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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PERNAMBUCO

CENTRO DE FILOSOFIA E CIÊNCIAS SOCIAIS


DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS

LARA BEZERRA DE SAMPAIO CARVALHO

Horkheimer e Habermas: semelhanças e diferenças

Recife
2021
LARA BEZERRA DE SAMPAIO CARVALHO

Horkheimer e Habermas: semelhanças e diferenças

Texto autoral comparativo apresentado à ca-


deira de Teoria Sociológica 2 como parte das
atividades avaliativas solicitadas pelo profes-
sor Marcos Aurélio.

Professor(a): Marcos Aurélio Dornelas da


Silva

Recife
2021
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A Escola de Frankfurt, denominada oficialmente de Instituto de Pesquisa Social,


foi fundada no auditório da Universidade Frankfurt em 22 de Junho de 1924. Tornou-se
conhecida por desenvolver uma “teoria crítica da sociedade”, integrando à filosofia aspectos
normativos da reflexão filosófica e confrontando-os com questões sociais, visando a crítica
e o entendimento, promovendo a transformação da sociedade. (SLATER, 1978)
Os principais membros da Escola de Frankfurt foram Walter Benjamin (1892-1940);
Max Horkheimer (1895-1973); Herbert Marcuse (1898-1979) e Theodor W. Adorno (1903-
1969). Após a reconstrução da Universidade de Frankfurt, formou-se a segunda geração de
teóricos, entre os quais se destacam Karl-Otto Apel e Jürgen Habermas.
Neste texto será discutida e comparada a perspectiva de Horkheimer, possuindo
como base o texto Teoria Tradicional e Teoria Crítica (1972) e a perspectiva de Habermas,
utilizando o texto Técnica e Ciência Enquanto “ideologia” (1968). Dessa forma será possível
identificar alguns dos pontos em comum e das diferenças entre a primeira e a segunda
geração da Escola de Frankfurt - bem como dos autores em si.
Para isso, haverá um primeiro momento no qual será contemplado o texto de Horkhei-
mer, de forma que seja abordado seu objetivo, posicionamento e concepções gerais. Em
seguida, o mesmo será feito com relação ao texto de Habermas, de forma que sejam
expostos os pontos principais do artigo, possuindo como foco os conceitos e abordagens
mais diretamente relacionáveis à perspectiva horkheimeana. Por fim, a última parcela do
texto trará a tona seus pontos em comum, o momento em que se dissociam e as suas
conclusões de maior distanciamento teórico.
No texto de Horkheimer, subentende-se pelo título que seu objetivo é realizar a
distinção entre os conceitos de teoria tradicional e de teoria crítica. Neste, o autor aponta
como o surgimento do que entende-se por teoria tradicional se deu nos primórdios da
filosofia moderna com René Descartes. A investigação dessas categorias se desenvolve de
modo negativo, no qual Horkheimer apresenta a teoria tradicional e trás a percepção de
que aquilo que é tradicional perde seu sentido crítico com o tempo. Entretanto, nem tudo
que é considerado crítico é destituído de um caráter tradicional. (CARNAÚBA, 2010, P. 196)
Logo no seu início, o artigo introduz apontando que, em seu sentido até o referido
momento, teoria seria uma sinopse de proposições de um campo especializado, funcionando
de formas completamente ligadas entre si. Sua validade residiria na consonância de suas
proposições com os fatos ocorridos. No caso de a experiência e a teoria entrarem em
contradição, alguma delas há de ser revista. Para a lógica mais avançada, a teoria é
considerada um sistema fechado de proposições de uma ciência e, em sentido preciso,
um encadeamento sistemático de proposições de uma dedução sistematicamente unitária.
(HORKHEIMER, 1980)
Horkheimer aponta que na medida que esse conceito tradicional da teoria se mani-
festa, cada vez mais se substitui os nomes, conclusões e proposições teóricas por símbolos
matemáticos. Segundo ele, a racionalização da lógica chegou a tal ponto que a formação
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das teorias se transformou em construção matemática. Além disso, o filósofo coloca que
apesar das diferenças em torno do trabalho, detalhes e objetos, as ciências humanas
estruturalmente não seguem um pensamento diferente das tradicionais ciências naturais. O
método dedutivo, sendo aquele que prevalece na matemática acabaria estendido a todas
as ciências, sem distinção. Aparentando não haver até então uma preocupação com a
teoria e sim com a prática, o objetivo geral era pensar os meios para seguir o modelo sem
questioná-los. Dessa forma, tal modelo passa a ser utilizado nas ciências humanas sem
a devida atenção para o conceito de teoria, o que Horkheimer aponta como problemático.
(CARNAÚBA, 2010, P. 198)
Outro fator importante, abordado mais adiante é que a influência do material sobre
a teoria e a aplicação da teoria ao material não são apenas processos intracientificos,
mas também processos sociais. A relação entre hipóteses e fatos se realiza na indústria.
Dentro da divisão social do trabalho, o cientista deve conceber e classificar os fatos em
ordens conceituais de forma que os fatos sejam dominados o mais amplamente possível. A
concepção errônea dos cientistas, chamados por Horkheimer de burgueses, é a de que a
atividade teórica do especialista transformada em uma categoria universal. E, por serem
reduzidas a categorias intelectuais, seus resultados não representam nada consistente
materialmente - sua única função é classificadora e determinante.
Horkheimer defende a necessidade de obter consciência da limitação das atividades
particulares e suas subdivisões, sendo necessário obter uma concepção que elimine a
pacialidade da práxis social, pois a totalidade do mundo perceptível é para seu sujeito
uma faticidade. O autor remete essa contradição à obra de Kant, onde ele aponta que
o modo burguês de economia não possui nenhuma orientação ou planejamento visando
algum objetivo geral, obtendo como resultado uma figura deformada e submetida a grandes
atritos. O duplo caráter dos conceitos kantianos que demonstram tanto a máxima unidade
quanto certa obscuridade e inconsciência, definiria a forma contraditória da atividade
humana: a razão da humanidade existe por causa de sua ação conjunta na sociedade, mas
simultaneamente, os resultados desse processo são estranhos às pessoas. (HORKHEIMER,
1980)
Passando para aqueles que construiriam a Teoria Crítica, o caráter discrepante do
todo social, segundo Horkheimer, passa a ser uma contradição consciente. Ao reconhecer
o modo de produção vigente e os componentes culturais nele baseados como produtos to
trabalho humano, esses sujeitos identificariam-se com esse todo. Dessa forma, categorias
como trabalho, valor e produtividade passam a ser reconhecidos como exatamente o que
são nessa ordem social.

“O caráter dialético dessa autoconcepção do homem contemporâneo condiciona


em última instância também a obscuridade da crítica kantiana da razão. A razão
não pode tornar-se, ela mesma, transparente enquanto os homens agem como
membros de um organismo irracional. Como uma unidade naturalmente crescente
e decadente, o organismo não é para a sociedade uma espécie de modelo, mas
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sim uma forma apática do ser, da qual tem que se emancipar“ (HORKHEIMER,
1980, P. 131)

Horkheimer coloca que a alienação que se expressa na separação entre o valor da


ciência e a exteriorização da criação e prática da teoria tradicional preservam o cientista das
contradições apresentadas. Já no caso do pensamento crítico existe uma motivação pela
superação da tensão entre a consciência dos objetivos, racionalidade e espontaneidade
inerentes aos indivíduos e as relações de trabalho fundamentais para a sociedade.
Os pontos de vista obtidos pela teoria crítica como metas da atividade humana
são imanentes ao trabalho humano, se fazendo necessária uma direção do interesse para
descobrir e assimilar essas tendências, Horkheimer defende que devido a sua condição na
modernidade, aqueles que irão produzir essas tendências serão os proletários. Ele também
ressalta a necessidade de deixar claro que a função da teoria crítica evidencia-se quando o
teórico e sua atividade estão em unidade com a classe dominada, de modo que a exposição
das contradições sociais sejam um fator de transformação.
Após esse panorama da perspectiva de Horkheimer em relação à questão da ciência
e da teoria, é possível analisar a perspectiva de Habermas, na obra Técnica e Ciência como
Ideologia (2014), na qual o autor inicia a discussão sobre os tópicos já citados no título,
analisando o conceito de racionalidade desenvolvido por Max Weber. Este, introduziu o
conceito de racionalidade para definir a forma da atividade econômica capitalista, do tráfego
social regido pleo direito privado burgues e da dominação burocrática. (ZATTI, 2016, P. 35)
A partir disso, racionalização é definido como a ampliação das esferas sociais
submetidas ao critério de decisão racional, ao que corresponde a industrialização do
trabalho social com a consequência de que os critérios da ação instrumental penetrariam
outros âmbitos da vida social. Por conseguinte, a racionalização da sociedade estaria ligada
à institucionalização do progresso técnico-científico.
No primeiro tópico do texto, Habermas inicia colocando que Herbert Marcuse utilizou
essa análise para mostrar que a racionalidade possui implicações materiais determinadas.
Marcuse afirma que no processo chamado de “racionalização” por Weber, dissemina-se não
a racionalidade em si mas uma determinada forma de dominação política. O autor coloca
que a crítica de Marcuse a Weber conclui que o próprio conceito de razão técnica seja uma
ideologia, não apenas sua aplicação. A técnica seria sempre um projeto histórico-social -
nela é projetado aquilo que a sociedade e os interesses que a dominam intencionam realizar
com as pessoas e com as coisas. Este objeto de dominação é material e pertence à própria
forma da razão técnica. (HABERMAS, 2014, P. 305)
Habermas afirma logo no segundo tópico que se o fenômeno ao qual Marucse liga
a sua análise da sociedade não pudesse ser interpretado de outra forma que não que a
priori no material da ciência e da técnica esconde-se um projeto de mundo (determinado
pelos interesses de classe e pela história), um projeto de emancipação só seria possível
com uma revolução na ciência e na técnica.
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Por isso, Habermas irá procurar reformular os conceitos de Weber e Marcuse, bus-
cando um diagnóstico mais satisfatório para a questão. Abordando inicialmente a concepção
de Weber de “racionalização”. Habermas parte da distinção fundamental entre trabalho
e interação. Dessa forma, ele afirma que os sistemas sociais podem ser classificados
conforme qual desses fundamentos é predominante neles.

“Por trabalho ou ação racional teleológica entendo ou a ação instrumental ou a


escolha racional, ou uma combinação das duas. A ação instrumental orienta-se
por regras técnicas que se apoiam no saber empírico. Estas regras implicam em
cada caso prognoses sobre eventos observáveis, físicos ou sociais; tais progno-
ses podem revelar-se verdadeiras ou falsas. [. . . ] Por outro lado, entendo ação
comunicativa como uma interação simbolicamente mediada. Ela orienta-se se-
gundo normas de vigência obrigatória que definem as expectativas recíprocas
de comportamento e que têm de ser entendidas e reconhecidas, pelo menos,
por dois agentes. [. . . ] Enquanto a validade das regras e estratégias técnicas
depende da validade de enunciados empiricamente verdadeiros ou analiticamente
corretos, a validade das normas sociais só se funda na intersubjetividade do
acordo acerca de interações e só é assegurada pelo reconhecimento geral das
obrigações” (HABERMAS, 2014)

Outro ponto importante é que Habermas afirma que a cientifização da técnica surge
como uma característica marcante do capitalismo, no qual o Estado fomenta o progresso
técnico-científico e, a ciência e a técnica tornam-se a primeira força produtiva. Com a
institucionalização do progresso técnico-científico, o potencial produtivo teria assumido
uma forma que leva o dualismo do trabalho e da interação a ocupar um segundo plano na
consciência dos indivíduos - o progresso técnico-científico pareceria praticamente autônomo
e a evolução social aparenta ser determinada por ele. Assim, surge a ideia da tecnocracia,
que permanece de fundo na consciência da população e assim, estabelece sua força
legitimadora. (ZATTI, 2016, P. 38)
A ideologia faria com que a população pense que o bem estar social depende do
desenvolvimento técnico-científico, de forma que os interesses sociais passariam a coincidir
com os interesses sistêmicos. Diante disso, segundo Habermas a consciência tecnocrática
é, por um lado, “menos ideológica” que as ideologias anteriores, pois ela não possui a
violência que joga com a ilusão de satisfação de interesses. Por outro lado, a ideologia de
fundo dominante, que transforma a ciência em fetiche, é mais abrangente que as antigas,
pois com o velamento das questões práticas, ela justifica um interesse de dominação de
uma classe determinada, assim como oprime a necessidade parcial de emancipação por
parte da outra classe, como também atinge o interesse emancipatório da espécie humana
como tal. (HABERMAS, 2014)
Habermas defende que a nova ideologia é diferente da antiga em dois aspectos.
Primeiramente, por estar vinculada ao modo político de distribuição que busca a fidelidade já
deixa de ser o fundamento da exploração e opressão. Segundo, pois a lealdade das massas
só pode ser obtida por compensações destinas à satisfação de necessidades privatizadas.
Dessa forma, a ideologia tecnocrática se distinguiria das antigas por separar os critérios
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de justificação da organização da convivência das regulações normativas da interação em


geral e os vincular às funções de um sistema de ação racional dirigida a fins. Dessa forma
se dá um processo de despolitização das regulações normativas da interação em geral. “O
núcleo ideológico desta consciência é a eliminação da diferença entre práxis e técnica [. . . ]”
(HABERMAS, 2014)
Possuindo uma visão geral das contribuições e pontos de vista de ambos os autores,
ficam evidentes alguns pontos de semelhança e de dissidência, possuindo como fato mais
lógico o próprio modo e objetivo de filosofia presente na Escola de Frankfurt - desenvolver
uma teoria crítica da sociedade. Sendo o objetivo central da Escola de Frankfurt o de tecer
uma crítica ao sistema dominador. Essa intenção está presente em ambos os autores de
forma clara. Além disso, seguindo os passos de Horkheimer e Adorno, Habermas também
aponta a aproximação das ciências sociais com o ideal positivista de ciência, levando-as
a assemelhar-se às ciências naturais, sobretudo, diante da predominância do interesse
cognoscitivo de caráter puramente técnico e classificador.
A dissociação entre a perspectiva nos autores nessa questão se dá principalmente
em relação ao potencial emancipatório da razão por si só. Ocorre que os pensadores da
primeira geração, Horkheimer (e Adorno) em especial, percebem um desvirtuamento do
projeto iluminista da razão, de forma que esta estaria servindo como instrumentalização
para a dominação e repressão do homem pelo homem - julgou-se que a própria concepção
de razão pervertera-se em um instrumento de dominação. Ademais, Horkheimer alega que
a razão é incapaz de dar conta de seus conteúdos normativos. É justamente nesse ponto
que Habermas vai de encontro a essa perspectiva.
Habermas procura um entendimento na estrutura da fala que traga mudanças à
razão iluminista, sem negá-la. Ele defende que a mudança se daria pela comunicação,
distinguindo os dois tipos de racionalização - racionalização enquanto ação estratégica e
instrumental e racionalização enquanto ação comunicativa - na qual em sua perspectiva, a
última buscaria a extensão da comunicação isenta e a emancipação.
Além disso, após suas conclusões referentes à relativização do domínio de aplicação
do conceito de ideologia e da teoria de classes, Habermas defende uma reformulação do
quadro categorial desenvolvido por Marx. Para ele, a conexão entre as forças produtivas e
as relações de produção deveriam ser substituídas pela conexão entre trabalho e intera-
ção.No caso de Horkheimer, fica claro no seu texto sua perspectiva de que haveria uma
necessidade de uma revolução proletária, além de ser reiterado diversas vezes o uso do
método materialista-histórico-dialético.
A partir dessa exposição, fica claro que apesar e por causa de suas diferentes
abordagens e objetivos, ambos os autores possuem perspectivas centrais e de grande
contribuição para o desenvolvimento da Teoria Crítica, mantendo nítida a busca de uma
ciência e de uma filosofia desenvolvida em prol da emancipação da humanidade.
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Referências

CARNAÚBA, M. E. C. Sobre a Distinção entre Teoria Tradicional e Teoria Crítica em Max


Horkheimer. 2010.

HABERMAS, J. Técnica e Ciência como “Ideologia”. [S.l.]: unesp, 2014.

HORKHEIMER, M. Teoria Tradicional e Teoria Crítica. Os Pensadores, Abril Cultural, São


Paulo, 1980.

SLATER phil. Origens e significado da Escola de Frankfurt. 1978.

ZATTI, V. A questão da técnica e ciência em Jürgen Habermas. Revista Iberoamericana


de Ciência, Tecnologia y Sociedad, Buenos Aires, v. 11, n. 31, 2016.

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