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FILOSOFIA DA CIÊNCIA
PROF. PHD. SAULO DE FREITAS ARAÚJO
Introdução
New York University. Indo além das fronteiras de sua área habitual de pesquisa, Sokal
Caso Sokal.
Para que se possa entender o objeto da crítica de Sokal e como foi estruturado o
"Mas para esse exame, será preciso, antes, caracterizar minimamente o sentido que estou
jogo da Ciência, da Literatura e das Artes, a partir do final do século XIX’ (Lyotard,
1988, p.xv). Não se trata nem de uma ‘escola’ (unificada) nem de um ‘ismo’, mas de uma
implodindo a Razão moderna, deixa-a nos cacos das racionalidades regionais, das razões
particulares.”
autor, no mesmo contexto, ainda cita as delimitações do alcance do conhecimento propostas por
Kant seja pela sensibilidade, seja pelo entendimento dos fenômenos. Desta forma, o que ele
define como estrutura tradicional da filosofia são regras definidas por Lyotard em Neto (1998).
do indivíduo através do que se propõe o seu saber e as práticas sociais de sua realidade e
Thomas Kuhn e Paul Feyerabend, dois expoentes nos estudos da Filosofia da Ciência,
somam vozes a esse movimento fortalecendo a ideia de que ciência é muito mais que uma
concepção matemática sobre a percepção mundo. O físico formado em Harvard preconiza uma
abordagem histórico-social sobre esse conceito, definindo, assim, o centro de sua tese, dizendo
que, tudo estaria sujeito a um paradigma. Enquanto Feyerabend, coloca a ciência como um
organismo anárquico, recusando todo e qualquer tipo de autoridade centralizada, pois, esta
Em um mundo onde a Verdade - com letra maiúscula, pois, estamos aqui tratando da
Alan Sokal, percebendo tais problemáticas, principalmente na área das humanidades, decide,
fronteiras” faz sugestões e analogias sobre a realidade física e a realidade social, tal como,
estabelece uma relação entre ambas através de uma suposta teoria quântica da gravitação. O
autor também coloca que, de acordo com o artigo, as críticas sociais e culturais podem contribuir
“(...) ‘realidade’ física, não menos que a ‘realidade’ social, é no fundo uma construção
1996, questionar o modo de fazer ciência no ambiente acadêmico. Sobre isso, diferente do
americano, eles imprimem uma crítica direta às publicações de periódicos atuais referentes aos
direitos liberais de movimentos minoritários (negros, mulheres, LGBT+, entre outros). Para eles,
o método utilizado pelos revisores ao publicar tais artigos, não apenas deturpa o fazer científico
da academia como também negligencia o discurso de justiça almejado pelos liberais universais.
seus conteúdos estão entregues a um viés de confirmação político e ideológico. Nesse sentido, a
problematização do que está sendo propagado à sociedade com respaldo científico, devido a
Analisando a fundo esses fatos, as publicações dos trabalhos acadêmicos das ciências
humanas e sociais estão imersos a problemas de cunho epistemológicos e éticos. Desse modo,
para contrariar o método antiético de defesa dos desequilíbrios de poder e opressão sobre as
(2018) buscam pôr em xeque o modelo pós-moderno vigente nos artigos de hoje. Sobre esse
modo de enxergar o mundo, Sokal em seu livro Imposturas Intelectuais (1997) denomina:
“Vastos setores das ciências sociais e das humanidades parecem ter adotado uma filosofia
relativismo cognitivo e cultural que encara a ciência como nada mais que uma
“narração”, um “mito” ou uma construção social entre muitas outras.” (Sokal, 1997, p.
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dos conteúdos antes verificáveis de forma objetiva e na realidade são modificados pela
intencionalidade de crenças - confirmação de viés ideológico e político - de grupos poderosos
sobre outros minoritários. Dessa forma, o que passa a ter valor não é a verdade (o conteúdo), mas
importância das publicações, enraizadas atualmente no modelo acima, era única e exclusiva
Por meio dessa constituição construtivista radical de pensar (e fazer) o mundo, a verdade,
dentro da ciência e da razão, não mais se unificam. As crenças como nova forma de justificar o
ciência (com suas coletas de dados, análise estatística, replicações de resultados, entre outros)
que é valorizado e avaliado como aceitável. A “verdade” é uma relação de força que
configuração diferente de crença e aceitação. A “verdade” pode ser definida como o que
vence a batalha entre os atores em competição, o que se torna dominante. (Latour &
Pluckrose et al. (2018), preocupados com a implicação desse modelo nos periódicos,
buscaram, através das publicações de seus artigos, demonstrar como o método científico atual
necessita ser repensado e refeito bem como enfatizar que, apesar de problemático (como
qualquer outra forma de conhecimento), a ciência é o método mais viável para aproximar-se da
verdade.
A necessidade dessa prática desenvolvida pelos pesquisadores ressoou, para eles, como
radical dentro dos artigos, vislumbra-se como a confirmação de qualquer tipo de conhecimento
nessa área vai à margem do buscado pelos liberalistas universais. Ao confirmar a epistemologia
dessa abordagem acerca da “teoria do ponto de vista” - o valor de um discurso não equivale a
verdade, mas a justificativa que ele imprime, os periódicos passam a obter um relativismo
Todo esse enredo dentro dos atuais artigos acadêmicos, aprovados por revisores, fez com
que os autores, revisitando o caso Sokal, colocassem em pauta como esse modelo de crenças está
discursos por professores, ativistas e o povo no geral, decorrentes desses periódicos aprovados,
político e ideológico. O meio acadêmico, local ao qual a produção científica deveria ser
desenvolvida, que remete a sociedade um conhecimento verificável e verdadeiro, passa, por meio
grupos marginalizados).
Dessa forma, Pluckrose et al. (2018) buscam, através das publicações moldadas no
modelo construtivista radical, fazer com que os resultados alcançados impliquem um desconforto
aos cientistas (revisores acadêmicos), a fim de reavaliar o modo de fazer ciência atual e que estes
retornem ao seu anseio objetivo da verdade e verificação. Pois, tendo em vista a relevância dos
qualquer tipo de “fraude” que coloque não apenas os direitos liberais como também os direitos
humanos em injustiças.
confirmar a hipótese que constituíam, uma metodologia para colocar em risco tais pressupostos
Cada artigo iniciava com uma tese antiética, irracional, ilógica e absurda como base e, através da
Para além disso, Pluckrose et al. (2018) fantasiaram ainda mais sua metodologia de modo
sustentação de dados incoerentes com a tese, categorias de validação por métodos poéticos e
auto-etnográficos, entre outras práticas paradoxais. Revistas de renome nas áreas de direitos
liberais como Affilia, Hypatia, Sexuality and Culture, Gender, Place, and Culture foram alvos
Os artigos tinham como defesa tópicos irracionais como: o treinamento de homens como
cães para prevenir acerca da cultura do estupro (“Parque dos Cães”), homens que se masturbam
ficar acorrentados na chão em sala de aula como forma de pagamento da dívida histórica (“Lista
Progressiva”). Outras considerações ilógicas: obesidade mórbida como modo de vida saudável e
Gordo”), homens que se exercessem a penetração anal seriam menos transfóbicos, mais
feministas e se tornavam preocupados com a cultura do estupro (“Consolos”), entre outros. Nem
a constatação de “Helen Wilson” do registo de “um estupro canino por hora” em parques
urbanos para cães em Portland, foi motivo de suspeita reprovação pelos revisores.
Recordando o caso Sokal, podemos expor como em sua obra (1997), o americano já tinha
científicos para além de sua área de abrangência, que são errôneos mas por razões sutis.
Por outro lado, deparamos com numerosos textos que estão cheios de termos científicos
mas são inteiramente desprovidos de sentido. E há, é claro, uma massa de discursos que
podem estar situados em algum ponto entre esses dois extremos. (Sokal, 1996, p. 19)
áreas de direitos liberais. Apesar da necessidade de virem a público para pronunciar sobre o fato,
até a data a disseminação do porquê e quais os resultados a partir do que fizeram, eles tiveram: 7
artigos aceitos, 4 publicados online. Outros 3 foram aceitos, porém não divulgados antes dessa
promovido por eles. Não obstante e tão incrédulo quanto possa soar, 1 artigo (“Parque com
Cães”) ganhou um prêmio pela excelência de sua publicação pela revista Gender, Place, and
Culture, periódico que lidera a área de geografia feminista. No aniversário de 25 anos da revista,
Em análise do todo, 80% dos artigos postos à publicação foram aprovados em revisão, o
que corresponde a normalidade de 10-20% dos artigos reprovados sem qualquer revisão nas
divulgações atuais. Pela necessidade de vir a público, não foi possível concretizar após todas as
publicações.
ressentimentos e no contexto dos direitos liberais, sendo esses: incluindo estudos (feministas) de
O projeto teve de ser encerrado pois, Helen, James e Peter tiveram de ir a público, por
conta do enorme caos causado pelo artigo “Parque dos Cães”, atraindo até a atenção da uma
plataforma dedicada a publicação de artigos com péssima qualidade: a Real Peer Review. Com
isso, a autora Helen Wilson e a instituição inexistente criada por eles, a Portland Ungendering
Research Initiative ( PURI), foram convocadas a provar sua identidade após a publicação e
udando
Com o grande alarde promovido, a polêmica chegou até o Wall Street Jornal m
jornais e as revistas que foram (ou iriam ser) submetidas os periódicos, os pesquisadores se
engajaram em preparar um resumo à população explicando o fato, mesmo tendo artigos em fase
Resultados Observados
ocorrido. No artigo “The Grievance Studies Scandal: Five Academics Respond”, publicado na
revista Quillette Magazine, são expostas cinco análises sobre o escândalo, escritas por críticos
teóricos.
pós-modernismo, que, segundo ele, dominou a maior parte das áreas de humanas e ciências
sociais. Cofnas aponta que os pós-modernos não possuem conhecimento aprofundado e que não
Além disso, normalmente tais informações são somadas ao ódio por grandes classes de pessoas
vistas como adversários políticos, tais como héteros, brancos e cisgêneros. Para ilustrar sua
crítica, Cofnas cita a bíblia para dizer que a fala dos pós-modernistas começa como idiotice e
paradigma” científico. Para Parvini, é uma falácia o argumento feminista que defende que a
ciência não pode ser objetiva e que o racionalismo e empirismo são “frutos do patriarcado”. O
professor afirma também que não se surpreendeu com o escândalo, dado que isso é uma
Rosalind Arden, pesquisadora de Filosofia, atribui o sucesso da fraude ao fato de que nas
ciências sociais a razão foi substituída por ideologia. Ademais, elucida três problemas presentes
que constitui uma ofensa (tradução livre). Para Arden, esta última é a mais importante, dado que
existe um grande medo de ser mal interpretado/citado e arcar com as consequências de soar
caracterizada pelo rigor intelectual e altos padrões acadêmicos e que a revista Hypatia foi,
portanto, um alvo fácil. Sesardic também cita uma publicação verídica de filosofia feminista para
ironizá-la e criticar os autores por atacarem uma tendência pertencente à esquerda política e
Por fim, Jonathan Anomaly, teórico da Filosofia, Política e Economia, direciona sua
atrelados à tendência pós-moderna. Anomaly vê tal participação como negativa e frisa que o que
repercussão gerada pelo episódio convocou a análise de diversos teóricos, que buscaram atrelar
Grande parte deles parece convergir no que diz respeito à influência negativa do
inconfiável. Desta forma, mesmo a subjetividade devendo ser valorizada no que tange às ciências
problematização, que convoca-nos a refletir sobre o alvo do saber científico. Para quem serve a
ciência? Para quem servirá um dado saber? Onde e como esse saber será aplicado? Ao
adentrarmos nessas questões percebemos que a neutralidade configura-se como uma ilusão. A
como disse Kuhn (1962), e possui objetivos claros, que são de caráter político.
Apesar disso, a ciência, embora não seja neutra, deve ainda almejar a objetividade e o
rigor metodológico. O material utilizado como embasamento para este trabalho serviu para
elucidar a problemática do modelo científico atual, impregnado pelo pós-modernismo. Tal crítica
Em verdade, pôde ser estabelecida ao longo do trabalho uma relação entre a ciência
tradicional, as ciências pós-modernas e como os casos Sokal e dos três autores se interligam
modelo científico vigente, representam uma grande barreira para o progresso de diversas áreas
que não conversam entre si. Por outro lado, a anarquia distorcida de Feyerabend propicia que
casos como os apresentados - sem a intenção de serem fraudes - sejam publicados sem
criticidade.
Assim, espera-se que, Pluckrose e seus colegas, assim como Sokal em sua época, abram
os olhos dos pesquisadores contemporâneos. Ofertando-lhes, então, clareza para que as Ciências,
em especial as Sociais, seja feita de modo responsável segundo seu contexto sociopolítico e de
Candiotto, C. (2006). Foucault: Uma História Crítica da Verdade. Trans/Form/Ação, São Paulo,
29(2): p. 65-78.
Kuhn, T. S. (1962). A Estrutura das Revoluções Científicas. Editora Perspectiva, São Paulo, v. 5
Latour, B., Woolgar, S. (1979). Laboratory life: the construction of social scientific facts. Los
Angeles/London: Sage.
Silva, J. J. (2004). Imposturas intelectuais: algumas reflexões. Natureza Humana, São Paulo, v.
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