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O Lorde e a Plebéia
Abril de 1892
– Meu Deus!
Essa exclamação enfática, da parte do conde de Conyers, foi suficientemente
alarmante para capturar a atenção de todos os membros da sua família. O conde,
como bem sabiam, não era um homem dado a exclamações, muito menos a hora
tão cedo do dia.
Todos pararam, facas e garfos na mão, mas o conde não lhes prestou atenção.
Ele continuou a encarar a carta que segurava na mão, sem explicar que notícias
apareceram naquelas páginas, que motivaram a súbita necessidade de nomear o
sagrado durante o café da manhã.
O seu filho Denys foi o primeiro a quebrar o silêncio.
– Pai, o que há de errado? O que aconteceu?
Conyers olhou para cima, a sua expressão indicando a Denys, que a notícia
era tão chocante como induzia a sua exclamação.
Ele esperou, mas quando o seu pai dobrou a carta novamente, para colocá–la
no envelope e a guardar no bolso da jaqueta depois de olhar para as senhoras,
concluiu que era preciso descrição e voltou a sua atenção para o café da manhã.
– Você tem planos para o almoço? – Sua mãe perguntou.
Quando ele olhou para cima, Denys a descobriu observando–o com uma
expressão que conhecia bem.
– Eu fiquei de encontrar Georgiana e sua mãe para falar sobre a exposição de
flores. Vamos comer no Rules, que fica perto dos seus escritórios. Você quer se
encontrar conosco?
Denys curvou os lábios com um sorriso irônico.
– Você é uma casamenteira, mãe.
– Eu sou a sua mãe. – Lady Conyers sugou com força. – As mães podem agir
como casamenteiras.
Lola já tinha imaginado, que comparecer perante Denys sem aviso prévio,
seria para ele um grande impacto, mas considerou mais prudente do que
escrever com antecedência e marcar uma reunião. Dessa forma, ele tinha sido
incapaz de se recusar a recebê–la.
No entanto, era capaz de a atirar pela janela. E a gravidade da sua expressão
lhe disse que era uma possibilidade real.
— Minha sócia? — Ele repetiu com os dentes cerrados. – Em que empresa?
— No Imperial. Bem, legalmente, sou sócia de seu pai, mas como é você, que
controla todas as suas propriedades...
— Você está louca.
Lola amassou o papel entre os dedos.
— Esta carta resume os detalhes exatos das condições de Henry. Uma semana
antes de deixar Nova York, o Sr. Forbes assegurou–me que ele tinha enviado
uma carta semelhante ao seu pai com a notícia da morte de Henry. Claramente
Conyers te disse sobre o último, mas não lhe deve ter dito qualquer coisa sobre o
primeiro.
Denys não respondeu. Em vez disso, ele continuou a olhá–la em silêncio
sepulcral. Observando–o, Lola percebeu que tudo o que tinha ensaiado durante a
viagem, com a intenção de se preparar para este encontro, não tinha servido de
nada.
Por um lado, Denys não parecia estar ciente dos termos do testamento. Ela
estava pronta para encará–lo assumindo que Denys também estava preparado
para lidar com ela, mas, aparentemente, este não era o caso.
Mas pior ainda era o fato de que, este homem, não parecia nada com o Denys
que ela tinha conhecido. O Denys do passado era um homem calmo e
despreocupado, com um irresistível charme juvenil e uma ternura apaixonada.
Lola mal podia reconhecer qualquer uma dessas qualidades no homem à sua
frente.
Este homem tinha as maçãs do rosto quadradas e o queixo quadrado de
Denys, mas não tinha a despreocupação e o ar juvenil que suavizavam as suas
Lola,
Lola sabia que aquele era o momento crucial. O Sr. Roth estava com o
estômago cheio, tinha tomado uma segunda taça de vinho, terminou a sobremesa
e os seus olhos mostravam a sua calorosa admiração. Era hora de dar o próximo
passo.
— Sr. Roth, entendo que o primeiro trabalho da próxima temporada será
Otelo.
— Sim, é verdade, eu mesmo serei o diretor.
— De verdade? — Deu a ele o seu melhor olhar de espanto. — Uau! Você
sabe? —Parou e se inclinou para frente com um gesto de confiança excessiva. —
Eu sempre quis atuar em um drama.
— Não sei por quê. — Uma voz interrompeu–a com ironia. — Você já teve
bastantes dramas em sua própria vida.
Diabos! Lola reprimiu um gemido. Claro, sabia que uma vez que ele tinha
percebido de que não ia ficar esperando sentada, Denys também não iria, mas
esperava ter pelo menos três horas para descobrir aque se propunha.
Mas Lola era a sua sócia e, encontrar-la ali, entenderia que pretendia agir
como tal.
—Lord Somerton! — Cumprimentou, fingindo um sorriso e inclinando a
cabeça para trás para olhar em seus olhos — Quão adorável vê–lo tão cedo.
— O que você está fazendo aqui? —Denys arqueou uma sobrancelha.
— Posso perguntar o mesmo.
Lola deu de ombros e tomou um gole de vinho.
— Eu não entendo porque haveria de surpreender alguém. Eu fico no Savoy.
—E você come com o diretor do meu teatro. Que coincidência.
— Sim verdade? — Ela confirmou, decidindo ignorar a sua acusação velada
de oportunismo. — Aqui estava eu, almoçando quando, de repente, vejo quem
estava comendo na mesa ao lado? — Ela parou e apontou para o homem que
estava sentado na frente dela. — Nada mais e nada menos que Jacob Roth, o
diretor de teatro mais aclamado de Londres.
Denys, no entanto, não foi enganado.
Denys não gostava que ninguém fizesse papel de bobo em público e, embora
para ele, fosse bem merecido que Lola fracassasse na sua interpretação de
Shakespeare e que Jacob a destruísse com a sua crítica, não era capaz de se
alegrar com a perspectiva.
Ainda se lembrava de observar Lola, horrorizado, sentado no Adelphi,
enquanto ela se entregava com excessivo fervor ao papel que representava na
peça de Ibsen. Cada risada do público diante do exagero de seus gestos, qualquer
gesto por parte dos atores que a acompanhavam diante da pouca naturalidade
dos seus diálogos e da sua técnica escassa, o fizeram morrer de vergonha diante
da sua atuação.
Testemunhar outra interpretação tão abominável quanto a que viu seis anos
atrás não era uma perspectiva que um homem com consciência pudesse
antecipar com prazer. Ele poderia ter evitado, é claro, já que a sua presença nas
audições não era estritamente necessária. Mas, desde que ele assumiu o Imperial,
ele sempre assistia às primeiras audições e oferecia a sua opinião quando
necessário. Não tinha intenção de abandonar essa prática só porque Lola estava
se apresentando para um teste.
Mesmo assim, na manhã de quinta–feira, quando chamaram Lola e ela subiu
ao palco, não pôde deixar de sentir medo. A sua abordagem no palco era
hesitante, quase tímida, e quando parou ao lado do ator que iria acompanha–la
na leitura do texto e olhou para os assentos, parecia um cervo assustado disposto
a se esconder na mata novamente. Apesar do calor causado pela luz do gás, o seu
rosto estava pálido e, quando ela pegou o texto com o qual estava fazendo o
teste, Denys notou que as folhas de papel estavam tremendo em suas mãos.
Lola não tinha sido obrigada a participar numa audição formal durante anos
e, enquanto estava na sala de espera nos bastidores com o resto dos atores, à
espera de ouvir o resultado final da audiência, foi consciente da tensão que
implicava o processo.
O sucesso de seu espetáculo em Nova York acabara com a necessidade de
testes e as únicas leituras de texto que fizera foi para os seus professores ou para
Henry na sala do seu apartamento em Nova York. As avaliações que eles fizeram
do seu trabalho, mesmo que tenham sido críticas, sempre foram oferecidas,
juntamente com sugestões sobre como melhorar.
Fazer uma leitura para Jacob Roth enquanto estava ao lado de Denys e com
dezenas de colegas curiosos assistindo nos bastidores era muito diferente e não
tinha ideia de como avaliar o seu desempenho.
Felizmente, não esquecera o texto, nem tropeçara na saia, nem gaguejara para
recitar aquele complicado diálogo de Shakespeare. Mas, naquele momento,
cercada por atores que deviam ter muito mais experiência do que ela, nada disso
era reconfortante.
Vozes giravam em torno dela, envolvida em conversas regulares, pontuadas
por risadas nervosas, com os atores subestimando o seu próprio trabalho
enquanto se cumprimentavam e especulavam sobre a probabilidade de ter
passado no teste, mas Lola não fez uma tentativa de se juntar ao grupo.
Depois da sua performace desastrosa em Doll’s House, tinha começado a ver
os olhares maliciosos por trás dos comentários, os tablóides publicaram todos os
tipos de informações sórdidas sobre o seu caso com Denys e, em poucos dias, o
teatro tinha começado a tratá–la como uma peste contagiosa, convencidos todos
aqueles que faziam parte dele, de que ela tinha participado naquela peça porque
fora financiada por seu amante. E por que eles não pensariam isso? Afinal, era a
verdade.
Não se preocupe, dissera Denys, cuidarei de você.
Ele queria confortá–la e tranquilizá–la, mas Lola ainda se lembrava de estar
deitada na cama ao lado dele, na casa que lhe tinha alugado em St. John's Wood,
enquanto aquelas palavras se repetiam no seu cérebro e ficava ciente do no que
havia se convertido.
Denys poderia ter assegurado a seu pai que ele não veria Lola novamente até
a estreia de Otelo, mas levou menos de doze horas para mostrar como estava
errado. Ele estava sentado atrás da sua secretária por apenas quarenta e cinco
minutos quando Dawson abriu a porta do escritório para anunciar:
—Senhorita Valentine veio para vê—lo, senhor.
—Que diabos?
Ele olhou para cima, mas não teve chance de pedir que Dawson lhe dissesse
que não estava disponível. O secretário já tinha saído para permitir que Lola
entrasse.
—Bom dia—, ela cumprimentou–o enquanto caminhava para a sua secretária.
A seda do vestido azul–marinho com renda creme rangeu enquanto caminhava.
— Obrigada por me receber.
—Eu não pareço ter muito a dizer sobre isso— murmurou enquanto se
levantava, desejando ter dito ao seu secretário que Lola Valentine não iria pisar
em seu escritório sem a sua permissão.
Prometendo deixar claro assim que tivesse uma chance, voltou a sua atenção
para Lola, mas Dawson falou antes que pudesse dizer que estava ocupado
demais para falar com ela.
—Posso lhe trazer alguma bebida, senhorita Valentine?
—Senhorita Valentine não vai ficar por muito tempo—, Denys respondeu
antes que ela pudesse responder. — Você pode sair, Dawson.
Ele não ainda não tinha acabdo de dizer aquelas palavras quando já estava se
arrependendo delas. Porque, quando o secretário saiu, fechou a porta atrás de si
e, de repente, o escritório pareceu muito íntimo.
—Eu não sabia se você estava aqui, mas decidi dar uma chance. Se incomodo,
me desculpe.
—Não, não incomoda—, ele disse, mais para se tranquilizar do que para
tranquilizá–la.
Se visitou de surpresa ou não, ele não ia deixar que Lola o preocupasse de
qualquer maneira.
Lola se afastou do escritório de Denys. Ela estava tão brava que nem se
importava para onde ia. Tudo o que queria era se afastar dele. Naquele
momento, não conseguia nem lembrar como havia respondido ao seu argumento
exasperante, mas ao menos era o que havia dito por que não havia palavras no
mundo para expressar a raiva. Deveria ter lhe jogado um tinteiro.
Ou o seu maior talento está em dormir com o homem certo na hora certa?
Não poderia haver um argumento mais hipócrita, implacável e injusto ... Mas
não totalmente imerecido.
Ela parou tão abruptamente na calçada que quase colidiu com o homem atrás
dela. Ele se esquivou dela para evitar uma colisão e a cercou enquanto ela
permanecia imóvel, encarando a verdade brutal que, embora a acusação de
Denys não fosse verdadeira, era bastante razoável. Ela não tinha o direito de ficar
zangada com ele quando o que ele pensava dela era, exatamente, o que queria
que ele pensasse.
Denys acreditava que o deixara por Henry Latham e que parte do seu acordo
com isso era conseguir uma carreira mais lucrativa em Nova York. Quando
decidiu voltar, sabia que teria que enfrentar a sua hostilidade, então por que
estava com raiva por ter expressado isso?
Porque até então, não tinha sido consciente do quanto isso ia doer.
Essa era a verdadeira razão pela qual ela estava tão furiosa que deitava fogo
pela boca. Estava com raiva de si mesma. Ouvindo Denys dizer o que pensava,
abrira uma ferida antiga, uma ferida cuja existência não tivera a honestidade de
admitir.
Fazia muito tempo desde que ela parou de se importar com o que as pessoas
pensavam dela, mas Denys era diferente. Ele sempre foi capaz de penetrar em
sua pele, romper as suas defesas.
Denys pensou ter deixado claro para Lola que eles nunca poderiam ser
parceiros e esse beijo, embora involuntário, fornecera a melhor prova do porquê.
Ele descobriu, no entanto, que, apesar de tudo, não tinha conseguido dissuadi–la.
Na segunda–feira de manhã, ele recebeu um convovatória formal para
participar de uma reunião, tornando–o mais determinado do que nunca a
terminar tudo isso. Mas as opções eram limitadas. As únicas maneiras de escapar
eram vender a parte da sua família, comprar a de Lola ou encontrar alguma
maneira de quebrar o acordo. A primeira opção recusou–se a considerar e a
segunda já tinha tentado. Então o terceiro era sua única esperança. Ele falou
sobre o assunto com os seus advogados e passou dois dias lendo atentamente o
acordo de parceria sem nenhum resultado. Ele começou a temer que estaria
ligado a Lola para sempre.
Mas então recebeu uma nota do seu amigo Nick convidando–o para um
jantar no White's com Jack Featherstone e o resto de seus amigos íntimos e o seu
ânimo melhorou um pouco. Os seus quatro amigos, que já conheciam Lola,
sabiam que aquela mulher era um caos dentro de um espartilho. E eles tinham
testemunhado a evolução da desastrosa aventura de Denys, para que eles
entendessem as razões pelas quais, ele queria manter essa mulher o mais longe
possível da sua família e dele. Eles eram todos empresários, então certamente,
poderiam lhe dar algum conselho valioso. Aceitou o convite de Nick
rapidamente.
Na noite seguinte, ele esperou até ao final do jantar e da primeira rodada do
porto para abordar o problema que tanto espaço ocupava na sua mente.
—Lola voltou para Londres.
Aquelas palavras teriam levado qualquer homem a beber e ele esvaziou o
copo de vinho do porto de um só gole.
A resposta inicial dos seus amigos foi variada. Nick assentiu sem se
surpreender. Era provável que a sua esposa, Belinda, uma das mulheres mais
influentes da alta sociedade em Londres, soubesse das notícias quase desde o
início. Stuart, duque de Margrave, levantou uma sobrancelha com
imperturbabilidade ducal e não disse nada. James, conde de Hayward soltou um
assobio. E Jack, sempre imparável, teve a coragem de rir.
Lola pensava que Denys continuaria evitando reunir-se com ela durante todo
o mês de janeiro. Mas, quatro dias depois de ter ido visitá–lo, recebeu uma nota
do seu secretário em que concordava com a sua convocatória e perguntava se
Dois dias depois, graças a outra sessão com o contador e depois de contratar
os serviços de um datilógrafo no Serviço de Secretariado de Houghton, Lola
chegou à reunião com Denys, preparada para a batalha. Ela tinha um plano de
negócios substancial em seu portfólio e se sentia confiante, pronta e disposta a
defender a sua ideia e lutar por ela. E não estava nem nervosa.
Até o ver.
Denys não estava sentado atrás da sua mesa quando entrou no escritório, mas
num sofá estofado no final da sala, tomando chá. Quando ele colocou a xícara de
lado e levantou–se para recebê–la, Lola percebeu, surpresa, que ele estava de
camisa. Ele tinha tirado o paletó e arregaçado a camisa. Aquele traje casual o
fazia parecer menos com o empresário implacável que esperava, e muito mais
com o Denys que ela conhecia. Ele a pegou tão de surpresa que ela parou
abruptamente assim que entrou, enrijecendo a mão ao redor da alça da bolsa de
couro.
—Boa tarde — Denys cumprimentou–a e olhou para trás. — Obrigado
Dawson. Você pode sair.
O secretário saiu e Lola sentiu um ataque absurdo de nervosismo quando
ouviu a porta se fechar atrás dela.
Denys apontou para a bandeja ao lado dele.
— Você quer um pouco de chá?
Lola chegou pronta para a batalha. E não esperava um chá. Respirou fundo e
começou a seguir em frente, mas a cada passo aumentava a sensação de
desconforto. Ela parou de novo a vários metros de distância.
Denys inclinou a cabeça e olhou para ela com uma expressão de surpresa.
—Acontece algo?
—Realmente, Denys, chá?
—Bem, estamos na Inglaterra, Lola. O chá não é nada de extraordinário.
— Não, mas é algo ... —se interrompeu para pensar na palavra certa. —
Inesperado.
—Eu posso imaginar isso. — Ele apontou para o sofá atrás dele. —Sentamo-
nos?
Lola olhou para o confortável sofá de couro e para a bandeja de chá repleta de
sanduíches e bolos e, cruzou na sua mente, um poema que aprendera quando
criança.
Convidar o Sr. Dawson pode ter sido um ato de puro desespero da sua parte,
mas, ao vê–lo fazendo o seu caminho em direção a ela através da multidão,
depois de ter obtido uma taça de champanhe, Lola estava feliz que as coisas
tivessem se resolvido daquela maneira. O secretário de Denys era um homem
inteligente e atencioso e uma companhia muito agradável.
Ele tinha estado um pouco relutante em aceitar o seu convite. Ele tinha
expressado preocupação de que o seu chefe não gostaria, mas Lola esperava que
Denys ficasse aliviado por ela estar saindo com alguém. Afinal, se eles a vissem
na cidade com um homem muito mais próximo da sua classe, os seus círculos
descartariam a ideia de que Denys e ela estavam retomando a sua aventura. As
chances eram mínimas, isso era verdade, mas Lola sempre foi otimista. E sempre
escolhia esperar o melhor.
—Estou aqui— disse Dawson, parando diante dela.
Ele mostrou–lhe um par de copos de conhaque e taça de champanhe com um
aceno de cabeça.
—Obrigada— respondeu Lola ao aceitar a taça. — Foi muito galante enfrentar
toda aquela fila por mim.
— Em absoluto. Foi um prazer. —Ele olhou em volta. — O teatro está muito
ocupado hoje à noite, não é?
Lola não perdeu a ansiedade em seus olhos.
— Não se preocupe. Isto não vai causar nenhum problema, prometo.
—Mesmo se eu perdesse o meu emprego—, Dawson respondeu, olhando
para ela novamente, —valeria a pena.
Oh, Deus! Pensou Lola, vendo a admiração nos olhos dele. De repente, o fato
de o secretário ter aceitado o convite pareceu–lhe, mais do que um golpe de
sorte, um problema sério. E quando olhou para o ombro do Sr. Dawson, a
imagem da figura alta de Denys no outro extremo da sala confirmou a sua teoria,
porque ele não parecia nem um pouco aliviado. Ele parecia furioso. Embora ele
não tivesse o direito de ditar onde e com quem estava indo, enquanto o
Ali estava a pergunta que tinha temido, atirada como uma luva. Ela teria de
responder, é claro, mas não num quarto tão escuro que não podia ver o seu rosto
e ter Denys tão perto que ela podia sentir o calor de seu corpo.
— Não vou dar explicação trancada em um quarto de Covent Garden — ela
disse, e virou–se para pegar a maçaneta da porta.
No entanto, mal tinha conseguido abrir uma rachadura quando Denys
colocou a mão na porta e bateu a porta.
— Sim, sim, você vai me dar explicações— sussurrou em seu ouvido —
porque eu não vou sair daqui até que você faça.
— Pelo amor de Deus, Denys! — Ela murmurou, virando–se com cuidado
naquele pequeno espaço. Isto é preto como a toca do lobo.
— Eu posso remediar isso.
Felizmente, ele recuou, permitindo–lhe respirar. Mas seu alívio foi de curta
duração, porque um segundo depois, ouviu o estalo de um fósforo, luz penetrou
na escuridão e Denys novamente se aproximou dela e estendeu a mão para girar
o botão da lâmpada de gás na parede ao lado da porta.
— Faça isso agora, — ele disse depois de ligar a lâmpada — Responda à
minha pergunta. Por que me deixou?
Não havia nada que Lola quisesse mais do que fugir, mas sabendo que era
impossível, ergueu o queixo e respondeu à sua pergunta com outra.
— Por que você nunca me levou para a ópera?
Denys franziu a testa. Era evidente que ele não entendia o paralelismo.
— Você sabe porquê. Isso teria causado um escândalo. Nós dois concordamos
em ser discretos.
— Sim, porque eu não sou o tipo de mulher que um homem como você possa
ser visto em público, entre os seus amigos e familiares.
— Foi isso o que você quis dizer, quando disse que não era digna de mim? —
Ele olhou para ela com cautela, como se fosse algo surpreendente. — Não me
diga que você meteu na cabeça que eu te considerava inferior a mim.
— Bem, no outro dia você disse que eu não contribuia com nada de valor para
a sociedade. Que só tinha um talento em particular.
Denys fez uma careta quando se lembrou da dureza de suas palavras.
— Como eu disse, esta tarde, estava com raiva e frustrado quando disse isso
e, embora o meu estado emocional não é desculpa, gostaria de pedir–lhe para
esquecer. De qualquer forma, estava me referindo aos negócios. E quanto á
Durante os dias que se seguiram, Lola passou um bom tempo refletindo sobre
a conversa que tivera com Denys na ópera, mas não importava o quanto
pensasse sobre isso, não conseguia entender a sua explosão de franqueza.
Quando decidiu voltar para Londres, sabia que teria que explicar a Denys por
que o abandonara, mas, é claro, não tinha intenção de contar sobre a vida que
levara antes de se conhecerem.
Você nem sabe meu nome verdadeiro.
O que a levou a apontar isso? Aquilo provavelmente alimentou a curiosidade
de Denys e estava com medo de ter mexido num ninho de vespas. Depois
daquilo, Denys continuaria fazendo perguntas, investigando o seu passado e,
talvez, descobrir a mulher que se escondia sob a ousada e marcante fachada de
Lola Valentine. Ela não queria que ele encontrasse aquela mulher. Na verdade, às
vezes nem queria lembrar que essa mulher existira.
Durante os dias que se seguiram, passou muito tempo desejando ter mantido
a boca fechada e ficou feliz que o primeiro ensaio veio na segunda–feira, porque
provou ser uma excelente fonte de distração. Mesmo que tivesse que aturar
Arabella Danvers.
— Realmente, Jacob, é necessário que a Srta. Valentine seja tão entusiasta na
leitura?
A voz da atriz, que estava sentada do outro lado da mesa, voltou a se
sobrepor à leitura de Lola. Ela parou e conseguiu reprimir um suspiro de
exasperação enquanto abaixava o texto em suas mãos.
— Compreendo que, à luz dos acontecimentos passados, Srta. Valentine quer
nos tranquilizar sobre seu talento — continuou a outra atriz, e Lola não sabia o
que era mais irritante, se a tendência de Arabella para falar sobre isso como se
não estivesse presente, ou a menção constante da sua falta de experiência. — Mas
estamos aqui o dia todo e, se ela insistir em recitar a sua parte com histriônicos
tão meticulosos, o seu minúsculo papel nos reterá aqui a noite toda.
Lola teve que morder o lábio com firmeza para não apontar que, as
interrupções quase contínuas de Arabella para falar sobre as nuances da trama e
a sua crítica ao resto dos atores, eram a verdadeira razão que ainda estavam lá no
final da tarde. Mas ela não queria criar uma reputação de ser difícil e não podia
se dar ao luxo de ser considerada uma mulher arrogante. Ao contrário de
Arabella, ela não tinha uma longa lista de sucessos sob o braço para mitigar tal
comportamento.
Denys não pretendia responder a nenhuma pergunta, muito menos a que ela
acabara de fazer. Mas, sabia que a verdade e a confiança tinham que vir dos dois
lados.
—O motivo inicial era o desejo— ele admitiu. — Mas isso não significa que
não achasse que você tinha talento — ele se apressou em acrescentar, na
esperança de amenizar a motivação crua que o motivara naquela época.
Lola olhou para ele com pesar.
— O que você quer dizer é que, naquele momento, você não pensou no meu
talento ou na minha falta dele.
Denys suspirou.
— Não, não pensei no seu talento. Verdade seja dita, eu não me importei com
nada. Eu queria você e eu teria feito qualquer coisa para ter você. É ... —Ele
parou e engoliu em seco. — Quando penso nisso, acho quase assustador.
— Eu sinto que a peça tenha sido um fracasso tão retumbante. Eu gostaria de
ter feito melhor.
— A culpa não foi sua. Você não estava em condições de desempenhar esse
papel. Como você estaria se não tinha nenhuma preparação? Suponho que, no
fundo, soubesse que você não estava pronta para aparecer numa peça, mas, como
eu disse, não mergulhei fundo nisso. Eu queria que você estivesse comigo em
Londres, mas toda vez que eu expressava isso em voz alta, você ria, descartava
isso e dizia algo como, uma garota tinha que ganhar a vida e você não queria
arriscar perder o emprego. No final, pareceu–me que a melhor maneira de fazer
você vir a Londres era oferecer o que mais queria.
—Isso não era o que eu mais queria—, ela protestou, e mordeu o lábio como
se tivesse se arrependido de ter dito aquilo.
— Não?
Não deveria ter feito essa pergunta, Denys disse a si mesmo. Não deveria
abrir velhas feridas.
— E o que você queria?
— Você—, Lola respondeu simplesmente. — Mas eu não queria ser a sua
amante.
Denys gostaria de dizer que não era isso que ele lhe oferecera, que as suas
intenções eram honestas desde o começo.
Ele desviou o olhar.
Denys sabia que Lola estava certa sobre os rumores e que, era preferível se
evitarem o máximo que pudessem, quando não estavam lidando com a
administração do teatro.
Considerando a sua determinação em não permitir que o retorno de Lola
fosse uma mudança em sua vida, evitá–la deveria ter sido fácil, especialmente,
porque a última coisa que tinha desejado, há apenas algumas semanas atrás, era
estar perto dela. No entanto, durante os dias que se seguiram ao piquenique que
tinham compartilhado na sala de ensaios, ficar longe de Lola provou ser uma das
coisas mais difíceis que já tinha feito em sua vida.
Muitas vezes ele se viu olhando pela janela do escritório para o Imperial,
imaginando como estava se saindo. Em duas ocasiões, ele esteve prestes a mudar
os seus planos de jantar com os amigos para jantar no Savoy, caso houvesse
alguma chance de vê–la ali. Era uma sorte que St. John’s Wood não estivesse
perto dos lugares que frequentava todos os dias, porque se tivesse, teria sido
incapaz de resistir à tentação de pedir ao seu motorista para passar por lá, em
seu caminho para o escritório.
Ele inventava desculpas todos os dias para atravessar a rua: tinha que
perguntar a Jacob como o trabalho estava indo, ou examinar as instalações, ou
conversar com o zelador sobre as questões de manutenção. Sim, a sua
imaginação conseguiu encontrar qualquer razão, pela qual o Imperial, precisava
da sua atenção num determinado momento. Mas não importava quão fértil fosse
a sua imaginação, ele se forçou a não ir para lá. Era a melhor coisa que podia
fazer pelo bem de ambos.
No entanto, ele não conseguia parar de pensar nela. Lola se infiltrava em seus
pensamentos em inúmeras ocasiões: no meio de uma reunião de negócios,
quando se cruzava na rua com uma mulher ruiva ou quando a sua carruagem
passava por Covent Garden.
Era verdade, que ele tinha chegado a acreditar que, estar perto dela, iria
ajudá–lo a superar tudo, mas, com o passar dos dias, começou a temer que
tivesse sido otimista demais para confiar na capacidade da familiaridade para
alimentar um distanciamento.
O que você amava era uma ilusão, uma ilusão que eu inventei muitos anos antes de te
conhecer. No entanto, você não me conhece de todo.
Isso seria verdade? Denys olhou para o prato do café da manhã e empurrou o
bacon e os ovos, enquanto avaliava a frase à luz do que descobrira sobre ela.
Lola sabia que aquilo era um erro, um erro que provavelmente destruiria
Denys e ela e arruinaria tudo o que ambos estavam tentando alcançar, mas, com
a boca de Denys na dela e os braços dele ao seu redor, ela não era capaz de reunir
a força de vontade necessária para pedir–lhe para parar. Quando ele a sentou em
seu colo, colocou os braços ao redor de seu pescoço e, quando ele acariciou os
seus lábios com a língua, entreabriu–os mostrando o seu consentimento.
Foi um beijo cheio e apaixonado. A língua de Denys cumprimentou a dela
com carícias sensuais, escorregava dentro da sua boca e depois recuava. O corpo
de Lola estava rosado com o calor da paixão e cheio de desejo.
Denys interrompeu o beijo, mas ela mal teve tempo de respirar antes dele
abaixar a cabeça para beijá–la novamente. Naquela ocasião, foi um beijo lento e
inebriante que pareceu prolongar–se para sempre enquanto Denys explorava sua
boca, saboreando e redescobrindo Lola. Faz muito tempo, ela pensou enquanto
gemia contra os lábios dele, Meu Deus, Denys, quanto tempo.
Denys interrompeu o beijo novamente e recuou. Temendo que ele
pretendesse parar, Lola agarrou as lapelas encharcadas da sua jaqueta.
—Não pare— pediu sem fôlego. — Não se detenha.
—Quem está parando? — Denys murmurou.
E voltou a levantar as mãos entre eles. Ele cobriu o rosto com beijos enquanto
desabotoava os botões da sua jaqueta, colete e blusa.
Ele arrancou o laço em volta do pescoço dela, separou as bordas da blusa e
inclinou a cabeça para traçar um caminho de beijos ao longo do seu pescoço.
No momento em que ele deslizou a mão dentro de sua blusa, a respiração de
Lola estava rápida e superficial e o seu corpo estava queimando com o calor. E,
quando finalmente acariciou os seios inchados que apareciam acima do
espartilho, ela gemeu e recostou–se no assento da carruagem, apoiando todo o
seu peso nos cotovelos.
Denys seguiu esse movimento, continuou desabotoando botões enquanto
deslizava sobre ela. Lola fechou os olhos, jogou a cabeça para trás e arqueou as
costas, oferecendo os seus seios enquanto ele continuava a beijar a sua clavícula.
Denys colocou as mãos sob a anágua para poder acariciar a sua pele nua e o calor
cresceu dentro dela; tornou–se mais intenso, mais ardente e inundado lugares
esquecidos há muito tempo, como seios, barriga ou coxas.
Denys não ia permitir que uma recusa o detivesse. Não, depois de a ter
convertido num objetivo a conquistar. E não, quando tinham outra chance. No
instante em que a viu pela janela do táxi, o reafirmou no que sentiu desde a
primeira vez que a vira. Lola era a sua muher. Eles foram feitos um para o outro.
A questão era como fazê–la acreditar também.
O ponto de táxi no lado oeste da estátua de Nelson se aproximou e,
enquanto esperava pela chegada de uma carruagem, pensou em qual seria o
próximo passo.
Ele dissera a Lola que a conversa não terminara, mas sabia que continuar
falando sobre isso não mudaria nada. Ele podia entender a relutância de Lola em
enfrentar a alta sociedade, os círculos aristocráticos podiam ser cruéis e
implacáveis. Mas, o fato de que sua relutância era por ele, e não por ela, era
frustrante, porque ele seria capaz de enfrentá–los até ao fim dos seus dias e
morrer sem arrependimentos. No entanto, ele sabia que poderia repeti–lo para
Lola até ficar rouco e que isso não faria muita diferença. Não, em tais
circunstâncias, as palavras eram inúteis. O que era necessário era agir.
E, como preferia cortar o braço direito, a vê–la como a vira naquele dia no
Regent's Park, qualquer coisa que fizesse envolveria muito mais do que
persuadi–la a acompanhá–lo ao altar. Teria que ser algo monumental, na linha de
derreter um glaciar ou de mover uma montanha, e isso significava que não
poderia fazer isso sozinho. Precisava de ajuda. E tempo. Hora de elaborar um
plano, tomar as providências necessárias, permitir que Lola respirasse e,
esperançosamente, dar–lhe a oportunidade de sentir a sua falta. Felizmente, ele
tinha tempo, porque Lola garantira que ela não partiria até que o trabalho
terminasse e, como era seu parceiro igualitário no Império, o conde não podia
fechar o teatro ou cancelar o trabalho sem o seu consentimento.
Ele a tirou da cama, Denys percebeu, e isso o deixou sem fôlego. Para ele,
aquela era a hora do dia, em que ela era mais adorável, com cabelos soltos e
despenteados caíndo sobre os ombros e o rosto despojado de maquiagem, que
lhe permitia ver as sardas douradas que pontilham o nariz e bochechas. Ele
engoliu em seco, resistindo à vontade de deixar o carrinho, pegá–la e levá–la para
o quarto.
Mas ele venceu a batalha, lembrando–se de que a sua aposta era muito maior
do que uma simples queda entre os lençóis. Forçando–se a reprimir o seu desejo,
ele inclinou a cabeça.
—Bom dia, senhorita Valentine.
Lola esfregou os olhos novamente com os punhos fechados, fazendo–o sorrir
com aquele gesto, que se assemelhava ao de uma menina que acabava de
acordar.
—Porque você está vestido como um lacaio do Savoy?
—Ah isso! — Ele acariciou o colete do uniforme. —Você gosta?
Obviamente confusa, ela fechou os olhos e sacudiu a cabeça, e quando voltou
a olhar para ele de novo, o sono tinha desaparecido dos seus olhos e estava
franzindo a testa.
—Denys, você não pode vir para o meu quarto.
—Lola, não é um pouco absurdo que você me diga que não posso fazer o que
já fiz?
Lola se inclinou para frente e enfiou a cabeça pelo corredor.
—Alguém podia te ver.
—E o quê?
Lola recuou.
— Podiam te reconhecer.
—Com este uniforme? Duvido. Por que você acha que eu o coloquei? E, se
você quer um café, e eu sei que você quer porque acabou de sair da cama e o que
mais quer quando se levanta é tomar um café, é melhor me deixar entrar antes
que fique frio.
Denys sabia que, até áquele momento, viajara com o vento a favor, mas Lola
permaneceu em silêncio por tanto tempo, que temia estar prestes a bater nas
rochas.
Mesmo assim, sabia que não poderia voltar.
—Acho que devemos nos casar—, disse ele, tentando soar muito seguro,
embora estivesse diabolicamente nervoso. Ele se virou na cama, recostou–se no
cotovelo e descansou a bochecha contra a mão. – É isso que as pessoas que se
amam normalmente fazem.
Em vez de responder, Lola sentou–se e puxou os lençóis para tapar-se e cobrir
a nudez. Um gesto estranho depois daquele encontro apaixonado. Os nervos de
Denys aumentaram.
—Você se lembra do primeiro dia de ensaio? —Lola perguntou de repente. —
A noite que você veio com os sanduíches e eu te falei sobre o tipo de dança a que
me dedicava?
—Claro.
— Você me perguntou como acabei nessa situação, mas não contei tudo.
— Não?
—Não—, Lola olhou para as mãos que estavam cruzadas em seu colo. —Lá
eu conheci um homem. Ele me viu dançar. Ele não era o tipo de homem que
frequentava essas tavernas, então eu o notei imediatamente. Ele era muito
elegante, muito atraente e muito rico. O seu nome era Robert Delacourt. Depois
de várias noites, ele voltou e me pediu para tomar uma bebida com ele. Como
você pode imaginar, eu aceitei. O que quero dizer, é que ele me emprestava um
tipo de atenção, à qual eu não estava acostumada. Eu me apaixonei loucamente e
me tornei na sua amante.
Denys tinha a sensação de que aquele tinha sido o único amante de Lola, para
além dele, e queria terminar a conversa, mas sabia que não podia.
— Tudo parecia muito romântico para mim. Ele era um magnata da ferrovia,
um novo rico, poderíamos dizer. Eu não me importei. Eu pensei que ele era um
homem maravilhoso. Ele me comprou presentes, flores, me convidou para jantar
...
Tudo isso era muito familiar para Denys, muito parecido com a sua própria
estratégia de sedução. O homem que ele tinha se tornado ao longo dos anos, tudo
aquilo lhe parceia ruim e vazio. Ele respirou fundo e o deixou sair devagar.
—Continue
Lola continuou sentada ao pé da cama com os olhos fixos na porta. Denys mal
tinha saído, mas ela já sabia que ele estava certo.
A escolha era muito clara: outro ingresso de barco para deixar Londres e
recomeçar mais uma vez, ou uma nova vida que não se assemelharia a nada que
até então esperava.
Ser viscondessa seria a coisa mais difícil que já fizera, muito mais difícil do
que aprender a dançar o cancã ou se tornar atriz. Mais difícil, até mesmo, do que
ficar nua na frente de um bando de marinheiros lascivos. Ela enfrentaria uma
audiência muito mais difícil do que qualquer um dos críticos de Londres e ficaria
mais exposta do que jamais estivera em qualquer taverna portuária. E nunca,
nunca, poderia fugir.
A questão crucial sobre a roupa de Lola para aquela noite foi finalmente
decidida, graças, acima de tudo, ao excelente gosto e sinceridade da sua
empregada. E, apenas dez minutos depois das oito horas, Lola apareceu em
frente ao maitre com um vestido deslumbrante e vistoso de seda verde–musgo.
Completava com luvas brancas até ao cotovelo e diamantes e peridotos 2
brilhando em seus cabelos, orelhas e em volta do pescoço.
No entanto, o maitre não ficou particularmente impressionado com o vestido
de Worth, as jóias ou a atriz que os usava.
—Boa noite, senhorita Valentine— ele cumprimentou.
O seu tom era educado e ele inclinou a cabeça alguns centímetros, mas apesar
do que Denys tinha dito, ele não fez nenhum movimento para acompanhá–la em
qualquer lugar.
Lola tentou novamente.
—Eu vim ver Lord Somerton.
—Isso mesmo. — Houve então um traço inconfundível de desprezo em sua
voz e ele continuou sem se mover.
2 Peridoto, crisólita ou crisólito é uma variedade de forsterite, uma das formas da olivina,
utilizada em ourivesaria como gema. É geralmente verde-esmeralda ou verde-claro, podendo
contudo, apresentar variantes de coloração amarelo-esverdeado, verde-acastanhado ou
castanho.