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Fichamento Sociologia Cultural – Jeffrey C.

Alexander

- Introdução
Os organizadores afirmam que Alexander está há quatro décadas na vanguarda da teoria
sociológica, produzindo um trabalho com “notável domínio da literatura acadêmica e rara
capacidade topológica de perceber constelações e propor movimentos”. Me chamou atenção a
questão da constelação, uma palavra que também apareceu quando li sobre o discurso, em
Foucault, essa capacidade de estabelecer ligações entre diferentes discursos, mas também entre
diferentes teorias.
O livro está organizado em textos que se distribuem por três períodos distintos de sua carreira: a
reconstrução metateórica dos clássicos (1970-80); revisão do neofuncionalismo enquanto teoria
pós-Parsoniana (1980-90); desenvolvimento da sociologia cultural (desde 1990).
A mim interessa o debate teórico e a sociologia cultural. Os organizadores, sobre a sociologia
cultural, afirmam que Alexander está mais interessado em “interpretar as teia s de significados
que constituem a realidade como criação humana, permitindo aos atores compreensão mútua e
atuação conjunta” (pg.18), mais do que uma análise estrutural que busca códigos e narrativas.
Isto me parece muito importante para minha pesquisa, sobretudo quando pensado junto à alguns
apontamentos da teoria do Goffman sobre os papéis que os sujeitos interpretam, sobre o estigma
e sobre o controle de informações. Outro autor importante que aparece aqui é Victor Turner, que
eu ainda preciso ler), além de alguns outros citados que preciso avaliar a pertinência. Em Turner
estão os estudos sobre performance, em Goffman a sociologia dramatúrgica. Como o texto diz,
o encontro com esses autores “conduziu a uma inflexão significativa da sociologia cultural, na
qual os roteiros culturais fornecem a articulação entre estrutura e ações sociais” (pg.21).
“Entender a vida social como um drama transforma eventos comuns em performances, os
leitores em audiências e os atores em personagens que conspiram e esquematizam. (...) Numa
performance bem-sucedida, os atores sequer aparecem como atores ou performers. A
autenticidade pode ser encenada, sem parecer o que é. O público experimenta o espetáculo
como realidade (...)” (pg22). Esse ponto da autenticidade me chamou atenção. Quem pode ser
considerado autêntico, no sentido daquele que possui legitimidade para performar dessa ou
daquela forma, nesse ou naquele espaço. Quem são os autênticos, os legítimos e em quais
termos e condições eles alcançam essa condição. Condutas, corpos e paisagens podem ser
elementos construtores dessa autenticidade?
“a tarefa da sociologia cultural é descrever e interpretar os significados coletivos que impelem à
ação, assim, explicar casualmente o curso do mundo” (pg.24).
PARTE I – META-TEORIA
1. O que é teoria social?
- O que é a teoria?
Nesse capítulo, parte do bloco que os organizadores chamaram de meta-teoria, Alexander tenta
responder a pergunta título, mas mais do que isso, explorar quais são os percursos e métodos da
formulação de uma teoria, especialmente aquelas que se pretendem teorias sociais gerais.
Uma das primeiras questões que o autor aponta, é que para conhecer as teorias, precisamos
conhecer um pouco sobre as pessoas que as escreveram (trajetórias de vida e trabalho e,
principalmente, como elas pensavam). Isto diz respeito também ao tempo histórico no qual os
teóricos viveram, pois, mesmo que muito de uma teoria seja atemporal, já que generaliza a
partir de particularidades para criar leis e modelos, ela é afetada pelo tempo no qual foi pensada
e escrita.
Uma definição: “Teorias gerais são teorias sobre tudo, sobre ‘sociedades’ como tal, sobre
modernidade e não sobre qualquer sociedade moderna em particular, sobre ‘interação’ e não
sobre qualquer forma ou gênero de interação em particular” (pg.38). Para Alexander, a teoria é
o coração da ciência.
Aqui se interpõe a primeira questão, sobre a relação entre teoria e empiria, ou seja, sobre como
são produzidas as teorias. “A teoria não pode ser construída sem fatos, mas também não pode
ser construída apenas por eles” (pg.40). Há uma perspectiva de indução, que o autor chama de
falsa, na qual as teorias seriam geradas a partir do estudo de muitos casos empíricos específicos.
Já outros pensadores defenderiam que nós já saímos para o mundo armados de nossas teorias,
que Alexander também afirma ser uma defesa tão problemática quanto a anterior.
- Como as teorias são geradas: o continuum científico
“As teorias, então, são geradas tanto pelos processos não factuais ou não empíricos que
precedem o contato científico com o mundo real, quanto pela estrutura do ‘mundo real’. Por
‘processos não factuais’, entendo coisas como o dogma da pós-graduação, a socialização
intelectual e a especulação imaginativa do cientista, que se baseia tanto em sua fantasia pessoal
quanto na própria realidade externa. Na construção de teorias científicas, todos esses processos
são modificados pelo mundo real, mas nunca são eliminados. Existe, então, uma relação de
dupla face entre teorias e fatos” (pg.41).
Alexander chama essa parte não empírica de elemento à priori e ressalta uma característica
importante: a tradição científica. Basicamente estamos falando de axiomas, elementos de
tradições teóricas assumidos como certos e que não estão mais sujeitos a avaliações empíricas.
Por isso a palavra continuum, porque haveria um conjunto de elementos que seriam passados de
uma geração de cientistas sociais para outra.
Para alguns autores, o elemento mais importante são as crenças dos cientistas (nível ideológico),
que seriam conservadoras, liberais ou radicais. Outros afirmam que é o modelo, ou mesmo o
método. Alexander considera que essas posições teóricas são reducionistas, já que nenhum
desses níveis possui o poder explicativo determinante sobre a sociedade. Ademais, os debates
contemporâneos sobre a maior ou menor importância desses níveis ignoraria o nível não
empírico, que ele está chamando de nível dos pressupostos. Para o autor, são os pressupostos
que formam as tradições dominantes no pensamento social.
- Os pressupostos da teoria sociológica
Pressupostos: as suposições que um sociólogo faz quando encontra a realidade. A primeira
pressuposição é a respeito da natureza da ação, a segunda é a respeito do problema da ordem.
Sobre a natureza da ação, a questão seria assumir que os atores são racionais ou não racionais
(que não significa irracional). Assumir as ações das pessoas como sendo racionais é assumir que
elas são egoístas e instrumentais, agindo para maximizar a eficiência. Se são não racionais, são
idealistas e morais, agindo por emoções e desejos. As ações racionais seriam motivadas por
fatores externos ao sujeito, já as não racionais seriam motivadas por fatores internos ao sujeito.
Para Alexander, essas pressuposições são adotadas por todo pesquisador a priori. Embora
possamos relatas todas as ações como sendo racionais e não racionais, geralmente não é assim
que acontece.
Sobre o problema da ordem, Alexander diz que para todo sociólogo existem padrões, estruturas
separadas dos indivíduos que a compõem. A discordância se dá em como essa ordem é
produzida, dividindo-se em aqueles que possuem abordagens individualistas e coletivistas da
ordem.
A posição coletivista assume que há uma ordem que é resultado dos processos histórico, algo
que já existe quando nascemos, um padrão para o qual as nossas ações são direcionadas, embora
essa direção seja uma possibilidade, já que se admite algum elemento de liberdade na ação dos
sujeitos. Essa ordem social existiria tanto dentro quanto fora dos indivíduos.
Já os teóricos individualistas reconhecem a existência de estruturas supraindividuais, mas os
padrões seriam resultado de ações individuais. Dessa forma, as estruturas são produzidas em
processos contínuos de interação entre indivíduos que podem alterar a ordem social. A ordem
aqui está completamente fora e os indivíduos escolhem segui-la ou rebelar-se contra ela de
acordo com seus desejos individuais.
Para o autor, toda teoria toma posição em relação aos problemas da ação, fazendo combinações
entre esses pressupostos, sendo poucos aqueles que tentaram transcender essas dicotomias.
Essas seriam preocupações mais do que acadêmicas, são valores fundamentais que estão em
jogo e que representariam um problema particularmente moderno.
“É a independência do indivíduo que torna problemática a ‘ordem’, e é essa problematização da
ordem que torna a sociologia possível. (...) É essa tensão entre liberdade e ordem que fornece a
lógica intelectual e moral da sociologia: a sociologia explora a natureza da ordem social em
grande escala porque se preocupa com suas implicações para a liberdade individual” (pgs.49 e
50).
A teoria individualista é sedutora pelo poder que confere aos indivíduos, mas o faz a grande
custo teórico, com a ilusão de que os indivíduos não precisam uns dos outros e da sociedade
como um todo. A teoria coletivista, ao reconhecer que existem controles sociais, sujeitam tais
controles à análise. Mas essa teoria também tem seus custos. Como uma posição sobre a ordem
não informa uma posição sobre a ação a priori, Alexander avalia esses custos de acordo com a
combinação: coletivista instrumental (racional) e coletivista moral (não racional).
No caso da teoria coletivista racional, as estruturas coletivas aparecem como fora do sujeito,
controlando-o. Espera-se que os indivíduos respondam objetivamente a essas estruturas, de
modo calculado. Nessa análise, a subjetividade abandona os sujeitos, pressupondo que suas
ações possam ser previstas se levarmos em conta o ambiente externo. O ambiente, e não a
interação ambiente-ator, é considerado determinante. Essa eliminação do self permearia a
sociologia de Weber e algumas formas de marxismo.
A teoria coletivista não racional considera que os atores são guiados por ideias e emoções. Esse
domínio da subjetividade, apesar de interno, é estruturado a partir dos processos de socialização
(encontros com “objetos” externos), onde as estruturas externas se tornam internas ao self.
“Somente se esse processo de internalização for reconhecido, a subjetividade e a motivação
podem se tornar tópicos da teoria social (...). A volição individual torna-se parte da ordem
social, e a vida social real envolve negociação, não entre o indivíduo social e seu mundo, mas
entre o self social e o mundo social” (pgs.51 e 52). O custo é que essa teoria subestima a tensão
existente entre vontade individual e ordem coletiva.
A questão é: todo teórico social parte de um desses conjuntos de pressupostos, as vias que já
estão pavimentados para serem percorridas, oferecendo tanto um conjunto de possibilidades
quanto de restrições. Todas as posições teóricas possuem seus próprios dilemas particulares.
“As teorias sociológicas não são simplesmente tentativas de explicar o mundo, mas também
esforços de avaliá-lo, para chegar a uma acordo sobre questões mais amplas de significado. (...)
Por esse motivo, elas sempre devem ser lidas contra o plano de fundo político de sua época. (...)
Se uma teoria não pode ser útil para análises empíricas concretas, ela falha. Se uma teoria é
percebida como dependente de proposições empíricas erradas, ela é desacreditada” (pgs.54 e
55).
- O contexto das teorias sociológicas contemporâneas
Nesse tópico, Alexander discute sobre o pano de fundo no qual foram articuladas as teorias
sociológicas clássicas, de 1850 a 1920, especialmente em Marx, Weber e Durkheim.
Interessante como ele situa nesses teóricos os pressupostos tratados no tópico anterior. Aqui ele
também situa o movimento de passagem e troca entre a teoria europeia e estadunidense para
explicar o contexto de surgimento de Talcott Parson, que Alexander considera como aquele que
criou a estrutura do debate contemporâneo e com o qual estabelece intenso diálogo.

2. O novo movimento teórico


Este capítulo foi um pouco mais difícil pra mim, talvez por não estar tão familiarizada com
alguns conceitos, expressões e autores citados. Será um fichamento com limitado, acredito.
O que o autor está chamando de Novo Movimento Teórico é o surgimento de duas correntes de
pensamento nas ciências sociais em oposição ao domínio do funcionalismo no pós-guerra. De
um lado surgiram as correntes de microteorização, centradas na contingência da ordem social e
na negociação individual. Por outro lado, surgirama s correntes de macroteorização, centradas
no papel de estruturas coercitivas da ação de coletividades e de indivíduos. Alexander aponta
tanto para o vigor dessas novas teorias, quanto para seu declínio. A tesa central do autor é que a
unilateralidade dessas teorias – ou bem se faz macroteoria ou bem se faz microteoria – tornava
impossível a sua sustentação.
A ordem do dia seria uma teoria que buscasse a síntese entre esses dois polos para a construção
de uma teoria geral, sem referência a domínios particulares ou recortes empíricos. Como já foi
dito anteriormente no capítulo 1, a teoria geral seria da natureza da própria ciência social.
Predição e explicação não seriam, assim, os únicos objetivos das ciências sociais, “sendo
igualmente significativas as modalidades mais gerais de discursos que caracterizam os debates
teóricos” (pg.65).
- A sociologia como discurso e como explicação
Para tratar das ciências sociais como discursos, Alexander traça um paralelo com as ciências
naturais como explicação. El afirma que a hermenêutica cientifica produz tipos de atividades
científicas muito diferentes. Só se isso for compreendido é que o papel da teoria geral nas
ciências sociais, em contraposição com as ciências naturais, poderá ser compreendido e
legitimado. Isso decorre da crença de que só é ciência aquilo que produz leis gerais que possam
ser testadas empiricamente através de um método, permitindo que se chegue aos mesmos
resultados. Além disso, o método científico da ciência moderna é aquele que se pretende
objetivo, capaz de excluir a subjetividade (mesmo que se saiba que não exatamente assim que as
coisas acontecem mesmo nas ciências naturais), enquanto as ciências sociais não podem operar
com tal exclusão.
Isso ocorre, segundo Alexander, porque os cientistas naturais frequentemente concordam com
os princípios gerais que informam seu ofício. Habermas tem uma boa definição a esse respeito:
o resultado genuíno da ciência moderna não consiste na produção da verdade (mas em) um
método de chegar a um consenso voluntário e permanente. Apenas quando há um desacordo
sobre os princípios de fundo é que as ciências naturais abordam questões supra empíricas. Esses
são os momentos de crise de paradigma que Kuhn aponta.
No caso das ciências sociais o desacordo é muito maior, por razões cognitivas e valorativas,
fazendo com que as condições definidoras de uma crise de paradigma sejam a rotina. “Na
ciência social, os objetos de estudo são estados mentais ou condições que envolvem estados
mentais. Por essa razão, a possibilidade de confusão entre os estados mentais do observador e os
do observado é endêmica” (pg.70). E é por causa desse desacordo empírico e teórico que as
ciências sociais se dividem em tradições e escolas, as bases sobre as quais esses desacordos são
produzidos e mantidos.
“Por todas essas razões, o discurso – e não apenas a explicação – se torna um traço importante
na ciência social. Por ‘discurso’, refiro a modos de argumentação que são mais
consistentemente generalizados e especulativos do que as discussões científicas normais. Essas
últimas se ocupam, de modo disciplinado, com as peças específicas de evidência empírica, as
lógicas indutivas e dedutivas, a explicação através de leis gerais e os métodos através dos quais
essas leis podem ser verificadas ou falsificadas. O discurso, ao contrário, se volta para o
raciocínio. Ele se dirige ao processo de raciocinar mais que aos resultados da experiência
imediata, e ele se torna significativo onde não existe verdade clara e evidente. O discurso visa à
persuasão pelo argumento mais do que à predição” (pgs.71 e 72).
Para tratar do discurso, Alexander cita Foucault e Habermas. Foucault pela sua identificação das
práticas políticas, intelectuais e científicas como discursos, de modo que estas não sejam vistas
apenas como elementos meramente empíricos. “Por essa via, ele insiste em que as atividades
práticas são constituídas e conformadas historicamente por compreensões metafísicas que
podem definir uma época inteira” (um ponto interessante para me ajudar na minha pesquisa)
(pg.72).
Os discursos nas ciências sociais têm como alvo atingir a verdade e são as elucubrações
intelectuais que estipulam racionalmente como se deve chegar à verdade e qual pode ser essa
verdade. Essa é a compreensão de Habermas do discurso como um esforço racional que os
interlocutores fazem para atingir uma comunicação não distorcida. “O campo real do discurso
da ciência social oscila entre o discurso racionalizante de Habermas e o discurso arbitrário de
Foucault” (pg.72). E é por isso que os esforços de seguir a lógicas das ciências naturais estão
fadados ao fracasso, porque o discurso nas ciências sociais é central e a teoria é multivalente.
- Sobredeterminação pela teoria e subdeterminação pelo fato
Um tópico que achei difícil. Talvez os trechos que seguem sejam um bom resumo. “Cada
conclusão empírica é aberta à discussão que parta de considerações supra-empíricas, e cada
proposição geral pode ser contestada por referência a ‘fatos empíricos’ inexplicados” (pg.78).
“A verdade não precisa limitar-se ao critério da validade empírica testável. Cada tipo de
discurso implica em distintos critérios de verdade. Esses critérios ultrapassam a adequação
empírica ao fazer afirmações sobre a natureza e as consequências de pressupostos, sobre a
formulação e adequação e a adequação de modelos, as consequências das ideologias, as meta-
implicações dos métodos, e as conotações das definições. (...) Controvérsias entre metodologias
interpretativas e causais, entre concepções utilitárias e normativas da ação, entre modelos de
equilíbrio e de conflito da sociedade, entre teorias radicais e conservadoras da mudança, todas
essas controvérsias são discursivas e não explicativas. Elas são o reflexo dos esforços dos
sociólogos para formular critérios de ‘verdade’ para diferentes domínios não empíricos (pg.79).
- Formações discursivas no pós-guerra; - Pressupostos e dilemas teóricos
Estes dois tópicos são repetições do que já foi dito no capítulo 1, inclusive com trechos ipsi
litteris.
- Reconsiderando as teorias micro e macro
“Em termos estritos, micro e macro são expressões relativas, referidas a relações parte/todo a
cada nível da organização social. Na linguagem da ciência social mais recente, porém, esses
termos tem sido identificados com a distinção entre tomar como foco empírico, de um lado, a
interação individual e, de outro, um sistema social inteiro” (pg.92). Aqui o autor passa a falar
sobre alguns pensadores que trabalharam com a perspectiva mico, me interessando quando ele
fala da vertente que optou pelo lado interpretativo da microteoria, sobretudo Goffman.
“Goffman é que deve ser considerado o mais importante teórico empírico do movimento
interacionista-simbólico1. Para a maioria dos contemporâneos, a obra de Goffman parecia
apenas impelir a teoria interacionista apenas numa direção mais específica e dramatúrgica.
Certamente, seus primeiros trabalhos autorizam essa leitura. Em contraste com a clara linha
coletivista de sua teorização posterior, Goffman enfatizava os desejos individuais de manipular
a apresentação do eu em relação aos papeis socialmente estruturados, e procurava explicar o
comportamento institucional como originado na interação face a face” (pgs.94 e 95).
Aqui ele cita ainda outros autores e suas corrente microteóricas, como a etnometodologia 2 de
Garfinkel, o racionalismo de Homans e o interacionismo simbólico de Blumer.
Ao mesmo tempo, surgia um movimento igualmente forte indo em direção a macroteorização.
Nessa corrente, a primazia ontológica e metodológica é dada à totalidade. As consequências das
ações dos indivíduos estariam determinadas por estruturas que estão além do controle dos
sujeitos, ainda que as ações individuais possam se desviar dos imperativos estruturais. Mais uma
vez cita alguns pensadores relevantes dessa corrente, como Offe, O’Connor, Skocpol dentre
outros.
- O novo movimento teórico
“Na década presente, começa a tomar forma um modo surpreendentemente diferente de discurso
teórico. Estimulada pelo fechamento prematuro das tradições micro e macro, essa fase é
marcada por um esforço de juntar novamente a teoria sobre a ação e a estrutura. Essa tentativa
vendo sendo feita dentro de cada uma das tradições hoje dominantes, de ambos os lados da
divisão macro e micro” (pg.99).
“Esse foco na transformação tem levado os técnicos a não mais considerarem as ações
individuais como objetos de analise em si mesmos, mas sim como condições iniciais para a
operação de mecanismos estruturais. (...) Teoriza-se também extensamente sobre efeitos não
intencionais de ações intencionais e mesmo sobre a gênese da moralidade coletiva” (pg.103).
Alexander segue citando autores que tem feito esse esforço teórico de sintetização, de ambos os
lados.
“De uma macroperspectiva, e teoria geral tem ocupado sempre uma posição especial. É esse
modo relativamente abstrato e basicamente especulativo que atinge os recessos da disciplina.
Ela ajuda a orientar a sociologia dando-lhe, se não um reflexo de si mesma, pelo menos um
reflexo de suas aspirações. Em anos recentes, o trabalho dos teóricos gerais mais discutidos
1
Termo criado por Hebert Blumer, é uma teoria com ênfase na simbologia da ação e tem o teatro como
metáfora. Os atores agiriam de acordo com o sentido compartilhado de uma ação, ou seja, toda ação é
reciprocamente orientada, já que ator e plateia compartilham os significados. A sociedade deixa de ser
lida como estrutura para ser processo. Para Blumer, as estruturas sociais não influenciam a ação, mas para
Goffman sim. Goffman se afasta do interacionismo simbólico por acreditar que há uma pré-figuração nas
ações sociais, marcada pela estrutura. Existe, para ele, duas ordens: a ordem social e a ordem da
interação.
2
Esta corrente pensa a sociedade de acordo com o dia-a-dia de cada pessoa, que em convivência em
união e por intermédio da comunicação diária, constrói a sociedade em que vivemos. Para a criação dessa
nova corrente sociológica foram reciclados vários aspectos dos movimentos já consolidados na Escola de
Chicago mais especificamente o interacionismo simbólico, a teoria da ação social e a fenomenologia.
evidenciou uma mudança decisiva no sentido da rejeição do estruturalismo unilateral. (...)
[falando de Gidens] Ele se convenceu da necessidade de uma teoria complementar da ação.
Construindo a partir da insistência fenomenológica sobre a natureza reflexiva da atividade
humana, ele desenvolve uma teoria da ‘estruturação’, cujo objetivo é entretecer a contingência,
a estrutura material e as regras normativas” (pg.111).
“Esbocei um modelo em que concebo a ação como o elemento contingente do comportamento,
que pode ser analiticamente diferenciado da mera reprodução. Essa ação pode ser concebida
como fluindo em ambientes simbólicos, sociais e psicológicos. Esses ambientes, por sua vez, se
interpenetram com o ator empírico concreto que não é mais identificado com a ação puramente
contingente, como acontece tipicamente nas tradições da microteoria” (pg.113).
Um último apontamento, importante para o texto do próximo capítulo, diz respeito ao papel da
cultura, ou do significado coletivamente estruturado (outra forma de falar cultura), como a
chave para o avanço contínuo desse novo movimento teórico. Para Alexandre, ainda haveria um
abismo separando esses esforços teóricos de síntese e a atenção à teoria da cultura que que
estava caracterizando a nova teorização macro naquele período.

PARTE II – SOCIOLOGIA CULTURAL E PERFORMANCE SOCIAL


3. O programa forte em sociologia cultural: elementos de uma hermenêutica estrutural
Neste capítulo todo o debate se centra no que seria esse programa forte em sociologia cultural.
Embora o programa forte envolva vários aspectos, o que vai nortear a avaliação de Alexander
do quanto os programas são fortes ou fracos, é o quanto seus trabalhos estão pautados na
autonomia cultura, já que existem entendimentos diferentes e concorrentes sobre o que é cultura
na teoria social. De certa forma, ele divide os estudos que passam a considerar a cultura como
Sociologia da Cultura (fraco) e Sociologia Cultural (forte), ainda que alguns trabalhos se
localizem entre um e outro. Uma série de críticas a diferentes autores e correntes são tecidas
neste capítulo, mas vamos começar do início.
- A falha geológica e suas consequências
Tal falha seria a divisão entre sociologia da cultura e sociologia cultural, cuja principal
diferença seria o problema da autonomia. Na primeira, a cultura seria uma variável depende de
outras variáveis (entendo que nesse caso a cultura teria sua análise submetida às viáveis da
economia e da política, por exemplo. Como vai aparecer mais na frente no texto, ela seria uma
corrente de transmissão, não um motor), na segunda, seria uma variável independente (seria o
motor, no caso).
“Falar em sociologia da cultura é sugerir que a cultura é algo a ser explicado, a partir de outra
coisa, separada do domínio do significado propriamente dito. Falar em sociologia da cultura é
sugerir que o poder explanatório reside no estudo das variáveis ‘duras’ da estrutura social, de
modo que grupos estruturados de significados se tornam superestruturas e ideologia
impulsionadas por forças sociais mais ‘reais’ e tangíveis” (pg.122).
“Em comparação à sociologia da cultura, a sociologia cultural depende do estabelecimento de
autonomia, e é apenas por meio de tal programa forte que sociólogos podem iluminar o papel
poderoso que a cultura desempenha em prover forma à vida social” (pg.123).
Além da autonomia cultural, haveria duas outras características definidoras de um programa
forte, que são caracterizadas como metodológicas: um é a hermenêutica e outro é a ancoragem
em atores e agências. Sobre a hermenêutica, Alexander afirma que é necessário realizar uma
descrição densa, em termos Geertzianos, “dos códigos, narrativas e símbolos que criam a rede
texturizada de significado social” (a estrutura cultural como texto) (pg.123) (Ele explica de
maneira mais complexa, citando Paul Ricoeur, Husserl e Dilthey, mas eu ainda não consigo
compreender completamente). Já a ancoragem em atores e agência é uma tentativa de responder
aos estudos que não especificam quem são os sujeitos e por quais estratégias a cultura interfere
naquilo que de fato acontece. Nos estudos fracos a cultura aparece ancorada em lógicas
sistêmicas abstratas. É necessário apontar quem diz o que, por que e com qual efeito.
No próximo tópico, o autor vai tratar da história dessa teoria social cultural até os anos 60,
considerando que até ali havia apenas programas fracos
- Cultura na teoria social dos clássicos até os anos 1960
No início desse tópico há uma boa explicação do contexto da crise da modernidade como um
fator que explica o “entorpecimento” dos sociólogos a respeito das questões do significado.
“Tomados pela crise da modernidade que estava em curso, os fundadores clássicos da disciplina
acreditavam que a transformação histórica havia esvaziado o mundo de sentido. Capitalismo,
industrialização, secularização, racionalização, anomia e egoísmo são processos centrais
pensados como tendo criado indivíduos confusos e dominados, tendo esmagado as
possibilidades de um telos3 significativo, tendo eliminado o poder ordenador do sagrado e do
profano” (pg.126). Mas alguns autores e trabalhos da sociologia clássica ainda consideram
aspectos ligados ao significado fora das estruturas instrumentais (Weber com a sociologia da
religião, Durkheim também sobre a religião, Marx com o fetichismo da mercadoria).
Já no pós-guerra, autores como Parsons começaram a teorizar sobre a centralidade dos “valores”
para as ações e as instituições em sociedades que pretendem funcionar de forma coerente. Sem
fugir do funcionalismo, Parsons não explica a natureza dos valores em si e ainda vincula a
forma cultural com funções sociais, o que compromete a ideia de autonomia cultural. O autor
segue, então, tecendo algumas críticas a um conjunto de autores que não conseguiram alcançar
um programa forte pelos mais variados motivos: pensavam a cultura em termos de ideologia, a
cultura como um ambiente externo aos atores, incapacidade de especificar quais são as agencias
e os atores etc. Mas também elogia os apontamentos que surgiram e foram importantes para a
construção de um programa forte: o poder do simbólico em dar forma às interações (Goffman,
Garfinkel e Blumer) e os recursos hermenêuticos e teóricos para estabelecer a autonomia
cultural (Lévi-Strauss, Foucault e Barthes).
- Programas fracos na teoria contemporânea
Não acho que valha a pena se alongar nesse tópico, ele se refere basicamente aos pontos em que
os trabalhos de autores importantes fracassaram, sobretudo na resolução do difícil problema da
autonomia cultural. Cabe citar duas críticas que me parecem mais relevantes. Uma é relacionada
ao problema da ideologia, produzida principalmente por uma vertente do neomarxismo
influenciada pelos trabalhos de Gramsci, na qual as formas culturais expressariam as estruturas
sociais enquanto manifestação da hegemonia cultural das elites ou da resistência dos
dominados, uma perspectiva de razão instrumental da cultura. Outra crítica diz respeito à
dificuldade de identificar os mecanismos pelos quais as ações acontecem e os significados que
são construídos, fazendo com que as explicações para ações sociais empíricas invoquem
processos abstratos. Um exemplo: no trabalho sobre pânicos morais de Hall, Critcher,
Jerfferson, Clarke e Roberts, uma abstrata crise do capitalismo explicaria as políticas de lei e
ordem dos anos 1970, mas como, por quais mecanismos, essa crise de fato se traduz em
decisões concretas de juízes, políticos, policiais etc.? De novo, como, quem e por que, aparecem
como perguntas fundamentais.
3
Um objetivo final, propósito, intencionalidade. Teleologia.
Há também uma crítica ao Foucault, que eu não consegui compreender completamente, talvez
porque me falta leitura em Foucault. Vou reproduzir o parágrafo aqui na esperança de que em
algum momento ela faça sentido. “Há pouco espaço [em Foucault] para uma contingência
sincronicamente organizada que possam abranger disjunções entre cultura e instituições, entre
poder e suas fundações simbólicas e textuais, entre textos e interpretação dos textos pelos
autores. Esse encadeamento entre discurso e estrutura social, em outras palavras, não deixa
espaço para compreender como um ambiente cultural autônomo dificulta ou auxilia atores no
julgamento, na crítica, ou na provisão de objetivos transcendentais que são a tessitura da vida
social” (pg.143).
- Passos em direção ao programa forte
Os programas fracos citados anteriormente se caracterizavam pela “combinação entre
inadequação hermenêutica, ambivalência sobre autonomia cultural e mecanismos abstratos e
pouco específicos para fundamentar a cultura em processos sociais concretos” (pgs.138 e 139).
Logo, deve-se deduzir, que um programa forte é aquele que reúne adequação hermenêutica
(interpretação dos significados), autonomia cultural e especificidade causal (uma causa
específica para determinado efeito: quem, como e porque).
(Aqui há um elogio e uma crítica ao trabalho de Geertz que não vou fichar pq não compromete
o entendimento geral do programa forte. Fica de anotação caso seja necessário quando eu ler o
Geertz)
Tem alguns pontos agora que penso poderem colaborar com minhas reflexões para a pesquisa
do doutorado. A primeira é de que é necessário um esforço para compreender a cultura não
apenas como um texto, mas um texto sustentado por signos e símbolos que são relações
recíprocas padronizadas. Isso me lembrou a perspectiva do Goffman. Depois ele fala da
preocupação com o impacto de códigos e a codificação cultural. Qual é o impacto dos códigos
que nós compartilhamos? Estes códigos constituem lugares para os sujeitos? Conformam
paisagens? Que códigos são esses? Por fim, ele fala, na perspectiva de Richard Rorty, sobre a
linguagem como uma força criativa do imaginário, ao invés de uma prisão, como é em
Nietzsche. Nesse caso, os discursos e atores seriam providos de autonomia com relação ao
poder na construção de identidades. Seria isso um pensamento importante para refletir sobre as
linhas de fuga? Esse potencial criativo da linguagem pode ser associado à subversão dos
significados que transformam palavras que antes denotavam estigmas em palavras de orgulho e
aceitação? A possibilidade de criar outros códigos, símbolos e significados, ou mesmo de
ressignificar os já existentes?
“É importante enfatizar que, enquanto textos significativos são centrais na vertente americana
de um programa forte, os contextos sociais mais amplos não são ignorados de maneira alguma.
(...) Estes contextos são tratados, entretanto, não como forças por si mesmas, que ao final
determinam o contexto de significância de textos culturais; ao contrário, são vistos como
instituições e processos que refratam textos culturais de maneira significativa. São arenas nas
quais forças culturais se combinam ou colidem com condições materiais e interesse racionais
para produzir resultados particulares” (pg.148).
- Conclusões
“Nós sugerimos aqui que estruturalismo e hermenêutica podem ser bons companheiros. O
estruturalismo oferece possibilidades de construção da teoria geral, de predição e de asserção da
autonomia da cultura. A hermenêutica permite à análise capturar a tessitura e o temperamento
da vida social. Quando complementados pela atenção a instituição e atores como intermediários
causais, temos a fundação de uma sociologia cultural robusta” (pg.148).
4. Pragmática cultural: a performance social entre o ritual e a estratégia
O que é um ritual? “Rituais são episódios de comunicação social repetida e simplificada em
que os parceiros indiretos de uma interação social, assim como aqueles que a observam,
compartilham uma crença mútua na validade descritiva e prescritiva dos conteúdos
simbólicos da comunicação e aceitam a autenticidade das intenções uns dos outros” (pg151).
Conteúdo, intenção e validade dão sentido, é o que faz com que os rituais tenham efeito e afeto.
O ritual ata os sujeitos, cria identificação com os objetos simbólicos de comunicação.
Para Alexander – e me parece que há certo consenso em torno disso –, nas primeiras formas de
sociedade o ritual assumia centralidade como forma organizadora da vida social. Todos os
processos eram marcados por uma “comunicação simbólica ritualizada”. Já nas sociedades
contemporâneas, o ritual teria perdido centralidade (embora jamais tenha deixado de existir).
“As sociedades contemporâneas giram em torno de conflitos indefinidamente abertos entre
partes que não partilham necessariamente suas crenças, frequentemente não aceitam a validade
das intenções uns dos outros e, muitas vezes, discordam até mesmo a respeito das descrições
que as pessoas oferecem para os atos” (pg152).
O ritual nas sociedades em que ele assume centralidade afirmariam crenças metafísicas bastante
consensuais, enquanto em sociedades fragmentadas, os rituais estão mais abertos a negociação e
à reflexividade. Conflitos, desconfiança e desapontamento se tornam tão comuns quanto
integração e afirmação de um espírito coletivo.
Aqui há um trecho importante sobre a incompletude dos processos de racionalização nisso que o
autor está chamando de “sociedades contemporâneas”. Nossos relacionamentos individuais e
coletivos ainda são fortemente marcados por esquemas morais simplificados e repetidos, que
dependem e geram confiança irrefletida. Na verdade, em sua sociedade fragmentada pode-se
dizer que o sucesso de uma estratégia dependeria justamente da capacidade de gerar crença,
confiança e aceitação de autenticidade na audiência. Estas mesmas sociedades também
dependem de processos integrativos que criem identidades compartilhadas, ainda que forjadas
em contraposição a representações simplistas de um outro em oposição. Neste caso da
identidade, o autor está pautado na questão da identidade nacional, mas poderia se referir a
qualquer identidade e aqui levanta um ponto pra mim: as identidades de gênero e sexualidade
estão altamente fragmentadas; como é a convivência entre estes fragmentos? O que isto
representa em termos de organização política? E a relação desses fragmentos com outros
fragmentos?
Se nossas sociedades estão permeadas por atividades próprias ao ritual, o que nos difere das
demais sociedades? O que seria esse “próprio ao ritual”? Como construir uma teoria que
explique a integração através de comunicações simbólicas sem deixar de dar conta da
contradição, do conflito e da segmentação? Pode uma teoria dar conta do crédito na crença
enquanto reconhece que a descrença também é uma marca do nosso tempo? Os enigmas daquilo
que é “próprio ao ritual”.
Mas o autor tem uma proposta: o desenvolvimento de um modelo macrossociológico da ação
social enquanto performance cultural. “Isto significa investigar como e por que a ação simbólica
se moveu do ritual para o teatro (Turner), assim como por que ela frequentemente retorna
novamente a processos de aparência ritual ou “similares ao ritual (Schechner)” (pg155). A
essência do argumento de Alexander é que quanto mais simples e menos segmentada a
organização social, mais os elementos da performance estão fusionados. Ao passo que quanto
mais complexa e fragmentada uma sociedade é, mais os elementos da performance se tornam
des-fusionados. A eficácia das performances sociais contemporâneas residira, assim, em um
processo de re-fusão, que é quando alcançariam eficácia e convencimento, tornando-se
semelhantes ao ritual.
1. Os elementos da performance cultural
Mas que seria performance cultural? É o processo social pelo qual os atores, individualmente ou
em concerto, exibem para outros o significado de sua situação social. Esse significado pode ou
não ser aquele ao qual os próprios atores aderem subjetivamente; trata-se do significado no qual
eles, enquanto atores sociais, desejam, consciente ou inconscientemente, que os outros
acreditem. E quais seriam os elementos da performance social? Símbolos de base e roteiros de
primeiro plano, atores, observadores/audiência, meios de produção simbólica, mise-en-scène e
poder social.
- Sistemas de representação coletiva: símbolos de base e roteiros de primeiro plano
São os sistemas de representação coletiva que oferecem a base, ou o pano de fundo, para
qualquer ato performativo. Essa base são símbolos já conhecidos e compartilhados referentes ao
mundo social, físico, natural ou cosmológico de atores e audiências. Essas referências compõem
tanto a base quanto os roteiros, estes sendo o texto que referenciam as performances,
simbolizando através da metáfora ou sinédoque, de modo convincente, a vida social e
emocional de atores e audiências.
- Atores
São os que põem em prática ou codificam as representações. A performance bem-sucedida é
aquela que faz desaparecer a distância entre ator e personagem diante da audiência. Quando
falta habilidade aos atores em encenar os roteiros culturais, falha-se em projetar eficazmente
seus significados.
- Observadores/audiência
Todo texto é sempre apresentado aos outros, a audiência que observa a performance cultural. É
a audiência de decodifica, de modos variados (!), o que os atores codificaram. Os textos são
comunicados convincentemente através de um processo de extensão cultural do roteiro,
passando pelo ator até chegar ao público. “A extensão cultural tem de ser acompanhada de um
processo de identificação psicológica, de tal maneira que os membros do público se projetem
nos personagens que veem no palco” (pg160). Será que isso me ajuda a entender o poder
simbólico das linhas de continuidade entre aqueles que sempre estiveram no palco como
atores principais ou mesmo a justificativa para que eles estejam ali entre aqueles que
estavam nos bastidores?
Mas empiricamente a extensão cultural e a identificação psicológica são varáveis. As audiências
podem ser desinteressadas, distraídas ou não ser persuasivas. É na falta de persuasão que
mora a ruptura, a linha de fuga? Alexander diz que mais na frente falará sobre as explicações
para essa variedade de interações da audiência. “Pode haver apenas participantes observando a
si próprios e aos colegas de performance” (pg161). Isso é ponto interessante: o que ocorre
nestes contextos? As vezes me parece que nos grupos que estou interessada há muito vigilância
sobre os mínimos deslizes nas performances dos colegas.
- Meios de produção simbólica
Diz respeito a todo material necessário para a performance: roupas, adornos, objetos que ajudem
a dramatizar. Os atores também requerem um “local físico”, mas o autor não explora o nível de
coerência desse local físico com os objetos e as performances. Esse é um ponto em aberto
para minha exploração!
- Mise-en-scène
Diz respeito à montagem, direção; tudo que está em cena e colabora para a encenação. É papel
do diretor e produtor organizar a mise-en-scène sequenciando temporalmente (conjuntura
histórica) e espacialmente o ato. Resumidamente, é colocar o texto em cena. Quem coloca o
texto em cena? As instituições? Aqueles que possuem maior poder social?
- Poder social
Se as representações de base apresentam os limites internos da performance, o poder social
apresenta os limites externos, dada a desigual distribuição de poder na sociedade. Desse modo,
bem todos os textos serão considerados legítimos, nem todas as performances, ou partes, delas
terão permissão para seguir ou existir. Quem pode agir numa performance e com quais meios?
Quem tem permissão de ser audiência? Que tipo de respostas da audiência serão permitidas?
Toda performance será afetada por esses elementos. “Pode-se dizer que toda performance social
é parcialmente determinada por cada um dos elementos que apresentei – cada um é uma causa
necessária, mas não suficiente, de todo ato performativo. Embora empiricamente inter-
relacionados, cada elemento tem certa autonomia em relação aos demais – não apenas
analiticamente, mas empiricamente. Tomados conjuntamente, eles determinam e medem se e
como uma performance ocorre, bem como o grau em que ela tem sucesso ou fracassa no seu
efeito” (pg163).
2. As condições da performatividade: transformações históricas.
- Rituais à moda antiga: performances simbólicas nas primeiras sociedades
Se para Schechener toda performance tem no seu núcleo uma ação ritual, para Alexander toda
ação ritual tem em seu núcleo um ato performativo. Embora rituais e performances não sejam a
mesma coisa, eles existiriam no mesmo continuum com diferenças em termos de variação,
sobretudo no que diz respeito a capacidade de fusão, que embora exista em sociedades
complexas é mais provável em sociedades menos complexas.
Na página 168 há uma nota de rodapé de número 46 sobre as confusões que tem sido feitas
sobre ação simbólica e ritual. Alexander critica Goffman por usar estas duas palavras como
sinônimos no livro Interação Ritual, o que camufla a contingência da ação simbólica. Outro
problema é chamar de ação simbólica situações que se apresentam altamente integradas e
repetitivas, isto é, ritualizadas.
Na página 169 há uma importante lembrança sobre como os atores sociais têm pouca
consciência de si como atores, logo, para participantes e observadores os rituais não são forma
alguma considerados como performances no sentido contemporâneo do termo.
Quem pode participar da ação ritual em sociedades menos complexas? A participação é
determinada pelas hierarquias estabelecidas, não por escolhas individuais. Isto é uma pergunta
importante pra mim: quem pode performar? Quem define quem são os pertencentes e não
pertencentes ao grupo?
É na ação social ritualizada que os componentes da performance se fundem: atores,
audiências, representações, mise-en-scène, meios de produção simbólica, poder social. Ele
cita um autor chamado Service que diz que a congregação é o próprio cenário ao falar da
relação ator/audiência.
Essa fusão produz efeitos imediatos e que raramente se afastam das expectativas de atores,
audiências e dos roteiros. “Ritos não apenas marcam as transições, mas também as criam, de
modo que os participantes se tornam algo ou alguém diferente como resultado. A performance
ritual não apenas simboliza um relacionamento ou mudança social, ela também o concretiza. Há
um efeito direto, sem mediação” (pg172).
- Complexidade social e performances pós-rituais
Embora a fusão continue sendo objetivo das performances em sociedades complexos, o
contexto para o sucesso performativo mudou. As sociedades passaram por processos de
complexificação, racionalização e diferenciação, produzindo novos e variados tipos de
comunicação simbólica.
Embora a mudança societal possa ser observada a partir dos avanços tecnológicos, é nas
questões políticas (mudanças de orientação) e econômicas que outros autores foram buscar
respostas, e ainda mais, como é o caso de Alexander e outros, sobretudo analisando a mudança
ideológica. Ele não cita o Clastres, mas está trabalhando com o mesmo exemplo de sociedades
que não desejam criar excedente, mais por uma questão ideológica do que de inabilidade
econômica e técnica. O papel crítico dos projetos ideológicos é justamente o de persuadir outros
sem coerção de novas motivações, no caso do exemplo, de produzir excedentes. Esta persuasão
seria feita a partir de performances simbólicas. Aqui o autor aponta o surgimento de textos
escritos, o que permite a descontextualização e a generalização de representações que outrora
estavam ancoradas firmemente em significados apenas locais. Passa a ocorrer uma projeção
simbólica para além do local.
A escrita representa uma mudança decisiva nos meios de produção simbólica. Como ler
pressupõe alfabetização, os textos estiveram muito tempo sob monopólio de uma elite religiosa
e política, estas concentrando a capacidade interpretativa e exercendo controle sobre as
performances. Inclusive, essa associação Igreja-Estado legitimava a sacralidade do poder
monárquico. Com o progressivo desencaixe da Igreja e outras esferas institucionais, a
sacralidade deixa de ser atribuída e passa a ser adquirida, ou seja, a dominância não é mais
atribuída pela sacralidade, ela precisa ser conquistada e mantida. “Em todas as sociedades
estudadas aqui, os dominantes buscaram retratar a si próprios e aos sistemas políticos que
estabeleceram como portadores de símbolos e missões culturais especiais. Eles tentaram
apresentar-se como transmissores de distintas civilizações (...). Invariavelmente, os dominantes
nessas sociedades tentaram ser percebidos como propagadores e sustentadores de [suas]
tradições [e] desejaram minimizar as pretensões de qualquer grupo ao direito de julgar e avaliar
os dominantes ou de sancionar sua legitimação” (pg177) Alexander citando Eisenstadt. Esse é
um elemento importante do continuum simbólico das elites.
Estas questões sugerem desfusão: há separação entre o texto escrito e as representações de base;
o afastamento da produção simbólica em relação à massa de atores sociais; a separação das
elites em relação à audiência de massa. A integração que fazia da ação simbólica um ritual dá
lugar à certo artifício, a um maior planejamento. “A ação performativa tornar-se mais uma
conquista e menos um automatismo” (pg179). Por se tornar mais uma conquista se torna
também mais consciente??
- A emergência da performance teatral a partir do ritual
Esse é um trecho difícil pra mim, pois realiza um debate que me é muito distante. Basicamente,
é um tópico que explica o surgimento do teatro, na Grécia, a partir do ritual, especialmente a
partir de mudanças na sociedade grega (diferenciação social e cultural intensa dessa sociedade).
Alexander diz que as performances, no início, não eram vistas por seus criadores e audiências
como forçadas ou teatrais no sentido contemporâneo. Os elementos da performance não
estariam ainda “suficientemente des-fusionados para criar uma autoconsciência quanto à
artificialidade desse processo” (pg179). O autor diz que na sociedade grega vemos a des-fusão
dos elementos da performance em termos concretos, o que eu não entendi, pois me parecia que
o teatro era uma tentativa de refusionamento, mas sigamos.
O teatro grego surge em torno dos rituais religiosos para Dionísio, o ditirambo.
Progressivamente, este ritual passou a simbolizar – codificar e narrar – a vida humana, não
apenas a vida dos deuses. O drama humano era apresentado ligado aos conflitos sagrados (será
por isso que tantas histórias gregas se referem a conflitos que aconteciam entre deuses com
repercussões na vida dos homens?). Esse é o sistema representacional de base.
Com as reconfigurações das representações de base, surge a figura do ator enquanto papel
social. Progressivamente, o texto teatral foi ganhando autonomia, até se separar completamente
da vida religiosa. “A crítica secular não emergiu apenas da filosofia racionalista ou das
discussões idealizadas dos cafés urbanos, mas também de performances teatrais que projetavam
avaliações morais ao mesmo tempo em que entretinham” (pg188).
- A emergência do drama social
“Por que sociedades ritualmente organizadas dão lugar não a ordens sociais reguladas
simplesmente pela ação racional-instrumental, mas àquelas em que processos próprios ao ritual
permanecem vitais de alguma maneira central?” (pg189). Eu responderia que é porque não é
possível ao ser humano operar dentro de lógicas exclusivamente racionais, mas o autor responde
de um jeito que me deixou na dúvida se ele de fato respondeu mesmo essa pergunta.
Basicamente, ele está dizendo que o teatro e a esfera pública da vida emergem de forma mais ou
menos simultânea, ou seja, o drama teatral emerge no mesmo período em que o drama social se
torna uma forma importante de organização social, em grande parte pelos mesmos motivos. (o
ritual sai da centralidade da organização da vida social dando lugar ao drama social)
“Quando a sociedade se torna mais complexa, a cultura mais crítica e a autoridade menos
impositiva, abrem-se espaços sociais nos quais as organizações têm de negociar se quiserem ser
bem-sucedidas em fazer as coisas ao seu modo. Em vez de responderem a comandos e
prescrições de autoridade, os processos sociais tornam-se mais contingentes, mais sujeitos a
conflito e argumentação” (pg189). Talvez a minha dificuldade esteja em entender como a
performance social, ou o drama social, tomam esse lugar do ritual. Entendo o ritual, mas talvez
não esteja entendendo a performance. Acho que não consigo entender também o papel do teatro
nisso tudo, ou mesmo sua relação com o drama social. É apenas uma metáfora?
O que o autor diz é que a emergência da esfera pública, seja enquanto um fórum para o debate
(Habermas), seja enquanto um palco público, criou um espaço em que os atores alcançam maior
liberdade para projetar performances de seus dramas para audiências. “E formas mais
frouxamente costuradas de organização social complexa, a autoridade se torna mais aberta ao
desafio, a distribuição de recursos ideais e materiais mais sujeita à contenda e as disputas por
poder social mais abertas e contingentes em seus desenlaces” (pg190). Todos esses elementos
precisam de alguma forma ser conquistados e seria o sucesso na execução de tais dramas que
faria com que os atores individuais e coletivos adquirissem legitimidade como intérpretes
autorizados dos textos sociais.
Isso fez pensar que essa teorização, às vezes, parece muito aberta às contingências, como se as
condições de executar uma performance ou a legitimidade de fazê-la estivessem colocadas para
todos. Claro que o autor fala em poder, em elites, mas isso me parece mais algo dito pela sua
impossibilidade de negação do algo que está bem incorporado à teoria. No caso do Brasil, todos
os elementos que envolvem uma performance estiveram fortemente atrelados à centralidade do
marcador de raça. Há uma história que atravessa o ator, a audiência, o roteiro, a mise-en-scène,
o poder social, que precisa estar muito presente e conhecida se eu quiser falar de performance
aqui.
Sobre as não elites, o autor diz que deixaram de ser receptáculos passivos (foram algum dia?)
para toraram-se audiências interpretativas mais ativas, massas de pessoas sem poder que foram
se transformando em cidadãos. Já as elites, para preservar seu poder social, “tiveram de
transformar seus conflitos de interesse em performances amplamente disponíveis que pudessem
projetar formas simbólicas persuasivas” (pg191).
Segue-se, então, alguns exemplos de processos sociais históricos conhecidos que podem ser
reconstituídos como performances. Thomas Becket e a personificação e ampliação de seu
sofrimento como o martírio de Cristo para legitimar seu antagonismo ao Rei Henrique II,
tornando-se uma referência moral nos séculos posteriores; Savonarola e sua campanha em
praça pública pela “renovação espiritual” de uma Igreja que estaria corrompida, sendo
posteriormente preso, morto e seu corpo queimado em praça pública; a revolução americana e a
performance coletiva de jogada de toneladas de chá no mar do porto de Boston, que dramatizou
a oposição colonial à Coroa Britânica; a revolução francesa e as trocas de papéis, enquanto a
revolução se desenrolava, entre heróis e vilões, de acordo com a lógica do discurso dramático e,
não importando o quão sanguinários tenham sido os vitoriosos e mártires, suas representações
posteriores são de homens em poses clássicas e em togas republicanas.
Quem introduziu o conceito de drama social foi Victor Turner que, segundo Alexander,
simplificou e moralizou a performance de maneira que os elementos que a compunham tiveram
obscurecidas a sua autonomia. Para Turner, os dramas sociais poderiam acontecer apenas entre
os membros de um dado grupo, porque constituem uma relação de pertencimento e
compartilham crenças, valores e normas que se tornam parte da identidade de quem pertence ao
grupo. Para Alexander, isto é justamente o que não ocorre porque os elementos estariam des-
fusionados, sendo a tentativa de re-fusionamento o motivo pelo qual emergiu o drama social. “O
drama social é um sucessor do ritual, não sua continuação sob forma distinta” (pg196).
3. Re-fusão e autenticidade: os critérios para sucesso e fracasso performativo
O intuito das performances, no palco ou na sociedade, permanece o mesmo que o do ritual:
produzir identificação psicológica e extensão cultural, é a criação da identificação emocional
entre o ator, o texto e a audiência, criando as condições de projeção do significado da
performance para a audiência. Se essas condições forem alcançadas, então a performance foi
refusionada. O desafio nas sociedades contemporâneas é infundir significado, um desafio que
pode ser formulado como o “problema da autenticidade”. “A atribuição da autenticidade (...)
depende da habilidade do ator em recosturar os elementos desagregados da performance em um
todo contínuo e convincente” (pg197). Logo, o fracasso decorre de uma performance lida como
insincera, falsa. A re-fusão é uma recuperação temporária do processo ritual.
“Butler insiste que a identidade de gênero é meramente ‘a repetição estilizada de atos ao
longo do tempo’ e ‘não uma identidade aparentemente estável’. No entanto, estável é
exatamente o que a performance bem-sucedida de gênero na vida cotidiana parece ser.
‘Em que sentido’ pergunta então Butler, ‘o gênero é um fingimento?’. No mesmo sentido,
ela responde, ‘que outros dramas sociais rituais (...) a ação de gênero requer uma
performance que é repetida. Esta repetição é, ao mesmo tempo, uma re-atualização e uma
re-experiência de um conjunto de significados já socialmente estabelecidos; e é a forma
mundana e ritualizada de sua legitimação’” (pg198).
Essa contínua reatualização pode ser descrita como um fluxo. “Performances em sociedades
complexas buscam superar a fragmentação criando fluxo e alcançando autenticidade”
(pg199). Nesse sentido, os significantes se tornam os significados (naturalizam-se), todos os
elementos tornam-se indivisíveis e invisíveis. O próprio sucesso de uma performance
mascarará sua existência!
4. Como opera a pragmática cultural? As estruturas internas da performance social
Discussão sobre os elementos e relações que sustentam a performance.
- O desafio do roteiro: re-fusionando representações de base com performances contingentes
“Por trás da performance social e teatral de qualquer ator está o tecido já estabelecido de
representações coletivas que compõem a cultura” (pg201) e a habilidade de compreender uma
performance depende do fato da audiência já conhecer as categorias nas quais os atores estão
inseridos, sem precisar pensar à respeito. Em ordens sociais complexas, essa compreensão é
sempre uma questão de grau. De forma semelhante à ideia de controle da informação em
Goffman, Alexander diz que diante de um amplo conjunto de significados, os atores fazem
escolhas rotineiras, conscientes e inconscientes quanto aos significados que desejam projetar e
estas escolhas são, justamente, os roteiros. Roteiros são bem-sucedidos quando soam autênticos
para a audiência, quando conseguem acionar elementos da cultura de base (o tecido ou pano de
fundo) que fazem sentido. A fusão ocorre justamente quando o roteiro soa verdadeiro para a
audiência.
“(...) é uma questão de fusionar o roteiro em duas direções: com a cultura de base, de um lado, e
com a audiência de outro. (...) O primeiro efeito permite a extensão cultural; o segundo a
identificação psicológica. O ofício da escrita de roteiro se dirige a estas possibilidades. O
escritor procura ‘alcançar concentração’ de significados de base. Roteiros efetivos comprimem
os significados de base fornecidos pela cultura ao mudar proporções e aumentar a intensidade”
(pg204). Mas quem escreve o roteiro?? Quem é esse tal escritor? Essa condensação é feita
através de técnicas dramáticas elencadas abaixo:
Simplificação cognitiva. O caráter simples, direto e curto, simplificando, mas também repetindo
várias vezes o enredo que se deseja projetar. Essa simplificação se inscreve numa luta para
tornar-se protagonista de sua própria narrativa escolhida, sem relatos complexos, mas com carga
de esteriotipação que exagere suas qualidades e os defeitos que querem imputar aos seus
antagonistas.
Compressão espaço-tempo. É um elemento produtor de coerência narrativa entre ação, local e
tempo. Por exemplo, a criação de linhas temporais para mostrar um evento crítico se
desenrolando como uma ação contínua, que liga uma cadeia de eventos em retrospectiva,
criando a sensação de causa e efeito interligados. “Se a cultura de base deve ser claramente
expressa e se a audiência deve absorvê-la, então a performance deve acontecer nos limites de
uma cena dramática – em um local narrativo – e deve se desenrolar em tempo contínuo”
(pg206).
Agonismo moral. Sugere um movimento binário e dinâmico de luta do bem contra o mal, onde
os protagonistas estão forçosamente alinhados com temas e figuras sagradas do mito cultural.
“Sinalizando sua antipatia ao profano, aos temas e figuras maus que ameaçam poluir e
sobrepujar o bem, um grupo lança dúvidas sobre a sinceridade e verossimilhança de outro. (...)
Em outras palavras, se a performance for enérgica e habilidosamente implantada em binários
morais, a identificação psicológica poderá ser alcançada e os elementos da cultura de base
poderão ser dramaticamente estendidos” (pgs207 e 208).
Voltas e reviravoltas. Em roteiros teatrais, as voltas e reviravoltas são necessárias para manter o
interesse da plateia até o fim e se desenvolvem de uma crise para outra no desenrolar do roteiro.
No drama social, é mais difícil tramar voltas e reviravoltas, ou mesmo ter controle sobre para
aonde elas vão. Ele cita o exemplo do primeiro-ministro italiano Aldo Moro, sequestrado e
morto pelas Brigadas Vermelhas num momento em que tentava costurar uma aliança política
entre esquerda e direita no país. Sua tentativa de roteiro era, ao negociar de modo bem-sucedido
sua vida, retratar-se como um herói. Contudo, outros intérpretes sociais mais influentes
conseguiram sustentar que seu roteiro não era um heroísmo romântico, mas um trágico martírio,
implodindo a negociação e afirmando uma vingança de esquerda.
- O desafio da mise-en-scène: refusionando roteiro, ação e espaço performativo
Um tópico que não consegui compreender muito bem. Senti que havia entendido bem cada
elemento da performance, mas senti dificuldade nesse momento em que se apresenta como eles
podem se refundir em sociedades complexas. De todo modo, o tópico aponta para o fato de que
toda performance deve começar em um tempo real e em local particular, o que seria um desafio
para a mise-en-scène, ou seja, para colocar na cena. Aparentemente, a aparição do diretor no
contexto do teatro foi fundamental para a elaboração da mise-en-scène e eu consigo entender
isso, mas quando passamos para o drama social, me escapa quem seria esse diretor exatamente.
Alexander diz que a mise-en-scène, neste caso, é “iniciada no seio do próprio ato performativo”
(pg212), provavelmente porque os roteiros são frequentemente retrospectivos.
- O desafio da base material: poder social e os meios de produção
Retornando à mise-en-scène, embora ela tenha suas próprias características, permanece
interdependente com outros elementos, inclusive com o acesso aos meios de produção
simbólica. Aqui o elemento da mise-en-scène me parece de mais fácil entendimento, enquanto
esse local e tudo que está nele e que colabora para a execução de uma performance. Alexander
diz que “há uma base material para cada produção simbólica” (pg215) e aqui eu tenho que
concordar com Peter Jackson quando diz que a cultura se constitui espacialmente. Penso que a
produção simbólica imprescinde de uma base material. Os lugares, ou a base material, está
diretamente vinculada com a capacidade de acessar meios privilegiados de criação e projeção de
mensagens. Existe, então, um espaço performativo que é conquistado e moldado, que seria essa
organização material especificamente. Um local concreto que é, também e sempre, um local
simbólico. Vejamos o exemplo do impeachment de Clinton, exemplo do próprio Alexander, que
ocorreu no mesmo prédio onde se desenrolou o julgamento de Watergate. Mas o autor está
interessado mais nas performances midiáticas e nas produções cinematográficas para falar sobre
como o “poder social oferece não apenas os meios de produção simbólica, mas também de
distribuição simbólica” (pg218). Eu não sei o quanto isso serve pra mimEu não sei o quanto isso
serve pra mim, ou se estou com dificuldade de entender isso em outra escala. Quem é o diretor,
quem escreve os roteiros, quem prepara a mise-en-scène em performances que se dão em
espaços de disputa como a universidade? É possível pensar isso na escala do meu objeto?
“A fusão habilitava aqueles que ocupavam posições estruturais hegemônicas a decidir quais das
suas performances deviam ser distribuídas e como elas deveriam ser apresentadas. Conforme o
poder social torna-se mais pluralizado, os meios de registro e distribuição de dramas sociais
foram distribuídos mais amplamente, a interpretação da mídia tornou-se mais sujeita a disputa, e
o sucesso performativo mais contingente” (pg 219 e 220). Aqui se fala sobre os meios de
comunicação independentes, embora Alexander não esteja falando sobre as redes sociais, outra
foram ainda de pluralização midiática, cujo alcance é muito relativo e que não existe fora de
redes de poder.
Outra questão é sobre a função do crítico (que tem aparição muito marginal, o que não faz
sentido pra mim se a metáfora é o teatro), cuja atividade é a de “implantar critérios autônomos
na avaliação da performance social” (pg221. Ao fim, estamos falando das premiações que são
criadas para reconhecer, validar e legitimar as performances, mas que a despeito do poder das
grandes corporações, ainda são os sujeitos como os atores, diretores, figurinistas, editores etc.
que criariam os padrões estéticos e hierárquicos em suas próprias comunidades performativas.
Aqui me salta aos olhos a questão da escolha de quais diacríticos são acionados para dizer
quem pode fazer parte de uma seleta elite, mesmo entre os subalternos, no caso do meu
objeto, e sobre como estes precisam sustentar suas performances para legitimar seu lugar.
- O desafio de ser natural: re-fusionando ator e papel
Embora todos os demais elementos estejam adequados a uma performance bem-sucedida, o
refusionamento ainda assim depende da capacidade do ator de realizá-la e ele frequentemente
não está à altura do desafio, segundo Alexander. Em sociedades menos complexas, de menor
escala, os atores encenam ritualmente papéis que eles já desempenham na vida social. Em
sociedades complexas “os atores desempenham um papel que eles frequentemente ocupam, mas
sua habilidade de manter sua incumbência do papel está sempre em dúvida; sua legitimidade
está sujeita a contínuo escrutínio; e seu sentimento em relação ao papel é frequentemente
marcado pela não familiaridade” (pg224).
Para exemplificar esse ponto, Alexander cita o momento em que Colin Powell discursa em
defesa da invasão do Iraque. Todos os elementos estavam adequados, mas a performance iria
por água abaixo se o ator fosse outro, incapaz de exercer o papel que Powell era capaz.
Inclusive, revela a autonomia relativa do elemento ator no drama social contemporâneo, já que
Powell escolheu quando e quanto tempo deveria durar sua fala, em contraposição ao que o
governo sugeriu.
Alexander fala um pouco sobre a mudança do papel do ator no teatro a partir de Stanislavski, na
medida que inaugura a ideia de que o ator deveria assumir a motivação do personagem. Para
ele, a mudança no teatro ocorre em paralelo com a mudança do ator no drama social. “Quando
papéis sociais e políticos eram fixos, seja através de herança ou através de patrocínio social, os
indivíduos podiam ser desajeitados no desempenho de seus papéis públicos, pois eles
continuariam a possuí-los mesmo que suas performances fracassassem. Com a crescente
diferenciação social, aqueles que assumem papéis sociais, sejam atribuídos ou conquistados,
podem continuar a habitá-los apenas se aprenderem a desempenhá-los de uma maneira
aparentemente natural” (pg228). Mas mesmo a melhor atuação não garante que o público
compreenderá corretamente.
- O desafio da recepção: re-fusionando a audiência com o texto performativo
“É uma marca de complexidade social e cultural que a audiência tenha se tornado diferenciada
do ato da performance. A recepção não é ditada nem por representações de base ou de primeiro
plano, bem por poder social, direção eficaz ou habilidade dramática. No entanto, a recepção não
está necessariamente em conflito com estes. Todo esforço dramático lida com a incerteza, mas a
refusão é, ainda assim, possível” (pg230).
“’O que descrevo como uma audiência é um encontro, no mesmo local, daqueles reunidos pela
mesma necessidade, o mesmo desejo, as mesmas aspirações (...) para experimentar emoções
humanas conjuntamente – o arrebatamento do riso e da poesia – por meio de um espetáculo
mais plenamente realizado do que o da própria vida’. Em sociedades complexas, a principal
barreira estrutural à re-fusão entre drama social e audiência é a fragmentação dos cidadãos. A
segmentação social cria não apenas diferentes interesses, mas também subculturas
ortogonais – ‘múltiplas esferas públicas’ – que produzem distintos caminhos para a
extensão cultural e distintos objetos de identificação psicológica. Mais ou menos divididos
por ideologia, raça, etnicidade, classe, religião e região, audiências de cidadãos podem
responder a performances sociais de modos diametralmente opostos. Por essa razão, os
dramas sociais de afirmação do grupo são muito mais fáceis de levar a efeito do que
aqueles universalizantes. Essa estratégia particularista informa a recente política de
identidade, mas sempre foi a posição padrão do drama social em sociedades complexas.
Quando essas divisões estruturadas são exacerbadas pela polarização política e cultural, a
re-fusão completa entre audiência e performance torna-se ainda mais difícil.
Se certo quadro de referência cultural compartilhado ‘realmente existe’ ou não, no entanto, não
é simplesmente um reflexo da estrutura social e da demografia. Trata-se também de uma
questão de interpretação. A interpretação pela audiência é um processo, não um resultado
automático. (...) toda performance é comparada a um modelo idealizado ou ‘lembrado’
disponível a partir da experiência anterior” (pgs234 e 235).
“As interpretações fragmentadas de performance retroalimentam a construção de subculturas,
promovendo memórias que, por sua vez, segmentam percepções de performances posteriores.
Se há algumas memórias compartilhadas, em contraste, as audiências experimentarão o
drama social de modo mais profundo e abrangente. Conforme as audiências se tornam
mais envolvidas, a performance pode arrancá-los de seus nichos demográficos e
subculturais em direção a um espaço liminar mais amplamente compartilhado e
possivelmente mais universalista” (pg236).

- Conclusão: a pragmática cultural como modelo e moralidade


Mesmo em sociedades altamente racionalizadas o encanto e a mística permanecem, são os
processos de feição ritual agora chamados de performance. Para executá-las, indivíduos e
coletividades mobilizam todos os recursos disponíveis, mas o sucesso depende da cultura,
porque as dimensões pragmáticas e simbólicas estão entrelaçadas. No caso do ritual, alguns
autores o separavam da vida cotidiana, ou seja, há o tempo e espaço do ritual, que ao se
encerrarem, dispensam as pessoas para as suas vidas comuns. No mundo contemporâneo seria
difícil dicotomizar performance e vida cotidiana, todas as ações são simbólicas em certo grau.
Por isso, o melhor seria “converter tais questões dicotômicas do tipo ‘isto ou aquilo’ em
questão de variação. O objetivo é descobrir estruturas invariantes, como elas variam, e
sugerir as forças que propelem esta mudança ao longo do tempo” (pg238).
“De um ponto de vista normativo, a fusão performativa precisa ser desmascarada e a
deliberação racional oferece os meios para tanto. De uma perspectiva sociológico-cultural, no
entanto, abraçar a racionalidade como norma não significa ver a ação social em si como
racional” (pg240).
“Apenas se as performances alcançarem fusão poderão elas revigorar os códigos coletivos,
permitindo que sejam ‘ubíquos e não percebidos, presidindo ao crescimento da mente da criança
e interpretando, para o homem maduro, sua vida e suas lutas, como Nietzsche observou
astutamente” (pg240).
5. Consciência icônica: o sentimento material do significado

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