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2.

A objetividade do conhecimento nas ciências sociais

A sociologia surge – ainda de forma incipiente – no século XIX, cujo contexto é


marcado por significativas descobertas científicas sobretudo no campo da biologia. Os
percussores das ciências sociais procuravam encontrar fundamentos metodológicos
capazes de colocar as ciências humanas no mesmo patamar de objetividade das
ciências naturais, esse foi o marco do positivismo. Contudo, as constantes mudanças
sociais, e o significado individual de interpretações presentes na realidade, assim
como a pluralidade de identidades problematizam a ideia de leis gerais que movem as
sociedades, inserindo a subjetividade e os valores que os indivíduos atribuem aos
fenômenos sociais, polêmica trabalhada por Max Weber, entre outros. Com o advento
de teorias pós-modernas e pós-coloniais e a ideia de uma lei geral, portanto universal,
é ainda mais questionada no âmbito das ciências sociais.

Comte não pode ser considerado somente o “pai” da sociologia, mas também aquele
que lhe atribuí a possibilidade de equiparar esse campo com a objetividade das
ciências naturais. Assim como as demais ciências, a “física social” deveria passar
pelos três estágios: teologico, metafísico e positivo. No último, atingiria um grau de
objetividade cujas leis se tornariam aplicáveis e verificáveis na realidade social,
constituindo fundamentos passíveis de verificação e experimentação, semelhante às
ciências da natureza. A importância de Comte para a sociologia é fundamental, na
medida em lança as ciências sociais ao patamar de cientificidade.

Será Durkheim que aprimorará a intensão de alçar as ciências sociais – a sociologia –


a um conhecimento objetivo. Com nítida influência do positivismo, o sociólogo francês
se preocuva, entre outras coisas, na distinção entre os julgamentos de valor e
julgamentos de realidade. Os primeiros são secundarizados diante da objetividade do
segundo. Este, verificável e passível de experimentação prevalece frente à
multiplicidade de julgamentos indivíduais presentes nas sociedades, o que inviabiliza a
elaboração de leis. As mudanças sociais, as “sociedades dinâmicas” não deixam de
apresentar leis que possibilitam a sua compreensão, assim não se trata no
pensamento de Durkheim da ausência de mudanças sociais, contudo o
desenvolvimento e as mudanças são explicáveis com base em leis.

A metodologia de Durkheim é compreensível pela ausência do indivíduo, do agente. O


autor desenvolve sua teoria e método enfatizando os “fatos sociais” como objeto de
estudo da sociologia. Se tratam de fenômenos que atuam sob os indivíduos, externo a
eles, sendo possível verificação e experimentação. Dessa forma, segundo o autor, nos
afastaríamos dos julgamentos valorativos nos aproximamos mais da objetividade.
O método de Dukheim e um dos exemplos de estudo considerado objetivos, se
encontra na obra O Suicídio. Nesse estudo o sociólogo se atenta para a relação entre
a sociedade e o indivíduo, privilegiando a primeira. Não são os aspectos psicilógicos e
individuais abordados por Durkheim, mas o nível de coesão e o estágio da sociedade.
Nesse sentido há o tipo egoísta de suicídio se refere ao indivíduo que não se encontra
devidamente integrados na sociedade, abrindo espaço para uma individualidade
extremada; o altruísta se trata do indivíduo que se encontra integrado e submetido a
coerção da sociedade; anômico é o tipo que se encontra em sociedades em crises,
alterando a normalidade social. Nota-se nos três tipos não as características
indivíduais, mas a forma como a sociedade se apresenta e o indivíduo reage a ela.

Em Max Weber temos formulações distintas. O sociólogo alemão em seu texto de


referência – A objetividade do conhecimento em ciências sociais” - elabora
argumentos contrários a existências de leis e a secundarização do indivíduo nas
pesquisas das ciências sociais. As leis dificilmente são encontradas devido a
existência real dos juízos de valor que podem orientar e direcionar as pesquisas. Não
se pode, para Weber, excluir o sujeito e seus julgamentos das pesquisas, mas
encontrar a objetividade considerando esses aspectos. Outro motivo que dificulta a
existências de leis é a infinitude do real, impossível de compreensão e organização em
sua totalidade pela razão. Com essas considerações Max Weber avançará na reflexão
sobre a objetividade das ciências sociais.

A relevância da proposta de Weber se encontra na consideração dada ao pesquisador


e suas referências, o que resulta em seleção e associação entre fenômenos e campos
do conhecimento pautados por sua subjetividade. Nesse sentido, as ciências sociais é
uma ciência da cultura e não composta por leis estanques, os fenômenos possuem
significados culturais identificáveis no pesquisador e pelo pesquisador. Ao ser cultural
e produzir significado, a ciências sociais é condicionada por ideias de valor, o que
influência e podem dominar o objeto de estudos. O ponto é que como encontrar
objetividade frente as múltiplas subjetividades individuais e a infinitude da realidade
incompreensível em sua totalidade pela razão.

A sugestão de Weber é a elaboração de “tipos ideais”. A partir do interesse do


pesquisador os objetos de estudos e suas relações com outros temas são elencados,
tornando-se um referencial conceitual, um “quadro mental”, sem relação direta com a
realidade. O passo que permite a objetividade das ciências sociais se encontra no
confronto desse “quadro mental”, dos “tipos ideais” com a realidade. Assim é possível
avaliar a proposta e a elaboração do pesquisador.
É significativo apontar que a elaboração de tipos ideais e suas conexões e
associações permitem que o pesquisador selecione fenômenos diante da infinitude da
realidade, sendo, portanto, uma construção parcial do conhecimento. Weber tem uma
importante analogia que ajuda a explicar sua concepção: o sociólogo tinha como
exemplo um orquestra, na qual cada parte compõem uma totalidade, juntos essa
totalidade é apresentada, contudo é significativo que cada instrumentista atue muito
bem no instrumento que domina, ou seja, na parte que lhe cabe da totalidade. Nota-se
não uma divisão restrita do conhecimento como propõe os positivistas entre os
campos do conhecimento, mas associações possíveis dentro da impossibilidade de se
dominar a realidade. É mérito de Max Weber não excluir os indivíduos do processo de
conhecimento, propondo a objetividade das ciências sociais considerando os
interesses indivíduais, assim como sugerir uma metodologia que permite lidar com a
infinitude da realidade.

Embora contraste com a influência positiva presente em Durkheim, o filósofo alemão


tem um ponto em comum com o francês, trata-se da influência do filósofo Kant. Há
uma relação entre os “fatos sociais” e o imperativo categorico de Kant, no sentido das
imposições exteriores ao indivíduo, assim como aparece em Weber a noção de que a
totalidade não é compreensível à razão, Kant dialogava com posições totalizantes –
mais tarde presente em Hegel e Marx – enfatizando os limites da razão diante da
infinitude dos fenômenos existentes. Essa observação é importante pois constratará
com outra abordagem metodológica presente na linhagem hegeliana e marxiana, que
trataremos agora.

A teoria da história de Hegel e sua dialética permitiam a possibilidade de de o espírito


humano alcançar a coisa em si, conclusão distinta de Kant que influenciou Durkheim e
Weber, como citamos. O paradígma de Kant ao colocar de um lado a coisa e si e de
outro para si, possui grande repercussão nas ciências sociais, dividindo – em grande
medida – as metodologias e as formulações acerta da objetividade do conhecimento.
O idealismo alemão, sobretudo com Hegel, retornam com a ideia de acesso a coisa
em si, tese que permitira aos seus seguidores, até mesmo os críticos radicais como
Karl Marx.

Ao lado de Durkheim e Weber, Marx é considerado um dos pilares da


sociologia.Contudo, diferente dos demais, não se dedicou a escrever uma obra de
metodologia ou puramente sociológica. Sua metodologia costuma ser reduzida à
aplicação do método dialético, o que o aproximaria de Hegel. Porém, em suas
diversas passagens sobre metodologia encontramos no texto Introdução à crítica da
economia política a sua constatação do “método científico correto”, ou, em nosso caso
a maneira de econtrar a objetividade do conhecimento. Diz Marx que o concreto é
resultado de múltiplas determinações, ainda que este não é resultado nem de
categorias transcendentes – talvez como pensou Kant – nem resultado do espírito –
como pensou Hegel – mas de suas determinações e historicidade que são
encontradas na realidade e abstraidas pelo pensamento. A objetividade do
conhecimento se encontra na possibilidade de abstrair a própria coisa, em suas
diversas determinações e historicidade. Marx não propõe um método a priori – o que
não o motivou a escrever uma obra sobre teoria do conhecimento – mas uma postura
metodológica que parta do próprio objeto. Essa abordagem metodológica se apresenta
em sua maior obra O Capital.

De fato, a obra citada inicia pelo objeto que sintetiza as principais – se não todas – as
múltiplas determinações presentes na sociabilidade do capital: a mercadoria. É a partir
dela que Marx desenvolve a teoria do valor, encontra a mais-valia a partir da forma
como a mercadoria é produzida, demonstra historicamente a passagem da antiga
sociedade feudal para a capitalista. A objetividade do conhecimento, é possível dizer,
não se encontra, para Marx, nas metodologias a priori ou nas categorias, mas na
própria coisa, o que o distingue dos pensadores citados acima, abrindo um novo
campo para o pensamento sobre a metodologia das ciências sociais.

A influência do pensador alemão – na teoria do conhecimento – aparece, por exemplo,


na teoria crítica como nas reflexões de Adorno sobre a sociologia. Assim como Marx,
Adorno enfatiza a preocupação com a essência das coisas, se afastando do
positivismo e das posições fenomenológicas. O filósofo alemão procura superar essa
polarização na teoria do conhecimento que afeta diretamente a objetividade do
conhecimento nas ciências sociais, de um lado os “fatos”, a primazia dos dados, do
empírico, de outro as visões essênciais, cuja a objetividade é mais difícil de ser
alcançada. A proposta de Adorno é partir das questões essênciais, as leis que movem
a sociedade, contudo elas se manifestam a partir de fenômenos. Exemplifica seu
argumento a partir do conceito de classe social ao se perguntar sobre a possibilidade
da existência do proletariado sem a consciência que representa a sua posição de
classe. Diz Adorno, a partir de uma essência – a existência de classes – a pesquisa é
norteada, para encontrar concretamente – com os recursos metodológicos disponíveis
da pesquisa em ciências sociais – a permanência, mudança ou inexistência do que foi
considerado a essência.

Percebe-se nessa rápida citação à Adorno a tentativa de conciliação entre os opostos


das abordagens metodológicas nas ciências sociais, em outros termos o debate sobre
a objetividade do conhecimento. Adorno da um salto não ao escolher entre um dos
lados, mas na tentativa de conciliá-los. Essa postura aparecerá constantemente
durante o século XX e XXI, por exemplos nos trabalhos de Anthony Giddens.

A influência de Kant, das análises sincrônicas – ou seja, diferentes das posturas


diacrônicas, pautadas na históricidade e na dilaética – são presentes em autores
importantes do século XX, é o caso de Pierre Bourdieu. Talves a obra em que o autor
melhor aponte seus fundamentos metodológicos seja sua Crítica à razão escolástica.
Nessa obra o autor critica a instauração de um campo autônomo do pensamento
descolado do mundo objetivo. Diante deste problema Bourdieu propõe a razão prática,
na qual , por meio de categorias como campo, habitus e capital, encontra a
objetividade na ação dos indivíduos em relação com as estruturas herdadas e que
atuam sob seus interesses. A objetividade, portanto, para o sociólogo francês está no
estudo das ações dos indivíduos, mas não uma ação autônoma, mas delimitada pelas
estruturas. Não por acaso, a importância atribuída por Bourdieu ao saber empírico.

A suposta quebra dos paradigmas da modernidade atuarão de forma significativa


sobre as ciências sociais, sobretudo enquanto a objetividade do conhecimento. Em um
momento em que a pluralidade, sobretudo identitária, se estabelece questionando as
categorias e narrativas universais, as ciências sociais são colocadas em xeque, pela
dificuldade de lidar com os novos e diversos fenômenos. Os movimentos de maio de
1968, o processo de independência dos países africanos, o questionamento dos
totalitarismos e etc., aparentemente davam razão à necessidade de se rever a
construção do conhecimento inaugurada pelo pensamento ocidental moderno, que,
em alguma medida, não contemplava as novas e diversas manifestações.

Interessante que o inicio dessa crítica à razão universalizante (da modernidade


ocidental, sobretudo europeia), se encontrava, ainda no século XIX, na própria Europa
colonizadora. Nietzsche apontou em diversas obras a impossibilidade da unicidade e
do conhecimento da verdade pela ciência. O filósofo que influenciou uma série de
pensadores percussores do pós-modernismo como Derrida e Guatarri – embora
existam dúvidas sobre a classificação desses autores como pós-modernos – que a
multiplicidade de contextos e saberes deveriam ser considerados para se alcançar a
objetividade do conhecimento. A partir dos diversos olhares para um mesmo objeto, ou
seja de diferentes perspectivas para o mesmo objeto, teríamos um acúmulo maior e
mais próximo estaríamos do conhecimento. A multiplicidade, a diversidade de
perspectivas não é vista como um problema para a objetividade, mas como um meio
de aproximação, uma forma de compreender o objeto de forma mais completa.
Neste sentido, os autores que se pautam pelas perspectivas da pós-modernidade,
rejeitam as grandes narrativas e problematizam as categorias universais. A
objetividade do conhecimento, a abordagem metodológica se encontra mais nos
estudos parciais, na localidade, nas manifestações singulares. No estudo das diversas
identidades, manifestações culturais, formando uma multiplicidade de conhecimento e
de perspectivas, que juntas, possivelmente, fazem o conhecimento mais completo,
mais complexo, mas sem a pretenção universalista e o objetivismo de se encontrar
leis. Escritos como de Stuart Hall, Hommi Bhabha e outros grandes autores caminham
nessa direção.

As manifestações do hibridismo cultural também são vistas nessa perspectiva. A


complexidade dos fenômenos sociais da contemporâneidade e suas conexões,
políticas, econômicas e culturais, dificultam as classificações e resultam em novas
formas de se abordar a realidade, muito mais compreensiva, em busca de significados
do que o resgate das categorias universais. Seja Netor Canclini para os estudos
culturais latino-americanos, seja os grandes pensadores africanos, ao afirmare a tese
decolonial. A proposta – teórica, metodológica e política – é descentralizar o
pensamento moderno ocidental, problematizando-o a partir de outra perspectiva, da
perspectiva de quem não participou dessa construção objetivista e universalizante da
ciência moderna ocidental.

O que presenciamos portanto, não se restringe à quebra dos paradigmas das ciências
sociais, mas a ebulição de teorias e sujeitos que procuram alcançar um lugar que lhes
foi suprimido, é portanto, uma postura política.

Diante do exposto, consideramos que, para o campo das ciências sociais, as


metodologias foram se mostrando satisfatórias e aperfeiçoadas com grandes
contribuições. A preocupação com a objetividade do conhecimento, aparece desde os
fundadores da sociologia até os autores contemporâneos. A distinção entre modernos
e pós-modernos, alteraram a forma de olhar para a objetividade, mas não resultou
disso a inexistência do conhecimento objetivo. Mudou-se – para alguns – a maneira de
se objetivar o conhecimento, parte-se da multiplicidade e das perspectivas, mas não
esquecendo os objetivos. Ou, se toma, a moda dos clássicos, as pretenções
universais e as categorias próprias da modernidade. Pois, afinal, estaríamos
presenciando realmente o fim da modernidade? Ou ainda, essa teria se transformado
ao ponto de afirmarmos uma hipermodernidade. Categorias como classe social,
capital, burocracia estariam ausentes das manifestações políticas, econômicas e
culturais atuais?

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