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HÉLIO GREVEN

JÖRG SEELE

ALVENARIAS
AFETADAS POR
UMIDADE E SAIS
M E C A N I S M O S D E D E G R A DAÇ ÃO
E R E C U P E R AÇ ÃO

R E V I S ÃO T É C N I C A
ALEXANDRE BERTINI
E S E Q U I E L M E S Q U I TA

São Paulo – SP
2022
AUTORES

Hélio Adão Greven, formado em Arquitetura em


1956 pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul
e doutorado pela Universität Hannover - ALEMA-
NHA em 1969. Desenvolveu atividades profissio-
nais na Alemanha durante cerca de 10 anos e depois
retornou ao Brasil, para atuar na indústria, princi-
palmente no desenvolvimento e implementação de
tecnologias construtivas industrializadas. Em 1988
ingressou na UFRGS, na vaga de Professor Titular da
Área de Construção, engajando-se ao Programa de
Pós-Graduação em Engenharia Civil, onde orientou
dezenas de alunos de mestrado e doutorado. Con-
tribuiu fortemente no desenvolvimento de Redes de
Pesquisa financiadas com recursos da FINEP e Caixa
Econômica Federal, principalmente no Programa de
Tecnologia da Habitação (HABITARE). Falecido em
dezembro de 2021, deixou um grande legado inspi-
rador, dedicando-se nos últimos anos de sua vida
como diretor da K G Projetos e Consultoria Ltda.,
realizando consultorias a empresas na implantação
de sistemas construtivos industrializados, processos
executivos e utilização de novos materiais na cons-
trução civil.
Jörg Michael Seele se formou em Engenharia e Ar-
quitetura na University of Leipzig, na Alemanha, em
1968 e doutorado na mesma universidade em 1974.
Foi professor de projeto de arquitetura, construção
de edificações e física das construções no Instituto
de tecnologias avançadas da Universidade de Wis-
mar entre os anos de 1977 e 1985. Foi diretor do ins-
tituto de pesquisa para edificações agrícolas Wis-
mar entre os anos de 1985 e 1987. De 1987 a 1990 foi
professor de arquitetura e edificações agrícolas na
Universidade técnica de Dresden. Trabalhou como
especialista no IGS de Munique durante os anos de
1990 a 2009, assumindo a diretoria entre os anos de
1995 a 2009. Desde 1994 desenvolve atividades com
pesquisadores no Brasil, como o Projeto técnico de
cooperação Alemanha-Brasil e o Projeto BRA ENV
46 “Sais e umidade em edificações“, ministrando pa-
lestras e cursos em diferentes universidades: UVA,
UFC, UFSC, UFRGS, USP e UFPA. Desde 2009 está
aposentado.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO........................................................................................................................................15
1. TIPOS E CAUSAS DAS ANOMALIAS POR UMIDADE E SAIS..............................23
1.1 TIPOS DE ANOMALIAS...................................................................................................... 24

1.2 ORIGEM DA UMIDADE EM VEDAÇÕES VERTICAIS........................................ 28

1.3 ORIGEM DOS SAIS SOLÚVEIS ..................................................................................... 30

1.4 ATUAÇÃO DOS AGENTES CONFORME A ORIGEM .........................................33


1.4.1 Umidade...........................................................................................................................34
a) De água sob pressão ........................................................................................35
b) De ascensão capilar...........................................................................................36
c) De condensação superficial .........................................................................37
d) De infiltração nas fachadas...........................................................................37
e) De instalações prediais....................................................................................38
f) De respingos em sócolos.................................................................................39
g) Em outros detalhes construtivos de fachadas.................................. 41
1.4.2 Ação simultânea de umidade e sais ............................................................. 42

1.5 MECANISMOS DAS ANOMALIAS E DANOS POR ÁGUA E SAIS.............. 45


1.5.1 Pressão de cristalização dos sais....................................................................... 45
1.5.2 Danos mecânicos causados pela água (erosão, desagregação).... 46
1.5.3 Biodeterioração........................................................................................................... 47
1.5.4 Pressão por formação de gelo em baixas temperaturas.................. 49
1.5.5 Aumento da transmissão de calor por elevação do grau de
umidade.............................................................................................................................. 49

2. MECANISMOS DE DEGRADAÇÃO E SURGIMENTO DE DANOS PELA


AÇÃO DA UMIDADE E SAIS................................................................................................... 51
2.1 CONCEITOS BÁSICOS SOBRE A OCORRÊNCIA DE VAPOR
DE ÁGUA EM EDIFICAÇÕES............................................................................................52
2.1.1 Umidade relativa do ar............................................................................................ 54
2.1.2 Umidade absoluta do ar.........................................................................................57
2.1.3 Temperatura do ponto de orvalho e condensação ...............................57

2.2 INTRODUÇÃO AOS MECANISMOS DE TRANSPORTE DE MASSA ....... 61


2.2.1 Infiltração......................................................................................................................... 61
2.2.2 Capilaridade.................................................................................................................. 61
2.2.3 Evaporação .................................................................................................................. 62
2.2.4 Difusão............................................................................................................................. 62
2.2.5 Convecção..................................................................................................................... 62
2.2.6 Migração ou cinética elétrica ............................................................................63

2.3 POROSIDADE DOS MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO.........................................63

2.4 TRANSPORTE DE UMIDADE PELOS MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO.. 67


2.4.1 Conceitos sobre umidade dos materiais de construção................... 68
a) Umidade em massa ou volume................................................................ 69
b) Umidade de saturação ou absorção de água máxima............... 69
c) Grau de saturação............................................................................................... 71
d) Umidade de equilíbrio higroscópico......................................................72
2.4.2 Transporte de água por absorção capilar ..................................................72
a) Velocidade de absorção capilar.................................................................73
b) Elevação capilar...................................................................................................73
c) Dimensão dos poros..........................................................................................73
d) Coeficiente de absorção capilar de água.............................................75
2.4.3 Transporte por difusão........................................................................................... 78
2.4.4 Transporte por sorção e dessorção higroscópica ..................................83
2.4.5 Transporte por evaporação ................................................................................ 87
2.4.6 Resumo e tópicos finais sobre o transporte de umidade em
materiais e/ou componentes de construção................................................ 92

2.5 TRANSPORTE DE SAIS PELOS MATERIAIS DE CONSTRUÇÃO ............. 95


2.5.1 Tipos de sais envolvidos nos mecanismos de deterioração........... 95
2.5.2 Transporte dos sais .................................................................................................. 96
2.5.3 Características dos sais ......................................................................................... 97
a) Solubilidade.......................................................................................................... 97
b) Higroscopicidade............................................................................................... 99
c) Pressão de cristalização .............................................................................. 102
d) Pressão de hidratação.................................................................................. 105

3. METODOLOGIA PARA A INSPEÇÃO DE ALVENARIAS E COMPONENTES


CONSTRUTIVOS AFETADOS POR UMIDADE E SAIS........................................... 107
3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS.......................................................................................... 108

3.2 ANÁLISE DA ABRANGÊNCIA DAS ANOMALIAS E DANOS.......................113


3.2.1 Avaliação de dados e documentos.................................................................114
3.2.2 Planejamento do levantamento detalhado.............................................115
3.2.3 Meios técnicos auxiliares..................................................................................... 119

3.3 LEVANTAMENTO DETALHADO DA EDIFICAÇÃO.............................................121


3.3.1 Generalidades..............................................................................................................121
3.3.2 Planejamento da amostragem........................................................................123
3.3.3 Técnicas de retirada de amostras...................................................................127

3.4 INSTRUMENTOS E MÉTODOS PARA ANÁLISES EM CAMPO ................. 133


3.4.1 Métodos não-destrutivos para medidas de umidade........................134
a) Medição por princípios elétricos.............................................................135
b) Medição por processos físicos de partículas.....................................141
c) Métodos termométricos...............................................................................143
d) Métodos higrotérmicos.................................................................................143
3.4.2 Métodos destrutivos para medidas de umidade.................................145
3.4.3 Método não-destrutivo para sais....................................................................147
3.4.4 Métodos destrutivos para medidas e identificação de sais...........149
a) Kit-IGS para análise semi-quantitativa................................................149
3.4.5 Avaliação do potencial de absorção de água em paredes..............151
a) Jatos de “spray”....................................................................................................151
b) Cachimbo de Karsten....................................................................................152

3.5 ANÁLISES EM LABORATÓRIO.....................................................................................152


3.5.1 Medidas de umidade pelo método gravimétrico (Método Darr).152
3.5.2 Métodos de medição para sais........................................................................156
a) Análise quantitativa........................................................................................156
b) Análise qualitativa............................................................................................159
3.5.3 Avaliação da umidade higroscópica........................................................... 160

3.6 EXAMES COMPLEMENTARES DE MATERIAIS EM LABORATÓRIO.....162


3.6.1 Medidas de pH............................................................................................................163
3.6.2 Coeficiente de absorção capilar de água .................................................163
3.6.3 Porosidade...................................................................................................................164
3.6.4 Microscopia eletrônica de varredura (MEV).............................................165

3.7 INTERPRETAÇÃO E DOCUMENTAÇÃO DOS RESULTADOS DAS


ANÁLISES................................................................................................................................ 166
3.7.1 Resultados das análises de umidade........................................................... 166
3.7.2 Resultados das análises de sais...................................................................... 169

3.8 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................................171


3.8.1 Medições e análises no local .............................................................................172
a) Abrangência.........................................................................................................172
b) Inspeção das fundações...............................................................................174
c) Documentação de amostras e dos resultados................................175
4. TECNOLOGIAS PARA A RECUPERAÇÃO DE COMPONENTES E
ALVENARIAS CONTRA A UMIDADE E SAIS...............................................................177
4.1 DESENVOLVIMENTO DO CONCEITO DE RECUPERAÇÃO.........................178

4.2 TÉCNICAS HISTÓRICAS DE VEDAÇÃO DE PAREDES..................................179


4.2.1 Vedações verticais................................................................................................... 180
a) Muros/paredes de isolamento.................................................................. 181
b) Fossos de isolamento abertos...................................................................182
c) Fossos de isolamento fechados................................................................183
d) Canais de aeração .......................................................................................... 184
e) Revestimentos ou pinturas estanques.................................................187
4.2.2 Vedações horizontais............................................................................................187
4.2.3 Secagem de alvenarias........................................................................................ 188
a) Pelo uso de cal virgem.................................................................................. 189
b) Pelo uso de silicato de potássio.............................................................. 189
c) Secagem artificial............................................................................................ 189

4.3 TRATAMENTOS CONTRA A UMIDADE .................................................................192


4.3.1 Considerações iniciais para abordar o problema..................................192
a) Camadas de composição das paredes................................................194
b) Materiais constituintes das paredes.....................................................194
c) Características físico-químicas dos materiais..................................195
4.3.2 Tratamentos horizontais de vedação de paredes............................... 196
a) Processos mecânicos por seccionamento........................................ 196
b) Processos químicos por injeção............................................................. 210
c) Processos eletroquímicos...........................................................................228
4.3.3 Tratamentos verticais para a vedação de paredes.............................. 237
a) Considerações iniciais .................................................................................. 237
b) Exigências impostas pelas paredes e fundações.........................242
c) Exemplos e recomendações para tratamentos em paredes
externas.................................................................................................................242
d) Tratamentos pelo lado interno das paredes...................................248

4.4 DRENAGEM ........................................................................................................................ 250


4.4.1 Conceito de drenagem e aplicação na recuperação
de paredes....................................................................................................................... 250
4.4.2 Análises preliminares ao projeto de drenagem..................................252
4.4.3 Exigências para o projeto de drenagem..................................................254
4.4.4 Problemas em drenagens.................................................................................256
4.4.5 Componentes da drenagem...........................................................................257
a) Camada drenante ...........................................................................................258
b) Camada de infiltração..................................................................................258
c) Camada filtrante...............................................................................................258
d) Camada de proteção.....................................................................................259
e) Alternativas para a camada drenante.................................................259
f) Tubulação de drenagem.............................................................................261
4.4.6 Projeto e execução de drenagens................................................................262

4.5 OUTROS PROCESSOS PARA O TRATAMENTO CONTRA


A UMIDADE............................................................................................................................265
4.5.1 Considerações iniciais...........................................................................................265
4.5.2 Ventilação de paredes.........................................................................................266
a) Fundamentos físicos-construtivos........................................................267
4.5.3 Revestimentos ventilados..................................................................................275
4.5.4 Introdução de dispositivos para retirada de umidade....................277

4.6 TECNOLOGIAS PARA RECUPERAÇÃO DE PAREDES SALINIZADAS.278


4.6.1 Visão geral dos processos...................................................................................278
4.6.2 Processos de tratamento para paredes salinizadas..........................282
a) Tratamentos por meios mecânicos......................................................283
b) Procedimentos alternativos para redução da carga de sais.285
c) Processos eletroquímicos..........................................................................294
d) Tratamento químico dos sais................................................................. 298
e) Tratamento biológico dos sais................................................................ 301
4.6.3 Rebocos de recuperação....................................................................................302
a) Princípios fundamentais............................................................................302
b) Composição dos rebocos de recuperação...................................... 304
c) Mecanismos de atuação.............................................................................305
d) Requisitos e propriedades dos rebocos de recuperação....... 306
e) Prescrição de rebocos de recuperação............................................. 308
f) Execução de rebocos de recuperação............................................... 310
g) Pastas de recuperação..................................................................................314
h) Restrições à utilização de rebocos de recuperação....................315

4.7 IMPERMEABILIZAÇÃO DE BASE MINERAL.......................................................319


4.7.1 Considerações iniciais............................................................................................319
4.7.2 Problemas vinculados com as impermeabilizações minerais
tradicionais......................................................................................................................320
4.7.3 Princípios de funcionamento da impermeabilização
mineral................................................................................................................................321
4.7.4 Princípios de execução........................................................................................324
4.7.5 Avaliação da solução adotada........................................................................326

4.8 PANORAMA SOBRE A RECUPERAÇÃO DE ELEMENTOS


VERTICAIS EM EDIFICAÇÕES.....................................................................................328
4.8.1 Fachadas.......................................................................................................................328
4.8.2 Materiais de fachadas..........................................................................................329
4.8.3 Origem das anomalias em fachadas..........................................................330
a) Influência da umidade................................................................................330
b) Gradiente de temperatura........................................................................330
c) Poluentes atmosféricos................................................................................ 331
d) Ataque de microrganismos...................................................................... 332
e) Sais........................................................................................................................... 332
4.8.4 Limpeza das fachadas......................................................................................... 333
a) Generalidades................................................................................................... 333
4.8.5 Proteção de fachadas........................................................................................... 334
a) Hidrofugação..................................................................................................... 334
b) Pinturas e revestimentos............................................................................ 336

4.9 BOLOR EM AMBIENTES INTERNOS...................................................................... 338


4.9.1 Determinação das causas da formação do bolor ............................... 339
4.9.2 Conceitos fundamentais para evitar a formação de bolor .......... 340
4.9.3 Eliminação do Bolor...............................................................................................341

LITERATURA CONSULTADA...................................................................................................... 343


PREFÁCIO

É com imensa honra e alegria que apresento este


livro dos amigos Hélio Greven (in memoriam) e
Jörg Seele.
Conheci os professores Hélio Adão Greven
e Jörg Seele em outubro de 2009, por ocasião de
um curso intensivo sobre patologia em alvena-
rias na Universidade Estadual Vale do Acaraú,
em Sobral, Ceará. O curso contou com quatro
módulos, desde caracterização dos danos em
alvenarias, passando por métodos e técnicas de
recuperação por barreira, técnicas de recupe-
ração por ventilação e drenagem e tecnologias
específicas contra sais e reparações por rebocos
com utilização de materiais especiais. O Prof.
Seele, alemão, e que na altura não falava quase
nada em português, teve suas falas traduzidas
em português pelo gentil Prof. Greven. O cur-
so ocorreu num sábado e foi um total sucesso!
Auditório lotado, alunos bastante participativos
e lembro ainda que olhavam de modo muito
atencioso para a aula que era apresentada. De lá
para cá, alguns anos se passaram e já agora, com
memórias saudosas daquele amável sábado em
Sobral.

13
Os grandes feitos nos tornam imortais! E fruto de um grande
ALVENARIAS AF ETADAS POR UM I DAD E E SAI S

feito – destes que a vida nos privilegia vivenciar – é que recebe-


mos de presente uma grande contribuição técnica para a área de
patologia das construções, especificamente no que diz respeito às
“Alvenarias afetadas por umidade e sais”, por Hélio Adão Greven
e Jörg Seele, com revisão técnica dos amigos Esequiel Mesquita e
Alexandre Bertini.
Os conhecimentos adquiridos ao longo das experiências dos
professores Greven e Jörg Seele são apresentados de forma didá-
tica e ilustrada ao longo de quatro grandes capítulos. No primei-
ro capítulo, são apresentados os tipos e causas das anomalias em
alvenarias pela ação da umidade e sais, seguidos pela apresenta-
ção dos principais mecanismos de degradação das alvenarias no
capítulo dois. O capítulo três é dedicado à apresentação de uma
metodologia para inspeção, enquanto o capítulo quatro introduz
as técnicas para tratamento das alvenarias. Certamente, é uma
leitura prática e informativa para aqueles que possuem interesse
na área de reabilitação de alvenarias.
Por fim, felicito os autores, revisores e a Editora LEUD
pela escrita, revisão e produção deste livro com mais de trezen-
tas páginas, que se fará presente como manual de consulta dos
estudantes, engenheiros e técnicos envolvidos com projetos de
reabilitação.

Prof. Francisco Carvalho de Arruda Coelho


Doctor de Ingenieria de Caminos, Universidad Politecnica de Madrid
Vice-Reitor da Universidade Estadual do Vale do Acaraú

14
INTRODUÇÃO

A recuperação de edificações em serviço é um


campo profissional extenso, em crescimento na
Engenharia e Arquitetura, e com tendência a se
tornar uma especialização indispensável, pois a
revitalização de edifícios antigos, a reparação da
sua deterioração pelo tempo, a sua adequação às
novas exigências energéticas deste século, são
fatores que podem contribuir de forma signifi-
cativa para o Desenvolvimento Sustentável da
Construção Civil.
Como desenvolvimento sustentável, na
construção civil, pode-se citar o grande núme-
ro de obras antigas na Europa que ainda fazem
parte do cenário urbano, com ótima conserva-
ção, desempenho e até hoje utilizadas para ha-
bitações ou atividades comerciais, contribuindo
para minimizar o impacto ambiental por resí-
duos de demolição, de construção e de consumo
de materiais em novas edificações.
Por outro lado, há que se considerar outro
conjunto de obras, que é aquele de caráter histó-
rico e cultural, que contém o registro do desen-
volvimento social e econômico de cada cidade,
região ou país e que cabe ser preservado no todo
ou em parte, pelo valor inestimável da memória
que encerram.

15
Independente do objeto da recuperação ser um edifício co-
ALVENARIAS AF ETADAS POR UM I DAD E E SAI S

mum, um monumento ou edifícios tombados, os trabalhos de re-


cuperação de edificações demandam prática profissional abran-
gente e especializada.
Por um lado, devem ser considerados os aspectos econômi-
cos e ambientais do contexto, por outro a manutenção e salva-
guarda do acervo histórico ligado à construção em geral e à edifi-
cação em particular.
As atribuições na área da recuperação de edificações são
complexas e multidisciplinares – sendo um dos campos mais im-
portantes e estimulantes à coordenação de atividades profissio-
nais de especialistas – do historiador ao restaurador, do pedreiro
ao jardineiro. Para atender às necessidades vinculadas às diversas
solicitações se fazem necessários conhecimentos teóricos e práti-
cos, abrangentes e específicos. Esses conhecimentos os estudan-
tes não adquirem em seus cursos de graduação, uma vez que estes
estão voltados para os projetos e a execução de edificações novas.
O desenvolvimento de projetos ou trabalhos relacionados
à recuperação de edificações existentes, principalmente histó-
ricas ou antigas, difere substancialmente daqueles relacionados
a edificações novas. Há uma multiplicidade de fatores a serem
explicitados.
Num primeiro ponto, enquanto os projetos de edificações
novas se baseiam em simulações e abstrações a serem confirma-
das, a recuperação de edificações antigas parte de situações reais
e concretas. As informações pertinentes à edificação são raras e
inconsistentes: não são encontrados os projetos e quando o são,
normalmente diferem do executado. O mesmo se aplica para as
modificações, ampliações ou outras intervenções, de tal modo
que os profissionais são obrigados a trabalhar com o “desconhe-
cido”. Isso se aplica tanto para a construção quanto para os com-
ponentes construtivos e materiais utilizados, bem como para o
estado atual da edificação com seus danos aparentes ou ocultos.
Exatamente nisso estão embutidas as dificuldades: se a edifi-
cação não for suficientemente analisada e as suas peculiaridades

16
e particularidades não forem conhecidas, abre-se a possibilidade

I NTR OD UÇÃO
de riscos e erros, tanto na fase de projetos quanto na de execução
da recuperação. A compatibilização da capacidade efetiva da edi-
ficação em cumprir exigências de utilização diferenciadas, a utili-
zação de materiais “modernos”, em conjunto com materiais “anti-
gos” e as repetidas surpresas que ocorrem na fase de execução, em
relação à integridade de componentes construtivos, abrangem a
diversidade de situações impostas que exigem respostas respal-
dadas e consequentes.
As consequências que daí surgem dizem respeito:
• Ao incremento de custos por tarefas não previstas, em
virtude de danos ocultos não identificados;
• As falhas na avaliação da “real” capacidade da edifi-
cação em relação à capacidade estrutural, instalações,
durabilidade dos materiais, etc.;
• Ao reaparecimento de danos após curto espaço de
tempo, em virtude de solicitações de utilização acima
da capacidade da edificação ou pela incompatibilida-
de dos materiais e técnicas empregados.

Do exposto, se evidencia a necessidade de compilar todas as


informações possíveis quanto ao estado da edificação a partir de
levantamentos, análises e exames. As metas a serem propostas e
alcançadas dizem respeito a:
• idade e histórico da edificação;
• indicadores de modificações e reformas anteriores;
• indicadores de mudança na utilização;
• informações sobre danos e patologias anteriores e
atuais;
• informações sobre trabalhos e reparos feitos e sobre os
materiais utilizados.

Somente assim será possível congregar conhecimento que


possa permitir a elaboração de projetos de recuperação consis-

17
tentes, inclusive complementados por especificações e orçamen-
ALVENARIAS AF ETADAS POR UM I DAD E E SAI S

tos. A problemática envolvida diz respeito ao seguinte:


• Segurança do sistema estrutural: Fundações, estru-
tura, paredes, pavimentos e cobertura;
• Instalações prediais: situação, reforma e
modernização;
• Física das construções, micro-clima e estanquei-
dade da edificação: proteção térmica e contra umi-
dade, pontes térmicas, proteção acústica, proteção
ao fogo, micro-clima, envoltório superficial e utiliza-
ção, carga de umidade e teor de sais em fundações e
paredes;
• Fachadas e superfícies externas: Revestimentos de
pedras, tijolos aparentes, concreto, reboco, pintura,
vidros e metais, acabamentos e demais componentes
do envoltório.
• Sistemas e componentes em madeira: estruturais,
telhados, entrepisos, outros;
• Itens complementares: acabamentos internos
(afrescos e elementos decorativos); equipamentos e
mobiliário (pinturas, estátuas e móveis).

Fazem parte das análises e exames preliminares, as respostas


aos quesitos listados na Tabela 1.

18
Tabela 1 – Levantamento técnico em trabalhos de recuperação de

I NTR OD UÇÃO
edificações.

Tópicos Itens relacionados


Pontos » verificação das adequações funcionais e
principais: construtivas;
» determinação da capacidade de uso ou mudança
de utilização;
» avaliação dos problemas e deficiências;
» avaliação da abrangência e custos de recuperação;
» estudo do grau de importância da edificação e/ou
monumento;
» análise da situação atual (histórico da edificação);
» elaboração de um relatório da situação atual
(inventário).
Conteúdo do » construção e uso da edificação;
inventário: » condições locais específicas;
» registro da deterioração.
Detalhamento » tipo e localização das fundações;
construtivo: » situação e estado da impermeabilização das
fundações,
» tipos de paredes;
» composição e materiais constituintes das paredes;
» tipos de amarração da alvenaria;
» espessura das paredes;
» heterogeneidade, vazios e fissuras;
» particularidades específicas;
» medidas de recuperação anteriores;
» condições do microclima.
Registro da » tipos de deterioração;
deterioração: » “escalas de avaliação”;
» localização e distribuição da deterioração na
construção;
» “horizonte da deterioração”

Os resultados serão inseridos na documentação a ser


elaborada:
• inserção de desenhos (plantas baixas, cortes,
fachadas);
• documentação fotográfica;

19
• descrição dos danos, identificando posicionamento,
ALVENARIAS AF ETADAS POR UM I DAD E E SAI S

tipo e abrangência.

O procedimento para a elaboração das análises e exames,


para se obter o registro da deterioração, passa pelas seguintes
etapas:
1. Preparação dos exames
• Planejamento dos exames e análises.
• Estudo das fontes de informações disponíveis.
2. Medidas “in situ”
• Inventário e registro dos danos.
• Medições.
• Retirada de amostras.
• Análises.
3. Análises de laboratório
- Realização e interpretação de resultados.
- Definição da necessidade de exames complementares.
4. Elaboração dos relatórios e dos projetos de
recuperação
• Interpretação global dos resultados.
• Redação dos relatórios.

Como auxílio para os trabalhos de levantamento, identifi-


cação e abrangência dos danos e anomalias podem ser utilizadas
planilhas específicas.
Sobre a abrangência deste livro, as anomalias e danos des-
critos neste livro são identificadas na prática como “anomalias
de umidade”, mas a grande parte das anomalias específicas de
umidade, como a “formação de bolor”, será abordada apenas su-
perficialmente por exigir conhecimentos mais abrangentes de
Física e Biologia das Construções que não fazem parte do escopo
desse livro.

20
Será enfatizada a consideração da presença simultânea de

I NTR OD UÇÃO
sais solúveis e água, pois são os sais que se encontram solubili-
zados nos materiais de construção os principais responsáveis pe-
las anomalias e danos em vedações verticais das edificações, e só
um melhor entendimento dos mecanismos de ocorrência poderá
conduzir a tecnologias mais apropriadas de recuperação ou re-
paro desses elementos. As soluções podem ser muito amplas e
variadas, conforme a origem e os mecanismos de atuação da água
e dos sais e ainda pela importância e idade dos elementos a serem
reparados.
Desta forma, os autores se propuseram à publicação deste
livro para tratar especificamente das anomalias por umidade e
sais, em vedações verticais de edificações em serviço e o conteú-
do abrange os seguintes capítulos principais especificados no
seguimento.
O Capítulo 1, de introdução às características e causas das
anomalias decorrentes de umidade e sais em edificações, conjun-
tamente com o necessário embasamento teórico da ação desses
agentes;
O Capítulo 2, os conceitos de Física das Construções e outros
fundamentos para o entendimento dos mecanismos de degrada-
ção envolvidos na formação das anomalias;
O Capítulo 3, apresenta de forma inédita o grande leque de
possibilidades e tecnologias para a realização de diagnósticos
precisos e fundamentados, tanto para análises “in situ”, quanto
em laboratório.
O Capítulo 4, vai abordar as tecnologias e soluções para re-
cuperação de componentes e alvenaria vertical contra umidade,
sais e bolor, ilustrando com imagens os danos causados por estas
anomalias, bem como o processo adequado para recuperação da
edificação ou monumento.
O presente livro trata das medidas preparatórias e mais exa-
tamente do diagnóstico para a recuperação de vedações internas
e fachadas de edificações e isso por razões concretas, a saber:

21
Danos e consequências ocorrem por falta de suficiente iden-
ALVENARIAS AF ETADAS POR UM I DAD E E SAI S

tificação das causas e do seu inter-relacionamento, conduzindo


a utilização de materiais impróprios e medidas inadequadas nos
trabalhos de recuperação.
Cabe salientar que essas análises preliminares não devem se
constituir em um fim em si, mas como necessárias para o emba-
samento de um diagnóstico e de um projeto de recuperação cor-
reto e abrangente. Não pode ser esquecido que mesmo a melhor
das análises e levantamentos não substituem o cérebro e a lógica
humanos, considerados indispensáveis para todo o trabalho de
Engenharia.
A descrição dos diferentes processos e técnicas de investiga-
ção de edificações afetadas por umidade e sais deve ser considera-
da como facilitadora para um entendimento global do problema e
de iniciação aos estudos para projetos de recuperação nesta área.

22
1
TIPOS E CAUSAS DAS
ANOMALIAS POR
UMIDADE E SAIS
TIPOS E CAUSAS DAS ANOMALIAS
POR UMIDADE E SAIS

O título deste capítulo aponta para uma relação sempre procura-


da pelos especialistas: o tipo de anomalia deve ser indicador das
causas.
Para efeito deste livro, as causas de uma anomalia são os
agentes que lhe dão origem e os seus mecanismos específicos de
atuação no processo de deterioração.
A variedade de origem dos agentes e seus mecanismos exi-
gem obrigatoriamente que se tente identificá-los, pois uma única
terapia ou tratamento, dificilmente pode resolver ou amenizar
todas as causas.

1.1 TIPOS DE ANOMALIAS

As anomalias em paredes e vedações afetadas por umidade e sais


podem atingir estágios de deterioração diversos e tendem a se
agravar quando não reparadas, evoluindo para problemas mais
graves, em geral chamados de danos.
A descrição dos tipos de anomalias deve apresentar respos-
tas para as seguintes questões:
• Quais são as anomalias ou falhas características?
• Qual a forma como se apresentam?
• Quais são as suas origens?
• Quais os fatores a serem considerados?
• Quais os tipos, intensidade, localização e abrangência?

24
Como ilustrado na Figura 1.1, a extensão das anomalias vai
de pequenos esfarelamentos localizados até a perda do material
constituinte, que podem influir na estabilidade estrutural ou
comprometer a preservação da edificação, implicando então em

TIPOS E CAUSAS DAS ANO M ALIAS PO R UM IDAD E E SAI S


danos materiais aos seus usuários ou proprietários.

Figura 1.1 – Extensão das anomalias em paredes com


deterioração por umidade e sais.

Como consequências da atuação da umidade e sais, podem


ocorrer diferentes danos, quais sejam:

25
• Danos materiais à edificação: Deterioração de pintu-
ras, rebocos e alvenarias, como ilustra a Figura 1.2.
• Danos de insalubridade aos usuários: Alta umidade
ambiental, cheiro desagradável, ataque biológico por
ALVENARIAS AF ETADAS PO R UM IDAD E E SAI S

fungos e algas.

Figura 1.2 – Ilustração de fachadas severamente deterioradas.

Embora existam manifestações típicas, é necessário alertar


que a classificação das anomalias é difícil, pois:
• Existem anomalias com origens diferentes, mas com
as mesmas manifestações;

26
2
MECANISMOS DE
DEGRADAÇÃO E
SURGIMENTO DE
DANOS PELA AÇÃO
DA UMIDADE E SAIS
MECANISMOS DE DEGRADAÇÃO
E SURGIMENTO DE DANOS PELA
AÇÃO DA UMIDADE E SAIS

Para um melhor entendimento do inter-relacionamento entre os


fenômenos de deterioração e demais tópicos deste livro − as ano-
malias e os danos da umidade e dos sais, a identificação das suas
causas e origens, os mecanismos ativos e a metodologia das aná-
lises − com vistas a um diagnóstico para o projeto de recupera-
ção, é fundamental o conhecimento de alguns princípios teóricos
das ciências básicas. Somente a discussão destes tópicos permite
tomar as decisões corretas para a escolha e a determinação dos
processos de recuperação mais adequados.
Desta forma, também fica assegurado o conhecimento para
o leitor poder diferenciar processos e soluções apropriadas da-
quelas inadequadas, pois são muitas as opções apresentadas
comercialmente.
Este é o motivo pelo qual serão abordados, neste capítulo,
vários conceitos e tópicos vinculados à Física das Construções e
à Ciência dos Materiais de Construção, citando-se, quando per-
tinente, as normas que endossam a terminologia e definições
apresentadas.

2.1 CONCEITOS BÁSICOS SOBRE A


OCORRÊNCIA DE VAPOR DE ÁGUA
EM EDIFICAÇÕES

O vapor de água é um dos componentes do ar. Por exemplo, nas


habitações, o vapor provém dos próprios usuários humanos, dos

52
animais, das plantas, do ato de cozinhar e lavar, da utilização de
chuveiro e demais hábitos característicos dos seus moradores,
como listados na Tabela 2.1.
O vapor de água se forma à temperatura de 100°C à pressão

MECAN IS MOS DE DEG RADAÇÃO E SURGIMENTO DE DANOS PEL A AÇÃO DA UM IDAD E E SAI S
normal ou por evaporação natural. O ar ambiente contém uma
quantidade variável de vapor de água conforme a temperatura,
como indica a Figura 2.1.

Tabela 2.1 – Geração de vapor de água pelas atividades humanas.

Quantidade em
Origem (fonte) Exemplo
gramas/hora
Atividade leve 30 – 60
Ser humano Atividade média 120 – 200
Atividade pesada 200 – 300
Banho em banheira Aprox. 700
Banheiro
Ducha Aprox. 260
Cozinhar e preparar 600 – 150
Cozinha
Média diária 100
Flores no ambiente Violetas 5 – 10
Samambaia 7 – 15
Seringueira 10 – 20
Plantas em vasos
Plantas aquáticas 6–8
Superfície de água Aprox. 40g/m2 h
Árvores de
Arbustos 2 – 4 kh/hora
pequeno porte
Roupa centrifugada 50 – 200
Secagem de roupas
Roupa molhada 100 – 500

53
ALVENARIAS AF ETADAS PO R UM IDAD E E SAI S

Figura 2.1 – Variação da quantidade de vapor de água


em função da temperatura do ar.

2.1.1 Umidade relativa do ar

Em função da temperatura, o ar irá conter uma certa quantidade


máxima de vapor de água. Essa quantidade máxima, expressa na
forma de pressão, é denominada de pressão de saturação de
vapor de água (ps).
Se o ar não estiver saturado de vapor de água, a pressão é
denominada de pressão parcial de vapor de água (pd).
A umidade relativa do ar, φ, é a relação entre a pressão
parcial de vapor de água, pd, e a pressão de saturação de vapor de
água, ps, ambas a mesma temperatura, conforme a Equação 1 .

φ = pd / ps , Equação 1

Esta grandeza indica qual a porcentagem do volume do ar


está saturada por vapor de água. Exemplo:
pd =702 Pa a 20°C;
ps = 2340 Pa a 20°C;
� = pd/ ps = 702/2340 = 30 %.

54
Se a umidade relativa do ar for conhecida, pode-se determi-
nar o valor de pd pela Equação 2, ou pelo uso de tabelas ou gráfi-
cos como na Figura 2.2.

MECAN IS MOS DE DEG RADAÇÃO E SURGIMENTO DE DANOS PEL A AÇÃO DA UM IDAD E E SAI S
p d = φ . ps , Equação 2

Figura 2.2 – Pressão de saturação de vapor de água no ar, em


função da temperatura.

Pelo aquecimento do ar, sem entrada ou saída de vapor de


água, reduz-se a umidade relativa, pois a capacidade de absorção
de água pelo ar e a pressão de saturação aumentam com a eleva-
ção da temperatura. Diminui, assim, a proporção entre a quanti-
dade real de vapor de água presente e a quantidade de vapor de
água de saturação (umidade relativa).
• A pressão parcial de vapor de água é função da tempe-
ratura e da umidade relativa do ar.

55
ALVENARIAS AF ETADAS PO R UM IDAD E E SAI S

Figura 2.3 – Pressões parciais e de saturação do ar por vapor de


água, em função da temperatura e umidade relativa.

Na Figura 2.3 tem-se curvas de pressão parcial e de satura-


ção, e os dois seguintes exemplos podem ser dados:
• para a curva de UR igual a 80 % e à temperatura de
30 o C, a pressão parcial de vapor de água pd é igual a
3395,2 Pa;
• para a curva de UR igual a 60 % e à temperatura de
10 o C, a pressão parcial de vapor de água pd é igual a
736,8 Pa.

A pressão de saturação do vapor de água é alcançada quando


a umidade relativa do ar é 100 %. Na Figura 2.3, pode-se ver que
para cada temperatura corresponde uma determinada pressão de
saturação do vapor de água, e o seguinte exemplo pode ser dado:
a 10 o C, a pressão de saturação de vapor de água, ps, é igual a 1228
Pa e, para este valor de pressão, o vapor de água condensa.

56
3
METODOLOGIA
PARA A INSPEÇÃO
DE ALVENARIAS
E COMPONENTES
CONSTRUTIVOS
AFETADOS POR
UMIDADE E SAIS
METODOLOGIA PARA A INSPEÇÃO
DE ALVENARIAS E COMPONENTES
CONSTRUTIVOS AFETADOS
POR UMIDADE E SAIS

3.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS

Como instância inicial para um trabalho de recuperação tecnica-


mente adequado e de custos favoráveis, a meta para a análise de
edificações, com anomalias por umidade e sais, é semelhante em
considerações gerais a um projeto convencional e deve fornecer
diretrizes para o planejamento, as especificações e o orçamen-
to da obra. Para tanto, avaliações adjacentes aos elementos em
análise são também necessárias para que possam ser identifica-
das possíveis ingerências antes do início do planejamento pro-
priamente dito. Tendo isto em vista, as análises são ditadas por
duas diretrizes importantes: a identificação e a avaliação da si-
tuação inicial.
Os problemas que envolvem a recuperação de edificações
antigas e de edificações históricas e tombadas são basicamen-
te os mesmos, pois muito raramente se encontram os projetos
originais. Estes, quando existem, quase nunca correspondem ao
realizado.
Daí resulta a fixação das metas para os exames e levanta-
mentos e a preparação de material auxiliar, pois é a complemen-
tação dos projetos que pode criar condições, para se poder tomar
decisões a respeito das intervenções a serem feitas.
A necessidade de exames e levantamentos pode ser orien-
tada por meio das quatro seguintes condições determinantes e
fundamentais:

10 8
• situação precária da edificação, por falta de
manutenção;
• exigências principais de ocupação ou de maior
conforto;

METODOLOG IA PARA A INSPEÇÃO DE ALVENARIAS E CO M PO NENTES CO NSTRUTIVOS...


• danos por uso de materiais não compatíveis ou por
processos errados de recuperação precedente;
• aceleração dos danos em virtude de agressão do am-
biente (produtos agressivos provenientes do ar ou da
água).

Decisões inadequadas ou erradas podem ter origem na aná-


lise incompleta do objeto de estudo. Não se trata, neste caso, sim-
plesmente de avaliar os danos, a situação e a abrangência, pois a
análise para julgamento da situação de uma edificação deve ter
em vista:
• a verificação da sua aptidão funcional e construtiva,
• a avaliação da sua capacidade de utilização e de
reaproveitamento,
• a abrangência das anomalias e dos danos,
• a avaliação preliminar dos custos e gastos com a
recuperação.

Se um monumento edilício, tombado ou não, for ser anali-


sado, novamente abre-se um leque de metas a serem atingidas:
• análise da história e da situação atual,
• compilação de documentos representativos da situa-
ção atual,
• pesquisa final acerca da representatividade da situação
atual, como fundamentação para a sua manutenção.

Os pontos fundamentais, abordados acima de forma sucin-


ta, evidenciam a complexidade do assunto e indicam a necessida-
de de, já nos estudos preliminares, serem envolvidos especialistas

10 9
de diferentes áreas (engenheiro estrutural, de instalações, de ma-
teriais, químicos, físicos e restauradores).
Do mesmo modo, é importante a concepção inicial sobre a
utilização após a recuperação, pois permitirá identificar conteú-
ALVENARIAS AF ETADAS PO R UM IDAD E E SAI S

dos e abrangências no processo de exames da edificação.


Uma questão decisiva é atribuída à abrangência e à avalia-
ção do estado atual da edificação. Enquanto em tempos passados
predominavam as avaliações visuais, como elemento para a for-
mulação de decisões qualitativas – podendo, tanto os critérios de
avaliação como a hierarquia, ficar dependendo de valoração sub-
jetiva do analista – são encontrados cada vez mais, métodos de
trabalhos de caráter científico com utilização dos equipamentos
correspondentes. No entanto, continua havendo a falta de crité-
rios objetivos de avaliação, que permitam fazer comparações en-
tre resultados de análises, e da generalização de procedimentos.
Por isto ainda, o tipo e a abrangência de uma análise são influen-
ciados pela subjetividade da metodologia do analista.
Tendo em vista que nunca irá existir um equipamento que
meça em unidades os danos em edificações, estas considerações
remetem para uma importante necessidade da prática, pela qual o
autor do levantamento das anomalias, o avaliador dos danos iden-
tificados e o projetista da recuperação sejam a mesma pessoa ou,
pelo menos, formem uma equipe atuando no mesmo ambiente.
Outro problema prático que se apresenta é o da precisão e
representatividade dos processos de análise para orientarem as
possibilidades de recuperação do objeto em estudo. Assim, por
exemplo, a quantidade de sais numa amostra pode ser medida até
a precisão de um milésimo de grama, porém a representatividade
desta amostra no universo da edificação pode ser ínfima. Além
do mais, o tipo de recuperação para problemas de salinidade de-
pende muito da quantidade e da procedência das amostras nos
elementos em análise.
Assim, se torna uma prática importante no levantamento
global de edificação atacada por umidade e sais a abrangência de

110
cada um dos diagnósticos, levando em consideração as caracte-
rísticas da edificação, as expectativas de utilização e a valoração
da manutenção, não só sob o ponto de vista técnico e científico
do consultor, que pode apresentar soluções de interesse pessoal

METODOLOG IA PARA A INSPEÇÃO DE ALVENARIAS E CO M PO NENTES CO NSTRUTIVOS...


ou comercial próprios.
Como visto no capítulo 1, as anomalias e os danos da ação de
umidade e de sais são, na maioria das vezes, de fácil identificação,
pois os limites da umidade, as manchas da umidade, o horizonte
de evaporação, a descoloração esbranquiçada, ou as eflorescên-
cias dos sais são indicadores típicos.
Por isto, o levantamento inicial e a quantificação das ma-
nifestações patológicas podem ser normalmente feitos de forma
visual, e essa inspeção constitui o primeiro passo de uma análise.
Entretanto, permanece indeterminada a abrangência das anoma-
lias e danos da umidade e dos sais, bem como a sua distribuição
nas paredes atacadas. Isto significa: avaliação subjetiva dos danos
por umidade e sais feita visualmente. Muitas vezes não é sufi-
ciente para a identificação exata das causas e ocorrem superposi-
ções de influências, o que na maioria das vezes torna oportuna a
aplicação do princípio das exclusões (aquilo que com certeza não
pode ser).
Se mesmo assim, a origem não puder ser perfeitamente
identificada, se tornam necessárias medições da umidade e da
salinização, visando determinar a intensidade e a distribuição.
Além disto, deve ser respeitado o princípio de que os efeitos da
sobrecarga de umidade e sais também dependem das caracterís-
ticas do material de construção envolvido, embora isto muitas
vezes se torne sem importância, e outras vezes seja decisivo. Se
estas premissas são importantes para a listagem de proposições
de recuperação, elas só podem ser identificadas e quantificadas
por ensaios específicos, feitos “in loco” ou em laboratório.
A razão e o sentido das análises são determinados pela pró-
pria edificação; devem fornecer informações para o planejamen-
to, sobre os seguintes aspectos:

111
• conhecimento abrangente do estado atual: determi-
nação das particularidades, anomalias e danos;
• conhecimento das causas e origem das anomalias e
danos;
ALVENARIAS AF ETADAS PO R UM IDAD E E SAI S

• modificações e reformas realizadas, mudanças na


utilização;
• prevenção contra resultados negativos de modifica-
ções (utilização);
• determinação das medidas para resguardar o material
original;
• escolha da melhor relação custo-benefício.

Daí são derivados os aspectos principais a serem levantados


pelas análises, sendo que os problemas típicos que podem ser
exemplificados são:
• construções portantes (capacidade portante, modifi-
cações das formas);
• estado dos materiais (degradação, desgaste, trincas e
fissuras, corrosão, biodeterioração);
• aderência de rebocos e pinturas;
• procura de detalhes encobertos, canalizações, vazios;
• verificação das instalações;
• umidade e salinidade dos diversos componentes e ele-
mentos construtivos.

Com isto em vista, cabe resumir as análises nas seguintes


etapas:
• definições iniciais da amostragem para cada tipo de
problema a ser investigado;
• retirada e/ou coleta de amostras;
• ensaios “in loco” ou em laboratório.

112
4
TECNOLOGIAS PARA
A RECUPERAÇÃO DE
COMPONENTES E
ALVENARIAS CONTRA
A UMIDADE E SAIS
TECNOLOGIAS PARA
A RECUPERAÇÃO DE
COMPONENTES E ALVENARIAS
CONTRA A UMIDADE E SAIS

Este capítulo irá abordar inicialmente as soluções de vedação


horizontal, pois envolvem tecnologias mais específicas e muito
pouco difundidas na literatura técnica brasileira.
As técnicas de impermeabilização atuais, com propriedades
de barreira contra gases e líquidos em geral, são aqui considera-
das um tipo especial de vedação e serão abordadas como perten-
centes aos processos verticais de vedação contra a umidade.
Ao final são apresentadas as tecnologias apropriadas para o
combate a sais e bolor, em caso de haver também a necessidade
de combate a esses agentes.

4.1 DESENVOLVIMENTO DO CONCEITO


DE RECUPERAÇÃO

Em princípio, a recuperação de uma edificação depende de dois


fatores: do mecanismo dos danos e das metas a serem alcan-
çadas. Enquanto a identificação dos mecanismos dos danos é
perfeitamente determinada pelas análises, as metas têm cono-
tações subjetivas. Essas podem partir de simples considerações
de manutenção de monumentos ou edifícios, no estado em que
se encontram, ou a revitalização de uma edificação antiga para
atender nova utilização, ou ainda a valorização visual de prédios
e fachadas – por exemplo, a renovação total de uma igreja – aten-
dendo ainda critérios de otimização de custos.

17 8
São muitos os fatores envolvidos:
• a abrangência e a intensidade dos danos e anomalias e
os seus mecanismos;
• possibilidades e limitações de intervenção na edifica-

T ECNOLOGIAS PARA A RECUPE RAÇÃO DE COMPONENTES E ALVENARIAS CO NTRA A UM IDAD E E SAI S


ção (por exemplo, edifícios históricos);
• definição das metas: resguardo das características
construtivas e materiais originais, atendimento às ne-
cessidades atuais de utilização, valorização visual per-
manente, atendimento a exigências específicas;
• custos compatíveis.

Sobre este aspecto, deve ser evidenciada a necessidade de


uma organização do raciocínio em forma de rede, para atendi-
mento a todas às exigências da recuperação do edifício, o que cer-
tamente pode envolver outros especialistas, por exemplo, para:
• segurança estrutural (por exemplo, em casos de sec-
cionamento horizontal, demolição e reconstrução de
paredes componentes;
• medidas de restauração (riscos de comprometimen-
to das superfícies de pinturas atingidas por sais e
umidades);
• exigências das mudanças de ocupação ou revitalização.

4.2 TÉCNICAS HISTÓRICAS DE


VEDAÇÃO DE PAREDES

A proteção das edificações contra a umidade preocupa a humani-


dade há séculos. Na história da construção, são encontrados mui-
tos exemplos. Assim, por exemplo, Heródoto descreve a utiliza-
ção do alcatrão para vedação, da Índia são conhecidas argamassas
com adições especiais para a vedação contra a umidade.

17 9
Vitrúvio propõe em seus 10 compêndios sobre arquitetura, a
utilização de receitas específicas para o revestimento de paredes
umedecidas.
Já no século 19, são discutidas técnicas de vedação vertical,
ALVENARIAS AF ETADAS PO R UM IDAD E E SAI S

até então muito pouco utilizadas nas construções. No início do


século 20 aparecem com bastante frequência descrições sobre
a utilização de técnicas de vedação horizontal combinadas com
soluções para a vedação de outras áreas das edificações. São en-
contradas, a partir desta data, proposições semelhantes para edi-
ficações novas e antigas. Também são propostos processos para
a inclusão dessas técnicas em edificações antigas, como ilustra o
resumo na Figura 4.1.

Figura 4.1 – Sinopse das técnicas de vedação de paredes contra a


ação da umidade, em edifícios novos e antigos.

4.2.1 Vedações verticais

As soluções típicas de eras passadas incluíam:


a. inserção de muros/paredes com um afastamento es-
pecífico, ao longo da face externa das fachadas que es-
tavam em contato com o solo;

18 0
b. uso de fossos de isolamento, com disposição seme-
lhante à dos muros. A parte superior podia permane-
cer aberta (livre) ou receber cobertura de grades ou
placas de concreto, com chaminés de ventilação;

T ECNOLOGIAS PARA A RECUPE RAÇÃO DE COMPONENTES E ALVENARIAS CO NTRA A UM IDAD E E SAI S


c. Inclusão de canais de aeração dentro da seção das
paredes;
d. Utilização de revestimentos ou rebocos estanques.

a) Muros/paredes de isolamento
Geralmente, os muros de isolamento eram erguidos em frente à
parede principal e feitos de uma parede auxiliar afastada de apro-
ximadamente 7 cm daquela. O espaço vazio apresentava con-
dições de deságue e ventilação. Na Figura 4.2 está ilustrado um
exemplo típico de muro de isolamento.

Figura 4.2 – Muro de isolamento formado por parede auxiliar em


frente à parede principal, na face em contato com a umidade
de solo.

18 1
b) Fossos de isolamento abertos
Em fossos abertos, era executado um muro paralelo à parede da
edificação. A largura do fosso era de aproximadamente 70 cm
(para permitir visita). No pé do muro era executada uma calha de
ALVENARIAS AF ETADAS PO R UM IDAD E E SAI S

argamassa de cimento para a condução das águas de chuva.


A água era canalizada no fundo do fosso e conduzida por
canalizações até o ponto de deságue. A vantagem dessa solução é
a facilidade de controle e limpeza. Entretanto, causa um respin-
gamento de águas de chuva numa determinada faixa da parede
da edificação, a qual deverá ser revestida convenientemente por
reboco impermeável.
Na Figura 4.3 está ilustrado um exemplo típico de fosso de
isolamento aberto na parte superior.

Figura 4.3 – Solução típica de fosso de isolamento aberto,


encontrada em edifícios antigos.

18 2

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