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A coragem da verdade

Michel Foucault é um dos grandes pensadores do século XX. Nasceu em Poiters,


França em 1926 e faleceu em Paris em junho de 1984. Dentre as diversas contribuições para o
pensamento, o filósofo Frances mudou a maneira de se enxergar as relações de poder ao
apresentar a perspectiva de que existe micro esferas, que se relacionam entre si, criando as
estruturas de poder (Mícrofífica do Poder). Desta maneira, Foucault demonstra que o poder é
personificado por indivíduos e não mais se exerce apenas por meio de macro instituições
impessoais como as teorias marxistas descreviam.
Pouco antes de sua morte em 1984, Foucault ministrou suas últimas aulas no College
de France com o título de “A coragem da verdade”. Nessas aulas, Foucault aborda, com seu
método genealógico (buscando as origens), a história daqueles filósofos que, ao longo do
tempo, ousaram dizer a verdade, mesmo que essa verdade causasse perigo a suas vidas. Esses
filósofos são chamados de Parresiastas.
O filósofo Parresiasta não é aquele que fala para agradar a plateia, não é aquele que
busca, através da retórica, aprovar seus argumentos. O Parresiasta é aquele que vive a sua
verdade, independente do tempo e da situação a que esteja submetido. É o caso de Diógenes
de Sinopa, que viveu entre os séculos III e II a.C, também conhecido como o filósofo que vivia
em um barril. Certa vez, Alexandre o Grande, que queria adquirir seu conhecimento, ofereceu
lhe o mundo. Diógenes então diz: “apenas quero que saia da minha frente, pois me tapa o
Sol”.
Sócrates também é outro exemplo de Parresiasta. O filósofo defendia a teoria de que
tudo pode ser questionado e incitava os jovens atenienses a adotarem uma postura crítica. Por
isso, Sócrates, acusado de corromper a juventude, é sentenciado à morte por ingestão de
veneno. Porém, lhe é dada a chance de renegar seus ensinamentos e escapar de sua pena.
Mas, mesmo diante de sua morte por ingestão de cicuta, o filósofo não se abala e defende
suas ideias, defende sua crítica, demonstrando que aquele que acredita no que diz não fala
somente da boca para fora: ele vive a sua verdade.
É também de Sócrates (transcrita por Platão) a alegoria que demonstra a ignorância
como escuridão. A caverna de Platão nada mais é que uma metáfora que demonstra que
aqueles que vivem nas sombras (na ignorância) agarram se às suas verdades e não gostam
daqueles que incomodam (iluminam) as suas ignorâncias. Para Sócrates, o filósofo deveria ser
como a mosca que pica o cavalo, incomodado o cavalo segue adiante. Da mesma maneira, o
filósofo não dever servir para tornar cômoda a vida em sociedade. Ao invés disso, o papel do
filósofo é incomodar a sociedade, apresentando seus problemas para que a sociedade possa
encontrar soluções. Aquele que está acomodado não sente as cadeias que o impedem de
seguir adiante e, assim, a sociedade para sua evolução rumo a um futuro melhor do que o
presente (Política). Ao contrário, uma sociedade acomodada, tende a regredir para um
passado inexistente e a uma crença de que tempos passados eram melhores do que o
presente.
Na Coragem da Verdade, Foucault deixa claro que quanto mais autoritário o regime,
maior perigo ao parresiasta. Assim, os tiranos se apresentam não apenas como opositores,
mas sim verdadeiros inimigos do dizer verdadeiro. O Tirano não aceita críticas e se apresenta
como único detentor do poder e da verdade. Logo, aqueles que apresentam as falhas do
sistema de seu governo são vistos inimigos.
Segundo Foucault, “Para que haja parresia é preciso que, dizendo a verdade, se abra,
se instaure e se enfrente o risco de ferir o outro, de deixá-lo com raiva e de suscitar de sua
parte algumas condutas que podem ir até a mais extrema violência”. Assim, o filósofo
Parresiasta assume o papel de causar o incomodo, ou seja, também assume o papel de
demonstrar aquilo que ninguém tem coragem de dizer que vê. É neste sentido que abro
espaço para o questionamento parresiasta da nossa sociedade: o que Sócrates, Diógenes e
Foucault diriam ao observar nossa sociedade contemporânea?
Seria muita prepotência saber com certeza o que esses gênios do pensamento
diriam, mas, um filósofo seguidor da Parresia não poderia deixar de perceber o culto à
ignorância e ao enriquecimento material, o desejo da violência como forma de vingança, o uso
da religião como modo de enriquecimento e a futilidade de uma sociedade que vive das
aparências. Enquanto falsos cristãos se apoiam na tortura, uma massa de brutos segue
mugindo um líder que faria Hitler e Mussolini gargalhar. Os orgulhosos de suas ignorâncias
mergulham em um precipício, arrastando junto à possibilidade de um futuro melhor.
O mundo precisa dos parresiastas, pois são eles que dizem aquilo que é preciso,
diante das situações mais complicadas. Eles não ligam para as regras ou para o status quo. E,
são esses atos de coragem que empurram a raça humana para frente (Como diria o escritor
americano Jack Kerouack em On The Road). Em tempos sombrios esses filósofos se situam
como portadores de uma chama capaz de iluminar o caminho em meio à escuridão. E sua
história demonstra que mesmo diante das sombras existem aqueles que possuem a coragem
de enxergar.
Embora não seja abordado por Foucault na Coragem da Verdade, em tempos
sombrios os parresiastas podem, além do perigo físico a sua existência, ser acometidos da
maldição de Cassandra. Ao se recusar a manter relações sexuais com Apolo, Cassandra é
amaldiçoada a vislumbrar o futuro, mas ninguém acreditará em suas previsões. Assim, mesmo
sabendo de tudo o que ocorrerá, a jovem não consegue alertar as pessoas, uma vez que
ninguém acredita em suas previsões. A maldição de Cassandra aflige aqueles que conseguem
enxergar os horrores de nossa época, porém, mesmo com o vislumbre de um verdadeiro
futuro apocalíptico, parece que gritamos aos ventos: os poucos que conseguem enxergar os
horrores são os mesmos que foram tocados pela maldição e são ignorados.
Eis que, os verdadeiros filósofos não são demagogos: Não buscam agradar como os
sofistas (aqueles que se julgavam sábios e dominavam a arte da retórica para convencer os
atenienses de que suas vontades pessoais estavam acima dos interesses da sociedade). Ao
contrário, o verdadeiro filósofo é aquele que, independente do risco pessoal, alerta a
sociedade que o abismo está a apenas um passo. Mas, enxergar o abismo e alertar a sociedade
do perigo, não significa necessariamente que o desvio seja um caminho mais seguro para o
filósofo.

Neo apocalipse – a nova era das trevas

A ignorância se alastra em uma velocidade alucinante e as sombras que começam a


encobrir o sol não aparentam se dissipar. Ao contrário, se acumulam cada vez mais, mesmo
em locais onde as luzes emanavam como um farol. Junto com as nuvens da ignorância, o ódio
é semeado e os campos são irrigados com o sangue dos inocentes.
Tristes são os tempos que se aproximam, as fogueiras já voltam a arder, prontas para
transformar em cinzas todo o conhecimento. Pouco a pouco, livros são queimados,
alimentando continuamente a fogueira das vaidades. A fumaça sufocante asfixia aqueles que
ainda tem breves suspiros de sanidade perante a loucura e a brutalidade dos tempos que se
aproximam.
Os campos da esperança estão ressecados, as flores coloridas são recobertas com
petróleo. As pétalas caem sobre o solo como lagrimas que escorrem do rosto daqueles
inocentes que são injustiçados. Basta apenas uma faísca para incendiar tudo aquilo que iria se
tornar belo. Enquanto isso, as botas pisoteiam as flores que heroicamente persistem em
brotar. Sobre a sola das botas estão corpos vazios, sem cérebros, sem corações. Foram
esvaziados pela cruz, pela espada e pelo dinheiro.
Os homens que veneram a imagem de um corpo torturado são os que mais desejam
espalhar a violência. Devaneios de sádicos que se deliciam ao ver a carne em ossos triturados.
Praguejam o tempo todo, desejando dor e sofrimento aos outros. Em seus desejos mais
profundos esta a total destruição dos corpos, mentes e almas daqueles que acendem as luzes.
São cavaleiros das trevas, galopando na ignorância dos homens, espalhando suas sombras,
vociferando palavras de ódio. Suas bocas vazias só estão cheias de dentes. Dentes afiados que
servem para devorar cérebros.
Falsos profetas se erguem, aproveitam do medo da morte para fisgarem almas
fragilizadas pelo sofrimento. Lançam cordas aos mares das lamentações e aqueles que se
agarram às cordas, tão desesperados por salvação, não percebem que são agarrados pelo
pescoço. Levantados às forcas, sufocam lentamente. Quanto mais forte o laço, mais longe da
salvação. Quanto mais forte o laço, mais sufocante a ignorância.
Crenças que pareciam superadas ressurgem como lanternas em meio as névoas. As
almas perdidas que as seguem não enxergam o rosto de Caronte que as guia direto para o
inferno. Serão atormentados eternamente, pelo resto de suas vidas miseráveis. Acreditarão
terem escolhido o caminho da salvação, porem suas almas serão nutridas pelo ódio e
preconceito da escuridão. Assim, a cada passo estão mais próximas da perdição. A cada passo,
mais acreditam que também podem se transformar em profetas. Mas serão apenas zumbis,
servos da destruição!
Zumbificados, os ignorantes, que seguem os falsos profetas, queimam livros na
esperança de apagar as luzes. Ficam fascinados com as chamas e hipnotizados pelas labaredas,
como mariposas atordoadas, seguem em direção ao fogo e queimam suas asas. Ao voarem
para longe das labaredas, espalham o fogo, destruindo todos os locais onde brotava o
conhecimento e a esperança e a luz.
O fogo destrói a vida e a diversidade, sobrando somente os campos desertos. E nos
campos desertos surgem os homens de lata. Seus corações foram arrancados e seus cérebros
funcionam apenas uma logica binária. Seguem ordens sem questionar, não sabem sorrir,
pensar e amar. Seus olhos estão vidrados em telas artificiais e só enxergam as sombras de suas
próprias cavernas. Por onde passam deixam seus rastros de destruição. Apagam as cores,
deixando tudo cinza com o concreto que encobre a terra. As torres de seus Castelos
envenenam o ar com fumaça, seus esgotos tóxicos matam os rios e os mares. Só cultivam
desertos verdes em grandes plantações. Mesmo assim, a fome se alastra. Desejos fúteis,
consumo inútil em lojas recheadas de coisas que em menos de dois anos se transformam em
lixo.
Buscam seguir padrões estéticos impossíveis e assim vivem deprimidos. Não criam
laços verdadeiros uns com os outros, pois a falta de empatia os faz estabelecer apenas laços
monetários entre suas próprias famílias. Acreditam que podem comprar o amor com
presentes.
Escravos de suas próprias tecnologias desaprenderam a viver. Assim, criam
realidades artificiais onde se refugiam construindo muros cada vez mais altos em suas próprias
prisões. Suas correntes viajam em ondas eletromagnéticas e aprisionam a imaginação em um
mundo virtual. Grades invisíveis são as mais difíceis de serem rompidas, pois criam a ilusão de
uma liberdade que não existe. São prisioneiros que não pretendem fugir, pois foram
mentalmente condicionados a confundir escravidão com liberdade.
Estão tão profundamente aprisionados que lutam com todas as suas forças para
manter as suas realidades artificiais. São escravos perfeitos, pois protegem suas próprias
correntes. Por isso, temem a liberdade e, se fossem livres, não saberiam o que fazer de suas
vidas. Assim, odeiam aqueles que fogem, encaram nos como loucos e desejam colocar nos
hospícios, nas prisões e nas fogueiras todos aqueles que fogem de seus padrões.
São poucos os sentimentos que sobrevivem dentro da realidade artificial e para
reprimirem suas angustias, ansiedade e depressão, utilizam drogas que os inibem de pensarem
em seus próprios problemas. Assim, criam mascaras de uma normalidade inexistente ao invés
de enfrentarem aquilo que os aflige. Desta maneira, não aprendem a lidar com as verdadeiras
causas de suas aflições.
A mudança forçada na frequência cerebral cria uma normalidade insana. Seres
robotizados, produzidos em serie caminham como zumbis. Aguardam ordens do que sentir, do
que gostar e principalmente do que comprar. Não aprenderam a pensar por si próprios, pois
não aprenderam a pensar em seus próprios problemas. Possuem formas de adultos, porem
não amadurecem ao encarar seus próprios erros. Ao apagarem quimicamente seus
sentimentos se tornam incapazes de se conectarem profundamente uns com os outros. Criam
laços superficiais, pois não possuem a empatia necessária para compreender o sentimento do
outro. Afinal, não sabem o que eles próprios sentem. Vivem mas estão mortos por dentro.
Estão vivos mas são como zumbis.
Os zumbis são as figuras que melhor representam, simbolicamente, nossa sociedade.
São seres que caminham, mas não possuem vida. Enquanto caminham, desejam devorar os
cérebros daqueles que ainda pensam. O desejo dos zumbis representa a idiotização de uma
sociedade composta por pessoas que não aprenderam a pensar por si próprios. Vivem
aguardando aquilo que devem desejar e aquilo que devem comprar. Ao mesmo tempo,
aprenderam apenas a odiar aqueles que têm senso crítico e não seguem cegamente aquilo que
a sociedade lhes impõe.
O desejo por cérebros representa a vontade de destruição do pensamento crítico das
pessoas que fugiram da zumbificação. Essa transformação das pessoas em zumbis também
representa a idiotização da sociedade e a massificação dos sentimentos e desejos de
consumo. Essa imposição de desejos atua como uma coisificação de seres humanos que se
transformam em mortos vivos sem a capacidade se pensar por conta própria.
A zumbificação se espalha como uma doença contagiosa, pois, uma vez que o sujeito
é mordido, adquire o ódio e a falta de empatia própria doa zumbis. Aqueles que sobrevivem,
passam pela angustia de não se deixarem contaminar pelo ódio e desumanização que a
idiotização causa nos contaminados. Vivem fugindo e se escondendo, pois fazem parte de uma
minoria que insiste em resistir. Da mesma maneira, são poucos os que lutam contra a
imposição consumista criada pela massificação cultural do sistema capitalista. Aqueles que
lutam são perseguidos por aqueles que foram zumbificados, pois o cérebro pensante é visto
como uma iguaria a ser devorada por aqueles que não aprenderam a pensar.
O apocalipse já iniciou há muito tempo e a cada dia novos objetos de desejo são
criados pela sociedade capitalista. Os zumbificados não se preocupam com a destruição
causada para criarem esses objetos. Tudo o que importa é consumir ferozmente, cada vez
mais. Devoram os recursos naturais utilizados para a produção de produtos descartáveis que
em pouco tempo se transformam em lixo. E quando todos os recursos forem esgotados?
Começaremos a devorar nós mesmos?
Esse processo de imbecilização se torna cada vez mais irreversível. Seremos jogados
em uma era de ignorância e obscurantismo sem precedentes. Esse processo não é aleatório e
desprovido de sentido, é o resultado de uma campanha intencional que busca desacreditar
professores, bem como visa destruir todo no crédito do conhecimento como motor do
desenvolvimento humano.
Vivemos em uma nova era das trevas, pois podemos perceber um movimento
reacionário que critica os valores iluministas. Desta maneira, os ideais democráticos e
humanistas estão ameaçados por uma espécie de nova inquisição. Porem é um movimento
muito mais perigoso, pois o desenvolvimento tecnológico atual permite um controle e
vigilância de maneira muito mais eficiente. Além disso, as novas tecnologias bélicas podem
causar um extermínio em massa.
Por isso, não somos “Sapiens”. Nosso conhecimento e sabedoria não nos impediu de
vivermos sempre em guerra. Nossa tecnologia sempre esteve a serviço do extermínio. Por
mais avançados tecnologicamente, sempre vivemos como seres não humanizados. Por isso
não podemos nos considerar racionais. Sempre fomos movidos por guerras e pelo ódio.
Toda tecnologia desenvolvida poderia nos servir para a construção de conhecimento
que nos proporcionaram um novo patamar de humanidade. Mas, preferimos utilizar essas
tecnologias a serviço da imbecilização, da futilidade e da banalização da violência. Desta
maneira, nos tornamos imbecis informatizados, desumanizados e cheios de conhecimentos
inúteis. Aquilo que deveríamos realmente aprender, aproveitando todo o potencial
tecnológico de nossa época é deixado de lado, dando lugar a informações que de nada
adiantam para desenvolvermos nossa humanidade.
Por isso, atrofiamos nossa racionalidade, desenvolvemos a ignorância e a
imbecilização que ocupa o lugar do conhecimento e da sabedoria. Assim, caminhamos a passos
largos para nossa própria extinção, pois não aprendemos com os erros do passado. Quando
alguns poucos conseguem compreender quais foram os fatores que contribuíram para a
destruição das antigas civilizações, esse conhecimento fica restritos pequenos círculos de
teóricos. Aqueles que buscam quebrar o círculo e levar o conhecimento à maior parte da
humanidade estão condenados pela maldição de Cassandra. Serão considerados loucos e não
conseguirão alertar os imbecilizados, pois eles estão cegos pelas sombras de suas próprias
cavernas alienantes. Anestesiados por suas falsas realidades, outros tantos estão surdos de
tanto ouvir as idiotices que são programadas para deixar as pessoas presas em um mundo de
imbecilidades.
O sucateamento das instituições publicas de ensino faz parte do processo de
zumbificação. Assim como o ataque aos professores e a destruição da carreira docente, pois
destruindo os locais de acesso ao conhecimento e seus agentes, a imbecilização se alastra sem
nenhum impedimento. Com pouca resistência, museus são queimados, bibliotecas são
abandonadas e pesquisas são interrompidas.
Perseguidos como se fossem os maiores vilões do colapso da civilização, artistas e
professores são injustiçados. Na verdade, são vitimas de um processo que busca destruir o
conhecimento e a arte, justamente por esse ser o meio de se interromper o processo de
imbecilização zumbificante. Como zumbis, os imbecilizados perseguem tudo aquilo que não
compreendem. Como agentes da ignorância vociferam contra a livre manifestação artística e o
conhecimento histórico. São ignorantes e arrogantes que desejam criar suas próprias versões
históricas com suas auto verdades, sem nenhum fundamento ou método. Destruindo a
História constroem suas versões do futuro, baseados não em fatos, mas sim em seus próprios
preconceitos.
Enquanto isso, museus queimam, a historia se transforma em cinzas. Os zumbis
imbecilizados comemoram a destruição de tudo aquilo que não compreendem. Ao destruírem
o passado também estão destruindo o futuro, assim os mesmos erros vão se repetindo. Cria se
um círculo vicioso impossível de se romper.
Triste é o destino de um povo que não preserva sua memoria. Triste é o futuro de um
povo que não conhece seu próprio passado. Viver sem conhecer a historia é viver no escuro.
Por isso a cegueira e a ignorância se espalham como uma doença e as sombras encobrem os
locais onde as luzes brilhavam.
Centros de conhecimento são atacados, pois os cavaleiros das trevas sabem que são
esses locais que podem espalhar a esperança. São como faróis que podem guiar as pessoas em
direção às luzes. Quem deseja espalhar as sombras não suporta as luzes do conhecimento.
Quanto maior a ignorância, mais próximos da escuridão. Quanto mais próximos da escuridão
mais próximos do ódio, da violência e do sadismo. Por isso os cavaleiros das trevas planejam a
total destruição dos centros de conhecimento, das escolas, universidades, museus e
bibliotecas. Criam planos de tortura de professores e queimam livros e museus. A destruição
do conhecimento por meio do fogo é mais do que uma violência simbólica. O fogo produz o
último brilho que o objeto do conhecimento pode emanar. O conhecimento reduzido a cinzas
que se perdem com um simples sopro. Um suspiro de tempo separa a memoria de um
conhecimento destruído pelo fogo do total esquecimento.
Em uma luta contra a escuridão a luz é a arma mais poderosa. Por isso, quanto mais
os cavaleiros das trevas atacam os faróis, mais forte suas luzes devem brilhar, pois somente a
luz mais potente pode afastar as sombras que se aproximam. Se a escuridão vencer todos
ficarão cegos e sem enxergar um palmo diante do nariz, as pessoas trombam umas nas outras
e despencam nos mais profundos abismos. O abismo é o poço das almas obscurecidas pela
ignorância dos cavaleiros das trevas. Enquanto despencam, vertiginosamente, as almas
perdidas acreditam que podem voar. Porem, o peso da maldade é tão grande que a velocidade
da queda aumenta conforme o ódio domina o coração e a mente das almas perdidas. Serão
despedaçados quando chegarem ao chão!

Mentalidade Colonizada

Somos forjados no ferro, na cruz e na espada. Nosso sangue é o adubo que cultivou e
fez crescer as grandes cidades. Em cada pedaço desse chão existem manchas de sangue de
extermínio e da exploração do trabalho escravo. Até a chegada dos estrangeiros não havia
aqui a vergonha: havia o orgulho de ser filho da Terra e de ser forte. Laços familiares
construíam o sentimento de pertencer a um lugar e a amar sua terra ao ponto de não se
distinguir ser natureza ou outro. Os estrangeiros chegam, olham com olhos de exploradores,
não de construtores.
A Utopia era aqui, uma terra em que se tudo planta, tudo dá. Nossos habitantes
nativos sabiam encontrar o equilíbrio entre a natureza e o homem. Claro que moldavam a
natureza, mas nunca o suficiente a ponto de desequilibrar totalmente o ecossistema.
Formadores de florestas, caçadores, coletores e construtores de um habitat onde se era
possível viver e ser livre. Aqueles que aqui viviam antes da tomada pelos portugueses
construíram suas etnias de milhares de gerações encontrando ambientes onde se era possível
viver e manter seu grupo. Não havia escassez de alimentos. O ecossistema era suficiente para
manter mais de 6000000 de habitantes nativos. E havia espaço quando o alimento escasseava
bastava desmontar seu assentamento repartir em busca de uma nova região habitável. Claro
que havia guerras, disputas e sofrimento. Porém, era um Não formos colonizados até a
descoberta de ouro: Pero Vaz anunciava em sua carta não haver nenhuma riqueza aparente. A
vida e a diversidade não possuíam valor para aqueles que estavam sedentos de sangue para
explorar o ouro e enriquecer rapidamente numa nova terra.

Mentalidade Colonizada e esquizofrenia política

Deleuze afirma que a função da filosofia é criar conceitos. São os conceitos que
ajudam o filósofo a explicar suas ideias, portanto o verdadeiro filósofo deve criar seus
conceitos. Claro que não se trata de uma tarefa fácil, para criar conceitos o filósofo deve ir
além do filosofar espontâneo e mergulhar no caos e na filosofia sistemática. Porém, não pode
se afogar nem no caos e nem no academiscimo, deve retornar e criar os conceitos que ajudam
na compreensão de sua realidade.
É neste sentido que, para compreender o presente precisamos de conceitos que não
existiam. Assim, neste texto, buscaremos criar dois conceitos que são necessários e essenciais
para compreender a realidade brasileira do século XXI: A mentalidade Colonizada e a
Esquizofrenia Política.
É praticamente impossível compreender o presente sem conhecer o passado. Toda
realidade atual é o resultado de um processo histórico que molda o presente com as formas do
passado. Sendo assim, podemos afirmar que a mentalidade brasileira atual é o resultado de
um processo histórico cujas raízes estão fortemente fincadas no período colonial.
Ao longo da história do Brasil existe modo de pensar que é o resultado de uma
mentalidade colonizada. Essa mentalidade criou no povo brasileiro uma falta de perspectiva de
futuro como nação. A mentalidade colonizada também pode explicar a falta de planejamento
e a busca de políticas públicas que diminuam as desigualdades sociais. A mentalidade
colonizada também nos ajuda a compreender os motivos que levam os grupos
economicamente mais favorecidos a preferirem políticas imediatistas a criarem um
planejamento de desenvolvimento à longo prazo. Também podemos citar a mentalidade
colonizada como a responsável pelo desapego de políticos, empresários e parte da classe
média com as riquezas nacionais e com o território brasileiro. A classe média em seu sonho de
enriquecimento fácil para então abandonar o país é o exemplo mais claro da mentalidade
colonizada em uma parcela significativa da população.
Neste texto, buscaremos as raízes históricas da “mentalidade colonizada”, conceito
que fundamentaremos para elucidar a questões sociais do presente.
Deleuze em seu livro “O que é filosofia” afirma que a função da filosofia é criar
conceitos. São os conceitos criados pela filosofia que explicam a realidade e nos ajudam a
compreender o presente. Mais que isso, os conceitos nos ajudam a questionar o stabilishment.
Neste sentido, podemos já podemos lançar o seguinte questionamento: o que seria o conceito
da “mentalidade colonizada”? Como essa mentalidade foi construída historicamente? Como o
conceito da “mentalidade colonizada” nos ajuda a compreender o presente?
Claro que podemos remeter a mentalidade colonizada à outros tempos e outros
povos. Porém, por motivos metodológicos e didáticos limitaremos o início de nosso conceito
ao “descobrimento” e colonização do Brasil, já que podemos situar as raízes da mentalidade
colonizada nos registros da formalização e da tomada de posse pelos portugueses do território
que hoje é chamado de Brasil. Já no registro do primeiro contato entre nativos e se
apresentam traços do pensamento que viria a forjar a mentalidade colonizada no povo
brasileiro: os nativos recebem os portugueses com presentes sem esperar nada em troca e a
busca pelas riquezas materiais se faz presente e explicita na passagem da carta de Caminha:

Até agora não pudemos saber se há ouro ou prata nela, ou outra coisa de metal, ou
ferro; nem lha vimos. Contudo a terra em si é de muito bons ares frescos e temperados como
os de Entre-Douro-e-Minho, porque neste tempo d'agora assim os achávamos como os de lá.
Águas são muitas; infinitas. Em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á
nela tudo; por causa das águas que tem!

A necessidade de se encontrar ouro, prata ou pedras preciosas é própria do


metalismo existente neste período e o desejo de se encontrar riquezas materiais já se
apresenta de maneira muito clara no registro do descobrimento. O primeiro registro oficial
português sobre nosso território já demonstra que o pensamento não era de um plano de
desenvolvimento, mas sim de exploração.
A falta de riquezas aparentes faz com que o início da colonização brasileira não
aconteça de maneira imediata. Somente após a descoberta de ouro de aluvião no território do
Paraná atual é que o envolvimento Português com a colonização do novo território se
intensificará. Assim, situamos a colonização portuguesa do nosso território na década de 1530.
E a instalação de instrumentos jurídicos de dominação final do século XVI e não
imediatamente após a descoberta.
É importante ressaltar que o principal símbolo da justiça portuguesa durante todo o
século XVI era o pelourinho. Erguido no centro das cidades, o pelourinho servia como símbolo
de dominação e referência de punição para aqueles que desrespeitassem o poder português.
Os açoites serviam como demonstrações de força e de que não seriam toleradas ações que
desrespeitassem a vontade da metrópole portuguesa.
O pelourinho, um símbolo de justiça e de autoridade real, erguia-se no centro da
maior parte das cidades portuguesas do século XVI. À sua sombra as autoridades civis liam
proclamações e puniam criminosos. Sua localização bem no centro da comunidade, ilustrava a
crença ibérica de que a administração da justiça era o atributo mais importante do governo.
(Schwartz – burocracia e sociedade no Brasil colonial pg 3)
Podemos assim dizer que, sob o jugo português, nosso país se embriona sob a égide
da punição física e pela busca da riqueza imediata. O planejamento da colônia se desenvolve
em torno do escoamento das riquezas naturais e não como um projeto de fundação de uma
nação. Tanto é que o processo de povoamento do território nacional se deu de acordo com a
dinâmica mineradora. Cidades surgiam e desapareciam em função da mineração. Caminhos
eram abertos para o escoamento

O perigo da ascensão totalitária e a destruição das


políticas de bem estar social no início do Século XXI

Vivemos em tempos sombrios, misto de duplipensar com ideias de higienização


racial. Ao mesmo tempo as maiores contradições se tornam possíveis: informação com
ignorância; Paz com guerra, Democracia sem povo. Além disso, torna se mais evidente a lei do
eterno retorno: a cada passo para frente, são dois para trás. Direitos básicos são derrubados,
Direitos Humanos são criminalizados. A ascensão de um neofascismo caminha a passos largos.
Parece que nos encaminhamos para o fim dos paradigmas e ideais iluministas. Assistimos o
desvelamento de discursos que pareciam superados.
Com o fim da guerra fria, a superação da demonização do comunismo parecia que
era certa. Nos círculos acadêmicos nacionais o marxismo dava sinais de estagnação. A História
Cultural e a Nova História ditavam os rumos da historiografia nacional. Os poucos marxistas
estavam restritos às analises do colapso do socialismo. Existiam aqueles que diziam que
vivíamos o fim das utopias. As ciências humanas se voltavam para o fim de si mesmas.
Enquanto isso, principalmente nos cursos de Direito mais elitistas, o neo-positivismo
se alastrava e distanciava ainda mais os filhos das elites da realidade social. Formavam se
“doutores” em direito sem nenhuma humanidade. Não que isso fosse uma novidade, os cursos
onde o setor judiciário é formado ainda são elitistas. A lógica fria da Lei sempre se aplica, ainda
mais contra o pobre o negro e os marginalizados (o classismo do sistema judiciário nacional).
Essa é a mentalidade colonizada que faz com que nunca se pense no futuro do país.
O que se quer é enriquecer e voltar para a metrópole. Esse pensamento se araizou na alma do
brasileiro que não se enxerga como um morador da colônia, mas sim como um potencial
habitante da metrópole. Assim, vão se embora da nossa terra assim que podem e nunca
plantam a semente de um futuro melhor que o presente

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