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Sobre A Autora

Megan Maxwell (1965 - Nüremberg, Alemanha) é o


pseudônimo sob o qual escreve Carmen, uma
romântica empedernida nascida na Alemanha,
mas criada por sua mãe e sua família em Madrid.
Durante anos trabalhou como secretária, até que
por obra do destino, um belo dia decidiu escrever novelas românticas. Na
atualidade, apesar de ter vivido em diferentes cidades da Espanha, vive ao
redor de Madrid, com seu marido, seus dois filhos e seu cão.

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Prólogo

Aberdeen, Escócia, 1429.

Alannah Carmichael corria assustada pelo empapado e verde descampado, segurando sua
avançada barriga de gravidez com as mãos. Keeva, a feiticeira, seguia-a com a maldade
ardendo em seu rosto desejoso de vingança.
Um dia antes, no castelo de Aberdeen, o enlace entre Sean Roberts e lady Marian Mctouch
se transformou em fatalidade. Por engano, durante os festejos, uma flecha dos Carmichael tinha
acabado com a vida de Brendan, o filho de Keeva.
Para trás ficaram os dias de plácida vida e as noites de quietude. Keeva tinha perdido seu
adorado filho e sua fúria era implacável.
— Se detenha Alannah, não têm escapatória. — chiou Keeva com os olhos acesos pela
vingança.
A jovem assustada, não queria deixar de correr, mas o esgotamento provocado pelo peso do
bebê em seu ventre e a proximidade do escarpado fez-lhe parar. Se seguisse avançando cairia
no mar. Estava encurralada. Não podia fugir. Por isso, e sabendo que ia morrer, voltou-se para
sua perseguidora e, olhando-a aos olhos, gritou com aprumo:
— Juro, Keeva, que até morta não descansarei até vingar a morte de meu marido. Por que o
matou? Por quê?
—Porque o amava. Como eu a meu filho.
Delirante, a feiticeira se aproximou dela e segurou com força o pendente que Alannah
levava no pescoço, arrancando-o de um forte puxão.
— Me devolva a joia dos Carmichael.
Aquele meio coração esculpido em pedra branca era junto com a outra metade que seu
defunto marido ainda levava no pescoço, a joia mais apreciada de seu clã. O desespero da

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jovem fez a feiticeira rir, enlouquecida pelos acontecimentos dos últimos dias, aproximou-se
até quase lhe roçar o rosto com seu fôlego.
—Não, Alannah, não lhe devolverei. — ela vaiou.
—Me mate, mas deixe meu filho viver! — gritou a futura mãe ao ver como a enlouquecida
mulher olhava sua barriga.
Durante uns segundos Keeva duvidou. Mas não; queria fazer mal, e após pensar em uma
vingança perdurável no tempo, exclamou levantando as mãos.
— Não vou lhe matar Alannah. Viverá para ser testemunha da dor que sofrerá seu filho o
dia que for feliz. Porque eu, Keeva Raeburn, feiticeira de Montrose, amaldiçoo a todos os
Carmichael a partir do nascimento deste menino.
—Nãoooo! — gritou horrorizada Alannah, enquanto escutava as vozes dos guerreiros que
se aproximavam para auxiliá-la.
—Não serão felizes. Nunca! Sua felicidade levo com o pendente. —bramou enlouquecida
— Todos perderão o ser amado no momento em que seus corações transbordem de felicidade.
Suas vidas serão pura agonia, desamparo e solidão; porque qualquer Carmichael que ame, verá
seu par morrer. E este feitiço só se desvanecerá quando um desses amados o pendente volte a
encontrar.
—Keeva... Não. —implorou Alannah, ao ser consciente do que a miserável mulher pensava
fazer.
Dito aquilo, a feiticeira sorriu e se jogou ao vazio do impressionante escarpado de
Aberdeen, desaparecendo para sempre uma vez que caiu no mar.
E a maldição de Keeva alagou de tristeza, durante séculos, a todos os Carmichael.

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Capítulo 1

Londres, julho de 2010.

O dia em Londres era cinza, chuvoso e escuro. Na Espanha se diria que estava «chovendo
canivetes », mas aquilo não piorava o estado de ânimo do grupo de amigas reunido em um bar
do mais chique, em Oxford Street.
—Brindo por minha separação de Jeffrey. — gritou alegremente Montse — Meu Deus de
minha alma, quase cago ao pensar que era o homem de minha vida! Não voltem a deixar que
me nuble a razão por outro idiota que só encontre divertido estar mais estupendo e bonito que
eu.
—Amém, linda. —aplaudiu Juana.
—Brindo por você e por essa sensatez que às vezes brilha por sua ausência. — acrescentou
Julia, levantando sua taça — Porque desta vez se manifestou e se fez ver que era melhor
conviver com ele um tempo antes de celebrar o casamento, cheia de flor-de-laranja e glamour,
na catedral de São Paulo. Se tivesse sido assim, agora tudo seria mais complicado, asseguro-lhe
isso.
Que razão tinha Julia! Meses atrás, tinha-lhe confessado emocionada, que Jeffrey e ela
estavam planejando casar-se e celebrar um casamento grandioso na mesma catedral em que
anos atrás, casaram-se o príncipe Charles e lady Diana Spencer. Aquilo as deixou atônitas. Suas
amigas pensavam que se havia algo destinado ao fracasso, era aquela relação.
Jeffrey era um inglês muito endinheirado para ela. Montse tinha sido criada com um pai
feirante que mal a cuidou durante sua infância. Sua mãe morreu quando ela nasceu, por isso
para ele, a menina sempre foi mais um estorvo que um benefício.

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Quando chegou a Londres, o primeiro trabalho que encontrou foi de garçonete em um
botequim irlandês. Durante anos trabalhou sem descanso, inclusive se matriculou em um curso
de informática e em outro de karatê. Ali foi onde conheceu Juana, uma moça canaria, baixa e
divertida que, como ela, tinha imigrado a Londres para fazer a vida como cabeleireira.
Precisamente, graças a Juana e seus contatos, conseguiu um trabalho na EBC, uma cadeia de
lojas de roupas de jovens desenhistas.
Ali pôde demonstrar que, além de ter bom gosto para montar e vestir os modelos, sabia
aconselhar outras jovens. Por isso acabou sendo a encarregada de vendas do departamento de
grandes firmas.
Anos depois, em uma das competições de karatê, conheceram Julia e Pepe. Um matrimônio
de madrilenhos que rondava a cinquenta, sem filhos e que devido à transferência trabalhista
dele, acabaram vivendo também em Londres. Pepe era contadora e Julia médica de família.
—Vamos ver garotas. Não negarei. Tive umas boas conselheiras. —assentiu Montse
olhando suas amigas — Menos mal que as escutei e não me casei com ele. Meu Deus, são as
melhores!
Julia e Juana se olharam e sorriram. Jeffrey e Montse não pareciam um com o outro e
qualquer um que passasse entre eles uma só tarde o via. Embora lhe custasse mais de dois anos
de relação.
—Nunca imaginei que Jeffrey pudesse me fazer algo assim. Que caísse tão baixo...
Ofendeu-me quando disse «que a juventude dessa garota lhe tinha nublado a razão». E já,
quando o muito imbecil apostilou «que eu já tinha uma idade para entender do que se gostava
nessa garota», rematou-me. Estava me chamando de velha! Mas, Deus, se só tenho vinte e nove
anos.
— Idiota! —bufou Julia ao escutá-la.
—Chamou-me velha na cara! Quando, precisamente com vinte e nove anos estou em meu
melhor momento. — grunhiu Montse — Se alguma vez voltar a ocorrer a alguém me chamar de
velha, juro que lhe arranco a cabeça.
—Homens, minha menina, homens. —suspirou a canaria.

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—Querida, dom melindroso e você não tinham futuro. Lhe disse centenas de vezes, mas
nunca quis me escutar. —murmurou Julia, com a sinceridade e a segurança que lhe davam as
mechas de cabelos brancos. — Eu nunca gostei desse presunçoso. A Juana e a nos ele olhava
por cima do ombro cada vez que nos via, e logo, quando você estava distante, dissimulava
como um autêntico caipira. Como dizemos em Vallecas, esse esnobe não era trigo limpo!
Montse assentiu. Suas amigas lhe tinham feito muitas vezes aquele comentário. Mas ela não
quis escutá-las. Por amor. Não é que estivesse loucamente apaixonada por Jeffrey, mas lhe
queria e passava muito bem com ele.
—Não lhe dê mais voltas. A merda e que você o pegou! —assentiu Juana ao ver o gesto de
sua amiga.
—Sim, definitivamente lhe peguei com as mãos na massa. E nunca melhor dizendo! —
sussurrou Montse ao pensar naquele fatídico dia. Mas repondo-se daquilo disse, dando um gole
a sua bebida: — A verdade é que agora me alegro de que minha relação com ele tenha acabado.
Me abriu os olhos. Jeffrey só pensa nele, logo nele e, finalmente, nele. Mas se ficou até com os
potos! Assim o comam vivo!
— Vamos ver, querida, — suspirou Julia após escutá-la — dom melindroso ficou com tudo
porque você deixou.
Montse acostumada a viajar pela vida com apenas as malas, assentiu.
—Não queria nada dele.
—Claro! — mofou-se Juana, que conhecia muito bem sua amiga.
—Juro-lhe que não necessito nada dele. Mas reconheço que me surpreendeu seu egoísmo.
Quase nada do que havia ali era meu. E não, não quero nada que eu não tenha ganhado sozinha.
—Bom, momento L’oréal. — caçoou a canaria.
Isso fez Montse rir, que balançou sua escura cabeleira com comicidade.
—É obvio, «porque eu valho!»
—Essa é minha garota. —fez coro Julia — Dignidade acima de tudo.
—Não o duvide. —corroborou Montse — Nunca fico com nada que não seja meu; eu não
gosto. Embora o muito egoísta ficasse até com meus cremes. Com todas...

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—Não me diga que ficou com o Sensai Cellular Performance de Kanebo ? A que se deu de
presente e lhe custou um olho da cara e parte do outro? —perguntou Juana.
Montse afirmou com um movimento de cabeça.
—Era sovina o fodido! De parvo não tem um cabelo. —sussurrou Julia.
—Ah, e com o creme depilatório da Elizabeth Ardem. Sempre dizia que gostava porque
cheirava muito bem. E mais, ultimamente pretendia que lhe depilasse as pernas e as virilhas.
—Uisss... Que mariquinhas por Deus! —soprou Julia ao escutá-la — Onde estará meu
Pepe, com seu excesso de cabelo e quilos, que se lasquem estes novos maricas que se matam
por uma boa barra de cera depilatória.
—Definitivamente, —continuou Montse — não voltarei a me fixar no exterior de um rapaz.
—Fará bem, minha menina. —assentiu Juana.
—Olhe meu Pepe... Não é um Adonis, mas cuida de mim e me mima; embora às vezes
discutimos como fazemos ultimamente. —bufou Julia.
— Voltou a brigar com seu ursinho? —suspirou a canaria.
—Sim. Levamos uma temporada um pouco revolucionados.
—Mas o que ocorre? —perguntou Montse.
—Nossa volta à Espanha vai custar o divórcio. Ele não entende que eu queira retornar. Eu
gosto de viver em Londres e...
—Vamos, vamos, respira e não fique nervosa. Não acredito que Pepe o faça para lhe
incomodar. —a consolou Montse.
Pepe e Julia eram duas pessoas excepcionais. E se amavam muitíssimo, embora após anos
de matrimônio gostassem de fazer implicâncias mutuamente.
—Respirar..., pausar. Mas é que me tira do sério. E ainda por cima, outro dia me vem com o
que quer para seu aniversário, que é em fevereiro e estaremos já em Madrid, façamos uma festa
em nossa casa para celebrá-lo com sua família. E não! Não suporto minha sogra. Essa mulher,
com mais bigode que um camarão-rosa, cochicha a minhas costas e eu não gosto.
—Pronto, minha menina. Já passou. É sua mãe e ele a ama. Tem que entender! —disse a
canaria, divertida.

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—Tem razão. —riu implicada — Por mais bruxa que seja a mesma, é a fodida mãe de meu
Pepe. Ai, Deus, que complicado é isto do amor.
Depois de um pequeno silêncio, Montse foi à primeira em rompê-lo.
—Evitando os problemas de Julia e seu Pepe, a partir de agora só me fixarei no interior dos
homens. Quero me apaixonar! Mas necessito que seja de um homem dos de verdade. Desses
que abrem a porta e lhe puxam a cadeira para que se sente. Enfim, alguém diferente e especial.
—Eu quero um assim também. Mas temo que a maioria dos homens de hoje em dia se
sentam quando veem uma cadeira livre, para que não fiquem sem ela. —se mofou Juana.
Animada no momento, Montse recordou o homem que aparecia em seus sonhos desde que
era pequena. Nunca chegava a vê-lo com claridade.
—Quero um homem que me olhe com paixão e me faça tremer como uma boba. Um desses
que, com só sua presença, faz que se sinta protegida, querida e amada.
—Colocaram-lhe alucinógenos na bebida? —burlou a canaria ao escutá-la.
—E sobre tudo, e muito importante, —concluiu Montse despertando de seus desejos — que
não lhe ocorra me chamar «velha!». Porque juro e rejuro que a próxima pessoa que ocorra me
chamar «velha!», o farei tragar os dentes.
Nesse momento se abriu a porta do botequim e entrou um homem alto, bonito e
impecavelmente vestido de negro e cinza; muito do estilo de Jeffrey e suas refinadas amigas.
—Uf... Que bem lhe senta esse traje Armani. —Ao ver o gesto de suas amigas, Montse
esclareceu as fazendo rir — Mas não. Não quero mais metrosexuais em minha vida, acabou!
Suas amigas se olharam com cumplicidade. Se algo estava claro, era que ela não ia mudar
nunca. Era espontânea, louca e divertida, e isso a fazia especial.
—Me deixe lhe dizer que nem todos os homens são iguais. — esclareceu Julia. Pode ser que
encontre um tão bonito como os que você gosta e que, além disso, seja sensato, varonil e
galante. Tipo Clooney.
—Onde está esse homem? Que fico com ele. —brincou Juana.
—O que ocorre, Montserrat de minha alma...
—Não me chame assim que odeio. —se queixou enquanto seu iPhone lhe indicava que
tinha recebido uma mensagem. Era de Jeffrey. Dom melindroso. Seu ex.
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«Tenho vontade de te ver.»
Incrédula, voltou a ler e, sem fazer o menor caso, fechou-o e sorriu a sua amiga Julia, que
continuava falando.
—Dizia querida amiga, que precisa se fixar em cada espécime minha filha, que é para se
jogar de comer à parte. Porque agora foi dom melindroso, mas o que me diz de René, o sueco?
—Uisss... Que bonito era René! —corroborou Juana.
—E que limpinho ia sempre. E o bem que lhe sentava a roupa do Adolfo Domínguez e as
camisetas do Custo. —assentiu Montse divertida, ao lhe recordar.
—Sim, mas tudo era fachada. Era uma vagabundo. — recordou Julia.
—Tem razão. Era tão bonito que me dava até vergonha ver como me olhavam as garotas
pela rua quando estávamos com ele. Faziam-me sentir feia e mais baixa. —se mofou Juana.
—Foram seis meses... Mas que seis meses! —suspirou Montse ao lhe recordar.
—E Robert? —seguiu enumerando Julia— O que me dizem dele?
—Aquele que só comia frango e arroz? —perguntou a canaria, e Julia assentiu enquanto se
engasgava de risada.
—Era um idiota confiado, aspirante a Grande irmão. —admitiu Montse — Isso sim, era
muito bom de se ver. Isso não vou negar.
—Vê? —interrompeu Juana — Vê se troca seus gostos e se fixa em homens. Mas homens
de verdade. Não em maricas metrosexuais que se horrorizam se veem um cabelo fora do lugar
ou engordam uns quilinhos.
—Sei, sei. —assentiu Montse ao recordar os ataques de Jeffrey quando a balança subia cem
gramas — Tenho que mudar.
—Precisamos lhe encontrar um homem como os de antes. —sentenciou Julia.
—Já encontrei. O ruim é que só vive em meus sonhos. —riu de si mesma — Ouça, já que
estamos nisso, porque não aproveitamos essa busca e localizamos outro para Juana?
A aludida ao escutar seu nome soltou uma gargalhada.
—Ai, Montse, eu gostaria! Mas não sou o protótipo de mulherzinha que estão acostumados
a gostar. Sou graciosa e, não baixa, a não ser gordinha, —todas riram — mas não tenho muitos
encantos. E olhe que me custa reconhecer, mas é a verdade. Só atraio mequetrefes com nomes
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insultantes, como «Chinês», «Juanito» ou «Yuls». Não posso competir com vocês, estilizadas.
Isso sim, se eu fosse alta e magra... Uf, outro galo cantaria!
Aquilo fez que as três caíssem na risada. Ao final, a canaria, levantando de novo sua taça,
olhou suas amigas e disse em tom alegre e jovial:
—Mas como de ilusões também se vive, brindo para que alguma vez um tio de verdade,
com um nome contundente e um olhar cativante, fixe-se em mim. Mas sobre tudo, brindo pela
tarde de ofertas que nos espera em Oxford Street.
—Você quem disse. —animou Montse — Vivam as ofertas!
Dez minutos depois, sob o aguaceiro, três mulheres divertidas corriam e se metiam em uma
loja de roupas casual. Tinham muito que comprar.

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Capítulo 2

O aroma de terra molhada e musgo fresco alagava suas fossas nasais. Montse corria por
um frondoso bosque infestado de enormes carvalhos e flores multicoloridas e, de repente, um
raio de eletrizante luz azulada cruzou o céu. O som do potente trovão a assustou. Tirou as
enormes gotas de água dos olhos e viu ao longe a fortaleza de pedra. Seu castelo!
Sem pensar correu para ele. Um cavalo desbocado de cor escura apareceu atrás das
árvores, galopando diretamente para ela. O coração esteve a ponto de sair do peito quando o
reconheceu. Sobre aquele imponente alazão estava a figura do homem com que sonhava desde
menina, embora por mais que tentava esclarecer sua vista para ver seu rosto, resultava-lhe
impossível. O vento, a escuridão e a chuva o impediam.
Recolhendo as estranhas vestimentas que levava, tentou avançar a seu encontro. Queria
falar com ele. Precisava ouvir sua voz, mas como sempre, não podia conseguir. Era
impossível. Umas inexistentes correntes não a deixavam mover-se. Só podia o observar. A
escassos metros dela, aquele homem de longa cabeleira reteve sua montaria para posar sobre
ela seu olhar passional, que pôde sentir inclusive na escuridão. Mas, apesar da proximidade,
não podia lhe distinguir. O vento caprichoso o impedia, revolvendo sua negra cabeleira.
De repente, outro raio azulado rasgou de novo o tormentoso céu iluminando tudo ao seu
redor e, durante uma fração de segundo, pôde admirar seu selvagem rosto. Tinha os olhos
castanhos, o cabelo escuro e sensuais e carnudos lábios que pareciam sorrir.
Ela quis avançar. Por que não podia caminhar?
Sem prévio aviso, o homem com sua imponente musculatura, desceu do cavalo e...

«Pipipipi... Pipipipi... Pipipipi...»


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Assustada, Montse despertou empapada em suor. Parou o molesto assobio. De novo aquele
sonho. Quantas vezes tinha sonhado aquilo? Quem era aquele homem?
Tudo tinha começado quando tinha seis anos.
Erika, A Escocesa, uma cigana que lia o tarô e as linhas das mãos na mesma feira em que
eles viajavam, tinha reparado na menina solitária que perambulava sempre pela rua, fizesse frio
ou calor. Investigou até que soube que era a filha de Angel, o dono da atração dos carros de
bater e, depois de lhe observar durante dias, precaveu-se de que, incompreensivelmente, aquele
homem mal cuidava dela. Só brigava com ela e lhe exigia trabalho enquanto ele chafurdava
com os outros feirantes.
Uma tarde de chuva intensa, a cigana a convidou entrar em sua barraca para que se
resguardasse do frio e a chuva. Seu pai estava com uma mulher dentro da sua e, como era de
esperar, esqueceu-se dela. Erika sorriu ao ver como observava tudo. Especialmente a bola de
cristal que descansava sobre a mesa.
—Oh... Que bonita é a bola mágica!
—Você gosta princesinha?
A pequena assentiu e, aproximando-se dela, observou-a sem tocá-la. Se algo tinha
aprendido com os gritos de seu pai, era que não se tocava nada à exceção de que lhe
permitissem isso.
—Pode ver o futuro?
A mulher sorriu e se sentou frente a ela.
—Às vezes sim... Às vezes não. —respondeu enigmaticamente.
—Sabe...? Eu não acredito nestas coisas. —murmurou ela, com sua graciosa cara animada.
— Por que, céu?
Com um triste olhar que deu a entender mais que as palavras, suspirou.
—Porque em minha barraca nunca vêm Os Reis Magos no Natal, nem O Camundongo
Pérez quando cai um dente meu, e às de meus amigos sim. Por isso não acredito em nada e me
coloco triste se penso nessas coisas.
Erika, consciente da solidão e tristeza que lhe embargava, assentiu com pena.
—Sabe o que me dizia minha mãe para fazer quando estava triste ou nervosa?
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—O que?
—Que cantasse para esquecer as tristezas.
—Cantar?
—Sim, princesa. Quando nós cantamos pensamos no que está dizendo e nos acostumamos a
esquecer o que não se permite ser feliz. Isto não quer dizer que assim se solucionem os
problemas, mas cantar lhe ajudará a aguentar um pouco melhor. Sabe cantar? —A menina
assentiu e a cigana soltou uma gargalhada — Me deixe ver sua mãozinha?
Timidamente a estendeu e Erika, A Escocesa, tomou entre as suas. Durante um bom tempo
esteve olhando aquela pequena e suja palma.
—Sua felicidade e seu futuro estão no passado. —disse finalmente a cigana.
Ao ver que a menina a olhava sem entender nada, a mulher a liberou.
—Toque a bola e pede três desejos. Possivelmente se cumpram.
Ela a olhou com seu trincado sorriso e pôs suas mãozinhas sobre a bola.
—Quando for maior, quero ser bonita como as garotas da televisão.
—Muito bem querida, será. Seu segundo desejo?
Sem pensar, disse:
—Não quero viver aqui. Quando for mais velha quero um trabalho que eu goste e, sobre
tudo, no que não tenha que recolher os carros de bater de noite.
—E seu terceiro desejo?
—Quero viver em um castelo muito bonito e que um príncipe muito bonito e amável se
apaixone loucamente por mim.
Com uns estranhos movimentos, a mulher a tocou na cabeça e logo roçou com os dedos a
bola de cristal.
—Sua felicidade e seu futuro, estão no passado, princesa. Já verá. —repetiu por último.
Com seis anos não deu importância a aquele comentário. E mais, nem o entendeu. Mas a
partir desse dia ocorreu algo.
Começou a sonhar com um bosque, um castelo e um extraordinário guerreiro a cavalo. Ao
princípio o atribuiu a ideias de meninas e princesas, mas o tempo passou e o sonho perdurou.

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Ela seguia correndo, a chuva seguia caindo e, quão único trocou foi que com o passar do tempo
o homem se aproximava cada vez mais.
Quando fez dezesseis anos, Erika, A Escocesa, depois de anos cuidando dela e fazendo-a
feliz, partiu. Aquilo a entristeceu muitíssimo, mas a cigana antes de ir lhe sussurrou ao ouvido:
«Voltaremos a nos ver. Prometo-lhe isso.»
Passado um tempo, um dia olhando um documentário de história na televisão, ficou sem
fala ao ver o castelo que sonhava. Seu castelo! Aquele lugar existia. Era o castelo de Elcho,
próximo à cidade de Perth, na Escócia. Aquilo a encheu de ilusão, mas também a fez perguntar
o motivo de seus sonhos, embora não encontrou resposta.
Seu pai morreu quando mal tinha completado dezoito anos, e querendo esquecer-se de seu
triste passado, vendeu a velha atração dos carros de bater que herdou e se mudou para viver em
Londres. Precisava começar de novo e ser feliz. Merecia! Uma vez ali se propôs visitar o lugar
com que sonhava. Afinal a Escócia estava relativamente perto de Londres. Mas seu trabalho,
seus amigos e seus namorados lhe impediam de fazê-lo. Sempre surgia um plano melhor. E
embora nunca esquecesse aquele lugar, pois os sonhos não a abandonavam, sim se esqueceu de
visitá-lo.
«Pipipipi... Pipipipi... Pipipipi...»
—Tudo bem... Basta... Tudo bem... Já me levanto. —soprou desligando de novo o
despertador enquanto se espreguiçava na cama.
Estendeu a mão, pegou seu iPhone. Estava desligado. Ligou-o. Levantou-se, pulsou o play
do aparelho de música e a voz de Lady Gaga alagou o pequeno apartamento. Sem poder evitar
começou a dançar. Se podia presumir de algo, era de levantar-se cheia de energia e de um
humor excelente.
—Isto é começar bem um dia. —disse em voz alta, enquanto dançava e abria o armário para
escolher a roupa.
Dez minutos depois estava na ducha, cantando a plenos pulmões o último êxito da cantora.

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Capítulo 3

Aquela manhã após sair de seu trabalho na EBC, Montse se dirigiu diretamente ao Pretty
Incline, o salão onde trabalhava Juana. Tinha uma competição de karatê aquele fim de semana e
queria estar apresentável. Ao chegar, sorriu ao ver ali Julia.
—Há. Hoje é dia de salão para garotas.
—Sim. Tenho uns cabelos que me faz parecer à bruxa Lola. —se mofou Julia.
—Vem Montse, sente-se aqui. — disse Juana, a quem obedeceu rapidamente.
Uma hora depois estava como Julia, com a cabeça cheia de papel prata esperando que
assentassem as mechas e a tintura. Ambas comentavam as últimas fofocas das revistas do
coração quando a canaria se aproximou delas.
—Tudo bem? —perguntou.
Julia levantou a cabeça e olhou suas amigas com gesto confuso.
—Não. Nada está bem. Por que Norma Duval, que tem minha idade, faz alarde de
semelhante corpaço e eu tenho o que tenho? Por favor... Está espetacular com este vestido
branco.
Juana e Montse olharam a revista que lhes mostrava e após assentir, Montse disse,
mostrando o que estava lendo:
—Para mulher espetacular Cindy Crawford. Mas viram a beleza que vai, inclusive para
fazer compra? É que eu adoro. Juro-lhe que se eu voltasse a nascer, quereria ser ela.
—Sim, é bela. —assentiu Julia.
—Bela! —exclamou Montse assinalando a página— Esta mulher é muito bonita. Se é que o
tem tudo. É perfeita. Tem estilo, um nome perfeito e uns filhos e marido divinos.

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—Ah, para divina, Paris Hilton! —balbuciou. — Essa é quem eu queria ser. Tem tudo para
meu gosto: loira, corpo perfeito, dinheiro a torrentes e um nome e sobrenome com glamour,
Paris Hilton! Nada haver com Juana Perrulilla.
—Sinto muito, mas eu sou mais nacional. —esclareceu Julia após olhar a tal Paris —
Prefiro a Norma Duval, O Corpaço.
As três brincaram durante um tempo, elogiando as virtudes das mulheres que queriam ser e
tentando mostrar seus próprios defeitos. Finalmente Juana levou Julia ao lavabo para lhe retirar
o tratamento capilar. Nesse momento soou o iPhone de Montse. Era Jeffrey, seu ex. Como um
elefante em uma loja e cansada de suas contínuas chamadas, respondeu.
—Que porcaria quer agora, chato?
O homem ao escutá-la riu. Certamente pensou que dado que ela era uma mulher tão
especial, não podia esperar outra resposta que não fosse aquela. Mas que, dado que a conhecia
tão bem, saberia levá-la rapidamente a seu terreno.
—Olá, neném. Sinto falta de você.
Ao ouvir sua voz, Montse fechou os olhos. Aquele tom aveludado de Jeffrey a voltava
louca. Mas não. Não ia se permitir duvidar nem um segundo sobre sua decisão. Não lhe queria.
O caso deles acabou e não havia volta.
—Jeffrey, por que me diz agora essa sandice?
—Porque é verdade e para que não desligue sem me escutar.
Aquilo a fez sorrir. Quando queria, Jeffrey era encantador. Armou-se de paciência.
—Tudo bem, o que quer?
—Tenho um jantar esta noite na casa dos Moore. Já sabe, com Martha, Edward e
companhia. O que ponho, gravata escura ou clara?
Incrédula pela absurda pergunta, suspirou.
—Escura Jeffrey.
—Vem comigo? —convidou-a, de improviso.
—Não.
—Por favor.

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—Não. Nem sonhe. Leva a peituda de sua secretária; essa jovenzinha que o olha com
olhinhos de verme. Seguramente que não dirá que não ficará muito bem ante seus amigões.
Ao escutá-la, ele soprou.
—Montse, quando peço isso a você é porque não quero levar a outra.
—Recordo-lhe que me disse que eu era uma mulher mais velha. Velha! Foda, Jeffrey, você
tem trinta e sete. Devo te considerar um velho próximo à aposentadoria?
Aquilo fez que Jeffrey suspirasse com resignação.
—Querida, me escute. Eu não quis dizer nesse sentido, mas se empenha uma e outra vez em
acreditar. Só disse que a juventude de Priscilla me nublou a razão.
—Há! Isso você não crê numa garrafa de vinho. —se mofou ela.
—Neném, me acredite.
Isso a fez rir. Jeffrey, ainda pego com outra, tentava justificar seu erro. Não acreditava que
não ia perdoá-lo por aquilo. Tinha-o descoberto com sua jovem e bonita secretária em uma de
suas já famosas viagens de trabalho. E a tinha chamado de Velha! Amadurecida! Ainda se
estremecia cada vez que recordava aquele momento. Quis lhe surpreender por seu aniversário e
a surpreendida foi ela, ao chegar e lhe encontrar em plena cavalgada.
—Vamos não me faça te rogar. Sei que os Moore lhe caem muito bem. Além disso, estará
Martha. Ela e você sempre foram...
—Não vou, como tenho que lhe dizer isso? Você e eu já não somos um casal. E por favor,
deixa de me chamar. Não quero te ver. Não quero saber nada de você. Entenda de uma Santa
vez!
—Não. Não o entendo.
A ponto de soltar um chiado pela teimosia daquele homem, que não parava de chateá-la,
tentou não gritar.
—Olhe Jeffrey. Se esqueça de que existo, certo? Deixa de me chamar, me mandar
mensagens, me enviar flores em casa e me perturbar no trabalho. Por Deus, que cansativo está
sendo!
—Não. Não vou parar até que volte comigo, neném.

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—E uma merda! —elevou a voz, atraindo o olhar de todo o salão — Não vou voltar contigo
porque não quero. Sinceramente, tenho amor próprio e maturidade. Recordo-lhe que me
chamou de «velha» por ter quase trinta anos e, sabe o que digo? Que se dane!
—Querida... Escuta...
—Não. Não escuto E sabe por quê? Porque minha velhice e maturidade fazem que queira a
mim mesma e não tenho intenção de ir batendo nas portas ao entrar porque você, seu merda,
deseja vagabundear e pôr chifres em mim com cada jovenzinha que cruze seu caminho.
—Mas neném...
—Nem neném, nem leites! —gritou fora de si — Me importa um nada que seja bonito, que
tenha dinheiro a torrentes e inclusive sua maldita posição social. E sabe por quê? Porque me
importo, quero-me e preciso ser feliz. Sozinha! Não com um merda como você, que não aprecia
uma mulher como eu até que a perca. E a mim, perdeu-me. Portanto, adeus!
Dito isto, desligou e suspirou. Não ia voltar a cair no canto de Jeffrey. Não, não e não. De
repente, um estalo de aplausos a fez olhar para frente. Todo o salão, de pé, a aplaudia. Ela
simplesmente olhou suas amigas, deu de ombros e sorriu.

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Capítulo 4

Se Montse gostava e desfrutava de algo isso era praticar karatê, um esporte que Juana teve
que deixar por culpa de uma lesão. Era colocar o quimono e ajustar a faixa preta à cintura, e a
segurança e concentração se apoderavam dela. Por isso sempre que seu trabalho na EBC o
permitia, inscrevia-se nas competições. Por sorte para ela, a maioria das vezes saía vitoriosa.
Era uma boa lutadora de Karatê e ela sabia. Gozava do impulso necessário para ganhar
medalhas e honrar seu professor, companheiros e ginásio.
Aquela tarde, a mulher loira que havia sido destinada como sua adversária no tatame a
estudava com atenção. Com segurança, mediram-se até que se lançaram ao ataque. A mulher de
quimono azul estava nervosa. Muito nervosa. E ela, com tranquilidade conseguiu encaixar um
Yoko Geri Kekomi certeiro. Dois pontos. A loira tinha ouvido falar dela, e pôde comprovar sua
segurança e sangue-frio quando, sem esperar recebeu um Uchi Geri Fumikomi que a varreu e a
fez cair. Sem deixá-la reagir, imobilizou-a no chão. Ganhou aquele combate e os dois seguintes.
Ficou em segundo lugar no campeonato na categoria sênior feminino.
Mas a alegria se apagou de seu rosto após receber sua medalha, quando viu entre o público
Jeffrey. Que merda ele fazia ali? Como era de esperar, ia tão bonito e arrumado como sempre e
aplaudia com orgulho.
Depois de uma castigada ducha com suas companheiras, que brincaram com as incidências
ocorridas na competição, colocou uns jeans e uma camiseta rosa de manga curta do Gurú. Saiu
dos vestuários e procurou suas amigas entre o público. Mas antes que pudesse se mover, uma
mão a agarrou.
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—Neném esteve colossal!
«Meu Deus, me dê paciência ou juro que este hoje engolirá os dentes», pensou, tentando
manter seu autocontrole.
Jeffrey continuava importunando-a e sua paciência começava a acabar. Depois de lhe olhar,
desejou lhe dar um bom Mawashi Hiti Ate com o cotovelo seguido de um Mae Geri com a
ponta do pé. Mas contendo seus impulsos mais animais, limitou-se a lhe responder com toda a
educação que pôde.
—Obrigada Jeffrey. E agora, adeus Jeffrey.
Mas ele voltou a segurá-la, com cara de poucos amigos o fuzilou com os olhos.
—Vamos ver pedaço de merda, em que idioma tenho que te dizer que me deixe em paz?
Que está me enchendo e que ao final vou cometer uma loucura?
Ele se aproximou dela com um de seus encantadores sorrisos.
—Mmmmm neném, eu adoro quando tira seu caráter espanhol. —lhe cochichou ao ouvido.
O olhava incrédula enquanto as pessoas lhe empurravam ao passar junto a eles, cansada,
esgotada e terrivelmente zangada, soltou a bolsa de esporte para aproximar-se dele, que não se
moveu um centímetro.
—Vamos ver... Digo-lhe isso pela última vez. Deixa de me perseguir. Deixa de me
aborrecer... — vaiou-lhe na cara.
—Deixa de dizer tolices, céu. Quero que volte para casa. Preciso de você. —respondeu ele,
surpreendendo-a.
Incapaz de raciocinar, com um rápido movimento lhe pegou o cotovelo e o dobrou, lhe
fazendo agachar em uma atitude das mais humilhantes sem lhe importar como a olhava as
pessoas.
—Antes se congelará o inferno, eu voltarei contigo, seu merda! — assobiou-lhe ao ouvido.
E dito isto, deu-lhe um chute no traseiro que fez que Jeffrey caísse de bruços contra o chão.
Ele se levantou como uma mola, envergonhado. Nesse momento apareceram Julia e Juana que
olharam sua amiga alucinadas.
—Como pode me fazer isto? —grunhiu, zangado.
Com um sorriso de satisfação nos lábios, aproximou-se para lhe intimidar.
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—Isto só foi um toque, Jeffrey. Estou lhe dizendo que me deixe em paz, e estou dizendo
isso muito relaxada. Mas ouça, minha paciência está se acabando e a partir de agora, cada vez
que o sinta perto, asseguro que acabará no chão. Entendido? —respondeu-lhe muito segura de
sua superioridade em combate.
Jeffrey, limpando ainda com a mão, olhou-lhe com gesto de aborrecimento e, sem dizer
nada mais, deu a volta e partiu. Juana e Julia se aproximaram de sua amiga e, depois de recolher
a bolsa de esporte do chão, a levaram para beber algo fresco. Necessitava-o.
Meia hora depois, em um pub, enquanto conversavam sobre o ocorrido na competição de
karatê e posteriormente com Jeffrey, Juana se lembrou de algo.
—Trocando de assunto... Ganhei uma viagem! —gritou emocionada.
Aquilo fez Julia rir enquanto Montse ficava muito surpreendida.
—Não me diga... Aonde? —perguntou assombrada.
—Para a Escócia! — responderam a canaria e Julia, ao uníssono.
—Escócia? Ganhou uma viagem para a Escócia? —riu Montse, ao recordar a quantidade de
vezes que tinham planejado ir ali de férias.
—Ai, Montse, juro que ainda não acredito.
—Mas onde ganhou? —perguntou esta, ainda rindo.
—No poliesportivo. Com a entrada lhe davam um bilhete. E após os combates, aconteceu o
sorteio. Quando disseram o número duzentos e quarenta e seis e vi que era o meu, quase me dá
um enfarte!
—Corroboro-o. — riu Julia— Se não fosse porque gritei, ainda estaria esta boba olhando o
número com cara de perdida.
Juana olhou suas amigas e gemeu, com gesto grave.
—O que ocorre garotas, é que a viagem é só para duas pessoas e somos três.
Montse e Julia sorriram. Juana era generosa e boa.
—Não se preocupe querida. —disse Julia— Leva Montse contigo. Ela merece sair e
divertir-se.
—E você o que? —perguntou Montse — Você também precisa sair e se divertir. Estou
segura de que uns dias longe de seu Pepe virá bem aos dois.
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—Eu também estou segura. —protestou Julia — A verdade é que ultimamente, embora
seguimos nos amando muito, não fazemos mais que discutir.
—Vê como viria bem a você também? —confirmou Montse, consciente de que Pepe e sua
amiga eram iguais. Aquela pequena separação lhe viria de luxo.
—Sim, pesada. —contra-atacou Julia — Mas você necessita espaço e não se encontrar com
o idiota do Jeffrey por todos os lados. Não sei como faz para saber sempre onde está. É como se
tivesse um radar localizador quanto a sua pessoa se refere.
—Sim. Eu se fosse você começaria a pensar que lhe instalou um GPS. — burlou Juana.
Montse assentiu. A insistência e o encontrar-se continuamente com seu ex, a estava
voltando paranóica.
—Sim. A verdade é que deixar de lhe ver, lhe ouvir ou lhe ler durante uns dias não estaria
mau. Mas não. Nego-me Julia. Você também merece ir.
—Além disso, está também seu sonho. —lhe recordou Julia — Ir a Escócia significaria
visitar o lugar com que sonha desde menina não o esqueça!
Montse sorriu ao escutar aquilo. Era certo. Poderia visitar o castelo de Elcho e, por fim,
conhecê-lo.
—Vejamos garotas. —sussurrou Juana após beber de seu copo— Estou pensando que esta
viagem seria algo fantástico para as três. Seria uma maneira de estar sozinhas e juntas uns dias,
antes que Julia volte definitivamente para a Espanha com seu Pepe.
—Que boa ideia! Seria toda uma aventura. —aplaudiu Montse.
—Oh, Deus, seria colossal! —sussurrou Julia emocionada.
Retornar a Espanha era um fato. E embora lhe custasse decidir-se, já não havia volta atrás.
A empresa de Pepe retornava a Madrid e com ela, eles dois.
—O que lhe parece..., —propôs Juana— se formos à agência de viagens que me disseram
no sorteio e vejamos o que se pode fazer?
Uma hora depois, as três saíam da agência com um sorriso de orelha a orelha. Tinham
conseguido trocar datas e hotéis e, a viagem que em um princípio era para dois, tinham-no
convertido em um pack para três. Saíam para a Escócia ao cabo de três semanas.

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Capítulo 5

A viagem até Edimburgo resultou uma loucura. Tiveram que ir de trem, rodeadas de várias
famílias infestadas de meninos; os mucosos não deixaram de chorar e as pisotear. Embora os
dias seguintes, visitando as maravilhas que aquela preciosa cidade oferecia, conseguiram que se
esquecessem de tudo.
Porque como autênticas garotas, brincaram de correr e se inflaram a fazer fotografias do
impressionante castelo da cidade antes de ficar meio surdas escutando aniquiladas as salvas dos
canhões que com pontualidade britânica, troaram a cidade como vinham fazendo desde fazia
mais de dois séculos cada dia à uma da tarde. Foram a todas as ruas que podiam resultar
históricas, compraram lembranças e presentes, visitaram o parlamento e, quando já não podiam
com os pés, decidiram dar um descansinho enquanto cochichavam nos bancos da Catedral de
St. Giles.
Mas o que mais as surpreendeu foi que, quando iam visitar o museu medieval do pregador
John Knox — fundador da igreja presbiteriana da Escócia— encontraram-se com a gravação de
um filme.
Pelo visto a Metro Goldwyn Mayer, estava filmando um longa-metragem sobre a vida de
María II da Inglaterra e seu marido Guillermo III.
—O que aconteceu? —sussurrou Montse, incrédula, observando toda aquela parafernália.
—Ai Deus... Aquele ali, vestido de padre, não é Javier Bardem? —gritou Julia ao ver um
ator.
E ali, protegidas em uma lateral para que ninguém as aborrecesse, perderam o resto da tarde
enquanto contemplavam perplexas os figurantes do filme que, embelezados com farrapos e
roupas de época, passavam ante elas com gestos tristes, caras sujas e espadas impressionantes.

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Mas, antes de abandonar a capital e seguir seu paseio por terras escocesas, não puderam
resistir à tentação de visitar Cassmarket, um dos bairros mais antigos. Enquanto tomavam uma
típica caneca de cerveja em um dos numerosos pubs da zona, Juana comentou:
—Imaginam esta praça quando a utilizavam de matadouro municipal de vilãos e ladrões?
Aqui disse — disse assinalando seu guia— que na antiguidade estava cheia de patíbulos e o
povo vinha em massa para presenciar as execuções.
—Que desagradável é, filha! —respondeu Montse, pondo os olhos em branco enquanto
tentava apagar a imagem contemplando os muros do imponente castelo que se elevava sobre
suas cabeças — Embora, pensando bem... De algum desses eu penduraria meu Jeffrey! Que
droga é o fodido, nem aqui me deixa em paz!
Julia e a canaria soltaram uma gargalhada e, durante um bom tempo estiveram fazendo
brincadeiras à custa do pobre Jeffrey, dando rédea solta a sua imaginação com um sem-fim de
torturas medievais.
—Garotas, — interrompeu por fim Julia a brincadeira — vamos tirar de nós o mau sabor da
boca nessa fonte que nos comentou, Juana; essa tão antiga que é por aqui perto.
—A West Bow Well?
—Sim, essa. —responderam ao uníssono Montse e Julia.
E enquanto percorriam as estreitas ruelas, perdidas entre os muros de pedras escuras dos
edifícios históricos, depois de ter tirado outra enorme quantidade de fotografias junto ao bastão
da primeira rede de águas de Edimburgo, toparam com algo que chamou poderosamente sua
atenção. Especialmente Montse, que era uma fanática dos leilões.
—Olhem quantas lojas de antiguidades. Vamos vê-las. —gritou emocionada.
—Fiuuuuu... Olhem o que vai cair! —assobiou Julia, olhando para o céu, que de repente
começou a ficar escuro e ameaçador.
Internaram-se naquela rua e seus especiais locais o mais depressa que puderam. Ali se
vendiam quadros, tapeçarias, armaduras, lanças... Tudo; absolutamente tudo o que pudesse
considerar um objeto antigo.
Enquanto Juana e Julia provavam uns braceletes em um dos comércios, Montse sentiu-se
atraída como um ímã para uma pequena loja. Ao entrar, um aroma de antiguidade e musgo
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fresco alagou suas fossas nasais. Isso gostou. E após saudar com um sorriso à anciã que cuidava
do comércio, começou a admirar a mercadoria a venda. Viu brincos, abajures, anéis, colchas,
cabeceiras de cama e braceletes. Mas o que realmente a maravilhou foi um espelho ovalado de
cobre e prata. Tocou-o com delicadeza e, sem saber por que, sorriu.
—Busca algo especial senhorita? —perguntou a mulher caminhando para ela.
—Não. Só admiro as coisas tão bonitas que vende. Tem uma loja preciosa. —sussurrou,
olhando o espelho com curiosidade.
—Obrigada. —respondeu à anciã — Vejo que gosta das antiguidades.
—Adoro. —afirmou Montse— Sou da opinião de que todos estes objetos tão maravilhosos
têm um passado que perdurará no tempo enquanto sejam usados.
A mulher retornou ao mostrador, colocou as mãos em uma bolsa cor cereja e tirou algo
envolto em veludo azul. Logo retornou junto à moça.
—Abra-o. Estou segura de que gostará.
Surpreendida, tomou o que lhe entregava, retirou com cuidado o veludo e, ante ela,
apareceu um fino pendente. Era a metade de um coração esculpido em pedra branca, rodeado
por uma filigrana de metal.
—Que preciosidade! —exclamou maravilhada.
—Sim. É uma peça única que meu marido encontrou faz uns anos no mar. Por suas letras
gaélicas lavradas se vê que pertenceu a uma antiga família escocesa.
Montse suspirou ao escutá-la. Seguro que custava um dinheirão e ela não o podia permitir.
—Não me cabe a menor duvida. Vê-se que é algo diferente e especial, mas acredito que não
posso comprá-lo. Meus recursos não dão para este tipo de caprichos. —se queixou Montse,
fazendo sorrir a anciã de olhos claros.
—Prove. — insistiu a anciã — Prove e se olhe nesse espelho que tanto chamou sua atenção.
Possivelmente possamos chegar a um acordo.
—É você uma vendedora insistente — protestou Montse, rindo.
Com o pendente na mão, aproximou-se do polido objeto que devolvia sua imagem e o
provou. Nesse instante, um raio iluminou a loja e o som do trovão a assustou, fazendo que
saltasse para trás.
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—Uf... Que susto levei. Como retumbou tudo. — riu Montse, tocando o coração.
A anciã a olhou através do espelho com um carinhoso sorriso.
—Não se assuste senhorita. Uma antiga lenda escocesa diz que as tormentas como esta,
liberam as almas.
—As almas? —perguntou à jovem, e a anciã assentiu ao tempo que a tocava com
familiaridade o rosto para lhe retirar a franja do rosto.
—Minha bisavó contava que quando um raio azulado ilumina o céu e retumba o trovão ao
mesmo tempo, é porque algo do passado está para começar.
—Que coisas mais estranhas você diz. —sussurrou Montse olhando-a.
Nesse momento soou seu iPhone. Ao ver que era Jeffrey, suspirou e amaldiçoou em voz
baixa. Desligou o aparelho e tentou esquecer-se dele. Era um chato.
—Minha bisavó era uma estupenda contadora de lendas. —disse a mulher conseguindo que
a moça se olhasse no espelho — O pendente a favorece e fica muito bem. —murmurou a anciã
com um sorriso cúmplice — Segundo minha avó, quando a alguém dão de presente um
pendente, pode pedir um desejo ao vento.
Surpreendida, Montse sorriu e pensou divertida: «Se for certo, desejo que Jeffrey se
apaixone por outra pessoa e se esqueça de mim. Para sempre!»
—Se comprar o espelho, —continuou a mulher— te dou de presente o pendente para que o
desejo que você peça se cumpra.
Boquiaberta, olhou à mulher.
—Está de brincadeira...! Estas antiguidades custam muito dinheiro e eu...
A vendedora não a deixou terminar.
—Se o faço é porque sei que ambas as coisas pertenceram à mesma família e não quero que
se separem.
—Seriamente? —murmurou Montse voltando-se para admirar o espelho.
—O prometo.
—Sabe de que século são?

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—O pendente acredito que é do século XIV e o espelho do XVI ou do XVII, mas não posso
assegurar. Minha velha cabeça não dá para mais, embora lembre ter escutado minha bisavó
dizer que o espelho pertenceu ao Duque de Wemyss.
—Duque de Wemyss?
Nesse momento Juana e Julia entraram na loja. Ao ver Montse falando no fundo da mesma
com aquela mulher, entraram com rapidez interrompendo sua conversa.
—Minha mãe, minha menina, veja como chove! —disse a canaria aproximando-se de sua
amiga — Oh, que pendente mais bonito! Vai comprá-lo?
—Não sei. A senhora diz que se comprar o espelho, me dá de presente isso. Mas ainda não
me disse o preço do espelho e, pela antiguidade que tem, imagino que será escandaloso.
—A verdade é que ambos são preciosos. —assentiu Julia. E após cruzar um olhar com
Juana, dirigiu-se à anciã que as observava do mostrador — Senhora, quanto custa o espelho?
A mulher assentiu com um doce sorriso.
—Faço-lhe um preço especial. Deixo as duas coisas por quinhentas libras esterlinas. Em
euros, seiscentos; incluído o transporte até onde vocês me indiquem.
—Vendido! —riu a canaria surpreendendo Montse — Será um presente meu e de Julia para
sua nova casa e sua nova vida o que acha?
Montse não sabia o que dizer.
—Estão certas? É muito dinheiro e... —sussurrou olhando suas amigas, emocionada.
— Fecha o bico. — a silenciou Julia — Sempre gostou dos objetos antigos e queríamos
comprar algo especial. Agora acredito que o encontramos.
A anciã confirmou aquilo com um movimento de cabeça e um encantador sorriso nos
lábios. Montse, finalmente, aceitou o presente de suas amigas.
—Pois já escutou senhora, levo isso!

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Capítulo 6

Quando a tormenta amainou, e uma vez que a anciã pegou a direção onde devia entregar o
que tinham comprado, continuaram a visita à cidade.
Cada canto, edifício, torre ou ruela as deixava estupefatas. E depois de ter andado em todas
as direções da Royal Mele, Julia surpreendeu suas amigas com outra de suas veementes
exclamações.
— Anda, olhem... Inclusive daqui se vê o casarão, esse que parece tão bonito da janela de
nosso hotel. —disse, assinalando a escura torre.
—Casarão? — mofou-se Montse tocando o pendente. Desde que o tinha posto não tinha
podido deixar de acariciá-lo — Esse monumento terá um nome, digo eu...
Juana, que tinha se erigido guia local e ia provida de toda a informação possível, olhou o
folheto antes de responder.
—Chama-se The Hub. É um dos ícones de Edimburgo. Aqui diz que é a sede administrativa
do Festival Internacional da cidade.
—Minha mãe, os anos que deve ter isso. —se assombrou Julia.
—Não, não é tão velho. —respondeu Juana — Segundo o folheto, nem sequer é um edifício
medieval. Pelo visto se construiu faz menos de cento e cinquenta anos.
— Menos de cento e cinquenta anos? — assentiu Montse — Quem diria. Parece tão antigo
que... —Nesse momento soou seu iPhone, interrompendo-a, e ao ver quem chamava, soltou
uma enxurrada de blasfêmias e queixa — Merda da mãe que o pariu! Mas como pode ser tão
idiota? Não vai me deixar em paz?
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Não precisou perguntar quem era. Todas sabiam que era o pesado do Jeffrey que, inclusive
à distância, continuava aborrecendo-a. Julia lhe arrebatou o celular, desligou-o e o guardou no
bolso.
—Adeus, dom melindroso.
Depois de umas risadas, sentaram-se em um dos botequins do lugar onde pediram umas
canecas para refrescar a garganta.
—Que bonito é Edimburgo. Sabia que eu ia gostar, mas está superando minhas
expectativas. —suspirou Juana.
—Sim, é mágico e especial. —assentiu Montse, voltando a acariciar o pendente que suas
amigas lhe tinham presenteado.
—E o que me dizem de seus homens? —perguntou divertida Julia.
—Puf, pois normalzinhos. Ainda não vi nenhum highlander desses que tiram o sono, como
os das novelas que leio. —se queixou Montse.
—Mulher... Esses homens já não existem. —a consolou Julia, grande consumidora de
novela romântica medieval — Os de hoje em dia não são tão guerreiros nem impetuosos como
os de antes. Embora os do pub de ontem à noite tinham muito boa pinta.
A conversa, enfeitada com uma boa porção de risadas e brincadeiras, degenerou
rapidamente nos homens.
—A que hora saímos amanhã para Perth? —interrompeu Montse as divagações.
—O melhor é que o façamos cedo. O que acha das quatro da madrugada? —perguntou
Julia.
—Filha, de verdade, você gosta de madrugar mais que o entregador do pão Bimbo. —se
mofou Montse.
Julia ao escutá-la fez uma careta e consentiu.
—Está bem... As cinco, mas não mais tarde.
—Está programada a visita ao castelo de Elcho, verdade?
—É obvio. Você já se encarregou de repeti-lo mais de mil vezes.

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Montse sorriu. Queria ver de perto aquele castelo. Precisava comprovar por si mesma o
lugar que aparecia em seus sonhos. Possivelmente, se fosse, entenderia por que sonhava com
ele.
—Bom, senhora guia. —instigou Juana a Julia, com sarcasmo — Qual é o itinerário, uma
vez que saiamos de Edimburgo?
—Daqui direto ao castelo de Elcho e dali a Perth. Em Perth estaremos uns dias para visitar a
cidade e os castelos de Huntingtower e o Palácio Scone. Depois voltamos para Edimburgo para
assistir, à noite antes de ir, a um jantar espetáculo medieval. E, depois disso, fim da viagem
rumo à casinha lhe parece bem?
Juana e Montse assentiram ao uníssono. A viagem tinha muito boa aparência.

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Capítulo 7

O coração de Montse pulsava a mil por hora quando chegaram ao castelo de Elcho. Estar
naquele lugar e poder tocar com mimo suas pedras, fez que seu coração encolhesse de emoção.
Ante ela estava a grande fortaleza do século XVI com que sonhava desde menina. Mal podia
falar. Só era capaz de admirar o entorno.
Suas amigas sorriram ao vê-la naquele estado. Montse tinha falado muitas vezes daquele
estranho sonho recorrente e entenderam sua emoção.
—Bom... O que se parece vê-lo ao vivo e em cores? — perguntou Julia
—Alucinante.
—É como esperava? —disse Juana.
—É ainda melhor. —balbuciou Montse, saindo do carro.
Ali estava o castelo, o bosque de flores multicoloridas e a paisagem. As árvores entre os
que, em seu sonho, aparecia aquele homem no lombo de seu corcel negro.
Demoraram um bom tempo em encontrar os guardas da residência para poder pagar a visita.
Eram dois anciões que, depois de lhes oferecer água fresca, incompreensivelmente não lhes
deixaram abonar a entrada. Como desculpa esgrimiram que, ao serem a única visita desse dia,
estavam convidadas a ver com tranquilidade a fortaleza, os jardins e seus arredores. Aquela
atitude tão estranha lhes resultou estranha, mas aceitaram encantam.
Percorreram todas as dependências sem pressa, embora fosse impossível acessar as estadias
do andar superior, já que o teto tinha caído e estava pendente de sua reconstrução. No andar de
baixo visitaram a cozinha, sorrindo ao ver a grande e espaçosa que era; farejaram nas estadias
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de serviço e brincaram quando Juana, com uma de suas palhaçadas, atirou-se em cima de uma
das camas. Uma das estadias que mais chamou sua atenção foi a salinha, pelo ensolarada que
era; umas grandes e retangulares janelas facilitavam a entrada de luz, que banhava o interior de
uma cor suave e especial.
Guia em mão, passaram finalmente a outra sala que em seguida identificaram como o salão
principal. Ali havia móveis de épocas passadas, uma grande lareira e, sobre ela, vários retratos.
Mas o que deixou Montse estupefata foi o que estava justo em cima da enorme lareira. Nele se
via um homem de cabelo comprido e escuro, com desafiantes olhos castanhos cujo olhar
parecia transpassá-la, junto a um impressionante cavalo negro. Aquilo lhe acelerou o coração e
lhe arrepiou o pêlo do corpo. Não, não podia ser... Ou sim?
Mas após tragar com dificuldade o nó de emoções que parou em sua garganta, soube. Era
ele. Aquele era o homem de seus sonhos. Que cavalgava para ela no corcel escuro e a olhava
com paixão.
—O que acontece, minha menina? —perguntou Juana ao vê-la respirar com dificuldade.
Era a primeira vez que Montse ficava sem palavras. Não podia afastar os olhos daquele
retrato enquanto ao seu redor um estranho silêncio a fazia escutar lenta e pausadamente o pulsar
de seu próprio coração.
—É ele. —conseguiu balbuciar — É o homem que aparece em meus sonhos.
Suas amigas a entenderam imediatamente.
—Montse, bela, se é que até em sonhos lhe busca um canhão! — respondeu Julia em tom
de brincadeira.
—Eu que o diga, minha menina. —assentiu a canaria olhando o retrato.
—O teu não tem nome. —continuou Julia— De verdade está me dizendo que este pedaço
de homem, mais excitante que George Clooney, é o que irrompe em seus sonhos desde menina?
—Montse, ainda em estado de choque, assentiu fazendo que Julia surpreendida, murmurasse
para si mesma — Se voltar a nascer, definitivamente quero ser você.
Montse não respondeu, mas deu um passo para frente para admirar o quadro mais de perto.
Por fim podia lhe ver com claridade. Sentiu um júbilo que a embargou, até que se fixou em que,
do pescoço dele, pendia um pendente muito parecido ao que ela mesma usava.
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—Ai, Deus! — gritou, assustando suas amigas.
—Mas o que ocorre agora?
—Olhem seu pescoço.
—Está bem, não se depila. —disse Juana, brincando — se veem as ninharias pela abertura
da camisa, mas Montse de minha alma, nessa época não havia metrosexuais. Os homens
Levavam cabelo no peito.
Julia ao escutá-la, sorriu.
—É um machão dos de antes. Vamos, um homem... Homem, dos que eu gosto.
O bate-papo de suas amigas a fez sorrir.
—Não me refiro a isso. Olhem o pendente que leva no pescoço. Não é muito parecido ao
que vocês me deram de presente?
As três moças, a poucos centímetros do retrato, examinaram com curiosidade o tecido.
—Sim, linda. Se não for o mesmo, é muito parecido. —afirmou a canaria.
Cada vez mais confusa, afastou-se uns passos do quadro para estudá-lo à distância. Mas
seguia sem entender nada. Ainda não sabia por que sonhava com aquele homem tão varonil e
enigmático. Durante um momento fez ouvidos surdos aos frívolos comentários de suas amigas.
—Seu olhar é impactante. —murmurou finalmente — eu adoro!
—A quem não encantaria este homem? —respondeu a canária — Mas por Deus, minha
menina, você viu como está o highlander? Está quadrado o fodido, apesar dessa cara de leite
azedo que faz.
As três mulheres, paradas frente a aquele retrato, continuaram falando durante um bom
tempo até que Julia a pegou pela cintura.
—Montse, é a primeira vez que estou de acordo com seu gosto quanto aos homens. —
conveio — Este é atraente e interessante. Um autêntico highlander como os que saem nas
novelas que lemos. Ai Deus! Tem toda a aparência de ser um macho dos de verdade; dos que eu
gosto. Mas, querida, sinto lhe dizer que o guerreiro de olhos impressionantes e cara de bruto,
escocês guerreiro e bonitão, acredito que morreu faz uns quantos séculos. Parece-me que não
tem nada que fazer.

36
Aquele comentário a fez reagir e sorrir. Que loucuras estava pensando? Mas nesse
momento, Juana interrompeu seus pensamentos.
—Conforme diz neste cartão, os olhos grandes se chamava Declan Carmichael, duque de
Wemyss.
A Montse o sangue paralisou nas veias ao escutar aquele título nobiliário.
—Duque de Wemyss?! —perguntou em um fio de voz, sentindo que o coração ia saltar de
seu peito ao recordar à anciã da loja de antiguidades.
—Isso está escrito aqui.
Com o susto refletido no olhar, contou a suas amigas o que a vendedora tinha dito a respeito
do espelho, do pendente e do duque de Wemyss. Isso voltou a deixá-las boquiabertas e de seus
lábios saíram mil especulações. Depois de divagar frente ao retrato, Julia se fixou em uma
espécie de urna situada em uma lateral do salão. Dentro havia um papel amarelado com uma
enigmática lenda.
—A mãe do cordeiro! Olhem o que diz neste pergaminho. —Com rapidez, as garotas foram
até ali enquanto ela lia —: «Quando me olhar aos olhos e escute o batimento de seu coração,
saberá que sou eu» Assinado, Declan Carmichael, duque de Wemyss.
As três se olharam confundidas. Justo nesse momento, um trovão rasgou o silêncio.
—Vamos daqui. Rápido! Já! —sussurrou Montse sobressaltada.
Sem olhar para trás, as moças saíram do castelo. Os guardiões se despediram delas e elas
desapareceram no carro que tinham alugado.
Montse olhou para o céu que tinha escurecido, e que começavam a cair umas gotas
enormes. Inconscientemente dirigiu a vista para a direita. Ali estava o bosque de seus sonhos,
junto ao lago Tay. Durante uma fração de segundo desejou ver aparecer o cavalheiro em seu
corcel negro. Mas não. Isso não podia ser, verdade?

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Capítulo 8

Os dias que estiveram em Perth foram maravilhosos e desfrutaram da bonita e mágica


cidade, mas Montse não relaxou. Só podia pensar no ocorrido e no estranho de toda aquela
situação. Não havia tornado a sonhar com o homem, mas inexplicavelmente não podia deixar
de pensar nele. Visitaram o castelo de Huntingtower e o Palácio de Scone, mas não voltaram ao
Castelo de Elcho. Montse se negou. Incompreensivelmente, aquele lugar agora a assustava e
não entendia o porquê.
Dias depois retornaram a Edimburgo. Uma vez no cômodo e confortável hotel Novo Estilo,
Juana perguntou da ducha:
—A que hora é o jantar medieval?
—O ônibus nos pega na recepção às cinco e meia. O jantar começa as sete e se celebra em
um recinto junto ao porto de Leith.
—Tudo isso caso não nos leve o vento e não chova. Acredito que vai cair uma boa. —disse
Montse olhando pela janela enquanto tocava o pendente. — Viram o vento que faz hoje?
Nesse momento Juana saiu do banho.
—Se lembrem que Edimburgo é conhecida como a Cidade dos Ventos. — disse, toda
professora de escola — Venha pôr suas roupas medievais e vamos passar bem. Com um pouco
de sorte hoje subimos a saia de algum com a gaita de fole e veremos se levam tanguinha ou
não.

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Vestiram-se com a indumentária que tinham comprado para a ocasião e baixaram à
recepção arrastando suas saias longas. Dali um ônibus as levou, junto a centenas de transeuntes,
até o porto de Leith. Queriam divertir-se.
O jantar foi curioso. Todo mundo ia vestido para a ocasião e pareciam que estavam em
plena época medieval. Degustaram produtos típicos da zona, enquanto uns homens vestidos
com armaduras brincavam de combates medievais e, depois do espetáculo, ainda sobrava tempo
para passear pelo pequeno mercado medieval. Um lugar onde, além de poder comprar
bagatelas, podia-se encontrar queijo, uísque ou sabões artesanais de diferentes aromas.
O iPhone que Montse levava no bolso da saia soou e, como era de esperar, era Jeffrey.
Suspirou e atendeu.
—Olá, neném. Como vai sua viagem?
—Maravilhosa. —respondeu secamente — O que quer?
Sentiu a dúvida de seu ex-noivo ao outro lado do celular e se alertou. Conhecia-o muito
bem. Essa atitude não era normal.
—Jeffrey, o que quer? —Voltou a perguntar.
—Estou jantando com Martha e Constantino e me lembrei de você. Volta amanhã? Quer
que vá buscá-la na estação de trem?
«Não, por Deus. Já voltamos para as andanças...», pensou com desespero.
—Olhe Jeffrey, não sei quando vou voltar e... —mentiu, mas ele a interrompeu.
—Neném, quando retornar temos que falar. Há algo que quero te dizer pessoalmente. Por
favor, por favor, quando estiver em Londres, me chame.
O tom daquele rogo a inquietou.
—O que ocorre Jeffrey? —não pôde evitar indagar.
—Quando voltar falamos.
—Não. —exigiu ela — Me diga o que acontece, agora. Pelo timbre de sua voz sei que é
importante.
Montse escutou seu ex soprar.
—Montse. — explicou ele — Estou saindo com alguém que estou gostando muito. Só
queria lhe dizer que o nosso acabou definitivamente e...
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—Mas isso é perfeito! —interrompeu-lhe com alegria ao lhe escutar.
Entretanto, o coração saltou no peito ao recordar que dias atrás, quando comprava o
pendente, a anciã lhe disse que podia pedir um desejo; exatamente esse tinha sido seu pedido.
—Neném, eu a quis muito, mas Hanna apareceu em minha vida e...
—Não tem que me dar explicações. —repetiu ao sentir sua voz carregada, feliz pelo que ele
tinha confessado — Acredito que faz muito bem saindo com outras mulheres e se apaixonando
por elas. O nosso relacionamento acabou e você sabe de verdade Jeffrey?
—Sim, sei. Mas queria ser sincero contigo e lhe contar isso em pessoa.
Depois de manter com ele uma interessante conversa, Montse desligou o iPhone com um
sorriso de orelha a orelha.
—O que ocorre? —perguntou Juana.
—Garotas, Jeffrey se apaixonou! Ligou-me para dizer que conheceu a uma tal Hanna e que,
esqueceu de mim!
Suas amigas ao escutar aquilo, olharam-na surpreendidas e aplaudiram divertidas.
—Então pronto. Um capítulo mais de sua vida, fechado. —murmurou Julia.
—Ai minha menina, como me alegro. —sussurrou a canaria com doçura a sua amiga, que
estava feliz por aquela notícia.
Montse olhou para o céu. Não se vislumbrava nenhuma estrela e, pelo rápido que corriam
as nuvens ante a resplandecente lua cheia, supôs que ia chover.
—Acredito que deveríamos voltar para o hotel, ou nos empaparemos até os ossos.
Mas Julia já tinha visto algo que a encantava e gritou emocionada.
—Anda... Ali há uma cigana que lê o tarô. Vamos.
Sem esperar resposta, correu para a pequena tenda amarela. Suas amigas a seguiram e, antes
de entrar nela, começou a chover. A cigana as fez sentar enquanto olhava Montse com
curiosidade. Primeiro leu a mão de Julia e depois a de Juana. Quando tocou a vez de Montse,
esta negou com a cabeça.
—Não, obrigada senhora. Eu não quero saber nada disto.
A mulher sorriu. Era ela! Tomou sua mão apesar de seus protestos.
—Ainda segue sem acreditar nestas coisas, princesa?
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Montse, ao escutar aquilo, olhou à cigana no rosto pela primeira vez. Embora seu rosto
estivesse envelhecido e estragado e o cabelo se tornou grisalho, aqueles penetrantes olhos
violetas lhe fizeram recordar seu nome.
—Erika, A Escocesa! —gritou.
—Sim, céu... Sou eu.
Comovida pelo gesto de felicidade que viu na jovem, a cigana se levantou e a aproximou de
seu peito. Ambas se fundiram em um abraço cheio de calidez e amor. Um amor que, durante
anos, a cigana tinha devotado desinteressadamente, as costas do pai da pequena, cada vez que
era seu aniversário, chegavam os Natais ou lhe caía um dente.
—Conhecem-se? —perguntou Julia, surpreendida.
As duas assentiram e Montse murmurou emocionada.
—Erika foi meu anjo da guarda durante minha infância, foi ela quem me ensinou que
cantando, às vezes se esquecem as tristezas e os problemas.
A cigana se emocionou ao escutá-la, mas tirou importância a suas palavras e riu, enquanto
não perdia detalhe e se fixava em seu pendente.
—Não faça caso da minha princesa. Ela é uma mulher valente e especial. Eu somente estive
ao seu lado para beijocá-la.
Feliz por aquele reencontro, Montse olhou à mulher e respondeu ainda incrédula.
—Mas... O que faz por estas terras?
—Já vê... Retornei a meu lar, a Escócia. E você? O que faz aqui? Quão último soube de
você foi que vivia em Londres. —repôs sentando-se em uma cadeira.
—E vivo ali. Trabalho em uma loja de roupas de novos estilistas, EBC. Estou aqui de férias
com minhas amigas.
A cigana parecia encantada com o que lhe contava.
—Vejo que se converteu em uma mulher tão preciosa como as que saem nas revistas. —
Montse sorriu ao entendê-la— Você também gosta de seu trabalho?
—Sim, mas ainda não consegui viver em um castelo. — burlou de si mesma, ao reconhecer
que as perguntas de Erika obedeciam aos desejos que pediu em seu dia.

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—Bom, céu, duas de três não é uma má percentagem de acertos, verdade? E, quem sabe, o
terceiro ainda se pode cumprir.
Divertida por aquilo, Montse abraçou à cigana.
—Venha comigo. Vamos a minha tenda. —as convidou.
Durante mais de uma hora, permaneceram dentro conversando e recordando os bons
tempos. Montse e Erika estavam pondo em dia sobre suas respectivas vidas, quando o som do
vento chamou a atenção de todas.
—Ufff, que vento está levantado! —disse Juana, ao ver como se movia a tenda.
—Não se preocupe. —riu a cigana— É o normal por estas terras.
A luz fez ameaça de ir, mas retornou. Só faltou que ficassem às escuras.
—Ai, Deus! Erika. —gritou Montse de repente — Não me diga que a bola que tem ali é a
mesma de quando eu era menina.
A cigana assentiu. Montse se levantou e se aproximou. Ali estava àquela bola de cristal
transparente que durante anos, tinha venerado com autentico amor. Sem poder evitar posou suas
mãos sobre ela e sorriu. Enquanto Juana e Julia tagarelavam sentadas em uma pequena
poltrona, a cigana se aproximou por trás e perguntou:
—Quer pedir três desejos? A outra vez você gostou de fazê-lo.
Montse sorriu e a mulher pegou a bola e a levou até a mesinha para que todas a vissem. As
quatro se sentaram ao seu redor e a cigana voltou a insistir.
—Quer pedir três desejos, céu? Pensa que se cumpriram dois dos três que pediu em seu dia
e, minha menina, sigo pensado que sua felicidade te espera no passado. Por favor, não lhe
negue isso.
—Isso quer dizer que tenho que dar outra oportunidade ao Jeffrey? —brincou Montse ao
escutá-la.
—Nem louca, minha menina! —respondeu Juana.
Montse pôs suas mãos sobre a bola e aceitou o desafio com vontade de diversão.
—Já sabe Erika, que não acredito nestas coisas. —se defendeu, apesar de tudo.
—Sei princesa. Mas está na Escócia, terra de lendas, e aqui o impossível pode fazer-se
realidade. —sussurrou a mulher, ao tempo que fixava a vista no pendente.
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—Venha mulher, não seja chata. —recriminou Julia — Pede uma boa aventura para nós
três. Algo impensável.
—Com homens impressionantes, muita luxúria e desenfreio. —acrescentou Juana.
—Aventura impensável, com homens, luxúria e desenfreio? —repetiu Montse, sarcástica, e
elas assentiram. —Posso pedir um desejo coletivo? —perguntou a jovem, deixando-se levar
pelas tolices que diziam suas amigas.
—Sim. —sorriu aquela— Nunca se sabe o que se pode cumprir.
Um trovão fez retumbar o chão e Montse surpreendeu a si mesma fechando os olhos e
dizendo.
—Desejo conhecer o homem que aparece em meus sonhos.
—Mmmmm. Que romântico! Pode pedir outro homem para mim? —sorriu Juana divertida.
—Tudo bem! Incluo um homem para Juana no lote. —riu ao dizer aquilo.
—Seu segundo desejo? —perguntou a cigana de olhos brilhantes, enquanto a chuva
golpeava o exterior da tenda.
—Que essa aventura dure três meses e esteja acompanhada por minhas duas amigas.
—Oh, sim, que maravilha! —se animou Julia com a proposta.
—E seu terceiro desejo? —voltou a perguntar à cigana.
Mas quando Montse ia responder, escutou-se um ruído infernal e a luz se apagou.
Assustadas, saíram da tenda. Um raio tinha caído perto e tinha partido um enorme carvalho em
dois, além de ocasionar um blecaute geral em Edimburgo. Ao ver a situação, Montse olhou à
cigana.
—Acredito que é melhor irmos, Erika estará por aqui amanhã? —disse agoniada pela
situação.
—Não se preocupe, céu, me encontrará.
—Perfeito! Amanhã, antes de sair para o aeroporto, passarei para lhe dar um beijo.
Montse abraçou à mulher e, junto a suas amigas, encaminharam-se para onde as esperava o
ônibus que as devolveria ao hotel. Mortas de risada, e inundadas na escuridão, recolheram as
complicadas saias longas e correram pela borda do embarcadouro. De repente, Montse tropeçou

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contra alguém e, para não perder o pé, agarrou-se a suas amigas. As três caíram às escuras
águas do porto de Leith, devido ao impulso.

Capítulo 9

—A mãe que lhe pariu, Montse! Olhe como é desajeitada. —chiou Julia após conseguir sair
da água por uma pequena escada de madeira rústica — Mas onde estava olhando?
—...Assumo o de ser desajeitada. Sinto! —desculpou-se, tirando o cabelo emaranhado do
rosto enquanto as pessoas a seu redor continuavam correndo para resguardar-se da chuva —
Devo ter me chocado contra alguém e... Não sei... Não sei o que aconteceu.
—Ai, Deus... Estou congelada. Tenho os mamilos como dois botões. —murmurou Juana,
com todo o cabelo pego no rosto.
De repente, as três se olharam e começaram a rir. A situação era do mais rocambolesca.
Estavam no porto de Edimburgo, encharcadas até os ossos, com a maquiagem borrada pelo
rosto e um aspecto patético. Uma vez que se tranquilizaram, olharam para onde minutos antes
estava o ônibus que as levaria direto ao hotel.
—Perfeito, perdemos o ônibus! Agora teremos que tomar um táxi e, assim que escute nosso
acento, vão nos cravar a faca. Já o verão. —se lamentou Julia.
—Minha mãe, que escuridão. —sussurrou Montse olhando a seu redor — Não há nenhuma
só luz em toda a cidade. Grande blecaute!
—Uf, não se vê nem um puto carro. —se queixou a canária — Mas se não me recordo mal,
podemos subir por ali até quase o castelo.
—Mas está chovendo! —queixou-se Julia.
—E daí! —replicou Montse— Se já estamos empapadas...
Ante elas passou uma velha carreta; devia ser dos feirantes. Montse a parou e perguntou aos
ocupantes:
—Vão vocês para o castelo?
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O casal, estranhando seu acento, observou às três moças e assentiu. Montse voltou ao
ataque.
—Poderiam nos levar até ali? O agradeceríamos muito, muito, muitíssimo.
Cinco minutos depois, as três moças iam sentadas na traseira da carreta, empapadas e
mortas de frio. Ao momento, o rudimentar veículo se deteve e a mulher do feirante desceu da
boleia e se aproximou delas.
—Têm que apear aqui. Nós seguimos viagem para Glasgow. Mas se subirem por essa
ladeira, em seguida chegarão à lateral da fortaleza.
Congeladas, desceram e agradeceram antes de começarem a andar para onde a mulher tinha
indicado. Uma vez que alcançaram a muralha lateral do castelo, rodearam-na e chegaram a uma
escura e pestilenta rua pavimentada.
—Que fedor! —queixou-se Julia.
—Cheira pior que o fôlego de uma hiena. —corroborou Montse.
As outras duas tamparam o nariz com os dedos e assentiram. Onde estavam que haveria
semelhante peste podre? Cinco minutos depois, uma vez que deixaram para trás o mau aroma,
começaram a subir uma costa.
—Vamos pelo caminho certo! —gritou encantada Juana — Recordam esse beco e esse
arco? —suas amigas negaram com a cabeça e ela prosseguiu— Se mal não recordo, o outro dia
paramos ali para contemplar O Hub. Ou como disse Julia, «o casarão» esse que só tem cento e
cinquenta anos. Recordam-no?
—Ah, sim. —assentiu Montse, enquanto os dentes batiam.
—Venha, ânimo, minhas meninas. Atrás do Hub está nosso hotel.
—Ai, Deus. —sussurrou Julia — Estou desejando chegar para tirar esta roupa e me dar uma
ducha quentinha.
Uma vez que chegaram ao beco, as três pararam em seco. Foi Julia a primeira que falou.
—Não vejo nada, o blecaute afetou a todo Edimburgo.
Montse e Juana que tiravam a água que corria por seus rostos, era estranho, mas ante elas só
havia escuridão. Não se via a cúpula do Hub.

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—Que estranho. —sussurrou a canaria, tentando ver mais à frente do dilúvio— Eu juraria
que o Hub estava ali...
—Pois uma das duas, ou encolheu pela chuva ou não está. —se queixou Julia.
—Possivelmente se equivocou de beco. —suspirou Montse tirando seu iPhone violeta do
bolso — Venha, continuemos andando.
Enquanto caminhavam na escuridão, tentou ligar o aparelho. Foi inútil. O celular estava
empapado pelo mergulho no porto.
—Foda! Mas onde se metem os putos táxis quando o necessita? —grunhiu Juana
procurando a seu redor.
A rua estava vazia e escura como a boca de um lobo, à exceção de um par de homens e
algumas mulheres com uma aparência desastrosa.
—Meu iPhone não liga entrou em coma! Tentem vocês; e vejam se seus celulares têm
cobertura para podermos chamar um táxi.
Juana tirou o seu do bolso e, depois de tentar ligá-lo, iniciou uma fileira de blasfêmias.
—Merda! Meu Blackberry está empapado e não funciona. Com o dinheirão que me custou.
—Meu celular tampouco liga. —suspirou Julia — Mas não estranho, com o banho que nos
demos, é para isso e mais.
De repente, Juana reconheceu algo e gritou.
—Olhem, isso é Grassmarket! Ali está a West Bow.
Felizes ao encontrar um ponto de referência, as três correram para a fonte. Estavam seguras
de que havia um táxi livre na zona, estaria ali; mas se surpreenderam ao encontrar o lugar
sombrio e solitário.
—Uf, verdadeiramente Edimburgo é tenebroso de noite. —suspirou Julia olhando a seu
redor — Me estão arrepiando os cabelos.
—Eu que o diga. —assentiu Montse.
De repente se escutaram gritos e, sem mais, correram para onde parecia haver distúrbios.
Rua acima, quatro homens assaltavam uma mulher e uma menina. Tinham-nas encurraladas
contra uma parede e, por seus gestos, Montse pôde ver que estas tinham medo. Um homem
desceu de um carro de cavalos e tentou ir em seu auxílio, mas os agressores o golpearam e
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derrubaram imediatamente. Um dos ladrões subiu no carro e, açulando os cavalos, desapareceu
com ele. Chateada por aquilo e sem pensar duas vezes, Montse se plantou ante eles, o
surpreendendo.
—Ei, vocês, o que fazem?
Os homens a olharam. O que parecia o chefe da quadrilha se adiantou para Montse.
—Por Deus que aparência de porco tem! —murmurou, ao ver seu aspecto sujo e
desalinhado.
Ninguém riu à exceção dela e Juana. Os homens, afastando-se de suas primeiras vítimas,
encararam Montse e as outras duas jovens.
—Três empregadas e, pelo que vejo, com vontade de passar bem. —disse outro se
aproximando do chefe.
Surpreendidas por suas más aparências, Juana sussurrou as suas amigas.
—Mas de onde saíram estes homens?
—A julgar por sua peste, do esgoto mais próximo. —respondeu Montse atenta a seus
movimentos. Estava claro que as atacariam.
Um deles se moveu pela lateral direita de Montse e ela sem lhe dar tempo, o pegou com um
chute no estômago que lhe deixou desacordado. Impressionados, o resto do bando entrou em
ação. O segundo atacou com um pau que Montse evitou, com uma mestria incrível, agachando-
se e tirando-o das mãos, para lhe golpear com ele nas pernas. O agressor caiu de bruços contra
o chão. Nesse momento, Julia, depois de interpretar um olhar de Montse correu para ficar junto
à anciã para protegê-la e assisti-la.
—Tranquila senhora. —sussurrou Julia, sentando à mulher em um degrau — É lutadora de
Karatê, e das boas.
A mulher a olhou com gesto estranho e comprovou que a pequena estava bem. Ia perguntar
algo quando o grito do terceiro homem atraiu sua atenção. A moça que os enfrentava lhe tinha
pego pelo pescoço e, como se fosse uma pluma, jogou-lhe no chão e lhe deu um murro seco no
peito. Depois tirou o quarto atacante de cima o varrendo de um chute. Não teve que fazer mais.
Juana tinha pego o pau que Montse tinha soltado momentos antes e lhe deu um golpe nas
costas. O homem ficou escancarado no chão junto a seus amigos.
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Uma vez que passou o perigo, Montse olhou a sua amiga, rindo.
—Há a paulada que atiçou às grenhas.
—Assim que possa lave as mãos, minha menina. —sussurrou Juana, soltando o pau —
Esses tipos têm mais merda que o pau de um galinheiro.
Depois de cruzar um cômico olhar entre elas, encaminharam-se para onde estava Julia. A
mulher e a menina as olhavam alucinadas.
—Estão todas bem? —perguntou Montse aproximando-se delas, enquanto Julia auxiliava o
chofer ferido gravemente, que parecia recuperar a consciência.
As desconhecidas a olharam, incrédulas pelo que aquela jovem tinha feito. Mas foi a
senhora mais velha, uma mulher de cabelo grisalho, a que falou com voz preocupada.
—Moça, está bem?
—Sim, senhora, não se preocupe. As aulas de karatê servem para algo.
Uma menina de uns seis ou sete anos, ruiva e com uns preciosos olhos azuis, saiu dentre
suas saias.
—É tão forte como meu pai. —disse, com um sorriso encantador.
Aquele comentário fez Montse sorrir e lhe piscou um olho. A menina respondeu com
simpatia.
—Obrigada céu. E porque levava esta roupa tão incômoda, — disse destacando a
vestimenta — porque se me pegam com meu jeans e o Nike, escovava os quatro rapidamente.
Julia ajudou o homem a levantar-se e olhou a ferida.
—Acredito que vai necessitar um par de pontos na testa. O melhor seria que olhasse a ferida
o quanto antes, certo? —recomendou-lhe.
O homem assentiu.
—Thomas, está bem? —perguntou a mulher de cabelo grisalho.
—Sim, milady, mas... Mas... Levaram o... —sussurrou ele, tocando o enorme galo que
crescia por momentos.
Ao escutar «milady», Montse e Juana se olharam e sorriram. A mulher, preocupada se
aproximou do homem com gesto angustiado.

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—Thomas, não se preocupe por nada. O importante é que se encontra bem e esses canalhas
partiram.
—Mas a bagagem... Senhora eu... —balbuciou.
A anciã lhe cortou de novo.
—Isso não importa Thomas. Só me preocupa saber que todos estamos bem. Entra em casa e
que Margaret lhe olhe essa feia ferida. Depois ordena que preparem o outro carro. Quero sair o
quanto antes de Edimburgo.
—Vêm vocês também do jantar medieval? —perguntou Julia.
Sua indumentária era parecida com a delas, embora parecesse melhor confeccionada e,
sobre tudo, de melhor qualidade. Mas o que realmente chamou sua atenção é que estavam
secas.
—Partíamos de viagem quando esses homens nos abordaram. —respondeu a mulher.
—Roubaram-lhe a bagagem? —perguntou Julia.
Eles assentiram.
—Que descarados! —sussurrou Juana.
Começou a garoar.
—Querem entrar e secar-se um pouco? —perguntou a anciã um pouco nervosa.
As garotas olharam entre si, mas após comunicar-se em silêncio, Montse rechaçou a oferta
enquanto começavam a caminhar rua acima.
—Agradecemos senhora, mas não queremos ocasionar mais estorvo, e principalmente
quando está a ponto de sair de viagem. Além disso, se lhe for sincera, não vejo o momento de
chegar a nosso hotel para tomar uma ducha quente, tomar um cafezinho ardendo e me colocar
na caminha.
—Não é boa ideia perambular pelas ruas. Correm maus tempos. — disse a mulher, olhando
a seu redor.
—Não se preocupe. Pobrezinho do que se atreva a nos tossir. —replicou Montse sorrindo.
Sem mais, despediram-se delas e continuaram seu caminho enquanto a anciã, postada na
porta de sua casa, olhava-as com preocupação.

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Capítulo 10

—Quem são esta gente? —perguntou Julia olhando suas amigas, enquanto Montse tirava de
novo seu iPhone e tentava ligá-lo.
Ao dobrar uma esquina, tinham desembocado em uma pequena praça. Ali, uma vintena de
mulheres jaziam no chão atadas com cordas. Tinham uma aparência desastrosa e uns homens
toscos e ruidosos bebiam cerveja não muito longe delas.
—Seguro que são os da filmagem do outro dia. Como esta zona é tão antiga, gravam-se
aqui muitas séries e filmes medievais. — respondeu Montse, desistindo de ligar o telefone e
observando às mulheres de roupas e aspecto sujo que estavam ante elas.
— Minha mãe. —exclamou Juana— A ambientação é ótima. Ninguém diria que não é real.
—Digo. Isto é para ganhar um Oscar. —assentiu Julia.
—Note naquele homem que fala com esse grupo. —continuou Juana, divertida — Viu o
bem caracterizado que está? Mas se até suas cicatrizes parecem de verdade.
Sem nenhuma dissimulação, as três apareceram pela esquina para observar o homem que
dizia Juana. Parecia temível; lhe via sujo e esfarrapado e, ao abrir a boca para protestar,
fixaram-se em que lhe faltavam vários dentes. Todos os que o rodeavam tinham numerosas
falhas.
—Esse deve ser o mau muito mau do filme. Tem toda a aparência. —riu Montse divertida.
—Totalmente de acordo contigo. —assentiu Julia olhando a seu redor — E quem será o
bom? Olhe que se for Gerard Butler... Se for ele, daqui não me movo até que me dê um
autógrafo e lhe dê dois beijaços.
Juana, agachando-se com dissimulação, tocou o braço de uma das mulheres.
—Ouça, perdão. O que se está gravando?
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A moça se voltou ao escutar uma voz atrás dela. Seu rosto, apesar da escuridão da noite,
via-se sujo.
—Não parem e continuem andando. Fujam! —cochichou com um estranho acento escocês.
—Como? —perguntou Juana, aniquilada.
—Se John Kilgan reparar em vocês, não poderão escapar. Partam!
Sem entender nada, Juana olhou suas amigas. Montse se agachou junto à moça.
—Quem é John Kilgan?
A jovem voltou seu rosto para o homem que elas haviam olhando antes.
—Ele, e se não quererem problemas, procurem que não as veja.
Montse cada vez entendia menos o que estava ocorrendo. Aquilo parecia tão real que até se
arrepiou. Então Julia disse triunfal.
—Deus... Entendo tudo: estão no meio de uma cena. Mas isto é para um filme ou uma
série?
A moça a olhou surpreendida. Ia responder quando, de repente, apareceram no lugar uns
homens a cavalo, fazendo um grande revoo. Aqueles guerreiros, de aspecto não menos
desalinhado que o dos bêbados que já estavam ali começaram a brigar contra estes duramente,
desembainhando as espadas. A veracidade da interpretação as impressionou.
—Corram! Corram enquanto possam! —gritou-lhes a mulher.
Com um gesto divertido, Montse e suas duas amigas se afastaram correndo. Na praça tinha
começado a ação. E que ação! Não queriam estragar a cena, assim fariam de figurantes
gratuitamente.
—Que incrível! —exclamou Julia, rindo, enquanto caminhavam depois rua abaixo — Não
estranho que quando vemos os filmes na televisão, tudo pareça tão real. Foi ótimo! Viu como
lutou esse tipo com a espada? Uf, parecia que punha a vida nisso.
Mas o que a princípio começou como algo divertido, conforme passavam os segundos se
voltava mais real. As pessoas corriam ao seu lado com gesto de terror e ao virar uma esquina a
canaria parou em seco.
—Ai, minha menina, acredito que vai ter uma ameaça de enfarte de um momento a outro.

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Ante ela havia uma grande extensão de terreno infestado de árvores, fogueiras e velhos
barracões de madeira e palha, quando o que ali deveria estar era a cidade nova de Edimburgo,
com suas luzes e suas pontes.
—O que, o que ocorre agora? —queixou-se Montse, cansada de andar por aquelas ruas
empedradas, sem tirar o olho de uma senhora que parecia gritar algo em outro idioma.
Juana, plantando-se ante suas amigas, que seguiam olhando às pessoas que passavam ao seu
lado correndo, gritou histérica.
—Onde está o que tinha que ter aqui?! Supõe-se que neste ponto deveria começar a New
Town! E... E... Mas... Mas, meu Deus... Onde estão as estradas, os semáforos e os carros?!
—Estamos na zona velha da cidade. Não fique histérica, se equivocou. —sussurrou Montse
aproximando-se dela.
Juana tirou do bolso de sua saia um mapa da cidade e o abriu com cuidado, pois ainda
estava molhado.
—Não! Não me equivoquei! —gritou fora de si — Sei onde estamos, e aqui devia estar a
New Town, não esses barracões terceromundistas de palha. — disse assinalando o empapado
mapa — Ali teria que estar o McDonalds no que jantamos faz uns dias. —vociferou Juana — E
ali, a loja de licores onde Julia comprou para o Pepe o uísque escocês. E... E... Nosso hotel
tinha que estar ali... Ali!
—Ai, mãe! —murmurou Montse olhando a seu redor.
—Foda! —chiou a canaria com horror, assinalando para sua direita — Mas... Mas se o Hub,
o casarão, tampouco está.
Montse e Julia se olharam assustadas e um vento estranho as arrepiou.
—Ai, Deus... —sussurrou Julia ao olhar à frente e ver os barracões.
Montse deu a volta para olhar o sombrio e sólido castelo de Edimburgo no topo da colina.
—Mas onde estamos? —perguntou em voz fraca.

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Capítulo 11

Não tiveram tempo de pensar nem de refletir. Um nutrido grupo de gente descia correndo
pela rua, entre a que Montse reconheceu várias das mulheres que tinham visto na praça. Sem
saber por que, as três começaram a correr.
—O que aconteceu agora? —perguntou Julia sem ar, entre a multidão.
—Não sei, mas corre. —gritou Montse, puxando a mão de Juana.
A gritaria da multidão era ensurdecedora. Mulheres, homens e meninos corriam de um lado
a outro, perseguidos por uns homens a cavalo. De repente a tranquilidade do lugar se
transformou em loucura. Os barracões começaram a queimar, as pessoas caiam ensanguentadas
a seu redor e elas não sabiam para onde escapar. Bloqueadas como nunca na vida, pararam ante
um homem que brandia uma espada e a cravava em outro no peito. Nesse momento, Montse
escutou o gritou de uma mulher. Ao voltar-se viu que tinha sido emitido pela garota com a que
tinham falado minutos antes; tentava soltar-se de dois homens que a tinham presa. Sem pensar
duas vezes, aproximou-se daqueles e deu um chute no estômago do primeiro, que o deixou
dobrado, e um murro ao outro, que o nocauteou.
—Mas o que ocorre aqui? —gritou à moça.
A garota, com o horror e o medo refletido no rosto, saiu correndo em direção ao bosque.
—Me sigam se querem viver! —recomendou.
Sem duvidar nem um instante, Montse deu um empurrão a suas bloqueadas amigas e as fez
correr atrás da moça. Os ramos lhes arranhavam o rosto e os braços, mas elas continuavam
avançando a toda velocidade sem olhar para trás, enquanto escutavam o crepitar do fogo que
devorava as cabanas e os gritos das pessoas assustadas. Não souberam durante quanto tempo
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mantiveram aquela amalucada corrida, mas suas pernas pareciam não querer parar. Já
começava a amanhecer e, pela urgência da jovem que lhe precedia, intuíram que alguém as
perseguia. A mulher parou com um aspecto terrivelmente descabelado e o olhar desencaixado,
para estudar a paisagem a seu redor. De repente deu um salto e retirou uns ramos de uma pedra.
—Dentro! Rápido! —apressou-as.
Juana e Julia foram as primeiras a entrar, seguidas por Montse e a moça que, uma vez
dentro, soltou os ramos. As teias de aranhas da pequena cova pegaram rapidamente em seus
cabelos e rostos e, se não tivesse sido porque Juana tampou a boca de Julia, esta teria gritado
como uma louca. Odiava os bichinhos. A jovem colocou um dedo sobre os lábios para lhe pedir
silêncio e, embora elas não entendessem o que estava ocorrendo, obedeceram. Segundos depois
escutaram o galope de vários cavalos e um homem que vozeava a gritos suas ordens.
—Vocês procurem por aquele caminho. Nós continuaremos para a direita.
Pouco depois o ruído dos cavalos se afastou e o silêncio do bosque alagou o lugar. Julia e
Juana, encolhidas naquele pequeno espaço, olhavam-se com os olhos arregalados enquanto a
jovem que tinham seguido respirava com dificuldade. Nenhuma falou até passados muitos
minutos. Os primeiros raios de sol entraram através da ramagem e Montse monopolizou o olhar
da moça.
—Não sei quem é, nem por que nos perseguiam esses homens, mas quero que comece a me
explicar isso agora mesmo. —sussurrou.
A jovem, que já tinha recuperado o fôlego, assentiu e se sentou no chão retirando o
emaranhado e sujo cabelo vermelho do rosto.
—Meu nome é Edel Givens e vivo perto de Perth. Tínhamos que ter partido de Edimburgo
com minha senhora, mas faz uns dias meu irmão Colin e eu nos inteiramos da morte de um
familiar e postergamos nossa volta ao castelo para expressar nossas condolências a seus filhos;
então uns malfeitores nos atacaram. —Com os olhos infestados de lágrimas, continuou: —
Acredito... Acredito que mataram meu irmão e, a mim, conforme averiguei pela conversa que
escutei entre dois dos assaltantes, John Kilgan pretendia me vender ao melhor preço. Logo
apareceram vocês com suas estranhas perguntas e, depois, uns guerreiros atacaram meus
captores, momento que aproveitei para escapar. O resto, já conhecem.
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As três amigas se olharam incrédulas. Guerreiros? Malfeitores? Mas o que estava contando
aquela garota? A moça fez ameaça de levantar-se ante o silêncio que tinham provocado suas
palavras.
—Tenho que retornar a meu lar e informar do ocorrido. Não quero que ninguém se angustie
mais do que devem estar já. Oh, Deus, minha senhora tinha razão! Deveríamos ter retornado ao
castelo com ela e esperar que o tema da Coroa se solucionasse.
—Que tema da coroa? —perguntou Montse.
—Sim. Até que os clãs se reúnam e decidam se aprovam ou rechaçam que os Orange sejam
nossos futuros reis.
—Orange? —perguntou Juana desconcertada— Mas ainda andam com essas por aqui? Mas,
minha menina, de que Orange fala?
Ao escutar aquela pergunta, a moça as olhou com estranheza.
—Dos quais seriam! Dos que querem destronar Jacob II. Maria, sua filha e Guillermo são...
—Mas o que diz? —interrompeu Julia— Eu não sou nenhuma leitora voraz de história, mas
sei que a rainha é Elisabeth II; já sabem a ex-sogra de lady Day e Sarah Ferguson.
Agora a surpreendida era a moça, que respondeu em um sussurro com um gesto
indecifrável.
—Quem são Elisabeth II, lady Day e Sarah Ferguson? — as três amigas se olharam e a
jovem continuou — Maria e Guillermo de Orange querem elevar-se com a soberania da
Escócia, e anexá-la a seu reino, junto com a Inglaterra e Irlanda. Do que falam vocês?
A cara de estupor da canaria era todo um poema. Montse ia responder, mas Julia lhe
adiantou.
—Ai, meu Deus. Mas em que mundo vive esta garota?
Edel, convencida de que aquelas moças estavam ainda mais desfocadas que ela, recolheu o
cabelo em uma trança antes de continuar com sua lorota.
—Não sei do que estão falando vocês, mas o que sim sei é que María II é filha de Jacobo II,
da dinastia dos Estuardo, e Guillermo procede do ramo dos Orange. Desposaram-se faz uns
anos e...
—Edel. —interrompeu Montse — Em que ano estamos?
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—Em 1689.
—Ai, Deus, que me deu uma falta de ar. —murmurou Montse abanando ar com a mão.
Ao escutar aquilo, Juana se ajoelhou como uma flecha e gritou enlouquecida.
— Como?! Mas... O que diz esta louca? Como vamos estar em 1689 se estamos em 2010.
—2010?! —murmurou Edel, boquiaberta, enquanto a canaria continuava.
—Bem, que a Espanha acaba de ganhar o mundial de futebol, que se clonam ovelhas, que
Obama é presidente dos Estados Unidos e que Hugh Grant faz cinquenta anos. Como vamos
estar tropeçando em anos atrás? —tirando algo do bolso olhou à moça e gritou — Olhe, isto é
um Blackberry de última geração e, que eu saiba, na época que você diz que estamos não
existiam estas fofocas. Ou me equivoco?
—Ai, meu Pepe! Onde está meu Pepe? —exclamou Julia ao pensar em seu marido.
A jovem olhou com curiosidade o que Juana lhe mostrava na mão. Nunca tinha visto nada
igual. Surpreendida se sentou e as escutou falar.
—A cigana. Isto é culpa de sua fodida cigana. —vaiou Julia, olhando sua amiga — Mas que
droga desejou?
—Eu? —sussurrou Montse, branca como a neve.
—Sim, você. E agora não faça cara de tola, que você pediu os desejos. —gritou Julia.
Montse, perdeu os nervos ante uma situação tão surrealista.
—Você lembra bela! Que você, queria uma aventura impensável e você, homens, luxúria e
desenfreio. —disse assinalando com o dedo, primeiro a Julia e depois a Juana.
—Mãe do amor formoso! —sussurrou a canaria ao escutá-la — Como encontramos tudo
isso, arrumadas vamos!
—Mas... Eu estou casada. Ai meu Pepe! Pensará que o abandonei. — gemeu Julia.
Montse, consciente de que aquilo era pior que um filme de série B, olhou suas amigas e,
como sempre que se bloqueava, começou a cantarolar uma canção. Isso a tranquilizava, mas ao
ver o olhar assassino de Julia, calou.
—Pediu para conhecer o homem que aparecia em seus sonhos e que isto durasse três meses.
Até o Natal! —ironizou a canária — Ai, minha menina, me dê um beliscão para ver se acordo.
Deve me dar um golpe e ver se estou sonhando algo que não é.
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—Não me tente... —bufou Montse.
—Vamos morrer! —gemeu a canaria teatralmente.
— Pedi dois desejos fica um! —chiou Montse ao precaver-se daquilo — Erika, A Escocesa,
me escute! Tenho um desejo pendente posso pedir e meu desejo é que retornemos a nossa
época já! Escuta-me? Maldita seja...
Durante uns segundos as moças esperaram, para ver o que ocorria.
—Parece-me que não te escutou. —disse por fim a canaria ao ver que tudo seguia igual.
—Cigana! —gritou Julia— Se manifeste! De a cara!
Montse era consciente pela primeira vez de que aquilo estava ocorrendo de verdade.
—Erika disse que isto era a Escócia, terra de lendas, e que o impossível podia fazer-se
realidade, e...
—E como vamos mos arrumar aqui todo esse tempo? —gritou chateada Julia— Como
vamos sobreviver? E sobre tudo, o que explico a meu Pepe quando retornar?
—Por Deus, quer deixar de mencionar seu Pepe? —grunhiu Montse.
—Não, não quero! —gritou Julia.
—Nem ferrando fico três meses aqui! —queixou-se Juana.
Edel, até o momento tinha permanecido calada escutando aquele jargão incompreensível
enquanto elas moviam as mãos e faziam gestos estranhos.
—O que lhe ocorre? A que se deve esta gritaria? —disse, por fim.
As mulheres ao escutá-la a olharam e, com o rictus desencaixado, tentaram durante horas
fazer à moça entender o que elas mesmas não podiam compreender.

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Capítulo 12

Depois de muito falar, discutir, chorar e rir, sem entender realmente o que tinha ocorrido,
decidiram sair do pequeno esconderijo. Precisavam esticar-se. Primeiro saiu Edel seguida de
Montse e logo as outras duas.
—E agora o que fazemos? Aonde droga vamos? — perguntou Juana.
Montse deu de ombros.
—Não queriam aventura, toma aventura! —murmurou.
—Eu quero retornar com meu Pepe. — clamou Julia, consternada.
—E eu tenho fome, frio e quero retornar ao hotel.
Incapaz de seguir escutando as queixas contínuas de suas amigas, Montse fechou os olhos e
suspirou.
—Bem! Sinto muito. Sinto que por minha culpa vocês estejam metidas nesta aventura
impossível. E juro que o dia que voltar a ver Erika, A Escocesa... Por muito carinho que lhe
tenha, me encarregarei dela!
—Eu a ajudarei. —acrescentou a canaria.
—Acaso creem que não estou surtando? —chiou Montse, tirando uma espécie de verme que
subia por sua saia — Oh Deus... Que asco! Isto... Isto é... Algo incrível e... E... Me deem tempo
para pensar! Estou tão surpreendida e assustada como vocês e não sei o que mais dizer ou fazer,
salvo acompanhar Edel seja aonde vá — Uma vez disse isso, um gemido lastimoso escapou de
sua garganta.
Nesse momento suas amigas a olharam. Montse nunca chorava, nem se lamentava; era uma
mulher positiva e forte. Ambas trocaram um olhar mais significativo.
—Se você chorar me assusto. Não chore, por favor, e nos perdoe. —sussurrou Julia.
Com carinho, Juana consolou sua amiga.
—Nós a animamos para que pedisse os desejos, minha menina. E vamos, seque essas
lágrimas. Estou convencida de que se ocorreu isto, é por algo. Olhemos o lado positivo.
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Montse a fuzilou com os olhos. Quis perguntar. Qual era o lado positivo? Mas um gemido
de frustração foi quão único pôde articular. Não havia nada positivo.
—Bom, vamos; podia ter sido pior. Além disso, se mal não recordar, em seu desejo pediu
um muito fanfarrão para mim. Para mim! — repetiu a canaria as fazendo sorrir — Sejamos
positivas, já temos uma amiga: Edel.
A moça ao escutar seu nome girou para elas e, ao ver que as três sorriam, suspirou desejosa
de partir.
—Posso perguntar algo? —As garotas assentiram— Quais são seus nomes? Porque vocês
sabem que o meu é Edel Givens, mas eu ainda não sei como lhes tenho que chamar.
As três se olharam e Montse, secando as lágrimas, esboçou um sorriso que fez suas amigas
entenderem que nada bom viria a seguir.
—Meu nome é Cindy... Cindy Crawford!
Surpreenderam-se, mas a canaria, aproveitou à deixa.
—Eu sou Paris Hilton.
—E eu... Norma Duval! —sentenciou Julia com convicção.
A jovem, sem entender as mudanças radicais de humor daquelas três mulheres, observou-as
e suspirou ante a longa viagem que a esperava.
—Muito bem. Cindy, Paris e Norma, já podemos partir?

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Capítulo 13

Umas quantas horas mais tarde, com os pés destroçados, esgotadas pelo acontecido e fartas
de caminhar, Julia sentou no chão, derrotada.
—Rendo-me. Não posso mais. Se tiver que morrer, quero fazê-lo agora. Já!
O resto, surpreendidas por aquilo, olharam-na.
—Levanta o traseiro agora mesmo, se não quiser que eu mesma lhe mate. — a ameaçou
Montse.
Julia ia responder, mas de repente se escutou o ruído de cascos de uns cavalos.
Rapidamente, e aconselhadas por Edel, esconderam-se no denso bosque, ao amparo de uns
imensos carvalhos. Em seguida apareceu uma dúzia de homens a cavalo que, por seu aspecto,
pareciam ferozes e depravados. A Montse encolheu o coração ao vê-los. Aquilo não aparentava
bem. Mas, inexplicavelmente, Edel gritou.
—Alaisthar! Alaisthar Sutherland!
O homem de cabelo avermelhado que ia à frente da expedição parou seu imponente corcel e
se voltou para observar incrédulo durante um tempo à moça que tinha gritado.
—Edel? Edel Givens?
A moça, emocionada por encontrar um rosto amigo, assentiu e soluçou. Um instante depois,
aquele homenzarrão desmontou de seu cavalo e correu para abraçá-la.
—Edel, está bem? —ela afirmou com um movimento de cabeça— Por todos os Santos,
moça, Colin está preocupadíssimo por ti. O...
—Colin está vivo? —gritou ao escutar o nome de seu irmão.
—Sim... —assentiu com carinho o cavalheiro, ao tempo que se fixava no resto das mulheres
que acompanhavam Edel — Suas feridas saram bem. Não se preocupe, Declan se ocupa dele.
Emocionada pelo que escutava, Edel tampou a boca e conteve um gemido. Seu irmão, seu
querido irmão, estava vivo e a salvo.
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Com o susto ainda no corpo, Montse se aproximou de Juana.
—Estes homens são highlanders? —sussurrou em espanhol.
Sua amiga assentiu e, com gesto de admiração, respondeu no mesmo tom, fazendo Montse
rir.
—Ai, minha menina, sim. E acredito que acaba de aparecer minha parte do desejo.
Alaisthar, um homem de imponente envergadura, cabelos avermelhados e olhos claros, ao
sentir a agitação dela sorriu enquanto seus homens observavam às três mulheres que o olhavam
com cara de susto.
—Quem são? —perguntou Alaisthar.
Edel retirando o cabelo do rosto, aproximou-se das moças para apresentá-las.
—Cindy, Paris e Norma. Juntas fugimos da crueldade de John Kilgan e... E... Eu gostaria de
levá-las conosco ao castelo. Necessitam proteção.
—Olá, meu menino! —saudou Juana, levantando a mão enquanto ele a olhava com
severidade.
O ruivo se aproximou delas e as esquadrinhou detalhadamente, uma por uma. Aquelas
jovens, a julgar por seu desajeitado e sujo aspecto, deviam ter passado pelo mesmo inferno que
Edel. Logo cravou o olhar na pequena jovem que o tinha saudado.
—Que baixas são!
Ao escutar aquilo, Juana sorriu e esclareceu em tom meloso:
—Não sou baixa, sou recolhida.
Aquela resposta, que a fez sorrir, atraiu mais a atenção do highlander, que a repassou de
novo de cima abaixo.
—Quem é?
Juana olhou Montse e, ao ver que sua amiga indicava com a cabeça que respondesse,
suspirou e o fez ao tempo que lhe escapava um sorriso.
—Bem eu... Meu nome é Paris... Paris Hilton.
—Estranho nome o seu, moça.
Juana deu de ombros e voltou a sorrir.
—É muito fanfarrão verdade? —disse utilizando o adjetivo em castelhano.
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Desconcertado por aquela resposta, o homem virou a cabeça e parou ante ela.
—Muito fanfarrão? O que significa muito fanfarrão?
—Que é um bonito nome. Você não gosta?
Sem responder a aquilo, voltou a perguntar divertido.
—Esse acento que possuem e o jargão que falam de onde é?
Juana, retirando a franja morena do rosto, olhou-lhe diretamente aos olhos e, com seu
despacho habitual, respondeu sem nenhum medo.
—Uf, meu acento. Como explico isto? Vamos ver, meu menino...
—Meu menino?! —voltou a perguntar o guerreiro confuso.
—«Meu menino» é uma expressão carinhosa de minha terra. Afetiva. —sorriu Juana, e
prosseguiu — É que os canários são muito melosos. Vamos ver... Em resposta ao que me
perguntou atualmente vivo em Londres, mas nasci na Canarias, por isso meu acento é tão
lisonjeador. E elas são de...
«Ai, Deus, que está enrolando», pensou Montse. E para acabar com aquela loucura, atraiu a
atenção do ruivo.
—Somos espanholas.
—Espanholas? —aquilo sim entendeu. Ele e todos os presentes, que começaram a
murmurar.
Ao ver o desconcerto no olhar dos homens, Julia se aproximou de suas amigas para
cochichar em espanhol, morta de medo.
—Acredito... Acredito que estes nos fatiam o pescoço em um piscar.
—Não diga tolices, por favor. —sussurrou Montse, assustada ao ver como as observavam.
—Este gigante não entende nada do que dizemos e se vê em sua cara. —gemeu Julia — Se
seguirmos assim, acredito... Acredito que este tipo vai nos liquidar.
—Mmmmm falando de liquidar. —se mofou Juana, sem medo, olhando ao ruivo. Mas antes
que pudesse continuar Montse a calou.
—Como lhe ocorreu contar tudo isso? Pensará que estamos loucas?
Consciente do que sua amiga lhe tinha perguntado, Juana sorriu.

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—E o que quer que lhe diga? Lhe disse a verdade. Bom... Pela metade. — se ruborizou ao
recordar o do nome — Minha mãe, Montse, que pedaço de homem! — e ao ver o tartán de
quadros em sua montaria, sussurrou. — Este highlander é o sonho de toda mulher.
—É o teu —grunhiu Julia — Porque a mim os de cabelo vermelho e cara de bruto não são.
Eu gosto mais de meu Pepe.
—Oh, seu Pepe. — mofou a canaria pondo os olhos em branco — E logo bem que se
queixa dele.
—Fechem o bico! —ordenou Montse.
—Está segura de que estas mulheres são de confiança? —perguntou o ruivo a Edel, farto de
escutá-las falar naquela linguagem estranha que supunha era espanhol.
Edel as olhou durante um tempo e, esboçando um sorriso, assentiu.
—Sim Alaisthar, estou convencida.

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Capítulo 14

Continuar o caminho a cavalo foi mais cômodo e, em especial, mais rápido. Julia se
tranquilizou. Aqueles tipos mau penteados e embrutecidos pareciam civilizados. Alaisthar
pediu a três de seus homens que levassem às mulheres em seus cavalos e ele, sem duvidar,
escolheu à mulher morena, a que se fazia chamar Paris Hilton. No trajeto, Juana perguntou tudo
o que lhe veio à mente e Alaisthar respondeu divertido.
Ao cabo de várias horas, margearam uma espécie de lago e entraram nas montanhas. Ao
princípio, não ter que caminhar fez que os pés de todas elas descansassem, mas após várias
milhas sem desmontar do cavalo, a dor no corpo se fez insofrível.
—Fica muito, Alaisthar? —perguntou Juana.
—Não, senhorita. —respondeu ele — Lhe prometo que antes que...
—Por que não me chama por meu nome, como eu faço contigo?
Ele sorriu e, olhando os olhinhos escuros daquela moça, aceitou.
—De acordo, Paris. Prometo-lhe que antes que os últimos raios de sol desapareçam,
teremos chegado.
E assim foi. O caminho foi tranquilo e, quando o sol deixou de esquentar, de repente se
escutou Montse gritar.
—Ai, meu Deus. Mas esse não é o castelo de Elcho?
Edel surpreendeu-se de que conhecesse aquela pequena fortaleza.
—Conhece o castelo?
Montse olhou suas amigas com horror e depois a jovem. Como lhe explicar que em seus
sonhos aquela fortaleza aparecia uma e outra vez? E sobre tudo, que tinham visitado aquele
castelo fazia só uns dias, mas séculos mais tarde. Finalmente assentiu com a cabeça e optou por
se calar. Era o melhor.
Uma vez que chegaram, os cavalos pararam e as mulheres apearam. Alaisthar se separou de
Juana, que lhe sorriu encantada, para saudar uns homens que o receberam com efusividade.
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—Edel?!
A garota começou a correr para abraçar um jovem ferido gravemente que quase se
arrastava.
—Colin! Oh irmão, que preocupada estava por ti.
Fundiram-se em um grato e agradável abraço, enquanto todos os observam e as três intrusas
se emocionavam. Minutos depois, e puxadas pela curva de seu cotovelo, Edel apresentou suas
novas amigas.
—Onde estão os outros? —perguntou Alaisthar olhando a seu redor.
Colin, feliz por recuperar sua irmã, disse enquanto caminhava com cuidado para o interior
do castelo:
—Estão na asa oeste reforçando uma das paredes. Ontem à noite caiu um raio.
Todos menos Montse começaram a andar para lá. Ela tinha ficado petrificada olhando para
o bosque que crescia junto ao castelo. Seu bosque; o bosque com o que sempre tinha sonhado.
Aquilo a torturou ainda mais. Tinha medo de continuar e averiguar o que encontraria. Histérica
e preocupada, começou a cantarolar uma canção.
—O que te preocupa agora? —perguntou-lhe Julia.
Aquela mania de cantar era algo que fazia suas amigas saberem que estava inquieta.
—Isto é Elcho...
—Não me diga! —mofou-se Juana.
—Mas... Mas... Tenho que ir daqui. Não recordam meu desejo?
—Sim, filha, sim. —murmurou Julia — Como esquecê-lo?
—Levo toda a vida sonhando com este lugar e agora... Agora estou aqui.
—Sim, rainha, sim... A cigana nos jogou bem. —se burlou Julia cada vez mais tranquila,
consciente de que quem as observava pareciam civilizados.
Montse começou de novo a cantarolar uma canção.
—Não posso acreditar nisso. Tem medo? —perguntou Julia com sarcasmo.
Incompreensivelmente, Montse assentiu.

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—Mas não é para te amargurar ainda mais, —continuou sua amiga — mas me deixe lhe
recordar que acredito que são três meses que vamos estar aqui porque, uma cigana, que juro que
esfolarei viva assim que volte a ver, ocorreu lhe conceder um absurdo desejo.
—Não me recorde isso! —protestou Montse.
—Olhe bela, arruma isso como puder, mas aqui de momento as pessoas parecem educadas.
—sussurrou Julia — Se tiver que estar um tempo neste puto século, prefiro viver aqui que em
Edimburgo, entre merda, ladrões e peste. Portanto, aguenta com o que pediu e deixa de medos;
que não acredito que esse homem, o de seus sonhos, vá te comer.
Sua amiga tinha razão. Tinham chegado até ali por culpa dela e não havia retorno.
Tremente, mas decidida a não sair correndo, seguiu todo mundo e se surpreendeu ao dar a volta
à esquina e ver mais de cem homens suarentos transportando pedras de grande tamanho subidos
no alto de uma espécie de andaime.
Os homens, ao precaver-se das estranhas, observaram-nas com uma estranha careta nos
lábios. Em seus olhos não se lia nada bom.
—Agora mesmo me sinto como uma quinquilharia muito, mas muito apetecível, à saída de
um colégio. —sussurrou Juana.
Montse escutou um rangido. Um dos andaimes, o mais próximo a ela, parecia ceder sob o
peso de uma enorme pedra. Olhou a altura e a direção da queda. Sem pensar duas vezes, correu
para onde estava Alaisthar falando com outro homem e, sem prévio aviso, primeiro empurrou o
ruivo e, quando o ruído do penhasco parecia cair sobre sua cabeça, lançou-se contra o outro
homem, lhe fazendo rodar com ela pelo chão. Quando a pedra e a estrutura caíram ao chão, o
estrondo foi descomunal. Todo mundo se assustou.
Sem respiração, abriu os olhos para encontrar-se debaixo do zangado olhar de um homem.
O sussurro que exalou foi incompreensível para ele.
—Você!
—Eu?! Eu, o que?
Sobre ela estava Declan Carmichael, Duque de Wemyss, olhando-a com o cenho franzido e
cara de poucos amigos. Nada a ver com o olhar do homem de seus sonhos. Aqueles olhos eram

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frios e cruéis. Levantou-se, sem lhe prestar ajuda, ao tempo que rugia com voz arruda e a
intimidava com sua imponente estatura.
—Maldita seja, mulher. O que fez?
Surpreendida ante sua reação, não se intimidou e gritou do chão.
—O que fiz?
—Sim você!
—Bem... — vaiou incrédula — Acaso é tão tosco que não se precaveu que evitei que esse
entulho lhe partisse a cabeça? Seu grosseiro! — Ao ver que o homem a olhava com gesto
indescritível, levantou-se do solo grunhindo e tirando o pó da imunda saia. —Ah, e obrigada
por me ajudar a levantar. Muito amável por sua parte.
Boquiaberto pelo modo que aquela desgrenhada e suja mulher, a que mal entendia, gritava-
lhe agarrou-a pelo braço e espetou com maus modos.
—Quando se dirigir a mim, mulher, exijo-lhe respeito. Sou o laird destas terras e, como tal
deve me tratar. —surpreendida, Montse o olhou enquanto ele continuava sua lorota com gesto
áspero — Não sei quem é, nem desejo sabê-lo. Mas saia de minhas terras se não quer que vos
açoite e fatie sua suja língua. Já!
Agitada por seu olhar, e em especial pelo desprezo que percebeu em suas palavras, escapou
de seu agarre com um rápido movimento. O gesto surpreendeu a todos, incluído Declan, que foi
pegá-la outra vez; mas ela escapou dando um salto para trás.
—Nem lhe ocorra me tocar com suas mãozonas. E minha língua, esquece-a.
Perplexo pelo descaramento da jovem, o duque de Wemyss se aproximou dela.
—Deseja ser castigada? —vaiou.
—É fanfarrão este homem! —exclamou olhando suas amigas que, com gestos horrorizados,
pediram-lhe que calasse.
—O que disse essa mulher?
Montse, preparada para o ataque, ia responder, mas uma pálida Edel se interpôs entre eles e
reclamou a atenção masculina.
—Meu laird, Cindy é...

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— Se cale Edel! —pediu Declan zangado, afastando-a para um lado para voltar a encarar
Montse, que respirava com dificuldade.
Todo mundo a olhava. Ninguém falava assim com laird Declan Carmichael, e menos uma
prostituta suja e desconhecida como aquela. O ruído produzido pelo desmoronamento tinha
alertado a todos os que viviam no castelo, que correram para lá para ver o que acontecia.
—O que ocorreu filho? Estão todos bem?
Declan furioso blasfemou; mas se conteve ao ver a cara de susto da mulher de cabelo
grisalho.
—Tranquila, mãe. Tudo está bem. —disse secamente.
Juana e Julia chegaram até sua amiga e foi esta última a que cochichou em espanhol.
—Fecha o bico, abre o punho e deixa de tolices, Cindy Crawford, que o forno não está para
pães-doces com este homem. Se não quer que nos lapidem, o chame de senhor, se faz de
pinheiro ou se comporte como ele quer, por favor!
Consciente pela primeira vez de que Julia tinha razão, Montse relaxou os braços. Nesse
instante, escutou a voz de uma menina.
—Papai, elas são as mulheres que nos auxiliaram em Edimburgo dos homens maus que nos
assaltaram. —e aproximando-se de Montse, a menina sorriu — Olá se lembra de mim?
«Papai!» repetiu para si Montse, surpreendida; mas adoçando seu tom de voz respondeu.
—Olá princesa, claro que me lembro de você, como está? — e agachando-se para estar à
altura da menina, retirou-lhe uns cabelos do rosto e os pôs atrás da orelha.
—Maud, vem aqui. —rugiu Declan a sua filha.
A menina, ao escutar a dureza de sua voz, apagou o sorriso do rosto e, baixando o olhar até
o chão, foi ao encontro de seu pai. Aquele gesto a recordou sua infância e a arrepiou. Sem
pestanejar, ergueu-se e o olhou com desafio por que falava assim com a menina?
Alaisthar, que tinha sido testemunha muda de todo o ocorrido, aproximou-se de Declan e
em voz baixa lhe disse em gaélico algo que pareceu o surpreender. O duque olhou Montse,
pegou com força da mão de sua filha e, ao passar ao seu lado, parou.
—Agradeço-lhe o que fizeram por minha família em Edimburgo, mas depois de amanhã a
mais demorar, quero-lhes fora de minhas terras entendido? —ela assentiu defraudada. «Como o
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homem de seus sonhos podia a receber assim?» — Enquanto isso, espero que não deem
problemas.
—É obvio senhor. —respondeu. Mas não contente, acrescentou— Embora se tanto o
incomodo, partirei agora mesmo. Não pretendo dar problemas a ninguém.
—Isso seria uma excelente ideia. —respondeu, afastando-se.
Ela quis dizer algo mais, a última palavra; mas após cruzar um olhar com suas amigas,
calou-se. Por elas aguentaria naquela casa. Mas se elas não tivessem estado ali, outro galo teria
cantado. A anciã, que tinha sido muda testemunha daquele enfrentamento entre seu filho e a
jovem de cabelo escuro, aproximou-se e levou as mãos ao peito.
—Por todos os Santos, moças, mas o que ocorreu? —sussurrou.

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Capítulo 15

A anciã ordenou a todos que voltassem para suas tarefas e levou às jovens ao interior da
fortaleza, onde proporcionou um pouco de intimidade para que se asseassem em um dos quartos
de serviço. Depois pediu a quão criadas preparassem o jantar para as recém chegadas. A julgar
por suas caras, deviam estar exaustas.
Quando entrou no castelo, Montse se fixou em uma porta entreaberta. Ali estava o salão
onde ela dias antes e em outro século, tinha visto o quadro de Declan Carmichael.
Depois, uma agradável jovem de cabelo vermelho chamada Agnes, levou-as pela escada de
serviço até uma estadia no andar de baixo e as deixou sozinhas.
—Minha mãe, minha mãe. Encontrou com o homem de seus sonhos. —se burlou Julia
enquanto desembaraçava o cabelo.
—Homem de meus sonhos? —protestou Montse mal-humorada, esticando a velha saia cor
violeta que estava destroçada — Quer dizer com o cocô de meus pesadelos. Mas viram que
homem mais teimoso?
—Sim, minha menina. —assentiu Juana — Miúda cara de leite azedo que gasta o frango.
—Por Deus. —prosseguiu Montse, tirando o pendente para guardá-lo no bolso de sua suja
saia — Se só lhe faltou pegar a pedra e me pôr de chapéu. Mas em que cabeça cabe que
provoquei o que ocorreu? É idiota! Se me esfolei os cotovelos por sua culpa. —sussurrou ao ver
os raspões.
—Montse, remoa a língua um pouquinho o...
—Cindy. —a retificou, cortando-a — Agora sou Cindy. Recorda-o!
Depois de soltar uma gargalhada, Juana começou de novo.
—Cindy Crawford, remoa a língua um pouquinho ou vai ter muitos problemas com esse
highlander. E o chame de senhor, porque me parece que este é um osso duro de roer. Nada a ver
com os tipos com os que está acostumada a lutar em nosso tempo.
—Ora! A partir de agora mesmo lhe digo que não quero conhecê-lo.
70
Nesse momento soaram uns golpes na porta e antes que alguma respondesse, abriu-se.
—Posso entrar? —perguntou a menina, as olhando.
—Já está dentro. —brincou Juana, lhe piscando um olho.
—É obvio céu, entre. —respondeu Montse ao vê-la.
A menina, feliz, fechou a porta e se aproximou de Montse, que estava sentada na cama
olhando o cotovelo.
—Dói-lhe? —perguntou ao ver a ferida.
—Não, não dói. —sorriu olhando à menina, de olhos celestes e cabelos dourados como o
trigo — Como se chama princesa?
—Maud Carmichael.
—Maud? Que bonito nome. —assentiu Julia.
—E vocês?—perguntou a menina.
—Meu nome é M... Cindy. Cindy Crawford. —voltou a sorrir ao dizer aquilo — Ela é Paris
Hilton e a que está penteando-se chama Norma Duval.
Feliz, a menina saltou até ficar junto à Julia.
—Norma, penteia-me um pouquinho?
Encantada por aquele pedido sentou à menina sobre a cama e começou a pentear seu
comprido e bonito cabelo loiro. Instantes depois, a porta soou e apareceu a mulher de cabelo
grisalho que, ao ver a menina ali, murmurou algo para si.
—Maud, não lhe disse que não incomodasse nossas convidadas? —repreendeu à pequena.
—Não se preocupe milady. Não incomoda. —disse Montse ao vê-la.
A anciã, ao ver o sorriso de Montse, aproximou-se dela.
—Sinto muito o que ocorreu com meu filho. Tem um caráter diabólico, mas Declan é um
bom homem, embora estes dias sejam especialmente difíceis para ele.
—Por quê? O que lhe ocorre? —perguntou Julia, ganhando um duro olhar de suas amigas
por fofoqueira.
—Breve se cumprirá o oitavo aniversário da morte de Isabella, sua mulher. —Logo olhou
Montse e continuou falando — Estou segura de que quando se der conta de como agiu, tentará
emendar o trato que lhe dispensou...
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—Não se preocupe. —repetiu Montse sem tirar o olho à pequena, que as observava —
Embora de verdade, tenho vontade de agarrar outra pedra e quebrar-lhe na cabeça, por teimoso!
Mas não o comente ou será ele quem rompa sobre a minha. —brincou.
Fiona, ao escutar aquilo cruzou a vista com a pequena e, tampando as bocas, ambas riram
baixo. Pensou que aquilo era uma das coisas mais divertidas que tinham escutado a respeito de
seu filho.
—Em Edimburgo não tive a oportunidade de lhes agradecer o que fizeram por nós aquela
noite. Estou convencida de que se vocês não tivessem aparecido, teria ocorrido uma fatalidade.
Minha pequena Maud... —com os olhos úmidos pela angústia, a anciã murmurou: — Lhes
estarei eternamente agradecida, moças.
Montse, comovida pelas palavras da mulher, aproximou-se dela e, para seu desconcerto,
abraçou-a.
—Foi um prazer a ajudar, milady. Faríamos mil vezes. Asseguro-lhe isso.
Agradecida por aquele contato tão direto, algo ao que a anciã não estava acostumada,
sorriu.
—Me chamem Fiona, por favor.
—Olha, como a mulher do Shrek. —soltou a canaria, mas ao ver a cara de suas amigas
tentou emendar o engano— Fiona... Que nome tão precioso.
Divertida, a anciã, que estava acostumada há estar muito tempo sozinha, com a única
companhia da pequena Maud, convidou-as em um arrebatamento.
—Quando estiverem preparadas, subam ao salão para jantar. Será algo improvisado. Não
esperávamos tanta gente.
—Oh, não se preocupe. Com a fome que temos, qualquer coisa nos virá bem. —respondeu
Julia.
Dez minutos depois, as três jovens, a anciã e a menina entraram em um pequeno salão no
que encontraram ricos e excelentes manjares dispostos sobre a mesa.
—Mas não havia dito Fiona que era algo improvisado? —sussurrou Juana ao ver aquela
opípara janta.

72
Tão surpreendida como ela, Montse deu de ombros, enquanto Julia começava a falar com a
anciã de flores e ervas, um tema que a apaixonava. Pouco depois e como algo excepcional,
Fiona convidou Edel à mesa, que chegou com acanhamento pelo braço de seu irmão Colin. A
via feliz e Montse gostou disso. Aquela humilde moça a que mal conhecia, acreditou nelas
apesar de ter contado algo difícil de acreditar e lhes tinha dado um voto de confiança. Embora
só fosse por ela, deviam comportar-se.
Mas seu ânimo trocou ao ver Alaisthar entrar junto a Declan Carmichael. Perplexa o
observou. O homem que durante anos tinha invadido seus sonhos, ao que tinha desejado
conhecer, resultava ser um idiota altivo com o que não valia a pena nem pensar. Embora não
pôde negar que era muito atraente. Aquela jaqueta azul e as calças escuras ficavam como o
melhor modelo Armani.
—Mãe, o que fazem elas aqui? —perguntou molesto ao ver as intrusas.
A anciã respondeu sem alterar-se.
—São nossas convidadas Declan. Seja amável.
Com gesto de aborrecimento, sentou-se de maus modos à mesa. Não o fazia graça
compartilhar estadia com aquelas mulheres. Montse foi incapaz de calar ante semelhante de
falta de educação.
—Senhor, se tanto vos molesta nossa companhia, podemos ir comer com os cães. Seguro
que eles não protestarão.
O homem levantou o olhar para ela. Daquela descarada ele não gostava, mas quando ia
responder, Alaisthar deu-lhe um leve golpe no ombro pedindo calma. Calou. Declan e o ruivo
se olharam durante uns segundos e ao final Alaisthar sorriu.
—Ai, que fofo é. É mais habilidoso que os jogos do capitão Frudesa. —suspirou a canaria
falando em espanhol — Não me cabe a menor dúvida de que durante o tempo que estiver aqui
vou ter um rolinho com Alaisthar. Viu como me olha?
Montse cravou os olhos em sua amiga e com gesto jocoso murmurou, enquanto se sentava o
mais longe possível do duque.
—Não. Mas vi como você o olha e se conheço.

73
De entrada serviram um caldo de especiarias que às moças tinha sabor de glória e logo uma
carne em molho delicioso. Tinham uma fome voraz e, ao ver a bolacha de framboesas, a
pequena Maud aplaudiu. Todos sorriram e Montse se surpreendeu ao notar que o gesto de
Declan se suavizava durante uns instantes ao olhar sua filha. Mas só foram uns segundos,
porque pouco depois seu cenho estava de novo em tensão e seus traços voltavam a ser áspero.
Durante o jantar Montse o observou com dissimulação. Devia medir perto de dois metros,
pois pela largura de suas costas e sua altura o via enorme. Seus olhos castanhos, agora tensos,
eram espetaculares. Tinha um queixo quadrado, nariz reto e cabelos escuros. Tinha-o recolhido
em um rabo que lhe dava um ar sexy e atual.
Montse com muita dificuldade escutava o que falavam ele e Alaisthar. Devia ser algo
importante, pois mas bem cochichavam. Embora ficasse petrificada quando, em uma ocasião,
ele levantou seu olhar e cravou seus profundos e frios olhos nela através de suas densas
pestanas. Ela, rapidamente olhou em outra direção.
Acabado o jantar, Edel levou Maud para dormir. Depois todos passaram a outro pequeno
salão. Uma vez ali, Julia se entreteu em uma conversa com Fiona e Juana só tinha olhos para
Alaisthar; que com Declan e Colin parecia falar de política. Aborrecida, Montse se desculpou
sem que ninguém a escutasse e partiu. Precisava sair dali e respirar ar fresco. Pouco depois,
encontrou-se com Edel, que caminhava de braço dados com Agnes contando sua experiência.
—Cindy, vem, —a chamou Edel — Esta é Agnes.
—Prazer em conhecê-la, Agnes — sorriu Montse.
—O mesmo digo.
—Quer passear conosco? —perguntou-lhe Edel.
Ela aceitou encantada.
Durante aquele bate-papo se inteirou de que as duas jovens, junto com Colin e outras
pessoas, eram o pessoal de serviço do castelo de Elcho. Também de que Isabella, a mãe da
pequena Maud, tinha morrido de febre puerperal ao dia seguinte de que a pequena nascesse,
com apenas vinte anos, e que após o Duque de Wemyss tinha deixado de sorrir.
—Nos desculpe senhorita Cindy. —murmurou Agnes ao ver Montse abrir a boca—.
Possivelmente a estamos aborrecendo com nosso bate-papo.
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—Não é nada Agnes e, por favor, me chame só Cindy. —sorriu — Mas levo um par de dias
sem pegar olho e estou que caio a pedaços.
—Cai a pedaços?! —sussurrou Edel sem entender suas palavras.
Ao ver como as garotas se olhavam, pensou que uma tradução literal não solucionaria a
dúvida, assim que se retratou rapidamente. Aqueles comentários seus eram muito atuais para
que essas jovens entendessem.
—Me desculpem, às vezes uso expressões de minha terra. Queria dizer que estou cansada
porque não descansei bem as últimas noites.
As jovens ficaram mais tranquilas quando a entenderam.
—Então, o melhor é que vá descansar.
Montse assentiu e retornou ao castelo, embora antes de entrar olhasse para trás e viu as
duas jovens donzelas encaminhando-se para um grupo de guerreiros. Uma vez dentro, a
escuridão a desorientou. Por onde tinha que ir? Chegou até o salão onde minutos antes estavam
todos reunidos. Apareceu e comprovou que estava vazio. Só o fogo alaranjado da lareira ardia
sem descansar. Uma vez orientada, dirigiu-se para as escadas e, esquecendo-se da saia que
levava, a pisou e rodou escada abaixo.
—Merda! Que tombo me dei. —sussurrou ao erguer-se e sentir o sabor acobreado do
sangue na boca.
—O que ocorreu? —perguntou uma voz baixa atrás dela.
«Oh... Não e agora por cima, este» pensou ao reconhecê-lo.
Zangada consigo mesma por sua estupidez, levantou-se do chão de um salto com destreza e
o enfrentou. Ante ela estava o homem com o que horas antes tinha batalhado. Consciente de seu
mal-estar, mas sem querer discutir com ele, respondeu sem mal o olhar aos olhos:
—Não se preocupe senhor, não aconteceu nada.
E voltando-se, recolheu com uma mão a saia e seguiu subindo as escadas. Mas ele a parou
com uma mão forte e a tocou com delicadeza o lábio.
—Machucou a boca, mulher. Deve curar com urgência.
Soltando-se de um puxão, respondeu sem lhe olhar aos olhos.
—Disse que não se preocupe senhor!
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Sem mais, prosseguiu seu caminho. Entrou na estadia onde suas amigas dormiam
placidamente e, depois de enxaguar a boca com um pouco de água fresca, a hemorragia parou.
Logo deitou na macia cama e pensou antes de adormecer:
«Por favor, por favor, por favor... Que ao despertar tudo isto não seja mais que um mau
sonho.»

76
Capítulo 16

Aquela noite as três mulheres tiveram um sonho em comum. A cigana da feira de


Edimburgo, Erika, A Escocesa, entrou em suas mentes e as recordou que estavam ali por causa
do desejo que pediram, mas que voltariam para o presente na última noite do ano.
—Não... Não... Não isto não pode ser verdade! —gritou Montse ao abrir os olhos e ver a
escura e básica estadia em que se encontrava.
—Fecha o bico e não me zangue, que me dói a cabeça de raiva e aqui não chegou ainda o
Gelocatil. Grande noite me deu a maldita cigana. —se queixou Julia, sentada em uma pequena
cadeira, junto à janela.
—A você também? —surpreendeu-se Montse.
—Até o Natal! —chiou enlouquecida — Quase três meses que vou estar sem ver meu Pepe.
Ai Deus, como lhe explicarei que me aconteceu isto? Não acreditará e, seguramente, me
internará na clínica López Ibor de Madrid.
Com os cabelos revoltos, Montse se levantou da cama; mas ao se levantar, as longas saias
se enredaram em suas pernas e, inadvertidamente, caiu de novo ao chão.
—Mas, merda! —gritou chateada — Quero umas calças e um café duplo.
Quando se levantou, Julia gritou horrorizada ao ver seu rosto.
—Mãe do cordeiro... Mas o que aconteceu com seu lábio?!
—Ontem à noite caí pelas escadas. —gemeu, tocando a boca — E também foi por culpa
desta puta saia. Mas como podem andar todo o dia sem pisar-lhe. — Com rapidez desatou as
fitas que a seguravam e a deixou cair ao chão. —Não voltarei a pôr isso jamais! Irei nua se for
necessário, mas não ponho isto mais, nem morta!
—Bonita calcinha! —riu dela Julia, observando — Acredito que se sair assim do quarto,
esse duque com o que tão bem se dá terá algo a dizer.
Nesse momento se abriu a porta do quarto e entrou Juana com o rosto reluzente.
— Bom dia pela manhã, minhas meninas!
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—O será para ti. —bufou Montse.
—Caraca! Com quem se pegou ontem à noite para ter os lábios como o da Carmen da
Mairena? — mas ao ver o gesto de horror de Montse ao olhar-se no espelho, tratou de tirar
importância do assunto — Bom... Tudo bem, exagerei um pouquinho. Ah, sabem que sonhei
esta noite com a puta cigana?
—Você também?
—Então, minha menina, o que aconteceu?
—Conforme diz caiu ontem à noite pelas escadas. —cochichou Julia — Mas conhecendo-a,
não estranharia que deu de cara com qualquer um.
—Necessito um café duplo. —resmungou Montse, tampando o rosto.
—Ai, meu Deus, Cindy Crawford... Não terá se pegado com o duque? —gritou Juana.
Voltou-se para suas amigas e retirou o cabelo do rosto antes de responder.
—Não, mas não é por falta de vontade.
A canaria, que tinha se levantado cedo depois do estranho sonho com a cigana, soprou ao
notar o humor de sua amiga.
—Estive esta manhã passeando com Alaisthar... —disse com gesto pícaro, sentando-se em
uma das camas.
— O ruivo? —perguntou Julia.
Juana moveu a cabeça repetidamente.
—Oh, Deus, se eu gosto até de seu nome... Alaisthar Sutherland. — Ao ver que nenhuma de
suas amigas dizia nada, seguiu falando. — Mas ouviram o que disse? Chama-se como esse ator
que gosto tanto. Imaginam como se chamariam nossos filhos? Sutherland Hilton...
Suas amigas a olharam incrédulas. Mas o que dizia aquela louca?
—Ai, Deus, o que tenho que ouvir e sem ter à mão um mísero Gelocatil. — caçoou Julia.
—Puff, agora necessito um café triplo!
A canaria, fazendo ouvidos surdos a suas amigas, continuou divagando.
—Passeei com ele no lombo de seu esplêndido cavalo e me levou até um lugar precioso. Ali
falamos um bom tempo e, incrível garotas, não tentou me colocar a mão...!
—Há, que considerado. —se burlou Julia.
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—...E me disse que a semana que vem, se quisermos, nos leva ao mercado de Perth para
que possamos comprar um pouco de roupa ou o que necessitemos. O que lhe parece o plano?
—Alucinante! —grunhiu Montse recolhendo a saia do chão— Roupas! E me diga, bonita,
de onde tiraremos o dinheiro? Porque, que eu saiba, não temos nada, absolutamente nada, para
pagar o que comprarmos. Além disso, recordo-lhe que o parvo do duque nos quer fora de suas
terras. Esqueceu?
—Por isso não se preocupe, que eu já o solucionei. —assentiu a canaria.
—Ai, Meu Deus, acredito que minha dor de cabeça vai piorar. —sussurrou Julia, ao tempo
que gritava e compunha um gesto desencaixado — O que é o que você solucionou? O que fez?
—Se tranquilize Julia, por favor. —pediu Montse, que se pôs a rir sem saber por que —
Vamos ver, Paris Hilton e futura senhora de um tal Sutherland, como o solucionou?
—Falei com Fiona e ela nos dará trabalho como pessoal de serviço. Não ganharemos muito
dinheiro, mas será suficiente para poder subsistir.
—Como?! —gritaram Montse e Julia ao escutá-la.
—O que ouviu. Poremos sua casa em dia e em troca ela nos dará euros para...
—Sim, sobre tudo euros... Anda já! —chiou Montse ao escutá-la.
—Bom, minha menina, peniques, libras... A moeda que se use agora... Mas que lerda é às
vezes, filha!
—Nos contratará como empregadas? —burlou-se Julia, e Juana riu.
Montse, dolorida não só pelos golpes, enfrentou a canaria, desesperada.
—Mas, vamos ver, você não escutou ontem o que me disse o conselheiro do duque com
respeito a nossa estadia neste lugar? Não recorda o muito que o incomodou nos ver em sua
mesa?
—Mas claro que o recordo.
—Então?! —gritou Montse.
Juana respondeu com calma, retirando o escuro cabelo dos olhos.
—Fiona necessita ajuda em seu lar. Sua casa não é esta. Este castelo é de seu filho, mas está
acostumada a vir por temporadas para que o duque veja Maud. Pelo visto, sua casa está a umas

79
milhas daqui. Não é um castelo como este, mas pelo que me contou tampouco deve ser uma
choça de cinquenta metros.
Ao escutar aquilo, Montse assentiu e aplaudiu, as surpreendendo. Essa podia ser uma boa
solução para deixar que o tempo passasse e, sobre tudo, para estar longe do duque.

80
Capítulo 17

Permanecer naquele lugar sem ter nada que fazer era, como mínimo, incômodo. E essa foi à
sensação que teve Montse essa manhã. Para sua desgraça, depois de analisar com suas amigas
todos os prós e os contra de mudar-se para o lar da mãe do duque, Juana voltou a partir,
disposta a conquistar Alaisthar, e Julia, nada mais ao ver Fiona, se entreteu com ela em uma
conversa sobre ervas; seu hobby favorito.
Aborrecida e curiosa por tudo o que a rodeava, Montse se dedicou a perambular pelo
interior do castelo. Sem poder remediar, entrou no grande salão e foi direto até o quadro do
duque. Os frios e sensuais olhos de Declan Carmichael pareciam ter vida, observavam-na.
Meteu a mão no bolso da saia e tocou seu iPhone e o pendente. Com dedos trementes, tirou a
joia e a olhou. Era exatamente igual a do retrato.
—O que quer dizer isto? —sussurrou confusa.
Logicamente, não recebeu resposta e, depois de observar o retrato durante um breve espaço
de tempo, decidiu abandonar o salão e sair ao jardim, onde se encontrou com Maud.
—Olá, princesa. —saudou com afabilidade.
—Olá, Cindy. Brinca comigo?
—De que?
A menina, com seu gracioso porte levantou o queixo.
—De bonecas.
Sentando-se no chão com ela, Montse assentiu ao ver as toscas bonequinhas de madeira e
umas pequenas e delicadas xicarazinhas de porcelana sobre uma bandeja. Durante um bom
tempo brincou com a menina, envoltas em uma atmosfera de alegria e bem-estar. Maud estava
preciosa quando sorria e se parecia muito a seu pai, embora este fosse um tolo. Pouco depois
Juana se uniu a elas.
—Posso brincar também?

81
As três desfrutaram de uma ensolarada e fresquinha manhã de setembro até que Colin
avisou à pequena que sua avó a procurava. Uma vez sozinhas, as jovens decidiram aproximar-
se das quadras.
—Minha mãe, que bichos enormes e mais bonitos. Viu esse cavalo branco? Se vê elegante e
majestoso. É uma maravilha.
—Sim, minha menina. Mas não sabemos montá-los, embora tampouco acredite que seja tão
difícil. Será como tudo, monte-o tranquilo.
Foi escutar aquilo e Montse começou a tremer.
—Nem louca subo a um puro sangue destes. Você se fixou na altura que têm?
Depois de contemplar durante um bom tempo os pangarés, fixaram-se em uns burros
escuros. Com um pícaro sorriso nos lábios, Montse olhou sua amiga.
—Estes são mais baixinhos. Acredito que poderia me atrever com eles. Anima-se?
—Nem louca!
Montse se aproximou de um para lhe falar perto da orelha e acariciar o focinho.
—Se não se mover e me deixa subir, prometo te trazer algo de comer a próxima vez.
O burro a olhou e nal se moveu. Disposta a conseguir suas intenções, tentou primeiro pelo
lado direito; impossível. Depois pelo lado esquerdo; pior. Pediu ajuda a sua amiga e esta
procurou lhe dar uma mão, mas o impulso que deu foi tão brusco que saltou por cima do burro
e caiu escancarada pelo outro lado. Mortas de risada e em meio de um descomunal escândalo,
as encontrou Agnes; a criada que Montse tinha conhecido a noite anterior.
—Mas o que lhe acontece?
Com os músculos do abdômen doloridos de tanto rir ante a ridícula situação, Montse se
levantou e tirou o mato do cabelo.
—Ai, Agnes, que risada. Tentava subir no burro, pois nunca montei em nenhum, e foi
impossível. Logicamente, ao cavalo nem o tento. Me mato.
—Esta garota é um pato enjoado. —se mofou Juana, rindo.
Agnes as olhou surpreendida. Nunca subiu em um burro ou a um cavalo? Mas como tinha
pressa, não disse nada a respeito.
—Necessito que venham comigo para nos ajudar com a comida.
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Sacudindo suas saias, as duas jovens assentiram e, entre risadas e brincadeiras, seguiram à
criada.
—O que faremos hoje de comida? —perguntou Montse, uma vez na cozinha.
—Frango ao molho. —respondeu Edel, que entrava nesse momento com um molho de
ervas frescas na mão.
—Um... Que delicia! — lambeu-se Juana — Um dia farei um molho de minha ilha que se
chama «molho picón».
—Molho picón? —perguntou Edel, surpreendida.
—Sim. É um molho canaria com a que acompanhamos muitos pratos da ilha, mas sobre
tudo é muito saboroso com batatas. Em minha terra é tão popular que até tem sua própria
canção.
E, imediatamente, Montse e Juana começaram a cantar enquanto se moviam ao ritmo da
música. As criadas às olhavam como se estivessem loucas.

Molho Picón, Molho Picón...


O rico molho canaria se chama Molho picón...

Dez minutos depois, depois de fazer às duas mulheres dançarem, que morriam de rir ante
semelhante loucura, Agnes voltou ao assunto da comida do dia.
—Então, vocês gostam de frango?
—Nós adoramos! —confirmou Montse — Vamos, no que podemos ajudar.
—Me sigam.
Com o sorriso nos rostos, as quatro moças se dirigiram ao galinheiro levando com elas um
cesto. Mas quando Agnes abriu a porta do galinheiro, deixou-as sem palavras.
—Matem seis frangos e, quando os tiverem depenados, levam-nos a cozinha.
—Como?! —gritaram as duas ao uníssono.
—Que peguem seis frangos e quando os tiverem preparados, levem-nos a cozinha para
guisá-los.
As moças se olharam. Como elas iriam matar os pobres frangos?
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—Nem morta eu mato um frango. —sussurrou Montse em espanhol a sua amiga.
—Ai, minha menina, eu tampouco sou capaz. —respondeu Juana observando os animais.
Ao vê-las paralisadas no meio do galinheiro, Agnes e Edel cruzaram um significativo olhar.
—O que ocorre?
Montse foi primeira em responder, com a cara totalmente decomposta.
—Eu... Eu não posso matar um frango. Pobrezinho! Nunca matei um e não me sinto com a
suficiente capacidade mental nem moral para fazê-lo. E mais, acredito que se o fizesse, não
poderia dormir o resto de minha vida.
—Bichinhos... Não lhe dá pena? —murmurou a canaria, a ponto de chorar.
Com a gozação na boca, Agnes pegou um frango com tanta rapidez que deixou às duas
espanholas atônitas e, sem lhes dar tempo de reagir, deu-lhe um certeiro golpe no pescoço e o
deixou seco. O chiado de terror que soltaram impressionou as criadas.
—Ai, meu deus... Que o matou. —gritou Montse. —Não posso... Não quero olhar! —
exclamou Juana horrorizada.
—Acredito... Acredito que estou enjoando. —sussurrou Montse, apoiando-se contra a
parede do galinheiro.
Ver o pobre animal, que segundos antes corria feliz por ali pendurando agora das mãos da
jovem, revolveu-lhe o estômago. As escocesas não podiam acreditar no que ouviam, assim
Agnes se limitou a colocar o frango no cesto.
—Mas Cindy não disse que você gosta de frango? —perguntou aniquilada.
—Sim, eu gosto. Mas eu...
—Não a entendo. Não montou a cavalo nem em burro e tampouco matam frangos; mas de
onde dizem que são? —perguntou Agnes.
—Da Espanha.
—E na Espanha não há frangos?
—Sim, mas eu nunca os tinha pego diretamente do galinheiro. —sussurrou Montse.
—E de onde os pega? —pergunto Edel, recordando a estranha conversa que tinha mantido
com elas no dia que as conheceu.
—Do supermercado — respondeu Juana.
84
—Supermercado?! —repetiram as jovens.
—Sim... Bom, do mercado. —esclareceu Montse — Ali compramos tudo, como vocês.
Ao ver as garotas tão confusas e dar-se conta que seguiam sem compreender nada, Juana
esclareceu o tema como pôde.
—Sei que soa estranho, mas eu cozinho o frango quando os outros já o mataram e o
depenaram. Como muito o picamos.
Edel e Agnes entendiam cada vez menos. De onde tinham saído aquelas mulheres?
—Ai, Deus — se queixou Montse aproximando-se delas— Sei que não nos entendem, mas
a verdade é que nós nunca matamos um frango nem a nenhum outro animal. Entendo que lhes
parece estranho, mas é a verdade.
—Então... São da realeza? —expôs Agnes, surpreendida.
—Não! —sussurrou Montse, consciente de quão difícil era explicar sua situação sem que
todo mundo pensasse que estavam loucas.
—Não, não, de jeito... —negou a canaria— Somos classe operária, como vocês, mas os
frangos ou qualquer outro animal chegam a nossas mãos mortos. Bem, há pessoas que os
matam e logo nos passam isso, entendem agora?
—Ainda seguem com a loucura de que vêm do ano 2010. —se burlou Edel.
Montse e a canaria se olharam. O que lhe dizer? Mas antes que pudessem responder algo,
as duas criadas deram de ombros.
—Nós limpamos muito bem. Onde vivemos somos as encarregadas da limpeza. Se
quiserem, vocês cozinham e nós limpamos, está bem? —trocou de tema Montse.
—Que boa ideia! —aplaudiu Juana.
Mas aquela boa ideia, depois de mais de duas horas de joelhos limpando o chão com um
pano e sabão de soda, começou a deixar de sê-lo.
—Não sinto os joelhos! —queixou-se Montse sentando-se no chão— E ainda por cima
perdi três unhas postiças.
—«Nós limpamos bem...» «Nós limpamos bem...» — protestou a canaria a seu lado—
Como lhe ocorre dizer isso? Odeio limpar!
—Prefere matar frangos?
85
—Não.
—Pois então não se queixe e segue esfregando.
Nesse momento se abriu a porta de uma estadia e dela saiu Declan Carmichael.
—Limpam ou mexericam? —perguntou ao as vê-las jogadas no chão.
—Se somos poucos, pariu a burra. —protestou Montse em espanhol ao lhe ver. Mas dando
a volta mordeu a língua. Se lhe respondia, estava segura de que não seria nada bom.
Mas Declan tinha escutado algo e, consciente de sua superioridade, ficou junto à descarada
de cabelo castanho.
—Ouvi-lhe murmurar. O que disse?
Juana a olhou de esguelha e indicou que se calasse.
—Disse que queria lhes ver fora de minhas terras, não em minha casa mexericando e
perdendo o tempo. Acaso não se lembram?
Semelhante tom de voz, tão desagradável, foi o que fez encher o copo da paciência de
Montse que, levantando do chão como uma mola, o encarou.
—É obvio que o recordo senhor. Como poderia esquecê-lo?
—Segue com seu comportamento altivo? —perguntou enquanto observava os traços de seu
rosto, produzidos pela queda da noite anterior.
—Não, senhor. Só lhe estou respondendo.
Durante uns segundos, Declan e Montse se fulminaram mutuamente lançando raios pelos
olhos. A ela quase parou o coração. Aquele homem não era o mais bonito que tinha conhecido
em sua vida, mas era tão atraente e desprendia tanta personalidade, que a nocauteou.
Declan, ao sentir a pressão de seu olhar, observou-a confuso. Aquela mulher de roupas
velhas e maneiras lamentáveis tinha algo que o atraía. A força de suas pupilas o desconcertava.
Reteve a vista em sua boca e reparou na ferida.
—Dói-lhe? —perguntou em um tom de voz mais suave.
Montse, acalorada, e não só pela discussão, levou a mão aos lábios e negou com a cabeça.
—Tenha mais cuidado de agora em diante.
—Terei-o. —sussurrou Montse, confusa por aquela aveludada voz.

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—Agora voltem para seus afazeres. —indicou, retornando a seu tom áspero — E já que
estão aqui e lhes dou proteção e sustento, façam bem.
Como despertando de um sonho, curto, mas intenso, Montse levantou o olhar e grunhiu.
—Faço-o melhor que sei. Não o vê?
Ele olhou o chão e deu de ombros.
—Se se esforçassem mais, poderiam fazê-lo melhor.
—Mas este homem é tolo ou o que?! Olhe que lhe mando fritar aspargos e me importa um
tostão o que ocorra. — bufou Montse em espanhol.
—O que disse? —perguntou Declan, molesto por não entendê-la
A canaria, consciente do que podia acontecer se não parava sua amiga, levantou-se.
—Desculpe senhor, Cindy disse que nos empenharemos mais nisso.
Declan não acreditou. Só tinha que ver a cara de aborrecimento da descarada para saber que
havia dito qualquer coisa menos aquilo.
—Tomem cuidado com o que dizem ou seu comportamento não ficará impune. Me
ouvistes? —resmungou em tom glacial.
—Sim, senhor. —respondeu ela, esfregando o chão com ardor.
—Senhor, quanto ao de partir, —prosseguiu a canária — não se preocupe. Faremos em
breve; assim que sua mãe retorne a seu lar.
—Minha mãe? O que tem a ver ela nisto?
—Ofereceu-nos trabalho em sua residência. —vaiou Montse, contendo o impulso de lhe
esfregar o pano sujo no rosto.
Declan assentiu e passou por cima do que estava molhado para desaparecer dali com
grandes pernadas, sem dizer nada mais.
—É que... É que... Lhe daria quatro bofetadas e que ficasse como Deus! —protestou
Montse levantando-se.
Juana se agachou de novo e suspirou. Colocou de novo o pano no balde com água e, depois
de torcê-lo, olhou sua amiga que ainda continuava de pé em atitude de guerreira.
—O que se parece se cantarmos um pouquinho o molho picón?
Montse sorriu.
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Capítulo 18

Uma semana mais tarde, os lábios de Montse voltaram ao normal. E em todos aqueles dias,
mal conseguiu livrar-se de ver o duque. Pareciam ter um ímã para chocar-se continuamente,
algo que sem dúvida incomodava a ambos. Pelas manhãs, ele a observava da janela quando saía
pela porta das cozinhas e começava a fazer uns estranhos exercícios com as mãos e os pés.
Inclusive em uma ocasião, deixou-lhe boquiaberto ao ver como dirigia um pau. Os movimentos
eram parecidos com os de seu treinamento com a espada. Daquilo ele gostou. A jovem parecia
saber defender-se.
Uma daquelas manhãs Montse decidiu sair para correr. Precisava fazer algo mais que dar
murros e chutes no ar para limpar-se e eliminar o estresse. Saiu com cuidado do quarto, para
não despertar suas amigas, e quando chegou ao exterior do castelo suspirou. Aquele amanhecer
ensolarado era o mais bonito que tinha visto em sua vida. Caminhou até chegar a um atalho,
mas ao ver o bosque frondoso que se abatia ante ela, não pensou e se internou nele.
Começou a correr e em seguida se deu conta de quão incômodo era fazê-lo com aquela
vestimenta. Mas o tecido não ia dissuadi-la, assim levantou a saia à cintura até deixá-la pelos
joelhos e com um feliz sorriso continuou com a corrida.
O suor começou a lhe empapar o rosto e o cabelo, mas não se importou. Sua mente se
bloqueou e só pensava em correr, correr e correr. Manteve o passo durante mais de uma hora,
até que o ruído dos cascos de um cavalo que se aproximava a ela a obrigou a deter-se. Cansada
e com a língua até os pés, surpreendeu-se ao encontrar-se com a cara de preocupação do duque
que, ao vê-la atuar daquela maneira, imaginou que lhe acontecia algo.
—O que lhe ocorre? Quem a persegue? —perguntou baixando do cavalo com a espada na
mão.
Sem fôlego, Montse levantou a mão para pedir um segundo e tomar ar.
—Não me ocorre nada. Por quê?
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—Corria, e as pessoas só correm quando fogem de algo.
Acalorada e suando como uma possessa, retirou o cabelo pego do rosto e sorriu.
—Pois sinto lhe decepcionar, mas só corria por prazer.
Aquele dia, Declan Carmichael ia vestido com umas calças de couro marrons, botas altas e
uma camisa bege escura aberta até o peito. Lhe via bonito e relaxado. O cabelo solto e enredado
pelo vento lhe dava um ar sexy e varonil.
«Por Deus, Montse, no que está pensado?», repreendeu a si mesma.
—Prazer?
—Sim. Correr me limpa e relaxa. Estou acostumada a fazê-lo frequentemente, portanto não
se preocupe se voltar a me ver correr.
Perplexo por aquela resposta, Declan introduziu sua espada no cinto, aproximou-se de seu
cavalo, pegou uma espécie de garrafa e a ofereceu.
—Quer um pouco de água?
—Uf... A verdade é que me viria de vício.
—Viria-lhe de vício?! O que quer dizer isso?
Montse sorriu. Passava o dia esclarecendo tudo o que falava e o que queriam dizer
exatamente suas expressões.
—É como dizer que me viria muito bem. Entende? —respondeu enquanto pegava a garrafa.
O homem assentiu e ela deu um pequeno gole, depois outro e, por último, um mais longo.
Ele não podia afastar a vista de suas pernas por que levava erguida a saia? Mas quando ela
tampou a garrafa e a estendeu, deu-se conta de aonde olhava.
—Estou acostumada a fazer footing com...
—Footing!?
Levou uma mão à boca para não rir ante o gesto do duque.
—O footing é um exercício que se apoia em correr ou trotar. Estou acostumada a fazê-lo
com calças, mas como aqui não tenho, e posto que ninguém pudesse me ver, decidi subir a saia
para não tropeçar e cair. Mas não se preocupe senhor, já a abaixo.
—Nunca tinha escutado nada igual. —sorriu boquiaberto.
—Senhor, alegra-me me inteirar de que sabe sorrir. —disse, ao sentir que se relaxava.
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—Por que diz isso?
—Porque é a primeira vez que o vejo fazê-lo.
Declan não respondeu, simplesmente deu a volta e deixou a garrafa dentro de sua bolsa.
—Né... Bom, devo retornar. —disse Montse — Estou segura de que me espera um
apaixonante dia limpando as janelas, o chão ou algo assim.
Aquele comentário lhe voltou a fazer sorrir.
—Quer retornar comigo a Elcho? —perguntou Declan com tom cometido.
Surpreendida por sua amabilidade e o oferecimento, olhou-lhe e, em vez de responder,
perguntou:
—Em seu cavalo?
—Como a não ser?
Montse levantou a vista e olhou o enorme puro sangue que ante ela se erguia nervoso e
desafiante.
—Hãn... Não. Será melhor que não.
—Por quê?
—Bem... Porque não é boa ideia.
—Por que não quer que a leve? —insistiu com surpresa — Daqui a Elcho há um bom
trecho caminhando, e por seu aspecto sei que está cansada.
A verdade é que estava morta, mas subir ao cavalo com ele não era boa ideia. Obrigou-se a
ser sincera.
—Embora não creia e me envergonhe dizer isto, —disse o olhando aos olhos — dão-me
medo os cavalos. Não sei montar.
Aquilo provocou a risada de Declan. Como uma mulher como aquela, com semelhante
caráter e impulso, podia temer um cavalo? E, em especial, não saber montar! Sem dizer nada
mais, deu a volta e subiu no lombo de seu escuro corcel com um ágil salto.
—Me dê à mão e suba.
—Não.
Aquela negativa tão direta lhe fez franzir o cenho.
—Não seja menina e me dê à mão. —repetiu.
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—Não se ofenda, mas prefiro ir caminhando.
—Foge de mim ou de meu cavalo? —burlou ele de repente.
Ela girou para o olhar com olhos desafiantes e cara de aborrecimento.
—Não, senhor. Eu não fujo. Só estou dizendo que não quero subir. E ponto!
Mas antes que ela pudesse dar um passo mais, ele se agachou da garupa e, como se se
tratasse de uma pluma, içou-a e a sentou diante dele.
—Ai, meu Deus. —gritou ao sentir-se ali acima — Vou cair!
—Tranquila. Não irá cair porque não vou permitir.
—Mas como pode sabê-lo? Os acidentes ocorrem e...
—Se tranquilize. —lhe sussurrou perto do ouvido.
—Nãoooooo posso. —chiou agarrando-se a ele com desespero.
—Ai! —queixou-se— Me está destroçando a perna.
O homem tinha razão. Retesada, tinha agarrado com as mãos a perna direita dele e, lhe
aferrando com força, a retorcia. Horrorizada por isso o soltou.
—Sinto muito... Foi sem querer. —se desculpou ao ver que relaxava o gesto de dor.
Ele se limitou a segurá-la entre seus braços com força e, com um movimento do pé, fez
avançar o cavalo.
—Move-se... Move-se... Isto se moveeeeeeeeee.
—Claro, ordenei-lhe que caminhe. —sorriu.
—Mas... Mas... Onde me agarro?
—Eu vos seguro
—Por sua mãe, não me solte! —chiou histérica, lhe fazendo sorrir de novo.
Divertido, observou-a gesticular durante umas milhas. Ao final, para tentar entretê-la e que
se esquecesse de onde estava, iniciou uma conversa.
—Seu nome é...?
—Cindy. Cindy Crawford, senhor. —sussurrou a ponto do enfarte.
—O que é isso que faz às vezes nas manhãs?
—A que se refere? —perguntou com voz nervosa enquanto o cavalo trotava.

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—Algumas manhãs a vejo fazer uns estranhos movimentos com as mãos e os pés, como se
brigasse com alguém.
—Isso é karat~e.
—Karatê?!
—O karatê é uma arte marcial.
Sem entender nada do que dizia, mas ao comprovar que deixava de tremer, o highlander
continuou falando.
—E quando move o pau entre as mãos, também é karatê?
—Fala do Bo?
—Bo?! —repetiu ele
—Bo se chama o pau que se utiliza para praticar... —mas ao notar o trote do cavalo, voltou
a sussurrar— Ai meu Deus, vou cair!
Ele sorriu e a agarrou com força.
—Que tal se deixa de olhar o chão e desfruta da paisagem? Tudo o que nos rodeia é
formoso não o vê?
—Não. Não vejo nada... Não vejo nada...
O nervosismo, sua voz de desconcerto e a graça com que gesticulava, divertiu Declan; que
tentou modular sua voz em um tom suave.
—Claro que pode. Só têm que relaxar e confiar em mim. Asseguro-lhe que meu cavalo e eu
somos dois cavalheiros, embora de distintas raças.
Aquilo atraiu a atenção de Montse. Aquele homem sorria e sabia brincar? Agarrando-se à
crina, voltou-se para dizer algo; mas seu ímpeto e o trote do cavalo provocaram que desse uma
cabeçada no homem que tinha a suas costas que, em um ato reflexo, separou uma mão de sua
cintura para tocar o nariz.
—Ah... Que caio! —gritou ela, e rapidamente ele a agarrou de novo. Uma vez que se sentiu
segura, voltou-se com cuidado para ele— Ai, meu Deus de minha alma e de meu existir, que
golpe que lhe dei! Lhe fiz mal?
—Não se preocupe, foi um golpe sem importância.

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Mas Montse, convencida que tinha que doer mais do que dizia, levantou suas mãos e as
posou sobre seu rosto para o obrigar a olhá-la.
—Espera, digo... Espere um momento, por favor. Me deixe ver um instante.
Sem mover-se, Declan deixou que aquela estranha com a que não tinha nada em comum,
tocasse seu rosto. Levava anos sem ter aquele tipo de cercania com alguém, à exceção das
prostitutas com as que de vez em quando se desafogava. Embora aquelas não se parecessem em
nada a essa mulher que, com gesto de preocupação, revisava-lhe o rosto e o tocava com mãos
suaves. Muito, muito suaves.
—Bem. Não lhe fiz nada na tocha. —suspirou aliviada.
—Tocha?! —perguntou divertido e agradado por aquela cercania.
—O nariz, senhor, o nariz.
Estiveram calados uns segundos, até que ela rompeu o silêncio.
—Como se chama seu cavalo?
—Kross.
—Quantos anos têm?
—Na primavera fará cinco.
Durante o resto do caminho Declan falou de seus cavalos e, embora Montse não se
inteirasse de nada do que dizia, desfrutou da conversa e de sua cercania. Parecia mentira que
aquele que agora ria e brincava com ela, fosse o mesmo homem que em seu castelo a olhava
com contínua desaprovação. Por isso, quando o castelo de Elcho apareceu ante eles, sentiu a
dentada da desilusão. Sabia que aquele encontro fortuito tinha sido algo excepcional e que,
dificilmente, voltaria a se repetir.
Uma vez nos estábulos, Declan desmontou com cuidado. Depois estendeu os braços para
baixá-la.
—Tranquila, senhorita Crawford, siga confiando em mim.
E uma vez no chão, feliz por não ter deixado os dentes no caminho, aplaudiu o lombo do
cavalo.
—Deveria aprender a cavalgar.
—Eu!? Não, não. Não o necessito.
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—Não o necessita? —perguntou surpreso.
—Não.
—Eu poderia lhe ensinar se quisesse.
—Agradeço-lhe isso, senhor, mas não. Estou segura de que quando partir daqui, o cavalo
voltará a ser algo dispensável para mim. —disse ao pensar nas comodidades que lhe
proporcionaria o século XXI. Mas ao ver como a olhava, aprofundou-se na explicação — De
verdade, senhor Carmichael, agradeço-lhe isso; mas não. De todas as formas, muito obrigada
pelo passeio. Foi muito agradável cavalgar com você.
Ele não respondeu. Só se limitou a assentir com a cabeça e segui-la com o olhar enquanto
ela partia.

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Capítulo 19

Mas a trégua entre eles, depois daquele inesperado encontro no bosque, desvaneceu-se.
Montse encontrou essa tarde um cachorrinho mestiço quando pendurava a roupa. Comovida ao
ver que o animalzinho a seguia, pensou que seria o presente perfeito para a pequena Maud.
Estava muito só e um amiguinho como aquele lhe viria de pérolas. A menina se emocionou ao
vê-lo e saltou contente. Rapidamente o chamou Fitz. Mas a alegria se evaporou quando seu pai
entrou no salão e a viu brincando com ele.
«De onde tinha saído aquele animal?»
Destemperado, e sem nenhum tato, gritou a pequena que o cão tinha que sair do castelo. A
menina, fazendo beicinho, implorou-lhe que a deixasse ficar com ele, mas seu pai se negou,
inflexível.
Montse escutou a voz do duque e o pranto da pequena do corredor e, como sempre, sem
pensar duas vezes, entrou na estadia e se encarou a ele.
—Vamos, homem, não seja assim não vê o desgosto que está fazendo Maud passar? Não
seja cruel, por Deus, que é sua filha!
—Faça o favor de se comportar, ou profetizo que você e eu teremos muitos problemas. —
espetou Declan, olhando-a carrancudo.
—Pois o que eu profetizo — burlou Montse — é que se segue falando dessa maneira a sua
filha, um dia de amanhã, quando você for mais velho, vai estar mais só que a qualquer um.
Como pode gritar com ela assim? Não vê que é uma menina e que necessita carinho.
O duque cravou seu gelado olhar na pequena Maud, que se escondia atrás das saias daquela
louca mulher que tinha a ousadia de enfrentá-lo.
—Você não é ninguém para me dizer como devo falar com minha filha. Quem acredita ser?
—Diferente de você, que é o senhor! Acredito que sou ninguém. E se lhe digo isto, é porque
sei do que falo. Meu pai foi... Foi... —mas interrompeu seu sermão, consciente de que não
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queria falar daquilo — Maud é uma menina encantadora que só procura carinho, compreensão e
amor, e você o nega lhe falando dessa forma.
—Tira esse animal daqui sem mais demora, Maud. —gritou o homem.
A pequena, com o cachorrinho ainda nos braços e o rosto cheio de lágrimas, continuou
insistindo.
—Pai, por favor, me permita que fique com Fitz. Estou sozinha e com ele me divirto e
tenho com quem brincar. Além disso, começa a fazer frio e é muito pequeno para que durma à
intempérie.
—Já disse que não, Maud. Não quero animais no interior do castelo. —mas ao ver que sua
filha fazia outro bico, se abrandou um pouco — Pode ficar fora, mas não o quero ver no salão.
Entendeu-me?
—Mas... Chove e não posso brincar com ele.
—Brinca com suas bonecas, que para isso as tem. —a recriminou sem um ápice de piedade.
—Certamente, têm menos tato que uma lula. —grunhiu Montse incrédula — Mas não vê
que sua filha necessita companhia? Está cego? Se até o chama «pai» em vez de papai ou
papaizinho... Oh, Deus, pode haver algo mais impessoal para uma menina tão pequena...?
—Não se meta onde não lhe chamam. —bramou, farto.
—Alguém tem que defender os direitos de sua filha. Alguém tem que lhe dizer que faça o
favor de se dar conta de que Maud é uma menina encantadora que só procura seu carinho e
companhia e que você é seu maldito pai.
Declan, cada vez mais furioso e incrédulo pela língua tão larga que tinha aquela mulher,
aproximou-se dela em atitude intimidatória para lhe vaiar a cara.
—Saia de minha vista ou lhe juro que...!
—Ou me jura o que?
Disposto a lhe dar um bom castigo, Declan pegou Montse pelo braço com brutalidade, ante
o olhar horrorizado da pequena Maud.
—Solta-a Declan, pelo amor de Deus. —escutou nesse momento. Fiona, sua mãe, alertada
pelas vozes, aproximou-se para ver o que ocorria; mas ao ver a pequena Maud chorosa com o
animal entre seus braços não pôde evitar grunhir. —Filho, mas o que pretendia fazer?
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Furioso pelos acontecimentos, Declan soltou Montse a contra gosto que, sem perder nem
um ápice de sua segurança, voltou-se para a menina e a pegou nos braços.
—Levarei Maud à cozinha. Estou segura de que umas ricas bolachas conseguirão fazê-la
sorrir de novo.
Quando Declan e sua mãe ficaram sozinhos, ele mal podia conter a alteração.
—Exijo que essa maldita e intrometida mulher parta de minhas terras, ou não respondo por
meus atos!
—Essa maldita mulher, como você diz, o único que fez foi velar pelo bem-estar de sua
filha.
—Ninguém o pediu.
—Sei, mas é a primeira pessoa capaz de lhe desafiar ante seu injusto comportamento com a
pequena. — O olhou — Durante anos, todos fomos testemunhas de como seu caráter se
azedava dia a dia e se afastava cada vez mais da menina. Parece-se normal que Maud viva mais
tempo comigo que contigo, que é seu pai? Nunca parou para pensar por que se assusta quando o
vê. Disse alguma vez que a ama? Ou que é bonita? Ou simplesmente lhe concedeste um
capricho?
—Mãe, não acredito que...
Mas Fiona, disposta a lhe dizer umas verdades, seguiu falando sabendo que aquilo o
zangaria ainda mais.
—Por desgraça, Isabella morreu. Sei que isso está gravado em seu coração, mas paraste
para pensar quão diferente seria a vida de Maud se sua mãe vivesse? Crê que Isabella gostaria
de ver o que faz com a menina? —Ele não respondeu— É jovem, Declan, só tem trinta e um
anos e deveria refazer sua vida.
—Para que? —vaiou ele— Para que quando começar a ser ditoso, a perversa maldição dos
Carmichael apareça de novo em minha vida e me destroce isso. Não mãe, não. Não quero me
sentir culpado pela morte de nenhuma mulher mais.
—Mas Declan, há mul...
—Se for me falar de Rose Ou'Callahan, esquece-o. Essa tediosa e caprichosa mulher seria
mais um problema que um motivo de felicidade.
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—Não parou para pensar que, se não a amas, possivelmente a maldição não se cumpra.
—Por todos os Santos, mãe, o que está tentando me dizer?
Consciente que seu filho tinha razão, Fiona se sentou em uma cadeira junto a lareira e
sorriu.
—Tem razão, filho. Rose é insofrível, mas sejamos sensatos; poderia lhe dar filhos, mais
herdeiros e...
—Já basta, mãe. Não quero seguir falando disto.
O duque de Wemyss saiu do salão, deixando sua mãe com a palavra na boca, dolorida pelo
amargo e solitário futuro que esperava a seu filho.

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Capítulo 20

Aquela tarde, depois de conseguir fazer Maud sorrir de novo, Montse a ensinou a pular
amarelinha, pintou quadros no chão e a fez saltar e, quando chegou a noite e a pequena se
despediu para ir à cama, prometeu-lhe que Fitz não dormiria só à intempérie, mas sim o levaria
com ela a sua estadia.
O cachorrinho, esgotado pelo ocupado dia, adormeceu em seus braços assim que ficaram
sozinhos. Amorosamente lhe beijou na cabecinha e se dirigiu às cozinhas. Mas ao ir entrar,
escutou a voz do duque falando com Agnes. Horrorizada, afastou-se. Não tinha nenhuma
dúvida de que se transpassava a porta, a buscaria para discutir, e não gostaria. Ainda com o cão
nos braços, dirigiu-se para as cavalariças; um tempinho de paz a sós com os animais, lhe viria
muito bem.
Esteve durante um bom tempo observando a nobreza da cara dos pequenos burros.
Finalmente, sentou-se quando escutou a voz de Juana.
—O que faz aqui sozinha?
—Burroterapia.
—Há, que boa ideia! A patentearei quando retornarmos ao século XXI. —riu a canaria
olhando os burros. —Tenho um problema. —murmurou Juana depois de um momento de
brincadeira.
—O que acontece?
A canaria soprou.
—Veio-me a regra. Grande papelão!
— Por que papelão?
—Porque pedi a Edel algo para pôr e...
Ao ver o gesto da canaria, Montse sorriu.
—Senhor, as mulheres deste século colocam algo, não? Bom, digo...
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—Sim. Algo põe. Edel me deu um paninho dobrado e...
Montse se partia da risada.
—Não me diga que não têm absorventes com abas nem Tampax...
Soltando uma gargalhada, a canaria lhe deu uma cotovelada.
—Não, brincalhona, não. Pus-me um paninho e, ai, minha menina! Estou com as pernas tão
abertas que pareço John Wayne. Mas como podem colocar isto tão grande? Que desconforto,
por Deus!
Durante um tempo estiveram rindo pelas centenas de tolices que lhes ocorreram, até que a
canaria percebeu que sua amiga estava mais relaxada.
—Passou já a chateação que tinha?
—Sim. Estou mais tranquila. Mas juro que com esse homem não posso, tira-me do sério.
Não o suporto. Oxalá não tivesse que voltar a cruzar com ele, mas temo que ou o mato, ou isso
não vai acontecer. Não vejo o momento de deixar de lhe ver, juro isso!
—Minha menina, às vezes é mais seletiva que a colheita da Saimaza.
—Seletiva?
—Sim. Quando coloca algo na cabeça, não há maneira de te fazer trocar de opinião.
—Perdoa bela —grunhiu ao escutar aquilo— mas te recordo que aqui o desagradável, tolo e
antipático é ele, não eu.
—Bom, essa é sua opinião, possivelmente ele pense o contrário. Afinal é você a que se
colocou em sua vida, não ele na tua.
—Mas do que está falando? Esse tonto estava falando com Maud de uma maneira que a
pequena não merecia e...
—E você, sem perguntar, deu de presente à menina um mascote sem saber se ele estava de
acordo. Me desculpe, mas acredito que aqui foi você que colocou a garra até o fundo. Esta é sua
casa, não a tua. E se introduzir alguma mudança, o primeiro que deveria fazer é perguntar, não
atuar a seu livre-arbítrio e logo, quando não lhe dão razão, se zangar e montar o espetáculo que
montou.
—Não posso acreditar nisso... Está do lado... Desse azedo?

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—Desta vez sim. Eu não gosto de muitas coisas dele, mas nesta ocasião não fica mais
remédio que dizer que tem razão. Repito, é sua casa, sua filha e sua decisão. E você decidiu
algo sem contar com ele.
Molesta por aquelas palavras, Montse foi dizer algo, mas se calou. No fundo, gostasse ou
não, reconhecia que sua amiga tinha razão.
—Está bem, de acordo... Mas não acredito que precisava ficar dessa maneira; além disso,
eu...
Nesse momento se escutou um assobio. A canaria se levantou e lhe deu um rápido beijo na
bochecha.
—Não me odeie por lhe deixar sozinha e na metade da conversa, mas Alaisthar... Já sabe,
esse que está mais maciço que o micro-ondas dos Pedreiros, acaba de me chamar e estou como
louca por me reunir com ele.
—Anda corre. Vá e passa bem. —replicou, divertida.
Cinco minutos depois, de novo a sós com o cachorrinho e os burros, Montse tomou uma
decisão. Levantou-se e, dando calor ao animalzinho com seu corpo, retornou ao interior do
castelo.
—Fitz, caso lhe ocorra mijar em minha cama, lhe envolverei em um paninho higiênico,
embora não tenha abas.

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Capítulo 21

A partir daquela desagradável discussão, Montse não voltou a comer, tomar o café da
manhã, nem jantar no salão principal. Negou-se. Não queria ver o desagrado que causava no
duque cada vez que a olhava, alheia ao feito de que ele a seguia com os olhos com inconsciente
deleite.
Uma semana mais tarde, Montse falou com Fiona.
—Sinto-o de verdade, sinto o do cachorrinho, mas juro que quando o vi, pensei em Maud e
no feliz que a faria. —se desculpou, sentada no salão principal.
—Não se preocupe moça. —assentiu a mulher— Meu filho é um homem com muito caráter
e às vezes lhe faz ser descortês.
—Se só fosse descortês... —grunhiu Montse, fazendo sorrir à mulher — Lhe prometo
Fiona, que retenho muito minha língua, porque se não...
A mulher olhou a jovem que estava sentada ante ela. Seu atrevimento ao falar e sua maneira
de gesticular a divertia, e isso a agradava. E mais, cada vez que a pequena Maud estava com
ela, escutava-a rir como nunca antes em sua vida; inclusive os criados estavam mais alegres.
Sem dúvida, aquela moça com seu amalucado comportamento estava animando a vida de sua
neta e do castelo, embora não a de seu filho.
—De verdade, Cindy, não se preocupe. E já que estamos falando, me deixe lhe agradecer
quão feliz faz minha neta.
Ao pensar na pequena, a jovem sorriu e retirou com graça o cabelo do rosto.
—Maud é uma menina impressionante. Adoro sua vivacidade quando aprende algo ou se
surpreende. Ver esses olhos claros azuis sorrir, entusiasma-me. Embora não possa dizer o
mesmo dos de seu filho. Entre você e eu, Fiona, às vezes parece que deseja me estrangular e me
jogar como comida aos frangos.

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—Ai, Cindy, que coisas mais graciosas diz! É impossível não sorrir contigo. — gargalhou a
mulher. Levantando-se de sua cadeira, Fiona se aproximou até a enorme lareira para esquentar
as mãos ao tempo que olhava o retrato de seu filho, sobre a chaminé. —Declan não passou bem
na vida. Perdeu seu pai muito cedo e sua mulher também. Indevidamente, tudo isso tem feito
que seu caráter seja tosco e rude. E embora eu saiba que tem um enorme coração, acredito que
o há couraçado para que não o voltem a romper.
Montse se levantou da cadeira ao escutá-la e se aproximou da mulher para olhar de perto o
impressionante retrato.
—Crê que seu filho é assim devido à morte de sua mulher?
—Em certo modo, sim. Declan nunca quis conhecer Isabella nem nenhuma outra mulher.
Desde pequeno me deixou muito claro que não queria ser responsável pelaa morte de ninguém
e...
Aquilo surpreendeu à jovem, que tomou as mãos da dama.
—Ser responsável pela morte de alguém? A que se refere?
Com gesto contrariado, Fiona assentiu e a olhou diretamente.
—Sobre nossa família pesa há séculos, uma terrível maldição. Todo Carmichael perderá seu
par no momento de maior felicidade. E assim leva sendo há mais de trezentos anos. Ele... Sabia
e...
—Um momento, Fiona. —disse Montse — Está me dizendo que quando um Carmichael se
apaixona e chega ao ponto culminante desse amor, seu par morre?
—Sim moça. Meu pai morreu ao dia seguinte de meu nascimento. Meu marido morreu
vinte e quatro horas depois de Declan nascer, e Isabella morreu pouco tempo depois de dar a
luz a Maud.
—Que horror, por Deus! —sussurrou Montse, sentando-se de novo junto à mulher— Mas...
Como pode ser isso?
—Segundo uma lenda que passou de pais a filhos, no dia dos esponsais dos Roberts, em
Aberdeen, estava-se fazendo um torneio de arco e flecha. E o que começou sendo um bonito
dia, acabou muito mal quando Brendan, o filho Keeva, a feiticeira, morreu em consequência de
uma flecha perdida. A feiticeira foi às nuvens e vingou a morte de seu filho levando o marido
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de Alannah Carmichael. E para assegurar-se de que a felicidade nunca seria completa entre nós,
roubou do pescoço da jovem viúva a metade da joia dos Carmichael, nos amaldiçoando com o
desamor eterno até que essa joia, em forma de coração, voltasse a se unir. Depois se jogou pelo
escarpado de Aberdeen e ninguém mais voltou a ver a bruxa nem a joia.
—A joia dos Carmichael?
—Sim. —e assinalou o quadro de Declan — Vê o que pendura no pescoço de meu filho?
Montse, com o coração palpitando a mil por hora, levantou a vista e sentiu que a boca
secava ao comprovar ao que se referia.
—Sim. —murmurou.
—Essa é a metade da joia dos Carmichael. Uma pedra celta lavrada por nossos
antepassados. Na antiguidade, quando o primogênito dos Carmichael se desposava, entregava a
metade a seu cônjuge como prova desse amor. Mas Keeva levou consigo uma parte dessa joia
e, após, a maldição nos marcou geração após geração nos fazendo padecer uma imensa dor.
«Não pode ser... Não pode ser... Não pode ser certo o que estou pensando», pensou Montse
ao escutar aquela terrível historia e sentir que o sangue gelava em suas veias.
Com as pernas trementes, levantou-se da cadeira e se aproximou de novo do quadro. Com a
pulsação a mil, fixou seu olhar no meio coração que pendurava do pescoço de Declan e teve
que segurar-se a lareira para não cair.
—O que ocorre filha? —perguntou preocupada Fiona, indo a sua ajuda.
Quando se sentou de novo, a mulher lhe serviu uma taça de água que ela aceitou com mãos
trementes.
—Está melhor?
—Sim. Não. Sim. Bom... Não sei.
Assustada pela palidez do rosto da moça, a mulher se levantou para chamar alguém do
serviço. Montse lhe segurou as mãos e a fez sentar.
—Fiona... Eu...
—Não se preocupe menina. Chamarei alguém para que a acompanhe até seu quarto.
Acredito que precisa descansar e...
—Não!
104
—Não? —surpreendeu-se a mulher.
—Estou bem. Só que me surpreendeu algo.
—Sei filha. A história dos Carmichael sempre assusta.
Montse, disposta a acabar com aquilo, olhou à mulher e, metendo a mão no bolso da saia,
tocou aquilo do que Fiona falava e o prendeu entre os dedos.
—Fiona, não sei como explicar isto, mas, por favor, ponha a palma para cima e feche os
olhos. —Ao ver que a mulher a olhava estranhando, sussurrou com um sorriso— Confie em
mim, por favor.
Sem necessidade de voltar a repetir, Fiona fez o que lhe pedia e levantou a mão direita.
Montse tirou a sua do bolso e, depois de olhar o pendente que parecia queimá-la, deixou-o
sobre a palma elevada.
—Já pode abrir os olhos.
Com um sorriso nos lábios, a mulher obedeceu e, ao encontrar em sua mão a joia, esteve a
ponto de cair desmaiada.
—Por todos os Santos...
Ante ela estava a joia dos Carmichael. Aquilo pelo que muitos tinham morrido e que com
sua aparição faria desaparecer a maldição de Keeva.
—Eu... Fiona... — Tampando os olhos, a mulher rompeu a chorar. Montse reagiu
rapidamente. —Ai, por favor, Fiona, me diga que está bem? Eu... Eu não queria que você...
—Bendito seja Deus, filha! Acaba de trazer a felicidade a nosso clã. —balbuciou a mulher,
agarrando as mãos de Montse, que a olhou assustada.
—Não... Eu não sabia nada e...
Emocionada como nunca em sua vida, Fiona se levantou com a joia entre as mãos e, depois
de lhe dar um efusivo beijo, saiu do salão chamando seu filho a gritos. Emocionada, Montse a
seguiu. Declan, assustado pelos gritos de sua mãe, aproximou-se rapidamente a ela. Não
escutou o que falavam, mas foi consciente do gesto de incredulidade dele ao ver o pendente.
Logo, mãe e filho se abraçaram.

105
Segundos depois Declan cravou seus frios olhos nela e, aterrorizada, procurou com o olhar
uma via de escape; mas foi impossível, o duque a pegou pelo braço e, desconcertando-a,
murmurou com a voz carregada de emoção.
—Estarei eternamente agradecido por nos devolver algo tão querido para nós. Muito
obrigado, Cindy Crawford. Muito obrigado!
—Filha, é nossa luz! —Fiona chorou e beijou suas mãos, enquanto os criados,
revolucionados pela notícia, aplaudiam felizes ao seu redor.
Montse, com a garganta seca e a beira de um enfarte, ao ver-se rodeada por Declan, sua mãe
e os servos, só pôde dar de ombros.
—Obrigada, mas... Eu não fiz nada.
Declan Carmichael, sorrindo como nunca, abraçou-a diante de todos e lhe sussurrou ao
ouvido:
—Equivoca-se, Cindy Crawford, acaba de trazer a felicidade aos Carmichael. E à primeira
de todos, à pequena Maud.

106
Capítulo 22

No castelo de Elcho, a noite da aparição da joia dos Carmichael, celebrou-se uma grande
festa. Todos dançaram. Todos riram. Inclusive o duque pareceu divertir-se, algo que a todos fez
feliz.
—Comentou-me Fiona que seu filho disse que nos transferiremos às estadias superiores. —
fofocou, emocionada, Julia.
—Nem louca! —sentenciou Montse— Não quero estar perto desse cavernícola. Sei que este
momento de euforia passará e começará a me fazer a vida impossível de novo. Não,
definitivamente, passo. Seguirei onde estou e ponto, bola.
Suas amigas a olharam com gesto sério.
—Ai, minha menina, mas não viu como a olha o duque agora? —murmurou a canaria.
—Sim. E, precisamente, não gosto disso. —sussurrou Montse aterrada.
Se de algo era consciente, era dos olhares de Declan Carmichael, mas o pior de tudo era que
a ela em certo modo gostava. Havia algo naquele olhar castanho que a punha cardíaca. Mas
como não reagir ante um homem assim?
Colin, o irmão de Edel, tirou-a para dançar instantes depois. Esquecendo-se de tudo, sorriu
e desfrutou da noite enquanto Declan Carmichael a observava e se mantinha a distância.
À manhã seguinte, depois de uma noite em que todos tresnoitaram, Montse se levantou e
expôs a suas amigas a decisão que tinha tomado: ia seguir comendo nas cozinhas e dormindo
em seu quarto. Juana e Julia não concordaram sua decisão, mas a respeitaram, e para que não
ficasse sozinha aceitaram seguir dormindo na mesma estadia, embora lhe deixassem claro que
subiriam ao salão na hora das refeições. Fiona tentou falar com ela, mas acabou
compreendendo que era impossível convencer a jovem que mudasse de opinião. Não queria
forçá-la. Entretanto, quando Declan Carmichael se inteirou, incomodou-se e, como era de
esperar, voltaram a discutir.
107
—Que homem mais insuportável. —grunhiu Montse, no quarto que compartilhava com
suas amigas e com Fitz, o cão — É um déspota, um mandão, um acreditado, um negreiro... Mas
se só falta que lhe chamemos «buana»!
—Não exagere. —riu Julia, recolhendo o cabelo.
—Ai, minha menina. —se mofou Juana— Às vezes é mais fantástica que a lingerie da
Disney.
—Fantástica? Exagerada? Viram como me falou e olhou há uns instantes? Se só lhe faltava
me agarrar pelo pescoço.
—Normal, não faz mais que o contrariar. —lhe reprovou a canaria.
—Bom, está bem, assumo-o. Às vezes sou um pouco mosca azul; mas não o suporto e me
corroe ver como passa por sua filha, sem parar para pensar em seus sentimentos.
—Acredito que o que passou com seu pai, está o refletindo neles. Ver como ele não faz
caso à menina a faz se sentir identificada com Maud verdade? —perguntou Juana com Fitz nos
braços.
—Sim. E por isso juro que eu gostaria de o pegar pelas orelhas e lhe dizer: «Você, muda
sabichão ou sua filha nunca o quererá», mas claro, se fizer isso...
—Se fizer isso, por muito que te adore todo mundo por ter devolvido sua joia, acredito que
diretamente nos põe a chutes na rua. —indicou Julia — Portanto, ande com cuidado, que não
temos aonde ir e, por desgraça para todas, ainda ficam uns dias neste século.
—Oh, Deus, não vejo o momento no que este mau sonho se acabe; chegar a meu
apartamento e tomar um banho com meus sais relaxantes. —sussurrou Montse, deitando-se em
sua cama
—E eu de ver meu Pepe...
Montse não a escutou e seguiu com seus desejos.
—Depois do banho, farei um pacote de pipocas ao ponto de sal e sentarei no sofá de minha
pequena e humilde sala para ver um filme.
—Oh, sim. —assentiu Julia— Uma comédia divertida onde triunfe o amor, agarrada a mão
de meu Pepe, enquanto compartilhamos uns pistaches e uma Coca-cola.

108
—Uf, morro por voltar a minha realidade e deixar este puto pesadelo. —repetiu Montse
dando um golpe em sua cama — Isso sim. Não voltem a me deixar pedir mais desejos nem
panaquices dessas, a não ser que peça ser rica. Muito, muito rica!
—Pois ainda sabendo que vou me pôr verde, eu discordo de vocês. —disse Juana— Eu
estou encantada de estar aqui e ter conhecido Alaisthar.
—Você está boba. —se queixou Julia.
—Sim, minha menina, mas boba por ele. —aceitou, fazendo Montse rir— Se deu conta de
quão cavalheiro é em todo momento comigo?
—Sim claro, filha, até que se aproxime e consiga o que todos querem. —a recriminou Julia,
as fazendo rir — Olhe rainha, me faça caso e ande com os olhos abertos, que um homem é um
homem viva no século que viva.
Divertidas, as três saíram de seu quarto dispostas a ajudar Agnes e Edel.
Depois de um duro dia de trabalho, como cada tarde ao cair o sol, os guerreiros Carmichael
faziam a mudança de guarda. Sempre havia gente do clã pelos arredores de Elcho. Não corriam
bons tempos e não queriam que o inimigo os pegasse despreparados.
Acabada a tarefa, Montse se sentou perto das cavalariças com Agnes e Edel, enquanto estas
observavam seus apaixonados, Percy Braser e Ned Cullman. Dois highlanders embrutecidos e
curtidos pelo sol.
—Oh, Cindy. —sussurrou Agnes acalorada— Quando o vejo tão perto me sinto desfalecer.
—Perto?! —mofou-se Montse ao escutá-la— Mas Agnes, por Deus, se apenas lhe distingui
os olhos do longe que está. Como pode desfalecer se nem sequer sabe se a olhou?
Mas ela não respondeu. Limitou-se a olhar com cuidado para onde estava seu homem e
sorrir como uma boba.
—Que bonito está Ned hoje. —sussurrou Edel, ao ver assear seu cavalo.
Cansada desses absurdos comentários, Montse se levantou e as encarou.
—Vamos ver, vocês lhe deu algo a entender? Eles sabem que estão penduradas por seus
ossos?
Edel e Agnes se olharam em muda compreensão.
—Penduradas!? Quem está pendurada? —perguntou a primeira levando a mão à boca.
109
—Deixe-me ver, que me explico. —sorriu Montse— O que queria dizer é que se sabem que
vocês sentem algo por eles.
—Sim.
—E? —perguntou Montse.
—Às vezes passeamos. Inclusive no enlace de Roger e Martha, dançamos.
—Fantástico! —aplaudiu Montse, embora se detivesse o ver o gesto delas— Bom, não é
fantástico?
—Cada vez que aparecem as donzelas da senhorita Rose Ou'Callahan, nem nos olham. E
mais. A última vez que elas estiveram aqui, coincidiu com a celebração do batismo do filho de
Tom e Gola e eles nem se aproximaram. Só tinham olhos para elas. —explicou Agnes, com
uma careta de irritação
—Quem é Rose Ou'Callahan? —perguntou Montse.
As criadas cruzaram um mais que significativo olhar.
—A filha de Roger Ou'Callahan
—Uma antipática e convencida dama, que acredita ser a proprietária deste lar cada vez que
vem. — criticou Agnes — O senhor e ela se veem de vez em quando e há rumores que logo
será a mulher de nosso laird, embora ele não confirme nada. Ai! Que vêm os homens!
Depois de escovar seus cavalos, os highlanders caminharam para onde estavam. Sem lhe
tirar olho, Montse comprovou como as olhavam e saudavam com a cabeça enquanto elas
sorriam e pestanejavam como duas tolas. Quando ficaram de novo a sós as três, Montse deu
uma cotovelada a cada uma.
—Mas se é que estão se dando de bandeja, por Deus! Não se dão conta que eles sabem que
babam por onde pisam? Se o que disseram sobre as donzelas dessa tal Rose é verdade, o que
têm que fazer é se dar valor; não lhes sorrir como duas bobalhonas cada vez que eles se dignem
a lhes olhar. Esses presunçosos merecem que vocês os paguem com a mesma moeda.
—Mesma moeda? —perguntou Edel.
—Exato. Se vocês fizessem como eles, se dariam conta de que com vocês não se pode
brincar. Mas claro, se vocês suportam tudo o que eles fazem, como vão se apaixonar?
As moças se olharam e deram de ombros. Possivelmente tinha razão.
110
—E como podemos fazer isso? —perguntou Agnes.
Nesse momento chegou à pequena Maud correndo até elas. Ao ver seu gesto acalorado e as
lágrimas correndo por seu rosto, Montse se agachou e se esqueceu das perguntas de suas
amigas.
—O que acontece, princesa?
—Ao Fitz aconteceu algo. —soluçou a menina — Está ali, entre os arbustos.
Ao ver a angústia refletida naquele angélico rosto, Montse pegou a mão da menina.
—Vamos, me indique onde está Fitz.
Acompanhada pelas três jovens, a menina as guiou entre os carvalhos até uma pequena
clareira. Ali, em uma lateral do mesmo, o cãozinho choramingava com algo fincado em uma de
suas patas.
—Céu, não olhe. —sussurrou Edel tampando os olhos da pequena.
—Esperem aqui. Irei ver o que lhe ocorre. —indicou Montse.
Com cuidado arregaçou a velha saia e, pouco a pouco, foi aproximando do bichinho. O
cão a olhou e gemeu. Logo moveu o rabo reclamando ajuda. Comovida por seus lamentos,
aproximou-se dele e se agachou para comprovar que uma espécie de armadilha lhe atravessava
uma pata e, o pior de tudo, tinha perdido muito sangue.
—Olá Fitz. Tentarei te ajudar. —sussurrou, lhe tocando a cabeça.
Depois de comprovar a armadilha e estudar como tirá-la, tentou abri-la; mas lhe resultou
impossível. Aquilo estava encaixado. Só havia uma forma: levá-lo ao castelo e procurar ali algo
com o que consegui-lo.
Com segurança, tirou o xale que levava, colocou-o no chão, posou o animal sobre ele e,
com muito cuidado, pegou-o. Aquele movimento fez que o cão uivasse de dor.
—Tranquilo pequeno, tomarei cuidado, prometo-lhe isso.
Com os braços ocupados, chegou até onde a menina chorava junto às criadas.
—Vê Maud? Fitz está bem. — disse, com a intenção de acalmá-la, agachando-se. A menina
assentiu.
—Posso tocá-lo? —perguntou.
—É obvio querida. Mas com cuidado, que está dolorido.
111
—O que lhe ocorreu Cindy? —perguntou a menina com os olhos infestados de lágrimas.
— Cravou-se algo na pata, mas não se preocupe, vou tirar com o primeiro que encontre no
castelo.
A menina assentiu mais aliviada e, pela mão das criadas, dirigiram-se para a zona de
serviço. Entraram diretamente pelas cozinhas. Uma vez ali, Edel limpou a mesa e Montse
depositou em cima o animal, que perdia muito sangue. Olhou a seu redor em busca de algo com
que abrir a armadilha, mas ao não encontrá-lo saiu correndo.
—Em seguida volto. Não se movam.
Dito isto recolheu as saias e correu para as cavalariças, sem precaver-se que de uma das
janelas de seu escritório Declan Carmichael a observava correr. Chegou até as cavalariças e,
depois de observar a seu redor, pegou umas pontas agudas de forja e retornou a casa.
—Vou colocar as duas pontas dentro da armadilha. Quando eu disser, pega um deles e puxa
com todas suas forças para a direita. Eu puxo para a esquerda e você, Agnes, puxa a pata dali
assim que veja que se abre. Entendido?
A pequena as observava com os olhos arregalados.
—Céu... Você se ponha ali. Não quero que se suje. —lhe pediu.
A menina obedeceu, embora dois segundos depois voltasse a estar junto delas. Com
decisão, Montse introduziu primeiro uma ponta, depois a outra e fez um gesto a Edel. Ambas
começaram a forçar os moles, mas ao mover os dentes daquele instrumento e liberar da pressão
as feridas do animal, o sangue saltou e as salpicou. Agnes tentou atuar com toda velocidade,
resgatando a pata do animal, para que estas pudessem soltar os ferros.
A alegria foi coletiva quando por fim viram o cãozinho livre de sua tortura, embora Montse
se alarmasse quando comprovou que a pequena tinha gotas de sangue na bochecha e no vestido.
—Mas, céu, não te disse que se afastasse? Olhe como se pôs.
—Fitz está bem? —perguntou ela, ignorando a reprimenda.
Mas não tiveram tempo de responder à pequena. Declan Carmichael estava ante elas com
gesto impassível, mas ao ver as manchas de sangue que sua filha tinha, não reparou em nada
mais.
—Por todos os Santos, Maud, o que lhe aconteceu?
112
«Bemmmmm... Já a temos presa», pensou Montse ao ver como limpava a bochecha e o
cabelo de sua filha com mãos trementes.
Quando finalmente comprovou que sua pequena estava bem, Declan se ergueu e cravou um
olhar assassino nas mulheres.
—Por que minha filha estava coberta de sangue? —rugiu.
As criadas empalideceram tão de repente, que Montse pensou que cairiam duras de susto.
Por isso, dando um passo à frente, decidiu responder com toda a educação que pôde.
—Por Maud não se... Não se preocupe, não é seu o sangue que a cobre; embora seus gritos
a estão assustando. —cochichou assinalando à menina que se encolhia a seu lado.
Declan olhou sua filha e a pôs a seu lado agarrando-a pelo ombro, mas Montse não esperou
que iniciasse o ataque que, sem dúvida, pensava lhe dedicar.
—Estou segura, senhor, que está desejando falar comigo para me dizer algumas coisas que
certamente serão ofensivas e muito desagradáveis, mas agora, se não se importar, deveríamos
atender Fitz antes que sangre. —sem lhe dar tempo para responder, dirigiu-se a Edel lhe dando
uma cotovelada— Procura Norma com urgência, necessito-a. Estou segura de que ela saberá
como o curar.
A criada, com o susto refletido nos olhos, voltou à vista para seu laird que, ao ver o animal
sobre a mesa da cozinha, concedeu sua permissão com um gesto. Edel saiu disparada em busca
de Norma, enquanto Montse, ignorando o duro olhar do duque, agachou-se para sussurrar algo
ao animal que mal se movia.
—Não se preocupe Fitz, vamos te curar. Confia em mim.
Molhou sua mão em água e a passou com delicadeza pelo focinho e a língua para que este
sentisse seu frescor. O animal, esgotado, lambeu-lhe a mão e emitiu um gemido de dor que fez
chorar à pequena. Declan, paralisado pelo pranto de sua filha, não soube o que fazer. Não era
muito dado às demonstrações de afeto, assim Montse, ao ver sua passividade, voltou-se para a
menina e se aproximou dela.
—Ah não, isso sim que não, princesa. Não é momento de chorar, agora é momento de
procurar soluções. Se Fitz a ouve chorar vai ficar muito triste e vai se preocupar, e agora o que
ele precisa é estar tranquilo para recuperar-se.
113
Aquela atitude positiva surpreendeu muito gratamente Declan. A jovem, com voz suave e
umas poucas palavras, tinha conseguido que sua filha deixasse de chorar e limpasse as lágrimas
—Vai ficar bom, verdade, Cindy?
Com um sorriso arrebatador, Montse assentiu.
—Mas claro que sim, céu. E quando o fizer, prometo-lhe que vamos passar muito bem com
ele. Certo?
Nesse momento entrou Julia na cozinha, seguida de Edel. Aproximou-se com rapidez do
animal ao tempo que cochichava em espanhol com sua amiga.
—Tenho que te recordar que sou médica de cabeceira, não veterinária.
—Então melhor para você, assim se se equivoca sobre este paciente não poderá lhe
denunciar; portanto, fecha o bico e se ponha a trabalhar. —respondeu Montse sob o atento olhar
de Declan — Seguro que sabe fazer algo mais que eu.
Entendendo o que queria dizer, suspirou e começou a examinar a pata do animal. Segundos
depois começou a dar ordens.
—Necessito uísque e água quente, uns trapos limpos, agulha e fio.
As duas criadas voltaram a olhar seu senhor, que de novo e sem abrir a boca, assentiu.
Ambas começaram a revoar pela cozinha.
—Princesa. — disse Montse, embora olhasse a seu pai — Acredito que deveria partir com
seu papai e trocar de roupa. Estou segura de que Fitz quererá te ver bonita assim que se
encontre melhor.
Sem abrir a boca, Declan tomou com força à mão de sua filha e desapareceu. Uma vez que
elas ficaram a sós, Montse retornou junto à Julia.
—Faz o que possa por Fitz. É o único amigo de Maud. — rogou.
Algumas horas depois, depois de ter improvisado aquela pequena operação na cozinha do
castelo, Julia, satisfeita com os resultados, sentava-se e Edel e Agnes partiam para descansar.
—Bom, acredito que meu paciente viverá; embora esteja segura de que ficará uma
claudicação por toda vida.

114
—A Maud isso não importará. —sorriu Montse observando o animal. Olhando a seu redor,
Montse reparou na garrafa de uísque que tinham utilizado e tomou nas mãos para ler a artesanal
etiqueta. —Quanto crê que valeria esta garrafa no século XXI?
—Uf, uma barbaridade. O que eu daria para que meu Pepe tomasse uma tacinha deste
uísque.
Montse pegou duas pequenas taças e sorriu.
—Seu Pepe não sei, mas você e eu vamos tomar agora mesmo um trago, porque merecemos
isso.
Divertidas por aquilo, fizeram as taças chocar, brindando. Depois, diretamente o beberam
de um gole.
—Aug! —pigarreou Montse quando o líquido dourado escorreu por sua garganta.
—Uf! Como pode gostar disto meu Pepe? —mofou-se Julia quando o saboreou.
—Tem o paladar curtido para degustar estas coisas. Por certo, onde está a futura mãe dos
Sutherland Hilton? —disse Montse rindo.
—Passeando com o futuro pai. — seguiu a brincadeira Julia.
Uma vez repostas da queimação que o uísque produziu nas gargantas de ambas, Montse
assinalou a garrafa.
—A verdade é que isto levanta um morto.
—Falando de mortos... Eu estou morta! —bocejou Julia— Vem para cama?
Montse olhou o animal, esticou-se e suspirou.
—Vai você, que em seguida eu irei.
Julia não se fez de rogada e instantes depois desapareceu pela porta. Montse se levantou e
olhou pela janela. O ar movia a copa das árvores. Aproximou-se da porta da cozinha e a abriu
para que o ar refrescasse seu rosto. Durante uns segundos fechou os olhos e pensou em tudo o
que lhes estava ocorrendo e em quão bem o estavam levando. Com cuidado se aproximou do
cão e o olhou, o animal dormia placidamente, assim se sentou de novo junto à mesa e se serviu
outra taça da garrafa de uísque. Levantou a taça e olhou o cão.
—Por você, Fitz. —O bebeu de um só gole.

115
Fazendo um montão de dramalhões para tragar aquilo, deixou a taça sobre a mesa e se
apoiou nela fechando os olhos. Estava cansada. Muito cansada. O fogo da cozinha, unido ao
calor da bebida, a adormeceram. Não soube quanto tempo permaneceu desse modo, até que
escutou:
—Senhorita Crawford. Senhorita Crawford...
Ao ouvir aquele sussurro perto do ouvido, assustou-se. Levantou as pálpebras e o único que
viu foi o olhar glacial de Declan Carmichael frente a ela. Durante uns segundos nenhum afastou
os olhos dos do outro, até que por fim ela se levantou, retirando o cabelo que caía sobre o rosto.
—Caraca! Adormeci e... —murmurou.
—Já me precavi. —respondeu ele, com seu habitual gesto sério — Eu gostaria de conversar
com você, por favor, sente-se.
Montse não contestou e se sentou na mesma cadeira da que se levantou segundos antes.
—Do que deseja falar?
Declan Carmichael se apoiou no portal da porta antes de responder.
—Aqui, senhorita Crawford, as perguntas as faço eu.
Ao escutá-lo sorriu e gesticulou, morta de cansaço.
—De acordo, mas que seja rapidinho, porque estou esgotada.
—Alguém lhe disse alguma vez que é uma insolente?
—Sim, você agora mesmo. Vale-lhe a resposta ou prefere que engenhe outra? Porque lhe
asseguro que meu léxico é fantástico.
—Ousa me questionar!
—Eu...?! —sussurrou em tom de mofa, lhe tirando do sério.
Molesto por suas respostas, deu um passo à frente.
—Messa suas palavras.
Soltando um suspiro de resignação, Montse calou. Parecia incrível que aquele tipo fosse o
mesmo com o que tinha desfrutado do passeio a cavalo dias antes.
—Quero saber quem é e de onde vêm? E também, por que tinha a joia dos Carmichael? E
quero a verdade. Me entendeu?

116
«Ai, mãe, como lhe contar a verdade, este me assassina aqui mesmo. Não vai acreditar em
mim, mas vou contar. Total, vai rir de mim diga o que lhe diga», pensou ao dar-se conta de
como a observava. E imediatamente começou sua explicação tentando manter o respeito com o
molesto protocolo da época.
—Meu nome já conhece. — ele assentiu — Quanto a sua segunda pergunta, de onde venho,
estou segura de que não vai acreditar no que lhe vou contar senhor; mas me pediu a verdade, e,
portanto, aí vai. Tanto minhas amigas como eu viemos do futuro, do século XXI. Vivemos em
Londres por motivos trabalhistas e, em uma rifa depois de uma competição de karatê, Paris
Hilton ganhou uma viagem a Escócia...
Declan, aturdido, não entendia a metade das palavras que aquela mulher dizia, mas a deixou
continuar.
—Encontrei a joia dos Carmichael em uma loja de antiguidades em Edimburgo. A senhora
da loja se empenhou em que eu comprasse a joia junto com um espelho, e minhas amigas, que
desejavam me dar algo de presente, fizeram feliz à vendedora. Sobre estas roupas de tão má
qualidade que levo, lhe direi que as compramos para assistir um jantar medieval no porto de
Leigh. Juro isso! —vaiou ao ver a cara de incredulidade dele— e ali me encontrei, por uma
dessas casualidades da vida, com Erika, A Escocesa, quem, para que me entenda, é como uma
maga ou uma bruxa neste século. Erika foi como uma mãe para mim quando eu era pequena e,
meio em brincadeira, perguntou-me se queria pedir três desejos; como quando era uma menina.
E eu oh Deus! Parva de mim e animada pelas loucas das minhas amigas, pedi-os. — omitiu
parte da verdade. Não pensava lhe dizer que estava ali por ele — O primeiro desejo foi ter uma
aventura impossível por estes lugares, o segundo que Paris encontrasse o amor e...
—E o terceiro? —mofou-se ao escutá-la.
—Esse não tive tempo de pedir. Um raio caiu do céu, partiu uma árvore em duas e acabou à
luz. Assustadas quisemos retornar a nosso hotel, mas tropecei e nós três caímos nas águas do
porto de Leigh. Quando nos demos conta, estávamos... Estávamos aqui. Oh meu Deus! Mas se
eu mesma, enquanto conto, não acredito! Depois conhecemos Edel e juntas escapamos de uns
homens com um aspecto desastroso que, se lhe for sincera, não sei quem eram e é obvio
tampouco o quero saber. No caminho Alaisthar nos encontrou e nos trouxe aqui, a Elcho. E
117
essa, senhor Carmichael, é a verdade de quem sou e de onde venho, por muito amalucada,
incrível e inexplicável que lhe pareça à ideia.
Durante um bom tempo Declan ficou calado. Aquela história cheia de palavras
ininteligíveis para ele era a coisa mais desatinada que tinha escutado alguma vez. Como tomar a
sério uma coisa assim, embora lhe houvesse devolvido o pendente dos Carmichael? Por isso,
dando por feito que aquela jovem estava realmente ébria, assinalou a garrafa de uísque e a taça
vazia.
—Pelo que vejo você gosta do uísque verdade?
—Pensa que estou prejudica? —disse ao intuir o que ele insinuava.
—Prejudica?! —repetiu ele, sem compreender.
—Sim, bêbada. —esclareceu molesta — E bem o que está querendo dar a entender, homem
inteligente?
O homem afastou o olhar esboçando um leve sorriso, enquanto colocava a garrafa em um
suporte.
—Nada. Eu não dou a entender nada. Só escuto e me atenho às evidências. — respondeu
sem olhá-la.
—Oh sim, seguramente. —bufou ela, encarando-o. — Olhe, as conclusões que está tirando
não são nada acertadas. Contei-lhe a verdade. O que você... Você pediu isso, por que não pode
acreditar em mim?
—Possivelmente porque eu não bebi uísque? —burlou-se ele — Me desculpe, mas o que
relatou é a fantasia de uma mulher que está completamente louca ou a de um bom histrião com
muita imaginação depois de uma noite de bebedeira.
—Sabe uma coisa? —Ele a olhou com a sobrancelha levantada — Tanto faz o que pense de
mim! Tanto faz se acredita ou não. E sabe por quê? Pois porque dentro de poucos dias, com
sorte, terei retornado ao meu século e não terei que voltar a lhe ver o focinho de porco nunca
mais. É o ser mais mal educado, ruim e embrutecido que tive a desgraça de conhecer em toda
minha vida, e eu... Eu só quero me esquecer de que estive aqui. —gritou ficando em pé, sem lhe
importar como a olhava — Espero não voltar a sonhar com você, nem com nada que tenha a ver
com este maldito lugar, em toda minha puta vida.
118
—Sua exaltação me faz acreditar que está realmente mal, senhorita Crawford.
—Oh, Deus, me dê paciência. —gemeu pondo os olhos em branco.
Aquele gesto, tão gracioso e desesperado de uma vez, fez Declan curvar os lábios. Não
acreditava em nada do que lhe havia dito, mas sua veemência ao contá-lo e sua vivacidade ao
discutir com ele, chamava sua atenção. Mas não disposto a agradá-la, cravou seus olhos em seu
desalinhado aspecto.
—Não crê que deveria se assear um pouco. Seu aspecto é deplorável.
Boquiaberta olhou a saia e a camisa cheia do sangue do cão.
—É sempre tão desagradável com todo mundo? Ou é que têm algo transitório,
particularmente comigo?
—Particularmente com você... Deus me libere de ter algo! —riu Declan de tal maneira que
a Montse deu vontade de lhe dar um chute, embora se contivesse. Se o agredia, tudo se
complicaria mais.
—É um... Um...
Mas antes que ela pudesse soltar um insulto, ele a olhou com a arrogância de um homem
que está acostumado a mandar e a que o obedeçam.
—Cuide de sua língua, senhorita Crawford. Se me sinto ofendido, você e suas duas amigas
sairão de minhas terras em menos que cantar um galo, e lhe asseguro que os caminhos hoje em
dia não são lugar para que perambulem mulheres sozinhas, embora venham do século XXI. —
burlou ao dizer aquela última frase.
—Olhe, me calarei tudo o que me ronda pela cabeça por...
—Sim, é melhor se calar. —concordou ele.
— Depois que se cale você. —soprou, esgotada de tentar manter a postura.
—Você gosta de dizer sempre a última palavra...
—É obvio, não o duvide.
Como um touro de tourada a ponto de sair de um touril, Montse o olhou. Queria lhe afogar.
Não, melhor assassinar, mas optou por partir depois de dizer a última palavra.
Uma vez que Declan ficou sozinho na cozinha, sorriu e olhando o cão sussurrou o tocando
com afeto na cabeça:
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—Me alegro que esteja bem Fitz, mas quanto antes se afaste essa louca de Maud, de ti e de
todos nós, melhor.

Capítulo 23

Com o passar dos dias o aborrecimento de Montse foi se aplacando. Ainda recordava a
noite em que contou a verdade a Declan Carmichael e seu tom de sarcasmo; acreditou que
estava bêbada e louca. A ida para a casa de Fiona estava programada para a semana seguinte, ao
menos isso a alegrava. Afastar-se daquele castelo, e especialmente do duque, era o que mais
desejava. Não suportava seu gesto anti-social e presunçoso cada vez que cruzava com ela.
—Vamos ver Paris Hilton. —sussurrou Montse na margem de um pequeno lago enquanto
lavava por partes sua andrajosa roupa — Amanhã iremos ao mercado de Perth?
—Sim, minha menina. Alaisthar me prometeu isso.
—O que eu daria por uma Coca-cola fresquinha neste instante. —murmurou Julia,
esfregando sua camisa com água e sabão.
—Pois eu preferiria uma máquina de lavar roupa. —se justificou Montse — Nunca pensei
que lavar a mão fosse um trabalho tão custoso. Tenho as mãos destroçadas por esta água
congelada e, olhem, não fica nenhuma unha!
—Sim. A verdade é que um pouquinho de creme com aloe não nos viria mal. — assentiu
Julia olhando as palmas.
—Foda... Estou usando a única calcinha que tenho de tanto esfregar.
—Pois, Cindy, cuide-a; que ainda ficam dias para estar aqui e nunca se sabe quem lhe pode
ver. —repôs a canaria, feliz.
—Que indecente! —escandalizou-se Julia ao escutá-la.
Nesse momento chegaram até elas Edel e Agnes com uns enormes cestos de roupa.
—Bom dia, lindas! —saudou-lhe Juana, com seu particular senso de humor.
As moças, divertidas, aproximaram-se delas e deixaram os grandes cestos no chão.
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—Norma, a senhora Fiona a procura. Diz que deseja que a acompanhe para visitar lady
Camila para ver suas flores. —indicou Edel a Julia.
—Sim, é mesmo. Tinha me esquecido. — e levantando-se, despediu-se de suas amigas
enquanto se afastava com as duas criadas — Vou garotas. Mais tarde voltarei. Até mais tarde.
Montse se fixou nos dois grandes cestos de roupa suja que as criadas tinham deixado junto a
elas.
—Ei, esqueceram isto!
—Não, Cindy, isso é para que o lavem. Já sabe, nós cozinhamos, vocês limpam. —
respondeu Agnes, dando a volta.
—A mãe que as pariu. —grunhiu Montse.
—São do século XVII, mas de bobas não têm um cabelo. —disse Juana.
Olharam-se incrédulas. Como iriam lavar toda aquela roupa sozinhas? Mas depois de
protestar e amaldiçoar durante um bom tempo, fizeram isso. Ao cabo de umas horas, tinham as
mãos congeladas.
—Odeio fazer isto. — se queixou Montse enquanto pegava a toalha de mesa em tons
dourados que utilizavam na mesa do salão e que Fiona tinha comentado em uma ocasião que
era de sua avó — Mas se está me cortando até a circulação.
—Sabe com o que sonhei ontem à noite?
—Vejamos... Me surpreenda.
—Com um rico café no Starbucks, acompanhado por uma massagem de chocolaterapia.
—Oh, Deus... O que eu daria por uma boa massagem relaxante. —murmurou Montse
enquanto esfregava o pano com o tosco sabão para tirar as manchas — Com tudo o que estou
passando aqui, estou segura de que eu devo estar pregada de nós em minhas costas.
—Sim, não estaria mal. —sorriu Juana — Mas sabe o que?
—O que?
—Não desfrutei do sonho porque ali não estava Alaisthar.
—Vamos já, mulher, tenho que acreditar que você gosta desse ruivo, tanto assim?
—Sim.
—Sério?
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—Lhe juro. —assentiu com um gesto que atraiu a atenção de sua amiga — Nunca ninguém
tinha me tratado com a delicadeza e o encanto dele. Mas sabe...? Eu gostaria que se lançasse e...
—Há, há... Alguém está mais quente que um forno, não? —mofou-se Montse.
—Sim. Admito-o. Mas é que nunca tinha pretendido um homem como Alaisthar. Como não
pensar em algo mais que um simples passeio?
Surpreendida por aquilo, Montse não pôde evitar uma gargalhada; mas ao fazê-lo, soltou a
toalha de mesa e esta começou a afastar-se no lago, levada pela corrente.
—Caiu na água! E agora, o que?
—Terá que meter-se na água por ela. Ou vai deixá-la aí? —riu a canaria.
O pano se afastava ondulando, cada vez mais longe.
—Mas se faz um frio danado! —queixou-se Montse.
—Sim, mas essa toalha de mesa, ou o que seja, é uma relíquia da família de Fiona.
Mal-humorada, Montse finalmente se molhou pelo pano, nadou até ele e dois segundos
depois estava de novo junto a sua amiga, tiritando de frio.
—Retorna ao castelo e troque de roupa.
—Mas o que ponho, se não tenho nada? —queixou-se Montse.
—Peça a Edel que lhe empreste algo. Estou segura que o fará encantada. Vamos, vá, que eu
termino isto. Se seguir aqui vai pegar uma pneumonia.
Consciente de que sua amiga tinha razão, Montse pegou o cesto de roupa que já tinham
lavado e partiu para o castelo. Ao entrar na cozinha Agnes a viu e gritou.
—Mas o que aconteceu?
—Caí no lago. —respondeu sem querer dar mais explicações — Necessitaria um pouco de
roupa seca. Edel está por aqui, para que me empreste algo?
—Vou avisá-la. —respondeu com rapidez — Ponha-se ao lado do fogo e se esquentará.
Não é bom cair às águas neste tempo.
Dito isto, a moça saiu da cozinha deixando-a sozinha, empapada e tiritando. Sem pensar
duas vezes desabotoou a saia, que pesava uma barbaridade, e esta caiu ao chão. Agarrou o
primeiro pano limpo que viu e o amarrou ao redor da cintura.
«Há, que minissaia mais bela que me fiz», pensou divertida.
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Minutos depois chegaram às duas criadas que, ao vê-la daquela maneira, ficaram
aniquiladas.
—Cindy, pelo amor de Deus, o que faz em panos menores? —murmurou Agnes.
—Panos menores? A isto, em meu povo a chama minissaia.
—Minique?! —sussurraram as duas; mas nesse momento entrou Juana com o outro cesto e
ficou olhando sua amiga, divertida.
—Mas que minissaia mais linda! De onde tirou o tecido?
Montse ia responder, mas em vez disso espirrou. Edel, sem dizer nada, entregou um montão
de roupa dobrada.
—Vá trocar-se ou adoecerá.
Montse deu a volta para partir, mas deu de bruços com Declan, que nesse momento descia
às cozinhas. Ao ver como o duque olhava suas pernas e subia para cima, ruborizou-se e, sem
mediar palavra, escapuliu a seu quarto para trocar-se.

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Capítulo 24

O problema de cair às águas de um lago no fim de outubro era que se assegurava um bom
resfriado. E isso foi o que precisamente aconteceu com Montse. À manhã seguinte se
encontrava fatal e a febre tinha subido a cotas alarmantes.
—Ai, Deus, o que eu daria agora por um ibuprofeno! E um café da Colômbia. —sussurrou
com desespero.
—Pois sinto, rainha. Aqui só posso curar com caldinhos quentes e lhe receitar que sue na
caminha. Pouco mais. —respondeu Julia tocando sua testa — portanto, vai ser uma boa
paciente e vai ficar aqui durante todo o dia.
—Se ao menos tivesse televisão ou o notbook para me entreter, seria agradável. Poderia
falar com os amigos do Facebook e passar um tempo divertido.
—Fecha o bico, chorona. —brigou Juana com carinho.

—E o que faço durante todo o santo dia olhando o teto? Justo no dia que todos vão ao
mercado de Perth. — voltou a lamentar.
—Dormir e descansar. Parece pouco? —repreendeu-lhe a canaria.
—Para uma coisa curiosa e emocionante que posso visitar, vou e fico doente. Manda
narizes!
—Não se preocupe, há mercado a cada quinze dias e conforme me comentou Fiona, vão
sempre. Poderá visitá-lo na próxima vez. —a consolou Julia.
—Ah, e tranquila. —sorriu Juana — Conheço sua medida e o que você gosta. Prometo
comprar algo que fique bem. E recorda, Agnes não vai ao mercado. Se quiser algo, só tem que
pedir a ela. Está bem?
Dez minutos depois, suas amigas partiram e a deixaram sozinha na estadia. As primeiras
horas da manhã as passou dormindo e suando, mas pouco antes do meio-dia, já não conseguia
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pegar o olho e começou a se desesperar. Tocou a testa; ardia. Mas precisava fazer algo,
entreter-se com qualquer coisa ou ia ficar louca. Levantou-se e, jogando por cima a humilde e
limpa bata azul que Edel lhe deixou, olhou pela janela e se surpreendeu ao não ver ninguém nos
arredores.
«Estou sozinha. Todo mundo foi a Perth», pensou mal-humorada.
Durante um bom tempo se entreteve olhando pela janela até que, de repente, lhe iluminou o
rosto. A biblioteca! Poderia escolher um livro e entreter-se ao menos. Amarrando a bata à
cintura e recolhendo o cabelo em um rabo alto, abriu a porta e saiu ao escuro corredor,
descalça. Chegou às cozinhas com a esperança de ver Agnes, mas ali só encontrou o caldeirão
fervendo com caldo.
Decidida a agenciar-se um pouco de leitura, subiu as escadas que a levavam ao andar
superior. Uma vez ali, colocou a cabeça pela esquina e olhou a ambos os lados. Não havia
ninguém. Certamente todo mundo, incluído o duque, estavam em Perth. Por isso perambulou
pela casa com tranquilidade até chegar à biblioteca. Abriu a porta e entrou.
—Uf, que gostoso. —sussurrou ao pisar em um enorme tapete que lhe esquentou os pés.
Boquiaberta ante as grandes estantes de livros, não se fixou que na lateral direita da mesma,
junto a enorme lareira e sentado em uma poltrona escura de couro, Declan Carmichael
levantava a cabeça para ver quem entrava.
Ficou tão surpreso ao vê-la ali daquela maneira, que decidiu calar e observar.
Viu-a bisbilhotar durante um tempo na grande estante até que parou em frente a uma das
prateleiras. Tocou com mimo vários livros até que um captou sua atenção e, sem duvidar,
pegou-o e o abriu. Chamava-se A Asa Quebrada.
«Por Deus, esta estranha mulher sabe ler?».
A jovem seguiu olhando outros exemplares e pegou um que se chamava O Decoro De
Amar. Sem saber que alguém a observava, a moça se sentou no chão, sobre o amaciado tapete,
e apoiando-se na estante começou a folheá-lo.
Durante mais de vinte minutos a esteve estudando em silêncio. Estava convencido que ela
partiu com o resto dos habitantes do castelo a Perth Que fazia ali? Sentada e abstraída, pôde
admirar seu perfil gentil e seu bonito cabelo castanho. Inclusive sorriu ao vê-la gesticular ante o
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que devia ler. Gostasse ou não, aquela moça era a única mulher que tinha tido o valor de
enfrentá-lo. Ninguém o tinha feito até o momento. Sua defunta esposa, Isabella, foi uma jovem
tenra e doce que durante os três anos que estiveram esposados jamais levantou a voz. Mas
aquela mulher, que agora parecia frágil e delicada, era teimosa e valorosa. Algo que sempre
admirou nas damas, mas que nunca quis para ele.
Um espirro o fez retornar de suas reflexões. Estava doente? Mas não queria assustá-la e que
partisse. Tê-la ali sentada, calada e abstraída pela leitura lhe resultava agradável ao tempo que
desconcertante. Sabia que assim que ela se precavesse de sua presença, seu doce rosto se
crisparia e em segundos ambos estariam com as espadas em alto, dispostos para a batalha. Mas
quando ela voltou a espirrar e uma feia tosse saiu de sua garganta, confirmaram-se suas
suspeitas. Estava doente e, em sua opinião, pouco abrigada. Por isso e para não alarmá-la,
tentou modular sua voz.
—O que faz andando descalça pelo castelo com essa tosse que têm?
Ao escutar aquela voz Montse se paralisou.
«Merda, por que tenho que cruzar agora com este?», pensou horrorizada.
Fechou o livro com um sonoro golpe e se levantou. Ao fazê-lo se enjoou, pôs-se em pé
muito rápido.
Declan, ao ver que cambaleava para trás e golpeava contra a estante, situou-se junto a ela
com grande rapidez, preocupado, para pegá-la pelo braço.
—O que lhe ocorre?
Sem poder evitar, Montse espirrou sobre a escura jaqueta dele. Envergonhada tampou a
boca ao tempo que tentava limpar a jaqueta com o lenço que levava na mão.
—Ai, meu Deus de minha vida e de meu existir... Sinto muito!
Inexplicavelmente para ambos ele sorriu, e em um tom de voz que nunca antes lhe tinha
escutado, murmurou:
—Não se preocupe. Não acredito que alguém espirre quando quer, a não ser quando o
espirro precisa sair.
«Ah, hoje dom Leite Azedo está engraçado», pensou o olhando.

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Sem lhe deixar responder, guiou-a para onde estava antes e a fez tomar assento na poltrona
frente a que ele tinha estado ocupando.
—Se acomode aqui. Acredito que estará mais cômoda que no chão.
— Obrigada por sua amabilidade, mas me parece que é melhor que vá. Eu só devia tomar
emprestado um livro e...
—Já quer fugir de mim? —perguntou com um estranho sorriso na boca que fez que a febre
subisse mais.
—Eu não fujo de ninguém. —respondeu confusa — Se vou é para não incomodar.
—E quem disse que está incomodando? —perguntou surpreso, ao dar-se conta de que não
queria que partisse.
—Ninguém. —respondeu ela com sinceridade.
Isso o agradou.
Depois de uns segundos nos que só se escutou o crepitar do fogo, Declan tentou iniciar uma
conversa.
—Por que não foi a Perth com todos?
Voltou a espirrar, embora desta vez silenciasse o ruído todo o possível, levando o lenço à
boca. A voz soou tomada quando respondeu.
—Tenho um cacetada do quinze...
—Cacetada do quinze?! —perguntou surpreso— Que enfermidade é essa?
Escutar aquilo conseguiu que uma gargalhada despreocupada saísse da garganta de Montse.
Ele a olhou com um amplo sorriso.
—Estou resfriada e tenho um pouco de febre, por isso não pude ir.
—Mas o que é isso do «cacetada do quinze»? —perguntou ele divertido.
—Ora! É uma expressão que utilizamos lá onde eu vivo.
Declan assentiu e voltou a sorrir, observando-a.
—Não se estranha que tenha essa cacetada, se se veste como quando a vi ontem nas
cozinhas. Aonde ia tão indecente?
Ao recordar aquele desastroso momento, Montse levou a mão à testa, moveu a cabeça aos
lados e curvou os lábios.
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Aquele sorriso tão sensual, tão relaxado, fez que a Declan secasse a boca.
—Acabava de chegar do lago. Tive que me atirar nele para pegar algo e, quando cheguei à
cozinha, a saia pesava tanto e tinha tanto frio, que não duvidei em tirar isso. —Surpreso,
escutou-a enquanto ela brincava com um curioso gesto — Se chegasse a me ver uns segundos
antes, asseguro-lhe que meu aspecto, sem essa pequena saia, teria lhe resultado mais indecente
ainda.
Declan soltou uma gargalhada que inclusive surpreendeu a ele, mas ainda ficou mais
aniquilado quando a moça seguiu falando.
—E embora não acredite em mim e pense que estou louca ou bêbada pelo uísque, de onde
eu venho, o século XXI, as saias são assim, inclusive mais curtas.
Incapaz de zangar-se com ela e suas absurdas ideias, seguiu-lhe a brincadeira.
—Sinto muito não conhecer esse século para ver com meus próprios olhos o que diz. Parece
interessante.
Montse o olhou e respondeu com um relaxado sorriso.
—Se lhe for sincera, não acredito que você gostasse.
—Por quê? —perguntou com curiosidade.
—Porque o mundo é tão diferente do que conhece que se sentiria até mau. Em troca, para
mim seu mundo é fácil de entender e inclusive de viver, embora tenha saudades de muitas
coisas. —E para lhe fazer sorrir, disse — Ah, por certo, e isto lhe digo como curiosidade, a
mulher de minha época tomou uma relevância que aqui ainda não possui.
—Me explique isso. —pediu ele acomodando-se.
Ela subiu os pés nus à poltrona e se sentou como um índio, refugiando-os sob a bata para
esquentá-los com seu próprio corpo, e começou a lhe relatar tudo o que lhe ocorria,
respondendo a suas incessantes perguntas. Estava segura de que ele não acreditava em nada do
que lhe dizia, mas podia conversar junto à lareira sem discutir com ele, gostou.
—Em meu século eu o chamaria Declan e você a mim Cindy. — ele sorriu— As mulheres
levam saia longa, curta, calças, bermuda e tudo o que desejamos muito. Somos livres de dizer,
fazer e propor o que quisermos. Ah, e não está mal visto ficar solteira; não, por Deus, isso é

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uma maravilha. —riu o surpreendendo — Inclusive, embora não creia, damos o primeiro passo
se nós gostarmos de um homem e queremos ter relações sexuais com ele.
—E o que me diz do decoro e a dignidade? —perguntou Declan com surpresa.
—O decoro e a dignidade seguem existindo nos valores da pessoa, mas os tempos
avançaram e acima de tudo, os homens e mulheres estamos aprendendo que somos pessoas.
Não vou negar que ainda existe certo machismo em alguns aspectos, mas pouco a pouco as
mulheres vão conseguindo se posicionar onde devemos estar. Onde merecemos!
—Quer me chamar Declan, senhorita Crawford? —perguntou ele, divertido por aquela
fileira de loucuras.
—Eu adoraria, porque isto de chamá-lo de senhor me cansa e é tremendamente difícil e
aborrecido. Mas sempre e quando não o incomode e se você me permitir também. E, é obvio, só
no caso de que quando amanhã se zangue, seja Deus por que motivo, não decida que devo
voltar a lhe chamar senhor.
Inexplicavelmente, Declan estava desfrutando daquela conversa com Cindy e, embora não
acreditava em nenhuma palavra do que dizia, soube que lhe agradava sua companhia e em
especial sua genialidade. Erguendo-se para aproximar-se dela, estendeu sua mão.
—Que assim seja Cindy.
Tornando-se para frente na poltrona, Montse a agarrou e sorriu.
—Trato feito, Declan.
Aquela intimidade entre eles, a quietude do momento, a tranquilidade e o crepitar do fogo
alaranjado, fez que ambos se olhassem de frente. Ali estavam os olhos com os que tinha
sonhado durante anos. Ali estava o olhar que em sonhos a tinha açoitado. Ali estava ele.
Declan estava enfeitiçado pelo engenho e a beleza da jovem. Incapaz de soltar sua mão e
muito menos de retirar-se, quis saber mais sobre suas atraentes loucuras.
—Cindy, nessa época da que fala, em um momento como este o que faria? —murmurou.
«O beijaria; isso está mais claro que a água», pensou.
E sem pensar duas vezes, esticou-se, aproximou seus lábios aos dele e o beijou. Foi um
beijo curto, nada profundo nem dilacerador, mas o suficientemente passional para que ambos
sentissem mariposas no estômago e elefantes golpeando em seu interior.
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Declan, confuso e impressionado por aquilo, separou-se uns milímetros para murmurar algo
justo no momento em que ela espirrava.
—Está ardendo, Cindy. Acredito que sua quentura está subindo.
«Não sabe você como...», pensou, deslocada.
Mas levando as mãos à testa e baixando os pés da poltrona, balbuciou acalorada.
—Uf, que calor! Acredito... Acredito que devo retornar a meu quarto.
—Sim, será o melhor. —assentiu ele sem saber se queria realmente que se fosse— Direi a
Agnes que lhe leve um caldo e panos de água fria para baixar a temperatura.
Ao lhe ver tão aturdido, sem querer, sorriu.
—Declan, posso levar estes dois livros a minha estadia para lê-los? —Ao ver sua cara de
assombro, continuou falando com um sorriso tolo nos lábios— Prometo cuidá-los e quando os
terminar, os deixarei em seu lugar.
A cada segundo que passava aquela mulher o desconcertava mais. De repente queria
conhecer Cindy e saber mais dela. Desejava pegá-la nos braços e levá-la até a cama para que
não pisasse no frio chão, mas recompondo sua fachada se limitou a responder com afabilidade.
—É obvio Cindy. Leia-os e depois me diga o que lhe parece.
—Obrigada. — Sem falar nada mais e como em uma nuvem, Montse chegou até a porta da
biblioteca e, antes de sair, voltou-se com o que soube era um panaca sorriso que não pôde
reprimir. —Encantada em falar contigo, Declan.
E sem mais, partiu. Como se lhe tivessem metido um chute no traseiro, correu para sua
estadia.
—Maldita seja, Cindy Crawford! Por que o beijou? —sussurrou em voz alta enquanto se
metia na cama.

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Capítulo 25

No mercado de Perth, o nutrido grupo recém-chegado do Castelo de Elcho se dispersou


entre as bancas. Para um lado foram os homens e criados em busca de fornecimentos e para
outro Fiona, as moças, Alaisthar e a pequena Maud.
Em um daqueles postos, Maud se encaprichou por um bracelete em tom claro que fazia jogo
com uns pendentes. Sem pensar e às escondidas, Alaisthar comprou tudo. Declan lhe tinha
encarregado algo para poder entregar a pequena no dia de seu aniversário e aquilo seria um
presente perfeito. Fiona comprou um corte de tecido para lhe fazer um bonito vestido e Edel, da
parte de todos os que trabalhavam em Elcho, uns sapatos.
Alaisthar, feliz de ter tirado tão cedo de cima o encargo de seu amigo e laird, centrou-se
completamente na jovem Paris Hilton. Aquela minúscula moça moreninha de expressões
estranhas lhe tinha roubado o coração no instante em que a conheceu.
—Me diga Paris lhe agrada algo do que vê? —perguntou o highlander, afastando uns
homens para que não se chocassem com ela.
—Uf, meu menino. Me agradar, me agradar, agradam-me muitas mais coisas das que crê.
—riu, piscando um olho para Julia que, ao escutá-la olhou para outro lado.
O highlander, que nunca tinha sido assim atencioso com nenhuma mulher, pegou-a pelo
cotovelo para afastá-la do grupo e levá-la até o posto de um conhecido. Ali havia joias de prata
para as mulheres.
—Escolha um presente. —lhe pediu ao ouvido, agachando-se.
—Eu?
—Sim, a senhora.
—Ai, Alaisthar, lhe disse mil vezes que me chame de você.
—Sei minha menina — disse fazendo-a rir — mas me esqueço. Venha Paris, escolhe um
presente.

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Nervosa como nunca em sua vida, olhou-o. Ainda não entendia como um homem como
aquele, tão arrumado, podia estar sempre tão pendente por ela.
—Mas, por quê?
—Porque merece isso. —Ao ver seu gesto, corrigiu-se com um encantador sorriso—
Merece isso por ser tão encantadora e bonita.
Juana, comovida por aquelas palavras, ruborizou-se como uma colegial.
—Obrigada, Alaisthar, mas eu precisamente não sou bonita. Posso ser simpática e inclusive
algo amalucada em ocasiões, mas bonita... O que se diz bonita, sei que não sou.
—Está muito equivocada, Paris. —sorriu ele.
—Vamos ver. —sorriu separando-se dele uns metros — Me vê?
Passeando seu azulado olhar pelo corpo dela, ele assentiu.
—Alaisthar, sou baixa; não alta nem estilizada como as mulheres que os homens gostam. —
E o assinalando, continuou — Olhe você. Você é um highlander imponente e lindo, com um
precioso e sexy cabelo vermelho e uns olhos claros que, uf, tiram o sentido. É o tipo de homem
que nunca está acostumado a se fixar em uma mulher como eu. Acaso não o vê?
Ao escutar aquilo o homem se surpreendeu. Como podia pensar assim Paris, quando para
ele era a mulher mais preciosa de quantas tinha conhecido? Aproximou-se dela e se agachou
para lhe levantar o queixo.
—Não sei o que gostam os outros homens, mas sei o que eu gosto. E eu, Alaisthar
Sutherland, afirmo que é a mulher mais preciosa, linda, inteligente e divertida com a que tive a
honra de cruzar na vida. E por isso, e por centenas de razões mais, faria-me muito feliz se me
deixasse te obsequiar com algo do posto de meu amigo Ralf.
—Mãe do Amor Formoso, isto é o mais romântico que me aconteceu na vida. —sussurrou a
canaria. E sem lhe importar as pessoas que havia ao seu redor, atirou-se em seus braços e o
beijou.
Surpreso por aquela efusividade, Alaisthar a agarrou e por fim devorou aqueles lábios que
desejava desde a primeira vez que a viu. Embora aquela mulher fosse miúda, em sua cabeça e
em especial em seu coração, naqueles poucos dias tinha ocupado todo o espaço.

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Como a protagonista de Pretty Woman; assim se sentiu Juana quando ele acabou aquele
tenro beijo, sorriu e a baixou ao chão.
—Agora já sabe o que sinto por ti? —Juana, atordoada, assentiu— Então, quer escolher de
uma vez um presente para que possamos partir daqui?
Divertida pelo apuro que via nos olhos dele ante os olhares de todos o que estavam ao seu
redor, à jovem olhou o posto e assinalou um bracelete de brilhantes e pedras cinzentas com uma
«A» no centro.
—Alaisthar Sutherland, graças a você minha estadia aqui vai ser tremendamente
interessante.
Como ocorria na maioria das ocasiões, ele não entendeu o significado daquela frase, mas
tirando umas moedas do bolso de sua calça, as entregou a seu amigo Ralf e partiram. Pouco
depois voltaram a se unir ao grupo das mulheres e Maud, ao ver Alaisthar, correu para que ele a
pegasse nos braços. Estava cansada.
—Olhe o que tenhooooo. —cantarolou Juana ao ouvido de sua amiga.
—Com que dinheiro comprou isso? —perguntou Julia surpreendida, ao ver o bonito
bracelete.
—Me deu de presente meu Alaisthar. —cochichou com um inquieto sorriso.
—Acredito que esse ruivo é um bom homem. —disse, tomando-a pelo braço.
—Sim, muito. —murmurou Juana ao lhe ver brincar com Maud.
—Não me diga que está se apaixonando por ele? —a canaria assentiu e Julia escandalizada
por aquilo, grunhiu — Você é tola ou o que? Recordo-lhe que isto é algo circunstancial, ou isso
quero pensar, e que não vai viver aqui para sempre, por que se apaixonar por um homem que
sabe que não pode ter?
Consciente que o que dizia sua amiga era certo, a canaria quis responder, mas pela primeira
vez em sua vida, não soube o que dizer. Tudo aquilo era como um sonho surrealista que cedo
ou tarde terminaria e com ele, Alaisthar desapareceria de sua vida.
—Ai, Deus, tem razão, mas é que me diz coisas tão românticas que, sinceramente, me caem
as calcinhas ao chão. Hoje mesmo me disse que sou bonita, divertida e que ele gosta. Mas, por
Deus, se o maior galanteio que me dedicou um homem foi «é bela» Bela...! Vamos, chamar
133
isso a uma mulher como eu, é como lhe dizer, «olhe, chata, é um galo malaio» - cochichou
pondo os olhos em branco e divertindo sua amiga — Os homens que se fixam em mim, eu não
gosto e, ouça, uma garota também tem seus desejos, suas aspirações e Alaisthar é... É tão
diferente que... Hoje me beijou! Bom, o beijei e ele me correspondeu. E, ai garota, não sabe
quão bem beija e a quentura que senti nesse momento. Porque eu...
—Se cale por Deus! Que sou uma mulher casada e em período de abstinência total. —Julia
tampou os ouvidos — Sabe o que lhe digo?
—O que?
—Desfruta no momento, mas mentalize que isto cedo ou tarde acabará.
Juana voltou seu olhar para Alaisthar, que seguia brincando com Maud, e sorriu encantada.
Não pensava desperdiçar nem um segundo só com ele. Nesse momento ele a olhou e piscou um
olho. Sem pensar ela beijou a ponta dos dedos e o lançou com um sopro.
—Por todos os Santos, Paris. — brigou Fiona ao passar ao seu lado — Não seja tão
descarada com os homens. Já tem Alaisthar bastante aceso para que ainda o esquente mais.
—Há Fiona, vejo que não lhe escapa uma.
A mulher de cabelo grisalho se voltou para ela e deu uma piscada. Logo baixou a voz e a
fez rir.
—Nunca esqueça que eu também sou mulher e que um dia fui jovem.

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Capítulo 26

No dia seguinte do ocorrido na biblioteca, o resfriado de Montse piorou. A febre subiu mais
e não tinha forças nem para falar. Declan, informado a todo o momento por qualquer da casa de
como se encontrava a moça, reteve seus impulsos de descer à zona de serviço para visitá-la.
Aquilo daria muito que falar. Mas passados dois dias sem saber nada dela, sua impaciência
cresceu. Queria vê-la embora fosse para discutir com ela. Por isso, e embora não foi ao seu
quarto, ordenou para surpresa de todos que lhe levassem uma boa manta e um bonito buquê de
flores.
—Bom dia. —saudou a criada ao entrar na estadia das mulheres.
Montse, feliz de encontrar-se um pouco melhor, cantarolava distraidamente uma canção.
—«Esperarei, que sinta o mesmo que eu, a que à lua a olhe da mesma cor...»
—Bom dia, Edel. —respondeu Julia, olhando-a com curiosidade.
—Trago estas flores para Cindy. —respondeu enquanto escutava como a jovem cantava,
distraída.
Mas ao ouvir seu nome prestou imediata atenção à conversa.
—Para mim? —perguntou surpreendida.
—Aham. Acredito que alguém paquerou. —se burlou Juana.
—Sim, você; com o pai de seus futuros filhos. —respondeu Montse, olhando-a — Por
certo, o bracelete que lhe deu de presente é uma preciosidade.
—Sim! —chiou encantada enquanto o tocava com mimo — É muito lindoooooooooo.
Montse não tinha contado o ocorrido na biblioteca a suas amigas e olhou as flores com
gesto desconcertado enquanto se vestia e sentia que seu coração pulsava desbocado.
—Edel, de verdade são para mim? —a criada assentiu e ela pegou o vaso de cristal escuro
aonde vinham, emocionada. Como era de esperar, não encontrou nenhuma nota.
—Quem envia as flores, Edel? —fofocou Julia.
135
—O laird Carmichael. —respondeu a criada — Suas palavras textuais foram: « leve a
colcha e estas flores a Cindy, e a faça chegar meus melhores desejos para que se recupere o
quanto antes.»
—Ai, que lindooooooooooo! —suspirou Juana dando uma cotovelada em sua surpresa
amiga, que ao escutar aquilo sentiu um estranho calor percorrendo todo o corpo. Mal tinha
deixado de pensar no ocorrido na biblioteca, sobre tudo, em sua voz rouca e seus olhos
apaixonados quando o beijou.
—Ouça, mas é um detalhe. —disse Julia alheia a tudo — Possivelmente com isto ele esteja
se desculpando por tudo que foi contigo e por fim fume o cachimbo da paz.
—Sinto lhe dizer que para que isso ocorra, Carmichael tem que jogar mais horas de trabalho
que o maquiador da Marujita Díaz. —respondeu Montse deixando as flores sobre uma mesa de
madeira.
Mas um estranho regozijo percorreu seu corpo ao aspirar o perfume. Aquele detalhe lhe
chegou diretamente ao coração, e com um meio sorriso partiu à cozinha onde ajudou Edel a
preparar a comida. Hoje se livrava de limpar.
Dias depois, uma tarde em que Montse tinha terminado logo seus afazeres, foi à estadia de
Maud para brincar; tinha escondido o pequeno Fitz. O dia era chuvoso e não convidava a sair.
Durante horas, a jovem, a menina e o cão se divertiram lindamente. Enquanto estava
convalescente tinha ensinado uns truques ao animal e estes conseguiam que a menina,
maravilhada, soltasse enormes gargalhadas.
Precisamente foi aquilo o que chamou a atenção de Declan: Sua filha rindo! Abriu com
cuidado a porta da estadia para observá-la e se surpreendeu ao ver sua filha junto à Cindy e ao
cão, derrubando-se pelo chão cheias de alvoroço. Durante um momento observou à pequena;
vê-la tão feliz e sorridente era algo ao que não estava acostumado. De repente se emocionou.
Sabia que tinha sido injusto com ela, mas quando Isabella morreu, ver a menina lhe partia o
coração. Por esse motivo a deixou a cargo de sua mãe enquanto ele partia para lutar por sua
pátria. Mas algo tinha trocado e, gostasse ou não, o devia a Cindy.
De repente o animal parou e olhou para a porta. Montse, ao ver o duque as observando,
alertou-se.
136
«Minha mãe, vai me matar por trazer o cão aqui. Se prepare Montse, que vai chamá-la de
tudo menos bonita», pensou suspirando.
Ao ver-se descoberto, Declan tomou uma decisão que surpreendeu a ambas.
—Posso entrar?
Maud, acovardada, olhou primeiro a jovem e logo ao animal, ao que pegou nos braços ao
tempo que assentia. Montse foi consciente disso e tomou forças, disposta a segurar uma nova
bronca.
—É obvio senhor, está em sua casa. —respondeu em um tom jovial e alegre.
—Senhor?! —perguntou ele ao recordar seu último encontro.
Com um sorriso panaca ante sua resposta, a jovem o olhou e indicou alto e claro.
—É obvio Declan, está em sua casa.
Para assombro das moças, o duque sorriu e se sentou junto a elas no chão.
—Do que riam? Suas gargalhadas se escutam em todo o castelo.
A pequena Maud, atônita por aquilo, olhou seu pai e sussurrou baixando o olhar ao chão.
— Nos desculpe pai. Não queríamos incomodar.
Horrorizado pela primeira vez em sua vida ao ver como a alegria da menina desaparecia ao
chegar ele, agarrou-a pelo queixo, fez-lhe levantar o rosto para ele e a repreendeu
carinhosamente em um tom aveludado que Montse se arrepiou.
—Maud, eu adoro lhe escutar rir porque tem uma risada preciosa. E quem tem que
desculpar-se sou eu contigo, por não ter estado mais pendente do que necessitava. Mas lhe
prometo que a partir de agora tudo mudará.
A menina olhou a jovem, surpreendida. Seu pai nunca tinha sido tão amável com ela.
—Mas isso é estupendo. Seu papai e você voltam a ser uma equipe. —disse Montse ao ver
o desconcerto da pequena, aplaudindo.
—Equipe?! —perguntaram ao uníssono a menina e o pai. Aquilo fez sorrir os três.
—Cindy, às vezes diz coisas muito estranhas. O que é uma equipe? —quis saber Maud.
Aturdida pelo olhar brincalhão do duque sobre ela, depois de suspirar e tentar manter o
controle, respondeu.

137
—Tem razão Maud, às vezes digo coisas muito estranhas. Mas é que sou estranha! —Todos
voltaram a rir — Uma equipe, onde eu vivo, é quando duas ou mais pessoas lutam para
conseguir algo em comum. Em seu caso, seu papai e você lutaram toda a vida para se querer e
se entender verdade?
—Sim. —assentiram ambos após olhar-se.
—E você é de nossa equipe, Cindy? —perguntou à pequena.
Aquela pergunta deixou Montse tão deslocada, que não soube o que responder. Não devia
fazer que a menina se iludisse; ela partiria cedo ou tarde. Mas foi Declan quem respondeu ao
ver que a menina a olhava e ela ficava muda.
—É obvio que é de nossa equipe. Acaso o duvida, Maud? —a pequena sorriu — E para que
a equipe cresça pensei que Fitz poderia se unir também a ela. O que se parece, pequena?
—Sério? —perguntou a menina, com os olhos muito abertos.
—Sim, Maud, sim. Pode lhe ter contigo sempre que quiser. Sempre. —Sorriu.
—Senhor... Digo, Declan, isso é o mais alucinante que o escutei dizer desde que estou aqui.
Estou segura de que nunca se arrependerá disso. —murmurou Montse ao ver o esforço que ele
fazia para aproximar-se de sua filha.
Aquelas palavras fizeram que o duque desejasse beijá-la. Olhou-a com tal intensidade, que
estava seguro de que Montse decidiu falar nesse momento só para romper aquela tensão que se
instalou entre eles.
—Princesa, ensina seu papai o jogo que lhe ensinei estou certa que ganha!
A pequena soltou uma risadinha ladina e olhou para o homem com olhos faiscantes.
—Cindy me ensinou um jogo.
—Sério?
—Oh, sim. E é muito boa nele. —disse Montse com gesto divertido.
—Vêm papai, lhe ensinarei.
—Papai?! —perguntou surpreso, mas ao ver o gesto assustado de sua filha, disse fazendo-a
sorrir — eu adoro que me chame papai, Maud... Eu adoro!

138
«Papai...», repetiu mentalmente Declan. De verdade adorava que lhe chamasse por aquele
termo tão íntimo e afetivo. E ante a vivacidade da pequena, acomodou-se a seu lado para que
lhe explicasse as normas do jogo.
—Nós dois temos que pôr as palmas das mãos para cima e, sem deixar de nos olhar aos
olhos, tem que as voltear sobre as minhas. Mas olha, papai, o jogo consiste em conseguir tirar
as mãos antes que se dê nos nódulos.
Durante uns minutos a menina e seu pai brincaram e riram. Montse se manteve a margem e
apoiou as costas na cama para observá-los e desfrutar desse momento tão íntimo. Era incrível a
facilidade de adaptação de um menino para amoldar-se a qualquer situação e, em especial, para
esquecer o passado. Maud estava dando uma lição a seu pai e esperava que ele se desse conta e
o recordasse toda a vida. Nesse momento parecia que o muro invisível que foi levantado entre
eles com o passar dos anos, nunca tinha existido.
—Tornei a ganhar papai!
—Rendo-me, Maud. —riu encantado — Acredito que Cindy a ensinou muito bem como
brincar com isto.
—Senhor, sua filha é muito rápida aprendendo. —respondeu divertida.
—Senhor?! —perguntou ele levantando uma sobrancelha e ela sorriu.
—Vou à cozinha pegar bolachas para todos. —disse de repente a menina saindo da estadia,
seguida por Fitz, deixando-os sozinhos e sentados no chão.
Nervosa ante aquela intimidade, Montse coçou a cabeça e se afastou uns centímetros. Ele ao
ver seu desconforto voltou a perguntar.
—Senhor?! Já não me chama pelo nome.
—Está bem, está bem... —riu ela.
—Encontra-se melhor de sua indisposição?
—Sim. A verdade é que já volto a me encontrar bem, mas reconheço que o outro dia estava
deprê, deprê...
—Deprê?!
E então ela voltou a fazer aquilo que a Declan parava o coração: sorrir levando a mão à
cabeça. Aquele gesto carregado de sensualidade o voltava louco.
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—Deprê significa má. Em meu caso utilizei essa palavra para dizer que estava bastante mal.
Estava deprê. —esclareceu alheia ao que ele estava pensando.
Cravando seus inquietos olhos nela, ele assentiu. Olhou aqueles lábios e, ainda sem beijá-
los, sentiu-os. A ânsia por saboreá-los fez que aproximasse seu rosto ao dela a escassos
centímetros.
—Seria deprê que eu a beijasse neste momento?
Atordoada negou com a cabeça e ele a beijou. Devorou seus lábios como levava dias
ansiando e não se importou com nada. Só ela. Quando notou que abria a boca e tocava sua
sedosa e úmida língua, algo nele explodiu. Desejou pegá-la nos braços e levá-la ao seu quarto,
despi-la e fazê-la sua. Mas não. Não devia fazê-lo.
Montse, excitada por aquilo, e ansiando mais dele, se sentou com descaramento
escarranchada para poder beijá-lo com mais veemência. Declan, surpreso por aquele
movimento tão apaixonado, soltou um varonil bufo de aceitação. Durante uns minutos se
beijaram sem pensar em nada mais, até que escutaram os passos da pequena Maud que se
aproximava correndo. Nesse momento Montse voltou para seu lugar e, quando a menina abriu a
porta, Declan se levantou.
—Me desculpem as duas. Há algo urgente que requer minha atenção. —disse alterado.
Dito isto saiu dali sem olhar Montse, que o seguiu com os olhos, incrédula.
—Fiz algo mal com meu papai? —perguntou Maud, preocupada.
Perturbada pelo que acabava de ocorrer e consciente de como a olhava a menina, Montse
sorriu e fez que a menina se sentasse a seu lado.
—Não é nada, princesa, é somente que seu papai tinha coisas que fazer.
Segundos depois retomaram as brincadeiras com Fitz, embora a mente de Montse não
voltasse a estar limpa. O que estava fazendo?
Aquela noite, depois de jantar nas cozinhas com Colin, Edel e Agnes, estava inquieta e saiu
para dar um passeio pelos arredores. Do ocorrido pela tarde no dormitório de Maud com
Declan, só podia pensar nele. Reviver aquele beijo tão veemente a arrepiava e a fazia desejar
mais. Muito mais.

140
«Quer sexo Montse, sabe. Esse homem lhe demonstrou com esse beijo o que pode dar e está
como louca por prová-lo. Não o negue, não o negue... Mas esquece-o à voz de "já!". Isso só
somaria mais problemas aos que já tem», brigou consigo mesma enquanto observava a luz que
emergia pela janela da estadia dele.
—Acabou-se! Enlouqueço vou dormir em vez de pensar em tolices.
Mas quando entrou na cozinha, deteve-se em seco. Ela era uma mulher do século XXI,
independente, solteira e com liberdade para gozar plenamente de sua vida sexual. Fechou os
olhos durante um segundo para pensar, e quando os abriu o via claro. Desejava Declan
Carmichael como levava tempo sem desejar a um homem por que negar-lhe.
Decidida subiu as escadas até chegar ao salão. Uma vez que comprovou que não havia
ninguém ali, encaminhou-se para o seguinte lance de escadas. Com cuidado e evitando fazer
ruído, passou por diante das estadias de Fiona e Maud, até que chegou a dele.
«O que estou fazendo? Estou me voltando louca?», pensou.
Mas o desejo carnal a venceu e sem chamar, pôs sua mão sobre o puxador da porta e abriu.
Declan estava apoiado contra a lareira com gesto sério, vestido com uma camisa de linho
branco desabotoada e uma calça clara. Surpreso por aquela inesperada visita deixou sobre o
suporte a taça de cristal que tinha na mão e a olhou.
Não necessitaram palavras. Suas respirações agitadas, junto aos olhares avivados, falaram
por eles. Conscientes de seu desejo, ambos caminharam em busca do outro e, depois de
abraçar-se, beijaram-se com autêntica paixão. Nos olhos dela ardia um desafio, uma provocação
que enlouqueceu Declan.
Montse se arqueou ao sentir-se entre seus braços, enquanto notava sob suas mãos a tersa e
cálida pele dele. Exaltada, tirou-lhe a camisa o deixando nu da cintura para acima. A fantasia
que levava horas forjando em sua cabeça estava ali, frente a ela.
Quente e receptivo para tudo o que ela desejasse, Declan, arrebatado pela fogosidade da
jovem aguçou todos seus sentidos e a pegou, possessivo, entre seus fortes braços para levá-la
até seu leito onde, depois de lhe morder o lábio inferior com deleite, soltou-a. Ela, excitada,
soltou o cabelo e sorriu, com um sensual movimento.
—Enlouquece-me seu sorriso. —sussurrou ele antes de beijá-la de novo.
141
Agradada por aquilo e saboreando sua boca, Montse se deixou despir. Fez-o com acertados
movimentos, lhe tirando primeiro o corpete e depois a regata branca, que jogou sem
preocupação junto à lareira. Uma vez que a teve nua da cintura para acima, brincou com gestos
com seus seios. Tocou-lhe os mamilos, os lambeu e, quando escutou que lhe escapava um
suspiro, os mordiscou com um malévolo sorriso nos lábios ao tempo que suas grandes e
exigentes mãos lhe desatavam a saia e a atiravam para um lado.
«Mãe minha como me deixa este homem...»
Com um olhar selvagem e irresistível, Declan admirou a entrega dela. Rodou na cama,
arrastando-a consigo até pô-la sobre ele, e posou as mãos em suas nádegas. Um fino fio de elos
negros chamou sua atenção.
—O que é isto? —perguntou surpreso
Ela sorriu. Declan se referia à calcinha em tom violeta e negro que usava. Consciente de
que ele não tinha visto nada igual em sua vida, levantou-se e para despertar ainda mais sua
fome por ela, colocou os polegares pelas laterais da calcinha com um movimento sensual.
—Uma calcinha.
—Calcinha?! —riu observando-a.
—Sim. Em minha época a isto se chama lingerie feminina. E é o que usam a maioria das
mulheres.
E quando acreditava que já não lhe voltaria a surpreender, Montse deu conta de seu engano.
Ele não podia tirar o olhar de outro lugar.
—Por todos os Santos, o que ocorreu em seu umbigo? Algo reluzente está pendurado nele.
Montse não pôde evitar a gargalhada.
Alvoroçada, tocou o adorno em forma de lua com um brilho que ressaltava em seu umbigo
e se aproximou para lhe dar um doce beijo nos lábios enquanto lhe pegava a mão para fazer que
percorresse a silhueta da miçanga com seus dedos.
—Isto se chama piercing. É um brinco no umbigo. —disse sobre sua boca.
Surpreso pelas coisas que descobria nela, olhou-a confuso.
—Os brincos não são para as orelhas? —repôs, controlando como pôde a voz, que saiu a
tropicões.
142
—Sim. Mas como já lhe disse, em meu tempo mudaram muito as coisas. Ali os brincos
ficam em qualquer parte do corpo: nos ouvidos, no umbigo, na sobrancelha, na língua...
—Na língua?! —perguntou afastando-se, incapaz de acreditar.
—Sim na língua, e em outros lugares que estou segura que quando lhe disser isso não vai
dar crédito. —riu esta.
Durante um momento Declan a observou, turbado pelo que via e ouvia, até que ela decidiu
lhe tirar de seus pensamentos.
—Você gostou de minha calcinha e meu piercing? —recuperou sua atenção, com um doce
rebolado de quadris, afastando-se de seu alcance, fora do leito.
Excitado, olhou-a com a boca seca pelo desejo e um sorriso indômito.
—Sim. Embora eu gostasse muito mais que voltasse aqui de novo. Quero ver mais de perto
o... Bom, essa coisa do umbigo e tirar essa calcinha.
Mimosa, e com uma sensualidade que o deixou embevecido, aproximou-se dele, agarrou-se
de um dos postes da cama e subiu a ela com agilidade.
—Aqui estou Carmichael, tire isso.
Declan, excitado por aquilo, ainda sentado sobre o colchão de lã, subiu suas mãos e
capturou entre seus dedos, com cuidado, as duas tiras daquilo que chamava «calcinha» para
puxá-las. De novo ficou perplexo ao olhar aquele perfeito e minúsculo triangulo de pêlo
castanho e ver o que havia no centro do que mais desejava.
Montse, consciente de que tudo aquilo era novo e surpreendente para ele, sorriu e se sentou
sobre suas pernas para lhe beijar na orelha.
—Ao que olha maravilhado chamamos depilação brasileira.
Declan estava cada vez mais excitado, mas quando sentiu aquelas delicadas mãos
desenredando as calças, perdeu toda a paciência e contenção.
Desejoso de que a tortura acabasse o quanto antes, ajudou à jovem e levantou as nádegas
para facilitar a tarefa, deixando que sua gloriosa masculinidade saltasse livre da constrição dos
objetos, surpreendendo Cindy com seu tamanho.

143
Vendo seu agradado sorriso, a tomou entre seus braços para lhe girar sobre a cama e lhe
separou as pernas com a suas. Não podia suportar mais. E sem mais, introduziu o pênis no
interior com um tranco que a fez gemer.
—A isto eu chamo posse. —sussurrou ele a seu ouvido.
Um calor úmido e selvagem se apoderou da jovem enquanto elevava os quadris para
recebê-lo mil vezes mais. Desejava sentir aquela posse. Voltava-lhe louca sua boca, seu aroma
varonil e sua voz carregada de poder enquanto fazia amor.
Consumido no momento, tomou com abandono. Do primeiro instante ficou claro que não
era virgem, o que intensificou seu ardor, enquanto ela recebia uma e outra vez seus ataques de
paixão. Quando a sentiu tremer sob seu corpo e abandonar-se em um gemido de prazer, ele a
seguiu; deixando cair seu exausto corpo sobre o dela com um grunhido tenso e masculino.
Com a pele ardendo, Declan se retirou para um lado da cama para não esmagá-la. Ela,
suarenta, sorria satisfeita.
—Se sorrir assim, voltarei a tomá-la de novo.
Ao escutar aquilo, e com um descaramento que o estremeceu, Montse o olhou e deixou
escapar uma gargalhada, embora de repente seu rosto mudou; ficou tensa e se sentou na cama.
—Ai, Deus. Ai meu Deus! —gritou, levando as mãos à cabeça.
Alarmado por aquela reação, ergueu-se a seu lado. Acariciou-lhe as costas e abaixou sua
cabeça para olhá-la.
—O que ocorre? O que acontece?
—Acabamos de praticar sexo não seguro. Sem preservativo! E aqui não existe ainda a
pílula do dia seguinte. Ai, Deus!
—Preservativo? Pílula do dia seguinte...?
Retirando o cabelo do rosto, Montse o olhou.
—A pílula do dia seguinte é um comprimido que, tomada umas horas depois de ter relações
sexuais desprotegida, pode evitar uma gravidez não desejada. E o preservativo, é uma espécie
de capuz que os homens colocam no pênis para não deixar grávidas às mulheres, além de servir
de amparo contra doenças de transmissão sexual.
—Um capuz? —repetiu sobressaltado — Mas que monstruosidade é essa?
144
Incapaz de não rir pela cara com que a olhava, Montse relaxou, esquecendo-se de
preservativos e demais. Deitou-se de novo na cama e, o fazendo deitar, foi até ele. Durante um
bom tempo falaram de coisas impossíveis de acreditar para Declan e que ela, como sempre,
defendia com veemência. De madrugada, depois de fazer em várias ocasiões amor, Montse se
levantou e começou a vestir-se.
«Olha... O espelho», pensou ao ver seu espelho, que dias antes lhe tinham comprado suas
amigas na loja de antiguidades de Edimburgo.
—Aonde vai? —perguntou ele, tirando-a de seus pensamentos.
—Ao meu quarto. Estou quase morta. —respondeu com cara de sonho.
—Está morrendo?! —Mas ao ver que ria a gargalhadas, tranquilizou-se.
— Quis dizer que caio de sono que tenho.
Sobressaltado por sua alegria, Declan se levantou e a interrompeu em seu trabalho de vestir-
se para beijá-la.
—Pode ficar aqui se quiser. Eu adoro compartilhar minha cama contigo.
—Obrigada, mas me movo muito e se incomodaria. — burlou, separando-se.
Declan, com uma euforia que levava tempo sem sentir, sentou-se nu sobre a cama.
—Cindy, posso lhe perguntar algo?
—Claro.
—...Lembra que uma vez, enquanto discutíamos, mencionou seu pai. O que ocorreu com
ele e sua mãe?
—Minha mãe morreu quando eu nasci e meu pai há anos. —respondeu brevemente, mas ao
ver que ele esperava algo mais, suspirou e continuou— O dia que recorda que mencionei meu
pai... Me coloquei como o fiz porque não queria que a Maud acontecesse o mesmo que a mim.
Meu pai nunca me quis, nunca prestou atenção em mim e sempre tive a sensação de que era só
uma carga para ele. Não queria que Maud sentisse que não era querida e estivesse tão só como
eu. Ela é uma menina fantástica e não o merece.
—Mas eu adoro Maud. Amo-a muitíssimo. Nunca a abandonaria.

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—Sei Declan, mas ela não sabia. Eu só tentei fazer que se desse conta de que ela precisava
sabê-lo. Agora Maud sorri, não lhe teme, beija-lhe e se aproxima de você. Inclusive o chama de
papai o que antes alguma vez o fez?
—Não. —respondeu o highlander com sinceridade.
—Então se alegre, corajoso. Consegui que sua filha saiba que seu pai a quer. —disse com
um sorriso que lhe chegou direto ao coração.
Ao ver que ele assentia e cravava um olhar feroz nela, brigou.
—Quer deixar de me olhar assim!
—Por quê?
—Pois porque fico nervosa. É tão arrebatador... —Ao comprovar que ele se levantava e ia
para ela, parou-lhe e deu um salto para trás — Nem lhe ocorra me dar um beijo mais.
Acabaram-se os beijos por hoje.
—Acabaram?
—Sim. Acabaram.
Mas transtornada por seu sensual olhar, pendurou-se em seu pescoço e o beijou. A
empurrões o levou até a cama onde o deitou, e após lhe devorar os lábios com paixão, levantou-
se de um salto, correu até a porta e o abandonou excitado e com a boca aberta.
—Foi uma experiência estupenda, Declan Carmichael. —disse antes de sair.
Depois partiu. O duque, aniquilado por aquele ataque de paixão, deitou-se sobre seu leito
com um sorriso lascivo na boca.
—Muito, muito estupendo Cindy Crawford. —murmurou para si mesmo, e soltou uma
gargalhada.

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Capítulo 27

Passaram vários dias com suas correspondentes noites. Os amantes se encontravam


furtivamente na estadia dele, mas durante o dia, quando se cruzavam, apenas se olhavam, e se o
faziam era para discutir; embora mais da metade fosse discussões fingidas. Brigas cheias de
paixão e ardor que quão único conseguiam era acrescentar sua vontade de estar sozinhos na
intimidade. Fiona os observava com a sabedoria que dão os anos. Aquele olhar de seu filho,
vivaz e aceso enquanto discutia com a jovem Cindy, deu-lhe muitas pistas. Sorriu e calou. Ao
mesmo tempo, a relação entre Maud e seu pai melhorava dia a dia. Agora riam, brincavam e
passeavam a cavalo, algo que fez feliz à avó.
Ao ficar o sol, um estranho nervosismo atendia os amantes e, embora cada manhã Montse
jurava e perjurava que não voltaria a sua estadia, assim que podia escapava de seu quarto para
subir ao dele. Algo do que Julia estava a par, mas que igual aos outros, limitou-se a observar em
silêncio.
Em todo esse tempo não falaram de amor nem de futuro. Ambos desfrutavam do momento
e nada mais, embora um fogo abrasador lhes queimasse as vísceras quando estavam mais de
uma hora sem ver-se.
Chegou o tão esperado dia para a pequena Maud: seu aniversário! Os habitantes de Elcho
tinham organizado em segredo uma festa organizada por Montse. Pela primeira vez Fiona via
seu filho sorrir com alegria junto a sua pequena e isso lhe enchia de orgulho o coração. Por fim
Declan tinha esquecido a amargura vivida durante anos sob a lembrança constante de sua
falecida esposa.
—Vem o bolo! —gritou Julia encantada.
Quando colocaram o bolo ante a menina, todos aplaudiram. Edel foi cortá-lo, mas Montse a
deteve.
—Não lhe cantam o Feliz Aniversário?
147
Todos se olharam estranhando. O que era aquilo?
—Olhe, princesa — disse Montse enquanto Julia procurava velas— de onde eu venho,
quando a gente faz aniversario põe sobre seu bolo uma vela acesa por cada ano completado.
Depois lhe cantamos uma canção e, por último, o homenageado as apaga com um sopro
enquanto pede um desejo. Quer que o façamos?
A menina olhou seu pai, que assentiu encantado. Julia acendeu as pequenas velas e as
colocou sobre o bolo, ao tempo que as três estrangeiras deixavam todos pasmados enquanto
cantavam.
—«Parabéns para você, Feliz Aniversário feliz. Aniversário feliz...»
E depois dos aplausos, a uma pequena ordem a pequena soprou.
A tarde foi transcorrendo entre jogos, presentes e surpresas, mas quando chegou a noite,
todas as pessoas de Elcho se reuniu ao redor de uma fogueira para cantar e dançar.
Era a primeira vez que se celebrava o aniversário da pequena. Às vezes anteriores o duque
não tinha estado de humor para tanta festa. Mas aquele ano foi diferente e especial. Pai e filha
eram felizes e Declan desfrutava vendo sua pequena rir. Os mais velhos do lugar, com suas
gaitas de fole, amenizaram o evento. Um homem foi o primeiro em romper o gelo, cantando
uma balada que falava sobre as Terras Altas da Escócia. Quando acabou, todos aplaudiram.
—Por que não cantam algo de sua terra? —propôs Colin, olhando às três moças.
—Sério? —riu Juana.
As pessoas de Elcho fizeram coro entusiasmadas a proposta, assim Julia, de excelente
humor, teve uma ideia da que fez partícipes suas amigas.
—Querem que cantemos A Macarena, ou o Viva a Espanha, e deixemos todos sem fala?
As três se partiam de risada com antecipação, mas de repente, Edel se aproximou delas.
—Cindy, por que não canta a canção que cantarolava faz uns dias?
—Qual? —perguntou surpreendida.
Edel cruzou um olhar com seu Ned.
—Essa que me disse que falava sobre uma mulher que cantava a seu amante que esperaria
que algum dia ele não pudesse viver sem seu amor.

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Ao escutá-la Montse sorriu e negou com a cabeça. Sabia a que canção se referia Edel, mas
cantar frente a toda Elcho a faria morrer de vergonha.
—Venha... Cindy canta-a. — pediu Maud, nos braços de seu pai.
Montse olhou Declan e negou com a cabeça. Ele sorriu ao notá-la tão envergonhada. Não
conhecia essa faceta dela e decidiu pô-la em um apuro diante de todos.
—Não pode se negar. Maud é a que manda hoje e lhe exige isso.
—Sim, por favor, Cindy. —apressou à pequena.
Montse calcinou ao pai da criatura com o olhar e este se limitou a sorrir. Aquela bravura a
enlouqueceu.
—Mas de que canção falam? —perguntou Fiona a Julia.
—Da de um compositor que escreve poemas em espanhol, Manzanero. Chama-se Esperarei.
—murmurou Montse.
—Ai, minha menina, que romântica! —sussurrou Juana, piscando um olho a seu Alaisthar.
—Soa preciosa, Cindy, uma pena que não possamos entender a letra. —a animou Agnes,
provocando-a.
—Ah, por isso não se preocupem. Enquanto Cindy a canta, eu posso ir traduzindo... —disse
Juana que não se separou de Alaisthar em todo o dia.
Todos fizeram coro à iniciativa e começaram a aplaudir e a apressar Montse para que a
cantasse. Convencida que não a deixariam em paz em toda a noite, olhou-lhe resignada.
—Tudo bem, tudo... Cantarei isso. Mas se chover ou trovejar, não quero que ninguém se
queixe entendido?
A gargalhada foi geral. Cindy e suas amigas eram apreciadas por todos no pouco tempo que
levavam em Elcho.
Ela se levantou, tomou ar e fechou os olhos. Começou a cantar enquanto Juana, apenas em
um sussurro, ia dizendo em inglês suas palavras.

Esperarei, a que sinta quão mesmo eu; que à lua a olhe da mesma cor. Esperarei que
adivinhe meus versos de amor; a que em meus braços encontre calor. Esperarei que vá por

149
onde eu vou, a que sua alma me dê como eu lhe dou isso. Esperarei que aprenda de noite a
sonhar, a que de repente me queira beijar.

Abrindo os olhos e, sem lhe importar ninguém, cravou seu olhar em um atraente Declan,
que a observava enfeitiçado, e continuou.

Esperarei que as mãos me queira tomar, que em sua lembrança me queira para sempre
levar, que minha presença seja o mundo que queira sentir, que um dia não possa sem meu
amor viver.

Atordoada como faziam amor com o olhar, alargou a última palavra da canção, e finalizou a
última estrofe em um sussurro.

Esperarei que sinta nostalgia por mim, a que me peça que não me separe de ti. Talvez
jamais você seja meu, mais eu meu amor... Esperarei.

Todos os presentes ficaram mudos enquanto cantava e a ninguém escapou o detalhe de


como o duque e aquela jovem se olhavam. Quando acabou e ela sorriu, todos romperam em
aplausos. A moça agradeceu encantada enquanto Declan ainda continuava boquiaberto pelo que
seu coração e sua alma lhe tinham gritado ao escutá-la.
Aquela noite, depois da festa e enquanto o castelo dormia, Montse chegou até a estadia de
Declan, que a esperava como um lobo enjaulado. Ao vê-la se aproximou dela impaciente, e a
atraiu com um arrebatador beijo. Fizeram amor com doçura. Não houve palavras, só houve
momentos e paixão, enquanto na mente de ambos aquela sentida e romântica canção, Esperarei,
continuava soando.

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Capítulo 28

Dois dias depois, depois de uma noite repleta de tórridos momentos frente à lareira da
estadia de Declan, Montse escutou o trote de vários cavalos enquanto se dirigia à cozinha
seguida por suas amigas. Olhou pela janela e viu o laird afastar-se com Alaisthar e alguns
homens a toda pressa.
—Aonde vão? —perguntou inquieta.
—Recebemos uma missiva de Rose Ou'Callahan. Pelo visto suas terras foram atacadas.
Nosso senhor decidiu ir ao castelo de Huntingtower se por acaso necessitam ajuda. —
respondeu Edel.
Nesta ocasião, pela primeira vez a incomodou escutar o nome daquela mulher. Dar-se conta
disso, não gostou.
—Quem é Rose Ou'Callahan? —perguntou Juana.
—Pode-se dizer que a prometida de nosso laird. — se queixou Agnes — Bebe os ventos por
ele desde que este enviuvou e não desperdiça nenhuma oportunidade para vir lhe ver sempre
que pode.
—E ele bebe os ventos por ela? —perguntou Julia com malícia.
—De verdade, filha, que a tua é a pura fofoca. O que está perdendo o Salve-me de Luxo ao
não te contratar. —protestou Montse antes que Edel respondesse.
—Não saberia o que responder a isso. Às vezes me dá a sensação de que sim, mas em
outros momentos, quando ela fica caprichosa, acredito que a detesta. Embora o melhor seja
certo é que nosso senhor sabe o rumor sobre eles e não faz nada por desmenti-lo. No fundo, é
consciente de que um enlace com Rose seria bom para ambos os clãs.
Montse sentiu desejo de sair correndo, mas não, não o faria. Devia assumir que aquela vida
era a de Declan e não a sua; simplesmente se aproveitaria daqueles encontros noturnos
circunstanciais, e nada mais.

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—Vamos ver lindas, e vocês duas por que estão com esse gesto de aborrecimento? —
perguntou Juana olhando às criadas — Se Declan Carmichael está sozinho, é normal que
procure companhia, e se esse clã sofreu um percalço, é lógico que vá em sua ajuda, não?
—É obvio. O duque é um homem jovem e atraente que cedo ou tarde terá que voltar a
refazer sua vida e casar-se. —assentiu Julia, olhando de esguelha sua amiga.
Montse nem se alterou.
—E o fato de ajudar-se entre clãs também é normal não é certo? —voltou a repetir Juana.
—Sim, Paris, sim. —assentiu Agnes, jogando um tronco ao fogo — nos ajudar entre nós é
algo normal. O mal é que, se as notícias forem tão terríveis como parecem, essa caprichosa e
suas donzelas virão aqui nos fazer a vida impossível.
—Você crê? —perguntou Montse levantando uma sobrancelha.
—Oh sim. Acredito. —afirmou Edel — No momento em que essas apareçam por aqui, a
paz e a quietude que respiramos em Elcho se acabará. Primeiro, porque exigirão, exigirão e
exigirão, e nosso laird não fará nada para que se comportem, e segundo, porque como é de
esperar, nossos homens babarão por elas como cães.
—Minha menina, não acredito que seja para tanto. — sorriu Juana, tirando a importância
daquilo.
—Você mesma o sofrerá. —vaiou Agnes, assinalando-a — Vi como Alaisthar Sutherland e
você se olham, passeiam juntos e se divertem. Pois bem, se vier Erin, já veremos se continua
assim.
O alarme disparou em Juana ao escutar aquele nome e cruzou os braços.
— Bem, quem é Erin?
—Uma amiga da senhorita Rose Ou'Callahan. —comunicou com picardia Edel.
—Porque Deus a agarre confessada. —cochichou Julia fazendo Montse sorrir.
—E o que tem ela? —voltou a perguntar Juana.
Edel em seguida entendeu a pergunta da canaria, assim não duvidou na hora de responder a
seus temores.
—Erin é a mulher com a que Alaisthar Sutherland faz tempo que se relaciona. Sei que em
ocasiões se viram, e inclusive ouvi cochichar que compartilharam o mesmo leito. Mas me
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escute, Paris, porque lhe digo isso para seu bem: não se aproxime delas ou sairá escaldada.
Entende?
Aquilo envenenou o sangue de Juana. Seu Alaisthar, aquele que a olhava com olhos de
cordeiro degolado e que lhe dizia palavras de amor, intimo com outra? Compartilhando cama
com outra? Sem poder evitar suspirou, curvada.
—Vamos ver canaria, que vejo vir. Tenta morder a língua, rainha amora; que nos
conhecemos. Você não é tola e sabe que cedo ou tarde isto tem que se acabar e ele ficará aqui.
Esta é sua vida, não a tua nem a minha, portanto se controle, passa-o bem e não perca a cabeça
de acordo? —cochichou Montse a seu lado.
Juana assentiu e respirou com resignação. O que sua amiga dizia era certo, mas os
sentimentos lhe nublavam a razão pela primeira vez em sua vida.
—Moças, se apressem. — disse de repente Fiona aparecendo ante elas — Devem arrumar
as três das estadias superiores e cozinhar em abundância. Durante uns dias receberemos os
Ou'Callahan até que seu lar volte a estar habitável. —e olhou às três espanholas— Não quero
problemas com ninguém do pessoal feminino dos Ou'Callahan, entendido?
Uma vez que assentiram, Fiona partiu com urgência e Agnes se voltou para aquelas.
—Vejam. Edel e eu tínhamos razão. Cuidado com elas.

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Capítulo 29

A noite chegou e os homens do castelo de Elcho não retornaram. Aquilo ocasionou


infinidade de falatórios entre o pessoal da fortaleza e os aldeãos que viviam ao redor. Se tinham
atacado as terras dos Ou'Callahan, podiam atacá-los também. Incrédula pelo ambiente de
nervosismo que encontrava a seu redor, Montse observou. Ver o medo das mulheres e anciões
em seus gestos, a emocionou. Não podia entender que alguém quisesse fazer mal a aquelas
pessoas que se esforçavam por atender seus campos, cuidar de sua família e algo mais.
A ausência de Declan lhe deu o que pensar. Estava se apaixonando por ele? Era boa ideia
continuar com seus encontros? Mas por mais voltas que dava ao tema, sua cabeça se negava a
raciocinar. Só desejava sentir seus lábios ardentes, fechar os olhos e escutar sua voz rouca
quando o fazia amor. Aquilo começava a ir das mãos, mas não o queria mudar.
Esperaram a chegada da comitiva até altas horas da madrugada, mas não apareceram e,
animadas por Fiona, finalmente todos partiram para descansar à exceção da guarda. Com
certeza o seguinte dia traria notícias. E assim foi. Fiona recebeu uma missiva de seu filho
Declan em que se requeria a presença de sua gente nas terras dos Ou'Callahan. Necessitavam
ajuda.
Sem perder tempo, Fiona organizou a partida. De madrugada, todo mundo salvo os mais
velhos e um pequeno guarda que ficou no castelo, encaminhou-se a Huntingtower, que estava
aos subúrbios de Perth. Chegaram às terras dos Ou'Callahan ao cair a noite.
—Mãe. —saudou Declan saindo da fortaleza — Obrigado por vir tão rápido.
—Filho, assim que recebi sua missiva organizei a viagem como estão Rose e Roger?
Declan não quis olhar diretamente à mulher que lhe tinha roubado a paz. Desde que tinha
saído de Elcho não tinha passado um segundo do dia, ou da noite, que não a tivesse recordado.
Por isso, e consciente de quão olhares seguiam seus movimentos, sorriu a sua pequena Maud
que caminhava entre Cindy e Paris e voltou a dirigir o olhar a sua mãe.
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—Rose está bem, embora Roger não melhorou da última vez que o vimos.
A anciã se dirigiu a uma das jovens, que nesse momento descia de um dos carros.
—Norma, você que entende de remédios, acompanha-me para ver Roger?
—É obvio Fiona, agora mesmo.
Segundos depois as duas transpassaram a soleira da enorme porta da fortaleza deixando
Declan frente a sua filha e as duas mulheres. Ao ver sua menina bocejar, fez um gesto a uma
jovem de cabelos claros que, pegando à pequena, a levou para deitá-la.
—Olá. —saudou Montse ao ver que por fim a olhava.
—Olá, Cindy. Como foi a viagem? —perguntou sem ter em conta de repente o que
pensassem. Ela estava ali e era o único que o importava.
—A viagem foi bem, — sorriu como uma boba — mas sua mãe estava muito preocupada e
nervosa. Sinceramente, acredito que agora que já chegamos relaxará.
Declan a entendeu. Sua mãe se preocupava excessivamente por toda pessoa que conhecia.
—Ou nos voltará loucos. Com minha mãe nunca se sabe. —murmurou de bom humor.
Juana, que era testemunha muda daquela aproximação entre eles, olhou sua amiga e logo a
ele. Desde quando dialogavam com tanta tranquilidade e intimidade? E sobre tudo, a que se
devia esse sorrisinho atordoado que tinha sua amiga; isso sem dizer nada do dele. Mas
consciente de que não era momento de perguntar aquilo, preferiu inteirar-se do que realmente a
preocupava.
—Me desculpe senhor. Onde está Alaisthar?
Declan olhou a jovem baixa, da que tanto tinha ouvido falar com seu bom amigo nos
últimos tempos.
—Está com meus homens. Não se preocupe Paris, em breve chegará.
Estranhando que conhecesse seu suposto nome, sorriu; mas voltou a ficar atônita ao ver
como este voltava a olhar sua amiga. O que ocorria ali?
—Declan. —gritou nesse instante uma jovenzinha de cabelo loiro como o sol e um traje
excessivamente cuidado para a ocasião — Quem é a desagradável mulher que chegou com sua
mãe e está visitando meu pai?

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Ao escutar aquela pergunta, o highlander duvidou o que responder. Mas ao olhar Montse e
logo depois de novo a jovem angustiada, satisfez sua curiosidade com um amável gesto.
—Não se preocupe Rose. Norma está a meu serviço e...
—A seu serviço? —cortou aquela, olhando uma moça que entrava na fortaleza, e esclareceu
— Acabo de ordenar que tirem essa criada do lado de meu amado pai. Proíbo que o toque! Sua
atitude ante mim foi deplorável. Nunca me senti tão humilhada por um servente.
—O que tem esta mimada medieval? —cochichou Montse em espanhol.
—Tolice em veia, filha. —respondeu Juana.
Declan as escutou e, como sempre que falavam entre elas, não as entendeu.
—O que ocorreu, Rose? —perguntou, preocupado.
A loira de cara angélica e maneiras refinadas, depois de passar comicamente a palma da
mão pela testa, olhou-o, piscou e sussurrou com voz zangada:
—Essa repulsiva lacaia sua, nada mais ao entrar na estadia de meu pai me jogou! Ousou me
dizer que atrapalho mais que ajudo. Pode acreditar isso?
Declan ia responder, mas Montse o adiantou.
—Essa a que se refere tão desdenhosamente como «repulsiva lacaia», chama-se Norma...
Norma Duval. — disse Montse com educação, contendo sua enorme gana de agarrá-la por seu
cuidado cabelo e arrastá-la.
Juana, ao ver como sua amiga mordia o lábio inferior, agarrou-a pela mão e, depois de
apertar-lhe para pedir calma, respondeu com tranquilidade à elegante moça.
—Não se preocupe. Se Norma a jogou para fora, é pelo bem de seu pai; posso assegurar
isso.
A jovem, ao escutar aquelas duas, voltou-se para elas com gesto altivo e lhes deu um
repasse de cima abaixo.
—E vocês, quem são para se dirigirem a mim? —perguntou com o nariz enrugado.
«Esta é mais parva que Abundio», pensou Montse, mas mordeu a língua para calar sua
opinião.
—Eu sou Cindy Crawford. —respondeu em troca com educação. E em espanhol sussurrou
— Sou uma bomba!
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Aquilo fez graça a Juana que soltou uma gargalhada.
—E eu Paris Hilton. —disse por fim ante o atento olhar de Declan.
O duelo com Rose estava servido. Declan decidiu suavizar a situação e acabar com aquilo,
assim tomou a jovem de cabelo moreno pelo antebraço para atrair seu olhar
—Minha gente veio ajudar, Rose. Não esqueça. — a recordou.
Nesse momento, uma zangada Julia apareceu pela porta empurrada por dois jovens. Esta ao
ver a emperiquitada senhora do castelo que lhe tinha gritado, passando por cima a educação e o
protocolo, não duvidou em ficar a vozear como uma louca.
—Ei, você, choni caprichosa!
—Refere-se a mim? —perguntou Rose, esticada, levantando uma sobrancelha justo quando
Julia parava frente a ela.
—Como pode ser tão tola? Acaso não vê que me tirando da estadia de seu pai, não posso
lhe ajudar. A você ninguém ensinou que quando um médico está atendendo um paciente não
quer ver ninguém revoando a seu redor, e menos interferir em seu trabalho?
—O que me chamaste? —chiou a outra mulher, olhando Declan em busca de ajuda. —
Choni! Entre outras coisas.
—A mãe do cordeiro. Que chateação tem a Duval! —sussurrou Juana.
Montse estranhou por aquela reação. Julia poucas vezes levantava a voz e, adiantando-se de
novo a Declan, que ia dizer algo, tomou a mão de sua amiga e lhe disse algo em espanhol, ante
todos.
—Fecha essa bocona já! Se não quer nos ver todas metidas em uma boa confusão. Mas
você está louca? Como lhe ocorre falar assim com a Barbie Rapunzel?
—Uiss não sei o que eu gosto mais, se da Barbie Rapunzel, choni ou mimada medieval. —
riu a canaria, enquanto observava como a nomeada choramingava no ombro de Declan.
—Pois não vai a... A petulante esta e...
Mas Declan não a deixou terminar e em um tom nada adulador, olhou-as e exigiu:
—Norma, peça desculpas agora mesmo a lady Rose. Não sei o que ocorreu na estadia de
Roger, mas seu comportamento aqui, em minha presença, não foi o mais acertado.
Surpreendida por aquelas duras palavras, Julia o fulminou com o olhar.
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—Senhor, sinto que minhas palavras para ela lhe resultem desacertadas, mas eu quão único
tentei fazer foi ajudar seu pai e ela... Ela...
—Se desculpe! —bramou ele, perdendo a paciência.
Montse, ao ver a cara de Declan enquanto se aproximava de sua amiga, tomou a iniciativa.
—Não lhe encha o saco mais e faz o que lhe pede para que possamos ir daqui. —cochichou
em espanhol.
—Mas esta arrepiante é uma caprichosa mal educada. —se defendeu aquela.
—Sei, e lhe dou toda a razão quanto a este soprador de gaitas. Mas acredito que temos tudo
a perder. Não vê como nos olha seu defensor. —gesticulou Montse, molesta por suas duras
palavras.
Declan, farto de escutá-las e não entender o que diziam, voltou-se furioso para elas e gritou
diante de todos com muito maus modos.
—Não quero voltar a lhes escutar nesse estranho idioma. Ante mim não! Tenham a
decência de se comportarem ante seu laird.
—Como?! —gritou zangada Montse.
—O que ouviu Cindy. —E dando um passo para ela, espetou com gesto duro— E para seu
bem não pretenda dizer a última palavra, porque hoje não vou permitir isso.
Durante uns segundos Declan e Montse se olharam com ferocidade aos olhos. Nenhum dos
dois estava disposto a dar seu braço a torcer, mas um gemido de queixa de Rose atraiu sua
atenção.
—Oh, acredito que vou desmaiar. —disse agarrando-se teatralmente ao duque.
Exalando um bufo por estar no meio daquela absurda discussão de mulheres, o highlander
pegou entre seus braços a teatral Rose sem deixar de dar ordens com voz sob o pescoço,
enquanto olhava às três mulheres que cada vez estavam mais alucinadas pela maldade da loira.
—Vão com minha gente e ajudem a quem o necessite. Para isso estão aqui, não para
provocar desmaios.
Uma vez que disse isso, entrou no castelo seguido pelas duas donzelas daquela pequena
encrenqueira.

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—E o Oscar da melhor atriz é para... Rapunzel! —burlou-se Juana ao ficar a sós — Mas
viram que mulher mais insossa? Deus, como pode ser assim?
—Eu a essa a agarrava e retorcia o cangote. — murmurou Julia.
Muito zangada, Montse se voltou para tranquilizar Julia com um beijo enquanto as arrastava
para o centro do povo.
—Vamos, estou segura de que todo mundo não é como esse sopra gaitas.

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Capítulo 30

Aquela noite Montse comprovou a desolação que rodeava às pessoas do entorno. A grande
maioria estava desnutrida e sofria tremendas carências. Com tristeza ajudou os camponeses de
Huntingtower e se surpreendeu de quão agradecidos eram. Ao cabo de várias horas de trabalho,
de madrugada saiu de uma das humildes cabanas com um menino nos braços e estranhou ao ver
que Declan se aproximava a cavalo. Deu um beijo ao pequeno e o deixou no chão para
aproximar-se dele, que ao reconhecê-la, desmontou.
—Tudo bem por aqui?
—Brinca? —vaiou ela passando ao seu lado.
—Cindy, o que ocorre? —perguntou ao ver Juana e Julia sair da cabana.
—Pois ocorre que não entendo como esta gente está assim. Mas você viu como vivem? A
mãe desse menino está doente e não o pode cuidar. Na cabana do lado, os dois anciões que a
habitam mal podem mover-se e levavam dias sem comer. Na seguinte morreram dois meninos e
a mãe está destroçada... E sequer posso continuar.
Declan olhou a seu redor e compreendeu. Desde que Roger, o pai de Rose tinha perdido a
cabeça, sua gente cada dia estava pior. Rose não sabia dirigir um clã, mas tampouco se deixava
aconselhar. Mas não querendo falar disso, reteve-a pegando-a pelo braço.
—Por hoje já ajudou bastante. Voltemos para o castelo. Precisa descansar.
Largando-se de sua mão, olhou-o iracunda.
—Pensa que vou deixar esta pobre gente? Eles necessitam que alguém os ajude e cuide.
Algo que por certo, deveria estar fazendo essa caprichosa bem vestida que, com segurança, já
estará roncando como um hipopótamo em sua linda caminha com dossel.
—Cindy... Rose é...
—Rose é uma descerebrada, uma néscia e uma desumana. Não a conheço, mas o pouco que
vi dela me tem feito compreender o tipo de mulher que é. Enquanto ela goza de comodidades e
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de tudo o que o luxo possa lhe proporcionar, esta pobre gente, sua gente! Está morrendo. Mas...
Que tipo de mulher é essa?!
—Sei Cindy, e isso é algo que tem que remediar, mas agora vamos a...
—Comentou-me Berta, a mãe do menino que tinha nos braços, que há uma semana foi
pedir algo de comer a sua querida Rose e esta a jogou com destemperada. Pode-se consentir
isso? Oh, não, é obvio que não; mas se somente tenho que recordar como tratou Norma para me
dar conta que...
—Sobre Norma queria lhe falar. Rose não quer vê-la no castelo e...
—A mimada medieval não quer ver Norma no castelo? — gritou Cindy.
—Não, e já me explicará o que é isso de mimada medieval.
Julia tranquilizou sua amiga com um sussurro.
—Não se preocupe Cindy, eu não preciso dormir no castelo da Rapunzel. Estou segura de
que com Edel e Agnes estarei maravilhosa.
—É obvio. —assentiu Declan e olhou de novo a jovem que o levava para a rua da amargura
— Não se preocupe, ela pernoitará com minha gente enquanto estejamos aqui.
—Ah, mas se ela não dorme no castelo, eu tampouco. —esclareceu lhe olhando aos olhos.
Aquele olhar desbaratou o coração de Declan. Era um olhar triste, sem vida, nada a ver com
a feliz e faiscante de sempre. Aquela tristeza nos olhos lhe fez entender o sofrimento que estava
vivendo enquanto ajudava essas pobres pessoas.
—Cindy, —sussurrou — não me faça isso mais difícil. Se estou aqui é porque me preocupo
com você, e...
—Pois o sinto muito, mas se minhas amigas não podem dormir no castelo, eu tampouco o
farei.
Disposto a não gritar diante dos aldeãos que os olhavam ao passar, Declan blasfemou em
voz baixa.
—Cindy, quero que retorne comigo ao castelo.
—Não. Não penso ir.
Segurando-a pelo cotovelo para que não se movesse, falou-lhe ao ouvido com a voz
carregada de tensão.
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—Não me faça zangar. Vamos!
Brocou-lhe com o olhar, com a ira e a raiva instaladas nos olhos. E baixinho, para que só
ele a escutasse, disse:
—Eu não sou sua mulher, nem sua propriedade. E se pretende me tratar como sua rameira
particular, porque há um tempo me deito contigo, esquece-o!
Mal-humorado, ia responder, mas ela escapou com rapidez e se abaixou para pegar o
pequeno que momentos antes tinha nos braços.
—Vá, laird Carmichael. Estou segura que lady Rose Ou'Callahan, estará encantada de saber
que vela seus doces sonhos. —repetiu alto e claro.
Zangado, Declan apertou os dentes e deu a volta amaldiçoando. Logo montou em seu
cavalo e partiu enquanto Julia e Juana contemplavam a cena sem fazer comentários.
—Vamos precioso. Estou segura de que algum de nossos guerreiros terá algo para que
possa comer. —resolveu Montse, trocando o tom de sua voz ao dirigir-se ao menino que levava
nos braços.

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Capítulo 31

Durante dias trabalharam duro para ajudar os camponeses. Montse não voltou a falar com
Declan nem este se aproximou. Aquelas pobres pessoas careciam virtualmente de tudo, e o
pouco que tinham reunido, os assaltantes tinham roubado ou queimado. Mas se algo
surpreendeu Montse foi o pouco materialista que eram. Não tinham muito, mas o
compartilhavam com o vizinho sem que lhe importasse se o dia de amanhã o poderia devolver
ou não.
—Que razão tem essa frase que diz: «Não é mais rico quem mais tem, a não ser o que
menos necessita.» —sussurrou Montse a Juana, que assentiu comovida.
Nesses dias conheceram mais gente que no mês e meio que tinham permanecido em Elcho.
E o sorriso não lhe abandonou o rosto ao sentir o carinho e amabilidade que os aldeãos
derramaram nelas. Inclusive algum comentou que oxalá a senhorita Rose tivesse a humanidade
e o saber que tinham elas. Essa frase, junto a seu carinho, enchia-lhes o coração de tal maneira,
que não duvidaram em se esforçar o dobro.
A terceira noite, quando retornavam a sua cabana para descansar depois de uma atarefada
jornada, um grupo de homens dos Ou'Callahan começou às gritar obscenidades. Em um
princípio as três sorriram. Aquilo que diziam não era nem a metade de escabroso que o que
estavam acostumadas a ouvir no século XXI, mas quando um deles se plantou na frente delas e
tentou agarrar Juana pelo braço, Montse não duvidou e atacou. Aqueles movimentos
milimétricos de karatê conseguiram derrubar em segundos ao highlander e o nocautear. Os
homens, surpreendidos por aquilo, ficaram mudos, e então foi ela a que gritou.
—Vamos ver machões, quem quer ser o seguinte em engolir os dentes?
Os camponeses divertidos por aquilo aplaudiram Montse que, agradada, levantou os braços
em sinal de triunfo.

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Os guerreiros, ao ver seu amigo no chão escancarado, calaram, mas dois segundos depois
um valente ficou ante Montse e tentou agarrá-la pela cintura.
— Eu gosto assim, impetuosas. —vaiou.
—Solta-a, maldito porco! —gritou Julia, assustada.
Mas Montse, sem lhe dar tempo a dizer mais, projetou primeiro um murro contra sua
barriga ao que seguiu outro na cara e, por último e com toda a vontade do mundo, um na
virilha. O gigante, uivando como um lobo e com os olhos em branco, caiu junto ao primeiro.
—Ai, minha menina. Tome cuidado ou lhe culparão isso!
Com um sorriso torcido, Montse olhou a seu redor.
—Vamos ver o seguinte? —desafiou.
Os camponeses, cada vez mais divertidos começaram a aclamar a jovem, que morta de
risada o agradeceu. Os machões, confundidos, deram a volta e partiram. Nenhum queria
problemas. Nesse momento chegaram correndo até elas Edel e Agnes, assustadas.
—Está bem? —perguntou Agnes.
—Sim, não se preocupem. — riu Montse tocando o dolorido punho — Mas eles não, posso
te assegurar isso.
Sem preocupar-se com os dois homens que tinham ficado escancarados no chão, as
mulheres retomaram seu caminho para o descanso. O tinham ganho, mas quando chegavam a
sua cabana escutaram os gritos de uma voz gritã e estridente.
—Você, prostituta o que fez a meus guerreiros?
Ao voltar-se e ver de quem se tratava, Agnes e Edel ficaram paralisadas.
—Há... Rapunzel tem vontade de foder. —disse Juana, sorrindo.
—Pois que ande com cuidado, que se busca, estou quentinha e poderá encontrar. —disse
Montse, zangada ao recordar como aquela idiota se pendurava do pescoço de Declan.
A jovem lady Rose estava ante elas montada em seu bonito e branco cavalo; impoluta e
limpa. Vestia um precioso vestido em tons terrosos a jogo com fitas que lhe recolhiam os
dourados e resplandecentes cabelos. Um aspecto que contrastava com o dos camponeses e o
delas mesmas, que estavam sujas e cheias de barro.

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—A palavras néscias, ouvidos surdos. —resmungou Julia— Nem ferrando farei caso a
choni. Vamos descansar!
Mas Montse não se moveu. Observou-a de perto. Aquela caprichosa não devia ter mais de
vinte anos.
—Lady Rose, o que quer?
—Você é Cindy? —perguntou à jovem, altiva, com seu gélido olhar.
—Sim.
—A servente do laird Carmichael?
—A mesma. —repôs com frieza.
—É a que devolveu a joia dos Carmichael?
—Sim, lerda... Sim. Sou Cindy Crawford, a criada que devolveu o puto pendente aos
Carmichael, Alguma pergunta mais?
Com insolência no olhar, a loira sorriu com maldade.
—Não é competidora para mim, por muito que haja devolvido o pendente a Declan.
—Oh, pois me alegra sabê-lo. — mofou Montse, olhando-a fixamente.
A antipática moça, depois de repassá-la de cima abaixo com gesto desaprovador, desceu de
seu cavalo com a vara na mão em atitude ameaçadora para aproximar-se de Montse,
caminhando.
— Escutei algo sobre você e o laird Carmichael que eu gostaria que me confirmasse.
Com educação e sem mover-se de seu lugar, Montse manteve o olhar com um meio sorriso
nos lábios.
—Advirto-lhe, senhora, que se for me perguntar algo íntimo e pessoal, não responderei.
Não estou acostumada a ir contando minhas intimidades a desconhecidos.
—Então é certo que é sua rameira! —gritou aquela.
Escutar sua voz e o desprezo com o que falou, fez-lhe arder o sangue, mas sabia que tinha
ido ali em busca de problemas e não ia lhe dar esse gosto.
—Me desculpe lady Rose, mas se segue me faltando o respeito, perderei minha paciência e
começarei a fazer o mesmo com você.
—É certo que esquenta a cama de seu laird pelas noites?
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—Isso, em todo caso, é algo entre Declan e eu.
—Como ousa chamar o duque por seu nome de batismo. Uma mulher de tão baixa categoria
deve lhe nomear com respeito embora seja sua rameira.
— Dê um tapa no focinho de uma Santa vez nessa imbecil, ou o dou eu. —gritou Julia em
espanhol.
—Se cale Norma, e não dê ideias a Crawford, ou aqui se atracará de São Quintín com a
mimada medieval. — riu Juana.
Montse, consciente de que se fizesse algo a aquela estúpida tinha tudo a perder, olhou Julia
antes de repreendê-la.
—Depois diz que sou uma burra solucionando problemas, mas filha... Você tampouco fica
atrás!
—Mas não vê a vontade que tem de bater na besta? —perguntou Julia
—Sim, mas eu vou lhe demonstrar que tenho mais educação que ela e não vou entrar em
seu jogo. Não, não quero.
Por isso e com toda a tranquilidade do mundo, Montse se virou de novo para a caprichosa
jovem para tentar fazê-la raciocinar.
—Lady Rose, acredito que o mais sensato para todos é que monte em seu cavalo e parta. Ou
em seu defeito, que se ponha a ajudar esta pobre gente que tanto o necessita e...
Mas parou de falar ao perceber que esta levantava a mão com a vara. Os camponeses ao ver
aquilo se assustaram.
—Se tocar em um só cabelo de minha cabeça, senhora, —disse Montse com dureza — juro-
lhe por todos meus antepassados que vai se arrepender.
—Eu? Que eu vou me arrepender? —cacarejou ela.
—Oh sim, asseguro-lhe isso. Porque me encarregarei pessoalmente de lhe empanar pelo
chão, e colocar sua cabeça no atoleiro mais profundo que possa encontrar. Entendeu-me?
A jovem Ou'Callahan baixou a vara, mas grunhiu ante o incrédulo olhar de todos os
camponeses, que desejaram afogá-la.
—Não sei o que pode Declan ter visto em você. É suja, humilde, feia, desgraciosa e mal
falada, além de velha! Quantos anos têm?
166
—Bemmmmm... Acaba de assinar sua sentença. —assobiou Juana ao escutar aquilo.
—Me alegro! O merece. — gargalhou Julia.
A Montse revolveu o estômago ao escutar aquele último comentário. Velha! E com um
malévolo sorriso olhou suas amigas e perguntou:
—Ouviram bem? A mimada medieval me chamou de «velha»?
Ao ver que suas amigas assentiam, Montse se voltou para os assustados camponeses que as
observavam e gritou enquanto segurava pelo braço sua senhora, que tentava escapar.
—Amigos, sei que esta néscia, tonta e idiota mulher é de seu clã e eu não. E também sei que
o que vou fazer não está bem, mas se não o fizer, a mato! Juro que a mato! —gritou como uma
possessa — Portanto, quem não quiser carregar a culpa por não ter me detido por meus atos,
que olhe para outro lado ou se vá imediatamente.
Foi dizer aquilo e a gente, espavorida, desapareceu. A rua ficou vazia.
—Me solte agora mesmo, insolente! —exigiu aquela.
Com um sorriso nos lábios que não proporcionava nada bom, Montse olhou à moça.
—Jurei que a próxima vez que alguém tivesse a desfaçatez, o descaramento ou a pouca
vergonha de me chamar «velha» em minha cara, ia comer suas palavras. E sinto chata! Mas vou
fazê-lo.
Importando-lhe um pepino as consequências que aquilo lhe conduziria, agarrou Rapunzel
pelo cabelo e lhe deu um chute no traseiro que a fez cair de joelhos ante ela, colocou-lhe a cara
no atoleiro mais próximo e a empurrou bem, para incredulidade dos poucos curiosos que
ficaram perto.
Dez minutos depois, Montse e suas amigas entravam em sua cabana. Precisavam descansar.
—O que crê que dirá Rapunzel quando chegar a seu castelo com a pinta que leva? —
perguntou Juana, morta de risada.
—Sem dúvida alguma, uma mentira que, não sei por que, lhe será muito difícil demonstrar.
—repôs Montse enquanto recostava a cabeça no travesseiro e adormecia imediatamente
pensando em como os camponeses a tinham felicitado.

167
Capítulo 32

Na manhã seguinte, quando Montse se levantou de sua cama e recordou o que tinha
ocorrido à noite anterior, um estranho regozijo percorreu seu corpo. Surpreendeu-se ao ver que
passava da hora e ninguém a reprovava nada, mas sorriu ao escutar os cochichos e as risadas
dos camponeses.
Ao meio-dia, enquanto terminavam de atender uns feridos e recolhiam os poucos pertences
de uns aldeãos, apareceu Declan junto a Alaisthar e seus guerreiros. Simulando que não o tinha
visto, Montse continuou com seu trabalho. Não o queria saudar. Ele tinha passado por ela
durante dias e ela faria o mesmo agora.
—Bom dia. —saudou Declan parando em frente a elas.
—Bom dia, senhor. —respondeu Julia, nervosa, enquanto pensava se devia pedir contas a
Montse pelo ocorrido a noite anterior.
Os camponeses, ao ver o laird Carmichael o saudaram enquanto prosseguiam com suas
tarefas. Juana sorriu a Alaisthar e este, de seu cavalo, lhe piscou um olho. Aquela saudação era
suficiente para eles. Mas Montse nem olhou o duque; continuou suas coisas como se não o
tivesse visto. Declan, ao sentir-se ignorado, incomodou-se.
—Alguém sabe algo do que ocorreu ontem à noite com a senhorita Rose Ou'Callahan? —
perguntou alto e claro.
Rapidamente e sem incomodar-se em pedir mais informação ao laird vizinho, os
camponeses negaram com a cabeça. Mas se fixou em que Julia olhava Montse e esta curvava a
boca em um quase inapreciável sorriso. Descendo do cavalo se aproximou dela, que levantava
um saco de trigo com esforço, e o tirou de suas mãos.
—Por que você faz isto? Não pode deixar aos homens?
Montse levantou a vista, assinalando ao seu redor.
—Asseguro-lhe que tenho mais força que eles.

168
—Sim, mas sigo pensando que não deve pegar tanto peso. — sussurrou de tal forma que
Montse tremeu até as pestanas.
Zangada pelo que ele conseguia com um simples olhar, voltou a lhe tirar o saco de trigo e o
colocou sobre os outros.
—O que quer Declan?
—Saber se é verdade o que Rose vai contando no castelo. É certo que a atacou? Porque se
for assim, pode ter um problema.
Ao escutar aquilo os camponeses murmuraram a seu redor. Julia e Juana se olharam e
Alaisthar amaldiçoou ao intuir a verdade.
—Exatamente, o que ocorreu a lady Rose? —perguntou Montse.
Declan, convencido de que ela tinha tido algo a ver, trocou o peso de um pé ao outro.
—Conta que ontem atacou dois de seus guerreiros e que, depois, atirou-a de seu cavalo e a
empurrou pelo barro com o único fim de humilhá-la e rir dela, é certo?
—Que horror! —mofou-se ante o desconcerto de Declan — A sério diz que eu lhe fiz isso?
—Sim.
—Que lorota o que conta, não?
Ao lhe escutar utilizar essa expressão, Declan cravou o olhar nela e sorriu. Tê-la ante ele e
não poder beijá-la ou tocá-la estava martirizando sua existência. Mas conseguiu manter sua
atitude ante os camponeses.
—Não me agradaria saber que o que relata é verdade, Cindy; por isso lhe pergunto.
—Desculpe laird Carmichael. —disse um ancião aproximando-se dele — Acredito que a
senhorita Ou'Callahan não conta as coisas como foram. O que viram meus olhos foi esta jovem
defender-se de dois homens que tentaram atacá-la.
—Como diz ancião?! —bramou Declan enfurecido.
—Sim, senhor. —assentiu uma mulher com um menino nos braços — As jovens
retornavam a sua cabana quando alguns homens tentaram atacá-las. Isso, asseguro-lhe que o vi.
O outro que conta de lady Rose, não.

169
Ao escutar aquilo Alaisthar baixou veloz de seu cavalo, mas Declan o parou com um
movimento de mão. Enfurecido porque alguém tinha tentado pegar as jovens, olhou à mulher
que soprava zangada a seu lado.
—É certo isso? Tentaram atacar vocês?
—Sim, mas já está solucionado. Estou segura de que esses guerreiros não voltarão a tentá-
lo.
Acalorado por aquilo e por não ter estado presente para defendê-la, atraiu seu olhar.
—Esta noite pernoitarão no castelo, diga Rose o que diga. Ajudarão a estas pessoas durante
o dia, mas de noite...
—Não. —cortou Montse — Não penso dormir sob o mesmo teto que lady Rose. Tanto
minhas amigas como eu somos gente do povo e dormiremos com o povo. Desculpa o
atrevimento por minha parte, Declan, mas não me obrigue a ir a esse maldito castelo para
dormir, porque lhe juro que não o farei.
—Obedecerá, maldita seja. —vaiou tão baixo que só ela o escutou.
—Me escute, Declan. — sussurrou, aproximando-se dele— Em todo este tempo nunca lhe
pedi nada, mas peço, por favor, que não me faça estar na mesma estadia que essa horrível
mulher. Porque então sim poderá acontecer algo pelo que chegaria a se zangar.
Durante uns segundos se desafiaram com os olhares. Declan sabia que se a obrigava a fazê-
lo teriam problemas. Isso sem contar os que Rose Ou'Callahan já criava por si. Dando-se por
vencido, mas disposto a procurar uma solução, aceitou com voz aveludada.
—De acordo, maldita cabeçuda.
E voltando-se para os camponeses que o observavam com curiosidade, dirigiu-se a seu
cavalo.
—Quanto ao ocorrido com lady Rose, se alguém souber algo ou escutar alguma
informação, que me procure e conte. —disse isso em voz alta enquanto montava.
Dizendo isto, partiu sem olhar para trás, seguido por seus homens.

170
Capítulo 33

O quarto dia que estavam nas terras dos Ou'Callahan o dedicaram a reunir em uma cabana
todos os meninos que tinham ficado órfãos depois do assalto. Eram dezoito.
—Mas o que podemos fazer com eles? —perguntou Montse com um bebê de apenas dias
nos braços.
—Pois não sei. —sussurrou Julia com tristeza — Teremos que perguntar a Edel ou Agnes o
que se faz nestes casos. Não acredito que seja a primeira vez que em um assalto ocorre algo
similar aos meninos.
Fizeram-no quando elas chegaram com a comida. Felizmente, como tinham suposto, tinham
uma resposta.
—Não se preocupem, sempre há um familiar que fica com eles, ou um vizinho. Embora
tampouco lhe negue que alguns terminaram vivendo nas ruas e mendigando uma parte de pão.
—Oh não, isso não pode ser. —sussurrou Montse comovida — Estes meninos não podem
acabar assim. Pobrezinhos!
—Cindy, um menino é uma boca mais a alimentar, embora quando crescer sejam dois fortes
braços para trabalhar. —disse Edel enquanto repartia nos pratos a sopa para os pequenos.
—Muito bem. Então esta tarde procuraremos os familiares destes meninos. Seguro que
muitos se alegrarão ao encontrá-los. —assentiu Montse enquanto pegava um pote com leite e
uma tetinha artesanal para o pequeno que tinha em seus braços.
Aquela tarde, esgotadas e sujas após andar de casa em casa em busca de quem pudesse
ocupar-se daqueles órfãos, decidiram descansar. Só tinham encontrado seis familiares dispostos
a acolher os meninos e ainda lhe seguiam ficando doze criaturas.
—Que pena me dão! —murmurou Juana os olhando.
—Se veem tão perdidos e assustados, que me rompem a alma. —insistiu Julia.

171
Montse os observou. Aqueles pequenos que estavam sentados no chão, calados, só
esperavam que alguém os quisesse e desse calor. Sua infância não foi assim, mas em certos
momentos se sentiu perdida e abandonada. De repente recordou o que Erika, a cigana, sempre
lhe dizia: «cantando se esquecem as tristezas».
—Estes meninos precisam sorrir. Devem esquecer durante um momento o que ocorreu e a
melhor maneira de consegui-lo é lhes fazendo cantar e dançar. —disse levantando-se e olhando
suas amigas.
—Bemmmmm. Já vem ela com suas canções. — burlou Juana, divertida.
Com decisão, a moça fez que os meninos se sentassem em círculo e com a ajuda de suas
amigas começou a lhes ensinar a canção das notas musicais do filme Sorrisos e Lágrimas. Não
lhe ocorreu outra que soubesse nos dois idiomas.

Dó, é trato de varão


Ré, selvagem animal
Mi, denota posse...

Os meninos, com os olhos arregalados, escutavam aquela melodia que nunca em sua vida
tinham ouvido, enquanto viam aquelas três aplaudir e dançar imitando à família Von Trap do
filme e alternando entre o inglês e o espanhol. Vinte minutos mais tarde, aquelas caras tristes
começaram a sorrir, e as três desfrutaram como loucas quando os pequenos começaram a cantar
a canção com elas e imitar seus movimentos.
Tão abstraídas estavam no empenho de divertir aos meninos, que não se precaveram de que
Declan, Alaisthar e um punhado de homens de outros clãs paravam para observar. Sem poder
remediar, Declan sorriu ao ver Montse pegar nos braços uma menina e fazê-la rir, enquanto
outro menino de não mais de quatro anos se agarrava a sua cintura e dava voltas ao redor dela.
Estava preciosa, até com seu aspecto desalinhado e desastroso. Vê-la sorrir supunha para ele
um descanso; embora não pudesse estar com ela, em especial as noites, começava a lhe
atormentar. Mas devia comportar-se como o laird de seu clã e ajudar aos que o necessitavam. Já
teria tempo de estar com ela uma vez que retornassem a Elcho.
172
—Quem são essas mulheres? —perguntou Kenneth Stuart, um highlander valoroso, filho do
laird Donald Stuart, que em ocasiões tinha lutado junto a Declan.
—Gente de Elcho que veio ajudar. —informou Alaisthar, ao precaver-se que entre essas
mulheres estava Paris.
—Declan, a mulher que dança com a menina de cabelos claros nos braços como se chama?
—indagou Kenneth.
—Cindy Crawford. —respondeu molesto ao intuir o que passava na cabeça de seu amigo.
Olhou-o e, sem duvidar, fez uma elucidação para deixar resolvido o tema — Ela e as mulheres
que a acompanham são de meu clã e minha mãe lhes tem muita estima.
—É preciosa. —sussurrou Kenneth sem afastar sua vista dela.
Irritado ao escutar aquilo, e em especial ao descobrir como a olhava, disse alto e claro:
—Kenneth Stuart, nem minha gente, nem eu queremos problemas, portanto, deixa-a em
paz.
Surpreso ante aquela resposta, e em especial pelo interesse que demonstrava pela mulher, o
homem olhou seu amigo e esboçou um sorriso malicioso que lhe deu a entender muitas coisas.
—Quem lhe disse que eu queira problemas, Declan Carmichael? —murmurou enquanto
movia seu cavalo para aproximar-se delas.
Montse, feliz por ter conseguido que os meninos passassem bem, ria com a pequena Aileen
nos braços quando alguém falou a suas costas.
—Preciosa voz a sua, senhorita Crawford.
Surpreendida ao escutar aquilo, parou e foi então quando os descobriu. Seu olhar se
encontrou com o de Declan e este não sorriu. Ela tampouco o fez. Continuava zangada com ele.
Sem lhe fazer caso, olhou de novo o homem de cabelo escuro que estava ante ela com
amabilidade e um radiante sorriso que importunou seu laird.
—Obrigada. Mas sejamos sinceros, cantar não é para mim. Com segurança choverá em
breve e você não pensará o mesmo.
Maravilhado por aquela resposta, o highlander moreno prorrompeu em uma gargalhada.
Desmontou de seu cavalo e, aproximando-se dela, perguntou olhando à pequena, que assustada
escondeu sua carinha no pescoço da mulher.
173
—É sua esta preciosa menina?
Montse abraçou à criatura, deu um beijo em seu sujo cabelo e respondeu sentindo o olhar
agudo de Declan.
—Não, embora eu gostaria de ter uma filha tão preciosa. Ela e todos os meninos que vê
ficaram órfãos depois do ataque. Minhas amigas e eu estamos procurando familiares que
possam ocupar-se deles, mas não é fácil, a verdade. Uma boca mais a alimentar em um
momento como este, é difícil de aceitar.
Kenneth, comovido pelas palavras dela e pelo olhar de confusão dos meninos, assentiu. Mas
ao ver o medo nos olhos da pequena se abaixou para ela.
—Ei, olá. —sussurrou carinhosamente.
Ao ver que a pequena tremia, Montse a apertou contra seu corpo, mas o homem não se deu
por vencido.
—Olá, pequena. Não tenha medo, eu nunca lhe faria nada de mau.
—É obvio que não, céu. —afirmou Cindy, o surpreendendo — E eu nunca o deixaria.
Prometo-lhe isso.
A menina, ao escutar aquele amável tom de voz, e em especial o que Montse havia dito,
olhou o homem com um dedo na boca.
—De verdade?
Kenneth sorriu e passou sua calosa mão pela infantil bochecha.
—Como disse Cindy: prometo-lhe isso. Como se chama?
A pequena olhou Montse e ao ver que esta assentia respondeu.
—Aileen. —disse com um fio de voz.
—Oh, que bonito nome. —riu o highlander.
—Isso mesmo eu lhe disse. —respondeu Montse com um encantador sorriso — Tem um
nome precioso. Tão bonito como o que poderia ter qualquer princesa.
—Você também tem um bonito nome, Cindy.
—Ah, vejo que o informaram. —repôs após cruzar um rápido olhar com um áspero Declan,
que observava a situação sem perder um detalhe — E você, como se chama?

174
—Kenneth. Kenneth Stuart. —E tomando a suja mão dela, com uma galanteria que a
deixou sem fala, a beijou — Me diga, esse estranho acento que têm ao falar, a que se deve?
—A que sou espanhola.
—Espanhola? —perguntou estranhando. Ela assentiu — Ouvi dizer que as mulheres de sua
terra são muito veementes, é certo?
Soltou uma gargalhada divertida e respondeu com gesto pícaro.
—Também dizem que somos impulsivas. —Olhou Declan, que soprou — Muito efusivas e
com um caráter especial.
—Terei-o em conta. —sorriu aquele — Mas reconheço que gosto do que escuto. Eu gosto
das mulheres com caráter, e mais se ajudarem a meninos indefesos.
Adulada pelo trato daquele homem, Montse relaxou e começou a falar com ele sobre os
pequenos. Possivelmente poderia ajudar.
Declan, vexado pela cercania entre eles, observava-lhe sem baixar do cavalo. Que fazia
Kenneth paquerando com Cindy?
—Acredito que Kenneth já pôs os olhos em sua próxima conquista. — burlou Alaisthar,
aproximando-se. Mas quando se fixou nos olhos de seu amigo e em especial em como as aletas
de seu nariz se contraíam, arrependeu-se do dito. —Não posso acreditar. —sussurrou atônito.
Declan não quis responder. Não devia responder. Mal conhecia aquela amalucada mulher,
mas estranhamente, que seu amigo Kenneth a estivesse cortejando não gostava nada. Alaisthar,
ao entender de repente o que ocorria, calou surpreso. Em todos os anos que fazia que se
conheciam, nunca o tinha visto em uma situação assim.
Por respeito calou e desviou seus olhos para a linda Paris, que o olhava com um radiante
sorriso, o convidando que lhe dissesse algo. Desejou descer do cavalo, mas se absteve. Não era
momento de demonstrações amorosas.
Enquanto isso, Kenneth ganhava a confiança das mulheres e em especial dos meninos;
assim tomou uma decisão que comunicou ao resto dos homens.
—Declan, continua com sua gente o caminho. Meus homens e eu vamos tentar ajudar
Cindy e os pequenos.
—Genial! —aplaudiu Montse como uma boba, ante o gesto de desaprovação de Declan.
175
—Maldita seja! —murmurou Alaisthar.
Que os guerreiros Stuart ficassem a sós com as moças e os meninos não o fazia muita graça.
Não queria ver perto de sua Paris nenhum homem que não fosse ele.
O duque ficou perplexo pela estratégia de Kenneth, mas não estava disposto a revelar o que
realmente sentia
—Recorda o que lhe disse Kenneth. —disse em voz alta enquanto fazia que seu cavalo
começasse a andar. Levantou a mão e se afastou com seu clã.
Estranhando, e em certo modo molesta porque foi outro homem e não Declan o que lhe
devotou sua ajuda, Montse olhou o highlander que caminhava a seu lado.
—A que se referia o duque de Wemyss? —perguntou diretamente com gesto pícaro.
Kenneth, divertido por aquele atrevimento e a imprudência da moça, abaixou-se junto a um
menino para levá-lo em seus braços.
—Não quer problemas.

176
Capítulo 34

O comportamento áspero e anti-social de Declan, enquanto percorriam as terras dos


Ou'Callahan tentando ajudar sua gente não passou despercebido para nenhum de seus homens.
Mas quem de verdade se deu conta de todo o ocorrido foi seu bom amigo Alaisthar.
—Não entendo quem pôde fazer isto. —disse Alaisthar, sentado junto a Declan sobre uma
árvore caída enquanto comiam um pouco de carne seca e pão.
—Os problemas com a Coroa aumentam e a selvageria e a fome desencadearão mais
assaltos como este. —assentiu distraído Declan. Realmente seus pensamentos estavam
ocupados por aquela louca da Cindy, que nesse momento perambulava com o mulherengo do
Kenneth Stuart.
Alaisthar, ao lhe ver tão pensativo, olhou a seu redor e quando observou que não havia
ninguém perto que pudesse lhe escutar decidiu abordar o líder.
—Declan, sabe que não estou acostumado a falar contigo sobre este tipo de coisas, mas me
fez pensar.
Ao escutar aquilo, seu amigo o olhou com o desconcerto refletido no rosto.
—O que é o que fez pensar?
—Que o agrada essa moça chamada Cindy e não gostou que Kenneth e seus homens
ficassem com ela. E antes que diga algo, confessarei que, a mim particularmente, não faz
nenhuma graça que minha pequena Paris esteja com esses highlanders durante minha ausência.
Aquele comentário fez Declan sorrir, que deu um amistoso golpe na perna de seu
companheiro.
—Sua pequena Paris?
—Sim, minha menina, como eu gosto de chamá-la. —riu ao recordar seu tom adocicado —
Não sei o que ocorre com essa mulher, mas desde o primeiro dia meu coração se precipita ao
pensar nela.
177
—Vamos Alaisthar, só o tinha visto assim quando se apaixonou por Erin...
—Erin é água passada. —esclareceu com decisão — Quando se casou com Thomas me
esqueci dela, e embora não negue que quando enviuvou nos reencontramos em mais de uma
ocasião, ambos sabemos que o que houve em seu momento morreu.
—Por isso partiu às terras dos McKenna?
—Sim. Mantivemos uma longa conversa depois que ficou muito claro que eu não ia pedir
que se casasse comigo, assim decidiu partir. Mas agora que apareceu Paris, com suas
excentricidades e sua divertida maneira de ver as coisas, começo a me expor o futuro.
Surpreso pelo que aquelas palavras queriam expressar, Declan olhou seu amigo e
perguntou.
—O que lhe contou Paris de seu passado? Lhe disse de onde vêm ela e suas duas amigas?
—Não. Nunca lhe perguntei nem ela me contou.
Ao pensar nas curiosas coisas que Cindy lhe tinha relatado, e sobre tudo nos detalhes que
ele descobria dia a dia, Declan começou a lhe explicar, com um sorriso nos lábios, a
descabelada história que a moça lhe tinha ido contado. Alaisthar, surpreso por aquela loucura,
primeiro ficou mudo, logo estranhou e, finalmente, riu com Declan a consequência dos
comentários de ambos.
—Do século XXI?
—Isso diz Cindy. Segundo ela estão aqui porque pediu uns desejos a uma bruxa, mas se lhe
sou sincero não acredito em nada do que conta.
—A verdade é que às vezes Paris me surpreende com coisas estranhas. Sua maneira de falar
direta e sem medo, sua forma de surpreender-se ante algo... Talvez seja isso o que provocou
que me fixasse mais nela. —Olhou seu amigo que assentiu cabisbaixo — É isso o que ocorre a
ti com Cindy, verdade?
—Sim. Atrai-me poderosamente, em especial porque às vezes não sei por que, mas
acredito. Ao princípio, quando me contou tudo o que lhe acabo de dizer, ri e pensei que estava
bêbada, mas logo, pequenos detalhes, palavras, situações, momentos... Fazem que me exponha
se não estará dizendo a verdade.
—Perguntarei a Paris. E verei o ela que diz e logo lhe conto.
178
—Agradecerei isso. Eu gostaria de saber que explicação se dá ao feito de ter aparecido
junto a Edel.
—Deduzo por sua curiosidade que se encontra na mesma tessitura que eu com Paris
verdade?
Declan soltou uma gargalhada e se levantou.
—Deduz bem, amigo, deduz muito bem.
Minutos depois, nos lombos de seus poderosos corcéis, Declan Carmichael e Alaisthar
Sutherland continuaram seu caminho sem deixar de pensar em suas apaixonadas e torturando-se
com o que estariam fazendo.

179
Capítulo 35

Aquela noite depois de uma longa jornada de busca para encontrar todos os familiares dos
meninos, retornaram a seu refúgio exaustas. Os guerreiros Stuart, encabeçados por Kenneth,
acompanharam-nas com galanteria até a cabana.
—Pernoitam aqui? —perguntou Kenneth surpreso— Acreditei entender que a mãe de
Declan as estimava.
—E nos estima. —assentiu Julia com orgulho — Cindy foi a que lhes devolveu a joia
perdida aos Carmichael.
Surpreso por aquilo, o highlander olhou a jovem.
—Sério?
—Sim.
—Então, por que se aloja aqui em vez de na fortaleza? —insistiu ante o olhar dos homens
de outros clãs.
—Porque preferimos estar perto de pessoas que conhecemos e, sobre tudo, que não buscam
problemas. —respondeu Juana.
Aquela resposta o alertou em todos os sentidos. Com segurança a jovem Rose Ou'Callahan
tinha algo a ver em tudo aquilo. Entretanto, não estava disposto a deixar passar por cima e
prosseguiu.
—Também conhece Fiona e Declan, não é necessário que descanse nesta humilde morada
rodeadas de homens de outros clãs.
Montse estava esgotada e não queria que Kenneth seguisse alimentando as estranhas ideias
que Declan tivesse podido lhe colocar na cabeça.
—Não se ofenda Kenneth, mas não pergunte mais. Nós descansamos aqui e não há nada
mais que dizer a respeito. Quanto aos homens, fique tranquilo; estão controlados. —o cortou,
com intimidade como tinha ficado ao longo daquela tarde.
180
Ele calou por prudência, mas seguiu pensando que aquele lugar não era bom para as jovens.
Notava-se a léguas que tinha uma educação e um saber que as pessoas comuns ignoravam.
Entretanto, rendeu-se à discrição.
—De acordo. Se diz que aqui estão bem, acreditarei.
—Estamos, asseguro-lhe isso, senhor. —insistiu a canaria o fazendo sorrir.
Depois da despedida, os guerreiros Stuart partiram e elas entraram na cabana. A ajuda que
lhes tinham devotado aqueles highlander resultou determinante para que muitos dos aldeãos
reconhecessem ser familiares dos pequenos órfãos. Deixar os meninos aos cuidados de adultos
responsáveis, sem que tivessem que perambular pelo povoado com fome e frio, fez feliz a
Montse, embora cada vez que recordava Aileen lhe partia o coração. A pequena ficou com uma
irmã de sua mãe que, embora a acolheu com carinho, parecia não fazer muito feliz à menina.
—No que pensa? —perguntou Juana.
—Em Aileen. Deu-me pena me separar dela. —sussurrou Montse atirando-se sobre uma das
camas.
—Não se preocupe. —suspirou Julia, imitando-a— Estou segura de que com sua tia e seus
primos será feliz.
—Sei, —assentiu comovida — mas isso não impede que me afeiçoasse a ela. É tão bela e a
via tão sozinha...
—Quem eu acredito que se afeiçoou contigo é esse tal Kenneth. Deu-se conta de como a
rondava a todo momento? —bocejou Julia.
Montse assentiu com um sorriso. O galanteio que lhe tinha submetido durante toda a tarde
não tinha passado despercebido para ninguém.
—Sim, mas não é meu tipo.
Nesse instante Agnes rompeu aquele momento de descanso ao entrar, alterada, na cabana.
—Necessito sua ajuda. Uma mulher se pôs de parto e...
Julia se levantou com rapidez.
—Tudo bem, que não estenda o pânico. Já vou. — Montse e a canaria aceitaram e ficaram a
sós no quarto.

181
—Desde quando se tratam com tanto descaramento Declan Carmichael e você? Olhe que
levo dias dando voltas ao assunto sem querer lhe perguntar, porque não sou tão fofoqueira
como a Duval; mas garota, já não posso calar mais!
—Tenho sono e quero dormir. —sussurrou Montse.
—Que brincalhona! E eu quero um whooper com queijo extra de beicon, mas olhe, aqui
estou, comendo as unhas. — levantou-se de sua cama para seguir com o interrogatório—
Ontem, quando aconteceu o caso da Rapunzel, precavi-me de muitas coisas; mas sobre tudo, de
como se olhavam. Encarou-se com o duque e ele seguiu apesar de seu aborrecimento; além
disso, desta vez não ameaçou lhe cortar essa afiada língua. Algo que contar Cindy Crawford?
Depois de soltar um suspiro de resignação, Montse se sentou em sua cama e se apoiou
contra a parede.
—O dia que fiquei sozinha enquanto vocês iam ao mercado de Perth, fui à biblioteca
procurar um livro para ler. Ele estava ali, assim falamos.
—Falaram? Você e o senhor Leite Azedo, falaram?
Montse riu.
—Sim. Embora lhe pareça impossível, fomos capazes de nos comunicar sem gritar.
—Êta, tia, e como não nos contou isso?
—Pche! Não acreditei que fosse nada importante.
—E do que falaram?
—Pediu-me que lhe contasse coisas de nossa época. Já sabe que a noite que operamos Fitz,
parva de mim, confessei-lhe que vínhamos do século XXI. Supus que, embora devesse pensar
que estava louca, tinha vontade de divertir-se; assim que o agradei e satisfiz todas suas dúvidas.
Nada mais.
—Sério? E o que lhe contou?
—Fale-lhe da mulher de nossa época e de quão adiantadas estávamos.
—Se apavoraria não?
—Eu acredito que, mais que apavorar, confirmou que me faltam três parafusos e estou mais
famosa que as maracas do Machín. Em especial quando escutou coisas como as de que

182
mulheres do nosso século tem voz própria e que inclusive damos o primeiro passo se queremos
ter relações sexuais com um homem. —respondeu brincando.
—A mãe do cordeiro... Isso lhe contou? —gargalhou Juana.
—Sim, mas não acreditou em mim.
—E como surgiu esse bom rolo para que terminassem tão íntimos?
—Disse-lhe que para nós era arcaico tratar às pessoas de senhor e que entre amigos e
conhecidos nos não chamávamos assim. Surpreendeu-me quando me perguntou se eu queria o
chamar pelo nome. Imagine! Vi o céu aberto, porque estar todo o santo dia pensando no que
dizer para não ofendê-lo, esgota-me até níveis insuspeitados. Assim disse que sim, mas sempre
e quando ele me chamasse também. E depois... Bom... Pois isso. —Montse sorriu e retirou o
cabelo do rosto.
—Pois isso o que?! —A canaria abriu os olhos descomunalmente — O «pois isso» quer
dizer que se lançou e...?
Ela em seguida soube o que sua amiga queria dar a entender.
—Mas bom, que mente mais poluída tem! O que está pensando?
—Você o que crê, bonita? Olhe que nos conhecemos... Sei que quando duvida é porque
atrás há algo mais.
—Certo, confesso: beijei-o.
—Beijou-o?
—Droga!
—Beijou o duque de Wemyss? — perguntou incrédula, saltando de sua cama até a de sua
amiga.
—Sim, e juro que adorei. Não pude evitar! Estávamos nos conhecendo, o fogo da lareira
ardia, eu tinha febre e...
—Sim, claro, joga a culpa na febre.
—Não... — riu Montse — Foi tudo um amontoado de coisas. Estávamos sozinhos, sua voz,
seus olhos e... Em um dado momento perguntou que ante uma situação como aquela o que faria
uma mulher de nossa época
—E pronto! Beijou-o.
183
—Exato. Beijei-o e...
—E?!
—Após isso, nos vemos as noites em seu quarto...
—Ai, minha menina, vê como não tenho mente suja? —disse Juana, tampando a boca para
que sua amiga não visse seu sorriso — Está transando com Declan Carmichael!
—Sim. —confirmou Montse, risonha.
—O leite azedo!
—Sim, claro; agora vai me dizer que você com Alaisthar nada de nada não? —mofou-se
Montse.
—Pois sim. Respeita-me. Embora, depois de lhe escutar, pressinto que já estou demorando
eu em deixar de respeitá-lo. —Montse não pôde sufocar uma gargalhada ante a cara de derrota
de sua amiga — Vejamos, minha menina, sei que o que vou perguntar é um tanto morboso, mas
como monta um homem do século XVII na cama?
—Em duas palavras impressionante; igual ou melhor que os do século XXI. Embora, se for
sincera, não sei o que estou fazendo. Bom sim sei, mas não sei o que me ocorre que...
Juana ao ver o gesto de desconcerto de sua amiga a abraçou e terminou a frase por ela.
—Começou a sentir por ele algo que nunca pensou que poderia acontecer a você. O homem
de seus sonhos, e nunca melhor dizendo, fez que seu coração pulsasse desbocado cada vez que
o vê. E isso a mantém confusa. Equivoco-me?
—Não. Não se equivoca, mas sei que estou cometendo um engano.
—Estamos, minha menina; estamos. Estou até as trancas por Alaisthar, e embora às vezes
penso isso de «desfruta do momento», não posso relaxar. Sei que cedo ou tarde partirei e...
Bom, esse tema me martiriza cada dia mais e mais.
Ambas permaneceram em silêncio durante um bom tempo.
—Às vezes penso em algo que comentou Erika, A Escocesa. —disse ao fim Montse.
—Fala da cigana encrenqueira que nos mandou para cá?
Montse assentiu com a cabeça.
—Sempre me disse, desde menina, que a felicidade de meu futuro, estava no passado.
—Uf, por Deus, —sussurrou Juana lhe mostrando o braço — fiquei arrepiada, garota.
184
—Olhe como é palhaça. —riu Montse.
—Caraca... —murmurou Juana voltando para sua cama — Quer dizer que Declan é o
homem que sempre procurou; sua meia laranja, uva ou como queira chamar.
—Não sei. —sussurrou Montse deitando — Sinceramente não sei e estou aterrada.

185
Capítulo 36

À manhã seguinte, depois de assear-se como facilmente puderam, as moças saíram de seu
alojamento e ficaram muito surpreendidas ao ver uns homens do clã de Kenneth Stuart postados
ali. Sem dar maior importância ao tema, passaram ao seu lado e partiram com Agnes e Edel
para a fortaleza Huntingtower. Fiona as tinha chamado.
—Que desgosto me dá entrar neste lugar! É como entrar na morada de Úrsula, a bruxa má
de A Sininho. —sussurrou Juana ao cruzar a porta da fortaleza.
Mas o que realmente as deixou estupefatas foi à riqueza daquele castelo. Embora por fora se
via sujo e estragado, por dentro estava em um estado tão reluzente que era impossível não
surpreender-se.
—Mas bom, Rapunzel vive em um autêntico castelo de fadas. —se burlou Montse ao olhar
a seu redor.
—Enquanto sua gente morre de fome fora dele. — acabou Julia a frase.
A jovem lady Rose, que rondava pelo salão, não demorou a descobrir sua chegada.
Ofuscada, dirigiu-se para elas para interpor-se em seu caminho, parando em frente à Montse.
—Quem lhe deu permissão para entrar aqui?
—Fiona Carmichael nos chamou. —esclareceu a jovem, olhando-a com cara de poucos
amigos. Estava claro que nunca seriam amigas.
Declan, que falava com outros homens no outro lado do salão, contemplou a cena e viu o
desagradável gesto de Rose quando se dirigia a sua Cindy. Não podia escutá-la, mas pela cara
que fazia a espanhola, supôs que o que dizia Rose não devia ser muito agradável. Com
dissimulação começou a aproximar-se.
—Exijo-lhe que saia de meu castelo. Já! Rameiras como você não são bem recebidas aqui.
—Rameiras como eu? —repetiu Montse.

186
—O que me fez outro dia não ficará impune. Farei-a pagar a humilhação da que me fez
objeto ante minha gente. Juro-lhe isso!
—Estou tremendo. Vê lady Rose? —mofou-se esticando a mão e movendo-a
exageradamente, para simular um medo que é obvio não sentia.
Julia e Juana observavam a cena, petrificadas. Fizeram gesto de intervir, mas um olhar de
sua amiga ordenou que não se metessem. Ainda assim, ao intuir que o ambiente entre as duas
mulheres se esquentava em extremo, Julia interveio com a intenção de cortar aquele encontro.
—Devemos ir.
—Disse que se fossem de meu castelo. —murmurou aquela cada vez mais acesa. Ninguém
tinha ousado nunca a contrariar e menos em seu lar.
—Disse, maldita surda, —vaiou Montse tentando evitá-la com uma volta — que Fiona nos
chamou.
Mas Rose não estava disposta a calar e voltou a interpor-se em seu caminho.
—Declan Carmichael é meu. Não esqueça rameira. Poderá se satisfazer no leito como sua
amante, mas eu conseguirei ser sua esposa e então, encarregarei-me de ti. Farei que sua vida
seja tão desprezível que deseje morrer. —grunhiu.
Montse, cansada de que aquela fedelha malcriada lhe gritasse na cara, aproximou-se dela
com astúcia e, com dissimulação e sem formalismos, pisou-lhe no pé.
—Para sua informação, Rapunzel, não sou nenhuma rameira. —disse devagar, apertando o
pisão com todas suas forças, enquanto Rose, horrorizada, tentava aguentar a dor — O que sente
inveja é saber que sou a mulher que está desfrutando da paixão de um homem ao que você
deseja e não pode ter. Sinto muito, bonita, ele agora está comigo.
E sem olhar para trás, afastou-se destemperada. Tentava aplacar seu mau humor olhando as
ricas tapeçarias e cristaleiras quando se chocou contra alguém. Rapidamente se desculpou.
—Me desculpe senhor.
Ao virar encontrou-se com o gesto sério de Declan, que aproximando-se lhe perguntou ao
ouvido.
—Senhor?! Já não somos íntimos, Cindy?

187
Tentou controlar o nervosismo que a embargava cada vez que o tinha perto, respirou fundo
e soube que se pôs rubra.
—Desculpe Declan. Não tinha me dado conta de que era você.
Aspirar seu perfume e tê-la tão perto fez que ele desejasse tomar aqueles lábios impetuosos.
Morria por estar a sós com ela e se incomodou ao dar-se conta que ela se afastava sem dizer
nada mais. Parou-a.
—Aonde vai com tanta urgência?
—Sua mãe nos chamou. —respondeu olhando de esguelha lady Rose, que se sentava em
uma cadeira, coxeando.
Queria estar zangada com ele pelo trato inexistente ao que a tinha submetido durante todos
aqueles dias, mas algo a impedia. Cada vez que o escutava falar com sua aveludada voz, sentia
que se desfazia por dentro. Ainda assim tentou permanecer distante.
—Retornamos ao castelo de Elcho. Isso é o que minha mãe quer lhes comunicar.
Aquilo a fez tão feliz que ficou olhando com um encantador sorriso.
—Oh, Deus... Que ponto!
—Que ponto?! —repetiu desconcertado— O que quiseste dizer com isso?
Divertida pela pergunta levantou de novo a comissura de seus lábios em uma graciosa
careta, sem precaver-se que aquele gesto esquentava ainda mais o coração e a cabeça do
homem que tinha frente a ela.
—Isso é como dizer «que bom!».
—Alegra-me saber que a faz feliz retornar a Elcho.
Ela assentiu alegre como uma menina, mas seus olhos se obscureceram ao olhar Lady Rose
e recordar o que estava por chegar.
—Sim, embora seja por pouco tempo. Já sabe...
—Pouco tempo? —perguntou afligido.
Se Declan queria algo com ela, era tempo. Seu interior começava a acreditar na loucura que
lhe tinha contado sobre o século XXI e, pensar em perdê-la, começava a lhe curvar.
—Sim, Declan. Breve partirei para viver na casa de sua mãe. Não recorda?
Ele assentiu. Teria que solucionar esse tema nada mais chegar a Elcho.
188
—Por isso não se preocupe... —resolveu o tema com voz suave.
—E por dona Caprichos tampouco tenho que me preocupar? —soltou sem pensar— Porque
está desejosa que eu me afaste de você para meter-se em sua casa, em sua cama e aonde você a
deixe.
—Se se refere a quem eu acredito, —sussurrou agradado, com os olhos faiscantes — não,
Cindy, tampouco tem que preocupar-se por isso.
Mas Montse, consciente de que acabava de meter o pé, amaldiçoou. Tentou, entretanto, tirar
importância a sua última frase esclarecendo alguns pontos que cada vez o atavam mais.
—Bom, vejamos... Não se equivoque. Não é que me preocupe, mas...
—Ciumenta?
—Eu não estou ciumenta dessa... Garota. Quem disse isso? —disse sobressaltada ante sua
pergunta, cravando os olhos nele como adagas assassinas.
—Você. —Mas antes que ela seguisse com aquilo, sobre o que já falariam a sós, Declan
trocou de tema, ficando sério — Como foi ontem com os meninos? Encontraram suas famílias?
Recordar os pequenos fez que a Montse iluminasse o rosto de felicidade e começou a contar
tudo o que tinham avançado nesse aspecto, movendo as mãos enquanto retirava uma mecha de
cabelo que caía nos olhos.
—Uf, a verdade é que foi genial. Conseguimos que esses meninos voltassem a dormir com
suas famílias. E embora me desse uma pena horrorosa me separar desses anjinhos, acredito que
é o melhor. Tenho a sensação de que é a primeira vez em minha vida que me sinto útil. Fazer
algo tão importante por alguém é...
—Alegra-me sabê-lo. —assentiu ele, observando que os outros guerreiros seguiam o curso
daquela conversa. Cindy tinha magia e parecia atrair a todos, e a ele primeiro— Kenneth Stuart
e seus homens se comportaram?
Aquela pergunta a surpreendeu.
—Tão bem como Rose Ou'Callahan. —mas ao ver a fúria em seu olhar, trocou de tática
com rapidez — Se comportaram como uns autênticos cavalheiros e nos ajudaram a encontrar às
famílias dos meninos. —disse cravando os olhos nele.
—Vocês ficaram íntimos?
189
—A que vem essa pergunta tão tola? —perguntou aniquilada.
Mas não necessitou que respondesse, já que nesse momento o mencionado Kenneth se
aproximou deles e, com galanteria e para moléstia de Declan, falou com intimidade.
— Bom dia, preciosa Cindy. Dormiu bem?
—Muito bem. —sorriu.
Declan, incômodo por aquilo, olhou-o com atrevimento.
— Bom dia, Kenneth, eu também estou aqui. —vaiou ele.
—Você e eu já nos saudamos — se mofou divertido, embora o fizesse lhe dando um golpe
nos ombros— mas se o incomoda, bom dia, Declan.
O duque ia responder molesto pela intromissão na conversa que eles mantinham, mas como
sempre, Montse o adiantou.
—Kenneth, de verdade, muito obrigada pela ajuda que nos ofereceram ontem você e seus
homens. Sem vocês teríamos demorado muitíssimo mais em encontrar essas famílias.
—Foi um prazer. Se voltar a necessitar minha ajuda, meu clã e eu estaremos encantados em
proporcionar-lhe. — declarou isso enquanto cruzava um divertido olhar com seu amigo.
Declan e Kenneth já tinham falado aquela manhã do ocorrido no dia anterior. Ambos eram
amigos fazia anos e se conheciam muito bem. Muito bem.
—Por certo, Kenneth. —perguntou ela — por que havia homens de seu clã postados ante a
porta de minha cabana?
Aquilo pôs Declan sobre alerta, que o olhou com gesto áspero enquanto o highlander sorria.
—Ordenei-lhes que dormissem ali. Eu não gostei nada do olhar de alguns dos homens que
acampavam por ali. —respondeu.
Divertida por aquilo Montse fez gesto de tirá-lo de seu engano, mas desta vez foi Declan
quem se adiantou a suas palavras com um gesto furioso no rosto.
—Quem lhe pediu que cobrisse a minha gente?
—Ninguém. Mas acreditei pertinente.
—Não quero voltar a ver nenhum Stuart perto dela ou de qualquer um dos meus, a não ser
que eu lhe peça isso. Inteiraste-se, Kenneth?

190
Boquiaberta pelo rumo que estava tomando aquilo, Montse se aproximou mais da conta a
Declan para vaiar algo ao tempo que lhe dava um pequeno toque no ombro com o dedo.
—Bom, onde está o problema?
A cercania o fez recordar seus momentos íntimos.
—Você é de meu clã. Minha responsabilidade! Se alguém tem que postar seus homens ante
sua porta, esse sou eu, não ele.
—Então o faça. — repreendeu Kenneth.
—E quem diz que não o fiz já?
Ao escutar aquilo, Kenneth olhou seu amigo e sorriu. Agora entendia o bate-papo daquela
manhã e o porquê de seu aborrecimento. Ia responder, mas a jovem interrompeu feita uma
fúria.
—Vamos ver, os dois bordam o papel de machões, mas fechem a boca porque estão me
pondo histérica. —Olhou Kenneth — Obrigada pelo detalhe de seus homens, mas não necessito
que ninguém vele ante minha porta; portanto, tema resolvido! —E voltando seu turbador olhar
a Declan, seguiu falando — Quanto a você, em todos os dias que levo aqui não me ofereceu sua
ajuda nem um só instante porque estava muito ocupado consolando à caprichosa da Barbie
medieval, portanto, segue assim. Não estou ciumenta e, é obvio, tampouco quero seu amparo
nem nada que venha de você pessoalmente.
Uma vez que disse aquilo, com um aborrecimento maiúsculo, afastou-se em busca de suas
amigas que estavam falando com Fiona na outra ponta do salão. Os homens surpreendidos pela
argumentação que aquela lhes tinha soltado, olharam-se entre eles. Finalmente, Kenneth, com
um sorriso que fez que seu amigo soltasse uma gargalhada, disse lhe dando um bom golpe nas
costas:
—Caprichosa Barbie medieval?
—Loucuras da Cindy. —assentiu divertido Declan, desejoso de pegá-la a sós.
—Mas essa caprichosa é quem eu acredito que é? —burlou-se de novo Kenneth, olhando
Rose Ou'Callahan, que ao fundo discutia com uma de suas criadas.

191
—Temo que sim. —respondeu Declan, provocando uma gargalhada em Kenneth que fez
que o salão inteiro o olhasse. Uma vez recuperado da hilaridade, olhou seu amigo e fez um
gesto que por fim tranquilizou Declan.
—Sabe que o aprecio muito, Carmichael, mas se você não faz algo para conquistar à
espanhola, o farei eu.

192
Capítulo 37

Montse e suas amigas se despediram carinhosamente dos camponeses do clã Ou'Callahan e


subiram a um dos carros dos Carmichael para retornar ao castelo de Elcho. Ela estava feliz por
afastar-se dali, mas sua alegria se viu truncada quando viu aparecer a Barbie medieval no
lombo de um impressionante cavalo branco e a ouviu vozear com gesto desagradável suas
descarnadas ordens aos serventes.
—Levem com cuidado meus baús até minha carroça. Não quero que nenhum sofra o
mínimo dano, ou pagarão. Você, miserável saco de grão! —gritou a um moço— avisa ao laird
Carmichael que já estou preparada e que podemos partir.
—Olha. Só falta que volte à cabeça para parecer à menina do exorcista. —se mofou Juana,
assinalando-a.
—De quem falam? Da Rapunzel? —perguntou Julia.
—Sim, menina. Sim. De quem a não ser?—assentiu Montse, molesta por aquela repentina
companhia — Não posso entender que em vez de ficar aqui para acompanhar seu pai e ajudar
aos seus, venha conosco para, certamente, nos fazer complicação.
—Essa é mais inútil que uma soprano gaga. — burlou Julia, ao ver como tentava, sem
resultado, colocar bem a capa.
Nesse momento Declan apareceu no lombo de seu cavalo escuro e, depois de saudar
Montse com um movimento de cabeça, galopou até onde estava Rose para dirigir-se a ela com
voz amável.
—Não se preocupe, suas coisas chegarão intactas; como sempre.
A jovem, ao vê-lo ao seu lado, trocou seu gesto áspero por um mais doce, retirando o cabelo
do rosto com estilo e glamour, digno da estupenda Bette Davis.
—Oh, Declan... Desejo tanto um pouco de paz, depois da loucura que vivi estes dias. —
disse, com um sorriso embevecido— Estou esgotada, preciso repousar.
193
—Em Elcho descansará, asseguro-lhe isso.
Declan lhe beijou a mão e se afastou dela quando viu que Kenneth Stuart se aproximava do
carro no que viajavam as espanholas.
—Queria comprovar que estão bem acomodadas. —disse o highlander aproximando-se e
olhando Cindy— Espero que não siga zangada comigo por postar meus homens em sua porta.
—Vêm conosco? —perguntou Juana.
—Só uma parte do caminho. —esclareceu este sem tirar os olhos de Cindy.
Juana e Julia assentiram e permaneceram em um segundo plano. Estava claro que aquele
escocês tão bonito não estava ali por elas.
—Kenneth, é tão encantador que não posso ficar zangada contigo. Me desculpe por minha
reação no salão, mas quando Declan e você...
—Falando de Declan. —interrompeu ele divertido — Neste instante está nos observando.
Crê que devo empunhar minha espada?
Surpreendida, Montse olhou na direção que ele assinalava e um estranho regozijo percorreu
seu corpo ao ver como a observava, enquanto Rapunzel falava e falava como um periquito sem
parar. Seu porte estático delatava tensão e seus olhos, fúria e desconfiança.
—Tranquilo, Kenneth. Não acredito que Declan deseje perder um bom amigo.
—Possivelmente por uma mulher como você, sim.
Ficou atônita pelo que esse homem deixava entrever com aquelas palavras.
—Você crê?
Kenneth, assombrado por como o observava Declan, aproximou-se ainda mais da moça
para o provocar, fazendo-a rir.
—Conheço esse burro faz tempo e nunca o vi me olhar assim por simplesmente falar com
uma mulher. —lhe cochichou ao ouvido.
Montse sorriu ante aquelas palavras e, como em seus melhores tempos, soltou o cabelo e o
moveu ao mais puro estilo Cindy Crawford em pleno desfile, para depois retirá-lo do rosto com
sensualidade. Aquilo provocou que Juana partisse de risada.
—Acredito que nossa Cindy Crawford particular está se apaixonando, e não precisamente
pelo maciço que tem em frente. —sussurrou em espanhol.
194
—Ai, Meu Deus! —murmurou Julia, tampando a boca ao olhar Declan.
Montse não pôde ocultar seu bom humor ante aqueles comentários jocosos e se aproximou
um pouco mais de Kenneth, dando outro balançar de cabeça.
—De verdade crê que Declan brigaria contigo? —perguntou-lhe.
O homem cruzou um olhar com o furioso highlander, que em nenhum momento tinha
deixado de o observar de sua posição, e finalmente assentiu, a fazendo sorrir de novo.
—Não duvide. Mas atente às consequências que isso traria por parte da caprichosa Barbie
medieval.

195
Capítulo 38

O caminho de volta ao castelo de Elcho foi mais lento que a ida. Kenneth e seus guerreiros
se despediram deles várias horas depois de partir e se encaminharam para suas terras.
As contínuas paradas ocasionadas por Rose Ou'Callahan serviam para desesperar a qualquer
um, e a isso somavam a molesta chuva e o frio, mais. Chegaram a Elcho entrada já a noite.
Fiona tomou as rédeas da organização nada mais ao chegar e, depois de desembarcar de seu
carro, aproximou-se do que as jovens utilizavam, junto a Edel e Agnes, para apressá-las.
—Vamos, moças, entrem no castelo e preparar as estadias de Rose.
As criadas saltaram do carro, mas ao ver que Cindy e as demais ficavam atrasadas,
apressaram-nas.
—Venha, vamos. Necessitamos sua ajuda.
Montse se espreguiçou. Fazia horas que se despediu de Kenneth Stuart e seus homens e isso
a fez sorrir. Desceu da carreta e olhou ao redor. Todo mundo parecia mobilizado, ela decidiu
fazê-lo também. Mas quando viu Declan ajudando Rose a desmontar de seu cavalo, amaldiçoou
em silêncio. Os olhares que aquela dedicava ao homem de seus sonhos, ela não gostava. Já
durante o trajeto lhe havia custado muito suportar que aquela parva açucarada passasse o
caminho dando ordens a todo mundo e sorrindo como uma boba a Declan.
—Mas bem... E quem é essa? —perguntou Juana ao precaver-se de uma jovem ruiva que ria
com Alaisthar enquanto dirigia os homens na descarga dos baús de Rose.
—Essa é Miriel, uma das damas de companhia de lady Rose. —cochichou Agnes ao ver seu
Percy rir como um parvo por algo que ela havia dito — Recorda Paris, se afaste dela ou terá
problemas.
—Tranquila, Agnes, que não haverá problemas. —bufou Montse, zangada ao ver Declan
tão solícito com a chata da Rose.

196
Mas Juana não se ateve a razões e, molesta por como seu Alaisthar prodigalizava cuidados a
aquela mulher, desceu do carro e sem que ninguém tivesse tempo de segurá-la, aproximou-se
do casal.
—Alaisthar. —o chamou, atraindo sua atenção— Preciso falar contigo. Pode vir um
momento?
O ruivo assentiu e, depois de dizer algo a jovem que estava com ele e esta sorrir em
resposta, aproximou-se.
—O que acontece? —perguntou.
—Ouvi que compartilha momentos de intimidade com uma tal Erin, embora acabo de me
inteirar de que a quem sorri como um velhaco é Miriel. É certo isso?
Perplexo por aquela pergunta, ficou boquiaberto.
—A que vem isso?
Juana, ao precaver-se de que duvidava antes de responder, cravou seus olhos escuros nele e
assinalou à ruiva que o olhava com descaramento.
—Não vou permitir que ninguém brinque comigo, ouve-me, Alaisthar? —Ele assentiu— Se
deseja ter algo com Miriel, o que havia entre você e eu, que é nada, acabou-se. Entende-me?
—Mas do que fala Paris? —perguntou pegando-a pelo braço para levá-la a um lado e não
obstaculizar a descarga dos carros.
—Sabe muito bem ao que me refiro. —o acusou— E somente vou lhe dizer uma coisa,
escocês, se você pretende continuar paquerando com outras diante de mim, não vou consentir.
Se você gostar dela, vá em frente! Mas quando se for daqui, nem lhe ocorra se aproximar de
mim; porque eu não sou mulher que compartilha homem. Entendido?
O highlander, surpreso por aquela mudança de humor tão repentino em sua Paris, assentiu
enfeitiçado. Desde que a conhecia, o bom humor e o sorriso não tinham abandonado seu rosto
nenhum segundo, mas ao vê-la assim ante ele, tirando aquele gênio tão característico das
espanholas, sorriu. Em especial pela leitura que podia tirar daquele fato.
—Ri? E tem a pouca vergonha de rir em minha cara?
—Não é para menos, Paris. Não é para menos.

197
Consciente de como aquela bonita mulher de cabelo vermelho o observava, e em especial
do gesto brincalhão de Alaisthar, a canaria deu a volta para partir. Ele a reteve segurando-a pelo
braço, a fez girar contra ele e lhe plantou um possessivo beijo em toda a boca, digno da melhor
novela.
—Minha menina... Nem Erin, nem Miriel são ninguém para mim entende. —lhe sussurrou
ao ouvido — Lhe vale esta resposta?
Juana, embevecida por aquela manifestação sentimental diante de todos, assentiu como uma
autômata e seguiu seu caminho com um amplo sorriso nos lábios, de volta até onde estava
Montse, ainda zangada, observando Declan. A canaria a pegou pelo braço e a puxou para o
interior do castelo.
—Definitivamente, quando eu ficar a sós com ele, o respeito se acabou. —decidiu.

198
Capítulo 39

Aquela noite, depois de acabar de preparar as estadias para a visita, Montse viu Declan,
Rose e Fiona no salão, ao descer do andar superior. Os três pareciam relaxados e distendidos
em sua conversa e, inconscientemente, ficou de mau humor. Declan tinha se convertido em
alguém muito especial para ela. Mas assim estavam as coisas, por isso escorregou para sua
estadia disposta a não corroer mais a cabeça. Mas não conseguiu. Passou uma noite terrível,
desejando correr aos braços daquele homem, embora se contivesse e não subisse.
Ao dia seguinte a coisa não melhorou. Cruzou com Declan no salão e, quando ele ia lhe
dizer algo, ela muito digna o ignorou e partiu. A atitude incomodou o laird, que tinha estado
esperando-a até altas horas da madrugada sem êxito. Queria falar com a jovem, mas tinha que
procurar o momento certo. E resultou impossível, não o encontrou.
À tarde, depois do almoço, Rose lhe propôs dar um passeio a cavalo. A Declan não gostava
nada, mas ao ver o gesto que lhe dedicou sua mãe, aceitou. Montse, que nesse momento
limpava uma das vidraças das janelas do salão, viu-lhe ir até as cavalariças e partir ao trote.
—Maldita seja! —grunhiu ao lhe ver.
—O que acontece, Cindy? —perguntou Fiona, aproximando-se.
Turvada por ter sido descoberta, retirou a franja do rosto e com um sorriso e apertou o pano
contra o cristal.
—Há aqui uma machinha que não consigo tirar.
Durante uns segundos Fiona a observou esfregar o cristal com tal brio, que estava segura de
que terminaria por quebrar o vidro. Não havia dúvida de que estava muito zangada, a tenor de
seu gesto carrancudo. Ante aquela explosão, e consciente do autêntico motivo de seu mau
humor, puxou-a pela mão e a afastou dali.
—Me siga, Cindy. Tenho que falar contigo.

199
Obedeceu sem pigarrear e quando entraram na biblioteca, Fiona fechou a porta. Uma vez
que ambas tomaram assento, a mãe de Declan olhou atentamente à moça.
—O que pensa de meu filho? —iniciou a conversa indo direto ao ponto.
—A que se refere com isso? —replicou, surpreendida.
—Sente algo por ele, menina? Comprovei como se olham às escondidas, e agora não se
faça de boba, Cindy, que já vivi muitos anos para que pense que pode me enganar.
Montse levantou o queixo com indiferença e deu de ombros
—Pois não sei a que se refere Fiona. Não sinto nada por ele por que teria que senti-lo?
Quão único fazemos é discutir continuamente. —respondeu, simulando desconcerto.
—Escutei-lhe amaldiçoar quando viu Rose e Declan partir a cavalo e pensei que
possivelmente isso a incomodava.
—Por Deus! Como pode pensar isso? —respondeu Montse alterada— Se amaldiçoei foi
pela impertinente mancha do cristal.
—Seguramente, Cindy?
—É obvio Fiona. —assentiu com certeza.
—Mas os olhares que se dispensam...
A jovem, apurada por aquela conversa tentou resolvê-la imediatamente.
—Equivoca-se. O olho como a qualquer outro. Inclusive possivelmente menos.
A mulher ao escutá-la dizer aquilo se recostou sobre a poltrona. Disposta a averiguar o que
se propôs, estendeu-lhe uma pequena armadilha.
—Filha, pergunto-lhe isso porque, segundo a maldição de Keeva, o feitiço só se
desvaneceria se o pendente era encontrado por alguém apaixonado por algum Carmichael. E
embora esteja feliz de ter recuperado a joia, temo por Maud. Correrá ela a mesma sorte que seus
antepassados? Angustia-me pensá-lo, angustia-me muito.
— Se tranquilize, estou segura de que o feitiço se desvaneceu.
—Está segura porque sente algo por Declan? Meu filho é um homem muito bonito.
«Será bruxa a fodida», pensou Montse, mas finalmente suspirou e concordou.
— Vamos ver... Não posso negar que seu filho é um homem bonito e com muito boa pinta.
Quando sorri eu gosto, mas...
200
—Então lhe atrai?
—Não.
—Mas se acabar de dizer que você gosta?
Surpreendida por como aquela mulher a estava atando, soltou uma gargalhada.
—Bem, o que está tramando?
—Eu nada, só quero que seja sincera e me diga a verdade. —sorriu lhe dando uns tapinhas
nas mãos — A meu filho gosta, e muito. Ele não me disse nada, mas sou sua mãe e o conheço.
Nem sequer com a mãe de Maud o vi tão inquieto. Observo como a busca com o olhar e sorri
quando você está perto. E embora se empenhe em discutir com veemência diante de todos, sei
que não é assim. Além disso, consta-me que há algum tempo a encontram a noite em sua
estadia.
Encurralada pela mãe do homem que a estava fazendo perder a razão, Montse a olhou e
afirmou.
—Acabou, confesso. Eu gosto muito de seu filho, atrai-me muitíssimo. Portanto, não deve
se preocupar com Maud.
Ao escutar aquilo, Fiona aplaudiu e deixou Montse ainda mais boquiaberta.
—Sabe Cindy? Eu adoraria que entre você e Declan existisse algo mais que essas suas
furtivas noites, e estou convencida de que a ele também. Seria uma boa senhora para o castelo
de Elcho. Além disso, Maud a adora e nossa gente a quer.
—Fiona, por Deus, o que está dizendo? —murmurou assustada.
—Um enlace entre você e Declan seria algo maravilhoso.
—Não. Impossível.
—Por quê? —perguntou a mulher desconcertada.
—Ai Fiona, me acredite. É impossível!
—Mas, não disse que você gosta e se sente atraída por meu filho?
—Sim.
—Então?
Cravando seus olhos nos da mulher, Montse tomou suas mãos para sussurrar sua pena com
uma tristeza que lhe alagou o coração.
201
—Eu não demorarei a partir e...
—Como? Por quê? Acaso não é feliz aqui.
—Me escute, Fiona... —E ao ver o triste olhar da mulher, já não pôde calar mais— Aqui
sou muito feliz. Todos são maravilhosos e estou segura de que nunca voltarei a encontrar umas
pessoas mais íntimas, mas tenho que retornar.
—A Espanha?
Tentar explicar a pobre mulher aquela loucura que nem ela mesma compreendia, era
impossível, assim que se limitou a confirmar aquela hipótese.
—Sim, a Espanha.
—Não deseja se desposar com Declan?
Montse não respondeu. Algo lhe gritava que sim, mas tinha que ser racional e pensar com a
cabeça fria.
Fiona finalmente se deu por vencida ao ver aquela terrível tristeza refletida em seu olhar.
—Então, filha, se não o quiser para ti, não me odeie, mas como mãe o insistirei para que
corteje Rose. Meu filho necessita uma mulher.
Depois de um tenso silêncio por parte das duas, Montse se levantou, deu um doce beijo a
Fiona na bochecha e se encaminhou para a porta da biblioteca.
—Acredito que fará bem animando Declan para que corteje Rose. Ele merece refazer sua
vida com uma mulher, embora essa não seja eu. —disse antes de sair.
Dito o qual, fechou a suas costas deixando Fiona aturdida, enquanto ela se encaminhava
para as cozinhas para ruminar suas tristezas. Horas depois, quando estava sentada sob um
carvalho cantarolando uma canção, viu Rose e Declan retornar. Zangada consigo mesma por
permitir-se sonhar acordada em ocasiões, levantou-se e entrou para cortar as batatas do jantar.
Precisava fazer algo ou ia ficar louca. Ainda cantarolava quando de repente escutou uma aguda
voz feminina.
—Onde se encontram Agnes e Edel?
Levantou o olhar de sua tarefa e se encontrou com duas jovens de impecável aspecto.
—Mas se não as veem aqui, será porque estão ocupadas em outro lugar.

202
Mas uma delas respondeu com uma altivez tal, que a fez esticar cada um de seus músculos.
E não estava para brincadeiras!
—Temos tarefa para elas. Precisamos encontrá-las agora mesmo.
Aquelas duas mulheres gotejavam maldade no olhar. Montse se levantou de sua cadeira.
—O que necessitam?
A jovem de cabelo claro e traços finos e perfilados examinou-a de cima abaixo antes de
responder com um tom de voz desagradável e mandão.
—Tem que ir ao quarto de Lady Rose para assear a estadia, que está em um estado
lamentável. Depois, têm que lavar estes vestidos com cuidado de não danificá-los e, uma vez
limpos e esticados, levá-los de volta à estadia da senhora e pendurá-los.
Surpreendida por aquilo, deixou a batata que tinha nas mãos.
—As criadas de lady Rose são vocês por que têm que fazê-lo elas? —as jovens ao escutar
aquilo se olharam desconcertadas— E quanto a sua estadia, duvido do que dizem, eu mesma me
encarreguei de que esse quarto estivesse limpo e asseado ontem à noite, por isso não acredito
que esteja em um estado tão lamentável como pretendem me fazer acreditar, a não ser que sua
senhora se encarregou de sujá-lo.
As jovens se olharam.
—É Cindy, verdade? —perguntou uma delas com um malicioso sorriso.
—Droga!
—Tínhamos escutado falar de você. —disse a morena.
—Ah, sim...?
—Sim.
—Pois espero que bem; porque se não for assim me zangarei, e lhe asseguro que quando me
zango, temem-me. —respondeu cravando a faca com que cortava a batata na mesa de madeira.
Assustadas deram um passo para trás, justo no momento em que Agnes entrava na cozinha.
Ao encontrar-se com aquela imagem, aproximou-se de Cindy para dizer algo, mas esta a fez
calar ao tempo que dava um passo para as duas moças, que recuaram.

203
—Se alguém for lavar a roupa de sua senhora, essas são vocês. Uma coisa é que sejamos
amáveis com as visitas e outra é que nos tomem por tolas. Portanto, já podem correr ao lago, ou
onde queiram, e lavar com mimos as roupinhas de sua lady Rose.
Assustadas, ainda com os vestidos nas mãos, as duas jovens correram escada acima em
busca de amparo. Aquela moça estava louca. Agnes riu a gargalhadas ao ver semelhante reação.
—Há, vejo que sabe tratar a semelhantes harpias. —comentou soluçando de risada.
Não respondeu. Sentou-se de novo na cadeira, pegou a batata e desencravou a faca da
madeira.
—Uf, Agnes — disse ao cabo de um momento— se eu lhe contar as harpias que estou
acostumada a tratar diariamente, me entenderia.
Quando Edel e Juana entraram com um cesto carregado de roupa recém tiradas do varal, as
quatro celebraram com alegria o que Agnes lhe contava. Mas então se escutou um revoo no alto
da escada e segundos depois, Rose Ou'Callahan e suas duas criadas, com gesto decomposto,
apareceram frente a elas.
—Quem ousou tratar tão desrespeitosamente Lena e Tina? —E cravando o olhar em Cindy,
espetou com gesto desagradável— Seguro que foste você, verdade, criada?
—Já começamos... —murmurou Montse em espanhol— Depois nos queixamos de que se a
avó fumar ou de que se a avó beber...
— Perguntei que...
Levantando-se como uma espoleta, voltou a deixar a batata e a faca para perguntar com
mau gesto.
—Qual é o problema?
Lady Rose, com o mesmo aspecto impecável de sempre, olhou-a com desprezo.
—Se comporte, criada. Acaso não sabe com quem trata? —disse em um tom de voz nada
amável.
Agnes e Edel se olharam desconcertadas. Enfrentar aquela caprichosa não era bom. O
senhor Carmichael se inteiraria e Cindy voltaria a ter problemas de novo. Agnes, tentando
evitá-lo, deu um passo para frente para atrair a atenção da dama.
—Nos desculpe lady Rose, mas...
204
—Se cale Agnes! E me deixe solucionar isto. —pediu Montse incapaz de ficar quieta ante
semelhante idiota. Com segurança teria tudo a perder, mas nesse momento não lhe importava
absolutamente.
—É uma desavergonhada. Quem acredita ser?
—Quem acredita ser você?
Gotejando maldade, Rose Ou'Callahan levantou sua mão para lhe cruzar a cara, mas Montse
parou o golpe.
—Se tocar em mim, lamentará. E já me conhece, lady Rose; se disser que o lamentará, fará.
—disse sem lhe soltar o pulso que capturava com força entre seus dedos.
—Bemmmmmm... Vai se atracar à parda. —murmurou Juana.
—Me solte, maldita puta! Acaso crê que porque esquenta o leito de Declan pode me tratar
assim? —Olhou com rapidez a uma de suas criadas e disse— Lena, vá em busca do laird
Carmichael. Ele solucionará esta ofensa.
A jovem, ao escutar sua senhora, deu a volta e desapareceu pelas escadas enquanto Montse
a desafiava sem assustar-se.
—Você, maldita vaca! —gritou Rose a uma assustada Edel — Vem aqui imediatamente.
A moça ficou ao seu lado sem perder nenhum segundo. A loira tirou os vestidos das mãos
de sua criada e os pôs nos da jovem braços.
—Lave isto agora mesmo, porque eu lhe ordeno isso.
Com a mesma maneira, Montse tirou a roupa de Edel, que tremia como uma folha, e a
devolveu à criada de Rose.
—Não. Isto o lavará sua criada. Nós temos outras coisas que fazer.
Como um vendaval, Rose voltou a pegar suas roupas e as devolveu a Edel.
—Lave!
De novo Montse as pegou e as jogou ao chão.
—Não! —gritou.
Sem lhe dar tempo para reagir, Rose Ou'Callahan levantou a mão e cruzou a cara de Edel,
que pelo impulso caiu ao chão. Com rapidez Juana, Agnes e Julia a ajudaram a levantar-se
enquanto Montse, com só um movimento, varreu-a com o pé, derrubando-a.
205
—Se voltar a pôr a mão em cima de qualquer um, estando eu presente, juro-lhe que...
—Por todos os Santos. O que está ocorrendo aqui? —gritou Declan, entrando
congestionado na cozinha ao ver Rose escancarada no chão e Montse com cara de
aborrecimento.
Sem perder nenhum segundo, a chorosa jovem de cabelo claro como o sol lhe estendeu a
mão para que a ajudasse a levantar-se. Uma vez em pé, apoiou sua bochecha sobre o peito de
Declan, para fúria de Montse, e gemeu teatralmente.
—Declan, esta grosseira criada tua me atacou, ofendeu e insultou. Como pode albergar
alguém assim em seu lar?
O highlander, surpreso ainda pela situação, olhou à mulher que adorava e, ao ver que esta
dava de ombros, fechou os olhos.
—Assumo tudo o que diz, porque é verdade e não o vou negar. Não vou mentir, embora
veja que com ela, sim. E me deixe acrescentar, e o vou dizer muito claro para que me entenda,
que se eu reagi desta maneira é porque ela antes nos atacou, e como mostra, aqui tem sua mão
marcada no rosto de Edel. Ofendeu-nos e nos insultou.
—Mente! —chiou aquela.
—Não, não minto e sabe lady Rose. O que ocorre é que quando alguém paga com a mesma
moeda, não gosta verdade? —E olhando o homem que observava a cena desconcertado,
esclareceu— Declan, unicamente tratei de fazer lady Rose ver que suas criadas devem
encarregar-se de seus assuntos pessoais. Nós estamos ao cargo de um castelo inteiro e não
podemos assumir mais mandatos. Por quê? Se perguntará. —Ele nem se moveu— Pois porque
não temos mais mãos que as que vê, e se elas colaborarem conosco, tudo seguirá funcionando
no castelo. Ou prefere que a comida se atrase e a ordem em seu lar comece a falhar?
Depois de escutá-la, assentiu. Entendia perfeitamente o que tentava lhe dizer, mas Rose
Ou'Callahan foi criada de uma maneira especial, e inclusive quando ia a sua casa de visita, lhe
consentia tudo. Por quê? Não sabia. Sempre tinha sido assim; mas possivelmente aquilo devia
trocar. Olhou Rose, que choramingava sobre seu peito e a separou dele. Logo, para surpresa de
Edel e Agnes, falou com voz alta e clara.

206
—Rose, deixa de chorar e tenta entender o que minha gente quer lhe dizer. —O olhou com
uma cara lastimosa que não o arredou — O castelo, meu lar, tem seu próprio funcionamento e
se você tem suas criadas para que a sirvam, por que não têm que ajudar?
—Mas Declan, eu...
Com um maravilhoso sorriso, que fez que a caprichosa moça calasse seus protestos e
Montse suspirasse, o duque a olhou e sussurrou:
—Por favor, Rose, coopera. Ninguém está exigindo que lave sua roupa, só que ordene a
suas criadas que cumpram com seu trabalho. Para isso a acompanham, não?
Sem lhe dar tempo a dizer nada mais, o duque se dirigiu a Montse, que sorria a seu lado.
—Cindy, quero falar contigo agora mesmo. A sós!
—Agora, Declan?! —perguntou Montse, surpreendida.
—Sim. Agora. —apressou ele— É urgente.
—Declan?! Desde quando permite que os criados o chamem pelo nome? —gritou Rose
após ordenar a suas criadas com maus modos que lavassem elas as roupas.
Voltando-se, o highlander a encarou refletindo o aborrecimento e as inegáveis ganas de
estrangulá-la em seus olhos castanhos.
—Rose Ou'Callahan, seria tão amável de me esperar no salão? Tenho assuntos que resolver
com minha gente.
A jovem, seguida por suas duas zangadas criadas, partiu dali, enquanto Declan tomava à
suposta Cindy Crawford pela mão e a arrastava em sentido contrário.
—Vem comigo.
Com um sorriso estranho nos lábios, deixou-se guiar por ele até chegar a um quartinho
humilde. Uma vez dentro, Declan fechou a porta e a aprisionou contra a portinhola ao tempo
que a olhava temerariamente aos olhos.
—Não volte a me pôr jamais em uma situação semelhante. —resmungou ameaçador.
—Entendo-o, Declan. Juro que o entendo. Mas essa mal educada caprichosa disse coisas
horríveis; tratou Agnes e Edel como escória e se atreveu a dizer que...
—Estive-lhe esperando ontem à noite durante horas. Se tive saudades durante dias e se
desejei cada noite, assim... Por que não veio ontem?
207
Surpreendida pelo giro dos acontecimentos, olhou aos olhos antes de responder.
—Pensei que estaria cansado e...
— Nunca volte a pensar por mim.
E sem mais palavras, beijou-a. Devorou-lhe a boca com um beijo tão abrasador que a
Montse tremeram as pernas ao perceber o anseio que sentia por ela.
Com muita dificuldade, e apelando a todo seu autocontrole, Declan conseguiu separar-se.
—Esta noite a esperarei.
Uma vez dito aquilo, voltou a beijá-la. Logo a afastou, abriu a porta e partiu.

208
Capítulo 40

O resto da tarde Montse se sentiu desfalecer. O que fazer? Deveria ir aquela noite ver
Declan? Ou não? As últimas palavras dele, «a esperarei», fizeram-lhe recordar e cantarolar
aquela canção enquanto estendia a roupa limpa que Edel havia trazido.

Esperarei, que as mãos me queira tomar [...]


Que um dia não possa sem meu amor viver.

Juana se aproximou nesse momento de sua amiga para lhe dizer algo ao ouvido enquanto a
puxava pelo braço.
— Fiquei lá dentro um momento com Alaisthar.
—E?
—Que estou disposta a deixar de lhe respeitar de uma Santa vez. Ou o faço ou juro que
explodo. —Aquilo provocou a risada de Montse— Se lhe conto é para que não se assuste se ver
que não chego na hora de dormir e que diga a Duval para que não se alarme.
—Está segura do que vai fazer?
—Totalmente segura. Muito segura! Ontem à noite, quando me beijou diante de todos, pus-
me cardíaca. Ai, minha menina, o potencial sexual que tem meu ruivo deve ser o leite. E olhe o
que lhe digo, porque sou pequena e recolhida que, se não, juro-lhe por minha avó Lola que o
teria jogado no ombro e o teria feito meu nesse mesmo instante.
Divertida, Montse teve um ataque de riso tão forte que teve que sentar-se junto a um tronco.
— Posso ser sincera? —murmurou quando se repôs.
— É obvio, e como diria meu ruivo favorito: «Exijo-lhe isso.»
— Acredito que se você gosta de Alaisthar, nesse passo você vai gostar mais ainda.
— Diz por você e Declan verdade?
209
Montse assentiu com um suspiro.
— Mas, —continuou com um amargo sorriso — pensou que nosso tempo aqui se acabará
cedo ou tarde?
—Não.
—Pois deveria. O que vai pensar Alaisthar quando não a encontrar? Contou-lhe a verdade,
do porquê de estamos aqui?
—Não. Se o faço pensará que estou louca. —respondeu Juana com sinceridade.
—Sei. Acredito que isso é o que, no fundo, Declan pensa de mim. Mas o dia que eu
desapareça, possivelmente repense e se dê conta de que lhe dizia a verdade.
—Ai, minha menina, se me diz isso assim, possivelmente deveria confessar-lhe. Mas como?
—Pois contando-lhe nem mais nem menos.
Ambas permaneceram uns segundos caladas.
—Declan me pediu que esta noite me reúna de novo com ele em sua estadia. E embora o
desejo, sinceramente não sei o que fazer. Acredito que estou interferindo em sua vida e isso
começa a me assustar. Conforme dizem Edel e Agnes, ele e Rose eram algo mais que amigos e
eu, apesar do que ele me disse que ela não é nada para ele, não posso chegar, desbaratar sua
vida e logo desaparecer sem mais. Acredito que não seria justo para ele.
—Olhe, se seguir por esse caminho me fará mudar de ideia com respeito ao que tenho
pensado fazer com Alaisthar esta noite. E embora saiba que tem razão, não vou poder conter
mais meu instinto sexual.
Ao cabo de um bom momento viram aproximar-se uns cavaleiros. Eram guerreiros de
Declan e uns quantos de Rose Ou'Callahan. Edel, Julia e Agnes que estavam na cozinha com os
fogões falando de receitas, não puderam evitar lamentar-se pela visita.
—Acredito que hoje cozinharemos até as tantas. —se queixou Montse.
—Não me diga que neste momento um Tele pizza ou um Burger King não nos viria
luxuosamente... —mofou Juana.
Divertidas por aquele comentário, ambas entraram na casa para ajudar às demais.

210
Capítulo 41

Depois de cozinhar durante horas, por fim os guisados de carne estavam preparados. Os
guerreiros de ambos os clãs, reunidos no salão dos Carmichael, aclamaram as donzelas do laird
Declan e de lady Rose quando estas começaram a servir os highlanders. Montse, não quis
aparecer no salão. Não gostava de ver o homem que ocupava sua mente junto a Rapunzel e por
isso pediu para ser a encarregada de manter o fogo a ponto para que a comida não se esfriasse
enquanto as demais atendiam as mesas.
Edel e Agnes, ajudadas por Juana e Julia serviram seus guerreiros, enquanto Lena e Tina o
fizeram com os do clã Ou'Callahan. Os homens, divertidos ao ver aquelas moças revoar entre
eles diziam fanfarronadas ao vê-las passar, enquanto elas sorriam e esquivavam suas mãos. Mas
a risada acabou logo para Agnes quando esta viu seu Percy, levantar-se e ir até onde estava
Lena para que o servisse.
Declan, sentado junto a sua mãe, lady Rose e Alaisthar, reparou em que Cindy não estava
por ali, o que o agradou muito. Não queria vê-la metida naquele enxame de homens nem passar
o mau momento que estava padecendo Alaisthar, que molesto ao ver sua apaixonada enquanto
um guerreiro de dedos ágeis, quase nem comia. O laird, consciente daquilo e sem dizer nada a
seu primeiro-tenente, requereu a um de seus guerreiros para que se encarregasse de avisar seus
homens que cuidassem das maneiras com a jovem Paris.
Dez minutos depois, Agnes, decomposta e alterada, baixava os degraus até a cozinha lhe
subindo fumaça pelas orelhas.
—O que lhe ocorre Agnes? —perguntou Montse ao vê-la naquele estado.
—Não posso vê-lo. Não posso! —gritou jogando a bandeja do assado contra a mesa.
Segundos depois se derrubou e começou a chorar.
Comovida e sabedora do que se referia, Montse a fez sentar a seu lado para consolá-la.
—Está assim pelas criadas da Rapunzel?

211
Secando as lágrimas a jovem assentiu. Nesse momento apareceu uma colérica Edel seguida
por Juana. Esta última, que tinha visto a atitude dos dois homens pelos que bebiam os ventos
suas novas amigas, explodiu de raiva.
—Acabou-se o chorar e lamentar-se Agnes. Não vê que assim lhe incharão os olhos e seu
aspecto se voltará triste e gasto?
—Mas...
—Não há, mas que valham! —disse Montse dando um tapa na mesa, para apoiar as ideias
de Juana — Parem! Já disse que vocês são mil vezes mais bonitas que essas duas aspirantes a
Rapunzel, o que ocorre é que não sabem tirar partido e, além disso, têm que sorrir a outros que
não sejam os parvos do Percy e Ned.
—Oh não, Cindy, eu não posso sorrir a outro que não seja Percy.
—Nem eu a outro que não seja Ned.
—Pois muito mal, jovenzinhas. —as recriminou Julia, aparecendo com uma bandeja que
deixou sobre a mesa de madeira— Muito mal. Para que um homem se dê conta que existem,
tem que ver que outros a desejam. Olhem, quando eu me apaixonei por meu Pepe, fiz assim.
Via-lhe todos os dias quando ia trabalhar e pensava no belo e bom moço que era, mas ele nem
sequer se fixou em mim. Durante meses tentei lhe fazer ver que eu existia, mas só começou a se
fixar em mim quando viu que eu falava com outros moços do Vallecas e nem o olhava. A partir
desse momento meu Pepe bebeu os ventos por mim. Mas como, céu, —sussurrou Julia
sentando-se junto a Agnes — é o que você e Edel devem fazer. Se quiserem que esses dois
burros do Percy e Ned se fixem em vocês, lhe apresentem batalha. Lhes façam acreditar que
não as interessam, que olham outros homens; para que as vejam e se deem conta de que estão a
ponto de perdê-las.
—Olhe Duval — brincou Juana— Fala pouco, mas quando fala, borda-o!
—É que meu Pepe fez que me sentisse muitas vezes como se sentem hoje estas meninas, e o
único conselho que posso lhes dar para que deixem de sofrer é que se valorizem e se queiram
primeiro, para que os outros as olhem com distintos olhos.
—Anda com seu Pepe, e eu que acreditava que era bobo. —se mofou Montse.

212
—De bobo não tinha, nem tem, um cabelo. E não veja como despertou assim que me viu
me relacionar com seus amigos. —riu Julia ao recordar.
—Ainsss seu Pepe. —a abraçou Montse ao ver sua emoção.
Mal tinham falado dele desde que estavam no castelo de Elcho, mas suas amigas sabiam o
muito que Julia lhe sentia falta. Ao cabo do dia o nome de Pepe saía umas vinte vezes.
—Tem vontade de voltar a ver seu marido? —perguntou Edel com carinho.
Emocionada, Julia assentiu e respondeu.
—Muita vontade, céu. Não vejo o momento de lhe apertar e lhe dizer quanto o amo.
—Verá-o quando retornar a Espanha, a seu lar?
As mulheres se olharam com um gesto indecifrável e Julia reteve o pranto como pôde.
—Sim, espero que esteja me esperando.
—Mas claro que estará te esperando, sua boba! —consolou-a Montse, lhe dando forças com
o olhar— Onde vai encontrar seu Pepe um pedaço de mulher como você?
—Né, não esqueça que é Norma Duval! —riu Juana— Uma mulher impressionante.
Julia se emocionou e Montse tentou desviar o tema trocando de conversa.
—Vamos nos animar garotas, e o melhor para a depressão é... Ir às compras! Mas a falta de
uma boa boutique, falarei com Fiona e perguntarei se tem alguns pedaços de tecido que
possamos utilizar para confeccionar uns bonitos vestidos, entre outras coisas. Estou segura de
que com empenho e um pouquinho de nossa ajuda para lhe tirar partido, esses dois burros
cairão rendidos a seus pés.
—Que boa ideia! —aplaudiu a canaria— Faremos uma mudança de imagem radical em
vocês. O que lhes parece a ideia? A meu ver... Para que entendam o que quero dizer, as
poremos tão bonitas que nem serão reconhecidas: novo estilo de roupa, acerto do cabelo,
mãos...
Agnes e Edel se olharam surpreendidas
—De verdade que fariam isso por nós. —sussurrou Edel, emocionada.
—Acaso o duvida? —replicou Montse olhando suas amigas.

213
Capítulo 42

A noite chegou e com ela as dúvidas. Montse observou risonha Juana, que se penteava
frente ao espelho preparando-se para seu encontro com Alaisthar. Estava feliz. Aquela noite
pintava muito bem.
—Deixo o cabelo solto ou preso?
Julia e Montse se olharam, incrédulas ante seu nervosismo.
—Acredito que a seu ruivo tanto faz como o leva. —respondeu Julia.
—Leva-o solto. Aos homens gostam mais. —disse Montse.
—Droga! Estou nervosa como se fosse minha primeira vez!
—É sua primeira vez com ele, é normal. —sorriu Montse ao escutá-la— Por certo, se for
contar nosso segredo, deve levar o Blackberry para que alucine um pouquinho quando a ouvir e
creia em algo do que lhe diz. Eu levarei meu iPhone a Declan. Seguirá sem dar crédito a minhas
palavras, mas digo que ao menos o fará pensar.
Julia se levantou da cama e ficou ante elas. Tudo o que disse a seguir as deixou
boquiabertas.
—O que acontece com vocês? Acaso não se dão conta de que isto é algo... Algo
circunstancial e que, em menos de um mês, se a fodida cigana não brincar com isso,
retornaremos a nossa época? O que fazem namorando com dois homens aos que não podem
prometer nada? Não se dão conta do dano que lhe vão fazer, além disso, do que fazem a si
mesmas?
—Julia... —murmurou Montse. Sabia que tinha razão, mas não queria pensar nisso.
—Nem Julia, nem leites! —protestou ela — Escutem de uma vez, maldita seja! Estão se
apaixonando pelos homens equivocados. Não porque eles não sejam boas pessoas, que me
consta que o são, mas sim porque não são reais. Não o veem?
—Ai, minha menina, não se irrite, mas Alaisthar é real muito real!
Julia ao escutar levou as mãos à cabeça.
214
—Estão cegas! Não, pior que isso; não querem ver... É não me entendem? Esses homens
têm suas vidas aqui, vocês não. Sua vida está fora desta época, droga! No século XXI. Isto...
Isto que nos aconteceu é algo impossível de entender, de contar e de acreditar, e vocês estão
complicando ainda mais com seus atos. — dirigiu-se a canária — Não parou para pensar o que
sentirá Alaisthar no dia que se dê conta que você desapareceu...? Não vê que está rompendo sua
vida ao namorar com ele? Esse homem tinha algo com outras mulheres que agora deixou para
estar contigo. Por Deus, não me entende? —Ao ver que esta não respondia se voltou para
Montse — E você? O que me diz de você? Sei que esquenta a cama de Declan Carmichael faz
tempo, acreditava que não me dava conta de como ia e voltava de madrugada? E antes que diga
algo, me deixe dizer que você goste ou não a Rapunzel, era a pessoa que até que você chegasse
aqui ocupava, se não o coração, sim a mente do duque. Ela é insuportável e com segurança
daninha para a saúde, mas essa idiota e Declan tinham algo. Algo que você quebrou como fez
Juana com Alaisthar. E após este bate-papo, que oxalá nunca tivesse tido que ter, só fica uma
pergunta por fazer: pensam ficar aqui quando devermos retornar para nossa época?
Juana e Montse se olharam.
—Nem tem que dizer, retornaremos por que pergunta esse absurdo? —respondeu Montse.
Julia, ainda com a boca quente por causa de sua última explosão, preferiu não seguir
fazendo mais comentários a respeito e se limitou a responder simplesmente ao por que que
aludia Montse.
—Porque a quero, conheço-lhe e não quero te perder. Tão difícil é de entender?
A canaria e Montse voltaram a cruzar um significativo olhar. Elas tinham mantido
precisamente aquela mesma conversa, mas escutá-lo de uma terceira pessoa as fez pensar.
—Tem razão. Estamos dando umas de bobas. Mas Alaisthar... —murmurou Juana.
— Vai lhe romper o coração quando for, e o mesmo digo a você, Montse. Pensem!
—Tem razão. —aceitou Montse, sentando-se — Toda a razão do mundo.
Depois daquela tensa conversa, nenhuma falou mais. Juana terminou de arrumar-se e, antes
de sair pela porta, olhou suas amigas.
—Não demorarei. —dito isto partiu.

215
Montse se levantou e, depois de dar um beijo a Julia que a olhou com lágrimas nos olhos,
tentou tranquilizar sua amiga, consciente de que devia solucionar aquilo antes que fosse
impossível.
—Retornarei logo, mas primeiro quero falar com ele.

216
Capítulo 43

Alaisthar Sutherland estava apoiado contra o tronco de uma árvore. Pensava no que lhe
proporcionaria a noite e a agradável companhia, quando a viu sair. Seu rosto se iluminou ao
olhar aqueles olhos escuros que lhe roubavam o fôlego e, em certo modo, a razão.
—Olá, minha menina. —saudou com um incrível sorriso. Embora rapidamente se apagasse
ao ver o gesto sério da jovem — O que ocorre?
Desconcertada e pensando no que lhe tinha que dizer, olhou-o diretamente aos olhos e
retorceu as mãos em um gesto inútil por mitigar o nervosismo.
—Devemos deixar de nos ver, Alaisthar.
Surpreso por aquilo, seu gesto trocou de repente.
—Como diz?
—Deve esquecer que eu existo e retornar a seus antigos costumes.
—Mas de que falas? —perguntou cada vez mais desconcertado.
—Falo de que deve ver outras mulheres! —gritou dolorosamente ela.
—Outras mulheres?!
—Não dissimule Alaisthar. Sei que não é um santo e... Eu pensei que não posso lhe oferecer
o que outras mulheres...
—Pela Santa Cruz! Mas do que está falando? —grunhiu zangado.
—Não grite comigo! —bramou, o surpreendendo.
—Mas Paris, se foi você quem gritou comigo. —se defendeu ele.
Consciente de que tinha razão, retirou o cabelo do rosto e, o olhando com uma
profundidade que o desarmou sussurrou:
—Me escute. Eu dentro de pouco retornarei a meu lar e...
—A seu lar? Mas se seu lar está aqui comigo.

217
—Ai, meu Deus, Alaisthar, não ponha isso mais difícil para mim! Eu... Eu... Tenho que lhe
explicar algo e sei que não vai acreditar em mim...
Enfurecido por aquilo e ante o desconcerto que via em seus olhos, intuiu o que era isso que
queria lhe contar. Baixou sua boca até a dela e a beijou com doçura nos lábios, desarmando-a.
—Já lhe disse que quando a olho me anula a razão?
—Ai, meu menino, e você me nubla o sentido; mas tenho que lhe contar algo que...
A candura daqueles lábios junto com suas palavras o fez sorrir. Tinha que seguir insistindo.
—Já lhe disse que quando a olho sinto que o coração me desboca e sorrio como um bobo?
—Não, mas...
—Já lhe disse minha menina, que minha vida é mais ditosa desde que a conheci e que já
não a concebo sem ti?
—Ai, Virgenzinha. Não siga. —murmurou Juana, ao ponto do desmaio.
Sem perder um segundo e percebendo-a mais tranquila, Alaisthar voltou a beijá-la. Aquele
beijo abrasador a fez reagir e, embora desejasse seguir lhe beijando, afastou-se.
—Estou segura de que não faltará quem esquente sua cama e o beije, Alaisthar. E me escute
bem, se hoje continuarmos com isto, ao final me odiará, me culpará de todos seus males e... —
Alaisthar, desconcertado, sentia naquelas palavras toda a dor do mundo.
—Nunca poderia sentir nada do que diz Paris. —sussurrou em um tom tão rouco, que a
excitou.
«Ai Deus... Me dê forças... Me dê forças», pensou, ao sentir que aquela voz lhe percorria
lentamente a pele.
Durante um segundo a moça fechou os olhos. Devia acabar com essa loucura por muito que
lhe doesse. Separou-se.
—Não siga me enrolando com suas artimanhas de sedutor, Alaisthar Sutherland. Esta noite
vim terminar com o que nunca deveria começar e não vai me fazer mudar de ideia; portanto,
adeus! Foi um prazer o conhecer.
Com um brio que deixou totalmente deslocado o ruivo, deu a volta com fúria e empreendeu
o caminho de volta a casa. Mas quando estava próxima à porta da cozinha, uns braços fortes a
seguraram de uma vez que lhe tampava a boca para que não chiasse.
218
—Não sei o que é o que ocorre, nem o que quer me explicar, mas tenha por seguro, Paris
Hilton, que me vais esclarecer. —sussurrou em seu ouvido.
Dito aquilo lhe deu a volta e a beijou com tal veemência que a desinflou. Sem dizer uma só
palavra, e percorrendo a distância até seu cavalo a grandes pernadas, Alaisthar subiu à garupa
com ela nos braços e se afastou disposto a esclarecer muitas coisas; entre outras, seu arranque
de paixão.

219
Capítulo 44

Quase paralisada de medo e excitação, Montse foi direto à estadia de Declan com cuidado
de não ser vista por ninguém, especialmente pela Rapunzel. Devia acabar com aquilo o quanto
antes. Julia tinha razão, estava interferindo em sua vida. Sem parar para pensar, bateu no
atirador da porta e abriu. Lhe secou a boca ao ver Declan sentado ante a enorme lareira de sua
estadia, olhando para o fogo.
Ao escutar o movimento na porta girou e, de um salto, plantou-se frente à jovem. Desejava
tocá-la, beijá-la, amá-la. Tinham transcorrido muitos dias de abstinência e seu desejo era
dilacerador.
—Por um momento pensei que não fosse vir. —sussurrou com voz rouca, ao que seguiu um
beijo arrebatador.
Agarrou-a nos braços e, sem lhe deixar dizer nada, levou-a até a cama. Deitou-a e voltou a
beijá-la. Durante uns minutos, o deleite de Declan não o deixou ver o que os olhos dela diziam,
mas surpreso por seu silêncio, finalmente foi consciente do estranho brilho de seu olhar.
—O que lhe ocorre Cindy?
«Ai Deus... O que estou fazendo?», pensou, com um gesto de adoração.
Tinha ido ali disposta a deixar as coisas claras, a acabar com aquela loucura. A tantas coisas
que, quando chegou o momento, não fez nada. Só desejava voltar a fazer amor com ele, embora
fosse pela última vez. Fechou os olhos, levantou o rosto e o beijou com um ardor inusitado.
Beijou-o com tal ímpeto que ele sorriu.
—Isto sim, céu. Isto é o que eu esperava de ti.
Sem afastar o olhar de seu rosto, despiu-lhe. Tirou-lhe com gestos lentos a camisa e roçou
lentamente com a gema dos dedos seus amplos ombros, deslizando-os até seu peito e
desenhando com eles cada um dos abdominais. No percurso se atrasou delineando com carinho
as cicatrizes de suas velhas feridas; beijando-o até o comover. Baixou-lhe pouco a pouco as
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calças e sua boca secou ao reparar na turgente excitação que pulsava sob os calções. Sem parar
para pensar em qual seria a reação dele, desfez-se deles e, enlouquecida pela paixão, curvou os
dedos ao redor de sua dura e sedosa masculinidade para, sem prévio aviso, percorrê-la com seus
lábios úmidos.
Aquele íntimo e eloquente gesto fizeram que a Declan terminasse de esquentar o sangue. A
ponto de explodir, tomou-a pela cintura e a fez levantar-se, apertou-a contra seu corpo e
começou a devorá-la.
—Me dispa. — pediu Montse, enlouquecida por sua crescente excitação, com um sussurro
que o arrepiou. Antes de obedecer, Declan esboçou um selvagem sorriso que a excitou ainda
mais.
Desabotoou-lhe o corpete e os botões da camisa, deslizando-lhe devagar pelos ombros até
que se desfez por completo dela. Perplexo, olhou aquilo que a jovem usava sobre seu corpo e
que até agora jamais tinha visto. Lhe tinha falado de sua roupa interior, mas nunca imaginou
algo tão maravilhoso. Ante ele, uma fina renda de cor lilás e negra envolvia aqueles
maravilhosos seios e rasgava sua alma.
—Precioso — sussurrou ao passar sua úmida língua pela borda do tecido. Mas o delicado
objeto mal durou dois segundos sobre a aveludada pele. Declan o tirou com rapidez e o atirou
junto ao corpete e a camisa. Depois, desenredou-lhe com rapidez as fitas da saia e a arrancou de
um puxão.
—Venero essa calcinha.
Ao escutar que o chamava por seu nome, Montse sorriu. Fez que levantasse a cabeça e, lhe
segurando pela linha da mandíbula com as mãos abertas, devorou-lhe os lábios. Queria gravar a
fogo em sua alma cada segundo que vivesse aquela noite.
Sobressaltado por semelhante desdobramento de paixão, respondeu aquele beijo abrasador
enquanto se colocava entre as sedosas coxas e a penetrava com uma lentidão arrasadora.
Aquela primeira investida, parcimoniosa e carregada de paixão, fez que ela arqueasse os
quadris a seu encontrou com a visão nublada pelo desejo. Sentir a lânguida posse daquele
homem a fez ofegar até a loucura. Seu luxurioso olhar, sua erótica boca, e suas fortes mãos
conseguiam transportá-la a um lugar onde nenhum outro homem a tinha levado antes. Montse o
221
abraçou com os olhos banhados em lágrimas. Precisava senti-lo, saboreá-lo e fundir-se com ele
enquanto entrava e saía dela com sábios movimentos cada vez mais rápidos e certeiros.
Um dilacerador grito de prazer brotou da garganta de Declan ao notar que ela alcançava o
clímax. E sem poder suportar nem um minuto mais, abandonou-se às sensações e se perdeu no
prazer, com um varonil gemido de satisfação ao esvaziar-se em seu interior antes de cair, lasso,
sobre seu corpo.
Montse, perdida nos vapores do êxtase, seguia tremendo sob seu peso. Abraçou-o e afundou
o rosto em seu pescoço, enquanto uma estranha pontada de tristeza e solidão se apoderava dela.
Afligido pelo abraço, Declan sorriu e a imitou. Desejava que aquele instante fosse eterno,
mas era consciente de que devia estar esmagando-a com sua corpulência, assim que se deixou
cair a um lado ao tempo que arrastava o corpo da moça consigo, trocando as posições.
—Pressinto que você também teve saudades. Equivoco-me? —murmurou divertido ao ver
que lhe deixava fazer, pegando-se a ele até quase fundir suas peles.
—Não. Não se equivoca.
Permaneceram abraçados durante uns segundos, mas, quando Declan sentiu a umidade que
deslizava ao longo da linha de seu pescoço, a fez levantar-se. Ao ver seus olhos carregados de
lágrimas se sentiu desfalecer.
—O que ocorre, céu? —perguntou com voz sedosa.
Assustada ao sentir que seus sentimentos afloravam de uma maneira brutal, Montse se
sentou na cama e limpou as lágrimas com raiva com o dorso das mãos.
—Declan, tenho que falar contigo.
Boquiaberto por aquele gesto que ele não soube decifrar, assentiu lhe retirando o cabelo do
rosto para vê-lo.
—Diga.
—Né... Sei que não crê em nada do que contei em referência de onde venho, e o
compreendo. Juro-lhe que o entendo, porque se alguém me contasse algo assim pensaria que
está louco de arremate.
Ele sorriu e respondeu.
—Sua imaginação é ilimitada, querida Cindy.
222
—A ver... Me escute. —insistiu ela — Cheguei ao castelo de Elcho e você me acolheu,
igual à minhas amigas. Nunca pensei que isto que está acontecendo pudesse ocorrer. Jamais
imaginei conhecer alguém como você, e eu agora... Agora estou destroçando sua vida.
—Discrepo do que diz. Não acredito que você...
—Sim, Declan, sim. Sei do que falo e estou interferindo em sua felicidade. Isso não pode
continuar assim. Seu futuro está com a Rapunzel. —Ao dizer aquele nome sorriu e retificou —
Digo... Lady Rose e, sinceramente, embora me doa porque eu gosto, e muito, de você acredito
que deveria continuar a história que tinha com ela.
Boquiaberto e surpreso pelo que escondiam aquelas palavras, Declan voltou a lhe retirar o
cabelo do rosto e fez que o olhasse.
—Eu também gosto muito de você, e antes que siga tenho que dizer que Rose nunca
significou nada para mim. Sei que ela sempre teve pretensões que eu nunca estive disposto a
aceitar. Rose não é a mulher com a que quero compartilhar minha vida. E mais, eu gostaria de
compartilhá-la contigo, se você aceitasse ser minha mulher.
Ao entender o significado daquilo a jovem suspirou.
—Não... Não pode ser. Ai, Deus, que estou fazendo contigo? —replicou entre balbucios.
—O que ocorre Cindy? —perguntou lhe levantando o queixo para olhá-la aos olhos.
Os olhos de Montse recaíram sobre o precioso espelho ovalado que suas amigas lhe tinham
presenteado meses atrás em Edimburgo.
—Olhe Declan... Eu... Eu menti. —murmurou.
—Mentiu para mim? —bramou ele.
—Sim. Não me chamo Cindy, a não ser Montserrat, e como odeio esse nome porque meu
pai que o pôs, ao chegar aqui me fiz chamar por outro que eu gostava mais e...
Declan não queria seguir escutando-a. Tampou-lhe a boca com a mão.
—Para mim é Cindy Crawford e com isso me vale. —disse com segurança, calando-a.
—Mas Declan não o vê? Eu não sou real. Sou uma fraude!
— Por que diz isso?
—Por que... Não sei o que faço aqui, nem por que vim. Estou me comportando mal contigo,
com Maud, com Fiona... E a consciência está me matando! Desejo-lhe com toda minha alma e
223
meu coração, e sei que quando eu for vai resultar muito difícil viver sem você. —soltou o
surpreendendo — Me olhe! Estou aqui, nua, fazendo amor contigo e criando umas falsas
esperanças que nunca poderão se cumprir.
—Cindy, basta! Não irá a nenhum lado...
—Declan, creia-me ou não, a última noite do ano desaparecerei para não voltar mais.
Então... Então possivelmente se dê conta que sempre lhe disse a verdade.
—Não permitirei que desapareça de minha vida, Cindy. —Elevou a voz— Não sei o que
lhe ocorre, nem o porquê do que diz, mas o que tenho claro é que a quero aqui, junto a mim. Sei
que até o momento nos vimos às escondidas, mas isso vai mudar. Amanhã mesmo todo mundo
saberá que estou apaixonado por ti. Apaixonei-me pela pessoa que encontrou a joia dos
Carmichael, como manda a tradição.
Escutar aquilo foi desconcertante para Montse. Por um lado seu coração pulsava desbocado
ao saber que ele a amava e por outro se torturava pelo dano irremediável que lhe estava
fazendo.
—Ai, Deus, Declan. Não pode estar apaixonado por mim! Isso é uma loucura.
Com um turbador sorriso que encolheu o estômago dela, aproximou-se dela.
—A loucura seria lhe conhecer e não me apaixonar por ti. É divertida, bela, alegre e
cândida com os necessitados. Possui uma capacidade incrível para me zangar, mas ao mesmo
tempo sabe me fazer sorrir; minha filha a adora, minha mãe a respeita, minha gente a quer...
Que mais posso desejar?
—Minha mãe... A que atei! —sussurrou, tampando os olhos.
O desastre estava servido, Julia tinha razão. Não só ia partir o coração de Declan, a não ser
o de mais gente. Isso a aterrorizou. De repente se lembrou do que levava no bolso de sua saia e,
desejosa de procurar uma solução, levantou-se por isso.
—Olhe. —disse — Isto é um iPhone 4. Um telefone celular com dispositivo GSM, câmara
e acesso a internet com correio eletrônico, GPS, mapas e infinitas aplicações mais.
Aturdido por aquele escoamento de palavras incompreensíveis, observou o estranho
aparelho de cor violeta que lhe mostrava. Ao pegá-lo em suas mãos e notar sua suavidade e seu
frio tato perguntou desconcertado:
224
—Mas isto o que é?
—Chama-se iPhone. —repetiu — Em minha época o damos múltiplos aplicações, mas a
principal é para nos comunicar entre as pessoas a qualquer momento, esteja onde esteja. Com
isto você e eu poderíamos falar como o estamos fazendo agora mesmo embora você estivesse
em Edimburgo e eu aqui ou na Espanha.
Nesse momento, justo nesse momento e ante aquele estranho aparelho, a Declan caiu o
mundo ao chão. Tentou recapitular toda a informação que lhe tinha ido dando desde que a
conheceu e um estranho tremor se apoderou dele.
Montse, ao ver sua cara, soube que pela primeira vez ele estava questionando tudo. Pela
primeira vez a estava acreditando.
—Sinto-o Declan. Sinto-o querido, mas não posso continuar com isto. Não quero lhe
machucar, nem me machucar. Logo nos separaremos e...
—Não permitirei que se separe de mim. Não! —bramou enlouquecido. E lhe tirando o
iPhone das mãos, jogou-o com fúria sobre a cama — Tanto faz quem é e de onde venha. Quero-
lhe aqui comigo, agora e sempre.
—Isso é impossível, querido. —sussurrou Montse enquanto lhe tocava o rosto — tivemos o
privilégio de nos conhecer por... Por...
Mas não pôde continuar. Contar ao homem do qual se apaixonou que desde menina
sonhava com ele, seria atar mais as coisas.
—Declan, — disse levantando-se de repente — é um homem forte e sei que está
entendendo tudo o que digo. Passamos muito bem juntos e...
Agarrando-a com desespero, o highlander a deteve para rogar a ela com voz desesperada.
—...Não quero que vá. Não quero que desapareça de minha vida. Te amo! E se é certo isso
que diz; se é certo que uma estranha força nos tem que separar, desfruta comigo o tempo que
possamos ser felizes.
Agitada pelas mágicas palavras que tinha escutado: «te amo», desfez-se de seus braços para
começar a vestir-se.
—Declan, não me peça isso, por favor.
Incapaz de render-se ante o evidente, contemplou-a como um lobo enjaulado.
225
— Me olhe, maldita seja, me olhe! —Exigiu com desespero.
Como não o fazia caso, tomou sua mão e ficou de joelhos ante ela. Montse sentiu que toda
sua pele estremecia.
—Jamais fui tão ditoso. Jamais me iludi ao ver um sorriso bonito. Jamais minha filha foi
feliz como o é quando está contigo. Nunca senti muitas coisas como essas... E se meu castigo é
lhe perder, perderei-te. Assumirei-o. Mas por favor, me deixe desfrutar enquanto esteja comigo.
Não quero ver-te e padecer por não lhe ter. Se o destino nos tiver que separar, que assim seja,
Cindy. Mas enquanto possa lhe beijar, lhe olhar e te querer, beijarei-a, olharei-a e a quererei. E
quando já não estiver comigo e pense em ti, quero fechar os olhos e sorrir ao fazê-lo.
—Declan... Não siga, por favor...
— Me escute, querida, acredito em você. Sei que o que me conta é o mais disparatado que
escutei em minha vida, mas sua veemência conseguiu me convencer. Me permita gozar de ti o
tempo que fique e, quando esse maldito feitiço nos separe, quero que sempre recorde uma
coisa.
—O que? —sussurrou Montse ao ponto do pranto.
—Que eu, Declan Carmichael, esperarei-lhe toda minha vida.
Emocionada ante aquela inigualável e preciosa declaração de amor, Montse perdeu todas
suas forças e, sem lhe importar o sofrimento que o futuro lhe proporcionaria, atirou-se a seus
braços e o beijou.

226
Capítulo 45

Julia despertou e viu as camas vazias e intactas de suas amigas. Amaldiçoou. Aquilo já não
tinha solução. Por isso, quando viu Juana aparecer com um sorriso tolo nos lábios, brocou-a
com o olhar sem lhe deixar falar.
—Não me conte histórias, que não tenho corpo neste momento para lhe escutar.
—Mas...
—Olhe Paris Hilton, —disse Julia, antes de sair pela porta — só vou dizer uma coisa: «Que
a força a acompanhe!». Você e a Crawford irão necessitar.
Na estadia do duque, a luz matutina começava a alagar a estadia. Declan, apoiado em um
cotovelo sobre o travesseiro, passou a noite inteira observando à mulher que jazia placidamente
entre seus braços. Nua. Em sua cama. Mal sabia nada dela, e o pouco que conhecia era uma
autêntica loucura, mas tinha caído rendido a seus pés como um adolescente apaixonado.
Observou com deleite a curva de sua bochecha e suas escuras pestanas. Excitou-se ante a
expressão doce de seu rosto. Ardia por possuí-la, mas se conteve e se limitou a olhá-la enquanto
continha seu candente desejo. A noite tinha sido longa e entendia que ela estivesse esgotada.
Roçou com ternura sua bochecha e, finalmente, sucumbiu à tentação. Inclinou-se e a beijou na
testa.
—Hum, bom dia, querido. — se despreguiçou a jovem com um pícaro sorriso que lhe
alagou o coração de felicidade.
— Bom dia, preciosa.
Deu-lhe um arrebatador beijo nos lábios que ela aceitou gostosa. Logo a rodeou a seu
corpo, desejoso de possuí-la e acalmar seu calor. Divertida ante sua reação, começou a rir, mas
em seguida se interrompeu ao escutar que se abria a porta da estadia ao cabo de uns curtos e
contundentes golpes. Uma ruborizada Edel atravessou a soleira com uma bandeja nas mãos.
— Bom dia, senhor. Trago-lhe o café da manhã, como pediu.
227
Horrorizada pelo que sua amiga pudesse pensar, Montse se cobriu com o cobertor
completamente, mas foi escutar ao Declan quando ficou sem palavras.
—Edel, nos deixe o café da manhã em cima dessa mesa. E, por favor, avisa a todo mundo
que ninguém nos incomode. Pode dizer, simplesmente, que minha prometida, Cindy Crawford,
e eu hoje temos muito que fazer.
A jovem criada quis saltar de alegria ao escutar aquilo. Cindy, sua Cindy! Futura senhora
do Castelo de Elcho. Aquilo era uma estupenda notícia para todos e a propagaria aos quatro
ventos.
Uma vez que Montse escutou que a porta se fechava, descobriu com rapidez a cabeça e o
olhou diretamente aos olhos.
—Prometida?
—Sim.
—Ficou louco?
—Não
— Disse a Edel que diga a todo mundo que eu sou sua prometida?
—Sim.
—Mas... Sua mãe e... Lady Rose! Oh, Deus, isto é um desastre.
—Sim. Poderia-se dizer que para isto Rose é algo chungo, mas para minha mãe não,
asseguro-lhe isso. — burlou, surpreendendo-a.
—Chungo?! Desde quando você utiliza esse termo?
—Desde que você me ensinou isso, preciosa. —disse ele, beijando-a.
— Meu Deus... Vê? Não sou uma boa influência para você.
— Por quê? —riu.
—Pois porque você não deveria utilizar essa palavra. É um duque do século XVII e nesta
época a palavra «chungo» não se utiliza.
—Mas você a utiliza. —voltou a rir.
—Mas eu... Eu...
Alucinada ao lhe ver rir, saltou da cama e sem lhe importar sua nudez colocou a calcinha
ante seu atento olhar.
228
—Mas vamos ver, Declan, pensa! O que vai dizer a gente quando se inteirar de nós? —
gritou com gesto desencaixado.
O highlander, com toda a tranquilidade do mundo, sentou-se na cama em toda sua gloriosa
nudez.
—Sabe? Eu gosto mais quando me chama «querido».
—Não desvie o tema, Declan Carmichael! —bufou ela.
—Sinceramente, isso é o que menos me importa neste momento. —respondeu o guerreiro
com um divertido sorriso.
—Está louco! —continuou chiando enquanto colocava o sutiã — Acredito que ontem à
noite ficou claro que o nosso relacionamento não tem futuro. Mas, meu Deus! —gesticulou o
fazendo sorrir — Como pode ter a cabeça tão dura? Declan, pensa, o nosso relacionamento
durará enquanto eu esteja aqui. Ontem à noite me disse que o assumia; convenceu-me a
acreditar que o entendia...
—E assumo. Entendo e, por isso, não quero lhe perder de vista durante o tempo que
tivermos juntos. A melhor maneira é se converter em minha prometida; minha futura e imediata
esposa. Não quero lhe ver nas cozinhas trabalhando enquanto eu tenho saudades de sua
companhia. E se para isso tenho que me casar contigo, farei-o amanhã mesmo. Assim todo
mundo saberá que é a senhora Carmichael e Duquesa de Wemyss...
—Duquesa? Eu duquesa?! —gritou ao dar-se conta daquilo.
—Sim, preciosa.
Soltando uma gargalhada de incredulidade, Montse recolheu o cabelo em um desgrenhado
rabo alto.
—Eu alucino como um pepino. Eu alucino como um pepino. —murmurou para si mesma.
—O que?! —riu ele ao escutá-la.
Montse ao pensar em como podia explicar aquela absurda expressão, rendeu-se.
—Nada, querido, coisas minhas. Esquece. E não lhe ocorra repetir!
Necessitava-a. Estava faminto daquela mulher que, nesse momento, atirava-se em cima
dele. Começaram a brincar divertidos e alheios ao que os rodeava, quando de repente se

229
paralisaram ao ouvir que a porta se abria de par em par. Apareceu atrás dela lady Rose, com um
gesto nada conciliador.
—Não pode ser! —E sem lhe importar a nudez deles, a intrusa começou a gritar como uma
possessa — O que é isso que vai dizendo a criada? Esta... Esta prostituta é sua prometida?
—Bem, chata, não lhe ensinaram a bater nas portas? —vozeou Montse, levantando-se.
—Rose, modera suas palavras quando falar de minha futura esposa. — brigou Declan com
dureza.
—Mas... Mas... O que é isso que usa? —vaiou horrorizada lady Rose ao ver o traje da
mulher.
—Uma calcinha e um sutiã de La Pérola. Você gosta? —respondeu posando ante ela, para
desconcerto da mulher e a risada de Declan.
—Oh, Meu Deus, que imoralidade! —mas cravando seu olhar no duque, que estava
completamente nu sobre a cama, perguntou com a boca seca— Declan, o que tem há dizer
sobre isto?
O highlander cravou o olhar sobre a mulher que amava e, ao vê-la tão radiante, voltou à
vista para Rose para responder com toda tranquilidade.
—Pois lhe diria muitas coisas, mas a que nesse momento me apressa é que saia por essa
porta e nos deixe continuar com o que estávamos fazendo.
—Como?! —sussurrou Rose lhe olhando a virilha.
—Isso Rapunzel, já ouviu. Cava a asa!
Mas ao precaver-se da direção do olhar da jovem, Montse pegou o cobertor com celeridade
e jogou por cima do duque, que sorria.
—Se cubra querido, que lady Rose pode desmaiar.
Ele se limitou a soltar uma gargalhada por aquele comentário tão cômico e divertido que fez
que, por fim, aquela horrorosa mulher deu meia volta e desapareceu.
—Que grosseira! —comentou Montse com olhos travessos antes de saltar sobre ele para
enlouquecê-lo como só ela sabia fazer— Onde tínhamos parado? —perguntou com fingida
inocência.

230
Capítulo 46

Já à tarde, Montse conseguiu escapar das doces garras de seu duque e baixou a seu quarto
para falar com suas amigas. Mereciam uma explicação por não ter retornado para dormir. Sabia
que Julia seria um osso duro de roer e que Juana o poria muito fácil. No caminho se encontrou
com Edel, Agnes e outros criados, que loucos de alegria pela notícia do amor de Declan
Carmichael por ela, abraçaram-na ao vê-la. Mas a felicidade se apagou do rosto ao entrar na
estadia e encontrar-se cara a cara com Julia. Juana sorriu ao vê-la e ela deu de ombros. Aquilo
não pintava bem.
—Duquesa de Wemyss? —vozeou Julia, espantada.
—Sim... —assentiu Montse emocionada.
—Mas você está louca? —voltou a bramar Julia.
—Sim.
—De verdade pensa nisso?
—Não.
Juana as observava enquanto Julia jogava pestes por sua boquinha e Montse se defendia
como facilmente podia. Vinte minutos depois, durante os quais Julia não parou de mencionar os
antepassados de todo inseto vivente, a canaria interveio com a esperança de poder dar uma
pausa a sua amiga.
—Ai, minha menina, vai se converter em Duquesa. Quem ia te dizer isso?
Julia, desconcertada pela atitude das loucas de suas amigas, olhou-as e após soltar todo um
rosário de injúrias e impropérios contra a mãe que pariu à cigana que as enviou ali, abriu a porta
e partiu.
—Minha mãe, que mal leva a Duval... —sussurrou Juana.
—Eu a entendo. Embora também entenda a mim mesma. —se desculpou Montse.
—Não lhe dê mais voltas; mas me deixe dizer que isto escapou das mãos das duas. A mim,
ao menos; sem dúvida.
231
Montse a entendeu e com um olhar triste assentiu.
—Juro-lhe que tentei acabar com isto, mas... —disse sentando na cama.
—Não me jure isso, que sei.
—...Mas uma coisa levou a outra. Disse-me coisas incrivelmente preciosas e... Não pude lhe
dizer o que realmente ia disposta a lhe expor. E mais, decidi desfrutar desta loucura enquanto
dure. Sei que quando tudo se finalize vou passar mal, mas sou incapaz de pôr fim agora.
—Já somos duas! —murmurou Juana — Embora eu não seja duquesa, uf, depois da noite
que passei com Alaisthar, sinto-me uma rainha. A de Java. —riu.
—Desembucha agora mesmo. — exigiu Montse.
—Quando saí ontem à noite da estadia, reconheço que o fiz como um furacão. Conforme vi
Alaisthar, disse-lhe que havia se acabado, que se centrasse em outras mulheres e...
—E?
—Porque ele se negou a me fazer caso e começou a me dizer as coisas mais doces e bonitas
que nunca poderá imaginar.
—Acredito que sim imagino. —riu Montse ao recordar o que Declan disse a ela.
—Resumo, depois de uma pequena discussão, beijou-me. Oh, Deus, como me beijou! Senti
que o sangue paralisava e que meus pés começavam a voar e... Então me montou em seu cavalo
e me levou a suas terras.
—Suas terras? Por Deus, rainha, que romântico! —brincou sua amiga.
—Sim, minha menina, sim. Por umas horas me senti a protagonista de uma de nossas
novelas. Pelo visto, faz anos Declan lhe deu de presente umas terras nas que ele construiu uma
espécie de chalé muito bonito! E bom, ali, nós dois sozinhos, com o calorzinho da lareira e o
quente que estávamos, pois isso... Que aconteceu o que tinha que acontecer.
—Acabou-se o respeito?
—Totalmente! —assentiu Juana com olhos sonhadores— E bom...
—Para! Não me conte mais! —riu Montse— Sabendo que foi fantástico me vale. Que nos
conhecemos e quando se põe, relata as coisas com cabelos e sinais.
—Mas... Eu... Bom, o caso é que ocorreu algo mais.
Ao escutar aquilo Montse a olhou e inclinou o pescoço, suspicaz.
232
—Algo mais? Que mais?
Juana tirou do interior do sutiã uma caderneta chapeada da que pendurava um bonito anel e
o mostrou.
—Casei-me com ele.
Ao escutar aquilo a Montse arrepiou todo o pêlo do corpo. O que estavam fazendo?
—Parabéns, senhora Sutherland; mas desta salvamos Duval. —repôs suspirando assim que
se repôs da surpresa.

233
Capítulo 47

—Casou com Paris Hilton? Com a moça baixa? —perguntou Declan boquiaberto.
—Não é baixa, é mignon. —esclareceu Alaisthar com um simplório sorriso enquanto
saboreava uma boa taça de uísque com seu amigo e laird.
Declan, ao ser consciente da felicidade de seu companheiro, aproximou-se dele e lhe
abraçou com afeto.
—Parabéns, Alaisthar.
—Obrigado, Declan.
Ainda surpreso pela notícia, olhou seu amigo decidido a inteirar-se de alguns detalhes, se
sentou em uma das poltronas da biblioteca.
—Quando se desposarão?
—De madrugada. Desejava me casar com ela e não estava disposto a esperar nem um
instante mais.
Ambos os amigos riram durante um momento com a aventura que tinha suposto aquelas
bodas. O padre argumentou tal fileira de impedimentos com tal de atrasar o enlace que
Alaisthar viu negro para o rebater. Mas ao final o convenceu.
—Paris me contou ontem à noite finalmente o que você me adiantou faz dias, e embora me
custe acreditá-la, preocupa-me que talvez tenha razão.
Escutar aquilo fez o Duque se encolher. Não queria pensar nisso, mas algo lhe dizia que
devia fazê-lo.
—O que lhe contou?
—O mesmo que a você, mas com a diferença de que Paris me disse que estão aqui porque
Cindy, em seus desejos, pediu para o conhecer em pessoa.
—Me conhecer em pessoa? —perguntou surpreso.
—Pelo visto, desde que era muito pequena, você aparecia em todos seus sonhos. Não sabia?
234
—Não, mas estou encantado de saber. — repôs com um sorriso de satisfação.
Enquanto, no andar superior do castelo, Fiona escutava o que uma inconsolável Rose
Ou'Callahan tinha que lhe dizer, surpreendida pelo giro dos acontecimentos. Tentou ter piedade
dela, mas lhe era impossível. Agradava-lhe Cindy. Durante dias tinha sido testemunha muda de
como seu filho sorria e seguia com o olhar a jovem. Inclusive sabia das visitas noturnas dela a
seu quarto, desde que uma noite se levantou e a viu entrar. Essa noite um estranho regozijo a
fez sorrir. Aquela menina descarada que ganhou o amor de todos tinha conseguido despertar
seu filho de uma longuíssima letargia.
Anos atrás albergou esperanças de que Declan se desposasse com Rose Ou'Callahan, mas o
caráter caprichoso e desumano dela a fez saber que seu filho nunca a aceitaria. A jovem Rose
era uma moça preciosa, mas perdia todo seu encanto ao cabo de cinco minutos em sua
presença. E embora fosse bem conhecido por todos que ela bebia os ventos por Declan
Carmichael, não lhe prestava maior atenção que o da cordial amizade que sempre se
dispensaram ambas as famílias.
E ali estava agora. Em sua estadia, mugindo desesperada após saber a notícia de que seu
apaixonado tinha escolhido como futura senhora Carmichael uma criada chamada Cindy
Crawford.
—Essa... Essa mulher não lhe convém, Fiona. Oh, meu Deus, isto é uma horrível fatalidade.
Deve falar com ele. Insisto-lhe que o faça entrar em razão...
Fiona não sabia o que dizer. Não tinha falado com seu filho, mas suspirou aliviada ao
escutar uns golpes na porta e comprovar que era ele.
O duque ao entrar e ver sua mãe com cara de circunstâncias e a Rose caída no chão
chorando, suspirou com resignação. O número era irremediável, assim que se abaixou para
obrigar Rose a levantar-se, tomando-a pela mão e fazendo-a sentar em uma cadeira junto à
Fiona.
—Declan, filho, Rose estava me contando algo. É certo?
Cruzando um significativo olhar com sua mãe, sorriu como levava tempo sem fazer e,
emocionando-a, assentiu.
—Se se refere à Cindy, sim, mãe. É certo o que ouviste.
235
O gemido teatral de Rose foi espetacular. Fiona teve que reprimir um sorriso; aquela reação
era o mais falso que tinha visto em sua vida. Vendo a expressão que seu filho dedicava à moça,
decidiu lhe prestar seu apoio.
—Se você é feliz, eu o sou, filho. Eu sempre gostei dessa jovenzinha.
—Obrigado, mãe. —sorriu, satisfeito.
—Declan, essa mulher não lhe convém! —gritou Rose com voz gritã.
—Ah... Não?
—Não. —choramingou aquela.
Fiona, consciente de que o drama estava de novo servido, tentou falar, mas a jovem a
adiantou.
—É uma criada. Sua gente perderá o respeito por você e... E... —disse sem pensar, como
sempre.
Molesto por aquele comentário, o duque não se ateve a contemplações.
—Me desculpe Rose, mas minha gente teria perdido o respeito por mim se eu tivesse me
casado contigo.
—Como diz? —balbuciou a mulher, levando as mãos ao peito.
—Olhe Rose, sinto ser eu quem lhe diga isto, —replicou Declan — mas se não lhe quer sua
própria gente, como pretende que a queira a minha? É uma mulher preciosa, uma alegria para a
vista; mas também é infame, egoísta, vil, execrável, difícil de levar, invejosa e cruel. Vive entre
luxos, preocupando-se por coisas banais, enquanto sua pobre gente sobrevive entre miséria e
escória, e não faz nada por remediá-lo. A mulher que sempre quis a meu lado tem que ter todas
as qualidades que por desgraça lhe faltam. E você goste ou não, Cindy, essa criada como você a
chama, as reúne e as supera. E por certo, parece mentira que tenha a pouca decência de dizer
isso na presença de minha mãe e minha, quando sabe que meu pai era um humilde guerreiro de
meu avô e que minha mãe se casou com ele por amor. Mas como, querida Rose, é o que eu
quero: um enlace por amor.
—Filho, já basta. —pediu Fiona ao ver o atordoamento da moça.
Seu filho tinha razão em tudo o que dizia, mas Rose era muito jovem e inexperiente e ainda
poderia aprender e mudar.
236
—Eu... Eu... —balbuciou ela.
—Rose, aceita um conselho? —ela assentiu — Seja piedosa e boa pessoa com sua gente e
lhe asseguro que sua vida será imensamente melhor.
Dito isto, o duque olhou sua mãe e, depois de sorrir, partiu.
Nas cozinhas do castelo de Elcho, Edel e Agnes, nervosas, retorciam as mãos ao escutar as
vozes de Norma desde seu quarto.
—Como se casou? Como se casou, maldita louca!
—Sim...
—Deus! Juro-lhe que não sei quem é.
—Pois desde ontem à noite, minha menina, a feliz senhora Sutherland.
Ao escutar aquilo Julia a olhou com cara de poucos amigos, mas ao ver seu sorriso tolo se
decompôs.
—Ai, meu Deus de minha vida e de meu existir. Mas o que está acontecendo aqui? Fica
pouco tempo para que finalize o ano e você se casa e a outra se compromete.
—Tranquila Julia. —pediu Montse fazendo-a sentar — Quer fazer o favor de deixar de
gritar como uma lavadeira e escutar o que nós temos a dizer?
—Não. Nem quero me sentar nem quero deixar de gritar, e muito menos quero ouvir o que
vocês têm a dizer. Mas o que tenho que escutar? Que perdeu o norte? Oh, não. Não precisa.
Isso já estou comprovando eu mesma com estes olhinhos. Mas não vê que se casou! Esta
incauta se casou com Sutherland!
—Sei, e você goste ou não, entendo e estou feliz por ela. Agora só falta que...
—Agora só falta chegar o puto dia trinta e um de dezembro e nos piremos daqui. Só isso!
Mas, no que estão pensando? Na lua?
—Não precisamente nisso. —sorriu Juana contagiando Montse.
—Sim, você ri agora... Ria, que lhe asseguro que logo vai chorar.
—Ai, de verdade, minha menina, esforça-se menos que o roteirista dos Teletubbies. Não
quer nos entender. Apaixonamo-nos!
—O que fizeram foi foder! —vozeou Julia.

237
Montse, cansada dos alaridos de sua amiga, forçou-a a sentar em uma cadeira e tampou sua
boca com uma mão.
—Ou fecha o bico ou juro que o fecho eu. —silabou. Ao ver que por fim se calava e a
olhava, continuou — Está claro que estamos metendo o pé até o fundo e ninguém melhor que
nós para saber, embora você creia que não. Sei que choraremos e quereremos morrer quando
chegar o momento de irmos daqui, mas... Isto é o que há. Isto é o que hoje queremos viver!
Tanto Declan como Alaisthar sabem a verdade de nossa história embora, sinceramente, e não
vou mentir, duvido que creiam. E o dia de amanhã, quando ocorrer o que tenha que acontecer,
darão-se conta de que lhe dizíamos a verdade.
—Montse... —foi dizer Julia, mas esta a cortou.
—Nenhuma palavra mais! Não quero escutar um grunhido mais nem nada que lhe pareça.
Apaixonei-me por um homem até as trancas, como não tinha me apaixonado em minha puta
vida, e ela também; portanto, te pedimos que nos deixe desfrutar do tempo que fique aqui. E,
tranquila, depois terá toooda à vida para nos dizer o que queira. Mas por favor, quando
retornarmos!
—Por favor, minha menina, —sussurrou a canaria pestanejando — me deixe desfrutar de
um marido atento e solícito como Alaisthar. Sei que nunca voltarei a encontrar algo assim e...
Julia, com os olhos encharcados de lágrimas, levantou-se e sem as deixar terminar abriu a
porta e partiu.
—Há, a Duval nos revela. —sorriu com tristeza Montse.
—Pobrezinha. Entre o que tem saudades a seu Pepe e isto...
Depois de um silencio nada tenso entre elas, Montse a olhou curvando os lábios.
—Sabe uma coisa? Neste instante mataria por um Larios com a Coca-cola e uma ração de
bravas.
—E eu por um Redbull e umas batatas ao ponto de sal. Que ansiedade, por Deus!
Nesse momento voltou a abrir a porta e Julia apareceu de novo. Tirou as lágrimas do rosto
com brio e olhou suas surpreendidas amigas.
—E que ocorre contigo, senhora Sutherland não haverá festa por suas bodas?

238
Dito isto, as três se abraçaram enquanto escutavam afastar-se à comitiva de Rose
Ou'Callahan. Rapunzel retornava a seu lar.

239
Capítulo 48

E como todo casamento que se aprecie, o de Alaisthar e Paris houve celebração.


Alaisthar, emocionado por ter conseguido que a jovem Paris Hilton fosse sua mulher,
celebrou seu enlace aquela noite no castelo de Elcho, com o consentimento de seu bom amigo
Declan.
As gaitas de fole soaram, as pessoas dançaram e Declan Carmichael aproveitou o momento
para deixar muito claro a todo mundo o que sentia por Cindy.
Fiona e Maud transbordavam felicidade. Ver Declan tão encantado da vida, dançando junto
a uma sorridente Cindy, encheu-as de alegria. Aquela noite o uísque foi à bebida que reinou na
festa e, como era de esperar, os brindes aconteciam um após o outro.
—Uisss... Meu marido tem um gêmeo ou bebi demais? —disse a canaria a suas amigas.
—Eu também estou bêbada. Vejo em dobro. —disse Montse, com risada frouxa.
—Ai, meu Deus. —corroborou Julia — que música tocamosssss!
Declan, divertido, mas preocupado em certo modo ao ver como bebiam aquelas três,
aproximou-se até sua Cindy.
—Se segue bebendo assim, terminará muito mal.
Ela se limitou a lhe dar beijos em todo o rosto, com luxúria e desenfreio.
—Tranqui, tronco que eu controlo!
—Tranqui?! Tronco?! Controlo?!
Ela sorriu e fazendo rir a mandíbula tremente seguiu falando.
—Uf, querido, acredito que estou um pouco bêbada, mas estou passando bem esse vício!
—Venha, vamos dançar! —gritou Julia, levando.
E sem mais, saíram para dançar junto a outros aldeãos que divertidos as aceitaram em seu
grupo, enquanto deixavam o duque com a cara petrificada e sem saber o que realmente sua
garota tinha querido dizer.
240
Uma hora depois Julia e suas duas amigas brindavam pela enésima vez pelo casamento da
canaria.
—Não se ofendam, mas acredito que estamos bebendo mais que os peixes da canção de
Natal. —disse esta.
—Uf, é que este uísque está fino... Fino... —balbuciou Juana.
—Mas finooooooooo, embora acredite que Duval tem razão. Levamos um pedal
considerável. —corroborou Montse— Estoooo... Tenho uma ideia! O que lhes parecem se
cantamos A Macarena?
Animadas no momento e sem nenhum tipo de vergonha, as três amigas começaram a
explicar a todos que tinham que dizer «aeeeeeeeeeeeeee» quando elas indicassem. Depois
começaram a cantar. Ao princípio todos ficaram petrificados ante o ritmo daquela estranha
canção, mas depois dos três primeiros «aeeeeeeeeeeeeee», todos riam e as imitavam.
Já de madrugada, depois de ter cantado e dançado com todo o castelo A Macarena, o Viva a
Espanha, os Passarinhos, Passarinho o Chocolateiro e toda composição espanhola que lhes
ocorreu, a festa se deu por terminada. Alaisthar levou sua mulherzinha, que estava como uma
cuba; Agnes e Edel acompanharam Norma a sua estadia e Declan, com um sorriso de diversão,
resgatou uma rebelde Cindy que se negava a abandonar a festa.
—Vamos, uma cançãozinha a mais e logo hip! Vamos. — gritou esta ante o gesto sarcástico
de seu prometido.
—Filho... —sorriu Fiona— Acredito que deveria levar Cindy para dormir.
—Eu também acredito. —assentiu aquele, e sem mais contemplações, a jogou ao ombro e a
levou enquanto esperneava e lhe golpeava as costas com falso aborrecimento.
Uma vez que entraram na estadia, deixou-a no chão. Ela cambaleou.
— Bebeu muito, preciosa. Disse-lhe isso!
—Eu?! —gritou, soprando comicamente a franja que caía sobre o rosto— Certamente,
chato, que mania tem, hip! De dizer que eu pego ao uísque. — e pendurando-se de seu pescoço
disse com voz sedutora — Dança comigo uma canção?
—Não é hora de dançar. É hora de que descanse.
—Anda, não seja mormo e dança comigo uma cançãozinha mais.
241
Era impossível não sorrir. A alegria da jovem e seu gracioso e avermelhado gesto
conseguiam que Declan aceitasse tudo o que pedia. Mas estava disposto a que se deitasse a
qualquer preço.
—Não há música. Não vê que a festa acabou?
—Acabou a fiestuki?
—Sim querida, acabou a fiestuki. —repetiu ele, divertido.
—Não importa, hip! Eu canto, está bem?
—Tesouro, leva toda a noite cantando. Acredito que estará um mês sem voz.
—Uma mássssssssss, hip! Por favor... Por favorrrrrr...
Incapaz de negar-se, olhou-a e assentiu. Ela, encantada de ter saído com a sua, seguiu lhe
provocando.
—Mas agora dançará como o fazemos em minha época, está bem? —ele assentiu e ela
agarrando-se a seu pescoço murmurou— Vou cantar uma, hip! Canção muuuuuuito romântica
de um cantor do século XX chamado, hip! Frank Sinatra, «A Voz». A melodia se titula
Estranhos na Noite e se dança abraçados, está bem?
—Está bem. —assentiu ele.
Ela se pendurou com comicidade dele e impostou a voz.

Strangers in the night, hip!


Exchanging glances, hip!
Wondering in the night...

Mas não pôde continuar. Uma arcada azeda subiu pela garganta e antes que Declan pudesse
fazer algo, vomitou.
—Ai, meu Deus de minha vida, que ascooooo! —gritou ao ver o que tinha feito.
—Vê cabeçuda... Disse-lhe isso! —murmurou ele com carinho, segurando-a.
Cinco minutos depois, com nada dentro do corpo e pálida como a cera, Declan a deitou com
mimos sobre a cama.
—Está melhor, Cindy? —perguntou-lhe após lhe dar um beijo na testa.
242
Esgotada e morta de sono, olhou-o com os olhos semi fechados.
—Ai, querido, como estou bêbada! —sussurrou, se aconchegando sob as mantas.

243
Capítulo 49

Aquele mês de dezembro foi extremamente duro na Escócia, e mais nas Highlands. A vista
do castelo de Elcho rodeado de neve era uma imagem maravilhosa. Durante o dia, Cindy
brincava com Maud no exterior e se divertiam atirando-se bolas e fazendo bonecos de neve.
Quando não estava com ela, desfrutava junto a Declan falando ou fazendo amor.
Um dia Montse falou com Fiona sobre algo que rondava por sua cabeça fazia dias e a
mulher, emocionada ao ver como aquela jovem se preocupava com todos, ofereceu-lhe vários
rolos de tecido. Com ela, ajudada por suas amigas e sua futura sogra, confeccionou em segredo
uns preciosos vestidos para Agnes e Edel. Os tinham prometido.
Aqueles foram dias felizes em Elcho. Todos estavam encantados com Cindy e, sobre tudo,
de que seu laird fosse tão ditoso. A pequena Maud se converteu em uma menina alegre e
brincalhona, a que lhe apaixonava estar em companhia de seu pai e de Cindy. Tudo tinha
mudado, o riso e a diversão se estenderam pelo castelo convertendo-o em um lugar ideal para
viver.
Uma manhã, depois de uma tórrida noite, Declan, levantou-se de madrugada e, depois de
dar um doce beijo em Montse na testa, partiu a Argyll. Vários clãs tinham uma reunião para
falar dos problemas da Coroa e ele não podia faltar. Incomodava-lhe afastar-se dela, mas havia
coisas que não devia evitar.
Quando Declan e seus homens partiram, Montse se sentiu sozinha. Pela primeira vez desde
que tinha chegado a Elcho sentiu que precisava ter Declan perto em todo momento. Os dias
passavam a velocidade vertiginosa, só ficavam três semanas para a última noite do ano e aquilo
começou a curvá-la. Tentou falar com Juana que, tão apaixonada como ela mesma, assim que
escutava mencionar o tema de sua iminente partida começava a chorar. Por esse motivo,
Alaisthar, que nesta ocasião não tinha acompanhado Declan, decidiu levar sua mulherzinha de
viagem. Precisava fazê-la sorrir.
244
Aquela tarde, depois de ter tido uma ocupada manhã tentando terminar os vestidos das
criadas, baixou às cozinhas para mitigar o aborrecimento e falar um pouquinho com qualquer
um que estivesse por ali, que nesta ocasião resultaram ser Edel e seu irmão Colin.
No meio do bate-papo escutaram o ruído de um cavalo aproximando-se. Saíram a seu
encontro e se encontraram com um guerreiro do clã Ou'Callahan.
—O que ocorre, Pitt? —perguntou Colin, ao reconhecer seu bom amigo tão logo este
chegou a sua altura.
O guerreiro, esgotado e congelado pelo duro caminho que tinha percorrido em um tempo
recorde, desceu do cavalo e, mal recuperando o fôlego, dispôs-se a dar as notícias que trazia.
—Preciso ver a senhora Carmichael. —respondeu enquanto se refrescava com um bom gole
de água.
Colin e Edel olharam Montse imediatamente.
—Né, não me olhem, que eu em todo caso sou a senhora Crawford. —replicou levantando
as mãos.
—Refiro-me à mãe do laird Declan Carmichael. Sei que ele está em Argyll, na reunião dos
clãs. —esclareceu o guerreiro.
—Vou avisá-la. —reagiu em seguida Edel, disposta a cumprir com sua obrigação— Cindy
quer passar ao salão. Ali se esquentará.
Colin e Montse se olharam, estranhando aquela inesperada visita, mas se abstiveram em
perguntar algo enquanto caminhavam para o salão. Segundos depois apareceu Fiona.
—O que ocorre? —perguntou preocupada.
O guerreiro ao vê-la se inclinou para saudá-la.
—Senhora Carmichael, desculpe esta intromissão, mas temos um problema no castelo de
Huntingtower e necessitaria que me acompanhasse.
—Um problema? O que ocorre, moço, fala claro.
—Minha senhora Rose Ou'Callahan adoeceu e os remédios do médico não surtem efeito.
Está delirando e seu estado piora cada dia.
Fiona torceu o gesto ao escutar aquela má notícia. Aproximou-se da janela; estava nevando
e ir de carreta até o castelo levaria muito tempo. A neve do caminho lhe impediria de mover-se
245
com celeridade. Montse, ao ver o gesto contrariado da mulher e entendendo o que estava
pensando, saiu ao passo de seus problemas.
—Fiona, se for de carreta teria que dormir no caminho antes de chegar a Huntingtower. Não
acredito que isso seja muito recomendável para sua saúde.
—Sei filha, mas o que posso fazer? Rose me necessita e se algo lhe acontecesse por não ir
ajudá-la, não me perdoaria isso na vida.
Depois de um silêncio sepulcral, finalmente Montse contribuiu uma solução.
—Iremos Norma e eu. Ela tem conhecimentos médicos e eu posso ajudar.
—Vocês? —sussurrou incrédula a mulher, sabendo o que pensava Rose daquelas duas
mulheres.
—Sim, nós.
—Não, filha, não. Isso não é boa ideia tampouco.
Mas Montse estava disposta a sair com a sua.
—Olhe Fiona, como se diz em meu povo, «o cortês não tira o valente». Com toda segurança
Rose se zangará muito quando sarar e nos ver ali, mas para isso primeiro tem que seguir viva. E
se o consegue, o resto não importa.
—Está segura, moça? —perguntou a mulher, comovida.
—É obvio. Não sou tão mau inseto como ela crê e, além disso, como você diz, se algo
acontecesse com essa caprichosa por lhe negar meu auxílio, não me perdoaria na vida. Por
certo, se retornar Paris de sua viagem com Alaisthar, lhe diga que não se assuste; voltaremos
em um par de dias.
—Mas Cindy, não sabe montar a cavalo e Norma tampouco. —disse Edel.
—Colin me levará e este homem, — disse assinalando o guerreiro— levará Norma.
Poderão fazê-lo?
O guerreiro Ou'Callahan e Colin se olharam e assentiram. Montse tentou não pensar no
medo que lhe ocasionava subir a um daqueles pangarés tão altos.
—Pois não se fala mais, procurarei Norma e partiremos para Huntingtower. — sentenciou.

246
Capítulo 50

A viagem até Huntingtower não foi um caminho de rosas. A neve impedia de seguir a rota e
muitas vezes tiveram que desmontar e ir andando sob uma fria geleira. De madrugada, e após
muito esforço, chegaram a seu destino.
Os camponeses lhes deram a bem-vinda ao reconhecer às moças e, igual à Fiona,
comoveram-se ao saber que naquela ocasião foram ajudar à pessoa que pior as tinha tratado
durante sua estadia ali.
—Voltamos a entrar no reino da Rapunzel.
—Pois sim. Parece incrível, mas aqui estamos. —sorriu Montse.
—Que ideias você tem, Teresa de Calcutá! Olhe que vir aqui e cuidar desta choni só porque
pegou um resfriado... Você e sua compaixão! —mofou-se Julia ao entrar no castelo.
—Anda, fecha o bico e não proteste. —sorriu Montse olhando sua amiga.
As criadas de Rose ficaram paralisadas ao ver ali a aquelas duas mulheres. Eram as últimas
pessoas que esperavam que fossem ao resgate de sua senhora.
—Sim, não sou um fantasma, sou Cindy, a criada que discutiu com lady Rose e, embora
não creiam, viemos para ajudá-la por muito má pessoa que nos pareça. —saudou Montse—
Portanto, nos conte o que ocorre, troquem o gesto e nos levem até ela.
Uma das moças foi primeira em reagir, e enquanto lhe levava até a estadia da dama tentou
lhes pôr a par de tudo.
—Sou Tina, e lhes agradeço que estejam aqui.
—Obrigada Tina, honram-nos suas palavras. —aceitou Montse com calidez — Nos conte.
O que ocorre?
—Lady Rose, começou a encontrar-se mal faz uns seis dias. Ao princípio pensamos que
teria pego frio em um de seus passeios, mas quando a quentura se apoderou de seu corpo

247
durante três dias e três noites e fomos incapazes de que a abandonasse, começamos a nos
alarmar.
Ao chegar a uma grande porta, Tina parou e a abriu para lhes franquear o passo. O ambiente
era pestilento e viciado; a escuridão reinava no lugar e o calor que jogavam os lenhos da lareira
fazia insuportável permanecer ali muito tempo.
—Que peste e que calor, por Deus! —queixou-se Montse
Julia se aproximou da cama daquela caprichosa, que estava inconsciente, e ao vê-la coberta
e suando como um frango sob vários cobertores, os puxou para descobri-la e unicamente a
deixou coberta com o mais leve.
—Abram as janelas para que esta estadia seja ventilada.
A criada de Rose protestou ao escutar aquilo.
—Se fizermos isso piorará. Pegará frio.
—Equivoca-se, Tina. —disse a médica — O que a está piorando é este ar viciado e a
temperatura tão alta que há na estadia. Abre a janela de uma vez!
A jovem não se moveu, assim foi à própria Montse quem se dirigiu para a grande janela
para abrir as pesadas cortinas e abrir as venezianas de par em par, deixando que o ar frio
alagasse a estadia.
—Minha mãe! —sussurrou Julia quando a luz do exterior lhe permitiu ver bem Rose —
Mas o que fizeram a esta menina?
A criada, assustada pelo mau aspecto de sua senhora, demorou um momento em responder.
—O doutor recomendou lhe fazer sangrias e... —defendeu-se com um fio de voz.
Montse, horrorizada pelas marcas que a moça tinha em seus braços, ficou alarmada para lhe
repreender.
—Mas isto é uma bestialidade!
Julia assentiu.
—Sim, filha, mas não esqueça qual século estamos. Nesta época quase tudo solucionavam
com sangrias. —Tocou-lhe a testa para comprovar a temperatura corporal — Esta garota está
muito mal. Se lhe pusesse um termômetro, explodiria.

248
—O que fazemos? Aqui não têm antitérmicos. —sussurrou Montse ao ver a congestão de
Rose.
Julia arregaçou as mangas e olhou a jovem criada que as observava tremendo.
—Ao meu ver Tina, —a fez reagir enquanto tomava o pulso de Rose — Necessito uma
banheira de água temperada, panos limpos, uma jarra de água fresca para beber e um copo,
lençóis, um cobertor, várias camisolas, uísque e uma panela cheia de neve.
—Neve?! —gritou a criada.
—Sim, para refrescar a água da banheira. E não se preocupe, isso fará baixar a quentura. —
Logo se dirigiu a sua amiga sussurrando em espanhol e torcendo o gesto. —Deus, em um
momento assim um notebook e poder me conectar a São Google seria tremendo.
—Por quê? O que ocorre? —cochichou Montse ao vê-la duvidar.
—Porque eu sei tratar a terrível gripe que padece esta moça, mas com tratamentos que aqui
logicamente nem se inventaram, nem os vou conseguir.
—Pois pensa. Utiliza esse melão que tem por cabeça.
—Ouça bonita isso do melão...
Montse consciente daquilo sorriu.
—Está bem, me perdoe; mas pensa. Seguramente recorda alguma planta medicinal ou um
remédio da vovó, ou...
Julia iluminou o rosto. Sem duvidar nem um instante, dirigiu-se à criada, que retorcia as
mãos insegura.
—Necessitarei infusões de cabaça, ou gengibre com limão, ou água de cevada, ou salgueiro.
O que seja! Isso também nos ajudará.
A criada saiu correndo da estadia as deixando a sós com sua senhora.
—Anda, fecha já a janela ou também nos poremos doentes. —murmurou Julia.
Com a estadia ventilada, entre as duas trocaram os lençóis e a camisola empapada de Rose,
enquanto ela delirava entre balbucios. Ao cabo de um bom momento, por fim apareceram os
criados com a banheira; Julia os jogou da estadia e, depois de avivar o fogo da lareira, despiram
a jovem Rose e a meteram nela. Aquele banho em seguida a fez reagir, assim que a secaram e
voltaram a deitá-la, nua.
249
Continuaram trabalhando durante horas. Puseram panos frios sobre a moça na testa, virilhas
e estômago. O calor que emanava sua pele os secava rapidamente e tinham que trocá-los a cada
pouco tempo. Com o uísque, Julia desinfetou com delicadeza quantas feridas as sangrias tinham
deixado em seus braços.
Durante todo aquele dia, nem Julia nem Montse se separaram um segundo da cama, lhe
obrigando a tragar uma boa dose da infusão de gengibre com suco de limão. Ao anoitecer, Rose
experimentou uma nova ascensão de febre, embora desta vez não alcançasse as cotas tão
alarmantes que tinha quando elas chegaram.
Dormiram por turnos. Estavam esgotadas, mas não queriam desatender à jovem que, com
aqueles poucos cuidados, começou a melhorar a passos largos. De madrugada, enquanto Julia
cochilava e Montse lhe trocava os panos de água, surpreendeu-se ao escutá-la falar pela
primeira vez.
—O que faz você aqui?
Rose, com os olhos ainda febris, tinha-a reconhecido imediatamente. Aquilo era bom sinal.
Montse se limitou a sorrir e pôr um novo pano fresco sobre sua testa.
—Olhe, vejo que vai melhorado. —disse, passando do tratamento protocolar. Duvidava que
fosse recordá-lo ao dia seguinte.
— Me responda. O que faz aqui? —balbuciou, com um olhar vidrado.
Montse terminou de trocar os panos e se sentou junto a ela, na borda da cama, para
responder com amabilidade.
— Esteve muito doente.
—Como?
—Tinha uma febre horrível. Sua gente se assustou e mandou um emissário a Elcho para
pedir ajuda a Fiona. O caminho está intransitável pelo inverno e as nevadas, assim Norma e eu
decidimos vir lhe ajudar. E recomendo que, antes que comece a se queixar e a dizer
barbaridades de nós, pense no que faz. Está bem? Porque estamos esgotadas de lhe cuidar para
que fique sã e corre o perigo de que me zangue e a meta nessa banheira para lhe afogar sem
piedade.
—Não a suporto. —sussurrou Rose.
250
—Entendo-a. Eu tampouco suporto você.
Aquelas simples palavras fizeram que ambas sorrissem. Isso surpreendeu Montse, mas mais
lhe surpreendeu escutá-la dizer, depois de notar a mão daquela sobre a sua:
—Obrigada.
Comovida pelo gesto, Montse assentiu e sorriu.
—Anda, descansa, o quanto precisar.

251
Capítulo 51

Dois dias depois, e graças aos cuidados de Julia e Montse, Rose Ou'Callahan melhorou
notavelmente, embora seu aspecto ainda distava de parecer com o da viçosa moça que tinha
sido, mas aquilo era algo fácil de solucionar com atenção e alimento.
O segundo dia de estar ali, Montse visitou os camponeses. Queria saber como estavam, mas
o coração encolheu ao ver que sua situação era cada vez era mais precária. Suas cabanas mal
lhes resguardavam do frio e estavam famintos. Tão logo retornou daquele passeio, não duvidou
nem um segundo em entrar na estadia para falar com Rose.
—Lady Rose, temos que falar.
A jovem que se desenredava o cabelo frente a um espelho, olhou-a.
—Diga.
Montse se sentou frente à moça em uma das cadeiras que havia na luxuosa estadia.
—Devo lhe dizer que se não troca seu modo de ser, vai ficar sozinha. —disse sem
pestanejar — Sua gente precisa comer e alimentar seus filhos; mas se segue atuando como até
agora, dentro de pouco, todos partirão.
—Impossível! Eles são Ou'Callahan como eu e...
—Ou'Callahan? E quem os faz sentir que são Ou'Callahan? Porque vejo que você não. Eles
sabem que se chover, você tem um teto sob o que a cobrir; se tiver frio, cobertores com os que
se agasalhar; se tiver fome, não lhe falta comida com a que se saciar. São conscientes de que
você... Digo você, têm tudo e eles nada. Como crê que se sentem? Direi-lhe isso eu: mau!
Sentem-se mau! Sentem-se abandonados, desprezados e...
—Sei...
Surpreendida por aquela resposta, Montse cravou suas pupilas na moça, mas quando quis
seguir falando, a jovem Ou'Callahan a interrompeu.

252
—Verá, Cindy, com tudo o que aconteceu me dei conta de muitas coisas. Detalhes
importantes nos que eu, parva de mim, nem me tinha fixado. Estou envergonhada, abatida e
desolada por como está minha gente. E estou disposta a lhes pedir desculpas e emendar meu
engano.
—Isso é fantástico.
—E com a primeira pessoa que quero me desculpar é contigo. Fui uma néscia e uma boba a
tratando como o fiz, mas estava ciumenta. Você conseguiu que Declan enlouquecesse de amor
por ti, enquanto eu nunca consegui que sequer me olhasse ligeiramente interessado; isso me
cegou. É uma boa pessoa, Cindy, quão melhor tive a honra de conhecer na vida e, embora eu
não gostei que me empanasse no barro, reconheço que mereci isso.
—Não se martirize, por favor. Eu também me desculpo por este temperamento que às vezes
me faz fazer coisas muito loucas e...
—Cindy, faria-me a honra de ser minha amiga?
Boquiaberta por aquilo, a jovem sorriu.
—Mas claro que sim, Rose. Digo... Lady Rose. Encantada.
—Por favor, deixemos os tratamentos e nos chamemos por nossos nomes.
Com um cálido sorriso, Montse assentiu.
—Uf, pois agradeço esse oferecimento. Tenho que reconhecer que falar tão pomposamente
me custa horrores. De onde eu venho não falamos assim, e poder lhe falar com normalidade me
facilita um ovo as coisas. —reconheceu, divertida.
—Um ovo?! Oferecimento?!
—Ai me perdoe, queria dizer que me facilita muito as coisas.
—Que estranha maneira de falar tem Cindy. Às vezes diz coisas incompreensíveis. Como
isso de mimada medieval. O que quer dizer?
—Esquece. Não é nada bom. —se mofou, fazendo-a sorrir — Anda, venha e me dê um
abraço.
—Um abraço?
—Sim, de onde eu venho às coisas se solucionam com um abraço e um bom beijo.

253
Sem dizer nada mais, as duas se levantaram e se abraçaram. Rose o fez com desespero, era
a primeira amiga que conseguia ter na vida e não estava disposta a perdê-la. Depois de rir por
aquilo voltaram a se sentar em suas cadeiras.
—Cindy, o que posso fazer para ajudar minha gente? Meu pai sempre esperou que eu me
desposasse com alguém e este levasse o peso das responsabilidades dos Ou'Callahan. Mas o
problema é que eu... Eu não sei o que fazer para que minha gente volte a ter confiança em mim
e levar tudo isto adiante.
—Acredito que a primeira coisa que deve fazer é falar com eles. Reunir a todos esta noite
no salão do castelo e lhes falar com a mesma sinceridade com a que o está fazendo comigo e,
sobre tudo e muito especialmente, compartilhar o que tem. Isso agora é vital para que confiem
em você. Este castelo é seu lar, verdade? —a jovem assentiu— Pois tem que fazer que eles
sintam que também é o seu, e se para isso tem que albergá-los estas noites frias e compartilhar
sua comida com eles, faça-o! Agradecerão-lhe isso toda a vida e conseguirá que estejam
dispostos a morrer por você.
E assim o fez. Aquela fria noite de dezembro, Rose Ou'Callahan reuniu toda sua gente no
salão de Huntingtower e, pela primeira vez, todos eles se sentiram unidos como não ocorria
fazia tempo. Feliz e emocionada por como a gente a escutou e lhe voltou a dar outra
oportunidade, Rose, agarrada no braço de sua amiga Cindy Crawford, chorou emocionada.
—Vamos, vamos, não se ponha tão tenra que tem muito que fazer para levar toda esta gente
adiante. —se mofou Montse — Vê aquela mulher que abraça seu pequeno? — Rose assentiu —
Se chama Berta e em uma ocasião veio ao castelo para lhe pedir um pouco de comida para seu
filho e você negou. Acredito que deveria ir e lhe pedir desculpas.
Sem duvidar nem um segundo, Rose assentiu e se dirigiu à mulher.
—Olá, Berta. —saudou.
A mulher, ao ver que se dirigia a ela por seu nome, agachou à cabeça.
—Boa noite, milady. —sussurrou ante o atento olhar do resto dos camponeses.
—Berta, quero lhe pedir desculpas por lhe haver negado alimento para seu filho. Prometo-
lhe que isso não voltará a acontecer. Dei-me conta de meu engano e estou disposta a me
desculpar e lhe pedir mil vezes perdão.
254
—Não se preocupe milady, não faz mal.
—Mas me perdoa?
Berta levantou o olhar, surpreendida como nunca em sua vida por aquela pergunta.
—É obvio milady. Claro que lhe perdoo.
Rose emocionada e sem pensar no que fazia, abraçou à mulher ante o murmúrio geral de
todos os camponeses. Quando se repôs, dirigiu-se a todos com voz potente.
—Prometo-lhes que Huntingtower voltará a ser o que foi. Prometo-lhes isso!
Os aldeãos aplaudiram e aclamaram sua senhora, enquanto Montse sorria. De repente notou
que uma mão a agarrava pela cintura e, ao voltar-se, encontrou-se com o olhar castanho que
levava dias desejando voltar a ver.
—Declan, está aqui. —sussurrou, abraçando-o.
—Sim, meu céu. Vim buscá-la.
Depois daquilo a beijou diante de todos, ganhando o clamor geral da gente. Rose ao lhe ver,
uniu-se aos aplausos com um alegre gesto no rosto. Após faltava pensar no que sempre tinha
sido impossível; tinha muito trabalho que fazer e aquele era um bom começo.

255
Capítulo 52

Dois dias depois o aspecto de Rose era muito mais saudável. A chegada de Declan e
Kenneth com seus homens fizeram que os camponeses Ou'Callahan e seus guerreiros
retomassem com forças e se pusessem a trabalhar. Durante aqueles dias os dois lairds
aconselharam Rose sobre como levar adiante seu difícil trabalho, ao tempo que não davam
crédito ao comprovar a enorme mudança que aquela jovenzinha tinha tido. Mas o que mais se
fixou foi Kenneth, a quem lhe pareceu uma jovem insuportável, começou a querer estar cada
vez mais tempo ao seu lado. Agradava-lhe e muito. Algo que não passou despercebido para
Julia e Montse, que riam ao ver como Stuart a olhava embevecido.
E ao terceiro dia da chegada dos Carmichael, as jovens decidiram que a saúde da dama já
permitia retornar as suas terras. Kenneth, entretanto, decidiu ficar ali uns quantos dias mais.
Queria ajudar.
—Recorda Rose, —disse Julia— seja boa com sua gente e eles o serão contigo.
—Não o esquecerei, Norma, não se preocupe. E muito obrigada por tudo.
—Por certo, Rose. —cochichou Montse, lhe dando uma cotovelada — Viu como o bonito
do Kenneth Stuart a olha? Acredito que lhe saiu um pretendente.
Rose ficou vermelha como um tomate.
—Oh, sim, Cindy. Já me fixei.
—Então já sabe, vá por ele!
Aquele comentário as fez rir. Por fim se despediram com um beijo, embora Rose estivesse
desejando voltar a encontrar-se com suas novas amigas.
—Quando voltaremos a nos ver?
Julia e Montse se olharam. Seu tempo ali estava se acabando, assim Montse se limitou a
voltar a beijá-la.
—Não sei Rose, mas sempre a levarei em meu coração.
256
Rose quis responder, mas Declan impediu ao aproximar-se para apressá-las. Queria chegar
a Elcho antes do anoitecer.
Montse se aproximou de Kenneth, que falava com um de seus homens, e lhe tocou no
ombro. Ele ao ver que se tratava dela, sorriu.
—Me causa muita tristeza que se vão. —disse ele.
—Pois veja, não sei por que pressinto que lhe causaria mais tristeza se quem partisse fosse a
Barbie medieval.
Ao escutar aquilo o guerreiro levantou uma sobrancelha surpreso.
—Cuide bem dela. A Barbie medieval é uma boa moça. —lhe recomendou enquanto se
afastava com uma pícara piscada, ao que ele respondeu do mesmo modo.
Momentos depois, a comitiva dos Carmichael, encabeçada por seu chefe, empreendeu
marcha. Do cavalo e entre os protetores braços de Declan, Montse saudou quão camponeses se
despediam a seu passo. Mas seu sorriso gelou quando ao sair das imediações de Huntingtower
viu algo que fez que seu coração saltasse do peito.
—Para o cavalo, Declan. Tenho que baixar. — pediu.
—O que ocorre? —perguntou surpreso.
—Para! Por favor.
O highlander, sem entender o que era o que ocorria, obedeceu. Sem esperar que a ajudasse a
descer nem reparar na altura, atirou-se ao chão e correu para a porta de uma desvencilhada
cabana. Ante ela, agachada e morta de frio, havia uma pessoinha. Rapidamente tirou a manta
que levava ao redor dos ombros e colocando-a na menina de azulados e trementes lábios,
abraçou-a contra seu peito.
—Aileen, querida, mas o que faz aqui no frio que faz?
A menina, apesar de seu péssimo estado, reconheceu-a imediatamente.
—Esta é minha casa e...
— Sua casa? Mas... Eu a deixei com seus tios.
—Eles partiram e me deixaram aqui, sozinha.
Ao escutar aquilo Montse se levantou e, sem poder evitar, gritou ao ver Julia aproximar-se.

257
—A mãe que os pariu! Se os pego juro que arrancarei suas peles em tiras. Mas, como
podem abandonar uma menina em meio de um nada? Filhos de má mãe...! —gritou fora de si
— Me disseram que iriam se ocupar dela e o que fizeram foi deixá-la sozinha. Sozinha! Serão
descarados...
Julia, ao reconhecer à pequena entendeu a indignação de Montse.
—Está a assustando. Se tranquilize. —sussurrou com dissimulação.
Montse olhou à menina, e ao ver seus carregados olhos infestados de lágrimas, pegou-a nos
braços para falar com ela em um tom mais calmo.
—Não se preocupe querida. Eu buscarei um lar embora seja quão último faça neste mundo.
O duque, que tinha sido testemunha muda de seu arranque de fúria, quis falar, mas como
quase sempre, ela o adiantou.
—Declan, não penso abandonar de novo Aileen. Quando estivemos aqui a outra vez, deixei-
a com seus tios porque seus pais caíram na refrega, mas eles a abandonaram a sua sorte para
que morresse. Oh, Deus, para que morresse! Esses descarados não pensaram em nenhum
momento que esta menina poderia ter frio, fome ou passar penalidades que não quero nem
pensar. E antes que me diga algo, quero que saiba que não estou disposta a abandoná-la pela
segunda vez. Me nego! Portanto, se quiser que volte contigo para Elcho, a menina terá que vir
conosco ou eu ficarei aqui com ela.
Comovido por sua veemência, observou-a enquanto a pequena, morta de frio, agarrava-se a
Cindy com desespero. A mulher que amava lhe rogava com o olhar que não as abandonasse;
algo que é obvio ele nunca faria. Aproximou-se delas, deu um cândido beijo em Cindy na testa
e lhe jogou uma pele sobre os ombros.
—Vamos meu amor, todos retornamos para casa.

258
Capítulo 53

A volta da comitiva ao castelo de Elcho encheu de felicidade a todos os que ali viviam.
Uma vez em casa, Montse se encarregou de cuidar pessoalmente de Aileen, quem lhe
demonstrou sua força, sua doçura e sua capacidade de integração. Aileen era um par de anos
menor que Maud, mas rapidamente se fizeram amigas e juntas se divertiam muito. Em um
princípio Montse pensou em lhe buscar uma família, apesar da dor que isso lhe ocasionava, mas
quando Declan lhe disse que a pequena Aileen já tinha encontrado sua família, emocionou-se e
se sentiu completamente feliz e realizada.
A noite de vinte e quatro de dezembro se organizou uma grande festa para todos no castelo
de Elcho. Nas cozinhas se trabalharam em excesso por preparar pratos deliciosos, inclusive
Julia, Juana e Montse se animaram a guisar algo especial. O salão, pela primeira vez desde há
muitos anos, preparou-se para compartilhar o jantar mais importante do ano com todo o clã.
Quase no limite de tempo, as espanholas terminaram os vestidos de Agnes e Edel, e
também teceram com palha um chapéu para Fiona e fizeram duas camisolas em tons violetas
para Maud e Aileen; inclusive prepararam detalhes para todos os que viviam em Elcho.
Desejavam que todo mundo tivesse uma lembrança delas, assim sempre que podiam, iam ao
bosque colher flores que introduziam no castelo, ocultas nos cestos da roupa. Com elas, e
ajudadas com arames, confeccionaram bonitas diademas para as mulheres e vistosos broches
florais para os homens.
Aquela noite, Declan presidia a mesa. Esse Natal estava sendo o melhor de toda sua vida.
Não só porque sua filha sorria junto à Aileen, nem porque sua gente fosse ditosa e sua mãe
transbordasse alegria, mas sim porque Cindy lhe proporcionava uma felicidade que nunca
acreditou que encontraria.

259
Depois da opípara janta, e antes que todos se levantassem, Julia, Montse e Juana, repartiram
os presentes que tinham para eles convertendo a noite em uma comovedora cerimônia. Edel e
Agnes choraram de emoção ao ver seus vestidos novos.
—Duvidavam? —estimulou Montse às moças — Vamos, vão estreá-los. Esta noite Percy e
Ned não poderão tirar os olhos de cima de vocês. Estarão preciosas com estas roupas e os
bonitos penteados que lhes fará Paris. E já sabem... Que sofram um pouquinho!
E, encorajadas por seu novo aspecto, os fizeram sofrer.
Porque quando as duas jovens apareceram com seus vestidos recém estreados e outros
highlanders as olharam com desejo, seus apaixonados por fim caíram rendidos aos seus pés.
Alaisthar, ditoso pela felicidade que sua pequena Paris lhe proporcionava, sorriu como um
bobo quando lhe deu de presente um bonito sporran e ele a surpreendeu quando em um cesto
entregou um precioso cachorrinho escocês ao que ela em seguida batizou, para farra e regozijo
de todos os presentes, Molho picante.
Fiona, emocionada e rodeada por todos, não sabia a quem olhar para ser mais ditosa. Sua
gente estava feliz, Maud e a pequena Aileen não paravam de rir, Norma se divertia dançando
com Colin, Alaisthar e sua mulher não paravam de prodigalizar-se carinhos e seu filho e Cindy
se olhavam com amor. Inclusive se emocionou ao ver que Declan entregava um pequeno pacote
à moça.
—Toma, este é meu presente para ti.
Ela o aceitou com um encantador sorriso, ao tempo que lhe dava o seu.
—Obrigada. Mas abre primeiro o meu. —o apressou.
Declan, ensimesmado e com um suspiro de encantamento, pegou aquele presente e, depois
de beijá-la, abriu-o. Nele encontrou um par de velas esculpidas e tingidas por ela pessoalmente,
em tom violeta.
—É para sua estadia...
—Nossa estadia. —esclareceu ele beijando-a.
—Está bem, nossa estadia. —E ao ver como olhava o presente disse— Quero que as ponha
sobre a lareira e as acenda. Ficarão muito bem.

260
—Obrigado, querida, são preciosas. E antes que abra seu presente, preciso lhe dizer algo. —
disse tomando suas mãos.
—Você dirá...
—Desde que apareceu em minha vida, tudo o que me rodeia mudar para melhor. Antes
estava sozinho e continuamente zangado, mas agora tenho uma grande família a meu redor e
tudo devo a ti. Sei que está aqui porque sonhava comigo. —Aquilo a surpreendeu— Eu só
posso lhe dizer que, agora e sempre, meu sonho é você. Lembra que uma vez me disse que não
sabia por que estava aqui, e eu quero lhe dizer que já descobri.
—Ah, sim...? —riu ao lhe escutar.
—Está aqui para que Maud sorria, para que Aileen tenha uma família, para que minha mãe
seja ditosa, para que minha gente a queira, para que eu seja melhor pessoa e inclusive para que
Rose Ou'Callahan mude sua vida e a de sua gente.
—Obrigada, querido. —murmurou emocionada. Por fim ela também se deu conta de por
que estava ali.
Declan, cheio de orgulho pelo sorriso de sua amada, beijou-a.
—Agora abre seu presente.
Abriu-o sem fazer-se de rogada, mas ao ver que se tratava da jóia dos Carmichael, aquela
que ela lhe entregou, levou as mãos à boca. Não lhe deu a oportunidade de dizer nada.
—É para ti, meu amor. Quero que a leve sempre, esteja onde esteja, porque sei que a
maldição foi quebrada.
Emocionada, agradecida e lacrimosa, Cindy o beijou e lhe ofereceu o pendente para que o
pusesse levantando o cabelo. Declan o fez ante o olhar emocionado de Fiona; logo voltaram a
se beijar e quando o som das gaitas de fole irrompeu na sala, lançaram-se divertidos a dançar.
Aquela noite, finalizada a festa, Declan e sua apaixonada subiram a sua estadia, fizeram
amor até que os surpreendeu o amanhecer e, finalmente, dormiram. Mas Cindy despertou
sobressaltada aos poucos minutos. Erika, A Escocesa, visitou-a em seus sonhos para lhe
advertir que seu tempo se acabava. Com o coração pulsando com fúria, olhou Declan, que
dormia placidamente a seu lado. Sem poder evitar as lágrimas correram descontroladas por seu
rosto. O que ia fazer sem ele?
261
Destroçada, levantou-se, aproximou-se da lareira, jogou um par de troncos e avivou o fogo.
Não sabia o que fazer, mas terminou sentada sobre a pele diante da lareira com o coração
destroçado de dor. Finalmente, tampando o rosto com as mãos, chorou.
À manhã seguinte procurou suas amigas, que confirmaram que elas também tinham tido o
mesmo sonho. Durante horas choraram no quarto que agora só Julia ocupava.
—Basta de chorar! Por Deus, vão se desidratar. — explodiu Julia quando já não pôde
suportar mais a angústia das outras duas.
—Ai, minha menina, não posso. O que vou fazer sem Alaisthar?
—Lhe disse. —resmungou Julia — Me zanguei com vocês para que fossem conscientes de
que este momento chegaria cedo ou tarde. E se fui dura, foi precisamente para evitar isto,
porque sabia que aconteceria...
Com o nariz vermelho como um tomate, Montse retirou o cabelo do rosto, soluçando.
—Acredito que vou morrer de tristeza. Não vou... Voltar a ver Declan... Nem Aileen, nem
Maud e... E...
Mas não pôde seguir. A tristeza que sentia era tão grande que lhe impedia inclusive de falar.
Uma hora depois, Julia, convencida de que assim não podiam seguir, levantou-se da cama e as
enfrentou com as mãos nos quadris.
—Vamos ver, almas de cântaro, pensam perder o pouco tempo que fica chorando aqui
comigo, quando podem aproveitá-lo estando com as pessoas às que tanto amam? —As outras
duas negaram com a cabeça— Pois então vamos, lavem a cara e desfrutem do que possam. Que
nunca se diga que não espremeram ao máximo o tempo.
Mas embora o tentasse, com o passar dos dias já nada voltou a ser igual. Procuravam estar
felizes e esquecer o que lhes viria, mas o brilho de seus olhares se perdeu. Aqueles últimos dias,
a canaria os aproveitou para estar com Alaisthar, e Cindy desfrutou de tudo o que pôde de
Declan, das meninas e de tudo o que tivesse a ver com Elcho.
No dia trinta e um de dezembro, uma estranha angústia se apoderou de Declan ao despertar.
Não havia tornado a falar daquilo com Cindy, mas não precisou. Só vendo as olheiras escuras
que nos últimos dias tinham aparecido em seu rosto, teve suficiente.

262
Montse, igual à Juana, tentou estar alegre, mas como ante o que ia ocorrer? Conforme
avançava o dia, os nervos começaram a lhe pregar peças, mas quando chegou à noite, nenhuma
das duas mal podiam raciocinar.
—Não ocorrerá nada querida. — sussurrou o duque, abraçando-a — Não permitirei que
ninguém a leve, se tranquilize.
—Amo-o, Declan. Sabe, verdade?
Assentiu agradado e a beijou, justo no momento em que Fiona, alheia a tudo o que ocorria,
entrava no salão acompanhada pelas pequenas.
—Papai! —gritou Maud correndo para ele, que a recebeu em seus braços.
A pequena Aileen ao ver Cindy correu para ela e esta a pegou e a beijou. Maud, ao ver
aquela imagem tão familiar, olhou a seu redor antes de dirigir-se a seu pai.
—Papai, quando se casar com Cindy e ela for minha mamãe, Aileen pode ser minha irmã?
Declan e Montse se olharam. Ela não pôde responder e o duque, tirando forças de onde
apenas ficavam, olhou sua filha com tristeza.
—É obvio querida, embora acredite que Cindy já é minha mulher e sua mãe e Aileen é sua
irmã e minha filha. —respondeu com um fio de voz estrangulada.
Emocionada por aquelas palavras, Montse aguentou com muita dificuldade a enorme
vontade de chorar que tinha.
—Há, há, há... Tenho a família mais preciosa e maravilhosa do mundo!
As meninas sorriram e, dando por resolvido o tema, escapuliram dos braços que as
seguravam para correr pelo salão ao encontro de Norma. Declan, angustiado como nunca em
sua vida, olhou Cindy e voltou a beijá-la enquanto a abraçava com desespero.
Juana apareceu pelo braço de seu desconcertado marido, desfigurado e triste, pouco antes
de que todos se reunissem no salão para o jantar de Fim de Ano. A noite era chuvosa e se
desatou uma ruidosa tormenta. As meninas tomaram todo o protagonismo, nem Cindy nem a
graciosa Paris estavam para festas. Fiona, que falava com uma distraída Norma, observou que
algo ocorria, mas não perguntou. Embora sim se precavesse de que cada vez que alguma das
moças se levantava, Declan ou Alaisthar iam atrás delas. O que ocorria?

263
De repente um trovão soou e um incrível ruído fez que o castelo inteiro retumbasse. As
meninas, assustadas pelo potente som, começaram a chorar. Declan e Alaisthar se levantaram
imediatamente para aparecer à janela.
—Por todos os Santos outra vez um raio alcançou a parede oeste do castelo?
Montse e suas amigas se olharam inquietas ao escutar aquilo, e quando viram Declan e
Alaisthar correr para o exterior não duvidaram e os seguiram. Fora chovia com fúria. Era tal o
aguaceiro que caía, que em menos de dois segundos todos estavam encharcados até os ossos.
Um novo raio, desta vez azulado, partiu o céu seguido do eco do trovão em toda sua magnitude.
—Entrem dentro do castelo. —gritou Declan ao ver as mulheres empapadas.
—Não. —respondeu Montse.
De repente uma estranha luz azulada rodeou as três amigas e souberam que o temido
momento tinha chegado.
—Declan! —gritou Montse.
—Alaisthar! —gemeu Juana.
Surpreendidos por aquela repentina claridade, os highlanders olharam para onde elas
estavam, mas antes que pudessem sequer respirar, as três moças desapareceram ante seus olhos.
Alaisthar gritou e chamou Paris com desespero, enquanto Declan, com o coração
esmigalhado, olhava à estranha tormenta que começava a amainar e sussurrava destroçado:
—Cindy Crawford, te esperei toda minha vida.

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Capítulo 54

Uma escuridão densa e fria rodeava às jovens quando pareceram despertar. Estavam
inundadas na água, e as três mulheres começaram a nadar com desespero para a superfície.
—Ah... —suspirou Montse tirando a cabeça e respirando— Quase me afogo!
—Outra vez na maldita água? —protestou Julia.
Desconcertadas ainda pelo ocorrido, nenhuma falou até que Juana assinalou para o fronte.
—Isso é o castelo de Edimburgo?
Todas olharam para onde assinalava a canaria. A escuridão da noite não as deixava ver com
claridade, embora pela silhueta o parecesse. Nadaram até o mole e subiram a terra firme por
uma espécie de escada de madeira. Chovia. Tudo estava escuro e a gente ao seu redor corria
para resguardarem os vestidos ao uso medieval. Aquilo alegrou a Montse e a Juana.
«Ainda há esperança.»
—A mãe do cordeiro, estou congelada! —queixou-se Julia.
E de repente, as esperanças das duas moças se desvaneceram quando a luz iluminou o lugar
e comprovaram que estavam no mole de Edimburgo, no meio da feira medieval.
—Não... —sussurrou Montse, ao ser consciente da realidade.
—Nãooooooooo. —gemeu Juana com desespero.
Julia, ao dar-se conta de que tinham retornado ao século XXI, parou um dos passantes que
levava um guarda-chuva e perguntou.
—Por favor, tem hora?
—Meia noite e dez senhora.
—Uma coisa mais, que dia é hoje?
O homem ficou surpreso por semelhante pergunta, mas ainda assim respondeu.
—Quinze de setembro.
265
—Obrigada... Obrigada... —respondeu Julia, antes de dirigir-se a suas amigas —
retornamos ao mesmo dia que fomos.
—A cigana. Temos que procurar a Erika, A Escocesa! —gritou Montse, desesperada.
—Sim. —assentiu Juana.
Sem esperar Julia, ambas começaram a correr, mas ao chegar ao lugar onde a encontraram,
nem sua tenda nem seu posto do tarô estavam ali. Desconsoladas, Juana se deixou cair ao chão
e começou a chorar.
—Não, maldita seja, Erika! Por que me faz isto? Ainda fica um desejo por pedir. Me ouve?
Fica um desejo por pedir... —gritou Montse, com o rosto alagado de lágrimas.
Julia, que as tinha seguido, não sabia o que fazer para consolá-las. A chuva continuava
caindo e as três estavam empapadas, mas isso era o que menos a importava. Passaram horas
sem que Julia conseguisse as mover dali, mas ao despontar a alvorada, finalmente às convenceu
e retornaram ao hotel.
Julia voltou no dia seguinte a Londres; desejava ver seu Pepe, e suas amigas a entenderam.
Mas Juana e Montse procuraram Erika por toda Escócia durante mais de um mês; ninguém
parecia conhecê-la. Nesse tempo visitaram em várias ocasiões o castelo de Elcho e seus
arredores, onde Montse chorou desconsoladamente ante o retrato de Declan, especialmente o
dia que descobriu uma placa em que lia: «Esperarei-lhe toda minha vida.»
Amava esse homem com toda sua alma, mas seu amor era impossível. Separavam-lhes o
tempo, os anos, os séculos; separava-lhes tudo menos o coração.
—Ai, minha menina, como diria Julia, vai desidratar. —soluçou Juana.
Montse, olhando sua lacrimosa amiga, sorriu com tristeza.
—Olhe quem fala.
Por fim se convenceram de que aquele sonho acabou e, com o coração quebrado em mil
pedaços, retornaram a Londres; a suas vidas.

266
Capítulo 55

14 de setembro de 2011
Um ano depois...

—A que hora começa um jantar medieval? —perguntou Montse, nervosa.


—Às nove. —respondeu Julia.
—Ai, minha menina, oxalá a espera tenha valido a pena. —suspirou.
Tinha passado um ano e de novo as três estavam em Edimburgo. Aquele foi um ano duro
para todas.
Julia retornou a Espanha com seu Pepe; a suas raízes. Ao madrilenho bairro de Vallecas que
a tinha visto nascer. Partir e deixar suas amigas no estado em que se encontravam foi o mais
duro que teve que fazer, mas não tinha outra alternativa; sua vida estava ao lado de seu marido.
Entretanto, apesar da distância, acordaram que a cada dois dias uma delas ligaria para manter o
contato. Nenhuma falhou.
Montse e Juana se reincorporaram a seus respectivos trabalhos, mas nenhuma voltou a ser a
que era. De repente era como se estar no século XXI se converteu em algo insuportável e difícil
de levar. Tinham saudades da tranquilidade do campo, os bate-papos frente à lareira, o som dos
pássaros ao despertar, o aroma da terra molhada da Escócia, seus bonitos vales e montanhas, a
franqueza de sua gente... Mas o que mais sentiam falta era dos homens que, com sua ausência,
tinham partido o coração.
Juana foi viver com Montse em seu apartamento. Nenhuma das duas queria estar sozinha.
Precisavam falar de seus amados continuamente para manter viva a crença de que o que tinha
ocorrido, aquela loucura, tinha sido real; embora recordar esses momentos inesquecíveis as
fizesse chorar.

267
Durante aquele ano planejaram retornar a Edimburgo em setembro. Montse e Juana
precisavam ver se Erika, A Escocesa estaria de novo com seu posto, na feira medieval. E tinha
chegado o momento. Estavam em Edimburgo.
—E se não estiver? —murmurou Juana.
—Tem que estar. —insistiu Montse ao escutá-la — Me deve um desejo e tem que estar.
Julia, emocionada por voltar a estar com suas amigas, mas de uma vez inquieta por elas,
não sabia bem como atuar.
—Seguramente estará, não se preocupem. —disse por fim.
Às nove da noite, vestidas com trajes da época, chegaram ao recinto onde se organizava a
feira. Montse comprou duas bonecas de trapo e com um sorriso esperançoso as meteu no bolso
da saia enquanto suplicava com o coração: «Por favor, Erika, recorda que sempre me dizia que
minha felicidade está no passado. Por favor, recorda-o.»
Nervosas, aproximaram-se até a pradaria antes que o jantar medieval começasse. Os postos
e atrações começavam a iluminar-se, entretanto não encontraram Erika, A Escocesa, por
nenhuma parte. Ali não estava. Com o desespero refletido no rosto, finalmente se deixaram
convencer por Julia a assistir o jantar medieval onde, contra todo prognóstico, divertiram-se
com a representação; possivelmente porque tinha tão pouco a ver com a realidade daquela
época... O jantar não tinha terminado ainda quando Montse escutou um trovão. Aquele ruído
fez que Juana e ela se olhassem. Com um sorriso nos lábios se levantaram e saíram ao exterior.
—Minha mãe, está se organizando uma boa! —sorriu Julia ao ver o céu escurecer e
perceber a alegria de suas amigas.
Começou a chover torrencialmente e, com o coração em um punho, as três correram até a
pradaria da feira e, ali, no meio da esplanada, estava a tenda e o posto de toldo amarelo de
Erika, A Escocesa.
—Minha menina, vê o mesmo que eu? —sussurrou a canaria.
—Sim, sim, sim, Sim! —gritou Montse, que começou a correr até lá.
Como se de uma tromba se tratasse, as três mulheres irromperam na tenda deixando que a
tempestade arrastasse com elas a chuva até o interior. A cigana levantou a cabeça para ver
quem entrava e um sorriso iluminou seu rosto quando escutou a voz de Montse.
268
—Erika, ainda fica um desejo por pedir. Por favor, por favor, por favor... Deve-me isso e
não pode me dizer que não. Desejo-o com toda minha alma.
A cigana, ao vê-la e escutar sua voz sorriu e, levantando-se, abraçou-a.
—Princesa, como está?
—Bem, muito bem agora que a encontrei. —sorriu Montse, abraçando-a também.
A cigana, feliz de voltar a vê-la, pediu às moças que se sentassem. Durante meia hora elas
lhe contaram, atropeladamente, todo o ocorrido no ano anterior e, finalmente Montse voltou a
fazer seu pedido olhando-a aos olhos.
—Fica um desejo por pedir... —suplicou. E agarrou sua amiga pelo braço— E é um desejo
compartilhado.
A cigana era consciente da grandeza daquele pedido e da segurança de sua princesa, mas
ainda assim não podia tomar nenhuma decisão sem antes estar muito convencida. Enquanto
pensava, um trovão fez retumbar meia Escócia:
—Estão seguras?
—Sim. —murmurou a canaria emocionada.
—Nunca estive mais segura. —afirmou Montse.
—Deixei que passasse um ano para que tivessem tempo de ver a realidade do que querem.
Voltar para o passado significa desaparecer deste tempo e não retornar nunca mais.
Montse olhou Juana, que tomou sua mão e assentiu enquanto Julia começava a chorar.
—Sim, Erika. Nunca estivemos tão seguras de algo em toda nossa vida. Ambas pensamos e
sabemos o que queremos, o que desejamos e sem o que não podemos viver. Sabemos que
teremos saudades de muitas coisas, mas... Voltar a estar com as pessoas que amamos pode com
todas as demais carências.
—Mas ali não terão nada do que têm aqui. Ali a vida é...
—Erika, ali está tudo o que queremos ter. —esclareceu Montse.
A cigana, com um enigmático sorriso, olhou à moça que adorava de toda a vida.
—Então... O que deseja meu amor?
—Desejo que Juana e eu retornemos ao castelo de Elcho para prosseguir nossas vidas
junto a Alaisthar Sutherland e Declan Carmichael.
269
Ao escutar aquilo, Julia prorrompeu em soluços. A cigana lhe deu um kleenex e não pôde
evitar rir.
—Por que chora Julia?
A mulher secou as lágrimas e pegou ar para falar.
—Choro de felicidade. Sei que elas serão muito ditosas. Sinto horrores não as acompanhar
nesta viagem, mas minha vida está junto a meu Pepe e...
—Não se martirize, Norma Duval. — caçoou Montse— Todas seremos felizes e isso é o
que conta, não crê?
—Sim. —assentiu Julia emocionada.
A cigana confirmou aquelas palavras com um gesto e, ao observar que a tormenta se
aproximava, voltou a insistir.
—Será uma viagem sem retorno. Estão seguras?
Juana e Montse se olharam e, com um radiante sorriso, assentiram justo no momento em
que a luz piscava e um raio caía perto de onde estavam elas.
—Então assim seja. Seu desejo, princesa, está pedido.
—Ai, mãe! —resmungou Juana.
—Já?! Já está? —gritou Montse.
E a cigana assentiu.
—Devem cair à água. É o elo de união que as levará até onde desejam estar. —e olhando
Montse sussurrou— Será muito feliz em seu castelo, princesa; sempre soube meu amor.
Radiante, Montse se lançou contra a cigana e a abraçou. Pouco depois, e após despedir-se
dela, as três amigas baixavam caminhando até o porto de Leigh emocionadas, risonhas, e
radiantes, sem importar a chuva, os trovões e os relâmpagos.
—Vou sentir falta de ambas. —choramingou Julia, emocionada.
—Ai, minha menina, e nós de você.
Nesse momento um blecaute geral deixou sem luz Edimburgo e todas souberam que tinha
chegado o momento. Montse, ao ver sua amiga tão chorosa, abraçou-a e desejando acabar o
quanto antes com aquele lacrimogêneo momento, pegou a canaria pela mão e disse a Julia em
tom zombador:
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—Norma Duval, lhe cedemos às honras de que nos empurre à felicidade.
Limpando o rosto, Julia sorriu e após lhes dar um último beijo posou suas trementes mãos
nas costas delas para as empurrar às águas do porto de Leigh.
—Que a felicidade as acompanhe o resto de suas vidas. —gritou enquanto as via inundar-
se.

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Capítulo 56

Escócia, lago Tay 1690.

Montse e Juana emergiram como duas ninfas das águas do lago Tay. E como era de esperar
fazia frio.
—Ai, Deus. —se queixou Montse — é mais desagradável que um frigorífico.
—Bom, minha menina, acredito que retornamos. Voltamos a ser Paris Hilton e Cindy
Crawford.
—Sim, sim, sim. Obrigada Erika. Obrigadaaaaaaaaaaaaa. —gritou como uma possessa.
Nadaram até a borda e, uma vez fora da água, fundiram-se em um abraço. Tinham
retornado, mas onde estavam?
—Para onde vamos? Reconhece algo?
A canaria olhou a seu redor e, dando de ombros, negou com a cabeça enquanto lhe batiam
os dentes.
—A verdade é que em momentos como este, um GPS nos viria de maravilha. — disse
Montse enquanto sorria.
Felizes começaram a andar. Caminharam durante horas, mas a alegria era tal que nada, nem
sequer o frio, podia obscurecer sua felicidade. De repente Montse parou.
—O que acontece? —perguntou Juana.
Com um sorriso de orelha a orelha, assinalou para um lado e beijou sua amiga.
—Senhora Sutherland, acredito que chegou o momento de que seu marido volte a te ver.
A Juana subiu o coração à boca, mas ao dirigir sua vista na direção em que sua amiga
assinalava, quase desmaia ao ver Alaisthar, o homem de sua vida, sentado aos pés de uma
árvore em companhia de um cão.
—Garota, vá ver, reage; que vejo que vai dar um ataque de ansiedade e não tenho uma
bolsinha de papel para que respire.
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—Ai, que nervos...
Entendia perfeitamente os sentimentos de sua amiga. Voltou a animá-la.
—Sei céu, mas levamos muito tempo desejando isto. E se seguir assim, em vez de dar uma
surpresa a seu pobre marido, vai dar um susto de morte.
A canaria teve que se sentar no chão. Era tal a emoção que sentia que lhe faltava o ar. Ali, a
poucos passos, estava Alaisthar. Seu Alaisthar!
—Ai, minha menina, como cresceu Molho picante, e que bonito está meu marido. —
sussurrou com os olhos infestados de lágrimas.
—Anda, vai. Estou segura de que os dois se voltarão loucos quando a virem.
Juana tomou ar, levantou-se e começou a andar para eles. O cão rapidamente se precaveu de
que alguém se aproximava e correu a seu encontro. Alaisthar, ao ver que o animal se separava
de seu lado, levantou o olhar e ficou mais branco que o papel. Levantou-se como pôde, mas
teve que se apoiar na árvore para repor-se da impressão. Ela, sua Paris, sua mulher, sua menina,
havia retornado.
E antes que ela pudesse dizer alguma de suas frases, ele estava abraçando-a e beijando-a
com devoção.
—Olá, minha menina.
—Alaisthar, voltei. E desta vez é para sempre.
Incrédulo voltou a olhá-la e soltou um uivo de felicidade.
Depois de infinidade de beijos, carinhos e abraços, Alaisthar abraçou também a jovem
Cindy. Quando reagiu da impressão, correu a seu cavalo e lhes proporcionou umas mantas para
que se esquentasse. As pobres estavam congeladas.
—Por todos os Santos! Pegarão uma pneumonia. —disse ele— Venham, vamos ao castelo
para que se esquentem.
—Um momento, Alaisthar. —pediu a canaria ao ver a cara de susto de sua amiga —
Acredito que Cindy precisa perguntar algo.
—Como está Declan?
O homem sorriu e voltou a abraçar sua mulher.
—Acredito que quando a ver vai levar a maior surpresa de sua vida.
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—Imagino que para bem, verdade?
—Não o duvide, Cindy... Não o duvide.
Uma vez que conseguiu tranquilizá-la, o highlander lhe garantiu que o duque estava no
castelo. Montse queria correr para ele, mas sabia que outras pessoas a interceptariam no
caminho e queria o surpreender; que fosse ele a primeira pessoa com quem se encontrasse.
Ditoso, e ainda sem terminar de acreditar no ocorrido, o ruivo se ofereceu para ir buscá-lo.
Levaria-o ao bosque com qualquer pretexto.
Escondidas nas cercanias de Elcho e cantarolando uma canção para aplacar os nervos, as
duas jovens esperaram o que a Montse deu a sensação de ser uma eternidade.
—O que quer me mostrar? —escutaram de repente que Declan perguntava a seu amigo.
—Algo que estou seguro que vai gostar muito. —riu aquele — Segue o atalho e não muito
longe daqui o encontrará.
Ao ver que seu laird o olhava com gesto carrancudo, Alaisthar sorriu e lhe deu um amistoso
golpe no ombro.
—Vai, Declan, e se o que vê não se parece à coisa mais maravilhosa que viu nos últimos
tempos, quando voltar juro que me deixarei açoitar por ti.
Surpreso, o duque sorriu e começou a caminhar na direção que seu amigo tinha indicado.
—Recorda o que disse, porque eu não vou esquecer. —disse, voltando-se para ele antes de
internar-se entre as árvores.
As duas jovens continuavam escondidas atrás de uns arbustos. A canaria estava encantada
enquanto Montse, nervosa, continuava cantarolando. De repente um assobio de Alaisthar fez
saber a sua mulher que a esperava.
—Bom, minha menina, deixa de cantar que chegou seu momento.
—Ai, Deus, me tremem até os cílios! —Suspirou e retirou o emaranhado e ainda molhado
cabelo do rosto— Estou bem ou muito desastrosa?
Divertida, sua amiga a olhou e a beijou.
—Está muito bonita, como sempre. E tranquila, acredito que a Declan seu aspecto é o que
menos o importará neste momento. Venha me dê um beijo.

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Engolindo com dificuldade, Montse a beijou e ficou observando como sua amiga se
afastava meio arrastada. De repente, o som de umas pegadas que se aproximavam a alertou.
Ficou petrificada quando o viu. Ante ela se erguia o guerreiro. O homem forte. O homem de
seus sonhos. O homem que amava com toda sua alma e que a tinha levado até ali.
Declan ia olhando a seu redor com curiosidade O que era aquilo que Alaisthar queria que
visse?
—Senhor Carmichael, posso chamá-lo assim? —escutou de repente.
Aquela voz o paralisou. Só havia uma pessoa no mundo que tinha aquele tom descarado,
doce e encantador ao falar; uma pessoa a que ele tinha tido saudades dia e noite. Voltando seu
olhar felino para a direita, cravou seus inquietantes olhos nela.
—Você! —sussurrou confuso.
Montse ao ver que ele não se movia, que só a observava, franziu o cenho e com um
encantador sorriso respondeu com a primeira frase que escutou um dia daqueles pecaminosos
lábios.
—Eu?! Eu o que?
Declan sorriu. Ele também recordava aquele momento, e correu até ela com grandes
pernadas para abraçá-la. Beijou-a com ânsia, com ardor e paixão; com desejo, doçura e
devoção. Entre seus braços tinha à mulher que adorava e que com sua ausência lhe tinha
quebrado o coração. Era incapaz de abrir os olhos, por temor a que aquilo fosse um sonho.
—Declan, Declan, que me sufoca!
Alertado a soltou imediatamente.
—Sei que fui sem me despedir, —brincou— mas isso não lhe dá direito de me sufocar
quando retorno de novo a você.
Enjoado ante aquela forte impressão, tomou seu rosto entre suas grandes mãos para
sussurrar sobre seus lábios.
— Me diga que nunca voltará a partir.
—Nunca partirei querido.
—Querido. —saboreou aquela doce palavra— Quanto desejei lhe ouvir dizer isso, meu
amor.
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Pegando-a nos braços a devorou com um beijo possessivo que só interrompeu ao escutar
uma tosse.
—Declan, vejo que encontrou a maravilha que lhe disse. —riu Alaisthar do braço de sua
mulher.
—Sim, amigo, e me alegra saber que você também. —assentiu este, piscando um olho a
jovem Paris.
—Oh, sim, não o duvide. E se nos desculpam, minha menina e eu nos ausentaremos uns
dias de Elcho. Temos muitos assuntos pendentes.
A gargalhada geral ressonou no bosque. Depois, os senhores Sutherland, com seu cão
Molho picante, afastaram-se dispostos a começar sua história particular.
Radiante de felicidade, a futura duquesa olhou ao homem que adorava.
—Como estão minhas meninas?
—Bem, embora lhe sentem falta todos os dias.
Ao falar delas, a jovem recordou algo e tirou umas molhadas bonecas de trapo do bolso.
—Trouxe-lhes um mimo. Espero que isto sirva para que me perdoem.
Divertido, emocionado e feliz como nunca em sua vida, Declan a enlaçou pela cintura
enquanto caminhavam para o castelo de Elcho.
—Não sei se lhe perdoarão; foi muito chungo o que fez.
—Chungo? —riu ao lhe escutar.
—Sim, senhorita Crawford. E antes que diga algo, seu castigo será se casar comigo, criar
nossas filhas e fazer que todos sejamos felizes o resto de nossas vidas. Algo a dizer?
Com essa felicidade que lhe exigia instalada no rosto, o corpo e o coração, beijou ao
homem de seus sonhos.
—Só posso dizer, sim quero.

276
Epílogo

Castelo de Elcho, Escócia...


Um ano depois.

—Mami, mami, alguém se aproxima. —chiou Aileen ao olhar pela janela.


—É Rapunzel — gritou Maud.
—Tesouro, já lhe disse centenas de vezes que não chame assim a Rose.
—Mas mami, a tia Paris diz que... —prosseguiu Maud, mas ela a interrompeu ao aproximar
a comitiva.
—Logo falaremos disso. Agora vamos, que estão chegando os noivos.
Todos em Elcho saíram para receber com gritaria aos senhores Stuart. Rose Ou'Callahan e
Kenneth Stuart haviam se desposado quatro meses atrás e retornavam de sua viagem de lua de
mel. Quando Rose viu sua amiga Cindy, sorriu e desceu de um salto do cavalo de seu
flamejante marido para abraçá-la.
—Noto-lhe radiante, senhora Stuart. —saudou enquanto a atraía para si para abraçá-la—
Vejo que o corajoso Kenneth te faz muito feliz.
—Ai, minha menina, está radiante! —gritou a canaria, abraçando-a.
A jovem Rose Ou'Callahan retirou o cabelo com graça da testa e olhou aquelas duas jovens
às que tanto queria.
—Oh, sim, Kenneth é maravilhoso! —suspirou, olhando seu marido que nesse momento
saudava Declan e Alaisthar— E antes que me perguntem isso, seu presente para a noite de
bodas... Encantou a Kenneth!
Aquilo fez que as três rissem as gargalhadas. Um conjunto de cacinha e um sutiã do mais
indecente foi o presente que as espanholas confeccionaram para sua noite de bodas. E embora
ao princípio a Rose parecesse algo indecoroso e atrevido, ao que parecia lhes tinha feito caso e
o estreou. O resultado foi um Kenneth Stuart encantado e rendido a seus pés.
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—Advertimo-lhe isso, rainha. Aos homens uma boa calcinha os deixa loucos. — burlou
Montse.
—Onde estão os bebês? —perguntou Rose divertida— Quero conhecê-los.
—Ai, minha menina, são preciosos! —murmurou a canaria ao recordar seu pequeno Kiefer.
—Vem, estão dormindo. —sorriu Montse, ao pensar em Aisling Carmichael.
Rapidamente, e ante as divertidas caras de seus maridos, as três jovens desapareceram no
interior do castelo. Fiona, lia no salão junto à lareira, com um berço de madeira a cada lado. Ao
abrir a porta e ver entrar as três moças, a mulher se levantou para dar a bem-vinda a recém
chegada.
—Rose, querida, que alegria saber de ti. Como foi sua viagem?
—Maravilhoso, Fiona, maravilhoso.
Montse se aproximou dos berços e falou em voz baixa para não despertar os meninos.
—E estes são Kiefer e Aisling.
—Nem precisa dizer que o ruivo é o de meu Alaisthar e meu. —comentou a canaria em tom
sarcástico.
—Aisling? —perguntou Kenneth— Significa «sonho» em gaélico.
—Ah! —assentiu a orgulhosa mãe— Minha menina é todo um sonho.
Declan cravou o olhar em sua bonita mulher, orgulhoso.
—Aisling é um formoso nome para nossa filha.
Rose, emocionada ao ver aqueles bebês, aproximou-se deles e murmurou.
—São preciosos. Preciosos!
—Estou segura que dentro de pouco também brincará de correr com algum assim pelo
castelo de Huntingtower. Só tem que olhar como a observa seu marido para saber que não
demorará muito em acontecer. — cochichou Fiona a seu ouvido, ao tempo que a abraçava pela
cintura.
—É obvio Fiona. Asseguro-lhe que ambos estamos pondo todo nosso esforço para que seja
assim. —disse Kenneth, que a tinha escutado apesar de tudo, fazendo sorrir aos presentes e
acalorando sua mulher.

278
Depois de falar durante um momento ao redor dos bebês, Edel entrou na sala para dizer que
o jantar já estava preparado e todos, à exceção de Declan e sua esposa, retiraram-se para o salão
para ocupar seus postos na mesa. O duque não podia afastar os olhos de sua adorada Cindy, que
observava sua pequena com olhar maternal.
—No que pensa?
—Em como é bonita. É perfeita!
—Tão bonita como a mãe.
—Declan...
—O que?
—Tenho algo para contar.
Surpreso por aquilo o highlander franziu o cenho.
—Vale alguma coisa? —perguntou fazendo-a sorrir.
—Não sei. Acredito que não, mas...
—Cindy Crawford, o que é o que tem que me contar? —exigiu.
—Vejamos. Sei que está feliz com Maud, Aileen e agora Aisling, mas você gostaria de ter
um varão? —ao ver que ele a olhava boquiaberto, ela continuou tocando sua ainda inexistente
barriga...
Declan a abraçou e, sorrindo pela feliz notícia que acabava de lhe dar sua mulherzinha,
murmurou antes de beijá-la:
—Quero e sempre quererei tudo, absolutamente tudo, o que você me der.

Fim

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