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O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke

O Lorde e a Plebéia

Laura Lee Guhrke

Bruna Sil, Elaine Chagas, Alina, Flávia e Sónia

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


Sinopse

Depois de desfrutar da sua juventude, como um dos mais


selvagens libertinos da alta sociedade, Lord Denys Somerton dedicou
os últimos seis anos da sua vida, a deixar o passado para trás. Ele está
disposto a cumprir as suas obrigações, encontrar uma esposa e
começar uma família. Mas os seus planos mudam quando Lola
Valentine, uma ruiva sedutora que fez parte do seu passado, regressa
a Londres, despertando o mesmo desejo irresistível que esteve
prestes a arruinar a sua vida uma vez.
Lola é uma mulher sem ilusões românticas. Sempre soube que o
amor não seria suficiente para um lorde britânico e uma jovem
americana dos bairros pobres. Pelo bem de Denys, se distanciou dele
e da vida luxuosa que ele lhe oferecia. Mas, quando uma herança
inesperada a leva de volta a Londres, Lola descobre, que a paixão
continua sendo tão ardente como sempre foi entre eles. Serão eles
capazes de quebrar essa paixão ou escapará do seu controle e os
destruirão de novo?

Para minha mãe, eu te amo.


Agora e sempre.

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


Capítulo 1

Abril de 1892

– Meu Deus!
Essa exclamação enfática, da parte do conde de Conyers, foi suficientemente
alarmante para capturar a atenção de todos os membros da sua família. O conde,
como bem sabiam, não era um homem dado a exclamações, muito menos a hora
tão cedo do dia.
Todos pararam, facas e garfos na mão, mas o conde não lhes prestou atenção.
Ele continuou a encarar a carta que segurava na mão, sem explicar que notícias
apareceram naquelas páginas, que motivaram a súbita necessidade de nomear o
sagrado durante o café da manhã.
O seu filho Denys foi o primeiro a quebrar o silêncio.
– Pai, o que há de errado? O que aconteceu?
Conyers olhou para cima, a sua expressão indicando a Denys, que a notícia
era tão chocante como induzia a sua exclamação.
Ele esperou, mas quando o seu pai dobrou a carta novamente, para colocá–la
no envelope e a guardar no bolso da jaqueta depois de olhar para as senhoras,
concluiu que era preciso descrição e voltou a sua atenção para o café da manhã.
– Você tem planos para o almoço? – Sua mãe perguntou.
Quando ele olhou para cima, Denys a descobriu observando–o com uma
expressão que conhecia bem.
– Eu fiquei de encontrar Georgiana e sua mãe para falar sobre a exposição de
flores. Vamos comer no Rules, que fica perto dos seus escritórios. Você quer se
encontrar conosco?
Denys curvou os lábios com um sorriso irônico.
– Você é uma casamenteira, mãe.
– Eu sou a sua mãe. – Lady Conyers sugou com força. – As mães podem agir
como casamenteiras.

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– E onde essa regra está escrita? Eu gostaria de consultá–la.
– Não seja insolente, Denys. E, se estou fazendo de casamenteira, é porque
não me faltam motivos. Eu vi você dançando com Georgiana no baile de
Montcrieffe. Duas valsas – Acrescentou com evidente prazer.
– É verdade. – Ele exalou um suspiro pesado de sofrimento fingido. – Nesse
caso, suponho que não tenho o direito de reclamar.
– Se você não quiser ir... – A mãe dele parou enquanto olhava para ele
esperançosa.
Denys pensou em Georgiana e sentiu uma sensação confortável de afeto.
– O contrário. Irei encantado.
–Você não sabe o quanto me alegro! – Quando as palavras saíram da sua
boca, a mãe de Denys mordeu o lábio e desviou o olhar, como se temesse que
tanta efusividade fosse excessiva. – Georgiana é uma criatura adorável.
Susan, a irmã de Denys que estava sentada ao lado de sua mãe, suspirou
exasperada.
– Por favor mamãe! Georgiana Prescott não é uma garota. Ele tem vinte e oito
anos, a mesma idade que eu. Embora eu ousaria dizer que parece mais velha.
– Claro, ela é mais madura – apontou Denys, direcionando à sua irmã
irresponsável um olhar significativo.
– Em todo caso, para mim, é uma criatura adorável. – Lady Conyers se
inclinou para a sua filha. – E você também, querida.
O conde interrompeu o gemido de resposta, deixando a faca e o garfo no
prato.
– Vocês terão que me desculpar – Ele disse enquanto se levantava – Mas eu
tenho que me retirar. Denys, você se importaria de me encontrar no estúdio para
discutir um assunto de negócios antes de sair?
– Claro.
Ele se levantou, mas a voz de Susan os interrompeu, antes que os dois
homens pudessem sair.
– A carta trouxe más notícias, pai?
– Não.

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Foi uma resposta afiada e o próprio conde deve ter percebido, porque
suavizou a sua expressão enquanto olhava para a sua filha.
– Não é nada com que tenhas que te preocupar – a tranquilizou.
Mas, mesmo antes que Susan falasse novamente, Denys sabia que o conde
não tinha conseguido tranquilizar a sua irmã.
– Você não quer me dar um tapinha na cabeça antes de sair? – Susan
perguntou quando o conde começou a caminhar em direção à porta.
– Ele gosta de dar um tapinha na sua cabeça – disse Denys enquanto andava
ao redor da mesa para se aproximar da sua irmã. – Seja tolerante com ele.
– Mas é ridículo! – Susan rosnou, inclinando a cabeça para que o seu irmão
pudesse beijá–la na bochecha. – Por que os homens sentem a necessidade de
proteger as mulheres do menor indício de realidade?
– Porque nós amamos vocês, essa é a razão. – Denys virou–se para beijar sua
mãe também – E nós temos a obrigação de protegê–las.
– Bobagem – Susan respondeu, enquanto Denys se levantava e se dirigia para
a porta. – A verdade é que os homens gostam de reservar as informações que
consideram importantes porque se sentem superiores.
Denys não respondeu, mas Susan não desistiu.
– Nós vamos descobrir esse segredo! – gritou atrás dele. – Nós sempre
fazemos isso.
Os dois homens preferiram ignorá–la, do que agravar a discussão e
atravessaram o corredor para ir ao escritório do conde sem dizer uma palavra.
Uma vez dentro e com a porta fechada atrás deles, Denys foi capaz de voltar ao
assunto.
– Agora me diga o que aconteceu.
Lorde Conyers estava sentado atrás da mesa e tirou o envelope do bolso do
paletó. Ele começou a passa–la através da mesa, mas, por alguma razão
inexplicável, afastou a mão.
– Pai, que diabos é isto? – Denys perguntou. – Tanta relutância está
começando a ser perturbadora.
– Eu tenho noticias de Henry Latham.

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Imediatamente e sem aviso prévio, imagens de Lola Valentine entraram na
mente de Denys: Lola no palco, no quarto de vestir, em sua cama. Lola com um
robe branco ao lado de Henry. Ele respirou fundo e se forçou a falar.
– O que se passa com Henry?
– Morreu.
O anúncio atingiu Denys com a força de uma pedra contra um espelho e as
imagens de Lola explodiram em pedaços de raiva cintilante, reabrindo uma
ferida que acreditava curada há muito tempo. Fazia seis anos desde que Lola o
deixara, mas de repente, ele sentiu a mesma dureza como se tivesse acontecido
no dia anterior.
– Uma notícia surpreendente, certo?
O pragmatismo da voz de seu pai trouxe Denys de volta ao presente. Quando
ele notou o olhar do conde, ele conseguiu amenizar a dor e a fúria.
– Muito. Quando morreu?
– Há um mês.
– Há um mês? E por que não fomos informados então? – O conde encolheu os
ombros.
– A carta é datada de três semanas atrás. Eu acho que o correio se atrasou.
– Posso? – Ele estendeu a mão.
Após um momento de hesitação, o seu pai se inclinou sobre a mesa para
colocar a carta em sua mão estendida.
– Explica como ele morreu? – Denys perguntou, tirando a carta do envelope.
– De um ataque cardíaco, pelo o que Forbes diz. Aparentemente, Henry tinha
um coração fraco.
– O coração?
Denys, que estava desdobrando a carta, parou. Henry sempre foi uma pessoa
com vitalidade, com uma personalidade muito dinâmica. A ideia de que ele tinha
um coração fraco era inconcebível. Ele olhou para a missiva, mas, pregou o olhar
nas letras escritas à máquina, sem lê–las. Lola o acompanhara durante todo esse
tempo? Ela tinha estado ao seu lado até ao fim?
A ferida se abriu um pouco mais e Denys se lembrou de que Lola e Henry
faziam parte do seu passado, de um assunto desagradável, ocorrido há muito

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tempo atrás, resolvido e superado. Ele dobrou a carta novamente sem lê–la,
colocou–a no envelope e a deixou sobre a mesa.
– A questão é – disse ele, recostando–se na cadeira, feliz pela sua voz soar
suficientemente natural – O que vai acontecer agora?
– Com o Imperial, você quer dizer? – Aparentemente aliviado, o seu pai
adotou uma atitude enérgica e pragmática que parecia um reflexo de seu filho. –
O que você acha que vai acontecer?
Denys parou para considerá–lo, antes de dizer qualquer coisa, para se
certificar de que a sua opinião era totalmente objetiva.
– Poderíamos nos oferecer para comprar a parte de Henry – ele sugeriu
finalmente.
– Estou de acordo. Mas você acha que ela aceitaria a oferta?
Denys não via motivo para que a viúva de Henry não a aceitasse, desde que
fosse justo.
– A sua vida é em Nova York. Eu não acho que queira dirigir o teatro.
Ele respondeu.
– Talvez não, mas, graças a você, o Imperial se tornou um negócio lucrativo. É
possível que queira manter a sua parte como forma de investimento.
Denys duvidava que Gladys Latham estivesse mais interessada nas aventuras
teatrais de Henry depois de sua morte, do que quando o seu marido estava vivo.
– Ou, talvez, aproveite esta oportunidade para se livrar dele.
– É certo. Mas, se não estiver disposta a vender a sua parte, poderemos
considerar vender– lhe a nossa.
Denys encarou o seu pai paralizado, horrorizado com a mera possibilidade.
– Vender a nossa parte do Imperial? Por que diabos vamos fazer algo assim?
Conyers se mexeu desconfortavelmente em seu assento.
– Pode ser o melhor.
– Não estou de acordo.
O conde deu lhe então um olhar examinador.
– É uma situação difícil. Para ela, para você e para o mundo todo.

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Denys ficou tenso. Ele sabia que a preocupação real do seu pai não tinha nada
a ver com Gladys Latham.
– Na minha opinião, a morte de Henry não muda nada. O Meu infeliz
envolvimento com Lola Valentine acabou há muito tempo pai, e não tem nada a
ver com isso. Atrevo–me a dizer que todas as pessoas envolvidas neste assunto
serão sensatas. O Imperial é um dos nossos investimentos mais lucrativos. É
muito mais sensato mantê–lo, não é?
– Não, não acredito. Se não pudermos comprar a sua parte, venderemos a
nossa. Nós vamos deixá–la ficar com esse maldito negócio.
Aquelas palavras amargas e imperiosas do seu pai o surpreenderam. Desde
que ele tinha transferido o controle das propriedades da família há três anos,
Conyers nunca tinha imposto nenhuma decisão.
– Você parece muito veemente sobre essa questão.
– E não deveria ser?
– Não por qualquer razão que eu saiba. Eu pensei que você confiasse em
mim. Já lhe dei algum motivo para retirar essa confiança?
O conde baixou os ombros ligeiramente.
– Não, claro que não – ele respondeu. Ele recostou–se na cadeira com um
suspiro. – Eu falei precipitadamente. Decidas como decidires lidar com a
situação, depende de você. Eu... – Ele interrompeu–se para respirar. – Eu confio
em você.
Denys ficou aliviado e encorajado ao ouvir essas palavras.
– Nem sempre foi assim.
– Não, mas posso dizer em minha defesa, que houve um tempo em que você
não facilitou confiar em você. Você foi muito imprudente em sua juventude e
sabe disso.
Doía–lhe que ele se lembrasse, porque sabia que tinha sido um adolescente
rebelde e um jovem irresponsável e libertino. Aquelas características pouco
atraentes de seu caráter, levaram a uma viagem a Paris aos vinte e quatro anos.
Naquela época, a sua única intenção era visitar alguns amigos e se divertir
um pouco. Não queria perder a cabeça.
Nicholas, o Marquês de Trubridge e Jack, o Conde de Featherstone, dividiam
uma casa em Paris e competiam pelas atenções da mais famosa bailarina de
cabaré em Montmartre. Fascinados por ela, tinham arrastado Denys durante a

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sua primeira noite na cidade, para desfrutar do seu espetáculo no Théâtre Latin
e, no momento em que ele colocou os olhos em Lola Valentine, o coração de
Denys tinha enlouquecido e a sua vida tinha mergulhado no caos.
Lola em Paris, chutando os chapéu para os cavalheiros e piscando para Denys
quando passava por sua mesa e escapava com a sua bebida. Lola, no final da
escada da casa, que Denys alugara para ela em Londres, dando–lhe o sorriso que
a tornara famosa. Lola, movendo–se sob ele na cama, com os cabelos ruivos
escuros estendidos no travesseiro e as longas e bem torneadas pernas ao redor
dele.
Levou muito tempo e esforço para mudar de vida após Lola tê–lo
abandonado por Henry Latham e pela carreira profissional que começou em
Nova York, mas tinha conseguido e tinha deixado para trás esses erros estúpidos
da juventude. Com isso em mente, Denys voltou a sua atenção para o que seu pai
estava dizendo.
– ...fazendo coisas malucas, não mostrando nenhuma intenção de se
estabelecer e se tornar uma pessoa responsável. Fiquei verdadeiramente
desesperado. Mas você mudou, Denys. Você pagou as suas dívidas, você tem
assumido as obrigações da sua posição e tem feito tudo o que eu lhe pedi de
maneira exemplar. Eu estou orgulhoso de você, meu filho.
Com essas palavras, desapareceu até o último vestígio das memórias de Lola
e Denys sentiu um aperto no peito ao olhar para o seu pai. Ele foi incapaz de
expressar o quanto essas palavras significavam para ele, mas, felizmente não
tinha que dizer nada. O seu pai afastou o olhar primeiro que ele, limpou a
garganta e falou novamente.
– Decida o que decidir, será você o único a tomar a decisão. Agora sou apenas
um cavalheiro ocioso.
– E você ama isso. – Denys disse, sorrindo.
– Sim. Estou feliz por deixar em suas mãos o trabalho tedioso de manter a
nossa fortuna intacta.
– Falando de trabalho... – Denys olhou para o relógio e levantou–se, fazendo
com que o seu pai se levantasse também. – É melhor eu ir. Eu tenho uma reunião
com Calvin e Bosch, às nove e meia para assinar alguns contratos, mas primeiro
eu tenho que passar por nossos escritórios. Supõe–se que os advogados tenham
enviado os contratos ontem à tarde.

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– Eu não acabei de lhe dizer agora, que tudo isso é da sua conta e não da
minha? – O conde interrompeu, levantando as mãos. – A única coisa que
pretendo fazer hoje é ir ao clube e, quem sabe, assistir a algumas corridas de
cavalos.
Os dois homens saíram do escritório e foram por caminhos separados. Mas
uma hora depois, quando a sua carruagem circulava por Trafalgar Square até aos
escritórios na Strand, ele se lembrou das últimas palavras do pai e não pôde
deixar de sorrir. O conde estava entediado com os seus negócios, mas Denys os
achava fascinantes.
Nem sempre foi assim. Alguns anos atrás, ele era o tipo de cavalheiro que
gastava a sua mesada trimestral sem pensar de onde vinha o dinheiro. O tipo de
homem que achava a beleza de uma dançarina de cabaré irresistível.
Mas os seus dias de admirador de coristas acabaram. Empurrado por Nick
para investir em uma cervejaria anos atrás, ele tinha começado a entender a
satisfação de ser um empresário e o conde, agradado pelo novo senso de
responsabilidade do seu filho, tinha lhe passado o controle de todas as
propriedades da família.
A sua carruagem circulou Bedford Street e parou em frente aos escritórios. O
motorista abriu a porta e, ao sair do veículo, Denys parou na calçada para
estudar a construção da rua em frente e sentiu uma onda feroz de orgulho ao ver
a fachada cinza de granito e as colunas de mármore do Imperial.
Quinze anos atrás, quando o conde e Henry Latham tinham criado uma
sociedade para comprar esse teatro, o Imperial era um teatro decadente. Henry,
que até então já era um empresário de sucesso em Nova York, procurava uma
maneira de entrar no mercado teatral londrino e, com o conde como sócio, ele
tinha conseguido obter as autorizações necessárias, encontrar apoio e colher um
sucesso modesto. Mas o negócio do teatro de Londres era exasperante, difícil e
competitivo e, depois de um tempo, o americano se cansou do projeto e tinha
regressado aos Estados Unidos levando Lola com ele e deixando a gestão do
teatro nas mãos do seu sócio.
O conde tinha-se mostrado encantado em deixar o seu filho no comando do
teatro, tal como o resto das suas propriedades, e Denys estava orgulhoso de que,
quinze anos depois, não restava nenhum traço de vulgaridade no Imperial.
Naquela época, o teatro era amplamente conhecido pelas suas produções
shakespearianas e tinha alcançado um nível de aclamação por parte da crítica,
com a qual Henry não se teria atrevido a sonhar.

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Pensar em Henry o levou inevitavelmente a pensar em Lola e antes que
pudesse fazer algo para pará–lo, lhe veio à mente a imagem de Lola com o cabelo
avermelhado, os olhos de água– marinha e corpo feito para o pecado.
E junto com essa lembrança, vieram muitas outras, de tudo o que deu errado.
A obra que tinha financiado para ela, que acabou sendo um fracasso. A casa em
St. John’s Wood vazia, exceto pelos presentes que Denys lhe dera e uma nota,
onde dizia que ela tinha decidido regressar a Paris. A sua recusa em aceitar o seu
abandono, a ida ao cabaré em que Lola trabalhava e o momento em que
descobrira Henry no camarim. E as palavras de Lola, a parte mais devastadora
de tudo isso.
– Sinto muito, mas Henry me fez uma oferta melhor.
Denys balançou a cabeça, ainda intrigado com a sua própria estupidez. Mas
ele tinha sido estúpido em muitos aspectos durante os seus dias de juventude.
Graças a Deus, ele não era apenas um homem mais maduro, mas também mais
sábio. As belas e ambiciosas dançarinas não tinham mais nenhum charme para
ele.
Ele se virou, deixando a visão do Imperial, para estudar o prédio em frente a
ele. Cinco andares, uma construção de tijolos brancos, frontões de mármore,
janelas arqueadas... Os escritórios do Conyers Investment Group resplandeciam
prosperidade.
A mensagem transmitida pelo interior era igualmente clara. Qualquer um que
entrasse saberia que esta era uma empresa próspera e solvente. Os elevadores
elétricos, telefones e máquinas de escrever apontavam para a modernidade e
para o futuro, mas a enorme escadaria central, tapetes um pouco desgastados e
mobiliário de couro confortável davam-lhe um ar de confiança e longevidade, as
duas qualidades muito necessárias numa empresa de investimento
Denys subiu as escadas e acenou para o empregado que estava atrás de uma
secretária na entrada espaçosa. Quando chegou ao mezanino, ele contornou o
vestíbulo e subiu outro lance de escadas, mas, mal tinha entrado em seu enorme
escritório no andar de cima quando parou, assustado.
O seu secretário não estava em sua mesa.
– Dawson? – Ele chamou pela porta aberta do seu próprio escritório. Mas o
seu secretário, um jovem loiro, não respondeu nem apareceu.

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Franzindo o cenho com espanto, Denys tirou o relógio e colocou–o de volta
no bolso do colete. Dawson era fanático com a pontualidade, sempre chegando
ao escritório antes do seu chefe, fato que tornava a sua ausência incomum.
Mas isso não importava. Se Dawson tivesse sido forçado a se afastar da sua
mesa, sem dúvida teria preparado os contratos antes de partir. Denys foi até à
mesa do seu secretário, mas não viu os documentos em lugar nenhum.
Ele soltou um suspiro exasperado.
– Onde esse homem se meteu?
– Se você está procurando o seu secretário – Respondeu a voz de uma mulher
com um inconfundível sotaque americano em resposta à pergunta que acabara
de murmurar – Ele está me preparando um chá.
Denys ficou paralisado no meio da sua incredualidade. Porque, aquela voz
rouca e terrosa, que baixava nas vogais e conseguia incutir uma nota de erotismo,
no qual, de outro modo, estaria limitado a ser, um simples sotaque americano do
Oeste, só poderia pertencer a uma mulher.
Respirou fundo, dizendo a si mesmo que devia estar confuso, mas quando se
virou, a visão de uma ruiva alta e voluptuosa na porta do seu escritório lhe disse
que ele não cometera nenhum erro.
Ela continuava a ter cabelos da cor do fogo, um tom avermelhado que a
maioria das mulheres só conseguia com hena. Coroando os seus cachos
vibrantes, havia uma enorme mistura de penas e fitas vermelhas num chapéu de
palha, inclinado num ângulo, que desafiava as leis da gravidade. E, sob ele,
aquele rosto deslumbrante que ele esperava nunca mais ver. Os seus olhos
continuavam a ter a mesma cor azul–marinha que se recordava e os seus lábios
preenchidos com o mesmo rosa intenso. Na atmosfera séria e ascética dos
escritórios, florescia com uma vida vibrante, como a flor de um cacto exótico no
meio da areia e dos arbustos do deserto.
Ele deu um passo em direção a ela e escrutinou o seu rosto, mas a maquiagem
o impediu de ver as sardas que pontilham o nariz e bochechas. Não importava,
porque sabia que estavam lá. Era impossível não saber, porque ele tinha beijado
cada uma delas.
Quantas vezes?se perguntou, tinha estado deitado na casa de St. John Wood, o
seu corpo saciado e a mente sonolenta, observando-a a colocar a maquiagem
para tentar esconder as sardas que desprezava? Quantas vezes a tinha visto
colocar as meias e a essência de jasmim aplicada atrás do joelho? Dezenas.

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Centenas, talvez. Pensando, então, que aqueles dias felizes nunca iriam acabar,
mas tinham terminado, e com uma rapidez que tinha abalado a sua vida.
Olhando para ela, pensou sobre a última vez que a vira no camarim em Paris.
Lembrou–se de tudo como se tivesse acontecido ontem: o robe num tecido
finissímo que cobria o corpo de Lola, a garrafa de champanhe aberta sobre a
mesa e o seu rosto pálido como papel ao vê-lo. E Henry no sofá, sorrindo
triunfante.
A raiva que tinha experimentado em seguida começou a ferver dentro dele
como se tivesse bebido uma garrafa de uísque barato. Embora essa não fosse uma
analogia apropriada para Lola, que nunca tinha sido uma mulher barata. Pelo
contrário, foi o erro mais caro que ele tinha cometido em sua vida. E o mais
emocionante
Ele olhou para baixo antes de poder reprimir-se. Lola ainda tinha as curvas
generosas que se lembrava, curvas esculpidas por dançar durante anos e,
suspeitava, ainda deviam muito pouco para espartilhos e nada para almofadas
para aumentar o busto.
Ela usava um vestido de seda rosa pálido e Denys não pode deixar de notar a
facilidade com que esse tom fundiu–se com a pele do pescoço e mandíbula.
Qualquer outra mulher, pensou com aborrecimento, pareceria discreta com uma
cor assim, inocente até. Mas não Lola. Vestida de rosa pálido, ela parecia estar...
Nua.
Denys não era um homem dado a amaldiçoar, mas, em certas ocasiões, a
única resposta possível para um homem, era um xingamento.
– Inferno! – murmurou, mas essa palavra parecia bastante inadequada para
desabafar os seus sentimentos. – Maldita seja! – ele acrescentou, mas não estava
satisfeito. – Condenado seja o maldito inferno!
Lola sorriu levemente.
– Eu também me alegro em vê–lo, Denys.
O som do seu nome em seus lábios foi como parafina sobre as brasas e a raiva
que Denys estava reprimindo explodiu, ameaçando escapar do seu controle.
Denys cerrou o punho e levou–o à boca, lutando para se controlar.
— Você não vai dizer nada? — Ela perguntou depois de um segundo. —Além
dos xingamentos, é claro.
Denys baixou a mão e respirou fundo.

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— É estranho, — ele sussurrou, imprimindo á sua voz um frio
distanciamento, que não sentia de todo — Mas não consigo pensar em mais nada
para dizer a você.
— Olá, seria um bom começo. — Ela sugeriu. — Ou você poderia me
perguntar como estou.
Denys apertou a mandíbula, fortalecendo a sua raiva até se transformar em
determinação.
— Essa pergunta implicaria um grau de curiosidade que eu não possuo.
Após essa resposta fria, do rosto de Lola, desapareceu qualquer sugestão de
sorriso. Ele estava sendo rude, Denys estava ciente disso, um comportamento
que não poderia manter em sua posição ou com a sua educação, mas o que Lola
esperava? Uma recepção calorosa? Uma menção carinhosa dos velhos tempos?
Lola pigarreou, quebrando o silêncio que tinha surgido entre eles.
— Denys, tenho a certeza que a minha visita foi uma surpresa para você,
mas...
— Ao contrário. O dia em que você deixar de ser imprevisível, será uma
surpresa. Afinal, a inconstância é uma das peculiaridades de uma cortesã, não é?
Tinha acabado de acertar o alvo. Em resposta, um flash de raiva apareceu nos
olhos de Lola, lembrando a Denys que ela não era apenas uma ruiva, mas que
possuía a personalidade apaixonada, que era frequentemente associada áquela
cor do cabelo.
— Não posso dizê-lo — Ela disse bruscamente — Dado que nunca fui a sua
meretriz. Nós éramos amantes.
Denys encolheu os ombros, como se não estivesse com vontade de debater
tais distinções sutis sobre o seu relacionamento passado.
— E no caso de Henry, o que você era? A sua amante? A sua meretriz? Ou
vocês eram apenas bons amigos?
Lola recuou, mas se Denys pensou que ela iria evitar tais questões mordazes,
estava muito enganado. Porque ela levantou o queixo e enfrentou o ataque.
— Qual é o ponto de lembrar o passado? — Perguntou. — É sobre o futuro
que temos que falar, não é?
— O futuro? — Ele repetiu intrigado. — O que quer dizer?
A pergunta pareceu surpreendê–la, embora Denys não entendesse o porquê.

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— Mas eu acho que você sabe... — Lola parou, mordeu o lábio inferior e olhou
para ele fixamente, antes de falar novamente. — Você não soube.
Denys franziu a testa, sentindo– se subitamente desconfortável.
— Se você quer dizer a morte de Henry, sim soube.
— Não é isso... Exatamente.
— Não é esse o motivo de estares aqui? Suponho,que agora que Henry não
está mais entre nós, pretende retomar a relação de onde a deixamos. Você quer
que eu cuide de você?
Sabia que era um absurdo, mesmo quando disse isso, mas não podia imaginar
outra razão para justificar a presença de Lola e o comentário sobre o futuro.
— Nenhum homem tem que cuidar de mim. — Respondeu asperamente.
Lembrou–se da jovem ousada que conhecera no passado, uma jovem que o
mantivera à distância por um ano e quase o enlouquecera, até que, finalmente,
tinha aceitado render-se.
— Eu posso cuidar de mim mesma. Pensei que tinha deixado bem claro há
seis anos atrás.
— Sim, mas mesmo assim, Henry parece ter cuidado de você de uma forma
muito amigável da parte dele. Pelo que eu entendi, o espetáculo que ele montou
para você em Nova York, tem tido muito sucesso. Tornar–se a sua amante se
tornou muito rentável.
Lola abriu a boca para responder, mas mordeu o lábio.
— Por favor, Denys, não tente discutir comigo. Eu não vim aqui para brigar
ou para ver se poderiamos continuar de onde paramos o nosso relacionamento.
Essas palavras não produziram qualquer alívio, porque se não estava à
procura de uma reconciliação, só poderia significar que ela pretendia alguma
coisa.
— Mesmo assim, você disse que queria falar sobre o nosso futuro. O que
poderia levar você a pensar que poderíamos ter algo em comum no futuro?
Lola suspirou.
— O testamento de Henry.
— O testamento de Henry?

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Denys olhou para ela e, de repente, sentiu como se a terra estivesse se abrindo
sob os seus pés e arrastando–o para o abismo mais profundo.
— Sim. — Lola abriu a bolsa de seda vermelha e tirou uma folha de papel que
ela lhe entregou com uma mão coberta por uma luva branca. — Henry me fez
sua sócia.

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Capítulo 2

Lola já tinha imaginado, que comparecer perante Denys sem aviso prévio,
seria para ele um grande impacto, mas considerou mais prudente do que
escrever com antecedência e marcar uma reunião. Dessa forma, ele tinha sido
incapaz de se recusar a recebê–la.
No entanto, era capaz de a atirar pela janela. E a gravidade da sua expressão
lhe disse que era uma possibilidade real.
— Minha sócia? — Ele repetiu com os dentes cerrados. – Em que empresa?
— No Imperial. Bem, legalmente, sou sócia de seu pai, mas como é você, que
controla todas as suas propriedades...
— Você está louca.
Lola amassou o papel entre os dedos.
— Esta carta resume os detalhes exatos das condições de Henry. Uma semana
antes de deixar Nova York, o Sr. Forbes assegurou–me que ele tinha enviado
uma carta semelhante ao seu pai com a notícia da morte de Henry. Claramente
Conyers te disse sobre o último, mas não lhe deve ter dito qualquer coisa sobre o
primeiro.
Denys não respondeu. Em vez disso, ele continuou a olhá–la em silêncio
sepulcral. Observando–o, Lola percebeu que tudo o que tinha ensaiado durante a
viagem, com a intenção de se preparar para este encontro, não tinha servido de
nada.
Por um lado, Denys não parecia estar ciente dos termos do testamento. Ela
estava pronta para encará–lo assumindo que Denys também estava preparado
para lidar com ela, mas, aparentemente, este não era o caso.
Mas pior ainda era o fato de que, este homem, não parecia nada com o Denys
que ela tinha conhecido. O Denys do passado era um homem calmo e
despreocupado, com um irresistível charme juvenil e uma ternura apaixonada.
Lola mal podia reconhecer qualquer uma dessas qualidades no homem à sua
frente.
Este homem tinha as maçãs do rosto quadradas e o queixo quadrado de
Denys, mas não tinha a despreocupação e o ar juvenil que suavizavam as suas

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feições. Este homem tinha os olhos castanhos de Denys, mas quando ele olhou
para ela, Lola não reconheceu nenhum vestígio de ternura em suas profundezas
escuras. Ela ouvira dizer que se tornara um homem de negócios astuto e, ao vê–
lo naquele momento, não teve dificuldade em acreditar.
Essas mudanças tinham lhe custado, porque havia algumas rugas nos cantos
dos olhos e na testa que não estavam lá antes, rugas que falavam das
responsabilidades, que o Denys que ela conheceu, nunca tinha sido forçado a
tomar. A sua boca antes, pronta para sorrir, havia se tornado uma linha sem
expressão, embora, neste caso, a falta de alegria pudesse ser devida à sua
chegada, em vez do fardo do dever.
Ela o tinha machucado, sabia. Tinha aceitado o carinho que sentia por ela e,
no final, o tinha desprezado. Mas não tinha encontrado outra maneira de fazê–lo
ver que, uma menina como ela, nascida no meio dos pastos e nos matadouros de
Kansas City, que tinha passado a infância misturada no cheiro de esterco, sangue
e uísque barato e começara a mostrar as suas partes diante dos homens, antes dos
dezesseis anos, nunca poderia fazer um homem como ele feliz.
A dor penetrou o seu peito e de repente se sentiu incapaz de suportar a
dureza do seu rosto, uma dureza que ela tinha gravado nele. Ela desviou o olhar.
O seu corpo, notou ao olhar para baixo, mudou menos que o seu rosto. Ele
continuava a ter os ombros largos e fortes e os quadris de atleta que tinha em sua
juventude. E, pelo que podia ver, não tinha ganho uma única gota de gordura. Se
outra coisa parecia, era mais forte e mais vigoroso aos trinta e dois do que aos
vinte e quatro.
Ela esperava que o tempo tivesse temperado a sua amargura, mas naquele
momento percebeu que as suas esperanças tinham sido em vão.
Mesmo assim, não recuou. Ela se forçou a falar novamente.
— Eu vim aqui assumindo que Conyers tinha recebido todas as informações
de Mr. Forbes e estava ciente da situação. Mas vejo que estava enganada.
— Claro, você tem coragem, Lola — Murmurou, olhando para ela. — Tenho
que reconhecer. Você tem coragem.
O ressentimento era palpável em cada linha do seu rosto, na rigidez da sua
postura e até na atmosfera que era respirada na sala. Mas Lola não ia murchar
ante a sua raiva, como uma delicada flor de estufa, e enfrentou a hostilidade do
seu olhar com um nível idêntico de hostilidade no seu.

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— Esta é uma questão de negócios — Disse calmamente — Não é nada
pessoal, Denys.
— Você não sabe como estou aliviado — Disse ele.
Apesar da sua intenção de se manter firme, Lola não pôde deixar de se
encolher um pouco com seu sarcasmo.
Denys adiantou–se, removeu a carta dos seus dedos e desdobrou para
examinar as linhas datilografadas. Quando levantou os olhos, a sua expressão
permaneceu implacável.
— Não só o Imperial, mas cinquenta mil dólares para apoiá–la
financeiramente — Disse enquanto dobrava a carta. — De meretriz a herdeira
num só passo.
Lola abriu a boca para negar aquele insulto, mas fechou-a de novo. Qual seria
o ponto de negar isso? O seu papel como amante de Henry era uma longa ficção,
que começara naquela fatídica noite num camarim em Paris, seis anos antes. Foi
um papel que beneficiou ambos e nenhum deles viu a necessidade de terminá–
lo. Não havia sentido em dizer a verdade a Denys, porque ele nunca acreditaria
nela. Era preferível continuar mantendo a mentira.
— Henry era um homem bom e generoso — Disse ao invés.
— Vejo. Mas eu tenho uma curiosidade. Como recebeu a sua família, esta
amostra particular da sua generosidade?
— Henry deixou bem provida a sua esposa e filhos. Imperial representa
apenas uma fração das suas propriedades.
— Apenas uma fração? — Ele entregou a carta. — Nesse caso, eu tenho
certeza que Gladys e os seus filhos não se sentem enganados em tudo.
Lola explodiu quando pegou a carta das suas mãos.
— Para os seus filhos, que agora têm vinte e três e vinte e seis anos, a
propósito, Henry os importou muito pouco quando estava vivo, e o mesmo pode
ser dito de Gladys. Nenhum deles tinha tempo para ele, a menos que eles
precisassem do seu dinheiro, é claro.
Denys curvou a boca num sorriso cínico e passou os olhos por ela.
— Tenho a certeza que você foi muito mais dedicada.
Um rubor intenso cobriu o rosto de Lola. Atuar como amante de Henry tinha
sido fácil em Nova York, mas agora, na frente de Denys, não era fácil de todo.

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Mesmo assim, era preciso assumir as suas decisões, então respirou fundo e
centrou a conversa no presente.
— Talvez, em vez de falar sobre Henry, devemos falar sobre o que vai
acontecer a partir de agora.
— A partir de agora? — Ele franziu a testa — Eu não sei se tenho o prazer de
entender você.
— Agora eu sou a dona da metade do Imperial e embora o seu pai seja o dono
da outra metade, você é quem dirige. Isso significa que temos de trabalhar em
conjunto.
— Absolutamente não.
Lola olhou para ele em silêncio por alguns segundos, em seguida, apontou
para a porta que estava atrás dela.
— Uma vez que vemos a situação a partir de perspectivas diferentes, então
talvez, devemos nos sentar e discutir isso. Agora mesmo, se impõe a necessidade
de negociar e chegar a um acordo.
Como não lhe queria dar oportunidade de recusar, ela não esperou pela sua
resposta. Ela se voltou para o seu escritório, sentou-se na cadeira de couro que
tinha em frente à secretária dele, onde estava sentada à espera da sua chegada, e
cruzou os dedos para que a seguisse. Depois de alguns segundos, Denys entrou,
mas as suas palavras mostraram o quão pouco inclinado ele estava em manter
uma conversa amigável.
— Eu não consigo entender o que há para negociar. — Disse ele ao dar a volta
na mesa para olhar para ela.
A abertura da porta interrompeu qualquer possível replica de Lola. Um
segundo depois, Dawson entrou no escritório de Denys carregando uma bandeja.
— Aqui está o chá, Miss Valentine. Espero que goste de Earl Grey. Ah! Bom
dia, senhor — Acrescentou quando viu Denys, que estava atrás da sua mesa.
Depois de cumprimentar o seu chefe com um aceno, ele parou ao lado da
cadeira Lola e colocou a bandeja de chá sobre a mesa à sua frente.
— Também trouxe–lhe alguns doces, se você estiver com fome.
— Obrigada — Após a hostilidade de Denys, a gentileza do seu secretário foi
como um bálsamo e Lola deu um sorriso de agradecimento ao jovem secretário.
— Muito atencioso da sua parte.

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— Não, de todo. — Pegou no bule e começou a servir o chá. — Devo dizer
que é muito excitante conhece–la, Miss Valentine. No ano passado, estando lá
com meu antigo empregador, pude ver o seu espetáculo em Nova York e foi
espetacular. Ainda me lembro de você tirando o chapéu de um dos espectadores
na fila da frente com o pé e jogando–o no ar. Eu não consigo entender como
conseguiu fazer isso aterrissar em sua cabeça. — Ele riu. — Tenho a certeza de
que aquele cara nunca esquecerá de tirar o chapéu antes de entrar num teatro.
Lola não contou a ele que o homem do chapéu estava sempre na platéia.
— Estou feliz que você gostou.
— E muito. Espero que a sua presença em Londres signifique que pretende
atuar aqui.
— Eu adoraria, sim. — Ela olhou para expressão glacial Denys e confirmou o
quão difícil seria — Mas vamos ver.
— Sinceramente espero que sim. Eu adoraria voltar a ver o seu espetáculo.
Com leite e açúcar?
Lola não teve chance de responder por que Denys interveio.
— Dawson, pare de elogiar a senhorita Valentine e vá encontrar os contratos
de Calvin e Bosch, por favor.
— Claro, meu senhor. — Depois de dar um sorriso de desculpas a Lola, o Sr.
Dawson lhe entregou o chá, inclinou a cabeça e saiu da sala.
Com o prato e a xícara na mão, Lola recostou–se na cadeira e esperou, mas
Denys não se moveu para se sentar.
— Denys, sente–se — Ela disse — Ou vou acabar com torcicolos.
— Esta conversa não vai durar tanto tempo — Ele se inclinou para frente
apoiando as palmas das mãos na superfície da mesa. — Eu não vou participar,
muito menos o meu pai, em qualquer negócio com você.
— Você já o está fazendo.
— Mas não por muito tempo. E agora, se me der licença, — Acrescentou antes
que ela pudesse perguntar o que ele pretendia fazer — tenho um compromisso
para o qual já estou atrasado.
Lola inclinou a cabeça para trás, olhou–o atentamente e sabia que, pelo menos
por agora, a conversa tinha acabado. Se a sua sociedade iria funcionar, e ela
estava disposta a fazê–lo funcionar a qualquer preço, era importante começar
com o pé direito. Isso significava que ele tinha que respeitar a sua agenda.

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— Claro — Guardou a carta e ficou de pé. — Quando poderemos retomar a
esta conversa? Posso marcar com o seu secretário ou...
— Eu pensei que tinha deixado claro, mas parece que não — parou e os seus
olhos entrecerrados pareceram passar de marrom para negros. — Eu não vou
aceitar uma reunião. Eu não estou disposto a conversar com você sobre o
Imperial ou qualquer outro assunto. Agora ou nunca.
— Mas, Denys, a temporada está prestes a começar. Os ensaios de Otelo
começam dentro de duas semanas. Tem que se tomar decisões, concorda...
— Claro — Ele interrompeu. — Dawson lhe dará o nome dos meus
advogados. Tenho a certeza de que ficará satisfeita em acompanhar as decisões e
acordos feitos em relação ao Imperial. E confio em você para dizer–lhes para
onde devo mandar, a sua parte dos lucros.
Embora ela estivesse determinada a manter uma atitude profissional, Lola
sentiu que estava começando a perder a paciência.
— Espera um momento. É claro que o advogado de Henry não lhe avisou da
situação e compreendo que tudo isto está sendo difícil para você. Mas, Denys, eu
não vou permitir que você me jogue de lado enquanto toma decisões sobre o
Imperial e dirija o teatro sem mim. Ao contrário de Henry, pretendo participar
plenamente desta sociedade.
Um músculo ficou tenso no queixo quadrado de Denys.
— Não, enquanto eu respirar.
— Eu sei que você está ressentido comigo. Você provavelmente me odeia.
Mas isso não impede que eu seja a sua sócia e tenha os mesmos direitos que o seu
pai. Estou em igualdade de condições no momento de decidir o que fazer.
— Essa é outra questão que terá que lidar com os meus advogados. —
ignorando o seu som de frustração, ele se virou e saiu da sala, desaparecendo da
sua vista. — Venha comigo, Sr. Dawson. — Ela o ouviu dizer. — Há alguns
problemas que preciso que você cuide enquanto eu estiver ausente.
Lola se moveu para seguí– lo, mas ela pensou melhor e parou. Não podia
segui–lo por corredores e escadas em seu próprio escritório, especialmente na
frente do seu secretário e sabendo que ele não estava em condições de ouvi–la.
Era preferível deixa–lo respirar e esperar que assimilasse a realidade do seu novo
relacionamento.
Mas, apesar dessa decisão, sentiu–se obrigada a dizer algo mais, antes de lhe
dar a oportunidade de sair.

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— Estamos nisto juntos, Denys — Gritou atrás dele. — Esta conversa não
acabou.
— Claro que não — Ele respondeu instantaneamente. — Com você nada
parece terminar.
E saiu sem mais delongas, batendo a porta e deixando–a sozinha.
— Como ia fazer isso funcionar?— Se perguntou Lola, afundando-se na
cadeira.
Naquele momento parecia mais impossível do que há um mês atrás, quando
Henry morreu.
Lola suspirou e recostou–se em seu assento, invadida pela exaustão. Ela tinha
perdido o homem que tinha sido o seu mentor, o seu amigo e um pai muito
melhor do que o homem que a tinha concebido poderia ter sido. As últimas
apresentações da temporada de inverno tiveram que ser feitas em frente à sua
cadeira vazia, sabendo que ele nunca mais a ocuparia. Ela teve que dar a notícia
da sua morte para Alice. E, por insistência do Sr. Forbes, foi forçada a sentar–se
ao lado dos parentes odiosos de Henry para a leitura do seu testamento.
A imagem do Sr. Forbes lhe veio à mente, as pontas enceradas do seu enorme
bigode saltando ao relatar, com aquela voz seca e profissional, as disposições do
testamento de Henry: uma pensão para a sua esposa, depósitos para os seus
filhos, todos os negócios em New York e os seus ativos para os seus filhos, um
dote para a sua filha...
A sua presença no escritório do advogado tinha sido recebida com resignação
hostil pela família e tornou–se evidente que eles foram informados de que,
também ela, iria receber parte do legado.
Ela, por outro lado, estava completamente confusa. Não podia imaginar o que
poderia tê–la deixado. Certamente não eram jóias, casacos de pele ou qualquer
bugiganga que os homens dão às suas amantes. Alice teria sido a única
destinatária de algo assim. Mas, Lola não conseguia imaginar Henry, deixando-
lhe algum detalhe por motivos sentimentais. Henry era astuto, egoísta, perspicaz
e nada sentimental. Ela supunha que poderia ter lhe deixado dinheiro, mas
também parecia estranho, porque tinha algumas economias suculentas graças ao
sucesso do espetáculo que representava há cinco anos seguidos no Madison
Square e, com o qual, tinha feito ganhar uma grande quantia de dinheiro para
Henry, bem como, para o resto dos investidores do teatro.
—E finalmente, há uma disposição para a senhorita Valentine.

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Lola tinha se endireitado na cadeira e fixado a sua atenção no advogado,
procurando os seus pálidos olhos azuis acima da borda dourada dos seus óculos
que pendiam no seu nariz.
— Para a senhorita Valentine, o Sr. Latham lega cinquenta por cento do teatro
Imperial. Além disso, receberá uma quantia de cinquenta mil dólares...
Ele tinha sido interrompido pelas exclamações de surpresa dos presentes, mas
os parentes de Henry não foram os únicos surpresos. Lola se sentiu como se
tivesse acabado de ser atropelada por um comboio.
Metade do Imperial? A sociedade com o pai de Denys?
Isso era uma loucura.
Atordoada, ela tinha olhado para o Sr. Forbes, tentando compreender o que
isso poderia significar e levou alguns segundos para perceber que toda a família
de Henry se virara para ela e a encarava. Ela tinha deslizando o olhar rosto atrás
de rosto e tinha ficado ciente de que, todos estavam muito zangados.
Primeiro, tinha olhado para Carlton, com o rosto vermelho, depois de saber
que Lola era a herdeira de um dos investimentos mais rentáveis de Henry e uma
generosa quantidade de dinheiro. Depois, Margaret, que baixara o lenço para
dirigir–se à suposta amante de seu pai, um olhar cheio de desprezo com aqueles
olhos que não haviam derramado uma única lágrima. E, para terminar, Gladys,
que a olhou tremendo de raiva e com os lábios pressionados em uma linha dura.
Lola devolveu o olhar levantando o queixo. Aqueles eram parentes de Henry,
mas nunca o amaram e a sua aparência assassina não a afetou. Observou Gladys
quando ela se levantou e se aproximou do lugar onde ela estava sentada, longe
dos outros e ao lado da porta. Quando Gladys parou na frente dela, ela olhou
para cima e manteve o rosto inexpressivo enquanto encarava o olhar desdenhoso
da outra mulher. E quando Gladys levantou a mão e deu–lhe uma bofetada, ela
nem recuou. Não deu a Gladys essa satisfação.
Ela esperou até que todos se foram para colocar a mão em sua bochecha
ardendo. Gladys nunca saberia que tinha esbofeteado a mulher errada, é claro, e
Lola nunca pensara em esclarecê–lo. Henry queria proteger a reputação de Alice
mesmo depois da sua morte. Além disso, Lola nunca se importou com o que,
mulheres como Gladys Latham, pudessem pensar dela.
— Peço as minhas desculpas, Srta. Valentine.
Lola abaixou a mão e olhou para cima.

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— Não se preocupe, Sr. Forbes. Você não é culpado por alguém se comportar
de forma tão rude. Além disso — acrescentou ela — Não posso culpá–la também.
Deve ser difícil para ela me ver aqui. E imagino que Henry não fosse uma grande
coisa como marido.
O advogado se inclinou para frente na cadeira com uma expressão
confidencial.
— Gladys também não era uma grande coisa como esposa. — Lola não pôde
deixar de sorrir ao ouvi– lo.
— Você é um homem muito mau, Sr. Forbes.
O advogado então apontou para a cadeira mais próxima a ele, a que deixara a
viúva de Henry.
— Se você puder ficar alguns minutos, senhorita Valentine, eu tenho algo
para lhe dar do Sr. Latham.
— Algo mais? — Ela repetiu enquanto se aproximava da cadeira oferecida por
ele. — Eu não posso imaginar o que pode ser. Mas, a verdade, é que nem podia
imaginar que ele poderia me deixar metade do Imperial. O conde Conyers e eu,
sócios? Aquele homem não me daria um copo de água mesmo se eu estivesse
morrendo de sede.
— Quanto a isso... — O advogado interrompeu para limpar a garganta, — O
conde não dirige mais o teatro. Eu entendo que Lorde Conyers deu a gestão dos
seus investimentos para o seu filho há três anos.
— Denys dirige o Imperial? — Ela gemeu quando se inclinou em sua cadeira.
— Isso complica as coisas ainda mais. — Oh, Henry! — Ela sussurrou, esfregando
a testa. — O que você fez!
Depois de alguns segundos, abaixou a cabeça.
— Mas a minha pergunta ainda permanece. Como ocorreu a ele que esta
sociedade poderia funcionar?
— Sr. Latham não me disse, mas é possível que isto o esclareça — Sr. Forbes
levantou um envelope selado e entregou–o. — Queria que lhe desse isto após a
leitura do testamento.
Lola quebrou o lacre, removeu a única folha do envolope e desdobrou–a.

Lola,

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Às vezes com um pouco tarde, mas eu sempre cumpro as minhas promessas.
Regressa a Londres e encante–os, carinho. Mostre–lhes que estavam errados. Tenho
certeza que você consegue.
Com todo o meu amor,
Henry
PS: Se você rejeitar esta oportunidade por medo de Denys, o meu fantasma vai
voltar e assombrá–la.

Os seus olhos se encheram de lágrimas, embora estivesse rindo com o


pensamento de Henry como um fantasma. Tinha começado a pensar que ele
tinha esquecido a promessa que lhe tinha feito, naquela fatídica noite em Paris.
“Vou me assegurar que você aprenda a sua arte de forma adequada. E, quando você
achar que está pronta para voltar ao teatro, vou procurar investidores para financiar um
trabalho sério para você. Até mesmo Shakespeare. E se você for boa, vou dirigir a sua
carreira de atriz. Talvez possamos até mesmo abrir um teatro em Nova York para que
possa representar os seus trabalhos.”
Lola piscou para conter as lágrimas e releu a carta. Naquela ocasião, no
entanto, uma vez superada a surpresa, foi assimilando o que essa carta
implicava. Henry manteve a sua promessa, mas com uma enorme diferença. O
Imperial não estava em Nova York.
Ela olhou para o advogado perplexa.
— Henry deve ter ficado louco.
— É nisso que a sua família acredita — Respondeu o advogado secamente. —
Mas não. O estado mental do Sr. Latham era perfeito.
Lola sempre acreditou nisso também, mas isto a fez questionar. Londres era
cidade onde ela começou a sua carreira como atriz, o lugar onde Denys, arcando
com as despesas, tinha financiado o seu primeiro trabalho e lhe ofereceu um
papel. Mas Lola não tinha ficado a altura da fé de Denys em seu talento. Ela tinha
obtido um enorme fracasso e foi criticada pelo público, críticos e atores. E depois
disso, Henry queria que tentasse de novo? O seu estômago se contorceu ao
pensar nisso.

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E quanto a Denys? Compartilhar a propriedade do Imperial significava
confrontar, a ele e à decisão que tomara, anos atrás. Dirigir um teatro com ele,
pelo amor de Deus. Isso nunca funcionaria.
Mas, ainda assim, ia fazer isso.
Lola reprimiu o medo, dobrou a carta, colocou–a no envelope e olhou para o
advogado de Henry.
— Eu não sei muito sobre negócio, então não entendo o que esse legado
envolve. Você poderia me explicar?
Assim tinha feito o advogado, apontando o que significaria para ela ser uma
sócia do Imperial. Mas um mês depois, e embora Lola tivesse total conhecimento
da sua posição, Lola estava sentada no escritório de Denys em Londres,
imaginando se tanto conhecimento a ajudaria.
A porta do escritório se abriu, interrompendo as suas reflexões quando o Sr.
Dawson voltou.
— Sinto muito ter feito você esperar, senhorita Valentine — Ele se desculpou
ao aparecer na porta. — Lorde Somerton pediu–me para lhe dar o nome dos seus
advogados e o seu endereço. Se você me conceder um momento, vou escrever
essa informação para você.
Lola já o tinha, mas apenas sussurrou algo. As audições para a próxima
temporada começariam em menos de uma semana e chegar a um acordo com os
advogados de Denys levaria meses. Além disso, estava convencida de que, para
um relacionamento entre sócios funcionar, não poderia ser coordenado por
advogados e ela estava determinada a que a parceria fosse um sucesso.
Mesmo assim, não deteve o secretário. Tomou um gole de chá e pensou em
qual seria o próximo passo. Depois de um momento, largou a xícara, levantou–se
e saiu do escritório de Denys. Foi até à mesa do Sr. Dawson, parou e esperou,
enquanto ele pousava a pluma e secava a tinta das linhas que acabara de
escrever.
— Agradeço-lhe do fundo de minha alma — Disse quando o secretário se
levantou e estendeu a folha de papel. — Muito obrigada.
— Não posso fazer mais nada por você, Srta. Valentine?
— Hum... — Lola parou e fingiu pensar nisso. — Sim, há algo, se não for pedir
muito.

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A expressão de Dawson, lhe disse que havia poucas coisas que não estaria
disposto a fazer por ela.
— Eu gostaria de entrar em contato com alguém e acho que você é a pessoa
que pode me dizer como fazê–lo. Eu gostaria de localizar o Sr. Jacob Roth. Tenho
a certeza que você o conhece.
— Claro. Ele é o diretor do Imperial. Você o conhece?
Ela conhecia o nome dele, é claro, não havia ninguém no teatro que não o
conhecesse. Ele tinha sido um ator de prestígio na sua época e também um
famoso diretor antes de assumir a direção da companhia do Imperial. Mas, na
verdade, ela não o conhecia nem de vista. Fez um gesto vago com a mão.
— De meus velhos tempos em Paris.
— Ah sim? Eu não sabia que o Sr. Roth tinha dirigido alguma coisa em Paris.
Ele tem o seu escritório no Imperial... — acrescentou antes de ela ser forçada a
inventar uma história sobre como conheceu o famoso diretor.
— Embora eu duvide que ele esteja lá, neste momento, uma vez que a
temporada ainda não começou. Mas eu posso ir lá e pedir uma reunião para a
sua secretária.
Isso daria tempo para Denys descobrir e ir atrás dela.
— Oh, querido! — Ela disse com um suspiro. — Claro que eu quero vê–lo,
mas não tenho a certeza se quero fazê–lo em seu escritório. Me parece muito
formal — Ela se inclinou para frente. — Você é um homem inteligente, Sr.
Dawson. Tenho a certeza que você vai pensar em uma maneira melhor de me
ajudar.
O jovem respondeu imediatamente a esta demonstração de fé em suas
habilidades.
— É possível que você o encontre no Savoy em poucas horas. Ele almoça
quase todos os dias lá, eles costumam ter uma mesa reservada para ele.
— Muito obrigada — Ronronou quando se afastou da mesa. — Está sendo
muito gentil comigo.
O jovem corou até à raiz dos cabelos.
— Não... Não tem de quê. É um prazer, realmente. Se precisar de mais alguma
coisa...
— Se eu precisar de alguma coisa, procurarei você — Guardou a folha
dobrada com os nomes dos advogados na bolsa e colocou a mão no peito

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


enquanto exalava um suspiro de alívio. — Para uma mulher sozinha, é muito
reconfortante saber que, pelo menos, há um homem em que se pode confiar.
E com isso deixou o escritório, após dar a Dawson um sorriso agradecido.
Necessitaria de todos os aliados que pudess conseguir.
Quanto a Denys, se queria ignorá–la, para ela, tudo bem, já que era muito
provável que o seu próximo passo, ganhasse a sua atenção muito mais rápido do
que qualquer batalha travada através dos seus advogados. Sabia que ia mexer
com a besta, mas não podia se importar. Graças a Henry, tinha uma segunda
chance de realizar o seu sonho mais precioso.
Tornar–se numa atriz de verdade, significava que ela poderia desistir de
pavonear-se no palco em roupas provocativas, mostrando as pernas e
balançando os seios. Não teria que reinterpretar canções obscenas ou remover
um chapéu com o pé, e curvar–se e sacudir os seus quadris para qualquer
homem na platéia. Ela tinha a oportunidade de ganhar o respeito de seus colegas,
o respeito concedido aos atores sérios e negados a intérpretes como Lola
Valentine.
E possuía metade de um teatro, uma posição que lhe dava um certo controle
artístico e financeiro. Depois de anos respondendo a investidores que
controlavam a sua roupa e performances, finalmente, tinha algo a dizer. Ela
nunca teria que voltar a jantar com homens, que não faziam outra coisa que
olhar para os seus seios, desprezando as suas ideias e dizer a Henry que poderia
ser considerado um homem de sorte. Se conseguisse que Denys a ouvisse,
poderia finalmente expressar as suas idéias. Se encontrasse uma maneira de
persuadir Denys, eles poderiam obter grandes sucessos.
Tinha que encontrar uma maneira de colocar Denys do seu lado, para
convencê–lo a ensinar–lhe tudo o que tinha que aprender sobre a direção
econômica do teatro, de trabalhar com ela e não contra ela. Não tinha a certeza de
como ia obter esse milagre em particular e, ao descer as escadas, cruzou os dedos
para encontrar uma maneira de fazê–lo.

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


Capítulo 3

A reunião com Calvin e Bosch, para a criação de uma empresa ferroviária na


Argentina, foi um sucesso. Os contratos foram assinados em menos de uma hora,
mas quando terminou, Denys não era capaz de se lembrar de nada do que
aconteceu na reunião. Ele tinha estado ausente o tempo todo, ainda perplexo com
o retorno de uma mulher, que ele não esperava ver nunca mais em sua vida.
Imagens de Lola que tinha acreditado estarem enterradas no passado, se
recusaram a deixar a sua mente e, perante essas imagens, as palavras que ele lhe
tinha dito naquela manhã, pareciam não só ridículas, mas também impossíveis.
Henry me fez sua sócia.
Que diabo estava Henry pensando?
Denys parou na calçada. Em momentos como esse, ele refletiu enquanto
examinava a rua à procura de um táxi, Henry parecia absolutamente
desconcertante, apesar de ter conhecido o homem durante a maior parte de sua
vida.
Aquele homem de negócios americano teve um sucesso retumbante em
Londres desde o momento da sua chegada. Graças ao amor de Lord e Lady
Conyers pelo teatro, Henry foi uma constante durante a juventude de Denys.
Uma força motriz dentro do ambiente teatral que fez parte da infância de Denys.
Henry era um rosto familiar nos jantares, um hóspede essencial nas festas que os
seus pais organizavam e um conhecido que era muito respeitado. Foi quem
apresentou Denys a Lola, mas nunca teria imaginado o que iria acontecer.
O fato de Henry ter empurrado Lola para fora da vida dele não afetara a
sociedade que Henry e o conde compartilhavam. Pelo contrário, o conde
considerara o fato de Henry levara Lola para Nova York como um grande favor,
um abençoado alívio. E quando Denys assumiu o negócio da família, ele deixou
todos os negócios desagradáveis para trás. Com Henry em Nova York e disposto
a trabalhar com Denys através do método impessoal de correspondência, dirigir
o Imperial não fora mais difícil do que administrar qualquer um dos negócios da
familia.
Mas ser sócio de Lola era uma história muito diferente. O que ela lhe tinha
feito eram águas passadas, é claro, ele tinha superado, mas não era por isso que,

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


as disposições que Henry deixara em seu testamento, eram menos
incompreensíveis.
Que razão poderia esse homem ter para fazer uma coisa dessas? Como lhe
ocorreu que uma parceria entre Lola e ele poderia funcionar? Era impossível
misturar a água e o óleo.
É uma situação difícil. Para ela, para você e para o todo o mundo.
Lembrou–se da conversa que tivera com o pai, e, as singularidades que
encontrara nela, começaram a fazer sentido quando percebeu que ele e o pai
conversavam sobre duas mulheres diferentes. Na verdade, ele não tinha lido a
carta do Sr. Forbes e, portanto, tinha dado como certo que Gladys Latham
herdara o Imperial. No entanto, o conde, sim lera, e sabia que era Lola a
beneficiária, portanto, os olhares preocupados do outro lado da mesa, as suas
discretas indagações sobre as intenções e o estado mental de Denys e a
surpreendente sugestão de que, talvez, fosse melhor vender a sua parte do seu
investimento mais lucrativo.
Era lógico que o conde estivesse preocupado. Lola havia desencadeado uma
espécie de loucura em Denys. Desde a primeira vez que a vira no palco e lhe dera
o sorriso luminoso que a tornara famosa, ardia nele uma paixão que ultrapassara
a razão. Fora uma paixão tão selvagem e indomável que o tornara imune aos
apelos da sua família, surdo aos murmúrios escandalizados da alta sociedade e
cego ao verdadeiro caráter da sua amante.
Até que Lola o abandonou.
Denys ainda se angustiava com o pensamento do dinheiro que gastara com
ela, as brigas em que estivera envolvido, os amigos que esteve prestes a perder e
o ridículo que fizera por causa de uma mulher atraente que,afinal, acabou sendo
mais inconstante do que o vento. Olhando para trás, ele entendeu que só havia
uma explicação para tudo isso: ele enlouquecera.
Mas já estava são.
Com essas lembranças, o estupor que o envolveu durante a manhã se
dissipou como a névoa que se erguia sobre os pântanos. Embora ele e o conde
estivessem falando de duas mulheres diferentes, eles concordaram sobre qual
deveria ser o curso da ação e não viu motivo para não se cingir a ele. Isso exigia
uma visita a todos os advogados da família.
Um cabriolé passou na frente dele e Denys o mandou parar. Depois que o
cocheiro se esquivou do tráfego, que sempre parecia entrar em colapso na

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Trafalgar Square, Denys foi levado aos escritórios da Burrowes, Abercrombie e
Moss na Regent Street. Embora ele não tivesse marcado uma reunião, Burrowes
estava disposto a recebê–lo e permitiu que ele usasse o seu telefone. Uma
chamada para o White’s e uma breve conversa com o pai confirmou as suas
suposições sobre a conversa anterior e, depois de dar a seu pai algumas
explicações tranquilizadoras de como ele pretendia prosseguir, desligou o
telefone e passou o resto da manhã trancado no escritório do Sr. Burrowes.
Ele descobriu que Lola não ligara para os advogados, mas tinha a certeza de
que faria isso e pretendia estar um passo à frente dela. Depois de informar o Sr.
Burrowes da morte de Henry e os termos do seu testamento, Denys se interessou
em como dissolver uma sociedade. Uma vez informado que isso exigia o
consentimento de ambas as partes, o desaparecimento da empresa e o fecho
permanente do teatro, ele perguntou sobre a possibilidade de comprar a parte do
seu sócio. Depois de receber uma resposta afirmativa, ele pegou o relógio.
— Eu tenho uma hora até ao meu próximo compromisso – disse ele,
colocando o relógio de volta no bolso. – Podemos esboçar um possível acordo?
— Claro. — Burrowes pegou um caderno, pegou na caneta e abriu o tinteiro.
— Vamos começar com a quantidade. Quanto você quer oferecer?
Denys pensou por um momento e depois ditou a quantia que ele considerava
que Lola podia aceitar. Devia ser generosa em sua estimativa, porque o Sr.
Burrowes levantou uma sobrancelha, mas teve a prudência de não comentar.
Quando os termos do acordo foram estabelecidos, o advogado prometeu
deixar um rascunho em seu escritório na manhã de segunda–feira. Satisfeito,
Denys saiu do escritório, chamou um táxi e dirigiu–se a Rules, onde descobriu,
que a sua mãe e Georgiana, já tinham chegado antes dele e já estavam
acomodadas em uma das cabines estofadas a vermelho do restaurante.
Lady Georgiana Prescott, a única filha do Marquês de Belsham, podia traçar a
sua linhagem até ao William, o Conquistador, mas o seu rosto de pele pálida,
maçãs do rosto cinzeladas, testa nobre e nariz aquilino poderia ter aparecido
num templo da Grécia antiga. Usava o cabelo escuro puxado para trás em ondas
perfeitas e sujeito sob um pequeno chapéu, elegante, donde, não se atrevia a
fugir de um único fio de cabelo rebelde.
Denys e Georgiana se conheciam quase desde sempre. Não se pode dizer que
tenha havido um acordo explícito entre as famílias, mas nunca foi um segredo
que ambas as partes quisessem casá-los. Se ele não tivesse viajado para Paris,

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naquele verão fatídico de anos atrás, esse desejo ambibionado por ambas às
famílias poderia ter sido satisfeito.
A sua paixão por Lola Valentine não só teve um impacto severo nos
progenitorees das duas famílias, mas também uma decepção considerável. E,
embora Georgiana não tivesse dito uma palavra sobre esses três anos de loucura,
já que era muito bem educada para fazer algo assim, Denys suspeitava que os
pais da jovem não foram os únicos que tinha decepcionado, ao se juntar uma
dançarina de cabaré.
No entanto, nos últimos meses, Georgiana e ele tinham começado a recuperar
o carinho sereno da sua infância e Denys já não se sentia tão inclinado a se
rebelar contra as expectativas geradas em torno deles, como anos atrás. Na
verdade, ele tinha começado a considerar a possibilidade de cumprí–las. Não
sabia o que pensava Georgiana sobre isso, não era uma mulher dada a mostrar as
suas emoções e esta nova aproximação, não estava andando rápido o suficiente,
para incentivá–lo a perguntar-lhe, mas, pela primeira vez, sentiu que poderia
haver no horizonte mais do que uma amizade.
Como se tivesse sentido peso do seu olhar, Georgiana ergueu o seu e o
desviou em direção à porta. Percebendo que estava parado como um tolo, Denys
avançou, abrindo caminho por entre as mesas, até à mesa onde Georgiana se
sentava ao lado Lady Belsham, sua mãe, e na frente da mãe de Denys.
Georgiana não sorriu enquanto ele se aproximava. Por um lado, porque os
tinha os dentes um pouco desalinhados e, sendo uma mulher tão exigente, estava
dolorosamente ciente disso. Mas inclinou a cabeça para vê–lo com aquele olhar
cinza e solene e, apesar da gravidade da sua expressão, parecia feliz por ele se
juntar a elas.
— Este lugar está ocupado? — Denys perguntou, colocando a mão no encosto
da cadeira ao lado de sua mãe.
Isso lhe rendeu um sorriso, um sorriso que curvou os seus lábios fechados.
— Creio que agora sim. E estou feliz que, finalmente, voçê se decidiu a reunir
conosco.
— Finalmente? – Ele perguntou surpreso. – Estou atrasado?
Georgiana olhou para o relógio de broche que estava preso ao casaco de
passeio, um casaco ás riscas cinzas e brancas.
— Dez minutos, receio. Na verdade, já tinhamos perdido a esperança de ver
você.

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Denys pensou que tinha saído do escritório de Burrowes com bastante tempo,
mas, quando olhou para a lapela de Georgiana, foi forçado a admitir que, como
sempre, ela estava certa.
— Sinto muito — Ele se desculpou quando puxou a cadeira para se sentar. —
Eu não sabia que levaria tanto tempo para chegar da Regent Street. Bom dia, lady
Belsham — Cumprimentou a marquesa. — Mãe.
— Da Regent Street? — Georgiana repetiu quando ele se sentou. — Você vem
de lá? Não é de admirar que você esteja atrasado. O tráfego é horrível na
Trafalgar Square. Eu sempre saio com muito tempo de antecedência.
Uma declaração que, vindo de Georgiana, não o surpreendeu de maneira
alguma. Ela nunca chegava atrasada.
— Pedimos algo? — Ele olhou para a carta na frente dele.
— Acho que deveríamos — disse Georgiana. — Temos algumas compras
pendentes e depois vamos ter que fazer várias visitas e tomar chá. — Tamborilou
os dedos no broche com gesto rápido. — O tempo corre.
Se houve qualquer tentativa de repreender com esse comentário, não foi
refletida em seu rosto. A expressão com a qual leu a carta era tão doce e serena
como sempre, pelo que Denys decidiu que se devia ter enganado. Ele fez sinal
para o garçom.
— Então — disse ele, inclinando–se para trás depois do pedido — Como
correm os planos para a exposição de flores?
— Muito bem, porque, finalmente, encontramos um local adequado — disse
Georgiana. — Pelo menos... — Adicionou olhando para a mãe de Denys — Eu
acho que vai atender às nossas necessidades. Lady Conyers, a angariação de
fundos para o hospital é responsabilidade do seu comité, o que você acha da
minha idéia?
— Oh, querida, para mim foi um alívio! — A condessa respirou fundo e levou
a mão ao peito. — E estou feliz por ter a sua ajuda. Confesso que quando você me
propôs, a idéia não me entusiasmou. Mas agora que pude visitar o jardim, posso
imaginar o que você imaginou e acho que o ambiente é ideal. Lady Belsham, qual
é a sua opinião?
A Marquesa de Belsham, uma versão com mais anos e talvez mais rígida da
sua filha, concordou com a cabeça.
— O principal obstáculo, é claro, poderia ter sido Lord Bute.

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— Lord Bute? — Denys repetiu surpreso. — Onde vai organizar a exposição?
Georgiana foi quem respondeu.
— No Regent's Park, nos jardins do Chalé St. John's, propriedade, como você
certamente sabe, de Lord Bute, que concordou em permitir que o evento seja
realizado lá. Espero que seja um sucesso, Lady Conyers.
— Claro que vai — Disse a mãe de Denys, e virou–se para o seu filho. — A
escolha de Georgiana em tais assuntos é impecável.
Georgiana ignorou esse elogio com a discreta complacência de uma pessoa
que raramente se enganava.
— O importante é que os fundos sejam levantados e, se isso funcionar como
esperamos, a exposição vai gerar muito dinheiro para os hospitais de Londres —
Ela ergueu as mãos e cruzou os dedos. — A menos que chova.
Denys a observou por um momento, tentando imaginar essa possibilidade em
particular, e falhou miseravelmente. Qualquer coisa em que Georgiana estivesse
envolvida, sempre era um sucesso. Se montasse uma corrida de cavalos, seria a
vencedora. Se fosse caçar perdiz pegaria mais do que o seu pai e se apontava um
local para uma exposição de flores, Denys não podia conceber, que mesmo o
clima traiçoeiro de Inglaterra, poderia falhar.
— Sem chuva. Ela não se atreverá.
Ela sorriu para isso.
— Haverá tendas, é claro. Mas, tudo correrá muito melhor, se estiver um bom
dia. — Ela se virou para a mãe de Denys. — O que se segue será uma reunião em
nossa casa, eu acho. Devemos organizá–la em breve, antes que mamãe e eu
voltemos para Kent.
— Para Kent? – Denys repetiu surpreso. — Eu pensei que você ficaria por
toda a temporada.
— E pensamos fazê-lo, mas ainda temos muitas coisas para fazer antes de nos
instalarmos na casa de Cavendish Square. Agora viemos para ajudar sua mãe.
Denys se perguntou se ele não era a razão pela qual Georgiana estava tão
disposta a colaborar em uma instituição de caridade que não era dela, mas
descartou essa ideia. Georgiana gostava de participar em instituições de
caridade.
— Eu tenho que preparar a feira para a torre da igreja — Georgiana
continuou, mostrando que Denys não estava errado. — E a venda de artesanato

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para os órfãos. E, claro, resolver o problema da escola. Temos que encontrar um
novo professor.
— Parece que você vai levar décadas para voltar — Comentou.
E, enquanto o dizia, ele se sentiu bastante aliviado. Lola e Georgiana
representavam duas partes muito diferentes da sua vida: o passado e,
possivelmente, o futuro. E ele preferia que elas não colidissem no presente.
— Nós só estaremos fora duas semanas — Ela assegurou, e se virou para a sua
mãe. — Mas, mãe, você não acha que uma reunião em casa é a melhor maneira
de preparar o terreno para a exposição de flores de Lady Conyers?
— Claro — Lady Belsham respondeu imediatamente. — Informaremos a
todos os nossos amigos sobre a necessidade imperiosa de arrecadar fundos para
os hospitais.
— Exatamente — Disse a filha dela. — Mas, mesmo assim, devemos criar uma
atmosfera de absoluta tranquilidade, na qual, os nossos amigos, se sintam
confortáveis. Deverá existir a combinação de pessoas adequada, além de comida
e muita quantidade de excelente champanhe.
— Assim se animarão a assinar os cheques. — Denys acrescentou divertido.
Georgiana lançou–lhe um olhar de reprovação.
— Eu não o diria com tanta franqueza.
Claro que não, porque Georgiana nunca era uma pessoa tão direta. Sutileza e
contenção estavam impressas em cada centímetro da sua pele. Denys continuou
a observá–la enquanto comiam e conversavam sobre a exposição de flores que a
sua mãe pretendia organizar, e, compreendeu, e não pela primeira vez, como
seria uma boa esposa. Ela era uma mulher leal, inteligente e bem–educada...
Mas nem um pouco emocionante.
No momento em que esse pensamento inoportuno cruzou a sua mente, ele o
sufocou, lembrando–se de onde a excitação o levara. Para cumprir os seus
deveres em relação ao sobrenome e ao título, devia se casar e, nesse aspecto,
Georgiana estava tão perto do ideal que um homem poderia encontrar. Ele não
conseguia pensar numa única razão para não se casar com ela.
Não poderia ser mais recomendável como esposa.
— Denys?

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— Mmm? — Denys abandonou essas divagações e descobriu o motivo das
mesmas, olhando para ele com uma expressão questionadora. — Desculpe, temo
que estava a sonhar acordado, o que você disse?
Georgiana apontou para o prato de Denys.
— Eu estava perguntando se você tinha terminado. Se quisermos ir às
compras, devemos sair agora.
— Claro.
Deixou o guardanapo de lado, chamou o garçom e, um minuto depois,
escoltava as senhoras até a um táxi.
— Tem a certeza de que não quer vir conosco? — Georgiana perguntou pela
janela.
— Compras em Mount Street? — Ele fingiu estar horrorizado. — Eu prefiro ir
trabalhar.
— Um cavalheiro não devia trabalhar — Ela respondeu, franzindo a testa
ligeiramente. — E muito menos durante a temporada. Suponho que pode se
afastar daquele escritório horrível por algumas horas. Se você quiser, podemos
esquecer as compras — Ela sugeriu, e olhou para as suas companheiras. — Não
pode?
Apesar do consentimento entusiasmado das suas respectivas mães, Denys
recusou.
— Estou lisonjeado com o sacrifício — Disse, sorrindo — Mas temo que tenho
muito trabalho a fazer. Otelo vai estrear no Imperial e será a primeira peça da
temporada. Há muitas coisas para fazer.
Incomodou–o, de certo modo, mencionar o Imperial diante de Georgiana e,
estava contente, por se ter adianto em pôr em marcha a estratégia que o conde e
ele tinham discutido naquela manhã. Quanto mais cedo Lola Valentine deixasse
a vida dele, melhor.
Esperou que o táxi dobrasse a esquina, virou–se e começou a descer a Maiden
Lane, na direção oposta, a caminho dos seus escritórios. Virou na Strand e
quando passou pelo hotel Savoy, pensou que seria prudente informar Jacob das
mudanças que ocorreram na posse do teatro, por mais temporárias que fossem.
Com um pouco de sorte, ainda encontraria o diretor no restaurante, alongando–
se com a sobremesa.

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Depois de cuidadosamente contornar sedans, táxis e todos os tipos de
veículos que circulavam no pátio em forma de U do Savoy, ele entrou no salão e
atravessou o elegante vestíbiulo para ir até ao restaurante.
— Lord Somerton — O gerente do hotel o cumprimentou quando ele entrou
pela porta. — É uma honra. Posso levá–lo à sua mesa?
— Estou procurando pelo Sr. Roth. Ele ainda está aqui?
— Sim, meu senhor, mas...
O maître parou, mostrando uma estranha relutância em sua atitude, até então
prestativa, e Denys olhou para ele surpreso.
— Algo errado, monsieur? — Ele perguntou quando viu o leve rubor que
apareceu nas bochechas do maitre.
— Peço lhe perdão, meu senhor. Eu não havia sido informado de que
planejava se encontrar com Monsieur Roth no almoço de hoje.
— Eu não acho que tenha qualquer obrigação de fazê–lo — Respondeu Denys.
— Ele não sabe que estou aqui, mas ouso dizer que ele não se importaria se eu
me sentasse com ele.
O maître do hotel, acostumado a ceder à aristocracia, capitulou.
— É claro — Ele disse, e começou a conduzir Denys pelas mesas lotadas até ao
canto mais distante da sala. — Perdoe–me, meu senhor, não pretendia ser
impertinente. É só que o Sr. Roth não está sozinho. Ele está comendo na
companhia de uma dama.
— De uma dama?
Mesmo enquanto dizia, Denys teve uma premonição desagradável e, depois
de seguir o maitre, não se surpreendeu ao encontrar Lola sentada com o diretor
do seu próximo trabalho e com uma atitude confiante demais com ele, para a sua
paz de espírito.
Lola sorriu ao diretor, dirigiu aquele mesmo sorriso cativante que não só
tinha enganado Denys, mas todos os seus amigos, Henry Latham e o público dos
cabarés parisienses e Madison Square, em Nova York. Denys sabia o caos que
aquele sorriso poderia causar e amaldiçoou aquela fatídica noite em Paris em que
Nick e Jack o arrastaram para o Théâtre Latin.

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Capítulo 4

Lola sabia que aquele era o momento crucial. O Sr. Roth estava com o
estômago cheio, tinha tomado uma segunda taça de vinho, terminou a sobremesa
e os seus olhos mostravam a sua calorosa admiração. Era hora de dar o próximo
passo.
— Sr. Roth, entendo que o primeiro trabalho da próxima temporada será
Otelo.
— Sim, é verdade, eu mesmo serei o diretor.
— De verdade? — Deu a ele o seu melhor olhar de espanto. — Uau! Você
sabe? —Parou e se inclinou para frente com um gesto de confiança excessiva. —
Eu sempre quis atuar em um drama.
— Não sei por quê. — Uma voz interrompeu–a com ironia. — Você já teve
bastantes dramas em sua própria vida.
Diabos! Lola reprimiu um gemido. Claro, sabia que uma vez que ele tinha
percebido de que não ia ficar esperando sentada, Denys também não iria, mas
esperava ter pelo menos três horas para descobrir aque se propunha.
Mas Lola era a sua sócia e, encontrar-la ali, entenderia que pretendia agir
como tal.
—Lord Somerton! — Cumprimentou, fingindo um sorriso e inclinando a
cabeça para trás para olhar em seus olhos — Quão adorável vê–lo tão cedo.
— O que você está fazendo aqui? —Denys arqueou uma sobrancelha.
— Posso perguntar o mesmo.
Lola deu de ombros e tomou um gole de vinho.
— Eu não entendo porque haveria de surpreender alguém. Eu fico no Savoy.
—E você come com o diretor do meu teatro. Que coincidência.
— Sim verdade? — Ela confirmou, decidindo ignorar a sua acusação velada
de oportunismo. — Aqui estava eu, almoçando quando, de repente, vejo quem
estava comendo na mesa ao lado? — Ela parou e apontou para o homem que
estava sentado na frente dela. — Nada mais e nada menos que Jacob Roth, o
diretor de teatro mais aclamado de Londres.
Denys, no entanto, não foi enganado.

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— Você subornou o garçom.
Lola riu como se fosse uma piada e, felizmente, o Sr. Roth fez o mesmo.
— Realmente, Somerton — Repreendeu o diretor — Acho que dá pouco
crédito a Miss Valentine. Duvido que tenha que enganar alguém para convencer
um homem. Um de seus sorrisos, acrescentou ele, inclinando a cabeça para ela,
seria mais do que suficiente persuasão para lhe dar o que quisesse.
Lola esperava que ele não estivesse falando sério.
— De qualquer forma — acrescentou Roth, — Fui eu quem começou a
conversa, quebrando todas as regras da etiqueta, tenho a certeza. Foi minha a
ideia que comêssemos juntos.
— É incrível a frequência com que o que acontece com os outros é exatamente
o que a Miss Valentine quer.
Lola arregalou o sorriso.
— Só porque a minha mente está aberta o suficiente para considerar as ideias
dos outros — Respondeu docemente.
— Seja como for — Roth interveio — Apreciar o almoço com ela foi um
prazer, apesar da tristeza que me tomou ao saber da morte de Henry Latham —
Sacudiu a cabeça. — Representa uma grande perda para o teatro em ambos os
lados do Atlântico.
— Uma grande perda, claro — Respondeu Denys. — Mas Miss Valentine já a
informou da sua boa sorte? Ela vai tomar o lugar de Henry como sócia do
Imperial.
A sua voz soava tão afável e hipócrita que Lola fez uma careta. Roth,
felizmente, não percebeu. A sua expressão se iluminou mais ainda.
— Sim, já me informou. Eu invejo você, meu amigo. A maioria dos parceiros
de negócios não é tão agrdáveis quanto a sua. — Ele apontou para a mesa. —
Você quer se sentar com a conosco?
A sua presença arruinaria tudo, então Lola se apressou em dizer:
— Oh! Mas tenho certeza que a sua senhoria está muito ocupado e...
— Eu adoraria me reunir com vocês, meu amigo — Interrompeu Denys, e
Lola não ignorou a ênfase que ele deu ao pronome — Mas antes...

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Ele parou e, quando olhou para ela, Lola sentiu a sua perplexidade se
transformar em frustração, porque tinha a certeza de que estava prestes a ser
chamada para o canto e expulsa como se fosse uma criança desobediente.
— Espero que nos perdoe um momento. Eu preciso falar em particular com a
Sra. Valentine sobre certos detalhes relacionados com a nossa... sociedade.
Lola decidiu que não estava com pressa de ser colocada em seu lugar.
Então, em vez de se levantar, ela apontou para o prato.
— Eu ainda não terminei o almoço.
— Sim, claro que sim.
Ainda sorrindo, Denys se inclinou em direção a ela, aproximando–se da sua
orelha e, quando falou, ele fez isso em voz baixa para evitar que o homem
sentado na frente dela ouvisse.
— Roth gosta das cenas no palco e, se você não vier agora comigo, eu prometo
que vou montar uma.
Lola sabia que Denys odiava cenas embaraçosas em público, mas não podia
se dar ao luxo de assumir que era um blefe. Ela precisava ter Jacob Roth do seu
lado e não iria vencê–lo se o colocasse em evidência na sala de jantar do Savoy.
— Eu sinto muito — Disse ela ao diretor. — Parece que a questão de que Lord
Somerton deseja falar comigo é tão urgente que ele não pode esperar. Se você nos
der licença.
Levantou–se e o diretor também, que retirou o guardanapo e inclinava a
cabeça.
— Claro.
— Roth, eu já comi — disse Denys — mas você poderia, por favor, pedir um
café? Eu vou me encontrar com você num momento para que possamos
conversar.
Lola não perdeu o olhar que os dois homens trocaram, nem que Denys a
estava a excluir de qualquer encontro subsequente. Ela seria, sem dúvida, o
primeiro tópico de conversa entre eles, mas havia pouco que ela pudesse fazer
sobre isso, então ela seguiu Denys através da sala de jantar, através do opulento
vestíbulo e ao longo do corredor até chegar aos elevadores. Apenas um deles
estava disponível, com as portas abertas e um atendente de uniforme esperando.
Denys agarrou o seu cotovelo e entrou no elevador, arrastando–a com ele.

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— E agora, — Ele disse, empurrando–a contra a parede do elevador enquanto
o operador do elevador fechava as portas de madeira e a cerca de ferro forjado —
Me diga o que você acha que está fazendo aqui.
— Almoçar? — Lola sugeriu alegremente.
— Você quer dizer que está tentando fazer amizade com o meu diretor,
embora como você descobriu que ele comia aqui é inexplicável.
Isso a fez sorrir.
— Eu tenho os meus métodos.
— Como sempre. E o que você espera conseguir abordando Roth tão
descaradamente? Informação? Apoio?
— Ambas as coisas, realmente, mas o meu principal objetivo é que me
aconselhe a melhor maneira de lidar com o meu sócio.
— Isso posso te dizer. Saindo.
Uma pequena tosse os interrompeu antes que Lola pudesse responder.
Ambos se voltaram para o operador do elevador, que os observava com uma
expressão educada de questionamento, com a mão apoiada na esfera de cobre
que ativava o mecanismo do elevador.
Como Lola não forneceu as informações necessárias, Denys se virou para ela
com um som de impaciência.
— Qual é o seu quarto?
— Vá, Lorde Somerton? Que pergunta tão inadequada — Ela murmurou,
incapaz de resistir à tentação de provoca–lo. — Não tenho a certeza do que
responder. O Savoy não é esse tipo de estabelecimento.
— Qual é o número do seu quarto? — Denys perguntou novamente com uma
voz dura.
— Você se tornou um homem muito formal. — Ela olhou para o menino, que
olhou para o chão e ficou vermelho como uma peônia e não pôde deixar de sentir
pena dele. — No sexto andar. — Falou.
O jovem deu–lhe um olhar agradecido e depois, puxando a manivela, girou e
colocou o elevador em movimento.
— Você não era assim antes — Continuou, voltando a atenção de Denys para
ela enquanto o elevador subia. — Você mudou.
— Sim, eu mudei —Ele confirmou instantaneamente. — Eu amadureci.

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— Ah! É assim que você chama?
— Sim. Como o devia chamar?
Lola o estudou por um momento, pensando na melhor maneira de descrever
essas mudanças. Ela se lembrava dos seus dias em Paris e Londres, seis anos
atrás, e do jovem carinhoso e despreocupado por quem se apaixonara.
— Você está mais triste — Disse no final.
Denys soltou um som de desprezo por essa descrição, e mesmo que parecesse
estar querendo discutir o assunto, não o fez, se virou e olhou para o vazio,
enquanto subiam em silêncio os andares restantes.
Quando o elevador parou no sexto andar, Lola pegou as chaves da sua bolsa
enquanto Denys dava a gorjeta aos operadores do elevador, mas quando ela
caminhou pelo corredor para ir para o seu quarto, ele não se moveu com a
intenção de a seguir, então Lola parou.
— Não vens?
— Não. Podemos dizer aqui o que temos a dizer. Eu diria que aqui temos
privacidade suficiente. — Deu um olhar significativo para empregado que fechou
as portas, puxou o elevador e desapareceu de vista.
— Não se preocupe — Disse Lola com leve diversão quando Denys se voltou
para ela. — Duvido que o operador do elevador possa arruinar a sua reputação.
— Tinha ficado claro que trataríamos do problema desta sociedade ridícula
através dos nossos advogados — Respondeu ele com firmeza.
— Isso é o que você decidiu. — largou a chave na bolsa e a fechou com um
estalo.
—O que você esperava conseguir ao se aproximar de Jacob, enquanto ele
estava desfrutando do seu almoço?
— Ele não pareceu se incomodar com a minha companhia. Algo inconcebível
para você, eu sei, mas, no entanto, é verdade. Quanto a tudo mais, os advogados
sempre são lentos e não acho que seja sensato atrasar este assunto. As audições
para a temporada de teatro deste ano começam na segunda–feira.
— Algo que não tem nada a ver com você.
Lola suspirou quando notou a tensão em sua mandíbula.

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— Olha, estou ciente de que tudo isto foi algo inesperado para você, mas o
que você vai conseguir tentando negar a realidade? Se você continuar sendo tão
intransigente, não deixaremos de ter conflitos.
— Mais uma razão para não continuar com esta sociedade. — Ele estendeu as
mãos. — Quanto você quer?
Lola piscou ante a brusquidão da pergunta.
— Quanto o quê?
— Eu quero fazer uma oferta pela sua parte do Imperial. Eu serei generoso,
prometo. Diga–me quais são as suas condições.
Antes de terminar de falar, Lola já se estava negando com a cabeça.
— Eu não vou vender.
— Eu sou forçado a aconselhá–la a reconsiderar a sua decisão. Dada a nossa
história, não podemos trabalhar juntos.
— Ah! Mas nós não temos que trabalhar juntos — Respondeu docemente. —
A única coisa que você precisa fazer é comunicar para onde eu tenho que enviar
a parte que corresponde a você dos benefícios.
Denys não pareceu gostar que lhe respondesse com as suas próprias palavras,
porque a sua expressão se tornou ainda mais sombria do que antes.
— O mero fato de pensar que poderíamos trabalhar juntos é uma loucura.
— No começo, também pensava assim, mas, depois de pensar sobre isso,
mudei de ideia. Eu acho que se nós dois nos dermos uma chance, podemos
trabalhar juntos.
— Não quero nos dar uma chance. Então, quanto dinheiro você quer?
Lola fechou os olhos, lembrando que o pai de Denys fizera uma pergunta
semelhante em outra ocasião.
“Quanto dinheiro você quer para ir embora?”.
Lola abriu os olhos e respondeu a mesma coisa que respondera ao pai.
— Não aceitarei o seu dinheiro.
— Tendo em conta as despesas. — Continuou Denys, e Lola se perguntou se
faria igual ao seu pai e iria puxar o talão de cheques para começar a escrever uma
quantidade. — O teatro tem, na melhor das hipóteses, uma margem de lucro de

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cinco mil libras por ano. Por isso considero justa uma oferta de vinte mil libras.
Está de acordo?
— Eu acho que é mais do que justo — Ela admitiu, — mas também é
irrelevante.
— É uma renda segura, Lola. O teatro, por outro lado, é sempre um negócio
imprevisível. Os gostos do público são arbitrários e caprichosos. Quase metade
das produções teatrais perde dinheiro.
— Porém…
— O Imperial não recorre à ajuda econômica externa.
— Graças a Deus — Ela pensou, pensando nos investidores de Henry.
— Como sócia — Continuou Denys tenazmente — você deverá contribuir
com capital toda vez que uma peça envolver perdas.
— E essa é a razão pela qual Henry, além da metade do teatro, me deixou
dinheiro — ela lembrou. — E também tenho dinheiro guardado.
— Algumas fracassos e o seu dinheiro vai desaparecer.
—Mas, como o Imperial ganhou dinheiro durante todos os anos em que você
o administrou, não é algo que me preocupa de maneira nenhuma.
— Você parece estar bem informada da situação econômica do teatro.
— Eu estou — Respondeu instantaneamente. — Você esperaria menos de um
sócio?
— Apesar da sua fé na minha capacidade, eu tenho apoiado peças, com as
quais perdemos dinheiro. Você — Acrescentou com um olhar cheio de
significado — deve saber melhor do que ninguém.
A memória de Doll’s House, o seu retumbante fracasso na primeira tentativa
de consagrar–se como atriz e quanto dinheiro ele tinha perdido,
consequentemente, incendiou as suas bochechas, mas Lola não se deixou
intimidar.
— Sim, Denys — reconheceu com toda a dignidade que conseguiu reunir —
Eu sei.
— O teatro é um negócio imprevisível. O que estou oferecendo a você é um
dinheiro seguro. Se você adicionar ao dinheiro que Henry lhe deixou, você teria
uma enorme fortuna à sua disposição, que lhe permitiria viver cercada de luxo e

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sem riscos. Ou você pode se casar. Claro, você teria um dote considerável para
oferecer.
O fato de ele ter dado como certo, que pegar um bom marido e viver cercado
de luxos era a única coisa que importava para ela, tocou um ponto sensível para
Lola.
— Se a única coisa que importasse para mim fosse segurança e luxo, eu teria
casado com você.
Denys ficou tenso, indicando que acabara de entrar em terreno perigoso, mas,
quando respondeu, fez num tom educadamente tenso.
— Exatamente.
— Inferno — disse Lola, lamentando aquela explosão impetuosa. —Eu não
quis dizer...
— Não importa — Ele a interrompeu. — E se deixarmos em vinte e cinco mil
libras? Trinta? — Ele acrescentou quando Lola voltou a negar com a cabeça.
A facilidade com que ele levantou a oferta disse–lhe que ele estava disposto a
oferecer ainda mais, mas para ela a quantia ainda era irrelevante.
— Desista, Denys. Por favor, desista. Isto não tem nada a ver com dinheiro,
não é algo que o dinheiro possa comprar. Para mim é um sonho.
Denys olhou para ela com o horror desenhado em seu rosto.
— Meu Deus! — Ele gemeu, passando a mão pelos cabelos. — Eu lembro que
tivemos esta mesma conversa seis anos atrás.
— Sim, e o que aconteceu com a Doll’s House não me fez mudar de ideia.
Apesar desse fracasso, ainda estou ansiosa para me tornar numa respeitada atriz
dramática.
— Não sei se admiro a sua tenacidade ou questiono a sua sanidade.
— A herança de Henry me permite fazer o que sempre quis.
—Eu não consigo entender o que suas aspirações como atriz, têm a ver com o
Imperial ou comigo. — Ele cruzou os braços. Lola nunca o viu tão sério. — Então
é melhor você explicar isso para mim.
Um corredor no Savoy não era o lugar que Lola teria escolhido para ter
aquela conversa. Mas, por outro lado, Denys estava esperando, disposto a ouvir.
Talvez não tivesse uma oportunidade melhor.
— Henry acreditou em mim. Ele nunca duvidou do meu talento para atuar.

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— Fico feliz por ele. Mas, até onde eu sei, nunca lhe financiou uma peça de
teatro, pois não?
— Ele teria feito isso. Era uma questão de tempo — Acrescentou ela, ficando
de repente na defensiva. —Mas ele não teve a chance.
— Ou, talvez, ele nunca quis fazer isso porque ele já tinha aprendido com o
seu erro e, durante todo esse tempo, ele esteve apenas seguindo a corrente para
ganhar dinheiro às suas custas. Em todo o caso — Ele continuou antes que ela
pudesse questionar a sua explicação das motivações de Henry— Continua sendo
um fato que ele não fez nada para promover a sua carreira como atriz. Ele
preferiu impingir a mim.
— Ninguém está me impingindo a ninguém! Eu sou a sua sócia. Estou pronta
para assumir todas as responsabilidades dessa posição.
— Ah! Mas possuir um teatro não era o seu sonho. Seu sonho era atuar.
— As duas coisas não precisam ser exclusivas. Muitos atores dirigem os seus
próprios teatros. Sir Henry Irving, por exemplo, é proprietário e atua no Lyceum.
E também é diretor de teatro.
— Sir Henry Irving tem credibilidade suficiente para apoiar tal arrogância.
— Eu também tenho credibilidade, Denys. Eu tive grandes sucessos. O meu
espetáculo tem sido um sucesso por cinco anos consecutivos.
— Mas era apenas um musical. Além da Doll’s House, você não tem nenhuma
experiência como atriz.
— Isso não é verdade. Quando estou no palco, eu atuo em todos os
momentos.
— Não é o mesmo e você sabe disso. Então, o que você espera de mim? Agora
que você é minha sócia, vai me pedir para incluí–la nas minhas peças?
— Nossas peças, — o corrigiu. — E contratar companhias de teatro não é
uma decisão sua ou minha. É uma decisão do diretor do teatro. E escolher a
pessoa da empresa que desempenhará certo papel é responsabilidade do diretor
de cada trabalho. E você desistiu do controle de todos esses aspectos quando
substituiu o seu pai.
— Como eu disse antes, parece que você está bem informada. E, como Jacob
Roth é o diretor do teatro, além do diretor da primeira peça da temporada, você
veio aqui para dourar a pílula.

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— Eu não estava dourando a pílula pra ele! Muito bem — Se corrigiu quando
Denys lhe lançou um olhar cético — Talvez sim, mas o quê?
— Você pensou que alguns sorrisos durante um almoço seriam o suficiente
para permitir que você fizesse parte da peça dele? Ou você estava tentando
oferecer outra coisa?
Lola ficou furiosa.
— Eu nem sequer penso em me rebaixar para responder.
— Você não tem que fingir que é algo estranho para você — Ele estalou com
uma voz tensa. — Mas Jacob não seguirá o exemplo. Ele nunca colocou uma atriz
que não sabe como atuar em uma de suas peças só porque ele quer dormir com
ela.
— Eu não fui sua amante para conseguir contatos no mundo do teatro e
nunca usei o nosso relacionamento como alavanca para alcançar o meu desejo de
me tornar uma atriz. Nunca. É possível que a Casa das Bonecas tenha sido um
fracasso por causa do meu mau desempenho, mas nunca pedi a você para
financiar esse trabalho para eu atuar.
— É verdade — ele admitiu, mas a amargura em sua voz disse a Lola que essa
admissão não seria uma vitória para ela. — Fazer você protagonizar essa peça, foi
uma loucura unicamente minha. E foi também uma das piores atuações que vi
em toda a minha vida.
Lola inspirou surpresa para o quanto doía ouvi–lo dizer isso, embora
soubesse que era verdade.
— Já passou muito tempo desde então.
— Não tanto para ter esquecido o que aconteceu. Preciso te lembrar que as
críticas te destruíram? E que tivemos que suspender a peça apenas uma semana
depois? Ou que o resto dos atores lhe culparam por ter afundado a peça?
— Tudo bem, você está certo — Ela murmurou, lamentando que tantos anos
de trabalho duro e sucesso demonstrado não tivessem apagado o seu maior e
mais espetacular fracasso. — Mas foi o primeiro papel dramático que fiz e não
estava preparada. Desde então…
— O Imperial é um teatro de Shakespeare — Ele interrompeu. – Você tem
alguma experiência em Shakespeare? A mínima experiência?
Ela pensou em todo o tempo que passara estudando, todas as manhãs
quando, ainda exausta do espetáculo na noite anterior, saíra da cama para assistir

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a aulas de teatro, para estudar com tutores e ensaiar papeis, como o de Juliet,
Lady Macbeth ou Desdemona, recitar passagens de Hamlet e The Tempest, até que
aprendesse as recitações das maiores heroínas de Shakespeare de cor.
— Eu tenho estudado as obras de Shakespeare, entre elas, Otelo. Eu conheço o
papel de Desdemona de cima para baixo.
— Em outras palavras — Ele a interrompeu mordazmente, cruzando os
braços — Você é uma fã com grande dedicação.
— Eu não sou fã! Eu tenho uma grande experiência no palco e um histórico
comprovado de sucessos teatrais. E passei todo o meu tempo livre me
preparando para desempenhar papéis dramáticos. Henry contratou professores,
fui para as aulas. Eu até trabalhei com ele. Henry me ensinou muito...
— Sim — Denys cortou com uma voz glacial novamente, — Eu tenho a
certeza.
A frustração cresceu dentro dela porque, embora Denys fosse o único homem
que já a apoiara em um projeto que não envolvia o uso do seu corpo
provocativamente, ela sabia que não o fizera porque considerava que tinha
talento.
— Considerando o nosso relacionamento anterior — Disse ela com frieza —
Não acho que você tenha qualquer direito de moralizar sobre o que Henry fez
por mim, você não acha?
Denys ficou tenso, mostrando que ela estava certa.
— Em qualquer caso, a Doll’s House foi um grande erro e eu nunca tropeço
duas vezes na mesma pedra.
Lola respirou fundo, lembrando–se de que deveriam estar do mesmo lado.
— Denys, estou ciente de que você perdeu muito dinheiro.
— O dinheiro era o menos. O meu relacionamento com você me custou algo
muito mais importante que dinheiro. Custou–me o respeito da minha família,
algo que me custou anos para recuperar.
— Depois de passar quase dez anos desfilando no palco e mostrando o meu
corpo para o prazer dos homens, acho que sei algo sobre perder o respeito — ela
retrucou.
Denys franziu os lábios, desviou o olhar e sacudiu a cabeça. Lola não sabia se
estava tentando negar ou se estava tão exasperado com ela que não sabia o que
responder.

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— Denys, o seu relacionamento com a sua família não vai correr nenhum
risco. Eles não podem culpa–lo por nada disso. Além disso, é Roth, não você,
quem toma a decisão final sobre os atores que contrata a cada temporada e a sua
família sabe.
— E você acha que isso me liberta de toda a responsabilidade? Isso resolve
tudo? — Ele olhou para ela novamente. — Assim que a alta sociedade de
Londres souber que somos sócios, eles pensarão que retomámos a nossa
aventura, independentemente do que Roth fizer.
— Eu sei que você sempre se importou mais do que eu com o que os outros
pensam, mas, sendo você o homem, não acho que essa situação prejudique a sua
reputação.
— Você acha que não? Se você atua em uma das minhas peças, eu serei o alvo
de riso de Londres por ser feito de bobo novamente.
— Você só vai parecer ridículo se eu falhar. Se a minha atuação for boa, você
será considerado um homem inteligente. Não há nada mais bem–sucedido do
que o sucesso em si.
— Você vai ter que me perdoar por não estar disposto a correr esse risco pela
segunda vez — Disse ele secamente.
— Então, o que você pretende fazer? Tentar bloquear o meu caminho? Pedir a
Roth para não me deixar fazer um teste? Por que você não confia em nosso
diretor para que ele possa decidir? Estou disposta a aceitar o que ele diz —
Continuou sem esperar por uma resposta. —Não vim para procurar um lugar
numa companhia de teatro só porque eu sou sócia dele. Estou disposta a me
apresentar para uma audição como qualquer outra atriz. Eu só quero uma
oportunidade para provar o meu valor.
Algo brilhou nos olhos escuros de Denys. Algo perigoso.
—E por que diabos eu vou ter que lha dar, quando você não tem nenhum
sucesso a apoiá–la? Ou quando você não é sequer capaz de diferenciar
Shakespeare de Sheridan? Quando você me enganou, me traiste e foste infiel
com outro homem? —Ele exigiu em uma voz profunda e tensa. — Porque tenho
que te dar outra chance?
Lola olhou para ele impotente, sem saber o que responder. Ela pensou em
como o caso deles tinha terminado e desejou que tivesse havido alguma outra
maneira de o fazer, já que a única maneira de liberar Denys daquele
relacionamento também o levou a desprezá–la.

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— Denys, eu não te enganei ...
— Não — ele interrompeu antes que ela tentasse explicar. — Poupe–me das
declarações de inocência, as desculpas e os porquês do que aconteceu.
— Se você não quer que eu me defenda, então pare de jogar na minha cara. —
Denys olhou para ela por um longo tempo e, no final, suspirou.
— A questão não é o que aconteceu no passado ou por quê. A questão é, o que
é suposto eu fazer com você?
—O que você pode fazer é trabalhar comigo e não contra mim.
— Henry realmente achou que eu estaria disposto a fazer isso?— embora sua
raiva parecesse ter diminuído, a sua zombaria e perplexidade eram óbvias. —
Estou ciente de que você provavelmente o persuadiu a fazer isso...
— Isso não é verdade!
— Mas como você poderia pensar que eu poderia aceitar algo assim?
—Eu sei que você não acredita em mim, mas eu não encorajei Henry a fazer
isso. O que ele dispôs em seu testamento foi tão surpreendente para mim quanto
para você. E, em relação à sua pergunta, acho que Henry pensou que você seria
justo, Denys, e você me daria uma chance.
Lola tinha a certeza de que havia atingido um alvo. Denys levantou a cabeça,
soprou as narinas e tencionou um músculo no queixo.
— É o que você quer, certo? — Ele perguntou com um brilho de dureza em
seus olhos. Quando ele falou de novo, Lola tinha certeza de que ele ia manda–la
para inferno. — Você quer que eu te dê a oportunidade de tropeçar de novo?
Muito bem, você terá isso.
— De verdade? — O alívio foi tão grande que seus joelhos enfraqueceram e
teve que se inclinar contra a parede ao lado dela para ficar de pé. —Obrigada,
Denys.
— Se Roth concordar, você terá a oportunidade de se colocar à prova.
Ele levantou o dedo indicador.
— Uma única oportunidade. Se o seu teste o convencer e permitir que você
faça parte da companhia, não vou me opor. Mas... — Acrescentou ele, antes que
ela pudesse se vangloriar de seu alívio — Se você fizer algo que possa alimentar a
especulação sobre uma alegada relação entre nós ou se você colocar a minha
reputação ou o teatro em risco, esta parceria terminará. Eu sou capaz de afundar

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o Imperial, antes de permitir que você me faça parecer ridículo uma segunda vez.
Entendido?
— Claro — Respondeu com dignidade.
— Ótimo. — Ele se virou para pressionar o sino elétrico com o qual o elevador
era chamado. — Você pode participar amanhã no teste para representar Blanca
no Imperial.
— Blanca? — Ela olhou para ele ressentida. — Suponho que você escolheu
Blanca porque é o papel feminino mais pequeno em todo a peça.
Denys não negou isso.
— Olhe pelo lado bom. Se você conseguir uma posição na companhia, Blanca
lhe dará a oportunidade perfeita para aperfeiçoar as suas habilidades como atriz.
— As minhas habilidades já estão suficientemente aperfeiçoados. O que você
acha que eu tenho feito nos últimos seis anos? Ficar sentada no meu traseiro
comendo chocolates?
— Eu duvido — Ele a contradisse, inclinando–se para trás e olhando para ela.
—Porque o seu traseiro é exatamente como a minha memória se lembra.
Lola ficou surpresa ao ouvir essas palavras mas, quando Denys se endireitou
e olhou em seus olhos, ela não reconheceu nenhum traço do desejo que ela
costumava ver neles quando ele olhava para ela. Aqueles dias pertenciam a um
passado muito distante.
Quando ficou ciente disso, sentiu uma pontada de nostalgia, mas a rejeitou
instantaneamente. Ela abriu a boca para responder com uma réplica espirituosa,
mas o elevador parou antes que tivesse a chance de fazê–lo.
— O teste é quinta–feira às nove — Denys a informou quando o operador do
elevador abriu as portas de madeira e saiu. — Vou pedir a Roth para incluir o seu
nome na lista. A menos que — acrescentou ele quando se virou para ela— a idéia
de ter um papel tão pequeno fez você mudar de idéia.
Lola fez um som de zombaria.
— Como se fosse tão fácil você se livrar de mim.
— Eu suponho que não. — Ele recuou para que o operador do elevador
pudesse fechar as portas de madeira e trancar a porta de metal. — Eu não vou ter
tanta sorte — ele murmurou quando as portas se fecharam entre eles.

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Capitulo 5

Denys não gostava que ninguém fizesse papel de bobo em público e, embora
para ele, fosse bem merecido que Lola fracassasse na sua interpretação de
Shakespeare e que Jacob a destruísse com a sua crítica, não era capaz de se
alegrar com a perspectiva.
Ainda se lembrava de observar Lola, horrorizado, sentado no Adelphi,
enquanto ela se entregava com excessivo fervor ao papel que representava na
peça de Ibsen. Cada risada do público diante do exagero de seus gestos, qualquer
gesto por parte dos atores que a acompanhavam diante da pouca naturalidade
dos seus diálogos e da sua técnica escassa, o fizeram morrer de vergonha diante
da sua atuação.
Testemunhar outra interpretação tão abominável quanto a que viu seis anos
atrás não era uma perspectiva que um homem com consciência pudesse
antecipar com prazer. Ele poderia ter evitado, é claro, já que a sua presença nas
audições não era estritamente necessária. Mas, desde que ele assumiu o Imperial,
ele sempre assistia às primeiras audições e oferecia a sua opinião quando
necessário. Não tinha intenção de abandonar essa prática só porque Lola estava
se apresentando para um teste.
Mesmo assim, na manhã de quinta–feira, quando chamaram Lola e ela subiu
ao palco, não pôde deixar de sentir medo. A sua abordagem no palco era
hesitante, quase tímida, e quando parou ao lado do ator que iria acompanha–la
na leitura do texto e olhou para os assentos, parecia um cervo assustado disposto
a se esconder na mata novamente. Apesar do calor causado pela luz do gás, o seu
rosto estava pálido e, quando ela pegou o texto com o qual estava fazendo o
teste, Denys notou que as folhas de papel estavam tremendo em suas mãos.

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Lola pigarreou.
—Me foi pedido...
A sua voz quebrou e ela parou. As folhas rangeram quando ela as apertou
entre os dedos e, embora os seus lábios se separassem, não disse nada. Em vez
disso, ela olhou em silêncio para os assentos. Mesmo que Denys estivesse
desejando que ela se fosse, não pôde deixar de sentir um doloroso embaraço por
causa da sua atuação, como se fosse um eco daquela fatídica noite de estreia no
Adelphi. Por alguma razão estúpida, ele se sentiu obrigado a vir em sua ajuda.
—Algo errado, senhorita Valentine? —Ele perguntou com um tom de
zombaria deliberado. — Não está nervosa, certo?
Não foi preciso mais nada. Uma onda de rubor coloriu as bochechas de Lola,
revelando parte daquela mulher apaixonada e temperamental que Denys tinha
conhecido e se amaldiçoou por a ter provocado. Sea tivesse resistido a esse
impulso, sua propensão a ficar calada teria bastado para pôr fim às suas
aspirações como atriz.
— Eu estou perfeitamente bem, senhor, obrigada — Respondeu, a sua voz
mais firme do que antes. Ela pegou a pilha de papéis em suas mãos novamente.
—Fui convidada para ler a parte de Blanca.
— Muito bem — Ele lembrou a si mesmo que era melhor terminar o mais
rápido possível e reclinou no assento novamente. — Por que você não começa
com a primeira cena do quinto ato?
— Do quinto ato? —Ele olhou para ela. Era óbvio que ela estava surpresa com
a cena que escolhera e não era a única.
— Você pretende fazer o meu trabalho, Denys? — Perguntou Jacob, que
estava ao seu lado, utilizando o seu nome próprio na privacidade dos assentos.
Quando ele se virou para o diretor, Denys descobriu que ele estava olhando
para ele com algum divertimento.
—Você está tendo muito interesse na seleção, você não acha? — Ele
sussurrou.
— Neste caso, é justificado, você não acha? — Denys perguntou em sua voz,
igualmente baixo, mas inflexível. — Eu perdi muito dinheiro na última vez que
essa mulher atuou em uma peça financiada por mim.
— Nesse caso, o seu interesse é compreensível — Respondeu Jacob, embora
não parecesse deixar-se enganar. — Mas estou curioso, meu amigo. Porquê o

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quinto ato? Blanca apenas tem algumas falas nesse ato. Eu não acho que elas são
suficientes para provar o talento de uma atriz.
— Muito pelo contrário — respondeu Denys, sem levantar a voz. — Nesse
ato, Blanca vê que Casio está ferido, que talvez esteja prestes a morrer e é
acusada de ser a culpada. Então é um momento muito dramático, o momento
perfeito para que Miss Valentine demonstre as suas habilidades.
Jacob enrolou seus lábios.
— E, se o desempenho for terrível, não teremos que aguentar muito, antes de
a mandar para casa.
— Isso também.
Rindo, Jacob se recostou na cadeira e abriu as mãos com um gesto de
rendição.
— Vá em frente, meu amigo. Nesse caso, vou me contentar em observar.
Denys voltou sua atenção para o palco.
— Jimmy? — Ele chamou o leitor. — Está preparado? O jovem assentiu e
levantou o seu texto.
— Sim, meu senhor.
— Excelente. Você pode começar, senhorita Valentine. No caso — acrescentou
ele enquanto a observava folhear as páginas do texto para localizar a folha
apropriada — de que consiga encontrar o quinto ato.
Lola parou para olhá–lo e estreitou os olhos.
— Eu não preciso encontrá–lo — disse ela, e deixou cair o feixe de folhas atrás
dela. — Eu estava apenas tentando me manter ocupada até você terminar a sua
conversa com o Sr. Roth. Se você estiver pronto, ficarei contente em começar.
Ela se virou sem esperar por uma resposta e caminhou para a direita do
palco.
Então ela se virou para Jimmy.
“O que foi isso?” — recitou enquanto caminhava em direção a ele. “Quem
gritou?”
Ela não fez nenhum esforço para disfarçar o seu sotaque americano, mas até
mesmo Denys teve que admitir que a entonação era decente. Para muitos atores
talentosos, mesmo no teatro britânico, os diálogos de Shakespeare eram um duro
teste.

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Como se ela tivesse acabado de ver o corpo ferido de Casio no chão, Lola
gritou e se ajoelhou com uma entrega desnecessária numa primeira audição.
Denys ficou tenso, preparando–se para o histrionismo excessivo com o qual ela
os tinha presenteado na Doll’s House, mas, para a sua surpresa, Lola não
correspondeu às suas expectativas. Pelo contrário, a sua desolação pelas feridas
do seu amante era contida e, por mais que ele odiasse admitir, credível. Alguns
segundos depois, acusada de ser a culpada pelos ferimentos de Casio, a sua
maneira de negar foi convincente o suficiente, para Denys começar a pensar que
talvez ela tivesse aprendido algo durante sua estada em Nova York.
Pelo amor de Deus, Denys, o que você acha que eu tenho feito nesses últimos seis
anos? Ficar sentada no meu traseiro comendo chocolates?
Arrastado por uma pergunta tão provocativa, o olhar de Denys desceu sobre
Lola. As lembranças permitiram–lhe vislumbrar, por baixo da saia azul–clara e
da blusa branca, o esplêndido corpo da sua antiga amante. As imagens
explodiram em sua mente antes que pudesse detê–las: seios fartos, redondos,
curvas e quadris generosos, pele pálida e luminosa, pernas longas e requintadas,
cabelo vermelho escuro sobre lençois de marfim e esmeraldas de um verde
intenso em volta do pescoço. Umas esmeraldas que ele tinha insistido em
comprar.
Começou a arder; as lembranças o arrastaram para aquele lugar secreto e
misterioso onde o desejo, amor e obsessão se fundiram para escravizar a sua
alma, um lugar onde nada importava, exceto Lola Valentine. Ele estava disposto
a sacrificar tudo o que lhe era querido, a dar as costas a todos aqueles que ele
estimava para poder segurá-la.
E ela o tinha abandonado.
Denys se forçou a deixar o passado e sentiu como se estivesse saindo da água
para respirar, um exercício que, apenas vinte e quatro horas depois da aparição
de Lola em sua vida, já era exaustivo.
Ele piscou, fixou o olhar no palco e tentou se concentrar no presente, dizendo
a si mesmo que a atuação também não tinha sido impressionante, que poderia
haver melhores atrizes para esse papel. Quando ele a ouviu recitar as suas
últimas frases, ele quase se convenceu de que a audição tinha sido pouco mais
que correta.
“Vergonha”— Jimmy leu. “Vergonha de ti, prostituta”.
O corpo de Lola ficou tenso. Ela levantou o queixo. Algo mudou no ar, como
se fosse o crepitar da eletricidade estática. E de repente, e tão de repente que

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roubou a sua respiração, toda a coragem anteriormente escondida sob a natureza
ciumenta de Blanca, manifestou–se com a claridade da luz do dia.
“Eu não sou uma prostituta” — afirmou. Virando a cabeça para olhar para
Denys, ele recitou a última frase da peça. “Sou uma mulher de vida tão honesta como
você me insulta!”
Denys sabia que, no caso de Lola, aquelas palavras não eram verdadeiras,
mas na sua interpretação de Blanca, as palavras exalavam verdade, veemência e
convicção. O seu rosto, como sempre, era de uma beleza chocante, mas, naquele
momento, também mostrava a força interior de Blanca.
Meu Deus, ele pensou com um sobressalto, e endireitou–se na cadeira, e se ela
realmente soubesse como representar?
No instante em que o pensamento cruzou a sua mente, ele tentou ignorá–lo.
O papel que ela estava desempenhando não tinha muita substância. E Jacob
estava certo em apontar que o quinto ato não era adequado para julgar o talento
de uma atriz.
— Bem, bem — Jacob murmurou ao lado dele, rindo um pouco. — Parece que
o tiro saiu pela culatra, meu amigo. Eu acho que será preciso um teste mais
exigente para julgar o talento da Miss Valentine.
Sem esperar por uma resposta, o diretor virou–se para o palco.
— Obrigada, senhorita Valentine — disse ele, interrompendo o silêncio. —Se
Lord Somerton não tiver nenhum problema, eu gostaria de ver outra coisa.
Denys se moveu na cadeira, mas o que ele poderia dizer? Ele deveria ser um
mero observador, nada mais. Isso, ele pensou irritado, era o que ele conseguira
tentando ser justo.
Depois de receber a confirmação de que o primeiro teste tinha terminado,
Lola levou a mão ao peito e soltou uma breve risada de alívio.
— Claro — Ela disse. — O que você quer que eu recite agora?
— Por que não continuamos de onde paramos? Leia a segunda cena do quinto
ato.
Denys ficou em desânimo, mas Lola falou antes que ele pudesse dizer
qualquer coisa.
— A segunda cena? — Ela repetiu, desnorteada. — Mas Blanca não tem texto
no segundo ato.

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— Eu sei — Jacob respondeu. Sua voz continha uma nota de diversão que
Denys só podia interpretar ser à custa dele. — Eu quero que você leia o papel de
Desdêmona.
Lola abriu os lábios em espanto e, apesar de sua atitude habitual, Denys
sentiu–se obrigado a intervir.
— Achei que havíamos decidido semanas atrás que Arabella Danvers faria o
papel de Desdêmona. Já lhe oferecemos um lugar e um papel na companhia.
— Você pensa demais nas bilheterias, meu bom amigo — Jacob repreendeu.
— Não te preocupes. Arabella fará o papel de Desdêmona. Mas — acrescentou
ele, levantando a voz para que Lola pudesse ouvir o que tinha a dizer — ainda
não decidi quem será a sua substituta. Eu quero ver se a Sra. Valentine tem o
talento para desempenhar esse papel, se necessário.
— Ela não tem — Denys murmurou, não tendo certeza se estava dizendo para
si mesmo ou para Jacob ouvir.
De qualquer forma, o diretor apenas riu e fez um gesto com a mão para
encorajar Lola a continuar.
Lola, no entanto, não viu esse gesto, porque estava olhando para Denys, como
se esperasse que ele ignorasse a ordem do diretor. Mas Denys não tinha intenção
de fazer isso. A sua única opção, naquele momento, era deixá-la afundar -se por
si própria.
— Você parece hesitar, senhorita Valentine — Ele apontou. — Desdêmona é
um papel exigente, claro, especialmente para uma pessoa com pouca experiência.
Seria compreensível se não se sentisse pronta para interpretá–lo.
Ela ergueu o queixo instantaneamente.
— Estou pronta para desempenhar qualquer papel, meu senhor.
— Nesse caso, vamos começar — disse Jacob, acabando com qualquer
provocação de Denys. — Jimmy, você poderia começar com a parte de Otelo
falando sobre as lágrimas cruéis?
Jimmy obedeceu, arrastando a atenção de Lola, mas o olhar de Denys
permaneceu fixo nela e ele a observou com algum medo quando começou.
Desdêmona era um dos papéis mais dramáticos do repertório de Shakespeare e
Lola, como ele bem sabia, tinha uma tendência para o exagero. Mas quando
começou a representar, não havia sinal da garota, cujo desempenho tinha
destroçado a crítica seis anos atrás. Não havia vestígios dos exageros e da falta de
jeito de que ele se lembrava. O seu sotaque americano não parecia importar. E

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nem a falta de adereços, fantasias ou cenários. Naquele momento, nem mesmo
Denys poderia duvidar que Lola fosse Desdêmona, a inocente sofredora.
Lola, como ele bem sabia, não foi e é claro, não era a parte que tinha sofrido
mais no passado, mas, naquele momento, o passado não importava, só o que
importava era o talento de Lola. E, enquanto a observava provar que ele estava
errado sobre ela, ele começou a sentir um ligeiro desespero.
Sempre lhe trouxe problemas, recordou a si mesmo, desde o momento em que a
conheceu.
Isso era irrelevante, e ele sabia disso, e Denys começou a temer, que ele fosse
forçado a carregar Lola e todo o caos que isso envolveria, por um longo tempo.
Lola caiu na superfície dura e implacável do palco e Denys a observou, com
uma mistura de admiração artística e consternação pessoal, enquanto ela
representava o assassinato do seu personagem.
Ele a viu esticar as mãos para os dois lados de seu corpo enquanto estava
deitada, mas não porque precisava alcançar o texto para lê–lo. Em vez disso,
deslizou as folhas de papel sob o rosto, representando assim o travesseiro com o
qual Otelo sufocara a sua esposa. Com o rosto escondido e retorcida no palco, ela
representava tão convincentemente a agonia de Desdêmona que não importava
que Jimmy ainda estivesse de pé. Era muito fácil imaginar Otelo ajoelhado sobre
ela, assassinando–a.
— Meu Deus! — Jacob sussurrou ao lado dele.
Denys conhecia o diretor, bem o suficiente, para perceber que aquelas duas
palavras que ele sussurrou eram uma expressão de sincera admiração. Isso
acentuou o seu desânimo.
Lola permaneceu imóvel. Houve um momento de silêncio até que Jimmy
pareceu perceber que aquela era a sua entrada e começou a ler a peça. Denys, no
entanto, continuou a encará–la, esperando com respiração reprimida, consciente
do que estava por vir. No final, Lola mexeu, mostrando que Desdémona ainda
não estava morta, e quando a arma improvisada do assassino escorregou do seu
rosto, Denys se inclinou para frente, esforçando–se para ouvir cada palavra.
“Confie em mim meu gentil senhor” — Disse ela com voz fraca, mas alto o
suficiente para alcançar a última fileira do teatro. “Oh, adeus!”
Ela tinha esquecido a frase mais importante, pensou Denys. Mas, então, Lola
inclinou a cabeça para os bancos, olhou Denys nos olhos e ele soube que estava
errado em pensar que tinha sido um esquecimento.

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“Eu morro inocente!” — Acusou Lola com a voz rouca.
Aquelas palavras tiveram o impacto de um soco no peito de Denys. Lola não
tinha esquecido nada. Ela decidira deixar as últimas palavras para o final, para
poder olhá–lo, em vez do ator, quando Desdêmona proclamava a sua inocência.
Ele observou o rosto dela relaxar e a viu fechar os olhos. No momento em que
Desdêmona morreu, o seu rosto era tão adorável e parecia tão livre de culpa, que
Denys queria acreditar que a última noite em Paris tinha sido um erro terrível.
Mas a sua parte mais racional sabia que não havia erro possível. Lembrou–se
de Lola, vestindo uma roupa que uma mulher só usaria para um amante,
movendo–se para sentar ao lado de Henry no sofá. E as palavras muito claras e
inflexíveis, para que não houvesse espaço para dúvidas.
Sinto muito, mas Henry me fez uma oferta melhor.
Um eco da dor que sentira naquela noite, uma dor sufocada há tanto tempo
que ele quase a esquecera, voltou com uma força inesperada, com violência
suficiente para fazê–lo mexer-se na cadeira.
Ele queria gritar para ela ir para o inferno e levar Henry e sua ideia absurda
de sociedade com ela. Ele queria dizer–lhe que, quer ela fosse ou não a sua sócia,
ele nunca permitiria que ela desempenhasse um papel em qualquer peça que ele
produzisse.
Mas era tarde demais para isso.
“O que Henry pensou foi que você seria justo”.
Aparentemente, Henry o conhecia melhor do que ele próprio. Lola tinha feito
um bom trabalho, porra, bom demais para descartar quando a única razão para
isso era que ela o havia tratado mal anos atrás.
— Bem, Denys — Jacob murmurou ao lado dele, mais do que satisfeito
consigo mesmo. — Não tenho a certeza se a atuação da Sra. Valentine foi como
você esperava.
Denys recusou–se a deixar–se provocar.
— Obrigado, senhorita Valentine — disse ele, erguendo a voz enquanto
olhava impaciente para o homem ao lado dele. — Você pode esperar com os
outros nos bastidores? Próxima, por favor.
Ele sinalizou para a jovem ruiva que estava esperando na beira do palco, mas
não foi capaz de dar uma opinião sobre o desempenho de Lola tão facilmente
quanto ele esperava.

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


— Denys? — Jacob insistiu quando viu que ele não estava dizendo nada. —
Diga alguma coisa, meu amigo. O que você achou do desempenho de Miss
Valentine?
Denys suspirou, deixando uma resignação implacável nele.
— Eu acho— ele sussurrou, estudando o balanço sedutor dos quadris de Lola
quando saía do palco — Que minha vida acabou de se complicar.

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Capítulo 6

Lola não tinha sido obrigada a participar numa audição formal durante anos
e, enquanto estava na sala de espera nos bastidores com o resto dos atores, à
espera de ouvir o resultado final da audiência, foi consciente da tensão que
implicava o processo.
O sucesso de seu espetáculo em Nova York acabara com a necessidade de
testes e as únicas leituras de texto que fizera foi para os seus professores ou para
Henry na sala do seu apartamento em Nova York. As avaliações que eles fizeram
do seu trabalho, mesmo que tenham sido críticas, sempre foram oferecidas,
juntamente com sugestões sobre como melhorar.
Fazer uma leitura para Jacob Roth enquanto estava ao lado de Denys e com
dezenas de colegas curiosos assistindo nos bastidores era muito diferente e não
tinha ideia de como avaliar o seu desempenho.
Felizmente, não esquecera o texto, nem tropeçara na saia, nem gaguejara para
recitar aquele complicado diálogo de Shakespeare. Mas, naquele momento,
cercada por atores que deviam ter muito mais experiência do que ela, nada disso
era reconfortante.
Vozes giravam em torno dela, envolvida em conversas regulares, pontuadas
por risadas nervosas, com os atores subestimando o seu próprio trabalho
enquanto se cumprimentavam e especulavam sobre a probabilidade de ter
passado no teste, mas Lola não fez uma tentativa de se juntar ao grupo.
Depois da sua performace desastrosa em Doll’s House, tinha começado a ver
os olhares maliciosos por trás dos comentários, os tablóides publicaram todos os
tipos de informações sórdidas sobre o seu caso com Denys e, em poucos dias, o
teatro tinha começado a tratá–la como uma peste contagiosa, convencidos todos
aqueles que faziam parte dele, de que ela tinha participado naquela peça porque
fora financiada por seu amante. E por que eles não pensariam isso? Afinal, era a
verdade.
Não se preocupe, dissera Denys, cuidarei de você.
Ele queria confortá–la e tranquilizá–la, mas Lola ainda se lembrava de estar
deitada na cama ao lado dele, na casa que lhe tinha alugado em St. John's Wood,
enquanto aquelas palavras se repetiam no seu cérebro e ficava ciente do no que
havia se convertido.

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Eu cuidarei de você.
Ela nunca quis, mas foi assim que acabou, se transformou numa mulher
mantida sem sequer perceber. Aos poucos, com cada um dos presentes que
Denys dava, e que ela não poderia devolver, com todas as ofertas de ajuda que
ela não podia recusar, com cada toque da sua mão e cada beijo da sua boca, ela
foi pertencendo um pouco mais a ele e se perdendo. E quando a carreira de atriz
terminou antes de começar, ela se viu nos braços do amante durante a última
tarde em Londres e se perguntou se ser mantida era o caminho inevitável para
uma mulher como ela.
Ela sempre lutou para evitar esse destino. Os homens a tinham perseguido
desde que tinha idade suficiente para usar espartilho e embora a sua mãe tivesse
voltado para a alta sociedade de Baltimore a que pertencia muito antes, deixando
Lola e o seu pai, não precisava de ninguém para explicar as grandes verdades da
vida, especialmente aquelas relacionadas aos homens.
De alguma forma, Lola sempre soube que o tipo de relacionamento que os
homens procuravam com ela não implicava uma igreja, compromisso ou amor
que durasse a vida inteira.
Antes de conhecer Denys, ela tinha se apaixonado apenas uma vez. Foi
durante um inverno de Nova York, tinha dezessete anos e o resultado da sua
aventura breve e estúpida com o sexy Robert Delacourt, um homem do mundo,
tinha sido a confirmação dura e humilhante da primeira lição que uma jovem
deve aprender no mundo do espetáculo: os fãs que se apaixonam por uma
dançarina, nunca se casam com ela.
Depois de Robert, ela pegou o pouco dinheiro que tinha e mudou–se para
Paris, onde ficara feliz mantendo os seus admiradores à distância. Não lhe
custara nada desistir dos jantares, do champanhe e das joias, porque sabia que
aqueles presentes tinham um preço.
Mas então Denys apareceu com o seu charme afável, o seu cabelo escuro e,
acima de tudo, a sua profunda e sincera ternura. Ternura era algo que mal
apreciara e a sua alma sedenta bebera com a mesma ansiedade com que uma
planta murcha absorvia a água. Dezoito meses depois, tornara–se o que se
prometera nunca ser: uma mulher mantida.
Também se tornou um perigo para o futuro de Denys. O conde Conyers veio
visita–la na casa de St. John's Wood, brandira o seu talão de cheques e sugeriu,
com um desprezo velado, que deveria sair de Londres antes dele ser forçado a
deserdar o seu filho.

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


Lola rasgou o cheque no valor de mil libras que Conyers tinha assinado e
jogou na cara dele, mas também entendeu que não podia deixar que Denys
continuasse a mantê-la. Ela voltou para Paris, tinha trabalho garantido em outro
espetáculo de Montmartre e tentou aceitar a realidade brutal que teria que
continuar dançando e cantando em cabarés até a sua beleza murchar, as suas
pernas não responderem e a fumaça dos charutos dos seus espectadores terem
quebrado a sua voz.
E então Henry apareceu, entrando em seu camarim com uma garrafa de
champanhe. Sem qualquer tipo de proposta romântica, o assegurou desde o
começo, apenas para desfrutar de uma celebração. Denys, dissera ele, viria da
Inglaterra para lhe oferecer casamento.
Lola ainda se lembrava do que sentira naquele momento, a explosão de
alegria diante da perspectiva de se casar com Denys e também a dura e fria
realidade que eclipsara aquela alegria.
— Tem certeza de que precisa me parabenizar? — Ela perguntou, tentando
deixar de lado as suas absurdas ilusões românticas. — Eu acho que é um pouco
prematuro, você não acha?
— A maioria das mulheres ficaria feliz em se casar com um lord. Você não
parece tão entusiasmada —ele dirigiu um olhar penetrante, com a qual Lola
temia, que estivesse vendo demais. — Eu acho que isso significa que você não é
uma mulher normal.
—Qual é a verdadeira razão por que veio?
Henry então esboçou o sorriso de um homem do mundo.
—Estou aqui para te dar uma alternativa a esse casamento.
—O que faz você pensar que eu quero uma alternativa?
—Vamos dizer que imagino. Você sempre me pareceu uma mulher sensata,
dura, pragmática e teimosa.
—Me sinto lisonjeada.
—Conyers sabe que estou aqui. E ele também está ciente da intenção de
Denys de te tornar uma mulher honesta. Ontem eles travaram uma batalha épica
por você. Foi especialmente difícil. Eu entendo, dado que Conyers tinha acabado
de descobrir como Denys conseguiu financiar a Doll's House.
Lola franziu a testa sem entender o que ele queria dizer.
— O que quer dizer?

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


—Você não sabe? Hipotecou Arcady, a propriedade que o pai dele lhe legou,
quando ele atingiu a maioridade.
Oh, Denys, pensou Lola, desolada, o que você fez?
—Não é necessário dizer— continuou Henry, —que o conde não gosta da
idéia de ter você como sua nora.
—Então você veio para tentar me subornar em seu nome? — Lola perguntou,
fazendo um som de desprezo. — Quando vai entender que não vou aceitar
dinheiro em troca de desistir do Denys?
—Ele já o fez, é por isso que eu não vim oferecer isso para você. E me perdoe
por apontar algo óbvio, mas tenho a sensação de que você já renunciou a Denys.
Caso contrário... —Ele olhou ao redor do camarim— você não estaria
trabalhando aqui.
Lola não gostava de ser tão transparente com um homem que mal conhecia,
mas encolheu os ombros com aparente indiferença.
— Quando saí de Londres, não sabia que havia um anel à vista.
— Você teria ficado se soubesse?
—Eu não sei—respondeu honestamente.
— E acha que se você se casasse com Denys, poderia fazê–lo feliz?
Um frio súbito a assaltara, o medo a acariciara como o vento frio do outono,
que afastava os dias lânguidos e abafados do verão. Ela não respondera à
pergunta de Henry, mas não fora necessário fazê–lo. Os dois sabiam a resposta.
Visconde Somerton, filho e herdeiro do Conde de Conyers, casado com uma
dançarina de cabaré era uma fantasia gloriosa e impossível, semelhante ao de um
marinheiro se casar com uma sereia ou um açougueiro de Kansas City casar com
a uma jovem da alta Sociedade de Baltimore. As chances de esses casais serem
felizes eram praticamente nulas. E ainda assim ...Mesmo assim ...
A saudade tinha queimado dentro dela.
—Tenho que me mudar— dissera, e começara a fechar a porta.
Mas Henry a impedira, colocando a mão na porta para impedi–la.
—Posso esperar dentro?
Um homem não ia entrando no camarim de uma jovem, muito menos com
uma garrafa de champanhe, a menos que fosse íntimo ou gostaria de tornar–se
conhecido. Mas, por outro lado, Henry Latham era um homem poderoso nos

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


círculos teatrais. Ele não era um homem que pudesse ser dispensado de ânimo
leve.
—Eu não vim te seduzir — ele esclareceu quando a viu hesitar —ou jogar o
dinheiro de Conyers na sua cara. Eu tenho uma proposta para fazer. Podemos
conversar enquanto você se muda?
Ela estava desejando tirar essa roupa. Ela estava cansada e suada e as suas
costelas doíam, como sempre faziam, depois de dançar em um espartilho tão
apertado. Então havia deixado a porta abruptamente.
—Como quiser.
Ela o deixou na porta, atravessou a sala e foi para trás do biombo. A voz de
Henry a alcançou flutuando sobre o biombo enquanto ela tirava os sapatos de
dança.
—Posso te contar o que tenho em mente?
Lola estava cética, mas ouvir não podia machucá–la.
— Claro — havia respondido, enquanto se inclinava para tirar as ligas e
meias cor de pele, que tinham ajudado tão perversamente Lola Valentine a ser
famosa. — Por que não?
—Eu quero que você venha comigo para Nova York. Como eu disse, não vou
fazer a você uma proposta romântica. Eu acho que você tem um enorme talento e
que eu posso fazer de você uma estrela.
Ela soltou uma risada, uma risada cínica forjada durante os anos que passara
no palco. Quantas vezes repetiram essas mesmas palavras? Mesmo assim, Henry
Latham pelo menos teve a gentileza de fazê–las parecer credíveis.
— Você não mora em Londres? — perguntou quando desatou o topo de seu
traje, que caiu a seus pés.
—Sim, mas decidi ir para casa. Venha comigo, eu organizo um espetáculo e te
farei famosa. E vou pagar uma porcentagem generosa, muito maior do que você
pode conseguir aqui.
—Eu não tenho a certeza se quero voltar para Nova York. Eu já dancei lá.
Lola colocou a cabeça na lateral do biombo.
— O que você quer então?
Lola voltou a se esconder atrás do biombo, pendurou o traje em um dos
ganchos na parede e não respondeu.

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


—Você não tem que me dizer— ele disse quando ela começou a desatar os
laços do espartilho. — Eu posso imaginar isso. Você quer ser atriz.
Lola parou e abaixou os braços de cada lado do corpo.
—Você quer empolgar o público, cativá–los. Você quer fazê–los prender a
respiração e suspirar, você quer saber que eles vão continuar a falar de você por
muito tempo após o seu desempenho estar acabado e as luzes do teatro serem
apagadas. Você quer o que todos aqueles que atuam querem: você quer ser
amada.
Ele estava tirando sarro dela? Não podia ter certeza.
—Não é isso — ela respondeu enquanto desabotoava o fecho da frente do
espartilho. — Eu já consegui isso. Os homens gostam de ver Lola Valentine
andando pelo palco, tirando o chapéu com o pé e cantando canções obscenas. —
ela mesma havia percebido a amargura de sua voz enquanto falava. – Eles
adoram ver Lola fazendo caretas com os lábios, mostrando as pernas e movendo
o traseiro. Eles amam Lola. Voçê esteve esta noite na platéia? A cortina foi
levantada três vezes. Lola é famosa em Montmartre. Ou, talvez, deveria dizer
uma mulher de má reputação.
— Ah! Agora estamos chegando à verdade — ele murmurou. — Você quer
ser atriz porque quer ser levada a sério. Você quer ser respeitada.
Lola soltou uma risada dura.
— Bem, se é isso que eu quero, estou fadada ao fracasso.
—Não necessariamente.
—Você leu as resenhas de Doll’s House? — Ela perguntou enquanto
pendurava o espartilho na borda do biombo e começava a remover a sua roupa
de baixo encharcada em suor. — Segundo o The Times, a minha performance
“lembrava uma borboleta de cores vivas e inebriantes, mas também desajeitada,
sem graça e infinitamente patética.”
—Você não tem que citar os seus críticos, querida. Li asnsuas críticas e vi a
peça. Mas Denys achava que você estava capacitada para a representação.
—Denys está ...— Ela interrompeu e engoliu em seco. — cego pela paixão.
— Eu não, e concordo com ele.
Aquelas palavras foram como um fósforo aceso junto a uma dinamite.
—Não! — Ela ordenou ferozmente, colocando a cabeça por cima do biombo
para encará–lo com os olhos semicerrados. — Não doure a pílula, Sr. Latham,

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


não me diga o que acha que eu quero ouvir. Eu não vou para Nova York com
você.
—E se eu te ajudar a se preparar? Isso poderia convencer você?
—Preparar–me? — Intrigada, ela começou a sair de trás da tela, mas parou a
tempo de lembrar que estava nua.
— O que quer dizer? Que tipo de preparação quer dizer?
—Um bom desempenho não é alcançado indo para o palco e desempenhando
um papel brilhante. É preciso uma preparação rigorosa. Você precisa ensaiar,
receber críticas e ter alguém para guia–la. E você, temo, você não teve nenhuma
dessas coisas.
—Não tive nada disso. Bem, pelo menos até eu começar a ensaiar Doll’s House
—Nesse caso, vou te preparar. Eu pagarei pelas suas aulas. Você pode atuar
para mim, serei o seu crítico e irei te dirigir. No meu tempo eu era um bom ator,
você sabe, vou me certificar de que aprenda o seu ofício como deveria ser. E,
quando acreditar que você está pronta para tentar se tornar uma atriz dramática,
vou produzir um trabalho para você. Um Shakespeare mesmo. Para uma atriz
séria, esse é o objetivo. E, se você for boa, vou apoiar a sua carreira. Talvez até
abra um teatro para você em Nova York, onde você pode representar as suas
peças.
—Tudo isso é muito amável da sua parte — ela interrompeu e inclinou a
cabeça enquanto olhava para ele. — E o que vai receber em troca?
—Quero um espetáculo de Lola Valentine como a única artista durante pelo
menos três anos no Madison Square.
Lola estreitou os olhos, desconfiada.
—Isso é tudo?
—Eu não quero dormir com você, querida— ele dissera abertamente. —Eu
sou muito velho para uma garota como você. Eu já tenho uma amante, uma
amante da minha idade e adequada para mim. Eu a conheci aqui, mas ela mora
em Nova York. Essa é a razão pela qual eu quero voltar.
Lola voltou para trás do biombo com a emoção explodindo dentro dela como
fogos de artifício. Aprender o ofício, representar corretamente, interpretar
Shakespeare. Para se tornar algo mais do que um par de pernas e uma voz
sensual. Ser respeitada por seu trabalho e não apenas devorada com olhares no
seu corpo. Mas ainda assim ... O que aconteceria com Denys?

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


Atormentada, Lola reprimiu um soluço, levantou a cabeça e tinha fixado o
seu olhar sobre as roupas penduradas na prateleira ante dela: o discreto vestido
de veludo roxo que gostava de usar para jantar depois do espetáculo, o traje de
prata e lantejoulas que iria colocar no dia seguinte à noite e o roupão de seda
branco delicado e luxuoso que foi colocado no camarim enquanto ela maquiava e
se desmaquiava. Essas roupas representavam os estreitos limites da sua vida
como dançarina. Mas não poderia dançar toda a vida. Oito anos, talvez dez, e seu
corpo começaria a se deteriorar. O que aconteceria então? Se não aceitasse a
oferta de Lantham, que outras opções ela tinha?
—Denys— uma voz interior sussurrou. —Se você se casar com ele, Denys vai
cuidar de você.
Mas a que preço? Denys já tinha confrontado a sua família por ela.
Ele tinha hipotecado a sua propriedade! E isso não era nada comparado ao
que ele teria que fazer se ele se casasse com ela.
A sua família nunca aceitaria esse casamento. O conde era o único parente de
Denys que ela conhecera, mas ela sabia que toda a sua família a desprezava com
toda a sua força e a considerava uma cavadora de ouro. Se Denys se casasse com
ela, Conyers levaria a cabo a ameaça de deserdar o seu filho.
Os círculos da alta sociedade também não aceitariam esse casamento. Eles a
marginalizariam e, com o tempo, também o excluíriam. Os seus amigos nobres,
pressionados por suas famílias, virariam as costas para ele. Nick, Jack, James,
Stuart ... Todos eles adoravam quando ela dançava, levantando as pernas e
fazendo–os rir, mas eles não a apreciariam tanto como esposa de Denys.
Perdendo as suas amizades, perdendo a sua família, sendo excluído e caindo em
desgraça ... Aqueles sacrifícios iriam afundá–lo.
Lola queria garantir um futuro, sim, mas não sacrificar a felicidade de Denys.
E ele nunca poderia ser feliz com ela. Pelo menos, não a tendo como esposa,
como condessa, como companheira de vida. Quando a paixão esfriasse, algo que
aconteceria irremediavelmente, que tipo de casamento eles teriam?
E ela? Por mais que gostasse de atuar, não era boa o suficiente para
representar a viscondessa Somerton e a futura condessa de Conyers. Pelo menos,
não durante todos os segundos da sua vida. Uma mulher como ela casada com
um lord? Era ridículo.
Uma lágrima deslizou por sua bochecha e ela apertou os olhos com força. Um
marinheiro apaixonado por uma sereia poderia protagonizar um lindo conto de

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


fadas. Mas ela sabia melhor do que ninguém, o que acontecia quando a história
terminava.
A sua mente tinha regressado aos dias da infância, ao momento em que a sua
mãe os abandonara e seu pai, com a cabeça entre as mãos, afogado em uísque e
soluçando como uma criança. Ele passou dez anos bebendo para finalmente
acabar com a dor para sempre.
Ela havia pensado nos dias do cabaré em Nova York e quando decidira pegar
um trem para Maryland e ficou em frente à porta de uma das casas mais
luxuosas de Baltimore até que um mordomo de aparência arrogante lhe disse
que A Sra. Angus Hutchison não tinha uma filha e nunca teve.
Atrás dela, a porta do camarim se abriu.
—Lola?
A voz de Denys a alcançara sobre os outros sons que vinham pela porta: a
música estridente do piano, as vozes animadas e a risada que destilava o álcool.
—Lola, você está aqui ou ...?
Ele havia parado abruptamente e Lola sabia que acabara de ver Henry.
Ela entendeu o que pensaria, mas então uma verdade muito mais
desconcertante a atingiu: sabia o que ia pensar, sim, mas não era a melhor?
Ela pegou o robe de seda e o pôs sem ter tempo de mudar de ideia.
Preparando–se para oferecer o desempenho mais convincente de sua vida,
emergiu de trás da tela.
—Denys! —Ela exclamou horrorizada. —O que você está fazendo aqui?
Denys tinha deslizado os olhos escuros sobre a roupa que cobria seu corpo nu
e voltou seu olhar para a garrafa de champanhe que Henry deixara na cômoda.
—Você ...
A sua voz quebrou e ele ficou sem palavras. Lola havia testemunhado como o
impacto inicial havia dado lugar a suspeitas e cautela.
— Você fugiu de Londres.
—Eles suspenderam o trabalho. — Ela deu de ombros como se não
importasse. — Eu tive que encontrar trabalho.
— Sem sequer me ver para dizer adeus?
—Eu achei que fosse o melhor.

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


Denys a olhou nos olhos.
—O melhor para quem?
A coragem começou a vacilar, mas Lola não desviou o olhar.
—Eu já te disse. Eu tinha que encontrar trabalho e em Londres ninguém
estava disposto a me contratar, então decidi vir. No Le Jardin de Paris ficaram
felizes em me dar trabalho.
—Você não precisa fazer isso. Eu já lhe disse isso ... —Ele interrompeu, olhou
para Henry e olhou para ela novamente. — Eu cuidaria de você.
Ela não respondeu e Denys se adiantou, mas parou de repente.
—Henry— ele disse, ainda olhando nos olhos dela —nos deixe em paz, por
favor.
—Não será necessário— ela respondeu antes que Henry pudesse obedecer.
Ela tinha entendido que teria que terminar o mais cedo possível, se não
quisesse perder a coragem e, o céu ajudasse, permitir que Denys a convencesse a
optar por um futuro diferente.
—Eu preferiria que Henry ficasse— insistiu ela.
—Porquê? —Denys apertou o queixo.
— Nós nos tornamos ... Amigos.
Ela foi lentamente até o lugar onde Henry estava, sentou–se ao lado dele e
observou Denys, testemunhando todos os sentimentos que cruzavam o seu olhar
ao entender as implicações daquele gesto. A dor que os acompanhara, a dor de
Denys, a pregara como a lâmina de uma faca e ela sabia que tinha que dar um
fim àquele momento antes de aniquilá–la.
—Eu ouvi que você estava pensando em se casar— ela disse com uma risada
que fez Denys fazer uma careta.
E embora tivesse precisado da última gota de força de vontade e tivesse
custado mais do que qualquer outra coisa que já fizera no palco, conseguira
manter o olhar fixo.
—Estou lisonjeada, mas Henry me fez uma oferta melhor.
— Uma oferta melhor?
Denys balançou a cabeça recusando–se a acreditar nela e ela sabia que tinha
que dar o golpe final.

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


—Sim. Ele vai para a América e vai me levar com ele. Ele vai produzir um
espetáculo para mim em Nova York.
Denys apertou a mandíbula. Ele deu um passo para trás e ela sentiu como se
seu coração se estivesse partido em dois.
—Sim — ele disse, assentindo. —Já vejo.
Ela também o vira e o vira ferido, endurecendo–se. Ela tinha visto todo o
amor que ele sentiu por ela murchar diante dos seus olhos. Mas era preferível
que ele a odiasse quando ainda não estava ligado a ela por toda a vida, quando
ainda podia encontrar outra mulher, uma mulher que não envergonhasse a sua
família, uma mulher adequada para ele, que entendesse a sua vida e pudesse
compartilhá–la. Era preferível que ele olhasse para ela com desprezo naquele
momento do que com culpa e arrependimento anos depois. Melhor terminar esta
aventura antes que houvesse um casamento impossível de desfazer e crianças
que tivessem que sofrer por causa do seu erro. Mas quando Denys olhou para
ela, tudo o que deveria ser melhor não tinha dado a Lola nenhum conforto.
—Estou feliz por nos entendermos—, dissera, e reprimira o tremor em sua
voz. Ela se forçou a manter a voz firme para dizer com determinação: — Adeus,
Denys.
Houve um silêncio sufocante. O peito de Lola doía, ela não conseguia
respirar, e ela sabia que, se Denys permanecesse ali por muito mais tempo,
acabaria desmoronando. Mas quando pensou que não podia mais resistir, Denys
se virou e bateu a porta.
—Então— Henry disse, quebrando o silêncio, —suponho que isso significa
que você decidiu aceitar a minha oferta.
Ela era uma mulher difícil, lembrou–se Lola. Uma mulher dura e pragmática
e ela tinha feito o que tinha que fazer.
—Eu suponho que sim—, ela disse, e começou a chorar.
Henry lhe dera um lenço, uma bebida forte e a chance de recomeçar. Com o
seu apoio, Lola Valentine começou a atuar na Madison Square e, em menos de
um ano, chegou ao topo do teatro de variedades. Recebera o treinamento que
Henry prometera e, pouco a pouco, aprendeu o ofício e adquiriu a disciplina
necessária para se tornar uma atriz séria. O apoio de Henry lhe dera a esperança
de se tornar uma atriz dramática.
Mas seria este o seu momento?

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


—O que eu estou fazendo aqui? — Ela perguntou desesperadamente
enquanto olhava para os atores ao seu redor. Ela era sócia de um homem que
tinha todas as razões do mundo para odiá–la e não havia nada que ele quisesse
mais do que vê–la desaparecer. Ele nunca permitiria que atuasse em sua
companhia. E, pensou, quando olhou em volta novamente, por que ele teria que
fazer isso?
Todos eles eram atores sérios com carreiras estáveis que representavam obras
de Shakespeare e todos os tipos de tragédias sérias, enquanto ela era conhecida
por suas canções e danças. O único papel dramático da sua carreira durou
apenas uma semana. A maioria dessas pessoas vinham recitando textos de
Hamlet e Clitemnestra há anos, enquanto o seu solilóquio mais famoso era uma
versão picante de "Você deveria ir para a França e ver a dança das damas".
A falta de confiança em si mesma agarrou–a como um soco, oprimiu–a e
torceu–a por dentro. Todos achavam que ela estava disposta a chegar ao sucesso
a qualquer preço, e o fato de se ter tornado sócia de Denys reforçou essa ideia.
Mesmo se ela provasse ser uma boa atriz, ela precisaria de uma vida inteira para
ser respeitada pelas pessoas por isso. E se não fosse capaz de provar isso? Então
o quê?
—Lola? Lola Valentine?
Lola olhou para cima e descobriu uma mulher da idade dela ao lado do banco
em que ela estava sentada. Uma mulher com o rosto de uma boneca de porcelana
que ela reconheceu dos seus dias parisienses.
— Kitty Carr! Ela gritou, levantando–se com uma risada incrédula. — Meu
Deus!
Kitty respondeu com um sorriso e linhas de expressão apareceram nos cantos
de seus enormes olhos castanhos.
—Quanto tempo passou? Sete anos?
— Já que estávamos no Théâtre Latin? Quase oito, receio — lembrou Lola.
—Sete ou oito, tempo suficiente para que eu mal pudesse acreditar no que
estava vendo quando entrou no palco.
— Você estava me vendo?
—Da fileira de trás. — Ela se inclinou para colocar a pasta de couro preto que
carregava com ela no chão. — Eu não sabia que você estava em Londres.
— Eu poderia dizer o mesmo sobre você.

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


—Bem, agora sou uma garota de Londres—, disse Kitty. — Um ano depois
de você sair de Paris, decidi imitá–la. Tentei localizá–la, mas você foi para Nova
York. Quando você voltou?
—Há alguns dias.— Lola apontou para o lado dela, convidando–a a se sentar.
— Você também se apresentou para o teste? — Ela perguntou enquanto ambas
sentavam no banco.
Kitty balançou a cabeça e colocou um cacho loiro atrás da orelha.
—Não, eu estou aqui para falar com o Sr. Roth sobre os fundos do trabalho.
Agora me dedico a cenários de pintura.
—Você renunciou ao palco?
— Sim. Era muita pressão para mim. — Lola levou a mão ao estômago.
— Agora eu entendo perfeitamente o que você quer dizer.
—Você não precisa se preocupar com o teste. Você esteve muito bem.
— Você realmente acha isso?
Kitty gemeu e balançou a cabeça exasperada quando se virou para Lola e
apoiou o ombro na parede atrás delas.
— Você se tornou uma verdadeira atriz, — asseguro–lhe — com essa maneira
descarada de procurar elogios.
— Não é verdade, não estou procurando elogios! Mas esta é a minha primeira
audição de Shakespeare.
—A primeira? — Quando Lola assentiu, Kitty respondeu com um olhar que
implicava muito mais compreensão. — É um pouco intimidante, certo?
— Mais do que um pouco.
—Bem, se é reconfortante ouvir elogios de uma velha amiga, acho que você se
destacou acima de todos os outros.
Por mais gratificante que fosse ouvi—lo, esse elogio não servia para
apaziguar os seus medos.
— Onde você vai ficar?
Lola respirou fundo, grata pela distração proporcionada pela conversa de
Kitty.
—No Savoy. Pelo menos por agora.

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


—Meu Deus! Eu sabia que você se tinha tornado muito famosa em Nova
York, mas, realmente, Lola, ficando no Savoy? — Kitty ergueu o nariz arrebitado.
— Que refinamento! Eu não sei se eles deveriam te ver com pessoas como eu.
— Pare! — Lola protestou, rindo. — Eu fico lá porque é o hotel mais
respeitável do bairro dos teatros e já há alguns que me olham mal porque fico lá
com apenas uma empregada. Os empregados acreditam que sou depravada,
tenho a certeza, e o maître baixa a cabeça sempre que entro no restaurante. Temo
que a qualquer momento eu seja acusada de ser uma sem vergonha e eles me
expulsarão por prejudicar a reputação do hotel. Eu adoraria ter uma alternativa,
mas você sabe como é Londres.
Kitty abandonou a sua expressão insolente e trocou–a com um suspiro de
comiseração.
—Eu sei eu sei. Londres é terrível. E a temporada está prestes a começar, o
que significa que até mesmo os toldos estão em demanda. Eu encontrei um
quarto por pura sorte.
—Você está morando sozinha? O que aconteceu com a sua família? — Ela
franziu a testa, fazendo um esforço para lembrar. — Você não tem uma tia aqui?
—Uma mulher terrível— Kitty estremeceu. — O tipo de mulher que sempre
lembra que ela está te fazendo um favor ficando em sua casa. Um ano atrás, eu
decidi que não sou capaz de continuar aguentando, então agora eu partilho um
apartamento com outra pintora, Eloisa Montgomery, numa pensão em Russell
Street. É um lugar muito respeitável e só para mulheres. Você não encontra ralé
ao redor e os ônibus chegam lá. Você pode ter as refeições incluídas ou não, e
também o chá.
Lola abriu a boca, mas antes que ela pudesse perguntar se Kitty e sua amiga
estariam dispostas a deixa–la dormir no sofá até que encontrasse um lar para ela,
toda a sala ficou em silêncio. Quando virou a cabeça, viu Denys na porta.
Quando ele entrou, as pessoas que estavam sentadas se levantaram e todos
lhe deram atenção, como soldados treinados antes da chegada do comandante do
regimento. Lola os imitou, embora ser tão cerimoniosa com Denys fosse um tanto
estranho.
Eu cuidarei de você.
Aquela promessa bem–intencionada e tranquilizadora feita há muito tempo
entrou em sua consciência como um suspiro no meio da sala em silêncio. Como
se ele também tivesse ouvido, Denys virou a cabeça e olhou para ela, mas não

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


havia ternura em sua expressão e nem a menor expressão de encorajamento. O
estômago de Lola se virou.
— Senhoras e senhores. — Denys disse, e deslizou seus olhos sobre aqueles
ali reunidos, ao mesmo tempo que de afastava da porta para deixar Jacob Roth
entrar. — agradecemos o tempo que dedicaram a audição hoje. Gostaríamos que
as pessoas que se seguem estivessem aqui dentro de duas semanas às nove horas
para fazer uma sessão de leitura para Otelo. Os ensaios começarão na segunda–
feira seguinte. Quanto ao resto, obrigado por ter vindo e nós encorajamos vocês,
a tentar novamente, durante a próxima temporada.
Ele parou, levantou o papel na mão e começou a ler uma lista de nomes.
—Breckinridge, John. Fulbright, Edward. Ross, Elizabeth. Lovell, William...
Lola fechou os olhos. Esse foi o objetivo para o qual estava se preparando há
tantos anos.
— Whitman, George. Cowell, Blackie ...
Podia não acontecer. Ela ainda seria uma sócia do teatro, é claro, mas naquele
momento parecia pouco consolo.
—Saunders, Jamie. Breville, Henry. Maclean, Hugh.
De repente, Denys parou de ler os nomes e Lola sentiu o silêncio com a
intensidade com que um boxeador podia sentir um golpe que iria derrubá–lo.
Ele não dissera o seu nome. Era evidente que, apesar de todas as instruções e
preparações que recebera de Henry, ainda não estava pronta.
Era uma admissão amarga, mas não havia escolha senão aceita–la. Ela
mordeu o lábio, lutando contra aquela decepção dolorosa, e se forçou a abrir os
olhos. Então descobriu Denys com os olhos fixos nela.
—E finalmente—, ele disse com um suspiro, —Valentine, Lola.
Surpresa e alívio a envolveram como uma onda. Não sabia se deveria pular
de alegria ou vomitar. Tonta, ela sentou–se novamente no banco, inclinou–se até
que apoiou a cabeça nos joelhos e respirou fundo.
Kitty se inclinou para ela.
—Eu te disse— murmurou. Ela se endireitou e pegou sua pasta. — Eu vou te
ver no Savoy. O que você acha da noite de amanhã? Vamos jantar e conversar
muito.
Lola assentiu sem levantar a cabeça.

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—Eu acho que é maravilhoso— disse ela sem levantar a cabeça e a sua voz
abafada pelas suas saias.
—Muito bem. Então eu vou.
Depois de dar um tapinha de felicitação nas costas, Kitty foi embora, mas
Lola permaneceu onde estava, respirando fundo e tentando assimilar o fato de
que, finalmente, teria a oportunidade pela qual trabalhara tanto.
Um turbilhão de vozes surgiu, algumas de alegria e outras de decepção, que
desapareceram quando os atores saíram. Lola esperou até que a sala ficasse
quieta para se levantar, mas quando o fez, descobriu que não era a única que
ficara. Denys ainda estava na porta.
—Você parece surpresa—disse ele, observando–a atentamente.
—Surpresa, não— ela disse —estupefata é a palavra certa. — Isso o fez sorrir
um pouco.
— Também está Roth. Você o impressionou e isso não é fácil.
—E você? — não pôde deixar de perguntar. — Eu também te impressionei?
Denys se moveu como se essa pergunta o deixasse desconfortável.
— No final você mudou a ordem do texto.
Lola fez um gesto com a mão, minimizando esse detalhe.
—Mas você acha que eu sou boa?
— Minha opinião é importante? — Lola segurou seu olhar.
—Queira acreditar ou não, a sua opinião sempre foi muito importante para
mim.
—Se isso é verdade, você teve uma maneira muito pobre de demonstrar isso
no passado. Mesmo assim, —ele acrescentou antes de poder responder— você se
saiu bem hoje. Muito bem.
Lola não perdeu a surpresa que refletia na sua voz.
—Você não achava possível— disse, examinando o rosto, —pois não?
—Não — ele admitiu. Ele olhou para longe, — não achei que fosse possível.
Lola estudou o seu perfil, sabendo perfeitamente o que ele pensara.
— Você me permitiu me apresentar para a audição pensando que iria falhar.
Que você pensava? Que ser rejeitada, me faria sair com o meu rabo entre as
pernas?

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—Algo assim—, ele murmurou, e olhou para ela novamente com algum
arrependimento. — Mas eu deveria ter lembrado que você nunca está disposta a
aceitar a derrota.
Lola sorriu.
— Pelo menos, não por muito tempo. Então, eu vou atuar como Blanca, certo?
— Sim. E você será a substituta de Desdêmona. Você acha que será capaz de
fazer as duas coisas?
—Você vai ver.— Ela riu jubilantemente, animada e também muito aliviada.
— Obrigado, Denys.
—Dê graças a Roth. Foi ele quem quis contratar você. E ele tem sido muito
veemente sobre isso.
— Bem, nós dois sabemos o que você sente por mim, então eu acho que você
teve uma boa discussão sobre isso.
— O oposto. Nós concordamos completamente. Você come o palco
Ah!
Lola olhou para ele e viu no seu rosto, ou pensou ter visto, um vestígio do
Denys que conhecia, mas desapareceu antes que ela pudesse ter certeza.
—Então— disse ela, forçando–se a falar, —quem você escolheu para o papel
principal?
—A Arabella Danvers.
—Uf! — Lola gemeu e agarrou–se a essa mudança de conversa como se fosse
um salva–vidas. — Você tem que estar brincando.
— Eu nunca brinco quando falo de negócios.
Lola franziu a testa sem estar muito convencida. Ela estava histérica naquela
manhã, isso era verdade, mas se Arabella tivesse ido ao teste, tinha certeza de
que teria notado. Aquela mulher era uma daquelas que se certificava de que
todos notassem a sua presença quando chegasse a algum lugar.
—Mas Arabella não apareceu na audição de hoje, certo?
—A senhora Danvers não precisa fazer um teste. Ofereci–lhe o papel sem
pedir.
Lola olhou para ele com desconfiança.
—Você pode fazer uma exceção às regras para ela, mas não para a sua sócia.

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— Ela já representou Shakespeare. Você não. E ela é uma das atrizes mais
bem–sucedidas e populares de Londres. E você não.
— Ei! —Lola rosnou. — Você não tem que esfregar isso em mim — rosnou. —
E Arabella pode ser muito popular com o público, mas garanto que não está
entre mais ninguém. Eu acho que você conhece a fama dela. É lendária. Ela é
uma mulher temperamental, difícil ...
— O sujo falando do mal lavado.
— Eu quero dizer isso, Denys. Se você contratar Arabella, você e Roth ficarão
arrependidos em menos de uma semana.
Era evidente que Denys não apreciava a sua opinião sobre o assunto.
—Você não vai conseguir o papel principal ao desacreditar Arabella, então
pare de tentar.
—Eu não estou tentando pegar o seu papel! Eu só pretendo avisá–lo do que
espera por você. Acho que Arabella seria capaz de esfaquear a própria avó se
achasse que poderia conseguir algo assim.
—Duvido que Jacob e eu estamos em perigo. Não precisa ser boa pessoa, para
podermos apreciar a sua popularidade e seu talento.
—Talento —Lola não pôde evitar um som de desprezo. – Se tu o dizes…
—Eu não acho que você é a melhor pessoa para conversar— Denys apontou
secamente. — E, considerando sua hostilidade a ela, começo a duvidar de que
você deva ser asua substituta.
— Essa decisão você não tem que tomar, lembra? —deu a ele um olhar
triunfante. — É uma decisão que Roth tem que fazer e acho que ele gosta de
mim. Eu não vou causar problemas, garanto. Afinal, a paz da nossa sociedade
está em jogo.
— Que boa você é.
Essa resposta levou–a a mostrar a língua, mas foi um esforço fútil, porque
Denys já tinha se virado.
—Os ensaios começam às nove da manhã e são seis dias por semana, de
segunda a sábado— disse ele enquanto caminhava em direção à porta. — Traga o
almoço e não pense em chegar atrasada. Jacob odeia ter que esperar e, acredite
em mim, não seria bom vê–lo perder a paciência. E Lola?
Ele parou na porta e olhou para ela por cima do ombro.

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— Quando as apresentações começarem, nem pense em enviar um telegrama
para Arabella dizendo que a sua tia morreu.
Lola levantou o queixo, adotando uma expressão de dignidade.
— Eu nunca pensaria em fazer algo parecido.
Denys expressou a confiança que aquelas palavras lhe ofereceram com um
breve e cético —aham— antes de cruzar a porta.
Lola, no entanto, não estava disposta a deixa–lo escapar antes de dizer a
última palavra.
—Eu não faria—, ela insistiu. — Arabella não tem nenhuma tia.
A porta se fechou, mas não antes de Lola ouvi–lo dar uma risada alta.
Ela olhou para a porta fechada com uma expressão de espanto. Tinha o feito
rir. Talvez ele não a odiasse tanto quanto temia. Talvez eles pudessem trabalhar
juntos. Ela sorriu. Talvez ainda houvesse alguma esperança para essa sociedade
absurda.

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Capítulo 7

— Ah! Serviço de quarto para o jantar.


Kitty largou o garfo, colocou o guardanapo na bandeja no colo e recostou–se
no sofá da suíte de Lola com um suspiro de satisfação.
— Convite maravilhoso!
— Mas você não me disse que em sua casa eles também servem refeições? —
Lola perguntou, fazendo um gesto para a empregada pegar as bandejas enquanto
servia mais champanhe. —A cozinha não é boa?
—Não é isso. — Kitty pegou e concordou em ter a sua taça cheia novamente.
– Mas a sra. Morris não serve champanhe, nem lagosta de Newburg, nem
ensopado de perdiz e gateau de chocolate.
—Eu suponho que não. — Quando ela colocou a garrafa de volta no balde de
gelo no carrinho ao lado dela, Lola percebeu que os pratos onde a comida tinha
sido tirada estavam quase vazios. – Nós comemos muito, certo?
—Demais.— Sua amiga fez uma careta e colocou a mão nas costelas. —
Quando sugeri ontem que jantássemos juntas, você deveria ter me avisado que
pediria metade da carta. Eu teria deixado o espartilho em casa.
—Bem, pelo menos você não precisa se preocupar se você se encaixa num
traje ou não. Você se lembra de como Madame Dupuy nos alinhava no Théâtre
Latin com os espartilhos colocados e nos examinava de cima a baixo antes de
cada espetáculo?
—Aí sim! Era terrível. Examinava com os olhos e se dava conta se você
ganhasse uma única grama. Colocava a fita métrica e se você não tivesse ajustado
o espartilho o suficiente, puxava aqui e ali e o deixava mais apertado do que o
necessário para deixar claro como tínhamos que usá–lo. É incrível que não
tivessemos desmaiado no palco. Essa época foi uma loucura, você não acha?
Com a taça de champanhe na mão, Lola olhou para a amiga e encostou as
costas no encosto do sofá.
—Você diz isso como se sentisse falta daqueles dias.
—Às vezes sinto falta deles.— Kitty olhou para ela, repetindo a postura de
Lola do outro lado do sofá. — Quando voltei de Paris, eu estive dançando em
Gaiety por uma temporada. Agora, ocasionalmente, vou lá para preparar um

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palco ou pintar um cenário e, quando vejo as meninas levantando as pernas nos
ensaios, sinto nostalgia.
— Então por que você deixou isso?
Kitty fez uma careta, franzindo o nariz de pulso.
—Como de costume.
Lola entendeu imediatamente.
—Um homem?
—A família dele achou que não era boa o suficiente para ele, então decidimos
...— Ela parou. Dor apareceu em seu rosto e engoliu a saliva antes de continuar.
— Ele decidiu que não poderíamos continuar juntos. E me deixou.
—Sinto muito.
— Pelo menos, vindo de você, eu sei que a compaixão é sincera. Você sabe o
que é não considerarem você boa o suficiente para o homem que você ama.
Lola decidiu que precisavam mudar a conversa.
— Você não voltou a dançar?
— Inferno, não! Tenho vinte e nove anos, já sou um pouco velha para usar um
cancan. Tentei a minha sorte no teatro uma vez, entrei numa companhia, mas
não consegui manter o meu emprego. Passei apenas uma semana antes de me
demitir. Ao contrário de você, não sou corajosa o suficiente para me dedicar à
atuação.
—Corajosa? —Lola não parou para dar uma risada. — «louca» é uma palavra
mais apropriada. A última vez que tentei, foi uma falha colossal.
—E é por isso que eu digo que você é corajosa. Se eu estivesse no seu lugar,
teria ficado em Nova York, teria usado a herança como dote, teria procurado um
homem bom e respeitável para casar e teria renunciado aos palcos para sempre.
Claro, eu não teria voltado para tentar novamente. Mas talvez ... —Sua amiga
parou, tomou um gole de champanhe e olhou para Lola sobre a borda do copo.
— Talvez a interpretação não seja a única razão pela qual você voltou a Londres.
Lola ficou tensa.
—Eu não sei o que queres dizer.
—Lola, por favor! — soltou uma gargalhada sem se deixar impressionar pelo
seu falso orgulho. — Eu sou a Kitty, lembras-te? Nós dividíamos camarins

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quando trabalhávamos em Paris. Você acha que esqueci quantas vezes Somerton
passou com chocolates e champanhe?
—Isso foi há muito tempo, como acabamos de dizer. E —, acrescentou,
franzindo o nariz em um gesto de pesar — Denys gostava muito mais de mim
naquela época do que agora.
— Parece–me que o sentimento era mútuo, querida. Eu lembro como você
suspirou e babou por ele.
O orgulho forçou–a a protestar contra essa descrição.
—Eu não babei por nenhum homem na minha vida. Nem mesmo por Denys.
—Diga isso para outra. Lembro–me de esperar fora do camarim, enquanto
você estava em dúvida, tentando decidir qual vestido usar, ou se um cavalheiro
como ele pensaria que eras demasiado atrevida, se aplicasses perfume atrás das
orelhas. E quando ele pediu para você ir para Londres, você ficou louca de
felicidade.
—Eu nunca babei—, insistiu Lola, —nem suspirei, nem tive dúvidas desse
tipo. E, mesmo que tenha sido tão estúpida em outra época, desde já a situação
mudou.
—Ah sim? Eu vi como você olhou para ele enquanto estava recitando o texto.
—parou para colocar o copo, levantou a mão e encostou-a na testa. —Acredite
meu gentil senhor— exclamou com fervor melodramático enquanto se recostava,
caindo com um movimento artístico no braço do sofá e erguendo o copo. —Eu
morro inocente!
Kitty se endireitou a rir, mas Lola não teve vontade de rir.
—Eu não voltei a Londres para retomar um caso com Denys.
—Ah não? — Sua amiga estudou seu rosto por um segundo, depois suspirou
e olhou para baixo. — Você quer dizer que isso tem a ver somente com o seu
desejo de representar?
—Em parte, sim. Denys e eu também somos sócios no teatro. — Kitty
levantou uma sobrancelha.
— Desculpe?
Lola começou a explicar e, embora Kitty escutasse atentamente, não parecia
muito impressionada com as suas explicações.
— Parceiros de negócios, né? — Ela piscou para ela. — Bem, suponho que é
alguma coisa.

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


—Realmente, Kitty, você é impossível. — Ela fez um som impaciente e se
endireitou no sofá. — Você esqueceu o que Madame Dupuy costumava nos
dizer? “Nobres amam perseguir dançarinas, não é ?. Mas...”
— “...Eles não querem se casar com elas”— sua amiga terminou com solenidade
zombeteira.
No seu caso, esse dito não era inteiramente verdadeiro, mas Lola não usaria
essa informação para mudar a opinião de Kitty.
—Então você está me dando a razão.
—É hora de algumas de nós conseguir. E por que não vai ser você? Você sabe
melhor do que ninguém que uma mulher precisa ter grandes sonhos se quiser
algo.
—Não tenho nada contra grandes sonhos—, assegurou Lola. — Apenas os
impossíveis.
— E isso parece impossível para você? Aquele homem estava apaixonado por
você na época, por que ele não se apaixonará novamente?
Lola olhou para ela desnorteada.
—Não é tão fácil. Agora somos parceiros de negócios. O nosso
relacionamento já vai ser difícil o suficiente para gerenciar sem ter que colocar
um romantismo absurdo nisso.
—Eu não entendo por que você não quer romantizar. Vocês dois têm uma
história inteira.
—Não há razão para não podermos ser apenas simples conhecidos.
Kitty olhou para ela surpresa.
—Somerton e você?
—Sim—, disse, embora cruzasse os dedos mentalmente. — Uns simples
conhecidos e indiferentes com um relacionamento platônico.
—Somerton e você tem sido muitas coisas, Lola, mas nunca indiferentes.
A mente de Lola voltou ao passado sem nada para evita–lo: lembrou–se da
tortura de mantê–lo à distância quando estava em Paris e da bênção dos seus
encontros em St. John Wood. Sua boca na dela, o seu corpo no dela e a frenética e
selvagem euforia daquelas tardes na cama. O calor fluiu através do seu corpo,
pareceu afundar em sua barriga, acendeu as suas bochechas e causou um
agradável formigamento nas costas.

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


— Simples conhecidos, né?
A diversão na voz de Kitty era como um jarro de água fria.
—Sim—, disse, franzindo a testa. — E se continuar a se divertir tanto, temo
que nossa amizade não durará muito.
—Me desculpe.— A diversão desapareceu do rosto de sua amiga
imediatamente e foi substituída por uma expressão sombria. — Deixando de
lado as piadas, não tenho certeza se um homem e uma mulher podem trabalhar
juntos. Eu acredito que sentimentos sempre atrapalham.
—Isso não é verdade. Conheço muitas pessoas que tiveram casos de amor,
que se separaram e depois puderam trabalhar juntas como amigos. No teatro isso
acontece com muita frequência e você sabe disso.
—Sim, no caso em que você só tem que compartilhar um trabalho de vez em
quando, talvez funcione. Mas estamos falando de uma vida inteira
compartilhando um negócio. E, além disso, —acrescentou antes que Lola
pudesse argumentar—, mesmo que você e Somerton tenham um relacionamento
platônico, muito poucas pessoas acreditarão que sim.
— Eu não me importo com o que os outros pensam.
— Somerton sim.
Lola fez um gesto contrito diante daquele argumento irrefutável.
—Eu sei—admitiu com um suspiro, —mas eu não sei o que podemos fazer
sobre isso. Com o tempo, as pessoas terão que aceitar que não há nada entre nós.
—E a sua noiva? Você acha que ela vai aceitar isso?
Lola piscou surpresa, embora soubesse que não deveria estar.
—Denys tem uma noiva?
—É o se diz.
—Quem ...?
Ela parou. A sua voz falhou, a sua garganta ficou seca e sentiu a necessidade
de beber um gole de champanhe. Ela terminou o copo inteiro antes de poder dar
voz à inevitável pergunta.
— Quem é? — Ela finalmente perguntou, sentindo–se ridiculamente
orgulhosa da indiferença que conseguiu impressionar em sua voz.
Embora talvez não tenha enganado Kitty, pelo menos ela não fez uma piada.

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


—Lady Georgiana Prescott. Filha de um marquês. Ela é uma mulher muito
culta, se o que a imprensa sensacionalista diz é verdade.
Lady Georgiana, claro. Que conveniente que ele tivesse voltado sua atenção
para o amor da sua infância, a mulher que os seus pais sempre quiseram para ele.
A mulher perfeita para se casar com o filho de um conde. Mas, mesmo pensando
nisso, Lola se sentiu ligeiramente deprimida.
—Bem—, ela disse, tentando soar pragmática e resoluta. – Quando ele se
envolver Lady Georgiana, vai mostrar a todos que não há nada entre nós.
—Você está subestimando as profundezas que as mentes das pessoas podem
descer. A maioria pensará que Somerton não está desistindo de uma única
migalha do bolo. Afinal de contas, —Kitty virou o champanhe e olhou Lola nos
olhos acima da borda do copo— ele sempre achou que você era um bolo
delicioso.
—Denys nunca faria o que você está sugerindo. Ele é muito honesto. Além
disso, — acrescentou antes que sua amiga pudesse fazer um comentário cínico
sobre os instintos inferiores da natureza masculina—eu não permitiria isso. Por
que eu faria isso?
—Porquê? — Kitty inclinou a cabeça como se avaliasse a pergunta. — Vamos
ver. Ele é um homem rico e atraente, um visconde e um futuro conde, e um
homem encantador que uma vez apaixonou–se perdidamente por você. Sim
porquê?
—Nossa aventura terminou há muito tempo—lembrou veementemente. —
Eu o deixei por outro homem.
Kitty encolheu os ombroa e deslizou o dedo na borda da taça
—Você não seria a primeira mulher a romper com um homem e depois de
sair com outro perceber o seu erro.
—Não cometi nenhum erro! Deixei–o por um homem que sabia quem eu era,
que nunca esperou que me tornasse algo que nunca poderia ser. Ambos estamos
melhore assim e tenho a certeza que Denys concordaria.
—Sim, claro.
A aquiescência calorosa de Kitty incitou Lola a acalmar o seu argumento.
—Lady Georgiana será uma esposa muito mais adequada para ele do que eu
jamais poderia ser—, e acrescentou quando Kitty abriu a boca novamente: —Eu

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


nunca me envolveria com o homem de outra mulher! Como você poderia ter
pensado algo assim?
—Me desculpe, me desculpe. — Kitty levantou a mão, tentando acalmá–la. —
Eu não estou questionando a sua moral. Mas estou preocupada com você. Tem
certeza de que Somerton e você podem trabalhar juntos?
—Nós teremos que fazer isso. É o mais sensato.
—Muito sensato—, disse Kitty muito a sério.
Mas Lola achou que ela sentiu um pouco de diversão naquela resposta. Antes
que ela pudesse decidir se tinha sido assim, Kitty falou novamente.
— Você tem algum compromisso dentro três semanas? Há um espetáculo de
flores no Regent's Park. Ele é realizado para levantar fundos para hospitais em
Londres, para viúvas de militares e coisas assim. Eu comprei dois bilhetes
pensando que iria com a minha colega de quarto, mas ela me disse que não
podia. Você se importaria de ir em seu lugar?
— Eu adoraria, mas não sei se estarei livre. Nós também temos ensaios aos
sábados.
—No Imperial, você só trabalha até ás doze da manhã e a exposição só
começa às três. Você terá muito tempo para se mudar. Então me diga que virá.
Você deve ver algo de Londres agora que a temporada começa, você não pode
passar a sua vida trabalhando. A menos que esteja usando o trabalho para
esquecer um homem em particular.
—Deixe, Kitty.
—Eu sei, eu sei. Você só vai ter um relacionamento de negócios — continuou
sua amiga descuidadamente— ele vai se casar com Lady Georgiana, assim é
como tem que ser. Tudo está bem quando acaba bem.
Quando Lola se imaginou, como uma simples e indiferente conhecida de
Denys durante toda uma vida, sabendo que ele estava casado com a elegante,
educada e oh! mais apropriada Lady Georgiana, achou a ideia deprimente.
— Sim, tudo está bem quando acaba bem.
— Então— sussurrou Kitty, —por que de repente você parece um pato
morrendo no meio de uma tempestade?
—Não seja ridícula.

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


Lola adotou uma expressão de indiferença e pegou o champanhe enquanto se
lembrava de que não adiantava se preocupar com o futuro. Ela tinha mais do que
preocupações suficientes no presente.

— O que você fez?


A questão foi proferida com tal rugido que nem mesmo Denys, que estava
preparado para a reação do conde, pôde evitar uma careta. Conyers bateu na
mesa com o punho tão forte que os talheres tilintavam, o lacaio saltou e
Monckton, que era a personificação do mordomo inglês impassível, estava
prestes a jogar a garrafa de vinho do Porto.
—Eu permiti que a senhorita Valentine fizesse um teste para Otelo e Jacob a
escolheu para representar Blanca.
Mas ouvi–lo pela segunda vez não parecia fazer qualquer diferença. O seu pai
continuou olhando para ele do outro lado da mesa da sala de jantar e, embora a
fumaça do charuto fumado depois do jantar flutuasse entre eles, não era
suficiente para mascarar a fúria perplexa da sua expressão.
— Você está louco?
Numa outra época da sua vida, o seu relacionamento com Lola o fez perder a
cabeça, mas naquele momento ele sabia que não tinha desculpa. A única coisa
que ele tinha era a verdade.
—É boa pai. Muito boa. Estou ciente —, acrescentou quando seu pai emitiu
um som de zombaria — que não sou considerado a pessoa mais apropriada para
julgá–la, mas Jacob não pode ser acusado de nenhum tipo de favoritismo. Ele a
queria no elenco.
—Eu pensei que Jacob era mais sensato. Eu sou o único homem na terra que a
mulher não conseguiu cativar?
– Ele disse que sua interpretação foi sublime.
—Não acredito. Aquela dançarina de cabaré? Jacob e você estão ... E além
disso, —ele acrescentou antes que Denys pudesse dizer outra palavra—, o papel

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


de Blanca é muito pequeno. Certamente, qualquer outra atriz que tenha feito o
teste poderia representa–lo igualmente bem.
—No caso de Blanca, você está certo. — Ele parou, ciente de que estava
prestes a entrar em território perigoso, — mas não como uma substituta para
Desdêmona.
—Valentine, interpretando Desdêmona.— Seu pai olhou para ele, tão
atordoado quanto Denys havia previsto. — Bom Deus!
—Ela não representará Desdemona.— Ele correu para apontar. — Será
apenas a substituta.
—Mesmo assim ...— O conde quebrou a voz e engoliu antes de falar. — Você
não pode estar falando sério.
—Temo que sim. Apesar de não me fazer qualquer graça, a leitura de Lola
Valentine de Desdêmona foi a melhor do dia e, de acordo com Jacob, uma das
melhores que ele já viu. Se você estivesse lá, você teria concordado.
—Duvido. E, para começar, por que diabos você permitiu que ela fizesse o
teste?
— Ela me perguntou e eu decidi que o mais sensato era incluí–la. — O grito
de indignação do conde forçou–o a calar a boca.
— Inferno! Eu adoraria ser capaz de entender, mas não posso. Eu
simplesmente não posso. —Ele parou para terminar o porto que tinha deixado e
continuou. — O que essa mulher tem que o leva a perder o senso comum dessa
maneira?
Essa era uma pergunta que o conde havia feito muitas vezes durante a sua
juventude desperdiçada, mas, nesse caso, era imerecida.
—Goste ou não, agora ela é nossa sócia— ressaltou. — Até certo ponto, temos
que colaborar com ela.
—Não entendo porquê.
—Então é claro que você não se lembra dos estatutos da nossa sociedade. Ela
tem todo o direito no mundo de se opor a qualquer decisão que eu tome. Uma
audição parecia um pequeno preço a pagar em troca da sua cooperação. Parecia
impossível para mim que conseguisse um papel. Mas isso desafiou todas as
minhas expectativas.
—Aquela mulher desafia muitas coisas, incluindo a decência—, murmurou
Conyers, apontando para Monckton para lhe servir outra taça.

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


Denys decidiu ignorar esse comentário. Eles já tinham discutido o suficiente
por causa de Lola no passado.
—E permitindo que Jacob a inclua no elenco, tendo que preparar dois papeis,
ela mal terá tempo e não poderá nos causar problemas. Além disso, ela sempre
quis atuar e, de certa forma, estamos permitindo que ela satisfaça esse desejo. O
que pode estar errado com isso?
— O plano era livrar–se dela, não apaziguá–la!
—Eu fiz uma oferta e ela recusou. — Denys abriu as mãos em um gesto de
desamparo. —O que você teria feito no meu lugar?
— Isso não é óbvio? — O conde esfregou a nuca. — Continue aumentando a
oferta até que ela aceite.
—Você deveria confiar em mim um pouco mais. Aumentei a oferta para trinta
mil dólares, mas se recusou a vender. Ela me disse que nenhuma quantidade
seria suficiente e tenho certeza que quis dizer isso.
— Nestas circunstâncias, teremos que nós a vender nossa parte para ela.
Denys sacudiu a cabeça.
— Não, isso é impossível.
—E porquê?
Denys se mexeu desconfortavelmente na cadeira.
—Eu não pretendo vender a nossa parte de um negócio que é rentável e que
eu mesmo criei. Quando você e Henry compraram o Imperial, apenas nos dava
algum lucro, mas agora é um dos teatros mais prestigiados de Londres. Eu o
transformei no que ele é e não pretendo entregar algo que consegui com esforço
porque Henry fez algo louco.
— Então é só uma questão de orgulho?
Denys olhou o pai nos olhos com uma determinação idêntica à sua.
—Pode ser dito assim, sim.
Seu pai suspirou e pareceu recuar um pouco.
— Acho que entendi você. Mas por que deixar Jacob permitir que ela faça
parte da companhia ou atue em uma das suas obras? Você poderia convencê–lo a
rejeitá–la. Eu ouso dizer que se Jacob a tivesse destruído com as suas críticas, ela
estaria mais inclinada a vender.

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


—Duvido. Além disso, nunca é uma boa política pedir às pessoas que mintam
e critiquem o desempenho delas. Nunca me ocorreria pedir a Jacob para fazer
isso. Não seria bom. Não seria ... —Ele parou e fez uma careta — justo.
—Sim, sim. Suponho que, assim, parece antiético. — O conde recostou–se na
cadeira e olhou para o filho com pesar. — Meu Deus, Denys! Eu espero que você
saiba o que está fazendo. Essa mulher é o seu pior inimigo.
— Isso parece um pouco exagerado, você não acha?
—É? Eu preciso te lembrar o quão profundo ela mergulhou as suas garras em
você. Nem como você ficou endividado. E a frequência com que você viajou para
França e negligenciou as suas obrigações para com a sua propriedade, uma
propriedade que eu lhe dei quando você alcançou maior idade e que você
hipotecou ...
—Você não precisa me lembrar das minhas loucuras passadas—, ele
interrompeu. — Eu mudei, um fato que você apontou ontem. Se você mudou de
idéia por causa de tudo isso ...
—Eu não mudei de idéia nem nada parecido — interrompeu Conyers,
descartando a possibilidade com um gesto.
— Então, porque lembrar do passado?
—Porque você é meu filho, diabos, e eu te amo. E ... — ele se apressou em
acrescentar antes que qualquer um deles se sentisse intenso por uma declaração
tão franca — tenho a obrigação de garantir que você não repita os erros do
passado. Mesmo depois de tanto tempo, não posso evitar temer a influência que
essa mulher pode ter em você.
Denys sabia que o seu pai estava falando da mais profunda e sincera afeição
e teve que engolir em seco antes de responder.
— Você não precisa se preocupar. Miss Valentine vai participar da peça, mas
eu não a vou dirigir. Na verdade, não vou ter que lidar com isso. Agora isso se
tornará dor de cabeça de Jacob.
—Essa mulher não é apenas uma dor de cabeça. É um pesadelo.
—Apenas até que um acorde.
—E você? — Conyers perguntou com um olhar examinador. — Você já
despertou? Se eu tivesse perguntado ontem, eu teria certeza de qual seria sua
resposta, mas o que aconteceu hoje me faz duvidar.

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Essas palavras o feriram profundamente. A sua paixão por Lola esteve prestes
a arruinar a sua vida, o seu futuro e fez a sua família sofrer. Era compreensível
que o seu pai estivesse preocupado, mas Denys não tinha intenção de voltar por
esse caminho.
— Para aplacar as suas dúvidas, pai, acho que tudo que tenho a fazer é deixar
que estes últimos anos falem por mim. Como eu disse, a senhorita Valentine não
é mais uma das minhas preocupações. Jacob é o diretor e ele terá que lidar com
ela. E estou muito feliz que seja assim. Na verdade, —acrescentou, abaixando o
copo e se levantando—, eu não acho que a verei novamente até á noite da estreia.

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Capítulo 8

Denys poderia ter assegurado a seu pai que ele não veria Lola novamente até
a estreia de Otelo, mas levou menos de doze horas para mostrar como estava
errado. Ele estava sentado atrás da sua secretária por apenas quarenta e cinco
minutos quando Dawson abriu a porta do escritório para anunciar:
—Senhorita Valentine veio para vê—lo, senhor.
—Que diabos?
Ele olhou para cima, mas não teve chance de pedir que Dawson lhe dissesse
que não estava disponível. O secretário já tinha saído para permitir que Lola
entrasse.
—Bom dia—, ela cumprimentou–o enquanto caminhava para a sua secretária.
A seda do vestido azul–marinho com renda creme rangeu enquanto caminhava.
— Obrigada por me receber.
—Eu não pareço ter muito a dizer sobre isso— murmurou enquanto se
levantava, desejando ter dito ao seu secretário que Lola Valentine não iria pisar
em seu escritório sem a sua permissão.
Prometendo deixar claro assim que tivesse uma chance, voltou a sua atenção
para Lola, mas Dawson falou antes que pudesse dizer que estava ocupado
demais para falar com ela.
—Posso lhe trazer alguma bebida, senhorita Valentine?
—Senhorita Valentine não vai ficar por muito tempo—, Denys respondeu
antes que ela pudesse responder. — Você pode sair, Dawson.
Ele não ainda não tinha acabdo de dizer aquelas palavras quando já estava se
arrependendo delas. Porque, quando o secretário saiu, fechou a porta atrás de si
e, de repente, o escritório pareceu muito íntimo.
—Eu não sabia se você estava aqui, mas decidi dar uma chance. Se incomodo,
me desculpe.
—Não, não incomoda—, ele disse, mais para se tranquilizar do que para
tranquilizá–la.
Se visitou de surpresa ou não, ele não ia deixar que Lola o preocupasse de
qualquer maneira.

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O pensamento mal passou pela cabeça dele quando Lola trouxe a cadeira
para a mesa e a sua delicada fragrância de jasmim se tornou um forte lembrete
das tardes apaixonadas que ele passou em sua cama. Ele ignorou essa memória
com coragem.
— O que você quer, Lola?
Era uma pergunta seca, falada num tom apenas cordial, mas, se Lola
percebeu, não fez nada para indicá–lo.
—Nada do outro mundo. Eu só queria perguntar quando seremos
concocados para a primeira reunião como sócios.
Isso aconteceu, por ele ter pensado que ela ficaria satisfeita em conseguir um
papel na peça, e o deixaria em paz.
—Não tenho a certeza se entendi—, disse ele, tentando evitar a pergunta. —
Neste momento, nenhuma reunião é necessária.
— Não é necessário?
—A reunião anual da empresa é convocada em janeiro. Sempre foi uma
formalidade, é claro, porque Henry nunca se sentiu obrigado a comparecer. Mas,
se você quiser fazer isso, você tem o direito.
—Claro que eu quero, mas quase nove meses estão faltando. Eu diria que
uma mudança de sócios requer uma reunião, você não acha?
Não, não parecia, mas Lola não lhe deu uma chance de dizer isso.
—Desde que não seja durante os ensaios—, continuou ela, —terei prazer em
encontrá–lo a qualquer hora e a qualquer momento, na semana que vem ou na
próxima, que seja conveniente para você.
Denys temia que não houvesse nenhum momento conveniente, já que Lola
não era o tipo de mulher conveniente.
—O que quer que seja que você quiser falar, vamos falar sobre isso agora.—
Ele apontou para a cadeira na frente dele e quando ela aceitou a oferta, ele
continuou: —Eu acho que seria melhor terminar o mais rápido possível.
—Não é uma questão de terminar nada, como você diz—, respondeu Lola,
ajustando as saias do vestido em volta dela. – Temos que falar sobre como a
sociedade funcionará. Definir as regras básicas, por assim dizer.
—As regras básicas?

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— Sim. Gostaria de poder rever a situação financeira do primeiro trimestre.
Receita nas bilheterias, despesas, custos de produção, esse tipo de coisa.
—Claro que terei prazer em fornecê–los. Diga a Dawson para onde você quer
enviá–los, se ao Savoy ou para o escritório dos seus advogados, e você pode
revisá–los tranquilamente. Agora, se isso é tudo ...
Ele começou a se levantar, mas, como Lola não estava fazendo o mesmo,
voltou para o seu lugar.
—Obviamente não—, ele murmurou.
— Acho que devemos rever em conjunto a situação financeira da empresa.
Denys ficou tenso.
—Não é necessário nem apropriado.
—Denys, somos parceiros de cinquenta por cento do teatro. Nenhum de nós
tem um interesse majoritário, por isso é importante que aprendamos a falar e
tomar decisões sobre o Império juntos.
— Henry nunca considerou necessário se envolver na direção do Imperial.
Por que você vai ter que fazer isso?
—Porque eu quero me envolver no teatro. Henry não o fez, em parte, porque
ele morava a cerca de cinco mil milhas de distância e, em parte, porque ele tinha
muitos outros projetos que exigiam a sua atenção.
—Você também está bastante ocupada ultimamente. Ou ter que participar de
uma peça e aprender o papel principal não a diverte o suficiente?
—Eu não estou fazendo isso para me entreter. Sou a sua sócia e, ao contrário
de Henry, não me sinto como uma sócia silenciosa. Eu entendo que isso não é
fácil para você e me desculpe, mas não podemos evitar.
—Explique-me uma coisa, Lola, o que você pretende conseguir com isso?
— O teatro é a minha vida, Denys. Eu quero participar de todas as suas
facetas.
—Porquê? — Ele exigiu saber. — Por que não é suficiente para você atuar?
—Porque não é suficiente para você dirigir as suas propriedades? — Não
esperou que respondesse. — Porque você ama os desafios de ser um homem de
negócios, essa é a razão. Eu não sou diferente.
—Você não pode ser um homem de negócios, Lola, porque você não é um
homem.

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—Outro motivo para ter algo a dizer sobre o que vamos fazer aqui. — Ela
sorriu fracamente ao perceber a sua perplexidade. — Eu entendo que isso não faz
sentido para você. Por que teria? Afinal, você é um homem.
—Se você está tentando me dizer que se tornou numa sufragista ...
—Ai, não! Não me importaria que as mulheres pudessem votar porque
parece ridículo que não possamos fazê–lo. Mas não vou marchar pelas ruas nem
me acorrentar a nenhum portão. No entanto, quero que você me leve a sério nas
coisas que faço.
—Por que não é suficiente para você atuar? Boas atrizes são levadas a sério.
—Sim, desde que representem as peças que os produtores, investidores e
agentes consideram que devem representar. — Ela se inclinou para frente em sua
cadeira. — Henry jantou com alguns dos seus investidores e, às vezes, me levava
com ele.
Denys não queria saber nada sobre ela e Henry e se mexeu
desconfortavelmente em seu assento, mas Lola não entendeu a dica.
—Henry—, continuou —sempre me dava a oportunidade de conversar com
esses homens, de expressar as minhas ideias, mas se eu sugerisse que faria algo
diferente do que já estava fazendo, a resposta era sempre não. Aqueles homens
estavam felizes em apoiar o meu espetáculo, mas sempre que fosse o espetáculo
de Lola Valentine, mostrando uma boa parte do decote e com uma quantidade
notável de músicas e brincadeiras picantes. Se eu quisesse introduzir algum
elemento dramático ou cantar uma balada, eu teria que esquecer isso. Sabe o
quanto eu estava cansada de tirar o chapéu dos homens com o pé, Denys? Mas
eu sempre tive que colocar esse elemento no espetáculo. Eles nunca me
permitiram eliminá–lo.
—Porque era o que o público queria ver.
—Sim, mas era o meu espetáculo—, disse ela com uma leve risada, segurando
a mão no peito. — Eu criei tudo, tudo foi minha criação. E ainda assim, nenhum
dos investidores conseguiu confiar, que a minha próxima ideia poderia ser tão
atraente quanto as que tinha planejado anteriormente. Eu me tornei uma vítima
do meu próprio sucesso. Ninguém queria que eu fizesse mais nada.
—Existem considerações econômicas para esse tipo de restrição. Nós as
pulamos quando eu financiei Doll’s House e veja o que aconteceu.
—E essa é a razão pela qual eu quero estar no lugar onde decido quais são
esses limites. Não é só porque eu quero atuar, Denys, é muito mais que isso. Se

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eu quero atuar como Lady Macbeth, eu não vou sentar e esperar impotente
enquanto alguém decide que roupa vou colocar, sobre os cenários e com que
diretor vou trabalhar. Eu também quero participar dessas decisões.
—Você quer muito.
—Sim— disse simplesmente, — é verdade. Mas também estou ansiosa para
trabalhar para isso. E sei que tenho muito a aprender.
—E eu devo te ensinar?
— Acho que podemos ensinar um ao outro. O Imperial é um teatro centrado
em Shakespeare e isso significa que você tem um repertório limitado, de modo
que a única maneira de manter vivo o interesse é inovar em cada produção. E
tenho muitas ideias para isso.
—Manter o interesse vivo? — Ele se moveu impaciente em seu assento. —
Nós estamos em Inglaterra. Aqui nós não fazemos as coisas assim.
—Bem, talvez você deva fazê–las.
Denys sacudiu a cabeça. Ficou claro que ela não tinha ideia do que o público
britânico queria, mas antes que pudesse dizer qualquer coisa, ela continuou:
— Estou ciente do que o que eu estou pedindo vai ser difícil para você, para
nós dois, na verdade, especialmente no início, mas esta é a melhor chance que eu
vou ter para controlar a minha própria carreira e implementar as minhas idéias,
para mostrar a minha visão sobre o que um bom drama deveria ser. Eu preciso
me envolver no teatro. A alternativa é sentar sem fazer nada enquanto você ou
outro produtor de outra companhia de teatro toma essas decisões por mim. Eu
não vou permitir isso, Denys. Não, sabendo que tenho a oportunidade de fazer
muito mais. Não posso.
Claro que não podia. Denys olhou para baixo, para os lábios cheios de
batom, para o pescoço delgado e para a curva dos seios generosos. Lola, e se
lembrava perfeitamente, nunca fora uma mulher passiva.
O desejo vibrava dentro dele sem que pudesse fazer alguma coisa para evitá–
lo e, furioso consigo mesmo, ergueu os olhos abruptamente e fixou–o no seu
rosto.
—Tendo em conta o nosso passado ...
— Não podemos esquecer o passado?
Sabendo que ele tinha pedido a seu pai para fazê–lo na noite anterior, não
podia recusar, mas quando Lola se inclinou para ele, a essência de jasmim

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flutuou no escritório como uma memória viva do que eles tinham compartilhado
em outro tempo, e o desejo começou a crescer e a se espalhar por todo o seu
corpo.
—Somos parceiros de negócios—, continuou ela, enquanto Denys tentava
reprimir o desejo que o dominava. – Não podemos nos dar bem? Respeitar o
talento do outro? Trabalhar amigávelmente como colegas?
— Colegas?
Denys levantou–se com tanta força que, com esse movimento, a cadeira rolou
no chão de madeira e golpeou com um estrondo, o aparador atrás dele.
Aquele som a fez estremecer na cadeira, mas ela não se levantou e Denys
entendeu que ele tinha que ser brutalmente honesto ou nunca o deixaria sozinho.
—Eu vejo que preciso que esteja ciente de qual é a sua situação e o que pode
esperar desta sociedade. — Ele se inclinou para frente, descansando as mãos
sobre a mesa. — Quando Henry e o meu pai compraram o Imperial, era um
teatro de segunda categoria em ruínas que, numa boa noite, ocupava metade da
capacidade. Eu o transformei no que é agora e consegui fazer isso sozinho. Eu
não precisava que Henry trabalhasse comigo e, claro, não preciso de você. E não
vou estragar tudo o que tenho feito, arruinar a minha reputação e apostando nas
opiniões que você tem sobre o teatro quando não tem a mais remota idéia das
implicações que pode ter para o negócio. Você tem idéias? Parece perfeito para
mim. Apresente–as a Jacob. Tenho a certeza de que ele irá ouvi-las e, se
considerar que elas têm algum valor, ele as apresentará a mim.
Lola abriu a boca, mas Denys não deu tempo de responder.
— Quanto ao resto, você tem todo direito do mundo de receber cópias de
todos os relatórios financeiros do teatro. Ficarei feliz em enviá–los a você todos
os meses, como fiz com Henry. Além disso, também estou disposto a permitir
que você examine os livros e faça a auditoria das contas sempre que quiser. Eu
posso até mesmo levar um dos meus funcionários para fazer todos os
esclarecimentos que precisa e responder a quaisquer perguntas que você possa
ter. Se preferir, você pode trazer um contador que escolher ou fazer com que os
seus advogados revejem. É tudo o que estou disposto a lhe oferecer. Conforme
estipulado no testamento de Henry, somos, pelo menos por enquanto, obrigados
a ser parceiros, mas nunca seremos colegas. Fui claro?
—Temo que sim. — Ela se levantou devagar. — Mas isso não muda as minhas
intenções. Você tem o direito de desconfiar de mim e a única maneira de superar
a sua desconfiança é o tempo. Eu também sei que você está ressentido comigo,

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mas não tenho que cair-lhe bem para trabalharmos junto e, apesar de sua
animosidade, pretendo continuar tentando fazer esta sociedade funcionar mesmo
se você se recusar a colaborar comigo.
Ela ficou em silêncio então, mas não se moveu para sair e, com o passar do
tempo, o silêncio tornou–se insuportável.
—Isso é tudo? — Denys perguntou, tentando sentir frio quando tudo o que
sentia era calor.
O calor da raiva, ressentimento e desejo que estavam acendendo uma
fogueira dentro dele.
—Eu só quero dizer mais uma coisa— interrompeu. — Eu sei que te
machuquei, Denys, e me desculpe.
—Você sente? — Ele a olhou de cima a baixo, não acreditando nela por um
momento. — Se você pudesse voltar ao passado, você tomaria uma decisão
diferente?
Lola endireitou os ombros.
— Não
—Então, não seja hipócrita. Não se desculpe por algo que você não se
arrepende.
Houve uma batida na porta, a porta se abriu e o Sr. Dawson apareceu com
uma pilha de documentos em suas mãos.
—Com licença, meu senhor, mas o Sr. Swann acabou de enviar os formulários
da audição de ontem.
Denys não sabia se deveria receber essa interrupção com exasperação ou
alívio. Ele tinha muito mais coisas a dizer a Lola, mas provavelmente seria
melhor deixa–lo assim.
—Traga–os para mim, Sr. Dawson. A senhorita Valentine estava prestes a sair
— acrescentou, dando–lhe um olhar significativo.
—É exatamente essa a questão. A senhorita Valentine é a razão pela qual eu
lhe interrompi. O seu formulário está incompleto. — Ele ergueu o formulário em
questão e, quando Denys fez sinal para que ele entrasse, Dawson foi até ao seu
chefe e colocou o documento em sua mão. — Você vê isso? — Ele acrescentou,
apontando para o espaço em branco no formulário. — Como está aqui, pensei
que poderia me fornecer a informação que faltava.
— Obrigado, Dawson. Eu vou cuidar disso.

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O secretário assentiu e saiu, fechando a porta atrás dele novamente.
—Eu não sei o que poderia ter esquecido— disse Lola, contornando a mesa e
parando ao lado de Denys para estudar o papel em sua mão. — Eu pensei que
tinha sido muito cuidadosa ao preencher o formulário.
Denys apontou para o lugar indicado e, quando ela se curvou, virou a cabeça
com um gesto instintivo, inalando a essência primorosa do seu cabelo. Isso foi
uma provocação excessiva para o seu corpo já quente. Denys virou a cabeça
novamente e se precipitou a falar.
—Você não deu o nome e endereço do seu agente em Londres.
—Ah é isso!
Ela se endireitou, mas a distância infinitesimal que colocou entre eles não foi
suficiente para conter as sensações traiçoeiras que o corpo de Denys estava
experimentando. Ele tinha que se afastar dela.
—Você não poderá dar a Dawson essa informação quando for embora? — Ele
propôs com algum desespero.
Lola acenou com a mão, descartando essa sugestão.
—Não é necessário.
—Claro que sim. Para redigir o contrato, os nossos advogados precisam que o
seu agente especifique os termos.
—E se um ator não tiver um agente? O que acontece nesse caso?
— Você não tem um agente? – Ele olhou para ela cautelosamente. — Por que
diabos você não tem um agente?
—Henry cuidou de tudo isso para mim. Desde que ele morreu, eu não
procurei ... —Ela ficou em silêncio e os cantos dos lábios se apertaram. — Até
agora eu não vi a necessidade de ter um agente, isso é tudo.
A lembrança de Henry foi suficiente para evitar que as sensações traiçoeiras
de seu corpo o ultrapassassem.
—Lola, isso não pode ser. Você precisa de um agente.
—Porquê? — Ela sorriu para ele de repente. — Você está planejando se
aproveitar de mim, Denys?
A sala, estava ficando muito quente. Denys sentiu um desejo quase
irreprimível de afrouxar a gravata. Mas ele os dominou.

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—Não flerte comigo—, ele repreendeu no tom mais frio que era capaz. — É
uma estratégia de distração, Lola, e você a usa quando não gosta da direção que
uma conversa está tomando. O que eu não entendo é porque você está mentindo.
Lola suspirou sabendo que estava presa, mas não deu nenhuma explicação.
– Henry é o motivo da sua relutância em ter um agente? Você ... —Ele parou,
mas depois de um momento ele se forçou a continuar. — Tenho a certeza de que
você sente falta dele, mas nem você nem a sua memória serão úteis para retardar
o momento de encontrar uma pessoa que represente os seus interesses.
—Eu não estou atrasando— protestou. — É só que, na minha situação atual,
eu não preciso de um agente. Por que quero que alguém se encarregue de mim
em troca de me cobrar uma porcentagem exorbitante para conseguir um contrato
com meu próprio parceiro? Parece bobo para mim.
—O fato de eu ser justo com você não significa que os outros serão. Você
precisa de um agente para encontrar trabalho, negociar os seus contratos ...
—Eu já tenho trabalho. Quanto à negociação de contratos, estou convencida
de que você e eu seremos capazes de lidar sem ter que colocar uma terceira parte
nisso.
—Você está confiante demais.
—Eu não estou confiante, mas eu conheço você e sei que você é
escrupulosamente honesto. Você não seria mais capaz de me trair do que trair o
seu país.
Denys, achou a prova de quão bem o conhecia, muito chata.
—E se você não manter o seu lugar para a próxima temporada?
— Eu vou me preocupar com isso quando acontecer.
— E se você quiser conseguir um trabalho em outra companhia?
— Com um concorrente? — fez um som de zombaria, desdenhando essa
possibilidade. — Como eu disse, quero trabalhar com o meu sócio e na minha
companhia, não na companhia de outros. Além disso, —ela acrescentou com um
sorriso— pretendo me certificar de que só contratamos diretores que apreciem o
meu brilhante talento dramático.
A opinião de Denys sobre isso deve ter se refletido em seu rosto, porque o
sorriso de Lola desapareceu e ela suspirou.
— Foi uma piada, Denys.

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Mas Denys não parecia querer rir.
—Se Otelo acabar sendo um fracasso, você pode querer tentar a sua sorte em
outra companhia.
—Não será um fracasso— arregalou os olhos. — Como é que vai ser um
fracasso se temos Arabella Danvers, uma das mais bem sucedidas e mais
populares intérpretes de Shakespeare em Londres, para o papel principal?
Apesar de tudo, conseguiu arrancar um sorriso dele. Levou ousadia, pensou
Denys, censurá–lo por ter tomado a decisão lógica de contratar Arabella.
— A inclusão da sra. Danvers, por mais valiosa que seja, não garante sucesso.
Você sabe também como eu, que é impossível prever como as coisas vão acabar.
—De uma coisa podemos estar seguros—, ela respondeu, deslumbrando-o
com um sorriso. — Na noite de abertura, o teatro estará lotado de espectadores
que querem ver se Lola Valentine vai se revelar um fracasso tão espetacular
quanto da última vez.
Denys podia ver a dor por trás dessas palavras.
— Por isso é melhor procurar um agente antes da estreia — ele disse, embora
se perguntasse por que diabos ele precisava se importar.
— Caso eu não consiga um mais tarde, você quer dizer? — Ela ficou séria e
olhou para ele. — Eu farei o meu melhor para não decepcioná–lo pela segunda
vez.
— Não é isso que pretendo dizer. Eu estava apenas dizendo que um trabalho
malsucedido poderia te machucar durante toda a temporada e, em seguida, seria
mais difícil para você encontrar um agente no próximo ano, se você quiser fazer
outra coisa. Com um agente, todo o processo seria mais fácil.
—Eu duvido. — Ela franziu o nariz com um sorriso triste. — É evidente que
você esqueceu que eu tinha um agente durante a representação da Doll’sHouse.
Quando suspendemos o trabalho, isso não me ajudou. Ele sugeriu que
considerasse deixar o teatro. Ele me disse que, em qualquer caso, isso não
importava, já que tinha uma carreira muito mais lucrativa.
—A dança?
—Não—, o sorriso tremeu quando olhou em seus olhos, —você.
Denys respirou fundo, sentindo a memória do seu antigo relacionamento
cavando como uma faca em suas entranhas. Ele puxou a gaveta à esquerda da
escrivaninha, vasculhou os cartões que tinha acumulado ali e tirou três.

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—Aqui.— Ele os segurou.
—O que é isso? — Ela perguntou enquanto os agarrava, mas, depois de olhar
para o primeiro cartão, balançou a cabeça.
—Denys, eu já te disse ...
—Não me importo com o que você disse. Estes homens têm grande prestígio
como agentes, são tenazes na negociação e ética escrupulosa. Jamison pode ser o
mais adequado para você, porque ele representa a maior variedade de clientes,
mas nenhum deles vai tentar empurrá–la para o teatro ou para o cabaré, se não
for o que você quer. Eles vão lutar por você, eles não vão enganar ou abandonar
você e, claro, eles não vão fazer insinuações desagradáveis sobre a sua vida
privada. Faça uma entrevista e escolha um deles. Ou você pode procurar por um.
Seja como for, —ele acrescentou, esperando terminar essa reunião— não
pretendo assinar um contrato até que você tenha um agente.
Lola ficou furiosa quando o ouviu.
—Você está sendo muito autoritário com a minha carreira.
— Se você não gosta, pode procurar trabalho em qualquer outro lugar —
então chegou a hora de sorrir para ela — Certamente no Gaiety eles te
contratariam.
A raiva de Lola pareceu desaparecer tão rapidamente como tinha surgido e,
antes que ela sorrisse de novo, Denys sabia que estava mudando de tática. Então,
quando falou, as suas palavras não foram uma surpresa.
—Vamos chegar a um acordo. Isso é o que os parceiros fazem, certo?
Denys recordou as tardes que passara na cama, mas, nesta ocasião, conseguiu
manter o olhar fixo no rosto dela.
— Que tipo de acordo você está pensando?
Lola levantou os cartões.
— Eu procurarei um agente se você aceitar que tenhamos uma reunião como
sócios.
Denys teve que rir. Era tão escandaloso que não podia evitar, apesar das
imagens eróticas que enchiam a sua mente e o desejo que estava borbulhando em
seu corpo
—Então para conseguir algo que você quer, você está disposta a fazer algo
que beneficie você.

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


Lola mordeu o lábio e olhou para ele sobre a borda das cartas com um falso
gesto de desculpas.
— Acho que é o que parece.
—E se eu aceitar, o que eu ganho em troca?
—O que você deseja?
Aquela pergunta provocativa era como uma rajada de vento sobre as brasas
de uma fogueira. A diversão desapareceu e o desejo explodiu em intensa
excitação, dando–lhe provas irrefutáveis, caso ele precisasse de alguma, que ser
um sócio de Lola era uma tarefa impossível.
—Nada—, respondeu ele, odiando que, depois de tudo o que tinha
acontecido, ela poderia excitá–lo contra a sua vontade. — Eu não quero nada de
você, exceto que você saia do meu caminho.
—E isso é algo que eu não posso aceitar. Então a única alternativa é dividir o
Imperial. É isso que você quer?
Denys odiava situações em que não tinha possibilidade de escolha. Ele odiava
estar preso num cenário em que a única via de fuga era a aniquilação.
—Se isso serve para me livrar de você — respondeu ele — a resposta é sim.
—Se isso fosse verdade, você nem teria permitido que eu participasse na
audição. Você teria me mostrado a porta e teria me dito que nos encontraríamos
em tribunal.
—Uma opção que eu estou considerando mais plausível a cada segundo que
você passa aqui—, ele murmurou e olhou para ela. — Os sócios de uma empresa
não precisam cair bem, mas precisam confiar uns nos outros, e a minha confiança
é algo que você nunca mais poderá ganhar.
Lola se encolheu, mas não se mexeu.
—Nunca é muito tempo, Denys, e pretendo ganhar a sua confiança. Eu sei
que agora você está cheio de ressentimento, e é compreensível, mas o
ressentimento é algo difícil de se manter dia após dia e ano após ano.
A menção dos anos lembrou Denys de como ele estava preso.
—Diabos, Lola, o que você está sugerindo é impossível.
—Não entendo porquê.
—Não entende?

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


Sentindo–se provocado além da tolerância e frustrado por um desejo que
continuava a parecer ingovernável, ele colocou o braço em volta da cintura dela.
O formulário voou para o chão quando ele apertou Lola com força contra ele.
—O que faz? — Ela perguntou com um suspiro.
—Você quer saber por que isto não pode não funcionae, Lola?
Com o desejo pulsando por todo o corpo, ele pousou a mão na bochecha dela
e pressionou o polegar sob o queixo dela para fazê–la inclinar a cabeça. A pele de
Lola era tão suave quanto ele se lembrava, a fragrância de seu corpo era tão
intoxicante como sempre, e mesmo quando ele disse a si mesmo que estava
cometendo um erro fatal, Denys inclinou a cabeça.
—É por isto— ele disse, e a beijou.

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Capítulo 9

No momento em que os seus lábios se encontraram, o prazer penetrou em


Lola como uma flecha. Era um prazer tão agudo e doloroso que gemeu contra a
sua boca.
Denys respondeu instantaneamente. Ele apertou os braços ao redor dela e
puxou–a ainda mais contra ele. A mente de Lola voltou para o passado, aquelas
noites de verão em St. John’s Wood, o aroma de jasmim e pimenta da Jamaica, o
fogo e o frenesim dos seus encontros amorosos e a deliciosa languidez que os
seguia, numa época e num lugar onde a felicidade era a única coisa que
importava, numa época em que eles tentaram apagar as diferenças sociais entre
um visconde e uma dançarina de cabaré.
Denys, pensou, e o prazer se aprofundou e se espalhou até ao último canto do
seu corpo, acompanhado por um desejo que não se permitia sentir por anos.
Ela separou os seus lábios e Denys aprofundou o beijo, saboreando a língua
com a sua, numa carícia carnal que acendeu todos os seus sentidos. Quando a
bolsa caiu no chão com um baque surdo, Lola passou os braços ao redor do
pescoço de Denys.
Denys fez um som rouco contra a sua boca e soltou o seu abraço, mas não a
afastou. Em vez disso, ele pousou as mãos em seu corpo, deslizando entre as
suas costelas e quadris. Lola sentiu as mãos de Denys como línguas de fogo,
parecia queimar todas as camadas de roupa enquanto ele a segurava contra ela.
Em algum lugar no fundo da sua mente, sabia que deveria impedi–lo, porque
aquilo poderia arruinar tudo o que tinha vindo fazer a Londres, mas temia que
fosse tarde demais. A textura da sua bochecha, o gosto da sua boca e a sensação
dura do seu corpo provou ser dolorosamente familiar e quando Denys apertou
suas mãos em torno dos seus quadris para levantá–la, fazendo–a ficar na ponta
dos pés e puxar os seus quadris para ele, não foi capaz de reunir a força de
vontade que precisava para afastá–lo.
Ela pensou que tinha passado tempo suficiente. Que, nesta altura, ambos já
teriam superado isso. Os beijos de Denys, as suas carícias, os seus encontros
amorosos, aquelas tardes passadas juntos ... Ela tinha de esforçado para
transformar tudo em uma lembrança distante. Mas, naquele momento, com o seu
corpo contra o dele e a excitação fluindo no seu interior, era como se nenhum dia
tivesse passado.

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


Sem aviso, Denys interrompeu o beijo. Esticou as mãos nos quadris de Lola,
empurrou–a para trás e deixou as mãos caírem para os lados do corpo.
Lola olhou para ele, silenciosa, confusa e com os lábios ardendo. Ela deveria,
supôs, dizer algo, algo irrelevante, recuperar a compostura e fingir que nada
tinha acontecido. Mas mesmo que a sua vida tivesse passado, não teria pensado
em nada. Ela colocou os dedos na boca e permaneceu em silêncio.
Foi a voz de Denys que interrompeu o silêncio.
—Meu Deus—, disse ele, com a voz embargada, —se isto não prova que estou
certo, não sei o que poderá fazê-lo.
Lola franziu a testa, tentando pensar.
— Prova o quê?
Denys respirou fundo e recuou, esfregando o rosto.
—O que eu tenho tentado provar desde que você chegou.
Aquelas palavras foram como um jarro de água fria que extinguiu,
imediatamente, o fogo que a queimava, deixando–a tão raivosa quanto um gato
encharcado.
— Você me beijou para provar isso?
—Não, não. Embora tenha sido uma ótima maneira de defender o meu
argumento. Eu gostaria que tivesse me ocorrido antes. —Ele olhou para ela. Ele
parecia tão zangado quanto ela, embora Lola não pudesse entender que motivos
ele poderia ter para isso. —Mas parece que quando você está perto, a minha
capacidade de pensar em planos distorcidos para te afastar de mim, me deixa
completamente.
— Então o que aconteceu é minha culpa? —Lola lançou–lhe um olhar
assassino, ultrajada pelo fato de estar descrevendo–a como uma espécie de
perversa sedutora. — Claro, claro. Afinal de contas, você não pode esperar que
um homem se comporte honrosamente quando tem uma dançarina, bem
conhecida com tão má reputação, na frente dele. Você não pode pedir tanto de
qualquer homem, nem mesmo um cavalheiro como você.
Ela tinha acabado de atingir o ponto, ela tinha certeza, sabia por que achava
que viu uma sombra de arrependimento em seu rosto. Mas, se ela achava que
Denys iria se desculpar, ela estava muito confundida.
— Como eu acabei de dizer, não fiz isso para provar nada, mas mesmo assim
é claro. Nós não podemos ser parceiros.

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—Oh não! —balançou a cabeça. — Não, não e não! Se você acha que se
comportar desta maneira, seja deliberado ou não, será capaz de se livrar das suas
obrigações em nossa sociedade, está enganando.
— Obrigações?
A raiva de Lola se transformou em determinação.
—Eu vou convocar uma reunião. De acordo com os estatutos do Imperial,
tenho o direito de o fazer e pretendo exercer esse direito. Eu farei todos os
arranjos necessários com o seu secretário.
— Faça todos os arranjos que quiser, mas não participarei da reunião.
—Como você desejar. — Ela se abaixou para pegar a bolsa do chão. —Se você
faltar, tomarei todas as decisões que considerar necessárias e será informado
imediatamente. Acho que vou começar a decidir o cartaz do ano que vem.
—Um trabalho inútil. Sem o meu consentimento, você não pode tomar essa
decisão, ou qualquer outra, é claro.
— Nem você.
Denys estreitou os olhos até que eles eram apenas duas fendas.
—Se você acha que pode atrapalhar o meu trabalho, Lola, você está
cometendo um grande erro.
—Você pode dizer o que quiser, mas continuamos a ser parceiros iguais e...
—Sim, verdade? —Ele interrompeu antes que pudesse terminar. —Em um
nível legal, suponho que você esteja certa. Mas, em uma sociedade igualitária,
cada uma das partes contribui com algo que pode beneficiar o todo. O que você
pode contribuir que eu não tenha?
—Muitas coisas. Tenho ideias ...
—Qualquer ator que mereça tal nome tem idéias. Todas as atrizes têm uma
idéia de como interpretar o seu papel e qual roupa querem usar. Mas isso não os
torna valiosos como parceiros em um negócio. É por isso que, Lola, você precisa
de algo mais. Você tem um contato que eu não tenho acesso? Alguma influência
nos círculos teatrais de Londres que eu não tenho? Alguma experiência no
mundo da produção? Na direção de um teatro? Você tem visão para negócios?
Inferno, com todas essas idéias que você presume ter, você poderia contribuir
para aumentar os benefícios do Imperial? Ou ... — acrescentou — seu maior
talento é dormir com o homem certo na hora certa?

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—Oh! — Ela exclamou indignada. Era óbvio que ele estava tentando
intimidá–la, mas não ia funcionar para ela. —Primeiro de tudo —, disse com os
dentes cerrados — eu só dormi com dois homens em toda a minha vida e um
deles é você. Então, talvez, em vez de continuar apontando as minhas supostas
deficiências, você deveria dar uma olhada nas suas. A hipocrisia pode ser um
bom exemplo, como a sua falta de cavalheirismo acabou de provar.
Ela parou, mas apenas o suficiente para respirar antes de continuar.
—Em segundo lugar, por mais que você negue, o fato é que eu sou sua sócia
igualitária e, embora seja evidente que não posso esperar que você confie em
mim, que me perdoe ou me respeite, espero que você possa me mostrar a
consideração e o respeito que a minha posição exige. Ou tomamos as decisões
juntas, Denys, ou não podemos tomá-las de todo.
Ela se virou, saiu e deu a si mesma a grande satisfação de sair batendo a
porta. Claro, não era um gesto de uma dama, mas, afinal de contas, ela nunca
fora.

Denys permaneceu olhando para a porta fechada. Ressentimento e excitação


ferviam dentro dele em igual medida. Nos últimos seis anos, ele raramente tinha
experimentado esses dois sentimentos ao mesmo tempo, mas desde que Lola
retornara à sua vida, ele estava naquele estado emocional tumultuado com
bastante frequência.
Talvez, em vez de continuar apontando as minhas supostas deficiências, você deva dar
uma olhada nas suas.
Ele fez uma careta, tristemente ciente de que não estava em posição de negar
essas palavras. Acusar ela de imoralidade tinha sido hipócrita, para não
mencionar rude, e Lola tinha todo o direito no mundo de estar indignada com
isso.
Eu só dormi com dois homens em toda a minha vida e um deles foi você.
Ele franziu a testa. O desconforto suplantou a raiva. O outro homem era
Henry, é claro, mas, pensando nisso, ele hesitou. A possibilidade de que Lola
fosse virgem quando eles se tornaram amantes não correspondia ao que ele
lembrava. Claro, ela tinha menos experiência do que ele esperava de uma jovem
em sua profissão, mas ele nunca tinha pensado nela como uma virgem. Então, se

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ela acabava de lhe dizer a verdade, Henry e ela não eram amantes. Mas isso era
ridículo.
Ou não?
Denys murmurou um juramento. Deus, ele estava tentando encontrar uma
maneira de justificar o que Lola havia feito para acreditar nela de novo?
Sim. O céu o ajudasse, mas era o que ele estava fazendo. E sabia por quê.
Apesar de tudo o que tinha acontecido e de tudo o que ele tinha feito, ainda a
queria, queria tanto que a tinha estreitadoem seus braços e beijado–a sem pensar
em controlar-se ou nas possíveis consequências. Durante aqueles minutos, não
conseguiu pensar em nada.
Ele apertou a cabeça e rangeu os dentes em frustração, se perguntando o que
diabos estava errado com ele, por que ainda não tinha sido capaz de superar esse
relacionamento. Já não estava apaixonado por Lola e, claro, não confiava nela.
Mas ele a queria tanto quanto antes e não sabia o que poderia fazer a respeito,
além de pular de um penhasco. Se uma conta bancária vazia, um coração partido
e seis anos não tivesse curado aquela paixão louca e insaciável, o que poderia
fazê-lo?
Sentindo a necessidade de se mexer, baixou as mãos, deu a volta na mesa e
começou a andar pelo seu escritório, mas, se achava que isso o iria arrefecer e
ajuda–lo a recuperar a sanidade, estava enganado. Ele foi até à janela e olhou
para a rua a tempo de ver o objeto de seus pensamentos turbulentos na calçada.
Quando ele a viu, parou de repente. Quando Lola parou na esquina,
esperando o tráfego se dissipar, disse a si mesmo que ele deveria desviar o olhar.
Mas, apesar do seu cérebro dar a ordem, o seu corpo traiçoeiro se recusou a
cumpri–la. Ele não se moveu e o desejo que estava tentando suprimir inflamava
com a mesma força e intensidade de sempre.
Nada mudou, pensou sombriamente. Ele estendeu a mão como se quisesse
tocá–la, pressionando as pontas dos seus dedos no vidro enquanto as garras do
desejo e frustração cravavam nele.
Oito anos e meio desde a primeira vez que a vi e nada mudou.
Lola se inclinou sobre a calçada, tentando ver se o tráfego diminuía com um
movimento que aumentava a curva dos seus quadris e Denys se afastou da
janela. Voltar a sentir tudo isso novamente depois de seis anos de paz e sanidade
era o suficiente para deixa–lo louco. Estar ciente de que, o seu controle e a sua
força de vontade, poderiam deixa–lo quando ela estava perto, era insuportável.

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Era impensável para um homem suportar uma situação como esta. Tinha que
haver uma saída para isto, pelo amor de Deus, e ele iria encontra–lo, porque não
tinha intenção de arruinar a sua vida pela segunda vez por causa de Lola.

Lola se afastou do escritório de Denys. Ela estava tão brava que nem se
importava para onde ia. Tudo o que queria era se afastar dele. Naquele
momento, não conseguia nem lembrar como havia respondido ao seu argumento
exasperante, mas ao menos era o que havia dito por que não havia palavras no
mundo para expressar a raiva. Deveria ter lhe jogado um tinteiro.
Ou o seu maior talento está em dormir com o homem certo na hora certa?
Não poderia haver um argumento mais hipócrita, implacável e injusto ... Mas
não totalmente imerecido.
Ela parou tão abruptamente na calçada que quase colidiu com o homem atrás
dela. Ele se esquivou dela para evitar uma colisão e a cercou enquanto ela
permanecia imóvel, encarando a verdade brutal que, embora a acusação de
Denys não fosse verdadeira, era bastante razoável. Ela não tinha o direito de ficar
zangada com ele quando o que ele pensava dela era, exatamente, o que queria
que ele pensasse.
Denys acreditava que o deixara por Henry Latham e que parte do seu acordo
com isso era conseguir uma carreira mais lucrativa em Nova York. Quando
decidiu voltar, sabia que teria que enfrentar a sua hostilidade, então por que
estava com raiva por ter expressado isso?
Porque até então, não tinha sido consciente do quanto isso ia doer.
Essa era a verdadeira razão pela qual ela estava tão furiosa que deitava fogo
pela boca. Estava com raiva de si mesma. Ouvindo Denys dizer o que pensava,
abrira uma ferida antiga, uma ferida cuja existência não tivera a honestidade de
admitir.
Fazia muito tempo desde que ela parou de se importar com o que as pessoas
pensavam dela, mas Denys era diferente. Ele sempre foi capaz de penetrar em
sua pele, romper as suas defesas.

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E esse sentimento parecia mútuo, caso contrário, ele não a teria beijado. E
fingiu que fizera isso para demonstrar a natureza insustentável da sua sociedade,
mas era insustentável porque ele a queria.
Ele se ressentia dela, talvez até a menosprezasse. Claro, ele não a perdoou e
não tinha por ela o menor respeito. Mas, no meio de tudo isso, o desejo que uma
vez foi sentido por ela, permaneceu.
Essa era uma possibilidade que Lola se recusara a considerar até então.
Durante as semanas que se seguiram à morte de Henry, toda vez que pensava na
possibilidade de que Denys ainda a quisesse, a descartara e repreendera-se a si
mesma pela sua arrogância. Durante todo aquele processo, esse foi o único
cenário para o qual não havia se preparado, a única contingência para a qual não
tinha um plano. Mesmo na noite anterior, quando Kitty a avisara, ela conseguira
convencer–se de que isso era tão provável quanto ver uma vaca voando. No
entanto, naquele momento, com o corpo ainda queimando depois daquele beijo,
não podia se permitir continuar enganando a si mesma. O desejo que Denys
sentira por ela ainda estava lá. E, como aquele beijo havia mostrado tão
cruamente, também o seu desejo por ele.
Mortificada, Lola gemeu e enterrou o rosto corado nas mãos, indiferente ao
fluxo de pedestres que passava ao seu lado. Ao longo de sua vida, viveu com a
convicção de que, se quisesse algo, teria que obtê–lo por seus próprios meios.
Quando o testamento de Henry lhe ofereceu essa oportunidade, sabia que teria
de ser ela que fizesse funcionar e tinha ousado pensar que era possível. Teve a
esperança, estúpida, talvez, de poder eliminar o passado e começar de novo. Ser
capaz de apagar aquela garota que tirou as roupas na frente dos homens nas
tabernas do Brooklyn e a dançarina de cabaret que tinha se rebaixado para se
tornar a mantida de um aristocrata. E passou a acreditar que ela, que havia
aperfeiçoado a arte da sedução sexual como um espetáculo, poderia se tornar
uma atriz e produtora digna de respeito. E, no entanto, ela acabara de se
comportar como a mulher dissoluta que todos, inclusive Denys, achavam que
era.
No momento em que ele passou os braços em volta dela, ela deveria tê–lo
empurrado, esbofeteado e exigido que mantivesse as mãos quietas. Mas Denys a
tinha beijado, a tinha tratado com brusquidão mesmo, e ela não só tinha
permitido, mas tinha desfrutado cada segundo e não tinha pensado por um
momento na sociedade, nas suas aspirações nem no seu futuro .
—Você está bem, senhorita?

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Lola levantou a cabeça, virou–se e descobriu um jovem ao lado dela, um
jovem de terno listrado e as mangas manchadas de tinta, de um funcionário que
a observava com uma preocupação educada.
Ela deu um sorriso instantaneamente.
—Sim, claro. Obrigada.
Ele continuou andando e Lola respirou, controlou a sua respiração e tentou
pensar friamente.
Ao optar por retornar a Londres, havia ignorado algumas das possíveis
consequências, era verdade, mas mesmo se tivesse sido possível prever os
acontecimentos daquele dia, teria preferido ficar em Nova York e permitir que
essa oportunidade deslizasse entre os dedos?
Impossível.
Passou anos bamboleando no palco e mostrando o seu corpo, mas queria
mostrar ao mundo que sabia como representar verdadeiramente. Ela queria que
os críticos que a tinham desprezado pela sua performance na Doll’s House,
comessem o que tinham escrito sobre ela. E queria respeito, respeito profissional
que conquistaram atrizes como Ellen Terry e Sarah Bernhardt, um respeito que
escasseava para intérpretes como ela. E queria aprender sobre o negócio do
teatro. Queria produzir os seus próprios trabalhos, ver que as suas idéias
ganhavam vida e não apenas satisfaziam de uma perspectiva criativa, mas que
também eram lucrativas.
O Imperial era a sua chance de fazer todas essas coisas e não deixaria que um
beijo estúpido se interpusesse no seu caminho. Ela poderia ter se recusado a ver
isso acontecer, mas sempre soube que a condução daquela sociedade não seria
plácida, então não havia sentido em chorar assim que o primeiro incidente
surgisse. O que Denys e ela tinham tido noutra época tinha terminado e não
podia permitir que os vestígios do desejo do passado interferissem em seu
futuro.
Ela devia fazer Denys ver que, não era mais a sua amante, nem a sua antiga
querida, nem a mulher que o fez sofrer. Ela tinha que fazer com que a visse como
igual.
E como você planeja fazer isso? Uma pequena voz desafiadora perguntou dentro
dela.
Como se respondesse a uma pergunta, a voz de Denys voltou para ela.

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


Com todas essas ideias que você presume ter, você poderia contribuir para aumentar
os benefícios do Imperial?
De todos os desafios que ele jogou nela, só poderia estar à altura daquele,
pelo menos a curto prazo. Ela ainda não tinha contatos em Londres, não tinha
experiência no mundo dos negócios e não tinha visto um relatório financeiro em
sua vida. Mas tinha inteligência, coragem e imaginação. Essas qualidades a
levaram dos currais de Kansas City aos cabarés de Paris e de lá a um espetáculo
de sucesso em Nova York, no qual era a única artista. Então poderia confiar nelas
novamente.
E com isso, a determinação e o otimismo inato de Lola retornaram. Ela
agendaria uma reunião da sociedade, como dissera a Denys que faria, e esperava
que ele aparecesse porque estava pensando em levar uma ideia de finanças
absolutamente brilhante. Tudo o que tinha que fazer era descobrir qual.
Ela pensou sobre isso por alguns segundos, pegou na bolsa que estava
carregando debaixo do braço, abriu–a e tirou os cartões que Denys tinha lhe
dado. A primeira coisa que ela tinha que fazer era manter a parte do acordo que
havia proposto e procurar um agente. E, talvez, conseguisse alguma informação
valiosa e teria algumas idéias no processo, pensou, quando bateu o cartão branco
contra a pele macia da sua mão enluvada.

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Capítulo 10

Denys pensou ter deixado claro para Lola que eles nunca poderiam ser
parceiros e esse beijo, embora involuntário, fornecera a melhor prova do porquê.
Ele descobriu, no entanto, que, apesar de tudo, não tinha conseguido dissuadi–la.
Na segunda–feira de manhã, ele recebeu um convovatória formal para
participar de uma reunião, tornando–o mais determinado do que nunca a
terminar tudo isso. Mas as opções eram limitadas. As únicas maneiras de escapar
eram vender a parte da sua família, comprar a de Lola ou encontrar alguma
maneira de quebrar o acordo. A primeira opção recusou–se a considerar e a
segunda já tinha tentado. Então o terceiro era sua única esperança. Ele falou
sobre o assunto com os seus advogados e passou dois dias lendo atentamente o
acordo de parceria sem nenhum resultado. Ele começou a temer que estaria
ligado a Lola para sempre.
Mas então recebeu uma nota do seu amigo Nick convidando–o para um
jantar no White's com Jack Featherstone e o resto de seus amigos íntimos e o seu
ânimo melhorou um pouco. Os seus quatro amigos, que já conheciam Lola,
sabiam que aquela mulher era um caos dentro de um espartilho. E eles tinham
testemunhado a evolução da desastrosa aventura de Denys, para que eles
entendessem as razões pelas quais, ele queria manter essa mulher o mais longe
possível da sua família e dele. Eles eram todos empresários, então certamente,
poderiam lhe dar algum conselho valioso. Aceitou o convite de Nick
rapidamente.
Na noite seguinte, ele esperou até ao final do jantar e da primeira rodada do
porto para abordar o problema que tanto espaço ocupava na sua mente.
—Lola voltou para Londres.
Aquelas palavras teriam levado qualquer homem a beber e ele esvaziou o
copo de vinho do porto de um só gole.
A resposta inicial dos seus amigos foi variada. Nick assentiu sem se
surpreender. Era provável que a sua esposa, Belinda, uma das mulheres mais
influentes da alta sociedade em Londres, soubesse das notícias quase desde o
início. Stuart, duque de Margrave, levantou uma sobrancelha com
imperturbabilidade ducal e não disse nada. James, conde de Hayward soltou um
assobio. E Jack, sempre imparável, teve a coragem de rir.

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—Você parece um pouco nervoso com tudo isso, meu amigo— disse ele. —
Isso é um problema para você?
Denys olhou para o homem sentado ao lado dele, incapaz de acreditar que
Jack fizera essa pergunta.
—Lola está de volta—, ele acrescentou enquanto seu amigo sorria de orelha a
orelha —está aqui em Londres.
—Eu ouvi, você não precisa repetir.— Jack olhou para ele e se recostou contra
o braço de sua cadeira, copo na mão. —Mas não tenho certeza do que isso
significa.
Denys começou a explicar para ele, mas nem mesmo depois de contar os
eventos da semana anterior, evitando alguns detalhes, é claro, a diversão de Jack
diminuiu um pouco.
— Por Júpiter, Denys! Você é um homem de sorte.
— Sorte?
—Sim, você é solteiro e tem um negócio com uma mulher bonita e desejável.
Que homem solteiro não se consideraria sortudo em tais circunstâncias?
—Este aqui— assegurou–lhe Denys, e pegou o decantador para reabastecer o
seu copo. —Eu preferiria o diabo por parceiro. Embora eu não ache que haja
muita diferença — acrescentou sombriamente.
—No começo, a mudança será difícil, sem dúvida— disse Nick, que também
estava sentado ao lado dele, enquanto Denys lhe entregava a garrafa. — Você
terá que lidar com alguém que não está no outro lado do mundo e permite que
você tome todas as decisões.
—Não é essa a minha objeção.
— Então qual é?
—Lola acha que devemos fazer as pazes, enterrar o passado e trabalhar
juntos. Como colegas. —Ele parou para beber um gole de vinho. —Meu Deus,
que ideia!
Nick encolheu os ombros.
—É assim tão absurdo?
James impediu Denys de responder removendo o decantador da sua mão.
Como se também aproveitasse a oportunidade para dar uma opinião, deu a sua.

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


— Por que vocês não podem trabalhar em conjunto? —Ele perguntou
enquanto servia o vinho. —A abordagem de Lola parece bastante sensata para
mim.
—Sensata? —Denys não podia acreditar no que estava ouvindo.
—Sim, é— disse Stuart ao tomar o porto de James. —Você é sócio em um
negócio muito lucrativo e não pode administrar esse negócio sem ela, pelo menos
não sem táticas agressivas e disputas legais. Já faz muito tempo que a vosssa
relação aconteceu. Os dois continuaram as suas vidas e você superou. —Stuart
interrompeu–se, encheu o copo de novo e olhou com os olhos cinzentos para
Denys do outro lado da mesa. —Ou não?
—É claro que superamos isso.
Ele lutou para manter uma expressão neutra enquanto falava. A última coisa
que ele precisava era que os seus amigos percebessem que isso não estava tão
superado quanto queria acreditar.
—Não há considerações românticas aqui—acrescentou.
—Bem, ainda bem. — Stuart deixou o porto ao lado de Jack e recostou–se na
cadeira. —Alguém planeja ir para Ascot em junho?
Os nomes de alguns assistentes e de um par de cavalos foram comentados
antes que Denys pudesse colocar objeções.
—Diabos, senhores. Eu não quero falar sobre Ascot. Estou numa bagunça e
gostaria de receber sugestões sobre como sair dela.
—Eu não sei o que você pode fazer— reiterou Stuart, —a menos que você
venda a sua parte. Eu não tenho certeza se você tem alguma saída e não entendo
porque você deve fazer isso. O que mais podes fazer?
Denys não teve oportunidade de responder.
—Parece que voltamos à pergunta inicial—, disse Jack. —Onde está o
problema?
—Lola é o problema —Denys olhou em volta da mesa, observando perplexo,
os seus olhares de incompreensão. —Lola, a mulher por quem todos nós, exceto
Stuart, estivemos enamorados. A mulher por quem Nick enlouqueceu de tal
maneira, que tentou roubá–la de mim uma vez, se bem me lembro.
—Você quer dizer que eu tentei recuperá–la— disse Nick com um enorme
sorriso —, desde que, para começar, fui eu que a apresentei a você.
—Nós dois a apresentamos a você— corrigiu Jack.

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


—Que seja— continuou Nick, —falhei. Apesar de todos os meus convites
para jantar, as minhas ofertas caras de champanhe e o meu lado mais espirituoso
e charmoso, não consegui nada. Por alguma razão inexplicável, ela escolheu
você. Mas Jack e eu a conhecemos antes, então, se alguém roubou de alguém,
Denys, foi você.
—Isso é um absurdo—, Denys negou, ficando de repente na defensiva. –Você
acabou de admitir que não conseguiu nada com ela. E nem Jack. Então não me
diga que eu a roubei porque nunca foi sua.
—Eu não tenho a certeza se Lola pode pertencer a qualquer homem—, disse
Jack com uma risada. —Tanto quanto me lembro, ela sempre foi dona do seu
coração e da sua cabeça. Eu suspeito que isso é o que a torna tão fascinante.
—Uma característica que também faz dela uma péssima sócia comercial—
disse Denys, esperando que eles pudessem evitar qualquer conversa sobre os
aspectos mais fascinantes de Lola.
—E porquê? —Nick perguntou. —Porque terá opiniões diferentes? Porque
não será capaz de concordar? Porque acha que vai lutar?
—Sim, exatamente. Os parceiros têm que concordar.
—Não necessariamente. Opiniões e pontos de vista diferentes podem
fortalecer uma sociedade.
—Você e eu somos agora parceiros na cervejaria, Nick. Se tivéssemos gasto
todo o nosso tempo discutindo, nunca teríamos alcançado nada. E já que estamos
falando de brigas, —ele acrescentou, tentando enfatizar o fato de que ter Lola por
perto seria um desastre para qualquer projeto—, qual foi o resultado final do seu
relacionamento com Lola? Um tiro, é que foi. E foste atingido por Pongo.
— O meu nome não é Pongo— James respondeu instantaneamente. Essa era a
sua resposta habitual toda vez que eles usavam o odiado apelido da sua infância.
—Meu nome é James. James Edward Fitzhugh, conde Hayward, filho do
marquês de Wetherford. Sinceramente, depois de vinte anos de amizade, vocês
não podem me chamar pelo meu verdadeiro nome?
—Não! — todos eles responderam em uníssono.
—Pongo atirou em mim porque fiquei no caminho dele — respondeu Nick,
voltando ao assunto em questão. —Ele estava apontando para você, Denys, e eu,
como um idiota, me interpus entre vocês.
—E podemos nos lembrar por que eu estava tentando atirar em Denys? —
James perguntou, juntando–se a Nick naquela inconveniente inclinação para

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


lembrar. —Porque estava fazendo uma proposta para a minha garota! E, além
disso, na minha frente.
Lembrando—se do seu comportamento estúpido naquela noite em questão,
Denys começou a desejar não ter levantado o assunto.
—Na época, eu não sabia que aquela garota estava com o Pongo—, ele
murmurou. — Eu pensei que estava com o Nick.
—Foi um ato de pura vingança da sua parte—, apontou Nick. —Eu sei que
você se sentiu magoado e você estava diabolicamente irritado porque Lola tinha
acabado de deixar você, apesar do que estavas fazendo. Mas mesmo assim,
naquela ocasião, você ultrapassou o limite, velho amigo.
—Ah sim? —Ele respondeu, ficando cada vez mais defensivo porque sabia
que a acusação era verdadeira. —Você permitiu que Lola morasse com você
quando voltou para Paris.
—Eu estava lá também—, disse Jack, mas ele foi ignorado.
—Ela veio me procurar como amigo— Nick defendeu. —Ela apareceu na
porta da minha casa e me disse que o trabalho tinha falhado, que já não podia
encontrar trabalho em Londres, que não tinha dinheiro e precisava de um lugar
para viver, até que tivesse meios para pagar isso. O que eu deveria fazer? Deixá–
la na rua?
—Você era meu amigo, diabos. Você deveria lhe ter aconselhado a se virar
para mim e me deixar cuidar dela. Mas foi o que você fez? Não. E quando Henry
foi procurá–la, você disse a ele para ir para o inferno? Não, você lhe disse onde
ela trabalhava.
—Como poderia ter imaginado que ele pretendia leva–la para Nova York? Ele
era amigo da sua família, pelo amor de Deus, e era velho suficiente para ser o seu
pai.
—Obrigado, Nick— Denys murmurou. —É uma lembrança muito
reconfortante.
—Por favor, senhores — interrompeu Stuart, —não vamos discutir. Estou
aproveitando esta noite e não vou deixar que, alguns pecados da nossa juventude
louca, estraguem tudo. – Ele ergueu o copo. – É diabolicamente bom poder ver
todos, algo que, para meu gosto, não acontece com a frequência que deveria.
Todos eles levantaram a bebida de acordo com esse sentimento, eles
colocaram de lado a tentação de discutir e reafirmaram a amizade que tinha
durado a maior parte de suas vidas.

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


—Desculpe, Nick—, Denys se desculpou, esfregando a testa. — Tudo é água
passada, e, na verdade, não te culpo pelo que aconteceu.
—Desculpa aceite— Nick respondeu instantaneamente.
—E eu? — Exigiu Pongo com bom humor. — Eu não tenho o direito de
receber um pedido de desculpas? Denys tentou levar a minha garota embora
depois que Lola foi embora.
— Sua garota? — Denys deu um som de zombaria. — Ela era uma taverneira
que você conhecera na noite anterior. E o fato de você ter agarrado a arma do
garçom, me apontar com ela quando acabava de jantar e, acidentalmente, atirar
no Nick substitui todos os seus direitos sobre um pedido de desculpas. Nós dois
estávamos bêbados e perdemos a cabeça. E com relação a este último—
acrescentou, considerando que esta era a oportunidade perfeita para ilustrar a
sua preocupação com a situação em que se encontrava —, o que aconteceu
naquela noite em Paris é um bom exemplo do que estou tentando dizer, não?
—Porquê? — Jack perguntou com um enorme sorriso. —Porque isso mostra,
que Pongo e você, são capazes de se comportarem como um par de estúpidos?
Denys fez um som de impaciência.
— Demonstra que onde Lola vai, a anarquia está instalada.
—Mas por que isso vai ter que acontecer agora? —perguntou Nick. —Eu
ainda não entendo porque você acha uma situação tão difícil.
—Não entende? —Denys se virou para Nick. — Se você estivesse nessa
situação, como você a veria? E, mais importante, como Belinda veria isso? Você
também ficou louco por Lola.
—Isso é diferente. Belinda é a minha esposa. Você não é casado.
—Eu não entendo onde está o problema—, disse James. —Lola é uma mulher
inteligente e, é claro, sabe como se mover num palco. Henry certificou–se de que
tinha dinheiro suficiente para enfrentar qualquer perda no caso de uma das
peças ser um fracasso. Parece–me que ela é uma sócia mais do que adequada
para um teatro.
Denys fez uma careta, lembrando que a descrição das qualidades de Lola fora
menos que elogiosa.
—Eu suponho que tenha algo a oferecer— ele murmurou.
—Uma concessão elegante—, disse James. —Eu acho que será um parceiro
fantástico. Stuart? —Ele acrescentou, voltando–se para o homem ao lado dele.

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—O que penso, o que qualquer um de nós pensa, não importa—, observou o
duque. —Denys é aquele que tem que trabalhar com ela, e, foi ele, que Lola
abandonou por outro homem.
Denys sentiu um começo de alívio.
—Finalmente, alguém vê as coisas do meu ponto de vista. Obrigado, Stuart.
—De nada. Mas tenho que dizer que as suas preocupações parecem
prematuras para mim. Por que você não espera um pouco para ver como esse
acordo funciona antes de julgá–lo?
Denys considerou essa possibilidade enquanto tentava encontrar uma
maneira de se explicar sem revelar as suas próprias vulnerabilidades.
—A situação é muito desconfortável.
—É lógico—, admitiu Stuart. — Mas ouso dizer que isso passará com o
tempo.
—Ela causará todos os tipos de rumores.
— Algo que, sendo você um visconde e não sendo Lola uma dama,
dificilmente afetará a sua reputação, nem a dela, a propósito. O pior que pode
acontecer é que as pessoas pensem que você retomou o seu relacionamento com
ela.
Alegrando-se de que houvesse pelo menos alguém que entendesse as suas
dificuldades, Denys assentiu.
—Exatamente
—Você está pensando em seu pai—, disse James.
—É claro que sim. O meu pai é um bom homem, tenho um grande apreço por
ele. Mas também estou pensando em minha mãe, Susan e no resto da minha
família. Quando a imprensa sensasionalista descobrir, este assunto será exibido e
discutido ad nauseam 1 . Todos os tipos de especulações e absurdos serão ditos
sobre o fato de Lola e eu termos retomado a nossa aventura. Seremos a conversa
da alta sociedade.
—Apenas até as pessoas perceberem que não há nada para falar.
Denys pensou no maldito beijo que tinham dado no escritório e resistiu à
vontade de mudar de posição impulsionada pela culpa.

1 Referência em latim que quer dizer exaustivamente, repetidamente.

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—Sim, claro—, ele murmurou, —mas até então, vou colocar a minha família
em uma situação lamentável e complicada. Foi difícil o suficiente para eles
suportarem na primeira vez ...
—Oh, pelo amor de Deus! —Nick interrompeu com um gemido. —Você se
fez de tolo por uma mulher. Isso aconteceu com todos nós. Quando você vai
parar de se flagelar por não ter sido sempre um filho perfeito?
—Eu sei que você não se importa com esse tipo de coisa, Nick— ele retrucou.
— Você desistiu de ser o filho perfeito de Landsdowne antes de pararmos de
usar calções.
Nick sorriu imperturbavelmente.
—Você conhece o Landsdowne. Se seu pai fosse como ele, você se importaria
com o que ele poderia pensar?
Denys suspirou.
—Eu suponho que não—, ele admitiu. —Mas não posso tomar de ânimo leve
o efeito que esse tipo de boato terá sobre minha família. Eu me importo. Eu me
importo como eles se sentem e também o que podem pensar. E, em qualquer
caso, não tenho que pensar apenas neles. Há a Georgiana também.
Os outros quatro homens ficaram olhando para ele. Denys reagiu à sua
surpresa adotando um ar indiferente.
—Nos temos nos visto durante esta temporada. Bem, como vocês sabem, eu já
tenho trinta e dois anos —, acrescentou ele, empurrado pelo silêncio. —O tempo
passa. Eu tenho que começar a pensar no futuro.
Jack riu e Denys se virou para o homem ao lado dele com uma careta.
—Sério, Jack, você parece achar a minha situação divertida.
—Bem ... —começou a dizer Jack. Mas Denys o interrompeu.
—Todos nós temos títulos de nobreza e sabemos que temos a obrigação de
nos casar e fazer um bom casamento. Até você finalmente aceitou.
—Eu não teria feito isso se Linnet não tivesse sido a esposa perfeita para mim.
Denys pensou em Georgiana, a sua elegância, a sua contenção e o seu
trabalho de caridade. Em sua reputação e no seu passado imaculado, em sua
natureza refinada e na sua infância feliz.
—E Georgiana seria a mulher perfeita para mim.

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— No entanto, não tanto para ter proposto casamento. —Denys franziu a
testa enquanto enfrentava a verdade irrefutável.
— Só por que não fiz isso, não significa ... que não vou fazer isso. Eu estou ...
considerando.
—É provável que seja tarde demais. Você conhece Georgiana desde que ela
nasceu. Se ela tem metade do cérebro que eu penso, terá desistido de qualquer
esperança de se casar com você há séculos atrás. Eu teria feito isso.
Denys abriu a boca para liberar uma resposta espirituosa sobre o cérebro de
Jack, mas Nick não lhe deu uma chance.
—Naturalmente, tanto Georgiana quanto a sua família entenderão que este
acordo com a Lola é um acordo comercial que você foi forçado a aceitar. A sua
aventura com Lola é história e é assim você assegurou à sua família. Depois de
explicar tudo a Georgiana, você não deve ter mais motivos para preocupação.
—Em teoria, parece razoável. — Denys tomou outro gole de porto. — Mas
temo que, na realidade, não seja assim.
—Porquê? —Nick queria saber. — Eles não confiam em você?
—É claro que eles confiam em mim. É só que ... —Ele parou.
A verdade brutal atingiu–o com força no peito: ele não confiava em si mesmo.
Aquela admissão silenciosa o incomodava imensamente, e quando olhou ao
redor da mesa, os rostos de seus amigos indicaram que poderia ter dito isso em
voz alta.
—Pelo amor de Deus! —Ele sussurrou. —Vamos esquecer essa maldita coisa.
Não sei por que me ocorreu pensar que algum de vocês poderia fazer alguma
sugestão que me ajudasse.
—Nosso trabalho não é ajudá–lo— Jack respondeu alegremente, dando–lhe
um tapinha nas costas. —Nós somos seus amigos. O nosso trabalho é zombar de
você impiedosamente, tirar sarro da sua natureza honesta e honrosa e avisá–lo
quando você está sendo um idiota absoluto.
—Obrigado, Jack. — Ele tomou um gole de porto. —Agora me sinto muito
melhor.
Stuart falou antes que Jack pudesse responder.
—Se você quer conselho, eu tenho um. — Ele parou e se inclinou para frente
em sua cadeira. —Pare de bater na parede.

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Denys ficou tenso.
—Quer dizer que aceite o inevitável? Algo muito fácil de dizer, mas não tão
fácil de fazer.
— Apenas se você não tiver superado o que sentia por Lola.
Essa era a chave. Durante todos esses anos, ele se convencera de que
esquecera Lola, mas aquele beijo dissipara tal ilusão. Ele não tinha esquecido,
não de todo, não sabia se um dia o faria.
Havia apenas uma maneira de descobrir.
De repente, Denys sabia o que tinha que fazer. O tempo e a distância não
tinham acabado com o desejo dele por Lola, por isso, ter trabalho para evitá–la,
não lhe servia de nada. Trabalhar com ela era a única maneira de mostrar a sua
determinação, reafirmar as suas decisões e, provar a si mesmo, que o surgimento
de Lola em sua vida não fazia diferença alguma.
Não seria fácil. Como as coisas estavam, teria que colocar todas as suas forças
em jogo para estar na mesma sala com ela sem querer beijá–la ou torcer o seu
pescoço. Mas, com o tempo e uma boa dose de força de vontade, ele certamente
superaria isso. Talvez, com essa situação, conseguisse o que o tempo e a distância
não conseguiram e acabaria ficando imune aos seus encantos de uma vez por
todas.
—Você está certo, Stuart. O céu sabe que não fui eu quem decidiu ser o seu
parceiro, mas acho que agora não tenho escolha a não ser aceitá–lo. —Ele se
sentou em sua cadeira. —Afinal, quando um homem está no meio de um
furacão, é melhor ser um junco do que um carvalho.
— Um bom começo —aprovou Jack, erguendo o copo —e uma analogia
ótima para Lola Valentine, que nada mais é que um frenético furacão.
Denys não podia negar. Junco ou carvalho, sabia que teria de enfrentar um
forte vento contrário, durante os próximos dias. Apenas esperava poder
enfrentar a tempestade sem sair destroçado novamente.

Lola pensava que Denys continuaria evitando reunir-se com ela durante todo
o mês de janeiro. Mas, quatro dias depois de ter ido visitá–lo, recebeu uma nota
do seu secretário em que concordava com a sua convocatória e perguntava se

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consideraria aceitável encontrá–lo em seu escritório, passado uma semana e às
cinco da tarde.
Essa capitulação inesperada de Denys foi uma surpresa, mas, embora tivesse
muito pouco tempo para se preparar, a sua determinação de provar o seu valor,
permaneceu inalterada.
Tinha ido ver o Sr. Lloyd Jamison, como pretendia, e, se foi pelo sucesso que
tinha colhido em Nova York com Henry, pelo o papel que tinha representado no
passado de Lord Somerton ou pelo seu novo estatuto como sócia do visconde, o
agente teatral tinha se mostrado encantado em aceitá–la como cliente, apesar da
recusa de Lola, para sequer considerar, qualquer papel que envolvesse pernas ou
canções picantes.
Enquanto isso, tinha descoberto que o Sr. Jamison era um homem interessante
e agradável e, embora ela não tivesse vontade de contratar um agente, tinha
aceitado que ele era o único a representar os seus interesses como atriz. Também,
tinha tido a oportunidade de servir-se, do vasto conhecimento do Sr. Jamison,
sobre o teatro em Londres.
Graças a essa entrevista e aos relatórios entregues por Denys, para além do
que tinha aprendido sobre balanços, ganhos e perdas com um contador que tinha
contratado, Lola, entendia muito melhor do que antes, os aspectos financeiros do
teatro em geral e do Imperial em particular. Mas, duas noites antes da reunião
com Denys, ainda não tinha uma única ideia para aumentar os lucros do
imperial.
Nunca lhe tinha faltado ideias. Ela tinha montado um espetáculo com base
em suas próprias idéias. E sabia que, se fosse dada a chance, poderia introduzir
inovações em Shakespeare, também confiava em seu instinto criativo, mas não
poderia esperar que Denys também confiasse. Ele nunca concordaria em colocar
Os Dois Cavalheiros de Verona no oeste americano, ou em permitir que Catalina
estivesse no centro das atenções quando Petruchio fazia sua famosa aposta, a
menos que pudesse convencê–lo, que a visão que tinha para o negócio, era tão
sólida como a sua criatividade.
Lola deixou os últimos relatórios financeiros do banco e recostou–se na
cadeira, inclinando–se em seus braços e olhando frustrada para os documentos
que tinha espalhado no chão da suíte. Ela tinha a esperança de encontrar um
ponto fraco na contabilidade do teatro que pudesse explorar, mas não parecia
haver nenhum.

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Não, em termos de fraquezas, a única que podia ver era a sua. Quando Denys
a tinha abraçado e beijado, ela tinha se rendido vergonhosamente. E cada vez que
se lembrava daqueles momentos de paixão em seu escritório,o seu corpo
começava a queimar, mas não com a indignação que uma mulher devia sentir
sob tais circunstâncias. Não, quando lembrava da boca de Denys na dela e nos
seus braços ao redor dela, sentia o fogo inconfundível do desejo.
Ela jogou a cabeça para trás e fechou os olhos. Memórias fluiram em jorros na
sua mente, memórias dos beijos apaixonados que tinham compartilhado, beijos
distantes, durante esse breve e feliz período de tempo que se tinha permitido se
apaixonar, que tinha aberto o seu coração, tinha dado o seu corpo e tinha
escolhido acreditar em contos de fadas.
Lola se levantou, deixando de lado o passado e lembrando-se que esta era a
vida real. Denys não só a tinha beijado, mas tinha usado aquele beijo como prova
de que eles não poderiam trabalhar juntos e tinha rejeitado as suas habilidades.
Se ela não encontrasse uma maneira de questionar o seu critério, se não
conseguisse começar a vê–la como igual, como uma colega e não como uma ex–
amante, ele demonstaria que estava certo e a ua sociedade estaria condenada a
desaparecer.
Lola olhou de cenho franzido para os documentos ao seu redor, tentando
pensar. O Imperial ganhava benefícios substanciais. Era um prestigiado teatro e
dirigido de forma eficiente. Sendo assim, parecia não haver muito espaço para
nenhuma acção de melhorias. E, qualquer ação que pudesse aumentar os
benefícios, teria que envolver algum tipo de mudança radical.
Mudança radical.
Algo se moveu dentro dela. Relacionava–se com os documentos que tinha
espalhado a seus pés, a sua entrevista com Jamison e um comentário casual que
Kitty fizera durante o jantar. De repente, alerta, tentou consolidar essa intuição
vaga e transformá–la em uma ideia e, quando conseguiu, recebeu um sopro de
alegria e esperança.
Vasculhou os papéis, tirou vários relatórios e espalhou as páginas que
selecionara para estudá–las. Alguns minutos de leitura lenta confirmaram que
sua ideia não apenas funcionaria, mas também poderia significar benefícios
significativos para o Imperial. Havia apenas um problema.
Denys nunca concordaria. Ele nunca foi um homem de mudanças radicais.
Esse fato irrefutável a esmoreceu, mas apenas por um momento. A sua
intenção de demonstrar que estaria à altura como sócia e a sua ideia,

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devidamente apresentada, permitiria que ela atingisse os seus objetivos. Ele não
precisava concordar em implementá–lo, mas isso o forçaria a admitir que estava
errado sobre a sua capacidade de contribuir com ideias de negócios. Lola
permitiu–se alguns segundos para saborear a doçura dessa possibilidade, depois
pegou na caneta e estendeu a mão para pegar uma folha de papel em branco. Ela
ainda tinha muito trabalho a fazer.

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Capítulo 11

Dois dias depois, graças a outra sessão com o contador e depois de contratar
os serviços de um datilógrafo no Serviço de Secretariado de Houghton, Lola
chegou à reunião com Denys, preparada para a batalha. Ela tinha um plano de
negócios substancial em seu portfólio e se sentia confiante, pronta e disposta a
defender a sua ideia e lutar por ela. E não estava nem nervosa.
Até o ver.
Denys não estava sentado atrás da sua mesa quando entrou no escritório, mas
num sofá estofado no final da sala, tomando chá. Quando ele colocou a xícara de
lado e levantou–se para recebê–la, Lola percebeu, surpresa, que ele estava de
camisa. Ele tinha tirado o paletó e arregaçado a camisa. Aquele traje casual o
fazia parecer menos com o empresário implacável que esperava, e muito mais
com o Denys que ela conhecia. Ele a pegou tão de surpresa que ela parou
abruptamente assim que entrou, enrijecendo a mão ao redor da alça da bolsa de
couro.
—Boa tarde — Denys cumprimentou–a e olhou para trás. — Obrigado
Dawson. Você pode sair.
O secretário saiu e Lola sentiu um ataque absurdo de nervosismo quando
ouviu a porta se fechar atrás dela.
Denys apontou para a bandeja ao lado dele.
— Você quer um pouco de chá?
Lola chegou pronta para a batalha. E não esperava um chá. Respirou fundo e
começou a seguir em frente, mas a cada passo aumentava a sensação de
desconforto. Ela parou de novo a vários metros de distância.
Denys inclinou a cabeça e olhou para ela com uma expressão de surpresa.
—Acontece algo?
—Realmente, Denys, chá?
—Bem, estamos na Inglaterra, Lola. O chá não é nada de extraordinário.
— Não, mas é algo ... —se interrompeu para pensar na palavra certa. —
Inesperado.
—Eu posso imaginar isso. — Ele apontou para o sofá atrás dele. —Sentamo-
nos?
Lola olhou para o confortável sofá de couro e para a bandeja de chá repleta de
sanduíches e bolos e, cruzou na sua mente, um poema que aprendera quando
criança.

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—"Você quer entrar na minha sala? A aranha disse à mosca” — disse
ironicamente, retornando o olhar dele enquanto retomava o passo. —É isso?
Denys deu um sorriso fugaz.
— Foi você quem pediu para entrar nesta sala em particular—lembrou a ela.
—Mas você não precisa se preocupar. Eu não mordo.
— Não? Bem, temo que você me enganou. —Ela assumiu uma expressão de
pesar quando se sentou e deixou a bolsa a seus pés. — Você tem mostrado os
seus dentes desde que cheguei a Londres.
—Sim, sobre isso ...— Ele parou e se sentou ao lado dela. —Eu sempre me
orgulhei de ser um cavalheiro, mas desde que você chegou, o meu
comportamento tem sido tudo menos cavalheiresco. E os meus comentários no
outro dia e o meu comportamento ... —Ele parou e adotou um gesto contrito. —
Ambos foram totalmente inaceitáveis. Peço–te desculpas.
Essas palavras deveriam tranquiliza–la, mas tivram o curioso efeito de
aumentar a sua apreensão. Lola tentou se livrar desse sentimento dizendo que a
cavalo dado não se olha os dentes.
—Desculpas aceites. Então isto é uma trégua?
—Assim espero. E essa é a razão pela qual eu pedi que nos encontrássemos às
cinco horas.
Lola franziu a testa, sem entender.
—O que a hora do dia tem a ver com tudo isso?
— Os índios americanos fumam o cachimbo da paz com os seus inimigos
quando querem simbolizar um acordo de paz, certo? Os ingleses tomam chá. E
falando de chá ... —Ele se inclinou para a bandeja que estava ao lado de seu
assento— se bem me lembro, você toma com muito açúcar. E você prefere limão
ao leite.
Atordoada, Lola olhou para as costas enquanto Denys adicionava os
ingredientes à xícara.
—Parece-me incrível que você se lembre de como bebo o chá. —Denys se
virou, segurando o copo com o prato e um guardanapo.
—É claro que eu lembro.
Essas palavras e a intensidade com que ele as pronunciou a deixaram
petrificada. Quando olhou para cima, podia ver em seus olhos escuros uma
sombra do homem terno e apaixonado que tinha sido capaz de derrubar todas as
suas defesas anos atrás. A sua garganta ficou seca.
— Você quer um sanduíche? —Denys perguntou, quebrando o feitiço, porque
a sua voz se tornou fria e educada novamente. — Ou você prefere o bolo de
nozes?

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Lola aceitou a xícara, lutando para recuperar a compostura ao colocar o
guardanapo no colo.
—O bolo, por favor. O que está acontecendo? —Ela acrescentou quando o viu
rir.
—Eu nem sei porque pergunta. — disse enquanto separava uma porção do
bolo que estava na bandeja. Colocou um pedaço num prato e se virou para ela
enquanto lhe entregava. —Você sempre gostou de doces.
Lola pegou o prato e, no instante em que o fez, outra lembrança da infância
lhe veio à mente. Ela se viu sentada à mesa da cozinha com o seu vestido de
domingo. A combinação de tule arranhava as suas pernas e a sua mãe estava em
frente, com o serviço de chá de porcelana chinesa entre elas. Ela se lembrou das
palavras de sua mãe: “Não, não, Charlotte. Você esqueceu de tirar as suas luvas
novamente. Oh, meu Deus! Receio que você nunca aprenda a fazer direito.”
O calor queimou as suas bochechas quando percebeu o seu erro e olhou ao
redor, mas não tinha uma mesa perto onde colocar a xícara.
Denys percebeu o seu problema instantaneamente.
—Deixe–me ajudá–la— disse ele, e pegou a xícara e o bolo.
—Obrigada— murmurou quando tirou as luvas com as bochechas
queimando. Nunca as diferenças de classe entre eles pareciam tão visíveis. —
Não estou acostumada com a cerimônia do chá — acrescentou, embora se
perguntasse por que teria sentido a necessidade de se desculpar. —Nem mesmo
quando morava aqui peguei o jeito.
Isso o fez rir e Lola franziu a testa, surpresa de novo.
—Do que está rindo?
—Eu não estou rindo de você— se precipitou a assegurar. — É apenas o seu
jeito de falar, essas expressões americanas. «Pegar o jeito», por exemplo. É
encantador. —Ele parou e deixou de sorrir. —Tinha me esquecido.
Lola receava ser a única que estava sendo encantada naquele escritório.
Maldição! Ela estava preparada para a luta, não isto.
— Por que você está se comportando assim? —Ela sussurrou magoada. —Por
que você está sendo tão gentil?
—Isso não é bom?
Deveria ser, mas não era. E esse era o problema, um problema que sentiu
assim que atravessou a porta do escritório. Desde que decidiu voltar, se preparou
para enfrentar um Denys irritado e ressentido. Tal homem poderia ser
confrontado a qualquer momento. Mas, quando Denys era gentil, ela era muito
mais vulnerável.

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—É claro que é bom— respondeu, forçando–se a imprimir uma segurança em
sua voz que não sentia. —Mas gostaria de saber o que inspirou essa mudança
radical da sua parte.
—Nada em especial. Eu estava reclamando da situação com os meus amigos.
Você se lembra de Stuart, Jack, Nick e James? O caso é — continuou quando ela
assentiu— que eu estava expressando o meu ponto de vista sobre a nossa
sociedade.
—E certamente remoendo o passado no processo.
O olhar irônico que Denys lhe deu indicou que não estava errada sobre isso.
—Estou convencido de que você ficará satisfeita em saber que os meus
amigos acharam o meu dilema muito engraçado.
Lola não pôde deixar de sorrir quando ouviu.
—Ah sim?
—Pois sim. Eles me informaram que eu estava sendo muito estúpido.
— E qual foi a sua resposta? Você disse a eles para se pendurarem na árvore
mais próxima?
Denys franziu os lábios.
—Bem, a verdade é que não. Eu ... —Ele parou e ergueu as mãos em um gesto
de rendição— eu fui forçado a me mostrar de acordo com eles. E contigo.
Nenhum de nós quer vender — continuou antes de expressar a sua opinião
diante desta inesperada mudança de opinião— então trabalhar juntos é a única
alternativa viável.
—Você acha que pode?
—Eu vou ter que fazer isso.
—Não me…? —interrompeu antes de fazer a pergunta. Não tinha a certeza se
queria ouvir a resposta. —Você não me odeia mais?
—Eu nunca te odiei. — Ele desviou o olhar e respirou fundo. —Apesar do
quanto queria fazer isso. —E prosseguiu, desviando o olhar para o rosto dela —
Quando tentei decidir o que ia fazer, percebi que estar ressentido com você, que
lutar contra você, fosse pelo nosso passado como amantes ou como futuros
parceiros, é um exercício inútil. Tudo o que preciso fazer é aceitar a situação e
aprender a viver com ela.
Era exatamente o que ela esperava e, no entanto, não conseguia tranquilizá–la
nem um pouco.
— Tem a certeza de que é assim que você quer fazer? — perguntou — Você
não preferiria tirar a minha pele?
—Uma ideia interessante. — Ele abaixou as pálpebras e abriu os olhos
novamente. —Você quer que eu comece com alguma parte do seu corpo em
particular?

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O coração de Lola bateu nas costelas e a xícara bateu no prato.
Desconsolada pela evidente manifestação de nervosismo, levantou a xícara e
bebeu o restante do chá em um gole, mas, embora fosse doce, forte e quente, não
se sentia fortalecida por ele. Pelo contrário, ela estava tão nervosa quanto um
potro.
Tinha sentado ao seu lado, o homem de quem se lembrava por tantos anos, o
único homem que a fizera quebrar a regra de manter os seus admiradores à
distância. O homem que poderia enfraquecer os seus joelhos e girar a cabeça com
um beijo, o homem cuja ternura tinha suavizado a armadura difícil de cinismo
com o qual estava protegida, o homem que ela tinha se apaixonado. E aquele
tinha sido o grande erro.
Colocou o seu olhar em sua boca e o beijo que eles tinham compartilhado
uma semana atrás retornou com uma vitalidade repentina à sua mente. Ela
sentiu uma sensação de formigamento nos lábios. O seu corpo estava coberto de
um rubor quente e o coração começou a bater em seu peito com tanta força que,
quando Denys falou, teve que se esforçar para ouvir o que ele estava dizendo.
— Você quer mais chá? —Lola ficou tensa na cadeira.
—Não, obrigada. Eu preferiria que falássemos de negócios.
Ela fez uma careta ao notar a dureza de sua voz, ciente de quão rude ela deve
ter parecido à luz da sua hospitalidade, mas não sabia quanto desse tipo de
Denys poderia suportar em um único dia.
—Sinto muito me apressar— ela acrescentou, empurrando a xícara para trás
enquanto agitava o seu cérebro desesperadamente, para encontrar uma razão
plausível para se apressar e sair dali em breve. — É só que ... tenho planos para
esta noite.
Denys pegou a xícara e o prato da mão estendida de Lola.
—Claro. Eu suponho que você vá ao teatro — se aventurou, virando–se para
deixar a sua xícara de chá. —Ou à ópera, talvez?
Ela só teve um segundo para decidir. Qualquer hesitação o faria suspeitar que
era mentira.
—Para a ópera. A propósito —correu para acrescentar antes que pudesse
perguntar a ela o que representavam no Covent Garden naquela noite — eu
recebi os relatórios financeiros do seu escritório. Obrigada por enviá–los para
mim.
—Você não tem que os devolver— disse ele.
Para alívio de Lola, ele falou em um tom enérgico e profissional, sem
expressar maior curiosidade sobre os planos que tinha para a noite.
— Você quer me perguntar algo mais sobre a situação das finanças do
Imperial?

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


— Não, parece que tudo está em ordem. Tenho muitas perguntas a fazer,
claro, mas acho que podemos deixa–las para outro dia. Há outro assunto com o
qual gostaria de falar com você. Eu acho que é importante.
—Claro.
Denys se apoiou no braço do sofá e, pela primeira vez desde que Lola voltara
a entrar em sua vida, estava disposto a ouvir. Lola não podia prever por quanto
tempo essa disposição de cooperar duraria, é claro, mas sabia que esta poderia
ser sua única chance de provar o seu valor como sócia.
Ela respirou fundo.
—No outro dia você me perguntou o que eu poderia contribuir para a nossa
sociedade. Eu gostaria de usar esta reunião para responder a essa pergunta.
Uma sombra de arrependimento cruzou o rosto de Denys.
—Eu gostaria de pedir para você esquecer o que eu disse. Eu estava frustrado
e me deixei levar pela raiva.
—Mas você disse seriamente. Nada há problema — acrescentou antes que ele
pudesse responder. — Foi uma pergunta justa. Estou ciente de que, em
circunstâncias normais, você nunca teria considerado a possibilidade de
compartilhar um negócio comigo e certamente não o seu pai. Mas, embora eu
não tenha a experiência ou os contatos de Henry e ainda tenho muito a aprender
sobre esse negócio, tenho uma das coisas que você me perguntou.
Ela pegou na bolsa ao lado dela, pegou a proposta em que estava trabalhando
por dois dias e entregou a ele.
—O que é isto? —Denys perguntou quando ele a pegou.
—Uma proposta para tornar o Imperial mais lucrativo.
Com o polegar, Denys passou por aquele maço de documentos
cuidadosamente compilados.
—Você trabalhou duro— disse ele lentamente.
Havia algo em sua voz que Lola não conseguiu definir. Aflição, talvez, ou
surpresa. Mas quando levantou os olhos para ela, o seu olhar estava atento, como
se estivesse analisando–a. Lola só esperava que isso significasse que estava
começando a vê–la de uma perspectiva diferente.
—Não esperava isso. Eu estou ... — Ele parou e riu um pouco, como se
estivesse mudando de idéia sobre ela. — Estou impressionado, Lola, admito.
O orgulho e uma doce sensação de satisfação cresceram dentro dela, mas
Denys não deu tempo a ela para aproveitá–la.
—Infelizmente—, acrescentou ele enquanto colocava o maço de documentos
na mesa ao lado da bandeja de chá, — não temos tempo para uma conversa
profunda hoje. Eu tinha reservado apenas uma hora para esta reunião porque,

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como você, também vou à ópera. No entanto, ao contrário de você, eu tenho que
ir para o outro lado da cidade para mudar de roupa.
Lola olhou para ele desnorteada.
— Você vai ao Covent Garden?
— Sim. Lamento não poder dedicar mais tempo à nossa reunião, mas todas as
decisões referentes a esta temporada já foram tomadas. Não imaginei que você
gostaria de propor uma proposta e, menos ainda, tão complexa quanto parece.
—Percebo.
Denys deve ter notado a sua decepção, porque se mexeu desconfortavelmente
em seu assento e olhou para o relógio.
— Acho que ainda tenho tempo antes de voltar para West End. Porque você
não me oferece uma visão global da sua proposta? Vou ler os detalhes mais tarde
e podemos falar sobre eles na próxima reunião.
—Claro —Lola respirou fundo e decidiu arriscar. — Se realmente queremos
aumentar os benefícios do teatro, o que devemos fazer é prolongar o
desempenho da companhia, prolongar a temporada e transformar o Imperial
num teatro de repertório.
Denys piscou. Ele pareceu surpreso e Lola temeu que ele lhe dissesse que
tinha perdido a cabeça. Mas ele não fez. Ele ficou em silêncio por tanto tempo
que Lola não conseguia imaginar o que ele estava pensando.
— Pelo amor de Deus, Denys, diga alguma coisa!
Denys balançou a cabeça como se Lola tivesse acabado de derrubá–lo.
—Não sei o que dizer. Você acabou de me apresentar uma ideia muito
valiosa.
Lola ficou tão aliviada que ele não a ridicularizou nem desprezou a ideia,
classificando-a de ridícula, que não pôde deixar de brincar.
—Você não tem que parecer tão surpreso—, disse, estremecendo. — Às vezes
tenho boas ideias.
Denys inclinou a cabeça e olhou para ela atentamente.
—Você levou as minhas dúvidas muito a sério, certo?
— Eu as peguei como um desafio.
—Eu continuo esquecendo que os desafios não te impedem. Eles só servem
para encorajá–la.
Parecia arrependido e Lola sorria de orelha a orelha.
— Nesse sentido, posso ser irritante. Então você acha que minha ideia poderia
funcionar?
— Poderia. Na verdade, eu mesmo considerei essa possibilidade. Mas existem
certas dificuldades.

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


Ele parou e se inclinou para frente, como se quisesse analisar o assunto mais
profundamente, mas quando ele descansou os antebraços nos joelhos, as suas
mãos tocaram a coxa de Lola. Ela se afastou daquele contato com um movimento
, que atirou o prato com a fatia de torta do colo. O prato caiu no tapete com um
baque e, claro, o bolo caiu sobre a cobertura.
Lola fez uma careta.
—Desculpe, foi torpe da minha parte.
Ela se inclinou para frente, mas no momento em que alcançou o prato e o
doce, Denys também se curvou e fechou a mão sobre a dela para impedi–la.
—Nada aconteceu — disse ele com uma estranha violência em sua voz. —
Deixe isso.
Lola olhou em seus olhos, petrificada, enquanto o contato da sua mão parecia
irradiar calor por todo o seu corpo, da espinha até ás pontas dos pés passando
por cada uma das pontas dos dedos e o topo da sua cabeça. Ela olhou para ele
impotente enquanto o calor rodopiava em sua barriga se transformando em
desejo. Ele também sentiu isso. Lola viu nos olhos dele.
Oh não, pensou ela. Não não não! Vá embora, Lola. Mas ela não se mexeu.
Denys acariciou a parte de trás do seu pulso com o polegar e ela lembrou–se
do seu último beijo, e muitos outros beijos anteriores, e de como tinha sido ser
sua amante. Há um mês, ela temia que a sociedade não funcionasse porque
Denys a odiava muito, mas, naquele momento, temia que não funcionasse,
porque não parecia odiá–la.
—Junco— Denys murmurou para si mesmo, e soltou–a — não carvalho.
Lola franziu a testa, não muito certa se tinha ouvido corretamente. Ela estava
tão aturdida que não conseguia entender o que os juncos e os carvalhos tinham a
ver com isso.
— Como?
—Nada. — Denys esfregou o rosto e olhou para o relógio. — Estamos
atrasados.
—Sim, claro.
Lola deu um salto, aliviada e feliz por poder terminar a reunião antes de
acabar cometendo alguma estupidez.
Ele também se levantou, mas, curiosamente, nenhum deles se mexeu. Denys
não tocou mais nela, mas ele poderia estar fazendo isso, porque Lola continuava
a sentir a pressão da palma da mão nas costas dela.
—Espero que você aproveite a ópera hoje à noite.
A ópera? Por um momento, Lola olhou para ele desnorteada, até que ela se
lembrou.
— Oh, sim, a ópera! — Ela exclamou com uma risada forçada. — Claro.

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


Denys franziu a testa e examinou seu rosto com excessiva atenção para a paz
de espírito de Lola, mas quando ele falou, sua voz soou natural.
— Você já esteve na ópera?
Com você, não.
Lola esteve prestes a dizer isso em voz alta, mas se reprimiu a tempo. Era
verdade que Denys nunca a levara à ópera, ao teatro ou a qualquer outro lugar
onde a sua família ou amigos pudessem vê–los juntos, mas não fazia sentido
ressaltá–lo naquele momento.
Não importa mais, ela disse a si mesma. Mas isso não era verdade. Isso
importava. Mesmo depois de tantos anos, isso ainda importava. E doía.
De repente sentiu frio e, temendo que Denys tivesse notado, forçou–se a fingir
um sorriso.
—Claro que eu fui à ópera. Eu sei que a América ainda é um país muito
primitivo, Denys — acrescentou, adotando uma voz o mais frívola que podia—
mas também temos ópera, sabe?
Denys sorriu, respondendo à sua piada.
— Você não precisa pular em defesa do seu país, Lola. Eu não queria parecer
pretensioso. Eu sei que você tem ópera porque, quando estive lá, há dois anos,
fui a um concerto. No Metropolitan.
—Sim, soube que você esteve em Nova York.
Ela queria engolir essas palavras assim que saíram de sua boca, Denys
pensaria que ela tinha estado observando tudo que ele fazia e não tinha sido
assim, não realmente.
— Lembro–me que Jack estava morando lá naquele momento. Eu nunca o vi
—acrescentou de uma vez — mas costumava ver o seu nome nas colunas da
sociedade. E também vi o seu, claro. O seu, o de James, de Nick e aquele membro
da sociedade de Nova York que os defraudou. Eles publicaram tudo nos jornais,
então não pude deixar de saber.
Ela parou, ciente de que aquelas explicações, completamente desnecessárias,
só confirmavam o seu receio do que Denys poderia pensar. Esperando escapar de
uma vez por todas, pegou nas suas luvas e pegou a sua bolsa.
— Espero que você ea sua família aproveitem esta noite.
—Eu não vou com a minha família. — Ele parou para respirar. — Eu vou
com… outra pessoa.
Uma pessoa que era mulher. A sua hesitação tinha deixado claro e Lola foi
subitamente atacada por uma nova e diferente dor, ador rápida e latejante do
ciúme.
Ela tentou sufocá–la imediatamente, porque não tinha o direito. Ela não tinha
nenhum direito. Sempre soubera que não tinha direito a Denys. Sempre soubera

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da enorme diferença de classes entre eles. No final, o deixou por isso. Ela não
precisava ficar com ciúmes naquele momento.
E não podia culpá–lo pela acompanhante que escolhera. Ao contrário dela,
Lady Georgiana nasceu e cresceu no mundo onde ele se desenvolvia, ela era
exatamente o tipo de mulher que Lola esperava que ele encontrasse, quando o
deixou, o tipo de mulher que podia se sentar ao seu lado na ópera sem a sua
presença supor um tapa na cara da sua família. Ela estava feliz por ele. Ela estava
feliz, sim, diabos.
Ela foi até a porta sem perder o sorriso.
— Espero que você se divirta.
—Obrigado— disse Denys, acompanhando–a. — Verei você andando com
seu acompanhante no saguão durante o intervalo?
Lola ficou alarmada ao ouvi–lo.
— Ah! Mas certamente você e a sua amiga não vão querer descer para
qualquer refresco. As barracas estão sempre lotadas e as filas são muito longas.
—É verdade, mas gosto de esticar as pernas durante o intervalo. E a minha
amiga fica entretida passeando no vestíbulo.
—Então sua amiga gosta de passear, né?
Aquela pergunta feita em um tom mordaz deixou os seus lábios antes que
pudesse fazer qualquer coisa para impedir e, instantaneamente, desejou ter
mordido a sua língua.
—Sim—, disse ele, olhando para ela com muita atenção para que pudesse
ficar calma. Quando começou a sorrir, Lola sentiu um calor intenso em suas
bochechas e era tão transparente quanto vidro. Amaldiçoando aquela maldita
inclinação ao ciúme, se forçou mais uma vez a afastá–lo enquanto continuava
explicando:
— Diverte-e vendo quem é quem, os vestidos que as mulheres usam ... Esse
tipo de coisa. Penso que todas as mulheres gostam, tu não?
—Não — respondeu com firmeza. — Eu não gosto de passear no vestíbulo.
Prefiro ficar no meu lugar.
—Já vejo.
Ele deu um passo à frente para abrir a porta para ela e Lola suspirou, de
alívio, ao saber que poderia finalmente escapar. No entanto, o alívio se revelou
prematuro, porque Denys parou com a porta entreaberta.
—Eu espero que você esteja em um camarote. Então você pode pedir um
lanche.
Lola teve que reprimir um suspiro de exasperação. Tinha lhe ocorrido a
contar uma mentira inofensiva e, de repente, estava envolvida num emaranhado
de falsidades.

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—Não, não—, ela disse. — Um camarote é muito grande. Nós estaremos na
plateia. Você sabe, —acrescentou, forçando uma risada— onde os plebeus
sesentam.
Denys não riu com ela. Pelo contrário, o seu sorriso desapareceu e ele inclinou
a cabeça para olhar para ela.
—Você sempre ficou muito chateada com a nossa diferença de classes— ele
murmurou.
—Ah sim? — Seu próprio sorriso vacilou apesar dos esforços que estava
fazendo para mantê–lo. — Não será que, simplesmente, eu tinha uma visão
muito mais realista do meu lugar no mundo?
Ela não esperou que Denys respondesse.
—Obrigada, Denys. — Ela estendeu a mão. — Eu sei que você não sentiu
vontade de participar desta reunião ou de chegar a um acordo.
— Não — ele admitiu. Apertou a mão e, com a devida propriedade, liberou–
a. — Mas vou tentar me dar bem com você. Agradeço o esforço que você fez para
demonstrar as suas habilidades como sócia e estou interessado em ouvir a sua
proposta.
—Você não diz isso apenas para me tranquilizar e me tirar do caminho?
—O oposto. Como eu disse, você fez uma proposta que eu já havia
considerado. Podemos falar sobre isso em profundidade na próxima semana.
Espero ver você e ao seu companheiro hoje à noite — ele inclinou a cabeça —
mas não espero que você aproveite a noite.
E, depois daquela despedida formal, ele se afastou para deixa–la sair.
Enquanto Lola cruzou o limiar, Denys fechou a porta atrás dela, deixando–a
desconcertada com esta mudança de atitude, intrigada pelo seu espírito
renovado de cooperação amigável e exasperada consigo mesma por ter cometido
tão grande loucura.
Porque se lembrou de lhe dizer que ia à ópera? Denys amava ópera. Ela
deveria ter acordado e escolhido o teatro. De qualquer forma, o mal já estava
feito.
E teria que carregar as consequências. Durante as apresentações no Covent
Garden, eles sempre acendiam as luzes para que as pessoas dos camarotes
pudessem ver e ser vistas. Se Denys a buscasse entre o público e descobrisse que
ela não estava lá, ele poderia chegar à conclusão de que o ciúme a havia
impedido de ir e isso era uma possibilidade humilhante demais para sequer
pensar. E, além disso, se ambos aparecessem em público com outros
acompanhantes, eles poderiam dissipar os rumores que Kitty teria previsto que
despertariam com a sua presença.

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Com essa possibilidade, talvez excessivamente otimista, Lola colocou a bolsa
debaixo do braço, calçou as luvas e pôs sua mente em prática.

Se pensava ir a Covent Garden, era óbvio que precisava de um acompanhante


e se, assistindo à ópera, quisesse silenciar possíveis rumores sobre Denys, o seu
acompanhante teria que ser um homem. Mas, quando ela revisou o número de
homens solteiros que ela conhecia bem o suficiente para tal convite, ela percebeu
que não seria fácil encontrar alguém para acompanhá–la. Ela conhecia muito
poucas pessoas em Londres, embora, se estivesse em Nova York, o problema
fosse idêntico. Em ambos os lados do Atlântico, tinha vivido como uma freira.
Lola olhou para os painéis da porta fechada enquanto pensava
freneticamente. E que tal James? Era possível que ele estivesse em Londres, se
fosse solteiro e, é claro, o conhecia bem o suficiente para convidá–lo para a ópera.
Mas assim que pensou nele, sabia que não podia pedir por isso. Ela não podia
aparecer em Londres com um dos amigos de Denys, embora ele fosse amigo
dela. Não seria bom. Mas não havia mais ninguém. Absolutamente ninguém.
Ela poderia insistir que tinha ido, mesmo que Denys dissesse que a esteve
procurando por ela e não a localizasse. Mas, mesmo assim, ele não hesitaria em
perguntar se o seu acompanhante e ela gostaram da atuação. Talvez até
perguntasse por ela, e isso envolveria inventar mais mentiras e, sinceramente,
não queria mentir para Denys sobre algo tão inócuo.
— Senhorita Valentine?
Essa voz tirou–a das suas contemplações. Ela se virou e encontrou o Sr.
Dawson atrás da sua mesa, observando–a com alguma perplexidade, e percebeu
que devia ter levado bastante tentando a se decidir.
—Posso lhe ajudar com alguma coisa? — O secretário ofereceu.
Lola olhou rapidamente para o jovem secretário de cabelos loiros que de
repente parecia a resposta para suas súplicas.
— Bem, sim, Sr. Dawson, acho que sim. Diga–me ... —Ela parou, para lhe
dirigir o mais atraente dos seus sorrisos—você gosta de ópera?

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Capítulo 12

Se inclinar como um junco ao vento era a estratégia para sobreviver à


tempestade que era Lola Valentine, Denys sabia que teria que ser muito flexível
nos próximos dias.
O reunião deles foi um primeiro passo necessário e, felizmente, não fora tão
tortuoso quanto ele havia previsto. Eles tomaram chá, conversaram sobre
negócios, tiveram uma leve conversa por quase uma hora e a ideia de fazer amor
com ela no sofá havia passado pela cabeça dele três vezes. Levando em conta
todas as circunstâncias, não foi demais.
Ainda assim, não importa o quão flexível ele estivesse disposto a ser sobre
Lola, havia apenas uma regra que ele sabia que teria que manter em todos os
momentos: ele não podia tocá–la.
Nenhum cavalheiro teria que achar essa regra específica difícil, ele pensou
desconfortavelmente sentado em sua cadeira na Royal Opera House. Mas
quando, inconscientemente, colocou a mão na de Lola naquela tarde, o efeito que
isso causara em seu corpo foi instantâneo e quase destruiu o seu controle, antes
que ele pudesse provar que tinha algum. Tocar a mão nua de uma mulher
solteira era uma daquelas coisas que um cavalheiro simplesmente não fazia, mas
com Lola todas as regras de conduta com as quais ele fora educado não pareciam
importar.
Como se fosse prova da sua falta de contenção, Denys de repente percebeu
que não estava mais focando o palco com os binóculos, mas nos assentos
embaixo dele. Ele havia começado a procurar por Lola sem sequer perceber.
Então sua amiga gosta de passear, hein?
A pergunta e o tom exigente da sua voz ao formulá–la voltaram para ele e ele
não pôde deixar de sentir alguma satisfação em apreciar a sua causa.
Ela estava com ciúmes.
Ele ampliou o seu sorriso enquanto saboreava aquela reviravolta inesperada
de eventos. Durante a sua paixão juvenil, ele tinha passado no camarim do
Théâtre Latin inúmeras vezes, assim como muitos outros dos seus admiradores, e
ele esteve a ponto de enlouquecer, imaginando, se algum dia, ela permitiria que
alguém atravessasse a porta. Toda vez que ele voltava para Paris, via os rostos
arrebatados dos seus amigos enquanto a viam dançando ou ouvindo-a falar.
Inferno, Henry a tinha roubado debaixo de seu nariz. No que dizia respeito a
Lola, o ciúme era uma sensação que sentira em muitas ocasiões.

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Então, a ideia de que ele tinha virado o jogo, era muito doce de se contemplar.
Não havia razão para Lola ficar com ciúmes, claro, pelo menos naquela noite em
particular. Ele baixou o binóculo e olhou para a sua companheira. Não havia
dúvida de que Belinda, a marquesa de Trubridge, era uma mulher muito bonita,
mas também era a esposa do melhor amigo de Denys.
No entanto, Lola, que nunca a tinha visto, não saberia e lamentava ter
declarado sua intenção de permanecer em seu lugar. Mesmo assim, talvez fosse o
melhor.
Ele ergueu os binóculos novamente, mas a visão dos binóculos foi substituída
quase instantaneamente pela imagem mental que ele tinha do rosto de Lola,
erguendo o queixo com orgulho e as bochechas queimando. Lola com ciúmes?
Ele ainda achava difícil acreditar, mas ainda assim...
Incapaz de resistir à atração, ele baixou o binóculo e começou a estudar os
assentos na plateia. Ele só tinha verificado duas fileiras quando a viu em um dos
assentos, testando a sua teoria.
Desse ângulo, não podia ver muito, porque estava muito mais alto e quase
logo atrás dela. Mas um olhar para esse cabelo ruivo empilhados em cima da
cabeça, a pele pálida e cremosa do pescoço que asssomava saindo da parte de
trás do seu pronunciado vestido de noite, foi o suficiente para confirmar a sua
identidade. O seu corpo, o próprio traidor, respondeu instantaneamente,
animado, mais uma prova para a sua nova resolução.
Ele se esforçou para reprimir o seu desejo. Ele não tentou negar a sua
existência porque não fazia sentido. Em vez disso, ele lutou para encontrar um
equilíbrio dentro de seu desejo, sabendo que esta era a única maneira de
dominá–lo.
Lola estava de frente para o palco, sem olhar em volta, mas, mesmo que
tivesse sido, teria que se virar completamente no banco e esticar o pescoço para
vê–lo, com um movimento muito pouco sutil, que chamaria a atenção. Denys,
sentindo–se seguro por isso decidiu colocar a sua resolução em teste, mas levou
alguns segundos para entender que seria uma agonia doce.
O seu cabelo vermelho escuro brilhava como fogo incandescente sob os
candelabros, despertando um intenso calor dentro dele. A pele de Lola contra o
tecido rosa escuro do vestido era como creme e evocava em sua memória a
textura de veludo.
— Você está procurando por alguém?
A voz de Belinda vazou em seus pensamentos e Denys foi forçado a abaixar
os seus binóculos e prestar atenção á sua companheira. Ele fez isso devagar,
tomando tempo para adotar uma expressão de indiferença, porque Belinda tinha
olhos muito astutos e uma intuição refinada.

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— Não.
Ele estava feliz por a sua pergunta lhe permitir responder com sinceridade. já
havia encontrado a pessoa que estava procurando.
Belinda manteve oseu olhar firme e sua expressão impassível.
—Muito sensato de você— disse. — Há muitas pessoas pendente dos outros
na ópera, você não acha? E eu diria que, neste momento, você está sendo
submetido a muitos escrutínios e fofocas.
— É certo.
Decidindo atender a essa dica indireta, ele apontou para o palco, mas, apenas
alguns segundos depois, surgiu o intervalo e ele não pôde resistir a voltar para a
plateia.
Foi fácil localizá–la novamente. No meio daqueles senhores de casacos
escuros, senhoras vestidas de veludo e debutante com cores pastéis, era como um
pássaro exótico entre corvos, pombos e pardais. Quanto ao seu companheiro ...
Denys desviou o olhar quando o homem loiro ao lado de Lola virou a cabeça
para dizer alguma coisa, um movimento que revelou um perfil que Denys
conhecia muito bem. Ele recostou–se em estado de choque, incapaz de acreditar
no que seus olhos viam.
Dawson? De todos os homens em Londres, Lola tinha que socializar com o
seu secretário?
Ele foi atingido por uma miríade de emoções, uma após a outra. Raiva, inveja,
frustração, dor ... Cada golpe foi como um choque elétrico que devastou com a
razão, propriedade e contenção. Não era mais um junco se curvando na
tempestade. Era um carvalho atingido por raios e desmoronando do coração do
tronco.
De todos os homens em Londres que ela poderia ter escolhido, tinha
escolhido um a quem Denys conhecia, um homem com quem ele trabalhava e de
quem ele gostava. Ela repetiu o que tinha acontecido com Henry.
Maldita seja! Não poderia pelo menos ter a decência de fazer amizade com
alguém que ele não conhecesse?
Ele os observou, enquanto o casal se levantava e se juntou à multidão que se
dirigia para as saídas, negando a sua declaração de que preferia se sentar durante
os intervalos.
Ele os seguiu até as portas e, no momento em que desapareceram de vista,
baixou o binóculo e se levantou.
—Eu acho que vou esticar um pouco as minhas pernas—, ele anunciou
enquanto abaixava os binóculos com cuidado meticuloso na pequena mesa entre
eles.

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— Você acha que ...? — Belinda parou e inclinou a cabeça para olhar em seus
olhos com uma expressão séria. — Parece sensato para você?
Denys estava em um estado de espírito em que nada poderia dissuadi–lo.
— Não.
E, depois dessa admissão tensa, ele deixou o camarote. Não era sensato, mas
planejava fazer isso de qualquer maneira. Porque era tarde demais para se
inclinar como uma árvore ao vento.

Convidar o Sr. Dawson pode ter sido um ato de puro desespero da sua parte,
mas, ao vê–lo fazendo o seu caminho em direção a ela através da multidão,
depois de ter obtido uma taça de champanhe, Lola estava feliz que as coisas
tivessem se resolvido daquela maneira. O secretário de Denys era um homem
inteligente e atencioso e uma companhia muito agradável.
Ele tinha estado um pouco relutante em aceitar o seu convite. Ele tinha
expressado preocupação de que o seu chefe não gostaria, mas Lola esperava que
Denys ficasse aliviado por ela estar saindo com alguém. Afinal, se eles a vissem
na cidade com um homem muito mais próximo da sua classe, os seus círculos
descartariam a ideia de que Denys e ela estavam retomando a sua aventura. As
chances eram mínimas, isso era verdade, mas Lola sempre foi otimista. E sempre
escolhia esperar o melhor.
—Estou aqui— disse Dawson, parando diante dela.
Ele mostrou–lhe um par de copos de conhaque e taça de champanhe com um
aceno de cabeça.
—Obrigada— respondeu Lola ao aceitar a taça. — Foi muito galante enfrentar
toda aquela fila por mim.
— Em absoluto. Foi um prazer. —Ele olhou em volta. — O teatro está muito
ocupado hoje à noite, não é?
Lola não perdeu a ansiedade em seus olhos.
— Não se preocupe. Isto não vai causar nenhum problema, prometo.
—Mesmo se eu perdesse o meu emprego—, Dawson respondeu, olhando
para ela novamente, —valeria a pena.
Oh, Deus! Pensou Lola, vendo a admiração nos olhos dele. De repente, o fato
de o secretário ter aceitado o convite pareceu–lhe, mais do que um golpe de
sorte, um problema sério. E quando olhou para o ombro do Sr. Dawson, a
imagem da figura alta de Denys no outro extremo da sala confirmou a sua teoria,
porque ele não parecia nem um pouco aliviado. Ele parecia furioso. Embora ele
não tivesse o direito de ditar onde e com quem estava indo, enquanto o

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


observava caminhar em direção a eles, a um ritmo determinado e sombrio,
decidiu que era melhor evitar lembrá–lo daquele fato em particular.
— Você gostaria de ir aos bastidores? — perguntou.
Agarrou o secretário no braço e, com Denys de costas, caminhou com ele até a
um corredor próximo.
—Eu adoraria, senhorita Valentine — disse ele, seguindo o ritmo dos seus
passos apressados enquanto ela caminhava pelo corredor. — Mas eles permitirão
isso?
— Claro — respondeu, cruzando os dedos e rezando para um conhecido
entre todos os ajudantes esvoaçando por aí, lhes permitissem entrar — mas
temos que nos apressar — acrescentou, acelerando o ritmo ainda mais.
Ela puxou–o para virar uma esquina e escapar através de outro corredor. No
entanto, alguns segundos depois, quando ele ouviu a voz de Denys atrás dela,
sabia que eles não tinham sido rápidos o suficiente.
— Senhorita Valentine? — a chamou.
E, embora Lola quisesse ignorá–lo, o tom incisivo dele fez com que o seu
acompnhante parasse, forçando–a também a enfrentá–lo.
Mas Lola não deixaria que Dawson recebesse uma reprimenda por aceitar o
seu convite, então ela se virou e se precipitou a falar.
—Bem, é Lord Somerton— ela disse alegremente, tentando parecer surpresa.
— Boa noite, meu senhor. O que faz você perdido nos corredores do Covent
Garden?
— Eu preciso falar com você, senhorita Valentine. É importante. Dawson?
Ele acrescentou antes que ela pudesse se opor, —você vai nos perdoar, por
favor?
O jovem hesitou por um momento e olhou para Lola, que assentiu, dando o
seu consentimento. A expressão implacável de Denys indicava que não havia
escapatória. Pelo menos, assim, evitaria os problemas de Dawson.
—Boa noite, senhor—, disse o secretário, inclinando a cabeça. — Senhorita
Valentine.
Denys esperou que Dawson atravessasse o corredor e virasse a esquina antes
de voltar–se para ela.
— Que diabos você pensa que está fazendo?
Embora ele falasse com calma, os seus olhos escuros mostravam raiva,
deixando claro que tinham destruído todo o progresso que tinham feito naquela
tarde, rumo a uma trégua permanente. Mas porquê? Ele sabia que ela estava indo
para a ópera naquela noite. Certamente sabia que não iria sozinha. E, além disso,
ele poderia ter ficado em seu camarote. Mas, em vez disso, ele decidiu ir
procurá–la.

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


Porquê?
Seja qual fosse o motivo, um Denys furioso não era alguém que pudesse ser
levado de ânimo leve. Como todos os homens bons, quando perdia a paciência, o
fazia também a consciência.
—Você não deveria estar falando comigo— apontou, na esperança de
moderar a sua raiva, lembrando–o da necessidade de um comportamento
adequado. — Se alguém do seu círculo descobre que você nos seguiu até aqui, as
notícias aparecerão na imprensa em um piscar de olhos.
Denys torceu os lábios, mostrando que ele estava ciente disso, mas se Lola
esperava que isso o levasse a sair, essa esperança logo desapareceu.
— Você não pode andar por Londres com o meu secretário. É extremamente
inadequado.
— Dawson me disse que você não gostaria e vejo que ele estava certo. Mas
realmente, Denys, por que você se importa tanto?
—É compreensível que você pule as regras— continuou ele sem responder a
pergunta dela. — Mas Dawson não tem desculpa.
— Que regra eu pulei? Aquela que diz que uma mulher solteira não pode sair
com um homem sem uma acompanhante? É muito gentil da sua parte se
preocupar com a minha reputação — acrescentou, embora estivesse convencida
de que a última coisa que Denys tinha em mente naquele momento era a sua
consideração por ela— mas isso não é necessário. Quanto ao Sr. Dawson, você
não deve censurá–lo por sua conduta. Eu não podia vir sozinha à ópera. Mesmo
eu não ousaria desafiar a alta sociedade até esse ponto. É por isso que pedi ao Sr.
Dawson para me acompanhar. Como eu te disse, ele me avisou que você não ia
gostar, mas mesmo assim, consegui convencê–lo a fazê–lo. A única culpada por
isso sou eu.
Denys estudou o seu rosto por alguns segundos e depois soltou um suspiro
profundo.
—Eu suponho que eu sou o último homem na terra que pode condenar outro
por sucumbir aos seus encantos— ele murmurou. — Que o céu ajude qualquer
homem que tente resistir quando você decide ser persuasiva, independentemente
de quem convida quem. Assim que a ópera terminar, você vai dizer boa noite e
se afastar dele.
—Espere um minuto— respondeu Lola, exasperada por essa arrogância
injusta. — Você não tem o direito de decidir com quem posso passar a noite.
— Tenho, quando as regras da empresa estão sendo violadas. Você não pode
confraternizar com um empregado. Não é permitido.
— Confraternizar? — Lola repetiu, apertando os olhos. — Isso é ridículo. É só
uma noite na ópera. E, em todo caso, não é meu empregado, é seu.

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


— De fato, Dawson também é seu empregado. Você é minha sócia no
Imperial e o Imperial paga uma parte do salário do Sr. Dawson.
— E é por isso que você está com tanta raiva? —tomou um gole de
champanhe, observando Denys pela borda do copo. — Você não acha que está
sendo muito exigente?
— Você acha? Se o meu secretário fosse uma mulher, seria aceitável que eu a
fizesse minha aacompanhante e a levasse à ópera?
Lola fez um som desdenhoso com uma ideia tão ridícula.
— Como se você estivesse contratando uma secretária! E, claro, você nunca a
levaria para a ópera. Se uma dançarina de cancã não era digna o suficiente para
ser vista em sua companhia, também não seria uma secretária. E, como eu já
disse antes, não podemos nos permitir ser vistos juntos. Então, se você me
perdoa ...
Começou a rodeá-lo para voltar ao seu lugar, mas Denys também se moveu,
bloqueando o seu caminho.
—Espere— ele ordenou. — O que você quer dizer com você não era digna o
suficiente? É isso ... —Ele parou e seu rosto refletiu o momento em que ele
entendeu. — Meu Deus! Foi isso que você pensou?
—Não importa—disse apressadamente. — Eu sempre estive ciente de quais
eram as condições do nosso relacionamento.
—Obviamente você não entendeu nada — ele disse em uma voz firme. —
Porra, eu estava ...
Foi interrompido quando um par de assistentes de palco apareceu
empurrando um carrinho de compras. Esperou que eles terminassem e
desaparecessem e esticou a mão para a maçaneta de uma porta que estava ao
lado dele e a abriu.
Lola observou–o com uma expressão intrigada quando Denys se inclinou
para olhar o quarto atrás da porta.
— O que faz?
Denys se endireitou, mas não respondeu a sua pergunta. Em vez disso, ele
agarrou o braço dela.
—Venha comigo—ele ordenou.
Lola sentiu o estômago revirar.
— Mas e o Sr. Dawson? — Ela perguntou, parecendo desesperada por cima
do ombro quando Denys começou a puxá–la para um quarto escuro. — Nós não
podemos deixar...
— Para o inferno com Dawson. Esse tipo é ciente de que você é minha sócia e
deveria ter pensado duas vezes antes de aceitar o convite. Deixe–o voltar para o

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


seu lugar e aproveitar a o espetáculo. Você e eu vamos terminar isto o mais
rápido possível.
Aquilo seria como ser jogado aos tubarões, mas Denys não lhe deu a chance
de escapar daquele encontro. Ele puxou e a colocou no que parecia ser um
armazém. Graças à luz que se filtrava do corredor, Lola pôde ver as sombras dos
objetos, as telas dos cenários e as filas dos trajes. Era íntimo demais,
especialmente quando Denys fechou a porta atrás deles, então ela decidiu ir para
a ofensiva antes que ele a obrigasse a ficar na defensiva.
— Por que você me arrastou até aqui? — Ela exigiu, virando–se para encará–
lo na escuridão. — Você não tem o direito de me maltratar dessa maneira ...
– O que aconteceu há seis anos atrás? — Denys interrompeu, terminando
qualquer tentativa de imposição por parte de Lola. — Por que você realmente me
deixou?

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Capítulo 13

Ali estava a pergunta que tinha temido, atirada como uma luva. Ela teria de
responder, é claro, mas não num quarto tão escuro que não podia ver o seu rosto
e ter Denys tão perto que ela podia sentir o calor de seu corpo.
— Não vou dar explicação trancada em um quarto de Covent Garden — ela
disse, e virou–se para pegar a maçaneta da porta.
No entanto, mal tinha conseguido abrir uma rachadura quando Denys
colocou a mão na porta e bateu a porta.
— Sim, sim, você vai me dar explicações— sussurrou em seu ouvido —
porque eu não vou sair daqui até que você faça.
— Pelo amor de Deus, Denys! — Ela murmurou, virando–se com cuidado
naquele pequeno espaço. Isto é preto como a toca do lobo.
— Eu posso remediar isso.
Felizmente, ele recuou, permitindo–lhe respirar. Mas seu alívio foi de curta
duração, porque um segundo depois, ouviu o estalo de um fósforo, luz penetrou
na escuridão e Denys novamente se aproximou dela e estendeu a mão para girar
o botão da lâmpada de gás na parede ao lado da porta.
— Faça isso agora, — ele disse depois de ligar a lâmpada — Responda à
minha pergunta. Por que me deixou?
Não havia nada que Lola quisesse mais do que fugir, mas sabendo que era
impossível, ergueu o queixo e respondeu à sua pergunta com outra.
— Por que você nunca me levou para a ópera?
Denys franziu a testa. Era evidente que ele não entendia o paralelismo.
— Você sabe porquê. Isso teria causado um escândalo. Nós dois concordamos
em ser discretos.
— Sim, porque eu não sou o tipo de mulher que um homem como você possa
ser visto em público, entre os seus amigos e familiares.
— Foi isso o que você quis dizer, quando disse que não era digna de mim? —
Ele olhou para ela com cautela, como se fosse algo surpreendente. — Não me
diga que você meteu na cabeça que eu te considerava inferior a mim.
— Bem, no outro dia você disse que eu não contribuia com nada de valor para
a sociedade. Que só tinha um talento em particular.
Denys fez uma careta quando se lembrou da dureza de suas palavras.
— Como eu disse, esta tarde, estava com raiva e frustrado quando disse isso
e, embora o meu estado emocional não é desculpa, gostaria de pedir–lhe para
esquecer. De qualquer forma, estava me referindo aos negócios. E quanto á

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nossa aventura, eu nunca te considerei inferior a mim, e eu não posso acreditar
que você pensa isso.
— O problema não é o que eu penso. É um fato.
— Suponho que você diga isso pelo meu título. Lola, você é a última pessoa
que eu teria esperado que aludisses á diferenças de classes.
— E porque você está tão surpreso? Essas diferenças existem. É um fato e
nunca nego os fatos por mais injustos que sejam. Aos olhos do mundo, sou
inferior a você. Ninguém, muito menos em sua apreciada alta sociedade
britânica, dirá o contrário.
— Eu digo o oposto! Pelo amor de Deus, Lola. Eu queria casar com você. Você
acha que teria sequer contemplado essa possibilidade, se pensasse que era
inferior a mim?
— Sim. — Fez uma pausa, — porque não poderia manter–me de outra forma.
Denys respirou fundo, confirmando que sabia que, pelo menos, havia alguma
verdade em suas palavras. No entanto, ele decidiu discutir esse ponto.
— Eu não estava interessado em manter você, como você diz. Eu estava
interessado em te tornar minha esposa.
— E eu não podia permitir que você fizesse isso. Eu não poderia arruinar o
seu futuro, então ...
— Espera um momento — a interrompeu, levantando a mão para impedi–la
de continuar a falar. — Você me deixou por outro homem, quebrou o meu
coração, destruiste me a vida, e agora vai fingir que você fez isso por mim?
—Sim— ela observou, levantando uma sobrancelha com ceticismo. — Em
grande parte —se corrigiu.
Denys deu uma risada curta e dura e esfregou o rosto com as mãos.
— Me desculpe por não lhe agradecer por me fazer um favor.
— Eu não espero que você o faça. Mas esta noite você veio com uma mulher
elegante e bonita que, obviamente, é uma dama. Se você se casar com ela, você
não terá que se preocupar com alguém virando as costas para você. Lady
Georgiana é a mulher perfeita para você.
Denys piscou surpreso.
— Lady Georgiana?
— Eu vi vocês juntos. E não é fácil localizá–lo, a propósito — ela acrescentou,
na esperança de aliviar a tensão do momento confessando que estava
procurando por ele. — Eu praticamente tive que me virar completamente no
banco para ver você com ela.
— Na realidade…
— Ela é uma dama autêntica. Faz parte do seu mundo. Eu não sou uma dama
e nunca serei capaz de me tornar uma. E por que você está sorrindo? — Ela

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exigiu quando a viu enrolar seus lábios. — Estou abrindo a minha alma diante de
você e você sorri?
—Me desculpe. — Apesar do seu pedido de desculpas, ele não fez nenhum
esforço para apagar o sorriso em seu rosto. — É só que esta noite não estou com
Lady Georgiana.
Isso a surpreendeu um pouco.
—A mulher que estava sentada ao seu lado não era Lady Georgiana Prescott?
Uma mulher de cabelos negros — acrescentou quando sacudiu a cabeça,— com
um colar de pérolas em volta do pescoço e um vestido azul de noite. Bem, quem
é essa mulher então? —pediu para saber quando ele continuou a sacudir a
cabeça.
— Está com ciúme? — Seu ligeiro sorriso se transformou em um sorriso
radiante. A única razão pela qual Lola não o achou insuportável, era que isso
significava que sua raiva acabara. — Não tens motivo.
—Maldito seja, Denys, quem é essa mulher?
— Não é Lady Georgiana. Mas da próxima vez que eu vir Nick – acrescentou
ele antes que ela pudesse responder. — vou dizer a ele que você acha que a
esposa dele é a mulher perfeita para mim.
— Sua esposa? — Sentiu uma onda de alívio seguida por outra de irritação,
porque sabia que deveria ser indiferente. — Bem, como eu deveria saber? Eu não
a conheço E, em qualquer caso, a questão permanece a mesma.
— A questão? — Denys zombou. Seu sorriso desapareceu. — Qual? A que
você teve com a idéia maluca de se sacrificar? Não, — ele acrescentou
instantaneamente. — eu não posso acreditar em você. O sacrifício nunca foi o seu
ponto forte.
—Eu não fiz isso só por você— lembrou. — Eu também fiz isso por mim.
— Porque Henry te fez ... como você disse? Uma oferta melhor.
Lola se encolheu por dentro. Aquelas palavras, soaram tão brutais como ela
tinha pretendido, quando as pronunciara.
—Eu sei que sou um idiota por perguntar— Denys murmurou. — Mas por
que a oferta de Henry para se tornar a sua amante era melhor do que a minha
proposta de casamento honrosa?
—Na verdade, o que Henry me ofereceu foi não me tornar a sua amante. Ele
não tinha interesse o menor interesse e nem eu. Henry já tinha uma amante, uma
mulher muito respeitável. Ele queria proteger o seu bom nome.
Denys olhou para ela atentamente. Ele parecia compreensivelmente cético.
— Você quer dizer que tudo foi uma farsa? Que você o deixou usá-la como
isco para proteger a reputação de outra mulher?

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— Sim. O nome dela é Alice van Deusen. Ela é a diretora de uma das mais
elegantes escolas de elite para moças na cidade de Nova York. Henry a conheceu
quando estava vivendo aqui e ela estava fazendo um tour pela Europa com
alguns de seus alunos. Eles se apaixonaram e essa é a razão pela qual ele decidiu
voltar para Nova York. Mas, como ele era um homem casado, eles tiveram que
manter o seu relacionamento em segredo. Se alguém descobrisse que Henry e ela
eram amantes, a escola de Alice estaria arruinada. Eu sei que posso confiar em
você para não contar a ninguém.
— É claro, mas por que você aceitou tal acordo? Por que você permitiu que
Henry usasse você desse jeito?
— Era um acordo que convinha tanto a Henry como a mim. Ele foi capaz de
proteger a reputação de Alice e me fez ganhar muito dinheiro subsidiando p meu
espetáculo. Além disso, ele também me protegeu, porque nenhum homem ousou
fazer insinuações ou tentar aproveitar–se de mim sabendo que teria que
enfrentar Henry. E aprendi a atuar. Mas, o mais importante para mim, foi que
tive a oportunidade de começar do zero, fugir ...
— Fugir de mim—, ele terminou por ela quando Lola ficou em silêncio.
Lola engoliu em seco.
— Sim, ir com ele me permitiu viver num mundo ao qual eu realmente
pertencia. Oh, Denys! — Ela acrescentou com um suspiro quando o viu apertar
os lábios. — Você e eu sabemos o que sua família pensava de mim. Para eles, eu
era uma caça fortunas.
—E você se importava tanto com o que minha família pensava?
—Me importava! Eu me importava porque me importava você. Já havia
aberto uma brecha entre você e sua família e não queria torná–la maior. O que
teria acontecido se você tivesse começado a me culpar por isso?
—Eu não teria feito isso.
—Isso é fácil de dizer, mas com a sua família me desprezando à menor
oportunidade, e depois de passar meses e anos assistindo os seus amigos lhe
deixarem...
— Os meus amigos nunca fariam algo assim comigo. Você realmente acha
que Nick, Jack, James ou Stuart se importariam com o seu passado?
— As suas esposas teriam se importado.
Denys respirou fundo e jogou a cabeça para trás, mostrando que Lola, tinha
acabado de dizer outra verdade gritante.
—Nenhum dos meus amigos era casado então— ele murmurou.
Mas ele não olhou para ela, o que deixou claro que ele estava ciente da
fraqueza do seu argumento.

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—Eu sabia que, em algum momento, eles se casariam, e são as mulheres que
estabelecem os padrões na alta sociedade, Denys. Você os conhece tão bem
quanto eu. Você acha que elas teriam me aceitado? A mim, uma dançarina de
cabaré, uma mulher da qual a maioria dos seus maridos, se apaixonou num ou
outro momento. E, no caso de terem aceitado por sua causa, comigo nunca
teriam sido nada mais do que educadas. Nenhuma outra mulher no seu círculo
teria ido mais longe.
Denys balançou a cabeça e olhou para ela, lutando contra o que ela estava
dizendo.
—Isso você não sabe.
— É aí que você está errado! —gritou. — Eu sei. Eu sei muito melhor do que
você imagina. Você já parou para pensar em como teria sido a sua vida? Não
haveria convites para jantar, chá ou festas em Arcady. Todas as pessoas que você
conhece iriam se afastar, uma por uma ...
—Eu pensei que você não se importasse com esse tipo de coisa.
—É importante para você, Denys. E a sua família. E os seus amigos. E
qualquer um que decidisse não virar as costas para você, sofreria a mesma
marginalização. Eu não podia te fazer algo assim.
Denys não pareceu muito impressionado, depois de saber que o havia
deixado para seu próprio bem. Ele colocou os braços nos quadris e olhou para ela
com uma carranca.
—E então, você não deveria ter me dito tudo isso? —A culpa a machucou e
ela engoliu em seco.
—Não
—E por que diabos não?
Enfrente a verdade, Lola.
—Eu estava com medo de perder a coragem se eu começasse a explicar para
você.
— A coragem? Você nunca teve falta de coragem. Na verdade, eu diria que é
preciso muita coragem para fazer o que você fez.
Lola sentiu a ponta da amargura em sua voz e doeu profundamente.
Foi como pressionar uma ferida.
— Se eu tivesse tentado explicar para você, você não teria aceitado. Você teria
encontrado uma maneira de me convencer a ceder, então... — Ela parou, respirou
e se forçou a terminar— então eu fiz você me odiar. Eu sabia que, assim, você
não iria me procurar.
—Bem, você está certa nisso—, ele murmurou. —E há alguma uma razão pela
qual eu deveria acreditar em você?
— Eu não te culparia se você não o fizesse, mas é a verdade.

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Denys olhou–a de cima a baixo, o olhar duro e escrutinador, e Lola se viu
prendendo a respiração, porque não fazia ideia se Denys aceitaria as suas
explicações. Mas, mesmo quando estava começando a pensar que a conversa
tinha sido uma perda de tempo, ele assentiu.
—Tudo bem— ele disse bruscamente. – Eu posso ser estúpido em acreditar
que você partiu para o meu próprio bem, mas estou disposto a acreditar em você.
Mesmo assim —ele esclareceu antes que pudesse sentir algum alívio— continuo
a me ressentir porque você não foi honesta comigo. Eu não merecia o que você
fez comigo ou como o fez.
—Não—, ela concordou. —Você não merecia isso. E, embora isso não seja
uma desculpa, eu também não planejei. O meu único plano era recuperar a vida
que eu tinha em Paris para poder pensar no futuro sem ter você por perto, me
impedindo de pensar claramente. Henry veio e me disse que você estava
planejando me propor casamento. Ele acabara de se oferecer para me levar para
Nova York quando você apareceu. Então soube que tinha que sair. Eu estava
arruinando a sua vida. Mas, por muito segura que estivesse, de que seria errado
casar com você, eu sabia que, com o tempo, você teria conseguido me fazer
mudar de ideia.
Ela mordeu o lábio e olhou para ele.
—Você nunca foi capaz de aceitar um não como resposta e eu nunca fui capaz
de resistir a você.
Denys curvou os lábios em um sorriso irônico.
— Se bem me lembro, você passou a maior parte desses dois anos resistindo a
mim. Inferno, demorou um ano para poder entrar no seu camarim!
Lola respondeu com um sorriso triste.
—Eu esperava que você fosse embora e partisse, mas, ao mesmo tempo, eu
esperava que você não o fizesse. Você foi muito bom para mim e essa sempre foi
a minha fraqueza.
Denys parou de sorrir.
—Mas, apesar do quão bom eu fui com você, você nunca considerou a
possibilidade de se casar comigo.
—Não, a verdade é ...— Ela parou e engoliu em seco. — Eu não te mereço. E
— Acrescentou quando ele abriu a boca para protestar — é claro, você não
merecia ter que me carregar, porque eu teria sido uma viscondessa terrível. Não
faço ideia do que as senhoras da alta sociedade fazem o dia todo. Tomam chá,
suponho, vão a festas, compras. E fazem visitas, embora em seus tópicos de
conversa ... —Ela respirou, parou e decidiu ir direto ao ponto. —O casamento
não funciona com pessoas como nós, Denys. Duas pessoas tão diferentes. O
casamento tem que ser um acordo entre iguais.

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—Você não acha que o amor teria nos ajudado a superar essas diferenças?
O anseio oprimia o seu coração, mas o rejeitou sem misericórdia. Não havia
lugar para auto piedade.
—Não, não acredito.
—Que cínica você é.
—Porquê? — Ela estalou, de repente indo na defensiva. —Porque não
acredito em contos de fadas?
—Às vezes, contos de fadas se tornam realidade.
—E o amor pode fazer tudo?
—Às vezes.
Lola pensou em seu próprio pai, curvado sobre a mesa da cozinha, com a
cabeça entre as mãos e uma garrafa vazia ao lado dele.
—Eu não acredito. O amor pode ser algo terrível.
—Ou maravilhoso.
—Seja como for, o amor não teve nada a ver com o que aconteceu.
—Teve tudo a ver. Eu te amava, maldita seja!
Esse era o cerne da questão. A parte inevitável, que Lola temia, daquela
conversa.
—Mas esse é o problema, Denys—disse suavemente. —Você não me amava,
Denys, realmente, não.
— O quê? Meu Deus! É isso que você pensa? Não deixei os meus sentimentos
claros o suficiente? Eu era louco por você ...
— Você se apaixonou sim. Você sentiu paixão por mim. Se alguém lhe
perguntasse, você lhe teria dito que estava apaixonado por mim. E, arrebatado
pela paixão, você declarou o seu amor para mim em muitas ocasiões. Mas foi só
isso, paixão. Não foi amor. Não foi um amor duradouro. Como poderia ser? —
Ela balançou a cabeça. – Você nem me conhecia. E você ainda não me conhece.
Denys a encarou como se não pudesse acreditar no que estava ouvindo.
—É claro que te conheço, Lola. Eu te conheço há quase nove anos.
—A quantidade de tempo não importa, Denys. O que você sabe sobre mim?
O que você sabe da minha vida, sobre o que eu penso, sobre os meus
pensamentos, sobre as minhas experiências... sobre o meu passado antes de te
conhecer?
— É engraçado que nós dois vejamos a situação de forma diferente.
Ele parou e olhou para ela, em um longo e lento escrutínio, com o que parecia
estar vendo através das suas roupas e isso a fez querer correr para a porta.
—Isso pode ser verdade, quando falamos de quando você morava em Paris, já
que eu estava em Londres e ia vê–la sempre que podia, o que não era muito

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frequente. Mas aqui em Londres era diferente. Aqui, você e eu passámos muito
tempo juntos. Foi por isso que te trouxe para aqui.
— Sim, e era assim que estávamos, nos encontrando em segredo e mantendo
um relacionamento ilícito quando você podia fugir para a pequena casa em St.
John's Wood.
Enquanto falava do seu relacionamento, ela tentou tomar um tom irônico,
mas com o olhar ardente de Denys sobre ela, as suas palavras vieram
apressadamente e quase sem fôlego. Envergonhada e temendo que ele pudesse
imaginar o que estava sentindo, forçou–se a rir, esperando que tudo parecesse
mais frívolo.
—Nós fizemos todo o possível para sermos discretos. Mas não entendo
porque nos incomodámos, quando todos sabiam sobre nós.
— E você diz que mal passamos tempo juntos? Passamos quase todas as
tardes naquela casa, Lola. —Ele se aproximou dela. — Sozinhos, juntos.
—Sim, mas…
Ela parou. Sentia o rosto cada vez mais quente, mas não era o confinamento
daquele armazém apertado e sufocante, que a fazia sentir como se estivesse
prestes a derreter e acabar transformada numa poça. Era o ardor do seu olhar
conhecedor.
— Se bem me lembro, não passavamos muito tempo conversando. —Denys
riu sarcasticamente, ciente da verdade de suas palavras.
— Não — ela sussurrou, colocando o olhar em sua boca e terminando toda a
diversão — eu acho que não.
O gongo soou, sinalizando que o intervalo estava prestes a terminar, mas
nenhum deles se mexeu.
Os seus olhos se encontraram, se fundiram. De repente, os últimos seis anos
pareceram desaparecer como se nunca tivessem existido e, as eróticas tardes de
verão que haviam compartilhado pareciam tão vívidas na mente de Lola, como
tinham sido.
Denys estava cerca de meio metro de distância, sem tocar em nada, mas
ainda assim, em sua mente, podia sentir as suas mãos sobre ela, desatando
cordas e desabotoando botões, deslizando pelos seus braços nus, seus quadris, e
abraçando-a. Ela podia sentir os braços dele envolvendo–a e segurando–a contra
ele. Podia saborear a sua boca aberta na dela, excitando–a.
Lola recuou abruptamente, encostando–se à porta e lutando contra desejos
que deveriam ter sido extintos há muito tempo, desejos que quase arruinaram a
vida de ambos.
Mas estando lá, com Denys na frente dela, com toda a paixão crua do passado
refletida em seus olhos, esses desejos pareciam impossíveis de reprimir. Mesmo

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assim, Lola conseguiu, usando memórias muito mais cruéis, lembranças do que
essa relação lhes tinha custado e dos danos que provocara. Os seus sonhos e as
finanças de Denys arruinadas, o seu coração e orgulho despedaçados, o seu amor
próprio pelo chão e também o de Denys. E tudo por quê?
Denys se aproximou dela.
—Lola —, ele começou.
Mas ela o impediu porque sabia que, o que quer que ele estivesse prestes a
dizer, não seria bom para nenhum deles.
— Seria melhor se voltássemos ou os nossos acompanhantes pensarão que
desaparecemos da face da terra. E, só Deus sabe o que as pessoas dirão, se
perceberem que estivemos desaparecidos durante todo o intervalo.
As palavras de Lola foram como a descida da cortina no palco. O desejo
desapareceu, mas ela sabia que ele ainda estava lá, escondido nas maneiras
educadas de um cavalheiro.
—Provavelmente, é tarde demais para se preocupar com isso—, lamentou
Denys, resignado. — Não tenho dúvidas de que já perceberam a nossa ausência e
que, enquanto falamos, estarão inventando todos os tipos de histórias sobre nós.
A culpa foi minha —ele acrescentou — Fui eu quem te trancou aqui. Não ... eu
não estava pensando sobre o que estava fazendo.
— Por mim, você não precisa se desculpar. Faz muito tempo desde que perdi
minha a reputação, então o que eles podem dizer sobre nós não me afeta. Mas o
seu caso é diferente. —Hesitou por um momento, acenou com a mão e terminou
dizendo — Você deve falar com Lady Georgiana sobre esta conversa, antes que
cheguem rumores sobre o nosso desaparecimento pela boca de outros. Se você
realmente se importa com o que ela sente e o que ela pensa de você, e se você ...
— a voz de repente falhou, mas respirou e se forçou a continuar. —Se você
pretende se casar com ela, não quer que rumores maliciosos cheguem sobre nós e
acabe pensando o pior. O nosso é um relacionamento de negócios, nada mais.
Enquanto falava, Lola sentiu–se afundar. Era suposto que, ao fazer as coisas
corretas sentir-se bem, certo? Então, por que estava tão mal?
Desesperada para sair e terminar a conversa, ela se virou para Denys.
—Quanto ao Sr. Dawson— acrescentou por cima do ombro enquanto pegava
a maçaneta da porta, —você está certo em dizer que é inadequado. Eu não vou
sair com ele novamente.
E sabia que era uma promessa fácil de cumprir. Com o corpo ardendo de
desejo por Denys, a ideia de buscar a companhia de outro homem foi reduzida a
pó e cinzas.
Ela abriu a porta, mas a voz de Denys a parou antes que ela pudesse sair.
—Você está errada, sabe?

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Lola ficou paralisada, a mão no trinco.
—Sobre que?
— Eu amava você.
O seu coração estava se contorcendo em seu peito, tomado de alegria, de dor
e de uma tristeza esmagadora. Ela apertou os olhos com força. Um soluço subiu
em sua garganta mas, sufocou–o antes que Denys pudesse ouvi–lo, pensando na
jovem que se despia e dançava de corpete e meias de rede para homens em uma
taverna no Brooklyn. Em Paris, ela conseguia sair totalmente vestida, os homens
para quem ela dançava eram mais ricos e bebiam vinho e absinto, em vez de
uísque irlandês e uísque de centeio, e as canções eram em francês não em inglês.
Mas era sempre a mesma: uma mulher fatal desavergonhada, fazendo beicinho
com a boca, uma voz tórrida e pernas magníficas que, com uma piscadela e um
sorriso, conseguia que pusessem dinheiro na liga. Denys acreditava no que
estava dizendo, Lola sabia, mas mesmo assim, também sabia que estava
acreditando em uma mentira. Ela abriu os olhos devagar e virou a cabeça para
olhar por cima do ombro.
— O que você amava era uma ilusão, uma ilusão que eu inventei muitos anos
antes de te conhecer. No entanto, você não me conhece de todo. Inferno, Denys
— acrescentou ela com uma risada enérgica quando abriu a porta e saiu—você
nem sabe o meu nome verdadeiro.

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Capítulo 14

Durante os dias que se seguiram, Lola passou um bom tempo refletindo sobre
a conversa que tivera com Denys na ópera, mas não importava o quanto
pensasse sobre isso, não conseguia entender a sua explosão de franqueza.
Quando decidiu voltar para Londres, sabia que teria que explicar a Denys por
que o abandonara, mas, é claro, não tinha intenção de contar sobre a vida que
levara antes de se conhecerem.
Você nem sabe meu nome verdadeiro.
O que a levou a apontar isso? Aquilo provavelmente alimentou a curiosidade
de Denys e estava com medo de ter mexido num ninho de vespas. Depois
daquilo, Denys continuaria fazendo perguntas, investigando o seu passado e,
talvez, descobrir a mulher que se escondia sob a ousada e marcante fachada de
Lola Valentine. Ela não queria que ele encontrasse aquela mulher. Na verdade, às
vezes nem queria lembrar que essa mulher existira.
Durante os dias que se seguiram, passou muito tempo desejando ter mantido
a boca fechada e ficou feliz que o primeiro ensaio veio na segunda–feira, porque
provou ser uma excelente fonte de distração. Mesmo que tivesse que aturar
Arabella Danvers.
— Realmente, Jacob, é necessário que a Srta. Valentine seja tão entusiasta na
leitura?
A voz da atriz, que estava sentada do outro lado da mesa, voltou a se
sobrepor à leitura de Lola. Ela parou e conseguiu reprimir um suspiro de
exasperação enquanto abaixava o texto em suas mãos.
— Compreendo que, à luz dos acontecimentos passados, Srta. Valentine quer
nos tranquilizar sobre seu talento — continuou a outra atriz, e Lola não sabia o
que era mais irritante, se a tendência de Arabella para falar sobre isso como se
não estivesse presente, ou a menção constante da sua falta de experiência. — Mas
estamos aqui o dia todo e, se ela insistir em recitar a sua parte com histriônicos
tão meticulosos, o seu minúsculo papel nos reterá aqui a noite toda.
Lola teve que morder o lábio com firmeza para não apontar que, as
interrupções quase contínuas de Arabella para falar sobre as nuances da trama e
a sua crítica ao resto dos atores, eram a verdadeira razão que ainda estavam lá no
final da tarde. Mas ela não queria criar uma reputação de ser difícil e não podia
se dar ao luxo de ser considerada uma mulher arrogante. Ao contrário de
Arabella, ela não tinha uma longa lista de sucessos sob o braço para mitigar tal
comportamento.

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A sua única esperança era que Jacob estava no controlo de Arabella, mas o
diretor, ou era um homem muito discreto, ou não queria que a sua principal
estrela ficasse irritada no primeiro dia de ensaio, ou tinha trabalhado com
Arabella vezes o suficiente, para que o seu comportamento não fosse irritante. De
qualquer forma, ele ignorou os comentários daquela mulher o dia todo e também
fez isso agora. Sem dizer nada, ele fez um gesto para que Lola continuasse.
Mas Arabella não lhe deu a oportunidade de fazê–lo.
— A entrega entusiasta da Srta. Valentine é louvável, tenho a certeza, mas
completamente desnecessária. Afinal de contas, hoje estamos apenas fazendo
uma primeira leitura do texto.
—Se é apenas uma primeira leitura—, Lola contradisse, incapaz de se conter
—por que você não pára de protestar?
Ao lado dela, Blackie Cowell reprimiu uma risadinha e, quando Lola olhou
para ele pelo canto do olho, ele piscou para ela. Blackie era um homem
enigmático e espirituoso, cem por cento irlandês e também um talentoso ator.
Lola ficou contente quando o escolheram para atuar como Casio, o amor de
Blanca. Ele era uma das poucas pessoas que não pareciam se importar que fizesse
parte do elenco. Agradecendo–lhe por tê–lo como aliado, Lola respondeu
piscando para ele, mas, antes de retomarem a leitura, foram interrompidos de
novo.
— Boa noite para todos.
Ao som da voz de Denys, as cadeiras se arrastaram na plataforma e todos
sentados se levantaram.
—Lord Somerton — Jacob cumprimentou cerimoniosamente quando Denys
entrou na sala de ensaios. — Boa noite.
—Jacob — Ele parou ao lado dele e olhou em volta sem parar em Lola. — Eu
vejo que você trabalha aqui até muito tarde.
— Também você, pelo que parece.
— Infelizmente sim. Da minha janela vi que as luzes estavam acesas e me
perguntei por que estava tratando os nossos pobres atores como escravos
durante o seu primeiro dia de trabalho.
Jacob não explicou, ele apenas sorriu.
— É para que eles possam descobrir o quão legal eu sou no final da tarde.
Mesmo assim, —ele disse enquanto tirava o seu relógio de bolso— são quase oito
horas. É melhor pararmos por hoje. Vamos retomar a leitura amanhã.
Essa decisão foi recebida com suspiros de alívio, embora Lola suspeitasse,
pela expressão de Arabella, que ela não estava entre aqueles que estavam
contentes em terminar o dia.
Ela começou a se juntar àqueles que saíram da sala, mas Denys não o deixou.

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– Srta. Valentine? Se Jacob e você forem gentis o suficiente para ficar, há algo
que eu gostaria de falar.
Lola permaneceu em seu assento enquanto Denys falava com Jacob e os
outros atores começavam a se dirigir para a porta. Todos, exceto uma.
—Bem, bem— Arabella murmurou, parando ao lado de Lola enquanto o resto
do elenco estava passando na frente dela. —Não perde tempo, certo querida?
Lola olhou para o rosto duro e bonito de Arabella, viu o desprezo que
demonstrava e percebeu que a atriz estava ciente da sua verdadeira posição no
teatro.
— Eu vejo que você está ciente da minha boa sorte.
— Todo mundo está.
Lola respirou fundo, sentindo como se tivesse acabado de receber um soco no
estômago.
— Tão cedo?
Arabella sorriu como se sentisse o seu desconforto.
— Existe uma palavra que se aplica às mulheres que acumulam uma fortuna
do jeito que você faz, sabe?
Lola reprimiu qualquer manifestação dos seus sentimentos, porque se
recusava a dar a Arabella esse tipo de satisfação.
—Claro que sim— murmurou, encolhendo os ombros.
Essa demonstração de indiferença foi recompensada pela frustração que
cruzou a face da outra mulher. Felizmente, ela abandonou o assunto, rodeou-a e
saiu da sala sem dizer uma única palavra.
— Credo! – Lola sussurrou, estremecendo quando se virou. — Que mulher
venenosa.
As palavras mal saíram de sua boca quando percebeu, que Denys e Jacob,
tinham interrompido a conversa e estavam de pé, esperando por ela ao lado das
suas respectivas cadeiras, e que deviam ter ouvido, pelo menos parte da
conversa. Lembrando que era preferível não expressar av sua opinião em voz
alta, se sentou novamente.
—Que assunto você queria falar, meu senhor?
Denys se sentou na frente dela e esperou que Jacob se sentasse na cabeceira
da mesa, antes de falar.
—Eu tenho que tomar uma decisão — disse ele finalmente, — e
honestamente, não tenho a certeza de como devo proceder. Jacob já está ciente da
sua participação no Imperial, Srta. Valentine. Eu lhe disse, no dia em que nos
cruzamos no Savoy.
—Temo que muita gente já está ciente— ela disse com um suspiro.

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Denys não pareceu surpreso com o anúncio, mas Lola não sabia se era porque
ele e Jacob a ouviram conversando com Arabella, ou porque sabia das fofocas
que a envolviam.
—A questão é, devo fazer um anúncio formal? — Ele olhou para eles
alternadamente. — E eu gostaria de saber a vossa opinião.
No entanto, antes que qualquer um deles pudesse responder, ouviu–se uma
porta à distância e um som de passos no corredor.
— Deve ser Dawson— esclareceu Denys. — Pedi–lhe que nos trouxesse
alguns sanduíches antes de vir. Considerando o atraso da hora, decidi que era
absurdo mantê–los sem lhes dar pelo menos algum sustento. Boa noite, Dawson
— acrescentou ele, olhando para a porta enquanto o secretário entrava com uma
cesta nas mãos. — Você não demorou muito.
Dawson inclinou a cabeça para olhar para Lola enquanto se aproximava da
mesa para se aproximar de Denys, mas não lhe deu o seu sorriso habitual de
saudação.
—Senhorita Valentine — disse ele, e desviou o olhar.
Esse distanciamento não a surpreendeu. Quando eles conversaram depois da
ópera, concordaram que seria preferível não confraternizar, como Denys havia
dito, no futuro.
—No Rosseti’s havia apenas sanduíches de presunto e de lingua de vitela,
senhor. Não havia nem de frango, nem de agrião. E é compreensível, já que é
bem tarde. Você vai querer algo mais?
— Certifique–se de desligar todas as luzes do teatro e depois pode ir para
casa. Deixe uma acesa na porta. Vou desligá–la quando sairmos.
— Muito bem, meu senhor.
O secretário saiu e Denys abriu a cesta.
—Então— ele retomou a conversa, enquanto tirava dois sanduíches
embrulhados em papel da cesta e entregava um a Lola —a imprensa deveria ser
formalmente informada sobre a posição da Srta. Valentine, Jacob? — Ele
perguntou, estendendo um sanduíche com a outra mão para o diretor.
Jacob fez um gesto com a mão, rejeitando–o e sacudiu a cabeça.
—Obrigado, meu senhor, mas vou jantar com alguns amigos—, explicou. –
Quanto à sua pergunta, acho melhor deixar as coisas como estão. Se a senhorita
Valentine vai se limitar a ser uma sócia nas sombras ...
—Senhorita Valentine não tem intenção de assumir um papel tão limitado,
Jacob— Denys respondeu com um inconfundível traço de ironia. — Pelo
contrário, pretende envolver–se em todos os assuntos relacionados com a gestão
do teatro.
O diretor arqueou as sobrancelhas negras e abaixou–as depois.

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


— Ah! — Ele exclamou.
Havia todo um mundo de insinuações naquela interjeição e no olhar
significativo que os dois homens trocaram. Era evidente que, na tarde do Savoy
os dois pensavam que, a essa altura, Lola estaria fora ou, pelo menos, poderia
estar posta de lado. Lola não pôde deixar de sentir alguma satisfação ao saber
que tinha desbaratado os planos deles.
— O que você acha, senhorita Valentine? — Denys perguntou, voltando–se
para ela. — Devemos anunciar a sua posição na companhia ou não?
—Já que todo mundo parece estar ciente—, ele respondeu, —porque se
preocupar em fazer um anúncio formal?
— Poderia parar as especulações.
—Ou agravá–las, talvez— disse Jacob. — Devo confessar que me preocupei
com a possibilidade de que os rumores começassem a circular desde que Lord
Somerton me informou sobre a situação atual. Um anúncio formal poderia piorar
e talvez exacerbar uma situação já delicada.
—Provavelmente, será temporário —, disse Denys. — Afinal, a nossa situação
tem outros precedentes. Henry Irving gerencia o Lyceum, por exemplo, e atua
em muitas das suas produções.
—Mas estamos falando de Henry Irving— disse Jacob, e, como se tivesse
medo de se sentir ofendida, virou–se para Lola. — Eu não duvido do seu talento
como atriz, senhorita Valentine — disse ele instantaneamente. — Se o fizesse,
nunca a teria escolhido para um dos meus trabalhos. Mas não seria uma surpresa
que, entre os membros de sociedade, eles tivessem a percepção de que ela
recebeu um tratamento favorável porque é uma das proprietárias. E por…
Ele parou, mas o olhar que ele deu a Denys disse a Lola o que ele estava
silenciando. De repente, o seu antigo relacionamento com Denys parecia ocupar
o volume de um elefante na sala.
Jacob também sentiu, porque ele tossiu desconfortavelmente.
—Onde quero chegar—, ele se apressou em acrescentar, — é que Miss
Valentine precisa estar preparada para ser recebida com alguma hostilidade.
—Eu entendo, Sr. Roth— ela respondeu, —mas eu cheguei até aqui,
totalmente consciente de onde me estava me metendo. A notícia de que Henry
tinha me deixado parte da sua herança, já estava começando a circular por Nova
York quando saí, e sabia que tinha de chegar aqui mais cedo ou mais tarde.
Mesmo que não pretendesse me envolver ativamente na administração do teatro,
não poderíamos esperar que esta sociedade permanecesse em segredo. Estou
ciente de que vou me tornar alvo de fofoca e especulação, mas pouco posso fazer
a respeito, além de tentar atuar com o maior talento. Eu só espero ... —Ela parou
e engoliu em seco. – Só espero que o meu desempenho seja digno o suficiente,

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para que o público entenda que estou aqui por algo mais do que minha a posição
ou o meu passado.
—Seja o que for—, disse Denys, —ninguém considera necessário fazer um
anúncio formal?
Quando ambos balançaram a cabeça, ele concordou com a cabeça.
— Tudo bem então. Vamos deixar as coisas como estão.
—Se isso é tudo, meu senhor— disse Jacob. Ele empurrou a cadeira para trás
e se levantou: —Eu já vou.
— Sim, isso é tudo. Obrigado Jacob.
O diretor de teatro saiu e, com a partida, a situação tornou–se subitamente
muito íntima para a tranquilidade de Lola.
—Eu deveria ir também—anunciou.
Mas Denys a parou antes que ela pudesse se levantar.
— Pelo menos fique para o jantar. Afinal, —ele acrescentou, logo que eles
ficaram sozinhos. Ele apontou para a cesta, — eu não vou poder comer tudo isso.
Lola hesitou. Se ficasse para jantar com ele, isso lhe daria a oportunidade de
continuar investigando o seu passado. Ela tinha deixado o seu nome verdadeiro
para trás, ao lado daquela sórdida taverna no Brooklyn e a última coisa que
queria era falar sobre isso, muito menos com ele.
—Considerando o perigo que corremos de nos tornar alvo de todo tipo de
fofoca ...— começou.
Mas Denys interrompeu essa desculpa.
— É um pouco tarde para isso, como acabamos de dizer. Sendo parceiros,
teremos que conversar sobre o Imperial de vez em quando, sozinhos ou na frente
dos outros. Não podemos fazer negócios juntos e, ao mesmo tempo, nos evitar.
Isso a fez sorrir um pouco.
— É claro, a situação tomou um rumo radical desde há duas semanas atrás.
Agora é você quem está disposto a enfrentar a nossa situação.
— E você parece querer evitá–la, porquê? — Ele perguntou antes que ela
pudesse responder. — Porque você não quer confessar o seu nome verdadeiro?
—O que eu disse me escapou— murmurou. – Eu não queria falar sobre isso.
—Uma afirmação que não vai ajudar você a recuperar a minha confiança—
respondeu Denys secamente.
Lola não estava em posição de negar isso.
— E se falarmos da minha proposta? — propôs levemente.
Ficou claro que ela esperava evitar qualquer pergunta inconveniente,
mudando de assunto, mas Denys não tinha intenção de deixá–la ir.

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Ele a analisou em silêncio, estudando as suas opções. Um cavalheiro não
deveria interferir na vida privada de uma mulher, especialmente quando era tão
óbvio que não queria falar sobre ela. Mas, por outro lado, depois do anúncio
inesperado que fizera no Covent Garden, Lola não podia esperar que ele a
ignorasse. Levava três dias tentando esquece-lo, sem sucesso e, quando minutos
antes se tinha aproximado da janela e ver que as luzes ainda estavam acesas,
decidiu aproveitar a oportunidade para descobrir mais, sem um segundo de
hesitação.
—Antes de falarmos sobre a sua proposta— ele finalmente disse, —é
necessário que nos apresentemos. Afinal, não podemos jantar juntos, se não nos
conhecemos — acrescentou, sorrindo quando Lola fez um som de exasperação.
— Quanto mais você evita a resposta, mais curiosidade eu sinto.
— Oh, pelo amor de Deus! — Ela sussurrou. — Eu não entendo porque isso
pode importar. Não haverá consequências legais, se é isso que você está
preocupado. Eu mudei o meu nome, legalmente, há dez anos atrás.
Denys não respondeu. Simplesmente pegou na cesta e tirou o documento da
proposta que Lola tinha feito. Ele pedira a Dawson que trouxesse junto com os
sanduíches. Ele levantou-os enquanto dava a Lola um olhar questionador.
Ela olhou para ele com uma carranca e, por um momento, Denys pensou que
se ia recusar a responder, mas, depois de alguns segundos, o surpreendeu,
dizendo com um suspiro:
— Charlotte. Meu nome é Charlotte Valinsky.
Lola, é claro, era o nome abreviado de Charlotte e a primeira sílaba de seu
sobrenome era o mesmo que o seu nome artístico, mas era aí que terminava toda
a semelhança.
—É um prazer conhecê–la, senhorita Valinsky— disse ele, e inclinou a cabeça
do outro lado da mesa. — Visconde Somerton ao seu serviço.
Isso a fez sorrir um pouco.
—Eu não tenho certeza se é feito assim — murmurou enquanto
desembrulhava um sanduíche. — Não é uma terceira pessoa a fazer as
apresentações?
— Neste caso, acho que podemos mudar um pouco as regras.
— Com que finalidade?
— Com o poder de começar do zero.
—Começar do zero— Lola murmurou, e o seu sorriso tremeu. — Parece que
preciso fazer isso muitas vezes.
— Duas vezes não é muito, Lola.

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– Temo que houve mais que duas. — Ela não deu mais explicações, mas
apontou para a cesta. — Há algo de beber para acompanhar os sanduíches?
Estou com sede.
Outra tática de distração, advertiu Denys.
— Sim, senhorita Valinsky — disse enquanto abria a cesta e tirava uma
garrafa de cerveja. — E agora que nos apresentamos, por que você não me conta
mais sobre você?
Lola umedeceu os lábios, parecia um pouco desesperada.
– Por que você quer saber mais sobre mim? Eu não entendo o interesse que
você pode ter neste momento.
— Você sempre me interessou. — Ele segurou a garrafa de cerveja em uma
mão e enfiou a mão no cesto para encontrar um saca–rolha. — Mas depois da
nossa conversa na outra noite, percebi que você estava certa. De muitas maneiras,
eu não te conheço. E, quando penso no tempo que passamos juntos, estou ciente
de que você estava sempre disposta a ouvir–me falar sobre a minha vida, a
minha família e os meus amigos, mas de alguma forma você conseguiu evitar
dizer–me qualquer coisa sobre você. Você não compartilhou quase nada comigo
sobre a vida que esteve levando antes de nos conhecermos.
—Talvez porque eu não quisesse— sugeriu.
Mas, embora tenha usado um tom leve, Denys não foi enganado.
—Sim, eu imagino. — Ele parou com uma mão na cesta e a observou com
expectativa.
Esse escrutínio silencioso pareceu provocá–la.
— Para um homem tão educado, você é terrivelmente intrusivo — ela rosnou.
— Não é suposto que os britânicos considerem falta de educação espionar a vida
privada dos outros dessa maneira?
— Muito rude— ele confirmou, e pegou um saca–rolha da cesta. — Mas neste
caso eu acho que é necessário — continuou ele enquanto abria a cerveja. — A
confiança é importante em qualquer empresa.
Lola riu, mas não parecia nada divertida.
— Se você acha que saber do meu passado vai te ajudar a confiar em mim,
não poderia estar mais errado. O oposto é o mais provável de acontecer.
— Não estou de acordo. O importante não é o que você pode me dizer, mas o
fato de você me dizer.
— Não entendo o que você quer dizer.
—Claro que você entende— ele respondeu. — Mas ficarei feliz em explicar
isso para você. Eu quero, como é aquela expressão que você usa na América?
Que você se jogue. Assuma um risco, mostre a sua vulnerabilidade. Se você
quiser que esta seja uma verdadeira parceria, terá que ganhar a minha confiança.

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— parou e a observou enquanto abria a garrafa. — Isso significa que você terá
que oferecer a sua.
— Você quer que eu te conte algo sobre mim? Ok, eu vou, — levantou furiosa
o queixo, com rebeldia, e encontrou seu olhar sobre a mesa. – Eu tirava as minhas
roupas na frente dos homens para quem dançava, em troca de dinheiro. Você
acha que eu já joguei o suficiente? Marinheiros, especialmente — ela continuou
enquanto ele permanecia em silêncio. — Eu fiz isso nas tabernas das docas do
Brooklyn antes de me mudar para Paris. Cantava, tirava o meu vestido e os
marinheiros atiravam dinheiro para mim. — Ela parou e segurou seu olhar com
firmeza. — Quanto mais roupas eu tirava, mais dinheiro ganhava.
Denys conseguiu segurar o seu olhar, porque ele viu o desafio em seus olhos,
desafiando–o a expressar a sua repulsa. Mas não era o que sentia, sentia raiva,
raiva contra os marinheiros, contra o taberneiro e contra todos os parentes de
Lola. Deus santo! Naquela época não poderia ter mais do que dezesseis anos de
idade. Onde estava a sua família? Como eles poderiam ter permitido que ela
desse esse passo? Porquê não cuidaram melhor dela?
Ele pensou como deve ter sido para ela, ser tão jovem e estar tão solitária e
desesperada, e doeu imaginá–la cercada por homens lascivos. Ainda assim, ele
não ia desistir porque Lola tinha acabado de dizer algo, que era tão difícil de
ouvir.
— E bem? — Lola insistiu quando viu que não estava dizendo nada.
— E bem o que?
Ele colocou de lado a sua ira, sabendo que a pior coisa que poderia fazer,
naquele momento, era demontrá-la, porque Lola que iria interpretá–lo da
maneira errada. Em vez disso, ele segurou o seu olhar.
— Eu deveria estar chocado?
— Não sei! Você é aquele que vem de um mundo de retidão e correção.
—Eu não estou escandalizado, então aceite o cachimbo da paz e fume, Lola.
— Ele lhe entregou a garrafa. — Você quer cerveja?
Lola não se moveu para aceitá–la. Ela olhou para ele com uma carranca,
quase aborrecida pelo fato de ele ter tomado aquela confissão tanta
tranquilidade.
— Ok, talvez você não esteja escandalizado, mas é impossível você aprovar.
— Não, mas o que isso pode importar?
Lola tomou sua cerveja.— Não importa.
—Claro que importa— disse ele, notando a inclinação orgulhosa da sua
cabeça e surpreso com a sua descoberta quando percebeu a verdade.

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— É por isso que, até agora, tem sido tão difícil obter respostas,quanto abrir
uma ostra? — perguntou— Porque você pensou que eu não aprovaria o seu
passado?
— Não — ela respondeu instantaneamente, e o viu levantar uma sobrancelha.
— Ok, sim, um pouco. Maldição, Denys! — Ela acrescentou quando começou a
sorrir. — Eu não sei onde você encontra graça em tudo isto.
—Você se importa com o que eu penso— disse ele, rindo da sua descrença.—
Outra mudança inesperada. A vida é cheia de surpresas.
—Eu não entendo porque você acha que é uma revelação.— Ela abaixou a
cabeça e olhou para a garrafa em sua mão. — Eu sempre me importei com o que
você podia pensar de mim. Por que você acha que eu nunca te contei nada?
Denys estudou a sua cabeça inclinada e, a sua diversão momentânea,
desapareceu com aquela delicada confissão. Ele não sabia o que dizer. Sempre
houve uma parte de Lola que parecia fora de alcance, algo intocável. Talvez fosse
essa parte inacessível que motivara a sua determinação de tê–la e de retê–la. E,
mesmo assim, no final, ela tinha escapado.
—De qualquer forma— disse Lola antes que Denys pudesse pensar em uma
resposta, —o que eu disse deveria ter afetado a sua civilizada sensibilidade
britânica. Eu não consigo entender porque não fez isso.
—Eu suponho— ele se interrompeu para considerar a sua resposta, enquanto
desembrulhava o sanduíche e começava a comer —que, no fundo, eu suspeitava
que você poderia ter tido alguma experiência desse tipo — disse ele no final,
lambendo um bocado de patê que tinha ficado preso no seu polegar. — Mas eu
nunca me aprofundei nisso.
— Você quer dizer que, nunca quis aprofundar isso.
— Não — admitiu. — De qualquer forma, tenho a certeza de que você teve
boas razões para aceitar esse trabalho.
— Talvez ou talvez eu tenha gostado de fazer isso.
Denys percebeu o desafio em sua voz, mas se recusou a aceitá–lo.
— É possível, mas duvido.
— O que te faz pensar isso?
— Lógica simples. Se você gostasse, suponho que você continuasse a fazê–lo.
—Ele indicou a garrafa em sua mão. — Você não quer cerveja?
— Cerveja?
Lola virou a garrafa para ler o rótulo e, quando o fez, a sua expressão de
desgosto causou, novamente, uma gargalhada em Denys.
—Realmente, Lola, pelo menos você deveria provar antes de enrugar o nariz.
É da minha cervejaria.
— A sua família tem uma cervejaria?

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Era outra tentativa de desviar a conversa, sabia, mas Denys não pressionou
para que voltasse ao tópico anterior. Não, ainda não. Era preferível deixá–la
respirar um pouco.
— Não é da minha família. Nick e eu somos os donos. Nós começamos com
ela há três anos. O meu pai colocou o capital inicial, mas nós já o devolvemos.
Lola olhou para o rótulo novamente e sorriu.
—Lírio do Campo— ela leu e olhou para cima. — Porquê esse nome? Tem a
ver com o nome de algum sócio?
— Não, não tem nada a ver com isso. Na verdade, esconde toda uma história.
Um piscar de olhos e um gesto de reconhecimento do amor verdadeiro.
— Amor verdadeiro? — Ela olhou para ele duvidosamente. — Com uma
cerveja?
— Parece incoerente, certo? Nick estava cortejando Belinda naquele
momento e ela lhe disse que nunca saíria com ele porque ela era como os lírios
do campo e que, se ele quisesse mostrar que a merecia, teria que encontrar
alguma ocupação.
— Uma mulher da alta sociedade pedindo ao seu parceiro para ganhar a vida
trabalhando?
— Belinda é americana. Mas não foi só por causa disso. Nick era
irresponsável na época, bem, todos nós éramos, como você bem sabe. Ele estava
sem dinheiro e achava que a única saída para esse desastre era se casar com uma
rica herdeira. Então ele contratou Belinda para encontrar uma esposa para ele e
acabou se casando com ela. Eu não sei se você sabe, mas Belinda é uma famosa
casamenteira.
— Eu sei. Como eu te disse, eu leio as colunas da sociedade — Ele riu. —
Então Nick e Jack agora não são apenas amigos, mas também cunhados. As
festas de família devem ser selvagens.
— Pelo contrário, os dois se estabeleceram e estão bem casados. Mas quando
ele a estava cortejando, Nick queria mostrar a Belinda que ele não vivía como os
lírios do campo, então ele decidiu começar uma cervejaria e começar a fazer
cerveja. Em sua propriedade, Honeywood, o lúpulo é cultivado, entende? E
também em Arcady, a minha. Essa é a razão, pela qual ele me empurrou para se
tornar o seu sócio. Nós administramos a empresa juntos.
– Entendo.
Ela levou a garrafa aos lábios, tomou um gole, fez uma careta e deixou a
garrafa de lado.
Denys riu.
— Quão terrível é isso?
Lola respondeu com um olhar de desculpas.

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— Eu não gosto muito de cerveja, então eu não sou a melhor para julgá–la,
mas deve ser boa.
— Se você não gosta de cerveja, como você sabe?
— Belinda acabou se casando com Nick, certo? Então, eu tomo como
certo,que você teve sucesso com a cervejaria.
— Bem, sim, verdade. Nick não foi o único que mudou a sua vida. Eu
também. A cervejaria me permitiu pagar todas as minhas dívidas. Aliás foi então,
quando comecei a assumir a responsabilidade da minha vida. O meu pai
entendeu que eu estava começando uma nova etapa e começou a me dar o
controle dos negócios da família, um por um. Durante esse processo, descobri,
para minha surpresa, que tinha verdadeiro talento para os negócios. A maioria
dos nobres não tem, meu pai incluído. De modo que, ele ficou encantado e
aliviado, por poder me encarregar de todos os investimentos da família. Agora
ele está orgulhoso do rumo que eu dei a minha vida.
— Não duvido. Você é o menino dos olhos dele.
— Não. Receio que seja a minha irmã Susan quem detém essa honra.
Recostou–se na cadeira com a cerveja e o sanduíche, estudou Lola por um
momento e decidiu tentar satisfazer a sua curiosidade mais uma vez.
—Mas não pense que não estou ciente de sua última tentativa de me distrair,
senhorita Valinsky— brincou ele gentilmente. — Nós estávamos falando sobre
você.
—Eu suponho que você quer saber como eu chegeuei a dar esse passo—
murmurou. — De tirar as minhas roupas, quero dizer.
— Só se você quiser me dizer.
— Eu fiz pela mesma razão que a maioria das garotasfaz. Eu precisava de
dinheiro.
— E a sua família? — Ele perguntou, e deu outra mordida em seu sanduíche.
— A minha família ... – ela sorriu um pouco – ... O meu pai era um imigrante
lituano, um açougueiro. Ele foi para o oeste e acabou morando em Kansas City,
onde estabeleceu a sua loja.
Esta era a primeira vez que Lola mencionava sua família, outro assunto que
ela sempre tentou evitar.
— E lá ele conheceu a sua mãe?
— Não exatamente. A minha mãe era de Baltimore, senhorita Elizabeth
Breckenridge, dos Breckenridge de Baltimore. Pessoas muito ricas e pertencentes
à alta sociedade.
Denys não pôde evitar uma ligeira surpresa, talvez, porque Lola sempre
tivesse sido muito clara ao assegurar que os casamentos entre pessoas de
diferentes classes sociais não funcionavam.

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— Uma garota da alta sociedade casada com um açougueiro? Deviam estar
muito apaixonados.
—Apaixonados? — Lola soltou uma risada, mas não parecia muito contente.
— Ela se casou sem nem mesmo conhecê–lo. Ele queria uma esposa, e nas
cidades do Velho Oeste não havia muito por onde escolher. Então ele fez o que
muitos outros homens fizeram. Ele colocou um anúncio num jornal do Este
pedindo por uma esposa. A minha mãe respondeu ao anúncio, escreveram-se
por alguns meses, eles se casaram por procuração e ela foi ao encontro dele.
—Li histórias desse tipo em algumas novelas baratas—, Denys murmurou. —
Eu pensei que não acontecessem na vida real. Por que a sua mãe fez algo assim?
—Era muito jovem. E não tinha nem dezesseis anos de idade. Quando tento
imaginar as suas motivações, penso que devia ser muito romântica, muito
idealista. Provavelmente leu muitos desses romances baratos que acabou de
mencionar. A sua existência deve ter parecido chata em comparação com a vida
no Velho Oeste.
– Em outras palavras, ela fugiu de casa.
– Acho que sim, mas não tenho a certeza. A verdade é que não me lembro
dela muito bem. Ela saiu quando eu tinha cinco anos de idade.
— Saiu?
— Ela retornou com sua família.
— O quê? Ela te abandonou?
—Eu suponho que a realidade não era tão romântica quanto os romances. —
Ela deu de ombros como se isso não importasse. — O fato é que seu pai era um
homem muito poderoso e, de alguma forma, conseguiu anular o casamento.
Tudo com grande discrição, claro. E isso significa que eu ... —Ela parou para
olhar para ele— que eu sou uma filha ilegítima. Pelo menos legalmente.
—Se você temia que eu pudesse te julgar por isso, era um medo absurdo— ele
assegurou gentilmente. – Eu não poderia me importar menos.
—Sim, bem, a minha mãe se casou com um homem muito rico, da sua classe,
um certo Angus Hutchison, e teve cinco filhos com ele.
— Sinto muito – muito fácil de dizer, mas o quão pequenas eram.
— Eu fui vê–la uma vez quando estava morando em Nova York, antes de ir
para Paris. Eu fui de trem até Baltimore. Mas ela não me recebeu. Ela disse ao
mordomo para me dizer que não tinha filhas, que não sabia quem eu era nem
entendia o que eu estava falando. Ela me tirou de sua vida para sempre. Ela fez
uma ficha limpa.
A raiva que Denys reprimiu por um tempo, voltou com virulência. Se
prometeu que se ele voltasse aos Estados Unidos, faria uma visita à sra. Angus
Hutchison, de Baltimore.

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— Você pode fazer esse tipo de coisa na América, você vê — disse Lola,
interrompendo o curso de seus pensamentos. — Começar de novo, mudar o seu
nome, tornar–se noutra pessoa. Aqui tudo é diferente ou, pelo menos, para
pessoas como você. Se eu tivesse casado com você, não teria como terminar o
nosso casamento.
— Porquê você acha que eu teria querido acabar com ele? — Ele perguntou
devagar. — Você acha que eu teria abandonado você?
—Eu ...— Ela franziu a testa e olhou para a garrafa de cerveja em cima da
mesa. — Eu não sei, mas, em todo caso, eu não poderia ter feito você feliz.
Denys inclinou a cabeça e olhou para ela atentamente.
— Estou começando a entender porque você pensa isso. — Lola levantou–se e
sacudiu a cabeça.
— O fato é, que meu pai ficou arrasado quando a minha mãe nos deixou. Ele
começou a beber, parou de trabalhar, perdeu a loja e vendeu as facas. Ele queria
morrer e, no final, ele conseguiu. Ele bebeu até à morte quando eu tinha quinze
anos.
— É por isso que você não tinha dinheiro? — Lola assentiu.
— Eu estava trabalhando como lavadeira, cantando na taverna local e
tentando ganhar dinheiro para me sustentar. O meu pai não me ajudou muito.
Quando ele morreu e eu tive que assumir o aluguel da casa, eu não tinha
dinheiro suficiente para pagar por isso. Eu sabia que as garotas que trabalhavam
na taverna ganhavam gorjetas se ... conseguissem esboçar um belo sorriso e
flertar com os clientes. Então naquela noite, enquanto eu cantava, levantei a
minha saia. Um pouco, não muito, apenas o suficiente para mostrar um tornozelo
e um cowboy me jogou dois bits.
Denys franziu a testa.
— Dois bits?
— Uma moeda de vinte e cinco centavos. Foi então que comecei a entender
como isso era feito.
— Como era feito?
Lola olhou nos olhos dele.
— Como você conseguia que os homens desejassem você.
Denys sentiu uma dor no peito, como se um punho estivesse apertando o seu
coração. Tinha ouvido falar de jovens perdidas, mas nem mesmo em seus dias de
juventude, pensou muito sobre como elas chegavam a essa situação. Depois
daquilo, soube.
—Na manhã seguinte— continuou Lola, —aprendi que fazer os homens
quererem você tinha consequências.

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


— O que aconteceu? — Ele perguntou, sua voz um suspiro duro até para os
seus próprios ouvidos.
Ele segurou a cerveja com tanta força que sua mão doía.
— Um dos cowboys que me viu mostrando os meus tornozelos apareceu em
minha casa. Ele me disse que sabia que estava sozinha no mundo e se ofereceu
para me ajudar. Para cuidar de mim, foi assim que ele disse isso.
Eu cuidarei de você.
O eco das suas próprias palavras chegou aos seus ouvidos e a desolação de
Denys se aprofundou, provocando uma sensação de vergonha que ele nunca
sentira antes.
— E qual foi a sua resposta?
— Eu disse a ele que não. E ele não aceitou muito bem.
—Não— Denys murmurou, sentindo–se mal. Lembrou–se de que Lola lhe
dissera que ela estivera apenas com dois homens, e se, perguntou se aquilo seria
o outro, se a sua única experiência sexual antes de conhecê–lo teria sido estupro.
— Eu posso imaginar isso.
—Ele me jogou no chão— disse a ele e Denys fechou os olhos com força. —
Mas eu consegui agarrar a Erie antes de cair e bati com ela na cabeça dele.
O alívio de Denys foi tão grande, que o sacudiu até aos ossos e levou vários
segundos para falar.
— O que é uma Erie?
— Uma frigideira de ferro fundido. Eu o deixei sem sentido. Ele tinha dez
dólares no bolso e os tirei. Fui direto para a estação de trem e peguei uma
passagem, pensando em ir o mais longe que pudesse de Kansas City. Cheguei até
Nova York com esses dez dólares. Eu pensei em cantar lá, trabalhar em uma
revista ou algo assim. Mas não tinha uma voz muito boa, então ... —Ela parou e
encolheu os ombros— foi assim que acabei nas tabernas das docas do Brooklyn.
Eu comecei a mostrar um tornozelo, depois, levantando a minha saia e flertando
... Cada vez era mais fácil e cada vez que eu mostrava um pouco mais. Pareceu–
me inofensivo e permitiu–me ganhar dinheiro. Eu aluguei um apartamento em
Flatbush e me acostumei a carregar uma faca na liga. Depois de um tempo,
ganhei dinheiro suficiente para viajar para Paris.
Denys soltou um suspiro profundo. Então ele se recostou na cadeira e passou
a mão pelo cabelo.
—Inferno— ele sussurrou.
Contra todas as probabilidades, Lola sorriu.
— Eu sei que foi você quem perguntou, mas acho que tudo isto é muito mais
do que você queria saber.

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


— Não, estou feliz que você tenha me contado. E fiquei feliz que tudo correu
bem. Que nenhum homem ... —Ele parou e tentou novamente—, que nenhum
homem te obrigou.
Na verdade, era uma pergunta, então Lola respondeu.
—Não, Denys, — ela tranquilizou–o calmamente. — Nenhum homem me
forçou.
Ele olhou para baixo e começou a virar a garrafa na mesa distraidamente.
— Denys? Agora posso fazer uma pergunta?
— Claro.
—Você hipotecou o Arcady para financiar aquela peça de teatro para mim,
certo?
Ela tinha formulado isso como uma pergunta, mas, a certeza em sua voz,
indicava que ela já sabia a resposta.
—Sim— ele admitiu. — Como você descobriu? Eu acho que Henry te contou.
— Sim, ele me disse naquela noite em Paris. Porquê você fez isso? — mas não
deu a ele uma oportunidade de responder. — Você fez isso porque realmente
achou que eu tinha talento? – Ele parou de girar a garrafa e olhou para ele. — Ou
só porque você queria dormir comigo?

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Capítulo 15

Denys não pretendia responder a nenhuma pergunta, muito menos a que ela
acabara de fazer. Mas, sabia que a verdade e a confiança tinham que vir dos dois
lados.
—O motivo inicial era o desejo— ele admitiu. — Mas isso não significa que
não achasse que você tinha talento — ele se apressou em acrescentar, na
esperança de amenizar a motivação crua que o motivara naquela época.
Lola olhou para ele com pesar.
— O que você quer dizer é que, naquele momento, você não pensou no meu
talento ou na minha falta dele.
Denys suspirou.
— Não, não pensei no seu talento. Verdade seja dita, eu não me importei com
nada. Eu queria você e eu teria feito qualquer coisa para ter você. É ... —Ele
parou e engoliu em seco. — Quando penso nisso, acho quase assustador.
— Eu sinto que a peça tenha sido um fracasso tão retumbante. Eu gostaria de
ter feito melhor.
— A culpa não foi sua. Você não estava em condições de desempenhar esse
papel. Como você estaria se não tinha nenhuma preparação? Suponho que, no
fundo, soubesse que você não estava pronta para aparecer numa peça, mas, como
eu disse, não mergulhei fundo nisso. Eu queria que você estivesse comigo em
Londres, mas toda vez que eu expressava isso em voz alta, você ria, descartava
isso e dizia algo como, uma garota tinha que ganhar a vida e você não queria
arriscar perder o emprego. No final, pareceu–me que a melhor maneira de fazer
você vir a Londres era oferecer o que mais queria.
—Isso não era o que eu mais queria—, ela protestou, e mordeu o lábio como
se tivesse se arrependido de ter dito aquilo.
— Não?
Não deveria ter feito essa pergunta, Denys disse a si mesmo. Não deveria
abrir velhas feridas.
— E o que você queria?
— Você—, Lola respondeu simplesmente. — Mas eu não queria ser a sua
amante.
Denys gostaria de dizer que não era isso que ele lhe oferecera, que as suas
intenções eram honestas desde o começo.
Ele desviou o olhar.

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—Na outra noite você me disse que sou cínica— continuou Lola depois
daquele silêncio. — E talvez seja. A vida que levei antes de te conhecer não é do
tipo que convida uma garota a acreditar em contos de fadas. Mas depois você
apareceu, e eu continuei dizendo não, mas você voltou, e eu comecei a pensar,
pela primeira vez na minha vida, que talvez, os contos de fadas pudessem se
tornar realidade. Você me disse que me arranjou uma audição para uma peça em
Londres e, quando consegui o papel, senti como se o que sempre quis, estivesse
sendo servido numa bandeja de prata. — Ela parou e limpou a garganta. —
Denys, quando cheguei na audição, já se sabia de antemão que eu ia conseguir o
papel.
— Sim. — essa admissão o rasgou por dentro, reabrindo aquelas velhas
feridas do passado.
—Olhando para trás, me pergunto como não fui capaz de me aperceber—
disse ela, pensativa. — Agora parece óbvio para mim. E, eu não posso dizer que
na altura, eu era uma jovem inocente e ingênua.
Ela balançou a cabeça como se não pudesse acreditar na sua própria falta de
discernimento.
—É incrível como você pode ficar cego quando está feliz—, continuou ela. —
Eu começara a acreditar que você era o meu cavaleiro errante, entende? Que me
amaria e se casaria comigo. Eu me tornaria uma atriz de sucesso e seríamos
felizes para sempre. Mas a vida não é assim.
Denys fechou os olhos. Um par de semanas atrás, ele pensava que o seu
passado era muito claro. De acordo com a versão dela do que aconteceu, foi ele
quem a machucou. Em muitas ocasiões, especialmente depois da sua partida, ele
sempre se perguntava por que ela o deixara por Henry. Mas ele nunca foi capaz
de abandonar o sentimento de traição, o coração partido e o seu orgulho ferido,
por tempo suficiente, para analisar as coisas do ponto de vista de Lola, ou
admitir que, ele também, era culpado pelo que aconteceu. Até esse momento.
Ele abriu os olhos, forçando uma risada.
— Estou começando a entender porque voçê não gosta de falar de você
mesma. Ao fazê–lo, a verdade sobre si mesma é apresentada nua, certo? E a
imagem nem sempre é bonita. Eu não era um errante cavaleiro, Lola — ele olhou
para os seus olhos do outro lado da mesa. — A verdade é que a ideia de casar
com você não passou pela minha cabeça até você voltar para Paris. Só então,
quando percebi que estava perdendo você, ocorreu–me propor casamento. Na
outra noite você disse que eu não te amava e agora eu entendo porque você
sentiu isso. Mesmo que eu repetisse para você muitas vezes o quanto eu te
amava e, te dissesse que era louco por você, que te queria tanto que não podia

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comer ou dormir, até que você foi para Paris não percebi que eu te amava tanto e
queria casar com você.
Ele respirou fundo.
—Então, durante todos aqueles meses em que eu estava perseguindo você,
enquanto você me considerava uma espécie de figura heroica, as minhas
verdadeiras intenções eram moralmente inaceitáveis.
—Mmmm.
Lola comeu o que sobrava do sanduíche, observando–o com cuidado ao fazê–
lo. Denys não tinha ideia do que ela estava pensando, mas depois de alguns
minutos, a viu sacudir a cabeça.
— Não, Denys, isso não fará bem a você.
Denys franziu a testa, perplexo com a resposta enigmática.
— O que é que não vai me fazer bem?
— Essa tentativa de se apresentar como um tipo de canalha. Me desculpe,
mas não acredito em você. Eu nunca acreditei nisso e nunca vou acreditar. Então,
citando você, pegue o cachimbo de paz e a fume.
Denys sorriu.
— A analogia é bastante oportuna, não é? Acho que nesta noite estamos,
realmente, fumando esse cachimbo de paz.
Lola devolveu o sorriso, embora um pouco hesitante.
—Você pode estar certo— disse, e levantou a garrafa. — Pela nossa
sociedade?
Denys pegou a sua garrafa e aproximou–a à de Lola.
— Pela nossa sociedade.
Eles olharam nos olhos um do outro enquanto bebiam e a mente de Denys
voltou para a primeira noite em que jantaram juntos. E não sabia porquê. Além
do fato de terem compartilhado um jantar, aquela noite teve muito pouco a ver
com o que eles estavam desfrutando naquele momento. Foi um jantar num dos
melhores restaurantes de Paris, não sanduíches simples. Eles tinham bebido
vinho, não cerveja. E ele passou a maior parte da noite tentando seduzir uma
garota que dançava como se fosse feita para o pecado, mas que não o deixava
entrar no camarim.
— Falando da nossa sociedade ...
Aquela voz o tirou do passado, lembrando–o de que ele não estava em Paris,
que ele não era mais aquele jovem louco e que a sedução não era mais uma
prioridade para ele. Inferno, eles nem sequer estavam sentados numa verdadeira
mesa.
Ele respirou fundo.
— Sim?

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— Eu sei que decidimos não anunciar oficialmente a nossa parceria para a
companhia de teatro, mas me pergunto se você poderia fazer algo diferente.
— O quê?
— Talvez você possa sugerir, que certos membros da companhia,
interrompam os seus colegas o mínimo possível durante os ensaios.
Denys sorriu.
—Devo ficar do seu lado e contra a senhorita Danvers? É isso que você quer
que eu faça como parceiro?
— Não, disse assim, claro que não. Mas essa mulher é muito irritante.
— O que me importa? – Ele, deliberadamente, balançou o seu sorriso. — Eu
não tenho que trabalhar com ela.
Lola inspirou com força.
— Isso é uma atitude muito egoísta, parceiro.
— Em qualquer caso, eu não sei por que você precisa de mim. Desdobre o seu
charme com ela e você, certamente, acabará ganhando.
Lola lhe lançou um olhar irônico, enquanto se inclinava para a frente e atirava
a garrafa vazia e o papel de sanduíche na cesta de piquenique.
— Por mais que eu aprecie a sua fé em minha capacidade de sedução, neste
caso, seria uma perda de tempo. Eu não podia vencer Arabella, mesmo que eu a
colocasse no papel de Lady Macbeth e mil libras na frente dela.
—Você se subestima— ele riu. — Eu não sei como consegui conquistar você.
— Porque você é bom. E eu já lhe disse que esse sempre foi o meu ponto
fraco.
— Sou bom?
Ele a estudou, lembrando de outras fraquezas de Lola. Por exemplo, como os
seus joelhos se curvavam quando ele a beijava na orelha, ou como ele conseguia
superar a sua resistência com carícias lentas, e não se sentiu bem.
Lola deve ter adivinhado o que estava acontecendo em sua mente.
—Eu acho que deveria ir embora— disse bruscamente, e deu um pulo. — É
tarde.
—Claro. — Denys forçou os pensamentos obscenos para fora da sua mente,
levantou–se, agarrou a cesta e apontou para a porta. — Te acompanho.
—Nós não falamos sobre a minha proposta — Lola observou quando estava
esperando no corredor para desligar a lâmpada a gás na sala de ensaios.
— Não, nós não falamos sobre ela.
Ele se reuniu a ela no corredor, junto à lâmpada que Dawson deixara acesa, e
andaram até ao final, onde pararam ao lado de uma porta que levava a um beco.
— Por que não ficamos no sábado à tarde, depois do ensaio? — Denys
sugeriu. — Eu acho que não tenho compromisso para esse dia.

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– No sábado? — Ela balançou a cabeça. — Não posso. Eu tenho planos para
essa tarde.
Denys se perguntou imediatamente quais planos poderiam ser, mas ele sabia
que não podia perguntar. E também que não deveria querer saber.
— Podemos deixar para o próximo sábado? — Lola sugeriu.
— Claro. Peço um chá?
— Se você quiser…
— Você quer? — Assim que essas palavras saíram da sua boca, ele quis
chutar a cabeça. – Quer dizer, — esclareceu instantaneamente, colocando-se num
terreno mais seguro — é que, na verdade, o chá não é um hábito americano, por
isso, se você quiser prescindir dele, você apenas tem que dizer.
—O chá será perfeito, Denys, obrigada. — Ela sorriu com tristeza. – Mas
lembre–me de tirar as minhas luvas primeiro. Eu costumo esquecer esse tipo de
coisa.
Denys riu, lembrando–se da sua aparência com a mão enluvada, a xícara de
chá e a expressão de desgosto quando percebeu o seu erro.
— Vou garantir que o seu comportamento seja correto — garantiu–o.
Ele abriu a porta e tirou a chave do bolso enquanto ela saía. Mas, quando ele
desligou a última luz e começou a trancar a porta, a voz de Lola o deteve.
— Você deveria sair pela outra porta, a da frente do teatro. Desta forma, você
chegará antes nos cavalariços.
—E deixá–la sozinha num beco em Londres à procura de uma carruagem?À
noite? Eu não penso fazer tal coisa.
— Estamos a cerca de cinquenta metros da Strand e de lá para o Savoy, não é
nada mais, que alguns quarteirões. Nada vai acontecer comigo.
—Eu não vou deixar você ir sozinha e eu não me importo se o seu hotel está a
apenas alguns quarteirões de distância. Eu não vou discutir isso — acrescentou
quando ela começou a protestar.
—Denys, você não pode vir comigo. O Strand é uma rua movimentada, está
cheia de carruagens transportando e trazendo pessoas do teatro. E, é muito
provável que no Savoy, você encontre um conhecido à espera de uma carruagem.
Eles nos veriam juntos.
—É um pouco tarde para se preocupar com isso. Tenho a certeza de que nos
viram no dia em que te levei para o elevador no Savoy. E no Covent Garden. Nós
moramos na mesma cidade, trabalhamos juntos e frequentamos os mesmos
lugares. Concordo que devemos evitar chamar a atenção para a nossa sociedade,
mas é inútil tentar esconder. Se vamos trabalhar juntos, haverá sempre alguma
possibilidade de alguém nos ver em algum lugar. Você mesmo disse na outra
noite. Quando estávamos juntos, tentamos ser discretos, mas todos sabiam da

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nossa aventura. Se não fizermos nenhum esforço para tentar esconder esta
sociedade desde o início, não impedimos que as pessoas pensem o que querem,
mas, na melhor das hipóteses, elas se cansam antes de especular sobre nós e se
dedicam a outros tópicos.
— Eu duvido muito que a sua família possa ver dessa maneira.
—Deixe a minha família comigo. Pretendo continuar com este acordo e, se o
meu pai não gostar, tem todo o direito de recuperar a gestão do teatro. Foi ele
quem escolheu não o fazer porque confia em mim.
Mesmo enquanto dizia isso, Denys sentiu certo desconforto. Ele suspeitava
que levaria muito tempo até que ele merecesse esse tipo confiança da parte de
Lola.
Lola inspirou pesadamente.
—Tenho a certeza de que Conyers não considera você um problema. É em
mim que ele não confia. De qualquer forma, ainda acho que é preferível não nos
vejam caminhando juntos no Strand.
—Muito bem. Mas, pelo menos, permita–me acompanhá–la até ao ponto de
táxis e te veja subir numa carruagem, sã e salva. Seria muito desconsiderado da
minha parte ,deixar uma dama, mesmo que não fosse minha amiga, andar
sozinha pelas ruas à noite.
—Amiga? —Lola inclinou a cabeça e olhou para ele em dúvida, como se não
tivesse certeza de tê–lo ouvido bem. — Somos amigos agora?
A amizade tornaria o trabalho, naquela sociedade, mais fácil e agradável.
Denys olhou para baixo. Mas, somente se ele fosse capaz de se lembrar que o
relacionamento deles, era platônico.
Ele levantou a cabeça com um gesto brusco para olhá–la nos olhos e se
obrigou a dizer alguma coisa.
—Não sei. Podemos tentar, suponho. Afinal de contas, temos sido tudo mais
— acrescentou ele, lutando para mostrar um descuido que não sentia. —Por que
não tentar sermos amigos agora?
Lola esboçou aquele largo e luminoso sorriso que, como sempre, fez Denys se
sentir como se estivesse recebendo o calor do sol.
—Amigos então— disse. Mas —parou e franziu a testa, tentando adotar uma
expressão firme. As sardas que cobriam o seu nariz transformaram essa tentativa
num fracasso absoluto — se vamos ser amigos, você nunca mais poderá me
chamar de “Srta. Valinsky”.
Denys riu.
—Eu me considero devidamente avisado. Posso te chamar de Charlotte? — O
gesto sério de Lola desapareceu quando ela levantou a cabeça.
—Não, se você quiser que eu te responda.

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—Você não gosta desse nome?
—Não é isso. Eu não queria dizer nada mais, do que o que eu disse. Estou
carregando o nome de Lola há tanto tempo que, se alguém me chamar de
Charlotte, não sei se teria consciência de que estavam falando comigo. De fato —
acrescentou baixinho, inclinando a cabeça —nem sei se me lembro quem era
Charlotte.
—Eu acho que sim.
Lola olhou para cima e observou–o, surpresa com a convicção em sua voz.
—O que te faz dizer isso?
—Se você não pensasse que aquela garota continua em algum lugar dentro de
você, não teria me dito que, na realidade, não te conheço.
—Talvez. — Ela balançou a cabeça—Eu não sei, mas em todo caso, estou
acostumada a ser chamada de Lola, então você deve continuar a se dirigir a mim
por esse nome.
—Como você quiser. Também será mais fácil para mim. Começar do zero é
muito bom e estou tentando de tudo para me adaptar à nova situação, mas
custaria me acostumar a chamá–la de forma diferente. — Ele apontou para o
beco atrás dela. —Vamos?
—Por que eu não espero aqui, enquanto você chama uma carruagem?
Denys aceitou, e pouco tempo depois, ele estava de pé na entrada do beco,
observando–a caminhar em direção à carruagem que tinha parado na calçada.
Tudo aquilo de começar de novo e serem amigos estava muito bem, mas, ao
contemplar os flashes de cabelo sob o poste de luz e o movimento gracioso dos
seus quadris enquanto ela caminhava, Denys sentiu o seu desejo por ela à
espreita nas profundezas e, não sabia se alguma vez, seria capaz de ver Lola
Valentine como uma amiga, embora o seu nome verdadeiro fosse Charlotte
Valinsky.

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Capítulo 16

Denys sabia que Lola estava certa sobre os rumores e que, era preferível se
evitarem o máximo que pudessem, quando não estavam lidando com a
administração do teatro.
Considerando a sua determinação em não permitir que o retorno de Lola
fosse uma mudança em sua vida, evitá–la deveria ter sido fácil, especialmente,
porque a última coisa que tinha desejado, há apenas algumas semanas atrás, era
estar perto dela. No entanto, durante os dias que se seguiram ao piquenique que
tinham compartilhado na sala de ensaios, ficar longe de Lola provou ser uma das
coisas mais difíceis que já tinha feito em sua vida.
Muitas vezes ele se viu olhando pela janela do escritório para o Imperial,
imaginando como estava se saindo. Em duas ocasiões, ele esteve prestes a mudar
os seus planos de jantar com os amigos para jantar no Savoy, caso houvesse
alguma chance de vê–la ali. Era uma sorte que St. John’s Wood não estivesse
perto dos lugares que frequentava todos os dias, porque se tivesse, teria sido
incapaz de resistir à tentação de pedir ao seu motorista para passar por lá, em
seu caminho para o escritório.
Ele inventava desculpas todos os dias para atravessar a rua: tinha que
perguntar a Jacob como o trabalho estava indo, ou examinar as instalações, ou
conversar com o zelador sobre as questões de manutenção. Sim, a sua
imaginação conseguiu encontrar qualquer razão, pela qual o Imperial, precisava
da sua atenção num determinado momento. Mas não importava quão fértil fosse
a sua imaginação, ele se forçou a não ir para lá. Era a melhor coisa que podia
fazer pelo bem de ambos.
No entanto, ele não conseguia parar de pensar nela. Lola se infiltrava em seus
pensamentos em inúmeras ocasiões: no meio de uma reunião de negócios,
quando se cruzava na rua com uma mulher ruiva ou quando a sua carruagem
passava por Covent Garden.
Era verdade, que ele tinha chegado a acreditar que, estar perto dela, iria
ajudá–lo a superar tudo, mas, com o passar dos dias, começou a temer que
tivesse sido otimista demais para confiar na capacidade da familiaridade para
alimentar um distanciamento.
O que você amava era uma ilusão, uma ilusão que eu inventei muitos anos antes de te
conhecer. No entanto, você não me conhece de todo.
Isso seria verdade? Denys olhou para o prato do café da manhã e empurrou o
bacon e os ovos, enquanto avaliava a frase à luz do que descobrira sobre ela.

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Mas, analisando o que Lola tinha dito sobre si mesma, temia que, quanto mais
soubesse sobre ela, mais quisesse continuar a conhecê–la. Quanto mais
explorava, mais profundamente queria continuar cavando. E temia que, se
continuasse cavando, acabasse se afundando para sempre.
As vozes de sua família fluíam ao seu redor, mas ele estava tão absorvido em
seus pensamentos que não ouviu uma única palavra. E estava pensando num
jovem, que há seis anos hipotecou a sua propriedade, para seduzir uma garota.
Ele fechou os olhos, deixando–se levar pelas lembranças das tardes que
passaram juntos, pela fragrância de Lola, pelo seu sabor, pelo toque da sua pele.
Tudo tão vívido e erótico quanto tinha sido na realidade.
—Denys?
A voz urgente da sua mãe explodiu em seus pensamentos. Denys olhou para
cima e percebeu, perplexo, que acabara de ter pensamentos eróticos sobre Lola
na mesa do café da manhã.
—Desculpe–me mãe, – e perguntou depois de um momento: – O que você
disse?
—Eu perguntei se você pensava em vir conosco amanhã, ou se você vai levar
a sua própria carruagem.
Denys olhou para ela perplexo, porque ele não sabia do que estava falando.
—Amanhã?
A sua mãe desciou o olhar para o seu marido e Denys não perdeu o gesto de
preocupação que os seus pais trocaram. Entendeu então, que havia esquecido
algo importante, alguma obrigação social, mas, no momento, não conseguia
lembrar qual.
— Não, Denys não vem com a gente— disse Susan antes que a sua mãe
pudesse responder. —Ele passa a vida trabalhando em seu escritório, mesmo aos
sábados. Certamente ele levará a sua própria carruagem de Bedford Street até
Regent's Park.
—Eu suponho que sim. —Lady Conyers suspirou e se virou para encará–lo.
—Você trabalha muito, querido. E durante a temporada, é totalmente
inadequado que um cavalheiro seja escravo do seu escritório.
Denys olhou para a mãe e a irmã, completamente perdido.
—Para o Regent's Park?
Susan riu.
—Oh, meu Deus! Você trabalha tanto que esqueceu o espetáculo de flores da
mamãe. E que Georgiana a ajudou a organizar tudo.
Bom Deus, Georgiana! Ele tinha se esquecido dela.
Consciente de que os outros membros da sua família estavam olhando para
ele, ele foi forçado a dar uma resposta.

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—Eu não tinha esquecido— ele mentiu, tomando muito cuidado para que o
seu rosto não refletisse a menor consternação. —Mas neste momento não
consegui lembrar onde ia acontecer. Afinal, — se apressou em acrescentar—,
Georgiana sugeriu tantos locais possíveis antes de retornar a Kent que era
impossível lembrar. Eu fiz uma bagunça com todos esses lugares.
Era uma desculpa muito pobre e sabia disso. Ele viu que os seus pais
trocaram um olhar significativo, mas, felizmente, preferiram aceitá–lo.
—Eu sei que tudo foi muito confuso— ressaltou sua mãe. —Estávamos
desesperadass para encontrar um lugar adequado. —Ela pegou a xícara e bebeu
um gole de chá, olhando para a borda. —Eu entendo que na quarta–feira elas
voltaram de Kent.
Denys não fazia ideia. Mas o olhar questionador e claro de sua mãe sugeriu
que seria mais sensato esconder a sua ignorância.
—Eu acho que sim. Ainda não tive a oportunidade de visitá–las.
—Claro.— Havia um traço de reprovação em sua voz que Denys decidiu
ignorar. – Como eu acabei de dizer, —ela continuou enquanto deixava a xícara
sobre a mesa— você está trabalhando muito nesta temporada.
E, sem mais delongas, voltou a prestar atenção a Susan para perguntar sobre
o vestido que ela usaria para o próximo baile. Mas Denys encontrou pouco alívio
nessa mudança de assunto, porque ele foi forçado a encarar o fato de que,
durante as três semanas anteriores, a mulher que ele estava considerando como
candidata para ser a sua futura esposa não tinha tomado um segundo do seu
tempo ou atenção. Ele não tinha respondido às suas cartas, nem sequer as lera.
Na verdade, além de uma breve menção durante a conversa com Lola no Covent
Garden, ele não passara muito tempo pensando em Georgiana nos dias em que
ela estivera ausente.
Claro, muitas coisas aconteceram em sua vida ultimamente. Qualquer homem
ficaria confuso em sua situação.
Ele parou de tentar justificar esse deslize de cavalheirismo, porque sabia que
não tinha justificativa. Estava pensando em casar com Georgiana, pelo amor de
Deus. Como ele poderia ter esquecido dela até áquele ponto?
Mesmo quando se fez essa pergunta, ele sabia a resposta.
Ele colocou a faca e o garfo no prato, jogou a cadeira para trás e levantou–se
com a intenção de remediar essa negligência em seu comportamento.
—Se você me perdoar— ele disse, inclinando a cabeça na direção de sua mãe
e irmã, —eu devo ir. Se amanhã tiver que estar fora do escritório, hoje tenho
muito trabalho a fazer.
Ele se virou para sair, mas parou e olhou para a mãe.

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— Você está certa, mãe. Eu passo muito tempo trabalhando. Você terá a
gentileza de informar o meu secretário de quais outros eventos quer que eu
participe, nas próximas semanas? Eu farei tudo o que estiver ao meu alcance para
satisfazer os seus desejos e passar mais tempo aproveitando a temporada com a
minha família e amigos.
Aquele compromisso satisfazez a sua mãe, ele tinha certeza, mas não o
ajudava a se sentir muito melhor. Ao sair da sala de jantar, ainda estava perplexo
com a sua própria desatenção, irritado com o que o motivara e, sentindo–se,
diabolicamente culpado. Ele prometera a si mesmo que não permitiria que o seu
relacionamento com Lola tivesse algum efeito em sua vida íntima, mas, até então,
não era muito bom em cumprir essa promessa em particular.
—És um junco, Denys—, ele sussurrou, acariciando os seus cabelos enquanto
atravessava o corredor para frente da casa, —não um carvalho.
Quando ele se virou para as escadas, notou o mordomo, que estava no
corredor, e parou com a mão apoiada no pilar do corrimão e um pé no primeiro
degrau.
— Monckton?
O mordomo se virou do espelho que estava tentando endireitar.
— Meu senhor?
—Poderia ter a minha carruagem pronta em meia hora? —Ele perguntou e
começou a subir. —E peça a Henry para comprar um buquê de miosótis na
florista da esquina, por favor.
Trinta minutos depois, vestindo um terno e chapéu cinza adequado para uma
visita, Denys saiu e encontrou a sua carruagem esperando na calçada com um
belo buquê no assento e o motorista esperando.
—Número 18 Berkeley Square—, ele ordenou, e entrou na carruagem.
Ele sabia que era hora de colocar as suas prioridades em ordem e começar a
organizar o seu futuro, mas quando a carruagem levou–o para a residência do
Marquês de Belsham em Londres, não conseguiu afastar a sensação de que o seu
destino, seria tão excitante quanto assistir tinta secar.

Durante a semana que se seguiu ao piquenique com Denys, Lola esteve


imersa na peça. Devido à tendência arrogante de Arabella, de oferecer conselhos
e sugestões que ninguém perguntou aos outros atores, e a Lola em particular, os
ensaios continuaram até tarde da noite durante aquela semana.
A princípio, ela se preocupara com o fato de que as críticas quase constantes
de Arabella ao seu talento como atriz pudessem alimentar a ideia de que ela

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


estava lá apenas por causa dos homens com quem dormira, mas, com o passar
dos dias, acontecera o oposto. Quanto mais Arabella a criticava, mais membros
da companhia se sentiam inclinados a lhe dar o benefício da dúvida,
especialmente, desde que a atriz principal, não só se metia com ela, mas também
com o resto do elenco.
Era evidente que o comportamento da diva de Jacob estava corroendo a
paciência do diretor, fato que Lola não pôde deixar de contemplar com
satisfação. Quando a sexta–feira chegou, Jacob começava a interromper as críticas
de Arabella com comentários afiados e os atores começavam a especular, sobre
quanto tempo faltava para que estalasse uma briga. Lola não expressara a sua
opinião em nenhum momento, sabendo que era melhor manter a boca fechada e
concentrar–se no trabalho. Ela não era apenas uma atriz da companhia, mas
também dona do teatro, e, como Denys havia apontado, os donos não tinham
favoritos nem se apoiavam em ninguém.
Apesar da sua turbulência emocional, o trabalho estava provando ser uma
bênção. Durante os ensaios, quando estava recitando o texto e concentrada na
peça, quando apertava os dentes exasperada, pela última intervenção de Arabella
ou tentando aceitar a visão de Jacob sobre o seu papel, em vez de impor a sua
própria, era capaz de esquecer Denys e focar no objetivo que a tinha levado até
lá.
Infelizmente, ela não podia trabalhar o dia todo e, de vez em quando, havia
vaziso, momentos em que estava sozinha e não podia fazer nada além de pensar.
E não estava acostumada a ter tempo livre. Em Nova York, tinha o seu
próprio espetáculo, um espetáculo que exigia constantemente, a busca de novas
músicas e a mudança nas danças, para que continuasse a ser novo e divertido. O
pouco tempo que lhe sobrava, tinha passado a melhorar as suas habilidades
como atriz dramática, então nunca teve muito tempo para assuntos como
reflexão.
Mas ali em Londres, e apesar dos desejos de Arabella de torná–los todos
escravos do seu trabalho, tinha muito mais tempo livre do que em Nova York e
poucos amigos com que se entreter.
As noites eram o pior, porque ela ficava acordada na cama, pensando sobre as
conversas que teve com Denys no Covent Garden e na sala de ensaios do teatro,
em sanduíches e confidências que tinham compartilhado e se perguntando o que
teria a conduzido a ser tão franca. Ela não tinha falado tanto sobre si mesma em
toda a sua vida, como nas três semanas anteriores.
Como? Perguntou–se, olhando para as molduras do teto que se destacavam
na escuridão do quarto. Como ele conseguiu extrair um dos detalhes mais

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


sórdidos de seu passado? Como Denys tinha apontado, ela sempre tinha
desviado qualquer conversa sobre si mesma, especialmente, estando com ele.
Você não compartilhou quase nada comigo sobre a vida que teve antes de nos
conhecermos.
Lola deixara Charlotte Valinsky no passado, no dia em que completara
dezoito anos, no mesmo dia em que comprara uma passagem de barco para
viajar de Nova York para Paris. Depois de embarcar naquele barco a vapor com
um bilhete em nome de Lola Valentine, ela nunca voltou a olhar para trás.
Durante o tempo que passara com Denys, colocara um cuidado primoroso e uma
grande dose de engenho para evitar perguntas e esconder o seu passado. Dançar
cancã e cantar canções picantes francesas era algo, sugestivo o suficiente, para
despertar o interesse e a curiosidade de um cavalheiro como Denys. Mas isso
estava longe de tirar a roupa na frente de marinheiros lascivos que trabalham em
navios de Bay Ridge Channel. Ela sempre tinha medo que Denys descobrisse,
quão baixo tinha caído Charlotte, e ficar longe dela. Cinco noites atrás,
finalmente, tinha dito a verdade, ou parte dela, pelo menos, com esse propósito.
E tinha feito na esperança de que, depois de contar, parasse de olhar para ela
com esse desejo do passado em seus olhos escuros, a sua confissão asseguraria
que não voltaria a tentar beijá–la ou seduzi–la, ou roubar de novo o coração. Ela
tinha desistido de Denys uma vez, pensando no bem dele, mas se tivesse que
fazê–lo uma segunda vez, temia que isso pudesse destruí–la.
No entanto, a sua tentativa de afastá–lo ao expor o seu passado, tinha
causado o efeito oposto. Denys não ficou chocado nem tinha se distanciado. Ele
nem sequer pareceu muito surpreso. Se o objetivo era afastá–lo dela, falar sobre o
seu trabalho como dançarina não tinha sido muito eficaz. Lola mordeu o lábio
com os olhos fixos no teto.
O seu coração se contorceu em seu peito. Ela fechou os olhos com força. Mas
se pensou que isso ia limpar a sua mente de Denys estava muito errada, porque a
sua imaginação conjurou o seu rosto e lembrou o desejo em seus olhos. E ainda
podia ouvir sua voz vibrando com o desejo masculino.
Sou bom?
Um calor ansioso se espalhou pelos seus braços e pernas ao se lembrar
daquela pergunta. O desejo começou a tomar conta dela. O olhar que Denys lhe
dera naquele momento, tinha sido tudo menos gentil. E aquele beijo apaixonado
em seu escritório também não fora carregado de gentileza. Denys, e ela sabia
disso melhor do que qualquer outra pessoa, também poderia ser muito, muito
ruim.
A sua respiração se aprofundou quando as lembranças das tardes em St.
John's Wood fluíram em sua mente. A espera na janela com uma impaciência

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


quase insuportável, esperando a carruagem que o levaria à sua porta. A
lembrança de estar em seus braços, da sua boca na dela e das suas mãos
desnudando–a e acariciando–a para levá–la à mais deliciosa plenitude.
Lola gemeu e virou na cama. Não podia mais pensar nele dessa forma. Ela
ficaria louca, ou pior, fazer algo estúpido e iria jogar tudo fora. E o que
aconteceria em seguida? Outro nome, outro lugar, e começar de novo a partir do
zero?
Lola fechou os olhos com força e tentou duro, como tinha feito muitas vezes
antes, esquecer aquelas tardes em St. John's Wood, para esquecer os seus beijos e
carícias, naquele tempo maravilhoso da sua vida, que tinha se permitido
apaixonar-se.
Não demorou muito para Lola finalmente adormecer e depois de um ensaio
exaustivo na manhã seguinte, durante o qual Arabela decidiu não ser
particularmente difícil, a exposição floral no parque do regente era uma distração
bem–vinda.
—Eu precisava deste passeio, Kitty. — disse a sua amiga enquanto
caminhavam pela rotunda interior do Regent’s Park, caminhando para os jardins
de St. John Lodge —você não pode imaginar a falta que me fez isto.
—Arabella? —arriscou a sua amiga instantaneamente, dando–lhe um olhar
solidário de entendimento.
Lola olhou para longe.
—Em parte. — disse e fingiu estar concentrada em colocar seu guarda–chuva
para um ângulo melhor. —Essa mulher é impossível. Tem que parar para
discutir tudo. É insuportável.
—Oh, eu sei! —concordou Kitty. —Eu estava no outro dia no teatro,
pendurando o cenário do quarto fundo de Desdêmona. Eu queria ver como
ficava e por acaso, má sorte, ela estava lá nessa altura. Quando me viu, me disse
o quão ruim era o cenário e perguntou em voz alta como diabos teria escolhido
Jacob Roth para pintar o cenário, uma pessoa que não sabia pintar.
—E você não queria estrangulá–la?
—Desde já! Ela teve sorte de não levar um lenço naquele dia.
Lola riu e acariciou o lenço azul–escuro na base do pescoço, levando alguns
segundos para imaginar as possibilidades mais malignas.
—Estou feliz que hoje pudemos terminar o ensaio a uma hora decente.
Mesmo assim, tive que viajar a toda velocidade os cinco quarteirões que me
separam do Savoy, para poder tomar banho e trocar de roupa.
—Bem valeu a pena, você está magnífica —Kitty disse, deslizando o olhar
para a saia branca adornada com um plissado na parte inferior, bolero de listras
azuis e brancas e uma casaco branco com luas azuis.

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—Essas mangas estão na moda? — perguntou, apontando com o dedo para as
mangas azuis de Lola.
—Sim, elas chamam-se de manga balão.
—Fazem a cintura muito estreita, não é? Eu espero que a moda dure.
—Não durará—, assegurou Lola, e as duas riram.
Depois de uma manhã complicada e uma noite inteira sem dormir, foi bom
rir. E também estar na rua num dia tão fabuloso. Ela respirou fundo, notando
com uma profunda gratidão que o ar no parque era mais fresco e mais doce do
que o ar frio e úmido do rio. Bastava estar lá, para sentir o coração mais leve e
colocar o tumulto emocional da noite anterior sob a perspectiva correta. As suas
preocupações com o futuro e os desastres que a perseguiam pareciam recuar,
carregados pela brisa quente de maio.
Quando chegaram a St. John Lodge, o espetáculo de flores estava em pleno
andamento. Os portões de ferro forjado da residência particular de lorde Bute
estavam abertos, convidando todos aqueles que tinham comprado uma
passagem para os jardins.
Assim que um dos lacaios de Bute pegou nas suas entradas, Lola e Kitty se
juntaram aos visitantes, enquanto caminhavam entre as tendas brancas que
haviam erguido no gramado do Marquês.
Embora a exposição fosse aberta a qualquer pessoa que pudesse comprar uma
entrada, não havia nada de vulgar naquele evento. Um quarteto de cordas tocava
músicas de Mozart e Vivaldi. Lacaios de libré levavam bandejas de champanhe,
limonada e canapés. Lola sentia como se acabasse de entrar numa festa
organizada nos jardins de uma duquesa. Era adorável.
Em homenagem a este dia esplêndido, tinham desenrolado as paredes das
tendas e sob a sua sombra, longas mesas cobertas com toalhas brancas
imaculadas exibiam as mais belas flores dos melhores jardins de Londres, em
cintilantes vasos de vidro. Um cartão, escrito em caligrafia elegante, identificava
cada flor, o jardim em que ela fora cultivada e o nome da pessoa responsável por
ela.
—Condessa de Redwyn— Kitty leu enquanto passavam por uma espetacular
peônia rosa. —Céus! Alguém diria que cultivou isso sozinha. Eu gostaria de
saber por que eles não dão crédito ao pobre jardineiro.
—Ele mereceria— admitiu Lola. —É uma linda flor.
Ela olhou por cima do ombro e viu uma tenda na qual exibiam as suas flores
favoritas.
—Vamos! —Ela disse, puxando Kitty pelo braço. —Vamos ver as rosas.

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Caminharam pela exposição de rosas e admiraram as flores durante algum
tempo, até que o calor as obrigou a procurar um dos lacaios que oferecia
refrescos.
Elas viram alguém que estava oferecendo taças de champanhe, para um
grupo de senhoras e senhores que estavam perto da primeira tenda e avançaram
naquela direção, mas estavam a cerca de quatro metros de distância, quando Lola
viu um homem em particular no meio do círculo, um homem que estava de
costas para ela, mas cuja altura e ombros largos não lhe custava reconhecer.
Ela congelou, subitamente paralisada. O seu coração pulou em seu peito; Foi
uma sensação nascida do medo, emoção e algo mais, algo que lembrava o desejo.
Ela sabia que deveria se virar antes que ele a visse, mas os seus pés se recusaram
a obedecer aos comandos do seu cérebro.
Denys virou a cabeça para uma mulher de cabelos castanhos, magra e vestida
de seda azul–claro. A jovem inclinou–se para ele, pôs a mão no braço dele e
sussurrou algo em seu ouvido com um gesto de familiaridade, que indicou a
Lola que aquela mulher, tinha que ser lady Georgiana Prescott.
Vê–los juntos machucava como se estivessem marcando–a com ferro, porque
eles faziam um casal esplêndido e perfeito. Eles estavam cercados por pessoas
cuja elegância e riqueza completavam a imagem. Do outro lado de Denys, estava
um homem de cabelos negros, cujo perfil era inequivocamente familiar.
Jack, percebeu, mas aquela situação difícil não lhe permitia sentir prazer em
reconhecer um homem que, há muito tempo, considerara um amigo. Agarrando–
se ao braço dele estava uma mulher loira, magra e elegante, a sua esposa, sem
dúvida.
Ao lado do casal, estava uma mulher vivaz de cabelos escuros, tão parecida
com Denys, que Lola supôs imediatamente, devia ser a sua irmã, lady Susan. A
senhora ao lado dele, uma mulher robusta com cabelos escuros listrados de
cinza, tinha que ser a sua mãe, lady Conyers. E atrás do grupo, de frente para ela,
um homem de cabelo prateado, cuja atitude sorridente e amistosa, o tornava
muito diferente do arrogante conde que havia jogado um cheque em seu rosto,
há tanto tempo atrás.
A imagem do Conde Conyers foi a gota que transbordou. Ele a arrancou da
sua paralisia momentânea e se virou, antes que qualquer um deles pudesse vê–
la.
— Ai, Kitty, temos que ir!
—Mas acabamos de chegar. — Kitty estendeu a mão para pegar uma taça de
champanhe de um dos lacaios que passou por ela. —Por que nós temos que sair?
—Porque Denys está aqui—sussurrou.
—Somerton? Onde?

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—Lá—, Lola apontou com o polegar por cima do ombro. —Não olhe —ela
acrescentou desesperadamente quando Kitty se inclinou para o lado, tentando
ver atrás dela. —Está a cerca de cinco metros de nós.
—Ah sim?
Kitty não pareceu surpresa. Na verdade, havia um sorriso em volta dos lábios
e, em seguida, Lola teve uma ideia terrível em sua cabeça.
—Você sabia que ele ia estar aqui— disse ela, estreitando os olhos enquanto a
sua amiga se movia, deslocando o peso em seus pés com um gesto culpado. —É
uma incrível coincidência que estamos aqui ao mesmo tempo, quando agora
mesmo, há centenas de eventos sociais em Londres, mas mesmo assim, você não
parece surpresa, no mínimo. Você sabia que estaria aqui, certo?
Kitty pareceu desmaiar sob o olhar dela, confirmando as suas suspeitas.
—Eu sabia que havia alguma possibilidade—murmurou.
— E o que te levou a pensar que ele estaria em uma exposição de flores?
Kitty, envergonhada, levou a mão ao ouvido. — Uma coincidência? —Ela
se aventurou, mas quando Lola estreitou os olhos ainda mais, ela tossiu
desconfortavelmente e começou a explicar para ela. —Ouvi dizer que a mãe de
Somerton era a ... a ... Patrona desta ... Exposição.
—O quê? Oh senhor!
Ela tomou conhecimento de todas as implicações da situação e, de repente,
sentiu–se enjoada, irritada e humilhada. Se Denys a visse, ele pensaria ... Oh,
Deus! Ela nem ousava imaginar o que ele poderia pensar.
—Como você pode fazer isto comigo? —repreendeu. —Como?
—Bem, não se pode dizer que você não tem o direito de vir. É um evento
público, aberto a todos. Até as classes mais humildes podem vir —acrescentou
com inconfundível amargura em sua voz. —Eles fazem isso porque não
acreditam que podemos comprar esses ingressos caros.
—Não importa se eles nos permitem ou não estar aqui. Você colocou Denys e
eu em uma situação muito difícil, você não vê?
—Não, eu não vejo isso. — Kitty assentiu. —Somerton é seu parceiro no
teatro, certo? Porque você não pode ir à maravilhosa exposição de flores
organizada por sua mãe? Porque você não pode ir falar com ele? Porque você
não pode aproximar-se e dizer olá? Talvez ele nos acompanhe para ver a
exposição.
Lola gemeu ao perceber o quanto Kitty ignorava as sutilezas da alta
sociedade.
—Além disso— acrescentou Kitty quando ela não respondeu, —eu já lhe
disse que quero que, pelo menos uma de nós, tenha uma chance. Você daria uma
lição a essa família arrogante se casasse com Somerton —continuou com a

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amargura nascida de um coração partido. —Eles teriam uma boa decepção se
você fizesse isso.
—Pelo amor de Deus. Eu já te disse que não há nada romântico entre...
Ela parou. O beijo que Denys lhe dera em seu escritório e os seus próprios
pensamentos eróticos da noite anterior irromperam em sua mente. Ela respirou
fundo e mudou de tática.
—Você não tem o direito de agir como casamenteira quando ambas sabemos
que você age apenas por um desejo de vingança e um senso ridículo de justiça
social. Que imagem eu darei, apresentando–me a um evento de caridade
organizado pela sua mãe?
Ela se ouviu levantando a voz em pânico quando fez essa pergunta e parou
para respirar, antes de falar novamente.
—Temos que ir embora.
—Então você foge como se tivesse algo de que se envergonhar? Você deverá
evitar todos os eventos da temporada porque você poderá coincidir com ele?
—Essa não é a questão. Você não tem idéia do que você fez. Nós temos que ir
agora.
Ela agarrou o braço dela, mas quando olhou ao redor, percebeu que era
impossível escapar. Ela estava presa entre uma elegante casa georgiana e três
portões de ferro forjado. A única saída era através do portão do jardim, de modo
que teria que passar na frente da família de Denys.
E, se isso não bastasse, uma rápida olhada ao redor revelou que a sua
presença tinha sido descoberta. Um por um, os visitantes estavam se virando
para olhá–la. Ela assistiu desolada, como as pessoas que estavam caminhando
pelos jardins pararam, não para olhar para aquele dia esplêndido ou para as
flores, mas para ela.
Meu Deus, sabem quem eu sou!, ela pensou horrorizada, é provável que nenhuma
dessas pessoas me conheça, mas elas sabem quem eu sou.
Ela sentiu como se um terrível acidente estivesse ocorrendo diante dos seus
olhos quando viu as cabeças se curvando e as bocas começando a se mover. Até
mesmo o último par de olhos daquela multidão parecia fixo nela, ou em Denys e
na sua família e amigos. E, vendo–os virar os olhos de um para o outro com
interesse ávido, era fácil adivinhar os seus pensamentos e entender os seus
sussurros. Todos estavam imaginando como era possível que a velha, ou talvez
atual, amante de Lord Somerton tivesse a coragem de comparecer a um evento
de caridade organizado pela sua mãe e o que o conde faria a respeito.
Imaginando se poderia limitar-se a sair, ela olhou desesperadamente por
cima do ombro e congelou, horrorizada, ao descobrir o conde olhando para ela.
O seu rosto, tão agradável e amigável alguns segundos antes, estava naquele

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momento inflamado de raiva. Ele apertou os lábios com força e, sob o chapéu, os
seus olhos escuros pareciam queimar com indignação reprimida. Eles trocaram
olhares e ele ficou tenso e levantou o queixo com arrogância própria de sua
posição. Então, com quase todos os olhos na cena, ele cercou o grupo em que
estava e com uma intenção lenta e deliberada, para que todos pudessem vê–lo
agindo, deu vários passos em direção a ela, parou e deu as costas para ela.
Lola respirou fundo. Essa recusa tão explícita foi como um soco no estômago.
E sabia que deveria desviar o olhar, andar, ir ... para algum lugar. Mas mesmo
assim, não parecia capaz de se mexer. Ela se sentiu pregada naquele lugar por
centenas de olhares, como uma borboleta perfurada por alfinetes em um visor de
vidro.
Denys e a garota devem ter percebido que algo estava acontecendo. Eles
levantaram a cabeça do tête–à–tête íntimo e foi quando Denys a viu. Ela abriu os
olhos em espanto, olhou em volta e olhou-a nos olhos. Lola reconheceu o
impacto do que acontecera e, quando apertou os lábios, parecia tão zangado
quanto o pai.
Ele também iria rejeitá–la em público? Não aguentaria, mas mesmo assim,
ainda não conseguia se virar. E, além disso, para onde iria?
Ela olhou para ele impotente. Lágrimas de mortificação obscureceram a
imagem de Denys diante dos seus olhos. Queria morrer, um terremoto seria
ideal, um que abriria o gramado com tal caimento e seria engolida pela terra.
Infelizmente, apesar do que a família de Denys pensava dela, ela não era uma
bruxa e não era capaz de conjurar um terremoto com um feitiço.
—Que Deus me ajude—pensou, —o que eu vou fazer?

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Capítulo 17

Parecia uma gazela presa e cercada por caçadores. E os caçadores, advertiu


Denys enquanto olhava em volta, pareciam sedentos de sangue. Um olhar para o
pai lhe disse que alguns desses caçadores faziam parte da sua própria família.
Denys se moveu, dando um passo protetor em direção a ela, mas uma mão
agarrou o seu braço para detê–lo.
Ele virou a cabeça e descobriu Georgiana olhando para ele com os olhos
cinzentos bem abertos.
—Denys, o que você está fazendo? —sussurrou. —Você não estará pensando
em falar com aquela mulher, certo?
Denys se virou para Lola. Ele nunca a tinha visto daquele jeito, mortificada e
tão assustada. Era algo incomum sobre ela e sabia que estava esperando para ver
a sua reação.
—Claro que vou falar com ela— disse ele, mantendo a voz baixa e o mais
neutra possível. —Ela é minha sócia no teatro. Ontem estávamos falando sobre
isso, Georgiana.
— Ser sua sócia em um negócio não significa que você possa reconhecê–la em
público!
Essas nuances eram tão absurdas que Denys estava prestes a rir.
—Não sei como posso ser seu parceiro sem reconhecê–la em público.
Ele olhou para o lugar onde Lola estava, imóvel no gramado e cercado por
um mar de rostos escandalosos, e sabia que todos estavam se perguntando o que
ela estava tentando fazer.
—Podemos falar sobre isso depois. Agora todo mundo está se perguntando o
que eu vou fazer e não vou permitir que eles continuem a humilhá–la dessa
maneira por mais um minuto.
— Humilhar ela? —Georgiana esticou a mão no braço dele antes que pudesse
se virar. —Se você falar com ela, se você a reconhecer em público, eu serei a
humilhada — disse ela, com a voz embargada. —Você não percebe?
Denys balançou a cabeça, sabendo o que Georgiana estava esperando e,
sabendo também, que não podia fazer isso.
—Eu não vou repudiá–la, Georgiana. Nem mesmo por você faria algo assim.
—Georgiana fez um som de surpresa, indignação ou talvez dor.
Denys não tinha a certeza porque ele nunca a tinha visto exteriorizar esses
sentimentos, pelo menos, não desde que eram crianças. Sem aviso, os olhos de
Georgiana se encheram de lágrimas.

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— Sabia disso —sussurrou. — sempre soube.
E então, Georgiana, uma mulher admirada por sua contenção e controle,
começou a chorar. Escorregou a mão que estava alojada em seu braço, passou na
frente dele e correu em direção à casa.
Deus do céu!, Pensou Denys.
Ele não podia correr atrás dela porque ele tinha um problema mais premente
do que as lágrimas de Georgiana. Ele deu outro passo em direção a Lola, mas o
pararam novamente. Naquela altura, uma mão forte e indiscutivelmente viril. Ele
se dispôs a dizer a seu pai que não se intrometesse em seus assuntos, mas
descobriu que era Jack quem estava atrás dele.
—Georgiana está certa, meu amigo.
—Eu não vou repudiar Lola—, ele murmurou. —Eu não pretendo fazer isso.
—Faça um reconhecimento, se você acha que deveria. Mas você não pode ir
falar com ela. Se você fizer isso, todo mundo vai considerar isso como um tapa na
cara de Georgiana. E ela não merece isso.
—Eu sei, mas que diabo Jack! Eu não posso deixar Lola lá, na terra de
ninguém.
— Eu cuido de Lola. Você vai procurar por Georgiana. É o seu dever—
acrescentou quando Denys abriu a boca para protestar. —Georgiana é a mulher
que você está pensando em se casar. —ficou em silêncio e colocou os olhos
escuros em Denys. – Ou não?
Denys entendeu a resposta para essa pergunta. Ele sabia disso com absoluta
certeza, mas também sabia que essa certeza súbita não impedia que Jack tivesse
razão. Ele assentiu.
—Tire a Lola daqui.
—Eu vou cruzar as linhas inimigas com ela, não se preocupe. — Ele piscou
para ele. – Eu vou passar na frente de Conyers e todos os outros.
—Linnet não vai gostar— Denys se sentiu obrigado a ressaltar.
—Não—, seu amigo confirmou, e sorriu. – Mas a minha esposa ficou com
raiva de mim em outras ocasiões. E tenho certeza que vai ficar com raiva de mim
mais algumas vezes, antes que acabe debaixo de terra.
E, sem mais, Jack virou–se e começou a andar em direção a Lola, que estava
ao lado de sua amiga, fingindo um grande interesse em rosas e tentando ignorar
o fato de que todos, em vinte metros, a observavam.
Denys esperou enquanto Jack se aproximava dela, acenou para ela e
ofereceu–lhe o braço. E doeu saber que ele tinha dado a um amigo a honra de
resgatá–la.
Jack e Lola começaram a se mover na direção deles. A amiga de Lola os
seguiu a um metro de distância. Quando eles se aproximaram, Denys olhou para

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a sua família. Eles ficaram juntos a cerca de quatro metros dele. Susan com a mão
na boca e os olhos bem abertos, a mãe exibindo toda a calma estoica que uma
dama era capaz de demonstrar naquelas circunstâncias e, finalmente, o pai com
uma expressão pétrea e sombria. Ele enfrentou a reprovação que os olhos do
conde mostraram com um olhar firme, antes de voltar a prestar atenção ao casal
que atravessava o gramado naquele momento. Quando passaram por ele, ele
inclinou a cabeça com um gesto educado, embora breve, de reconhecimento que,
embora pudesse ofender Georgiana, nunca poderia ser considerado uma ofensa
pública.
Lola inclinou a cabeça em resposta e continuou andando.
Embora ele tivesse feito o seu dever para com ela, Denys esperou até que Jack
tivesse cruzado as portas e voltou para o parque, antes de desviar a sua atenção
para a casa e para o outro dever que o esperava que, ele suspeitava, seria muito
doloroso.
Ele conhecia Georgiana o suficiente para saber onde encontrá–la e não
demorou muito para confirmar que a sua suposição estava correta. Pois, ele mal
tinha começado a atravessar o corredor para ir ao salão de música de lorde Bute,
quando as notas melancólicas de um concerto de Chopin chegaram aos seus
ouvidos. Ele parou no batente da porta e vê–la no piano o levou de volta àqueles
dias de infância, quando tocavam juntos duetos.
Ele sentia o mesmo afeto caloroso de quando era criança, mas era tudo o que
sentia e sentiria por Georgiana pelo resto de sua vida. Ele também sabia que isso
não seria suficiente para ele. Isso nunca seria suficiente.
A música parou e Georgiana olhou para cima. Embora fosse difícil olhá–la
nos olhos, Denys o fez. Eles estavam secos naquele momento, não havia sinal das
lágrimas, mas ainda podia reconhecer a sua dor em suas profundezas cinzentas.
Denys respirou fundo, tirou o chapéu e disse–lhe a única coisa que um
cavalheiro poderia dizer em tais circunstâncias.
—Sinto muito, Georgiana.
Georgiana ergueu o queixo um pouco mais, com um gesto de orgulho que
lembrou Denys de Lola, embora duvidasse que Georgiana pudesse ver essa
comparação como um elogio. Ela engoliu em seco.
—O que você sente, Denys? —perguntou com uma voz embargada. Denys
suspeitou que ambos sabiam a resposta para essa pergunta, mas, claro, tinha que
ser expresso em voz alta.
—Eu te machuquei e me desculpe— disse ele. — Nunca foi a minha intenção.
Tenho muito carinho por você e sempre a considerei uma querida amiga. Mas ...
Parou quando Georgiana fechou os olhos e esperou que reabrisse antes de
dizer o resto da frase.

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—Mas eu percebi que isso não é suficiente para um casamento.
Georgiana não respondeu. Levantou as mãos do piano e elas tremeram um
pouco quando entrelaçou os dedos. Ela juntou–se aos dois indicadores e levou a
ponta dos dedos aos lábios, como se estivesse considerando cuidadosamente
quais seriam as suas próximas palavras.
— Carinho e afeição, além de adequação, é claro, a base perfeita para um
casamento.
Denys estava tentando aceitar essa premissa a vida toda. Quando ele tinha
voltado o ano anterior, de uma longa viagem através do continente, já tinha
decidido que era uma loucura ser governado pelas paixões e se esforçou para
aceitar a convenção aceite por todo o mundo que, o afeto e carinho eram as
melhores bases para um casamento feliz que o amor romântico alguma vez seria.
E pensou que tinha conseguido, mas sabia que não era verdade.
—Para algumas pessoas é.
Georgiana abriu as mãos com um gesto de descrença.
—Não conheço ninguém que pense o contrário.
Essa premissa poderia ser verdadeira para a maioria das pessoas, mas ele
sabia, com a mesma certeza com que sabia o seu nome, que, para ele, o
casamento sem amor seria algo mais frio e mais fraco do que o Mar do Norte em
janeiro.
Georgiana merecia um casamento melhor. E também ele.
—Eu penso. Eu acho o contrário.
Georgiana sacudiu a cabeça com um súbito e violento movimento de negação
e se levantou bruscamente. Mas quando falou, fez isso em voz baixa e
controlada.
—Toda a minha vida, estive esperando por você, Denys, porque eu sempre
soube que faríamos uma combinação perfeita. Nossas famílias também sabem
disso. Somos muito adequados um para o outro. Temos muitos interesses em
comum e opiniões semelhantes sobre a maioria das coisas. Ao longo de todas as
nossas vidas, nunca tivemos um grande desentendimento.
—Isso não é amor, Georgiana— ele respondeu gentilmente.
Ela o ignorou.
—Eu esperei por você, desejando, esperando, que um dia, quando você
estivesse pronto para se estabelecer, eu fosse a esposa escolhida. Mas, de repente,
ela apareceu e arruinou tudo. Todas as minhas esperanças ... —Sua voz quebrou
e parou.
Denys levou o punho aos lábios e demorou alguns segundos para responder.

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—Sinto muito. Eu nunca quis machucar você. Quando partiram o meu
coração, prometi a mim mesmo que nunca causaria dor a ninguém. O que eu fiz
para você é ...
—Foi ela que quebrou.
As palavras de Georgiana silenciaram as dele como o estalo de um chicote.
—Como?
—Você teve o coração partido porque ela o quebrou, Denys. E fui eu quem
pegou as peças.
O primeiro poderia ser verdade, mas, embora ele pudesse ter levantado
alguma objeção ao segundo, decidiu não fazê–lo. Se isso a fizesse se sentir
melhor, permitiria que acreditasse.
—E agora— continuou Georgiana, levantando a voz, que vibrou por raiva
reprimida, — justo quando eu estava começando a pensar que tudo o que tinha
planejado para nós se tornaria realidade, que o futuro que eu queria toda a
minha vida poderia ser meu, ela retorna, e todos os esforços que eu fiz até agora
são inúteis.
Esforços, desejos, planos, mas nenhuma menção de amor, advertiu Denys. Ele
começou a se perguntar se o seu medo de ter quebrado o coração não seria
infundado.
—E agora? Agora eu tenho que permanecer impassível como uma dama deve
fazer, sem fazer nada enquanto aquela mulher volta para a sua vida e te persegue
sem o menor embaraço —ela continuou. — E além disso tem coragem de se
apresentar aqui? Aqui, em um evento organizado pela sua mãe, como se achasse
que tinha o direito de aparecer em qualquer lugar que você estivesse?
—Bem, a verdade é que tem o direito de estar aqui— Denys apontou com
lógica. —Comprou uma entrada.
—Você ficou do lado dela—Georgiana o acusou.
A raiva que antes se refletia em sua voz havia desaparecido. Em seu lugar
havia perplexidade, a mesma perplexidade que uma garota poderia ter sentido
quando descobriu que os seus desejos não podiam se tornar realidade, que a vida
nem sempre era justa.
—Você tomou o seu lado e não o meu— repetiu ela.
—Não é uma questão de se colocar do lado de ninguém. Você quer que eu
ignore isso? Que a repudiasse em público?
Georgiana olhou para ele com firmeza.
—Claro que você a deveria ter repudiado. Não havia outra alternativa mais
apropriada.
—Você quer dizer que deveria ter sido deliberadamente cruel?
—Ah, por favor! Eu sei por que você não fez isso. Todo mundo sabe disso.

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—De verdade?
—Denys, temos que fingir hoje também? —Ela olhou para ele e a dor que
Denys viu em seus olhos parecia mais profunda, mais escura.
Um sofrimento misturado com raiva.
—É a sua querida. Todo mundo sabe disso.
Denys ficou tenso, embora soubesse o tempo todo que seria assim que todos o
veriam.
— Nesse caso, todo mundo está confuso. Não é minha querida. Ela é minha
sócia no teatro. Nós estávamos falando sobre isso ontem, Georgiana. Ela é uma
sócia de negócios.
—Parceria de negócios— zombou, ignorando a conversa que tiveram no dia
anterior. —Você acha que não percebi o que estava por trás desse acordo desde o
momento em que ouvi falar sobre isso? E não, não estou falando sobre a conversa
que tivemos ontem. Fiquei sabendo que aquela mulher estava aqui e as razões
que a trouxeram a Londres um dia antes de partirmos para Kent.
—É possível— admitiu Denys, —mas eu não lhe contei nada até ontem e tudo
que você ouviu até agora é apenas fofoca.
—Ah sim? Você acha que não vi como você olhou para ela hoje?
Dos muitos sentimentos turbulentos que Lola sempre conseguira evocar nele,
Denys não sabia quais tinham sido refletidos em seu rosto minutos antes. Mas
havia algo que Georgiana concluiu, que poderia ser discutido.
—Seja o que você tenha visto ou o que você acha que reconheceu na minha
expressão, está confusa sobre a natureza do meu relacionamento com Lola
Valentine. Eu vejo — ele acrescentou, notando a sua descrença— que vou ter que
ser franco sobre uma questão de natureza descortês. Uma amante é uma mulher
que um homem paga para dormir com ele. Lola não demonstrou nenhum desejo
de chegar a esse tipo de acordo comigo e posso assegurar–lhe que, se pretendesse
fazê–lo, jamais o aceitaria. Não é minha querida e não será. Não agora, ou em
qualquer outro momento no futuro, e estou surpreso que você acredite que sou
capaz de me aproximar de você, olhando em seus olhos e dando–lhe uma falsa
explicação sobre a situação.
Georgiana endireitou os ombros.
—Sou eu que escolhe aceitar essas explicações e está disposta a viver com
elas.
—Mas você não acredita nelas— ele interrompeu. —Então, suponho, que te
parece bem ter uma amante, mas não reconhecê–la.
—No caso em que é necessário ...
Se Denys ainda tivesse alguma dúvida antes de entrar naquela sala, essa
resposta a eliminaria para sempre.

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— É possível que você esteja disposta a aceitar um acordo desse tipo, mas eu
não. Sempre pensei em você com carinho e afeto, Georgiana, e espero que um
dia, você também possa me olhar desse jeito. —Ele inclinou a cabeça. —Adeus
querida.
—Você vai se arrepender disso, Denys.
Havia dor em sua voz e lágrimas em seus olhos, mas Denys não pôde deixar
de sentir que não eram a dor e as lágrimas causadas por um coração partido,
mas, ao contrário, lágrimas de decepção diante dos desejos frustrados.
—Algum dia você vai se arrepender, Denys—ela insistiu.
Denys sabia que não seria assim, mas um cavalheiro nunca diria algo assim.
—É bem possível— ele disse, e colocou o chapéu. —Adeus, Georgiana.
Desejo–lhe toda a felicidade do mundo.
Ele deixou Georgiana na sala de música, mas não encontrou a sua família nos
jardins da St. John's Lodge. Em vez disso, ele saiu de casa pela porta da frente e
começou a andar. Estava prestes a escurecer e nuvens ameaçadoras começaram a
cobrir o céu, mas mal prestou atenção a elas. Ele precisava andar, se mover e
pensar, então começou a circular no círculo interno do parque, continuou
andando pelas duas pontes que cruzavam o lago dos barcos, seguiu o terraço de
Hanover e chegou à estrada principal.
Enquanto caminhava, pensou em sua juventude, como tinha ignorado as suas
responsabilidades e as expectativas da sua família. Ele pensou na sua sedução
descuidada de uma dançarina e, na sua despreocupação mais do que casual,
pelas consequências daquele amor. Ele pensou em seu coração partido e na sua
determinação para corrigir o desastre em que tinha convertido a sua vida, e como
estava orgulhoso por ter conseguido isso. Ele sabia que as mudanças que ele
tinha forçado dentro dele o levaram, de alguma forma, ao extremo oposto. A
irresponsabilidade e negligência da juventude o deixaram tão obcecado com os
seus deveres e obrigações, por agir com responsabilidade, que tinha chegado a
considerar a possibilidade, de se casar com uma mulher que não amava.
A volta de Lola, o ajudou a entender que ele também não era o homem que
queria ser. Ele se sentiu acorrentado por forças que o empurraram em direções
opostas. Por um lado, estavam as obrigações, o dever, as expectativas dos seus, o
seu profundo amor pela sua família e todas as convenções e crenças com que
tinha sido educado. Por outro lado, apenas uma coisa: o seu profundo e
inabalável desejo por uma mulher.
Uma gota de chuva caiu na borda do chapéu e depois outra, e outra, mas a
chuva não o deteve. Quando a estrada se ramificou em direção à igreja de St.
John, ele tomou o caminho à esquerda e continuou andando.

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


Não haveria um ponto intermédio? Perguntou–se ele. Não haveria alguma
maneira de se deixar levar pelas forças que o puxavam, sem se quebrar? Não
havia uma maneira de chegar a algum tipo de acordo? Não havia um ponto de
apoio, sólido e estável, um olho no meio do furacão em que podia se sentir
satisfeito? Isso era o que ele realmente queria.
Em outras palavras, ele pensou ironicamente, queria ter tudo. E, talvez, como
Georgiana, não pudesse aceitar que a vida nem sempre estava disposta a
oferecer.
Oh! E se ele a pegasse?
Havia, conhecia-o desde os seus dias de estudante, um provérbio persa que
dizia algo sobre a possibilidade de tomar o que você quer e precisar estar
preparado para o preço a pagar por ele aos deuses.
Que preço estava disposto a pagar?
Ele parou na calçada e, naquele momento, percebeu o que estava ao seu
redor. Ele estava em St. John’s Wood, caminhando ao longo das belas vilas de
Circus Road, residências campestres, em que muitos jovens cavalheiros imaturos
da aristocracia, mantinham as suas amantes há anos.
Ele continuou descendo a estrada até parar em uma pequena casa escondida
atrás de um discreto portão de ferro forjado, por onde subia uma hera, uma casa
que outrora pertencera a ele. As flores, que tinham plantado num vaso ao lado da
porta, eram de um roxo escuro à luz do entardecer, e o cinza prateado da fachada
brilhava na chuva. Estava igual, pensou, e a tensão apertou em seu peito. Estava
igual.
As lembranças o envolveram. Lembrou–se de subir os degraus brancos, Lola
no final da escada na entrada com o seu sorriso radiante, Lola descendo as
escadas e abraçando–o. E ele carregando–a nos braços para a casa.
Ele fechou os olhos, jogou a cabeça para trás e sentiu as gotas da chuva
encharcando o seu rosto. Ele respirou fundo, mas o que inspirou na brisa, não foi
a humidade em um dia de primavera, mas a delicada doçura do jasmim.
O barulho das rodas de uma carruagem o levou a abrir os olhos e olhou por
cima do ombro, no momento em que apareceu uma. O veículo parou ao lado
dele, mas quando Denys viu o rosto espantado de uma mulher que espiava atrás
do vidro da janela, quando viu os olhos arregalados de surpresa sob a asa de um
chapéu de palha branco, não podia compartilhar a sua estranheza.
Para ele, a chegada de Lola era inevitável. O destino estava lhe oferecendo
uma escolha: pegar o que ele queria e pagar o preço ou fugir do que ele queria
para sempre. Não havia meio termo, nenhum ponto de apoio. Estava Lola e tudo
o resto estava lá.

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Lola tinha dito que ele não sabia quem ela realmente era e era verdade,
porque Denys tinha finalmente percebido que Lola não era nada como ele
pensava. Não era uma força incontrolável, não era um elemento contra o qual
lutar ou seduzir, conquistar ou negar. Era simplesmente a sua mulher, era
naquele momento e para sempre, e apesar de quebrar o seu coração novamente,
embora tudo que estava disposto a tentar terminara em fracasso, não se
importou.
Ele deu um passo em direção a ela e parou. Ele já tinha tomado uma decisão,
mas não era o único que tinha que escolher e, é claro, não era o único que tinha
um preço a pagar.
Ele tirou o chapéu e observou em silêncio, enquanto o motorista descia e abria
a porta. Ele esperou, o chapéu na mão e com o coração na garganta.
Lola não se mexeu, não saiu, não o convidou para subir.
—O que você está fazendo aqui? —Ela parecia intrigada, quase reclamando.
—O mesmo que você. Pelo menos, espero que sim.
Lola balançou a cabeça como se quisesse negar, mas suspirou quando
percebeu que era absurdo.
—Eu não sabia que você estaria na exposição. Kitty, a minha amiga, comprou
os ingressos e pediu que fosse com ela, mas não me disse que era um evento
organizado pela sua mãe. Meu Deus, Denys—interrompeu–se e ergueu a mão
enluvada de branco com um gesto de desamparo. — Se eu soubesse, nunca teria
...
—Não importa. — Denys passou a mão pelo rosto encharcado e esperou.
—E a sua noiva? —Ela deu uma risada, que pareceu forçada a Denys. —
Aposto que você teve que dar muitas explicações sobre o que aconteceu.
—Não é minha noiva e, em todo caso, isso não importa. — Uma leve carranca
se desenhou nas sobrancelhas cor mogno de Lola.
—Mas você vai se casar com ela, certo? É o que dizem os tabloides.
—A imprensa sensacionalista está disposta a dizer qualquer coisa para
vender jornais. A verdade é que eu estava considerando a possibilidade de
namorar Georgiana, talvez com vista ao casamento, e passei muito mais tempo
com ela durante esta temporada do que antes. Mas não tinha iniciado nenhuma
abordagem séria ou feito qualquer proposta.
Lola respirou fundo.
— Talvez não, mas ela sente que é um relacionamento sério. O seu rosto
refletiu isso. Eu vi.
—Georgiana alimentava esperanças desde que era criança e temo que a
minha atenção recente, tenha alimentado as suas expectativas, por muito que me
arrependa agora. Mas, hoje, deixei claro que essas esperanças nunca serão

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


cumpridas. Eu sei que Georgiana um dia se tornará uma ótima esposa para um
homem, mas não para mim.
A chuva caía mais forte naquele momento. Denys tinha o cabelo encharcado e
as roupas também, mas não disse nada. Embora não tivesse ideia do que Lola ia
fazer, não tentou ajudá–la a tomar uma decisão. Ele se forçou a não se mexer. Ele
mal ousava respirar. E, depois do que pareceu uma eternidade para ele, Lola se
sentou no banco para deixá–lo entrar e o coração de Denys ficou tão cheio que
doeu.
Em menos de um segundo ele encurtou a distância que os separava.
—Para o Savoy— disse ele ao condutor ao entrar na carruagem. —Se, quando
você chegar lá, não ouvir uma batida no telhado, continue circulando o Covent
Garden e a Strand até que eu lhe avise.
Segundos depois, ele estava no táxi, com Lola em seus braços e os seus lábios
nos dela, certos de que acabara de entrar no centro da tempestade. A decisão que
tomou poderia custar–lhe tudo o que ele passou seis anos tentando alcançar. Ele
sabia que teria que desistir de todos os privilégios e prazeres da sua posição.
Talvez ele tivesse que sacrificar até mesmo o afeto da sua família e o respeito de
seu pai. Mas se esse era o preço que tinha que pagar para viver com a única
mulher que ele já amara, ele pagaria. E pagaria feliz.

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Capítulo 18

Lola sabia que aquilo era um erro, um erro que provavelmente destruiria
Denys e ela e arruinaria tudo o que ambos estavam tentando alcançar, mas, com
a boca de Denys na dela e os braços dele ao seu redor, ela não era capaz de reunir
a força de vontade necessária para pedir–lhe para parar. Quando ele a sentou em
seu colo, colocou os braços ao redor de seu pescoço e, quando ele acariciou os
seus lábios com a língua, entreabriu–os mostrando o seu consentimento.
Foi um beijo cheio e apaixonado. A língua de Denys cumprimentou a dela
com carícias sensuais, escorregava dentro da sua boca e depois recuava. O corpo
de Lola estava rosado com o calor da paixão e cheio de desejo.
Denys interrompeu o beijo, mas ela mal teve tempo de respirar antes dele
abaixar a cabeça para beijá–la novamente. Naquela ocasião, foi um beijo lento e
inebriante que pareceu prolongar–se para sempre enquanto Denys explorava sua
boca, saboreando e redescobrindo Lola. Faz muito tempo, ela pensou enquanto
gemia contra os lábios dele, Meu Deus, Denys, quanto tempo.
Denys interrompeu o beijo novamente e recuou. Temendo que ele
pretendesse parar, Lola agarrou as lapelas encharcadas da sua jaqueta.
—Não pare— pediu sem fôlego. — Não se detenha.
—Quem está parando? — Denys murmurou.
E voltou a levantar as mãos entre eles. Ele cobriu o rosto com beijos enquanto
desabotoava os botões da sua jaqueta, colete e blusa.
Ele arrancou o laço em volta do pescoço dela, separou as bordas da blusa e
inclinou a cabeça para traçar um caminho de beijos ao longo do seu pescoço.
No momento em que ele deslizou a mão dentro de sua blusa, a respiração de
Lola estava rápida e superficial e o seu corpo estava queimando com o calor. E,
quando finalmente acariciou os seios inchados que apareciam acima do
espartilho, ela gemeu e recostou–se no assento da carruagem, apoiando todo o
seu peso nos cotovelos.
Denys seguiu esse movimento, continuou desabotoando botões enquanto
deslizava sobre ela. Lola fechou os olhos, jogou a cabeça para trás e arqueou as
costas, oferecendo os seus seios enquanto ele continuava a beijar a sua clavícula.
Denys colocou as mãos sob a anágua para poder acariciar a sua pele nua e o calor
cresceu dentro dela; tornou–se mais intenso, mais ardente e inundado lugares
esquecidos há muito tempo, como seios, barriga ou coxas.

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


Com a mão livre, Denys pegou a seda branca e o tecido, levantou a saia e a
combinação e foi para debaixo do tecido. Então subiu a mão e o calor de sua pele
perfurou a delicada musselina dos seus calções.
De repente, tirou a mão do corpete, ajoelhou–se ao lado de Lola e empurrou
as saias sobre o estômago. Ele os amarrou na cintura de Lola com o antebraço
enquanto estendia a outra mão na barriga dela.
E ficou paralisado.
—Denys?
Ofegante, Lola abriu os olhos e encontrou–o pairando sobre ela, respirando
com dificuldade. Mas, exceto pelo movimento de seu peito, ele ainda estava
quieto. Nos últimos vestígios da luz do dia, Lola pôde ver o desejo queimando
em seus olhos.
—Porquê você parou?
—Eu quero ter a certeza que você realmente quer fazer isso—ele disse, a sua
voz rouca e a sua expressão endurecida pelo esforço que estava fazendo para se
conter. —Se não, pelo amor de Deus, me pare agora.
—E era você quem dizia para eu arriscar?—Ela engasgou, respirando fundo,
mas incapaz de fazer chegar ar seus pulmões por causa dos confins apertados do
espartilho. — Isto é o máximo que uma garota pode arriscar, você não acha?
—Ah sim? — Ele desceu uma ou duas polegadas pela barriga e parou
novamente.
—Não me provoque— lamentou Lola. —Não me provoques.
—Arrisque um pouco mais— ele tentou convencê–la, levando a mão ao ápice
de suas coxas. —Diga–me o que você quer.
—Me toque— engasgou, abrindo as pernas, mas não foi fácil de acessá–la,
porque seu joelho dobrado atingiu o braço de Denys. Lola levantou os quadris,
insistindo para ele continuar. — Toque–me como você costumava.
Ele obedeceu, deslizou o dedo entre suas coxas e estendeu a mão para o
reforço de suas calças. Uma sensação intensa se espalhou pelo corpo de Lola,
fazendo–a gemer.
Denys começou a acariciá–la com a ponta do dedo em círculos leves e
delicados que irradiavam prazer por todo o corpo, o prazer delicioso de muitas
tardes de verão.
—Denys—gemeu, —eu me lembro de tudo isso.
—Eu também, Lola. — Ele murmurou, e se inclinou para beijar seus lábios. –
Você ainda é tão suave quanto eu me lembrava. E você ainda está molhada para
mim.
Denys aprofundou a carícia, deslizando os dedos entre as dobras de sua
abertura feminina, envolvendo–a em sensações que ela achava que nunca mais

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


sentiria. Lola levantou o braço para reprimir seus próprios soluços, porque não
queria que o condutor a ouvisse.
—Denys, meu Deus, Denys!
—Sim— Denys a encorajou delicadamente, —você está vindo, não está?—
—Sim—, ela soluçou —sim, sim— e atingiu o clímax em ondas requintadas
que a atacaram de novo e de novo. – Não pare, não pare.
—Eu não vou parar—, ele prometeu.
E ele continuou a acariciá–la e apertar as últimas lascas de orgasmo, até que
Lola se afundou ofegante contra o assento.
—Eu tinha esquecido, Denys— ela sussurrou em espanto. —Eu tinha
esquecido como é.
Ela abriu os olhos, mas já era noite e nenhuma luz se filtrava através das
cortinas. Embora ela mal pudesse distinguir a silhueta de Denys na escuridão,
Lola pôde ouvir a sua respiração.
—Eu quero estar dentro de você —ele murmurou.
—Sim.
Quando os olhos de Lola se ajustaram à escuridão, ela viu Denys abaixando
as calças e até aos joelhos. Ela então se sentou no banco e estendeu a mão para
tocar o seu sexo.
Denys gemeu, inclinando a cabeça para trás, e ela o acariciou como Denys lhe
ensinara a fazer há muito tempo. Ele estava excitado, duro e quente, e Lola
saboreou o toque daquela pele aveludada. Mas quando acariciou a fenda da
glande com o polegar, Denys gemeu novamente e o prazer daquela atividade em
particular, foi abruptamente interrompido porque ele agarrou o seu pulso e a
empurrou para longe.
—E agora quem está provocando quem?
Ele apertou a mão no pulso de Lola e se afastou, puxando–a.
Ele não disse nada, mas Lola sabia o que ele queria. Ela envolveu as saias em
volta da cintura e montou sobre ele, seus joelhos descansando nas almofadas
enquanto ele se acomodava contra o assento de couro e a almofada atrás dele.
—Leve–me—, ele gemeu, agarrando seus quadris. —Me leve para dentro de
você.
Lola sorriu, saboreando essa ordem, porque sabia que também era um
pedido. Ela afastou as saias com uma mão, pegou o pênis ereto de Denys com a
outra e o guiou através da abertura de suas calças e das dobras de seu sexo.
Quando sentiu a ponta dentro dela, puxou a mão que separava seus corpos. No
instante em que fez, Denys arqueou os quadris e agarrou–a com força quando ele
afundou nela.

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


Lola não gritou. Ela se agarrou ao assento para ficar ereta enquanto ele
pressionava dentro dela.
—Você se lembra disso, Lola? —Denys perguntou, afundando mais fundo,
empurrando com mais força.
Sim, se lembrava daquela doce e ardente plenitude dentro dela. Como
poderia esquecer isso?
Com Denys dentro dela, era como se o tempo não tivesse passado, como se a
última tarde compartilhada na casa de Circus Road tivesse sido no dia anterior.
Lola assentiu freneticamente enquanto movia os quadris e balançava para
acomodar Denys, lutando para levá–lo completamente.
Mas, aparentemente, Denys queria que dissesse em voz alta, porque ele
flexionou os quadris, inclinando–se para trás.
—Você se lembra? —Ele perguntou novamente.
E bateu novamente com mais força, acariciando com a ponta do pênis um
canto requintado de seu interior, um canto que poderia provocar um prazer mais
intenso até do que o que causara Denys acariciando minutos antes.
—Sim —ofegou.
Ele moveu os seus quadris enquanto sentia como estava crescendo e o prazer
se tornava mais intenso, ciente de que estava perto do clímax. Ela abriu os joelhos
e pressionou, tentando colocar os quadris para terminar esse prazer.
Mas Denys não deixou. Ele agarrou os seus quadris e levantou–a
ligeiramente, fazendo–a gemer em protesto.
—Denys!
—E disso? — Ele perguntou com uma voz quebrada.
Ele flexionou os seus quadris, tocou–a nas profundezas, flexionou–os
novamente e pressionou novamente com uma carícia torturante.
—Você também se lembra disso?
Lola começou a soluçar. Estar à beira desse prazer doce e irresistível era uma
agonia.
—Sim, sim, claro que me lembro. Denys — soluçou — termina de uma vez.
Por favor, deixe–me terminar!
Denys beijou–a com força na boca e obedeceu seu pedido frenético. Ele se
agarrou a Lola com força, apertando sua bunda com força quando a puxou para
baixo sobre ele e bateu.
Lola atingiu o clímax com tanta intensidade que sentiu vertigem. E se agarrou
convulsivamente ao encosto do assento enquanto seu corpo latejava com
sucessivas ondas de prazer.
Mesmo envolvida nas sensações de seu próprio clímax, ela sabia que Denys
estava perto dele.

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


—Vamos lá, Denys, vamos lá— encorajou, tencionando os seus músculos
internos ao redor dele e movendo seus quadris para empurrá–lo ao limite. —
Disfrute também.
Com um grito rouco, Denys moveu os seus quadris e a segurou contra ele
como se não estivesse nem perto o suficiente naquele momento. Ele enterrou o
rosto no pescoço dela e Lola sentiu a sua respiração rápida e quente contra sua
pele. Um estremecimento violento sacudiu o corpo de Denys, que bateu mais
duas vezes e endureceu quando o calor de seu clímax fluiu para dentro dela.
Denys recostou–se no banco e Lola encostou–se no peito dele, ainda presa a
ele, os braços ao redor do pescoço dele.
Denys deslizou a mão pelas costas dela e acariciou seu pescoço com as pontas
dos dedos.
—Eu também me lembro, Lola—disse ele e beijou–lhe o cabelo. —Eu me
lembro de cada momento.
Lola fechou os olhos, encostou a bochecha na lã molhada da jaqueta e desejou
que eles pudessem ficar assim para sempre. Parara de chover e havia apenas o
chocalhar estridente das rodas da carruagem e das outras carruagens na rua. Um
segundo depois, o veículo virou e Denys puxou a cortina para olhar para fora.
—Estamos na Charing Cross Road. Acabamos de passar pela Soho Square.
Nós estaremos em Trafalgar em poucos minutos.
Uma decepção lacerante passou por ela, porque sabia que mal havia tempo.
Lola se forçou a se afastar dele para sentar no banco oposto e puxar as saias
enquanto ele abotoava as calças. Ela sentiu uma leve careta quando sentiu a
humidade entre as pernas, embora desejasse senti–lo dentro dela novamente.
Mas era absurdo aceitar tais desejos, ela disse a si mesma quando começou a
apertar o vestido. Tudo o que era verdade há seis anos continuava sendo e
sempre seria. Esta história, por muitas vezes que a revivesse, teria sempre o
mesmo final. E sempre terminaria com o mesmo sofrimento.
As suas mãos começaram a tremer e, quando tentou amarrar o laço da sua
blusa, não foi capaz de fazê–lo. Os seus dedos se moveram desajeitadamente,
então parou, lutando contra uma súbita e estúpida vontade de chorar.
—Permita–me— disse Denys, e se virou para se ajoelhar na frente dela.
Ele pegou as duas pontas do arco de seda azul e começou a amarrar um nó de
laço.
Ele estava tão perto dela que, enquanto amarrava o laço, Lola podia sentir o
calor da sua respiração em seu rosto. Ele levantou o olhar até aos seus olhos e,
apesar da luz fraca, podia ver as suas profundidades firmes e escuras. Queria
beijá–lo com loucura, mas não fez. Aquele momento delicioso passou e sabia que
não voltaria.

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


—Já está— disse Denys. Apertou o nó e colocou–o no pescoço, mas, embora
parasse, não afastou as mãos. Ele se inclinou para frente e apoiou a testa na de
Lola. — Eu quero ficar com você esta noite. Deixe–me subir para o seu quarto.
– No Savoy? Você ficou louco? É impossível você subir ao meu quarto sem ser
visto.
Denys levantou a cabeça e exalou alto, ciente da natureza arriscada desse
plano.
—Eu suponho que você está certa. Ainda assim ... —Ele parou, mexendo nas
lapelas da jaqueta e sorriu — há outros hotéis mais discretos.
—E depois o quê? —Ela perguntou, sua voz embargada. —Uma casa discreta
num bairro discreto?
O sorriso de Denys desapareceu.
—Não. Claro que não. Estou pensando em um tipo muito diferente de casa.
—Seu olhar não vacilou quando ele encontrou seus olhos. – Uma casa localizada
numa bela propriedade de Kent chamada Arcady.
Lola sentiu como se tivesse um punho apertando o seu coração.
—Já passamos por tudo isso antes.
—Você quer dizer que você passou. Eu nunca tive a oportunidade de
expressar minha a opinião sobre este assunto.
— Falar sobre isso não vai mudar a situação. Eu não sou a mulher certa para
você e nós dois sabemos disso. O que aconteceu esta tarde não lhe mostrou?
Denys colocou a mão na bochecha dela.
—Acho que o que aconteceu esta tarde me mostrou exatamente o oposto.
Lola começou a tremer por dentro. Ela sentiu a esperança crescendo dentro
dela, minando a sua determinação. Mas, lembrando–se do que acontecera
naquela tarde, como foi difícil sentir o escrutínio hostil dos membros da alta
sociedade, lembrou a si mesma que qualquer esperança de um futuro com Denys
era fútil. Aos olhos de toda a sua gente, nos círculos em que ele se movia, ela era
e sempre seria, uma qualquer. Se ela se casasse com ele, a única coisa que
mudaria a sua opinião, seria que eles a considerariam uma qualquer com
pretensões. Mas ela não seria a única que pagaria um preço.
—Nós perdemos a cabeça esta noite e tivemos uma brincadeira. Mas eu não
acho que seja motivo suficiente para se unir pela vida.
—Para você, foi a única coisa que aconteceu? Uma brincadeira?
Uma nova rachadura quebrou a sua determinação e Lola sabia que tinha que
se afastar dele antes que ela desmoronasse completamente, antes que o seu
coração se partisse em pedaços. Em desespero, ela levantou o braço e bateu os
nós dos dedos no teto da carruagem.

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


—Eu não penso fazê-lo— disse quando a carruagem diminuiu a velocidade.
—Eu não vou arruinar sua vida novamente.
— Lola...— Denys começou, mas ela o interrompeu.
—Você recuperou o seu relacionamento com a sua família, recuperou a sua
confiança e fez bem. Eu não vou destruir tudo isso uma segunda vez —ela
respirou fundo. —Eu não sou boa para você. Você tem que ficar longe de mim e
eu tenho que ficar longe de você.
—Receio que isso seja difícil.
Seria impossível e sabia disso. E, olhando para ele, sabia que também ele
estava ciente disso.
—Você conseguiu dirigir todos os seus negócios até agora e, tenho a certeza,
que será capaz de continuar fazendo isso. Tome todas as decisões que você
quiser sobre o Imperial. Eu não vou me opor.
—Essa é sua resposta? Fugir de novo?
Doeu como um chicote, mas não podia negar que este tinha sido o padrão da
sua vida.
—Não vou abandonar o trabalho. Se conseguirmos manter distâncias, posso
chegar até ao final da temporada.
—E depois?
—Depois ...— Sua voz quebrou e ela parou. Engoliu em seco, forçando–se a
lembrar o objetivo que tinha sido marcado muito antes de conhecê–lo. —Se eu
fizer as coisas direito, vou conseguir outro papel. Talvez possa me juntar a uma
companhia de repertório no Norte, em Manchester ou em Leeds. Ou talvez eu
possa ir para Dublin ou voltar para Nova York.
—Ainda está fugindo de mim— respondeu Denys. —Eu já entendi porque
você começou tantas vezes do zero. E o que você me diz sobre o que aconteceu
essa noite? —Ele acrescentou antes que pudesse responder. — Suponho que
aches que vamos esquecer isso.
—Sim— ela conseguiu segurar o olhar dele. —Nós vamos esquecer isso.
—Eu não esquecerei, Lola —ele disse —Jamais esquecerei.
A ternura da sua voz esteve prestes a desarmá–la, mas ela sabia que não
poderia destruir a sua vida novamente. Pela segunda vez, ela estava apaixonada
por ele e, pela segunda vez, isso iria partir o seu coração. Isso já estava
acontecendo. Naquela ocasião, em uma carruagem gasta numa rua de Londres,
em vez de num camarim em Paris.
O condutor abriu a porta, mas quando ele puxou o degrau, Denys não se
moveu para sair do veículo.
– Vá embora, Denys – Lola ordenou, tentando evitar que sua voz refletisse
qualquer dor – Por favor, vá.

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


– Eu vou, se é isso que você quer, mas esta conversa não acabou – ele pegou o
chapéu – De jeito nenhum.
Ele saiu da carruagem, colocou o chapéu e tirou a carteira do bolso.
– Leve–a para o Savoy – ele ordenou ao condutor enquanto pegava uma nota
para pagar a corrida de táxi. Então ele olhou para Lola, inclinou a cabeça, virou–
se e começou a atravessar a Trafalgar Square.
O motorista dobrou o estribo e fechou a porta. Lola se inclinou para frente e
apoiou o nariz no vidro salpicado de gotas de chuva. A carruagem começou a
andar com um movimento repentino, avançou e Lola perdeu Denys de vista.
Desesperada, ela abaixou a janela e enfiou a cabeça para fora, esticando o pescoço
para vê–lo pelo maior tempo possível.
– Eu te amo – ela sussurrou.
Mas Denys já tinha desaparecido atrás da coluna de Nelson e a sua fraca
confissão foi perdida no meio do nevoeiro.

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


Capítulo 19

Denys não ia permitir que uma recusa o detivesse. Não, depois de a ter
convertido num objetivo a conquistar. E não, quando tinham outra chance. No
instante em que a viu pela janela do táxi, o reafirmou no que sentiu desde a
primeira vez que a vira. Lola era a sua muher. Eles foram feitos um para o outro.
A questão era como fazê–la acreditar também.
O ponto de táxi no lado oeste da estátua de Nelson se aproximou e,
enquanto esperava pela chegada de uma carruagem, pensou em qual seria o
próximo passo.
Ele dissera a Lola que a conversa não terminara, mas sabia que continuar
falando sobre isso não mudaria nada. Ele podia entender a relutância de Lola em
enfrentar a alta sociedade, os círculos aristocráticos podiam ser cruéis e
implacáveis. Mas, o fato de que sua relutância era por ele, e não por ela, era
frustrante, porque ele seria capaz de enfrentá–los até ao fim dos seus dias e
morrer sem arrependimentos. No entanto, ele sabia que poderia repeti–lo para
Lola até ficar rouco e que isso não faria muita diferença. Não, em tais
circunstâncias, as palavras eram inúteis. O que era necessário era agir.
E, como preferia cortar o braço direito, a vê–la como a vira naquele dia no
Regent's Park, qualquer coisa que fizesse envolveria muito mais do que
persuadi–la a acompanhá–lo ao altar. Teria que ser algo monumental, na linha de
derreter um glaciar ou de mover uma montanha, e isso significava que não
poderia fazer isso sozinho. Precisava de ajuda. E tempo. Hora de elaborar um
plano, tomar as providências necessárias, permitir que Lola respirasse e,
esperançosamente, dar–lhe a oportunidade de sentir a sua falta. Felizmente, ele
tinha tempo, porque Lola garantira que ela não partiria até que o trabalho
terminasse e, como era seu parceiro igualitário no Império, o conde não podia
fechar o teatro ou cancelar o trabalho sem o seu consentimento.

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


Entretanto, nesse meio tempo, ele teria que enfrentar a sua família. Se eles não
o tivessem já concluido, era evidente que o que acontecera na exposição floral e a
sua ruptura com Georgiana, lhes mostraria de que lado soprava o vento e não
queria revelar as suas intenções ou provocar uma discussão familiar antes do
tempo. Recordava com demasiada nitidez as discussões com o pai sobre sua
relação com Lola, as lágrimas de súplicas da sua mãe, as infindáveis visitas de
tios e primos, as constantes recomendações para que ele pensasse em sua
posição, em suas obrigações e no bom nome da família. E não havia nenhuma
ilusão de que a situação poderia mudar nesta altura.
Quando tudo aquilo resultou ser inútil, seria hora de acertar contas e, quando
isso acontecesse, ele queria que fosse em seus próprios termos, no lugar e na hora
que ele escolhesse. Enquanto isso, a melhor opção era ir para Arcady. Ir a Kent
permitiria que ele evitasse, no momento, o desfile de parentes preocupados, ele
poderia tranquilizar a sua família e silenciar os rumores. Ele também se
certificaria de não ceder à tentação de procurar por Lola e eliminaria a
possibilidade de encontrá–la acidentalmente. De modo que, sair da cidade era a
melhor opção.
Uma carruagem aproximou–se da calçada e parou no ponto de táxi.
Denys pensou por um momento, depois pegou no relógio e o virou para a
lâmpada, para poder ver o mostrador. Passava pouco das seis. Isso significava
que ele tinha muito tempo para iniciar o seu plano e pegar o último trem para
Kent.
– Para o White's,— disse ele ao motorista, e colocou o relógio de volta no
bolso do colete. – E, se chegarmos em menos de quinze minutos, eu lhe pagarei
mais uma coroa sobre a taxa estipulada.
O taxista ganhou a coroa, deixou–o na frente do clube com três minutos de
antecedência. Depois desses três minutos, Denys já tinha pedido um jantar em
uma sala de jantar privada e mandado um lacaio para a South Audley Street com
instruções para o seu criado. Althorp tinha que fazer as malas, informar os pais
de que estava indo para Arcady e encontrá–lo na Estação Victoria a tempo de sair
para Kent no trem das nove horas.
Depois, utilizou livremente o telefone do clube. Ele sabia que lhe iriam cobrar
uma quantia exorbitante na sua conta por esse privilégio, mas ele não se
importava nem um pouco. Afinal, quando um homem decidia tirar a artilharia
pesada, deveria fazê–lo com classe.

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


Lola tentou ser forte. Ela tentou concentrar toda a sua atenção no trabalho,
porque era a única coisa que ela podia controlar. Ela não podia mudar o mundo,
pelo menos, o mundo de Denys. Ela tentou dizer a si mesma que, quando saísse,
ele seria capaz de esquecê–la, e ela o esqueceria, embora temesse que esse tipo de
autoengano não funcionasse pela segunda vez. Mas, acima de tudo, tentou não
sentir falta dele.
Mas falhou miseravelmente em todos os sentidos. Todas as manhãs, a
caminho do ensaio, ela olhava para o escritório enquanto passava, esperando ter
a oportunidade de vê–lo saindo da sua carruagem, atravessando a rua ou, talvez,
inclinando–se para fora da janela do escritório. Essa tortura poderia ter sido
evitada passando por Southampton Street e acessar à sala de ensaio pela entrada
lateral, mas, por mais doloroso que fosse, ela não conseguiu se salvar daquele
sofrimento.
Ela não conseguia parar de ler as páginas da sociedade também. Era um
exercício também muito doloroso, mas ansiava por qualquer informação sobre
ele, que pudesse encontrar. Queria saber tudo, os atos em que participava, os
lugares que frequentava, as pessoas com quem costumava sair. Três dias depois
do seu último encontro, a imprensa já tinha deixado claro que não se poderia
esperar nenhum anúncio de compromisso entre Lord Somerton e Lady
Georgiana Prescott, e que tinha sido a aparição de Lola Valentine no desfile de
flores e o seu desrespeito desavergonhado pelos padrões mínimos de decência,
que causou essa ruptura. Somerton, eles disseram, ficou tão triste com a falta de
discrição da Srta. Valentine que tinha ido se recuperar na propriedade que tinha
em Kent.
Lola parou de ler os jornais depois disso, mas, durante as semanas seguintes,
evitar a imprensa sensacionalista foi de pouca ajuda para ajudá–la a esquecê–lo.
Estava em Londres e as lembranças de Denys pareciam estar em toda parte: nos
elevadores do Savoy, nas carruagens que passavam diante dela pelas ruas, nas
flores dos parques e nas das floristas que vendiam em volta de Covent Garden.
Ela tentou mergulhar no trabalho, mas também não foi útil para aliviar o seu
coração. Ela estava grata pelo papel que representava em Otelo ser um papel
menor e não ter de suportar o peso do papel principal, o de Desdêmona, porque
ela mal conseguia encontrar interesse na peça. Aquele súbito ataque de apatia a
surpreendeu e a frustrou ao mesmo tempo. Tendo passado anos se preparando,
sonhando, esforçando–se para alcançar o seu objetivo, segurá–lo em suas mãos

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


parecia–lhe algo tão cinzento e insignificante, como nunca imaginara, e não sabia
como lidar com aquela situação. E, embora ela já tivesse passado por esse
turbilhão emocional com Denys em uma ocasião, parecia muito mais difícil da
segunda vez. Porque, ao contrário da primeira, não podia fugir até que o
trabalho estivesse terminado e isso significava que estava presa, como uma
mosca fechada em âmbar, até que Otelo tivesse terminado. E então ela teria que
se afastar para o mais longe que pudesse. Denys tinha dito, que a conversa deles
sobre o casamento ainda não terminara, e ela não seria capaz de continuar
falando sobre isso, porque sabia que, em algum momento, Denys superaria a sua
resistência e acabaria cedendo. No que a ele dizia respeito, ela sempre foi muito
fraca.
Na altura em que a noite de abertura chegou, já estava se perguntando se
sería capaz de aguentar dois meses naquele estado. Ela olhou para o seu reflexo
no espelho do camarim, o rosto pálido e os círculos escuros que cruzavam os
olhos e tentou sair da sua apatia. Ela não podia voltar ao mundo dos palcos como
se fosse um animal encurralado. A sua carreira como atriz dramática podia não
durar mais de dois meses, mas ela não iria começar aparecendo com esse aspecto.
Ela abriu o saco em que guardava os cosméticos para maquiagem, mas mal
tinha terminado de aplicar o pó no rosto e o vermelho nas bochechas quando a
porta do camarim se abriu. Lola ergueu os olhos do estojo que estava fechando e
congelou, quando os seus olhos se encontraram com Conyers no espelho.
—Deixe–nos em paz, por favor— disse o conde às outras atrizes que estavam
se preparando para a apresentação.
Elas escaparam com pressa.
A substituta de Lola, Betsy Brown, foi quem demorou mais para sair e deu a
Lola um olhar curioso enquanto passava pelo conde e fechava a porta atrás de si.
Lola fechou o frasco de rouge, respirou fundo e se levantou, lembrando–se de
que estava prestes a subir ao palco na frente de uma platéia que esperava vê–la
falhar. De alguma forma, isso fez confrontar o pai de Denys um pouco menos
avassalador e, quando ela se virou para ele, estava calma, composta e até capaz
de sorrir um pouco.
—Meu senhor— disse, inclinando a cabeça ligeiramente. — Que visita
inesperada. A que devo este prazer?
—Duvido que seja um prazer para você, senhorita Valentine. E, claro, não é
para mim. Eu vou direto ao ponto.
— Você considera necessário?

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


Ela ampliou o seu sorriso com total deliberação e apontou para as garrafas de
champanhe que tinham sido abertas na mesa central, um presente dos
admiradores de algumas das atrizes.
—Tem a certeza de que não quer tomar uma bebida primeiro? —insistiu.
O conde balançou a cabeça, mas Lola caminhou lentamente até à mesa para se
servir de champanhe, porque sabia que poderia precisar. Com uma fortificante
taça de champanhe na mão, virou–se para ele e ergueu o copo com um gesto
teatral e sardônico.
— Agora você pode chegar ao ponto.
O fato de ter insinuado que ela era quem lhe dava permissão fez a conde
corar, mas ele não demosntrou o seu descontentamento.
—Eu vim para informá–la de que eu vendi a minha parte do Imperial.
Essa era a última coisa que Lola esperava e ela não conseguiu esconder a sua
surpresa.
—Sim— disse o conde, e então foi ele quem sorriu. —O seu relacionamento
com o meu filho acabou.
—Denys foi informado?
—Lorde Somerton— disse ele enfaticamente, —será informado quando voltar
de Kent.
—Entendo. Você já se deu ao trabalho de consultá–lo?
—Qual seria o motivo? Eu já conheço a sua opinião sobre isso.
— Ele sabe que o Imperial é uma empresa com a qual está extremamente
orgulhoso e com razão. Mas mesmo assim, vendeu isso secretamente sem pensar
nisso.
—E você é a única culpada por isso, mocinha.
Isso tocou um nervo e, embora não quisesse criar mais problemas entre Denys
e o seu pai, não pôde reprimir uma resposta contundente.
—Ora, ora! Quem teria pensado que uma qualquer poderia ter tanto poder?
O conde ignorou esse comentário.
— O seu novo parceiro é um tal Lord Barringer e ele pretende oferecer uma
quantia generosa de dinheiro para comprar a sua parte. Eu sugiro que você
aceite.
—Porquê? Se dinheiro não me fez fugir antes. Por que vou fazer isso agora?
—Porque você não tem motivo para ficar.
Era possível que Lola já tivesse decidido sair, mas, mesmo que a vida dela
dependesse disso, nunca admitiria ao conde. Não suportaria vê–lo se deleitar
com a sua decisão.
—Denys não é um motivo?

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


— O meu filho é o futuro conde Conyers. E deve se casar com uma mulher de
boa família, mas, enquanto você ficar aqui e ele estiver sob o seu feitiço, nunca
considerará essa possibilidade. E, certamente, não pode se casar com você.
—Não? E por qual motivo?
—Minha querida senhorita Valinsky, sei tudo sobre você. —Lola ficou tensa
com um nó de terror no estômago.
—Quando você voltou para Londres— continuou o conde, —eu contratei os
homens de Pinkerton para investigar você. Eu teria feito isso anos atrás, quando
você estava aqui, mas considerei que a paixão do meu filho era temporária.
Afinal, ele já esteve com outras mulheres como você.
Lola tentou adotar um ar de indiferença.
—Eu suponho que deve ter causado um forte impacto que Denys tenha
decidido se casar comigo.
O conde apertou a mandíbula com uma expressão sombria.
—Assim é. E mesmo que você tenha se recusado a aceitar o meu dinheiro,
você teve o bom senso de aceitar a oferta de Henry e voltar para lá de onde tinha
vindo. No entanto, quando você voltou há dois meses, coloquei os detetives para
trabalhar. Eu sei que o seu pai era um bêbado e você é uma filha bastarda. Estou
ciente das tavernas portuárias onde ... você dançou, devo dizer? E — acrescentou
ele, com aqueles olhos escuros tão parecidos com os de Denys, cheios de
desprezo que Lola nunca vira nos olhos de seu filho — sei do seu relacionamento
com Robert Delacourt. Eu sei que você era nada mais de que uma prostituta.
Lola respirou fundo, sentindo como se tivesse acabado de ser esbofeteada.
Isso, supôs, era a intenção.
Como se tivesse lido o pensamento, o conde assentiu devagar.
—O Sr. Delacourt é bem conhecido em Nova York. Tudo é conhecido sobre
ele e sobre as suas garotas. —Ele a examinou da cabeça aos pés. – Garotas como
você.
Lola sacudiu a cabeça.
–Mas você não entende ...
—Deixe Londres— ele ordenou. —Se não o fizer, ou se lhe ocorrer retornar,
darei o relatório de Pinkerton para Denys. Vamos ver se ele continua a te amar
depois.
Qualquer recusa ou explicação morreu nos lábios de Lola. Não havia sentido
em explicar nada para ele.
—Porque você acha que eu não falei com o Denys sobre o meu passado? — O
conde estudou–a um segundo antes de responder.
—Porque eu acho que você realmente ama o meu filho e se importa com o
que ele pensa de você. Se não fosse assim, você teria aceitado o dinheiro que lhe

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ofereci quando você foi para a Paris, ou teria aceitado a sua proposta de
casamento sem pensar duas vezes e teria deixado que soubesse quem você é,
depois do casamento. Eu acho que você vê tão claro quanto eu que não poderia
fazê–lo feliz e se importa com isso.
Lola engoliu em seco e não disse nada. Os homens do conde e do Pinkerton
podiam estar errados em algumas coisas, mas não nisso. Isso sempre seria
verdade.
—Nesse caso,— continuou o conde — que destino espera por você aqui,
exceto se tornar a sua amante, até que finalmente se canse de você?
Mesmo que fosse apenas por orgulho, Lola fez um esforço para listar tudo o
que tinha a seu favor.
—Eu sou uma mulher de negócios. Eu ainda tenho metade do teatro. Eu
também sou atriz e Londres continua a ser a capital do teatro do mundo. Estou
começando uma nova carreira e ...
—Uma carreira? Oh querida! —O conde deu–lhe um sorriso simpático. — Eu
testemunhei a sua primeira apresentação e não tenho dúvidas de que esta noite
será idêntica. Sou apaixonado por teatro desde que era muito jovem e nunca vi
uma atriz com menos talento do que você. Claro, o meu filho não é capaz de ver,
mas outros não são tão cegos. Quando você fracassar, Barringer não consentirá
em seu retorno a nenhuma das audições para as produções do Império e duvido
que outros produtores estejam dispostos a conceder–lhe esse privilégio.
Lola levantou o queixo com um gesto que Denys teria reconhecido se
estivesse presente. Mas quando falou, falou com uma voz fria e desdenhosa.
—Obrigada por ter vindo me informar da situação, Lorde Conyers. Agora, se
você não se importa, eu devo me vestir.
—Claro.
Ele inclinou a cabeça e saiu. Lola olhou para a porta com os olhos apertados
quando ela se fechou atrás dele.
—Eu posso ter que sair de Londres, meu senhor—disse, erguendo o copo, —
mas desta vez não vou sair como um fracasso. Desta vez não.
E, sem mais delongas, terminou o champanhe que sobrou, deixou o copo com
um baque, pegou o figurino e se preparou para oferecer o desempenho de sua
vida.

O aplauso começou antes que a cortina começasse a se fechar e o público


estava de pé antes que a bainha tocasse as tábuas. O rugido daquela multidão
forçou os atores a saudar, mas quando chegou a vez dela, Lola ficou tão

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


atordoada que não conseguiu se mexer. Durante as últimas três horas, ela estava
tão absorta, tão dedicada a atuar que, assim que a peça terminou, ficou aturdida.
—Lola, vamos lá.— Blackie agarrou a mão dela. —Eles estão esperando por
nós, querida.
—Eu estive bem? —Lola perguntou, afastando a mão de Blackie e agarrando
o braço dele. —Blackie, me diga a verdade, eu atuei bem?
— Se você atuou bem? —Blackie riu, balançando a cabeça em descrença e um
enorme sorriso no rosto negro irlandês. — Meu Deus, você foi brilhante.
Ele a agarrou pela mão novamente e, enquanto se movia em direção ao palco,
puxando–a, olhou para ela por cima do ombro e acrescentou:
—Eu acho que Arabella está feliz.
—Eu duvido—ela respondeu.
Mas a sua resposta foi afogada no rugido da multidão quando Blackie a levou
para o palco. De mãos dadas, eles pararam no centro e se entreolharam. Blackie
então piscou para ela e curvou–se ao mesmo tempo.
Mas o público não ficou satisfeito e eles tiveram que dizer fazer uma vénia
mais duas vezes antes de irem para aos bastidores. E mesmo assim, enquanto o
resto da companhia se agitava ao seu redor, conversando, rindo e parabenizando
um ao outro, ela ainda não podia acreditar que era real.
Um tapinha de parabéns nas costas fez com que ela se virasse. Virando–se,
viu John Breckinridge, o protagonista da peça, ao seu lado.
—No começo, eu tinha sérias dúvidas sobre você, senhorita Valentine—, disse
ele. —Eu tinha a certeza de que seria um fracasso retumbante, mas você me
mostrou que eu estava errado. Eu perdi cinco libras apostando nisso, mas não me
importo. Você é boa. Muito boa.
Lola abriu os lábios, mas a sua garganta estava fechada e ela não conseguiu
responder. John Breckinridge era um dos melhores atores de Londres, merecedor
dos elogios que Sir Henry Irving lhe dera. Ouvir elogios por sua atuação, na boca
daquele ator, foi uma das coisas mais bonitas que aconteceram em sua vida.
—Obrigada — finalmente conseguiu dizer — muito obrigada. —Jamie
Saunders parou ao seu lado.
—Bom trabalho, Lola— disse ele, e estendeu a mão. Lola sacudiu e Jamie se
virou para John. —Eu acho que você me deve cinco libras. Vou as investir em
uma cerveja no Lucky Pig, obrigado. — Ele olhou para Lola. —Alguns de nós
vão ao pub no final da rua para comemorar. Se você quiser, pode se juntar a nós.
Lola pensou sobre isso e balançou a cabeça. Deixar Londres já seria bastante
difícil em sua situação.
—Obrigada, mas estou exausta. Boa noite.

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


Ela voltou ao seu camarim e ficou grata por estar vazio. No momento em que
estava dentro e fechou a porta atrás dela, seus joelhos cederam e teve que se
sentar.
Ela afundou no banquinho da penteadeira e olhou para o espelho com os
olhos bem abertos, tentando assimilar o que tinha acontecido.
—Eu consegui—, ela sussurrou. —Meu Deus! Eu acabei de fazer um
Shakespeare! —A alegria explodiu dentro dela como um foguete e ela riu. —E
sou boa! O que você tem a dizer sobre isso, Lorde Conyers?
Mas então, olhou para baixo, viu a taça de champanhe vazia na superfície
coberta de pó da sua penteadeira, e toda a sua alegria se dissipou.
Ela poderia ter mostrado que Conyers estava errado sobre o seu talento, mas
sabia que isso não fazia diferença. Ela continuava sem futuro naquela cidade.
Denys a teria visto naquela noite?, perguntou–se. Ou ainda estaria em Kent?
E se ele fosse ao camarim para parabenizá–la? Para convidá–la para jantar, como
costumava fazer anos atrás? E se pedisse para ela se casar com ele? Quantas
vezes seria capaz de recusar, antes de ceder e aceitar a sua proposta?
A porta se abriu. Lola se sobressaltou, mas soltou um suspiro de alívio
quando viu Betsy. A jovem se sentou em sua próprio tocador, do outro lado, e
pegou o pote de lanolina para remover a maquiagem. Naquela noite, não havia
atuado na peça, mas como substituta de Lola, precisava estar pronta para subir
ao palco a qualquer momento.
—Betsy?
A garota se virou para ela.
— Mmm?
—Você conhece o papel, certo? Você está ensaiando o papel de Blanca. Você
não facilitou ou pulou os ensaios, pois não?
—Oh, não, senhorita Valentine! — A jovem abriu bem os olhos— Eu sei que
quase nunca ensaiamos na mesma sala, então não podia me ver, mas ...
—Ótimo— Lola interrompeu. Ela se levantou e pegou a bolsa de maquiagem.
—Prepare–se para atuar amanhã à noite. A partir de agora, o papel é seu.
E saiu antes que Betsy pudesse se recuperar da surpresa.

Atuar era sempre exaustivo e, depois das apresentações, Lola sempre


adormecia assim que pousava a cabeça no travesseiro. Naquela noite, porém, o
sono a deixou. Ela tinha prometido a Denys que ficaria até que o trabalho
terminasse e tinha quebrado a sua promessa, mas não era isso que a mantinha
acordada. Não. O que a teve a dar voltas e voltas na cama era o medo, o medo

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


que, ao sair, Conyers pudesse falar com Denys dos aspectos mais sórdidos do seu
passado. Se isso acontecesse, Denys chegaria à mesma conclusão que o conde
chegou. E achar que ela se prostituiu.
Ela se virou na cama, gemeu e se amaldiçoou por ter voltado para Londres. E,
ainda assim, como se arrependeria de ter retornado?
Naquela noite, tinha alcançado o único propósito pelo qual voltou. E, além
disso, e aquilo era o mais importante, teve a oportunidade de ver Denys
novamente, de estar em sua companhia, de sentir os seus abraços, beijos e de
desfrutar das suas artes amorosas. Como poderia se arrepender de algo assim?
Como se arrepender da deliciosa tarde que passaram juntos, após a exposição de
flores?
O meu filho é o futuro conde Conyers. E deve se casar com uma mulher de boa
família, mas, enquanto você ficar aqui e ele estiver sob o seu feitiço, nunca considerará
essa possibilidade. E, certamente, não pode se casar com você.
.A voz de Conyers ecoou em seu cérebro e Lola se deitou de lado com um
gemido, pegou um travesseiro e cobriu a cabeça. Isso, claro, não ajudou.
Que destino espera por você aqui, exceto se tornar a sua amante até que finalmente se
canse de você?
Porquê?, perguntou–se desesperadamente, jogando o travesseiro e deitada de
costas. Porque a sociedade e a família não poderiam deixá–los em paz? Porque
eles não podiam deixá–los ser amantes? Porque não eles poderiam desfrutar um
do outro, enquanto durasse o relacionamento?
Porque diabos nada poderia ser fácil entre Denys e ela?
Você sempre será a sua ruína.
Essas palavras se repetiram em sua mente e sentiu que elas eram mais
verdadeiras do que antes. Algo pareceu rachar dentro dela até formar uma
rachadura grande e profunda, e de repente se viu chorando. Lola se virou na
cama e se enrolou, mas não conseguiu se conter e, pela primeira vez em anos,
chorou até adormecer.

—Bom dia, senhorita Valentine. — A saudação alegre da sua empregada a


acordou.
Lola abriu os olhos, piscando na luz da manhã. Os seus olhos doíam com
aquela picada seca que seguia ao choro.
—Que horas são? —perguntou.
Ela se sentou nos cotovelos e descobriu a sua empregada ao pé da cama com
uma bandeja.

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— Meio dia e meia— respondeu Marianne. —A hora que você costuma
acordar depois de uma apresentação. Você quer se vestir ou prefere tomar café
antes?
—Nenhuma das duas coisas —se endireitou na cama e tirou uma mecha de
cabelo dos olhos enquanto tentava limpar os seus sentidos da letargia do sono. —
Marianne, primeiro de tudo, quero que você faça algumas coisas. Preciso que
você vá ao Cook e faça todos os arranjos necessários para o nosso regresso a
Nova York.
A criada separou os lábios com um gesto de surpresa, mas era competente o
bastante para não questionar as decisões de sua patroa.
—Claro. Quando você gostaria de partir?
—Assim que possível, é melhor você vá rápido.
—Sim senhora, você não quer se vestir antes de eu sair? Ou pedir café da
manhã?
—Não.— Lola reclinou nas almofadas novamente. —Eu só quero dormir.
Enquanto estiver fora, você pode ir almoçar. E me acorde quando você voltar.
—Sim senhora.
A empregada saiu e Lola fechou os olhos, mas quando acabou de adormecer,
eles a acordaram de novo. Agora, era uma batida na porta.
Ela sentou–se, olhou para a porta aberta do quarto e percebeu que a ligação
vinha de fora da porta de sua suíte.
— Miss Valentine? — Veio uma voz abafada do corredor.
Ainda aturdida e com os olhos pesados de sono, ela empurrou a colcha com
um suspiro, levantou–se da cama e foi até a porta do quarto.
—Miss Valentine? —Eles chamaram novamente. —Você está aí?
—Sim—disse. — Que ocorre?
—Serviço de quarto.
Diabos! Ela tinha dito a Marianne que não queria o café da manhã, franziu a
testa, tentando pensar. Ou não teria dito a ela?
—Miss Valentine? — A voz insistiu. — Eu trago o café da manhã.
Café, Lola levantou a cabeça e se iluminou um pouco. Depois da noite que
passou, o café parecia delicioso para ela.
—Um momento, por favor.
Ela voltou para o quarto, abriu o armário e tirou um vestido de chá abotoado
pela frente. Colocou–o por cima da camisola, botões abotoados e calçou os
chinelos de seda. Vestida mais ou menos, ela voltou para a sala de estar, tirou
uma moeda de seis centavos da bolsa e se aproximou da porta. Abriu–a, mas,
embora o homem do outro lado, com um carrinho
, estivesse usando a libré do Savoy Hotel, ele não era um de seus empregados.

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—Denys? —Ela esfregou os olhos sonolentos, imaginando se estava
sonhando. —O que você está fazendo aqui?

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Capítulo 20

Ele a tirou da cama, Denys percebeu, e isso o deixou sem fôlego. Para ele,
aquela era a hora do dia, em que ela era mais adorável, com cabelos soltos e
despenteados caíndo sobre os ombros e o rosto despojado de maquiagem, que
lhe permitia ver as sardas douradas que pontilham o nariz e bochechas. Ele
engoliu em seco, resistindo à vontade de deixar o carrinho, pegá–la e levá–la para
o quarto.
Mas ele venceu a batalha, lembrando–se de que a sua aposta era muito maior
do que uma simples queda entre os lençóis. Forçando–se a reprimir o seu desejo,
ele inclinou a cabeça.
—Bom dia, senhorita Valentine.
Lola esfregou os olhos novamente com os punhos fechados, fazendo–o sorrir
com aquele gesto, que se assemelhava ao de uma menina que acabava de
acordar.
—Porque você está vestido como um lacaio do Savoy?
—Ah isso! — Ele acariciou o colete do uniforme. —Você gosta?
Obviamente confusa, ela fechou os olhos e sacudiu a cabeça, e quando voltou
a olhar para ele de novo, o sono tinha desaparecido dos seus olhos e estava
franzindo a testa.
—Denys, você não pode vir para o meu quarto.
—Lola, não é um pouco absurdo que você me diga que não posso fazer o que
já fiz?
Lola se inclinou para frente e enfiou a cabeça pelo corredor.
—Alguém podia te ver.
—E o quê?
Lola recuou.
— Podiam te reconhecer.
—Com este uniforme? Duvido. Por que você acha que eu o coloquei? E, se
você quer um café, e eu sei que você quer porque acabou de sair da cama e o que
mais quer quando se levanta é tomar um café, é melhor me deixar entrar antes
que fique frio.

Lola mordeu o lábio, pensando nisso.

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—E se não, não tenho nenhuma dúvida, de que está disposto a ficar no
corredor gritando e batendo na porta até que eu deixe você entrar—murmurou
depois de alguns segundos.
Denys enterrou as mãos nos bolsos e olhou em volta, assobiando com uma
expressão de inocência.
Com um suspiro alto, Lola abriu a porta completamente e deu um passo para
trás.
—Oh muito bem! —Ela disse com raiva. —Seria melhor se você entrasse. Eu
nunca fui capaz de te dizer não.
Denys a olhou nos olhos.
—Isso eu espero.
Ele ouviu um suspiro, mas quando Lola falou, foi forçado a se lembrar que só
tinha dado o primeiro passo do seu plano e que muitos outros ainda estavam à
frente.
—Você se deu a muito trabalho— disse Lola ao fechar a porta e segui–lo.
Denys empurrou o carrinho para a sala de estar da suíte e virou–se para a
mesa e as cadeiras no final da sala.
—Onde você conseguiu o uniforme do Savoy? —Lola perguntou.
—De um dos empregados do Savoy, é claro. Eu o encontrei fora do trabalho
dele e o chantageei para me emprestar o seu uniforme, ele me levou pela cozinha
e subi pela escada de serviço.
—Você é louco— declarou, balançando a cabeça. —Completamente louco
—Ele não gostou.— Denys riu baixinho. —E não pareceu muito surpreso com
a minha sugestão. Ele me disse, sem nem piscar, que a taxa por esse serviço é um
guineu. É evidente que há senhores em roupas de lacaios que entram e saem dos
quartos das senhoras por toda a Londres. Tantos, que de fato, os funcionários do
hotel definiram um preço. Inclusive inclui uma carta de recomendação, caso
descubram o empregado em questão e o demitam. As empregadas têm um
sistema de trabalho similar. Quando você pensa sobre isso, percebe que é uma
empresa inteira.
Denys serviu–lhe um café, mexeu o leite e o açúcar e entregou–o a ela do
outro lado da mesa.
—Café?
Lola aceitou, mas ela não tomou um único gole. Em vez disso, olhou por cima
da xícara para encontrar o dele.
—Eu achei que você estava em Kent. Quando você voltou a Londres?
—Ontem à noite.
—E você tem ...? — Ela parou e respirou fundo. —Você viu o seu pai? —
Denys franziu a testa, parecia desconcentrado.

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—Não porquê?
Lola não respondeu.
—Porque você veio de Kent? —perguntou em seu lugar.
—Lola—, ele sorriu ternamente, —você realmente precisa perguntar?
—Você esteve no teatro ontem à noite— sussurrou Lola.
—Claro que sim, Lola— ele acrescentou, repreendendo–a gentilmente. —
Você não pensou que eu ia perder a noite de abertura, certo?
A mão de Lola tremeu e Denys ouviu o tilintar da xícara no prato.
—Que ...? – Lola parou e lambeu os lábios. — O que achou? Diga–me a
verdade.
—Eu acho que o seu desempenho foi admirável.
E então apareceu aquele sorriso luminoso que Denys amava.
—De verdade?
—Realmente, se você não acredita em mim ... —Ele parou, inclinou–se ao lado
do carro e levantou a bainha do pano para remover os jornais da manhã, que
tinha colocado na parte de baixo. Ele endireitou–se e entregou–lhe a pilha de
jornais — você pode estar interessada em ler outras opiniões.
Ele colocou a pilha de jornais sobre a mesa, pegou o primeiro, desdobrou e
leu a primeira página.
—De acordo com o Talk of the Town, você é «a maior surpresa dos palcos
londrinos dos últimos anos».
Denys colocou o jornal de lado e pegou o seguinte.
—The Times diz: Miss Valentine brilha no momento em que aparece em cena,
como o sol que aparece inesperadamente entre as nuvens num dia nublado.
— The Times diz isso? —Ela olhou para ele, como se, logicamente, não
pudesse acreditar. —The Times?
—Sim, The Times. Parabéns —acrescentou ele, sorrindo sobre a borda do
jornal. — Eu acho que você é a única pessoa que tem sido capaz de inspirar uma
linguagem poética para o sério e empertigado London Times. E duas vezes.
—Talvez, mas a primeira vez não foi uma linguagem poética muito
complacente,—lembrou. – Deixe–me ver — pediu e riu ao ler a resenha. —
Louvores no The Times, quem teria imaginado isso?
—Eu trouxe champanhe para comemorar—, disse Denys.
Ele pegou duas taças de champanhe e um balde que continha uma garrafa
aberta de Laurent–Perrier num cama de lascas de gelo.
—Isto é…
Lola parou e levou a mão à boca, deixando o jornal escorregar entre os dedos.
A cópia do The Times pousou no chão, espalhando–se como uma tenda do
exército torta. Lola olhou para baixo, fixou–a no jornal por alguns segundos e

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depois olhou para Denys. Ele viu, para sua surpresa, que os seus olhos estavam
cheios de lágrimas.
—Lola—alarmado, ele andou em volta da mesa para se aproximar dela. —
Pelo amor de Deus, você está chorando?
—É tudo tão diferente—, disse ela, com a voz embargada. —A última vez que
tomamos café juntos e lemos jornais foi terrível.
—E isso torna esta situação muito mais agradável.— Ele agarrou seu braço e
beijou seu nariz sardento, —você não acha?
Lola virou o rosto e encolheu os ombros enquanto tentava libertar–se de suas
mãos, mas Denys viu com alívio que era uma tentativa pouco entusiasta e
começou a pensar que, talvez, tivesse mais um passo para a frente. Lentamente,
ele deslizou as mãos pela cintura dela.
—Muito mais—, ele sussurrou, e a beijou na bochecha. Ele chegou ao lado do
canto da boca.
Lola ficou tensa e, por um momento, Denys pensou que ela iria rejeitá–lo.
Mas então, ela colocou os braços ao redor de seu pescoço, abriu a boca sob a dele
e soltou um suave gemido de rendição. Esta era a sua chance, pensou Denys, e
ele aceitou.
Ele inclinou a cabeça para aprofundar o beijo, ergueu as mãos para emoldurar
o rosto dela e enredou os dedos no cabelo dela. Quando Lola o abraçou e
começou a sentir o gosto de dentro da sua boca, o desejo que Denys estava
segurando estourou, mas colocou–o sob controle instantaneamente. Ele recuou,
alisou o beijo sugando o lábio inferior e continuou a saboreá–lo com pequenos
beijos.
Considerando, que o último encontro de amor deles tinha ocorrido em uma
carruagem, Denys estava determinado a tornar tudo mais romântico desta vez, e
isso significava que tinha que tomar o seu tempo.
No entanto, Lola parecia ter outras ideias em mente.
Ela pegou as mãos dele e as guiou até os seios dela. Ela não estava usando um
espartilho sob o vestido, e Denys sentiu os seios, cheios, inchados e com os
mamilos eretos, contra as mãos.
Desejo surgiu dentro dele e gemeu quando abriu as palmas das mãos e se
torturou por um momento antes de recuar novamente.
Lola protestou com um gemido e esticou os dedos ao redor dos pulsos de
Denys para continuar a acariciá–la, mas ele resistiu e se afastou dela.
— O nosso último encontro na carruagem foi muito apressado—, disse ele
com firmeza. —Hoje eu vou tomar o meu tempo.
Ele colocou as mãos no último botão do vestido e beijou o nariz dela
enquanto desabotoava. Com o botão seguinte, ele beijou a sua testa e com o

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terceiro o queixo. Quando o vestido estava desabotoado até à cintura, a
respiração de Lola estava tão agitada quanto a de Denys.
Mas ele continuou a manter o controle, determinado a esperar até que ela
perdesse o dela. Mais uma vez, ele se afastou, provocando um gemido de
protesto.
Lola usava uma espécie de camisola sob o vestido, uma camisola abotoada e
Denys levou um momento para perceber o que era.
— Você usa uma camisola debaixo do vestido? —Ele provocou. —É uma
moda nova que eu não conheço?
—A minha empregada saiu— Lola murmurou em um sussurro ofegante e o
beijou. — E um funcionário muito insistente bateu na porta. Eu não tenho certeza
... —Ela parou e o beijou novamente. —Não tenho certeza ... de que o Savoy
aprova esse descaramento por parte de um de seus garçons.
—Situações desesperadas pedem medidas desesperadas—, disse Denys
contra a sua boca, no limite do controle.
—E você está? —Lola perguntou, mordendo o lábio. —Você está
desesperado?
Denys sabia que não podia permitir que Lola tomasse as rédeas do processo
de sedução se não quisesse que as coisas terminassem muito antes de ele atingir
o seu objetivo.
Para recuperar o controle, ele colocou um braço em volta dos ombros dela,
inclinou–se, colocou o outro braço sob os joelhos e levantou–a.
—Denys,— Lola protestou rindo quando a levou para o quarto.
—E o café da manhã? E o champanhe?
—O hotel tem um verdadeiro serviço de quarto — uma vez dentro do quarto,
ele fechou a porta com o pé. —Vamos pedir gelo e comida mais tarde. Agora —
acrescentou ele, deixando–a em pé ao pé da cama. —Onde estava?
—Eu acho que você estava me despindo.
Eram palavras que mostravam certa indiferença, mas as pronunciou quase
sem fôlego e Denys compreendeu que tinha recuperado o controle da situação.
No entanto, quando ele terminou de desabotoar os botões até a cintura, a sua
habilidade de controle foi novamente colocada à prova.
—Meu Deus— sussurrou enquanto colocava o vestido e a camisola em volta
dos ombros e braços de Lola, expondo seus seios. —Você é ainda mais bonita do
que eu me lembrava.
Denys soltou as duas roupas, deixando–as cair para os quadris de Lola, mas
quando alcançou seus seios, ela o parou.
—Eu não posso—, disse Lola, recuando, e ele sentiu terror. Ele respirou
fundo, tentando se acalmar.

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—O que é que você não pode?
—Eu não posso fazer amor com você se você está vestindo o uniforme do
Savoy.— Ela apontou para um botão no colete listrado preto e dourado
característico. —Agora eu moro aqui e vejo homens naquele uniforme a qualquer
hora. Eu acharia isso um pouco ... estranho.
Denys riu, imensamente aliviado ao perceber que não estava pedindo para ele
parar.
— Você está me dizendo para se despir?
—Não se preocupe.— Ela olhou para cima, também rindo. —Eu te ajudarei.
Denys permitiu que removesse a jaqueta preta, o colete listrado e a gravata
dourada do uniforme. Essas roupas foram seguidas pelo fecho da gola da camisa,
o colarinho e as abotoaduras. Denys permitiu que abaixasse as mangas e tirasse a
camisa. Mas quando começou a desfazer as calças, ele a parou.
—Isso é o suficiente — ele repreendeu, sorrindo. — Sou eu quem está te
despindo, lembra?
Ele ignorou os seus protestos, empurrou as mãos dela e segurou os seus seios.
Denys acariciou–os, moldou–os e saboreou a sua plenitude exuberante.
Quando acariciou os mamilos com os polegares, ela jogou a cabeça para trás com
um suspiro e arqueou em suas mãos, e quando Denys os beliscou com os dedos,
ela soltou um gemido suave e os seus joelhos dobraram.
Denys a agarrou, passou o braço em volta da sua cintura e retomou as
carícias, rindo para si mesmo.
—Você sempre gostou disto.
—Sim—, ela engasgou.
—Eu lembro de outras coisas que você gostava.
Ele a soltou e se ajoelhou na frente dela puxando a camisola e vestido no
processo, descobrindo o seu corpo diante dos seus olhos, mostrando a sua
cintura estreita, os seus generosos quadris, a delicada curva da sua barriga, o
triângulo de cabelo que coroava as coxas e as suas longas e gloriosas pernas.
Com uma respiração profunda e trêmula, Denys jogou a cabeça para trás. Ele
olhou nos olhos dela, agarrou a sua cintura, segurou–a contra ele e deu–lhe um
beijo quente e húmido em sua barriga.
Lola gemeu, arqueou–se contra o beijo e esticou os braços para agarrar o pé
de bronze da cama. Denys baixou a cabeça, beijou–lhe o umbigo e pôs os lábios
nos cachos avermelhados.
Lola soltou um uivo delicado quando Denys deslizou sua língua sobre ela,
provando–a. Então parou e olhou-a nos olhos.
— Você se lembra da primeira vez que fizemos isto? — perguntou. Lola
assentiu e abriu as pernas um pouco, mas Denys ignorou a sugestão.

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—Você nunca tinha feito—, Denys lembrou com uma leve risada, e acariciou
o seu quadril. —Eu acho que te impressionou.
—É claro que me impressionou.
Ela enterrou as mãos no cabelo dele, puxando–o para mais perto e Denys
cedeu. Ele beijou as dobras de seu sexo e acariciou–as com a língua. Ele provou a
sua suavidade, o seu gosto, os sons que Lola emitia. Ele gostava do prazer de
Lola, que estava crescendo passo a passo e, quando começou a tremer, a
estremecer com movimentos frenéticos, ciente de que aquele era o momento,
colocou a língua no clitóris. Quando ele ouviu o suave e doce gemido que Denys
tão bem lembrava e anunciava o seu êxtase feminino, desfrutou mais daquele
clímax do que alguma vez desfrutara do próprio.
Ele a beijou mais uma vez e se levantou. Lola tirou as mãos da cama
imediatamente, colocou os braços ao redor do seu pescoço e enterrou o rosto
contra o pescoço dele, ofegando, exalando a sua respiração irregular e ardente
contra a sua pele.
Denys acariciou os seus cabelos e quando ela o beijou no peito, o seu coração
afundou, lembrando–o de tudo o que estava em jogo agora. Mas, mesmo assim, o
seu corpo estava tão tenso que ele não sabia o quanto ele podia suportar. Ele
emaranhou as mãos no cabelo de Lola, inclinou a cabeça para trás e a beijou.
—Eu quero você—, ele disse, soltando–a e descendo para tirar os sapatos e as
meias. —Você me deseja?
Ele olhou para ela novamente, viu–a abrir os olhos e sabia, que estava se
lembrando da sua primeira vez, tão claramente quanto ele. Ele estava se
lembrando de como, depois de tê–lo mantido à distância por meses, finalmente
admitiu que o queria.
—Você tem que dizer isso—lembrou a ela com um leve sorriso quando
desabotoou as calças, —você se lembra?
Denys a observou, enquanto puxava as calças e a roupa interior e as tirava.
Lola abriu os lábios, mas quando Denys olhou para ela, ela não disse nada.
—E bem? —Ele insistiu quando colocou as roupas de lado e ficou nu na frente
dela.
Lola tirou uma mecha de cabelo dos olhos, encolheu os ombros e tentou não
sorrir.
—E bem o quê?
Denys agarrou–a pela cintura e ela soltou uma risada quando ele a pegou
para sentar-la no pé de latão da cama. Ele a empurrou depois, fazendo–a cair
para trás. Lola estava rindo em voz alta antes mesmo de pousar no colchão.
Denys chegou ao seu lado sem lhe dar tempo para fugir.

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—Me desejas? —Ele perguntou novamente, capturando–a, virando–a na
cama e segurando–a com seu corpo.
Lola ainda estava rindo a gargalhadas, mas apertou os lábios, tentando
reprimir uma risada.
Isso não o deteve.
—Muito bem, eu posso esperar—, ele sussurrou, e acariciou o seu pescoço. —
Você sabe que eu sou muito paciente. —Ele parou para beijá–la. — Eu sou um
homem muito insistente
Ele deslizou os braços sob os seus, apoiando o peso sobre os cotovelos para se
colocar e, embora o seu membro permanecesse entre as coxas com a dureza de
uma pedra, e tremesse por dentro com esse esforço de contenção, ele fingiu ser
frio e sereno..
—Me desejas?
Denys flexionou os seus quadris e deslizou o seu membro contra ela com uma
carícia longa, lenta e provocativa.
—Denys—, respondeu Lola, ofegante.
Ela moveu os seus quadris contra ele, mas Denys não a penetrou.
—Você tem que dizer isso.
Ante o seu silêncio, Denys desceu mais alguns centímetros enquanto colocava
uma mão entre eles e a acariciava.
—Admita que me desejas.
—Ah! —Lola gemeu.
E Denys se divertiu com esse som.
–Você não ri mais, né?— Ele provocou enquanto acariciava ela.
—Pare de me provocar.
—Eu acho que é você quem está me provocando—, disse ele, afundando e
tirando um dedo dela.
—Eu não sei o que você quer dizer—,engasgou, tremendo com a excitação
sensual desse jogo.
—Sim, claro que você sabe. Diga, Lola, diga.
—Tudo bem, sim, eu quero você—, ela engasgou, balançando os quadris para
tentar incitá–lo. —Te desejo.
Denys empurrou a mão dela até que tocou a ponta dos dedos dela. Ele
acariciou–a delicadamente, circulando o clitóris com as pontas dos dedos e
depois recuou.
— Tem a certeza?
—Sim, sim—, ela ofegou. – Sim, quero sentir você dentro de mim. Agora,
Denys, agora. Eu te desejo tanto que não aguento mais.

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Denys balançou a cabeça, reprimindo–se, porque mesmo com o seu desejo,
ele não tinha o suficiente. Para conseguir o que ele realmente queria, ele tinha
que empurrá–la ao limite. Ele respirou e recuou para olhá–la nos olhos.
—Eu te amo—, ele sussurrou enquanto colocava um dedo dentro dela. —
Você me ama?
Lola não respondeu e Denys se afastou, fazendo–a gemer em protesto. Ela
ergueu os quadris como se quisesse seguir o caminho de sua mão, mas Denys
não permitiu nem uma ligeira satisfação.
—Me ama?
Ela estava gemendo naquele momento, deixando escapar um som
desesperado de necessidade e desejo, mas ele não cedeu.
—Lola, você me ama?
—Sim—,soluçou. —Eu te amo, Denys. Sempre te amei.
Isso era tudo que precisava ouvir. Ele a beijou com força, empurrou a mão
dela e a penetrou completamente.
—Eu te amo—, ele disse enquanto afundava nela. — Agora e sempre.
Lola gemeu, fechou–se em torno dele e apertou com os quadris, pedindo–lhe
para se mover, mas ele não ia deixar ser ela quem definisse o ritmo. Denys fez
um grande esforço para se conter, fez cada impulso um pouco mais profundo do
que o anterior e estava alimentando o prazer até que, no final, Lola alcançou o
clímax.
Ele a seguiu, atingindo o orgasmo com uma avalanche de prazer tão quente e
intensa que todo o seu corpo parecia estar em chamas. Os espasmos foram
sucedendo até que, finalmente, diminuíram. Ele permaneceu imóvel e desceu
sobre ela, fundindo a sua respiração agitada com a de Lola, no silêncio da tarde.
No final, ele levantou a cabeça.
—E agora me diga—, ele sussurrou, dando–lhe um beijo nos lábios, —foi tão
difícil?
Denys recostou–se, apoiando o peso nos cotovelos e, quando a olhou, secou-
lhe a garganta e sentiu o coração se partir, porque nunca a vira tão bonita como
naquele momento.
Iluminada pela luz do sol que se filtrava através das cortinas fechadas, a sua
pele adquiría uma delicada tonalidade rosada, os cachos dos seus cabelos eram
línguas de fogo contra o branco dos lençóis e os seus lábios mostravam a vaga
insinuação de um sorriso.
—E agora que nós dois admitimos a verdade—, Denys murmurou, tirando
uma mecha de cabelo do rosto dela, — o que vamos fazer?

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Capítulo 21

Denys sabia que, até áquele momento, viajara com o vento a favor, mas Lola
permaneceu em silêncio por tanto tempo, que temia estar prestes a bater nas
rochas.
Mesmo assim, sabia que não poderia voltar.
—Acho que devemos nos casar—, disse ele, tentando soar muito seguro,
embora estivesse diabolicamente nervoso. Ele se virou na cama, recostou–se no
cotovelo e descansou a bochecha contra a mão. – É isso que as pessoas que se
amam normalmente fazem.
Em vez de responder, Lola sentou–se e puxou os lençóis para tapar-se e cobrir
a nudez. Um gesto estranho depois daquele encontro apaixonado. Os nervos de
Denys aumentaram.
—Você se lembra do primeiro dia de ensaio? —Lola perguntou de repente. —
A noite que você veio com os sanduíches e eu te falei sobre o tipo de dança a que
me dedicava?
—Claro.
— Você me perguntou como acabei nessa situação, mas não contei tudo.
— Não?
—Não—, Lola olhou para as mãos que estavam cruzadas em seu colo. —Lá
eu conheci um homem. Ele me viu dançar. Ele não era o tipo de homem que
frequentava essas tavernas, então eu o notei imediatamente. Ele era muito
elegante, muito atraente e muito rico. O seu nome era Robert Delacourt. Depois
de várias noites, ele voltou e me pediu para tomar uma bebida com ele. Como
você pode imaginar, eu aceitei. O que quero dizer, é que ele me emprestava um
tipo de atenção, à qual eu não estava acostumada. Eu me apaixonei loucamente e
me tornei na sua amante.
Denys tinha a sensação de que aquele tinha sido o único amante de Lola, para
além dele, e queria terminar a conversa, mas sabia que não podia.
— Tudo parecia muito romântico para mim. Ele era um magnata da ferrovia,
um novo rico, poderíamos dizer. Eu não me importei. Eu pensei que ele era um
homem maravilhoso. Ele me comprou presentes, flores, me convidou para jantar
...
Tudo isso era muito familiar para Denys, muito parecido com a sua própria
estratégia de sedução. O homem que ele tinha se tornado ao longo dos anos, tudo
aquilo lhe parceia ruim e vazio. Ele respirou fundo e o deixou sair devagar.
—Continue

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


—Ficamos juntos por várias semanas até que, uma noite, Robert me disse que
ele tinha um jantar com um homem importante. Um senador de Washington.
Robert queria que eu jantasse com eles. Ele explicou que tinha falado de mim ao
senador, e que este queria me conhecer.
Denys franziu a testa. Era uma informação inócua, mas mesmo assim causava
inquietação. Talvez tivesse uma mente demasiado retorcida, mas quando ele
olhou em seus olhos, confirmou a suspeita horrível que tinha começado a abrigar
porque, embora Lola estivesse olhando para ele, ele sabia que não o estava a ver.
—O senador era um homem muito importante em Washington, Robert me
disse, um homem que poderia ajudá–lo a estender a linha para o oeste. Jantamos
com ele no Oak Room. Oak Room! Eu estava tão animada que até me deixou
tonta. Que estúpida!
Lola riu de si mesma e o coração de Denys afundou no peito.
—Eu pensei que ele queria que eu estivesse ao seu lado, porque ele ia assinar
um acordo muito importante. Que ele me levou como se fosse uma amiga, você
sabe, ou talvez a sua futura esposa. Mas não foi nada disso. Ele me apresentou ao
senador numa sala privada e depois ... ele foi embora. Perguntei ao senador
quando ele pensou que Robert voltaria e ele me disse que não voltaria. Que a
partir daquele momento, eu era dele e que ele cuidaria de mim. Era como se eles
tivessem acabado de me vender.
Como tinha acontecido naquela noite, em que lhe tinha contado dos seus dias
nas tavernas e o que tinha acontecido quando criança, Denys ficou furioso, mas
conseguiu manter a sua raiva controlada.
—E o que fizeste? — Ele perguntou, e ele a beijou na testa. —Você bateu nele
com uma frigideira?
Lola curvou os lábios ligeiramente.
– No Oak Room eles não têm panelas de ferro. Pelo menos nas mesas.
—Ah! Então você bateu nele com a garrafa de champanhe. — Lola franziu a
testa. Ela parecia confusa com a reação dele.
—Você parece ter muita certeza de que eu o rejeitei.
—E tenho.
—Mas como você pode ter tanta certeza?
—Pelo o que você disse naquele dia no meu escritório, lembra? —Ele
continuou enquanto ela continuava a olhar para ele confusa. —Quando te beijei e
você ficou brava comigo ...
—Raiva justificada—, ela o interrompeu, —levando em conta o que você
disse. —Denys assentiu, concordando.
—Sim. Mas quando você se voltou contra mim, você me disse que você esteve
com apenas dois homens em toda a sua vida.

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


—Eu lhe disse isso?
—Sim, você não se lembra? —Lola sacudiu a cabeça.
— Naquele dia, fiquei tão zangada com você que, para ser honesta, não me
lembro do que disse. Mas ainda assim, como você sabia que estava dizendo a
verdade?
—Porque eu confio em você. Eu acredito em você. —Ele a beijou no nariz. Eu
amo você e — ele se apressou em acrescentar antes que pudesse continuar
falando — é claro, é óbvio que um desses homens sou eu. E agora eu sei que o
outro é aquele patife do Delacourt. Daí a conclusão a que cheguei sobre o
senador. E agora, você vai me dizer a resposta que você deu para aquele cara
odioso?
—Eu joguei o vinho na cara dele. Então me levantei e fui embora. —Denys
riu.
—Perfeito, Simplesmente perfeito.
—Não tem graça.
—Você está certa.— Ele parecia sério e deu a ela um olhar firme. —Me
desculpe e não acredites, nem por um momento, que eu não quero achar esse
Robert Delacourt e dar–lhe o que ele merece, porque eu não quero mais nada. Na
verdade, me daria muito prazer em espancá–lo até à morte. E o mesmo pode ser
dito sobre o homem que tentou te estuprar quando você tinha quinze anos de
idade. E aquele senador por pensar que você era o tipo de garota que ...
—Mas eu era, Denys—, ela interrompeu. —Eu era esse tipo de garota. Eu já te
disse. Tirava as minhas roupas nessas tabernas no Brooklyn. Robert me viu fazer
isso. Os cowboys de Kansas City iam até a taverna, para ver como eu levantava a
minha saia e poderem ver os meus tornozelos quando cantasse. Eu não posso
culpar aqueles homens por pensarem que a minha virtude estava à venda, e você
também não. Se pensarmos nisso, você também me seduziu. Você se tornou no
meu amante. Eu sou ... —Ela parou e mordeu o lábio.— Eu sou o tipo de mulher
que as pessoas pensam que eu sou.
Dada a sua própria culpa, Denys não podia, na verdade, discutir a maior
parte do que Lola tinha dito, mas podia sobre o seu último comentário.
—Você fala como se estivesse destinada a isso. E isso não é verdade.
Lola olhou para baixo. O cabelo caiu no seu rosto.
—Às vezes eu acho que é assim—, sussurrou. —Os homens me querem desde
que eu tenho idade suficiente para colocar um espartilho. Eu sempre soube e
nunca tive nenhum problema em usá–lo quando tive que fazê–lo.
—Algo que todas mulheres têm feito desde Eva, minha querida.
—A maioria das mulheres não faz isso em um palco, mas eu faço. Inferno! Se
eu até fiz disso um espetáculo. —Ela deu de ombros e puxou a colcha. – Depois

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daquele episódio com o senador, eu sabia que tinha que sair de Nova York. Eu
estava com medo do que Robert e o senador pudessem fazer se eu ficasse. Então
peguei todo o dinheiro que tinha, comprei uma passagem de barco e fui para
Paris.
Ela exalou um suspiro pesado.
— Outro bilhete para sair de uma cidade e começar de novo. Eu tinha lido
alguma coisa sobre as dançarinas em Paris e achei que poderia me dedicar a isso.
Para uma garota como eu, o cabaré francês foi um grande passo à frente. O único
problema era que nunca tinha dançado cancã na minha vida. —Ela balançou a
cabeça e riu para si mesma, como se sua própria insolência parecesse incrível
para ele.
—Mas você não estava errada. Você é muito boa.
—Sim—admitiu. —Pensei que, se aquele era o tipo de mulher que os homens
achavam que era, eu não tinha motivos para não explorá–lo. Então eu fiz isso. Eu
mudei o meu nome e coloquei um que eu achava que era sedutor. Criei uma
rotina de dança, aprendi a cantar em francês, a dançar o cancã e tirar o chapéu de
um homem com o pé. Eu aprendi a fazer com que qualquer um dos meus gestos,
um toque de dedo, uma piscadela ou um encolher de ombros, parecesse uma
promessa para todos e cada um dos homens na plateia, mas eu sabia que era uma
promessa que nunca cumpriria. E funcionou. A maioria dos homens
enlouqueceu com o meu desempenho.
Denys emoldurou o rosto dela com as mãos.
—Você não está me dizendo nada que não saiba.
—Mas era assim, Denys. Você me disse que me amava, mas não era assim.
Você se apaixonara por uma ilusão, uma fantasia que eu mesma criara. Mas não
era eu.
—No começo, talvez. — Ele acariciou a sua bochecha com o polegar. —Mas a
primeira vez que fizemos amor, eu sabia que o que você fazia no palco era pura
ficção.
—Como você sabia? — Denys sorriu.
—Porque, até que eu mostrasse a você, você não sabia que um homem
poderia te fazer chegar ao clímax com a boca.
Lola corou. A cor apareceu em sua pele pálida descendo em seu rosto,
pescoço e ombros até desaparecer sob o lençol que Lola segurava contra seus
seios.
—Ah!
Ela ficou parada por alguns segundos em silêncio, pensando sobre isso e disse
em seguida:
—O seu pai sabe sobre o senador.

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


—O quê?
Lola assentiu.
—Ele foi ao meu camarim antes da estreia, na noite passada e me disse. Ele
fez os homens de Pinkerton me investigarem desde que voltei a Londres. Ele
também me disse que havia vendido a sua parte do Imperial.
—Sim, eu sei sobre o Imperial. Ele vendeu ao conde de Barringer. Eles
assinaram os papéis ontem.
—Eu sei. Mas, se você não viu o seu pai, como descobriu?
—Eu fiquei esta noite no White’s e Barringer estava lá quando cheguei. Foi ele
quem me deu a notícia. A verdade é que não fiquei surpreso que o meu pai
tivesse dado esse passo.
Lola mordeu o lábio.
—Desculpe Denys.
—Não sinta por mim. E Barringer não é um cara mau. Claro, ele não vai
aprovar você como sócia, porque ele é um homem muito rígido, mas ele não
pode expulsá–la do teatro.
—Esqueça o conde de Barringer. Denys ... —Lola se interrompeu e suspirou
alto. —Eu renunciei ao trabalho. Vou sair de Londres assim que a minha
empregada tiver feito todos os arranjos necessários com o Cook’s.
Se ela fosse embora, Denys teria que esquecer qualquer outro passo em seu
plano. Ele respirou fundo.
—Porquê?
—Denys, já disse a você, o seu pai sabe que eu trabalhei em tabernas, ele sabe
sobre Robert, sobre o senador ... Ele sabe tudo.
—E eu suponho que ele jogou isso na sua cara.
Enquanto falava, sentiu uma onda de raiva e tentou sufocá–la, lembrando–se
de que, aconteça o que acontecer naquele dia, ele e o pai teriam de se enfrentar.
Isso era inevitável.
—Nada disso importa, Lola. Eu não me importo com nada.
—Eu não fui a primeira garota que Robert usou para conseguir um contrato—
continuou Lola, como se não o tivesse ouvido. —Mais tarde descobri que era algo
que fazia constantemente. Mas eu estava muito apaixonada para perceber o tipo
de homem que ele era. —Ela fez um gesto impaciente com a mão. — Eu fui uma
idiota. Acontece que o seu pai acha que aceitei a oferta do senador. Se contar a
alguém ...
Denys sacudiu a cabeça.
– Não o fará.
— Como você pode ter tanta certeza?

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


—Porque sabe perfeitamente que você poderá se tornar a sua nora e não
revelará uma história como essa.
—Mas eu não vou ser a sua nora e nós dois sabemos disso. E também ele, a
propósito. E, porra, Denys, por que você está sorrindo?
—Porque estou feliz.
—Você esta feliz? — Ela olhou para ele como se uma segunda cabeça tivesse
saído. —O que faz você estar feliz, pelo amor de Deus?
— Que você me contou tudo isso. Você interrompeu os planos do meu pai.
Agora, quando ele falar comigo sobre o seu passado supostamente sórdido, vou
gostar de informar que eu já sabia de tudo. Mas primeiro gostaria de saber se há
algo que você não me contou. Existem outros tipos de pessoas que deveriam
saber alguma coisa? Algum outro homem com quem você esmagou a cabeça ou
com quem tenhas fugido para Nova York?
—Não, Denys—, ela disse submissamente, mas Denys sabia que não aceitaria
a mesma submissão para acompanhá–lo ao altar. E as suas próximas palavras
provaram isso. —Você quer parar de ignorar algo que é uma questão vital?
Robert pensava que eu era uma pessoa que poderia ser usada, um objeto que os
homens poderiam ir passando de uns para os outros e, no final, deixar de lado.
De uma maneira menos crua, a sua gente pensa o mesmo de mim. Eles acham
que eu sou escória.
—Mas eu não acho que você é. Você acha que é?
—Não, e nós dois sabemos disso. Eu não me importo com o que os outros
pensam de mim, mas, para a sua família e para os círculos em que você quer que
eu viva, sempre serei escória. Casar com você não mudará a sua opinião sobre
mim.
—Eu não tenho tanta certeza, mas, mesmo se você estiver certa, você
realmente acha que a sua alternativa é melhor? — perguntou— Para mudar o seu
nome novamente, para mudar de cidade, começar do zero mais uma vez, qual é
o objetivo? Por quanto tempo você será capaz de fugir de si mesma?
O rosto de Lola se contraiu.
— Que outro destino pode haver para um homem como você e uma mulher
como eu?
Denys levantou–se com um gesto brusco da cama.
—Eu já te ofereci uma alternativa—, ele disse quando começou a se vestir.
— Duas vezes, na verdade. Mas você não parece gostar disso.
—Porque não é uma alternativa viável.
— Sim, claro que é. Claro, não é perfeita, não posso dar-lha para você
embrulhada em papel e fazer-lhe uma vênia.

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


—E você acha que isso importa para mim? Denys, na Inglaterra, o casamento
é permanente, dura até á morte. A minha mãe pode mudar de ideia e anular o
casamento, mas isso é diferente. Quando alguém no seu círculo se casa, não há
nada a esconder.
—É certo.
Ele colocou a camisa, colocou–a na calça, pegou as meias e colocou–as.
—O casamento seria para sempre. Você não teria a possibilidade de anulá–lo
mais tarde, nem mesmo considerando o meu passado escandaloso.
—Isso também é verdade. — Ele colocou os sapatos e olhou em volta. —
Onde diabos está a minha maldita gola?
—O seu pai já vendeu o Imperial. Se você se casar comigo, fará algo muito
pior do que isso. Ele vai te deserdar.
—Ah! — Disse Denys.
Então ele viu a gola ao pé da cama. Agarrou–a junto com as abotoaduras, o
broche da gola e da gravata, depois parou diante do espelho da penteadeira e
continuou a se vestir.
—E se ele o fizer, Denys? —Ela perguntou depois de alguns segundos.
Denys, que estava amarrando a gravata, parou e olhou para ela pelo espelho,
fingindo não entender a pergunta.
—Você está preocupada que não possa te manter?
—Não é isso. Se necessário, eu poderia sustentar nós dois.
—Eu preferiria que você não fizesse isso. No meu círculo não se vê bem esse
tipo de coisa —acabou de amarrar a gravata e começou a colocar o broche. —É
com isso que você está preocupada? Ter que desistir do teatro? Porque, se é isso,
para mim você pode continuar atuando. Não me importa.
— Também não é isso! —Lola gritou. —Eu amo atuar, é verdade, mas se eu
me casar com você, é óbvio que eu teria que desistir. É possível que não tenha
uma boa idéia de como uma viscondessa deve se comportar, mas também sei que
ela não pode trabalhar como atriz.
Denys riu para si mesmo, alertando a mudança de linguagem, o uso da
palavra “Se”. Outro passo à frente, pensou satisfeito e também um pouco
aliviado por ela estar disposta a desistir dos palcos. Ele estava orgulhoso de onde
Lola tinha chegado, especialmente na noite anterior, e se ela queria continuar
atuando, apoiaria a sua decisão, mas embora ele estava disposto a lutar essa
batalha contra a alta sociedade para a defender, não poderia dizer que era uma
perspectiva atraente. Eles iam ter que lutar muitas outras batalhas.
—Então qual é o problema? —Ele perguntou, virando–se para ela. —Eu te
amo e você disse que me ama. Você realmente vai desistir de mim porque tem
medo de que eles não nos aceitem?

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


Lola não respondeu e ele continuou.
—No Covent Garden, você me contou coisas que me levaram a pensar que
você estava preocupada com o que elas pensariam de mim. Você estava muito
preocupada com a minha felicidade futura. E, embora eu acredite que tudo isso
seja verdade, também acho que não é tudo. Porque você não me diz a verdade?
Qual é a verdadeira razão, pela qual você está com tanto medo?
Lola também não respondeu e ele deixou passar. Ele tinha um plano e muitas
outras coisas para fazer. Pegou o colete, abotoou–o e pegou na sua jaqueta.
—Agora eu tenho que ir— ele disse delicadamente.
Lola assentiu, mas não respondeu e não olhou para cima. Denys se perguntou
se, talvez, ele devesse parar de empurrar, dar–lhe mais tempo. Mas de repente, a
voz de Lola veio para ele do outro lado do quarto, suave e quieta.
—Você não sabe?
Denys esticou a mão ao redor da jaqueta que ele estava segurando.
—Eu posso imaginar isso— ele murmurou, estudando a sua cabeça arqueada
e seu cabelo despenteado. —Eu poderia dizer que é porque todos os homens
pelos quais você se apaixonou a abandonaram ou desprezaram.
Um soluço suave disse que ele não estava enganado.
—Aliás, poderia ir um pouco mais longe — continuou Denys, enquanto
caminhava para a cama. Ele colocou a mão em sua bochecha e levantou-lhe o
rosto. — E dizer que você está com medo de que eu possa fazer o mesmo. Eu
acabo me cansando de você, deixe de a amar e procure uma amante.
Uma lágrima rolou pela bochecha de Lola e Denys limpou com o polegar.
—Eu não vou—, ele prometeu, e se afastou dela. —Você terá que aceitar a
minha palavra, é claro ... —Ele deu de ombros e vestiu o paletó. — E isso é tudo,
estou pedindo para você confiar em mim.
—Não é uma questão de confiança. O problema é que o mundo é assim.
— Você realmente acha que a minha família não vai aceitar você, se nos
casarmos?
—Eles não farão isso. O seu pai ... —Ela engoliu em seco e Denys se preparou
para enfrentar um novo obstáculo. —Denys, ele me disse que eu era uma
prostituta.
A raiva explodiu dentro de Denys, que, embora não se movesse, levou vários
segundos para se controlar o suficiente, para poder falar.
—Nunca mais fará isso. Eu te prometo isso. Vou me certificar de que ele
entenda que, se ele emitir uma única palavra depreciativa para você, ele terá
cruzado a linha.

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—Oh não! —Lola gemeu. —Eu não deveria ter dito nada. Eu não vou permitir
que você faça uma coisa dessas. Eu não vou deixar você me colocar à frente da
sua família.
—Ja o tenho feito. Tomei a decisão na tarde em que estávamos em St. John's
Wood, quando cruzei a calçada e entrei naquele táxi. Naquele dia eu escolhi
você.
Lola sacudiu a cabeça, recusando–se a acreditar nele, e Denys decidiu que era
hora de jogar os dados e tentar a sorte.
—Coloque a sua falta de confiança na minha família para testar, de acordo?
Vou organizar um jantar numa sala privada do Savoy hoje à noite. Você está
formalmente convidada a se juntar a nós.
Lola olhou para ele com os olhos abertos em pânico.
—Não posso ir jantar com vocês!
—Claro que pode. É muito simples. Você só tem que colocar um vestido
bonito, descer as escadas e dizer ao maître que quer se encontrar com o grupo de
Lord Somerton. Vou me certificar de que ele saiba que estou esperando por você.
Ele vai acompanhar você até à porta, anunciá–la e você entrará na sala. Tudo
muito simples.
—E então o inferno vai se soltar—murmurou. — O seu pai nunca me
permitirá sentar em sua mesa.
— Não é ele quem tem que permitir isso ou não. Eu sou o anfitrião, então a
sua única opção é ficar ou sair. Se você não quiser desfrutar da nossa presença,
você é livre para se levantar e sair.
—Denys ...
Denys sentou–se na beira da cama e, quando Lola tentou se virar, agarrou o
seu braço.
—Você disse que me ama. É verdade? Porque, se assim for, eu quero que você
prove isso para mim. Vá até á sala e encare–os. Jogue a luva.
—Eu não acho que possa fazer isso.
—Claro que pode. Você é muito mais corajosa do que pensa.
—Não sou corajosa.
—Claro que sim. Meu Deus, você é corajosa e nem sequer tem consciência
disso. Você enfrentou um homem que queria te estuprar. Você jogou um copo de
vinho na cara de um senador. Você viajou metade do mundo para se tornar uma
dançarina cancã sem conhecer francês ou dançar o cancã. Você decidiu se tornar
uma atriz antes de saber como representar. E, depois de um fracasso humilhante,
ontem à noite você subiu ao palco pronta para enfrentar uma platéia que
esperava um novo contratempo e mostrou como estavam errados. E você acha
que não consegue encarar a minha família? Querida, se dê algum mérito.

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—Mas eu não teria que enfrentar apenas a sua família. Eu teria que enfrentar
o mundo todo. O seu mundo, Denys.
—Isso é verdade, e se você se casar comigo, nem tudo será dançar e cantar, eu
garanto, mesmo que consigamos conquistar a minha família. Vamos precisar de
integridade e coragem, teremos que ser muito fortes para enfrentar os círculos da
alta sociedade. Muitos dos seus membros serão frios, hostis e até mesquinhos.
Eles vão dizer as coisas mais cruéis sobre você, e vão dizer a você também.
—E a você!
—Sim—, ele admitiu. — E é possível que a situação continue pelo resto das
nossas vidas. Mas, mesmo assim, estou pedindo para você se casar comigo. E
você não estará sozinha, porque eu estarei ao seu lado todo o caminho. Por outro
lado ... —Ele parou e se levantou. — Você também pode escolher o caminho mais
fácil. Você poderia comprar um bilhete de barco, ir para outro lugar, mudar o seu
nome e repetir o padrão que marcou a sua vida. Você decide, meu amor.
Ele enterrou a mão no cabelo de Lola, a fez levantar a cabeça e se inclinou
para beijá–la.
—O jantar é às oito e quinze— disse ele.
Ele a soltou, virou–se e dirigiu–se para a porta. Abriu–a, parou e olhou de
novo para Lola por cima do ombro.
–Se vier, seja pontual. Na minha família você nunca chega atrasado para um
jantar. —E se você não vier ... —tomou ar—, o céu me ajude.
E, sem mais delongas, saiu e fechou a porta atrás de si. Antes de ir para o
elevador, ele parou para fazer uma oração, porque sabia que, naquele momento,
precisava de toda a ajuda que pudesse conseguir.

Lola continuou sentada ao pé da cama com os olhos fixos na porta. Denys mal
tinha saído, mas ela já sabia que ele estava certo.
A escolha era muito clara: outro ingresso de barco para deixar Londres e
recomeçar mais uma vez, ou uma nova vida que não se assemelharia a nada que
até então esperava.
Ser viscondessa seria a coisa mais difícil que já fizera, muito mais difícil do
que aprender a dançar o cancã ou se tornar atriz. Mais difícil, até mesmo, do que
ficar nua na frente de um bando de marinheiros lascivos. Ela enfrentaria uma
audiência muito mais difícil do que qualquer um dos críticos de Londres e ficaria
mais exposta do que jamais estivera em qualquer taverna portuária. E nunca,
nunca, poderia fugir.

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Com esse pensamento em mente, e com a rapidez com que um fósforo era
aceso ou seus dedos estalavam, tomou uma decisão.
Ela não queria fugir. Queria ficar. Porque queria acreditar que havia finais
felizes. E porque odiava fugir de um desafio só porque a assustava. Mas acima
de tudo, queria ficar porque Denys a amava e ela o amava. Ela sempre o amou. E
não ia escapar desse sentimento. Não, não dessa vez. Inferno, claro que não!
Ela iria ao jantar, enfrentaria o desafio que as elites representavam, viveria
com Denys e se tornaria a sua esposa. E se a família deles não os aceitasse, e se a
alta sociedade londrina os desprezasse, pior para eles.
Ela afastou os lençóis e levantou–se, mas mal deu um passo antes de ser
atacada por uma nova dúvida, uma dúvida tão importante que a deixou
paralisada. Esta noite poderia ser a mais importante de sua vida, e isso a forçou a
enfrentar a mesma terrível e angustiante pergunta que perseguia as mulheres
que enfrentaram esse tipo de situação ao longo da história.
Em nome do céu, o que iria vestir?

A questão crucial sobre a roupa de Lola para aquela noite foi finalmente
decidida, graças, acima de tudo, ao excelente gosto e sinceridade da sua
empregada. E, apenas dez minutos depois das oito horas, Lola apareceu em
frente ao maitre com um vestido deslumbrante e vistoso de seda verde–musgo.
Completava com luvas brancas até ao cotovelo e diamantes e peridotos 2
brilhando em seus cabelos, orelhas e em volta do pescoço.
No entanto, o maitre não ficou particularmente impressionado com o vestido
de Worth, as jóias ou a atriz que os usava.
—Boa noite, senhorita Valentine— ele cumprimentou.
O seu tom era educado e ele inclinou a cabeça alguns centímetros, mas apesar
do que Denys tinha dito, ele não fez nenhum movimento para acompanhá–la em
qualquer lugar.
Lola tentou novamente.
—Eu vim ver Lord Somerton.
—Isso mesmo. — Houve então um traço inconfundível de desprezo em sua
voz e ele continuou sem se mover.

2 Peridoto, crisólita ou crisólito é uma variedade de forsterite, uma das formas da olivina,
utilizada em ourivesaria como gema. É geralmente verde-esmeralda ou verde-claro, podendo
contudo, apresentar variantes de coloração amarelo-esverdeado, verde-acastanhado ou
castanho.

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Lola esperou, imaginando o que deveria fazer, e como o silêncio se estendeu e
começou a ver um pequeno sorriso curvando os lábios do maître, recordou–se de
que, se continuasse daquele jeito, se persistia nessa tentativa desafiadora para
elevar–se acima da sua posição social, enfrentaria sorrisos irónicos em todo os
lugares. Aquele, percebeu, era apenas o começo.
Mas Lola não tinha intenção de abaixar a cabeça na frente de um simples
maitre. A melhor maneira de proceder, decidiu, era fingir que estava no palco
fazendo o papel de uma viscondessa. O que faria uma viscondessa quando
confrontada com essa atitude por parte de um simples servo?
Apesar dos nervos e apreensão que fechavam o seu estômago, ela conseguiu
levantar as sobrancelhas o suficiente para parecer, em vez de ameaçada,
intrigada com a falta de colaboração.
—Devo chamar o Lorde Somerton para que me acompanhe? — perguntou
com um leve sorriso. — Ou é preferível que ele ceda a honra a você?
Depois de ser lembrado que o visconde estava do lado da atriz, as maneiras
educadas eram um pouco menos arrogantes.
— Por aqui, senhora.
Ele conduziu–a pelo longo corredor da recepção e pelas salas privadas,até
uma localizada no final. Era um luxuoso salão decorado em branco e dourado, na
qual as velas dos candelabros lançavam um brilho quente sobre, talvez , nas duas
dezenas de senhoras elegantemente vestidas e cavalheiros, enquanto os
funcionários com o uniforme do Savoy, se moviam entre eles com bandejas de
xerez. Na parede mais distante havia portas altas; Estavam abertas, revelando a
longa mesa de jantar, posta com uma toalha de linho branco, talheres e cristais
cintilantes.
Lola esteve em ambientes como este em outras ocasiões. Ela participara de
festas tão elegantes como essa, mas nunca estivera entre a aristocracia em tal
ambiente. De repente, ela não estava mais nervosa. Ela estava apavorada.
— Lady Lola Valentine.
A voz do maître pareceu ecoar na sala e todos aqueles elegantes nobres que
vagavam pela sala pareciam ficar petrificados. As conversas silenciaram e se fez
silêncio. Lola começou a vasculhar a sala numa tentativa desesperada de
localizar o rosto de Denys. Mas, no momento em que viu Conyers, ficou
paralisada pela frieza e hostilidade de seu olhar.
Você é muito mais valente do que pensa.
Lola endireitou os ombros, ergueu o queixo e encontrou o olhar dele com
outro de indiferença fingida. O conde começou a avançar em direção a ela, mas,
logo outro homem apareceu em sua linha de visão, bloqueando a visão do conde.
Denys.

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Apesar das suas pretensões, Lola não pôde deixar de respirar aliviada, mas
acabou desolada engolindo saliva, porque, em vez de se aproximar, Denys
estendeu a mão.
Aterrorizada, Lola não se mexeu. Ela sentiu cada um dos olhares fixos nela e
tinha a certeza de que, exceto por um, esse escrutínio não era bem intencionado.
Essa situação não era como o dia da exposição de flores porque sabia que poderia
escapar facilmente. Tudo o que precisava fazer era dar a volta e sair. Não havia
nada para impedi–la. Nada, exceto Denys esperando por ela no outro extremo da
sala.
Mantendo o olhar fixo no seu rosto, no sorriso terno que curvava os lábios e
no calor reconfortante dos seus olhos castanhos, respirou fundo e começou a
avançar, passo a passo, representando um desafio para todos os presentes.
Mesmo com o olhar fixo em Denys, o trajeto até ao outro extremo da sala se
tornou uma longa jornada porque podia sentir aquele escrutínio reprovador a
cada passo. Mas, no final, conseguiu chegar ao lado de Denys.
— Veio! — Ele disse com uma leve risada. — Estou muito feliz
— Você realmente achava que eu não vinha?
—Sou incapaz de prever o que você pretende fazer, Lola— confessou Denys,
pegou a mão dela e se inclinou sobre ela. — E estou convencido de que isso faz
parte do seu charme.
Lola sorriu quando o ouviu. Ela se moveu então para retirar a mão, mas ele
não a soltou. Em vez disso, ele agarrou seus dedos com força e colocou um joelho
no chão.
— O que faz? — Lola voltou–se desesperadamente para o conde, notou o
tom vermelho em seu rosto e olhou para Denys. Propor casamento na frente da
sua família era como sacudir um pano vermelho na frente de um touro. —
Levante–se! — Ela sussurrou. — Pelo amor de Deus, levante–se!
Denys ignorou o seu pedido.
—Senhorita Charlotte Valinsky— ele disse em voz alta o suficiente para que
todos pudessem ouvi–lo — você quer se casar comigo?
Houve exclamações de surpresa e, em algum lugar atrás dela, também houve
um grito. Lola só podia supor que era a mãe de Denys.
O calor fluiu para o seu rosto e voltou a dar um rápido olhar ao redor e,
embora visse todos os rostos nublados, a hostilidade era palpável.
— Oh, Denys! —Ela repreendeu suavemente. — O que você fez?
Denys olhou para ela com aquele sorriso terno ainda ondulando nos seus
lábios.
— Você vai me dar uma resposta ou você pretende me deixar em suspense?

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Lola abriu a boca, mas antes que ela pudesse responder, outra voz interveio
na conversa.
— Já chega! — O conde não levantou a voz, mas no silêncio da sala o seu
desdém gelado ecoou como uma explosão de dinamite. O conde deixou o copo
de xerez na bandeja de um dos lacaios. — Denys, levante–se, pelo amor de Deus,
e pare de fazer papel de bobo.
Denys o ignorou. Ele continuou a encará–la.
— Responda à minha pergunta, Lola.
—Se você se casar com ela, eu vou repudiar você— Conyers ameaçou. —
Para mim, será como se você tivesse morrido.
Denys virou a cabeça para olhar para o pai.
— Se isso é verdade, lamento, já que tanto a sua opinião quanto o seu carinho
são muito preciosos para mim. Mas há coisas ... —Ele parou, olhou para Lola e
novamente apertou a mão dela,— há coisas que são mais importantes para mim
do que o respeito e o carinho da minha família. Esta é uma delas. Bem, Lola? —
Ele insistiu, segurando o olhar dela. — Você quer se casar comigo?
— Se eu não apoiar esse casamento, você será marginalizado em todos os
círculos da alta sociedade — continuou o seu pai — todo mundo vai virar as
costas para você.
—Ele está certo, Denys—, admitiu Lola, com a voz embargada. — Você sabe
que ele está certo. Talvez você deva repensar isso. Todo mundo vai te abandonar
se você se casar comigo. A sua família, todos os seus amigos ...
—Eu não— uma outra voz masculina ecoou. Lola se virou e descobriu Jack
caminhando na direção deles através dos convidados. Ele parou ao lado de
Denys e olhou para ela. — Eu nunca abandono os meus amigos, Lola. E eu não
vou te abandonar também.
—Nem eu. — A voz de outro homem fez Lola olhar por cima do ombro de
Jack e viu James se aproximando deles. — Senhorita Valentine —, ele
cumprimentou–a com uma reverência antes de se colocar do outro lado de
Denys,— é um prazer vê–la novamente.
— Um prazer? — Repetiu Jack com um som de zombaria. — É muito mais
que isso. É absolutamente maravilhoso. —Ele agarrou a mão que Denys tinha
segurado até então e a beijou. — Provocando a aristocracia mais uma vez, eh,
Lola? — Ele acrescentou, piscando para ela. — Eles já vão duas vezes num mês.
O que as pessoas dirão?
Lola desviou o olhar de Jack para James. Ficou tão impressionada com o
apoio incondicional que não sabia o que responder. Ela supunha que deveria
assumir a atitude circunspecta de uma dama, nem que fosse apenas para provar
à família de Denys, que ela não era a que eles pensavam.

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


—Senhores— começou a dizer.
Mas a sua voz se quebrou, a sua garganta se fechou e qualquer pretensão de
dignidade foi perdida quando soltou o mais inadequado dos soluços.
Jack, felizmente, veio em seu auxílio novamente. Ele olhou para Denys, que
continuava com um joelho no chão, esperando por uma resposta.
— Precisa de ajuda com essa proposição, velho amigo? Parece que você não
está se safando muito bem sozinho.
— Eu tenho a situação controlada, Jack. Obrigado
Ele pegou a mão de Lola de novo, mas antes que ele pudesse continuar, Jack
interveio novamente.
— É claro, claro. Mas nestes casos, um homem precisa de toda a ajuda que
puder reunir. E, falando em ajuda — acrescentou ele, olhando para a esquerda e
para a direita — onde diabos estão Nick e Stuart? Apenas alguns minutos atrás,
eles estavam vagando ao meu lado.
— Não sei de Stuart, mas eu estou bem atrás de você.
Lola olhou por cima do ombro de Jack e quando viu Nick caminhando em
sua direção, o impacto já não era tão forte como quando ela viu Jack e James. O
que a surpreendeu foi ver Nick com uma mulher de cabelos escuros no braço.
Era a mesma mulher que ele tinha visto com Denys na ópera. A esposa de Nick.
Eles passaram entre Conyers e o seu filho e, devido ao titulo mais alto de
Nick, o conde foi forçado a ceder lhes passagem. Ele recuou, deixando Nick e a
sua esposa se juntarem ao círculo de apoio de Lola e o seu assombro começou a
diminuir e foi substituído por um sentimento mais intenso e profundo.
A esperança.
—Senhorita Valentine—, disse Nick, curvando–se, —Eu imploro que você me
perdoe por interromper um momento tão romântico, mas eu não podia esperar
mais um segundo para apresentar a minha esposa, Lady Trubridge.
De todos os conhecido de Denys, Lady Trubridge seria a mais perigosa no
caso de um escândalo associado a Lola, porque era a mais poderosa das senhoras
da sociedade de Londres. Mas Lady Trubridge não pareceu se importar em
arriscar sua posição.
—Senhorita Valentine— disse muito sério.
Lola ficou espantada, quando uma das mulheres mais influentes de Londres
se curvava para ela.
— Estou muito contente em lhe conhecer — continuou, quebrando o silêncio
da sala com a elegância da espada de um duelista— e eu gostaria muito que
soubesse que eu nunca daria as costas para Denys — olhou Lola nos olhos — ou
a qualquer um dos nossos amigos.
— Nenhum de nós faria.

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


A essa altura, Lola já superara sua capacidade de surpreender, de modo que a
participação do duque de Margrave na conversa não a alterou. Ele olhou para
cima e riu levemente ao ver Stuart passando na frente de Conyers. Agarrando o
seu braço estava uma mulher ruiva, alta e magra, que devia ser a duquesa. Eles
ficaram juntos ao seu lado, juntando–se à crescente parede protetora que os
rodeava.
Mas estava claro que o círculo não estava completo, porque Jack olhou em
volta e, quando Lola seguiu o curso de seu olhar, viu a loira deslumbrante que
estava no braço de Jack no espetáculo de flores. Ela estava ao lado de Lady
Conyers no momento, mas não se moveu na direção deles, e as crescentes
esperanças de Lola diminuíram, apanhadas no escrutinio de um par de astutos
olhos azuis.
— Linnet? — Jack a encorajou. — Só falta você, meu amor.
Linnet olhou ao redor, notando os rostos que a observavam e finalmente
soltou um suspiro pesado.
—Tudo bem— disse com o sotaque inconfundível das elites de Nova York
enquanto se movia em direção ao grupo. — Você ganha, todos vocês, na
verdade. A aceitarei, mas ...
Ela parou ao lado do marido, dando a Lola um olhar inconfundível de
advertência com aqueles magníficos olhos da cor das centáureas.
—... mas se você pensar sequer em piscar para o meu marido— acrescentou
em voz muito baixa, —eu vou arrancar os seus olhos.
A risada de Jack convidou Lola a sorrir.
—Minha leoa é uma mulher ciumenta— explicou Jack.
—Lady Featherstone— Lola cumprimentou, sentindo–se desconfortável ao se
curvar.
Era óbvio que a outra mulher sabia que Jack esteve apaixonado por ela antes
— Pelo amor de Deus! — A condessa grunhiu e estendeu a mão com um
típico gesto americano. — É melhor você começar a me chamar de Linnet se
quiser que nos tornemos amigas.
Lola olhou para a mão enluvada que lady Featherstone oferecia em amizade,
e os dedos esguios e adornados da condessa começaram a desvanecer–se diante
dos seus olhos. Piscando com força, pegou a mão dela e apertou–a com sincera
gratidão.
— Linnet —conseguiu dizer — é um prazer conhecê–la. Todos —
acrescentou. —Estou ... oprimida. De verdade. Eu ...
A sua voz quebrou e olhou em volta, contemplando os rostos de todas
aquelas pessoas que colocaram a sua posição social em perigo e, embora quisesse
dizer muito mais, não era capaz de falar.

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


Denys veio em seu socorro.
—Agora que as apresentações foram feitas—, disse ele, capturando sua mão
novamente, —podemos voltar ao assunto em questão? Caso você tenha
esquecido, Lola, ainda estou de joelhos.
Lola estudou–o silenciosamente, apoiado em um joelho, propondo casamento
em frente a um dos grupos mais influentes da alta sociedade britânica, e o júbilo
cresceu dentro dela. A sua alegria era tal que teve a sensação de que o seu
coração ia explodir em seu peito.
—Foi você—, ela sussurrou em uma voz embargada. —Você quem organizou
tudo isso.
— Sim
— Ah, Denys! — Lady Conyers chamou do outro lado da sala. — Como você
pôde fazer algo assim?
Ela desmoronou em lágrimas, mas Denys a ignorou.
— Eu tive que te mostrar que você não está sozinha, minha querida. Muitos
podem nos proibir e se recusar a nos receber, mas os meus amigos, os nossos
amigos, não vão.
Mas Lola podia ouvir a sua mãe soluçando baixinho perto deles.
— Tem a certeza? Você tem a certeza? Eu não poderia suportar que você
acabe arrependendo-se de se ter casado comigo.
—Eu nunca vou me arrepender. — Ele parou e pegou a mão dela. — Eu te
amo, Charlotte Valinsky. Então, você vai se casar comigo ou não?
E foi então que Lola perdeu o pouco controle que tinha deixado. As lágrimas
se encheram e, para sua vergonha, ela começou a chorar.
Denys franziu a testa num gesto de dúvida.
— Isso é um sim? — perguntou — Eu não tenho a certeza.
— Sim! — Ela exclamou em um soluço. — Sim, vou casar com você, Denys.
Eu vou casar com você —repetiu.
— Finalmente! — Ele respondeu aliviado. — Você me fez esperar muito
tempo, Lola, na verdade.
— Isso não pode ser permitido! — Exclamou o conde. – Eu vou deserdar
você. Você não participará de nenhum dos investimentos da família novamente.
Você não receberá um quarto de centavo para sustentar essa mulher.
—Mas eu o farei, pai. — Com os dedos entrelaçados com os de Lola, se virou
para o pai. — Eu tenho a cervejaria que compartilho com Nick e Arcady. Você
não investiu nada em nenhum deles. Eles são apenas meus. Ah, e o Imperial,
claro!
— Ontem vendi a minha participação no Imperial para lorde Barringer.
— Eu sei. Mas Barringer me vendeu esta tarde.

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


— A você?
— Sim. Eu fiz a compra usando os meus próprios fundos. Da sua parte,
Barringer ficou encantado por poder obter dois mil libras de lucro e afastar-se,
especialmente quando lhe assegurei que Lola jamais lhe venderia a sua parte, por
mais dinheiro que ele oferecesse. Espero que não se importe que eu tenha falado
por você, minha querida — acrescentou ele para Lola — mas achei que, como
parceiro, você preferiria que fosse eu a Barringer.
—Eu não me importo— sussurrou. – Então, vamos continuar dirigindo o
teatro juntos?
—Claro. — Ele levantou a mão enluvada de Lola e a beijou. — Somos sócios,
lembra?
Conyers murmurou um juramento.
— Então você está determinado a continuar?
— Sim, pai.
— Eu não posso te dissuadir?
— Não
O conde virou–se para Lola e examinou–a da cabeça aos pés.
—E você, minha jovem, não pretende fazê–lo ver a razão?
—Não, meu senhor—, disse, e sentiu Denys apertar sua mão com força.
— Eu desisto — murmurou o conde num gesto de derrota exasperada. —
Façam o que quiserem, ambos. Vocês sabem o que estão fazendo.
— Então aceita, pai? — Denys perguntou quando seu pai começou a se virar.
— Você nos dará a sua bênção?
— Minha benção?
O conde parou, endireitou os ombros e virou–se para olhá–los.
— Não — ele disse. — Eu não posso fazer isso porque não abençoo esta
união. Mas — acrescentou ele, e Lola prendeu a respiração — sei reconheçer
uma derrota. E, se eu não aceitar essa mulher, a alta sociedade nunca fará isso. Se
isso acontecesse, apenas o céu sabe qual seria o futuro dos seus filhos. É possível
que eles não seriam admitidos em Oxford. — Ele estremeceu como se esse
destino fosse pior que a morte. — As suas filhas podem ter que se casar com
plebeus.
O conde olhou para Lola. Embora o seu olhar continuasse cheio de
ressentimento, não continha o mesmo grau de desprezo da noite anterior em seu
camarim.
—O céu sabe que você não é a mulher que eu teria escolhido para o meu filho
e que, apesar do que aconteceu aqui esta noite, o resto da nobreza não vai
recebê–la de braços abertos.

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


—Eu concordo, Conyers—, disse Lady Trubridge, circulando o marido para
agarrar o braço do conde. — Mas garanto–lhe que, depois de se casar com
Somerton, introduzirei gradualmente esta jovem na sociedade e, embora não seja
fácil, faremos tudo o que pudermos. Agora, —acrescentou, gentilmente virando
o conde—, acho que eles entretanto vão começar a servir o jantar em, então
devemos nos mudar para a outra sala.
Ela começou a direcionar o conde para a porta, convidando os outros a segui–
los, mas o conde não parecia disposto a sair. Ele parou para dar a Lola um olhar
beligerante por cima do ombro.
—Você vai ter que desistir do teatro— ele avisou. — E tentar conceber pelo
menos um filho, para que o imbecil do meu sobrinho não acabe herdando o meu
título.
E, sem mais delongas, entrou na sala de jantar pelo braço de lady Trubridge.
Os outros os seguiram, a mãe de Denys, enxugando os olhos com pequenos
toques de lenço e acompanhada por Nick, os amigos de Denys e as suas esposas,
e uma dúzia de outros que Lola não conhecia. Antes de sair para a sala de estar,
todos eles inclinaram a cabeça em reconhecimento, indicando que Denys e ela
tinham, pelo menos, o apoio das pessoas naquela sala.
A irmã de Denys foi a última a se aproximar.
—Bem–vinda à família—, disse, dando um sonoro beijo no rosto de Lola. —
Você não sabe onde se meteu.
Lola sorriu. Ela gostou do frescor daquela mulher.
— Claro que eu sei! Eu já enfrentei o seu pai três vezes.
— O meu pai? — Ela fez um som de desprezo. — Isso não é nada. Espere até
você conhecer a minha avó.
—Susan—, disse Denys, alertando.
Susan riu, ficou na ponta dos pés e beijou o seu irmão.
—Então, enfrentando toda a nobreza, eh, Denys? Meu Deus, você é muito
corajoso. Você tem algum amigo que seja como você?
—Eu ainda sou solteiro—, apontou James.
—Meu querido Pongo,— Susan respondeu com óbvia afeição quando ela
agarrou seu braço. — Você sabe que eu te adoro, —acrescentou quando eles se
viraram e começaram a caminhar em direção à sala de jantar— mas eu nunca me
casaria com você. Para mim você é como um irmão.
—Sim, claro—, ele disse apressadamente. Denys e Lola riram ao vê–los
partirem.
—Pobre James— ela murmurou. — Alguma vez encontrará o amor?
— Não se preocupe com o Pongo. Ele se apaixona todas as semanas.

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


— A sua irmã está certa sobre você, sabe? — Lola disse enquanto se voltava
para ele, ainda confusa com tudo o que acabara de acontecer. — Você é o homem
mais corajoso que eu já conheci.
—Minha querida—, disse ele, e segurou–a em seus braços. — Eu já te disse
em outra ocasião, você é que é corajosa. E por Deus você mostrou isso
enfrentando todos eles, exatamente como o fez.
— Tinha que fazê–lo. Você vê ... —Ela parou para respirar—quando você saiu
esta manhã, pensei muito sobre a minha vida e entendi que fugir não era a
resposta. Porque eu te amo.
— E eu amo você. E o amor pode tudo — disse ele, inclinando a cabeça.
Ele começou a beijá–la, mas de repente parou a alguns milímetros dos seus
lábios.
— A propósito, agora espero que você admita que eu estava certo e você
estava errada.
— Sobre o quê?
Denys enrijeceu os braços ao redor dela.
— Sobre que às vezes há finais felizes.
—Eu não posso negar isso.— Ela riu e colocou os braços ao redor do pescoço
dele. — Afinal, você é meu cavaleiro errante.
—Claro—, ele murmurou, e inclinou a cabeça para ela. — E você será a
minha viscondessa, a minha esposa, a mãe dos meus filhos e o amor da minha
vida até ao fim dos meus dias.
— E a alta sociedade?
— Se a alta sociedade não gostar, que se aguente.
—Este é o melhor final feliz que já ouvi em toda a minha vida— disse ela, e
beijou–o.

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke


Agradecimentos

Existem livros que precisam de muita pesquisa. Felizmente, um autor sempre


encontra pessoas generosas e entusiásticas dispostas a ajudar. Para escrever este
livro, contei com a ajuda de duas atrizes especialistas que me ajudaram em tudo
relacionado com o mundo do teatro.
Antes de mais nada, quero agradecer à atriz profissional Traci Lyn Thomas,
que respondeu às minhas intermináveis perguntas sobre audições, ensaios e
performances, e que me explicou em profundidade as diferenças entre
produtores, patrocinadores e diretores.
Eu também quero agradecer a ajuda da artista local e atriz Bonnie Peacher
por ter lido o manuscrito final e verificado que ela conseguiu transmitir a
atmosfera de uma performance.
Minha sincera gratidão a vocês duas.

O Lorde e a Plebéia – Laura Lee Gurhke

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