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Kate Danon

Título original: La Joya de Meggernie


Autora: Kate Danon
© Victoria Rodríguez Salido
1ª Edição em português: 2023
Tradução: Rosângela Mazurok Vieira
@rompendofronteirastradução
Portada: Alexia Jorques

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Dedicatória
PRÓLOGO
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28
CAPÍTULO 29
CAPÍTULO 30
CAPÍTULO 31
CAPÍTULO 32
CAPÍTULO 33
CAPÍTULO 34
CAPÍTULO 35
CAPÍTULO 36
CAPÍTULO 37
CAPÍTULO 38
CAPÍTULO 39
CAPÍTULO 40
CAPÍTULO 41
CAPÍTULO 42
CAPÍTULO 43
CAPÍTULO 44
CAPÍTULO 45
CAPÍTULO 46
AGRADECIMENTOS
SOBRE A AUTORA
Dedicatória
À minha família, que não hesitou em me acompanhar em uma das viagens mais inesquecíveis
que já fiz. Percorremos a Escócia em busca de paisagens, experiências, sensações e inspiração.
Voltamos para casa com uma carga de memórias incríveis que vão nos encher o coração e a alma
quando as evocarmos, porque foi uma experiência única. E a chama que eu tinha dentro de mim, a
desta história que vão ler a seguir, foi atiçada pelo ar das Highlands, com o verde das suas
montanhas e o azul dos seus lagos, com a magia dos seus castelos e a aventura que se respirava em
cada etapa da viagem. Só espero ter conseguido captar nestas páginas parte do que senti...
PRÓLOGO

Masmorras de Innis Chonnel, maio de 1314

O menino tinha voltado, não podia acreditar.


Ewan Campbell desceu às masmorras para ver com seus próprios olhos.
Dispensou o guarda que vigiava a porta e entrou na cela, sem se conter.
Precisava ficar sozinho com ele. Precisava descobrir como se livrar desse
feitiço que estava consumindo sua mente e coração....
Desde criança, aprendera que um chefe deve ser forte, autoritário e saber
governar seu povo com mão de ferro. Ele havia sido treinado para esse
propósito. Havia vivido um inferno nas mãos de um pai que não permitia
fraqueza em nenhum de seus homens... Menos ainda em seu próprio filho,
mesmo que fosse apenas uma criança.
Ewan reconheceu, depois daqueles anos horríveis de sua infância, que o
havia suportado graças a sua mãe e a seu tio Alec. As duas pessoas que
mais o amaram, as duas únicas que souberam confortá-lo quando a rígida
tutela de seu pai, Duncan Campbell, tornou-se insuportável.
Mas nem mesmo eles conseguiram evitar que ficasse gravado a fogo,
sob sua pele, que um bom líder tinha que ser um homem de verdade. Um
guerreiro de conduta admirável, mais temido do que amado, com uma
vontade forte e uma moral impecável.
Nesses momentos de perplexidade, Ewan Campbell não teve dúvidas do
que seu pai pensaria dele se pudesse vê-lo.
Diria que ele não era um bom laird.
Diria que não era o guerreiro que sempre quis que ele fosse.
Diria que não merecia ser chamado de filho.
Porque, por mais que tentasse negar para si mesmo, Ewan sabia que
algo desconhecido havia despertado dentro dele quando conheceu aquele
maldito garoto com cara de duende. Algo que estava além de sua
compreensão e de seu autocontrole. Algo que ardia em suas veias, que o
fazia ansiar por coisas que nunca teve, que não lhe permitia fechar os olhos
sem ver a imagem que o torturava por trás de suas pálpebras.
Estava ficando louco?
Desde que ele apareceu, tudo ficou confuso. Aquele garoto
insignificante de olhos azuis havia desmoronado o mundo dele. Não havia
mais ninguém. Não havia mais nada.
Como combater aquela paixão avassaladora que se instalara em seu
peito e se tornara uma verdadeira obsessão?
Tentou escapar do feitiço dele... e quase conseguiu. No entanto, não
contava com seu retorno. Depois de abandoná-lo longe de Innis Chonnel,
teve a audácia de voltar. Ele não teve escolha a não ser trancá-lo novamente
na masmorra, embora isso também não tivesse sido suficiente.
Agora estava diante dele, deitado num canto daquela cela, dormindo,
alheio ao caos de sentimentos que se originara dentro dele. Apesar de estar
naquelas condições lamentáveis, envolto na frieza úmida daquele buraco, o
duende desfrutava de um sonho que achava ilusório.
Sentou-se no chão e encostou as costas na parede de pedra, incapaz de
tirar o olhar daquele corpo esguio. Com um suspiro derrotado, o laird
Campbell enxugou o rosto com as mãos.
Ele não se reconhecia mais, era uma fraude para todo o seu povo. Se
soubessem o que se passava em sua cabeça, o deserdariam. Se seus homens
descobrissem o que estava roubando sua sanidade no dia a dia, o
difamariam impiedosamente.
E estariam certos.
Porque Ewan Campbell, leal servo do rei Robert de Bruce, orgulhoso
chefe de seu clã, não era mais o exemplo a ser seguido pelos guerreiros que
ele treinava para a batalha que se aproximava contra os ingleses.
Ewan Campbell não era mais o homem de conduta e moral impecáveis ​
que seu pai gostaria que ele fosse.
Ewan Campbell, perseguido por dezenas de mulheres, invejado pelos
soldados mais ferozes, sucumbiu ao feitiço de uma criatura do seu próprio
sexo...
E ele se odiava por isso.
CAPÍTULO 1

Dois meses antes

Desde pequena, todos diziam que ela era a cara da mãe. A jovem Willow
ficava honrada por terem feito essa comparação, já que Erinn MacGregor
havia morrido no parto e ela nunca a conheceu. Saber que, de alguma
forma, sua mãe se refletia em seus olhos azuis, na forma de sua boca
quando sorria, na cor escura de seus cabelos longos e sedosos, a confortava.
Era uma forma de mantê-la próxima, mesmo quando ela nunca estivera ao
seu lado; era sua maneira particular e privada de conhecê-la.
Naquele dia, a semelhança entre as duas era mais perceptível do que
nunca. Talvez pela maneira como ela sorria, ou porque finalmente podia
sentir, sob aquelas bochechas rosadas, o rosto da mulher que estava prestes
a se tornar. Apesar de ter acabado de completar dezoito anos, ficou claro
que seus traços precisavam amadurecer um pouco mais para chegar à
expressão final.
Sua velha ama de leite, Marie, passou por ela na escada e pôde ver como
sua jovem senhora estava satisfeita.
— Aonde vai tão eufórica? — perguntou.
— Tio Gilmer me mandou chamar. Quer me dar meu presente de
aniversário.
A velha sorriu ternamente para ela. Não eram tempos bons, e qualquer
detalhe que colorisse aqueles dias cinzentos em que viviam era bem-vindo.
A menina não tinha motivos para comemorar nada, com o pai e um de seus
irmãos ausentes, convocados para a guerra que o rei Robert de Bruce,
liderava contra os ingleses. A maioria dos soldados MacGregor partiu com
eles e a jovem ficou sob os cuidados de Niall, o mais novo dos gêmeos, que
tinha a tarefa de protegê-la e se encarregar do clã enquanto o verdadeiro
laird, seu pai, lutava contra o inimigo.
Chegando ao grande salão, Willow viu que seu tio já estava lá, sentado à
cabeceira da longa mesa enquanto sua governanta, Rhona, lhe servia uma
taça de vinho. A mulher levantou o olhar e lhe deu um sorriso sincero.
Caminhou em sua direção e lhe falou antes de sair.
— Hoje ele está de muito bom humor. Acho que o presente, deixa
emocionado mais a ele do que a senhorita — sussurrou com cumplicidade.
Willow sorriu de volta, encantada. Sempre gostou de Rhona, uma
mulher atenciosa e carinhosa que estava no comando de Landon Tower
desde que conseguia se lembrar. As más línguas diziam que tanta entrega e
dedicação ao seu trabalho se devia ao fato de estar secretamente apaixonada
pelo senhor daquele castelo. Willow não via nada de errado nisso, muito
pelo contrário. Tio Gilmer nunca fora casado e, se Rhona tivesse escolhido
amá-lo, não faria mal.
— Que bom que está feliz — respondeu ela, apertando carinhosamente
uma das mãos da governanta. — Entre todos nós faremos com que ele volte
a ser o homem que era.
Uma sombra de tristeza atravessou então o rosto da mulher.
— Será complicado, minha senhora. Ninguém volta a ser a mesma
pessoa que era quando os dentes desta guerra cruel mordem seu coração.
Willow engoliu em seco com o nó que se formou em sua garganta com o
tom dela. Não foi apenas o infortúnio que tio Gilmer sofreu. O único filho
de Rhona, com apenas dezesseis anos, morreu em batalha defendendo a
causa do Rei Bruce. Ela a abraçou espontaneamente, sem saber como
expressar o quanto sentia por sua perda. Willow não conseguia imaginar sua
angústia e dor e queria confortá-la.
— Sinto muito... Eu realmente apreciava Connor, ele era um menino
muito corajoso —murmurou enquanto a abraçava.
Rhona pareceu envergonhada pela demonstração de afeto e ficou muito
quieta até que Willow se afastou.
— Ele era corajoso e o melhor dos filhos — corroborou, com olhos
enevoados. Depois, os limpou com algumas batidinhas e compôs seu
sorriso gentil novamente. — Mas hoje não é necessário falar de tristezas,
mas de alegrias. Seu tio já está impaciente para lhe dar o presente que
preparou com tanto entusiasmo. Eu a deixo com ele.
Dizendo isso, ela continuou seu caminho, e Willow foi deixada sozinha
com o senhor de Landon Tower.
— Venha, se aproxime, tem tantas coisas para conversar com Rhona? —
a chamou.
— Já vou.
Conforme ela se aproximava, a empolgação de descobrir qual seria seu
presente apagou brevemente toda a preocupação de sua mente. Não tinha
sido um bom ano; muitas ausências e muitas tristezas para aproveitar seu
aniversário. Só por isso, não poderia estar mais grata pelo detalhe que tio
Gilmer teve com ela.
Ela se sentou ao lado dele, incapaz de manter a compostura. Seus dedos
tremiam de emoção, e seus olhos contemplavam com deleite o tamanho e a
forma do enorme pacote embrulhado em linho branco, enfeitado com uma
fita carmesim amarrada cuidadosamente em volta dele. Gilmer empurrou-o
para ela com uma das mãos. Willow tentou não olhar para o outro braço,
onde um toco substituiu o membro que havia perdido no campo de batalha.
Foi por isso que ela e Niall deixaram Meggernie, sua casa, e se
encontravam em Landon Tower, a fortaleza de seu tio. Ambos o amavam
demais para deixá-lo sozinho em um momento como este e, como ela havia
confessado a Rhona momentos antes, Willow esperava que sua presença
servisse para que o guerreiro voltasse a ser o homem que conheciam, apesar
do fato de que esse infortúnio o marcara para sempre.
Na verdade, Gilmer Graham não era seu tio de sangue. Ele era amigo de
seu pai desde que ela conseguia se lembrar e, para ela e seus irmãos, ele era
um membro da família. Quando sua mão foi cortada na batalha para
reconquistar a Ilha de Man, o Rei Bruce o liberou da obrigação de lutar
contra os ingleses. Para o guerreiro, sua mutilação e subsequente dispensa
do exército escocês foram um duro golpe. Quando Niall e Willow
receberam as más notícias, foram para Landon Tower prontos para lhe dar
todo o apoio.
Niall entendeu isso muito melhor do que ela, já que o menino havia sido
excluído da batalha apenas porque Malcom, seu irmão gêmeo, havia vindo
ao mundo dois minutos antes dele. Willow sabia que Niall desejava ir para
o front com o pai e servir o rei Bruce como muitos outros jovens, e estava
convencida de que, se ela não existisse, seu irmão teria sido capaz de
cumprir os ditames de sua honra e patriotismo.
— Não vai abrir?
A voz profunda de Gilmer tirou Willow de suas reflexões e ela o olhou,
sorrindo. Sentiu uma onda de caloroso apreço pelo homem, não poderia
amá-lo mais se ele fosse seu verdadeiro tio. Notou as olheiras escurecendo
seu olhar cinza e lamentou que a sorte tivesse sido tão elusiva. Não merecia
o que havia acontecido com ele e as consequências daquele infortúnio
estavam cobrando seu preço. Seu cabelo na altura dos ombros, sempre
escuro e brilhante, agora exibia vários fios prateados. Rugas agora
apareciam em seu rosto limpo e barbeado que não existiam ali antes.
Mesmo assim, a coisa toda, com seu nariz um tanto achatado e lábios finos
e elegantes, tornava o seu rosto atraente. Willow se perguntou por que
nunca se casou ou por que, desde que sabia dos sentimentos de Rhona por
ele, não tornou público seu relacionamento com a governanta e que era um
segredo aberto dentro das paredes daquela fortaleza. Foi até dito que
Connor, o menino que Rhona deu à luz apesar de não ter marido, era filho
do laird Graham. Tio Gilmer nunca o reconheceu e nunca admitiu ter
relações com nenhuma mulher. Mas, de qualquer maneira, Willow disse a si
mesma, esse assunto não era da sua conta e não cabia a ela comentá-lo...
Com dedos trêmulos, desfez o laço que enfeitava o pacote e o
desembrulhou, prendendo a respiração. Quando afastou o pano branco,
descobriu um lindo vestido de seda azul-celeste e levou a mão à boca para
abafar uma exclamação.
— Tio Gilmer..., é maravilhoso — sussurrou, com lágrimas nos olhos.
Desdobrou a roupa e se levantou. Colocou-a na frente do corpo,
acariciando a maciez do tecido, admirando os bordados dourados nas
mangas e no decote. Era o vestido mais incrível que ela já tivera.
Quando levantou o olhar, descobriu que os olhos de seu tio também
estavam nublados com emoção.
— Quero que use na festa que pretendo dar em sua homenagem —
pediu ele.
Willow assentiu e se inclinou para dar um beijo suave em sua bochecha.
Ele respirou fundo enquanto ela se inclinava sobre o rosto dele... Pobre tio
Gilmer, certamente não queria que as lágrimas que ela percebeu por trás
daquele olhar cheio de amor escapassem.
— Obrigada por este presente incrível. E obrigada por organizar essa
festa, mesmo que meu aniversário tenha passado. Agora vou mostrar para
Niall!
A garota saiu correndo do grande salão, tão feliz que não conseguiu
conter a empolgação. Só precisava de uma coisa para ser completamente
feliz: que seu pai e Malcom pudessem estar com ela quando brindassem por
ela ter acabado de completar dezoito anos. Sabia que não podia ser assim e,
embora sua ausência atenuasse a esperança que crescia dentro dela com a
perspectiva daquela comemoração, não podia negar que estava ansiosa pelo
dia da festa. Naquele momento, era um luxo para seu tio Gilmer oferecer
um grande jantar em sua homenagem. Willow, que já havia adquirido o
básico para administrar as despesas de seu próprio clã, sabia que os cofres
de quase todas as famílias escocesas haviam sido alarmantemente esgotados
pela guerra. Os impostos do rei para cobrir as despesas de sua campanha
eram altos e os clãs notaram a falta de recursos. A festa não seria exagerada
nem luxuosa, mas mesmo assim não deixava de ser emocionante.
Subiu as escadas de pedra novamente até chegar ao andar superior, onde
ficavam os aposentos de Landon Tower. O quarto de Niall ficava ao lado do
dela, e estava tão ansiosa para lhe mostrar seu presente que entrou sem
bater ou pedir permissão.
— Niall, olha o que...! — A frase morreu em seus lábios antes que
terminasse. Willow parou na porta, intrigada ao encontrar seu irmão sentado
na cama, inclinado para a frente, os cotovelos apoiados nos joelhos, as mãos
segurando a cabeça. Na cama ao lado dele havia uma carta. Uma horrível
premonição a invadiu quando percebeu que aquela carta poderia conter
notícias do front, de seu pai ou de Malcom. Será que algo sério aconteceu
com eles? Era por isso que Niall parecia tão abatido?
— Willow — disse seu irmão, erguendo os olhos para ela, constrangido
por ter sido descoberto naquela posição.
— O que está acontecendo? É sobre o pai? É Malcom?
Niall se levantou da cama e veio para o lado dela em dois passos para
abraçá-la. O precioso vestido escorregou de suas mãos quando ela assumiu
que seu irmão estava tentando confortá-la antecipadamente. Seu coração se
apertou com incerteza e dor.
— Não, calma. Estão bem. Os dois estão bem...
A jovem soltou a respiração que não sabia que estava segurando quando
ouviu essas palavras. O alívio foi tão intenso que ela se sentiu tonta, embora
felizmente Niall ainda a segurasse em seus braços.
— Então o que há de errado?
— Devemos partir imediatamente para Meggernie.
Toda esperança de repente congelou em suas veias. Niall não poderia
estar dizendo o que ela imaginou.
— Mas a festa... é amanhã! Não podemos sair! O que aconteceu?
Niall se afastou dela, mas a segurou pelos ombros e a olhou gravemente.
— Sei que queria comemorar seu aniversário com o tio Gilmer, mas não
será possível. Já dei ordem para preparar nossas coisas, vamos embora
assim que você estiver pronta.
Willow estava negando com a cabeça, recusando-se a aceitar suas
ordens.
— Por quê? Por que temos que sair correndo? Aconteceu alguma coisa
em Meggernie?
A jovem olhou para a cama, onde o pergaminho que tinha visto ao
entrar parecia cobrar de repente um novo protagonismo. Sem dúvida, algo
escrito ali aborreceu seu irmão e o obrigou a tomar a decisão drástica de
voltar para casa.
Niall a olhou com a expressão mais séria que ela já tinha visto nele. Seu
irmão nunca teve dificuldade em falar e explicar as coisas para ela, mas
estava claro que ele estava tendo dificuldade em encontrar as palavras
certas desta vez.
— Confie em mim — foi a única coisa que poder dizer. — É de extrema
importância que voltemos.
— Mas...
— Willow, não torne as coisas mais difíceis para mim e obedeça. Por
favor.
O apelo final não diminuiu o impacto que o tom autoritário de seu irmão
teve sobre ela. Mal o reconhecia. Nunca havia falado com ela daquele jeito,
nunca se sentira tão pequena diante dele como naquele momento. Lágrimas
vieram aos seus olhos, tanto pelo desamparo que sentia quanto por não
receber de Niall a cortesia de uma explicação mínima. Achava que ela era
incapaz de entender as coisas? Se algo sério tivesse acontecido, ela estava
preparada para lidar com isso.
Magoada, pegou o vestido do chão e se virou para sair. Só esperava que,
quando Niall dissesse ao tio Gilmer sobre sua decisão de deixar Landon
Tower, o guerreiro fosse convincente o suficiente para fazê-lo mudar de
ideia.
CAPÍTULO 2

A viagem de volta para Meggernie foi triste para Willow. Ninguém


conseguiu persuadir Niall a ficar em Landon Tower até depois da festa, e
mesmo depois que Marie falou com ele, a velha ama pareceu ficar do lado
dele. A garota havia se despedido de Gilmer com lágrimas nos olhos e o
guerreiro a abraçou com emoção contida. Desejava que os MacGregor
tivessem ficado mais tempo e, como Willow, não entendeu a pressa
repentina de Niall. O guerreiro veterano não estava no seu melhor e
precisava deles; estava muito animado com aquela festa para sua sobrinha,
era um dos poucos incentivos que tinha. Que o jovem MacGregor tivesse
decidido partir, assim, tão de repente, foi um duro golpe para seu ânimo.
E Willow estava no meio dos dois homens, confusa, chateada e
magoada. Estava tão confusa com esta situação que não falou com seu
irmão desde que deixaram a fortaleza. Ele também não estava ansioso para
conversar, pois assumira a liderança da comitiva e os conduzia em um ritmo
muito mais rápido do que o normal.
Quando o sol se pôs, percebeu que estavam pelo menos na metade do
caminho. Seu traseiro estava dolorido e suas costas doíam, mas ela não
reclamou nenhuma vez. Foi um alívio ter Niall parando para acampar
durante a noite. Sua ama, que apesar de sua idade ainda andava a cavalo,
aproximou-se dela para verificar se estava bem.
— Como estão suas costas?
— Não seria bom eu reclamar, Marie, considerando que tem três vezes a
minha idade e não abriu a boca o tempo todo.
— Em outras circunstâncias eu teria feito, não duvide.
Willow a olhou, arqueando uma sobrancelha.
— E em que circunstâncias nos encontramos, exatamente?
A velha, notando que os soldados começavam a desmontar para preparar
o acampamento, fez o mesmo, esquivando-se da pergunta da jovem
senhora. A égua de Willow, Lady, inquietou-se, sinalizando para sua dona
que também precisava descansar. Ela deu um tapinha carinhoso no pescoço
dela antes de sair e seguir em direção à área onde os homens MacGregor já
estavam armando as tendas onde se abrigariam durante a noite, ao redor de
uma grande fogueira que ajudaria a combater o frio da noite.
Ela mesma cuidava de Lady, como fazia desde que seu pai a ensinou.
Cuidar da égua e cozinhar eram as únicas tarefas que lhe permitiam fazer
em casa, pois, para todo o resto, sempre tinha alguém atrás dela, fazendo
por ela. Quando sua tenda estava pronta, ela pegou suas mantas de dormir e
se juntou a Marie. Não importava que já tivesse dezoito anos; para a velha,
Willow seria sempre sua menininha e ela nunca perdia o ritual de colocá-la
na cama, mesmo quando não estavam em sua casa.
— Não me respondeu antes — ela a repreendeu, enquanto estendiam as
mantas dentro da tenda. — Sabe o que acontece com ele, certo?
Marie a olhou, e seus olhinhos castanhos brilharam na penumbra do
fogo que se filtrava pelo tecido. Apesar de ser bastante idosa, a mulher
transbordava de vitalidade e energia. Seus dedos nodosos alisaram as rugas
nas mantas, então deu um tapinha na superfície para que se acomodasse.
Willow obedeceu e lhe virou as costas para que ela pudesse desfazer o
cabelo, como fazia todas as noites. Marie começou a falar enquanto suas
mãos desembaraçavam os longos fios escuros de seu cabelo.
— Seu irmão está preocupado, nada mais. Mas tudo ficará bem.
— Realmente não vai me contar o que está acontecendo?
— Ele não me disse — a mulher reconheceu, com um suspiro. —
Embora eu tenha a sensação de que logo descobriremos. Vamos lhe dar
tempo, minha menina, porque, seja o que for, ele parecia bastante afetado.
— Então, se ele não contou o que está acontecendo, sobre o que
conversaram? — Willow se virou para encará-la. Marie não costumava
mentir para ela, mas queria ter certeza.
— Ele me pediu uma coisa. Espero nunca ter que fazer isso, mas se for
necessário, farei.
Na escuridão, o belo rosto de Willow estava confuso e atordoado.
— O que te pediu?
— Algo que vai partir meu coração — Marie respondeu, obrigando-a a
virar a cabeça novamente para trançar o cabelo.
Não quis falar mais e a jovem desistiu. Sabia que não havia ninguém
mais teimosa do que sua Marie e, se não quisesse falar, não falaria. Ela era a
única mãe que conhecia, pois quando a dela morreu no parto, Ian
MacGregor contou com a ama de leite para criá-la. Depois do pai e dos
irmãos, ela era a pessoa que mais amava no mundo. Suas palavras só
aumentaram a inquietação que a acompanhava desde que deixaram Landon
Tower.
— Pronto. Vamos comer alguma coisa e depois vamos dormir. Temos
que descansar o que pudermos, imagino que seu irmão vai querer ir embora
assim que o sol nascer.
Marie saiu da tenda e voltou logo com um pouco de comida para as
duas. Willow mal comeu uma mordida, seu estômago estava fechado. Ela
colocou o prato de lado para se deitar sobre as mantas e fechou os olhos,
tentando seguir a recomendação da ama. Mas era impossível. Se revirou
algumas vezes e sabia que não conseguiria dormir, sua cabeça fervilhava de
dúvidas e preocupações. A única pessoa que poderia apaziguar aquela
angústia era seu irmão, mas depois de não lhe dirigir a palavra o dia todo,
não teve coragem de abordá-lo.
Sabia que não tinha agido bem. Se comportou como uma criança
mimada e emburrada, apesar de estar plenamente consciente de que Niall
nunca faria nada para prejudicá-la. Se remexeu sobre as mantas e olhou
para Marie, deitada ao lado dela. Ao contrário dela, o sono havia chegado
rapidamente após a longa jornada. Então virou a cabeça para a fresta aberta
na entrada da tenda e se divertiu observando o ir e vir dos soldados
MacGregor no acampamento. Seus olhos procuraram Niall entre os rostos
dos guerreiros, percebendo que não o tinha visto sorrir desde o dia anterior.
Em uma pessoa como ele, cujos olhos sempre brilhavam e que costumava
mostrar a todos seu rosto mais gentil, era inquietante.
Foi então que percebeu que Niall carregava um fardo muito grande e
que ela, em seu egoísmo, não havia feito absolutamente nada para ajudá-lo.
Estava com raiva dele por não querer compartilhar sua preocupação, e só
agora, finalmente encontrando-o sentado em frente ao fogo, com o rosto
angustiado, percebeu que talvez só tivesse que apoiá-lo, deixá-lo ver que ela
estava lá para ele, não importava o quanto as coisas ficassem sombrias.
Determinada, se levantou e envolveu sua capa nas cores MacGregor ao
seu redor antes de caminhar até onde Niall estava deitado.
— O que faz ainda acordada? — perguntou assim que a viu chegar,
tremendo de frio.
— Você também está acordado.
— Tenho muitas coisas em que pensar — disse ele, com o olhar perdido
nas chamas.
Willow se sentou ao lado dele e descansou a cabeça em seu ombro.
Notou o calor que envolvia o corpo do irmão e o cheiro agradável que ele
sempre exalava e que a lembrava de casa.
— Perdoe-me, Niall.
O sussurro triste da jovem chamou sua atenção. Os enormes olhos azuis
de Willow estavam à beira das lágrimas.
— Perdoar você? Não fez nada, Willow.
— Por isso mesmo. Eu deveria ter apoiado você e, em vez disso, fiquei
de mau humor como uma garotinha. Deixei que meu egoísmo e frivolidade
tomassem conta de meu ânimo, em vez de perguntar como poderia te
ajudar.
Niall colocou um braço em volta dos ombros dela e a apertou conta ele.
— É normal ficar chateada por perder a festa. — Niall a puxou contra
ele. — Confie em mim, sinto muito por ter tirado você de Landon Tower,
merece essa celebração e muito mais.
Willow engoliu em seco com essa declaração apaixonada e olhou
amorosamente para o rosto de seu irmão. Ele sempre lhe pareceu muito
bonito, ainda mais bonito do que Malcom, e ambos tinham as mesmas
feições. Ele tinha cabelo castanho igual ao dela, e toda vez que sorria, uma
covinha aparecia em sua bochecha esquerda. Seus olhos também eram
azuis, embora mais oblíquos e menos redondos que os dela. Apesar de ser
muito alto e com porte de guerreiro, sua aparência não era intimidadora.
Niall era muito especial; ele era, dos três, o mais alegre e o mais afetuoso de
todos em Meggernie. Não era para menos. Gentil e de coração generoso,
conhecia a natureza das pessoas e sabia conquistar a confiança dos que o
rodeavam. Willow sempre podia contar com ele, para fazê-la rir, para ouvi-
la, para abraçá-la quando sentia falta da mãe que ela não havia conhecido,
que seu peito doía quando ela respirava.
Malcom não era como ele. Ele a amava, disso não tinha dúvidas, mas
não se dava tão bem com ela como com Niall. Malcom era mais sério,
muito menos sentimental e mais pragmático em relação a tudo. Não era um
sonhador, não ria de nada e nunca dançou em festas. Era um guerreiro
feroz, sim, e talvez fosse a única coisa em que pudesse se considerar
superior a Niall. Ambos os irmãos eram excepcionais com a espada, mas
Malcom era um pouco mais forte, lhe dando uma vantagem na luta entre
eles. Ela sabia que seu pai a havia deixado aos cuidados de Niall porque ele
a entendia muito melhor do que o bruto do Malcom, mas às vezes ela se
perguntava se seu irmão havia concordado com aquela decisão, e se não
preferia estar na linha de frente do que de babá, suportando a bobagem de
uma jovem se dramatizando por não poder desfrutar de uma simples
comemoração.
— Eu não me importo com a festa, Niall — disse, quando conseguiu se
livrar do nó na garganta ao pensar nessa possibilidade. — O que eu
realmente sinto muito é estar lhe causando tantos problemas. Eu sei… eu
sei que se não fosse por mim, estaria com papai e Malcom no campo de
batalha agora. Sei que se arrepende de não poder servir ao seu país como
gostaria e lamento que eu seja a culpada por você ter que ficar.
— Acha que é a culpada por papai me deixar responsável por
Meggernie... e por você?
— Eu sei que você gostaria de estar com eles e não pode, por mim.
Niall balançou a cabeça em descrença.
— Willow... — Ele acariciou carinhosamente o rosto dela antes de
continuar falando. — Claro que gostaria de ajudar e servir nosso rei, mas
alguém tinha que ficar no comando do clã. Não sinto muito por estar aqui
com você, como pode pensar isso? Não sabe que, para mim, é a coisa mais
importante?
— De verdade?
— Você é minha pequena, a joia de Meggernie. Papai sabia que eu era a
pessoa mais adequada para cuidar de você... Malcom a teria observado
como um falcão, tenho certeza, e não teria deixado nada de ruim lhe
acontecer. Mas ele teria permitido que o visitasse no meio da noite para lhe
contar um de seus pesadelos? Se acordasse Malcom com tal absurdo, ele
jogaria um travesseiro em seu rosto e gritaria para que saísse do quarto dele.
Papai sabia que, em vez disso, eu iria abraçá-la e buscaria uma caneca de
leite morno para que você pudesse voltar a dormir.
— Então, não sofre por ter que ser minha babá?
— De jeito nenhum. — Niall suspirou e pegou sua mão para expressar
com um aperto tudo o que tinha dentro dele e não teve tempo de colocar em
palavras. — A única coisa que me pesa é que minha coragem seja
insuficiente para te proteger.
— Eu não entendo o que quer dizer. Você é um guerreiro formidável!
Não poderia ter escolta melhor.
Niall a olhou então de uma forma estranha. A jovem nunca tinha visto
aquele brilho de preocupação em seus olhos e uma inquietação irritante
tomou conta de seu espírito.
— Vou te proteger com minha própria vida, nunca duvide — disse ele,
antes de levar as costas da mão dela aos lábios para beijá-la.
— O que aconteceu, Niall? Do que tem medo? — ela perguntou em voz
baixa. — Algo ruim aconteceu em Meggernie, é isso?
Niall respirou fundo e soltou o ar lentamente. Ficou em silêncio por
tanto tempo que a jovem pensou que ele não responderia; mas ele fez.
— Não. Mas pode acontecer... — Ele se separou dela e voltou seu olhar
para as chamas da fogueira. — Ouça, agora não é hora de falar sobre isso.
Devemos descansar, amanhã temos que sair na primeira luz e chegar em
casa o mais rápido possível. Tenho que preparar o castelo, devo reunir todos
os homens que puder.
— Tem medo de um ataque?
— Eu sempre temo que nos ataquem. Mas agora, com a maioria de
nossos soldados na linha de frente, parece-me que estamos mais expostos
do que nunca.
Ela o olhou com uma expressão questionadora, sem entender nada. Seu
irmão acariciou seu braço tentando tranquilizá-la.
— Vou te contar tudo, prometo. Mas não aqui, não agora. Amanhã,
quando não me sentir tão vulnerável, quando estivermos dentro de casa,
quando você estiver segura, conversaremos.
Willow ouviu o medo no tom de Niall. Era lógico que ele quisesse
chegar a Meggernie o mais rápido possível, já que lá desfrutavam das
defesas da fortaleza e da proteção do resto dos poucos homens que
restavam. O que Niall descobriu? O que dizia aquela carta que ela tinha
visto em sua cama naquela mesma manhã? Quem iria querer atacar sua
casa, abusando de sua clara desvantagem por ter suas forças esgotadas? A
jovem não desistiu e insistiu para que o irmão lhe contasse seus temores.
— Quem é Niall? Quem poderia querer nos machucar? Papai fez as
pazes com os Stewart há muito tempo, e também não temos notícias dos
Campbell há anos.
Niall terminou a conversa levantando-se para escoltá-la de volta para
sua tenda.
— Amanhã, eu prometo. Tem que descansar e não quero que o que
tenho a lhe dizer tire seu sono.
— Não vou conseguir dormir mesmo — ela reclamou.
— Claro que sim. Você vai ver, estarei aí, bem na sua frente, vigiando
para que nada de ruim te aconteça. — Ele pegou o rosto dela entre as mãos
e a beijou na testa. — Até amanhã, pequena.
Willow deitou-se sobre as mantas e observou-o voltar para seu lugar na
frente do fogo. Ela o encarou, lamentando que não tivesse lhe permitido que
ficasse com ele. Não queria ser um fardo, ela queria ajudar, mas sabia que
Niall ainda a via como uma menina que ele tinha que cuidar como quando
eles eram crianças. Pensou que ao esconder seus problemas a estava
protegendo, mas não estava. Há muito percebeu que nada se resolve
ignorando os males do mundo. E enquanto o povo de Meggernie,
começando com Niall e Marie, estavam determinados a mantê-la em uma
bolha, Willow entendeu que não estavam lhe fazendo nenhum favor.
A joia de Meggernie, esse era o apelido dela. O próprio Niall o usava
quando criança e seu pai adorava. Dizia que Willow brilhava com luz
própria, como uma safira, e que iluminava os corações de todos os
habitantes da fortaleza com o azul mágico de seus olhos e seu sorriso. Após
a morte de sua mãe, a quem todos adoravam, a pequena Willow foi um raio
de esperança que acendia a alegria de quem a conhecia. Era o tesouro de
seu povo, algo precioso e apreciado, embora esse título às vezes a
incomodasse.
Como naquela ocasião.
Por que ninguém estava lhe contando o que estava acontecendo? Por
que Niall era tão teimoso? Poderia ajudar, poderia dar sua opinião, poderia
apresentar soluções. Mas não. Era melhor mantê-la à margem, na
ignorância, em sua eterna redoma.
Ela esperava, de todo o coração, que seu irmão cumprisse sua palavra e
que, assim que estivessem em Meggernie, lhe contasse o que estava
acontecendo. Com esse pensamento na cabeça, aos poucos, ela adormeceu.
CAPÍTULO 3

Para sua consternação, as coisas não melhoraram quando chegaram em


casa. Niall estava mais esquivo do que nunca e suas tarefas como chefe da
fortaleza o absorviam de tal forma que a jovem não o encontrou por dois
dias.
Os soldados MacGregor estavam ficando cada vez mais nervosos, e
Errol, o segundo em comando, agora que nem seu pai nem Malcom
estavam lá, estava ajudando Niall de todas as maneiras que podia para
evitar que a situação se tornasse insustentável. Willow tentou falar com ele,
já que com seu irmão era impossível, mas não teve mais sorte do que Marie
quando o questionou. O homem se esquivou de ambas, alegando que tinha
muito trabalho pela frente e que era imprescindível cumprir as ordens que
Niall havia dado a todos os seus guerreiros.
A jovem começou a se desesperar.
Estava ficando cansada de todo mundo correndo de um lado para o
outro do castelo com cara assustada sem lhe explicar nada. Decidiu que se
seu irmão não falasse com ela naquela noite, iria para o quarto dele e não o
deixaria dormir até que lhe contasse o problema.
No entanto, Niall não apareceu no salão na hora do jantar. Willow teve
que se contentar com a companhia de Marie e algumas das esposas dos
guerreiros que foram para o front com seu pai. As damas comentaram que
todos os soldados de Meggernie pareciam nervosos e o ar era o prelúdio da
tragédia. Seus comentários sinistros causaram arrepios em Willow e
azedaram sua comida, mas ela não podia repreendê-las. Sentia o mesmo e
estava muito preocupada. Nem mesmo a música suave do alaúde que
pretendia animar a noite conseguiu distrair as mulheres daquela
inquietação.
Seus temores se concretizaram muito antes do esperado, pois logo após
a sobremesa ser servida, seu irmão irrompeu na sala seguido por vários de
seus homens, com o rosto tenso.
— Meggernie está sendo atacada.
A sentença caiu sobre todos como um caldeirão de água fervente.
Pularam de suas cadeiras e se aproximaram dele, enchendo-o de perguntas
que exalavam pânico. Niall acenou com as mãos pedindo calma, incapaz de
entender uma única palavra do que suas vozes histéricas balbuciavam.
— Por favor silencio! — lhes pediu. — Preciso que vão buscar as
crianças e se refugiem nos porões até que o perigo passe.
— Quem está nos atacando?
— O que está acontecendo?
— Por quê? O que querem de nós?
As mulheres continuaram perguntando como se não o tivessem ouvido.
— Façam o que estou dizendo, eu imploro.
— Niall, o que... o que está acontecendo? — Willow somou ao
nervosismo geral, sabendo que seu irmão já havia previsto aquele ataque.
E não tinha lhe contado nada sobre isso.
Os olhos azuis do jovem guerreiro se fixaram nos dela e um arrepio
percorreu sua espinha com a terrível sensação que a dominou. Viu os lábios
do irmão se abrirem para responder, mas os gritos de Errol na porta do
corredor chamaram sua atenção.
— Niall! Eles entraram, estão dentro! Alguém deve ter lhes dado acesso
por dentro!
As mulheres gritaram de horror e correram para cumprir as ordens de
Niall, seu rosto contorcido com a notícia. Ele se virou para Willow e pegou
as mãos dela.
— Vá até Marie e faça o que ela pedir. Mal tivemos tempo...
— Niall, precisamos de você, rápido! — exortou Errol.
— Niall... — sussurrou Willow, em voz baixa, abraçando
desesperadamente o irmão.
— Não há tempo — ela o ouviu dizer, antes de beijá-la na testa. —
Prometa que fará o que Marie lhe disser, prometa.
Ele embalou seu rosto em suas mãos e mergulhou em seus olhos,
esperando por sua resposta.
— Te prometo.
— Boa menina. — Niall a olhou intensamente, beijou-a na testa
novamente e, antes de se separar dela, articulou com voz rouca: — Eu te
amo, nunca se esqueça disso.
Então ele se afastou para se juntar a Errol e os outros, desaparecendo de
vista tão rapidamente que Willow pensou ter sonhado com aquela
separação. Ela também não teve tempo de assimilar, porque a mão ossuda
de Marie pegou a dela e a puxou em direção à escada que levava ao andar
superior.
— Mas Niall disse para se refugiar no porão! — protestou.
— Não, você não. O que ele te pediu? Faça o que eu digo e me siga.
Correram pelo corredor que levava ao quarto principal do castelo,
aquele ocupado pelo laird, seu pai. Os sons da batalha chegavam até lá,
assustadores e aterrorizantes.
O coração de Willow batia forte, apavorada com o que estava
acontecendo.
— Deus Todo-Poderoso, Marie. O que está acontecendo? O que você
sabe, o que Niall lhe disse? Quem nos ataca?
— A única coisa que seu irmão me revelou é que tinha que te manter
segura. Vamos, não perca tempo, não há tempo a perder.
Entraram no quarto do senhor, Ian MacGregor, e Marie trancou a porta
para que ninguém pudesse abri-la. Willow olhou em volta com olhos
assustados, sem entender o que estavam fazendo ali.
— Rápido, tire a roupa!
— O quê?
Marie não respondeu. Ela enfiou a mão no baú ao pé da cama e tirou
uma trouxa e algumas roupas que poderiam ter pertencido a algum dos
criados de Meggernie.
— Tem que fugir, minha menina. E ninguém deve saber quem é...
Vamos, coloque isso.
Os olhos de Willow se encheram de lágrimas com o tom final da ama de
leite.
— Não irei. Eu quero ficar aqui, com você, com Niall. Vai ficar tudo
bem, temos bons guerreiros, eles podem vencer. Eu… eu não vou.
A velha virou-se para ela e colocou as mãos em seus ombros, olhando-a
severamente.
— Sim, você vai! Niall está lá embaixo, dando a vida para te proteger.
Prometi mantê-la segura e, diante dele, jurei a seu pai que cuidaria de você
enquanto ele lutasse na linha de frente. Então sim, irá, fugirá e fará o que eu
disser. — A mulher respirou fundo e seus olhos suavizaram antes de
continuar. — Eu disse que meu coração ia se partir... acredite, dói mais em
mim do que em você. Por favor, tire o vestido e coloque essas roupas.
Willow enxugou as lágrimas que escorriam incontrolavelmente por seu
rosto. Ela assentiu e se virou para Marie ajudá-la a desatar os laços em suas
costas. Não discutiu mais, porque havia prometido a Niall e sabia que não
havia tempo a perder. Além disso, tentar dissuadir sua ama de leite seria
inútil. Aquela serva leal se permitiria ser morta pelo mais sangrento dos
guerreiros em vez de quebrar uma ordem de seu laird ou, na falta disso, do
filho que ele havia deixado no comando do clã.
Enquanto Willow estava tirando o vestido, um estrondo alto veio do
nível mais baixo do edifício. Uma parede havia caído e as batidas dos
móveis contra o chão e as paredes anunciavam que a luta já estava dentro
do castelo.
— Tenho medo pelo Niall — confessou.
— Seu irmão sabe se cuidar. Além disso, ele conta com Errol, que vai
proteger suas costas. Vamos, apresse-se, podem estar aqui a qualquer
momento.
Marie terminou de vesti-la com as roupas esfarrapadas de servo e pediu
que ela se sentasse em um banquinho de madeira, posicionando-se atrás
dela. Com o canto do olho, Willow observou a mulher puxar uma adaga
muito afiada da trouxa de roupas que pegara e suspeitou o que iria fazer. O
pânico a percorreu da cabeça aos pés. Ela tentou se levantar para resistir,
mas Marie a segurou pelo ombro. A força que aplicou ao gesto não foi tão
grande, mas foi o suficiente para a jovem entender que não havia outra
opção.
Com mãos hábeis, Marie juntou todos os cabelos escuros, que chegavam
quase à cintura, e os ergueu no ar. Sem hesitar, moveu a lâmina da faca com
precisão e cortou o cabelo com uma habilidade incrível, depois retocou
algumas mechas para lhe dar a aparência de qualquer menino comum.
Willow fungou para conter as lágrimas antes de passar as mãos sobre a
cabeça. Seus cabelos, seus cabelos lindos e macios... Mesmo que essa
transformação fosse necessária, era muito difícil para uma jovem se livrar
de um de seus atributos mais atraentes assim.
— Era realmente necessário? — queixou-se.
A velha suspirou tristemente, mas não perdeu tempo em consolá-la. Ela
era uma menina e não entendia que o que estavam fazendo era a única coisa
que poderia salvá-la de um destino incerto. Se aproximou da lareira e
manchou as mãos com fuligem.
— Seu irmão deixou bem claro que você deveria passar despercebida —
ela explicou.
Sem dar tempo de reagir, ela passou as mãos sujas pelo rosto de Willow,
escondendo seus traços e camuflando ainda mais sua condição feminina.
Não contente, manchou também o pescoço de pele cremosa e o pouco que
mostrava os braços através da enorme camisa de homem que vestia.
— Pronto. Vamos, não vamos perder mais tempo.
Marie colocou a trouxa que tinha nos braços e foi até a enorme tapeçaria
pendurada em uma das paredes do quarto. Jogou de lado o pano grosso para
revelar uma pequena porta de madeira com fechadura. Tirou uma chave do
pescoço e a abriu.
— Tem que fugir por aqui — disse a ela.
Willow se inclinou e torceu o nariz.
— Cheira a mofo e bolor. E está muito escuro — protestou.
— Besteira. É corajosa, isso não é um desafio para você. — A mulher
pegou o rosto de sua menina em suas mãos ossudas. — Escute, na trouxa
tem comida, água, uma muda de roupa e algumas moedas. Há também uma
carta que seu irmão me deu para você. Não sei ler e ele não me contou o
que diz, mas tenho certeza de que será muito revelador.
O coração de Willow bateu mais rápido ao som disso. A carta! Seria a
mesma que Niall estava lendo em Landon Tower quando decidiu que
sairiam de lá? Seus dedos agarraram a trouxa com impaciência, mas não
havia tempo para ler.
— Marie… o que devo fazer? Para onde irei? Niall não te contou mais
nada? Quando devo retornar?
A mulher a abraçou com força antes de lhe dar as instruções finais.
— Não deve voltar, não deve confiar em ninguém. Niall irá te procurar,
ele saberá como te encontrar. E se... — A voz de Marie falhou, sem saber
como pronunciar as próximas palavras. — Se Niall não puder ir, se algo
acontecer com ele, deve esperar que Malcom ou que seu pai a encontre. Só
eles, Willow, é muito importante. Não revele sua identidade a ninguém,
agora você é um menino, entendeu?
Ela assentiu, enxugando as lágrimas do rosto, que não conseguia mais
conter. Não queria ir embora, seu coração se partia só de pensar em sair de
casa e deixar seus entes queridos lá, sem saber o que seria deles.
— Marie... — Willow tentou falar, mas alguns gritos na escada
acabaram com a despedida. Era urgente que a jovem partisse
imediatamente, ou o truque do disfarce não ajudaria.
— Vamos, vamos, vai embora — a ama a empurrou. Colocou uma capa
grossa e gasta em seus ombros, que complementava seu disfarce, além de
protegê-la do frio lá fora. — Siga este corredor até o fim. Quando sair a
superfície, se encontrará a uma distância segura de Meggernie e, mais
importante, das tropas inimigas. Tenha muito cuidado, minha menina.
Corra, corra!
Sem lhe dar tempo de se despedir, Marie bateu a porta na cara dela.
Ouviu como a trancava e logo em seguida um baque terrível que parecia
indicar que a porta do quarto havia sido arrombada.
Chorando, Willow colocou a mão aberta na madeira que a separava da
luta dentro do quarto. Ouviu vozes masculinas latindo insultos e a voz de
sua doce Marie lhe respondendo com toda a dignidade que seu corpo magro
poderia conter. Não conseguia entender o que eles estavam falando, mas
reconheceu o tom orgulhoso de sua velha criada. Com uma tristeza infinita
no coração, se virou e caminhou quase de quatro por aquele corredor
estreito, longe de sua família e de tudo que conhecia. Era muito jovem, mas
sabia o que poderia acontecer a seguir: podia ouvir o grito da velha quando
ela se recusasse a confessar seu paradeiro e aqueles guerreiros impiedosos
acabarem com sua vida. E então sim, que não poderia sair do lugar,
espantada pela crueldade daqueles homens, e a encontrariam.
Ela avançou para a escuridão, cega pela escuridão absoluta e por suas
próprias lágrimas. Mas a passagem era tão estreita que não havia chance de
tropeçar ou seguir o caminho errado. Era um túnel cavado propositalmente
para a tarefa que ela cumpria: desaparecer do castelo sem ser vista,
atravessar seus muros pela parte inferior a salvo das sentinelas inimigas e
aparecer ao outro lado, muito longe, onde ninguém mais pudesse encontrá-
la.
Depois do que lhe pareceram horas caminhando pelo longo corredor,
sempre ladeira abaixo, sentiu um sopro de brisa fresca naquela atmosfera
sufocante. Nunca parou, embora suas costas estivessem doendo por causa
de sua postura curvada, seus joelhos estivessem esfolados e suas mãos
estivessem machucadas por tatear seu caminho no escuro. Por fim,
conseguiu sua recompensa: a saída do túnel.
Quando quase conseguia respirar o ar da noite, se deparou com uma
parede de pedra que bloqueou seu caminho. Apalpou-a com a mão e
verificou que tinha fendas, por isso imaginou que só estava sobreposta.
Empurrou com todas as suas forças, pelo menos o que restava delas, e mal
conseguiu movê-la. Teve de fazer várias tentativas, até quase desmaiar, para
conseguir retirar a pedra que impedia a sua passagem para a liberdade.
Uma vez do lado de fora, seus olhos finalmente conseguiram distinguir,
sob a luz da lua cheia, as silhuetas da paisagem que enfeitava os arredores
do Castelo de Meggernie. Se virou e viu que atrás dela, como Marie havia
indicado, estava o que havia sido sua casa até aquele dia, iluminada pelo
fogo que assolava aqui e ali, incendiando algumas áreas estratégicas,
tornando-se assim um aliado de seus inimigos.
Onde Niall estaria? Talvez houvesse perecido sob a espada de um
daqueles guerreiros do inferno?
Com uma dor insuportável, desviou os olhos da fortaleza e caminhou
noite adentro, ainda chorando, ouvindo de longe os gritos de morte do seu
povo.
CAPÍTULO 4

Naquela primeira noite passou caminhando, fiel à promessa que havia feito de fugir sem olhar para
trás. Envolta em sua capa puída, cerrando os dentes contra o frio que se instalara em seus ossos, ela
se afastou cada vez mais de casa. Seus pés pareciam mutilados e dormentes. Apesar de a lua cheia
facilitar sua fuga, sua luz era fraca e mais de uma vez tropeçou e ficou presa nos galhos das árvores
da floresta por onde passava. Com as primeiras luzes da aurora, decidiu arriscar e saiu para a estrada
principal, ansiosa por encontrar uma casa ou taberna onde pudesse descansar um pouco e aquecer-se.
Caminhou por quase mais uma hora até encontrar um pequeno vilarejo e, uma vez lá, procurou a
estalagem. O local não era desconhecido para ela, pois já havia visitado o lugar com o pai quando era
mais jovem. O laird MacGregor gostava de se interessar por seu povo, e aquela aldeia ainda se
encontrava dentro dos domínios do clã.
Ao entrar no estabelecimento, observou que havia um grupo de camponeses ao lado do balcão
fazendo alvoroço apesar de ser tão cedo. A jovem aproximou-se cautelosa e chamou a atenção do
taberneiro. O homem, que parecia muito interessado na conversa que aqueles aldeões estavam tendo,
ficou irritado com a interrupção. Willow ficou surpresa ao receber seu primeiro olhar irritado e não
entendeu o que havia feito para merecer isso.
— O que você quer rapaz? — lhe perguntou, rudemente.
Ela abriu os olhos, atordoada. Santo Deus! Havia esquecido seu disfarce! Não sabia como se
sentir quando descobriu que, só por ser um menino malvestido, sua presença era irritante.
— Posso tomar uma sopa quente e um pouco de vinho? — gaguejou, quase sem voz.
— Tem com o que pagar?
A carranca do taberneiro não era muito hospitaleira.
— Sim, senhor.
— É melhor.
Willow pegou um saquinho com moedas de sua trouxa e depositou o valor da refeição e um
pouco mais no balcão.
— Também preciso de um lugar para descansar um pouco.
— Bom. No andar de cima tem quartos, pode ficar no primeiro que encontrará no final da
escada.
— Obrigado.
O homem lhe serviu o que havia pedido em uma das mesas e voltou para o grupo de aldeões,
que ainda conversavam bastante agitados.
Ela não pode deixar de ouvi-los enquanto comia, e quando ouviu o nome de sua casa na
conversa, lhes deu toda a atenção com o coração batendo forte. Ela resistiu à vontade de se levantar e
ir para o lado deles, embora naquele momento fosse o que mais queria no mundo.
— Eu digo que foi um massacre.
— Mas o que queriam? O que poderiam procurar em Meggernie? O laird não tem riqueza —
perguntou um velho que Willow reconheceu. Seu pai havia falado dele em alguma ocasião.
— Ninguém sabe — respondeu outro, o mais gordinho do grupo. — Ao chegarem, depois de
destruir o que puderam, partiram, deixando para trás morte e horror. É evidente que deve ser algum
tipo de vingança, porque como Brod disse com razão, o laird não tem nada valioso o suficiente para
provocar um ataque dessas características.
— Dizem que Meggernie foi abandonada. Os sobreviventes fugiram e se espalharam,
escondendo-se em fazendas ou aldeias vizinhas. Têm medo de um novo ataque... E eu também. Laird
MacGregor está longe, junto com o exército que teria que nos proteger. Sem líder, com o chefe do clã
no front, como vamos nos defender? — perguntou ao estalajadeiro nesta ocasião.
O coração de Willow parou com essa pergunta. Um terror primitivo apertou sua garganta até que
ela mal conseguia respirar. Apurou os ouvidos, mas o zumbido do pânico distorceu as vozes dos
homens e ela teve que fazer um esforço supremo para se concentrar. Respirou profundamente. Ele
disse... sem um líder? Onde estava Niall, o que havia acontecido com ele?
Ninguém teve tempo de responder, porque naquele momento dois rapazes invadiram o
estabelecimento, ofegantes, e se aproximaram do velho Brod agitando um pedaço de pano rasgado
nas mãos.
— Avô! Cayden encontrou isso na floresta, preso a um galho ao lado do caminho que leva a
Meggernie.
Todos os homens que ali estavam se aproximaram para estudar o que traziam. Willow também
se incorporou, tentando ver por cima das cabeças que estavam inclinadas sobre o pedaço de tartã que
as crianças haviam encontrado.
— Se parece com as cores Campbell — sussurrou Brod.
— E por que diabos os Campbell iriam querer nos atacar? — o estalajadeiro interveio
novamente, incomodado com tal possibilidade.
Não era para menos. O clã Campbell era um dos mais temidos de toda Argyll e tinha grande
respeito pelos outros clãs. Seu laird, Duncan Campbell, era famoso pela disciplina de ferro a que
submetia todos os seus soldados e por seu caráter severo e autoritário. No entanto, Willow sabia que
ele e seu pai, apesar de terem tido suas diferenças no passado, haviam concordado em uma espécie de
trégua que acabou com as disputas entre os dois clãs há muito tempo. Por que, então, esse ataque?
Perguntas corriam por sua cabeça, atordoando-a, entorpecendo seus sentidos. Algo ruim
aconteceu com Niall? E, nesse caso, o que ela faria?
Como uma luz indicadora, um pensamento iluminou sua mente. A carta! A havia esquecido
completamente. A carta que alertou seu irmão, a carta na qual ela poderia encontrar muitas das
respostas que procurava.
Rapidamente terminou seu vinho e sopa e se retirou para o quarto que o estalajadeiro havia
indicado, apertando sua trouxa contra o peito. Deixada sozinha, trancou a porta com a única cadeira
que encontrou no quarto, depois se sentou na cama perto da janela para poder ler à luz da manhã.
Enquanto vasculhava suas coisas, notou que suas mãos tremiam. Encontrou o pergaminho enrolado
no fundo, enfiado nas dobras das roupas que Marie havia colocado como reserva. Ao abri-lo, viu que
era uma nota curta e direta, um aviso.

“A jovem Willow MacGregor está em grave perigo. Ele a procura, vai atrás dela, e agora que o
laird MacGregor não está, ele acha que é o melhor momento para acertá-lo onde mais dói: sua filha.
Ele o odeia, odiou-o toda a sua vida e não vai parar até que sua vingança seja realizada. Não confie
em ninguém. Em ninguém. Só posso te avisar, não posso te dizer meu nome porque se descobrir que
eu te avisei, me mata. Mas acredite em mim, ele não vai parar por nada."

Não estava assinado, embora desse a Willow a impressão de que a caligrafia era de uma mulher.
Então é por isso que Niall ficou tão alterado quando recebeu aquela mensagem: estavam vindo atrás
dela. Quem quer que fosse, queria machucá-la para punir seu pai. Quem poderia odiá-lo tanto? O que
seu pai fez de tão ruim para ganhar a animosidade daquele inimigo cujo nome não sabiam? Willow
odiava a pessoa responsável por aquele ataque com toda a sua alma, por ser uma covarde, por esperar
até que seu pai e o exército MacGregor estivessem longe de Meggernie para realizar sua tão esperada
vingança. Isso era o que tanto perturbava Niall, e era por isso que ele temia não estar à altura e não
ser capaz de protegê-la. Claro! Todos os seus esforços, todas as instruções que dera a Marie visavam
mantê-la a salvo daquele louco rancoroso. Daí o disfarce, porque sua ama insistira em que ela não
revelasse sua identidade a ninguém, a menos que seu pai ou irmãos viessem procurá-la. O inimigo,
que sem dúvida era escocês, pois se tinha velhas desavenças com o pai era porque o conhecia antes,
podia ser qualquer um. E ele poderia ter olhos ou ouvidos atrás de cada pedra no caminho...
Willow estremeceu de terror com o pensamento e cuidadosamente guardou o pergaminho. Tinha
que guardá-lo para mostrar ao pai quando ele voltasse. E o que ela faria enquanto isso? Esperar.
Esperar e rezar para que Niall houvesse se salvado e estivesse procurando por ela.
Ela se deitou na cama, exausta pela miríade de emoções e tensões que suportava. Seus olhos se
fecharam de puro cansaço, embora o medo a aconselhasse a ficar alerta, a não dormir, a sair daquele
lugar o mais rápido possível e a se esconder de tudo e de todos.
Alguém a queria morta, mas as pálpebras estavam muito pesadas. E pouco antes de adormecer,
um nome deslizou em seus pensamentos, causando pesadelos. O nome associado às cores do pano
que encontraram na estrada e que o incriminava.
Campbell.
CAPÍTULO 5

Sobreviver longe de casa não era uma tarefa fácil. Willow havia deixado
sua vida privilegiada como filha de um senhor das Terras Altas há vários
dias, e ainda não havia encontrado um lugar seguro para ficar. Os ecos do
cruel ataque a Meggernie ainda pairavam no ar, passando de boca em boca,
de aldeia em aldeia. O boato de que foram os Campbell se espalhou como
fogo. Não havia prova dessa suposição além do pedaço de pano encontrado
por dois meninos, mas foi o suficiente para culpar um clã inteiro.
Também falaram sobre Niall. Disseram que ele havia caído na luta e isso
era incapaz de aceitar. Tinha que ser um erro. Não, não acreditaria... Pelo
menos, não até que alguém em quem confiasse a provasse.
Algo que, naqueles dias incertos, estava longe de se conseguir.
Não confiava em ninguém, não encontrou nenhum rosto amigo ou
mesmo familiar nas aldeias por onde passou. Ela manteve o disfarce, como
prometido, e não voltou para Meggernie, embora tenha sido tentada em
mais de uma ocasião. O culpado por trás daquele ataque poderia muito bem,
estar esperando que ela voltasse para casa... Não podia arriscar. Pensou em
ir para Landon Tower, junto com seu tio Gilmer. Ele a protegeria, saberia o
que fazer naquele momento em que ela estava tão perdida. Mas então se
lembrou do quanto ele havia sofrido no front, sua mutilação, que o aleijou
para sempre, e que não era mais o guerreiro de antes. Esconder-se em sua
casa só o colocaria em perigo, porque certamente o inimigo à espreita nas
sombras descobriria, e não queria que atacasse Landon Tower como fez
com Meggernie. Se ela queria proteger seus entes queridos, tinha que ficar
longe deles. Era melhor esperar, como aconselhou Marie, que o irmão
viesse em seu auxílio. Rezou para que ele e sua adorada ama tivessem
sobrevivido e já estivessem procurando por ela...
Vagou sem rumo por Argyll, sobrevivendo como qualquer moleque de
rua faria. As moedas que tinha acabaram rapidamente, não soube como
administrá-las. Fazia muito frio para dormir na rua, e a hospedagem em
pousadas ao longo do caminho era cara. Então, uma vez que seus recursos
acabaram, teve que se arriscar em práticas desonestas. Mais de uma vez ela
se viu em apuros quando foi descoberta ao se apropriar de uma maçã ou de
um pedaço de pão que não lhe pertencia. Felizmente, sempre teve pernas
rápidas e, como a magnitude de seus delitos era insignificante,
eventualmente os incautos que ela conseguiu enganar se cansavam de
persegui-la e a deixavam tranquila.
Devia ter imaginado que em algum momento sua sorte iria acabar. E
isso foi dez dias depois de sua fuga de Meggernie. Ela enfiou a mão no
alforje errado e se viu, antes que percebesse, presa nos braços de um
homem grande que não estava disposto a ignorar seu erro.
— Olha o que temos aqui! — falou para seus acompanhantes.
Willow surpreendeu os viajantes quando pararam no caminho.
Deitaram-se estendidos em torno de um fogo mais do que agradável e a
jovem pensou que cochilavam para recuperar as forças; mas a julgar pela
rapidez com que o homem se moveu, não.
— Bruto! Solte o menino, está o machucando! — uma das mulheres que
estava com ele gritou, levantando-se de suas mantas.
— Ele tentou nos roubar — se defendeu, sem soltá-la.
O terceiro e último membro do grupo, uma jovem com longos cabelos
loiros, aproximou-se dela e verificou o que Willow havia tirado de seu
alforje.
— Pai, é um pedaço de pão.
— John Nicolás St. Claire, solte esse pobre menino agora mesmo! Não
vê que ele está com fome?
— Mas Maud...
— Nem mas, nem nada.
A mulher, de estatura mediana e constituição forte, o olhou com as mãos
nos quadris e uma expressão feroz no rosto. Seu marido não teve escolha a
não ser obedecer.
Assim que se viu livre, Willow tentou correr para escapar, mas Maud a
deteve com um aperto determinado em sua capa.
— E onde você pensa que vai? Acha que é bom sair roubando aos
trancos e barrancos? Não é educado, rapaz. Sempre haverá pessoas que
compartilham um pouco de comida contigo.
A risada do homem grande assustou Willow, e ela se virou para olhar
para ele. Ele era um urso e tanto, com o rosto coberto por uma espessa
barba ruiva e risonhos olhos castanhos.
— Que agora prefere um dos meus abraços diante do seu sermão?
— Sem sermão, só te digo como é feio roubar. E não digamos perigoso.
Qual é o seu nome, garoto?
— Meu nome é Will... — Fechou a boca de repente, lembrando que
tinha que manter o disfarce.
— Will é um nome muito bonito — sussurrou a jovem de tranças,
olhando-a de um jeito estranho.
Willow passou as mãos pelo cabelo curto desconfortavelmente e deu um
passo para trás.
— Desculpe ter tentado te roubar — murmurou ela, fingindo sua voz
para baixar o tom. — Mas a verdade é que não encontrei ninguém tão
generoso para me atrever pedir comida.
— Não tem família? — perguntou Maud à queima-roupa.
Ela se encolheu e sentiu seu coração dar um baque doloroso.
— Eu tinha familia — ela respondeu à mulher, que a olhava esperando
uma resposta — mas eu a perdi.
Não havia necessidade de acrescentar mais nada, seu tom já dizia tudo.
Maud tinha ouvido aquele mesmo timbre sinistro muitas vezes de amigos e
conhecidos que, como esse menino, haviam perdido seus entes queridos.
Ela mesma havia sofrido a infelicidade de perder um filho, apenas um bebê,
há muitos anos, e seu coração ainda doía de tristeza e dor quando se
lembrava disso. Tentou ser forte para sua família e via de regra manteve
esse passado bem preso entre camadas e camadas de pragmatismo e
realidade. Mas quando se deparava com um dos muitos órfãos que
abundavam nesses tempos difíceis, não podia deixar de evocar o rosto
rosado do bebê, pensando em como seria se tivesse sobrevivido e
lamentando que o menino antes dele tivesse ficado sem família enquanto
eles eram uma família sem um filho.
— Venha, venha, sente-se conosco e aqueça-se junto ao fogo —
ofereceu, agarrando-a pelo braço para que não pensasse em fugir
novamente. Era da natureza de Maud abrir seu coração para seres que
pareciam tão indefesos e, sem perceber, ela já estava tramando um plano em
sua cabeça para tentar ajudá-lo. — Vou apresentá-lo à minha família.
Aquele grandalhão ali, tão enojado, é meu marido John. E esta é a minha
pequena Liese...
A jovem corou e baixou os olhos para o chão, constrangida.
— Mãe! Já tenho dezesseis anos, não sou menina — ela protestou.
Willow a entendia perfeitamente. Em casa sempre a trataram como uma
criatura especial por ser a caçula da família e por ser mulher. Às vezes, ela
teria preferido ser um menino de verdade para poder se comportar como
seus irmãos e que não estivessem tão atentos a ela...
Agora tudo isso não importava, porque ela estava sozinha.
Maud pegou várias frutas, um pouco de queijo e mais pão do alforge
que estava no chão. Ofereceu sua comida a Willow com um sorriso, e suas
entranhas roncaram de fome com a simples visão daquelas framboesas
silvestres. Não teve escolha a não ser sentar-se ao lado dela e aceitar sua
hospitalidade.
— E para onde está indo? — perguntou John, parando na frente dela.
A jovem deu de ombros enquanto mordia um pedaço de queijo.
— De onde é? — A mulher então perguntou, intrigada.
— Venho de Glen Lyon.
A expressão de seus companheiros improvisados mudou em um
segundo. Uma mistura de alarme e curiosidade cruzou os olhos que a
observavam sem piscar.
— Estava lá quando o castelo foi atacado? — John perguntou.
A jovem negou com a cabeça com muita força.
— Se ouve coisas horríveis sobre aquele ataque — explicou Maud. Até
agora, Willow só tinha ouvido rumores. Talvez soubessem mais, pensou, e
pudesse finalmente descobrir o que havia acontecido naquele dia. No
entanto, ela não tinha certeza se seria capaz de suportar o que iriam lhe
dizer. — Dizem que Meggernie foi atacada pelo clã Campbell e que
conseguiram matar um dos filhos do laird Ian MacGregor.
O coração de Willow parou por alguns segundos. Ela mal conseguiu
engolir o pedaço de pão que ficou preso em sua garganta e teve que piscar
repetidamente para conter as lágrimas. Então era verdade? A que ela se
recusou a acreditar, o que foi obstinada em bloquear em seu coração, era
verdade? O Niall dela estava morto? Felizmente, o casal estava concentrado
em contar a história e ninguém notou sua dor... ou assim ela pensou.
— Há rumores de que o próprio laird Campbell estava à frente do grupo
que atacou o castelo — disse o ruivo John.
Sua mulher se virou para ele como um raio, a fúria pulsando em seus
olhos.
— Bah! Não vai acreditar nessas barbaridades do homem que nos
prometeu um futuro? Impossível, não posso aceitar.
— Bem, há mais de um que está dizendo isso por aí... E a fama do laird
Campbell é conhecida por todos por sua ferocidade na batalha.
— Duncan? Duncan Campbell? — Willow perguntou, sua voz baixa e
seus olhos nublados.
Ela não o conhecia pessoalmente, mas ouviu seu pai falar de sua
brutalidade muitas vezes.
— Não, Duncan não — explicou John. — Laird Duncan caiu na batalha
da Ilha de Man contra os ingleses, não sabia? Seu filho Ewan o sucedeu no
cargo, agora ele é o chefe dos Campbell. Está no comando há pouco tempo,
mas, ao que parece, quer se colocar a par de todas as disputas que seu pai
mantinha com os outros clãs…
— De que adianta? — insistiu Maud. — Estamos em guerra com os
ingleses, pelo amor de Deus. Por que ele iria querer, agora mesmo, atacar
seus vizinhos?
— Mulher, tem uns ódios que não são se esquecem assim, e muito
menos nessas terras, você já sabe. Quando o rio soa... Se dizem que o viram
à frente de suas tropas, atacando Meggernie, deve ser por algum motivo.
— Eu não me importo com fofoqueiros insignificantes — exclamou
Maud, indignada. — Um jovem tão bonito, com aquela bravura e
generosidade inatas que tem demonstrado para com a nossa família... Não
pode ter cometido todos esses delitos de que o acusam!
John olhou para sua esposa, levantando uma de suas sobrancelhas
ruivas.
— O que sua bela aparência tem a ver com o fato de ele ser ou não um
selvagem em escaramuças contra seus inimigos?
— Bem, sim, tem muito a ver com isso. Sei enxergar além da aparência
física das pessoas, e quando digo que alguém é bonito, quero dizer muito
mais do que um rostinho bonito. Ewan Campbell tem algo... não sei dizer o
quê, mas confio nele. E ele não pode ter cometido a barbaridade de que é
acusado.
— Você confia nele porque nos ofereceu um teto para morar e um
emprego para que possamos ganhar a vida — seu marido a recriminou.
Willow sentiu um aperto doloroso no peito, mas precisava perguntar. O
que dizia a carta que chegara às mãos de Niall condizia com o fato de que a
causa de seus infortúnios era o jovem Campbell, que decidira retomar
velhos ódios. Ela não sabia que o antigo laird, Duncan Campbell, odiava
tanto seu pai. Mas estava dentro do possível. E, infelizmente, nas Terras
Altas, o ódio era um dos legados que os pais deixavam aos filhos quando
morriam.
— Do que o laird Campbell é acusado, exatamente?
Sua voz era apenas um fio quebradiço, mas chamou a atenção de seus
interlocutores. A jovem Liese foi quem respondeu, com o tom marcado pelo
horror dos rumores sobre o ataque.
— Dizem que o laird queimou uma ala inteira do castelo e ordenou que
os prisioneiros que capturaram fossem mortos na frente de suas famílias e
do próprio filho do laird MacGregor. Aparentemente, ele estava
encarregado da segurança de seu povo e seria como um castigo a mais: ver
seus homens morrerem um a um, sem piedade, nas mãos de seus inimigos.
Não sei se é verdade, mas se for, foi realmente cruel.
— E então acabaram matando ele também? — Willow não reconheceu a
própria voz, impregnada da agonia que lhe inundava a alma.
— Assim dizem — refletiu Maud, sem perder um detalhe das várias
emoções que passavam pelo rosto do que ela pensava ser um menino. —
Mas eu não acredito nisso.
No final, uma lágrima escapou do olho de Willow e todos puderam ver,
apesar do fato de ela rapidamente enxugá-la com a manga da camisa.
— Sinto muito — se desculpou — tinha amigos entre os MacGregor.
Maud estudou aquele rosto imberbe e sujo com interesse. Aquele jovem
era muito mais do que aparentava, ela tinha certeza. E de alguma forma, a
aura especial que o envolvia finalmente conquistou seu coração. Se ele
tivesse escapado daquele ataque, se tivesse visto um de seus amigos morrer,
não era de admirar que estivesse tão perturbado. Sem perceber, o instinto
maternal que já era excessivo nela aumentou. Ela havia perdido um filho e
Will havia perdido tudo. Aquele menino com certeza viveu um inferno,
mesmo que estivesse escondendo isso agora, e só por isso iria ajudá-lo. Ela
tomaria aquele filhote sob sua proteção, decidiu, e não permitiria mais que
ele vagasse sozinho, sem proteção e sem família.
Ela olhou para seu marido John e não se surpreendeu ao ver que ele
também a observava. O enorme ruivo, a quem ela amava de todo o coração,
parecia ler sua mente. Ela o questionou com os olhos e nada mais foi
necessário. Estavam juntos há muito tempo e eram capazes de falar um com
o outro com o olhar. John assentiu com um suspiro e Maud sorriu antes de
se voltar para o menino.
— Escute, Will, estamos indo para Innis Chonnel, para trabalhar no
castelo do laird Campbell. Isso é o que eu quis dizer antes quando disse que
esse homem não pode ser tão mau. Nós o conhecemos há muito tempo,
quando ele era apenas um menino, e o levamos em uma noite de tempestade
em nossa humilde cabana. Ele não esqueceu, e agora que somos nós que
precisamos de sua ajuda, ele nos dá sem hesitação. Meu marido escreveu
algumas cartas implorando por um emprego e ele nos aceitou, insistindo
para que nos mudássemos para seu castelo para viver sob sua proteção. —
Pensou por dois segundos no que ia dizer a seguir e acrescentou: — Talvez
seja uma boa ideia você vir conosco, encontraria um lar lá.
Willow a olhou como se pensasse que ela estava completamente louca.
Achava que ela pediria um emprego ao laird dos Campbells? O bastardo
que, segundo rumores, havia saqueado sua casa, assassinado seus amigos e
torturado seu irmão Niall até a morte?
Ela abriu a boca para responder com raiva, mas a mulher a deteve com a
mão levantada.
— Espere, antes de falar qualquer coisa, pense bem, está bem?
— Mãe, não insista — Liese interveio. — Se é verdade que tinha
amigos entre os MacGregor, a última coisa que quer é estar ao lado de seu
assassino.
Essa frase acendeu uma chama muito perigosa no coração de Willow.
Ao lado de seu assassino.
Sim, era uma boa forma de se aproximar daquele filho de satanás e
poder vingar sua família. Ela nunca havia sentido aquela escuridão em sua
alma antes, mas ali, parada no meio de uma estrada que a levava a lugar
nenhum, Willow MacGregor decidiu que sua única saída era a vingança. O
que iria fazer com sua vida? Vagando pelo mundo sem rumo, sobrevivendo
da boa vontade das pessoas ou de seus próprios erros até que alguém a
resgatasse? Isso provavelmente não aconteceria tão cedo também, disse a si
mesmo, especialmente desde que Niall se foi...
Ela engoliu o nó na garganta.
Os St. Claire lhe ofereciam um futuro certo, algo em que se agarrar para
dar sentido a uma vida que naquele momento parecia sem valor. Poderia
conhecer seu inimigo, poderia descobrir suas fraquezas e guardaria essa
informação para quando pudesse se encontrar novamente com seu pai e seu
irmão Malcom. Então poderiam acabar com a vida do carrasco de Niall...
...se ela não fizer isso antes.
Seus olhos azuis se iluminaram com um brilho escuro e determinado
quando se ergueram para o rosto de Maud, que esperava sua resposta.
— Tudo bem, eu vou com vocês.
CAPÍTULO 6

O pequeno grupo chegou a Innis Chonnel no momento em que o sol se


punha no horizonte. A névoa que se erguia das águas do lago Awe era de
um branco fantasmagórico na penumbra do entardecer, e a silhueta do
castelo assomava fantástica diante de seus olhos, orgulhosos no meio da
ilha para a qual se dirigiam.
Willow não parava de admirar a beleza e o encanto daquele lugar
mágico naquele cenário único. De certa forma, a lembrava de sua casa,
perto de Loch Tay, embora a construção que podia ver do outro lado,
erguida no meio das águas, parecesse escura em sua magnificência.
Meggernie era diferente, mais brilhante, mais viva. Infelizmente, sua antiga
casa não existia mais; pelo menos, não como ela se lembrava.
Innis Chonnel localizava-se no meio do lago, numa ilha de terra escura,
tornando-se assim uma fortaleza muito bem protegida das incursões
inimigas. Qualquer um que tentasse alcançá-la teria que atravessar o Awe e
ficar exposto aos olhos dos observadores. Na margem do lago onde se
encontravam naquele momento, uma pequena aldeia erguia-se discreta e
humilde sob a sombra protetora do castelo.
— Vamos morar aqui? — Liese perguntou, perturbada pelos olhares dos
moradores, que os estudavam abertamente.
— Acho que não — respondeu o pai. — Se nos juntarmos ao serviço do
laird, é provável que sejamos acomodados no castelo.
— E como vamos chegar lá? — a jovem perguntou novamente,
preocupada.
Willow sentiu que ela compartilhava o mesmo mal-estar. De algum
modo, a névoa que se elevava do Awe tinha se infiltrado em seu ânimo,
obscurecendo a pouca confiança que já tinha na decisão que havia tomado
dias atrás. Talvez, depois de tudo, entrar como uma cobra na morada do seu
inimigo não fosse tão boa ideia.
— Tem que atravessar para o outro lado, é claro — explicou John. —
Olha, ali temos um pequeno cais.
O grupo se dirigiu para a área onde um homem guardava o ancoradouro
do lago. Não havia nenhum barco à vista, mas não havia dúvida de que
aquele era o entroncamento entre o castelo e a vila com o mesmo nome.
John deu um passo à frente e se apresentou ao que era, com toda a
probabilidade, um Soldado Campbell. Mostrou-lhe a carta que seu laird lhe
enviara há algum tempo e que era o passe de que precisavam para chegar a
seu destino. O homem, de estatura mediana e olhos malignos, examinou o
documento criticamente. Willow podia jurar que o guerreiro não sabia ler e
estava escondendo mal para não ser chamado de ignorante.
— Sim, já fui avisado de sua chegada — ele finalmente anunciou,
devolvendo a carta a John.
Ele pegou uma longa vara de madeira com um pano verde amarrado na
ponta como uma bandeira e agitou-a várias vezes de frente para o castelo.
Willow olhou na mesma direção e detectou um movimento semelhante na
outra margem, ao pé da fortaleza.
— Virão buscá-los em breve — lhe explicou, antes de perder o pouco
interesse que sua chegada havia despertado nele.
Maud sentou-se em uma das rochas da orla para esperar, e o resto de
seus acompanhantes fizeram o mesmo. Pelo tom que o soldado havia usado,
em breve era um termo duvidoso e não sabiam quanto tempo levaria até que
os atendessem.
Willow olhou mais uma vez para Innis Chonnel, a fortaleza cuja figura
escureceu conforme o sol se punha no horizonte. Dúvidas voltaram a
martelar em seu espírito... Ainda havia tempo, disse a si mesma. Ainda
poderia fugir para longe daquele lugar que sentia ser perigoso e hostil. Ela
realmente enfrentaria o homem que supostamente assassinou seu irmão?
Seria capaz de suportar isso? Não conseguiu descobrir muito mais por que,
contra todas as probabilidades, a barcaça que foi enviada do castelo para
buscá-los apareceu mais cedo do que pensavam.
— Ah, aí vem! — exclamou Maud. Se levantou rapidamente e, como se
sentisse o que estava em sua mente, caminhou até Willow para dar suas
instruções finais. — Lembre-se, você é meu filho. Apesar do que sente,
tenha em mente que nossas vidas agora dependem de Laird Campbell, então
deixe aqui, deste lado do rio, as más lembranças e mágoas do passado.
Neste lugar podemos ter uma vida tranquila, John e eu estamos felizes por
você agora fazer parte da nossa família e prometo que faremos você sorrir
novamente. Confia em mim?
Willow estudou o olhar determinado da mulher, dividida entre a gratidão
que a dominava por saber que era mais uma entre os St. Claire e a sede de
vingança que aos poucos envenenava sua alma. Não sabia por que Maud
assumira o papel de mãe ou o que fizera para ser digna do carinho que
generosamente lhe dispensava, mas a verdade é que nos poucos dias que
passara com eles se sentira envolta no calor de uma verdadeira família. E
também havia recuperado um pouco de sua serenidade. Ela sabia que devia
isso às três pessoas que agora a olhavam em busca de uma resposta e
decidiu que não queria decepcioná-los. Pelo menos ainda não. Não sem
antes ter estudado minuciosamente aquele que supunha ser seu maior
inimigo.
— Claro que sim, Maud. Eu confio em todos vocês — lhe disse,
tentando sorrir.
Não conseguiu. Tinha certeza de que os músculos do rosto já não lhe
obedeciam, não conseguia erguer os cantos dos lábios num gesto tão
simples, outrora tão habitual e espontâneo nela.
A mulher assentiu com satisfação e a abraçou antes de juntar suas coisas
e voltar para a grande barcaça que já estava atracando no embarcadouro.
— Venha garoto. — John deu um tapinha nas costas dela para que
continuasse e Willow caminhou pelas tábuas do pequeno cais, atrás do que
agora era sua família.
— São os St. Claire? — perguntou o barqueiro, levantando os remos
com os quais avançava pela água.
— Sim, somos nós — respondeu John, liderando o bando.
— Meu nome é Bors. Suba, o laird está esperando sua chegada há
alguns dias.
Todos obedeceram ao homem que vestia o manto Campbell, embora
Willow permanecesse em dúvida por alguns segundos, perdida nas cores
verde e azul daquele tecido. O mesmo pano encontrado perto de Meggernie.
O mesmo tecido que os culpava.
— Venha, Will, suba — disse Maud, lhe estendendo a mão para que a
seguisse.
Se o fizesse, se entrasse naquela barcaça, estaria assumindo muito mais
do que uma nova vida. Respirou fundo, olhou para o castelo e tomou sua
decisão. Podia não ser o mais correto, mas assumiria as consequências e iria
até o fim. Pegou a mão de sua nova mãe e embarcou com a imagem de seu
irmão Niall mais viva do que nunca em sua memória.
Assim que todos estavam a bordo, Bors começou a voltar para o castelo.
O barco avançava bem graças a John ter pegado outro par de remos e
ajudado o barqueiro com seus braços fortes. Willow não conseguia tirar os
olhos das altas paredes de pedra cinza que cercavam aquela ilhota, dentro
da qual habitava o homem que parecia ter virado sua existência de cabeça
para baixo. Por alguns minutos, sua mente vagou para aqueles tempos
distantes de sua infância, quando seus irmãos mais velhos, idênticos entre
si, eram o centro de seu pequeno universo. Niall e Malcom eram seus
heróis, o espelho no qual ela queria se refletir, mesmo que eles nunca
permitissem. Se lembrou da covinha que aparecia no rosto de Niall quando
lhe dava seu sorriso mais travesso, que geralmente era o prelúdio de uma de
suas brincadeiras; ou a franja rebelde de Malcom, que ela tentava pentear
com sua mãozinha, mas nunca conseguia manter no lugar.
Um profundo suspiro escapou de seu peito ao perceber que nunca mais
veria os gêmeos juntos. Ela nem tinha certeza se um dia poderia reencontrar
Malcom... O que teria acontecido com ele e seu pai? Já tinham ouvido falar
do destino de Niall? Felizmente, Willow foi capaz de desabafar sua dor nos
dias que levaram para chegar a Innis Chonnel, e ela chorou muito por seu
irmão. Sempre à noite, protegida por sua manta, deitada sob as estrelas.
Quando supôs que os St. Claire já estivessem dormindo e a única
testemunha de sua dor fosse o ar da noite que não poderia censurá-la por
chorar. Caso contrário, o mero pensamento de Niall a teria entregado a seus
inimigos porque seu rosto teria ficado vermelho de tristeza e dor.
— Você está bem, garoto?
Willow levou alguns segundos para perceber que esse Bors estava se
dirigindo a ela. Ainda não estava acostumada a ser tratada como um
menino. Olhou para o homem de longos cabelos escuros que remava
incansavelmente e que a observava com o cenho franzido.
— Navegar sempre me deixa tonto — desculpou-se, fingindo a voz
como estava se acostumando a fazer toda vez que falava.
— Chama isso de navegar? — o homem bufou, descartando seu
comentário. — Estamos apenas atravessando um rio, é tão covarde, garoto?
John franziu os lábios, ofendido com as palavras do barqueiro. Will
deveria ser seu filho agora, e não podia tolerar que zombassem dele.
— Ele não é nenhum covarde, eu garanto — a defendeu.
— É fraco — insistiu o homem. — Olhe para o rosto dele, está pálido.
Qualquer um pensaria que a qualquer momento vai vomitar. Eu o advirto, o
laird não permitirá que nenhum de seus homens seja um medroso
insignificante.
— Will não é um dos homens do laird Campbell — Maud estalou em
defesa do menino. — Ele é meu filho, e estamos aqui para servi-lo, não para
nos juntarmos às suas fileiras de guerreiros.
Bors deu uma risada áspera no momento em que a barcaça raspou o
fundo pedregoso da orla para a qual se dirigiam e parou a alguns metros de
seu destino.
— Depois de passar por essas muralhas, todos farão parte do nosso clã.
E todos os homens, desde o mais experiente dos soldados até o último dos
servos que servem os Campbell, devem dar a imagem que nosso laird exige
de si mesmo: de fortaleza. Se o rapaz não se espertar, lembre-se de que
Ewan Campbell o treinará pessoalmente para ficar a altura do demais.
Willow engoliu em seco com o olhar desdenhoso que o barqueiro lhe
deu novamente. Não o considerava um homem de verdade... mas claro, não
era. Aqueles Campbell eram realmente tão estúpidos que não podiam
aceitar que alguém fosse diferente? Se ia servir apenas como servo naquela
casa, por que tinha que aparentar uma masculinidade que jamais poderia
exibir? Seus olhos se voltaram para as muralhas altas e olhou para aquela
fortaleza de uma nova perspectiva.
Não seria um lar... seria uma prisão. Uma prisão de pedra fria e escura
onde ela seria mantida até que pudesse se vingar.
CAPÍTULO 7

Fortaleza do Clã Campbell, Innis Chonnel

Ewan Campbell estava furioso. Estava mastigando com força a carne assada
que serviram no jantar naquela noite enquanto se recriminava repetidamente
por suas ações. Estava ciente de que deveria ter levado as coisas com mais
calma. No entanto, o olhar angustiado de Agnes quando veio até ele
trespassou seu coração e não hesitou um segundo em banir o homem que
até aquela tarde havia sido seu melhor amigo, seu tenente, seu braço direito.
A serva acusou Melyon de violá-la, na frente de todo o clã. Isso
significava que era sua vez, como laird, de fazer justiça. Em qualquer outro
clã, com certeza, a violação de uma simples serva não teria sido denunciado
e com uma breve repreensão ao culpado o assunto estaria resolvido.
No entanto, em Innis Chonnel não.
Ao longo dos anos, o clã forjou sua própria cultura de proteção e
salvaguarda de todos os seus membros, fossem eles de sangue nobre ou
meros servos, como era o caso. Agnes foi até seu laird para punir o
violador, mas ele, dominado pela responsabilidade, não teve as prisões
necessárias. Santo Deus! Melyon tinha sido seu companheiro de
brincadeiras desde a infância! Teria que tê-lo capado, isso era o que um
bom líder teria feito. Mas suas emoções eram mais fortes do que sua
obrigação para com Agnes.
A menina, muito jovem, veio correndo e caiu a seus pés, com o rosto
machucado e o vestido em farrapos. Em meio às lágrimas, havia descrito a
barbaridade que seu amigo de infância havia cometido. Ninguém
questionou suas palavras, porque ninguém jamais poderia acreditar que o
choro era fingido. Havia muita tristeza, muita humilhação em suas
bochechas e dor em seus belos olhos verdes.
Melyon estava diante dele com a cabeça erguida, não mostrando um
pingo de arrependimento. Algumas das mulheres na sala o repreenderam
cruelmente: nenhuma violação poderia ficar impune, essa era a lei delas. E
Melyon teria que ser homem o suficiente para conter seus instintos mais
básicos. Afinal, apesar da cicatriz feia que percorria seu rosto do olho ao
queixo, ainda havia mulheres no castelo mais do que dispostas a satisfazer
seus desejos.
Por quê? Por que ele escolheu uma presa tão frágil como Agnes, qual
era o sentido?
Ewan tomou um longo gole de sua caneca de cerveja e lembrou-se mais
uma vez do olhar suplicante da jovem criada. Queria que acabasse com a
vida do homem que a havia maculado. Ela queria justiça extrema... Algo
que ele não poderia lhe conceder por causa de quem Melyon era. E sentiu-
se mal porque, se fosse qualquer outro homem, não hesitaria em aplicar o
maior castigo.
— Tem algo a dizer em sua defesa? — havia lhe perguntado, sabendo
que era em vão, que ele nunca confessaria ter feito tal coisa. A soberba
postura do queixo e a dureza do olhar, obscurecida pela sombra daquela
cicatriz, assim indicavam.
— Já me julgou e sentenciou — disse Melyon simplesmente.
Essas palavras cravaram em seu peito como garras afiadas, fazendo-o
hesitar. Um incômodo pigarro, vindo da garganta de um de seus
conselheiros mais antigos e sábios, alertou-o de que tal comportamento não
era condizente com um laird. E menos ainda, de um laird que estava por tão
pouco tempo no comando. Foi nesse primeiro momento que teve que
mostrar toda a sua autoridade, sem ceder um centímetro. Foram as piores
horas desde que sucedeu ao falecido pai; ele tinha que ser enérgico, aplicar
a lei, não importando quem fosse o culpado. Só então ganharia o respeito de
seu povo e a lealdade de todos os seus homens. Se mostrasse fraqueza, se
intercedesse por Melyon só porque tinha sido um de seus melhores amigos
até então, perderia muito mais do que a confiança de uma criada ultrajada.
E, apesar de tudo, não pôde ordenar um castigo à altura do seu crime.
— Vai deixar Innis Chonnel imediatamente — lhe disse. — A partir de
agora não é mais um Campbell, não será recebido ou ajudado por nenhuma
das famílias sob meus cuidados, e quem ousar ajudá-lo assim que sair
destas paredes será punido com o rigor que merece. Nunca poderá voltar. Se
algum dos meus guerreiros o vir vagando pelas margens do Awe, terão
minha aprovação para acabar com sua vida sem hesitação.
As palavras saíram de sua boca, mas não parecia sua voz. Os olhos
cinzentos de Melyon não deixaram os dele durante a conversa, ele manteve
o olhar até o fim. E quando seu laird terminou de falar, o homem fez uma
pequena reverência e se virou para deixar o salão, nem mesmo notando sua
vítima, que ainda estava ajoelhada perto dos pés do chefe do clã, soluçando
de dor.
Ewan suspirou com essa memória e empurrou seu prato com desgosto.
— Não se preocupe, fez a coisa certa — disse Lawler, um dos antigos
conselheiros, ao ver sua expressão.
— Exatamente — concordou Adair, o homem que pigarreou quando
mostrou o menor sinal de fraqueza. — Eu diria até que ficou aquém, mas
enfim...
— O clã entenderá — insistiu Lawler. — Afinal, Melyon era seu
tenente.
— É por isso que ele deveria ter sido muito mais duro! — Adair
exclamou, batendo na mesa enfurecido.
Ewan olhou para o velho. Sempre falava com ele com altivez, seus
olhos escuros cheios de algo muito próximo do desdém. Seu rosto,
desgastado por mil batalhas, estava enterrado sob uma espessa barba
branca, mas, apesar disso, percebia-se em cada um de seus gestos que ainda
não o respeitava como chefe. Ainda precisava obter a aprovação daqueles
dois conselheiros que haviam servido fielmente a seu pai no passado.
Lawler em particular tinha sido o braço direito de Duncan, o laird anterior, e
ele não estava disposto a renunciar a essa posição. Se ofereceu para guiá-lo
em cada passo do caminho como chefe do clã Campbell, e Ewan ficou
grato... a princípio. A cada dia que passava, o jovem percebia que não era
como o pai e queria tomar suas próprias decisões; mas tanto Lawler quanto
Adair tornavam as coisas difíceis para ele às vezes.
Tinha que começar a impor sua vontade a partir daquele momento, ou
pressentia que seria um covarde nas mãos daqueles dois velhos até que
passassem dessa vida para melhor. No entanto, antes que ele pudesse
respondê-los como toda a sua fúria interior reclamava, um dos servos se
aproximou da grande mesa trazendo uma mensagem.
— Senhor, os St. Claire aguardam para serem recebidos.
Ewan bufou, irritado. Eles não poderiam ter escolhido dia pior para
aparecer, não queria ser cordial com ninguém. Uma de suas criadas havia
sido violada sob seu próprio teto e ele, que tinha a obrigação de zelar por
sua segurança, não só não fora capaz de protegê-la de seu agressor, como
também não fizera justiça. A isso tinha que acrescentar que ele havia
perdido um de seus melhores amigos. Se sentia um fracassado, traído e
afundado. Seu humor não poderia estar mais sombrio.
— Mande-os entrar — ele sussurrou, antes de tomar outro grande gole
de sua cerveja.
— Não me agrada essa decisão que tomou, Ewan — Lawler retrucou
para ele. — Quem são essas pessoas, as conhece bem o suficiente para
aceitá-las no castelo?
— Eu conheço Melyon toda a minha vida e agora viu o que aconteceu
— o laird retrucou contundente. — Essas pessoas, como as chama, foram
caridosas comigo e me acolheram em sua humilde casa sem pedir nada em
troca. Compartilharam comigo sua comida e seu fogo, sem me perguntar
quem eu era ou de onde vinha. Eu estava perdido e eles me ajudaram, é o
mínimo que posso fazer para retribuir.
O velho franziu os lábios, ciente de que nada que dissesse o faria mudar
de ideia. O novo laird não se deixava influenciar tão facilmente como seu
antecessor, e isso não lhe agradava nem um pouco. Lawler governou o clã
através do chefe anterior, e ele não estava acostumado a ter seu conselho
rejeitado tão abertamente. Mas daria um jeito de levar o jovem laird para o
seu lado... Tudo voltaria a ser como antes, jurou a si mesmo, enquanto
observava aquele bando de necessitados entravam no salão para receber a
hospitalidade dos Campbell.
Ewan estava olhando para eles também. E sua surpresa foi enorme ao
perceber que a família que avançava pelo chão do salão era composta por
quatro membros ao invés dos três que conhecera anos antes. Além de sua
filha, cujo nome era Liese, se bem se lembrava, havia outro menino com
eles. Um jovem de cabelos escuros curtos e enormes olhos azuis que
olhavam horrorizados para tudo ao seu redor. O menino lhe deu uma
sensação estranha na boca do estômago e ele se mexeu desconfortavelmente
na cadeira. Era como se um dos duendes das lendas escocesas tivesse
invadido sua casa, dotado de uma aura de magia e inocência que conseguia
atrair seu olhar a contragosto.
No entanto, quando os recém-chegados pararam em frente à grande
mesa e aqueles olhos azuis encontraram os dele, os encontrou cheios de
veneno.
E isso também o incomodou.
O que faltava para aumentar seu mau humor naquele dia!
Willow parou com o resto de sua família diante da mesa onde jantavam
o laird e as pessoas mais importantes do castelo. Se encolheu ao sentir os
olhares que caíram sobre eles, avaliando-os, decidindo se os recém-
chegados eram ou não dignos de pertencer ao seu clã. Acima de tudo, lhe
doía os olhares dos dois velhos que a revisavam de alto a baixo sem
nenhum pudor. No entanto, não cabia a eles decidirem seu destino. O
homem que se sentava no primeiro lugar da grande mesa era o único que
detinha esse poder. Willow o observou com curiosidade não sem medo, mal
contendo as emoções que ameaçavam dominá-la.
Ali, jantando tranquilamente como se não fosse um assassino, estava o
homem mais imponente que ela já vira.
Sua envergadura atestava como seus músculos eram bem treinados,
possivelmente por cortar as cabeças de seus inimigos no campo de batalha,
Willow pensou com desgosto. Ele tinha um rosto atraente, reconhecia, com
uma mandíbula forte, um nariz reto e perfeito que era um sinal claro de que
nunca havia sido quebrado, e um olhar de aço nos olhos castanhos que
paralisaria qualquer um sem o uso de força bruta. Seus cabelos castanhos
caíam até os ombros, um tanto desgrenhados, e ele usava uma camisa
branca aberta em cima revelando a pele morena do pescoço. Sim, era um
homem muito viril e bonito, exatamente como Maud havia descrito. Com
certeza atrairia todos os olhares femininos na sala.
Mas ela só via um monstro.
Só foi capaz de apreciar a aura de escuridão que o envolvia, imaginando
sem esforço como seu braço poderoso balançaria a espada para acabar com
a vida de qualquer um que estivesse em seu caminho.
— Por que está olhando assim para mim? — Apesar de não ter
levantado a voz, as palavras de Ewan Campbell silenciaram todos os
murmúrios do salão. O silêncio pairou na sala, espesso e intimidador. —
Estou falando com você — acrescentou, erguendo os olhos para encontrar
os olhos azuis de Willow.
Maud e John se moveram para o lado dela ao ouvir o tom do laird.
— Ele é nosso filho, senhor — a mulher apontou, colocando um braço
em volta de seus ombros. — Ele é jovem e bastante impressionável. Não
era sua intenção aborrecê-lo.
— Não me lembro de terem nenhum filho. Lembro-me de Liese, mas
não dele — disse o laird, sem desviar os olhos da figura do menino.
— Bem… — John interveio — na verdade, nós o adotamos. Ele ficou
sem família e Maud não consentiu em deixá-lo à sua própria sorte. Se não
for pedir muito, gostaríamos que o colocasse sob a proteção do clã também.
Willow estava começando a ficar muito nervosa sob o escrutínio direto
do líder Campbell. Ela se agarrou mais a Maud, buscando seu apoio,
desejando que essa entrevista terminasse o mais rápido possível. Seu gesto
não passou despercebido pelo laird.
— São todos bem-vindos, John St. Claire. Gosto de tê-los aqui e saber
que posso retribuir o favor que me fez naquele dia, alguns anos atrás.
— Foi uma honra para nós, laird.
— Maud e Liese ajudarão na cozinha e em qualquer outra tarefa
doméstica que minha governanta, Jane, exija — explicou, indo direto ao
ponto. — John, você treinará com meus guerreiros e ajudará a consertar a
ala leste do castelo. O menino, enquanto continuar escondido atrás das saias
da mãe, vai limpar os chiqueiros e cuidar dos animais do curral.
John abriu a boca para protestar, mas o laird levantou a mão para
silenciá-lo.
— Decidirei quando ele estiver pronto para assumir responsabilidades
mais dignas de homens do que de meninos. Terá que se contentar com isso
por enquanto. Podem se retirar, Jane lhes servirá comida na cozinha.
Willow não poderia ter uma impressão pior daquele homem. Era um
verdadeiro rude! Ela, em casa, nunca teria tratado assim os recém-chegados
depois de uma longa viagem, mesmo que fossem para o serviço. Ele
ignorou qualquer tipo de cortesia, não perguntou nada a eles, não os
apresentaram aos demais presentes. Sua carranca intimidadora e o tom
brusco de sua voz os convidavam a sair correndo daquela sala, em vez de
fazê-los se sentirem bem-vindos e desejados dentro daqueles muros.
Willow ansiava com dor esmagadora pelo abrigo de sua família e de
todo o seu povo. Sentia falta de Marie, sua querida Marie, e imaginava
como a consolaria se ainda estivesse ao seu lado.
— Rapaz, você é surdo?— A voz do laird, rouca e desagradável, a tirou
de seu devaneio. O homem estava a olhando como se sua presença fosse
algo que ele não pudesse suportar. — Eu ordenei que se retirasse, vá com
sua família.
Willow piscou e olhou ao redor, percebendo que Maud, John e Liese
estavam quase na porta do corredor, enquanto ela estava lá olhando
boquiaberta no meio, sob o olhar vigilante e impiedoso do laird.
— Senhor — sussurrou, dando um breve aceno antes de sair correndo
com os outros.
Ewan o viu desaparecer e levou alguns minutos para tirar os olhos da
porta pela qual havia saído. O que diabos aconteceu com ele? O que havia
naquele garoto que o incendiava daquele jeito? Observá-lo escondido atrás
das saias de Maud revirou seu estômago.
— Eu me encarregarei de fazer de você um homem — sibilou para si
mesmo, não querendo investigar mais os sentimentos que o assaltaram ao
contemplar aqueles enormes olhos azuis naquele rosto de duende.

Depois de um jantar muito frugal nas cozinhas, pois nas palavras de


Edith, a cozinheira, eles haviam chegado tarde e ela não pretendia preparar
nada de especial para eles, conduziram-nos ao que, a partir de então, seria
seu lar. Deixaram o prédio principal liderados por Jane, a governanta, e
tomaram o caminho que levava aos aposentos dos empregados. Era uma
área perto da muralha externa que circundava a ilha e protegia a fortaleza,
observou Willow, onde uma série de cabanas de pedra com telhados de
palha e madeira foram construídas para todos os que serviam no castelo. Os
St. Claire tinham sido designados para um desses quartos, mas quando
Willow entrou, notou que havia apenas duas camas: um grande para o casal
e uma menor para Liese.
— Preparamos para três pessoas — desculpou-se Jane, indo até o fogo
para atiçá-lo —então esta noite terá que se virar.
— Está tudo bem — disse Willow — vou dormir no chão. Já estou
acostumado.
— Mas amanhã podemos ter outra cama, certo? Nosso menino não pode
dormir deitado perto do fogo... — protestou Maud.
— Claro, amanhã darei ordem para resolver este inconveniente. E agora,
os deixo descansar, com certeza estão exausto da viagem. — A grande
mulher se dirigiu para a porta, mas se virou no último segundo. — Todos os
criados tomam o café da manhã ao som das primeiras badaladas da capela,
ao alvorecer, porque depois temos de atender os senhores do castelo. Por
favor, sejam pontuais.
— Não se preocupe, Jane, estaremos prontos para atender a qualquer
coisa que nos for dito — prometeu John em nome de toda a sua família.
A governanta assentiu e desapareceu.
— Bem, aqui estamos nós — disse Maud, sentando-se em sua cama
com um alto suspiro de satisfação.
— O laird não me pareceu tão gentil como disse, pai — disse Liese,
abrindo sua trouxa e começando a retirar seus poucos pertences dela.
— Ewan Campbell tem muito em que pensar, além de receber alguns
criados — defendeu Maud. — Mas ele era um bom menino quando o
conhecemos e não pode ter mudado muito.
— Além disso, o simples fato de nos aceitar fala por si só — destacou
John.
O casal confiava plenamente em seu benfeitor, estava claro. Mas Willow
não via dessa forma, e ela nunca poderia. Mesmo que o próprio laird se
mostrasse amigável e cordial com os St. Claire, o que duvidava, para ela,
ele não passava de um simples assassino. Pelo menos até que alguém
provasse o contrário.
— O que você achou, Will? — perguntou Maud.
— Sinceramente, não costumo formar opiniões depois de um encontro
tão breve com uma pessoa — mentiu. — Mas ficou claro o que o laird
pensa de mim.
— Não use isso contra ele, Will. — John sentou-se ao lado de sua
esposa sem tirar os olhos do menino. — São guerreiros e estão acostumados
a ver todos os seus soldados exibindo uma masculinidade irrepreensível.
Você é muito jovem, ainda tem que se alongar e deixar crescer os pelos no
peito... Verá que logo treinará comigo para se tornar a admiração de todos
os Campbell, incluindo o laird.
Willow gemeu para si mesma. Pelos no peito? Era só o que lhe faltava...
Era melhor ela reunir todas as informações que pudesse no menor tempo
possível e escapar de Innis Chonnel de uma vez, antes que alguém
descobrisse sua farsa e percebesse que não havia nada em seu peito além de
uma ligadura que esmagava seus pobres seios como parte de seu disfarce.
CAPÍTULO 8

Acampamento das tropas escocesas, Stirling

Malcom MacGregor entrou na tenda do pai com o rosto corado. Um


emissário de Meggernie chegara ao seu acampamento em Stirling com as
piores notícias possíveis.
Um mês... um mês inteiro sem saber nada sobre seu povo, sobre seus
irmãos Niall e Willow, e quando o tão esperado mensageiro finalmente
apareceu, descobriu para seu horror que ele era o portador da mais dolorosa
notícia.
— O que aconteceu? — perguntou Ian, correndo para o lado dele
quando viu a cor pálida de seu rosto.
— Meggernie... — Malcom murmurou, sua voz embargada. —
Meggernie foi atacada.
O ar parecia estar faltando em seus pulmões. O laird MacGregor teve
que apoiar-se no ombro de seu filho para absorver esta terrível revelação.
— O que... quem... como...? — ele não conseguia fazer nenhum
questionamento, as perguntas martelavam em seu coração.
— Mais de uma semana atrás. Perdemos seu governo.
O velho ergueu os olhos procurando os do filho e não precisou colocar
em palavras o maior de seus medos.
— Dizem... dizem que Niall caiu na luta, pai. — A voz de seu irmão
gêmeo falhou e as lágrimas apareceram, sem realmente derramar.
Não teve tempo de mergulhar em sua própria dor, pois Ian MacGregor
cambaleou com a notícia e seus joelhos fraquejaram. Malcom teve que
segurá-lo e guiá-lo até uma das banquetas de couro para que se sentasse.
— Não se preocupe comigo, meu filho, conte-me tudo, mesmo que me
veja vacilar. Eu preciso saber o que aconteceu.
— Dizem que viram as cores dos Campbell.
— Os Campbell? Mas... há muito tempo nossos clãs concordaram com
uma trégua. Não, eu não entendo. Tem certeza?
— São boatos, pai. Sabemos que um exército cercou as nossas muralhas
na calada da noite e que alguém, lá de dentro, abriu os portões para que o
ataque fosse mais eficaz. Os nossos lutaram bravamente, liderados por
Niall, mas estavam em menor número e tiveram que se render.
— Se renderam? — perguntou o guerreiro, com os olhos perdidos no
infinito, revivendo uma batalha da qual não havia participado.
— Parece que sim, ou assim dizem.
— Mas então... Niall...
— Nosso inimigo não respeitou a bandeira branca. Fizeram prisioneiros
e depois...
— O que? Não esconda nada de mim, Malcom. Não tente proteger meu
coração, porque já está destroçado.
— Nossos homens foram executados na frente de Niall. Eles o fizeram
assistir. Então eles o mataram.
Ian MacGregor abaixou a cabeça e enterrou o rosto nas mãos. As
palavras colocaram imagens atrás de seus olhos, e mesmo que os fechasse,
não conseguia parar de vê-los. Queimavam, doíam como punhais cravados
no peito. Quanto seu filho teve que sofrer quando foi submetido! Forçado a
assistir enquanto seus homens eram torturados, sabendo de antemão seu
próprio resultado. Sem poder ajudar seu povo, sem poder defender quem
amava...
A cabeça do laird se ergueu.
— E Willow?
Malcom balançou a cabeça negativamente.
— Morta? — A voz do pai mal era um som sibilante e derrotado.
— Ninguém sabe. Ninguém ouviu falar dela desde o ataque, ninguém a
viu.
Ian MacGregor respirou fundo enquanto recuperava alguma esperança.
— Marie a colocou em segurança, estou convencido. Nossa garota está
viva, Malcom, mas se ninguém sabe onde ela está, significa que está
perdida e possivelmente sozinha. Temos que procurá-la.
A mesma centelha de esperança que iluminou os olhos do laird iluminou
o coração de seu filho. Malcom deixou de lado a dor infinita de perder Niall
para se concentrar em Willow. Onde poderia ter ido? Onde sua doce e
indefesa irmã estava escondida? Precisariam de ajuda para encontrá-la, e
rezou para que alguma família piedosa a tivesse recebido até que eles
voltassem para restaurar a ordem em Meggernie.
— Partiremos amanhã, irei alertar nossos homens para que se preparem
— anunciou a seu pai, seu ânimo um pouco melhor com a perspectiva de
ação.
— Não, filho, espere — Ian o parou. — Não podemos deixar o
acampamento sem o consentimento do rei. Estamos aqui por ordem dele e
desaparecer seria considerado um ato de traição.
— Mas Meggernie foi atacada! Sei que é nosso dever obedecer a Bruce,
mas isso é parcialmente culpa dele.
O laird compreendia a fúria de Malcom. A mesma chama de indignação
queimava em sua alma, porque o dever para com seu país o havia privado
da chance de lutar ao lado de seu filho Niall e proteger seu povo. No
entanto, não era estúpido. E não iria estragar sua única chance de conseguir
tudo de volta fazendo feio para o rei da Escócia.
— Vou falar com ele. Vou pedir sua permissão, não pode nos negar o
direito de ajudar nosso clã.
Malcom observou seu pai sair lentamente da tenda, os ombros caídos.
Ele sempre foi um guerreiro forte e inabalável. Agora, depois da terrível
notícia, a idade avançada ficou ainda mais evidente, pois seu espírito não
suportava mais a dor da perda com o estoicismo de sempre. Ele o seguiu
para lhe oferecer todo o seu apoio diante do rei. Ficou atrás dele e não o
abandonou em nenhum momento, porque, embora seu pai não tivesse
falado as palavras, sabia que naquele momento angustiante precisava dele
mais do que nunca.

—Não podem partir — disse o rei. — Agora não.


Os dois MacGregor cerraram os lábios e os punhos ao tom indiferente
do monarca. Robert de Bruce jantava em sua própria tenda cercado por seus
mais fiéis conselheiros quando recebeu a visita dos indignados guerreiros.
— Os Campbell tiveram a coragem de atacar minha casa na minha
ausência, senhor, temos o direito de nos proteger! — Ian MacGregor
explodiu e ele avançou. O filho o deteve pondo a mão em seu ombro.
— Não sabemos ao certo se foram os Campbell. Nenhum dos relatórios
que recebi deixa isso claro.
— Sabia do ataque? — Malcom não podia acreditar.
— Sim, embora apenas um dia atrás. Lamento muito o ocorrido e me
irrita que algum de meus súditos aproveite a ausência de um chefe de um
dos clãs para atacá-lo. Mas é algo que, infelizmente, não podemos remediar.
Preciso de você aqui, devemos intensificar o cerco ao castelo, seus homens
são indispensáveis em meu exército. Não pode partir — ele repetiu.
Os olhos tristes de Ian observaram a boca de Bruce mastigar um pedaço
de carne sem o menor tique mostrando o quão pouco ele se importava com
o assunto. Se sentiu humilhado e rebaixado como nunca antes. O rei não se
importava com o fato de o clã MacGregor ter sofrido a ira de outro clã e
suspeitava que não receberia justiça deles. Sem dúvida, outra culpa para
atribuir aos Campbell.
— Senhor, Ewan Campbell agiu de forma desonrosa. Se não consegue
ver é porque não dá à minha família o mesmo valor que à tua.
O rei ergueu os olhos bruscamente, ofendido com o comentário. Bateu a
faca na mesa e levantou-se para apontar o dedo para o interlocutor.
— Está insinuando que o laird Campbell está sendo tratado
favoravelmente? — Seu tom alertou para o perigo de continuar por esse
caminho, mas Ian o fez reagir ao seu problema e planejou ir até o fim.
— Só estou dizendo, Majestade, enquanto meus homens lutam e
morrem sob seu comando, algo de que todos os MacGregor se orgulham,
Ewan Campbell permanece seguro em sua fortaleza e, não contente com
isso, abusa de seu privilégio para nos atacar quando estamos mais fracos.
— O pai de Ewan caiu no campo de batalha há pouco menos de um ano,
Ian. Sabe disso tão bem quanto eu. A reconquista da Ilha de Man nos custou
muitas baixas... Muito sangue Campbell foi derramado a serviço de seu
país, e por causa disso, e porque acredito que o jovem laird deveria ter
tempo para tomar as rédeas de seu clã, permiti que ele ficasse em sua
fortaleza, como você diz, em vez de convocá-lo como o resto de meus
Lairds. Ele também tem outra missão imposta por mim: formar novos
guerreiros. Quando estiverem prontos, se juntarão às nossas fileiras. Todas
as espadas são poucas nos tempos atuais. — Bruce fez uma pausa para
recuperar o fôlego, sua indignação deixando-o sem ar. — E não está
provado que foi Ewan Campbell quem o atacou. Depois de tantos anos de
luta entre clãs, aprendi que a intriga e a traição fazem parte de nossas vidas
diárias e, antes de condenar um de meus Lairds mais leais, devo ter provas
convincentes.
— Senhor... — MacGregor tentou falar.
O rei interrompeu seu protesto levantando a mão. Ainda não havia
terminado.
— Seu sofrimento não me causa indiferença, embora possa pensar o
contrário. Mas agora não é hora de colocar ordem em uma briga de clãs, há
assuntos muito mais importantes no momento para a Escócia. Prometo-lhe
que, quando os ingleses entregarem a fortaleza, o seu caso será o primeiro a
ser resolvido.
Todos sabiam do pacto que Bruce havia feito com o senescal Philip
Mowbray, que governava o Castelo de Stirling. Tantas semanas de cerco
esgotaram as provisões da guarnição inglesa e sua situação às vezes se
tornava crítica. Sendo assim, Mowbray deu sua palavra de que renderia a
fortaleza se não fossem resgatados por seus compatriotas ingleses antes do
verão. O prazo estava se esgotando e o rei precisava que todas as suas
tropas saíssem vitoriosas daquela luta. Corria o boato de que os ingleses
pretendiam lutar até o fim e que a tão esperada rendição não aconteceria.
Ian entendeu que Bruce tinha seus motivos e não iria ceder aos seus
apelos. Mesmo assim, se ajoelhou, a cabeça baixa, a voz desesperada.
— Pelo menos, senhor, conceda-me um favor. — Ele engoliu em seco
antes de continuar. O orgulhoso Highlander nunca se ajoelhou diante de
ninguém. — Minha filha, Willow, está desaparecida. Eu não gostaria que
ela sofresse o mesmo destino de seu irmão Niall, então, por favor, deixe-me
enviar um grupo de MacGregor para procurá-la. Malcom poderia partir
amanhã e eu ficarei aqui, com o grosso de meus homens, para servi-lo até o
fim.
Bruce franziu a testa e considerou o pedido do poderoso Ian MacGregor.
Ficou emocionado ao vê-lo naquela posição derrotada e decidiu que seu
exército poderia dispensar um punhado de homens, afinal. Ele se lembrou
da pequena Willow MacGregor. Nas poucas ocasiões em que a vira,
parecera uma criatura adorável, muito parecida com sua falecida mãe,
Erinn, quem o rei admirara no passado. Definitivamente, se estivesse em
seu poder impedir que a garotinha sofresse o mesmo destino de seu irmão, o
faria.
— Pode enviar seu filho, Ian — finalmente concedeu.

Minutos após o encontro com o rei, Ian e Malcom se encontraram com o


comandante do exército MacGregor em sua própria tenda. O homem era
maciço, mais alto até do que Malcom, com braços poderosos e um olhar
assassino. O cabelo comprido e a barba escura e espessa lhe davam um ar
selvagem. No entanto, Angus era o mais disciplinado de seus soldados e
confiava nele como se fosse seu próprio filho.
— Laird — disse o homem assim que apareceu — ouvimos a notícia,
estamos arrasados. Nós vamos voltar?
O eco de vingança em seu tom tocou o chefe. Malcom e ele não foram
os únicos que sofreram com o que aconteceu, todos os seus homens eram
dedicados ao clã e estavam dispostos a darem suas vidas pelo seu povo.
— Só você e Malcom, Angus — Ian respondeu. — Vai levar uma dúzia
de homens, escolha os melhores. Verifique os danos em Meggernie, Mas se
está tomado e sua vigilância é forte, não entre em disputas. Instalem-se em
Glenstrae; de agora em diante, até recuperarmos o castelo, será nosso
quartel-general. Ajude as pessoas do clã, estarão perdidos e desorientados
sem um líder. E acima de tudo, cuide de Willow. Talvez esteja escondida
com uma das famílias.
— Senhor, se nossos inimigos descobrirem que a pequena Willow
desapareceu, podem tentar encontrá-la também para usá-la contra nós.
Ian considerou essas palavras apropriadas.
— Tem razão. Malcom, terá que ser muito discreto ao perguntar sobre
ela. Talvez... — O velho guerreiro pensou em uma possibilidade que
poderia funcionar. — Talvez seja melhor usar o apelido que Niall deu a ela,
apenas nossos amigos mais próximos sabem disso.
— A joia de Meggernie — Malcom sussurrou, compreendendo.
— Assim podemos confundir nosso inimigo, seja ele quem for. Vão
pensar que estamos procurando um tesouro roubado no ataque. Quando
perguntar, diga que a joia sumiu e queremos recuperá-la a todo custo. Só
quem for amigo de verdade entenderá a mensagem e nos ajudará a
encontrá-la. Ofereça uma recompensa se for preciso, alguém tem que saber
onde está minha filha.
— Uma recompensa? Se ela estiver com uma das famílias MacGregor,
não será necessária. Jamais aceitarão algumas moedas por terem cumprido
seu dever: proteger um dos seus.
— Já sei disso. Mas se não estiver com o nosso povo, pode ter ido parar
na casa de algum outro clã vizinho. Ela pode até ser uma prisioneira, se
alguém a reconheceu. Estou disposto a desistir de Glenstrae Tower e suas
terras, incluindo todo o gado que se alimenta de seus pastos.
Os olhos de Angus se arregalaram de surpresa.
— Lutamos muito para manter o domínio de Glenstrae!
Era verdade. Os MacGregor lutaram ferozmente ao longo dos anos para
manter a posse do vale cobiçado por seus clãs vizinhos.
— Sei que tomei a decisão em nome do clã e não deveria. Sei que abuso
do meu poder entregando algo que pertence a todo o nosso povo... mas é
minha filha, Angus. Estou disposto a dar minha vida por ela, se necessário.
Angus assentiu secamente. Ficou envergonhado com sua reação, ele
também daria sua vida pela pequena Willow!
— Será feito como pede, laird. Não vamos decepcioná-lo.
Ian MacGregor pôs uma mão no ombro de Angus e outra no de seu
filho. Olhou para eles intensamente antes de falar.
—Eu confio em vocês, sei que vão encontrá-la. Por favor, devolva
minha pequena sã e salva.
CAPÍTULO 9

Quando o café da manhã foi servido na manhã seguinte, Willow sentiu falta
das rações improvisadas que Maud distribuía a cada amanhecer. Os frutos
silvestres, o seu pedaço de queijo e o pãozinho que comiam que, embora
um pouco duro, tinha um sabor divino. Mexeu com sua colher de madeira o
tristes mingau de seu prato e teve que conter uma careta de asco; jamais
havia gostado.
— Por que não coloca um pouco de mel? — propôs um dos servos que
estava sentado na frente dela.
— Agnes, sabe que não podemos desperdiçar assim — Jane, a
governanta a repreendeu.
— Uma colher de nada não vão notar — implorou a jovem, olhando
para a mulher com os olhos arregalados.
Willow não gostou da garota intercedendo por ela. Não queria causar
problemas a ninguém, especialmente por causa de um mingau miserável. E
aquela garota já parecia estar com problemas suficientes, a julgar pelos
arranhões em seu rosto. Será que brigou com alguém?
— Eu não preciso de mel, obrigado. Eu vou comê-lo assim.
— Vamos — a jovem estendeu a mão por cima da mesa e colocou-a
sobre a dela — te dou a minha parte, é o mínimo que podemos fazer para
que se sinta bem-vindo.
Liese olhou para a mulher atrevida. Willow também estava
desconfortável, isso era extremamente gentil.
— Seu nome é Agnes, certo? — Liese lhe disse firmemente. — Will não
quer seu mel, entendeu?
— Isso é ele quem decide, não acha?
Era evidente que uma animosidade imediata havia surgido entre as duas
jovens. Willow se mexeu na cadeira e afastou a mão com delicadeza.
Percebeu que Liese a olhava com olhos sonhadores desde que se
conheceram, e parecia que Agnes estava no mesmo caminho. Que encanto
masculino ela poderia ter, sendo tão pequena e, nas palavras do próprio
Laird Campbell, um covarde que se escondia atrás das saias da mãe?
Felizmente, assim que a vissem enlameada com excrementos de porco,
aquelas duas iriam superar suas tolices de uma vez.
— Não preciso de mel, obrigado — ela finalmente encerrou, enfiando
uma colher grande na boca que quase a fez vomitar.
John riu enquanto terminava seu café da manhã e se levantava da mesa.
— Venha, Will, termine esse mingau e vamos lá fora. Deixemos as
mulheres com suas disputas femininas, temos muito trabalho pela frente.
Willow engoliu mais três colheres e correu atrás do homenzarrão,
aliviada por ter saído da cozinha. As pessoas não eram amigáveis, exceto
pela enjoativa Agnes; tal como na tarde anterior, quando chegaram à
fortaleza, ninguém se apresentou e poucos se interessaram pelos recém-
chegados. A hospitalidade era notável por sua ausência, e o único gesto
amigável que tiveram com ela levou a uma discussão com Liese.
E o dia tinha apenas começado.
Caminhou com John em direção aos chiqueiros, vestindo o casaco
grande de lã que Maud lhe emprestara. Ali nas terras altas as temperaturas
não costumavam ser boas para os seus habitantes e aquele dia não foi
exceção. Sua respiração se transformava em vapor quando ela respirava, e
estava a um passo de bater os dentes. Rezou para poder segurar sua
mandíbula na frente dos homens do laird, porque se já achassem Will
medroso só pela sua aparência, não queria nem pensar no que diriam se o
vissem tremendo de frio como um triste pássaro no meio de uma nevada.
— Bom dia, senhores — o rapaz que cuidava dos animais os
cumprimentou, assim que cruzaram a cerca de madeira dos chiqueiros.
Era um rapaz um pouco mais velho que Willow, com cabelos ruivos e
rosto sardento. Suas bochechas estavam sujas e seu cabelo curto estava
bagunçado, o que ela achou muito divertido, embora se abstivesse de
demonstrá-lo.
— Bom dia, garoto. Meu nome é John St. Claire e este é meu filho Will.
O laird quer que meu filho ajude no chiqueiro e com os animais do curral,
pode mostrar a ele o que fazer?
— Claro. É sempre apreciado quando alguém lhe dá uma mão — seu
sorriso revelava um buraco nos dentes, o que tornava sua imagem ainda
mais cômica. — Meu nome é Donald e vou lhe contar todos os segredos
desse divertido ofício.
Willow gostou dele desde o início. Era a pessoa mais gentil que haviam
encontrado desde sua chegada. O menino lhe explicou como era o trabalho
diário com os animais. Se encarregavam de alimentar os porcos, as quatro
vacas que tinham e as aves; tinham que encher os cochos, recolher os ovos
das galinhas e ordenhar as vacas. Tenham que manter a área o mais limpa
possível, então Donald a ensinou a remover os excrementos sem se sujar
muito, o que Willow apreciou. Foi uma manhã exaustiva, cheia de novas e
desagradáveis experiências. Quando os sinos da capela marcaram o meio-
dia, suas mãos estavam rachadas, seu estômago embrulhado e cada músculo
de seu corpo doía. Agora percebia como sempre fora protegida e mimada
em casa... Nunca na vida trabalhara tanto!
— Parece cansado, Will — Donald lhe disse em um determinado
momento — talvez devesse descansar um pouco.
— Não — respondeu ela, fingindo a voz. — Estou bem.
O servo estalou a língua e balançou a cabeça. Willow estava suada e seu
rosto corado pelo esforço. Seus olhos azuis se destacavam grandes e
brilhantes em seu rosto sujo, dando a impressão de que imploravam por
uma pausa.
— Enfim, vamos parar um pouco. Venha comigo.
Saíram do curral e se dirigiram às cozinhas. Willow seguiu atrás de seu
novo amigo, admirando suas costas esbeltas, mas pelo que ela tinha visto
durante toda a manhã, muito mais forte do que parecia. Imaginou que o
laird tinha aquele menino cuidando de seus animais pelo mesmo motivo que
ela: o via como fraco, ainda não o considerava um homem de verdade para
treinar com seus guerreiros. E ela sentia pena de Donald, embora ele não
tivesse mostrado que não gostava de sua tarefa.
— Espere aqui — lhe disse o ruivo, junto à porta traseira do edifício
principal, que dava diretamente para a cozinha.
Ela obedeceu. Saboreou aquele minuto de paz e ergueu o rosto para o
céu, absorvendo a luz do sol que brilhava forte naquele dia e lhe dando uma
folga da garoa que vinha caindo, intermitentemente, nos dias anteriores.
— Corra, corra, corra!
Os gritos de Donald a assustaram antes que o rapaz saísse da cozinha,
indo para as muralhas. Ela o seguiu sem pensar; atrás dele, ouviu as vozes
da grandona encarregada do fogão, amaldiçoando e insultando o jovem com
todas as suas forças. Pararam em um portão de madeira, sem fôlego, e
Donald lhe mostrou o que havia roubado: um pedaço de pão, um pouco de
queijo e duas maçãs.
— Aquela bruxa odeia quando mexemos na despensa, mas às vezes ela
está distraída e eu pego alguma iguaria no meio da manhã. Vamos, vamos
comer no meu lugar especial.
Willow esboçou algo parecido com um sorriso com o entusiasmo de seu
amigo. A verdade é que ficou com água na boca ao ver a comida e não
sentiu remorso pela travessura. Donald abriu o portão de madeira e deixou
uma pedra no lugar para que não fechasse. Da face externa da parede,
cobriu a abertura com um pouco de galhos secos e escondeu a entrada como
havia sido ensinado a fazer desde a infância. Não fazia sentido viver em
uma fortaleza se seus acessos secretos eram tão facilmente descobertos.
Caminharam até a margem do lago e em um canto, abrigados por duas
enormes rochas, sentaram-se para devorar a comida. Willow estava feliz por
estar fazendo uma pausa. Brincando com Donald, ouvindo suas anedotas no
chiqueiro, esqueceu-se por um momento de seus problemas e notou uma
serenidade em sua mente que há muito não sentia.

Ewan Campbell passou muito tempo olhando pela janela para as idas e
vindas daquele menino franzino nos chiqueiros e no curral. Cerrou os
dentes ao perceber que aquela criatura mal conseguia carregar o balde de
água para dar de beber aos animais. Não era bom, mesmo para uma tarefa
tão simples? De sua posição no topo da torre, não conseguia distinguir o
azul dos olhos no rosto daquele duende, mas, para sua total perplexidade, se
lembrava claramente. Não entendia por que se sentia tão atraído por ele, por
que não parava de espionar seus movimentos e lamentar que fosse um
menino tão covarde. Quando aceitou John e sua família, nunca imaginou
que teria que lidar com um mequetrefe que dava pena de olhar. Até Donald,
que era o menor de seus homens, parecia um gigante perto dele. Bem,
talvez isso fosse exagero, mas Ewan certamente não estava feliz com esta
aquisição.
Ao vê-los dirigirem-se para a cozinha, ficou atónito ao ver como o
jovem ergueu o rosto à procura do sol da manhã. E então, quando fugiram
das vassouras da cozinheira, o laird se convenceu de que o menino devia ser
um pouco afeminado. Cerrou os punhos ao vê-los passar pela porta secreta,
mas não porque se ressentisse de ter roubado um pão ou procurasse um
momento de liberdade fora dos muros. Não... não foi isso.
Em Innis Chonnel, eles nunca haviam dado abrigo a um maricas.
E ele não permitiria que nenhum homem sob seu comando exibisse
essas inclinações tão doentias e tão desaprovadas entre seu povo. Se seu pai
ainda estivesse vivo, suas entranhas se agitariam com a mera presença de tal
criatura.
Ewan fechou os olhos com a memória de seu pai. Como toda vez que
pensava nele, sentimentos confusos o assaltavam. Admirava o líder que
fora, que soubera conduzir o clã com mão firme e o tornara perigoso aos
olhos de seus inimigos. Os Campbell construíram uma reputação feroz
graças ao pai, e não havia brecha em sua segurança. Todos os homens sob
seu comando tinham que cumprir os estritos requisitos de seu laird, e o
pobre-diabo que não o fizesse era simplesmente expulso do castelo.
Sim, não havia dúvida. Duncan Campbell nunca teria aceitado o filho de
John St. Claire em sua casa. Ele o teria chutado para fora de lá assim que o
visse...
E essa era a parte que ele mais odiava em seu pai.
Não importava se colocavam uma criança ou um homem adulto na
frente dele; para ele eram todos iguais. Ou melhor, todos deviam ser igual.
Ele não fazia nenhum tipo de distinção na hora de treinar guerreiros, era
implacável. Ewan deixou escapar o ar com as imagens que o invadiram ao
se lembrar daquela parte de sua infância. Seu pai foi implacável ao criá-lo,
pois ele estava destinado a sucedê-lo um dia, e Duncan queria ter certeza de
deixar o clã nas melhores mãos.
As mãos mais fortes.
Não importava que sua mãe, a bela Cait, implorasse chorando quando
ele o treinava com a mesma grosseria do mais experiente de seus soldados.
— Pelo amor de Deus, Duncan! — a ouvia dizer, quando seus braços
não conseguiam mais segurar a espada, quando suas pernas mal o
sustentavam. — Ele é apenas uma criança...
— E isso é desculpa para mostrar sua fraqueza na frente de todos? Em
Innis Chonnel não há lugar para os fracos... E te garanto que o meu filho
não será.
Ewan abriu os olhos para emergir daquele passado que já parecia
distante no tempo. Tinha sido difícil, sim, mas graças a ele adquirira uma
habilidade e uma força admiradas por todos os homens que comandava.
Tinha sua lealdade... e também ganhou o respeito de seus inimigos, que
mostravam admiração cada vez que tentavam lutar contra ele. Esse foi o
legado que Duncan Campbell lhe deixou após sua morte. Para o bem ou
para o mal, era quem era graças ao pai e planejava honrá-lo como ele
merecia.
Olhou para fora mais uma vez, procurando a figura lamentável do filho
de John com determinação renovada. Se tivesse que ver pessoalmente que o
menino se tornasse um homem, como exigia a tradição dos Campbell, ele o
faria sem hesitar.

Mais tarde, no jantar, Ewan precisou de toda a força de vontade para não
desviar o olhar para o canto da mesa onde John e sua família haviam se
acomodado. O menino responsável por seus problemas ajudou a servir as
enormes bandejas com a carne enquanto sua irmã Liese servia o vinho nas
taças dos comensais. Depois, os dois tomaram seus lugares, junto com os
outros servos. No entanto, para o laird não passou despercebido os gestos
do menino. Era todo delicado, quase poderia rivalizar com qualquer uma
das donzelas do castelo pela suavidade com que se movia de um lado do
salão para o outro, e isso até tirou sua fome.
— Meu senhor, tudo bem? — perguntou Agnes, enquanto removia uma
das travessas vazias para substituí-la por outra cheia com os melhores
pedaços para o laird.
— Sim, garoto, não está muito falador hoje — o velho Lawler apontou,
como sempre, sentado ao lado dele.
Odiava que o chamasse de garoto. Ele era o chefe do clã, pelo amor de
Deus. Mas naquele momento o que mais o incomodava era que haviam
notado o mau humor que o dominava.
— Não é nada — se desculpou. — Acho que ainda estou afetado pela
traição de Melyon. Não é todo dia que perdemos um bom guerreiro... e um
bom amigo.
E ele quis dizer isso. Era uma desculpa para camuflar a estranha onda de
emoções que o sacudia toda vez que os olhos azuis daquele medroso
cruzavam seu caminho, mas isso não tornava suas palavras inverídicas.
Arrependia-se de ter perdido o tenente, doía terrivelmente ter de expulsá-lo
de casa daquele jeito. No entanto, quando Agnes abaixou a cabeça
mortificada com a menção de seu ex-amigo, sabia que não poderia ter feito
de outra forma.
— Sempre encontrará homens de valor em nossas fileiras. Melyon não
era insubstituível.
A falta de tato de Lawler enervou o jovem laird, que se levantou com
um estrondo, deixando todos sem palavras com sua brusquidão.
— Continuem, por favor — ele os impeliu de mal humor — não estou
com fome.
Dizendo isso, ele saiu do salão a passos largos.
Willow o seguiu com o canto do olho. Claro, o chefe era muito rude.
Havia saído sem terminar o jantar, dispensando todos que tentavam agradá-
lo. Claro, o que se poderia esperar de um monstro como ele? Ela engoliu
em seco ao sentir o nó que se formou em sua garganta ao pensar em Niall,
no inferno que deve ter passado nas mãos daquele laird cruel. Se seu irmão
tivesse morrido por causa dele, o faria pagar, embora ainda não soubesse
como.
Primeiro, tinha que descobrir o que realmente havia acontecido, rumores
espalhados pelos velhos fofoqueiros nas aldeias não eram suficientes.
Esteve naquele lugar por um dia inteiro e não fez nada além de trabalhar e
trabalhar, então não teve chance de investigar. Talvez Donald pudesse
confirmar suas suspeitas e explicar por que o Campbell havia empreendido
uma vingança que, não poderia ser de outra forma, seu pai havia
arquitetado. Embora duvidasse. Pelo pouco que conhecera Donald em suas
horas juntos, ela deduziu que ele era um rapaz despreocupado, que vivia
para os animais e não estava interessado em se meter em encrenca. Ele não
iria soltar a língua com ela assim.
Então havia Agnes. A moça foi a única no serviço que demonstrou
interesse por ele. Embora a verdade é que esse interesse lhe deu uma
sensação muito ruim. Olhava para ela com olhos de ovelha e piscava
demais. E suspirava. Muito. Willow não podia sustentar o olhar dela quando
suspirava inchando o peito de maneira tão exagerada. Além disso, toda vez
que ela fazia isso, Liese ficava muito nervosa. A última coisa que Willow
queria era provocar uma guerra entre essas duas jovens que brigavam por
sua atenção. Não, melhor não chegar perto de Agnes, decidiu.
Enquanto meditava, ouviu as risadas dos guerreiros que jantavam do
outro lado do salão. Se virou para eles e os observou conversando,
brincando e se gabando de suas realizações no campo de batalha. Willow
estreitou os olhos. Sim, certamente não tinham nenhum problema em se
gabar dos ataques que realizavam contra seus inimigos. Ali tinha a fonte de
onde obteria suas informações, mas, claro, para isso tinha que se tornar um
desse grupo. Não iriam dizer nada a um garoto insignificante encarregado
dos porcos e galinhas. Tinha que ganhar o respeito deles, não importava o
quanto lhe custasse.
O problema era que não tinha a menor ideia de como fazer isso.
— Não se preocupe — John a acalmou ao ver o que olhava com tanto
anseio — em breve eu e você dividiremos uma mesa com todos eles.
Willow se virou para ele, os olhos brilhando de impaciência.
— Pode me treinar amanhã, quando eu terminar minhas tarefas no
chiqueiro?
John pareceu surpreso com o pedido dela.
— Mas... o laird disse que até que ele achasse adequado, não poderia se
juntar aos outros homens para treinar.
— Eu não disse que quero me juntar ao resto — Willow esclareceu,
baixando a voz. — Campbell não precisa saber, vamos treinar
separadamente.
— Eu acho que não é sábio desafiar uma ordem do laird assim — Maud
opinou, carrancuda para seu jovem filho adotivo.
A última coisa que queria era que o chefe do clã não gostasse de Will. Já
tinha uma opinião muito ruim dele quando o conheceu, não deveriam tentar
a sorte.
John olhou para o jovem e acariciou sua barba ruiva pensativamente.
— Entendo sua vontade de entrar em ação, rapaz. Talvez possamos
começar a construir esses músculos pouco a pouco, de modo que a próxima
vez que o laird notar você, te veja de forma diferente.
Willow agradeceu o comentário com um leve sorriso, já que ela ainda
não conseguia aquele gesto com naturalidade. Maud, no entanto, estalou a
língua em desgosto.
— Não me agrada, John, ainda não está pronto.
— Bah, mulher, besteira! Se dependesse de você, o protegeria entre suas
saias até que crescessem pelos em seu rosto.
— Não é isso... Por São Mungo, espero que tome cuidado. Temo a
reação do laird se descobrir vocês.
— Você e seus santos. Não se preocupe, faremos no nosso tempo livre,
ninguém poderá nos repreender por nada.
O grandalhão piscou para Willow e ela sentiu seus lábios se contraírem
em outra tentativa de sorriso que não deu certo. Quando iria rir de novo?
Bebeu de sua taça de vinho para engolir o nó que se formou em sua
garganta, como toda vez que se lembrava do motivo de ter chegado ao covil
de seus inimigos.
Vingança.
Por seu irmão, por Marie, por Errol... e por todos aqueles que ficaram lá,
em Meggernie.
Ela riria de novo quando visse o chefe Campbell de joelhos no chão,
implorando por sua vida, disse a si mesma.
Ela riria de novo quando levasse a cabeça daquele assassino em uma
bandeja para seu pai.
CAPÍTULO 10

O jovem Donald nunca tinha visto ninguém trabalhar tanto. Seu novo
colega de trabalho era um menino franzino, mas com uma vontade de ferro.
O observava ir de um lugar para outro, recolhendo os excrementos dos
animais como se sua vida dependesse disso.
— O que está acontecendo com você? — ele perguntou, exibindo seu
sorriso esburacado.
— Nada, é que hoje preciso terminar logo.
— Tem um encontro? — zombou. — Alguma das donzelas do castelo já
caiu em suas redes? Que sorte você tem, malandro! Esses olhos azuis com
certeza as deixaram loucas...
Willow parou suas tarefas para olhar para ele com espanto.
— Não é nada disso! — protestou, chocada. Não percebeu que era um
comentário muito típico entre os homens.
— Ah, não? Bem, olhe, se alguém se aproximar de você e não estiver
interessado, mande-a para mim, e eu a consolarei... — Donald riu e Willow
corou, muito ciente do tipo de consolo que seu amigo estava falando.
— É só que... tenho coisas para fazer — refletiu. Tarde demais, ela
percebeu que teria sido melhor seguir com o assunto e deixá-lo pensar que
era um encontro romântico. Treinar com John era para ser um segredo.
O ruivo levantou as mãos em sinal de rendição.
— Bem, bem, não fique assim. Se não quiser falar sobre isso, não serei
eu quem vai cavar para descobrir seus segredos. Já vai perceber, é muito
melhor não interferir na vida dos outros. Se vive mais tranquilo...
Logo Donald se afastou com os dois baldes de água que carregava para
encher os bebedouros. Willow o observou com uma sensação de alívio no
peito: ela não teria problemas com ele. Pelo menos era assim que queria.
Trabalhou o máximo que pôde para terminar todas as tarefas e, na hora
do almoço, considerou que seus deveres estavam feitos. Apesar do fato de
que estava sobrecarregada pela exaustão de trabalhar desde o amanhecer,
correu como uma lebre para o campo de armas onde os homens do laird
treinavam. Uma vez lá, se agachou em um canto para espionar seus
movimentos e ficar de olho em John, a quem interceptaria assim que o
exercício terminasse.
Seu olhar percorreu o grupo de guerreiros que agora simulavam
combate dois a dois, erguendo suas enormes espadas bem acima de suas
cabeças e se protegendo com os escudos de madeira que carregavam na
outra mão. Tinha que admitir que todos eram incríveis. Seus ombros largos
e braços musculosos traíam o duro treinamento a que se submetiam. Seus
olhos se detiveram na figura do laird, que lutava como um deles.
Não... como mais um, não.
Willow viu que seus golpes eram mais fortes que os demais e seu rosto
tinha uma expressão feroz, como se a luta que travava fosse realmente até a
morte. Colocava sua alma em cada estocada e, após algumas trocas,
conseguiu desequilibrar o oponente, que acabou caído no chão com o fio da
lâmina encostado no pescoço. Ewan Campbell olhou para o homem e
assentiu, satisfeito com o resultado. Então estendeu a mão e o ajudou a se
levantar.
Esse gesto intrigou Willow.
Um assassino implacável como ele teria chutado o corpo de seu
adversário em vez de oferecer sua mão. Claro, aquele guerreiro não era um
inimigo real, era apenas um treinamento.
Sem querer, a jovem se viu admirando o comportamento arrogante do
senhor dos Campbell. Ele era atraente, embora o fascínio que uma mulher
pudesse sentir diante dele fosse o mesmo que sentiria diante de um dos
belos anjos caídos que serviam a Satanás. Seus encantos masculinos eram
sombrios, sedutores e perigosos. Willow estremeceu só de pensar que um
homem como aquele poderia se aproximar dela... Felizmente, aos olhos
dele, ela não passava de um jovenzinho fracote. Como as mulheres faziam
para suportar as carícias daquelas mãos enormes? Como poderiam respirar
presas em um de seus abraços? Sem dúvida, o laird era capaz de esmagá-las
contra o peito largo e cheio de cicatrizes...
— O que está fazendo escondido aí, Will?
A voz de Maud a trouxe de volta à realidade. Mas, infelizmente,
também a expôs, porque a mulher falou alto o suficiente para que alguns
dos guerreiros a ouvissem; entre eles, o temível laird.
Willow queria que a terra a engolisse. Os olhos castanhos do líder
Campbell a perfuraram, deixando-a congelada no lugar. Não conseguia tirar
os olhos do rosto furioso daquele anjo do inferno, convencida de que ele
conseguiria alcançá-la em dois passos e agarrá-la pelo pescoço para exigir
uma explicação. Ela não deveria estar ali, ele já havia deixado claro no dia
de sua chegada.
— Will, filho, vamos. — John se aproximou e agarrou o braço do filho
para afastá-lo o mais rápido possível do pátio de treinamento.
Maud se encarregou de desculpar seu comportamento, mais uma vez.
— Não era sua intenção perturbar, meu senhor, ele é apenas um menino
curioso querendo se tornar um homem o mais rápido possível.
Ewan não disse nada. Apenas grunhiu antes de se virar e desaparecer
pela porta do edifício principal. Maud olhou para o céu e rezou para que o
homem fosse paciente com seu Will. No pouco tempo que estiveram com
ele percebeu que não era um menino como os outros. E, para o bem dele,
esperava que a tolice logo passasse e amadurecesse de uma vez por todas,
ou ele nunca mais sairia do chiqueiro...

Não podia com a espada. Willow cerrou os dentes e tentou mais uma
vez, mas o aço não se levantou mais de um metro do chão.
— Talvez minha arma seja grande demais para você — John comentou.
— Ainda tem que desenvolver a musculatura.
A jovem bufou de decepção, jamais teria os braços de um guerreiro. Isso
significava que não poderia enfrentar nenhum deles para que a aceitassem
em seu grupo? Não, se recusou a acreditar nisso. Tinha que haver uma
maneira, tinha que se esgueirar entre eles para conseguir a informação que
procurava. Queria ter certeza de que o laird era o assassino de seu irmão, e
como ninguém nesta fortaleza comentaria sobre o ataque a Meggernie, não
tinha escolha a não ser indagar.
Apertou os lábios em uma careta determinada. Respirou fundo e tentou
novamente. Desta vez, acertou a espada no escudo que John estava
segurando, mas o grandalhão nem se mexeu com o golpe.
— Bem, não desanime, já é alguma coisa. Tente outra vez.
Seu pai adotivo certamente tinha muita paciência, reconheceu Willow.
Haviam se retirado para uma área atrás dos chiqueiros, onde era improvável
que alguém os descobrisse treinando. Ali, o cheiro forte dos animais do
curral afugentava os curiosos. O sol já descia no horizonte e uma brisa
gelada anunciava que a noite se aproximava. John instou seu jovem
protegido a tentar de novo e de novo, até que depois de muitos golpes
fracassados, Willow finalmente atingiu o escudo com força e precisão.
— Bom! Muito bom garoto. — O homem olhou para seu discípulo e
percebeu que ele estava a um passo de desmaiar. — Vamos deixar por hoje,
é melhor acabar com a sensação de triunfo. Amanhã tentarei conseguir uma
espada menor, tenho certeza de que você será melhor nisso.
Willow queria protestar. O que para John foi um triunfo foi para ela um
passo muito lento em seu caminho. Mas a verdade é que seus braços
estavam pegando fogo e seus pulmões queimando. O suor escorria por suas
costas, encharcando sua camisa, e seu rosto estava quente. Precisava de um
respiro.
— Está bem. Obrigado pelo seu tempo, John, eu te agradeço por isso.
O homem lhe deu um tapinha carinhoso nas costas e foi para o salão.
Não queria perder o jantar que estava para ser servido.
Willow caiu no chão, exausta. Por um momento, cedeu ao desânimo:
não podia. Nunca empunharia uma daquelas enormes espadas como faziam
os guerreiros Campbell; era fisicamente impossível. Ela sentiu as lágrimas
ameaçarem vazar de seus olhos e os esfregou violentamente. Não ia chorar.
Levantou-se, entorpecida e suada, sonhando com uma banheira cheia de
água quente, algo que no passado pudera desfrutar à vontade, mas na
condição atual estava longe de conseguir. Não se lavava há dias e podia
sentir a sujeira grudada em seu corpo como uma segunda pele. Olhou para o
muro alto, visualizando o lago do outro lado. E se...? Era uma loucura, a
água estaria congelada, mas sentia que precisava dela com urgência.
E não pensou nas consequências.

Os olhos do laird dispararam de um lado do salão para o outro,


impacientes.
O menino não estava lá.
Onde aquele patife demoníaco com cara de duende foi parar?
A família dele estava lá: Liese ajudando a servir as mesas, John sentado
com os homens na outra ponta e Maud organizando as crianças para que a
comida não acabasse espalhada pelo chão. Aquele covarde tirou a noite de
folga, sem sua permissão? Estaria doente?
Ewan Campbell passou a mão pelo rosto exasperado. Se fosse qualquer
outro de seus servos, nem teria notado. Mas ele tinha aqueles olhos azuis
enfiados entre as sobrancelhas, não se lembrava de ter ficado tão obcecado
por alguma coisa. Talvez fosse seu desejo de saber mais sobre ele. Não era
coisa boa, havia algo estranho em sua pequenina pessoa. A maneira como o
encarava, com medo, mas também com uma centelha de desafio e desdém,
como se o estivesse acusando de algum crime, não era lógico em alguém
que acabara de conhecer.
Depois de um tempo, quando ficou claro que esse... Will? Sim, Will, não
ia aparecer, levantou-se furioso e foi procurar John.
— Cadê seu menino? — ele agarrou-o de mal humor, quando se
aproximou dele.
O grandalhão ficou surpreso com o tom de voz dele e, por alguns
segundos, não soube o que responder. Maud, que havia observado a cena,
veio em socorro do marido.
— Ele não estava se sentindo bem, laird. Ele… ele ficou na cama —
mentiu.
Os olhos de Ewan se estreitaram, ele a encarou por um momento com
uma intensidade que a mulher mal podia suportar, e então saiu do salão
sibilando como um animal enfurecido. Imediatamente Maud virou-se para
John com uma expressão alarmada no rosto.
— Onde diabos está esse inconsciente?
O ruivo só pôde encolher os ombros e ambos se preocuparam com a
reação do laird quando descobrisse seu paradeiro.
CAPÍTULO 11

Percorreu todo o pátio, então se dirigiu para os aposentos dos criados.


Ainda não estava completamente escuro, então não precisava de nenhuma
tocha para iluminar o caminho, o crepúsculo da noite era suficiente para ver
por onde andava. Abriu a porta do pequeno barraco com um estrondo que
ricocheteou na parede pronto para gritar mil palavrões, mas não havia
ninguém lá. Olhou para as camas vazias e para as brasas quase apagadas da
lareira, sentindo-se estúpido. Saiu de novo, mais furioso do que antes.
Encontraria aquele pirralho nem que tivesse que procurar debaixo de cada
pedra em Innis Chonnel.
Caminhou paralelamente à grande muralha, seguindo seu curso,
inspecionando cada canto. E de repente teve uma premonição. Rosnou
como um urso, suspeitando que sua ideia não era tão absurda, e correu para
a porta secreta que vira Will e Donald usar no dia anterior.
Com certeza, a escotilha estava aberta, apoiada em uma pedra para não
fechar.
Amaldiçoou mil vezes aquele menino inconsciente e saiu da fortaleza
em busca dele. Não teve que andar muito; em uma curva, protegido por um
grupo de enormes pedras cobertas de musgo, encontrou o jovem Will
terminando de amarrar a calça. Seu cabelo estava molhado e despenteado,
então imaginou que estivesse se lavando nas águas frias do lago. Estava
doente da cabeça?
— Will!!
O grito de raiva assustou o menino, que levantou a cabeça e olhou para
ele com olhos assustados.
Ali, na estranha luz enevoada, com os cabelos molhados, o rosto pálido,
a pele limpa, os olhos brilhando, parecia mais do que nunca uma criatura
fantástica e lendária. Ewan ficou impressionado com a imagem e teve que
balançar a cabeça para liberar o feitiço e deixar toda a sua raiva fluir em
uma torrente imparável.
Se lançou sobre ele e agarrou brutalmente seu braço. O menino gemeu
de dor, mas isso não o comoveu.
— Você enlouqueceu? Que diabos está fazendo aqui?
Ele a sacudiu vigorosamente, e Willow se encolheu com a expressão
assassina em seu rosto. Seus olhos brilhavam com escuridão e queimavam
com raiva.
— Eu só queria…
— Fique quieto! Nunca conheci ninguém com tão poucos miolos!
— Precisava me lavar... e não estava tão fria — ela protestou, tentando
soltar o braço sem sucesso.
O laird trouxe seu rosto tão perto que Willow temeu que fosse dar uma
cabeçada nela. Uma veia latejava violentamente em seu pescoço e, pela
primeira vez desde sua chegada, ela sentiu puro pânico na presença desse
Campbell. Ele poderia matá-la ali mesmo e ninguém faria nada para
impedir.
— Acha que estou preocupado que você pegue um resfriado? Eu não me
importo o quão doente fique!
Ela ofegou, impotente, não compreendendo absolutamente nada.
Ewan começou a voltar para dentro da fortaleza arrastando-a com ele,
sem se importar que sua presa tivesse que correr para acompanhá-lo. Era
isso ou ter seu braço arrancado.
Lá dentro, o laird fechou e trancou a porta, e se virou para encará-la.
— Colocou meu povo em perigo, ninguém sai da fortaleza à noite.
Muito menos usar o portão secreto, deixando-o aberto para que qualquer
um que esteja nos perseguindo tenha a chance de entrar sorrateiramente.
A jovem pensou que o laird estava exagerando, mas não disse nada. Ele
já estava bastante zangado.
— Quem revelou o segredo para você?
O coração de Willow disparou. Ela temeu pelo colega e decidiu mentir,
apesar de muito consciente de que a mão que a segurava apertava cada vez
mais forte.
— Ninguém. Eu descobri sozinho.
Ewan não ficou chateado com a mentira, pelo contrário. Pensou que
pelo menos o menino tinha alguma honra em proteger Donald com seu
silêncio.
— E agora vai descobrir o que acontece com aqueles que colocam em
risco a segurança da minha casa — ele sussurrou com raiva contida.
Ele a arrastou novamente, desta vez na direção do edifício principal.
Fez-se silêncio no salão onde todos jantavam quando apareceram e o laird
não parou, mas avançou em direção à escada de pedra localizada ao fundo,
que dava acesso ao andar inferior. Willow sentiu um frio amargo nos ossos
quando percebeu que estavam indo para as masmorras. Deus Santo! Qual a
gravidade do crime? Ela não o considerava assim e odiou ainda mais a
crueldade desse homem.
Uma vez lá embaixo, Ewan abriu uma das celas e a empurrou
violentamente para dentro, fazendo-a cair no chão. Então fechou a porta,
deixando Willow em completa escuridão.
Sentiu medo.
Quando o som dos passos do laird desapareceu na distância, o silêncio
se fechou sobre ela, acrescentando mais inquietação ao seu ânimo. Era
como se ela tivesse sido jogada em uma fossa onde seus sentidos foram
desligados e ela só podia ouvir seus batimentos cardíacos e sua respiração
atormentada. Tateou cegamente e encontrou a parede gelada e molhada.
Sentou-se no chão e se encolheu sobre si mesma, tremendo. Estava frio lá
dentro e seus cabelos e roupas ainda estavam molhados do banho. As
pedras daquelas paredes exalavam um odor pestilento de urina e temia que
o silêncio que reinava no local fosse interrompido pela correria de algum
roedor.
Não aguentou mais. Lágrimas brotaram em seus olhos, quentes e
salgadas, enormes, e rolaram por seu rosto até ela adormecer tremendo de
frio e medo.
Não sabia quanto tempo se passou até que acordou novamente. Ficou
surpresa ao sentir algo quente em sua bochecha e abriu os olhos. O brilho
fraco de uma tocha se filtrava pela pequena janela na porta, lançando uma
luz fraca na cela que dissipou a escuridão esmagadora. Curiosamente, tocou
o que estava em cima de seu corpo e descobriu que era uma pele grossa,
provavelmente de urso. Agradecendo a quem cuidou dela por ter deixado
um presente tão maravilhoso, ela se enrolou novamente, erguendo o nariz e
caiu de novo em um sono inquieto.

No sonho, Willow estava correndo por um prado verde profundo. O céu


estava azul brilhante, sem nuvens, e o ar da primavera carregava cheiros de
terra úmida e grama. Atrás dela, o riso dos gêmeos a incitava a dar mais
velocidade às perninhas: estavam prestes a alcançá-la. Virou a cabeça por
um momento e esse foi seu grande erro. Ela tropeçou, rolando no chão, e
logo estava em cima de seu irmão Niall, que a pegou nos braços com um
sorriso triunfante no rosto.
—Consegui, consegui! A joia Meggernie é minha!
Willow não conseguia parar de rir. Apenas Niall a chamava assim; ela
era menina mimada.
Malcom os alcançou também, vermelho e suado. Ele nunca foi capaz de
correr tão rápido quanto Niall ou a própria Willow, mas em vez disso ele era
o garoto mais forte de toda Meggernie.
— O que faremos com ela, Niall? — perguntou, com um sorriso
enorme.
— Não sei... vamos jogar no lago?
— Não!! — ela protestou, rindo.
— Já sei! Vamos forçá-la a fazer alguns doces para a sobremesa —
exclamou Malcom.
— Ahh! E como pretende me obrigar?
Seu irmão a olhou, erguendo repetidamente as duas sobrancelhas, e lhe
mostrou as mãos, posicionadas como garras de urso. Niall riu com a visão e
seguiu o exemplo. Willow gritou porque sabia o que viria a seguir, mas não
importava o quanto ela lutasse, não conseguia escapar. Os gêmeos se
lançaram sobre ela e fizeram cócegas até que seu estômago doeu de tanto
rir.
— Chega, desisto, desisto! Eu vou fazer doces para vocês, eu vou fazê-
los!
E enquanto ria, uma feia nuvem escura cobriu o sol daquele céu
anteriormente claro. Os gritos alegres de seus irmãos cessaram, e Willow se
viu repentinamente sozinha naquele prado, desorientada. Se levantou do
chão e abraçou seu corpo tentando se proteger do frio gelado que de repente
flutuava no ambiente. A grama verde ao redor deles secou e perdeu sua cor
brilhante. Tudo ficou em silêncio e o ar ficou cinza. Ela sentiu um peso
amargo no estômago e um desamparo brutal, sozinha no meio daquele
deserto. E então, ao longe, ela vislumbrou uma figura escura, aproximando-
se em um enorme cavalo que batia seus poderosos cascos no chão em sua
direção.
Estremeceu de terror. Era a morte, com certeza, que veio procurá-la.
Mas não.
Quando chegou perto o suficiente, Willow pôde ver o rosto do cavaleiro
e ficou ainda mais com medo dele do que do próprio Ceifador.
Era Ewan Campbell, chegando cada vez mais perto, o rosto contorcido
em um sorriso feroz e violento, a espada desembainhada, os olhos injetados.
Quando ele estava quase em cima dela, Willow apavorada só podia
gritar.

Ela acordou sobressaltada. Se sentou, sentindo seus dedos apertarem a


pele que a cobria. Olhou em volta com olhos assustados até se lembrar que
estava na masmorra de Innis Chonnel.
— Garoto, tudo bem?
A voz do guarda veio de trás da porta de madeira.
Não, não estava tudo bem, mas não tinha vontade de explicar isso a um
estranho.
— Por que você gritou? — insistiu o homem.
— Tem um rato — inventou.
Ela ouviu a risada seca do outro lado e não a surpreendeu que rissem
dela. Supôs que, em seu lugar, teria pegado o rato com uma das mãos e
arrancado sua cabeça com uma única mordida. Assim eram os homens
Campbell.
— Rapaz, ou você endurece a pele, ou vai ser muito bruto cair nas
graças do laird.
Exatamente o que ela pensou.
— Já amanheceu? — perguntou, mudando de assunto. Ela não ia
explicar que nunca seria a guerreira que todos queriam que ela fosse.
— Um tempo atrás, sim.
— E não dão café da manhã aos prisioneiros aqui?
Ela se aproximou da janela da porta para poder ver o homem que estava
falando com ela, mas assim que colocou o nariz para fora, o guarda bateu
na madeira, assustando-a.
— Não abuse da sorte e fique um pouco longe. Não devo conversar com
você.
As entranhas de Willow roncaram em protesto contra tal tratamento. Ela
não tinha comido na noite anterior e seu estômago a lembrou disso gritando
insistentemente.
— Quanto tempo vão me manter aqui?
Silêncio.
— Posso ver John ou Maud?
Mais silêncio.
— Sou o único prisioneiro nas masmorras?
— Chega! Cale a boca. Você é mais irritante que um enxame de
abelhas... — O guarda bufou do outro lado da porta e mostrou o rosto pela
janela. Willow viu que era um homem de cabelos escuros, barba, olhos
claros, que parecia tão pouco divertido quanto ela naquele lugar. —
Suponho que agora trarão alguma comida, o laird não costuma deixar seus
prisioneiros morrerem de fome. Você não pode ver ninguém, é o único
prisioneiro e sairá quando o laird julgar apropriado. E agora cale a boca,
fique longe da porta e não me cause problemas.
Willow recuou, seu coração afundando com as perspectivas de seu
futuro. Ewan Campbell era realmente um homem cruel. A imagem de seu
sonho voltou com força quando ela fechou os olhos para respirar fundo,
então os abriu novamente, assustada. Ele era um monstro, não conseguia
encontrar outro nome.
Então percebeu que, como todas as manhãs ao acordar, sua bexiga
precisava ser esvaziada. Ela olhou em volta desesperadamente. Tinha que
fazer isso ali mesmo? Claro que por causa do cheiro daquele lugar, não era
a primeira pessoa a ser forçada a fazer isso. Ela respirou fundo e se
preparou para passar por essa humilhação o mais rápido possível. Foi até
um canto e estendeu a mão para o cós de sua calça para puxá-las para
baixo... Graças a Deus, a escuridão lhe deu privacidade suficiente para que
o guarda, caso estivesse curioso e olhasse pela janelinha, não notasse que
ela era uma mulher. No entanto, o alívio durou um momento, apenas até
que o som que traía sua necessidade encheu aquela masmorra mergulhada
no mais desesperado dos silêncios. Ela se sentiu mortificada e humilhada,
com o rosto queimando de vergonha.
Lágrimas vieram a seus olhos novamente enquanto arrumava suas
roupas. Foi para o canto oposto da cela e se sentou no chão, abraçando os
joelhos. Odiava o laird com todas as suas forças e jurou que um dia ele
pagaria por tudo.
CAPÍTULO 12

Três dias depois, Ewan acordou mais uma vez com a imagem do menino na
cabeça.
Na verdade, aquela visão de Will se vestindo à beira do lago, com
cabelos castanhos molhados e enormes olhos azuis, mortificava-o a cada
momento. O laird se perguntou uma e outra vez se o castigo aplicado tinha
sido justo, já que o patife não conhecia seus costumes e não podia saber que
sair escondido do castelo no meio da noite e deixar um portão aberto era um
crime. Mas não se arrependeu, pois, por mais duro que parecesse, estava
convencido de que ele aprenderia a lição.
Apesar de tudo, não pudera evitar descer à masmorra, na mesma noite
do seu confinamento, para lhe deixar uma das suas peles mais quentes.
Encontrou-o dormindo, encolhido no chão, e precisou de toda a sua força de
vontade para não tirá-lo dali e devolvê-lo ao aconchego de sua cabana,
junto com sua família. Naquele momento, teve um vislumbre da fraqueza
que Will despertava nele, e não gostou. É por isso que o deixou lá; e por
isso, três dias depois, ainda não havia obtido a liberdade.
Isso não significava que não pensava nele. Constantemente. O que ele
iria fazer com aquele menino?
John havia confessado que queria treinar com os homens, que ele
mesmo o estava ensinando a usar a espada. Ewan não achava que Will
estava pronto para isso ainda. Seu corpo era fraco, sua aparência indefesa
tornando-o um alvo fácil. Aquele ar de inocência que o rodeava, o mesmo
que o fascinara desde o início, confundindo-o com uma criatura de fábulas,
tornava-o incapaz de se tornar um guerreiro temível.
No entanto, em deferência a John e sua família, que uma vez o ajudaram
abnegadamente e que agora havia deixado tudo para se juntar a seu clã, ele
estava determinado a transformar o miserável que adotaram em um homem.
Porque esse menino de repente era tão importante para ele e o obcecava
era um mistério. E não queria se aprofundar nas estranhas sensações que o
assolavam quando sua imagem voltava insistentemente à sua cabeça...
Nunca tivera ninguém assim sob sua responsabilidade, era isso. Era a
novidade, a compaixão por essa frágil criatura que o perturbava, disse a si
mesmo.
Naquele dia acordou determinado a acabar com o castigo. Ele se vestiu
rapidamente, mas antes que pudesse prosseguir para a masmorra, um de
seus conselheiros o interceptou no grande salão.
— Laird, chegou uma mensagem para você.
O velho Adair estendeu o pergaminho para ele ler. Pelo sua expressão,
Ewan estava convencido de que já estava ciente de seu conteúdo. Com um
suspiro resignado, o desenrolou e estudou a breve nota, anunciando a visita
do laird do clã vizinho, James MacNab, em alguns dias.
— Sabemos o motivo que o traz a Innis Chonnel? — perguntou.
— Posso intuir, mas não tenho certeza.
— O ataque aos MacGregor?
O velho Adair assentiu, continuando a observar a expressão de seu
senhor. Felizmente, Ewan havia aprendido a esconder muito bem suas
emoções e não demonstrou o que realmente pensava da visita.
— Devo mandar que preparem tudo para quando chegarem?
— Sim. MacNab será tratado com a hospitalidade que merece.
Afastou-se sem dar maiores explicações e o conselheiro ficou com
dúvidas sobre a natureza daquela hospitalidade. O caráter fechado daquele
rapaz às vezes exasperava o velho Adair, mas ele não tinha escolha a não
ser aturar isso. Sem dúvida, não era como seu antecessor, mas isso não
significava que não pudesse conquistá-lo para voltar a ser ele, por meio de
seus conselhos, aquele que governava o clã Campbell como sempre fez.
Assim que desceu os degraus que davam acesso às masmorras, Ewan
notou que a temperatura havia caído vários graus. Ele foi até a porta da cela
onde havia colocado Will três dias atrás e pediu ao guarda para abri-la.
— O prisioneiro teve problemas?
— Não, senhor. No primeiro dia protestou um pouco, mas desde então
ficou quieto o tempo todo.
Suas palavras deixaram Ewan desconfortável. Entrou naquele cubículo
que, pela primeira vez, percebeu que fedia, e procurou nas sombras até
encontrar o corpo do menino. Estava deitado no chão, mas levantou-se
assim que viu alguém o olhando da porta.
— Você aprendeu a lição? — o laird estalou, incapaz de ver as feições
de Will na escuridão.
— Que lição? — ousou perguntar. Sua voz estava cansada e rouca pelo
desuso.
— Rapaz você é cabeça dura ou o quê?
Willow não respondeu. Não precisava, não é? O laird já havia formado
sua opinião, nada que dissesse poderia mudá-la.
— Diga-me que não vai colocar meu povo em perigo de novo — ele
perguntou, lhe apontando o dedo.
— Nunca foi minha intenção fazer tal coisa — sussurrou, sem prometer
nada para o futuro.
— Bom. — Ewan parecia satisfeito com essa afirmação. — Acredito em
você. É tão inconsciente que não podia saber o quão grave é deixar o portão
aberto no meio da noite — disse isso como se realmente pensasse que Will
era estúpido desde o nascimento. — Mas eu vou consertar isso. De agora
em diante, está sob minha responsabilidade. Vou ensiná-lo a se comportar
como um verdadeiro Campbell e a pensar como um. Eu realmente gosto de
John, mas não acho que ele seja uma boa influência para você... Ele é muito
mole com você. Nunca aprenderá assim.
As palavras do laird gelaram o sangue em suas veias. Willow ficou
tentada a gritar que preferia ficar trancada naquela masmorra fedorenta a se
tornar seu "protegido".
— Você não diz nada?
— O que eu poderia dizer, laird?
Ewan bufou, exasperado. Estava cada vez mais convencido de que o
menino não tinha jeito, mas não podia fazer outra coisa. Tornou-se uma
verdadeira obsessão para ele, tinha que transformá-lo em um homem. Um
que não se distinguisse dos demais, que passasse despercebido no grupo de
guerreiros, para ver se conseguia parar de pensar naqueles olhos azuis que o
atormentavam todas as noites.

Quando Maud a viu aparecer, ela ofegou de alívio. Ela a pegou em seus
braços e a apertou com tanta força que Willow pensou que poderia quebrar
uma costela.
— Não durmo há três dias. O que você fez, demônio? Por que o laird te
puniu nas masmorras?
A preocupação em sua voz trouxe um nó de emoção à garganta dela.
Somente seu pai, seus irmãos e sua querida Marie haviam demonstrado
afeto tão sincero por ela. Willow lamentou ter causado ansiedade na mulher.
— Eu não sabia que o laird levava a segurança do castelo tão a sério.
Não vou esquecer mais.
Maud se afastou com um estalar de lábios e a olhou de cima a baixo.
— Você está mais magro e abatido, precisa descansar. — Então se
aproximou novamente e torceu o nariz. — E um banho, com urgência.
— Um banho foi o que me meteu nessa confusão — Willow protestou.
— Além disso, o senhor me pediu para encontrá-lo no campo de
treinamento imediatamente.
— Imediatamente é um conceito com muitas nuances. Primeiro se
limpará, depois tomará um caldo quente e então, e só então, poderá ir ver o
que o laird deseja.
Willow abriu a boca para protestar, mas a mulher o puxou pelo braço na
direção de sua cabana e ela não teve opção de resistir. Felizmente, a idade
do menino forçou Maud a permitir privacidade para suas abluções, então
Willow pôde se lavar na água da bacia e trocar de roupa sem se preocupar
que descobrissem sua identidade. Quando estava pronta, se juntou a ela na
cozinha e comeu o café da manhã pelo qual seu corpo pedia, sob o olhar
atento dos outros criados. Alguns balançavam a cabeça em desaprovação, e
outros, como a jovem Agnes, olhava para ela como se tivesse um ar muito
mais interessante depois de sua breve estada nas masmorras.
— Diga-me, Will — perguntou, sentando-se ao lado dela com uma
piscadela coquete — é verdade que lá embaixo se ouvem os gritos de
homens torturados no passado?
Willow sentiu um calafrio desagradável na nuca. Que tipo de pessoa
sentia aquela curiosidade macabra? Se afastou dela antes de falar.
— Não ouvi nada.
Agnes agarrou-se a ela novamente.
— Nem à noite? — sussurrou.
— É tão escuro lá embaixo que eu não sabia quando era dia ou noite,
então não, desculpe.
Sem mais delongas, se levantou e saiu da cozinha. Não queria continuar
respondendo suas perguntas e aturando aquele olhar predatório sobre ela.
Aquela jovem estava realmente interessada? Achava seu disfarce masculino
atraente? Willow balançou a cabeça, confusa. Teria que ter muito cuidado
com Agnes se não quisesse que ela descobrisse o que estava escondido sob
suas roupas de menino.
Começou a correr quando os sinos da capela começaram a tocar,
temendo a repreensão do laird por ter demorado tanto. Ao chegar ao pátio
de armas, descobriu que os homens já haviam começado o treinamento.
Seu olhar procurou até que encontrou a enorme figura de Ewan
Campbell, lutando com espada contra um de seus guerreiros. Ele era
certamente um homem temível. Seus golpes eram duros e secos, fortes. Sua
expressão concentrada o lembrou de seu irmão Malcom, pois ele tinha a
mesma intensidade e a mesma entrega na luta. Mas, por outro lado, Malcom
nunca havia se mostrado tão implacável com seus inimigos...
Não queria se lembrar do dia do ataque, nem dos boatos que se
espalharam sobre o destino de seu querido Niall, pois temia sua própria
reação. Havia muitas armas ali... E se, fingindo falta de jeito, uma daquelas
espadas muito afiadas cravasse nas costas do laird por engano?
— Vamos, Willow, concentre-se — ela se repreendeu.
A ideia era pura estupidez nascida da raiva que corroía suas entranhas
toda vez que olhava para ele. As chances eram de que, se ousasse fazer tal
coisa, um guerreiro treinado como Ewan Campbell se esquivaria facilmente
do ataque e ela acabaria morta por sua impulsividade.
— Will, rapaz, que bom te ver.
A voz gentil de John a tirou de suas perigosas reflexões. O ruivo a olhou
com seus olhos gentis e, como Maud havia feito antes, verificou sua
aparência para se certificar de que estava bem.
— Não se preocupe, leva mais do que alguns dias nas masmorras para
acabar comigo. — Tentou sorrir, mas seus lábios não obedeceram. Tudo o
que conseguiu foi uma careta tensa.
— É melhor que seja verdade — sibilou uma voz atrás dele — porque
garanto que os teus dias de confinamento não serão nada comparados com o
que te espera.
Willow estremeceu com a fria advertência do laird. Se virou para
encontrá-lo olhando para ela, as pernas abertas e os braços cruzados sobre o
peito nu. Meu Deus, aquele homem era enorme. Ele poderia dividi-la em
dois apenas com as próprias mãos.
— Pegue uma espada — ele ordenou.
Ela engoliu em seco. Olhou em volta, hesitante.
— Aqui, garoto — Colin lhe disse, o segundo no comando daquela
tropa que Ewan treinava. Lhe ofereceu sua enorme espada e ela a pegou
com dedos trêmulos.
Mal podia segurá-la, mas ficou na frente do laird, queixo erguido,
determinada a fazer o seu melhor.
O ataque não era esperado.
Ewan soltou um grito terrível e se lançou contra ela sem aviso. Willow
deu um passo para trás, tendo apenas tempo de erguer a arma apenas o
suficiente para aparar o golpe do guerreiro. A dor se espalhou por seus
braços e sacudiu todo o seu corpo. Suas mãos largaram o aço e cambaleou
para trás enquanto os homens que assistiam à cena caíam na gargalhada.
Entretanto, quando olhou para o rosto do laird, ele não estava rindo. Estava
olhando para ela com uma carranca e seus lábios franzidos em uma linha
decepcionada.
— Você é muito mole, não é digno de segurar uma espada.
Willow não disse nada, não conseguia falar. Como ansiava pela força de
seus irmãos! Se fosse um menino, não estaria nessa posição agora. Se fosse
Malcom, teria sido capaz de aparar o ataque do miserável e enfiar a espada
em seu peito sem hesitação. Seus pensamentos devem ter transparecido em
seu rosto, porque o laird mudou sua expressão e deu um passo para ela.
— Se eu conseguir canalizar na direção certa toda essa raiva que leio em
seus olhos, talvez eu faça de você um homem.
— Vou tentar não decepcioná-lo, senhor — as palavras escaparam entre
seus dentes com um claro tom de arrogância.
Ewan esboçou um sorriso que não alcançou seus olhos.
— É melhor — ameaçou.
CAPÍTULO 13

Odiava esse homem.


Não poderia ser de outra forma. Ewan Campbell ganhava sua
animosidade dia após dia, com cada um de seus gestos, com cada palavra
que saía de sua boca. Mesmo que o assassino de seu irmão não acreditasse,
o odiaria com toda a sua alma.
— Levante os braços mais alto — ele estalou, uma e outra vez. — Não,
não assim... Você é muito preguiçoso, Will... Segure sua espada com força!
Vamos, tente novamente...
Deus Bendito! Ele era incansável, não a deixava respirar. No primeiro
dia de treinamento, a fez carregar pedras na área onde outros homens
estavam consertando a parede, na ala leste do castelo. Disse que assim seus
músculos se desenvolveriam.
Antes da hora do almoço, Willow desmaiou de esforço excessivo.
No segundo dia, a colocou na frente de um boneco de palha e lhe
entregou uma espada que ela mal conseguia erguer. Ordenou-lhe que
cortasse a cabeça do espantalho com um só golpe, perante o olhar atento e
divertido dos restantes homens.
As primeiras tentativas provocaram risos e comentários bem-humorados
sobre a falta de força de Will, incapaz de erguer o aço além das pernas do
boneco. Ewan não a deixou descansar e, no final, o pobre boneco acabou
esmagado... mas com a cabeça ainda presa aos ombros. O laird sibilou seu
descontentamento até que as orelhas de Willow queimaram com a
humilhação.
No terceiro dia, Ewan lhe deu um escudo de madeira e ordenou que os
outros a atacassem com suas armas. Sua missão: proteger-se e repelir os
ataques o máximo possível. À noite, Willow tinha hematomas por todo o
corpo, embora a pior parte sem dúvida fosse sua bunda. As investidas
brutais de seus companheiros a faziam cair de bunda repetidas vezes, para
sua mortificação.
O quarto dia, o quinto e o sexto foram igualmente desastrosos e
exaustivos. Após uma semana de treinamento, Willow estava convencida de
que Ewan Campbell a mataria, assim como fez com Niall. Só que ele tiraria
a vida dela pouco a pouco, lentamente, porque o sofrimento a que ele a
submeteu durante o treinamento não poderia ter outro fim.
E tudo para quê? Willow pensou, deprimida.
De jeito nenhum, essa era a verdade. Porque os outros guerreiros
Campbell ainda não haviam confiado nela. Toda vez que tentava abordá-los
para uma conversa, riam na cara dela ou lhe viravam as costas. Alguns até
cuspiam no chão quando se dirigia a eles, só para deixar claro o quanto a
desprezavam. A seus olhos, o menino Will era uma verdadeira desgraça
para seu exército.
— Acho que você está fazendo certo — John lhe disse, no sétimo dia,
enquanto Will recolhia todas as armas caídas no chão do pátio como havia
sido ordenado.
— Então por que me confia as tarefas dos escudeiros? — queixou-se.
— Porque se continuar assim será a única coisa para a qual servirá.
O bramido furioso de Ewan atrás deles surpreendeu a ambos. Willow se
virou e a visão do laird, vestido apenas com o kilt Campbell enrolada na
cintura como uma saia, a perturbou. Ele parecia um verdadeiro selvagem,
com cabelos castanhos na altura dos ombros que estavam despenteados por
causa do treinamento e uma expressão assassina no rosto. Seu peito largo,
musculoso e nu marcado com cicatrizes de batalha, braços poderosos na
cintura e pernas abertas lhe davam um ar ameaçador.
— Você quer ser um escudeiro a vida toda, ou talvez um servo
insignificante? — o alertou.
Aquele homem vil gostava de insultá-la. Possivelmente foi esse
pensamento que lhe deu coragem suficiente para franzir o cenho ante seu
olhar escuro, pois se encontrou respondendo ao laird Campbell sem
demonstrar o menor respeito.
— Não acho que os criados da sua casa sejam insignificantes e é uma
ofensa o próprio laird deles pensar assim.
— Will! — John ofegou, ao seu lado, surpreso com a ousadia.
Mas era tarde. Willow sentiu a raiva borbulhar dentro dela e ela se
rebelou contra esse tirano que havia tornado sua vida um inferno. Sabia que
se tivesse forças, se não estivesse tão exausta, teria se jogado sobre ele,
arranhando seu rosto e tentando arrancar seus olhos.
Apesar das consequências.
O rosto de Ewan ficou ainda mais sombrio. Aquele verme ousou
enfrentá-lo na frente de seus guerreiros. Intolerável! Em duas passadas a
alcançou e a agarrou pelo peito.
— Como ousa falar comigo nesse tom?
Seus olhos azuis não mostravam nem um pingo de arrependimento.
Resistiu estoicamente ao ataque, esperando o golpe que viria. Um soco
daquele animal poderia matá-la, ela sabia, mas naquele momento não se
importava. Se cuspisse em seu rosto... todo o seu povo se lembraria do erro
após sua morte? Seria uma boa maneira de deixar aquele mundo, pensou, a
saliva se acumulando em suas bochechas enquanto ele a sacudia.
Vendo que o menino não vacilou, no entanto, o olhar do laird suavizou,
e Willow percebeu a sutil mudança. A expressão em seu rosto mudou de
pedra para algo como admiração, e o calor que encontrou em seu rosto
dissipou a vontade de cuspir nele. Um pensamento estúpido surgiu em sua
mente: ele é um homem muito bonito. E ela permaneceu atordoada por
alguns segundos, imersa naquele olhar profundo que tentava engoli-la
inteira.
Como se saísse de um sonho, Ewan piscou várias vezes antes de soltá-
la, empurrando-a com força para afastá-la dele. John a pegou a tempo de
evitar que caísse de bunda no chão. O laird lhe apontou um dedo enquanto
murmurava sua punição por ter ousado falar com ele dessa maneira.
— Já que acredita que o trabalho de um servo é tão digno, a partir de
hoje, se limitará a essas tarefas. Será meu valete, meu criado. Onde quer
que eu vá, virá comigo. Estará ciente de minhas necessidades e de tudo que
eu lhe ordenar. Ficou claro? Não há mais treinamento para você, nunca se
tornará um dos meus guerreiros. — Dito isso, lhe virou as costas e saiu do
pátio como se fosse conduzido pelo próprio diabo.
Willow ficou arrasada. O que fez? Havia perdido a chance de se tornar
um membro do exército Campbell. Havia jogado fora seu único bem para
que aqueles homens rudes e insensíveis a aceitassem como igual, e assim
pudessem saber de suas façanhas, seus segredos indizíveis, os pecados que
os impediriam de chegar ao céu prometido quando morressem.
Porque, ela estava convencida, todos iriam para o inferno.
Não poderia ser de outra forma. Não tinham piedade, não respeitavam
nada que fugisse de suas regras, de sua forma de pensar. Eram cruéis,
viscerais e irascíveis. Assim como o laird que os comandava.
Willow reviveu o momento em que seus olhares se encontraram e sentiu
o mesmo tremor que a percorreu da cabeça aos pés. Mas desta vez, não foi
um estremecimento de medo. Deus a ajudasse, porque isso significava que
reconhecia que Ewan Campbell era mais humano do que deixava
transparecer, e ela tinha visto isso.
Não! Ela não deveria baixar a guarda, não deveria permitir que um
único momento de fraqueza mudasse sua percepção dele. Poderia deixar de
se comportar por alguns segundos como o tirano que realmente era, mas
isso não o desculpava de seus crimes. Se Ewan Campbell era, como ela
suspeitava, o assassino de Niall, não merecia que ela mudasse de posição.
Ela o odiaria até o fim dos tempos, não havia mais o que dizer.

Não entendia o que estava acontecendo. Aquele garoto o enervava como


nenhuma outra pessoa no mundo. Ele não conseguia manter a calma e a
compostura em sua presença... ele queria arrancar sua pele! E, ao mesmo
tempo, sentia a necessidade de controlar cada movimento dele, vigiá-lo,
zelar por ele. Aquela semana havia se tornado um verdadeiro tormento. Viu
a incapacidade do menino, como cerrava os dentes sempre que exigia um
esforço excessivo e tentava... sem sucesso. Várias vezes foi dominado por
um estranho instinto protetor que ditava que deveria libertá-lo dos
complicados exercícios a que submetia o resto dos homens; no entanto, a
teimosia de Will o deixou sem argumentos. Estava claro que o menino
nunca seria um bom soldado, mas ele estava determinado com toda a sua
alma. Ewan admirava esse traço em seu caráter. E também a ausência de
protestos. Nunca reclamou, nunca soltou um gemido de dor ou frustração.
Apenas cerrava os dentes, levantava o queixo com firmeza e tentava
novamente.
À noite, a imagem de seu rosto de duende ainda o perseguia como uma
maldição. Will era uma fraqueza que ele não entendia e não podia permitir.
E naquele dia, quando ousou repreendê-lo na frente de seus homens, foi a
gota d'água. É claro que Ewan não achava que seus criados fossem
insignificantes! Mas aquele demônio trouxe o pior nele. E quando o
sacudiu, seus olhos... Deus Todo-Poderoso! Por um momento, aquele
garoto irritante olhou para ele como uma jovem o olharia, perplexa com sua
beleza. Ele conhecia aquele olhar, teve a sorte de receber muitos desses de
diferentes mulheres e nunca sentiu falta deles. Mas Will... ele era um
menino, maldição!
Ainda assim, o pior não foi descobrir aquele peculiar brilho de atração
nos olhos azuis do garoto.
Não, longe disso.
O pior foi o fato de que seu estômago se contraiu com aquele olhar. Ele
reagiu a ele, seu corpo correspondeu!
Não entendia. Nunca gostou de pessoas efeminadas, legado que
certamente lhe foi deixado pela tutela cruel de seu pai, que considerava
aberrações as práticas sexuais entre dois homens. O que estava acontecendo
com ele? Ewan, trancado em seu quarto por causa do constrangimento que
sentia, cobriu o rosto com as mãos. Deveria ter chutado aquele pirralho para
fora de suas terras assim que apareceu diante dele...
Em vez disso, o tornara seu servo pessoal.
Para que? Para acompanhá-lo, para poder vê-lo todos os dias? Sabia que
sua decisão carecia de lógica e que sua estabilidade emocional estava em
grave perigo. Mas tinha que provar a si mesmo que era capaz de superar
essa obsessão estúpida. Não era esse tipo de homem, não se deixaria
enganar pelos olhos azuis de um duende, e enfrentaria a qualquer custo
aquele demônio que sombreava sua masculinidade.
Não saiu do quarto a tarde toda, perdido em seus próprios pensamentos.
Já à noite, algumas batidas tímidas na porta chamaram sua atenção.
— Entre.
O responsável pela sua insônia entrou carregando uma bandeja com
comida e uma caneca de cerveja. Will, cumprindo suas novas funções, foi
encarregado de lhe trazer o jantar, já que o homem não havia descido ao
grande salão no horário habitual.
— Trago-lhe um pouco de comida, laird — disse ele num sussurro
envergonhado. — Eu também... eu também queria me desculpar.
Ewan ergueu uma das sobrancelhas ao tom contrito do menino.
— John forçou você, não foi?
— Bem, sim — admitiu honestamente.
— Se realmente não sente muito por suas palavras de antes, prefiro que
não se desculpe.
Willow o olhou, decidindo se ouvia John ou seu orgulho. Aquele
momento de hesitação disse a Ewan que, se quisesse um pedido de
desculpas de verdade, poderia sentar-se e esperar.
— Está bem, vejo que é mais teimoso do que eu já havia percebido.
Deixe a bandeja aí e saia daqui — retrucou secamente.
Willow obedeceu, mas antes de sair, encarou o laird, com as mãos atrás
das costas e as pernas afastadas, tentando aparentar uma masculinidade que
lhe faltava.
— Senhor... Eu... bem, gostaria de saber em que consistirão minhas
novas tarefas. Se não vou treinar com os outros homens... o que vou fazer?
Vou voltar para os chiqueiros?
Embora estivesse tentando soar submisso, o tom de Will tinha um ar de
rebeldia. Ewan não podia acreditar que esse descarado tinha a audácia de
falar com ele olhando em seus olhos, sem se intimidar. Não parecia o
mesmo que havia chegado no primeiro dia diante de sua presença, quando
se escondera atrás das saias de Maud. Embora, se ele se lembrava
corretamente, sempre o olhou como se pensasse que o senhor dos
Campbell, em sua opinião, merecia todo o mal do mundo.
Ele se levantou da cama onde estava sentado, apenas para impor sua
altura ao menino. Imitou sua postura e colocou as mãos atrás das costas,
abrindo as pernas. Willow sentiu o enorme homem sugando todo o ar e luz
da sala com sua presença. Teve a prudência de tremer ligeiramente quando
notou que a expressão do laird o advertia do perigo que corria.
—Vai se dedicar ao que eu quero que se dedique. Fará o que eu quero
que faça o tempo todo, essas serão suas tarefas. Aparecerá à minha porta ao
amanhecer, todos os dias, e veremos como pode me ser útil.
Suas palavras pretendiam esmagar a centelha de rebeldia que emanava
daqueles olhos azuis, mas tiveram o efeito oposto. Will endireitou ainda
mais os ombros e ergueu a cabeça.
— Como ordena, meu senhor — respondeu, com uma deixa beligerante
em seu tom.
Saiu do quarto imediatamente, para não lhe dar tempo de reagir. E Ewan
pensou que aquele garoto tinha que estar louco para provocá-lo daquele
jeito. Sem querer, se viu admirando seu corpo esguio e seu andar de
menino... Pela barba de Lúcifer! Sem dúvida, o menino o havia contagiado
com algum tipo de doença, porque o que estava acontecendo com ele não
era normal.
Não podia ser, disse a si mesmo.
Um Highlander não poderia se apaixonar por um de seus servos... Para
completar, varão e afeminado.
CAPÍTULO 14

Vários dias depois, receberam a visita anunciada dos MacNab. Ewan, que
comandava a maior parte do tempo de Will, desde que o tornara seu servo
pessoal, deixou de monopolizá-lo para que pudesse ajudar os outros a
preparar o castelo para seus convidados.
Para Willow foi um verdadeiro alívio.
O laird Campbell era despótico e autoritário. Nunca ficava satisfeito
com nada que ela fazia, fosse engraxar suas botas ou lhe servir vinho
quando pedisse. Nunca encontrava uma palavra de agradecimento ou elogio
em seus lábios. E era estranho porque, embora o detestasse com toda a sua
alma, descobrira que queria que ele reconhecesse todo o esforço que ela
fazia todos os dias.
Às vezes, quando lhe ordenava que ficasse por perto, apenas no caso de
precisar dele para alguma coisa, Willow encontrava seus olhos fixos
naquele rosto bonito. Ficava extasiada olhando para a boca dele enquanto
falava com seus homens, ou com os dois velhos conselheiros, não querendo
admitir para si mesma que aqueles lábios lhe pareciam muito viris.
Observava as mechas de seu cabelo castanho caindo sobre os olhos e o
gesto brusco que sempre fazia para as afastar do rosto. Ouvia as palavras de
seu líder, percebendo que concordava com muitas das decisões que tomava
em relação aos interesses do clã. Via-o discutir com os seus conselheiros,
afirmar-se perante aqueles dois velhos ranzinzas que tentavam ignorá-lo,
escondendo-se atrás da sua inexperiência. O laird acabou impondo seus
critérios, que Willow achava quase sempre corretos, e ela o admirava por
isso.
Por mais incrível que parecesse, ela descobrira que Ewan Campbell
podia ser bastante generoso e muito justo com seu povo. Nessas ocasiões,
Willow se esquecia de que o homem a quem servia podia ser o assassino de
seu irmão, e estar perto dele era uma tortura. Era perturbador estar presente
em seus aposentos quando se despia descaradamente, embora sempre
desviasse o olhar a tempo. Achava hipnotizante a maneira como ele se
barbeava algumas manhãs, vestido apenas com ceroula. A necessidade de
sempre procurá-lo, ver onde estava, observar cada movimento seu era
desconcertante. Mas, acima de tudo, era altamente inapropriado que um
calor estranho se instalasse todos os dias na boca do estômago quando batia
à sua porta e aparecia diante dele para receber instruções sobre tudo o que
deveria fazer durante o dia.
Portanto, estar livre do senhor naquele dia foi um respiro para ela, uma
oportunidade de redirecionar seus sentimentos para o caminho da vingança,
que se esvaía a cada dia em seu horizonte, quando não conseguia encontrar
nenhuma evidência para confirmar as suspeitas sombrias que a levaram a
Innis Chonnel.
Sob a direção de Jane, a governanta, longas mesas foram colocadas no
grande salão para receber os visitantes, e todos os criados corriam para
manter tudo para a satisfação de seu laird.
A cozinheira, Edith, berrava ordens a torto e a direito, e os fogões
exalavam os aromas mais deliciosos que Willow se lembrava de sentir há
muito tempo. Assados de veado, galo selvagem e boi; ensopados de ovelha
acompanhados de puré de legumes e frutos secos; pães integrais acabados
de cozer e várias compotas de fruta para acompanhar...
Willow não pôde deixar de salivar com tal banquete. Porém, sabia que
sua língua não provaria nenhuma daquelas iguarias, reservadas ao paladar
dos convidados. Naquela noite, os criados não comiam com o senhor do
castelo, como nos outros dias. Durante a visita, apenas os guerreiros e suas
mulheres, junto com o laird e seus conselheiros, ocupariam o salão.
— Mexa-se, menino, leve essas bandejas para o salão — lhe ordenou a
mulher grande, lhe apontando com uma colher de pau.
Não perdeu tempo. Pegou dois dos enormes pratos e seguiu Liese, que
também carregava canecas de cerveja morna para a garganta ressecada dos
viajantes.
A chegada dos MacNab coincidiu com o retorno a Innis Chonnel do
padre Cameron, pároco encarregado de garantir a fé cristã na fortaleza.
Claro, ele foi convidado para dividir a mesa do chefe. Não só todo o clã
tinha um enorme respeito por ele, mas Ewan também o considerava seu
amigo. O religioso era conhecido entre o seu povo pela sua alma caridosa e
pela sua dedicação incondicional na ajuda aos mais desfavorecidos. Passava
longos períodos viajando, visitando as terras Campbell, as aldeias onde não
havia paróquia, oferecendo sua fé e serviços religiosos a quem precisasse.
Eram tempos difíceis e turbulentos, muitas almas careciam do conforto
espiritual que só homens como ele poderiam proporcionar.
Para Ewan, foi uma sorte ele ter retornado naquele momento, ao mesmo
tempo em que os MacNab apareceram. O padre Cameron era uma das
poucas pessoas em quem podia confiar com fé cega e sabia que teria muito
mais apoio contra as intrigas de seus visitantes do que se tivesse apenas
seus dois conselheiros oficiais.
De sua parte, Willow estava feliz que apenas alguns poucos
privilegiados tivessem a sorte de desfrutar daquele jantar fabuloso, pois
acrescentou ainda mais descanso às suas horas de liberdade. Era estressante
ficar muito tempo na presença intimidadora de Ewan Campbell. Sua tarefa
seria entreter os MacNab e desaparecer, algo que estava desejando.
No salão, os comensais já ocupavam seus respectivos lugares e se
lançavam como lobos famintos sobre a comida que estava sendo colocada
nos centros de mesa. Willow nunca tinha visto tanta falta de educação.
Lembrou-se do que todos diziam sobre sua mãe, a doce e sensata Erinn, em
Meggernie: ela nunca toleraria tal comportamento em seu salão. Seu marido
e filhos podiam ser selvagens no campo de batalha, mas não à mesa. Era
evidente que aqui, em Innis Chonnel, não havia mulher para cuidar desses
assuntos. Olhou para o laird com curiosidade. Por que ele não era casado?
Era jovem, devia ter a mesma idade dos irmãos. Se perguntou onde estava
sua mãe, a esposa do chefe do clã anterior. Os Campbell precisavam de
alguém para trazer um pouco de ordem a este universo selvagem e
esquecido por Deus. Notou que Ewan tinha uma expressão taciturna no
rosto e mal tocou em sua comida, dedicando-se a beber de seu copo sem
tentar participar da conversa.
Sim, Willow não tinha dúvidas disso: ele era um péssimo anfitrião.
Embora sua mesa estivesse bem arrumada e sua adega aberta aos
convidados, sua companhia estava longe de ser agradável.
Depois de algumas viagens da cozinha para salão e de volta para a
cozinha, Willow notou que um dos homens MacNab a olhava fixamente.
Estremeceu diante desses olhos claros como hidromel, porque pelo jeito que
ele a olhava, ela estava convencida de que este guerreiro havia adivinhado
sua feminilidade.
— Ei, garoto, aproxime-se!
Willow pulou quando ouviu sua voz estrondosa, chamando seu nome.
Não estava errada, ele a estava observando e agora teria que enfrentar e
dissimular melhor do que nunca. O MacNab era bastante robusto, com
cabelo e barba longa desgrenhado. Obedeceu imediatamente e abaixou a
cabeça antes de falar, sua voz falsa.
— Senhor, quer que eu traga mais alguma coisa da cozinha?
— Nunca te vi por aqui, quem é você?
Se o olhar dele já a havia alertado e a incomodado, seu tom conseguiu
arrepiar todos os pelos de seu corpo.
No entanto, Willow foi poupado de responder porque o grito do laird,
chamando-a, trovejou pelo salão, interrompendo toda a conversa.
— Will!
Atendeu ao chamado, com as orelhas ardendo de vergonha, porque
todos os olhares do salão estavam fixos nela. Quando chegou à cadeira de
Campbell, sua voz saiu fraca.
— O que é, meu senhor?
A reação de Ewan a pegou desprevenida e a aterrorizou. O homem
agarrou seu peito com violência e quase pressionou seu rosto contra o dele.
Willow quase se engasgou com a raiva em seus olhos castanhos.
— Vá agora mesmo para as cozinhas e não saia de lá. Não quero você
neste salão, não o quero rondando minha mesa, está me entendendo?
Ele a soltou tão de repente que Willow cambaleou para trás.
Envergonhada, humilhada e morrendo de medo, fez o que o laird lhe
ordenou sem perder mais tempo. Deus Bendito! Que erro grave cometeu
para ser repreendida assim, na frente de todos os convidados? Só esperava
que, o que quer que fosse, não envolvesse seu retorno às masmorras; já a
havia ameaçado em diversas ocasiões, alegando que sua incompetência
merecia alguns dias de prisão, mas estava convencida de que não suportaria
nem uma hora presa naquela cela novamente. Sentiu as lágrimas
pressionando contra suas pálpebras e apressou o passo para escapar do salão
antes que elas caíssem.
Não entendia aquele homem. Não conseguia entender o que tanto o
ofendia. Porque ele aproveitava todas as oportunidades para apedrejá-la
com seus insultos, para culpá-la por sua incapacidade em cada uma das
tarefas que empreendia. Ela sentia falta do pai, dos irmãos, sempre tão
simples, tão sinceros, tão gentis com ela. Há muitos anos que lamentava ter
sido tratada como se fosse a joia de Meggernie, porque isso também
significava viver em uma gaiola dourada. E agora sentia falta de toda aquela
consideração, dos mimos e, acima de tudo, do amor incondicional de seu
povo.
Os Campbell não eram seu povo.
E, claro, este homem violento e autoritário não era seu laird.
Mas por seu irmão Niall, ela enfrentaria o que viesse. Não ia desistir tão
cedo. Ela descobriria se Ewan Campbell era o responsável por sua morte e,
nesse caso, apenas pediria a Deus coragem e força para enfiar uma adaga
em seu coração.
CAPÍTULO 15

— Não tem sido muito duro com o menino? Que falta ele cometeu para
merecer tal repreensão?
Ewan desviou o olhar da porta pela qual Will havia saído e se virou para
James MacNab, que esperava sua resposta com um sorriso torto. Seu gesto
mostrava o quão pouco se importava com o assunto, era simples
curiosidade... e outra coisa que o laird Campbell descobriu imediatamente.
— Sem ofensas James, prefiro não falar da falta de jeito dos meus
servos. É embaraçoso o suficiente para mim que não saibam como se
comportar como lhes é dito.
— Desta vez concordo com James — Padre Cameron também interveio.
— Não vi o rapaz fazer nada de errado, Ewan.
— Não o conhece. Digo, por experiência própria, que é melhor ficar nas
cozinhas. Sua falta de jeito pode se tornar muito irritante.
— Ora, vamos, não deve ser grande coisa — James apontou.
— Que interesse o chefe dos MacNab pode ter no destino de um dos
meus servos?
Seu interlocutor riu. Ewan sempre achou o homenzinho desagradável,
com sua baixa estatura, seus olhos escuros de doninha e sua ânsia de lucrar
com qualquer infortúnio.
— Bem, notei que meu tenente, Reed, gostou do garoto. — Ele baixou o
tom para acrescentar, sem que o padre o ouvisse: — Sei que podemos
conversar com confiança, e sei que sabe dos gostos um tanto... especiais do
meu guerreiro. É óbvio para todos que o rapaz é um pouco afeminado,
então imagino que compartilhe os mesmos desejos de Reed quando se trata
de...
— Esqueça isso, MacNab. — Ewan o cortou antes de continuar, porque
o discurso já era conhecido.
Sim, estava bem ciente dos hábitos sexuais daquele animal Reed
MacNab. E por isso mesmo, nunca consentiria em negociar entre o
guerreiro e qualquer uma das pessoas que estavam sob sua proteção em
Innis Chonnel.
Essa máxima era fortemente reafirmada no caso de Will.
Essa foi a razão pela qual o expulsou do salão. Tinha que afastá-lo dos
olhos lascivos de Reed e de sua mente suja e contaminada. Ewan não
aceitava de bom grado as práticas sexuais dos afeminados, era do
conhecimento de todos, mas no caso de Reed sua relutância aumentou
notavelmente. Porque aquele homem não se limitava a dividir a cama com
outros homens. Tinha ouvido histórias, e se apenas metade do que foi dito
fosse verdade, este MacNab gostava de assediar seus companheiros,
forçando-os à submissão, lhes causando dor. Só então conseguia sua própria
satisfação. O repugnava só de imaginar, se era um homem ou uma mulher
com quem esse louco escolhesse se divertir.
— Parece um pouco tenso, Ewan — James continuou. — Seria abuso de
sua hospitalidade lhe pedir que consentisse que meus homens se
divertissem um pouco? Sempre fomos bem tratados em Innis Chonnel e
todos precisamos relaxar um pouco. Em breve teremos que nos encontrar
com o Rei Bruce em Stirling, pelo que não teremos muitas mais
oportunidades para desfrutar destes momentos descontraídos.
— Não acho ruim querer se divertir — explicou Ewan. — Mas não
quero que a festa degenere. Não vou consentir com esse tipo de
comportamento, James, lembre-se disso.
O líder MacNab estalou a língua antes de mostrar um sorriso
presunçoso.
— Entendo suas dúvidas, amigo Ewan. A fofoca escapou pelas paredes
de sua fortaleza e o que aconteceu com seu tenente Melyon chegou aos
meus ouvidos.
O laird ficou tenso ao ouvir o nome. Não tinha interesse em escutar o
que o homem tinha a dizer sobre isso.
— Não quero falar sobre isso, MacNab.
— É muito doloroso quando alguém não consegue proteger seu clã
dentro de sua própria fortaleza, certo? É por isso que entendo suas dúvidas.
Não precisa se preocupar, direi aos meus homens para não agirem como
loucos. Não gostaria de banir nenhum deles, como você fez com Melyon.
Ewan se virou para ele, querendo revidar. Era evidente que seu
convidado queria cutucar a ferida e não podia tolerá-lo. Uma mão firme
pousou em seu ombro, e a voz equilibrada do padre Cameron falou em seu
ouvido.
— Não se deixe levar pela fúria, laird.
— MacNab é nosso convidado e estou convencido de que sua intenção
estava longe de ofendê-lo — Adair também falou, concordando com o
padre.
— Claro! — James deu um pulo, embora seu gesto de satisfação
mostrasse o contrário. — Além disso, será que ainda tem estima por aquele
violador de mulheres? Pelo jeito que se revoltou, parece que sim.
— Não quero falar sobre esse assunto e acho que já deixei claro. Se a
preocupação dos MacNab não é encontrar entretenimento dentro das
paredes de minha casa, seus homens podem ficar tranquilos. Não faltará
comida nem bebida, nem entretenimento, conforme nos dispusermos; eu,
como laird dos Campbell, garanto. Só espero que mantenha sua palavra e
seus guerreiros mostrem o comportamento exemplar que é exigido deles.
— Eles se comportarão como devem, e ai de quem não o fizer — James
lhe confirmou, varrendo com os olhos a mesa ocupada por seus homens,
para que todos tivessem em mente o aviso.
— E agora, esclarecido este ponto, seria melhor abordar o motivo que o
trouxe a Innis Chonnel. Devo confessar que estou intrigado com esta visita
inesperada — Ewan soltou sem mais delongas, impaciente para saber sobre
os acontecimentos daquele homem detestável.
James MacNab tomou um gole de seu vinho antes de falar,
deliberadamente lento.
— Curiosidade, caro amigo, o que mais? Em todo Argyll só se fala do
ataque sofrido pelos MacGregor.
Ewan sentiu o padre Cameron, sentado ao lado dele, tenso. No entanto,
exibindo a prudência que o caracterizava, não se pronunciou.
— Dizem que a notícia chegou ao front e o velho Ian soube, enquanto a
luta contra os ingleses continua. Claro, ele ficou furioso. Suponho que sua
primeira reação será tentar trazer Meggernie de volta a qualquer preço —
explicou James.
— Eu faria o mesmo, se estivesse no lugar dele — Ewan comentou
sucintamente.
— Esses MacGregor só tiveram o que merecem — o velho Adair
interveio, ganhando um olhar duro de seu laird e do padre.
MacNab se inclinou para Ewan, seus olhos de fuinha brilhando de
curiosidade. Lambeu os lábios antes de fazer a pergunta que queria.
— Você o matou com as próprias mãos? Aquele arrogante Niall
MacGregor sofreu muito?
Padre Cameron abriu a boca para dizer algo, mas Ewan se adiantou.
— Receio que alimentar a curiosidade dos meus convidados não seja
uma das minhas melhores qualidades, James, então tem que me desculpar
se prefiro ficar calado diante do seu questionamento. De qualquer forma,
tenho a sensação de que satisfazer sua curiosidade não é a única coisa que o
trouxe até minha casa, certo?
O homenzinho ficou desapontado porque sabia que Ewan não lhe
revelaria nenhum detalhe do ataque, por mais que tentasse persuadi-lo com
palavras doces. Suspirou e tomou outro gole de vinho antes de confessar o
verdadeiro motivo de sua visita.
— Meu amigo, seus instintos não se limitam apenas ao campo de
batalha. É muito habilidoso em detectar os interesses das pessoas ao seu
redor e, mais uma vez, obteve total sucesso. Eu vim para Innis Chonnel
para fazer uma compra.
Tanto o laird Campbell quanto seus homens de confiança ficaram
surpresos.
— Uma compra? — Adair perguntou
— Nestes tempos de guerra e escassez, o que temos que possa lhe
interessar o suficiente para vir pessoalmente comprá-lo? — Lawler também
perguntou.
MacNab gostou das expressões incrédulas de seus interlocutores e
alongou o tempo de resposta para dar o destaque que merecia.
— Uma joia.

James olhou para Ewan atentamente, como se o laird Campbell pudesse


entender o que queria dizer com seu olhar.
— Desculpe, disse uma joia?
— A mesma que pegou dos MacGregor em seu ataque.
— Eu não sei do que está falando — Ewan murmurou, verdadeiramente
perplexo.
O tom da conversa caiu, de modo que apenas James e seu tenente, Reed
MacNab, assim como Laird Campbell e seus conselheiros estavam ouvindo
o que estava sendo dito.
— Tenho um baú cheio de moedas que devolverão a luz ao seu
entendimento.
Ewan cerrou os punhos e fuzilou o homenzinho, com os olhos escuros
de ofensa.
— Vejo que ainda não me conhece, se acha que seu ouro pode me
comprar.
— Vamos, velho amigo. — O tom de James estava fazendo Ewan se
contorcer, que às vezes tinha que se conter para evitar bater com o punho
naquela face exultante de presunção. — Não é segredo que a guerra contra
a Inglaterra deixou os cofres de Innis Chonnel cheios de teias de aranha.
Meu ouro, como bem diz, lhe seria muito útil. O rei pode solicitar sua ajuda
a qualquer momento, e então o que dirá a ele? Que não pode lhe enviar
mais do que um punhado de guerreiros por falta de recursos?
Ewan cerrou os dentes. Não sabia como esse demônio havia descoberto
sua precária situação financeira e lamentava se encontrar em clara
desvantagem. O laird anterior, seu pai, falhou em administrar quando o rei
solicitou os recursos de seu clã. Mas, refletiu, se aquela doninha estava
disposta a desistir tanto por uma joia estúpida, o assunto exigia mais
atenção de sua parte.
— Não tenho a joia que procura, mas mesmo que tivesse, não lhe daria.
Imagino que deve valer muito mais que esse baú que me oferece com tanta
alegria e estou querendo saber o que anda aprontando — disse.
Tanto Reed quanto James MacNab estreitaram os olhos diante daquela
saída. Isso não poderia ser considerado mais do que um insulto.
— Do que está me acusando, exatamente? — explodiu o líder dos
MacNab, levantando-se com um rugido. Seu tenente já havia colocado a
mão no punho da espada.
Os conselheiros de Campbell também se levantaram, alarmados com o
rumo que a conversa tomara.
— Acalmem-se, senhores, acalmem-se, por favor — Lawler pediu,
olhando com reprovação para seu laird. — Nada poderia estar mais longe
da intenção de nosso chefe do que perturbar seus convidados em sua
própria casa. Não é mesmo, Ewan?
— Venho aqui com uma oferta sincera e muito generosa, pois aprecio
muito o seu clã. Sempre considerei os Campbell meus aliados e não
esperava essa reação. Estou muito interessado nesta joia por motivos
pessoais e considero que o valor que estou disposto a pagar, embora
excessivo, vale a pena aos meus olhos. Talvez para o laird Ewan Campbell
gastar tanto em tal coisa, seja pouco mais que um pecado, mas não para
mim. Não vou revelar meus verdadeiros motivos para adquiri-la, meu
amigo, mas terá que confiar que minha oferta é livre de qualquer interesse
oculto que esteja tentando me imputar.
— Claro, claro — Adair intercedeu, que viu como os guerreiros
Campbell tomaram posição no corredor quando a paz de sua casa foi
ameaçada. — Quantas vezes já vimos um homem esbanjar uma fortuna em
uma joia para uma mulher? Não sei se será o caso de James, e não pretendo
saber, não gostaria de ser aquele que viola sua privacidade. Mas esse tipo de
loucura não é feito por amor? Ou, quem sabe, talvez a joia tenha pertencido
a um MacNab e acabou nas mãos dos MacGregor. Não seria surpreendente
se nosso amigo agora quisesse recuperá-la a qualquer custo.
O velho conselheiro verificou que James MacNab lhe fez um gesto de
agradecimento por suas palavras e sugeriu que uma das razões apresentadas
poderia ser a verdadeira.
Ewan olhou de um para o outro. Suas entranhas o alertavam que aquele
homenzinho com ares de grande líder escondia alguma coisa, mas não ia
provocar uma briga em sua casa. Isso equivaleria a virar todo o conselho
Campbell contra ele, e como um novo laird que ainda não havia se
estabelecido totalmente, não estava em posição de correr riscos.
— Peço desculpas, velho amigo. — O timbre de sua voz ao se referir ao
MacNab beirava a impertinência, embora os outros sabiamente o
ignorassem. — Não queria incomodá-lo com minhas dúvidas, mas
entenderá que não é normal receber esse tipo de oferta, ainda mais por uma
joia insignificante.
— Pra mim não é insignificante — insistiu o outro.
— Está claro para mim. Infelizmente, como já lhe disse antes, não tenho
essa joia em meu poder.
— Será que algum dos seus homens pode ter ficado com ela sem o seu
conhecimento?
A insistência e as insinuações de MacNab eram ofensivas. Ele achava
que os homens Campbell esconderiam algo assim de seu laird? Ewan
engoliu o veneno que subiu em sua garganta para não explodir e o
escondeu. Se queria ir até o fim com esse assunto, devia seguir junto.
— Farei o possível para descobrir. Mas, para esta noite, vamos esquecer
isso e nos dedicar a desfrutar do jantar e das humildes diversões que posso
lhes oferecer.
James assentiu, aceitando aquela pequena trégua.
O laird Campbell ergueu sua taça e brindou alto, esperando que seus
convidados fizessem o mesmo. Depois de um tempo, ao ver que o clima
estava relaxado e que as conversas estavam tomando outro rumo, levantou-
se com um pedido de desculpas e retirou-se para o quarto.
Ele tinha muito em que pensar.
CAPÍTULO 16

Reed MacNab estava excitado. A figura frágil do garoto de cabelos pretos e


olhos azuis havia inflamado sua libido até que não conseguia pensar em
nada além de encontrá-lo sozinho. Após o jantar, enquanto seus
companheiros permaneciam no grande salão curtindo música, vinho e
dança, Reed se dirigiu para as cozinhas em busca de sua presa.
Porém, ali só encontrou uma boa repreensão da cozinheira por ter
entrado em seus domínios sem ser convidado e a decepção de não ter
encontrado o rapaz.
— Onde encontro o menino moreno, aquele magricela de olhos azuis?
— ele perguntou, no entanto.
A governanta de Innis Chonnel, Jane, que acabava de entrar, ouviu a
pergunta.
— Alguns servos já se retiraram para descansar, um dia difícil os espera
amanhã — respondeu.
— Preciso de alguém que me traga alguns baldes de água quente para o
meu quarto e gostei do menino. Pode avisá-lo, por gentileza?
Jane ficou muito surpresa com o pedido inesperado. Não era hora de
tomar banho e, além disso, o quarto que tinham colocado à disposição do
tenente MacNab não havia banheira para água. Antes que pudesse
responder, porém, o velho conselheiro Lawler também entrou na cozinha
com o pretexto de pegar um pouco de leite quente para ajudá-lo a dormir
melhor. A cozinheira estava acostumada com o hábito do velho e já havia
preparado sua caneca.
— O que aconteceu? — perguntou à governanta, surpresa ao encontrar o
MacNab na cozinha.
Jane explicou o pedido do homem e as dificuldades envolvidas, mas o
velho conselheiro ignorou seus impedimentos e deu ele mesmo a solução.
— Ele é nosso convidado, Jane, o segundo do clã MacNab e merece
nossa hospitalidade. Encontre o menino que ele pediu e mande mais um
criado para que nós dois possamos mover a banheira do meu quarto para o
quarto de Reed. Se é necessário que este magnífico guerreiro tome um
banho depois de uma viagem tão longa, não podemos e não devemos lhe
negar esse mimo.
Jane assentiu e saiu correndo da cozinha em direção às cabanas dos
empregados. Ela foi direto para a dos St. Caire e encontrou a família já se
preparando para dormir.
— Will e Liese, venham comigo.
— Aconteceu alguma coisa? — perguntou Maud, alarmada com o
adiantado da hora.
— Nada para se preocupar. Um de nossos hóspedes requer um favor
especial.
Os jovens trocaram olhares irritados, mas se apressaram em obedecer à
governanta.
Eles a seguiram até o primeiro andar do prédio principal, onde ficavam
os quartos. Chegaram ao que Lawler ocupava e entraram para remover a
banheira. Jane então os conduziu até o de Reed MacNab, já esperando
impacientemente por eles, andando ansiosamente de um lado para o outro.
Seus olhos cor de mel devoraram Will assim que ele entrou pela porta,
embora se abstivesse de fazer comentários na frente de Jane e Liese.
— Agora, vá buscar a água quente. Will, vai ajudar nosso hóspede no
que ele precisar, entendeu?
Willow sentiu um calafrio desagradável percorrer sua espinha. Aquele
homem não preferiria que uma serva o ajudasse no banho? Imediatamente,
se arrependeu desse pensamento. Também não queria que alguém como
Liese, por exemplo, tivesse que lidar com tal guerreiro. Seu olhar sinistro e
velado indicava que este MacNab não tinha um pingo de nobreza em seu
corpo maciço.
Caminhou com Liese de volta para a cozinha com um nó na garganta,
desejando e rezando fervorosamente para que, uma vez que a banheira
estivesse cheia, este homem a liberasse de seus serviços. No entanto, algo
lhe dizia que não seria assim, então em um ato de audácia movido pelo
medo, escondeu uma das facas dos talheres entre suas roupas antes de voltar
ao quarto com a água.
Quando entraram no quarto de hóspedes, ela e Liese esvaziaram os
baldes na banheira. Sua irmã adotiva fez uma reverência para o homem
antes de sair pela porta, e Willow ficou tentada a gritar para não deixá-la
sozinha com o tal sujeito. O medo a paralisou e ela fez a única coisa que
podia fazer nessa situação. Se virou, limpou a garganta, que estava seca de
pânico, e perguntou:
— Meu senhor, quer mais alguma coisa?
— Mmm, vejamos... — O MacNab caminhou ao redor dela, como uma
ave de rapina sobrevoaria sua presa antes de pousar nela. — Mais cedo, na
sala, não me disse seu nome.
— Certo. Mas sem dúvida deve ter ouvido isso dos lábios de meu laird,
como o resto dos presentes.
Os olhos do homem se arregalaram, surpresos com o seu descaramento.
Willow não sabia de onde veio a coragem que a fez atacar seu perseguidor.
— Will.
— Isso mesmo, senhor.
— Gostaria de tomar um banho, Will?
— Achei que água fosse para o senhor.
— E assim é. Mas podemos compartilhar, o que me diz?
— Essa é uma oferta muito gentil de sua parte, senhor, mas devo
recusar.
— Que pena — Reed suspirou. — Então me ajude a me despir.
Willow começou a tremer. O MacNab parou de andar e esperou com as
mãos levantadas que o servo começasse a tarefa. Ela se aproximou, seu
coração batendo forte de medo. Sub-repticiamente, procurou a faca
escondida nas dobras de suas perneiras e exalou com alívio. Com dedos
trêmulos, desabotoou o cinto de couro e tirou o kilt que repousava sobre um
ombro. Foi a vez da camisa, e Willow estremeceu ao ouvir o grunhido
satisfeito do homem ao sentir seus dedos trêmulos em seu peito.
— Nunca te disseram que tem mãos de mulher?
Seus olhos estavam a centímetros de distância, e Willow podia ver
claramente o mal que espreitava nos de MacNab. Ela temia ser descoberta,
mas o que ele disse a seguir a deixou paralisada de puro espanto.
— Sorte a minha, você não é. Eu gosto mais de meninos pequenos e
suaves como você.
Willow até se esqueceu de respirar. Um homem que queria outro
homem? Em sua curta vida, havia ouvido coisas sobre isso, mas nunca deu
a devida atenção. Agora, materializou-se diante dela uma questão que
sempre acreditou fora de seu mundo e, ainda mais, que ameaçava sua
própria integridade física. Isso, sem mencionar que não era realmente o
servo que MacNab supunha. Como reagiria se continuasse com o assédio e
descobrisse que ela era na verdade uma mulher? Não queria saber,
pressentia naquele homem uma violência latente e um orgulho que ficaria
exposto se descobrisse que fora enganado.
— Ainda não estou nu, o que está fazendo parado aí? — o apressou.
Willow mal conseguiu completar a tarefa. E quando o teve nu diante de
seus olhos, ruborizou até a raiz dos cabelos ao observar sua masculinidade,
ereta e pronta, enorme e ameaçadora. Nunca seus olhos virgens viram um
homem como Deus o trouxe ao mundo. Mas muito menos tinha visto
alguém tocar suas partes íntimas na frente de outra pessoa. O MacNab se
acariciou com uma mão enquanto sorria diante da reação de Willow.
— Você parece em êxtase. Nunca viu o pau de um verdadeiro guerreiro?
Venha, chegue mais perto, eu vou deixar você tocá-lo...
Willow sentiu nojo. Tateou em busca da faca e segurou-a com força sob
a roupa nas costas. Se este MacNab desse um passo para ela, a colocaria
onde alcançasse primeiro.

Jane entrou no quarto de seu laird para trazer as velas que lhe havia
pedido antes de se retirar. Ewan estava estudando alguns documentos em
sua mesa e ergueu os olhos quando a ouviu chegar.
— Aqui está, senhor. Embora, se continuar trabalhando como o vejo,
devo repreendê-los seriamente. Vê-se que está exausto depois deste dia, os
convidados consumiram toda a sua energia.
— Estava revisando as contas de Innis Chonnel, Jane — foi sincero com
sua governanta, a quem estimava e cuja opinião respeitava muito mais do
que as de seus próprios conselheiros. — Estou preocupado com um
comentário feito por MacNab sobre nossos cofres. Amanhã preciso de você
para fazer um inventário da comida que guardamos na despensa e dos barris
que deixamos no porão. Quero saber o que temos para o restante do
inverno.
— Não se preocupe, meu senhor. Amanhã, sem falta, darei conta do que
me pede.
— Obrigado, Jane. — Ewan ia pedir que se retira-se, quando se lembrou
de algo. — Há alguns minutos ouvi muito barulho no corredor. Aconteceu
alguma coisa?
— Não, senhor. Pelo menos nada importante. Estávamos mudando a
banheira do quarto do Sr. Lawler para o de nosso hóspede, Reed MacNab.
— Por quê? — Ewan franziu a testa, isso era muito estranho.
— O próprio Lawler me pediu, para atender a demanda do guerreiro.
Mandei Will buscar água, agora mesmo o menino está atendendo seu
banho...
O rugido furioso do laird assustou a pobre Jane, que só foi capaz de sair
do caminho de seu senhor quando correu para a porta, o rosto escurecido
pela raiva.
Ewan podia sentir o sangue pulsando em suas veias enquanto caminhava
pelo corredor aos trancos e barrancos. Sem bater, abriu a porta do quarto
ocupado pelo MacNab, e a imagem que descobriu o paralisou por alguns
segundos.
Reed estava completamente nu, exceto por suas botas, olhando
maliciosamente para sua presa enquanto se esfregava com uma mão bem
debaixo do seu nariz. Will, por sua vez, não tirava os olhos do membro
endurecido do guerreiro, com o rosto corado.
Ele não sabia o que o incomodava mais: ver MacNab se esfregando
como um porco no cio, ou presumir que Will estava ansioso para descobrir
aonde esse prelúdio o levaria.
— O que significa isto? — gritou, assustando os dois ocupantes do
quarto.
— Pelos chifres de Satanás, Campbell! Não é óbvio? O menino e eu
estávamos nos conhecendo...
— Cubra-se, Reed! — Ewan ordenou. — Acho que deixei claro meu
posicionamento sobre o assunto durante o jantar: não vou deixar isso
acontecer, não na minha casa.
— Não. Suas palavras exatas foram que, se seu povo concordasse em
compartilhar a diversão, não haveria problema. E não ouvi o garoto recusar.
Ewan olhou para Will. Uma raiva densa o cegou. Foi até ele e agarrou
seu braço, arrastando-o para fora do quarto.
— Ei, espere um minuto! — reclamou MacNab, dando um passo na
direção deles.
O laird Campbell parou e falou por cima do ombro, sem levantar a voz,
nem mesmo se virando.
— É melhor se acostumar com a ideia: vai ter que se consolar. Nenhum
dos meus servos subirá ao seu quarto, então não peça a mais ninguém. E se
eu ficar sabendo que alguém dos meus passou a noite com você, pela
manhã me encarregarei pessoalmente de arrancar essa coisa que acariciava
com tanto prazer.
Reed sabia que ele era capaz de cumprir essa ameaça, então extravasou
sua frustração batendo a porta com um estrondo tremendo.
Ewan puxou o braço de Will sem cerimônia e o levou para seu próprio
quarto. Uma vez lá, o encarou com a fúria que o consumia por dentro. Para
sua surpresa, viu o menino tirar uma faca de debaixo da roupa e apontar
para ele com a mão trêmula.
— Não... me toque... — sussurrou, quase sem voz.
Seus olhos estavam arregalados e sua pele pálida.
— Queria ficar com ele? — Ewan murmurou. Ainda tinha uma vaga
esperança de que estivesse errado e que Will realmente não queria dormir
com o animal de Reed como havia suposto.
Deu um passo até ele, pronto para desarmá-lo, mas o olhar perturbado
do garoto o deteve. Balançou a faca com mais força e varreu o ar entre eles
em advertência.
— Não... se... aproxime.
Ewan teve um breve mas lúcido momento de inspiração. Olhando para a
imagem assustada de Will, a cor azulada de seus lábios entreabertos, suas
pupilas dilatadas de medo, entendeu. O menino estava apavorado. Talvez
nunca tivesse visto o que acabara de testemunhar no quarto de Reed. Talvez
aquela besta tenha lhe dito palavras que o mergulharam naquele estado
alienado. Mais uma vez, Ewan o comparou a um duende frágil. Teve o
desejo absurdo e intenso de estender a mão e confortá-lo para que
entendesse que não havia nada a temer. Queria que ele parasse de tremer e
que seus olhos voltassem a se concentrar.
Imediatamente, se arrependeu desse impulso com todo o seu ser.
Teria dado um bom tapa em qualquer outra pessoa para fazê-lo acordar.
O que havia em Will que o tornava tão insuportavelmente mole? A raiva,
dirigida contra si mesmo, o menino acabou pagando. Ewan parou com seu
absurdo e se lançou sobre ele para agarrar seu pulso com o qual segurava a
faca. Apertou a carne muito macia para o seu gosto até que sua mão se
abriu e a arma caiu.
Seus olhos, a apenas alguns centímetros de distância, se fixaram em um
olhar intenso. O de Ewan, penetrante, devoravam os de Will, aumentado de
medo.
— Eu não sou o inimigo — ele sussurrou asperamente, desconfortável
com suas próprias reações. — Eu não vou te machucar, relaxe.
Eram palavras determinantes, mas não produziram a mudança que o
laird pretendia; ao contrário. Will finalmente reagiu, mas em vez de ficar
relaxado e manso, ficou furioso. Suas pálpebras se estreitaram e a expressão
em sua boca endureceu.
— Sim, laird Campbell — silvou furiosamente, para surpresa de Ewan.
— É um verdadeiro monstro para mim, atacando fortalezas na calada da
noite, como uma raposa, e matando à vontade.
A acusação foi como um soco no estômago. Suas palavras o
surpreenderam, mas o tom com que foram ditas... Havia veneno e muita dor
em sua voz. Apesar do fato de que em outras circunstâncias o laird teria
sido inundado com tais insultos, desta vez fizeram algo virar em seu
espírito. Talvez seja por isso que ele afrouxou o aperto e Will aproveitou a
oportunidade para sair correndo do quarto e fugir aterrorizado.

Não sabia para onde estava indo, as lágrimas a cegavam. Willow estava
andando pelo corredor, iluminado pelas tochas penduradas nas paredes, a
imagem de Ewan Campbell em sua cabeça. Em seu delírio, tinha
substituído o rosto de Reed pelo do laird. Já não era o MacNab que a tinha
aterrorizado para desconectar sua mente da realidade. Parecia que todo o
seu ser havia decidido fugir para não continuar sofrendo o pânico gelado
causado por ver aquele homem se tocando daquele jeito, ou a expressão em
seus olhos cor de hidromel, que prometiam a experiência mais
desagradável. Não era MacNab, não mais, pois quando ela voltou a si, foi o
rosto de Ewan Campbell, escuro e maligno, que ela viu. Um rosto com uma
expressão sombria, que a atormentava até em seus sonhos; o rosto de medo,
o rosto de um assassino. E Willow, em seu pesadelo, só entendeu uma
coisa: ela tinha que se defender dele, fugir, sem forças para enfrentá-lo...
Chegou à sua cabana e teve a lucidez de parar antes de entrar. Enxugou
o rosto nas mangas, respirou fundo e tentou se recompor. Se Maud a
encontrasse naquele estado, ficaria doente de preocupação.
— O que está fazendo parado aí, Will?
Willow se virou ao ouvir a voz doce de Agnes. A garota a olhou com
aqueles olhos ternos que a deixavam tão nervosa. Todo mundo enlouqueceu
naquela noite?
— Eu estava indo para a cama, já terminei meus deveres.
— Sim, eu já vi aquele mal-educado MacNab solicitando seus
serviços... — Agnes andou bamboleando até ela. — Gostou, Will?
— Não, eu... — Willow ficou em silêncio ao ver a expressão maldosa
no rosto da jovem empregada.
— Claro que sim! — exclamou, chegando tão perto que podia sentir os
seios dela pressionando contra seu corpo. — E agora entendo por que
durante todos esses dias me ignorou, apesar dos meus avanços.
Seus lábios estavam se aproximando perigosamente dos de Willow e ela
jogou a cabeça para trás instintivamente.
— Que avanços?
— Oh, vamos! Não percebeu, Will? Desde que você chegou venho
tentando te fazer entender... te acho o menino mais lindo que já vi.
Se lançou sobre ela e a porta o impediu de ser capaz de evitá-la. Agnes a
beijou. Suas bocas se encontraram em um beijo apertado que durou apenas
até Willow ser capaz de reagir e afastá-la.
— Como se atreve? Você me rejeita? Realmente prefere a companhia
daquele MacNab fedorento à minha?
Seus olhos eram duas fendas cheias de maldade e Willow estremeceu ao
perceber.
— Agnes, eu... me desculpe, eu tenho que ir. — Abriu a porta atrás de si
com a intenção de escapar o mais rápido possível.
— Vai se arrepender disso, Will — silvou a criada venenosa.
Ela definitivamente, é louca. Willow pensou com um estremecimento.
Quem teria pensado que a doce Agnes era na verdade uma megera
manipuladora capaz de ficar furiosa se não conseguisse o que queria?
Entrou na cabana e fechou a porta antes que a garota pudesse pensar em
qualquer outro mal.
Sua nova família dormia no calor de uma lareira aconchegante, e
Willow sabia que estava segura pela primeira vez naquela noite. Lágrimas
encheram seus olhos e ela desejou que Maud estivesse acordada para
abraçá-la e confortá-la; mas é claro que acordá-la e preocupá-la com seus
problemas era a última coisa que faria. Subiu a cama notando um cansaço
físico e mental extremo.
Talvez por isso fosse difícil para ela dormir.
A imagem grotesca daquele guerreiro nu voltou à sua mente várias
vezes, lhe explicando detalhadamente e com uma voz arrastada todas as
coisas que pretendia fazer com ela. Seu estômago se contorceu de angústia
com a lembrança, sua pele se arrepiou, seus dedos se apertaram ao redor do
cobertor. No final, pouco antes de o sono tomar conta dela, um pensamento
revelador conseguiu acalmá-la um pouco: Ewan Campbell não a havia
atacado de verdade. Foi ele quem a tirou do quarto do MacNab, quem a
arrastou das mãos sujas de Reed e a salvou da experiência mais terrível de
sua vida.
— Mas isso não te redime, Ewan Campbell — ela sussurrou, meio
adormecida. — Você ainda é meu inimigo.
CAPÍTULO 17

Ewan bateu com o punho na porta repetidamente, sem se importar que fosse
uma hora tão ruim. O padre Cameron devia estar dormindo, mas não se
importou no momento. Aqueles eram os anexos da pequena capela, onde o
padre se instalara ao chegar a Innis Chonnel, alguns anos antes, e o jovem
raramente precisara visitá-lo. Nem ele nem seus homens iam às orações
regularmente, mas era algo a que o padre Cameron estava acostumado. Por
isso, estava convencido de que o pobre homem teria uma grande surpresa
ao vê-lo ali, em frente à sua porta, de madrugada.
Ele não estava errado. A porta se abriu depois de mais algumas batidas,
revelando o rosto assustado do clérigo do outro lado, que vestia roupa de
cama.
— Ewan!
— Preciso falar contigo, padre — soltou sem preambulo. Nunca tinha
sido sensível e não ia começar esta noite.
O padre se afastou para ele entrar, sua expressão ainda incrédula por ter
o laird Campbell ali, em sua pequena sala, exigindo seus serviços.
— Quer se confessar a esta hora? — ele perguntou cautelosamente.
— De jeito nenhum.
— Então, como posso ajudá-lo?
Ewan o olhou com olhos assombrados. O padre Cameron percebeu
instantaneamente a angústia que estimulava seu ânimo, mas esperou
pacientemente que ele expusesse seus problemas.
— Tenho um problema e não sei como lidar com ele — confessou
finalmente.
Seu interlocutor suspirou e indicou uma das poltronas para ele se sentar.
Antes de se acomodar, serviu dois copos com um licor que só degustava em
ocasiões especiais. Ewan reconheceu a garrafa como um presente de sua
falecida mãe, Cait, para o padre. Era uma mistura que seus ancestrais
preparavam, que chamavam de Água da Vida, e que obtinham destilando
cevada e centeio. O líquido, diziam, era capaz de reviver os mortos e
espantar as mágoas mais amargas. Quando o padre Cameron lhe entregou
um dos copos, ele tomou um gole para aquecer as entranhas antes de
enfrentar essa conversa. O padre fez o mesmo e sentou-se diante dele,
olhando-o nos olhos.
— Então tem um problema — ele começou a dizer, balançando a
cabeça. — Devo admitir que me deixou intrigado. Não veio até mim desde
que sua mãe nos deixou, embora tenha tido que lidar com algumas situações
muito difíceis para um laird que acaba de assumir o controle de um clã. Não
veio até mim quando seu pai caiu na batalha, nem quando seu melhor
amigo foi acusado de violação. Nem pediu meu conselho para silenciar
todos os rumores que circulam sobre você além dos muros de Innis
Chonnel...
— Que rumores? — interrompeu Ewan, embora soubesse muito bem o
que ele queria dizer.
— Aqueles que dizem que é um assassino sem coração e que irá direto
para o inferno por possuir uma alma tão ímpia quanto o próprio Satanás.
Será que são verdadeiros?
Aquele homem não era apenas um padre. Padre Cameron era da família,
alguém que sempre se preocupou com seu bem-estar e para quem não podia
mentir.
— Não. Eles não são verdadeiros.
— E por que permite que te difamem assim? Mais cedo, durante o
jantar, o MacNab estava o questionando sobre aquele ataque aos
MacGregor e você não o corrigiu. Por que seu povo, seus soldados, não
negam esses boatos sujos?
— Porque assim o pedi. Padre, sabe o que me custou assumir o
comando de Innis Chonnel. Embora o Rei Bruce queira que todos os clãs
lutem juntos, os Campbell ainda têm inimigos que não hesitarão em nos
esmagar ao menor sinal de fraqueza. Meu pai lutou muito para que nosso
nome fosse temido além destas paredes e devo zelar para que a reputação
que nos precede seja mantida.
O padre arregalou os olhos, sem esconder o desgosto.
— Acha que manter o legado de Duncan é a coisa certa a fazer? Seu pai
era um homem cruel, Ewan, você não é assim.
— Sim, eu sou. Como não posso ser de outra forma, ele se encarregou
de me preparar conscienciosamente para assumir.
— Eu sei — sussurrou — eu estava lá assistindo, sofrendo com sua mãe
por você... e por todos sob sua responsabilidade. Mesmo que o considere
um exemplo de bom líder, Ewan, existem outras opções. Pode governar um
clã com respeito, misericórdia, generosidade...
— Padre, o senhor sabe que não sou um homem temente a Deus. Eu sou
um guerreiro. Mesmo que não goste, minhas ações, por mais cruéis que
possam lhe parecer, sempre serão destinadas a proteger nosso povo. Que os
outros clãs pensem que fui eu quem ordenou o ataque a Meggernie funciona
bem para mim. O fato de estarem convencidos de que fui eu quem
assassinou Niall MacGregor sem hesitação me deixa temível. Um laird que
não querem contrariar, não querem enfrentar.
O padre ouviu-o sem dar crédito ao que ouvia.
— Mas não está curioso para saber quem derramou essas calúnias sobre
os Campbell? Embora possa parecer que lhe fez um favor, tornando-se um
líder temido por todos, no final terá que prestar contas por esse erro.
Porque, não se engane, é um crime real. Ian MacGregor está no front, ao
lado de nosso Rei, protegendo os interesses da Escócia. Para alguém atacar
sua casa, massacrar seu povo, seu próprio filho, é um ato desleal e
completamente desprovido da nobreza que o rei Bruce espera de todos os
seus súditos. Estou surpreso por não termos notícias dele até hoje. Suponho
que os ingleses o mantenham tão ocupado que não pode se dar ao luxo de
colocar sua própria terra em ordem; mas não duvide — ele lhe apontou com
um dedo acusador — o rei vai querer esclarecer esse assunto e vai pedir
explicações.
Ewan não tinha pensado nisso. Nunca acreditou que ser acusado do
ataque aos MacGregor estava além dos rumores que se espalhavam de
aldeia em aldeia. Quão estúpido! Agora ele via que, como aqueles dois
velhos corvos conselheiros pretendiam lembrá-lo, não era tão experiente
nas intrigas do poder quanto seu pai. As palavras do padre Cameron
abriram seus olhos, pois estava claro que alguém estava tentando prejudicá-
lo na frente do rei Bruce. E não apenas ele. Os MacGregor também foram
vítimas do responsável por aquele ataque. Claro, eles, de uma forma muito
mais selvagem e atroz. Quem poderia ter algo contra os dois clãs?
— Deveria ser meu conselheiro, Padre Cameron, e não os dois abutres
necrófagos que meu pai me legou.
O padre lhe deu um sorriso compreensivo.
— Não sou, mas sempre terá a mim para te ouvir e te dar meu ponto de
vista sobre tudo que precisar.
— Eu sei, padre. E estou muito atento à palestra que acabou de me dar...
amanhã vou começar a investigar para descobrir quem atacou os
MacGregor se passando por Campbell.
— Parece a coisa mais apropriada e prudente a fazer, Ewan. É
necessário encontrar o culpado antes que o Rei Bruce tome uma atitude
sobre o assunto.
O jovem laird assentiu, sua mente voltando ao problema real que o
levou a arrastar o padre para fora de sua cama no meio da noite. Bebeu o
que restava de sua Água da Vida, depois virou o copo nas mãos, sem saber
como lidar com sua maior preocupação.
— Não era sobre isso que queria falar comigo, era? — adivinhou o
padre, vendo que Ewan voltou a mergulhar naquele silêncio atormentado
que o torturava.
— Não.
— Fala então, meu filho. Eu te escuto, e sabe que nada do que me disser
sairá dessas quatro paredes.
Ewan agradeceu mentalmente. Mesmo assim, levou uma eternidade para
pronunciar as palavras.
— Padre... O meu problema, o meu dilema... é de natureza moral.
— Entendo.
— Não, não entende. Eu nunca... quero dizer, sempre acreditei que um
homem... — Ele cobriu o rosto com as mãos, incapaz de continuar. Não,
não havia como confessar o que queimava em sua alma. Tentou pensar em
outra maneira de concentrar suas dúvidas. — Veja bem, uma nova família
chegou recentemente a Innis Chonnel.
— Eu sei. Maud é temente, ela costuma ir à capela para rezar com sua
filha Liese.
O laird assentiu.
— Trouxeram com eles um menino, Will. Já o viu no jantar. Ele... ele
não é como os outros. Isso me deixa louco, me dá vontade de estrangulá-lo
por sua falta de jeito e sua... sua...
— Sua o quê?
— Sua masculinidade — admitiu finalmente. — Tenho a sensação de
que é afeminado, e sabe como meu pai se sentia sobre isso.
O padre recostou-se na cadeira e entrelaçou os dedos, olhando-o
atentamente.
— Eu sei. E o que você acha?
— Eu? — Ewan ficou surpreso com a pergunta e ficou na defensiva. —
O mesmo que ele, é claro, que tais pessoas não deveriam existir.
— Está convencido de que é afeminado? — perguntou o padre Cameron
novamente, erguendo uma de suas sobrancelhas brancas.
— Esta noite encontrei-o numa situação comprometedora — explicou, e
logo a seguir lhe contou o que tinha acontecido com o MacNab, sem omitir
nenhum detalhe. Exceto, é claro, a fúria que o invadiu quando assumiu que
Will queria esse encontro tanto quanto Reed.
— Pelo que explica, aquele menino ainda é muito novo e não sabe nada
da vida. Se diz que ele estava apavorado, pode nunca ter estado em tal
situação. John e Maud o adotaram recentemente, o que sabemos sobre ele?
Talvez nunca tenha tido uma família que lhe explicasse certas coisas, talvez
seja tão inocente que não entenda as relações entre homens e mulheres
como você e eu as entendemos. E aposto que nunca tinha suspeitado que
um guerreiro pudesse se insinuar a ele como fez MacNab. Se assim posso
dizer, acho que o jovem Will está apenas confuso.
Ewan considerou essas palavras.
Se isso fosse verdade, nem tudo estava perdido. Talvez pudesse resgatar
Will, fazer dele um homem... E então talvez pudesse parar de sonhar com
seus olhos azuis de uma vez por todas.
— Obrigado, padre — disse ele, levantando-se para sair. — Acho que
sei o que devo fazer.
Ele se dirigiu para a porta, mas o padre o seguiu.
— Espere, Ewan, escute. Nem todo mundo nasce para ser um soldado, e
esse menino pode não estar destinado a estar no exército Campbell. Pelo
que você mais ama, lembre-se que somos todos criaturas de Deus, com
nossas virtudes e nossos defeitos. Não repita os erros de seu pai, não se
torne um tirano como ele. Pense em seu tio Alec: um guerreiro como
poucos, mas o oposto de seu pai em tudo. Lembre-se do que ele te ensinou,
você pode ser forte e, ao mesmo tempo, justo e generoso.
A garganta de Ewan apertou com a menção de seu tio, Alec Campbell.
Não conseguia pensar nele naquele momento, não queria se deixar levar
pela emoção.
— Tranquilo padre. Não vou colocar Will em mais nenhum treinamento.
Isso intrigou o padre.
— Então, o que está pensando?
— Não sei dizer, Padre Cameron. Mas se eu quiser que Will se torne um
homem de verdade, posso ter que ajudá-lo a distinguir boas saias das calças
dos soldado.
Não disse mais nada, mas deixou o padre preocupado com aquela
insinuação. Ele tinha razão, preferia não saber o que lhe passara pela cabeça
para guiar os passos de Will na direção que ditava a moral cristã. Ele apenas
rezou para que o que quer que tivesse pensado, não fosse uma indecência
total...
CAPÍTULO 18

Maud a acordou muito cedo, pouco antes do amanhecer.


— Will, vamos Will, abra os olhos. O laird pergunta por você.
Willow sentiu como se uma tonelada de pedra estivesse esmagando seu
peito. Estava com tanto sono que não conseguia levantar as pálpebras. A
última coisa que queria era deixar o calor dos cobertores para encontrar
aquele homem no ar gelado da manhã.
— Não quero trabalhar hoje, Maud. Estou doente.
A mulher soltou uma risada suave enquanto acariciava sua cabeça.
— Vamos, criatura. Um servo não pode ficar doente, não sabe? Aqui,
uma xícara de caldo vai te fazer bem.
Willow deu um grunhido condizente com sua masculinidade fingida e se
levantou para obedecê-la. Bebeu o líquido quente que lhe esquentou o
corpo, vestiu-se e saiu, suportando o empurrão de Maud, que insistia para
que não deixasse o laird esperando.
Lá fora, o dia amanheceu tão frio quanto imaginou. A primavera era
caprichosa e assim que um sol radiante brilhava no céu, nublava e brisas
geladas sopravam das montanhas. Enrolou-se na velha capa e correu para o
pátio central, onde haviam lhe dito que o senhor a esperava. Quando
chegou, viu que Ewan Campbell estava em uma discussão acalorada com
um de seus conselheiros, Lawler, e que a seus pés tinha dois embrulhos
preparados que, com certeza, seria a vez de ela carregar.
— Não pode sair assim — disse o mais velho — não com sua casa cheia
de convidados.
— Coloquei Colin no comando, ele cuidará da segurança na minha
ausência.
— Mas o que os MacNabs vão pensar?
— Realmente acha que eu me importo?
— É um insulto que abandone Innis Chonnel enquanto eles ainda estão
aqui — Lawler insistiu.
— Diga a James que fui investigar esse assunto da joia. Isso vai acalmá-
lo.
— Bem, pelo menos leve alguns guerreiros com você.
— Não.
— Você vai sair com aquele servo como seu único companheiro?
— Vou mais rápido. — Ewan olhou para o velho com um meio sorriso
no rosto. — Parece preocupado com o que pode acontecer comigo... Não
tenha medo, não vou deixar que me matem.
Lawler zombou antes de responder à sua bravata.
— Claro que não serei eu quem vai chorar se fizerem isso.
Ele se afastou de seu senhor e Willow aproveitou para se aproximar.
Ouviu o laird murmurar atrás do velho.
— Não, imagino que nesse caso pularia de alegria, velho.
A garota ficou surpresa ao ouvir aquela afirmação. Ewan Campbell
duvidava da lealdade de seu conselheiro? Então... por que o manteve ao seu
lado? Se Willow aprendeu alguma coisa desde que o pai partiu para a
guerra, foi que a traição fazia parte de suas vidas diárias. Surpreendeu-o que
alguém pudesse se sentir tão confortável mantendo pessoas não confiáveis
em sua casa.
— Ora, finalmente apareceu!
Willow olhou apreensivamente para as bolsas que o laird havia
preparado.
— Vamos a algum lugar?
Ewan viu que seu tom continha todo o medo da noite anterior. Seus
lábios tremiam e seus olhos ainda estavam apavorados, o susto não havia
passado.
Então é verdade. Não foi só pelo que aconteceu com o MacNab. Na
verdade, ele me considera um assassino sanguinário.
Isso confirmou sua decisão. Precisava desta viagem sozinho com Will,
por muitas razões. Antes de tudo, para cumprir a tarefa que se impôs:
mostraria ao menino os prazeres que uma boa moça poderia lhe
proporcionar. Talvez assim deixasse para trás aquele ar afeminado que o
acompanhava a cada passo que dava.
Por outro lado, queria descobrir por que tinha tanto medo dele, embora
tivesse uma ideia. Questionou John e descobriu como o menino foi
encontrado antes de ser adotado. Ninguém sabia ao certo de onde veio, mas
Ewan presumiu que tivesse algo a ver com Meggernie e o ataque semanas
atrás. Se o menino havia fugido do castelo durante a ofensiva, era normal
que o considerasse um assassino. E por alguma razão estúpida, Ewan se
ressentia de o menino pensar tais coisas sobre ele.
Talvez se passassem algum tempo sozinhos, Will entendesse seu
verdadeiro caráter. Teria tempo para lhe explicar que os rumores eram
falsos... e que ele, como laird dos Campbells, estava determinado a
descobrir quem estava por trás dos ataques aos MacGregor.
Ele balançou a cabeça com desgosto, percebendo que estava disposto a
dar a um mero servo uma explicação que não merecia. Por que estava
perdendo tempo com ele?
Porque você arrisca muito mais do que recuperar a virilidade de um
menino, afirmou a si mesmo. Nesta aventura arrisca sua própria...
— Vamos, Bors está nos esperando no barco — ele ordenou, mais
bruscamente do que esperava. Seus pensamentos o traíram e, como sempre,
pagou no menino. — Saímos imediatamente.
Deixaram a fortaleza e se dirigiram para onde o barqueiro os esperava.
O guerreiro Campbell a contemplava com desprezo e, como era costume
agora, cuspiu no chão quando ela passou por ele. Willow tentou ignorá-lo,
mas a verdade é que a rejeição dessas pessoas a incomodava cada vez mais.
Por acaso estava gostando dos Campbell apesar de tudo?
Assim que partiram, a magia da paisagem de alguma forma apaziguou
seu desconforto. Seus olhos recriaram a beleza das águas cristalinas do
Awe. Havia algo de tentador e sedutor no brilho da superfície, que parecia
manter seu olhar cativo. A névoa que subia do lago emprestava uma
qualidade mística ao ar ao redor deles, e o silêncio, quebrado apenas pelo
som dos remos, a fazia estremecer.
Quando chegaram à margem oposta, Willow viu que o homem
encarregado do cais os esperava com uma parelha de cavalos equipados
para um passeio. Desceram do barco e Ewan deu a seus homens as
instruções finais antes de partir para as montarias.
— Sabe montar?
Levou um momento para Willow perceber que estava falando com ela.
— Sim, meu senhor.
— Bem, apresse-se, não posso te esperar o dia todo.
A jovem foi até sua montaria e, ao agarrar a rédea, o animal relinchou e
se mexeu. Ela acariciou sua testa para tranquilizá-lo, como fazia com Lady,
sua amada égua, quando estava nervosa.
— Pronto, pequeno, não vou te fazer mal.
Ewan, que observava o menino com o canto do olho, detectou naquele
gesto um toque de hábito. Will era o guardião do estábulo de MacGregor?
Duvidava. Em sua fé, aquele covarde era um desastre em tudo o que se
propunha a fazer, por isso era impensável que alguém lhe desse tal
responsabilidade. No entanto, parecia muito confortável com o cavalo,
como se não fosse novidade para ele. A cada momento que passava, o
jovem servo o intrigava mais e mais.
— Vou tentar voltar o mais rápido possível — Ewan disse a seus
guerreiros antes de partir, sem esperar por Willow.
— Espero que seja verdade que sabe cavalgar — Bors zombou,
voltando para o barco para voltar ao castelo. — O laird é um grande
cavaleiro e não acredito que abrande por sua causa. Esta noite terá uma dor
horrível no traseiro, garoto, não te invejo...
Willow observou-o rir enquanto se afastava e desejou poder lhe gritar
que era uma excelente amazona, que seu pai e irmãos sempre elogiaram sua
boa mão com cavalos e que o laird poderia cavalgar o dia todo se quisesse,
que não desfaleceria. Ela montou em um movimento rápido e partiu atrás
do senhor Campbell, sentindo uma centelha de excitação acender dentro
dela. Fazia tanto tempo que não desfrutava de um passeio a cavalo!
Ela foi imediatamente cativada pela beleza daquela paisagem
espetacular. A luz amarelada que se filtrava por entre as árvores, aliada ao
ar frio da manhã, acalmou a ansiedade de seu espírito. Não conseguia parar
de admirar os diferentes tons de verde nas folhas das árvores e a grama que
se projetava da terra escura. Flores de urze enchiam a paisagem até onde a
vista alcançava com vida e cor. Era uma coisa fascinante, pelo menos para
Willow. Contemplar as mudanças de estação, perceber como o mundo ao
seu redor mudava, sempre lindo de qualquer maneira, contagiava-a com
uma energia vital que lhe acalmava a alma.
Pela primeira vez desde que soube da morte de Niall, a jovem conseguiu
respirar, enchendo os pulmões completamente. Deixou o calor do sol
acariciar seu rosto, deixou a natureza penetrar em cada poro de sua pele.
Sim... assim se sentia mais próximo do irmão e, ao mesmo tempo, sua
ausência não doía tanto. Ela podia sentir a presença dele na brisa que
agitava seus cabelos, nos sons da floresta, no cheiro forte da primavera
chegando e enchendo suas narinas...
— Will! Por que está se atrasando?
A voz estrondosa de Ewan a tirou de seu devaneio. Ele parou para
esperá-la e repreendeu-a por demorar; aparentemente o laird estava com
pressa. Willow notou sua carranca e lembrou-se da noite anterior, quando a
resgatou do quarto do MacNab. Por que ele teria feito isso? Era a primeira
vez que pensava nisso. Por que o laird Campbell iria querer ofender um de
seus convidados assim? Sem querer, lembrou-se do gesto daquele homem
grotesco e das frases horríveis que saíram de sua boca enquanto se tocava.
Um calafrio desagradável percorreu todo o seu corpo e ela balançou a
cabeça para se livrar daquelas visões.
— Pelo amor de Deus, Will! — Ewan havia se aproximado dela quando
a viu parar novamente. Pegou as rédeas das mãos dela e começou a
conduzir seu cavalo. — A noite vai cair sobre nós antes de chegarmos ao
nosso destino.
Então começaram um galope leve no ritmo estabelecido pelo homem.
Willow agarrou a crina de seu cavalo e bufou de desagrado; seu agradável
passeio contemplativo terminara.
Cavalgaram a manhã toda, parando em várias propriedades ao longo do
caminho, todas pertencentes às famílias Campbell. Willow ficou surpresa ao
ver o respeito que essas pessoas professavam a seu senhor, embora não mais
do que ver o laird se preocupar com o futuro de cada um deles. Perguntou-
lhes sobre sua saúde e sobre seus filhos; queria saber se tinham o suficiente
para viver, se precisavam de mais alguma coisa. Aos que cuidavam do
gado, perguntou se haviam sido saqueados e roubados por outros clãs. Em
suma, prestou atenção a eles.
Mais uma vez, Willow sentiu as dúvidas crescerem em seu peito
enquanto o observava. Como pode alguém tão leal ao seu povo, tão nobre,
tão responsável, cometer os crimes de que o acusam? A garota notou como
os outros olhavam para ele. Ela também pôde ver, pelos olhos de quem o
admirava, e foi contagiada por esse sentimento. Ewan Campbell era um
homem único e formidável, que passou de ajudar um camponês a trocar a
roda de sua carroça, a subir aos ombros uma das crianças que corria entre
suas pernas só para se divertir.
Mais de uma vez ela teve que desviar o olhar, assustada, quando ele a
olhou e a pegou olhando para ele. O calor em seu estômago então se
enrolava em seu umbigo como uma cobra e suas têmporas latejavam de
vergonha.
Não é possível que o ache interessante. Esqueça, não o entende? E se
foi ele? E se na verdade é o monstro que não quer reconhecer?
Willow queria bater a cabeça contra os troncos das árvores. Porque cada
vez se afastava mais do caminho que havia traçado. Cada vez que ele
falava, cada vez que sua voz áspera penetrava pelos poros de sua pele, sua
luta interna ficava mais feroz.
Felizmente, apesar de tudo, o tempo passou voando entre as paradas. Os
Campbell lhes ofereceram refrescos e colocaram seus poucos pertences à
disposição do laird. Até ela, que não a conheciam, tratavam-na com um
amor que a comoveu. Não era ninguém, um simples criado, mas
acompanhava o chefe dos Campbell e isso lhes bastava. Willow devolveu
cada sorriso e gentileza com todo o seu coração, incapaz de deixar de
compará-los com as pessoas de seu próprio clã. Na verdade, disse a si
mesma, não eram tão diferentes.
A noite chegou mais rápido do que esperavam e acamparam às margens
de um dos lagos cristalinos da região. Se não tivessem feito tantas paradas
ao longo do caminho, certamente teriam chegado ao seu destino... onde
quer que Ewan a levasse. Por um momento, desejou que já tivessem
chegado. Tanto para acalmar seu desconforto quanto para poder descansar
em local coberto. A jovem lamentou a obstinação do laird, que havia
recusado mais de um convite para dormir em uma das cabanas que
visitaram. Encolhida junto ao fogo, envolta no seu manto de lã, sentia falta
do calor de uma lareira e do sabor de uma boa sopa. Por que tinham que
dormir ao ar livre, quando estava tão frio? Isso, sem contar que o céu estava
muito nublado e ameaçava chover.
— Está aquecido? — perguntou Ewan enquanto tirava um pouco de
comida de seu alforge.
— Bem, não...
— Pegue. Põe isto.
O laird lhe jogou um kilt que carregava entre os suprimentos. Willow a
pegou na hora e a espalhou diante de seus olhos antes de decidir se envolver
nela.
As cores Campbell.
Ela sabia que, se o usasse, poderia estar traindo tudo o que amava.
Vinha se forçando a odiar aquelas cores por tanto tempo que só de vê-las já
se sentia mal. Mas também não queria morrer de frio...
Uma decisão realmente difícil.
CAPÍTULO 19

Ia de mal a pior. Ewan estava completamente cativado por esse garoto e se


odiava por isso. Não conseguia colocá-lo em seu lugar, vê-lo como o
simples criado que era. Ele o havia observado durante toda a viagem,
disfarçadamente, sim, e cada vez se sentia mais preso no feitiço que exercia
em sua mente.
Will nunca reclamou do ritmo intenso de sua caminhada. Cavalgava
graciosamente, com as costas retas e sua graça beirando o lado feminino de
forma alarmante. Com o seu povo fora bondoso e amigável, cooperara em
tudo e até curara o joelho de uma menina que foi encontrada chorando em
uma das propriedades visitadas. Ewan não conseguia parar de olhar para
suas mãos enquanto o fazia, invadido por um sentimento sombrio que
envenenava sua alma.
Queria saber como eram aquelas mãos. Deus Bendito! O que ele estava
se tornando? Se seu pai o visse agora!
Agora, tremendo na frente do fogo, Will parecia mais frágil do que o
normal. Estava franzindo a testa para o kilt que havia sido jogada nele, sem
fazer nenhum movimento para vesti-la. Isso o lembrou de que o garoto o
havia chamado de assassino na noite anterior... poderia ter algo a ver com
os MacGregor, como ele suspeitou depois de falar com John? Porque isso
explicaria o olhar azedo em seu rosto diante do tartan dos Campbell.
Era hora de descobrir.
— Cubra-se com o seu kilt, Will — ordenou secamente. — Ou acha que
trai seu clã se usar as cores de seus inimigos?
Os olhos de Willow se arregalaram, surpresos e assustados com a
pergunta. Abriu os lábios para dizer algo, mas nenhuma palavra saiu. Este
homem finalmente percebeu quem ela era?
— Não me olhe assim — o laird continuou falando. — Você me acusa
de ser um assassino e me olha como se quisesse me atravessar com uma
espada. Achou que eu não notaria? É um MacGregor, certo? Provavelmente
fugiu de Meggernie durante o ataque e teve que encontrar uma maneira de
sobreviver. Que sorte que John e Maud apareceram para ajudá-lo!
Willow sentiu suas bochechas queimarem de vergonha. Embora, se
pensasse sobre isso, era mais a raiva que sentia do que qualquer outra coisa.
— Sim, eu sou MacGregor — sibilou por entre os dentes.
— Devo me preocupar então? — O laird se levantou e veio para o lado
dele, rodeando o fogo. Ele a levantou do chão agarrando-a pelos ombros e
mergulhou nas pupilas de Willow com seus olhos. — Porque pelo jeito que
está olhando para mim, eu acredito fortemente que estaria disposto a cortar
minha garganta durante o sono.
— O que eu gostaria de fazer e o que posso fazer são duas coisas bem
diferentes — ousou se defender. — Eu nunca poderia surpreender o senhor
dos Campbell, mesmo que fosse furtivo como uma cobra, e sei que estaria
morto antes mesmo de levantar a adaga.
Ewan tentou assimilar suas palavras. Aquele menino tinha
enlouquecido, sem dúvida. Como ele poderia expressar suas intenções de
forma tão descarada, sem nenhum traço de medo de represálias?
— Isso significa que se pudesse, me mataria?
Não respondeu. Mas o silêncio que pairou entre eles parecia falar mais
claramente do que as palavras não ditas. Ewan respirou fundo para conter a
fúria que o invadiu.
— Deus Bendito, garoto. Você faria se pudesse, certo? — queria ter
certeza, porque não conseguia conceber que Will o odiasse tanto.
— Mas eu não posso — falou finalmente — então não precisa temer um
ataque meu. Não sou um louco que busca a morte.
O laird ficou tão surpreso que até suas últimas palavras o divertiram.
Ora, ora MacGregor! Tinha coragem, sem dúvida! E isso era algo que ele
admirava; tanto que acrescentou mais fascínio à sua pessoa.
No entanto, não podia permitir que o covarde saísse ileso desse
confronto. Com um movimento rápido, colocou a mão em volta do pescoço
dela e aproximou seu rosto para ver a raiva em seus olhos.
— Disse que não busca a morte, mas me provoca com suas palavras. O
que pretende? Sabe como seria fácil para mim acabar com você? —
Apertou o pescoço delicado apenas o suficiente para que os olhos de Will
refletissem o pânico.
— Eu sei — ela sussurrou, assustada. Talvez tivesse ido longe demais,
mas aquele homem não podia machucá-la mais do que havia sofrido. Por
isso falava sem pensar, por isso o desafiava com todo o rancor que
carregava dentro de si apesar do medo.
Os segundos pareciam eternos. Ewan não conseguia tirar os olhos
daquele rosto imberbe e sujo, sentindo como um caos de emoções o sacudia
por dentro. O que havia nele que o achava tão fascinante? Irradiava uma luz
especial, um ar quase mágico que o atordoava.
— Quantos anos tens? — lhe ocorreu perguntar.
Willow mentiu, sabendo que seu disfarce seria mais eficaz se afirmasse
ser mais jovem.
— Dezesseis.
— Você é muito jovem — o laird suspirou, soltando seu pescoço e se
afastando. — É por isso que é inconsciente, apaixonado... e imprudente.
Prometi a John que cuidaria de você e não voltarei atrás na minha palavra.
— No momento, a palavra do laird dos Campbell não é confiável para
mim — ela continuou a incentivá-lo.
Ewan viu o quanto o garoto o odiava, que arriscava tão
inconscientemente soltar sua língua sem qualquer restrição. Não podia
deixá-lo continuar pensando o pior dele. Decidiu que tinha que corrigi-lo de
seu erro ali mesmo.
— Ouça, jovem Will. Não sei o que ouviu sobre isso, mas deve saber
que os Campbell não atacaram Meggernie. Não tive nada a ver com a morte
do filho de Ian MacGregor.
Willow fechou os olhos, atravessada por uma dor excruciante. Ela
segurou as lágrimas ao ouvir o nome de seu pai nos lábios daquele guerreiro
implacável. Ela o considerava culpado há tantos dias, imbuída do
sentimento de vingança, que suas palavras soavam falsas para ela.
— No entanto — sussurrou, com raiva contida — encontraram um
pedaço de tartã nas cores do seu clã. Vai me dizer que chegou a Meggernie
por si só?
Então era isso, pensou Ewan. Alguém havia encontrado evidências
incriminatórias contra os Campbell, e os rumores fizeram o resto. O padre
Cameron estava certo, ele deveria ter prestado mais atenção a essa fraude e
a cortado pela raiz assim que surgiram. Para que as pessoas acreditassem
naquela mentira vil, bastava uma coisa: o desejo de que todos tivessem de
encontrar um culpado para esse crime desprezível.
— Não sei como minhas cores chegaram a Meggernie, mas prometo que
vou descobrir. Então esqueça a vingança e cortar minha garganta durante o
sono, está bem? Encontrarei o verdadeiro culpado e limparei meu nome,
fique tranquilo.
Willow olhou para o rosto do homem e quis acreditar, de todo o coração.
Ela passou tempo suficiente ao lado dele para perceber que não poderia ser
o monstro que ela intuiu quando o conheceu. E saber que era inocente traria
paz de espírito à sua alma, que se dividia a cada dia entre a lealdade a seu
povo e a atração que sentia crescendo cada vez mais pelo laird dos
Campbell.
Sempre pensou, no entanto, que era inútil alguém tão jovem realizar a
vingança de que falavam na carta que Niall encontrou. Deve ter sido
alguém mais velho, um dos aliados de seu pai ou amigos de outra época.
Ewan mal conhecia seu pai, não era lógico supor que ele não tinha nada a
ver com o que aconteceu? Fechou os olhos, querendo acreditar. Sem
escrúpulos, sem remorso, sem sentir que estava traindo seu clã. No entanto,
a dúvida permanecia lá, dentro dela. Fraca, mas espinhosa o suficiente para
sentir seus espinhos arranhando seu coração. Permanecia a possibilidade de
que o jovem guerreiro tivesse sido a mão do carrasco para outra pessoa, o
verdadeiro culpado, o traidor.
— Como já te disse, não vou te atacar — ela finalmente lhe disse,
aconchegando-se novamente perto do fogo. — Mas não vou esquecer que
alguém atacou os MacGregor de forma selvagem. Isso nunca.
Ewan olhou para o menino que falava com tanta paixão dessa
indignação contra seu povo. A lealdade e o amor que sentia por seu clã
eram louváveis. Mas ele não era mais MacGregor, e quanto mais cedo
assimilasse isso, mais dor se pouparia.
— Tenha em mente uma coisa, jovem Will, a vingança não vai curar sua
dor. Então esqueça o que aconteceu em Meggernie e comece uma nova
vida. — Ele o encarou, como se quisesse destacar as palavras que iria dizer
a seguir. — Esqueça seu passado como MacGregor.
Willow prendeu a respiração. Um sentimento de impotência a percorreu
da cabeça aos pés. Deixar para trás a memória de Niall, de sua família?
— Não posso fazer isso, meu senhor.
— Deve tanto assim aos MacGregor? Agora você é um Campbell.
Aceite-o de uma vez e viverá mais tranquilo. Deixe vinganças e rancores
para os verdadeiros guerreiros. No final das contas, é melhor servir a um clã
do que a outro, desde que tenha um teto sobre sua cabeça e a sorte de que
seu laird, seja ele quem for, zele por sua segurança.
— Não conheço o seu conceito de lealdade, meu senhor, mas aviso que
não vendo a minha tão facilmente. Os MacGregor eram minha família, e se
não consegue entender isso, então não é um laird tão bom para seu povo
quanto eu pensava.
Assim que ela disse isso, caiu sobre as mantas e virou as costas para ele,
para que Ewan não pudesse ver as lágrimas que brotaram em seus olhos
após o discurso. O Campbell lamentou seu comentário infeliz, pois sabia
em primeira mão o quão forte o sentimento de lealdade poderia ser. Ele não
deveria ter usado isso contra o menino, embora reconhecesse que agora,
mais do que nunca, queria que o jovem Will transmitisse ao clã Campbell a
lealdade que parecia manter aos MacGregor. Depois de tê-lo acolhido como
um dos seus, era o mínimo que podia esperar dele...

O som de um corpo chapinhando a água a acordou. Os olhos de Willow


se arregalaram e ela enfiou o nariz para fora da capa com a qual se cobriu
durante a noite. Na verdade, se enrolou naquele tartã com as cores
Campbell sem nenhuma vergonha; no final, o frio substituiu seu orgulho. E
desde que, depois desta noite, não estava exatamente certa de que o laird era
realmente o temido inimigo que ela assumiu, pensou que não havia nada de
errado em aceitar seu kilt.
Sentou-se e esfregou os olhos, que sentia inchados pelos pesadelos que
tivera durante o sono, como vinha sendo habitual. Procurou a origem
daquele som e viu Ewan no lago, tomando um banho matinal. Estremeceu
de frio ao contemplá-lo. As águas tinham que estar congeladas! Também
não havia sol. As nuvens ainda estavam nubladas e Willow sabia por
experiência que a chuva era iminente. Felizmente, não tiveram que sofrer
com ela durante a noite.
Ela se levantou e começou a preparar o café da manhã para os dois.
Remexeu em seu alforje e tirou um pouco da comida que lhes ofereceram
no dia anterior durante suas visitas às terras Campbell. Um suculento
pedaço de queijo, pão ázimo, um pouco de carne salgada e um punhado de
nozes. Willow teria gostado de algo quente, como um pouco de leite ou
caldo, mas não estavam preparados para isso. O laird viajava com o
essencial e não levava utensílios de cozinha para preparar uma refeição
adequada.
— Will, traga-me o kilt!
O homem a chamou da margem e ela obedeceu sem pensar, e sem
perceber que Ewan estava completamente nu. Quando se virou para ele e o
viu, seu rosto ardeu enquanto pequenas chamas queimavam suas bochechas.
Ela ficou paralisada no local, incapaz de seguir em frente e incapaz de tirar
os olhos daquele corpo magnífico em exibição. Tinha visto Reed MacNab
duas noites antes, e nem remotamente sentiu o que estava experimentando
agora.
Ewan Campbell era formidável. Só assim poderia descrever aquela
anatomia perfeita, musculosa e bronzeada. Sua pele brilhava úmida e
dourada, suas pernas poderosas, seus braços de guerreiro atestavam a força
que se escondia dentro dele; seu peito largo e musculoso estava pontilhado
com as cicatrizes de batalha com as quais ela já havia se familiarizado
durante o treinamento. Seu rosto sério, com feições tão masculinas que a
deixou sem fôlego, exibia uma barba por fazer que só aumentava o quão
atraente era. Seu cabelo castanho, selvagem e úmido, pingava água sobre
seus ombros e pescoço, e Willow se perguntou como seria tocá-lo para
secar aquela pele com as próprias mãos...
— Will, mexa-se, vou pegar uma pneumonia!
Mas ela não conseguia se aproximar. Seus olhos o percorreram e sabia
que seu disfarce ficaria muito comprometido se chegasse perto. Ela se
demorou sobre sua virilha, curiosa, imaginando como o membro de Reed
era repulsivo para ela, enquanto o de Campbell não era nada nojento.
— Maldição, Will! Que diabos está errado com você?
Ewan saiu da água e se aproximou, cuspindo fúria contra o menino.
Alcançando-o, Willow deu um passo para trás, chocada, e ele agarrou o kilt
que ela estava segurando para se cobrir.
— Se eu ficar doente você vai pagar caro, rapaz.
— Me desculpe. É que eu nunca tinha visto ninguém... é uma loucura
tomar banho... ― ela gaguejava feito uma idiota. — A água... não estava
muito fria?
— Gelada — Ewan bufou.
Graças a Deus, pensou. Aquele menino o empurrava para o precipício
que ele queria evitar a todo custo. Tinha ficado atordoado olhando para ele!
Will era definitivamente afeminado.
Nenhum homem olhava para outro como ele. Ewan podia reconhecer
aqueles tipos de olhares, a mesma coisa havia acontecido com ele durante
seu último treino com o garoto. Will demonstrou interesse pelo corpo dele!
Não ousava chamar isso de desejo, mas era claro que estava fascinado com
o que seus olhos viam. Deu a impressão de querer tocá-lo... e pela barba de
Satanás, foi tentado a deixá-lo. Se a água não estivesse tão fria quanto gelo,
tinha certeza de que teria ficado de pau duro com aquele olhar azul cheio de
desejo.
Definitivamente estava perdendo a cabeça.
— Se você quiser se lavar, é melhor se apressar. Vamos embora assim
que eu comer alguma coisa.
Usou um tom mais desagradável do que o normal porque precisava se
livrar do feitiço daquela cara de duende. Estava cada vez mais claro que
tinha que transformá-lo em homem, mostrando-lhe a diferença entre seu
corpo e o de uma mulher. Queria acreditar que, quando o jovem tivesse uma
boa menina à sua frente, tudo voltaria a ser como deveria. E ele esperava,
para sua própria sanidade, que nunca mais o olhasse como acabara de fazer
quando ele saiu do lago.
Procurou concentrar-se na missão que ainda tinha pela frente,
aproveitando o fato de o menino ter sumido atrás de alguns arbustos para
aliviar suas necessidades. Com um pouco de sorte, chegariam ao seu
destino ao meio-dia. E depois de resolverem tudo com Will, iriam ver seu
tio Alec. Tinha que descobrir o que James MacNab quis dizer quando falou
sobre a joia de Meggernie. O que estava por trás dessa proposta de compra?
Por que estava tão interessado em adquiri-la? Nunca tinha ouvido falar
dessa joia e isso o intrigou. MacNab estava tramando algo, disso tinha
certeza, e tinha que encontrar respostas. Por isso, apesar de ser proibido,
visitaria seu tio Alec no local que ele havia escolhido para seu exílio. Ele,
que fora amigo de Ian MacGregor na juventude, era o único que poderia
saber o que era aquela joia ou o que significava.
E, ainda mais importante, nas mãos de quem poderia estar.
Will voltou e Ewan perdeu sua linha de pensamento. O menino tinha
uma qualidade estranha, era irritante. Com ele tão perto, era impossível se
concentrar. A única coisa que lhe ocorreu para livrar-se dessa fraqueza foi
tratá-lo secamente.
— Recolha tudo isso, vamos embora.
Willow, ainda na nuvem de fascinação evocada pelo corpo nu de Ewan,
se assustou com seu tom áspero. Aquele homem estava sempre zangado?
Ou era só com ela?
Se moveu como se estivesse em transe e levantou acampamento
enquanto o laird selava os cavalos. Não havia mais dúvidas, o laird dos
Campbell tinha um estranho poder de atração sobre ela. Nunca tinha se
sentido assim por ninguém. Nunca havia notado seu corpo estremecer com
a simples visão de outro corpo, ou com o som de uma voz, ou com um olhar
penetrante... Sua distração constante lhe custou vários gritos do homem,
cuja carranca estava ficando mais pronunciada.
Quando finalmente estava tudo pronto para partirem, ela deu um suspiro
de alívio. O laird deu um longo passo à frente, ignorando-a como sempre, e
isso permitiu que ela relaxasse enquanto tentava recuperar o controle de
suas emoções.
Não durou muito. Ao meio-dia finalmente avistaram seu destino, uma
cabana perdida no meio da encosta de uma colina coberta por um tapete de
grama e flores amarelas. Teve um mau pressentimento. Um calafrio
desagradável percorreu sua espinha quando o laird, que tinha parado para
esperar que ela o alcançasse, virou-se com um sorriso enigmático.
— Já chegamos.
O que se passava na cabeça daquele demônio? Isso era tudo em que
Willow conseguia pensar enquanto caminhavam pelo último trecho da
estrada, seu coração batendo ferozmente em seu peito.
CAPÍTULO 20

— Leve os cavalos para trás e cuide deles — Ewan ordenou assim que
chegaram à cabana. — Encontre-me lá dentro quando terminar.
Ela obedeceu, relutante. Se dissesse que preferia esperar do lado de fora
com os animais, ficaria furioso? Decidindo não tentar a sorte, fez o que foi
lhe pedido. Embora, sim, demorasse o máximo possível para atrasar o
momento de entrar.
Quando finalmente o encontrou lá dentro, o viu conversando com duas
mulheres. Uma delas era mais velha, uma anciã com um rosto tão enrugado
que Willow temeu ser desconsiderada por olhá-la tão fixamente. A outra,
porém, era uma jovem de cabelos ruivos e feições muito bonitas, embora
um tanto exageradas para seu gosto. Seus lábios eram muito cheios e suas
maçãs do rosto muito pronunciadas. Também tinha seios enormes que,
ainda por cima, ficavam expostos no decote atrevido da blusa.
— Entre, Will, não fique na porta — o laird o encorajou, que de repente
parecia estar de ótimo humor. — Essas boas mulheres são minhas amigas.
Esta é Iona e esta é sua filha, Thonia. Almoçaremos aqui... vão nos tratar
bem. Muito bem.
Havia uma entonação estranha no tom de Ewan. Apenas confirmou seu
mau pressentimento. O que faziam ali, numa cabana onde viviam apenas
duas mulheres? Ela notou que os olhos verdes de Thonia estavam fixos nela
e estremeceu. Era um olhar parecido com o que Agnes costumava lhe
lançar... mas não o mesmo.
Este era, de longe, muito mais assustador.
Tentou ignorar que a atmosfera de repente se tornou muito densa, quase
irrespirável, e se acomodou no lugar que o laird indicou para ela comer.
Imediatamente, a velha Iona lhes serviu um de seus melhores cardápios,
segundo as palavras do próprio Ewan: carne de pato com molho de alho-
poró, e Thonia colocou duas taças de vinho na frente deles. Depois, foram
deixados sozinhos para dar uma boa conta da comida.
— Não bebe? — perguntou o laird, em determinado momento.
— Prefiro ter a mente limpa, meu senhor, caso precise de mim mais
tarde.
Os olhos castanhos de Ewan se fixaram nos dela, consumindo o ar ao
seu redor.
— Beba.
— Mas, senhor...
— Beba um bom vinho, Will, vai precisar.
— Por quê?
— Faz muitas perguntas, ninguém nunca te contou?
— Sim.
Era verdade. Seus irmãos e seu pai, até mesmo sua querida Marie, já a
haviam repreendido algumas vezes.
— Apresse sua bebida, jovem Will. Hoje você vai se tornar um homem.
Willow, que já havia tomado um gole do líquido morno, engasgou-se.
Ela tossiu e ficou vermelha antes que pudesse perguntar novamente.
— O que disse, meu senhor?
— Calma rapaz. Não deve ficar nervoso... — Em seguida, exibindo sua
falta de tato, acrescentou, sem rodeios. — Olha, Thonia é muito boa de
cama; nem eu, nem nenhum dos meus homens, tivemos uma reclamação
sobre o tratamento. Ela sabe o que fazer, não terá problemas com ela.
Willow estava a um passo da histeria. Era essa a ideia que estava
passando pela cabeça do laird? Colocá-la na cama com uma mulher que
conhece as necessidades do amor? Para transformá-la... em um homem de
verdade?
— Não, meu senhor. Eu aprecio isso, mas eu nunca... eu nunca...
— Será sua primeira vez? — Ewan olhou para ele com um sorriso
condescendente. — Eu já imaginava! Por que acha que eu te trouxe aqui?
Não é o primeiro que Thonia deflora, já te disse, ela é muito habilidosa.
— Mas não posso, nunca vi...
Nem sabia o que dizer. Como iria se livrar daquela bagunça? A
descobriria, sem dúvida, e sua raiva seria tanta que quebraria seu pescoço
sem hesitar.
Ewan bebeu seu vinho também, estudando sua expressão de pânico.
— Rapaz, vai me dizer que nunca viu um casal copulando? Onde você
esteve? John e Maud não fazem isso na sua cabana?
Willow negou com a cabeça, muito mortificada para falar. Entendia que,
entre as classes mais baixas, camponeses ou criados como seus pais
adotivos, era normal levar uma vida de casado no mesmo quarto que
dividiam com os filhos. Mas ela, em Meggernie, tinha seu próprio quarto e
fora criada como uma dama. Seus ouvidos nunca ouviram os detalhes
daquele ato entre casais... Além do mais, deveriam respeitar sua inocência e
pureza, por isso ninguém a instruiu sobre tais assuntos. Como ela poderia
suspeitar que sentiria falta de alguém esclarecendo-a sobre isso? Dessa
forma, pelo menos, ela saberia o que diabos o laird esperava dela... dele...
Em que confusão se meteu!
Se levantou, tomada por uma náusea que mal conseguiu controlar. Saiu
correndo da cabana e vomitou a comida deliciosa a poucos passos da porta.
Ewan, que foi atrás dela, observou sua reação com aborrecimento.
— Está bem... Talvez eu quisesse ir rápido demais, Will. Achei que você
tinha mais do mundo, mas está claro que não. — Ele se aproximou e lhe
deu um tapinha nas costas, que pretendia ser um gesto de confiança entre os
homens. — Faremos uma coisa: hoje só vai assistir.
— O que? — perguntou com um guincho, enquanto limpava a boca com
as costas da mão.
— Diz que não sabe, nunca viu. Nós vamos remediar... e aí não terá
mais desculpa. Além disso, estou convencido de que, se tem o que precisa,
também vai querer. Seu corpo reage por conta própria quando vê outro
casal... você vai ver.
A boca de Willow ficou seca. Ela teve que suportar o enorme braço do
laird ao redor de seus ombros e conduzindo-a, como um amigo de longa
data, de volta para a cabana.
— Algum problema, meu senhor? — perguntou Thonia, quando os dois
entraram na sala. Perto dela estava a velha, que os olhava torcendo as mãos
ansiosamente.
— Minha filha não é do agrado do menino?
— Pelo contrário, Iona — respondeu Ewan. — A beleza dela é demais
para a timidez do meu amiguinho. Esta tarde ele se limitará a observar... e
aprender.
A garota ruiva deu um sorriso mais do que satisfeito quando descobriu
que iria se divertir com o laird dos Campbell, e não com um garoto triste e
inexperiente sem barba. Willow sentiu um gosto amargo na boca ao ver o
olhar incendiário que a mulher deu a Ewan. E teria jurado que não era por
causa da bile que acabara de expelir. Realmente deveria testemunhar o que
estava prestes a acontecer entre aqueles dois?
Thonia se aproximou deles, balançando os quadris exageradamente, e
pegou a mão do laird para conduzi-lo até seu quarto. Willow já havia
notado que, embora a cabana não fosse muito grande, havia mais dois
cômodos além da sala de estar. Supôs que, se a mulher se dedicava a esse
ofício, a privacidade era mais do que necessária.
— Venha, Will.
A ordem do laird soou irregular, talvez um tanto ausente. Willow
percebeu que estava olhando para o traseiro de Thonia e parecia que já
estava com todos os sentidos focados no que iria acontecer dentro daquele
quarto. Perceberia se ignorasse a ordem, se ficasse com a velha do outro
lado da porta, no calor do fogo de sua casa enquanto ele saciava seus
desejos carnais?
— Will.
Bem, sim. Havia percebido que seus pés não queriam andar. Ela foi atrás
deles, com o coração na garganta e o estômago virado do avesso. Não
estava preparada para ver o que estava prestes a acontecer lá dentro.
Assim que entrou, Thonia fechou a porta e se aproximou dela... muito
perto. Tanto que seus carnudos lábios vermelhos depositaram um beijo
molhado em sua boca.
— Você pode se sentar aí, pequeno Will — ela sussurrou, sua voz tão
enjoativa quanto mel.
Resistiu ao impulso de enxugar aquele beijo e se moveu, tensa como a
corda de um arco, até se posicionar onde a mulher indicou. Era uma
pequena cadeira de pele de carneiro, num canto da sala. Quando seus olhos
conseguiram se concentrar em algo, depois que saiu de seu estupor, notou
que o laird já estava tirando a camisa pela cabeça. Mechas de seu cabelo
caíam sobre seu rosto, e Willow sabia que Ewan usaria aquele gesto
familiar dele que já sabia de cor para afastá-las. Ficou surpresa ao perceber
que conhecia perfeitamente os maneirismos do laird, seus trejeitos, seus
raros sorrisos. E ficou ainda mais surpresa ao perceber que gostava de saber
disso de memória, como se assim ela tivesse, de alguma forma estranha e
distorcida, um vínculo mais especial do que qualquer mulher poderia ter
com ele...
Tremeu de pavor ao perceber que o calor na boca do estômago era puro
desejo. Talvez até ciúme.
Invejava as mãos de Thonia, que eram livres para tocá-lo. E bem, sim,
fazia isso! A mulher sem vergonha não deixou um centímetro de pele
inexplorado enquanto o despia. Também usou a boca. A passava sobre o
peito do laird, o saboreava com a língua e depositava beijos molhados por
onde passava. Também invejou seus lábios e cada parte de seu corpo que
Ewan acariciava. Uma vez ela pensou que ser tocada ou abraçada por esse
homem devia ser horrível; mas enquanto observava as mãos do laird se
moverem, possessivas, suaves e ásperas ao mesmo tempo, desejou poder
sentir por um momento o que Thonia devia estar sentindo.
— Meu senhor... — a ruiva gemeu de repente, quando ele a apertou
contra seu corpo, segurando-a por trás com ambas as mãos.
— Tire a roupa — Ewan ordenou, com a voz rouca.
A mulher virou-se para Willow com um sorriso malicioso em seu belo
rosto, removendo tudo o que vestia com movimentos lentos e deliberados,
nunca deixando seu olhar. Ao vê-la completamente nua, Willow corou até
que seu rosto queimou como se estivesse com febre. Estava tão concentrada
nos olhos verdes de Thonia que não notou que Ewan também havia tirado o
kilt e botas. Seu olhar curioso pousou na virilha do homem e ela descobriu,
fascinada, que o membro de Ewan era três vezes maior do que naquela
manhã no lago e que subia como se tivesse vida própria.
Quando Thonia se virou para ele, e o agarrou ali mesmo enquanto
procurava sua boca para beijá-lo freneticamente, Willow se engasgou.
Observou, com olhos entre o horror e o espanto, enquanto ela o acariciava.
Queria sair correndo para não vê-lo, mas também queria se aproximar e não
perder nenhum detalhe. Aquele homem poderia condená-la ao fogo do
inferno, porque ela estava convencida de que isso era errado. Não deveria
estar assistindo aquela cena, não passava de luxúria e perversão... e Ewan
conseguiu despertar dentro dela um interesse mórbido de saber o que viria a
seguir.
Quanto mais Thonia o acariciava, daquela forma íntima, mais sons
perturbadores saíam da garganta do laird. Aqueles gemidos a estavam
matando, faziam seu estômago contrair e ela sentia uma estranha pulsação
lá embaixo, entre as pernas. Sentia necessidade de se tocar para tentar
aliviar a tensão que se acumulava cada vez mais naquela região, mas tinha
medo até de respirar...
E isso lhe custava. Estava ofegando silenciosamente, seus lábios
entreabertos, seus olhos nunca deixando a mão do laird enquanto acariciava
Thonia, massageando seus seios enormes, então descendo por seu estômago
até roçar os cachos vermelhos de seu púbis. Ela teve que morder o lábio
inferior para conter um suspiro quando viu dois dos dedos masculinos
penetrarem no interior da mulher. Thonia gritou de alegria, e Willow se
mexeu inquieta em sua cadeira, sentindo seus seios ficarem mais pesados e
pressionados contra a atadura. Deus Todo-Poderoso, Ewan estava certo!
Seu corpo reagiu por conta própria, como se também quisesse participar do
prazer do casal.
Então o braço livre do laird envolveu a cintura da mulher para segurá-la,
e ela, como se lesse sua mente, arqueou para trás, expondo seus seios ainda
mais. Ewan abaixou a cabeça e levou um deles à boca, fazendo com que
Willow ficasse tensa e pressionasse as pernas juntas, coxa com coxa. Ela
lambeu os lábios e engoliu em seco. Seu coração batia como um cavalo
galopando. Seria possível que todos os seus sentidos gritassem de anseio?
Porque era assim que ela se sentia, como se sentisse anseio do que Thonia
recebia, do que Thonia acariciava, do que Thonia devia estar sentindo, a
julgar pelos seus gemidos.
De repente se encontrou sonhando acordada, imaginando como seria se
fosse ela... Podia sentir o braço forte do laird ao seu redor, sua língua em
seus mamilos, por toda sua pele. Ela podia experimentar a sensação de ter
os dedos dele tocando-a lá embaixo, deslizando para dentro dela! Onde a
tensão já era insuportável...
Um som estranho e desconhecido saiu de sua própria garganta sem
querer. Foi alto o suficiente para chamar a atenção de Ewan, e ele levantou
a cabeça e a olhou, os olhos nublados de paixão.
Imediatamente, Willow foi apanhada naquele olhar intenso e poderoso,
cheio de fogo. Ela tinha vergonha de sentir o que sentia, de ter ouvido seu
próprio gemido, de ter que concordar com ele quando disse que iria querer
se juntar a eles...
— Aproxime-se, Will.
A voz do laird era rouca, mas tão convincente que não admitia
discussão.
Colocou Thonia na frente dele e ficou nas costas da mulher, a olhando
por cima de seus ombros leitosos. Willow se levantou de sua cadeira e deu
alguns passos em direção a eles, totalmente atraída pelo olhar escuro do
laird. Nesse momento, não entendeu o risco que estava correndo. O olhar de
Ewan a manteve completamente cativa, e as novas emoções dominando seu
corpo virgem anularam sua vontade.
Quando estava perto o suficiente, pegou um dos pulsos dela e guiou sua
mão para um dos seios de Thonia. Foi o mais estranho. Estava tocando esta
mulher, sentindo o volume daquele seio generoso e cheio, mas tudo em que
podia se concentrar era o calor que a mão do laird transmitia para o seu
braço.
Thonia inclinou a cabeça para trás, apoiando-a no ombro de Ewan, e
gemeu como se estivesse satisfeita com seus toques desajeitados.
— Muito bem, Will — sussurrou o homem. — Você gosta, certo?
Willow afastou os olhos dele por um momento, apenas para fixá-los em
sua boca dura. E desejou... Oh, para o inferno! Desejou que Thonia não
estivesse entre eles para poder se agarrar àquele corpo enorme, quente e nu
que puxava suas entranhas insistentemente. Como era possível? Como ela
poderia querer derreter na pele de um homem que ela detestava até a noite
passada? Como poderia estar morrendo de vontade de receber a mesma
atenção que uma prostituta?
E então, como se respondesse a cada um de seus desejos mais proibidos
e vergonhosos, Ewan a acariciou.
Não, Tônia.
Ela.
CAPÍTULO 21

Não conseguia se lembrar de ter experimentado algo tão excitante. O fogo


que ardia na lareira lançava uma luz âmbar sobre o corpo oscilante de
Thonia, delicioso, quente, apetitoso como sempre. E suas mãos habilidosas,
seus lábios generosos e seus gemidos eram tão provocantes como sempre.
No entanto, estar ciente da presença de Will naquele quarto o estimulou
mais do que qualquer outra coisa. Sentiu o olhar do menino sobre eles e,
embora não quisesse olhar para ele, sabia que também participava daquela
cena sem perder um detalhe.
Ao ouvir o barulhinho que escapou de sua garganta, soube que o menino
estava excitado. Então cometeu o erro de olhar para ele e pedir que se
aproximasse. O rosto de Will estava em chamas de paixão. Seus olhos
traíam o espanto e o fascínio que devia estar sentindo. O guiou para
encorajá-lo, para saber como era acariciar uma mulher intimamente. Seus
lábios entreabertos deixavam o ar sair em pequenos suspiros e sua mão
delicada, acariciando hesitantemente o seio de Thonia, era mais do que ele
podia suportar. Ainda assim, o que o deixou a um passo de perder o
autocontrole foi descobrir que Will ainda estava olhando para ele. Não
notou Thonia, não lhe deu a menor atenção. Os olhos do menino, abertos,
brilhantes, extremamente azuis, estavam fixos nos dele... Aquele demônio
com cara de duende o queria, a ele. E por todo o inferno, Ewan também
achou a pele do braço que ele estava segurando mais suave e tentadora do
que a pele da mulher entre eles.
Por isso, talvez sem perceber, moveu os dedos para cima, do pulso ao
cotovelo, arrastando o tecido da camisa para trás para desfrutar do toque
aveludado daquele antebraço. Foi incrível; ao contato com a pele de Will,
seu corpo reagiu como se tivesse sido chicoteado. Ele sentiu uma chama
que correu da ponta dos dedos até o peito e desceu como um raio até a
virilha, tornando sua ereção dolorosa. Teve o súbito impulso de afastar
Thonia para que nada o separasse do pequeno duende que inflamava seus
sentidos e o fazia se sentir mais vivo...
Will deu um passo para trás, com os olhos arregalados, e a realidade o
atingiu como um balde de água fria.
A raiva de si mesmo varreu seu espírito e azedou o momento.
— Saia daqui! — ele sibilou por entre os dentes, afastando a mão como
se a pele de Will queimasse.
Felizmente não houve necessidade de repeti-lo. O menino saiu furioso
do quarto e Thonia virou-se para ele, passando os braços em volta do
pescoço dele, entendendo mal a situação.
— Não se aflija, meu senhor. Não é o único que não gosta de ser
observado enquanto está deitado com uma mulher. O menino vai aprender,
todo mundo aprende, mais cedo ou mais tarde...
Então ela tomou sua boca e o beijou ardentemente, fazendo o que fazia
de melhor.
Ewan ficou grato por ela não ter percebido o verdadeiro problema e
tentou se concentrar em sua língua quente e levemente picante, que sempre
conseguia aliená-lo o suficiente para esquecer o resto do mundo.
Exatamente o que ele precisava naquele momento.
Naquele momento, para sua total consternação, era impossível. Toda vez
que fechava os olhos, via o rosto de Will. E não podia deixar de comparar o
que sentiu tocando Thonia com o que sentiu naquele breve momento
acariciando a pele do menino. Ele rosnou contra a boca da ruiva e seus
próprios fantasmas o incitaram a se comportar de uma forma muito mais
selvagem do que era normal para ele. Agarrou a mulher pelo cabelo e
lançou a cabeça dela para trás sem olhar para devorar os lábios. Talvez se
ele fosse mais apaixonado, mais básico, muito mais rude, pudesse reafirmar
sua masculinidade e se livrar do veneno que aquele duendezinho havia
inoculado nele...

A brisa fresca, prelúdio da chuva que ameaçava cair no céu, acalmou o


ardor em suas faces ao sair da cabana. Seu corpo tremia e estava fraco, seu
coração martelava contra suas costelas, e seu braço, onde a mão do laird a
havia acariciado, ainda estava sensível. Willow parou a alguns passos da
porta para recuperar o fôlego e tentar se recompor. O que havia acontecido
naquele quarto? Ela estava muito confusa... Não havia lhe causado nenhum
trauma ao tocar no peito daquela mulher; afinal, ela também tinha dois seios
e conhecia o toque deles. Mas teria preferido acariciar o peito cheio de
cicatrizes de Ewan e afastar Thonia para longe, fora daquele quarto para
que o laird pudesse dar a ela toda a sua atenção. Sentiu algo formigando no
estômago e identificou como um desconforto crescente ao imaginar o que o
casal poderia estar fazendo agora que estavam sozinhos. Por São Mungo,
como diria Maud! Ela estava realmente com ciúmes?
— O que você faz é muito arriscado.
Willow deu um pulo ao ouvir a voz da velha. Não a ouviu chegar, mas lá
estava ela, ao seu lado, contemplando a paisagem que se estendia em frente
à cabana.
— O que disse?
— Mais cedo ou mais tarde ele vai descobrir. O que acha que ele fará
então? — A velha enrugada a olhou e fixou seus olhos retorcidos nela. —
Demorei um pouco para descobrir, o que significa que seu disfarce tem
muito mérito. Esse rosto sujo e roupas folgadas são bastante enganosas, mas
já vi muitos homens na minha vida para não perceber que você não é um
deles.
Willow engoliu em seco, tentando controlar o pânico.
— Não me denuncie, por favor.
— O que eu não entendo — Iona continuou — é como o laird ainda não
percebeu. Depois que você conhece a verdade, fica tão óbvio... Acho que
ele está cego com sua própria luta interna.
— Que luta interna?
— Querida menina… Algo aconteceu lá dentro, certo?
— Ele me expulsou.
— Hum. O que supunha. É por isso que ele não percebe isso. Quando os
homens voltam os olhos para dentro, preocupados apenas com o que os
perturba, perdem tudo o que acontece fora deles.
Willow olhou para ela inexpressivamente.
— O que você está falando?
A velha soltou um profundo suspiro e desviou os olhos para perdê-los
de novo no infinito da paisagem.
— Minha fé, o laird não é o único que não percebe o que está
acontecendo ao seu redor — sussurrou. — Sugiro que você confesse a
verdade a ele o mais rápido possível, criança, ou será pior a longo prazo.
Willow balançou a cabeça teimosamente.
— Não posso, ainda não.
— Por que uma jovem como você quer se passar por homem? Está
fugindo de algo... de alguém?
— Estou fugindo de mim mesma, Iona — respondeu ela, com a voz
baixa, quebrada pela dor. — Há dias em que eu realmente prefiro ser Will
do que qualquer outra coisa. Assim não teria pesadelos, nem esse desejo de
vingança que consome todas as minhas energias.
A mulher virou-se para ela e deu-lhe um longo olhar.
— É o laird a causa de sua dor e o destinatário de seu ódio?
— Eu não tenho certeza. Até ontem, eu pensava assim.
Os olhos de Iona se arregalaram e ela estalou a língua tristemente. Se
aproximou dela e pegou sua mão antes de falar com ela novamente.
— Deixa eu te dar um conselho, menina. Caso não tenha notado, você e
o laird...
— Will, os cavalos!
O vozeirão estrondoso do Campbell encerrou a conversa. Ele havia
saído da cabana, vestindo suas roupas, desgrenhado, suado e agitado. Deu a
ela um olhar que poderia tê-la transformado em sal, então ela não hesitou
em correr para os fundos da casa para cuidar das montarias. Parecia que
queria arrancar a pele dela apenas por existir, então era melhor não lhe dar
uma razão para isso.
Ela preparou os cavalos e montou o dela antes de se voltar para ele,
presumindo que iria querer partir imediatamente. O homem não conhecia
nenhuma das fórmulas de educação, então ela também não esperava que ele
a deixasse se despedir de suas anfitriãs adequadamente.
Como ela suspeitava, assim que esteve ao seu alcance, o laird arrancou
as rédeas de sua mão e saltou para sua montaria e galopou sem esperar por
ela. Willow só podia olhar para a velha, que estava tão atordoada quanto
ela, e acenar em adeus.
— Obrigado por tudo, Iona.
Dizendo isso, foi atrás daquele homem temperamental e endemoniado.

Era difícil de alcançá-lo, embora nunca o teve muito longe. Parecia que
Ewan estava tentando manter distância dela, não permitindo que o
alcançasse, mas também não a perdendo de vista. Quando finalmente
diminuiu a velocidade o suficiente para ela ficar atrás dele, as primeiras
gotas de chuva começaram a cair. Willow amaldiçoou baixinho e presumiu
que ele procuraria algum abrigo...
Poderia continuar sonhando.
O laird continuou seu caminho casualmente, e pouco a pouco a
tempestade ficou mais forte. Vendo que Ewan não parecia se importar,
Willow se envolveu no tartan dos Campbell pronta para suportar aquela
cavalgada embaixo da agua.
Depois de uma hora suportando aquele inferno, decidiu que não podia
mais odiar um homem. Ela estava encharcada até os ossos e seus dentes
batiam de frio. Seus dedos estavam dormentes e mal conseguia segurar as
rédeas do cavalo. O barulho insistente da chuva nos campos era
ensurdecedor, então gritar com aquele imbecil que se empenhava para que
os dois pegassem um resfriado não fazia sentido. Só esperava que ele caísse
em si logo e encontrasse abrigo, porque senão...
Ewan parou seu cavalo.
Willow observou como suas costas ficaram tensas e ele ficou muito
quieto, como se tentasse ouvir além do som das gotas de chuva na terra
molhada. Se virou para ela, seus olhos castanhos a perfurando com
intensidade. O que havia de errado com ele? O laird se virou e se
aproximou de sua posição, com o rosto sério e concentrado. Abriu a boca
para falar, mas no último segundo algo sibilou em suas cabeças e Ewan agiu
sem pensar.
Pulou sobre ela e a arrastou com ele para o chão. Ele a cobriu com seu
corpo enquanto flechas voavam sobre eles, murmurando palavrões para
seus covardes atacantes. Não a deixou respirar até que ouviram a voz do
inimigo, que foi ouvida mais perto do que ambos supunham.
— Que sorte a minha! Ewan Campbell, o novo chefe de seu clã, também
é um completo idiota. Deixa sua fortaleza sozinha, sem outra escolta além
desse menino medroso.
— Reed? — Ewan levantou a cabeça e o procurou. — Reed MacNab?
— Olha só — ele riu — vou realizar dois dos meus desejos mais
secretos. Vou acabar com o arrogante Campbell e manter seu homenzinho
para mim. O que você diz, pequeno Will? Quer terminar o que começamos
na outra noite?
CAPÍTULO 22

Willow estremeceu de medo com as gargalhadas nojentas de Reed.


Levantou a cabeça assim que Ewan o permitiu, notando com crescente
pânico que o MacNab não estava sozinho. Mais quatro homens emergiram
do matagal da floresta, cercando-os, aproximando-se lentamente com
expressões assassinas. Cinco contra eles, que os céus os ajudassem.
Olhou de soslaio para Ewan, que havia se levantado e já tinha sua
enorme espada na mão. Por incrível que parecesse, não dava a impressão de
estar alarmado. Para seu espanto, Willow viu que sua expressão era mais de
fúria contida e concentrada, como se algum poder estranho fervilhasse
dentro dele e estivesse fazendo um esforço real para controlá-lo. Mesmo
assim, mesmo percebendo a aura de perigo que flutuava ao seu redor,
Willow não se achava capaz de vencer cinco inimigos.
— Fique atrás de mim, Will — sussurrou.
— Eu posso ajudar, me dê uma arma, senhor.
Ewan apenas a olhou por um segundo, mas foi o suficiente para fazer
toda a pele de seu corpo se arrepiar.
— Não se atreva. São meus.
Este último já foi dito com todas as atenções voltadas para seus
atacantes. Reed ainda estava rindo e balançando sua espada em diversão. Os
outros tinham uma expressão tão maligna que Willow estremeceu de terror.
Quantas vezes desejou que Ewan Campbell, o suposto assassino de seu
irmão, sucumbisse?
Mas não assim, pensou, não é justo. Nenhum homem deve ser abatido.
Ficou surpreso com seus próprios pensamentos. Disse a si mesma que
sua única preocupação era que, se o laird caísse, ela estaria nas mãos dos
selvagens. No entanto, sabia que não estava sendo honesta consigo mesma.
Algo havia mudado. Ela havia mudado, e a maneira como ela o via
também. Pela primeira vez, a ideia de ver o corpo de Ewan perfurado por
uma espada era insuportável.
Os homens aproximavam-se cada vez mais. O único lugar seguro estava
atrás dele, e ela foi sábia o suficiente para ficar ali para não distrair o laird.
Um de seus atacantes estava apontando seu arco para eles, provavelmente
aquele que havia atirado antes que Ewan a puxasse tão apressadamente de
seu cavalo. Não havia nada de nobre em atirar em um homem até a morte,
Willow refletiu furiosamente. Os MacNab não podiam ser tão infames... Ao
menos desejava isso.
Felizmente, a arrogância de Reed parecia superar a de Ewan, pois ele
ordenou que seu soldado não atacasse.
— Abaixe o arco, Gavin. O senhor dos Campbell merece uma luta justa.
Disse isso com um sorriso de escárnio, e Willow desejou ter aprendido a
lutar, ter mais força... ter sido um soldado de verdade! Então diria quatro
coisas para aquele bastardo. Cinco contra um? Ficou surpresa, no entanto,
quando Ewan respondeu com aparente calma.
— Você me ofende, MacNab. Se queria uma batalha justa, deveria ter
trazido mais homens. Mas eu não me importo, sabe por quê? Eu tive um dia
ruim. Um muito ruim… E você é muito útil para me vingar.
A diversão então, deixou o rosto de Reed. Sua mandíbula se apertou e
sua carranca ficou tão profunda que Willow pensou que ele pretendia matar
o laird apenas com seu olhar.
— Atacar — ele ordenou.
Os outros quatro homens se moveram em uníssono, e o coração de
Willow disparou. Isso não poderia estar acontecendo. Deu alguns passos
para trás, bem devagar, até que suas costas esbarrou na própria montaria. Se
virou e procurou nos alforjes até encontrar sua adaga. Com algum alívio,
ela a agarrou e voltou sua atenção para a luta, surpresa ao ver que o
primeiro dos MacNab já estava levantando sua espada contra Ewan.
Tudo aconteceu muito rapidamente. O Laird parou o ataque, empurrou
com todas as suas forças para repelir o homem e girou com rapidez para
estampar o cotovelo na cara do que se lançava sobre ele. Lágrimas e sangue
cegaram seu atacante e ele caiu de joelhos, mas Ewan não pôde rematar
porque o terceiro indivíduo lançou uma estocada que esteve a ponto de
alcançá-lo. Willow ficou surpresa com a rapidez e agilidade de Ewan. Ele o
tinha visto durante o treinamento e sabia que era habilidoso. Mas nem tanto.
Ele desviou da lâmina atacante, ao mesmo tempo avançando e, em um
piscar de olhos, mergulhou sua própria lâmina no peito do outro homem. O
tempo que levou para recuperar sua arma foi precioso porque, apesar de sua
manobra evasiva, um MacNab conseguiu cortar seu braço.
Ewan não soltou um único grito. Bloqueou o próximo ataque com sua
própria espada e usou seu outro punho para desequilibrar o homem. Mais
dois estavam se aproximando dele de cada flanco, mas o laird se moveu
rapidamente e recuou no momento certo, agarrando as cabeças de seus
atacantes e esmagando-as juntas. Os homens caíram a seus pés,
inconscientes na chuva que não parava de cair.
A luta continuou e Willow não via mais tamanha desigualdade. A
verdade era que a ferocidade de Ewan a deixava sem fôlego. Ele se
contorcia como um animal selvagem, seu olhar tinha adquirido matizes
assassinos, e estava feliz, pela primeira vez, por estar ao seu lado. Não teve
pena dos MacNab. Em vez disso, quando ela detectou Reed se afastando do
campo de visão de Ewan e se posicionando em um ponto cego para o laird,
ela sentiu a raiva tomar conta de toda a cautela que a manteve fora da luta.
Aquele bastardo estava planejando atacá-lo por trás!
Antes que ela pensasse no que estava fazendo, correu pela lama,
limpando as gotas de chuva de seus olhos, e pulou nas costas de Reed como
um gato, gritando com a fúria que queimava dentro dela. Tarde demais
percebeu que sua manobra não daria certo. O guerreiro agarrou seu pulso
brutalmente e apertou para fazê-la largar a adaga que empunhava. Willow
sentiu seus ossos estalarem e, em seu desespero, só pensou em morder o
pescoço que estava tão perto dela. Reed gritou como um animal, avançou e
conseguiu jogá-la fora do caminho, fazendo-a voar sobre sua cabeça.
Willow caiu para trás com um baque que embaçou sua visão.
— Will!
Ouviu o grito de Ewan e o som de botas batendo na lama. Percebeu uma
sombra pairando sobre ela, possivelmente Reed erguendo sua espada para
dividi-la em duas. Fechou os olhos e pensou em sua família; se tivesse que
morrer, preferia levar a lembrança deles com ela. Mas, para sua total
consternação, a única imagem que lhe veio à mente foi a de Ewan
Campbell. Em seu quarto, calçando as botas. Em seu treinamento,
colocando sua alma em cada ataque. No lago, caminhando nu ao longo da
margem. No quarto de Thonia, cravando seu olhos nela, escuros de desejo...
Houve mais gritos, o som de espadas se chocando no ar, suspiros e sons
de carne batendo em mais carne. Abriu os olhos novamente quando
percebeu que a morte não estava chegando. A sombra acima dela
desapareceu, soprada para fora de seu campo de visão por um redemoinho
furioso, e a última coisa que ouviu foi o borbulhar de sangue de alguma
garganta cortada.
A de Reed MacNab, como pôde comprovar quando se levantou e olhou
ao redor.
Ewan Campbell estava de pé sobre seu cadáver, com a espada
ensanguentada na mão. Se não era a imagem do anjo da morte, Willow não
sabia o que mais poderia ser. Parado ali na chuva, ofegante pelo esforço e
pelo brilho assassino em seus olhos, a jovem sentiu o enorme poder que
fluía por seu corpo e escapava para além de sua pele. A força radiante o
envolveu como uma auréola, e foi atraída para ela como qualquer inseto
tolo para uma chama encantadora.
Era assim que se sentia. Estúpida por querer correr para os braços dele e
agradecer aos céus por tê-lo ao seu lado. Sabia que com ele estaria segura;
depois do que havia presenciado, não conseguia pensar de outra forma. Mas
era mais do que isso... ela queria tocá-lo. Queria verificar se ele estava bem.
Queria que lhe dissesse que estava bem também, que tudo estava acabado,
que ninguém jamais a machucaria.
E isso era realmente uma loucura porque ele era precisamente a pessoa
de quem mais suspeitava durante todo o tempo em que ela estava com os
Campbell.
Então ele a olhou.
Com os lábios entreabertos, o peito arfando com o esforço.
A maneira como ele a olhava a deixou congelada no lugar, tremendo na
chuva, incapaz de tirar os olhos de seu rosto. Esqueceu-se dos cadáveres
espalhados, esqueceu-se de todo o sofrimento que aquele homem lhe
causara. Só havia no mundo a maneira como ele a olhava e o desejo
absurdo e improvável de se esconder em seus braços.
Um desejo, por incrível que parecesse, se tornou realidade.
Ewan avançou sobre ela com a determinação de um predador em busca
de sua presa. Ele a agarrou pelos cabelos curtos e a puxou para seu peito
para devorar sua boca com um beijo ardente. Foi selvagem. Foi fogo puro.
Willow podia provar em sua pele os últimos vestígios da batalha correndo
em suas veias. Ewan estava agitado, obviamente dominado pela febre do
combate. A língua do homem procurou entre seus lábios e encontrou o
caminho para dentro de sua boca, tocando sua própria língua, contaminando
cada fibra de seu corpo com o mesmo ardor. Ela sentiu a mesma tensão que
sentira na cabana, aquela doce sensação de desejo escorrendo por seu
estômago até um ponto entre suas pernas. Só que desta vez tudo foi muito
mais intenso, mais real, mais dilacerado... Só quando gemeu, incapaz de
conter o som erótico em sua garganta, o laird pareceu recuperar a
compostura.
Ele se afastou e a olhou com horror. Como se ela fosse indesejável,
como se ela fedesse. Ele deu alguns passos para trás e passou a mão no
rosto, ainda com uma expressão desesperada. Olhou para o céu e deixou a
chuva banhar seu rosto, mas não se acalmou.
Não. O que ele fez foi cair de joelhos na chuva e gritar como se uma das
espadas inimigas tivesse perfurado seu coração.
O som sacudiu o corpo de Willow, e ela sentiu lágrimas quentes
brotarem em seus olhos.
Não entendia absolutamente nada.
O que tinha acontecido? Por que, depois daquele beijo incrível, Ewan
estava se afastando como se ela tivesse a peste?
Ela abraçou o próprio corpo para encontrar algum conforto e,
percebendo o aperto da bandagem que cobria seus seios para escondê-los do
mundo, lhe ocorreu.
Ela abriu os olhos, tão chocada quanto o próprio Ewan.
O laird Campbell acreditava que ela era um menino, e apesar de tudo a
havia beijado.
O guerreiro mais selvagem, o chefe que se gabava de transformar todos
os soldados que se juntavam ao seu exército em homens de verdade, o
homem intolerante que não permitia a fraqueza dentro das paredes de sua
casa, sucumbira a um dos pecados mais humilhantes que se podia imaginar
para sua masculinidade.
O padre Cameron rezaria por sua alma profana se descobrisse. Seus
servos olhariam para ele com desconfiança se chegasse a seus ouvidos.
Seus fiéis guerreiros o repudiariam se descobrissem.
Willow mal podia acreditar, mas aconteceu.
Ewan Campbell desejava outro homem.
CAPÍTULO 23

Finalmente a chuva lhes dera algum descanso. Willow olhou para o céu e
ficou grata por esta trégua, rezando para que o sol saísse para acalmar o
tremor que ela não conseguia controlar. Continuaram seu caminho, ambos
submersos em um silêncio tenso, depois de deixar os cadáveres dos
MacNab à mercê dos animais da floresta. Ninguém sentiu pena por eles.
Ewan não falava desde que montou em seu garanhão; na verdade, ele
não tinha a olhado desde o beijo. E ela não sabia o que dizer numa hora
dessas, então preferiu ficar em silêncio. Estava atordoada, incapaz de
processar o que havia acontecido e exausta. Se concentrou em sua
mandíbula, fazendo o possível para impedir que seus dentes batessem.
Também tentou ignorar a dor crescente em seu pulso. Reed MacNab
provavelmente tinha quebrado um osso, mas não reclamaria. Não ia soltar
um único gemido na frente do laird... ele já se sentia bastante envergonhado
depois do que tinha acontecido! Ela apenas rezou para que não tivessem
que cavalgar muito mais antes de chegarem ao seu destino. Não era dessas
mulheres que desmaiavam na menor oportunidade, mas sentia que estava
perto de perder o pouco autocontrole que lhe restava e, se isso acontecesse,
cairia nos braços da inconsciência sem oferecer resistência.
Para sua surpresa, não pararam mais em nenhuma propriedade.
Aparentemente, Ewan decidiu que não queria ver mais nenhuma família
Campbell e chegar ao seu próximo destino de repente se tornou uma
prioridade. Acelerou o passo sem olhar para trás nem uma vez para ver se
seu servo o seguia. Willow supôs que seu laird não se importaria se ela se
perdesse no caminho...
Nada estava mais longe da realidade.
Ewan estava morrendo de vontade de se virar, de olhar novamente para
o rosto daquele duende que o enfeitiçou e ver se a agitação em seu
estômago era real. Mas a vergonha o sufocava, o consumia em uma agonia
insuportável. Não apenas se deixara levar por seus instintos mais baixos,
como não apenas beijara um garoto... Além disso, tinha gostado!
Sim, ele tinha gostado daquele beijo. A boca de Will era macia e quente,
sua língua doce, provocante... por todo o inferno! Foi um dos melhores
beijos que ele deu em alguém em toda a sua vida! Porque, nesse sentido, ele
não estava delirando: Will o correspondera.
Não, não, não.
Já na cabana de Iona, Ewan tinha falhado de maneira lamentável ao
tentar fazer dele todo um homem. E não só isso. Will conseguiu demonizar
sua mente para que sua masculinidade apenas respondesse a ele, àquela
imagem de uma criatura fantástica que o fascinava. A pobre Thonia pagou
as consequências. Não reclamou porque isso se encaixava nos problemas de
seu trabalho, mas ele a havia usado de maneira vil, quando sempre fora
generoso com as mulheres na cama. Desta vez não foi. Ele a pegou com
raiva, quase com violência, só para desabafar e ver que o seu membro
continuava a funcionar apesar dos feitiços maus que Will derramara sobre o
seu corpo. E, uma vez saciado, deixou-a sem se despedir, sem se importar
em saber se ela havia gostado ou não... Jogou algumas moedas na cama e
saiu do quarto às pressas, envergonhado e ainda mais frustrado do que
quando chegaram. Porque sim, ele conseguiu terminar, mas a experiência
não lhe trouxe a satisfação e prazeres habituais. Isso o deixou vazio, frio por
dentro, furioso por fora.
Sua cabeça estava girando, revivendo aqueles momentos uma e outra
vez. Para piorar, agora aquelas imagens estavam misturadas com o que
acontecera na floresta momentos antes. Sua mente queimava, dilacerada
pelas sensações absurdas que tinham sido despertadas dentro dele pelo
ataque MacNab. Primeiro, um terror como ele nunca havia conhecido o
havia tomado ao ver Will à mercê do inimigo. A extraordinária coragem
que o menino demonstrou ao pular sobre Reed para detê-lo não passou lhe
despercebido, embora nunca fosse reconhecê-la. O menino muito tolo
estava prestes a morrer sob a espada daquele sanguinário! O alívio que
percorreu seu corpo quando tudo acabou, com Will ileso, abalou sua
sanidade, sem dúvida.
Porque pular em cima dele como uma ave de rapina não poderia ter
outra explicação.
E agora não podia olhar para ele, não deveria. Já se sentia mal o
suficiente consigo mesmo. A única saída que seu senso comum perturbado
poderia inventar era chegar à casa de seu tio Alec o mais rápido possível.
Pensou no velho guerreiro, exilado anos atrás por ordem de seu pai, o
antigo laird. Suas leis proibiam o contato com um pária, mas Ewan quebrou
as ordens de seu pai muitas vezes para se encontrar em segredo com seu tio,
a quem sempre respeitou e amou. Nessa ocasião, precisava mais do que
nunca de seus conselhos e, esquecendo o motivo inicial pelo qual decidira
procurá-lo, apressou o passo de sua montaria para chegar o mais rápido
possível à cabana solitária que agora era seu refúgio.
Já estava escuro quando finalmente avistou a fumaça saindo da chaminé
da casinha de pedra. Sua cabeça não parava de girar em torno do assunto
que o incomodava, pensando na melhor maneira de abordá-lo assim que
estivesse diante do único homem que ainda considerava sua família.
No entanto, quando viu a silhueta de Alec Campbell contra o luar, sua
coragem falhou.
O velho guerreiro os esperava de espada na mão, desconfiado da visita
inesperada de alguns estranhos no meio da noite. Ewan o achou imponente
em sua masculinidade e sua própria baixeza envenenou seus sentimentos.
Ele não seria capaz de confessar o que havia feito; temia que, ao pronunciar
em voz alta o ocorrido, os olhos do tio o acusassem de ser indigno do nome
que ostentava com tanto orgulho.
Então ele freou seu cavalo e esperou que Will o alcançasse. Sem olhar
para ele, sibilou sua ameaça muito baixinho.
— Se você disser a ele uma palavra sobre o que aconteceu, vou arrancar
seu pinto com minhas próprias mãos e dar aos porcos, entendeu?
Willow o ouvia de longe, atordoada por uma névoa de exaustão e dor
que entorpecia todos os seus sentidos. Seu único arrependimento sobre essa
ameaça era que não prometia uma morte rápida. Precisava dela. E não
hesitou em pedir.
— Mate-me agora, Campbell. Por favor... envie-me ao meu irmão.
Assim que disse isso, seu corpo deixou de lhe pertencer e a última coisa
que sentiu foi que estava escorregando para o lado...
Quando atingiu o chão com um baque, Ewan não teve escolha a não ser
assistir. Alarmado, saltou do cavalo e correu em direção ao menino,
temendo o pior. Seu tio Alec também correu, colocando a espada no
pescoço no momento em que se inclinava para se certificar de que Will
ainda estava vivo.
— Identifique-se ou você é um homem morto.
— Não reconhece mais seu próprio sobrinho?
— Ewan! Pelos velhos antigos, você enlouqueceu? Pensei que fossem
uns ladrões querendo roubar minhas poucas ovelhas restantes.
— Quem ousaria roubar algumas ovelhas de você, ou o que quer que
seja? Mesmo tendo envelhecido, todos ainda temem o formidável Alec
Campbell, matador de gigantes.
O homem retirou sua espada e sorriu.
— Ainda estão murmurando essa mentira sobre mim?
— Duvido que um dia parem de fazer isso.
Ewan gostaria de dar a seu tio a saudação adequada, mas a preocupação
com Will absorveu toda a sua atenção. Ele apalpou seu pescoço em busca
de seus batimentos cardíacos e deu um suspiro de alívio quando percebeu
que estava apenas desmaiado.
— Quem é esse fracote? — perguntou Alec, inclinando-se para ver
melhor o menino inconsciente.
— Ele é meu servo.
— O que lhe aconteceu?
— Nos atacaram... Eu...
Ewan olhou o tio nos olhos, incapaz de falar. O velho guerreiro tinha
uma aparência muito parecida com a dele, mas infinitamente mais sábio.
— O machucaram?
— Não, mas eu...
Não poderia confessar. Seu tio ajudou seu pai a torná-lo um homem;
Alec Campbell sempre esteve lá quando precisou dele, e aprendeu mais
com ele do que com o próprio Duncan. Porque, ao contrário do pai, Alec
era mais contido, mais justo e estava convencido de que também o amara
mais. Seu tio havia lhe ensinado tudo o que ele precisava saber e ter para se
tornar um verdadeiro guerreiro de honra, um líder mais justo. E brincar com
um jovem não fazia parte de seus ensinamentos, com certeza.
— O que há de errado, Ewan? Te conheço melhor do que o teu próprio
pai te conhecia. Está atormentado, me diga o que aconteceu.
O laird Campbell se endireitou e se afastou do menino inconsciente.
— Eu preciso que cuide dele. Não o quero em Innis Chonnel e ele não
tem outra família.
— O que fez para merecer o exílio, ao lado de um velho rabugento
como eu?
— Por favor, tio. Não posso confiar em mais ninguém... Contarei tudo,
no devido tempo. Mas primeiro tenho que me livrar de meus próprios
demônios. Posso contar contigo?
Alec colocou a mão em seu ombro e o olhou com todo o orgulho e amor
que sentia por ele.
— Pode sempre contar comigo. Você sabe.
Ewan Campbell raramente se emocionava. Mas nesse momento,
recebendo o apoio incondicional de seu único parente vivo, sentiu o
incômodo nó de sentimentos apertar sua garganta. Ele abraçou o velho
guerreiro por alguns segundos e então se afastou. Foi até seu cavalo sem
olhar para trás.
— Ewan, não saia no meio da noite — Alec lhe disse, vendo suas
intenções. — Descanse e coma algo quente perto do fogo. Amanhã pode
sair mais cedo se for esse o seu desejo.
O jovem parou com as mãos já colocadas na sela. Falou por cima do
ombro, com a voz mais derrotada que seu tio já tinha ouvido dele.
— Eu não posso ficar. Eu... Não. Não posso.
Montou em seu cavalo e partiu galopando sem mais delongas, deixando
um olhar preocupado nos olhos de Alec.
Ao perdê-lo na escuridão da noite, o guerreiro embainhou a espada e se
agachou ao lado do menino. Sua visão não era mais a mesma de sua
juventude e era difícil para ele focar as feições do jovem naquela escuridão.
O carregou e puxou as rédeas de seu cavalo para retornar à cabana,
meditando sobre a estranha atitude de seu sobrinho. Poderia jurar que nunca
em toda a sua vida o havia notado tão chateado. Mesmo quando seu pai
morreu, Ewan não era tão vulnerável. Nos poucos minutos que
compartilharam, ele tinha visto uma enorme perturbação em seus olhos. O
que diabos aconteceu para perturbá-lo assim?
Ele entrou em sua casa, onde outro homem o esperava, de arma em
punho, em atitude de alerta.
— Relaxe, Melyon, a visita não teve nada a ver com você — Alec o
tranquilizou. — Ajude-me com o menino.
O guerreiro veio rapidamente e pegou o menino nos braços para
depositá-lo em uma cama perto do fogo.
— Quem é esse?
Alec passou a mão pelo cabelo pensativo antes de responder.
— Alguém importante para seu laird.
— Ewan deixou de ser meu laird quando me baniu — o outro apontou
amargamente.
— Bah, bobagem! Você sempre será fiel a ele, não pode evitar. E agora
tem uma ótima oportunidade para provar: temos que cuidar desse pirralho,
ele o deixou sob meus cuidados.
— Por quê?
— Não faço a menor ideia — Alec respondeu, aproximando-se da cama.
À luz do fogo, o rosto do menino assumiu tonalidades muito diferentes. —
Ei, ei, ei...
— O aconteceu? Está ferido? É grave?
Alec agarrou o queixo delicado e moveu a cabeça cuidadosamente de
um lado para o outro para estudar melhor aquele rosto de feições delicadas.
Ao contato, o menino abriu os olhos por alguns segundos, semiconsciente.
— Eu realmente não esperava isso — Alec murmurou, vendo o azul
intenso que brilhava de febre.
— Está me deixando muito nervoso, cara. O que diabos há de errado
com o garoto? O que aconteceu com Ewan?
Alec teve a audácia de apalpar o peito com cuidado para ter certeza,
embora aqueles olhos inconfundíveis não deixassem margem para dúvidas.
— Acontece que ele não é um menino —anunciou convencido. —
Embora o que aconteceu com Ewan ainda tenhamos que descobrir.
CAPÍTULO 24

A primeira coisa que Willow viu quando abriu os olhos foi o brilho
agradável de uma lareira. Deu um suspiro de alívio quando se viu em uma
cama, quente e aconchegante, protegida da chuva forte e do frio de gelar os
ossos. Olhou em volta e descobriu que estava no quarto de uma pequena
cabana mal mobiliada com uma mesa de madeira e alguns banquinhos, um
velho baú encostado na parede e uma estante onde os utensílios de cozinha
se amontoavam sem ordem nem lógica.
Antes que terminasse seu escrutínio, a porta da frente se abriu e dois
homens desconhecidos entraram na cabana. Vinham carregados com
algumas peças de caça entre as quais Willow viu vários coelhos e perdizes.
Ficou com água na boca ao ver a presa e não conseguia se lembrar da
última vez que satisfez seu apetite com uma refeição decente. Ewan parecia
se contentar com carne salgada quando viajava, mas não era o suficiente
para ela.
— Bom dia— o homem mais velho a cumprimentou. — Descansou?
Sua voz era profunda e calma, mas Willow estava alerta. Quem eram
aqueles guerreiros e onde estava Ewan? A última coisa de que ela se
lembrava era de estar em seu cavalo, mais morta do que viva, desejando que
a tortura que estava sofrendo terminasse para sempre.
— Onde estou?
— Na minha casa, a salvo. — Ele se aproximou dela e a olhou com um
sorriso amigável. — Meu nome é Alec Campbell, sou tio de Ewan. E ele é
Melyon, um bom amigo.
Willow os observou com cautela. Não estavam usando as cores da
Campbell; realmente não usavam nenhuma das cores dos clãs que conhecia.
Vestiam calças escuras e camisas mais claras. O homem mais velho também
usava uma túnica sem adornos que traísse sua procedência, o que na
realidade achou estranho se era verdade que era um Campbell como dizia.
Aquele que ele apresentara como Melyon tinha um rosto taciturno,
marcado por uma cicatriz feia que ia do olho ao queixo. Era um enorme
guerreiro que parecia ocupar a maior parte do espaço da cabana.
Reconheceu o nome dele, depois de ouvir a história que circulava por Innis
Chonnel sobre o tenente de Ewan. Sabendo, porém, quem era a outra
protagonista do ocorrido, Willow nunca lhe dera muito crédito. Agora,
diante do suposto violador de Agnes, tinha certeza de que a garota havia
mentido. Não entendia o motivo dessa condenação, mas não tinha dúvidas
de que esse homem não havia cometido um ato tão hediondo. Seus olhos
cinzentos a olhavam com curiosidade, nada mais. Não encontrou nenhum
mal neles, nenhuma sombra que representasse uma ameaça. Mas iria
perguntar sobre isso, se a situação permitisse. Ela tinha outros problemas
para resolver...
O tio de Ewan estava cuidando dela. Seus olhos também não escondiam
a enorme curiosidade que sentia, e Willow não achava que estava pronta
para responder às perguntas que se percebiam por trás de sua expressão.
— Onde... onde está meu senhor? — perguntou, enquanto se sentava na
cama.
— Presumo que quer dizer Ewan. Não se preocupe, ele deixou você sob
meus cuidados.
A mente de Willow percorreu todas as possibilidades em um piscar de
olhos, e nenhuma acalmou seu ânimo. Ewan a havia abandonado naquela
cabana, à mercê de dois homens desconhecidos? Uma sensação brutal de
abandono perfurou seu peito. Ewan partiu sem ela... por quanto tempo?
Voltaria para procurá-la? Sentiu seu coração bater mais rápido enquanto as
perguntas corriam por sua mente. Felizmente, a voz calma do homem mais
velho interrompeu seus pensamentos frenéticos e a impediu de entrar em
pânico.
— Como está seu pulso? — Alec sentou-se em frente a ela em um
banquinho e a estudou cuidadosamente. Willow sentiu que este era o
começo do longo interrogatório que ela tanto temia. —Dói?
Olhou para a área ferida e descobriu que alguém a havia enfaixado.
Havia uma dor surda que não tinha percebido até que o homem a
mencionou.
— Estou bem... quase não dói.
— Você tem sorte, não está quebrado, embora tenha que usar o curativo
por um tempo. E vejo que a febre baixou, então espero que o resfriado que
trouxe ontem à noite não cause mais dificuldades. É uma loucura andar na
chuva, Ewan sabe disso muito bem. Não entendo o que pode ter causado
tanta pressa para chegar aqui.
Ele não fez nenhuma pergunta, mas estava claro que esperava alguma
resposta dela.
— Nos atacaram.
— Sim, meu sobrinho já me avisou disso antes de te deixar aqui. Mas
por que acha que ele queria se livrar de você com tanta urgência?
— Talvez...talvez eu o tenha incomodado de alguma forma —
sussurrou, sabendo que não poderia confessar àquele guerreiro que seu
sobrinho havia beijado aquele que ele acreditava ser seu servo e, por isso,
agora o odiava.
— Bah! Eu vi como Ewan trata os servos que ousam importuná-lo,
como você diz. Garanto que se fosse por isso não teria percorrido uma
distância tão grande para te deixar aqui como exemplo. Teria te trancado em
masmorras, feito você trabalhar até que suas mãos ficassem esfoladas...
Poderia até ter ordenado que fosse açoitado com um bom cinto.
Os olhos azuis de Willow se estreitaram com ressentimento.
— Ele já fez todas essas coisas comigo.
— Ewan se atreveu a te açoitar? — Alec Campbell estava alarmado.
— Não, bem, isso não. Isso foi a única coisa que faltou. — Como os
dois homens ainda a olhavam atônitos, Willow apressou-se em esclarecer:
— O laird não me tem em alta conta, senhor, não me considera digno de seu
clã. Pretende fazer de mim um guerreiro, algo que, receio, nunca será
possível.
— E por que acha isso?
Willow temia que tivesse falado demais. O homem estava a olhando
com uma intensidade que a desarmou e a lembrou de seu próprio pai. Se
sentiu diminuída diante dele, e dentro dela nasceu a necessidade
predominante de falar com ele honestamente. Algo em seus olhos a inspirou
com o tipo de confiança que poderia encontrar entre seu próprio povo,
mesmo que ela não o conhecesse.
— Não está no meu sangue, senhor — foi tudo o que conseguiu dizer
sem mentir para ele.
O olhar de Alex Campbell se intensificou. Parecia querer procurar
dentro dela muito mais do que o que estava na superfície.
— Conheço mulheres que são mais corajosas que alguns homens. —
Com essas palavras, Willow prendeu a respiração. — Nada te impede de ser
uma verdadeira guerreira, jovem MacGregor.
A garota corou, mortificada por ter sido pega na mentira.
— Como sabia? — sussurrou, quase sem voz. — E como é que conhece
minhas origens?
— Tive a grande honra de ser amigo de sua mãe — admitiu Alec,
falando com um tom de voz que não usava há muitos anos. — Erinn era um
sonho para todos os homens que a conheciam. Eu não era diferente... Caí no
feitiço dela tão rapidamente que fiquei tentado a sequestrá-la quando nos
apresentaram. Jamais esquecerei seus lindos olhos azuis; achei que nunca
mais os veria. — O homem sorriu melancolicamente. — Me enganei.
Seus olhos. Sim... Willow sabia que ela tinha os olhos de sua mãe. Mas
como esse homem poderia se lembrar deles tão claramente a ponto de
descobrir sua filha por trás deles? Parecia que tinha muitos negócios com
seu pai, era este o homem que alimentava o antigo ódio dos Campbells
contra seu povo? Willow ficou tensa com o pensamento, mas o pensamento,
assim como veio, desapareceu de sua cabeça. Era impossível. Naquela
cabana longe de tudo não havia nada além de dois homens banidos por seu
clã. Não tinham exército nem soldados para lançar um ataque a Meggernie.
Também não tinham riqueza — era óbvio — para contratar mercenários
para fazer o trabalho sujo por eles.
— E como chegou à conclusão de que eu sou filha dela? — perguntou
cautelosamente.
Um sorriso triste curvou os lábios do guerreiro.
— Porque eu, querida menina, estive presente no dia do seu nascimento.
Eu nunca poderei esquecê-lo. Meu melhor amigo, Ian, perdeu a esposa. Foi
uma noite horrível, todos os seus amigos foram lhe dar o nosso apoio,
embora nenhum deles imaginasse aquele desfecho fatal. Felizmente, ele
tinha você. — Alec a olhou com carinho. — E ainda bem que pelo menos
você conseguiu sobreviver a esse parto infernal, porque sem você ele
também não teria conseguido seguir em frente.
Willow fechou os olhos, grata por suas palavras. Ao contrário de muitos
outros, ele não a culpava pela morte de sua mãe. Era evidente que realmente
apreciava sua família.
Por isso, ela ficou envergonhada por ter sido descoberta dessa forma. Se
Alec conheceu Erinn, estaria pensando que a criatura diante dele não era
digna de ser considerada sua filha.
— Senhor, eu... peço desculpas pelo meu disfarce.
— Não tem por quê. Nestes tempos, posso entender sua necessidade de
se esconder. Embora eu tenha que dizer que o disfarce não é muito eficaz
para aqueles de nós que conheceram sua mãe. Não tem apenas os olhos
dela: você é a cara dela.
Um calor estranho, cheio de nostalgia, percorreu todo o seu corpo.
Como todas as vezes em que foi comparada a mãe, ela sentiu que sua
semelhança as unia de alguma forma. Se sentia mais perto de seu coração.
— Diga-me o que te trouxe aqui. O que aconteceu para ter acabado a
serviço do meu sobrinho tolo, que não sabe a diferença entre uma mulher
bonita e o traseiro de uma mula.
Willow não se sentia nada bonita agora. Desde que assumiu a
personalidade de um menino insípido, não se considerava mais atraente de
forma alguma. Impossível com seu lindo cabelo cortado curto, suas roupas
elegantes abandonadas em Meggernie e seu corpo coberto de tanta sujeira
que havia esquecido como era se sentir completamente limpa.
— Nunca suspeitou que eu sou mulher e é melhor assim. Agora sou
apenas Will.
— Will?
— Willow, senhor. Meu nome é Willow, mas nenhum dos Campbell me
conhece como tal.
— Willow... Sim, eu me lembro. Faz tanto tempo que esqueci. A última
vez que te vi, mal levantava um pé do chão. — O homem suspirou
melancolicamente. — Faz muito tempo que não sou um Campbell, e
Melyon não pode mais usar esse sobrenome, então, se não se importa,
vamos chamá-la pelo nome que Ian lhe deu. E pode me chamar de Alec,
pare de me chamar de senhor.
— Es... está bem — ela concedeu, embora o guerreiro lhe fosse muito
imponente chama-lo pelo seu primeiro nome.
Alec a estudou cuidadosamente. Parecia um passarinho encolhido em si
mesmo, seus olhos exalando medo e cautela. Como a filha de Ian
MacGregor veio parar tão longe de casa? No exílio, perdeu muito das
notícias que circulavam pelas estradas, e nada sabia da vida e dos milagres
das pessoas que conhecera em outro tempo. Estava morrendo de vontade de
fazer mil perguntas, mas sabia que Willow não estava pronta. Antes,
precisava se livrar daquela casca de desconfiança com a qual se cobria.
— Calma, não vou mais te incomodar por hoje, podemos conversar
quando achar conveniente — ele sussurrou, sentindo que tinha que acalmá-
la. — Aqui está entre amigos, não pertencemos mais a nenhum clã. Somos
homens livres e, como tal, agimos de acordo com nosso próprio julgamento.
Pode ser livre aqui também, Willow, e prometo que ninguém vai te
machucar.
O olhar da garota escureceu com suas palavras.
— Não, Alec. Eu não sou livre. Não estarei até poder vingar meu povo...
e meu irmão Niall.
Diante dessa nova informação, Alec mudou de ideia. Precisava saber.
— Por que diz isso? Aconteceu alguma coisa com Niall?
Os olhos de Willow de repente se encheram de lágrimas. Fazia muitos
dias que ela não se permitia chorar pelo irmão, mas diante daqueles homens
que pareciam dispostos a recebê-la, sentiu que poderia desabafar.
— Eles o assassinaram... Atacaram Meggernie, por isso tive que fugir.
Todos dizem... dizem que foram os Campbells, que o próprio laird
comandou seus homens no ataque. Dizem que Ewan Campbell o torturou
até a morte, na frente de todo o nosso povo!
Não sabia o quanto precisava dizer essas palavras em voz alta até que as
disse. Ela olhou para os rostos atordoados de ambos os homens, desejando
que falassem, que não ficassem calados apenas a olhando como se ela
tivesse enlouquecido. Quando alguém finalmente abriu a boca, foi Melyon.
— Isso é uma falsidade. Uma calúnia inventada pelo verdadeiro culpado
desses crimes para incriminar Ewan.
— Como pode ter tanta certeza? — Willow perguntou em um sussurro.
Ela também não tinha percebido antes o quanto precisava de alguém para
refutar aquela acusação vil contra Ewan. Ele já havia confessado a ela, mas
até que o tenente dos Campbell confirmou, ela não se permitiu acreditar
totalmente.
— Até recentemente, eu era o braço direito do laird. Quando o ataque
aconteceu, eu ainda era o comandante dos Campbell e posso garantir que
nenhum de nossos soldados participou daquela escaramuça. — O enorme
guerreiro se agachou ao lado dela para olhá-la nos olhos antes de dizer o
seguinte: — Também posso lhe dar minha palavra de que Ewan não é o
assassino de seu irmão.
Willow cobriu o rosto com as mãos e chorou... De dor e pesar, mas
também de alívio.
Ewan não é o assassino do seu irmão.
As palavras ressoaram em sua cabeça como um eco curador, libertando-
a de uma opressão que estava comprimindo sua alma todo esse tempo. Não
queria investigar mais sobre o que isso significava. Estava contente em
saber que não precisava mais odiar cega e irracionalmente o laird Campbell.
Agora estava livre para admirar o homem que descobrira dia a dia sem se
sentir culpada. Melyon não sabia, ou talvez soubesse, que com sua verdade
havia tirado um peso enorme de seus ombros.
— Não acredito que o pequeno Niall está morto.
A voz de Alec trouxe a cabeça de Willow para cima novamente.
— Quanto tempo faz que não vê meu irmão? Niall tinha de pequeno o
que eu de dama neste momento — comentou, incapaz de acreditar que as
palavras do guerreiro a tirariam da tristeza que ameaçava afogá-la. O
divertia que Alec se referisse a qualquer um dos gêmeos assim. Os dois
eram como duas torres humanas.
Ele a olhou com um sorriso esperançoso e ousou pegar sua mão e
apertar com força.
— Tem a beleza da sua mãe e o humor do seu pai. E o mais importante,
tem força e coragem para enfrentar essa provação. Fico feliz em ver que a
dor não minou o coração MacGregor em você... Porque você vai precisar.
Juntos, vamos descobrir quem está por trás de todos esses crimes, e eu
prometo, ele vai pagar por isso.
Willow devolveu o afetuoso aperto de mão do guerreiro colocando a
mão livre em seus dedos enormes.
— Não sei como te agradecer, Alec. Não te conheço, mas sinto que
posso confiar em você quase como se fosse da família.
— Ah, Willow! Houve um tempo em que seu pai e eu éramos muito
próximos. Tanto que posso garantir que, de alguma forma, éramos uma
família. Ian significa mais para mim do que meu próprio irmão, e é por isso
que você me encontra aqui hoje, exilado de minha casa, longe de meu
povo... — Seus olhos se perderam por um momento no vazio e ele suspirou.
— Longe do meu sobrinho, que precisa tanto de mim agora.
Ewan.
Willow saboreou o nome dele em sua mente e ouviu as palavras de
Melyon dentro dela novamente.
Ewan não é o assassino do seu irmão.
CAPÍTULO 25

Ele ia arrebentar o cavalo. Ewan puxou suavemente as rédeas e diminuiu a


velocidade até que o corcel parou, ofegando. Havia cavalgado como um
louco durante toda a viagem de volta, tentando fugir da memória de Will e
da vergonha que pairava sobre ele como um manto. Desejou que os homens
de MacNab o atacassem de novo para que pudesse descontar neles, algo
bastante impossível desde que já os tinha matado.
Cerrou os dentes e balançou a cabeça, enojado consigo mesmo como
nunca. O que havia de errado com ele? Continuou a pé, rumo a Innis
Chonnel, para dar ao animal o descanso que ele merecia. Porém, a cada
passo que dava, a imagem do menino surgia em sua cabeça, tentando-o a se
virar.
— Com Alec vai ficar bem — disse para si mesmo, para se acalmar.
E isso o torturou ainda mais. O que lhe importava o destino daquele
covarde? Tinha que esquecer. Apagar de sua mente a lembrança de seus
lábios macios e sua língua doce. Relembrando aquele momento, Ewan
sentiu toda a sua masculinidade apodrecer dentro dele. Se alguém
descobrisse o que aconteceu, seria motivo de chacota para seu povo. Que
tipo de líder se tornaria então?
A aurora o surpreendeu ainda imerso em seus pensamentos funestos. A
luz alaranjada que riscava o horizonte prendeu seu olhar por alguns
instantes e uma estranha melancolia invadiu seu espírito. Descobriu,
surpreso, que não queria ir para casa. Problemas o esperavam ali, seus
sinistros conselheiros e o chefe dos MacNab, James, que lhe pediria
explicações pelo seu grupo de guerreiros desaparecidos. Embora Ewan
tivesse o direito de se defender e o declarasse na frente de todos, acabar
com o inapresentável Reed lhe causaria muitas dificuldades.
De repente, se sentiu muito cansado. Decidiu que pararia em uma
taverna no caminho para comer, se refrescar e dormir um pouco. Havia
cavalgado a noite toda e a tensão, a angústia e a ansiedade que invadiam seu
espírito estavam cobrando seu preço. Normalmente ele teria parado em
qualquer riacho, sob a sombra de uma árvore, mas também precisava de
algumas boas canecas de cerveja. Elas o ajudariam a controlar seu ânimo e
encontrar mais facilmente o sono que ele pressentia se esquivar.
Depois de viajar mais uma hora na estrada principal, finalmente
encontrou um estabelecimento. Já tinha estado lá antes, conhecia bem o
taverneiro e eram boas pessoas, embora, mais importante, tivessem cerveja
de qualidade. Deixou o cavalo bem amarrado do lado de fora e entrou,
ocupando a mesa mais afastada e discreta do lugar. Não queria se encontrar
com ninguém, não queria problemas. Só queria beber e esquecer... Pelo
menos por um momento. Teria tempo de encarar a realidade quando
voltasse para Innis Chonnel.
Infelizmente, sua trégua não seria tão calma quanto esperava. Assim que
terminou seu primeiro jarro de cerveja, ouviu uma agitação do lado de fora
e, de repente, um grupo bastante grande de homens tomou conta do
estabelecimento. Apesar de serem soldados, não vinham em busca de briga.
Como Ewan, pareciam querer apenas dar um descanso aos ossos e encher a
barriga com boa comida e bom vinho. Se espalharam pela taverna,
ocupando mesas aqui e ali, e três deles, os que deveriam liderar o grupo,
sentaram-se à mesa atrás de Ewan, sem lhe dar atenção. Ele também não se
deixou levar pela curiosidade e se manteve firme, servindo-se de mais
bebida, sem olhar para trás nem uma vez. No entanto, não pôde deixar de
ouvir o que estavam discutindo entre eles.
— É impossível, nunca a encontraremos — lamentou um.
— Ninguém sabe onde está a joia, ou tem medo de dizê-la — outro
apontou.
— Medo? Pode ser, embora seja mais provável que realmente não
saibam do que estamos falando. — Aquele que interveio agora parecia
menos pessimista, mas mais enfurecido. — Se não aparecer, outra pessoa
está com ela, e juro por todos os nossos ancestrais MacGregor que o
culpado pagará por isso. Quando eu descobrir quem matou meu irmão e
pegou a joia de Meggernie, vou esfolá-lo com minhas próprias mãos.
Ewan ficou tenso com a menção do nome MacGregor. Aqueles eram
seus homens? Este era o irmão do Niall MacGregor assassinado? Se
recostou na cadeira para que as sombras escondessem suas feições o
máximo possível, porque se aqueles soldados descobrissem quem ele era,
sem dúvida estaria em apuros. Não dariam tempo para ele se justificar,
primeiro enfiariam uma espada em suas entranhas e depois perguntariam.
Infelizmente, havia se livrado de Will. Se o menino ainda estivesse com
ele, poderia servir de desculpa. Poderia dizer a esses homens que estava
apenas ajudando o menino a voltar para seu povo, para que percebessem
que suas intenções estavam longe de prejudicar qualquer MacGregor; então
explicaria que os Campbell não tinham nada a ver com o ataque. Não... Ele
não achava que aquela triste desculpa funcionaria contra aqueles ferozes
guerreiros. Estavam muito zangados, tão zangados quanto ele próprio
ficaria se a situação fosse invertida. Mas pelo menos, disse a si mesmo, se
não o tivesse deixado com Alec, Will poderia ter voltado para seu
verdadeiro lar.
Esse pensamento o azedou de uma vez, deixando um gosto muito
amargo em sua boca.
Por que diabos lhe era inconcebível que Will retornasse para seu povo?
Se o menino vinha de Meggernie, era onde tinha que estar. Pela primeira
vez, pensou que, se não tivesse escapado a tempo, nunca o teria conhecido.
Como teria sobrevivido à batalha? Como conseguiu escapar, sobreviver ao
inferno que queimou uma ala inteira do castelo, segundo contavam?
Imaginou o pequeno duende trespassado por alguma espada, morto e caído
no chão, ignorado pelos selvagens que estavam derrubando a Fortaleza
MacGregor pedra por pedra. Um frio desagradável percorreu seu corpo e
ele agradeceu aos céus que a providência quis resgatá-lo daquele inferno.
— E se os Campbell a tiverem? — a voz do primeiro homem que falou
chamou a atenção de Ewan novamente.
— É mais do que provável. Mas devemos ter certeza antes de ir às suas
portas para reivindicá-la. MacNab e Graham não sabiam de nada, então
iremos até o último de nossos aliados antes de nos reportarmos aos
Campbell.
— Pela minha fé, se Bruce não tivesse nos proibido, aquele Campbell
imundo já teria respondido à minha espada. Mas, se for a vontade de nosso
laird que as coisas sejam feitas de acordo com a ordem real, não há mais
nada a dizer. Iremos até Stewart como você diz — o segundo deles falou,
aquele com a voz mais profunda. — A recompensa que seu pai oferece é
mais do que generosa. A torre de Glenstrae é uma isca muito poderosa,
então, mesmo que não saibam seu paradeiro, nossos aliados provavelmente
nos ajudarão a encontrá-la agora que a notícia se espalhou.
— Lean Stewart sempre foi um bom amigo, Angus — o filho do laird
MacGregor o refutou. — Se ele souber o paradeiro da joia, não pedirá nada
em troca.
Então Ian MacGregor ofereceu a Torre Glenstrae para quem devolvesse
a joia misteriosa. Ewan amaldiçoou baixinho quando percebeu que não
estava errado sobre James MacNab. A recompensa valia muito mais do que
um baú de moedas como aquele que lhe foi oferecido e o astuto manteve
silêncio sobre isso. Mas por que essa determinação do MacGregor em
encontrar sua joia preciosa? Com tudo o que aconteceu com Will, Ewan
finalmente se esqueceu de trazer o assunto à tona com seu tio Alec. Talvez
pudesse lançar alguma luz sobre esse mistério que mantinha todos os clãs
ao redor no limite.
No entanto, não podia voltar para ele. Pelo menos, não antes de colocar
seus sentimentos alterados em ordem. Naquele momento, oculto nas
sombras da taverna, escondendo-se dos soldados MacGregor, sentiu falta de
seu bom amigo Melyon. Ansiava por sua companhia e seus conselhos. Seu
tenente saberia ouvir; talvez não entendendo, porque o que estava lhe
acontecendo nem ele entendia, mas teria se sentado ao lado dele para beber
e tentar encontrar uma saída para sua angústia, estava convencido. Melyon
teria lhe dado uma chance de desabafar, teria se comportado como um
verdadeiro amigo... Não como ele.
Todos os dias, desde que o banira de Innis Chonnel, se arrependia de
não ter falado em particular com seu tenente antes de tomar a drástica
decisão. Lembrou-se do olhar que ele lhe deu antes de sair do grande salão,
com quanta dignidade havia deixado a única casa que conhecia, seguindo a
ordem do novo laird. Quanto mais o tempo passava, mais convencido ficava
de que havia uma explicação para o que havia acontecido além da história
chorosa de Agnes. Mas não tinha lhe dado uma chance de se defender, e era
tarde demais.
Agora, naquele momento sombrio, percebeu como havia sido injusto
com Melyon. Precisava dele, não apenas como um companheiro de bebida,
mas como o amigo fiel e leal que ele sempre fora. Tinha muitas frentes
abertas, a posição de laird às vezes era muito mais incômoda do que ele
jamais pensou. Não porque fosse difícil para ele comandar seus homens,
não... Isso era o mais fácil. Mas as traições entre os clãs, a obediência cega
que deviam a Bruce, as intrigas de poder... Em quem confiaria para resolver
todos os problemas que o mantinham acordado? Nos dois corvos que tinha
por conselheiros?
Tomou outro longo gole de sua caneca de cerveja e esperou, mal se
movendo, que os MacGregor terminassem o intervalo e continuassem seu
caminho. A sorte estava do seu lado e ninguém notou sua presença, talvez
porque as sombras no canto que ocupava o ocultasse da visão dos outros, ou
talvez porque aqueles guerreiros estivessem tão obcecados com seus
próprios problemas que não conseguiam enxergar além de seus narizes.
Em todo caso, apenas uma hora depois de invadir a taverna, os
MacGregor partiram com a barriga cheia de comida e algumas canecas
extras de cerveja. Ewan então conseguiu sair de seu canto e foi até o
estalajadeiro, a quem deu várias moedas para pagar sua conta e o favor que
havia lhe feito.
— Obrigado por não trair minha presença.
O homem olhou em seus olhos solenemente.
— É um dos meus melhores clientes, laird, eu nunca o trairia assim. Não
devo nada aos MacGregor, mas sim, muito aos Campbell. Sempre me
ajudou quando precisei.
— E assim continuará a ser.
O taverneiro agradeceu com a cabeça e Ewan saiu, pronto para
continuar seu caminho. Sua pretensão de dormir um pouco foi relegada ao
esquecimento, pois sua cabeça era um caldeirão de ideias e preocupações
ferventes. Ao montar no cavalo, olhou para trás, para o caminho por onde
viera, ponderando se valia a pena ceder à tentação e voltar à cabana do tio,
como lhe pedia cada parte do corpo. Tinha a oportunidade e a desculpa
perfeita: sabia que havia um grupo de MacGregor que sem dúvida
acolheriam Will e ele tiraria esse problema de suas mãos.
Mas ele não conseguia fazer isso.
Preferia não voltar a vê-lo tão cedo, as sensações que aquela boca doce e
macia havia deixado em sua língua ainda eram muito recentes. Embora não
fosse apenas isso, admitiu para si mesmo. Por mais egoísta que parecesse,
deixar Will com seu tio Alec e não devolvê-lo ao seu povo trazia uma
grande vantagem para ele. Tinha certeza de que não queria mais tê-lo diante
de seus olhos... Mas, por via das dúvidas, sempre saberia onde encontrá-lo.
CAPÍTULO 26

Pela primeira vez em muito tempo, Willow sentiu alguma calma dentro
dela. Sentada numa pedra, junto a um dos riachos do caminho, observou
como os dois homens treinavam com suas espadas como se o exercício
físico fosse essencial para sua existência. De sua parte, estava feliz por não
ter mais que empunhar uma arma tão pesada e insuportável. Desde que
Ewan a deixou sob os cuidados de Alec, e isso já fazia vários dias, não
continuou a farsa de fingir ser um homem. Embora ainda vestisse as
mesmas roupas de menino, havia se lavado bem para tirar toda a sujeira que
a cobria e a bandagem que lhe oprimia os seios.
Foi libertador.
Outra mudança gratificante foi descobrir que nem Melyon nem Alec
permitiram que ela os servisse, como vinha fazendo em Innis Chonnel
desde sua chegada. Para os homens ela era mais uma, e embora às vezes
insistissem em lhe conceder os privilégios de seu antigo status de dama,
Willow se recusou a deixá-los tratá-la como uma inválida. Ela só tinha um
pulso machucado e podia cozinhar ou fazer qualquer outra tarefa sem
problemas.
Sua pequena convalescença também não durou muito, felizmente, e
cinco dias depois que Ewan a deixou ali, Alec decidiu que quebraria as
regras de seu antigo clã e voltaria sozinho para acompanhá-la. Precisavam
esclarecer o mistério em torno do ataque aos MacGregor e precisavam de
Ewan para proteger Willow. Ela estaria mais segura dentro dos muros de
Innis Chonnel do que em uma cabana de pedra no meio do nada, guardada
por um velho e um guerreiro proscrito.
Então partiram em sua viagem de volta, idealizando vários planos para
ver como poderiam se apresentar em Innis Chonnel sem colocar a jovem
em perigo. Melyon insistiu no fato de que, apesar de ter voltado à sua
condição feminina, Willow não deveria abandonar o exercício que começou
com Ewan e os outros soldados Campbell. Alec concordou, argumentando
que nos dias de hoje uma garota na situação dela deveria saber se defender.
Portanto, todos os dias após o café da manhã, seus dois companheiros
cuidavam de seu treinamento. Os dois praticavam primeiro, já que ambos
estavam acostumados com seus exercícios matinais e Willow não queria
que quebrassem sua rotina por ela. Quando terminavam, os guerreiros
dedicavam seu tempo para ensiná-la a manusear a adaga e o arco e flecha,
armas muito mais adequadas à sua musculatura e constituição. Melyon, em
particular, estava especialmente interessado em que aprendesse a se
defender com uma simples adaga. Ele lhe mostrou onde no corpo de um
homem ela deveria afundar sem demora se necessário, algo que, para sua
surpresa, não a horrorizou tanto quanto ela suspeitava. Willow havia
deixado para trás o pudor da dama que um dia fora e estava seguindo o
conselho do guerreiro sem ficar chocada. Ele também a ensinou a
arremessar a arma, caso o agressor estivesse um pouco mais longe dela.
— Viu? Deve segurar o cabo com firmeza, mas não tão forte que não
consiga controlar o arremesso — ele disse. — Assim, você movimenta o
braço e deixa a adaga escapar dos dedos aproveitando o mesmo impulso. E,
se quer ainda mais precisão e força, deve pegar pela borda. Levante a mão
traçando este arco, mire e atire...
Willow o observou com os olhos arregalados e aprendeu. Ela o observou
fazer isso e o imitou, jogando a faca repetidamente até sentir os músculos
do braço queimarem. Melyon assentiu, satisfeito com seu desejo e interesse,
e ela sentiu que finalmente estava fazendo as coisas direito. Depois das
constantes frustrações que suportou sob o comando de Ewan, a mudança foi
muito satisfatória.
Naquele dia, enquanto os assistia treinar como todas as manhãs, uma
sensação de calor inundou a parte de seu coração que ainda parecia viva. A
outra parte, aquela que havia morrido junto com Niall, permanecia
congelada como sempre. Aqueles dois homens haviam conseguido
despertar dentro dela a vibração da verdadeira amizade e, embora ambos
fossem Campbell, sabia que nunca poderia considerá-los inimigos.
Especialmente agora, quando estava convencida de que seu clã não tinha
nada a ver com o ataque a Meggernie.
No final do combate simulado, os dois se viraram para ela, sem fôlego.
Willow se levantou da pedra e trouxe os odres de água para eles se
refrescarem.
— Eu invejo suas forças e habilidades, senhores.
— Bobagem — Alec resmungou. — Para nos igualar teria que ter
braços poderosos... e você é linda demais, seu corpo seria grotesco com
braços do tamanho dos de Melyon.
Willow riu. Eles a contemplaram abobados. Era raro ouvi-la rir, era
mágico, um tanto rouco e terrivelmente sedutor.
— Com o que quer começar hoje, arco ou faca? — perguntou Alec,
quando se livrou de seu feitiço.
— Arco por favor.
Melyon foi procurá-lo, solícito. Willow o observou se afastar e pensou
que era um bom homem. Desde que ela acordou na cabana de Alec e eles se
apresentaram, não fez nada além de tentar agradá-la e servi-la em tudo. A
pergunta escapou de seus lábios antes mesmo que ela pudesse pensar que
poderia não ser bem recebida.
— Por que Ewan o baniu? Pelo que sei era seu melhor amigo.
Alec ficou em silêncio por alguns segundos. Foi a primeira vez que
Willow mencionou seu sobrinho depois de saber que ele não era, como ela
acreditava, o assassino de seu irmão. Alec também percebeu que havia
usado seu nome e não o chamado de Laird Campbell.
— Melyon foi acusado de violação.
— Sim, isso eu sei. Ouvi as histórias que circularam pelo castelo. Mas
agora conheço Melyon um pouco melhor... e também conheci Agnes, para
minha desgraça.
— O que quer dizer?
A jovem pensou por alguns segundos no que ia dizer. Sabia que este era
um assunto espinhoso para seus novos amigos.
— Que é impossível ele cometer esse crime — assegurou, convencida.
— E se eu, que mal lidei com ele, tenho isso tão claro, não cabe na minha
cabeça que Ewan simplesmente o baniu.
— É muito difícil tomar as rédeas de um clã, Willow. Meu sobrinho
ocupou o cargo apenas recentemente, pois seu pai caiu em batalha lutando
por Bruce, e é fundamental ser respeitado no início. Acho que ser
autoritário e firme superou sua amizade com Melyon.
— Pesou mais que a justiça?
A pergunta direta pegou o velho guerreiro desprevenido. E também a
Melyon, que já voltava com o arco e flecha. Foi este último quem saiu em
defesa de quem havia sido seu laird.
— Não é tão simples, Willow. Ewan tem dois abutres carniceiros ao seu
lado, prontos para atacar seus despojos se ele falhar.
— Adair e Lawler — concluiu ela.
— Assim é. Ambos têm filhos que ficariam felizes em assumir a posição
de laird se Ewan se mostrasse indigno da posição. Se não tivesse me punido
quando Agnes veio a ele por justiça, o teriam acusado de fraqueza, de
favoritismo ao se tratar de mim.
— Mas não entendo como ela conseguiu se safar — Willow insistiu,
indignada com o ocorrido. — Todos em Innis Chonnel acreditaram que
você a atacou? O que ela disse? Como os convenceu? E por que fez isso?
Melyon suspirou. Também se perguntou muitas vezes essas mesmas
perguntas.
— Agnes é uma criatura caprichosa e cruel. Descobri tarde demais, para
meu espanto. Eu fui parcialmente culpado pelo que aconteceu, sem dúvida,
porque depois de me perseguir implacavelmente, uma noite sucumbi aos
seus encantos e permiti que subisse na minha cama. Depois disso, suponho
que pensou que havia certos... sentimentos entre nós dois.
— E não foi bem assim — Willow interveio, vendo que o guerreiro
estava pensativo.
— De minha parte, não havia nada além de um carinho amistoso. Mas
ela queria mais de mim. Algo que eu não poderia lhe dar. Tivemos uma
discussão acalorada e prometeu que iria me arrepender... Eu não toquei
nela, Willow, eu nunca ousaria colocar a mão em uma mulher. No entanto,
quando se apresentou ao laird com roupas rasgadas e arranhões no rosto,
todos pensaram que fosse eu. Não me defendi porque sabia como a posição
de Ewan estava em jogo, embora não doesse menos por isso. Teria preferido
que meu amigo viesse em minha defesa, mas entendo que sua posição o
impediu de fazê-lo. E eu nunca faria nada para prejudicá-lo, ao contrário
daqueles dois conselheiros que buscam sua ruína. Desde o início, relutaram
em que ele substituísse o pai e foi muito difícil para ele se impor e ser
respeitado.
— Mas por quê? — Willow não entendia nada. — No que podem
reprová-lo? Ele é duro, enérgico e forte. É um guerreiro teimoso, disposto a
fazer qualquer coisa por seu povo.
— Anos atrás, ele teve uma discussão acalorada com seu pai e deixou
Innis Chonnel ― Alec respondeu, seu tom de repente nublado com tristeza.
— Ele esteve ausente por muito tempo, negligenciando seus deveres como
filho do laird. E o pior foi que sua mãe morreu em sua ausência, sofrendo
de tristeza e saudade segundo alguns. Ela era uma mulher amada entre os
Campbell, e o culparam por sua perda.
— Você estava lá? — Willow quis saber, bastante chocada com a
história.
— Não, mas garanto que Cait Campbell não estava tão fraca a ponto de
morrer de dor. Sentia falta dele? Não duvido. Mas não foi isso que a tirou
deste mundo. Ela contraiu febre... isso foi tudo. Uma doença virulenta
acabou com ela, nada mais poderia tirar sua vida, pois tenho certeza de que
ela confiava no retorno dele.
Willow imaginou a mãe de Ewan, uma senhora elegante com cabelo
castanho-mel e olhos castanhos como os do filho. Ela a visualizou olhando
por uma janela em Innis Chonnel, olhando para longe, além do Awe, além
do horizonte, querendo ver o seu primogênito voltar para casa. Sentia pena
dela, daquela despedida que nunca pode ter. Morrer esperando por alguém
deve ser uma coisa muito triste. Não é de admirar que seu povo colocou a
culpa em Ewan, disse a si mesma.
— Está pensando que Ewan merece a rejeição de seu povo?
Willow corou.
— Como sabe o que eu penso?
— Oh, garota! Você é muito transparente. A expressão em seu rosto diz
tudo, vejo como julga meu sobrinho por não ter estado ao lado de sua mãe
quando ela mais precisou dele. Acha que ele errou ao sair de casa.
— E eu não estou certa?
— Nesse caso, não. Pelo menos do meu ponto de vista, claro. Saiu por
minha causa, Willow, por me defender na frente de seu pai. Meu irmão era
muito teimoso e insistia em sempre conseguir o que queria, mesmo que
estivesse errado. Era o grande laird Duncan Campbell, como poderia não
cumprir suas ordens, mesmo contra o que o bom senso ditava?
— O que aconteceu?
— Venha, vamos nos sentar um pouco que eu te explico. Acho mais
importante você conhecer essa história do que seus exercícios, hoje não vai
ter treino.
Willow não se arrependeu. Estava morrendo de vontade de saber tudo
sobre Ewan Campbell. Embora tenha descoberto que a história que o
guerreiro queria lhe contar começou na verdade com sua própria família...
Enquanto Alec falava, sentado em frente a ela, Willow ficou cada vez
mais confusa. Aquele homem conhecera sua mãe, seus irmãos quando eram
dois pirralhos, seu pai quando seu olhar ainda brilhava de amor. Ver sua
família através dos olhos de Alec era perturbador, porque ele os conhecia
muito antes de ela nascer e contava coisas que desconhecia. Ao mesmo
tempo, queria saber tudo. Eram episódios agradáveis, engraçados e
cativantes. Até que chegou o momento em que sua mãe faleceu e a história
de Alec foi impregnada de uma tristeza palpável.
— Seu pai mudou, Willow. Ele se distanciou daqueles que até então
eram seus aliados. Não me conhece porque, daquele dia em diante, não
pude mais visitar Meggernie com tanta frequência. Ian se fechou em si
mesmo, não gostando de compartilhar sua dor com os outros.
— Mas... — interrompeu. — Meu pai não é assim. Ele é um homem
sério, não nego, mas não chora pela minha mãe todos os dias.
Alec a olhou e lhe mostrou um sorriso cheio de carinho que só se pode
sentir por alguém a quem considera de seu sangue.
— Em público com certeza não. E na frente dos filhos, menos. Mas
garanto que Ian MacGregor nunca foi capaz de esquecer Erinn, o amor de
sua vida.
Imaginar seu pai sofrendo diariamente por um amor da magnitude que
Alec descreveu tocou o coração de Willow, fazendo-o bater mais rápido. Do
nada, o rosto de Ewan Campbell apareceu atrás de seus olhos e ela teve que
balançar a cabeça para se livrar da visão indesejável.
— Como eu estava lhe dizendo — o guerreiro continuou — aqueles de
nós que éramos seus amigos não podíamos mais visitar Meggernie
regularmente. Não éramos bem-vindos, o laird não queria ser hospitaleiro
com ninguém. No entanto, nunca deixei de considerá-lo um bom amigo.
Assim, quando começaram os atritos entre nossos clãs, não hesitei em
defendê-lo perante meu próprio irmão, o poderoso Duncan Campbell.
— O que aconteceu? — Willow estava absorta. Ela se inclinou para
frente, atenta a cada palavra dele.
Melyon, que também havia se estabelecido perto deles, também não
perdeu nenhum detalhe da história.
— Nada de especial ou fora do comum nestas terras, pequenina. Roubos
de gado, brigas isoladas entre camponeses, histórias que são uma lâmina de
palha, mas que ao passar de boca em boca se transformam em uma grande
pedra que esmaga tudo que está no caminho. Em pouco tempo, os
MacGregor e os Campbells se desentenderam sem que ninguém soubesse
muito bem o real motivo daquele conflito. Uma noite, uma escaramuça um
pouco mais séria estourou entre os homens de ambos os lados. Meu irmão,
que até então se mantinha afastado das disputas entre camponeses,
considerando que com os ingleses havia problemas mais sérios a resolver,
recebia amargas queixas a respeito. Sua posição como laird foi questionada
e, claro, ele foi forçado a intervir. Reuniu seus homens prontos para a
batalha com os MacGregor, envenenado pelas acusações e censura de seus
próprios conselheiros. Ele queria matar seu pai, pequena Willow, tão
ofuscado ele estava.
A jovem se viu prendendo a respiração. Alec era um mestre contador de
histórias. Ele tinha o tom certo, pausando na medida certa para criar tensão,
e sua voz era tão profunda e convidativa que era impossível tirar os olhos
dos seus lábios enquanto falava.
— Então saí em defesa do meu amigo. Sugeri que Duncan enviasse uma
carta a Ian MacGregor; era preciso fazer uma reunião com ele para
esclarecer o ocorrido. Eu conhecia seu pai... Estava convencido de que ele,
como meu irmão, desconheciam a gravidade dos confrontos entre
camponeses. A situação saiu do controle para ambos os Lairds, mas estava
confiante de que poderia ser resolvido através do diálogo. — Alec respirou
fundo e fechou os olhos lembrando. — Não consegui que Duncan me
ouvisse. Muito pelo contrário, ele me acusou de traição por ficar do lado de
nossos inimigos e me baniu.
— Foi quando Ewan confrontou seu pai — Willow adivinhou.
— Assim é. Naquela época ele era apenas um menino. Ameaçou o pai
que iria embora se me expulsasse... Não adiantou. Meu irmão era muito
teimoso e sua honra estava muito acima dos sentimentos familiares. Por
minha causa, Ewan abandonou seu povo. Ele me acompanhou nesse exílio
por um tempo, mas eu o encorajei a seguir seu próprio caminho. No fundo,
queria que ele percebesse que sua casa era em Innis Chonnel. Ele estava
destinado a se tornar um laird, e seu povo precisava dele. Ele partiu a meu
pedido e não me arrependo. Eu sei que ele teve várias aventuras antes de
finalmente retornar aos Campbell, me contou sobre elas mais tarde. Apesar
de proibido, o meu sobrinho continuou a me visitar ocasionalmente, algo
pelo qual nunca poderei lhe agradecer como merece. — Alec suspirou de
arrependimento antes de terminar sua história. — Meu único
arrependimento é que, por minha causa, Ewan não estava lá quando sua
mãe morreu.
Um sentimento de tristeza pairou no ar após suas palavras. Nenhum dos
três disse nada por um tempo, cada um saboreando a história à sua maneira.
Willow olhou para Melyon. O homem tinha os olhos perdidos no brilho
das águas do riacho e uma expressão séria. Supôs que ele havia vivenciado
pessoalmente certas partes da história e podia sentir sua dor pela amizade
que o unia a Ewan, por seu infeliz desfecho, por não poder continuar ao seu
lado como tenente.
Ela mesma agora estava percebendo um aglomerado de sentimentos
conflitantes dentro dela. Imaginou o jovem Ewan enfrentando seu pai por
alguém tão generoso, honrado e corajoso como Alec... E o admirou. Esse
gesto dele, esse sacrifício de abandonar a família para seguir as próprias
convicções, não condizia com a imagem que vinha construindo dele durante
esse tempo. Agora tudo tinha muito mais lógica. Sim, como dizia Alec,
tinha se colocado de seu lado por querer defender os MacGregor, não havia
sentido em suspeitar que ele era o assassino de seu irmão. Dia após dia, ao
lado daqueles dois homens, Willow descobria um Ewan que nada tinha a
ver com aquele que ela conhecera, mas que, no fundo de seu coração,
sempre desejara que fosse.
Porque, por mais que odiasse cada dia que compartilhou com ele,
percebeu que ele havia se tornado uma parte indispensável de sua vida. Ela
sentia falta dele, por mais estranho e perturbador que isso fosse. Sentia falta
dele todos os dias, todos os momentos. Ele não saía de sua mente. Ela sentia
falta do som de sua voz, o jeito que ele a olhava, sua presença dominante.
Sentia falta da maneira como ele tomava conta de seu mundo inteiro e ficou
apavorada ao descobrir o enorme vazio que sua ausência havia deixado
dentro dela. Como era possível que, em tão pouco tempo, aquele homem a
tivesse penetrado tão profundamente? Ela recordou repetidamente os
momentos que compartilharam, sua rotina diária, cada vez que a tocava, de
uma forma ou de outra. E o que ela mais pensava, o que revivia com mais
intensidade, foi o momento em que se beijaram após o confronto com os
MacNab.
Principalmente à noite, quando tudo estava calmo e o silêncio a
envolvia.
Se ela se concentrasse, poderia evocar a sensação daqueles lábios
devorando sua boca enquanto a chuva caía sobre eles e seu sangue corria
freneticamente em suas veias após a escaramuça. Se respirasse fundo, podia
sentir novamente o toque de suas mãos enormes segurando seu rosto, a
sensação de ser amada, irracionalmente desejada, apesar de tudo, contra
tudo. Em sua memória, adulterada por sua mente fantasiosa, Willow se
vestia como as grandes damas. Ewan acariciava seus longos cabelos soltos
até a cintura e, após o beijo, não se afastava como se ela fosse uma praga.
Em vez disso, a pegava em seus braços fortes e a carregava para longe de
todos aqueles cadáveres espalhados pelo chão...
— No que está pensando? — perguntou Alec, tirando-a de suas
reflexões.
Os olhos do homem, tão sinceros, tão preocupados com seu bem-estar,
levaram-na a responder com a mais dura verdade.
— Acho que a imagem que descreveu de Ewan não corresponde à que
eu tinha dele... e isso complica minha existência, Alec.
— Você o via como um monstro, Willow, algo normal se achou que ele
é o responsável pela ruína de sua família.
— Mas não é um monstro.
O velho guerreiro sorriu.
— Claro que não. Ele pode ser muito duro com seus homens às vezes,
como suspeito que foi com você se pensou que era um menino. Essa é a
herança que Duncan lhe deixou, receio, e é preciso saber aceitá-lo como é.
Olhe para Melyon; ele sabe melhor do que ninguém que, por trás de sua
fachada implacável, existe um coração nobre e generoso.
A jovem olhou para Melyon e viu que ele a observava atentamente. Em
seu rosto podia ler que ele concordava com as palavras de Alec.
— Acha que, apesar do que fez com você, ele é um bom homem, certo?
— lhe perguntou, talvez porque precise reafirmar a nova opinião que o laird
merecia. Ninguém melhor que seu tenente, que sofrera na própria carne a
cruel intransigência de seu senhor, para confirmar o que seus instintos a
alertavam.
O guerreiro respondeu sem tirar os olhos dela.
— Eu daria minha vida por ele.
CAPÍTULO 27

Fazia uma semana desde que Ewan voltou para casa, mas os dias pareciam
tão longos que se equiparavam a meses... O laird olhou pela janela em
direção ao pátio de treinamento, onde deveria estar com seus homens. Em
vez disso, estava trancado em seu quarto, taciturno, sem companhia além de
uma taça de vinho. Não queria ser sociável com ninguém e, acima de tudo,
não se encontrar com nenhum membro da família St. Claire.
Na tarde em que voltou para Innis Chonnel, sem Will, percebeu que seu
egoísmo havia superado em muito sua responsabilidade para com as
pessoas sob sua proteção. Ao passar pelos portões do castelo naquele dia,
Maud veio rapidamente ao seu encontro, certamente alertada pela notícia de
que o laird havia retornado de sua jornada. A mulher obviamente viera da
cozinha, pois ainda estava limpando as mãos enfarinhadas no avental.
— Onde está Will? — lhe perguntou, sem qualquer tipo de cortesia, com
uma cara de alarmada quando não o viu ao seu lado.
— Está tudo bem, Maud, acalme-se.
— O que fez com ele?
Ewan não ficou surpreso ao ouvir a acusação velada. Afinal, todos
testemunharam como o menino foi maltratado durante seu tempo em Innis
Chonnel. Era lógico supor que sua família o culpava por sua ausência.
— Achei que seria bom para ele passar um tempo longe da influência de
sua mãe protetora — respondeu secamente. — Will tem que se tornar um
homem, e aqui não consegui que progredisse.
A mulher o olhou, atordoada.
— Mas onde...?
— Maud, não perturbe o senhor com suas perguntas. — John também
tinha vindo quando ouviu a voz alterada de sua esposa. — Se ele lhe deu
sua palavra de que Will está são e salvo, não temos nada a temer.
Ewan olhou para o grande homem ruivo com uma sobrancelha castanha
levantada. John era muito esperto... Ele não tinha dado a sua palavra, mas o
comentário, nada fortuito, obrigou-o a lhes dar a tranquilidade que pediam.
— Claro que Will está bem. Deixei-o sob a responsabilidade do meu tio
Alec; foi ele quem me treinou e tenho certeza de que fará um bom trabalho
com Will. Quando voltar, não reconhecerá seu próprio filho.
O casal observou apreensivo enquanto o jovem laird se afastava deles
com seus passos habituais. Mesmo tentando fugir com pressa, Ewan não
pôde deixar de ouvir seus comentários enquanto caminhava em direção ao
prédio principal.
— Eu não sabia que pretendia se livrar de Will. Não me disse nada; caso
contrário, eu teria tentado fazê-lo mudar de ideia — John havia dito.
Maud então bufou.
— Ele mudou. Não vejo nele nenhum vestígio daquele garotinho que
recolhemos em nossa cabana há tanto tempo. Agora é um homem
autoritário e intransigente. Ele nem nos avisou, não conseguimos nos
despedir dele...
— Agora ele tem muitas responsabilidades, tem que cuidar das pessoas
do seu clã, é diferente.
— Ele é um desalmado — Maud explodiu. — Pode cumprir suas
obrigações e mostrar um pouco de misericórdia... não é incompatível. Ele
sabia que Will é como nosso filho e simplesmente o levou! Ele não nos
levou em consideração. Se isso é cuidar do seu povo, é melhor ele se
dedicar a outras tarefas...
O casal não moderara o tom para falar dele. Ewan estava convencido de
que naquele momento queriam que ele os ouvisse, para que sua consciência
o incomodasse.
Não os culpava...
Tinha falhado com eles. Jamais teria separado outra criança de seus pais
sem avisá-los, sem que pudessem ter uma despedida digna. Mas ele estava
obcecado por Will, anulando seu senso de dever, bloqueando-o e deixando
de agir com responsabilidade. Apesar do que Maud e John pudessem pensar
dele, ou mesmo sentir, não se arrependia de deixar o menino com seu tio
Alec.
No caminho, naquele primeiro dia de sua chegada, ele parou em frente
ao campo de armas onde alguns dos guerreiros estavam treinando. Havia
notado os mais novos, garotos de quinze ou dezesseis anos, como Will, se
preparando para se tornar soldados que se juntariam às fileiras de Bruce no
campo de batalha. Percorreu-os de alto a baixo, examinando as pernas, os
braços, os pescoços que sobressaíam por cima da proteção, os queixos
tensos, os movimentos...
Naquele momento, suspirou com algum alívio.
Não encontrou nada fascinante neles, nenhuma atração, nenhum
interesse. Isso só poderia significar que não havia perdido sua virilidade;
que sua masculinidade não estava em perigo, afinal.
Porém, naquela mesma noite, nos braços de Gillian, uma criada que já
havia aquecido sua cama em outras ocasiões, descobriu com horror que
talvez tivesse se apressado pensando que estava a salvo...
Agora, uma semana depois, Ewan relembrava aquela noite com
profundo embaraço. Bebeu seu copo e pediu que a bandeja de comida que
ela havia deixado intocada fosse removida. Liese estava encarregada de
cumprir essa ordem e Ewan não conseguia nem olhar na cara dela.
— Traga mais vinho— foi a única coisa que disse a ela.

Quando Liese entrou na cozinha carregando a bandeja do jantar do laird,


a governanta e Maud se aproximaram. Observaram com olhar crítico que,
de tudo o que haviam mandado para o quarto do senhor, só faltava a enorme
taça de vinho.
— Não comeu nada — anunciou a menina, como se as outras duas
precisassem daquele esclarecimento.
— Vai ficar doente? Há vários dias que está assim — disse Jane.
— Espero que seja o remorso — disse Maud sarcasticamente. Ela ainda
se ressentia com o Campbell por ter levado seu Will e não fazia segredo de
tais sentimentos.
— Ele pediu mais vinho.
— Aham! Acha que assim conseguirá dormir melhor esta noite, certo?
— Maud arregaçou as mangas do vestido e foi buscar outra caneca com
passos rápidos e determinados. — Permita-me, Jane, desta vez eu levarei.
A governanta já havia aprendido que, quando os olhos de Maud
brilhavam de forma tão perigosa, era melhor não ficar no seu caminho.
Deixou para a mulher cumprir as ordens de seu senhor e rezou aos céus
para que não fosse muito dura com ele. Nos últimos dias, sempre que Maud
via a oportunidade, lhe jogava na cara que seu filho Will já não dormia sob
seu teto. Jane não sabia o que afetava o ânimo do laird a ponto de lhe tirar o
apetite, mas se Maud estivesse certa e era o remorso, não achava que
azucriná-lo daquela maneira iria melhorar as coisas.
A mulher atravessou o pátio com o vinho na mão, bufando seu
descontentamento. Aqueles que passavam por ela davam passagem e saíam
de seu caminho com medo de se tornar o alvo de sua expressão feroz. Seu
marido John a viu de longe e balançou a cabeça. Um dia desses, disse a si
mesmo, se encontrariam na rua novamente porque o laird havia se fartado
de ouvir as provocações de Maud.
Chegando à porta de Ewan Campbell, Maud bateu com força.
— Entre. — Quando o homem viu quem lhe trazia a bebida, bufou. —
Não estou a fim de aceitar suas repreensões, Maud. Estou avisando.
Ela murchou um pouco com a aparência esquelética do homem. Estava
sentado em frente à janela, com os cotovelos apoiados nos joelhos e as
mãos apoiando a cabeça. Seu cabelo castanho caía desgrenhado em volta do
rosto e, quando seus olhares se encontraram, Maud viu as olheiras devido à
falta de sono. Isso, ela pensou, ia além do remorso por ter se livrado de
Will. Pela primeira vez, a mulher pensou que o laird poderia estar com
sérios problemas e se sentiu mal.
— Não vou incomodá-lo, senhor — ela sussurrou, estendendo a mão
para lhe entregar a jarra.
Ele pegou, encheu o copo e bebeu quase a metade de um só gole.
— Obrigado, pode ir.
Maud virou-se para sair, mas no último momento virou-se para ele.
— Senhor, eu sei que tenho sido muito dura por ter tirado Will de mim.
Mas não gosto de te ver assim... Se houver alguma coisa, qualquer coisa
que minha família possa fazer para ajudar, não hesite em falar conosco.
Ewan a olhou com olhos vidrados e, depois de alguns segundos tensos,
assentiu em resposta.
Quando a mulher saiu, o laird esvaziou sua taça, então atirou-a contra a
parede, fazendo o metal quicar com um estrondo que não o acalmou. Se
sentia mais miserável do que nunca. Apesar de tê-los afastado do filho,
aquela família ainda oferecia seu apoio. Eram, sem dúvida, muito melhores
do que ele como pessoas.
No entanto, não poderiam ajudá-lo. Ninguém podia.
Seu tormento, a vergonha que suportou hora após hora desde o dia em
que voltou, era que ele não era mais um homem. Pelo menos, o tipo de
homem que aprendera a ser desde criança. Repetiu duas cenas várias vezes
em sua mente, ambas igualmente embaraçosas. A primeira, na noite em que
voltou para Innis Chonnel, quando a criada Gillian se deitou com ele e,
como se ele fosse um castrado miserável em vez de um verdadeiro
guerreiro, não encontrou prazer em seus braços. Por mais que a jovem o
tentasse e o acariciasse, seu corpo não respondia como deveria. Foi
humilhante. No final, ele a expulsou de seu quarto, tornando a pobre garota
alvo de sua fúria e frustração. Algo que definitivamente não o fazia se sentir
melhor... muito pelo contrário.
A segunda cena foi ainda pior.
Seu beijo com Will.
O beijo incrível, apaixonado e vibrante que o garoto retribuiu, do qual
ele desfrutou para seu completo constrangimento. Às vezes se lembrava
com raiva; outras, quando o cansaço e a tristeza o dominavam, nas horas de
insônia, o evocava de olhos fechados, percebendo que seu corpo ainda
tremia com as sensações que a boca terna de Will lhe despertara. E ele se
odiava ainda mais por isso. Reconhecer, naquele momento de total
abandono, quando conseguiu abstrair-se da férrea moral que regia o seu
mundo, que daria tudo para a repetir.
Também era verdade que ele nunca foi além. Sua imaginação não ia
além do encontro entre seus lábios, não conseguia visualizar o desfecho
daquela cena gravada em sua memória. Era a única brecha que lhe restava
para não perder completamente a razão, para não desistir de sua
masculinidade. Já havia constatado que não gostava de moços tenros e
imberbes. Só pensava em Will. Em seus olhos azuis, em sua boca de lábios
macios, na fragilidade de seu corpo magro, na forma como o olhava quando
o desejo era evidente em seu rosto sempre sujo.
Às vezes, muito ocasionalmente, um pensamento revelador o atingia no
meio da noite. Talvez, como indivíduos, não devessem colocar barreiras aos
apetites da carne. Ou, ainda mais, aos sentimentos que determinada pessoa
poderia despertar em si mesmo. O que importava se era um homem ou uma
mulher? O coração não entendia essas coisas, a razão lhe dizia uma coisa,
mas a pele reagia de maneira muito diferente ao roçar contra outra pele... O
que lhe aconteceu com Will não lhe aconteceu com mais ninguém.
Nenhuma outra pessoa, fosse homem ou mulher, incendiava seu interior
com as emoções que lhe despertaram por estar perto daquela criatura.
Essa ideia, assim como lhe veio, foi diluída pela raiva que o consumiu
ao perceber que seus pensamentos não faziam sentido, que Deus havia
criado o homem e a mulher para alguma coisa... Apesar de não ser um
homem de fé, sabia o que a igreja pregava a respeito. Aquilo não estava
certo. Não poderia estar.
A única certeza que restava quando a primeira luz do amanhecer entrou
por sua janela era que havia se tornado um miserável, condenado pela
lembrança de um menino que havia roubado sua sanidade. Sentia tanto a
falta dele que doía. Sentia falta de tê-lo perto o dia todo, pegando suas
roupas, suas coisas, engraxando suas botas. Will e seu corpinho, sempre no
meio, olhando para ele daquele jeito estranho com seus enormes olhos
azuis. Havia se acostumado com a presença dele e precisava dele. Mas,
pelos chifres de Satanás, não iria procurá-lo. Essa loucura passaria, mais
cedo ou mais tarde, e ele voltaria a ser o laird que os Campbell mereciam.
Uma nova batida em sua porta o trouxe de volta ao momento presente.
Ele deu seu consentimento para entrar a pessoa que o chamou, rezando para
que o assunto que o exigia fosse tão importante que captasse toda a sua
atenção e pudesse esquecer seus problemas por um tempo.
— Trouxeram esta mensagem para você. É importante — Colin disse,
seu segundo agora que Melyon se foi.
Ewan ordenou a seu guerreiro que interceptasse qualquer carta, qualquer
missiva, e a entregasse diretamente a ele, pensando que seu tio Alec poderia
querer entrar em contato com ele. Não queria dar a seus conselheiros, os
intrometidos Adair e Lawler, uma chance de meter o nariz em seus
assuntos. Desde que ele voltou, esses dois vermes pareciam estar esperando
por qualquer falha, qualquer erro de seu laird para atacar sua carniça na
menor oportunidade. Seu desejo de removê-lo como líder dos Campbell era
tão óbvio que tinha que ser muito cuidadoso...
Pegou o pergaminho lacrado com o selo de Robert de Bruce e todo o seu
corpo ficou tenso. Era uma carta do rei, algo ao qual ele definitivamente
deveria dar toda a atenção.
Leu-o com avidez, notando que a caligrafia elegante e pontiaguda do
escriba afastava a espessa nuvem que lhe entorpecia a mente. Bruce
precisava dele. Ordenou que ele completasse o treinamento dos homens sob
seu comando e, dentro de um período não superior a um mês, preparasse
sua comitiva para enfrentar o exército em Stirling, onde estavam sitiando o
castelo.
Finalmente. Ele queria se juntar ao seu povo contra os ingleses. Chegou
a hora de substituir seu pai ao lado de seu rei.
Foi até a janela e olhou para o pátio de treinamento, onde seus homens
praticavam incansavelmente. Enquanto os observava, o rosto de Will passou
por sua mente novamente.
Não poderia ir para a guerra deixando as coisas assim. Sabia com
certeza, sabendo que sua alma iria se contorcer no inferno se ele fosse
morto em qualquer escaramuça. Não entendia bem o que tinha que fazer
para enfrentar seu destino com a tranquilidade necessária, mas sabia que, o
que quer que fosse, tinha a ver com Will.
Talvez devesse trazê-lo de volta para Innis Chonnel para que o menino
pudesse se reunir com sua família adotiva. Ou ainda mais. Talvez ele
devesse procurar a tropa MacGregor que havia encontrado dias antes e
tentar por todos os meios fazer com que Will voltasse para seu verdadeiro
lar, com seu povo. Esta opção não o convenceu muito; talvez Will não
estivesse seguro com eles. Seus problemas pessoais o fizeram esquecer a
questão da joia, que parecia ter sido o estopim do ataque a Meggernie. Ao
retornar, ao contrário do que havia imaginado, todos os MacNab haviam
deixado Innis Chonnel, perdendo assim a chance de questionar seu chefe,
James, sobre seu interesse distorcido nessa joia e a recompensa que
ofereciam por ela. Depois disso, seus próprios fantasmas internos o
distraíram tanto que ele não pensou nisso novamente... até aquele dia. Will
podia não estar seguro em meio a essa luta que os MacGregor travavam por
sua sobrevivência como um clã, não poderia devolvê-lo ao seu povo.
Ou talvez não queira renunciar a possibilidade de vê-lo novamente,
falou uma voz dentro dele.
— Se essa carta é o que eu imagino, temos muito o que fazer — a voz
de Colin o tirou de seu devaneio. — Deveria descer para ver seus homens,
laird, não aparece há dias e alguns estão ficando nervosos.
— Já. Adair e Lawler estão pairando sobre minha cabeça como os
abutres que são, certo?
— Eles passam muito tempo no pátio de treinamento, sim. E sussurram
no ouvido dos soldados como ervas daninhas tentando plantar a semente da
desconfiança em seus guerreiros. Não deixe, Ewan. Eu sozinho não posso
lutar contra suas artimanhas... Se Melyon ainda estivesse conosco, nós dois
colocaríamos aqueles dois velhos sob controle. Mas não dou conta de
treinar e apagar ao mesmo tempo as fogueiras que eles acendem com suas
línguas venenosas.
Ewan foi até o amigo e colocou a mão em seu ombro.
— Eu sei, Colin. Desculpe pela minha abstração, isso não acontecerá
novamente. Vou me lavar e me juntar a você e ao resto dos homens em
alguns minutos.
O guerreiro encontrou seus olhos e assentiu satisfeito. Antes de sair,
porém, lhe falou com confiança.
— Sei que não sou Melyon e que nunca poderei substituí-lo, mas quero
que saiba que, para mim, é mais que meu laird; te considero meu amigo. E
seja o que for que te preocupa tanto, pode confiar em mim. Não vou contar
fofocas para aqueles dois velhotes e vou tentar ajudá-lo no que puder.
Ewan sentiu seu coração aliviar um pouco com essas palavras.
— Obrigado meu amigo.
CAPÍTULO 28

Os três viajantes chegaram à noite à aldeia que se estabelecia nas margens


do Lago Awe, porque assim o planejaram. Nem Alec nem Melyon eram
bem-vindos no que poderia ser considerado uma extensão de Innis Chonnel.
Olhando através da água para a silhueta sombria do castelo, Willow pensou
o quão perto ela estava de Ewan agora... e quão longe também. Só precisava
atravessar o lago para encontrá-lo, mas estava com medo de tê-lo diante
dela novamente. Ele a havia abandonado, havia se livrado dela como se ela
fosse o ser mais indesejável da face da terra e ainda assim não conseguia
parar de pensar nele todos os dias.
Todas as horas.
— Willow, não se distraia. — Alec chamou sua atenção, fazendo gestos
com a mão. — Não queremos ser descobertos.
Estava olhando boquiaberta para o castelo e os dois homens já haviam
parado em uma das cabanas, desmontando de seus cavalos. Se juntou a eles,
desviando o olhar da névoa azul que se erguia do lago e dava à paisagem
uma aparência um tanto sombria, mas inegavelmente bela. Era curioso.
Innis Chonnel sempre lhe parecera um lugar escuro, cheio de sombras não
só por sua aparência, mas por tudo que representava para ela. Mas, desde o
primeiro dia, apesar de suas impressões, o lugar impressionava por sua
beleza quase mística. Naquela noite não foi diferente e ela teve que fazer
um esforço para desviar os olhos da paisagem que a hipnotizava.
Desmontou e seguiu seus companheiros até a cabana, onde alguém
havia aberto a porta para eles sem objeção. Alec disse que tinha amigos
leais entre os Campbell e que os aceitariam apesar da proibição de abrigar
um pária. Willow, ao saber de toda a história, não se surpreendeu. Tanto
Melyon quanto Alec não mereciam o destino que sofreram e era lógico que
aqueles que os conheciam bem, eram da mesma opinião.
Lá dentro, Willow encontrou uma atmosfera confortável que acolheram
seus ossos frios e cansados. O fogo crepitava alegremente na lareira e
cheirava a comida... para ela, mais do que suficiente.
— Will!
A garota olhou para seu anfitrião, que cumprimentava Melyon quando
notou sua presença e ficou tão surpreso ou ainda mais surpreso do que ela
com a coincidência.
— Donald!
Seu colega de trabalho no chiqueiro, o primeiro amigo que fez em Innis
Chonnel, a olhou sem acreditar que ela estava lá, junto com os dois párias
Campbell.
— Quando o laird voltou sem você, todos pensamos que nunca mais o
veríamos. — O ruivo se aproximou e sorriu, revelando seus dentes
lascados. — Estou feliz que não seja assim.
Willow sorriu para ele também, com entusiasmo. Ao fazer isso, a
confusão encheu o olhar de Donald.
— Há algo diferente em você. O que... o que aconteceu com você?
— É uma longa história — respondeu, sem impor a voz como
costumava fazer, o que só aumentou a confusão do menino. — Em primeiro
lugar, quero me desculpar por tê-lo enganado.
Donald deu um passo para trás, atordoado com o que já estava
descobrindo sem a ajuda de ninguém. Will sempre tinha o rosto muito sujo,
sua voz grossa era confusa e ele quase sempre baixava os olhos ao falar
com alguém... Descobrir o que havia sob a sujeira e impostura o fazia
pensar que era mais burro do que acreditava. Como não percebeu antes?
— Não se sinta mal, não é o único que traiu. — Alec veio em seu
socorro. — Sente-se e lhe contamos tudo. Vamos precisar da sua ajuda.
— Para... para quê? — Donald não conseguia parar de olhar a garota.
A garota era uma mulher... pelos pregos de Cristo!
— Willow deve retornar a Innis Chonnel e falar com o laird.
— Willow?
— Sim, Donald. Meu nome é Willow MacGregor e preciso que você me
ajude a voltar para o castelo. Não sei se minha presença será bem-vinda ou
se o laird terá barrado minha entrada, assim como fez com Melyon e Alec.
O ruivo passou a mão pelos cabelos, sobrecarregado com tanta
informação.
— É uma MacGregor... É uma mulher...
Willow caminhou até ele e pegou suas mãos para firmá-lo. Ela olhou em
seus olhos e lhe sorriu docemente, o que fez o coração do menino disparar.
— Sou eu. Sou a mesma pessoa que você ensinou a recolher excremento
de porco para não me manchar muito.
— Mas não adiantou, porque estava sempre sujo. E agora está limpo...
limpa.
— E não me prefere assim? Eu não cheiro mal.
— Não sei. Assim você me atordoa
— Vai me ajudar? — ela insistiu, apertando as mãos dele.
Ele as olhou, tentando assimilar a situação. Depois de alguns segundos,
levantou os olhos alarmado.
— Não pode voltar lá! O laird vai matar você.
— O que eu temia, também vetou sua entrada — sussurrou Melyon, que
já havia tomado a liberdade de se servir de um bom prato do que quer que
borbulhasse na panela pendurada no fogo e estava dando conta disso.
— Não — Donald esclareceu. — O laird não disse nada sobre Will, mas
eu o conheço. Quando descobrir que foi enganado, que foi enganado por
todos nós, ficará furioso. É melhor você não voltar... Deveria voltar para o
seu povo.
Willow ficou tocada por Donald se importar com ela. Sabia que Ewan
ficaria furioso, mas quando pensou sobre isso, quando ele não ficou furioso
na sua presença? Tinha que vê-lo, não importava o quê. Alec e Melyon a
convenceram de que apenas unindo forças com o laird Campbell poderiam
sair do pântano em que estavam. Willow precisava de sua proteção, porque
os verdadeiros culpados por trás do ataque a Meggernie não apareceram e,
portanto, ela ainda estava em perigo.
Por outro lado, Alec a fez ver que Ewan também se colocou em uma
situação muito comprometedora ao não negar os rumores de que ele era o
assassino de Niall MacGregor. Mais cedo ou mais tarde, alguém teria que
pagar por isso, e o Rei Bruce faria justiça. Se não conseguissem encontrar o
verdadeiro culpado, Ewan seria formalmente acusado. Isso era algo que não
podia permitir... Assim como não podia permitir que seus dois novos
amigos continuassem no exílio por crimes que não haviam cometido. Pelo
menos, no caso de Melyon. Alec a aconselhou a ficar fora desse outro
assunto, dizendo que isso se resolveria e que não havia necessidade de ela
fazer mais inimigos interferindo. Mas Willow não conseguia lidar com a
injustiça... e era isso. Então, quer Alec quisesse ou não, Ewan teria que
ouvi-la.
Se ele não a esganasse com as próprias mãos antes, quando descobrisse
quem ela realmente era.
— Vou voltar, Donald, quer você queira ou não. Mas sem a sua ajuda
vai me custar mais trabalho. O que me diz?
— Ah, está bem, está bem!
O sorriso que iluminou o rosto de Willow surpreendeu o menino. Ela se
inclinou e lhe deu um pequeno beijo na bochecha, fazendo com que seu
rosto combinasse com o ruivo de seu cabelo.
— E agora, podemos comer aquele ensopado que tem um cheirinho
maravilhoso? Estou morrendo de fome!
Donald assentiu, embora não tivesse realmente entendido o que ela
havia perguntado. Ela a havia beijado. E era uma menina... Uma menina!
— Podemos se Melyon nos deixou alguma coisa... — resmungou Alec,
que estava remexendo na panela enquanto o mencionado não parecia nem
um pouco arrependido de sua falta de educação.
Willow se sentou ao lado dele e o cutucou por não esperar até que todos
estivessem sentados à mesa.
— Ai! E isso por quê? — protestou.
— Por me acostumar mal. Por todo o caminho me fez acreditar que
tinha mais consideração por mim, e agora olhe para você, devorando como
um lobo sem se importar se sobra comida para os outros.
— Isso não é verdade. Tem mais na panela... E enfim, esse é pra você.
— Apontou para outro prato que havia pegado e ainda não havia tocado.
Olhou para ela e piscou. — Achou que eu ia te deixar sem jantar, de tão
magricela que está?
— Isso, e eu serei amaldiçoado — Alec protestou, que só conseguiu
encher o prato até a metade com o que Melyon havia deixado na panela.
Os outros riram, inclusive Donald. O menino foi com seus convidados
até a mesa e trouxe um pedaço de queijo, pão e uma jarra de vinho.
— Ainda bem que Donald sabe como agradar um pobre velho como
eu... — Alec murmurou enquanto enchia seu copo até a borda.
— Velho? — Willow perguntou, levantando uma sobrancelha. — Vamos
lá, ninguém ousaria chamar o matador de gigantes Alec Campbell de velho.
— Como descobriu meu apelido?
A jovem piscou para Melyon antes de responder.
— Não importa. O que Donald e eu queremos saber é porque o
colocaram em você. Quando foi? E o que aconteceu? Realmente matou um
gigante?
Alec os deixou ver um sorriso resignado. Não contava essa história há
anos... Mas não podia negar nada a Willow. Além disso, ela ouvia com tanta
atenção que era um verdadeiro prazer relatar suas aventuras.
— Foi na batalha de Stirling, em 11 de setembro de 1297, nunca vou
esquecer. Naquele dia, comandados por William Wallace, os escoceses
conquistaram a mais importante vitória até então sobre os ingleses.
— Wallace! — exclamou Donald, interrompendo sua história. — Você
estava sob as ordens dele? Era tão alto quanto dizem?
— Era. Ele carregava uma espada tão longa que poucos homens
poderiam levantá-la. Quando o vi aparecer, passando por nossas fileiras
para liderar as tropas, soube que desta vez tínhamos uma chance. Seu rosto
era pura determinação, ele veio preparado para vencer ou morrer. E todos
nós que estávamos lá pensamos em segui-lo até o fim.
— Meu pai também estava nessa batalha — Willow sussurrou,
imaginando a cena emocionante que Alec descreveu.
— Sim. Ele e a maioria dos nossos aliados. Stewart, MacNab, Graham...
Estávamos todos lá. Testemunhamos como Wallace rejeitou qualquer
tentativa de negociar com os ingleses para provocar uma batalha.
Estávamos em desvantagem de cinco para um, sabíamos que era uma causa
perdida, mas nenhum deles recuou. Observamos nossos inimigos cruzarem
a Ponte de Stirling e se posicionarem na esplanada à nossa frente. Talvez
pensassem que Wallace respeitaria as regras da cavalaria... pobres tolos!
— O que você está falando? — perguntou Donald, que não entendeu o
que ele quis dizer.
— A ponte era um elemento estratégico fundamental — Alec explicou.
— Era muito estreita e os ingleses, que estavam do outro lado do rio Forth,
só conseguiam passar dois a dois. Então, quando os primeiros dois mil
homens passaram, em vez de esperar que o resto de suas tropas continuasse,
Wallace ordenou o ataque. Nós os massacramos. E seus compatriotas, do
outro lado do rio, assistiram impotentes enquanto parte de seu exército
sucumbia sem poder ajudá-los.
— O gigante que matou era um inglês? — Dessa vez foi Willow quem
interrompeu a história, com os olhos arregalados e maravilhados.
— Sim. Ele emergiu das fileiras inimigas com uma enorme espada,
maior que a de Wallace. Uma manobra dele era capaz de acabar com dois
escoceses de uma só vez.
A essa altura, Melyon sorriu, pois sabia que o velho guerreiro estava
exagerando apenas para dar mais emoção à sua história.
— E pôde com ele? — perguntou Donald, deslumbrado com tal façanha.
— Duvida? — Alec respondeu, estufando o peito com orgulho. — Eu
era muito mais jovem e mais forte então, garoto. Foi difícil para mim, não
pense que foi fácil. Mas consegui derrubá-lo e acabar com ele para evitar
que continuasse a esgotar nossas forças.
— Meu pai me disse que naquela batalha ele estava prestes a morrer.
Que um inglês o atacou pelas costas...
Alec olhou para Willow e piscou, voltando a um passado que havia
apagado de sua memória. Tinha esquecido daquilo, mas era verdade.
— Sim, é verdade. Eu estava por perto e testemunhei isso. Embora...
— Embora? Meu pai exagerou na história? — perguntou Willow, vendo
que o guerreiro hesitava. Não se importava, claro. Estava convencida de
que todos que contavam suas batalhas estavam embelezando a história para
torná-la mais heroica do que realmente era. Alec e seu pai não eram
diferentes, e ela também não queria que fossem. Preferia suas histórias
épicas às verdades que estavam escondidas por trás de suas vivências na
guerra.
— Não... Esqueça. Minha memória não é mais o que era, talvez eu não
me lembre bem — disse ele, fazendo um gesto com a mão diminuindo a
importância.
Alec não lhe disse que se lembrava daquela cena de maneira muito
diferente. É verdade que um inglês tentou atacar Ian MacGregor por trás e
salvou sua vida graças à intervenção de um dos seus. Mas, e talvez seja por
isso que Alec decidiu apagá-lo de sua memória, ele teria jurado que aquele
aliado, cujo rosto não conseguia lembrar claramente, não o estava realmente
o protegendo de um soldado inglês. No meio do caos, Alec o viu erguer seu
machado para o laird MacGregor e arremessá-lo diretamente em suas
costas. E, no último momento, a arma atingiu o corpo daquele soldado
inglês que cruzou seu caminho. Realmente salvou a vida de Ian? Ou
pretendia acabar com ele e, graças a um capricho do destino, um inglês
acabou morto em seu lugar? Alec não entendeu na hora o que seus olhos
viram e ainda não entendia. Por isso tinha esquecido. Ele não queria que
uma dúvida tão negra e feia estragasse a lembrança daquele dia glorioso em
que o exército escocês havia vencido.
Agora, olhando nos olhos de Willow, tudo voltou com incrível
facilidade. E, depois de saber o que aconteceu com os MacGregor, Alec não
conseguia esquecer aquele evento novamente. Porque algo lhe dizia que
tudo estava conectado e que o escocês sem rosto de quem ele se lembrava
era o traidor por trás do ataque a Meggernie. Teve que se esforçar e tentar
focar aquela imagem distante... Tinha que descobrir a identidade desse
homem para poder ajudar Willow e Ewan.
— Não se atormente — Melyon disse a Alec, vendo que o guerreiro
parecia devastado por sua falta de memória. — Embora, depois de
testemunhar seus apagões, talvez devêssemos começar a chamá-lo de
velho...
O comentário brincalhão de Melyon aliviou a tensão no rosto de Alec, e
ele não teve escolha a não ser rir. Melhor pensarem que não conseguia se
lembrar do que ter que revelar suas suspeitas. Antes, tinha que ter certeza e
descobrir a identidade daquele traidor. Para o bem de todos.

Ao raiar do dia, Donald e Willow dirigiram-se para o cais. A aparência


da menina estava mais uma vez camuflada sob uma camisa grande demais,
uma capa puída e um rosto estrategicamente revestido de fuligem e lama.
Haviam decidido contar a verdade a Ewan, mas era preferível que ele
descobrisse primeiro sobre o engano e visse como ele reagia antes de torná-
lo público dentro dos muros de Innis Chonnel.
Ao chegarem ao barco que transportava os aldeões que, como Donald,
trabalhavam na fortaleza, depararam-se com o espanto de Bors, o barqueiro,
que não acreditou no que via.
— O que está fazendo aqui? — perguntou a Donald, como se Willow
não estivesse ali.
— Ele é meu parceiro nos chiqueiros.
— Eu sei quem é. — Ao dizer isso, Bors cuspiu na água como uma
demonstração de desprezo. — O laird não o quer em sua casa, senão não o
teria levado.
— E como você sabe? — Donald perguntou, bem mais calmo que ela.
— Ele te proibiu de deixá-lo passar?
O homem permaneceu pensativo, olhando de um para o outro
alternadamente.
— Ele não me proibiu. Mas todos nós sabemos que esse covarde lhe dá
dor de cabeça. Ele é um pé no saco do nosso laird... Não vai querer vê-lo.
— Isso ele decidirá, não acha?
Bors cuspiu de novo. Antes de deixá-los entrar no barco, apontou o dedo
para eles.
— Se eu ganhar uma reprimenda por isso, vou caçar vocês dois e bater
tanto em vocês que não vão conseguir sair da cama por uma semana. Fui
claro?
Os dois assentiram e entraram no barco. Willow ficou o mais longe
possível do guerreiro Campbell que a detestava desde que se conheceram.
Afinal, não tinha sido tão difícil. Embora, sem a ajuda de Donald, nunca
tivesse chegado tão longe. Aquele bruto do Bors não teria permitido que
voltasse para o barco.
Seu coração começou a bater forte quando se aproximaram da fortaleza.
Não apenas por causa da tarefa em mãos... confessar sua verdade para Ewan
seria difícil. Também poderia se reunir com sua família adotiva e estava
ansioso para vê-los. Sentira tanta falta de John, Maud e Liese. Teria que
explicar para eles também... Como eles aceitariam? Eles a odiariam por
traí-los? Eles lhe deram todo o seu apoio desde o dia em que John a pegou
mexendo em sua mochila, e ela os retribuiu com mentiras e mais mentiras.
— Calma, Will — ouviu Donald lhe sussurrar, bem baixinho. — Tudo
sairá bem.
— O que vocês dois estão sussurrando? Não confio nem um pouco nas
suas intenções — retrucou Bors. — Assim que chegarmos, me esperará na
orla. Eu mesmo irei avisar o laird.
E assim ele fez. O barco parou em frente ao grande portão de entrada e o
guerreiro saltou para passar à frente deles. Com um olhar, repetiu que não
deveriam sair dali.
— Espero não estar te causando encrenca, Donald.
— Bah, eu gosto de encrencas. A vida seria muito chata e rotineira se
não tivéssemos esses problemas.
— Sou um problema para você?
O menino deu um sorriso de dentes lascados.
— Vai ser um problema para muitos dos habitantes daqui, Will. E não
pretendo perder...
Bors encontrou o laird tomando café da manhã no grande salão.
Caminhou com um passo determinado e parou na frente de sua mesa o
olhando sério.
— O que aconteceu?
— É... é o fracote, senhor. Voltou.
— O que?
— O pirralho está aqui de novo, nos portões do castelo. Ele veio com
Donald.
Ewan sentiu o coração parar no peito. Quando recuperou os batimentos
cardíacos, um pânico irracional invadiu todo o seu ser com a simples
possibilidade de tê-lo bem debaixo do nariz novamente. Achou que estava a
salvo de sua magia de duende; se não o visse, poderia controlar-se, poderia
voltar a ser um homem inteiro e perfeito. Com ele rondando-o novamente,
isso seria impossível. Estava morrendo de vontade de correr para as portas
para vê-lo... mas não saiu do lugar.
— Vá buscá-lo e tranque-o nas masmorras.
— Só o menino, ou o Donald também?
— Somente ele.
CAPÍTULO 29

Era incrível. Voltava para lá, sem nenhuma explicação, sem motivo
aparente. Que crime havia cometido? De acordo com Donald, o laird não
havia barrado sua entrada no castelo, mas sua presença claramente o
incomodava muito. O que estava planejando fazer com ela? Andava
nervosamente pela cela, mal iluminada pela luz de uma tocha que ardia do
outro lado da porta de madeira e que se filtrava pelas grades da janela
superior. Aquilo era uma loucura. Parou e tentou argumentar com o homem
que havia ficado guardando as masmorras.
— Preciso falar com o laird... é importante.
— Eu já te disse que ele não quer falar com você.
— Pelo menos exijo saber do que sou acusado. Por que estou aqui?
— Eu não sei e não me importo. O laird quer que você esteja aqui, não
há mais nada a dizer.
Era como falar com uma pedra. Teria lhe dito com prazer que o que
presumiu ser um pirralho imberbe que lhe dava nos nervos, era na verdade
uma mulher. Dessa forma, certamente correria escada acima para avisar seu
todo-poderoso laird, e ela conseguiria sua audiência.
Mas não. Prometeu a Alec que contaria a Ewan primeiro e pretendia
respeitar essa decisão. De qualquer maneira, era a coisa sensata a fazer.
Quem poderia imaginar do que aqueles bárbaros Campbell eram capazes
quando descobrissem que os estava enganando fingindo que queria ser um
deles, um guerreiro como os outros.
As horas passaram e lhe trouxeram comida. E, várias horas depois,
jantar. Ninguém, exceto seu guarda, entrou ou saiu das masmorras. Nem
mesmo John ou Maud... eles saberiam que estava de volta? Duvidava. Bors
foi buscá-la depois de informar ao laird de sua chegada e a levou direto para
as masmorras sem lhe dar a chance de ver mais ninguém. Quando ficou
claro para ela que não receberia visitas naquele dia, deitou-se sobre a pele
de urso que estava ali desde a primeira vez em que foi trancada e se
preparou para dormir, algo totalmente impossível naquele lugar sombrio e
fedorento.
O silêncio às vezes se tornava pesado. Esmagava seu peito, zumbia em
seus ouvidos e tornava difícil respirar normalmente. Os pensamentos a
atormentavam, enchendo sua mente com memórias dolorosas. Ela não
queria pensar em seu irmão Niall, porque a angustiava. Não queria pensar
em Marie e no que teria acontecido com ela. Se perguntou muitas vezes se
sua velha ama havia sobrevivido ao ataque... Ela rezava para que tivesse,
porque era simplesmente muito doloroso supor o contrário. Tampouco
queria pensar em seu pai e em Malcom, tão distantes, porque então
começaria a se preocupar se os veria novamente, se ainda estavam vivos, se
ainda se lembrariam dela, ou se ficariam loucos de preocupação por não
saberem o que havia acontecido com ela.
Então, inevitavelmente, sua mente voltava ao ponto que ela alcançava
todas as noites: os momentos vividos com Ewan. Concentrou-se no rosto,
traços duros, quase sempre sérios. Deixou-se envolver pela lembrança de
cada olhar profundo que lhe dera. Sabia que devia estar aborrecida com ele
por mantê-la neste confinamento desconcertante. Não merecia gastar um
único pensamento com ele. Mas naquela solidão absoluta, enterrada em um
silêncio tão avassalador, não tinha forças para rejeitar as imagens que
voltavam à sua cabeça: Ewan nu no lago, Ewan dormindo em sua cama,
Ewan galopando em seu incrível garanhão, Ewan com sua espada levantada
protegendo-a do MacNab, Ewan olhando para ela, acariciando-a, beijando-
a...
— Onde está Ewan? Tenho que te dizer que não te odeio mais... —
murmurou, antes de cair em um sono inquieto.

Ela acordou horas depois, com a estranha sensação de estar sendo


observada. Ao abrir os olhos, descobriu que alguém havia colocado uma
tocha dentro da cela e a luz âmbar criava luz e sombra naquele buraco.
Olhou para o teto, com medo até de se mexer, pois sentiu uma presença real
perto dela e imaginou quem poderia ser. Se levantou devagar e rapidamente
localizou a figura agachada, sentada no chão com as costas contra a parede.
Tinha o rosto afundado entre os braços e não a olhava, embora lhe falou
assim que ela se levantou.
— Desculpe, não queria te assustar.
A voz quebrou o silêncio e o coração de Willow quase pulou pela
garganta. Aquele tom profundo e rasgado tocou uma fibra muito íntima em
seu ser, todo o seu corpo reagiu a esse som.
— Meu Senhor? — ela perguntou, ainda atordoada.
— Por que você voltou? Por que não ficou com meu tio? Sentiu falta da
sua família?
— Senti saudades, sim — reconheceu. — Eles... eles estão bem?
— Sim. E também sentiram sua falta. Tive de aturar as repreensões de
Maud quase diariamente por deixá-lo abandonado, então seria mais
educado de sua parte me perguntar se eu estou bem.
Willow não sabia se isso era uma piada. Pela entonação parecia que sim,
mas sua voz ainda soava estranhamente desamparada. Foi instintivo, não
pensou duas vezes antes de perguntar.
— Está bem, meu senhor?
Foi apenas um sussurro, mas foi o suficiente para Ewan finalmente
erguer o rosto para ela. Quando seus olhos se encontraram, o impacto os
deixou atordoados. Willow havia esquecido a força de sua atração, mas não
foi isso que a deixou sem fôlego. Era a expressão dele. Seu olhar selvagem
a perfurando com algo muito próximo do desespero, cheio de desejo. A
vontade de pular da manta e correr para os braços dele era avassaladora, e
ela teve que fazer um grande esforço para se conter. De onde vinha essas
emoções descontroladas? Ela estava tremendo, nunca havia sentido nada
parecido na presença dele. Ela queria se aproximar, queria tocá-lo, queria
lhe contar tantas coisas...
Ewan, por sua vez, estava fascinado. O rosto de Will continuava a
fasciná-lo, apesar da sujeira que o cobria, seus enormes olhos claros, seus
lábios macios... Se esse garoto não era uma criatura fantástica da floresta,
Ewan não sabia o que mais poderia ser. E ele era um homem condenado ao
inferno, definitivamente, porque a tentação era tão grande que não podia
evitar.
Não queria evitar.
Ele daria sua alma a Satanás com prazer em troca de provar aqueles
lábios novamente. Só mais uma vez, disse para si mesmo, obcecado por
aquele rosto que todas as noites invadia seus sonhos.
Se levantou e caminhou até a manta onde ele estava deitado, sentindo o
corpo magro de Will tremer da cabeça aos pés. Disse a si mesmo que não
havia planejado assim, que a magia do jovem era tão poderosa que poderia
enfeitiçar o guerreiro mais viril de toda a Escócia...
E se enganava. Porque desde que soube que havia voltado, naquela
mesma manhã, não teve outra ideia na cabeça senão alcançar aqueles lábios
que agora, entreabertos, o tentavam dolorosamente.
Aterrorizado pela força de suas próprias emoções, se ajoelhou ao lado
dele e estendeu a mão para acariciar a bochecha de Will. A suavidade de
seu rosto era um insulto para um homem. O comprimento de seus cílios, o
formato de sua boca, a ponta de seu nariz arrebitado... Era tudo uma ofensa
à sua masculinidade. Porque, arrasado, Ewan admitiu que adorava essa
frágil criatura que estremecia ao seu toque. Ele não se importava se era um
homem. Não se importava se era um duende, um anjo do céu ou um
demônio do inferno vindo ao mundo para corrompê-lo. Desejava ele. E
sabia que não poderia partir para a guerra para a qual se preparava, em
busca de uma morte que receberia com gosto, sem ter mais uma vez
provado seus lábios macios e sentido as pequenas mãos de Will
acariciando-o.
— Eu sei que não está certo — ele sussurrou no ouvido dela, se
aproximando — mas não consigo evitar.
As palavras fizeram cócegas na pele de Willow, e ela procurou seus
olhos para se certificar de que o laird realmente estava prestes a fazer o que
ela acreditava.
E ele fez.
A beijou.
Assim como nos seus sonhos... Melhor do que nos seus sonhos.
Desta vez, a boca dele tocou a dela bem devagar, quase como se pedisse
permissão, e pouco a pouco os lábios de Ewan se tornaram exigentes. Os
dedos do homem se enredaram em seu cabelo curto para puxá-la para mais
perto dele e o beijo se tornou possessivo, ansioso, desesperado. Willow
estava sobrecarregada, ela não sabia como responder. A única coisa que
estava clara para ela era que não queria que ele parasse.
Ela abriu a boca para receber a língua dele e Ewan gemeu de prazer. O
som ativou os sentidos de Willow, e ela estendeu a mão para acariciar o
pescoço e os ombros do guerreiro. Queria tocá-lo... sempre quis, ela admitiu
para si mesma. E agora que estava disposta a isso, não perderia a
oportunidade.
Ewan estava completamente perdido. Seu corpo pedia muito mais que
um beijo tórrido com aquele rapaz. Como poderia aliviar a ereção dolorida
que apertava sua calça? Se recusava a praticar com Will o que tinha ouvido
outros homens falarem. Talvez, se pedisse ao menino para acariciá-lo com
as mãos...
Ele se afastou.
— Não!
— Meu senhor... — Willow ofegou, mortificada por ter feito algo
errado. Quando se separaram, Ewan deixou um vazio gelado em seu peito
que a assustou.
—Isso não pode ser... — ele parecia desesperado, muito atormentado. —
Por que você me beijou de volta, maldição? Não vê que isso não pode ser?
Eu sou o laird dos Campbell, meu pai estará se revirando em seu túmulo por
causa do que acabou de acontecer aqui.
Ewan levou as mãos à cabeça e se virou. Seu peito subia e descia, todo o
seu corpo estava tenso.
Willow piscou para clarear a mente e percebeu que a mesma coisa havia
acontecido no dia da luta com os MacNab. Por mais que Ewan Campbell
quisesse, seu ego, sua masculinidade o impedia de fazer de um jovem como
Will seu amante.
Mas ela não era um menino.
Ela se levantou, pronta para lhe dar o alívio que ele parecia tão
necessitado. Foi para isso que voltou, de qualquer maneira. Não havia
planejado dessa forma, é claro, mas as coisas chegaram a um ponto que
exigia esclarecimento imediato. Agora Willow entendia por que Ewan a
havia abandonado na cabana de Alec. Agora entendia que não queria vê-la
naquela manhã, quando Bors anunciou sua chegada. Ewan Campbell estava
em uma encruzilhada de emoções com as quais não sabia como lidar, pois
sua atração por Will era contrária à sua natureza e ele não sabia como lidar
com isso.
— Meu senhor... — disse, lhe tocando o ombro com a mão.
— Afaste-se de mim, Will. Por favor, afaste-se.
Ele não se viraria. Não voltaria a olhar para ela para não cair em
tentação. Willow sabia, então ela respirou fundo, tomando uma decisão.
Não havia outra escolha...
— Ewan, olhe para mim.
A voz era diferente. O laird notou imediatamente; talvez por causa de
seu tom, sua confiança ou a maneira como pronunciou seu nome...
— Ewan, por favor.
Outra vez. Impossível resistir a essa súplica. Ele se virou lentamente,
temeroso pela primeira vez do que poderia encontrar nos olhos daquele
demônio. Porque ele já havia decidido, era um demônio fascinante criado
apenas para atormentá-lo.
Diante dele, Willow suspirou pesadamente antes de falar.
— Para isso voltei. Eu tinha que te dizer, eu tinha que me desculpar por
ter mentido para você.
Ela respirou fundo mais uma vez e, com um movimento lento, tirou a
capa que a mantinha aquecida e puxou a camisa do menino pela cabeça.
Os olhos de Ewan se arregalaram.
Não podia ser...
Mas era, porque ao frio aqueles mamilos rosados respondiam
endurecendo como framboesas maduras.
Will tinha seios de mulher. Seios incríveis, não muito grandes, mas de
formato perfeito.
Ele se sentiu tonto. Como se a terra se abrisse a seus pés e ele caísse e
caísse...
— Você é uma mulher? — perguntou como se ainda não acreditasse,
apesar das evidências.
Willow corou. Pensou que ele ficaria feliz, mas em vez disso estava a
olhando como se ela fosse algum tipo de monstro. Se cobriu com a camisa e
a decepção fez a raiva brotar em sua boca.
— Claro que sou. O que me surpreende é que você não tenha notado
durante todo esse tempo, meu senhor. Meu nome não é Will, mas Willow.
Ele se aproximou lentamente, quase como se temesse que a visão
desaparecesse no ar.
— Você é uma mulher? — perguntou novamente, desta vez com um tom
mais baixo e íntimo.
Willow só pôde assentir, envergonhada por sua proximidade, por esta
nova maneira de olhar para ela. Ewan estendeu a mão e agarrou o pano que
ela estava vestindo para afastá-lo. Foi novamente exposta e o laird o
devorou com o olhar sem nenhum disfarce. Ela notou que sua pele ardia
onde ele colocava os olhos e seus mamilos endureciam mais, como se
respondessem a uma outra vontade que não era a dela.
— Meu Senhor...
— Ewan. Me chame de Ewan novamente. Diga meu nome, pequeno
duende.
Willow engoliu em seco. Essa maneira de lhe falar era completamente
nova e desconhecida. Ele estava quase sussurrando, sua voz penetrando em
cada poro de sua pele, fazendo com que um desejo desconhecido se
instalasse na boca de seu estômago... e mais embaixo.
— Ewan, eu tenho que te dizer... eu sou...
— Shh, não, eu não quero saber — ele colocou os dedos nos lábios dela
para que ela não falasse. — Agora entendo que você realmente é uma
criatura fantástica, saída de alguma floresta ou de algum lago, e que muda
de forma por capricho para me deixar louco. Portanto, devo aproveitar este
momento, antes que você volte a ser um menino. Não vamos perder tempo
conversando, deixa eu te ver inteira...
A mão do homem contra sua boca queimava. Então ele a deslizou
lentamente, descendo por sua garganta, sobre seu ombro, até seu peito.
Acariciou muito suavemente e Willow gemeu, mordendo o lábio inferior.
— Você gosta, não é? Você é tão transparente... Seus olhos sempre
falaram comigo, gritavam seu desejo por mim mesmo quando você era um
menino, e isso estava me matando.
Ewan segurou o outro seio na palma da mão e apertou, acendendo cada
canto do corpo de Willow que poderia estar adormecido. Seus dedos
continuaram a explorar aquela nova pele, movendo-se para baixo, roçando
suas costelas, passando por sua cintura. Ela fechou os olhos enquanto ele
manobrava a corda que prendia sua calça e ela caiu no chão, deixando-a
completamente nua diante dele.
Ewan recuou para contemplá-la à vontade.
— Meu Senhor…
Ela tremeu e não ousou olhar para ele. Se sentia mais vulnerável do que
nunca em sua vida e, ao mesmo tempo, queria que ele se aproximasse
novamente. Precisava sentir seu calor em sua pele.
— Você é um sonho, pequena duende; um sonho do qual não quero
acordar. Abra os olhos, deixe-me ver o quanto deseja isso.
Respirou fundo e os abriu.
Ewan estava na frente dela, seus olhos queimando com paixão e loucura.
Por um momento, Willow duvidou que o laird estivesse realmente ciente do
que estava acontecendo, da realidade que ela estava tentando lhe mostrar e
que ele confundiu com magia feérica da floresta.
— Isso é. Não me esconda nada... e eu tampouco o farei. — Ao dizer
isso, Ewan também tirou a camisa, expondo seu enorme peito cheio de
cicatrizes. — Você faz minha cabeça não funcionar direito, perco o controle
de mim toda vez que tenho você na minha frente. Talvez eu devesse ter
seguido meus instintos desde o início, já que estava cego. — Estendeu a
mão e agarrou uma das mãos de Willow para colocá-la em seu peito. — Eu
deveria ter ouvido minha pele, ela erra menos do que eu.
Ela acariciou uma das cicatrizes, traçando os dedos ao longo de seu
caminho, descansando a palma da mão sobre a área do coração dele, onde
batia tão forte e rápido quanto o dela. Ergueu os olhos e os uniu aos do
guerreiro, que eram puro desejo e entrega.
— Sim, eu deveria ter ouvido meu coração — ele sussurrou, inclinando-
se até a boca dela. — Ele é muito mais sábio do que eu — lhe disse, antes
de beijá-la novamente.
Willow se perdeu naquela boca dura que se entregava e, ao mesmo
tempo, exigia lealdade. O laird invadiu sua privacidade com a língua e todo
o seu ser respondeu, pressionando mais perto de seu corpo. Qualquer
pensamento coerente desapareceu assim que suas peles se tocaram e uma
estranha febre pareceu consumir os dois. Era como se estivessem tentando
devorar um ao outro e suas mãos não tivessem o suficiente, procurando,
tocando, conhecendo... dando prazer um ao outro.
— Deus do céu, pequena duende, você é uma delícia — Ewan
murmurou em voz grossa, entre beijos e beijos.
— Ewan…
— Sim, diga meu nome.
Willow não sabia quando ou como o laird conseguiu que ela se deitasse
sobre a pele de urso. Só percebeu que eles haviam mudado de posição
quando as mãos enormes do guerreiro, que pareciam estar por toda parte,
apertaram seu traseiro, apertando demais a carne. Se ela não estivesse tão
imersa nas novas sensações que a despojavam de sua vontade, aquela
carícia excessiva teria sido dolorosa. Mas Willow estava tão enlouquecida
quanto o laird, sem perceber que ela arranhava, apertava e mordia tão
ferozmente quanto o homem. Tudo o que ela sabia era que precisava prová-
lo, tocá-lo, torná-lo seu... Desde o início ela se sentira fascinada por aquele
guerreiro e agora tinha a chance de experimentar em primeira mão o que
Thonia devia ter sentido no dia em que o laird quis lhe mostrar como amar
uma mulher. As sensações que borbulharam dentro dela naquela cabana
enquanto observava o casal voltaram fortes, mil vezes mais, inflamadas
pelo delicioso peso do corpo dele sobre o dela.
Ela não sabia o que aconteceria a seguir, porque não tinha ficado para
ver o resultado quando o laird se deitou com Thonia. Mas não tinha medo,
porque o que aquele homem fazia com ela era tão bom, tão prazeroso, que
não poderia machucá-la.
Ewan, por sua vez, estava consumido pelo delírio. A situação às vezes
fugia do controle, acelerado por seu desejo excessivo e também, não se
enganava, pela paixão daquela criatura que o cativara. Ela era uma fera de
verdade, parecia não ter escrúpulos e o tocava como queria. Suas pequenas
mãos não paravam em um lugar fixo por muito tempo. Ela as tinha nas
costas, no peito, nos cabelos, no pescoço, acariciando os braços... tudo ao
mesmo tempo. Como sua boca e sua língua quente, que parecia determinada
a provar seu gosto em uma única noite. Nesse ritmo, não iria durar muito
mais tempo. Em algum recesso de sua mente, um pequeno alarme disparou.
Um pensamento insidioso que o lembrava de que não estava sendo
considerado com a feminilidade daquele ser delicioso que se contorcia sob
seu corpo... Porém, ele o deslocou para um lugar escondido em sua mente e
se deixou levar apenas por seus instintos mais básicos. Assim como fez com
Thonia em seu último encontro, tudo o que importava era afundar em seu
calor e devorá-la até que o desejo que o estava dilacerando desde que a
conhecera fosse apaziguado.
Ele se posicionou entre as coxas macias de seu duende e devorou sua
boca avidamente, não obtendo o suficiente, desejando tudo dela. Sentiu o
fogo em suas entranhas, às vezes exigente, tirânico e implacável. Nem
parou para tirar o resto da roupa. Ele simplesmente abaixou sua calça o
suficiente para se libertar, e sem pensar, guiou sua mão ao redor de seu eixo
para penetrá-la em um movimento.
O grito de Willow reverberou contra as paredes de pedra da masmorra.
Ewan ficou completamente imóvel, paralisado de espanto com aquele
gemido de dor. Ele olhou para o rosto da criatura que agora estava olhando
para ele com olhos assustados e respiração pesada. As pequenas mãos
agarraram-se firmemente aos seus ombros, enquanto todo o seu ser tremia
sob seu corpo.
— Will, o que há de errado com você? — perguntou com a voz rouca.
— Você me atravessou. Você... você me machucou. Nunca pensei que
fosse capaz de me machucar.
Os olhos de Ewan brilharam de culpa com a compreensão. Ele havia
sido levado por seus impulsos mais primitivos e havia esquecido um detalhe
essencial. Aparentemente, seu duende, sua criatura fantástica, era uma
virgem como qualquer donzela. Tentou não se mexer para não machucá-la
mais, embora só Deus soubesse o quão difícil era para ele se conter. Estar
dentro dela, apesar de tudo, era inebriante.
— Me perdoe. — Ele segurou o rosto dela entre as mãos e a beijou com
ternura. — Não sabia que ia te machucar, não pensei... É que, você me
enfeitiça, eu me perco com você, me transformo em um verdadeiro
selvagem.
Willow continuou o olhando com olhos assustados, com uma verdadeira
reprovação em suas pupilas.
— Me beije — Ewan sussurrou novamente. — Vou fazer você se sentir
melhor, eu prometo.
Ela assentiu lentamente e obedeceu. O guerreiro tomou seus lábios bem
devagar, saboreando-os, deliciando-se com sua forma e suavidade.
Aprofundou o beijo pouco a pouco, aquecendo-a, provocando-a, querendo
trazê-la de volta ao ponto de loucura onde ele oscilou perigosamente.
Quando a sentiu relaxar, moveu-se lentamente, retirando-se com cuidado.
Willow sibilou de dor e cravou as unhas em seus ombros.
— Calma... Deixa eu tentar alguma coisa — ele ofegou contra a boca
dela. — Se não der certo, prometo que vou parar e não vai precisar passar
por isso.
Sua mão buscou o ponto onde seus corpos se encontravam e ele o
acariciou com os dedos.
Willow não fazia ideia de que um homem pudesse tocar uma mulher tão
intimamente. Esse contato foi mais do que agradável. Seu corpo se rendeu
muito rapidamente às novas sensações e o prazer aos poucos se fez sentir,
deslocando a dor que sentira com sua súbita invasão. Uma estranha
necessidade cresceu ao ritmo daquelas carícias que, junto com os beijos
profundos de Ewan, erradicaram o medo e o desconforto que a invadiram
momentos antes.
Quando o homem finalmente ouviu o gemido escapar de sua garganta,
ele ousou se mover novamente. Tentou sair dela lentamente, cerrando os
dentes para não perder o pouco controle que lhe restava. Deus, como ele
queria se abandonar e gozar entre as pernas dela!
— Não! — Willow exclamou, abraçando-o perto de seu corpo. — Não
me deixe, fique dentro.
Ewan fechou os olhos e respirou muito lentamente.
— Tem certeza?
— Sim. Continue o que estava fazendo, por favor, me toque...
O guerreiro não pôde deixar de sorrir de satisfação. Oh, certamente seu
duende era apaixonado e atrevido!
— Vou te tocar até chegar no céu. Depois, vamos alcançá-lo juntos. —
Ele roçou os dentes contra a garganta dela, mordiscando, enviando lampejos
de prazer a ponto de ela querer que ele a acariciasse novamente. — Te
prometo.
E assim foi. Os dedos de Ewan fizeram maravilhas em sua intimidade
enquanto ele balançava muito lentamente entre suas coxas. O toque era
incrível, a sensação de estar preenchida por aquele homem estava além
dela. A tensão crescente entre seus corpos aumentou e aumentou até que
Willow, gritando para as paredes novamente, se contorceu em deliciosos
espasmos de prazer.
Ewan não a deixou relaxar. Assim que a sentiu derreter-se em seus
braços, retirou-se para investir com força enquanto roubava de seus lábios o
último suspiro do orgasmo que ainda a mantinha em uma nuvem. Ela, que
fechara os olhos, transfixada de prazer, tornou a abri-los.
— Ewan... — sussurrou, dominada por aquele fogo que ele atiçava mais
uma vez dentro dela.
— Eu sei, pequeno duende. Eu sei.
Ele continuou se movendo, beijando-a, adorando-a com as mãos, com
todo o corpo. Assim como havia previsto, ele conseguiu levantá-la nas
nuvens uma segunda vez, mas desta vez, a julgar pelo rosnado satisfeito que
escapou da garganta masculina, Ewan também alcançou o mesmo céu.
CAPÍTULO 30

Ela havia adormecido. Ewan a encarou na penumbra âmbar da cela e não


sabia se o que acabara de acontecer fora um sonho. Queria acordá-la para
repetir, porque sua pele a desejara tanto, com tanta intensidade, que o fogo
que o consumia ainda não havia se extinguido. Ele admirava aquele
corpinho perfeito, delicioso, que se mostrava cheio da mesma paixão que
transbordava dos olhos azuis de Will. De repente, teve medo de sair daquela
cela e voltar à realidade. E se o duende mudasse de volta para um menino?
Acariciou um de seus seios lentamente, satisfeito ao notar que, mesmo
dormindo, aquela criatura reagia ao seu toque. O mamilo rosado endureceu
e seu corpo se moveu buscando sua proximidade. Então ele decidiu que não
se importaria. Que o manteria com ele em qualquer forma que assumisse,
embora rezasse para que pelo menos à noite pudesse se transformar na bela
mulher diante dele. Estava morrendo de vontade de torná-la sua novamente,
já que nunca em sua vida se sentira mais completo do que estando dentro
dela.
Com um suspiro resignado, se levantou e se vestiu. Ela gemeu e se
aconchegou em si mesma, desejando o calor dele. Ewan a envolveu na
grossa pele de urso e a tirou daquela cela fedorenta, onde jurou nunca mais
trancá-la. Ele deixou as masmorras e foi para seus próprios aposentos,
aproveitando que a maioria dos habitantes do castelo estava dormindo e ele
não teria que se explicar para ninguém.
Enganou-se. Porque olhos curiosos, que estavam onde não deveriam,
testemunharam como o laird carregou um de seus servos, ainda mais um
menino, e o levou para seu quarto para passar o resto da noite.

A luz do amanhecer acordou Willow. Ela se sentia confortável, um calor


agradável a envolveu e sentiu um colchão macio sob seu corpo em vez do
chão duro da cela. Abrindo os olhos, a primeira coisa que viu foi o rosto de
Ewan, relaxado em seu sono. Se lembrou de tudo que havia acontecido na
noite anterior e um rubor cobriu suas bochechas. Não sabia que se deitar
com um homem era tão agradável! Doeu, isso era verdade, e ainda sentia
desconforto nas partes íntimas. Mas a dor não durou muito e, em
compensação, as sensações foram indescritíveis. Mesmo agora, naquele
momento, o desconforto entre as pernas só a fazia se sentir cheia desse
homem.
Ela ergueu a mão para acariciar seu rosto, fascinada por seu queixo
quadrado, áspero pela barba por fazer. Os olhos de Ewan se arregalaram
assim que seus dedos o tocaram e eles se encararam, bem próximos um do
outro, estudando a alma um do outro.
— Bom dia— ela finalmente disse, com um sorriso tímido.
À luz do dia tudo parecia diferente. Os olhos castanhos de Ewan a
estudaram por mais alguns segundos, então de repente ele franziu a testa. Se
levantou um tanto abruptamente e jogou o cobertor que os cobria para trás,
expondo seus corpos nus.
— Você é uma mulher.
Willow não conseguiu decifrar seu tom.
— Bem, acho que isso ficou bem claro ontem à noite, não foi?
O guerreiro levou as mãos aos olhos e esfregou-os, como se assim
pudesse clarear a mente.
— Ontem à noite você colocou um feitiço em mim, isso é tudo que eu
sei. Confundiu minha mente, me lançou algum encantamento, eu não sei, eu
realmente não sei o que aconteceu. Era um menino e de repente uma linda
mulher.
Willow ficou indignada. De que fantasias ele estava falando?
— Ouça-me — disse afastando as mãos dele para poder olhá-la nos
olhos — nunca fui um menino. Ouviu? Nunca. Tive que me disfarçar para
escapar, Marie cortou meus cabelos compridos e amassou meus seios para
que ninguém me reconhecesse. Eu sou uma mulher. Não sou um duende,
nem uma criatura fantástica, e é claro que não posso mudar de forma
conforme a minha vontade. Quem dera eu pudesse, porque assim garanto
que não teria virado um menino insignificante. Se eu pudesse, me tornaria
um grande e forte guerreiro, como meus irmãos, como você, Ewan
Campbell, e ninguém jamais me separaria de meu povo, garanto.
As palavras se infiltraram na mente entorpecida do laird até que de
repente ele a agarrou pelos pulsos.
— Você é uma mulher?
Willow revirou os olhos, incapaz de lidar com uma mente tão obtusa.
— Por São Mungo! — exclamou, imitando a mãe adotiva. — Que prova
mais você precisa?
— O menino que chegou com os St. Claire, aquele que mandei para o
chiqueiro, aquele que treinei impiedosamente, aquele que quase obriguei a
ir para a cama com uma prostituta... sempre foi mulher?
— Ainda acho difícil acreditar que não tenha notado, meu senhor. —
Willow voltou à fórmula de cortesia com que sempre se dirigia a ele para
que entendesse que sim, de fato, era a mesma pessoa. — Seu tio Alec notou
desde o primeiro momento.
Ewan a olhou como se estivesse a olhando pela primeira vez, bastante
horrorizado. Ele a forçou a deitar na cama e abrir as coxas. Ao ver os
vestígios de sangue entre elas, fechou os olhos, finalmente aceitando a
decepção a que fora submetido. Uma fúria cega o preencheu. Ele se sentiu
completamente estúpido por não perceber, por acreditar que as criaturas das
fábulas poderiam realmente existir.
— Fique aqui quieta — ordenou ele.
Saiu da cama e foi para o jarro em seu quarto. Derramou água fresca da
jarra que sua governanta, Jane, sempre mantinha cheia, e molhou um pano
limpo. Voltou e sentou-se ao lado da garota. Olhou mais uma vez para as
manchas secas de sangue misturadas com sua própria essência nas coxas
femininas e suspirou. Ele a lavou com cuidado, com amor, sem olhar para o
rosto dela.
— Eu te machuquei muito?
— Sim, meu senhor.
Ewan escondeu um sorriso diante da total sinceridade da jovem. Apesar
de tudo, notou que ela não era imune às suas atenções e que estremecia ao
seu toque.
— Desculpe pela minha falta de jeito. Eu nunca teria deflorado você de
forma tão selvagem se soubesse... — Ele suspirou novamente, derrotado
por sua própria incompetência. — Perdoe-me Will.
— Eu falei que não sabia nada dessas coisas, lembra? Na cabana de
Iona, quando queria que eu aprendesse.
—É verdade. Esqueci. A verdade é que ontem à noite eu estava louco...
Quando te vi transformada em mulher, mal pude acreditar. Foi como se um
sonho se tornasse realidade. Tive medo... tive medo de que a qualquer
momento voltasse a ser homem.
— Quem te contou tantos contos de fadas, meu senhor?
Ewan finalmente a olhou. Seus olhos castanhos procuraram o azul dela
antes de responder.
— Minha mãe.
Willow assentiu compreensivamente. Ela sabia por Alec o quanto sua
mãe era importante e como ele se sentia culpado por sua morte.
— Também me contavam histórias quando eu era pequena. A mulher
que me criou, Marie, conhecia muitas lendas. Mas nunca pensei que poderia
me tornar protagonista de uma delas.
O guerreiro franziu a testa novamente.
— Isso não teria acontecido se não tivesse me enganado assim. Tem
alguma ideia do inferno que você me fez passar? — a acusou.
— Também não foi um mar de rosas para mim, meu senhor.
Ewan notou a arrogância de seu queixo pequeno enquanto ela falava.
Ele foi capaz de perceber pela maneira como respondeu ao seu toque, mas
agora corroborou com sua atitude. Will era uma fera de cuidar. Ela não fora
capaz de quebrar sua vontade ou seu ânimo quando fingia ser um menino e
temia que, como mulher, esse problema piorasse de forma alarmante. Havia
muito orgulho e arrogância naquele pequeno corpo.
Ele se inclinou sobre ela para impor sua altura e tentar intimidá-la.
— Quem é você?
— Eu já te disse. Meu nome é Willow... Willow MacGregor.
Os olhos de Ewan sondaram os dela como se quisesse ler sua mente.
— Não entendo. Posso entender que escapou do ataque a Meggernie
como confessou, e que John e Maud a trouxeram aqui, mas por que o
disfarce?
Agora era quando tinha que lhe dizer por que ela voltou. Tinha que
confessar quem era, quem pensava que ele era e, uma vez que esclarecesse
que não havia assassinado o seu irmão, precisava de sua proteção. No
entanto, ele a olhava com tanta intensidade que teve medo.
— Achei que estaria mais segura se todos pensassem que eu era um
menino.
— Por quê? — ele insistiu. — Na minha opinião, se colocou em uma
situação muito mais perigosa fingindo ser algo que não era. Toda vez que
penso em como tratei você, como a fiz treinar com o resto dos meus
homens... Meu Deus, Will! Eu ordenei que a atacassem, batessem em você
com toda a força e dei apenas um escudo para protegê-la. E aquela noite
horrível, quando te encontrei com Reed MacNab... Sabe o que teria
acontecido se não tivesse chegado a tempo de tirá-la de seu quarto?
Ela se levantou e tirou o pano úmido da mão dele para que parasse de
tocá-la. Estava ficando louca.
— Eu acho que ele teria feito coisas horríveis comigo. Principalmente
quando descobrisse que eu não era o garoto por quem se sentiu atraído. —
Ela abraçou os joelhos e cobriu os seios, de repente envergonhada ao
perceber que os dois estavam nus. — Sim. Se não fosse por você, teria me
machucado muito.
Ewan percebeu que estava tremendo.
— E depois de se libertar das garras dele, caiu nas minhas e eu te
machuco do mesmo jeito.
Ela encontrou seu olhar e inclinou a cabeça em surpresa.
— Você se compara a Reed MacNab?
— Você mesma já disse isso antes: eu te machuquei. Fui um animal
completo.
— Sim. E também me fez tocar o céu — sussurrou, corando.
Os olhos de Ewan queimaram com essa confissão. Estendeu o braço
para acariciar o rosto de seu duende com ternura infinita.
— Se eu pudesse, te levaria de novo às alturas.
Willow fechou os olhos, apreciando a carícia. Quando ele a tocava,
todos os pensamentos coerentes desapareciam de sua mente.
— O que te impede?
— Você. Não está incômodo aí embaixo? Temo te machucar de novo se
me deixar levar pela luxúria que arde dentro de mim. Pode não ser um
duende, mas me enfeitiçou, Will.
— Willow.
— Para mim sempre será Will — confessou.
E era verdade.
O desejou desde o primeiro momento, mesmo que negasse a si mesmo
esse sentimento. Havia caído em seu feitiço desde o primeiro dia, havia sido
cativado pela maneira como ela o olhava, por sua coragem, por seu caráter
indomável. Havia desejado a pessoa, Will, sem importar o que fosse. O fato
de ser mulher tornava as coisas muito mais fáceis para ele, é claro, e o
deixava tão feliz que seu coração explodia de alegria; mas se fosse menino,
se nunca tivesse conseguido satisfazer os seus instintos mais primitivos
porque era algo contrário à sua natureza, continuaria a deslumbrar-se com
os seus olhos, com os seus lábios, com aquela rebeldia com que ela o
confrontava apesar de ter tudo a perder. Will sempre seria Will para ele. A
pessoa que se acostumara a ver todos os dias, aquela que seus olhos
procuravam quando entrava em qualquer cômodo da fortaleza, cuja
presença se tornara tão indispensável que, longe dela, lhe custava até
respirar.
Will havia se tornado a única pessoa no mundo que não suportaria ver
morrer, sem a qual não poderia mais conceber sua existência.
— Estou...estou um pouco incômoda — ela murmurou, respondendo à
pergunta anterior. — Mas ontem pude ver como seus dedos são hábeis
esbanjando carícias. Estou convencida de que fará com que o desconforto
desapareça em breve.
Com essas palavras ousadas, Ewan só conseguiu grunhir.
Ele se lançou sobre a boca dela e a agarrou pelos cabelos curtos para
que não escapasse após sua provocação. Assim que suas línguas entraram
em contato, a chama do desejo cresceu entre seus corpos sem remédio,
obrigando-os a reduzir o espaço que os separava. Ewan a puxou para cima e
a montou sobre ele, ainda a beijando, nunca deixando sua doce boca.
— E diga-me, pequena duende, vai se contentar com meus dedos, ou
precisa de algo mais de mim? — Ao dizer isso, mordeu delicadamente o
lábio inferior dela e o puxou, fazendo-a estremecer.
— Quero tudo de você — respondeu ela, perdida naquele mundo de
sensações recém-descobertas.
Ele a puxou para mais perto de seu corpo, acariciando suas costas, suas
coxas, seus quadris... Sua mão parou no ponto entre suas pernas e Willow
ofegou. Se afastou um pouco para poder olhar para ele, querendo ver seu
rosto enquanto ele a tocava. Adorava olhar aquele homem nos olhos. Eles
queimavam com uma intensidade que a perfurava.
— Isso dói? — perguntou Ewan, em um sussurro. Ela negou com a
cabeça. — E se eu fizer isso?
Antes que Willow percebesse, o guerreiro inseriu um dedo dentro dela.
Seus olhos se arregalaram por um segundo, chocados, então se fecharam,
arqueando para trás. Ele aproveitou a oportunidade para capturar um de
seus seios entre os lábios e saboreá-lo com prazer.
— Meu senhor... — murmurou a jovem, mal falando — não fez isto
ontem à noite.
Ewan sorriu contra sua pele.
— Ah, pequena! Tem muita coisa que ainda não te fiz — passou a
língua no outro seio e gostou de ouvi-la gemer. — Mas não se preocupe,
aos poucos, prometo que vou te mostrar tudo.
Willow se agarrou ao cabelo dele e esqueceu tudo... exceto sentir.
Aquele guerreiro a tocou de uma forma que ela nunca poderia imaginar, a
fez acreditar que ela era especial e adorada. Ele a inundou com seu cheiro,
seu toque, sua essência, seu calor... e ela não conseguia pensar em nada
além dele. Enchia completamente o mundo dela, não havia mais nada no
quarto. Ewan e ela, e ainda não era o suficiente.
— Meu senhor... — ela gemeu, quando o calor a sufocou.
— Eu sei. Venha aqui.
Ele ergueu os quadris dela e se posicionou para penetrá-la lentamente,
se contendo, saboreando cada momento. Seus olhos, fixos nos de Willow,
maravilharam-se com a emoção do momento em que seus corpos se
completaram.
— Ah, meu amor, me diga que isso é tão bom para você quanto é para
mim!
Willow não conseguia falar. Tê-lo lá dentro era indescritível. Sentia-se
realizada, eufórica, feliz. Naquele instante, poderia ter gritado ao vento que
era a mulher mais feliz da face da terra.
— Aproxime-se — lhe pediu, ofegante — me dê os seus lábios.
Ela se entregou de bom grado. Ewan começou a se mover, entrando e
saindo de seu corpo em uma cadência lenta e enlouquecedora enquanto a
beijava com fervor. As enormes mãos masculinas deslizaram por toda a sua
pele, deixando um rastro de fogo por onde passavam, despertando nela
sensações inebriantes.
A tensão estava crescendo. Willow podia sentir-se aproximando do
abismo, como seu coração batia cada vez mais rápido e ela ficou com falta
de ar. Ela ofegou entre os beijos, incapaz de conter sons que nunca havia
emitido em sua garganta. Ewan pegou o ritmo. Seus dedos se ancoraram em
seus quadris e a guiaram, batendo mais rápido, com mais urgência.
— Will… Oh, Deus, diga meu nome…
— Sim, Ewan, sim…
Estava febril, não tinha o suficiente dela. Ele a segurou firme pela
cintura e lambeu seus seios sem parar de se mover, rápido, faminto, ansioso
para alcançar o prazer sublime que sabia estar escondido dentro daquela
mulher. Quando sentiu, quando as sensações o sacudiram por inteiro e
percorreram todo o seu corpo, ele se derramou dentro dela, abraçando
aquele corpo pequeno e delicioso que, já havia decidido, seria seu para
sempre.
Willow se deixou levar pelo prazer do homem que a tomava e se
apropriou de seu orgasmo, tornando-o seu, compartilhando-o com ele.
Jogando a cabeça para trás, ela gritou de alegria, sentindo seu coração
explodir em milhares de pedacinhos que dançavam em seu peito antes de se
juntarem novamente.
Eles permaneceram abraçados, suas respirações agitadas, seus corpos
trêmulos.
— Eu sou um tolo — Ewan murmurou, contra a pele de seu ombro. —
Como é possível que eu não tenha visto todo esse fogo que você tem
dentro? Como eu pude ser enganado por seu disfarce?
Ela agarrou o cabelo dele e puxou para forçá-lo a olhar para ela.
— Acho que você viu. Por que mais me beijou aquela vez, depois que
acabou com o grupo dos MacNab?
Ewan estava imerso no azul brilhante daquele olhar que o cativara.
Abriu a boca para responder, mas uma batida na porta segurou sua língua.
Essa interrupção foi um verdadeiro incômodo. Eles ficaram em silêncio,
esperando, e os golpes foram repetidos com mais urgência. O laird sabia
que não podia ignorar a chamada.
— Me espere aqui.
Ele se separou dela e cuidadosamente a colocou na cama. Então ela se
cobriu com o manto que mostrava as cores dele enquanto se dirigia para a
porta. Abriu apenas o suficiente para perguntar por que diabos o estavam
incomodando àquela hora e com tanta pressa.
— O que está acontecendo?
Por outro lado, o rosto circunspecto de seu tenente, Colin, não era um
bom presságio.
— São Adair e Lawler, laird, reivindicam você.
— Para o inferno com eles! Será que não respeitam meu descanso?
— Ewan, alguém fez uma acusação contra você. Chamaram um
conselho urgente, alegam que não é digno do cargo.
— Que desculpa arranjaram dessa vez para me atacar?
— Alguém o viu ontem à noite com o menino. A testemunha confessou
que passaram a noite juntos... — O tenente ficou em silêncio por alguns
segundos enquanto estudava sua reação. — É verdade? — perguntou no
final.
A mandíbula de Ewan apertou e seus olhos escureceram.
— É verdade — admitiu. — Dê-me alguns minutos para que eu possa
me vestir. Diga àqueles dois velhos abutres que estarei lá imediatamente.
— Ewan, escute...
Colin não teve tempo de dizer mais nada, porque o laird bateu à porta na
cara dele.
Quando se virou, encontrou o olhar assustado de Willow, que estava
sentada na cama, puxando uma manta sobre ela.
— Meu senhor, não precisa temer nada. Vou confessar, vou contar a
todos quem eu sou, não vai perder a liderança do clã por minha causa.
Ewan bufou. Caminhou determinado para onde havia deixado suas
roupas na noite anterior e as resgatou para jogá-las.
— Não vai fazer nada disso — ele retrucou, furioso. — Ninguém vai me
dizer com quem devo ou não me deitar. Ninguém vai usar um truque tão
sujo para roubar o que é meu por direito. Vista suas roupas habituais, Will, e
cubra bem esses lindos seios para que ninguém perceba. Você não vai abrir
a boca.
Willow olhou apreensivamente para as roupas de servo, indecisa em
obedecer.
— Não entendo.
— Não há nada para entender — Ewan murmurou enquanto terminava
de vestir sua melhor calça e sua camisa mais elegante. — Quando
descermos para o salão, você será Will, o menino que tem sido desde que
veio para Innis Chonnel, filho de John e Maud.
— Mas eu não sou.
Ewan se aproximou e se inclinou sobre ela, colocando as mãos em cada
lado de seu corpo. Seus olhos se fundiram, e parte da fúria do laird se
desvaneceu no azul de seu olhar.
— Para mim você sempre será Will. Eu me apaixonei por Will e não
tenho vergonha. Levei muito tempo para entender, mas agora sei o que meu
coração deseja desde que te vi pela primeira vez. Ninguém vai usar o que
sinto por você contra mim. Te prometo.
Dizendo isso, ele selou a promessa com um beijo carinhoso.
CAPÍTULO 31

Quando entraram no salão, a maioria dos guerreiros do laird já estava


presente. Quem os chamou tinha pressa, pois a maioria morava na aldeia,
do outro lado do lago. Só iam o Innis Chonnel para treinamento e
comemorações. E quando eram urgentemente necessários, como era o caso.
Os conselheiros Adair e Lawler sentaram-se à mesa principal, e sua
cadeira, a cadeira do chefe do clã, foi afastada. Isso significava que seu
próprio povo não o considerava digno da posição.
Ewan olhou ao redor do salão, anotando mentalmente todos os
presentes, seus rostos, a postura de seus corpos. Ficou claro que havia dois
campos bem diferenciados. Os mais próximos da mesa principal, que
pareciam estar protegendo os conselheiros, o olharam desafiadoramente.
Eram mais da metade de seus homens e faziam parte do serviço, e isso o
magoava. Do outro lado, no fundo da sala, estava o resto de sua tropa, com
Colin à frente, e alguns dos criados, entre os quais sua governanta, Jane, e
os leais John e Maud com sua filha, Liese. Quando os St. Claire viram Will,
deram um passo em sua direção e acenaram para que ele se aproximasse.
Em seus rostos, a preocupação com aquela situação se misturava com o
alívio de tê-lo de volta com eles.
Ewan moveu-se para o centro do salão. Sua enorme espada pendia do
cinto e, sobre a camisa branca, cruzando o peito, o kilt colocado sobre os
ombros nas cores dos Campbell. Deixou a mão descansar no punho da
espada e manteve sua postura cada vez mais alta, as pernas afastadas e a
cabeça erguida.
— Pesa sobre mim uma acusação — falou ele, em voz alta e firme. —
Quero saber do que se trata, e quem a proferiu.
— Uma empregada te viu ontem à noite carregando nos braços o que, se
não me engano, é seu criado pessoal. Ela o seguiu, talvez preocupada que
menino estivesse doente, e descobriu que, em vez de levá-lo para a família
como era necessário, o levou para o seu quarto. E ninguém saiu de lá a noite
toda. — O ancião Adair pausou e zombou dele. — Agnes, se aproxime.
A jovem saiu do grupo de servos que se posicionou contra o laird. O
olhar de Ewan a perfurou e, no alívio mais esperado de sua mente, relaxou
o que deve ter sido uma carranca assassina. Ela. Novamente aquela garota,
com um rosto doce, com olhos indescritíveis e nublados, com uma língua
venenosa. Ele expulsara seu melhor amigo de Innis Chonnel por causa dela,
e agora estava claro para ele: Agnes não havia sido violada. A primeira
coisa que faria, assim que pusesse ordem nessa farsa, seria ir em busca de
Melyon.
— Repita para o mundo inteiro o que viu ontem à noite.
Agnes, assim como fez no dia do julgamento contra seu tenente,
desempenhou muito bem seu papel. Se houvesse alguém entre seus
detratores que ainda não estivesse muito claro sobre isso, após a triste
confissão da garota seria convencido.
Willow, que estava assistindo a cena com o coração apertado, odiava a
empregada com todo o seu ser. Estava lhe causando problemas desde sua
chegada, mas ela nunca quis arrancar sua língua mais do que agora.
— Nega esses fatos? — perguntou Adair, quando ela terminou sua
argumentação.
— Não.
Um murmúrio chocado percorreu a sala, adicionando mais tensão à
atmosfera já permeada. Willow apertou a mão de Maud, dividida entre
seguir os desejos de Ewan e permanecer em silêncio, ou sair em sua defesa.
— Você... dormiu com um menino?
— Isso, senhor, não é da conta de ninguém.
— É sim! — A explosão de Lawler surpreendeu a todos, pois, além
disso, ele havia batido na mesa com uma mão furiosa. — É se pretender ser
nosso líder!
O rosto de Ewan escureceu. Finalmente, lá estava. Tantos dias de
censura enterrada valeram a pena. Aqueles dois corvos carniceiros
encontraram um motivo, ou o que eles pensaram ser um motivo válido, para
desacreditá-lo na frente de seu povo.
— Precisa ser mais claro, senhor — ele falou com um tom arrastado e
contido. — Deve me dizer por que o fato de ter passado a noite no mesmo
quarto que meu criado me torna inadequado para a liderança.
Lawler se levantou da cadeira, tremendo de raiva. Talvez pensasse que
Ewan ficaria mais arrependido, mais envergonhado e simplesmente cederia.
— Aos olhos de Deus é pecado e te enfraquece. E não podemos nos dar
ao luxo de ter um laird fraco...
— Seu pai nunca teria consentido com tal comportamento, Ewan, você
sabe disso — Adair voltou a falar, abandonando o tratamento formal que
aquele conselho exigia ao ver que seu parceiro em intrigas perdia o controle
de si mesmo.
— Meu pai não está aqui — Ewan foi direto. — No entanto, não quero
que meu próprio povo duvide de minhas habilidades. O senhor questionou
meu valor como líder, com o único pretexto de minha suposta fraqueza.
Quem propõe para me suceder no cargo? Talvez seu filho, Lawler? Ou o
seu, Adair? Eu desafio qualquer um deles para uma luta pelo governo do
clã. Os dois ao mesmo tempo, se achar mais apropriado...
Os dois aludidos se moveram inquietos. Cada um deles estava de pé,
atrás de seu respectivo pai, como se estivessem protegendo suas costas.
Como se esperassem que Ewan, constrangido com a acusação, largasse a
espada imediatamente para qualquer um deles pegá-la.
— Não será assim que esse problema será resolvido. Está sendo julgado,
portanto, terá que acatar o que este conselho decidir. — Pelo seu tom, ficou
claro que Lawler estava tendo dificuldade em manter a calma.
Ewan negou com a cabeça muito lentamente.
— Disse que meu pecado me enfraquece. Eu vou te mostrar que não é
assim. Acha que eu vou deixar tomá-lo o meu lugar? Com que autoridade
moral me questiona em assuntos da fé cristã? O padre Cameron não deveria
ser o único a presidir este conselho, onde estou sendo julgado por pecado
carnal?
— Não é natural!! — Lawler gritou, batendo violentamente na mesa
novamente. — Não precisamos do pároco para nos esclarecer sobre o
assunto. Deus criou o homem e a mulher para alguma coisa, assim dizem as
sagradas escrituras.
Ewan sustentou seu olhar sem vacilar. Esses dois velhos intrometidos
não mencionaram nada disso quando abrigaram Reed MacNab sob seu teto,
apesar do fato de que sua preferência por meninos imberbes era conhecida
de todos. Se Lawler se preocupava com as escrituras sagradas, ele era um
burro atrelado. Com o canto do olho, ele viu Willow dar um passo à frente e
levantou a mão para detê-la. Não estava disposto a deixar que o
derrubassem, porque estava claro que sua atração por Will era apenas uma
desculpa para conseguir o que esses dois buscavam desde a morte de seu
pai: tomar o poder.
— Will, venha aqui — Maud o chamou em um sussurro. — Não
intervenha, será pior.
Ela se virou, seus olhos cheios de angústia.
— Mas é que eu...
— Shhh, vamos — agarrou a mão dela e a puxou de volta para o seu
lugar. — Fique tranquilo, aqueles que são leais ao laird não permitirão esse
ultraje. Não sabemos por que o senhor o tirou das masmorras para levá-lo
ao quarto dele, mas ele deve ter um motivo. Nós confiamos nele.
Willow percebeu que a última frase da mulher não soou tão convincente
quanto o resto. Maud era uma mulher muito religiosa, incapaz de acreditar
nas acusações daquele conselho.
— Quando isso acabar, vou acertar as contas com aquela Agnes mimada
— ela ouviu Jane, a governanta, dizer em um sussurro.
— Calem-se mulheres — sibilou John, vendo que os conselheiros
tinham juntado as cabeças para sussurrar alguma coisa antes de voltarem a
falar.
— Muito bem — Adair anunciou. — Achamos que seu pedido é justo.
Vamos esperar até que o padre Cameron retorne de sua viagem para reunir
esta assembleia e julgá-lo diante de um homem de Deus.
— Enquanto isso — Lawler falou, que sempre pretendeu ter a última
palavra — você vai esperar nas masmorras.
Assim que ouviu isso, Ewan sacou sua espada. Colin e o resto dos
homens que lhe eram leais avançaram e se posicionaram desafiadoramente
ao lado dele. Os rostos dos velhos se contraíram com aquela audácia.
— Quer que lutemos uma batalha aqui no salão dos Campbell? Não está
disposto a aceitar a decisão deste conselho? Nossa opinião sempre foi
respeitada! Deve isso ao seu clã, e se seu povo o considera indigno, deve
arcar com as consequências!
— Nem todo o seu povo pensa como você, Adair — Colin então
interveio. — Ewan Campbell é nosso líder legítimo e não aceitaremos que
ninguém o prenda em uma masmorra.
— Se ele fosse um chefe digno, acataria a decisão daqueles de nós que
cuidamos da sobrevivência deste clã desde antes de ele nascer. Onde está
sua honra? — Lawler refutou.
Ewan deu um passo à frente então, mais enfurecido do que jamais
pensou que estivesse.
— Minha honra está bem aqui — disse, mostrando-lhe o fio da espada.
— E dois velhos que vêm amargurando minha existência desde que assumi
o cargo não vão me dar lições de lealdade ao meu povo. Na verdade —
acrescentou, encarando-os — estão dispensados ​do cargo de conselheiros
neste exato momento. Talvez pudessem ter enganado meu pai... acha que eu
não sei que o controlou à sua vontade? Duncan Campbell era um excelente
guerreiro, um mestre implacável que treinou os melhores homens que
conheço. Mas ele não era bom em administrar os assuntos do clã. Por isso
ele os delegou... E agora pagam assim, querendo tirar o filho do caminho
para continuar fazendo o que sempre fizeram: governar a sua vontade.
Pela primeira vez desde que entrou no grande salão, Ewan viu uma
sombra de dúvida e medo nos olhos dos velhos. Mas não seria tão fácil,
claro. E ele também não queria derramar o sangue de sua família, então
novamente lhes ofereceu uma saída digna.
— Reitero minha oferta. Um julgamento por combate, seus filhos contra
mim. Dois contra um... Já que considera que depois desta noite com Will eu
sou mais fraco, deveria aceitar minha proposta. Se eu perder, prometo que
lhe entregarei o mandato sem resistência.
Depois de suas palavras, houve silêncio no salão. Adair acariciou sua
barba branca e os olhos de Lawler o perfuraram impiedosamente. Ewan
esperava que eles também não quisessem derramar sangue Campbell
desnecessariamente. Uma guerra interna dentro do clã, com Bruce batendo
em suas portas para reivindicar guerreiros para lutar contra os ingleses, não
era uma boa ideia.
— Está bem — Lawler cedeu no final, o mais reticente.
— Preparem-se — Adair disse aos que seriam os adversários do laird.
— Em uma hora a liderança do clã será decidida em combate, no pátio de
armas.
Ewan embainhou sua espada e acenou para os velhos antes de se virar e
sair do salão, acompanhado por seus homens.
Assim que a assembleia terminou, os St. Claire cercaram Willow. A
primeira a abraçá-la foi Maud, que a apertou contra o peito como se fosse
sua verdadeira mãe.
— Criatura, pensávamos que nunca mais veríamos você.
— Will, que bom que você voltou — Liese disse, apertando sua mão de
forma mais contida.
— Sim garoto. Estávamos preocupados com você. — John deu um
tapinha nas costas dele.
— Também senti a falta de vocês... — confessou ela. Olhou para eles
com todo o amor que sentia por aquela família e sabia que não podia mais
adiar o momento de dizer a verdade. — Agora que voltei, preciso falar com
vocês.
— Claro — sussurrou Maud.
— Mas não aqui. Vamos para a nossa cabana, por favor.
— Sim, mas antes… espere um pouco. — Maud percebeu que Jane
estava indo como uma flecha na direção de onde Agnes estava e foi atrás
dela. Queria tanto ou mais que a governanta repreender aquela mulher tola.
Willow as observou de longe, sabendo que se chegasse perto da jovem
loira arrancaria seus olhos e língua. As duas mulheres grandes a
intimidavam implacavelmente, e Agnes abaixou a cabeça, com as orelhas
ardendo de humilhação. Ou assim parecia. Quando terminaram de
repreendê-la e se afastaram, Willow notou que a garota lhes deu um olhar
tão odioso que a deixou arrepiada.
Ela não aguentou.
Foi até ela cega de fúria e quando esteve ao lado dela, lhe deu um tapa
no rosto. A mão da garota foi para sua bochecha horrorizada, e Willow se
sentiu insatisfeita. Isso não era punição suficiente e desejou com toda a sua
alma que Agnes se virasse para que pudesse continuar a atacá-la. No
entanto, John estava ao seu lado em um piscar de olhos, parado entre as
duas. Willow não entendia por que o grande ruivo parecia tão zangado com
ela.
— Não faça nada disso de novo! Eu não me importo com o que essa
harpia fez, nenhum homem na minha presença levantará a mão contra uma
mulher, me entendeu? Vamos, saia de perto dela!
— Will, venha aqui! — Maud agarrou o braço dela e a tirou do salão.
A família se dirigiu para sua cabana e, quando finalmente ficaram
sozinhos, John a repreendeu novamente.
— Tenho vergonha do seu comportamento, Will. Não pensei que
pudesse fazer algo assim.
Willow não tinha mais certeza se estava ofendida por bater em Agnes,
ou talvez pela própria acusação saindo de seus lábios envenenados. Apesar
de a terem recebido com carinho, ela notou que em seus olhos havia uma
sombra de dúvida por tudo o que havia sido dito naquele salão.
— Perdoe-me, John. Talvez, quando eu lhe disser o que quero confessar,
me entenda melhor.
Maud estava olhando para ela com tanta atenção que deixou Willow
nervosa. Felizmente, a mulher não era de rodeios e abordou o assunto que
os preocupava sem demora.
— Por que o laird o levou para o quarto dele ontem à noite?
— Antes de responder, preciso te dizer uma coisa. — Willow torceu as
mãos, sem saber como confessar a verdade. Não podia suportar que aquelas
pessoas lhe virassem as costas... Agora eram sua família. — Eu não sou
quem pensam que eu sou.
Silêncio.
Os três a olharam com olhos redondos de expectativa, até que Liese
perguntou:
— E quem é você?
— Meu nome não é Will, mas Willow MacGregor. Sou…
— Uma mulher? — interrompeu John, surpreso ao ouvir seu tom agora
livre de disfarces.
Maud ofegou, cobrindo a boca com a mão. Liese negava com a cabeça,
como se não pudesse acreditar.
— Sim, sou mulher. Mas também, eu...
— Como é possível que não tenhamos notado? — Maud a interrompeu
novamente.
Aproximou-se dela e apalpou-a, tocando-lhe os braços, as faces,
passando-lhe as mãos pelos cabelos curtos e escuros.
— Como é possível? — repetiu Liese, aproximando-se também, como
se olhando para ela de uma distância menor a verdade fosse mais evidente.
— É possível porque vocês são boas pessoas, e confiam nos outros sem
questionar sua palavra, sem julgar, aceitando as fragilidades de cada um e
aceitando-as como são. Will tinha muitos defeitos, isso não pode negar.
Maud, tenho certeza de que você percebeu que havia algo diferente em
mim.
A mulher assentiu com um sorriso e lágrimas brotaram de seus olhos.
— Percebi que você era bem afeminado, Will… Willow. Mas muitos
meninos parecem muito moles e depois crescem, tornam-se homens. Acho
que esperava que algo assim acontecesse com você.
— Vocês tem sido tão bons para mim, tão generosos, que meu
constrangimento é maior por ter escondido algo assim de vocês. Sinto
muito e peço que me perdoem.
Maud a abraçou.
— A única coisa que me machuca é que não confiou em nós. Nós nunca
teríamos denunciado você, se esse fosse o seu medo. — Separou-se dela e
segurou-lhe o rosto entre as mãos para olhá-la com carinho, com olhos
meigos de mãe. — Somos sua família, com todas as consequências. Nós
teríamos te protegido do que estava fugindo...
— É justamente sobre isso que eu queria falar com você. Eu não sou
apenas uma mulher, eu também sou...
Uma batida na porta a interrompeu. Jane, a governanta, entrou com
muita pressa depois daquela batida.
— Will, o Senhor te reivindica. Agora.
— Então vai... Vai com ele, criança, vai dar tempo de conversar e
arrumar essa bagunça toda — Maud a apressou.
Willow assentiu e saiu em direção ao pátio de armas, onde o laird
certamente estava se preparando para a luta.
CAPÍTULO 32

Estava com medo.


Sabia que Ewan era um guerreiro consumado, que era o mais habilidoso
com a espada. Ela o vira em ação e não duvidava de sua força ou
habilidade. A fé em sua espada era uma extensão da vontade de ferro que
demonstrava em tudo o que se propunha. E desta vez ele estava
determinado a provar a si mesmo para todas as pessoas de seu clã. Willow
estava confiante de que o laird faria o que queria como sempre...
Ainda assim, temia por sua vida.
Seus passos tornaram-se mais urgentes quando se aproximou do pátio,
ansiosa para ver novamente o rosto que ela havia memorizado e adorado
com todo o seu ser. Não podia dizer a Ewan que estava preocupada, porque
até mesmo uma sugestão de suas dúvidas o ofenderia. Ele já havia mostrado
que era capaz de enfrentar muitos e sair vitorioso, e não havia por que
subestimá-lo. Mas isso não impediu que seu coração batesse
descontroladamente pensando no que, por desgraça do destino, poderia
acontecer com ele se perdesse aquela luta.
Ao chegar ao pátio, descobriu que o laird já havia tirado a camisa e
revelado seu incrível torso nu, que era puro músculo cheio de cicatrizes. Ele
estava vestido apenas com sua calça e botas pretas. Brandia a espada para
exercitar o braço, sob o olhar atento de seus homens e dos que se
posicionaram do outro lado. Willow não perdeu os rostos circunspectos dos
oponentes de Ewan. Certamente eram homens fortes, com braços poderosos
que, ainda por cima, haviam sido treinados pelo próprio laird. Mas eles
tinham medo em seus olhos... Apesar de serem dois contra um, temiam
aquele confronto.
— Will!
Ewan veio encontrá-la assim que a viu. Parou a alguns passos de
distância, devorando o rosto dela com o olhar, sem ousar se aproximar.
— Chamou-me, meu senhor?
— Sim, só queria te ver antes de começarmos.
— Você não precisa lutar — sussurrou. Ela ansiava por pressionar seu
corpo contra seu peito e sentir seus braços fortes ao seu redor.
— Quando tudo isso acabar, vou te beijar até seus lábios doerem.
Willow não duvidou. O mesmo desejo que brilhava nos olhos castanhos
de Ewan penetrava em sua alma.
— Por favor, pare com essa loucura. Se me descobrirem, este
julgamento por combate não terá razão de existir. Não cometeu nenhum
pecado, não podem te acusar de nada.
— Se eu não lutar hoje, amanhã vão arrumar qualquer outra desculpa
para me difamar.
— Mas pelo menos sua masculinidade não será comprometida.
— Nunca estive tão certo da minha masculinidade. — Ewan deu um
passo mais perto, cerrando os punhos de cada lado do corpo para evitar a
tentação de tocá-la. — Não preciso me explicar para ninguém, nem para
mim mesmo. Will roubou minha sanidade desde a primeira vez que
coloquei os olhos nele, e não me arrependo. Não sou menos homem por
isso.
Ela sorriu e quis abraçá-lo mais do que nunca.
— Mas Will não existe.
— Claro que sim. Está aí dentro, por trás desses olhos azuis que me
mantiveram acordado.
O coração de Willow bateu mais rápido com essa declaração. Ela o
olhou com adoração, revelando mais uma vez o imenso desejo que sentia
por aquele homem.
Ele apontou um dedo para ela.
— Pare de me olhar assim, sabe que isso sempre foi minha ruína.
Assim que disse isso, Ewan deu vários passos para trás, a
correspondendo com os olhos, confessando sem falar que sentia o mesmo.
Em seguida, deu meia-volta e se dirigiu ao grupo de homens que o esperava
para iniciar a luta.
Aos poucos, todos os habitantes de Innis Chonnel se reuniram no pátio
para testemunhar a luta pelo domínio do clã. Os St. Claire se juntaram a
Willow, e ela notou seus olhares questionadores, sua perplexidade por ela
não ter revelado a verdade para evitar injustiças.
— O laird prefere assim — foi a única coisa que lhes disse, antes de
voltar a atenção para os combatentes que já se preparavam no centro do
círculo de curiosos.
— Muito bem — todos ouviram Ewan dizer, alto e enérgico. — Vamos
ver de quem é a razão. Se eu cometi um pecado, como acusado, esses dois
homens vão me derrotar sem problemas. Mas se eu for inocente, não
duvidarão mais de minha liderança, nem se oporão a ela. Lawler e Adair, se
eu sair vitorioso, não farão mais parte do conselho dos Campbell.
Os murmúrios dos presentes eram díspares em opiniões. Os filhos dos
dois anciãos se entreolharam e assentiram antes de assumir em guarda, e
Willow temeu que sua força e treinamento implacável fossem demais para
um homem sozinho, mesmo que esse homem fosse Ewan.
Os três guerreiros começaram a se mover, avaliando-se, estudando-se,
muito concentrados. O laird foi o primeiro a atacar, lançando-se contra o
mais próximo dele. O golpe de seu aço contra a espada do inimigo soou
brutal, e os golpes sucessivos foram rápidos e fortes. O outro oponente
ergueu sua espada também e cortou longamente, errando as costelas de
Ewan. Willow prendeu a respiração e pegou a mão de Liese, que estava ao
seu lado, para pressionar o medo em sua palma. O laird se esquivou desse
ataque e girou para contra-atacar, tão ferozmente que desequilibrou o outro
guerreiro. Poderia ter acabado com ele, mas o segundo oponente interveio e
aparou o golpe, derrubando Ewan para trás. Os olhos do laird estavam em
chamas e ele voltou a atacar com uma vontade de ferro, deixando sua alma
para trás a cada golpe.
Ficaram assim por longos minutos. Willow tremia tanto que Liese pôs o
braço em volta de seus ombros. Ninguém falava, todos estavam absortos
naquela batalha sangrenta que já cobrava vários cortes, muitos golpes e a
resistência dos braços poderosos, que sofriam com o passar do tempo sem
um vencedor claro. No final, prevaleceu a superioridade do laird e, apesar
de seus adversários terem conseguido feri-lo em algumas ocasiões, um
golpe no rosto nocauteou um deles e o outro acabou, após várias e
consecutivas estocadas infernais, deitado no chão com a espada de Ewan
apontada para seu pescoço.
Colin e alguns homens avançaram quando isso aconteceu, para desarmar
os perdedores e flanquear seu líder, que se virou para os velhos, sem fôlego.
— Alguém mais duvida do meu valor? — perguntou. O silêncio flutuou
como uma brisa gelada entre os presentes. — Muito bem. Bem, não quero
discutir esse assunto nunca mais.
Adair e Lawler o olharam presunçosamente. Pela expressão de seus
rostos, ficou claro para Ewan que ele havia vencido a batalha, mas não a
guerra. No entanto, para o bem ou para o mal, havia outra luta muito mais
importante se aproximando, e ele não podia perder tempo defendendo sua
posição. Agora era hora de lutar por Bruce, por seu rei, e proteger os
interesses da Escócia contra os ingleses. E se, quando tudo acabasse, tivesse
sobrevivido a todas as batalhas que o aguardavam, confiava que o monarca
saberia recompensá-lo com seu apoio incondicional para continuar
liderando o clã Campbell.
— Não quero mais disputas internas — acrescentou, antes de encerrar o
assunto. — Precisamos começar a nos equipar para marchar. O rei Bruce
solicitou que nossa guarnição se encontrasse com seu exército em Stirling,
não podemos atrasar mais.
À menção do monarca, os anciãos finalmente pareceram reagir. Eles
assentiram levemente e começaram a emitir ordens para todos os lados.
Ewan absteve-se de lembrá-los de que não faziam mais parte do conselho e
que seus privilégios haviam sido reduzidos, porque a verdade é que a ajuda
deles não era ruim para ele. Já haviam lutado em outras guerras e valiam
mais pela experiência do que pela boa vontade.
Deixou que todos retornassem lentamente às suas tarefas e se virou para
procurar Will entre os servos. Era hora de falar com ela, tinha muitas coisas
para esclarecer. E esperava que pudesse. Na noite anterior, e esta manhã,
sua fome por sua boca, sua respiração, sua pele, o impediu de pensar com
clareza. Ele queria saber muitas coisas sobre ela... Na verdade, queria saber
tudo. E, aliás, ele também queria repreendê-la por sua estupidez. Agora que
estava mais calmo, via com mais clareza como seu disfarce havia sido
perigoso. Sua loucura poderia ter custado a vida dela, e queria saber por que
fora forçada a se esconder sob as roupas de um menino.
Caminhou em direção a ela com uma carranca mais profunda do que o
normal, embora Willow, que estava o esperando no mesmo local de onde
ela assistiu à luta, não parecesse assustada. Essa foi outra das coisas que o
surpreenderam desde o início sobre Will: que sempre o olhava de forma
desafiadora, que nunca recuava, embora houvesse momentos em que ela
realmente devia estar quebrada por dentro.
— Senhor! — um de seus homens o interceptou antes que ele pudesse
alcançá-la. — Bors acaba de atravessar o lago e traz dois acompanhantes.
Pela expressão no rosto de seu soldado, Ewan sabia que o assunto era
sério.
— E quem são eles?
— Se trata... Se trata de Melyon, laird.
O nome do amigo ecoou em seus ouvidos por um momento. Mas a coisa
não acabou aí.
— E ele vem com seu tio Alec.
Ewan virou-se para Willow, com os olhos arregalados de surpresa.
— Sim — reconheceu. — Foram eles que me acompanharam de volta.
— Não podem entrar aqui! — exclamou Adair, que ouvira tudo e se
aproximava deles com passo determinado.
Lawler, que vinha atrás, o apoiou.
— Claro que não. Alec Campbell foi banido pelo antigo laird, e Melyon
é um violador de mulheres...
— Chega! No que me diz respeito, Agnes mostrou que não sou
confiável e pretendo voltar ao assunto dessa suposta violação, não se
engane. Me disse uma vez que eu não tinha agido bem naquele julgamento
e agora admito que estava certo. Mas não porque fui muito mole com meu
amigo, mas porque não dei mais atenção a ambas as partes. Apenas uma
versão foi ouvida e temo, para minha vergonha e dor, de não ter sido justo
com o melhor dos meus guerreiros. — Ewan silenciou a todos com aquele
discurso. Mas não acabou. — E meu tio... Sim, ele foi condenado por tentar
ajudar, por tentar resolver um conflito com os MacGregor por meio do
diálogo em vez de usar a espada.
— Ele se levantou contra o laird, se rebelou contra ele! — Lawler
explodiu, corado de raiva.
Ewan sorriu sinistramente com sua explosão. E então falou muito
devagar, arrastando as palavras.
— Sim, exatamente a mesma coisa que os dois fizeram hoje. Se fosse
consistente com seus próprios julgamentos de valor, aceitaria que neste
exato momento eu o condenasse ao exílio, assim como meu pai fez com
meu tio, certo?
Os dois velhos deram um passo para trás com a ameaça. Observando a
cena, Willow nunca se sentiu mais orgulhosa do laird Campbell.
— Tranquilos. Embora mereçam, não estou os expulsando de Innis
Chonnel. O clã precisa dos senhores; mais agora, que tenho que ir para o
front. Mas apreciarão minha generosidade e aceitarão de bom grado o
retorno do meu tio... está claro?
Ninguém respondeu, cumprindo com seu silêncio a vontade do laird.
Então Bors apareceu pela porta principal, seguido pelos dois guerreiros
que caminharam confiantes e sem nenhum medo em direção ao líder dos
Campbell. Willow notou que muitos dos homens cumprimentaram Melyon
com alegria ao vê-lo retornar. E quase todos eles tinham um respeito quase
reverente por Alec. Apesar de ter sido expulso pelo laird anterior, o povo de
Innis Chonnel o admirava pelo que ele havia sido e ainda era. Vendo seu
tamanho e seu comportamento altivo, e conhecendo a generosidade de seu
coração, Willow pensou que não era por menos.
— Estou feliz por estar em casa novamente — anunciou, com um
sorriso.
Ewan olhou para ele com todo o apreço que sentia por este homem, que
em algumas ocasiões significou mais do que seu próprio pai.
—E eu estou feliz em vê-lo novamente, velho — ele respondeu, dando
um passo à frente para abraçá-lo com força.
— Chegamos em má hora? — Alec perguntou, olhando-o de cima a
baixo. — Está machucado.
— São apenas alguns arranhões. Um preço muito baixo que paguei com
prazer para manter o que é meu — explicou Ewan.
Seu tio o olhou mais de perto e balançou a cabeça, orgulhoso dele. Ele
descobriria mais tarde a que estava se referindo.
O laird então se virou para Melyon e se aproximou dele. Seus olhos se
encontraram pela primeira vez desde que o baniu, e Willow, que estava
assistindo a cena com a respiração suspensa, sentiu seu estômago revirar.
— Perdoe-me — disse Ewan de repente, quebrando a tensão que parecia
flutuar no ar.
— Não há nada para perdoar — Melyon respondeu. — Você é meu
laird, sempre respeitarei suas decisões.
— Mesmo que estejam erradas?
Melyon então mostrou um sorriso cruzado e ofereceu o antebraço ao
amigo.
— Da próxima vez que você errar, eu vou te obedecer. Mas primeiro,
não se engane, vou quebrar esse nariz elegante que você usa na cara feia
com uma cabeçada.
Ewan riu da ameaça. Ele apertou seu braço, feliz, sabendo que tinha seu
tenente de volta.
— Bem-vindos — ele disse. — E agora, mãos à obra e me ajude com
esses homens... Não quero que pareçam um bando de ovelhas destreinadas
quando nos apresentarmos a Bruce.
— Antes — Alec os interrompeu — temos algo mais importante para
resolver.
O guerreiro procurou entre os presentes até encontrar Willow a uma
curta distância de onde estavam. A garota sorriu para ele e se aproximou.
— Vejo que sobreviveu ao temperamento do meu sobrinho. Eu estava
preocupada com você.
— Não é tão terrível assim — ela o defendeu.
— Você está falando do mesmo Ewan que eu conheço? — Melyon
perguntou sardonicamente.
Willow sorriu para ele com a cumplicidade que havia se desenvolvido
entre eles durante aqueles dias. O laird não perdeu aquela troca de olhares e
uma picada até então desconhecida perfurou seu estômago. Ele queria
afastar Will e colocá-la para trás, escondê-la do mundo, de Melyon, para
que ninguém além dele pudesse apreciar seus lindos olhos azuis.
— O que é esse assunto importante? — perguntou, com um pigarro
irritado.
— Um bom grupo de MacGregor espera por você na aldeia — Alec
anunciou sem rodeios — e eles estão acompanhados por alguns de seus
aliados. Eu falei com eles, querem uma reunião com você.
— MacGregor? — Willow sussurrou.
Seu rosto se iluminou quando todos os alarmes internos de Ewan
dispararam.
— O que vieram fazer aqui? O que querem? — ele perguntou,
mandíbula tensa.
Alec olhou para Willow e sentiu seu coração disparar com a notícia. Ele
também soube, pela perplexidade do sobrinho, que a garota não havia lhe
revelado sua verdadeira origem. Também não sabia se finalmente
conseguira admitir que não era um menino, mas não havia tempo para
desfazer esse erro agora, com a tropa MacGregor e seus aliados acampados
do outro lado do lago.
— Eu recomendo que não os faça esperar e saia para descobrir. Eles me
deram a palavra de que não querem confrontos, só querem conversar —
explicou.
— Vou acompanhá-lo — Melyon anunciou.
— E eu — Colin se ofereceu. — Assim que cruzarmos, reagruparei
nossos homens na aldeia, só para garantir.
— Nós iremos também — Adair proclamou, aproximando-se com
Lawler. — Se houver diálogo, será melhor se estivermos presentes. O
Conselho Campbell não pode ficar à margem, porque suponho que vieram
pedir explicações sobre o ataque... O assunto é sério.
— Não vão — Ewan decidiu. — Eu já lhes disse, não são mais meus
conselheiros. Agora essa posição é mantida por meu tio Alec; ele será o
único a me acompanhar.
— Mas…! Não pode fazer isso conosco! Aqueles imundos MacGregor
nos causaram problemas no passado, quando seu pai governava o clã. Nós
estávamos lá, sabemos como lidar com eles.
— MacGregor sujos? — silvou Willow, detestando aquele velho
intrometido com toda a sua alma.
— Will, isto não te diz respeito. — Ewan a avisou.
— Que não me diz respeito?
Os olhos castanhos do laird a olharam como se tentassem prendê-la no
lugar para que não se movesse de onde estava.
— Não. Agora você é um Campbell, eu já te disse. Não se meta nisso.
Willow estava furiosa. Seu povo, seu clã, seus homens estavam do outro
lado do lago. Ela poderia finalmente escapar da incerteza que tinha
assombrado sua alma desde que ela saiu de casa, e este guerreiro teimoso
queria que ela ficasse fora disso?
— Eu quero ver os MacGregor, meu senhor.
Ewan percebeu que ela estava se dirigindo a ele novamente com a
mesma rebeldia de quando fingia ser apenas um menino.
— Bem, você não os verá — ele sentenciou. — Vai ficar aqui até eu
descobrir o que eles querem.
— Por quê?
— Porque eu sou seu laird, e você vai me obedecer.
Não esperou que respondesse. Ele se virou e foi pegar a camisa que
havia tirado para a luta. Enquanto a vestia para receber seus visitantes, deu
instruções a seus homens. John, em particular, recebeu ordens de vigiar Will
para que não pensasse em deixar Innis Chonnel. Só de pensar que os
MacGregor poderiam reclamá-la, se sentia mal do estômago. Sabia que era
estúpido e exagerado, por que reivindicariam uma serva? Acima de tudo,
uma que havia escapado de Meggernie e que, certamente, não sabiam que
existia. No entanto, não confiava na natureza possessiva dos clãs das
Highlanders. Se descobrissem que um dos seus havia se escondido dentro
das paredes de sua fortaleza, poderiam exigir que voltasse para sua própria
casa. E ele nunca permitiria isso. Will... Willow, era dele. Se ela já tinha
sido uma MacGregor, não era mais. Isso não admitia discussão.
Quando estava pronto, dirigiu-se com o resto da comitiva em direção
aos barcos para atravessar o lago. Antes de sair pelo portão da frente, no
entanto, olhou para trás mais uma vez. Willow o perfurou com olhos azuis
cheios de fúria. Não lhe importava. Ele preferia ter que lidar com ela mais
tarde, em seu quarto, do que arriscar perdê-la para sempre.
CAPÍTULO 33

Alec olhou para Ewan de soslaio. Ele não entendia por que não queria levar
Willow com eles e não queria tirar a autoridade de seu sobrinho na frente de
seu povo, então não interferiu... Nesse momento. No entanto, ele sabia que
a presença da garota seria essencial em seu encontro com os MacGregor,
então, antes de deixar a fortaleza, havia dado a Donald instruções muito
específicas a esse respeito.
— Quando eles chegaram? — perguntou Ewan, antes que o barco
chegasse à outra margem.
— Esta manhã, ao amanhecer. Melyon e eu ouvimos o alvoroço de suas
tropas e saímos ao seu encontro. E graças a Deus, porque seus homens já
estavam se preparando para o confronto, mas conseguimos deixar todos
tranquilos.
— O que querem? O que procuram?
— Não me disseram. Malcom MacGregor não queria falar com ninguém
além de você. Presumo que seja sobre o ataque à sua fortaleza e o
assassinato de seu irmão. — Alec olhou sério para o sobrinho. — Lamento
te informar, mas não agiu com sabedoria neste assunto. Em que estava
pensando? Ser temido não é a melhor maneira de ganhar o respeito dos
outros. Não deve carregar os crimes dos outros em seus ombros apenas para
parecer mais forte.
Ewan abaixou a cabeça, abatido. Seu tio era uma das poucas pessoas em
quem ele depositava fé cega, e suas repreensões o afetavam, porque ele
sabia que estava certo.
— Agora é. Padre Cameron já me alertou sobre isso e eu lhe prometi
que iria remediar. Mas com toda essa coisa de Will... minha cabeça não
estava onde deveria estar.
Alec podia sentir sua perplexidade. Ewan estava muito perdido.
— Bem, esta é sua chance de esclarecer as coisas. O assunto deve ser
resolvido sem mais demora, para que, quando encontrar o rei, ninguém
possa levantar qualquer acusação contra você.
Ewan assentiu e ficou pensativo, os olhos perdidos na água.
— Ela te contou que era mulher? — soltou de repente.
— Não. Percebi antes que ela acordasse. — Alec riu. — Eu não sei
como você não percebeu... Eu gostaria de ter visto seu rosto quando ela
finalmente confessou.
— Não é engraçado, velho — Ewan protestou para sua diversão. —
Quase perdi minha sanidade por causa dela.
Alec continuou a rir e deu um tapinha carinhoso na nuca dele.
— A pouca sanidade que você tem, quer dizer...
— Atenção, chegamos — Melyon anunciou, atrás deles.
Todos os ocupantes do barco olharam para a costa, onde um grupo de
MacGregor os esperava. Além deles, podiam ver alguns MacNab, incluindo
seu odioso laird, James. Ewan procurou entre os guerreiros e rapidamente
percebeu o que deveria ser Malcom por sua postura e a carranca em seu
olhar que, a julgar por sua ferocidade, poderia facilmente partir um tronco
ao meio com seus olhos. Ele era um homem bastante alto, com uma
envergadura assustadora e uma aparência intimidadora. Seu cabelo castanho
estava na altura dos ombros e uma espessa barba escura cobria seu rosto.
Ao se aproximarem, os dois homens se reconheceram como os respectivos
líderes de seus clãs e não deixaram de se observar.
— Bom dia, senhores — Ewan cumprimentou quando chegou até eles.
— O que traz o filho do laird MacGregor às terras dos Campbell? — ele
perguntou sem rodeios, exibindo sua habitual falta de tato.
Alec pigarreou ao lado dele, deixando-o saber que ele era um bruto.
— Não somos bem-vindos? — inquiriu Malcom, cuja mão descansava
aleatoriamente no punho de sua espada.
— Claro que é. Meu sobrinho não tem boas maneiras, mas é um homem
generoso e hospitaleiro, posso garantir — Alec interveio para amenizar as
coisas.
— E bem? — insistiu Ewan, ignorando todos os esforços do tio para que
aquele encontro fosse pacífico.
— Tivemos que voltar do front para resolver os problemas do clã —
Malcom explicou. — Sei que está ciente do ataque a Meggernie. Nesse
ataque mataram meu irmão... e roubaram algo que nos pertence.
Ewan de repente se lembrou da joia misteriosa que todos procuravam.
Como ele poderia esquecer isso também? Will distorceu sua mente de tal
forma que havia esquecido todas as questões que poderiam ter resolvido
este enigma.
— Como eu disse a James MacNab quando esteve aqui perguntando
sobre sua joia, os Campbell não a têm. — Ewan olhou diretamente para o
homenzinho enquanto falava.
— Você me disse isso, mas eu não acreditei — o mencionado estalou
violentamente. — Foi bastante suspeito que, após perguntar sobre a joia,
desapareceu de casa no dia seguinte. Mandei meu homem de confiança
procurá-lo... mas ele nunca mais voltou. Encontramos seu corpo, junto com
o resto de seu grupo, assassinado no meio da floresta. Não sabe o que
aconteceu com eles?
Muito bem. Ele não apenas tinha que se explicar aos MacGregor, mas
também tinha que responder pelas mortes dos MacNab. Ewan sentiu seu
pulso acelerar e respirou fundo, tentando se acalmar.
— Eu os matei.
A declaração contorceu o rosto de James, e ele levou a mão ao punho da
espada com um grunhido raivoso. Malcom colocou a mão em seu peito para
acalmá-lo.
— Primeiro, quero ouvir o que você tem a dizer — ele disse, perfurando
Ewan com os olhos.
Ele assentiu, grato pela intervenção. Não tinha medo de enfrentar James,
na verdade, estava ansioso por isso, mas não queria se envolver em uma
luta contra esses homens. Era necessário que os MacGregor soubessem de
sua inocência.
— Eu os matei — ele disse de novo — porque me atacaram primeiro.
Me atacaram na floresta, cinco contra um... Não, estou mentindo, cinco
contra dois, porque meu criado estava comigo. Na verdade, acho que ele foi
a causa daquela emboscada. Aparentemente, Reed tinha gostado do menino
e estava disposto a fazer qualquer coisa para conseguir o que queria. Foi em
legítima defesa, James, não há crime em se defender.
— Mas há em atacar uma fortaleza na calada da noite, quando a maior
parte de seus soldados está lutando na linha de frente ao lado de nosso rei
— Malcom soltou, seu tom em chamas. Avançou um passo e acrescentou.
— É crime roubar o que não te pertence...
Ewan ergueu as mãos pedindo calma.
— Não foram os Campbell que realizaram aquele ataque. Não roubei
nada... não matei seu irmão.
— E é isso? Devemos apenas acreditar na sua palavra? — Malcom
perguntou.
— Eu era amigo do seu pai — Alec então interveio. — Eu o estimava
tanto que me desentendi com meu próprio irmão, o antigo laird,
intercedendo por ele no passado e tentando evitar o conflito que nossas
famílias tiveram nos últimos anos. Fui banido pelo meu próprio clã... E isso
deve bastar para você acreditar na minha palavra. E juro a você, pela minha
honra, que os Campbell não atacaram Meggernie. Ewan não é culpado dos
crimes que lhe são imputados e está disposto a lhe provar isso a
encontrando o verdadeiro arquiteto desse engano.
Malcom considerou suas palavras. Ele olhou de um homem para o
outro, decidindo se deveria ou não confiar naquele argumento.
— Tenho uma vaga lembrança de você — ele finalmente admitiu — de
quando veio para Meggernie quando meu irmão e eu éramos crianças. Meu
pai falou de sua coragem e lealdade em algumas ocasiões, e mesmo que eu
não acredite em sua palavra, devo acreditar na de meu pai. Estou pronto
para acreditar... e aceitar a ajuda do laird dos Campbell.
Ewan soltou o ar que estava segurando em seus pulmões.
— Estou feliz em ouvir você dizer isso — Alec disse, com um sorriso.
— Encontraremos o culpado da morte de seu irmão — Ewan prometeu a
ele.
— Minha prioridade agora é encontrar a joia... É o que me faz perder o
sono. — Malcom olhou para Alec com intenção, falando com ele com os
olhos sobre algo que não ousava dizer em voz alta por medo de piorar a
situação.
E Alec entendeu... A luz acendeu em sua cabeça porque, de todos os
presentes, ele era o único que poderia saber o que ele queria dizer. Pois,
embora não soubesse que era esse o apelido pelo qual ela era conhecida
entre seu povo, ele estava presente quando a joia nasceu. Entendeu o
desespero de Malcom e ficou grato por ser cauteloso e antecipar os
acontecimentos. Havia presumido que os MacGregor ficariam satisfeitos
em saber que Willow estava ali, sã e salva, e arriscou desobedecer à ordem
de Ewan pedindo a Donald que a levasse até lá. Mas nunca imaginou que
eles estavam procurando por ela com tanta força... A garota nunca
mencionou que sua família não sabia de seu paradeiro e ele assumiu que seu
disfarce e seu esconderijo tinham sido ideia do próprio MacGregor para
mantê-la segura. Este foi certamente um golpe de sorte; serviria para
mostrar a Malcom sua boa vontade: eles cuidaram de sua irmã todo esse
tempo.
— Parece-me que sua busca acabou — disse ele, com um gesto
conciliador. — Você tem que me perdoar, eu não sabia da importância dessa
joia e não liguei os pontos... Ewan não é culpado de mentir para você,
porque ele também não sabe o que você quer dizer, mas sim, ele a tem. Ele
a teve todo esse tempo.
Ewan olhou para ele diretamente.
— Do que você está falando, tio? Nunca vi essa joia dos MacGregor.
Alec caminhou até ele, colocou a mão em seu ombro e olhou em seus
olhos.
— Sim, você já viu.
A profundidade dessa declaração afundou na mente de Ewan, e seu
rosto se contorceu quando ele entendeu. Não podia ser, não podiam estar
falando sobre...
— Malcom!!
O grito penetrante veio da costa, onde um dos barcos de Innis Chonnel
acabara de parar. Todos olharam e viram a criatura de cabelos curtos,
vestida com roupas masculinas enormes, correr em direção aos MacGregor,
seguida por Donald, que tentava segurá-la sem sucesso. Passou rapidamente
pelos rostos perplexos dos Campbell, percebendo qualquer coisa, menos seu
alvo.
Malcom ficou petrificado, não conseguia tirar os olhos da criatura que
avançava como uma flecha em sua direção. Quando a teve em cima dele, se
jogando em seus braços, abriu-os instintivamente, porque seu coração lhe
dizia que finalmente havia encontrado o que procurava.
— Malcom! Achei que nunca mais te veria!
Ao ouvir aquela voz, os joelhos do guerreiro tremeram e suas mãos
apertaram o corpo macio escondido nos trapos.
— Willow…
Ela se afastou para poder olhar para o rosto amado dele, e seus olhos se
encheram de lágrimas. Tocou seu rosto com reverência e seu irmão sabia
que estava pensando em Niall também, e como, mesmo que seus rostos
fossem idênticos, nunca mais o veria. Malcom também olhou para ela, feliz
e ao mesmo tempo constrangido com sua aparência.
— O que aconteceu com você? — ele perguntou, passando os dedos
pelas mechas curtas de cabelo. — Você está... você está tão mudada... O que
fizeram com você?
Ela negou com a cabeça, o rosto coberto de lágrimas, a garganta
sufocada pela emoção, incapaz de pronunciar uma palavra. Ela se apertou
contra seu corpo novamente, procurando o calor e o cheiro familiar de seu
irmão, seu coração cheio de felicidade e melancolia.
Na frente deles, Ewan assistia ao reencontro sem sair de seu estupor.
Seu duende, aquela criatura maravilhosa que ele descobrira na noite anterior
sob o disfarce de um menino, agarrava-se a Malcom MacGregor com
confiança e amor incondicional. E suas entranhas arderam de ciúme e
desejo de arrancar a mulher que considerava sua... e de mais ninguém dos
braços de seu oponente.
Ele deu um passo em direção a eles, o rosto contorcido, os punhos
cerrados ao lado do corpo. Alec colocou a mão em seu peito e Ewan rosnou
baixinho.
— É minha…
— Não. Agora não.
— Não o entendo? — Ewan virou-se para o tio e falou tão baixinho que
Alec mal o ouviu. — Se entregou a mim, agora me pertence. Não vou
deixar outro homem levá-la de mim e não me importo se estavam noivos ou
apaixonados um pelo outro antes de ela vir para mim. Tenho certeza de que
os sentimentos de Willow mudaram, ela não pode amá-lo...
Alec ficou tão surpreso com as palavras dele que sua voz não saiu para
responder. A garota havia se entregado a ele? Quando? Pelos chifres de
Satanás, aquilo complicava as coisas! E a gota d'água foi que ele acreditou
estar testemunhando um reencontro entre dois amantes... Tinha que
esclarecer antes que fizesse o maior idiotice de sua vida. Quando Ewan deu
outro passo na direção dos MacGregor, o deteve segurando seu braço.
— Willow o ama, muito mais do que você pensa.
— Impossível.
— Ouça, Ewan…
— Não.
Ele se desvencilhou do braço do tio e avançou um pouco mais.
— É o irmão dela — Alec finalmente disse, colocando a mão no ombro
dele novamente.
A implicação dessas palavras penetrou na consciência de Ewan muito
lentamente, como um galho afundando em um pântano.
Irmã de Malcom MacGregor.
Portanto, filha de Ian MacGregor, um grande senhor das Highlanders, o
laird de seu clã.
Ela não era filha de servos, não estava sozinha.
Ela tinha um clã inteiro que a apoiaria se ela precisasse, tinha um pai e
um irmão poderosos.
E ele a tratou com desdém desde que a conheceu. Tornou a vida dela
miserável, a levou para a cabana de uma prostituta! E, ainda por cima, não
contente com tudo isso, desonrou-a e deflorou-a numa masmorra imunda e
fedorenta...
CAPÍTULO 34

Estava com os seus, estava com Malcom. Queria que aquele momento
durasse para sempre. Sentir os braços fortes do irmão apertando-a com
tanto amor lhe devolveu a paz interior que ela já pensava ter perdido
irremediavelmente.
— Achei que nunca mais te veria — confessou, encostado no seu
ombro.
— E eu, pequena — respondeu o guerreiro, abraçando-a contra o peito.
Ambos sabiam que, a partir daquele momento, seriam apenas dois e sempre
faltaria alguma coisa. Mas talvez, por isso mesmo, aquele reencontro os
tenha aproximado.
Willow lentamente se afastou e enxugou o rosto nas mangas da camisa.
Olhou para o resto dos homens MacGregor, seu coração disparou
novamente ao reconhecer tantos rostos. Era reconfortante saber que aqueles
soldados não cuspiam nela nem desviavam o rosto. O oposto.
— Angus! — exclamou, vendo o gigante protegendo as costas do irmão,
como sempre. Ela se aproximou dele e ele se ajoelhou no chão, pegou a
mão dela e a beijou carinhosamente. Willow sorriu feliz. — Levante-se,
Angus, e me dê um abraço de verdade. Por São Mungo! São lágrimas isso
que brilham no fundo dos seus olhos?
— Já pensávamos que a tínhamos perdido também — disse ele, com a
voz rouca.
Ele se levantou e a abraçou, e o resto dos homens os rodeou para saudar
sua senhora com emoção. Willow apertou mãos e compartilhou sorrisos que
se misturaram com lágrimas de felicidade… ela estava em casa! Finalmente
estava com os seus.
— Willow, venha... — Malcom chamou a atenção dela pegando seu
braço. — Eu preciso saber, por que está vestida assim? O que aconteceu
com seu cabelo? Por que está aqui com os Campbell?
A jovem notou como o tom de seu irmão ficou tenso a medida que
perguntava. Olhou de soslaio para Ewan e o resto de seus guerreiros, que
observavam a cena com expectativa, um pouco afastados. Ela sabia que
Malcom não acharia graça em saber de suas desventuras entre os Campbell,
então tentou justificar sua presença ali explicando o motivo daquela
estranha situação.
— Foi por causa de Marie… — começou. — Ela estava cumprindo as
ordens de Niall naquela noite horrível, e me disse que eu tinha que correr,
que eu tinha que me disfarçar e ficar em segurança. Os Campbell não me
sequestraram, não atacaram Meggernie. Saí, me escondi aqui esse tempo
todo e eles...
— Vou te contar o que estava fazendo na fortaleza Campbell — James
MacNab a interrompeu, com um sorriso maligno, dando um passo à frente.
— Era o servo pessoal do laird. Serviu-lhe comida, limpou as botas e selou
o cavalo.
O coração de Willow disparou com isso e seu rosto corou. Até ouvir da
boca daquele desgraçado, não sentia na pele o constrangimento de que seu
irmão e todo o seu povo soubessem daquela história. O rosto de Malcom
também estava vermelho, mas com raiva reprimida.
— O que acabou de dizer? — silvou.
— Malcom, não. Não é o que pensa... Ninguém sabia quem eu era, vim
para Innis Chonnel com uma família que me acolheu e que por acaso
trabalha como servo na fortaleza. Achei... achei que o melhor era manter o
disfarce, juro. Eles não sabiam de nada, Ewan não sabia minha verdadeira
identidade.
O mencionado se aproximou deles, com um olhar de aço e uma
expressão circunspecta. Ele pousou a mão no punho da espada, com ar
cauteloso.
— Disse a verdade. Eu não sabia quem era até este momento. — Ele
procurou os olhos da garota antes de acrescentar. — Se soubesse, nunca lhe
teria sido dado o tratamento que todos os habitantes de Innis Chonnel lhe
deram. Eu nem descobri que era uma mulher até ontem. Sempre a achei um
menino magricela, franzino... Sua irmã sabe guardar segredos muito bem.
Esse último disse magoado, e Willow percebeu o quão zangado Ewan
estava com seu engano. Não havia tido tempo de explicar...
— Isso não me conforta, Campbell — falou novamente Malcom.
Agarrando o braço de sua irmã, a puxou para longe de Ewan, puxando-a de
volta para o grosso das tropas MacGregor. O gesto falou por si. — Minha
irmã é uma dama e fico ofendido por encontrá-la nessas circunstâncias.
— Eu entendo você — resmungou o laird. — Eu também estou
envergonhado. Se Will…
— Willow — seu irmão o corrigiu ferozmente.
— Willow — Ewan concordou, com um gesto de desculpas. — Se
Willow tivesse revelado sua identidade para mim, juro pela minha honra
que a teria protegido. Por favor, aceite minhas sinceras desculpas.
— Sim, Malcom — Alec interveio então, aproximando-se. — Por favor,
aceite também nossa hospitalidade. Deve estar exausto após sua busca,
bem-vindo a Innis Chonnel. Será um prazer que façam uma parada no
caminho e dividam uma mesa conosco. Há muitas coisas para falar, muito
para esclarecer.
— Não vou aceitar a hospitalidade dos Campbell — James MacNab
interveio, acompanhando a conversa sem perder um detalhe. — Ewan
matou meus homens e, embora jure que foi em legítima defesa, não acredito
na palavra dele.
— No entanto, ele diz a verdade — Willow o defendeu. — Eu estava
com ele quando os MacNabs nos atacaram traiçoeiramente.
Malcom colocou as mãos nos ombros de Willow e olhou em seus olhos.
— O que está dizendo? Este homem afirma que estava acompanhado de
seu criado, e que o motivo da emboscada era que Reed estava apaixonado
pelo garoto...
Willow encontrou o olhar de seu irmão sem piscar.
— O menino era eu. E se Ewan não tivesse me protegido, possivelmente
agora eu estaria morta... ou algo muito pior — sussurrou.
Malcom se virou até o MacNab, zangado. James ergueu as mãos,
franzindo a testa com o desenrolar dos acontecimentos.
— Como sabemos que ela diz a verdade? Viveu com os Campbells, é
evidente que sente um apreço por eles que...
— James! — rugiu Malcom. — Nunca, jamais, ouse sugerir que minha
irmã é uma mentirosa. E seja grato por Ewan ter a defendido naquele
momento, porque se algo tivesse acontecido com Willow, se algum de seus
homens tivesse feito algum mal a ela, todo o seu clã teria pago por isso,
tenha certeza.
O rosto do MacNab se ruborizou de ultraje. Ele veio aqui como um
aliado dos MacGregor, pronto para enfrentar os Campbells para resolver os
crimes que pesavam sobre aquele clã: o ataque a Meggernie, o massacre de
seus homens na floresta. Porém, em questão de minutos, a lealdade dos
presentes mudou por causa daquela garota.
— Não estou mais com vontade de ficar aqui, ouvindo infâmias sobre
meu tenente assassinado. Vejo que minha palavra não vale nada contra a de
Campbell...
— Não é a sua palavra que estou ouvindo, mas a da minha irmã —
Malcom o cortou.
James franziu os lábios em uma linha fina de irritação.
— Não me meterei em uma disputa contra seus clãs. Mas que fique bem
claro que, no que me diz respeito, nossa aliança termina aqui e agora.
Assim que disse isso, o homem se virou e ordenou que seus soldados se
preparassem para deixar o local.
— Sinto muito por tudo isso — disse Ewan, quando os MacNab já
estavam montando em seus cavalos para partir. No entanto, não se
arrependia do ocorrido e não tentou impedi-los. Era um alívio que
estivessem indo embora.
— Senhores — Alec interveio para amenizar a tensão no ambiente —
vamos para a fortaleza. Lá os MacGregor poderão se lavar e descansar de
tantas reviravoltas.
— Sim, e também podemos pensar na forma de encontrar o culpado da
morte do seu irmão — Ewan propôs a Malcom.
— Do nosso irmão, quer dizer — Willow estalou, para surpresa dos dois
guerreiros. — Esqueceu que Niall também era meu irmão, não me exclua
disso.
Ewan olhou para aqueles tristes olhos azuis e entendeu muitas coisas. O
ódio que professava por ele desde o início agora fazia sentido. Se ela
pensava que ele era o assassino de seu irmão, era natural que quisesse matá-
lo com as próprias mãos. Não podia imaginar o quanto devia ter sofrido
durante o tempo que passou fingindo ser Will.
Embora estivesse com muita raiva dela, ele queria abraçá-la e confortar
toda aquela dor que se refletia em seu rosto doce.
— Aceitarei sua hospitalidade — Malcom anunciou. — Depois de ouvir
minha irmã, não posso culpá-lo por tudo o que aconteceu com ela, nem pelo
tratamento que recebeu por causa de seu disfarce. Eu a conheço muito bem,
e se ela pretendia passar despercebida, não tenho dúvidas de que conseguiu.
Quando algo entra em sua cabeça, é difícil fazê-la mudar de ideia.
Ewan não confessou que, justamente para ele, isso não passou
despercebido. Achou que Malcom não gostaria de ouvir sobre seu interesse
obsessivo por Will.
— Então — Alec voltou a falar — se estiver tudo bem para o meu
sobrinho, passo a informar que esta noite celebraremos um jantar especial...
Os MacGregor recuperaram sua joia; como amigo do laird Ian MacGregor,
não poderia estar mais feliz.
— Claro, tio. Informe Jane para preparar tudo para esta noite.
— Willow, venha comigo — Alec pediu a jovem, lhe oferecendo a mão.
— Eu sei que não quer se separar de seus entes queridos, agora que
finalmente os encontrou, mas, pela memória de sua mãe, a quem eu
adorava, sinto-me obrigado a fazer de você o que é novamente... uma dama.
Não tema, Malcom, quando a vir novamente, ela será a Willow que você
conhece.
A menina olhou para o irmão, incerta. Não queria deixá-lo, um medo
primitivo se instalou em seu coração quando percebeu que não queria ficar
sozinha novamente.
— Vá com Alec, logo me encontro com você — Malcom lhe prometeu,
acariciando sua bochecha. — Eu não vou sair daqui sem você.
Para Ewan, essa declaração foi como uma flecha inesperada no peito. E
quando viu que a jovem assentiu, feliz, com lágrimas nos olhos, seu coração
se partiu em mil pedaços. Ele nem mesmo era uma opção para ela... Seu
irmão havia retornado e agora nada mais parecia existir para Willow.
A jovem pegou a mão de Alec e se deixou conduzir. Ao passar por
Ewan, ela parou e tocou seu braço com suavidade.
— Perdoe-me por não ter te contado quem eu era — sussurrou, em voz
baixa.
Ele sentiu a carícia dela atravessar o tecido de sua camisa e queimar sua
pele. Sua voz, rouca e terna, o fez querer pegá-la em seu ombro e levá-la
embora. Como ele não tinha ouvido aquele timbre feminino antes? Como
ela pôde mantê-lo enganado por tanto tempo?
Não lhe respondeu. Também não a olhou. Deixou Alec afastá-la para
longe dele, sabendo que tinha que colocar ordem no caos de sentimentos
que fervia dentro dele. Muito para assimilar em tão pouco tempo, muitas
revelações, muitas frentes abertas. Ewan estava exausto e ainda tinha o dia
inteiro pela frente. Ele olhou para os MacGregor e tentou se concentrar na
tarefa em mãos, descobrindo quem estava por trás de todas as intrigas que
feriram seus respectivos clãs.

Quando Jane viu Alec Campbell chegar, seu rosto se iluminou. Anos
atrás, aquele homem havia sido um dos pilares de Innis Chonnel e a
governanta notara sua falta no cotidiano da fortaleza. O apreciava de
verdade.
— Jane!
— Meu senhor, que alegria. Voltou para ficar?
— Dessa vez sim, minha querida Jane. Meu sobrinho precisa de mim e
nada fará com que abandone meu povo novamente.
A mulher lhe deu um sorriso satisfeito.
— Tenho certeza de que todos os Campbell ficarão felizes em saber que
está de volta.
— Sim. Há muito o que comemorar, Jane. E, precisamente, te procurava
para te dar instruções: vamos organizar um grande jantar. Temos
convidados, os MacGregor, então tudo tem que estar perfeito esta noite.
— Claro. — Jane notou o menino que havia chegado acompanhando
Alec. — Will, vai ter que nos dar uma mãozinha, temos pouco tempo para
preparar tudo que…
— Não — Alec interrompeu. — Will tem outra tarefa pela frente. E
ninguém melhor do que você para ajudá-la.
— Ajudá-la? — perguntou a governanta, confusa. — A quem?
— A Willow MacGregor, filha do laird do clã MacGregor. — Ao dizer
isso, Alec gentilmente empurrou a jovem que corou com o olhar atordoado
de Jane. — O irmão dela é um dos nossos convidados e eu quero que
Willow esta noite pareça a dama que ela sempre foi, mesmo que esteja se
escondendo atrás dessas modestas roupas de servo todo esse tempo.
Conhecendo você, presumo que ainda tenha os vestidos de Cait guardados,
então imploro que salve alguns do baú dela para arrumá-la.
A governanta não conseguia falar. Ela ficou sem palavras de espanto,
olhando para o rosto do que, até agora, ela acreditava ser um menino... um
criado.
— Jane? — Alec perguntou, chamando sua atenção.
A mulher piscou, seus olhos finalmente indo do rosto de Will para o
guerreiro.
— Sim, guardei os vestidos de Cait. Tenho certeza de que posso
preparar algum a tempo do jantar.
Willow aproximou-se dela, sentindo sua perplexidade, e tomou a
liberdade de pegar em suas mãos com toda a afeição que sentia pela
governanta de Innis Chonnel.
— Jane, desculpe por mentir para você… por mentir para todos. Tive
que me esconder até que minha família viesse me procurar, e assim tem
sido. Agradeço se me ajudar a ser eu mesma, porque a verdade é que estou
há tanto tempo debaixo desta camisa enorme que nem sei mais quem sou.
— Acompanhou suas palavras com um sorriso amoroso que conquistou o
coração de Jane instantaneamente.
— Minha senhora... Não há o que perdoar. Deve ter sido difícil suportar
tantas provações depois que sua casa foi atacada, sendo forçada a servir o
laird de outro clã para sobreviver. Nem todas as senhoras teriam se
rebaixado a tais necessidades para seguir em frente... Eu te admiro.
— Obrigada, Jane.
— Venha comigo, vamos para o quarto daquela que era a dona desta
fortaleza. A primeira coisa é tirar toda essa sujeira que te serviu de disfarce
e que não vai mais precisar. E quando tiver tomado um bom banho,
escolheremos o vestido que mais combina contigo...
Alec sorriu, satisfeito com as boas-vindas de Jane às novas
circunstâncias de Willow.
— Irei à cozinha informar a Edith sobre a festa de hoje à noite — ela
ofereceu, para que a governanta se dedicasse à jovem. — Ela ficará
encantada em assumir o comando por um dia.
Jane olhou para o céu e revirou os olhos. Ela também estava convencida
de que a cozinheira ficaria feliz em saber que, com a governanta ocupada
com outros assuntos, teria a oportunidade de se encarregar dos criados para
distribuir todas as tarefas. Só esperava que a liderança não lhe subisse muito
à cabeça.
— Calma, Jane — Willow sussurrou para ela, lendo sua mente. Também
conhecia o caráter da mulher enorme que cuidava do fogão. — Você tem
Maud para equilibrar um pouco a balança. Entre as duas poderão preparar
um jantar memorável.
Era verdade. Alec saiu para a cozinha e elas se dirigiram para o antigo
quarto de Cait Campbell.
O coração de Willow disparou com o pensamento de ter sua vida de
volta, algo que ela desejava... e temia ao mesmo tempo. Porque quando
fosse uma MacGregor novamente, tanto em espírito quanto em corpo, como
Ewan reagiria? Havia aprendido a lidar com o Campbell, com sua
intransigência, com sua dureza, sendo Will. Mas como lidaria como
Willow? Ele não podia tratá-la da mesma forma, especialmente na frente de
seu irmão. Isso, sem contar a raiva que viu nos olhos dele quando descobriu
quem ela era. Ele não a olhou em seu pedido de perdão, não disse nada.
E aquele silêncio e aqueles olhos que a evitavam a feriram no fundo de
sua alma.
Quando entraram no quarto de Cait, Jane foi direto para a lareira para
acender o fogo. O quarto era muito aconchegante e limpo, o que era mérito
da governanta, pois, apesar do tempo decorrido, ela não havia conseguido
esquecer a patroa e mantinha seus aposentos como em vida. Assim que
acendeu a lareira, arrastou a tina de madeira para perto do calor,
demonstrando uma força que surpreendeu Willow. Em seguida, deu ordem
para que trouxessem água para o banho.
Enquanto esperavam, Jane abriu o baú onde guardava os vestidos da
mãe de Ewan e os estendeu sobre a cama. Cait deve ter sido uma mulher
elegante, mas simples, Willow percebeu, porque não eram muito chiques.
Pensou que, se estivesse viva, certamente teria se dado bem com a Sra.
Campbell. Passou as mãos pelos diferentes tecidos, apreciando sua maciez.
Comparada com a camisa áspera que usava, que às vezes deixava sua pele
vermelha de coceira, era uma delícia.
— Qual prefere? — Jane perguntou. Imediatamente, percebeu o
tratamento que havia lhe dado e pediu desculpas. — Perdoe-me, minha
senhora. Estou acostumada a falar com Will e não percebi...
— Jane, acalme-se. Prefiro dessa maneira. Também acho estranho que
me trate de outra forma, porque isso me distancia de todos que me
acolheram como uma a mais e me fizeram sentir parte de sua casa. Me
chame de Willow.
A governanta negou com a cabeça categoricamente.
— Não seria apropriado, não... Nem pensar. É a filha de um laird e eu
não me sentiria confortável.
A jovem suspirou, com um sorriso resignado.
— Como quiser.
Enquanto ela continuava a examinar os vestidos, a porta se abriu e Liese
entrou carregando alguns baldes de água. A garota congelou na porta,
olhando para Willow com uma cara de surpresa.
— Entre, Liese. Encha a banheira — Jane ordenou.
— Sim, senhora.
Willow contemplou o rosto daquela que, durante todo aquele tempo,
tinha sido como sua irmã. As bochechas de Liese estavam coradas, seus
olhos desviados dos dela. Ela se sentiu mal pelo constrangimento que devia
estar sentindo... A garota sempre demonstrou um interesse por Will que
nada tinha a ver com o fato de serem irmãos, e descobrir que ele não era um
homem foi um golpe.
— Vai ajudar a senhora em seu banho enquanto eu ajusto um desses
vestidos para ela?
— O que? — perguntou Liese, chocada.
O olhar que deu a Willow foi uma mistura de horror e surpresa.
— Deve me perdoar, Liese. E John e Maud, porque não apenas menti
quando não disse que era mulher. Eu sou... eu sou a filha do laird Ian
MacGregor.
— Então, afinal, tinha uma família — jogou na cara dela, com um
sussurro. — Meus pais e eu acolhemos você, e todo esse tempo riu de nós.
— Liese! — Jane a repreendeu. — Não deveria falar assim com uma
dama.
— Não, deixa ela. Tem razão para estar com raiva. Eu, porém, só me
sinto grata a ela e a seus pais. — Willow se aproximou da jovem loira e
procurou seus olhos, tentando cair nas boas graças do que ela ainda
considerava sua irmã. — Se não fosse por vocês, talvez eu não tivesse
sobrevivido. Devo-lhes a minha vida e nunca poderei esquecer isso. Não
quero que você ou seus pais me vejam como alguém a quem servir. São
minha família... o carinho que sinto por vocês não pode desaparecer apenas
trocando de roupa.
— Will…
A voz de Liese falhou e ela abaixou a cabeça de vergonha. Não sabia
como lidar com ela, como tratá-la, como olhar para Willow em sua nova e
distinta feminilidade.
— Me faz um favor? —perguntou, pegando a mão dela para levá-la até
a cama. — Ajude-me a escolher um vestido, Liese. Há muito tempo que uso
roupas masculinas e não me vejo conseguindo tomar essa decisão sozinha.
Sorriu docemente para ela, esperando que a jovem entendesse que a
confiança que havia sido forjada entre as duas quando ela era Will ainda
estava intacta. E pareceu funcionar. O rosto de Liese relaxou e ela lhe sorriu
de volta, apertando sua mão com amor. Seus olhos caíram sobre os vestidos
estendidos na cama e se iluminaram de entusiasmo com a tarefa que tinha
pela frente.
— Vamos deixar você muito bonita, Willow MacGregor. Minha irmã vai
se apresentar ante seu povo e ao Laird Campbell como uma verdadeira
dama. Quero ver como todos aqueles que gritaram com você, que te
humilharam por ser um menino fracote, ficam de boca aberta ao vê-la.
A risada de Jane surpreendeu as duas.
— Não tinha pensado nisso — confessou ela, divertida, esquecendo-se
de novo do trato que devia à senhora. Era difícil se acostumar. — Vai ser
muito interessante ver a reação de todos aqueles brutos que te chutaram no
treinamento quando aparecer no grande salão e se sentar ao lado do seu
irmão. Vamos, entre na banheira, vamos te esfregar até deixar sua pele
brilhosa...
CAPÍTULO 35

Durante as horas em que Willow esteve ausente, Ewan teve tempo de


conhecer um pouco melhor seu irmão. Soube imediatamente que Malcom
MacGregor era um homem com quem poderia fazer amizade, se necessário.
Ele era teimoso como uma mula, sincero e direto, assim como ele. Tinham
outras coisas em comum, como a preocupação em descobrir o que
aconteceu em Meggernie e quem foi o responsável pelo ataque. No entanto,
ambos concordaram que era melhor que Willow estivesse presente quando
repassassem todos os dados que haviam coletado, pois ela certamente
poderia lançar alguma luz sobre alguns pontos da história.
Assim, passaram o dia inteiro com suas respectivas tropas. Ewan
perguntando a Malcom tudo sobre a luta de Bruce nas linhas de frente, e
Malcom examinando criticamente o progresso de Ewan com os soldados
para os quais ele estava se preparando quando se juntasse ao Rei em
Stirling. Não foi possível encontrar qualquer falha neles. Eram guerreiros
bem treinados e altamente disciplinados; seriam recebidos pelo resto do
exército escocês para a batalha que encerraria o cerco ao castelo.
Em todo esse tempo, Willow não se encontrou com eles. Alec os avisou
que provavelmente não a veriam até a festa que preparavam, já que Jane
estava determinada a transformar completamente o garoto que todos
conheciam como Will na dama que realmente era. Malcom assentiu
satisfeito com aquela informação, pois queria reencontrar sua irmã, aquela
que ele conhecia e de quem sentia falta todos os dias.
Ewan, no entanto, estava inquieto e impaciente.
Ele ansiava por ver a jovem novamente, não conseguiu falar com ela
desde aquela manhã e precisava esclarecer muitas coisas. Agora, com seu
irmão sob o mesmo teto, observando-a como um cão de guarda, sentiu que
encontrar um momento a sós seria quase impossível...
Quando chegou a hora do jantar, Ewan ocupou seu lugar à mesa no
grande salão, cercado por seu novo conselho. Os convidados sentaram-se na
ala direita da mesa, de modo que pudessem ver os rostos uns dos outros
para conversar livremente. Era a primeira vez que o laird se sentia
confortável sentado em sua cadeira, com seu tio Alec, Melyon e Colin por
perto, apoiando-o como os dois velhos que herdara de seu pai nunca haviam
apoiado. Uma única preocupação nublava seu ânimo: Willow. O que iria
acontecer com ela agora? Ele não estava preparado para deixá-la nas mãos
de seu irmão, não estava preparado para vê-la partir com seu povo. Como
ele poderia suportar não tê-la todos os dias, não beijá-la, não se perder em
seu calor novamente?
Não havia terminado de formular essa pergunta em sua mente, quando a
jovem apareceu na sala. Ao vê-la, seu coração começou a bater muito
rápido. Ele mal a reconheceu em sua nova aparência, mas seu corpo reagiu
a sua proximidade como se por encantamento.
Ela estava usando um vestido azul claro que realçava ainda mais seus
olhos enormes. A parte de cima abraçava o busto esguio e a saia caía, cheia
e elegante, até o chão. As mangas escondiam braços que ele sabia serem
suaves e delicados, alargados no cotovelo até as mãos. Ela havia penteado
cuidadosamente o cabelo, arrumando as mechas curtas de maneira elegante
e atraente, adornando a cabeça com uma diadema de pequenas flores
brancas que lhe caíam melhor do que uma coroa em uma rainha.
Willow atravessou a sala com um passo majestoso e decidido. Todos os
olhares se voltaram para ela e as conversas ficaram suspensas no ar. Ewan
viu quantos de seus homens estavam olhando para ela de queixo caído; os
mais sensatos, inclusive, tiveram a decência de parecer envergonhados ao
ver aquela dama. A grande maioria zombou dela impiedosamente quando
ela era Will... cuspiram nela! Agora, Ewan estava convencido de que todos
estavam pensando na melhor maneira de abordá-la para se desculpar por
seu comportamento. Se havia algo de bom naqueles guerreiros, além de sua
bravura e ousadia, era saberem admitir seus erros.
O primeiro a fazê-lo, para sua surpresa, foi Bors, o barqueiro. Ele se
levantou da cadeira e a interceptou no meio do caminho, posicionando-se
na frente dela.
— Minha senhora — disse ele, inclinando a cabeça em saudação cortês.
— O laird nos disse quem realmente é. Desculpe... Desculpe ter a tratado
como um verme medroso.
Willow ergueu as duas sobrancelhas, surpresa com a escolha das
palavras. Apesar de tudo, se divertia que aquele pedaço de bruto mantivesse
sua essência, por mais que seu vestido o impressionasse. Ela não se sentiria
confortável com uma atitude exagerada de galanteria mal disfarçada. Os
Campbell não eram assim, e ela passou a apreciar seus modos grosseiros e
rudes.
— Aceito suas desculpas, Bors. Eu gostaria de tê-las ouvido quando
ainda era Will, já que não acho que alguém mereça ser cuspido só porque
não consegue segurar uma espada, mas agradeço seu arrependimento. E
agora, se me permite, meu irmão está me esperando.
Era verdade. Malcom havia se levantado e os encarava com o cenho
franzido. A última coisa que Willow queria é que seu irmão descobrisse de
repente tudo o que teve que suportar enquanto vivia entre os Campbell...
— Minha senhora — Bors falou novamente, impressionado com sua
resposta — considere-me seu servo leal. Eu não quero que tenha esse
conceito de mim. Admiro sua bravura, e a do velho Will, enquanto estamos
no assunto. Agora que revelou sua identidade, com mais razão. Qualquer
outro menino não teria suportado nossos insultos por um dia durante o
treinamento, teria desistido na primeira vez. Mas a senhorita não...
— Teremos essa conversa em outro momento, Bors — ela o
interrompeu, vendo que seu irmão havia perdido a paciência e se
aproximava deles com passo firme.
— Willow, vou acompanhá-la até o seu lugar. — Malcom colocou a
mão nas costas dela possessivamente para guiá-la até a mesa principal. No
caminho, o olhar que o guerreiro lançou aos soldados Campbell foi
devastador. Ele deixou claro que cortaria em dois com as próprias mãos
quem ousasse incomodar ou importunar sua irmã.
Ewan não perdeu um detalhe daquela cena, sentindo um ciúme
corrosivo nas entranhas ao ver como o MacGregor cuidava de Willow e
estendia sua proteção ao redor da pessoa dela. Como se ela fosse um
verdadeiro tesouro... a joia de Meggernie. Ele olhou para seus próprios
homens, desconfortável com sua nova situação, tão arrependidos quanto ele
por ter estado tão errado sobre Will. E então olhou para os soldados
MacGregor, apenas para ver como aquela criatura que o fascinava se fundia
em sorrisos com eles e se deixava entreter, feliz por alguém finalmente
saber como tratá-la como ela merecia. Era fácil imaginar a saudade que a
jovem devia ter sentido do seu povo...
Quando ela finalmente se sentou, longe dele, flanqueada por Malcom e
o corpo maciço de seu tenente, Angus, os olhos de Willow procuraram os
dele. O choque do encontro deixou os dois atordoados por alguns segundos.
Ewan a achava cativante em sua nova aparência feminina, mas daria
qualquer coisa para se aproximar dela, arrancar aquele vestido elegante e
passar os dedos pelas mechas escuras de seu cabelo curto para bagunçar seu
penteado e encontrar, sob aquela aparência impressionante, sua Will.
— Você está cobiçando ela — Alec o avisou, perto de seu ouvido. — E
não acho que seu irmão acharia graça.
— Como isso pôde acontecer? — ele perguntou desesperado. — Ontem
ela era minha... Ela seria minha para sempre. Agora é como se aquele
vestido tivesse colocado uma barreira entre nós dois. É como se Will tivesse
desaparecido.
Ewan pegou sua taça de vinho e bebeu profundamente, tentando
amenizar sua angústia.
— Não desapareceu. Ainda está lá, por trás daqueles olhos azuis... Não
consegue ver? Não vê como ela olha para você?
— Willow MacGregor já fez sua escolha, tio. E não duvidou, além
disso. Ela está encantada com seu povo, com seu irmão. Assim que ele
apareceu, eu não era mais uma opção para ela.
— Você desiste muito facilmente.
— Sim — Melyon o apoiou, entrando na conversa. — Desde quando se
tornou um chorão e um covarde? Como minha ausência te fez mal, amigo
— ele zombou.
Ewan bebeu novamente. Eles não entendiam... O que ele fez com
Willow não tinha nome. Quando seu irmão descobrisse, iria arrancar sua
cabeça... ou talvez alguma outra parte mais específica de seu corpo, e ele
não o culpava. Para completar, Malcom era um dos poucos homens que
Ewan poderia considerar um rival digno. Se necessário, derrotar aquela
massa em um único combate seria quase impossível. Claro, isso nunca
deveria acontecer. Ele era o irmão amado de Will, não podia ir contra ele de
forma alguma. Passou a mão no rosto, desesperado. Não sabia como iria
resolver essa bagunça...
As bandejas de comida começaram a chegar e o ambiente relaxou um
pouco. Os MacGregor provaram ter um bom apetite e Edith, a cozinheira,
organizou um banquete digno de reis, apesar dos poucos recursos
disponíveis naqueles dias. Grandes travessas de cordeiro, pombos e salmão
foram servidos. Havia também fatias grossas de queijo, pães integrais com
crosta crocante, bolos açucarados e tortas recheadas com amoras suculentas
por dentro. Foi uma ocasião especial e eles queriam entreter seus
convidados como mereciam.
Willow foi muito bem atendida, tanto seu irmão quanto Angus não
deixaram de encher seu prato, apesar de seu estômago estar fechado. Ela
observou silenciosamente todos os criados irem e virem, ciente de que, até
o dia anterior, ela havia compartilhado essas tarefas com eles. Se sentia
deslocada, fora de lugar. Olhou em volta procurando por Maud e a viu perto
dos soldados Campbell, carregando canecas de vinho e cerveja. A mulher
parecia sentir que estava sendo observada, porque levantou os olhos e a
observou de longe. O coração de Willow parou por alguns segundos,
esperando a reação de sua mãe adotiva. Ela estava convencida de que Liese
já a havia atualizado e queria ir até ela para abraçá-la e dizer que nada havia
mudado, que ainda a amava como quando era Will. Maud finalmente sorriu
afetuosamente e Willow conseguiu respirar com facilidade. Assim que o
jantar terminasse, teria que encontrá-la, tanto ela quanto John, e esclarecer
as coisas com os dois.
— Não está comendo nada —A voz de Malcom a assustou.
— Eu não estou com muita fome. Muitas emoções.
— Eu notei que o laird está olhando para você abertamente.
Willow, que acabara de enfiar um bocado de carne na boca, quase se
engasgou.
— Lembre-se de que, até ontem, eu era seu servo pessoal. Ele não sabia
minha verdadeira identidade, deve estar chocado — tentou justificar.
— Ele não parece pasmo —Angus entrou na conversa, do outro lado. —
Ele a olha como se quisesse carregá-la no ombro para tirá-la daqui. Deve tê-
lo impressionado muito vestida de mulher.
— Como ele reagiu quando descobriu que você não era um menino? —
inquiriu Malcom, sem lhe dar trégua.
— Ele ficou chateado… ele… ele ficou muito bravo.
— Não admira. Por que não confessou quem você era quando viu que
estava segura aqui?
Willow deu a Ewan um olhar triste.
— Eu pensei que ele era o assassino de Niall. Estava convencida de que
ele era o culpado por todos os meus males e queria me vingar dele.
Malcom se virou para ela, boquiaberto.
— Deus Todo-Poderoso, Willow! O que você estava planejando fazer?
Olhe para ele, se tentasse qualquer ataque contra ele, estaria morta agora.
Eu não posso acreditar que tenha sido tão inconsciente.
— Mas eu ainda estou aqui, apesar de tudo — ela respondeu,
começando a ficar com raiva. Por que todos insistiam em lembrá-la
repetidamente que não estava agindo com bom senso?
Essas palavras afetaram seu irmão, que a abraçou de repente e na frente
de todos os presentes. Ele sussurrou, bem perto do ouvido dela.
— Desculpe. Não tem ideia de como estou feliz por ainda estar aqui e
por finalmente ter encontrado você. Não posso te perder... Você não. Eu não
posso passar por isso de novo.
A garganta de Willow se apertou com sua sincera confissão. É assim que
Niall costumava ser, espontâneo e sincero. Malcom sempre foi mais
reservado e, talvez por isso, suas palavras a surpreenderam e a levaram às
lágrimas. Ela também não queria passar por isso de novo. Seu coração já
estava incompleto e estaria até o dia de sua morte, mas continuava batendo,
e Malcom era fundamental para não perder o ritmo novamente. Ela o olhou,
com os olhos marejados, e acariciou sua barba escura com amor.
— Você não vai me perder.
Do outro lado da mesa, Ewan também não comia nada.
Ao presenciar o gesto de amor dos irmãos, algo se acendeu dentro dele.
Estava com ciúmes de Malcom porque ele a abraçou; de Angus, que se
sentou ao lado de Willow e serviu sua comida. Tinha ciúmes de cada um
dos soldados MacGregor, que falavam com sua senhora e a conheciam
desde sempre. Queria cortar todos os laços com seu clã, porque em seu
coração, queria que Will fosse Campbell para que pudesse uni-la para
sempre a ele.
Sem pensar muito bem no que estava fazendo, levantou-se de seu
assento e dirigiu-se às cadeiras de seus convidados. Malcom olhou para ele
intrigado e os que estavam ao seu redor ficaram em silêncio.
— Preciso falar com Willow. A sós.
— Por quê? — perguntou o MacGregor, pegando a mão de sua irmã por
cima da mesa, como se o gesto a mantivesse a salvo do laird Campbell.
— Não nos deu tempo para esclarecermos algumas questões que temos
pendentes. Tudo foi muito rápido, foi muito apressado. Ontem era meu
servo, hoje é uma dama encantadora, filha de um senhor das Terras Altas.
— Que questões um laird poderia ter deixado inacabada com seu servo?
— Malcom se levantou para enfrentá-lo. — Ele não limpou bem suas
botas?
— Malcom! — Willow se levantou também e agarrou o braço do irmão.
— Não seja grosseiro. Vou explicar tudo para você... no devido tempo. Mas
preciso que confie em mim agora e me deixe ir com ele. É verdade que
temos assuntos a discutir. Eu sei que você não gosta disso, mas deve me
permitir um momento a sós com ele. Apesar das circunstâncias, se não
fosse por Ewan, eu poderia não ter sobrevivido. Ele me recebeu em sua casa
junto com os St. Claire. Devo isso a ele.
O MacGregor respirou fundo e fixou um olhar questionador no rosto da
jovem. Estava claro que a ideia de uma entrevista entre os dois o repugnava
muito. Não queria perdê-la de vista e não confiava muito no Campbell.
— Por favor… — Willow insistiu, acariciando-o no antebraço.
— Está bem — concedeu. — Mas espero que seu encontro não demore
muito, não quero que se afaste muito.
— Eu prometo — disse, ficando na ponta dos pés para dar um beijo
suave na bochecha dele.
Então ela se retirou e caminhou com Ewan, que subiu as escadas até os
quartos.
Durante o trajeto, o laird mal olhou para ela e Willow ficou nervosa.
Olhou para o perfil dele, sério e distante, e seu coração disparou. Imagens
da noite passada com ele inundaram sua mente e um arrepio percorreu seu
corpo, fazendo-a tremer. Para onde foi a cumplicidade que eles
compartilharam? Tudo parecia ter parado quando ela reencontrou seu
irmão, o relacionamento deles foi suspenso e ela estava começando a sentir
as consequências.
Sentia falta. Muita. Quase um dia se passou, mas Willow já podia sentir
a falta dele em sua pele... e em sua alma. Ela não suportaria se Ewan ainda
estivesse zangado com ela, se aquela barreira que havia sido levantada entre
eles uma vez que sua identidade foi descoberta fosse alta demais para ser
superada.
Entraram no quarto do laird, e ele fechou a porta atrás de si. Se recostou
nela e cruzou os braços, olhando-a com a mesma intensidade da primeira
vez que a teve diante de seus olhos. Willow parecia uma anã diante de sua
aparência imponente e porte feroz, e os tremores voltaram. Ela tinha medo
de apenas uma coisa: que Ewan nunca mais a segurasse em seus braços.
Ou a beijasse.
CAPÍTULO 36

— Diga alguma coisa, por favor — pediu, após alguns segundos de


escrutínio silencioso.
Ewan respirou fundo e soltou o ar lentamente, sua expressão relaxando
um pouco.
— Quem dera fosse apenas Will.
A frase causou uma pontada em seu peito; por tudo isso, manteve a
compostura.
— Perdoe-me, eu deveria ter confiado em você e lhe dito.
— Teria sido mais sensato, sim. Mas entendo que se pensava que eu era
o assassino de seu irmão, preferiria ficar calada. Isso não significa que não
me incomode. Sabe em que situação me colocou? Está ciente de que eu a
desonrei de todas as maneiras possíveis? Quando seu irmão descobrir, o
mínimo que ele fará é me castrar.
Então era isso que realmente o preocupava. Willow sentiu um lampejo
de decepção que acendeu a fúria em seus olhos.
— Não tenha medo, por mim ele não vai saber nada. Amanhã deixarei
Innis Chonnel e nunca mais terá que me ver. Sua vida vai voltar ao
normal... Eu tenho lhe causado problemas desde que apareci, não é?
Ewan rosnou baixinho com essa declaração. Ele se aproximou dela em
duas passadas e a pegou pela cintura.
— Não vou deixar você fugir de mim, Will. Depois de todo esse tempo,
ainda não me conhece?
— Eu não estou mais sob sua proteção — ela sussurrou, seu coração
disparando com a proximidade dele. — Agora é Malcom quem tem minha
tutela.
Ewan mudou seu rosto quando ouviu a dor nessas palavras. Seu olhar
suavizou e ele acariciou sua bochecha com ternura.
— E eu… o que eu tenho, então?
Willow inclinou a cabeça, fechando os olhos para apreciar o toque
daquela mão áspera. Mais uma vez, seu corpo respondeu com vida própria a
esse homem. Ela estremeceu com seu cheiro, seu calor, o som de sua voz, o
jeito que ele a olhou. Ela não podia esconder mais... não dele, não dela
mesma.
— Você tem meu coração— confessou, num sussurro. — Sempre o
teve. Mesmo quando te odiei, quando pensei que fosse o responsável pela
morte de meu irmão, você o ocupou completamente. Eu só conseguia
pensar em você, encheu meu mundo e, de alguma forma, me deu forças
para continuar. Com você eu tinha um objetivo, algo em que derramar
minha energia e minha vontade de viver. É verdade que, a princípio, você
era uma obsessão doentia. Mais tarde, não sei como aconteceu, pouco a
pouco a balança pendeu para o lado oposto. E meu ódio evaporou, deixando
apenas esse outro sentimento dentro de mim...
Willow agarrou a mão que estava acariciando seu rosto e levou-a ao
peito para que ele pudesse sentir a batida de seu coração.
Ewan engoliu em seco, abalado com a revelação. Essa era uma das
coisas que ele mais amava em Willow: sua sinceridade crua. Ela lhe disse o
que pensava, o que sentia, sem nenhum tipo de duplicidade.
— Minha pequena duende, o que eu vou fazer com você? Virou meu
mundo de cabeça para baixo e não consigo mais conceber minha vida sem
você. Como posso te impedir de sair? Não quero te perder.
A jovem notou que seus olhos se embaçaram com a confissão. Ficou na
ponta dos pés para alcançar sua boca e lhe mostrar com aquele gesto o que
sua garganta estrangulada não lhe permitia articular. No entanto, mal
haviam tocado os lábios, quando uma batida na porta os separou
abruptamente.
— Willow! Você está ai?
A voz inconfundível de Malcom ressoou do outro lado da porta. Ewan
suspirou, frustrado. Era evidente que o tempo que o falcão com o nome
MacGregor considerava apropriado para preservar a virtude de sua irmã
havia expirado. Ele se separou dela com relutância e abriu a porta, forçando
um gesto impassível que não denunciava tudo o que fervia dentro dele.
— Malcom, não precisava vir me procurar. Nós terminamos — explicou
Willow, caminhando em sua direção.
— Vou acompanhá-la de volta para o salão, então — ele respondeu
severamente, olhando de um para o outro alternadamente, procurando em
seus rostos algo que revelasse a natureza da conversa que tiveram.
Ewan achou melhor ficar quieto; não queria que Malcom ficasse mais
defensivo do que já estava. Ele deixou os irmãos seguirem em frente e ficou
sozinho no quarto, tonto com seus próprios pensamentos, lembrando
palavra por palavra o que Willow acabara de lhe confessar. Se antes ele
estava determinado a não deixá-la ir, depois de ouvir de seus lábios que ele
era o dono de seu coração, sua determinação aumentou.
Will ficaria, já era uma parte dele. Por mais que tentasse resistir, por
mais que amasse e sentisse falta do irmão, ela já era uma Campbell. Embora
ainda não soubesse.

Depois de discutir e expor o que cada um sabia sobre o ataque a


Meggernie, tanto os MacGregor quanto os Campbells concluíram que seria
muito difícil descobrir quem estava por trás desse crime horrível. Willow
contou sua experiência e Ewan e Malcom ficaram chocados ao saber os
detalhes de sua fuga. A jovem não mencionou a carta que ainda tinha em
sua posse... Decidiu que a mostraria primeiro ao irmão, como havia
prometido a Marie. E teriam que partir dela, porque, estava claro que
Malcom não havia averiguado muito quando visitou Meggernie, já que
acabara de voltar do front.
— Nosso povo estava espalhado — confessou aos presentes, embora
estivesse olhando diretamente para Willow. — Não havia mais soldados
MacGregor, haviam caído na luta... ou haviam desaparecido.
— Você foi... foi capaz de confirmar o que dizem sobre Niall com seus
próprios olhos? — perguntou Willow, em um sussurro.
Todos ali reunidos ficaram em silêncio e olharam para Malcom. O
guerreiro, porém, pareceu engasgar-se com a resposta. Seus olhos
embaçaram e engoliu em seco antes de olhar para baixo.
— Enterramos Niall como ele merecia — Angus respondeu por ele, sua
voz rouca de emoção. — Como o resto de nossos homens.
O coração de Willow afundou quando ela percebeu que Malcom havia
encontrado o corpo de seu irmão... sabe-se lá em que condição. Lágrimas
encheram seus olhos e ela derramou silenciosamente, segurando-se para
não ir até ele e abraçá-lo. Os homens de confiança de ambos os Lairds
estavam presentes e ela não queria envergonhá-lo.
— E Marie? Errol e os outros? — conseguiu perguntar, sentindo as
palavras arranharem a garganta ao saírem.
Malcom finalmente pareceu encontrar forças para responder. Elevou o
olhar antes de falar.
— Eu não poderia te dizer... — ele refletiu. — Alguns... alguns dos
corpos, com o fogo...
Sua voz falhou novamente. Em seus olhos podia ler o tremendo
sofrimento que isso lhe causou. Eram seu povo, seu clã, e foram incapazes
de defendê-los.
— Não tivemos tempo de investigar, Willow — Angus interveio
novamente. — Depois de enterrar o que pudemos encontrar, deixamos
Meggernie para procurá-la. Infelizmente, embora finalmente a tenhamos
encontrado, não poderemos dedicar o tempo e a energia que merece a este
assunto. Bruce nos reivindica.
— Sim — corroborou Ewan. — Eu também estou ansioso para
esclarecer este assunto, gostaria de saber quem incriminou os Campbell
neste truque sujo. Mas temos um tempo limitado para encontrar o rei, então
as investigações terão que ser adiadas.
Todos concordaram que colocariam seus corações e almas nisso quando
voltassem do front — se voltassem. Alec ficou em silêncio mais uma vez,
em vez de falar sobre a suspeita nublando seu espírito. Ele ainda não
conseguia dar um rosto ao traidor que procuravam e dar um nome. Sabia
que se contasse o que acontecera tantos anos atrás na Batalha de Stirling,
tanto seu sobrinho quanto Malcom iriam querer investigar os fatos. A
última coisa que queria era distraí-los de sua missão mais importante no
momento: a guerra contra os ingleses.
Angus, percebendo a tristeza nos rostos de Malcom e Willow, voltou a
conversa para os planos do Rei Bruce e o que os esperava quando se
juntassem ao exército que ele comandava.
E funcionou.
A expressão circunspecta de Malcom relaxou para se concentrar no que
estava sendo dito, e a jovem Willow se desculpou, cansada de ouvir sobre
batalhas e estratégia e os malditos ingleses, e deixou o grande salão.
Dirigiu-se para a cozinha, precisava ver Maud. Não teve a chance de se
aproximar dela durante aquela comemoração e não queria adiar mais.
Encontrou a mulher ajudando a lavar os pratos e jarras que haviam sido
usados no banquete. Se aproximou dela enquanto o resto dos servos parecia
atordoado, incluindo Agnes, que a olhou com ressentimento. Willow
simplesmente ignorou a garota que causou tantos problemas.
— Maud.
A mencionada levantou o olhar para se encontrar cara a cara com aquela
dama que era e não era seu Will.
— Minha senhora... — sussurrou, com um misto de orgulho, admiração
e tristeza.
— Não, Maud, por favor. Ainda sou eu, não suporto você me olhando
como se eu fosse alguém inatingível. Preciso que me abrace, que me perdoe
por não ter te contado. Lamento sinceramente ter me aproveitado da
bondade de sua família e por nada no mundo gostaria que pensasse que
tenho rido de você.
— Não penso isso — respondeu. — Infelizmente, está inacessível agora.
Olhe para si mesma — ela disse — esse vestido é lindo e minhas mãos
estão encharcadas de água suja e sabão.
— Oh, Maud! Você acha que eu me importo mais com um vestido
estúpido do que com minha família? — ela perguntou, com lágrimas nos
olhos, jogando-se em seus braços.
A mulher a acolheu com alívio, percebendo que não havia perdido
totalmente a criança que havia adotado como sua. Manchou o vestido dela
com as mãos molhadas e deu um beijo no topo da sua cabeça. Agora seu
cabelo cheirava a flores e ela era uma dama, mas Maud reconheceu seu Will
naquele gesto caloroso.
— Eu sei que está muito confortável aqui, e que sua lealdade ao laird
Campbell é grande. Mas quero que saiba que na minha casa sempre terá um
lugar. Onde quer que eu esteja, você sempre será bem-vinda... faz parte da
minha família.
— Somos meros servos — Maud protestou, que não achava adequado o
relacionamento que Willow pretendia continuar mantendo.
— Para mim não. Você é muito mais, e se me deixar provar isso, vai
entender.
A jovem passou a conhecer muito bem os St. Claire. Sabia que eles não
concordariam em morar em qualquer lugar sem ganhar a vida. Eram
pessoas trabalhadoras e orgulhosas, não poderia transformar suas vidas
assim, mesmo que fosse exatamente o que ela mais queria fazer. Ela não
queria que Maud continuasse lavando panelas, ou que Liese carregasse os
baldes de água para o banho dos mestres. Poderia convencer Malcom a
oferecer a John uma posição no exército MacGregor, e Maud e Liese
poderiam viver com ela, ajudando-a a administrar Meggernie na ausência
de seu pai, lhe fazendo companhia até que a guerra terminasse. Mas para
isso, teriam que deixar Innis Chonnel com os MacGregor quando eles
fossem embora, e ela não tinha certeza se era isso que queriam. Eles
gostavam muito do Laird Campbell, e ela não pretendia se intrometer em
suas vidas. Mas também queria que eles soubessem que, se precisassem
dela, Willow responderia por eles.
— Muito obrigada, minha filha — Maud lhe disse, com a voz
embargada pela emoção. Depois, se afastou do abraço, um tanto enrijecida
pela situação, e voltou à sua tarefa com energia renovada. — E agora vá
descansar. Foi um dia muito longo e cheio de surpresas para todos. Mesmo
que te incomode, aqui não é mais o seu lugar... Vamos, esta noite vai dormir
em um colchão macio, então, por favor, sonhe coisas lindas para todos nós.
— Lembre-se da minha oferta, Maud — Willow refletiu, com um
sorriso afetuoso.
A mulher encontrou seus olhos e retribuiu o gesto sincero.
— Sempre me lembrarei, minha senhora.

Quando voltou para o salão, Ewan havia sumido. Ela não pôde deixar de
procurar por ele com os olhos e sentiu uma pontada de decepção ao
perceber que ele havia saído sem se despedir dela. Malcom se aproximou
assim que a viu aparecer, oferecendo seu braço para acompanhá-la até seus
aposentos.
— Ele não está.
— A quem você está se referindo?
— O homem que procura... Não me engana, Willow. O que está
acontecendo aqui?
Ela desviou os olhos e mordeu o lábio inferior. Não gostava de mentir
para o irmão, mas também estava ciente do dano que isso causaria se
contasse tudo o que havia acontecido entre ela e Laird Campbell.
— Não sei do que está falando— respondeu, com a voz trêmula pela
mentira.
Malcom parou no meio do corredor que levava a seus aposentos. Uma
tocha pendurada na parede lançava uma luz âmbar atrás dele, fazendo com
que seu rosto permanecesse na sombra, fazendo-o parecer mais sério do que
o normal.
— Willow, não temos tempo para brincadeiras. Estou tentando descobrir
o que aconteceu em Meggernie e, embora possa ter gostado dessas pessoas,
não descarto o envolvimento delas no ataque. Não sei o que há entre você e
Laird Campbell, mas claramente algo está acontecendo. E eu não confio
nele. Você mesmo acreditou que ele fosse assassino de nosso irmão... o que
a fez mudar de ideia?
A jovem corou. Malcom, embora não tão sensível quanto Niall, era
igualmente intuitivo. E lamentava tê-la pego tentando esconder coisas dele.
— Ele não é um assassino. E não tem nada a ver com o que aconteceu
em nossa casa.
— Como sabe?
Willow olhou de um lado para o outro do corredor, verificando se eles
estavam sozinhos.
— Venha para o meu quarto, quero te mostrar uma coisa.
Ela o levou para os antigos aposentos de Cait, para onde seus poucos
pertences haviam sido transferidos. Fechou a porta assim que entrou e
procurou em sua bolsa o pergaminho que Marie lhe dera quando escapou de
Meggernie.
— Niall achou isso e ficou muito nervoso. Estávamos com o tio Gilmer
e tivemos que sair correndo de Landon Tower. Para Niall, era uma
prioridade chegar até Meggernie e nos equipar para repelir um ataque, mas
alguém nos traiu. Abriram os portões por dentro e o inimigo, quem quer que
fosse, conseguiu entrar.
Malcom leu aquela carta e sua expressão mudou enquanto seus olhos se
moviam pelas linhas de tinta.
— Onde Niall conseguiu essa carta?
— Não sei de onde ele o tirou. Mas está claro que a pessoa a quem se
refere odeia nosso pai. Ewan foi praticamente criado por seu tio Alec, e
aquele guerreiro me ajudou a saber quem eu era, só porque ele ama nossa
família. Estou convencida de que nenhum deles é o homem de quem fala o
anônimo. É evidente que, quem quer que seja, ia atrás de mim. Essa é a
razão do ataque a Meggernie. E o que me parte o coração é que o canalha
não me encontrou e matou Niall no meu lugar.
Malcom fixou seus olhos azuis nela e estremeceu.
— Nunca mais diga algo assim. Você me ouviu? Tenho certeza de que
Niall teria dado a vida por você mil vezes mais, assim como eu.
— Sua vida não era menos valiosa que a minha — ela apontou com dor.
— Claro que não. Mas ele deu a dele em um ato de amor incondicional,
então não se arrependa de ter continuado viva. Deve honrar a memória dele
agradecendo por ainda estar aqui, enchendo de felicidade todos nós que te
amamos.
Willow caminhou até ele e o abraçou, enterrando o rosto em seu peito.
— Dói demais, Malcom. Toda vez que penso que nunca mais o verei ou
falarei com ele, desmorono por dentro. Como suporta isso? Como respira
todos os dias, sabendo que nunca mais o terá ao seu lado?
— Respiro porque o sinto ao meu lado... — disse ele, afastando-a um
pouco para colocar a mão no coração. — Eu o carrego aqui dentro, sempre
comigo. Eu respiro porque também tenho você. Eu... eu não sei como dizer
as coisas boas que Niall costumava lhe dizer, nem sei que palavras usar para
te fazer se sentir melhor. Eu sei que ele e você tinham uma conexão especial
que não compartilhavam comigo... Não é uma reprovação. Simplesmente,
foi feito de um material diferente e meu único arrependimento é não saber
te confortar como ele faria. Mas nunca duvide que te amo mais que tudo e
que faria qualquer coisa por você.
Willow olhou para ele com lágrimas nos olhos. O seu irmão enorme,
grande e feroz, confessou que não sabia dizer coisas bonitas e fez isso,
precisamente, com as palavras mais sinceras e belas que alguma vez tinha
lhe dedicado.
— Eu também te amo, Malcom.
Ela o segurou apertado novamente até que o momento de ternura foi
demais para o guerreiro. Com um pigarro rígido, ele quebrou o abraço e
voltou sua atenção para a carta em sua mão.
— Quem mais leu? — perguntou, enquanto Willow enxugava as
lágrimas com os dedos e se forçava a se concentrar.
— Até onde eu sei, apenas Niall, você e eu. Eu não mostrei para mais
ninguém.
— Você fez bem. E vamos manter isso em segredo até descobrirmos
quem pode ser o inimigo de nosso pai.
— Acho que não é nenhum Campbell, Malcom. Ewan está ansioso para
encontrar o culpado, porque essa mesma pessoa tentou incriminar seu clã.
Malcom a olhou com desconfiança. Ela cruzou os braços antes de
insistir em um assunto que evitava a todo custo.
— Está muito preocupada em inocentar os Campbell por essa bagunça.
Willow, o que há de errado? O que há entre você e o laird?
— Nada.
— Nada... Isso seria lógico, já que até ontem ele não sabia que você era
mulher. Mas eu a conheço, Willow. Fica nervosa na presença dele, olha
demais para ele. Sente algo por ele?
Malcom foi brutalmente direto. Ela não percebeu que esse era um traço
característico de sua família, já que também não era dada a rodeios ou
ambiguidades. Eles gostavam de chamar as coisas pelo nome e dizer o que
se passava em suas cabeças o tempo todo. O que então poderia esperar do
menos sensível dos três irmãos? Ela abaixou a cabeça, envergonhada,
sabendo que não tinha escapatória.
— Sim, é assim. Acho que você prefere que eu não descreva meus
sentimentos em relação a ele, então vou apenas confirmar que existem.
Malcom estava a olhando com os olhos arregalados. Isso estava além
dele... Mais uma vez, sentia falta de não ser como Niall. Certamente ele
enfrentaria essa situação muito melhor do que ele alguma vez enfrentaria.
— Bem — disse ele, sem abandonar sua postura autoritária — é uma
sorte que o laird tenha demorado tanto para descobrir que é uma mulher.
Cheguei a tempo de evitar uma situação comprometedora para nós dois.
Amanhã partiremos para Meggernie e terá tempo de descobrir se esses
sentimentos que diz ter são fortes, ou apenas um capricho alimentado pela
admiração por um guerreiro notável como Ewan Campbell.
Willow ouviu essas palavras com um eco distante. Seu coração estava
partido por dois motivos: por esconder do irmão que a situação de que
falava já havia ocorrido e, principalmente, por ter que deixar Innis Chonnel
no dia seguinte.
Separar-se do laird Campbell era a última coisa que queria fazer. Mas
não iria desobedecer ao irmão... isso nunca.
CAPÍTULO 37

— Você enlouqueceu?
Padre Cameron o olhava como se ele realmente tivesse enlouquecido e
precisasse de dois de seus melhores homens para amarrá-lo com cordas.
— Em absoluto. Acho que, dadas as circunstâncias, é a coisa mais
sensata e honesta a fazer da minha parte.
Ewan viu como os olhos do padre se arregalaram até quase saltarem das
órbitas e ele se apressou em lhe servir um pouco daquela água de fogo que
guardava com tanto ciúme nos móveis de sua sala. O homem apreciou o
gesto e bebeu tudo de um só gole, para espanto de seu laird.
— Se eu soubesse disso, teria alongado mais a viagem — confessou. Ele
olhou para o teto, como se procurasse uma entidade divina nas alturas. —
Poderia ter me enviado um sinal, Senhor. Mais dois dias, apenas mais dois
dias longe deste lugar, e eu não me veria nesta posição.
Para Ewan, o retorno do padre a Innis Chonnel foi providencial. Ele foi
informado de sua chegada depois que Willow desapareceu na cozinha, e a
solução para seu problema lhe parecia tão clara e lógica que ele não sabia
por que não havia pensado nisso antes. Ele foi à casa do padre Cameron
para comunicar sua decisão sem demora. O tempo corria contra ele e tinha
que agir o mais rápido possível se não quisesse perder sua duende.
— Qual é o problema? — ele perguntou, sem entender sua relutância.
— Ela reconheceu que seu coração é meu. Para mim, isso é o suficiente.
Willow é minha, padre, só quero que torne isso oficial.
O padre o olhou boquiaberto.
— As escondidas do irmão! Como pode me pedir que os case em
segredo?
— Não vou esconder isso dele por muito tempo. Amanhã de manhã
todos saberão e nada poderão fazer para evitá-lo.
O padre Cameron levou as mãos à cabeça.
— Sabe em que encrenca vai se meter? Fará inimigos com a família de
sua esposa! Acha que é uma boa maneira de começar um casamento?
— Ah, padre! Não é como se eu a tivesse sequestrado para me casar
com ela!
— Tem certeza? Como sabe que ela quer a mesma coisa? Propôs a ela,
ela disse sim?
— Não precisa. Eu já te disse, ela me deu seu coração. Isso significa que
me ama, não precisamos de seu acordo explícito.
Padre Cameron colocou o copo vazio sobre a mesa com um baque,
mostrando sua raiva pela intransigência impulsiva do jovem laird.
— Eu preciso. Não vou casá-lo com ela a menos que ela me diga, na
minha cara e sem nenhum tipo de coerção, que é isso que ela realmente
quer. E, no entanto, ainda acho que não é nada sensato.
Ewan se levantou da cadeira que ocupava e assentiu, concordando com
aquela proposta.
— Muito bem. Quer ouvir isso de seus lábios? Vou trazê-la aqui para ela
mesma contar.
O padre Cameron o observou partir, o coração batendo contra as
costelas com indignação e espanto. Às vezes aquele menino era teimoso
como uma mula, e temia que nessa ocasião sua teimosia pudesse lhe causar
sério desgosto.
Ele pegou o copo novamente e foi até o armário para enchê-lo com mais
aguardente. Bebeu de um só gole, de novo, mas nem a queima daquela
bebida afrouxou o nó que se formara em seu estômago.

Willow não conseguia dormir. Ela havia deixado a cama, cansada de se


revirar e se virar, e se sentou em uma poltrona em frente ao fogo na lareira.
Observou a dança das chamas com um emaranhado de sentimentos
conflitantes dentro dela. O que iria acontecer agora? Estava feliz por ter
reencontrado Malcom, isso era irrefutável. Mas não era menos verdade que
precisava estar perto do laird Campbell. Ela acabara de descobrir que
aquele homem governava seus sentimentos por capricho... e o dia inteiro
havia sido uma verdadeira tortura para ela. Não teve tempo de assimilar
que, naquela mesma manhã, seus corpos estiveram juntos, nus, esbanjando-
se de carícias que agora, ao se lembrar delas, faziam seu coração disparar,
apesar de se sentirem tão distantes. Ela acabara de descobrir a paixão e
precisava reviver todas aquelas emoções para ter certeza de que eram
verdadeiras. Ela sentiu falta de Ewan a cada minuto de cada hora daquele
longo dia. Ansiava que ele a segurasse em seus braços novamente e a
beijasse com o ardor que ela lembrava...
Seu irmão ia matá-la. Se descobrisse que ela havia se entregado a este
guerreiro por sua própria vontade, ele a deserdaria. Não era para menos. Ela
desonrou toda a sua família, esse não era o comportamento esperado de
uma dama. Claro, ela deixou de ser uma no dia em que fugiu de Meggernie.
Pelo menos, era assim que se sentia. Como havia se metido naquela
confusão?
Seu coração estava dividido entre a lealdade que devia a seu irmão, a
seu povo, e o que ela estava começando a sentir por Ewan. Assim era o
amor? Ela nunca se apaixonou, mas se esse sentimento significava ter a
cabeça e os olhos cheios da imagem dele, sua força e seu espírito o tempo
todo, então ela estava apaixonada. Se amar significava querer com toda a
alma, ter vontade contínua de tocá-lo, beijá-lo, sentir pele com pele, então
ela já o amava.
No entanto, tudo em seu coração sobre esse homem não poderia
prevalecer sobre o fato de que ela nunca desobedeceria a seu irmão. Era tão
claro que estremecia de medo e de uma ausência prematura só de pensar
nisso.
— Will? — A voz baixa e sussurrada veio de um lugar na parede, perto
da cama.
Willow se sobressaltou e ficou de pé imediatamente, espiando nas
sombras para ver quem estava falando.
Ewan apareceu do nada, aparentemente, através de uma porta que ligava
seu quarto com o do próprio laird.
— Desculpe se te assustei. Seu irmão colocou um guarda na entrada do
seu quarto, então tive que recorrer a esse segredinho que só meus pais
sabiam. Cada um ocupava o seu quarto, mas à noite visitavam-se por esta
porta escondida na parede.
Willow encheu seus olhos com sua imagem. Tudo o que queria era se
jogar em seus braços e se deixar envolver pelo seu calor. Mas ela se
lembrou das palavras de Malcom e permaneceu firme no local, abraçando-
se ao corpo pelo pudor de que a visse de camisola.
— Não deveria estar aqui — sussurrou, sem convicção.
Ewan deu um passo em direção a ela, franzindo a testa.
— Eu vim ver Will. Preciso falar com ela, não com Willow MacGregor.
— Bem, vai ter que se acostumar a não encontrá-la mais, porque eu sou
quem sou. E eu não posso mudar isso.
Ele continuou a se aproximar, ignorando o tremor que de repente tomou
conta do corpo feminino. Ela era um deleite de se ver, de costas para o fogo,
cuja luz delineava seu corpo através do tecido fino de sua camisola. Ewan
sentiu um aperto nas entranhas pelo desejo que essa criatura sempre
despertou nele... Como isso era possível? Por que nunca se cansava de olhar
para ela? Ele parou a centímetros de seu rosto e respirou seu perfume,
fechando os olhos para apreciá-lo. Quando os abriu novamente, o olhar azul
de Willow refletiu a verdade que estava determinada a esconder a todo
custo.
— Está aqui, pequena duende. Por alguns segundos, pensei que tinha te
perdido.
As mãos fortes do guerreiro subiram por seu pescoço para acariciar suas
bochechas. Willow estremeceu de prazer com o contato e pressionou mais
perto de seu corpo. Ewan se inclinou e pegou seus lábios gentilmente, quase
como se a reverenciasse. O sangue em suas veias já ardia por aquela
mulher... e por alguns instantes esqueceu o motivo de ter ido procurá-la
àquela hora da noite. Ele a tomou nos braços, aumentando a intensidade do
beijo, exigindo que sua Will saísse daquele corpo vestido com uma distinta
camisola para se entregar a ele sem nenhum tipo de inibição.
A jovem respondeu à paixão do laird, como sempre fazia, e suas
pequenas mãos se enredaram em seu cabelo para atraí-lo ainda mais para
perto. Parecia querer se fundir em seu corpo enorme e Ewan grunhia de
satisfação, querendo o mesmo.
E esse era o problema, ele sempre iria querer mais dela. Era por isso que
ele estava ali, porque havia enganado o guarda que seu irmão havia
colocado em sua porta, arriscando ser descoberto.
— Você rouba minha sanidade... quando começo a te tocar, não consigo
mais parar.
— Eu não pedi para você parar — ela respondeu, sem fôlego.
Ewan quebrou o beijo e se afastou para poder pensar com clareza. Os
olhos de Willow, nublados de desejo, pareciam confusos pelo seu
afastamento.
— Você é uma tentação, pequena duende. Nunca me rejeitou, mesmo
quando deveria. Isto não está certo.
— Eu sei. Mas só temos esta noite... e quero passá-la contigo.
O laird negou com a cabeça, embora sua honestidade, como sempre, o
desarmasse.
Ele pegou as mãos dela cerimoniosamente, como se o que estava prestes
a dizer lhe fosse muito importante.
— E eu quero passar o resto das minhas noites contigo. E todos os meus
dias E compartilhar tudo contigo. Willow MacGregor, case-se comigo.
A jovem piscou, sem saber se o havia entendido corretamente.
— Mas... amanhã vou embora com meu irmão. Me casar? É muito
apressado, Malcom não vai entender. Você deveria ter me considerado um
menino até ontem, como ele vai aceitar que você queira se casar comigo da
noite para o dia?
— Ele não tem que aceitar — Ewan retrucou, irritado por ela não ter
gostado do pedido de casamento dele. — Você tem que aceitá-lo. Case-se
comigo, agora, esta noite. Padre Cameron está esperando por nós. Amanhã
quando Malcom descobrir, ele não poderá fazer mais nada.
Willow suspirou e o deixou ver um sorriso triste.
— Oh, sim. Claro que pode fazer alguma coisa... Ele vai te matar.
Ewan a soltou, frustrado, e andou pela sala como se estivesse enjaulado.
— Acha que eu deixaria? Você me subestima, mulher. Seu irmão
certamente é poderoso, mas posso enfrentá-lo.
Foi a vez de ela ficar furiosa.
— Ah, sim, claro! O laird Campbell é um grande guerreiro e não pode
ser questionado, pode? Bem, desculpe, mas eu questiono. Eu vi meu irmão
lutar e ele pode te causar muito dano. No entanto, o que mais me preocupa é
que você quer machucá-lo. Eu sei que você poderia fazer isso com ele
também, e eu nunca vou tolerar isso. Já perdi Niall, não vou perder Malcom
— Willow baixou o tom para acrescentar. — Sinto muito, Ewan, mas não
posso me casar com você. Eu não serei a única culpada por uma disputa
entre nossas famílias.
Ewan lhe deu um olhar cheio de desejo e fúria possessiva.
— Você é minha. Repito o que lhe disse esta tarde, acha que vou
permitir que saia de Innis Chonnel?
— Claro que vai, déspota insuportável. Só porque me entreguei a você
não significa que sou sua, está me ouvindo? Eu não pertenço a ninguém. O
que vai fazer, me sequestrar?
— Estou cogitando essa possibilidade, sim.
— Ficou completamente louco.
Ele então se lançou sobre ela e a envolveu em seus braços. Willow podia
sentir o poder daquele corpo se impondo sobre o dela sem esforço, mas não
sentiu medo. Ela não tinha mais medo desse homem, porque não importava
o quão severa fosse sua expressão, sabia que ele não lhe faria mal.
— Você me deixou louco — ele a corrigiu, abaixando o rosto para beijá-
la mais uma vez.
Ela se rendeu aos lábios dele sem lutar. Lhe agradava saber que era
desejada, lhe agradava os beijos dele. Mas era tão teimosa quanto ele, e não
importava quantos beijos lhe desse, não iria fazê-la mudar de ideia.
— Viu? Você é minha. Tem sido desde que olhou para mim pela
primeira vez com esses olhos de elfo que me fascinam. Seu coração é meu,
você mesmo o confessou, então vamos nos casar.
Ela acariciou seu queixo com aquele sorriso triste que não era um bom
presságio.
— Se ao invés de Malcom fosse Niall, teríamos uma chance. Niall me
conhecia melhor do que ninguém, Niall tinha o coração mais sensível. Ele
teria nos entendido... ou assim eu quero acreditar. Mas Malcom não vai
entender. Malcom vai te matar, e não quero que isso aconteça. Também não
quero perdê-lo, amo meu irmão e agora somos só ele e eu. Eu não posso
fazer isso com ele...
Quando pronunciou a última frase, seus olhos se encheram de lágrimas.
A cada palavra, a dor no rosto de Ewan ficava mais aparente. Ela o estava
rejeitando e isso estava quebrando seu coração.
— É muito claro para mim de que lado está sua lealdade — ele disse a
ela, com um tom gelado, soltando-a.
— Gostaria que tudo fosse diferente, como você disse. — Willow virou-
se para o fogo e esfregou os braços. De repente, estava com muito frio.
— Não. O que eu disse foi que gostaria que você fosse apenas Will —
Ewan respondeu asperamente. — Então ninguém iria tirar você de mim.
Ela não sabia como o pensamento veio a ela, mas Willow de repente se
viu diante de um pensamento perturbador. Ela o olhou antes de perguntar.
— Você teria se casado com Will?
— O que quer dizer?
— Se eu não fosse uma dama, se eu não tivesse uma família poderosa,
teria casado comigo? Ou simplesmente teria me mantido como sua amante?
Ewan demorou muito para responder, e esse foi o erro dele.
— Eu acho que sim. No final, eu teria me casado com você.
— No final? No final de quê?
— Ainda estou me acostumando a te ver como mulher. Não sei dizer o
que teria acontecido se você fosse apenas Will, um criado. No entanto,
tenho certeza de que não deixaria você ir...
— Claro que não! — ela estourou. — Você poderia subjugar Will,
trancá-la em sua masmorra, fazer o que quisesse com ela. Porque é o laird
dos Campbell e sua vontade sempre deve ser feita. Você me teve ao seu
serviço pessoal todo esse tempo e agora não admite que eu não obedeço às
suas exigências.
Ewan parecia abatido depois de suas palavras duras.
— Pensei que neste tempo chegou a me conhecer melhor.
Ela o olhou com dor olhos.
— Oh, sim. Eu conheço você. Tornou minha vida miserável só porque
pensou que não era o que deveria ser. Não cumpri suas regras mesquinhas e
intransigentes e fui devidamente punida por isso.
— É essa a opinião que eu mereço?
Não. Willow também achava que ele era o homem mais incrível que ela
já conhecera. Mas não diria a ele. Confessar que se apaixonou por ele só
pioraria as coisas. E ela tinha que partir no dia seguinte, com Malcom, e
fugir de Innis Chonnel sem nenhuma hesitação.
O silêncio dela cortou Ewan até o âmago de seu ser. Ele reconheceu que
não a havia tratado bem e que as coisas teriam sido muito diferentes se ele
conhecesse sua verdadeira identidade. Mas ela estava ignorando a provação
que ele havia sofrido por esse mesmo motivo e também que, uma vez que
descobriu a verdade, não teve chance de lhe provar nada.
Não tinham tido tempo, essa era a questão, e se ela partisse no dia
seguinte, já não o teriam.
— Muito bem — disse ele, indo até a porta secreta para voltar ao seu
próprio quarto — não insistirei mais. Achei que Will seria mais corajosa,
que seria capaz de quebrar as regras e lutar pelo que quer. Eu quebrei essas
regras por você, ignorando os ditames da minha moralidade, da minha
educação rígida; aceitei meus sentimentos, me expus à censura de todo o
meu clã por você. Você entrou no meu sangue, na minha cabeça, no meu
coração. Eu teria arriscado tudo por você, se você fosse Will. Ser filha do
laird MacGregor só acelera a tomada de decisões porque é a única maneira
de ter você. Mas se não pretende desobedecer ao seu irmão, se vai obedecer
ao que ele manda sem hesitar... que assim seja.
Ele se foi antes que Willow pudesse encontrar as palavras que ela
precisava lhe dizer. Ao se ver sozinha no quarto, ela caiu de joelhos no
chão, abraçada ao próprio corpo, e deixou toda a dor que sentia no coração
escorrer dos olhos na forma de um pranto silencioso.
CAPÍTULO 38

Não tinha dormido bem. Como dormir, com aquela angústia que lhe
oprimia o peito? Willow levantou-se muito cedo e vestiu-se sem a ajuda de
nenhuma criada. Em sua vida anterior, poderia ter esperado que alguém a
acordasse, revirando-se na cama, para depois se deixar aconselhar sobre o
penteado que deveria usar ou a roupa que poderia vestir naquele dia. Mas já
não. Ela estava sozinha por muito tempo para confiar em servos para fazer
o que ela poderia fazer sozinha.
Enquanto penteava os cabelos curtos, Liese entrou sem bater e falou
com ela sem fôlego.
— Pelo amor de Deus, Liese! O que aconteceu?
A jovem loira respirou fundo, com a mão no peito, antes de falar.
— Ele vai matá-lo, Will. Tem que vir comigo, rápido.
O coração de Willow disparou com seu tom de alarme.
— Quem vai matar quem?
— Seu irmão... o laird...
Liese estava tendo problemas para se explicar. Willow não esperou para
entender, ela pegou sua mão e saíram correndo do quarto juntas. O que
tinha acontecido? Quem iria matar quem? De qualquer maneira, o medo
apertou a garganta da jovem até doer.
Liese a conduziu até o pátio de armas, onde um círculo de pessoas se
aglomerava em torno da luta que estava ocorrendo. Willow abriu caminho
com o cotovelo e, quando finalmente viu o que estava acontecendo, seu
coração quase parou.
Malcom estava batendo em um Ewan que não revidava. O laird
Campbell deixou que os golpes caíssem sobre ele sem sequer fazer um
movimento para devolvê-los. O rosto de Malcom estava contorcido de fúria
e ódio; Ewan, sangrando e atordoado.
— Por que ninguém faz nada? — ela perguntou desesperadamente,
percebendo que tanto os guerreiros Campbell quanto os MacGregor
estavam testemunhando aquele abuso sem tentar detê-los.
— Ewan quis assim — respondeu Melyon, indo para o lado dela. —
Acho que você é a única que pode acabar com essa loucura.
Willow, horrorizada, deu um passo à frente para tentar romper a nuvem
de raiva que parecia cegar seu irmão.
— Malcom, pare! Está me ouvindo? Pare de uma vez, você vai matá-lo!
Mas o MacGregor não pareceu ouvi-la. O próximo soco derrubou o
poderoso Ewan Campbell no chão, e ela aproveitou o momento para correr
para o lado dele e entre eles. Corajosamente enfrentou seu irmão, erguendo
a mão para ele parar outro ataque.
— Você enlouqueceu? — perguntou. — O que é isso?
Malcom finalmente notou sua presença. Seus olhos a focaram e a olhou,
deixando escapar toda a sua decepção e raiva.
— Realmente está me perguntando? — se aproximou dela e Willow
recuou, surpresa com a fúria que brilhou nos olhos de seu irmão. — Ainda
bem que o pai não está aqui, porque ele o teria matado. Não ia me contar?
Eu sei que não sou o Niall, mas não acredito que não confiou em mim para
fazer algo assim.
— Do que está falando? — ela perguntou, em um sussurro. O que
diabos Ewan disse para fazê-lo bater nele daquele jeito?
— Eu falo sobre o que ele fez com você. Ele te desonrou, abusou de
você... e ele confessou isso descaradamente, na frente de todos. Vai negar?
Willow corou, envergonhada. No entanto, manteve o olhar fixo nos
olhos de seu irmão.
— Não, não nego.
Malcom respirou fundo e fechou os olhos, como se atravessado por uma
dor excruciante. Quando os abriu novamente, sua ordem foi categórica.
— Quer goste ou não, ele vai se casar contigo. Hoje mesmo. Vou falar
com o Padre Cameron.
Ele se virou e saiu andando com passos duros. Willow observou
enquanto ele abria e cerrava as mãos, tentando aliviar a dor que devia estar
em seus dedos ensanguentados. Sem dúvida, não se conteve na hora de
descarregar toda a sua fúria no corpo do oponente.
A jovem se agachou ao lado do corpo caído do laird, que tentava se
levantar sem sucesso. Seu rosto era um poema. Seu nariz estava sangrando,
suas maçãs do rosto e sobrancelhas estavam abertas e seus lábios estavam
inchados.
— O que você fez? — lhe perguntou, notando que lhe vinham lágrimas
aos olhos ao vê-lo naquele estado lamentável. Ele ficou parado suportando
o castigo que Malcom lhe infligiu. Conhecendo-o, deve ter sido uma
verdadeira tortura, e não apenas pela força dos golpes. Teria custado a ele
um mundo para se conter.
— Eu disse que não ia deixar você ir embora.
— O que você disse?
— Nada que todos os Campbell já não soubessem: que passou a outra
noite no meu quarto, quando eu ainda não sabia que era uma dama. Mais
cedo ou mais tarde ele teria descoberto, de qualquer maneira.
— Poderia ter matado você... — ela sussurrou, acariciando a cabeça
dele.
Ewan sentou-se estremecendo e levou a mão ao rosto.
— E nem vim confessar que tirei sua virgindade numa masmorra
fedorenta... — ele sussurrou, para que ninguém mais os ouvisse. — Deus
Santo, prometa que nunca vai contar a ele, nunca mais quero passar por
isso. De que são feitas as mãos dele, diabos? De ferro?
Willow sorriu em meio às lágrimas. Ela o ajudou a se levantar e, antes
que percebesse, Ewan a estava abraçando, enterrando o rosto em seu
pescoço.
— Perdoe-me por forçá-la a este casamento. Você me disse que só
obedeceria ao seu irmão, não me deixou escolha. — Ele colocou as mãos
nas bochechas dela e aprofundou em seus olhos. — Eu não poderia deixar
você ir, pequena duende. Não posso viver sem você.
Ele a beijou depois de suas palavras. Bem devagar, prendendo a
respiração pela dor que devia estar sentido nos lábios. Willow reprimiu a
vontade de esmagar a boca contra a do homem, então ela apenas se permitiu
ser acariciada, feliz com a forma como seu problema havia sido resolvido e
triste com o desagrado que ela causou ao seu povo ao mesmo tempo.
Especialmente Malcom.
Ela falaria com ele depois do casamento. Explicaria a ele que o que
havia acontecido era algo entre os dois, algo que não poderiam ter evitado
mesmo que quisessem, porque se amavam... Nenhum dos dois disse isso em
voz alta, mas Willow sabia que era assim. E Malcom tinha que entendê-la e
perdoá-la. Só então sua felicidade seria completa.
A cerimônia aconteceu naquela mesma tarde. Padre Cameron não se
opôs, especialmente depois de ver a expressão furiosa do MacGregor. Ele
mesmo apadrinhou a noiva na ausência de seu pai, e a expressão assassina
em seu rosto não desapareceu até o início da celebração. O desconforto que
se evidenciava em cada um de seus gestos se espalhava igualmente por
todos os MacGregor ali presentes. Os Campbell, no entanto, estavam
divididos. Alguns, como Alec, Melyon, Colin e a maioria dos criados,
incluindo os St. Claire, estavam felizes e satisfeitos com a união. Maud não
parava de chorar, emocionada, enquanto John colocava a mão em suas
costas para confortá-la.
O resto dos Campbell ficaram atordoados. As tropas do laird, as mesmas
que tantas vezes insultaram o garoto chamado Will, agora a observavam se
tornar a esposa de seu chefe. Para dizer o mínimo, foi uma circunstância
estranha e desconcertante.
A atmosfera relaxou bastante durante o jantar que aconteceu depois.
Não foi uma grande festa, não tiveram tempo para isso e, além disso, no dia
anterior havia consumido suas melhores reservas de cordeiro e salmão. Mas
não faltaram vinhos e cervejas, e alguns brindes especiais para o casal e
parentes mais próximos com o licor preferido do padre Cameron, que
conseguiu acalmar os nervos dos dois clãs. A irritação de Malcom diminuía
a cada jarra de cerveja que ele bebia e, no final, acabou se levantando para
dizer algumas palavras à irmã e ao marido dela.
— Willow, quero lhe desejar, aqui na frente de todos os nossos amigos,
toda a felicidade do mundo. Não era o casamento que sua família lhe
desejava, mas se ama esse homem, não há mais o que falar. Eu gostaria que
nosso pai estivesse aqui. Ele lhe diria que nunca viu uma noiva tão bonita
quanto você. Eu queria... — Malcom respirou fundo, engolindo o nó na
garganta — eu queria que Niall pudesse te ver agora.
Sua voz falhou, e Willow teve que enxugar as lágrimas que surgiram em
seus olhos com a menção do nome de seu outro irmão.
— Eu sei que está olhando para mim, Malcom. O sinto aqui —
sussurrou, tocando o peito na altura do coração.
O MacGregor assentiu, satisfeito com o comentário dela, antes de
continuar seu pequeno discurso.
— E para você, Ewan Campbell, desejo que saiba como fazer minha
irmã feliz. Você fica com a joia de Meggernie, fica com parte de nossos
corações. Se ela escolheu você, não tenho dúvidas de que fará todo o
possível para merecê-la. E se não a fizer — o olhou com tanta intensidade
que Ewan sentiu o calor daquele olhar em cada uma de suas feridas — vou
terminar o que comecei hoje. Eu vou matar você.
Houve um silêncio tenso depois dessa última ameaça, até que Angus, o
tenente de Malcom, se levantou com a caneca no alto e exclamou em voz
alta.
— Por Willow e Ewan, a sua saúde!
Os demais presentes também os brindaram e a festa continuou sem mais
incidentes. Havia música e dança, e a nova esposa do laird dançava com
todos que a convidavam. Até Bors a convidou para dançar e ela aceitou sem
rancor, gostando da atenção que recebia de sua nova família.
Ewan a observou de seu assento, incapaz de acompanhar a festa devido
aos hematomas em seu corpo. Não fosse o fato de a noiva estar radiante,
conquistando o coração de todos os presentes, teria se retirado para seus
aposentos assim que o jantar terminou. MacGregor o destruiu, foi
impiedoso com ele e levaria vários dias para se recuperar e respirar sem
doer as costelas. Mas ver o sorriso de Willow, sua esposa, enquanto dançava
sem trégua com um e outro, valia o esforço para aguentar mais um pouco.
Naquele momento ele percebeu o quão pouco a tinha visto sorrir... E rir,
nunca. Daquele dia em diante, esperava ver diariamente esses sinais de
felicidade. Seu rosto se transformava com o sorriso. Ficava mais brilhante,
mais bonito se possível... Não via a hora de a festa acabar para poder
desfrutar dela sozinho, sem ter que dividi-la com outras pessoas.
No final de uma das danças, Willow caminhou até ele e sentou-se
descaradamente em seu colo, pressionando sua testa contra a dele.
— Como está se sentindo? — perguntou ela, quase sem fôlego com a
dança.
— Se quer que eu dance com você, pode ir de onde veio, esposa.
Willow ficou séria depois desse comentário. Ewan usou um tom
brincalhão, condizente com o humor que ela estava exibindo, e não
esperava que ela reagisse assim.
— O que aconteceu? — quis saber.
— É que... me chamou de esposa.
— Não quer que eu te chame assim?
— Sim, claro. Isso não me incomoda, muito pelo contrário. Mas acabei
de perceber que somos casados. Realmente casados.
Ewan deu a ela um sorriso que poderia ter sido radiante, se seus lábios
não estivessem tão machucados. Adorava essa mulher.
— Acabou de notar isso? Onde esteve durante a cerimônia e a
celebração subsequente?
— Achei que aqui, ao seu lado. É evidente que a euforia me confundiu e
não fui consciente até agora do que isto significa.
— E que isso significa?
Ela passou os braços em volta do pescoço dele e se pressionou contra
seu corpo. Se inclinou em seu ouvido para sussurrar a resposta.
— Que passaremos o resto de nossas vidas juntos.
— Podemos começar esta noite. Se importa se eu te privar do resto das
danças e levá-la para o nosso quarto sem demora?
Willow olhou em seus olhos e ele pôde ver, mais uma vez, o quanto ela
o queria. Ele não podia acreditar na sorte que teve de encontrá-la.
— Leve-me para onde quiser, Ewan. Você estava certo, eu sou toda sua.
E o laird dos Campbell recompensou essa confissão com um beijo
carinhoso na frente de seus convidados, que comemoraram com entusiasmo
ao descobrir que o amor entre o casal era real e apaixonado.

— Hoje conquistou os corações de todos os Campbell — Ewan lhe disse


quando finalmente estavam sozinhos em seu quarto. — E o de Bors, em
particular, não foi fácil de conquistar.
— Ele já se arrependeu de ter me insultado tantas vezes, mas não acho
que foi porque eu o conquistei. Suspeito que meu irmão teve muito a ver
com sua mudança de atitude. Bors viu o que ele fez com você, e se Malcom
descobrisse como ele me tratou, quem sabe como reagiria.
Ewan colocou a mão ao lado do corpo com dor.
— Quem sabe? Eu sei. Seu irmão é um verdadeiro selvagem.
— Eu te disse, mas você não me ouviu. Teria sido mais sensato não
dizer nada... por enquanto. Eu teria ido com ele e lhe contado mais tarde.
Com mais calma e quando estivesse longe de você. Você estaria seguro.
Ewan pegou o braço de sua esposa para puxá-la para ele e beijar seus
lábios bem devagar.
— Nunca estarei seguro se estiver longe de você. Não entende?
— Te entendo. Mas o preço que teve que pagar me parece excessivo —
ela respondeu, beijando cada hematoma em seu rosto maltratado.
— Eu passaria por essa tortura mil vezes para não te perder...
— Eu te amo, Ewan — ela confessou, abraçando-o com força.
O homem sibilou de dor e cuidadosamente a afastou.
— Perdoe-me, pequena duende. Acho que não vai conseguir aproveitar
a noite de núpcias como Deus manda. Não posso mais... preciso me deitar.
Willow o ajudou a subir na cama e Ewan se sentou, bufando por não
poder agradar sua esposa como ela merecia.
— Vamos aproveitar nossa noite de núpcias em outro momento, marido.
Hoje vou me contentar com você dormindo ao meu lado, me envolvendo
em seu calor. Venha, eu te ajudo a se despir.
Se o laird Campbell acreditava que ser espancado por Malcom
MacGregor era a pior tortura a que poderia ser submetido, ele estava errado.
Sentir as mãozinhas de sua adorável esposa despindo-o, acariciando seus
braços, seu peito, suas pernas... era mais do que ele podia suportar. Apesar
de seu corpo não estar em boas condições, ele percebeu que respondia por
vontade própria às atenções de sua esposa. E também percebeu que ela
estava escondendo um sorriso ao perceber como reagia ao seu toque.
— Por que tenho a sensação de que está me provocando de propósito?
Você está ciente de que vai me matar?
— De jeito nenhum. Meu senhor, nada vai acontecer esta noite entre
você e eu. Eu quero que se recupere de seus ferimentos o mais rápido
possível.
— Tem certeza?
— Completamente. Nada vai acontecer... exceto que vamos dormir
juntos, abraçados... e nus.
Ewan ficou tenso ao ouvir essas palavras de sua boca. As imagens que
sua mente evocou eram mais sugestivas, se possível, do que a própria
realidade. Uma onda de desejo o balançou da cabeça aos pés e ele passou as
mãos pelo cabelo curto de Willow em busca de sua boca.
— Shhh, nada disso — ela o repreendeu, afastando-se lentamente para
sair de seu alcance.
Ela ficou na frente dele e começou a tirar a roupa sem nenhum
complexo. Já havia feito isso antes e saboreava o olhar brilhante de Ewan,
seus lábios entreabertos ofegando de paixão só de olhar para ela.
Lentamente, se desfez do simples vestido creme que usara no casamento,
fazendo seus movimentos tão sensuais que a boca do guerreiro ficou seca e
seu pulso disparou.
— Quero sentir sua pele — sussurrou, quando ela esteve nua, voltando
para o seu lado.
Ele a ajudou a se deitar e ela se aconchegou contra ele, exalando um
suspiro satisfeito. Seu marido estava obviamente muito tenso e excitado,
mas ela também estava ciente dos hematomas que cobriam seu torso e da
dificuldade que ele estava tendo para respirar. Ela lentamente acariciou seu
peito, traçando as linhas de suas cicatrizes, tentando fazê-lo relaxar. Depois
de alguns minutos, a mão de Ewan segurou a dela para mantê-la imóvel.
— Pare ou não respondo por mim. Você sabe o que você faz comigo?
Isso é muito pior do que a surra do seu irmão. Você é uma duende do mal...
— Prefere que eu coloque minha camisola? — ela murmurou,
carinhosa, apertando-se contra ele.
— Não vai voltar a usar isso comigo, Will. Sempre vai dormir assim,
nua, ao meu lado.
— Exceto quando durmo no meu próprio quarto.
— Não terá seu próprio quarto, esposa. Pelo menos para dormir. Só
porque meus pais usaram essa fórmula não significa que eu deva aplicá-la
também. Quero você comigo, sempre que possível.
Willow sorriu com a bochecha apoiada contra seu peito. Não poderia se
sentir mais feliz.
— Vá dormir, marido. Eu prometo ser boa. Não vou mais tocar em você
esta noite, vou deixá-lo descansar.
O grunhido do laird reverberou daquele peito largo que servia de
travesseiro.
— Isso é muito fácil de dizer... Esta manhã pensei que seu irmão fosse
me matar. Como eu estava errado, você vai me matar.
CAPÍTULO 39

Os homens MacGregor estavam prontos para partir. O dia havia


amanhecido muito nublado, fazia frio e um ar irritante filtrava-se por todos
os cantos de Innis Chonnel. Malcom se aproximou de sua irmã, que tremia
em seu manto no portão de saída da fortaleza.
— Volte para dentro. Você está tremendo de frio — ele disse, apoiando
as mãos fortes nos ombros dela.
— Não é por causa do frio — ela falou. — Estou com medo. Quando te
verei de novo? Estou sozinha outra vez...
— Não está mais sozinha. Agora é a dona deste castelo e há muitas
pessoas que irão envolvê-la e lhe fazer companhia. Agora você tem um
marido.
— Sim, que também sairá em breve.
Sobre isso, Malcom não podia confortá-la. Ele a abraçou, tentando
transmitir a ela com aquele gesto tudo o que não conseguia expressar em
palavras. Ela enterrou o rosto em seu peito e o abraçou de volta, com um
tremor que ela não conseguia controlar.
— Diga ao pai que sinto saudades dele, e que sempre o tenho presente
em meu coração. Também lhe diga para me perdoar. Sei que não era o
casamento que tinha em mente para mim, mas também sei que achará Ewan
um genro mais do que aceitável.
Malcom suspirou e beijou o topo de sua cabeça.
— Embora eu ainda odeie aquele miserável pelo que fez com você,
reconheço que é um laird forte. Seus homens e seu povo o respeitam e o
admiram. E ele te ama, ou então, é difícil explicar por que não retribuiu
nem um dos golpes que eu dei nele. Isso deve ser suficiente para eu
considerá-lo digno de você, e estou convencido de que o pai não fará
objeções a ele.
Willow ficou satisfeita ao ouvi-lo dizer isso.
Se afastou e olhou avidamente para o rosto de seu irmão, tentando
memorizar cada uma de suas feições, o brilho em seus olhos azuis, como
aquela barba escura lhe caía bem que lhe dava um ar perigoso.
— Quero que volte são e salvo, está me ouvindo? E, por favor, traga
nosso pai de volta também. Eu preciso que me dê sua bênção...
Malcom enxugou com o polegar a lágrima que escapou dos olhos da
irmã. Sabia como tinha sido difícil para ela a ausência do pai no dia do
casamento. Aquela maldita guerra estava roubando muita coisa deles... Era
melhor vencer de vez para que todos pudessem voltar para suas vidas.
— Se acalme — ele sussurou. — Ao retornar, organizaremos uma
celebração como Deus manda. Vai usar um vestido de noiva digno de uma
rainha. E lá estarão todas as pessoas que ama e que não puderam estar
presentes nesta ocasião: o pai, tio Gilmer, seu povo...
Willow assentiu, fungando para conter as lágrimas. Sim, desejava de
todo o coração que esse dia chegasse. Não pelo acontecimento em si, mas
porque isso significaria que todos estavam bem, que haviam saído
graciosamente das misérias do tempo que viveram. A guerra terminaria e
poderiam viver em paz, sem mais ausências, sem mais mortes
desnecessárias como a de Niall.
— Willow, eu não queria ir embora sem te contar sobre isso — Malcom
chamou a atenção dela a sério e a afastou dos ouvidos curiosos que estavam
rondando a área. — Peguei a carta que foi enviada para Niall, vou levar
para o pai. Você ainda está em perigo, pelo menos até encontrarmos o
traidor. Acho que estará segura aqui, os Campbell provaram ser confiáveis e
cuidarão de você. Em todo caso, tome precauções extremas e avise Ewan
para deixar uma guarnição na fortaleza. Se descobrir alguma coisa, te aviso
o mais rápido possível.
Willow assentiu e não pôde deixar de sentir algum alívio ao entregar a
seu irmão parte da carga que carregava desde o dia do ataque. Ela não
estava sozinha nessa luta, Malcom se encarregaria de investigar até
encontrar o assassino de Niall, ela não tinha dúvidas. Ela o abraçou,
apertando-o com toda a força para poder sentir seu coração batendo em seu
peito, para que suas roupas e mãos ficassem impregnadas com o cheiro
particular de sua família.
— Tenho que ir agora, meus homens estão esperando — disse ele com
um tom rouco de emoção.
— Não deixe que te matem, por favor.
— Eu cuido dele pequenina, não tenha medo — disse uma voz atrás
dela.
Willow soltou Malcom e se virou para ver Angus, já pronto para partir.
O enorme guerreiro olhou para ela com carinho, e ela também se jogou em
seus braços para se despedir.
— Promete? — sussurrou em seu ouvido.
— Eu não pude estar ao lado de Niall para protegê-lo. Ninguém vai
machucar seu outro irmão se eu puder evitar — garantiu o grandalhão,
retribuindo o abraço sem jeito.
Willow sentiu um nó doloroso na garganta ao vê-los partir. Ela odiava
aquela maldita guerra e rezou com toda a sua alma para que todos aqueles
que ela viu partindo voltassem logo, sãos e salvos.

Ewan estava se sentindo muito melhor. Estava convencido de que a


suavidade da pele de sua duende e o calor de seu corpo o estavam curando,
pois não se explicava que, depois da surra que havia recebido, já conseguia
levantar-se da cama sem dificuldade. Estava casado com Will há uma
semana e ela nunca parava de surpreendê-lo. Tudo acontecera tão rápido
que ele ainda não tinha se habituado a ideia... Era como se aquilo tivesse
acontecido com outro e ele fosse um mero espectador de sua própria vida.
Às vezes, quando olhava para aquela que agora era sua legítima esposa,
ainda via o menino que fingiu ser. Pouco a pouco, seu cabelo voltaria a
crescer e sua aparência mudaria para erradicar a imagem de duende que o
havia conquistado. Estava convencido de que continuaria a achá-la bonita,
porque havia algo nela, algo muito mais profundo do que cabelos curtos e
olhos de céu de primavera, que o cativava. Mas lamentava ter perdido a
essência do que havia chamado sua atenção.
Por outro lado, a mulher que ele descobria todas as noites, quando se
despia abertamente na frente dele, o enfeitiçava. Era uma fonte contínua de
motivação e novas sensações. Jamais havia lhe acontecido algo assim com
ninguém. Will era tão verdadeira, tão sincera, tão natural, que não entendia
como não havia descoberto o disfarce dela antes. Ela não parecia ter medo
dele, não mostrava a modéstia que se espera de uma recém-casada diante do
ímpeto apaixonado do marido. E essa qualidade o inflamava ainda mais.
Todas as noites, ela o ajudava a se despir para dormir. Seus dedos finos não
hesitavam e a muito atrevida o acariciava com prazer, deixando claro que
seu enorme corpo de guerreiro a fascinava. E desejou que suas costelas não
doessem tanto quando ele respirava, para pegá-la em seus braços e lhe
mostrar o que poderia encontrar se persistisse naquela atitude provocativa.
Então, quando Ewan já estava deitado na cama, ela se despia. Era um
verdadeiro tormento. Will era suave, pequena, perfeita. A pele dela,
iluminada pelo fogo que se mantinha aceso na lareira, assumia tons quentes
e dourados que o hipnotizavam. Seus movimentos eram deliberadamente
lentos, e o guerreiro se perguntava se ela estava ciente do que estava
fazendo, quão febril era seu estranho ritual. A boca deliciosa de sua duende
era mantida entreaberta no processo. Às vezes, sua linguinha se estendia
para umedecer os lábios e Ewan precisava fechar os olhos, convencido de
que enlouqueceria de desejo por aquela criatura.
No final, a jovem juntava-se a ele na cama e envolvia-os numa manta
para se aconchegar no seu corpo, como ela queria, pele com pele, cada um
sentindo a respiração do outro, o seu calor, os tremores que os sacudiam
pelo simples fato de estarem tão juntos.
Ewan achava difícil dormir nessas condições. Estava convencido de que
sua esposa, em sua limitada experiência, não sabia até que ponto o estava
perturbando com sua atitude desinibida. E se tivesse lhe confessado que não
conseguia descansar direito assim, não tinha dúvidas de que teria ido ao
quarto da mãe para distanciar os dois, para o bem deles.
Isso nunca deveria acontecer.
Ele suportaria essa tortura com os dentes cerrados. Esperaria... saberia
esperar. E só assim conseguia finalmente escapar do sono reparador,
imaginando sua vingança. Imaginando como cobraria cada uma das carícias
que sua duende lhe dera sem que ele pudesse retribuir, recriando em sua
mente como seriam os beijos que devorariam aquela boca provocante,
fantasiando o momento em que pudesse afundar nela de novo e arrancar os
gemidos de prazer que o deixavam louco...
Se levantou da cama balançando a cabeça, tentando acalmar seus
pensamentos ardentes. Aquela mulher definitivamente o faria perder a
cabeça.
Ele olhou em volta, um tanto desorientado, para descobrir que já era
muito depois do amanhecer e que os MacGregor já teriam abandonado Innis
Chonnel. Lamentou não ter podido ir se despedir deles, mas Will também se
mostrou mandona e o proibiu de fazer qualquer esforço desnecessário.
— Quero que você se recupere o mais rápido possível — ela lhe disse,
lhe dando um beijo rápido na boca que o deixou querendo mais.
Ela se foi deixando um vazio perturbador em sua cama. Ewan imaginou
que voltaria logo, assim que se despedisse de seu povo. Mas não foi assim.
Esperou por ela em vão e, no final, decidiu que iria procurá-la ele mesmo.
Se pegou franzindo a testa ao perceber que talvez a jovem tivesse decidido
ir com os MacGregor, afinal.
— Não. Ela não faria isso — disse em voz alta.
Por via das dúvidas, se apressou em se vestir com a primeira coisa que
encontrou. Enquanto calçava as botas, com alguma dificuldade, a porta se
abriu e o alívio o invadiu, dissolvendo o nó de pânico que se formara na
boca do estômago.
— O que você faz acordado? — Willow lhe perguntou.
Em suas mãos trazia uma bandeja com uma tigela de caldo, um pouco
de carne, frutas e bebida.
— Eu ia te procurar — ele reconheceu. — Estava demorando muito.
— Fui à cozinha trazer o café da manhã. Desculpe, talvez eu tenha me
entretido mais do que o necessário. Está com tanta fome?
Ewan fechou os olhos e suspirou. Ela interpretou mal a impaciência
dele.
— Sim, eu tenho fome. Mas não é disso que se trata.
A jovem deixou a bandeja sobre a mesa que ele usava como
escrivaninha e o olhou com estranheza. Seu gesto intenso e a maneira como
ele a olhava eram mais reveladores do que palavras.
— Você achou que eu tinha ido com Malcom?
— Bem. Está claro para mim a quem você deve lealdade. Era uma
possibilidade.
Willow veio para o lado dele e se agachou ao pé da cama onde ele
estava sentado. Ela colocou as mãos pequenas sobre os joelhos e procurou
seus olhos.
— Depois do que você fez, depois de se expor na frente de todos e
deixar Malcom bater em você, acha que iria te abandonar?
— Você só ficou por pena? — ele perguntou por sua vez.
Ela arregalou os olhos, surpresa por tal pensamento ter passado por sua
cabeça.
— Ewan Campbell, você não pode inspirar pena em ninguém. Não se
viu? Não consegue ver como todos olham para você? É um guerreiro
imponente, um homem notável. Os que não te temem, que são muitos, te
admiram.
— E você?
— Eu o que?
— Me teme... ou me admira?
Willow se levantou e montou sobre os joelhos, levantando as saias para
se acomodar melhor. Ela colocou os braços em volta do pescoço dele e
fixou seus olhos com seu olhar assombrado. Ficou emocionada ao ver que
sua resposta era de vital importância para ele.
— Eu te amo, Ewan Campbell. Receio que não sinta o mesmo por mim.
Temo o momento em que terei que deixar você ir. Receio ter que dormir
nesta cama sem você nela. E eu admiro tudo o que fez por mim, o homem
que é, sua bravura, sua confiança, seu lado mais selvagem, o brilho em seus
olhos quando olha para mim e vê apenas Will, sem outras decorações além
da auréola de mistério e magia que se esforçou em me conceder.
— Não duvide, pequena duende. Esse brilho que te fascina em meus
olhos é o amor.
Ela se aconchegou contra o corpo grande e quente de seu marido.
— Então fiz bem em ficar, porque assim você pode me provar. Tem a
manhã toda para me convencer...
— E a minha convalescença? — sussurrou Ewan contra seus lábios
provocantes.
— Vou apelar para sua incrível força física. Teve uma semana para se
recuperar, realmente vai me fazer esperar mais?
Antes que soubesse o que estava acontecendo, Willow se viu envolvida
nos braços poderosos do homem, arrastada para deitar-se de costas na cama,
com ele aninhado entre suas pernas.
— Não vai precisar esperar nem mais um minuto, esposa — disse ele,
um segundo antes de se apoderar de sua boca.
Ela o aceitou ansiosamente, enfurecida ao descobrir que ele estava mais
do que pronto para cumprir seus deveres conjugais. Ela precisava de sua
respiração, o ar que escapava de seus lábios, o impulso selvagem de cada
um de seus toques, o beijo de sua pele por todo o seu corpo.
Se despiram sem demora ou demorando nos detalhes. A paixão contida
esses dias exigia ser libertada de uma só vez, feroz, descontrolada, tirânica.
Haveria tempo para o amor calmo mais tarde, quando ambos estivessem
saciados, quando ambos se encontrassem cheios do cheiro, do sabor, do
calor um do outro.
— Abra para mim, pequena duende. Deixe-me entrar — Ewan
murmurou, perdido na maciez do pescoço dela, no toque daqueles seios
voluptuosos sob suas mãos.
Willow abriu ainda mais as pernas para recebê-lo, tremendo de desejo,
suspirando de prazer antecipado. O guerreiro se posicionou entre suas coxas
e a penetrou com força, fazendo-a gritar. Desta vez não parou para verificar
se ela estava bem, porque o rosto dela, paralisado de emoção, corado pela
intensidade da alegria, o impeliu a se entregar completamente.
Enquanto se movia sobre ela, dentro dela, beijou-a mais uma vez,
mergulhando a língua em sua doce boca, engolindo os gemidos que saíam
de seus lábios. Desejou que aquele momento durasse a manhã inteira e
lamentou ao perceber que não poderia prolongar o prazer como queria
porque tinha vida própria, crescia e crescia no mesmo ritmo de suas
estocadas, inflamava a cada carícia, a cada palavra de amor que eles
derramavam um no outro.
— Você me deixa louco... Não consigo me conter.
— Ewan, me leve com você. Encha-me de você
Seus suspiros, suas palavras sussurradas acenderam a faísca que
desencadeou o orgasmo mais incrível que Ewan já experimentou em sua
vida. Continuou a balançar-se sobre ela depois, preso por um tremor
delicioso, tentando espremer ao máximo a sensação.
— Eu te amo, Will — sussurrou no ouvido dela. — E espero poder fazer
isso com você muitas e muitas vezes antes de partir.
Willow reprimiu um soluço de prazer absoluto e o abraçou com força,
sabendo que o que quer que ele lhe desse seria insuficiente para aplacar sua
necessidade desesperada por este homem. Ela nunca teria o suficiente dele,
nunca se saciaria.
— É melhor mesmo — o advertiu, procurando sua boca novamente.
Queria saber se era capaz de reacender a paixão do marido usando as
mãos, a língua e os lábios como armas. Ele havia lambido seus seios
causando espasmos caprichosos em seu corpo. Ela poderia, por sua vez,
provar as partes mais atraentes da anatomia daquele guerreiro para lhe dar o
mesmo tipo de prazer? Ainda era bastante inexperiente nesses assuntos.
Mas se lembrava das mãos de Thonia acariciando o membro de Ewan, e da
maneira como ele reagiu cerrando os dentes, sibilando de prazer. Se ela
ousasse fazer isso também, não só com as mãos, mas também com a língua,
com os lábios, ele gostaria?
Não sabia a resposta, mas planejava descobrir naquela mesma manhã...
CAPÍTULO 40
21 de junho de 1314, floresta de Torwood

Ewan viu a floresta de Torwood à distância, onde o rei Robert de Bruce,


decidira reunir todos os seus homens antes do dia marcado para a grande
batalha que se aproximava. Em seu interior se acenderam emoções
encontradas. Esperou muito tempo para atender ao chamado de seu rei.
Amava sua terra natal e queria fazer parte dessa luta, a mesma pela qual seu
próprio pai havia dado a vida. Finalmente chegara a hora, finalmente
colocaria sua espada e tudo o que estava a serviço de uma causa na qual
acreditava com fé cega. E estava satisfeito com isso.
Por outro lado, sua mente continuou evocando o rosto de Willow
durante a despedida que tiveram alguns dias antes. Ele também não podia
esquecer suas palavras sinceras, carregadas de angústia por sua partida
iminente.
— Agora é que eu realmente queria ser o menino que fingia ser antes —
lhe confessou. — Para que pudesse acompanhá-lo aonde quer que o rei o
envie.
— Eu sinto exatamente o oposto. Fico feliz que seja uma mulher, minha
esposa, e que fique em nossa casa, longe dos males da guerra. Não importa
o que aconteça comigo, você estará segura aqui.
Ela se derreteu contra seu corpo, com lágrimas nos olhos.
— Eu não estarei segura até que volte para mim novamente.
Ewan a beijou então, lentamente, enchendo-se de seu gosto para gravá-
lo na memória. Willow tinha um sabor doce devido ao seu calor, salgado de
suas lágrimas. Era, sem dúvida, o melhor souvenir do mundo para levar
para a guerra. Isso, junto com os dias e noites que passou ao lado dela,
amando-a por toda a vida. Nenhum dos dois sabia se iriam se ver
novamente e, embora não saísse de suas bocas, o medo estava lá,
espreitando por trás de cada carícia, cada olhar que se dedicavam como se
fosse o último.
Ele suspirou ao se lembrar dos momentos compartilhados, sentindo
tanto a falta dela que ardia em sua pele. Havia descoberto em sua esposa
uma criatura sensual e ousada, insaciável. Sua curiosidade natural e sua
falta de pudor quando estavam juntos o surpreendia. Tanto que sua pequena
duende teria feito a própria Thonia corar com seus gracejos. Só de lembrar
de alguns desses momentos, seu corpo reagia, gritando para que voltasse
para ela.
Mas não sentia falta dela só porque era a melhor amante que já teve.
Willow também se revelou uma esposa incrível. Rapidamente assumiu o
controle da fortaleza, ajustando-se à sua nova vida sem esforço. Como
esposa do laird, ela lhe deu todo o apoio e ajuda enquanto terminavam de
preparar as tropas. Juntamente com sua governanta, Jane, organizou os
recursos de Innis Chonnel para garantir que ninguém sofresse privações
enquanto ele estivesse fora. Ela tinha sido amorosa e atenciosa com os
membros de seu novo clã, conquistando a lealdade de cada um deles. Ela
certamente parecia feliz e satisfeita, e ninguém poderia resistir a seus
modos encantadores.
Agora Willow não era mais a joia de Meggernie, mas de Innis Chonnel.
E tal tesouro merecia ser guardado. Ewan havia deixado uma pequena
guarnição de homens liderados por Bors na fortaleza que, embora chateado
por não poder ir à guerra com seu laird, cumpriu a ordem sem muito
protesto. Rezou para que seus parcos recursos fossem suficientes, já que o
rei precisava do grosso de suas tropas para defender o cerco de Stirling...
— Ela vai ficar bem. Essa jovem mostrou que pode se defender sozinha.
Ewan olhou para seu tio Alec, que havia parado ao lado dele,
alcançando seu cavalo. Era incrível como ele parecia ler sua mente quando
estava preocupado.
— Eu sei. Mas às vezes isso não é suficiente. Tomara que tudo isso
acabe logo e encontremos o responsável pela morte de Niall MacGregor.
Tenho a sensação de que Willow não estará segura até que o encontremos.
Alec concordou e rezou para que pudesse recuperar de suas memórias o
rosto do traidor que procuravam.
— Iremos ver os MacGregor assim que chegarmos ao acampamento e
nos apresentaremos a Bruce juntos — ele disse ao sobrinho. — Assim o rei
verá que não há disputa entre nós e que, quando a guerra acabar, será
preciso encontrar o verdadeiro culpado desse horrível acontecimento para
fazer justiça.
Ewan assentiu, seu olhar fixo nas primeiras tendas que já se erguiam à
sua frente entre as árvores de Torwood.
A faca voou pelo ar e se chocou contra o corpo de palha da boneca sem
realmente espetar. Bors estalou a língua em aborrecimento e olhou para sua
senhora sem dissimular sua decepção.
— Não, não e mil vezes não.
—Foi assim que Melyon me ensinou a jogar — Willow se defendeu,
pegando a arma para tentar novamente.
— Eu acho isso difícil de acreditar. Será que não prestou atenção?
Bors era implacável. Ele a tratava quase como quando pensava que ela
era um menino fraco, ele até começou a chamá-la pelo primeiro nome
durante suas sessões. No tempo que duravam suas práticas, eram apenas
Bors e Will, embora assim que terminavam, o homem voltava a tratá-la
como merecia a senhora de Innis Chonnel. A jovem não se incomodou,
muito pelo contrário. Quando pediu a Bors para continuar o treinamento
que ela havia começado com Alec e Melyon, sabia que o guerreiro não a
trataria como uma donzela. Se queria melhorar, se queria aprender,
precisava de um professor como ele. Ele era duro, implacável e não media
palavras. Às vezes captava na expressão dele uma palavra grosseira que não
conseguia pronunciar, e então tinha de conter o riso para não aborrecê-lo
ainda mais. Mas a verdade é que com ele, nos poucos dias que treinou, ela
melhorou muito.
— Preste atenção, Bors. Ele me disse para pegar a adaga e que movesse
o braço assim...
— Hah! Ouça, Will. Nunca, jamais mova seu braço assim. Tem que
jogar com todo o seu corpo, olhe para mim. Viu? Olhe para meus quadris,
como os posiciono na frente do meu alvo. Olha como eu ganho impulso... e
arremesso com o corpo todo, não só com o braço, entendeu?
Willow estudou sua postura e a memorizou. Agora seria a vez dela e
deveria lhe mostrar que estava atenta às suas explicações. Bors ficava bravo
com muita facilidade, era um rabugento incrível. E, talvez por isso, ela
começasse a apreciá-lo de verdade.
Pegou a faca novamente como o guerreiro havia instruído e se
posicionou. Lambeu os lábios, concentrando-se. Tinha que se sair bem.
Tinha que aprender a se defender, já que o perigo ainda estava lá fora, à
espreita.
Ela não disse nada a Ewan sobre a carta que a marcava como o principal
alvo do traidor de seu pai, porque não queria colocar essa preocupação em
seus ombros quando ele tivesse que ir para a guerra. Não queria que nada o
distraísse da luta contra os ingleses; sua mente e coração tinham que estar
focados naquela batalha para se manter vivo. Também não queria que ele
deixasse mais homens do que o estritamente necessário na fortaleza.
Precisavam dos guerreiros no front, não ali em Innis Chonnel, protegendo
uma pessoa.
— Vai lançar antes que eu fique grisalho? — perguntou Bors, tirando-a
de suas reflexões.
Willow respirou fundo, tomou impulso e jogou, imitando os
movimentos do homem.
A faca voou rápido e com força e mergulhou na cabeça da boneca, entre
os olhos.
— Bom! — exclamou a jovem, feliz pela conquista.
Bors a olhou com uma sobrancelha erguida e os braços cruzados sobre o
peito.
— Bom? Não fique tão feliz e corra novamente para pegar a arma. Diga
bom quando for capaz de acertar todas as vezes, sem errar. Isso pode ter
sido um bom arremesso... ou apenas pura sorte.
Willow ficou indignada.
— Pura sorte? Meu braço dói das vezes que me fez repetir!
— Bem, vai continuar arremessando até seus músculos queimarem!
Acha que na frente de um inimigo terá a opção de repetir o lançamento se
errar? Como me chamo Bors, a senhora dos Campbell aprenderá a não
falhar. Nenhum Campbell erra com uma arma.
Ele a olhou intensamente, desafiando-a a dizer o contrário.
Ela ergueu a cabeça e endireitou os ombros. Foi até a boneca e pegou a
faca para tentar novamente. Se posicionou, lançou... e acertou novamente.
Olhou para Bors com orgulho, mas o guerreiro não mudou a expressão séria
em seu rosto. Tudo o que ele fez foi apontar para o alvo novamente antes de
dizer:
— Eu não disse que pode descansar. Outra vez.
Willow soltou um suspiro resignado. Se ela quisesse algum tipo de
elogio daquele homem, poderia esperar sentada...
Assim como havia discutido com seu tio, ao chegar, Ewan e seus
homens de confiança se dirigiram para a área onde os MacGregor se
encontravam.
Alec, Melyon e Colin não queriam deixar seu laird sozinho, pois todos
sabiam que ele enfrentaria seu sogro pela primeira vez, um respeitado
guerreiro com uma reputação temível no campo de batalha. Se Malcom
tivesse contado a seu pai como o Campbell conseguira se casar com sua
filha, teria sorte de não receber outra surra igual ou pior do que a que o
irmão de sua dama lhe infligiu.
Antes de chegarem à tenda dos MacGregor, o próprio Malcom o
interceptou. Ele se colocou na frente de Ewan e, ignorando toda a educação,
foi direto ao ponto.
— Meu pai não sabe de nada, nem precisa saber. Ele já sofreu o
suficiente com a morte de Niall. Quanto a mim, Willow se apaixonou por
você e, dadas as circunstâncias e sua partida iminente para comparecer
perante o rei, consenti nesse casamento pelo bem de minha irmã. Não
importa o que aconteça na batalha, ela é protegida pelo seu nome e o da
família dela. Se nenhum de seus entes queridos retornar, não ficará
desamparada.
— Innis Chonnel é a casa dela e a querem lá. Sua irmã não poderia estar
em um lugar melhor se nenhum de nós sobreviver. Prometo não revelar a
seu pai as verdadeiras circunstâncias de nosso casamento.
Malcom assentiu com a palavra dele e só então se virou para conduzi-
los à tenda dos MacGregor. Lá Ewan conheceu seu sogro, um Highlander
quase tão alto quanto seu filho, de aparência feroz apesar de seus anos, cujo
rosto, marcado por uma barba grisalha, traía o sofrimento do qual Malcom
havia falado. Os olhos do guerreiro eram escuros e duros, sem dúvida
opacos, e sombreados com a dor e a tristeza de um homem com parte de sua
alma dilacerada.
— Pai, os Campbell acabaram de chegar — Malcom anunciou. — Este
é seu laird, o homem de quem lhe falei.
Ian se levantou de seu assento e se colocou na frente deles. Ewan sentiu
o escrutínio daqueles olhos perfurando sua pele.
— Então você é o guerreiro que roubou o coração da minha filha.
— Meu senhor — Ewan assentiu respeitosamente, segurando o olhar do
sogro — quero que saiba que foi o contrário. Ela roubou meu coração,
minha alma e minha sanidade. Foi uma honra que Willow me aceitou como
seu marido e meu único arrependimento é que a crueldade desta guerra não
tenha permitido que eu pudesse pedi-la a seu pai em matrimônio como
deveria ter acontecido. A providência quis que, em seu lugar, seu irmão
chegasse a Innis Chonnel a tempo para que o casamento pudesse ser
celebrado antes de minha partida. Garanto-lhe que não poderia amá-la mais,
senhor.
Malcom se moveu inquieto ao lado de seu pai, mas não disse nada. Ian
estava olhando para Ewan de forma tão penetrante que o silêncio se
adensou até se tornar desconfortável. Felizmente, não durou muito. O laird
MacGregor desviou o olhar e procurou seu velho amigo Alec Campbell
para falar com ele.
— Ele é tão habilidoso com a espada quanto com as palavras? — lhe
perguntou, diretamente, sem saudação prévia.
— Muito mais, Ian. Não sei de onde vem essa veia de poeta, mas tenha
certeza de que no campo de batalha vai testemunhar que sua açucarada
confissão de amor não diminui sua coragem ou habilidade. Ele é um dos
melhores guerreiros que já tive o privilégio de treinar.
Ian olhou para Ewan novamente, algo como aprovação em seu rosto.
— Malcom me disse que você é digno da minha filhinha, e devo confiar
em sua palavra. Se, além disso, um homem como Alec, por quem tenho o
maior respeito, o endossa, não tenho mais nada a acrescentar. Bem-vindo à
minha família — disse ele, estendendo a mão.
Ewan deu um aperto firme em seu antebraço e ficou aliviado quando o
laird MacGregor lhe deu um tapinha confiante no ombro. Então, finalmente,
vieram os cumprimentos e abraços dos dois amigos que há muito não se
viam. Alec ficou feliz por reencontrar o homem que havia sido seu
companheiro em lutas antigas e por poder compartilhar aquele momento
épico com ele novamente.
Depois de conversarem e se colocarem em dia brevemente, decidiram
que era hora de se reportar ao rei para que este passasse revista aos soldados
que Ewan trouxera com ele. Robert de Bruce ficou satisfeito com a chegada
deles e satisfeito por ver com seus próprios olhos o bom trabalho que o laird
Campbell havia feito ao treinar os novos soldados, exatamente como ele
havia ordenado.
Agora que ambos os clãs apareceram diante dele, o rei abordou o
assunto do ataque a Meggernie e ficou satisfeito ao descobrir que a
rivalidade entre MacGregor e Campbell não deu em nada, o verdadeiro
culpado por trás daquele ataque horrível ainda não tinha sido descoberto.
Bruce não queria se aprofundar nessa história dadas as circunstâncias e
resolveu o assunto pedindo a seus Lairds que se concentrassem na batalha
que estava por vir. Ele prometeu que, se Deus lhes concedesse a vitória e
saíssem ilesos do confronto com os ingleses, ele mesmo retomaria a
investigação daquele grave crime para apurar os responsáveis e fazer
justiça. A memória de Niall MacGregor não seria esquecida. Lhes deu sua
palavra e tanto os Campbell quanto os MacGregor acreditaram nele, pois o
Rei Bruce nunca os decepcionou.

Depois de terminar seu treinamento com Bors, Willow se dirigiu para a


cozinha de Innis Chonnel, como todas as tardes. Havia adquirido o hábito
de não descansar durante o dia, porque era a única maneira de dormir à
noite. Ela sentia tanto a falta de Ewan que, quando estava sozinha em seu
quarto, mal conseguia respirar. A cama era enorme e sentia a falta dele, a
sua ausência lhe trespassava a alma e os olhos ardiam de tanto conter o
choro. Por isso não podia retirar-se para descansar, como exigia cada um de
seus músculos doloridos após a sessão com Bors. Ela ia para a cozinha e
ajudava a preparar o jantar, ou fazia qualquer outra coisa que lhe pedissem.
Assim que Maud a viu chegando, a repreendeu.
— Não deveria estar aqui.
Willow a ignorou, como fazia toda vez que a mulher apontava que ela
agora era a senhora de Innis Chonnel e, portanto, lá não era o lugar dela,
ajudando com trabalhos que eram mais típicos de servos.
— Temos que amassar o pão? — perguntou a Edith, a cozinheira,
enquanto lavava as mãos.
— Sim, senhora.
A jovem assentiu, enrolou as mangas do vestido e dirigiu-se à mesa
onde costumavam preparar a massa.
— Eu não posso ficar de braços cruzados o dia todo, Maud — explicou.
— Além disso, trabalhar me ajuda a não pensar no fato de que meu marido,
meu pai, meu irmão e muitos homens bons estão no front, expostos à ira
dos ingleses.
— Acho que é o contrário — Jane interveio. — Que os ingleses cuidem
muito bem de nossos soldados, pois eles lutam por algo muito mais nobre
do que a ganância que move nossos inimigos. O rei Edward e seus
cachorrinhos só querem mais terras e riquezas, e não se importam que
tenham que nos expulsar de nossas casas para obtê-los. O rei Bruce nos
defenderá, nossos homens lutarão dando suas almas para manter o que é
nosso.
Os que estavam na cozinha naquele momento olharam para a
governanta e assentiram para suas sábias palavras. Willow também pensava
assim, mas sabia por Ewan que eles estavam em menor número do que o
exército inglês e que as forças não seriam igualadas na batalha. Os
escoceses poderiam sair vitoriosos contra todas as probabilidades? Seu
coração afundava só de pensar nisso e era por isso que era tão difícil para
ela adormecer à noite. Odiava ficar acordada a noite toda, porque era
quando se afogava em lembranças e sentia mais saudades do marido, seu
olhar, suas carícias, seus beijos... Então ela trabalhava, ocupava sua mente e
esgotava seu corpo para poder dormir, mesmo que fosse apenas um pouco
ao terminar o dia
Ewan tinha que voltar. Ele tinha que voltar para ela, para seus braços,
para sua vida.
Sentiu que estava amassando o pão com muita força quando a mão de
Maud pousou em seu ombro e ela lhe falou em um sussurro.
— O laird não lutará apenas pela Escócia. Ele também lutará para voltar
para sua casa, pois sabe que você está esperando por ele. Nunca vi um
homem mais apaixonado, e o amor vence tudo.
Willow não tinha percebido que ela estava chorando. Maud enxugou
suas as lágrimas com amor e permitiu que a jovem a abraçasse. Era o único
consolo que podia lhe oferecer: a esperança de que tudo saísse bem.
— Reza aos teus santos, Maud. Peça para eles o trazerem de volta para
mim, eu não posso viver sem ele...
Maud fechou os olhos, rezando aos céus para que lá em cima ouvissem
o apelo da jovem de Innis Chonnel.
CAPÍTULO 41
23 de junho, Batalha de Bannockburn

Naquele primeiro dia de luta, o exército escocês, inferior em número aos


seus inimigos, saiu vitorioso pela Graça de Deus, ajudado pela bravura e
coragem de seus corações. Naquela mesma manhã, logo após o nascer do
sol, todos os soldados ouviram a missa e se confessaram, prontos para
morrer ou então livrar seu país do flagelo inglês. O rei Bruce havia
pronunciado palavras de encorajamento antes de irem para a luta e todos
ouviram seu discurso com a alma ardente, cheia de esperança:
— Hoje é o nosso dia. Se algum de vocês achar que seu coração não
será forte o suficiente para suportar esta dura luta e vencê-la ou morrer com
honra, deve partir, e só devem ficar comigo aqueles que estejam dispostos a
resistir junto a mim até o fim e a aceitar o destino que Deus nos tenha
reservado.
Seus homens lhe disseram com firmeza que nem o medo nem a morte os
impediriam de lutar, e o rei ficou orgulhoso. Enviou cada guerreiro com
suas respectivas tropas aos locais combinados de acordo com a estratégia
planejada para resistir ao ataque dos ingleses, tramada na véspera junto com
seus melhores homens e conselheiros.
Ewan se encontrou com o rei, assim como os MacGregor e outros clãs
amigos que não viraram as costas para Bruce, como os MacNab, os Stewart
e até mesmo os homens do ausente Gilmer Graham. Ewan sabia que Willow
o tinha em alta estima e até o chamava de tio como se fosse da família.
Havia lhe contado que o guerreiro havia sido liberado pelo próprio Bruce de
sua obrigação de lutar por ter perdido uma mão em outra grande batalha.
No entanto, isso não o impediu de enviar suas tropas para se juntar a Bruce
na luta contra os ingleses.
— O que me surpreende é que ele não tenha decidido aparecer aqui
junto com seus homens, apesar de tudo — Malcom havia lhe confessado,
que o conhecia tão bem quanto sua esposa. — Mesmo sem uma mão, tio
Gilmer seria um combatente temível.
Se ele conseguisse sair vivo dali, Ewan disse a si mesmo, teria que
conhecer este homem que os MacGregor tanto admiravam. Se era alguém
importante para Willow, tinha que estar em suas vidas.
Quando o sol já estava alto no céu, puderam ver que o exército inglês se
aproximava. Viram como seus escudos e seus elmos polidos reluziam;
viram muitas bandeiras bordadas, pendões e estandartes; viram muitas
lanças, e milhares de homens a cavalo, todos vestidos com túnicas novinhas
em folha... Tal era o tamanho daquelas formações, que ocupavam uma
extensão incrível no horizonte. Ewan ficou surpreso por seus compatriotas
não vacilarem diante da ameaça inglesa, e ele estava orgulhoso de estar lá
naquele dia, compartilhando seu destino com homens de tanta coragem e
bravura.
Descobriu que a maioria dos escoceses carecia de armadura e proteção,
ao contrário de seus inimigos. Ele próprio havia dispensado o pesado fardo
de todo o traje, vestindo apenas a cota de malha e o peitoral. Tinha a
sensação de que, assim, teria muito mais liberdade de movimentos para o
combate.
Quando chegou a hora, Ewan, como o resto dos soldados que
acompanhavam Bruce, rugiu, erguendo sua espada bem alto. Logo em
seguida, lançou-se ao ataque com tudo que era, pronto para vencer ou
morrer naquela batalha...

Acordou quando ouviu uma batida na porta. Willow saiu da cama e


jogou o kilt Campbell sobre os ombros antes de responder.
— O que aconteceu? — perguntou ao ver Bors do outro lado, com o
rosto tenso.
— Acabou de chegar um mensageiro.
O coração da jovem parou por alguns segundos devido ao terror que
aquelas palavras produziram nela.
— A esta hora? — consegui sussurrar. — E que... que mensagem traz?
— Ele não quis me dar. Ele disse que se chama Errol MacGregor, que a
conhece e só falará contigo. Disse que vem de Stirling...
Willow não podia acreditar. Errol? Ela pensou que havia caído no ataque
a Meggernie! A última vez que o viu, ele estava indo embora com seu
irmão Niall para defender as paredes de sua casa.
Um momento... disse que vinha de Stirling? Seus olhos se arregalaram
quando percebeu o que isso poderia significar. Àquela hora da noite e com
tanta urgência, só podia receber más notícias. O pânico apertou sua garganta
com tanta força que ela mal conseguiu pronunciar as próximas palavras.
— Onde ele está?
— Lá fora, na margem do lago. Deixei-o sob a responsabilidade de
Murdoc, o está vigiando.
— Bors! Não o deixou entrar? — ela perguntou, indignada com a falta
de consideração dele.
— Ewan me deixou no comando, e ninguém entra na fortaleza à noite,
por mais que jurem conhecê-la.
— Vou com você para identificá-lo. Conheço Errol desde que era uma
garotinha, esteve sob o comando de meu pai a vida inteira.
Ela saiu do quarto como estava, de camisola e coberta com o kilt. Talvez
devesse ter se vestido, mas sua impaciência pelas notícias que ele trazia era
mais forte que seu senso de decoro. Bors estava ao lado dela, iluminando o
caminho com uma tocha, murmurando algo sobre como, se não fosse quem
dizia ser, iria esfolar o indesejado mensageiro com as próprias mãos.
Willow atravessou o pátio, tremendo de frio e medo. Ela quase correu
querendo alcançar a porta da frente onde o homem que ela não via há tanto
tempo a esperava. Ao saírem, distinguiram duas pessoas ao lado de um dos
barcos.
— Errol? — ela perguntou, aproximando-se com o coração na garganta.
— Minha senhora — disse ele então, dando um passo à frente para que
pudesse ver seu rosto à luz da tocha que o Campbell segurava.
— Oh, meu Deus! — ela exclamou. — Não acredito que é você... Achei
que você tivesse caído com o Niall!
O MacGregor ajoelhou-se e gentilmente pegou a mão dela.
— Foi horrível, eles nos massacraram — sussurrou. — Acho... acho que
só eu consegui escapar e fugir de Meggernie...
Ela apertou a mão dele com uma sugestão de sorriso e seus olhos se
embaçaram. Estava feliz por tê-lo ali, mas era urgente saber o conteúdo da
mensagem que ele tinha.
— Estou feliz que pode voltar para o meu pai. Que... que notícias me
traz de Stirling? Aconteceu alguma coisa com ele ou com meu irmão? Com
Ewan?
Errol abaixou a cabeça e escondeu os olhos. Willow imaginou o pior
quando viu aquele gesto e uma dor excruciante disparou em seu peito.
— Errol, por favor me diga...
O homem ergueu os olhos e de repente não era mais o guerreiro que ela
conhecera. No fundo de seus olhos havia uma escuridão que nunca havia se
manifestado antes.
Tudo aconteceu muito rápido. Ele soltou a mão de Willow e com um
movimento impossível, enfiou uma adaga no peito de Murdoc, soldado
Campbell que estava atrás dele. Se levantou após um salto enquanto tirava
outra adaga de entre suas roupas.
Bors pensou que ele iria esfaqueá-la.
Portanto, ao invés de desembainhar sua espada para atacar o intruso, ele
se colocou entre eles de braços abertos, tentando proteger o corpo de sua
senhora.
A adaga mergulhou entre suas costelas, perfurando um pulmão. E então
Errol desembainhou a espada e cravou-a sem cerimônia na barriga dele.
— Não, Bors! — Willow gritou.
O que acabava de acontecer?
Tudo aconteceu tão rápido que não conseguiu assimilar. E os Campbell
não estavam alertas, pensaram que Errol era um amigo, eles confiaram...
Apenas dois homens acompanhavam a sra. De Innis Chonnel naquele
momento, e ambos caíram nas mãos daquele traidor.
Willow segurou o corpo de Bors o melhor que pôde para que ele não
caísse. Uma vez no chão, segurou a cabeça e olhou em seus olhos. Sangue
estava saindo de sua boca e a sombra da morte já podia ser vista em seu
rosto.
— Eu falhei contigo... quem é o verme medroso agora?
— Não, não... — Os lábios de Willow tremeram. — Bors não, não
assim.
— Perdoe-me, minha senhora... — ele ergueu a mão e a estendeu. —
Por tudo.
— Você não vai morrer, Bors. Fica Comigo.
— Se eu não morrer, Ewan vai me estripar com as próprias mãos como
um inútil. É o que eu mereço.
— Você salvou minha vida e Ewan terá orgulho de você.
Willow viu a expressão de Bors relaxar com o comentário dela e seus
olhos ficaram opacos. Notou que a mão que segurava não apertava mais a
dela e soube que a havia deixado. Ela ficou tão horrorizada que nem
conseguiu chorar.
— Já se despediu do seu amigo? — Errol então perguntou, com uma
voz desconhecida. Era fria, antipática e arrogante.
— Foi você — disse com desprezo. — Você abriu os portões de
Meggernie para aquele exército entrar e massacrar o nosso. Quem você
deixou entrar? A quem se vendeu, seu miserável traidor? Por sua causa,
Niall foi morto.
Errol negou com a cabeça enquanto se aproximava dela lentamente, com
a espada na mão.
— Eles não o mataram por minha causa — ele esclareceu. — Eu o matei
com minhas próprias mãos...
A jovem levantou-se com um grito de raiva e atirou-se contra ele,
tentando arrancar-lhe os olhos. Durante a luta, os dois viram uma figura sair
da fortaleza alertada pelo tumulto.
— Agnes! — Willow gritou ao reconhecer a criada, que estava olhando
para eles com os olhos arregalados. — Toque o alarme! Corra, avise os
outros!
Ela sentiu Errol empurrá-la em direção ao barco e lutou mais para se
livrar. Aparentemente, suas intenções não eram matá-la ali mesmo.
— Se não ficar quieta, pequena Willow, eu vou te machucar muito —
ele sussurrou em seu ouvido com uma voz arrastada.
—Agnes! — gritou de novo por ajuda.
Para sua total consternação, viu como a criada se aproximava deles com
um sorriso dissimulado em seu belo rosto. Quando chegou a sua altura,
levantou a mão e a esbofeteou aproveitando que Errol a segurava com
força.
— Eu te devia isso — sussurrou maldosamente.
Willow a olhou com os olhos arregalados.
— Não bata mais na cara dela — Errol repreendeu Agnes, deixando
claro que se conheciam. — Tem que estar perfeita quando entregue.
— Por quê? — perguntou Willow sem tirar o olhar da serva, atordoada
com a dupla traição.
— Eu poderia te dar muitos motivos, Will. Porque riu de mim me
fazendo acreditar que era outra pessoa, porque desfruta de privilégios que
eu não tenho, porque conseguiu conquistar o amor de um guerreiro, algo
que me foi negado... Em suma, porque eu odeio você.
— E porque eu te pago muito bem pela sua ajuda, cadela interesseira —
Errol acrescentou, puxando Willow em direção ao barco.
Ela reagiu e lutou novamente com todas as suas forças. Só teve tempo
de gritar mais uma vez antes que aquele traidor a acertasse na cabeça.
Então tudo escureceu e não viu mais nada.

24 de junho, Batalha de Bannockburn

No dia anterior haviam resistido aos ingleses, levando-os de volta ao


acampamento, sem permitir que chegassem ao castelo que pretendiam
resgatar. E naquele novo dia, encorajados e animados por seu rei, se
prepararam para dar suas vidas na batalha que teriam que travar contra um
exército muito maior que não parecia disposto a desistir.
As tropas escocesas saíram ao ar livre, suas longas lanças prontas para o
ataque da cavalaria inglesa. Mais uma vez, como na Batalha de Stirling, na
qual Wallace derrotou os ingleses anos antes, se agruparam em unidades
móveis para que seus inimigos tivessem dificuldade em alcançá-los, apesar
da carga da cavalaria. Eles também tinham a vantagem de que o terreno era
pantanoso e estreito, dificultando o avanço da formação invasora. Mesmo
os perigosos arqueiros ingleses não conseguiram esgotar suas forças, pois
não podiam atirar pelos flancos e, para sua perplexidade, o próprio irmão do
rei Bruce, Edward, lançou seu ataque contra eles com cavalos leves para
dispersá-los e não permitir que atirassem contra seus compatriotas.
— É como se eu voltasse no tempo — Alec Campbell exclamou a certa
altura, dirigindo-se ao amigo Ian, que o olhava com orgulho brilhando nos
olhos.
— Seremos capazes de contar aos nossos netos que estivemos em duas
das batalhas mais memoráveis que a Escócia jamais se lembrará — disse
ele, segurando sua espada com firmeza. — Nós vamos vencer, meu amigo,
eu sinto isso em meus ossos.
— Que o céu te ouça, pai — Malcom sussurrou ao lado dele, também se
preparando para o eminente embate.
Ewan, ao lado deles, observava a cena e queria gravá-la em sua cabeça.
Ele também suspeitava que este dia seria memorável e não queria esquecer
nada. Por um momento, fechou os olhos e pensou em sua pequena duende,
em Innis Chonnel, em sua casa. Ele visualizou seu rosto doce, emoldurado
por seu cabelo escuro curto, seus olhos brilhantes, seu corpo pequeno.
Nunca imaginou que alguém pudesse amar daquela forma e deixou todo
aquele amor que sentia encher seu coração naquele momento. Se ele
morresse ali, se caísse diante de alguma espada ou lança inimiga, queria que
seu último suspiro fosse para ela. Para Will, para sua esposa.
Quando abriu os olhos novamente, olhou em volta. Se sentiu apoiado
pelas tropas de seus aliados, os MacGregor, os Stewart, os MacNab e os
homens de Gilmer Graham. Cada clã usava suas cores de alguma forma em
suas roupas, exibindo com orgulho a origem de suas raízes. Ele sentiu a
energia correndo por seu corpo, pronto para a batalha, pronto para a luta, e
investiu com seus companheiros, segurando o escudo com firmeza e a
espada erguida, gritando tão alto que o medo da morte desapareceu
completamente e foi banido de sua espírito...
Foi uma luta sangrenta. A grama estava manchada de vermelho com o
sangue daqueles que caíram ali. Os gritos de dor eram ouvidos, o estalo das
lanças quebrando, o choque dos aços de suas espadas. Cavaleiros ingleses
foram derrubados de seus cavalos, para nunca mais se levantarem...
Ewan suava, rosnava e espetava seus inimigos atravessando sua da cota
de malha. Seu tio Alec o observou por um momento fascinado ao vê-lo
lutar assim; pensou que, se morresse naquele dia, o faria de bom grado por
ter lutado de mãos dadas com o homem de quem mais se orgulhava.
E então, como acontecera anos antes, uma cena impossível ocorreu
diante de seus olhos.
A mesma que já tinha vivido, a mesma que tinha chegado a esquecer...
Um deles, um escocês alto, de porte valente e aspecto feroz, aproximou-
se do sobrinho com um machado na mão. Alec ficou paralisado pela
coincidência e pelo horror recorrente, incapaz de pronunciar uma palavra
para avisar Ewan da traição vil que estava prestes a acontecer.
Felizmente, os outros guerreiros Campbell não lutavam longe de seu
laird, e um de seus fiéis comandantes, Colin, notou a estranha manobra
perpetrada contra seu senhor. Parou o ataque do machado traiçoeiro com
um uivo furioso que não foi suficiente, porém, para sair vivo daquele
ataque. Após uma breve troca de golpes, Colin caiu sob o fio daquele
machado, a tempo de Ewan se virar e testemunhar o que aconteceu. Com
uma raiva cega, ele investiu contra aquele traidor que havia assassinado um
de seus melhores amigos, e tal era sua fúria que um forte empurrão e um
único golpe de sua espada foram suficientes para partir o corpo do homem
em dois.
Alec reagiu então e se aproximou de seu sobrinho enquanto ele
arrancava sua lâmina do cadáver. Estava transtornado, pois acabara de
resgatar da memória a imagem esquecida: o rosto do culpado. O guerreiro
colocou a mão no ombro do sobrinho para chamar sua atenção e esperou
que Ian MacGregor chegasse perto o suficiente para ouvir.
— Eu sei quem matou Niall, quem atacou Meggernie!
— Quem? — perguntou o laird MacGregor, sem fôlego.
— O homem que você considerava como um irmão. Na batalha de
Stirling não estava tentando salvar sua vida, Ian, eu sei disso agora. Naquele
dia, ele tentou te matar.
CAPÍTULO 42

Sua cabeça doía como se mãos enormes estivessem apertando seu crânio.
Willow abriu os olhos e olhou em volta, confusa. Ela levou alguns
momentos para ser capaz de focar seus olhos.
— Deu muito trabalho te encontrar. Se escondeu muito bem.
Um arrepio percorreu todo o seu corpo quando ela reconheceu aquela
voz. Levantou-se lentamente da cama onde estava e procurou seu
interlocutor.
— Tio Gilmer — sussurrou. Disse seu nome em voz alta para verificar
se era verdade, se não era algum pesadelo causado pela pancada na cabeça.
— Lamento que Errol tenha ultrapassado seus deveres. Eu sei que
estava apenas cumprindo minhas ordens, mas ele não precisava bater em
você desse jeito.
O homem se levantou da poltrona onde tinha estado esperando que ela
recobrasse a consciência e se aproximou da cama. Willow recuou, ainda
chocada com a descoberta. Seu tio Gilmer? Por quê? Ele fazia parte da
família, era para ser o melhor amigo do pai dela, que amava ela e seus
irmãos como se fossem seus próprios filhos...
Como estava errada. Ela e os outros.
Tinha desempenhado um papel todos esses anos? Todo aquele carinho
era falso?
— Por quê? — perguntou em voz alta.
Notou que sua voz estava falhando. Gilmer tinha lhe causado muita dor.
Já era horrível que Errol os tivesse traído daquela maneira; mas também ele,
precisamente ele... era demais.
— Porque eu amava sua mãe — confessou sem rodeios.
Ele a olhou de uma forma estranha assim que disse isso, e foi então que
Willow descobriu que os olhares do passado, aqueles que ela conhecia,
eram uma mentira. Ela o observou com atenção, percebendo que agora que
ele havia removido a máscara, até seu rosto parecia ter mudado. Ela não
reconheceu a expressão de sua boca, a expressão de seus olhos cinzentos, e
até mesmo o timbre de sua voz parecia diferente. Não via nele nenhum
vestígio do que antes considerava atraente e interessante. Pela primeira vez,
ela o viu como perigoso, desonesto e pervertido.
Então, a verdade sombria que continha aquela descoberta foi revelada
diante dela, apertando seu coração de forma selvagem.
— Você ordenou que meu irmão fosse morto.
Gilmer suspirou pesadamente.
— Eu não tive escolha. A princípio não estava nos meus planos. Apesar
de tudo, passei a amá-lo ao longo dos anos. Mas ele revidou, Willow. Eles o
prenderam entre dois de meus homens, mas ele foi capaz de revidar e se
livrar deles para me agarrar pelo pescoço. — Gilmer então lhe mostrou uma
marca feia em sua garganta que atestava a raiva que Niall sentiu quando o
pegou. — Errol teve que matá-lo. Ele enfiou a espada no peito e, apesar de
estar morrendo, meus homens tiveram que tirá-lo de mim. Um guerreiro
formidável seu irmão, sem dúvida. Ele lutou até o último suspiro para
mantê-la segura.
Willow fechou os olhos, deixando as lágrimas que queimavam contra
suas pálpebras deslizarem por suas bochechas. Recriar aquela cena em sua
mente a destruiu como se ela tivesse realmente a testemunhado. O fato de
Niall ter morrido assim, sem um único ente querido ao seu lado para ajudá-
lo, multiplicou sua tristeza e dor.
Sua mente, frenética para encontrar algum significado em uma perda tão
injusta, queria ligar os pontos.
— Matou meu irmão... por que amava minha mãe? — perguntou num
sussurro abafado, sem entender.
Gilmer pegou a mão dela para confortá-la, mas ela se afastou como se
fedesse. Ela o olhou com todo o amor que sentia por aquele homem
transformado em ódio visceral.
— Eu a amei como nenhum homem jamais amou uma mulher. Sendo
jovem, lhe confessei o meu amor, entregue e apaixonado, colocando o meu
mundo aos seus pés. Mas ela escolheu outro.
— Meu pai.
— Sim. Meu melhor amigo conquistou seu coração, apesar de não
merecer. Ele não a amava como eu.
Willow estreitou os olhos, irritada com aquele comentário.
— Como sabe? Talvez ele a amasse mais...
— Não! — Gilmer explodiu, assustando-a. — Porque se ele realmente a
amasse, se a amasse tanto, não teria a engravidado de novo.
Willow entendeu e assentiu lentamente, percebendo que esse homem
odiava sua família há muito tempo.
— Quer dizer que ela morreu por minha causa.
Gilmer passou as mãos pelo rosto. Parecia que ele também tinha
dificuldade em se lembrar daquele dia, daquele tormento que havia sofrido.
— A princípio sim. Eu culpei você assim como culpei seu pai e seus
irmãos.
— O que meus irmãos têm a ver com isso? — ela sibilou, contendo sua
fúria rangendo os dentes.
— Dar à luz os gêmeos foi o que deixou Erinn fraca. O médico contou a
seu pai, alertou-o sobre o que poderia acontecer se ele fosse pai novamente,
mas ele ignorou seu conselho. Eu queria matá-lo naquele dia em que todos
os seus amigos ouviram os gritos de sua mãe enquanto esperávamos você
nascer no salão de Meggernie. Estávamos ali para comemorar o
acontecimento, para acompanhar seu pai... — Gilmer soltou um suspiro
entre os lábios que mais parecia um lamento. — Foi a pior noite da minha
vida. Ouvir como ela sofria, como aos poucos a vida deixava seu corpo sem
poder ir para o seu lado. Me rasguei por dentro, morri com ela naquele dia.
E quando seu pai entrou e deu a triste notícia, eu queria matá-lo ali mesmo.
— Mas você não fez isso.
— Não. Mas jurei que faria... e tentei. Em Stirling, durante a batalha
contra os ingleses. No entanto, algo deu errado. Aquele soldado inglês
apareceu do nada, parando entre meu machado e as costas de seu pai. Ainda
por cima, Ian acreditava que eu havia salvado a vida dele e a partir de então
tinha uma dívida de honra comigo... que ironia!
Willow abraçou seu corpo. Queria e não queria continuar ouvindo.
Queria saber tudo, seus motivos doentios, suas intrigas, seus planos para
destruir toda a sua família. E, ao mesmo tempo, queria se afastar dele e não
saber até que ponto aquele homem, a quem ela amara de todo o coração, os
odiava tanto.
— Resolvi então que esperaria — Gilmer continuou. — Esse
desentendimento me deu a oportunidade de estar muito próximo de Ian e,
ao mesmo tempo, do meu outro objetivo principal.
Willow o olhou e enxugou as lágrimas que escorriam
incontrolavelmente por seu rosto.
— Eu.
— Sim, você.
Gilmer estendeu a mão para acariciar seu cabelo, mas ela se afastou
novamente, enroscando-se na cabeceira da cama.
— Você deveria morrer — ele soltou à queima-roupa. — Eu soube
desde o momento em que seu pai anunciou que havíamos perdido Erinn,
mas que, pela graça de Deus, havia nos deixado um anjo para nos confortar.
Por sua causa ela morreu. O amor da minha vida, o único sol que me
iluminou. Você tinha que morrer — ele repetiu, sem olhar para ela, com os
olhos perdidos no passado — e eu entendi que com a sua morte a vingança
seria completa, pois Ian e os gêmeos sofreriam mais do que se eu os
esfaqueasse um por um.
A jovem sentiu um estremecimento de horror com suas palavras
grosseiras. Ela o olhou com o canto do olho, horrorizada por ter sentido
afeição por aquele ser desprezível. Para seu pesar, Gilmer ainda não havia
terminado sua história.
— No entanto, você não foi uma presa fácil. Quando criança, te
protegiam tanto, te mimavam tanto que você nunca ficava sozinha. Não
havia como chegar perto de você sem um de seus irmãos por perto, ou um
dos soldados MacGregor. A joia de Meggernie... com que zelo seu pai a
protegeu!
— E você o culpa? — ela cuspiu com desdém. — Se todos os amigos
dele fossem como você, não é de admirar que meu pai fosse extremamente
cuidadoso.
Gilmer deu uma risada rouca que a deixou com os cabelos em pé.
— Oh, eu não acho que Ian desconfiava de seus aliados! Era
simplesmente seu jeito de ser. Você foi o consolo de todos eles diante da
perda de sua mãe e todos inconscientemente a protegeram ao ponto da
exasperação. Mas não, eu não o culpo. Além do mais, eu aprecio que tenha
sido assim.
Willow o olhou, sem entender o quão insanamente sua mente
funcionava. Sem dúvida, ele havia perdido completamente a cabeça.
— Não. Eu não sou louco — disse ele, a olhando como se soubesse o
que ela estava pensando. — Estou feliz por não ter te matado. No dia em
que você fez treze anos, quando fui visitá-la, você apareceu diante de mim
com um novo vestido verde. Nunca esquecerei. Seus olhos azuis idênticos
aos de sua mãe, seus cabelos castanhos caíam pelas costas emoldurando um
rosto de menina, mas sem dúvida tinha os traços de Erinn. Você me chocou,
Willow, me deixou sem palavras. Estava se tornando uma mulher... uma
mulher idêntica ao meu único amor. Entendi que a vida me deu outra
chance; que ali, na minha frente, estava o sonho que sempre persegui. Eu só
tinha que esperar... E, quando chegasse a hora, quando estivesse totalmente
reencarnada em você, seria minha. Você me aceitaria e receberia todo o
amor que guardei em meu coração e que Erinn rejeitou. Não importava se
seu pai ou seus irmãos recusassem. Além do mais, eu já tinha assumido.
Eles não permitiriam que sua joia preciosa se casasse com um homem com
três vezes a idade dela, estava convencido, então só tinha uma opção:
sequestrá-la. Eu sabia esperar, pequena Willow. Meggernie nunca seria tão
vulnerável quanto naqueles dias, então não podia adiar mais. Eu ataquei
quando sabia que não poderia perder, porque a maioria dos MacGregor
estava em guerra e não podiam mais te proteger. Eu ataquei quando
consegui convencer Errol a mudar de lado.
— Errol... — ela murmurou, chocada. — Como? Por quê?
— Foi muito fácil. Ele é um homem ganancioso, bastava lhe prometer
que seria meu braço direito no comando da Torre Landon, e meu sucessor
quando eu morresse. Eu disse a ele que, não tendo filhos, não havia
ninguém melhor do que ele para ocupar o cargo de laird dos Graham.
Enquanto falava, os olhos de Willow se arregalaram de horror.
— Você mentiu para ele — percebeu, ciente da escuridão de sua alma.
Gilmer deu um sorriso sinistro.
— Claro. Não cederei a liderança do meu clã a um MacGregor sujo,
fique tranquila. Ainda posso ter filhos, não sou tão velho. Você me dará um
filho homem para que possa governar quando eu partir.
Willow estremeceu de desgosto com essas palavras. Ele tinha ficado
completamente louco.
— E por que incriminou os Campbell? O que tem contra eles?
Gilmer deu de ombros com indiferença.
— Ah, absolutamente nada! Foram eles, como poderia ter sido qualquer
outro clã. Qualquer um valia a pena para remover suspeitas de mim. Não
era pessoal, apenas prático. Os Campbell são um clã poderoso, e se sua
família fosse contra eles, a luta certamente os enfraqueceria muito. Algo
que me serviu muito bem para realizar meus planos. Para que seja minha,
tive que reduzir a força dos MacGregor de todas as maneiras possíveis. No
entanto, eu não contava que aquele clã que deveria ser o culpado de sua
queda, iria acolhê-la e escondê-la tão bem de mim. Felizmente, seu pai
ingênuo ainda me estima e confia em mim o suficiente para me escrever do
front. Ele pretendia me tranquilizar e anunciar com grande alegria que a joia
de Meggernie estava sã e salva — e que agora estava com os Campbell.
Que ironia! O homem que mais queria te proteger foi quem me deu as
informações que eu precisava para te encontrar. — Ele a olhou com os
olhos cheios de um amor doentio que enojou Willow. — E finalmente,
depois de tanto esperar... aqui está você.
— Você perdeu a cabeça — sussurrou entre tremores.
— Por quê? Não tenha tanto medo, querida. Nessas terras é comum um
homem apaixonado sequestrar sua futura esposa. E não precisa se
preocupar, vou te tratar bem. E meu amor a dominará de tal maneira que o
amor nascerá em você.
Isso foi demais. Willow tinha ouvido o suficiente. Este assassino, que os
enganou por tantos anos, que tentou destruir seu pai, que levou um pedaço
de sua alma ao tomar seu irmão por sua loucura infinita, a olhou como se
todo o passado não passasse de ninharias. que ela acabaria esquecendo com
o tempo.
Ela se levantou da cama e o encarou com o queixo erguido. Não havia
mais lágrimas em seus olhos, mas uma fúria ardente, sedenta de vingança.
— Embora pareça que tem seus planos muito bem traçados, esquece que
meu pai, quando descobrir, vai te esfolar vivo. Ou seja, se Malcom não te
encontrar primeiro, ele vai estripar você com as próprias mãos. — Então,
ela levantou o dedo onde estava a aliança de casamento. — Mas, acima de
tudo, reze para que não caia nas mãos do meu marido antes, porque então
eu lhe garanto que, primeiro ele arrancará a única mão que lhe resta por ter
ousado me tocar — ela olhou para o toco, sem um traço de compaixão — e
então sofrerá a pior das mortes...
E, ao contrário da expectativa de Willow, em vez de ficar chocado ao
ver o anel em seu dedo ou desesperado ao ver seus planos frustrados,
Gilmer Graham exibiu um sorriso misterioso e ameaçador.
— Quer dizer o laird Ewan Campbell? — Ele estalou a língua antes de
anunciar maldosamente: — Me desculpe, querida, mas é mais do que
provável que agora seu novo marido esteja deitado no campo de batalha,
com um machado cravado nas costas, e você é uma bela viúva e precisa de
conforto e, o que é mais importante, de um novo marido para zelar pelo seu
bem-estar.
Willow não era de desmaiar. Willow nunca havia desmaiado, exceto
quando estava muito doente. Mas parada ali, ouvindo aquele homem
desprezível dizer que Ewan poderia estar morto, ela sentiu tudo girando e o
chão correndo em direção ao seu rosto. Então seu mundo simplesmente
desapareceu.
CAPÍTULO 43

Ewan não sabia de onde tiraram forças para continuar lutando após a
revelação de seu tio Alec. Tanto ele quanto Ian e Malcom MacGregor
temiam por Willow. Quando o exército escocês saiu vitorioso naquela
batalha épica, não puderam se alegrar como o resto de seus compatriotas.
Aquele dia seria lembrado nos anais da história como o dia em que o rei
Robert de Bruce consolidou seu poder e recuperou a independência da
Escócia.
No entanto, para Ewan Campbell, este sempre seria o dia mais
assustador de sua vida.
Logo após o fim da luta, de volta ao acampamento, cuidando de seus
muitos ferimentos de guerra, um mensageiro de Innis Chonnel chegou. Era
o jovem Donald, que se tornara um grande amigo da nova Sra. Campbell.
Ela tinha cavalgado incansavelmente dia e noite para alcançar seu laird para
que pudesse lhe contar as más notícias. Ewan o recebeu com alarme e seus
instintos não o enganaram, porque esse menino leal trazia as piores notícias.
— Eles a levaram, meu senhor. Alguém chegou até Innis Chonnel se
passando por amigo, matou Bors e Murdoc e a sequestrou sem nosso
conhecimento. Encontramos os vigias inconscientes em seus postos,
ninguém deu o alarme. Quando percebemos, já era tarde demais e havíamos
perdido o rastro deles. Nós... nós pensamos que Agnes teve algo a ver com
isso, meu senhor. Ela desapareceu de Innis Chonnel.
As entranhas de Ewan se contorceram de angústia. Ele deveria ter
expulsado aquela harpia no momento em que descobriu que era uma
mentirosa vil e que seu melhor amigo havia sido banido por causa dela. Se
fosse verdade que ela havia ajudado o traidor, ele a mataria assim que
colocasse as mãos nela.
O homem que tentou atacá-lo por trás, o mesmo homem que matou seu
amigo Colin, usava as cores de Gilmer Graham. Sem dúvida foi ele quem
levou Willow. A teria machucado? Ela estaria viva agora? O medo
envenenou seu espírito e seus joelhos vacilaram ao pensar nessa
possibilidade. O bastardo não teve vergonha de acabar com a vida de Niall
MacGregor, então como ele poderia esperar que ela estivesse bem?
A terrível notícia logo se espalhou pelo acampamento, e o próprio Bruce
ficou indignado ao saber da traição de um dos homens que ele tinha em tão
alta estima. Ele havia sido generosamente honrado e recompensado por sua
coragem na batalha quando perdeu a mão lutando por seu país. Assim, não
se opôs quando os Campbell e os MacGregor pediram permissão ao rei para
resgatar o jovem Willow. Deixou-os ir com apenas uma condição: que
fizessem justiça em seu nome, pois ainda tinha assuntos que o mantinham
no front e, embora quisesse estar presente quando aquele traidor fosse
levado a prestar contas, um rei não podia abandonar suas obrigações em
momentos tão importantes para seu país.
— Ele pagará por todo o mal que fez, Vossa Majestade — Ian
MacGregor prometeu.
E assim partiram, rezando e esperando em seus corações que, quando
chegassem à Torre Landon, não fosse tarde demais...

Ela estava naquele quarto há três dias, trancada. Havia se recusado a


comer e rejeitado tudo o que vinha daquele que chamava de tio até então.
Ela o odiava, odiava-o tão profundamente que preferia morrer a deixá-lo
tocá-la.
Por sorte, ele nem havia tentado.
Em sua loucura, ele considerava o amor que sentia por Erinn tão sagrado
que não podia conceber desonrar sua filha deitando-se com ela sem
primeiro se casar com ela. E, para isso, tinha de certificar-se de que a
jovem, como suspeitava porque assim o planejara e ordenara, era viúva.
A espera a estava deixando louca. Não saber se Ewan estava vivo ou
morto a enchia de desespero, e ela também não podia perguntar a ninguém,
porque só tinha visto Gilmer desde que estava trancada ali. Ele mesmo
trazia as bandejas de comida para ela, pegava o penico que usava e trazia de
volta, vazio. Não enviava ninguém dos servos para a atender e, pouco a
pouco, estava conseguindo o que pretendia: que Willow falasse com ele,
que precisasse dele, que esperasse suas visitas para poder descobrir algo
mais sobre esse futuro incerto que agora se apresentava diante dos seus
olhos.
Nesse dia ele chegou no mesmo horário de sempre com o café da
manhã. Ficou parado na porta por um momento, olhando-a com adoração,
não mais escondendo a paixão que havia guardado por tantos anos. Willow
sentiu uma repulsa infinita que nem se preocupou em esconder.
— Hoje você vai comer, Erinn.
Outra coisa que a deixava louca. Ele começou a chamá-la pelo nome da
sua mãe. Nem o corrigiu mais... para quê? Tornou-se evidente que sua
mente estava seriamente perturbada.
— Eu não vou comer. Pode levar seu mingau nojento com você. Eu não
quero.
— Quer ficar doente? — Gilmer franziu a testa.
Willow cruzou os braços com determinação, indicando com toda a sua
postura que agora podia sentar e esperar que ela decidisse comer. Mesmo
que estivesse morrendo de fome. Apesar de até o mingau naquele momento
lhe parecer um prato suculento no qual se jogaria se não estivesse em jogo
muito mais que sua própria vida.
— Bem. Você venceu — o homem finalmente concedeu.
A jovem não entendeu o que ele quis dizer até que colocou a bandeja na
mesa encostada na parede, saiu do quarto e voltou a entrar acompanhado de
outra pessoa.
Willow teve dificuldade em reconhecê-la, porque ela estava tão
maltratada, tão velha, que mal havia vestígios da mulher que havia sido.
— Marie! — exclamou em um suspiro, colocando a mão na boca.
— Minha menina...
E assim que ouviu sua voz, seu calor familiar, correu para ela para se
fechar em seus braços e ser embalada como desde que nascera.
Suas mãos retorcidas a acariciaram com ternura e ela sentiu seus lábios
beijando sua têmpora com um amor que só poderia vir de uma verdadeira
mãe.
O que Marie tinha sido para ela, o que ainda era, o que sempre seria.
— Shhh, é isso, minha menina. Estou aqui com você, nada de ruim vai
acontecer.
As palavras reconfortantes fizeram o choro bater em seu peito e Willow
soluçou no ombro da velha, que também chorava. Foi assim que Gilmer as
deixou, avisando-as muito seriamente antes de partir.
— Faça ela comer, velhinha. Caso contrário, retornará à masmorra onde
estava e de onde nunca mais sairá.
Quando ficaram sozinhas, Willow chorou por um longo tempo,
desabafando todos os seus medos e o alívio do reencontro com sua ama.
Pouco a pouco, sua respiração voltou ao ritmo normal e, por fim, afastou-se
para estudar a aparência da mulher.
Seu rosto enrugado estava ainda mais enrugado, em parte porque ela
parecia muito mais magra do que se lembrava. Seus olhinhos castanhos
haviam perdido o brilho de determinação e força que sempre a
caracterizaram. Seu cabelo grisalho, que ela sempre usara impecavelmente
penteado sob um gorro elegante, agora estava solto, comprido e sujo atrás
dela. Seu odor corporal, intenso e desagradável, dizia muito sobre o
tratamento que recebera de seu captor. Não havia dúvida de que Gilmer a
manteve trancada durante todo aquele tempo, sem lhe dar opção de higiene
pessoal, chegando a torturá-la, pois as linhas de expressão em seu rosto
atestavam um sofrimento extremo que seria difícil apagar de sua pele.
— O que ele fez com você? — perguntou carinhosamente, passando a
mão pelos cabelos sem sentir repulsa, apesar de sua aparência.
— Menos do que ele fará com você se ele se safar — disse a ela. —
Menos do que ele fez com meu filho, com meu Niall...
Willow engoliu em seco quando a dor de Marie a ardeu em cima da sua,
já crua. Cerrou os dentes para não chorar de novo.
— Ele foi morto pelo bastardo do Errol.
— Eu sei. Gilmer me explicou detalhadamente para me fazer sofrer.
— Ele não vai se safar — Willow prometeu, apertando as mãos de
Marie com força.
— Claro que não — a apoiou, convencido. — Mas, para lutar contra ele,
deve ser forte. Então vamos, sente-se naquela mesa e coma tudo o que ele
trouxe para você. Quer que seu marido encontre uma mulher faminta
quando vier procurá-la?
A pergunta fez o coração de Willow disparar, como sempre acontecia
quando ela pensava em Ewan. Foi certamente o seu tom, sem qualquer
dúvida. Marie acreditava que ele iria resgatá-la e, pela primeira vez, a
esperança queimou em seu peito com a possibilidade. Se a sua ama, com o
que sabia, tinha tanta certeza, à força teria que verdade.
— Quem te contou sobre Ewan? —perguntou, arqueando uma
sobrancelha.
— O anel em seu dedo — Marie estalou, olhando para ela com carinho.
— O nome dele é Ewan?
Willow tocou sua aliança de casamento com olhos sonhadores.
— Sim. Ele é o laird dos Campbell.
— Um bom casamento, sem dúvida. Seu pai ficará muito orgulhoso. E
como isso aconteceu? Conte tudo a essa velha... Gilmer roubou um dos
momentos que eu mais queria compartilhar com você, minha menina, o dia
do seu casamento. Então me conte detalhadamente como o conheceu, como
ele se apaixonou por você, como ele te pediu em casamento, como foi essa
cerimônia que eu não pude comparecer...
O sorriso de Willow estava cheio de tristeza, porque ela também sentiu
muito a falta dela naquele dia. Prometeu a si mesma que se tudo desse
certo, se conseguissem sair dessa confusão, ela se casaria com Ewan
novamente. Desta vez, na frente de todo o seu povo, cercada pelas pessoas
que ela mais amava no mundo.
— Na verdade — confessou a ela — eu o rejeitei quando ele me pediu
em casamento. Mas Malcom me forçou a casar com ele...
O rosto da velha revelou sua surpresa.
— Foi um casamento imposto? Acho difícil acreditar que seu irmão
faria algo assim. Você não o ama?
A jovem colocou a mão no coração e corou ao se lembrar dos momentos
compartilhados com Ewan.
— Eu o amo com tudo o que sou — foi sincera.
Depois sentou-se à mesa para devorar aquele desjejum enquanto contava
a Marie, entre colheradas, tudo o que acontecera desde o dia em que a
vestiu de menino para fazê-la fugir de Meggernie. Explicou tudo, sem
esconder nada, porque não tinha segredos para ela e sabia que depois de
tudo o que sofreu para mantê-la segura, também não merecia isso.
E assim como ela contou suas aventuras desde o dia fatídico do ataque a
Meggernie, Marie lhe contou o que havia acontecido com ela o tempo todo.
Foi capturada durante o ataque e levada diretamente para as masmorras de
Landon Tower. Gilmer a visitou diariamente, nos dias seguintes, para
espancá-la e torturá-la para que a velha revelasse o paradeiro de Willow, do
qual aparentemente não tinha nenhuma pista confiável.
— Estava desesperado — Marie disse a ela — louco para te encontrar.
Graças a Deus que nos ocorreu disfarçá-la, e graças a Deus também por
colocar no seu caminho os St. Claire, que a abrigaram no seio de sua
humilde família, levando-a para longe de todos os lugares onde Gilmer o
procurava.
Willow pensou em John, em Maud e Liese, e a mera lembrança disso a
confortou como poucas coisas poderiam naquele momento. Ela sentia falta
deles e lamentava a agitação que seu desaparecimento lhes causaria. Teriam
tirado de Agnes o que aconteceu? Teriam imaginado quando encontraram
os corpos de Bors e Murdoc assassinados na margem do rio? Queria que
tudo acabasse logo para poder voltar para eles.
— Claro — Marie havia confessado — eu nunca lhe disse nada que
pudesse levá-lo até você. Antes eu teria deixado ele me matar.
Willow a abraçou então, jurando para si mesma que ninguém a tiraria
dela novamente.
Quando Gilmer voltou para o quarto, a garota exigiu que ele fornecesse
um bom banho para a ama e roupas limpas. Ela o culpou por ter tratado a
velha daquela maneira e tentou fazer com que se envergonhasse de seu
comportamento, o que, logicamente, ela falhou. Embora, pelo menos, tenha
conseguido que levasse em consideração seu pedido.
— Pode se lavar e vestir roupas limpas — concedeu ele, olhando-a de
cima a baixo. — Minha futura esposa deve estar apresentável. Logo seu
cabelo vai crescer de novo, como tinha antes, Erinn, e todos vão me invejar
por ter uma mulher tão linda e tão cheia de virtudes.
Willow não conseguiu se calar diante daquela declaração presunçosa.
— Realmente acha que serei uma esposa amorosa para você? Depois de
matar meu irmão, torturar minha ama, sequestrar e roubar minha própria
casa?
— Esta agora é a sua casa! — explodiu Gilmer, ficando vermelho de
indignação.
— Está errado. — Willow deu um passo à frente. — Innis Chonnel é a
minha casa agora, a casa do meu marido.
— Nunca será uma Campbell.
— Já sou — ela insistiu, de cabeça erguida. — Da mesma forma que eu
também sou MacGregor. O que eu nunca serei, o que seus olhos retorcidos
e loucos nunca verão, é me ver transformada em uma Graham.
Em duas passadas, Gilmer estava sobre ela, agarrando-a pelo pescoço
com uma das mãos.
Marie ofegou de medo, mas Willow encontrou seu olhar zangado sem
vacilar. Sobreviver aos ataques de Ewan Campbell quando era apenas Will
a preparou para resistir aos ataques do homem agora.
E, se não temesse pela vida de sua amada ama, ela teria se defendido
com unhas e dentes como todo o seu ser gritava para ela fazer.
— Será uma Graham. Será minha esposa. E vai me amar
— Meu coração pertence a outro homem. Assim como o coração da
minha mãe pertencia, e estará para sempre em sua memória, o de Ian
MacGregor — sibilou, quase sem voz de quão fortemente sua garganta
estava apertada.
Ele queria machucá-la e ela o atingiu onde sabia que doeria mais.
Gilmer a soltou, com os olhos arregalados de raiva, mas apenas para poder
golpeá-la com força na bochecha. O tapa derrubou Willow no chão e Marie
correu para ajudá-la. O homem a olhou, furioso, lutando para evitar tocá-la
novamente. Ele lhe apontou um dedo antes de falar.
— Agora vejo que você não é como sua mãe. Ela era doce, gentil, um
verdadeiro anjo.
— Já falei isso — respondeu do chão, enxugando o lábio que sangrava
com o golpe. — Agora sou meia Campbell. Se colocar sua mão em mim de
novo, eu juro que quando me beijar, eu vou arrancar sua língua.
Gilmer olhou para Marie com clara ameaça em seu rosto.
— Se você se importa com os seus, não fará nada disso. Vai se
comportar como lhe corresponde... E vai dar seu coração para mim.
Dizendo isso, ele saiu do quarto batendo a porta com força antes de
trancá-la novamente.
CAPÍTULO 44

Já era noite e Willow dormia abraçada a Marie, na cama daquele quarto que
havia se tornado seu lar nos últimos dias. A porta foi escancarada,
assustando as duas. Elas acordaram para ver Gilmer entrar, de olhos
arregalados, e atacar a velha ama.
— Deixe-a em paz, não a leve embora! — pediu Willow, desesperada.
O homem colocou uma faca na garganta de Marie e olhou para ela.
— Você virá comigo, fará o que eu mandar ou ela morrerá. Entendeu?
Willow assentiu, morrendo de medo. Ela não suportava perder Marie
também, então obedeceu Gilmer e o seguiu para fora do quarto.
Imediatamente percebeu que algo estava errado. Pelo menos para os
Graham, pois havia criados correndo de um lado para o outro e, quando
chegou ao grande salão, descobriu que os habitantes de Landon Tower
haviam se reunido ali nervosos, muitos deles em suas roupas de cama,
aguardando as instruções do senhor do castelo.
— Vamos, não pare — ele ordenou a Willow, enquanto empurrava
Marie para caminhar à frente dele, em direção à torre de vigia.
Subiram a escada em espiral até o topo da fortaleza e, uma vez lá,
Willow teve uma visão completa do campo que se estendia diante da Torre
Landon. Abaixo, diante dos portões do castelo, um exército agitando
bandeiras das cores Campbell e MacGregor ameaçava a paz daquela
fortaleza. Na calada da noite, dezenas de tochas iluminavam os rostos
enfurecidos de todos os homens que vieram em seu socorro.
O coração de Willow batia forte enquanto ela procurava no grupo os
rostos familiares que estava morrendo de vontade de ver. No entanto, a
distância e a pouca luz tornavam difícil para ela distingui-los.
— Campbell!! — Gilmer gritou. — Se valoriza a vida de sua esposa em
algo, entrará sozinho, e desarmado!!
A ponte levadiça do castelo foi então abaixada e na torre de menagem, o
traidor Errol e outro soldado Graham agarraram Willow para espreitar e que
os homens que esperavam embaixo pudessem vê-la bem. Sentiu a vertigem
daquela altura quando se viu com metade do corpo fora das ameias e o grito
saiu sem querer, conseguindo o que Gilmer pretendia. Ela sabia que esse
louco não a deixaria cair no vazio, mas Ewan não.
O efeito foi imediato.
Um dos guerreiros ia à frente dos demais, a pé e com os braços cruzados
para mostrar as mãos nuas. Ele parou no meio da ponte e olhou para cima.
Willow encontrou os olhos de seu marido e seu corpo inteiro convulsionou
de alívio ao vê-lo vivo... A sensação durou pouco, no entanto.
— Estou aqui, Graham!
— Entre! Você sozinho! — repetiu.
Ewan não hesitou. Ele continuou andando, determinado e sem
demonstrar nenhum medo. Assim que cruzou, a ponte foi levantada
novamente para bloquear o caminho para os outros.
— O que vai fazer com ele? — perguntou Willow, sua voz embargada
de medo.
Gilmer a olhou e deu aquele sorriso que já não parecia nada atraente.
Era demoníaco... e bastante distorcido.
— Vamos para o salão querida, que eu te mostro. Não vamos deixar
aquele que, por enquanto, ainda pode ser chamado de seu marido...
Suas palavras encheram o coração de Willow de pânico. Claro. Se ele
queria se casar com ela, Ewan estava no caminho. Teria que matá-lo, algo
que aparentemente já havia tentado, sem sucesso.
Escoltadas por Gilmer e Errol, ela e Marie foram conduzidas ao salão
principal, onde alguns soldados de Graham já haviam agarrado Ewan e o
seguravam com as mãos atrás das costas.
— Will! — exclamou, assim que a viu. — Está bem?
— Sim... — ela tentou correr para o lado dele, mas Gilmer a impediu.
— Está muito bem, Campbell. Por acaso não a vê? Eu não lhe faria
nenhum mal, e esse foi o seu erro.
Ewan franziu a testa e o olhou de uma forma que teria assustado
qualquer um.
Willow reconheceu aquele olhar.
Era o mesmo que ele usou no dia em que Reed MacNab saiu para atacá-
los, no bosque. Era o mesmo que teve quando enfrentou seus conselheiros,
na frente de todo o seu clã, para se defender dos insultos lançados sobre sua
pessoa. Era um misto de fúria, impaciência... e a convicção de que sairia
vitorioso daquele desafio.
— Não lhe fez nenhum mal, você disse? — ele sibilou, a raiva pulsando
em cada palavra. — O que você chama então, de atacar sua casa, matar seu
povo, assassinar seu irmão? Como chama sequestrá-la e trazê-la aqui, à
força, levando-a para longe de tudo que ela ama?
— Ela ainda não sabe o que é amor verdadeiro, Campbell. Vou mostrar
a ela, vou fazê-la perceber o que um homem é capaz de fazer pelo amor de
sua vida. Tudo o que fiz foi por ela, por nós, por nossa felicidade. —
Gilmer virou-se para Willow e seu sorriso malicioso a deixou de cabelo em
pé. — Diga você a ele, querida.
A um gesto dele, Errol agarrou o braço de Marie e ameaçou sua vida
com uma enorme adaga. Willow olhou com pânico crescente para o rosto de
sua ama, que apesar de tudo parecia não ter medo. Em vez disso, negou
com a cabeça para evitar que Willow aceitasse a coerção de Gilmer.
Então olhou para Ewan.
Se encheu com sua imagem... Seu cabelo castanho caía em ambos os
lados de seu rosto de uma forma bagunçada e selvagem. Sua barba havia
crescido, dando a seu semblante uma aparência muito perigosa. Apesar
disso, apesar do fato de que cada fibra de seu ser exalava uma poderosa
força contida, Willow podia ver que ele estava abatido e seu olhar
transmitia o tormento de não conseguir tirá-la dali imediatamente, como ele
desejava.
Ela nunca o amara tanto quanto naquele momento.
Ele sempre lhe dizia que ela era transparente, que seus desejos
transpareciam através de seus olhos. Willow esperava que desta vez
também, porque as palavras que ela tinha para dizer eram as palavras mais
difíceis que já tinha tido que dizer, e eram mentiras.
— Eu sei que vou ser feliz com Gilmer — sussurrou. — Não deveria ter
vindo por mim.
Ewan não demonstrou que a declaração o afetou nem um pouco.
— Atravessaria o inferno por você. Te levarei para casa, custe o que
custar.
Ela não pôde deixar de sorrir com a declaração apaixonada. Disseram
um ao outro tudo o que precisavam com os olhos, porque sempre se
comunicaram muito melhor com os olhos do que com as palavras.
Gilmer presenciou como o amor entre os dois jovens era muito maior
que o medo da morte, do que poderia acontecer com cada um deles, e ele
não suportou. Mais uma vez sentiu rejeição, sabendo que foi rebaixado
porque a mulher dos seus sonhos escolheu outro, deu a outro tudo que ele
merecia...
Seu rugido frustrado e furioso ecoou pelas paredes do salão. Gilmer
investiu contra a ama de leite da jovem novamente e empurrou Errol para o
lado para tomar seu lugar. Brutalmente, ele forçou a velha a ficar de
joelhos, encarando Willow. Com uma mão, pressionou a adaga contra a
garganta da mulher.
— Muito bem. Isso acaba aqui e agora. Vou fazer todo esse amor que
você não quer me dar apodrecer dentro de você como apodreceu o meu por
Erinn. Será você quem acabará com a vida dele, pequena Willow. Errol, lhe
dê sua adaga! — ele gritou, com raiva. — E agora, minha querida, enfie no
coração do seu marido ou ela morrerá.
— Não! — gritou Marie do chão. — Sou apenas uma velha, minha
menina. Não faça isso, não faça por mim.
Willow olhou para a adaga que o traidor havia colocado em suas mãos,
horrorizada. Errol a olhou e deu um sorriso que a deixou doente. Depois
olhou para Marie, cuja garganta já sangrava com a força com que Gilmer
segurava a adaga. E finalmente, ela olhou para Ewan. Seu semblante era
uma máscara de fúria contida.
Ela caminhou em direção a ele lentamente, seus dedos apertando o
punho da faca.
— Não, Willow, não! — Marie chorou de novo.
Mas ela só podia olhar para Ewan, absorver sua pessoa, o poder que
emanava de seu corpo, apesar de estar amarrado e sendo segurado por dois
soldados. Ela lhe estendeu a mão e ambos inalaram profundamente,
reconhecendo o cheiro inconfundível do outro.
— Minha pequena duende... — Ewan murmurou, sua voz rouca.
— Malcom e meu pai? — ela perguntou a ele, seu coração tão apertado
de medo, que seu peito doía.
— Eles estão vivos, estão aqui.
Willow fechou os olhos em puro alívio. A guerra não os levou embora.
— Pare de falar! — Gilmer a incitou desesperadamente. — Vamos,
mate-o!
Willow se aproximou e colocou a ponta da adaga no peito de Ewan, na
altura do coração. Ele se endireitou, ainda olhando nos olhos dela, sem
demonstrar medo.
— Eu não posso deixá-la morrer — Willow sussurrou, como um pedido
de desculpas.
Ela ficou na ponta dos pés e deu um breve beijo nos lábios do marido
em despedida. Ele fechou os olhos para senti-la melhor, para se deixar
envolver pela doce magia de sua duende mais uma vez...
— Vou matá-la, Erinn! — Gilmer voltou a uivar ao ver aquele gesto de
amor. Havia usado o nome de sua mãe novamente, estava fora de si. —
Quer ver o sangue de sua querida Marie derramando no chão do meu salão?
Willow agarrou a adaga com força, assim como Melyon e Bors a
ensinaram a fazer... Pobre Bors, vilmente morto por um traidor. O taciturno,
rude e mal-humorado Bors.
Pensou no que lhe diria naquele momento se a visse. Gritaria com ela
para agir de uma vez, para não se comportar como uma fraca, que ela não
era digna de ser considerada uma dos seus...
— Vamos, mostre-me que já é uma Graham, ou eu vou acabar com sua
doce ama de uma só vez! — rugiu Gilmer novamente.
— Eu já te disse — ela sibilou, olhando por cima do ombro para ele. —
Nunca serei uma Graham... Agora sou uma Campbell.
Se moveu tão rápido que o louco não a viu chegando. Willow se virou e,
com o mesmo ímpeto, virou a faca e agarrou-a pela lamina, depois
arremessou-a como Bors a ensinou, furiosa com a lembrança de seu corpo
morrendo na margem do lago Tay.
Não falhou. A adaga voou pelo salão com uma força incrível, direto no
ombro de Gilmer. Ele largou a arma com a qual estava ameaçando Marie
enquanto a dor e a surpresa o percorriam em igual medida.
Gilmer a olhou sem acreditar no que havia acontecido. Essa não era sua
doce Erinn. Em seus olhos azuis só encontrou desprezo e um ódio tão
profundo que, pela primeira vez, o fizeram ver a verdade mais clara e
dolorosa: ele nunca, jamais teria seu amor.
— Mate-os!! — ele gritou, enlouquecido.
Ewan não esperou que os soldados de Graham cumprissem a ordem. Ele
deu uma cabeçada em um de seus captores e Willow pulou nas costas do
outro para lhe dar alguma vantagem. Não demorou muito para o marido
derrubá-lo com uma forte joelhada na virilha. Marie, que não sabia como
podia se mover tão rapidamente, pegou a adaga que Gilmer havia deixado
cair e correu na direção deles, pronta para cortar as cordas que prendiam as
mãos de Ewan.
O restante dos soldados no salão se lançou sobre eles, enquanto os
habitantes do castelo se aglomeraram no fundo do salão, com medo do que
estava acontecendo ali.
— Fiquem atrás de mim — Ewan ordenou a Willow e Marie, pegando a
adaga que a velha tinha na mão como única arma para enfrentar todos
aqueles homens.
Willow desejou mais uma vez ter a força de seus irmãos para ajudar seu
marido, pois sua desvantagem era muito grande desta vez contra Errol e os
homens de Gilmer. A pequena guarnição que guardava o castelo era
insuficiente para proteger a fortaleza de ataques, mas suficiente para reduzir
um único homem armado com uma faca.
Felizmente, a tão necessária ajuda chegou no momento em que Marie
começou a orar silenciosamente por suas vidas. As portas do corredor
foram escancaradas e as tropas MacGregor, junto com as dos Campbell,
invadiram.
A luta não durou muito; sendo os invasores superiores em número e
ferocidade, se impuseram aos poucos soldados Graham sem causar quase
nenhuma baixa.
Gilmer observava a cena petrificado, sem assimilar o que estava
acontecendo. Atordoado, ele presenciou todo o seu mundo desmoronar
diante de seus olhos sem poder fazer nada para impedir.
Uma mulher abriu caminho entre os homens que tomaram o controle da
Torre Landon, com a cabeça erguida, sem vergonha de tê-los ajudado a
entrar na fortaleza para derrotar seu antigo laird... e o único homem que ela
já amou. Gilmer, segurando o ombro ferido no toco feio, olhou para sua
governanta.
— Rhona...
—Sinto muito, meu senhor — exclamou a mulher, embora seu tom não
mostrasse arrependimento. — Sinto muito por ter traído você, mas não
podia permitir que continuasse com essa loucura.
— Por quê? Eu sou seu laird, sempre te tratei bem, deve lealdade a
mim... A mim!! — ele gritou, fora de si.
Rhona o olhou, e então, vendo-o derrotado, acabado graças a ela, trouxe
lágrimas aos seus olhos.
— Eu fui leal a você por muitos anos, meu senhor. Quando você amava
outra, quando a chamava em seus sonhos depois de ter dividido a cama
comigo... Sempre pensei que, no final, perceberia que eu era mais real do
que aquela ilusão que você mantinha intacta para uma mulher que não
existia mais. Mas não foi assim. Eu esperei por você em vão. Eu te dei um
filho que você nem quis reconhecer... e você o mandou para a guerra, o
deixou para morrer sem uma única palavra de orgulho ou afeto de seu pai.
Gilmer fechou os olhos por um momento, percebendo que a traição de
Rhona fora causada por ele mesmo, por ignorá-la, por não ter visto tudo o
que ela lhe oferecia e o que ela lhe dera de graça.
Um guerreiro então se adiantou solenemente e ficou ao lado da mulher.
Ele pôs a mão no ombro dela tanto para tranquilizá-la quanto para
agradecê-la por tudo que ela havia feito por eles. Os olhos de Ian
MacGregor se fixaram no que até muito recentemente ele considerava um
de seus melhores amigos.
— Rhona, não se sinta culpada — ele lhe disse. — Este homem é o
maior traidor de todos os tempos e não tem o direito de ter nada contra
você. — Então, se dirigiu a ele. — Tratei você como um irmão, Gilmer. E
me traiu da pior maneira. Eu poderia ignorar que você amou minha esposa
secretamente e tentou me matar no passado. Poderia... — Ian soltou o ar
com um gesto de desprezo. — Mas você atacou minha casa, assassinou meu
filho e, não contente com isso, também sequestrou minha filha. Não posso
te perdoar por isso.
Gilmer levantou a cabeça, muito digno. O ódio que sentia pelo
MacGregor permanecia intacto, mais vivo do que nunca, e ele não iria se
curvar às suas ameaças. Ele notou que, ao lado dele, estava posicionado seu
outro filho, Malcom, que o olhava com uma raiva tão contida que parecia
um anjo vingador.
— Eu também não posso te perdoar — disse ele, desembainhando a
espada. — E você, Errol, como conseguiu? Tantos anos acreditando que era
nosso amigo, você tem sangue MacGregor, é nossa família...
Willow falou então, olhando com ódio para aquele que havia brincado
com ela e seus irmãos quando eram pequenos, com quem ela havia
compartilhado tanto ao longo de sua vida.
— Foi a espada dele que acabou com o Niall — disse, com voz de gelo.
— Ele mesmo me confessou antes de me sequestrar.
O grunhido indignado de todos os MacGregor presentes ergueu-se no ar
e Errol deu um passo para trás.
Ian MacGregor analisou seu olhar antes de tomar sua decisão.
— Não prolongarei mais o sofrimento que carrego. Não haverá
julgamento para você, não retornará a Meggernie para receber sua punição.
Malcom jurou vingar seu irmão, e tenho certeza de que Ewan não vai
ignorar o fato de que você colocou suas mãos sujas em sua esposa para
sequestrá-la. — Ele olhou por cima do ombro para os dois guerreiros que já
estavam prontos com a espada na mão. — É de vocês.
Os dois homens deram um passo à frente. Os olhos de Errol se
arregalaram de terror ao perceber que não tinha chance, que não haveria
misericórdia para ele. Ele era um guerreiro excepcional, mas não tinha nada
que fazer frente a essas duas torres humanas, que se aproximavam dele,
prometendo a morte com os olhos.
Foi muito breve. Apenas uma troca de golpes de espada desesperados e
frenéticos. Willow não conseguia tirar os olhos deles, assim como o restante
dos presentes, porque mesmo sabendo que a visão que estava prestes a
testemunhar seria desagradável, ela não queria perder o momento em que
aquele traidor sujo pagava por ter levado seu amado irmão.
Um grito animal ergueu-se no ar quando Ewan cortou o braço armado
de Errol no cotovelo. O homem caiu de joelhos, o rosto contorcido de dor.
— Isto, por ter ousado tocar na minha mulher — disse ele, com
desprezo.
Malcom ficou na frente dele então. Ele o olhou com todo o fogo da
vingança queimando em seus olhos.
— E isso por ter nos traído. Por fingir ser nosso amigo. Por roubar
minha outra metade da maneira mais vil.
Ele ergueu a espada e com um único golpe, separou a cabeça de seu
corpo, que rolou até parar a poucos metros de onde Willow estava. Náusea
subiu em sua garganta quando ela viu aquele olhar horrorizado em seus
olhos mortos. Mas não sentiu pena...
Ewan então se virou para Gilmer, que recuava ao ver o final que Errol
teve.
— Eu também mataria você com minhas próprias mãos pelo que fez
com minha esposa — ele exclamou — mas acho que os MacGregor
merecem poder vingar seu povo, Niall... e sua amada Erinn.
Gilmer ficou indignado com a última afirmação. Seus lábios se
apertaram até formarem uma linha reta que dividiu seu rosto enfurecido em
dois.
— Eu não fiz nada de errado com Erinn! Foram eles... eles, que
causaram a morte dela!
— Sim? — insistiu Ewan, querendo machucá-lo. Não ia deixá-lo morrer
em paz. Apenas por todo o sofrimento que ele causou, ele merecia. — O
que ela pensaria se descobrisse que você matou um de seus filhos?
— Na verdade — Willow tomou a palavra — tenho certeza de que
minha mãe, onde quer que ela esteja, sabe o que você fez. Se pensou em
encontrá-la no outro mundo, Gilmer Graham, tenha bem presente que
inclusive ali te desprezará pelo mal que tem infligido a minha família.
Nunca será sua, nem nesta vida nem em outra vida. Nunca terá o coração
dela...
O rosto de Gilmer caiu com essas palavras. O que eles insinuaram o
deixou seco e vazio por dentro. E entrou em pânico quando Ian MacGregor
avançou sobre ele, com a espada na mão, pois ia morrer de coração partido.
Ele sabia que esse sofrimento o acompanharia até a vida após a morte, e não
haveria esperança naquele outro mundo, nenhum alívio para ele. Passaria a
eternidade em sofrimento contínuo, iria para o inferno e arderia para sempre
nas chamas do desamor...
Nenhum dos que testemunharam seu merecido fim teve pena dele.
CAPÍTULO 45

Os soldados Graham se renderam após a queda de seu laird. Ian MacGregor


lhes anunciou que o destino de todos seria decidido pelo próprio Rei Bruce,
que já sabia da traição de Gilmer. Eles receberiam misericórdia porque
estavam seguindo as ordens de seu laird, mas certamente não iriam se safar
dessa situação. Com essa incerteza pairando sobre suas cabeças, os Graham
concordaram em servir Ian até que o rei voltasse do front.
Tanto os Campbells quanto os MacGregor pegaram o castelo para
pernoitar ali e descansar da viagem que haviam feito quase sem paradas,
sem descanso, preocupados em chegar o mais rápido possível à Torre
Landon para libertar Willow. No dia seguinte, voltariam para casa, algo que
todos os homens esperavam depois de tanta guerra e tanta morte.
Ewan ocupou um dos quartos que Rhona havia preparado como uma
boa governanta do lugar. Ele esperou lá por sua esposa, lhe dando tempo
para encontrar seu pai novamente. Eles não se viam há meses e Ewan sabia
que Willow precisava desse momento a sós, tinham muito o que conversar...
Embora isso não significasse que ele não estivesse impaciente para tê-la em
seus braços novamente.
Ele nunca tinha estado tão assustado em sua vida. Desde que descobriu
que Graham a havia levado, não fez nada além de pensar em recuperá-la,
segurá-la, colocá-la em segurança e garantir que ninguém jamais a
machucaria novamente. Embora, definitivamente, sua pequena duende
tivesse mostrado que sabia cuidar de si mesma.
Ele sorriu para si mesmo ao se lembrar de como havia arremessado
aquela faca, com surpreendente precisão e louvável bravura, já que Gilmer
ainda segurava Marie com sua única mão. Arriscou muito, mas confiou e
não vacilou, como qualquer Campbell faria. Estava muito orgulhoso dela e
mal podia esperar para lhe mostrar.
Quando Willow finalmente se juntou a ele, fechou a porta e se recostou
contra ela, muito cansada. Ela o olhou com aqueles olhos grandes,
vermelhos de tanto chorar e de emoções que não cabiam mais em seu
corpinho. Ewan jurou a si mesmo que, daquele momento em diante,
cuidaria dela com todo cuidado para que ela não voltasse a sofrer algo
semelhante.
Ele se aproximou e ficou grudado nela, cara a cara. Deu um suspiro de
alívio por tê-la ali, só para ele.
— Eu te amo — ele sussurrou, acariciando as bochechas dela com os
polegares. — Fiquei louco quando soube do seu sequestro. Se algo tivesse
acontecido com você, eu nunca teria me perdoado.
— Não é sua culpa que Gilmer estava louco — ela respondeu, jogando
os braços em volta do pescoço dele para se agarrar a ele. — Ou que Errol
era um traidor inútil e Agnes uma megera gananciosa. A propósito, o que
aconteceu com ela?
— Ninguém sabe. Donald disse que ela deixou Innis Chonnel e ninguém
a viu aqui também.
— Ela é muito inteligente. Terá fugido com o que Errol lhe pagou por
sua ajuda.
— Melhor assim, porque se eu colocar minhas mãos nela... — Ewan não
terminou a frase, mas estava muito claro para Willow o que aconteceria se
isso acontecesse. — Deveria ter deixado mais proteção em Innis Chonnel
— ele lamentou mais uma vez.
— Não. Eles teriam encontrado uma maneira de chegar até mim e talvez
mais pessoas tivessem morrido. Pobre Bors...
— Não diga pobre Bors — Ewan a repreendeu suavemente. —
Conhecendo-o, estará se revirando em seu túmulo ouvindo como você tem
pena dele. Ele era um soldado, morreu para protegê-la e deve honrar sua
memória como ele gostaria. E isso não inclui compaixão, garanto.
— Não — Willow reconheceu, com um sorriso triste. — Mas quando
voltarmos, terá que ir ao túmulo dele e, como seu laird, lhe dizer que não
guarda rancor dele por deixá-lo ser morto assim. Era o que mais o
preocupava, ter falhado com você.
Ewan estava perdido em seus olhos, feliz por esta mulher ser dele. Ela
capturou o verdadeiro espírito de Bors, assim como o resto dos Campbells.
— Será a primeira coisa que farei quando voltarmos.
Eles se entreolharam avidamente, cada um examinando o rosto do outro,
sentindo-se sortudos por terem se encontrado novamente.
Suspirando, Willow encontrou sua boca e o beijou lentamente,
saboreando o momento. Ewan respondeu sem pressa, saboreando o sabor
delicioso daquela língua doce que acalmava todos os seus medos.
— Quando Gilmer me disse que possivelmente já era viúva, desmaiei —
ela lhe confessou quando se afastaram. — Eu não podia suportar que ele
estivesse certo. Me perdoe.
— Quer que eu a perdoe por desmaiar quando pensou que seu marido
estava morto? — perguntou Ewan, enternecido. — Isso mostra o quanto me
ama.
— Não. — Willow negou com a cabeça ao mesmo tempo. — Eu quero
que me perdoe por pensar que poderia ser verdade. Eu quero que me perdoe
por não conseguir sentir aqui dentro — tocou no peito — que você ainda
estava vivo. Eu quero que me perdoe por não confiar em você, que faria
todo o possível para voltar para mim.
Ewan a abraçou com força, emocionado com suas palavras.
— É tão corajosa, pequena duende. Eu sei que você não acreditou. No
fundo, sabia que viria te procurar... Assim como eu sabia o quanto me
amava quando ele te obrigou a dizer o contrário.
Willow olhou nos olhos de seu guerreiro, tão apaixonada, tão aliviada
por tê-lo ali, em seus braços, que as lágrimas voltaram a seus olhos e caíram
silenciosamente pelo seu rosto. Ewan as limpou com os polegares e deu um
beijo suave em cada uma de suas pálpebras.
— Não sou tão corajosa quanto meu marido. Você entrou sozinho,
desarmado... Se colocou à mercê deles. E se Gilmer tivesse te matado? —
Willow estremeceu ao pensar nessa possibilidade. Esteve muito perto de
perdê-lo por causa de sua temeridade. — Por que fez isso? Se Rhona estava
ajudando, não precisava se arriscar assim.
— Que homem não daria sua vida em troca da mulher que ama? Ele me
desafiou, a ameaçou na frente de todos os nossos soldados, na frente de seu
pai e seu irmão.
— Ainda assim. Você era mais, não deveria ter se exposto dessa forma.
— Tivemos a ajuda de Rhona — explicou. — Quando nos viu
chegando, conseguiu sair do caminho e nos informar que nos ajudaria a
entrar. Ela nos confessou ter sido a autora do bilhete que Niall recebeu,
avisando-o do perigo que você corria. Uma nota que, aliás, eu não sabia de
nada...
Ewan franziu a testa ao se lembrar desse detalhe. Willow não o deixou
entrar nesse segredo; se soubesse, talvez aquele lunático do Gilmer Graham
não tivesse escapado impune.
— Eu não te contei por que você já tinha tantas outras coisas em que
pensar — Willow sussurrou, percebendo que ele estava chateado. — O que
você faria? Não poderia ficar comigo, e eu não permitiria que deixasse mais
homens do que o necessário... Minha vida não vale mais do que a de todos
os homens que tiveram que lutar nesta guerra.
Ewan a puxou contra ele, enterrando o rosto em seu pescoço.
— Sua vida é a coisa mais valiosa para mim. Quero que saiba que
mesmo que Rhona não tivesse nos ajudado, eu teria ido atrás de você de
qualquer maneira. E eu teria morrido por você, Will. Eu morreria mil vezes
por você...
Willow mergulhou as mãos em seu cabelo e puxou-o para encontrar sua
boca depois dessa confissão. Ewan devorou seus lábios avidamente,
agradecendo aos céus mais uma vez por tê-la ali com ele, sã e salva. No
entanto, os beijos não foram suficientes para mostrar tudo o que sentia por
ela, então ele a pegou nos braços e a carregou para a cama.
Lá, deitados juntos, as palavras se tornaram sussurros de amor.
Despiram-se, reencontraram-se, acariciaram-se até aprenderem de cor, até
se gravarem na pele um do outro, até provarem o gosto um do outro, até só
respirarem através do ar de um e do outro...

No dia seguinte, os Campbell e os MacGregor deixaram Landon Tower


para seguir para Meggernie. Levantaram-se cedo, ansiosos por partir, e
deixaram a fortaleza ao raiar do dia. Ian não queria atrasar mais seu retorno
e Ewan se ofereceu para acompanhá-lo, para ajudá-lo no que pudesse e,
principalmente, porque sabia que era importante para Willow estar com seu
pai no momento do reencontro do laird com seu povo.
No entanto, a volta para casa foi um misto de emoções para a jovem,
que nunca imaginou o que sentiria ao ver novamente os altos muros de
Meggernie.
Todo o seu ser estremeceu.
Parecia que anos haviam se passado desde que ela partiu e, embora fosse
sempre sua casa, o que a unia à família, ela sabia que seu lugar não era mais
ali. Em primeiro lugar, Niall se foi e Meggernie nunca mais seria a mesma
sem ele. Willow não suportava sequer imaginar viver em um espaço onde
cada canto a lembrasse dele, da covinha que aparecia em seu rosto quando
sorria, das inúmeras vezes em que fora feliz com o irmão. Ela sabia que
essa terrível sensação de perda iria amenizar com o tempo, mas nesse
momento rasgava sua alma.
E em segundo lugar, havia Ewan. O lar agora era Ewan Campbell, e
onde quer que ele estivesse, ela estaria, porque não poderia ser de outra
forma. Nunca imaginou que pudesse sentir algo assim por outra pessoa;
precisava olhar para ele, tocá-lo, respirar todas as noites dormindo ao lado
dele. Enquanto se moviam para a fortaleza, o observou. Conversava com o
pai, discutiram as obras que deveriam ser feitas para reconstruir o que o
incêndio destruiu durante o ataque. Ficou feliz em ver que se davam tão
bem. Seu pai o ouvia atentamente, mostrando sua total aprovação às
corretas ideias que Ewan lhe propunha. Ian havia aceitado o marido dela e
parecia orgulhoso de ter um genro como ele. Até Malcom parecia ter
esquecido as circunstâncias que o levaram a infligir aquela tremenda surra
nele e o aceitou com camaradagem. Sim, certamente, teria sido um retorno
muito cativante se a tristeza pela ausência de Niall não o tivesse
obscurecido.
O reencontro com as pessoas que esperavam impacientes no pátio
também foi muito emocionante. Willow abraçou seus amigos, as pessoas
que a viram crescer, que compartilharam com ela cada momento de
felicidade e que sofreram com sua partida, sem saber o que havia
acontecido com ela durante todo aquele tempo. Entre um e outro
explicaram o destino da jovem desde que ela fugiu de Meggernie, e a
surpresa ao saber que ela agora era a esposa do laird Campbell foi grande.
Este guerreiro parecia severo e imponente. Eles não conciliavam a doçura
de Willow com a ferocidade do olhar de seu marido. Porém, vendo a
felicidade dela, vendo a forma como Ewan estava perto dela, sempre atento,
sempre esperando que ela ficasse bem, ninguém poderia dizer nada contra
aquele casamento.
Naquele primeiro dia, assim que chegaram, visitaram o túmulo de Niall.
O laird MacGregor se ajoelhou diante de sua lápide com um gemido
irregular. A dor sufocou sua garganta e cobriu o rosto com as mãos porque
naquele momento, naquele exato momento, a morte de seu filho se tornou
real em seu mundo. Ele estava ali, sob aquela terra, e nunca mais o veria
vivo.
Willow sentiu isso também. A dor etérea que a acompanhava desde que
descobriu o que havia acontecido com Niall tornou-se tangível, ardente,
cortante. Ewan teve que segurá-la para que ela não caísse no chão ao lado
de seu pai. O guerreiro teria dado qualquer coisa para aliviar o sofrimento
de sua esposa, então não hesitou em segurá-la em seus braços para fazê-la
entender que não estava sozinha. Que ele iria abraçá-la sempre que ela
precisasse. Que não havia nada no mundo que não pudessem enfrentar se
estivessem juntos.
— Não me solte, Ewan — lhe pediu, com um soluço estrangulado,
encostada em seu peito.
—Nunca.

Depois de vários dias em Meggernie, quando tudo parecia ter voltado ao


normal, Ewan anunciou que era hora de voltar para casa. Ele disse isso a
Willow pela manhã, quando ainda não haviam saído da cama, e ela notou
que a voz do marido soava incerta.
— Estou planejando partir para Innis Chonnel hoje — ele sussurrou,
segurando-a contra seu corpo. — Melyon e alguns de meus homens ficarão
para trás para ajudar seu pai a reconstruir Meggernie, mas não posso mais
atrasar meu retorno. Estou com medo de que Adair e Lawler tenham
aprontado na minha ausência.
— Está bem.
— Se parecer muito apressado, pode ficar aqui e voltar quando Melyon
voltar.
Willow se apoiou em um cotovelo para poder olhar o marido nos olhos.
Tocou-a que ele lhe desse essa opção, porque estava claro em seu tom e seu
olhar de angústia que não era o que ele queria.
— Não se importa se eu ficar mais alguns dias com minha família?
— Se é o que você quer, eu aceito.
Ela então lhe deu um sorriso cheio de amor. Se inclinou para beijá-lo
nos lábios, deliciando-se com o gosto de um homem disposto a agradá-la
apesar de sua relutância.
— O que eu quero é voltar para casa com você. Eu quero ir aonde você
for, estar onde você estiver.
Ewan derreteu seus olhos no azul de seu olhar. Deixou seus dedos
deslizarem pelas mechas curtas de cabelo que emolduravam seu lindo rosto.
— Você me faz tão feliz... O que eu fiz para te merecer?
Willow o acariciou de volta, passando as mãos pelo peito largo de seu
marido, onde novas cicatrizes de batalha estavam frescas. Tinha que
memorizar essas também...
—E o que eu fiz para te merecer?
Voltaram a beijar-se, devotados um ao outro, deixando-se levar pela
paixão que crescia entre eles e da qual nunca se cansavam. Willow
corajosamente subiu em cima de seu corpo e pressionou seus quadris contra
os de Ewan, procurando por ele.
— É uma duende muito atrevida — sussurrou o guerreiro, encantado
com a iniciativa que estava mostrando.
Ela encontrou sua boca e lambeu seus lábios, carinhosamente.
— Eu não sou uma duende, marido — murmurou ela, entre beijos. —
Sou apenas uma mulher pedindo um pouco de amor ao homem que ama.
— Um pouco de amor? — Ewan a surpreendeu pegando-a no colo e
virando-a na cama, ficando em cima dela. — Meu amor, o homem que você
ama não é suficiente para um pouco. Portanto, pretendo lhe dar muito,
muito amor, antes de você e eu deixarmos esta cama.
Willow sorriu alegremente contra sua boca, sabendo que Ewan mais do
que manteria essa promessa.
Uma hora depois, enquanto tomavam o café da manhã no salão com seu
pai, seu irmão e homens de confiança de ambos os clãs, Willow pegou a
mão de seu marido antes de anunciar que partiriam para Innis Chonnel
naquele dia.
O rosto de Ian MacGregor ficou sério depois de suas palavras.
— Não vou permitir... — começou a dizer.
O coração da jovem parou por alguns segundos ao ouvi-lo.
— Mas, pai...
Ian ergueu a mão para silenciar a filha.
— Eu não vou permitir isso a menos que prometa vir me visitar
frequentemente — esclareceu, relaxando sua expressão com um sorriso.
Willow suspirou, aliviada. Ewan, ao lado dela, também pareceu relaxar.
A jovem levantou-se de seu lugar à mesa e foi até o pai para abraçá-lo.
— Virei sempre, prometo. Não poderia ficar muito tempo sem te ver... E
digo o mesmo para você, Malcom.
— Claro, e eu? — Angus resmungou.
— Sabe que eu não poderia viver sem você, Angus — Willow
respondeu, inclinando-se para ele para lhe dar um beijo suave em sua
bochecha barbada.
— É claro — Ewan então interveio — todos vocês serão bem-vindos a
Innis Chonnel quando quiserem ver sua joia.
— Agora ela é sua — Malcom disse a ele — e é melhor cuidar bem
dela...
Ewan ergueu os braços em sinal de rendição.
— Não precisa mais me avisar. Sei o que vai acontecer comigo se não o
fizer e, acredite, não quero passar por isso de novo.
Suas palavras, juntamente com o gesto cômico de sofrimento de Ewan,
provocaram risos em todos os presentes. Willow riu como todo mundo,
feliz, quase, quase completa. Seu olhar se desviou para o lugar da mesa que
seu irmão Niall sempre ocupou e agora, por respeito a ele, permanecia
vazio. Ninguém jamais tomaria seu lugar e ninguém esqueceria o buraco
que ele havia deixado em seus corações.
Sim, Willow estava feliz. Ela voltaria para casa para o marido, mas
nunca, jamais deixaria para trás a lembrança de quem ela havia sido dentro
daquelas paredes: uma filha, uma irmã, uma amiga querida por todos... a
joia de Meggernie.
CAPÍTULO 46

Maud foi a primeira a abraçá-la quando chegaram a Innis Chonnel. Chorou


em seu ombro de puro alívio ao vê-la de volta, sã e salva. Amaldiçoou o
bastardo que a havia sequestrado mil vezes, mergulhando todos os
habitantes da fortaleza em uma incerteza agonizante por não saberem o que
havia acontecido com ela.
— Estávamos tão preocupados... — Liese confessou, abraçando-a
quando Maud a soltou.
Willow ficou emocionada ao descobrir como eles pareciam afetados.
— Eu gritei quando vi Agnes aparecer, mas acho que ninguém me
ouviu.
— Quando percebemos o que aconteceu, era tarde demais para rastreá-la
— John disse.
— Não descobrimos o que havia acontecido até o dia seguinte — Jane
explicou. — Os vigias estavam inconscientes... Todos apareceram com uma
tigela vazia de caldo ao lado do corpo.
— Presumimos que alguém havia colocado alguma substância dentro
para fazê-los dormir — continua John. — Era evidente que os homens
conheciam a pessoa que lhes deu o caldo, pois não desconfiaram.
Definitivamente era Agnes e não conseguimos encontrá-la depois disso.
— Como diabos encontrou Errol? E como ele conseguiu que ela o
ajudasse? — Willow perguntou, ainda sem entender tudo o que havia
acontecido.
— Não deve ter exigido muito esforço — Maud comentou. — Agnes
provou ser uma pessoa má uma e outra vez, e ela não gostava nem um
pouco de você, Will. É fácil supor que, se esse homem estivesse na área em
busca de uma oportunidade, teria conhecido Agnes enquanto executava
alguns dos recados de Jane.
— A verdade é que nos últimos dias visitou a aldeia mais do que o
habitual — sussurrou a governanta, sentindo-se responsável. — Me disse...
me disse que conheceu uma pessoa e estava me pedindo um tempo livre
para ir vê-lo. Achei que ela tinha se apaixonado, pensei que finalmente
estava se estabelecendo.
— Você não poderia saber o que ela estava fazendo, Jane. Eu a
esbofeteei na frente de todos no dia do julgamento contra o laird e a fiz de
boba... Acho que isso foi o suficiente para empurrá-la para a vingança —
Willow murmurou.
— Agnes não precisava de desculpas para ser má, Will. Eu sou o
culpado por não prever algo assim — Ewan murmurou, rangendo os dentes.
— Eu lhe dei uma e mil oportunidades de emendar-se, e não o fez. Eu a
perdoei quando descobri que a acusação contra Melyon era falsa, a perdoei
quando ela me delatou na frente do conselho de Campbell por passar a noite
com você. Se eu a tivesse expulsado de Innis Chonnel quando deveria, isso
não teria acontecido.
— Eu também sou culpada — Jane insistiu. — Como governanta, era
responsável por Agnes. Ela estava sob minha proteção e eu intercedia por
ela após cada transgressão, porque lamentava que uma garota tão jovem
fosse rejeitada por seu próprio povo. Estava errada em defendê-la.
— Nenhum de vocês tem culpa por ela ser uma pessoa tão distorcida —
Willow retrucou, irritada ao ver que as pessoas que ela amava levavam nas
costas os pecados daquela serva egoísta e gananciosa.
— Bom, então não haverá mais perdão para ela — Ewan anunciou. —
Nós vamos para o grande salão. Jane, por favor, reúna todos os criados.
Vamos descobrir se alguém sabe alguma coisa sobre ela.
Desta vez, até Adair e Lawler concordaram com a determinação de seu
laird. O que aquela garota fez foi muito sério. Não apenas permitiu que a
senhora do castelo fosse sequestrada, sem mostrar um pingo de remorso.
Além disso, havia deixado Innis Chonnel desprotegida no meio da noite ao
deixar inconsciente todos os seus vigias. Isso poderia ser considerado um
ato de traição de pleno direito, e aquele que era capaz de trair seu clã, seu
povo dessa maneira, não merecia nenhum tipo de compaixão.
Todos foram para o salão e ocuparam seus respectivos lugares. Willow
sentou-se ao lado do marido e esperou a chegada do povo de Innis Chonnel.
Quando estavam todos juntos, Ewan lhes falou.
— Já sabem o crime que Agnes cometeu. Se alguém souber do
paradeiro dela, diga agora. Não podemos, nem devemos, encobrir uma
pessoa que traiu todos os Campbell.
— Não sabemos onde ela está, meu senhor — disse um dos aldeões que
cuidava do rebanho do laird do outro lado do Awe. — Ninguém a viu desde
que levaram a senhora. Mas, se quiser, podemos espalhar a notícia de que
ela é procurada. Nós a encontraremos e a traremos à sua presença para
pagar por seus erros.
— Essa víbora estará longe — exclamou Maud, sem conseguir conter a
língua.
— Muito provavelmente — disse Ewan. — Mas não importa o quanto
corra, não pode simplesmente desaparecer.
— Daremos ordem para que a procurem pelas aldeias e propriedades
Campbell. E também pelas terras dos nossos aliados — Adair propôs.
— Não.
Todos olharam para a senhora de Innis Chonnel, que havia sido direta
com sua recusa.
— Não? — indagou o marido, franzindo a testa. — Essa garota merece
um castigo.
— Já é castigo suficiente que tenha que deixar sua casa, o único lugar
que conheceu, onde nunca faltou teto para se abrigar e comida na mesa. Sei
por experiência própria como é devastador encontrar-se sem nada, vivendo
pobremente em estradas solitárias, dependendo da generosidade de outras
pessoas. As moedas que Errol lhe deu não vão durar para sempre. Ela
sozinha decidiu seu destino.
Ewan a olhou e seus olhos se suavizaram. Pegou a mão dela e levou-a
aos lábios para beijá-la.
— A senhora de Innis Chonnel está certa. — Ele então se virou para os
presentes. — No entanto, por favor, espalhe a notícia de que, se ela voltar,
não será bem-vinda. Não haverá mais perdões para ela, nenhum outro
Campbell jamais sofrerá por causa de suas maquinações.
Willow ficou surpresa que o laird tivesse considerado sua opinião na
frente de todo o clã, e seu coração se encheu de alegria. Também estava
feliz que os dois ex-conselheiros respeitassem a decisão sem questionar,
porque isso significava que estavam começando a aceitar Ewan e ele não
teria mais que lutar para manter a liderança de seu povo.
— Obrigada por ouvir, marido — ela lhe sussurrou, inclinando-se para
ele para que ninguém mais pudesse ouvi-la.
Ewan segurou seu queixo gentilmente, perdendo-se em seu olhar.
— Estou convencido de que se meu pai tivesse ouvido mais minha mãe,
ele teria sido um laird muito melhor. Eu não sou como ele... demorei para
perceber, mas é assim mesmo. Eu sempre vou ouvir você, pequena duende,
mesmo que isso signifique brigar quando discordarmos de alguma coisa.
Acha que está tudo bem?
— Me parece bem. Além disso, nem sempre terá que me perguntar o
que penso, já que se gaba de ler facilmente o que quero em meus olhos.
Como agora...
— Quer que eu te beije?
Ela piscou sedutoramente, uma sugestão de um sorriso em seus lábios.
— Aqui, na frente de todos? — perguntou de novo.
— Não, é melhor irmos para o nosso quarto.
Ewan não se conteve diante daquela proposta e se apoderou de seus
lábios sem se importar que os presentes naquele salão não afastassem os
olhos deles.
— E agora, Will — disse sem fôlego ao terminar o beijo — vamos nos
esconder do mundo por um tempo.
Eles se levantaram de mãos dadas e se desculparam na frente de todos.
O povo de Innis Chonnel os observou partir com sorrisos no rosto. Sabiam
que, a partir daquele dia, teriam que se acostumar a presenciar mais gestos
de afeto entre o casal, pois era claro que eram incapazes de esconder o amor
que professavam em público...

Um mês se passou quando Willow recebeu a primeira carta de seu pai.


Ela leu emocionada, sentindo falta de que essas palavras não haviam sido
ditas a ela pessoalmente. Ian MacGregor estava lhe dizendo que a
reconstrução de Meggernie estava indo bem e que logo eles teriam de volta
Melyon e o resto dos homens Campbell que ficaram para trás para ajudá-
los. Também mencionou, de forma um tanto enigmática, que se veriam
muito em breve, e que Malcom sentia muita falta dela. Seus olhos
embaçaram sem poder evitar.
E foi assim que Marie a encontrou quando entrou no quarto, trazendo
nas mãos um par de vestidos que havia arrumado para ela.
— O que está acontecendo? — a velha se preocupou.
Willow levantou os olhos do pergaminho e olhou para sua querida ama.
A mulher se recusou a deixá-la depois que se reencontrarem e, embora
partisse seu coração deixar sua casa, onde ela criou seus três filhos
MacGregor, seguiu sua jovem senhora para sua nova casa. Willow podia
não precisar dela tanto quanto antes, mas estava convencida de que, quando
tivesse um bebê, sua ajuda seria essencial. Algo que, aliás, estava ansiosa.
— Nada, calma — respondeu ela, enxugando as lagrimas. — É notícia
de Meggernie, fiquei emocionada.
— Está muito mais sensível ultimamente, não acha?
Willow a olhou, arqueando uma de suas sobrancelhas castanhas.
— O que quer dizer?
— Que as lágrimas brotam de seus olhos pelas coisas mais idiotas.
— Bem, depois de tudo que aconteceu, acho que mudei.
A velha olhou para os seios, pensando ter detectado algo mais volumoso
naquela região. Deu um sorriso satisfeito com suas suspeitas.
— E ainda terá que mudar muito mais.
A jovem balançou a cabeça, sem entender nada. Ela dobrou a carta do
pai novamente e levantou-se para procurar o marido.
— Eu tenho que encontrar Ewan. O avisarei que Melyon e o resto de
seus homens voltarão para casa em breve, ficará encantado em saber.
Marie a observou partir e suspirou, satisfeita. O laird ficaria muito mais
encantado quando descobrisse que Willow estava carregando seu futuro
filho em seu ventre, ela estava convencida disso...
Ewan estava na casa do padre Cameron, tão absorto na conversa com o
padre que não percebeu sua chegada. Eles tinham uma pilha de papéis sobre
a mesa que tentaram esconder quando ela fez sua presença ser notada.
— O que está acontecendo aqui?
Os dois homens se levantaram nervosos.
— Nada.
— Nada? Ewan, eu sei quando você está mentindo para mim. O que está
fazendo?
— Não é nada ruim, filha — Padre Cameron a tranquilizou.
— E por que não posso saber?
— Não é que você não possa saber. No devido tempo saberá.
— Esse é o selo do Rei Bruce? — perguntou ela, sem prestar atenção
nas palavras de Ewan.
Ela foi até a mesa onde tinha visto o documento em questão e o agarrou
antes que os dois homens pudessem impedi-la. Leu em voz alta:
— “Aceito o convite com muito prazer. É uma honra para mim
testemunhar a união de um dos meus melhores apoiadores com a filha do
laird MacGregor. Ambas as famílias provaram ser merecedoras de todos os
meus agradecimentos e farei tudo ao meu alcance para retribuir” — Willow
ergueu os olhos, confusa. — O que significa isto? Um casamento?
Ewan suspirou, derrotado pela insistência de sua esposa. Se aproximou
dela e pegou suas mãos.
— Ia ser uma surpresa, Will. Vamos voltar a celebrar a nossa união, mas
desta vez, como a ocasião merece. Seu pai, Marie e toda a sua família
devem estar presentes nesse dia. Desta vez, quero dançar com a noiva até
meus pés doerem, e não me sentar em uma cadeira vendo todo mundo se
divertir. Desta vez, pequena duende, terá uma noite de núpcias
inesquecível...
— Aham! — padre Cameron limpou a garganta, ouvindo o último
comentário de Ewan. Achava que não era necessário ouvir algumas coisas,
embora o jovem laird não tivesse escrúpulos em pronunciá-las em voz alta.
— Então, todos esses papéis, são convites? — perguntou Willow, que já
sentia os olhos lacrimejando. Marie estava certa, ela chorava por qualquer
coisa.
— Essas são as respostas aos convites que enviei assim que voltei para
casa. O primeiro a responder foi o rei Bruce, como você leu, feliz em
aceitar. Apesar de todas as suas obrigações, agora que deve manter o que
conquistamos na Batalha de Bannockburn, arranjará um tempo para estar
conosco nesse dia tão especial.
— Ah, por São Mungo! — Willow exclamou, imitando Maud. — O
próprio Bruce aqui em Innis Chonnel. Tenho muitas coisas para preparar
então. O banquete, a festa... meu vestido!
Passou as mãos pelos cabelos, parecendo preocupada. O rei da Escócia
estaria presente em seu casamento, e ela não parecia nem de perto a dama
que era antes de conhecer os Campbell.
— Shh, acalme-se — Ewan sussurrou, embalando o rosto dela em suas
mãos. — Não fique nervosa. Ia ser uma surpresa, lembra? Jane, Maud e
Marie estão preparando tudo, inclusive seu fabuloso vestido. Posso garantir
que será a noiva mais linda que um rei já viu. Não precisa de nenhuma
decoração para que sua beleza brilhe com luz própria. Você me cativou
vestida com trapos e com a cara suja, porque nenhum disfarce pode
esconder dos meus olhos o quanto você é incrível. Não importa o
comprimento do seu cabelo ou como se veste. Mesmo se andasse nua pelo
corredor, seria a criatura mais maravilhosa do mundo, e eu não poderia te
amar mais do que já amo.
— Santo Deus! — Padre Cameron fez o sinal da cruz ao ouvir esse tipo
de blasfêmia. Nua no altar... que acontecimento!
Depois de fazer sinais de cruzes no peito, saiu correndo de sua própria
casa para dar privacidade ao casal, pois estava claro que o laird dos
Campbell não se importava que um religioso estivesse presente no
momento para mostrar a sua esposa quanta verdade havia em suas
palavras...
AGRADECIMENTOS

Este romance está na minha cabeça há muito tempo e quem me conhece


sabe a guerra que travei até vê-lo publicado. Por isso, quero agradecer a
todos aqueles que sofreram comigo no processo, aqueles que suportaram
minhas dúvidas, meus medos e meu desejo sem perder o sorriso em nenhum
momento.
Quero agradecer àquelas que foram minhas fadas madrinhas durante a
revisão e correção do romance, minhas três leitoras beta. À Elena Castillo
Castro, porque me empresta sempre o teu sorriso e o teu entusiasmo, porque
me acompanha nos momentos de incerteza e também na alegria, e porque
me dá o empurrão que preciso quando preciso. À Laura Esparza, porque
sabe muito, porque está sempre disposta a ajudar e a dar o teu melhor, pelos
teus conselhos e pela tua grande generosidade. Você é incrível Laurinha. E a
Eva Rodríguez, porque é um grande luxo ser sua amiga por tanto tempo,
porque você é meticulosa e conscienciosa, porque se entrega com paixão e
sinceridade a cada tarefa que assume. Obrigada as três por seu apoio, por
seu tempo e por me ajudarem tanto com o acabamento final deste romance.
Agradeço também a Ditar de Luna, Letícia, por ser a criadora de uma
das cenas mais importantes da novela. Jamais esquecerei como você a
representou com aquela almofada que batizou de Antonia, embora eu
tivesse que mudar o nome dela para Thonia, pois combinava mais com uma
personagem da Escócia do século XIV.
Não posso esquecer minhas colegas escritoras: Irene Ferb, Mónica
Maier e Mabel Díaz, que compartilharam comigo (e espero que
continuemos compartilhando por muito tempo) risos, dúvidas, sonhos,
decepções e conquistas. Meninas, que sorte de ter vocês, que sorte de ter
conhecido vocês.
Obrigado a Alexia Jorques por esta capa maravilhosa, foi um prazer
trabalhar com você e espero continuar fazendo isso em projetos futuros.
Obrigada a Rosângela Mazurok Vieira por este grande trabalho
de tradução e por me ajudar a fazer esta história chegar a muitos
mais corações. Foi um prazer conhecê-la e continuar contando com
você para futuras traduções.
Agradeço à minha família, pelo apoio, por me convencer de que
eu poderia fazer isso sozinha e por confiar que tudo daria certo. Ter
vocês sempre ao meu lado é o meu maior triunfo.
Agradeço à minha família, pelo apoio, por me convencer de que eu
poderia fazer isso sozinha e por confiar que tudo daria certo. Ter vocês
sempre ao meu lado é o meu maior triunfo.
E, claro, obrigada a vocês, leitores, que deram uma chance ao romance.
Sempre digo, mas é verdade: sem vocês nada disso faz sentido. Obrigada de
coração.
SOBRE A AUTORA

Nem todo mundo sabe que Kate Danon não é meu nome verdadeiro,
embora imaginem. Achei que o pseudônimo era necessário para diferenciar
meu papel de escritor infanto-juvenil, do escritor romântico adulto, cujas
obras podem aparecer cenas mais ousadas ou mais sombrias... Hoje, Kate
Danon já faz parte da minha personalidade e sinto muito confortável
escrevendo com esse nome.
Minha paixão por escrever nasceu quando eu era muito jovem e cresceu
ao longo dos anos. Sempre sonhei em poder publicar e consegui atingir esse
objetivo em 2009, quando a editora Hidra e a editora Edebé, quase ao
mesmo tempo, decidiram que gostavam da minha forma de escrever e me
deram a oportunidade de publicar meus livros infantis (A série de livros El
diario de Luna Moon y Experimento Mythos, respectivamente).
Pouco depois, em 2012, a Kiwi Editions também confiou no meu
trabalho e publicou minha duologia de Los Guardianes: Los Guardianes de
la Espada y La Senda del Guardián, ainda com meu nome verdadeiro:
Victoria Rodríguez.
Em 2013 chegou meu primeiro romance adulto, também com edições
Kiwi, intitulado Una Mágica Visión. Foi com este romance que decidi usar
pela primeira vez um pseudónimo e, a partir daí, os sucessivos seriam todos
assinados como Kate Danon.
Com este novo livro entrei num mundo até agora desconhecido para
mim: o da auto publicação. A Joia de Meggernie foi um projeto muito
especial para mim e, talvez por isso, quis ser eu a controlar todos os
processos e cada passo que foi dado até à sua publicação. Coloquei todo
meu amor, meu esforço e meu entusiasmo para que o acabamento final
fosse, no mínimo, atrativo para vocês, leitores.
Este é o primeiro livro da trilogia dos Irmãos MacGregor, que é seguido
por O segredo de Malcom e O destino de Niall, nesta ordem.

Se quiser saber mais sobre meu trabalho, pode visitar minha página de
autora na Amazon: KATE DANNON
Mande-me um Email: kate.danon@gmail.com

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