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Shades of Winter
Linda Fallon
Clássicos Históricos 332
Digitalização: Tinna
Revisão: Alice Akeru
CH 322 – Sombras de Inverno (Shades of Winter) Linda Fallon
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CH 322 – Sombras de Inverno (Shades of Winter) Linda Fallon
CAPÍTULO I
Plummerville, Geórgia
Janeiro de 1886
Eve sentou-se na beirada da poltrona ao lado da janela e pôs as mãos no colo. Usava o
vestido novo, azul com florzinhas de um amarelo claro. A costureira, Laverne, dizia que a cor ia
bem nela. Lucien tinha gostado. Horas atrás, a escolha parecera acertada para a ocasião. Deveria ter
vestido um marrom! Algo simples e discreto que não chamasse atenção sobre sua pessoa.
Ela já vira muitas coisas apavorantes desde que investigava fantasmas, mas nada a tinha
afetado desta maneira.
O tio Harold e a tia Constance sentaram-se, lado a lado, no sofá da sala. Eve não se
lembrava bem da mãe falecida, por isso não sabia se ela também era tão mal-humorada quanto a
irmã mais nova. Porém, pela maneira amorosa como o pai se referia à esposa, que se fora tão jovem,
ela achava que não.
As filhas do casal estavam em pé atrás do sofá, com os olhos fixos em Lucien. Ambas
tinham cabelos escuros e olhos verdes, eram muito bonitas e estavam bem vestidas em tons
combinados de verde. Penélope tinha dezoito anos e Millicent, vinte. As duas gostavam de
cochichar e de dar risadinhas, o que deixava Eve com vontade de esganá-las.
Lucien, o alvo da atenção delas, estava em pé diante da lareira onde o fogo crepitava. Se
algo sobre a situação acalmava Eve era olhar para ele. O noivo estava bem vestido para a chegada
de seus parentes. Usava uma camisa branca nova e o segundo melhor terno preto dele. Não tinha
cortado os cabelos compridos, mas os penteado bem. Com quase um metro e noventa de altura,
esbelto e atraente, ele apresentava um aspecto digno.
— Não entendo, sr. Thorpe. Como o senhor ganha a vida? — Harold indagou numa voz
firme.
— Lucien é cientista — Eve informou num tom animado. Contar aos tios que ia se casar
com um homem capaz de falar com os mortos os deixaria em estado de choque. Explicar-lhes que
ele ganhava a vida livrando casas de fantasmas indesejáveis também seria desastroso. E ela queria
que o casamento fosse perfeito.
— Como cientista, eu me especializo... — Lucien começou, mas foi interrompido por Eve.
— Ah, isso tudo é tão enfadonho — ela disse ao levantar-se e ir para perto de Lucien. —
Física, matemática, mecânica e esse tipo de coisas. Eu mesma não consigo entender quase nada —
acrescentou ao passar o braço pelo dele.
Mas ao ver olhar de desaprovação da tia, baixou-o depressa. Lucien reprimiu um sorriso,
mas Eve notou-lhe o brilho nos olhos azuis e o arquear dos lábios.
— Ah, muito enfadonho — ele garantiu.
Na vez anterior em que ela e Lucien tinham planejado se casar, seus únicos parentes e o
homem a quem amava não tinham se conhecido. Os tios e as primas haviam chegado na véspera do
casamento e não vários dias antes como desta vez. Mas Lucien... Lucien não tinha aparecido.
O fato desastroso já pertencia ao passado. Ele havia explicado o que acontecera e, embora
Eve não tivesse gostado da idéia de ser preterida em favor de um fantasma interessante, o havia
perdoado. Ainda bem, pois o amava muito mais agora do que antes. O casamento ia ser muitíssimo
especial, graças ao crescimento do amor que os unia.
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— Vou sentir falta sua esta noite. Também na de amanhã e na seguinte. Mas, na quarta
noite, você já será minha esposa e eu não precisarei mais ir embora às escondidas. Não terei mais de
fingir que a desejo com paixão e que sua cama também não é minha.
— Logo, logo — Eve murmurou.
— Não tanto quanto anseio. — Curvou a cabeça e beijou-a no lado do pescoço. A carícia
rápida provocou-lhe um arrepio ao longo da espinha. — Você poderia escapar quando todos já
estivessem dormindo e ir até meu quarto. Prometo que a trarei de volta antes de o sol nascer — ele
sugeriu.
— Não posso. Se minha tia não me apanhasse saindo daqui, a srta. Gertrude me apanharia
entrando na pensão.
— Tem razão, eu sei, Eve. Sou um homem paciente, quase sempre, mas não quando se
trata de você.
— O dia de nosso casamento está próximo, Lucien.
— Você acha? — ele indagou com ar ressentido, fazendo-a sorrir.
— Pense bem. Dentro de três dias, serei a sra. Lucien Thorpe e ninguém poderá expulsá-lo
desta casa. Eu te amo, Lucien.
— E eu...
A porta atrás deles escancarou-se e tia Constance apareceu. Eve e Lucien separaram-se
depressa.
— Eve Abernathy, entre já! Você vai apanhar um resfriado mortal aí nesse frio — a mulher
mal-humorada esbravejou.
— Boa noite, Lucien — Eve murmurou ao dirigir-se à porta.
— Boa noite, Eve. Eu a verei amanhã — ele disse com um sorriso.
— Não será possível, sr. Thorpe. Temos muitas coisas para fazer amanhã e Eve não terá
tempo para receber visitas — Constance informou.
— Mas... — Eve começou.
— Boa noite, sr. Thorpe — a tia resmungou e bateu a porta na cara de Lucien.
— A senhora não precisava fechar a porta com tanta violência — Eve reclamou numa voz
sentida.
— Está frio lá fora.
— E amanhã...
— Você permitiu que esse homem a beijasse, Eve? — Constance a interrompeu.
— Bem...
— Não diga nada. Vi como vocês dois se olhavam. Você permitiu sim que ele a beijasse.
Amanhã à tarde, quando Harold e as meninas estiverem ocupados com os preparativos para o
casamento, nós duas vamos ter uma conversa. De mulher para mulher. Como sua mãe é falecida,
cabe a mim ocupar seu lugar.
Aos vinte e sete anos, Eve não precisava mais de instruções sobre relacionamento
conjugal.
— Bondade sua, mas...
— É meu dever — Constance afirmou. — Você não deve ter medo, minha sobrinha.
— Não tenho e...
A tia virou-se e foi para a sala.
— Harold, a viagem me deixou exausta e já vou me deitar. Amanhã temos muito que fazer.
Eve viu a tia e as primas subirem a escada a fim de se dirigirem aos quartos. Sentia um
grande peso no coração, pois já estava morta de saudade de Lucien.
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Ele estava certo. Deviam ter fugido para se casar dois meses atrás.
Na caminhada para a pensão, Lucien parou em frente da casa de Katherine Cassidy. Dado o
avançado da hora, não bateu, mas ficou uns minutos, observando-a. Era uma casa pequena, térrea e
muito boa. Não tanto quanto a de Eve, mas confortável e bem conservada. Katherine cuidava bem
da casa, deixada pelo marido ao morrer.
Lucien havia pensado que livrá-la do fantasma de Jerome Cassidy seria um trabalho
simples. Não fora. O espírito mau do homem persistia em ficar com toda a maldade de sua alma
perversa.
Katherine Cassidy, a viúva, era membro da Sociedade de Almas Penadas de Plummerville,
um clube secreto de seis pessoas interessadas no estudo dos fenômenos psíquicos. Ele e Eve
estavam entre os seis. Os outros não possuíam dons sobrenaturais que ele pudesse discernir, porém,
aceitavam os dele. Isso o surpreendia depois de ser tratado como uma pessoa esquisita, ou coisa
pior, durante anos. Lucien suspeitava que o aceitavam por causa da amizade deles com Eve. Ela o
amava, portanto, os outros o acolhiam em seu meio.
Lucien desejava que Hugh e Lionel, amigos e companheiros de pesquisa, chegassem mais
cedo. Mas, segundo o último telegrama de Hugh, eles só estariam ali na véspera do casamento.
Quem sabe eles se deixariam convencer a ficar mais uns dias na cidade a fim de ajudá-lo nas
tentativas de mandar embora o espírito de Jerome Cassidy.
Estava muito frio para ficar parado, por isso Lucien retomou a caminhada. Preferia muito
mais estar na cama com Eve do que seguindo para um quarto triste, onde fingiria que eles ainda não
eram marido e mulher sob todos os aspectos, exceto o legal. Mas Eve dava importância à própria
reputação e ele lhe respeitava a vontade. Ela se preocupava com o que os tios viam e ouviam. E
queria que esse detalhe da vida deles, o casamento, fosse o mais normal possível.
Lucien desejava lhe proporcionar tal prazer, já que o resto da vida deles seria qualquer
coisa, exceto normal.
— Veja! É nosso noivo feliz! — gritou uma voz vinda das sombras.
Lucien olhou e viu Garrick Hunt, presidente da Sociedade de Almas Penadas de
Plummerville, e Buster Towry, um rapaz de um sítio das vizinhanças e também membro da
sociedade secreta, surgirem das sombras. Como sempre, Garrick estava meio alto e Buster tentava
ampará-lo. Lucien não achava que os dois fossem amigos antes da formação da sociedade, mas,
nestes dias, o filho do homem mais rico da cidade e o sitiante simpático eram vistos sempre juntos.
— Um brinde ao casamento que se aproxima! — Garrick propôs ao oferecer o frasco de
uísque quando os dois pararam ao lado.
— Não, obrigado — Lucien disse.
Garrick apertou o frasco no peito.
— Você é meio atrasado, Lucien. Alguém já lhe disse isso? — Muitas pessoas— ele
respondeu ao recomeçar a andar, acompanhado pelos dois.
— Tenho uma idéia — Garrick anunciou. Ele ainda não estava muito embriagado, mas
faltava pouco. — Não temos feito muita coisa em nossa organização. E eu, como presidente, me
acho no dever de estimular as ações de nosso pequeno grupo.
— Que tipo de ações? — Lucien indagou, desconfiado.
— Ora, deveríamos fazer algo além de nos reunirmos de vez em quando para saborear
tortas. Senhoras idosas é que fazem isso.
— Bem, nós tentamos livrar Katherine do fantasma do marido — Buster argumentou.
— Um triste fracasso. Além do mais, a casa de Katherine é aqui na cidade, aliás nesta rua.
Que situação medíocre. Em minha opinião, deveríamos nos envolver numa grande aventura.
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Eve estava deitada no centro da cama larga, com as primas uma de cada lado. Deveriam
estar dormindo, mas só Penélope ressonava baixinho.
Fechou os olhos na esperança de o sono vir. Queria sonhar com Lucien, mas acima de
tudo, que a situação fosse outra e ele estivesse ali.
— Lucien é muito bonito — Millicent murmurou.
— É, sim.
— Não acho que papai o mataria.
— Sem dúvida, não mesmo — Eve concordou.
Não haveria necessidade, claro, pois Lucien chegaria na hora certa e não três dias depois.
— Mas mamãe é capaz de fazer qualquer coisa — a prima afirmou.
Além de bonita, Millicent tinha uma feminilidade marcante que os homens apreciavam
muito. Ela sabia como se vestir bem, fazer penteados elegantes e o que conversar em qualquer
evento social. Esses eram atributos que Eve sabia não possuir.
Imaginou se a prima já havia tido uma conversa de mulher para mulher com a mãe. Difícil.
— Você tem namorado, Millicent?
— Alguns admiradores, mas ninguém em especial. Sem dúvida não existe um capaz de
enfrentar minha família e dizer que sou tão maravilhosa a ponto de poder escolher qualquer homem
da terra que eu queira. Você tem sorte, Eve.
— Eu sei.
— Lucien é tão bonito, inteligente e a adora!
— Nós pertencemos um ao outro. Sei disso com mais convicção do que jamais soube
qualquer outra coisa. Às vezes, tenho a sensação de que ele está dentro de mim o tempo todo. Como
se morasse em meu coração, em meu corpo. Sem ele, eu não seria nada — Eve explicou embora
nunca houvesse falado a ninguém sobre seus sentimentos por Lucien.
Apesar disso, sua amiga Daisy sabia que ela amava Lucien com loucura e outros amigos
também.
Millicent suspirou.
— Espero amar alguém dessa forma algum dia. A gente sofre ao amar assim tão
profundamente?
— Às vezes, sim — Eve sussurrou.
Mas não haveria sofrimento enquanto planejava o casamento. Seus parentes e amigos já
estavam em Plummerville ou a caminho. O vestido de noiva, o mais lindo já criado, esperava
apenas pela aplicação de pequenas pérolas em volta do decote. A srta. Gertrude, dona da pensão de
Lucien e a melhor cozinheira da cidade, ia fazer o bolo imenso e lindo que seria servido na festa
após a cerimônia religiosa.
Mais importante, Lucien estava ali. Se ela quisesse vê-lo, bastaria ir até a cidade.
E como estivesse ali, Lucien não se envolveria com um fantasma interessante e que o
fizesse esquecer a data importante. Nesses dois dias, ele sempre estaria por perto caso houvesse
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necessidade de se entrar em contato com ele. Não havia motivo para se preocupar com a
possibilidade de ele dormir demais ou esquecer a que horas seria o casamento.
Millicent suspirou e logo também ressonava baixinho. Eve relaxou. Tudo estava bem em
seu mundo. Daí a três dias, o casamento já teria se realizado e, finalmente, Lucien e ela seriam
marido e mulher. No instante seguinte, adormecia.
CAPÍTULO II
Fazia frio naquela manhã, mas o sol ajudava a suportá-lo. Lucien iniciou a caminhada para
a cidade a passos largos. Sentia-se impaciente. A perspectiva de mais dois dias iguais a este lhe
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parecia insuportável. Os preparativos para o casamento tinham sido feitos e a ele só cabia estar na
igreja na hora.
Ele poderia dizer a Garrick ou a Buster aonde ia, contudo, havia alguns problemas. Garrick
devia estar no moinho do pai, Douglas Hunt, com quem Lucien preferia não se encontrar. Os
segredos entre ambos eram embaraçosos. Além do mais, se Garrick soubesse aonde ele ia, haveria
de querer acompanhá-lo.
Buster estava no sítio, a várias milhas ao sul da cidade e na direção oposta da que Lucien
deveria seguir.
O melhor era não se preocupar. Como o tal hotel ficava a apenas algumas horas da cidade,
ele chegaria lá no início da tarde. Gastaria uma hora para inspecioná-lo e pegaria o caminho de
volta. À noite já estaria em Plummerville.
Na pior das hipóteses, se o hotel ficasse mais distante do que fora informado, ele voltaria
no dia seguinte. Estaria ria estação a tempo de receber Hugh e Lionel.
Antes de ir alugar um cavalo do ferreiro, Lucien parou na pensão e pediu papel, caneta e
tinta emprestados à srta. Gertrude. Não podia escrever muita coisa, pois ela leria o bilhete antes de
entregá-lo a Eve. Naturalmente os tios também o fariam.
Eve andava de um lado para o outro da sala. Tinha esperado que Lucien a procurasse
naquele dia pelo menos uma vez. Logo estaria escuro e nem sinal dele. Os tios o tinham afugentado,
o que não a surpreendia.
— Sente-se — a tia ordenou.
— Estou um pouco preocupada com Lucien. Ele devia ter passado por aqui — Eve
explicou, pois eles não ficavam um dia sem se ver.
— Ah, ele passou por aqui de manhã e eu o mandei embora — Harold contou, meio
distraído.
— Titio! — Eve exclamou, aflita.
— Você estava experimentando o vestido de noiva.
Então, havia sido bem cedo. Por que Lucien não tinha voltado? O que o tio havia lhe dito?
— Ora, esqueci. Ele mandou um bilhete. Um menino veio entregá-lo no início da tarde —
Constance disse ao levantar-se e ir pegá-lo no consolo da lareira.
Um bilhete? O coração de Eve disparou. Por que Lucien o tinha mandado em vez de vir
pessoalmente?
Ela leu a mensagem duas vezes e sentiu-se atordoada. Se fosse dada a desmaios, já estaria
caída no chão.
Lucien não lhe faria isso. Não sairia da cidade dois dias antes do casamento a negócios! O
negócio dele era erradicar fantasmas e, quando se envolvia com isso, nada mais lhe importava. Nem
ela.
Num gesto de raiva, jogou o bilhete no fogo da lareira.
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Após um trecho tortuoso de estrada, Lucien chegou ao hotel. Uma placa marcada pela
intempérie identificava a construção como o Honeycutt Hotel,
Indicações erradas num armazém na estrada tinham lhe custado algumas horas a mais de
viagem. Chegava ao escurecer. O frio parecia mais intenso ali.
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O hotel tinha três andares e era branco, embora a tinta já houvesse descascado um tanto.
Na frente, havia um terraço largo cujo telhado era sustentado por quatro colunas grossas. O mato
alto espalhava-se por ele. O resto da construção era comum.
Contudo, mesmo dali, Lucien podia sentir que o lugar estava bem ativo. Não só sentia
como via faíscas de luz através dos vidros das inúmeras janelas. Isso não podia ser percebido por
aqueles que não possuíam seu dom. Lamentava não ter trazido a ceifeira de ectoplasma e o
registrador de espectro. Depois do casamento, talvez convencesse Hugh e Lionel a vir até ali.
Ficariam tão interessados quanto ele.
O hotel parecia um pouco ativo demais para a primeira excursão da sociedade secreta.
Achava que as moças não gostariam dali. Buster, de jeito algum. Embora não pudessem ver e ouvir
como ele, todos tinham instintos que os avisavam quando algo não era normal. E, de forma alguma,
o Honeycutt Hotel era anormal.
Lucien desmontou e prendeu o cavalo numa estaca. Após subir três degraus barulhentos,
chegou ao terraço onde observou a porta dupla de entrada. Como já ficava tarde e ele não
encontraria o caminho de volta na escuridão, teria de passar a noite ali. Tinha a impressão de que
não dormiria muito. Mesmo de fora, percebia que o hotel estava cheio de residentes infelizes.
Lucien mal tocou o trinco da porta e ela abriu como se o convidasse a entrar. Os móveis do
vestíbulo estavam cobertos de poeira e teias de aranha ocupavam cada canto. Muitos espíritos
perambulavam pelo aposento. Ele não havia trazido uma lanterna, mas não seria a primeira noite
que ele passaria no escuro, numa casa mal-assombrada.
Riscou um fósforo e viu um candelabro no balcão de recepção, cujas velas acendeu. Em
seguida, inspecionou o aposento. Apesar de frio e sujo, o lugar era agradável. Estranho que alguém
o tivesse abandonado como estava.
A maioria dos espíritos se escondia, porém, Lucien os via naqueles lampejos de luz no teto
ou nos cantos. Como sempre, o temor deles parecia mais forte do que o seu. Logo, perceberiam que
ele não significava uma ameaça, o que lhe daria a chance de se comunicar com os mais corajosos.
Ele gostaria muito de saber o que havia acontecido no Honeycutt Hotel.
Algo sombrio, além dos espíritos, vagava por ali. Lucien sentia-o em lugar de vê-lo. Ele já
tinha visto muita coisa em suas lides, o suficiente para saber que o hotel não o agradava. Um arrepio
de aviso percorreu-lhe a espinha. Este não era o lugar adequado para a excursão da sociedade
secreta. Mas era interessante e nada que ele não pudesse enfrentar.
Lucien planejava examinar o hotel inteiro essa noite e, na manhã seguinte, voltar a
Plummerville. Sabia que nunca deveria ter saído de lá. Mas os planos para o casamento e os
parentes de Eve o tinham exacerbado demais. Por que a cerimônia não podia ser feita apenas pelo
juiz de paz local? Eve queria mais e teria.
Lucien levantou o candelabro para iluminar o aposento inteiro. Gostaria de trazer Eve na
próxima vinda ali. Ele falaria com os fantasmas e ela faria anotações. Juntos, descobririam por que
os espíritos estavam presos ali e, então, ele os mandaria embora.
Apenas pensar em Eve o acalmou. Ela era mais do que a mulher que desejava como
esposa. Era sua amante e amiga. Verdadeiro milagre tê-la encontrado. A vida inteira, havia se
sentido solitário e sido considerado um tipo esquisito como o antipático sr. Phillips afirmara. Com
Eve, ele era diferente. Muito melhor. Ela havia transformado sua existência triste apenas ao amá-lo
e permitir-lhe que retribuísse seu amor.
Ao ouvir o som de passos no andar de cima, Lucien levantou a cabeça. As paredes
estalaram e a luz das velas bruxuleou. Resolveu ir investigar. Uma lástima não ter trazido o
registrador de espectro.
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Lucien desceu a escada de volta ao vestíbulo, o candelabro bem erguido para iluminar os
degraus. O Honeycutt Hotel era um lugar fascinante, mas nem um pouco seguro para as moças da
sociedade secreta. Depois do casamento, ele voltaria para uma breve visita, durante o dia. Então,
traria os aparelhos para documentar o que encontrasse.
O casamento. Ele amava Eve do fundo do coração, mas detestava a idéia da cerimônia
religiosa. Não havia lhe dito isso, claro. Ela ansiava por algo específico e especial, portanto, o teria.
Lucien não gostava de pregadores, mas o reverendo Watts era um sujeito simpático. Viúvo
e novo em Plummerville, tinha chegado duas semanas antes do Natal a fim de conduzir o rebanho
da igreja Metodista. Eve gostava dele e era tudo que importava. Lucien detestava a idéia de vestir
seu melhor terno e fazer as promessas diante.de pessoas, nem todas amigas. Mas, por Eve, estava
disposto a se sacrificar.
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A cada novo dia, Eve o surpreendia. Ela era linda não apenas fisicamente, mas no íntimo
também. Boa de coração e de alma pura. E lhe pertencia. Para proteger, amar e cuidar dela para
sempre.
Ele quase havia arruinado tudo uma vez, porém, a vida voltara a ficar bem. Eles se
pertenciam para sempre. Dar um dia para o casamento desejado por Eve era muito pouco.
Estaria ficando muito quente ali? Lucien pôs o candelabro de volta no balcão. Já tinha
largado o sobretudo no sofá e, agora, livrava-se do paletó. Mesmo assim, sentia muito calor. Fazia
frio lá fora e ele não tinha acendido a lareira. Por que estaria tão quente ali?
Os fantasmas, que eram lampejos de luz, começaram a tomar forma como, às vezes,
acontecia. Sem se alarmar, Lucien os viu adquirir aparência. Homens, mulheres e até uma criança.
Todos tinham as expressões trágicas daqueles cujas vidas terrenas continuavam inacabadas. Numa
voz calma, ele disse:
— Vocês estão todos mortos e já é tempo de irem embora. Serão mais felizes no além, eu
lhes garanto.
O que os prendia ali? A maioria dos espíritos, após a morte, passava para o outro lado de
boa vontade e facilmente. Traumas ou sofrimento emocional seguravam alguns aqui. Esses eram os
espíritos que ele ajudava a terminar a passagem.
Como se fossem um só, os fantasmas se aproximaram dele.
Rostos tão tristes. Uma das mulheres estendeu a mão e a criança abriu a boca como se
fosse falar. Então, todos desapareceram.
Lucien suspirou. Geralmente não era fácil. Mandar embora espíritos presos, às vezes, dava
certo, mas havia algo mais agindo ali. Quando voltasse outra vez, verificaria o que era necessário
para enviar as almas ao além. Não achava que Eve deveria vir também. Algo neste lugar estava
errado. Tentaria convencer Hugh e Lionel a ficar mais uns dias na cidade. Sem dúvida, eles seriam
de grande ajuda ali.
Eve. Deus do céu, como sentia falta sua. Não queria se encontrar sozinho naquele maldito
hotel! Queria estar com ela, em sua cama. Na cama deles. Apesar de breve, a separação o fazia
sofrer de uma maneira inesperada.
Como tudo tivesse ficado calmo por uns momentos, Lucien não estava preparado para o
espírito inquieto entrar em seu corpo sem permissão. Foi como um golpe no peito, uma facada no
coração. Caiu de joelhos quando um segundo espírito invadiu-lhe o corpo, depois outro e mais
outros. Tentou expulsá-los, mas eles estavam prontos para resistir. Não podia lutar contra todos.
Tinham vindo quase juntos, furiosos, presos ali por tempo demais. Queriam falar através dele.
Sua boca emitia vozes que não eram a sua, a cabeça estava cheia de ódio, horror e
lembranças terríveis. Era demais para a mente de uma única pessoa suportar, porém, ele tentou.
— Saiam — conseguiu ordenar com a própria voz.
Tarde demais. Lucien não conseguia controlar tantos espíritos. Lidar com um único já o
deixava exausto, enfrentar um sem fim deles, no próprio corpo, depressa o esgotou.
Havia morte ali, além de sofrimento e medo. E algo maligno espreitava atrás de tudo.
Com as forças exauridas, Lucien caiu no chão, a testa quente apoiada no soalho frio.
— Eve — murmurou uma única vez.
Chá a acalmaria, Eve pensou ao entrar na cozinha. A idéia era boa, porém, ela não
acreditava no efeito. Nada a acalmaria, exceto ver Lucien entrar pela porta.
Garrick tinha prometido ir esperar Hugh e Lionel na estação e levá-los à pensão.
Enquanto Eve punha açúcar no chá, a tia apareceu na cozinha.
— Aí está você, Eve — disse baixinho.
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CAPÍTULO III
De um canto da entrada da igreja, Eve observou as costas das pessoas sentadas nos bancos.
Viu chapéus elegantes das senhoras e cabelos bem penteados dos homens presentes. O murmúrio de
vozes ressoava pelo ar, os convidados, inclinados uns para os outros, falavam em voz baixa. Alguns
deviam conjeturar por que a cerimônia ainda não tinha começado. Outros sabiam que Lucien não
tinha voltado da malfadada excursão.
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Apesar do dia frio de inverno, a pequena igreja estava repleta. Além dos residentes da
cidade, havia as pessoas de fora.
Tia Constance, com um exagerado chapéu enfeitado com flores de seda, e tio Harold
sentavam-se no primeiro banco, no lado da noiva. Penélope e Millicent, vestidas em tons diferentes
de rosa, acomodavam-se entre os pais.
Os membros da Sociedade de Almas Penadas de Plummerville, que não tomariam parte na
cerimônia, Katherine, Garrick e Buster, sentavam-se juntos. Como o homem mais bem vestido da
cidade, Garrick tinha caprichado na indumentária. Buster usava, sem dúvida, seu melhor terno.
Como sempre, Katherine mantinha o luto da viuvez, mas com um vestido mais bonito do que os de
costume. Daisy, que esperava na antecâmara, onde ela e Eve haviam se aprontado, era o sexto
membro da sociedade secreta e dama de honra da noiva.
Entre as pessoas vindas de fora, havia Hugh Felder, Lionel Brandon e O’Hara. Este não
tinha sido convidado para o casamento. Eve achava que Lionel e Hugh tinham lhe pedido para
acompanhá-los, pois pensavam que o convite dele havia se extraviado. Ou então, O’Hara se
convidara, ela calculou. Sabia-se que ele não cultivava boas maneiras. Os três haviam chegado na
véspera e nenhum se surpreendera ao saber do paradeiro de Lucien.
Os três tinham habilidades como Lucien, embora o dom de cada um se manifestasse de
maneira diferente. Os quatro formavam um grupo notável. Hugh Felder já ia completar quarenta e
cinco anos e apresentava-se com dignidade serena. Seus cabelos escuros já embranqueciam nas
têmporas, as feições eram bem feitas e os óculos combinavam com elas. Aos vinte e seis anos,
Lionel Brandon era quase tão alto quanto Lucien, também tinha olhos azuis, embora mais claros, e
usava cabelos compridos. Apenas estes, lisos e loiros, diferenciavam-se dos ondulados e castanhos
de Lucien. A presença de Lionel na cidade havia provocado um grande alvoroço nas moças.
Eve também já havia considerado O’Hara bonito. Ele usava os cabelos castanhos bem
curtos e tinha traços atraentes, apesar de um tanto irregulares. Ele podia ser encantador quando
queria, mas não tinha o mínimo gosto para se vestir. O’Hara apreciava tecidos com listras ou
xadrez; mesmo assim, ela o achava adorável. Mas isso fora antes de ele tentar enfiar a mão sob sua
saia para tocar o que não tinha direito.
Eve havia trabalhado com eles todos no passado. Documentava fenômenos psíquicos e
escrevia artigos para revistas e livros especializados no assunto. De certa forma, eles eram amigos,
ou tinham sido.
Lucien ia ficar furioso quando visse O’Hara. Ela nunca devia ter-lhe contado o incidente
desagradável e atrevido. Ele dizia que ainda tinha contas para acertar com O’Hara.
Hugh ia ser o padrinho de Lucien e esperava, em pé, num canto na frente da igreja e ao
lado do reverendo Watts. Lionel e O’Hara sentavam-se num banco, no lado do noivo. Com as
cabeças juntas, conversavam baixinho como as outras pessoas.
Quase todos os moradores da cidade estavam ali. A metade acreditava nas habilidades de
Lucien e a outra o considerava um ilusionista. Mas todos queriam vê-lo se casar.
Mas onde estaria ele?
Em se tratando de Lucien, meia hora de atraso não era motivo de alarme. Mesmo assim,
Eve ficava mais nervosa a cada minuto que passava. Ele já a tinha deixado diante do altar uma vez e
as contrações do estômago daquela ocasião já se faziam sentir. Lucien se desculpara muitas vezes e,
sem dúvida, não lhe faria a mesma coisa novamente.
Daisy saiu da antecâmara, aproximou-se de Eve e murmurou:
— Onde estará Lucien? Ele deveria estar aqui séculos atrás!
— Lucien virá — Eve afirmou, confiante.
Como sempre, Daisy estava linda com o vestido azul, enfeitado com flores de seda. A cor
era perfeita para ela, pois ressaltava o azul dos olhos e o corado das faces.
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O modelo do vestido de noiva de Eve era mais simples do que o de Daisy, mas muito
elegante. De cetim, enfeitado com pérolas pequeninas e a renda mais delicada que Laverne, a
costureira, tinha encontrado. A saia era ampla e a cauda não muito longa. Uma grinalda de flores
delicadas prendia o véu. Lucien adoraria ambos e a acharia linda com eles.
Caso desse o ar da graça!
Culpa dos tios. Eles o tinham afugentado. Eram intoleráveis, Eve sabia. Mas, no dia
seguinte, voltariam para Savannah.
Lucien e ela já se consideravam marido e mulher. Os parentes não podiam saber, claro. O
casamento era apenas uma formalidade, uma convenção. Porém, não o seria sem o noivo.
O estômago de Eve contraiu-se mais. Lucien achava que investigar um hotel velho seria
mais interessante do que aturar seus parentes por dois dias. Ele não tinha levado em consideração
seus sentimentos nem por um segundo. Lucien deveria saber o quanto ela precisava de sua
companhia, embora tivessem a interferência dos parentes irritantes e precisassem dormir separados
por três noites. Ele deveria saber...
— O que você vai fazer se Lucien não aparecer? — Daisy murmurou.
— Ele estará aqui — Eve respondeu.
— Mas se...
— Ele estará aqui! — repetiu, enfática.
Daisy pôs a mão em seu ombro e ofereceu um sorriso lindo.
— É claro que ele estará aqui. Não sei em que estava pensando ao supor que talvez não
viesse. Ele adora você, Eve. Chegará a qualquer momento.
Era uma tentativa carinhosa, mas tola, de acalmar os nervos ralados de Eve. Para distraí-la
mais um pouco, Daisy perguntou:
— Aquele simpático Lionel Brandon falou em mim quando você o encontrou hoje de
manhã?
— O quê? Ai, não.
— Eu o vi rapidamente quando ele e os amigos chegaram ontem à noite na pensão. Ele é
muito vistoso. Lembra um viking bem vestido.
Eve desviou a atenção para os convidados na igreja. Não tinha tempo para analisar o
interesse de Daisy por Lionel. Um viking? Deus do céu! Numa voz sem inflexão, disse:
— Ele é atraente, penso, mas vocês dois não têm nada em comum.
— Temos você e Lucien — Daisy afirmou, animada.
Eve a ignorou. Os convidados, inquietos, começavam a se mexer e as vozes elevavam-se.
Quando a porta abriu a suas costas, Eve respirou aliviada e virou-se depressa. Uma lufada
de vento agitou-lhe a saia e o véu antes de a porta fechar.
Não era Lucien que entrava, mas um menino de uns doze anos, com um papel amassado na
mão. Ofegante, ele indagou:
— A senhorita é Eve?
— Sim — ela balbuciou com o coração disparado.
Só íntimos a chamavam de Eve. Alguma coisa estava errada. Caso contrário, ele teria
vindo. Não a deixaria esperando na igreja, com o vestido de noiva, se estivesse ao alcance dele.
— Vim o mais depressa que pude. Foi o que ele pediu. Corri até em casa para avisar minha
mãe do que estava acontecendo e, então, vim a galope — o menino explicou.
— Tenho certeza — Eve murmurou enquanto desdobrava o papel que ele tinha lhe
entregado.
Ao ler a nota, seu sangue gelou nas veias. As mesmas palavras eram repetidas um sem fim
de vezes. Eu não esqueci. Eu não esqueci. A página inteira, de alto abaixo, só continha isso. Mas a
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CH 322 – Sombras de Inverno (Shades of Winter) Linda Fallon
escrita não era uniforme. Com frequência, mudava de uma caligrafia infantil para a de alguém
instruído ou para a de um adulto pouco letrado. Havia, pelo menos, seis tipos de caligrafia que ela
podia distinguir de relance.
— Onde está ele? — Eve indagou.
— Eu o encontrei no velho Honeycutt Hotel. Exatamente onde Garrick tinha dito que
Lucien estaria.
— Eu caço por lá sempre e o cavalo dele estava na frente do hotel fazia mais de um dia —
o menino continuou. — Fiquei pensando se não tinha acontecido alguma coisa. Depois que
encontrei o moço e ele me pediu para trazer o bilhete, levei o cavalo dele para casa e peguei o de
minha mãe para vir, pois não gosto de cavalgar um animal estranho. Não se preocupe com o cavalo
do moço. Minha mãe está cuidando dele.
— Muito bem — Eve disse em voz firme.
Ela queria chorar e gritar, mas o grito estava preso na garganta, o peito, apertado e o
estômago, mais contraído ainda. Porém, não havia tempo para uma crise de histeria.
— O que aconteceu com Lucien? Ele está machucado? Doente?
— Não sei, moça. Ele estava sentado no chão, balançava o corpo para frente e para trás e
falava sem parar.
— Sobre o que ele falava?
— Não sei. Era um monte de palavras que não dava para entender. Eu acho, moça, que ele
não está bom da cabeça. Mas insistiu para eu vir entregar isso para Eve, na Igreja Metodista de
Plummerville e aqui estou eu.
— Obrigada. Como você se chama?
— Elijah. Minha mãe teria ido ver seu amigo, mas machucou a perna uns dias atrás e quase
não pode andar.
— Não tem importância — Eve respondeu, distraída.
Elijah olhou para o interior da igreja.
— A senhorita vai se casar hoje?
Eve suspirou.
— Pelo jeito, não. Elijah, quero que você espere aqui um instante e, depois, me leve até o
tal hotel.
— Tudo bem, moça. Mas acho melhor se apressar se quiser chegar lá antes do escurecer.
Ela assentiu com um gesto de cabeça e, finalmente, começou a percorrer a nave central, em
direção ao altar, mas em passos rápidos. Daisy a seguia.
— Eve, o que você está fazendo? — indagou baixinho.
— Você ouviu o que o menino contou. Lucien está com problemas. Vou procurá-lo e o
trazer para casa.
Enquanto Eve se aproximava do altar, o reverendo Watts aproximou-se, acompanhado por
Hugh. Mas, com um gesto, ela os afastou antes de virar-se para os convidados.
— Lamento, mas não haverá casamento hoje — avisou sem trair a emoção, o coração
disparado e grito ameaçando escapar.
Tia Constance levantou-se depressa.
— Outra vez?! Eve, esse comportamento é simplesmente inaceitável!
Eve a encarou.
— Acabo de receber a notícia de que Lucien está doente e vou buscá-lo.
— Doente? Onde? O que aconteceu? — Hugh indagou ao desviar-se do pastor.
— Não tenho tempo para explicar. Preciso me apressar se quiser chegar lá antes do
escurecer.
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CH 322 – Sombras de Inverno (Shades of Winter) Linda Fallon
Logo seria noite. Escuridão novamente. O céu, do lado de fora das janelas, já se tornava
cinzento. Os espíritos adoravam a noite. O início da primeira ali não tinha sido muito ruim, Lucien
refletiu. Com o candelabro, havia inspecionado quartos vazios e depois voltado ao andar térreo a
fim de descansar umas horas antes de voltar para Plummerville. Não tinha se concentrado muito na
situação e, ao distrair-se, a mente se tornara vulnerável. Os espíritos aproveitaram e o invadiram.
Ele tinha sido subjugado tão depressa que não fora possível defender-se.
A véspera tinha passado num entorpecimento nebuloso. Mas o dia não havia sido tão ruim
quanto a noite que o seguira. Nela, o aposento ficara imerso na maior escuridão e as horas
tornaram-se longas demais, o que o fez perder a noção de tempo. Seria meia-noite ou quase o
amanhecer? Ele estaria deitado ali havia horas ou poucos minutos? Os espíritos o tinham dominado
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no escuro, dançado ao seu redor e dentro dele. Lucien não tinha certeza se sobreviveria a outra noite
igual àquela.
Deitado de costas no chão do vestíbulo e com a sensação de estar sem ossos, olhava para o
teto. Durante os seis anos de abandono, o hotel tinha se enchido de fantasmas turbulentos e que
gostavam de ser notados.
Todos queriam falar através dele. Quase sempre, com seu alto grau de controle, era
possível encaminhar espíritos, mas estes o tinham possuído de surpresa. O dia inteiro da véspera,
bem como a noite, eles haviam usado seu corpo até que não lhe restasse nada. Ele não tinha mais
resistência física e a mente estava em frangalhos.
Algo mais também estava ali. Vigiando. Esperando. Apreciam do seu sofrimento. Ele não
podia apreender bem o que era essa força maligna, mas a sentia, o que o enregelava até o âmago.
Nos momentos ocasionais de lucidez, Lucien pensava em Eve e isso o ajudava a manter a
sanidade mental.
Deitado no chão, sentia ou muito frio, ou calor intenso. E também acabrunhado com a
solidão. Ela o acompanhara por muitos anos sem se fazer notar. Então, ele tinha conhecido Eve e
passado a não querer mais ficar sozinho. Ele ansiava para tê-la a seu lado.
Pelas janelas, Lucien viu que o céu tinha escurecido. Algo batia nos vidros como uma
chuva de pedrinhas.
Granizo e um vento tão forte que soprava pedacinhos de gelo sob a porta. Ele tentou rir e,
mentalmente, o fez. O granizo seria acompanhado de neve. A estrada, cheia de curvas, de buracos e
até de uma vala num trecho, ficaria intransponível. Ninguém o encontraria e ele não sobreviveria à
noite.
Uma voz, que não era ã sua, saiu-lhe da boca:
— Você gostará daqui.
Centenas de vezes, tinha pedido aos espíritos que o dominavam para deixá-lo ir embora.
Na véspera, num momento de lucidez e antes de enfraquecer demais, havia tentado sair pela porta
da frente. Ela se recusara a abrir. As janelas estavam emperradas e a porta da cozinha também não
abria.
Mas, naquela manhã, o menino que o tinha encontrado abrira a porta da frente com
facilidade.
A casa e os espíritos nela não queriam que Lucien se fosse.
— Com seu espírito aqui, seremos mais poderosos do que jamais fomos — a voz estranha,
vinda de sua boca, afirmou.
— Não ficarei — ele insistiu.
— Ficará, sim.
Lucien fechou os olhos e pensou em Eve. Ela era a única coisa boa em sua vida. No
entanto, a tinha deixado esperando-o mais de uma vez. Havia lhe infligido uma grande humilhação
e estraçalhado seu coração, Eve não viria porque não tinha conseguido perdoá-lo pela segunda vez.
E se não fosse ela, quem mais viria? Ninguém.
Se o espírito que o ocupava estivesse certo, ele jamais escaparia deste lugar.
Granizo! Como se não bastasse terem sido forçados a abandonar a carroça, em que ela,
Daisy e Katherine iam, por causa de uma vala no meio da estrada, agora granizo fustigava-lhes os
rostos.
Eve e as outras duas iam na garupa dos homens, a que não estavam acostumadas. Ela na de
Hugh, Katherine na de Buster e Daisy nade Garrick. O’Hara, Lionel e Elijah cavalgavam sozinhos,
o menino conduzindo o cavalo que puxara a carroça.
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CAPÍTULO IV
Com muita dificuldade, Eve fez Lucien se sentar e amparou-lhe o corpo inerte com o seu.
Logo, os outros entravam pela porta. Elijah vinha na frente.
— Na cozinha vão encontrar velas, eu acho — disse, apontando a direção. Katherine e
Buster correram para lá. — Também deve haver cobertores lá em cima. Os senhores precisam de
algum conforto para passar a noite no hotel.
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— Não! Impossível ficar aqui. Temos de tirar Lucien já deste lugar — Eve argumentou.
Hugh ajoelhou-se a seu lado e tomou o pulso de Lucien.
— Não podemos ir embora agora à noite, Eve, sinto muito. Está quase escuro, o granizo
cai com força e Lucien não está em condições de viajar.
Eve pensava que Lucien só estava morto de frio. Viu o sobretudo no sofá e o paletó jogado
no chão. Apenas a camisa branca, a calça, as meias e os sapatos o protegiam.
— Eles querem que Lucien morra. Ele não pode ficar aqui — murmurou como se os
espíritos não pudessem ouvi-la se falasse em voz baixa.
— Lucien não está mais sozinho. Nós vamos protegê-lo — Hugh prometeu numa voz
reconfortante.
— Como?
— Não se aflija. Ele ficará bem agora que estamos aqui — Hugh garantiu com um sorriso
meigo.
Desde o falecimento de Bernard Abernathy, quatro anos atrás, Hugh Felder tinha sido
como um pai para Eve. Bondoso, protetor, discreto e reservado, ele era mais querido como um
parente do que Constance jamais seria. E, da mesma forma, era de Lucien a quem tinha orientado.
Também o fizera a Lionel e O’Hara. Quando eles se sentiam perdidos, Hugh lhes mostrava o
caminho.
O’Hara andava pelo aposento, examinava cantos escuros, falava sozinho, punha as mãos
em vários lugares das paredes e parava por uns instantes a fim de absorver as informações obtidas
daquelas formas. Ao passar muito perto de Daisy, ela abafou um grito e afastou-se depressa. O’Hara
reagiu com um sorriso. Cada família, por laços sanguíneos ou por opção, tinha sua ovelha negra.
O’Hara era a deles.
Katherine e Buster voltaram da cozinha com velas e fósforos e as acenderam até o
vestíbulo ficar imerso numa luz aconchegante.
Lucien abriu os olhos e murmurou:
— Eles não me deixarão ir embora. Tentei muito. Por nada deste mundo eu a deixaria
esperando na igreja.
— Eu sei — Eve sussurrou.
— As portas e as janelas não abriam. Quando quis quebrar o vidro de uma, eles me
puxaram para trás. Nunca perdi o controle desta forma antes, Eve. Jamais.
Ela não queria ficar ali, mas Hugh tinha razão. Era muito perigoso levar Lucien naquelas
condições. Teria de se contentar em levá-lo no dia seguinte.
— Não fale, Lucien. Esta noite você vai descansar e, amanhã cedo, nós todos sairemos
daqui. Mesmo que eu tenha de derrubar as paredes — Eve prometeu.
Lionel, com os cabelos compridos emaranhados pelo vento e molhados pelo granizo
derretido, aproximou-se.
— Este hotel está numa atividade extrema.
— Está mesmo — Hugh concordou.
— Tenho um mau pressentimento sobre o lugar. Creio que o instinto de Eve está certo.
Talvez devamos ir embora agora à noite — Lionel sugeriu.
Hugh olhou em volta.
— Não sei. Transportar Lucien nesse estado físico não vai ser fácil. Onde está o menino?
Naquele instante, Garrick entrou correndo pela porta da frente e a bateu com força.
— O granizo virou neve — informou ao livrar-se dos flocos brancos.
— Como? Quase nunca neva por aqui — Daisy comentou ao correr para uma janela.
— Tivemos uma grande nevasca alguns anos atrás — Katherine disse.
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CH 322 – Sombras de Inverno (Shades of Winter) Linda Fallon
— É verdade. Mas não se preocupem porque passa logo. Cairá um pouco esta noite e,
amanhã, o sol aparecerá e derreterá tudo — Buster garantiu.
Hugh tomou a perguntar:
— Onde está o menino?
Foi Garrick quem respondeu:
— Elijah foi embora e levou os cavalos para o sítio dele onde há um estábulo para abrigá-
los. Ele disse que amanhã cedo vai nos trazer alimentos.
Lionel suspirou.
— Vejo que somos obrigados a passar a noite aqui.
Eve afastou os cabelos do rosto de Lucien. Ele estava tão pálido, com uma cor estranha
acentuada pela barba por fazer. Quando teria ele se alimentado pela última vez? Ao se envolver com
casas mal-assombradas, ele esquecia de cuidar de si mesmo. Era um dos motivos pelos quais
precisava dela. Aliás, a necessidade era mútua. No momento, ela não sabia como ajudá-lo.
Estavam todos presos ali pela escuridão, a neve e o simples fato de os cavalos terem sido
levados para um abrigo.
— Não estou gostando disto nem um pouco — Eve afirmou.
Lucien a fitou e murmurou:
— Nem eu.
Encostada numa parede, Daisy admitiu que deveria ter se oferecido para ficar em
Plummerville a fim de fazer companhia aos parentes de Eve em sua ausência. Não havia nada que
ela pudesse fazer ali. Não sabia lutar contra fantasmas. Afinal, não via nada nos cantos como Lucien
e os amigos percebiam obviamente.
Mas quando Eve tinha dito que viria buscar Lucien, ela se sentira obrigada a acompanhá-
la. Amigos verdadeiros deviam oferecer apoio em momentos de crise. O fato de o atraente Lionel
Brandon ter se voluntariado antes não a tinha influenciado. Bem, quase nada.
Agora, que se encontrava no Honeycutt Hotel, ocorria-lhe que cuidar dos parentes de Eve
teria sido um emprego melhor de seu tempo. Havia chegado a essa conclusão porque não gostava
dali nem um pouco. Podia não ter a capacidade de Lucien e dos amigos para ver certas coisas, mas
possuía instintos. O hotel era um lugar muito ruim.
O’Hara tornou a passar perto de Daisy e a mão roçou em seu corpo. Ele tinha bastante
espaço para andar sem chegar perto e tocá-la. Daisy desviou-se depressa e dirigiu-lhe um olhar de
aviso.
Como sentisse a necessidade de ser útil, ela foi para o centro do aposento. Também ali
O’Hara não se atreveria a tocá-la diante dos outros.
— Calculo que devamos nos preparar para passar a noite. Será que existe algum alimento
aqui? Elijah prometeu nos trazer alguma coisa amanhã cedo. Podemos esperar até então, claro, mas
se há alguma coisa na cozinha...
— Não vi nada lá — Katherine informou.
Uma lástima não poder passar o tempo cozinhando, Daisy refletiu. Não que gostasse desse
serviço, mas seria bem melhor do que ficar ali no vestíbulo onde um malandro atrevido tentava
tocá-la quando passava por ela.
Hugh levantou-se do chão onde Eve sentava-se e amparava Lucien.
— Não temos o que comer, mas a srta. Willard está certa. Temos de nos preparar para a
noite. Precisamos acender a lareira e verificar se há camas em condições razoáveis.
Daisy desviou o olhar de Hugh para observar as feições bonitas de Lionel. Ela já vira
homens atraentes, porém, este era lindo!
— Será que se importaria de verificar se precisamos de algo mais, srta. Willard? — Hugh
Felder indagou.
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CH 322 – Sombras de Inverno (Shades of Winter) Linda Fallon
Daisy voltou a fitá-lo e fez um gesto afirmativo com a cabeça. Eve sempre falava sobre o
sr. Felder como se ele fosse idoso, um tipo de avô. Por isso, havia se surpreendido muito ao
conhecê-lo. Ele não era idoso, embora mais velho do que os amigos. Os óculos e os cabelos brancos
nas têmporas lhe davam um ar de distinção, mas jamais o de um avô.
— Claro. Precisamos pendurar as capas e sobretudos tão logo o fogo esteja aceso, Eles
deverão estar secos para a viagem de volta amanhã.
— Idéia muito oportuna — Hugh elogiou com um sorriso. Em seguida, pediu a Garrick e
Buster para providenciar lenha e acender o fogo.
Daisy tirou a capa e sacudiu-a. Não tinha a mínima intenção de ficar sozinha num quarto
desse hotel, onde teriam de passar a noite. Estremeceu.
Eve murmurava algo para Lucien, alisava-lhe os cabelos e o acariciava no rosto. Que Deus
a ajudasse. Ela temia tanto por Lucien. Daisy não a culpava. Ele não estava nada bem. Além da
palidez extrema, as mãos tremiam e ele só ficava sentado graças ao esforço de Eve.
Os dois se amavam tanto que, às vezes, Daisy os invejava. Ela já tinha recebido propostas
de casamento, porém, o tipo de amor encontrado pelos amigos não surgia em sua vida. Ela não
queria menos do que Eve e Lucien possuíam. Ao mesmo tempo, temia o amor. Ele exigia algo que
ela não tinha certeza se seria forçada a oferecer. Sentia-se dividida. Uma parte sua ansiava pelo
amor e outra o temia.
Daisy aproximou-se de Eve e, numa voz suave, disse:
— Eve, deixe eu tirar sua capa. Está molhada.
— Não posso largar Lucien. Não quero que ele volte a deitar no chão frio como o
encontrei. Ele estava meio fora de si. Deste jeito, melhorou. É possível que eles o deixem enquanto
eu o estiver segurando — Eve explicou baixinho.
Hugh ajoelhou-se do outro lado de Lucien.
— Eu o amparo enquanto você tira a capa. Não podemos permitir que você se resfrie.
Eve livrou-se da capa e a entregou a Daisy enquanto dizia:
— Todos estão preocupados que eu apanhe um resfriado. Tolice.
Ela estava linda com o vestido de noiva, Daisy pensou ao pegar a capa. Eve sempre insistia
que era sem graça. Um grande engano. Ainda mais naquele dia. Os cabelos, de um castanho
dourado, tinham sido arrumados num penteado elaborado e elegante. Infelizmente, o sacolejar da
viagem havia soltado um tanto deles e o vestido estava muito amarrotado. Mesmo assim, ela
continuava linda.
Quando Hugh largou Lucien nos braços de Eve, pediu:
— Lionel, veja se pode encontrar um quarto sossegado lá em cima para Lucien. Leve
O’Hara com você.
— Um quarto sossegado? — Daisy indagou enquanto os dois homens subiam a escada.
— Numa casa como esta, onde há muita atividade fora do comum, existem poucos lugares
calmos. São apenas os aposentos pequenos onde a movimentação é menor. Precisamos encontrar
um quarto tranquilo para Lucien recuperar a energia perdida — Hugh explicou com ar sério.
— Entendo — ela murmurou.
Hugh retornou a atenção para Lucien e Daisy afastou-se um pouco. Desde a chegada dos
três na véspera à tardinha, a cidade estava em polvorosa. Lionel era admirável, claro, tinha um
sorriso lindo e mancava um pouco, o que lhe dava um ar misterioso. Segundo ela ouvira, isso era
temporário e consequência de uma fratura recente na perna.
As moças estavam fascinadas por O’Hara e a maneira com que ele flertava. O homem não
se parecia nem um pouco com os sitiantes ou empregados do comércio da região, o que as excitava.
Ele tinha um certo encanto, Daisy admitiu. Mas todos os malandros não tinham?
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CH 322 – Sombras de Inverno (Shades of Winter) Linda Fallon
Mesmo Hugh Felder, um quarentão, conseguia virar umas tantas cabeças. Ele possuía
dignidade e um fascínio discreto.
Daisy voltou a pensar em Lionel. Ainda não o conhecia bem para saber se havia uma
possibilidade de romance entre eles. No momento, sentia-se atraída pelo sorriso e pelo corpo alto e
esbelto dele.
Porém, seria impossível saber se ela e Lionel combinavam, a não ser se conversassem
algumas vezes a sós. Havia uma expressão específica que surgia no rosto de um homem que se
interessava por ela de maneira romântica. Ela conhecia esse sinal. Até então, não havia dado
atenção aos que o exibiam.
Talvez Lionel Brandon fosse o homem perfeito para ela. Porém, desde sua chegada na
véspera, ele não se dignara a lhe dirigir um único olhar, muito menos aquele de interesse romântico.
Daisy continuou a observá-lo. Tão logo Lucien melhorasse, ela se esforçaria para que
Lionel a notasse.
O’Hara e Lionel carregaram Lucien escada acima. Eve foi logo atrás, com uma vela, e
Hugh, na frente, com outra para iluminar o caminho.
O quarto sossegado, escolhido por Lionel e O’Hara, ficava no fim do corredor do segundo
andar. O fato de não ser no terceiro deixou Eve aliviada. Carregar Lucien não tinha sido fácil.
No quarto, Hugh pôs a vela na cômoda empoeirada e foi ajudar os outros dois a deitar
Lucien na cama já arrumada. O hotel estava abandonado havia muito tempo, mas Daisy e Katherine
tinham sacudido a roupa de cama e afofado os travesseiros. Podia-se notar que o aposento havia
sido de um certo luxo, mas os anos de abandono tinham lhe apagado o brilho. Apesar de tudo,
Lucien estaria melhor ali do que no chão do vestíbulo.
Uma única vela não iluminava muito, mas estavam economizando as que tinham achado.
Eve deu a sua para Hugh e sentou-se na cama, ao lado de Lucien.
— Vou ficar com você — Hugh disse ao passar a vela para Lionel.
— Não. Vá ajudar a acomodar os outros — Eve murmurou.
— Você tem certeza?
— Claro. Meus amigos de Plummerville estão abalados, eu sei. Nunca tiveram uma
experiência deste tipo. Diga-lhes que ficarei bem e ajude-os a se acomodar.
— Se alguma coisa acontecer... — Hugh começou.
— Gritarei tão alto que me ouvirão lá em Plummerville — Eve afirmou.
Hugh assentiu com um gesto de cabeça. Os três homens saíram e fecharam a porta.
Lucien estava com os olhos fechados, mas começava a recuperar a cor e respirava regular e
profundamente. Eve afastou-lhe os cabelos da testa. O que faria se algo acontecesse a ele? Perder o
pai já havia sido muito difícil, contudo, ela conseguira tocar a vida em frente. Se perdesse Lucien
nunca se recuperaria. Jamais.
Ele entreabriu os olhos e a fitou. Seu coração bateu mais depressa. Ela o amava tanto.
Conhecia-lhe o rosto mais do que qualquer outro. E também o riso, a argúcia, os defeitos e os
atributos mais preciosos dele. Para muitos, Lucien era estranho, perdia-se no trabalho e via coisas
invisíveis a outras pessoas. Era capaz do amor mais profundo e esse amor era seu.
No momento, a luz daqueles olhos, que ela conhecia tão bem, tinha diminuído.
— Está tudo bem? Quer que eu chame Hugh? — Eve indagou.
Com esforço, Lucien balançou a cabeça.
— Não. Está tudo quieto agora. Eles se foram.
— Se voltarem, você me avise logo. Chamarei Hugh e os outros que tomarão providências.
Lucien tornou a fechar os olhos.
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Daisy tornou a olhar para a escada. Hugh e os outros dois afirmavam que Lucien e Eve
estavam seguros naquele quarto, porém, ela não tinha certeza.
Ninguém parecia ansioso para ir dormir. Buster e Garrick tinham arranjado lenha e
acendido a lareira. O vestíbulo estava bem menos frio do que quando tinham chegado. Havia muitos
quartos e camas lá em cima e Daisy não se importava que estivessem empoeirados e sem cuidados
havia muito tempo. Não ignorava que havia espíritos ali no vestíbulo, embora não pudesse vê-los.
Não gostava nada disso.
Katherine bocejou, algo contagioso. Sentada a seu lado no sofá, Daisy também o fez.
Garrick e Buster conversavam baixinho. Será que se arrependiam por ter vindo? Tarde demais. Com
todo o direito, Buster morria de medo de fantasmas e não escondia isso de ninguém. Era um sitiante
simples e não gostava de nada que não pudesse tocar ou ver. Garrick estava fora de seu elemento.
Só se sentia bem com o frasco de uísque numa das mãos e um maço de dinheiro na outra. Todos os
seus problemas ou eram afogados na bebida ou solucionados com o dinheiro do pai. Ambos faziam
parte da sociedade secreta porque achavam interessante e não porque quisessem passar uma noite
num hotel mal-assombrado.
O mesmo podia ser dito a respeito de Daisy. Para ela, a parte mais agradável da sociedade
secreta era a convivência com os amigos de quem gostava muito.
Os motivos de Katherine iam além da sociabilidade, Daisy tinha certeza. Até fazer parte do
grupo, ela vivia muito isolada. Também queria se ver livre do fantasma do marido falecido. Na
verdade, nenhum dos quatro estava preparado para essa excursão.
Um hotel abandonado! Fantasmas! Daisy estremeceu. Não gostava como os três amigos de
Lucien inspecionavam o vestíbulo como se vissem coisas invisíveis para ela. Eram homens
extraordinários cujos dons ela jamais entenderia.
Lucien também possuía um e falava com os mortos. E o que fariam os outros? Seus
poderes seriam diferentes? Gostaria de saber, mas, no fundo, não era corajosa. Não queria ver a
manifestação de tais poderes na situação em que se encontravam.
Katherine levantou-se devagar.
— Senhores, eu gostaria de me retirar para a noite. Que quarto é mais conveniente, caso
isso importe?
O coração de Daisy disparou.
— Katherine, sem dúvida você não quer dormir lá em cima!
— Ora, não aqui embaixo.
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— Vou me retirar para dormir. Existe um quarto que deva escolher ou algum que precise
evitar?
Hugh olhou para O’Hara e arqueou as sobrancelhas.
— Ela está bem — O’Hara garantiu.
— No segundo andar, a segunda ou a terceira porta à esquerda — Lionel explicou. —
Aconselho que não entrem pela primeira e a segunda portas à direita e evitem o terceiro andar
inteiro.
— Na verdade, precisamos descansar — Hugh afirmou.
Daisy levantou-se depressa.
— Vou com você, Katherine, caso não se importe.
Ela não tinha a mínima intenção de ficar sozinha num quarto. Ao passar por O’Hara, ele
perguntou:
— Srta. Willard, não quer mesmo pegar minha mão?
— Não creio — ela respondeu, afastando-se depressa e seguindo Katherine.
Ele apenas riu baixinho.
CAPÍTULO V
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Como se quisesse provar seu engano, a gargalhada se repetiu. Daisy cobriu a cabeça e
começou a rezar.
O’Hara andava de um lado para o outro do vestíbulo. Não conseguiria dormir muito essa
noite. Para sorte sua, ele não precisava de muitas horas de sono. O corpo, às vezes, funcionava com
uma energia que ele jamais compreendera.
Lionel sentava-se no sofá e Hugh cochilava numa poltrona peno da lareira, cujo fogo
estava reduzido a brasas. Como continuassem a queimar, o aposento não estava imerso na
escuridão. Os outros já tinham ido dormir.
Restavam poucos móveis ali, apenas o sofá, três poltronas e o balcão da recepção. Cortinas
pesadas cobriam as janelas altas, mas as menores estavam nuas.
Ao tocar as paredes, O’Hara havia descoberto que esse hotel tinha algo errado. Precisavam
sair dali o mais depressa possível. Muitos dos hóspedes, que haviam se registrado nele, nunca
tinham saído. A maioria dos espíritos presos no lugar não era má e sofria muito. Havia algo maligno
nele. Sem dúvida o hotel tinha alguma coisa errada.
Ele havia sentido o erro ao tocar as paredes, as maçanetas e até o encosto do sofá. Havia
trevas naquele hotel.
Tinha havido uma época em que ele achava que sua habilidade para ver dentro e além de
coisas e pessoas o deixaria lunático. Nada em sua vida era simples. Apenas o ato de cumprimentar
um homem com um aperto de mão lhe revelava coisas que ele não tinha o direito de saber. Tocar
uma mulher sempre deixava a descoberto temores e esperanças das quais ele não queria se inteirar.
Anos atrás, ele chegara ao ponto de não tocar qualquer coisa ou pessoa a não ser que não tivesse
escolha. Não contava a ninguém esse seu dom. No fim, era ele quem tinha temores e segredos.
Então, havia conhecido Hugh que o tinha apresentado aos outros. Saber que não estava
sozinho fora um alívio tão grande que O’Hara havia chorado. Uma vez e sozinho, claro. Lucien
conseguia encaminhar espíritos, Lionel era incrivelmente sensível a forças psíquicas e Hugh tinha
uma combinação mais fraca, mas marcante, de habilidades psíquicas.
O’Hara possuía o poder do toque e ele já o aceitava. Podia pegar a mão de uma pessoa ou
um objeto seu e descobrir coisas sobre ela. Jamais sabia o tipo de informação que receberia. Hugh o
tinha ensinado a minimizar o poder quando desejasse. Ele ainda estava aperfeiçoando a maneira de
emudecê-lo por um período. Aprender a fazer isso tinha lhe salvado a sanidade mental e, talvez, a
vida.
A viúva Cassidy havia oferecido um estudo interessante. Ela era valente por fora, mas
cheia de incertezas e temores no íntimo. O marido tinha sido muito mau e, num instante, O’Hara
havia descoberto as maldades que ele cometera contra a mulher. As sovas e a maneira grosseira com
que se impunha a ela na cama. Mesmo assim, a sra. Cassidy sentia-se culpada por causa do alívio
que a morte do marido tinha lhe causado.
O dia havia sido extenuante. Primeiro, o fracasso do casamento, depois, esse hotel e,
finalmente, Katherine Cassidy. Isso não era, de forma alguma, o que ele esperava ao viajar a
Plummerville a fim de assistir ao enlace de Eve e Lucien. Hugh havia sugerido que seu convite fora
extraviado pelo correio. O’Hara tinha outra explicação. Eve não queria mais manter os laços de
amizade com ele. Mas ele tinha vindo porque achava que seria divertido.
Até então, nada naquela viagem havia sido agradável. Mas poderia mudar. Tudo que ele
realmente queria era tocar Daisy Willard. Seria possível que ela fosse tão meiga e inocente quanto
aparentava? Apenas roçar nela não tinha lhe dado informações precisas, mas ele desconfiava que
houvesse mais do que se percebia. Gostaria de descobrir tudo sobre a srta. Willard, mas não no
Honeycutt Hotel.
A casa toda estalou. Hugh abriu os olhos e Lionel levantou-se.
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A mulher adormecida ao lado era tentadora, mas ele tinha outras coisas em mente.
Liberdade acima de tudo. Com cuidado para não acordá-la, ele saiu de sob os cobertores. Embora
fosse forte, as pernas estavam debilitadas e as mãos tremiam.
Scrydan observou o novo corpo, alto, esbelto e coberto apenas por uma calça amarrotada.
Sim, estava fraco no momento, mas era saudável. Todos os sentidos funcionavam bem, como a
reação à mulher tinha provado. Pôs a mão sobre o peito nu e sentiu o ritmo do coração e o calor da
pele. Sim, estava fraco, mas logo o corpo estaria tão forte quanto o espírito.
Durante anos, tinha se visto preso neste lugar, sem um corpo e sem uma maneira de se
comunicar claramente com as pessoas que passavam por ali. Umas poucas respondiam seu
chamado, mas muitas, não. Indiferentes, seguiam em frente e fora do alcance dele. Então, o hotel
fora construído e ele, finalmente, tinha uma casa. Depois de tantos anos de solidão, ele aprisionava
os espíritos dos que morriam ali. Quando sentia fome por outro, entrava no corpo de uma pessoa
confiante e a dominava, apenas o tempo suficiente para se apossar de outra vida. Essa, acrescentava
à coleção de almas que o mantinham forte.
Este lugar o tinha alimentado bem até que as pessoas haviam parado de vir. Nenhuma
havia sido tão bem-vinda como este homem. Ele nem sabia da possibilidade de existir um corpo que
não só lhe permitisse a entrada como também o sustentasse. Geralmente, a permanência dele num
corpo humano o esgotava. Ficar dentro e controlá-lo, mesmo por pouco tempo, exigia um esforço
imenso. Mas este aqui era diferente. Estava aberto para ser possuído de uma maneira que Scrydan
não imaginava ser possível.
A mulher virou-se na cama. Ele sentou-se a seu lado e a observou. Era bonita e gostava
desse corpo em que ele estava morando. Não havia tido uma mulher fazia tanto, tanto tempo.
Pôs uma das mãos em seu pescoço e, com a outra, tocou-a no ombro que tinha provado.
Havia esquecido a maciez de uma pele sedosa. Seu pescoço era tão delicado e a mão dele, imensa.
Apertou-o levemente.
Algo nele a desejava. Era a função do corpo, de homem para mulher. Compreensível.
Instinto animal. Uma carência humana por prazer. Porém, mais do que queria essa mulher, ele a
odiava. Fora ela que o tinha afastado e resgatado o outro da beira da morte. A alma de Lucien, esse
outro, continuava viva dentro deste corpo, mas estava muito fraca. Recordações do que o homem
tinha sido persistiam ali. Scrydan sabia coisas sobre a vida e o coração dele. Lembrava-se de quase
tudo que o habitante deste corpo conhecia.
A alma de Lucien Thorpe, prendia-se à vida com firmeza. Ainda vivia, em parte, por causa
dessa mulher que habitava no fundo do coração dele.
Não deveria odiá-la e sim ser-lhe grato. Se não fosse por ela, o corpo já estaria morto e
Scrydan jamais teria descoberto o poder milagroso que lhe permitia ficar dentro dele.
Quando Lucien Thorpe havia aparecido naquela casa, Scrydan tinha planejado acrescentá-
lo a sua coleção de almas. E que alma poderosa ela era. Desde o primeiro instante, soubera que
Lucien era especial, mas ignorava que este era um corpo em que ele poderia ficar por um período
tão longo. Também ignorava que encontraria um homem cujo poder estaria a seu dispor, um corpo
que poderia habitar e, eventualmente, possuir.
Naquele momento, Scrydan estava dentro dele. Quando estivesse forte o suficiente e,
Lucien, não mais, ele sairia desta casa para iniciar uma nova vida.
Sairia sozinho.
Eve acordou e viu Lucien sentado na beirada da cama, com uma das mãos em seu pescoço.
Sem camisa, devia estar com frio. Havia parado de nevar e o luar iluminava o quarto.
— O que você está fazendo? Devia estar deitado e dormindo — ela o censurou em tom
brando.
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CAPÍTULO VI
Lucien abriu os olhos devagar. A luz do sol entrava pela janela sem cortinas, iluminando o
quarto abandonado havia tanto tempo. Partículas de poeira dançavam no ar. Na cômoda, a vela tinha
sido apagada quando restava só um toco. Por um momento, ele ficou surpreso por estar vivo. A
certa altura não pensara que morreria?
Sentia um calor agradável. Isso porque Eve deitava-se bem junto a ele, com a cabeça
apoiada em seu ombro. Ela havia dito que, se fosse preciso, o arrancaria do mundo dos mortos para
o dos vivos.
Na véspera à noite, ela havia feito exatamente isso.
Ele se encontrava vivo, mas ainda tão fraco que não conseguia erguer a cabeça. Os
espíritos o tinham invadido e se esforçado para sugar-lhe a vida. Pensar em Eve o ajudara a lutar.
Imagens vagas da noite anterior vagavam-lhe na mente. A chegada de Eve quando eleja se
considerava morto. Ela sentada a seu lado e lhe garantindo que tudo ficaria bem. Mais tarde, ela
havia tirado o vestido de noiva, apagado a vela e deitado a seu lado.
Não se lembrava muito mais da noite passada, porém, a única coisa importante era a
companhia de Eve.
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Achava incrível que ela tivesse vindo procurá-lo depois de ele ter lhe arruinado outra
cerimônia de casamento. A mulher que ele amava queria algo elaborado e não seria um sacrifício
satisfazer-lhe a vontade. Queria ver Eve feliz. Isso não significava que ele apreciaria a cerimônia.
Num canto afastado do quarto, umas poucas luzes piscavam. Dançavam lá sem chegar
perto para atacá-lo como tinham feito quando estava sozinho. E não fariam ali.
— Vão embora — murmurou numa voz rouca e foi obedecido.
Eve continuava a dormir. Por seu sono profundo, percebia que ela estava exausta. Ainda
esgotado por causa do encontro com os residentes do Honeycutt Hotel, ele também se sentia
sonolento.
Algo sombrio, que ele não entendia, prendia os espíritos no lugar como tinha tentado
capturá-lo. Este hotel abandonado era mais do que mal-assombrado. Era uma armadilha na qual ele
quase fora apanhado para sempre.
Quase já adormecido, pensou se Eve havia se lembrado de trazer a colhedeira de
ectoplasma e o registrador Thorpe de espectro.
Daisy estava no terraço, com a capa de lã verde sobre o vestido de dama de honra, porém,
morta de frio. O sol ofuscava ao refletir sobre uma camada alta de neve.
— Não! Isto não é justo! — exclamou. O’Hara surgiu a suas costas.
— Geralmente a vida não é justa, srta. Willard.
Daisy virou a cabeça para trás. Como ele tinha surgido ali sem fazer barulho? Sem dúvida
devia haver muitas tábuas soltas que estalariam sob os passos de alguém.
— Nunca neva tanto por aqui — ela reclamou, irritada.
— Não podemos mais dizer nunca, não acha? — O’Hara indagou, nem um pouco
aborrecido com a situação difícil.
Com aparência relaxada, ele admirava o cenário lindo que rodeava o hotel. Um meio
sorriso, como se ele soubesse um segredo, o deixava quase atraente. Mas O’Hara, graças ao dom
que possuía, sabia muitos segredos, ela imaginava.
Daisy tinha dormido até mais tarde do que esperava. Quando acordara, Katherine já tinha
se levantado e saído do quarto. Daisy havia se vestido depressa, pois queria ficar sozinha o mínimo
possível. Enquanto o fazia e também prendia os cabelos com as mãos e uns poucos grampos,
pensava que logo estaria a caminho de casa. Quando chegasse lá, não arredaria pé tão cedo. Essas
fugidas arriscadas podiam agradar algumas pessoas; ela, porém, preferia sua vida sossegada e
monótona.
Então, havia descido, saído para o terraço e descoberto que tinha dormido durante uma
nevasca.
— Podemos viajar com essa neve toda? — indagou.
Ainda com o meio sorriso, O’Hara a fitou.
— Não será fácil, pois os cavalos não estão acostumados à neve e terão dificuldade. Numa
emergência, poderíamos tentar ir, mas seria arriscado.
— Mas esta é uma emergência, não é? — ela perguntou. Não gostava da maneira com que
O’Hara a fitava. Os olhos, de um azul esverdeado, tinham uma expressão inteligente, bem
humorada, mas perscrutadora. Talvez ele não precisasse tocar uma pessoa para saber seu
pensamento. A idéia lhe provocou um arrepio.
Ele alargou o sorriso.
— Qual é o problema, srta. Willard? Não está se divertindo?
— Claro que não.
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— Prometi que só ficaria aqui uns poucos minutos — ela disse ao pegar um prato e
começar a arrumá-lo. — Se alguém puder servir duas xícaras de café e levar lá em cima, será um
grande favor.
— Providencio isso — Daisy ofereceu ao correr para a cozinha. A amiga sempre se sentia
satisfeita quando tinha algo para fazer.
Além do mais, Daisy sabia como Lucien e ela gostavam de café. Será que havia açúcar e
creme? Não importava, Eve pensou.
— Lucien já pode nos contar o que aconteceu? — Hugh indagou.
— Vamos deixar que ele se alimente primeiro. Depois, veremos — ela respondeu.
Saiu depressa da sala com o prato. O’Hara a seguiu.
— Deixe que eu leve isso — ele ofereceu.
— Não é necessário, obrigada.
Lucien ainda não podia encarar O’Hara.
— Está pesado — ele argumentou.
— Ora, é só um prato — Eve disse ao parar junto à escada.
Ele chegou mais perto e, em voz baixa, começou a falar:
— Na verdade, quero conversar a sós com você sobre a srta. Willard.
Eve suspirou.
— Daisy? Tenha paciência, O’Hara, ela está longe de ser seu tipo.
— Eu sei. Só consigo irritá-la e ela é muito cerimoniosa para meu gosto. Além do mais,
obviamente ela tem medo das coisas que enfrento todos os dias. Eu só queria que você me
explicasse como conquistar sua simpatia — ele pediu com uma expressão que, com certeza, achava
atraente.
Não naquele momento. Ela não tinha tempo para atender o capricho de O’Hara. E, se
tivesse, não adiantaria nada.
— Daisy não está acostumada com homens tão audaciosos. Ela prefere os mais gentis,
reservados e...
— Cansativos — ele terminou.
Eve olhou para o alto da escada. Fraco e precisando dela, Lucien a esperava no quarto.
— Não podemos terminar esta conversa depois? — ela sugeriu.
— Não tenho muito tempo. Tão logo saíamos daqui, não terei outra oportunidade de
apanhar Daisy desprevenida.
— Como assim? — Eve indagou, brava.
— Você sabe o que quero dizer.
— Se sei! E lamento muito.
Ela virou-se para subir a escada, mas O’Hara segurou seu braço.
— Espere. Eu me expressei mal. Você sabe como não tenho o mínimo jeito com mulheres.
— Ele inclinou-se e murmurou: — Gosto de O’Hara e Daisy? A idéia era tão absurda quanto a de
Lionel e Daisy. Por outras razões, claro. Talvez devesse contar a ele que Daisy estava interessada
em Lionel. Depois, se fosse preciso ela explicaria que tal namoro seria pouco provável.
— Mais tarde. Só depois de Lucien se alimentar e voltar a dormir.
— Mais tarde — uma voz profunda e familiar murmurou no alto da escada.
Eve virou a cabeça depressa. Lucien estava lá, apenas com a calça amarrotada. Fraco e
trêmulo, segurava-se no corrimão. Mesmo assim, fitou-a com olhar furioso.
O’Hara sorriu e exclamou:
— Lucien, você está com um aspecto tão melhor do que o de ontem!
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Uma rajada de vento a fez estremecer. No mesmo instante, Garrick tirou o casaco e o pôs
sobre os ombros dela. Deixou as mãos neles uns segundos a mais.
— O que está fazendo? — ela indagou, ríspida.
— Você está com frio.
— E você vai congelar sem seu casaco — Katherine afirmou ao mexer-se a fim de tirar o
agasalho.
Garrick o segurou em seus ombros e, sorrindo, murmurou:
— Deixe que eu, pelo menos uma vez, seja um cavalheiro. Tenho tão poucas chances de
ser gentil com as moças finas de Plummerville.
— Tolice! Você nunca se importou em impressionar ninguém desde que completou quinze
anos. Sempre achou que um sorriso e dinheiro o dispensavam de qualquer gentileza.
O sorriso dele desapareceu.
— Quando eu tinha quinze anos, você...
— Tinha dez — ela completou.
— E se lembra de mim desde aquela época?
Katherine não podia deixá-lo pensar que, mesmo de maneira rápida, se sentira atraída por
ele.
— Claro. Desde então, você já era o menino mais irritante de Plummerville.
Garrick riu alto.
— Desde então? Você está insinuando que ainda sou um menino irritante?
Ela não conteve um sorriso.
— Bem, às vezes.
— Você deveria fazer isso mais vezes — Garrick sugeriu.
— Fazer o quê? — Sorrir.
Seu sorriso desapareceu. Fazia muito tempo que Katherine não tinha motivos para sorrir.
Não importava a beleza da paisagem e o quanto Garrick Hunt podia ser encantador quando queria,
nada tinha mudado.
CAPÍTULO VII
Eve tentou ajeitar-se na cadeira de encosto duro que estalou, mas o ruído não perturbou o
sono de Lucien. Ela, entretanto, sentia-se incomodada. Nunca havia dado atenção a roupas bonitas e
elegantes e tinha sido preciso um grande esforço de Laverne para convencê-la a usar um vestido de
noiva lindo. A bem da verdade, sua vontade era deslumbrar Lucien ao entrar na igreja e que tudo
relacionado ao casamento fosse especial e inesquecível.
Com toda a certeza, fora inesquecível e o vestido era incômodo naquela situação.
Eve estendeu a mão e tocou a testa de Lucien. Estava quente, mas não tanto quanto na
noite anterior. Ele não reagiu. Naquele sono profundo, nem dava por sua presença ali. Geralmente,
quando ela o tocava durante a noite, Lucien acordava com um sorriso, a tomava entre os braços e
eles faziam amor. Lucien Thorpe era o seu homem, amigo e amante. Seria seu destino passar a vida
numa sucessão de dias iguais a este?
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O fogo crepitava na lareira e aquecia o quarto naquela tarde fria. Pensativa, Eve afastou os
cabelos da testa de Lucien. Entre os preparativos para o casamento, ela havia trabalhado sem parar.
Em segredo, transformara um dos quarto vagos de sua casa em escritório para Lucien. Seria uma
surpresa de casamento. Além disso, tinha enviado os convites, providenciado uma ótima recepção
para após a cerimônia e acolhido os tios e as primas. Lucien nem se dera ao trabalho de cortar os
cabelos.
Estaria ela iludida ao pensar que seriam felizes? Não duvidava que se amavam
profundamente. Seria isso suficiente?
— Como está ele?
Eve virou-se e viu Hugh à porta entreaberta.
— Melhor, acho. E os outros como estão sobrevivendo?
Sem desviar os olhos de Lucien, Hugh entrou no quarto.
— Bem, o quanto era de se esperar. Lionel e O’Hara estão examinando a casa de alto a
baixo em busca de respostas. Aqui existe o bastante para manter nós três ocupados até irmos
embora.
— E os outros?
— Estão se adaptando como podem à situação difícil. Os dois rapazes de Plummerville
foram caçar a fim de suplementar os mantimentos trazidos por Elijah. As duas moças tentam se
manter ocupadas na cozinha.
— Ainda bem — Eve murmurou.
Sabia que os quatro, quando tinham ajudado a fundar a sociedade secreta, não imaginavam
o que teriam de enfrentar. Num tom de súplica, acrescentou:
— Cuide bem deles por mim. São amigos muito queridos e, ao virem para cá, não faziam
idéia do que encontrariam.
Ela devia tê-los convencido a ficar em Plummerville, pois não tinham o que fazer ali. Não
se tratava de um passeio e sim de uma missão perigosa de salvamento. E mais arriscada ficara por
causa da neve que os prendia ali. Sem fazer barulho, Hugh aproximou-se da cama e ficou
observando Lucien. Uma expressão preocupada e quase paternal marcava-lhe as feições.
— Sabe, esta situação não é inteiramente por culpa dele — afirmou.
Eve poderia discutir esse ponto, mas o amigo enxergava longe. Disse apenas:
— Ele jamais deveria ter vindo até aqui.
— Não creio que tenha sido por escolha própria. Lucien se sente corroído por dentro por
esse dom que jamais quis ter. Ele aprendeu a controlá-lo, conseguiu uma vida construtiva para si
mesmo, porém, continua determinado a descobrir uma razão científica para as habilidades. Lucien
quer respostas que nunca encontrará. Foi por isso que criou aqueles aparelhos e está sempre lidando
com eles. Também não resiste à tentação de investigar lugares como este. Ele é instigado por uma
força que não compreende.
— Ele poderia ter esperado apenas dois dias, Hugh. Mas não, veio sozinho sem saber o que
encontraria. Está disposto a arriscar tudo, até a mim, para encontrar as tais respostas.
— Lucien te ama — Hugh disse.
— Sei disso. Eu também o amo, mas isso significa que terei de cuidar dele desta forma
pela vida afora? Que vou ser sempre forçada a ocupar o segundo lugar, atrás dos fantasmas dele?
— Não posso esclarecer suas dúvidas.
Eve também não. Todos os temores sufocados nos últimos dois dias subiram à superfície.
— Sabe, Hugh, amo Lucien de todo o coração, porém, não sei se meu amor vai resistir a
tais provações para sempre.
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— Eles são grande parte do problema. Se o que dizem é correto e algo neste hotel quer
manter Lucien aqui para se alimentar dele, será que esse mesmo ente não queira também mais três
homens capazes de ver e ouvir coisas que pessoas normais não conseguem?
— Pode ser — Daisy balbuciou.
— Eu jamais deveria ter entrado para essa ridícula sociedade secreta. Quando você me
convidou para aquele jantar, eu não devia ter aceitado e ficado em casa.
— Só porque Lucien ainda não conseguiu livrá-la de seu fantasma?
Katherine virou-se depressa. Estava lívida e os olhos, muito abertos, revelavam medo. E
ela não era uma pessoa de sentir medo com facilidade.
— O’Hara, aquele charlatão, diz que estou prendendo Jerome aqui. Isso será possível?
— Não sei — Daisy murmurou.
A viúva respirou fundo e soltou o ar devagar.
— E se a culpa for minha? Se eu jamais me livrar dele?
Daisy nunca a tinha visto tão amedrontada. Katherine não temia o hotel ou fosse lá o que
existisse ali, mas sim o marido que a tinha maltratado quando vivia.
— Você vai se livrar dele — garantiu com firmeza.
— Você é muito otimista. Pensa que o mundo é um lugar ordenado onde o bem sempre
vence o mal e tudo se resolve.
— Não existe mal algum em se contar com o melhor.
— Ora se existe! Só nos causa sofrimento — Katherine afirmou.
Antes de Daisy poder protestar, Lionel entrou na cozinha. O leve mancar, os longos
cabelos loiros e o sorriso davam-lhe a aparência de um pirata atraente e bem vestido.
— O cheiro está delicioso — ele elogiou.
— O jantar logo estará pronto — Daisy informou, sorrindo também.
Sentia-se aliviada com o fim abrupto da conversa perigosa.
— Katherine é uma cozinheira excelente — acrescentou.
— Já descobri isso — Lionel disse. — Tenho certeza de que você também é.
Katherine resmungou algo em tom mordaz e Daisy, querendo mudar de assunto,
perguntou:
— Você descobriu alguma coisa importante em sua inspeção do hotel?
A expressão de Lionel tornou-se sombria.
— Talvez — respondeu, lacônico.
Naquele instante, O’Hara apareceu na cozinha.
— Eve vai trazer Lucien para jantar aqui embaixo — contou.
— Isso é ótimo! — Daisy exclamou, contente.
— Não, de forma alguma. Lucien deveria ficar onde está até recuperar as forças
totalmente. Este hotel está lhe minando a energia e, por isso, ele não tem o direito de se expor nas
áreas mais ativas daqui até se encontrar em boas condições — O’Hara argumentou.
— Tenho certeza de que Lucien não se arriscaria a descer se achasse perigoso — Daisy
protestou.
Os dois homens se entreolharam.
— Pensei ter ouvido você dizer que conhecia Lucien bem — O’Hara ironizou.
— Pois conheço, sim.
— Não creio. O homem é impossível! — ele replicou em tom áspero.
Daisy apressou-se em defender o noivo da amiga:
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— Essa idéia não é muito boa — Eve protestou ao amparar Lucien pelo braço.
— Estou bem. Ficarei tão seguro lá embaixo com os outros quanto preso neste quarto.
— Hugh não pensa assim — Eve disse em tom suave.
— Ele é cauteloso demais. Sempre foi.
Lucien estava com aspecto muito melhor, o que a deixava menos apreensiva. Mas o quarto
era o mais sossegado do hotel e mais seguro para ele. Se dependesse de sua vontade, ela o manteria
ali até a hora de irem embora. Porém, Lucien parecia não dar importância a sua opinião.
Saíram do quarto de braços dados. O vestido de noiva de Eve ainda tinha sinais de
elegância apesar do péssimo estado. Lucien estava com a camisa e o terno de que dispunha. Embora
precisasse se barbear e dormir mais, estava corado, pisava com firmeza e mantinha o corpo ereto.
Mesmo assim, parecia outra pessoa.
Todos já os esperavam sentados à mesa do jantar e dirigiram olhares preocupados a Lucien.
Estranho ter a companhia dos convidados para o casamento com suas melhores roupas, já
em condições um tanto precárias, mas de humor razoável, dadas as circunstâncias, Eve refletiu.
Eram as pessoas mais importantes para ela. Se ninguém estivesse presente na igreja, exceto estes
sete amigos, teria ficado feliz. Caso Lucien houvesse aparecido, claro.
Eve e Lucien sentaram-se nas duas cadeiras deixadas para eles próximas da porta.
Felizmente O’Hara estava na ponta extrema da mesa. Talvez Lucien se encontrasse cansado demais
para começar uma briga, ela esperava. Relaxou ao ver que ele nem olhava para o lado de O’Hara.
O ensopado e pãezinhos de minuto constituíam uma refeição saborosa e nutritiva, uma
surpresa em tal situação. Todos se alimentavam com apetite, mas observavam Lucien.
Ele devia estar morto de fome. Eve nunca o tinha visto comer tão bem. Quando voltassem
a Plummerville, ela pediria as receitas do ensopado e dos pãezinhos a Katherine. Precisava aprender
a alimentar este homem que, com frequência, se envolvia tanto com o trabalho que se esquecia de
comer.
Eve ouvia em silêncio as conversas em sua volta. Daisy e Buster falavam sobre o tempo e
Garrick mostrava interesse pela arquitetura do Honeycutt Hotel. Não faltavam elogios à refeição, os
quais Katherine ignorava.
Lucien não abria a boca, limitava-se a comer. Sem dúvida estava apreciando o ensopado,
algo estranho para alguém que não se importava com comidas. Quando terminou, recostou-se na
cadeira, observou as pessoas em volta da mesa, uma a uma. As conversas continuavam em vozes
suaves. Era uma reunião de amigos educados.
Após um momento de silêncio geral, Lucien sorriu e numa voz zombeteira, disse:
— Todos estes heróis aqui para me salvar. Muito curioso.
— Lucien! — Eve exclamou baixinho.
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— Como você pôde fazer aquilo? — Eve indagou quando já estavam no vestíbulo.
— Dizer a verdade?
— Sei que você põe a honestidade acima de tudo, mas as coisas que você disse foram
rudes, impiedosas e desnecessárias.
— Todas verdadeiras.
— E eu não sou sua esposa, pois você não apareceu na igreja — ela acrescentou enquanto
subiam a escada.
Lá em cima, ouviram os soluços de Katherine e a voz suave de Garrick, vindos através de
uma porta fechada. O coração de Eve confrangeu-se por ambos.
— Mas você é minha esposa. Observe a si mesma com o vestido de noiva. Só estão
faltando o véu e o buquê. Além disse, no íntimo você é minha esposa, minha mulher e me ama.
— Sim, mas...
Lucien parou à porta do quarto deles.
— Ainda não estou pronto para me deitar. Vamos fazer uma pequena exploração —
sugeriu, olhando para a escada, no fim do corredor, que ia ao terceiro andar.
— Não acho que seja uma boa idéia — Eve disse enquanto ele a puxava em direção à
escada.
— Dormi o dia inteiro e estou me sentindo forte — Lucien afirmou.
Ele subiu a escada depressa, levando-a junto. Lá em cima, soltou-a e, sorrindo, foi até o
meio do corredor, onde respirou fundo e abriu os braços.
— Existe tanta energia aqui. Poder. Você pode sentir?
— Não. E trate de não mudar de assunto. Você deve um pedido de desculpa a cada um de
nossos amigos.
— Por ser honesto?
— Não, por ser impiedoso.
Com passos vagarosos, sorrindo e sem desviar o olhar, Lucien voltou para o lado dela.
— Eu não sabia que você podia ser tão cruel de propósito — Eve murmurou.
Ele a segurou pelos ombros e a encostou na parede.
— Não quero falar sobre eles agora e sim sobre nós.
— Você tem algo rude e ofensivo para me dizer? — ela perguntou, tentando não se afetar
com a mão possessiva em seu quadril.
— Você é uma esposa linda! — ele murmurou.
— Não sou sua esposa — Eve repetiu enquanto ele lhe tocava os seios com a outra mão.
— É, sim e eu a desejo muitíssimo — Lucien confessou ao beijá-la no pescoço, movendo
os lábios com suavidade.
Ao mesmo tempo a acariciava nos seios. A mão era delicada, mas exigente, a boca, quente
e excitante.
— Lucien, você não está bem — ela protestou, embora o corpo começasse a reagir ao dele.
Eram amantes havia meses. Ele a tinha iniciado na arte do prazer e na alegria de se
entregar ao homem que amava. Estava brava, confusa, porém, sentia-se incapaz de não se deixar
afetar pelas carícias.
— Ai, Eve, me ajude a ficar bem — Lucien murmurou enquanto roçava os dedos nos
mamilos sensíveis.
Ela fechou os olhos e sentiu o próprio desejo crescer.
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Havia pensado que o tinha perdido, no entanto, ali estava ele. Lucien tornou a beijá-la no
pescoço, mexendo os lábios até fazê-la gemer. Então, baixou a cabeça e repetiu os beijos na pele
acima dos seios, exposta pelo decote.
— Você está certa. Sem necessidade, fui insensível e rude esta noite. Não sei o que deu em
mim. Estava possuído, suspeito. Um resto de fraqueza que ainda não venci, mas que o farei com sua
ajuda. Preciso tanto de você. Eve.
Era o que ela sempre quisera de Lucien. Tinha-lhe o amor, mas desejava que ele precisasse
de seu amparo. Aconchegou o rosto dele entre as mãos e murmurou:
— Eu te amo, mas você não está bem, Lucien. Alguma coisa aconteceu a você neste hotel e
o deixou diferente.
— Se estou doente, você pode me curar — ele disse ao levantar-lhe a saia e a anágua com
as duas mãos. — Você pode me tornar mais forte ou me matar. O que será, Eve?
— Quero torná-lo mais forte — ela sussurrou.
— Tenho certeza. — Lucien enfiou a mão entre suas pernas e a acariciou sob a cambraia
do calção. — Você já está úmida!
— Basta me tocar para isso acontecer, você sabe.
Com delicadeza, ele a massageou com a ponta dos dedos e voltou a beijá-la no pescoço.
Excitada, Eve começou a relaxar. As dúvidas dissiparam-se. Mais tarde pensaria nelas.
— Vamos descer e nos deitar — ela sugeriu.
— Não. Eu a quero aqui. Agora. Faz tanto tempo.
Seu corpo também o queria, bem como o coração. Ela o amava muito. Mas o bom senso a
advertia do perigo.
— Lucien, meu amor, acho que você voltou a ter febre. Está tão quente.
— Estou bem, juro.
— Não está forte o suficiente.
— Estou, sim — Lucien insistiu e apertou-a contra o corpo para mostrar-lhe a ereção.
Em seguida, enfiou a mão por seu decote e acariciou os mamilos, provocando a explosão
de sua paixão por ele.
— Vamos nos amar, Eve — murmurou.
Com as mãos entre ambos, ela desabotoou a calça que lhe prendia o membro. Acariciou-o
ao mesmo tempo em que era beijada com uma paixão igual à sua.
Lucien gemeu e rasgou a abertura de seu calção. Com firmeza, levantou-a do chão. Eve
passou as pernas em volta do corpo dele e os braços pelo pescoço. Recebeu novo beijo mais
profundo e ávido. Num ímpeto incontrolável, Lucien penetrou em seu corpo. Por um momento, não
se mexeu.
— Eve, isto é um sonho? — indagou.
— Não, é a pura realidade.
Enquanto iniciava os impulsos, Lucien a cobria de beijos ardentes. Foi uma união
vagarosa, longa e plena de amor. Ao atingirem o êxtase, Eve não pensava mais nos dissabores
sofridos naqueles dias. Quando se tornavam um, o mundo ficava muito melhor.
Continuaram abraçados por um bom tempo. Naquele instante, ela teve certeza de que tudo
acabaria bem. Suas dúvidas e temores não faziam sentido. Voltariam para Plummerville, se
casariam, teriam filhos e viveriam felizes pelo resto da vida.
— Desta vez foi diferente — disse enquanto Lucien a punha no chão.
— Foi mesmo. Muito.
Ele apoiou o braço em seus ombros e correu o olhar pelo corredor.
— Eve?
49
CH 322 – Sombras de Inverno (Shades of Winter) Linda Fallon
CAPÍTULO
Com a cabeça entre as mãos, Lucien sentava-se no primeiro degrau do alto da escada que
descia ao vestíbulo.
— Por favor, me digam que não falei isso!
Ele tinha adormecido com Eve sentada ao lado e acordado dentro dela. Mas não na cama
em que haviam dormido na última noite e quase o dia inteiro e sim em pé no corredor do terceiro
andar. Eve estava encostada na parede e com o corpo abraçado ao dele.
Lucien ergueu a cabeça e olhou para os amigos lá embaixo. Não mais pareciam amigos.
Katherine estava pálida e com os olhos vermelhos. Garrick, ao lado dela, tinha expressão furiosa.
Hugh, atrás de todos, exibia uma atitude que ele jamais vira e Buster não disfarçava o
constrangimento.
Eve, ao lado de Daisy, ao pé da escada, o olhava como se ele fosse um estranho. Seu rosto
ainda estava vermelho, o vestido muito mais amassado do que ele vira a última vez e os cabelos
caíam embaraçados pelos ombros. E estava com medo. Dele, com certeza. Quem poderia culpá-la?
Porém, de todo o grupo, ela era a única que deveria mostrar compreensão.
— Você não sabia? Não podia lhes dizer que não era eu? — ele murmurou.
— Não.
Lionel deu um passo à frente. Parecia não ter sido ofendido à mesa do jantar, Lucien
refletiu. Talvez porque o espírito que o possuía tinha percebido que Lionel via demais e com
facilidade.
— Era você, pois falava com a própria voz. E não havia aquela fraqueza que geralmente o
acomete quando você canaliza seu dom. Tentei ver mais, pois sabia que algo estava errado, mas não
consegui. Primeiro, pensei que você tivesse aprendido a me bloquear e, depois, percebi que você,
enquanto dormia, fora possuído por um ente sombrio. Ele foi capaz de barrar minha habilidade de
ler sua mente — Lionel explicou.
— Ele já se foi?
— Não. No momento, está escondido, à espera de ganhar forças para matar o que resta de
você.
O que resta de você. Lucien estremeceu. Estaria desaparecendo? Já seria menos do que
quando entrara no Honeycutt Hotel?
— Lamento muito. Eu não sabia. Jamais deveria ter dito aquelas coisas — Lucien
murmurou.
Brava, Katherine passou para frente.
— Talvez você não as tivesse dito se tivesse escolha. Mas teve a intenção de pronunciar
cada palavra. Durante todo o tempo em que me dizia ser capaz de mandar Jerome embora, você
nunca se deu ao trabalho de me explicar que eu o prendia aqui. Que ele, de certa forma, está ligado
a mim.
— Eu achava que não adiantaria nada aborrecê-la — Lucien desculpou-se, embora se
sentisse em frangalhos.
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Eve tinha insistido em ensiná-lo a ser discreto e ele falhara. Devia ter contado a verdade a
Katherine semanas atrás.
O’Hara foi o seguinte a se destacar e chegou até a subir uns degraus. Sentado no último,
Lucien sentia-se cansado e confuso. Porém, em relação a O’Hara, os sentimentos continuavam
claros. Numa voz rouca, disse:
— De você, eu não gosto.
— Não importa. Quando conseguirmos sair inteiros daqui, você poderá descontar seu
ciúme infundado, irracional e raivoso em mim. Até então, teremos de nos unir para lutar contra essa
coisa.
— Como fazer isso? — Lucien indagou.
— Ele não é daquele tipo comum de espírito irritante, Lucien. É antigo, colérico, perigoso
e está no hotel.
— Ora, nós todos estamos — Lucien argumentou.
— Não, é diferente. Esse espírito faz parte da estrutura inteira. Está em tudo, nas paredes,
nos soalhos, em cada lasca de madeira e de pedra deste hotel — O’Hara explicou.
— Ai! — Daisy gemeu,
O’Hara parou no meio da escada e continuou:
— Ele morreu aqui muito tempo atrás, antes de o hotel ser construído. Esvaiu-se em
sangue na terra abaixo. Ele era... — O’Hara franziu a testa e semicerrou os olhos. — Não sei o que
ou quem ele era, mas havia lidado com magia negra, que não deve ser explorada. Quando morreu, a
alma dele ficou na terra.
Então, foi a vez de Lionel falar:
— Inúmeras pessoas morreram no terreno muito antes do hotel ser construído. Viajantes
que passavam por aqui eram acometidos por acessos de raiva, ódio, inveja. Brigas sangrentas
ocorreram no lugar em que ele morreu. Ele, então, colecionava as almas. Scrydan — Lionel disse
depressa como se o nome acabasse de lhe ocorrer. — Seu nome era Scrydan e ele não queria ficar
sozinho.
— Imagino que esse Scrydan deve ter influenciado, de certa forma, o homem que construiu
o hotel. Os hóspedes vinham e alguns não saíam. Os comentários começaram a fervilhar, os
negócios pioraram e o lugar foi fechado antes de a Guerra de Secessão começar — O’Hara
aparteou.
— Soldados! — Lionel exclamou como se mais uma vez algo lhe ocorresse. — Soldados
se esconderam e morreram aqui. Lutaram não só contra o inimigo como também entre si. Mataram
companheiros com as próprias mãos. Depois da guerra, o neto do dono original das terras decidiu
transformar o prédio numa estação de águas minerais. Existem fontes delas por aqui. Aqueles que
podiam pagar o preço exorbitante que ele cobrava começaram a aparecer.
O’Hara voltou a tomar a palavra.
— Mais uma vez, muitos hóspedes morreram de maneira violenta. Creio que esse espírito,
fantasma, seja lá o que Scrydan seja, consegue energia do medo e da morte de outros. Mas você,
Lucien, é diferente. Depois que chegamos e o plano dele para sua morte frustrou-se, ele descobriu
que podia ficar em você por um período de tempo. Isso era impossível em outras pessoas vivas. Às
vezes, entrava numa para forçá-la a matar; Mas não ficava muito tempo nela sem se consumir. Até
você chegar, Lucien. Ele é capaz de penetrar em sua mente e pode viver dentro de você. Temo que
ele goste disso.
— Por que só estão vendo tudo isso agora? Por que não descobriram tudo sobre esse
Scrydan ontem à noite ou hoje de manhã? — Eve indagou, ríspida.
— Ele foi capaz de nos bloquear por algum tempo — Lionel respondeu, calmo. — O que
aconteceu esta noite o fez fraquejar o tempo suficiente para vermos o que ele já fez e do que é
capaz.
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No quarto lá em cima, Lucien repousava ou dormia, sob os cuidados de Hugh e Buster. Ela
deveria estar lá, porém, ainda não se sentia em condições de vê-lo. Suas mãos tremiam e Daisy as
tomou entre as dela. Com esforço, tentou animá-la:
— Tudo vai ficar bem. Lucien há de recuperar as forças, nós todos sairemos daqui e vocês
se casarão.
— E se isso não acontecer e nada voltar a ser como antes? — Eve indagou à beira do
histerismo. — Se jamais sairmos daqui, Scrydan vencer, Lucien morrer e nós ficarmos para sempre
nesta armadilha?
— Não fale assim. Se você se desesperar, Scrydan vencerá — Katherine aconselhou com
suavidade.
— Ela está certa — O’Hara disse ao surgir de repente e se ajoelhar diante de Eve.
Tocou-a no joelho, mas retirou a mão depressa ao ver seu olhar bravo. Numa voz calma e
com um sorriso, prosseguiu:
— Você é a chave, Eve. O motivo para Lucien ainda estar entre nós e ser capaz de vencer
Scrydan, é você em grande parte. Lucien agarra-se a fiapos de esperança porque te ama.
Os olhos de Eve encheram-se de lágrimas e ela não queria chorar.
— Tenho de lhe pedir um favor — O’Hara disse numa voz branda. — Não inteiramente,
Lucien está bloqueando Lionel e Hugh. Ele não me deixa chegar perto, por isso não sei se também
poderá, ou não, me bloquear. Scrydan não quer que eu toque em Lucien e veja demais e Lucien
continua bravo por causa daquele incidente.
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Todos falavam em ir dormir. Como podiam? Daisy andava de um lado para o outro do
vestíbulo.
Eve havia subido a fim de se sentar ao lado de Lucien. Hugh e Buster lhe faziam
companhia. Katherine, ainda muito abalada, tinha ido para a cozinha uma hora atrás. Quando Daisy
se oferecera para ir ajudá-la, ela lhe dissera para não se dar ao trabalho. Mas Garrick tinha ido para
não a deixar sozinha.
Daisy, Lionel e O’Hara continuavam no vestíbulo. Ela ainda considerava Lionel um
exemplo magnífico de virilidade. Um viking, um pirata, uma imagem de homem de beleza sem par.
O’Hara nunca seria bonito. Não era feio, mas, ao lado de Lionel, adquiria uma aparência
comum demais. Exceto pelos olhos, ela refletiu. De um azul-esverdeado, eram lindos, expressivos e
inteligentes. Talvez ela houvesse sido um tanto apressada em qualificar O’Hara como malandro.
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Mais cedo essa noite, ele havia sido muito delicado com Eve. Estava quase certa de que ele tinha
uma explicação plausível para o tal incidente com Eve.
Daisy desviou a atenção para Lionel. Dos dois e com aquele porte régio, ele era de longe o
mais atraente. Ela poderia acrescentar "principesco" à lista de palavras que o descreviam.
O’Hara era um homem simples, de boa aparência e altura média. Ninguém jamais o
confundiria com um príncipe. Com um charlatão, talvez. Não, um patife.
No momento, os dois tinham ar solene e pensativo. Lionel olhava para o fogo na lareira e
O’Hara andava de um lado para o outro. Ela não precisava ser adivinha para saber que ambos
estavam preocupados com todos no hotel, mas especialmente com Lucien, amigo deles. Difícil ficar
indiferente ao sofrimento de um amigo.
— Você não me contou seu primeiro nome, O’Hara — ela disse ao parar de andar e sentar-
se no sofá.
— O quê? — ele indagou, surpreso com o fato de Daisy lhe dirigir a palavra.
— Seu primeiro nome. Você não me contou — ela repetiu.
— O nome que minha mãe me deu não é importante.
— Com certeza ela não o chamava por O’Hara.
— Claro que não.
— Como o chamava então?
— Ela me chamava de seu benzinho — ele provocou. — Por que essa súbita obsessão com
meu nome?
— Simples curiosidade. Como talvez eu venha a morrer neste horrível hotel mal-
assombrado, acho que merecia satisfazê-la.
O’Hara começou a falar, mas parou e sacudiu a cabeça.
— Não posso. Isso é fácil demais.
— O que é tão fácil? — ela indagou.
— Nada.
— Ora essa, O’Hara!
Ele deu um passo em sua direção.
— Digamos que quando uma mulher linda menciona sua curiosidade aguçada a um
homem, a imaginação dele pode seguir um rumo proibido.
— Oh! — ela exclamou baixinho. Então ele a achava linda!
— O que você está querendo, Daisy? — O’Hara indagou.
— Apenas manter minha mente ocupada a fim de não pensar em tudo que aconteceu esta
noite e me apavorar outra vez. Você disse que não deveríamos sentir medo.
— É verdade — ele concordou.
— Por isso, em vez de ficar sentada aqui, morta de pavor de que possa morrer esta noite e
alimentar o tal espírito com meu medo, decidi pensar em seu primeiro nome.
— Posso lhe assegurar que ele é tão assustador quanto qualquer coisa que habite neste
hotel.
— Nesse caso, estou mais determinada a descobrir qual é.
Naquele instante, Lionel virou-se para eles.
— É mesmo, qual é seu primeiro nome? Desde que fomos apresentados, só o conheço por
O’Hara.
— Jamais contarei — ele respondeu com expressão séria.
Daisy franziu a testa e olhou para Lionel.
— Você também não sabe o nome dele?
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— Não.
— Mas vocês podem saber tudo. Basta olhar para a mente um do outro, certo?
Foi O’Hara quem explicou:
— Temos um acordo entre nós. Não espreitamos a vida ou a mente uns dos outros sem
permissão.
Essa era uma novidade interessante.
— Você quer dizer que podem desligar seus dons quando querem?
— Até certo ponto. É mais fácil para Lionel, mas estou aprendendo. Na maioria das vezes,
não toco numa pessoa sem sua permissão.
Então, ela não podia convencer Lionel a lhe contar o primeiro nome de O’Hara. Irritada,
disse:
— Seu nome não pode ser assim tão feio. E eu quero saber.
— Por quê? — ele indagou com um largo sorriso.
— Curiosidade, já disse. Além do mais, é uma tolice que seus amigos o tratem pelo
sobrenome.
O’Hara estava se divertindo com a conversa. Podia ver que Daisy queria, de fato, saber o
nome dele. No entanto, ele não dava a informação insignificante.
— Vou lhe propor um acordo, Daisy.
— Qual?
— Você me dá sua mão e eu lhe conto meu nome.
Depressa, ela cruzou as mãos no colo. Vira como O’Hara olhava para uma pessoa enquanto
lhe segurava a mão. Primeiro com Katherine e, depois, com Eve. Não queria que ninguém espiasse
seu íntimo. Que segredos descobririam? As pessoas imaginavam que ela não tinha nenhum, mas
esse não era o caso. Ela apenas os escondia muito bem. Eles surgiriam se O’Hara segurasse sua
mão.
— Bem, vou me contentar apenas com O’Hara — ela disse.
— Como eu suspeitava.
Daisy olhou para Lionel que tinha retornado a atenção para o fogo da lareira. Segundo Eve,
a força psíquica dele era incrível. Poderia ele descobrir seus segredos? Desconfiava que ele não se
interessava pelo que ela escondia.
A maneira com que O’Hara a olhava mostrava que ele, sim, se interessava muito. Sabia
que não a forçaria a lhe entregar a mão, pois queria que ela o fizesse por vontade própria. Jamais,
ela pensou.
O ambiente mudou um pouco quando Katherine e Garrick voltaram da cozinha. Ele, que
várias vezes tinha pedido Daisy em casamento por brincadeira, ultimamente era muito atencioso
com Katherine. Daisy não podia vê-los como um casal. Despreocupado, Garrick nunca levava nada
a sério e Katherine quase sempre se mostrava indiferente ou amargurada.
Garrick, provavelmente, mostrava um interesse especial por Katherine porque, afinal, era o
presidente da Sociedade de Almas Penadas de Plummerville.
Katherine sentou-se ao lado de Daisy e Garrick foi para perto de Lionel. Fez-lhe uma
pergunta que ele respondeu com um veemente gesto negativo da cabeça.
— Por que não? Pelo amor de Deus, é o que você faz! — Garrick protestou.
Num tom severo, Katherine disse:
— Garrick, eu o avisei para não pedir.
— Se o desgraçado está aqui, não vejo motivo para não nos livrarmos dele agora. Por que
temos de esperar até voltar a Plummerville? Você não ganha a vida fazendo isso, Lionel? Sem
dúvida pode nos ajudar.
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CAPÍTULO IX
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Lucien dormia como se nada estivesse errado. Eve não afastava o olhar dele. Pensaria ser
um sono tranquilo se não soubesse a verdade. Ele não se debatia e nem rangia os dentes.
Duas velas estavam acesas, uma na cômoda e outra na mesinha-de-cabeceira. Na lareira, o
fogo reduzia-se a chamas baixas. Hugh tinha mandado Buster fazer alguma coisa, mas havia ficado.
Não queria deixá-la sozinha com Lucien. Ela também não queria. Não até ele voltar a ser o que era.
Lucien usava apenas a calça amassada e continuava imóvel. Apenas o arfar da respiração
indicava que continuava vivo. Os efeitos dos últimos dias refletiam no rosto pálido. Estava mais
magro e parecia ter envelhecido.
Seria Lucien quem ela observava? Bem no íntimo, onde importava, seria esse o homem a
quem amava?
— Como vamos resolver isto? — ela murmurou.
Num gesto carinhoso, Hugh pôs a mão em seu ombro.
— Descobriremos um jeito.
E se não conseguissem? Seu coração batia com força e a raiva começou a crescer. Em vez
de ficar na cidade, por que Lucien tinha vindo explorar este hotel mal-assombrado? Ainda mais
sozinho? Se ele houvesse ficado, já estariam casados, dormindo na própria casa e fazendo planos
para o futuro. Porém, estavam ali e ela não sabia se contavam ou não com um futuro.
— Não é culpa de Lucien — Hugh disse baixinho, tornando a defender o amigo.
Eve fechou os olhos. Com a mão em seu ombro, Hugh sabia exatamente o que ela sentia,
pois possuía o próprio dom.
— Por que eu não podia ter me apaixonado por um homem comum?
— Ele a aborreceria.
— Você faz eu parecer insensível.
— Não, desculpe. Apenas você não é uma mulher comum.
— Sou, sim. E muito.
— Não penso assim. Nem Lucien.
— Este homem ainda é Lucien?
Fisicamente era igual a Lucien, falava com a voz dele, mas no íntimo, onde era mais
importante, alguém ou alguma coisa o dominava.
— Vamos ver — Hugh disse ao se aproximar de Lucien com a máxima cautela para não
acordá-lo.
Não tinha conseguido chegar perto antes sem alarmá-lo. Scrydan não queria que O’Hara e
Hugh tocassem nele e vissem demais. Antes de Hugh alcançar o ombro nu de Lucien, ele abriu os
olhos.
— Não encoste em mim, seu velho — ordenou e indagou a Eve: — O que ele está fazendo
aqui? E por que você ainda não se deitou?
Recuou para o lado da cama para lhe ceder lugar. Eve balançou a cabeça devagar. Seus
piores temores se realizavam e não havia nada que ela pudesse fazer.
— Você não é Lucien.
— Claro que sou, amor — ele afirmou com um largo sorriso. — Você me conhece muito
bem. Cada pedacinho do corpo, cada desejo do coração — acrescentou com olhar sugestivo.
Ela não tinha mais dúvidas de que não era Lucien e sim um monstro dentro da concha do
homem que ela amava. Lucien jamais diria qualquer coisa que a embaraçasse na presença de Hugh
ou de qualquer pessoa. E ele tinha dito do corpo, do coração e não de meu corpo e de meu coração.
Não só essa criatura tinha se apossado do corpo de Lucien como representava um perigo
real para todos no hotel. Tão logo ficasse forte o bastante, mataria todos eles?
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Buster entrou no quarto com um rolo de corda na mão. O sorriso de Lucien desapareceu ao
ver a corda.
— Vocês não se atreveriam — balbuciou.
— Sinto muito, Lucien. É o melhor a fazer e você sabe disso — Hugh disse com calma.
Lucien pulou da cama, agarrou Eve e a puxou de encontro ao corpo, prendendo-a com um
braço pela cintura e outro pelo pescoço. O corpo dele continuava muito mais quente do que deveria.
O contato dele quase a queimava.
— Se derem um passo para frente, eu a matarei — ele avisou enquanto apertava a mão em
sua garganta.
Por um momento, Hugh hesitou. Então, deu o passo.
— Não creio que faça isso. Ainda não está fisicamente forte para tanto e parte de Lucien
continua viva aí dentro para proteger Eve. Ele a ama e a defenderá com a própria vida.
Buster aproximou-se pelo outro lado.
— Por que você não se deita quieto e nos deixa fazer o que é preciso? Sei dar nós que não
machucam e você poderá voltar a dormir até o sr. Felder decidir que solução tomar.
— Você espera que eu me deite e o deixe me amarrar? Não! Jamais!
Lucien tentou apertar a garganta de Eve. Os dedos flexionaram-se e, depois, afrouxaram. O
braço em sua cintura a prendia com firmeza contra o corpo.
Num acesso de fúria, atirou-a longe e foi atrás de Hugh. Caída no chão, ela se viu
atrapalhada com a saia.
— Pare! — gritou ao se levantar com dificuldade.
Lucien não a tinha machucado, mas parecia não ter escrúpulos quanto a apertar a garganta
de Hugh.
Buster largou a corda e tentou se posicionar entre os dois na esperança de soltar Hugh das
mãos de Lucien. Os três lutavam e Buster já obtinha algum êxito. Lucien parou de atacar o amigo o
tempo suficiente para empurrar Buster no chão.
No vestíbulo lá embaixo, deviam ouvir a comoção. Eve escutou passos e exclamações na
escada. Estavam subindo para ver o que acontecia. Algo ruim ocorreria, ela sabia. Garrick não tinha
uma garrucha com a qual fora caçar com Buster? E se ele a empunhasse e atirasse em Lucien?
Então, não haveria mais como salvá-lo.
Eve pegou o castiçal da cômoda. Agiu tão de depressa que a chama apagou enquanto ela o
girava e golpeava a cabeça de Lucien atrás com o pesado castiçal de estanho.
Ele ficou imóvel no exato momento em que O’Hara e Lionel entravam. Baixou as mãos,
virou-se, olhou para Eve e o castiçal e murmurou enquanto caía no chão:
— Por quê?
Naquele instante tinha sido Lucien no controle e não entendia por que Eve o tinha atacado.
Ela vira a verdade em seus olhos. Ele não se lembrava de ameaçá-la, de tentar matar Hugh, de
empurrar Buster.
— Eu o matei, será?
— Não — Hugh respondeu com suavidade. Virou-se para O’Hara e Lionel que entravam
depressa. — Vamos deitar Lucien na cama e amarrá-lo antes que ele recobre os sentidos.
— Você tem certeza de que ele vai ficar bem? — Eve perguntou enquanto os quatro
erguiam o corpo inerte.
— Tenho. Ele ficará apenas com um galo e uma forte dor de cabeça — Hugh afirmou em
tom de dúvida.
Buster trabalhou depressa com a corda para prender Lucien. Primeiro as mãos que foram
amarradas uma a uma à cabeceira da cama. Os nós eram firmes, mas Buster deixou a corda meio
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bamba para que Lucien pudesse se mexer um pouco. Com os braços abertos, ele parecia muito
exposto e vulnerável. Em seguida, foi a vez dos tornozelos serem amarrados aos pés da cama. Mais
uma vez, Buster deixou a corda meio bamba. Embora com pouca mobilidade, Lucien poderia ficar
deitado ou se sentar.
Quando Buster terminava de dar o último nó, Lucien abriu os olhos. Ao fitar Eve com
expressão sofrida, ela não conteve as lágrimas. Esperava uma explosão de raiva e acusações. Porém,
ele apenas lhe perguntou:
— O que eu fiz, Eve?
Ela teve certeza de que não era Scrydan quem falava e sim Lucien.
— Você tentou matar Hugh — respondeu baixinho.
Lucien fechou os olhos.
— Não era eu. Você tem de acreditar.
— Eu sei — ela murmurou.
Depois de uns instantes, Hugh pôs a mão no ombro nu de Lucien. Suspirou aliviado.
— Neste momento, existe mais Lucien do que Scrydan nele. Eu gostaria de soltá-lo, mas...
— Não! — Lucien exclamou. — Não faça isso até descobrir uma maneira de tirá-lo de
dentro de mim para sempre.
Ninguém gostava de ver Lucien amarrado desse jeito, ainda mais Eve. Porém, eles não
tinham escolha até encontrarem uma maneira segura de livrá-lo de Scrydan. Mesmo assim, Eve
soluçou baixinho. Impotente, queria chorar alto, poder desamarrá-lo e levá-lo para longe do hotel.
Num gesto meigo, segurou a mão dele.
Em vão, Lucien tentou sorrir.
— Eve, você iria lá embaixo buscar alguma coisa para eu beber? Chá, água e até café frio,
tanto faz, pois estou com a boca seca.
— Claro — ela respondeu ao largar-lhe a mão e sair depressa. Estava não só ansiosa para
atender o pedido de Lucien como também para ficar uns minutos fora do quarto.
Parou ainda longe da escada. Como era bronca! Lucien tinha se livrado de sua presença por
algum motivo. Qual seria? Sem fazer barulho, retrocedeu a uns passos da porta. Ouviu a voz dele,
mas não entendeu as palavras. Chegou mais perto.
— Não! Você não pode me pedir para fazer isso! — Hugh disse numa voz veemente.
Calmo, Lucien argumentou:
— Talvez você não tenha escolha. Não importa como, não podemos permitir que Scrydan
escape para fora do hotel. Se a situação continuar numa espiral decrescente, você poderá ter de me
matar a fim de eliminá-lo. Só peço que faça isso depressa e sem Eve ver.
Ela sentiu os joelhos fraquejar e teve de se apoiar na parede para não cair.
Daisy pulou em pé ao ouvir passos na escada. Quando a comoção lá em cima tinha
começado, O’Hara havia mandado Garrick ficar com ela e Katherine. Então, ele e Lionel tinham
corrido escada acima para ver o que ocorria.
Mas não era nenhum dos dois na escada e sim Eve. Pálida e trêmula, ela apoiava-se no
corrimão.
— O que aconteceu? — Daisy indagou ao ir-lhe ao encontro.
— Eles tiveram de amarrar Lucien na cama e eu o golpeei na cabeça com um castiçal. Ele
perdeu os sentidos. Não tive escolha, acredite, mas e se ele nunca me perdoar?
Daisy amparou Eve pelo braço e a levou até o sofá. Numa voz calma, disse:
— O que você está falando não faz sentido. Respire fundo, relaxe e me conte tudo
direitinho.
Sentada entre Daisy e Katherine, Eve começou a falar numa voz fraca:
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— Não era Lucien quando o agredi. Mas ele ia matar Hugh! O que mais eu poderia ter
feito?
— Tenho certeza de que fez o que era preciso — Daisy afirmou ao segurar sua mão.
— Tenho de pegar alguma coisa para Lucien beber. Ele está com sede — Eve disse ao
levantar-se, mas cambaleou e voltou a sentar.
— Ele pode esperar uns minutos enquanto você descansa.
Garrick aproximou-se do sofá e indagou:
— Lucien quis mesmo matar Hugh?
— Não foi Lucien e sim aquele maldito Scrydan! — Eve insistiu. — Seu medo passou e o
rosto avermelhou-se de raiva. — E se jamais conseguirmos tirá-lo para fora e Lucien nunca mais for
Lucien?
— Isso não acontecerá — Daisy garantiu com serenidade. — E Eve, lembre-se do que
O’Hara disse. Esse espírito se alimenta de medo. Não deixe que ele ganhe energia com o seu.
Quando isto terminar, Lucien será o que sempre foi. Voltaremos a Plummerville e vocês se casarão.
— Você tem razão. Não posso ficar com medo e nem brava. Tentarei, mas não será fácil. O
medo de perder Lucien é horrível!
— Calculo — Daisy disse, acariciando-lhe a mão.
— Eu o amo tanto que ele faz parte de mim. Se algo acontecer...
Em silêncio, Katherine e Garrick as ouviam.
— Não pense o pior e sim como o casamento vai ser maravilhoso. Se esse Scrydan se
alimenta de medo, talvez pensamentos alegres sobre a felicidade o enfraqueçam — Daisy sugeriu.
— Pode ser — Eve murmurou com um suspiro.
— Você é a mulher mais forte que já conheci. Não fraqueje agora.
Daisy estava tentando fazer o mesmo, mas não era corajosa. Fugia de confrontos. Não se
arriscava, pois para ela, valentia só levava ao desastre.
— Quando voltarmos para a cidade, acho que devemos mudar a Sociedade de Almas
Penadas de Plummerville para outra mais sugestiva. Um clube de jardinagem, talvez, ou uma
sociedade de eventos históricos.
— Os dois já existem — Eve disse.
— Um clube de tortas então. Depois desta aventura, nunca mais vou querer falar em
fantasmas — Daisy declarou.
— Um clube de tortas?! — Katherine exclamou, incrédula.
— Nós todos gostamos de saboreá-las. Eu não me importaria de também ser presidente
desse clube — Garrick disse.
Eles precisavam aliviar o ambiente, mas a tensão ainda pairava no ar. Daisy sentiu-se
melhor ao ouvir os passos de O’Hara na escada.
— Venha comigo, Garrick. Vamos fazer um bom café forte. Tenho a impressão de que a
noite vai ser longa — Katherine disse ao levantar-se e ir para a cozinha, seguida por Garrick.
Eve ergueu o rosto e olhou para O’Hara.
— Ele está bem?
— Está. Lucien não gostou muito que eu o tocasse. Fisicamente, ficará bom.
— O que você viu? — ela quis saber.
— Não muito mais do que quando toquei em você. Scrydan está escondido, mas continua
lá.
— E Lucien? Também está? Voltará a ser o mesmo? — Eve indagou.
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— Está. E precisa de você. Sei que é difícil, mas se puder, você deverá ficar no quarto com
ele — O’Hara sugeriu em tom suave.
Eve levantou-se e passou as mãos pelos cabelos. Um grampo caiu no sofá, soltando uma
madeixa. Ela tirou o resto dos grampos e balançou a cabeça para que os cabelos caíssem nos
ombros.
— Vou procurar mais velas. Primeiro aqui e, depois, lá em cima. As que temos não dão
para esta noite. Deve haver mais em alguns dos quartos — O’Hara disse enquanto Eve subia a
escada.
Daisy pulou em pé.
— Espere! Não quero ficar aqui sem companhia.
Tentava não sentir medo, mas seu grande temor era se ver sozinha.
— Então, me acompanhe — O’Hara convidou com um meio sorriso.
Na véspera, a essa hora, ela teria se recusado a ir a qualquer lugar com O’Hara. Porém,
tudo tinha mudado. Sentia-se mais segura com ele perto do que longe. E que Deus a ajudasse,
estava começando a gostar um pouquinho dele.
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— Não sei. Este é o quarto mais sossegado em relação à energia sobrenatural. Será melhor
que ele fique aqui até decidirmos como agir. Poremos mais lenha ali na lareira. Lucien, Eve e eu
ficaremos aqui.
— O senhor carrega algum tipo de arma? — Buster indagou.
— Não, claro — Hugh respondeu.
Buster tirou uma faca longa e fina de uma bainha presa ao cinto.
— Isto não é grande coisa, mas se for preciso cortar as cordas ou algo mais...
Calou-se e ficou vermelho até a raiz dos cabelos. Todos sabiam o que algo mais poderia
ser. Como Hugh se recusasse a pegar a faca, Buster a deixou na cômoda.
O momento embaraçoso passou. Lionel e Buster aproveitaram para sair do quarto. Hugh
virou-se para Eve e tentou sorrir. Todos queriam confortá-la, mas não conseguiam.
Lucien ouviu a porta de entrada lá embaixo fechar quando Lionel e Buster saíram. Durante
a tarde, eles tinham catado e cortado lenha, mas precisavam recolhê-la como Hugh pedira.
Portas ao longo do corredor do segundo andar abriram e fecharam suavemente. O ruído de
passos se aproximava, acompanhado de vozes, uma feminina e outra masculina. Um instante
depois, Daisy e O’Hara passaram pela porta aberta e mal olharam para o quarto. Lucien percebeu
que conversavam baixinho e, pouco depois, ouviu passos na escada para o terceiro andar. O coração
dele quase parou e um arrepio percorreu-lhe o corpo.
— Eles deveriam subir lá? Não penso que seja seguro — avisou.
— Com certeza O’Hara será cauteloso — Hugh disse.
Lucien, entretanto, sabia que o terceiro andar era perigoso. Com um resquício de Scrydan
na mente, não ignorava que ninguém deveria ir ao terceiro andar. O que haveria lá? Ele sabia, mas,
como o nome de um velho conhecido que ficava na ponta da língua, não se lembrava.
— Mande-os voltar — ordenou em voz baixa.
Hugh olhou para ele e viu que estava sério. Saiu do quarto e gritou:
— O’Hara!
Em seguida correu para a escada. Lucien olhou para Eve.
— Eu te amo. Não importa o que venha acontecer, lembre-se disso — murmurou,
provocando-lhe lágrimas.
— Ele ainda está dentro de você? É possível saber?
— Está, sim, mas inibido e muito enfraquecido. É quase como se não estivesse aqui — ele
respondeu.
— Existe uma parte dele na casa, certo? Será que como você está amarrado ele tenta dirigir
as energias para outro lugar?
Era um pensamento aterrador. Eles ainda não faziam idéia do poder de Scrydan e do que
ele poderia fazer.
— Talvez — .Lucien respondeu.
A porta do quarto bateu com força, fechando-se. Uma a uma todas as outras da casa
fecharam-se da mesma forma. A vibração ainda repercutia quando o barulho alarmante de alguma
coisa ou alguém caindo e rolando se fez ouvir. Um gemido abafado ecoou, seguido de um baque
final.
No terceiro andar, alguém gritou.
Eve correu até a porta e, agarrada à maçaneta, tentou abri-la.
— Poupe sua energia. Scrydan está mantendo a porta fechada — Lucien avisou.
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Ao vê-la continuar a sacudi-la e finalmente dar um pontapé na porta, sabia como Eve se
sentia. Ele havia tentado em vão abrir a porta de entrada do maldito hotel quando se vira
aprisionado ali.
Pelo barulho, Scrydan devia ter fechado todas as portas do hotel. E alguém, provavelmente
Hugh por causa da direção de onde viera o barulho, tinha sofrido uma queda feia e rolado a escada.
— Não importa o que você faça, Eve, fique calma.
— Ficar calma? — Eve foi para perto da cama e o encarou. Seus olhos lindos faiscavam.
— Você está possuído, me deixou no altar pela segunda vez e eu estou presa aqui. Presa! Pela neve,
por um espírito maligno e pelo fato de que te amo tanto que não posso abandoná-lo.
Lucien sabia, sem sombra de dúvida, que esse amor os salvaria ou mataria.
CAPÍTULO X
Ao bater, a porta apagou a vela que O’Hara segurava, deixando às escuras o quarto em que
acabavam de entrar. Tudo que Daisy podia ver era o contorno da janela sem cortina. À beira da
histeria, começou a gritar.
— Pare com isso — O’Hara disse em voz baixa enquanto forçava a porta fechada.
— Acho que não posso — ela admitiu.
Seus olhos ajustaram-se logo à escuridão. Ainda não enxergava bem, mas o luar pálido que
entrava pela janela permitia-lhe ver a silhueta de O’Hara que continuava a forçar a porta.
— É ele, não é? Scrydan está segurando a porta fechada — Daisy sussurrou.
— É, sim. Acho que ouvi alguém cair na escada. Difícil ter certeza com essa gritaria —
O’Hara reclamou.
— Não precisa se irritar.
Ele parou de lidar com a porta e virou-se para Daisy. Ela via-lhe a forma, mas não o rosto.
— Sobram motivos para me irritar. Deveríamos ter nos contentado com as poucas velas
que restam e o fogo da lareira — ele disse.
— Eu sei, mas o vestíbulo fica tão escuro com poucas velas. Porém, ela preferia estar no
vestíbulo sombrio do que ali no terceiro andar, aonde Lionel tinha recomendado para ninguém ir.
Num canto, alguém riu. Daisy prendeu a respiração. O som se repetiu e ela imobilizou-se.
— Fique aqui — O’Hara disse baixinho ao se dirigir ao canto.
Instrução desnecessária. Aonde ela poderia ir?
O luar não batia nos cantos do quarto, mas O’Hara seguiu em frente. Quando chegou perto,
pôs a mão na parede. A risada transformou-se em palavras rosnadas que Daisy não entendeu.
Numa voz baixa, O’Hara indagou:
— Você é Moreen, certo?
A resposta foi sibilante. Talvez um sim? Ele continuou:
— Moreen, você morreu. Não pertence mais a este mundo.
Novo som agudo se seguiu e embora Daisy não entendesse, calculou ser algo desagradável.
— Você não vai matar ninguém. Não pode. Não tem corpo para nos agredir. Tudo que
consegue fazer é assustar uma mulher meiga que não lhe fez mal algum. — Virou-se para Daisy e
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aconselhou ainda em voz baixa: — Não deixe que ela a assuste. Não tenha medo de nada do que
acontecer aqui. É isso que Scrydan quer.
Ele estava usando as almas aprisionadas ali para provocar um medo tangível em todos e
com p qual ele se alimentaria. Quando se fortalecesse, dominaria Lucien totalmente, Daisy refletiu.
— Entendo. Mas como não sentir medo se estou presa aqui com um fantasma? —
murmurou.
Devagar, O’Hara aproximou-se.
— Não se preocupa em ficar presa aqui comigo?
— Não, claro. Você é um perfeito cavalheiro — ela respondeu, fazendo-o rir um pouco.
— Não sou um cavalheiro. E, muito menos, perfeito. Mas você está certa. Não tem de se
preocupar em ficar presa aqui comigo.
— Foi o que pensei — ela confessou.
Era verdade, apesar de estranho.
Daisy estremeceu quando o fantasma de Moreen emitiu outro som sibilante. Calmo,
O’Hara afirmou:
— Se não tivermos medo e não deixarmos que ela nos assuste, mais cedo ou mais tarde, irá
embora.
Nem para salvar a vida, Daisy poderia pensar num jeito para vencer o medo. Sabia que
O’Hara estava certo, mas o coração disparava e a respiração falhava.
— Se ela for embora, outro fantasma tomará seu lugar? — indagou.
— Talvez. Não sei.
Ouviram uma voz abafada. Depressa, O’Hara virou a cabeça para a porta, mas quando o
som se repetiu, ele correu para a janela e a escancarou. Um vento gelado invadiu o quarto. Daisy se
juntou a ele e olhou para baixo. Lionel e Buster estavam lá, olhando para todas as janelas. O’Hara
debruçou-se no parapeito e gritou:
— Aqui em cima!
— O que está fazendo aí no terceiro andar? — Lionel indagou.
— Viemos procurar mais velas — O’Hara respondeu.
— Quem está com você?
Daisy inclinou-se para frente a fim de ser vista pelos dois.
— Olá — disse numa voz tímida.
— Daisy?! Você está bem?— Buster gritou.
Não estava, claro. Mas para acalmá-lo e não vendo necessidade de contar que havia um
fantasma no quarto, respondeu:
— Estou, sim.
— Não conseguimos abrir nenhuma porta ou janela do andar térreo — Lionel avisou em
voz bem alta.
— Nós também não podemos abrir a porta deste quarto. Suspeito que todas as do hotel
estejam muito bem trancadas— O’Hara explicou aos gritos.
— Por que não quebramos uma janela? — Buster sugeriu. — Poderíamos entrar por ela e...
Lionel o interrompeu com firmeza:
— Não! Acredito que quebrar uma janela seria uma forma de agir muito perigosa.
— Concordo. Vocês acham que podem descobrir o caminho para a casa de Elijah? Os dois
não podem ficar muito tempo nesse frio — O’Hara afirmou.
— Vi o rumo que ele seguiu hoje de manhã. Quando chegar perto, saberei como encontrá-
lo. Mesmo assim, não me agrada deixar vocês todos aí — Lionel disse.
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— Vão embora. Impossível saber quanto tempo se passará antes de as portas abrirem —
O’Hara aconselhou. A afirmativa aumentou o nervosismo de Daisy.
— Nós poderemos pegar os cavalos lá com Elijah, ir à cidade e voltar com socorro —
Buster sugeriu.
Nem um pouco satisfeito em k embora, mas aceitando o que talvez fosse a melhor solução,
Lionel concordou.
Tão logo eles viraram o canto do hotel, O’Hara fechou a janela.
Com a mão na maçaneta, Eve forçou a porta embora soubesse que ela não abriria.
Finalmente, virou-se para a cama e olhou para o noivo amarrado.
Lucien estava recostado na cabeceira da cama, com a cabeça pendida no peito. Os cabelos
escuros caíam sobre as faces, escondendo parte do rosto pálido. O assédio de tantos espíritos e o
domínio poderoso de Scrydan o tinham esgotado. O peito nu arfava com a respiração, mas a seus
olhos, ele vivia por um triz.
Seu coração confrangeu-se. Horrível vê-lo amarrado desse jeito. Devagar, Lucien ergueu a
cabeça.
— Vamos, me solte — pediu baixinho.
Era o que Eve gostaria de fazer, mas não podia. Sacudiu a cabeça.
— Se você me ama, Eve, me soltará — ele disse numa voz suave.
Esse não era Lucien, ela percebeu.
— Não posso. Você sabe disso.
— Depois de tudo que compartilhamos, como você deixou que fizessem isso comigo?
Estou com frio, com fome. Quero estreitá-la entre os braços, beijar essa sua boca deliciosa até você
me implorar que a possua. Venha cá, me solte, me alimente com seu amor e me aqueça outra vez.
— Abra as portas — ela disse.
Ele sorriu. O ser na cama tinha o rosto, a voz e o corpo de Lucien, mas não o sorriso dele.
— Vamos fazer um acordo, amor. Você me solta e eu abrirei as portas.
— Acordo perigoso. Você matará todos nós se tiver uma chance.
— A você, não — ele disse numa voz baixa e áspera. — Lucien não me deixará matá-la.
Franziu a testa como se não compreendesse essa idéia.
— E quanto aos outros?
Ele deu de ombros, o gesto limitado pelas cordas.
— Que importância eles têm? Não valem nada. São uns insetos irritantes e significam
muito pouco. Nós dois poderemos sair daqui e começar a vida em qualquer outro lugar. — Ele
tornou a sorrir. — Quando eu sair daqui, você ficará surpresa com o que poderei fazer. Tenho magia
dentro de mim. Poder. Nada conseguirá me impedir. Darei tudo que você quiser.
— Quero Lucien — Eve murmurou.
— Quase tudo — ele emendou com um sorriso torto. — Você deseja ser famosa? Rica?
Linda?
Eve deu-lhe as costas. Não suportava ver aquele espírito maligno falando pela boca de
Lucien.
— Não o soltarei — declarou.
— Soltará, sim — Scrydan disse a suas costas. — Eventualmente. Posso esperar. Os outros
vão me deixar mais forte. De manhã, já serei capaz de me libertar. Acho que o homem no corredor
não vai esperar até então. Morrerá muito antes.
— Hugh — Eve murmurou.
— Vamos, me solte. Você e eu sairemos daqui juntos e eu permitirei que aqueles
simplórios, que você chama de amigos, continuem vivos. Estou ficando mais forte. Logo não
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precisarei mais de você. A moça lá em cima vai ser muito saborosa. Ela começou a me alimentar no
instante em que entrou naquele quarto.
— Daisy? — Eve virou-se para o monstro na cama. — Deixe Daisy em paz, ouviu bem?
— Se você insiste, amor, ela não será molestada. Depende de você, claro. Tudo que tem a
fazer é me soltar.
Eve balançou a cabeça e Scrydan a fitou com firmeza.
— Você já foi possuída, estou vendo.
— Duas vezes, rapidamente — ela confirmou.
— Posso entrar em seu corpo em mais de uma maneira. Não com a facilidade como neste
aqui e nem ficar em você muito tempo, mas o suficiente para forçá-la a desamarrar estas cordas.
Ele as retesou com violência, fazendo a cama balançar e ranger.
— Se isso é possível, por que você ainda não conseguiu? — Eve indagou ao dar um passo
para a cama. — Está se desdobrando demais? Este quarto é tranquilo. Aqui, você não fica tão forte
como em outras partes da casa. Deve ser uma luta tremenda manter todas as portas fechadas,
controlar os espíritos e agarrar-se a Lucien ao mesmo tempo. Você está com medo de largá-lo, pois
sabe que se fizer isso, ele recuperará o controle e você não poderá retornar. Ele o bloqueará.
Pela expressão dele, Eve percebeu que sua observação o tinha perturbado. Devia estar, pelo
menos, parcialmente certa.
— Você pensa que fico fraco neste quarto? — ele indagou.
As chamas na lareira crepitaram e uma lufada de vento a rodeou, agitando sua saia.
— Mágica de salão — ela comentou.
Lionel contara que Scrydan, durante os anos passados no hotel, entrava em corpos
adormecidos, através de sonhos. Assumia o controle e, sob sua orientação, pessoas pacíficas tinham
se tomado assassinas. Algumas haviam se suicidado. Mas a posse dessas pessoas o enfraquecia e
durava pouco tempo.
— Amor, eu sempre venço — ele declarou.
Katherine tentava abrir a porta da cozinha para a sala de jantar enquanto Garrick fazia o
mesmo com a do alpendre. Com a parca luminosidade de uma única vela, esforçavam-se em vão.
Havia uma pequena janela na cozinha. Não era grande bastante para Garrick passar, mas
Katherine poderia se espremer por ela.
Não era uma boa opção. Não só ela não queria ficar sozinha lá fora, no frio, como a janela
não abria.
Frustrada, Katherine virou-se para dizer a Garrick que estavam perdendo tempo e se viu
diante de Jerome.
Ela não conseguiu emitir som algum e sentiu o corpo entorpecer. O fantasma a sua frente
era nebuloso, uma visão etérea do marido morto. E Jerome lhe sorria como costumava fazer antes
de espancá-la.
— Vá embora. Você morreu — conseguiu balbuciar.
Garrick arregalou os olhos, pois também o via.
— Você ainda está de luto por mim — Jerome disse ao apontar para seu vestido preto.
— Ainda o desprezo — ela afirmou numa voz trêmula.
A mão enevoada de Jerome atravessou seu corpo e ela sentiu a carícia espectral. Gélida.
— Nem sempre você me desprezou.
Garrick rodeou a sombra detestável para ficar ao lado de Katherine. No mesmo instante,
ela apoiou-se no braço quente e sólido do homem vivo.
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— O que, pelo amor de Deus, vamos poder conversar enquanto o fantasma de meu marido
morto nos observa?
Num canto havia uma pequena mesa e apenas uma cadeira. Garrick a fez sentar-se nela,
virada para a parede. Então, sentou-se na beirada da mesa, a sua frente, e a fitou.
Jerome postou-se ao lado.
Katherine manteve o olhar em Garrick que sorriu um pouco.
— Antes de Lucien contar, você sabia que minha mãe não era a verdadeira?
— Ai, Garrick, é claro que eu não sabia. — Pôs a mão no joelho dele, mas a puxou
depressa. O gesto parecia íntimo demais. — Você não parece muito surpreso.
— Kat, olhe para mim. Ainda não terminamos. Aliás, jamais terminaremos — Jerome
garantiu.
Garrick inclinou a cabeça para o lado.
— Na verdade, isso explica muita coisa. Sempre suspeitei que mamãe me odiava, como
Lucien contou. Ela nunca disse nada que me levasse a pensar isso, mas havia momentos em que eu
tinha certeza. Ela sempre me culpava por sua saúde frágil, dizia que a gravidez havia sido muito
difícil.
— Sua mãe é uma prostituta — Jerome aparteou.
Os dois o ignoraram.
— O que você vai fazer? Pretende contar a ela e a seu pai que descobriu a verdade? —
Katherine perguntou.
Garrick tornou a sorrir. Tinha um sorriso bonito, embora estivesse meio tenso no momento.
— Não sei. Talvez eu faça as malas e vá embora de Plummerville.
— Para onde você iria?
Antes, ela não simpatizava muito com Garrick. Era rico, embora não tivesse culpa disso.
Porém, ela havia trabalhado duro para obter cada pequena coisa de sua vida enquanto ele tinha tudo
de mão beijada. Também não levava nada a sério e encarava a vida como se fosse uma diversão.
Nada lhe era difícil e isso não parecia justo.
Ultimamente, tinham se tornado amigos, graças à sociedade secreta. Ter amizade com um
homem a surpreendia muito. Jerome a tinha levado a odiá-los em geral, pois eram todos iguais.
Malvados, fingidos, os homens sempre tinham de provar a uma mulher o quanto ela era fraca e que
cabia a eles mandar.
— Para o oeste— ele respondeu, — Gostaria de encontrar uma cidade onde eu fosse mais
do que o filho de um homem rico e pudesse fazer algo por conta própria. Em Plummerville, o
moinho, a casa, o dinheiro, tudo enfim é de meu pai. Acho que seria muito bom ter alguma coisa
minha. Talvez seja egoísmo.
— Não, de jeito nenhum.
— Em Plummerville, não importa o que eu faça, serei sempre o filho de Douglas Hunt. As
pessoas que conheço pensam que as coisas boas em minha vida me foram entregues de bandeja.
Katherine sentiu o rubor nas faces. Havia pensado aquilo.
— Por seu jeito de falar, parece que você vem pensando nisso faz algum tempo.
— A idéia de ir embora vem e vai. Quase nunca fica. Partir e recomeçar a vida é difícil.
Furioso, Jerome os interrompeu:
— Kat, você é minha e sempre será. Não é para mostrar isso às pessoas que você continua
de luto?
Ela usava preto para não se esquecer do inferno que sua vida tinha sido com o marido. E
para se lembrar, todos os dias, de que ele estava realmente morto.
— Para onde no oeste? — ela perguntou, ignorando Jerome.
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CAPÍTULO XI
Com as mãos cruzadas às costas, Daisy estava em pé no meio do quarto. Lionel e O’Hara
tinham dito que Scrydan ocupava o hotel inteiro, ou seja, as paredes, os móveis e até o soalho.
Nervosa, contraiu os artelhos. Embora se esforçasse para não tocar em nada, não tinha o que fazer
com os pés.
O’Hara parecia não se importar com isso. No momento, estava sentado na cama. Até uns
instantes atrás, ele tinha andado de um lado para o outro. Havia parado uma vez para espalmar as
mãos na parede, mas as puxara depressa como se as houvesse queimado.
Ao vê-lo se pôr em pé, pois o homem não ficava parado muito tempo, ela perguntou em
tom amistoso:
— Então, qual é seu primeiro nome?
— O quê?
— Preciso de alguma coisa para passar o tempo — ela explicou.
No canto, os fantasmas riram. Moreen não estava sozinha. Daisy não podia vê-los muito
bem, mas havia pelo menos três. Eles riam, mexiam-se, provocavam correnteza de ar frio pelo
quarto. Com o passar dos minutos, o número deles aumentou.
O’Hara também via as aparições, talvez com mais nitidez do que ela graças à experiência.
Ao se aproximar de Daisy, os olhos dele foram de um em um.
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Embora os fantasmas tivessem formas etéreas, ela os notava bem melhor do que gostaria.
Eles atravessavam as paredes, apareciam e desapareciam. Os primeiros eram de mulheres, depois
surgiram de soldados e de homens bem vestidos. Felizmente, não se aventuravam para o centro do
quarto, onde ela e O’Hara estavam. Ficavam nos cantos escuros e encostados nas paredes.
Escondiam-se quando ela firmava o olhar a fim de vê-los melhor, levando-a a pensar se não seriam
fragmentos de sua imaginação.
Numa atitude protetora, O’Hara chegou bem perto.
Daisy apertou os lábios. Não podia pensar no que via a seu redor. Nem imaginar de quem
seriam esses fantasmas, o que queriam e fariam antes de a noite terminar. Chocante e irreal demais.
Então, ela concentrou-se no homem a sua frente. O’Hara era malvado. O que lhe custava
atender seu pequeno pedido sobre o nome dele? Como achasse que talvez não vivesse até de manhã,
não pensava que estivesse exigindo demais. Ai, por que essa curiosidade tão grande sobre o
primeiro nome de O’Hara? Começou a perguntar, mas ele a interrompeu:
— Agora não, Daisy.
— Tenho de me manter calma, olhar para essas coisas em nossa volta e não sentir medo.
Como posso fazer isso? Será que não seria possível ignorarmos o que está acontecendo aqui e
tentarmos ter uma conversa normal?
— Você está certa. Vamos fazer isso — ele disse com suavidade.
— Se você se recusa a me contar seu nome, talvez possa me explicar como foi o incidente
de enfiar a mão sob a saia de Eve.
Ah, sem dúvida ele haveria de preferir falar sobre o nome em vez de justificar a atitude tão
rude e imperdoável. Engano seu. O’Hara suspirou e chegou muito perto.
— Fazia mais de um ano que Lucien não tinha aparecido para o casamento e Eve
continuava muito triste.
— Então, você resolveu consolá-la.
— Posso terminar antes que você me recrimine?
— Pode — Daisy respondeu e apertou os lábios.
— Obrigado. Eve estava muito infeliz. Continuava a executar bem seu trabalho, mas sem
alegria. Escondia-se dentro de si mesma na tentativa de fingir que não se importava com o fato de o
homem a quem amava a ter esquecido na frente do altar.
— Ainda não entendo como ser rude e inconveniente..,
— Você entenderá. Apenas seja paciente — ele a interrompeu.
Daisy concordou com um gesto de cabeça. Fixou o olhar no rosto de O’Hara e tentou
ignorar os lampejos de luz dos espíritos nos cantos. Ele prosseguiu:
— Lá estava ela, relendo suas anotações e escrevendo notas nas margens. Em minha
defesa, admito que havia bebido um pouco demais de vinho no jantar e estava meio aéreo.
— Embriagado, isso sim — Daisy o acusou.
— Pode ser, mas isso não diminuía a melancolia de Eve. E eu queria trazer de volta aquele
brilho em seus olhos de que me lembrava tão bem, fazê-la se interessar por qualquer coisa. Então,
fui até atrás dela, fingi tropeçar e a toquei na perna.
— Que grande falta de educação! — ela exclamou.
— Mas deu certo.
Esquecida da tristeza e com os olhos fuzilando, Eve me bateu com o caderno e deu um
pontapé em minha canela.
— Bem feito! — Daisy exclamou e encarou O’Hara com firmeza.
Ao contrário dela, que se assustava com qualquer confronto, Eve sabia se defender. Sentiu-
se aliviada ao saber que a amiga havia retribuído o atrevimento de O’Hara à altura.
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— Ela morreria se perdesse Lucien — ele afirmou numa voz mais séria, fazendo Daisy se
arrepender por ter ficado contente com a reação de Eve a ele.
Havia mais de uns seis fantasmas naquele momento e eles começaram a se afastar dos
cantos. Sombras e lampejos de luz se misturavam enquanto silhuetas nebulosas se dirigiam para o
centro do quarto onde ela e O’Hara estavam.
— Estão vindo — Daisy murmurou ao chegar mais perto dele. Numa voz calma, O’Hara
disse:
— Eles não podem fazer mal a você. Lembre-se disso.
— Estou com medo — ela sussurrou.
Os fantasmas não chegaram muito perto. Pararam a alguns passos de distância e formaram
um círculo à volta deles. Então, encenaram suas mortes horríveis em silêncio. Um homem bem
vestido esfaqueou uma mulher. Um soldado estrangulou o companheiro. Uma mulher aproximou-se
de outra por trás e lhe cortou o pescoço. Um homem sacou a arma e começou a atirar. O espetáculo
sangrento prosseguia e Daisy tremia ao ver o desenrolar das cenas.
O’Hara a aconchegou contra o peito e murmurou:
— Não olhe.
Grata, ela escondeu o rosto no ombro dele. Por que o achara baixo? O’Hara tinha a altura
certa para ela. Seu rosto apoiava-se bem naquele ombro e ela não tinha de ver os espíritos que
assombravam o hotel. Também era reconfortante ser amparada e não estar sozinha naquele
momento terrível. Ela apenas esperava que O’Hara estivesse certo e os espíritos não lhes fizessem
mal.
Daisy agarrou a jaqueta dele com as duas mãos. Embora tentasse, achava impossível ficar
calma. Começou a tremer. Mesmo com o rosto apoiado nele, pelo canto dos olhos via lampejos de
luz. Por Deus, mal conseguia respirar.
— Feche os olhos — O’Hara disse ao estreitá-la mais contra o peito. — Eles só querem
assustá-la e não podem lhe fazer mal.
Ela obedeceu e apertou bem os olhos. Mesmo assim, podia ver os fantasmas como se eles
estivessem atrás de suas pálpebras. Ilusão provocada pela imaginação, refletiu.
O’Hara massageava suas costas.
— Lembre-se que eles querem assustá-la. Seu medo fortalecerá Scrydan. Pense em alguma
coisa linda e não em fantasmas.
— No momento, não posso pensar em nada lindo — ela confessou.
O’Hara a abraçou com força. Também sentia medo, Daisy suspeitava, mas não queria que
ela e os espíritos soubessem.
— Quigley — ele disse baixinho.
— O quê?
— Meu terrível primeiro nome. Quigley. Quigley Tibbot O’Hara.
Apesar da situação, Daisy sorriu no ombro dele.
— É mesmo? Quigley?
— Se você contar para alguém, eu negarei. Tive muito trabalho para impedir que, além de
meus parentes chegados, outras pessoas descobrissem esse horror.
— Horror é um pouco forte. — Ela riu com suavidade. — Talvez, não.
Ele começou a rir também e Daisy abriu os olhos. Os fantasmas que os tinham
atormentado se dissipavam. Ela riu mais alto.
— Quigley Tibbot? Deve ser um nome de família.
— Era o de meu bisavô.
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— Espero que ele tenha sido rico e lhe deixado uma fortuna, já que você herdou o nome
dele.
— Ai de mim! Ele era sitiante e morreu cheio de dívidas.
As luzes e o ruído dos fantasmas apagavam-se. Daisy vislumbrou o rosto de uma mulher.
Era mais triste do que pavoroso, mais trágico do que assustador. Uma a uma as imagens e luzes
sumiram. Daisy ergueu a cabeça a fim de olhar para O’Hara. Sim, ele sempre seria O’Hara para ela.
Quigley não combinava com ele.
Ao ver-lhe o rosto bem perto. Daisy imaginou se ele a beijaria. A mão continuava a subir e
a descer por suas costas. Movimentos lentos, firmes e estimulantes. Ela já podia soltar-lhe a jaqueta,
mas não o fez.
O’Hara ia beijá-la. Ele curvou a cabeça e a inclinou para o lado. Parou quando a boca
estava bem perto da sua. Então, afastou-se.
— Viking?
Trancados do lado de fora, Lionel e Buster teriam ido buscar socorro? Quanto tempo
levariam para voltar? No mínimo já seria de manhã quando chegassem. Eve achava estar sendo
otimista demais.
Andava de um lado para o outro e Lucien a seguia com o olhar. Lionel e O’Hara diziam
que seu amor o salvaria. Mas como? O homem a quem amava estava ali, ainda vivo e lutando
contra Scrydan.
— Você há de vencer — Eve disse ao parar perto da cama.
O quarto estava parcamente iluminado pelo fogo da lareira e o luar fraco. Â luz pálida
dançava sobre Lucien, cujos olhos pareciam queimar.
— Eu estou vencendo — Scrydan afirmou, presunçoso.
Aborrecida e assustada com tal arrogância, ela respondeu:
— Pois não está com jeito de que esteja vencendo coisa alguma. Continua amarrado na
cama, impotente, e não irá a lugar algum até que eu consiga Lucien de volta.
— Ele mandou os outros me matarem se for necessário.
— Eu sei — ela disse, ríspida.
— Por sorte minha, não existe uma única pessoa aqui no hotel capaz de me matar enquanto
eu estiver neste corpo. — Riu. — Todos olham para este rosto e vêem Lucien Thorpe e não a mim.
Por isso, vencerei — afirmou ao olhar para o teto e franzir a testa.
— Algo errado, Scrydan? As coisas não estão indo como planejou?
— Falta pouco. Logo irão— afirmou ainda com a testa franzida.
— Quero falar com Lucien — Eve disse.
Scrydan a encarou.
— Não. Sabe, ele quase já se foi. Está cada vez mais fraco.
Eve sentou-se na beirada da cama para tocar aquele rosto querido. Amava Lucien mais do
que jamais sonhara ser possível. Não aceitava que pudesse perdê-lo dessa forma e tão perto de
alcançarem a felicidade. Sabia que a vida deles nunca seria normal, mas não mereciam ter mais
tempo? Talvez não o tivessem para sempre, porém algum para compensar o horror desses dias.
Scrydan retesou as cordas que o prendiam. Eve observou os nós fortes e bem feitos. E se
Scrydan estivesse certo e, com o passar das horas, fosse capaz de arrebentá-los?
Porém, ainda não estava forte o suficiente.
Ela o acariciou no rosto barbudo e roçou as costas da mão na garganta dele.
— Lucien, preciso falar com você — sussurrou.
— Pare com isso — ele disse baixinho.
— Por mim, lute contra ele.
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— Ser chamada por Eve a enternece, não é? — Scrydan indagou. — Tão meigo e adorável.
E quase deu certo. Por uma questão de segundos, você teria me soltado, mas recobrou o bom senso.
Venha me beijar de novo, mulher, e eu a farei esquecer outra vez.
Com a respiração presa, Eve afastou-se da cama. Ele a tinha tapeado num momento em
que ela deveria ter sido mais perspicaz. Por um tempo mínimo, ela havia se convencido de que
beijava e falava com Lucien. Teria se enganado?
Gostasse ou não, ela precisava encarar seu maior pavor. E se Scrydan estivesse certo e
Lucien se fora para sempre?
Scrydan observava Eve andar de um lado para o outro. Ele tinha chegado tão perto! Quase
a convencera de soltá-lo.
O fato de Lucien ter sido capaz de voltar à superfície outra vez era perturbador. Mesmo ele
tendo ficado apenas uns dois minutos.
Ele deveria estar fraco demais para fazer tal esforço. Deveria estar morto! Mas havia
acordado e lutado. Tudo por um beijo.
— Seu amigo no corredor está morto. A alma dele já ficou aprisionada aqui como tantas
outras. Os demais também logo estarão — ele disse e sorriu ao ver sua expressão de tristeza. As
coisas não estavam indo como ele tencionava, mas não podia deixar a mulher saber, e sim assustá-
la. — Lá em cima, num quarto onde muitos já morreram, o tal O’Hara, de quem você não gosta, vai
acabar pondo as mãos no pescoço da moça bonita para estrangulá-la. Só Deus sabe o que ele lhe
fará antes. É um rapaz muito raivoso e acha sua amiga atraente. Duvido que a morte dela seja
rápida.
Quando Eve estremeceu e virou o rosto para esconder o sofrimento, ele animou-se. Se
agisse certo, não precisaria dos outros. Essa mulher o alimentaria e, depois, o soltaria. Ou ele estaria
forte o suficiente para romper as amarras. Acrescentou baixinho:
— Ao se dar conta do que fez, ele se atirará da janela e quebrará o pescoço.
— Cale a boca! — ela disse numa voz rouca.
De fato ele não precisava do medo dos outros. A Eve de Lucien o aumentaria bem.
— Lá embaixo na cozinha, a viúva bonita está tendo uma conversa interessante com o
marido morto. — Ele retesou as cordas o máximo possível.— Daqui a pouco, ela vai confundir seu
amigo beberrão, Garrick, com o fantasma atormentador do marido e lhe esfaquear o peito. Em
seguida, será a vez dos próprios pulsos. Os dois morrerão juntos numa poça de sangue.
— Será que vou ter de amordaçá-lo? — Eve indagou.
— Você não faria isso. Como é tola, pensa que Lucien poderá voltar e lhe dizer, pela última
vez, que a ama. Sem dúvida você não quer perder tal oportunidade. E não quer saber o que
acontecerá aos dois que saíram vagando por aí? — Riu alto. — Os idiotas seguiram pela direção
oposta. Já estão perdidos. E nesse frio horrível! Dentro em pouco, acabarão dormindo e nunca
acordarão.
— Isso não é verdade — ela balbuciou.
— É uma forma quase indolor de morrer. Eu só queria que o sitiante morasse mais perto. O
rapazinho tem medo do que não vê e compreende. Por ser jovem, a morte dele seria muito
revigorante. O medo da mulher crescia. Ele já podia senti-lo. Provocou-lhe uma onda de energia,
um tinir de prazer pelo corpo inteiro.
— Não quer saber o que planejei para você, amor?
Uma luz no canto do quarto o distraiu. O espírito daquela bruxa desgraçada! Ela já tinha
arruinado este quarto com suas pragas malditas. E era um fantasma em que não se podia confiar! Os
outros obedeciam todas as ordens dele porque o temiam. Ela sempre o desafiava.
No momento, ela tentava se comunicar com Eve que, felizmente, não possuía o dom de
Lucien. Não percebia a ajuda que lhe era oferecida.
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CAPÍTULO XII
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— Não penso que este seja o momento, muito menos o lugar, para discutirmos sobre algo
que possa ter passado por minha cabeça. Além do mais, meus pensamentos não são da conta de
ninguém — Daisy declarou.
O’Hara acalmou-se.
— Sei por que você gosta de Lionel — disse em voz suave.
— Não gosto nem desgosto... — ela começou, mas O’Hara prosseguiu como se não a
tivesse ouvido.
— Ele a deixa segura, certo? Lionel é arredio e tranquilo. Vive quase o tempo todo em
outro mundo, portanto, não representa uma ameaça para você.
— Essa é a coisa mais ridícula...
— Ele não é real. Você vê um rosto bonito e sonha com vikings.
— Não sonhei com vikings — ela insistiu.
— Sonhou, sim. Apenas não se lembra — O’Hara sussurrou.
Daisy sentiu o rubor queimar-lhe o rosto.
— Mesmo que tenha sonhado...
— Você se esquiva de mim desde que chegamos aqui. Não sou um tipo atraente e, não
importam meus dons, me esforço bastante para levar uma vida consistente neste mundo. Tenho os
peno chão, Daisy. Você teme mesmo que um homem assim possa prejudicá-la?
O coração de Daisy disparava e não por causa dos fantasmas. Imaginava quanto O’Hara
tinha visto quando a tocara,
— Agora que pôs as mãos em mim, você já sabe tudo? — ela indagou numa voz estridente.
— Não, claro. Ninguém vê tudo. Esse não é o propósito de certos dons. Não tenho controle
sobre o que me é, ou não, revelado quando toco em alguém ou em alguma coisa.
— Esse poder é apenas em suas mãos?
— É, sim.
Naquele caso, se ele a beijasse, não veria seus segredos, desde que mantivesse as mãos
longe.
— O que mais você sabe sobre mim além dessa tolice de que eu possa ter comparado
Lionel a um viking! — ela perguntou e prendeu a respiração à espera da resposta.
— Nada chocante. Você é muito mais forte do que dá a perceber e tem bom coração.
Quando ama alguém, entrega-se por completo. Ah, você detesta abóbora.
— Minha mãe sempre teve uma horta. Dois anos seguidos, tivemos tantas abóboras que ela
as servia em todas as refeições. Um dia, até quis me forçar a comer um tanto no café da manhã.
Nunca mais tolerei abóbora.
— Interessante— O’Hara comentou.
Os fantasmas reapareceram e os dois, afastados um do outro, estavam vulneráveis. Juntos,
ficavam mais fortes, sentiam menos medo. Havia duas mulheres de branco e dois homens idosos.
Flutuavam pelo quarto e uma das mulheres acomodou-se na cama, Quando um dos homens sacou
uma faca, Daisy gritou. Real ou não, a reencenação dos assassinatos era horrorosa.
— Eles não podem lhe fazer mal. Olhe para mim e não para eles — O’Hara disse,
Daisy focalizou o olhar na silhueta sombreada dele. Apenas um luar fraco impedia que o
quarto ficasse em completa escuridão. Não podia negar que a presença de O’Hara a deixava
aliviada. Mais do que ninguém do grupo, ele a fazia se sentir protegida.
— Como posso não me assustar? — murmurou.
— Pense em vikings — ele sugeriu.
— Eu não sou... você viu só uma pequena parte... — De nada adiantava seu esforço para se
livrar do embaraço. — Ai, você é um homem intolerável!
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— Eu?
— Sim, você, Quigley Tibbot O’Hara.
— Falta de delicadeza sua trazer meu nome à baila numa hora como esta — ele reclamou.
Fazia muito tempo que ela sentia medo. Mais do que dos fantasmas que O’Hara garantira
que não lhe fariam mal. Não cria que ele lhe mentisse a esse respeito e também tinha mais medo dos
vivos do que dos mortos. Talvez ele estivesse certo ao afirmar sua atração por Lionel, pois ela não
intuía ameaças nisso.
No íntimo, ela desejava aquele beijo que quase havia recebido.
Porém, O’Hara nunca a beijaria. Bastara uns poucos toques leves para convencê-lo de que
ela estava embevecida com Lionel.
Olhou para o fantasma na cama, uma mulher de olhar triste.
— Suma — Daisy ordenou e olhou para os outros. — Vocês todos também. Sei que têm a
intenção de nos assustar, mas apenas nos aborrecem. Cada um de vocês parece mais triste do que
assustador. Portanto, sumam. Não podemos ter uma conversa particular com vocês nos observando.
Um a um, todos obedeceram. Ela suspeitava que o único espírito mau no hotel era Scrydan.
Os outros estavam presos ali como O’Hara e ela.
— Deu certo — ele comentou, surpreso.
— É claro que deu.
— A maioria das mulheres estaria à beira da histeria.
— Não faço parte da maioria.
— De fato, não — O’Hara concordou com suavidade.
Daisy eliminou a distância entre ambos. Respirou fundo antes de pegar a mão direita de
O’Hara como se fosse cumprimentá-lo. Mas em vez de apertá-la, juntou palma com palma. A mão
grande dele envolveu a sua. Transmitia calor no quarto frio. Os dedos retesaram e, depois,
relaxaram enquanto ele fechava os olhos.
— Há muito tempo sinto pavor de deixar qualquer pessoa descobrir o que você vai saber
sobre mim agora. Talvez não veja tudo, porém, mais do que viu antes, acredito. Acho que pode ver
além de minha aversão por um certo legume ou da atração tola e fugaz por um homem que eu nem
conhecia quando permiti certas fantasias.
— Daisy — O’Hara sussurrou ao tentar puxar a mão, o que ela impediu.
— Talvez você esteja certo quanto a eu querer levar a vida em segurança e só me interessar
por homens que não representem uma ameaça para meu coração. Sempre me esquivo de qualquer
um que possa me interessar mais do que um rosto bonito.
— Eu nunca devia ter dito aquelas coisas. Estava bravo — ele confessou.
— Tudo bem. Faz parte da vida zangar-se, não faz? Sabe, O’Hara, nem me lembro da
última vez em que me importei com alguma coisa a ponto de ficar brava.
Ele apertou sua mão com força.
— Daisy, estou tentando não ser indiscreto e não ver demais, mas não tenho esse tipo de
controle. Não posso continuar bloqueando-a. Largue minha mão.
— Não. Se Scrydan vencer e nós morrermos aqui, não quero ir sozinha. Quero ir de mãos
dadas com alguém que me conheça realmente. Tudo, o bom e o mau. Não bloqueie nada.
O’Hara a tocou na face com a mão esquerda. Daisy fechou os olhos e o deixou acariciá-la
ali com os dedos delicados e experientes. Só então sentiu medo do que O’Hara pensaria sobre ela
quando largasse sua mão.
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Eve se viu de relance no espelho acima da cômoda empoeirada. Por Deus, estava tão
assustadora quanto qualquer fantasma. Soltos e embaraçados, os cabelos caíam em todas as
direções. E o elegante vestido de noiva? Manchado em vários lugares, descosturado em outros e já
sem muitas das pequenas pérolas que o enfeitavam. Seus olhos encheram-se de lágrimas.
Se Scrydan estivesse certo, todos eles morreriam no hotel e ela chorava por causa de um
vestido arruinado. Um vestido branco de noiva, símbolo de pureza, de felicidade perene e da vida
que ela tanto almejava e jamais teria.
— Por estranho que pareça, ele acha você bonita — Scrydan disse.
Eve olhou para o homem amarrado na cama. Scrydan, com o rosto e o corpo de Lucien, a
fitou com olhar de escárnio.
— Fique calado. Não quero ouvir nem mais uma palavra sua — ela afirmou ao enxugar as
lágrimas.
— Você vai me amordaçar? — ele indagou.
— Talvez.
— E se Lucien voltar e quiser lhe dizer que a amará até o fim e que deseja um último
beijo? — Scrydan sugeriu ao lhe mostrar a língua num gesto obsceno.
— Amordaçá-lo está me parecendo cada vez mais uma ótima idéia.
— Você não assumirá o risco de me silenciar — ele afirmou.
Num canto, algo atraiu o olhar de Scrydan e o sorriso mau dele desapareceu. Eve virou-se
para verificar o que lhe havia chamado a atenção. Uma luz movia-se no canto sombrio.
Poderia esse novo fantasma possuí-la como Scrydan fazia com Lucien? Não tinha certeza
se esse espírito seria capaz disso, mas a última coisa de que precisava era ser controlada por uma
força sob o comando de Scrydan.
Lucien sempre falava da necessidade de se construir paredes em volta da mente a fim de
manter fora espíritos indesejáveis. Eve fez isso e a imagem no canto retorceu-se e sumiu.
Pouco depois, ouviu um ruído no corredor. Era como se alguma coisa ou alguém estivesse
sendo arrastado pelo chão. Por um momento, prendeu a respiração. O ruído foi chegando cada vez
mais perto da porta. Poderia Scrydan abri-la caso quisesse que aquilo lá fora entrasse no quarto?
— Eve? — uma voz fraca murmurou.
Um alívio imenso a inundou.
— Hugh? Você está bem?
— Não tenho certeza. Bati a cabeça e tudo está meio confuso. A escuridão é absoluta. Só
encontrei a porta porque vim apalpando o chão enquanto me arrastava. O que aconteceu?
Em poucas palavras, Eve contou o que havia ocorrido e onde os outros estavam.
— Não importa o que acontecer, não solte Lucien — Hugh ordenou.
— Não é Lucien — ela afirmou em voz baixa.
— É mesmo. — As palavras não estavam muito claras. — Ele não é... — Hugh mexeu-se
contra a porta. — Eve, alguma coisa está aqui.
— Bloqueie isso, Hugh!
Não houve resposta. Nem mesmo quando ela bateu com força na porta e gritou o nome
dele. Ajoelhou-se para ficar mais perto do amigo caído lá fora.
— Hugh! — tornou a chamar.
Numa voz calma, Scrydan disse:
— Poderemos sair daqui agora mesmo. Só você e eu. Quando estivermos a algumas milhas
de distância do hotel, tudo voltará ao normal e seus amigos estarão em segurança.
Eve levantou-se e o encarou.
— Você é um mentiroso! Disse que Hugh estava morto.
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— Tem certeza de que era Hugh? Pode ter sido uma fantasia de sua imaginação ou um
fantasma fazendo se passar por seu amigo.
— De jeito nenhum! — ela protestou
— Você pode salvá-los. Só você. Em recompensa, lhe darei tudo que quiser. Beleza,
fortuna, fama.
Enquanto Eve andava em direção da cama, Scrydan sorriu-lhe. Ela inclinou-se e chegou a
sentir o calor irradiado por aquele corpo. Mas parou antes de chegar perto demais.
— Você é um mentiroso! — repetiu.
Ele deu de ombros.
— E tudo o que quero é Lucien.
Scrydan retesou as cordas. Não estava ficando mais forte, ela notou. Quando isso
acontecesse a ponto de ele conseguir se soltar, de que forma ela poderia detê-lo?
Jerome tinha sumido, mas Katherine suspeitava que ele continuava ali. A chama da única
vela oscilou e, ao vê-la, Garrick pegou sua mão. Numa voz suave, disse:
— Venha cá. Você precisa se sentar.
Ele ocupou a única cadeira da cozinha e a puxou para o colo.
— Eu não... — ela começou ao mesmo tempo em que tentava se levantar, mas Garrick a
forçou a voltar.
— Também preciso me sentar e não quero ficar sozinho. Por favor, Katherine —
murmurou ao firmar os braços em sua volta.
Ela nunca tinha ouvido Garrick dizer por favor! Por isso, ficou. Levando-se em
consideração as circunstâncias, era agradável estar tão perto de outro ser humano. Tão quentinho.
Disse a si mesma que se sentava no colo de Garrick pelo bem dele e não do seu. Também porque ele
havia pedido e não porque gostasse da maneira como ele a segurava. E ainda, não por ser a primeira
vez, em muito tempo, que ela não estava sozinha.
Katherine viu a chama da vela tornar a oscilar e rezou para que não se apagasse. Não
queria se sentir perdida nas sombras da noite e, muito menos, que Jerome viesse perturbá-la na
escuridão.
Numa voz baixa, Garrick começou a falar:
— Quando sairmos daqui...
— Se sairmos — Katherine aparteou.
— Quando sairmos daqui e voltarmos para Plummerville, você me dará permissão para
visitá-la?
Seu coração pulou no peito.
— Não, claro!
— Por que não?
— Ora, você vai embora para o oeste e eu não vejo razão para começarmos alguma coisa
que não poderemos terminar.
— Não quero começar nada que não possa terminar.
— A resposta continua sendo não.
— Por quê?
Katherine suspirou. Pelo menos estava sentada de costas para Garrick e não tinha de fitá-
lo.
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— Não quero outro homem em minha vida. Jamais. Não vou me casar de novo, não estou
interessada em romance de qualquer tipo e não pretendo mudar.
Num tom defensivo, Garrick argumentou:
— Não somos todos iguais a Jerome. Muitos homens são dignos de confiança e atenciosos.
Tantos maridos cuidam de suas mulheres e as amam como ele nunca fez. São bondosos, sensatos
e...
— Você bebe tanto quanto ele bebia.
Katherine queria se levantar, mas ele a segurava com firmeza. Tinha esperado enraivecê-lo
a ponto de largá-la, mas a provocação não dera certo.
— De fato bebo demais, não nego. Garanto que não adoro beber e, muito menos, preciso
disso. Se tiver um motivo justo, poderei largar a bebida.
— Não é assim tão fácil. Perdi a conta das vezes em que Jerome prometeu nunca mais
beber. Se o gosto pelo álcool está dentro de você, não há nada que se possa fazer.
— Eu pararia por você — Garrick confessou, confiante. — E o faria. Calculo que você
pense ser fingimento meu.
— Penso, sim.
— Acha que eu diria qualquer coisa para conseguir o que quero?
— Penso.
— Eu te quero. Aqui. Na próxima semana. No ano que vem. Para sempre.
Tensa, ela teve a sensação de que o coração se contraía.
— Pare e...
— Não vou mentir para você sobre qualquer coisa, Katherine. Você é muito importante
para mim para ser conquistada com mentiras.
— Bobagem — ela murmurou e engasgou com a palavra.
— Mas farei o possível para conseguir o que quero. Você sabe, sou muito mimado — ele
brincou.
Como ele podia gracejar num momento como esse?
— Existe um problema com o que, suspeito, você quer de mim. — Tinha de ser franca.
Não podia permitir que Garrick continuasse a esperar pelo que ela não lhe daria. — Se eu nunca
mais tocar num homem, ótimo! Jamais receberei outro em minha cama. Não quero isso. — Engoliu
em seco. — Não quero você.
— Como pode dizer isso? — ele indagou, ofendido.
— O casamento oferece estabilidade para as mulheres. Uma casa que elas não teriam de
outra maneira. Filhos, se não se importam com a trabalheira. — Empertigou-se. — Calculo que as
mulheres que você paga para ter sexo fingem apreciar a relação. Mas não é nem um pouco... não
posso imaginar... eu nunca...
— Você tem de me dar uma chance para lhe provar que as coisas serão diferentes conosco,
caso você permita — ele murmurou.
Ela balançou a cabeça e, com o coração disparado, admitiu:
— Você se tornou um amigo maravilhoso, especialmente depois que chegamos aqui. — E
os beijos tinham sido deliciosos, pensou. — Mas não estou interessada em mais nada.
— Uma lástima — Garrick disse e suspirou.
A chama da vela tornou a tremer e, depois, apagou como se alguém a houvesse soprado.
Um riso suave ecoou no ar e Garrick estreitou Katherine de encontro a ele.
Após alguns momentos, os olhos deles se ajustaram à escuridão. Ela indagou-se se seria
imaginação sua ou a cozinha estava cheia de fantasmas. Sombras dançavam, um vento frio, o
mesmo que apagara a vela e vindo não se sabia de onde, passou em seu rosto.
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CAPÍTULO XIII
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— Eu te amo.
— Desta vez, isso não basta. Você não pode dizer que me ama e esperar que tudo acabe
bem. Veio até aqui num capricho e, agora, nós dois e nossos amigos vamos morrer porque veio
sozinho quando deveria estar se casando.
Ela estava certa. Sem saber, ele tinha atraído todos para esta armadilha.
— Transmita a informação para Lionel quando ele chegar.
— Caso ele consiga, será de manhã, o mais cedo possível. Até então, poderemos estar
todos mortos.
— Tenha fé, Eve,
Ela balançou a cabeça.
— Tarde demais para isso.
O’Hara baixou a mão e Daisy roçou-lhe a palma com os dedos. Ele estava certo desde o
inicio. Ela possuía um bom coração e, quando amava, era com grande intensidade.
— Não há necessidade de sentir medo.
— Há sim, claro — ela afirmou.
— Não estou me referindo ao hotel e aos fantasmas.
— Nem eu. — Daisy o fitou bem dentro dos olhos. — Você me despreza agora? —
indagou baixinho.
— De jeito nenhum!
O’Hara a tocou numa das faces e ela não se esquivou. Não precisava mais. Ele tinha visto
seu segredo escondido tanto tempo atrás. Era como se ela lhe houvesse impingido a informação,
como se precisasse que ele soubesse.
— Nenhum homem me amará tanto a ponto de perdoar o que fiz.
Daisy era tão frágil e forte ao mesmo tempo. E muito mais complicada do que ele tinha
suspeitado.
— Você cometeu um engano faz muito tempo. Qualquer homem que a ame, entenderá isso.
Você apenas precisa se perdoar — ele murmurou ao acariciá-la no rosto.
— Eu o amava. Pelo menos pensava que sim.
— Você era muito jovem.
— Dezessete anos.
— E ele a enganou.
Se O’Hara quisesse matar alguém, haveria de ser o homem que tinha seduzido uma jovem
inocente e lhe despedaçado o coração.
— Ele disse que estava me levando ao pastor de uma outra cidade para que pudéssemos
casar sem que meu pai nos impedisse. Então, nos perdemos e já anoitecia quando encontramos uma
choupana abandonada. Pelo menos tínhamos um lugar para dormir. — Suas mãos começaram a
tremer e O’Hara as segurou. — Ele afirmou que já éramos como marido e mulher e... — ela
balbuciou e sua voz sumiu.
— Essa não é uma boa razão para você desistir do amor e do casamento. Você vem
sufocando isso por muito tempo, Daisy. Livre-se da velha mágoa.
O’Hara odiava a idéia de ela ficar sozinha quando merecia contar com um marido e filhos.
— Como posso me casar com um homem sem lhe contar o que aconteceu? Um marido
esperaria certas coisas — ela disse em voz fraca e incerta.
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Um marido esperaria uma virgem no leito nupcial era o que ela não diria em voz alta. Era
seu temor quando ele segurara sua mão.
— Qualquer homem que a mereça aplacará seu medo. Ele a amará e todos os dias
agradecerá aos céus pelo amor que você lhe dedicar.
Ele ergueu suas mãos e as beijou. Não desejava jamais largá-las. Eram tão delicadas e
macias. Tão diferentes das dele e feitas só para serem acariciadas. Não se conteve, e as beijou outra
vez.
— Quando acordei de manhã, ele tinha ido embora — Daisy murmurou.
— Eu sei.
— Dois meses depois, descobri que ia ter um filho— contou com um fio de voz.
O coração de O’Hara confrangeu-se.
— Vi isso também.
— Chorei muito durante dias e dias. Isso provocou um aborto espontâneo. Matei meu
próprio filho e ninguém jamais soube. Nem o pai do bebê ou meus pais.
— Você não matou seu bebê. Ponha essa idéia para fora da cabeça — O’Hara aconselhou,
veemente.
— Como posso ter certeza?
— Porque estou lhe afirmando. — Aconchegou-a entre os braços e pôs uma das mãos atrás
de sua cabeça. — O que aconteceu com o desgraçado que lhe fez isso? Não consegui ver.
— Foi embora. Eu o vi umas duas vezes antes de ele se mudar de Plummerville. Ele riu de
mim, mas eu não dei a perceber o quanto estava magoada. Para ele tudo não tinha passado de uma
brincadeira — ela balbuciou e estremeceu da cabeça aos pés.
O’Hara não tinha notado antes como Daisy era pequenina, mas ao senti-la de encontro ao
corpo, surpreendeu-se. Era pequena, frágil e delicada. Não deveria lutar contra fantasmas e ocultar o
coração ferido. Daisy merecia ter um marido amoroso, um lar confortável e filhos para amar. Era o
tipo de mulher que um homem valorizava.
As mulheres que sabiam da habilidade dele, mantinham-se afastadas. Não queriam se
envolver com um homem que, ao tocá-las, descobriria seus segredos sombrios e desejos profundos.
E as que ignoravam a habilidade e ele as tocava, o repeliam depois. Muitas importavam-se só com
si mesmas ou com o que um homem pudesse lhes dar. Tantos corações repletos de egoísmo e de
rancor. Fora por isso que ele tinha ficado tão triste ao ver o sofrimento de Eve depois de Lucien a
ter deixado diante do altar a primeira vez. Havia muito poucas mulheres verdadeiramente
excepcionais neste mundo. Eve era uma delas.
Daisy Willard também.
— Você está exausta — ele murmurou com suavidade.
Daisy assentiu com um gesto de cabeça.
— Pelo jeito, vamos passar a noite aqui. Por que você não se deita e descansa?
Ela o observou com cuidado. Imaginava se ele tentaria seduzi-la depois de saber que não
era mais virgem.
Pelo tato, O’Hara percebeu e respondeu antes que ela indagasse em voz alta:
— Não farei isso. Não sou tão depravado quanto minha reputação faz crer.
— Ótimo. Mas acho que não posso deitar naquele colchão. Se Scrydan está em tudo do
hotel, não há de estar nele também? Além do mais, não sabemos o que aconteceu na cama. Pessoas
morreram nela. E outras tantas coisas.
De fato pessoas haviam morrido ali. Eles tinham visto tudo naquela noite quando os
fantasmas haviam encenado suas mortes.
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— Tive uma idéia —O’Hara disse ao pegar sua mão e levá-la até perto da janela onde
havia uma cadeira. Puxou-a um pouco pata que recebesse o luar e sentou-se. — Sente-se — disse
para Daisy.
— Em seu colo?
— Por que não?
— Meio impróprio.
— Você vai passar a noite inteira em pé?
Ela suspirou e, rígida, sentou-se nos joelhos dele.
— Só por pouco tempo. Preciso descansar meus pés.
— Calculo.
Era muito bom tê-la assim tão perto e sem temer o contato. Levou uns momentos para ela
relaxar um pouco. Mas não se recostou nele e não o faria nesta noite. Parecia se sentir confortável, o
que o surpreendia.
Daisy olhou para a janela, o luar batendo em seu rosto lindo.
— Sabe, não é justo — afirmou em voz suave.
— O que não é?
— Você pode ver dentro de mim e eu não vejo nada de você.
— Não há muito para se ver.
— Duvido. Creio que você seja um homem muito interessante...
— Na verdade, sou bem simples e com necessidades simples — O’Hara disse ao começar
a passar a mão ao longo de sua espinha. Ah, ela ainda temia um pouco que ele tentasse seduzi-la e
não tinha certeza se gostava ou não da idéia.
— Você não parece nem um pouco simples.
— Preciso das mesmas coisas que qualquer homem. Uma boa refeição, o calor de um fogo
e uma mulher bonita sentada em meu colo. O que mais um homem pode desejar?
— Que tal um lugar sem fantasmas para passar a noite? — ela sugeriu.
— Não se pode ter tudo.
Daisy não precisava se preocupar com a possibilidade de ele tentar seduzi-la. Depois de
tudo pelo que havia passado, ela merecia algo melhor. O’Hara sabia disso não porque a tocasse e
sim porque ela o tocava bem no fundo. Daisy Willard merecia um homem que a cortejasse, a
adorasse e a seduzisse muito na noite de núpcias.
Por um instante, passou-lhe pela cabeça que ele poderia ser esse homem.
Katherine não tinha idéia de quanto tempo ela e Garrick estavam se beijando no escuro.
Muito, mas não o suficiente.
Não havia fogo na cozinha e, mesmo assim, ela não sentia frio. Era como se seu sangue
estivesse circulando depressa pelo corpo e a esquentasse.
Enquanto se beijavam, ele a acariciava o tempo todo no rosto, no pescoço e nos seios sobre
a seda preta. A certa altura, ela inclinou-se para frente, pedindo mais. Enquanto Garrick a atendia,
tocou-o no rosto e sobre o coração.
Ela estava com quase trinta anos e nunca havia tido uma experiência amorosa igual a essa.
Será que por estar presa ali sentia essa carência tão grande? Ou seria o medo de que não vivesse até
de manhã? Não se importava com o motivo, apenas queria gozar as sensações.
Garrick gemeu com a boca junto à sua, uma das mãos em suas costas e a outra num dos
seios. Apertou de leve o mamilo ereto, provocando-lhe um arrepio de prazer ao longo do corpo.
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Logo não havia mais nada no mundo a não ser os dois e sua necessidade premente de
receber Garrick em seu corpo. Desabotoou-lhe a calça e libertou o membro. Sem a mínima inibição,
aninhou-o entre os dedos. Estava quente e firme. Garrick gemeu quando ela o acariciou por inteiro.
Com a ajuda dele, Katherine virou-se no colo até ficar com uma perna de cada lado. Por
um momento, hesitou. Como isso tinha lhe acontecido? O que fazia ali? Ignorou as dúvidas e
soergueu o corpo para que Garrick penetrasse nele.
Não sentiu dor, nem arrependimento, apenas prazer e amor. Havia desistido de apreciá-los
tanto tempo atrás, no entanto, os descobria no lugar e na hora mais improváveis.
Garrick a preenchia totalmente e, com os impulsos, a levava cada vez mais perto de algo
novo e maravilhoso. Verdadeiro milagre. Encontrou um ritmo que satisfazia a ambos. Ele acariciava
seus seios e a beijava no pescoço.
Katherine queria que isso durasse a noite inteira, mas sua carência crescia a cada novo
impulso. Ele a beijou na boca com uma paixão prontamente retribuída.
Estava tão escuro que ela não podia ver as feições de Garrick. Mas os outros sentidos
percebiam tudo. O odor dos corpos unidos, o sabor dos beijos, o som dos suspiros e, acima de tudo,
a sensação do contato íntimo.
Katherine gritou quando o prazer intenso do êxtase a atingiu, tomando-a de surpresa.
Sentia-se triunfante de várias maneiras. Física e emocionalmente, Garrick a capturava. Seu corpo
cantava e vibrava, as mãos tremiam.
Com um último impulso, Garrick alcançou o apogeu. Gemeu abraçado a ela e estremeceu
por fora e dentro de seu corpo. O que tinha sido frenético tornou-se calmo.
Ofegante e saciada, Katherine apoiou a cabeça no ombro dele e fechou os olhos.
Continuavam unidos e ela não queria que se separassem logo. Ele a acariciou nos cabelos e a beijou
na testa.
— Nossa primeira vez não foi numa circunstância romântica, mas você não vai me pegar
reclamando — ele brincou.
— Nem você a mim. — Ela sorriu. — Eu nunca... quando era casada, nós não...
Garrick a pegou pelo queixo e a fez erguer a cabeça.
— Não vamos mais falar do passado, do seu ou do meu. Se sairmos daqui, começaremos
vida nova. Queimaremos seus vestidos pretos e você passará a usar amarelos, azuis e verdes. Então,
seguiremos para um lugar onde não existam lembranças, exceto as que nós criarmos.
— Quando — ela murmurou.
— O quê?
Katherine o beijou nos lábios com a meiguice que acabara de descobrir.
— Quando sairmos daqui.
CAPÍTULO XIV
Ao ouvir algo arranhar a porta, Eve assustou-se. Lucien voltara a dormir. Era como se não
tivesse energia para ficar acordado muito tempo. Enquanto isso, Scrydan se fortaleceria?
O ruído do arranhar se repetiu e, dessa vez, foi seguido por um murmúrio rouco.
— Eve, você está bem?
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Ela o esbofeteou um sem fim de vezes enquanto seus olhos se enchiam de lágrimas. Não é
Lucien, dizia a si mesma.
— Duvido que você seja tão forte quanto quer que eu acredite, Scrydan. Tudo não passa de
encenação. Você é fraco. Este quarto e meu amor por Lucien o enfraquecem. Nosso amor pelos
amigos o deixa confuso e fraco — declarou e tornou a bater nele até ver-lhe o sorriso desaparecer.
— Se sou assim tão fraco, como é que você e seus amigos estão presos aqui?
— É tudo que você pode fazer. Não é todo poderoso. Você controla este hotel, aprisiona
espíritos solitários, mas não é tão forte que eu não possa lhe bater.
— Você é uma criança — ele murmurou com um sorriso torto.
— Você só pode ficar em Lucien por causa do poder dele para aceitá-lo. Sem ele, você não
é nada — Eve disse e o esbofeteou novamente.
— Se isso é verdade, tudo que você tem a fazer para salvar seus amigos é matar Lucien. —
Aproximou-se dela o máximo que as amarras, permitiam. — Mas você não fará isso, não é?
— Você não é Lucien. Parece Lucien, mas...
— Tenho o cheiro dele, não tenho? — ele a interrompeu. — A voz também é igual, Eve.
Quer que eu diga que te amo? Essas palavras a farão se sentir melhor?
— Você não é...
— Sou, sim. Se você encostar esses lábios lindos em minha pele, sentirá o sabor dele. —
Meneou a língua para ela. — Se você me desamarrar, eu a possuirei e você verá que me aposso de
minhas mulheres exatamente como ele fazia. — Mexeu os quadris contra ela. — Você não precisa
me desamarrar para fazer o teste, mas prometo que não se arrependerá e...
Parou de falar quando Eve bateu de novo nele.
— Cale a boca! Você não é nada. Não me assusta ou a ninguém. Você não passa de uma
patética concha vazia de um espírito. Veja como está indefeso. Se é tão forte quanto pensa, por que
não luta contra mim? Vamos lá, Scrydan, pelo menos finja que pode lutar — ela o provocou e, mais
uma vez, deu um tapa nele.
— Pare! — ele ordenou, mas Eve bateu mais.
— Você é tão patético, Scrydan. Melissa levou a melhor contra você e, agora, também
estou vencendo. Você não pode derrotar uma mulher, Scrydan.
— Melissa era uma bruxa e não uma mulher. E você não é nada. Não pode me fazer mal e
nem mudar o que acontecerá aqui esta noite.
— Não posso? — ela murmurou e, então, o estapeou mais.
O’Hara correu o olhar pelo quarto que, de repente, parecia sossegado demais. Os fantasmas
tinham sumido.
— Você pode ficar em pé por um instante, Daisy? — perguntou ao ajudá-la a se levantar.
— Claro — ela respondeu e afastou-se uns passos.
Ele foi até a porta e tocou a maçaneta que girou, mas não abriu. Parecia menos firme.
Virou-se para Daisy e, sorrindo, pediu:
— Venha me ajudar.
Ela o atendeu depressa. Com as mãos sobre as dele, puxaram a porta várias vezes, Ela não
abriu, embora mexesse um pouquinho. Em vão, tentaram novamente. A porta continuou fechada.
— Acho que logo sairemos daqui — O’Hara disse.
— É mesmo?
Ele fez um gesto afirmativo com a cabeça e espalmou as mãos na porta. Dessa vez não
sentiu sinais de perigo e sim inquietação, sofrimento e esforço violento.
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Katherine apoiou a cabeça no ombro de Garrick. Jerome tinha sumido e a cozinha estava
calma. Suspeitava que ele houvesse se ido para sempre, mas queria ter certeza absoluta. Garrick a
tinha ensinado a deixá-lo.
Ninguém jamais a havia abraçado com tanta meiguice como Garrick fazia naquele
momento. Um prazer inesperado e estimulante.
— Não quero morrer— ela murmurou.
— Eu sei — Garrick disse ao passar a mão em suas costas.
Katherine ergueu a cabeça e o observou. Nunca havia suspeitado que ele lhe sentisse afeto.
E, muito menos, do seu por ele.
— Você não sabe, não. Durante muito tempo, eu não me importava com nada. Não havia
razão para viver.
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Garrick sorriu. O pequeno e ordenado mundo dele tinha virado de cabeça para baixo, a
situação terrível em que se encontravam estava longe de terminar e ambos sabiam que não poderia
haver nada entre eles se saíssem vivos dali. Mesmo assim, ele sorria.
— Você é tão linda — ele murmurou.
— Você diz isso no escuro— ela provocou.
— Posso vê-la, Katherine. Mentalmente, tenho um exato retrato seu. — Enquanto
acariciava seu rosto, descreveu as feições: — A pele tão alva e macia, nariz afilado e perfeito,
lábios, que já conheço tão bem, têm um sabor delicioso e são tão maravilhosos quanto parecem. E,
quando amanhecer e eu a vir à luz do dia, sei que você estará mais linda ainda.
— Eu não sou... assim.
— E não discuta comigo sobre isso — ele a interrompeu.
Ela o acariciou nos cabelos e Garrick inclinou-se para beijá-la no pescoço.
As sensações deliciosas, às quais ele dera vida, começaram a surgir de maneira insistente.
Para tanto, bastava o contato sensual dos lábios dele em sua pele. Ela fechou os olhos e suspirou.
Sentia-se tão viva.
Katherine não era inexperiente. Viúva, havia compartilhado a cama durante anos com o
marido. Mas nunca homem algum tinha feito amor verdadeiramente com ela. Até então, ignorava o
que fosse isso.
Enquanto Garrick a beijava, ela puxou-lhe a camisa para fora da calça e enfiou a mão para
tocá-lo na pele. Estava quente, sentiu. Ele passou a beijá-la na boca. Seus lábios abriram e o beijo
aprofundou. Seu corpo estremeceu.
— Por que não ficamos presos num quarto com uma boa cama e um acolchoado macio? —
Garrick indagou numa voz rouca.
Katherine decidiu ser bem audaciosa e tocou-o sensualmente.
— Você está reclamando?
— Não!
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O’Hara recomeçou a andar de um lado para o outro. Em pé, Daisy mantinha-se imóvel. A
escuridão não era mais absoluta, pois o amanhecer já se anunciava. Pela janela, entrava uma luz
fraca que deixava ver a pobreza do quarto sujo e cheio de teias de aranha.
Era melhor não olhar para elas. Nem para a cama e a cadeira em que tinham passado parte
da noite. Preferia observar O’Hara.
Ele continuava bravo. Nunca a perdoaria pela tolice de comparar Lionel a um viking. Bem,
isso não importava, se saíssem dali. Quigley O’Hara iria embora de Plummerville bem depressa, ela
imaginava. Por que haveria de ficar? Não por sua causa, sem dúvida. Ele levava uma vida animada
e devia achá-la, bem como a cidade, muito aborrecidas. Seria bom mesmo ele ir embora antes de,
sem querer, deixar escapar seu segredo,
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Todas as pessoas cometiam erros. A maioria não era tão grande quanto o seu. Mesmo
assim...
A quem tentava enganar? Até O’Hara tinha gostado um pouco dela. Não mais. Sabia que
ela era fraca e leviana. Havia acertado ao pensar que ele não se importava com sua pessoa e nunca
lhe perdoaria o erro antigo. Isso fazia tanto tempo que ela não se sentia mais como a jovem
apaixonada cujos coração e corpo tinham lhe governado a cabeça.
Talvez fosse diferente se aquela noite não houvesse sido tão marcante e maravilhosa.
Quem sabe ela não esqueceria seu erro horrível se a noite tivesse sido penosa e assustadora?
Porém, ela havia adorado se deitar com Tucker a quem amava muito. Tinha apreciado as
sensações, a intimidade e o prazer de senti-lo dentro do corpo. Esse seu traço de libertina,
descoberto naquela noite de paixão, apenas deixava muito mais difícil livrar-se do sentimento de
culpa.
Daisy tentou acalmar as preocupações com O’Hara e o passado feio e pensar em outras
coisas. Sentia pena de Katherine e Garrick. Até bem pouco tempo atrás, eles não se davam bem,
mas pareciam estar se relacionando melhor. Imaginava como eles estariam se comportando onde
tinham ficado presos. Na cozinha, calculava.
Eve estava com Lucien, ou melhor, Scrydan. E se ele conseguisse se soltar? Ao passar pelo
corredor, ela o tinha visto amarrado na cama e com expressão cruel. Eve acabaria concordando em
soltá-lo?
Hugh tinha caído, O’Hara dissera. Se houvesse sobrevivido, estava sozinho. Situação
terrível passar a noite naquele hotel sem ninguém para ampará-lo e lhe falar.
— Obrigada — Daisy murmurou.
O’Hara parou de andar e a encarou.
— Pelo quê?
— Por tudo. Eu teria enlouquecido se não fosse por você.
— Ora, de nada — ele respondeu, ríspido.
— Não precisa ser indelicado.
— Pois acho que tenho...
Antes de ele terminar, a porta abriu-se. E as outras também, Daisy ouviu. Estalaram e
rangeram ao longo do corredor do terceiro andar, bem como do segundo. O’Hara não perdeu tempo.
Agarrou-a pela mão e a puxou para fora com uma única ordem:
— Não olhe para trás.
Ela não o fez e em questão de segundos já tinham descido a escada. Até a porta do terraço
estava aberta. A luz da manhã iluminava o vestíbulo e parte da escada para o segundo andar.
Apenas uma porta ali permanecia fechada, a do quarto de Lucien e onde Eve esperava.
Hugh encontrava-se caído diante dela.
— O’Hara? — Eve chamou pela porta fechada.
— Estou aqui. O que aconteceu?
— Leve Hugh e Daisy para fora do hotel. Katherine e Garrick estão na cozinha. Mande-os
sair depressa também.
— E quanto a você? — O’Hara indagou, aflito.
Uma voz profunda resmungou algo indecifrável. Lucien. Ele, não. Desesperada, Eve
avisou:
— Você não tem muito tempo. Leve todos para fora!
O’Hara praguejou por entre os dentes. Com esforço, pôs Hugh em pé, mas teria de arrastá-
lo, pois o pobre não poderia andar.
— Vamos embora — resmungou.
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— Você não pode deixar Eve para lutar sozinha contra aquele espírito — Daisy protestou
enquanto o seguia rumo à escada.
— Voltarei para ajudá-la quando vocês todos estiverem em segurança — ele explicou em
voz baixa.
— Poderá ser tarde demais! — ela argumentou.
No vestíbulo, viram Katherine e Garrick sair da sala de jantar.
Pela aparência, haviam passado uma noite terrível. Além dos rostos abatidos, tinham as
roupas amarfanhadas como se houvessem lutado contra algo horrível. Coitados.
— Lá para fora! Imediatamente! — O’Hara ordenou.
Katherine e Garrick não perderam um segundo. De mãos dadas, correram para o terraço.
Daisy parou dentro do vestíbulo e esperou que O’Hara deixasse Hugh sob os cuidados de
Garrick. Então, murmurou:
— Não posso ir embora e deixar Eve aqui.
O’Hara voltou para dentro. Sem dúvida ia ajudá-la a salvar Eve. Juntos, eles...
Com um movimento rápido, ele a agarrou, jogou-a sobre o ombro e saiu para fora. No
momento em que a pôs de pé no chão, a porta do Honeycutt Hotel bateu com estrondo, trancando-se
novamente.,
CAPÍTULO XV
Nervosa, Eve sentou-se na beirada do colchão. Scrydan sorriu-lhe. Ela não se iludiu de que
talvez fosse Lucien.
— E então? — ele indagou ao puxar os pulsos presos.
— Quando eu tiver certeza de que todos estão em segurança, eu o soltarei — ela respondeu
em voz calma.
Naquele momento, precisava da máxima tranquilidade. Levantou-se e foi até a janela. O
amanhecer estava lindo. O resto da neve derreteria nesse dia, pois não havia nuvens para sombrear o
solo congelado.
Eve abriu a janela e deixou que o ar frio de janeiro a envolvesse. Na distância, viu Lionel e
Buster cavalgando rumo ao hotel. Vinham depressa e conduziam várias montarias. Ótimo. Logo os
outros se afastariam para a segurança.
Bem atrás dos dois, ela reconheceu Elijah. Prendeu a respiração. O menino, que tinha
tentado salvar Lucien, não podia chegar perto do hotel. Não enquanto a luta continuasse ferrenha.
A que distância Lionel poderia intuir que Elijah os seguia? E também para mente dele
receber uma mensagem da sua?
O’Hara rodeou o canto do hotel e olhou para sua janela.
— O que você pensa estar fazendo? — ele gritou.
— Foi a única solução. Vocês todos tinham de sair e ficar em segurança — ela explicou.
— Engano seu. Como posso voltar aí para dentro?— ele gritou.
— Avise esse tolo para não tentar — Scrydan resmungou. — Diga-lhe que se voltar,
comerei as entranhas dele no jantar.
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— Você foi honesto o bastante para dizer que vai me matar. Talvez eu queira, antes de
soltá-lo, abraçar Lucien pela última vez, encostar pele na pele.
— Lucien não está aqui — ele afirmou.
— Está, sim — Eve insistiu para, depois, despir o vestido bem devagar.
Era uma incumbência que Lucien teria assumido no quarto deles, na noite de núpcias. Ela
não se apressou, pois não sentia prazer em executar a tarefa. Apenas pensar que Lucien poderia
estar ali, em algum lugar, a incentivava. Quem sabe esta não seria a única maneira de atingi-lo?
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— Para que essa faca? — Lucien perguntou quando Eve subiu na cama, depois de se
despir.
Para ela fazer o que precisava, tinha de pensar que era Lucien e não Scrydan.
— Para cortar as cordas quando for a hora certa— ela respondeu ao apertar o cabo da faca
deixada por Buster.
— Já é a hora certa — ele insistiu.
— Ainda não.
Com dedos trêmulos, desabotoou-lhe a calça. Tinham feito amor muitas vezes, mas esta
seria diferente. Scrydan governava a cabeça e o corpo de Lucien, mas não o coração. Sem saber
como, tinha certeza disso. O maldito ainda não tinha domínio absoluto.
Ao enfiar a mão na calça, ela encontrou o membro já ereto. Tirou-o para fora e o acariciou.
— Por que você não me solta para eu também participar disto? — Scrydan sugeriu num
tom malicioso. — Ou você é pervertida? Aposto como fazia este joguinho com Lucien. Alguma vez
ele a amarrou e a possuiu com brutalidade? Ele já a machucou?
— Você sabe que não. Lucien me ama e nunca me faria mal — ela murmurou.
— Pensa que deixarei Lucien emergir para participar disto só porque você quer ser a
rameira dele pela última vez? — Scrydan sorriu e piscou. — Pode continuar. Não acho isso nem um
pouco desagradável. Mas entenda que não existe ninguém mais aqui além de mim, Eve. Talvez você
já saiba isso e goste mais de mim do que quer admitir...
Sem dúvida ele sabia que a insinuação de achá-lo atraente a repugnava. Scrydan era um
demônio, um monstro. Ela amava Lucien, o homem que o desgraçado tinha capturado.
— Lucien está aqui. Posso sentir-lhe o odor e a textura da pele — ela murmurou ao
acariciá-lo no peito.
Espalmou a mão sobre o coração. Batia depressa demais como desde que a batalha no
íntimo tinha começado. Inclinou-se para frente e roçou a ponta da língua no pescoço dele.
— Não mudei de idéia e pretendo matá-la quando sairmos daqui — Scrydan avisou.
Eve sentou-se sobre ele com cada uma das pernas de um dos lados do corpo. A
proximidade era tanta que a penetração seria fácil.
— Não vai dar certo. Tudo que você está fazendo é me fortalecer — ele murmurou.
— Então por que está preocupado? — ela indagou.
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— Não estou. Você não significa nada, amor. Não pode me fazer mal. Muito menos me
empurrar para o lado a fim de trazer de volta o homem que não existe mais. Continue, se insiste,
mas é a mim que você está seduzindo e não seu amado Lucien.
Eve não acreditava que ele estivesse certo. Lucien havia lutado para emergir antes. Tinha
certeza de que ele o faria de novo ao sentir Scrydan invadir seu corpo. Lucien a amava muito.
Scrydan sussurrou:
— Você já sabe que sou apenas eu. Talvez não se importe de quem seja o espírito dentro
deste corpo. Você só se importa com ele.
Ao provocar-lhe asco, ele tentava fazê-la desistir mesmo antes de começar.
Tantas noites ela havia tocado o corpo deste homem. Conhecia-o tão bem. Mais do que
isso, conhecia o coração que batia no peito e o espírito que regia Lucien Thorpe.
Eve prendeu a respiração enquanto o guiava na penetração, mexendo-se devagar para
ajudá-lo. Ele permaneceu imóvel, com aquele maldito sorriso. Scrydan estava ali, mas Lucien
também. Podia senti-lo com o coração.
Com delicadeza, começou a erguer e baixar os quadris. Ao mesmo tempo, murmurava:
— Eu te amo, Lucien, mais do que jamais amei outra pessoa a vida inteira. Mesmo quando
estou brava e penso que não existe mais esperança para nós, eu te amo.
A faca estava em sua mão direita, segura com firmeza. Estendeu a esquerda e o acariciou
no rosto. Um vento frio, vindo não se sabia de onde, atingiu seu corpo nu, enregelando-o. Ela não
prestou atenção. Apenas Lucien e a maneira com que se uniam existiam. Nada mais importava.
Ele não tentou mordê-la como fizera antes. Ela levantava e baixava o corpo, recebendo-o
em seu âmago. Fechou os olhos e lembrou-se das muitas vezes em que tinham se unido dessa
forma. Era mais do que sexo, um ato físico.
Cada um era a melhor metade do outro. Completavam-se e, separados, valiam menos.
Juntos, poderiam fazer qualquer coisa, como lutar contra esse ser que havia se apossado do corpo de
Lucien.
O vento frio passou. O homem sob ela começou a mexer os quadris e gemeu baixinho. Eve
abriu os olhos e, sem a menor sombra de duvida, soube que fitava Lucien. Num sussurro e sem
interromper os movimentos, instigou-o:
— Lute contra ele. Você é meu, Lucien. Não o deixarei ir embora.
Eve estendeu a mão para cortar a corda.
— Ainda não. Ele ainda está aqui — Lucien avisou.
— Lute contra ele. Lucien. Lute por mim, por nós e pela vida que jamais teremos se ele
vencer.
— Eve — ele murmurou.
— Lute pelos filhos que não tivemos tempo de conceber. Talvez o primeiro deles já cresça
dentro de mim. Se deixarmos Scrydan vencer, esse bebê nunca nascerá. Morreremos aqui neste
lugar horrível, você, eu e nosso filho.
— Não deixarei que isso aconteça — Lucien murmurou, meio rouco.
— Sei que não deixará. Resista a ele, Lucien, expulse-o para fora. Você tem o poder, a
vontade e a mim. — Enquanto falava, ela continuava os movimentos. — Não permita que ele
durma ou se esconda. E tão logo que o expulsar, feche as portas de sua mente para que ele não
possa voltar. Ele se esforçou muito para manter você preso, controlar o hotel e os espíritos. Está
fraco. Chegou a hora — ela afirmou e cortou a corda que lhe prendia uma das mãos.
Lucien ergueu o braço, girou-o e a abraçou. Eve passou a faca para a mão esquerda e
cortou a outra corda. Como antes, Lucien a abraçou com o novo braço livre.
Era Lucien quem a segurava, ela sabia quando um hotel, furioso, começou a tremer. Tudo
tremia, paredes, soalho, móveis.
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— Mas é tão fascinante. Talvez nunca mais possamos observar um fenômeno como esse —
ele argumentou.
— O lugar ainda é muito perigoso para você, Lucien. Sugiro que fujamos depressa —
Lionel disse ao ajudá-lo a montar e, depois, acomodar Eve na frente da sela.
Lucien concordou com um aceno e Lionel montou na garupa de O’Hara. Este não resistiu
e, enquanto se afastavam num trote rápido, olhou para trás.
Telhas voavam do telhado, paredes rufam, quatro colunas desmoronaram uma a uma. Em
poucos momentos e com um barulho tremendo, o hotel estava reduzido a escombros.
Lucien e O’Hara pararam as montadas e as viraram para trás. Com os olhos esbugalhados e
em silêncio, os quatro observaram a destruição total.
Viram vários pontos brilhantes subirem das ruínas. Os fantasmas ascendiam ao céu azul,
envoltos em luz e em todas as cores do arco-íris.
Algo sombrio os seguiu, numa espiral cinza e preta. Scrydan. Mas enquanto os espíritos
escapavam, a nuvem sombria se viu aprisionada. Scrydan ainda estava ligado à casa que depressa se
destruíra e à terra sob ela. O’Hara esperava ver a nuvem sombria descer à terra e teve a impressão
de que o espírito tentou.
Porém, a maldição da bruxa dera certo. A nuvem escura rodopiou acima das ruínas do hotel
e, então ouviu-se um uivo tremendo. O grito de Scrydan.
Enquanto os quatro olhavam, a nuvem desintegrou-se totalmente, acompanhada de um
último uivo.
Eve escondeu o rosto no peito de Lucien, ele a abraçou e virou o cavalo para o outro lado.
Lionel suspirou de alívio e de exaustão.
— Ele se foi realmente? — O’Hara perguntou.
— Foi, sim — Lionel respondeu.
— Deveríamos voltar lá e...
— De jeito nenhum! Não existe razão para voltarmos — Lionel afirmou com veemência.
Isso significava que só lhes restava seguir em frente, solução um tanto temerosa.
CAPÍTULO XVI
O que se diz a uma mulher que lhe salva não só a vida como também a própria alma? Eu te
amo parece trivial e inadequado. Ele havia pronunciado essas palavras centenas de vezes e sempre
com a maior sinceridade, mas não pareciam suficientes em tal situação. Obrigado? Nem de longe.
Felizmente, Lucien não precisava dizer nada ainda. Eve dormia entre os braços dele,
enquanto cavalgavam para casa.
— Você tem certeza de que não quer meu paletó? — O’Hara ofereceu pela terceira vez.
— Tenho sim, obrigado.
Deveria sentir frio, Lucien sabia, pois estava com o peito nu e descalço. Scrydan se fora,
estava morto, porém, tinha deixado uma pequena parte dele em seu íntimo. Isso explicava estar
insensível ao frio. Quando ele encaminhava almas para o além, ficavam lembranças da memória da
pessoa falecida. Nunca duravam muito, não mais do que algumas horas. Porém, ele nunca fora
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possuído por um espírito tão maligno quanto Scrydan e por um período tão longo. Como iria reagir?
A dúvida o assustava.
Lucien lembrava-se de tudo que Scrydan tinha feito antes e depois de morrer. Lembrava-se
como se ele próprio houvesse praticado tudo aquilo. Racionalmente, sabia que não tinha e que as
lembranças se apagariam. Mas se isso não acontecesse dessa vez? Se Scrydan ficasse para sempre
com ele?
— O’Hara, não estou mesmo com frio, mas, se não se importar, aceito seu paletó para
agasalhar Eve.
Mesmo dormindo, ela tiritava de frio.
— Claro — O’Hara concordou prontamente.
Depois de pararem as montarias, Lionel e O’Hara tiraram os paletós que entregaram a
Lucien. No mesmo instante, ele os arrumou em volta de Eve. Ela mexeu-se um pouco, mas não
acordou. Estava exausta.
— Eu ainda o desprezo, O’Hara. Um dia vamos ter uma longa discussão sobre a maneira
adequada de tratar uma dama de respeito — Lucien afirmou.
— Por que você simplesmente não me dá uns murros e acaba de vez com essa história? —
O’Hara sugeriu.
— Talvez eu faça isso.
Era uma idéia tentadora, mas fora de cogitação no momento. Ele estava sem energia e não
tinha coragem de dar socos no homem que havia ajudado a salvar sua vida e a de Eve.
— Parece que alguém já lhe deu uns bons murros. O que aconteceu? — O’Hara perguntou.
Lucien tocou um lugar dolorido no queixo. Um dos olhos estava meio inchado. Teve de
pensar um pouco e, de repente, lembrou-se. Estava amarrado na cama com Eve sentada em cima
dele, batendo-lhe sem piedade, chorando e implorando para ele voltar.
Distraído, Lionel aparteou:
— Foi Eve. Ela lutava contra Scrydan da única maneira que sabia. Eve foi uma guerreira.
Ela o salvou, Lucien. Aliás, a todos nós.
— Eu sei.
Eles tinham horas de cavalgada pela frente para chegar a Plummerville, especialmente com
duas pessoas em cada montaria. Horas em que Lucien não sentia frio e imaginava se o demônio
ainda vivia em seu íntimo. Horas em que ele conjeturava se deveria ou não se casar com Eve, Ele a
amava demais para romper a relação, mas ao mesmo tempo, esse amor profundo o impedia de
forçá-la a enfrentar outra experiência como esta.
— Você é um homem de sorte — O’Hara disse.
— Eu sei.
— Será que sabe mesmo? Por acaso imagina o número pequeno de homens que conhecem
o tipo de amor que Eve sente por você? Ela sabe o que você faz, como leva a vida, o que vê todos
os dias e, no entanto, ainda o quer. Ela o conhece até o fundo da alma e continua amando-o. Você é
mais do que um homem de sorte, é um abençoado.
— Você não precisa me dizer isso — Lucien respondeu.
— Obviamente alguém precisa. Depois disto tudo, do que ela fez por seu bem, se você for
embora, a destruirá.
Numa voz alterada, Lucien indagou:
— Você começou a ler pensamentos? Sem dúvida não me tocou.
— Não preciso disso. A verdade está escrita em seu rosto. Qualquer membro daquela idiota
sociedade secreta de Plummerville poderia decifrar isso.
— Eve não é de sua conta — Lucien declarou.
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— Eve é minha amiga e qualquer pessoa que a tratar mal ou ameaçar sua segurança,
passará a ser de minha conta.
— Comovente — Lucien resmungou.
— Parem com isso. Vocês parecem duas mulheres velhas discutindo, o que está me dando
dor de cabeça — Lionel reclamou.
— O’Hara pensa que tem o direito...
— Parem! — Lionel repetiu. — Esta não é a ocasião e nem o lugar para vocês discutirem.
Estamos com frio, fome e enfrentamos o próprio demônio.
Lucien baixou o olhar para Eve. Como se soubesse estar sendo observada, ela entreabriu os
olhos, sorriu e tornou a fechá-los, continuando a dormir.
Quando chegaram à estrada principal, Lucien pareceu saber para que lado seguir. O’Hara
ficou para trás, permitindo que ele cavalgasse na frente.
Lucien, o desgraçado, ia largar Eve outra vez. O’Hara via a verdade no rosto dele. Eve
quase tinha morrido para salvá-lo e se mostrado disposta a se sacrificar por todos e Lucien ia
abandoná-la!
Perder o homem a quem amava tanto a mataria como Scrydan teria feito se houvesse tido a
chance.
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O’Hara gostaria de meter um pouco de bom senso na cabeça dele. Lucien não sabia como
Eve era uma pessoa rara?
Ele havia pensado que Daisy também fosse. Mas tão logo ela havia descoberto que não iam
morrer, mudara de atitude. Havia admitido estar arrependida por deixá-lo pegar sua mão. Sua
recomendação para ele tomar cuidado no esforço para resgatar os amigos fora sincera, mas não por
sua causa e sim pela deles.
Estaria ele destinado a levar uma vida solitária? A de Hugh era desde o falecimento da
esposa e ele não se queixava. Lionel dava a impressão de gostar de ficar sozinho grande parte do
tempo. Parecia não se importar com o fato de não haver lugar para uma companheira na vida dele.
O’Hara se importava. E muito,
Eve mexeu-se. Acariciou o peito nu de Lucien com movimentos suaves. Estaria sonhando?
Ou acordara apenas por um instante para confessar seu amor ao homem de sua vida?
— Isso não é de nossa conta — Lionel disse baixinho.
— E você não deve ler meus pensamentos — O’Hara afirmou.
— Não posso evitar. Tenho a impressão de que você está gritando dentro de minha cabeça.
O que aconteceu no hotel me esgotou. Não sobrou energia para eu bloquear tudo. Pelo amor de
Deus, pare — Lionel protestou.
— E se eu não puder?
— Não acho que você tenha escolha.
Como tudo em sua vida, ele nunca tinha escolha. Lucien ia estraçalhar o coração de uma
mulher excelente e Eve feneceria sem o homem a quem amava. Daisy se esquivaria dele e de outros
homens. E ele continuaria solucionando os problemas de outras pessoas e ignorando os próprios.
O que ele não daria por uma vida mais ou menos normal! Sem dúvida não era o único a
desejar certas coisas que outros homens contavam como certas e, por isso, não davam valor. Uma
esposa, filhos, um lar. Os outros desejavam algo além disso? Ansiavam pelo que não poderiam ter?
— Sim — Lionel murmurou.
Dessa vez, O’Hara não reclamou do amigo por invadir sua mente.
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Quando pararam em frente da casa de Eve, a porta abriu e quatro pessoas saíram. Os tios
de Eve e as duas primas de olhos arregalados. Lucien murmurou baixinho:
— Acorde, querida, chegamos em casa.
Ela entreabriu os olhos e sorriu.
— Acho que nunca fiquei tão contente de chegar em casa.
Lucien ajudou-a a descer para os braços firmes do tio. Em seguida, desmontou e a pegou
no colo. Eve suspirou, apoiou a cabeça no ombro dele e tornou a fechar os olhos.
Enquanto Lucien a carregava para o interior da casa, a voz estridente de Constance se fez
ouvir:
— Deus do céu! O que aconteceu? Em que estado se encontram os dois! Sujos,
descabelados, a roupa em petição de miséria! E o sr. Thorpe seminu! Meninas, virem-se de costas.
Isto não é uma cena apropriada para olhos inocentes.
Dóceis, as primas de Eve obedeceram sem protestar.
Ao entrar em casa e rumar para a escada, Lucien esforçou-se por ignorá-los. Já ia subir,
quando ouviu a ordem peremptória:
— Pare onde está!
Ele obedeceu e virou-se. As duas moças continuavam de costas enquanto Constance e
Horace o encaravam com olhar furioso.
— O que fez para minha sobrinha? E como se atreve a entrar nesta casa como se morasse
aqui? — Constance esbravejou.
Eve sempre se esforçava para impedi-lo de dizer a verdade o tempo todo. Segundo ela,
embora tal qualidade fosse admirável, em excesso se tornava irritante.
No momento, Lucien não dispunha de tempo e energia para avaliar o efeito das palavras.
Numa voz calma, disse:
— Eu moro aqui. E se os senhores levantarem a voz outra vez e acordarem Eve, eu os
atirarei na rua. Parentes ou não.
Constance ficou rubra e uma das moças espiou por sobre o ombro.
— Seu atrevido! — Harold vociferou.
Ainda, numa voz calma, Lucien aconselhou:
— Voltem para casa. Eve está exausta e precisa de meus cuidados. Não posso fazer isso
discutir com os senhores ao mesmo tempo. Voltem para casa — repetiu e recomeçou a subir a
escada.
— Espere! Alguma coisa parece estranha, errada. Que tipo de cientista o senhor é? —
Constance indagou.
Lucien tornou a virar-se para eles.
— Não sou cientista. Sou médium,
— O quê? — o tio de Eve indagou, ríspido.
— Falo com os mortos. Vejo fantasmas nos cantos. Converso com espíritos que não têm
quem os ouça.
Constance pôs a mão na testa e balançou o corpo como se fosse desmaiar. Mas ao ver que
o marido não prestava atenção e não a ampararia, recuperou-se depressa.
— Incrível. Se os senhores observassem o que acontece a sua volta, já teriam ouvido falar
em mim. Sou bem conhecido em Savannah e quase todos os moradores de Plummerville sabem o
que faço. Mas os senhores não enxergam um palmo adiante do nariz.
— Essa foi uma grosseria desnecessária — Constance reclamou.
— A pura verdade — Lucien disse e virou-se de costas.
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Dessa vez, quando o chamaram, ele se recusou a ouvi-los. Entrou no quarto de Eve, aliás
deles, e deitou-a na cama. Ela suspirou, mas não acordou.
— Eu te amo. Mais do que jamais imaginei amar qualquer coisa na vida — ele murmurou.
Eve nem percebeu quando Lucien a cobriu com o acolchoado. Ambos precisavam de um
bom banho quente, de alimento e água. Mas no momento, dormir era o mais urgente. Ele deitou-se
a seu lado, aconchegou-a entre os braços e fechou os olhos. Imagens indesejadas dançaram sob as
pálpebras. Lembranças de Scrydan e, agora, dele.
Afastou-as e forçou-se a substituí-las. Em todas elas, havia Eve. Adormeceu, entregue a
um sono profundo e sem sonhos.
Katherine levou um susto quando bateram na porta. Quem poderia ser assim tão tarde?
Eram quase dez horas.
Seu coração disparou. Sabia muito bem que só Garrick viria bater em sua porta a essa hora
da noite. Por um momento, pensou em não atender, mas a batida-se repetiu com mais foiça.
Ao chegar em casa, ela havia tomado um longo banho quente, lavado os cabelos e vestido
roupa limpa, Conseguira livrar-se do cheiro do Honeycutt Hotel, mas não do odor de Garrick.
Katherine respirou fundo e abriu a porta.
Garrick estava com a mesma aparência com que tinha vindo embora. O terno escolhido
para o casamento de Eve e Lucien ficara em péssimas condições, os cabelos continuavam
emaranhados e os olhos revelavam um imenso cansaço. A ordem impiedosa morreu em seus lábios
ao fitá-lo.
— Conversei com meu pai. Tudo que Lucien contou é verdade — ele disse num fio de voz.
Ela o pegou pela mão e o puxou para dentro.
— Está muito frio para ficar aí fora. Sente-se enquanto vou preparar um chá.
— Não quero chá e sim sua companhia — Garrick disse ao estender-lhe as mãos, mas
baixou-as ao vê-la se esquivar. — Jerome apareceu por aqui?
— Não senti a presença dele desde que cheguei. Ele se foi.
— Ótimo.
Se comparasse com a dele, Garrick deveria achar sua casa minúscula, feia e atravancada.
Mas ele mantinha os olhos nos seus e não no ambiente.
— No fundo, eu tinha me convencido de que a história contada por Lucien não era
verdadeira. — Garrick passou a mão pelo rosto cansado. — Meu pai não negou nada. Minha mãe
verdadeira era amante dele. Foi assassinada aqui em Plummerville quando eu era criança.
— Sinto muitíssimo.
— Enquanto ele descrevia cada detalhe feio eu só pensava em vir aqui para ver você.
— Mas não pode ficar — ela murmurou.
— Por que não?
— Este não é seu lugar.
Ele a tomou nos braços e a estreitou contra o peito.
— Penso que é.
Como ele estivesse cansado e triste, Katherine não só permitiu o abraço como até o
retribuiu. Só por essa noite.
— Tudo vai acabar bem. Seu pai continua sendo seu pai e tenho certeza de que gosta de
você. Seu lugar ao lado dele está seguro — ela o consolou.
Se tivesse um filho, ela o amaria sem restrições. Sem dúvida essa era a regra geral para
todas as pessoas, mesmo para Douglas Hunt.
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— Ele ficou furioso quando soube que eu tinha descoberto tudo. Mas tão logo começou a
me contar o que tinha acontecido, não conseguia mais parar.
— A agitação dele vai passar logo.
— Eu queria que ele parasse para eu vir aqui. Precisava ver seu rosto, tocar em você. —
Com o dedo sob seu queixo, ele a fez fitá-lo. — Já me sinto melhor.
Katherine deixou que Garrick a beijasse, pois intuía que ele precisava desse contato e de
um ombro amigo. Porém, não se iludia. Tinham voltado e tudo havia mudado. O pai o perdoaria por
ter descoberto o segredo e ele perdoaria o pai por esconder a verdade por tanto tempo. Garrick
continuaria a trabalhar no moinho e, na vida dele, não haveria lugar para uma viúva pobre que o
tinha amparado quando o mundo dele desabara. Ele teria sentido o mesmo calor humano por
qualquer mulher que estivesse a seu lado naquele momento. E se virado para qualquer pessoa que
pudesse consolá-lo quando pensavam que não sobreviveriam aquela noite.
Então, abraçada a Garrick, ela o beijou e se forçou a esquecer que o amava.
No meio da noite, Eve acordou assustada. Levou uns instantes para se dar conta de que
estava em seu quarto, na própria casa, com Lucien dormindo a seu lado.
Ele tinha um aspecto horrível. O rosto estava machucado e a barba, crescida. Seria difícil
desemaranhar os cabelos e, apesar de ele ter dormido muito no hotel mal-assombrado, as olheiras
eram profundas. Ela sabia que também devia estar horrorosa.
Aconchegou-se mais a Lucien. Tinha havido momentos lá em que ela duvidara que
sobrevivessem. No entanto, ali estavam eles juntos, em segurança e felizes. Em casa.
Lucien não parecia muito feliz, mas sofrerá demais. Tinha quase morrido. Se pudesse,
Scrydan o teria aprisionado no hotel com os outros espíritos.
Eve ergueu um pouco o acolchoado e espiou. Ainda estava com o vestido de noiva, aliás,
completamente arruinado. Ele tinha lhe custado uma pequena fortuna, mas era lindo. Pelo menos
fora por umas horas.
No próximo casamento, seria prática, como deveria ter sido desde a primeira vez. Nada de
cetim branco, luxuoso. Lucien havia estado certo o tempo todo. Deviam ter sido casados pelo juiz
de paz meses atrás.
Como se soubesse que Eve pensava nele, Lucien entreabriu os olhos e a acariciou.
— Eu te amo, Eve — murmurou sonolento. Puxou-a para mais perto e acrescentou: — Eu
gostaria, com um estalar dedos, de fazer com tudo voltasse a ficar bem.
— Eu também te amo e tudo está bem. Chegamos em casa juntos e todos se salvaram.
— Estou com frio, me abrace — ele pediu.
Depressa, Eve encostou-se mais nele. De fato ele estava gelado. Após aqueles dias em que
escaldava de maneira anormal, a temperatura baixa parecia mais marcante.
— Assim está melhor?
— Está — ele murmurou e voltou a dormir.
CAPÍTULO XVII
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O banho quente tinha sido uma terapia incrivelmente efetiva, Eve pensou enquanto
preparava uma xícara de chá. Pequenas coisas a que pessoas não davam valor a não ser se
passassem um fim de semana num hotel mal-assombrado onde não havia tais confortos.
Lucien continuava a dormir. Volta e meia, ela ia espiá-lo. Queria ter certeza de que ele
respirava bem e mantinha a temperatura normal. Ele repousava tranquilamente.
Eve correu ao ouvir uma familiar batida na porta da cozinha. Ao abri-la, Daisy entrou
depressa com os braços abertos.
— Ai, que bom! Você está bem — a amiga disse ao abraçá-la.
— Estou mesmo — Eve respondeu, mal acreditando na boa sorte.
Daisy a soltou e fechou a porta por onde entrava um vento frio.
— E Lucien? Lionel e O’Hara afirmaram que ele ficaria bem, mas eu queria ter certeza.
— Ele voltará ao normal em pouco tempo — Eve garantiu com falsa segurança na voz.
Não podia ter certeza de que tudo voltasse a se normalizar. Em vez de revelar alívio por
todos terem sobrevivido, Daisy rompeu em prantos.
— Ai, desculpe. É que... tudo foi tão... não posso acreditar... — ela gaguejou entre soluços.
Eve a abraçou carinhosamente. Sabia por que a amiga se sentia abalada. Até esse fim de
semana, Daisy nunca fora exposta às ocorrências do mundo sobrenatural. Fantasmas. Portas que não
abriam. A posse de um espírito mau. Fatos novos para ela. Mesmo assim, Daisy reagira bem.
Quando os soluços pararam, ela soltou-se e ergueu o queixo.
— Desculpe. Não vou mais pensar nisso. É a única maneira de resolver a questão. Direi a
mim mesma que os últimos três dias não existiram. Se fizer isso com frequência, acabarei
convencida de que tudo não passou de um pesadelo.
Ignorar. Típico de Daisy.
— Penso que todos nós sempre fazemos o impossível a fim de sobreviver. Você aceita chá?
— Eve ofereceu.
— Por favor.
Durante a meia hora seguinte, falaram sobre receitas, moda, vida alheia, mas não
mencionaram o Honeycutt Hotel. Eve chegou à conclusão de que a idéia de Daisy não era tão
absurda, pois sentia-se muito melhor depois de uma conversa normal.
Daisy tinha se tornado sua amiga bem depressa, embora as duas tivessem muito pouco em
comum. Difícil explicar como se podia sentir afeto por certas pessoas e não por outras. Eram
sobreviventes. Esse fim de semana as tinha unido como soldados num mesmo campo de batalha.
Daisy não era mais apenas uma amiga. Era irmã.
A conversa esmoreceu e Daisy suspirou. Era um daqueles suspiros longos, indicadores de
novidade.
— Você tem sorte de contar com Lucien — Daisy comentou.
— Tenho, mesmo.
A amiga ainda sentia atração por Lionel?, Eve indagou-se. Não importava, pois ele não
ficaria muito tempo na cidade. Nem Hugh e O’Hara. Havia sempre um trabalho urgente esperando
por eles. Porém, Eve não queria ver a amiga sofrendo por amor. Daisy era frágil e padeceria muito
se ferisse o coração.
— Embora Lucien tenha aquelas habilidades estranhas, vocês dois se amam. É difícil
aceitar que ele possa ver coisas que outras pessoas não percebem?
Daisy continuava, sim, atraída por Lionel, Eve pensou e disse:
— Às vezes é. Mas você deve lembrar que passei grande parte de minha vida entre tais
curiosidades.
— Quando seu pai tentava se comunicar com sua mãe falecida, não é? — Daisy indagou.
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— Isso mesmo. Portanto, estou acostumada com as coisas que Lucien vê e ouve.
— Isso não a perturba, Eve?
— Nem um pouco.
— Mas Lucien não pode ler seus pensamentos. Talvez ele converse com fantasmas de vez
em quando, mas isso não quer dizer que ele possa ver dentro de você. Seria terrível! Pense só nos
problemas que surgiriam!
Eve não soube o que dizer. Não podia encorajar a amiga a procurar Lionel e, muito menos,
admitir que tal relacionamento seria impossível.
— Calculo que seria preciso alguém muito especial para enfrentar as dificuldades de tal
associação.
Daisy não disfarçou o desaponto.
— A vida não é justa — choramingou.
— Nem um pouco — Eve respondeu.
Daisy voltou para casa arrastando os pés. Eve tinha dito não saber ainda para quando ela e
Lucien remarcariam o casamento. Isso queria dizer que, tão logo Hugh pudesse viajar, os três
visitantes de fora da cidade tomariam o primeiro trem que partisse dali.
Ela não deveria se importar. Não se importava. O fato de Quigley Tibbot O’Hara ter,
inesperadamente, se tornado tão adorável não deveria interessá-la. Eles dois não combinavam nem
um pouco. Daisy empurrou seus segredos bem para o fundo, mas não havia um lugar para escondê-
los de O’Hara. Ora, ele já os tinha visto.
Era humilhante que um perfeito estranho estivesse a par deles se seus melhores amigos os
ignoravam. Mesmo se ele ficasse, a cortejasse e até a beijasse, três coisas que não ocorreriam, que
futuro ela teria com um homem que caçava fantasmas para ganhar a vida? O melhor seria ele ir
embora o mais depressa possível.
Eve e Lucien dariam certo. Ela fazia parte daquele mundo. Viajaria com ele se quisesse e
até o ajudaria no trabalho. Após esse fim de semana, Daisy sabia que não seria da mínima utilidade
numa situação como aquela. E não pretendia se encontrar em outra novamente! Já havia lutado
contra seu último fantasma.
Mesmo assim, era frustrante não ter ganho aquele único beijo.
O aconchego de sua casa a aguardava um pouco adiante. Aquele era seu lugar, refletiu.
Menos de um ano depois de ter perdido o bebê e não contar nada a ninguém, sua mãe havia
morrido de repente. Quatro anos mais tarde, o pai tinha pegado pneumonia e não se recuperado.
Daisy sentia muita falta deles e lamentava não ter confiado no julgamento do pai sobre Tucker e
nem na mãe durante aquele período difícil. Na época, sentia-se tão embaraçada. Um erro. Deveria
ter se apoiado nos pais enquanto eles estavam a seu lado. Desejava, do fundo do coração, que a mãe
estivesse ali para que ela pudesse lhe falar sobre O’Hara. Eve nunca a entenderia.
Chorar por O’Hara era uma perda de tempo. Logo ele iria embora e ela não pretendia
sofrer por um homem que nunca poderia ter. Ele a tinha acusado de ser cautelosa demais e de só se
interessar por homens que não ameaçassem seu coração. Que mal havia nisso?
Daisy decidiu apressar o passo. Talvez Garrick a pedisse em casamento outra vez e ela
surpreendesse a todos aceitando o pedido. Casar-se com um amigo era fácil e cômodo, dois detalhes
que ela apreciava muito.
Então por que seu coração quase parou ao reconhecer O’Hara em seu terraço, batendo
furiosamente na porta?
— Alguma coisa errada? — ela indagou ao pisar na calçadinha do jardim.
Surpreso ao ouvir sua voz, O’Hara virou-se depressa.
— Não. Como você não atendesse a batida na porta, fiquei... — Calou-se, franziu a testa e
concluiu: — Curioso.
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Tudo que ela precisava fazer para superar esse desastre sem sofrer mais era ignorá-lo até que ele
fosse embora da cidade. Pelo que ele havia dito à noite, seria logo.
Ela havia amado Jerome quando era uma jovenzinha fascinada pelo rosto bonito, o encanto
e as promessas dele. Ela só o tinha conhecido bem depois do casamento. O amor havia morrido
dolorosa e rapidamente.
Desta vez seria mais difícil. Ela havia se apaixonado por Garrick como uma jovenzinha de
olhos esbugalhados, mas com o coração experiente de mulher adulta. Sabia que esse amor levaria
muito tempo para morrer.
Uma batida na porta quase a fez pular. Endireitou os ombros e, com passos firmes, saiu do
quarto. Ninguém poderia saber o quanto ela era tola.
A batida se repetiu e, dessa vez, alguém chamava seu nome. Garrick.
Katherine parou a vários passos da porta. Não queria vê-lo. Teria ele vindo para se despedir
ou para seduzi-la mais uma vez antes de partir? Ela não permitiria.
Mas não podia ficar parada ali. Teria de enfrentar Garrick e mandá-lo embora.
Quando abriu a porta, sua expressão estava impassível. Garrick sorria e tinha as mãos às
costas. Ele havia tomado banho, feito a barba e posto roupas limpas. Os cabelos estavam muito bem
penteados. Voltava a ser Garrick Hunt, o filho encantador de um homem rico.
— Consegui! Contei a meu pai que vou embora da cidade — ele disse, alargando o sorriso.
— Quando você parte? — ela indagou com frieza.
O sorriso dele murchou.
— Amanhã de manhã.
— Boa sorte — Katherine disse e começou a fechar a porta.
— Espere! Qual é o problema? — Garrick indagou enquanto, com o pé, a impedia de
fechar a porta.
— Nenhum. Estou em casa e tudo voltou ao normal. Foi muita amabilidade sua me distrair
enquanto estávamos presos naquele lugar horrível, mas não há motivo...
— Distraí-la? — ele a interrompeu.
Era melhor romper logo, com firmeza e antes de se envolver demais. Assim não sofreria
muito. Aliás, já sofria, ela admitiu.
— Você não pensou que esse nosso caso fosse sério, não é? Não temos nada em comum —
ela afirmou em voz seca.
— Penso que temos muito em comum, sim — ele argumentou.
— Não combinamos nem um pouco. Aliás, não é de hoje.
Garrick a observou como se não a conhecesse. Não mesmo, de fato.
— Não vou partir sem nada, Katherine. Tenho meu próprio dinheiro — ele informou em
voz suave.
Ora, Garrick pensava que o rejeitava porque ele não tinha dinheiro suficiente? Se pensava
assim, não a amava como dizia.
— Ótimo para você — ela disse com displicência.
Katherine estava convencida de que a proposta de Garrick não daria certo. O que eles
tinham encontrado era lindo, mas passageiro. Pura atração física e não amor. E ele não a tinha
pedido em casamento, apenas sugerido que fossem embora juntos. Se aceitasse, um dia, Garrick
olharia para ela e se arrependeria. Ou então, pegaria o frasco de bebida e se embriagaria. Pior, a
espancaria se ela dissesse ou fizesse a coisa errada. Seria o recomeço do pesadelo.
Melhor seria terminar tudo naquele momento, enquanto ela ainda guardava umas boas
lembranças para consolá-la.
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— Pensei que você fosse comigo. Quando contei a meu pai que ia embora da cidade, no
fundo do coração sabia que você acompanharia cada passo meu — Garrick confessou.
— Não posso. Tenho minha casa aqui e um pouco de dinheiro guardado. Não preciso de
um homem para cuidar de mim — Katherine afirmou.
— Nunca dei a entender que você precisasse.
— Adeus, Garrick — ela murmurou ao tentar outra vez fechar a porta. — Por favor, não
torne isto mais difícil do que já é.
— Deus me ajude a não dificultar nada para você. — Ele puxou uma das mãos às costas.
Seda amarela brilhou sob o sol de inverno. — Pegue isto. Não me serve e a cor não combina
comigo.
Como Katherine não pegasse o vestido, ele o largou no chão.
— Não quero isso — ela disse ao vê-lo se afastar.
— Nem eu — Garrick respondeu.
Pela fresta da porta, ela o acompanhou com o olhar. Depois de uns passos, ele parou e tirou
o frasco de bebida do bolso. Mas não tomou um gole. Esvaziou o conteúdo no chão e, depois,
atirou-o longe. Ele caiu numa touceira de mato, do outro lado da rua.
Havia escurecido pouco tempo atrás, mas Eve e Lucien ainda estavam exaustos. Juntos,
subiram a escada iluminada pela vela na mão de Eve.
— Lamento que tudo tenha dado errado com seus tios — Lucien desculpou-se.
Eve não parecia aborrecida.
— Eles costumam ser irritantes. Quando tiverem tempo para esfriar a cabeça, eu lhes
escreverei uma carta longa e amável. Uma reconciliação será mais fácil se eles forem mais cordatos.
Talvez no próximo Natal. Ou no seguinte.
Constance e Harold Phillips, mais as filhas, tinham feito as malas naquela tarde e, furiosos,
ido embora de Plummerville.
— Eu só atrapalhei, sinto muito. Devia ter encontrado uma maneira de melhorar a situação
antes de irem embora. Afinal, são seus parentes — Lucien tornou a se desculpar.
Entravam no quarto e Eve sorriu.
— Você é o único parente que me interessa, Lucien Thorpe.
Por Deus, ela só dificultava tudo! Lucien sabia que não podia se casar com Eve, aliás, com
ninguém. Lembranças de Scrydan ainda permaneciam dentro dele. Algumas tinham sumido, mas
não muitas. Algo maligno continuava dentro dele e nunca seria erradicado totalmente. Talvez
existissem outros espíritos como o de Scrydan que se mantinham à espreita de um hospedeiro
acessível como Lucien. Ele não podia expor Eve a tal perigo.
Hugh e os outros partiriam na manhã seguinte. Lucien deixaria a cidade essa noite, a
cavalo e sozinho.
Eve pôs a vela na mesinha de cabeceira e já ia apagá-la, mas Lucien a impediu ao puxá-la
de encontro ao corpo.
— Deixe acesa. Quero admirar você esta noite.
— Como desejar — ela murmurou numa voz insinuante.
Lucien queria que a última união deles fosse ali e não aquela no maldito hotel. Desejava
ser quem penetrasse em seu corpo. Unicamente ele.
Despiu-a bem devagar, beijando-a no pescoço e nos ombros, instigado por uma vontade
ardente. O sabor de sua pele, seu perfume eram inigualáveis. Ele os sentia mesmo quando estavam
longe um do outro e suspeitava que os sentiria para sempre.
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Maravilhava-se com sua maciez, a perfeição de suas curvas, sua beleza. Eve era um sonho
fascinante e ele a amaria até morrer.
Eve já estava quase nua quando virou-se para crivar-lhe o rosto de beijinhos rápidos e
meigos.
— Estou contente por você ter feito a barba. É tão melhor beijar assim — ela murmurou.
— Quero que tudo seja especial esta noite.
Lucien terminou de despi-la e soltou-lhe os cabelos. Ele os adorava desde que a conhecera.
E mais ainda se estavam soltos. Quando faziam amor, a cabeleira os envolvia em ondulações
sedosas. Ela tentava ser sensata, prática, firme, mas quando Lucien lhe soltava os cabelos, ela
esquecia tais atributos e tomava-se apenas sua mulher. Nem mais, nem menos.
Enquanto ele a beijava no pescoço, Eve desabotoou-lhe a camisa. Seus dedos tremiam, mas
não de medo essa noite.
Lucien ansiava para que Eve jamais sentisse medo outra vez, que os Scrydans malignos
deste mundo ignorassem sua existência e que ela sempre vivesse em segurança. Ia fazer a parte dele
a fim de concretizar esse desejo.
Ele a deitou na cama e terminou de se despir depressa. Não desviou os olhos, nem por um
segundo, de seu corpo iluminado pela vela. Eve não era acanhada com ele e sorriu-lhe.
Tão logo Lucien se acomodou a seu lado, ela confessou:
— Pensei que você tinha se ido, Lucien. Eu te amo muito e não posso perdê-lo.
— Não vamos falar sobre isso esta noite. E nem sobre coisa alguma — ele murmurou, pois
não suportaria.
Lucien sabia onde beijar e acariciar Eve para fazê-la esquecer de tudo o mais. No pescoço,
logo abaixo da orelha, nos pulsos, naquele lugarzinho na parte interna da coxa. Tocava e beijava
todos eles e, às vezes, parava a fim de admirar o contraste das mãos másculas com seu corpo macio.
Ele queria que essa noite fosse especial e perfeita em tudo para ambos. A lembrança dela teria de
durar pela vida inteira.
Enquanto tocava em Eve, Lucien tentava esquecer que essas carícias seriam as últimas,
mas não conseguia. Ouvia seus suspiros, o arfar de sua respiração e pensava que jamais o faria de
novo. Angustiado, tentava diminuir a passagem do tempo e fazê-lo parar.
Com a ponta da língua, rodeou um mamilo e, depois, sugou-o no fundo da boca. Eve
arqueou o corpo, gemendo baixinho. Bem devagar, ele deslizou a mão pela parte interna de sua
coxa, do joelho até o vértice.
Numa súplica silenciosa, seu corpo mexia-se contra o dele. Lucien levou sua boca à dela a
fim de saborear sua paixão. Prensou a mão sobre seu coração para sentir e memorizar as batidas
rápidas e firmes.
Eve estava perto da realização plena quando ele rolou sobre seu corpo e penetrou nele
depressa. Ela o abraçou, passou as pernas em volta dos quadris dele e soergueu-se para receber os
impulsos. A maneira com que se uniam era tão mágica quanto qualquer aptidão sobrenatural.
Mexiam-se como um só e uniam-se de todas as maneiras.
Enquanto se amavam, Lucien esqueceu que essa seria a última vez deles. Perdeu-se nas
sensações e na energia que seus corpos criavam, no impulso que o levava a ela, até que não existisse
mais nada, exceto Eve. Ela o recebia no corpo, exigia e amava, nada importava a não ser como se
completavam.
Com um grito rouco, ela atingiu o êxtase e, enquanto latejava em volta dele, sentiu-o
estremecer. A chama da vela bruxuleou e o fogo crepitou na lareira.
Lucien deitou a cabeça ao lado da de Eve. Ofegantes, tentavam normalizar a respiração.
— Eu te amo, Eve. Muitíssimo — ele murmurou a seu ouvido. — Não importa o que...
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— Não fale mais sobre o que aconteceu. Passou tudo, Lucien. Estamos bem, juntos e nada
mais importa.
Ele sempre tinha dificuldade em se comunicar com pessoas. Falar com fantasmas era mais
fácil. Amava Eve. Precisava dela. Porém, não encontrava a maneira apropriada para lhe dizer que ia
embora.
CAPÍTULO XVIII
Lucien cavalgava devagar pela rua principal de Plummerville. O ferreiro não tinha feito
objeção alguma em lhe vender o cavalo que ele alugava com frequência. Também não tinha
indagado seus motivos para comprá-lo.
Ele devia ter pegado a colhedeira de ectoplasma e o registrador de espectros no quarto de
depósito da casa de Eve. Mas havia ficado com medo de acordá-la ao mexer no equipamento. Além
do mais, seria muito peso para a montaria carregar por um período longo, já que não sabia para
onde iria. Poderia pedir para Eve despachá-los para ele mais tarde. Melhor, construiria novos
aparelhos com algumas modificações.
Era tarde, estava escuro e fazia frio. A cidade inteira parecia dormir. Por isso, ele
surpreendeu-se ao ver luz acesa na igreja, onde Eve e ele tinham planejado realizar o casamento
frustrado. O segundo casamento frustrado. A luz era fraca, talvez de apenas duas velas.
Lucien planejava seguir em frente, mas apanhou-se parando. A vida toda havia detestado
igrejas e as pessoas que as frequentavam. Quantos pastores tinham tentado expulsar sua habilidade
abominável? Quantas vezes a mãe não havia implorado a um pastor amedrontado para curar o filho
avariado? Mais vezes do que ele podia se lembrar.
Racionalmente, ele sabia que seu medo não era pela igreja e sim pelas pessoas lá dentro
que ainda lhe provocavam arrepios ocasionais.
Sem dúvida era o reverendo Watts que trabalhava até tão tarde. Lucien desmontou e
prendeu a montaria na grade. O reverendo Watts não era o pior dos pastores que ele tinha
conhecido. Nas poucas vezes em que haviam se encontrado, ele mostrara ser uma pessoa prática e
afável. Como houvesse deixado a maioria dos preparativos do casamento por conta de Eve, sua
interação com o pastor tinha sido limitada.
Talvez isso fosse mais uma coisa que ele pudesse fazer por Eve antes de partir. Explicaria
que o casamento fora cancelado e, portanto, ela precisaria de um ombro amigo até se recuperar. E se
recuperaria. Sua Eve era muito forte.
O reverendo Watts limpava os bancos quando Lucien abriu a porta e entrou. O pastor parou
e sorriu-lhe.
— Um pouco tarde para ainda estar limpando, não acha? — Lucien perguntou.
— Não estou apenas limpando, mas também refletindo sobre o sermão de domingo.
Lucien balançou a cabeça. As palavras que tinha vindo dizer estavam na ponta da língua.
Vou embora da cidade. Não haverá casamento. Cuide de Eve por mim. Em vez disso, perguntou:
— Reverendo, o senhor acredita no mal?
O pastor ficou confuso por um momento, mas respondeu com firmeza:
— Acredito, sim.
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Duas coisas acordaram Eve de um sono profundo. A primeira era alguém batendo com
força na porta da frente e a segunda, a ausência de Lucien a seu lado na cama. Algo estava errado.
Levantou-se, acendeu a vela e vestiu o penhoar enquanto descia a escada depressa. Abriu a
porta com a leve esperança de ver Lucien, mas era Daisy retorcendo as mãos no terraço. Lionel
sentava-se no banco de uma charrete, segurando as rédeas.
Deus do céu, o que Daisy teria feito?
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Finalmente, Eve dirigiu o olhar para Lucien e o reverendo Watts, diante do altar, e
perguntou enquanto se aproximava deles:
— O que estamos fazendo aqui?
— Vamos casar, espero — Lucien respondeu. — Quer dizer, se você ainda me quer. Sei
que não está com um vestido de noiva elegante, não há flores e nem haverá uma recepção. Mas
estamos aqui e as pessoas de quem gostamos também. Pensei que talvez isso fosse o suficiente —
explicou e, ao vê-la sorrir, o medo dele diminuiu.
— Você planejou isso sozinho! — Eve exclamou.
— Sim — Lucien admitiu, mas a necessidade de revelar a verdade o fez acrescentar — Eu
estava indo embora da cidade, Eve. Queria fugir porque temia muito, um dia, a magoar
profundamente.
— Mas você não fugiu — ela murmurou.
— Não consegui. Embora eu ache que você ficaria mais segura e seria mais feliz sem mira,
não tive coragem de ir.
— Ainda bem. Se houvesse me abandonado, eu o procuraria como a um criminoso,
Lucien sorriu. Eve era uma mulher excelente e lhe pertencia.
— Passarei a vida me esforçando para fazê-la feliz.
— Farei o mesmo por você — ela prometeu.
Pela primeira vez, Lucien tinha certeza de estar agindo certo. Ambos precisavam um do
outro, embora de maneiras diferentes.
— Não importa o que vier a acontecer, você me aceita, Eve?
— Você sabe que sim.
Ele pegou suas mãos e as beijou.
— Você é o bem em minha vida. Preciso de você. Não sobreviverei sem você. É um grande
egoísmo meu aceitá-la como esposa.
— Você me ama?
— Mais do que a qualquer coisa neste mundo.
Eve lhe sorriu e, naquele momento, só existia o bem no mundo de Lucien.
— Então, vamos nos casar — ela disse com firmeza.
O’Hara seguia para a estação ferroviária com a maleta na mão. Lucien e Eve haviam se
casado finalmente. Tinham esperado bastante. Muito apropriado o fato de a cerimônia ter sido à
meia-noite. Eles combinavam com perfeição. Sentia-se feliz pelos amigos e, ao mesmo tempo,
morria de inveja.
Lionel e Hugh caminhavam à frente dele. Apesar de Hugh ter afirmado que se sentia bem e
não precisar de ajuda, Lionel carregava-lhe a mala. Hugh ainda não estava totalmente bom e talvez
levasse umas semanas para ficar. Negava-se a comentar o que havia acontecido naquela noite. Mas
estava forte o suficiente para viajar.
— Para onde você vai?
Surpreso com a indagação que lhe interrompia as reflexões, O’Hara diminuiu o passo para
deixar Garrick Hunt o alcançar.
— Para Savannah primeiro e, depois, para o norte. E você? — indagou, apontando para a
mala de Garrick.
— Também para Savannah e, de lá, para o oeste.
Ele não parecia muito satisfeito com tal itinerário.
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Com a brisa provocada pelo movimento do trem agitando-lhe os cabelos curtos e o paletó,
ele continuou na escadinha até não ver mais Daisy. Então, voltou para seu lugar com uma estranha
alegria tinindo pelo corpo.
— Q que ela disse? — Lionel perguntou.
— Adeus.
— É por isso que você está com esse sorriso satisfeito?
— Ela também nos desejou boa viagem.
Hugh disse qualquer coisa e Lionel suspirou.
Enquanto via a paisagem da Geórgia voar lá fora, O’Hara disse:
— Sabem, talvez eu tenha me apressado em julgar Plummerville como um lugar
desagradável. A cidade tem seu encanto. Pode ser que eu me convença a vir visitá-la outra vez.
— O que o fez mudar de idéia? — Lionel indagou.
— Nada em especial.
— Cretino — Lionel o chamou, baixinho.
O’Hara sacudiu o dedo para o amigo.
— Você não pode fazer isso!
Lionel sorriu, recostou-se no banco e fechou os olhos. O’Hara continuou a apreciar a
paisagem.
Sim, sem dúvida alguma, ele voltaria.
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