Você está na página 1de 4

Universidade Federal de Minas Gerais

Formação Transversal em Direitos Humanos


Saberes Tradicionais – Direito à Existência – Territórios e
Conflitos
Renan Monteiro Barcellos – 2016040429

Diário da disciplina – Aula 01 – 19/05/2021

Essas palavras sobre as aulas e decorrer da disciplina formam a


proposta avaliativa de tal. São muitas as sabedorias, os ensinamentos e
trocas. Já peço perdão por eventualmente devido à memória por deixar algo
de “fora”.
Neste primeiro encontro, a ideia era uma apresentação de alunos e
alunas, professoras e professores, assim como discentes que estavam na
condição de estagiários. Como mediadores e interlocutores, estavam
presentes Luciana Oliveira, César Guimarães e André Dias enquanto
docentes institucionais. Mas é na figura grandiosa de Cacique Babau que
encontro o local de verdadeiro Mestre, mais que docente. É Mestre mesmo,
porque a sabedoria e força (aqui no sentido de vitalidade) é tamanha, que
inunda toda a aula com colocações que vão muito além de “conteúdo” de
aula apenas. É sabedoria e trajetória de vida combinadas que oferecem,
mesmo que por palavras, as diferenças entre nosso mundo ocidentalizado e
a vivência de sua cultura e seu povo, tão massacrado e constantemente ferido
na luta pelo apagamento destes que jamais se darão. O encontro ou choque
entre esses modos tão distintos de estar no mundo, pelas ideias de Babau,
nos ensina demais.
Cacique Babau é ativista, líder comunitário, Sábio, e uma grande voz
de seu povo. Vive atualmente na Aldeia Tupinambá da Serra do Padeiro, na
região sul do estado da Bahia, e nos ensina que seu povo e cultura foram os
primeiros a ter contato com os invasores brancos vindos da Europa, nesse
desembolar histórico que hoje conhecemos como Brasil.
Mesmo sendo o primeiro encontro, com as devidas apresentações de
início de disciplina, Babau demonstra muito conhecimento sobre o
funcionamento da estrutura do Estado brasileiro e dos problemas e conflitos
advindos da forma como o Poder instituído no nosso país, totalmente
influenciadas pela forma ocidental de ver, sentir e estar no mundo. Esta visão
de mundo ocidentalizada, que representa o nosso “comum”, apresenta
mecanismos sociais e de organização que se colocam com universal. Esse
universalismo, que procura sempre articular, no caso do nosso país, a
identidade brasileira como oficial e a única passível de ser reconhecida por
essa estrutura, ao invés de, por um caminho óbvio, ser uma forma de acolher
e garantir direitos à pluralidade de povos e culturas do nosso país, acaba por
excluir e dificultar em muito a vida de uma grande parte da população
brasileira, como os Povos Originários, pois força verticalmente essa
identidade brasileira universal e tenta moldar corpos, modos de ser e estar,
territórios, direitos fundamentais e garantia de manutenção de suas formas
de sociabilidade.
Cacique Babau dá diversos exemplos desse conflito em específico e
como isso molda as lutas seculares que os povos originários empreendem na
busca de manter suas bases culturais e de existência. O atual conflito pela
demarcação de terras e o Marco Temporal, projeto de lei que dificulta em
muito o estabelecimento de novas aldeias, ou a fixação e demarcação de
territórios muitas vezes milenarmente ocupados, é um dos exemplos. O
modo de viver, o entendimento de identidade humana, alargada, que engloba
animais, plantas, elementos, como a água e o ar, Espíritos Encantados, a
forma como constroem seu sustento com o ambiente é visto pela cultura
dominante, que por mais que se diga brasileira, é arraigadamente branca e
ocidental, e pela estrutura estatal como não produtiva, como não contribuinte
para o desenvolvimento econômico do país. Por outro lado, mas na mesma
sina, as populações urbanas, sobretudo brancas, com total desconhecimento
da vivência dessas culturas, tentam se apropriar do que julgam serem
símbolos desta Originalidade, como o uso vergonhoso de cocares, peças
artísticas, indumentárias e instrumentos sem o menor respeito. Representam
homens e mulheres originários como selvagens, infantes, sem ciência, como
desprovidos de direitos, mas tiram a roupa no carnaval, penduram pena no
braço e se fantasiam de identidades que se constroem diariamente sob muita
luta. Isso é extremamente racista e não para só na questão identitária, pois a
lógica que expulsa esses povos de seus territórios e de suas formas de vida é
a mesma. Ao serem questionados, tanto Estado quanto branquitude racista,
a resposta é curta e rápida: “somos todos brasileiros”!
Portanto, já na primeira aula, já nos é exposto que as raízes dos
conflitos pela terra e existência se trata, em profundidade, de conflitos entre
realidades. Entre formas extremamente baseadas num conceito
individualista, como a branca/ocidental, que reduz toda realidade à vivência
do animal humano, apartado de laços com outras formas de vida, de interação
com o ambiente, acaba por não considerar e desrespeitar a complexidade da
realidade que os cerca. Diametralmente opostas estão as vivências dos povos
originários, suas tecnologias e formas de estar no mundo, que sentem e
interagem em harmonia e conformidade com a dependência que possuímos
da vida e planeta como um todo. Essas são as bases civilizacionais que se
opõe e geram as convulsões sociais atuais.
Outro exemplo que mexeu muito comigo foi o exemplo que Cacique
Babau deu sobre as sociabilidades Tupinambás e as estratégias de resolução
de conflitos já praticados há muito por aqui, antes da existência de Brasil ou
qualquer forma de Direito enquanto ciência instituída.
Ele nos relata como o povo Tupinambá, não nômade, agricultor,
manipulador da arte da cerâmica, organizava festivais, grandes encontros,
onde muitos povos e culturas diferentes se reunião para a celebração. Nestes
encontros, segundo Babau, muitos acordos eram firmados, não só entre
Tupinambás e outros, mas entre povos muitas vezes historicamente hostis
entre si. Outro fator importantíssimo ao meu ver é o fato de ele relatar que,
por exemplo, povos originários historicamente nômades “deixavam filhos e
filhas” nas aldeias tupinambás para que aprendessem as artes e ciências
acima citadas, retornassem às suas comunidades de origem e construíam
compartilhadamente o aprendido.
Isso é uma tecnologia social de tamanha fineza, aplicabilidade e de
capacidade pacificadora e resolutiva que me faz questionar seriamente, mais
uma vez, a instituição do Direito ocidental e suas técnicas de resolução,
representatividade e aplicabilidade. Demonstra como o aspecto cultural
acolhedor e aglutinador dos Tupinambás é de uma sabedoria imensa,
entretanto foi distorcida pelos próprios brancos ao retratar tal Povo como
inocente, como vencido e vendido aos brancos, sendo que nada disso é
realidade. Mas demonstra uma vez mais como nossa cultura ocidentalizada
e suas instituições são incapazes de entender a unidade pela diferença, o
reconhecimento pela pluralidade, e termina por deslegitimar e silenciar
sabedorias que nos ensinariam em muito.
Esses foram os principais pontos que sequestraram minha atenção!

Você também pode gostar