Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
40 Reconhecendo sua dívida intelectual para com Talcott Parsons, Aron (2003, p. XXI-
-XXII) afirma o seguinte: “Por que escolhi estes sete sociólogos? Por que razão Saint-
-Simon, Proudhon e Herbert Spencer não figuram em minha galeria? Poderia, sem
dificuldades, invocar motivos razoáveis. Auguste Comte por intermédio de Durkheim,
Marx graças às revoluções do século XX, Montesquieu por intermédio de Tocqueville, e
Tocqueville por intermédio da ideologia norte-americana, pertencem ao presente. Quanto
aos três autores da segunda parte, foram já reunidos por Talcott Parsons no seu primeiro
grande livro, The Structure of Social Action, e são estudados ainda nas nossas universidades
mais como mestres contemporâneos do que como autores clássicos”. Para outras análises
que contrastam esses autores clássicos, ver, por exemplo, Laval (2012) e Royce (2015). Para
uma discussão acerca da importância dos clássicos no âmbito das ciências sociais contem-
porâneas, ver Alexander (1999).
41 Aqui vale lembrar a célebre afirmação de Durkheim de que suas pesquisas não vale-
riam uma hora de trabalho, se elas se mantivessem adstritas a um interesse especulativo.
Referindo-se à própria empreitada intelectual, Durkheim (2007, p. XXXVIII-XXXIX)
ressalta, textualmente, que “do fato de que nos propomos, antes de mais nada, a estudar a
realidade não resulta que renunciemos a melhorá-la: nós estimamos que nossas pesquisas
não seriam dignas de uma hora de trabalho, se elas somente tivessem um interesse especu-
lativo” (de ce que nous nous proposons avant tout d’étudier la réalité, il ne s’ensuit pas que nous
renoncions à l’améliorer: nous estimerions que nos recherches ne méritent pas une heure de peine
si elles ne devaient avoir qu’un intérêt spéculatif ). A respeito, ver, entre outros, Laval (2012).
42 Vale lembrar que Aron (2003, p. XXVI) admite que teria insistido, “mais do que seria
razoável, na parte mais contestável da sua obra, isto é, sua filosofia”.
43 Aliás, alinhando-se às perspectivas de Parsons e Nisbet, Laval (2012), referindo à
própria obra, afirma que ela teria o propósito de identificar o significado da sociologia,
reinscrevendo o seu nascimento e o seu desenvolvimento no contexto da mutação das so-
ciedades modernas.
44 Nesse particular, vale mencionar a primorosa análise que Habermas (2000) faz da obra
de Charles Baudelaire para ilustrar essa questão.
45 Vale notar que o termo Erfahrungsraum, utilizado por Koselleck, encontra melhor tra-
dução, para o português, na expressão “espaço de experiência”.
46 Martuccelli (1999) sublinha que a dificuldade de propor uma definição peremptória à
“modernidade” decorre do fato de que a sua utilidade analítica provém justamente de sua
indecisão conceitual, do fato de dar conta de um número bastante amplo de fenômenos e
também de uma quantidade significativa de polêmicas.
47 Pörksen (1995) utiliza a expressão “palavras plásticas” (Plastikwörter) para descrever
vocábulos que são extraordinariamente maleáveis, porém vazios no que concerne a seu sig-
nificado real. Assim, as “palavras plásticas”, que entram sub-repticiamente na linguagem
cotidiana e passam a ditar nosso modo de pensar, seriam caracterizadas por definições
precisas e restritas quando usadas em um contexto científico ou tecnológico. Contudo, essa
precisão e definição desapareceriam quando difundidas amplamente no uso comum. O uso
do termo “plástico” para qualificar essas palavras visa sublinhar a sua flexibilidade, porém
exprime também a sua semelhança com os tijolos de plástico lego, que funcionam como
elementos modulares para construir compostos maiores. A língua alemã facilita a criação
de novas palavras compostas mediante a combinação de outras palavras. Entretanto, com-
pósitos análogos podem ser criados em outras línguas, mediante a união de várias palavras.
Para usos da noção de “palavras plásticas” (Plastikwörter) nas discussões das ciências so-
ciais, ver, por exemplo, Mattei e Nader (2008) e Villas Bôas Filho (2016a; 2016b).
48 Vale notar que Martuccelli (2002, p. 27) utiliza a expressão “matrizes interpretativas da
modernidade” (matrices interprétatives de la modernité). Contudo, Martuccelli (2010, p. 63)
também usa as expressões “diagnóstico sociológico” (diagnostic sociologique) e “família de
análises” (famille d’analyses), imprimindo-lhes um sentido análogo ao do termo “matriz”.
Mais recentemente, ao referir-se ao que designa de “condição social moderna”, Martuccelli
(2017, p. 470-471) adota a expressão “matrizes de narração” (matrices de narration). Nesse
contexto, ressaltando que entende por “matriz” as “grandes semânticas históricas sedimen-
tadas de sentido”, afirma que a noção de “matriz de narração” auxiliaria na compreensão,
a partir de diversos “regimes de enunciação, de aparição e de inteligibilidade”, do modo
pelo qual os indivíduos constroem narrativas relativamente comuns acerca de sua relação
com o mundo.
49 Conforme Martuccelli (1999, p. 20), “as matrizes são menos do que um paradigma,
mais do que uma ideia de base, algo diferente de uma escola” (les matrices sont moins qu’un
paradigme, plus qu’une idée de base, autre chose qu’une école).
50 A respeito, Martuccelli (1999, p. 565) afirma que a sua noção de “matriz” consiste em
um “esquema histórico de interpretação da sociedade moderna” (schéma historique d’inter-
prétation de la société moderne). Vale notar que há autores que contestam a possibilidade de
unificação paradigmática no âmbito das ciências sociais. Eberhard (2010), por exemplo, as-
severa que no domínio das ciências sociais jamais teria havido uma unificação paradigmá-
tica comparável à das ciências exatas que serviram de base para a tese proposta por Thomas
Kuhn em sua análise da “estrutura das revoluções científicas”. Não obstante, Habermas
(2000) e Luhmann (1995), referindo-se a suas respectivas teorias, atribuem-lhes a estatura
de uma “mudança de paradigma”.
51 Cumpre notar que Martuccelli (1999, p. 20; p. 565) utiliza a expressão “ideia de base”
(idée de base) e, ao fazê-lo, remete às obras de Arthur O. Lovejoy e Robert Nisbet. Trata-se,
portanto, de uma tradução livre, para o francês, do conceito de “ideia-unidade” (unit-idea).
A respeito, ver Nisbet (2017, p. xii-xiii; p. 3-21).
52 Martuccelli (1999, p. 565) aponta a afinidade da noção de “matriz”, por ele propos-
ta, com a de “themata”, formulada por Gerald Holton. Para uma análise da proposta de
Martuccelli, ver Villas Bôas Filho (2006; 2009; 2010a; 2010b) e Gonçalves e Villas Bôas
Filho (2013).
53 Vale notar que Martuccelli (1999, p. 547-562) também alude aos “discursos críticos”
que se delineiam como “contrapontos da modernidade”, em meio aos quais sublinha duas
tendências: 1. a sociologia e a narrativa da história; 2. as críticas pós-modernas. A respeito,
a partir de outra perspectiva, ver Habermas (2000).
54 Vale notar que Martuccelli (2001; 2002; 2010; 2017) concentra suas análises no âmbito
da “matriz da condição moderna”, sendo possível sustentar que a sua obra constitui, atual-
mente, uma importante expressão dessa matriz sociológica. Acerca da trajetória intelectual
de Martuccelli, ver Setton e Sposito (2013).
55 Esse quadro, originalmente publicado em Gonçalves e Villas Bôas Filho (2013), ao aludir
à “matriz da condição moderna”, não menciona os autores da “Escola de Chicago”, como
Robert Park, William Isaac Thomas, Florian Znaniecki e Louis Wirth. Considerando a
influência exercida por Georg Simmel sobre esses autores e a intensa crítica (quase que des-
qualificadora) que Durkheim endereça a este último, torna-se relevante mencioná-los aqui.
56 Como enfatizam Arnaud e Fariñas Dulce (1998, p. 48), no que concerne à dimensão
teórica da sociologia do direito, Durkheim sustentou um estreito vínculo entre direito e
sociedade.
57 Como notam Arnaud e Fariñas Dulce (1998), a resposta dada por Durkheim a essa
questão estaria fundamentada na pressuposição de que em todas as sociedades haveria uma
regulação da ação dos indivíduos por um conjunto de normas. Daí a importância por ele
atribuída ao direito. Sobre a leitura e o magistério de Durkheim acerca da obra de Hobbes,
é de muito interesse a edição feita por Jean-François Bert das anotações tomadas por Marcel
Mauss do curso ministrado pelo autor acerca do De Cive. A respeito, ver Durkheim (2011).
58 Aliás, quanto a esse aspecto, Martuccelli (2017, p. 233) ressalta que, em Durkheim,
a integração normativa nas sociedades modernas demandaria, em virtude do alto grau
de diferenciação que as caracteriza, uma “integração morfológica” (intégration morpholo-
gique), o que implica afirmar que o princípio de interdependência funcional constituiria
um primeiro passo em direção ao reconhecimento da vida em comum. É por esse motivo
que Habermas (1999; 2001) sublinha que, na teoria da solidariedade social de Durkheim,
as categorias de integração social e integração sistêmica estariam referidas uma à outra.
A respeito, ver, especialmente, Ingram (1994). Sobre a questão da integração social em
Durkheim, ver Martuccelli (1999) e Steiner (2005).
59 Como ressalta Martuccelli (1999), o essencial da “história” da “matriz da diferenciação
social” consistiria na oscilação entre diferenciação e integração social. Contudo, o autor,
com razão, observa que uma análise mais pormenorizada do pensamento de Durkheim
66 Acerca dessa questão, ver Jones (2001) e, sobretudo, Martuccelli (1999).
67 Nesse ponto, Durkheim (2007, p. 26) é taxativo ao afirmar que “a divisão do trabalho é
a fonte, se não única, ao menos principal da solidariedade social” (la division du travail est
la source, sinon unique, du moins principale de la solidarité sociale).
68 Baechler (2011), ao analisar o que designa de “aparentes fraquezas” da tese exposta
por Durkheim (2007), ressalta a ambiguidade de seu posicionamento acerca da substi-
tuição da “solidariedade mecânica” pela “solidariedade orgânica”. Segundo o autor, não
fica claro se Durkheim considera que a segunda triunfa de modo a excluir a primeira ou
se se trata apenas do primado de uma (a orgânica) sobre a outra (a mecânica). Por sua vez,
Deliège (2006) considera que Durkheim seria expressão da passagem do evolucionismo
para o funcionalismo.
69 Segundo Durkheim (2007, p. 149), “deve haver dois tipos sociais que correspondam a
essas duas sortes de solidariedade” (il doit y avoir deux types sociaux qui correspondent à ces
deux sortes de solidarités). Durkheim (2007) ressalta ainda que a escolha da palavra “mecâ-
nica” para qualificar o primeiro tipo de solidariedade ocorreria por analogia com a coesão
que une entre si os elementos dos “corpos brutos”, por oposição àquela que faz a unida-
de dos corpos vivos. No que concerne à escolha da palavra “orgânica” para qualificar a
solidariedade produzida pela divisão do trabalho, o autor também afirma que ela teria
ocorrido por analogia com o que seria observável nos “animais superiores”, nos quais cada
órgão teria fisionomia própria e autonomia, sendo, ademais, a unidade do organismo tanto
maior quanto mais acentuada a individuação de suas partes constitutivas. Referindo-se às
expressões “solidariedade mecânica” e “solidariedade orgânica”, Castel (1999) aponta as
73 Ao fazer alusão a essa composição social, Durkheim (2007, p. 152) afirma que a sua re-
flexão já não estaria mais no domínio da “pré-história” e das “conjecturas”, uma vez que nela
nada há de hipotético, sendo, ao contrário, a regra entre as ditas “sociedades inferiores”.
74 Segundo Durkheim (2007, p. 157), “existe, portanto, uma estrutura social de natureza
determinada à qual corresponde a solidariedade mecânica. O que a caracteriza é que ela
é um sistema de segmentos homogêneos e semelhantes entre si” (il y a donc une structure
sociale de nature déterminée, à laquelle correspond la solidarité mécanique. Ce qui la caractérise,
c’est qu’elle est un système de segments homogènes et semblables entre eux).
75 No que tange à religião em tais sociedades, Durkheim (2007, p. 154) afirma que “sabe-
mos que a religião penetra toda a vida social, mas é porque a vida social é composta quase
exclusivamente por crenças e práticas comuns que extraem de uma adesão unânime uma
intensidade bastante particular” (nous savons que la religion y pénètre toute la vie sociale, mais
c’est parce que la vie sociale y est faite presque exclusivement de croyances et de pratiques communes
qui tirent d’une adhésion unanime une intensité toute particulière).
76 Quanto ao comunismo, Durkheim (2007, p. 154) sustenta que “o comunismo, de fato,
é o produto necessário dessa coesão especial que absorve o indivíduo no grupo, a parte
no todo. A propriedade é, em última instância, apenas a extensão de uma pessoa sobre as
coisas. Logo, onde existe apenas a personalidade coletiva, a propriedade em si não pode
deixar de ser coletiva” (le communisme, en effet, est le produit nécessaire de cette cohésion spéciale
qui absorbe l’individu dans le groupe, la partie dans le tout. La propriété n’est en définitive que
l’extension de la personne sur les choses. Là donc où la personnalité collective est la seule qui existe,
la propriété elle-même ne peut manquer d’être collective).
77 A respeito, ver, por exemplo, Beriain (1990; 2008), Castel (1999) e Steiner (2005).
78 Cuin e Gresle (2017a) sublinham a inevitabilidade da divisão do trabalho social;
Durkheim, entretanto, não a afirma expressamente. Aliás, sua estratégia consiste em situar
esse problema para além do horizonte de sua pesquisa. Assim, Durkheim (2007, p. 330,
em nota) afirma que “não nos cabe investigar aqui se o fato que determina os progressos da
divisão do trabalho e da civilização, isto é, o aumento da massa e da densidade sociais, ex-
plica-se mecanicamente; se ele é um produto necessário de causas eficientes, ou se um meio
imaginado tendo em vista um fim desejado, um maior entrevisto. Contentamo-nos em
propor essa lei da gravitação do mundo social, sem remontarmos mais alto” (nous n’avons
pas à rechercher ici si le fait qui détermine les progrès de la division du travail et de la civilisation,
c’est-à-dire l’accroissement de la masse et de la densité sociales, s’explique lui-même mécanique-
ment; s’il est un produit nécessaire de causes efficientes, ou bien un moyen imaginé en vue d’un but
désiré, d’un plus grand bien entrevu. Nous nous contentons de poser cette loi de la gravitation du
monde social, sans remonter plus haut).
79 Como observa Castel (1999), seria justamente essa diferenciação que constituiria a ri-
queza da sociedade de caráter “orgânico” por oposição às simples justaposições “mecânicas”
de similitudes. Contudo, segundo o autor, com o propósito de elidir os riscos de desagre-
gação social, o jogo complexo entre diferenças e interdependências precisaria ser tanto
mais cuidadosamente preservado conforme maior seja o progresso da divisão do trabalho.
80 Durkheim (2007) sustenta, ademais, que esses dois “corpos de regras jurídicas” se-
riam acompanhados por um “corpo de regras puramente morais”. Assim, para ele
(DURKHEIM, 2007, p. 206), “onde o direito penal é muito voluminoso, a moral comum
é muito extensa: isto é, há uma multidão de práticas coletivas postas sob a salvaguarda da
opinião pública. Onde o direito restitutivo é muito desenvolvido, há para cada profissão
uma moral profissional” (là où le droit pénal est très volumineux, la morale commune est très
étendue: c’est-à-dire qu’il y a une multitude de pratiques collectives placées sous la sauvegarde de
l’opinion publique. Là où le droit restitutif est très développé, il y a pour chaque profession une
morale professionnelle).
81 Vale notar que Serverin (2000) estabelece uma distinção entre a abordagem da relação
entre direito e sociedade feita pela “sociologia”, em sentido genérico, e pela “sociologia do
direito”. Assim, ao referir-se às “disciplinas mais antigas” do que a “sociologia do direito”, a
autora alude à “filosofia”, ao “direito”, à “sociologia”, à “antropologia” e à “história”.
84 A respeito, ver, especialmente, Rouland (1988; 1995; 2003; 2018) e Vanderlinden (1996).
85 Para referir-se ao movimento intelectual que emergiu no contexto do final do século
XIX, cujos desdobramentos conduzem à “moderna sociologia do direito”, Hunt (1978) pre-
fere utilizar a expressão “movimento sociológico no direito” (sociological movement in law).
Segundo Hunt (1978, p. 3), o “movimento sociológico” teria assumido características pró-
prias, em contraste com as escolas históricas anteriores, em virtude de sua orientação explí-
cita em direção à sociologia. Assim, o período do “movimento sociológico” seria marcado
pela crescente ascendência intelectual da sociologia. Nesse contexto, Durkheim e Weber,
considerados por Hunt os dois sociólogos-chave no bojo do “movimento sociológico”, com-
partilhariam pelo menos uma orientação fundamental: a preocupação em delimitar a “es-
fera” ou “território intelectual” da sociologia e, dentro dela, subsumir os fenômenos sociais,
incluindo o direito, a um modo de análise especificamente sociológico, claramente distinto
de outras orientações intelectuais. Portanto, segundo Hunt, o “movimento sociológico do
direito” constituiria um “movimento” em virtude de um empreendimento persistente e
generalizado no sentido de desenvolver uma “análise sociológica do direito”.
86 A respeito, Luhmann (2008) assevera que a sociologia teria impulsionado o interesse
científico na abordagem da relação entre direito e sociedade, distinguindo-se, assim, da
tradição europeia de pensamento que a precedeu. Arnaud e Fariñas Dulce (1998) também
enfatizam a pretensão de cientificidade como característica da perspectiva sociológica no
que tange à análise da relação entre direito e sociedade.
87 Em sua última grande obra dedicada ao direito, Luhmann (2004, p. 59 e ss.; p. 423
e ss.) refere-se à especificidade da abordagem sociológica acerca do direito em termos de
“descrição externa”.
88 Luhmann (2008, p. 12) sintetiza esse aspecto afirmando que “o direito não é mais a
sociedade” (das Recht ist nicht mehr die Gesellschaft).
89 Ao aludir ao que ele designa de “abordagens clássicas da sociologia do direito”,
Luhmann (2008) as faz remontar a autores como Henry J. Sumner Maine, Karl Marx,
Émile Durkheim e Max Weber. Vale notar que Alan Hunt diverge da interpretação de
Luhmann na medida em que exclui autores como Savigny e Maine do que considera ser
uma “análise sociológica” do direito. Segundo Hunt (1978, p. 3), o “movimento sociológico
no direito” (sociological movement in law) pode ser caracterizado como uma “tendência inte-
lectual” (intelectual trend) que surge no final do século XIX e que desdobra até a “sociologia
moderna do direito” (modern sociology of law). A orientação específica desse movimento
consiste em submeter o fenômeno jurídico à análise sociológica. Assim, a característica
essencial do “movimento sociológico” se expressaria no projeto de desenvolver uma análise
do direito a partir da teoria e do método da sociologia. Segundo Hunt (1978), essa caracte-
rística permitiria distinguir o “movimento sociológico do direito” de tendências anteriores,
especialmente da “ciência do direito continental” (continental jurisprudence) e da “teoria
política” (political theory), que já haviam situado a análise do direito em seu contexto social.
Segundo o autor, Maine e Savigny, figuras centrais no âmbito das “Escolas históricas do
direito” (schools of historical jurisprudence), seriam exemplos dessas tendências que antece-
dem o “movimento sociológico do direito”.
90 No que concerne à centralidade do direito no bojo da sociologia de Durkheim, Hunt
(1978, p. 60) afirma que ele teria sido o primeiro entre os sociólogos a devotar atenção
substancial ao direito como um “fenômeno social” (social phenomenon).
91 Referindo-se ao primado da economia na obra de Marx, Luhmann (2008, p. 13) utiliza
a expressão “überhistorisch-antropologische Wahrheit”.
92 A respeito, Habermas (1997a) afirma que, na concepção de Marx, o direito faria parte
de uma superestrutura da base econômica de uma sociedade, na qual a dominação de uma
classe social sobre as outras seria exercitada a partir do poder de disposição privado sobre
os meios de produção. Nesse sentido, Habermas (1997b) ressalta que Marx e Engels teriam
tomado da economia política os argumentos com os quais denunciam a ordem jurídica
burguesa como expressão jurídica de condições de produção injustas. É nesse sentido que
Miaille (1980) correlaciona direito e violência.
93 Esse caráter instrumental assumido pelo direito no âmbito do pensamento marxista
é particularmente enfatizado por autores como Bourdieu (1986b) e Miaille (1980; 1992).
94 Nesse particular, Aron (2003) observa que Durkheim se opunha à doutrina marxista
em dois pontos essenciais: 1. a rejeição dos meios violentos como instrumentos fecundos
de mudança social e a não atribuição de centralidade à luta de classes na caracterização da
sociedade contemporânea e no impulsionamento do desenvolvimento histórico; 2. a recusa
em considerar que a solução dos problemas sociais modernos decorreria de uma reorga-
nização econômica. Steiner (2005) observa que Durkheim não ignora a obra de Marx;
mesmo que dela tenha um conhecimento superficial, o sociólogo francês a cita em alguns
artigos e a critica, sobretudo, por considerar que ela insiste no primado da economia em
detrimento da religião.
95 Vale notar que a abordagem feita por Luhmann (2008) sobre o pensamento de Marx
é particularmente concisa e não dá conta das nuanças que a sua obra e a ampla e variada
recepção por ela experimentada consignam. Luhmann propõe uma interpretação do que
designa “doutrina marxista”, com pretensão de abranger tanto o “marxismo oficial” quanto
a literatura nele inspirada. Contudo, além de não fundamentar devidamente a sua análise,
Luhmann faz generalizações que desconsideram a heterogeneidade das perspectivas ins-
piradas em Marx.
96 A caracterização feita por Bourdieu (1986b) do pensamento de Althusser é assaz sinté-
tica e insiste apenas na questão da dominação. Para uma abordagem que explora as nuanças
do pensamento de Althusser, ver, por exemplo, De Sutter (2010).
97 Não há como recuperar aqui a análise que Bourdieu (1986b) empreende do que designa
de “instrumentalismo”, consistente em conceber o direito como mero “reflexo” das relações
de força ou como simples “utensílio” a serviço dos dominantes. Bourdieu ilustra essa ten-
dência mediante uma alusão crítica às obras de Louis Althusser e Edward P. Thompson e a
contrapõe ao que designa de “formalismo”, por ele associado a autores como Hans Kelsen
e Niklas Luhmann.
98 A literatura existente sobre o pensamento de Marx e sobre o marxismo é monumental.
À guisa de exemplo de uma clássica análise do pensamento de Marx, com ampla difusão
no Brasil, ver Aron (2003). Entretanto, a mais densa análise do autor sobre Marx está
consignada em Aron (2002). Vale ainda notar que Aron (1970) empreende uma inten-
sa crítica às vertentes existencialista e estruturalista do marxismo na França, focalizando
especificamente as obras de Jean-Paul Sartre (Critique de la raison dialectique) e de Louis
Althusser (Lire le Capital), as quais, segundo ele, teriam em comum o estilo, a pretensão e
a ignorância. O marxismo também teve uma significativa influência no âmbito da socio-
logia jurídica. No que concerne à tradição francesa, na qual se inscreve o pensamento de
Durkheim, Arnaud (1998) e Arnaud e Noreau (1998) lembram a importância de autores
como Nikos Poulantzas, Bernard Edelman, Michel Miaille e Antoine Jeammaud, que
obtiveram significativa repercussão no Brasil.
99 A respeito, Maine (1986, p. 165) afirma que “o movimento das sociedades em pro-
gressão tem sido, até agora, um movimento do status para contrato” (the movement of the
progressive societies has hitherto been a movement from status to contract). A respeito, ver
Kuper (2008), Rouland (1988 e 1995) e Villas Bôas Filho (2011/2012).
100 Conforme ressalta Maine (1986, p. 122), “se a comunidade peca, sua culpa é muito
mais que a soma das ofensas cometidas por seus membros; o crime é um ato corporativo,
e suas consequências atingem muito mais pessoas do que as envolvidas na perpetração de
fato” (if the community sins, its guilt is much more than the sum of the offences committed by its
members; the crime is a corporate act, and extends in its consequences to many more persons than
have shared in its actual perpetration). Aliás, quanto a esse aspecto, Peña (2002) observa que
a obra de Maine consignava uma preocupação concernente às relações entre indivíduo e
grupo e às condições por intermédio das quais os indivíduos poderiam se tornar sujeitos
de direito.
101 Referindo-se a esse processo, Maine (1986, p. 163) ressalta que “tampouco é difícil ver
qual tipo de ligação entre homens substitui gradativamente tais formas de reciprocidade
nos direitos e deveres que eram originárias da Família. Trata-se do Contrato” (nor is it diffi-
cult to see what is the tie between man and man which replaces by degrees those forms of reciprocity
in rights and duties which have their origin in the Family. It is Contract).
102 Vale notar que essa assertiva de Luhmann (2008) é feita de forma abrupta, e não
devidamente demonstrada. O autor interpreta a tese de Maine segundo os pressupostos de
sua teoria dos sistemas e, a partir daí, propõe essa conclusão, que, apesar de plausível, não
é devidamente exposta no que tange a seus fundamentos.
106 Evidentemente que essa avaliação de Luhmann (2008), no que tange ao pensamento
de Durkheim acerca do direito, é passível de ser contraditada. Trata-se de uma apreciação
que tem por base exclusivamente a tese expressa no livro De la division du travail social de
modo a não considerar adequadamente os desenvolvimentos posteriores que a questão do
direito e de sua evolução experimentam no pensamento do autor francês, especialmente a
partir do artigo Deux lois de l’évolution pénale, publicado no volume 4 de L’Année Sociologi-
que. A respeito, ver, por exemplo, Steiner (2005), Schuluchter (2006) e Vogt (1993). Para
um contraste dos pensamentos de Durkheim e de Luhmann, ver Clam (2012), Teubner
(1996) e Villas Bôas Filho (2010a; 2017c).
107 Nesse particular, vale lembrar que Martuccelli (1999) sustenta que Max Weber deli-
nearia as bases da “matriz da racionalização” no âmbito das “sociologias da modernidade”.
Acerca da racionalização social no pensamento weberiano, ver, entre outros: Aron (2003),
Cohn (2003), Colliot-Thélène (2006), Fleury (2009), Freund (1987), Martuccelli (1999) e
Schluchter (1981). Quanto à racionalização do direito, ver, especialmente: Coutu (1995),
Freund (1978), Kronman (2009) e Schluchter (2006).
108 De fato, Weber (2002, p. 559) afirma que o “alargamento do mercado” e a “burocra-
tização” seriam “duas grandes forças de racionalização”. Sobre esse ponto, ver também
Freund (1978) e, especialmente, Kronman (2009).
109 A respeito, ver, especialmente Coutu (1995), Freund (1978) e Kronman (2009).
110 Essa questão é enfocada especialmente no bojo da análise feita por Weber (2002) acer-
ca das “qualidades formais do direito moderno”. Vale notar que Freund (1978) desenvolve
uma primorosa análise da racionalização do direito no pensamento weberiano, ressaltando
a centralidade desse tema na obra do grande sociólogo alemão, especialmente no bojo de
sua “sociologia da religião” (Religionssoziologie). Ademais, após analisar a concepção geral
de racionalização de Weber, Freund (1978) examina o processo de racionalização do direito
a partir de seus aspectos interno e externo. Sobre essa questão, ver também Hunt (1978).
111 Quanto a essa questão, ver, especialmente, Kronman (2009).
112 Para uma excelente análise da relação entre racionalização do direito e poder burocrá-
tico no pensamento de Max Weber, ver Raynaud (2006).
113 A ênfase da análise de Luhmann (2008) recai sobre as obras de Durkheim e de Weber,
aos quais associa, respectivamente, as questões da “objetividade das estruturas sociais nor-
mativas” e da “contingência da ação subjetiva”. A respeito, ver também Luhmann (2006).
114 Nesse particular, Luhmann (2008) alude à interpretação de Talcott Parsons acerca de
Durkheim e de Weber.
115 A respeito, ver também Commaille (2016) e Commaille e Duran (2009).
116 Aliás, como nota Assier-Andrieu (2000, p. XXXV), “Montesquieu, Marx,
Tocqueville, Maine, Morgan e Weber, ilustres fundadores da sociologia e da antropologia,
eram todos juristas e, para cada um deles, o ponto inicial do que iria tornar-se uma teoria
geral do homem e da sociedade foi uma reflexão sobre o direito”.
120 Sobre essa questão, Durkheim (2007, p. 32) afirma que “nosso método, portanto, já
está todo traçado. Uma vez que o direito reproduz as formas principais de solidariedade
social, temos apenas de classificar as várias espécies de direito para, em seguida, procurar
quais são as diferentes espécies de solidariedade social que lhes correspondem” (notre mé-
thode est donc toute tracée. Puisque le droit reproduit les formes principales de la solidarité sociale,
nous n’avons qu’à classer les différentes espèces de droit pour chercher ensuite quelles sont les diffé-
rentes espèces de solidarité sociale qui y correspondent).
121 Como ressalta Durkheim (2007), as regulamentações morais e/ou jurídicas ex-
primiriam necessidades sociais que repousariam na opinião coletiva. A respeito, ver
Lenoir (1994).
122 Durkheim (2007, p. 393-394) é taxativo ao afirmar que “o direito e a moral são o
conjunto de vínculos que nos ligam uns aos outros e à sociedade, que fazem da massa de
indivíduos um agregado coeso e coerente” (le droit et la morale, c’est l’ensemble des liens qui
nous attachent les uns aux autres et à la société, qui font de la masse des individus un agrégat et
un cohérent).
123 A respeito, ver, por exemplo, Cotterrell (1999), Isambert (1991), Lenoir (1994) e Mas-
sella (2014).
124 Segundo Durkheim (2007, p. 26) “a divisão do trabalho é, se não única, ao menos a
fonte principal da solidariedade social” (la division du travail est la source, sinon unique, du
moins principale de la solidarité sociale). Vale sempre lembrar que uma característica funda-
mental da concepção de Durkheim (2007) acerca da divisão do trabalho social consiste na
rejeição da redução desse fenômeno apenas a sua dimensão econômica. Segundo o autor,
ela consistiria em um fato social que somente pode ser devidamente explicado a partir
da função social e moral por ela garantida: o estabelecimento da solidariedade orgânica.
Quanto a essa questão, ver, por exemplo, Steiner (2005) e Nisbet (1965).
125 Hart (1967) critica essa tese de Durkheim. Sobre essa questão, ver, especialmente,
Lukes e Prabhat (2011).
126 No mesmo sentido, ver Steiner (2005) e Lukes e Prabhat (2011).
127 A respeito, ver também Cotterrell (1999) e Lenoir (1994).
128 Para uma crítica ao “moralismo” no pensamento de Durkheim, ver, especialmente:
Luhmann (2006, 2013). Sobre essa questão, ver Rodríguez Mansilla e Torres Nafarrate
(2008) e Neves (2018). Para um contraste do “moralismo” de Durkheim com o “relativismo
de valores” de Weber, ver Müller (1994).
129 Como ressalta Durkheim (2007, p. 29), “a vida social, onde quer que exista de maneira
duradoura, tende, inevitavelmente, a tomar uma forma definida e a se organizar, e o direito
nada mais é que essa mesma organização no que ela tem de mais estável e de mais preciso”
(la vie sociale, partout où elle existe d’une manière durable, tend inévitablement à prendre une
forme définie et à s’organiser, et le droit n’est autre chose que cette organisation même dans ce qu’elle
a de plus stable et de plus précis).
130 Vale lembrar que Durkheim (2007) concebe o liame social como essencialmente mo-
ral. Sobre essa questão, ver, especialmente, Steiner (2005).
131 Lenoir (1994, p. 26) observa que Durkheim, em seu último escrito, teria especificado
o sentido dessas expressões de modo a relacionar a “ciência ou física dos costumes” (science
ou physique des mœurs) com a “moral que é efetivamente observada entre os homens” e a
“ciência da moral ou ciência dos fatos morais” (science de la morale ou science des faits moreaux)
com os “preceitos morais em sua pureza e impessoalidade”.
132 Como ressalta Lenoir (1994, p. 25-26), é preciso considerar que, para Durkheim, o
“fato moral” (fait moral) tomaria duas formas: 1. a dos “costumes” (mœurs), consistentes em
“relações sociais”; 2. a da “moral” (morale), relativa às “regras de conduta”.
133 Vale notar que, segundo Durkheim (2010a, p. 41), a “física dos costumes e do direito”
teria os seguintes objetos de pesquisa: 1. como as regras (morais e jurídicas) são constituí-
das historicamente, ou seja, quais são as causas que as suscitaram e os fins úteis que elas
satisfazem; 2. a maneira pela qual elas funcionam na sociedade, isto é, como elas são aplica-
das pelos indivíduos”. Acerca dessa aproximação entre direito e moral, ver, especialmente,
Isambert (1991), Lenoir (1994) e Lukes e Prabhat (2011).
134 Lenoir (1994) também recorre às classificações mobilizadas por Durkheim e seus co-
laboradores em L’Année Sociologique para sublinhar uma ligação consubstancial entre direi-
to e moral.
135 A respeito, ver, entre tantos outros, Cotterrell (1999), Isambert (1991), Lenoir (1994),
Lukes e Prabhat (2011) e Massella (2014). Vale notar que a utilização do critério do tipo de
sanção para distinguir direito e moral se reflete diretamente no pensamento de Radcliffe-
-Brown (1952).
136 Cotterrell (1999) observa que esses “organismos formais” ou “órgãos específicos” aos
quais Durkheim (2007) faz alusão seriam, especialmente, os “representantes autorizados”.
137 Isambert (1991, p. 53) afirma textualmente que a moral pareceria um “direito enfra-
quecido ou embrionário” (droit affaibli ou embryonnaire).
138 Segundo Lenoir (1994, p. 27), Durkheim, no referido extrato, afirmaria o seguinte:
“acreditamos que esses dois domínios [o direito e a moral] estão intimamente unidos para
poderem ser radicalmente separados” (nous croyons ces deux domaines [le droit et la morale]
trop intimement unis pour pouvoir être radicalement séparés).
139 Aliás, Durkheim (2007, p. XLI) sustenta que a moral consistiria em um “sistema de
fatos realizados, ligado ao sistema total do mundo”, que, como tal, não se modificaria de
maneira voluntarista, “num passe de mágica” (en un tour de main), pois, sendo solidário de
outros fatos, não poderia ser alterado sem que estes também fossem atingidos.
140 Como ressalta Lenoir (1994, p. 29), “o direito é, para Durkheim, essencialmente,
formulação” (le droit est, pour Durkheim, essentiellement formulation). A proximidade com o
que sustenta Bourdieu (1986a, 1986b, 2016) é evidente a esse respeito.
les états forts et définis de la conscience collective). A respeito, ver Smith (2014).
148 Para boas análises da concepção durkheimiana do crime no âmbito da literatura socio-
lógica brasileira, ver, por exemplo, Oliveira (2015) e Weiss (2013). Na literatura francófona
recente, ver, especialmente, Fassin (2018) e Mucchielli (2018).
149 Como ressalta Durkheim (2007, p. 52) “o que caracteriza o crime é o fato de ele
determinar a pena” (ce qui caractérise le crime, c’est qu’il détermine la peine). Essa questão é
amplamente tratada por Smith (2014).
150 Cabe notar que Malinowski (1961) critica Durkheim por essa suposição.
151 É de supor que esse “órgão definido” que serve de intermediário à reação coletiva de
modo a torná-la não mais difusa, mas organizada, seja o Estado. Entretanto, Durkheim
(2007) não afirma isso expressamente. Essa suposição se faz, todavia, plausível porque
Durkheim (2007, p. 207) sustenta que “há sobretudo um órgão em relação ao qual nosso
estado de dependência aumenta cada vez mais: o Estado” (il est surtout un organe vis-à-vis
duquel notre état de dépendance va toujours croissant: c’est l’État). A esse respeito, vale notar
que Durkheim (2007) define o Estado pela inclusão dos “grupos secundários”. Segun-
do o autor, a atividade coletiva seria sempre demasiadamente complexa para se expressar
unicamente pelo órgão do Estado, que, além disso, estaria demasiadamente distante dos
indivíduos para que possa penetrar nas consciências individuais e as socializar interior-
mente. Daí a necessidade de “uma série de grupos secundários”, próximos dos indivíduos,
para atraí-los de modo a produzir coesão. Por isso, o declínio das formas de intermediação
entre indivíduo e Estado (tais como a família, a igreja, as corporações etc.) constituiria
uma patologia. Nesse particular, no prefácio à segunda edição do livro De la division du
travail social, Durkheim assevera que uma sociedade composta de uma “poeira infinita de
indivíduos desorganizados” (poussière infinie d’individus inorganisés) que um Estado hi-
pertrofiado se esforça por encerrar e reter constituiria uma “monstruosidade sociológica”.
Assim, quando o Estado se afigura como o único meio encontrado pelos indivíduos para
formar-se na prática da vida comum, ocorreria, em suma, desagregação social. Portanto,
apesar de fortemente centralizado, o Estado moderno não poderia nem deveria procurar
suprimir os corpos intermediários. Sobre a concepção de Durkheim acerca do Estado e de
algumas consequências que dela decorrem, ver, por exemplo, Birnbaum (1976) e Colliot-
-Thélène (2011).
152 Vale notar que, segundo Durkheim (2007), é a “solidariedade mecânica”, engendrada
pelas semelhanças, que está expressa no “direito repressivo”.
153 Durkheim (2007) considera que a eficácia dessas duas finalidades, comumente asso-
ciadas à pena, seria duvidosa e, quando muito, medíocre.
154 Nesse particular, é oportuno notar que, segundo Durkheim (2007), o efei-
to do crime seria aproximar as “consciências honestas” e concentrá-las. A respeito, ver
Carbonnier (2004).
155 Nesse particular, é muito interessante a divergência de Durkheim (2007; 2010b) em
relação à criminologia italiana de sua época, especialmente no que tange à obra de Raffaele
Garofalo. Vale também aludir a um contemporâneo brasileiro de Durkheim, Paulo Egídio
de Oliveira Carvalho, que, debruçando-se sobre a tese do autor francês acerca da normali-
dade do crime, procura rejeitá-la. A respeito, ver Salla e Alvarez (2000). Segundo Carbon-
nier (2004), Durkheim teria realizado um deslocamento progressivo da criminalidade para
a penalidade de modo a fundar, em contraste com a sociologia criminal, uma verdadeira
“sociologia do direito penal”. Sobre as relações entre criminologia e sociologia, ver Belley
(1986) e Carbonnier (2004). Cabe ainda observar que Delmas-Marty (2010) mobiliza o
argumento de Durkheim acerca da inerência do crime à sociedade para apontar a baixa
efetividade das medidas repressivas para contê-lo.
156 Em uma assertiva muito expressiva, Durkheim (2010b, p. 180) ressalta que “o crime
é algo normal, pois uma sociedade que não o tenha é simplesmente impossível” (le crime est
normal parce qu’une société qui en serait exempte est tout à fait impossible). Essa questão é muito
bem sintetizada por Steiner (2005) e Giddes e Sutton (2016).
157 Durkheim (2010b, p. 184) afirma textualmente que “o crime é, portanto, necessário;
ele está ligado às condições fundamentais de toda a vida social, mas, por essa mesma razão,
ele é útil; pois essas condições, das quais ele é solidário, são indispensáveis à evolução nor-
mal da moral e do direito” (le crime est donc nécessaire; il est lié aux conditions fondamentales
de toute vie sociale, mais, par cela même, il est utile; car ces conditions dont il est solidaire sont
elles-mêmes indispensables, à l’évolution normale de la morale et du droit). A respeito, ver, por
exemplo, Juan (2019).
158 Hunt (1978) comenta essas duas leis ressaltando que uma é de natureza quantitativa,
a outra qualitativa.
159 Sobre essa questão, ver, por exemplo, Chazel (1991), Hunt (1978), Smith (2014), Stei-
ner (2005) e Weiss (2013).
160 Durkheim (2007, p. 189) enfatiza, expressamente, que “tout n’est pas contractuel dans
le contrat”. Essa questão é bem sintetizada por Massella (2014) e Nisbet (1965). Contudo,
Bourdieu (2012) parte dessa constatação de Durkheim para sustentar que a ordem social
repousaria sobre um nomos ratificado inconscientemente que, por esse motivo, transcende-
ria o contrato. Por fim, Boudon (2008), fundamentando-se em Randall Collins e Jeffrey
Alexander, ressalta que a ênfase de Durkheim nas bases não contratuais do contrato decor-
reria de sua intenção de erigir um “muro” entre a sociologia e a economia.
165 Nesse particular, Luhmann (2008, p. 15) ressalta que “Émile Durkheim aponta,
polemizando intencionalmente, para as bases não contratuais (e, portanto, sociais!) do
contrato” (Émile Durkheim weist in gezielter Polemik auf die nichtvertraglichen (und damit:
gesellschaftlichen!) Grundlagen des Vertrags hin). A respeito, ver também Aron (2003) e Villas
Bôas Filho (2017c).
166 Essa questão é particularmente sublinhada por Parsons (1949), que contrasta
Durkheim e Pareto. A respeito, ver também Aron (2003).
167 Durkheim (2007) chega mesmo a afirmar que o contrato consensual somente teria
aparecido em uma época relativamente recente, o qual ele teria constituído um primeiro
progresso no sentido da justiça.