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Alexander
- Introdução
Os organizadores afirmam que Alexander está há quatro décadas na vanguarda da teoria
sociológica, produzindo um trabalho com “notável domínio da literatura acadêmica e rara
capacidade topológica de perceber constelações e propor movimentos”. Me chamou atenção a
questão da constelação, uma palavra que também apareceu quando li sobre o discurso, em
Foucault, essa capacidade de estabelecer ligações entre diferentes discursos, mas também entre
diferentes teorias.
O livro está organizado em textos que se distribuem por três períodos distintos de sua carreira: a
reconstrução metateórica dos clássicos (1970-80); revisão do neofuncionalismo enquanto teoria
pós-Parsoniana (1980-90); desenvolvimento da sociologia cultural (desde 1990).
A mim interessa o debate teórico e a sociologia cultural. Os organizadores, sobre a sociologia
cultural, afirmam que Alexander está mais interessado em “interpretar as teia s de significados
que constituem a realidade como criação humana, permitindo aos atores compreensão mútua e
atuação conjunta” (pg.18), mais do que uma análise estrutural que busca códigos e narrativas.
Isto me parece muito importante para minha pesquisa, sobretudo quando pensado junto à alguns
apontamentos da teoria do Goffman sobre os papéis que os sujeitos interpretam, sobre o estigma
e sobre o controle de informações. Outro autor importante que aparece aqui é Victor Turner, que
eu ainda preciso ler), além de alguns outros citados que preciso avaliar a pertinência. Em Turner
estão os estudos sobre performance, em Goffman a sociologia dramatúrgica. Como o texto diz,
o encontro com esses autores “conduziu a uma inflexão significativa da sociologia cultural, na
qual os roteiros culturais fornecem a articulação entre estrutura e ações sociais” (pg.21).
“Entender a vida social como um drama transforma eventos comuns em performances, os
leitores em audiências e os atores em personagens que conspiram e esquematizam. (...) Numa
performance bem-sucedida, os atores sequer aparecem como atores ou performers. A
autenticidade pode ser encenada, sem parecer o que é. O público experimenta o espetáculo
como realidade (...)” (pg22). Esse ponto da autenticidade me chamou atenção. Quem pode ser
considerado autêntico, no sentido daquele que possui legitimidade para performar dessa ou
daquela forma, nesse ou naquele espaço. Quem são os autênticos, os legítimos e em quais
termos e condições eles alcançam essa condição. Condutas, corpos e paisagens podem ser
elementos construtores dessa autenticidade?
“a tarefa da sociologia cultural é descrever e interpretar os significados coletivos que impelem à
ação, assim, explicar casualmente o curso do mundo” (pg.24).
PARTE I – META-TEORIA
1. O que é teoria social?
- O que é a teoria?
Nesse capítulo, parte do bloco que os organizadores chamaram de meta-teoria, Alexander tenta
responder a pergunta título, mas mais do que isso, explorar quais são os percursos e métodos da
formulação de uma teoria, especialmente aquelas que se pretendem teorias sociais gerais.
Uma das primeiras questões que o autor aponta, é que para conhecer as teorias, precisamos
conhecer um pouco sobre as pessoas que as escreveram (trajetórias de vida e trabalho e,
principalmente, como elas pensavam). Isto diz respeito também ao tempo histórico no qual os
teóricos viveram, pois, mesmo que muito de uma teoria seja atemporal, já que generaliza a
partir de particularidades para criar leis e modelos, ela é afetada pelo tempo no qual foi pensada
e escrita.
Uma definição: “Teorias gerais são teorias sobre tudo, sobre ‘sociedades’ como tal, sobre
modernidade e não sobre qualquer sociedade moderna em particular, sobre ‘interação’ e não
sobre qualquer forma ou gênero de interação em particular” (pg.38). Para Alexander, a teoria é
o coração da ciência.
Aqui se interpõe a primeira questão, sobre a relação entre teoria e empiria, ou seja, sobre como
são produzidas as teorias. “A teoria não pode ser construída sem fatos, mas também não pode
ser construída apenas por eles” (pg.40). Há uma perspectiva de indução, que o autor chama de
falsa, na qual as teorias seriam geradas a partir do estudo de muitos casos empíricos específicos.
Já outros pensadores defenderiam que nós já saímos para o mundo armados de nossas teorias,
que Alexander também afirma ser uma defesa tão problemática quanto a anterior.
- Como as teorias são geradas: o continuum científico
“As teorias, então, são geradas tanto pelos processos não factuais ou não empíricos que
precedem o contato científico com o mundo real, quanto pela estrutura do ‘mundo real’. Por
‘processos não factuais’, entendo coisas como o dogma da pós-graduação, a socialização
intelectual e a especulação imaginativa do cientista, que se baseia tanto em sua fantasia pessoal
quanto na própria realidade externa. Na construção de teorias científicas, todos esses processos
são modificados pelo mundo real, mas nunca são eliminados. Existe, então, uma relação de
dupla face entre teorias e fatos” (pg.41).
Alexander chama essa parte não empírica de elemento à priori e ressalta uma característica
importante: a tradição científica. Basicamente estamos falando de axiomas, elementos de
tradições teóricas assumidos como certos e que não estão mais sujeitos a avaliações empíricas.
Por isso a palavra continuum, porque haveria um conjunto de elementos que seriam passados de
uma geração de cientistas sociais para outra.
Para alguns autores, o elemento mais importante são as crenças dos cientistas (nível ideológico),
que seriam conservadoras, liberais ou radicais. Outros afirmam que é o modelo, ou mesmo o
método. Alexander considera que essas posições teóricas são reducionistas, já que nenhum
desses níveis possui o poder explicativo determinante sobre a sociedade. Ademais, os debates
contemporâneos sobre a maior ou menor importância desses níveis ignoraria o nível não
empírico, que ele está chamando de nível dos pressupostos. Para o autor, são os pressupostos
que formam as tradições dominantes no pensamento social.
- Os pressupostos da teoria sociológica
Pressupostos: as suposições que um sociólogo faz quando encontra a realidade. A primeira
pressuposição é a respeito da natureza da ação, a segunda é a respeito do problema da ordem.
Sobre a natureza da ação, a questão seria assumir que os atores são racionais ou não racionais
(que não significa irracional). Assumir as ações das pessoas como sendo racionais é assumir que
elas são egoístas e instrumentais, agindo para maximizar a eficiência. Se são não racionais, são
idealistas e morais, agindo por emoções e desejos. As ações racionais seriam motivadas por
fatores externos ao sujeito, já as não racionais seriam motivadas por fatores internos ao sujeito.
Para Alexander, essas pressuposições são adotadas por todo pesquisador a priori. Embora
possamos relatas todas as ações como sendo racionais e não racionais, geralmente não é assim
que acontece.
Sobre o problema da ordem, Alexander diz que para todo sociólogo existem padrões, estruturas
separadas dos indivíduos que a compõem. A discordância se dá em como essa ordem é
produzida, dividindo-se em aqueles que possuem abordagens individualistas e coletivistas da
ordem.
A posição coletivista assume que há uma ordem que é resultado dos processos histórico, algo
que já existe quando nascemos, um padrão para o qual as nossas ações são direcionadas, embora
essa direção seja uma possibilidade, já que se admite algum elemento de liberdade na ação dos
sujeitos. Essa ordem social existiria tanto dentro quanto fora dos indivíduos.
Já os teóricos individualistas reconhecem a existência de estruturas supraindividuais, mas os
padrões seriam resultado de ações individuais. Dessa forma, as estruturas são produzidas em
processos contínuos de interação entre indivíduos que podem alterar a ordem social. A ordem
aqui está completamente fora e os indivíduos escolhem segui-la ou rebelar-se contra ela de
acordo com seus desejos individuais.
Para o autor, toda teoria toma posição em relação aos problemas da ação, fazendo combinações
entre esses pressupostos, sendo poucos aqueles que tentaram transcender essas dicotomias.
Essas seriam preocupações mais do que acadêmicas, são valores fundamentais que estão em
jogo e que representariam um problema particularmente moderno.
“É a independência do indivíduo que torna problemática a ‘ordem’, e é essa problematização da
ordem que torna a sociologia possível. (...) É essa tensão entre liberdade e ordem que fornece a
lógica intelectual e moral da sociologia: a sociologia explora a natureza da ordem social em
grande escala porque se preocupa com suas implicações para a liberdade individual” (pgs.49 e
50).
A teoria individualista é sedutora pelo poder que confere aos indivíduos, mas o faz a grande
custo teórico, com a ilusão de que os indivíduos não precisam uns dos outros e da sociedade
como um todo. A teoria coletivista, ao reconhecer que existem controles sociais, sujeitam tais
controles à análise. Mas essa teoria também tem seus custos. Como uma posição sobre a ordem
não informa uma posição sobre a ação a priori, Alexander avalia esses custos de acordo com a
combinação: coletivista instrumental (racional) e coletivista moral (não racional).
No caso da teoria coletivista racional, as estruturas coletivas aparecem como fora do sujeito,
controlando-o. Espera-se que os indivíduos respondam objetivamente a essas estruturas, de
modo calculado. Nessa análise, a subjetividade abandona os sujeitos, pressupondo que suas
ações possam ser previstas se levarmos em conta o ambiente externo. O ambiente, e não a
interação ambiente-ator, é considerado determinante. Essa eliminação do self permearia a
sociologia de Weber e algumas formas de marxismo.
A teoria coletivista não racional considera que os atores são guiados por ideias e emoções. Esse
domínio da subjetividade, apesar de interno, é estruturado a partir dos processos de socialização
(encontros com “objetos” externos), onde as estruturas externas se tornam internas ao self.
“Somente se esse processo de internalização for reconhecido, a subjetividade e a motivação
podem se tornar tópicos da teoria social (...). A volição individual torna-se parte da ordem
social, e a vida social real envolve negociação, não entre o indivíduo social e seu mundo, mas
entre o self social e o mundo social” (pgs.51 e 52). O custo é que essa teoria subestima a tensão
existente entre vontade individual e ordem coletiva.
A questão é: todo teórico social parte de um desses conjuntos de pressupostos, as vias que já
estão pavimentados para serem percorridas, oferecendo tanto um conjunto de possibilidades
quanto de restrições. Todas as posições teóricas possuem seus próprios dilemas particulares.
“As teorias sociológicas não são simplesmente tentativas de explicar o mundo, mas também
esforços de avaliá-lo, para chegar a uma acordo sobre questões mais amplas de significado. (...)
Por esse motivo, elas sempre devem ser lidas contra o plano de fundo político de sua época. (...)
Se uma teoria não pode ser útil para análises empíricas concretas, ela falha. Se uma teoria é
percebida como dependente de proposições empíricas erradas, ela é desacreditada” (pgs.54 e
55).
- O contexto das teorias sociológicas contemporâneas
Nesse tópico, Alexander discute sobre o pano de fundo no qual foram articuladas as teorias
sociológicas clássicas, de 1850 a 1920, especialmente em Marx, Weber e Durkheim.
Interessante como ele situa nesses teóricos os pressupostos tratados no tópico anterior. Aqui ele
também situa o movimento de passagem e troca entre a teoria europeia e estadunidense para
explicar o contexto de surgimento de Talcott Parson, que Alexander considera como aquele que
criou a estrutura do debate contemporâneo e com o qual estabelece intenso diálogo.