Departamento de Filosofia e Teoria Geral Do Direito
DFD 0213 – Sociologia Jurídica Prof. Dr. Orlando Villas Bôas Filho
Vitor Alessandro Silva Pereira (nº USP 8015032)
Fichamento 1 - “Émile Durkheim e o delineamento da matriz sociológica da
“diferenciação social”.
Raymond Aaron analisa a sociologia a partir do estabelecimento de “etapas do
pensamento sociológico”. Assim, pretende realizar o estudo do objeto sociológico, que é o “social como social”. Tal análise abrange tanto o nível elementar, que consiste na relação entre os indivíduos, como em um nível mais amplo, que estuda conjuntos de indivíduos como classes, nações, etc. Para identificação das etapas do pensamento sociológico, o autor criou uma “galeria de retratos intelectuais”, consistente de autores que, a partir de pontos de vista e interpretações diversas, conformaram a teoria sociológica a partir do século XIX. O mesmo autor também critica a posição adotada por Durkheim, Pareto e Weber, derivada das leituras de Comte, que aduz ser necessária a existência de crenças comuns para que o tecido social possuísse coesão. De acordo com estes autores, a religião seria o grande liame que mantém a sociedade íntegra. Em que pese terem essa posição, eles reconhecem que a religiosidade vinha sofrendo um processo de erosão e enfraquecimento em razão da crescente imposição dos progressos científicos sobre o campo cultural. Apresenta-se então dilema de como interpretar a sociedade a partir da base consensual religiosa ao mesmo tempo em que esta base mostrava sinais de enfraquecimento e eventual esgotamento. Dado esse contexto de contradição entre a ciência e a religião, e o seu impacto na fundamentação social, Laval aponta a validade da análise a partir de uma “galeria de retratos intelectuais”. Outrossim, para este autor é necessário enxergar a sociologia não como ramo integrante de outra ciência (como a filosofia), mas como um sistema científico autônomo, configurado por uma nova perspectiva sobre o homem inserida em um contexto de ruptura. A propósito, Berthelot aponta como “horizonte da sociologia” justamente a ordem emergente a partir do século XIX, a que chamamos de “modernidade”. A modernidade, na linha interpretativa de Habermas, é caracterizada por ser um época que recusa a aceitar modelos normativos advindos de outras épocas, o que a tornaria um momento histórico singular, tendo em vista que a evolução social sempre foi marcada pela tradição. Ou seja, a modernidade procura em si própria a sua normatividade, sem recorrer aos modelos típicos de outros tempos históricos. Ainda, a modernidade teria, de acordo com o autor, uma forte conotação estética, tendo sido realizada no âmbito da crítica estética a fundamentação da modernidade a partir de si mesma. Os “tempos modernos” também são marcados por uma forte contradição entre a expectativa e a experiência sociais, sendo esta segunda definida pela tradição. O que se espera em relação ao futuro não mais se extrai daquilo que já foi vivido, criando um novo horizonte de expectativas. Este entendimento de Koselleck está em linha com a rejeição da tradição como uma força que define o agir social. Todavia, é forçoso reconhecer que o conceito de modernidade possui certa porosidade em razão da variedade de olhares que se debruçaram sobre este período histórico a partir do século XIX. São muitos autores e muitos pontos de vista diferentes para que haja uma delimitação conceitual precisa, de maneira que devemos olhar para suas várias facetas. Martuccelli reconhece a existência de três grandes matrizes sociológicas de descrição da modernidade: as matrizes de diferenciação social, de racionalização e da condição moderna. No que diz respeito a Émile Durkheim e sua abordagem referente à diferenciação social, o autor busca analisar as relações existentes entre a personalidade individual e a solidariedade social, especialmente elucidando como o indivíduo pode existir como ser livre e autônomo e ao mesmo tempo ser dependente do todo social. A solidariedade social para Durkheim deriva da divisão do trabalho, sendo este um fator de coesão social. Dito de outra maneira, Durkheim aponta para um efeito moral que decorre da divisão do trabalho, que vai muito além dos efeitos socioeconômicos que aquela divisão proporciona. É possível dizer, a partir da leitura de Durkheim, que o que faz da sociedade um sistema e não um mero aglomerado de indivíduos é justamente a divisão de trabalho. Ainda, o autor faz uma distinção entre a solidariedade mecânica (típica da época pré- moderna) e a solidariedade orgânica, que viria ganhando cada vez mais espaço nas sociedades modernas, marcadas pela diferenciação funcional. Dessa distinção decorre que a contraposição entre dois tipos sociais (cada um fundado em seu “tipo de solidariedade”) faz com que a vida social tenha uma “dupla fonte”. Por um lado, teríamos a padronização das consciências (inseridas na coletividade) e, por outro, a diferenciação decorrente da divisão das funções laborais. Este ponto me chamou a atenção, pois sempre foi de meu entendimento que os indivíduos na sociedade moderna são definidos por suas profissões. Quando conhecemos alguém, é muito comum que uma das primeiras perguntas que fazemos é “com o que você trabalha” ou “o que você estuda” (como um indicativo da profissão que a pessoa visa seguir). A leitura de Durkheim confirma esta minha “impressão”, na medida em que o autor enxerga na função laboral justamente o elemento que diferencia os indivíduos dentro do contexto social, em contraposição ao processo de socialização, que faz com que os indivíduos se enxerguem como integrantes de um mesmo tipo coletivo, sem grandes diferenciações em termos de consciência.