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A LÓGICA E O ESTILO EM DA

DIVISÃO DO TRABALHO SOCIAL DE


EMILE DURKHEIM
AUGUSTO CACCIA-BAVA JÚNIOR*

Durkheim escreveu De Ia división du travail social logia contemporânea e apresentar, na medida do


em 1886, à época em que se realizava, na Europa, toda possível, alguns traços do estilo de pensamento que a
potência produtiva trazida da Revolução Industrial. época lhe proporcionou.1
Seu livro não se destinava, no entanto, apenas ao elo- Durkheim, apoiado no evolucionismo de Spencer,
gio dos feitos da burguesia inglesa, francesa e da inte- buscou apresentar a divisão do trabalho social como
lectualidade que ordenava politicamente esse processo função reguladora das instituições sociais contempo-
produtivo. Apontava, ao contrário, para a necessidade râneas e não apenas um elemento genérico da civiliza-
de se transformarem as concepções que predominavam
ção. O que diz respeito ao gênero humano, para ele e
sobre os acontecimentos sociais, derivadas da teoria
natural e universal. Já a divisão do trabalho é social e
evolucionista de Spencer. do positivismo uni-
as formas que ela assume se generalizam segundo sua
versalizante de Comte e do direito coercitivo, mais que
potencialidade social.
normativo de então.
Nesse argumento, mesmo não revelando qual a
A transformação que propunha era, no entanto, no
natureza desse fenômeno social, o autor lança os pri-
sentido de criação de uma ciência particular da socie-
meiros fundamentos de sua tese, diferenciando-se do
dade e não da contestação dos filósofos lidos e adota-
evolucionismo de Spencer, mesmo não rompendo
dos por ele. Os interlocutores de Durkheim, que ele
filosoficamente com aquele pensador. Nesse primeiro
apresenta nos três livros de que se compõe De Ia divi-
livro, como se verá, Durkheim busca romper, aqui sim,
sión du traxail social, aparecem pela necessidade de
com o tradicionalismo de sua época e realizar
explicitação das razões que o levavam à defesa da
plenamente o conservadorismo vitorioso, que na Fran-
Sociologia como nova ciência da sociabilidade. Não
ça da Restauração se instalou desde meados do século
eram citados apenas para revelar erudição que, de fato,
XIX. Como o realiza é o que passaremos a ver.2
Durkheim possuía, nem mesmo por terem sido eleitos
para uma polêmica aguda, como era do feitio de Marx Na introdução à sua obra "Da Divisão do Trabalho
e Engels, seus contemporâneos, fazê-lo. A propósito. Social" reconhece a antigüidade do fenômeno da divi-
Durkheim até refere-se a Marx. ao final de seu trabalho, são do trabalho, a despeito da grande indústria moderna
para fortalecer seu argumento em torno da necessidade ser a força propulsora da sociedade contemporânea,
de uma ciência da regulação da divisão do trabalho, pela força dos capitais e pela "...divisão extrema do
que permitiria maior controle dos movimentos de trabalho" (p.39).
opinião, diversos ou divergentes, da ordem Os "grandes grupos" são os patrocinadores desse
estabelecida. Essa foi a razão fundamental da obra de movimento, que se estende para além do universo da
Durkheim. produção material imediata, atingindo "...as regiões
Procuraremos expor, neste trabalho, o encadea- mais diferentes da sociedade...", como "...as funções
mento lógico dos argumentos do fundador da Socio- políticas, administrativas, jurídicas se especializando
cada vez mais" (p.39).3

* Professor Assistente-Doutor - Departamento de Sociologia - Faculdade de Ciências e Letras - UNESP - Campus de Araraquara.

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Durkheim busca contemporaneidade em seu racio- produzir; que tem uma tarefa delimitada e se consagra
cínio, por isso mesmo abandona o universo das a ela. que realiza sua função, que ocupa seu lugar" (p.
abstrações filosóficas dos sábios para ingressar no 42). Esse homem - ele posteriormente virá a dizer - é
plano da reflexão teórica e científica, polemizando aquele moldado para a grande indústria, possuidor de
com os juristas, historiadores e psicólogos de seu habilidade específica (skill) qualificado, como se de-
tempo, porque, "...o círculo de suas investigações se nomina em nossos dias.
restringe a uma ordem determinada de problemas, ou
Essa concepção era, à época, plena de
mesmo a um único problema" (p. 40).
controvérsia, pois "a máxima que nos ordena
Quanto à sua grande questão teórica - a divisão do especializar-nos está negada, por todos os lados, pela
trabalho - abre sua discussão afirmando que da bio- máxima contrária, que nos ordena realizar todos um
logia à economia são reconhecidas as diversas formas mesmo ideal e que está longe de ter perdido toda sua
de manifestação desse fenômeno "...um organismo autoridade" (pp. 42/43).
ocupa um lugar, tanto mais elevado na escala animal, Se raciocinarmos com Mannheim (1982), sobre o
quanto as funções estejam, nele, mais especializadas". caráter do pensamento tradicionalista ou conservador
Esse exemplo serve para ilustrar que a divisão do dentro de uma época, Durkheim se inscreveria entre os
trabalho não é apenas uma "instituição social", mas conservadores, com certa dose de ousadia, rejeitando o
também, " um fenômeno de biologia geral", intrínseco homem genérico, perfeito, como afirmamos acima, já
às "propriedades essenciais da matéria organizada". que : "a ação conservadora (pressupõe) que o indi-
Inscrita na materialidade dos organismos vivos ganha víduo é consciente ou inconscientemente guiado por
dimensão universal (p. 40). um modo de pensar e de agir que tem por trás de si
Até aqui serviram-lhe a obra de Spencer, e as teo- uma história própria, antes de entrar em contato com
rias organicistas, mas essas trouxeram-lhe, de outra o indivíduo".Além disso, o conceito de estrutura men-
parte,uma questão controversa que é o centro de sua tal objetiva que Mannheim cunha para caracterizar o
obra : ver até onde a divisão do trabalho é apenas um pressuposto da relação indivíduo/sociedade no conser-
fenômeno da natureza orgânica dos seres e se é, tam- vantismo assemelha-se ao conceito durkheimiano de
bém, algo como "uma regra moral da conduta huma- consciência coletiva, no momento em que integra a
na". Se a resposta for afirmativa, então a noção de que "mesmo quando o indivíduo específico
generalidade, a universalidade do fenômeno da não estiver mais ali (na trama definidora de sua socia-
divisão do trabalho no interior das sociedades deriva lidade) para (dela) participar, o modo de pensar e de
desse seu caráter dominantemente regulador e, por agir ainda terá sua própria história e desenvolvimento
isso moral, por isso social. A generalidade dos autônomos" (Mannheim, 1982:109). Essa caracteriza-
fenômenos derivaria dessa "socialidade" do fato e não ção do pensamento conservador proposta por Man-
o contrário. A resposta á essa questão traria luz à nheim é, praticamente, idêntica às palavras de
definição posterior de uma das regras fundamentais de Durkheim. É a máscara de seu pensamento.
orientação da prática sociológica, ao postular que os O que chamamos de militância de Durkheim refe-
fenômenos sociais - os fatos -são gerais porque são re-se a seu esforço de criação de uma ciência particu-
sociais e não sociais porque genéricos.
lar, ao invés de reprodução do pensamento de sua
Durkheim tem uma preocupação filosófica época. Ele buscava em seus textos convencer o leitor,
implícita à sua obra, a despeito do distanciamento do para além de arrolar argumentos em torno de um obje-
discurso generalizador organicista. Quer superar a to de investigação científica. Para inovar, no entanto,
idéia do "homem perfeito" que "sabendo interessar-se ele devia reportar-se ao pensamento de sua época. E
por tudo sem dedicar-se exclusivamente a foi o que fez. Sua militância era revestida de um cará-
nada...encontrava um meio de reunir em si o que havia ter dominantemente especulativo, como estilo do
de mais requintado na civilização"(p. 41). Para ele, o debate realizado nos limites das instituições de ensino
homem que devia se afirmar era "mais que um que freqüentava no interior da França de seu tempo.
diletante" era um homem "competente que trata, não
de ser completo, mas de

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A especulação resultava do afastamento filosófico O desenvolvimento dos meios de transporte - como


presente no evolucionismo que abraçava, mais do que as ferrovias, os transatlânticos -; o desenvolvimento
da serenidade política da sociedade em que vivia.4 dos meios de produção - como as fábricas que são
Assim, partiu o fundador da Sociologia contempo- consideradas úteis - não são "moralmente obrigatórios"
rânea para sua empreitada, numa obra planejada para (p. 51). Há, assim, distinção entre necessidades
três distintos momentos: materiais (úteis) e necessidades sociais (morais). Ape-
sar dessas últimas estarem no centro das atenções de
1o. Investigar a função da divisão do trabalho; 2o.
Durkheim, não quer isso significar, no entanto, que a
Determinar as causas e as condições de que depende;
ciência participa dessa consciência moral. Sua ciência,
3o.Classificar as principais formas anormais que apre- ao contrário, "...é um campo de ação aberto à iniciativa
sentam para evitar que se confundam com ou- de todos...", mas não socialmente obrigatório, não
tras.(p.44) moral.
Dessa maneira, observar, comparar e tratar todos os Assim, um dos atributos da divisão do trabalho,
aspectos objetivos da divisão do trabalho tornava-se o como função, é seu caráter obrigatório para o bom
caminho necessário à realização da ciência desse fato desenvolvimento da sociabilidade. Esse caráter moral é
social. Até o término da breve introdução à essa obra, que a transforma numa necessidade social.
Durkheim também reporta-se a Simmel, professor
A divisão do trabalho "determina as relações de
junto à Universidade de Leipzig (Alemanha), que em
amizade" entre indivíduos que se integram a associa-
1890 fundava as bases da individuação da divisão do
ções "onde há um verdadeiro intercâmbio de serviços.
trabalho.
Um protege, o outro consola; este aconselha, aquele
executa" (p. 54). Ela se situa no plano da integridade
O LIVRO PRIMEIRO: A FUNÇÃO DA DIVISÃO social, se assim podemos nos expressar, para garantia
DO TRABALHO da sobrevivência de cada grupo de indivíduos. Pois
"...sua função é criar entre duas ou mais pessoas um
sentimento de solidariedade " (p. 55; grifo meu).
Durkheim é taxativo na abertura desse texto. Diz
ele que não há fenômeno que se realize por necessida- A divisão do trabalho realiza-se com esse fim, em
de, para além da consciência moral dominante na diferentes planos da vida de um grupo: tanto para
sociedade. A função que implica cada fenômeno, diz permitir a solidariedade conjugai, promovendo a divi-
respeito à correspondência desse mesmo fenômeno são do trabalho entre os sexos (p. 55), como para a
como necessidade a ele imediata: ...o que nos importa intesificação das trocas mercantis (p. 58).
é saber se existe e em que consiste, não se a pressenti- A certeza dessas ocorrências o autor extrai da leitu-
mos ou tampouco a sentimos posteriormente" (p. 49: ra de Antropogie de Waitz e de Tonipard. Mariage and
grifo do autor). Isso não quer dizer que a consciência Kinship in Early Arábia (1885), dentre outras. Fica-lhe
coletiva não fosse moral, apenas que integrava aspec- a questão, no entanto, se o valor moral da divisão do
tos relevantes que eram sociais. trabalho registrado em sociedades primitivas - como as
Fugindo à busca do valor absoluto da civilização, não ocidentais européias eram chamadas - estendia-se
Durkheim sai da história para entrar na vida dos indi- para a sociedade ocidental da grande indústria, onde os
víduos, que se articulam em torno dessa função social. grupos são miais extensos.
Contesta, também, a concepção de estado natural da Sua hipótese, derivada da leitura de Comte, era de
existência individual, formulada por Rousseau, entre que as "grandes sociedades políticas não podem man-
outros. Será exatamente entre o histórico e o natural ter-se em equilíbrio a não ser pela especialização das
que se situará o autor de " O Suicídio": no terreno, tarefas; que a divisão do trabalho é fonte, senão única,
portanto, da reflexão moral. Dessa reflexão decorrerá ao menos a principal da solidariedade social" (p.60).
o entendimento da função que é a divisão do trabalho Para ele, se Comte fundamentava essa hipótese, não o
social. demonstrava. Apesar de este ter sido, para Durkheim, o
primeiro a assinalar que a divisão do trabalho era

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um fenômeno distinto da realidade puramente eco- solidariedade doméstica, a solidariedade profissio


nômica, tê-la visto como "condição mais essencial da nal...", entre outras, (p. 63)
vida social", tal carecia de demonstração no nível da Durkheim acabava de constituir o que Florestan
ciência particular. Daí a necessidade de Durkheim Fernandes (1980) denominou campo de investigação
expor sua lógica de investigação. sociológica, nos seus "Fundamentos Empíricos da
Explicação Sociológica". Será no interior das relações
de solidariedade que encontraremos as razões de ser da
A LÓGICA DA INVESTIGAÇÃO
divisão do trabalho. O entendimento daquelas precede
o destas. E o direito " ..reproduz as formas principais
Para trazer à tona a comprovação de que a solidari-
de solidariedade social. ". em sua exterioridade. (p. 64).
edade deriva da divisão do trabalho e mais, que a
Classificando os diferentes tipos de direito, o autor
solidariedade por ela gerada "contribui à interação
buscou diferentes formas de solidariedade a eles cor-
geral da sociedade", o fundador da Sociologia propõe
respondentes. Essas correspondência entre aspectos
como procedimento lógico a comparação e a classifi-
exteriores da "vida social" é outro nexo lógico do
cação : "...há que comparar, pois, este laço social com
método de Durkheim. Todo o social se constitui a
outros para medir a parte que a ele corresponde na
partir da exterioridade dos acontecimentos.
resultante total, e para isso...classificar as diferentes
espécies de solidariedade social" (p. 61).
É impressionante como aqui Durkheim se expressa SOLIDARIEDADE MECÂNICA
num jargão próximo ao do biólogo. Essa forma de
exposição do seu raciocínio, deriva de sua tentativa de Um segundo capítulo do trabalho exploratório rea-
ultrapassar os motivos interiores e individuais das lizado por Durkheim irá apontar para os limites da
ações "... o fato exterior simboliza o interior que nos regulação da sociabilidade. quando esta se encontra
escapa" (idem). E o exterior se corporificava no direi- distante da divisão do trabalho, que resultará da im-
to plantação da grande indústria. Ora, se não é o trabalho
que media as relações interpessoais, o "caráter natural"
A essa altura, a lógica de Durkheim ganha vida na
dessas relações só se vê contido por normas jurídicas
polêmica com os juristas da sua época, pois, se não a
qualificadas, em sua maioria, como de direito repres-
iniciasse, restaria ao autor o recuo ao organicismo
sivo. Enquanto os indivíduos não estão regulados pela
filosófico de Spencer ou ao militarismo dos economis-
função da divisão do trabalho social, estes são mais
tas ingleses. Ele estava certo de encontrar nas preocu-
sensíveis à realidade das crenças e tradições, de um
pações dos juristas "...todas as variedades essenciais
lado, e do crime e castigo de outro. Esse era, pratica-
da solidariedade social" (p. 62). Será do estudo do
mente, o contorno da sociabilidade das pequenas cida-
direito coercitivo ou restirutivo que resultará a sua
des do interior da França, que dava origem à formação
noção de tipos sociais. O primeiro prevalecendo gera
dos saberes jurídicos e mesmo, de algumas obras lite-
relações sociais dominantemente punitivas; o segundo,
rárias. Veja-se como Balzac reconstroi os usos e cos-
restitu-tivas. O primeiro pune a agressão à norma; o
tumes da pequena cidade burguesa de Angoulême e o
segundo garante o seu exercício.
reduto aristocrático decadente de Houmeau, em meados
E se o que define os traços específicos da solidari-
do século XIX:
edade "...é a natureza do grupo cuja unidade assegura,
essa natureza é moralmente regulada pelas leis que "Fácil é perceber quanto o espirito de casta influi nos
normatizam a existência de cada grupo. É distinta a sentimentos que separam Angoulême de Hou-meau.
natureza da solidariedade no interior de uma família e O comercio é rico e a nobreza, geralmente, pobre
numa socidade política". E como Durkheim nega a Esta vinga-se daquela por um desprezo que é igual
existência de relações sociais independente das reja-ções de ambos os lados. A burguesia de Angoulême
morais no universo da solidariedade. "...o que existe são participa da querela O comerciante da cidade alta
as formas particulares de solidariedade: a

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diz de um negociante do bairro de baixo, com exx- seu raciocínio, segue afirmando que: "...um ato é so-
5
pressão indefinível: E um homem de Houmeau!". (5) cialmente mau porque é rechaçado pela sociedade e
não o inverso" (p.76). O bem e o mal, o certo e o erra-
Discutindo a noção de crime de Garofalo, jurista de do, o integrado e o desintegrado, o organizado e o seu
renome à sua época, para quem existiam atos cri- oposto, antes são elementos da consciência coletiva do
minosos naturais e universais, contestava a um só que da individual. Daí valer, acima de tudo, a exterio-
tempo, essa tese e a de Spencer. Afirmava que: " É riedade da consciência coletiva, perante as consciên-
provável que ali haja um retomo à doutrina de Spen- cias individuais ou eventuais exercícios de
cer, para quem a vida social só é verdadeiramente introspecção.
natural nas sociedades industriais". Lamentavelmente,
Durkheim não chega facilmente, levianamente, à
dizia Durkheim, nada é mais falso. (p. 97: nota 1).
definição de solidariedade mecânica, a partir da qual
Mas as doutrinas jurídicas eram referência neces- evoluirá para o significado da cooperação e da divisão
sária para o exercício de interlocução com os evoluci- do trabalho, na realização da nova ordem social. Do
onistas, dos quais pretendia distanciar-se, criando a direito penal, estende-se para considerações filosóficas
ciência particular da Sociologia. Comparando a evolu- sobre o significado das idéias e das representações.
ção do direito repressivo entre sociedades distintas, Estas últimas eram centrais para o entendimento do
destacava o fato de que "nas sociedades primiti- que definira como consciência coletiva.
vas...onde o direito é inteiramente penal, a assembléia A consciência coletiva, sendo fonte de vida, quan-
do povo é quem faz justiça". Lá existe um conjunto
do revela força, vivifica a sociedade; mas quando tem
solidamente constituído de crenças e sentimentos que
como seu oposto uma representação de um "estado
"...forma um sistema determinado que tem vida pró-
contrário de coisas", essa representação "...levanta ao
pria...(a) consciência coletiva ou comum", (pp. 72 e
seu redor todo um redemoinho de fenômenos orgâni-
74).
cos e psíquicos" (pp.86/87).
Essa consciência coletiva antecede o valor objetivo
Idéias, emoções, sentimentos participam desse re-
dos atos individuais. Antecede a formação dos juízos
demoinho como o caracterizava Mandsley, em sua obra
individuais. A consciência comum é suprema e "...em
Fisiologia do Espírito, lida e anotada por Durkheim. E
outras palavras, não há que dizer que um ato ofende a
é desta breve constatação que ele extrai um dos
consciência comum. Não o reprovamos por que é
paradigmas de sua nova ciência: "Assim, como os
crime, antes é um crime e por isso o reprovamos" (p.
estados de consciência contrários se debilitam reci-
75).
procamente, os idênticos, intercambiando-se, se refor-
Dessa maneira, os indivíduos são envolvidos por çam uns aos outros..." Daí a rejeição ao crime, à
um conjunto de crenças que precede a formação de seu anomalia, ao escândalo moral, à cólera pública sinteti-
juízo individual. E essas crenças são tão mais sólidas, zadas na resistência institucional da consciência cole-
quanto menos organizada e diferenciada é a divisão do tiva e, "...dado que é a consciência comum quem (sic) é
trabalho social. O direito é tão mais punitivo, quanto atacada, é necessário, também, que seja ela quem (sic)
menos habilitada a sociedade está para se localizar no resista, e em conseqüência que a resistência seja
interior da divisão do trabalho social, quanto mais coletiva " (p.91 - grifo meu).
prevalece a instituição familiar, os tabus referentes às
Uma consciência coletiva solidária simboliza o di-
relações de parentesco, entre outras restrições
reito penal. E é solidária na medida em que se realiza
exteriores à vida de cada um.
na adesão individual aos seus valores, crenças e cos-
Durkheim apega-se a Spinosa para consolidar um
tumes.
de seus argumentos. Diz ele que "...a psicologia con-
Durkheim agora vê-se em condições de definir a
temporânea retorna cada vez mais à idéia de Spinosa,
solidariedade mecânica: " nascida das semelhanças,
segundo a qual, as coisas são boas porque as amamos,
une diretamente o indivíduo com a sociedade...torna
ainda que as amamos porque são boas". E arrematando
harmônico o detalhe dos movimentos...coletivos..." e,
assim sendo, "cada vez que (os movimentos) entram

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em jogo, as vontades movem-se espontaneamente e pré-determinada e integram a sociedade juntamente


em conjunto, num mesmo sentido" (p. 94). com as pessoas (p.102). O fato social entendido como
O sentido do direito penal não seria nunca o de coisa, que posteriormente Durkheim vai trabalhar nas
socializar os estados naturais de vontades individuais, suas Regras do Método Sociológico inspira-se nessas
pois tal não existe nas sociedades humanas; ele é ape- concepções de direito real, distinto do direito pessoal.
nas ou acima de tudo, função de coesão social. "O direito de propriedade e a hipoteca pertencem à
"...mantendo toda vitalidade da consciência comum" primeira espécie; o direito de crédito, à segunda". E
(p.95). mais, o autor justifica a eleição do direito real sobre o
pessoal pelo fato do primeiro trazer a idéia de conti-
Em conclusão, afirma existir uma solidariedade
nuidade e preferência jurídica institucional.
social que deriva de "...estados de consciência" co-
muns a todos os membros de uma sociedade. E essa O direito real fundamenta sua concepção de soli-
solidariedade vem representada "materialmente" pelo dariedade real que "...une diretamente as coisas às
direito repressivo, como quer Durkheim (cf.p. 96). pessoas, mas não as pessoas entre si". Por essa razão os
direitos reais " não entram em conflito,...as hostilidades
Nos capítulos que analisamos, encontramos a con-
estão previnidas..." disso decorrendo que não há, de
cepão de indivíduo natural contestada, como a con-
outra parte, consenso. (cf.p. 103; grifo do autor).
cepção de existência social genérica (Spencer), que
fazem de si contraparte numa mesma visão organicista O direito de propriedade é o mais perfeito entre to-
de sociedade, abstratamente concebida. dos os direitos reais:"... é a relação mais completa que
pode existir entre uma coisa e uma pessoa: é aquela
que coloca a primeira (a propriedade) sob a inteira
SOLIDARIEDADE ORGÂNICA OU DEVIDA dependência da segunda"(p. 103). Nessa altura,
À DIVISÃO DO TRABALHO Durkheim polemiza com Kant e Spencer.
Do primeiro extrai o conceito de personalidade
Durkheim, sempre alicerçado no direito social, humana e do segundo a noção de organismo. Sua
avança na caracterização da solidariedade, agora me- reticência perante ambos refere-se ao caráter abstrato
diada pela divisão do trabalho e não pelas crenças e de suas considerações. "Na realidade histórica, a ordem
costumes. O direito restitutivo, que restabelece normas moral se baseou nessas considerações abstratas". Pois
a partir das quais os indivíduos devem limitar suas os homens reconheceram os direitos um dos outros,
ações, passa a prevalecer, progressivamente, quando a "não só pela lógica", mas na "prática da vida...". Essa
consciência comum, derivada daquelas crenças, deixa prática revelou a necessidade de auto-limitação dos
de ser o núcleo da solidariedade, até então mecânica. direitos individuais e de "limitação mútua" através do
O direito restitutivo "...previa órgãos cada vez mais "entendimento e concórdia" (p. 106). Esses aspectos
especializados: tribunais consulares, tribunais paritári- todos acabam por definir o que Durkheim chamou de
os...", que se relacionam cada vez mais com o proces- "laços de sociabilidade", que seriam: concórdia, en-
so de especialização das atividades sociais, vinculadas tendimento, limitação mútua e reconhecimento recí-
à grande indústria, (cf. p. 100) proco de direitos privados. Esse conceito é tão
expressivo para o sociólogo francês, que ele o associa
A sociedade não existe para privilegiar interesses
às pré- condições da paz.
deste ou daqueles indivíduos, mas para aplicar "...ao
caso particular, que lhe é submetido, as regras gerais e A sociabilidade pressupõe reciprocidade, que por
tradicionais do direito" (p.101). Nesse sentido a razão sua vez depende de cooperação, que tem seu funda-
de ser das sociedades é reguladora e técnica, desde o mento na divisão do trabalho. Pois cooperar "...é re-
plano filosófico - veja-se Gianotti (1971) - até o plano partir-se um labor comum". Se ainda esse labor
político institucional.6 subdivide-se em tarefas simples, " qualificativamente
similares...ocorre divisão do trabalho simples". Mas se
A razão técnica da sociabilidade também deriva da
a natureza das tarefas se diversifica, então nos encon-
equivalência que o autor estabelece entre coisa e pes-
tramos perante uma "divisão do trabalho composta".
soa. As coisas tem sua relação com o organismo social

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Essa última é que define o que vem a ser, para Finalmente, colocam-se algumas questões:
Durkheim, especialização, tema tão corrente na Sócio- Ia. A existência marcada das partes e do todo pela
logia do Trabalho contemporânea. (grifos meus). individualidade de cada uma não permite pensar a
possibilidade da existência de autonomia das partes no
I interior da solidariedade?
A cooperação especializada requer um contrato que 2a. Não é exatamente isso que traduz a função da
"...é símbolo de permuta"; não é afirmação de direito
divisão do trabalho como aspecto da sociabilidade e
natural individual, nem resultante de tensões derivadas
não do gênero humano?
de enfrentamento entre produtores e proprietários. O
3a. A cooperação derivada da solidariedade não pres-
direito em si, este sim é expressão do caráter social das
supõe também autonomia?
relações de cooperação. Por essa mesma razão que
"...todo direito é público". Nisso Durkheim se alicerça, 4a. A existência de "classes de solidariedade" que se
fundamenta-se para diferenciar sua teoria do associam a conjuntos distintos de normas jurídicas
organicismo de Spencer, afirmando que " todas as (repressivo ou restitutivo) não confirmaria a autonomia
funções da sociedade são sociais, assim como todas as das instituições entre si, por exemplo, entre a família e
fuções do organismo são orgânicas" (p. 111). a propriedade industrial?
Sem dúvida, Durkheim lavra um tento contra Durkheim não o responde, na verdade. O que im-
Spencer na busca de um campo próprio para construir porta a ele é demonstrar o caráter social e não genérico
sua ciência, a Sociologia. Aqui já podemos afirmar da função da divisão do trabalho. Por isso avança em
que, nesse esforço, o autor da "Divisão do Trabalho outras provas sobre a distinção dos tipos de solidarie-
Social" saiu-se vitorioso. A Sociologia não seria mais dade por ele assinalados. Paga, no entanto, caro tributo
herdeira direta do organicismo, mas sim, fundada em ao organicismo de Spencer, pois, de fato, se a especia-
algumas de suas premissas; dele se distanciaria, ao lização é o fato contemporâneo e social que marca as
superar as problemáticas postas no nível do gênero sociedades industriais, ela não pode ser um fator de
humano para construir, a seu modo, o fato social parti- desagregação do todo. Ao contrario, reforça-a.
cular. Durkheim se perde ainda, na exposição do detalhe da
Essa distinção permite ao sociólogo criar dois con parte, ao invés de buscar sua natureza na divisão do
ceitos para denominar sociedade: tipo coletivo e sis tema trabalho.
de funções diferentes e especiais. Ao primeiro Tenta esclarecer sua tese com a exposição do cará-
corresponde a solidariedade mecânica; ao segundo a ter dos "tipos profissionais": "...à medida que o traba-
orgânica. A solidariedade mecânica patrocina o estabe lho se divide, as coisas mudam as distintas partes do
lecimento de laços que unem os indivíduos à socieda de agregado; dado que cumprem funções diferentes, não
"...análogos àqueles que unem a coisa à pessoa". Aqui a podem ser facilmente separadas...". Numa referência à
consciência individual é subordinada a um tipo coletivo, sociedade de seu tempo, exemplifica: "...separemos as
enquanto que a outra forma de solidariedade é populações mineiras, das populações vizinhas que
subordinada ao "sistema de funções diferentes e fundem os metais, ou fabricam telas, e estas morrerão,
especiais". Esta última é produzida pela divisão do primeiro socialmente, depois individualmente" (p-
trabalho. Nesse sistema, a individualidade do todo 131).
acrescenta-se ao mesmo tempo que a das partes. Surge
Há nessa obra um ir e vir às fontes do direito pú-
nesse momento a dimensão parte e todo, no contexto das
blico, do Pentateuco a Lombroso (dos textos bíblicos
sociedades contemporâneas, em sua plenitude, coisa que
ao teórico do criminoso inato). Tudo para propor desde
até então era obscurecida pelo perfil homo gêneo dos
essas fontes, que o direito penal punitivo tem seu
tipos coletivos.
campo de realização estreitado, ao longo dos tempos. É
A individualidade viva das partes é a pré-condição o que ocorre em quase todo o capitulo em que analiza a
da unidade do organismo. Essa articulação análoga às preponderância progressiva da solidariedade orgânica.
condições de funcionamento dos organismos vivos é Até chegar a um dos princípios gerais de sua
que o leva a denominar esse tipo de solidariedade
como orgânica.

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teoria, que busca enfrentar a questão do individualis- "(p. 165). O eclipse do indivíduo, tratado por Spencer
mo. como resultado de uma coação derivada de estados de
Para ele é da maior significação afirmar que a guerra crônicos, será entendida como "...ausência
consciência coletiva progressivamente restringe seu completa de toda centralização"(p. 166). Os indivíduos
campo de atuação, que o tipo coletivo sofre transfor- estarão, agora, subordinados à lógica do grupo e não a
mações que "...tornam suas formas mais abstratas; qualquer poder despótico personalizado. Essa tese é
(que) desde os tempos mais remotos, essa decadência também anti-darwinista, pois coloca a moral social no
vem se desenvolvendo ininterruptamente". Essa, a sua centro das forças que coesionam os grupos. Esse grupo
tese. é organizador dos indivíduos, integrados à nova ordem
da sociedade industrial emergente.
Daí o individualismo e o livre arbítrio não serem
passíveis de delimitações históricas, não podendo sua No capítulo VII, ao confrontar solidariedade orgâ-
origem ser datada, "...nem de 1789, nem da reforma, nica e solidariedade contratual, Durkheim quer resgatar
nem da escolástica, nem da caída do politeísmo greco- o espaço social da esfera da ação social. Às relações
latino ou das teocracias orientais". A abundância de contratuais rousseauníanas volta à contrapor a divisão
referência histórica, ele a traz para defesa do argumen- do trabalho. As vontades individuais, a consciência
to de que "...o individualismo é um fenômeno que não particular e à adaptação espontânea apresenta a força
começa em nenhuma parte, em especial, que se desen- de "inteligência reflexiva", os "laços exteriores", que
volve sem deter-se ao longo de toda história", (p. 147 imprimem conteúdo aos interesses humanos. Diante da
- grifo meu). crise do liberalismo e do evolucionismo orga-nicista,
propõe a ciência da solidariedade orgânica, porque
Disso também resulta a lógica da investigação
"...efetivamente não há que esquecer-se que se existe
histórica, que se limita à possibilidade das análises
mais vida regulamentada, existe também mais vida em
sincrônicas e não de processos em curso. Pois, "...é
geral", (p. 176)
necessário considerar, somente, as sociedades sucessi-
O "eclipse das organizações segmentárias" exige
vas, na mesma época de suas vidas" (p.148). Sua con-
clusão não seria outra que: "todos os laços sociais que que a família, como sua base social, se transforme, sob
resultam da similitude se debilitam progressivamen- a direção da lógica da cooperação, que a encaminha
para o sistema diversificado das qualificações, onde as
te...(e) dado que a solidariedade mecânica vai se de-
partes são pré-determinadas: "...segundo um plano pré-
bilitando, é necessário ou bem que a vida
concebido", para que as consciências individuais não
propriamente social diminua, ou bem que a outra soli-
atuem agredindo o sistema que se instala. Já que, a
dariedade venha, pouco a pouco a substituí-la". E aqui
a divisão do trabalho emerge na plenitude de suas despeito do ato inicial da cooperação decorrer de ato
possibilidades, pois ela e só ela pode realizar essa contratual, suas conseqüências ultrapassam os termos
desse contrato. (pp. 182 e 183).7
substituição, no interior de determinada ordem social.
E na exterioridade, a divisão do trabalho é agente de As partes são pré-determinadas. mas os limites da
mudança, substitui a consciência individual ou a ação sociabilidade não. Por isso a preocupação da Sociolo-
social consciente. Agente sem ser sujeito. gia deve voltar-se ao empreendimento de sistematiza-
ção das configurações morais dessa sociabilidade, para
A partir desse momento, temos condição de discu-
que se concretize uma eficaz educação da juventude,
tir mais especificamente alguns conceitos que se arti-
de proteção à saúde geral, da assistência pública, da
culam para a interpretação de realidades objetivas
administração das vias de transporte e de comunicação,
exteriores às consciências, distintas das abstrações
para que essa sociabilidade seja, integrada, "...pouco a
genéricas do organismo ou universalizantes do positi-
pouco, à esfera do órgão central", (cf. p. 189). Se os
vismo. Tratando-se, também, de busca da separação
ideólogos do welfare state não extraíram dessa obra a
dos limites jurídicos do julgamento de atos criminosos,
pauta de suas preocupações científicas, tal deve ter
que exijam punição ou restituição à parte agredida.
ocorrido por lapso de consciência, fenômeno
As conclusões de Durkheim não coincidirão com
as propostas por Spencer, "...mas sim a elas se opõem

-36-
ESTUDOS DE SOCIOLOGIA N° 01 AUGUSTO CACCIA-BAVA JÚNIOR

comumente definível pela Psicanálise, pois situa-se individual de alguns e não de princípio ordenador da
para além do "universo da razão". sociedade, o que se pode supor pela insensibilidade
A grande indústria generaliza-se por toda sociedade que essa temática provocou no autor da Divisão do
e promove a formação de uma rede de comunicação Trabalho Social.
complexa e diferenciada; a localidade desaparece como A indústria, a grande indústria, era tomada apenas
fenômeno social; as instituições passam a viver como espaço de realização da solidariedade orgânica,
relações diferenciadas e solidárias, como decorrentes seu meio social. Por essa mesma razão, não lhe inte-
da "força" da divisão do trabalho social. Há um con- ressava a pesquisa de Frederich Engels, atual a seu
junto de obrigações que envolve a todos, uma morali- tempo, sobre as condições de existência da classe
dade que no entanto é imperfeita, que, por essa razão, trabalhadora inglesa, integrada às grandes indústrias,
dá origem a algo que se distingue dos fatos sociais. São que dariam desde Manchester a tônica da universaliza-
as " correntes sociais" portadoras de caráter temporal ção da divisão do trabalho.
mais evidente e, dessa forma, dada sua transito-riedade Ingenuidade, preconceito ou objetividade, o fato é
no interior da sociabilidade, "mais suscetíveis à ação que as fronteiras da Sociologia, alicerçadas na realida-
dos homens", (pp. 192 e segs.). Por essa mesma razão de da grande indústria, não permitiram abertura para o
essas correntes não integram o universo temático da diálogo com a Economia Política, no mínimo outro
Sociologia durkheimiana; será antes tema mais atrativo pretendido universo de saber científico.
para seus seguidores, desde que subordinados à
Vamos à lógica da rejeição, expressa pelo autor
perspectivas emanadas dos chamados "órgãos centrais
aqui analisado;
reguladores da sociabilidade derivada da solidariedade
orgânica", que passam a integrar o que os sociólogos "No estado atual de nossas sociedades, o trabalho não
norte-americano dos tempos de hoje denominam somente é útil, é necessário: todo mundo o sente assim, e
research programs. faz bastante tempo que essa necessidade é experimentada.
No entanto, são relativamente escassos os que encontram
seu prazer nesse trabalho regular e persistente. Para a
O LIVRO SEGUNDO maioria é ainda uma servidão insuportável; a ociosidade
dos tempos primitivos não perdeu, para eles, seu velho
Quase toda temática da divisão do trabalho social atrativo. Portanto, estas metamorfoses custam muito,
reúne o que possui de essencial no Livro Primeiro, até durante largo tempo,sem benefícios. As gerações que as
aqui analisado. Não fosse a necessidade do autor po- inauguram não recolhem seus frutos, se os há, porque
lemizar com o utilitarismo, presente em Adam Smith e vêm demasiado tardio. Elas só têm o trabalho. Em
nos economistas clássicos da época, não teria esse conseqüência, não é a espera de uma felicidade maior o
segundo livro tanta relevância. Isso porque o argumen- que impulsiona tais empresas. Mas, em realidade, será
to central do capítulo 1 desse segundo livro, "os pro- certo que a felicidade do indivíduo se acrescenta, à
gressos da divisão do trabalho e os da felicidade", medida que o homem progride? Nada é mais duvidoso"
provocaria um certo sarcasmo em qualquer estudante (p.206).
de Ciências Sociais. Nada seria mais carregado de ceticismo do que esse
Durkheim busca aqui a desqualificação das teses pensamento de Durkheim, que acaba por revelar que a
sobre o valor de uso social dos bens materiais produ- industrialização, ao final, anda passo a passo com a
zidos, de autoria de Adam Smith. Não pretende dialo- perda de perspectiva de satisfação das necessidades,
gar com esses teóricos dos empreendimentos imediatamente vivida pelos indivíduos produtores.
industriais capitalistas, e talvez por essa mesma razão Páginas adiante, Durkheim refere-se pela primeira
não dê a mínima atenção para a controvérsia que se vez à Sociologia como ciência social, que "...deve
desenrolava a seus olhos, entre Proudhom e Marx, ou renunciar resolutamente a comparações utilitárias, nas
entre esse último e os economistas clássicos. Sim- quais, freqüentemente, se compraz" (p.213). Para ele
plesmente rejeitava o pressuposto da utilidade do tra- os individuos não provocam mudanças de espécie
balho, pois isso se tratava de exercício da consciência

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DEPARTAMENTODESOCIOLOGIA 1996 UNESP - FCL

alguma; as causas de toda evolução localizam-se fora 5o. As causas dos fenômenos sociais só são perceptí-
deles, no "meio que os rodeia". Daí a necessidade de veis pelos sintomas que apresentam;
se assumir um novo pressuposto, qual seja, de que 6o. A natureza das transformações da divisão do trabalho
devemos buscar as causas das mudanças nas "... con- só pode derivar "...na razão direta ao volume e à
dições originais no meio social,(pois), as variações densidade das sociedades e ...progride de uma maneira
que ali se produzem, são as que provocam essas pelas continua no transcurso do desenvolvimento soci-
quais passsam as sociedades e os indivíduos". Aqui ele al...porque as sociedades se tornam mais densas,...,
define a primeira regra metodológica que passaria a mais volumosas" (p. 223);
aplicar, no estudo dessas "causas" - capítulo II - Livro
7o. A especialização no interior da divisão do trabalho
Segundo - da "interdeterminação progressiva da
deriva da presença dos meios de sobrevivência à dis-
consciência comum" - da "herança " como obstáculo
posição dos indivíduos, que determinam as diferenças
ao progresso da divisão do trabalho, até atingir outro
de atitudes individuais no trabalho. A especialização é
patamar lógico, outro plano de abstração, onde irá
autônoma, perante os indivíduos, pois, é a função da
situar a divisão do trabalho perante os fenômenos da
divisão do trabalho que se especializa, não cada pes-
civilização. Se a ciência social deve evitar qualquer
soa;
comparação utilitária, a divisão do trabalho não
resulta do interesse deste ou daquele indivíduo ou 8o. A especialização progressiva e crescente das tare-
grupo, desta ou daquela época. Isso porque a fas realizadas no interior da divisão do trabalho de-
felicidade de cada um implica apenas "...numa pende do valor que tem para cada indivíduo, se temos
harmonia suficiente entre o conjunto do necessidade dos meios disponíveis à sobrevivência dos
desenvolvimento de suas diferentes faculdades e o indivíduos solidários e cooperantes presentes no inte-
sistema local de qualquer circunstância que domina rior de cada sociedade;
sua vida..." que, para tanto, dispensa o recurso a 9o. Há uma concorrência prevista na divisão do traba-
"...situações sociais cujo total acercamento é lho entre produtores que se assemelham, entre fabri-
absolutamente impossivel" (idem). Isto é. o recurso à cantes de seda, entre produtores de vinho, etc... Mas
história de distintas populações para fundamentar a entre uns e outros ocorre, ao contrário, complementa-
explicitação de suas necessidades só pode ser retórico riedade. O vinicultor coopera com o tecelão e assim
ou mera ilustração, sem maior significado. por diante;
No capítulo II, encontramos os pressupostos bási- 10o. Toda empresa compete com outra para recolher
cos do autor para o desenvolvimento de uma Sociolo- do mercado maiores espaços para sua realização. As
gia da divisão do trabalho. Passamos a alinhá-los pequenas tendem a desaparecer e será no interior das
para, ao final, comentá-los de uma só vez: grandes que se expandirá a divisão do trabalho; 11o.
1o. A divisão do trabalho só evolui pelas variações do As classes sociais existem enquanto produtoras
meio social; especializadas; seu progresso, bem como o das elites,
2o. O efeito - no caso, a divisão do trabalho - atua derivam do "aumento da vivacidade e da competição"
sobre as causas, que a movem, mas não perde sua (P-231).
condição de efeito. Sua ação será sempre secundária; 12o Os progressos da divisão do trabalho "...estão em
3o. As relações sociais são entendidas sempre imedia- harmonia com as mudanças que realizam no homem, e
tamente, como relações interpessoais: "...o número é o que permite que perdurem" (p. 233). Esse é o cará-
das relações sociais aumenta geralmente com o dos ter socialmente dominante da divisão do trabalho;
indivíduos" (p. 222); 13o Em conclusão: toda condensação da massa social
4o A densidade dinâmica da sociedade coincide com (indivíduos produtivos especializados), sobretudo se
sua densidade moral. Os progressos da divisão do está acompanhada de um acréscimo da população,
trabalho são diretamente proporcionais ao progresso determina, necessariamente, progressos na divisão do
moral da sociedade; trabalho" (p. 227; grifo meu).

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ESTUDOS DE SOCIOLOGIA N° 01 AUGUSTO CACCIA-BAVA JÚNIOR

14o A vida coletiva deu origem à vida individual, Mas o que pretendia Sorel era excluir a
pois a individualidade pessoal das unidades sociais consciência individual do universo de fenômenos
forma-se sem desagregar a sociedade. significativos, à semelhança de Durkheim. E quem o
No discurso durkheimiano, o universo das relações afirma é Gramsci (1989). Aqui vale uma breve
cotidianas no interior de uma fábrica é sereno : "...a digressão.
divisão do trabalho é um resultado da luta pela vida, Gramsci, definindo o mito soreliano, afirma:
mas com um desenlace suavizado...efetivamente gra- "...uma ideologia política que se apresenta...como uma
ças a ela, os rivais não estão obrigados a eliminarem- criação da fantasia concreta que atua sobre um povo
se mutuamente, pois podem coexistir, uns ao lado dos disperso e pulverizado para despertar e organizar a sua
outros" (p. 229). vontade coletiva". O mito se localizava ainda fora da
Por isso ele adere à tese de Sorel, expressa em sua organização política dos trabalhadores, no nível sindi-
obra Le Europe et Ia Revolution Française, quando cal, "...na ação prática do sindicato e (na)...vontade
afirmava que "há um preconceito que deve desfazer- coletiva já atuante...", onde o seu caráter positivo se
se. É o de representar a Europa do antigo regime afirmaria nos momentos do "...acordo alcançado nas
como uma sociedade de Estados regularmente vontades associadas, uma atividade que não prevê uma
constituída, onde cada um ajustava sua conduta a fase própria "ativa e construtiva" ". A vontade coleti-
princípios reconhecidos por todos, onde o respeito va, para Sorel, tinha a força da consciência coletiva
pelo direito estabelecido governava as transformações para Durkheim, as quais pulverizadas, encontrar-se-
e ditava os tratados, onde a boa fé dirigia sua íam nas consciências e vontades individuais.8
execução, onde o sentimento de solidariedade das A função da Sociologia como ciência particular era
monarquias assegurava, ao manter-se a ordem pública, encontrada nesse contexto histórico. Ela estava, para
a duração dos compromissos contraídos pelos Durkheim, apenas em condições de "guiar-nos na
príncipes...uma Europa onde os direitos de cada um solução de... problemas práticos", não necessitando
resultam dos deveres de todos era algo tão estranho debruçar-se sobre questões relativas à finalidade dos
para os homens do antigo regime que foi necessária atos individuais ou de seus meios. Os atos, na sua
uma guerra de um quarto de século, a mais formidável exterioridade, já diriam muito. (Durkheim, p. 288).
que assistimos, para impor-lhes a nação e demonstrar-
Durkheim poderia encerrar sua obra à essa altura,
lhes a necessidade dos mesmos (deveres). A tentativa
tendo polemizado com os juristas da época, com a
vivida no congresso de Viena e nos congressos
Psicologia subjetivista, com Wundt e sua teoria sobre
seguintes para dar à Europa uma organização
os fundamentos fisiológicos dos comportamentos
elementar foi um progresso e não um retorno ao
individuais, tendo aderido a Sorel, como referência
passado". (Sorel, citado por Durkheim, p. 238).
política, e a Morgan, autor de Ancient Society. Contou
Durkheim associa-se ao pensamento de Sorel, no com as teses de Schmoller, autor contemporâneo seu
aspecto da necessidade do controle social do Estado de La division du travail étudié au point de vue histo-
sobre os indivíduos, na perspectiva de compartimen- rique, e ainda com antropólogos, para além das teorias
tar, segundo princípios coerentes e coesos, a Europa e de Spencer e Comte.
o interior de cada uma de suas sociedades. Isso por-
Mas ele se encontrava na França das lutas de classe
que, "...para que o controle social seja rigoroso e para
do século XIX, que o levaram a reconhecer que uma
que a consciência comum se mantenha, é necessário
crise industrial e comercial se pronunciava: "...de 1845
que a sociedade esteja dividida em compartimentos
a 1869, as quebras aumentaram uns 70%...o antago-
bastante pequenos que envolvam completamente o
nismo do trabalho e do capital (avançaram) à medida
indivíduo ; do contrário, um e outro se debilitam à
que as funções sociais iam se especializando mais, a
medida que estas divisões se diluem" (p. 255). Evitar
luta se tornava mais viva, ainda que a solidariedade
as grandes cidades, as massas concentradas, as multi-
aumente" (p.302). Mas esses fenômenos eram estra-
dões de indivíduos aglomerados eram razões para que
nhos à divisão do trabalho propriamente dita. Por isso,
se exercitasse o controle social.
pode ser considerado o lado pobre da obra, seu aspecto
mítico, ideológico e preconceituoso. Seria
interessante,

-39-
DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA 1996 UNESP-FCL

agora sim, confrontá-lo com o entendimento que Marx que é um fenômeno social. O que pretendia evidenciar
tivera do processo de desenvolvimento da divisão do era o aspecto moralmente mais sólido presente nas
trabalho na Europa e das lutas de classes na França. sociedades contemporâneas de seu tempo, que tinham
Ao citar Marx, traz apenas alguma passagem de sua no seu interior algo novo: massas de indivíduos
discussão sobre a porosidade do trabalho, quando não integrando-se à produção industrial. 6. As sociedades
atingido por significativa divisão do trabalho implan- fragmentadas correspondiam a distintos pressupostos
tada pela grande indústria: "...a divisão do trabalho jurídicos consolidados em normas de regulamentação
economiza todo...tempo perdido...segundo a expressão da sociabilidade e da solidariedade mecânica;
de Karl Marx, provavelmente através de Sorel, cerra
7. A Sociologia devia tornar-se ciência particular e não
os poros da jornada" (p. 333). Nada além.
apenas ramo de uma filosofia universalizante. Seu
objeto maior, no estudo da sociabilidade, seria a exte-
CONCLUSÃO rioridade das relações sociais, ditadas no universo da
cooperação e da solidariedade fundadas na divisão do
A época em que Durkheim escreveu Da Divisão do trabalho;
Trabalho Social, no ano de 1889, era marcada pela 8. A razão técnica emerge como núcleo articulador da
consolidação da grande burguesia industrial e da pro- sociabilidade, derivando aquela da concepção do
dução relizada nos distintos estabelecimentos fabris, autor da exterioridade perpétua dos fenômenos sociais
que surgiam gerando movimentos migratórios rumo às relevantes e a subordinação indefinida das
cidades, tornando-as densamente povoadas, além de consciências individuais àquela exterioridade;
politicamente agitadas. 9. A sociabilidade implica sempre em reciprocidade e
Mas Durkheim não se dispunha a obedecer a lógica na exclusão de antagonismos. A ruptura com o orga-
das disputas, que se realizavam no interior de antago- nicismo é de conteúdo, não de forma. Para Durkheim,
nismos de classes, mas à lógica do processo contínuo todas as funções da sociedade são sociais e não
de universalização da divisão do trabalho a partir da orgânicas. Surgem dessa ruptura os conceitos de tipos
grande indústria, da qual supunha resultar um processo coletivos e sistemas de funções diferentes e especiais.
cooperativo extenso, como uma solidariedade orgâni- Durkheim sem dúvida defendeu algumas teses
ca, enquanto função reguladora das sociedades onde através desses postulados. Alinhamo-las como nossas
essa predominava. Recuperemos seus passos.
conclusões finais:
1. A divisão do trabaiho é dominantemente uma função
1a. Considerava existirem tipos coletivos sustenta-
social, reguladora das instituições e mediação da
dos na solidariedade mecânica, que viviam um proces-
consciência moral coletiva na realização da coopera-
so de decadência. E, para ele, a desagregação social
ção e da solidariedade orgânica e mecânica;
não fazia história, só a coesão. Da mesma forma, o
2. A grande empresa industrial é o núcleo do novo individualismo pressuposto pelo liberalismo clássico
meio social e base da explicação dos movimentos tinha uma crise que não poderia ser datada. Daí a
populacionais urbanos; relevância que dava à análise da vida social sobre a da
3. A concepção organicista deve ser superada pela história das sociedades humanas. Para ele, o conserva-
contestação da concepção de homem perfeito e pela dorismo, "o histórico", era sinônimo de desagregação,
nova concepção de indivíduo habilitado, especializado já que não é humanamente determinado.
e competente; 2a. Considerava a função da divisão do trabalho
4. Na divisão do trabalho encontra-se impresso o seu como o fato social mais relevante do processo de in-
caráter necessariamente moral e o caráter social que dustrialização capitalista, sem o considerar evidente-
ao anterior se articula, e por isso mesmo, o aspecto mente como tal. Sendo tomada como agente de
moral deixa de ser absoluto; mudança sem ser sujeito, a divisão do trabalho fica
5. A classificação e a comparação como procedimentos
metodológicos decorrem do seu entendimento do

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ESTUDOS DE SOCIOLOGIA N° 01 AUGUSTO CACCIA-BAVA JÚNIOR

circunscrita à lógica do chamado meio industrial, ELSTER, J. "Marxism, Funcionalism: the case for
regulador, desde sua instalação, das formas de socia- methodological individualism". In: Theory and
Society, no 11, 1982.
bilidade e solidariedade.
FARIA, V. (s/d) "Políticas de Governo e regulação da
3a. A vida para ele é derivada da regulamentação
fecundidade: conseqüências não antecipadas e
moral da sociabilidade. Se existe mais regulamenta- efeitos perversos". Campinas, Departamento de Ci-
ção, existe mais vida. ências Sociais, UNICAMP / CEBRAP, mimeogra-
4a. O trabalho antes de útil é necessário. Ele não se fado.
define por uma natureza que lhe é própria, mas pelo FERNANDES, F. Fundamentos empíricos da explica-
sentido moral que é atribuído à função da divisão ção sociológica - 4ª edição, São Paulo, T.A. Quei-
roz, 1980.
social do trabalho. As vontades individuais não estão
presentes no trabalho. O trabalho é servidão insupor- GRAMSCI, A. Maquiavel, a política e o estado mo-
derno. Tradução de Luiz Mario Gazzaneo. Rio de
tável.
Janeiro, Editora Civilização Brasileira, 1989.
5a. Só o meio social é relevante perante a existên- GIANOTTI, J. A. "A sociedade como técnica da razão:
cia de cada indivíduo; todos os indivíduos se relacio- um ensaio sobre Durkheim". In: Estudos 1. (Sobre
nam a partir desse meio social, a eles estranho e teoria e método em Sociologia). São Paulo, Edições
exterior às suas consciências individuais; CEBRAP - Brasileira de Ciências Ltda, 1971.
6a. Não há interesse individual ou grupal presente IANNI, O. "Paradigmas das ciências sociais". São
nos atos sociais, há valores morais coletivos em reali- Paulo, Unicamp, mimeografado, 1989.
zação. MANNHEIM, K. "O significado do conservadorismo"
In: Foracchi, Maria Alice (org.) e Fernandes, Flo-
A contestação teórica de suas teses, necessária se- restan (coord.) Mannheim. Coleção Grandes Cien-
gundo pensamos, deveria partir exatamente da explici- tistas São Paulo, Editora Ática, 1962.
tação do caráter capitalista da divisão do trabalho, MARX, K. As lutas de classes na França: 1848 -1850.
construída desde os economistas clássicos, por ele São Paulo, Editora Global, 1986. Com introdução
repudiados, até os críticos daqueles, como os autores de Friedrich Engels.
de O Capital e de A Situação da Classe Trabalhadora YTURBE, C. "Individualismo y marxismo: Marx visto
na Inglaterra, Marx e Engels, este último seu contem- por Elster". In: Revista Mexicana de Ciências Po-
porâneo. Esse ponto de partida não é arbitrário, é antes líticas y Sociales. México, UNAM, n° 127, janeiro
necessidade lógica para a distinção ou delimitação do e março, 1978.
universo teórico do autor aqui analisado.

1
Trata-se de Durkheim, Emile De Ia Division del Trabajo
INDICAÇÕES BIBLIOGRÁFICAS Social. Tradução do francês por David Maldavsky. Buenos
Aires, Editorial Schapire SRL(1967). Como percorreremos
praticamente o livro todo, quando a ele nos reportarmos
BUROWOY, M. "Toward a marxist theory of the faremos referência apenas à numeração da página, estando
labour process: Braverman and beyond". In: Poli- implícita a obra a que se refere.
tics andSociety, n° 3-4, 1978. 2
Para a compreensão desse período, um texto privilegiado é
o de Marx, KarI (1986) As Lutas de Classes na França: 1848-
DURKHEIM, E. De Ia division del trabajo social.
1850. São Paulo, Editora Global. É preciosa, também a
Tradução do francês por David Maldavsky. Buenos introdução que a ele faz Engels, que gerou enorme contro
Aires, Editorial Schapire SRL, 1967. vérsia junto às forças democráticas européias, nos anos de
1885 e seguintes, exatamente à época em que Durkheim
DURKHEIM, É. As regras do método sociológico. divulga suas teses inscritas na "Da Divisão...''. Sobre a dis
Nova tradução de Maria Isaura Pereira de Queiroz, tinção entre tradicionalismo e conservadorismo, é também
5a edição, São Paulo, Editora Nacional. 1968. esclarecedor o texto de Mannheim, KarI (1962) "O significado
do conservadorismo". In: Foracchi, Maria Alice (org) e Fer
ENGELS, F. A situação da classe trabalhadora na nandes, Florestan (coord) Mannheim. Coleção Grandes
Inglaterra. Tradução de Rosa C. Artigas e Regi- Cientistas. São Paulo, Editora Ática, (1982) parte II, capitulo
naldo Forti. São Paulo, Editora Global, 1985. 5.
3
Esse raciocínio é válido para o funcionalismo exercitado,
enquanto método até nossos dias, de forma elevada, onde

-41-
DEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA 1996 UNESP-FCL

os seus adeptos substituíram o termo "regiões" por "vetores


institucionais", ou mesmo "arenas" de decisão Veja-se, por
exemplo, Faria, Vilmar (s/d) "Políticas de Governo e Regulação da
Fecundidade: conseqüências não antecipadas e efeitos perversos".
Campinas. Departamento de Ciências Sociais, UNICAMP,
CEBRAP, mimeografado. 4 Foi Birbaum que esclareceu, na
apresentação das conferências de Durkheim sobre o Socialismo, que
"as lutas sociais alcançavam assim, uma grande intensidade, em
1886, no mesmo momento em que Durkheim redigia seu primeiro
esboço da Divisão do trabalho social. À época, estouravam as duras
greves de Decazeville". Citado de Durkheim, E. El Socialismo.
Tradução de Idea Vilarino, Uruguai, Editorial Schapire SRL,
(1972), p. 8. 5A obra referida é do romancista Balzac, H. (1978)
Ilusões Perdidas. São Paulo, Abril Cultural. Ela foi escrita entre os
anos de 1834 e 1843. A passagem citada encontra-se à página 30.
6
Ver nesse sentido, Gianotti, José A. "A sociedade como
técnica da razão: um ensaio sobre Durkheim". In: Estudos 1
- Sobre teoria e método em Sociologia. São Paulo, Edições
CEBRAP, Brasileira de Ciências Ltda., (1971), pp. 47 a 98.
7
Em nossos dias, a perspectiva contratual passou a ser
contabilizada em termos de relação custo-beneficio social,
ao se projetarem demandas corporativas, no universo de
cada unidade industrial. Essa contabilidade vem sendo en
volvida num quadro teórico denominado "teoria dos jogos", e
há farta literatura a ser consultada, dentre outras: Elster, Jon
"Marxism, Funcionalism: the case for methodological indiví-
dualism". In: Theory and Society. no. 11, (1982) Uma sinté
tica argumentação crítica encontra-se em Burowoy, M
"Toward a marxist theory of the labour process: Braverman
and beyond" In: Politics and Society. no 3-4, (1978) e em
Yturbe, Corina "Individualismo y marxismo: Marx visto por
Elster" ln:fiewsfa Mexicana de Ciências Políticas y Socia-
les". México, UNAM, no. 127, janeiro e março, (1978)
8
Gramsci, Antônio Maquiavel, a Política e o Estado Moderno.
Tradução de Luiz Mario Gazzaneo. Rio de Janeiro. Editora
Civilização Brasileira. 1989. Especialmente parte I A citação
é das paginas 4 e 5.

-42-
ANÁLISES DO LIVRO "DA DIVISAO DO TRABALHO SOCIAL", DE DURKHEIM.

1- fonte: wikipedia

Partindo da afirmação de que "os fatos sociais devem ser tratados como coisas", forneceu uma definição do
normal e do patológico aplicada a cada sociedade, em que o normal seria aquilo que é ao mesmo tempo
obrigatório para o indivíduo e superior a ele, o que significa que a sociedade e a consciência coletiva são
entidades morais, antes mesmo de terem uma existência tangível. Essa preponderância da sociedade sobre o
indivíduo deve permitir a realização desse, desde que consiga integrar-se a essa estrutura.

Para que reine certo consenso nessa sociedade, deve-se favorecer o aparecimento de uma solidariedade entre seus
membros. Uma vez que a solidariedade varia segundo o grau de modernidade da sociedade, a norma moral tende
a tornar-se norma jurídica, pois é preciso definir, numa sociedade moderna, regras de cooperação e troca de
serviços entre os que participam do trabalho coletivo (preponderância progressiva da solidariedade orgânica).

Durkheim formou-se em Filosofia, porém sua obra inteira é dedicada à Sociologia. Seu principal trabalho é na
reflexão e no reconhecimento da existência de uma "Consciência Coletiva". Ele parte do princípio que o homem
seria apenas um animal selvagem que só se tornou Humano porque se tornou sociável, ou seja, foi capaz de
aprender hábitos e costumes característicos de seu grupo social para poder conviver no meio deste.

A este processo de aprendizagem, Durkheim chamou de "Socialização", a consciência coletiva seria então
formada durante a nossa socialização e seria composta por tudo aquilo que habita nossas mentes e que serve para
nos orientar como devemos ser, sentir e nos comportar. E esse "tudo" ele chamou de "Fatos Sociais", e disse que
esses eram os verdadeiros objetos de estudo da Sociologia.

Nem tudo que uma pessoa faz é um fato social, para ser um fato social tem de atender a três características:
generalidade, exterioridade e coercitividade. Isto é, o que as pessoas sentem, pensam ou fazem independente de
suas vontades individuais, é um comportamento estabelecido pela sociedade. Não é algo que seja imposto
especificamente a alguém, é algo que já estava lá antes e que continua depois e que não dá margem a escolhas.

O mérito de Durkheim aumenta ainda mais quando publica seu livro "As regras do método sociológico", onde
define uma metodologia de estudo, que embora sendo em boa parte extraída das ciências naturais, dá seriedade à
nova ciência. Era necessário revelar as leis que regem o comportamento social, ou seja, o que comanda os fatos
sociais.

Em seus estudos, os quais serviram de pontos expiatórios para os inícios de debates contra Gabriel Tarde (o que
perdurou praticamente até o fim de sua carreira), ele concluiu que os fatos sociais atingem toda a sociedade, o que
só é possível se admitirmos que a sociedade é um todo integrado. Se tudo na sociedade está interligado, qualquer
alteração afeta toda a sociedade, o que quer dizer que se algo não vai bem em algum setor da sociedade, toda ela
sentirá o efeito. Partindo deste raciocínio ele desenvolve dois dos seus principais conceitos: Instituição social e
Anomia.

A instituição social é um mecanismo de proteção da sociedade, é o conjunto de regras e procedimentos


padronizados socialmente, reconhecidos, aceitos e sancionados pela sociedade, cuja importância estratégica é
manter a organização do grupo e satisfazer as necessidades dos indivíduos que dele participam. As instituições
são, portanto, conservadoras por essência, quer seja família, escola, governo, polícia ou qualquer outra, elas agem
fazendo força contra as mudanças, pela manutenção da ordem.

Durkheim deixa bem claro em sua obra o quanto acredita que essas instituições são valorosas e parte em sua
defesa, o que o deixou com uma certa reputação de conservador, que durante muitos anos causou antipatia a sua
obra. Mas Durkheim não pode ser meramente tachado de conservador, sua defesa das instituições se baseia num
ponto fundamental, o ser humano necessita se sentir seguro, protegido e respaldado. Uma sociedade sem regras
claras (num conceito do próprio Durkheim, "em estado de anomia"), sem valores, sem limites leva o ser humano
ao desespero. Preocupado com esse desespero, Durkheim se dedicou ao estudo da criminalidade, do suicídio e da
religião. O homem que inovou construindo uma nova ciência inovava novamente se preocupando com fatores
psicológicos, antes da existência da Psicologia. Seus estudos foram fundamentais para o desenvolvimento da obra
de outro grande homem: Freud.
Basta uma rápida observação do contexto histórico do século XIX, para se perceber que as instituições sociais se
encontravam enfraquecidas, havia muito questionamento, valores tradicionais eram rompidos e novos surgiam,
muita gente vivendo em condições miseráveis, desempregados, doentes e marginalizados. Ora, numa sociedade
integrada essa gente não podia ser ignorada, de uma forma ou de outra, toda a sociedade estava ou iria sofrer as
consequências. Aos problemas que ele observou, ele considerou como patologia social, e chamou aquela
sociedade doente de "Anomana". A anomia era a grande inimiga da sociedade, algo que devia ser vencido, e a
sociologia era o meio para isso. O papel do sociólogo seria, portanto, estudar, entender e ajudar a sociedade.

Na tentativa de "curar" a sociedade da anomia, Durkheim escreve "Da divisão do trabalho social", onde ele
descreve a necessidade de se estabelecer uma solidariedade orgânica entre os membros da sociedade. A solução
estaria em, seguindo o exemplo de um organismo biológico, onde cada órgão tem uma função e depende dos
outros para sobreviver, se cada membro da sociedade exercer uma função na divisão do trabalho, ele será
obrigado através de um sistema de direitos e deveres, e também sentirá a necessidade de se manter coeso e
solidário aos outros. O importante para ele é que o indivíduo realmente se sinta parte de um todo, que realmente
precise da sociedade de forma orgânica, interiorizada e não meramente mecânica.

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outra analise:http://www.airtonjo.com/socio_antropologico02.htm

Durkheim Propõe uma Teoria do Fato Social

Por sua vez, E. Durkheim, em Da Divisão do Trabalho Social, de 1893, coloca duas questões sobre as relações
entre os indivíduos e a coletividade[16]:

· como pode um conjunto de indivíduos constituir uma sociedade?

· como este conjunto de indivíduos consegue obter um consenso para a convivência?

Segundo Durkheim, duas formas de solidariedade social podem ser constatadas: a solidariedade mecânica, típica
das sociedades pré-capitalistas, onde os indivíduos se identificam através da família, da religião, da tradição, dos
costumes. É uma sociedade que tem coerência porque os indivíduos ainda não se diferenciam. Reconhecem os
mesmos valores, os mesmos sentimentos, os mesmos objetos sagrados, porque pertencem a uma coletividade. E a
solidariedade orgânica, característica das sociedades capitalistas, onde, através da divisão do trabalho social, os
indivíduos tornam-se interdependentes, garantindo, assim, a união social, mas não pelos costumes, tradições etc.
Os indivíduos não se assemelham, são diferentes e necessários, como os órgãos de um ser vivo. Assim, o efeito
mais importante da divisão do trabalho não é o aumento da produtividade, mas a solidariedade que gera entre os
homens.

Algumas idéias fundamentais decorrem desta análise, como o conceito de consciência coletiva: "O conjunto de
crenças e de sentimentos comuns entre os membros de uma mesma sociedade, forma um sistema determinado
que tem sua vida própria; podemos chamá-la de consciência coletiva ou comum. Sem dúvida, ela não tem como
substrato um órgão único; é, por definição, difusa, ocupando toda a extensão da sociedade; mas nem por isso
deixa de ter características específicas, que a tornam uma realidade distinta. Com efeito, ela é independente das
condições particulares em que se situam os indivíduos. Estes passam, ela fica. É a mesma no Norte e no Sul, nas
grandes e nas pequenas cidades, nas diferentes profissões. Por outro lado, não muda em cada geração, mas ao
contrário liga as gerações que se sucedem. Portanto, não se confunde com as consciências particulares, embora se
realize apenas nos indivíduos. É o tipo psíquico da sociedade, tipo que tem suas propriedades, condições de
existência, seu modo de desenvolvimento, exatamente como os tipos individuais, embora de outra maneira"[17].

Nas sociedades dominadas pela solidariedade mecânica a consciência coletiva abrange a maior parte dos
membros desta sociedade. Nas sociedades dominadas pela solidariedade orgânica há uma redução desta
consciência coletiva porque os indivíduos são diferenciados. Por isso, nestas últimas, em oposição às primeiras,
ocorre um enfraquecimento das reações coletivas contra a violação das proibições sociais e há, especialmente,
uma margem maior na interpretação individual dos imperativos sociais.

Durkheim defende também o primado da sociedade sobre o indivíduo:

· as sociedades têm prioridade histórica sobre os indivíduos


· as sociedades têm prioridade lógica sobre os indivíduos, porque se a solidariedade mecânica precede a
solidariedade orgânica, não se pode explicar a diferenciação social a partir dos indivíduos, pois a consciência de
individualidade não pode existir antes da solidariedade orgânica e da divisão do trabalho social.

Daí que os fenômenos individuais devem ser explicados a partir da coletividade, e não a coletividade pelos
fenômenos individuais. Donde a divisão do trabalho ser um fenômeno social que só pode ser explicado por outro
fenômeno social, como a combinação do volume, densidade material e moral de uma sociedade, sendo que o
único grupo social que pode proporcionar a integração dos indivíduos na coletividade é a corporação profissional.

Em outra importante obra, publicada em 1912, As Formas Elementares da Vida Religiosa, E. Durkheim propõe a
elaboração de uma teoria geral da religião fundamentada nas formas mais simples e primitivas das instituições
religiosas. Durkheim acredita, assim, que se possa apreender a essência de um fenômeno social observando suas
formas mais elementares. Por isso parte do estudo do totemismo nas tribos australianas, chegando à conclusão de
que os homens adoram uma realidade que os ultrapassa, que sobrevive a eles, mas que esta realidade é a própria
sociedade sacralizada como força superior. Nem as forças naturais, nem os espíritos, nem as almas são sagradas
por si mesmas. Só a sociedade é uma realidade sagrada por si mesma. Pertence à ordem da natureza, mas a
ultrapassa. É ao mesmo tempo causa do fenômeno religioso e justificativa da distinção entre sagrado e profano.
Para Durkheim, qualquer crença ou prática religiosa é semelhante às práticas totêmicas.

Mas por que a própria sociedade torna-se objeto de crença e culto? Durkheim explica: "De maneira geral, não há
dúvida de que uma sociedade tem tudo o que é preciso para despertar nos espíritos, unicamente pela ação que ele
exerce sobre eles, a sensação do divino; porque ela é para os seus membros o que um deus é para os seus fiéis.
Um deus, com efeito, é antes de tudo um ser que o homem imagina, em determinados aspectos, como superior a
si mesmo e de quem acredita depender. Quer se trate de personalidade consciente, como Zeus ou Javé, ou então
de forças abstratas como as que estão presentes no totemismo, o fiel, tanto num caso como no outro, acredita-se
obrigado a determinadas maneiras de agir que lhe são impostas pela natureza do princípio sagrado com o qual se
sente em relação. Ora, a sociedade também alimenta em nós a sensação de contínua dependência. Como tem
natureza que lhe é própria, diferente da nossa natureza de indivíduo, ela visa a fins que lhe são igualmente
especiais: mas, como só pode atingi-los por nosso intermédio, reclama imperiosamente nosso concurso. Ela exige
que, esquecidos de nossos interesses, nos tornemos seus servidores e nos impõe toda espécie de incômodos, de
privações e de sacrifícios sem os quais a vida social seria impossível. É por isso que a cada instante somos
obrigados a nos submeter a regras de comportamento e de pensamento que não fizemos nem quisemos, e que às
vezes são até contrárias às nossas tendências e aos nossos instintos fundamentais.

Todavia, se a sociedade só obtivesse de nós essas concessões e esses sacrifícios por imposição material, não
poderia despertar em nós senão a idéia de força física à qual devemos ceder por necessidade, e não a idéia de
força moral do gênero das que as religiões adoram. Mas na realidade, o domínio que ela exerce sobre as
consciências vincula-se muito menos à supremacia física de que tem o privilégio do que à autoridade moral de
que está investida. Se nos submetemos às suas ordens, não é simplesmente porque está armada de maneira a
triunfar das nossas resistências, é, antes de tudo, porque constitui o objeto de autêntico respeito"[18].

Em As Regras do Método Sociológico, de 1895, Durkheim propõe, com sua sociologia formular uma teoria do
fato social, demonstrando que pode haver uma ciência sociológica objetiva e científica, como nas ciências físico-
matemáticas.

Para que haja tal ciência são necessárias duas coisas: um objeto específico que se distinga dos objetos das outras
ciências e um objeto que possa ser observado e explicado, como se faz nas ciências.

Daí duas outras importantes afirmações de Durkheim:

· os fatos sociais devem ser considerados como coisas

· os fatos sociais exercem uma coerção sobre os indivíduos.

E explica: "É um fato social toda a maneira de fazer, fixada ou não, suscetível de exercer sobre o indivíduo uma
coação exterior; ou ainda, que é geral no conjunto de uma dada sociedade tendo, ao mesmo tempo, uma
existência própria, independente das suas manifestações individuais"[19].
E na conclusão deste mesmo livro resume as características deste método sociológico: "Em primeiro lugar, é
independente de qualquer filosofia (...) Em segundo lugar, o nosso método é objetivo. É totalmente dominado
pela idéia de que os fatos sociais são coisas e devem ser tratados como tais (...) Mas, se consideramos os fatos
sociais como coisas, consideramo-los como coisas sociais. A terceira característica do nosso método é ser
exclusivamente sociológico (...) Mostramos que um fato social só pode ser explicado por um outro fato social e,
simultaneamente, como este tipo de explicação é possível assinalando no meio social interno o motor principal da
evolução coletiva (...) Tais nos parecem ser os princípios do método sociológico"[20].

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outra analise:

fonte: http://www.consciencia.org/durkheim-e-a-sociologia

Os efeitos gerados pela Revolução Industrial eram assuntos pertinentes a diversos autores do século XIX e XX,
Durkheim para explicar a modernidade busca o conceito de “divisão do trabalho social”, assim buscava
identificar a formação de um novo método de trabalho ativava a fragmentação social, assim ocorreria o
surgimento de esferas sociais. Logo, para Durkheim a divisão de tarefas também passa ser fonte de relação e
interação social.[8] Porém,

Mas a divisão do trabalho não é específica do mundo econômico: podemos observar sua influência crescente nas
regiões mais diferentes da sociedade. As funções políticas, administrativas, judiciárias especializam-se cada vez
mais. O mesmo ocorre com as funções artísticas e científicas. Estamos longe do tempo em que filosofia era a
ciência única; ela fragmentou-se numa multidão de disciplinas especiais, cada uma das quais tem seu objeto, seu
método, seu espírito. (DUKHEIM, 1999, p. 2).

Assim, Durkheim identificava que a divisão do trabalho não se dava apenas pelo processo econômico, mas
também em outras organizações, como nas funções artísticas, administrativas e políticas. Durkheim inicia
discutindo qual é a função da divisão do trabalho. A divisão do trabalho tem como objetivo principal tornar a
civilização possível, caso não fosse estaria tornando a moralidade neutra.[9]

Durkheim citando Heráclito a respeito das diferenças no qual entendia que a discórdia é o principio do de todo
devir. Assim, parte da divisão em outras categorias, que “A dessemelhança, como a semelhança, pode ser uma
causa de atração mutua” (DUKHEIM, 1999, p. 20). Logo, procuramos em nossos amigos as qualidades que nos
faltam, que o homem e a mulher possuem suas diferenças, logo tanto a divisão do trabalho determina a relação de
amizade, como a divisão do trabalho sexual é a fonte da solidariedade conjugal. [10]

Primeiramente é necessário buscar se existe uma solidariedade social que esteja sendo proveniente da divisão do
trabalho. Dessa forma, é necessário determinar a solidariedade que ela produz interfere na integração da
sociedade, assim para perceber até que ponto essa solidariedade é necessário.[11]

A solidariedade social, porém, é um fenômeno totalmente moral, que, por si, não se presta à observação exata,
nem, sobretudo, a medida. Para proceder tanto a essa classificação quanto a essa comparação, é necessário,
portanto, substituir o fato interno que nos escapa por um fato externo que o simbolize e estudar o primeiro através
do segundo. (DURKHEIM, 1999, p. 31).

A solidariedade social, quando forte entre os homens inclina-os, colocando-os reciprocamente em contínuo
contato, relacionando-se constantemente. Assim, quanto mais os membros da sociedade são solidários, mais eles
mantêm relações uns com os outros, caso não mantessem contatos constantemente suas relações e mesmo sua
dependência seria menor.[12] O que existe e vive realmente são as formas particulares de solidariedades, a
solidariedade doméstica, a solidariedade profissional, a solidariedade nacional, etc. e esse estudo da solidariedade
pertence ao estudo da sociologia, é um fato social que só pode ser conhecido através do estudo de seus efeitos
sociais.[13] O direito que apresenta as formas essenciais de solidariedade social, dessa forma é necessário
classificar as diferentes formas de direito para poder classificar as diferentes formas de solidariedade social. A
principal idéia de direito é aquela que o divide em direito público e direito privado, o público regula as relações
entre os indivíduos e o Estado, e o privado o indivíduo entre si. Porém, todo o direito é público, da mesma forma
que todo o direito também passa a ser privado.[14]
Há dois tipos de sanções. Umas consistem essencialmente numa dor, ou, pelo menos, numa diminuição infligida
ao agente; elas têm por objeto atingi-lo em sua fortuna, ou em sua honra, ou em sua vida, ou em sua liberdade,
privá-lo de algo de que desfruta. Diz-se que são repressivas – é o caso do direito penal. É verdade que as que se
prendem às regras puramente morais têm o mesmo caráter, só que são distribuídas de uma maneira difusa por
todo o mundo indistintamente, enquanto as do direito penal são aplicadas apenas por intermédio de um órgão
definido: elas são organizadas. Quanto ao outro tipo, ele não implica necessariamente um sofrimento do agente,
mas consiste apenas na reparação das coisas, no restabelecimento das relações perturbadas sob sua forma normal,
quer o ato incriminado seja reconduzido à força ao tipo de que desviou, quer seja anulado, isto é, privado de todo
e qualquer valor social. Portanto, devemos dividir em duas grandes espécies as regras jurídicas, conforme tenham
sanções repressivas organizadas ou sanções apenas restitutivas. A primeira compreende todo o direito penal; a
segunda, o direito civil, o direito comercial, o direito processual, o direito administrativo e constitucional,
fazendo-se abstração das regras penais que se podem encontrar aí. (DURKHEIM, 1999, p. 37).

Portanto, para entender a classificação da solidariedade, Durkheim parte do entendimento da necessidade de se


entender as formas de direito que são estendidas em dada sociedade, se és aplicado o direito restitutivo ou o
direito repressivo. Além de sua grande tese de doutorado, Da Divisão do Trabalho Social, também mostra a
influência positivista. Durkheim entende que a sociedade passa por um determinado processo de evolução, essa
evolução que está sendo provocada pela diferenciação social. Ocorrendo que a primeira etapa desse processo de
evolução social Durkheim chamou de “sociedade de solidariedade mecânica”, já o que se refere à etapa final de
“sociedade de solidariedade orgânica”. Assim, organiza da seguinte forma os dois tipos de sociedade.

Sociedade de solidariedade mecânica

A sociedade de solidariedade mecânica é na verdade um mecanismo de interação dos indivíduos nos grupos ou
nas instituições sociais. Da mesma forma, acaba sendo representada pelas diferentes formas de organização na
sociedade, segmentada ou diferenciada, também os tipos de direito, se este se baseia no princípio do direito
repressivo ou restitutivo.

O vínculo de solidariedade social a que corresponde o direito repressivo é aquele cuja ruptura constitui o crime.
Chamamos por esse nome todo ato que, num grau qualquer, determina contra seu autor essa reação característica
a que chamamos pena. Procurar qual é esse vínculo é, portanto, perguntar-se qual a causa da pena, ou, mais
claramente, em que consiste essencialmente o crime. (DURKHEIM, 1999, P. 39).

Dessa forma, Durkheim inicia trabalhando a diferença da sociedade de solidariedade pela pena, ou melhor, pelo
crime que cada sociedade comete dessa maneira como o crime é dado como restituição do ato cometido. Assim
“São todos os crimes, isto é, atos reprimidos por castigos definidos” (DURKHEIM, 1999, p. 40).

Nas sociedades de solidariedade mecânica os indivíduos vivem em comum porque partilham da consciência
coletiva, assim partilham dos pensamentos em conjunto, elaboram a sua vida através da vida dos outros em
praticamente todas as ações “[...] a sociedade inteira participa numa medida mais ou menos vasta” (DURKHEIM,
1999, p. 4).

Os indivíduos se assemelham muito existindo poucas diferenças entre eles, logo se assemelham pelos mesmos
gostos, sentimentos, valores e reconhecem nos objetos as mesmas representações do sagrado, assim a
semelhanças é enfim o ponto de fundamentação.[15] Portanto, “Nas sociedades dominadas pela solidariedade
mecânica, a consciência coletiva abrange a maior parte das consciências individuais”. (ARON, 2003, p. 463).
Durkheim define a vida coletiva como “[...] um conjunto de crenças e sentimentos comuns à média dos membros
de uma mesma sociedade, que forma um sistema determinado que possui vida própria” (DURKHEIM, 1995, p.
50). Logo, esse laço de solidariedade forma a consciência coletiva.

Nas sociedades primitivas, cada indivíduo é o que são os outros; na consciência de cada um predominam, em
número e intensidade, os sentimentos comuns a todos, os sentimentos coletivos. (ARON, 2003, p. 459).

O grupo na sociedade de solidariedade mecânica prevalece, possui mais eqüidade, aparece mais, logo tem
predomínio sobre o indivíduo. O indivíduo não possui relação com o mundo exterior. Logo, são tão semelhantes
que pouco se caracterizam como diferenciais, abrindo poucos intervalos para individualidades. Os indivíduos
comungam entre si, vivem a comunidade fazendo-se interações, como por exemplo, as sociedades indígenas.

Porém, como fazer transparecer isso,

[...] Durkheim, optou pelo estudo das normas jurídicas que, segundo ele, são um dos meios pelo qual a sociedade
materializa (ou torna concreta) suas convicções morais, que são um dos elementos da consciência coletiva. De
acordo com a forma pelo qual ele é organizado, o direito é o símbolo visível do tipo de solidariedade que existe
na sociedade. Assim, nas sociedades de solidariedade mecânica temos o predomínio do direito repressivo, [...] o
predomínio da punição. De acordo com a explicação de Durkheim, isto mostra a força da consciência coletiva
sobre a vida dos indivíduos. (SELL, 2001, p. 140-41).

Assim, as normas jurídicas representam de certa forma a sociedade em que vivemos, repressiva ou restitutiva.
Nas sociedades de solidariedade mecânica as punições são dadas aos indivíduos e estes não podem dela fugir ou
mesmo fazerem-se livres, pois a punição faz com que a sociedade de coesão e não se danifique, logo não se
admite violação das regras sociais. “Quanto mais forte a consciência coletiva, maior a indignação com o crime,
isto é, contra a violação do imperativo social”. (ARON, 2003, p. 463). A punição não passa de uma lição aos
outros indivíduos para que não façam o mesmo.

A organização social da sociedade de solidariedade mecânica é uma sociedade segmentada, da qual há a


existência de poucas mudanças, onde os grupos vivem isolados, “[...] com um sistema social que tem vida
própria” (SELL, 2001, p. 141). Logo, a manifestação com o exterior é escassa pelo fato que a sociedade sustenta-
se por si mesmo. Assim, Durkheim as vê como as sociedades antigas.

É possível a existência de um grande número de clãs, tribos ou grupos regionalmente autônomos, justapostos e
talvez até mesmo sujeitos a uma autoridade central, sem que a coerência por semelhança do segmento seja
quebrada, sem que se opere, no nível da sociedade global, a diferenciação das funções características da
solidariedade mecânica. (ARON, 2003, 461).

Assim as sociedades de solidariedade mecânica estão pouco passíveis de mudanças, geralmente encontram-se
estagnadas, a diferenciação é dificultada, pois o enraizamento social está determinado, e, segue-se em etapas.

Sociedade de solidariedade orgânica

Nas sociedades de solidariedade orgânica os laços de solidariedade exigem a divisão do trabalho social, o tipo de
organização social é de uma sociedade diferenciada, também o tipo de direito, diferente da sociedade de
solidariedade mecânica, deve ser restitutivo. Durkheim vê como uma lei na história a passagem da sociedade de
solidariedade mecânica para a sociedade de solidariedade orgânica.

É, pois, uma lei da história a de que a solidariedade mecânica, que, a princípio, é única ou quase, perde terreno
progressivamente e que a solidariedade orgânica se torno pouco a pouco preponderante. Mas quando a maneira
como os homens são solidários se modifica, a estrutura das sociedades não pode deixar de mudar. A forma de um
corpo se transforma necessariamente quando as afinidades moleculares não são mais as mesmas. Por conseguinte,
se a proposição precedente é exata, deve haver dois tipos sociais que correspondem a essas duas sortes de
solidariedade. (DURKHEIM, 1999, 17).

A atividade é mais coletiva, os indivíduos dependem uns dos outros, devido à especialização de funções ou
mesmo a divisão do trabalho social. Demonstra que nas sociedades ditas modernas as sociedades são altamente
desenvolvidas e diferenciadas, assim cada indivíduo exerce funções diferenciadas.
Na realidade o que leva as pessoas a interarem-se é mesmo o progresso dos meios da especialização das funções
que os indivíduos exercem entre si, ou mesmo em conjunto, logo os indivíduos acabam se tornando
independentes das atividades em diferentes setores da vida social.

Como conclusão, Durkheim afirma que a divisão do trabalho social não pode ser reduzida apenas a sua dimensão
econômica, no sentido de que ela seria responsável pelo aumento da produção, sendo está a sua função
primordial. Ao contrário, a divisão trabalho social tem antes de tudo uma função moral, no sentido de que ela
passa a ser o elemento chave para a integração dos indivíduos na sociedade. (SELL, 2001, 144).

Dessa maneira Durkheim entende que a verdadeira função da divisão do trabalho social possui como fator
principal o sentimento de solidariedade entre os indivíduos de determinada sociedade. Porém, com a crescente
diversificação das funções, cresce também o sentimento de individualidade entre os indivíduos, a consciência
coletiva acaba perdendo seu papel de interação social. Portanto, os “[...] efeitos produzidos pela divisão do
trabalho, contribuindo para manter o equilíbrio da sociedade” (DURKHEIM, 1999, p.223). Quanto mais o
trabalho for dividido, maior rendimento terá.[16]

Mas, se a divisão do trabalho produz a solidariedade, não é apenas porque ela faz de cada indivíduo um
“trocador”, como dizem os economistas; é que ela cria entre os homens todo um sistema de direitos e deveres que
os ligam uns aos outros de maneira duradoura. (DURKEHIM, 1999, P. 429).

Com a suposta desestruturação coletiva ocorrem duas funções de interesses comuns, uma seria a autonomização
dos indivíduos que elaborariam mais as suas tarefas, e se enquadrariam em seus desejos e anseios sociais, a
segunda questão seria que essa autonomização do indivíduo também levaria a um egoísmo sem precedente, os
próprios indivíduos entrariam em choque com eles mesmo, assim, “Temos uma divisão anômica do trabalho que,
para Durkheim, era o grande problema da sociedade moderna” (SELL, 2001, p. 145).

Seguindo a lógica desenvolvimentista, Durkheim vê a mudança de sociedade como um processo gradual, que
através da diferenciação social, ela iria evoluindo, entendendo que haveria três fatores para o desenvolvimento da
sociedade.

Volume
Densidade material
Densidade moral

Assim, o volume caracterizaria como um suposto aumento do número de indivíduos de determinada sociedade,
para que ocorra a diferenciação é preciso acrescentar a densidade, tanto à densidade moral quanto a material, a
densidade moral, entraria nas comunicações e trocas que os indivíduos fazem entre si. Já a densidade material
entraria no aspecto de indivíduos por porcentagem com relação à superfície do solo. Logo, quanto mais intenso
for o relacionamento entre os indivíduos maior será a sua densidade. Assim, “[...] o crescimento quantitativo
(volume) e qualitativo (densidade material e moral), ocorre na sociedade um processo de especialização das
funções, chamado por Durkheim de divisão do trabalho social” (SELL, 2001, p. 143).
A DIVISÃO DO TRABALHO: UMA ANÁLISE COMPARATIVA DAS
TEORIAS DE KARL MARX E EMILE DÜRKHEIM

Profa. Érika de Cássia Oliveira Caetano∗

1 - ÉMILE DÜRKHEIM: “A DIVISÃO SOCIAL DO TRABALHO”

Assim como Auguste Comte, Karl Marx e Max Weber, Dürkheim também procura
com seus métodos de análise e objeto de estudo, explicações para as modificações estruturais
ocorridas com o advento da sociedade moderna. O triunfo da indústria Capitalista promoveu
uma transformação radial em sua estrutura sócio-econômica, dando um novo rumo à
sociedade emergente. É nesta perspectiva que a sociedade moderna Capitalista será colocada
no plano de análise deste sociólogo.
Foi com Émile Durkheim (1851-1917), que a Sociologia passou a ser considerada
uma ciência, estabelecendo-lhe uma base empírica, com métodos próprios de investigação e
demonstrando que seu objeto de estudo, os fatos sociais, teriam características próprias, que
os distinguiriam dos estudados pelas demais ciências.
É importante retomarmos aqui a proposta metodológica deste teórico, para
compreendermos a função prática do seu conceito de divisão social do trabalho.
Durkheim considera que a sociedade precisaria ser estudada como um fenômeno
sui generis; como uma unidade ou sistema organizado de relações permanentes e mais ou
menos definido, com leis naturais d desenvolvimento que são baseadas na articulação de suas
partes.
Portanto, os “fenômenos sociais têm origem na coletividade não em cada um dos
seus participantes” (QUINTANEIRO, 69:2002). Esclarece ainda que os fatos individuais são
refletidos na consciência individual o nas representações físicas e, no caso das representações
coletivas, estas expressam a vida mental do grupo social.
É por isso que para Durkheim a sociedade é semelhante a um corpo vivo, em cada
órgão cumpre uma função, ou seja, as partes (os fatos sociais) existem em função do todo (a
sociedade).


Professora de Sociologia e Ciências Sociais e as Organizações da PUC Minas e Faculdade de Administração de
Curvelo, Mestranda em Ciências Sociais - Gestão das Cidades pela PUC Minas.
Ao comparar a sociedade a um organismo vivo, Durkheim identifica dois estados
em que esta pode se encontrar: o estado normal que designa os fenômenos que ocorrem com
regularidade na sociedade e o patológico, comportamentos que representam doenças e devem
ser isolados e tratados porque põem em risco a harmonia e o consenso, estando fora dos
limites permitidos pela ordem social e pela moral vigente.
Para Durkheim, a sociedade moderna se encontra em um estado doentio, porque
deixou de exercer o papel de freio moral sobre os indivíduos. Como Durkheim demonstra no
prefácio à segunda edição de sua obra “Da divisão do trabalho social”:

É a esse estado de anomia que devem ser atribuídos, como mostraremos, os


conflitos incessantemente renascentes e as desordens de todo tipo de que o
mundo econômico nos dá o triste espetáculo. Porque, como nada contém as
forças em presença e não lhes atribui limites que sejam obrigados a respeitar
elas tendem a se desenvolver sem termos e acabem se entrechocando, para se
reprimirem e se reduzirem mutuamente.(...) As paixões humanas só se detêm
diante de uma força moral que elas respeitam. Se qualquer autoridade desse
gênero inexiste, é a lei do mais forte que reina e. latente ou agudo, o estado
de guerra é necessariamente crônico. (DURKHEIM, VII: 2004)

Durkheim considera que os conflitos e as desordens da sociedade moderna são


sintomas deste estado de anomia e ainda que, a Religião, o Estado e a família têm sido pouco
eficazes no controle moral desta sociedade.
Para este teórico, o mecanismo que oferece a coesão para a sociedade seria a
solidariedade social. Nesta perspectiva, cabe-nos demonstrar que a solidariedade social se
expressa, segundo sua teoria, por uma maior ou menor divisão do trabalho, somando ainda à
consciência que poderá se individual ou coletiva.
A divisão do trabalho e a forma de consciência que se expressa em cada sociedade,
levaram Durkheim a demonstrar que os fatos sociais têm existência própria, externa aos
indivíduos e que no interior de qualquer grupo ou sociedade existem formas padronizadas de
conduta e pensamento baseadas na soma destas categorias. Esta soma, por sua vez, formam os
dois tipos de solidariedade: a solidariedade mecânica e a solidariedade orgânica.
Em sua obra, Durkheim demonstra que a sociedade modela o comportamento
social do homem no processo da evolução social, passando de uma solidariedade mecânica,
para uma solidariedade orgânica.
A solidariedade mecânica é mais simples e se forma pela igualdade: os indivíduos
vivem em comum porque partilham de uma consciência coletiva comum. A consciência
coletiva é “um conjunto das crenças e dos sentimentos comuns à média dos membros de uma
mesma sociedade [que] forma um sistema determinado que tem vida própria” (DURKHEIM,
50:2004).
Este tipo de solidariedade predominava nas sociedades pré-capitalistas, onde os
indivíduos permanecem em geral independentes e autônomos em relação à divisão do
trabalho social. Neste caso, os indivíduos que executam as mesmas tarefas reconhecem que
têm pelo menos parte da personalidade em comum, e se unem em torno dela. Nas sociedades
de solidariedade mecânica, existe total predomínio do grupo sobre os indivíduos que se
identificavam através da família, da religião, da tradição e dos costumes.
De acordo com SELL:

(...) Durkheim observou que a estrutura das sociedades tradicionais era


caracterizada por uma repetição de seguimentos similares e homogêneos,
que não tinham nenhuma relação entre si. Uma sociedade segmentada é
aquela onde os grupos sociais (como aldeias, por exemplo) vivem isolados,
com um sistema social que tem vida própria.o segmento basta-se a si mesmo
e tem pouca comunicação com o mundo exterior. (73:2002)

Devemos destacar ainda que, segundo Durkheim, a solidariedade permite a


integração geral da sociedade, porque tem natureza moral. Embora algumas formas de
solidariedade manifestam-se nos costumes, como é o caso da solidariedade mecânica, ela se
materializa do Direito. Nas sociedades de solidariedade mecânica, o direito é repressivo,
apresentando uma punição por meio dos costumes, já que o crime representa uma ruptura com
os elos de solidariedade. O criminoso no caso, age contra a sociedade e sua punição é
proporcional ao delito.
A evolução da sociedade, promove uma diferenciação social, no qual predomina a
divisão do trabalho. De acordo com Durkheim, são três os fatores responsáveis pelo
crescimento da sociedade: volume, densidade sócia e densidade moral. Raymond Aron
(2002), assim define estes conceitos:

Para que o volume, isto é, o aumento do número dos indivíduos, se torne


uma causa da diferenciação, é preciso acrescentar a densidade, nos dois
sentidos o material e o moral. A densidade material é o número dos
indivíduos em relação a uma superfície dada do solo. A densidade moral é a
intensidade das comunicações e trocas entre esses indivíduos. Quanto mais
intenso o relacionamento entre os indivíduos, maior a densidade. A
diferenciação social resulta da combinação dos fenômenos do volume e da
densidade material e moral. (p. 472)

Com o crescimento quantitativo (volume) e qualitativo (densidade material e


moral) da sociedade, ocorre na sociedade um processo de especialização de funções
denominado por Durkheim de Divisão Social do Trabalho. Nesta nova sociedade o indivíduo
é socializado porque, embora tenha uma esfera própria de ação, depende dos demais, e por
conseguinte, da sociedade resultante dessa união. Para Durkheim, nesta sociedade predomina
a solidariedade orgânica, ou seja, uma sociedade em que os indivíduos estão unidos em
virtude da divisão social do trabalho.
Vale ressaltar que a divisão social do trabalho, explicitada pelo teórico, não se
refere apenas à especialização de funções econômicas, mas também pelas diferentes esferas
sociais que se diferenciam e se especializam cada vez mais como a economia. A política, a
educação, o direito e outros. Além disso, a divisão social do trabalho, exerce nos homens a
função de freio moral, como veremos a seguir.
A solidariedade orgânica é fruto das diferenças sociais, há que são essas diferenças
que unem os indivíduos pela necessidade de troca de serviços e pela sua interdependência. É
neste ponto que encontramos a originalidade da obra de Durkheim, que nos apresenta a
divisão social do trabalho como um novo mecanismo de integração social.
Vemos, portanto, que a solidariedade orgânica prevalece nas sociedades
complexas de tipo capitalistas, onde, através da acelerada divisão social do trabalho, os
indivíduos se tornam interdependentes e suas funções são vitais para o funcionamento do
sistema social. Neste tipo de solidariedade a consciência coletiva se afrouxa, dando espaço à
consciência individual que expressa o que temos de pessoal e distinto. O direito predominante
na solidariedade orgânica seria os restitutivo, que implica no restabelecimento das relações
perturbadas, sob sua forma normal.
Isto nos revela outro aspecto importante da obra de Durkheim: a especialização de
funções e o grande desenvolvimento das atividades econômicas levaram a uma acentuação da
consciência individual, o que pode ser prejudicial à coesão social. Neste caso, se a
diferenciação de atividades que dá origem à solidariedade orgânica for muito forte, a
coordenação entre elas não poderá ocorrer de maneira eficaz. Ou seja, a infinidade de
ocupações distribuídas ente os homens impedirá que eles percebam a complementariedade
entre elas, gerando um forte sentimento de individualismo. A acentuada especialização de
atividades faz com que o indivíduo oriente seus atos, segundo suas próprias intenções,
deixando de lado os valores coletivos. Desta forma, o individualismo exacerbado, segundo
Durkheim, leva a sociedade a um estado de anomia moral, ou seja, à perda de uma moral
orientadora e disciplinadora dos comportamentos.
A falta de regulamentação das atividades profissionais também levariam a
sociedade a uma “divisão anômica do trabalho”.
De acordo com QUINTANEIRO (2002):

Como o sociólogo francês o percebia, tal estado de anarquia não poderia ser
atribuído somente a uma distribuição injusta da riqueza mas, principalmente,
à falta de regulamentação das atividades econômicas, cujo desenvolvimento
havia sido tão extraordinário nos últimos dois séculos que elas acabaram por
deixar de ocupar seu antigo lugar secundário. Ao mesmo tempo, o autor
conferiu às anormalidades provocadas por uma divisão anômica do trabalho
uma parte da responsabilidade nas desigualdades e nas insatisfações
presentes nas sociedades modernas. Mesmo tendo absorvido uma ‘enorme
quantidade de indivíduos cuja vida se passa quase que inteiramente no meio
industrial’, tais atividades não exerciam a ‘coação, sem a qual não há moral’,
isto é, não se lhes apresentavam como uma autoridade que lhes impusesse
deveres, regras, limites. (p. 89)

Este seria para Durkheim o grande desafio das ciências sociais: preservar a
sociedade garantindo assim o seu bom funcionamento. Qual seria portanto, a proposta deste
teórico para restaurar a sociedade de seu estado patológico ou anômico? Se as instituições
sociais como a Igreja, a família e o Estado são pouco eficazes no controle moral da sociedade,
a qual instituição caberia esta função? Qual seria, portanto, a função da divisão social do
trabalho neste contexto? Tentaremos, a seguir, responder a tais questões.
Durkheim irá procurar no campo do trabalho, um lugar de construção da
solidariedade da moralidade perdidas. Para este sociólogo, a anomia que desestabilizou a
sociedade, necessita da criação de uma nova moral, condizente com os valores da sociedade
industrial emergente. Esta nova moral estaria intrínseca ao mundo do trabalho que poderia
exercer a regulamentação moral nas sociedades. Neste sentido, a profissão assume grande
importância, substituindo a família, a religião e o Estado como instituições integradoras.
De acordo com QUINTANEIRO(2002), a saída para a moralização seria criar
corporações capazes de cumprir a autoridade moral, estabelecendo regras de conduta sobre os
indivíduos, criando entre eles uma forte solidariedade.
Dürkheim (2004:429) afirma:

Mas, se a divisão do trabalho produz a solidariedade, não é apenas porque ela faz de
cada indivíduo um ‘trocador’, como dizem os economistas; é porque ela cria entre os
homens todo um sistema de direitos e deveres que os liam uns aos outros de maneira
duradoura. Do mesmo modo que as similitudes sociais dão origem a um direito e a
uma moral que as protegem, a divisão do trabalho dá origem a regras que asseguram o
concurso pacífico e regular das funções divididas.

A função da divisão social do trabalho, seria produzir a solidariedade, dando


sentido às ações dos trabalhadores. Ao restabelecer a solidariedade entre os homens, a divisão
social do trabalho, assumiria seu caráter moral ampliando a harmonia, a integração e a coesão
na sociedade moderna.

2 - KARL MARX: “A DIVISÃO DO TRABALHO”

Karl Marx (1818-1883), desenvolveu uma corrente de pensamento considerada a


mais revolucionária da teoria social moderna: o materialismo histórico. As idéia desse teórico,
destinavam-se a todos os homens pois, denunciavam as contradições básicas da sociedade
capitalista, embasadas em um ideal revolucionário e numa proposta de ação política prática.
Foi identificando a forma como os homens produzem seus meios de vida que Marx
chegou à conclusão que estes estabelecem relações sociais baseadas nas condições materiais
de sua existência. E ainda, que o estudo de qualquer sociedade pressupõe como ponto de
partida, as relações sociais que os homens estabelecem entre si para utilizar os meios de
produção e transformar a natureza.
É preciso deixar claro que ao produzir as condições materiais de existência, o
homem também produz sua consciência, seu modo de pensar e conceber o mundo, suas
representações, como também a produção intelectual das leis, da moral da religião de uma
sociedade. Quanto a isto, Marx ( 1984:82-83) afirma que:

Na produção social da própria existência os homens entram em


relações determinadas, necessárias, independentes de sua vontade;
estas relações de produção correspondem a um grau determinado de
desenvolvimento de suas forças produtivas materiais. O conjunto
dessas relações de produção constitui a estrutura econômica da
sociedade, a base real sobre a qual de eleva uma superestrutura
jurídica e política a qual correspondem formas sociais determinadas
de consciência. O modo de produção da vida material condiciona o
processo de vida social, política e intelectual. Não é a consciência dos
homens que determina a realidade; ao contrário, é a realidade social
que determina a sua consciência.

A sociedade é, portanto, produto da ação recíproca entre os homens.


Para Marx, a lei fundamental de transformação de uma sociedade está vinculada ao
desenvolvimento de suas forças produtivas, que em determinado estágio de desenvolvimento,
chegam ao seu limite entrando em contradição com as relações de produção que as
desenvolveram. É na expansão das forças produtivas que encontraremos as relações de
propriedade, a distribuição da renda entre os indivíduos e a formação das classes sociais.
Marx, identifica que pelas classes sociais os homens estabelecem uma relação social de
exploração, antagonismos sociais e alienação, sob a forma da apropriação dos meios de
produção. A expressão desta contradição entre as forças produtivas e as relações de produção
é a luta de classes.
Desta forma, Marx vê as relações sociais na sociedade moderna, como negativas,
por serem a principal causa da desigualdade social entre os homens. Para Marx, “a história de
toda sociedade até hoje é a história da luta entre classes”. Para melhor entendermos este
conceito, devemos nos remeter ao seu conceito de divisão do trabalho.
Marx concebe a idéia de que a sociedade está dividida em classes, cada uma com
suas regras e condutas apropriadas, mas que estão inseridas em um único sistema que é o
Modo de Produção Capitalista. A divisão social do trabalho é para Marx “a totalidade das
formas heterogêneas de trabalho útil, que diferem em ordem, gênero, espécie e variedade”
(O Capital I, Cap.I). É interessante observar que Marx considera a divisão do trabalho não só
como um meio para se alcançar a produção de mercadorias, mas considera a divisão de tarefas
ente os indivíduos e ainda nas relações de propriedade. Ou seja, a divisão do trabalho e a
especialização das atividades em classes, é basicamente a divisão dos meios de produção e da
força de trabalho.
No dicionário do Pensamento Marxista de Tom Bottomore (p.112), encontramos a
seguinte definição para a divisão do trabalho:

Primeiro, há a divisão social do trabalho, entendida como o sistema


complexo de todas formas úteis de trabalho que são levadas a cabo
independentemente umas das outras por produtores privados, ou seja, no
caso do capitalismo, uma divisão do trabalho que se dá na troca entre
capitalistas individuais e independentes que competem uns com os outros.
Em segundo lugar a divisão de trabalho entre trabalhadores, cada um dos
quais executa uma operação parcial de um conjunto de operações que são
todas, executadas simultaneamente e cujo resultado é o produto social do
trabalhador coletivo. Esta é uma divisão de trabalho que se dá na produção,
entre o capital e o trabalho em seu confronto dentro do processo de
produção. Embora esta divisão do trabalho na produção e a divisão de
trabalho na troca estejam mutuamente relacionadas, suas origens e seu
desenvolvimento são de todo diferentes.

Como vemos, a divisão do trabalho compreende uma esfera técnica e outra esfera
social. Cabe-nos agora, observarmos como Marx identifica o papel da divisão do trabalho na
sociedade Capitalista Moderna, para tanto, estaremos promovendo uma análise de alguns de
seus conceitos básicos.
Como já afirmamos anteriormente para Marx, os homens constroem a si próprios
na produção dos seus meios de vida. É desta forma que os homens se organizam socialmente
e estabelecem as relações sociais de produção.
As relações sociais de produção, segundo Quintaneiro, referem-se “as formas
estabelecidas de distribuição dos meios de produção e do produto, e o tipo de divisão social
do trabalho numa dada sociedade em um período histórico determinado”. (2002:34). Para
Marx, as relações sociais de produção dividem os homens entre proprietários e não
proprietários dos meios de produção. Esta formação, característica da sociedade capitalista,
expressa as desigualdades nas quais se baseiam as classes sociais.
É importante ressaltar, que para Marx, a divisão social do trabalho sempre existiu
em todas as sociedades. Esta divisão é inerente ao trabalho humano e ocorre em relação a
tarefas econômicas, políticas e culturais. Desde as sociedades tradicionais a divisão do
trabalho correspondia à divisão de papéis por gênero sendo sucedidas mais tarde, pela divisão
das atividades como a agricultura, o artesanato e o comércio. A divisão do trabalho surge com
o excedente da produção e a apropriação privada das condições de produção. Foi ainda
através da Revolução Industrial que intensificou e fragmentou-se as tarefas, aumentando por
sua vez, a produtividade.
Braverman (1980), nos adverte que a divisão do trabalho na oficina se difere da
divisão do trabalho no interior de uma sociedade:

A divisão do trabalho na sociedade é característica de todas as sociedades


conhecidas; a divisão do trabalho na oficina é peculiar da sociedade
capitalista. A divisão social do trabalho divide a sociedade ente ocupações,
cada qual apropriada a certo ramo de produção; a divisão pormenorizada do
trabalho destrói ocupações consideradas neste sentido, e torna o trabalhador
inapto a acompanhar qualquer processo completo de produção. No
capitalismo, a divisão social do trabalho é forçada, caótica e anarquicamente
pelo mercado, enquanto a divisão do trabalho na oficina é imposta pelo
planejamento e controle. Ainda no capitalismo, os produtos da divisão social
do trabalho são trocados como mercadorias, enquanto os resultados da
operação do trabalhador parcelado não são todos possuídos pelo mesmo
capital. Enquanto a divisão social do trabalho subdivide a sociedade, a
divisão parcelada do trabalho subdivide o homem, e enquanto a subdivisão
da sociedade pode fortalecer o indivíduo e a espécie, a subdivisão do
indivíduo, quando efetuada com menosprezo das capacidades e necessidades
humanas, é um crime contra a pessoa e contra a humanidade.

Desta forma, Braverman, nos mostra que a divisão social do trabalho expressa
meios de segmentação da sociedade, enquanto que a divisão do trabalho na produção busca a
valorização do capital, por meio da mais-valia, ou seja, o valor excedente produzido pelo
operário e apropriado pela burguesia. A mais-valia promove o aumento da produtividade seja
pelo prolongamento da jornada de trabalho, ou pela mecanização das atividades produtivas.
Tanto a divisão social do trabalho, quanto a divisão do trabalho na produção, convergem pra
um mesmo ponto: a estrutura que representa o substrato econômico da sociedade, expressa
aqui pelas forças produtivas e pelas relações sociais de produção.
A idéia de segmentação da sociedade, reflete uma relação de exploração dos
possuidores, a burguesia, em relação aos não-possuidores, o proletariado. De acordo com
Marx, esta relação de exploração acontece sob a forma legal da propriedade privada dos
meios de produção. Desta forma, o trabalhador se vê obrigado a vender sua força de trabalho
ao empresário capitalista, que por sua vez, se apropria do produto do trabalho do proletário.
Neste contexto a força de trabalho se torna uma mercadoria, vendida ao empresário capitalista
por um salário.
Isto reforça a teoria do economista inglês, Adam Smith, de que o trabalho seria a
verdadeira fonte de riqueza da sociedade. Este conceito foi apropriado e ampliado por Marx
que demonstra que a força de trabalho significa criação de valor, mas como já afirmamos, este
é um valor apropriado pelo capitalista.
A força de trabalho, ao ser negociada como mercadoria, promove a completa
separação do trabalhador dos meios de produção, alienando o homem de sua própria essência
que é o trabalho. Assim a divisão social do trabalho e a divisão industrial do trabalho,
promovem a alienação e destroem as relações entre os homens, uma vez que estes não têm
domínio do processo de produção e não se beneficiam do produto de seu trabalho.
É sobre esta base material que se ergue a superestrutura da sociedade moderna,
segundo Marx. A superestrutura é formada pela esfera jurídica, política e ideológica da
sociedade, que por sua vez representam a forma como os homens estão organizados no
processo produtivo. Como afirma Marx: “o Modo de Produção condiciona o desenvolvimento
da vida social, política e intelectual em geral”.
Nesse sentido, o Estado surge pra garantir o interesse da classe dominate. Apesar
do Estado Liberal difundir a idéia da defesa da igualdade, Marx denuncia no Manifesto do
Partido Comunista (1848): “a sociedade burguesa moderna, que brotou das ruínas da
sociedade feudal, não aboliu os antagonismos de classe. Não fez senão substituir novas
classes, novas condições de opressão, novas formas de luta às que existiram no passado”.
Marx ressalta aqui a idéia de que é a burguesia, a classe social que irá controlar o poder
político, ideológico e jurídico da sociedade.
O estado de alienação do proletariado, resultado da divisão do trabalho, também se
reflete nestas formas de dominação da burguesia. Marx afirma que o Estado é um instrumento
criado pela burguesia para garantir seu domínio econômico sobre o proletariado, preservando
e protegendo a propriedade privada dos meios de produção. O aparato jurídico, por sua vez,
seria o responsável por garantir a igualdade entre os homens, camuflando a divisão da
sociedade entre classes sociais distintas e com interesses opostos. A ideologia seria a
encarregada de difundir a visão de mundo e os valores burgueses, legitimando e consolidando
seu poder. Conforme afirma Marx (1993:72):

As idéias da classe dominante são, em cada época, as idéias dominantes; isto


é, a classe que é a força material dominante da sociedade e´, ao mesmo
tempo, sua força espiritual dominante. A classe que tem à sua disposição os
meios de produção material dispõe, ao mesmo tempo, dos meios de
produção espiritual, o que faz com a ela sejam submetidas, ao mesmo tempo
e em média, as idéias daqueles aos quais faltam os meios de produção
espiritual. As idéias dominantes nada mais são do que a expressão ideal das
relações materiais dominantes, as relações dominantes concebidas como
idéias; portanto, a expressão das relações que tomam a classe dominante;
portanto as idéias de sua dominação.

É por esta razão que Marx afirma que a superestrutura é condicionada pela
infraestrutura da sociedade, ou seja, a sua base econômica determina a sua dimensão política,
jurídica e ideológica.
Promover a emancipação da classe operária de seu estado de alienação é a
preocupação central de toda a obra de Marx. Isto, no entanto, só seria possível a partir do
momento em que o proletariado deixasse de ser “classe em si” e se tornasse uma “classe para
si”, construindo a sua consciência de classe. A partir deste momento, o proletariado estaria
apto a promover uma revolução social que derrubaria a burguesia, extinguindo as classes
sociais, superaria a ordem social capitalista e construiria a sociedade comunista.
Para Marx, a divisão do trabalho se estende para além da produção material e
exerce uma função de dominação da classe burguesa sobre a classe proletariada. Esta
dominação se expressa nas formas de segmentação da sociedade, seja pela divisão social do
trabalho ou pela sua divisão industrial.
3 - A DIVISÃO DO TRABALHO: UMA ANÁLISE COMPARATIVA DAS TEORIAS
DE KARL MARX E EMILE DÜRKHEIM

Antes de confrontarmos diretamente, as idéias de Marx e Dürkheim acerca do


conceito de Divisão do Trabalho, devemos ressaltar que este trabalho não busca esgotar
completamente a explicação sobre suas teorias. Estaremos abordando aqui os traços mais
evidentes das oposições entre os dois teóricos acerca do tema em questão.
Como iniciamos nossa discussão, estabelecendo um mapa geral das abordagens
dos dois teóricos, devemos demonstrar inicialmente que o que difere em primeira análise as
propostas de Marx e Dürkheim seria uma questão epistemológica. Para Dürkheim, o ponto de
partida para a análise sociológica é a própria sociedade, que como demonstramos, modela o
comportamento do homem no processo de evolução social. Para Marx, a vida social deve ser
compreendida como um processo dialético, resultante da ação do indivíduo sobre a natureza, a
partir do momento em que este busca construir as bases materiais de sua existência.
Neste sentido, outra questão fica em evidência: Dürkheim considera que as
condutas humanas são determinadas pela sociedade aos indivíduos, Marx, no entanto, nos
mostra que a sociedade está dividida em duas esferas: a infra-estrutura e a superestrutura e
que é o “modo de produção da vida material que condiciona o desenvolvimento da vida
social, política e intelectual em geral”. Portanto, se considerarmos a posição de Marx, quanto
ao eixo de compreensão da sociedade, veremos que enquanto para Dürkheim a sociedade se
sobrepõe ao indivíduo e lhe impõe suas regras e condutas morais, para este outro, a esfera
econômica é básica para a formação da consciência dos indivíduos, já que esta se apresenta
sobre a forma da ideologia dominante no modo de produção capitalista, ou seja, a ideologia
burguesa. Não estamos, no entanto, sugerindo que o elemento econômico seja
determinante da realidade social, mesmo porque Marx e Engels, já haviam esclarecido que “a
situação econômica é a base, mas os vários elementos da superestrutura também exercem
influência sobre o curso dos acontecimentos”.
No que se refere à divisão do trabalho, Dürkheim considera que a característica
fundamental da sociedade moderna é a divisão social do trabalho, porque suas diferentes
esferas se diferenciam entre si e se especializam o que concorre para a integração dos
indivíduos na sociedade.
Para Dürkheim a existência da divisão social do trabalho determina o grau de
coesão entre os indivíduos de uma determinada sociedade. No caso das sociedades
tradicionais, como não há uma divisão social do trabalho, os indivíduos estão integrados na
coletividade pela tradição e pelo costume, ou seja, por uma consciência coletiva que indicam
suas formas padronizadas de pensamento ou conduta. O tipo de solidariedade apresentado
nestas sociedades é a solidariedade mecânica.
A solidariedade orgânica, seria a solidariedade típica da sociedade capitalista
moderna. Esta solidariedade decorre da evolução da sociedade, que promove a diferenciação
social por meio da divisão do trabalho. Portanto, a função da divisão social do trabalho seria a
de criar um sentimento de solidariedade entre os homens. Para Dürkheim, as diferenças
sociais criadas pela divisão social do trabalho, unem os indivíduos pela necessidade de troca
de serviços e pela sua interdependência: “o ideal de fraternidade humana só pode ser realizado
na razão do progresso da divisão do trabalho”.
Esta é uma das diferenças fundamentais entre a teoria marxista e a teoria
durkheimiana. Para Marx, as sociedades tradicionais apresentam uma forma de divisão do
trabalho, mesmo que baseadas na idade, gênero ou força física. O que diferencia esta forma de
divisão natural do trabalho, pela divisão do trabalho no capitalismo é a ausência de um
excedente na produção.
Segundo QUINTANEIRO (2002:40):

é o surgimento de um excedente da produção que permite a divisão social do


trabalho, assim como a apropriação das condições de produção por parte de
alguns membros da comunidade os quais passam, então, a estabelecer algum
tipo de direito sobre o produto ou sobre os próprios trabalhadores.

Se para Dürkheim a divisão social do trabalho gera solidariedade, para Marx, a


divisão do trabalho, expressa os meios de segmentação da sociedade. Em caráter primeiro, a
divisão do trabalho se refere à apropriação dos meios de produção pelo empresário capitalista;
em segundo, esta apropriação que distancia o trabalhador dos meios de produção, distancia o
trabalhador de si mesmo, provocando neste um estado de alienação. Como vemos, ao se
dividir a sociedade entre proprietários e não proprietários dos meios de produção, as classes
sociais que daí surgem, passam a lutar por interesses antagônicos, apesar da interdependência
que se estabelecem entre elas.
Para Marx, a sociedade moderna está organizada sobre a produção econômica da
mais-valia, ou seja, a exploração da força de trabalho proletária pela classe burguesa.
Portanto, o sistema capitalista proporciona à burguesia a difusão de suas ideologias por meio
do controle do aparelho do Estado.
Enfim, para Dürkheim a divisão social do trabalho, irá ocupar o lugar da Igreja,
do Estado e das demais instituições sociais, na função de integrar o indivíduo ao corpo social,
promovendo a coesão na sociedade, levando-a ao progresso. Isto, por meio da especialização
de funções que cria uma interdependência entre os indivíduos. Para Marx, a divisão do
trabalho, gera uma relação de exploração da classe burguesa sobre o proletariado,
promovendo a sua alienação, por meio da propriedade privada dos meios de produção. Neste
caso, a alternativa para a classe proletariada será promover uma revolução capaz de
solucionar os antagonismos sociais, eliminando a sociedade de classes.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARON, Raymond. As etapas do pensamento sociológico. 6ª ed, São Paulo: Martins Fontes,
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BOTTOMORE, Tom (org.). Dicionário do Pensamento Marxista. Rio de Janeiro: Jorge


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BRAVEMAN, Harry. Trabalho e Capital Monopolista: A Degradação do Trabalho no


Século XX. 5ª ed, Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1980.

DURKHEIM, Émile.Da divisão do trabalho social. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004.

GIDDENS, Anthony. Capitalismo e Moderna Teoria Social. 5ª Ed., Lisboa: Editorial


Presença, 2000.

MARX, Karl. Manifesto do Partido Comunista. 6ª ed., Petrópolis: Vozes: 1996.

MARX, Karl. O Capital: crítica da economia política. 22ª ed., Rio de Janeiro: Civilização
Brasileira, 2004. (2 volumes)

QUINTANEIRO, Tânia. BARBOSA, Maria Ligia de O. OLIVEIRA, Márcia Gardênia de.


Um toque de clássicos: Marx, Dürkheim e Weber. 2ª ed. Ver. Amp., Belo Horizonte:
Editora UFMG, 2002.

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