curiosidade, criatividade e autoconfiança (Wallace
e Walberg, 1991).

13. Os programas diretivos altamente estruturados tendem a ser mais efetivos com alunos mais
desfavorecidos de classe baixa. Os programas não diretivos e menos estruturados tendem a ser
mais efetivos com as crianças menos desfavorecidas (Bisselll, 1973).

14. Os modelos curriculares derivados teoricamente, e as estratégias de intervenção altamente


estruturadas e prescritivas podem ser implementadas com mais confiabilidade em outros centros
ou aulas.

58
A EDUCAÇÃO SENSORIAL: METODOLOGIA E OBJETIVOS

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A EDUCAÇÃO SENSORIAL: FUNDAMENTAÇÃO, PANORAMA,
METODOLOGIA E OBJETIVOS

Eduardo Soler Fiérrez

6.1 Introdução.
6.2 Importância da educação dos sentidos.
6.3 Panorama da educação sensorial.
6.4 O princípio de gradação dos estímulos.
6.5 Objetivos gerais da educação sensorial.
6.6 As sensações visuais: desenvolvimento e educação.
6.7 As sensações auditivas: desenvolvimento e educação.
6.8 As sensações táteis: desenvolvimento e educação.
6.9 As sensações olfativas: desenvolvimento e educação.
6.10 As sensações gustativas: desenvolvimento e educação.

6.1 INTRODUÇÃO

Que apenas o homem seja educável e a educação tenha de começar ocupando-se preferentemente do
sensorial, parecem afirmações de alguma maneira contraditórias, pois enquanto que no primeiro caso fazemos
recair a educação “no especificamente humano”, no segundo, damos prioridade precisamente àquilo que o
homem compartilha com o resto do mundo animal: os sentidos. E é que as atitudes cognitivas do homem se
desenvolvem em um complexo ao que não são alheios os sentidos: “Junto ao valor fundamental que a
educação sensorial tem relação com toda a vida cognitiva do homem e, por conseguinte, de toda sua atividade
especificamente humana, cobra especial interesse referido a algumas manifestações particulares do fator
espacial e do valor fundamental que tem na educação técnica e na educação estética” (Garcia Hoz, 1985, 5).

Estes argumentos são registrados dentro da clássica polêmica entre razão e sentidos, que entrou no
mundo da cultura praticamente a partir do início do pensamento sistemático.

É certo que a primeira filosofia descobre o poder da razão para penetrar nas estruturas fundamentais
das coisas; talvez, por isso, o início da idade da razão, ou do uso da razão, coincida com a escolarização
obrigatória. Mas, na razão pulsa o entusiasmo por unificar e explicar a infinita multiplicidade e variedade das
coisas, testemunhada pela experiência e pelos sentidos, ainda que seja certo que seu êxito inicial produza uma
exaltação quase exclusiva dos aspectos lógicos e racionais das coisas e do homem, que nos mostram um
mundo mutante, submetido à particularidade, apenas alcançável através dos sentidos.

A capacidade, pois, da razão para unificar e ligar o que se mostra a nossos sentidos como diferente,
apresenta, por sua vez, a possibilidade de que tenha de desconfiar de nossas vias sensoriais como fonte de
conhecimento. Apenas o que é captado por via racional pode ser considerado como verdadeiro.
Esta oposição razão-sentidos se fez especialmente importante na corrente filosófica grega, que mais
influência teve na cultura ocidental: a socrático-platônica.

Sócrates considerava, com efeito, que nossas sensações são incapazes de proporcionar um
conhecimento autêntico. Platão deduziu, desta teoria do conhecimento socrático, toda uma teoria do ser: aquilo
que corresponde à opinião sensível é aparência (fenômenos), e verdadeira realidade é o que corresponde ao
conhecimento verdadeiro, ou seja, as idéias.

Assim, a pedagogia tinha de tentar chegar ao mundo autêntico e estável que a razão nos apresentava
superficialmente das coisas do mundo material. Seu principal desvelo vai ser o cultivo das faculdades
racionais-espirituais do homem, desvinculando-as de suas limitações carnais e materiais. O ideal de vida, que
em tais concepções pedagógicas esconde, consiste em um processo de purificação espiritual, que chega ao
rechaço das contribuições sensoriais.

59
A EDUCAÇÃO SENSORIAL: METODOLOGIA E OBJETIVOS

O desinteresse pelo corporal e pelo desenvolvimento de suas modalidades sensoriais foi também
aceito, em linhas gerais, pelo pensamento cristão. São Pablo, como se sabe, coloca o crente na alternativa
entre a vida segundo a carne e a vida segundo o espírito.

Santo Agostinho, ainda que “confesse” que sua filosofia só se ocupa de duas questões, o eu e a alma,
deve reconhecer-lhe um pensamento integral sobre o homem. No que diz respeito ao ensino, o faz equivalente
a mostrar e apresentar. A sensação é um ato vital que move a ação de nossos órgãos sensoriais para que
recaia sobre tudo aquilo que queremos conhecer, com objetivo de que a alma se forme à imagem
correspondente do exterior e se produza o conhecimento.

Na gnosedogia agostiniana se adverte uma clara orientação pedagógica: “Partir dos resultados
sensíveis, abrir primeiro os olhos e os sentidos ao mundo, antes de ensinar seu signo, seu nome; fazer que o
homem se enriqueça pela abertura de seu ser, pelo contato com as coisas e não pelo acervo das palavras, que
não aumentarão em nada sua capacidade cognoscitiva. É o primeiro elemento que encontramos nesta
pedagogia agostiniana; o valor incalculável da experiência do sensível para o conhecimento” (Dorado Soto,
1985, 343).

Santo Tomás mantém uma posição realista; o famoso “nihil est in intellectu quod prius non fuerit in
sensu” é todo um reconhecimento do papel que exercem os sentidos nos processos intelectuais, ainda que a
escolástica, em seu conjunto, tomara partido pelo conhecimento abstrato e racional frente ao empírico e ao
sensorial.

A filosofia empirista, do século XVII, supôs uma mudança importante, pois nela os sentidos vão ser a
fonte de conhecimento, e sua educação se proclamará como fundamental. Alguns empiristas chegaram,
inclusive, ao estudo particularizado das modalidades sensoriais, como foi o caso de Berkeley, que defendeu
uma nova teoria da visão.

Outros, como o escocês Th. Reid, realizaram o estudo experimental da sensação. A este lhe cabe a
honra de ter sido o primeiro a introduzir os estudos sobre a sensação e a percepção como temas da filosofia.

Não obstante, deva chegar ao século XVIII para que, sob a influência do empirismo britânico e dos
avanços da medicina e, inclusive, da filosofia, apareçam importantes teorias sensualistas que, por sua vez,
com o passar do tempo, deram lugar a outras claramente materialistas.

Condillac, muito influenciado por Locke, é o mais interessante dos sensualistas. Reagiu contra um
excessivo racionalismo. Os frutos do entendimento podem ser muito complexos, inclusive abstratos, mas isso
não nos deve fazer esquecer sua origem sensível. Concorda com Locke em afirmar que, mediante as
sensações, aparecem as primeiras idéias do homem, mas se separa dele ao não aceitar a outra fonte de
conhecimento, a reflexão. Para Condillac, a origem de todas as nossas idéias está nas sensações; não há
lugar para idéias inatas, nem tampouco para operações psíquicas inatas. Todas as nossas operações mentais
procedem das sensações.

Uma linha de atuação semelhante à de Condillac, ainda que com distintos métodos, nos oferece a
moderna psicologia em seus estudos sobre a privação sensorial.

Um indivíduo dotado de toda sua sensibilidade aceita, voluntariamente, diminuir ao máximo suas
sensações durante um período de tempo determinado. A experiência serve, em princípio, para analisar, de
uma maneira direta, a relação entre sensações e conhecimentos; ou, melhor dizendo, entre a quase ausência
de estimulação sensível e o conhecimento das reações subseqüentes.

R. Ardila (1976) destacou três situações experimentais e agrupou os resultados em três pontos
fundamentais:

a) Alterações dos processos perceptivos.


b) Processos cognoscitivos.
c) Reações motoras.

Em todas estas áreas se registraram mudanças, que mostram, na linha de Condillac, as graves
dificuldades dos indivíduos, tanto para pensar coerentemente, como sua escassa capacidade de concentração,
depois de passado um tempo de privação sensorial. Os sujeitos pesquisados eram capazes de iniciar
processos de pensamento, mas não podiam segui-los por muito tempo.

60
A EDUCAÇÃO SENSORIAL: METODOLOGIA E OBJETIVOS

No sistema de objetivos fundamentais da educação personalizada (García Hoz, 1988, 256-257), se


inclui uma primeira fase ligada claramente ao sensorial, a fase denominada “receptiva”, que avança a partir da
observação, da audição, etc.:

Fases Atividades

receptiva Observação
Audição
Leitura

reflexiva Análise
Ordenação
Síntese

criativa Ampliação
Enriquecimento imaginativo

retentiva Memorização

expressão verbal Expressão oral


Expressão escrita

expressão não verbal Expressão plástica


Expressão condutora

6.2 IMPORTÂNCIA DA EDUCAÇÃO DOS SENTIDOS

A vida de relação com o mundo, que rodeia a criança, inicia-se através dos sentidos, já que pelas
sensações a mente começa a construir suas próprias idéias; por isso, desde o princípio, é necessária a guia na
interpretação das impressões sensitivas, no esclarecimento das percepções sensíveis.

Como “ser no mundo”, a criança desde muito pequena sente atração por tudo o que está perto e
possui o excitante sensorial correspondente. Vê os objetos, quer pegá-los, levá-los à boca, examiná-los, atirá-
los, deixá-los cair.

Na idade correspondente à educação infantil, a criança já está em condições de processar informação,


sendo esta capacidade imprescindível para sua adaptação e para sua própria sobrevivência. O educador está
obrigado a colocar o maior empenho na apresentação ordenada e coordenada de tudo o que as crianças
podem perceber, convertendo-se a educação sensorial na parte mais importante do currículo deste nível pré-
básico. Como anotou Maria Montessori, “a educação dos sentidos tem uma grande importância pedagógica”
(Montessori, 1937, 168), sendo – com uma atuação precoce e oportuna – “possível descobrir e corrigir defeitos
que passam ainda inadvertidos na escola, até que chega o momento em que se manifestam de um modo
evidente e como uma irreparável inadaptabilidade ao ambiente (surdez, miopia, etc.)” (Montessori. 1937, 170).

Estas idéias são atualmente unânimes entre pedagogos e psicólogos, já que se sabe que a percepção
é uma conquista especialmente difícil e, em consequência, deve igualá-la e desenvolvê-la com exercícios
adequados. Nickel, após o estudo crítico de uma infinidade de pesquisas sobre a percepção infantil, pôde
verter suas conclusões neste texto: “O treinamento sistemático da percepção diferenciadora e analisadora
deveria fazer parte da instrução pré-escolar da educação da criança, antes de seu ingresso na escola. Haveria
que impulsioná-la, mas estreitamente vinculada a alguns programas de estudo do meio ambiente e, muito
especialmente, a uma análise e a uma avaliação conscientizada do conteúdo... Não deve nos estranhar por
isso que a criança, incluisive a escolar, se sinta como desamparada ante coisas novas (cifras, letras, figuras
geométricas, etc.,) se não lhe preparou previamente para uma adequada percepção, significação e posição
das coisas no contexto geral. Os pequenos de cinco anos são capazes de uma observação a fundo, quando
receberam a devida preparação pedagógica” (Nickel, 1982, 199).

61
A EDUCAÇÃO SENSORIAL: METODOLOGIA E OBJETIVOS

Não se pode continuar considerando a educação sensorial como algo espontâneo, fruto exclusivo dos
processos de maturação, mas que depende muito fundamentalmente da experiência e da aprendizagem.

6.3 PANORAMA DA EDUCAÇÃO SENSORIAL

Conforme o órgão receptor e as características dos estímulos, o âmbito sensorial sobre o qual a
educação deve intervir está composto pelo que se propõe no seguinte quadro:

Sensações Órgãos Sentidos Ações específicas


Óticas Olhos Vista Mirar, observar, examinar, ver.
Acústicas Ouvidos Ouvido Escutar, ouvir
Olfativas Nariz Olfato Cheirar, olfatear
Gustativas Língua Gosto Degustar, paladear, provar, saber,
saborear.
Térmicas Pele Tato térmico Sentir calor ou frio
Ponderais Pele Tato bárico Repesar, sentir maior ou menor peso,
sopesar
Táteis Pele Tato Manusear, apalpar, tocar
Quinestésicas Sistema locomotor Equilíbrio e movimento Andar, perambular, deter-se, mover-
se, parar.
Cinestésicas Difuso Bem-estar e mal-estar Sentir-se bem ou mal.
Extereognósticas Vários orientação Perceber distâncias, saber o lugar que
se ocupa, perceber o volume.

As ações específicas dos órgãos de nossos sentidos podem servir-nos de denominador comum para
uma infinidade de atividades didáticas que a educação pré-escolar pode utilizar e, inclusive, prolongar-se em
anos sucessivos, contribuindo de maneira decisiva ao desenvolvimento e formação do espírito de observação,
exploração, experimentação e pesquisa. Deve ensinar a criança desde muito cedo a olhar, a observar, a
examinar, a escutar, a descobrir; apropriando-se de tudo o que os sentidos podem lhe subministrar.

Como é fácil deduzir, a intervenção educadora, ainda que tenha uma especial importância no caso dos
que tradicionalmente se denominaram “sentidos externos” (vista, ouvido, olfato, gosto e tato), se aplica
também, na medida em que for possível, aos “sentidos internos”. É preciso ressaltar que os modos de atuação
terão de ser bem diferentes em alguns casos ou em outros.

O perceber dos “sentidos externos” consiste em entrar em relação com os inumeráveis estímulos que
vêm de fora, podendo afirmar-se que a percepção é um processo de relação ativa com o mundo.
Os professores que dedicam sua atividade aos primeiros anos da vida, sabem muito bem que a
percepção não é um ato simples ainda que, com efeito, se possam isolar nela diferentes elementos (cor, forma,
tamanho, som, cheiro, sabor, etc). Todos os sentidos, a vista, o ouvido, o olfato, o gosto e o tato, contribuem
para dar uma experiência unitária do objeto percebido como evidenciou a psicologia da Gestalt (as crianças
percebem uma árvore, um cavalo ou um carro), por muitas e mais diferentes que sejam as sensações que tais
seres lhes enviem. Como viu J. Piaget, entre outros, a coordenação entre as vivências sensoriais, tais como a
vista, o ouvido e o tato, a sucção e a pressão, o gosto e o olfato, é imprescindível para que se possam
desenvolver as funções destinadas à percepção e à consciência. Mas “contrariamente ao que afirma a teoria
da Gestalt, as formas não são dados primitivos e sua percepção necessita se não de uma aprendizagem, mas
ao menos de um exercício. Os resultados da experiência de privação total dos estímulos visuais, realizada por
Hobel e Wiesel, que consistia em criar gatos na escuridão, confirmam esta teoria. A privação de informações
havia impedido o desenvolvimento normal dos mecanismos que permitem a detecção das formas; entretanto,
as reações primárias desencadeadas pela penetração de um objeto móvel no campo visual seguiam intactas,
ainda que os movimentos que deles resultavam, eram imprecisos e mal adaptados à distância” (Boulch, 1983,
139).

62
A EDUCAÇÃO SENSORIAL: METODOLOGIA E OBJETIVOS

6.4 O PRINCÍPIO DE GRADUAÇÃO DOS ESTÍMULOS

A apresentação gradual dos estímulos é um princípio didático que no campo sensorial tem
particularidades notáveis. Costuma se partir do mais simples ao complexo ou, pelo que diz respeito ao domínio
cognitivo, do conhecido ao desconhecido. A gradação dos estímulos sensoriais deve ir do perceptível ao
imperceptível, daqueles estímulos cuja percepção se consegue a partir da maior grosseria sensorial até os que
necessitam da mais fina agudeza discriminadora.

Claro é que este percurso não se faz de um a outro dos extremos que apresentam maior contraste; do
tom mais agudo ao mais grave, ou da superfície mais áspera à mais polida, senão que se inicia no ponto
máximo em que uma qualidade ou uma característica é percebida (limite máximo) e se detém no ponto em que
se deixa de responder a ela (limite mínimo), ou o que é o mesmo, a gradação dos estímulos sensoriais irá do
mais ao menos, tendo em conta que no ponto máximo estão as sensações claras, límpidas, evidentes (cores
primárias, sabores básicos, temperaturas extremas, formas perfeitamente definidas: esfera, cubo, cone, etc.), e
no ponto mínimo as sensações mais difusas e indefinidas. Sem dúvida, serão estas bandas médias as que
mais tardiamente se identificam. Passemos a casos concretos: a criança distingue perfeitamente o muito
quente e o muito frio, mas as dificuldades começam quando estas temperaturas se aproximam as áreas do
que poderíamos qualificar de temperado ou morno, nas quais a subjetividade e, inclusive, a temperatura de
nosso corpo podem exercer um papel tão importante como a realidade objetiva. A estas apreciações subjetivas
não escapam tampouco os adultos.

Com respeito às cores ocorre um fenômeno similar; a criança, a partir dos dois anos, pode identificar o
vermelho, o amarelo, o azul, o verde, o laranja, o preto e o branco. Entretanto, serão as diferentes matizes as
que vão apresentar maior dificuldade de captação. (Processo de aprendizagem discriminatória.)

6.5 OBJETIVOS GERAIS DA EDUCAÇÃO SENSORIAL

Ainda que, por último, educar os sentidos consiste em algo que transcende a própria esfera sensorial,
por influir diretamente nos processos cognitivos, não sem motivo se devem fixar alguns objetivos próprios
deste campo, ainda que em último termo, como ocorre em outros casos também, se ordenem para outros mais
gerais e complexos.

Na criança, e na pessoa humana em geral, a educação sensorial vai encaminhada ao enriquecimento


e desenvolvimento de sua própria personalidade, à formação de seus conceitos de valor e de um sentido
crítico próprio do qual se beneficiarão também todos os seus atos expressivos e criativos. Não se trata, pois,
de converter o olho da criança em uma objetiva fotográfica nem seu ouvido em uma fiel gravadora que retenha
até o mínimo decibel; trata-se, pelo contrário, que a criança seja capaz de interpretar, julgar e desfrutar com as
sensações recebidas fazendo delas um uso apropriado e criativo.

Para este âmbito da educação infantil, haveria que conseguir, entre outras de menor significação, as
seguintes metas:

a) Estimular a “perceptividade” de todos os sentidos.


b) Desenvolver a capacidade de discernir os estímulos sensoriais.
c) Analisar as sensações recebidas.
d) Aprofundar na análise e recordação das sensações.
e) Diferenciar os objetos conforme as sensações que se recebem: pela vista, pelo ouvido, pelo tato,
pelo gosto e pelo olfato.
f) Comprazer-se, rechaçar e dar conceitos de valor (estimas) sobre o que se escuta, se vê, se toca,
se saboreia ou se perde.

Na estimulação, a capacidade de análises e discriminação, assim como no interesse que despertam,


poder-se-iam cifrar os objetivos mais gerais dentro da área específica que supõe a educação sensorial.

63
A EDUCAÇÃO SENSORIAL: METODOLOGIA E OBJETIVOS

6.6 AS SENSAÇÕES VISUAIS: DESENVOLVIMENTO E EDUCAÇÃO


A criança tem a visão completamente desenvolvida aos quatro anos de idade. O recém-nascido
percebe só as sensações de claro e escuro, enquanto que aos três ou quatro anos pode distinguir as cores
fundamentais e algumas das secundárias. Da mesma forma, a esta idade pode perceber as distâncias, a
grossura e as dimensões das coisas. Para este tipo de sensações a criança não tem que empenhar-se em
uma atividade específica, senão que seu desenvolvimento e aprendizagem vão depender mais da vivacidade e
intensidade dos estímulos que o professor seleciona para colocá-los em frente. Como em toda a educação
sensorial, a linguagem vai estar associada a qualquer aprendizagem, sendo às vezes difícil reparar-se se as
falhas cometidas se devem a deficiências na percepção ou a não dispor do vocabulário adequado para
expressar o que está vendo realmente (cor, distância, forma, tamanho, etc.)
O objetivo geral e específico para a educação visual poderia resumir-se no reconhecimento,
identificação e diferenciação dos objetos para a percepção de sua forma, tamanho, matéria, cor e o mais
complexo de utilidade.

Como é fácil deduzir, as atividades didáticas podem apresentar uma grande riqueza e variedade, e
podem ser limitadas a um só aspecto do objetivo ou encobrir todos eles.
Os exercícios podem ser classificados em dois grandes grupos:
• Um primeiro tipo que consiste em apresentar os objetos para que os alunos vão nomeando-os,
dizendo sua cor, tamanho... e encontrem as diferenças que existem nos que sejam quase iguais,
mas com algum tipo de variante (mantendo constante a forma, a matéria e o tamanho, se muda a
cor, por exemplo). No último curso de pré-escolar se devem introduzir exercícios consistentes em
ordenar os objetos por tamanhos, mantendo constante a forma (círculos, triângulos, quadrados e
retângulos), a matéria e a cor, e, inclusive, introduzindo variantes também nestas duas últimas
características.
• Um segundo tipo de atividades consiste em representar ou elaborar o material (recortando,
pegando, construindo, etc.) partindo das características que de antemão se indiquem (forma, cor,
matéria, tamanho). Sem dúvida, este tipo de trabalhos representa uma atividade maior e põe a
criança em situação de expressar-se criativamente.

O desenvolvimento das percepções visuais terá uma aplicação importante no cálculo das distâncias.
Desde muito cedo, a criança começa a dar-se conta das coisas que tem ao alcance de suas mãos e aquelas
outras que não pode chegar. Esta aprendizagem o faz à base de “tentativa e erro”. Esta percepção das
distâncias vai ser um adestramento necessário para a resolução de problemas de todo tipo. Porque a vista não
apenas capta a cor, mas também a luminosidade e não apenas percebe a figura e as dimensões dos objetos,
mas sua distância e posição.

Pelo que diz respeito a cor, é importante conhecer a “tonalidade afetiva” das crianças destas idades
para tê-la presente à hora de escolher seu vestuário, decorar seu quarto ou a sala de aula, ou para escolher as
cores das ilustrações dos livros feitos para eles. As crianças têm claras suas preferências e canalizam seus
gostos para os tons claros e vivos, e costumam rechaçar os descorados e os escuros: “A prática o demonstra
constantemente – observava Leonor Serrano em seu conhecido estudo sobre o Método Montessori – que a
criança gosta sem dúvida das cores brilhantes, berrantes, mas dificilmente aprecia os matizes e as cores
discretas: etapa infantil que recorda a do selvagem e a de qualquer homem primitivo” (Serrano, 1961, 128).

A partir dos dois anos, a criança pode conhecer as seguintes cores: vermelha, amarela, verde, rosa,
laranja, azul, roxa, marrom, cinza, branca e preta. Aos cinco anos, pode aprender os nomes dos tons
intermediários (lilás, azul marinho, azul celeste, anil, ocre, violeta, etc) e ordená-los conforme sua intensidade.
Os exercícios podem começar aprendendo a usar os adjetivos claro e escuro em relação a uma mesma cor.
Antes dos quatro anos não é fácil conseguir que distinga os diferentes tons e matizes de uma mesma cor, mas
quando os exercícios são apropriados e se reforçam na oficina de expressão plástica, o objetivo se alcança.
Em uma época como a nossa em que a tecnologia faz com que cobrem singular importância os meios
audiovisuais de comunicação, e que se possa dispor em poucos momentos da imagem via satélite dos fatos
ocorridos em qualquer lugar do mundo e inclusive do espaço, convém prevenir desde os primeiros momentos a
preparação da criança para que saiba enfrentar-se com estes meios; graduando seu uso, selecionando os
estímulos que sejam capazes de provocar nele reações positivas e não o limitem a um simples receptor de
impressões, que anulariam seu potencial ativo e criador em favor de uma passividade imprópria de sua idade e
natureza.

64
A EDUCAÇÃO SENSORIAL: METODOLOGIA E OBJETIVOS

Sem dúvida alguma, a importância do sentido visual radica em que normalmente as imagens globais
que temos do mundo são de natureza ótica.

Dentro da variedade dos objetivos que podem ser conseguidos no campo visual nos primeiros anos de
vida das crianças, poderíamos destacar os seguintes, por serem os mais gerais:

1. Que sejam capazes de perceber as semelhanças e diferenças visuais do ambiente em que se


desenvolvem.

2. Que cheguem a detectar as diferenças que possam existir entre as estampas aparentemente
iguais, figuras geométricas, etc., assim como reconhecer as semelhanças em situações e
representações aparentemente diferentes.

3. Que distingam as coisas que vêem perto ou a certa distância e possam designá-las e descrevê-
las.

4. Que depois de presenciar um acontecimento saibam narrá-lo, e o façam como se o estivessem


vendo.

5. Que lhes desperte a curiosidade por observar detalhadamente as coisas que vêem habitualmente
e possam descrevê-las.

6. Que cheguem a relatar a imagem-recordada de uma casa que lhes seja familiar, de tal forma que
sua descrição se ajuste à realidade o máximo possível.

7. Que distingam a cor dos animais e plantas que há no meio e utilizem com exatidão o vocabulário
relativo a cor.

8. Que discriminem, identifiquem e nomeiem as matizes mais comuns de uma mesma cor.

9. Que uma vez conhecidas as cores mais importantes (amarela, laranja, vermelha, violeta, azul,
verde, marrom, branca, cinza e preta), diferenciem nelas as tonalidades intermediárias, bem com
seus nomes específicos (azul turquesa, amarelo limão, etc.), ou aplicando os adjetivos claro ou
escuro.

10. Conhecer e utilizar palavras que sirvam para descrever impressões óticas.

11. Compreender rapidamente desenhos e imagens e diferenciar em seu conteúdo o essencial do


acessório.

12. Conseguir dinamismo na visão das coisas ao percebê-las a partir de diferentes perspectivas.

6.7 AS SENSAÇÕES AUDITIVAS: DESENVOLVIMENTO E EDUCAÇÃO

As sensações auditivas são fundamentais para o conhecimento humano, posto que sem elas não
poderia dar-se a comunicação oral. Esta é a razão, sem motivo de dúvidas, de sua importância para o
rendimento escolar, sobretudo em uma escola em que ainda a transmissão verbal continua sendo o meio mais
usual para fazer chegar ao aluno a mensagem didática. É certo que o padecimento de surdez de maior ou
menor importância, se deixam sentir no rendimento, em geral de forma negativa, e sobretudo naquelas
matérias para as que o “bom ouvido” é condição para sua aprendizagem, idiomas, música e canto.

A audição, como no caso da visão, não necessita, para sua educação, de uma atividade muito
especializada.

Na escola infantil, o professor fala constantemente, se escutam canções ou se canta, se recita, etc.,
porque os alunos não estão ainda em condições de compreender a linguagem escrita. María Zambrano
generalizou esta preponderância do “ouvido” a todos os níveis educativos, ao dizer que as aulas são “lugares
da voz onde se vai aprender de ouvido, o que resulta mais imediato que o aprender por letra escrita, à que
inevitavelmente deve restituir acento e voz para que assim sintamos que nos está dirigida” (Zambrano, 1979,
16).

65
A EDUCAÇÃO SENSORIAL: METODOLOGIA E OBJETIVOS

A percepção do som não depende só de sua intensidade, mas da predisposição subjetiva do receptor.
O ruído da circulação pode ser constante e passar inadvertido (habituação), enquanto que podem-se ouvir
sons de menos intensidade porque resultam mais atraentes ou interessantes.

O maior ou menor grau de complacência nas emissões, que a criança pode receber na escola,
depende muito de que lhe sejam ou não agradáveis, pelo que é imprescindível para mantê-lo atento, ir
conhecendo e conectando com seus gostos e selecionando as audições mais apropriadas para cada momento
da jornada escolar.

Deve ter em conta que a música certa, pode resultar relaxante e, portanto, apropriada para escutá-la
depois de realizar certos exercícios físicos que possam acumular cansaço ou excitação. Outras vezes, a
música incita o movimento rítmico e se pode colocar a serviço da expressão corporal.

Exercícios que devem ser praticados com frequência são os consistentes em expressar por meio de
outros sentidos o que se percebe através do ouvido, como a expressão corporal (movimentos rítmicos, dança).
É muito difícil que uma criança em idade pré-escolar possa julgar o que sente e expressá-lo aos demais por
meio de palavras, por isso, atividades deste tipo devem se adiadas até mais adiante.

Objetivos específicos nos quais se deveriam centrar os programas do Jardim de Infância e a Pré-
escola são:

1. Identificar os objetos (bola, caixa de lata, de madeira ou papelão, cadeira, lixeira, livro, lápis, etc.)
pelo ruído que fazem ao cair.

2. Distinguir certos instrumentos musicais pelo som que emitem (pandeiro, flauta, trombeta, apito,
guitarra, castanholas, tambor, etc.)

3. Distinguir o som característico da cascavel, do chocalho, do sino, da sineta, da campainha, da


buzina, etc.

4. Identificar certos objetos pelo ruído que fazem quando se movem: passar as folhas dos livros,
arrastar uma cadeira, escrever com giz, rabiscar com escova, etc.

5. Distinguir apenas pela voz se fala uma homem ou uma mulher.

6. Distinguir pela voz se fala uma criança, um adulto ou um velho.

7. Identificar pela voz as pessoas conhecidas: familiares, amigos, colegas e professores.

8. Distinguir gritos de medo ou de alegria, o choro do choramingo, etc.

9. Ao escutar uma gravação com sons que emitem alguns animais, serem capazes de dizer o nome
do animal ao qual o som corresponde e reproduzir o som (trinir de pássaros, latidos, miados,
balidos, mugidos, rugidos, etc.).

10. Distinguir a maior ou menor intensidade de certos sons (alto-baixo), o timbre (agudo-grave), o ritmo
(rítmicos-arrítmicos), assim como a distância média entre o emissor e o receptor (perto-longe).

11. Repetir e aprender certos sons musicais: refrões de canções populares, rimas, sequências, etc.

12. Reconhecer o ruído das palmas, passadas, andares lentos, rápidos ou corrida, o golpe, etc.

13. Aficcionar-se a escutar música apropriada para a idade.

14. Reconhecer de que direção vem um som.

66
A EDUCAÇÃO SENSORIAL: METODOLOGIA E OBJETIVOS

6.8 AS SENSAÇÕES TÁTEIS: DESENVOLVIMENTO E EDUCAÇÃO

Sob este título geral se incluem também as sensações térmicas e ponderáveis, ainda que para referir-
se a elas se tenha falado anteriormente do sentido térmico e básico, respectivamente.

Pelo tato não apenas percebemos a maciez ou dureza dos corpos, seu grau de elasticidade, o
aguçado ou espessura de suas arestas; mas também sua temperatura, sua lentidão ou agilidade e inclusive a
percepção extereognóstica (volume dos corpos) vai ser mais o fruto da manipulação que da informação
recebida pelo sentido da vista.

Existe, além disso o que poderíamos chamar um sentido tátil profundo que está localizado no sistema
locomotor, o que nos transmite a sensação de nossos movimentos e da posição de nossas extremidades a
respeito das restantes partes do corpo.

Tanto o sentido tátil como o quinestésico – como adverte Jean de Boult – têm um papel bastante
precoce e prioritário, não só no descobrimento de certas qualidades, mas no apoio que prestam à vista na
apreensão do espaço (Boult, 1983, 131).

Partindo desta concepção do sentido do tato, pode-se estabelecer a seguinte enumeração de


percepções:

1. Os diferentes tipos de superfície.

2. A maior ou menor consistência dos corpos.

3. A temperatura dos corpos.

4. A temperatura do ambiente exterior.

5. O peso dos corpos.

6. As dimensões dos corpos.

7. A forma do que tocamos.

8. O grau de umidade ou aridez.

9. A facilidade ou dificuldade de seu uso ou manejo.

Sem dúvida, a percepção destas características depende do adestramento e da experiência, fato que
justifica uma ação educadora desde o Jardim de Infância.

No que diz respeito à educação tátil, à idade dos quatro-cinco anos, deveria centrar-se em distinguir e
apreciar:

67
A EDUCAÇÃO SENSORIAL: METODOLOGIA E OBJETIVOS

Tipos de superfícies Tipos de consistência Tipos de matérias


duras enrugáveis algodão
com incisões macias papelão
com relevo consistentes cartolina
contínuas cortáveis lã
cortantes despedaçáveis madeira
descontínuas duras malha
escorregadiças elásticas metal
espinhosas espessas metalizado
esponjosas espumosas papel (celofane, em embrulho,
jornal, de seda, etc.)
lisas flexíveis pedra
nodosas frágeis plástico
pegajosas inquebráveis rede
peludas liquidificáveis grelha
porosas líquidas seda
polidas maleáveis vegetal
pontiagudas pastosas
ásperas dobráveis
deslizantes quebradiças
quebradiças resistentes
Rugosas rígidas
acetinadas quebráveis
viscosas sólidas

Todas as atividades estarão encaminhadas para conseguir uma maior capacidade perceptiva e
discriminativa da realidade por meio do sentido do tato; ou seja, deve tender à observação e identificação
minuciosa de tudo o que o mundo exterior oferece para conhecê-lo por meio destas sensações.

68
A EDUCAÇÃO SENSORIAL: METODOLOGIA E OBJETIVOS

Temperatura Peso Dimensões Formas Grau de umidade

quentes oco abrangente abertas empapado


frescas leve alto agudas
frias maciço amplo largas úmido
geladas médio baixo estreitas molhado
muito quentes muito leve curto cilíndricas ressecado
temperadas muito pesado delgado circulares seco
mornas pesado miúdo cônicas
encolhido dentadas
enorme esféricas
esticado formas de animais
estreito forma humana
grande formas de objetos
usuais
grosso arredondadas
não abrangente
largo
médio
muito grande
muito pequeno
pequeno

Nenhum pedagogo deu tanta importância à educação do tato como Frobel. Em seus Kindergarten, o
ensino se baseia sobretudo nas impressões táteis, já que Frobel havia observado que as crianças de quatro a
seis anos conhecem as coisas na base de tocá-las; daqui sua insistência em torno ao que os rodeia para
basear nesta ação suas “análises”, resultando assim mais fácil seu conhecimento que quando somente o
vêem. Os estudos realizados por Piaget, sobretudo para pesquisar como se constrói na primeira infância a
noção de objeto (a criança percebe como uma só coisa o que vê e manipula), permanente (o objeto continua
existindo ainda quando deixamos de vê-lo e de tocá-lo), significante (um conjunto de informações visuais é, a
maioria das vezes, interpretado como pertencente a uma coisa dotada de certas propriedades), evidenciam a
importância das percepções visuais e táteis de um mesmo objeto. Até tal ponto esta educação sensorial se faz
imprescindível, o que se poderia afirmar que é a primeira que deveriam receber as crianças, justificando por si
só a educação pré-escolar (Heiland, H., 1982).

A atividade perceptiva termina quando o objeto tem permanência, ainda que não o tenha a criança em
sua presença, ou seja, quando pode evocá-lo, substituindo-o por sua própria imagem. A partir daqui poderão
iniciar-se atividades de comparação de objetos, já que agora dispõe de esquemas perceptivos, fruto de sua
experiência com as coisas que lhe servirão de referências obrigatórias para poder classificá-las. As referências
mais precoces são as proporcionadas pelas informações que se recebem pelo olfato (certos odores), gosto
(certos sabores), pela vista (as cores) e pelo ouvido.

O material deve estar sempre ao alcance dos alunos, abertos para seu manejo e manipulação; é o
corolário mais imediato do princípio de um ensinamento ativo. Deve deixar, pois, que as meninas e meninos
peguem e manuseiem tudo o que há em seu redor, para que assim o apreendam.

Outro dos reducionismos que sofre a educação sensorial, e que afeta ao tato muito diretamente, é a
crença de que este sentido está apenas nas mãos e, ainda que nelas desempenhe um papel principal, as
sensações de dor, calor, frio, suavidade ou aspereza chegam a nosso cérebro através de toda a pele. E tem
mais, há áreas de nosso corpo profundamente sensíveis a estas impressões, como a parte que rodeia a boca,
particularmente em cima do lábio superior.

69
A EDUCAÇÃO SENSORIAL: METODOLOGIA E OBJETIVOS

É certo que as crianças terão observado como suas mães introduzem o cotovelo para provar a temperatura da
água antes de banhá-las, ou as beijam para ver se têm febre, por exemplo.

Acompanhar com a mão o contorno dos objetos desconhecidos, inclusive para o adulto, tem um “valor
exploratório” quando se quer apreciar sua forma.

Deve ter presente também o processo evolutivo da criança em idade pré-escolar, o que justifica mais
se cabe a atenção didática a este sentido. A etapa da segunda infância é essencialmente descobridora e deve
tirar o máximo proveito dos desejos manipuladores das crianças, deixando-as atuar livremente e
encaminhando-as para o reconhecimento e descobrimento das coisas. A criança de três ou quatro anos pega
tudo para brincar, sendo esta, sem dúvida, a forma mais importante que tem para o conhecimento do mundo
em que cresce. Mas estes afãs com frequência são freados pelos educadores, inibindo assim a atividade das
crianças. Ainda que seja aconselhável certo rigor na apresentação e seleção dos objetos que se põem ao
alcance das crianças, o livre acesso ao material escolar e a tudo o que as rodeia e que faz parte de seu
ambiente, é um princípio básico da pedagogia deste nível educativo.

As atividades que se realizem na escola infantil teriam que ser orientadas para a consecução destes
objetivos:

1. Apreciar as diferenças ao tato que apresentam distintos materiais facilmente identificáveis com as
mãos: água, areia, terra, pedras, espuma, serragem, grão-de-bico, ervilhas, etc.

2. Tocar, para distinguir, os frutos mais frequentes da região onde se vive.

3. Experimentar em que consiste encher completamente, ou pela metade, recipientes que possam
manejar-se facilmente. A experiência pode ser feita com água, areia ou serragem.

4. Experimentar em que consiste esvaziar completamente ou pela metade recipientes de fácil


manejo.
5. Reconhecer pelo tato se um material é macio ou duro, suave ou áspero, quente ou frio.

6. Transportar de um lugar a outro objetos com cabo, fáceis de agarrar, objetos de certo peso e de
diferentes formas, e objetos leves, mas frágeis.

7. Que distingam pelo tato o curvilíneo do retilíneo.

8. Ordenar, segundo seu tamanho, objetos de uma mesma categoria.

9. Chegar até um lugar situado a uns trinta metros seguindo as pegadas deixadas anteriormente.

10. Reconhecer pelo tato os materiais de que foram feitos certos objetos (madeira, plástico, cristal,
tela, cartolina, couro, pedra, etc.).

11. Encontrar as coisas que procura sem ter que olhar duas vezes no mesmo lugar, tendo sido
previamente escondidas em sua casa, na sala de aula ou no pátio da escola.

12. Descobrir por certos sinais que são dados a pedido do que pergunta e possui as coisas; pode-se
fazer à base do jogo do “esconde-esconde”. Devem variar no jogo para que as crianças aprendam
a formular perguntas.

13. Reconhecer pelo tato objetos da vida cotidiana (bola, lápis, garfo, colher, livro, etc.).

14. Identificar pelo tato as diferenças entre diferentes objetos.

15. Comparar objetos, quanto à sua dimensão, peso e distância: maior ou menor; mais pesado ou
mais leve; mais perto ou mais longe.

16. Reconhecer pelo tato a forma geométrica de tabelas triangulares, circulares, quadrangulares e
retangulares (5 anos).

70
A EDUCAÇÃO SENSORIAL: METODOLOGIA E OBJETIVOS

6.9 AS SENSAÇÕES OLFATIVAS: DESENVOLVIMENTO E EDUCAÇÃO

Os sentidos que nos ficam por tratar, o olfato e o gosto, estão intimamente relacionados; muitas das
considerações que se farão referentes a um deles são aplicáveis a outro.

Talvez seja conveniente advertir que o olfato do homem é um sentido não totalmente desenvolvido;
ainda que – como diz Alan Watts – seja porque “não nos sentimos muito orgulhosos dele”. Neste mesmo
capítulo já dissemos que a vista, em parte, supre o resto dos sentidos; esta pode ser uma razão. Além disso,
que tenha odores agradáveis e desagradáveis, e o que em nossa área cultural seja quase tabu falar e refletir
sobre coisas desagradáveis, faz com que muitas sensações odorosas que percebemos tratemos inclusive de
dissimulá-las ou de fazer crer que não as identificamos; pensa-se no uso cada vez mais extenso – apesar de
resultar em muitos casos até prejudicial para nosso organismo – de ambientadores, desodorantes, etc., que
tratam de apagar esses odores.

Durante seu primeiro ano de vida, a criança vai percebendo muitos odores sem dar-se conta disso.
Estará sensibilizado especialmente para os odores próprios do ambiente onde cresce, sendo muito diferentes
em um meio rural, urbano, industrial, marítimo, etc. Quando ingressa no Jardim de Infância, lhe são familiares
também os dos alimentos que bebe, os das colônias que sua mãe lhe aplica ou os dos produtos higiênicos que
utiliza.

Por ser o olfato um sentido que se acomoda muito bem a um odor predominante, nos acostumamos
muito rápido aos odores de nosso redor, inclusive ainda que inicialmente não sejam de nosso agrado. Mas
neste casos nos adaptamos em seguida e parece que deixamos de percebê-los.

As crianças podem distinguir desde muito cedo odores de dois tipos: agradáveis e desagradáveis.
Ainda que os que incluam estas duas categorias vão depender por último de seus próprios gostos – formados
estes por indução cultural –; normalmente, entre os primeiros estão sempre os odores dos perfumes, colônias,
de flores, de ervas aromáticas, de frutas, especiarias, etc. Nos odores desagradáveis incluem, por exemplo, o
cheiro de esterco, alimentos podres, verduras cozidas, cebola, estábulos de animais, amoníaco, gasolina,
cloro, etc.

A riqueza nas percepções olfativas pode ser consequência de buscar ambientes em que se dêem
determinados odores que possam resultar agradáveis para as crianças: como o do campo na primavera, o da
terra úmida, o de uma roseira, um mercado de flores, um herbário, uma doceria, uma padaria ou uma fábrica
de perfumes...

Apesar da pouca importância que se concede à educação do olfato em nossas escolas, deve ter
presente que deve andar paralelo à dos demais sentidos, procurando que a criança não saia da etapa de
educação pré-escolar sem que tenha conseguido:

1. Discernir alguns odores e outros dentre os que lhe sejam mais habituais.

2. Reconhecer o odor de tudo o que há em seu meio familiar e escolar.

3. Reconhecer os alimentos só por seu odor.

4. Classificar os odores em agradáveis e desagradáveis e dentro destas duas categorias em mais e


menos.

5. Identificar objetos, matérias e substâncias por seu odor característico.

Há coisas que não se podem chegar a conhecer totalmente se não se está em condições de identificar
seu aroma; ou seja, cheirá-las não é mais que uma das fontes de conhecimento que temos para chegar a elas.
É importante, pois, que a criança vá descobrindo os diferentes odores da flora da região onde vive. Junto com
estes naturais, aqueles outros que se podem detectar em interiores.

Mas o odor, além de fonte de conhecimento, complementaria a que podem oferecer outros sentidos e
específica para apreender matérias e substâncias cuja característica mais destacável seja o odor, pode ser
também uma fonte de prazer e um sinal evidente de civilização. Com efeito, desde as culturas mais primitivas
até nossos dias, um sinal do que acabamos de dizer foi a destilação e uso de perfumes; para pôr outros
exemplos: o valor das especiarias era tão apreciado que sua busca justificou importantes empreendimentos e
longas viagens.

71
A EDUCAÇÃO SENSORIAL: METODOLOGIA E OBJETIVOS

6.10 AS SENSAÇÕES GUSTATIVAS: DESENVOLVIMENTO E EDUCAÇÃO

A relação entre olfato e gosto se evidencia nos alimentos. Há alimentos que se tornam apetecíveis
antes de prová-los, pela cor que têm e o aroma que exalam e, pelo contrário, se seu odor não é agradável se
tornam normalmente pouco apetecíveis. Inclusive os alimentos mais apetitosos, como podem ser os diferentes
tipos de frutas, mostram seu atrativo ao “entrar” pela vista, o olfato, o gosto e, inclusive, o tato ao mesmo
tempo.

Às vezes ocorre certa transferência entre o sentido do olfato e o sentido do gosto, e desta forma
apreciamos odores que em si não seriam agradáveis porque correspondem a alimentos esquisitos – aqui
intervem muito a citada indução cultural – como no caso dos queijos (cabra, curado, roquefort, etc.) e
aromatizantes que além do seu sabor, justificam sua presença como condimentos por seu odor penetrante e
agradável (louro, cascas de limão ou laranja, canela, baunilha, etc.).

Nas crianças pequenas, o sentido do gosto vai se desenvolvendo ao mesmo tempo que aumenta o
número e variedade dos alimentos que fazem parte de sua dieta.

A criança só aprecia o sabor do que prova, não se nasce – como ocorre também com os demais
sentidos – com os sabores “impressos”, mas deve ir desenvolvendo-os. O sabor não pode ser descrito se não
se têm referentes, se não se provou anteriormente a substância que tem sabor de tal ou qual coisa.

Os quatro sabores básicos podem ser conhecidos pela criança quando ingressa na instituição escolar:
doce, azedo, amargo e salgado, ainda que talvez seja o amargo o que menos provou pelo rechaço que produz.
Com respeito aos demais, pode neste período pré-escolar adquirir grande experiência. Por exemplo, com os
ácidos deve perceber que muitas frutas apresentam este tipo de sabor: laranja, romã, groselha, toranja, maçã
e uva ácida, cereja, abacaxi, limão e tangerina. Talvez o grupo das semi-ácidas apresentem para as crianças
maior atrativo e são as que mais pequem: pêra, maçã, pêssego, damasco, cereja e ameixa. Com a fruta pode,
inclusive, satisfazer seu afã pelos sabores doces: banana, caqui, uva passas ou doces, ameixa seca, tâmara e
figo. Ou seja, a fruta vai ser a melhor fonte para que as crianças experimentem estes sabores.

Junto com os diferentes sabores, as crianças experimentaram também a sensação de frescor que lhes
proporciona o sentido do gosto; a água, apesar de ser insípida, foi a que primeiro lhes deu esta sensação. As
sensações de calor, que se experimentam com os alimentos picantes, se descobrirão em idades muito mais
tardias. Do mesmo modo, as sensações de seco e molhado podem ser familiares a estas idades.

Um dos objetivos que deve marcar é que não cheguem a confundir o apetecível só com o que tem
sabor doce. Há crianças para as que os açúcares comerciais, chocolate, mel, marmeladas, etc., são os únicos
alimentos que lhes proporcionam verdadeiro prazer, quando deveria ir acostumando-lhes desde o princípio a
um panorama de sabores muito mais rico e variado, o que se consegue estimulando seu sentido do gosto para
que prove pratos saborosos e apropriados à sua idade.

Eis aqui os objetivos que podem ser fixados para a educação e desenvolvimento do sentido do gosto:

1. Reconhecer os diferentes alimentos, auxiliando-se do sentido do olfato e do gosto.

2. Distinguir, apenas provando, os alimentos que vão comer.

3. Distinguir o insosso ou insípido do saboroso.

4. Recordar impressões gustativas.

5. Despertar o afã de experimentar sabores desconhecidos.

6. Distinguir os quatro sabores fundamentais e apreciar diferenças de matiz entre eles.

7. Designar cada sabor com seu nome preciso.

8. Apreciar uma boa condimentação feita à base de sabores que se complementam.

72
A AULA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

-------------------------------------------------7-----------------------------------------------------
A AULA
NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Amparo Martínez Sánchez

7.1 Marco da questão.


7.2 Dimensões da aula pré-escolar.
7.2.1 Dimensão físico-espacial.
7.2.2 Dimensão organizativo-normativa.
7.2.2.1 Ordem e organização.
7.2.2.2 Recursos e materiais didáticos.
7.2.2.3 Estabelecimento de normas.
7.2.2.4 Sistemas de controle e de inovação.
7.2.3 Dimensão de desenvolvimento pessoal.
7.2.3.1 Processo de socialização.
7.2.3.2 Orientação e facilitação da tarefa.
7.2.3.3 Aspectos motivacionais.
7.2.4 Dimensão relacional.
7.2.4.1 Relações entre iguais.
7.2.4.2 Relações com os adultos.
7.3 O professor e a gestão da aula.

7.1 MARCO DA QUESTÃO

Nos últimos anos, o conhecimento da aula centrou a atenção dos estudiosos nas crônicas e relatos
dos acontecimentos que têm lugar no complexo cenário da classe, na compreensão de sua organização e na
reflexão sobre as atividades e as vivências cotidianas.

O estudo da vida na escola considera que esta tem lugar em um cenário simbólico em que os
comportamentos dos atores dependem do significado que atribuem às coisas, aos acontecimentos e às
condutas dos outros. Os comportamentos se configuram no curso destes intercâmbios contextualizados e
neles exercem uma grande influência os significados e as experiências prévias que tiveram os participantes,
assim como o sistema de valores, de princípios de ação, de normas, de relações e intercâmbios que se
estabelecem (Epstein e Jackson, 1981).

Neste contexto, cobram particular importância, em primeiro lugar, os supostos antropológicos e os


princípios filosóficos que fundamentam a ação educativa. Complementariamente, há que considerar os
princípios metódicos que regem a organização e a intervenção educativa.

Neste sentido, atualmente, se privilegia o estudo da gestão da aula, orientado prioritariamente para
questões relacionadas com a disposição do ambiente, com a organização de tarefas, com o uso de recursos
escolares e com questões relacionadas com como estabelecer e manter a ordem no cenário da aula. Tudo isso
comporta a busca dos processos de direção da classe que operam através das diversas atividades que
realizam tanto o professor como os alunos (Gross e Ingersol, 1981; Emmet e Everton, 1981, e Brophy, 1983)

Por outro lado, sobressai o interesse pelo conhecimento das funções do professor que conduzem à
estruturação do espaço, à organização e distribuição do tempo e das atividades, à apresentação e utilização
de recursos e, em geral, à manutenção de programas de ação e ao estabelecimento de relações pessoais.

Além destas considerações gerais, a referência concreta à aula pré-escolar exige dirigir a atenção às
características específicas, necessidades e desenvolvimento potencial que têm os sujeitos que se encontram
neste nível educativo. Os diversos aspectos assinalados constituem as principais dimensões que serão
abordadas ao longo deste capítulo.

Como tela de fundo está a consideração “do ser humano como pessoa e não simplesmente como
organismo que reage ante os estímulos do meio mas, principalmente, como um ser examinador e ativo que
explora e muda o mundo que o rodeia” (Garcia Hoz, 1970, 22).
73
A AULA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Parte-se do suposto de que a pessoa é princípio consistente de atividade que se manifesta através das
notas de singularidade, autonomia e abertura, cada uma das quais com suas peculiares exigências. Em
consequência, a intervenção educativa a que se faça referência se fundamentará nos princípios filosóficos e
metódicos que definem a educação personalizada.

7.2 DIMENSÕES DA AULA PRÉ-ESCOLAR

Superando as definições que se restringem ao mero espaço físico em que têm lugar as tarefas
acadêmicas, consideramos a aula como a situação ou âmbito humano específico – social e temporalmente
configurado – que proporciona um conjunto de experiências, condições, estímulos e influências que, ao
interagir com os sujeitos participantes, condicionam e, em certa maneira, determinam o comportamento, o
desenvolvimento e a vida dos que compartilham este complexo cenário.

A referência à aula implica a consideração do universo de elementos que constituem o “ambiente” –


conjunto de condições ou circunstâncias – e comportam a ocorrência das aprendizagens que habitualmente se
adquirem através da realização das tarefas escolares.

Este “ambiente” não se restringe ao mero contexto da classe, mas supõe um conjunto de situações,
integradas, por sua vez, em uma série de realidades externas e complexas que configuram os diferentes
sistemas organizacionais, culturais e sociais.

Descendendo à descrição analítica do “ambiente da aula”, temos que nos referir a dois eixos
fundamentais: o primeiro, definido espacial e temporalmente – situações objetivas –. O segundo refere
prioritariamente a aspectos humanos – situações subjetivas – em cuja definição estão presentes cognições,
percepções, vivências e atitudes que se produzem tanto em nível individual como grupal.

O eixo referido às “situações objetivas” compreende uma dimensão físico-espacial e outra


organizativo-normativa. Considera elementos físicos (clima, luminosidade, ventilação); materiais (espaços,
mobiliário, recursos didáticos); socioculturais (experiências, conteúdos, destrezas, processos cognitivos), e
organizativos (atividades, tempos, normas, sistema de reforços, etc.).

O eixo que refere às que chamamos “situações subjetivas” vem definido por duas dimensões: a
referida ao desenvolvimento pessoal e a que enfatiza todo o relativo ao desempenho de normas e às relações
que estabelecem os sujeitos, tanto entre os indivíduos como no seio dos grupos. O esquema que se apresenta
seguidamente sintetiza graficamente esta descrição da aula:

Dimensão físico-espacial

Dimensão Dimensão
de desenvolvimento Aula pré-escolar relacional
pessoal

Dimensão organizativo-normativa

A partir de uma perspectiva dinâmica e integradora, a vida da aula fica descrita pelo conjunto de
acontecimentos que diariamente ocorrem na classe e que se produzem como resultado da interação de
variáveis pessoais e ambientais.
Neste sentido, é particularmente interessante a formulação que faz Bandura (1978), por meio de seu
modelo de determinação recíproca em que conduta, pessoa e ambiente se determinam e implicam em uma
tripla interação. Variáveis pessoais e de conduta se modificam mutuamente: o ambiente provoca determinadas
condutas e modificações de variáveis pessoais e, por sua vez, a conduta do sujeito pode produzir mudanças
no ambiente. Consequentemente, segundo este modelo, o ambiente exerce um papel decisivo na ativação da
conduta, nas cognições do sujeito e em suas percepções acerca do próprio ambiente.

Este estabelecimento nos situa na perspectiva ecológica que caracteriza a vida da aula, em termos de
intercâmbios socioculturais, nos quais se destaca a interação sujeito/meio, a importância que têm os
significados dos próprios participantes na ação, a atenção prestada ao clima da aula e à definição de normas e
padrões de comportamento individual e grupal.
74
A AULA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

A aula fica definida como um espaço físico e psicossocial que se constrói no curso de intercâmbios
pessoais que têm lugar em situações específicas, e com especial referência a atividades e tarefas instrutivas
que favorecem o desenvolvimento pessoal.

Em suma, as aulas podem ser definidas como contextos sociais e institucionais que possibilitam,
mediante uma determinada organização, a aprendizagem dos alunos. São lugares onde professores e
estudantes trabalham, mantêm relações sociais e se ajustam a normas que possibilitam a interação didática
(Doyle, 1980).

O enfoque ecológico em que nos situamos evidencia não só a importância das variáveis de contexto
como determinantes da conduta, dos sujeitos, mas também suas virtualidades à hora de planificar a
intervenção educativa (Moos, 1976; Fernández Ballesteros, 1982).

Ao destacar a importância do ambiente, temos de ter em conta a “hipótese da docilidade”, formulada


por Lawton (1973) ao referir-se à povoação dos maiores, segundo a qual, ao ir aumentando a competência dos
indivíduos, diminui a variação dos fatores ambientais; isto é, quanto mais competente é um indivíduo, quanto
melhor se encontra, tanto menor é a importância do ambiente, pelo contrário, quanto pior se sente ou quando
mais desvalido está, tanto maior é a importância que cobram os fatores ecológicos.

Extrapolando a situação específica que deu origem à formulação, em sentido análogo pode-se afirmar
a excepcional importância do ambiente na idade pré-escolar, sobretudo considerando a imaturidade dos
sujeitos, sua grande receptibilidade às estimulações, sua vulnerabilidade ante as contingências ambientais e a
notável repercussão que têm as experiências precoces no desenvolvimento pessoal da criança.

7.2.1 Dimensão físico-espacial

A psicologia ecológica apresenta a classe como uma unidade ecocondutual ou cenário de ação. As
atividades que se realizam na aula estão condicionadas pela configuração física do cenário, pelo número e
distribuição dos estudantes, pelo tempo destinado às diferentes tarefas, pela disponibilidade e tipo de recursos,
assim como pelo modo em que o professor atua e interage com os alunos.

Ao considerar o espaço da aula, é necessário ter em conta sua contribuição na satisfação das
diferentes necessidades da criança: necessidades fisiobiológicas (dispor de um espaço higiênico, com
temperatura, dimensões e densidade adequadas; com ruídos e estimulações controladas e que não induzam à
hiperatividade); necessidades psicomotoras (permitir a liberdade de movimentos e deslocamentos, a
diversificação de atividades e atuações); necessidades psicossociais (necessidade de autonomia, possibilidade
de estabelecer relações, intercâmbios e comunicações, formação de grupos, realização de trabalho individual
e/ou cooperativo).

Na aula pré-escolar todos os elementos exercem um papel importante tanto por sua contribuição à
formação de um contexto específico de aprendizagem, como porque a própria configuração espacial se
converte, como se indicou anteriormente, em um conjunto de significados que têm uma notável influência na
formação das atitudes radicais que vai ter o homem ante a vida.

A configuração do contexto se constitui em “mensagem”, tudo adquire um sentido e significado


especial que possibilita e determina os comportamentos dos participantes. Precisamente por isto, todos os
estímulos que se oferecem e as possibilidades de opção que se presenteiem têm que estar cuidadosamente
planejadas e preparadas, nada deve deixar-se à improvisação.

O ambiente de classe, enquanto contexto de aprendizagem, oferece uma série de possibilidades e/ou
limitações para o crescimento pessoal e para o desenvolvimento de atividades instrutivas. A distribuição dos
espaços, o tipo, mobilidade e funcionalidade do mobiliário, a variedade de instrumentos de trabalho, materiais
e recursos didáticos, etc., são de grande importância e devem estar cuidadosamente projetados ainda nos
menores e insignificantes detalhes.
As pesquisas de Smith (1974), por exemplo, destacam o efeito que exerce o local e o material escolar
sobre a atividade das crianças. Chega à conclusão de que os espaços mais amplos favorecem uma maior
atividade motora. No que diz respeito aos materiais, parece que a diminuição do número de material de jogo
disponível dá lugar a mudanças substanciais na organização social da classe, na amplitude dos grupos, nos
tipos de trabalho e no aumento de condutas agressivas e comportamentos reveladores de tensão. Por outro
lado, encontra que o tipo de materiais de tamanho grande traz como consequência mais atividade motora,
mais contatos físicos, mais condutas criativas e maior quantidade de comportamentos de comunicação e
cooperação.
75
A AULA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Em outras pesquisas sobre o tamanho das classes na educação infantil, se evidencia que o tamanho
exclusivamente grande dos espaços causa alienação (Lee, 1976) e produz inibição da atividade e da
responsabilidade (Barker e Grump, 1964).

No que se refere à densidade, Yukie Nogami (1975) comprova que a convivência de grupos
numerosos em locais pequenos gera irritação e agressividade. Silverstein (1979) afirma que a densidade
acrescenta a probabilidade de que os estudantes se distraiam e prestem menor atenção às tarefas. A revisão
de Weinstein (1979) também evidencia que a densidade aparece como responsável da diminuição da atenção,
do aumento da insatisfação e da agressividade.

Apesar de todo o indicado, parece que os estudos sobre o efeito das condições materiais das aulas na
participação dos alunos nas atividades, não são claramente concludentes. Aparecem outras variáveis que têm
maior relevância no comportamento dos estudantes. Entre elas, se destaca o estilo de atuação do professor, o
tipo de autoridade que exerce e, em especial, as relações pessoais que se estabelecem tanto entre o professor
e os alunos como entre o grupo de pares.

Tudo isso evidencia que a aula pré-escolar deve ser um espaço pluridimensional que ofereça
possibilidades para o desenvolvimento das múltiplas atividades que requer o desenvolvimento da criança.
Requer a existência de espaços diversificados por atividades específicas, junto a outros de uso polivalente,
que possam adaptar-se funcionalmente, em razão do desenvolvimento de distintas tarefas acadêmicas e das
exigências concretas das distintas atividades e tempos.

As tendências atuais, em relação à dimensão físico-espacial, apontam basicamente em duas direções.

A primeira considera a aula como um espaço aberto, em que existem diversas áreas ou cantinhos
dedicados às diferentes áreas e tipos de trabalho: biblioteca, canto de linguagem, área de experimentação e
manipulação, centro de expressão plástica, cantinho lógico-matemático, área de plantas e animais, etc. Neles
se encontram os recursos específicos para a realização de tarefas e atividades relacionadas com cada área
concreta.

As aulas, frequentemente, contam com um espaço ao ar livre e distribuem seus ambientes com
separações incompletas e móveis à base de armários, biombos, tapetes, bancos, agrupamentos de mesas de
trabalho, etc. que permitem oportunamente o trabalho em uma atividade específica e a possibilidade de passar
livre e facilmente de uns espaços a outros.

A organização por espaços possibilita o trabalho individualizado ou em pequenos grupos, a


flexibilidade na dedicação a diversos tipos de tarefas e a abertura na distribuição de tempo e trabalho. Por
outro lado, faz possível que a atenção do mestre se distribua em função do processo de trabalho dos
indivíduos e dos grupos, da dificuldade das tarefas e das necessidades específicas de cada situação concreta.

Este tipo de organização exige uma distribuição variante do mobiliário que se instala nos diversos
ambientes e que permite o trabalho ou a atividade que se realize em cada momento: trabalho individual, de
duplas, de grupos ou do coletivo da classe.

Complementariamente, a aula costuma contar com outros espaços dedicados a atividades especiais
que requerem instalações especiais como podem ser as aulas de expressão dinâmica e música, os espaços
esportivos, etc. Estes espaços costumam ser de uso comum e os compartilham os alunos pertencentes a
distintas aulas e/ou níveis.

A segunda modalidade responde à organização do espaço por laboratórios. Esta alternativa, sobretudo
se excede o marco da aula, implica uma maior complexidade na programação, na distribuição de alunos e no
progresso destes na escolaridade.

Pode oferecer, inclusive, experiências nas que a aula clássica se amplia de forma notável, de modo
que as crianças podem passar de uns a outros locais para realizar atividades em diferentes laboratórios (de
ciências, de teatro, de carpintaria, de arte,etc.) que estão dotados de alguns instrumentos e materiais de
trabalho claramente diferenciados, dirigidos à criação e realização de projetos globais concretos. Estes
laboratórios costumam ser atendidos por diferentes mestres, que orientam e facilitam o trabalho dos que
recorrem a eles.

Estas distribuições supõem uma alternativa distanciada da clássica divisão de conteúdos e atividades
por áreas e se fundamentam em uma concepção do ensino baseada fundamentalmente no ativismo, no
descobrimento, na manipulação e no trabalho em equipe.
76
A AULA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Algumas fórmulas permitem, inclusive, o trabalho de alunos de diferentes idades e com ritmos de
trabalho diferentes, de forma que o progresso em determinadas atividades não passe necessária e
exclusivamente pelo término do curso acadêmico.

Estes tipos de organização exigem que cada aluno conte com planos de trabalho específicos e um
“professor orientador” que evite que a criança se disperse excessivamente e “se perca” ao realizar atividades
em diferentes locais, com diferentes professores e com ritmos próprios.

Evidentemente, as modalidades propostas não têm por que dar-se absolutamente separadas, há
fórmulas intermediárias que permitem alternar experiências, trabalhos e organização de estímulos e recursos,
em função das aprendizagens que especificamente se proponham, conjugando uma e outra alternativas de
maneira mais factível.

As experiências mais comuns, simples e acessíveis, nos referem a que a própria aula escolar conte
com alguns laboratórios especiais ou micro-ambientais em que se montem trabalhos e experiências que
potenciem o trabalho criativo, a cooperação e o trabalho em equipe. Estes laboratórios ocasionalmente podem
estar atendidos por alguma pessoa especializada que sirva de apoio ao trabalho contínuo do professor
permanente da aula. Desta forma, se facilita a orientação e o seguimento contínuo que a criança precisa nesta
etapa de seu desenvolvimento e o contato com pessoas que contam com uma especial preparação em
diferentes aspectos e atividades.

Em todo caso, a aula deve tornar possível o encontro da criança com o entorno, com seu espaço vital
mais próximo, com o mundo social e cultural. Deve proporcionar-lhe experiências vinculadas à vida cotidiana e
jogos de diferentes gêneros que a ponham em contato com situações lúdicas e fantásticas. Deve oferecer-lhe
a diversidade necessária para explorar o espaço, fazer com que experimente o prazer de inventar, de
relacionar, de criar com outros. Deve tornar possível a realização de tarefas de diversos tipos e características:
de memória, de aplicação, de compreensão, tarefas de expressão, etc.

Qualquer que seja a organização e distribuição do espaço, deve possibilitar todas as situações de
aprendizagem, ponderando especialmente a realização de tarefas e atividades de trabalho independente e
aquelas que requeiram a formação de grupos com diferente finalidade e número de componentes. Deve
potenciar a comunicação e esta não só depende de um programa de instrução bem elaborado, mas que,
sobretudo nas idades pré-escolares, está influenciada pelo ambiente ou cenário onde se desenvolvem as
condutas, de modo que as possibilidades de comunicação estão mediatizadas, pelos aspectos físicos da aula,
pela forma e distribuição do mobiliário e recursos didáticos e pelas interações que se propiciam nela.

7.2.2 Dimensão organizativo-normativa

Sintetiza-se neste âmbito o conjunto de normas de atuação e disposições de todo tipo que
sistematizam e regem o funcionamento da aula e que permitem a criação de um clima de trabalho onde se faz
possível o estudo, a aprendizagem e a convivência.

Esta dimensão se refere fundamentalmente ao sistema de manutenção versus mudança e inovação, e


abarca quatro grandes aspectos: ordem e organização; recursos e material didático; estabelecimento de
normas e sistemas de controle, de mudança e inovação.

7.2.2.1 Ordem e organização

Refere-se fundamentalmente à organização das atividades de classe, à distribuição do tempo, à


potenciação do trabalho e à manutenção da ordem. É um dos núcleos temáticos que atraem a atenção das
pesquisas atuais sobre a gestão e governo da aula.

A ordem supõe harmonia de ação, exige a consideração das estratégias que utilizam os mestres para
criar e manter cenários complexos de ação, nos quais os estudantes se comprometam, e sobra importância às
tarefas de descobrir e castigar os comportamentos não desejados. A ordem está definida pela firmeza e
duração dos programas de ação e pela promoção do compromisso de trabalho nas aulas.

Operativamente, tem uma grande importância a organização e distribuição do tempo e o trabalho


escolar. Ambos os aspectos exigem o estudo das necessidades e possibilidades da criança, em ordem da
aquisição de habilidades, do desenvolvimento de capacidades e hábitos e da aprendizagem de conteúdos
culturais vinculados às diversas áreas, idades e tipos de tarefas.
77
A AULA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Ainda que a distribuição temporal na programação de atividades normalmente faz referência a


períodos mais ou menos longos do calendário escolar – ano acadêmico, trimestres, meses, quinzenas,
semanas – por sua importância na educação pré-escolar, vamos nos centrar aqui na distribuição do tempo na
jornada escolar.

É frequente que as atividades que se propõem na aula pré-escolar alternem a realização de exercícios
individuais, os trabalhos em grupos reduzidos e algumas experiências que têm lugar no grupo mais amplo da
classe. Com tudo isso se pretende treinar a criança em diversas situações de aprendizagem, oferecendo-lhe a
possibilidade que se responsabilize por culminar um trabalho pessoal, que se acostume a cooperar com
outros, que se integre em grupos de diferente tamanho e que se acostume a prestar atenção a estimulações e
solicitações de diferente natureza.

Geralmente, a jornada escolar deve começar colocando especial atenção na acolhida pessoal para a
criança, de forma que este recebimento sirva de motivação para integrá-la nas atividades que se propõem.

Em um primeiro momento pode-se destinar um espaço de tempo a atividades e jogos educativos que
os alunos devem realizar de modo individual e escolhendo-os livremente entre um leque de atividades que
devem ser cumpridas em um determinado período de tempo, por exemplo, em uma semana. Entre as
atividades propostas podem estar as seguintes: exercícios de educação sensorial, iniciação ao cálculo e
automatismos matemáticos, exercícios de linguagem, vocabulário, trabalhos de iniciação à leitura-escrita,
exercícios de expressão plástica, desenho, modelado, recorte, trabalhos manuais, etc.

Também se deve destinar algum tempo da jornada para que a criança tenha a possibilidade de
trabalhar em pequeno grupo, para que se introduza de maneira progressiva em experiências que fomentem o
intercâmbio e a cooperação; por exemplo, jogos de dramatização de contos, simulações, conversações,
realização de murais, etc.

Igualmente deve ter-se em conta a necessidade de proporcionar experiências de trabalho com o grupo
total da classe; por exemplo, conversações e narrações em torno de unidades de aprendizagem, reflexões e
colocações em comum sobre os trabalhos realizados, apresentação, por parte do professor, de materiais e
recursos didáticos que mais tarde devem utilizar, propostas de trabalho, atividades de expressão corporal ou
musical, etc.

Finalmente, deve reservar-se algum tempo para o asseio, os hábitos de higiene, o descanso, a
brincadeira, as atividades de decoração da classe, do cuidado de plantas e animais, etc.

Ainda que na bibliografia especializada se encontra com frequência exemplos de distribuições das
atividades (Ramsey e Bayless, 1989), a título de exemplo se inclui uma proposta de trabalho para o horário da
jornada escolar de uma semana.

78
A AULA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

HORÁRIO DETALHADO (4-5 ANOS)


Hora Segunda-feira Terça-feira Quarta-feira Quinta-feira Sexta-feira
9-9:15 Chegada. Cumprimentos. Preparação para a jornada
(uniforme, asseio e material).

9:15-10 Conversação. Exercícios Conversação. Exercícios Conversação.


Vocabulário. sensoriais. Vocabulário. sensoriais Vocabulário.
Trabalho coletivo Trabalho coletivo Trabalho coletivo
sobre o tema sobre o tema sobre o tema
globalizador. globalizador. globalizador.

10-10:20 Trabalho Narração. Trabalho Narração. Trabalho


individual (fichas) Conto. individual (fichas) Conto individual (fichas)

10:20-10:45 Psicomotricidade. Desenho livre Psicomotricidade. Desenho livre Psicomotricidade.


sobre o conto. sobre o conto.

10:45-11:30 Asseio. Hábitos de higiene. Recreio, Asseio.

11:30-12 Pré-leitura. Pré- Pré-cálculo. Pré-leitura. Pré-cálculo. Pré-leitura.


escrita Pré-escrita. Pré-escrita

12-15 Asseio. Refeição. Asseio. Descanso. Recreio

15-16:10 Área de Plástica. Dramatização. Plástico. Área de


Experiências. Experiências.
(Experimentação. (Experimentação.
Explicação. Ficha Explicação. Ficha
de trabalho). de trabalho).

16:10-16:45 Educação Jogos livres no Plástica. Jogos livres no Conversação


musical. jardim. jardim. sobre o trabalho
da semana e
preparação da
seguinte.

16:45-17 Recolhida de material. Preparação para a saída.

Além da distribuição temporal, nas diferentes propostas de trabalho aparecem referências a exercícios
orientados e dirigidos pelo professor, a jogos e atividades escolhidos pelos alunos entre várias propostas e,
inclusive, se abre a possibilidade que as crianças apresentem algumas experiências para realizar livremente.
As diferentes opções de trabalho têm como finalidade o treinamento na responsabilidade ante a
execução de tarefas, a aprendizagem da distribuição do tempo e o trabalho, a execução de tarefas com
diferente grau de ambiguidade e orientação, a formação na capacidade de optar, o desenvolvimento da
inovação, a criatividade e o trabalho cooperativo.

7.2.2.2 Recursos e materiais didáticos

Junto à estrutura do espaço e à organização do tempo e ao trabalho, o tratamento dos recursos


educativos é um núcleo de grande interesse na consideração da aula escolar, que se configura como centro de
recursos, universo de estímulos para o trabalho livre e criativo, e espaço que propicia a participação, o
intercâmbio e a colaboração.

A aquisição de experiências, habilidades e hábitos que o sujeito necessita, para conseguir seu pleno
desenvolvimento, exige tanto a manipulação de diversos objetos como o emprego de recursos e materiais
didáticos que lhe facilitem a aquisição de conhecimentos e o desenvolvimento de diversos tipos de
aprendizagens.

79
A AULA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

O uso adequado dos materiais didáticos será um estímulo nas áreas manipulativa, psicomotor, na
educação sensorial, no desenvolvimento cognitivo e nas atividades e jogos que facilitam a socialização da
criança.

A criação, distribuição e emprego do material didático deve estar em função da planificação do trabalho
escolar na aula e do enriquecimento pessoal dos sujeitos. O âmbito escolar deve oferecer diversos tipos de
materiais: manipuláveis, gráficos e audiovisuais, materiais com diferente grau de abstração, etc. Deve-se
procurar vinculá-los a centros de interesse do estudante e às principais unidades de aprendizagem que se vão
apresentando.

Neste sentido, tende-se a colocar à disposição dos estudantes um conjunto de objetos e materiais
distribuídos em diferentes áreas, zonas ou laboratórios de experiências. Com isso, facilitar-se-á à criança a
transição da vida familiar à escolar, das tarefas individuais às coletivas, do uso particular dos objetos ao
compartilhado.

Ensinar-lhe-á o contato com o entorno mais próximo, junto com a aproximação a aspectos mais
distantes de sua experiência vital; far-se-á que experimente a ativa experiência da brincadeira, o exercício, e
desfrute dos sentidos, a necessidade de aceitar normas que facilitem a convivência.

O material didático estará formado tanto por objetos de uso cotidiano e familiar como por recursos
elaborados especificamente para a escola. O importante em ambos os casos é colocar o aluno em contato
com os objetos e permitir-lhe sua manipulação para que, através dela, aceda à formação de conceitos,
enriqueça seu mundo de experiências e desenvolva suas capacidades.

É de suma importância a apresentação, disposição, emprego, sistematização e sequenciação dos


diferentes recursos da aula, de modo que tudo esteja em função do processo de desenvolvimento da criança.
Isto supõe considerar que os diferentes recursos devem ser estimulantes mas não distrativos, e que devem
servir de motivação, de facilitação e ajuda na aquisição dos conhecimentos.

Neste sentido, devem aparecer e apresentar-se oportunamente, estar ao alcance das crianças só
quando convenha e, em definitivo, estar a serviço da ação educativa. Devem estar situados em áreas
claramente diferenciadas, para facilitar a referência, o uso e o acesso aos mesmos nos tempos oportunos.

É o professor o que deve selecionar, elaborar e apresentar os diferentes materiais, indicando sua
funcionalidade, a forma de utilizá-los, os momentos em que devem ser empregados, etc. O educador deve
dispor a aula de maneira que, ao longo da jornada escolar, ofereça diferentes possibilidades de utilização de
diferentes recursos: material para a educação dos sentidos, material lúdico, meios que favoreçam o
desenvolvimento da linguagem e a iniciação da leitura-escrita, o cálculo e os automatismos matemáticos,
objetos que permitam o contato com a natureza e a exploração do entorno, etc.

O professor irá conduzindo a criança, em função de seu ritmo e grau de desenvolvimento, no emprego
progressivo de material concreto, recursos icônicos e material simbólico de forma que os meios sirvam de
facilitação e apoio na aprendizagem de representações e de proposições, na formação de conceitos e na
resolução de diferentes tipos de problemas.

7.2.2.3 Estabelecimento de normas

Refere-se ao modo em que se elaboram e estabelecem as normas que regem a convivência e o


trabalho da classe, ao grau de clareza com que foram expostas, assim como à consistência da conduta do
professor em relação ao cumprimento das mesmas. Também contempla o grau de flexibilidade que rege o
trabalho, o estabelecimento de regras de comportamento, assim como o nível de exigência de seu
cumprimento.

Por outro lado, alude à tomada de decisões na aplicação das regras; aos critérios que regem a
constituição dos grupos e seu funcionamento; aos níveis de participação permitidos tanto na realização de
trabalhos como na escolha de grupos; à liberdade na realização de trabalhos, na escolha de lugares e colegas,
e na distribuição de tempos; à definição de normas e responsabilidades; ao estilo de autoridade que exerce
habitualmente o professor; ao sistema de relações estabelecido; ao clima geral em que se desenvolve a
atividade da aula e, finalmente, aos sistemas de controle e avaliação empregados na valorização das tarefas
acadêmicas.

80
A AULA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

No âmbito da aula pré-escolar, é necessário que as normas sejam claramente conhecidas pelos
estudantes, inclusive é conveniente que se exponham de maneira gráfica no painel de anúncios ou lugar
visível; que progressivamente vá se introduzindo a criança em sua elaboração, no controle de seu
cumprimento e na administração de reforços.

7.2.2.4 Sistemas de controle e de inovação


Centra-se no estudo do grau no qual o professor impõe normas e o modo como reforça seu
cumprimento. Relacionadas com o controle estão também as formas de poder exercidas para organizar a
classe e o estilo de comportamento e de liderança que normalmente emprega o professor.

Do mesmo modo se contempla neste item o estabelecimento de objetivos, a informação proporcionada


sobre eles, os tipos de trabalhos propostos, as prioridades concedidas aos diferentes tipos de tarefas, etc.

Também se faz referência ao poder concedido ao grupo de alunos que exerce um tipo distinto de
controle sobre os colegas que o estabelecido pelo professor. Os alunos tendem a obedecer algumas normas
não formais estabelecidas pelo grupo de pertinência. Estas normas podem ou não ser de acordo com as
estabelecidas na classe e com os objetivos que regem a aprendizagem.

Finalmente, se considera a possibilidade que os estudantes tenham para participar na organização de


atividades: o grau em que é estimulado o trabalho pessoal, inovador e criativo; a permissividade na introdução
de novos modos de ver as coisas; a acolhida que têm, por parte do professor, as contribuições e mudanças
introduzidas pelos estudantes; a abertura a sistemas de autocontrole e valorização do trabalho pessoal, etc.

Podem ser utilizadas diferentes estratégias para treinar a criança na distribuição do tempo e do
trabalho, assim como no exercício do próprio controle e valorização das tarefas realizadas. Pode, por exemplo,
destinar-se parte da jornada escolar à realização de um conjunto de atividades que livremente podem distribuir
ao longo da semana e das quais autocontrolarão não apenas a execução, mas o nível de desempenho. Neste
sentido, se inclui a seguir um modelo de registro e auto-avaliação do trabalho realizado em uma semana. Com
isso, se pretende que a criança tome progressivamente consciência da variável tempo e que se exercite em
sua distribuição, além de acostumar-se a valorizar seu trabalho, ajustando seu critério às normas objetivas. Ao
aluno, além de assinalar a realização da tarefa específica no dia em que as desenvolve, peça-lhe que pinte
diferenciadamente, conforme sua valorização, o nível alcançado na realização dos diferentes exercícios.

Dia: Atividades: Nome:.........................

Muito bem Bem Regular Deficiente

7.2.3 Dimensão de desenvolvimento pessoal

7.2.3.1 Processo de socialização


A educação pré-escolar exerce um papel privilegiado no desenvolvimento pessoal, já que, junto com a
família, proporciona à criança o contexto que contribui em maior medida a sua socialização.
A socialização se concebe como “um processo por cujo meio a pessoa humana aprende e interioriza,
no transcurso de sua vida, os elementos socioculturais de seu meio ambiente, os integra na estrutura de sua
personalidade, sob a influência de experiências e de agentes sociais significativos, e se adapta assim ao
entorno social em cujo seio deve viver” (Rocher, 1985, 133).

81
A AULA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

O ambiente da aula oferece à criança um conjunto de experiências através das quais adquire
conhecimentos e habilidades que a conduzem a atuar com eficácia no meio social; lhe proporciona uma rede
de relações que a introduzem no seio de diferentes grupos, e lhe facilita a assimilação e interiorização de uma
série de comportamentos e valores que lhe permitem integrar-se positivamente como membro ativo da
sociedade.

Além disso, ao longo do processo de socialização se produz o processo de moralização, como


resultado da progressiva acomodação da conduta da criança às pautas externas e convencionais dos
diferentes grupos dos quais faz parte, especialmente de seu próprio grupo de referência (Alliprandi, 1984;
Oser, 1986).

De qualquer maneira, na educação moral exercem papel decisivo as experiências precoces na vida da
criança, e estas se produzem em grande parte associadas ao contexto escolar, é necessário ter muito em
conta este aspecto na planificação da intervenção educativa, sobretudo no nível pré-escolar. A este respeito é
necessário:

- Proporcionar modelos de conduta unívocos, concordantes e não contraditórios com o sistema de


valores e normas que rege na sociedade em que a criança deve integrar-se.

- Favorecer a reflexão do sujeito, a clareza do sentido das normas e valores, a formação e o


afiançamento do próprio sistema de valores e a internalização das normas.

- Ajudar a superar o egocentrismo e a auto-referência para julgar fatos e pessoas, superando os


esquemas bom/mau e incluindo a consideração das situações particulares.

- Proporcionar experiências para que o sujeito tenha que emitir conceitos sobre acontecimentos e
ações, utilize coerentemente a aprovação/desaprovação, respeite as opiniões e conceitos de
outros, dê sentido aos próprios atos e adote responsabilidades.

- Potenciar a capacidade de tomar decisões pessoais e, na medida do possível, livres.

De qualquer maneira, ao longo do capítulo se incluem diversos itens que fazem referência ao processo
de socialização, e que este é um tema que requer um tratamento específico (veja, por exemplo, Vega, 1989),
nos limitaremos aqui a destacar sua importância e passaremos à consideração mais específica de outras
dimensões: a referida à orientação, facilitação e ajuda nas tarefas de aprendizagem e a que alude a aspectos
motivacionais.

7.2.3.2 Orientação e facilitação da tarefa

Referimo-nos, em primeiro lugar, aos princípios que servem de fundamento para a estruturação dos
processos de aprendizagem e às prescrições metódicas que devem reger a intervenção educativa na aula pré-
escolar para favorecer o desenvolvimento da criança.

Partimos do suposto que o ensino consiste na criação de um ambiente no qual possam surgir e
enriquecer-se as estruturas cognitivas; que possibilite a exploração de alternativas para a solução de
problemas; que favoreça o “comportamento de busca” e a “curiosidade intelectual”. Seu objetivo é proporcionar
experiências de aprendizagem que convidem o aluno a realizar e implicar-se em determinadas atividades e
operações que o levem a obter novas respostas ante as estimulações do meio, e em definitivo, a incorporar a
sua estrutura cognitiva materiais lógica e psicologicamente significativos.

Capítulo à parte merece a atenção ao desenvolvimento da linguagem que é um dos elementos


principais do desenvolvimento intelectual, o qual “entranha uma crescente capacidade para explicar-se e
explicar aos demais, mediante palavras ou símbolos, o que um fez ou vai fazer” (Bruner, 1972). A linguagem
acaba por ser, não apenas um meio de intercâmbio, mas o instrumento que utiliza o que aprende para colocar
em ordem o meio.

De outro lado, se deve ter em conta que o processo de instrução, particularmente nestes primeiros
passos, é essencialmente social e, por conseguinte, exige que se propiciem as destrezas sociais necessárias
para participar no processo educativo.

82
A AULA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Também se deve considerar que a capacidade da criança para controlar seu próprio comportamento
surge antes de tudo no jogo coletivo, e apenas depois se desenvolve, como força interna, o controle voluntário
do comportamento. Finalmente, deve ter em conta que as condutas cooperativas favorecem o
desenvolvimento do sentido moral da criança.

Como consequência destas premissas, a intervenção educativa deve atender os seguintes aspectos:

- Garantir a aquisição das aprendizagens básicas que ajudem a criança a desenvolver-se com
autonomia e lhe permitam compreender e explicar, com crescente complexidade, o mundo que a
rodeia.

- Projetar experiências de aprendizagem que facilitem os conhecimentos próprios e específicos do


momento educativo em que se encontra o sujeito.

- Favorecer o desenvolvimento intelectual, propondo experiências sucessivas de representação


manipulativa, icônica e simbólica.

- Considerar a capacidade potencial de aprendizagem dos sujeitos, sem exceder sua capacidade de
assimilação e favorecendo as experiências que potenciem a predisposição para aprender.

- Atender à estruturação ótima dos conhecimentos, isto é, de como devem ser sistematizados e
apresentados para que sejam compreendidos pelo aluno do modo mais rápido e eficaz. Isso supõe
a simplificação da informação, relacionando-a com o nível e dotes do aprendiz.

- Atender à sequência, isto é, a ordem mais efetiva para apresentar os materiais que devem ser
aprendidos.

- Potenciar os diversos modos de expressão, favorecendo o exercício das diversas linguagens como
meios de expressão do mundo interior da criança.

- Ter em conta a natureza e ritmo das recompensas no processo de aprendizagem. Considerar-se-á


não apenas a graduação no fornecimento de reforços, mas também o andamento de recompensas
de imediatas a diferidas e de extrínsecas a intrínsecas.

- Motivar para o desejo de saber, de aprender e solucionar situações problemáticas.

- Oferecer um ambiente de trabalho relaxado que evite as situações de ansiedade e frustração.

- Favorecer a implicação no trabalho, ou seja, os comportamentos de atenção, atividade e


participação na tarefa.

- Potenciar a satisfação no trabalho, a aceitação das atividades, o gosto pelas tarefas, o interesse e
a sensação de utilidade.

- Estimular os jogos e atividades coletivas para favorecer e potenciar a comunicação entre os


mesmos.

Como complemento ao indicado, é necessário ter em conta a atenção que presta o professor aos
alunos, o emprego de estratégias de orientação no trabalho que propiciam a implicação do aluno e facilitam o
passo gradual de atividades muito estruturadas e dirigidas a outras, nas quais se dá maior liberdade na
execução. Também se deve atender aos recursos utilizados pelo professor para conseguir um clima
estimulante, de participação ativa, de desenvolvimento da autonomia pessoal, e no qual a criança consiga
sucessivos êxitos no trabalho.

Finalmente, deve referir-se às transações sociodidáticas que oferecem liberdade para que o aluno seja
auto-suficiente, tenha amplas margens de ação e independência na aprendizagem e seja capaz de utilizar
meios de autocontrole e valorização pessoal.

83
A AULA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

7.2.3.3 Aspectos motivacionais

Referimo-nos, aqui, tanto às estimulações procedentes do ambiente como as vinculadas às atuações


das pessoas – professor e colegas – que potenciem a autodeterminação, o desejo de desenvolvimento pessoal
e a auto-realização. Umas e outras determinam a existência de um clima estimulante que proporcione
segurança, contribua ao êxito e potencie o desenvolvimento da auto-estima.

Entre as variáveis motivacionais merece especial consideração a motivação do êxito, isto é, a atitude
que tem o sujeito ante situações e comportamentos que podem conduzi-lo ao êxito e/ou fracasso. Basicamente
se dão duas posições encontradas: a de orientação ao êxito e a de evitação do fracasso. Uma e outra
tendências da personalidade se configuram a partir das experiências que têm os sujeitos ao longo de sua vida
e, especialmente, das tidas nas idades mais precoces.

Na aula, os alunos motivados para o êxito percebem como positivas as tarefas que oferecem maiores
desafios e, como consequência, terão uma notável dedicação a elas, independentemente de sua dificuldade e
do esforço que exija sua superação. Pelo contrário, os estudantes motivados pela necessidade de evitar o
fracasso optam por trabalhos fáceis ou com pouco grau de dificuldade, tendem a não esforçar-se muito e
renunciam à realização de tarefas que não oferecem solução exequível à primeira vista.

Na aquisição de tendências motivacionais, têm uma notável importância as expectativas que o


professor tem sobre a criança e o clima de estimulação que se respira na aula.

Diversos estudos (Colin Rogers, 1982) demonstraram que as expectativas dos professores sobre a
forma de comportarem-se os alunos, determinam precisamente as condutas esperadas. Parece que tem lugar
o seguinte processo: em primeiro lugar, os professores começam por formular expectativas sobre a forma em
que os alunos se comportarão em classe, logo os tratam de modo diferente, em função dos conceitos
elaborados sobre eles e, finalmente, os estudantes respondem também de forma diferente, de maneira que se
ajustam às expectativas formuladas pelos professores.

Se o professor espera que o aluno consiga bons resultados, é possível que se outorgue maior estímulo
ou mais tempo para responder a uma pergunta. Aqueles, a quem se concedem maiores possibilidades,
proporcionam as respostas corretas com maior frequência. Se estes tratamentos diferentes prosseguem ao
longo do tempo, os alunos a quem se deu melhor trato se consolidarão nos melhores resultados.

Complementariamente, parece que também a informação, as estratégias de instrução, o tipo de tarefas


pedidas, as decisões tomadas com respeito à constituição dos grupos e os reforços proporcionados, diferem
em função das expectativas. Neste sentido, Rist (1970) narra o caso de uma professora da pré-escola que ao
fim de alguns dias do começo do ano, e baseando-se em suas suposições com respeito à capacidade das
crianças, as destinou a três mesas diferentes: a mesa em que colocou os “de capacidade inferior” era a mais
distante da professora, por isso que era difícil para as crianças ouvi-la e recebiam uma menor atenção por
parte dela. Estas crianças tinham razões para crer que a professora esperava menos deles e, por sua vez, isto
provocou que eles esperavam menos de si mesmos e, finalmente, manifestaram comportamentos “menos
inteligentes”.

Os alunos de quem se espera mais êxitos tendem também a ser mais interrogados, a contar com
maiores possibilidades de responder, a que as perguntas que lhes façam sejam mais difíceis que as dirigidas a
alunos de quem se esperam escassos resultados e, finalmente, a obter maior atenção, apoio e reforço por
parte do professor.

No âmbito da classe pré-escolar, se torna particularmente necessário que o professor ponha especial
atenção ante a possibilidade de formar expectativas sobre os alunos e a ter comportamentos diferenciados em
função delas, fato que pode ter consequências imprevisíveis na formação da personalidade da criança.

Por outro lado, é conveniente que proponha aos alunos exercícios com crescente grau de dificuldade,
fazendo a criança experimentar suas possibilidades de obter êxito e de superar tarefas, motivando-a para a
consecução de novos êxitos. No momento evolutivo adequado, situado por diferentes pesquisadores ao redor
dos seis a sete anos, fará o estudante vivenciar a conexão entre esforço e rendimento, entre trabalho mantido
e resultados positivos na aprendizagem. Deste modo, ajudará a criança a atribuir seus êxitos a causas internas
e controláveis, que tenha um alto nível de expectativas sobre sua possibilidade de controlar os resultados de
seus comportamentos e, consequentemente, vá formando um conceito positivo de si mesmo e das próprias
capacidades.

84
A AULA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

7.2.4 Dimensão relacional

Esta dimensão está especialmente vinculada com as características psicológicas do ambiente da aula,
isto é, com o clima social em que se desenvolve o trabalho e as relações pessoais.

Este núcleo enfatiza a consideração da aula como cenário social complexo no qual tem lugar uma
série de intercâmbios e comunicações que contribui à configuração das pessoas que participam neles.

Isto implica a concepção ativa do indivíduo frente ao ambiente: as pessoas interagem baseando-se nos
significados que para elas têm os acontecimentos e as coisas. Tais significados têm sua origem na interação
social que se dá entre as pessoas (Blumer,1982).

Esta dimensão tem uma grande importância no estabelecimento do clima da aula e,


consequentemente, no trabalho que se realiza nela (Fraser, 1986). Dentro dela cabe considerar, por um lado,
as relações estabelecidas com o grupo de crianças e, por outro, as vinculadas ao mundo dos adultos,
especialmente às pessoas mais significativas para a criança e, mais concretamente, ao professor.

7.2.4.1 Relações entre o grupo de colegas

As relações com os colegas desempenham um papel muito importante no desenvolvimento da


personalidade, contribuindo de maneira excepcional à aquisição de competências sociais e favorecendo o
processo de adaptação social. Esta adaptação social se facilita tanto pelas interações entre crianças da
mesma idade como pelas existentes entre as de idades diferentes; tais experiências proporcionam uma maior
variedade de situações de intercâmbio, como buscar e prestar ajuda, ser ativo ou passivo, atacar ou controlar a
agressividade, tomar a iniciativa ou deixar-se conduzir, etc.

Os trabalhos realizados sobre este tema evidenciam a notável repercussão que têm as relações entre
iguais em diversos aspectos do desenvolvimento pessoal: na capacidade e modo de enfrentar situações
problemáticas, no desempenho de funções, o desenvolvimento de condutas cooperativas, a
expressão/controle da agressividade, a realização de tarefas e jogos compartilhados, o estabelecimento de
prêmios e castigos e, em geral na formação do autoconceito e da auto-estima.

Capítulo à parte merece o estabelecimento de relações de amizade que está amplamente


desenvolvido em diversos trabalhos entre os quais alguns se referem especificamente aos níveis pré-escolares
(Hartup, 1978; Gottman e Parkhurst, 1980; Strayer, 1980 e Furman, 1982).

Johnson e Johnson (1983) destacam vários aspectos que evidenciam a relevância das relações entre
iguais e que, por seu interesse, sintetizamos seguidamente:

1. As relações entre iguais são mais frequentes, variadas e intensas que as que se estabelecem com
os adultos.

2. A criança em interação com os colegas aprende informações, conhecimentos, atitudes e valores


que dificilmente consegue no trato com o adulto. Os iguais dão modelos e sistemas de reforços
diferentes dos que apresentam os adultos tanto em condutas “pró-sociais” como em
comportamentos “anti-sociais”.

3. As crianças em contato com os de idade parecida aprendem a perceber as situações a partir “da
perspectiva do outro” que é uma importante competência para o desenvolvimento cognitivo e
social.

4. Nas relações com os iguais se percebem mais facilmente as semelhanças e diferenças que
existem entre os sujeitos, aspecto que é decisivo para a formação da identidade pessoal.

5. O contato com os colegas exerce uma poderosa ajuda no êxito e rendimento acadêmico e na
formação das expectativas.

Em geral, nas relações entre o grupo de pares é interessante destacar três dimensões fundamentais:

Relações afetivas estabelecidas. Aludem ao conjunto de variáveis vinculadas com as relações que se
dão entre os colegas e que fazem com que a vida escolar se desenvolva em um clima de segurança, não
ameaçante, com ausência de atritos e graves conflitos interpessoais.
85
A AULA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

A coesão. Isto é, o grau em que os estudantes se conhecem, se compreendem, são amigos entre si e
são pouco competitivos no trabalho.

A afiliação. Trata do nível de companheirismo que se dá entre os estudantes, o apoio proporcionado


pelos grupos de trabalho e pelos companheiros para promover o desenvolvimento de destrezas, assim como o
grau de participação e de existência de condutas cooperativas. Refere-se também à existência de sentimentos
positivos de acolhida e de pertinência a um grupo.

A classe pré-escolar é um lugar que, por suas especiais características, se converte em ambiente
privilegiado para favorecer as relações entre companheiros; a possibilidade de fazer coincidir crianças de
diferentes idades; as atividades lúdicas que ocupam grande parte da jornada escolar; o emprego de locais,
materiais e recursos compartilhados; a natureza e variedade dos exercícios (atividades manipulativas,
psicomotoras, as dramatizações, a realização de trabalhos em equipe); o emprego de responsabilidades
comuns que afetam a vida da aula, etc. Todo este universo de variáveis configura um espaço especialmente
propício para que o professor proponha uma série de exercícios e estimulações encaminhadas
especificamente a potenciar as relações entre o grupo de iguais.

7.2.4.2 Relações com os adultos

As relações pessoais com os adultos são também um importante aspecto a considerar, já que exercem
um poderoso influxo no desenvolvimento da personalidade infantil. O modo de exercer a autoridade no seio da
família tem seu reflexo e reprodução em como se organiza a relação humana do professor e dos alunos no
espaço escolar.

Sabe-se que as relações de autoridade têm uma alta repercussão no crescimento pessoal da criança,
até o ponto em que alguns autores afirmam que os diversos sistemas de autoridade determinam sistemas
conceituais diferentes, isto é, formas e níveis específicos de ser e de pensar.

A interação adulto-criança pode sintetizar-se em três direções: permissividade-domínio, aceitação-


rechaço e superproteção-autonomia. Pais e mestres, com seus reforços positivos e negativos, vão
configurando o comportamento da criança em torno das três dimensões apontadas. Os diferentes modelos de
exercer a autoridade determinam níveis de conduta diferenciados que têm grande repercussão no
desenvolvimento infantil e no comportamento habitual dos sujeitos.

As pesquisas de Harvey e colaboradores (1961), por exemplo, evidenciaram que uma relação
autoritária estável, com sistema de reforços igualmente estáveis, conforma personalidades adaptadas,
equilibradas e sem conflitos, ainda que com pouco desenvolvimento de comportamentos imaginativos e
criadores. Os sistemas arbitrários de exercer a autoridade, geram, pelo contrário, personalidades rebeldes com
tendências a destacar os aspectos negativos dos outros e de si próprios.

Parece que, em geral, o modelo democrático é o mais adequado para o desenvolvimento de uma
personalidade autônoma, relativamente coerente, com um nível de auto-realização elevado e capacidade para
realizar processos de adaptação às novas situações com que o indivíduo tenha que enfrentar-se.

Pinillos (1979) apresenta o sistema de superproteção como propensão a manter uma permanente
hetero-dependência que impede o sujeito a ser ele próprio e resolver por sua conta os problemas e conflitos.
Destaca, a partir do pólo oposto, o sistema de autoridade democrático, orientado a premiar e reforçar a
autonomia pessoal e a aceitação dos riscos inevitáveis da vida. Este estilo educativo permite, segundo o autor,
uma adaptação construtiva a uma sociedade mutante.

Os sistemas de reforços empregados com as crianças, tanto na família como na escola, contribuem
para criar e consolidar a personalidade dos sujeitos, as atitudes e as predisposições a responder ante
situações e pessoas. Mas além disso, contribuem também a formar a imagem de si próprio que a criança vai
ter em etapas posteriores de sua vida.

Os estímulos educativos devem potenciar a criação de uma imagem de si em virtude do que a criança
premie e se castigue interiormente. O melhor sistema de reforços é o que o próprio indivíduo leva dentro de si,
o que interiorizou em termos de imagens de si mesmo e de consciência moral.

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A AULA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Estes são os elementos que regulam desde dentro da vida psicológica da pessoa e que vão se
configurando e consolidando nos primeiros anos da existência, em contato com os diversos modelos de
comportamento e estilos de atuação. A criança, sobretudo nestas primeiras etapas de sua vida, tem
necessidade de pautas coerentes, positivas e estáveis que reclamam a atuação complementária e coerente
das pessoas que compartilham os diversos contextos em que discorrem sua vida.

Como síntese de todo o indicado nos trechos anteriores, o ambiente da aula, tanto pelo que se refere à
dimensão espacial como à organizativa e relacional, deve proporcionar à criança as condições para que
desenvolva sua própria singularidade pessoal “salientando o risco existente de uma educação coletiva que,
olhando ao conjunto ou ao grupo, despersonaliza o saber e o trabalhar convertendo o estudante em uma mera
parte de um todo ou talvez em um puro elemento numérico”. Mas também deve favorecer a autonomia pessoal
e a formação na liberdade. “A autonomia confere uma peculiar dignidade segundo a qual o homem se sente
sujeito, isto é, realidade diferente e superior ao mundo de puros objetos que o rodeia (...) A máxima expressão
da autonomia, à qual justamente faz referência sua significação etimológica, é a capacidade de governo de si
próprio, a posição e o uso efetivo da liberdade”.

Finalmente, deve possibilitar a preparação do “homem para as relações de colaboração na vida


econômica, na vida política, na vida social e especialmente no mundo do trabalho, as relações familiares, as
relações de amizade e as relações que constituem a vida religiosa” (García Hoz, ob.)

7.3 O PROFESSOR E A GESTÃO DA AULA

Como ponto de partida que resume as incumbências que deve encobrir o professor na gestão
da aula, se apresenta o seguinte modelo que, partindo da potenciação do desenvolvimento pessoal dos
sujeitos, se refere às diferentes funções que deve cobrir o mestre na regência da aula.

Potenciar o desenvolvimento
pessoal dos sujeitos

Estruturar Propor
e organizar e desenvolver
o espaço planos de ação

A GESTÃO
DA AULA

Potenciar Estabelecer
as relações clima
pessoais de trabalho

As pesquisas sobre o management se orientam atualmente para questões relacionadas com o


estabelecimento da ordem no complexo cenário da aula. Isso supõe a busca dos processos de direção da
classe que operam através das diversas atividades ou situações, tanto individuais como grupais. Do mesmo
modo se consideram, em relação à estrutura e complexidade da ordem, as ações do professor que conduzem
à criação e adequação do espaço, à organização do tempo das lições e tarefas e a seu sistema de reagir ante
os comportamentos do grupo e dos indivíduos. A definição de estratégias concretas pensamos que é um
trabalho que deve abordar cada professor, em função das situações específicas. Não obstante, podem ser
consultadas algumas relações (Martínez Sánchez, 1989).

A ordem, como produto da função da regência, se centra na criação e manutenção de um cenário


social adequado para que se desenvolvam os processos de ensino-aprendizagem mais que em dar resposta
às condutas individuais dos alunos, maximizando o compromisso individual, ou em descobrir e penalizar os
comportamentos não desejados, pondo remédio à desordem.

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A AULA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

A tarefa de regência do professor consiste fundamentalmente no estabelecimento e manutenção de


sistemas de trabalho para os grupos de classe. A ordem, pois, virá definida pela solidez e duração dos
programas de ação que realizam conjuntamente o professor e os estudantes, isto é, faz referência a como se
cumpre com o trabalho no cenário da aula.

Esta ênfase nos programas de ação implica a consideração das classes como sistemas sociais
dinâmicos e, por conseguinte, a ordem não tem uma condição estática, senão supõe uma harmonia de ação
intencional e estruturada que tem lugar em complexos cenários sociais.

As normas, os procedimentos, as rotinas, as censuras, as motivações, tudo tem um papel na


manutenção da ordem, mas só servem de suplemento a que os professores fazem para especificar e
orquestrar programas de ação.

De outro lado, é interessante assinalar que a ordem da classe se consegue pela cooperação do
professor e dos estudantes. É óbvio que os professores exercem um papel chave na iniciação e manutenção
das atividades escolares; entretanto, os estudantes contribuem essencialmente na manutenção da qualidade
de ordem que prevalece na classe. Isto supõe admitir que a ordem se consegue ”com os estudantes”, e
depende de sua vontade de continuar os programas de ação propostos.

Nas aulas em que os alunos estão propensos a cooperar e são capazes de realizar o trabalho, e o
professor está capacitado para estabelecer e impulsionar programas de ação, se consegue a ordem. Pelo
contrário, nas situações em que o professor carece de habilidades para dirigir o programa de ação ou os
estudantes não cooperam em seu desenvolvimento, se produzem conflitos de ordem.

Os programas de ação se definem pelas normas para a participação social, pelas demandas do
trabalho escolar, pelas exigências dos conteúdos das diferentes áreas e níveis educativos concretos.
Evidentemente, o uso das atividades da aula: explicações, realização de exercícios, leituras, perguntas sobre
as lições, etc., são estratégias que ajudam a manutenção da ordem. Mas a chave do êxito do professor na aula
está em sua compreensão dos acontecimentos que realmente ocorrem e em sua capacidade para tomar
decisões com a informação recebida.

Por conseguinte, uma direção efetiva não se esgota no fato de dar normas e definir objetivos de
comportamento, senão deve incluir a percepção, compreensão e interpretação da realidade com base na qual
tomar decisões de atuação, tendo em conta as características das situações concretas.

A regência da aula, isto é, o estabelecimento da ordem, é uma função complexa porque deve exercer-
se tendo em conta o amplo leque de circunstâncias que afetam a natureza da aula, a urgência das
intervenções e as consequências que as decisões tomadas comportam para as pessoas concretas.

Em síntese, a gestão da aula, e muito especialmente da aula pré-escolar, supõe um equilíbrio de


forças e processos que implicam uma permanente tensão na vida da classe, a qual deve estar abordando
permanentemente.

88
A IMAGINAÇÃO SIMBÓLICA, O JOGO E O BRINQUEDO

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A IMAGINAÇÃO SIMBÓLICA, O JOGO
E O BRINQUEDO

María Asunción Prieto García-Tuñón

8.1 Dificuldades na definição da atividade lúdica.


8.2 Notas que distinguem especificamente a atividade lúdica.
8.3 Características do jogo em sua tipologia fundamental.
8.3.1 O âmbito do jogo de exercício.
8.3.2 O âmbito do jogo simbólico.
8.3.3 O âmbito do jogo regrado.
8.4 Possibilidades educativas do jogo simbólico no desenvolvimento da personalidade integral da
criança.
8.4.1 O jogo simbólico e o desenvolvimento intelectual.
8.4.2 O jogo simbólico e a vida social.
8.4.3 O jogo simbólico e o desenvolvimento afetivo.
8.5 O jogo simbólico e outras aprendizagens na vida da criança.
8.5.1 O jogo simbólico e o desenvolvimento psicomotor.
8.5.2 O jogo simbólico e o desenvolvimento lingüístico.
8.5.3 O jogo simbólico e o desenvolvimento do pensamento lógico- matemático.
8.5.4 O jogo simbólico, promotor de âmbitos de criatividade e de liberdade.
8.6 Fatores condicionantes e possibilitantes de um ambiente lúdico.
8.7 O brinquedo como instrumento educativo.
8.7.1 Virtualidade educadora do brinquedo.
8.7.2 Considerações práticas sobre a validade do brinquedo e das utilidades lúdicas.

8.1 DIFICULDADES NA DEFINIÇÃO DA ATIVIDADE LÚDICA

A atividade lúdica nos é apresentada como uma realidade discutível ao estabelecer suas causas ou
tentar uma definição, devido, talvez, a que os fatos ou fenômenos mais relevantes reservem sempre um fundo
de mistério. Como contraponto, nos mostra, ao mesmo tempo, aberta à observação, pesquisa e estudo, em
seus diversos âmbitos e matizes. Talento inesgotável para os estudiosos desta prodigiosa atividade.

Se o jogo é estudado com referência à criança, seu enfoque se torna mais peculiar e atinge dimensões
mais profundas que o que tem lugar na realização do adulto. Assim, Arnulf Russel não considera suficiente a
definição mais generalizada de jogo, “como atividade geradora de prazer, que não se realiza como uma
finalidade exterior a ela, senão por si mesma”. Em razão de que o trabalho, em ocasiões, comporta prazer
também e, “porque os jogos, nas crianças, são de utilidade para o desenvolvimento de suas aptidões, para o
fortalecimento da força corporal e mental. Utilidades necessárias, pois, para estas finalidades” (Russel, 1970,
13).

Trata-se de uma denominação referida a um grande número de atividades, complexas e diversas, de


modo que só é possível unificá-las por certas analogias advertidas entre elas. Neste sentido, o jogo é um termo
análogo e, como tal, não pode propriamente definir-se. Inclusive, não é fácil identificar qual seja, entre todas as
atividades lúdicas, a principal e mais propriamente tal; o primeiro “homologado”: Seria o diálogo entre a menina
e a boneca?; são os jogos de habilidade e destreza?; são determinadas atividades artísticas?; é a psicoterapia,
como superposição de duas áreas de jogo, a do psicoterapeuta e a do paciente? Daí, os diferentes enfoques
desta essencial e dificilmente apreensível realidade. Erikson, quem considera o jogo como adjunto à primeira
educação (primordial disposição de “aprender a aprender”), expressa: “o que constitui ou limita a ritualização
lúdica no homem é tão difícil de definir como o próprio jogo; pode ser que os fenômenos como a disposição ao
jogo ou ao estar vivo se definam pelo próprio fato de que não podem definir-se totalmente” (Erikson, 1982,
127). E, Hagland, dizia: “a compreensão do átomo é um jogo de crianças em comparação com o jogo infantil”
(Hagland, 1984).

89
A IMAGINAÇÃO SIMBÓLICA, O JOGO E O BRINQUEDO

8.2 NOTAS QUE DISTINGUEM ESPECIFICAMENTE A ATIVIDADE LÚDICA

Se definir o jogo é uma pretensão arriscada, não ilude assinalar uma série de notas que ajudem a
caracterizá-lo, aspectos nos quais coincidem a maioria dos estudiosos desta prodigiosa atividade. Notas tais
como: “o jogo é uma atividade livre” (não imposta), “que tem a finalidade em si própria” e “que leva implícita a
idéia de ser de modo diferente que na vida corrente”. Ainda assim, convém fazer matizações, porque se o jogo
não persegue um fim utilitário, não significa que, por si mesmo, careça de finalidade, em virtude de sua própria
consistência; se a criança vive alheia a qualquer finalidade, imersa no brincar, o que comporta o máximo gozo
é sua realização. Groos estima que todas as virtualidades existentes na criança cobram existência ativa em
seu uso, onde o jogo tem um papel fundamental; “para a criança – diz –, o crescimento é análogo à história da
Bela Adormecida”, em que o jogo desempenha o papel de Príncipe. Existe um corpo virtual, mas sua
existência ativa depende de seu uso e seu uso está predeterminado pelo instinto de jogo” (Gross, 1902).

Chateau e Piaget compartilham a tese de Schiller, enquanto que o jogo, em sua estrutura simbólica,
marca o andamento do pensamento animal à representação intelectual; projeto de vida que se esboça de
antemão. Assim, o jogo prevê e provê utilidades futuras. Entretanto, esta previsão, marcada pela natureza, não
faz decair o desinteresse do jogo, que se identifica com um interesse criador, condição fundamental da
atividade lúdica. O jogo contém, em si mesmo, como característica fundamental, uma constelação de
atividades de criação incessante, estruturalmente travadas, nas quais cada uma delas se vincula às demais em
um processo de engrenagem e potenciação mútua, em uma unidade dotada de sentido e finalidade em si
mesma.

A contemplação sinótica que do jogo fazem distintos pensadores e observadores, nos permite
considerar no termo “jogo” uma categoria genérica de comportamentos diversos. Para alguns, a estrutura
radical da ação lúdica constitui uma das atividades humanas mais relevantes, livre e envolvente do mesmo
sujeito que a impulsiona, capaz de criar, sob determinadas normas, e dentro de um espaço temporal preciso,
novos âmbitos de possibilidades de ação e interação da criança com seu ambiente. Atividades das quais
dimanam finalidades imediatas, imersas ou constitutivas da própria trama do jogo, tais como:

- permitir a criança exteriorizar suas vivências e pensamentos,

- facilitar-lhe a expressão e comunicação com os outros,

- ser um meio privilegiado de exploração e descobrimento,

- facilitar a descarga de sentimentos e emoções,

- estimular sua criatividade e satisfazer sua fantasia,

- promover um ajuste harmônico, desde a própria infância, entre o mundo interior e a realidade
externa,

- estimular a aquisição de novas respostas,

- outorgar consistência a seu próprio eu, à necessidade de fazer por si mesmo o mundo e fazê-lo à
sua medida...

Se o jogo é a “base existencial da infância” (Russel), implica , em si, como iremos vendo, um processo
educativo ininterrupto, “porque a atividade existente no jogo tem sempre características formativas, e o
formativo está sempre no jogo, de um modo especial, peculiar” (Russel, 1970).

8.3 CARACTERÍSTICAS DO JOGO EM SUA TIPOLOGIA FUNDAMENTAL

Deixando de fora numerosas classificações de jogo, mais profixas para nossa tentativa que
esclarecedoras, ao fazer critérios diferentes de classificação, referiremos, unicamente, aos três grandes tipos
de jogos, descritos por Jean Piaget:

- jogos de exercício (até os 18 meses-2 anos, aproximadamente).

- jogos simbólicos (dos 2 até os 7-8 anos, aproximadamente).

- jogos de regra (dos 7-8 anos em diante).


90
A IMAGINAÇÃO SIMBÓLICA, O JOGO E O BRINQUEDO

Classificações, já clássicas, não diferem muito da de Piaget e seguem, igualmente, o ritmo evolutivo da
criança.

Assim, Wallon, refere-se a: os jogos funcionais, de ficção, de aquisição e de fabricação; Chateau, aos
jogos funcionais, simbólicos, de proeza e sociais; Ch. Buhler, aos jogos funcionais, de ficção ou ilusão, de
construção e coletivos.

Na classificação de Piaget, cada tipo de jogo tem um círculo mais amplo, o que permite incluir
modalidades de jogo próximas, mas diferenciadas, em outros autores.

O jogo do exercício corresponde ao “jogo funcional”; os jogos simbólicos, aos de “ficção” ou “ilusão”,
em outros casos, aos “jogos dramáticos”. Enquanto os “jogos construtivos”, de grande importância, Piaget os
enfoca na transição entre o jogo simbólico e o de regra. Considero que se as construções se orientam a fazer
“como se”, como uma torre ou uma casinha que a criança interiorizou e, livremente, reproduz depois, se trata
de um jogo simbólico. Se na construção segue um modelo estrito ou algumas normas dadas, ficaria no âmbito
de uma construção regrada.

Quanto aos “jogos coletivos”, não se produzem em um estado rigoroso e em um estrito tipo de jogo, já
que aparece em um período mais evolutivo do jogo simbólico; as crianças começam a repartir papéis, que
voluntariamente respeitam, porque, se não for assim, sabem que o jogo se rompe, de modo que passam do
jogo egocêntrico a estabelecimentos de relação e, em seu caso, de reciprocidade. Sendo, por outro lado, o
jogo um estímulo fundamental para estabelecer relações com os outros (simbolismo coletivo).

A classificação em jogos de exercício, simbólico e de regra, tem a vantagem de que se produz a linha
da evolução dos esquemas de desenvolvimento intelectual, sempre com referência à vida afetiva e social da
criança.

8.3.1 O âmbito do jogo de exercício

Se no título deste trabalho aludimos à imaginação simbólica, é que vamos nos referir, muito
particularmente, ao jogo simbólico, que marca, por outro lado, o apogeu do jogo infantil.

Entretanto, não podemos nos esquecer do jogo de exercício ou funcional. Em primeiro lugar, porque
não é possível estabelecer cortes no processo de desenvolvimento da criança, já que, além disso, os êxitos
conseguidos em uma etapa de sua evolução vão se projetar em etapas posteriores e, o jogo, sabendo
interpretá-lo, se mostra como excepcional indicador.

No jogo de exercício não existe dualidade entre jogo e vida habitual, nota que antes atribuíamos ao
jogo. A criança não pode fazer, ainda, “como se”; está ligado ao espaço e tempo imediatos e se conduz pelo
prazer funcional de ser causa de seus movimentos. Para Huizinga e Schiller (Schiller, 1941), que vêem no jogo
a raiz da vida cultural e superior do homem, este tipo de atividade fica relegado de seus interesses. Gutton,
marca nos dois anos a fronteira entre atividades pré-lúdicas e lúdicas. Não obstante, continuaremos
denominando esta atividade prazerosa da criança, jogo de exercício, se bem que não inclui todas as notas que
caracterizam a atividade lúdica. Convém recordar, por outro lado, que as margens de início e término dos
diferentes tipos de jogo nunca são rigorosas; de estabelecer fronteiras rigorosas se incorreria facilmente no
erro. No jogo de cada etapa está gerando já o da etapa seguinte. Os diferentes tipos de jogos, nos delimitam,
sobretudo, a atividade lúdica mais essencial de cada período evolutivo.

Se bem que no jogo de exercício não existe consciência por parte da criança “de ser de outro modo
que na vida comum”, esta atividade supõe um recurso fundamental na dinâmica “assimilação-acomodação”,
em seu trânsito à “representação”. A criança passa de chupar o dedo polegar a agarrar e soltar objetos e, mais
tarde, a arremessá-los, recolhê-los, pegá-los e arrastá-los. À medida que a criança adquire uma maior
autonomia em seus movimentos (engatinhar, andar...), estas atividades se tornam mais refinadas e complexas
(se balança sobre objetos ou brinquedos, adapta seu corpo para passar obstáculos), imita e reproduz
movimentos e situações... A repetição destas condutas, que a princípio vão no sentido da “assimilação” a seus
próprios requerimentos, derivam para um esforço, cada vez maior, de acomodar-se às circunstâncias
exteriores. O resultado é a progressiva adaptação às situações e circunstâncias do ambiente. Se esta
adaptação faz referência ao espaço e tempo imediatos, se dão antecipações, ao final deste período, do que
será mais tarde o jogo simbólico; a “pré-representação”, referida por Piaget. Sirva de exemplo, o tão citado
“finja que dorme”.

91
A IMAGINAÇÃO SIMBÓLICA, O JOGO E O BRINQUEDO

Neste período deve contar, em todos os casos, com um componente essencial: a afetividade. Os jogos
com seu próprio corpo e com o de sua mãe. Os sons quentes e repetidos (diálogo interpessoal com a mãe), os
olhares e gestos compreensivos de ambos, serão fundamentais em seu processo de desenvolvimento. A mãe,
figura de excelência e máximo apego da criança, será quem melhor pode estimulá-lo em uma exploração, cada
vez mais inteligente e gratificante. Ela, com um maior grau de sensibilidade e empatia, estará em condições de
captar e interpretar suas demandas e necessidades e, em consequência, dar uma resposta pronta e oportuna.
Assim, este primeiro jogo cumpre seus objetivos e, ao mesmo tempo, irá lhe garantindo a representação
simbólica em um avanço ininterrupto.

A criança procurará e reconhecerá o rosto da mãe ou pessoa de essencial afeto, antes de nenhum
outro objeto. E, vinculado a este primordial afeto, se situa o objeto que Winnicott (Winnicott, 1979) denominou,
depois de longas experiências e estudos, “objeto transicional”. Este primeiro objeto, autêntica posição da
criança, investida do afeto da mãe, tem um valor reconhecido no trânsito do mundo interno ao mundo externo.
Objeto mediador, em que se apóia em seu trânsito do “eu” (ser uno com a mãe), à experiência externa, não-eu
(“objeto-subjetivo”). Esta área “intermediária”, aberta à observação, à ausência e permanência do objeto,
reveste caracteres diferentes ao resto dos objetos; é, já, um primeiro símbolo revestido do afeto da mãe. Esta
adesão, como pudemos comprovar, com a colaboração de um grande número de professoras, permanece, em
muitos casos até os cinco ou seis anos.

É evidente, por tantas razões, que a vida da criança pequena não pode reduzir-se a comer, beber e
dormir, limites biológicos de sua existência, já que frearia seu desenvolvimento emocional e intelectual. As
experiências do neurologista sueco Hieden (Hieden, 1984), destacam que “nas fases iniciais do
desenvolvimento, o cérebro requer não apenas o alimento correspondente, mas também o estímulo adequado.
Se os neurônios necessitam de um “meio educativo” estimulante, não poderão formar no cérebro uma rede rica
de conexões filamentosas; falando em termos metafóricos, se convertem em sacos vazios que terminam por
atrofiar-se... Sem uma adequada educação infantil e pré-escolar, condenamos a criança a um enorme gasto de
forças e de tempo no desenvolvimento de suas faculdades”. Daí, a importância destes primeiros jogos infantis
e das exigências que implicam.

8.3.2 O âmbito do jogo simbólico

Nos últimos estágios da inteligência sensório-motora já se advertem, como expressávamos,


representações fora de contexto, mas muito próximas a suas condutas habituais (“como se dormisse”),
indicativas das instáveis fronteiras entre os diferentes tipos de jogo. Aos dois anos se inaugura, com sentido
pleno, a atividade lúdica de caráter simbólico, que significa, sobretudo, a primazia da representação sobre a
ação.

O jogo simbólico ou de ficção costuma ser considerado como o mais típico e o que reúne os caracteres
de jogo em forma mais sobressalente. É o jogo por excelência da idade pré-escolar e marca o apogeu do jogo
infantil. Se se considera os sete-oito anos como o término desta modalidade ou tipo de jogo, é porque a partir
desta idade a criança começa a buscar, a exigir, a impor coerência lógica a suas criações imaginativas; na
linguagem de Piaget, a realizar os processos de “assimilação-acomodação”, sob os ditames das leis lógicas.
Entretanto, esta atividade lúdica fecundará, mais tarde, novas realizações e cristalizará, na vida adulta, em
múltiplas manifestações culturais e artísticas.

O jogo simbólico inicia uma representação distante do representado. É o jogo de “fazer como se”;
como se o envoltório ou a boneca fosse da criança; representa a professora, com os gestos ou atitudes que
dela interiorizaram, onde o “como se” não necessita, em ocasiões, outro apoio que o da imaginação simbólica,
verdadeiro instrumento de jogo. Isto quer dizer que a criança ultrapassou o campo do imediato e se abre para
ela um novo horizonte, no que a representação atualiza o distante no espaço e no tempo, sejam objetos, fatos
ou fenômenos. E, como os representará? Simbolizando-os, unindo os laços entre “significante” e “significado”.
Em expressão formulada por Piaget, mediante “significantes motivados”. São “significantes” (o gesto da
professora ou a boneca com quem dialoga) porque significam ou simbolizam a realidade (a criança ou a
própria professora). E são “motivados” porque têm um parecido (mais ou menos desdenhado, segundo a idade
da criança) com a realidade.

Os símbolos lúdicos, a diferença dos sinais que são arbitrários, guardam uma referência de similitude
com o significado. Trata-se de uma atividade privativa do homem; a evocação simbólica da realidade ausente
marca a fronteira. O animal está ligado ao objeto particular, sem que possa atribuir-lhe um significado
simbólico. Na criança, pelo contrário, o que decide é o comportamento gratuito, o “como se”, triunfo do gesto
sobre a coisa. Pelo jogo simbólico, a criança realiza uma espécie de sortilégio, mediante o qual o pensamento
e a ação servem à representação.
92
A IMAGINAÇÃO SIMBÓLICA, O JOGO E O BRINQUEDO

Em todos os casos, a representação guia a ação, se bem que, a partir dos quatro anos, a exigência de
acomodação à realidade representada de torna mais patente. O importante do jogo, ou melhor, do que joga,
em nosso caso a criança, é que não se produz uma situação repetitiva, ainda tratando-se do mesmo jogo e
com o mesmo jogador; cada nova representação inclui elementos novos, novas pesquisas, maior ajuste à
realidade, enriquecimento do detalhe.

O jogo simbólico dá ocasião à criança de assimilar a realidade aos requerimentos de seu eu pessoal e,
ao mesmo tempo, vai estimulando-a a um ajuste prazeroso à realidade simbolizada. Ajuste levado a término da
única forma coerente, desde a própria infância. Inicia-se até os dois anos, traspassado de subjetividade, a
interiorização dos objetos, fatos e situações, às exigências do eu; e, mais tarde, leva-a a uma submissão
gradual da imaginação simbólica aos requerimentos da realidade simbolizada. Dos quatro aos sete anos,
segundo Piaget, “o símbolo chega a perder seu caráter deformante para converter-se em uma representação
imitativa da realidade”. Este processo se produz pela grande flexibilidade e versatilidade desta privilegiada
forma de jogo perfeitamente adaptável ao processo evolutivo da criança, sendo, ao mesmo tempo, o melhor
estímulo no processo de seu desenvolvimento. Em tal sentido, adquire todo seu significado a expressão de
Schiller: “O homem só é plenamente homem quando brinca...; é precisamente o jogo e só o jogo, o que o faz
completo e desenvolve simultaneamente sua dupla natureza”.

O jogo simbólico, em sua aparente intranscendência e gratuidade de movimentos, requer da criança a


aplicação da máxima energia, conhecimentos adquiridos, inteligência e liberdade, transformando-se, ao
mesmo tempo, em trabalho interessante, satisfatório e intenso. Do próprio dinamismo, entre subjetividade-
objetividade, surge o ponto de encontro do “si próprio” com as possibilidades que a realidade lhe oferece. No
jogo, a criança não só maneja objetos, mas também realidades nas que converge a vertente objetiva
(mensurável, acessível...) e a subjetiva, dotada de expressividade e relacionalidade.

O jogo simbólico, além do desprendimento energético, cumpre uma função significativa que implica
uma intencionalidade e um poder criativo instaurador de campos de possibilidades. Por este caráter dialógico,
a atividade lúdica simbólica, como dizia, só pode ser realizada pelo homem, posto que apenas o homem
possui capacidade de formalização, de simbolização, livre jogo da faculdade de representar, em uma
combinação harmônica de captação da realidade, imaginação e entendimento.

Na medida que a criança exerce sua capacidade e vontade criadoras, no jogo simbólico, se irradiam
linhas de sentido, de ação criadora, de inter-relação e de novos âmbitos da realidade para ele. A decadência
do sentido do simbólico no jogo, supõe o descrédito dessas formas de criação e de âmbitos de significado para
a criança, razão pela qual se torna imprescindível obter, nestas idades, todos os benefícios que este tipo de
jogo proporciona.

8.3.3 O âmbito do jogo de regras

O jogo de regras, ao que só de passagem vamos aludir, já refere-se à regra “institucionalizada”,


heterônoma, objetiva, que penetra toda a atividade lúdica. O jogo simbólico, sobretudo entre os quatro-sete
anos, se organiza dentro de normas aceitas pelos jogadores; “todo jogo, inclusive o representativo, está
mantido por uma regra..., ordenamento do jogo simbólico (Gutton). Mas esta regra é espontânea, autônoma,
flexível, marcada de subjetividade, ainda que aceita no cenário do jogo. Ela identifica a criança com as “regras”
assumidas e respeita os representados pelos outros. Daí, também, seu alto significado na assunção, tantas
vezes, de valores (de outro modo dificilmente acessíveis para a criança), no plano da vida moral.

Com a decadência do jogo simbólico, com suas regras autônomas, o que de nenhum modo significa
sua extinção, aparece a regra transmitida, heterônoma, objetiva. Piaget distingue bem esse duplo tipo de
regras: “as regras transmitidas e as regras espontâneas, dito de outra maneira, aqueles jogos de regra que se
convertem em “institucionais”, no sentido das realidades sociais, pois se impõem por pressão das gerações
anteriores, e os jogos de regras que são de natureza contratual e momentânea” (Piaget, 1980). As primeiras
regras (as transmitidas ou institucionalizadas) são próprias do “jogo de regras”, a partir dos sete-oito anos; as
segundas (as “contratuais” ou “espontâneas”) seguem vinculadas ao jogo simbólico.

A passagem da regra autônoma, espontânea, à heterônoma não se produz bruscamente; assim,


passar do simbolismo coletivo de determinados jogos dramáticos (jogo das casinhas, das lojas, dos
cowboys...) à regra estabelecida de antemão, quase se torna imperceptível (jogos de corda, com pedras,
cromos, bolinhas de gude...), sempre que a regra tenha o respaldo da criança e se entranhe nela por próprio
desejo.

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A IMAGINAÇÃO SIMBÓLICA, O JOGO E O BRINQUEDO

8.4 POSSIBILIDADES EDUCATIVAS DO “JOGO SIMBÓLICO” NO DESENVOLVIMENTO DA


PERSONALIDADE INTEGRAL DA CRIANÇA

Ainda que vamos nos referir às diferentes dimensões em que se estrutura a personalidade da criança,
é óbvio que todas elas funcionam como vasos comunicantes de modo que é difícil, se não impossível, abordá-
las devidamente, de modo que não seja para destacar os traços ou aspectos mais sobressalentes em cada
uma delas.

8.4.1 O jogo simbólico e o desenvolvimento intelectual

A partir do ponto de vista intelectual, o jogo simbólico dá ocasião à criança de estabelecer uma
dialética ininterrupta com os seres e fatos de seu “ambiente”, alertando-o a descobrir e investigar, nessa
reciprocidade bem calculada, entre os estímulos externos e as exigências de seu próprio nível maturativo. O
jogo é para a criança um verdadeiro ensaio de “aprender a aprender”, passando da assimilação egocêntrica a
atitudes cada vez mais objetivas, como melhor caminho para construir a inteligência e iniciar-se, de forma
gratificante, no mundo da cultura. Por meio do jogo, a imitação vai tornando-se mais ajustada aos dados da
realidade, posto que:

- estimula uma preocupação por acomodar o representado aos dados da realidade; uma maior
ordem nas construções lúdicas. Com razão, diz Gutton que “o jogo é uma atividade fundamental
na missão de estabelecer uma espécie de compromisso entre mundo interior e mundo exterior”;
- abre o caminho a uma ordem afetiva e intelectual na distribuição de papéis;
- facilita em seu progresso situações de reciprocidade (simbolismo de vários) nas que impera a
regra autônoma e o respeito ao papel do outro e às condições estabelecidas;

É, pois, o jogo simbólico, o melhor meio, nestas idades, para estimular a inteligência e, especialmente,
a capacidade de resolver problemas, ao estabelecer as atitudes e estratégias necessárias para sua realização;
o que demanda, em todos os casos, um cuidadoso “cenário de jogo”.

Bruner, ao fazer referência ao que denomina “andaimes da aprendizagem” (estruturação de atividades,


por parte dos adultos, destinadas a ajudar ou possibilitar a aquisição de determinadas aprendizagens que
ampliem o horizonte cognitivo da criança), considera como forma mais eficaz aquela que se apresenta como
jogo; o ensaio, com a diminuição de riscos que todo jogo supõe, é uma das virtualidades educativas mais
importantes da atividade lúdica. A partir do jogo, como a ajuda do adulto, se faz capaz de ampliar esse espaço
de tarefas e atividades que estão em seu nível de desenvolvimento. Só quando a tarefa foi denominada desta
forma, mediante o jogo, se produz a verdadeira “instrução”: a incorporação do conhecimento adquirido na ação
a conhecimento verbalizado; o discurso mestre-aluno; o intercâmbio de conhecimentos novos a partir dos que
foram proporcionados pelo jogo (Bruner, Jolly e Silva, 1976).

8.4.2 O jogo simbólico e a vida social

O jogo simbólico é, por outro lado, um canal pelo qual a vida da criança se faz intersubjetiva,
compartilhada, interindividual e coletiva, ao apresentar situações tipificadas da vida cotidiana. No jogo, como
no conto, se oferecem à criança cenários nos que se situam e comportam diversos tipos e modelos que
cumprem papéis sociais.

O jogo se afiança como fator de comunicação. Já as primeiras regras autônomas, que a própria
criança estabelece, configuram uma microssociedade, através da qual as crianças realizam sua primeira
aprendizagem de vida social. As “regras” se cumprem porque a criança sabe bem que, se não for assim, o jogo
se rompe; representação assumida que facilita o contato dilatado com os outros.
No jogo representativo, a criança se projeta mas, ao mesmo tempo, projeta o que dos demais
interiorizou (aprender a conhecer os outros). Permite-lhe interiorizar valores, na assimilação de papéis (ser
médico, guarda de trânsito, minerador...), o que não se consegue pelo mero verbalismo. Mas o jogo simbólico
não atua unicamente como mensageiro de comunicação social, senão que, no plano dos valores, cumpre uma
função crítica de participação social, o que ajuda a impedir que o ajuste da criança ao coletivo se faça
mecanicamente sob a pressão social. Este fermento de crítica social, a realiza o jogo simbólico tanto por sua
forma como por seu conteúdo. O pensamento imaginativo, ao distanciar-se da realidade e aproximar-se à
utopia, é eminentemente criador e leva encapsulado em seu seio desejos, anseios, expectativas e esperanças
vitais.

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A IMAGINAÇÃO SIMBÓLICA, O JOGO E O BRINQUEDO

“O papel do fantástico – escreve Held – não é em absoluto dar à criança receitas de saber e ação, por mais
justas que estas sejam...; mas é, antes de tudo, e de um modo indissolúvel, fonte de admiração e reflexão
pessoal, fonte de espírito crítico, porque todo descobrimento nos volta exigente e, portanto, mais crítico frente
ao mundo” (Held, 1981, 173).

O jogo ajuda a criança a contemplar seu ambiente, não como um agregado de coisas que
sucessivamente vai vendo, senão como um todo estruturado no que as diversas partes se implicam e travam
de alguma maneira. O jogo assinala um âmbito de interação e dependência entre seus componentes. É a via
natural pela qual a criança aprende a estabelecer a conexão entre fatos e valores, ao mesmo tempo que
aprende a classificá-los e taxionomizá-los como critérios de ação; a formação de critérios de moralidade na
criança tem muito a ver com estas conexões que se conseguem mediante o papel que se designa aos
protagonistas da atividade lúdica.

A criança, ao conectar os acontecimentos, mediante os sucessivos “por quês”, ao relacionar a


realidade com os valores, as partes com o todo, vai formando um enredo de explicação, de onde adquire
primigênias orientações ante o mundo, define seu próprio projeto de vida, compreende seu ambiente
ordenadamente, cataloga e classifica suas experiências. O esquema de explicação que, mediante o jogo, vai
conseguindo, pode servir de padrão e horizontes de sua vida real, de seus desejos e sonhos, de inegável
transcendência para a vida social.

Por outro lado, o jogo pode corrigir disfunções da vida social e da aprendizagem competitiva, já que,
por sua própria natureza, permite à criança desinibir-se, intervir e expressar-se, evitando a tensão e
competitividade, ao mesmo tempo que abre canais a uma participação cooperativa e prazerosa.

8.4.3 O jogo simbólico e o desenvolvimento afetivo

Se as dimensões em que se estrutura a personalidade da criança funcionam como vasos


comunicantes, creio que a regulação do nível corresponde à vida afetiva, já que de sua plenitude dependerá,
em grande medida, a vivificação e o enriquecimento das demais. Com respeito ao jogo, a criança que sofre
carências afetivas mostra dificuldade para configurar seus jogos e requer, em tantas ocasiões, um apoio
continuado do adulto. Quando as carências são rigorosas, não passa das primeiras etapas lúdicas (jogo de
exercício ou funcional) “sem alcançar uma fase orientada ao objetivo, simbólica e construtiva”. Sem esse “pré-
requisito de desenvolvimento”, em expressão de Murphy, não transcende a fase sensório-motora para a
realização simbólica. Convém analisar, em todos os casos, o que o jogo simbólico pode contribuir no
desenvolvimento afetivo da criança:

- quando a criança sente a angústia da submissão à vida social, configurada pelo adulto, com suas
anônimas pressões e requerimentos, no jogo experimenta uma liberação, posto que lhe abre
possibilidades para uma ação mais pessoal e criadora;
- quando a relação da criança com o meio ambiente lhe produz, como ocorre em muitos casos, uma
tensão psíquica maior da que pode liberar em seu contato diário com a realidade, o jogo atua
como meio vicário de conduta, no qual a criança cria um mundo na medida de sua vida interior, de
seu próprio eu, que lhe oferece algumas condições essenciais para vencer ou atenuar estas
tensões. O jogo funciona, nestas circunstâncias, como realidade substituinte, ajudando a criança a
enfrentar-se com tais situações da vida diária e a canalizar suas energias para soluções
adequadas;
- o jogo outorga à criança autonomia e segurança, está em seu próprio terreno, segue seu próprio
ritmo, sem que de suas atuações se derivem consequências negativas que podem minguar sua
estimativa pessoal;
- o jogo é um indicador essencial da situação afetiva da criança e, ao mesmo tempo, meio
privilegiado para restaurar situações carenciais e validar o futuro; no caso de carências afetivas, a
professora ou o adulto, próximos à criança, se estimulam e enriquecem o “cenário” de seus jogos,
a ajudarão a um novo reencontro com o jogo e a vida mais efetivo, prazeroso e satisfatório;
- a relação da criança com seu objeto preferido, o “objeto transicional”, em expressão de Winicott,
facilita chaves sobre os nexos afetivos da criança. Este primeiro objeto, revestido de símbolo
afetivo, como primeira posse da criança, deve ser respeitado como regulador do andamento do
mundo subjetivo (eu vinculado à mãe) a essa primeira navegação para o mundo externo (não-eu).
Zona “intermediária”, em que se vão regulando aspectos fundamentais da futura personalidade da
criança;

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A IMAGINAÇÃO SIMBÓLICA, O JOGO E O BRINQUEDO

- se a imatura capacidade de reflexão da criança lhe dificulta o conhecimento direto de seus


conflitos, projetá-los supõe um conhecimento espontâneo dos mesmos; os jogos, neste sentido,
funcionam como tela de projeção do dinamismo interior, tanto cognoscitivo como operativo. A
projeção se mostra especialmente flexível ao caráter imaginativo do jogo simbólico, com as
consequentes vantagens para a vida afetiva da criança;

- ao não interceder no jogo simbólico, interesses estranhos ao próprio ato de jogar, em uma
atividade livre de ligaduras, ágil e espontânea, desprende a personalidade da criança e desperta
nela sentimentos de plenitude e gozo que estabilizam e favorecem sua vida afetiva.

8.5 O JOGO SIMBÓLICO E OUTRAS APRENDIZAGENS NA VIDA DA CRIANÇA

Mas o jogo simbólico não tem só um valor fundamental como nexo formador e conformador da vida
intelectual, social e afetiva da criança, senão que, em geral, poderíamos dizer que o jogo afeta todas as suas
aquisições, unindo o jogo e a aprendizagem de forma criativa e prazerosa.

8.5.1 O jogo simbólico e o desenvolvimento psicomotor

No plano psicomotor, o jogo ajuda a criança a tomar consciência de seus movimentos e a inscrevê-los
em pautas de ação. Bruner destaca a importância capital da atividade lúdica neste sentido, posto que nessa
ação há uma configuração global da conduta da criança com uma intencionalidade que se faz presente como
uma espécie de tensão prévia ante os objetos, antes de sua manipulação com eles; e, essa significação da
conduta tem um valor constituinte da ação e do pensamento da criança. Na execução de seus próprios atos,
dentro de condutas globais, a criança antecipa, cada vez melhor, as consequências e as controla; assim, o
jogo, ao mesmo tempo que permite liberar energias em sua realização, facilita a integração dessas condutas
isoladas em sequências de ordem superior, novas e mais complexas. Bruner, que insiste sempre na
importância do contexto cultural, destaca a contribuição do adulto, na medida que este pode suscitar a atenção
e o interesse da criança. A adaptação das condições concretas, por parte do adulto, “contribui à formação
material e simbólica da criança”.

8.5.2 O jogo simbólico e o desenvolvimento lingüístico

Com respeito à linguagem, nas idades às que estamos nos referindo, auge do jogo simbólico, o jogo
cumpre importantes incumbências, já que deve considerar-se a linguagem antes em suas funções que em sua
estrutura. A primeira função da linguagem é a comunicação e o intercâmbio de vivências e idéias, mediante as
quais a criança começa a compreender os outros e seu entorno físico e humano; compreensão que é, em si, o
meio mais eficaz para compreender-se a si próprio. Se a criança não desenvolve suficientemente sua
capacidade de compreensão e comunicação, corre o risco que se bloqueiem os canais de comunicação, base
da vida coletiva (faceta da sociabilidade e da moralidade), a comunicação com a natureza e com a vida. Pelo
jogo, a criança simboliza situações, fatos e personagens com os que se identifica e, simultaneamente, traduz
suas vivências em uma linguagem compreensiva e dinâmica. Cumprem-se, através do jogo, os três níveis da
linguagem: afetivo, de ação e conceitual; sentir, perceber e representar.

Quanto à aprendizagem da leitura e da escrita, como estas aprendizagens têm como base a
compreensão da linguagem falada, a atividade lúdica é uma firme contribuição a este êxito e uma garantia de
que estão sustentados pela representação mental evitando riscos, tão comuns, de automatismos. À parte sua
contribuição nas funções psicomotoras implicadas nestas aprendizagens às que, desde outro ângulo, já nos
referimos.

Bruner, apoiando-se em suas experiências, afirma que a atitude lúdica é um fator fundamental na
aquisição da linguagem: “Tenho passado – disse – os últimos dez anos estudando como as crianças adquirem
os usos da linguagem e quero referir-me aqui a algumas das conclusões do estudo. Uma das primeiras, e mais
importante, é que a língua materna se domina mais rapidamente quando sua aquisição acontece em meio a
uma atividade lúdica...; as formas gramaticais mais complexas e os usos pragmáticos mais complicados,
aparecem, em primeiro lugar, em contexto de brincadeira...; segundo minha experiência, é nas situações de
brincadeira onde, em geral, aparecem as primeiras estruturas de predicado complexas, os primeiros exemplos
de elipses, de metáforas...; há algo na brincadeira que promove a atividade combinatória, incluindo as
combinatória intrínseca à gramática e que subjaz às expressões mais complexas da língua” (Bruner, 1976).

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A IMAGINAÇÃO SIMBÓLICA, O JOGO E O BRINQUEDO

8.5.3 O jogo simbólico e o desenvolvimento do pensamento lógico-matemático

No campo da matemática, já nos referimos à importância da tomada de consciência do espaço e do


movimento por parte da criança. A matemática exige uma atividade mental, pois os conhecimentos
matemáticos não são captados pela criança como algo acabado, senão devem ser elaborados a partir de
situações reais e concretas, das quais tomará consciência primeiro, para descrevê-las depois. E, o jogo
cumpre, neste âmbito, uma alta função ao dar à criança ocasião de observar, manipular, experimentar e
representar. Comprovamos, em múltiplas e diversas experiências, a funcionalidade do jogo na compreensão
do espaço, do tempo e da casualidade, aprendizagens que estão na base do conhecimento matemático e do
saber científico.

Para iniciar a criança, e consolidar mais tarde os conhecimentos matemáticos a partir do jogo, as
atividades devem orientar-se na obtenção das aquisições fundamentais neste campo, seguindo os passos do
pensamento infantil na conformação das conseguintes estruturas matemáticas. Na estrutura topológica, a
primeira em aparecer, a atividade lúdica simbólica, lhe oferece diversas e múltiplas ocasiões que a instam a
encarregar-se de aspectos tais como: aberto, fechado, perto, longe..., constitutivos do próprio cenário de seus
jogos representativos; outro tanto ocorre a respeito da estrutura de ordem. A criança vai adquirindo assim as
condições fundamentais do pensamento lógico: associatividade e reversibilidade.

Partindo da consideração que os conceitos matemáticos não se dão a priori, a partir do jogo a criança
se identifica plenamente com o que faz, o que favorece as aquisições referidas a:

- o conceito de número, vinculado ao de “conjunto” (atividades com blocos, com objetos de jogo
simbólico que respondam a um critério comum, como os transportes, a loja, a casinha...);
- a conservação da quantidade (“invariáveis”) com matérias amorfas, que se modificam e cedem em
contínuas experiências e verificações (água, massa de modelar...) presente em grande parte de
jogos representativos. Se bem que precisam da atenção e intencionalidade de professor/a que lhe
permitem, ao mesmo tempo, investigar os processos que intervêm em tais aquisições;
- a inclusão de “parte no todo”, em que o material lúdico representativo e seu manejo estimulam a
criança a uma compreensão fácil e progressiva;
- a correspondência “termo a termo”, mais além da meramente espacial (prato-copo, cada criança
seu gorro, cada carro seu condutor...)

8.5.4 O jogo simbólico, promotor de âmbitos criativos e de liberdade


O jogo é uma atividade radicalmente criadora, promotora de liberdade e, por isso, essencial no
desenvolvimento e configuração da personalidade. “No jogo, e só nele – disse Winnicott – a criança ou o adulto
podem criar e usar toda a personalidade, e o indivíduo descobre sua pessoa só quando se mostra criador
(Winnicott, 1979).

O jogo, ao integrar elementos subjetivos e objetivos, de um modo relacional, estrutural, funda campos
de liberdade expressiva ou modos de encontro com a realidade, “espaços lúdicos”. A criança, através do jogo,
como ser aberto ou co-autor, é capaz de criar e anular livremente relações com o ambiente; de encarregar-se
do que são essas realidades; de criar projetos de ação pessoal; de ir construindo seu próprio mundo; é capaz
de auto-afirmar-se em sua condição pessoal e de promover sua personalidade no compasso desse vasto
complexo de relações ambientais.

A partir desta perspectiva, o jogo simbólico é um lugar nato de auto-revelação pessoal, por ser o lugar
natural em que se constitui e esclarece como realidade em um meio cultural e humano. Daí, a importância do
jogo na construção do ser humano.

Os símbolos que a criança aprende e utiliza são campos de significação e de luz que lhe abrem
indefinidas possibilidades de compreensão e expressão. A criança se submerge nos símbolos à medida que
vai sendo co-autor de espaços lúdicos. A linguagem, os objetos, os utensílios de jogo, são âmbitos nos que se
iluminam para ele “campos de sentido”, quando a criança os utiliza como canais viventes de seus atos de co-
autoria. Neste sentido, López Quintas expressa que “no jogo se estabelece uma fecunda relação de
causalidade circular entre o jogador e o jogo; entre a luz que desprende o processo lúdico e o jogo que se cria
a tal luz. O jogo se estrutura à luz que ele próprio desprende. O jogo é uma atividade criadora de uma trama de
linhas de sentido que envolvem do mesmo modo que as cria e impulsionam seu poder criador” (López Quintas,
1977, 62).

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A IMAGINAÇÃO SIMBÓLICA, O JOGO E O BRINQUEDO

8.6 FATORES CONDICIONANTES E POSSIBILITANTES DE UM AMBIENTE LÚDICO

Se o jogo simbólico, como expressa Chateau, “não só enriquece todas as faculdades, senão que é
fonte das atividades superiores”, é indubitável que a isso contribuem, tanto as condições e qualidade das
utilidades lúdicas como o ambiente em que o jogo se desenvolve. “Procurar um ambiente exterior poético,
distinto, arrumado; organizar a classe em laboratórios de jogos permanentemente utilizáveis, constitui já uma
ação educativa que, apesar de ser indireta, nem por isso é menos eficaz” (Tourtet, 1973, 77).

Na criança, existem períodos precisos, ótimos, para estimular o desenvolvimento de suas capacidades
mentais e emocionais, e corresponde a criar as melhores condições no momento de seu amadurecimento. O
amplo arco do jogo simbólico deve ser aproveitado para estimular essas capacidades; quanto mais variadas e
ricas sejam as atividades lúdicas da criança, melhor se garantirá o êxito e o complemento de seu
desenvolvimento. Convém, pois, submergir a criança em um meio de liberdade e um sistema de relações que
possam estimular uma capacidade criadora diversificada, com a máxima aplicação das possibilidades que o
jogo procura. A interação inteligente do adulto com a criança ajudará este a criar uma atmosfera mais rica de
jogo, sintonizando com ele e proporcionando-lhe a informação e os recursos no momento em que a criança os
necessita. Bruner adverte que não se trata que o adulto se transforme em “engenheiro” dos jogos infantis,
senão que estabeleça aquelas condições que possam enriquecer o jogo. A criança sozinha, talvez, possa
encontrar dificuldades para sustentar o “cenário” em que a atividade lúdica se desenvolve, e prefira jogos
curtos, excessivamente mutantes ou reiterativos.

Os jogos conjugam uma série de componentes considerados critérios fundamentais da atividade da


criança, coincidentes com outras tantas condições de desenvolvimento de suas capacidades, por isso convém
ter em conta algumas considerações:

- intervenção do professor/a no “cenário lúdico”, não para transformar o ambiente em mais uma
classe, senão para sugerir (sem tomar decisões substitutivas das crianças) novas tarefas ou
variantes do jogo, melhorar seu desenvolvimento, oferecer possibilidades de ampliação ou de
conexão com outras atividades, que contribuam a afiançar os aspectos educáveis;

- estimular o interesse e o esforço, criando as melhores condições para seu exercício; se os jogos
tenham satisfação e entusiasmo, requerem um interesse continuado e um esforço intelectual que é
preciso manter e desenvolver; “quanto mais desenvolvida está uma qualidade, com maior
intensidade anseia manifestar-se” (Nikitin, 1988, 33);

- criar um ambiente relaxado, desenvolto, de liberdade, de modo que a criança domine a própria
criação lúdica; realize o jogo no ritmo e nas condições que deseje. Entretanto, deve reiterar que a
liberdade não exclui a ajuda inteligente (não insistente), compreensiva e orientadora. Não há razão
alguma para identificar o jogo com a impunidade e absoluta espontaneidade. Encaminhar o jogo
auxilia a forjar destrezas e estimula uma atividade lúdica investigadora, inteligente;

- é preciso dosar as tarefas, ajustando-as às possibilidades e nível real das capacidades de cada
criança. Em todo caso, é melhor começar com jogos que impliquem tarefas mais simples; que a
criança perceba que pode realizá-las; que sinta a satisfação do acerto na tarefa; o êxito ao começo
é uma garantia necessária. Depois corresponderá elevar, paulatinamente, o “teto” de seus jogos,
em um processo escalado, do simples ao complexo; exercícios lúdicos que desenvolvam a
memória (imitação diferida), representação espacial, sentido de ordenação de materiais,
classificação, capacidade combinatória..., criando, em ocasiões, situações que antecipem o
desenvolvimento de suas capacidades; a repetição inútil é, muitas vezes, mais inoportuna que a
antecipação bem calculada;

- estimular a atenção, a observação, a iniciativa, que ofereça à criança ocasião de projetar sua
personalidade, o que tolera o avanço pessoal e o desenvolvimento autônomo à sua “medida”;

- convém que o jogo parta de situações da vida real e de requerimentos de seu “ambiente”; às
crianças agrada encontrar semelhanças entre a fantasia de seus jogos e a realidade, sem prejuízo
de que esta semelhança se veja enriquecida e complementada por sua imaginação simbólica. Esta
peculiaridade do pensamento infantil facilita e atrai sua atenção para o jogo que desenvolve e
suscita seu maior interesse.

98
A IMAGINAÇÃO SIMBÓLICA, O JOGO E O BRINQUEDO

8.7 O BRINQUEDO COMO INSTRUMENTO EDUCATIVO

8.7.1 Virtualidade educadora do brinquedo

O brinquedo, como elemento central do jogo, tem um papel importante na construção do conhecimento
e da inteligência da criança, mas a condição que responda a seus interesses, a seu processo maturativo e aos
requerimentos de seu mundo interior.

Atualmente, a convergência da tecnologia moderna (construção de séries ilimitadas de brinquedos,


iguais para todas as crianças) e a propaganda publicitária tratam de impor um tipo de brinquedos distanciados,
tantas vezes, da vida e interesses das crianças. Estes brinquedos, longe de estimular a imaginação simbólica,
supõem um freio em seu desenvolvimento e um obstáculo para que a criança se identifique com eles.

Já Vigotsky advertia da pressão dos brinquedos “tecnológicos” sobre os “psicológicos” ou “educativos”,


mais em consonância com os interesses da criança e suas pautas de desenvolvimento. O brinquedo
“tecnológico” se equipara ao brinquedo industrial que supõe um desenvolvimento tecnológico em nível de
fabricação; enquanto que o “psicológico” ou “educativo” deve conceber-se como um brinquedo “racionalizado”,
que implica um desenvolvimento da concepção do brinquedo a partir das aquisições da ciência.

O brinquedo deveria ser uma espécie de canhamaço onde a criança livremente possa tecer sua
imaginação; “jogos perfeitos..., fatos para representar um objeto preciso, têm uma função bem determinada e
terminam por entorpecer a imaginação. Pelo contrário, é grande a importância dos símbolos polivalentes como
o pau, a corda, a linha traçada sobre o piso” (Chateau, 1946, 141-142). A exaltação do versátil deixa indeléveis
recordações de infância, como a de Baudelaire, referido à diligência dramatizada com cadeiras (“a diligência-
cadeira, os cavalos-cadeira, os cavaleiros-cadeira; somente o cocheiro era vivo”; ou seja, o autor da
representação).

No entanto, além destes objetos, que por sua versatilidade se prestam a múltiplas representações, o
brinquedo que pode remeter a experiências afetivas e relações imaginárias, em função da idade e
circunstâncias da criança “favorece – como diz Neri – a adesão realista ao mundo das coisas, entre as quais e
com as quais o pequeno deverá viver” (Neri, 1963); por outro lado, a criança deixa passar sua imaginação
entre os mesentérios do brinquedo, determinando um uso diferente, em ocasiões, contraposto ao previsto pelo
fabricante.

Nas Jornadas, organizadas por OMEP (Organização Mundial de Educação Pré-escolar na Espanha),
sobre “O brinquedo entre a fantasia da criança e a pressão publicitária”, celebradas em Madri, nos dias 11 e 12
de fevereiro de 1990, os grupos de trabalho mostraram um acordo unânime em lamentar a pressão da
publicidade na aquisição de brinquedos; brinquedos que por não responder mais que a fatores comerciais,
nem são adequados às crianças nem estimulam o desenvolvimento de sua imaginação, ao que a criança
responde com o desinteresse e abandono de tais brinquedos. O mesmo acordo se mantinha a expressar que
as professoras raramente eram consultadas pelos pais e familiares das crianças sobre a aquisição dos
brinquedos. A televisão havia sido, enfim, “o autêntico Papai Noel e os três Reis Magos”.

8.7.2 Considerações práticas sobre a validade do brinquedo e das utilidades lúdicas

Oferecemos, finalmente, algumas considerações de caráter prático sobre a validade do brinquedo e,


em geral, das utilidades lúdicas. Poderíamos resumi-las assim:

- Os brinquedos devem ser adequados ao mundo da experiência e interesses das crianças; o


brinquedo não pode converter o que é próprio da criança como se fosse alheio e o alheio em
próprio. Os brinquedos, decalque de objetos de determinados grupos sociais, perdem todo seu
sentido em crianças estranhas a esses ambientes e, ao carecer de base imitativa, bloqueiam
aspectos fundamentais da representação simbólica (cabe mencionar, a título de exemplo, a partida
de bonecas loiras enviadas a Guinea Bisau, que, com bom critério, foram devolvidas).

- Devem ser abertos, polivalentes (a corda, a bola, a boneca, etc.) com um valor universal no
espaço e no tempo; os brinquedos de fabricação devem respeitar, por isso, algumas condições de
flexibilidade (por exemplo, a boneca manuseável e maleável), aptos para que as crianças projetem
seu programa sem submeter-se ao do fabricante.

99
A IMAGINAÇÃO SIMBÓLICA, O JOGO E O BRINQUEDO

- Os brinquedos devem ser limitados; é um desafio ao consumo. O excesso de brinquedos


desvaloriza o jogo e dificulta a identificação de “regras”, assim como o progresso do jogo. Diz bem,
R. Tagore que, “quando há material em profusão, o pensamento se torna preguiçoso e deixa tudo
para o brinquedo, esquecendo que o êxito do jogo depende mais da provisão interior que da
exterior. A alegria do jogo perde o brilho para o desventurado garoto que tem uma quantidade
ilimitada de brinquedos”.

- Deve facilitar o progresso do jogo, o que não se consegue com o brinquedo automático e
demasiado complicado; a criança não brinca duas vezes da mesma maneira; a imitação diferida
toma, em cada experiência, dados novos que enriquecem a representação que este tipo de
brinquedo entorpece.

- O brinquedo deve facilitar a socialização da criança; não uma socialização passiva, em função de
pautas de propaganda, senão ativa, pessoal; brinquedos que não sejam só para olhar e guardar,
mas para compartilhar. O jogo entre várias crianças, facilitado pelo brinquedo, permite dilatar o
simbolismo individual ao do grupo (por exemplo, brinquedos de telefones, de casinhas, de lojas, de
construções...).

100
OS MEIOS AUDIOVISUAIS NA EDUCAÇÃO INFANTIL

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OS MEIOS AUDIOVISUAIS
NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Ma Antonia Casanova

9.1 Imagem da educação infantil: tipos e utilização.


9.2 O vídeo educativo.
9.2.1 Formas de utilização do vídeo educativo.
9.2.2 Funções educativas do vídeo.
9.2.3 O vídeo na educação infantil.

9.1 A IMAGEM NA EDUCAÇÃO INFANTIL: TIPOS E UTILIZAÇÃO

Devido ao momento evolutivo em que a criança se encontra, sobretudo no segundo ciclo da educação
infantil, ou seja, no estado de predomínio da intuição em suas duas fases, preconceitual e propriamente
intuitiva, é fácil deduzir a importância que a imagem e o som, como representações da realidade, alcancem
como instrumentos educativos nesta etapa. A criança pensa através dos sentidos: com a vista, com o ouvido,
com o tato... Assim, cada ambiente físico possibilita, potencia, desenvolve um tipo de aptidões, atitudes e
condutas; e entorpece outras. Com esta bagagem, com as sensações e percepções que a criança recebe e
elabora, cria suas próprias imagens e realiza as operações mentais de que é capaz (simultaneamente vai
criando e organizando estruturas mentais), sempre em um nível concreto, sem possibilidade de abstrações
nem generalizações. Por alguma razão, se denomina período intuitivo o que corresponde às idades que a
educação infantil compreende.

Portanto, a aprendizagem que pretendemos para a criança deverá ser conseguido por meio da
manipulação, da observação direta e indireta da realidade, do desenvolvimento da percepção visual, auditiva,
etc.

É óbvio, com esta base, justificar a importância da utilização dos meios audiovisuais na educação das
crianças até os seis anos: resultam decisivos para obter os resultados que desejamos. Do contrário, as
aprendizagens aparentemente alcançadas poderiam ser puramente mecânicas, mas não influir em nada na
conduta das crianças por não estarem realmente assumidas e incorporadas à sua personalidade, por não
serem significativas.

Por outro lado, as características da imagem (direta, projetada ou eletrônica; fixa ou móvel) fazem dela
também um recurso idôneo para utilizar na educação infantil. Resumimos brevemente estas características, na
ordem de sua utilização em qualquer nível (quadro 1).

A) Imagem direta (representação sobre um material, que pode ser contemplada diretamente, sem
intervenção de outros instrumentos):

• Permanência: depende da vontade ou necessidade de quem a utiliza.


• Facilidade de visão: não precisa acondicionamentos de local nem instrumento.
• Possibilidade de manipulação: oferece possibilidades de combinar, de colecionar, de estudar em
distintos lugares.

B) Imagem projetada (representação através de aparelhos adequados, em meio escurecido):

• Grande poder de atração: mantém a atenção do espectador mais tempo que a direta.
• Tamanho variável: se acomoda às necessidades do local e do grupo.
• Luminosidade e cromatismo: favorece seu realismo.
• Incorporação do som: representa o ambiente em sua totalidade e facilita a educação auditiva.

101
OS MEIOS AUDIOVISUAIS NA EDUCAÇÃO INFANTIL

a) Imagem fixa

• Permanência: está em função da necessidade, ainda que em menor grau que a direta.
• Comodidade: supõe silêncio, tranquilidade; não cansa se se utiliza adequadamente.
• Facilidade de seleção e conservação: pode variar sua sequenciação, o arquivo e conservação são
simples.
• Intervenção direta do professor: deve apresentar diretamente as imagens e receber contribuições
dos alunos.

b) Imagem móvel

• Realismo: reúne movimento, espaço, tempo, som, perspectiva...


• Ritmo: transmite sensação de tempo conforme seja rápido ou lento.
• Estudo de processo: se reproduzem, em poucos minutos, processos de longa duração, e se
mostram, lentamente, fatos produzidos em décimos de segundo.
• Expressão da subjetividade: possibilita a expressão subjetiva de determinadas situações, por meio
de planos, angulações, panorâmicas, trucagens...
• Animação de desenhos: é possível realizá-la, com muitas imagens fixas, seqüenciadas e emitidas
continuamente.

C) Imagem eletrônica (a proporcionada pela televisão e o vídeo).

• Em princípio, destacamos que são aplicáveis a este tipo de imagens todas as características
citadas para a imagem móvel.
• Som e imagem unidos.

• Fácil visualização: não precisa local especialmente acondicionado para sua visão.
• Simplicidade de manejo: só é necessário o televisor com ou sem magnetoscópio, conforme seja
um programa de televisão ou vídeo o que se emita.
• Emissão múltipla: é possível emitir simultaneamente em vários aparelhos.
• Visualização da realidade próxima: é relativamente simples realizar gravações diretas de vídeo, do
ambiente e do próprio grupo de alunos, conforme a finalidade que se almeja.

Antes de terminar este breve comentário, queremos nos deter em duas considerações importantes, a
partir do nosso ponto de vista, para incorporar os meios audiovisuais à educação infantil.

Em primeiro lugar, as imagens projetadas ou eletrônicas possuem um enorme poder de atração sobre
a criança. Um dos problemas importantes que o professor em educação infantil se estabelece é, precisamente,
a escassa capacidade de atenção dos alunos e a dificuldade, portanto, de mantê-la. Resultaria incoerente e
até absurdo desperdiçar a potencialidade dos meios audiovisuais como recurso ideal para manter e
desenvolver a capacidade de atenção das crianças até os seis anos de idade.

Em segundo caso, é certo e comentado constantemente o fato de que vivemos imersos em uma
cultura da imagem, e de que é contínuo o bombardeio de imagens de todo tipo até a pessoa, desde que nasce.
Queiramo-lo ou não estão criando atitudes, necessidades, modos de vida, formas de pensar, etc.; ou seja,
estão educando. Isto é especialmente válido quando nos referimos à televisão, que é o meio que antes, mais
diretamente e com maior frequência chega à pessoa (nos Estados Unidos, um jovem de 17 anos já viu 350.000
anúncios e uns 20.000 assassinatos). Chega a mensagem icônica sem controlar e o que consegue é potenciar,
em vez de autonomia do homem, o gregarismo, a uniformidade. Em uma palavra, o que consegue é bloquear
as condições idôneas que favoreçam a atitude crítica da pessoa ante o assédio da mídia. Se é necessário
dominar um meio, quanto mais precoce seja a idade de iniciação nele, melhores serão os resultados finais. É
indubitável que a educação deve incorporar os meios audiovisuais a seu processo, pelo potencial educativo
que contém em si, de maneira que a criança aprenda a desmistificá-los e a saber lê-los criticamente desde
seus primeiros anos.

102
OS MEIOS AUDIOVISUAIS NA EDUCAÇÃO INFANTIL

QUADRO 1. TIPOS E CARACTERÍSTICAS DA IMAGEM.

Permanência
Imagem direta Facilidade de visão
Possibilidade de manipulação

Permanência
Comodidade
Imagem projetada Imagem fixa Facilidade de seleção e
• Atrativa conservação
• Tamanho variável Intervenção
• Luminosidade e do professor
cromatismo
• Som Realismo
Imagem móvel Ritmo
Estudo de processos
Expressão da subjetividade
Animação de desenhos

Conjunção de som e imagem


Fácil visualização
Imagem eletrônica Simplicidade de manejo
Emissão múltipla
Visão da realidade próxima

9.2 O VÍDEO EDUCATIVO

A presença do vídeo na escola é um fato; todavia não excessivamente generalizado, mas sim com
claras perspectivas de se torná-lo. Nestes momentos nos encontramos em uma fase de difusão, talvez um
pouco desorientada por falta de formação do professorado para sua utilização adequada, por falta de
produções de boa qualidade, de obras teórico-práticas para sua utilização, etc.

Por isso, queremos fazer algumas reflexões de tipo geral sobre o conceito, características, exigências
e aplicação do vídeo educativo.

O que é o vídeo? Entendemo-lo como “um sistema de difusão-comunicação audiovisual mediante o


registro e reprodução de imagens e de sons, e da sincronização de ambos em fita magnética com uma
dinâmica seqüencial” (Cebrián Herreros, 1987).

Talvez sua rápida e maior presença nas aulas seja dada por sua semelhança com a televisão e a
possibilidade de gravar programas emitidos por este meio, para em seguida utilizá-los em classe. Mas esta
aplicação concreta e imediata não pode constituir o fundamento do vídeo educativo, nem de qualquer outro
recurso ou meio audiovisual, para decidir introduzi-lo no campo da educação. Sua incorporação à escola
deverá supor uma melhora real da qualidade na prática diária do professor e dos alunos no centro escolar.
Deverá ter algumas vantagens claras sobre outros meios, técnicas ou sistemas de ensino/aprendizagem. Do
contrário, haveria que concluir sua ineficácia e, portanto, não aplicá-lo à educação. Vejamos, pois, as
características do vídeo como meio audiovisual, para passar a examinar depois suas funções e aplicações
educativas.

A partir de um ponto de vista técnico, caracterizamos o vídeo por:

• Registro permanente, com facilidade para sua conservação, classificação e visão.


• Possibilidade de gravação-emissão imediata, assim como de esboço e regravação, em caso
necessário, utilizando a mesma fita.
• Possibilidade de detenção e repetição de imagens, no momento ou para os processos que
interessem.
103
OS MEIOS AUDIOVISUAIS NA EDUCAÇÃO INFANTIL

• Possibilidade de realização de montagens, sequenciação de planos, cenas..., de acordo com a


mensagem que deseje transmitir.
• Facilidade de visão, pois não exige condições especiais de escurecimento na sala.
• Facilidade de manejo.
• Como condicionante negativo, destacamos o tamanho fixo e pequeno da tela do monitor, já que o
sistema existente oferece baixa definição da imagem e não é possível visualizá-lo no telão com
boa qualidade. Atualmente, trabalha-se para chegar a um sistema de alta definição.

Remetemo-nos, por outro lado, ao ponto anterior, onde se citam as características gerais da imagem
eletrônica.

Com estas possibilidades, consideramos o vídeo como um meio útil para o processo educativo da
pessoa.

Que exigências estabelece para sua inserção adequada na aula a partir de um enfoque didático?

Destacamos as seguintes:

• Deve dispor de um lugar de localização habitual, de modo que não distorsa (como elemento
estranho) a atividade diária do professor/alunos. A “aula viodegráfica” seria uma nova situação
escolar.
• Intervenção atenta do professor durante a visualização, pois ao não escurecer-se a sala e ser
pequeno o tamanho da turma, ainda que resulte muito atrativo, pode dispersar-se a atenção dos
alunos.
• Formação do professorado, tanto em processos de produção de vídeo como de utilização didática
do mesmo.
• Necessidade que a sequência de conteúdos total do vídeo corresponda com as capacidades de
percepção e assimilação dos alunos, mais que com a sequência lógica da ciência.
• Cada vídeo deve tratar somente um tema.
• A duração do vídeo se adequará, em primeiro lugar, à idade e características do aluno, e, em
segundo, às exigências do tema tratado.

9.2.1 Formas de utilização do vídeo educativo

Sintetizando as diferentes situações que podem estabelecer-nos a incorporar o sistema vídeo ao


ensino, falaremos de suas formas de utilização:

A) Por suas condições de realização/emissão.


B) Por suas condições de recepção/aplicação.

A) Por suas condições de realização/emissão

São três as formas que abarcam a utilização do vídeo:

a) Visualização de vídeos realizados e preparados de antemão com este fim. Esta produção anterior
pode chegar através da gravação de programas televisivos, por sua aquisição em empresas
produtoras, pela produção direta de uma equipe de professores do centro escolar, de centros de
recursos da zona, etc.

b) Produção de vídeos pelos próprios alunos. A participação experimental na produção de vídeos


ajudará os alunos a aprofundar no conhecimento do sistema, na interpretação das mensagens,
etc. Igualmente, constitui o domínio de uma técnica audiovisual específica, ao mesmo tempo que
se desenvolvem no grupo atitudes de colaboração, cooperação, solidariedade, participação..., em
uma palavra, se aprende a trabalhar em equipe.

104
OS MEIOS AUDIOVISUAIS NA EDUCAÇÃO INFANTIL

c) Gravação de processos na aula. Com objeto de avaliar, em um momento posterior à ação, a


atuação ou pronunciação do aluno ou professor, para analisar e aperfeiçoar estes aspectos de
frente para o futuro, o vídeo supõe um valioso e imprescindível instrumento de trabalho.
Destacamos este método para sua utilização em educação especial, pela possibilidade que
oferece de registro minucioso de atitudes, respostas, reações, evolução..., que, se em todos os
casos são importantes, mais ainda o são neste campo.

B) Por suas condições de recepção/aplicação

Vamos nos referir à sua utilização de dois modos:

a) Individual. O aluno pode visualizar diretamente o vídeo que deseje ou que necessite, sem
intermediários, dada a autonomia do sistema. No âmbito do desenvolvimento curricular, um vídeo
pode fornecer toda a informação necessária sobre um tema específico. Bem como primeira
informação, como reforço da já obtida ou como ampliação da sessão de classe, o aluno maneja
facilmente este sistema e visualiza o que considera preciso.

b) Grupal. É o uso do vídeo emitido ante um grupo de alunos, com presença e intervenção do
professor habitualmente, ainda que poderia prescindir-se delas, conforme os casos. Estabelece-se
aqui uma relação triangular indireta entre o professor e os

TELEVISOR

PROFESSOR ALUNOS

alunos, através do vídeo. As interações entre os três comunicantes são múltiplas, alternativas,
podendo representar-se assim (Cloutier, 1975).

É a situação que se estabelece normalmente em classe e a que há que considerar para seu
desenvolvimento metodológico.

9.2.2 Funções educativas do vídeo

Uma vez decantados pela aplicação do vídeo à educação, caberia redefinir o primeiro conceito que
reunimos, que não incluía sua utilização didática. Assim, o que caracterizaria o vídeo educativo seria sua
planificação adequada para ser integrado em uma programação docente, de modo que se alcancem os
objetivos propostos com maior efetividade e eficácia através deste sistema de comunicação audiovisual.
Qualquer que seja a função designada ao vídeo, deverá fazer parte da estrutura organizativa e didática do
centro escolar e contribuir para seu melhor funcionamento (quadro 2).

Partindo deste conceito básico, destacamos a seguir as funções educativas que consideramos mais
importantes:

- Função curricular. Vídeos realizados sobre temas relativos ao currículo escolar, para transmitir
informação sobre os mesmos.

105
OS MEIOS AUDIOVISUAIS NA EDUCAÇÃO INFANTIL

QUADRO 2 – O VÍDEO EDUCATIVO

• Registro permanente
• Gravação-emissão imediata
Características • Apagado e regravação
técnicas • Congelamento e repetição de imagens
• Realização de montagens, sequenciação de planos...
• Fácil utilização e manejo

• Posição habitual na aula


• Intervenção do professor
Exigências • Formação do professorado em seu uso
educativas • Adaptação à capacidade perceptiva do receptor
• Monográfico
• Duração adequada

- Por suas condições de realização/emissão


• Visualização de vídeos realizados de antemão
Formas de • Produção pelos alunos
utilização • Gravação de processos na aula
- Por suas condições de recepção/aplicação
• Individual
• Grupal

• Curricular
• Motivadora, de apoio e ampliação da aprendizagem
Funções • Lúdica
educativas • “Espelho”
• Avaliadora
• Expressiva

• Adequação da mensagem
• Linguagem correta e adaptada à criança
• Atrativo, divertido
Características • Motivador
do vídeo para a • Estimulante da atividade
educação infantil • Favorecedor de jogos e experiências
• Potenciador de capacidades
• Monográfico
• Duração máxima de dez minutos
• Baseado em imagens familiares

É um meio idôneo para o conhecimento do ambiente, próximo ou distante, em seus aspectos


humanos e naturais (“meio físico e social”). Também para a aprendizagem da língua estrangeira é
um meio de grande valor, para citar alguns exemplos.

Cremos que estas primeiras e mais diretas aplicações devem ser ampliadas, pois o vídeo se
mostra também como recurso idôneo para as aprendizagens que os meninos e meninas de
educação infantil devem alcançar, com relação aos outros dois âmbitos de experiência que, para
eles, propõe o RD 1333/1991, de 6 de setembro: “identidade e autonomia pessoal” e “comunicação
e representação”.

106
OS MEIOS AUDIOVISUAIS NA EDUCAÇÃO INFANTIL

É necessário aproveitar a atração que pode exercer a projeção de um vídeo, para facilitar a criança
à diferenciação progressiva das formas (quadrada, redonda...), das situações espaciais (acima-
abaixo, diante-atrás, perto-longe...), das cores básicas, etc., e, inclusive, o conhecimento de seu
próprio esquema corporal. O vídeo atuará, em sua função curricular, como um estímulo decisivo
para a atividade globalizada e pessoal que a criança menor de seis anos desenvolverá na escola
infantil.

- Função motivadora, de apoio e ampliação da aprendizagem. Depois das sessões de classe, ou de


forma paralela a elas, a visualização de alguns determinados vídeos pode servir para reforçar uma
aprendizagem já descoberta e assumida, ou para ampliar alguns aspectos do mesmo.
Pode também utilizar-se como estímulo, como motivação para iniciar uma aprendizagem concreta
(em sentido inverso ao destacado no parágrafo anterior). É um bom instrumento para isso.

- Função lúdica. “Aprender brincando” é uma máxima já tradicional na educação, sobretudo em


níveis como educação infantil ou educação geral básica. Se a criança se aborrece, não aprende.
Só aprende o que lhe interessa. E para que lhe interesse, tem que diverti-lo.
O vídeo supõe um elemento importante para alcançar este objetivo.

- Função espelho. Vem denominando-se assim a função que cumpre o vídeo quando o utilizamos
para gravar os processos ocorridos dentro da aula, ou em qualquer atuação do grupo
professor/alunos. Esta função permite “ver-se” em plena atividade, o que supõe ter na mão todos
os dados necessários para modificar, aperfeiçoar, organizar as atividades e atitudes pessoais no
grupo. Já destacamos antes a importância que em educação especial têm os dados reunidos, mas
nem por isso pensamos que são menos interessantes as gravações de sessões habituais de
classe na educação infantil: “ver-se” no grupo é um elemento chave para aprender a participar e a
trabalhar com os demais. O professor pode descobrir, por sua vez, grande acúmulo de informação
que no tempo de classe, como é lógico, passa despercebida.

- Função avaliadora. Em estreita relação com a função anterior, designamos ao vídeo um papel
importante para avaliar atitudes (pessoais e de grupo) e processos. Gravar uma sessão de
trabalho e visualizá-la em um momento posterior, supõe contar com um elemento insubstituível
para a auto-avaliação e co-avaliação do grupo. Igualmente, para levar a cabo a avaliação contínua
de qualquer processo de aprendizagem, é um valioso e imprescindível meio.

- Função expressiva. Pelas características do sistema vídeo, que já indicamos, é o que maiores
possibilidades de expressão oferece. É um meio completo (se maneja nele imagem, som,
movimento, cor, ritmo, textos, esquemas, etc.) para reunir e elaborar a mensagem que queremos
transmitir, do modo que desejamos.
Supõe um grande estímulo para os alunos o manejá-lo e poder expressar-se através dele, além do
desenvolvimento pessoal que implica toda expressão (funcional ou artística) individual ou grupal.
Por referir-nos somente ao vídeo educativo, não reunimos aqui mais funções, para as quais
indubitavelmente se aplica o sistema: pesquisa, análise de situações ou dados, conservação de
documentos, etc. (ainda que, em parte, vão compreendidas nas anteriores). Podem incidir
indiretamente no processo educativo, mas preferimos não considerá-las estritamente como tais.

9.2.3 O vídeo na educação infantil

Evidentemente, nossa proposta de uso do vídeo na educação infantil não supõe prescindir de nenhum
outro planejamento teórico-prático básico nestas idades, isto é, as experiências diretas são imprescindíveis, da
mesma forma que a manipulação, a atividade em todas as ordens, a utilização de todo tipo de recursos e
materiais, a observação direta da realidade, etc. Quanto mais estímulos, experiências e atividades possamos
oferecer à criança, mais enriquecedor será seu ambiente e melhor desenvolverá suas capacidades pessoais.
O vídeo supõe um meio audiovisual a mais, com potencialidades que não têm outros, e que convém não
desperdiçar nesta difícil e interessante tarefa de educar.

Todas as funções que destacamos no ponto 2.3 são válidas para sua aplicação à educação infantil,
sempre, é claro, adaptando os conteúdos, os métodos, a duração, etc., ao nível maturativo dos meninos e
meninas.

Se falamos em função curricular, o conteúdo deverá circunscrever-se à experiência/conhecimento que


uma criança até os seis anos pode ter de seu ambiente, de sua realidade; ou ao desenvolvimento dos
conceitos básicos que necessita adquirir para sua posterior aprendizagem.
107
OS MEIOS AUDIOVISUAIS NA EDUCAÇÃO INFANTIL

A função motivadora é importantíssima, pois supõe captar seu interesse e sua atenção, difíceis de
manter nestas idades.

A função lúdica é o centro da educação infantil. O que tem que fazer a criança é brincar, e o programa
de vídeo será um jogo a mais, divertido (seja qual for o objetivo que pretendamos) e convidativo para jogos
posteriores.

Enquanto às funções de “espelho” e avaliadora são úteis para o professor, nos aspectos que já ficaram
indicados.

Por outro lado, estão demonstradas as vantagens deste sistema na educação infantil, já que em outros
países (Estados Unidos, concretamente) utilizam-se o vídeo e o computador a partir estas primeiras idades,
com interessantes resultados (Revista Fundesco, 1987).

Como características que o vídeo deve reunir para a educação infantil, destacamos:

• Adequação da mensagem audiovisual à capacidade perceptiva/assimiladora do menino ou da


menina.

• Linguagem correta, adaptada à criança, expressiva e claramente vocalizada.

• Apresentação atrativa, divertida.

• Planejamento e realização motivadores.

• Estimulante da atividade infantil, não substituto dela.

• Favorecedor de posteriores jogos e experiências.

• Potenciador das capacidades da criança.

• Monográfico, enquanto deve desenvolver um só conceito por tema.

• De duração não superior a dez minutos, como máximo.

• Baseado em imagens familiares/conhecidas para a criança.

Se um programa de vídeo reúne estas condições, entendemos que é apropriado para cumprir as
funções que antes lhe designamos, sempre que esteja integrado na programação do professor e que se
incorpore à atividade infantil de modo natural, nunca como algo extemporâneo e sem relação com o afazer
diário.

108
A AVALIAÇÃO EM EDUCAÇÃO INFANTIL

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A AVALIAÇÃO EM EDUCAÇÃO INFANTIL

Ramón Pérez Juste

10.1 Introdução.
10.2 O sentido da avaliação em educação infantil.
10.2.1 O projeto educativo em educação infantil.
10.2.2 Consequências para a avaliação.
10.2.2.1 Avaliação e valia pessoal.
10.2.2.2 Avaliação e eficácia do programa.
10.2.2.3 Avaliação personalizada e excelência pessoal.
10.2.2.4 Avaliação do ambiente.
10.2.3 As funções da avaliação em educação infantil.
10.2.3.1 A função diagnóstica e preventiva da avaliação.
10.2.3.2 A melhora da atividade do aluno.
10.2.3.3 A função de melhora do programa.
10.3 O processo avaliativo em educação infantil.
10.4 Técnicas de avaliação.
10.4.1 Diversidade de técnicas.
10.4.2 Técnicas potenciadoras.
10.5 A observação como técnica básica de avaliação.
10.5.1 As características da observação.
10.5.2 Aspectos a ter em conta no processo de observação.
10.6 Critérios e referências para a avaliação.
10.6.1 Critérios.
10.6.2 Referências.
10.7 Instrumentos.
10.7.1 Listas e escalas de observação.
10.7.2 Provas padronizadas.
10.7.2.1 Aptidões.
10.7.2.2 Provas de caráter pedagógico.
10.7.2.3 Provas de personalidade.
10.7.3 Outros instrumentos.
10.8 Como conclusão.

10.1 INTRODUÇÃO

Uma consideração precipitada e profundamente redutivista da avaliação poderia conduzir muitos a


entranharem a existência de um capítulo como o presente, em um livro dedicado à educação infantil. De fato,
na recente Lei Orgânica da Educação, a LOGSE, não lhe dedica nenhum artigo, enquanto sim se dão no resto
dos níveis e modalidades da educação regrada. Isso sim, tanto no Projeto curricular base. Educação infantil
como no Real Decreto, que estabelece os aspectos básicos do currículo da educação infantil (B.O.E. de 7-IX-
91), aparecem referências explícitas.

Certo é que aqueles que consideram a avaliação em uma dimensão ou função puramente social, de
controle e sanção – certificação, garantia social -, até poderão preocupar-se pensando que nem as crianças
menores se livram da voracidade examinadora de certos professores e pedagogos, o que não seria senão uma
manifestação de uma concepção profundamente redutivista da avaliação que a faz equivalente a exame.

Entretanto, aqueles que tiverem alcançado uma visão profunda, pedagógica, da avaliação, não se
estranharão de sua existência, se bem que poderiam fazê-lo de seu conteúdo.

10.2 O SENTIDO DA AVALIAÇÃO EM EDUCAÇÃO INFANTIL

Se falamos de uma concepção redutivista da avaliação é porque existe outra mais plena,
profunda e completa, em cujo marco a avaliação não só não é algo desativado e carente de sentido, senão
que, pelo contrário, se converte em um elemento fundamental para a qualidade e para a eficácia do sistema.

109
A AVALIAÇÃO EM EDUCAÇÃO INFANTIL

Tal conceito inclui três elementos fundamentais:

a) Recolhimento sistemático de informação.


b) Valorização a partir de critérios e referências explícitas.
c) Tomada de decisões de melhora.

E tem mais, se aprofundarmos, os três elementos anteriores alcançam seu verdadeiro valor na última
das palavras, que bem pode constituir-se na finalidade da avaliação: a melhora.

Com efeito, a avaliação pode ser considerada como um processo sistemático de compilação de
informação rigorosa – valiosa, válida e confiável – que deve ser avaliada frente à tomada de decisões de
melhora, tanto do pessoal como do próprio programa e ainda do centro educativo. Isso sim, a referida
informação adquire sentido em função dos objetivos aos que serve – por isso, deverão especificar-se, além de
serem educativamente valiosos –, a informação haverá de dar-se a conhecer aos interessados, e as decisões
tomadas deverão ser objeto de um especial seguimento se se pretende sua eficácia.

A avaliação assim concebida não é senão uma função ou atividade a mais do processo de ensino-
aprendizagem, função, por outro lado, subsidiária da concepção educativa do centro ou aula em que se
desenvolve. O caráter subsidiário não impede que, por sua vez, tenha um valor fundamental para manter,
potenciar ou desvirtuar o processo planificado e programado, como veio destacando a pesquisa pedagógica.

• Projeto educativo de centro:


- Concepção educativa.
- Princípios organizativos.
- Objetivos. Valor orientador para a avaliação.
- Projeto avaliativo.

• O processo de avaliação:
- Especificação de objetivos.
- Coleta sistemática de informação rigorosa.
- Informação e avaliação inicial.
- Informação e avaliação contínua, processual.
- Informação e avaliação final (somativa).

- Avaliação.
- Critérios explícitos.
- Referências: normativa, criteriosa, personalizada.

- Informação aos interessados.


- Tomada de decisões de melhora:
- Sobre o aluno e/ou seu contexto.
- Sobre o próprio programa.

- Seguimento.

Sua avaliação, positiva ou negativa, dependerá, sobretudo do grau de coerência com o projeto
educativo ali implantado. Este, por sua vez, merecerá um conceito mais ou menos positivo em função do grau
de incorporação dos grandes critérios de uma educação de qualidade: metas educativas não redutivas –
critério de totalidade –, estabelecimento harmônico das metas frente à mera justaposição de intervenções –
critério de integralidade –, e adequação ao educando em um contexto determinado – critério de adaptação –.
No quadro anterior, se aprecia tanto sua relação com o Projeto educativo quanto os elementos que configuram
seu conceito e integram seu processo.

Quando tais critérios são uma realidade, a avaliação congruente com eles se converte em um
elemento potenciador dos mesmos, ao mesmo tempo que em uma fonte valiosa de rica informação para evitar
as defasagens e desajustes previsíveis em uma atividade tão complexa como a educação.

110
A AVALIAÇÃO EM EDUCAÇÃO INFANTIL

Assim concebida, em educação infantil, dadas suas características – e as da própria etapa evolutiva
dos alunos – a avaliação é um instrumento fundamental tanto para facilitar o sucesso no êxito dos objetivos
como para aperfeiçoar os programas educativos e ainda o centro como unidade – organização, clima,
relações...

10.2.1 O projeto educativo em educação infantil

Desse modo, não deve estranhar-se que seja preciso um mínimo de reflexão sobre as características e
conteúdo dos projetos educativos de qualidade nesta etapa.

E o elemento primeiro e fundamental é, sem dúvida, seu sentido global, sua filosofia de base: importa,
acima de tudo, a formação integral de todas as crianças, de cada uma das crianças. Lamentavelmente, não se
dá pleno acordo entre aqueles que têm trabalhado neste ponto, e não só a partir de uma perspectiva histórica,
onde se pode apreciar uma evolução desde um puro conceito de creche a um enfoque pré-acadêmico (Rodao
e Muñiz, 1981; Kamii, 1983), senão, já na atualidade, nas diversas concepções que coexistem (Aguado, 1991).

Entretanto, algumas idéias ou princípios parecem ser hoje geralmente aceitos:

• A educação infantil tem verdadeiro sentido educativo, isto é, se dão determinadas metas que
podem (e devem) desenvolver-se nesta etapa, inclusive nela melhor que em outras posteriores,
por ser o momento idôneo para certas aprendizagens.

• A dimensão de criança, de cuidado, de substituição familiar – em especial da mãe –, sua função


assistencial em definitivo, não é autêntica educação infantil e poderia ser realizada por pessoas
não formadas para tal função.

• A educação infantil institucionalizada é algo voluntário; pode também ser realizada no âmbito ou
seio da família. Mas quando se dá em instituições “ad hoc”, estas devem ter a consideração de
pré-escolas, ainda que este conceito dê lugar a enfoques diferentes do currículo.

• Ainda que para determinados grupos de pessoas ou extratos sociais pode chegar a ter uma
consideração compensatória, seu sentido potenciador e estimulador é aplicável, em geral, a todo o
conjunto de crianças nesta etapa evolutiva.

• Nenhuma outra etapa exige tanto como esta atividade educativa integrada e, portanto,
personalizada em suas duas dimensões: preocupação integral pela pessoa em sua totalidade e
adequação do tratamento educativo às características específicas de cada educando.

• Uma e outra nota descobrem seu reflexo em um enfoque ou filosofia eminentemente potenciadora
do desenvolvimento global e integral frente ao reducionismo academicista e, inclusive, ao
puramente compensatório, já que todos os educandos têm direito a este tipo de educação, se
realize em marcos escolares, familiares ou mistos.

10.2.2 Consequências para a avaliação

Os estabelecimentos até aqui expostos devem ter, dado o caráter subsidiário, instrumental, da
avaliação, algumas repercussões para a avaliação no nível infantil. Destacamos algumas delas.

10.2.2.1 Avaliação e valia pessoal

O sentido educativo desta etapa faz com que seja necessário comprovar que os procedimentos
pedagógicos, tanto gerais do centro como particulares da aula, sejam não só eficazes – êxito das metas
previstas -, senão eficientes, isto é, que o preço pago por eles não seja pesado, já não em termos econômicos,
senão de conflitos, doenças hereditárias, inadaptações... do alunado e do professorado. A avaliação nunca
deveria dar lugar, e muito menos nesta etapa, às consequências desfavoráveis para a auto-estima ou aos
negativos efeitos sobre a personalidade e o caráter a que faz referência Bloom (1981, p. 24), como
consequência do continuado etiquetamento e da reiteração de qualificações negativas.

111
A AVALIAÇÃO EM EDUCAÇÃO INFANTIL

10.2.2.2 Avaliação e eficácia do programa

A ênfase, pois, está na avaliação dos programas para seu ajuste ao grupo em seu contexto, em seu
ambiente, e, até onde seja possível, à situação de cada um dos alunos.

Entre adaptar o aluno à instituição ou acomodar o centro, e toda a atividade pedagógica, às


necessidades da criança, parece que deve predominar esta última opção, tanto mais quanto mais básico seja o
nível e, dentro dele, o curso.

10.2.2.3 Avaliação, personalização e excelência pessoal

Junto a isso, a dimensão formativa integral parece exigir um estabelecimento também integral da
avaliação mais que em nenhuma outra etapa; e isso supõe não só enfrentar a avaliação de todas e cada uma
das dimensões perseguidas pelas diferentes metas previstas, senão um maior esforço por conseguir algo
especialmente difícil: sua integração na hora de avaliar.

O mesmo enfoque da avaliação deveria experimentar uma profunda transformação; assim, da habitual
orientação que tende a selecionar os mais capazes e, por conseguinte, eliminar os menos dotados,
interessados e estimulados por seu próprio ambiente, deveria passar-se a um enfoque mais pedagógico, cuja
meta fosse descobrir como poderiam alcançar todos, e cada um dos alunos, o máximo nível possível em sua
situação – excelência pessoal -. Para isso, a avaliação deve tratar de identificar as potencialidades de cada
criança, também suas limitações, mas, neste caso, frente à elaboração de programas específicos ou ao ajuste
dos gerais, de forma que obtenha os maiores frutos possíveis em cada caso concreto.

Consequência importante é a incorporação de um enfoque diagnóstico, o que tem repercussões ao


exigir, em maior grau, uma avaliação inicial e processual, que final ou de controle. Do mesmo modo, e como
consequência, é preciso recorrer mais a técnicas centradas nos processos que nos resultados; isto é, na
observação de como realizam o trabalho e em análises das atividades, que em provas destinadas à superação
de determinados padrões. O caráter diagnóstico torna mais certeiras as decisões de ajuda ao aluno e de
acomodação do programa pela superior concretização e especificidade da informação compilada.

O caráter diagnóstico, isso sim, necessita de uma sólida formação científico-pedagógica no


professorado, que lhe permita estabelecer vínculos entre os comportamentos e os traços, fatores ou
características que deseja observar e que se consideram sua manifestação. Por trás destas atuações se dão
verdadeiros comportamentos científicos por parte do professorado.

De outro ponto de vista, o caráter personalizado parece requerer que a avaliação se articule
fundamentalmente sobre a base do denominado rendimento satisfatório, ou seja, sobre referências
personalizadas; avaliar os resultados de cada um, tendo em conta o conjunto de suas características pessoais,
familiares e ambientais; as referências de tipo normativo e, em menor grau, as criteriosas, parecem
inadequadas, especialmente aquelas, nesta etapa.

Naturalmente, com estes estabelecimentos, a função sancionadora e de controle da avaliação deve


ficar no máximo em segundo plano podendo até desaparecer por completo.

10.2.2.4 Avaliação do ambiente

O contexto em que uma pessoa se desenvolve exerce um especial papel configurador de sua
personalidade. De fato, a educação é, em grande medida, um ambiente intencionalmente desenhado,
planejado, a serviço de metas valiosas. Não será, portanto, indiferente como se configure realmente esse
ambiente à hora de alcançar as metas de modo eficiente.

Justo por isso, será preciso abordar, além disso, todo o conjunto de fatores condicionantes do êxito
educativo; a título de exemplo, o próprio professor, o clima educativo, os sistemas de motivação, etc.

Graças à informação obtida sobre estes elementos, serão possíveis determinadas decisões de
melhora quando as causas de ineficácia ou ineficiência não radiquem nas variáveis pessoais do aluno.

112
A AVALIAÇÃO EM EDUCAÇÃO INFANTIL

10.2.3 As funções da avaliação em educação infantil

Se a finalidade da avaliação não é comprovar senão, como dizíamos mais acima, melhorar, as funções
que derivam deste estabelecimento devem ser coerentes com ela.

Funções fundamentais da avaliação:


• Conhecer o aluno para adequar o projeto educativo.
• Melhorar as atividades dos educandos.
• Melhorar o programa e a atividade do professor.

Nesse jogo de equilíbrio entre os dois pólos, assimilação dos estímulos exteriores e acomodação à
realidade circundante que é o processo de adaptação, parece evidente que o homem parte de uma máxima
acomodação – dada a superior força do ambiente –, mas tendendo a chegar ao ideal de fazer valer sua própria
personalidade frente ao mundo hostil, uniformizador, que o rodeia.

Mas, paradoxicalmente, e talvez por isso, a educação para ser eficaz, deve acomodar-se em maior
grau às características e exigências do homem em suas primeiras etapas, ao mesmo tempo que as demandas
sociais vão se impondo em maior medida às características pessoais nos níveis educativos mais elevados.

10.2.3.1 A função diagnóstica e preventiva da avaliação

Portanto, a educação nesta etapa deve primar o ajuste aos alunos, razão pela qual a avaliação tem no
conhecimento das características diferenciais dos educandos e na análise dos programas, tanto inicial como
processual e de resultados, sua função fundamental.

O ajuste desejado é mais fácil de alcançar em uma etapa que tenha a dupla característica de ser a
primeira e de resultar a mais instável, onde as mudanças são mais profundas e rápidas. O primeiro aspecto
parece exigir, em maior medida que em outros níveis educativos, uma participação familiar em todo o processo
educativo e, portanto, também no da avaliação. O segundo parece pedir uma potenciação do enfoque
processual frente ao final ou somativo, já que naquele é no que se pode incidir e no que se manifestam tanto
as possibilidades como as limitações de cada um, além de possuir um potencial diagnóstico superior.

A participação da família tem, na avaliação de caráter inicial, uma especial importância; como é óbvio,
os professores não contam neste nível com dados sistemáticos de outros colegas. Por isso, a colaboração da
família se torna imprescindível, sobretudo frente a tomar decisões preventivas, antecipando-se aos problemas
e dificuldades.

A participação da família deve formalizar-se mediante um sistema de formação e assessoramento a


pais que permitam tanto uma maior riqueza, precisão e especificidade da informação obtida quanto sua ativa
colaboração em programas específicos, atuando de forma convergente com a pré-escola. Alguns programas
foram retratados especialmente a respeito, dando positivos resultados (Dueñas Buey, 1989).

A dificuldade de conhecer alguns sujeitos tão instáveis, além de carentes de capacidade para
compreender – e verbalizar – seus estados internos, aconselha, em maior grau que em outras etapas, recorrer
à diversidade de fontes de informação e, por conseguinte, de técnicas de obtenção, buscando o contraste e
facilitando as decisões oportunas.

Por isso, e também porque entre as metas educativas desejáveis, segundo diversas figuras pioneiras,
se encontra o conhecimento e a aceitação de si mesmo, a auto-afirmação, a capacidade para viver com os
demais, parece que a avaliação deve potenciar os processos auto-avaliadores e, na medida e com a prudência
necessárias, co-avaliadores (mais adiante será mais difícil sua implantação, sobretudo a dos últimos). Este
estímulo precoce ao auto-conhecimento pode, e deve, ser uma importantíssima fonte de adaptação
favorecedora de uma autêntica autonomia pessoal.

A adequação do programa ao aluno, elemento chave tanto para uma autêntica personalização como
para o êxito da eficácia, tem, no conhecimento inicial daquele, um de seus elementos fundamentais.

113
A AVALIAÇÃO EM EDUCAÇÃO INFANTIL

10.2.3.2 A melhora da atividade do aluno

O projeto educativo se traduz em um conjunto de decisões que, frente aos alunos, toma a forma de
diversas atividades, e, em relação, com o professorado, se concretiza em atuações orientadas a criar o clima
adequado, a motivar e facilitar a aprendizagem, a constatar e valorizar os resultados...

São as atividades dos alunos a base do ensino efetivo (Yinger, 1986) e o meio por excelência para a
educação (Garcia Hoz, 1970). Melhorar a atividade do aluno é, pois, melhorar a próprio aluno.

A avaliação, sobretudo na medida que se centre na observação dos processos e na análise das
tarefas, obterá informação de grande riqueza e valor para melhorar os mesmos processos em que consistem
as atividades escolares.

10.2.3.3 A função de melhora do programa

Um programa é a concretização técnica do projeto educativo; nele, o professor deve harmonizar os


grandes princípios educativos com as exigências epistemológicas de cada matéria, as necessidades
educativas de seus alunos e suas próprias características como educador.

A dificuldade técnica da construção do programa, a ainda maior do êxito de seus grandes objetivos, a
longa duração de tais programas, entre outros fatores, tornam impensável uma aplicação dos programas, de
acordo com as previsões e com níveis satisfatórios de eficácia.

É previsível que tenha de tomar decisões de ajuste e acomodação ante certos desequilíbrios e
defasagens, de retificação, ante presumíveis efeitos negativos não estabelecidos, de reativação ante inércias e
rotinas... E a tudo isso deve contribuir de modo claro e eficaz, a função avaliadora do programa.

Entretanto, de uma superficial consideração das funções apontadas poderia derivar-se a idéia de que
as decisões de melhora se devem centrar unicamente nos alunos e/ou nos programas. E não é assim.

Com efeito, com muita frequência são as circunstâncias do aluno – familiares, de amigos, escolares –
as que podem comportar-se como obstáculos, tanto para que este se manifeste eficaz. Este fato, e a própria
necessidade de avaliar os êxitos, é o que leva à exigência de conhecer e avaliar tanto as características do
ambiente familiar como o clima da aula, onde o sistema de disciplina, o acolhimento, e as relações entre
professor e alunos e destes entre si, são meios fundamentais e, portanto, objeto de avaliação.

10.3 O PROCESSO AVALIATIVO EM EDUCAÇÃO INFANTIL

De conformidade com o até agora dito, parece claro que é preciso potenciar a avaliação como
processo, já que, de um lado, os resultados ou produtos são menos importantes neste etapa e, de outro,
sempre tais resultados serão fruto de processos adequados. O sentido processual da avaliação apresenta,
também, outra dimensão com suas correspondentes consequências positivas: a acumulação progressiva de
informação permite, além de apreciar a evolução das crianças, evitar o risco que se costuma atribuir à
avaliação de favorecer o rotulamento dos alunos, cujas consequências negativas – cumprimento das
“profecias” – são de todos conhecidas.

Pois bem, nessa dimensão processual, em educação infantil, adquire uma extraordinária importância a
avaliação inicial.

Graças a ela será muito mais fácil tanto acomodar as exigências como o trato, assim como evitar a
criação de situações disfuncionais geralmente negativas.

Por outro lado, o contraste do conceito ou avaliação familiar com os dados que, desde um primeiro
momento, irão se compilando no centro pré-escolar, será tanto um elemento de fortalecimento quanto, em seu
caso, de chamada de atenção para uma mais cuidadosa análise em situações de desacordo. E tem mais, a
possível disparidade pode muito bem ter sua raiz no influxo que, sobre a personalidade infantil, pode ter tanto a
situação educativa do centro e/ou da aula como a vida em comum fora da afetividade familiar.

114
A AVALIAÇÃO EM EDUCAÇÃO INFANTIL

O processo avaliativo
• Avaliação inicial.
- Colaboração da família.
- História.
- Possibilidades e limitações.
- Hábitos.
- Contraste com a informação do centro.
- Permite:
- Adequação do trato.
- Nível adequado de exigências.
- Evitar menosprezo, sentimentos de inferioridade.

• Avaliação processual.
- Caráter diagnóstico.
- Identificação de potencialidades.
- Descobrimento de limitações.
- Ajuste contínuo.
- Proposta de novos objetivos.

• Avaliação final.

O caráter secundário da dimensão ou função sancionadora põe, em um primeiro plano, a função


potenciadora da avaliação; trata-se de contribuir ao desenvolvimento integral de todos e cada um dos alunos
com o que a avaliação deverá fugir de qualquer manifestação que conduza a menosprezo do eu, a
sentimentos de inferioridade, algo difícil mas exequível quando os conceitos de valor se realizam tomando
como referência a pessoa – a cada pessoa – e quando se procura diferenciar entre a valorização desta – o
pré-escolar deve se sentir sempre aceito, querido – e das produções que realiza. O eu não pode ficar afetado,
e muito menos nesta etapa, por resultados escolares – menos ainda pré-escolares – negativos a partir de
perspectivas de normalidade nem ao menor de caráter criterioso (nem sempre bem fundamentadas).

Mas é que esse caráter potenciador deve ter, além disso, sua manifestação no esforço realizável
através da avaliação no diagnóstico das dimensões, traços e características em que a criança se encontre
especialmente dotada; graças a isso, o professor disporá de um elemento motivador ao mesmo tempo que,
mediante uma atuação específica, poderá conseguir eficazmente suas metas, graças, entre outros fatores, ao
caráter precoce da intervenção.

A avaliação final, de caráter sancionador – somativa – tem muito pouco sentido neste nível. Isso não
obsta para que o próprio professor vá avaliando o desenvolvimento de programas completos, alcançando uma
apreciação, quanto mais objetiva e rica melhor, dos níveis de êxito das crianças. Esta afirmação será tanto
mais adequada quanto mais nos aproximamos dos últimos cursos, especialmente ao final do segundo ciclo;
tais dados, com efeito, podem ser de suma utilidade para iniciar correta e eficazmente o primeiro ciclo de
educação obrigatória.

10.4 TÉCNICAS DE AVALIAÇÃO

Algumas coisas ficaram, já, suficientemente claras; o desejo de educação de qualidade – totalidade,
integralidade e adaptação – parece requerer não só uma diversidade de fontes de informação, mas também, e
por conseguinte, uma variedade de técnicas e instrumentos. Por outro lado, a avaliação deve contribuir à
melhora integral da pessoa e de modo algum acontecer em um elemento distorsionador e, menos, em um fator
que atente contra um autoconceito positivo.

10.4.1 Diversidade de técnicas

Geralmente, os melhores programas educativos de educação infantil são aqueles em que se dá um


equilíbrio, uma harmonia entre seus elementos, de forma que se persiga essa diversidade de metas contrária a
uma ênfase excessiva, umas em detrimento de outras. Assim, no trabalho de Clarke e Steward, de 1982,
chega-se à conclusão que os programas que combinam um número moderado de atividades estruturadas e
atividades de livre escolha parecem alcançar melhores resultados que aqueles outros que são ou muito
abertos e livres ou altamente estruturados (Aguado, p. 100).
115
A AVALIAÇÃO EM EDUCAÇÃO INFANTIL

Se a isso unimos o fato de que os programas mais abertos se caracterizam, entre outras coisas, por
uma mínima presença e utilização de medidas e provas, enquanto os mais estruturados lhes concedem maior
importância e frequência, como se desprende da investigação do Stanford Research Institute sobre sete
modelos de programas de pré-escola (1972), chegaremos à conclusão da conveniência de harmonizar,
também, as técnicas avaliativas.

Afirmações similares chegaríamos se estabelecêssemos uma análise dos principais objetivos da


educação infantil. Com efeito, os objetivos referentes ao conhecimento e aceitação de si próprio, além de
requerer auto-avaliação, necessitam de uma avaliação externa que relegue o controle, potencie o
descobrimento e valorização dos elementos positivos, e promova programas acomodados ao ritmo na
evolução e desenvolvimento pessoais.

Os objetivos relativos ao conhecimento do ambiente e à capacidade de expressão parecem exigir


atividades avaliatórias não apenas variadas, mas também comuns (observação, diálogo, entrevista), um tanto
distanciadas das provas formalizadas, ao menos na atitude usual do professorado.

Aqueles, por último, ligados à autonomia e à criatividade, requerem que o sistema avaliatório não
restrinja a liberdade de expressão nem promova o temor ao ridículo.

10.4.2 Técnicas potenciadoras

Estes elementos parecem exigir do professor uma atitude terna, profundamente acolhedora, raramente
julgadora, à que, evidentemente, deve contribuir uma avaliação eminentemente potenciadora e muito pouco
sancionadora.

Neste sentido, nunca os aspectos técnicos da avaliação deveriam antepor-se à funcionalidade e


validade do sistema para ir criando e melhorando um autoconceito ajustado, equilibrado, onde cada pessoa vá
sendo progressivamente capaz de conhecer, e aceitar, suas possibilidades e limitações e, em consequência,
de propor-se metas adequadas tanto a umas como a outras.

10.5 A OBSERVAÇÃO COMO TÉCNICA BÁSICA DE AVALIAÇÃO

Isso, não obstante, não pode fazer esquecer que determinadas características do nível, do conteúdo
educativo, e das próprias crianças, nos levem à conclusão de que a técnica por excelência, nesta etapa, não é
outra que a observação, e isso tanto em sua dimensão de registro de dados como na de ferramenta para o
processo avaliador das crianças e dos próprios programas.

Com efeito, determinados objetivos, por exemplo, hábitos, não parece que possam ser avaliados pela
resposta, oral ou escrita, a uma determinada pergunta sobre o que, o quando, ou o como de determinados
comportamentos.

Por outro lado, os diferentes modelos de educação pré-escolar vêm concedendo uma especial
importância ao ambiente, ao clima em que se desenvolve a educação; se no clássico, de caráter maturativo, e
no mais moderno, de corte cognitivo, este deve ser terno, estimulante, rico e acolhedor, tampouco ficam atrás
neste aspecto os de caráter mais pré-acadêmico onde são, precisamente, os estímulos ambientais, o elemento
chave para o êxito das metas. Pois bem, para a avaliação das características do ambiente nada melhor que a
observação, seja externa – por um agente específico – ou interna – pelos professores e/ou os alunos – para
fornecer dados que permitam potenciá-lo, acomodá-lo ou modificá-lo em função das necessidades das
crianças.

Por último, ainda que os programas tenham de ser avaliados em sua qualidade intrínseca – algo que
deve fazer-se a priori, - e, certamente, em seus resultados, a partir do ponto de vista que nos preocupa são os
próprios processos de aplicação os que oferecem maiores potencialidades de melhora ao fornecerem uma
mais rica e específica informação de base, e, para isso, a técnica mais adequada é, de novo, a observação.

116
A AVALIAÇÃO EM EDUCAÇÃO INFANTIL

10.5.1 As características da observação

Dado o sentido que concedemos à avaliação, com uma função encaminhada a conhecer o pré-escolar
e o conjunto de circunstâncias ao redor do programa – seu processo de aplicação -, nada tem de particular que
façamos da observação, procedimento básico não só da ciência, mas de qualquer modo de conhecer, a
técnica fundamental.

De fato, durante séculos foi o único modo considerado científico. Frente a ele se situou em seu
momento a experimentação. Se bem que ambos podem enfrentar-se, a verdade é que, inclusive nos
procedimentos experimentais, os dados podem recolher-se mediante a observação do que ocorre na realidade.
Ainda mais, a pesquisa como medida pode realizar-se mediante observação. Assim, a observação pode
ocorrer sem medida e sem experiência, mas não ao contrário (Bunge, p. 717).

E não é que desejemos manter que o professor tenha de ser um científico – o que não seria mal,
senão pelo contrário –, nos parece recomendável, e desejável, que incorpore a seu fazer ordinário uma atitude
rigorosa, própria do fazer científico, atitude que deve manifestar-se ao longo de todo seu exercício profissional.

Por isso, a observação de que aqui falamos não é uma atividade qualquer. Bunge (p.727) diz que deve
ser intencionada e ilustrada:

• Intencionada, deliberada. É guiada por um objetivo determinado que se constitui em meta e que
lhe dá o enfoque adequado.

• Ilustrada. Deve ser guiada por um corpo de conhecimento, além de pôr a capacidade técnica do
observador.

Como os dados não costumam ser os próprios fatos, mas que devem ser construídos, o ter claros os
objetivos confere validade aos resultados da observação.

Toda observação é, pois, seletiva – por ser intencionada – e interpretativa ao comportamento de modo
ilustrado.

Evertson e Green acrescentem a nota de sistemática à de deliberada; ser sistemática supõe a


necessidade de formar parte do sistema global de intervenção pedagógica – com o qual deve ser coerente -,
constituir ela própria uma sistema organizado em suas partes ou elementos, e responder a um plano, o que
não impede a realização de observações assistemáticas e isoladas, sempre que cumpram uma dupla
condição: ser significativas, sintomáticas, e interpretar-se no marco do conhecimento geral, isto é, em modo
algum como algo descontextualizado.

Pois bem, destas características se derivam certas consequências para o fazer do professor, entre as
quais destacamos:

• A necessidade de planificação e reflexão, exigidas pela intencionalidade e deliberalidade. O


professor deve ter claras as razões e motivos que o levam a observar e os objetivos que espera
alcançar com a observação.
No entanto, estes fatos evidenciam algo do que nem sempre se foi consciente: a seletividade de
todo processo observacional, o que destaca que não é uma situação tão natural como sempre se
disse dela.
A disparidade de metas e objetivos, com efeito, traz consigo consequências tanto sobre os
objetivos a observar como sobre os métodos, os instrumentos, os modos, as circunstâncias
(quando, como, onde, durante quanto tempo...), os registros, a organização dos dados e a
utilização.

• O caráter ilustrado supõe a relação do conjunto de aspectos governantes da observação com a


teoria, as crenças ou ideologias..., o que, também, vem representar seletividade.
Deve ressaltar-se que é este aspecto, junto às limitações do observador – às que nos referiremos
em seguida –, a chave de uma observação eficaz. Quando isto não se cuida, os preconceitos e o
subjetivismo do observador podem conduzir a resultados tão negativos como o fornecido por
Telford e Savrey (1973, p.120) segundo o qual os 55% das crianças que resultaram ser
superdotados, não foram identificados mediante a observação de seus professores e, pelo
contrário, uns 31% nos mencionados não chegaram a ser.

117
A AVALIAÇÃO EM EDUCAÇÃO INFANTIL

10.5.2 Aspectos a considerar no processo de observação

O professor deve considerar que, para que a observação lhe forneça o tipo de informação necessária
para facilitar suas decisões em relação à melhora das crianças pré-escolares, deve atender e cuidar de uma
ampla série de elementos, em ocasiões para potenciá-la; em outras, para evitar suas limitações; em outras, por
último, para tirar delas o máximo proveito.

A) Elementos

O processo de observação está integrado por uma série de elementos profundamente inter-
relacionados e mutuamente condicionantes; destacamos entre eles:

• O propósito, motivo, razão, pelo que se observa, aspecto chave para o resto dos elementos por
seu valor condicionante. Recordemos que é a tradução da nota de intencionalidade. Um elemento
importante, neste ponto, é o corpo de conhecimentos que guia tanto o conteúdo da observação
quanto o resto dos aspectos referidos.

• O objeto que vai ser observado: algo com ou sem vida, externo ao observador ou interno a ele,
estável ou mutante, acessível direta ou medianamente.
Resulta difícil definir um objeto; uma realidade concreta, como pode ser uma aula ou o salão de
jogos, pode ter – tem de fato – uma grande diversidade de manifestações, aspectos, perspectivas.
Para alguns é um inconveniente, para outros supõe “um elemento potencialmente valioso” ainda
que, isso sim, nos obrigue a procurar a complementariedade de enfoques e estudos, o que nem
sempre é possível por recursos ou tempo.
Admitir essa diversidade supõe aceitar, de novo, uma faceta mais do caráter seletivo da
observação.
O propósito e o corpo de conhecimentos ajudam a definir o objeto de observação e a traduzi-lo no
que Fox denomina o guia de observação, que costuma tomar a forma de lista ou de escala, pelo
geral, e que vem facilitar a tarefa do observador e do registro de dados.

• O sujeito que observa, obliquamente, com seus “a priori” sua delicadeza para captar, seu saber
“ver” e “ouvir”. Suas limitações fazem aconselhável, como manifestação de rigor, buscar a
concordância dos resultados, o contraste entre observadores...; quando isto não pode ser, como
costuma ocorrer na aula, esse contraste em busca da concordância oferece o sentido processual
da observação, a acumulação de informação em diferentes momentos, situações, tarefas e com
diversidade de colegas. O diálogo com os próprios protagonistas também pode contribuir.
A força e a debilidade da observação radicam no observador, que pode – e isto é muito
problemático – relacionar uma conduta com um constructo ou variável (Kerlinger, p. 376). É o
problema da inferência a partir dos fatos observados à presença de tais dimensões (agressividade,
instabilidade emotiva, extroversão...).
Por outro lado, se a situação natural é seu ponto forte, é também sua fraqueza na medida que, de
um lado, há subjetivismo e, de outro, pode-se alterar essa mesma realidade ao estar presente e,
talvez, ativo, nela. Se sua vantagem é “estar ali”, “meter-se em...”, o risco é que os observados já
não sejam eles..., se bem que cabe esperar que a estância prolongada faça com que o observador
já não seja um elemento perturbador (Garcia Jiménez, p. 240), e isso é, precisamente, e para bem,
que neste caso, o característico do professor como observador em sua aula.
Esse “estar ali”, esse “meter-se em”, como afirma Woods (p.21), faz com que a observação
participante possa mostrar “camadas de significação que permanecem ocultas à observação
superficial e que, muitas vezes, são diferentes do que se supõe que são”.

• As circunstâncias em que se dá a observação, o contexto – físico, humano... –. podem ajudar a


interpretação e generalização.
Neste ponto das circunstâncias, convém destacar três elementos fundamentais: o lugar, o tempo e
a situação, intimamente relacionados com o problema da amostragem – de lugares, momentos,
acontecimentos...- e que leva a decisões sobre a duração ou o sistema extensivo ou intensivo de
observação. Se o primeiro pretende conhecer os alunos em um amplo campo de variáveis, o que
permite ir acumulando uma informação valiosa para os momentos críticos; o segundo é de
especial aplicação para o estudo de casos, para situações problemáticas, já que permite – ao
registrar tudo o que ocorre durante um período determinado – compreender comportamentos
inadequados, conflitivos ou insatisfatórios.
As decisões de amostragem estão relacionadas com a natureza do fenômeno
(variabilidade/estabilidade), as características dos sujeitos (idade, problemática...) e o contexto.

118
A AVALIAÇÃO EM EDUCAÇÃO INFANTIL

• Os meios e técnicas a utilizar, sejam naturais ou artificiais, conhecidos ou desconhecidos para o


observado, fazem ou não parte dos mesmos processos que se submetem à observação. A isso
haverá que acrescentar os procedimentos de observação, registro, acumulação e organização dos
dados.

B) A importância do contexto

A observação pretende o estudo em condições naturais, o que resulta ser sua grande contribuição, ao
mesmo tempo que limitação. Entretanto, o que é a situação natural não é sempre facilmente definível na
medida que é preciso delimitar um campo de observação que não está isolado, mas que tem um marco de
referência, um contexto.

No campo focalizado pelo observador pode ser uma realidade em si mesma ou levar em consideração
o marco do que essa realidade faz parte; o que acontece é que tal marco pode tomar dimensões mais ou
menos amplas, em um processo quase até o infinito.

Assim, a conduta de um aluno pode ser estudada em si mesma, mas talvez convenha fazê-lo tendo em
conta suas relações com os colegas e o professor, ou com o sistema disciplinar da aula como pano de fundo,
ou com o contexto do clima do centro, ou conhecendo as características socioeconômico-políticas da
localidade, da comarca, da comunidade autônoma...e, ao mesmo tempo, com seus antecedentes históricos,
etc.

Uma importante decisão do observador se refere, neste ponto, ao enfoque mais ou menos
inclusivo/exclusivo de sua observação, com pleno conhecimento do valor condicionante de tal decisão. Com
efeito, quanto maior seja a exclusividade (portanto, em situações de mínima exclusividade), se dará maior:

- Padronização das condições de observação.


- Preocupação pela normatividade e as leis.
- Observação dos elementos preestabelecidos, incluídos nos instrumentos adequados. Enfoque a
priori, frente a uma codificação retrospectiva.

Hoje se pensa na complementariedade sucessiva de ambos os enfoques, começando pelo mais


inclusivo (qualitativo/interpretativo), sobretudo quando a observação tem uma finalidade de compreensão
profunda da pessoa de que se trate.

Contudo, e como sempre, a decisão sobre qual é o melhor não tem uma resposta única, pois como
afirmam Evertson e Green, referindo-se à pesquisa, sempre haverá que

... escolher, construir ou adaptar um instrumento, um método, um processo e um programa de


observação que sejam apropriados à pergunta formulada, ao contexto que rodeia o fenômeno e a
natureza desse fenômeno (p. 319).

C) O problema das técnicas e instrumentos

Afinal de contas, no final, todas as decisões prévias, tanto no campo de pesquisa observacional como
de qualquer outro tipo, se concretizam nas técnicas e nos instrumentos.

A qualidade dos dados depende, basicamente, de vários critérios a cumprir:

- A adequação à pergunta, objetivo ou hipóteses do trabalho.


- A riqueza dos dados permitida por técnicas e instrumentos.
- A confiabilidade que lhes possa atribuir.
- A validade dos dados fornecidos.

Estas exigências são tão fortes que, sempre que se possa, deveria tentar a complementariedade de
fontes junto à diversidade de técnicas (personificadas, como é óbvio, em diferentes instrumentos).

Entretanto, e pelo geral, no campo da aula a observação costuma realizar-se sobre a base de três
técnicas fundamentais: a ficha histórica ou incidente crítico, a lista e a escala de observação, além da referida
observação intensiva.
119
A AVALIAÇÃO EM EDUCAÇÃO INFANTIL

Se a primeira tem a ver mais com comportamentos chamativos, que podem chegar a ser sintomáticos
e significativos, e se manifesta mais apropriada para uma observação pontual, assistemática, ocasional – ainda
que adquira sentido se os episódios se constituem em históricos –, a lista é mais apropriada para uma
observação extensiva, sistemática, acumulativa. Algo similar podemos dizer da escala, que unicamente se
diferencia da anterior no tipo de valorização aplicada pelo observador: designação de um valor – em forma
numérica, gráfica ou descritiva – frente à mera indicação de se o traço ou comportamento se dá ou não.

10.6 CRITÉRIOS E REFERÊNCIAS PARA A AVALIAÇÃO

Temos indicado que avaliar consiste em analisar a informação obtida sobre um determinado objeto, a
partir de certos critérios e referências, frente à posterior tomada de decisões de melhora.

10.6.1 Critérios

Se a informação obtida pretende ser fiel reflexo da realidade, o critério é o princípio ou norma que
permite julgá-la e, em ocasiões, classificá-la ou selecioná-la.

Uma mesma realidade, como pode ser a conduta das crianças na aula ou no salão de jogos, um
desenho ou uma representação teatral, podem receber avaliações diferentes a partir dos diversos critérios que
lhe são aplicáveis, critérios que, por outro lado, convém precisar e explicitar, tanto para que quem tenha de
avaliar o faça a partir deles e não de outros como para que aqueles que serão avaliados saibam a que ater-se.

Obviamente, os critérios devem ser coerentes com as metas educativas. Não seria de estranhar que a
um profissional do futebol se estimule a realizar condutas que suponham engano (ao árbitro) ou prejuízo ao
contrário (se passa a bola não passa o jogador, dizia recentissimamente a defesa de uma das maiores equipes
espanholas), julgando-se e/ou selecionando-se a partir de sua habilidade em tais critérios. Entretanto, a
agressividade e o engano não deveriam ser objetivos para promover nem, portanto, critérios a utilizar para
avaliar o comportamento no campo de esportes de um colégio pré-escolar.

Do mesmo modo, os critérios podem também variar com a idade na hora de avaliar uma mesma
realidade: uma pequena composição pode ser avaliada nos primeiros anos pela ausência de repetições,
enquanto que anos mais tarde pode-se utilizar o critério da correção sintática, da complexidade dos parágrafos
ou da estética da linguagem.

Um desenho poderá ser avaliado pela segurança do traço, ou por sua originalidade, ou por sua
fidelidade ao modelo, ou pela variedade do colorido, ou pela pessoal composição a partir dos elementos
oferecidos..., e, conforme o caso, será conveniente potencializar alguns e relegar outros.

Os critérios, pois, podem variar em função de situações, ambientes, idade, funções..., mas em todo
caso é necessário que se tenham selecionado por sua relevância e adequação, que tenham sido definidos com
precisão e que se tenham dado a conhecer aos interessados.

10.6.2 Referências

Em ocasiões, o resultado da aplicação dos critérios pode submeter-se a um novo processo de


avaliação a partir de determinadas referências, sendo estas fundamentalmente três: a normativa, a criteriosa e
a personalizada.

No primeiro dos casos, a produção de que se trate se avalia por referência a outras que se tomam
como premissas, isto é, como uma espécie de regra para medir. A premissa é elaborada a partir das
produções realizadas por uma amostra de sujeitos que reúnem determinadas condições, como ter uma idade
concreta, estarem cursando determinados estudos, serem profissionais de certa categoria... Para o futuro, as
produções de uma pessoa pertencente a esse mesmo grupo, são avaliadas por comparação com as daqueles,
situando-as ao longo de um determinado contínuo: ocupar um determinado posto em escalas de 5, 10, 100
graus (encontrar-se no percentual 78 supõe que a produção avaliada supera as realizadas por 78% dos
sujeitos do mesmo grupo).

120
A AVALIAÇÃO EM EDUCAÇÃO INFANTIL

Obviamente, como já indicamos, a partir de um ponto de vista puramente pedagógico pouco tem a
dizer esta referência no nível de educação infantil.

A referência criteriosa supõe avaliar a produção de que trata – por exemplo, os resultados de uma
prova – não em relação às realizadas por outros, senão atendo-se à definição precisa do que se denomina o
domínio, que não é outra coisa que o conjunto de elementos que integram um determinado programa de
aprendizagem. Desta maneira, podemos estabelecer a situação “absoluta” (não relativa, como no caso
normativo) de um aluno em relação ao domínio, objeto do programa. Esta referência tem sentido pedagógico,
se bem que nesta etapa é mais para o professor – melhorar seu próprio programa – que para o aluno.

Por último, a referência personalizada tem a ver fundamentalmente com a pessoa, com cada pessoa,
como princípio de si mesma. Isto supõe que é preciso avaliar suas produções tendo como marco o conjunto de
seus condicionantes, tanto pessoais como familiares e ambientais, e se traduz ou em termos de progresso ou
do conhecido rendimento satisfatório.

Sua determinação ordinária, por parte do professor, supõe um exercício difícil, cuja qualidade não está
garantida nunca ou quase nunca – só com professores muito experientes -. Sua fixação técnica pode valer-se
da estatística, utilizando as correlações e as equações de regressão. Os leitores interessados podem recorrer
a obras como A pesquisa do professor na aula (V. Garcia Hoz e R. Pérez Juste), ou Diagnóstico, avaliação e
tomada de decisões, desta mesma coleção (R. Pérez Juste e J. M. Garcia Ramos).

10.7 INSTRUMENTOS

A enunciada necessidade de coerência entre os estabelecimentos do Projeto educativo do centro e


das correspondentes adaptações curriculares de um lado, e a avaliação de outro, parecem levar à
conveniência de que seja o próprio professor, sozinho ou em equipe, quem elabore seus próprios
instrumentos.

Entretanto, é preciso reconhecer tanto a falta de tempo para enfrentar este tipo de tarefas como a
carência de uma formação específica para a mesma.

Por isso, parece conveniente conhecer as propostas técnicas realizadas por pessoas que se
dedicaram ao tema; tal é a razão pela qual incluímos referências dos instrumentos existentes no mercado,
concernentes a esta etapa, como são as listas e as escalas. Junto a isso, se dão âmbitos especializados que
podem necessitar de instrumentos sumamente técnicos para fornecer informação valiosa ao professor, do tipo
de provas padronizadas; também fazemos referência a algumas das disponíveis.

10.7.1 Listas e escalas de observação

Um instrumento especialmente importante é o conjunto de escalas elaborado na Universidade de


Illinois por Karnes e outros, sob o título de Preschool Talent Checklist. Record Booklet (1978).

Abrange nove listas de observação, que incluem os seguintes aspectos: capacidade intelectual;
capacidade para a leitura, a matemática, a ciência; criatividade, habilidades sociais; capacidade para a música,
a plástica e a psicomotricidade. O seguinte quadro incorpora o primeiro elemento de cada uma das listas de
que consta.

Capacidade intelectual: Muito alerta e observante.


Capacidade para a leitura: Muitas vezes escolhe livros como uma atividade.
Capacidade para matemática: Mostra interesse por contar, medir, pesar e ordenar objetos.
Capacidade para a ciência: Examina os objetos cuidadosamente e/ou observa os acontecimentos
atentamente.
Criatividade: Muito inquisitivo, muitas vezes examina as coisas atentamente ou estabelece
numerosas questões.
Habilidade social: Adapta-se facilmente às novas situações.
Capacidade plástica: Mostra interesse pelo visual.
Música: Mostra interesse pelas atividades musicais.
Capacidade psicomotriz: Mostra interesse por atividades de motricidade fina.

121
A AVALIAÇÃO EM EDUCAÇÃO INFANTIL

Como tais, as listas de observação incorporam uma série de rubricas ou enunciados, ao que o
observador deve atribuir um número, segundo o grau de acordo – 5, máximo; 1, mínimo – para cada um dos
observados.

Outro instrumento de utilidade, dada a importância que concedemos à colaboração com a família, é a
escala de observação no lar, realizada no seio da citada Universidade.

Como tal escala, os pais devem atribuir uma pontuação em cinco categorias; o 0 indica a total
ausência da conduta em seu filho, enquanto que o 4 representa que sempre se dá.

A escala conta com seis blocos: Atitudes e hábitos – que inclui os de independência, iniciativa,
autoconfiança, persistência, autocontrole e concentração –; agudeza sensorial e percepção – que incorpora o
sentido da ordem e a capacidade de observação –; inteligência – com dois elementos: curiosidade e
resolução –; socialização, criatividade e coordenação motora.

Em nosso país, contamos com uma série de escalas de observação, como a de hábitos de trabalho ou
a de comportamento pessoal e social, editadas pelo IEPS, ou a Escala de comportamento, de Juan García
Yague. As três são escalas descritivas, isto é, cada item está formado por uma série de enunciados
hierarquizados em forma ordinal, e o observador deve marcar aquele que mais se aproxima à situação da
pessoa observada.

10.7.2 Provas padronizadas

Junto a estes instrumentos de observação, no âmbito do pré-escolar, se dispõe de toda uma série de
tipo mais ou menos padronizado ligada, tanto à inteligência e às aptidões em geral quanto à aprendizagem,
aos âmbitos da personalidade e das relações humanas.

10.7.2.1 Aptidões

A) No campo da inteligência tem sido clássica a prova WPPSI, devida a D. Wechsler. Entretanto, está-
se abrindo caminho nos últimos tempos e logo será editada na Espanha, a prova K-ABC, de A. S. Kaufman e
N. L. Kaufman, na realidade, uma bateria para a avaliação tanto da inteligência como de certos conhecimentos,
aplicável a crianças normais e especiais, entre dois e doze anos.

Os principais elementos constituintes desta bateria podem ser encontrados na tabela seguinte:

Área Subtestes Idade

Processamento Repetição de números A partir de 2a. 6m.


seqüencial Ordem de palavra A partir de 4a.
Movimento de mãos A partir de 2a. 6m

Processamento Janela mágica A partir de 2a. 6m


Simultâneo Reconhecimento de rostos A partir de 2a. 6m
Fechamento gestáltico A partir de 2a. 6m
Triângulos A partir de 4a.
Matrizes análogas A partir de 5a.
Memória espacial A partir de 5a.
Série de fotos A partir de 6a.
(1)
Processamento
Mental composto Vocabulário expressivo A partir de 2a. 6m
Conhecimento Rostos e lugares A partir de 2a. 6m
Aritmética A partir de 3a.
Adivinhações A partir de 3a.
Leitura (decodificação) A partir de 5a.
Leitura (compreensão) A partir de 7a.
Escala não verbal (2)

(1) Processamento seqüencial mais processamento simultâneo.


(2) Subteste dos anteriores que podem ser aplicados por meio de gestos, e resolvidos de forma motora para sujeitos aos
quais não se pode aplicar a forma ordinária. A integram os subtestes 3,5,7,8,9 e 10.
122
A AVALIAÇÃO EM EDUCAÇÃO INFANTIL

B) Outra prova de inteligência, aplicável na etapa pré-escolar, é a bateria BADYG-E, de C. Yuste,


editado por CEPE. Permite avaliar tanto a inteligência geral verbal como a não-verbal, e o fator geral “g” ou
amadurecimento intelectual.

O fator de Inteligência geral verbal resume as pontuações de diversos subtestes: habilidade mental
verbal, compreensão verbal e aptidão numérica. Por sua parte, o fator de Inteligência geral não-verbal está
integrado pelos subtestes de habilidade mental não-verbal, raciocínio lógico e aptidão espacial.

A bateria, que apresenta seis níveis – gráficos A, B, e C; elementar, médio e superior -, é adequada em
seu primeiro nível – o gráfico A – para os quatro e cinco anos de idade.

C) Por último, vamos descrever uma prova de caráter especial já que, em vez de enfrentar-se com
uma média estática da inteligência, pretende fazê-lo a partir da perspectiva das possibilidades de melhora.
Trata-se da Avaliação do potencial de aprendizagem – EPA -, editada por MEPSA, e devida a Fernández
Ballesteros e outros.

A idéia se deve a Reuven Feuerstein, autor do Programa de enriquecimento instrumental - PEI -,


orientado a provocar “mudanças de caráter estrutural que modifiquem o curso e a direção do desenvolvimento
cognitivo” (Nickerson, p. 179). Para apreciar a capacidade de modificabilidade, Feuerstein e seus
colaboradores desenvolveram sua LAPD - bateria para a avaliação do potencial de aprendizagem -, que
aprecia, nas palavras de seu autor, “a quantidade de mudança que teve lugar, não nos conhecimentos da
criança, não em suas destrezas ou habilidades, mas em sua capacidade para aprender” (“Modificabilidade
cognitiva”, Sigla 0).

A última edição espanhola tem base nos cinco anos, ainda que os autores advirtam a possibilidade de
utilização em momentos anteriores sempre que se cumpram determinadas condições.

Seu enfoque é o próprio do potencial de aprendizagem, isto é: pré-teste, treinamento, pós-teste, já que
o que pretende é averiguar o incremento nas pontuações em um teste – neste caso no Reuven – depois do
oportuno treinamento. Seu material está integrado por 132 diapositivos nos quais se agregam 68 problemas
que constituem seu conteúdo.

10.7.2.2 Provas de caráter pedagógico

Incluímos neste bloco algumas provas de aplicação e utilidade ordinária nas aulas.

A) Conceitos básicos

Outra técnica, de amplo uso e de notável valia, é o conhecido teste de Boehm de conceitos básicos,
Sua autora, Ann E. Boehm, se centra na identificação dos conceitos básicos que são
conhecidos/desconhecidos pelas crianças, a partir dos quatro anos. Seu caráter eminentemente básico faz
com que o desconhecimento dos mesmos possa dar lugar a fracassos acadêmicos, quando o professor utiliza
algumas palavras que não evocam significado algum a seus alunos.

A prova está desprovida de linguagem e resulta muito amena para as crianças, o que é quase uma
garantia de seu interesse. Os conceitos que a prova obtém se organizam em torno a espaço (localização,
direção, orientação e dimensões), quantidade e número, tempo e outros (não enquadrados), se bem que no
próprio manual se nota a dificuldade para uma autêntica classificação (exclusividade na destinação às
categorias).

Entre os conceitos analisados, 50 no total, aparecem os de cima, dentro, ao redor, metade, quase,
lado, começado, nunca, debaixo, em ordem, adiante, vazio..., que, como pode ser compreendido, são de uso
habitual nas aulas.

B) Prova de vocabulário

O Teste de vocabulário em imagens Peabody, editado por MEPSA, consta de 150 lâminas – os itens
da prova – e cinco lâminas de treinamento prévio. Mede vocabulário auditivo, já que a tarefa do sujeito consiste
em escolher, em cada lâmina, uma das quatro ilustrações, aquela que para ele representa melhor o significado
da palavra falada de que trata.

Suas duas aplicações fundamentais são as de exploração da aptidão escolar e de rendimento em


vocabulário. A fixação de sua aplicação acontece aos dois anos e meio.

123
A AVALIAÇÃO EM EDUCAÇÃO INFANTIL

C) Aptidões para a aprendizagem

R. E. Valett é um autor muito preocupado pela aprendizagem e seus problemas, muito conhecido em
nosso país é seu livro sobre Tratamento dos problemas de aprendizagem, editado em 1982, por Cincel-
Kapelusz.

A Valett se deve o teste destinado à Avaliação do Desenvolvimento das aptidões básicas para a
aprendizagem, editado por TEA, em 1983.

Como se afirma no manual, seu principal objetivo é o de “ajudar a estabelecer planos de aprendizagem
individualizados”. E acrescenta:

É previsível que sua aplicação resulte de grande utilidade no trabalho com crianças que apresentem
problemas específicos de aprendizagem, e também no desenvolvimento de programas de educação
preventiva ou terapêutica.

A melhor utilização desta prova que, dado seu caráter meramente orientador, não apresenta
premissas, é servir de base para programas educativos elaborados, na maioria dos casos, pelos próprios
professores, a partir da informação oferecida sobre possibilidades, carências e disfunções. Nos casos de maior
especificidade, os editores recomendam a citada obra do autor como guia para tais programas.

A prova pode ser aplicada a partir dos dois anos, e abrange os seguintes aspectos: integração motriz e
desenvolvimento físico, discriminação tátil, discriminação auditiva, coordenação visomotora, discriminação
visual, desenvolvimento da linguagem e fluência verbal, e desenvolvimento conceitual.

D) Provas relacionadas com a leitura-escrita

Um dos campos fundamentais de educação infantil, sobretudo no segundo ciclo – quatro e cinco anos
– tem a ver com a preparação para as grandes técnicas instrumentais da leitura e da escrita.

Reversal teste. Para a avaliação da maturidade para a leitura se conta com o Reversal teste, de
Edfeldt, uma das provas mais utilizadas a partir dos três anos e meio. A prova se centra em duas funções:
percepção de formas, e estruturação e posição espacial das figuras. O conteúdo da prova ordena 84 pares de
figuras emparelhadas, em função de critérios tais como a identidade, a simetria, seja esta vertical ou horizontal,
ou as diferenças.

Teste A. B. C. junto com o Reversal, o Teste A. B. C., de Lourenço Filho, é uma prova destinada a
medir a maturidade para iniciar a aprendizagem da leitura, algo que realiza através de oito subtestes
destinados a diagnosticar aspectos como a coordenação visomotora, motriz e auditivo-motriz; cópia de
inversão, memória visual e auditiva, atenção dirigida, capacidade de resistência à fadiga, e vocabulário e
compreensão geral. A prova, aplicável a partir dos quatro anos, tem sua verdadeira utilidade nos exercícios
corretivos desenvolvidos a partir do diagnóstico.

Bateria preditiva para a aprendizagem da leitura. A bateria, aplicável a partir dos quatro anos, se deve
a André Inizan, estando orientada a estabelecer o tempo necessário para realizar esta aprendizagem, assim
como as diferentes dificuldades experimentadas pelas crianças nos fatores subjacentes à aprendizagem da
leitura. Oito são, também, as sub-provas, que integram esta bateria, agrupadas em três grandes blocos:
organização do espaço, que incorpora a cópia de figuras de tipo geométrico, o reconhecimento de diferenças
entre desenhos e a construção de desenhos (cubos de Kohs); linguagem, integrado por provas de recordação
imediata de nomes e histórias e de articulação; e organização temporal, composta por provas de imitação e
repetição de ritmos, e de cópia de estruturas rítmicas.

E) Teste guestáltico visomotor

Bender elaborou esta prova para apreciar o nível de maturidade na percepção visomotora das crianças
a partir dos cinco anos. Pode ser utilizado como prova de maturidade mental em casos de crianças atrasadas;
do mesmo modo, pode ser utilizada como prova de habilidades aprendidas, capaz de detectar a experiência e
a motivação ante tarefas com papel e lápis.

A prova, que está estabelecida em intervalos de seis meses, consta de nove cartões com desenhos
abstratos que devem ser copiados pelas crianças em uma folha em branco.
124
A AVALIAÇÃO EM EDUCAÇÃO INFANTIL

10.7.2.3 Provas de personalidade

Dado nossos estabelecimentos sobre a necessidade de um conhecimento o mais amplo e


compreensivo possível do pré-escolar, parece conveniente incorporar a personalidade como âmbito de estudo,
com pleno conhecimento das limitações próprias destas técnicas, sobretudo em idades precoces. Para sua
avaliação se recorre ao que Cronbach (p.56) denomina provas de “conduta típica” (para distingui-los dos de
“capacidade máxima”), enquanto Kerlinger (p.512) reserva para elas a denominação de escalas para
diferenciá-las das autênticas provas (nas quais as respostas dos sujeitos conduzem a situações de êxito – se
superam – ou de fracasso).

A) Questionário de personalidade E.S.P.Q

A Coan e Catell se deve este questionário, integrado por treze traços de primeira ordem e dois de
segunda, adequado para crianças em torno de cinco anos em diante.

Uma aplicação fundamental deste instrumento pode ser a avaliação da adaptação ao ingresso no
centro educativo, alcançando uma idéia compreensiva da estrutura da personalidade da criança.

B) Conhecimento do próprio corpo

Paralelo com umas das áreas ou âmbitos de experiência do currículo de educação infantil, e com o
primeiro dos grandes objetivos – descobrir, conhecer e controlar progressivamente seu próprio corpo... – ainda
que seu conteúdo seja muito mais amplo, se encontra a prova de Daurat-Hmeljak, Stambak e Bergès, editada
por TEA, denominada Teste do esquema corporal, aplicável a partir dos quatro anos.

A natureza da prova é a construção, ficando relegadas se não eliminadas, a motricidade, os fatores


intelectuais e a linguagem.

A prova parece adequada para crianças que apresentam dislexias, disbasias, atraso motor, dispraxias,
dificuldades de lateralização, atrasos intelectuais ou estados psicóticos ou presicóticos.

C) Desenvolvimento social e pessoal

Dificilmente classificável em nossa estrutura é a prova de Gunzburg destinada à avaliação do


progresso no desenvolvimento social e pessoal, PAC.

O PAC informa sobre o grau em que se dá a presença de certas habilidades sociais, ordenadas em
forma crescente, atendendo à sua dificuldade e utilidade. As habilidades referidas se referem à independência
pessoal, à ocupação, à socialização e à comunicação.

O PAC permite uma avaliação qualitativa, mas também oferece um Índice da avaliação do progresso –
PEI –, que permite comparações, assim como o Índice de competência social – SCI.

10.7.3 Outros instrumentos

Além dos já relacionados, se encontra no mercado uma grande variedade de provas distribuídas entre
outras casas por CEPE, TEA, MEPSA.

Citaremos, entre elas, a Escala de desenvolvimento, de Kaufman, aplicável até os nove anos, centrada
nas habilidades motoras, na conduta pessoal e interpessoal, na conduta receptiva e na expressão; a prova de
Estimulação precoce, de Zulueta e Molla, destinada a detectar possíveis atrasos maturativos até os dois anos;
as Provas analíticas para o exame psicológico da idade pré-escolar, de L. Aufaure, aplicável a crianças entre
três e seis anos, centradas em vocabulário, grafismo, motricidade manual e lateralidade; ou o Guia Portage de
educação pré-escolar, de S. Bluma e outros, cuja meta é o planejamento de programas orientados ao êxito de
habilidades, após haver realizado a oportuna avaliação do comportamento das crianças de até seis anos.

Às anteriores provas, editadas por MEPSA, podem se acrescentar outras, como a de Dislexia,
aplicável a partir dos cinco anos e destinada a apreciar as dificuldades em leitura-escrita, fazendo parte da
bateria editada por EOS.
125
A AVALIAÇÃO EM EDUCAÇÃO INFANTIL

10.8 COMO CONCLUSÃO

A avaliação neste nível é algo especialmente necessário para o professor – indiretamente para a
família por sua função educadora – tanto para ir conhecendo a criança, cada vez em aspecto mais amplos e
com maior profundidade, como para, a partir daí, potenciar suas características positivas, estimular o correto
desenvolvimento e enfrentar suas limitações mediante programas inicialmente acomodados e
progressivamente ajustados a suas necessidades e características.

Na medida em que a avaliação se centra, de maneira fundamental, nas atividades – observação de


processos e análises de tarefas –, é um meio básico para sua melhora e, através delas, de aperfeiçoamento,
desenvolvimento e potenciação de todos e cada um dos educandos.

126
VISITA A UMA ESCOLA INFANTIL QUE DESENVOLVE O SEGUNDO CICLO

APÊNDICE A: VISITA A UMA ESCOLA INFANTIL


QUE DESENVOLVE O SEGUNDO CICLO

Carmem Ibáñez Sandín

O interesse que nestes últimos anos está suscitando a educação infantil em nossa sociedade, nos
oferece a melhor oportunidade para fazer valer os direitos das crianças pequenas.

Cobrir suas necessidades básicas; desenvolver-se física, intelectual, social e moralmente; aprender
significativamente; jogar; relacionar-se; ser autônomo, observar e explorar; expressar seus sentimentos;
conhecer e despertar para um mundo complicado para ir selecionando, ao próprio ritmo, o que melhor se
adapta à sua forma de ser; ser feliz, gozando de sua infância e facilitando-lhe o trânsito adequado à seguinte
etapa educativa.
Atualmente, países como o nosso enfrentam um desafio importante: atender as necessidades e as
demandas da infância e das famílias a partir de uma perspectiva não só assistencial, mas com
estabelecimentos educativos refletidos em um currículo, em projetos educativos e em programações.

Existe grande quantidade de centros com experiências “piloto” em educação infantil que desenvolvem,
de forma inovadora e eficaz, projetos ou programas educativos de qualidade para crianças de zero a três anos
e de três a seis anos; ciclos nos que se dispuseram dividir esta etapa educativa, zero a seis anos, antes da
escolaridade obrigatória (Lei Orgânica 1/1990, de 3 de outubro, de ordenação geral do sistema educativo). Não
obstante, estes “modelos” não estão generalizados e é tarefa de todos os responsáveis em educação infantil
(pais, mestres, sociedade e Estado) oferecer aos meninos e meninas uma atenção a suas necessidades, um
desenvolvimento harmônico íntegro, uma educação de qualidade, e uma infância feliz na qual permita ao
menino ser ele próprio e a menina ser ela própria.

Este é o rumo que algumas escolas infantis têm marcado em seus projetos educativos e tratam de
conseguir. Nestas páginas vamos conhecer como o faz uma delas.

1. VISITA DURANTE UMA SEMANA À ESCOLA INFANTIL DE TRÊS A SEIS ANOS

É natural que um adulto, distanciado do mundo infantil, quando entra em um centro educativo de
crianças pequenas se veja gratamente surpreendido pelo que encontra ali: o colorido, os pequenos móveis, a
decoração... e sobretudo “as crianças pequenas” que são o mais bonito dos enfeites. Mas é fundamental
aprofundar e conhecer como é essa escola infantil.

Em primeiro lugar, e preliminar à visita propriamente dita, tem-se de conhecer os fundamentos que
esta escola infantil plasma em:

a) O projeto educativo que:


- Proporciona o marco global do centro.
- Permite a atuação coordenada da equipe docente.
- Analisa o contexto da escola.
- Estabelece os princípios educativos gerais que são orientadores e inspiradores de todas as
atuações que na escola se realizam, e
- Explica a organização e a gestão do centro.

b) O projeto curricular do centro, no que:


- Contextualizam-se os objetivos e conteúdos gerais, sequenciando-os e organizando-os ao longo
do ciclo de três e seis anos.
- Refletem-se aspectos metodológicos, desenvolvimento de experiências e possibilidades de
aprender o que oferece a escola.
- Indicam-se pautas de organização de espaço e tempo.
- Descrevem-se materiais educativos que são utilizados, e
- Estabelecem-se os critérios de avaliação.
127
VISITA A UMA ESCOLA INFANTIL QUE DESENVOLVE O SEGUNDO CICLO

Este projeto curricular se desenvolve em

c) As programações do ciclo (3-6 anos), em cuja elaboração participam todos os mestres


responsáveis e, por último, cada mestre e mestra, no marco destes projetos e programações,
realiza:

d) A própria programação que compila os processos de desenvolvimento em sua aula.

Dos projetos desta escola infantil são destacados os seguintes aspectos:

A equipe educativa

É a peça fundamental que sustenta o projeto da escola infantil: unifica critérios, faz acordos, pesquisa,
planifica, seleciona e organiza os conteúdos e as atividades em função dos objetivos que deve conseguir a
criança neste ciclo educativo.

Detecta-se uma linha coerente de atuação dentro da equipe que proporciona à criança uma atividade
autônoma e lhe transmite segurança.

É uma equipe que responde à mudança da sociedade e que, de forma consciente, aplica os princípios
gerais da educação infantil, mediante um plano adaptado às crianças que a cada ano crescem e mudam,
considerando-os diferentes uns de outros.

Todos e cada um dos componentes da equipe se situam voluntariamente no processo de ensino-


aprendizagem de seus alunos como facilitadores, observadores, informadores, esclarecedores e
acompanhantes; estabelece possibilidades educativas, cedendo o protagonismo a cada uma das crianças no
desenvolvimento e consecução das metas e objetivos. A ação do mestre é um ingrediente fundamental no
processo educativo das crianças, já que aumentam sua cultura pela experiência direta na qual interage de
forma eficaz e docente.

1.1 Avaliação

- Em primeiro lugar, o projeto curricular inclui uma série de medidas para sua própria avaliação, de
forma que, depois de constatar os erros, permite introduzir novas variáveis para melhorar a ação e
a qualidade educativa que oferece o centro.

- Contempla-se a avaliação como um processo paralelo e simultâneo de cada um dos elementos do


projeto curricular, e é planejada consciente e sistematicamente para controlar os procedimentos,
os resultados e para elaborar conclusões em três momentos ao longo do curso:

- Avaliação inicial
- Avaliação contínua, e
- Avaliação final.

1.2 Os objetivos

Os objetivos gerais da etapa respondem aos formulados no R. D. 1330/1991 de 6 de setembro, pelo


que se estabelecem os aspectos básicos do currículo da educação infantil. A equipe educativa os adequa
dando prioridade a algum deles, em função das circunstâncias desta escola. Na redação das circunstâncias
desta escola. Na redação dos objetivos tem-se acrescentado e matizado alguns aspectos que, no conceito dos
professores, eram fundamentais.

1.3 Os conteúdos e as aprendizagens

Estão coerentemente seqüenciados em função dos objetivos previstos. Os conteúdos e a forma de


desenvolvê-los estão enfocados para uma aproximação entre os temas e tarefas da escola, e a cotidianiedade
que vive a criança em seus diferentes ambientes.

128
VISITA A UMA ESCOLA INFANTIL QUE DESENVOLVE O SEGUNDO CICLO

Os conteúdos se traduzem em atividades ou projetos a realizar pelas crianças, o que conduz às


diferentes aprendizagens. As crianças, estimuladas pelo mais próximo e conhecido, experimentam, adquirem
procedimentos e realizam pequenas conquistas progressivas que lhes facilitam a generalização dos novos
conceitos em outros momentos de sua vida.

Na estrutura ou marco de trabalho, que estabelece a escola, ressalta a importância da iniciativa da


criança, em uma aprendizagem ativa que dá protagonismo à resolução de problemas e à tomada de decisões.
Têm-se em conta as tão diferenciadas características individuais das crianças e também que existem, em cada
etapa do desenvolvimento, alguns períodos mais apropriados que outros para que certas aprendizagens sejam
conseguidas melhor e mais eficazmente.

De que se parte? O elemento central das aprendizagens na escola é a criança, por isto a equipe
docente parte do conhecimento profundo das crianças de três, quatro e cinco anos. Como são?; em que se
diferenciam evolutivamente?; quais são seus interesses?; o que a criança sabe quando chega à escola
infantil?

1.4 Princípios metodológicos

A equipe de educadores, em uma tarefa comum, tem acordados os princípios nos que se baseia sua
metodologia e, superficialmente, diremos deles que fazem referência:

- À organização dos espaços da aula e ambientação da escola, propiciando um clima agradável,


tranquilo e seguro.

- À abertura da aula para os meios sociais em que vive a criança.

- Às aprendizagens que se assentam nas experiências prévias e são significativas para a criança.

- Aos processos para conseguir os conteúdos mais instrutivos.

- À livre escolha de atividades por parte das crianças.

- A respeito do erro e do acerto, já que ambos são elementos imprescindíveis do processo de


aprendizagem.

- A potenciar a criatividade, experiência, pesquisa e descobrimento.

- À atividade baseada no jogo.

- A atividade compensadoras para crianças que as necessitem.

- A atividades que partem da vida real, do que verdadeiramente interessa às crianças, e com
perspectiva globalizadora.

- A facilitar a interação de grupos e ajuda mútua.

- A transparência e clareza sobre o que se espera de cada criança para evitar-lhe confusões.

- À observação direta e sistemática como meio de avaliação.

1.5 A implicação familiar

Rechaçar o direito dos pais a compartilharem da tarefa educativa, e a que participem no âmbito
escolar, é considerado como uma grave agressão à educação infantil.

A contribuição da família é decisiva nesta escola e tem-se conseguido oferecendo canais de


participação muito organizados, pelos quais os familiares das crianças podem envolver-se na educação, de
forma:

- Presencial, auxiliando o centro em: laboratórios, ajudantes de classe, controlar fundos econômicos,
acompanhar nas saídas, contar contos, com a profissão... Falar de seu filho.
- Não presencial, que colaborem a partir do lar em preciosas e motivadoras atividades para todos
(crianças, pais e educadores).
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VISITA A UMA ESCOLA INFANTIL QUE DESENVOLVE O SEGUNDO CICLO

1.6 Atenção aos alunos especiais

Referente às crianças que necessitam de uma atenção especial, seja por deficiência ou por considerá-
los superiores ou mais talentosos, se desenvolvem programas adaptando o currículo a cada uma das
necessidades. Em sua elaboração, intervêm equipes externas ao centro e pessoal especializado (psicólogos,
pedagogos, assistentes sociais...).

1.7 Situações da prática educativa

A organização dos conteúdos, e as tarefas que a criança realiza na escola infantil, gira em torno de
quatro eixos organizados ou estruturados:

- As rotinas (ou o cotidiano) estabelecidas em uma coerente distribuição de tempos. Estas rotinas
são conhecidas pelas crianças, lhes permitem saber que têm o que fazer e lhes proporcionam
segurança para atuar, com independência em suas atividades habituais.

- Os recantos de jogo e trabalho organizados nas aulas são um valioso recurso organizativo e
metodológico que facilita a consecução dos objetivos relativos a relações interpessoais, controle
pessoal, independência, autonomia nas tarefas da aula, observar, representar simbolicamente,
utilizar a linguagem, expressão, etc. e desenvolver nas crianças atitudes positivas de respeito,
iniciativa, interesse, ajuda e colaboração, confiança, aceitação de normas, etc.
Nesta escola se estabelecem os lugares de:

- o tapete - disfarces e marionetes


- construção - experiências, natureza
- os segredos - materiais descontínuos
- jogo simbólico - plástica
- jogos de casa - das letras
- de lógica matemática

O número deles, sua organização e funcionamento estão bem delimitados, segundo as idades das
crianças.

- As unidades didáticas e projetos infantis. Estão programados com o fim de organizar e propor às
crianças aprendizagens que requeiram a inclusão simultânea de conteúdos de distinto tipo e
distintas áreas.
As atividades que se planificam dentro de cada unidade didática configuram pequenos projetos
interessantes para a criança que, com um enfoque globalizador, perseguem um ou vários objetivos
educativos. Nesta semana se empreende “O mundo da cor” cujo objetivo é incitar a criança para
que observe e explore seu ambiente imediato com curiosidade, identificando novas cores e
gamas, as relacione e diferencie e as utilize de forma criativa com os recursos e meios a seu
alcance para enriquecer suas possibilidades expressivas.
- Os laboratórios, a atividade que se realiza nos laboratórios é uma atividade chave para o
funcionamento das aulas da escola infantil, posto que nestes as crianças, dirigidas pelos adultos,
aprendem as técnicas básicas, os procedimentos e como utilizar os instrumentos. Estas aquisições
permitem estabelecer na aula tempos de trabalho livre nos que as crianças podem empregar esses
recursos de forma autônoma e criativa.
As responsáveis dos laboratórios são mães e professoras. Estes dois grupos de adultos,
organizados com fins educativos, transmitem à criança confiança em si mesma, já que se adaptam
às capacidades individuais de cada criança e esta aprende a dirigir-se a elas sem temores e a
pedir com confiança a ajuda que necessita no momento preciso. A cada laboratório acude um
grupinho de crianças das diferentes classes de três, quatro e cinco anos, portanto, as crianças se
interrelacionam em um âmbito mais diversificado e se acostumam a perceber e aceitar, com
respeito, as características e qualidades dos outros.

1.8 Tempos

Além das atividades obrigatórias para todas as crianças, a escola propicia tempos rígidos que
permitem a criança sentir-se segura, organizando suas próprias atuações em pequenos projetos. Propõem-se
conseguir que atue de forma cada vez mais autônoma. Respeitar as iniciativas da criança, que se desenvolva
em seu ritmo pessoal e adquira confiança em si mesmo.
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VISITA A UMA ESCOLA INFANTIL QUE DESENVOLVE O SEGUNDO CICLO

É uma proposta de distribuição de tempos, mediante a qual as crianças podem relacionar-se e


comunicar seu afeto a um grupo de pessoas (crianças ou adultos) que vai se ampliando pouco a pouco. Alguns
tempos nos quais a criança facilmente pode expressar seus interesses e suas necessidades sem momentos
rígidos nem inibidores. Tempos para que a criança observe livremente e explore, e para que identifique
características dos elementos que a rodeiam, interessando-se pelos mais significativos para ela, os quais,
normalmente, não são exatamente os mesmos para todas as crianças.

Permite-lhes que evoquem e representem aspectos da realidade pelo jogo simbólico e outras formas
de representação.

- A escola potencia situações ao longo da jornada nas que se estimula a criança a falar, expressar
suas idéias e experiências, contar coisas a seus colegas e aos mestres.

- São tempos livres, mas estruturados, que ajudam a criança a regular sua própria conduta, que
permitem enriquecer suas possibilidades de atividades e de utilização de recursos em função de
sua capacidade e de sua forma pessoal de ser.

1.9 O protagonista da semana

É a atividade flexível que articula conteúdos das três áreas do currículo, se destacam por sua
variedade, os relativos a conceitos:

- O corpo humano
- A saúde e cuidado de si próprio e as possibilidades expressivas do corpo.
- A identificação de sensações e emoções próprias e dos demais.
- As atividades da vida cotidiana.
- As normas elementares.
- Todo o relacionado com a família e a moradia.
- As diferentes paisagens e tempos atmosféricos.
- Os trabalhos dos homens e mulheres.
- Os momentos de ócio e lazer com as famílias.
- Os objetos cotidianos.
- Os animais e as plantas de seu ambiente.
- A linguagem oral, as necessidades e situações de expressão e comunicação.
- O texto escrito como meio de informação.
- A leitura e interpretação de situações por imagens fotográficas.

No desenvolvimento desta atividade eixo de “O protagonista da semana” também se vinculam


conteúdos procedimentais e se integram conteúdos atitudinais.

O funcionamento da atividade se realiza como uma a mais englobada na dinâmica da escola infantil.
Facilita estabelecer laços de união escola-família. Substitui as clássicas programações da família, a casa e o
corpo humano.

As aprendizagens que a criança obtém, aproveita significativamente porque partem de situações


conhecidas por ela, mostrando assim uma atitude favorável à atividade, porque se sente importante
comunicando a seus colegas como é a situação que rege sua vida familiar e porque percebe que os colegas a
atendem e a consideram.

É facilmente avaliável tanto o desenvolvimento da atividade como as diferentes capacidades que a


criança desenvolve.

Para a professora ou o professor supõe uma ampla gama de informação acerca da criança, de seus
gostos, preferências, aceitação ou rechaço por parte de seus colegas, maturidade, dependência da família ou
autonomia, etc. Podendo intervir para provocar na criança raciocínios que a ajudem a organizar seus
esquemas, a aprender e a desenvolver-se.

131
VISITA A UMA ESCOLA INFANTIL QUE DESENVOLVE O SEGUNDO CICLO

O desenvolvimento da atividade se produz durante uma semana com cada menino ou menina da
classe, todos vão ser o protagonista da semana e todos os dias se aborda em um momento da manhã. Pelo
interesse que suscita se descreve na explicação correlativa dos cinco dias, ou seja, durante todo o tempo da
“Visita à escola infantil”.

1.10 A psicomotricidade na escola infantil

A psicomotricidade na escola está presente na maioria das atividades que é oferecida às crianças.
Satisfazem suas necessidades motrizes sem entorpecer a tarefa dos outros. Utilizam materiais que, além de
requerer imaginação, permitem desenvolver a educação motriz mais fina. Ao ar livre realizam movimentos
grossos necessários para utilizar os aparelhos de jogo, etc.

Não obstante, esta escola infantil programa sessões de educação motriz para que, de forma mais
sistemática, a criança descubra possibilidades com seu corpo. Estas sessões se realizam em uma aula de
psicomotricidade, em grupos médios de classe a que recorrem segundo alguns turnos estabelecidos. Durante
esta semana se realizam numerosos jogos e exercícios concernentes às cores.

2. COMEÇA A VISITA

O fio condutor das atividades durante a semana é a unidade didática de “O mundo da cor”,
simultaneamente com a atividade flexível da escola “O protagonista da semana”.

2.1 Segunda-feira

2.1.1 Entrada na escola: a motivação, o impacto a saída

As crianças, ao chegarem à sua escola pela manhã, se vêem surpreendidas pelo aspecto geral que
observam: a cor está por todos os lugares. Um arco-íris enfeita o hall da escola, pelos corredores há bandeiras
e globos, de muitas e brilhantes cores, que se dependuram do teto, são de tecido, de papel... Os vidros das
janelas mudaram de cor. Há um grande painel com lâmpadas de oito cores diferentes que se acendem e se
apagam à vontade. Trajes, capas e gorros pendurados pelas paredes.

Os professores observam e anotam as reações das crianças. Há muita alegria.

2.1.2 As rotinas proporcionam segurança

As crianças começam a realizar as tarefas de rotina ou cotidianas com verdadeira autonomia:


• Entram em suas respectivas salas e, enquanto comentam entre eles suas coisas, ou se
aproximam do professor ou professora para contar algum detalhe, penduram suas peças de
agasalho nos cabides.

• Guardam no “Caixote dos segredos” o brinquedo ou objeto que trazem de casa e não querem
compartilhar. Para as crianças pequenas são elementos que as unem ao lar e quando sentem
necessidade recorrem a ele. Só os emprestam às pessoas de sua maior confiança (crianças ou
adultos). Este “caixote dos segredos” é respeitado por todos e ninguém poderá abrir um caixote
que não seja o seu. A professora ou professor também tem “caixote dos segredos”.

• Cumprimentam-se, adulto/criança e criança/criança. Cumprimentar-se com um aperto de mãos é


uma rotina importante porque cada menino e menina:

- Assume o cumprimento como uma norma de cortesia.


- Aprende fórmulas corretas de cumprimento.
- A criança se sente próxima do adulto e percebe a pressão de sua mão.
- Vence a timidez ao ter que realizar o cumprimento olhando-se nos olhos.
- Todos, crianças e professores, colocam um bracelete na mão de cumprimentar (para todos,
destros ou canhotos, é a direta) e o mantém colocado durante as atividades da manhã. Ainda que
cada criança utiliza sua mão dominante, todos sabem que o levam em sua mão direita.
132
VISITA A UMA ESCOLA INFANTIL QUE DESENVOLVE O SEGUNDO CICLO

É um simples procedimento para o descobrimento e progressivo afiançamento da própria


lateralidade. Desenvolvendo-a, livremente, em situações cotidianas da escola e nos jogos
corporais dirigidos.

• A oportunidade de encontrar-se. Todos os dias meninos e meninas da escola infantil, junto com
seus professores/as, recorrem a um espaço onde se relacionam com os colegas de outras classes
e idades. É interessante observar como seu âmbito de amizades se amplia. Como se convertem
em seus amigos algumas crianças de outras classes. Como as crianças maiores “entendem” e
ajudam os pequenos. Como aprendem a se gostarem.
Neste momento, cantam-se canções infantis populares, folclóricas, apropriadas à unidade didática
que se estuda. Em nosso caso, a de “O mundo da cor”. Surpreende a grande quantidade de
canções que as crianças da escola infantil chegam a aprender. Como as memorizam, entoam,
pronunciam e gesticulam.

• A reunião em assembléia. É o momento das crianças de cada classe, com o fim de organizar a
atividade do dia entre todos.
A primeira assembléia, à que têm que recorrer todos os meninos e meninas, se desenvolve em um
espaço amplo da classe com um tapete sobre o qual se sentam, ao redor, os meninos, as meninas
e a professora.

Reunidos em assembléia ocorrem coisas importantes como estas:

- Controle das ausências. Cada manhã são recordados os nomes dos ausentes. (A ajuda das fotos
é necessária aos três anos). Tomam-se decisões, em função da duração das ausências, com o fim
de obter informação: telefonar, escrever (desenhos, trabalhos...), etc.

- Calendário. Diz qual é o dia da semana. Observa-se o tempo atmosférico e a criança protagonista
da semana o relaciona com o símbolo correspondente que coloca no calendário de controle do
tempo: “Hoje é segunda-feira e há nuvens”. Nas aulas dos maiores se repete também o mês e o
ano.

- Começa a atividade de “O protagonista da semana”. Às segundas-feiras, a criança protagonista


explica as fotos que traz à classe. À vista destas fotos, que escolheu com ajuda de sua família, a
criança reconhece e recorda o tempo vivido e relata a curta história de sua vida. Ao terminar, as
fotos são colocadas no mural de “O protagonista” por ordem cronológica.
Nas classes dos maiores, se escreve, à vista das crianças, o texto do que o protagonista relata
sobre cada foto.

- A unidade didática “O mundo da cor”. Fazem-se comentários e perguntas sobre a unidade didática
que começa. Quais foram suas impressões ao entrar na escola, detectam-se expectativas. O que
pensam as crianças sobre o que vão aprender durante a semana. E, por último, o professor/a lhes
expõe a atividade da manhã.

- A saída. Uma saída que foi cuidadosamente planejada pela equipe educativa.

2.1.3 Conhecer o ambiente

A saída ao redor da escola é imprescindível para observar o colorido de seu ambiente; buscar as
cores, identificando as coisas que são do mesmo tom; compilar objetos coloridos que possam ser fixados nos
cartazes das cores. Trata-se, em definitivo que a criança observe e explore o ambiente imediato com uma
atitude de curiosidade e cuidado, identificando as características e propriedades mais significativas dos
elementos que o ajustam e algumas das relações que se estabelecem entre eles. (Objetivo do segundo ciclo
da etapa, R.D. 1333/1991 pelo que se estabelece o currículo da educação infantil).

2.1.4 Volta à classe para organizar e estudar os resultados obtidos

Ao voltar à classe, as crianças observam e manipulam os materiais compilados com o fim de descobrir
seus atributos. Cada um conta os seus, os classifica pelas cores e realiza correspondências nas cartolinas
coloridas que estão colocadas nas paredes com seus respectivos textos: todo vermelho, todo verde, todo
marrom, etc. As crianças fixam seus objetos, com fita adesiva, no cartaz da cor correspondente.
133
VISITA A UMA ESCOLA INFANTIL QUE DESENVOLVE O SEGUNDO CICLO

- Estudam as coisas que trouxeram e a possibilidade de serem utilizadas nos recantos de jogos.

- Recordam as cores que viram e as mais frequentes de seu ambiente, assim como as que não
localizaram e conhecem.

- Começam a compor “O livro das cores” com imagens da mesma cor que recortam das revistas e
com objetos planos que podem ser fixados em uma folha. Cada folha do livro reúne as coisas da
mesma cor, com o nome da cor escrito e, também, a palavra que designa o objeto.
As páginas do livro se numeram e se conservam cuidadosamente em plásticos e em fichários.
A professora ou o professor coloca o título “O livro das cores” e o nome do autor nas capas do
livro.
Esta atividade pode ser completada ao longo da semana.
Em todas as classes da escola há muitos livros realizados pelas crianças. Todos com a premissa
descrita.

- Assembléia de recompilação. Um esforço por recordar:

• O passado. É a fase de recompilação. Realiza-se uma pequena reunião. As crianças falam em


relação ao programa desta manhã e aproveita-se a ocasião para que o diferenciem do resto das
manhãs que não saem da escola.

• O que não há de esquecer. A professora recorda o material que as crianças têm que levar à tarde
a alguns dos laboratórios: ao de cozinha, um ovo. Ao de modelagem, farinha e sal. Ao de pintura,
farinha. O resto dos materiais que necessita o prepara as encarregadas dos laboratórios.

• É o tempo de compilação. As crianças deixam a classe ordenada, lavam e secam as mãos


corretamente, arrumam os cabelos e passam colônia, colocam seus agasalhos e... vamos comer!

2.1.5 Jornada da tarde

As atividades que programam para a sessão da tarde são diferentes a cada dia, exceto às segundas e
às quintas-feiras que realizam os laboratórios cuidadosamente estruturados.

As crianças aprendem através do descobrimento, mas não podem esquecer o ensino dirigido e
seqüenciado de alguns conteúdos e técnicas. É necessário ensinar às crianças habilidades específicas e
informações concretas.

Elabora-se uma ficha de cada laboratório e técnica que serve de guia às encarregadas de dinamizá-lo.
Nela se assinalam: objetivos, desenvolvimento da técnica, habilidades e materiais necessários.

Nos laboratórios feitos durante as semanas em que se trabalha “O mundo da cor”, se preparam
aprendizagens de técnicas nas quais, basicamente, trata-se da cor, por isso a equipe de docentes estabeleceu
em sua programação que a farinha, por ser de cor branca, vai ser um elemento importante para trabalhá-lo em
vários laboratórios e fazer com que se transforme em outras cores.

Nestas páginas se descrevem os laboratórios que, durante a semana de visita à escola infantil, se
realizaram, já que é um recurso importante, não só pelas aquisições e avanços que propicia nas crianças, mas
por estar implicados como responsável de laboratórios um grande número de mães.

2.1.6 Laboratório de modelagem

As crianças fabricam massas de modelar com farinha, sal e água, e as tingem de diferentes cores com
têmperas em pasta ou em pó, ou com líquidos de cores que substituem a água clara.

- Medem as proporções dos elementos que compõem a massa.


- Amassam e percebem em suas mãos uma textura nova que não conheciam.
- Imaginam cores de massas e tratam de consegui-las.
- Constroem objetos com massas fabricadas por eles.
134
VISITA A UMA ESCOLA INFANTIL QUE DESENVOLVE O SEGUNDO CICLO

2.1.7 Laboratório de dramatização

- Pintam as faces com as pinturas de teatro, misturando cores e se transformam em personagens


fantásticos (próprios de contos tradicionais ou de seus programas favoritos da televisão).

- Colocam tecidos coloridos que combinam seu desejo com outros elementos de fantasia.

- Sentem-se atores e dramatizam como se fossem os personagens.

- As responsáveis pelo laboratório preparam diálogos simples que as crianças repetem


ordenadamente e com perfeitas modulações da voz, apropriadas aos diferentes personagens, ao
mesmo tempo que aprendem a realizar graciosos gestos acompanham os diálogos.

2.1.8 Laboratório de papel

É necessário que as crianças aprendam a recortar diferentes tipos de materiais. Nesta semana, a
equipe de educadores tem programado fazê-lo com papel colorido (celofane, crepom, revistas, etc.) e papelões
(caixas de biscoitos em forma de cubo).

Sempre que as crianças recortam, são preparadas atividades para que possam colar seus trabalhos
recortados.

Neste laboratório a cola é feita com farinha: grude branco.

- Aprendem a recortar cartolina e recortam em uma caixa de biscoitos quatro janelinhas, uma em
cada lado.

- Recortam papel celofane de quatro cores diferentes, depois de medir as janelinhas da caixa.

- Recortam, por linhas marcadas, tiras e formas geométricas multicores, de papéis variados
(revistas, seda, crepom...).

Tudo o que cada criança recorta é guardado para continuar o laboratório de quinta-feira.

2.1.9 Laboratório de pintura

Fabricam a têmpera caseira e descobrem as possibilidades que têm os elementos caseiros (corantes
alimentícios, anil, café, cacau...) de transformarem-se em pinturas. As matérias básicas são a farinha e a água,
em uma proporção de um por três que as crianças têm que medir. Uma vez misturado, com excelente
habilidade o esquentam e mexem até que adquira uma “cor viscosa”. Reparte-se em recipientes pequenos e
cada menino ou menina dá à sua têmpera a cor que prefere com: cacau, corante de arroz ou de confeitaria,
anil, etc. Fabricaram sua têmpera colorida.

Enquanto realizam a atividade, percebem diferentes cheiros na nova pintura.

2.1.10 Laboratório de jogos

Nesta semana, as crianças aprendem jogos nos que ocorre o reconhecimento das cores.

- Dominó de cores.
- Loteria de cores.
- Roleta de cores.

São jogos de mesa que ensinam as crianças a controlar seus impulsos, a saber ganhar, perder e
aguardar a vez, a participar, competir, assumir regras e aprender os códigos de cada jogo.

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VISITA A UMA ESCOLA INFANTIL QUE DESENVOLVE O SEGUNDO CICLO

2.1.11 Laboratório de tecido

Nesta semana, interessa que as crianças aprendam a tecer em fios, formando um tecido colorido.

As encarregadas do laboratório preparam lãs (estreitas) e fitas (longas) de variadíssimas cores.

A dificuldade da técnica aumenta em função da idade ou habilidade das crianças:

- Escolhem cores variadas.

- Cortam as lãs ou as fitas segundo medidas.

- Enfiam e tiram as lãs ou fitas pelos orifícios consecutivos, também podem meter e tirar a lã por
cada dois, três orifícios, mas então têm que contar.

- Compõem uma série ordenada de cor que tem que repetir, seguindo a mesma direção, até
completar o tecido.

Neste laboratório se percebe que as crianças aprendem com gosto, interesse e curiosidade a técnica
do tecido e a discriminação das cores, o desenvolvimento da destreza manual e adquirem processos lógicos,
conteúdos matemáticos, de forma prática, vinculados na própria tarefa do laboratório: conceitos de cor, textura,
tamanho, série numérica, medida, numeração, contar, localizar, etc.

2.1.12 Laboratório de cozinha

Este laboratório não serve, como os outros, para aprender uma técnica que a seguir desenvolvem de
forma livre e criativa nos recantos da classe, mas é um laboratório fascinante e, com toda segurança, o mais
atrativo. É organizado com grande coerência a partir do ponto de vista educativo e de aquisição de
aprendizagens, já que realizar e aprender uma receita é um procedimento no que deve manipular ingredientes,
conhecê-los, falar deles e explicar suas características, elaborar a receita passo a passo e, por último, provar,
comer o que foi feito.

Prescindindo de muitas outras atividades que se realizam neste laboratório, faz-se referência
unicamente à atividade que a equipe educativa propôs para esta semana, a qual surge como necessidade de
transportar a este laboratório um recurso motivador para que a criança aprenda a distinguir a cor branca da
transparente e conheça experimentalmente algumas possibilidades do ovo.

2.1.13 Desenvolvimento

Possibilita à criança observar:

- Que alguns ovos são brancos e outros marrons mas, por dentro, ao parti-los, todos são iguais.

- A transparência da clara e a cor amarela da gema.

- Como, ao colocar o ovo (a clara e a gema) em água fervendo, a clara transparente se transforma
em clara branca, enquanto que a gema não muda de cor, continua amarela.

- Que um ovo inteiro, mergulhado em água fervendo durante vários minutos, se converte em “ovo
duro” e, ao parti-lo, se comprova que a clara, que era transparente, adquiriu a cor branca.

2.2 Terça-feira

Os professores e as professoras chegaram à escola meia hora antes que as crianças; isto já o fazem
todos os dias. Aproveitam este tempo para trocar impressões rapidamente e preparar as atividades que vão
realizar:

- Os lugares de jogos com os objetos e materiais necessários para realizar as atividades


apropriadas ao espaço.

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VISITA A UMA ESCOLA INFANTIL QUE DESENVOLVE O SEGUNDO CICLO

- Os cavaletes do recanto, de plástico, com papel limpo e pinturas variadas: têmperas, ceras,
pincéis, lápis.

- As massas de modelar que as crianças conhecem: plastilina, argila..., ou os elementos com os


quais elas podem fabricá-las: sal, farinha, e água, ou os necessários para fazer pasta de papel
(técnicas que já aprenderam nos laboratórios). Assim os meninos e meninas podem trabalhar de
forma autônoma e criativa.

- O material necessário para a atividade prevista da unidade didática que está desenvolvendo: “O
mundo da cor”: serragem, pinturas líquidas ou em creme, sal, gizes coloridos, etc.

2.2.1 Os meninos e as meninas chegam à escola

Vários meninos e meninas chegam carregados com objetos significativos para trabalhar a unidade
didática, os deixam no tapete para organizá-los na primeira assembléia da manhã. Alguns dos materiais que
trouxeram são: potes de iogurte, caixas, fitas coloridas, objetos transparentes.

As rotinas descritas no dia anterior se desenvolvem com eficácia: saudação, canções em grande
grupo, controle de assistência, etc.

2.2.1.1 A assembléia

Na assembléia, cada menino ou menina explica como e o que é seu material, para que serve e o que
pode ser feito com ele. Entre todos se decide onde colocá-lo.

2.2.1.2 Um tempo para tratar de “O protagonista da semana”

O menino ou menina protagonista explica qual é sua situação familiar: irmãos; domicílio; como é sua
casa; quais são seus jogos preferidos, comidas, amigos suas predileções; a cor que mais lhe agrada. Seus
colegas o perguntam. Cada dia se esforça por expressar-se e ser capaz de comunicar claramente os aspectos
mais importantes de si mesmo. Na presença das crianças, com a intenção de que valorizem o texto escrito, se
obtém em uma folha, com o nome da criança protagonista, tudo o que ele conta e fica exposto, junto com as
fotos, no mural de O protagonista.

Cada colega diz algo do protagonista, alguma observação, algo de sua vida, de seus gostos ou
preferências, de suas virtudes..., sempre procurando que sejam aspectos positivos. Estes comentários, dos
meninos e meninas da classe, se reúnem também em uma folha que coloca: “As crianças dizem...” e se expõe
no mural.

O trabalho autônomo. A seguir, a professora ou o professor faz a oferta de trabalho para a manhã de
terça-feira. Há várias possibilidades entre atividades de livre escolha ou dirigidas, todas elas realizadas pelas
crianças nos recantos.

O princípio organizador da livre escolha é o planejamento, a atividade e a avaliação por parte das
crianças.

A criança, quando tem seu plano, o comunica ao adulto antes de começá-lo, o realiza em sequências
de atividades e vai resolvendo tarefas simples e comprovando resultados. O professor ou a professora dá um
tempo para o desenvolvimento do plano. Em momentos chave lhe questiona a tarefa, pergunta, responde,
intervem favorecendo a auto-afirmação e segurança da criança. Estes planos ou projetos de pesquisa são
planejados de igual maneira individualmente, como em colaboração com colegas.

No tempo de trabalho livre por recantos, algumas crianças recorrem a eles para realizar tarefas e jogos
próprios do espaço: jogo simbólico, pintura nos cavaletes, construções, disfarces, etc. O resultado destas
tarefas algumas vezes é mais estruturado que outras, mas sempre intervem a ação direta física e mental e a
relação interpessoal.

A atividade sugerida e planificada. Realizam-na pequenos grupos de meninos e meninas.

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- Com os materiais descartáveis. Com os potes de iogurte, cortadas suas bases e cobertas com
papel celofane transparente, as crianças construíram objetos para olhar e ver o mundo colorido.
Constroem dois potes da mesma cor para ver em vermelho, amarelo ou verde, mas, curiosamente,
algumas crianças se colocam em um olho um pote com o fundo vermelho e no outro olho um pote
com o fundo verde. A pergunta oportuna surge da professora: De que cor vê as coisas?
As crianças estão felizes, sentem que fazem tarefas importantes, que os objetos que levam de sua
casa se transformam em algo útil, que vale a pena “inventar” e seguir experimentando.

- Com os materiais fragmentados. Em outro espaço da classe, as crianças tingem materiais


fragmentados: a serragem tingem com têmpera, a areia e o sal com gizes coloridos. Previamente,
a professora lhes faz algumas observações sobre os materiais.
As crianças que realizam esta atividade começam analisando os materiais que utilizam. É um fluir
constante de descrições e conversações. É uma parte do procedimento que se realiza com
domínio.
Os materiais tingidos são reservados, vão ser utilizados para realizar muitas obras artísticas.

2.2.1.3 O recreio. Momento de jogo ao ar livre

Na escola infantil o recreio não é um período de descanso propriamente dito, posto que as crianças
não sentem esgotamento nas atividades da aula, porque brincam com coisas que lhes interessam. É
importante que no exterior corram, realizem movimentos bruscos, subam e desçam ao utilizar os aparelhos do
pátio e interiorizem posições de seu corpo: acima, abaixo, mais alto...

2.2.1.4 A hora do conto

É um momento de tranquilidade e fantasia em que a professora conta ou lê um conto tradicional ou


relacionado com a unidade didática. Em outras classes, as crianças o inventam, o desenham, etc. É todo um
processo de elaboração que a equipe educativa contempla em sua programação.

2.2.1.5 Recompilação e recordação de atividades

A assembléia que se realiza neste momento está destinada a repassar a atividade da manhã. Cria-se
uma situação de verdadeira comunicação em que as crianças contam: onde estiveram, com quem, o que
fizeram, o que aprenderam, etc. Também expõem suas queixas e repassam, em caso necessário, algumas
normas básicas. Este período de recordação fornece às crianças a oportunidade de evocar e representar o que
fizeram e completa o processo de planejamento e execução livre da atividade.

2.2.1.6 Retirada, asseio e saída

Ainda que depois de cada atividade a criança reúna e acomode os materiais, é destinado um tempo
específico, porque ordenar comporta um importante valor pedagógico. A partir da primeira experiência que a
criança tem na escola, começa a ser um conteúdo planificado a partir de diferentes pontos de vista porque é:

- Tarefa fácil ao alcance de qualquer idade que ajuda a que a criança confie em suas próprias
possibilidades de ação e seja autônoma.

- Tarefa em que intervêm raciocínios lógicos: os objetos da mesma categoria se agrupam em um


lugar, se classificam e as crianças se orientam e aprendem o uso correto dos espaços.

- Tarefa que contribui a atitudes positivas com respeito ao cuidado dos materiais e ao gosto pelos
espaços ordenados.

- Tarefa compartilhada por todas as crianças da classe.

- Tarefa que representa delegação de funções por parte do professor.

Como cada dia, os meninos e meninas se asseiam e vão comer.

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2.2.2 Sessão da tarde

À primeira hora da tarde as crianças escutam uma música em um ambiente relaxado, deitados no
tapete com suas almofadas. A seguir recorrem à sala de tevê para assistir, em grande grupo, a uma sessão de
audiovisuais.
Os filmes, vídeos e diapositivos comunicam mais claramente as idéias que um livro, por isso se
contemplam, nesta escola, como um recurso valioso para temas específicos, contos, e para que a criança
realize sugestivas produções enquanto avalia estes recursos técnicos.

2.3 Quarta-feira
2.3.1 Pela manhã
Os costumes cotidianos, descritos anteriormente, se reiteram cada dia com uma transcendência
substancial..., as crianças de cinco anos as realizam com autonomia e responsabilidade, repercutindo,
positivamente, em seu desenvolvimento psicológico.

- Surgem situações imprevistas que são atendidas pela professora, porque todos os intercâmbios de
experiências são considerados convenientes e se aproveitam para introduzir novas variáveis
formativas no processo pedagógico.

- Apreciar o passar do tempo. Esta quarta-feira é um dia radiante, o sol entra nas classes e se
aproveita para aproximar a criança à noção do tempo. A professora, facilitadora em todo momento,
idealiza esta estratégia: na janela há uma silhueta em cartolina preta de um animalzinho (em cada
classe da escola, as crianças escolheram o seu). O sol, através da janela, projeta a sombra do
animalzinho no chão. As crianças observam onde está situada, à primeira hora da manhã, e com
giz pintam a sombra do animal. Em outros momentos da sessão da manhã lhes faz observar como
esta sombra se desprende e muda de lugar à medida que passa o tempo.
Assim podem chegar a calcular, eles sozinhos, através da sombra, em que momento da manhã se
encontram.
O tempo é também um conteúdo a trabalhar na escola infantil. Esta experiência, estabelecida
pelos docentes, de “O relógio de sombra” (primeiro relógio que a criança vai interpretar) permite a
ela viver o tempo, experimentá-lo, ir ajustando suas atividades às margens temporais, refletir sobre
ele e conceitualizá-lo. Na classe das crianças mais velhas há um relógio com números. A
observação da sombra se ajusta à hora real e as crianças o comprovam a cada dia.

2.3.1.1 A atividade da manhã

Na quarta-feira não se oferecem novas atividades. A quarta-feira é um dia muito ocupado, nas aulas há
um dinamismo especial. As crianças sabem o que têm que fazer, conhecem as opções de trabalho que nesta
manhã vão realizar:
- Podem continuar ou terminar o projeto começado dias atrás.
- Os meninos e as meninas, que não os tenham feito, podem realizar os trabalhos sugeridos no dia
anterior (com potes e materiais descartáveis).
- Têm a opção de jogar nos recantos. Mas a atividade essencial deste dia gira em torno do
protagonista da semana.

As crianças se afanam no estudo físico do protagonista:

• Constroem sua silhueta na qual marcam todas as partes e peculiaridades: cor dos olhos e do
cabelo.
• Recortam tecidos da mesma cor que as roupas que usam e vestem a silhueta.
• Copiam as pegadas de suas mãos e pés, o pesam, o medem e gravam sua voz.
• Desenham o protagonista e escrevem seu nome. Todos os trabalhos são pendurados no mural do
protagonista.
Os colegas contribuem assim para apoiar a auto-estima e o orgulho da criança protagonista. A
criança protagonista realiza um auto-retrato. O adulto é sensível e se compenetra das limitações
que algumas crianças mostram e com a ajuda do espelho facilitam o resultado.
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A jornada da quarta-feira transcorre, como os outros dias da semana, em um ambiente rico em


estímulos, relações e comunicações explícitas e implícitas.

As crianças saem para o recreio, depois recapitulam as atividades realizadas e as anotam em um


mural de controle.

Reúnem e ordenam a classe, se asseiam e se vão.

2.3.2 Sessão da tarde

É esperada com impaciência por todas as crianças da classe, e especialmente pela criança
protagonista. Esta tarde, seu pai ou sua mãe foi à escola para falar de seu filho. Os colegas, curiosos por
conhecer os comportamentos que seu colega tem em casa, suas doenças, viagens..., recebem os pais com
um verdadeiro bombardeio de perguntas.

A mãe, neste caso, traz um conto à classe, o preferido de seu filho e o lê ou o conta a todos os
colegas.

Quando tem sido possível, em alguma classe, se aproveita a profissão de pintor de um pai para que
venha contar em que consiste seu trabalho, como mistura as cores, que instrumentos utiliza, etc.

Assim é como, às crianças, se lhes faz sentir a presença familiar na escola e percebem que há
coerência entre os adultos que as rodeiam.

2.4 A quinta-feira

A organização da aula pela professora responsável e o desenvolvimento do tempo nos períodos


descritos se repetem neste dia.

2.4.1 Tempo de comunicação estruturado na assembléia

Neste momento se recordam algumas normas de funcionamento da aula e da escola. São normas
assumidas por todos (professores, pais e crianças) que transmitem à criança segurança, a ajudam a
compreender a dinâmica das relações humanas, a colaboração e a ordem.

No trabalho do dia-a-dia, e em um ambiente terno e afetuoso, estimula-se a criança para seu


cumprimento, fazendo-a entender que isto é um bem comum e que essas normas tornam mais fácil e
agradável a vida na escola.

Os exercícios da linguagem da unidade didática, que se está abordando, sugeriram uma variedade de
adivinhações, trava-línguas e vocabulário. Recordam-se todas as cores que foram aparecendo na classe, não
se descarta nenhuma. Há uma grande variedade de cores que, entre todos, sabem nomear.

2.4.2 A atividade do protagonista da semana

A cada dia, o menino ou a menina protagonista rega as plantas e alimenta os animais da classe.
Explica com mímica as ações que realiza antes de ir à escola, ou situações vividas, e os colegas as
interpretam verbalmente.

Este dia, a criança aprofunda em seus antecedentes genealógicos, lhe facilita uma folha de atividade
na que coloca fotos de seus avós paternos e maternos (se forem vivos) nos círculos correspondentes,
associando-as com indicadores às de seus pais e estas às suas e às dos irmãos que tenha.

2.4.3 A proposta do dia

Na quinta-feira, os professores estabelecem novas atividades:


- Com os objetos coloridos, que as crianças levaram à classe, se propõe a classificação segundo
escala.
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- Na classe de três anos realizam “as caixas coloridas”. Pintam, em diferentes cores, com têmpera,
várias caixas de sapatos onde guardam os objetos da cor da caixa. (Estabelecem assim relações
de pertinência ou não pertinência a um conjunto). Pintam coloridos pregadores de roupa de
madeira e círculos da mesma cor em tiras de cartolina branca. São jogos de associação que levam
ao recanto de lógica.
- Nas classes de quatro anos compõem variedades de cores com tecidos e objetos. Cada criança
tenta pintá-los, utiliza o branco e o preto para conseguir as variações e os molda em uma folha de
papel.
- Na classe de cinco anos aumenta a dificuldade e fabricam uma material que fará parte do recanto
de lógica; com fitas coloridas, de seis variações diferentes, realizam um jogo de associação: as
fixam em um cartaz, correlativamente, de mais claro a mais escuro. Cortam um pedaço de cada
uma delas, que utilizam como fichas, que lhes sirvam para associar.
- Outra atividade, muito sugestiva, planificada com o fim de que as crianças explorem ativamente as
misturas das cores e utilizem elementos não convencionais na escola é esta, preparada pela
professora, com todos os materiais dispostos para sua realização: em uma grande extensão de
papel contínuo, as crianças combinam cores pulverizando-as com um recipiente difusor.
- O espaço para realizar esta atividade está protegido para que não manche e as crianças usam
aventais e luvas de plástico. O resultado final da obra, realizada por um grande número de
crianças, sugere a estas histórias fantásticas e serve de decoração para representações teatrais
posteriores. As crianças percebem que realizaram um trabalho útil.
- Enquanto algumas crianças realizam este mural abstrato, outras recorrem aos recantos e fazem as
novas tarefas propostas ou as que se programaram para a semana, de maneira que todos os
meninos e meninas tenham a oportunidade de aprender com independência as atividades
previstas.

2.4.4 Tempo de expressão

Depois do recreio, algumas crianças colocam-se tecidos, gorros e se disfarçam de uma cor, pintam as
caras e tingem seus cabelos com spray colorido.

Em um espaço delimitado, pelos murais feitos pela manhã, se improvisa um cenário. As crianças
disfarçadas, representando cada um uma cor diferente, iniciam um diálogo para contar e representar onde vive
cada qual. A cor verde nas folhas das árvores, na grama, etc. A cor amarela no sol, no pintinho. O vermelho no
carro do papai.

Os colegas, que observam atentamente, apóiam e aplaudem a representação.

2.4.5 Tempo de análise ou recompilação da atividade

Posteriormente, se realiza a assembléia de recompilação. Hoje esta assembléia sofreu um atraso e as


crianças o comprovam com o relógio de sombra da classe.

A professora se fixou, mais atentamente, em duas ou três crianças da classe e reuniu informação das
atividades realizadas, as situações e histórias surgidas e, nesta assembléia, pergunta por sua tarefa de
amanhã.
Algumas vezes as crianças não descrevem, não contam as atividades, então o adulto as ajuda a
identificar suas escolhas e a explicar seus trabalhos. A professora encarrega a criança para que traga seu
trabalho, lhe pede que nomeie os colegas que colaboraram com ele e averigua quanto interessa, formulando-
lhe as perguntas apropriadas de como, com que, onde, quando... o fez.

2.4.6 A jornada da tarde

Os laboratórios que se desenvolvem na segunda sessão da semana (quinta-feira) são uma


continuação da primeira (segunda-feira). Durante esta semana, em alguns deles: modelado, dramatização,
jogos e tecido se reafirma a aprendizagem da técnica. Nos outros: papel, pintura e cozinha são ampliados ou
abordam técnicas novas, por isso passamos a descrever, brevemente, estes três últimos laboratórios.
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2.4.6.1 Laboratório de papel

As crianças aprendem a preparar a cola e transforma o material recortado no laboratório de segunda-


feira (caixa de biscoitos e papéis coloridos), em um bonito capacete-escafandro, decorado com os papéis
cuidadosamente colados e cobertas as frentes da caixa com papel celofane, permitindo assim às crianças ver
o mundo em quatro cores diferentes, quando se coloca o capacete na cabeça.

Este novo elemento levam à classe para deixá-lo no recanto dos disfarces e utilizá-lo quando
desejarem.

2.4.6.2 Laboratório de pintura

Programaram duas técnicas, muito sugestivas, para aprender neste laboratório, enquanto se
desenvolve a unidade didática em “O mundo da cor”.

Com o objetivo de que as crianças aprendam e utilizem técnicas e recursos para produzirem obras
artísticas; para expressarem seus desejos, seus sentimentos, e evocarem situações e ações reais ou
imaginárias, aprenderam a trabalhar e diferenciar as cores foscas das brilhantes:

- Com cores pastel (fosca) produzidas por gizes que, uma vez embebidos com água com açúcar,
proporcionam este tom.

- Também com grande esmero e guiados, muito de perto, pelas encarregadas do laboratório,
conheceram o colorido brilhante, ao pintar com as ceras mornas, esquentadas na chama de uma
vela.

2.4.6.3 Laboratório de cozinha

As atividades com o ovo e as cores continuam programadas no laboratório de cozinha. Em seu


desenvolvimento, as encarregadas do laboratório continuam ajudando a criança observar:

- Que a clara transparente, ao batê-la, vai passando a ser cada vez mais branca, até que se
consegue o “ponto de neve”.
- Que em três ocasiões a clara transparente se converteu em clara branca.

Aproveitar o ovo. As crianças experimentam com o ovo, o aproveitam e percebem:

- Que a clara batida e tingida com corantes serve para pintar com a mão sobre a cartolina branca, e
- Que as gemas servem para colar.

As crianças praticam com os ovos:

- Perfuram um ovo, por cima e por baixo, sopram por um dos orifícios e sai a clara e a gema, a
casca fica vazia.
Estas cascas são tingidas em água colorida e, no dia seguinte, decoram em classe.
- Os ovos que estão nos pratos, claras e gemas, são batidos, são feitos omeletes com ajuda das
mães e as crianças comem.

2.5 Na sexta-feira

No último dia trata-se de recapitular todo o acontecido durante a semana.

Este dia, os professores também entram na escola antes que as crianças. Recolhem os materiais
supérfluos, dispõem convenientemente os recantos e preparam as novas propostas de atividade para o dia.

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2.5.1 A entrada das crianças


As rotinas que as crianças realizam se repetem com um enfoque diferente.
Antes de guardar suas coisas, na caixa dos segredos, a ordenam e tiram o que não serve.
- Atividade em grupo. No momento das canções em grande grupo, cantam as novas canções
aprendidas durante a semana e são expostos aqueles assuntos que resultaram ser os mais
interessantes para a maioria das crianças da escola.

2.5.2 Na classe
- A assembléia. Depois da saudação, menciona-se, ante todos, a criança ou crianças que faltaram
algum dia da semana e os que continuam doentes. Cada criança conta sua doença: nome,
sofrimentos, duração e cura (remédios e cuidados), os maiores as representam em uma folha.
É feita uma recompilação da atividade do protagonista da semana (as fotos, a visita dos pais à
classe, os trabalhos e todo o relacionado com esta atividade) e a professora compõe o “Meu livro
de protagonista”, sem esquecer o que a criança contou nem o que seus colegas disseram do
protagonista, os desenhos que dele fizeram, as pegadas de pés e mãos, sua medida e peso etc.
Recordam-se os materiais novos que trouxeram à aula e como se utilizam.
Evocam-se situações interessantes vividas durante a semana e as crianças fazem conceitos de
valor sobre elas, dizendo quais foram as mais interessantes, divertidas ou entretenidas.

2.5.3 A proposta da sexta-feira


O professor ou professora propõe novas atividades que as crianças que tenham realizado as da
semana poderão começar. Estas novas tarefas ficam já estabelecidas para serem realizadas na semana
seguinte.
O objetivo é que as crianças participem na decoração da classe, mediante pequenos projetos nos que
intervem a criatividade. A técnica para realizá-los aprenderam nos laboratórios da semana anterior.

1. Composições de vitrilhos em cartolina preta. As crianças traçam desenhos que podem ser
“despejados” recortando-os. Os vazios resultantes são tapados com papéis de celofane colados
por trás.
2. Vitrilhos em cristais. Em pedaços de cristais transparentes, com as pontas polidas, as crianças
traçam desenhos com grossos pincéis pretos e os preenchem com têmpera.
A professora indica às crianças que realizem os mesmos traços e preencham com as mesmas
cores em ambas as atividades, com o fim de que percebam os diferentes matizes.

Estes trabalhos são colocados nas janelas da classe e é permitido às crianças maiores que pintem
diretamente neles.

Às crianças de três anos não é feita esta proposta de trabalho, mas elas também decoram suas
janelas, colocando umas gotas de têmpera diluída sobre papel celofane e soprando-as com uma pazinha.
Combinam cores e traços, e quando o trabalho seca o colam nos vidros.

Todas as crianças, grandes e pequenas, sentem orgulho por decorar sua classe.
- Como tarefa para consolidar a diferença entre o branco e o transparente, iniciada no laboratório de
cozinha, nesta idade é oferecido outra simples atividade. As crianças pintam em cartolina branca
com cola branca. Alguns dos traços pulverizam com serragem ou sal colorido, outros deixam em
branco (com a cola). Ao secar, as crianças observam como a cola branca se transformou em
transparente e que os traços que se percebem mais claramente são os que têm colado a serragem
ou o sal.

2.5.4 Nas atividades de recantos

No recanto da água, algumas crianças experimentam com as águas coloridas que trouxeram do
laboratório de cozinha, fazem misturas e compõem novas cores. Quando se misturam todos, sai a cor preta.
Querem recuperar as cores primitivas das águas e se dão conta de que é um processo irreversível, por isso
voltam a tingir novas águas para continuar fazendo experiências.

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2.5.5 A recompilação

Os meninos e meninas da classe recolhem os trabalhos que realizaram durante a semana, os ordenam
e, se o desejam, os levam para casa. A maioria de suas tarefas não pode levar em pastas, já que ou são obras
cooperativas ou foram situações de aprendizagem que não ficam modeladas em uma folha.

2.5.6 O recreio substituído

O recreio de algumas sextas-feiras se substitui por uma visita à casa do protagonista da semana.
Estas são visitas planejadas pelos professores e as famílias com uma clara orientação didática. Nelas, as
crianças conhecem a casa de seu colega, as diferentes dependências, os utensílios que se utilizam na cozinha
ou nas caixas de ferramentas (mostrados pacientemente pelo pai ou pela mãe), seus brinquedos, etc.

Se coincide que a criança faz aniversário esta semana, comemora-se a festa de aniversário em sua
casa. As crianças lhe trazem presentes realizados por eles.

Se não se pode visitar a casa do protagonista da semana, a festa de aniversário é preparada na


classe.

2.5.7 A jornada da tarde das sextas-feiras

Está concebida para que os meninos e meninas da escola assistam a representações teatrais,
marionetes, etc, cujos personagens são adultos da comunidade educativa ou professores, com o objetivo de
que (as crianças) sejam espectadoras críticas, responsáveis e positivas, analisem a função, identifiquem os
personagens, etc.

2.5.8 Colocação em comum da equipe docente

A equipe de docentes se reúne ao final da semana. Cada qual acorre à reunião com uma série de
dados recompilados durante a observação direta do desenvolvimento das atividades. Comentam-se os
processos, avaliam-se as atividades programadas e constatam-se os objetivos que as crianças conseguiram.

Colocam em comum as reflexões e, entre todos, fluem numerosas idéias de atividades para realizar
em sucessivas semanas.

A atividade da unidade didática é controlada graficamente em um painel de dupla entrada. Na linha


horizontal estão refletidas as situações didáticas: a saída, a assembléia, os recantos, os laboratórios e os
objetivos propostos para conseguir em cada uma delas. Na linha vertical, os nomes de todas as crianças de
cada classe.

144
A FORMAÇÃO RELIGIOSA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

APÊNDICE B: A FORMAÇÃO RELIGIOSA DA CRIANÇA


DURANTE A EDUCAÇÃO INFANTIL
(ZERO A SEIS ANOS)
Pedro de la Herrán

1. INTRODUÇÃO

Durante toda a etapa, e muito especialmente no primeiro ciclo até os três anos, a função educativa do
centro é complementária da que exerce a família. O despertar religioso da criança está ligado ao testemunho e
atitudes crentes dos adultos de seu entorno. A criança vive o momento de estabelecer suas raízes vitais e
aprende uma forma de perceber o mundo e de relacionar-se com ele. O sentido religioso da criança
amadurece em paralelo ao desenvolvimento de suas faculdades. O afetivo exerce um domínio absoluto sobre
ele, e o Deus Pai, que dá sentido à vida, se oferece à criança ordinariamente através do amor (Comissão
Episcopal de Ensino e Catequese, 1991).

A experiência religiosa não é espontânea, mas sim requer uma atenta intervenção educativa. É
responsabilidade dos pais e das famílias cristãs criar o ambiente adequado para suscitar o despertar religioso
de seus filhos. A função que corresponde ao centro educativo, durante a etapa da educação infantil, é a de
colaborar com a família da criança, e, em alguns casos, reparar possíveis omissões dos pais, sempre contando
com a autorização destes e respeitando o primordial direito que lhes corresponde.

A seguir, faremos referência à função prioritária que corresponde à família neste campo e, para
terminar, nos referiremos à missão da escola, seguindo as últimas orientações do Episcopado espanhol.

2. A FORMAÇÃO RELIGIOSA NA FAMÍLIA

2.1 Os pais são os primeiros educadores de seus filhos

Não existe, em princípio, nenhuma comunidade humana tão bem dotada como a família em ordem à
educação dos filhos. Na família se dá, de modo natural e espontâneo, o verdadeiro “clima educativo”. Em
relação a isto, muitas vezes se tem dito que “educar é, fundamentalmente, amar”.

Pois bem, que comunidade existe onde se dê de um modo tão natural e espontâneo um clima de amor
e de afetividade tão intenso como na família? Evidentemente nenhuma.

São esses laços de sentimentos e de sangue, esses laços psicológicos e espirituais, os que servem de
base à verdadeira influência educativa, tanto no plano humano como no espiritual e religioso. Por isso, quando
a atenção e a relação pais-filhos está diretamente orientada, a família origina a comunidade humana em que
se dá o verdadeiro “clima educativo” e, portanto, a que mais profundamente educa convicções, sentimentos,
atitudes e hábitos.

Mas há, também, outras razões para pensar que a família está particularmente bem dotada para
educar a religiosidade dos filhos. O matrimônio cristão não só é uma comunidade, mas sim é uma instituição
bendita e sobrenaturalizada por um Sacramento.

Por razões naturais e sobrenaturais, a família, em particular a cristã, é, portanto, o principal âmbito
educativo pelo que se refere à educação na fé dos filhos.

Como recorda o Concílio Vaticano II: “Posto que os pais deram a vida aos filhos, têm a gravíssima
obrigação de educar a prole e, portanto, deve reconhecê-los como os primeiros educadores de seus filhos.
Este dever da educação familiar é de tanta transcendência que, quando falta, dificilmente pode ser suprido”
(Concílio Vaticano II).

2.2 Mais que instruir, “transmitir”

À primeira vista, poderíamos encontrar certas razões para pensar que o colégio pode realizar com
êxito a educação na fé: as crianças, no colégio, recebem aulas de religião, quando os pais as pedem. Inclusive
poderíamos pensar que, através destas aulas de formação religiosa, se abordam aspectos doutrinais, morais,
litúrgicos, etc., que extrapolam alguns pais.
145
A FORMAÇÃO RELIGIOSA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

Isto pode ser certo, e, todavia, em nada contradiz a afirmação de que aos pais corresponde o principal
papel na educação da fé de seus filhos.

A formação religiosa recebida no colégio estará, queiramos ou não, na maior parte dos casos, no plano
da instrução. Entretanto, na família cristã, a educação religiosa não se costuma fazer em nível de instrução; o
traço fundamental da educação da fé na família, mais que a instrução, é a transmissão.

Na família, os filhos aprendem a viver a vida de fé que vêem em seus pais como por osmose, por
contágio. São as convicções religiosas dos pais as que educam a fé dos filhos no âmbito familiar.

“Em todos os ambientes cristãos se sabe, por experiência - escreveu monsenhor Escrivá de Balaguer-,
que bons resultados dá essa natural e sobrenatural iniciação à vida de piedade, feita no calor do lar. A criança
aprende a colocar o Senhor na linha dos primeiros e mais fundamentais afetos: aprende a rezar, seguindo o
exemplo de seus pais. Quando se compreende isso se vê a grande tarefa apostólica que podem realizar os
pais e como estão obrigados a ser sinceramente piedosos, para poderem transmitir – mais que ensinar – essa
piedade aos filhos” (Escrivá de Balaguer, Conversações, 103).

2.3 Quando começar a educação religiosa dos filhos?

Tem-se dito que a educação religiosa de uma criança começa vinte anos antes que nasça, pois
depende intimamente da formação religiosa dos pais; os filhos são, em linhas gerais, uma prolongação dos
pais não só na ordem natural ou biológica, mas também na espiritual.

Sobre estes pressupostos, o estabelecer-se se existe um momento concreto em que deva iniciar-se a
educação religiosa dos filhos é algo que está fora de lugar.

Nisto acontece algo similar ao que sucede com o começo da vida natural. Nenhuma mãe espera que
seu filho tenha cumprido uma semana ou um ano para começar a alimentá-lo. Isto seria uma insensatez ou um
crime. Os cuidados e preocupações da mãe começam, normalmente, muito antes, inclusive, do nascimento do
novo filho, e se prolongam depois, durante muito tempo, sem solução de continuidade.

Com a educação religiosa sucede algo parecido. Esta começa já com a atitude que adotam os pais
ante o nascimento de cada novo filho. É indubitável que uma atitude marcadamente egoísta será um forte
obstáculo para realizar depois uma autêntica educação religiosa, enquanto que uma atitude de generosidade e
de confiança em Deus contribuirá para criar um clima espiritual no âmbito do lar, que a favorecerá.

Não em vão a Igreja tem elogiado sempre a família numerosa, como um fator marcadamente positivo
na educação religiosa dos filhos.

2.4 Primeiras práticas religiosas

As primeiras práticas religiosas devem reunir, antes de tudo, duas condições: que sejam fruto de uma
atitude de piedade sincera, por parte dos pais, e que estejam adequadas à psicologia e capacidade da criança
em cada caso. Os pais deverão ser sinceramente piedosos para poder transmitir, mais que ensinar, a
verdadeira piedade a seus filhos. O ensino de algumas práticas religiosas puramente formais ou mecânicas,
sem alma, de nada ou de muito pouco servem para educar a religiosidade da criança.

Quando os pais são sinceramente piedosos, pode-se falar de uma certa catequese por via afetiva, por
empatia. A criança poderia ser comparada, nesta primeira fase de sua existência, à esponja que nasce e vive
no mar e que, uma vez constituída, participa cada vez mais ativamente da água geradora que a rodeia.

Por isso, a melhor maneira de ensinar as primeiras práticas religiosas é o exemplo. A criança, desde
muito pequena, antes inclusive de que seja capaz de falar, deve ver seus pais rezarem. Mas esta oração só
educará a religiosidade do filho se está cheia de sinceridade e de piedade.

Pode, por isso, afirmar-se que toda expressão de fé sincera, por parte do adulto, contribui para que os
pequenos vão descobrindo intuitivamente a presença próxima de uma Pessoa invisível e misteriosa, mas real e
viva. Estas expressões serão, ao longo dos primeiros anos, a melhor lição de catecismo para os filhos.

146
A FORMAÇÃO RELIGIOSA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

2.5 Como despertar a confiança em Deus Pai

O sentimento de confiança em Deus é uma das principais atitudes religiosas que deve despertar cedo
na criança. A criança, por natureza, necessita, nestes primeiros anos da presença protetora de seus pais. Eles
lhe infundem segurança, alegria e confiança. Deles deverá também aprender a depositar sua confiança nos
braços fortes e poderosos de seu Pai do Céu. A confiança em Deus, que vê refletida na atitude de seus pais
ante os pequenos e grande acontecimentos da vida comum.

A este propósito, vem bem recordar uma história narrada na revista Fêtes et saison. No momento mais
angustiante da última guerra mundial, uma mãe fazia seus filhos repetirem diariamente a seguinte oração:

Meu Deus, o Senhor é bom. O Senhor nos ama. Temos confiança no Senhor.

E, assim, tranquilas, as crianças se entregavam ao repouso noturno. A mãe era consciente do perigo,
mas os filhos a viam realmente abandonada nos braços amorosos de Deus. A confiança dos filhos nascia da
confiança da mãe.

Este abandono total nas mãos de Deus não deve ser reservado, entretanto, para os momentos
angustiantes da vida, mas sim deveria estar sempre presente, como impregnando-o totalmente, no clima do
lar.

Deste modo estaremos despertando nas almas dos filhos o que é o verdadeiro fundamento espiritual
de toda a vida cristã: o sentido da filiação divina, ou seja, o saber-nos sempre ante tudo e sobretudo, filhos de
Deus.

2.6 A formação cristã, entre zero e três anos

Desde que nasce, a criança deve sentir Deus na vida de seus pais e em suas primeiras palavras.

Certa mãe desde que seu filho nasceu rezava todos os dias à noite uma oração simples a Jesus, ao
mesmo tempo que pensava “Tenho certeza que algo lhe reserva!” E tinha toda razão. Provavelmente muito
mais do que ela poderia imaginar.

Outra criança, com dois anos, já rezava sozinha e todas as manhãs dizia esta oração que aprendeu
com sua mãe:

Bom dia Jesus, bom dia Maria, lhes dou meu coração e minha alma. Amém.

A partir dos dois anos, as crianças estão em condições de crer e amar a Deus, sem necessidade de
raciociná-lo. Acreditar em Jesus, no Anjo da guarda, no Céu e nos acontecimentos ocorridos em Belém, será
algo simples que não requererá esforço por parte da criança.

É necessário que a vivência religiosa da criança se desenvolva nesta etapa dentro da máxima clareza
e concreção e, ao mesmo tempo, em um clima de intensa afetividade. Isto tem na prática muitas aplicações
concretas: convém, por exemplo, que a criança veja desde o berço ou desde a cama a imagem de Jesus e da
Virgem e que o ensine a beijar alguma imagem ou medalha com a mesma naturalidade com que beija seu pai
ou sua mãe.

Quando já é capaz de balbuciar as primeiras palavras, deve ensiná-lo a reproduzir pequenas frases de
oração, de súplica, de amor a Jesus e a Maria. Estas orações são de uma grande importância, já que em boa
parte, pelo vocabulário religioso, vai imprimindo na alma da criança o “sentido de Deus”. Deverão ser frases
simples, curtas e variadas, adaptadas no possível ao vocabulário e capacidade de compreensão do pequeno.
Aprenderão assim a falar com Deus como se fala com um pai carinhoso e bom. Deveremos ensiná-los a pedir
ao Papai do Céu, por necessidades concretas ou imediatas (“Meu Jesus, que o Senhor faça meu papai ficar
bom”); a agradecer-lhe por todas as coisas recebidas D’Ele (“Obrigado, Jesus, porque papai já está melhor”); a
manifestar-lhe com palavras e gestos o amor que sentimos por Ele (“Jesus, te amo muito”), etc.

É bom aproveitar o tempo de Natal e algumas outras grandes festas cristãs para contar-lhe narrações
simples e ir-lhe explicando, em seu nível, os acontecimentos que se comemoram e que mais tarde conhecerá
com mais detalhe.

147
A FORMAÇÃO RELIGIOSA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

2.7 A formação cristã, entre os três e os seis anos

A seguir se expõem, de modo breve e simples, algumas orientações concretas que os pais podem ter
em conta para a educação cristã de seus filhos destas idades. Como é lógico, tudo o que isto tem de síntese
deve ser enriquecido pelo carinho familiar e o sentido pedagógico dos pais.

Só se mencionam alguns pontos indicativos que revestem particular importância nesta etapa, não só
pelo valor que em si mesmos têm, mas também por estarem em consonância com a psicologia, capacidade e
interesses gerais característicos deste período.

a) Ver Deus como Pai

Já vimos como nestas idades temos de despertar na alma da criança o “sentido de Deus”. Deus deve
ser para eles, antes de tudo, seu Pai bom do Céu que os ama, os cuida e os acompanha sempre.

b) A iniciação na oração

Mais importância que a aprendizagem de orações vocais tem o desenvolver nas crianças a capacidade
de diálogo, simples e espontâneo, com seu Deus Pai, com Jesus e com Maria. Para isso, convirá que os
ensinemos a reproduzir pequenas frases espontâneas de amor, ações de graças ou pedidos, dirigidas ao
Senhor ou a Maria. É muito conveniente o fomentar que rezem cada dia ao levantar-se e ao deitar-se. Será
como dar bom dia e boa noite ao Senhor.

No entanto, não apenas temos de estimar nos primeiros anos este tipo de oração espontânea, sem
fórmula alguma fixada de antemão. Convém também ensinar – quando chegar o momento oportuno, até os
três ou quatro anos – algumas fórmulas simples dirigidas a Jesus, à Virgem e ao Anjo da guarda. Estas
fórmulas simples, aprendidas de cor (como, por exemplo, “Jesus, José e Maria” ou o “Meu Anjo da guarda,
doce companhia”), se se ensina a rezar, não de forma mecânica, mas apresentando ao pequeno o significado
de cada uma das palavras e frases, serão um alimento espiritual eficaz para a alma da criança. Muitas vezes,
algumas dessas orações, aprendidas dos lábios dos pais, se repetirão com carinho durante toda a vida.

É importante também ensinar a criança a expressar, através de gestos simples, esses sentimentos
religiosos: ensiná-los a ajoelhar-se para rezar ante uma imagem, a beijar o crucifixo, a fazer bem o sinal da
cruz, etc. Mediante todos estes detalhes de iniciação na piedade, a criança aprende a colocar o Senhor na
linha dos principais e mais fundamentais afetos; aprende a tratar a Deus como pai e à Virgem como Mãe;
aprende a rezar, seguindo o exemplo de seus pais.

c) Amor a Jesus no Sacrário

Em relação à vida sacramental, nesta etapa – anterior à Primeira Comunhão – deve fomentar-se,
sobretudo, o amor das crianças a Jesus sacramentado. Uma criança de cinco ou seis anos, bem ajudada por
seus pais, pode tomar clara consciência da presença, misteriosa mas real, de Jesus no Sacrário. Jesus ficou
conosco porque nos ama. Nós devemos mostrar-lhe que também o amamos, procurando visitá-lo de vez em
quando para adorá-lo e falar com Ele.

Nesta curtas visitas, a criança necessita que o ensinem a falar com Jesus – realmente presente no
Sacrário – com simplicidade e confiança, e ninguém pode fazê-lo tão bem como seus pais. Esta será a melhor
preparação para sua Primeira Comunhão.

d) Amor à Virgem

A figura da Virgem é especialmente exequível para a piedade de uma criança de três a seis anos.
Maria será para eles a Mãe de Jesus, mas temos de conseguir que a vejam também como sua própria Mãe, e
que a tratem com carinho e confiança. Convém que fomentemos neles a devoção à imagem da Virgem que
tenham em seu quarto; assim a tratarão com familiaridade em suas orações habituais da manhã e da noite.

Um modo eficaz e bonito de educar a devoção e o carinho à Virgem é celebrar, em família, de um


modo especial, as festas mais marcadas da Virgem. Também é muito aconselhável viver com os filhos,
durante o mês de maio, algum detalhe diário de veneração e piedade para a Virgem.
148
A FORMAÇÃO RELIGIOSA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

e) Virtudes humanas

A educação cristã dos filhos não implica somente a formação de atitudes e hábitos de caráter religioso.
É igualmente importante o atender e procurar o desenvolvimento de uma série de virtudes humanas básicas.
As características psicológicas peculiares de cada etapa de desenvolvimento e, sobretudo, o caráter de cada
filho nos indicarão que virtudes humanas deveremos fomentar mais.

A guerra ao capricho é o melhor sistema que podem utilizar os pais para a educação da vontade e o
caráter de seus filhos durante esta etapa. A criança nesta idade trata de impor sua vontade acima de tudo. É
um pequeno tirano. Quando os pais cedem sistematicamente, por poupar um mau momento ou por um carinho
mal entendido, podem estar seguros de que sua atitude estará resultando, na maior parte dos casos,
claramente anti-educativa.

2.8 As primeiras perguntas da criança

A criança, em seus primeiros anos, já é capaz de estabelecer algumas perguntas sobre suas primeiras
experiências religiosas. O nível e alcance destas perguntas dependerá, logicamente, de fatores de diversa
índole: a vivacidade de sua inteligência, a intensidade do experimentado através do exemplo e das vivências
de seus pais, etc.

Como já se disse, não se trata de apresentar aqui algumas fórmulas ou “modelos” de respostas a
essas perguntas infantis. Seria muito artificial. Cada ser humano possui sua própria maneira de expressar-se e
deve ser fiel a ela. Por isto, as respostas que a seguir se sugerem, são simples “pistas”, que talvez possam
servir de orientação ao adulto para dar a cada criança, conforme suas circunstâncias, uma explicação
adequada. O essencial é que nossas respostas sejam verdadeiras e sinceras, ainda que não estejam isentas
de titubeios ao querer buscar as expressões mais atinadas.

Como não se pretende ser exaustivo nem se pode encerrar de vez o assunto, apresentam-se apenas
algumas perguntas que costumam ser mais habituais (Casablanca, A criança capaz de Deus).

a) Papai, mamãe, quem é Jesus?

O normal, nos primeiros anos, será falar-lhes de Jesus menino. Jesus foi uma criança, que teve uma
mãe como nós. Mas também, é o Filho de Deus, que veio ao mundo. Deus Pai nos enviou seu Filho para
mostrar-nos seu amor.

Na realidade, a verdadeira resposta chegará à criança não tanto pela via intelectual, mas pela do
testemunho. Na medida em que Cristo seja verdadeiramente o Filho de Deus Pai para os pais da criança, este
irá captando a maravilhosa realidade à margem das questões de vocabulário

À criança menor de quatro anos pode-se contar, com palavras muito simples, a história de Jesus: seu
nascimento em Belém, a adoração dos pastores e dos Reis Magos, sua vida de criança e de rapaz em Nazaré,
obedecendo seus pais e trabalhando. E como, quando foi adulto, fez grandes milagres e, por fim, morreu
cravado na Cruz (pode ser o momento de dar à criança uma explicação sobre o sentido do crucifixo). Por
último, ressuscitou, esteve de novo com seus amigos e subiu ao Céu.

Para dar estas explicações, o ideal é que nos apoiemos em figuras ou desenhos muito simples sobre
os principais momentos da vida de Jesus. A criança gravará em sua memória essas cenas e entenderá muito
melhor as explicações de seus pais.

b) Onde está Jesus agora?

Está no Céu, pois depois de morrer na Cruz, ressuscitou e subiu ao Céu. Mas está também em seu
coração, no coração de papai, no de mamãe... e no de todas as pessoas que o amam e procuram ser bons.

Até os três ou quatro anos, a criança é capaz de entender, de alguma maneira, a presença de Jesus
no Sacrário. Pode dizer-lhe que Jesus, assim como nós, tem sua casa e os pais deverão levar a criança “para
ver Jesus ali”. A criança apenas verá o Sacrário e a lamparina acesa. Os pais podem explicar-lhe que, ainda
que não o veja, ali, dentro do Sacrário, está Jesus. Ama-nos tanto que quis ficar do nosso lado para que
pudéssemos falar-lhe, sobretudo em sua casa, a igreja. A fé e a oração dos pais serão o mais poderoso
testemunho para o filho.
149
A FORMAÇÃO RELIGIOSA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

c) Jesus morreu?

Sim, Jesus morreu. “Sim, se lembra, como lhe disse...” E será o momento de recordar-lhe, brevemente,
a história de Jesus: Seu nascimento, Sua morte na Cruz, Sua ressurreição e ascensão ao Céu.

Pode ser uma ocasião muito oportuna para tirar o crucifixo da parede e mostrá-lo à criança com certo
detalhe. Fixaremos sua atenção nos cravos das mãos e dos pés, na coroa de espinhos, na chaga aberta pela
lança em Seu flanco... Diremos à criança que Jesus sofreu tudo aquilo por nós, para que vamos ao Céu. A
seguir, beijamos o crucifixo e o damos para beijar.

Desta maneira, a criança irá compreendendo que as imagens de Jesus não são Jesus mesmo, mas
sim que representam a Ele. E que beijar Suas imagens é como beijar a fotografia de uma pessoa muito
querida. Neste caso, a pessoa mais querida que têm os cristãos.

d) Quem é a Virgem Maria?

É a mamãe de Jesus. Deus Pai escolheu uma jovem, a mais formosa e boa que havia no mundo, para
que fosse a mãe de seu Filho, que Ele ia enviar à terra. “Sim, recorda a história do Nascimento de Jesus...”

A Virgem está agora com Jesus no Céu. Mas, como nos quer tanto, também está sempre a nosso lado
para cuidar de cada um de nós.

3. A FORMAÇÃO RELIGIOSA NO CENTRO ESCOLAR

Como já assinalamos, a formação religiosa da criança no centro escolar – sempre que seja solicitada
por seus pais – tem um caráter marcadamente complementar, em especial nestas idades tão precoces.

A seguir, se expõem a grandes traços os critérios e orientações recolhidas no Desenho Curricular base
de religião e moral católica, publicado pela Comissão Episcopal de Ensinamento (1991).

O objetivo primordial assinalado pela LOGSE, para a educação infantil, é “contribuir ao


desenvolvimento físico, intelectual, afetivo, social e moral das crianças”. O sentido da transcendência ajuda a
criança, ao longo de seu processo educativo, a aceder a seu pleno equilíbrio pessoal e social. Por isso, no
marco dos projetos e programações curriculares, interessa – para os alunos cujos pais assim o solicitem – a
presença da dimensão religiosa, tendo em conta que todas as atividades do centro de educação infantil são
educativas e formadoras.

A educação infantil abrange dois ciclos bem diferenciados: o compreendido entre zero e três anos e o
dos três a seis anos. Com efeitos da educação religiosa, ambos são muito interessantes e têm notas
diferenciais acusadas.

3.1 Primeiro ciclo (zero a três anos)

A criança de zero a três anos vive o momento de estabelecer profundamente suas raízes em nível
físico, relacional e intelectual. Aprende uma forma de perceber o mundo, de comunicar-se com ele, de começar
um caminho específico de ser homem ou mulher.

O sentido religioso da criança amadurece em paralelo ao desenvolvimento de suas faculdades físicas


ou psíquicas. Para este primeiro ciclo não se regula um ensinamento religioso escolar. Os pais têm, nesta
etapa, um papel decisivo que subsidiariamente confiam à escola. A identidade do pequeno se faz e transforma
com eles e ante eles.

São as atividades humanas em casa e na escola as que devem orientar-se a Deus, pois quanto a
crentes entende-se que o conjunto inteiro da vida, a partir de sua origem, tem uma referência a um Absoluto,
que lhe dá sentido. Aos três anos, a criança pode assomar-se, difusamente, ao mistério de Deus quando
experimenta seu próprio crescimento como algo que a transcende e é objeto de amor por parte das pessoas
que a rodeiam.

150
A FORMAÇÃO RELIGIOSA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

3.2 Segundo ciclo (três a seis anos)

A criança de três a seis anos vive um período de despertar suas capacidades religiosas.

A educação religiosa deste segundo ciclo se dirige a afiançar e ampliar os diferentes âmbitos do
desenvolvimento da criança, fazendo-a disponível para a relação com Deus Pai.

Os três âmbitos de experiência religiosa são coincidentes com os da experiência geral da criança:

- Identidade e autonomia pessoal.


- Descobrimento do meio físico e social.
- Comunicação e representação da realidade.

Esta organização da etapa não implica uma concepção fragmentada da realidade religiosa, muito pelo
contrário; contribui a dotar de significado a experiência religiosa da criança, à medida que cresce sua
autonomia e identidade pessoal e que se relaciona com seu meio, com os outros e com Deus, através da
linguagem, da brincadeira e do símbolo fundamentalmente.

- A linguagem é básica no processo de construção da própria identidade. A criança descobre com a


linguagem as riquezas de um mundo de realidades que a superam. A formação do pequeno estará
condicionada, em grande parte, ao desenvolvimento que adquirir neste campo.

- A brincadeira é outra das atividades mais aptas para propiciar a aprendizagem infantil. A
brincadeira fomenta a criatividade, o afã por descobrir e o desenvolvimento de outras capacidades
da criança: admiração, entusiasmo... Leva-a a encontrar soluções a problemas, a sentir-se
protagonista, a conviver com outras crianças... Nada disto é alheio à formação religiosa que aspira,
sobretudo, a desenvolver na criança as faculdades de expressão, a descobrir a alegria de viver e a
sensibilizá-la paulatinamente com a dimensão comunitária, apoiada nos aspectos socializantes da
brincadeira.

- O símbolo é um elemento essencial para que a criança desta idade seja capaz de interiorizar e que
tal interiorização contribua à estima que ele tem de si mesmo. Ou seja, a criança transporta a ela a
imagem que o adulto lhe propicia. Entra aqui em jogo a função simbólica. Na formação religiosa, o
papel do símbolo é insubstituível.

À criança do segundo ciclo se oferece uma experiência religiosa; que pode resumir-se nas seguintes
finalidades:

1. Observação em seu entorno de objetos, pessoas e símbolos cristãos.

2. Aproximação ao primeiro dado fundamental da fé: Deus Criador é nosso Pai.

3. Conhecimento elementar da vida de Jesus e de Maria.

4. Expressão da própria experiência religiosa (cantos, orações, expressão corporal, plástica, etc.)

5. Atitude de amor e respeito às pessoas e aos demais seres criados.

3.3 Objetivos gerais da religião e da moral católica na educação infantil

Ao finalizar a educação infantil, pretende-se que a criança seja capaz de:

1. Descobrir que os cristãos chamam Pai a Deus Criador de todas as coisas, e sabem que está com
todos nós, nos ama e nos perdoa sempre.
2. Conhecer que Jesus nasceu em Belém e é amigo de todos e nos quer: morreu e ressuscitou para
salvar a todos os homens.
3. Saber que a Virgem Maria é a Mãe de Jesus e também Mãe de todos os cristãos, que formam uma
grande família.
4. Representar nas diversas linguagens – verbal, plástica, musical, corporal... – algumas expressões
fundamentais da fé cristã, descobrindo os sentimentos e atitudes religiosas que contêm.
151
A FORMAÇÃO RELIGIOSA NA EDUCAÇÃO INFANTIL

5. Descobrir que o corpo, com todas as suas possibilidades de expressão e de relação, é presente de
Deus, que quer que a criança cresça e se desenvolva, experimentando o prazer de viver.

6. Observar os elementos religiosos e cristãos do entorno familiar, social e natural (sinais,


celebrações da vida cristã...) sentindo-se membro da comunidade religiosa à qual pertence.

7. Adquirir atitudes humanas e cristãs de respeito, confiança, verdade, alegria, admiração, etc., em
seu comportamento familiar e social.

8. Exercitar os primeiros hábitos e habilidades motrizes, sensitivas e corporais, para aceder à própria
interioridade, a oração, os cantos de elogio e as festas religiosas.

9. Respeitar às pessoas e coisas de seu entorno, cuidá-las e preocupar-se com elas, como Jesus fez
e nos ensina a fazer.

3.4 Contribuições da área de Religião aos objetivos gerais da etapa infantil

Os objetivos gerais da área de Religião e Moral Católica fazem contribuições importantes ao


desenvolvimento das capacidades da criança de três a seis anos.

a) Na ordem de relacionar-se com os demais e sentir-se membro dos diversos grupos aos que
pertence (família, escola, amigos, vizinhos...), a formação religiosa fornece uma visão enriquecida
da família, inspirada na paternidade de Deus, e das relações humanas, sob o sinal da fraternidade
o
e do amor, do respeito e da sinceridade (cfr. LOGSE, art 8 b).

b) Com respeito ao entorno social e cultural, é importante a contribuição da área de Religião para
conhecer e avaliar muitos costumes e tradições locais e regionais, e para descobrir o sentido
cristão da maior parte das festas. As crianças devem ir conhecendo sua origem, evolução e
o
verdadeiro sentido para situar-se ante tudo isso com lucidez crescente (cfr. LOGSE, art 8 c).

c) Na progressiva aquisição de autonomia em suas atividades habituais, a área de Religião oferece à


criança possibilidades interessantes para sua integração na comunidade religiosa à qual pertence
o
(cfr. LOGSE, art 8 d).

4. COMO CONCLUSÃO

Voltando a considerar o insubstituível papel que devem exercer os pais na educação religiosa de seus
filhos, é muito importante ajudá-los a que tomem consciência de que eles devem assumir neste campo um
protagonismo pleno e responsável, buscando também as lógicas e convenientes colaborações que possam
prestar-lhes a escola e a paróquia.

Quando os pais – em especial os pais jovens – recebem uma adequada orientação pedagógica,
descobrem a beleza e a simplicidade da educação religiosa no lar. Em seguida, se emocionam vendo como
seu filho ou filha pequenos desfrutam muitíssimo lendo com eles um relato do Evangelho, ou fazendo algumas
atividades simples de aplicação à sua vida cristã, ou repassando as fórmulas do catecismo e as orações do
cristão.

João Paulo II disse claramente: “É preciso alertar as pessoas e instituições que por meio de contatos
pessoais, encontros ou reuniões, e todo tipo de meios pedagógicos, ajudam os pais a cumprir seu propósito: o
serviço que prestam à catequese é inestimável” (João Paulo II, Catechesi Tradendae, 68).

152
SOBRE A INICIAÇÃO NA LEITURA-ESCRITA

APÊNDICE C: SOBRE A INICIAÇÃO NA LEITURA-ESCRITA

Círculo de Educação Personalizada

Na iniciação à leitura-escrita podem ser distinguidas duas etapas claramente diferenciadas. Uma
iniciação remota, predominantemente ambiental, que tem como finalidade o amadurecimento da criança, pelo
que aos fatores que influem no ensino da leitura se refere, e uma iniciação imediata, sistemática na qual se
marcam objetivos e se destacam atividades precisas na ordem da aquisição do código da linguagem
portuguesa.
A iniciação remota, que também se pode considerar motivante e maturativa, se realiza através dos
exercícios de pré-leitura e pré-escrita, assim como do desenvolvimento da base lingüística necessária para
poder abordar eficazmente a leitura e a escrita.

Na iniciação sistemática se estabelece o problema dos métodos.

Toda a multiplicidade de métodos para a iniciação na leitura e na escrita se podem reduzir aos dois
grandes grupos de: métodos analíticos e métodos sintéticos. Na que se chama “batalha dos métodos” não se
encontraram evidências científicas em favor de um ou de outro método em conjunto. Provavelmente, a
pesquisa mais detalhada que com respeito a este problema se realizou, foi a realizada por Bear com sete
grupos de crianças ensinadas pelo método analítico, e outros sete grupos ensinados pelo método sintético, e
utilizando em uns e outros o mesmo material, sem que houvesse outra diferença que a correspondente à dos
métodos mencionados. Ao final do primeiro ano de ensino, avaliado o rendimento com os testes Gates Primary
Reading Test e Metropolitan Achievement Test não se encontrou nenhuma diferença nos resultados dos dois
o
métodos. Seguindo o andamento das mesmas classes ao longo de vários anos, ao final do 6 ano se
encontrou que o grupo ensinado pelo método sintético era superior a respeito do outro na seção vocabulário do
mencionado teste de Gates. Nenhuma outra diferença foi observada. A semelhante conclusão se chega após a
leitura do estudo detalhado que Jeanne Chall, da Universidade de Harvard, feito sobre a ciência, a arte e a
ideologia dos velhos e novos métodos de ensinamento da leitura (Chall, J., 1967).

Não obstante o dito, talvez pudesse encontrar-se nos últimos anos uma ligeira preferência pelos
métodos sintéticos, ou seja, por aqueles que dão maior importância à aprendizagem do alfabeto, para que,
depois da aprendizagem das letras, as crianças pudessem ir compondo palavras; talvez esta ligeira preferência
seja uma reação contra o quase absoluto predomínio que nas escolas tidas por progressistas tiveram os
chamados métodos globais ou analíticos a cuja aplicação exclusiva atribuem alguns autores a existência de
dislexias.

Matizando a anterior conclusão, convém ter em conta que se bem que não há evidência científica a
favor de um método ou outro dos sintéticos ou analíticos, entretanto, parece comprovado que resulta muito
mais eficaz a utilização de um método estruturado com o material adequado a ele, que o uso de diferentes
elementos de diferentes métodos para iniciar sistematicamente na aprendizagem da leitura e da escrita. Isto
quer dizer que para a iniciação leitura-escrita cada professora ou professor deve selecionar, ou idear, o modo
de organizar as atividades de pré-leitura-escrita para que sejam coerentes entre si, a fim de que todas as
tarefas (observação, vocabulário, desenhos, jogos diversos...) se reforcem entre si, não apenas respeitando,
senão estimulando a iniciativa de todos e cada um dos pequenos aprendizes.

A liberdade de iniciativa, que professoras e crianças devem colocar em prática, pode ser mais eficaz se
previamente se solucionam algumas questões de interesse geral tais como as que nas seguintes linhas se
estabelecem.

Com que tipo de letra se deve começar a iniciação na leitura-escrita


Muitos professores se surpreendem ante a idéia de que a aprendizagem da leitura e da escrita é mais
eficaz se se começa utilizando letras maiúsculas romanas (de imprensa). Esta atitude se explica porque a
iniciação com letras maiúsculas vem quebrar a tradição secular nestas aprendizagens. A razão desta nova
idéia se encontra na experiência, não nas elucubrações mais ou menos teorizantes de algum estudioso da
pedagogia.
Qualquer aprendizagem escolar se origina por um duplo tipo de estímulo: os estímulos sistemáticos do
centro docente e os estímulos do ambiente em que se vive. A aprendizagem da leitura e da escrita não escapa
a esta lei geral; a criança aprende a ler graças ao que na escola lhe ensina, mas também influenciada pelo
ambiente que a rodeia.
153
SOBRE A INICIAÇÃO NA LEITURA-ESCRITA

Por outro lado, a aprendizagem humana se reforça quando o sujeito que aprende algo se faz
consciente disso; o saber que aprendemos é um estímulo para continuar nosso esforço para seguir
aprendendo.

O ensino deve ter em conta os dois fatores mencionados. Por esta razão o que ensina a ler e a
escrever deve perguntar-se que tipo de estímulos recebe a criança do ambiente? que tipo de letra resulta mais
fácil de aprender para que, quanto antes, a criança tenha a alegria de comprovar que aprendeu algo?

A resposta a estas duas perguntas está no uso das letras maiúsculas.

Se nos fixamos no ambiente que rodeia a criança e no que no mundo atual lhe chama a atenção,
encontraremos coisas como as placas dos carros, os letreiros das lojas, os cabeçalhos dos jornais e os
anúncios em geral. Basta olhar um pouco detalhadamente para nos encarregamos que nestes estímulos que a
criança recebe constantemente, a quantidade e espaço ocupado por letras maiúsculas é muito superior a das
letras minúsculas. Tem-se comprovado que algumas crianças aprenderam a distinguir as letras precisamente
fixando-se nas placas dos carros e nos anúncios de televisão nos que também sobressaem as letras
maiúsculas.

Quanto à facilidade de aprendizagem, a experiência destaca a maior facilidade que as crianças têm
para identificar e reproduzir – ler e escrever – as letras maiúsculas com respeito das minúsculas. Basta ler o
interessante livro de Ferrucio Deva, A aprendizagem individualizada da leitura e da escrita, traduzido para o
espanhol há mais de dez anos (publicado pela Escola Espanhola, 1969) na qual se dedica todo um capítulo, o
segundo, a descrever pesquisas realizadas sobre o tipo de letra mais fácil para as crianças, e no que, além de
suas próprias experiências, descreve outras entre as quais devem citar-se as de Gesell e seus colaboradores,
Dottrens e Helga Eng; nelas se destaca a conveniência de iniciar a aprendizagem da leitura-escrita utilizando
letras maiúsculas romanas. Por sua maior simplicidade são muito mais fáceis de identificar e reproduzir.

Considerando os fatos mencionados, parece insustentável seguir agarrados a uma tradição na qual
não se utilizam os recursos do ambiente e na qual as crianças tardam mais em ter a satisfação de saber ler.

Após a aprendizagem com letras maiúsculas, virá o uso e a aprendizagem com outros tipos de letra.
Deve ficar bem claro que a aprendizagem completa da leitura e da escrita deve capacitar a criança para
escrever e entender todos os tipos de escrita usuais.

Comecemos por nos encarregarmos de que em qualquer texto escrito costuma haver letras maiúsculas
e minúsculas. Primeira consequência: as crianças haverão de aprender a ler letras maiúsculas e letras
minúsculas.

Por outro lado continua sendo válida a distinção entre texto impresso e texto manuscrito. Segunda
conclusão: as crianças terão de aprender a ler em textos impressos e em textos manuscritos.

Se se considera que os caracteres impressos são sempre semelhantes, enquanto que há uma grande
variedade de letras manuscritas, o problema está em escolher o tipo de letra manuscrita com que se deva
ensinar as crianças. Neste sentido, parece que se deva começar a ensinar as crianças utilizando o tipo de letra
que resulte mais fácil, dentro da escrita à mão. Ao mesmo tempo, haverá de reunir a condição de que, a partir
deste tipo de letra, se possam entender facilmente quaisquer manuscritos. Estas condições parece que as
reúne o tipo script sempre que as letras de uma mesma palavra sejam escritas unidas.

Em resumo: qualquer criança tem de aprender a ler quatro tipos de letra:

- Letra maiúscula impressa, romana.


- Letra minúscula impressa.
- Letra manuscrita, script, maiúscula.
- Letra manuscrita, script unida.

Qualquer que seja o procedimento que se utilize para a aprendizagem da leitura-escrita, as crianças
terão de terminar por conhecer os quatro tipos de letra mencionados. O começo com letras maiúsculas
romanas não indica mais que a ordem em que se devem utilizar no ensinamento.

Parece que já está confirmado que as crianças de hoje “amadurecem” mais rapidamente que em
épocas passadas. Isto pode afetar a aprendizagem?; se pode ou se deve ensinar a ler antes dos seis anos?

154
SOBRE A INICIAÇÃO NA LEITURA-ESCRITA

A evolução tecnológica influi claramente na educação, especialmente no que se refere à aquisição de


conhecimentos. Concretamente, o desenvolvimento da televisão, e ainda o uso de computadores, se tem feito
familiar na vida das crianças e, sem dúvida alguma exerce uma influência poderosa nos conhecimentos
infantis. Concretamente, pelo que se refere à pergunta, estes meios podem facilitar a aprendizagem da leitura,
a qual leva consigo, em certo modo, a possibilidade de que as crianças aprendam a ler em idade mais precoce
que o habitual em anos anteriores.

Apesar das influências que se acabam de mencionar, continua sendo válido o princípio de que não se
deve forçar a criança a aprender a ler antes dos seis anos, mas tampouco lhe pode obstaculizar esta
aprendizagem se ela mostra interesse e disposições para isso. Em concreto, não deve haver preocupação
porque a criança aprenda cedo a ler, mas se se entretém com a televisão, com os gibis, com os livros de
figuras e com outros tantos estímulos como há para a leitura. Tampouco há inconveniente algum em que lhe
facilite o material adequado (jogos com letras ou palavras impressas, folhas ou cadernos com desenhos para
ilustrar, livros de estampas...) e sobretudo papel e lápis de cor para que ela possa, sem necessidade de ser
forçada a entrar no campo da leitura.

As situações que se acabam de assinalar levam à conclusão de que não se pode aspirar a que as
crianças, todas as crianças, aprendam a ler antes de terem seis anos, se bem que ocorre que muitos
aprendam antes de chegarem a tal idade. Daqui, o que por um lado não se possa exigir como um objetivo
comum e obrigatório para todas as crianças, mas ao mesmo tempo não se devem fechar as possibilidades
daqueles que tenham interesse e capacidade possam aprender a ler e a escrever – no sentido inicial a que
estamos nos referindo – no período da educação pré-escolar. Resumindo, na ordem da aprendizagem da
leitura e da escrita, dentro da educação pré-escolar se devem organizar atividades e criar um ambiente para
que as crianças possam aprender a ler e a escrever; mas não lhe deve exigir esta aprendizagem como um
objetivo comum para todas as crianças.

Na educação infantil, uma programação razoável exigiria:

1. Criar um ambiente adequado, que seja rico em estímulos que convidem e ajudem o pequeno a
aprender a ler e a escrever.
2. Programar atividades de pré-leitura e pré-escrita que vão desenvolvendo os fatores implicados na
maturidade para este tipo de aprendizagem. Para estas atividades, podem ser utilizados os filmes
para a aprendizagem da leitura e da escrita, mencionadas também nos tópicos seguintes.
3. Uso assistemático, incidental, de material de leitura e escrita, de tal sorte que o possam empregar
os pequenos leitores sem que seja uma obrigação para eles.

Com as medidas indicadas, nem se força a aprendizagem da leitura-escrita, nem se impede aprender
a ler e a escrever a criança que se encontre em condições adequadas.

Esta questão se encontra estreitamente relacionada com a seguinte.

As crianças devem aprender a ler antes do Ensino Fundamental?

A resposta concisa seria: Não há inconveniente.

Vale a pena, entretanto, fazer algumas pormenorizações porque o assunto é importante e complexo.
Prosseguindo no assunto de que o aprender a ler e a escrever figuram entre os objetivos fundamentais
da atividade escolar, em razão de ser um dos hábitos fundamentais de todo afazer cultural. Tão fundamental é
que deve ser preocupação não só dos primeiros anos do colégio, mas da aprendizagem colegial ao longo de
toda a escolaridade.

Em geral, os pais são muito sensíveis aos objetivos concretos da atividade colegial. Assim, no caso da
aprendizagem precoce da leitura e da escrita, no da aquisição de algum idioma, e em geral, no das
qualificações escolares. Esta sensibilidade é explicável e é boa. Se o pai não se preocupa pela educação de
seus filhos, quem deve se preocupar?

Mas convém não deformar a realidade nem ter uma idéia equivocada do que é bom para o
desenvolvimento das crianças. Porque ocorre que muitas vezes os objetivos mais importantes da educação
(que a criança saiba observar, saiba falar, saiba discorrer, seja generosa) costumam ficar no âmago da
pessoa, mascarados em muitas ocasiões nestes objetivos concretos aos quais me referi no princípio. E o caso
da leitura e da escrita é muito especial. Por isso, vale a pena que tenhamos algumas quantas idéias claras.
155
SOBRE A INICIAÇÃO NA LEITURA-ESCRITA

Durante muitos anos se tem vindo especulando nos trabalhos pedagógicos sobre a capacidade das
crianças para aprenderem a ler e escrever. A questão da idade crítica para a leitura e a escrita, ou seja, a
idade mais adequada para realizar sua aprendizagem, tem ocupado bastante tempo e tem feito encher muitas
páginas de literatura pedagógica, para chegar à conclusão de que a capacidade para aprender a ler e a
escrever está muito vinculada a diferentes aspectos do desenvolvimento da criança, entre os quais vale a pena
destacar o desenvolvimento intelectual, o desenvolvimento do vocabulário, o desenvolvimento psicomotriz, e
um fator fundamental muito difícil de entender, o que se costuma mencionar como coordenação espaço-
temporal no qual está incluída a capacidade perceptiva de tamanhos, formas, movimento e ritmo.

À parte dos fatores que se acabam de indicar, a aprendizagem da leitura, como qualquer tipo de
aprendizagem, depende de dois tipos de elementos externos: os estímulos sistemáticos da professora e os
estímulos constantes do ambiente. A ação da professora exige da criança um esforço mais ou menos
continuado, conforme sejam as condições da criança e a programação de trabalho no colégio. A ação do
ambiente se exercita de uma maneira espontânea sem que a criança tenha que esforçar-se de um modo
especial, mas simplesmente recebendo os estímulos que constantemente a rodeiam e respondendo a eles
conforme despertem ou não despertem interesse. A criança de hoje aprende a ler porque, de um lado, no
colégio lhe facilitam determinados materiais de leitura, tais como fichas, cartões com letras, com palavras ou
livros especialmente preparados para esta aprendizagem inicial. De outro lado, o ambiente lhe oferece os
letreiros das lojas, as placas dos carros, os nomes das ruas, e agora, sobretudo, a estimulação constante da
televisão, que repetindo letreiros, sejam referidos ao título dos programas que se oferecem; já porque se
reiteram as mesmas coisas, tais, por exemplo, os anúncios de bebidas, detergentes, eletrodomésticos, está
constantemente estimulando a criança a ler.

Quando a criança viveu em um ambiente rico em estimulações para a leitura, se tem dado casos de
aprender a ler sem que ninguém a tenha ensinado. Estes casos são cada vez mais frequentes, precisamente
pelas estimulações ambientais a que antes me referi. Há crianças que aprenderam a ler na televisão; há outras
que aprenderam graças às placas dos carros; há outras que aprenderam pela força de ver manchetes em
publicações infantis. E se a estas aprendizagens espontâneas se une a preocupação dos pais e a atividade de
algumas professoras de crianças pequenas, não tem nada de estranho que sejam agora muitas as crianças
que aprendem a ler antes de terem os seis anos.

É ruim que as crianças aprendam a ler em idade tão precoce? Em si mesmo não podemos dizer que
seja uma coisa ruim. Inclusive, poderíamos dizer que é boa. Mas convém fazer algumas determinações. Em
primeiro lugar, que as crianças possam aprender muito cedo a ler... à custa de outras aprendizagens. Há casos
de crianças que aprenderam muito cedo a ler e, inclusive, adquiriram em idades precoces cultura imprópria de
sua idade. Mas à custa de seus jogos, de sua capacidade de relacionar-se com seus colegas e de sua
capacidade para outras manifestações do desenvolvimento humano. Por outro lado, podemos também
constatar a existência de dificuldades para aprender a ler e escrever em idade precoce, por parte de algumas
crianças.

156
DO CONTAR AO SUBTRAIR, ATIVIDADES NUMÉRICAS DO PRÉ-ESCOLAR

APÊNDICE D: DO CONTAR AO SUBTRAIR, ATIVIDADES


NUMÉRICAS DO PRÉ-ESCOLAR

Rosario Jiménez Frías

O desenvolvimento da atividade matemática na criança funde suas raízes em tarefas da vida cotidiana
em um duplo sentido. Tarefas que a criança cultiva espontaneamente, antes de sua entrada no centro pré-
escolar, e tarefas que se relacionam com seu mundo imediato, com o mundo que conhece. Esta dupla
imediatez tem sido posta em evidência por um grande número de pesquisas que tratamos de resumir a seguir
e que nos estabelecem a necessidade de ter em conta o mundo particular em que cada criança cresce e desde
o que deve estabelecer-se a tarefa educativa, seja qual for o tipo de conhecimento que se deseje desenvolver.

1. O CÁLCULO

Uma das atividades que realiza a criança, de maneira natural, é a de contar. Facilmente a criança
conta ao andar, ao colocar talheres na mesa, são infinitas ocasiões em que a criança espontaneamente realiza
a tarefa de contar, inclusive antes de seu ingresso em uma situação institucionalizada.

E o cálculo como atividade não fica em si mesmo, senão que se prolonga em outras atividades como é
a de ser um método “natural” de resolver situações nas que devem realizar-se adições e subtrações simples.
Pode dizer-se que o primeiro algoritmo que as crianças utilizam para resolver adições e subtrações provém de
seu cálculo. A importância de sua atividade de contar, o cálculo, se evidencia ao estudar as diferentes
realizações matemáticas nas que deve realizar adições e subtrações, sejam estas a de realizar uma simples
operação de somar ou subtrair, a solução das denominadas sentenças abertas ou a de problemas, palavra que
se resolvem por estas mesmas operações. Pode dizer-se que todas estas atividades em sua origem se
resolvem aplicando o cálculo, utilizando estratégias de contar.

O interesse da atividade de contar se evidencia em que o fio condutor que serve de união a numerosas
pesquisas realizadas sobre a solução de operações de somar e subtrair, e chega a ser um algoritmo mediante
o qual a criança resolve tais tarefas. Tarefas nas que há de realizar somas e subtrações são, em algum
momento, resolvidas a partir de cálculos. E são inúmeras as pesquisas nas que se evidenciam a importância
do contar na solução de problemas de adição e subtração, entre estas cabe destacar as que em seu momento
realizaram Gelman e Gallistel (1978); Fuson (1982), Steffe e outros (1983).

O cálculo aparece de maneira precoce na criança, inclusive antes de sua entrada na pré-escola. As
crianças realizam a emissão da lista numérica com relativa facilidade e acerto. E utilizam também de maneira
normal a atividade de contar como método útil para resolver tarefas nas que se realizam mudanças no
tamanho dos grupos.

As diversas pesquisas se aproximam à tarefa de contar a partir de duas vertentes diferentes: segundo
se atenda aos itens utilizados ao contar ou aos métodos que se utilizem para contar.

O desenvolvimento da atividade de contar passa por diferentes etapas que deve considerar. Esta
atividade pode realizá-la a criança sobre materiais concretos, objetos, contas, os dedos; apoiando-se sobre a
própria sequência de palavras emitidas ao contar. E isto o realizam as crianças de maneira manifesta algumas
vezes e oculta em outras ocasiões.

Aparece esta sequência de maneira natural, por isso cabe perguntar-se se o interesse de alguns
professores por fazer prescindir às crianças de contar sobre seus dedos quando resolvem operações, tem
razão de ser, dado que este é um momento normal do desenvolvimento do mecanismo de solucionar este tipo
de operações.

Atendendo aos itens que as crianças utilizam para contar, estes podem ser: perceptivos, motores,
abstratos. E na evolução de tais itens aparecem dois momentos de transição denominados figural e verbal.

157
DO CONTAR AO SUBTRAIR, ATIVIDADES NUMÉRICAS DO PRÉ-ESCOLAR

O sujeito conta itens perceptivos quando necessita realizar a conta sobre objetos, não podendo realizá-
la se carece de tais objetos. Estes objetos podem ser auditivos, figurativos e táteis. Na realização do cálculo e
em sua aplicação para resolver problemas simples, a criança não pode prescindir, nesta etapa, e se vê
condicionada, portanto, pela percepção dos itens. Os sujeitos não compreendem a tarefa que realizam e
solucionam os problemas sem poder estabelecer-se objetivos e subjetivos para suas ações. O único objetivo é
contar os itens que lhes apresentam, para saber quantos há no total. As crianças são incapazes de manter um
número separado do outro, uma vez que entrou a fazer parte da conta. Unicamente se os objetivos se
encontram suficientemente separados. Se dá, inclusive, o caso de que a criança continua mecanicamente
contando objetos estranhos ao problema proposto, se estão o suficientemente próximo.

Na etapa denominada de transição figural podem representar objetos ausentes mediante seus dedos,
com o que podem avançar em manter os números separados. Mas apresentam uma grande quantidade de
inconsistências em suas soluções.

A etapa em que a criança conta com itens motores implica a realização da atividade com itens
motores. A criança conta batidas, chegando inclusive a criar ritmos que facilitam suas contas. Não alcança
ainda, entretanto, uma internalização da atividade de contar.

A etapa intermediária, denominada verbal, implica que a criança se apóie na emissão da lista
numérica. Inicialmente, une o ato motor à emissão da palavra numérica e finalmente se separam, ficando
unicamente a palavra, o que supõe um avanço e maior flexibilidade.

A criança alcança a etapa de contar mediante itens abstratos quando não necessita de itens
perceptuais. Adquire a capacidade de ir da palavra numérica à estrutura conceitual que representa. Neste
ponto, a criança é capaz de realizar uma dupla conta, ou seja, além de contar os objetos pode lembrar os
passos efetuados e, com isso, saber quando tem de parar em alguns dos tipos de realizações.

Uma segunda perspectiva nos estudos é a que tem em conta as formas de contar, a maneira em que a
criança realiza o cálculo. Autores como Groen e Resnick (1977); Resnick e Ford (1981); Ginsburg (1984), e
Baroody (1984) mostram em seus trabalhos os mecanismos utilizados pelas crianças no cálculo, inclusive
antes de seu ingresso na pré-escola. Fuson, Richards e Briars (1982) estudam as estratégias de contar
utilizadas na resolução de problemas de adição e subtração. As crianças utilizam a sequência numérica como
ferramenta para resolver problemas. A utilização da sequência pode ajudar a compreender a própria operação
realizada e como a adição e a subtração são operações inversas. Neste caminho, as crianças podem inclusive
“inventar” formas de contar que não lhes foram ensinadas, para resolver algumas tarefas.

As crianças apresentam um conhecimento informal, que alcançam em sua proximidade e


compreensão da tarefa, e que pode ser útil para etapas posteriores, quando realizam aprendizagens
memorísticas que podem levar à não compreensão.

Dado que a criança realiza cálculos simples a partir de processos de contar, sem praticamente
aprendizagem prévia, sempre que compreende o que realiza, seguir esta linha para as aprendizagens
posteriores pode facilitar a passagem aos métodos algoritmos escritos, que por sua vez facilitam a realização
de tarefas mais complexas.

Entre as estratégias de contar cabe destacar três momentos, segundo a criança modele com objetos
físicos, se centre na própria estratégia de contar ou utilize atos de contar aprendidos de cor.

2. A FAMILIARIDADE DAS TAREFAS PROPOSTAS

Uma vez analisada a familiaridade da criança com o método de realização, o cálculo, passamos a
analisar o segundo aspecto que de fato serve para facilitar a solução de tarefas matemáticas simples. Trata-se
de fatores que nos estudos se denominam fatores verbais e que se encontram relacionados com os mesmos.

O cálculo se prolonga em problemas significativos que são resolvidos mediante adições e subtrações.
Uma boa compreensão disto pode facilitar e solucionar os problemas que se estabeleçam pela má
compreensão e realização do algoritmo escrito da adição e subtração.

Entendem-se neste escrito por problemas verbais todos aqueles nos que deve transladar-se um texto a
uma expressão ou resultado matemático mais ou menos complexo. Implica interpretar palavras, determinar
ações a realizar e alcançar a solução mediante uma série de procedimentos.

158
DO CONTAR AO SUBTRAIR, ATIVIDADES NUMÉRICAS DO PRÉ-ESCOLAR

Os estudos realizados sobre este tipo de problemas têm considerado diferentes aspectos, entre os
quais cabe destacar os linguísticos (reconhecer nomes, adjetivos, verbos; utilizar sinais de referência;
complexidade de planejamento, etc.). Por outro lado, são de interesse as estratégias que o sujeito saiba
aplicar, que lhe permitem reconhecer dados e a solução a alcançar. A necessidade de utilizar ajuda concreta.
A familiaridade da situação estabelecida também tem sido analisada. Cabe agrupar todo este tipo de fatores
em três grupos conforme se relacionem com o indivíduo, com a tarefa e com o processo.

Assim, pesquisas como a de Brownell e Strech (1931) encontraram que a dificuldade que a criança
encontrava na realização de tarefas se relacionava com:

- familiaridade da situação
- número de objetos não familiares
- interesse da história.

A dificuldade dos problemas pode ser controlada, tendo em conta estas três características. Uma
criança de idade precoce pode resolver um problema de perder ou ganhar balas, se se encontra implicada em
tal perda ou ganância, enquanto que não saberá resolver tal tarefa se lhe pede de maneira complicada e com
um material que desconhece.

Lesh e Landau (1983) encontraram em seus estudos que as crianças apresentam, entre outras
características, enfrentadas a problemas:

- as crianças sem treinamento resolvem ao acaso.


- são incapazes de ter em conta todas as condições presentes, ignorando alguma.
- pode-se ensinar-lhes destrezas para resolver problemas.
- melhoram-se as respostas, resolvendo um amplo número de problemas sem instruções
específicas.
- a representação dos problemas se baseia na interpretação sintática.

Greeno (1980) evidencia em seus estudos a importância de fatores como o lingüístico e o fático.
Entende por fático o conhecimento que a criança tem dos fatos que ocorrem no problema, o que dota o
problema de detalhes que ajudam a alcançar uma representação, representação que não tem lugar se o
contexto do problema resulta desconhecido para a criança.

Um dos campos mais frutíferos de pesquisa neste sentido é o que se tem realizado sobre variáveis
semânticas. Posto que uma mesma solução se requer para diferentes tipos de problemas, deve encontrar
alguma razão que explique a diferença na solução alcançada. Riley, Greeno e Heller (1983) estabeleceram
como definição de variável semântica o conhecimento conceitual que a criança tem sobre ações como
incrementar, comparar, combinar, igualar, etc., realizadas sobre grupos de objetos e referidas a adições e
subtrações. Solucionar um problema é algo mais complexo que simplesmente realizar uma conta.

A dificuldade de resolver os problemas varia conforme muda a maneira de expressão. Assim são mais
fáceis de compreender expressões que estabeleçam valores numéricos como “João tem 3 bolinhas de gude”
que expressões com termos de relação como “João tem 3 bolinhas de gude a mais que André” e expressões
que perguntam, como, quantas bolinhas de gude tem...?

A diferença na facilidade ou dificuldade deste tipo de expressões provém de que a criança, ao


transportar diferentes expressões, costuma cometer diversos tipos de erros. Assim, as crianças menores
reduzem em múltiplos casos a segunda expressão à primeira, realizando um erro de conversão. Onde coloca
“João tem 3 balas a mais que” transcreve “João tem 3 balas”. A criança não está preparada para receber um
tipo de proposições e a muda. Isto ocorre em geral com as sentenças relacionais, comparativas...; problemas
expressados com termos como maior que, menor que, mais que, menos que, apresentam maior dificuldade. O
que deve ter em conta, para familiarizar a criança com tais expressões mediante desenhos, gráficos, etc.

Os estudos demonstraram que segundo a expressão mediante a qual se expresse o problema, os


sujeitos utilizarão diferentes estratégias de solução. Assim, há problemas como os que se expressam mediante
comparações que levam a criança a estratégias de nivelamentos de material concreto. Se a criança não tem
realizado nivelamentos, isto é, se não conhece esta estratégia, dificilmente poderá resolver tais problemas. A
estratégia não se encontra entre as de seu repertório.

159
DO CONTAR AO SUBTRAIR, ATIVIDADES NUMÉRICAS DO PRÉ-ESCOLAR

Problemas nos que não se conhece um grupo inicial, supõem utilizar uma estratégia na que se deve
inventar um conjunto e atuar com ele para satisfazer as condições impostas pelo problema. Podendo reduzir-
se a um tipo de operação simples, são, entretanto, mais difíceis de resolver pela dificuldade da criança desta
idade de atuar hipoteticamente. A estrutura do problema tem tanto maior importância quanto menor é a criança
que o resolve.

Os diferentes estudos evidenciaram que as diferenças na capacidade de processamento das crianças


implicam diferenças na resolução de problemas, assim como a resolução dos problemas depende de sua
estrutura semântica mais que da capacidade cognitiva e da instrução. As crianças pequenas, ainda quando
conhecem algoritmos, se fiam mais em seus próprios procedimentos na hora de resolver problemas simples.

A criança nesta etapa utiliza geralmente alguns mecanismos linguísticos informais na hora de resolver
os problemas. Realiza suas próprias representações. Vê-se influenciada pelo entorno das tarefas, desenhos,
expressões, símbolos. Por isso, é de interesse realizar atividades que a criança parafraseie o problema, que
explique como o soluciona, que construa representações tanto do problema como da solução.

Fica, portanto, através destes dois aspectos, realizada uma reflexão de aproximação à maneira de
resolver tarefas das crianças nestas primeiras idades. A proximidade, o conhecimento do mecanismo utilizado
para resolver uma tarefa, neste caso, matemática, facilita a solução da mesma e o crescimento quanto à
aplicação de tal estratégia, com variantes, à resolução de tarefas mais complexas. Favorece um crescimento
em complexidade do mecanismo a partir de sua aplicação compreensiva a tarefas mais elaboradas.

Por outro lado, o conhecimento do campo, no qual se efetua a tarefa, facilita igualmente a realização
complexa da mesma. Uma mesma expressão referida a um entorno familiar resulta de mais fácil solução que a
mesma tarefa referida a um entorno desconhecido.

Um terceiro fator se deriva do conhecimento semântico. Uma mesma tarefa matemática, ao ser
referida a partir de diferentes propostas semânticas, varia quanto à facilidade de solução, o que implica uma
aproximação ao mundo semântico da criança que facilite a compreensão da tarefa, e com isso a solução da
mesma. A criança não domina por completo a operação, senão vai dominando diferentes estabelecimentos
semânticos nos que se estabelece uma mesma operação. Movem-se em íntima relação ambos os aspectos e
o segundo não faz mais que ir dando profundidade ao primeiro, ao ampliar seu campo de resolução. Uma
gradação bem estabelecida evitará lacunas devidas ao desconhecimento em outros aspectos.

Por último, a variedade de estratégias na manipulação do material pode, por sua vez, dar esquemas na
hora de solucionar problemas. Uma criança acostumada a nivelar objetos pode realizar um problema de
divisão muito antes do que a escola considera o momento oportuno de efetuar tal aprendizagem. Uma criança
pode somar, diminuir ou dividir compreensivamente por repartição ou nivelamento sem que isso vá em
detrimento de nada.

Aproximando a tarefa ao entorno conhecido pela criança, estaremos desenvolvendo a compreensão


que logo, em outros momentos, poderá ser útil para a compreensão e correção dos algoritmos, uma vez que
chegue o momento da abstração.

160
COMO CRIAR O AMBIENTE ADEQUADO NA AULA DE EDUCAÇÃO INFANTIL

APÊNDICE E: COMO CRIAR O AMBIENTE ADEQUADO


NA AULA DE EDUCAÇÃO INFANTIL

Círculo de Educação Personalizada

Na epígrafe 7.2 deste livro fala-se das obras incidentais (os pequenos atos cotidianos) como meio de
criar e reforçar o ambiente educativo na aula infantil, seguindo as idéias básicas, sobre o ambiente escolar,
expostas no volume número 8 deste Tratado de educação personalizada (García Hoz, 1991).

Lembre-se que as obras incidentais são os pequenos atos que se realizam na vida diária, tais como
abrir uma porta, levantar-se de um lugar para ir a outro, fazer uma pergunta ao que se tem ao lado. Cada um
destes atos, por si só, significa pouco na educação, mas repetidos uma e outra vez, influem grandiosamente
na criação do ambiente na aula e na formação de hábitos para a convivência (García Hoz, 1988, 219).

Dentro da vida escolar, cada obra incidental deve ser entendida como expressão de um hábito
pequeno que deve ser adquirido por todos e cada um dos alunos, tal como se vê no tópico 2 deste volume.

A atenção às obras incidentais tem mais garantia de eficácia se as toma como base de uma
observação sistemática, que não necessita mais tempo exclusivo que alguma conversação para falar com as
crianças de como, ao fazer bem esses pequenos atos, estão se portando como pessoas adultas.

A fim de realizar uma obra sistemática de observação por parte da professora e de aquisição de
hábitos por parte das crianças, é mister ordenar as obras incidentais de tal modo que não se agrupem na
preocupação de professoras e crianças, e por outro lado, se tenha a segurança de que a cada uma delas, em
um tempo determinado, lhe prestará a atenção conveniente.

Na relação completa de obras incidentais (García Hoz, 1991, 249-251) foram selecionadas aquelas
que podem ser utilizadas diretamente na educação infantil. Na realidade, quase todas resultaram úteis.

Com o fim de facilitar a tarefa de distribuir, ao longo da segunda etapa de educação infantil, todas as
obras incidentais, um grupo de especialistas estabeleceu três grupos delas, o primeiro, adequado, às crianças
de três anos, o segundo adequado às de quatro, e o terceiro adequado às de cinco. Estas são as relações
estabelecidas:

Crianças de três anos:

1. Agradecer.

2. Evitar mastigar chiclete em classe.

3. Guardar o material quando tenha terminado de trabalhar.

4. Pedir as coisas por favor.

5. Permanecer limpo.

6. Escrever no papel ou material para isso e não nas carteiras, paredes, etc.

7. Jogar os papéis inúteis na lixeira, aproximando-se da mesma. Não jogar papéis no chão.

8. Cuidar dos livros, cadernos e todo tipo de materiais.

9. Pedir permissão para entrar ou sair de classe quando entra ou sai, um de cada vez.

10. Dar descarga após usar o banheiro.

11. Deixar cada coisa em seu lugar ao terminar um trabalho.

12. Ao terminar a jornada, deixar a classe ordenada (cadeiras, papéis, etc.) para facilitar o trabalho aos
funcionários da limpeza.
161
COMO CRIAR O AMBIENTE ADEQUADO NA AULA DE EDUCAÇÃO INFANTIL

13. Respeitar e cuidar das plantas dentro do colégio e no pátio.

14. Respeitar a decoração do colégio (quadros, enfeites, etc.) e participar no cuidado da mesma.

15. Vestir-se com correção.

16. Evitar mexer no nariz.

17. Evitar arrastar as cadeiras.

18. Colocar a mão na boca quando boceja.

19. Evitar roer as unhas.

20. Evitar morder ou chupar os lápis.

Crianças de quatro anos.

1. Devolver o emprestado (Biblioteca...).

2. Cooperar no trabalho ordenado e silencioso.

3. Saber escutar em silêncio.

4. Evitar as palavras malsoantes ou grosseiras.

5. Comer e beber sem fazer barulho.

6. Falar sem gritar.

7. Evitar as palavras ofensivas.

8. Cumprir os encargos.

9. Deixar limpos os lavabos depois de usá-los.

10. Fechar as torneiras de pias, lavabos e duchas.

11. Cumprimentar professores e pessoas que encontre e despedir-se.

12. Cumprimentar ao entrar em classe e no ônibus, despedir-se ao sair.

13. Recolher a roupa caída e colocá-la no cabide, ainda que seja de outro.

14. Emprestar o material aos colegas.

15. Evitar os empurrões nos colegas ao entrar ou sair.

16. Ceder a passagem.

17. Apagar as luzes quando não forem necessárias.

18. Usar adequadamente o guardanapo, o lenço.

19. Fechar as portas ou janelas com cuidado.

20. Deixar as jaquetas e abrigos bem pendurados.

21. Limpar aqueles instrumentos que se deterioram se ficam sujos depois de seu uso: pincéis,
recipientes, pinças, balanças.

22. Dobrar a roupa (recolhê-la) quando for preciso trocar para fazer esportes.
162
COMO CRIAR O AMBIENTE ADEQUADO NA AULA DE EDUCAÇÃO INFANTIL

23. Tapar os recipientes: pinturas, colas, tubos.

24. Deixar ordenada a roupa depois de fazer esporte.

25. Manter atados os tênis ou sapatilhas de esporte.

26. Ter cuidado de recolher livros e jaquetas quando são deixados no pátio.

27. Fechar com cuidado as gavetas e portas dos armários.

28. Chamar as pessoas por seu nome.

29. Recolher do chão sem fazer barulho, os objetos que caírem.

Crianças de cinco anos.

1. Respeitar a vez da palavra.

2. Ser corretos e amáveis no trato pessoal.

3. Levantar a mão, ou fazer outro sinal conveniente, para indicar que quer falar em classe.

4. Adotar posturas corretas em classe, vestiários e corredores.

5. Respeitar os objetos alheios, não usando-os sem permissão.

6. Em classe, realizar sempre a atividade adequada a cada situação.

7. Escutar antes de falar, sobretudo nos trabalhos em grupos.

8. Utilizar corretamente os talheres na refeição.

9. Terminar o começado: encargos, trabalhos, refeições, etc.

10. Evitar passar entre duas ou mais pessoas que estejam falando.

11. Compartilhar o material.

12. Saber olhar atentamente para quem fala.

13. Participar nas atividades em grupo quando lhe corresponder.

14. Evitar fazer barulhos malsoantes (bocejos, espirros...).

15. Informar das imperfeições.

16. Andar “sem pressa” pelo colégio.

Cada professora deve ter à mão a relação de trabalhos incidentais correspondentes ao grupo de
crianças que tem a seu cargo.

A preparação do programa de obras incidentais exigirá assinalar previamente a distribuição do tempo


que se deve dedicar à atenção particular de cada uma das obras ao longo do curso. Em outras palavras,
prever como haverão de distribuir as obras incidentais, o mesmo que se distribuem os temas de um
questionário qualquer das áreas ou materiais incluídas no currículo.

A ninguém se oculta que há quase infinitas possibilidades de distribuição que vão desde a atenção de
algumas obras após outras até atender ao grupo total delas ou formar subgrupos ou núcleos das que são
consideradas mais relacionadas entre si, com objetivo de distribuir estes núcleos ao longo do curso.

Convém advertir que a eficácia do programa de obras incidentais se encontra ligado a duas condições
essenciais:
163
COMO CRIAR O AMBIENTE ADEQUADO NA AULA DE EDUCAÇÃO INFANTIL

1. Que a professora cuide de seu porte e conduta, realizando bem as obras pequenas ela mesma
quando tiver de realizá-las. Seria absurdo que pedisse às crianças que não falem gritando se ela
grita dentro da classe.

2. Atrair os pequenos alunos na perfeita realização destas obras incidentais, dando-lhes também
participação no controle de sua realização.

Em qualquer caso, a realização do programa tem de ir apoiada em conversações com as crianças, a


fim de que tenham uma idéia clara do modo de realizar cada uma das obras incidentais, por exemplo,
transportar uma cadeira sem fazer barulho, levantando-a para isso ou, igualmente, fechar devagar uma porta
para não bater, ou indicar como se utilizam os instrumentos de trabalho ou as formas amáveis de pedir as
coisas.

Outro fator que ajuda a eficácia do possível programa de obras incidentais é a participação das
crianças no controle de sua realização. E vá em frente que neste controle podem participar realmente as
crianças em idade pré-escolar.

Trinidad Carrascosa, diretora do Colégio Orvalle de Madri, descreve sumariamente o procedimento


que foi ideado, com extraordinário êxito, para integrar as crianças na programação e controle dos pequenos
atos da vida diária. Com este procedimento, as meninas e meninos avaliam a realização das obras incidentais
e qualquer manifestação concreta do comportamento infantil que interesse.

AVALIAÇÃO DIÁRIA DO COMPORTAMENTO DOS ALUNOS DO PRÉ-ESCOLAR

(Sistema de pontos de cores)

1. Cada aluno ou aluna do Pré-escolar, de três, quatro ou cinco anos, tem na classe um símbolo que
representa cada criança. É um desenho de uma bola, um caminhão, um ossinho, uma boneca, um
tambor, etc. Esse desenho aparece em um quadro que cada criança da classe tem, formando em
conjunto uma cartolina grande cheia de quadros, com espaço amplo para cada símbolo, e que está
afixada atrás da porta de entrada da classe. Sobre a cartolina estão quatro caras redondas
desenhadas de maneira simples, uma de cor azul com expressão muito sorridente; outra de cor
verde com cara normal; outra de cor laranja com expressão um pouco séria, e outra de cor
vermelha com expressão de choro.

2. Cada dia, ao terminar a jornada, uns dez minutos antes, as crianças tiram os aventais e se sentam
cada uma em seu lugar, para fazer a avaliação do comportamento do dia, indicando com o ponto
de cor correspondente. A professora vai mencionando cada criança e ela fica de pé. A professora
lhe pergunta que ponto acha que merece (o ponto “maravilhoso” é o azul; o “bom” é o verde; o
“regular” é o laranja, e o “ruim” é o vermelho).

3. O menino ou a menina responde o que acha e se os demais não estão de acordo


espontaneamente reclamam: “não, não tem ponto azul porque brigou com fulano, ou não recolheu
logo os brinquedos, ou estragou o pincel...” Geralmente acertam com o ponto que dizem que
merecem, porque ao longo do dia a professora vai fazendo-lhes observações tais como “se
continuar assim perderá o ponto azul” e a criança retifica rápido...

4. Para cada criança, a professora vai colocando (depois dela intervir, ou sem sua intervenção, se
não diz nada sobre o que opina de seu ponto), um ponto de cor correspondente ao que merece, no
quadro de seu símbolo. No final da semana, se tudo tem pontos azuis, a professora lhe coloca uma
estrelinha azul que vai pregada a um pequeno papelzinho branco.

5. Cada menino ou menina, ao chegar em casa, diz para sua mãe o ponto azul que teve porque lhe
agrada muito mantê-lo. Quando o perde, esforça-se por recuperá-lo. Coloca mais pontos azuis que
qualquer outra cor. Quase nunca durante o curso se coloca ponto vermelho, apenas se fez algo
muito ruim que todos viram, como desobedecer abertamente, sair da classe sem permissão, brigar
com outra criança prejudicando-a de verdade...

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