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PREFEITURA MUNICIPAL DE MARICÁ

SECRETARIA MUNICIPAL DE EDUCAÇÃO


E.M. ANÍSIO SPÍNOLA TEIXEIRA

Professor: Vanessa Reis da Silva Data: _____/____/2023


Disciplina: Língua Portuguesa AE: 8º ano Trimestre:
Nome do aluno: Turma:

O medalhão amaldiçoado
Fazia tempo que Lucas esperava por aquelas férias na fazenda do tio. Até então estava sendo tudo
perfeito, como havia planejado. Naquela manhã, estava pescando com o primo na beira do riacho quando
viu que algo brilhada na água. Curioso, o garoto não pensou duas vezes. Sem nem mesmo avisar o primo,
se jogou na água e nadou até o local onde tinha visto o objeto brilhante.
Sob o olhar espantado do primo, ele retornou com um medalhão de ouro pendurado entre os dedos.
Os dois ficaram empolgados com a descoberta, mas como tinha sido Lucas a mergulhar para buscá-lo,
passava a ser ele o dono do objeto. A joia estava pendurada em uma corrente também de ouro e tinha a
forma de um coração. O primo logo comentou que aquilo era coisa de mulher, que não ficava bem para o
garoto usar.
− Vou dar para a Helena. Ela vai adorar – resolveu Lucas.
− A filha do Coronel Bernardino? Você é doido. O pai dela é uma fera, dizem até que já matou um
cavalo a socos. Não deixa a filha falar com ninguém.
− Mas ela não veio ao casamento da tua irmã? Você até me apresentou a ela.
− Aí era diferente. Era dia de festa.
−Ara, sô! Qui é isso que ocêis tão na mão, mininos? – perguntou Cida, uma idosa de aparência
simpática, trabalhadora nascida e criada na fazenda. Mas não estava com cara de muitos amigos naquele
dia. – Essi medalhão é amardiçoadu! Joguem fora agora memo, si num quiserem qui uma disgraça aconteça
cocêis!
Como os meninos insistiram em saber o porquê de tanta preocupação, Cida contou que tudo
começou com uma grande história de amor vivida por uma moça que morava ali mesmo na fazenda,
quando de antigos donos, há mais de cem anos. Disse ainda que tinha ouvido essa história um milhão de
vezes de sua avó, que conhecia a moça.

Numa época em que os pais escolhiam com quem suas filhas se casariam, a moça dessa fazenda e o
rapaz de uma fazenda vizinha se apaixonaram perdidamente. Felizmente, o pai da moça não se opôs ao
namoro e na véspera de partir para o exterior, onde terminaria os estudos, o rapaz deu a ela um medalhão de
ouro. O mesmo que Lucas encontrara no riacho.
Ao lhe entregar o presente, ele pediu que ela jamais o tirasse do pescoço, para que nunca se esquecesse
dele. E prometeu que, assim que se formasse, voltaria para se casarem.
Perdidamente apaixonada, a moça começou a fazer o enxoval, porém o rapaz nunca mais voltou ou
mandou notícias. Procurados, os pais dele disseram que também estava preocupados, pois já fazia tempo que
ele não os escrevia. Com isso, a moça foi ficando triste e mais triste, pensando que ele havia morrido. Ela
tanto sofreu que um dia enlouqueceu de vez e se jogou no rio, onde se afogou e morreu. Foi enterrada usando
o vestido de noiva que não chegara a usar.
A mãe da moça achou melhor guardar o medalhão, como lembrança da filha. Não imaginava, todavia,
as desgraças que viriam, uma após a outra.
Uma praga desconhecida destruiu toda a plantação da fazenda; o pai e o irmão da moça morreram
logo em seguida, vítimas de uma misteriosa doença; e um incêndio causado por um raio destruiu boa parte
da casa.
Tempos depois, o rapaz apareceu na fazenda procurando a moça e disse que havia escrito muitas e
muitas cartas para ela e para a família, mas que só agora descobrira que não tinham recebido nenhuma,
sabe-se lá porquê.
Quando soube do sofrimento e da morte da moça, o rapaz caiu de cama com uma forte febre que não
passava e acabou morrendo também, um mês depois. Os médicos não conseguiram identificar a causa da
morte.
A mãe da moça, no auge do desespero, jogou no rio o medalhão que diziam ser amaldiçoado e causado
tudo aquilo, vendeu a fazenda e todas as coisas de valor que lhe restavam e foi morar com parentes em
Portugal.

− Que história mais besta! – disse Lucas, soltando uma gargalhada nervosa.
− É verdade, primo! A Cida sabe das coisas. Todas as histórias desta fazenda.
− Pois teje avisados mininos: melhor si livrádessi trem – a mulher avisou, voltando para os seus
afazeres e deixando os dois para trás, pensando naquela incrível história.
Mas não houve jeito do primo tirar da cabeça de Lucas a ideia de dar o medalhão para Helena
− E posso saber como é que você vai fazer para falar com a garota? – perguntou o primo.
Lucas já sabia. Acontece que justo no dia seguinte seria a festa da padroeira da cidade, uma festa
aguardada por todos. Aproveitando o momento em que coronel Bernardino não estava perto, Lucas
entregou o presente. Helena ficou encantada e tratou de colocar o medalhão no pescoço. Não sem antes
dar um rápido e estalado beijo na bochecha de Lucas, que sentiu o rosto corar.
Naquela noite, quando a madrugada já ia alta, Lucas acordou sobressaltado, com a coberta no chão,
tremendo de frio. Ao se inclinar para pegar a coberta, viu ao seu lado o vulto de uma mulher muito pálida,
vestida de noiva, que esticava o braço em sua direção.
Paralisado de medo, conseguiu balbuciar com dificuldade:
− O que você quer?
− Preciso de ajuda – a mulher respondeu – Quero de volta o meu medalhão. E o meu amor. Você
precisa nos unir novamente.
− Co... como assim? – gaguejou Lucas.
Sem mais explicações, a mulher desapareceu como por encanto. Mas, para horror do garoto, ela
voltaria ainda nas noites seguintes, uma após a outra, pedindo sempre a mesma coisa.
Já cheio de olheiras pelas noites mal dormidas, Lucas pediu a ajuda do primo e juntos foram ter com
Cida, que lhes explicou que os dois namorados estavam enterrados ali mesmo, na fazenda. Mas separados.
Do lado oeste da fazenda ficava o cemitério onde o rapaz estava enterrado. A moça, por ter se
matado, não teve a mesma sorte. Naquela época, as pessoas que se matavam não podiam ser enterradas
em cemitérios.
− E onde é que enterraram a moça? – perguntou Lucas.
− Uai! Ocêquémemo saber minino? Melhódexá isso pra lá.
Mas os meninos tanto insistiram que Cida levou os dois até o lado leste da fazenda, ao pé de uma
grande árvore, onde havia uma pequena cruz, carcomida pelo tempo e cheia de musgo.
− Foi nessilugáqui a moça foi interrada.
Assustado com a história que acabara de ouvir, Lucas achou melhor contar tudo aos tios, que não
duvidaram de nada, acostumados com histórias de assombração naquela região. Os meninos foram levados
até a fazenda vizinha, onde morava Helena e, entre uma xícara de café e um pedaço de bolo de milho,
contaram o que estava acontecendo.
Antes mesmo de os meninos terminarem de narrar o acontecido, Helena tirou o medalhão do
pescoço e o entregou a Lucas, dizendo:
− Olha só o que eu descobri! Ele abre.
Dentro do medalhão, agora aberto em dois corações, estavam, de um lado, a imagem da moça e, do
outro, a de um rapaz. Lucas empalideceu: era ela, a moça que não o deixava dormir.
Decidiram fazer um enterro decente para a jovem morta. Ao lado do seu amor. O padre da igreja local
foi chamado para realizar a cerimônia.
À meia-noite daquele dia, Lucas ainda estava acordado. Sentado na cama, encolhido e abraçado ao
travesseiro, esperava. A moça não tardou a aparecer.
De mãos dadas ao noivo, ela estava radiante, com o vestido tinido de novo e os cabelos bem
arrumados. No pescoço, o medalhão brilhava.
− Obrigada! – ela disse, desaparecendo a seguir.
Lucas não sentiu nem um pingo de medo daquela vez e dormiu tranquilo, como não dormia havia
muito tempo.

CORTÊS, Flavia. Assombros e calafrios. Rio de Janeiro: Jovem, 2014. p.23-31.

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