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A ÚLTIMA DANÇA

Ela disse que me amava. E até o fim ela amou.

Eu a conhecera meses atrás, no mercado, andando devagar com suas amigas livres e rindo baixinho por trás
do seu véu, quando uma delas dizia algo engraçado. Eu amava a sua risada e era tão doce quanto o doce
badalar dos sinos pela manhã. Eu não sabia disso naquele momento, mas eu já estava perdido.

Nós conversamos... um acidente na verdade, mas uma abertura, uma oportunidade para chegar perto dela,
que eu estava disposto a aproveitar. Eu me desculpei pela bebida derramada na sua blusa e me ofereci
para limpar. Ela poderia ter sido arrogante. Ela poderia ter sido brusca comigo, mas não foi. Ela podia ver o
lado engraçado de qualquer coisa e nós terminamos por ficar conversando até muito tempo depois que os
outros deixaram a sala.

Nós dançamos... oh, nós dançamos também. Como duas pequenas estatuetas de caixinhas de música que
as mulheres têm com tanto orgulho em seus aposentos. Nós dançamos bem devagar, girando suavemente
no salão, com as janelas abertas e com a luz do sol que fluía ao nosso redor e entre nós.

Nossas palavras eram apenas para nós mesmos e ela me contou muitas coisas sobre ela, que eu achei
encantadoras e tocantes. Meu coração se acelerou quando senti sua doce respiração tão perto de mim e
olhei naqueles olhos de um castanho profundo, seus segredos guardados neles.

Nós dançávamos todos os dias na parte da tarde, no seu salão, com o sol fluindo através das grandes
janelas. O cabelo dela era macio e dourado, seu toque gentil e seu beijo tão doce que só fazia crescer o
meu desejo por ela.

Nós dançávamos à noite, longe do salão, nos aposentos dela e não havia ninguém no universo a não ser
nós dois. Foi então que ela disse que me amava. E eu disse que a amava. Eu realmente a amava... eu sabia
que a amava...

Eu escalei a parede até as grandes janelas durante a noite, no escuro, como um ladrão qualquer
procurando pelo seu botim. Ela me ouviu. Claro que ouviu. Eu queria que ela ouvisse. Ela correu do seu
quarto para o salão e chamou pelo meu nome, primeiro incerta, mas quando eu virei para encara-la, ela
sorriu e correu, se atirando em meus braços.

Nós dançamos no salão aquela noite, onde a única luz vinha das estrelas e das três luas brancas, fluindo das
janelas abertas. Ela sorriu nos meus braços, me contou como ela havia sentido a minha falta durante todo o
dia; ela não viu a minha mão e nem o que eu tinha nela.

Ela parou de se mover quando eu fiz o meu movimento. A adaga a perfurou por trás, atingindo o seu
coração. Ela tremia suavemente em meus braços – ou, talvez, ambos tremêssemos – mas eu ouvi suas
palavras quando ela me segurou firmemente e sussurrou, no seu suspiro de morte, bem perto do meu
ouvido. “Eu... te... amo.”

Eu a deixei nos seus aposentos e desci pela parede, da mesma forma que havia entrado. Meu trabalho
terminara, mas as minhas lágrimas não. Eu deixei a sua casa e aquela cidade com nada além do que o vazio
no meu coração e a lembrança de como havíamos dançado e como havíamos nos amado.

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