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Desde pequena, todos diziam que ela era a cara da mãe. A jovem Willow
ficava honrada por terem feito essa comparação, já que Erinn MacGregor
havia morrido no parto e ela nunca a conheceu. Saber que, de alguma
forma, sua mãe se refletia em seus olhos azuis, na forma de sua boca
quando sorria, na cor escura de seus cabelos longos e sedosos, a confortava.
Era uma forma de mantê-la próxima, mesmo quando ela nunca estivera ao
seu lado; era sua maneira particular e privada de conhecê-la.
Naquele dia, a semelhança entre as duas era mais perceptível do que
nunca. Talvez pela maneira como ela sorria, ou porque finalmente podia
sentir, sob aquelas bochechas rosadas, o rosto da mulher que estava prestes
a se tornar. Apesar de ter acabado de completar dezoito anos, ficou claro
que seus traços precisavam amadurecer um pouco mais para chegar à
expressão final.
Sua velha ama de leite, Marie, passou por ela na escada e pôde ver como
sua jovem senhora estava satisfeita.
— Aonde vai tão eufórica? — perguntou.
— Tio Gilmer me mandou chamar. Quer me dar meu presente de
aniversário.
A velha sorriu ternamente para ela. Não eram tempos bons, e qualquer
detalhe que colorisse aqueles dias cinzentos em que viviam era bem-vindo.
A menina não tinha motivos para comemorar nada, com o pai e um de seus
irmãos ausentes, convocados para a guerra que o rei Robert de Bruce,
liderava contra os ingleses. A maioria dos soldados MacGregor partiu com
eles e a jovem ficou sob os cuidados de Niall, o mais novo dos gêmeos, que
tinha a tarefa de protegê-la e se encarregar do clã enquanto o verdadeiro
laird, seu pai, lutava contra o inimigo.
Chegando ao grande salão, Willow viu que seu tio já estava lá, sentado à
cabeceira da longa mesa enquanto sua governanta, Rhona, lhe servia uma
taça de vinho. A mulher levantou o olhar e lhe deu um sorriso sincero.
Caminhou em sua direção e lhe falou antes de sair.
— Hoje ele está de muito bom humor. Acho que o presente, deixa
emocionado mais a ele do que a senhorita — sussurrou com cumplicidade.
Willow sorriu de volta, encantada. Sempre gostou de Rhona, uma
mulher atenciosa e carinhosa que estava no comando de Landon Tower
desde que conseguia se lembrar. As más línguas diziam que tanta entrega e
dedicação ao seu trabalho se devia ao fato de estar secretamente apaixonada
pelo senhor daquele castelo. Willow não via nada de errado nisso, muito
pelo contrário. Tio Gilmer nunca fora casado e, se Rhona tivesse escolhido
amá-lo, não faria mal.
— Que bom que está feliz — respondeu ela, apertando carinhosamente
uma das mãos da governanta. — Entre todos nós faremos com que ele volte
a ser o homem que era.
Uma sombra de tristeza atravessou então o rosto da mulher.
— Será complicado, minha senhora. Ninguém volta a ser a mesma
pessoa que era quando os dentes desta guerra cruel mordem seu coração.
Willow engoliu em seco com o nó que se formou em sua garganta com o
tom dela. Não foi apenas o infortúnio que tio Gilmer sofreu. O único filho
de Rhona, com apenas dezesseis anos, morreu em batalha defendendo a
causa do Rei Bruce. Ela a abraçou espontaneamente, sem saber como
expressar o quanto sentia por sua perda. Willow não conseguia imaginar sua
angústia e dor e queria confortá-la.
— Sinto muito... Eu realmente apreciava Connor, ele era um menino
muito corajoso —murmurou enquanto a abraçava.
Rhona pareceu envergonhada pela demonstração de afeto e ficou muito
quieta até que Willow se afastou.
— Ele era corajoso e o melhor dos filhos — corroborou, com olhos
enevoados. Depois, os limpou com algumas batidinhas e compôs seu
sorriso gentil novamente. — Mas hoje não é necessário falar de tristezas,
mas de alegrias. Seu tio já está impaciente para lhe dar o presente que
preparou com tanto entusiasmo. Eu a deixo com ele.
Dizendo isso, ela continuou seu caminho, e Willow foi deixada sozinha
com o senhor de Landon Tower.
— Venha, se aproxime, tem tantas coisas para conversar com Rhona? —
a chamou.
— Já vou.
Conforme ela se aproximava, a empolgação de descobrir qual seria seu
presente apagou brevemente toda a preocupação de sua mente. Não tinha
sido um bom ano; muitas ausências e muitas tristezas para aproveitar seu
aniversário. Só por isso, não poderia estar mais grata pelo detalhe que tio
Gilmer teve com ela.
Ela se sentou ao lado dele, incapaz de manter a compostura. Seus dedos
tremiam de emoção, e seus olhos contemplavam com deleite o tamanho e a
forma do enorme pacote embrulhado em linho branco, enfeitado com uma
fita carmesim amarrada cuidadosamente em volta dele. Gilmer empurrou-o
para ela com uma das mãos. Willow tentou não olhar para o outro braço,
onde um toco substituiu o membro que havia perdido no campo de batalha.
Foi por isso que ela e Niall deixaram Meggernie, sua casa, e se
encontravam em Landon Tower, a fortaleza de seu tio. Ambos o amavam
demais para deixá-lo sozinho em um momento como este e, como ela havia
confessado a Rhona momentos antes, Willow esperava que sua presença
servisse para que o guerreiro voltasse a ser o homem que conheciam, apesar
do fato de que esse infortúnio o marcara para sempre.
Na verdade, Gilmer Graham não era seu tio de sangue. Ele era amigo de
seu pai desde que ela conseguia se lembrar e, para ela e seus irmãos, ele era
um membro da família. Quando sua mão foi cortada na batalha para
reconquistar a Ilha de Man, o Rei Bruce o liberou da obrigação de lutar
contra os ingleses. Para o guerreiro, sua mutilação e subsequente dispensa
do exército escocês foram um duro golpe. Quando Niall e Willow
receberam as más notícias, foram para Landon Tower prontos para lhe dar
todo o apoio.
Niall entendeu isso muito melhor do que ela, já que o menino havia sido
excluído da batalha apenas porque Malcom, seu irmão gêmeo, havia vindo
ao mundo dois minutos antes dele. Willow sabia que Niall desejava ir para
o front com o pai e servir o rei Bruce como muitos outros jovens, e estava
convencida de que, se ela não existisse, seu irmão teria sido capaz de
cumprir os ditames de sua honra e patriotismo.
— Não vai abrir?
A voz profunda de Gilmer tirou Willow de suas reflexões e ela o olhou,
sorrindo. Sentiu uma onda de caloroso apreço pelo homem, não poderia
amá-lo mais se ele fosse seu verdadeiro tio. Notou as olheiras escurecendo
seu olhar cinza e lamentou que a sorte tivesse sido tão elusiva. Não merecia
o que havia acontecido com ele e as consequências daquele infortúnio
estavam cobrando seu preço. Seu cabelo na altura dos ombros, sempre
escuro e brilhante, agora exibia vários fios prateados. Rugas agora
apareciam em seu rosto limpo e barbeado que não existiam ali antes.
Mesmo assim, a coisa toda, com seu nariz um tanto achatado e lábios finos
e elegantes, tornava o seu rosto atraente. Willow se perguntou por que
nunca se casou ou por que, desde que sabia dos sentimentos de Rhona por
ele, não tornou público seu relacionamento com a governanta e que era um
segredo aberto dentro das paredes daquela fortaleza. Foi até dito que
Connor, o menino que Rhona deu à luz apesar de não ter marido, era filho
do laird Graham. Tio Gilmer nunca o reconheceu e nunca admitiu ter
relações com nenhuma mulher. Mas, de qualquer maneira, Willow disse a si
mesma, esse assunto não era da sua conta e não cabia a ela comentá-lo...
Com dedos trêmulos, desfez o laço que enfeitava o pacote e o
desembrulhou, prendendo a respiração. Quando afastou o pano branco,
descobriu um lindo vestido de seda azul-celeste e levou a mão à boca para
abafar uma exclamação.
— Tio Gilmer..., é maravilhoso — sussurrou, com lágrimas nos olhos.
Desdobrou a roupa e se levantou. Colocou-a na frente do corpo,
acariciando a maciez do tecido, admirando os bordados dourados nas
mangas e no decote. Era o vestido mais incrível que ela já tivera.
Quando levantou o olhar, descobriu que os olhos de seu tio também
estavam nublados com emoção.
— Quero que use na festa que pretendo dar em sua homenagem —
pediu ele.
Willow assentiu e se inclinou para dar um beijo suave em sua bochecha.
Ele respirou fundo enquanto ela se inclinava sobre o rosto dele... Pobre tio
Gilmer, certamente não queria que as lágrimas que ela percebeu por trás
daquele olhar cheio de amor escapassem.
— Obrigada por este presente incrível. E obrigada por organizar essa
festa, mesmo que meu aniversário tenha passado. Agora vou mostrar para
Niall!
A garota saiu correndo do grande salão, tão feliz que não conseguiu
conter a empolgação. Só precisava de uma coisa para ser completamente
feliz: que seu pai e Malcom pudessem estar com ela quando brindassem por
ela ter acabado de completar dezoito anos. Sabia que não podia ser assim e,
embora sua ausência atenuasse a esperança que crescia dentro dela com a
perspectiva daquela comemoração, não podia negar que estava ansiosa pelo
dia da festa. Naquele momento, era um luxo para seu tio Gilmer oferecer
um grande jantar em sua homenagem. Willow, que já havia adquirido o
básico para administrar as despesas de seu próprio clã, sabia que os cofres
de quase todas as famílias escocesas haviam sido alarmantemente esgotados
pela guerra. Os impostos do rei para cobrir as despesas de sua campanha
eram altos e os clãs notaram a falta de recursos. A festa não seria exagerada
nem luxuosa, mas mesmo assim não deixava de ser emocionante.
Subiu as escadas de pedra novamente até chegar ao andar superior, onde
ficavam os aposentos de Landon Tower. O quarto de Niall ficava ao lado do
dela, e estava tão ansiosa para lhe mostrar seu presente que entrou sem
bater ou pedir permissão.
— Niall, olha o que...! — A frase morreu em seus lábios antes que
terminasse. Willow parou na porta, intrigada ao encontrar seu irmão sentado
na cama, inclinado para a frente, os cotovelos apoiados nos joelhos, as mãos
segurando a cabeça. Na cama ao lado dele havia uma carta. Uma horrível
premonição a invadiu quando percebeu que aquela carta poderia conter
notícias do front, de seu pai ou de Malcom. Será que algo sério aconteceu
com eles? Era por isso que Niall parecia tão abatido?
— Willow — disse seu irmão, erguendo os olhos para ela, constrangido
por ter sido descoberto naquela posição.
— O que está acontecendo? É sobre o pai? É Malcom?
Niall se levantou da cama e veio para o lado dela em dois passos para
abraçá-la. O precioso vestido escorregou de suas mãos quando ela assumiu
que seu irmão estava tentando confortá-la antecipadamente. Seu coração se
apertou com incerteza e dor.
— Não, calma. Estão bem. Os dois estão bem...
A jovem soltou a respiração que não sabia que estava segurando quando
ouviu essas palavras. O alívio foi tão intenso que ela se sentiu tonta, embora
felizmente Niall ainda a segurasse em seus braços.
— Então o que há de errado?
— Devemos partir imediatamente para Meggernie.
Toda esperança de repente congelou em suas veias. Niall não poderia
estar dizendo o que ela imaginou.
— Mas a festa... é amanhã! Não podemos sair! O que aconteceu?
Niall se afastou dela, mas a segurou pelos ombros e a olhou gravemente.
— Sei que queria comemorar seu aniversário com o tio Gilmer, mas não
será possível. Já dei ordem para preparar nossas coisas, vamos embora
assim que você estiver pronta.
Willow estava negando com a cabeça, recusando-se a aceitar suas
ordens.
— Por quê? Por que temos que sair correndo? Aconteceu alguma coisa
em Meggernie?
A jovem olhou para a cama, onde o pergaminho que tinha visto ao
entrar parecia cobrar de repente um novo protagonismo. Sem dúvida, algo
escrito ali aborreceu seu irmão e o obrigou a tomar a decisão drástica de
voltar para casa.
Niall a olhou com a expressão mais séria que ela já tinha visto nele. Seu
irmão nunca teve dificuldade em falar e explicar as coisas para ela, mas
estava claro que ele estava tendo dificuldade em encontrar as palavras
certas desta vez.
— Confie em mim — foi a única coisa que poder dizer. — É de extrema
importância que voltemos.
— Mas...
— Willow, não torne as coisas mais difíceis para mim e obedeça. Por
favor.
O apelo final não diminuiu o impacto que o tom autoritário de seu irmão
teve sobre ela. Mal o reconhecia. Nunca havia falado com ela daquele jeito,
nunca se sentira tão pequena diante dele como naquele momento. Lágrimas
vieram aos seus olhos, tanto pelo desamparo que sentia quanto por não
receber de Niall a cortesia de uma explicação mínima. Achava que ela era
incapaz de entender as coisas? Se algo sério tivesse acontecido, ela estava
preparada para lidar com isso.
Magoada, pegou o vestido do chão e se virou para sair. Só esperava que,
quando Niall dissesse ao tio Gilmer sobre sua decisão de deixar Landon
Tower, o guerreiro fosse convincente o suficiente para fazê-lo mudar de
ideia.
CAPÍTULO 2
Naquela primeira noite passou caminhando, fiel à promessa que havia feito de fugir sem olhar para
trás. Envolta em sua capa puída, cerrando os dentes contra o frio que se instalara em seus ossos, ela
se afastou cada vez mais de casa. Seus pés pareciam mutilados e dormentes. Apesar de a lua cheia
facilitar sua fuga, sua luz era fraca e mais de uma vez tropeçou e ficou presa nos galhos das árvores
da floresta por onde passava. Com as primeiras luzes da aurora, decidiu arriscar e saiu para a estrada
principal, ansiosa por encontrar uma casa ou taberna onde pudesse descansar um pouco e aquecer-se.
Caminhou por quase mais uma hora até encontrar um pequeno vilarejo e, uma vez lá, procurou a
estalagem. O local não era desconhecido para ela, pois já havia visitado o lugar com o pai quando era
mais jovem. O laird MacGregor gostava de se interessar por seu povo, e aquela aldeia ainda se
encontrava dentro dos domínios do clã.
Ao entrar no estabelecimento, observou que havia um grupo de camponeses ao lado do balcão
fazendo alvoroço apesar de ser tão cedo. A jovem aproximou-se cautelosa e chamou a atenção do
taberneiro. O homem, que parecia muito interessado na conversa que aqueles aldeões estavam tendo,
ficou irritado com a interrupção. Willow ficou surpresa ao receber seu primeiro olhar irritado e não
entendeu o que havia feito para merecer isso.
— O que você quer rapaz? — lhe perguntou, rudemente.
Ela abriu os olhos, atordoada. Santo Deus! Havia esquecido seu disfarce! Não sabia como se
sentir quando descobriu que, só por ser um menino malvestido, sua presença era irritante.
— Posso tomar uma sopa quente e um pouco de vinho? — gaguejou, quase sem voz.
— Tem com o que pagar?
A carranca do taberneiro não era muito hospitaleira.
— Sim, senhor.
— É melhor.
Willow pegou um saquinho com moedas de sua trouxa e depositou o valor da refeição e um
pouco mais no balcão.
— Também preciso de um lugar para descansar um pouco.
— Bom. No andar de cima tem quartos, pode ficar no primeiro que encontrará no final da
escada.
— Obrigado.
O homem lhe serviu o que havia pedido em uma das mesas e voltou para o grupo de aldeões,
que ainda conversavam bastante agitados.
Ela não pode deixar de ouvi-los enquanto comia, e quando ouviu o nome de sua casa na
conversa, lhes deu toda a atenção com o coração batendo forte. Ela resistiu à vontade de se levantar e
ir para o lado deles, embora naquele momento fosse o que mais queria no mundo.
— Eu digo que foi um massacre.
— Mas o que queriam? O que poderiam procurar em Meggernie? O laird não tem riqueza —
perguntou um velho que Willow reconheceu. Seu pai havia falado dele em alguma ocasião.
— Ninguém sabe — respondeu outro, o mais gordinho do grupo. — Ao chegarem, depois de
destruir o que puderam, partiram, deixando para trás morte e horror. É evidente que deve ser algum
tipo de vingança, porque como Brod disse com razão, o laird não tem nada valioso o suficiente para
provocar um ataque dessas características.
— Dizem que Meggernie foi abandonada. Os sobreviventes fugiram e se espalharam,
escondendo-se em fazendas ou aldeias vizinhas. Têm medo de um novo ataque... E eu também. Laird
MacGregor está longe, junto com o exército que teria que nos proteger. Sem líder, com o chefe do clã
no front, como vamos nos defender? — perguntou ao estalajadeiro nesta ocasião.
O coração de Willow parou com essa pergunta. Um terror primitivo apertou sua garganta até que
ela mal conseguia respirar. Apurou os ouvidos, mas o zumbido do pânico distorceu as vozes dos
homens e ela teve que fazer um esforço supremo para se concentrar. Respirou profundamente. Ele
disse... sem um líder? Onde estava Niall, o que havia acontecido com ele?
Ninguém teve tempo de responder, porque naquele momento dois rapazes invadiram o
estabelecimento, ofegantes, e se aproximaram do velho Brod agitando um pedaço de pano rasgado
nas mãos.
— Avô! Cayden encontrou isso na floresta, preso a um galho ao lado do caminho que leva a
Meggernie.
Todos os homens que ali estavam se aproximaram para estudar o que traziam. Willow também
se incorporou, tentando ver por cima das cabeças que estavam inclinadas sobre o pedaço de tartã que
as crianças haviam encontrado.
— Se parece com as cores Campbell — sussurrou Brod.
— E por que diabos os Campbell iriam querer nos atacar? — o estalajadeiro interveio
novamente, incomodado com tal possibilidade.
Não era para menos. O clã Campbell era um dos mais temidos de toda Argyll e tinha grande
respeito pelos outros clãs. Seu laird, Duncan Campbell, era famoso pela disciplina de ferro a que
submetia todos os seus soldados e por seu caráter severo e autoritário. No entanto, Willow sabia que
ele e seu pai, apesar de terem tido suas diferenças no passado, haviam concordado em uma espécie de
trégua que acabou com as disputas entre os dois clãs há muito tempo. Por que, então, esse ataque?
Perguntas corriam por sua cabeça, atordoando-a, entorpecendo seus sentidos. Algo ruim
aconteceu com Niall? E, nesse caso, o que ela faria?
Como uma luz indicadora, um pensamento iluminou sua mente. A carta! A havia esquecido
completamente. A carta que alertou seu irmão, a carta na qual ela poderia encontrar muitas das
respostas que procurava.
Rapidamente terminou seu vinho e sopa e se retirou para o quarto que o estalajadeiro havia
indicado, apertando sua trouxa contra o peito. Deixada sozinha, trancou a porta com a única cadeira
que encontrou no quarto, depois se sentou na cama perto da janela para poder ler à luz da manhã.
Enquanto vasculhava suas coisas, notou que suas mãos tremiam. Encontrou o pergaminho enrolado
no fundo, enfiado nas dobras das roupas que Marie havia colocado como reserva. Ao abri-lo, viu que
era uma nota curta e direta, um aviso.
“A jovem Willow MacGregor está em grave perigo. Ele a procura, vai atrás dela, e agora que o
laird MacGregor não está, ele acha que é o melhor momento para acertá-lo onde mais dói: sua filha.
Ele o odeia, odiou-o toda a sua vida e não vai parar até que sua vingança seja realizada. Não confie
em ninguém. Em ninguém. Só posso te avisar, não posso te dizer meu nome porque se descobrir que
eu te avisei, me mata. Mas acredite em mim, ele não vai parar por nada."
Não estava assinado, embora desse a Willow a impressão de que a caligrafia era de uma mulher.
Então é por isso que Niall ficou tão alterado quando recebeu aquela mensagem: estavam vindo atrás
dela. Quem quer que fosse, queria machucá-la para punir seu pai. Quem poderia odiá-lo tanto? O que
seu pai fez de tão ruim para ganhar a animosidade daquele inimigo cujo nome não sabiam? Willow
odiava a pessoa responsável por aquele ataque com toda a sua alma, por ser uma covarde, por esperar
até que seu pai e o exército MacGregor estivessem longe de Meggernie para realizar sua tão esperada
vingança. Isso era o que tanto perturbava Niall, e era por isso que ele temia não estar à altura e não
ser capaz de protegê-la. Claro! Todos os seus esforços, todas as instruções que dera a Marie visavam
mantê-la a salvo daquele louco rancoroso. Daí o disfarce, porque sua ama insistira em que ela não
revelasse sua identidade a ninguém, a menos que seu pai ou irmãos viessem procurá-la. O inimigo,
que sem dúvida era escocês, pois se tinha velhas desavenças com o pai era porque o conhecia antes,
podia ser qualquer um. E ele poderia ter olhos ou ouvidos atrás de cada pedra no caminho...
Willow estremeceu de terror com o pensamento e cuidadosamente guardou o pergaminho. Tinha
que guardá-lo para mostrar ao pai quando ele voltasse. E o que ela faria enquanto isso? Esperar.
Esperar e rezar para que Niall houvesse se salvado e estivesse procurando por ela.
Ela se deitou na cama, exausta pela miríade de emoções e tensões que suportava. Seus olhos se
fecharam de puro cansaço, embora o medo a aconselhasse a ficar alerta, a não dormir, a sair daquele
lugar o mais rápido possível e a se esconder de tudo e de todos.
Alguém a queria morta, mas as pálpebras estavam muito pesadas. E pouco antes de adormecer,
um nome deslizou em seus pensamentos, causando pesadelos. O nome associado às cores do pano
que encontraram na estrada e que o incriminava.
Campbell.
CAPÍTULO 5
Sobreviver longe de casa não era uma tarefa fácil. Willow havia deixado
sua vida privilegiada como filha de um senhor das Terras Altas há vários
dias, e ainda não havia encontrado um lugar seguro para ficar. Os ecos do
cruel ataque a Meggernie ainda pairavam no ar, passando de boca em boca,
de aldeia em aldeia. O boato de que foram os Campbell se espalhou como
fogo. Não havia prova dessa suposição além do pedaço de pano encontrado
por dois meninos, mas foi o suficiente para culpar um clã inteiro.
Também falaram sobre Niall. Disseram que ele havia caído na luta e isso
era incapaz de aceitar. Tinha que ser um erro. Não, não acreditaria... Pelo
menos, não até que alguém em quem confiasse a provasse.
Algo que, naqueles dias incertos, estava longe de se conseguir.
Não confiava em ninguém, não encontrou nenhum rosto amigo ou
mesmo familiar nas aldeias por onde passou. Ela manteve o disfarce, como
prometido, e não voltou para Meggernie, embora tenha sido tentada em
mais de uma ocasião. O culpado por trás daquele ataque poderia muito bem,
estar esperando que ela voltasse para casa... Não podia arriscar. Pensou em
ir para Landon Tower, junto com seu tio Gilmer. Ele a protegeria, saberia o
que fazer naquele momento em que ela estava tão perdida. Mas então se
lembrou do quanto ele havia sofrido no front, sua mutilação, que o aleijou
para sempre, e que não era mais o guerreiro de antes. Esconder-se em sua
casa só o colocaria em perigo, porque certamente o inimigo à espreita nas
sombras descobriria, e não queria que atacasse Landon Tower como fez
com Meggernie. Se ela queria proteger seus entes queridos, tinha que ficar
longe deles. Era melhor esperar, como aconselhou Marie, que o irmão
viesse em seu auxílio. Rezou para que ele e sua adorada ama tivessem
sobrevivido e já estivessem procurando por ela...
Vagou sem rumo por Argyll, sobrevivendo como qualquer moleque de
rua faria. As moedas que tinha acabaram rapidamente, não soube como
administrá-las. Fazia muito frio para dormir na rua, e a hospedagem em
pousadas ao longo do caminho era cara. Então, uma vez que seus recursos
acabaram, teve que se arriscar em práticas desonestas. Mais de uma vez ela
se viu em apuros quando foi descoberta ao se apropriar de uma maçã ou de
um pedaço de pão que não lhe pertencia. Felizmente, sempre teve pernas
rápidas e, como a magnitude de seus delitos era insignificante,
eventualmente os incautos que ela conseguiu enganar se cansavam de
persegui-la e a deixavam tranquila.
Devia ter imaginado que em algum momento sua sorte iria acabar. E
isso foi dez dias depois de sua fuga de Meggernie. Ela enfiou a mão no
alforje errado e se viu, antes que percebesse, presa nos braços de um
homem grande que não estava disposto a ignorar seu erro.
— Olha o que temos aqui! — falou para seus acompanhantes.
Willow surpreendeu os viajantes quando pararam no caminho.
Deitaram-se estendidos em torno de um fogo mais do que agradável e a
jovem pensou que cochilavam para recuperar as forças; mas a julgar pela
rapidez com que o homem se moveu, não.
— Bruto! Solte o menino, está o machucando! — uma das mulheres que
estava com ele gritou, levantando-se de suas mantas.
— Ele tentou nos roubar — se defendeu, sem soltá-la.
O terceiro e último membro do grupo, uma jovem com longos cabelos
loiros, aproximou-se dela e verificou o que Willow havia tirado de seu
alforje.
— Pai, é um pedaço de pão.
— John Nicolás St. Claire, solte esse pobre menino agora mesmo! Não
vê que ele está com fome?
— Mas Maud...
— Nem mas, nem nada.
A mulher, de estatura mediana e constituição forte, o olhou com as mãos
nos quadris e uma expressão feroz no rosto. Seu marido não teve escolha a
não ser obedecer.
Assim que se viu livre, Willow tentou correr para escapar, mas Maud a
deteve com um aperto determinado em sua capa.
— E onde você pensa que vai? Acha que é bom sair roubando aos
trancos e barrancos? Não é educado, rapaz. Sempre haverá pessoas que
compartilham um pouco de comida contigo.
A risada do homem grande assustou Willow, e ela se virou para olhar
para ele. Ele era um urso e tanto, com o rosto coberto por uma espessa
barba ruiva e risonhos olhos castanhos.
— Que agora prefere um dos meus abraços diante do seu sermão?
— Sem sermão, só te digo como é feio roubar. E não digamos perigoso.
Qual é o seu nome, garoto?
— Meu nome é Will... — Fechou a boca de repente, lembrando que
tinha que manter o disfarce.
— Will é um nome muito bonito — sussurrou a jovem de tranças,
olhando-a de um jeito estranho.
Willow passou as mãos pelo cabelo curto desconfortavelmente e deu um
passo para trás.
— Desculpe ter tentado te roubar — murmurou ela, fingindo sua voz
para baixar o tom. — Mas a verdade é que não encontrei ninguém tão
generoso para me atrever pedir comida.
— Não tem família? — perguntou Maud à queima-roupa.
Ela se encolheu e sentiu seu coração dar um baque doloroso.
— Eu tinha familia — ela respondeu à mulher, que a olhava esperando
uma resposta — mas eu a perdi.
Não havia necessidade de acrescentar mais nada, seu tom já dizia tudo.
Maud tinha ouvido aquele mesmo timbre sinistro muitas vezes de amigos e
conhecidos que, como esse menino, haviam perdido seus entes queridos.
Ela mesma havia sofrido a infelicidade de perder um filho, apenas um bebê,
há muitos anos, e seu coração ainda doía de tristeza e dor quando se
lembrava disso. Tentou ser forte para sua família e via de regra manteve
esse passado bem preso entre camadas e camadas de pragmatismo e
realidade. Mas quando se deparava com um dos muitos órfãos que
abundavam nesses tempos difíceis, não podia deixar de evocar o rosto
rosado do bebê, pensando em como seria se tivesse sobrevivido e
lamentando que o menino antes dele tivesse ficado sem família enquanto
eles eram uma família sem um filho.
— Venha, venha, sente-se conosco e aqueça-se junto ao fogo —
ofereceu, agarrando-a pelo braço para que não pensasse em fugir
novamente. Era da natureza de Maud abrir seu coração para seres que
pareciam tão indefesos e, sem perceber, ela já estava tramando um plano em
sua cabeça para tentar ajudá-lo. — Vou apresentá-lo à minha família.
Aquele grandalhão ali, tão enojado, é meu marido John. E esta é a minha
pequena Liese...
A jovem corou e baixou os olhos para o chão, constrangida.
— Mãe! Já tenho dezesseis anos, não sou menina — ela protestou.
Willow a entendia perfeitamente. Em casa sempre a trataram como uma
criatura especial por ser a caçula da família e por ser mulher. Às vezes, ela
teria preferido ser um menino de verdade para poder se comportar como
seus irmãos e que não estivessem tão atentos a ela...
Agora tudo isso não importava, porque ela estava sozinha.
Maud pegou várias frutas, um pouco de queijo e mais pão do alforge
que estava no chão. Ofereceu sua comida a Willow com um sorriso, e suas
entranhas roncaram de fome com a simples visão daquelas framboesas
silvestres. Não teve escolha a não ser sentar-se ao lado dela e aceitar sua
hospitalidade.
— E para onde está indo? — perguntou John, parando na frente dela.
A jovem deu de ombros enquanto mordia um pedaço de queijo.
— De onde é? — A mulher então perguntou, intrigada.
— Venho de Glen Lyon.
A expressão de seus companheiros improvisados mudou em um
segundo. Uma mistura de alarme e curiosidade cruzou os olhos que a
observavam sem piscar.
— Estava lá quando o castelo foi atacado? — John perguntou.
A jovem negou com a cabeça com muita força.
— Se ouve coisas horríveis sobre aquele ataque — explicou Maud. Até
agora, Willow só tinha ouvido rumores. Talvez soubessem mais, pensou, e
pudesse finalmente descobrir o que havia acontecido naquele dia. No
entanto, ela não tinha certeza se seria capaz de suportar o que iriam lhe
dizer. — Dizem que Meggernie foi atacada pelo clã Campbell e que
conseguiram matar um dos filhos do laird Ian MacGregor.
O coração de Willow parou por alguns segundos. Ela mal conseguiu
engolir o pedaço de pão que ficou preso em sua garganta e teve que piscar
repetidamente para conter as lágrimas. Então era verdade? A que ela se
recusou a acreditar, o que foi obstinada em bloquear em seu coração, era
verdade? O Niall dela estava morto? Felizmente, o casal estava concentrado
em contar a história e ninguém notou sua dor... ou assim ela pensou.
— Há rumores de que o próprio laird Campbell estava à frente do grupo
que atacou o castelo — disse o ruivo John.
Sua mulher se virou para ele como um raio, a fúria pulsando em seus
olhos.
— Bah! Não vai acreditar nessas barbaridades do homem que nos
prometeu um futuro? Impossível, não posso aceitar.
— Bem, há mais de um que está dizendo isso por aí... E a fama do laird
Campbell é conhecida por todos por sua ferocidade na batalha.
— Duncan? Duncan Campbell? — Willow perguntou, sua voz baixa e
seus olhos nublados.
Ela não o conhecia pessoalmente, mas ouviu seu pai falar de sua
brutalidade muitas vezes.
— Não, Duncan não — explicou John. — Laird Duncan caiu na batalha
da Ilha de Man contra os ingleses, não sabia? Seu filho Ewan o sucedeu no
cargo, agora ele é o chefe dos Campbell. Está no comando há pouco tempo,
mas, ao que parece, quer se colocar a par de todas as disputas que seu pai
mantinha com os outros clãs…
— De que adianta? — insistiu Maud. — Estamos em guerra com os
ingleses, pelo amor de Deus. Por que ele iria querer, agora mesmo, atacar
seus vizinhos?
— Mulher, tem uns ódios que não são se esquecem assim, e muito
menos nessas terras, você já sabe. Quando o rio soa... Se dizem que o viram
à frente de suas tropas, atacando Meggernie, deve ser por algum motivo.
— Eu não me importo com fofoqueiros insignificantes — exclamou
Maud, indignada. — Um jovem tão bonito, com aquela bravura e
generosidade inatas que tem demonstrado para com a nossa família... Não
pode ter cometido todos esses delitos de que o acusam!
John olhou para sua esposa, levantando uma de suas sobrancelhas
ruivas.
— O que sua bela aparência tem a ver com o fato de ele ser ou não um
selvagem em escaramuças contra seus inimigos?
— Bem, sim, tem muito a ver com isso. Sei enxergar além da aparência
física das pessoas, e quando digo que alguém é bonito, quero dizer muito
mais do que um rostinho bonito. Ewan Campbell tem algo... não sei dizer o
quê, mas confio nele. E ele não pode ter cometido a barbaridade de que é
acusado.
— Você confia nele porque nos ofereceu um teto para morar e um
emprego para que possamos ganhar a vida — seu marido a recriminou.
Willow sentiu um aperto doloroso no peito, mas precisava perguntar. O
que dizia a carta que chegara às mãos de Niall condizia com o fato de que a
causa de seus infortúnios era o jovem Campbell, que decidira retomar
velhos ódios. Ela não sabia que o antigo laird, Duncan Campbell, odiava
tanto seu pai. Mas estava dentro do possível. E, infelizmente, nas Terras
Altas, o ódio era um dos legados que os pais deixavam aos filhos quando
morriam.
— Do que o laird Campbell é acusado, exatamente?
Sua voz era apenas um fio quebradiço, mas chamou a atenção de seus
interlocutores. A jovem Liese foi quem respondeu, com o tom marcado pelo
horror dos rumores sobre o ataque.
— Dizem que o laird queimou uma ala inteira do castelo e ordenou que
os prisioneiros que capturaram fossem mortos na frente de suas famílias e
do próprio filho do laird MacGregor. Aparentemente, ele estava
encarregado da segurança de seu povo e seria como um castigo a mais: ver
seus homens morrerem um a um, sem piedade, nas mãos de seus inimigos.
Não sei se é verdade, mas se for, foi realmente cruel.
— E então acabaram matando ele também? — Willow não reconheceu a
própria voz, impregnada da agonia que lhe inundava a alma.
— Assim dizem — refletiu Maud, sem perder um detalhe das várias
emoções que passavam pelo rosto do que ela pensava ser um menino. —
Mas eu não acredito nisso.
No final, uma lágrima escapou do olho de Willow e todos puderam ver,
apesar do fato de ela rapidamente enxugá-la com a manga da camisa.
— Sinto muito — se desculpou — tinha amigos entre os MacGregor.
Maud estudou aquele rosto imberbe e sujo com interesse. Aquele jovem
era muito mais do que aparentava, ela tinha certeza. E de alguma forma, a
aura especial que o envolvia finalmente conquistou seu coração. Se ele
tivesse escapado daquele ataque, se tivesse visto um de seus amigos morrer,
não era de admirar que estivesse tão perturbado. Sem perceber, o instinto
maternal que já era excessivo nela aumentou. Ela havia perdido um filho e
Will havia perdido tudo. Aquele menino com certeza viveu um inferno,
mesmo que estivesse escondendo isso agora, e só por isso iria ajudá-lo. Ela
tomaria aquele filhote sob sua proteção, decidiu, e não permitiria mais que
ele vagasse sozinho, sem proteção e sem família.
Ela olhou para seu marido John e não se surpreendeu ao ver que ele
também a observava. O enorme ruivo, a quem ela amava de todo o coração,
parecia ler sua mente. Ela o questionou com os olhos e nada mais foi
necessário. Estavam juntos há muito tempo e eram capazes de falar um com
o outro com o olhar. John assentiu com um suspiro e Maud sorriu antes de
se voltar para o menino.
— Escute, Will, estamos indo para Innis Chonnel, para trabalhar no
castelo do laird Campbell. Isso é o que eu quis dizer antes quando disse que
esse homem não pode ser tão mau. Nós o conhecemos há muito tempo,
quando ele era apenas um menino, e o levamos em uma noite de tempestade
em nossa humilde cabana. Ele não esqueceu, e agora que somos nós que
precisamos de sua ajuda, ele nos dá sem hesitação. Meu marido escreveu
algumas cartas implorando por um emprego e ele nos aceitou, insistindo
para que nos mudássemos para seu castelo para viver sob sua proteção. —
Pensou por dois segundos no que ia dizer a seguir e acrescentou: — Talvez
seja uma boa ideia você vir conosco, encontraria um lar lá.
Willow a olhou como se pensasse que ela estava completamente louca.
Achava que ela pediria um emprego ao laird dos Campbells? O bastardo
que, segundo rumores, havia saqueado sua casa, assassinado seus amigos e
torturado seu irmão Niall até a morte?
Ela abriu a boca para responder com raiva, mas a mulher a deteve com a
mão levantada.
— Espere, antes de falar qualquer coisa, pense bem, está bem?
— Mãe, não insista — Liese interveio. — Se é verdade que tinha
amigos entre os MacGregor, a última coisa que quer é estar ao lado de seu
assassino.
Essa frase acendeu uma chama muito perigosa no coração de Willow.
Ao lado de seu assassino.
Sim, era uma boa forma de se aproximar daquele filho de satanás e
poder vingar sua família. Ela nunca havia sentido aquela escuridão em sua
alma antes, mas ali, parada no meio de uma estrada que a levava a lugar
nenhum, Willow MacGregor decidiu que sua única saída era a vingança. O
que iria fazer com sua vida? Vagando pelo mundo sem rumo, sobrevivendo
da boa vontade das pessoas ou de seus próprios erros até que alguém a
resgatasse? Isso provavelmente não aconteceria tão cedo também, disse a si
mesmo, especialmente desde que Niall se foi...
Ela engoliu o nó na garganta.
Os St. Claire lhe ofereciam um futuro certo, algo em que se agarrar para
dar sentido a uma vida que naquele momento parecia sem valor. Poderia
conhecer seu inimigo, poderia descobrir suas fraquezas e guardaria essa
informação para quando pudesse se encontrar novamente com seu pai e seu
irmão Malcom. Então poderiam acabar com a vida do carrasco de Niall...
...se ela não fizer isso antes.
Seus olhos azuis se iluminaram com um brilho escuro e determinado
quando se ergueram para o rosto de Maud, que esperava sua resposta.
— Tudo bem, eu vou com vocês.
CAPÍTULO 6
Ewan Campbell estava furioso. Estava mastigando com força a carne assada
que serviram no jantar naquela noite enquanto se recriminava repetidamente
por suas ações. Estava ciente de que deveria ter levado as coisas com mais
calma. No entanto, o olhar angustiado de Agnes quando veio até ele
trespassou seu coração e não hesitou um segundo em banir o homem que
até aquela tarde havia sido seu melhor amigo, seu tenente, seu braço direito.
A serva acusou Melyon de violá-la, na frente de todo o clã. Isso
significava que era sua vez, como laird, de fazer justiça. Em qualquer outro
clã, com certeza, a violação de uma simples serva não teria sido denunciado
e com uma breve repreensão ao culpado o assunto estaria resolvido.
No entanto, em Innis Chonnel não.
Ao longo dos anos, o clã forjou sua própria cultura de proteção e
salvaguarda de todos os seus membros, fossem eles de sangue nobre ou
meros servos, como era o caso. Agnes foi até seu laird para punir o
violador, mas ele, dominado pela responsabilidade, não teve as prisões
necessárias. Santo Deus! Melyon tinha sido seu companheiro de
brincadeiras desde a infância! Teria que tê-lo capado, isso era o que um
bom líder teria feito. Mas suas emoções eram mais fortes do que sua
obrigação para com Agnes.
A menina, muito jovem, veio correndo e caiu a seus pés, com o rosto
machucado e o vestido em farrapos. Em meio às lágrimas, havia descrito a
barbaridade que seu amigo de infância havia cometido. Ninguém
questionou suas palavras, porque ninguém jamais poderia acreditar que o
choro era fingido. Havia muita tristeza, muita humilhação em suas
bochechas e dor em seus belos olhos verdes.
Melyon estava diante dele com a cabeça erguida, não mostrando um
pingo de arrependimento. Algumas das mulheres na sala o repreenderam
cruelmente: nenhuma violação poderia ficar impune, essa era a lei delas. E
Melyon teria que ser homem o suficiente para conter seus instintos mais
básicos. Afinal, apesar da cicatriz feia que percorria seu rosto do olho ao
queixo, ainda havia mulheres no castelo mais do que dispostas a satisfazer
seus desejos.
Por quê? Por que ele escolheu uma presa tão frágil como Agnes, qual
era o sentido?
Ewan tomou um longo gole de sua caneca de cerveja e lembrou-se mais
uma vez do olhar suplicante da jovem criada. Queria que acabasse com a
vida do homem que a havia maculado. Ela queria justiça extrema... Algo
que ele não poderia lhe conceder por causa de quem Melyon era. E sentiu-
se mal porque, se fosse qualquer outro homem, não hesitaria em aplicar o
maior castigo.
— Tem algo a dizer em sua defesa? — havia lhe perguntado, sabendo
que era em vão, que ele nunca confessaria ter feito tal coisa. A soberba
postura do queixo e a dureza do olhar, obscurecida pela sombra daquela
cicatriz, assim indicavam.
— Já me julgou e sentenciou — disse Melyon simplesmente.
Essas palavras cravaram em seu peito como garras afiadas, fazendo-o
hesitar. Um incômodo pigarro, vindo da garganta de um de seus
conselheiros mais antigos e sábios, alertou-o de que tal comportamento não
era condizente com um laird. E menos ainda, de um laird que estava por tão
pouco tempo no comando. Foi nesse primeiro momento que teve que
mostrar toda a sua autoridade, sem ceder um centímetro. Foram as piores
horas desde que sucedeu ao falecido pai; ele tinha que ser enérgico, aplicar
a lei, não importando quem fosse o culpado. Só então ganharia o respeito de
seu povo e a lealdade de todos os seus homens. Se mostrasse fraqueza, se
intercedesse por Melyon só porque tinha sido um de seus melhores amigos
até então, perderia muito mais do que a confiança de uma criada ultrajada.
E, apesar de tudo, não pôde ordenar um castigo à altura do seu crime.
— Vai deixar Innis Chonnel imediatamente — lhe disse. — A partir de
agora não é mais um Campbell, não será recebido ou ajudado por nenhuma
das famílias sob meus cuidados, e quem ousar ajudá-lo assim que sair
destas paredes será punido com o rigor que merece. Nunca poderá voltar. Se
algum dos meus guerreiros o vir vagando pelas margens do Awe, terão
minha aprovação para acabar com sua vida sem hesitação.
As palavras saíram de sua boca, mas não parecia sua voz. Os olhos
cinzentos de Melyon não deixaram os dele durante a conversa, ele manteve
o olhar até o fim. E quando seu laird terminou de falar, o homem fez uma
pequena reverência e se virou para deixar o salão, nem mesmo notando sua
vítima, que ainda estava ajoelhada perto dos pés do chefe do clã, soluçando
de dor.
Ewan suspirou com essa memória e empurrou seu prato com desgosto.
— Não se preocupe, fez a coisa certa — disse Lawler, um dos antigos
conselheiros, ao ver sua expressão.
— Exatamente — concordou Adair, o homem que pigarreou quando
mostrou o menor sinal de fraqueza. — Eu diria até que ficou aquém, mas
enfim...
— O clã entenderá — insistiu Lawler. — Afinal, Melyon era seu
tenente.
— É por isso que ele deveria ter sido muito mais duro! — Adair
exclamou, batendo na mesa enfurecido.
Ewan olhou para o velho. Sempre falava com ele com altivez, seus
olhos escuros cheios de algo muito próximo do desdém. Seu rosto,
desgastado por mil batalhas, estava enterrado sob uma espessa barba
branca, mas, apesar disso, percebia-se em cada um de seus gestos que ainda
não o respeitava como chefe. Ainda precisava obter a aprovação daqueles
dois conselheiros que haviam servido fielmente a seu pai no passado.
Lawler em particular tinha sido o braço direito de Duncan, o laird anterior, e
ele não estava disposto a renunciar a essa posição. Se ofereceu para guiá-lo
em cada passo do caminho como chefe do clã Campbell, e Ewan ficou
grato... a princípio. A cada dia que passava, o jovem percebia que não era
como o pai e queria tomar suas próprias decisões; mas tanto Lawler quanto
Adair tornavam as coisas difíceis para ele às vezes.
Tinha que começar a impor sua vontade a partir daquele momento, ou
pressentia que seria um covarde nas mãos daqueles dois velhos até que
passassem dessa vida para melhor. No entanto, antes que ele pudesse
respondê-los como toda a sua fúria interior reclamava, um dos servos se
aproximou da grande mesa trazendo uma mensagem.
— Senhor, os St. Claire aguardam para serem recebidos.
Ewan bufou, irritado. Eles não poderiam ter escolhido dia pior para
aparecer, não queria ser cordial com ninguém. Uma de suas criadas havia
sido violada sob seu próprio teto e ele, que tinha a obrigação de zelar por
sua segurança, não só não fora capaz de protegê-la de seu agressor, como
também não fizera justiça. A isso tinha que acrescentar que ele havia
perdido um de seus melhores amigos. Se sentia um fracassado, traído e
afundado. Seu humor não poderia estar mais sombrio.
— Mande-os entrar — ele sussurrou, antes de tomar outro grande gole
de sua cerveja.
— Não me agrada essa decisão que tomou, Ewan — Lawler retrucou
para ele. — Quem são essas pessoas, as conhece bem o suficiente para
aceitá-las no castelo?
— Eu conheço Melyon toda a minha vida e agora viu o que aconteceu
— o laird retrucou contundente. — Essas pessoas, como as chama, foram
caridosas comigo e me acolheram em sua humilde casa sem pedir nada em
troca. Compartilharam comigo sua comida e seu fogo, sem me perguntar
quem eu era ou de onde vinha. Eu estava perdido e eles me ajudaram, é o
mínimo que posso fazer para retribuir.
O velho franziu os lábios, ciente de que nada que dissesse o faria mudar
de ideia. O novo laird não se deixava influenciar tão facilmente como seu
antecessor, e isso não lhe agradava nem um pouco. Lawler governou o clã
através do chefe anterior, e ele não estava acostumado a ter seu conselho
rejeitado tão abertamente. Mas daria um jeito de levar o jovem laird para o
seu lado... Tudo voltaria a ser como antes, jurou a si mesmo, enquanto
observava aquele bando de necessitados entravam no salão para receber a
hospitalidade dos Campbell.
Ewan estava olhando para eles também. E sua surpresa foi enorme ao
perceber que a família que avançava pelo chão do salão era composta por
quatro membros ao invés dos três que conhecera anos antes. Além de sua
filha, cujo nome era Liese, se bem se lembrava, havia outro menino com
eles. Um jovem de cabelos escuros curtos e enormes olhos azuis que
olhavam horrorizados para tudo ao seu redor. O menino lhe deu uma
sensação estranha na boca do estômago e ele se mexeu desconfortavelmente
na cadeira. Era como se um dos duendes das lendas escocesas tivesse
invadido sua casa, dotado de uma aura de magia e inocência que conseguia
atrair seu olhar a contragosto.
No entanto, quando os recém-chegados pararam em frente à grande
mesa e aqueles olhos azuis encontraram os dele, os encontrou cheios de
veneno.
E isso também o incomodou.
O que faltava para aumentar seu mau humor naquele dia!
Willow parou com o resto de sua família diante da mesa onde jantavam
o laird e as pessoas mais importantes do castelo. Se encolheu ao sentir os
olhares que caíram sobre eles, avaliando-os, decidindo se os recém-
chegados eram ou não dignos de pertencer ao seu clã. Acima de tudo, lhe
doía os olhares dos dois velhos que a revisavam de alto a baixo sem
nenhum pudor. No entanto, não cabia a eles decidirem seu destino. O
homem que se sentava no primeiro lugar da grande mesa era o único que
detinha esse poder. Willow o observou com curiosidade não sem medo, mal
contendo as emoções que ameaçavam dominá-la.
Ali, jantando tranquilamente como se não fosse um assassino, estava o
homem mais imponente que ela já vira.
Sua envergadura atestava como seus músculos eram bem treinados,
possivelmente por cortar as cabeças de seus inimigos no campo de batalha,
Willow pensou com desgosto. Ele tinha um rosto atraente, reconhecia, com
uma mandíbula forte, um nariz reto e perfeito que era um sinal claro de que
nunca havia sido quebrado, e um olhar de aço nos olhos castanhos que
paralisaria qualquer um sem o uso de força bruta. Seus cabelos castanhos
caíam até os ombros, um tanto desgrenhados, e ele usava uma camisa
branca aberta em cima revelando a pele morena do pescoço. Sim, era um
homem muito viril e bonito, exatamente como Maud havia descrito. Com
certeza atrairia todos os olhares femininos na sala.
Mas ela só via um monstro.
Só foi capaz de apreciar a aura de escuridão que o envolvia, imaginando
sem esforço como seu braço poderoso balançaria a espada para acabar com
a vida de qualquer um que estivesse em seu caminho.
— Por que está olhando assim para mim? — Apesar de não ter
levantado a voz, as palavras de Ewan Campbell silenciaram todos os
murmúrios do salão. O silêncio pairou na sala, espesso e intimidador. —
Estou falando com você — acrescentou, erguendo os olhos para encontrar
os olhos azuis de Willow.
Maud e John se moveram para o lado dela ao ouvir o tom do laird.
— Ele é nosso filho, senhor — a mulher apontou, colocando um braço
em volta de seus ombros. — Ele é jovem e bastante impressionável. Não
era sua intenção aborrecê-lo.
— Não me lembro de terem nenhum filho. Lembro-me de Liese, mas
não dele — disse o laird, sem desviar os olhos da figura do menino.
— Bem… — John interveio — na verdade, nós o adotamos. Ele ficou
sem família e Maud não consentiu em deixá-lo à sua própria sorte. Se não
for pedir muito, gostaríamos que o colocasse sob a proteção do clã também.
Willow estava começando a ficar muito nervosa sob o escrutínio direto
do líder Campbell. Ela se agarrou mais a Maud, buscando seu apoio,
desejando que essa entrevista terminasse o mais rápido possível. Seu gesto
não passou despercebido pelo laird.
— São todos bem-vindos, John St. Claire. Gosto de tê-los aqui e saber
que posso retribuir o favor que me fez naquele dia, alguns anos atrás.
— Foi uma honra para nós, laird.
— Maud e Liese ajudarão na cozinha e em qualquer outra tarefa
doméstica que minha governanta, Jane, exija — explicou, indo direto ao
ponto. — John, você treinará com meus guerreiros e ajudará a consertar a
ala leste do castelo. O menino, enquanto continuar escondido atrás das saias
da mãe, vai limpar os chiqueiros e cuidar dos animais do curral.
John abriu a boca para protestar, mas o laird levantou a mão para
silenciá-lo.
— Decidirei quando ele estiver pronto para assumir responsabilidades
mais dignas de homens do que de meninos. Terá que se contentar com isso
por enquanto. Podem se retirar, Jane lhes servirá comida na cozinha.
Willow não poderia ter uma impressão pior daquele homem. Era um
verdadeiro rude! Ela, em casa, nunca teria tratado assim os recém-chegados
depois de uma longa viagem, mesmo que fossem para o serviço. Ele
ignorou qualquer tipo de cortesia, não perguntou nada a eles, não os
apresentaram aos demais presentes. Sua carranca intimidadora e o tom
brusco de sua voz os convidavam a sair correndo daquela sala, em vez de
fazê-los se sentirem bem-vindos e desejados dentro daqueles muros.
Willow ansiava com dor esmagadora pelo abrigo de sua família e de
todo o seu povo. Sentia falta de Marie, sua querida Marie, e imaginava
como a consolaria se ainda estivesse ao seu lado.
— Rapaz, você é surdo?— A voz do laird, rouca e desagradável, a tirou
de seu devaneio. O homem estava a olhando como se sua presença fosse
algo que ele não pudesse suportar. — Eu ordenei que se retirasse, vá com
sua família.
Willow piscou e olhou ao redor, percebendo que Maud, John e Liese
estavam quase na porta do corredor, enquanto ela estava lá olhando
boquiaberta no meio, sob o olhar vigilante e impiedoso do laird.
— Senhor — sussurrou, dando um breve aceno antes de sair correndo
com os outros.
Ewan o viu desaparecer e levou alguns minutos para tirar os olhos da
porta pela qual havia saído. O que diabos aconteceu com ele? O que havia
naquele garoto que o incendiava daquele jeito? Observá-lo escondido atrás
das saias de Maud revirou seu estômago.
— Eu me encarregarei de fazer de você um homem — sibilou para si
mesmo, não querendo investigar mais os sentimentos que o assaltaram ao
contemplar aqueles enormes olhos azuis naquele rosto de duende.
Quando o café da manhã foi servido na manhã seguinte, Willow sentiu falta
das rações improvisadas que Maud distribuía a cada amanhecer. Os frutos
silvestres, o seu pedaço de queijo e o pãozinho que comiam que, embora
um pouco duro, tinha um sabor divino. Mexeu com sua colher de madeira o
tristes mingau de seu prato e teve que conter uma careta de asco; jamais
havia gostado.
— Por que não coloca um pouco de mel? — propôs um dos servos que
estava sentado na frente dela.
— Agnes, sabe que não podemos desperdiçar assim — Jane, a
governanta a repreendeu.
— Uma colher de nada não vão notar — implorou a jovem, olhando
para a mulher com os olhos arregalados.
Willow não gostou da garota intercedendo por ela. Não queria causar
problemas a ninguém, especialmente por causa de um mingau miserável. E
aquela garota já parecia estar com problemas suficientes, a julgar pelos
arranhões em seu rosto. Será que brigou com alguém?
— Eu não preciso de mel, obrigado. Eu vou comê-lo assim.
— Vamos — a jovem estendeu a mão por cima da mesa e colocou-a
sobre a dela — te dou a minha parte, é o mínimo que podemos fazer para
que se sinta bem-vindo.
Liese olhou para a mulher atrevida. Willow também estava
desconfortável, isso era extremamente gentil.
— Seu nome é Agnes, certo? — Liese lhe disse firmemente. — Will não
quer seu mel, entendeu?
— Isso é ele quem decide, não acha?
Era evidente que uma animosidade imediata havia surgido entre as duas
jovens. Willow se mexeu na cadeira e afastou a mão com delicadeza.
Percebeu que Liese a olhava com olhos sonhadores desde que se
conheceram, e parecia que Agnes estava no mesmo caminho. Que encanto
masculino ela poderia ter, sendo tão pequena e, nas palavras do próprio
Laird Campbell, um covarde que se escondia atrás das saias da mãe?
Felizmente, assim que a vissem enlameada com excrementos de porco,
aquelas duas iriam superar suas tolices de uma vez.
— Não preciso de mel, obrigado — ela finalmente encerrou, enfiando
uma colher grande na boca que quase a fez vomitar.
John riu enquanto terminava seu café da manhã e se levantava da mesa.
— Venha, Will, termine esse mingau e vamos lá fora. Deixemos as
mulheres com suas disputas femininas, temos muito trabalho pela frente.
Willow engoliu mais três colheres e correu atrás do homenzarrão,
aliviada por ter saído da cozinha. As pessoas não eram amigáveis, exceto
pela enjoativa Agnes; tal como na tarde anterior, quando chegaram à
fortaleza, ninguém se apresentou e poucos se interessaram pelos recém-
chegados. A hospitalidade era notável por sua ausência, e o único gesto
amigável que tiveram com ela levou a uma discussão com Liese.
E o dia tinha apenas começado.
Caminhou com John em direção aos chiqueiros, vestindo o casaco
grande de lã que Maud lhe emprestara. Ali nas terras altas as temperaturas
não costumavam ser boas para os seus habitantes e aquele dia não foi
exceção. Sua respiração se transformava em vapor quando ela respirava, e
estava a um passo de bater os dentes. Rezou para poder segurar sua
mandíbula na frente dos homens do laird, porque se já achassem Will
medroso só pela sua aparência, não queria nem pensar no que diriam se o
vissem tremendo de frio como um triste pássaro no meio de uma nevada.
— Bom dia, senhores — o rapaz que cuidava dos animais os
cumprimentou, assim que cruzaram a cerca de madeira dos chiqueiros.
Era um rapaz um pouco mais velho que Willow, com cabelos ruivos e
rosto sardento. Suas bochechas estavam sujas e seu cabelo curto estava
bagunçado, o que ela achou muito divertido, embora se abstivesse de
demonstrá-lo.
— Bom dia, garoto. Meu nome é John St. Claire e este é meu filho Will.
O laird quer que meu filho ajude no chiqueiro e com os animais do curral,
pode mostrar a ele o que fazer?
— Claro. É sempre apreciado quando alguém lhe dá uma mão — seu
sorriso revelava um buraco nos dentes, o que tornava sua imagem ainda
mais cômica. — Meu nome é Donald e vou lhe contar todos os segredos
desse divertido ofício.
Willow gostou dele desde o início. Era a pessoa mais gentil que haviam
encontrado desde sua chegada. O menino lhe explicou como era o trabalho
diário com os animais. Se encarregavam de alimentar os porcos, as quatro
vacas que tinham e as aves; tinham que encher os cochos, recolher os ovos
das galinhas e ordenhar as vacas. Tenham que manter a área o mais limpa
possível, então Donald a ensinou a remover os excrementos sem se sujar
muito, o que Willow apreciou. Foi uma manhã exaustiva, cheia de novas e
desagradáveis experiências. Quando os sinos da capela marcaram o meio-
dia, suas mãos estavam rachadas, seu estômago embrulhado e cada músculo
de seu corpo doía. Agora percebia como sempre fora protegida e mimada
em casa... Nunca na vida trabalhara tanto!
— Parece cansado, Will — Donald lhe disse em um determinado
momento — talvez devesse descansar um pouco.
— Não — respondeu ela, fingindo a voz. — Estou bem.
O servo estalou a língua e balançou a cabeça. Willow estava suada e seu
rosto corado pelo esforço. Seus olhos azuis se destacavam grandes e
brilhantes em seu rosto sujo, dando a impressão de que imploravam por
uma pausa.
— Enfim, vamos parar um pouco. Venha comigo.
Saíram do curral e se dirigiram às cozinhas. Willow seguiu atrás de seu
novo amigo, admirando suas costas esbeltas, mas pelo que ela tinha visto
durante toda a manhã, muito mais forte do que parecia. Imaginou que o
laird tinha aquele menino cuidando de seus animais pelo mesmo motivo que
ela: o via como fraco, ainda não o considerava um homem de verdade para
treinar com seus guerreiros. E ela sentia pena de Donald, embora ele não
tivesse mostrado que não gostava de sua tarefa.
— Espere aqui — lhe disse o ruivo, junto à porta traseira do edifício
principal, que dava diretamente para a cozinha.
Ela obedeceu. Saboreou aquele minuto de paz e ergueu o rosto para o
céu, absorvendo a luz do sol que brilhava forte naquele dia e lhe dando uma
folga da garoa que vinha caindo, intermitentemente, nos dias anteriores.
— Corra, corra, corra!
Os gritos de Donald a assustaram antes que o rapaz saísse da cozinha,
indo para as muralhas. Ela o seguiu sem pensar; atrás dele, ouviu as vozes
da grandona encarregada do fogão, amaldiçoando e insultando o jovem com
todas as suas forças. Pararam em um portão de madeira, sem fôlego, e
Donald lhe mostrou o que havia roubado: um pedaço de pão, um pouco de
queijo e duas maçãs.
— Aquela bruxa odeia quando mexemos na despensa, mas às vezes ela
está distraída e eu pego alguma iguaria no meio da manhã. Vamos, vamos
comer no meu lugar especial.
Willow esboçou algo parecido com um sorriso com o entusiasmo de seu
amigo. A verdade é que ficou com água na boca ao ver a comida e não
sentiu remorso pela travessura. Donald abriu o portão de madeira e deixou
uma pedra no lugar para que não fechasse. Da face externa da parede,
cobriu a abertura com um pouco de galhos secos e escondeu a entrada como
havia sido ensinado a fazer desde a infância. Não fazia sentido viver em
uma fortaleza se seus acessos secretos eram tão facilmente descobertos.
Caminharam até a margem do lago e em um canto, abrigados por duas
enormes rochas, sentaram-se para devorar a comida. Willow estava feliz por
estar fazendo uma pausa. Brincando com Donald, ouvindo suas anedotas no
chiqueiro, esqueceu-se por um momento de seus problemas e notou uma
serenidade em sua mente que há muito não sentia.
Ewan Campbell passou muito tempo olhando pela janela para as idas e
vindas daquele menino franzino nos chiqueiros e no curral. Cerrou os
dentes ao perceber que aquela criatura mal conseguia carregar o balde de
água para dar de beber aos animais. Não era bom, mesmo para uma tarefa
tão simples? De sua posição no topo da torre, não conseguia distinguir o
azul dos olhos no rosto daquele duende, mas, para sua total perplexidade, se
lembrava claramente. Não entendia por que se sentia tão atraído por ele, por
que não parava de espionar seus movimentos e lamentar que fosse um
menino tão covarde. Quando aceitou John e sua família, nunca imaginou
que teria que lidar com um mequetrefe que dava pena de olhar. Até Donald,
que era o menor de seus homens, parecia um gigante perto dele. Bem,
talvez isso fosse exagero, mas Ewan certamente não estava feliz com esta
aquisição.
Ao vê-los dirigirem-se para a cozinha, ficou atónito ao ver como o
jovem ergueu o rosto à procura do sol da manhã. E então, quando fugiram
das vassouras da cozinheira, o laird se convenceu de que o menino devia ser
um pouco afeminado. Cerrou os punhos ao vê-los passar pela porta secreta,
mas não porque se ressentisse de ter roubado um pão ou procurasse um
momento de liberdade fora dos muros. Não... não foi isso.
Em Innis Chonnel, eles nunca haviam dado abrigo a um maricas.
E ele não permitiria que nenhum homem sob seu comando exibisse
essas inclinações tão doentias e tão desaprovadas entre seu povo. Se seu pai
ainda estivesse vivo, suas entranhas se agitariam com a mera presença de tal
criatura.
Ewan fechou os olhos com a memória de seu pai. Como toda vez que
pensava nele, sentimentos confusos o assaltavam. Admirava o líder que
fora, que soubera conduzir o clã com mão firme e o tornara perigoso aos
olhos de seus inimigos. Os Campbell construíram uma reputação feroz
graças ao pai, e não havia brecha em sua segurança. Todos os homens sob
seu comando tinham que cumprir os estritos requisitos de seu laird, e o
pobre-diabo que não o fizesse era simplesmente expulso do castelo.
Sim, não havia dúvida. Duncan Campbell nunca teria aceitado o filho de
John St. Claire em sua casa. Ele o teria chutado para fora de lá assim que o
visse...
E essa era a parte que ele mais odiava em seu pai.
Não importava se colocavam uma criança ou um homem adulto na
frente dele; para ele eram todos iguais. Ou melhor, todos deviam ser igual.
Ele não fazia nenhum tipo de distinção na hora de treinar guerreiros, era
implacável. Ewan deixou escapar o ar com as imagens que o invadiram ao
se lembrar daquela parte de sua infância. Seu pai foi implacável ao criá-lo,
pois ele estava destinado a sucedê-lo um dia, e Duncan queria ter certeza de
deixar o clã nas melhores mãos.
As mãos mais fortes.
Não importava que sua mãe, a bela Cait, implorasse chorando quando
ele o treinava com a mesma grosseria do mais experiente de seus soldados.
— Pelo amor de Deus, Duncan! — a ouvia dizer, quando seus braços
não conseguiam mais segurar a espada, quando suas pernas mal o
sustentavam. — Ele é apenas uma criança...
— E isso é desculpa para mostrar sua fraqueza na frente de todos? Em
Innis Chonnel não há lugar para os fracos... E te garanto que o meu filho
não será.
Ewan abriu os olhos para emergir daquele passado que já parecia
distante no tempo. Tinha sido difícil, sim, mas graças a ele adquirira uma
habilidade e uma força admiradas por todos os homens que comandava.
Tinha sua lealdade... e também ganhou o respeito de seus inimigos, que
mostravam admiração cada vez que tentavam lutar contra ele. Esse foi o
legado que Duncan Campbell lhe deixou após sua morte. Para o bem ou
para o mal, era quem era graças ao pai e planejava honrá-lo como ele
merecia.
Olhou para fora mais uma vez, procurando a figura lamentável do filho
de John com determinação renovada. Se tivesse que ver pessoalmente que o
menino se tornasse um homem, como exigia a tradição dos Campbell, ele o
faria sem hesitar.
Mais tarde, no jantar, Ewan precisou de toda a força de vontade para não
desviar o olhar para o canto da mesa onde John e sua família haviam se
acomodado. O menino responsável por seus problemas ajudou a servir as
enormes bandejas com a carne enquanto sua irmã Liese servia o vinho nas
taças dos comensais. Depois, os dois tomaram seus lugares, junto com os
outros servos. No entanto, para o laird não passou despercebido os gestos
do menino. Era todo delicado, quase poderia rivalizar com qualquer uma
das donzelas do castelo pela suavidade com que se movia de um lado do
salão para o outro, e isso até tirou sua fome.
— Meu senhor, tudo bem? — perguntou Agnes, enquanto removia uma
das travessas vazias para substituí-la por outra cheia com os melhores
pedaços para o laird.
— Sim, garoto, não está muito falador hoje — o velho Lawler apontou,
como sempre, sentado ao lado dele.
Odiava que o chamasse de garoto. Ele era o chefe do clã, pelo amor de
Deus. Mas naquele momento o que mais o incomodava era que haviam
notado o mau humor que o dominava.
— Não é nada — se desculpou. — Acho que ainda estou afetado pela
traição de Melyon. Não é todo dia que perdemos um bom guerreiro... e um
bom amigo.
E ele quis dizer isso. Era uma desculpa para camuflar a estranha onda de
emoções que o sacudia toda vez que os olhos azuis daquele medroso
cruzavam seu caminho, mas isso não tornava suas palavras inverídicas.
Arrependia-se de ter perdido o tenente, doía terrivelmente ter de expulsá-lo
de casa daquele jeito. No entanto, quando Agnes abaixou a cabeça
mortificada com a menção de seu ex-amigo, sabia que não poderia ter feito
de outra forma.
— Sempre encontrará homens de valor em nossas fileiras. Melyon não
era insubstituível.
A falta de tato de Lawler enervou o jovem laird, que se levantou com
um estrondo, deixando todos sem palavras com sua brusquidão.
— Continuem, por favor — ele os impeliu de mal humor — não estou
com fome.
Dizendo isso, ele saiu do salão a passos largos.
Willow o seguiu com o canto do olho. Claro, o chefe era muito rude.
Havia saído sem terminar o jantar, dispensando todos que tentavam agradá-
lo. Claro, o que se poderia esperar de um monstro como ele? Ela engoliu
em seco ao sentir o nó que se formou em sua garganta ao pensar em Niall,
no inferno que deve ter passado nas mãos daquele laird cruel. Se seu irmão
tivesse morrido por causa dele, o faria pagar, embora ainda não soubesse
como.
Primeiro, tinha que descobrir o que realmente havia acontecido, rumores
espalhados pelos velhos fofoqueiros nas aldeias não eram suficientes.
Esteve naquele lugar por um dia inteiro e não fez nada além de trabalhar e
trabalhar, então não teve chance de investigar. Talvez Donald pudesse
confirmar suas suspeitas e explicar por que o Campbell havia empreendido
uma vingança que, não poderia ser de outra forma, seu pai havia
arquitetado. Embora duvidasse. Pelo pouco que conhecera Donald em suas
horas juntos, ela deduziu que ele era um rapaz despreocupado, que vivia
para os animais e não estava interessado em se meter em encrenca. Ele não
iria soltar a língua com ela assim.
Então havia Agnes. A moça foi a única no serviço que demonstrou
interesse por ele. Embora a verdade é que esse interesse lhe deu uma
sensação muito ruim. Olhava para ela com olhos de ovelha e piscava
demais. E suspirava. Muito. Willow não podia sustentar o olhar dela quando
suspirava inchando o peito de maneira tão exagerada. Além disso, toda vez
que ela fazia isso, Liese ficava muito nervosa. A última coisa que Willow
queria era provocar uma guerra entre essas duas jovens que brigavam por
sua atenção. Não, melhor não chegar perto de Agnes, decidiu.
Enquanto meditava, ouviu as risadas dos guerreiros que jantavam do
outro lado do salão. Se virou para eles e os observou conversando,
brincando e se gabando de suas realizações no campo de batalha. Willow
estreitou os olhos. Sim, certamente não tinham nenhum problema em se
gabar dos ataques que realizavam contra seus inimigos. Ali tinha a fonte de
onde obteria suas informações, mas, claro, para isso tinha que se tornar um
desse grupo. Não iriam dizer nada a um garoto insignificante encarregado
dos porcos e galinhas. Tinha que ganhar o respeito deles, não importava o
quanto lhe custasse.
O problema era que não tinha a menor ideia de como fazer isso.
— Não se preocupe — John a acalmou ao ver o que olhava com tanto
anseio — em breve eu e você dividiremos uma mesa com todos eles.
Willow se virou para ele, os olhos brilhando de impaciência.
— Pode me treinar amanhã, quando eu terminar minhas tarefas no
chiqueiro?
John pareceu surpreso com o pedido dela.
— Mas... o laird disse que até que ele achasse adequado, não poderia se
juntar aos outros homens para treinar.
— Eu não disse que quero me juntar ao resto — Willow esclareceu,
baixando a voz. — Campbell não precisa saber, vamos treinar
separadamente.
— Eu acho que não é sábio desafiar uma ordem do laird assim — Maud
opinou, carrancuda para seu jovem filho adotivo.
A última coisa que queria era que o chefe do clã não gostasse de Will. Já
tinha uma opinião muito ruim dele quando o conheceu, não deveriam tentar
a sorte.
John olhou para o jovem e acariciou sua barba ruiva pensativamente.
— Entendo sua vontade de entrar em ação, rapaz. Talvez possamos
começar a construir esses músculos pouco a pouco, de modo que a próxima
vez que o laird notar você, te veja de forma diferente.
Willow agradeceu o comentário com um leve sorriso, já que ela ainda
não conseguia aquele gesto com naturalidade. Maud, no entanto, estalou a
língua em desgosto.
— Não me agrada, John, ainda não está pronto.
— Bah, mulher, besteira! Se dependesse de você, o protegeria entre suas
saias até que crescessem pelos em seu rosto.
— Não é isso... Por São Mungo, espero que tome cuidado. Temo a
reação do laird se descobrir vocês.
— Você e seus santos. Não se preocupe, faremos no nosso tempo livre,
ninguém poderá nos repreender por nada.
O grandalhão piscou para Willow e ela sentiu seus lábios se contraírem
em outra tentativa de sorriso que não deu certo. Quando iria rir de novo?
Bebeu de sua taça de vinho para engolir o nó que se formou em sua
garganta, como toda vez que se lembrava do motivo de ter chegado ao covil
de seus inimigos.
Vingança.
Por seu irmão, por Marie, por Errol... e por todos aqueles que ficaram lá,
em Meggernie.
Ela riria de novo quando visse o chefe Campbell de joelhos no chão,
implorando por sua vida, disse a si mesma.
Ela riria de novo quando levasse a cabeça daquele assassino em uma
bandeja para seu pai.
CAPÍTULO 10
O jovem Donald nunca tinha visto ninguém trabalhar tanto. Seu novo
colega de trabalho era um menino franzino, mas com uma vontade de ferro.
O observava ir de um lugar para outro, recolhendo os excrementos dos
animais como se sua vida dependesse disso.
— O que está acontecendo com você? — ele perguntou, exibindo seu
sorriso esburacado.
— Nada, é que hoje preciso terminar logo.
— Tem um encontro? — zombou. — Alguma das donzelas do castelo já
caiu em suas redes? Que sorte você tem, malandro! Esses olhos azuis com
certeza as deixaram loucas...
Willow parou suas tarefas para olhar para ele com espanto.
— Não é nada disso! — protestou, chocada. Não percebeu que era um
comentário muito típico entre os homens.
— Ah, não? Bem, olhe, se alguém se aproximar de você e não estiver
interessado, mande-a para mim, e eu a consolarei... — Donald riu e Willow
corou, muito ciente do tipo de consolo que seu amigo estava falando.
— É só que... tenho coisas para fazer — refletiu. Tarde demais, ela
percebeu que teria sido melhor seguir com o assunto e deixá-lo pensar que
era um encontro romântico. Treinar com John era para ser um segredo.
O ruivo levantou as mãos em sinal de rendição.
— Bem, bem, não fique assim. Se não quiser falar sobre isso, não serei
eu quem vai cavar para descobrir seus segredos. Já vai perceber, é muito
melhor não interferir na vida dos outros. Se vive mais tranquilo...
Logo Donald se afastou com os dois baldes de água que carregava para
encher os bebedouros. Willow o observou com uma sensação de alívio no
peito: ela não teria problemas com ele. Pelo menos era assim que queria.
Trabalhou o máximo que pôde para terminar todas as tarefas e, na hora
do almoço, considerou que seus deveres estavam feitos. Apesar do fato de
que estava sobrecarregada pela exaustão de trabalhar desde o amanhecer,
correu como uma lebre para o campo de armas onde os homens do laird
treinavam. Uma vez lá, se agachou em um canto para espionar seus
movimentos e ficar de olho em John, a quem interceptaria assim que o
exercício terminasse.
Seu olhar percorreu o grupo de guerreiros que agora simulavam
combate dois a dois, erguendo suas enormes espadas bem acima de suas
cabeças e se protegendo com os escudos de madeira que carregavam na
outra mão. Tinha que admitir que todos eram incríveis. Seus ombros largos
e braços musculosos traíam o duro treinamento a que se submetiam. Seus
olhos se detiveram na figura do laird, que lutava como um deles.
Não... como mais um, não.
Willow viu que seus golpes eram mais fortes que os demais e seu rosto
tinha uma expressão feroz, como se a luta que travava fosse realmente até a
morte. Colocava sua alma em cada estocada e, após algumas trocas,
conseguiu desequilibrar o oponente, que acabou caído no chão com o fio da
lâmina encostado no pescoço. Ewan Campbell olhou para o homem e
assentiu, satisfeito com o resultado. Então estendeu a mão e o ajudou a se
levantar.
Esse gesto intrigou Willow.
Um assassino implacável como ele teria chutado o corpo de seu
adversário em vez de oferecer sua mão. Claro, aquele guerreiro não era um
inimigo real, era apenas um treinamento.
Sem querer, a jovem se viu admirando o comportamento arrogante do
senhor dos Campbell. Ele era atraente, embora o fascínio que uma mulher
pudesse sentir diante dele fosse o mesmo que sentiria diante de um dos
belos anjos caídos que serviam a Satanás. Seus encantos masculinos eram
sombrios, sedutores e perigosos. Willow estremeceu só de pensar que um
homem como aquele poderia se aproximar dela... Felizmente, aos olhos
dele, ela não passava de um jovenzinho fracote. Como as mulheres faziam
para suportar as carícias daquelas mãos enormes? Como poderiam respirar
presas em um de seus abraços? Sem dúvida, o laird era capaz de esmagá-las
contra o peito largo e cheio de cicatrizes...
— O que está fazendo escondido aí, Will?
A voz de Maud a trouxe de volta à realidade. Mas, infelizmente,
também a expôs, porque a mulher falou alto o suficiente para que alguns
dos guerreiros a ouvissem; entre eles, o temível laird.
Willow queria que a terra a engolisse. Os olhos castanhos do líder
Campbell a perfuraram, deixando-a congelada no lugar. Não conseguia tirar
os olhos do rosto furioso daquele anjo do inferno, convencida de que ele
conseguiria alcançá-la em dois passos e agarrá-la pelo pescoço para exigir
uma explicação. Ela não deveria estar ali, ele já havia deixado claro no dia
de sua chegada.
— Will, filho, vamos. — John se aproximou e agarrou o braço do filho
para afastá-lo o mais rápido possível do pátio de treinamento.
Maud se encarregou de desculpar seu comportamento, mais uma vez.
— Não era sua intenção perturbar, meu senhor, ele é apenas um menino
curioso querendo se tornar um homem o mais rápido possível.
Ewan não disse nada. Apenas grunhiu antes de se virar e desaparecer
pela porta do edifício principal. Maud olhou para o céu e rezou para que o
homem fosse paciente com seu Will. No pouco tempo que estiveram com
ele percebeu que não era um menino como os outros. E, para o bem dele,
esperava que a tolice logo passasse e amadurecesse de uma vez por todas,
ou ele nunca mais sairia do chiqueiro...
Não podia com a espada. Willow cerrou os dentes e tentou mais uma
vez, mas o aço não se levantou mais de um metro do chão.
— Talvez minha arma seja grande demais para você — John comentou.
— Ainda tem que desenvolver a musculatura.
A jovem bufou de decepção, jamais teria os braços de um guerreiro. Isso
significava que não poderia enfrentar nenhum deles para que a aceitassem
em seu grupo? Não, se recusou a acreditar nisso. Tinha que haver uma
maneira, tinha que se esgueirar entre eles para conseguir a informação que
procurava. Queria ter certeza de que o laird era o assassino de seu irmão, e
como ninguém nesta fortaleza comentaria sobre o ataque a Meggernie, não
tinha escolha a não ser indagar.
Apertou os lábios em uma careta determinada. Respirou fundo e tentou
novamente. Desta vez, acertou a espada no escudo que John estava
segurando, mas o grandalhão nem se mexeu com o golpe.
— Bem, não desanime, já é alguma coisa. Tente outra vez.
Seu pai adotivo certamente tinha muita paciência, reconheceu Willow.
Haviam se retirado para uma área atrás dos chiqueiros, onde era improvável
que alguém os descobrisse treinando. Ali, o cheiro forte dos animais do
curral afugentava os curiosos. O sol já descia no horizonte e uma brisa
gelada anunciava que a noite se aproximava. John instou seu jovem
protegido a tentar de novo e de novo, até que depois de muitos golpes
fracassados, Willow finalmente atingiu o escudo com força e precisão.
— Bom! Muito bom garoto. — O homem olhou para seu discípulo e
percebeu que ele estava a um passo de desmaiar. — Vamos deixar por hoje,
é melhor acabar com a sensação de triunfo. Amanhã tentarei conseguir uma
espada menor, tenho certeza de que você será melhor nisso.
Willow queria protestar. O que para John foi um triunfo foi para ela um
passo muito lento em seu caminho. Mas a verdade é que seus braços
estavam pegando fogo e seus pulmões queimando. O suor escorria por suas
costas, encharcando sua camisa, e seu rosto estava quente. Precisava de um
respiro.
— Está bem. Obrigado pelo seu tempo, John, eu te agradeço por isso.
O homem lhe deu um tapinha carinhoso nas costas e foi para o salão.
Não queria perder o jantar que estava para ser servido.
Willow caiu no chão, exausta. Por um momento, cedeu ao desânimo:
não podia. Nunca empunharia uma daquelas enormes espadas como faziam
os guerreiros Campbell; era fisicamente impossível. Ela sentiu as lágrimas
ameaçarem vazar de seus olhos e os esfregou violentamente. Não ia chorar.
Levantou-se, entorpecida e suada, sonhando com uma banheira cheia de
água quente, algo que no passado pudera desfrutar à vontade, mas na
condição atual estava longe de conseguir. Não se lavava há dias e podia
sentir a sujeira grudada em seu corpo como uma segunda pele. Olhou para o
muro alto, visualizando o lago do outro lado. E se...? Era uma loucura, a
água estaria congelada, mas sentia que precisava dela com urgência.
E não pensou nas consequências.
Três dias depois, Ewan acordou mais uma vez com a imagem do menino na
cabeça.
Na verdade, aquela visão de Will se vestindo à beira do lago, com
cabelos castanhos molhados e enormes olhos azuis, mortificava-o a cada
momento. O laird se perguntou uma e outra vez se o castigo aplicado tinha
sido justo, já que o patife não conhecia seus costumes e não podia saber que
sair escondido do castelo no meio da noite e deixar um portão aberto era um
crime. Mas não se arrependeu, pois, por mais duro que parecesse, estava
convencido de que ele aprenderia a lição.
Apesar de tudo, não pudera evitar descer à masmorra, na mesma noite
do seu confinamento, para lhe deixar uma das suas peles mais quentes.
Encontrou-o dormindo, encolhido no chão, e precisou de toda a sua força de
vontade para não tirá-lo dali e devolvê-lo ao aconchego de sua cabana,
junto com sua família. Naquele momento, teve um vislumbre da fraqueza
que Will despertava nele, e não gostou. É por isso que o deixou lá; e por
isso, três dias depois, ainda não havia obtido a liberdade.
Isso não significava que não pensava nele. Constantemente. O que ele
iria fazer com aquele menino?
John havia confessado que queria treinar com os homens, que ele
mesmo o estava ensinando a usar a espada. Ewan não achava que Will
estava pronto para isso ainda. Seu corpo era fraco, sua aparência indefesa
tornando-o um alvo fácil. Aquele ar de inocência que o rodeava, o mesmo
que o fascinara desde o início, confundindo-o com uma criatura de fábulas,
tornava-o incapaz de se tornar um guerreiro temível.
No entanto, em deferência a John e sua família, que uma vez o ajudaram
abnegadamente e que agora havia deixado tudo para se juntar a seu clã, ele
estava determinado a transformar o miserável que adotaram em um homem.
Porque esse menino de repente era tão importante para ele e o obcecava
era um mistério. E não queria se aprofundar nas estranhas sensações que o
assolavam quando sua imagem voltava insistentemente à sua cabeça...
Nunca tivera ninguém assim sob sua responsabilidade, era isso. Era a
novidade, a compaixão por essa frágil criatura que o perturbava, disse a si
mesmo.
Naquele dia acordou determinado a acabar com o castigo. Ele se vestiu
rapidamente, mas antes que pudesse prosseguir para a masmorra, um de
seus conselheiros o interceptou no grande salão.
— Laird, chegou uma mensagem para você.
O velho Adair estendeu o pergaminho para ele ler. Pelo sua expressão,
Ewan estava convencido de que já estava ciente de seu conteúdo. Com um
suspiro resignado, o desenrolou e estudou a breve nota, anunciando a visita
do laird do clã vizinho, James MacNab, em alguns dias.
— Sabemos o motivo que o traz a Innis Chonnel? — perguntou.
— Posso intuir, mas não tenho certeza.
— O ataque aos MacGregor?
O velho Adair assentiu, continuando a observar a expressão de seu
senhor. Felizmente, Ewan havia aprendido a esconder muito bem suas
emoções e não demonstrou o que realmente pensava da visita.
— Devo mandar que preparem tudo para quando chegarem?
— Sim. MacNab será tratado com a hospitalidade que merece.
Afastou-se sem dar maiores explicações e o conselheiro ficou com
dúvidas sobre a natureza daquela hospitalidade. O caráter fechado daquele
rapaz às vezes exasperava o velho Adair, mas ele não tinha escolha a não
ser aturar isso. Sem dúvida, não era como seu antecessor, mas isso não
significava que não pudesse conquistá-lo para voltar a ser ele, por meio de
seus conselhos, aquele que governava o clã Campbell como sempre fez.
Assim que desceu os degraus que davam acesso às masmorras, Ewan
notou que a temperatura havia caído vários graus. Ele foi até a porta da cela
onde havia colocado Will três dias atrás e pediu ao guarda para abri-la.
— O prisioneiro teve problemas?
— Não, senhor. No primeiro dia protestou um pouco, mas desde então
ficou quieto o tempo todo.
Suas palavras deixaram Ewan desconfortável. Entrou naquele cubículo
que, pela primeira vez, percebeu que fedia, e procurou nas sombras até
encontrar o corpo do menino. Estava deitado no chão, mas levantou-se
assim que viu alguém o olhando da porta.
— Você aprendeu a lição? — o laird estalou, incapaz de ver as feições
de Will na escuridão.
— Que lição? — ousou perguntar. Sua voz estava cansada e rouca pelo
desuso.
— Rapaz você é cabeça dura ou o quê?
Willow não respondeu. Não precisava, não é? O laird já havia formado
sua opinião, nada que dissesse poderia mudá-la.
— Diga-me que não vai colocar meu povo em perigo de novo — ele
perguntou, lhe apontando o dedo.
— Nunca foi minha intenção fazer tal coisa — sussurrou, sem prometer
nada para o futuro.
— Bom. — Ewan parecia satisfeito com essa afirmação. — Acredito em
você. É tão inconsciente que não podia saber o quão grave é deixar o portão
aberto no meio da noite — disse isso como se realmente pensasse que Will
era estúpido desde o nascimento. — Mas eu vou consertar isso. De agora
em diante, está sob minha responsabilidade. Vou ensiná-lo a se comportar
como um verdadeiro Campbell e a pensar como um. Eu realmente gosto de
John, mas não acho que ele seja uma boa influência para você... Ele é muito
mole com você. Nunca aprenderá assim.
As palavras do laird gelaram o sangue em suas veias. Willow ficou
tentada a gritar que preferia ficar trancada naquela masmorra fedorenta a se
tornar seu "protegido".
— Você não diz nada?
— O que eu poderia dizer, laird?
Ewan bufou, exasperado. Estava cada vez mais convencido de que o
menino não tinha jeito, mas não podia fazer outra coisa. Tornou-se uma
verdadeira obsessão para ele, tinha que transformá-lo em um homem. Um
que não se distinguisse dos demais, que passasse despercebido no grupo de
guerreiros, para ver se conseguia parar de pensar naqueles olhos azuis que o
atormentavam todas as noites.
Quando Maud a viu aparecer, ela ofegou de alívio. Ela a pegou em seus
braços e a apertou com tanta força que Willow pensou que poderia quebrar
uma costela.
— Não durmo há três dias. O que você fez, demônio? Por que o laird te
puniu nas masmorras?
A preocupação em sua voz trouxe um nó de emoção à garganta dela.
Somente seu pai, seus irmãos e sua querida Marie haviam demonstrado
afeto tão sincero por ela. Willow lamentou ter causado ansiedade na mulher.
— Eu não sabia que o laird levava a segurança do castelo tão a sério.
Não vou esquecer mais.
Maud se afastou com um estalar de lábios e a olhou de cima a baixo.
— Você está mais magro e abatido, precisa descansar. — Então se
aproximou novamente e torceu o nariz. — E um banho, com urgência.
— Um banho foi o que me meteu nessa confusão — Willow protestou.
— Além disso, o senhor me pediu para encontrá-lo no campo de
treinamento imediatamente.
— Imediatamente é um conceito com muitas nuances. Primeiro se
limpará, depois tomará um caldo quente e então, e só então, poderá ir ver o
que o laird deseja.
Willow abriu a boca para protestar, mas a mulher o puxou pelo braço na
direção de sua cabana e ela não teve opção de resistir. Felizmente, a idade
do menino forçou Maud a permitir privacidade para suas abluções, então
Willow pôde se lavar na água da bacia e trocar de roupa sem se preocupar
que descobrissem sua identidade. Quando estava pronta, se juntou a ela na
cozinha e comeu o café da manhã pelo qual seu corpo pedia, sob o olhar
atento dos outros criados. Alguns balançavam a cabeça em desaprovação, e
outros, como a jovem Agnes, olhava para ela como se tivesse um ar muito
mais interessante depois de sua breve estada nas masmorras.
— Diga-me, Will — perguntou, sentando-se ao lado dela com uma
piscadela coquete — é verdade que lá embaixo se ouvem os gritos de
homens torturados no passado?
Willow sentiu um calafrio desagradável na nuca. Que tipo de pessoa
sentia aquela curiosidade macabra? Se afastou dela antes de falar.
— Não ouvi nada.
Agnes agarrou-se a ela novamente.
— Nem à noite? — sussurrou.
— É tão escuro lá embaixo que eu não sabia quando era dia ou noite,
então não, desculpe.
Sem mais delongas, se levantou e saiu da cozinha. Não queria continuar
respondendo suas perguntas e aturando aquele olhar predatório sobre ela.
Aquela jovem estava realmente interessada? Achava seu disfarce masculino
atraente? Willow balançou a cabeça, confusa. Teria que ter muito cuidado
com Agnes se não quisesse que ela descobrisse o que estava escondido sob
suas roupas de menino.
Começou a correr quando os sinos da capela começaram a tocar,
temendo a repreensão do laird por ter demorado tanto. Ao chegar ao pátio
de armas, descobriu que os homens já haviam começado o treinamento.
Seu olhar procurou até que encontrou a enorme figura de Ewan
Campbell, lutando com espada contra um de seus guerreiros. Ele era
certamente um homem temível. Seus golpes eram duros e secos, fortes. Sua
expressão concentrada o lembrou de seu irmão Malcom, pois ele tinha a
mesma intensidade e a mesma entrega na luta. Mas, por outro lado, Malcom
nunca havia se mostrado tão implacável com seus inimigos...
Não queria se lembrar do dia do ataque, nem dos boatos que se
espalharam sobre o destino de seu querido Niall, pois temia sua própria
reação. Havia muitas armas ali... E se, fingindo falta de jeito, uma daquelas
espadas muito afiadas cravasse nas costas do laird por engano?
— Vamos, Willow, concentre-se — ela se repreendeu.
A ideia era pura estupidez nascida da raiva que corroía suas entranhas
toda vez que olhava para ele. As chances eram de que, se ousasse fazer tal
coisa, um guerreiro treinado como Ewan Campbell se esquivaria facilmente
do ataque e ela acabaria morta por sua impulsividade.
— Will, rapaz, que bom te ver.
A voz gentil de John a tirou de suas perigosas reflexões. O ruivo a olhou
com seus olhos gentis e, como Maud havia feito antes, verificou sua
aparência para se certificar de que estava bem.
— Não se preocupe, leva mais do que alguns dias nas masmorras para
acabar comigo. — Tentou sorrir, mas seus lábios não obedeceram. Tudo o
que conseguiu foi uma careta tensa.
— É melhor que seja verdade — sibilou uma voz atrás dele — porque
garanto que os teus dias de confinamento não serão nada comparados com o
que te espera.
Willow estremeceu com a fria advertência do laird. Se virou para
encontrá-lo olhando para ela, as pernas abertas e os braços cruzados sobre o
peito nu. Meu Deus, aquele homem era enorme. Ele poderia dividi-la em
dois apenas com as próprias mãos.
— Pegue uma espada — ele ordenou.
Ela engoliu em seco. Olhou em volta, hesitante.
— Aqui, garoto — Colin lhe disse, o segundo no comando daquela
tropa que Ewan treinava. Lhe ofereceu sua enorme espada e ela a pegou
com dedos trêmulos.
Mal podia segurá-la, mas ficou na frente do laird, queixo erguido,
determinada a fazer o seu melhor.
O ataque não era esperado.
Ewan soltou um grito terrível e se lançou contra ela sem aviso. Willow
deu um passo para trás, tendo apenas tempo de erguer a arma apenas o
suficiente para aparar o golpe do guerreiro. A dor se espalhou por seus
braços e sacudiu todo o seu corpo. Suas mãos largaram o aço e cambaleou
para trás enquanto os homens que assistiam à cena caíam na gargalhada.
Entretanto, quando olhou para o rosto do laird, ele não estava rindo. Estava
olhando para ela com uma carranca e seus lábios franzidos em uma linha
decepcionada.
— Você é muito mole, não é digno de segurar uma espada.
Willow não disse nada, não conseguia falar. Como ansiava pela força de
seus irmãos! Se fosse um menino, não estaria nessa posição agora. Se fosse
Malcom, teria sido capaz de aparar o ataque do miserável e enfiar a espada
em seu peito sem hesitação. Seus pensamentos devem ter transparecido em
seu rosto, porque o laird mudou sua expressão e deu um passo para ela.
— Se eu conseguir canalizar na direção certa toda essa raiva que leio em
seus olhos, talvez eu faça de você um homem.
— Vou tentar não decepcioná-lo, senhor — as palavras escaparam entre
seus dentes com um claro tom de arrogância.
Ewan esboçou um sorriso que não alcançou seus olhos.
— É melhor — ameaçou.
CAPÍTULO 13
Vários dias depois, receberam a visita anunciada dos MacNab. Ewan, que
comandava a maior parte do tempo de Will, desde que o tornara seu servo
pessoal, deixou de monopolizá-lo para que pudesse ajudar os outros a
preparar o castelo para seus convidados.
Para Willow foi um verdadeiro alívio.
O laird Campbell era despótico e autoritário. Nunca ficava satisfeito
com nada que ela fazia, fosse engraxar suas botas ou lhe servir vinho
quando pedisse. Nunca encontrava uma palavra de agradecimento ou elogio
em seus lábios. E era estranho porque, embora o detestasse com toda a sua
alma, descobrira que queria que ele reconhecesse todo o esforço que ela
fazia todos os dias.
Às vezes, quando lhe ordenava que ficasse por perto, apenas no caso de
precisar dele para alguma coisa, Willow encontrava seus olhos fixos
naquele rosto bonito. Ficava extasiada olhando para a boca dele enquanto
falava com seus homens, ou com os dois velhos conselheiros, não querendo
admitir para si mesma que aqueles lábios lhe pareciam muito viris.
Observava as mechas de seu cabelo castanho caindo sobre os olhos e o
gesto brusco que sempre fazia para as afastar do rosto. Ouvia as palavras de
seu líder, percebendo que concordava com muitas das decisões que tomava
em relação aos interesses do clã. Via-o discutir com os seus conselheiros,
afirmar-se perante aqueles dois velhos ranzinzas que tentavam ignorá-lo,
escondendo-se atrás da sua inexperiência. O laird acabou impondo seus
critérios, que Willow achava quase sempre corretos, e ela o admirava por
isso.
Por mais incrível que parecesse, ela descobrira que Ewan Campbell
podia ser bastante generoso e muito justo com seu povo. Nessas ocasiões,
Willow se esquecia de que o homem a quem servia podia ser o assassino de
seu irmão, e estar perto dele era uma tortura. Era perturbador estar presente
em seus aposentos quando se despia descaradamente, embora sempre
desviasse o olhar a tempo. Achava hipnotizante a maneira como ele se
barbeava algumas manhãs, vestido apenas com ceroula. A necessidade de
sempre procurá-lo, ver onde estava, observar cada movimento seu era
desconcertante. Mas, acima de tudo, era altamente inapropriado que um
calor estranho se instalasse todos os dias na boca do estômago quando batia
à sua porta e aparecia diante dele para receber instruções sobre tudo o que
deveria fazer durante o dia.
Portanto, estar livre do senhor naquele dia foi um respiro para ela, uma
oportunidade de redirecionar seus sentimentos para o caminho da vingança,
que se esvaía a cada dia em seu horizonte, quando não conseguia encontrar
nenhuma evidência para confirmar as suspeitas sombrias que a levaram a
Innis Chonnel.
Sob a direção de Jane, a governanta, longas mesas foram colocadas no
grande salão para receber os visitantes, e todos os criados corriam para
manter tudo para a satisfação de seu laird.
A cozinheira, Edith, berrava ordens a torto e a direito, e os fogões
exalavam os aromas mais deliciosos que Willow se lembrava de sentir há
muito tempo. Assados de veado, galo selvagem e boi; ensopados de ovelha
acompanhados de puré de legumes e frutos secos; pães integrais acabados
de cozer e várias compotas de fruta para acompanhar...
Willow não pôde deixar de salivar com tal banquete. Porém, sabia que
sua língua não provaria nenhuma daquelas iguarias, reservadas ao paladar
dos convidados. Naquela noite, os criados não comiam com o senhor do
castelo, como nos outros dias. Durante a visita, apenas os guerreiros e suas
mulheres, junto com o laird e seus conselheiros, ocupariam o salão.
— Mexa-se, menino, leve essas bandejas para o salão — lhe ordenou a
mulher grande, lhe apontando com uma colher de pau.
Não perdeu tempo. Pegou dois dos enormes pratos e seguiu Liese, que
também carregava canecas de cerveja morna para a garganta ressecada dos
viajantes.
A chegada dos MacNab coincidiu com o retorno a Innis Chonnel do
padre Cameron, pároco encarregado de garantir a fé cristã na fortaleza.
Claro, ele foi convidado para dividir a mesa do chefe. Não só todo o clã
tinha um enorme respeito por ele, mas Ewan também o considerava seu
amigo. O religioso era conhecido entre o seu povo pela sua alma caridosa e
pela sua dedicação incondicional na ajuda aos mais desfavorecidos. Passava
longos períodos viajando, visitando as terras Campbell, as aldeias onde não
havia paróquia, oferecendo sua fé e serviços religiosos a quem precisasse.
Eram tempos difíceis e turbulentos, muitas almas careciam do conforto
espiritual que só homens como ele poderiam proporcionar.
Para Ewan, foi uma sorte ele ter retornado naquele momento, ao mesmo
tempo em que os MacNab apareceram. O padre Cameron era uma das
poucas pessoas em quem podia confiar com fé cega e sabia que teria muito
mais apoio contra as intrigas de seus visitantes do que se tivesse apenas
seus dois conselheiros oficiais.
De sua parte, Willow estava feliz que apenas alguns poucos
privilegiados tivessem a sorte de desfrutar daquele jantar fabuloso, pois
acrescentou ainda mais descanso às suas horas de liberdade. Era estressante
ficar muito tempo na presença intimidadora de Ewan Campbell. Sua tarefa
seria entreter os MacNab e desaparecer, algo que estava desejando.
No salão, os comensais já ocupavam seus respectivos lugares e se
lançavam como lobos famintos sobre a comida que estava sendo colocada
nos centros de mesa. Willow nunca tinha visto tanta falta de educação.
Lembrou-se do que todos diziam sobre sua mãe, a doce e sensata Erinn, em
Meggernie: ela nunca toleraria tal comportamento em seu salão. Seu marido
e filhos podiam ser selvagens no campo de batalha, mas não à mesa. Era
evidente que aqui, em Innis Chonnel, não havia mulher para cuidar desses
assuntos. Olhou para o laird com curiosidade. Por que ele não era casado?
Era jovem, devia ter a mesma idade dos irmãos. Se perguntou onde estava
sua mãe, a esposa do chefe do clã anterior. Os Campbell precisavam de
alguém para trazer um pouco de ordem a este universo selvagem e
esquecido por Deus. Notou que Ewan tinha uma expressão taciturna no
rosto e mal tocou em sua comida, dedicando-se a beber de seu copo sem
tentar participar da conversa.
Sim, Willow não tinha dúvidas disso: ele era um péssimo anfitrião.
Embora sua mesa estivesse bem arrumada e sua adega aberta aos
convidados, sua companhia estava longe de ser agradável.
Depois de algumas viagens da cozinha para salão e de volta para a
cozinha, Willow notou que um dos homens MacNab a olhava fixamente.
Estremeceu diante desses olhos claros como hidromel, porque pelo jeito que
ele a olhava, ela estava convencida de que este guerreiro havia adivinhado
sua feminilidade.
— Ei, garoto, aproxime-se!
Willow pulou quando ouviu sua voz estrondosa, chamando seu nome.
Não estava errada, ele a estava observando e agora teria que enfrentar e
dissimular melhor do que nunca. O MacNab era bastante robusto, com
cabelo e barba longa desgrenhado. Obedeceu imediatamente e abaixou a
cabeça antes de falar, sua voz falsa.
— Senhor, quer que eu traga mais alguma coisa da cozinha?
— Nunca te vi por aqui, quem é você?
Se o olhar dele já a havia alertado e a incomodado, seu tom conseguiu
arrepiar todos os pelos de seu corpo.
No entanto, Willow foi poupado de responder porque o grito do laird,
chamando-a, trovejou pelo salão, interrompendo toda a conversa.
— Will!
Atendeu ao chamado, com as orelhas ardendo de vergonha, porque
todos os olhares do salão estavam fixos nela. Quando chegou à cadeira de
Campbell, sua voz saiu fraca.
— O que é, meu senhor?
A reação de Ewan a pegou desprevenida e a aterrorizou. O homem
agarrou seu peito com violência e quase pressionou seu rosto contra o dele.
Willow quase se engasgou com a raiva em seus olhos castanhos.
— Vá agora mesmo para as cozinhas e não saia de lá. Não quero você
neste salão, não o quero rondando minha mesa, está me entendendo?
Ele a soltou tão de repente que Willow cambaleou para trás.
Envergonhada, humilhada e morrendo de medo, fez o que o laird lhe
ordenou sem perder mais tempo. Deus Bendito! Que erro grave cometeu
para ser repreendida assim, na frente de todos os convidados? Só esperava
que, o que quer que fosse, não envolvesse seu retorno às masmorras; já a
havia ameaçado em diversas ocasiões, alegando que sua incompetência
merecia alguns dias de prisão, mas estava convencida de que não suportaria
nem uma hora presa naquela cela novamente. Sentiu as lágrimas
pressionando contra suas pálpebras e apressou o passo para escapar do salão
antes que elas caíssem.
Não entendia aquele homem. Não conseguia entender o que tanto o
ofendia. Porque ele aproveitava todas as oportunidades para apedrejá-la
com seus insultos, para culpá-la por sua incapacidade em cada uma das
tarefas que empreendia. Ela sentia falta do pai, dos irmãos, sempre tão
simples, tão sinceros, tão gentis com ela. Há muitos anos que lamentava ter
sido tratada como se fosse a joia de Meggernie, porque isso também
significava viver em uma gaiola dourada. E agora sentia falta de toda aquela
consideração, dos mimos e, acima de tudo, do amor incondicional de seu
povo.
Os Campbell não eram seu povo.
E, claro, este homem violento e autoritário não era seu laird.
Mas por seu irmão Niall, ela enfrentaria o que viesse. Não ia desistir tão
cedo. Ela descobriria se Ewan Campbell era o responsável por sua morte e,
nesse caso, apenas pediria a Deus coragem e força para enfiar uma adaga
em seu coração.
CAPÍTULO 15
— Não tem sido muito duro com o menino? Que falta ele cometeu para
merecer tal repreensão?
Ewan desviou o olhar da porta pela qual Will havia saído e se virou para
James MacNab, que esperava sua resposta com um sorriso torto. Seu gesto
mostrava o quão pouco se importava com o assunto, era simples
curiosidade... e outra coisa que o laird Campbell descobriu imediatamente.
— Sem ofensas James, prefiro não falar da falta de jeito dos meus
servos. É embaraçoso o suficiente para mim que não saibam como se
comportar como lhes é dito.
— Desta vez concordo com James — Padre Cameron também interveio.
— Não vi o rapaz fazer nada de errado, Ewan.
— Não o conhece. Digo, por experiência própria, que é melhor ficar nas
cozinhas. Sua falta de jeito pode se tornar muito irritante.
— Ora, vamos, não deve ser grande coisa — James apontou.
— Que interesse o chefe dos MacNab pode ter no destino de um dos
meus servos?
Seu interlocutor riu. Ewan sempre achou o homenzinho desagradável,
com sua baixa estatura, seus olhos escuros de doninha e sua ânsia de lucrar
com qualquer infortúnio.
— Bem, notei que meu tenente, Reed, gostou do garoto. — Ele baixou o
tom para acrescentar, sem que o padre o ouvisse: — Sei que podemos
conversar com confiança, e sei que sabe dos gostos um tanto... especiais do
meu guerreiro. É óbvio para todos que o rapaz é um pouco afeminado,
então imagino que compartilhe os mesmos desejos de Reed quando se trata
de...
— Esqueça isso, MacNab. — Ewan o cortou antes de continuar, porque
o discurso já era conhecido.
Sim, estava bem ciente dos hábitos sexuais daquele animal Reed
MacNab. E por isso mesmo, nunca consentiria em negociar entre o
guerreiro e qualquer uma das pessoas que estavam sob sua proteção em
Innis Chonnel.
Essa máxima era fortemente reafirmada no caso de Will.
Essa foi a razão pela qual o expulsou do salão. Tinha que afastá-lo dos
olhos lascivos de Reed e de sua mente suja e contaminada. Ewan não
aceitava de bom grado as práticas sexuais dos afeminados, era do
conhecimento de todos, mas no caso de Reed sua relutância aumentou
notavelmente. Porque aquele homem não se limitava a dividir a cama com
outros homens. Tinha ouvido histórias, e se apenas metade do que foi dito
fosse verdade, este MacNab gostava de assediar seus companheiros,
forçando-os à submissão, lhes causando dor. Só então conseguia sua própria
satisfação. O repugnava só de imaginar, se era um homem ou uma mulher
com quem esse louco escolhesse se divertir.
— Parece um pouco tenso, Ewan — James continuou. — Seria abuso de
sua hospitalidade lhe pedir que consentisse que meus homens se
divertissem um pouco? Sempre fomos bem tratados em Innis Chonnel e
todos precisamos relaxar um pouco. Em breve teremos que nos encontrar
com o Rei Bruce em Stirling, pelo que não teremos muitas mais
oportunidades para desfrutar destes momentos descontraídos.
— Não acho ruim querer se divertir — explicou Ewan. — Mas não
quero que a festa degenere. Não vou consentir com esse tipo de
comportamento, James, lembre-se disso.
O líder MacNab estalou a língua antes de mostrar um sorriso
presunçoso.
— Entendo suas dúvidas, amigo Ewan. A fofoca escapou pelas paredes
de sua fortaleza e o que aconteceu com seu tenente Melyon chegou aos
meus ouvidos.
O laird ficou tenso ao ouvir o nome. Não tinha interesse em escutar o
que o homem tinha a dizer sobre isso.
— Não quero falar sobre isso, MacNab.
— É muito doloroso quando alguém não consegue proteger seu clã
dentro de sua própria fortaleza, certo? É por isso que entendo suas dúvidas.
Não precisa se preocupar, direi aos meus homens para não agirem como
loucos. Não gostaria de banir nenhum deles, como você fez com Melyon.
Ewan se virou para ele, querendo revidar. Era evidente que seu
convidado queria cutucar a ferida e não podia tolerá-lo. Uma mão firme
pousou em seu ombro, e a voz equilibrada do padre Cameron falou em seu
ouvido.
— Não se deixe levar pela fúria, laird.
— MacNab é nosso convidado e estou convencido de que sua intenção
estava longe de ofendê-lo — Adair também falou, concordando com o
padre.
— Claro! — James deu um pulo, embora seu gesto de satisfação
mostrasse o contrário. — Além disso, será que ainda tem estima por aquele
violador de mulheres? Pelo jeito que se revoltou, parece que sim.
— Não quero falar sobre esse assunto e acho que já deixei claro. Se a
preocupação dos MacNab não é encontrar entretenimento dentro das
paredes de minha casa, seus homens podem ficar tranquilos. Não faltará
comida nem bebida, nem entretenimento, conforme nos dispusermos; eu,
como laird dos Campbell, garanto. Só espero que mantenha sua palavra e
seus guerreiros mostrem o comportamento exemplar que é exigido deles.
— Eles se comportarão como devem, e ai de quem não o fizer — James
lhe confirmou, varrendo com os olhos a mesa ocupada por seus homens,
para que todos tivessem em mente o aviso.
— E agora, esclarecido este ponto, seria melhor abordar o motivo que o
trouxe a Innis Chonnel. Devo confessar que estou intrigado com esta visita
inesperada — Ewan soltou sem mais delongas, impaciente para saber sobre
os acontecimentos daquele homem detestável.
James MacNab tomou um gole de seu vinho antes de falar,
deliberadamente lento.
— Curiosidade, caro amigo, o que mais? Em todo Argyll só se fala do
ataque sofrido pelos MacGregor.
Ewan sentiu o padre Cameron, sentado ao lado dele, tenso. No entanto,
exibindo a prudência que o caracterizava, não se pronunciou.
— Dizem que a notícia chegou ao front e o velho Ian soube, enquanto a
luta contra os ingleses continua. Claro, ele ficou furioso. Suponho que sua
primeira reação será tentar trazer Meggernie de volta a qualquer preço —
explicou James.
— Eu faria o mesmo, se estivesse no lugar dele — Ewan comentou
sucintamente.
— Esses MacGregor só tiveram o que merecem — o velho Adair
interveio, ganhando um olhar duro de seu laird e do padre.
MacNab se inclinou para Ewan, seus olhos de fuinha brilhando de
curiosidade. Lambeu os lábios antes de fazer a pergunta que queria.
— Você o matou com as próprias mãos? Aquele arrogante Niall
MacGregor sofreu muito?
Padre Cameron abriu a boca para dizer algo, mas Ewan se adiantou.
— Receio que alimentar a curiosidade dos meus convidados não seja
uma das minhas melhores qualidades, James, então tem que me desculpar
se prefiro ficar calado diante do seu questionamento. De qualquer forma,
tenho a sensação de que satisfazer sua curiosidade não é a única coisa que o
trouxe até minha casa, certo?
O homenzinho ficou desapontado porque sabia que Ewan não lhe
revelaria nenhum detalhe do ataque, por mais que tentasse persuadi-lo com
palavras doces. Suspirou e tomou outro gole de vinho antes de confessar o
verdadeiro motivo de sua visita.
— Meu amigo, seus instintos não se limitam apenas ao campo de
batalha. É muito habilidoso em detectar os interesses das pessoas ao seu
redor e, mais uma vez, obteve total sucesso. Eu vim para Innis Chonnel
para fazer uma compra.
Tanto o laird Campbell quanto seus homens de confiança ficaram
surpresos.
— Uma compra? — Adair perguntou
— Nestes tempos de guerra e escassez, o que temos que possa lhe
interessar o suficiente para vir pessoalmente comprá-lo? — Lawler também
perguntou.
MacNab gostou das expressões incrédulas de seus interlocutores e
alongou o tempo de resposta para dar o destaque que merecia.
— Uma joia.
Jane entrou no quarto de seu laird para trazer as velas que lhe havia
pedido antes de se retirar. Ewan estava estudando alguns documentos em
sua mesa e ergueu os olhos quando a ouviu chegar.
— Aqui está, senhor. Embora, se continuar trabalhando como o vejo,
devo repreendê-los seriamente. Vê-se que está exausto depois deste dia, os
convidados consumiram toda a sua energia.
— Estava revisando as contas de Innis Chonnel, Jane — foi sincero com
sua governanta, a quem estimava e cuja opinião respeitava muito mais do
que as de seus próprios conselheiros. — Estou preocupado com um
comentário feito por MacNab sobre nossos cofres. Amanhã preciso de você
para fazer um inventário da comida que guardamos na despensa e dos barris
que deixamos no porão. Quero saber o que temos para o restante do
inverno.
— Não se preocupe, meu senhor. Amanhã, sem falta, darei conta do que
me pede.
— Obrigado, Jane. — Ewan ia pedir que se retira-se, quando se lembrou
de algo. — Há alguns minutos ouvi muito barulho no corredor. Aconteceu
alguma coisa?
— Não, senhor. Pelo menos nada importante. Estávamos mudando a
banheira do quarto do Sr. Lawler para o de nosso hóspede, Reed MacNab.
— Por quê? — Ewan franziu a testa, isso era muito estranho.
— O próprio Lawler me pediu, para atender a demanda do guerreiro.
Mandei Will buscar água, agora mesmo o menino está atendendo seu
banho...
O rugido furioso do laird assustou a pobre Jane, que só foi capaz de sair
do caminho de seu senhor quando correu para a porta, o rosto escurecido
pela raiva.
Ewan podia sentir o sangue pulsando em suas veias enquanto caminhava
pelo corredor aos trancos e barrancos. Sem bater, abriu a porta do quarto
ocupado pelo MacNab, e a imagem que descobriu o paralisou por alguns
segundos.
Reed estava completamente nu, exceto por suas botas, olhando
maliciosamente para sua presa enquanto se esfregava com uma mão bem
debaixo do seu nariz. Will, por sua vez, não tirava os olhos do membro
endurecido do guerreiro, com o rosto corado.
Ele não sabia o que o incomodava mais: ver MacNab se esfregando
como um porco no cio, ou presumir que Will estava ansioso para descobrir
aonde esse prelúdio o levaria.
— O que significa isto? — gritou, assustando os dois ocupantes do
quarto.
— Pelos chifres de Satanás, Campbell! Não é óbvio? O menino e eu
estávamos nos conhecendo...
— Cubra-se, Reed! — Ewan ordenou. — Acho que deixei claro meu
posicionamento sobre o assunto durante o jantar: não vou deixar isso
acontecer, não na minha casa.
— Não. Suas palavras exatas foram que, se seu povo concordasse em
compartilhar a diversão, não haveria problema. E não ouvi o garoto recusar.
Ewan olhou para Will. Uma raiva densa o cegou. Foi até ele e agarrou
seu braço, arrastando-o para fora do quarto.
— Ei, espere um minuto! — reclamou MacNab, dando um passo na
direção deles.
O laird Campbell parou e falou por cima do ombro, sem levantar a voz,
nem mesmo se virando.
— É melhor se acostumar com a ideia: vai ter que se consolar. Nenhum
dos meus servos subirá ao seu quarto, então não peça a mais ninguém. E se
eu ficar sabendo que alguém dos meus passou a noite com você, pela
manhã me encarregarei pessoalmente de arrancar essa coisa que acariciava
com tanto prazer.
Reed sabia que ele era capaz de cumprir essa ameaça, então extravasou
sua frustração batendo a porta com um estrondo tremendo.
Ewan puxou o braço de Will sem cerimônia e o levou para seu próprio
quarto. Uma vez lá, o encarou com a fúria que o consumia por dentro. Para
sua surpresa, viu o menino tirar uma faca de debaixo da roupa e apontar
para ele com a mão trêmula.
— Não... me toque... — sussurrou, quase sem voz.
Seus olhos estavam arregalados e sua pele pálida.
— Queria ficar com ele? — Ewan murmurou. Ainda tinha uma vaga
esperança de que estivesse errado e que Will realmente não queria dormir
com o animal de Reed como havia suposto.
Deu um passo até ele, pronto para desarmá-lo, mas o olhar perturbado
do garoto o deteve. Balançou a faca com mais força e varreu o ar entre eles
em advertência.
— Não... se... aproxime.
Ewan teve um breve mas lúcido momento de inspiração. Olhando para a
imagem assustada de Will, a cor azulada de seus lábios entreabertos, suas
pupilas dilatadas de medo, entendeu. O menino estava apavorado. Talvez
nunca tivesse visto o que acabara de testemunhar no quarto de Reed. Talvez
aquela besta tenha lhe dito palavras que o mergulharam naquele estado
alienado. Mais uma vez, Ewan o comparou a um duende frágil. Teve o
desejo absurdo e intenso de estender a mão e confortá-lo para que
entendesse que não havia nada a temer. Queria que ele parasse de tremer e
que seus olhos voltassem a se concentrar.
Imediatamente, se arrependeu desse impulso com todo o seu ser.
Teria dado um bom tapa em qualquer outra pessoa para fazê-lo acordar.
O que havia em Will que o tornava tão insuportavelmente mole? A raiva,
dirigida contra si mesmo, o menino acabou pagando. Ewan parou com seu
absurdo e se lançou sobre ele para agarrar seu pulso com o qual segurava a
faca. Apertou a carne muito macia para o seu gosto até que sua mão se
abriu e a arma caiu.
Seus olhos, a apenas alguns centímetros de distância, se fixaram em um
olhar intenso. O de Ewan, penetrante, devoravam os de Will, aumentado de
medo.
— Eu não sou o inimigo — ele sussurrou asperamente, desconfortável
com suas próprias reações. — Eu não vou te machucar, relaxe.
Eram palavras determinantes, mas não produziram a mudança que o
laird pretendia; ao contrário. Will finalmente reagiu, mas em vez de ficar
relaxado e manso, ficou furioso. Suas pálpebras se estreitaram e a expressão
em sua boca endureceu.
— Sim, laird Campbell — silvou furiosamente, para surpresa de Ewan.
— É um verdadeiro monstro para mim, atacando fortalezas na calada da
noite, como uma raposa, e matando à vontade.
A acusação foi como um soco no estômago. Suas palavras o
surpreenderam, mas o tom com que foram ditas... Havia veneno e muita dor
em sua voz. Apesar do fato de que em outras circunstâncias o laird teria
sido inundado com tais insultos, desta vez fizeram algo virar em seu
espírito. Talvez seja por isso que ele afrouxou o aperto e Will aproveitou a
oportunidade para sair correndo do quarto e fugir aterrorizado.
Não sabia para onde estava indo, as lágrimas a cegavam. Willow estava
andando pelo corredor, iluminado pelas tochas penduradas nas paredes, a
imagem de Ewan Campbell em sua cabeça. Em seu delírio, tinha
substituído o rosto de Reed pelo do laird. Já não era o MacNab que a tinha
aterrorizado para desconectar sua mente da realidade. Parecia que todo o
seu ser havia decidido fugir para não continuar sofrendo o pânico gelado
causado por ver aquele homem se tocando daquele jeito, ou a expressão em
seus olhos cor de hidromel, que prometiam a experiência mais
desagradável. Não era MacNab, não mais, pois quando ela voltou a si, foi o
rosto de Ewan Campbell, escuro e maligno, que ela viu. Um rosto com uma
expressão sombria, que a atormentava até em seus sonhos; o rosto de medo,
o rosto de um assassino. E Willow, em seu pesadelo, só entendeu uma
coisa: ela tinha que se defender dele, fugir, sem forças para enfrentá-lo...
Chegou à sua cabana e teve a lucidez de parar antes de entrar. Enxugou
o rosto nas mangas, respirou fundo e tentou se recompor. Se Maud a
encontrasse naquele estado, ficaria doente de preocupação.
— O que está fazendo parado aí, Will?
Willow se virou ao ouvir a voz doce de Agnes. A garota a olhou com
aqueles olhos ternos que a deixavam tão nervosa. Todo mundo enlouqueceu
naquela noite?
— Eu estava indo para a cama, já terminei meus deveres.
— Sim, eu já vi aquele mal-educado MacNab solicitando seus
serviços... — Agnes andou bamboleando até ela. — Gostou, Will?
— Não, eu... — Willow ficou em silêncio ao ver a expressão maldosa
no rosto da jovem empregada.
— Claro que sim! — exclamou, chegando tão perto que podia sentir os
seios dela pressionando contra seu corpo. — E agora entendo por que
durante todos esses dias me ignorou, apesar dos meus avanços.
Seus lábios estavam se aproximando perigosamente dos de Willow e ela
jogou a cabeça para trás instintivamente.
— Que avanços?
— Oh, vamos! Não percebeu, Will? Desde que você chegou venho
tentando te fazer entender... te acho o menino mais lindo que já vi.
Se lançou sobre ela e a porta o impediu de ser capaz de evitá-la. Agnes a
beijou. Suas bocas se encontraram em um beijo apertado que durou apenas
até Willow ser capaz de reagir e afastá-la.
— Como se atreve? Você me rejeita? Realmente prefere a companhia
daquele MacNab fedorento à minha?
Seus olhos eram duas fendas cheias de maldade e Willow estremeceu ao
perceber.
— Agnes, eu... me desculpe, eu tenho que ir. — Abriu a porta atrás de si
com a intenção de escapar o mais rápido possível.
— Vai se arrepender disso, Will — silvou a criada venenosa.
Ela definitivamente, é louca. Willow pensou com um estremecimento.
Quem teria pensado que a doce Agnes era na verdade uma megera
manipuladora capaz de ficar furiosa se não conseguisse o que queria?
Entrou na cabana e fechou a porta antes que a garota pudesse pensar em
qualquer outro mal.
Sua nova família dormia no calor de uma lareira aconchegante, e
Willow sabia que estava segura pela primeira vez naquela noite. Lágrimas
encheram seus olhos e ela desejou que Maud estivesse acordada para
abraçá-la e confortá-la; mas é claro que acordá-la e preocupá-la com seus
problemas era a última coisa que faria. Subiu a cama notando um cansaço
físico e mental extremo.
Talvez por isso fosse difícil para ela dormir.
A imagem grotesca daquele guerreiro nu voltou à sua mente várias
vezes, lhe explicando detalhadamente e com uma voz arrastada todas as
coisas que pretendia fazer com ela. Seu estômago se contorceu de angústia
com a lembrança, sua pele se arrepiou, seus dedos se apertaram ao redor do
cobertor. No final, pouco antes de o sono tomar conta dela, um pensamento
revelador conseguiu acalmá-la um pouco: Ewan Campbell não a havia
atacado de verdade. Foi ele quem a tirou do quarto do MacNab, quem a
arrastou das mãos sujas de Reed e a salvou da experiência mais terrível de
sua vida.
— Mas isso não te redime, Ewan Campbell — ela sussurrou, meio
adormecida. — Você ainda é meu inimigo.
CAPÍTULO 17
Ewan bateu com o punho na porta repetidamente, sem se importar que fosse
uma hora tão ruim. O padre Cameron devia estar dormindo, mas não se
importou no momento. Aqueles eram os anexos da pequena capela, onde o
padre se instalara ao chegar a Innis Chonnel, alguns anos antes, e o jovem
raramente precisara visitá-lo. Nem ele nem seus homens iam às orações
regularmente, mas era algo a que o padre Cameron estava acostumado. Por
isso, estava convencido de que o pobre homem teria uma grande surpresa
ao vê-lo ali, em frente à sua porta, de madrugada.
Ele não estava errado. A porta se abriu depois de mais algumas batidas,
revelando o rosto assustado do clérigo do outro lado, que vestia roupa de
cama.
— Ewan!
— Preciso falar contigo, padre — soltou sem preambulo. Nunca tinha
sido sensível e não ia começar esta noite.
O padre se afastou para ele entrar, sua expressão ainda incrédula por ter
o laird Campbell ali, em sua pequena sala, exigindo seus serviços.
— Quer se confessar a esta hora? — ele perguntou cautelosamente.
— De jeito nenhum.
— Então, como posso ajudá-lo?
Ewan o olhou com olhos assombrados. O padre Cameron percebeu
instantaneamente a angústia que estimulava seu ânimo, mas esperou
pacientemente que ele expusesse seus problemas.
— Tenho um problema e não sei como lidar com ele — confessou
finalmente.
Seu interlocutor suspirou e indicou uma das poltronas para ele se sentar.
Antes de se acomodar, serviu dois copos com um licor que só degustava em
ocasiões especiais. Ewan reconheceu a garrafa como um presente de sua
falecida mãe, Cait, para o padre. Era uma mistura que seus ancestrais
preparavam, que chamavam de Água da Vida, e que obtinham destilando
cevada e centeio. O líquido, diziam, era capaz de reviver os mortos e
espantar as mágoas mais amargas. Quando o padre Cameron lhe entregou
um dos copos, ele tomou um gole para aquecer as entranhas antes de
enfrentar essa conversa. O padre fez o mesmo e sentou-se diante dele,
olhando-o nos olhos.
— Então tem um problema — ele começou a dizer, balançando a
cabeça. — Devo admitir que me deixou intrigado. Não veio até mim desde
que sua mãe nos deixou, embora tenha tido que lidar com algumas situações
muito difíceis para um laird que acaba de assumir o controle de um clã. Não
veio até mim quando seu pai caiu na batalha, nem quando seu melhor
amigo foi acusado de violação. Nem pediu meu conselho para silenciar
todos os rumores que circulam sobre você além dos muros de Innis
Chonnel...
— Que rumores? — interrompeu Ewan, embora soubesse muito bem o
que ele queria dizer.
— Aqueles que dizem que é um assassino sem coração e que irá direto
para o inferno por possuir uma alma tão ímpia quanto o próprio Satanás.
Será que são verdadeiros?
Aquele homem não era apenas um padre. Padre Cameron era da família,
alguém que sempre se preocupou com seu bem-estar e para quem não podia
mentir.
— Não. Eles não são verdadeiros.
— E por que permite que te difamem assim? Mais cedo, durante o
jantar, o MacNab estava o questionando sobre aquele ataque aos
MacGregor e você não o corrigiu. Por que seu povo, seus soldados, não
negam esses boatos sujos?
— Porque assim o pedi. Padre, sabe o que me custou assumir o
comando de Innis Chonnel. Embora o Rei Bruce queira que todos os clãs
lutem juntos, os Campbell ainda têm inimigos que não hesitarão em nos
esmagar ao menor sinal de fraqueza. Meu pai lutou muito para que nosso
nome fosse temido além destas paredes e devo zelar para que a reputação
que nos precede seja mantida.
O padre arregalou os olhos, sem esconder o desgosto.
— Acha que manter o legado de Duncan é a coisa certa a fazer? Seu pai
era um homem cruel, Ewan, você não é assim.
— Sim, eu sou. Como não posso ser de outra forma, ele se encarregou
de me preparar conscienciosamente para assumir.
— Eu sei — sussurrou — eu estava lá assistindo, sofrendo com sua mãe
por você... e por todos sob sua responsabilidade. Mesmo que o considere
um exemplo de bom líder, Ewan, existem outras opções. Pode governar um
clã com respeito, misericórdia, generosidade...
— Padre, o senhor sabe que não sou um homem temente a Deus. Eu sou
um guerreiro. Mesmo que não goste, minhas ações, por mais cruéis que
possam lhe parecer, sempre serão destinadas a proteger nosso povo. Que os
outros clãs pensem que fui eu quem ordenou o ataque a Meggernie funciona
bem para mim. O fato de estarem convencidos de que fui eu quem
assassinou Niall MacGregor sem hesitação me deixa temível. Um laird que
não querem contrariar, não querem enfrentar.
O padre ouviu-o sem dar crédito ao que ouvia.
— Mas não está curioso para saber quem derramou essas calúnias sobre
os Campbell? Embora possa parecer que lhe fez um favor, tornando-se um
líder temido por todos, no final terá que prestar contas por esse erro.
Porque, não se engane, é um crime real. Ian MacGregor está no front, ao
lado de nosso Rei, protegendo os interesses da Escócia. Para alguém atacar
sua casa, massacrar seu povo, seu próprio filho, é um ato desleal e
completamente desprovido da nobreza que o rei Bruce espera de todos os
seus súditos. Estou surpreso por não termos notícias dele até hoje. Suponho
que os ingleses o mantenham tão ocupado que não pode se dar ao luxo de
colocar sua própria terra em ordem; mas não duvide — ele lhe apontou com
um dedo acusador — o rei vai querer esclarecer esse assunto e vai pedir
explicações.
Ewan não tinha pensado nisso. Nunca acreditou que ser acusado do
ataque aos MacGregor estava além dos rumores que se espalhavam de
aldeia em aldeia. Quão estúpido! Agora ele via que, como aqueles dois
velhos corvos conselheiros pretendiam lembrá-lo, não era tão experiente
nas intrigas do poder quanto seu pai. As palavras do padre Cameron
abriram seus olhos, pois estava claro que alguém estava tentando prejudicá-
lo na frente do rei Bruce. E não apenas ele. Os MacGregor também foram
vítimas do responsável por aquele ataque. Claro, eles, de uma forma muito
mais selvagem e atroz. Quem poderia ter algo contra os dois clãs?
— Deveria ser meu conselheiro, Padre Cameron, e não os dois abutres
necrófagos que meu pai me legou.
O padre lhe deu um sorriso compreensivo.
— Não sou, mas sempre terá a mim para te ouvir e te dar meu ponto de
vista sobre tudo que precisar.
— Eu sei, padre. E estou muito atento à palestra que acabou de me dar...
amanhã vou começar a investigar para descobrir quem atacou os
MacGregor se passando por Campbell.
— Parece a coisa mais apropriada e prudente a fazer, Ewan. É
necessário encontrar o culpado antes que o Rei Bruce tome uma atitude
sobre o assunto.
O jovem laird assentiu, sua mente voltando ao problema real que o
levou a arrastar o padre para fora de sua cama no meio da noite. Bebeu o
que restava de sua Água da Vida, depois virou o copo nas mãos, sem saber
como lidar com sua maior preocupação.
— Não era sobre isso que queria falar comigo, era? — adivinhou o
padre, vendo que Ewan voltou a mergulhar naquele silêncio atormentado
que o torturava.
— Não.
— Fala então, meu filho. Eu te escuto, e sabe que nada do que me disser
sairá dessas quatro paredes.
Ewan agradeceu mentalmente. Mesmo assim, levou uma eternidade para
pronunciar as palavras.
— Padre... O meu problema, o meu dilema... é de natureza moral.
— Entendo.
— Não, não entende. Eu nunca... quero dizer, sempre acreditei que um
homem... — Ele cobriu o rosto com as mãos, incapaz de continuar. Não,
não havia como confessar o que queimava em sua alma. Tentou pensar em
outra maneira de concentrar suas dúvidas. — Veja bem, uma nova família
chegou recentemente a Innis Chonnel.
— Eu sei. Maud é temente, ela costuma ir à capela para rezar com sua
filha Liese.
O laird assentiu.
— Trouxeram com eles um menino, Will. Já o viu no jantar. Ele... ele
não é como os outros. Isso me deixa louco, me dá vontade de estrangulá-lo
por sua falta de jeito e sua... sua...
— Sua o quê?
— Sua masculinidade — admitiu finalmente. — Tenho a sensação de
que é afeminado, e sabe como meu pai se sentia sobre isso.
O padre recostou-se na cadeira e entrelaçou os dedos, olhando-o
atentamente.
— Eu sei. E o que você acha?
— Eu? — Ewan ficou surpreso com a pergunta e ficou na defensiva. —
O mesmo que ele, é claro, que tais pessoas não deveriam existir.
— Está convencido de que é afeminado? — perguntou o padre Cameron
novamente, erguendo uma de suas sobrancelhas brancas.
— Esta noite encontrei-o numa situação comprometedora — explicou, e
logo a seguir lhe contou o que tinha acontecido com o MacNab, sem omitir
nenhum detalhe. Exceto, é claro, a fúria que o invadiu quando assumiu que
Will queria esse encontro tanto quanto Reed.
— Pelo que explica, aquele menino ainda é muito novo e não sabe nada
da vida. Se diz que ele estava apavorado, pode nunca ter estado em tal
situação. John e Maud o adotaram recentemente, o que sabemos sobre ele?
Talvez nunca tenha tido uma família que lhe explicasse certas coisas, talvez
seja tão inocente que não entenda as relações entre homens e mulheres
como você e eu as entendemos. E aposto que nunca tinha suspeitado que
um guerreiro pudesse se insinuar a ele como fez MacNab. Se assim posso
dizer, acho que o jovem Will está apenas confuso.
Ewan considerou essas palavras.
Se isso fosse verdade, nem tudo estava perdido. Talvez pudesse resgatar
Will, fazer dele um homem... E então talvez pudesse parar de sonhar com
seus olhos azuis de uma vez por todas.
— Obrigado, padre — disse ele, levantando-se para sair. — Acho que
sei o que devo fazer.
Ele se dirigiu para a porta, mas o padre o seguiu.
— Espere, Ewan, escute. Nem todo mundo nasce para ser um soldado, e
esse menino pode não estar destinado a estar no exército Campbell. Pelo
que você mais ama, lembre-se que somos todos criaturas de Deus, com
nossas virtudes e nossos defeitos. Não repita os erros de seu pai, não se
torne um tirano como ele. Pense em seu tio Alec: um guerreiro como
poucos, mas o oposto de seu pai em tudo. Lembre-se do que ele te ensinou,
você pode ser forte e, ao mesmo tempo, justo e generoso.
A garganta de Ewan apertou com a menção de seu tio, Alec Campbell.
Não conseguia pensar nele naquele momento, não queria se deixar levar
pela emoção.
— Tranquilo padre. Não vou colocar Will em mais nenhum treinamento.
Isso intrigou o padre.
— Então, o que está pensando?
— Não sei dizer, Padre Cameron. Mas se eu quiser que Will se torne um
homem de verdade, posso ter que ajudá-lo a distinguir boas saias das calças
dos soldado.
Não disse mais nada, mas deixou o padre preocupado com aquela
insinuação. Ele tinha razão, preferia não saber o que lhe passara pela cabeça
para guiar os passos de Will na direção que ditava a moral cristã. Ele apenas
rezou para que o que quer que tivesse pensado, não fosse uma indecência
total...
CAPÍTULO 18
— Leve os cavalos para trás e cuide deles — Ewan ordenou assim que
chegaram à cabana. — Encontre-me lá dentro quando terminar.
Ela obedeceu, relutante. Se dissesse que preferia esperar do lado de fora
com os animais, ficaria furioso? Decidindo não tentar a sorte, fez o que foi
lhe pedido. Embora, sim, demorasse o máximo possível para atrasar o
momento de entrar.
Quando finalmente o encontrou lá dentro, o viu conversando com duas
mulheres. Uma delas era mais velha, uma anciã com um rosto tão enrugado
que Willow temeu ser desconsiderada por olhá-la tão fixamente. A outra,
porém, era uma jovem de cabelos ruivos e feições muito bonitas, embora
um tanto exageradas para seu gosto. Seus lábios eram muito cheios e suas
maçãs do rosto muito pronunciadas. Também tinha seios enormes que,
ainda por cima, ficavam expostos no decote atrevido da blusa.
— Entre, Will, não fique na porta — o laird o encorajou, que de repente
parecia estar de ótimo humor. — Essas boas mulheres são minhas amigas.
Esta é Iona e esta é sua filha, Thonia. Almoçaremos aqui... vão nos tratar
bem. Muito bem.
Havia uma entonação estranha no tom de Ewan. Apenas confirmou seu
mau pressentimento. O que faziam ali, numa cabana onde viviam apenas
duas mulheres? Ela notou que os olhos verdes de Thonia estavam fixos nela
e estremeceu. Era um olhar parecido com o que Agnes costumava lhe
lançar... mas não o mesmo.
Este era, de longe, muito mais assustador.
Tentou ignorar que a atmosfera de repente se tornou muito densa, quase
irrespirável, e se acomodou no lugar que o laird indicou para ela comer.
Imediatamente, a velha Iona lhes serviu um de seus melhores cardápios,
segundo as palavras do próprio Ewan: carne de pato com molho de alho-
poró, e Thonia colocou duas taças de vinho na frente deles. Depois, foram
deixados sozinhos para dar uma boa conta da comida.
— Não bebe? — perguntou o laird, em determinado momento.
— Prefiro ter a mente limpa, meu senhor, caso precise de mim mais
tarde.
Os olhos castanhos de Ewan se fixaram nos dela, consumindo o ar ao
seu redor.
— Beba.
— Mas, senhor...
— Beba um bom vinho, Will, vai precisar.
— Por quê?
— Faz muitas perguntas, ninguém nunca te contou?
— Sim.
Era verdade. Seus irmãos e seu pai, até mesmo sua querida Marie, já a
haviam repreendido algumas vezes.
— Apresse sua bebida, jovem Will. Hoje você vai se tornar um homem.
Willow, que já havia tomado um gole do líquido morno, engasgou-se.
Ela tossiu e ficou vermelha antes que pudesse perguntar novamente.
— O que disse, meu senhor?
— Calma rapaz. Não deve ficar nervoso... — Em seguida, exibindo sua
falta de tato, acrescentou, sem rodeios. — Olha, Thonia é muito boa de
cama; nem eu, nem nenhum dos meus homens, tivemos uma reclamação
sobre o tratamento. Ela sabe o que fazer, não terá problemas com ela.
Willow estava a um passo da histeria. Era essa a ideia que estava
passando pela cabeça do laird? Colocá-la na cama com uma mulher que
conhece as necessidades do amor? Para transformá-la... em um homem de
verdade?
— Não, meu senhor. Eu aprecio isso, mas eu nunca... eu nunca...
— Será sua primeira vez? — Ewan olhou para ele com um sorriso
condescendente. — Eu já imaginava! Por que acha que eu te trouxe aqui?
Não é o primeiro que Thonia deflora, já te disse, ela é muito habilidosa.
— Mas não posso, nunca vi...
Nem sabia o que dizer. Como iria se livrar daquela bagunça? A
descobriria, sem dúvida, e sua raiva seria tanta que quebraria seu pescoço
sem hesitar.
Ewan bebeu seu vinho também, estudando sua expressão de pânico.
— Rapaz, vai me dizer que nunca viu um casal copulando? Onde você
esteve? John e Maud não fazem isso na sua cabana?
Willow negou com a cabeça, muito mortificada para falar. Entendia que,
entre as classes mais baixas, camponeses ou criados como seus pais
adotivos, era normal levar uma vida de casado no mesmo quarto que
dividiam com os filhos. Mas ela, em Meggernie, tinha seu próprio quarto e
fora criada como uma dama. Seus ouvidos nunca ouviram os detalhes
daquele ato entre casais... Além do mais, deveriam respeitar sua inocência e
pureza, por isso ninguém a instruiu sobre tais assuntos. Como ela poderia
suspeitar que sentiria falta de alguém esclarecendo-a sobre isso? Dessa
forma, pelo menos, ela saberia o que diabos o laird esperava dela... dele...
Em que confusão se meteu!
Se levantou, tomada por uma náusea que mal conseguiu controlar. Saiu
correndo da cabana e vomitou a comida deliciosa a poucos passos da porta.
Ewan, que foi atrás dela, observou sua reação com aborrecimento.
— Está bem... Talvez eu quisesse ir rápido demais, Will. Achei que você
tinha mais do mundo, mas está claro que não. — Ele se aproximou e lhe
deu um tapinha nas costas, que pretendia ser um gesto de confiança entre os
homens. — Faremos uma coisa: hoje só vai assistir.
— O que? — perguntou com um guincho, enquanto limpava a boca com
as costas da mão.
— Diz que não sabe, nunca viu. Nós vamos remediar... e aí não terá
mais desculpa. Além disso, estou convencido de que, se tem o que precisa,
também vai querer. Seu corpo reage por conta própria quando vê outro
casal... você vai ver.
A boca de Willow ficou seca. Ela teve que suportar o enorme braço do
laird ao redor de seus ombros e conduzindo-a, como um amigo de longa
data, de volta para a cabana.
— Algum problema, meu senhor? — perguntou Thonia, quando os dois
entraram na sala. Perto dela estava a velha, que os olhava torcendo as mãos
ansiosamente.
— Minha filha não é do agrado do menino?
— Pelo contrário, Iona — respondeu Ewan. — A beleza dela é demais
para a timidez do meu amiguinho. Esta tarde ele se limitará a observar... e
aprender.
A garota ruiva deu um sorriso mais do que satisfeito quando descobriu
que iria se divertir com o laird dos Campbell, e não com um garoto triste e
inexperiente sem barba. Willow sentiu um gosto amargo na boca ao ver o
olhar incendiário que a mulher deu a Ewan. E teria jurado que não era por
causa da bile que acabara de expelir. Realmente deveria testemunhar o que
estava prestes a acontecer entre aqueles dois?
Thonia se aproximou deles, balançando os quadris exageradamente, e
pegou a mão do laird para conduzi-lo até seu quarto. Willow já havia
notado que, embora a cabana não fosse muito grande, havia mais dois
cômodos além da sala de estar. Supôs que, se a mulher se dedicava a esse
ofício, a privacidade era mais do que necessária.
— Venha, Will.
A ordem do laird soou irregular, talvez um tanto ausente. Willow
percebeu que estava olhando para o traseiro de Thonia e parecia que já
estava com todos os sentidos focados no que iria acontecer dentro daquele
quarto. Perceberia se ignorasse a ordem, se ficasse com a velha do outro
lado da porta, no calor do fogo de sua casa enquanto ele saciava seus
desejos carnais?
— Will.
Bem, sim. Havia percebido que seus pés não queriam andar. Ela foi atrás
deles, com o coração na garganta e o estômago virado do avesso. Não
estava preparada para ver o que estava prestes a acontecer lá dentro.
Assim que entrou, Thonia fechou a porta e se aproximou dela... muito
perto. Tanto que seus carnudos lábios vermelhos depositaram um beijo
molhado em sua boca.
— Você pode se sentar aí, pequeno Will — ela sussurrou, sua voz tão
enjoativa quanto mel.
Resistiu ao impulso de enxugar aquele beijo e se moveu, tensa como a
corda de um arco, até se posicionar onde a mulher indicou. Era uma
pequena cadeira de pele de carneiro, num canto da sala. Quando seus olhos
conseguiram se concentrar em algo, depois que saiu de seu estupor, notou
que o laird já estava tirando a camisa pela cabeça. Mechas de seu cabelo
caíam sobre seu rosto, e Willow sabia que Ewan usaria aquele gesto
familiar dele que já sabia de cor para afastá-las. Ficou surpresa ao perceber
que conhecia perfeitamente os maneirismos do laird, seus trejeitos, seus
raros sorrisos. E ficou ainda mais surpresa ao perceber que gostava de saber
disso de memória, como se assim ela tivesse, de alguma forma estranha e
distorcida, um vínculo mais especial do que qualquer mulher poderia ter
com ele...
Tremeu de pavor ao perceber que o calor na boca do estômago era puro
desejo. Talvez até ciúme.
Invejava as mãos de Thonia, que eram livres para tocá-lo. E bem, sim,
fazia isso! A mulher sem vergonha não deixou um centímetro de pele
inexplorado enquanto o despia. Também usou a boca. A passava sobre o
peito do laird, o saboreava com a língua e depositava beijos molhados por
onde passava. Também invejou seus lábios e cada parte de seu corpo que
Ewan acariciava. Uma vez ela pensou que ser tocada ou abraçada por esse
homem devia ser horrível; mas enquanto observava as mãos do laird se
moverem, possessivas, suaves e ásperas ao mesmo tempo, desejou poder
sentir por um momento o que Thonia devia estar sentindo.
— Meu senhor... — a ruiva gemeu de repente, quando ele a apertou
contra seu corpo, segurando-a por trás com ambas as mãos.
— Tire a roupa — Ewan ordenou, com a voz rouca.
A mulher virou-se para Willow com um sorriso malicioso em seu belo
rosto, removendo tudo o que vestia com movimentos lentos e deliberados,
nunca deixando seu olhar. Ao vê-la completamente nua, Willow corou até
que seu rosto queimou como se estivesse com febre. Estava tão concentrada
nos olhos verdes de Thonia que não notou que Ewan também havia tirado o
kilt e botas. Seu olhar curioso pousou na virilha do homem e ela descobriu,
fascinada, que o membro de Ewan era três vezes maior do que naquela
manhã no lago e que subia como se tivesse vida própria.
Quando Thonia se virou para ele, e o agarrou ali mesmo enquanto
procurava sua boca para beijá-lo freneticamente, Willow se engasgou.
Observou, com olhos entre o horror e o espanto, enquanto ela o acariciava.
Queria sair correndo para não vê-lo, mas também queria se aproximar e não
perder nenhum detalhe. Aquele homem poderia condená-la ao fogo do
inferno, porque ela estava convencida de que isso era errado. Não deveria
estar assistindo aquela cena, não passava de luxúria e perversão... e Ewan
conseguiu despertar dentro dela um interesse mórbido de saber o que viria a
seguir.
Quanto mais Thonia o acariciava, daquela forma íntima, mais sons
perturbadores saíam da garganta do laird. Aqueles gemidos a estavam
matando, faziam seu estômago contrair e ela sentia uma estranha pulsação
lá embaixo, entre as pernas. Sentia necessidade de se tocar para tentar
aliviar a tensão que se acumulava cada vez mais naquela região, mas tinha
medo até de respirar...
E isso lhe custava. Estava ofegando silenciosamente, seus lábios
entreabertos, seus olhos nunca deixando a mão do laird enquanto acariciava
Thonia, massageando seus seios enormes, então descendo por seu estômago
até roçar os cachos vermelhos de seu púbis. Ela teve que morder o lábio
inferior para conter um suspiro quando viu dois dos dedos masculinos
penetrarem no interior da mulher. Thonia gritou de alegria, e Willow se
mexeu inquieta em sua cadeira, sentindo seus seios ficarem mais pesados e
pressionados contra a atadura. Deus Todo-Poderoso, Ewan estava certo!
Seu corpo reagiu por conta própria, como se também quisesse participar do
prazer do casal.
Então o braço livre do laird envolveu a cintura da mulher para segurá-la,
e ela, como se lesse sua mente, arqueou para trás, expondo seus seios ainda
mais. Ewan abaixou a cabeça e levou um deles à boca, fazendo com que
Willow ficasse tensa e pressionasse as pernas juntas, coxa com coxa. Ela
lambeu os lábios e engoliu em seco. Seu coração batia como um cavalo
galopando. Seria possível que todos os seus sentidos gritassem de anseio?
Porque era assim que ela se sentia, como se sentisse anseio do que Thonia
recebia, do que Thonia acariciava, do que Thonia devia estar sentindo, a
julgar pelos seus gemidos.
De repente se encontrou sonhando acordada, imaginando como seria se
fosse ela... Podia sentir o braço forte do laird ao seu redor, sua língua em
seus mamilos, por toda sua pele. Ela podia experimentar a sensação de ter
os dedos dele tocando-a lá embaixo, deslizando para dentro dela! Onde a
tensão já era insuportável...
Um som estranho e desconhecido saiu de sua própria garganta sem
querer. Foi alto o suficiente para chamar a atenção de Ewan, e ele levantou
a cabeça e a olhou, os olhos nublados de paixão.
Imediatamente, Willow foi apanhada naquele olhar intenso e poderoso,
cheio de fogo. Ela tinha vergonha de sentir o que sentia, de ter ouvido seu
próprio gemido, de ter que concordar com ele quando disse que iria querer
se juntar a eles...
— Aproxime-se, Will.
A voz do laird era rouca, mas tão convincente que não admitia
discussão.
Colocou Thonia na frente dele e ficou nas costas da mulher, a olhando
por cima de seus ombros leitosos. Willow se levantou de sua cadeira e deu
alguns passos em direção a eles, totalmente atraída pelo olhar escuro do
laird. Nesse momento, não entendeu o risco que estava correndo. O olhar de
Ewan a manteve completamente cativa, e as novas emoções dominando seu
corpo virgem anularam sua vontade.
Quando estava perto o suficiente, pegou um dos pulsos dela e guiou sua
mão para um dos seios de Thonia. Foi o mais estranho. Estava tocando esta
mulher, sentindo o volume daquele seio generoso e cheio, mas tudo em que
podia se concentrar era o calor que a mão do laird transmitia para o seu
braço.
Thonia inclinou a cabeça para trás, apoiando-a no ombro de Ewan, e
gemeu como se estivesse satisfeita com seus toques desajeitados.
— Muito bem, Will — sussurrou o homem. — Você gosta, certo?
Willow afastou os olhos dele por um momento, apenas para fixá-los em
sua boca dura. E desejou... Oh, para o inferno! Desejou que Thonia não
estivesse entre eles para poder se agarrar àquele corpo enorme, quente e nu
que puxava suas entranhas insistentemente. Como era possível? Como ela
poderia querer derreter na pele de um homem que ela detestava até a noite
passada? Como poderia estar morrendo de vontade de receber a mesma
atenção que uma prostituta?
E então, como se respondesse a cada um de seus desejos mais proibidos
e vergonhosos, Ewan a acariciou.
Não, Tônia.
Ela.
CAPÍTULO 21
Era difícil de alcançá-lo, embora nunca o teve muito longe. Parecia que
Ewan estava tentando manter distância dela, não permitindo que o
alcançasse, mas também não a perdendo de vista. Quando finalmente
diminuiu a velocidade o suficiente para ela ficar atrás dele, as primeiras
gotas de chuva começaram a cair. Willow amaldiçoou baixinho e presumiu
que ele procuraria algum abrigo...
Poderia continuar sonhando.
O laird continuou seu caminho casualmente, e pouco a pouco a
tempestade ficou mais forte. Vendo que Ewan não parecia se importar,
Willow se envolveu no tartan dos Campbell pronta para suportar aquela
cavalgada embaixo da agua.
Depois de uma hora suportando aquele inferno, decidiu que não podia
mais odiar um homem. Ela estava encharcada até os ossos e seus dentes
batiam de frio. Seus dedos estavam dormentes e mal conseguia segurar as
rédeas do cavalo. O barulho insistente da chuva nos campos era
ensurdecedor, então gritar com aquele imbecil que se empenhava para que
os dois pegassem um resfriado não fazia sentido. Só esperava que ele caísse
em si logo e encontrasse abrigo, porque senão...
Ewan parou seu cavalo.
Willow observou como suas costas ficaram tensas e ele ficou muito
quieto, como se tentasse ouvir além do som das gotas de chuva na terra
molhada. Se virou para ela, seus olhos castanhos a perfurando com
intensidade. O que havia de errado com ele? O laird se virou e se
aproximou de sua posição, com o rosto sério e concentrado. Abriu a boca
para falar, mas no último segundo algo sibilou em suas cabeças e Ewan agiu
sem pensar.
Pulou sobre ela e a arrastou com ele para o chão. Ele a cobriu com seu
corpo enquanto flechas voavam sobre eles, murmurando palavrões para
seus covardes atacantes. Não a deixou respirar até que ouviram a voz do
inimigo, que foi ouvida mais perto do que ambos supunham.
— Que sorte a minha! Ewan Campbell, o novo chefe de seu clã, também
é um completo idiota. Deixa sua fortaleza sozinha, sem outra escolta além
desse menino medroso.
— Reed? — Ewan levantou a cabeça e o procurou. — Reed MacNab?
— Olha só — ele riu — vou realizar dois dos meus desejos mais
secretos. Vou acabar com o arrogante Campbell e manter seu homenzinho
para mim. O que você diz, pequeno Will? Quer terminar o que começamos
na outra noite?
CAPÍTULO 22
Finalmente a chuva lhes dera algum descanso. Willow olhou para o céu e
ficou grata por esta trégua, rezando para que o sol saísse para acalmar o
tremor que ela não conseguia controlar. Continuaram seu caminho, ambos
submersos em um silêncio tenso, depois de deixar os cadáveres dos
MacNab à mercê dos animais da floresta. Ninguém sentiu pena por eles.
Ewan não falava desde que montou em seu garanhão; na verdade, ele
não tinha a olhado desde o beijo. E ela não sabia o que dizer numa hora
dessas, então preferiu ficar em silêncio. Estava atordoada, incapaz de
processar o que havia acontecido e exausta. Se concentrou em sua
mandíbula, fazendo o possível para impedir que seus dentes batessem.
Também tentou ignorar a dor crescente em seu pulso. Reed MacNab
provavelmente tinha quebrado um osso, mas não reclamaria. Não ia soltar
um único gemido na frente do laird... ele já se sentia bastante envergonhado
depois do que tinha acontecido! Ela apenas rezou para que não tivessem
que cavalgar muito mais antes de chegarem ao seu destino. Não era dessas
mulheres que desmaiavam na menor oportunidade, mas sentia que estava
perto de perder o pouco autocontrole que lhe restava e, se isso acontecesse,
cairia nos braços da inconsciência sem oferecer resistência.
Para sua surpresa, não pararam mais em nenhuma propriedade.
Aparentemente, Ewan decidiu que não queria ver mais nenhuma família
Campbell e chegar ao seu próximo destino de repente se tornou uma
prioridade. Acelerou o passo sem olhar para trás nem uma vez para ver se
seu servo o seguia. Willow supôs que seu laird não se importaria se ela se
perdesse no caminho...
Nada estava mais longe da realidade.
Ewan estava morrendo de vontade de se virar, de olhar novamente para
o rosto daquele duende que o enfeitiçou e ver se a agitação em seu
estômago era real. Mas a vergonha o sufocava, o consumia em uma agonia
insuportável. Não apenas se deixara levar por seus instintos mais baixos,
como não apenas beijara um garoto... Além disso, tinha gostado!
Sim, ele tinha gostado daquele beijo. A boca de Will era macia e quente,
sua língua doce, provocante... por todo o inferno! Foi um dos melhores
beijos que ele deu em alguém em toda a sua vida! Porque, nesse sentido, ele
não estava delirando: Will o correspondera.
Não, não, não.
Já na cabana de Iona, Ewan tinha falhado de maneira lamentável ao
tentar fazer dele todo um homem. E não só isso. Will conseguiu demonizar
sua mente para que sua masculinidade apenas respondesse a ele, àquela
imagem de uma criatura fantástica que o fascinava. A pobre Thonia pagou
as consequências. Não reclamou porque isso se encaixava nos problemas de
seu trabalho, mas ele a havia usado de maneira vil, quando sempre fora
generoso com as mulheres na cama. Desta vez não foi. Ele a pegou com
raiva, quase com violência, só para desabafar e ver que o seu membro
continuava a funcionar apesar dos feitiços maus que Will derramara sobre o
seu corpo. E, uma vez saciado, deixou-a sem se despedir, sem se importar
em saber se ela havia gostado ou não... Jogou algumas moedas na cama e
saiu do quarto às pressas, envergonhado e ainda mais frustrado do que
quando chegaram. Porque sim, ele conseguiu terminar, mas a experiência
não lhe trouxe a satisfação e prazeres habituais. Isso o deixou vazio, frio por
dentro, furioso por fora.
Sua cabeça estava girando, revivendo aqueles momentos uma e outra
vez. Para piorar, agora aquelas imagens estavam misturadas com o que
acontecera na floresta momentos antes. Sua mente queimava, dilacerada
pelas sensações absurdas que tinham sido despertadas dentro dele pelo
ataque MacNab. Primeiro, um terror como ele nunca havia conhecido o
havia tomado ao ver Will à mercê do inimigo. A extraordinária coragem
que o menino demonstrou ao pular sobre Reed para detê-lo não passou lhe
despercebido, embora nunca fosse reconhecê-la. O menino muito tolo
estava prestes a morrer sob a espada daquele sanguinário! O alívio que
percorreu seu corpo quando tudo acabou, com Will ileso, abalou sua
sanidade, sem dúvida.
Porque pular em cima dele como uma ave de rapina não poderia ter
outra explicação.
E agora não podia olhar para ele, não deveria. Já se sentia mal o
suficiente consigo mesmo. A única saída que seu senso comum perturbado
poderia inventar era chegar à casa de seu tio Alec o mais rápido possível.
Pensou no velho guerreiro, exilado anos atrás por ordem de seu pai, o
antigo laird. Suas leis proibiam o contato com um pária, mas Ewan quebrou
as ordens de seu pai muitas vezes para se encontrar em segredo com seu tio,
a quem sempre respeitou e amou. Nessa ocasião, precisava mais do que
nunca de seus conselhos e, esquecendo o motivo inicial pelo qual decidira
procurá-lo, apressou o passo de sua montaria para chegar o mais rápido
possível à cabana solitária que agora era seu refúgio.
Já estava escuro quando finalmente avistou a fumaça saindo da chaminé
da casinha de pedra. Sua cabeça não parava de girar em torno do assunto
que o incomodava, pensando na melhor maneira de abordá-lo assim que
estivesse diante do único homem que ainda considerava sua família.
No entanto, quando viu a silhueta de Alec Campbell contra o luar, sua
coragem falhou.
O velho guerreiro os esperava de espada na mão, desconfiado da visita
inesperada de alguns estranhos no meio da noite. Ewan o achou imponente
em sua masculinidade e sua própria baixeza envenenou seus sentimentos.
Ele não seria capaz de confessar o que havia feito; temia que, ao pronunciar
em voz alta o ocorrido, os olhos do tio o acusassem de ser indigno do nome
que ostentava com tanto orgulho.
Então ele freou seu cavalo e esperou que Will o alcançasse. Sem olhar
para ele, sibilou sua ameaça muito baixinho.
— Se você disser a ele uma palavra sobre o que aconteceu, vou arrancar
seu pinto com minhas próprias mãos e dar aos porcos, entendeu?
Willow o ouvia de longe, atordoada por uma névoa de exaustão e dor
que entorpecia todos os seus sentidos. Seu único arrependimento sobre essa
ameaça era que não prometia uma morte rápida. Precisava dela. E não
hesitou em pedir.
— Mate-me agora, Campbell. Por favor... envie-me ao meu irmão.
Assim que disse isso, seu corpo deixou de lhe pertencer e a última coisa
que sentiu foi que estava escorregando para o lado...
Quando atingiu o chão com um baque, Ewan não teve escolha a não ser
assistir. Alarmado, saltou do cavalo e correu em direção ao menino,
temendo o pior. Seu tio Alec também correu, colocando a espada no
pescoço no momento em que se inclinava para se certificar de que Will
ainda estava vivo.
— Identifique-se ou você é um homem morto.
— Não reconhece mais seu próprio sobrinho?
— Ewan! Pelos velhos antigos, você enlouqueceu? Pensei que fossem
uns ladrões querendo roubar minhas poucas ovelhas restantes.
— Quem ousaria roubar algumas ovelhas de você, ou o que quer que
seja? Mesmo tendo envelhecido, todos ainda temem o formidável Alec
Campbell, matador de gigantes.
O homem retirou sua espada e sorriu.
— Ainda estão murmurando essa mentira sobre mim?
— Duvido que um dia parem de fazer isso.
Ewan gostaria de dar a seu tio a saudação adequada, mas a preocupação
com Will absorveu toda a sua atenção. Ele apalpou seu pescoço em busca
de seus batimentos cardíacos e deu um suspiro de alívio quando percebeu
que estava apenas desmaiado.
— Quem é esse fracote? — perguntou Alec, inclinando-se para ver
melhor o menino inconsciente.
— Ele é meu servo.
— O que lhe aconteceu?
— Nos atacaram... Eu...
Ewan olhou o tio nos olhos, incapaz de falar. O velho guerreiro tinha
uma aparência muito parecida com a dele, mas infinitamente mais sábio.
— O machucaram?
— Não, mas eu...
Não poderia confessar. Seu tio ajudou seu pai a torná-lo um homem;
Alec Campbell sempre esteve lá quando precisou dele, e aprendeu mais
com ele do que com o próprio Duncan. Porque, ao contrário do pai, Alec
era mais contido, mais justo e estava convencido de que também o amara
mais. Seu tio havia lhe ensinado tudo o que ele precisava saber e ter para se
tornar um verdadeiro guerreiro de honra, um líder mais justo. E brincar com
um jovem não fazia parte de seus ensinamentos, com certeza.
— O que há de errado, Ewan? Te conheço melhor do que o teu próprio
pai te conhecia. Está atormentado, me diga o que aconteceu.
O laird Campbell se endireitou e se afastou do menino inconsciente.
— Eu preciso que cuide dele. Não o quero em Innis Chonnel e ele não
tem outra família.
— O que fez para merecer o exílio, ao lado de um velho rabugento
como eu?
— Por favor, tio. Não posso confiar em mais ninguém... Contarei tudo,
no devido tempo. Mas primeiro tenho que me livrar de meus próprios
demônios. Posso contar contigo?
Alec colocou a mão em seu ombro e o olhou com todo o orgulho e amor
que sentia por ele.
— Pode sempre contar comigo. Você sabe.
Ewan Campbell raramente se emocionava. Mas nesse momento,
recebendo o apoio incondicional de seu único parente vivo, sentiu o
incômodo nó de sentimentos apertar sua garganta. Ele abraçou o velho
guerreiro por alguns segundos e então se afastou. Foi até seu cavalo sem
olhar para trás.
— Ewan, não saia no meio da noite — Alec lhe disse, vendo suas
intenções. — Descanse e coma algo quente perto do fogo. Amanhã pode
sair mais cedo se for esse o seu desejo.
O jovem parou com as mãos já colocadas na sela. Falou por cima do
ombro, com a voz mais derrotada que seu tio já tinha ouvido dele.
— Eu não posso ficar. Eu... Não. Não posso.
Montou em seu cavalo e partiu galopando sem mais delongas, deixando
um olhar preocupado nos olhos de Alec.
Ao perdê-lo na escuridão da noite, o guerreiro embainhou a espada e se
agachou ao lado do menino. Sua visão não era mais a mesma de sua
juventude e era difícil para ele focar as feições do jovem naquela escuridão.
O carregou e puxou as rédeas de seu cavalo para retornar à cabana,
meditando sobre a estranha atitude de seu sobrinho. Poderia jurar que nunca
em toda a sua vida o havia notado tão chateado. Mesmo quando seu pai
morreu, Ewan não era tão vulnerável. Nos poucos minutos que
compartilharam, ele tinha visto uma enorme perturbação em seus olhos. O
que diabos aconteceu para perturbá-lo assim?
Ele entrou em sua casa, onde outro homem o esperava, de arma em
punho, em atitude de alerta.
— Relaxe, Melyon, a visita não teve nada a ver com você — Alec o
tranquilizou. — Ajude-me com o menino.
O guerreiro veio rapidamente e pegou o menino nos braços para
depositá-lo em uma cama perto do fogo.
— Quem é esse?
Alec passou a mão pelo cabelo pensativo antes de responder.
— Alguém importante para seu laird.
— Ewan deixou de ser meu laird quando me baniu — o outro apontou
amargamente.
— Bah, bobagem! Você sempre será fiel a ele, não pode evitar. E agora
tem uma ótima oportunidade para provar: temos que cuidar desse pirralho,
ele o deixou sob meus cuidados.
— Por quê?
— Não faço a menor ideia — Alec respondeu, aproximando-se da cama.
À luz do fogo, o rosto do menino assumiu tonalidades muito diferentes. —
Ei, ei, ei...
— O aconteceu? Está ferido? É grave?
Alec agarrou o queixo delicado e moveu a cabeça cuidadosamente de
um lado para o outro para estudar melhor aquele rosto de feições delicadas.
Ao contato, o menino abriu os olhos por alguns segundos, semiconsciente.
— Eu realmente não esperava isso — Alec murmurou, vendo o azul
intenso que brilhava de febre.
— Está me deixando muito nervoso, cara. O que diabos há de errado
com o garoto? O que aconteceu com Ewan?
Alec teve a audácia de apalpar o peito com cuidado para ter certeza,
embora aqueles olhos inconfundíveis não deixassem margem para dúvidas.
— Acontece que ele não é um menino —anunciou convencido. —
Embora o que aconteceu com Ewan ainda tenhamos que descobrir.
CAPÍTULO 24
A primeira coisa que Willow viu quando abriu os olhos foi o brilho
agradável de uma lareira. Deu um suspiro de alívio quando se viu em uma
cama, quente e aconchegante, protegida da chuva forte e do frio de gelar os
ossos. Olhou em volta e descobriu que estava no quarto de uma pequena
cabana mal mobiliada com uma mesa de madeira e alguns banquinhos, um
velho baú encostado na parede e uma estante onde os utensílios de cozinha
se amontoavam sem ordem nem lógica.
Antes que terminasse seu escrutínio, a porta da frente se abriu e dois
homens desconhecidos entraram na cabana. Vinham carregados com
algumas peças de caça entre as quais Willow viu vários coelhos e perdizes.
Ficou com água na boca ao ver a presa e não conseguia se lembrar da
última vez que satisfez seu apetite com uma refeição decente. Ewan parecia
se contentar com carne salgada quando viajava, mas não era o suficiente
para ela.
— Bom dia— o homem mais velho a cumprimentou. — Descansou?
Sua voz era profunda e calma, mas Willow estava alerta. Quem eram
aqueles guerreiros e onde estava Ewan? A última coisa de que ela se
lembrava era de estar em seu cavalo, mais morta do que viva, desejando que
a tortura que estava sofrendo terminasse para sempre.
— Onde estou?
— Na minha casa, a salvo. — Ele se aproximou dela e a olhou com um
sorriso amigável. — Meu nome é Alec Campbell, sou tio de Ewan. E ele é
Melyon, um bom amigo.
Willow os observou com cautela. Não estavam usando as cores da
Campbell; realmente não usavam nenhuma das cores dos clãs que conhecia.
Vestiam calças escuras e camisas mais claras. O homem mais velho também
usava uma túnica sem adornos que traísse sua procedência, o que na
realidade achou estranho se era verdade que era um Campbell como dizia.
Aquele que ele apresentara como Melyon tinha um rosto taciturno,
marcado por uma cicatriz feia que ia do olho ao queixo. Era um enorme
guerreiro que parecia ocupar a maior parte do espaço da cabana.
Reconheceu o nome dele, depois de ouvir a história que circulava por Innis
Chonnel sobre o tenente de Ewan. Sabendo, porém, quem era a outra
protagonista do ocorrido, Willow nunca lhe dera muito crédito. Agora,
diante do suposto violador de Agnes, tinha certeza de que a garota havia
mentido. Não entendia o motivo dessa condenação, mas não tinha dúvidas
de que esse homem não havia cometido um ato tão hediondo. Seus olhos
cinzentos a olhavam com curiosidade, nada mais. Não encontrou nenhum
mal neles, nenhuma sombra que representasse uma ameaça. Mas iria
perguntar sobre isso, se a situação permitisse. Ela tinha outros problemas
para resolver...
O tio de Ewan estava cuidando dela. Seus olhos também não escondiam
a enorme curiosidade que sentia, e Willow não achava que estava pronta
para responder às perguntas que se percebiam por trás de sua expressão.
— Onde... onde está meu senhor? — perguntou, enquanto se sentava na
cama.
— Presumo que quer dizer Ewan. Não se preocupe, ele deixou você sob
meus cuidados.
A mente de Willow percorreu todas as possibilidades em um piscar de
olhos, e nenhuma acalmou seu ânimo. Ewan a havia abandonado naquela
cabana, à mercê de dois homens desconhecidos? Uma sensação brutal de
abandono perfurou seu peito. Ewan partiu sem ela... por quanto tempo?
Voltaria para procurá-la? Sentiu seu coração bater mais rápido enquanto as
perguntas corriam por sua mente. Felizmente, a voz calma do homem mais
velho interrompeu seus pensamentos frenéticos e a impediu de entrar em
pânico.
— Como está seu pulso? — Alec sentou-se em frente a ela em um
banquinho e a estudou cuidadosamente. Willow sentiu que este era o
começo do longo interrogatório que ela tanto temia. —Dói?
Olhou para a área ferida e descobriu que alguém a havia enfaixado.
Havia uma dor surda que não tinha percebido até que o homem a
mencionou.
— Estou bem... quase não dói.
— Você tem sorte, não está quebrado, embora tenha que usar o curativo
por um tempo. E vejo que a febre baixou, então espero que o resfriado que
trouxe ontem à noite não cause mais dificuldades. É uma loucura andar na
chuva, Ewan sabe disso muito bem. Não entendo o que pode ter causado
tanta pressa para chegar aqui.
Ele não fez nenhuma pergunta, mas estava claro que esperava alguma
resposta dela.
— Nos atacaram.
— Sim, meu sobrinho já me avisou disso antes de te deixar aqui. Mas
por que acha que ele queria se livrar de você com tanta urgência?
— Talvez...talvez eu o tenha incomodado de alguma forma —
sussurrou, sabendo que não poderia confessar àquele guerreiro que seu
sobrinho havia beijado aquele que ele acreditava ser seu servo e, por isso,
agora o odiava.
— Bah! Eu vi como Ewan trata os servos que ousam importuná-lo,
como você diz. Garanto que se fosse por isso não teria percorrido uma
distância tão grande para te deixar aqui como exemplo. Teria te trancado em
masmorras, feito você trabalhar até que suas mãos ficassem esfoladas...
Poderia até ter ordenado que fosse açoitado com um bom cinto.
Os olhos azuis de Willow se estreitaram com ressentimento.
— Ele já fez todas essas coisas comigo.
— Ewan se atreveu a te açoitar? — Alec Campbell estava alarmado.
— Não, bem, isso não. Isso foi a única coisa que faltou. — Como os
dois homens ainda a olhavam atônitos, Willow apressou-se em esclarecer:
— O laird não me tem em alta conta, senhor, não me considera digno de seu
clã. Pretende fazer de mim um guerreiro, algo que, receio, nunca será
possível.
— E por que acha isso?
Willow temia que tivesse falado demais. O homem estava a olhando
com uma intensidade que a desarmou e a lembrou de seu próprio pai. Se
sentiu diminuída diante dele, e dentro dela nasceu a necessidade
predominante de falar com ele honestamente. Algo em seus olhos a inspirou
com o tipo de confiança que poderia encontrar entre seu próprio povo,
mesmo que ela não o conhecesse.
— Não está no meu sangue, senhor — foi tudo o que conseguiu dizer
sem mentir para ele.
O olhar de Alex Campbell se intensificou. Parecia querer procurar
dentro dela muito mais do que o que estava na superfície.
— Conheço mulheres que são mais corajosas que alguns homens. —
Com essas palavras, Willow prendeu a respiração. — Nada te impede de ser
uma verdadeira guerreira, jovem MacGregor.
A garota corou, mortificada por ter sido pega na mentira.
— Como sabia? — sussurrou, quase sem voz. — E como é que conhece
minhas origens?
— Tive a grande honra de ser amigo de sua mãe — admitiu Alec,
falando com um tom de voz que não usava há muitos anos. — Erinn era um
sonho para todos os homens que a conheciam. Eu não era diferente... Caí no
feitiço dela tão rapidamente que fiquei tentado a sequestrá-la quando nos
apresentaram. Jamais esquecerei seus lindos olhos azuis; achei que nunca
mais os veria. — O homem sorriu melancolicamente. — Me enganei.
Seus olhos. Sim... Willow sabia que ela tinha os olhos de sua mãe. Mas
como esse homem poderia se lembrar deles tão claramente a ponto de
descobrir sua filha por trás deles? Parecia que tinha muitos negócios com
seu pai, era este o homem que alimentava o antigo ódio dos Campbells
contra seu povo? Willow ficou tensa com o pensamento, mas o pensamento,
assim como veio, desapareceu de sua cabeça. Era impossível. Naquela
cabana longe de tudo não havia nada além de dois homens banidos por seu
clã. Não tinham exército nem soldados para lançar um ataque a Meggernie.
Também não tinham riqueza — era óbvio — para contratar mercenários
para fazer o trabalho sujo por eles.
— E como chegou à conclusão de que eu sou filha dela? — perguntou
cautelosamente.
Um sorriso triste curvou os lábios do guerreiro.
— Porque eu, querida menina, estive presente no dia do seu nascimento.
Eu nunca poderei esquecê-lo. Meu melhor amigo, Ian, perdeu a esposa. Foi
uma noite horrível, todos os seus amigos foram lhe dar o nosso apoio,
embora nenhum deles imaginasse aquele desfecho fatal. Felizmente, ele
tinha você. — Alec a olhou com carinho. — E ainda bem que pelo menos
você conseguiu sobreviver a esse parto infernal, porque sem você ele
também não teria conseguido seguir em frente.
Willow fechou os olhos, grata por suas palavras. Ao contrário de muitos
outros, ele não a culpava pela morte de sua mãe. Era evidente que realmente
apreciava sua família.
Por isso, ela ficou envergonhada por ter sido descoberta dessa forma. Se
Alec conheceu Erinn, estaria pensando que a criatura diante dele não era
digna de ser considerada sua filha.
— Senhor, eu... peço desculpas pelo meu disfarce.
— Não tem por quê. Nestes tempos, posso entender sua necessidade de
se esconder. Embora eu tenha que dizer que o disfarce não é muito eficaz
para aqueles de nós que conheceram sua mãe. Não tem apenas os olhos
dela: você é a cara dela.
Um calor estranho, cheio de nostalgia, percorreu todo o seu corpo.
Como todas as vezes em que foi comparada a mãe, ela sentiu que sua
semelhança as unia de alguma forma. Se sentia mais perto de seu coração.
— Diga-me o que te trouxe aqui. O que aconteceu para ter acabado a
serviço do meu sobrinho tolo, que não sabe a diferença entre uma mulher
bonita e o traseiro de uma mula.
Willow não se sentia nada bonita agora. Desde que assumiu a
personalidade de um menino insípido, não se considerava mais atraente de
forma alguma. Impossível com seu lindo cabelo cortado curto, suas roupas
elegantes abandonadas em Meggernie e seu corpo coberto de tanta sujeira
que havia esquecido como era se sentir completamente limpa.
— Nunca suspeitou que eu sou mulher e é melhor assim. Agora sou
apenas Will.
— Will?
— Willow, senhor. Meu nome é Willow, mas nenhum dos Campbell me
conhece como tal.
— Willow... Sim, eu me lembro. Faz tanto tempo que esqueci. A última
vez que te vi, mal levantava um pé do chão. — O homem suspirou
melancolicamente. — Faz muito tempo que não sou um Campbell, e
Melyon não pode mais usar esse sobrenome, então, se não se importa,
vamos chamá-la pelo nome que Ian lhe deu. E pode me chamar de Alec,
pare de me chamar de senhor.
— Es... está bem — ela concedeu, embora o guerreiro lhe fosse muito
imponente chama-lo pelo seu primeiro nome.
Alec a estudou cuidadosamente. Parecia um passarinho encolhido em si
mesmo, seus olhos exalando medo e cautela. Como a filha de Ian
MacGregor veio parar tão longe de casa? No exílio, perdeu muito das
notícias que circulavam pelas estradas, e nada sabia da vida e dos milagres
das pessoas que conhecera em outro tempo. Estava morrendo de vontade de
fazer mil perguntas, mas sabia que Willow não estava pronta. Antes,
precisava se livrar daquela casca de desconfiança com a qual se cobria.
— Calma, não vou mais te incomodar por hoje, podemos conversar
quando achar conveniente — ele sussurrou, sentindo que tinha que acalmá-
la. — Aqui está entre amigos, não pertencemos mais a nenhum clã. Somos
homens livres e, como tal, agimos de acordo com nosso próprio julgamento.
Pode ser livre aqui também, Willow, e prometo que ninguém vai te
machucar.
O olhar da garota escureceu com suas palavras.
— Não, Alec. Eu não sou livre. Não estarei até poder vingar meu povo...
e meu irmão Niall.
Diante dessa nova informação, Alec mudou de ideia. Precisava saber.
— Por que diz isso? Aconteceu alguma coisa com Niall?
Os olhos de Willow de repente se encheram de lágrimas. Fazia muitos
dias que ela não se permitia chorar pelo irmão, mas diante daqueles homens
que pareciam dispostos a recebê-la, sentiu que poderia desabafar.
— Eles o assassinaram... Atacaram Meggernie, por isso tive que fugir.
Todos dizem... dizem que foram os Campbells, que o próprio laird
comandou seus homens no ataque. Dizem que Ewan Campbell o torturou
até a morte, na frente de todo o nosso povo!
Não sabia o quanto precisava dizer essas palavras em voz alta até que as
disse. Ela olhou para os rostos atordoados de ambos os homens, desejando
que falassem, que não ficassem calados apenas a olhando como se ela
tivesse enlouquecido. Quando alguém finalmente abriu a boca, foi Melyon.
— Isso é uma falsidade. Uma calúnia inventada pelo verdadeiro culpado
desses crimes para incriminar Ewan.
— Como pode ter tanta certeza? — Willow perguntou em um sussurro.
Ela também não tinha percebido antes o quanto precisava de alguém para
refutar aquela acusação vil contra Ewan. Ele já havia confessado a ela, mas
até que o tenente dos Campbell confirmou, ela não se permitiu acreditar
totalmente.
— Até recentemente, eu era o braço direito do laird. Quando o ataque
aconteceu, eu ainda era o comandante dos Campbell e posso garantir que
nenhum de nossos soldados participou daquela escaramuça. — O enorme
guerreiro se agachou ao lado dela para olhá-la nos olhos antes de dizer o
seguinte: — Também posso lhe dar minha palavra de que Ewan não é o
assassino de seu irmão.
Willow cobriu o rosto com as mãos e chorou... De dor e pesar, mas
também de alívio.
Ewan não é o assassino do seu irmão.
As palavras ressoaram em sua cabeça como um eco curador, libertando-
a de uma opressão que estava comprimindo sua alma todo esse tempo. Não
queria investigar mais sobre o que isso significava. Estava contente em
saber que não precisava mais odiar cega e irracionalmente o laird Campbell.
Agora estava livre para admirar o homem que descobrira dia a dia sem se
sentir culpada. Melyon não sabia, ou talvez soubesse, que com sua verdade
havia tirado um peso enorme de seus ombros.
— Não acredito que o pequeno Niall está morto.
A voz de Alec trouxe a cabeça de Willow para cima novamente.
— Quanto tempo faz que não vê meu irmão? Niall tinha de pequeno o
que eu de dama neste momento — comentou, incapaz de acreditar que as
palavras do guerreiro a tirariam da tristeza que ameaçava afogá-la. O
divertia que Alec se referisse a qualquer um dos gêmeos assim. Os dois
eram como duas torres humanas.
Ele a olhou com um sorriso esperançoso e ousou pegar sua mão e
apertar com força.
— Tem a beleza da sua mãe e o humor do seu pai. E o mais importante,
tem força e coragem para enfrentar essa provação. Fico feliz em ver que a
dor não minou o coração MacGregor em você... Porque você vai precisar.
Juntos, vamos descobrir quem está por trás de todos esses crimes, e eu
prometo, ele vai pagar por isso.
Willow devolveu o afetuoso aperto de mão do guerreiro colocando a
mão livre em seus dedos enormes.
— Não sei como te agradecer, Alec. Não te conheço, mas sinto que
posso confiar em você quase como se fosse da família.
— Ah, Willow! Houve um tempo em que seu pai e eu éramos muito
próximos. Tanto que posso garantir que, de alguma forma, éramos uma
família. Ian significa mais para mim do que meu próprio irmão, e é por isso
que você me encontra aqui hoje, exilado de minha casa, longe de meu
povo... — Seus olhos se perderam por um momento no vazio e ele suspirou.
— Longe do meu sobrinho, que precisa tanto de mim agora.
Ewan.
Willow saboreou o nome dele em sua mente e ouviu as palavras de
Melyon dentro dela novamente.
Ewan não é o assassino do seu irmão.
CAPÍTULO 25
Pela primeira vez em muito tempo, Willow sentiu alguma calma dentro
dela. Sentada numa pedra, junto a um dos riachos do caminho, observou
como os dois homens treinavam com suas espadas como se o exercício
físico fosse essencial para sua existência. De sua parte, estava feliz por não
ter mais que empunhar uma arma tão pesada e insuportável. Desde que
Ewan a deixou sob os cuidados de Alec, e isso já fazia vários dias, não
continuou a farsa de fingir ser um homem. Embora ainda vestisse as
mesmas roupas de menino, havia se lavado bem para tirar toda a sujeira que
a cobria e a bandagem que lhe oprimia os seios.
Foi libertador.
Outra mudança gratificante foi descobrir que nem Melyon nem Alec
permitiram que ela os servisse, como vinha fazendo em Innis Chonnel
desde sua chegada. Para os homens ela era mais uma, e embora às vezes
insistissem em lhe conceder os privilégios de seu antigo status de dama,
Willow se recusou a deixá-los tratá-la como uma inválida. Ela só tinha um
pulso machucado e podia cozinhar ou fazer qualquer outra tarefa sem
problemas.
Sua pequena convalescença também não durou muito, felizmente, e
cinco dias depois que Ewan a deixou ali, Alec decidiu que quebraria as
regras de seu antigo clã e voltaria sozinho para acompanhá-la. Precisavam
esclarecer o mistério em torno do ataque aos MacGregor e precisavam de
Ewan para proteger Willow. Ela estaria mais segura dentro dos muros de
Innis Chonnel do que em uma cabana de pedra no meio do nada, guardada
por um velho e um guerreiro proscrito.
Então partiram em sua viagem de volta, idealizando vários planos para
ver como poderiam se apresentar em Innis Chonnel sem colocar a jovem
em perigo. Melyon insistiu no fato de que, apesar de ter voltado à sua
condição feminina, Willow não deveria abandonar o exercício que começou
com Ewan e os outros soldados Campbell. Alec concordou, argumentando
que nos dias de hoje uma garota na situação dela deveria saber se defender.
Portanto, todos os dias após o café da manhã, seus dois companheiros
cuidavam de seu treinamento. Os dois praticavam primeiro, já que ambos
estavam acostumados com seus exercícios matinais e Willow não queria
que quebrassem sua rotina por ela. Quando terminavam, os guerreiros
dedicavam seu tempo para ensiná-la a manusear a adaga e o arco e flecha,
armas muito mais adequadas à sua musculatura e constituição. Melyon, em
particular, estava especialmente interessado em que aprendesse a se
defender com uma simples adaga. Ele lhe mostrou onde no corpo de um
homem ela deveria afundar sem demora se necessário, algo que, para sua
surpresa, não a horrorizou tanto quanto ela suspeitava. Willow havia
deixado para trás o pudor da dama que um dia fora e estava seguindo o
conselho do guerreiro sem ficar chocada. Ele também a ensinou a
arremessar a arma, caso o agressor estivesse um pouco mais longe dela.
— Viu? Deve segurar o cabo com firmeza, mas não tão forte que não
consiga controlar o arremesso — ele disse. — Assim, você movimenta o
braço e deixa a adaga escapar dos dedos aproveitando o mesmo impulso. E,
se quer ainda mais precisão e força, deve pegar pela borda. Levante a mão
traçando este arco, mire e atire...
Willow o observou com os olhos arregalados e aprendeu. Ela o observou
fazer isso e o imitou, jogando a faca repetidamente até sentir os músculos
do braço queimarem. Melyon assentiu, satisfeito com seu desejo e interesse,
e ela sentiu que finalmente estava fazendo as coisas direito. Depois das
constantes frustrações que suportou sob o comando de Ewan, a mudança foi
muito satisfatória.
Naquele dia, enquanto os assistia treinar como todas as manhãs, uma
sensação de calor inundou a parte de seu coração que ainda parecia viva. A
outra parte, aquela que havia morrido junto com Niall, permanecia
congelada como sempre. Aqueles dois homens haviam conseguido
despertar dentro dela a vibração da verdadeira amizade e, embora ambos
fossem Campbell, sabia que nunca poderia considerá-los inimigos.
Especialmente agora, quando estava convencida de que seu clã não tinha
nada a ver com o ataque a Meggernie.
No final do combate simulado, os dois se viraram para ela, sem fôlego.
Willow se levantou da pedra e trouxe os odres de água para eles se
refrescarem.
— Eu invejo suas forças e habilidades, senhores.
— Bobagem — Alec resmungou. — Para nos igualar teria que ter
braços poderosos... e você é linda demais, seu corpo seria grotesco com
braços do tamanho dos de Melyon.
Willow riu. Eles a contemplaram abobados. Era raro ouvi-la rir, era
mágico, um tanto rouco e terrivelmente sedutor.
— Com o que quer começar hoje, arco ou faca? — perguntou Alec,
quando se livrou de seu feitiço.
— Arco por favor.
Melyon foi procurá-lo, solícito. Willow o observou se afastar e pensou
que era um bom homem. Desde que ela acordou na cabana de Alec e eles se
apresentaram, não fez nada além de tentar agradá-la e servi-la em tudo. A
pergunta escapou de seus lábios antes mesmo que ela pudesse pensar que
poderia não ser bem recebida.
— Por que Ewan o baniu? Pelo que sei era seu melhor amigo.
Alec ficou em silêncio por alguns segundos. Foi a primeira vez que
Willow mencionou seu sobrinho depois de saber que ele não era, como ela
acreditava, o assassino de seu irmão. Alec também percebeu que havia
usado seu nome e não o chamado de Laird Campbell.
— Melyon foi acusado de violação.
— Sim, isso eu sei. Ouvi as histórias que circularam pelo castelo. Mas
agora conheço Melyon um pouco melhor... e também conheci Agnes, para
minha desgraça.
— O que quer dizer?
A jovem pensou por alguns segundos no que ia dizer. Sabia que este era
um assunto espinhoso para seus novos amigos.
— Que é impossível ele cometer esse crime — assegurou, convencida.
— E se eu, que mal lidei com ele, tenho isso tão claro, não cabe na minha
cabeça que Ewan simplesmente o baniu.
— É muito difícil tomar as rédeas de um clã, Willow. Meu sobrinho
ocupou o cargo apenas recentemente, pois seu pai caiu em batalha lutando
por Bruce, e é fundamental ser respeitado no início. Acho que ser
autoritário e firme superou sua amizade com Melyon.
— Pesou mais que a justiça?
A pergunta direta pegou o velho guerreiro desprevenido. E também a
Melyon, que já voltava com o arco e flecha. Foi este último quem saiu em
defesa de quem havia sido seu laird.
— Não é tão simples, Willow. Ewan tem dois abutres carniceiros ao seu
lado, prontos para atacar seus despojos se ele falhar.
— Adair e Lawler — concluiu ela.
— Assim é. Ambos têm filhos que ficariam felizes em assumir a posição
de laird se Ewan se mostrasse indigno da posição. Se não tivesse me punido
quando Agnes veio a ele por justiça, o teriam acusado de fraqueza, de
favoritismo ao se tratar de mim.
— Mas não entendo como ela conseguiu se safar — Willow insistiu,
indignada com o ocorrido. — Todos em Innis Chonnel acreditaram que
você a atacou? O que ela disse? Como os convenceu? E por que fez isso?
Melyon suspirou. Também se perguntou muitas vezes essas mesmas
perguntas.
— Agnes é uma criatura caprichosa e cruel. Descobri tarde demais, para
meu espanto. Eu fui parcialmente culpado pelo que aconteceu, sem dúvida,
porque depois de me perseguir implacavelmente, uma noite sucumbi aos
seus encantos e permiti que subisse na minha cama. Depois disso, suponho
que pensou que havia certos... sentimentos entre nós dois.
— E não foi bem assim — Willow interveio, vendo que o guerreiro
estava pensativo.
— De minha parte, não havia nada além de um carinho amistoso. Mas
ela queria mais de mim. Algo que eu não poderia lhe dar. Tivemos uma
discussão acalorada e prometeu que iria me arrepender... Eu não toquei
nela, Willow, eu nunca ousaria colocar a mão em uma mulher. No entanto,
quando se apresentou ao laird com roupas rasgadas e arranhões no rosto,
todos pensaram que fosse eu. Não me defendi porque sabia como a posição
de Ewan estava em jogo, embora não doesse menos por isso. Teria preferido
que meu amigo viesse em minha defesa, mas entendo que sua posição o
impediu de fazê-lo. E eu nunca faria nada para prejudicá-lo, ao contrário
daqueles dois conselheiros que buscam sua ruína. Desde o início, relutaram
em que ele substituísse o pai e foi muito difícil para ele se impor e ser
respeitado.
— Mas por quê? — Willow não entendia nada. — No que podem
reprová-lo? Ele é duro, enérgico e forte. É um guerreiro teimoso, disposto a
fazer qualquer coisa por seu povo.
— Anos atrás, ele teve uma discussão acalorada com seu pai e deixou
Innis Chonnel ― Alec respondeu, seu tom de repente nublado com tristeza.
— Ele esteve ausente por muito tempo, negligenciando seus deveres como
filho do laird. E o pior foi que sua mãe morreu em sua ausência, sofrendo
de tristeza e saudade segundo alguns. Ela era uma mulher amada entre os
Campbell, e o culparam por sua perda.
— Você estava lá? — Willow quis saber, bastante chocada com a
história.
— Não, mas garanto que Cait Campbell não estava tão fraca a ponto de
morrer de dor. Sentia falta dele? Não duvido. Mas não foi isso que a tirou
deste mundo. Ela contraiu febre... isso foi tudo. Uma doença virulenta
acabou com ela, nada mais poderia tirar sua vida, pois tenho certeza de que
ela confiava no retorno dele.
Willow imaginou a mãe de Ewan, uma senhora elegante com cabelo
castanho-mel e olhos castanhos como os do filho. Ela a visualizou olhando
por uma janela em Innis Chonnel, olhando para longe, além do Awe, além
do horizonte, querendo ver o seu primogênito voltar para casa. Sentia pena
dela, daquela despedida que nunca pode ter. Morrer esperando por alguém
deve ser uma coisa muito triste. Não é de admirar que seu povo colocou a
culpa em Ewan, disse a si mesma.
— Está pensando que Ewan merece a rejeição de seu povo?
Willow corou.
— Como sabe o que eu penso?
— Oh, garota! Você é muito transparente. A expressão em seu rosto diz
tudo, vejo como julga meu sobrinho por não ter estado ao lado de sua mãe
quando ela mais precisou dele. Acha que ele errou ao sair de casa.
— E eu não estou certa?
— Nesse caso, não. Pelo menos do meu ponto de vista, claro. Saiu por
minha causa, Willow, por me defender na frente de seu pai. Meu irmão era
muito teimoso e insistia em sempre conseguir o que queria, mesmo que
estivesse errado. Era o grande laird Duncan Campbell, como poderia não
cumprir suas ordens, mesmo contra o que o bom senso ditava?
— O que aconteceu?
— Venha, vamos nos sentar um pouco que eu te explico. Acho mais
importante você conhecer essa história do que seus exercícios, hoje não vai
ter treino.
Willow não se arrependeu. Estava morrendo de vontade de saber tudo
sobre Ewan Campbell. Embora tenha descoberto que a história que o
guerreiro queria lhe contar começou na verdade com sua própria família...
Enquanto Alec falava, sentado em frente a ela, Willow ficou cada vez
mais confusa. Aquele homem conhecera sua mãe, seus irmãos quando eram
dois pirralhos, seu pai quando seu olhar ainda brilhava de amor. Ver sua
família através dos olhos de Alec era perturbador, porque ele os conhecia
muito antes de ela nascer e contava coisas que desconhecia. Ao mesmo
tempo, queria saber tudo. Eram episódios agradáveis, engraçados e
cativantes. Até que chegou o momento em que sua mãe faleceu e a história
de Alec foi impregnada de uma tristeza palpável.
— Seu pai mudou, Willow. Ele se distanciou daqueles que até então
eram seus aliados. Não me conhece porque, daquele dia em diante, não
pude mais visitar Meggernie com tanta frequência. Ian se fechou em si
mesmo, não gostando de compartilhar sua dor com os outros.
— Mas... — interrompeu. — Meu pai não é assim. Ele é um homem
sério, não nego, mas não chora pela minha mãe todos os dias.
Alec a olhou e lhe mostrou um sorriso cheio de carinho que só se pode
sentir por alguém a quem considera de seu sangue.
— Em público com certeza não. E na frente dos filhos, menos. Mas
garanto que Ian MacGregor nunca foi capaz de esquecer Erinn, o amor de
sua vida.
Imaginar seu pai sofrendo diariamente por um amor da magnitude que
Alec descreveu tocou o coração de Willow, fazendo-o bater mais rápido. Do
nada, o rosto de Ewan Campbell apareceu atrás de seus olhos e ela teve que
balançar a cabeça para se livrar da visão indesejável.
— Como eu estava lhe dizendo — o guerreiro continuou — aqueles de
nós que éramos seus amigos não podíamos mais visitar Meggernie
regularmente. Não éramos bem-vindos, o laird não queria ser hospitaleiro
com ninguém. No entanto, nunca deixei de considerá-lo um bom amigo.
Assim, quando começaram os atritos entre nossos clãs, não hesitei em
defendê-lo perante meu próprio irmão, o poderoso Duncan Campbell.
— O que aconteceu? — Willow estava absorta. Ela se inclinou para
frente, atenta a cada palavra dele.
Melyon, que também havia se estabelecido perto deles, também não
perdeu nenhum detalhe da história.
— Nada de especial ou fora do comum nestas terras, pequenina. Roubos
de gado, brigas isoladas entre camponeses, histórias que são uma lâmina de
palha, mas que ao passar de boca em boca se transformam em uma grande
pedra que esmaga tudo que está no caminho. Em pouco tempo, os
MacGregor e os Campbells se desentenderam sem que ninguém soubesse
muito bem o real motivo daquele conflito. Uma noite, uma escaramuça um
pouco mais séria estourou entre os homens de ambos os lados. Meu irmão,
que até então se mantinha afastado das disputas entre camponeses,
considerando que com os ingleses havia problemas mais sérios a resolver,
recebia amargas queixas a respeito. Sua posição como laird foi questionada
e, claro, ele foi forçado a intervir. Reuniu seus homens prontos para a
batalha com os MacGregor, envenenado pelas acusações e censura de seus
próprios conselheiros. Ele queria matar seu pai, pequena Willow, tão
ofuscado ele estava.
A jovem se viu prendendo a respiração. Alec era um mestre contador de
histórias. Ele tinha o tom certo, pausando na medida certa para criar tensão,
e sua voz era tão profunda e convidativa que era impossível tirar os olhos
dos seus lábios enquanto falava.
— Então saí em defesa do meu amigo. Sugeri que Duncan enviasse uma
carta a Ian MacGregor; era preciso fazer uma reunião com ele para
esclarecer o ocorrido. Eu conhecia seu pai... Estava convencido de que ele,
como meu irmão, desconheciam a gravidade dos confrontos entre
camponeses. A situação saiu do controle para ambos os Lairds, mas estava
confiante de que poderia ser resolvido através do diálogo. — Alec respirou
fundo e fechou os olhos lembrando. — Não consegui que Duncan me
ouvisse. Muito pelo contrário, ele me acusou de traição por ficar do lado de
nossos inimigos e me baniu.
— Foi quando Ewan confrontou seu pai — Willow adivinhou.
— Assim é. Naquela época ele era apenas um menino. Ameaçou o pai
que iria embora se me expulsasse... Não adiantou. Meu irmão era muito
teimoso e sua honra estava muito acima dos sentimentos familiares. Por
minha causa, Ewan abandonou seu povo. Ele me acompanhou nesse exílio
por um tempo, mas eu o encorajei a seguir seu próprio caminho. No fundo,
queria que ele percebesse que sua casa era em Innis Chonnel. Ele estava
destinado a se tornar um laird, e seu povo precisava dele. Ele partiu a meu
pedido e não me arrependo. Eu sei que ele teve várias aventuras antes de
finalmente retornar aos Campbell, me contou sobre elas mais tarde. Apesar
de proibido, o meu sobrinho continuou a me visitar ocasionalmente, algo
pelo qual nunca poderei lhe agradecer como merece. — Alec suspirou de
arrependimento antes de terminar sua história. — Meu único
arrependimento é que, por minha causa, Ewan não estava lá quando sua
mãe morreu.
Um sentimento de tristeza pairou no ar após suas palavras. Nenhum dos
três disse nada por um tempo, cada um saboreando a história à sua maneira.
Willow olhou para Melyon. O homem tinha os olhos perdidos no brilho
das águas do riacho e uma expressão séria. Supôs que ele havia vivenciado
pessoalmente certas partes da história e podia sentir sua dor pela amizade
que o unia a Ewan, por seu infeliz desfecho, por não poder continuar ao seu
lado como tenente.
Ela mesma agora estava percebendo um aglomerado de sentimentos
conflitantes dentro dela. Imaginou o jovem Ewan enfrentando seu pai por
alguém tão generoso, honrado e corajoso como Alec... E o admirou. Esse
gesto dele, esse sacrifício de abandonar a família para seguir as próprias
convicções, não condizia com a imagem que vinha construindo dele durante
esse tempo. Agora tudo tinha muito mais lógica. Sim, como dizia Alec,
tinha se colocado de seu lado por querer defender os MacGregor, não havia
sentido em suspeitar que ele era o assassino de seu irmão. Dia após dia, ao
lado daqueles dois homens, Willow descobria um Ewan que nada tinha a
ver com aquele que ela conhecera, mas que, no fundo de seu coração,
sempre desejara que fosse.
Porque, por mais que odiasse cada dia que compartilhou com ele,
percebeu que ele havia se tornado uma parte indispensável de sua vida. Ela
sentia falta dele, por mais estranho e perturbador que isso fosse. Sentia falta
dele todos os dias, todos os momentos. Ele não saía de sua mente. Ela sentia
falta do som de sua voz, o jeito que ele a olhava, sua presença dominante.
Sentia falta da maneira como ele tomava conta de seu mundo inteiro e ficou
apavorada ao descobrir o enorme vazio que sua ausência havia deixado
dentro dela. Como era possível que, em tão pouco tempo, aquele homem a
tivesse penetrado tão profundamente? Ela recordou repetidamente os
momentos que compartilharam, sua rotina diária, cada vez que a tocava, de
uma forma ou de outra. E o que ela mais pensava, o que revivia com mais
intensidade, foi o momento em que se beijaram após o confronto com os
MacNab.
Principalmente à noite, quando tudo estava calmo e o silêncio a
envolvia.
Se ela se concentrasse, poderia evocar a sensação daqueles lábios
devorando sua boca enquanto a chuva caía sobre eles e seu sangue corria
freneticamente em suas veias após a escaramuça. Se respirasse fundo, podia
sentir novamente o toque de suas mãos enormes segurando seu rosto, a
sensação de ser amada, irracionalmente desejada, apesar de tudo, contra
tudo. Em sua memória, adulterada por sua mente fantasiosa, Willow se
vestia como as grandes damas. Ewan acariciava seus longos cabelos soltos
até a cintura e, após o beijo, não se afastava como se ela fosse uma praga.
Em vez disso, a pegava em seus braços fortes e a carregava para longe de
todos aqueles cadáveres espalhados pelo chão...
— No que está pensando? — perguntou Alec, tirando-a de suas
reflexões.
Os olhos do homem, tão sinceros, tão preocupados com seu bem-estar,
levaram-na a responder com a mais dura verdade.
— Acho que a imagem que descreveu de Ewan não corresponde à que
eu tinha dele... e isso complica minha existência, Alec.
— Você o via como um monstro, Willow, algo normal se achou que ele
é o responsável pela ruína de sua família.
— Mas não é um monstro.
O velho guerreiro sorriu.
— Claro que não. Ele pode ser muito duro com seus homens às vezes,
como suspeito que foi com você se pensou que era um menino. Essa é a
herança que Duncan lhe deixou, receio, e é preciso saber aceitá-lo como é.
Olhe para Melyon; ele sabe melhor do que ninguém que, por trás de sua
fachada implacável, existe um coração nobre e generoso.
A jovem olhou para Melyon e viu que ele a observava atentamente. Em
seu rosto podia ler que ele concordava com as palavras de Alec.
— Acha que, apesar do que fez com você, ele é um bom homem, certo?
— lhe perguntou, talvez porque precise reafirmar a nova opinião que o laird
merecia. Ninguém melhor que seu tenente, que sofrera na própria carne a
cruel intransigência de seu senhor, para confirmar o que seus instintos a
alertavam.
O guerreiro respondeu sem tirar os olhos dela.
— Eu daria minha vida por ele.
CAPÍTULO 27
Fazia uma semana desde que Ewan voltou para casa, mas os dias pareciam
tão longos que se equiparavam a meses... O laird olhou pela janela em
direção ao pátio de treinamento, onde deveria estar com seus homens. Em
vez disso, estava trancado em seu quarto, taciturno, sem companhia além de
uma taça de vinho. Não queria ser sociável com ninguém e, acima de tudo,
não se encontrar com nenhum membro da família St. Claire.
Na tarde em que voltou para Innis Chonnel, sem Will, percebeu que seu
egoísmo havia superado em muito sua responsabilidade para com as
pessoas sob sua proteção. Ao passar pelos portões do castelo naquele dia,
Maud veio rapidamente ao seu encontro, certamente alertada pela notícia de
que o laird havia retornado de sua jornada. A mulher obviamente viera da
cozinha, pois ainda estava limpando as mãos enfarinhadas no avental.
— Onde está Will? — lhe perguntou, sem qualquer tipo de cortesia, com
uma cara de alarmada quando não o viu ao seu lado.
— Está tudo bem, Maud, acalme-se.
— O que fez com ele?
Ewan não ficou surpreso ao ouvir a acusação velada. Afinal, todos
testemunharam como o menino foi maltratado durante seu tempo em Innis
Chonnel. Era lógico supor que sua família o culpava por sua ausência.
— Achei que seria bom para ele passar um tempo longe da influência de
sua mãe protetora — respondeu secamente. — Will tem que se tornar um
homem, e aqui não consegui que progredisse.
A mulher o olhou, atordoada.
— Mas onde...?
— Maud, não perturbe o senhor com suas perguntas. — John também
tinha vindo quando ouviu a voz alterada de sua esposa. — Se ele lhe deu
sua palavra de que Will está são e salvo, não temos nada a temer.
Ewan olhou para o grande homem ruivo com uma sobrancelha castanha
levantada. John era muito esperto... Ele não tinha dado a sua palavra, mas o
comentário, nada fortuito, obrigou-o a lhes dar a tranquilidade que pediam.
— Claro que Will está bem. Deixei-o sob a responsabilidade do meu tio
Alec; foi ele quem me treinou e tenho certeza de que fará um bom trabalho
com Will. Quando voltar, não reconhecerá seu próprio filho.
O casal observou apreensivo enquanto o jovem laird se afastava deles
com seus passos habituais. Mesmo tentando fugir com pressa, Ewan não
pôde deixar de ouvir seus comentários enquanto caminhava em direção ao
prédio principal.
— Eu não sabia que pretendia se livrar de Will. Não me disse nada; caso
contrário, eu teria tentado fazê-lo mudar de ideia — John havia dito.
Maud então bufou.
— Ele mudou. Não vejo nele nenhum vestígio daquele garotinho que
recolhemos em nossa cabana há tanto tempo. Agora é um homem
autoritário e intransigente. Ele nem nos avisou, não conseguimos nos
despedir dele...
— Agora ele tem muitas responsabilidades, tem que cuidar das pessoas
do seu clã, é diferente.
— Ele é um desalmado — Maud explodiu. — Pode cumprir suas
obrigações e mostrar um pouco de misericórdia... não é incompatível. Ele
sabia que Will é como nosso filho e simplesmente o levou! Ele não nos
levou em consideração. Se isso é cuidar do seu povo, é melhor ele se
dedicar a outras tarefas...
O casal não moderara o tom para falar dele. Ewan estava convencido de
que naquele momento queriam que ele os ouvisse, para que sua consciência
o incomodasse.
Não os culpava...
Tinha falhado com eles. Jamais teria separado outra criança de seus pais
sem avisá-los, sem que pudessem ter uma despedida digna. Mas ele estava
obcecado por Will, anulando seu senso de dever, bloqueando-o e deixando
de agir com responsabilidade. Apesar do que Maud e John pudessem pensar
dele, ou mesmo sentir, não se arrependia de deixar o menino com seu tio
Alec.
No caminho, naquele primeiro dia de sua chegada, ele parou em frente
ao campo de armas onde alguns dos guerreiros estavam treinando. Havia
notado os mais novos, garotos de quinze ou dezesseis anos, como Will, se
preparando para se tornar soldados que se juntariam às fileiras de Bruce no
campo de batalha. Percorreu-os de alto a baixo, examinando as pernas, os
braços, os pescoços que sobressaíam por cima da proteção, os queixos
tensos, os movimentos...
Naquele momento, suspirou com algum alívio.
Não encontrou nada fascinante neles, nenhuma atração, nenhum
interesse. Isso só poderia significar que não havia perdido sua virilidade;
que sua masculinidade não estava em perigo, afinal.
Porém, naquela mesma noite, nos braços de Gillian, uma criada que já
havia aquecido sua cama em outras ocasiões, descobriu com horror que
talvez tivesse se apressado pensando que estava a salvo...
Agora, uma semana depois, Ewan relembrava aquela noite com
profundo embaraço. Bebeu seu copo e pediu que a bandeja de comida que
ela havia deixado intocada fosse removida. Liese estava encarregada de
cumprir essa ordem e Ewan não conseguia nem olhar na cara dela.
— Traga mais vinho— foi a única coisa que disse a ela.
Era incrível. Voltava para lá, sem nenhuma explicação, sem motivo
aparente. Que crime havia cometido? De acordo com Donald, o laird não
havia barrado sua entrada no castelo, mas sua presença claramente o
incomodava muito. O que estava planejando fazer com ela? Andava
nervosamente pela cela, mal iluminada pela luz de uma tocha que ardia do
outro lado da porta de madeira e que se filtrava pelas grades da janela
superior. Aquilo era uma loucura. Parou e tentou argumentar com o homem
que havia ficado guardando as masmorras.
— Preciso falar com o laird... é importante.
— Eu já te disse que ele não quer falar com você.
— Pelo menos exijo saber do que sou acusado. Por que estou aqui?
— Eu não sei e não me importo. O laird quer que você esteja aqui, não
há mais nada a dizer.
Era como falar com uma pedra. Teria lhe dito com prazer que o que
presumiu ser um pirralho imberbe que lhe dava nos nervos, era na verdade
uma mulher. Dessa forma, certamente correria escada acima para avisar seu
todo-poderoso laird, e ela conseguiria sua audiência.
Mas não. Prometeu a Alec que contaria a Ewan primeiro e pretendia
respeitar essa decisão. De qualquer maneira, era a coisa sensata a fazer.
Quem poderia imaginar do que aqueles bárbaros Campbell eram capazes
quando descobrissem que os estava enganando fingindo que queria ser um
deles, um guerreiro como os outros.
As horas passaram e lhe trouxeram comida. E, várias horas depois,
jantar. Ninguém, exceto seu guarda, entrou ou saiu das masmorras. Nem
mesmo John ou Maud... eles saberiam que estava de volta? Duvidava. Bors
foi buscá-la depois de informar ao laird de sua chegada e a levou direto para
as masmorras sem lhe dar a chance de ver mais ninguém. Quando ficou
claro para ela que não receberia visitas naquele dia, deitou-se sobre a pele
de urso que estava ali desde a primeira vez em que foi trancada e se
preparou para dormir, algo totalmente impossível naquele lugar sombrio e
fedorento.
O silêncio às vezes se tornava pesado. Esmagava seu peito, zumbia em
seus ouvidos e tornava difícil respirar normalmente. Os pensamentos a
atormentavam, enchendo sua mente com memórias dolorosas. Ela não
queria pensar em seu irmão Niall, porque a angustiava. Não queria pensar
em Marie e no que teria acontecido com ela. Se perguntou muitas vezes se
sua velha ama havia sobrevivido ao ataque... Ela rezava para que tivesse,
porque era simplesmente muito doloroso supor o contrário. Tampouco
queria pensar em seu pai e em Malcom, tão distantes, porque então
começaria a se preocupar se os veria novamente, se ainda estavam vivos, se
ainda se lembrariam dela, ou se ficariam loucos de preocupação por não
saberem o que havia acontecido com ela.
Então, inevitavelmente, sua mente voltava ao ponto que ela alcançava
todas as noites: os momentos vividos com Ewan. Concentrou-se no rosto,
traços duros, quase sempre sérios. Deixou-se envolver pela lembrança de
cada olhar profundo que lhe dera. Sabia que devia estar aborrecida com ele
por mantê-la neste confinamento desconcertante. Não merecia gastar um
único pensamento com ele. Mas naquela solidão absoluta, enterrada em um
silêncio tão avassalador, não tinha forças para rejeitar as imagens que
voltavam à sua cabeça: Ewan nu no lago, Ewan dormindo em sua cama,
Ewan galopando em seu incrível garanhão, Ewan com sua espada levantada
protegendo-a do MacNab, Ewan olhando para ela, acariciando-a, beijando-
a...
— Onde está Ewan? Tenho que te dizer que não te odeio mais... —
murmurou, antes de cair em um sono inquieto.
Alec olhou para Ewan de soslaio. Ele não entendia por que não queria levar
Willow com eles e não queria tirar a autoridade de seu sobrinho na frente de
seu povo, então não interferiu... Nesse momento. No entanto, ele sabia que
a presença da garota seria essencial em seu encontro com os MacGregor,
então, antes de deixar a fortaleza, havia dado a Donald instruções muito
específicas a esse respeito.
— Quando eles chegaram? — perguntou Ewan, antes que o barco
chegasse à outra margem.
— Esta manhã, ao amanhecer. Melyon e eu ouvimos o alvoroço de suas
tropas e saímos ao seu encontro. E graças a Deus, porque seus homens já
estavam se preparando para o confronto, mas conseguimos deixar todos
tranquilos.
— O que querem? O que procuram?
— Não me disseram. Malcom MacGregor não queria falar com ninguém
além de você. Presumo que seja sobre o ataque à sua fortaleza e o
assassinato de seu irmão. — Alec olhou sério para o sobrinho. — Lamento
te informar, mas não agiu com sabedoria neste assunto. Em que estava
pensando? Ser temido não é a melhor maneira de ganhar o respeito dos
outros. Não deve carregar os crimes dos outros em seus ombros apenas para
parecer mais forte.
Ewan abaixou a cabeça, abatido. Seu tio era uma das poucas pessoas em
quem ele depositava fé cega, e suas repreensões o afetavam, porque ele
sabia que estava certo.
— Agora é. Padre Cameron já me alertou sobre isso e eu lhe prometi
que iria remediar. Mas com toda essa coisa de Will... minha cabeça não
estava onde deveria estar.
Alec podia sentir sua perplexidade. Ewan estava muito perdido.
— Bem, esta é sua chance de esclarecer as coisas. O assunto deve ser
resolvido sem mais demora, para que, quando encontrar o rei, ninguém
possa levantar qualquer acusação contra você.
Ewan assentiu e ficou pensativo, os olhos perdidos na água.
— Ela te contou que era mulher? — soltou de repente.
— Não. Percebi antes que ela acordasse. — Alec riu. — Eu não sei
como você não percebeu... Eu gostaria de ter visto seu rosto quando ela
finalmente confessou.
— Não é engraçado, velho — Ewan protestou para sua diversão. —
Quase perdi minha sanidade por causa dela.
Alec continuou a rir e deu um tapinha carinhoso na nuca dele.
— A pouca sanidade que você tem, quer dizer...
— Atenção, chegamos — Melyon anunciou, atrás deles.
Todos os ocupantes do barco olharam para a costa, onde um grupo de
MacGregor os esperava. Além deles, podiam ver alguns MacNab, incluindo
seu odioso laird, James. Ewan procurou entre os guerreiros e rapidamente
percebeu o que deveria ser Malcom por sua postura e a carranca em seu
olhar que, a julgar por sua ferocidade, poderia facilmente partir um tronco
ao meio com seus olhos. Ele era um homem bastante alto, com uma
envergadura assustadora e uma aparência intimidadora. Seu cabelo castanho
estava na altura dos ombros e uma espessa barba escura cobria seu rosto.
Ao se aproximarem, os dois homens se reconheceram como os respectivos
líderes de seus clãs e não deixaram de se observar.
— Bom dia, senhores — Ewan cumprimentou quando chegou até eles.
— O que traz o filho do laird MacGregor às terras dos Campbell? — ele
perguntou sem rodeios, exibindo sua habitual falta de tato.
Alec pigarreou ao lado dele, deixando-o saber que ele era um bruto.
— Não somos bem-vindos? — inquiriu Malcom, cuja mão descansava
aleatoriamente no punho de sua espada.
— Claro que é. Meu sobrinho não tem boas maneiras, mas é um homem
generoso e hospitaleiro, posso garantir — Alec interveio para amenizar as
coisas.
— E bem? — insistiu Ewan, ignorando todos os esforços do tio para que
aquele encontro fosse pacífico.
— Tivemos que voltar do front para resolver os problemas do clã —
Malcom explicou. — Sei que está ciente do ataque a Meggernie. Nesse
ataque mataram meu irmão... e roubaram algo que nos pertence.
Ewan de repente se lembrou da joia misteriosa que todos procuravam.
Como ele poderia esquecer isso também? Will distorceu sua mente de tal
forma que havia esquecido todas as questões que poderiam ter resolvido
este enigma.
— Como eu disse a James MacNab quando esteve aqui perguntando
sobre sua joia, os Campbell não a têm. — Ewan olhou diretamente para o
homenzinho enquanto falava.
— Você me disse isso, mas eu não acreditei — o mencionado estalou
violentamente. — Foi bastante suspeito que, após perguntar sobre a joia,
desapareceu de casa no dia seguinte. Mandei meu homem de confiança
procurá-lo... mas ele nunca mais voltou. Encontramos seu corpo, junto com
o resto de seu grupo, assassinado no meio da floresta. Não sabe o que
aconteceu com eles?
Muito bem. Ele não apenas tinha que se explicar aos MacGregor, mas
também tinha que responder pelas mortes dos MacNab. Ewan sentiu seu
pulso acelerar e respirou fundo, tentando se acalmar.
— Eu os matei.
A declaração contorceu o rosto de James, e ele levou a mão ao punho da
espada com um grunhido raivoso. Malcom colocou a mão em seu peito para
acalmá-lo.
— Primeiro, quero ouvir o que você tem a dizer — ele disse, perfurando
Ewan com os olhos.
Ele assentiu, grato pela intervenção. Não tinha medo de enfrentar James,
na verdade, estava ansioso por isso, mas não queria se envolver em uma
luta contra esses homens. Era necessário que os MacGregor soubessem de
sua inocência.
— Eu os matei — ele disse de novo — porque me atacaram primeiro.
Me atacaram na floresta, cinco contra um... Não, estou mentindo, cinco
contra dois, porque meu criado estava comigo. Na verdade, acho que ele foi
a causa daquela emboscada. Aparentemente, Reed tinha gostado do menino
e estava disposto a fazer qualquer coisa para conseguir o que queria. Foi em
legítima defesa, James, não há crime em se defender.
— Mas há em atacar uma fortaleza na calada da noite, quando a maior
parte de seus soldados está lutando na linha de frente ao lado de nosso rei
— Malcom soltou, seu tom em chamas. Avançou um passo e acrescentou.
— É crime roubar o que não te pertence...
Ewan ergueu as mãos pedindo calma.
— Não foram os Campbell que realizaram aquele ataque. Não roubei
nada... não matei seu irmão.
— E é isso? Devemos apenas acreditar na sua palavra? — Malcom
perguntou.
— Eu era amigo do seu pai — Alec então interveio. — Eu o estimava
tanto que me desentendi com meu próprio irmão, o antigo laird,
intercedendo por ele no passado e tentando evitar o conflito que nossas
famílias tiveram nos últimos anos. Fui banido pelo meu próprio clã... E isso
deve bastar para você acreditar na minha palavra. E juro a você, pela minha
honra, que os Campbell não atacaram Meggernie. Ewan não é culpado dos
crimes que lhe são imputados e está disposto a lhe provar isso a
encontrando o verdadeiro arquiteto desse engano.
Malcom considerou suas palavras. Ele olhou de um homem para o
outro, decidindo se deveria ou não confiar naquele argumento.
— Tenho uma vaga lembrança de você — ele finalmente admitiu — de
quando veio para Meggernie quando meu irmão e eu éramos crianças. Meu
pai falou de sua coragem e lealdade em algumas ocasiões, e mesmo que eu
não acredite em sua palavra, devo acreditar na de meu pai. Estou pronto
para acreditar... e aceitar a ajuda do laird dos Campbell.
Ewan soltou o ar que estava segurando em seus pulmões.
— Estou feliz em ouvir você dizer isso — Alec disse, com um sorriso.
— Encontraremos o culpado da morte de seu irmão — Ewan prometeu a
ele.
— Minha prioridade agora é encontrar a joia... É o que me faz perder o
sono. — Malcom olhou para Alec com intenção, falando com ele com os
olhos sobre algo que não ousava dizer em voz alta por medo de piorar a
situação.
E Alec entendeu... A luz acendeu em sua cabeça porque, de todos os
presentes, ele era o único que poderia saber o que ele queria dizer. Pois,
embora não soubesse que era esse o apelido pelo qual ela era conhecida
entre seu povo, ele estava presente quando a joia nasceu. Entendeu o
desespero de Malcom e ficou grato por ser cauteloso e antecipar os
acontecimentos. Havia presumido que os MacGregor ficariam satisfeitos
em saber que Willow estava ali, sã e salva, e arriscou desobedecer à ordem
de Ewan pedindo a Donald que a levasse até lá. Mas nunca imaginou que
eles estavam procurando por ela com tanta força... A garota nunca
mencionou que sua família não sabia de seu paradeiro e ele assumiu que seu
disfarce e seu esconderijo tinham sido ideia do próprio MacGregor para
mantê-la segura. Este foi certamente um golpe de sorte; serviria para
mostrar a Malcom sua boa vontade: eles cuidaram de sua irmã todo esse
tempo.
— Parece-me que sua busca acabou — disse ele, com um gesto
conciliador. — Você tem que me perdoar, eu não sabia da importância dessa
joia e não liguei os pontos... Ewan não é culpado de mentir para você,
porque ele também não sabe o que você quer dizer, mas sim, ele a tem. Ele
a teve todo esse tempo.
Ewan olhou para ele diretamente.
— Do que você está falando, tio? Nunca vi essa joia dos MacGregor.
Alec caminhou até ele, colocou a mão em seu ombro e olhou em seus
olhos.
— Sim, você já viu.
A profundidade dessa declaração afundou na mente de Ewan, e seu
rosto se contorceu quando ele entendeu. Não podia ser, não podiam estar
falando sobre...
— Malcom!!
O grito penetrante veio da costa, onde um dos barcos de Innis Chonnel
acabara de parar. Todos olharam e viram a criatura de cabelos curtos,
vestida com roupas masculinas enormes, correr em direção aos MacGregor,
seguida por Donald, que tentava segurá-la sem sucesso. Passou rapidamente
pelos rostos perplexos dos Campbell, percebendo qualquer coisa, menos seu
alvo.
Malcom ficou petrificado, não conseguia tirar os olhos da criatura que
avançava como uma flecha em sua direção. Quando a teve em cima dele, se
jogando em seus braços, abriu-os instintivamente, porque seu coração lhe
dizia que finalmente havia encontrado o que procurava.
— Malcom! Achei que nunca mais te veria!
Ao ouvir aquela voz, os joelhos do guerreiro tremeram e suas mãos
apertaram o corpo macio escondido nos trapos.
— Willow…
Ela se afastou para poder olhar para o rosto amado dele, e seus olhos se
encheram de lágrimas. Tocou seu rosto com reverência e seu irmão sabia
que estava pensando em Niall também, e como, mesmo que seus rostos
fossem idênticos, nunca mais o veria. Malcom também olhou para ela, feliz
e ao mesmo tempo constrangido com sua aparência.
— O que aconteceu com você? — ele perguntou, passando os dedos
pelas mechas curtas de cabelo. — Você está... você está tão mudada... O que
fizeram com você?
Ela negou com a cabeça, o rosto coberto de lágrimas, a garganta
sufocada pela emoção, incapaz de pronunciar uma palavra. Ela se apertou
contra seu corpo novamente, procurando o calor e o cheiro familiar de seu
irmão, seu coração cheio de felicidade e melancolia.
Na frente deles, Ewan assistia ao reencontro sem sair de seu estupor.
Seu duende, aquela criatura maravilhosa que ele descobrira na noite anterior
sob o disfarce de um menino, agarrava-se a Malcom MacGregor com
confiança e amor incondicional. E suas entranhas arderam de ciúme e
desejo de arrancar a mulher que considerava sua... e de mais ninguém dos
braços de seu oponente.
Ele deu um passo em direção a eles, o rosto contorcido, os punhos
cerrados ao lado do corpo. Alec colocou a mão em seu peito e Ewan rosnou
baixinho.
— É minha…
— Não. Agora não.
— Não o entendo? — Ewan virou-se para o tio e falou tão baixinho que
Alec mal o ouviu. — Se entregou a mim, agora me pertence. Não vou
deixar outro homem levá-la de mim e não me importo se estavam noivos ou
apaixonados um pelo outro antes de ela vir para mim. Tenho certeza de que
os sentimentos de Willow mudaram, ela não pode amá-lo...
Alec ficou tão surpreso com as palavras dele que sua voz não saiu para
responder. A garota havia se entregado a ele? Quando? Pelos chifres de
Satanás, aquilo complicava as coisas! E a gota d'água foi que ele acreditou
estar testemunhando um reencontro entre dois amantes... Tinha que
esclarecer antes que fizesse o maior idiotice de sua vida. Quando Ewan deu
outro passo na direção dos MacGregor, o deteve segurando seu braço.
— Willow o ama, muito mais do que você pensa.
— Impossível.
— Ouça, Ewan…
— Não.
Ele se desvencilhou do braço do tio e avançou um pouco mais.
— É o irmão dela — Alec finalmente disse, colocando a mão no ombro
dele novamente.
A implicação dessas palavras penetrou na consciência de Ewan muito
lentamente, como um galho afundando em um pântano.
Irmã de Malcom MacGregor.
Portanto, filha de Ian MacGregor, um grande senhor das Highlanders, o
laird de seu clã.
Ela não era filha de servos, não estava sozinha.
Ela tinha um clã inteiro que a apoiaria se ela precisasse, tinha um pai e
um irmão poderosos.
E ele a tratou com desdém desde que a conheceu. Tornou a vida dela
miserável, a levou para a cabana de uma prostituta! E, ainda por cima, não
contente com tudo isso, desonrou-a e deflorou-a numa masmorra imunda e
fedorenta...
CAPÍTULO 34
Estava com os seus, estava com Malcom. Queria que aquele momento
durasse para sempre. Sentir os braços fortes do irmão apertando-a com
tanto amor lhe devolveu a paz interior que ela já pensava ter perdido
irremediavelmente.
— Achei que nunca mais te veria — confessou, encostado no seu
ombro.
— E eu, pequena — respondeu o guerreiro, abraçando-a contra o peito.
Ambos sabiam que, a partir daquele momento, seriam apenas dois e sempre
faltaria alguma coisa. Mas talvez, por isso mesmo, aquele reencontro os
tenha aproximado.
Willow lentamente se afastou e enxugou o rosto nas mangas da camisa.
Olhou para o resto dos homens MacGregor, seu coração disparou
novamente ao reconhecer tantos rostos. Era reconfortante saber que aqueles
soldados não cuspiam nela nem desviavam o rosto. O oposto.
— Angus! — exclamou, vendo o gigante protegendo as costas do irmão,
como sempre. Ela se aproximou dele e ele se ajoelhou no chão, pegou a
mão dela e a beijou carinhosamente. Willow sorriu feliz. — Levante-se,
Angus, e me dê um abraço de verdade. Por São Mungo! São lágrimas isso
que brilham no fundo dos seus olhos?
— Já pensávamos que a tínhamos perdido também — disse ele, com a
voz rouca.
Ele se levantou e a abraçou, e o resto dos homens os rodeou para saudar
sua senhora com emoção. Willow apertou mãos e compartilhou sorrisos que
se misturaram com lágrimas de felicidade… ela estava em casa! Finalmente
estava com os seus.
— Willow, venha... — Malcom chamou a atenção dela pegando seu
braço. — Eu preciso saber, por que está vestida assim? O que aconteceu
com seu cabelo? Por que está aqui com os Campbell?
A jovem notou como o tom de seu irmão ficou tenso a medida que
perguntava. Olhou de soslaio para Ewan e o resto de seus guerreiros, que
observavam a cena com expectativa, um pouco afastados. Ela sabia que
Malcom não acharia graça em saber de suas desventuras entre os Campbell,
então tentou justificar sua presença ali explicando o motivo daquela
estranha situação.
— Foi por causa de Marie… — começou. — Ela estava cumprindo as
ordens de Niall naquela noite horrível, e me disse que eu tinha que correr,
que eu tinha que me disfarçar e ficar em segurança. Os Campbell não me
sequestraram, não atacaram Meggernie. Saí, me escondi aqui esse tempo
todo e eles...
— Vou te contar o que estava fazendo na fortaleza Campbell — James
MacNab a interrompeu, com um sorriso maligno, dando um passo à frente.
— Era o servo pessoal do laird. Serviu-lhe comida, limpou as botas e selou
o cavalo.
O coração de Willow disparou com isso e seu rosto corou. Até ouvir da
boca daquele desgraçado, não sentia na pele o constrangimento de que seu
irmão e todo o seu povo soubessem daquela história. O rosto de Malcom
também estava vermelho, mas com raiva reprimida.
— O que acabou de dizer? — silvou.
— Malcom, não. Não é o que pensa... Ninguém sabia quem eu era, vim
para Innis Chonnel com uma família que me acolheu e que por acaso
trabalha como servo na fortaleza. Achei... achei que o melhor era manter o
disfarce, juro. Eles não sabiam de nada, Ewan não sabia minha verdadeira
identidade.
O mencionado se aproximou deles, com um olhar de aço e uma
expressão circunspecta. Ele pousou a mão no punho da espada, com ar
cauteloso.
— Disse a verdade. Eu não sabia quem era até este momento. — Ele
procurou os olhos da garota antes de acrescentar. — Se soubesse, nunca lhe
teria sido dado o tratamento que todos os habitantes de Innis Chonnel lhe
deram. Eu nem descobri que era uma mulher até ontem. Sempre a achei um
menino magricela, franzino... Sua irmã sabe guardar segredos muito bem.
Esse último disse magoado, e Willow percebeu o quão zangado Ewan
estava com seu engano. Não havia tido tempo de explicar...
— Isso não me conforta, Campbell — falou novamente Malcom.
Agarrando o braço de sua irmã, a puxou para longe de Ewan, puxando-a de
volta para o grosso das tropas MacGregor. O gesto falou por si. — Minha
irmã é uma dama e fico ofendido por encontrá-la nessas circunstâncias.
— Eu entendo você — resmungou o laird. — Eu também estou
envergonhado. Se Will…
— Willow — seu irmão o corrigiu ferozmente.
— Willow — Ewan concordou, com um gesto de desculpas. — Se
Willow tivesse revelado sua identidade para mim, juro pela minha honra
que a teria protegido. Por favor, aceite minhas sinceras desculpas.
— Sim, Malcom — Alec interveio então, aproximando-se. — Por favor,
aceite também nossa hospitalidade. Deve estar exausto após sua busca,
bem-vindo a Innis Chonnel. Será um prazer que façam uma parada no
caminho e dividam uma mesa conosco. Há muitas coisas para falar, muito
para esclarecer.
— Não vou aceitar a hospitalidade dos Campbell — James MacNab
interveio, acompanhando a conversa sem perder um detalhe. — Ewan
matou meus homens e, embora jure que foi em legítima defesa, não acredito
na palavra dele.
— No entanto, ele diz a verdade — Willow o defendeu. — Eu estava
com ele quando os MacNabs nos atacaram traiçoeiramente.
Malcom colocou as mãos nos ombros de Willow e olhou em seus olhos.
— O que está dizendo? Este homem afirma que estava acompanhado de
seu criado, e que o motivo da emboscada era que Reed estava apaixonado
pelo garoto...
Willow encontrou o olhar de seu irmão sem piscar.
— O menino era eu. E se Ewan não tivesse me protegido, possivelmente
agora eu estaria morta... ou algo muito pior — sussurrou.
Malcom se virou até o MacNab, zangado. James ergueu as mãos,
franzindo a testa com o desenrolar dos acontecimentos.
— Como sabemos que ela diz a verdade? Viveu com os Campbells, é
evidente que sente um apreço por eles que...
— James! — rugiu Malcom. — Nunca, jamais, ouse sugerir que minha
irmã é uma mentirosa. E seja grato por Ewan ter a defendido naquele
momento, porque se algo tivesse acontecido com Willow, se algum de seus
homens tivesse feito algum mal a ela, todo o seu clã teria pago por isso,
tenha certeza.
O rosto do MacNab se ruborizou de ultraje. Ele veio aqui como um
aliado dos MacGregor, pronto para enfrentar os Campbells para resolver os
crimes que pesavam sobre aquele clã: o ataque a Meggernie, o massacre de
seus homens na floresta. Porém, em questão de minutos, a lealdade dos
presentes mudou por causa daquela garota.
— Não estou mais com vontade de ficar aqui, ouvindo infâmias sobre
meu tenente assassinado. Vejo que minha palavra não vale nada contra a de
Campbell...
— Não é a sua palavra que estou ouvindo, mas a da minha irmã —
Malcom o cortou.
James franziu os lábios em uma linha fina de irritação.
— Não me meterei em uma disputa contra seus clãs. Mas que fique bem
claro que, no que me diz respeito, nossa aliança termina aqui e agora.
Assim que disse isso, o homem se virou e ordenou que seus soldados se
preparassem para deixar o local.
— Sinto muito por tudo isso — disse Ewan, quando os MacNab já
estavam montando em seus cavalos para partir. No entanto, não se
arrependia do ocorrido e não tentou impedi-los. Era um alívio que
estivessem indo embora.
— Senhores — Alec interveio para amenizar a tensão no ambiente —
vamos para a fortaleza. Lá os MacGregor poderão se lavar e descansar de
tantas reviravoltas.
— Sim, e também podemos pensar na forma de encontrar o culpado da
morte do seu irmão — Ewan propôs a Malcom.
— Do nosso irmão, quer dizer — Willow estalou, para surpresa dos dois
guerreiros. — Esqueceu que Niall também era meu irmão, não me exclua
disso.
Ewan olhou para aqueles tristes olhos azuis e entendeu muitas coisas. O
ódio que professava por ele desde o início agora fazia sentido. Se ela
pensava que ele era o assassino de seu irmão, era natural que quisesse matá-
lo com as próprias mãos. Não podia imaginar o quanto devia ter sofrido
durante o tempo que passou fingindo ser Will.
Embora estivesse com muita raiva dela, ele queria abraçá-la e confortar
toda aquela dor que se refletia em seu rosto doce.
— Aceitarei sua hospitalidade — Malcom anunciou. — Depois de ouvir
minha irmã, não posso culpá-lo por tudo o que aconteceu com ela, nem pelo
tratamento que recebeu por causa de seu disfarce. Eu a conheço muito bem,
e se ela pretendia passar despercebida, não tenho dúvidas de que conseguiu.
Quando algo entra em sua cabeça, é difícil fazê-la mudar de ideia.
Ewan não confessou que, justamente para ele, isso não passou
despercebido. Achou que Malcom não gostaria de ouvir sobre seu interesse
obsessivo por Will.
— Então — Alec voltou a falar — se estiver tudo bem para o meu
sobrinho, passo a informar que esta noite celebraremos um jantar especial...
Os MacGregor recuperaram sua joia; como amigo do laird Ian MacGregor,
não poderia estar mais feliz.
— Claro, tio. Informe Jane para preparar tudo para esta noite.
— Willow, venha comigo — Alec pediu a jovem, lhe oferecendo a mão.
— Eu sei que não quer se separar de seus entes queridos, agora que
finalmente os encontrou, mas, pela memória de sua mãe, a quem eu
adorava, sinto-me obrigado a fazer de você o que é novamente... uma dama.
Não tema, Malcom, quando a vir novamente, ela será a Willow que você
conhece.
A menina olhou para o irmão, incerta. Não queria deixá-lo, um medo
primitivo se instalou em seu coração quando percebeu que não queria ficar
sozinha novamente.
— Vá com Alec, logo me encontro com você — Malcom lhe prometeu,
acariciando sua bochecha. — Eu não vou sair daqui sem você.
Para Ewan, essa declaração foi como uma flecha inesperada no peito. E
quando viu que a jovem assentiu, feliz, com lágrimas nos olhos, seu coração
se partiu em mil pedaços. Ele nem mesmo era uma opção para ela... Seu
irmão havia retornado e agora nada mais parecia existir para Willow.
A jovem pegou a mão de Alec e se deixou conduzir. Ao passar por
Ewan, ela parou e tocou seu braço com suavidade.
— Perdoe-me por não ter te contado quem eu era — sussurrou, em voz
baixa.
Ele sentiu a carícia dela atravessar o tecido de sua camisa e queimar sua
pele. Sua voz, rouca e terna, o fez querer pegá-la em seu ombro e levá-la
embora. Como ele não tinha ouvido aquele timbre feminino antes? Como
ela pôde mantê-lo enganado por tanto tempo?
Não lhe respondeu. Também não a olhou. Deixou Alec afastá-la para
longe dele, sabendo que tinha que colocar ordem no caos de sentimentos
que fervia dentro dele. Muito para assimilar em tão pouco tempo, muitas
revelações, muitas frentes abertas. Ewan estava exausto e ainda tinha o dia
inteiro pela frente. Ele olhou para os MacGregor e tentou se concentrar na
tarefa em mãos, descobrindo quem estava por trás de todas as intrigas que
feriram seus respectivos clãs.
Quando Jane viu Alec Campbell chegar, seu rosto se iluminou. Anos
atrás, aquele homem havia sido um dos pilares de Innis Chonnel e a
governanta notara sua falta no cotidiano da fortaleza. O apreciava de
verdade.
— Jane!
— Meu senhor, que alegria. Voltou para ficar?
— Dessa vez sim, minha querida Jane. Meu sobrinho precisa de mim e
nada fará com que abandone meu povo novamente.
A mulher lhe deu um sorriso satisfeito.
— Tenho certeza de que todos os Campbell ficarão felizes em saber que
está de volta.
— Sim. Há muito o que comemorar, Jane. E, precisamente, te procurava
para te dar instruções: vamos organizar um grande jantar. Temos
convidados, os MacGregor, então tudo tem que estar perfeito esta noite.
— Claro. — Jane notou o menino que havia chegado acompanhando
Alec. — Will, vai ter que nos dar uma mãozinha, temos pouco tempo para
preparar tudo que…
— Não — Alec interrompeu. — Will tem outra tarefa pela frente. E
ninguém melhor do que você para ajudá-la.
— Ajudá-la? — perguntou a governanta, confusa. — A quem?
— A Willow MacGregor, filha do laird do clã MacGregor. — Ao dizer
isso, Alec gentilmente empurrou a jovem que corou com o olhar atordoado
de Jane. — O irmão dela é um dos nossos convidados e eu quero que
Willow esta noite pareça a dama que ela sempre foi, mesmo que esteja se
escondendo atrás dessas modestas roupas de servo todo esse tempo.
Conhecendo você, presumo que ainda tenha os vestidos de Cait guardados,
então imploro que salve alguns do baú dela para arrumá-la.
A governanta não conseguia falar. Ela ficou sem palavras de espanto,
olhando para o rosto do que, até agora, ela acreditava ser um menino... um
criado.
— Jane? — Alec perguntou, chamando sua atenção.
A mulher piscou, seus olhos finalmente indo do rosto de Will para o
guerreiro.
— Sim, guardei os vestidos de Cait. Tenho certeza de que posso
preparar algum a tempo do jantar.
Willow aproximou-se dela, sentindo sua perplexidade, e tomou a
liberdade de pegar em suas mãos com toda a afeição que sentia pela
governanta de Innis Chonnel.
— Jane, desculpe por mentir para você… por mentir para todos. Tive
que me esconder até que minha família viesse me procurar, e assim tem
sido. Agradeço se me ajudar a ser eu mesma, porque a verdade é que estou
há tanto tempo debaixo desta camisa enorme que nem sei mais quem sou.
— Acompanhou suas palavras com um sorriso amoroso que conquistou o
coração de Jane instantaneamente.
— Minha senhora... Não há o que perdoar. Deve ter sido difícil suportar
tantas provações depois que sua casa foi atacada, sendo forçada a servir o
laird de outro clã para sobreviver. Nem todas as senhoras teriam se
rebaixado a tais necessidades para seguir em frente... Eu te admiro.
— Obrigada, Jane.
— Venha comigo, vamos para o quarto daquela que era a dona desta
fortaleza. A primeira coisa é tirar toda essa sujeira que te serviu de disfarce
e que não vai mais precisar. E quando tiver tomado um bom banho,
escolheremos o vestido que mais combina contigo...
Alec sorriu, satisfeito com as boas-vindas de Jane às novas
circunstâncias de Willow.
— Irei à cozinha informar a Edith sobre a festa de hoje à noite — ela
ofereceu, para que a governanta se dedicasse à jovem. — Ela ficará
encantada em assumir o comando por um dia.
Jane olhou para o céu e revirou os olhos. Ela também estava convencida
de que a cozinheira ficaria feliz em saber que, com a governanta ocupada
com outros assuntos, teria a oportunidade de se encarregar dos criados para
distribuir todas as tarefas. Só esperava que a liderança não lhe subisse muito
à cabeça.
— Calma, Jane — Willow sussurrou para ela, lendo sua mente. Também
conhecia o caráter da mulher enorme que cuidava do fogão. — Você tem
Maud para equilibrar um pouco a balança. Entre as duas poderão preparar
um jantar memorável.
Era verdade. Alec saiu para a cozinha e elas se dirigiram para o antigo
quarto de Cait Campbell.
O coração de Willow disparou com o pensamento de ter sua vida de
volta, algo que ela desejava... e temia ao mesmo tempo. Porque quando
fosse uma MacGregor novamente, tanto em espírito quanto em corpo, como
Ewan reagiria? Havia aprendido a lidar com o Campbell, com sua
intransigência, com sua dureza, sendo Will. Mas como lidaria como
Willow? Ele não podia tratá-la da mesma forma, especialmente na frente de
seu irmão. Isso, sem contar a raiva que viu nos olhos dele quando descobriu
quem ela era. Ele não a olhou em seu pedido de perdão, não disse nada.
E aquele silêncio e aqueles olhos que a evitavam a feriram no fundo de
sua alma.
Quando entraram no quarto de Cait, Jane foi direto para a lareira para
acender o fogo. O quarto era muito aconchegante e limpo, o que era mérito
da governanta, pois, apesar do tempo decorrido, ela não havia conseguido
esquecer a patroa e mantinha seus aposentos como em vida. Assim que
acendeu a lareira, arrastou a tina de madeira para perto do calor,
demonstrando uma força que surpreendeu Willow. Em seguida, deu ordem
para que trouxessem água para o banho.
Enquanto esperavam, Jane abriu o baú onde guardava os vestidos da
mãe de Ewan e os estendeu sobre a cama. Cait deve ter sido uma mulher
elegante, mas simples, Willow percebeu, porque não eram muito chiques.
Pensou que, se estivesse viva, certamente teria se dado bem com a Sra.
Campbell. Passou as mãos pelos diferentes tecidos, apreciando sua maciez.
Comparada com a camisa áspera que usava, que às vezes deixava sua pele
vermelha de coceira, era uma delícia.
— Qual prefere? — Jane perguntou. Imediatamente, percebeu o
tratamento que havia lhe dado e pediu desculpas. — Perdoe-me, minha
senhora. Estou acostumada a falar com Will e não percebi...
— Jane, acalme-se. Prefiro dessa maneira. Também acho estranho que
me trate de outra forma, porque isso me distancia de todos que me
acolheram como uma a mais e me fizeram sentir parte de sua casa. Me
chame de Willow.
A governanta negou com a cabeça categoricamente.
— Não seria apropriado, não... Nem pensar. É a filha de um laird e eu
não me sentiria confortável.
A jovem suspirou, com um sorriso resignado.
— Como quiser.
Enquanto ela continuava a examinar os vestidos, a porta se abriu e Liese
entrou carregando alguns baldes de água. A garota congelou na porta,
olhando para Willow com uma cara de surpresa.
— Entre, Liese. Encha a banheira — Jane ordenou.
— Sim, senhora.
Willow contemplou o rosto daquela que, durante todo aquele tempo,
tinha sido como sua irmã. As bochechas de Liese estavam coradas, seus
olhos desviados dos dela. Ela se sentiu mal pelo constrangimento que devia
estar sentindo... A garota sempre demonstrou um interesse por Will que
nada tinha a ver com o fato de serem irmãos, e descobrir que ele não era um
homem foi um golpe.
— Vai ajudar a senhora em seu banho enquanto eu ajusto um desses
vestidos para ela?
— O que? — perguntou Liese, chocada.
O olhar que deu a Willow foi uma mistura de horror e surpresa.
— Deve me perdoar, Liese. E John e Maud, porque não apenas menti
quando não disse que era mulher. Eu sou... eu sou a filha do laird Ian
MacGregor.
— Então, afinal, tinha uma família — jogou na cara dela, com um
sussurro. — Meus pais e eu acolhemos você, e todo esse tempo riu de nós.
— Liese! — Jane a repreendeu. — Não deveria falar assim com uma
dama.
— Não, deixa ela. Tem razão para estar com raiva. Eu, porém, só me
sinto grata a ela e a seus pais. — Willow se aproximou da jovem loira e
procurou seus olhos, tentando cair nas boas graças do que ela ainda
considerava sua irmã. — Se não fosse por vocês, talvez eu não tivesse
sobrevivido. Devo-lhes a minha vida e nunca poderei esquecer isso. Não
quero que você ou seus pais me vejam como alguém a quem servir. São
minha família... o carinho que sinto por vocês não pode desaparecer apenas
trocando de roupa.
— Will…
A voz de Liese falhou e ela abaixou a cabeça de vergonha. Não sabia
como lidar com ela, como tratá-la, como olhar para Willow em sua nova e
distinta feminilidade.
— Me faz um favor? —perguntou, pegando a mão dela para levá-la até
a cama. — Ajude-me a escolher um vestido, Liese. Há muito tempo que uso
roupas masculinas e não me vejo conseguindo tomar essa decisão sozinha.
Sorriu docemente para ela, esperando que a jovem entendesse que a
confiança que havia sido forjada entre as duas quando ela era Will ainda
estava intacta. E pareceu funcionar. O rosto de Liese relaxou e ela lhe sorriu
de volta, apertando sua mão com amor. Seus olhos caíram sobre os vestidos
estendidos na cama e se iluminaram de entusiasmo com a tarefa que tinha
pela frente.
— Vamos deixar você muito bonita, Willow MacGregor. Minha irmã vai
se apresentar ante seu povo e ao Laird Campbell como uma verdadeira
dama. Quero ver como todos aqueles que gritaram com você, que te
humilharam por ser um menino fracote, ficam de boca aberta ao vê-la.
A risada de Jane surpreendeu as duas.
— Não tinha pensado nisso — confessou ela, divertida, esquecendo-se
de novo do trato que devia à senhora. Era difícil se acostumar. — Vai ser
muito interessante ver a reação de todos aqueles brutos que te chutaram no
treinamento quando aparecer no grande salão e se sentar ao lado do seu
irmão. Vamos, entre na banheira, vamos te esfregar até deixar sua pele
brilhosa...
CAPÍTULO 35
Quando voltou para o salão, Ewan havia sumido. Ela não pôde deixar de
procurar por ele com os olhos e sentiu uma pontada de decepção ao
perceber que ele havia saído sem se despedir dela. Malcom se aproximou
assim que a viu aparecer, oferecendo seu braço para acompanhá-la até seus
aposentos.
— Ele não está.
— A quem você está se referindo?
— O homem que procura... Não me engana, Willow. O que está
acontecendo aqui?
Ela desviou os olhos e mordeu o lábio inferior. Não gostava de mentir
para o irmão, mas também estava ciente do dano que isso causaria se
contasse tudo o que havia acontecido entre ela e Laird Campbell.
— Não sei do que está falando— respondeu, com a voz trêmula pela
mentira.
Malcom parou no meio do corredor que levava a seus aposentos. Uma
tocha pendurada na parede lançava uma luz âmbar atrás dele, fazendo com
que seu rosto permanecesse na sombra, fazendo-o parecer mais sério do que
o normal.
— Willow, não temos tempo para brincadeiras. Estou tentando descobrir
o que aconteceu em Meggernie e, embora possa ter gostado dessas pessoas,
não descarto o envolvimento delas no ataque. Não sei o que há entre você e
Laird Campbell, mas claramente algo está acontecendo. E eu não confio
nele. Você mesmo acreditou que ele fosse assassino de nosso irmão... o que
a fez mudar de ideia?
A jovem corou. Malcom, embora não tão sensível quanto Niall, era
igualmente intuitivo. E lamentava tê-la pego tentando esconder coisas dele.
— Ele não é um assassino. E não tem nada a ver com o que aconteceu
em nossa casa.
— Como sabe?
Willow olhou de um lado para o outro do corredor, verificando se eles
estavam sozinhos.
— Venha para o meu quarto, quero te mostrar uma coisa.
Ela o levou para os antigos aposentos de Cait, para onde seus poucos
pertences haviam sido transferidos. Fechou a porta assim que entrou e
procurou em sua bolsa o pergaminho que Marie lhe dera quando escapou de
Meggernie.
— Niall achou isso e ficou muito nervoso. Estávamos com o tio Gilmer
e tivemos que sair correndo de Landon Tower. Para Niall, era uma
prioridade chegar até Meggernie e nos equipar para repelir um ataque, mas
alguém nos traiu. Abriram os portões por dentro e o inimigo, quem quer que
fosse, conseguiu entrar.
Malcom leu aquela carta e sua expressão mudou enquanto seus olhos se
moviam pelas linhas de tinta.
— Onde Niall conseguiu essa carta?
— Não sei de onde ele o tirou. Mas está claro que a pessoa a quem se
refere odeia nosso pai. Ewan foi praticamente criado por seu tio Alec, e
aquele guerreiro me ajudou a saber quem eu era, só porque ele ama nossa
família. Estou convencida de que nenhum deles é o homem de quem fala o
anônimo. É evidente que, quem quer que seja, ia atrás de mim. Essa é a
razão do ataque a Meggernie. E o que me parte o coração é que o canalha
não me encontrou e matou Niall no meu lugar.
Malcom fixou seus olhos azuis nela e estremeceu.
— Nunca mais diga algo assim. Você me ouviu? Tenho certeza de que
Niall teria dado a vida por você mil vezes mais, assim como eu.
— Sua vida não era menos valiosa que a minha — ela apontou com dor.
— Claro que não. Mas ele deu a dele em um ato de amor incondicional,
então não se arrependa de ter continuado viva. Deve honrar a memória dele
agradecendo por ainda estar aqui, enchendo de felicidade todos nós que te
amamos.
Willow caminhou até ele e o abraçou, enterrando o rosto em seu peito.
— Dói demais, Malcom. Toda vez que penso que nunca mais o verei ou
falarei com ele, desmorono por dentro. Como suporta isso? Como respira
todos os dias, sabendo que nunca mais o terá ao seu lado?
— Respiro porque o sinto ao meu lado... — disse ele, afastando-a um
pouco para colocar a mão no coração. — Eu o carrego aqui dentro, sempre
comigo. Eu respiro porque também tenho você. Eu... eu não sei como dizer
as coisas boas que Niall costumava lhe dizer, nem sei que palavras usar para
te fazer se sentir melhor. Eu sei que ele e você tinham uma conexão especial
que não compartilhavam comigo... Não é uma reprovação. Simplesmente,
foi feito de um material diferente e meu único arrependimento é não saber
te confortar como ele faria. Mas nunca duvide que te amo mais que tudo e
que faria qualquer coisa por você.
Willow olhou para ele com lágrimas nos olhos. O seu irmão enorme,
grande e feroz, confessou que não sabia dizer coisas bonitas e fez isso,
precisamente, com as palavras mais sinceras e belas que alguma vez tinha
lhe dedicado.
— Eu também te amo, Malcom.
Ela o segurou apertado novamente até que o momento de ternura foi
demais para o guerreiro. Com um pigarro rígido, ele quebrou o abraço e
voltou sua atenção para a carta em sua mão.
— Quem mais leu? — perguntou, enquanto Willow enxugava as
lágrimas com os dedos e se forçava a se concentrar.
— Até onde eu sei, apenas Niall, você e eu. Eu não mostrei para mais
ninguém.
— Você fez bem. E vamos manter isso em segredo até descobrirmos
quem pode ser o inimigo de nosso pai.
— Acho que não é nenhum Campbell, Malcom. Ewan está ansioso para
encontrar o culpado, porque essa mesma pessoa tentou incriminar seu clã.
Malcom a olhou com desconfiança. Ela cruzou os braços antes de
insistir em um assunto que evitava a todo custo.
— Está muito preocupada em inocentar os Campbell por essa bagunça.
Willow, o que há de errado? O que há entre você e o laird?
— Nada.
— Nada... Isso seria lógico, já que até ontem ele não sabia que você era
mulher. Mas eu a conheço, Willow. Fica nervosa na presença dele, olha
demais para ele. Sente algo por ele?
Malcom foi brutalmente direto. Ela não percebeu que esse era um traço
característico de sua família, já que também não era dada a rodeios ou
ambiguidades. Eles gostavam de chamar as coisas pelo nome e dizer o que
se passava em suas cabeças o tempo todo. O que então poderia esperar do
menos sensível dos três irmãos? Ela abaixou a cabeça, envergonhada,
sabendo que não tinha escapatória.
— Sim, é assim. Acho que você prefere que eu não descreva meus
sentimentos em relação a ele, então vou apenas confirmar que existem.
Malcom estava a olhando com os olhos arregalados. Isso estava além
dele... Mais uma vez, sentia falta de não ser como Niall. Certamente ele
enfrentaria essa situação muito melhor do que ele alguma vez enfrentaria.
— Bem — disse ele, sem abandonar sua postura autoritária — é uma
sorte que o laird tenha demorado tanto para descobrir que é uma mulher.
Cheguei a tempo de evitar uma situação comprometedora para nós dois.
Amanhã partiremos para Meggernie e terá tempo de descobrir se esses
sentimentos que diz ter são fortes, ou apenas um capricho alimentado pela
admiração por um guerreiro notável como Ewan Campbell.
Willow ouviu essas palavras com um eco distante. Seu coração estava
partido por dois motivos: por esconder do irmão que a situação de que
falava já havia ocorrido e, principalmente, por ter que deixar Innis Chonnel
no dia seguinte.
Separar-se do laird Campbell era a última coisa que queria fazer. Mas
não iria desobedecer ao irmão... isso nunca.
CAPÍTULO 37
— Você enlouqueceu?
Padre Cameron o olhava como se ele realmente tivesse enlouquecido e
precisasse de dois de seus melhores homens para amarrá-lo com cordas.
— Em absoluto. Acho que, dadas as circunstâncias, é a coisa mais
sensata e honesta a fazer da minha parte.
Ewan viu como os olhos do padre se arregalaram até quase saltarem das
órbitas e ele se apressou em lhe servir um pouco daquela água de fogo que
guardava com tanto ciúme nos móveis de sua sala. O homem apreciou o
gesto e bebeu tudo de um só gole, para espanto de seu laird.
— Se eu soubesse disso, teria alongado mais a viagem — confessou. Ele
olhou para o teto, como se procurasse uma entidade divina nas alturas. —
Poderia ter me enviado um sinal, Senhor. Mais dois dias, apenas mais dois
dias longe deste lugar, e eu não me veria nesta posição.
Para Ewan, o retorno do padre a Innis Chonnel foi providencial. Ele foi
informado de sua chegada depois que Willow desapareceu na cozinha, e a
solução para seu problema lhe parecia tão clara e lógica que ele não sabia
por que não havia pensado nisso antes. Ele foi à casa do padre Cameron
para comunicar sua decisão sem demora. O tempo corria contra ele e tinha
que agir o mais rápido possível se não quisesse perder sua duende.
— Qual é o problema? — ele perguntou, sem entender sua relutância.
— Ela reconheceu que seu coração é meu. Para mim, isso é o suficiente.
Willow é minha, padre, só quero que torne isso oficial.
O padre o olhou boquiaberto.
— As escondidas do irmão! Como pode me pedir que os case em
segredo?
— Não vou esconder isso dele por muito tempo. Amanhã de manhã
todos saberão e nada poderão fazer para evitá-lo.
O padre Cameron levou as mãos à cabeça.
— Sabe em que encrenca vai se meter? Fará inimigos com a família de
sua esposa! Acha que é uma boa maneira de começar um casamento?
— Ah, padre! Não é como se eu a tivesse sequestrado para me casar
com ela!
— Tem certeza? Como sabe que ela quer a mesma coisa? Propôs a ela,
ela disse sim?
— Não precisa. Eu já te disse, ela me deu seu coração. Isso significa que
me ama, não precisamos de seu acordo explícito.
Padre Cameron colocou o copo vazio sobre a mesa com um baque,
mostrando sua raiva pela intransigência impulsiva do jovem laird.
— Eu preciso. Não vou casá-lo com ela a menos que ela me diga, na
minha cara e sem nenhum tipo de coerção, que é isso que ela realmente
quer. E, no entanto, ainda acho que não é nada sensato.
Ewan se levantou da cadeira que ocupava e assentiu, concordando com
aquela proposta.
— Muito bem. Quer ouvir isso de seus lábios? Vou trazê-la aqui para ela
mesma contar.
O padre Cameron o observou partir, o coração batendo contra as
costelas com indignação e espanto. Às vezes aquele menino era teimoso
como uma mula, e temia que nessa ocasião sua teimosia pudesse lhe causar
sério desgosto.
Ele pegou o copo novamente e foi até o armário para enchê-lo com mais
aguardente. Bebeu de um só gole, de novo, mas nem a queima daquela
bebida afrouxou o nó que se formara em seu estômago.
Não tinha dormido bem. Como dormir, com aquela angústia que lhe
oprimia o peito? Willow levantou-se muito cedo e vestiu-se sem a ajuda de
nenhuma criada. Em sua vida anterior, poderia ter esperado que alguém a
acordasse, revirando-se na cama, para depois se deixar aconselhar sobre o
penteado que deveria usar ou a roupa que poderia vestir naquele dia. Mas já
não. Ela estava sozinha por muito tempo para confiar em servos para fazer
o que ela poderia fazer sozinha.
Enquanto penteava os cabelos curtos, Liese entrou sem bater e falou
com ela sem fôlego.
— Pelo amor de Deus, Liese! O que aconteceu?
A jovem loira respirou fundo, com a mão no peito, antes de falar.
— Ele vai matá-lo, Will. Tem que vir comigo, rápido.
O coração de Willow disparou com seu tom de alarme.
— Quem vai matar quem?
— Seu irmão... o laird...
Liese estava tendo problemas para se explicar. Willow não esperou para
entender, ela pegou sua mão e saíram correndo do quarto juntas. O que
tinha acontecido? Quem iria matar quem? De qualquer maneira, o medo
apertou a garganta da jovem até doer.
Liese a conduziu até o pátio de armas, onde um círculo de pessoas se
aglomerava em torno da luta que estava ocorrendo. Willow abriu caminho
com o cotovelo e, quando finalmente viu o que estava acontecendo, seu
coração quase parou.
Malcom estava batendo em um Ewan que não revidava. O laird
Campbell deixou que os golpes caíssem sobre ele sem sequer fazer um
movimento para devolvê-los. O rosto de Malcom estava contorcido de fúria
e ódio; Ewan, sangrando e atordoado.
— Por que ninguém faz nada? — ela perguntou desesperadamente,
percebendo que tanto os guerreiros Campbell quanto os MacGregor
estavam testemunhando aquele abuso sem tentar detê-los.
— Ewan quis assim — respondeu Melyon, indo para o lado dela. —
Acho que você é a única que pode acabar com essa loucura.
Willow, horrorizada, deu um passo à frente para tentar romper a nuvem
de raiva que parecia cegar seu irmão.
— Malcom, pare! Está me ouvindo? Pare de uma vez, você vai matá-lo!
Mas o MacGregor não pareceu ouvi-la. O próximo soco derrubou o
poderoso Ewan Campbell no chão, e ela aproveitou o momento para correr
para o lado dele e entre eles. Corajosamente enfrentou seu irmão, erguendo
a mão para ele parar outro ataque.
— Você enlouqueceu? — perguntou. — O que é isso?
Malcom finalmente notou sua presença. Seus olhos a focaram e a olhou,
deixando escapar toda a sua decepção e raiva.
— Realmente está me perguntando? — se aproximou dela e Willow
recuou, surpresa com a fúria que brilhou nos olhos de seu irmão. — Ainda
bem que o pai não está aqui, porque ele o teria matado. Não ia me contar?
Eu sei que não sou o Niall, mas não acredito que não confiou em mim para
fazer algo assim.
— Do que está falando? — ela perguntou, em um sussurro. O que
diabos Ewan disse para fazê-lo bater nele daquele jeito?
— Eu falo sobre o que ele fez com você. Ele te desonrou, abusou de
você... e ele confessou isso descaradamente, na frente de todos. Vai negar?
Willow corou, envergonhada. No entanto, manteve o olhar fixo nos
olhos de seu irmão.
— Não, não nego.
Malcom respirou fundo e fechou os olhos, como se atravessado por uma
dor excruciante. Quando os abriu novamente, sua ordem foi categórica.
— Quer goste ou não, ele vai se casar contigo. Hoje mesmo. Vou falar
com o Padre Cameron.
Ele se virou e saiu andando com passos duros. Willow observou
enquanto ele abria e cerrava as mãos, tentando aliviar a dor que devia estar
em seus dedos ensanguentados. Sem dúvida, não se conteve na hora de
descarregar toda a sua fúria no corpo do oponente.
A jovem se agachou ao lado do corpo caído do laird, que tentava se
levantar sem sucesso. Seu rosto era um poema. Seu nariz estava sangrando,
suas maçãs do rosto e sobrancelhas estavam abertas e seus lábios estavam
inchados.
— O que você fez? — lhe perguntou, notando que lhe vinham lágrimas
aos olhos ao vê-lo naquele estado lamentável. Ele ficou parado suportando
o castigo que Malcom lhe infligiu. Conhecendo-o, deve ter sido uma
verdadeira tortura, e não apenas pela força dos golpes. Teria custado a ele
um mundo para se conter.
— Eu disse que não ia deixar você ir embora.
— O que você disse?
— Nada que todos os Campbell já não soubessem: que passou a outra
noite no meu quarto, quando eu ainda não sabia que era uma dama. Mais
cedo ou mais tarde ele teria descoberto, de qualquer maneira.
— Poderia ter matado você... — ela sussurrou, acariciando a cabeça
dele.
Ewan sentou-se estremecendo e levou a mão ao rosto.
— E nem vim confessar que tirei sua virgindade numa masmorra
fedorenta... — ele sussurrou, para que ninguém mais os ouvisse. — Deus
Santo, prometa que nunca vai contar a ele, nunca mais quero passar por
isso. De que são feitas as mãos dele, diabos? De ferro?
Willow sorriu em meio às lágrimas. Ela o ajudou a se levantar e, antes
que percebesse, Ewan a estava abraçando, enterrando o rosto em seu
pescoço.
— Perdoe-me por forçá-la a este casamento. Você me disse que só
obedeceria ao seu irmão, não me deixou escolha. — Ele colocou as mãos
nas bochechas dela e aprofundou em seus olhos. — Eu não poderia deixar
você ir, pequena duende. Não posso viver sem você.
Ele a beijou depois de suas palavras. Bem devagar, prendendo a
respiração pela dor que devia estar sentido nos lábios. Willow reprimiu a
vontade de esmagar a boca contra a do homem, então ela apenas se permitiu
ser acariciada, feliz com a forma como seu problema havia sido resolvido e
triste com o desagrado que ela causou ao seu povo ao mesmo tempo.
Especialmente Malcom.
Ela falaria com ele depois do casamento. Explicaria a ele que o que
havia acontecido era algo entre os dois, algo que não poderiam ter evitado
mesmo que quisessem, porque se amavam... Nenhum dos dois disse isso em
voz alta, mas Willow sabia que era assim. E Malcom tinha que entendê-la e
perdoá-la. Só então sua felicidade seria completa.
A cerimônia aconteceu naquela mesma tarde. Padre Cameron não se
opôs, especialmente depois de ver a expressão furiosa do MacGregor. Ele
mesmo apadrinhou a noiva na ausência de seu pai, e a expressão assassina
em seu rosto não desapareceu até o início da celebração. O desconforto que
se evidenciava em cada um de seus gestos se espalhava igualmente por
todos os MacGregor ali presentes. Os Campbell, no entanto, estavam
divididos. Alguns, como Alec, Melyon, Colin e a maioria dos criados,
incluindo os St. Claire, estavam felizes e satisfeitos com a união. Maud não
parava de chorar, emocionada, enquanto John colocava a mão em suas
costas para confortá-la.
O resto dos Campbell ficaram atordoados. As tropas do laird, as mesmas
que tantas vezes insultaram o garoto chamado Will, agora a observavam se
tornar a esposa de seu chefe. Para dizer o mínimo, foi uma circunstância
estranha e desconcertante.
A atmosfera relaxou bastante durante o jantar que aconteceu depois.
Não foi uma grande festa, não tiveram tempo para isso e, além disso, no dia
anterior havia consumido suas melhores reservas de cordeiro e salmão. Mas
não faltaram vinhos e cervejas, e alguns brindes especiais para o casal e
parentes mais próximos com o licor preferido do padre Cameron, que
conseguiu acalmar os nervos dos dois clãs. A irritação de Malcom diminuía
a cada jarra de cerveja que ele bebia e, no final, acabou se levantando para
dizer algumas palavras à irmã e ao marido dela.
— Willow, quero lhe desejar, aqui na frente de todos os nossos amigos,
toda a felicidade do mundo. Não era o casamento que sua família lhe
desejava, mas se ama esse homem, não há mais o que falar. Eu gostaria que
nosso pai estivesse aqui. Ele lhe diria que nunca viu uma noiva tão bonita
quanto você. Eu queria... — Malcom respirou fundo, engolindo o nó na
garganta — eu queria que Niall pudesse te ver agora.
Sua voz falhou, e Willow teve que enxugar as lágrimas que surgiram em
seus olhos com a menção do nome de seu outro irmão.
— Eu sei que está olhando para mim, Malcom. O sinto aqui —
sussurrou, tocando o peito na altura do coração.
O MacGregor assentiu, satisfeito com o comentário dela, antes de
continuar seu pequeno discurso.
— E para você, Ewan Campbell, desejo que saiba como fazer minha
irmã feliz. Você fica com a joia de Meggernie, fica com parte de nossos
corações. Se ela escolheu você, não tenho dúvidas de que fará todo o
possível para merecê-la. E se não a fizer — o olhou com tanta intensidade
que Ewan sentiu o calor daquele olhar em cada uma de suas feridas — vou
terminar o que comecei hoje. Eu vou matar você.
Houve um silêncio tenso depois dessa última ameaça, até que Angus, o
tenente de Malcom, se levantou com a caneca no alto e exclamou em voz
alta.
— Por Willow e Ewan, a sua saúde!
Os demais presentes também os brindaram e a festa continuou sem mais
incidentes. Havia música e dança, e a nova esposa do laird dançava com
todos que a convidavam. Até Bors a convidou para dançar e ela aceitou sem
rancor, gostando da atenção que recebia de sua nova família.
Ewan a observou de seu assento, incapaz de acompanhar a festa devido
aos hematomas em seu corpo. Não fosse o fato de a noiva estar radiante,
conquistando o coração de todos os presentes, teria se retirado para seus
aposentos assim que o jantar terminou. MacGregor o destruiu, foi
impiedoso com ele e levaria vários dias para se recuperar e respirar sem
doer as costelas. Mas ver o sorriso de Willow, sua esposa, enquanto dançava
sem trégua com um e outro, valia o esforço para aguentar mais um pouco.
Naquele momento ele percebeu o quão pouco a tinha visto sorrir... E rir,
nunca. Daquele dia em diante, esperava ver diariamente esses sinais de
felicidade. Seu rosto se transformava com o sorriso. Ficava mais brilhante,
mais bonito se possível... Não via a hora de a festa acabar para poder
desfrutar dela sozinho, sem ter que dividi-la com outras pessoas.
No final de uma das danças, Willow caminhou até ele e sentou-se
descaradamente em seu colo, pressionando sua testa contra a dele.
— Como está se sentindo? — perguntou ela, quase sem fôlego com a
dança.
— Se quer que eu dance com você, pode ir de onde veio, esposa.
Willow ficou séria depois desse comentário. Ewan usou um tom
brincalhão, condizente com o humor que ela estava exibindo, e não
esperava que ela reagisse assim.
— O que aconteceu? — quis saber.
— É que... me chamou de esposa.
— Não quer que eu te chame assim?
— Sim, claro. Isso não me incomoda, muito pelo contrário. Mas acabei
de perceber que somos casados. Realmente casados.
Ewan deu a ela um sorriso que poderia ter sido radiante, se seus lábios
não estivessem tão machucados. Adorava essa mulher.
— Acabou de notar isso? Onde esteve durante a cerimônia e a
celebração subsequente?
— Achei que aqui, ao seu lado. É evidente que a euforia me confundiu e
não fui consciente até agora do que isto significa.
— E que isso significa?
Ela passou os braços em volta do pescoço dele e se pressionou contra
seu corpo. Se inclinou em seu ouvido para sussurrar a resposta.
— Que passaremos o resto de nossas vidas juntos.
— Podemos começar esta noite. Se importa se eu te privar do resto das
danças e levá-la para o nosso quarto sem demora?
Willow olhou em seus olhos e ele pôde ver, mais uma vez, o quanto ela
o queria. Ele não podia acreditar na sorte que teve de encontrá-la.
— Leve-me para onde quiser, Ewan. Você estava certo, eu sou toda sua.
E o laird dos Campbell recompensou essa confissão com um beijo
carinhoso na frente de seus convidados, que comemoraram com entusiasmo
ao descobrir que o amor entre o casal era real e apaixonado.
Sua cabeça doía como se mãos enormes estivessem apertando seu crânio.
Willow abriu os olhos e olhou em volta, confusa. Ela levou alguns
momentos para ser capaz de focar seus olhos.
— Deu muito trabalho te encontrar. Se escondeu muito bem.
Um arrepio percorreu todo o seu corpo quando ela reconheceu aquela
voz. Levantou-se lentamente da cama onde estava e procurou seu
interlocutor.
— Tio Gilmer — sussurrou. Disse seu nome em voz alta para verificar
se era verdade, se não era algum pesadelo causado pela pancada na cabeça.
— Lamento que Errol tenha ultrapassado seus deveres. Eu sei que
estava apenas cumprindo minhas ordens, mas ele não precisava bater em
você desse jeito.
O homem se levantou da poltrona onde tinha estado esperando que ela
recobrasse a consciência e se aproximou da cama. Willow recuou, ainda
chocada com a descoberta. Seu tio Gilmer? Por quê? Ele fazia parte da
família, era para ser o melhor amigo do pai dela, que amava ela e seus
irmãos como se fossem seus próprios filhos...
Como estava errada. Ela e os outros.
Tinha desempenhado um papel todos esses anos? Todo aquele carinho
era falso?
— Por quê? — perguntou em voz alta.
Notou que sua voz estava falhando. Gilmer tinha lhe causado muita dor.
Já era horrível que Errol os tivesse traído daquela maneira; mas também ele,
precisamente ele... era demais.
— Porque eu amava sua mãe — confessou sem rodeios.
Ele a olhou de uma forma estranha assim que disse isso, e foi então que
Willow descobriu que os olhares do passado, aqueles que ela conhecia,
eram uma mentira. Ela o observou com atenção, percebendo que agora que
ele havia removido a máscara, até seu rosto parecia ter mudado. Ela não
reconheceu a expressão de sua boca, a expressão de seus olhos cinzentos, e
até mesmo o timbre de sua voz parecia diferente. Não via nele nenhum
vestígio do que antes considerava atraente e interessante. Pela primeira vez,
ela o viu como perigoso, desonesto e pervertido.
Então, a verdade sombria que continha aquela descoberta foi revelada
diante dela, apertando seu coração de forma selvagem.
— Você ordenou que meu irmão fosse morto.
Gilmer suspirou pesadamente.
— Eu não tive escolha. A princípio não estava nos meus planos. Apesar
de tudo, passei a amá-lo ao longo dos anos. Mas ele revidou, Willow. Eles o
prenderam entre dois de meus homens, mas ele foi capaz de revidar e se
livrar deles para me agarrar pelo pescoço. — Gilmer então lhe mostrou uma
marca feia em sua garganta que atestava a raiva que Niall sentiu quando o
pegou. — Errol teve que matá-lo. Ele enfiou a espada no peito e, apesar de
estar morrendo, meus homens tiveram que tirá-lo de mim. Um guerreiro
formidável seu irmão, sem dúvida. Ele lutou até o último suspiro para
mantê-la segura.
Willow fechou os olhos, deixando as lágrimas que queimavam contra
suas pálpebras deslizarem por suas bochechas. Recriar aquela cena em sua
mente a destruiu como se ela tivesse realmente a testemunhado. O fato de
Niall ter morrido assim, sem um único ente querido ao seu lado para ajudá-
lo, multiplicou sua tristeza e dor.
Sua mente, frenética para encontrar algum significado em uma perda tão
injusta, queria ligar os pontos.
— Matou meu irmão... por que amava minha mãe? — perguntou num
sussurro abafado, sem entender.
Gilmer pegou a mão dela para confortá-la, mas ela se afastou como se
fedesse. Ela o olhou com todo o amor que sentia por aquele homem
transformado em ódio visceral.
— Eu a amei como nenhum homem jamais amou uma mulher. Sendo
jovem, lhe confessei o meu amor, entregue e apaixonado, colocando o meu
mundo aos seus pés. Mas ela escolheu outro.
— Meu pai.
— Sim. Meu melhor amigo conquistou seu coração, apesar de não
merecer. Ele não a amava como eu.
Willow estreitou os olhos, irritada com aquele comentário.
— Como sabe? Talvez ele a amasse mais...
— Não! — Gilmer explodiu, assustando-a. — Porque se ele realmente a
amasse, se a amasse tanto, não teria a engravidado de novo.
Willow entendeu e assentiu lentamente, percebendo que esse homem
odiava sua família há muito tempo.
— Quer dizer que ela morreu por minha causa.
Gilmer passou as mãos pelo rosto. Parecia que ele também tinha
dificuldade em se lembrar daquele dia, daquele tormento que havia sofrido.
— A princípio sim. Eu culpei você assim como culpei seu pai e seus
irmãos.
— O que meus irmãos têm a ver com isso? — ela sibilou, contendo sua
fúria rangendo os dentes.
— Dar à luz os gêmeos foi o que deixou Erinn fraca. O médico contou a
seu pai, alertou-o sobre o que poderia acontecer se ele fosse pai novamente,
mas ele ignorou seu conselho. Eu queria matá-lo naquele dia em que todos
os seus amigos ouviram os gritos de sua mãe enquanto esperávamos você
nascer no salão de Meggernie. Estávamos ali para comemorar o
acontecimento, para acompanhar seu pai... — Gilmer soltou um suspiro
entre os lábios que mais parecia um lamento. — Foi a pior noite da minha
vida. Ouvir como ela sofria, como aos poucos a vida deixava seu corpo sem
poder ir para o seu lado. Me rasguei por dentro, morri com ela naquele dia.
E quando seu pai entrou e deu a triste notícia, eu queria matá-lo ali mesmo.
— Mas você não fez isso.
— Não. Mas jurei que faria... e tentei. Em Stirling, durante a batalha
contra os ingleses. No entanto, algo deu errado. Aquele soldado inglês
apareceu do nada, parando entre meu machado e as costas de seu pai. Ainda
por cima, Ian acreditava que eu havia salvado a vida dele e a partir de então
tinha uma dívida de honra comigo... que ironia!
Willow abraçou seu corpo. Queria e não queria continuar ouvindo.
Queria saber tudo, seus motivos doentios, suas intrigas, seus planos para
destruir toda a sua família. E, ao mesmo tempo, queria se afastar dele e não
saber até que ponto aquele homem, a quem ela amara de todo o coração, os
odiava tanto.
— Resolvi então que esperaria — Gilmer continuou. — Esse
desentendimento me deu a oportunidade de estar muito próximo de Ian e,
ao mesmo tempo, do meu outro objetivo principal.
Willow o olhou e enxugou as lágrimas que escorriam
incontrolavelmente por seu rosto.
— Eu.
— Sim, você.
Gilmer estendeu a mão para acariciar seu cabelo, mas ela se afastou
novamente, enroscando-se na cabeceira da cama.
— Você deveria morrer — ele soltou à queima-roupa. — Eu soube
desde o momento em que seu pai anunciou que havíamos perdido Erinn,
mas que, pela graça de Deus, havia nos deixado um anjo para nos confortar.
Por sua causa ela morreu. O amor da minha vida, o único sol que me
iluminou. Você tinha que morrer — ele repetiu, sem olhar para ela, com os
olhos perdidos no passado — e eu entendi que com a sua morte a vingança
seria completa, pois Ian e os gêmeos sofreriam mais do que se eu os
esfaqueasse um por um.
A jovem sentiu um estremecimento de horror com suas palavras
grosseiras. Ela o olhou com o canto do olho, horrorizada por ter sentido
afeição por aquele ser desprezível. Para seu pesar, Gilmer ainda não havia
terminado sua história.
— No entanto, você não foi uma presa fácil. Quando criança, te
protegiam tanto, te mimavam tanto que você nunca ficava sozinha. Não
havia como chegar perto de você sem um de seus irmãos por perto, ou um
dos soldados MacGregor. A joia de Meggernie... com que zelo seu pai a
protegeu!
— E você o culpa? — ela cuspiu com desdém. — Se todos os amigos
dele fossem como você, não é de admirar que meu pai fosse extremamente
cuidadoso.
Gilmer deu uma risada rouca que a deixou com os cabelos em pé.
— Oh, eu não acho que Ian desconfiava de seus aliados! Era
simplesmente seu jeito de ser. Você foi o consolo de todos eles diante da
perda de sua mãe e todos inconscientemente a protegeram ao ponto da
exasperação. Mas não, eu não o culpo. Além do mais, eu aprecio que tenha
sido assim.
Willow o olhou, sem entender o quão insanamente sua mente
funcionava. Sem dúvida, ele havia perdido completamente a cabeça.
— Não. Eu não sou louco — disse ele, a olhando como se soubesse o
que ela estava pensando. — Estou feliz por não ter te matado. No dia em
que você fez treze anos, quando fui visitá-la, você apareceu diante de mim
com um novo vestido verde. Nunca esquecerei. Seus olhos azuis idênticos
aos de sua mãe, seus cabelos castanhos caíam pelas costas emoldurando um
rosto de menina, mas sem dúvida tinha os traços de Erinn. Você me chocou,
Willow, me deixou sem palavras. Estava se tornando uma mulher... uma
mulher idêntica ao meu único amor. Entendi que a vida me deu outra
chance; que ali, na minha frente, estava o sonho que sempre persegui. Eu só
tinha que esperar... E, quando chegasse a hora, quando estivesse totalmente
reencarnada em você, seria minha. Você me aceitaria e receberia todo o
amor que guardei em meu coração e que Erinn rejeitou. Não importava se
seu pai ou seus irmãos recusassem. Além do mais, eu já tinha assumido.
Eles não permitiriam que sua joia preciosa se casasse com um homem com
três vezes a idade dela, estava convencido, então só tinha uma opção:
sequestrá-la. Eu sabia esperar, pequena Willow. Meggernie nunca seria tão
vulnerável quanto naqueles dias, então não podia adiar mais. Eu ataquei
quando sabia que não poderia perder, porque a maioria dos MacGregor
estava em guerra e não podiam mais te proteger. Eu ataquei quando
consegui convencer Errol a mudar de lado.
— Errol... — ela murmurou, chocada. — Como? Por quê?
— Foi muito fácil. Ele é um homem ganancioso, bastava lhe prometer
que seria meu braço direito no comando da Torre Landon, e meu sucessor
quando eu morresse. Eu disse a ele que, não tendo filhos, não havia
ninguém melhor do que ele para ocupar o cargo de laird dos Graham.
Enquanto falava, os olhos de Willow se arregalaram de horror.
— Você mentiu para ele — percebeu, ciente da escuridão de sua alma.
Gilmer deu um sorriso sinistro.
— Claro. Não cederei a liderança do meu clã a um MacGregor sujo,
fique tranquila. Ainda posso ter filhos, não sou tão velho. Você me dará um
filho homem para que possa governar quando eu partir.
Willow estremeceu de desgosto com essas palavras. Ele tinha ficado
completamente louco.
— E por que incriminou os Campbell? O que tem contra eles?
Gilmer deu de ombros com indiferença.
— Ah, absolutamente nada! Foram eles, como poderia ter sido qualquer
outro clã. Qualquer um valia a pena para remover suspeitas de mim. Não
era pessoal, apenas prático. Os Campbell são um clã poderoso, e se sua
família fosse contra eles, a luta certamente os enfraqueceria muito. Algo
que me serviu muito bem para realizar meus planos. Para que seja minha,
tive que reduzir a força dos MacGregor de todas as maneiras possíveis. No
entanto, eu não contava que aquele clã que deveria ser o culpado de sua
queda, iria acolhê-la e escondê-la tão bem de mim. Felizmente, seu pai
ingênuo ainda me estima e confia em mim o suficiente para me escrever do
front. Ele pretendia me tranquilizar e anunciar com grande alegria que a joia
de Meggernie estava sã e salva — e que agora estava com os Campbell.
Que ironia! O homem que mais queria te proteger foi quem me deu as
informações que eu precisava para te encontrar. — Ele a olhou com os
olhos cheios de um amor doentio que enojou Willow. — E finalmente,
depois de tanto esperar... aqui está você.
— Você perdeu a cabeça — sussurrou entre tremores.
— Por quê? Não tenha tanto medo, querida. Nessas terras é comum um
homem apaixonado sequestrar sua futura esposa. E não precisa se
preocupar, vou te tratar bem. E meu amor a dominará de tal maneira que o
amor nascerá em você.
Isso foi demais. Willow tinha ouvido o suficiente. Este assassino, que os
enganou por tantos anos, que tentou destruir seu pai, que levou um pedaço
de sua alma ao tomar seu irmão por sua loucura infinita, a olhou como se
todo o passado não passasse de ninharias. que ela acabaria esquecendo com
o tempo.
Ela se levantou da cama e o encarou com o queixo erguido. Não havia
mais lágrimas em seus olhos, mas uma fúria ardente, sedenta de vingança.
— Embora pareça que tem seus planos muito bem traçados, esquece que
meu pai, quando descobrir, vai te esfolar vivo. Ou seja, se Malcom não te
encontrar primeiro, ele vai estripar você com as próprias mãos. — Então,
ela levantou o dedo onde estava a aliança de casamento. — Mas, acima de
tudo, reze para que não caia nas mãos do meu marido antes, porque então
eu lhe garanto que, primeiro ele arrancará a única mão que lhe resta por ter
ousado me tocar — ela olhou para o toco, sem um traço de compaixão — e
então sofrerá a pior das mortes...
E, ao contrário da expectativa de Willow, em vez de ficar chocado ao
ver o anel em seu dedo ou desesperado ao ver seus planos frustrados,
Gilmer Graham exibiu um sorriso misterioso e ameaçador.
— Quer dizer o laird Ewan Campbell? — Ele estalou a língua antes de
anunciar maldosamente: — Me desculpe, querida, mas é mais do que
provável que agora seu novo marido esteja deitado no campo de batalha,
com um machado cravado nas costas, e você é uma bela viúva e precisa de
conforto e, o que é mais importante, de um novo marido para zelar pelo seu
bem-estar.
Willow não era de desmaiar. Willow nunca havia desmaiado, exceto
quando estava muito doente. Mas parada ali, ouvindo aquele homem
desprezível dizer que Ewan poderia estar morto, ela sentiu tudo girando e o
chão correndo em direção ao seu rosto. Então seu mundo simplesmente
desapareceu.
CAPÍTULO 43
Ewan não sabia de onde tiraram forças para continuar lutando após a
revelação de seu tio Alec. Tanto ele quanto Ian e Malcom MacGregor
temiam por Willow. Quando o exército escocês saiu vitorioso naquela
batalha épica, não puderam se alegrar como o resto de seus compatriotas.
Aquele dia seria lembrado nos anais da história como o dia em que o rei
Robert de Bruce consolidou seu poder e recuperou a independência da
Escócia.
No entanto, para Ewan Campbell, este sempre seria o dia mais
assustador de sua vida.
Logo após o fim da luta, de volta ao acampamento, cuidando de seus
muitos ferimentos de guerra, um mensageiro de Innis Chonnel chegou. Era
o jovem Donald, que se tornara um grande amigo da nova Sra. Campbell.
Ela tinha cavalgado incansavelmente dia e noite para alcançar seu laird para
que pudesse lhe contar as más notícias. Ewan o recebeu com alarme e seus
instintos não o enganaram, porque esse menino leal trazia as piores notícias.
— Eles a levaram, meu senhor. Alguém chegou até Innis Chonnel se
passando por amigo, matou Bors e Murdoc e a sequestrou sem nosso
conhecimento. Encontramos os vigias inconscientes em seus postos,
ninguém deu o alarme. Quando percebemos, já era tarde demais e havíamos
perdido o rastro deles. Nós... nós pensamos que Agnes teve algo a ver com
isso, meu senhor. Ela desapareceu de Innis Chonnel.
As entranhas de Ewan se contorceram de angústia. Ele deveria ter
expulsado aquela harpia no momento em que descobriu que era uma
mentirosa vil e que seu melhor amigo havia sido banido por causa dela. Se
fosse verdade que ela havia ajudado o traidor, ele a mataria assim que
colocasse as mãos nela.
O homem que tentou atacá-lo por trás, o mesmo homem que matou seu
amigo Colin, usava as cores de Gilmer Graham. Sem dúvida foi ele quem
levou Willow. A teria machucado? Ela estaria viva agora? O medo
envenenou seu espírito e seus joelhos vacilaram ao pensar nessa
possibilidade. O bastardo não teve vergonha de acabar com a vida de Niall
MacGregor, então como ele poderia esperar que ela estivesse bem?
A terrível notícia logo se espalhou pelo acampamento, e o próprio Bruce
ficou indignado ao saber da traição de um dos homens que ele tinha em tão
alta estima. Ele havia sido generosamente honrado e recompensado por sua
coragem na batalha quando perdeu a mão lutando por seu país. Assim, não
se opôs quando os Campbell e os MacGregor pediram permissão ao rei para
resgatar o jovem Willow. Deixou-os ir com apenas uma condição: que
fizessem justiça em seu nome, pois ainda tinha assuntos que o mantinham
no front e, embora quisesse estar presente quando aquele traidor fosse
levado a prestar contas, um rei não podia abandonar suas obrigações em
momentos tão importantes para seu país.
— Ele pagará por todo o mal que fez, Vossa Majestade — Ian
MacGregor prometeu.
E assim partiram, rezando e esperando em seus corações que, quando
chegassem à Torre Landon, não fosse tarde demais...
Já era noite e Willow dormia abraçada a Marie, na cama daquele quarto que
havia se tornado seu lar nos últimos dias. A porta foi escancarada,
assustando as duas. Elas acordaram para ver Gilmer entrar, de olhos
arregalados, e atacar a velha ama.
— Deixe-a em paz, não a leve embora! — pediu Willow, desesperada.
O homem colocou uma faca na garganta de Marie e olhou para ela.
— Você virá comigo, fará o que eu mandar ou ela morrerá. Entendeu?
Willow assentiu, morrendo de medo. Ela não suportava perder Marie
também, então obedeceu Gilmer e o seguiu para fora do quarto.
Imediatamente percebeu que algo estava errado. Pelo menos para os
Graham, pois havia criados correndo de um lado para o outro e, quando
chegou ao grande salão, descobriu que os habitantes de Landon Tower
haviam se reunido ali nervosos, muitos deles em suas roupas de cama,
aguardando as instruções do senhor do castelo.
— Vamos, não pare — ele ordenou a Willow, enquanto empurrava
Marie para caminhar à frente dele, em direção à torre de vigia.
Subiram a escada em espiral até o topo da fortaleza e, uma vez lá,
Willow teve uma visão completa do campo que se estendia diante da Torre
Landon. Abaixo, diante dos portões do castelo, um exército agitando
bandeiras das cores Campbell e MacGregor ameaçava a paz daquela
fortaleza. Na calada da noite, dezenas de tochas iluminavam os rostos
enfurecidos de todos os homens que vieram em seu socorro.
O coração de Willow batia forte enquanto ela procurava no grupo os
rostos familiares que estava morrendo de vontade de ver. No entanto, a
distância e a pouca luz tornavam difícil para ela distingui-los.
— Campbell!! — Gilmer gritou. — Se valoriza a vida de sua esposa em
algo, entrará sozinho, e desarmado!!
A ponte levadiça do castelo foi então abaixada e na torre de menagem, o
traidor Errol e outro soldado Graham agarraram Willow para espreitar e que
os homens que esperavam embaixo pudessem vê-la bem. Sentiu a vertigem
daquela altura quando se viu com metade do corpo fora das ameias e o grito
saiu sem querer, conseguindo o que Gilmer pretendia. Ela sabia que esse
louco não a deixaria cair no vazio, mas Ewan não.
O efeito foi imediato.
Um dos guerreiros ia à frente dos demais, a pé e com os braços cruzados
para mostrar as mãos nuas. Ele parou no meio da ponte e olhou para cima.
Willow encontrou os olhos de seu marido e seu corpo inteiro convulsionou
de alívio ao vê-lo vivo... A sensação durou pouco, no entanto.
— Estou aqui, Graham!
— Entre! Você sozinho! — repetiu.
Ewan não hesitou. Ele continuou andando, determinado e sem
demonstrar nenhum medo. Assim que cruzou, a ponte foi levantada
novamente para bloquear o caminho para os outros.
— O que vai fazer com ele? — perguntou Willow, sua voz embargada
de medo.
Gilmer a olhou e deu aquele sorriso que já não parecia nada atraente.
Era demoníaco... e bastante distorcido.
— Vamos para o salão querida, que eu te mostro. Não vamos deixar
aquele que, por enquanto, ainda pode ser chamado de seu marido...
Suas palavras encheram o coração de Willow de pânico. Claro. Se ele
queria se casar com ela, Ewan estava no caminho. Teria que matá-lo, algo
que aparentemente já havia tentado, sem sucesso.
Escoltadas por Gilmer e Errol, ela e Marie foram conduzidas ao salão
principal, onde alguns soldados de Graham já haviam agarrado Ewan e o
seguravam com as mãos atrás das costas.
— Will! — exclamou, assim que a viu. — Está bem?
— Sim... — ela tentou correr para o lado dele, mas Gilmer a impediu.
— Está muito bem, Campbell. Por acaso não a vê? Eu não lhe faria
nenhum mal, e esse foi o seu erro.
Ewan franziu a testa e o olhou de uma forma que teria assustado
qualquer um.
Willow reconheceu aquele olhar.
Era o mesmo que ele usou no dia em que Reed MacNab saiu para atacá-
los, no bosque. Era o mesmo que teve quando enfrentou seus conselheiros,
na frente de todo o seu clã, para se defender dos insultos lançados sobre sua
pessoa. Era um misto de fúria, impaciência... e a convicção de que sairia
vitorioso daquele desafio.
— Não lhe fez nenhum mal, você disse? — ele sibilou, a raiva pulsando
em cada palavra. — O que você chama então, de atacar sua casa, matar seu
povo, assassinar seu irmão? Como chama sequestrá-la e trazê-la aqui, à
força, levando-a para longe de tudo que ela ama?
— Ela ainda não sabe o que é amor verdadeiro, Campbell. Vou mostrar
a ela, vou fazê-la perceber o que um homem é capaz de fazer pelo amor de
sua vida. Tudo o que fiz foi por ela, por nós, por nossa felicidade. —
Gilmer virou-se para Willow e seu sorriso malicioso a deixou de cabelo em
pé. — Diga você a ele, querida.
A um gesto dele, Errol agarrou o braço de Marie e ameaçou sua vida
com uma enorme adaga. Willow olhou com pânico crescente para o rosto de
sua ama, que apesar de tudo parecia não ter medo. Em vez disso, negou
com a cabeça para evitar que Willow aceitasse a coerção de Gilmer.
Então olhou para Ewan.
Se encheu com sua imagem... Seu cabelo castanho caía em ambos os
lados de seu rosto de uma forma bagunçada e selvagem. Sua barba havia
crescido, dando a seu semblante uma aparência muito perigosa. Apesar
disso, apesar do fato de que cada fibra de seu ser exalava uma poderosa
força contida, Willow podia ver que ele estava abatido e seu olhar
transmitia o tormento de não conseguir tirá-la dali imediatamente, como ele
desejava.
Ela nunca o amara tanto quanto naquele momento.
Ele sempre lhe dizia que ela era transparente, que seus desejos
transpareciam através de seus olhos. Willow esperava que desta vez
também, porque as palavras que ela tinha para dizer eram as palavras mais
difíceis que já tinha tido que dizer, e eram mentiras.
— Eu sei que vou ser feliz com Gilmer — sussurrou. — Não deveria ter
vindo por mim.
Ewan não demonstrou que a declaração o afetou nem um pouco.
— Atravessaria o inferno por você. Te levarei para casa, custe o que
custar.
Ela não pôde deixar de sorrir com a declaração apaixonada. Disseram
um ao outro tudo o que precisavam com os olhos, porque sempre se
comunicaram muito melhor com os olhos do que com as palavras.
Gilmer presenciou como o amor entre os dois jovens era muito maior
que o medo da morte, do que poderia acontecer com cada um deles, e ele
não suportou. Mais uma vez sentiu rejeição, sabendo que foi rebaixado
porque a mulher dos seus sonhos escolheu outro, deu a outro tudo que ele
merecia...
Seu rugido frustrado e furioso ecoou pelas paredes do salão. Gilmer
investiu contra a ama de leite da jovem novamente e empurrou Errol para o
lado para tomar seu lugar. Brutalmente, ele forçou a velha a ficar de
joelhos, encarando Willow. Com uma mão, pressionou a adaga contra a
garganta da mulher.
— Muito bem. Isso acaba aqui e agora. Vou fazer todo esse amor que
você não quer me dar apodrecer dentro de você como apodreceu o meu por
Erinn. Será você quem acabará com a vida dele, pequena Willow. Errol, lhe
dê sua adaga! — ele gritou, com raiva. — E agora, minha querida, enfie no
coração do seu marido ou ela morrerá.
— Não! — gritou Marie do chão. — Sou apenas uma velha, minha
menina. Não faça isso, não faça por mim.
Willow olhou para a adaga que o traidor havia colocado em suas mãos,
horrorizada. Errol a olhou e deu um sorriso que a deixou doente. Depois
olhou para Marie, cuja garganta já sangrava com a força com que Gilmer
segurava a adaga. E finalmente, ela olhou para Ewan. Seu semblante era
uma máscara de fúria contida.
Ela caminhou em direção a ele lentamente, seus dedos apertando o
punho da faca.
— Não, Willow, não! — Marie chorou de novo.
Mas ela só podia olhar para Ewan, absorver sua pessoa, o poder que
emanava de seu corpo, apesar de estar amarrado e sendo segurado por dois
soldados. Ela lhe estendeu a mão e ambos inalaram profundamente,
reconhecendo o cheiro inconfundível do outro.
— Minha pequena duende... — Ewan murmurou, sua voz rouca.
— Malcom e meu pai? — ela perguntou a ele, seu coração tão apertado
de medo, que seu peito doía.
— Eles estão vivos, estão aqui.
Willow fechou os olhos em puro alívio. A guerra não os levou embora.
— Pare de falar! — Gilmer a incitou desesperadamente. — Vamos,
mate-o!
Willow se aproximou e colocou a ponta da adaga no peito de Ewan, na
altura do coração. Ele se endireitou, ainda olhando nos olhos dela, sem
demonstrar medo.
— Eu não posso deixá-la morrer — Willow sussurrou, como um pedido
de desculpas.
Ela ficou na ponta dos pés e deu um breve beijo nos lábios do marido
em despedida. Ele fechou os olhos para senti-la melhor, para se deixar
envolver pela doce magia de sua duende mais uma vez...
— Vou matá-la, Erinn! — Gilmer voltou a uivar ao ver aquele gesto de
amor. Havia usado o nome de sua mãe novamente, estava fora de si. —
Quer ver o sangue de sua querida Marie derramando no chão do meu salão?
Willow agarrou a adaga com força, assim como Melyon e Bors a
ensinaram a fazer... Pobre Bors, vilmente morto por um traidor. O taciturno,
rude e mal-humorado Bors.
Pensou no que lhe diria naquele momento se a visse. Gritaria com ela
para agir de uma vez, para não se comportar como uma fraca, que ela não
era digna de ser considerada uma dos seus...
— Vamos, mostre-me que já é uma Graham, ou eu vou acabar com sua
doce ama de uma só vez! — rugiu Gilmer novamente.
— Eu já te disse — ela sibilou, olhando por cima do ombro para ele. —
Nunca serei uma Graham... Agora sou uma Campbell.
Se moveu tão rápido que o louco não a viu chegando. Willow se virou e,
com o mesmo ímpeto, virou a faca e agarrou-a pela lamina, depois
arremessou-a como Bors a ensinou, furiosa com a lembrança de seu corpo
morrendo na margem do lago Tay.
Não falhou. A adaga voou pelo salão com uma força incrível, direto no
ombro de Gilmer. Ele largou a arma com a qual estava ameaçando Marie
enquanto a dor e a surpresa o percorriam em igual medida.
Gilmer a olhou sem acreditar no que havia acontecido. Essa não era sua
doce Erinn. Em seus olhos azuis só encontrou desprezo e um ódio tão
profundo que, pela primeira vez, o fizeram ver a verdade mais clara e
dolorosa: ele nunca, jamais teria seu amor.
— Mate-os!! — ele gritou, enlouquecido.
Ewan não esperou que os soldados de Graham cumprissem a ordem. Ele
deu uma cabeçada em um de seus captores e Willow pulou nas costas do
outro para lhe dar alguma vantagem. Não demorou muito para o marido
derrubá-lo com uma forte joelhada na virilha. Marie, que não sabia como
podia se mover tão rapidamente, pegou a adaga que Gilmer havia deixado
cair e correu na direção deles, pronta para cortar as cordas que prendiam as
mãos de Ewan.
O restante dos soldados no salão se lançou sobre eles, enquanto os
habitantes do castelo se aglomeraram no fundo do salão, com medo do que
estava acontecendo ali.
— Fiquem atrás de mim — Ewan ordenou a Willow e Marie, pegando a
adaga que a velha tinha na mão como única arma para enfrentar todos
aqueles homens.
Willow desejou mais uma vez ter a força de seus irmãos para ajudar seu
marido, pois sua desvantagem era muito grande desta vez contra Errol e os
homens de Gilmer. A pequena guarnição que guardava o castelo era
insuficiente para proteger a fortaleza de ataques, mas suficiente para reduzir
um único homem armado com uma faca.
Felizmente, a tão necessária ajuda chegou no momento em que Marie
começou a orar silenciosamente por suas vidas. As portas do corredor
foram escancaradas e as tropas MacGregor, junto com as dos Campbell,
invadiram.
A luta não durou muito; sendo os invasores superiores em número e
ferocidade, se impuseram aos poucos soldados Graham sem causar quase
nenhuma baixa.
Gilmer observava a cena petrificado, sem assimilar o que estava
acontecendo. Atordoado, ele presenciou todo o seu mundo desmoronar
diante de seus olhos sem poder fazer nada para impedir.
Uma mulher abriu caminho entre os homens que tomaram o controle da
Torre Landon, com a cabeça erguida, sem vergonha de tê-los ajudado a
entrar na fortaleza para derrotar seu antigo laird... e o único homem que ela
já amou. Gilmer, segurando o ombro ferido no toco feio, olhou para sua
governanta.
— Rhona...
—Sinto muito, meu senhor — exclamou a mulher, embora seu tom não
mostrasse arrependimento. — Sinto muito por ter traído você, mas não
podia permitir que continuasse com essa loucura.
— Por quê? Eu sou seu laird, sempre te tratei bem, deve lealdade a
mim... A mim!! — ele gritou, fora de si.
Rhona o olhou, e então, vendo-o derrotado, acabado graças a ela, trouxe
lágrimas aos seus olhos.
— Eu fui leal a você por muitos anos, meu senhor. Quando você amava
outra, quando a chamava em seus sonhos depois de ter dividido a cama
comigo... Sempre pensei que, no final, perceberia que eu era mais real do
que aquela ilusão que você mantinha intacta para uma mulher que não
existia mais. Mas não foi assim. Eu esperei por você em vão. Eu te dei um
filho que você nem quis reconhecer... e você o mandou para a guerra, o
deixou para morrer sem uma única palavra de orgulho ou afeto de seu pai.
Gilmer fechou os olhos por um momento, percebendo que a traição de
Rhona fora causada por ele mesmo, por ignorá-la, por não ter visto tudo o
que ela lhe oferecia e o que ela lhe dera de graça.
Um guerreiro então se adiantou solenemente e ficou ao lado da mulher.
Ele pôs a mão no ombro dela tanto para tranquilizá-la quanto para
agradecê-la por tudo que ela havia feito por eles. Os olhos de Ian
MacGregor se fixaram no que até muito recentemente ele considerava um
de seus melhores amigos.
— Rhona, não se sinta culpada — ele lhe disse. — Este homem é o
maior traidor de todos os tempos e não tem o direito de ter nada contra
você. — Então, se dirigiu a ele. — Tratei você como um irmão, Gilmer. E
me traiu da pior maneira. Eu poderia ignorar que você amou minha esposa
secretamente e tentou me matar no passado. Poderia... — Ian soltou o ar
com um gesto de desprezo. — Mas você atacou minha casa, assassinou meu
filho e, não contente com isso, também sequestrou minha filha. Não posso
te perdoar por isso.
Gilmer levantou a cabeça, muito digno. O ódio que sentia pelo
MacGregor permanecia intacto, mais vivo do que nunca, e ele não iria se
curvar às suas ameaças. Ele notou que, ao lado dele, estava posicionado seu
outro filho, Malcom, que o olhava com uma raiva tão contida que parecia
um anjo vingador.
— Eu também não posso te perdoar — disse ele, desembainhando a
espada. — E você, Errol, como conseguiu? Tantos anos acreditando que era
nosso amigo, você tem sangue MacGregor, é nossa família...
Willow falou então, olhando com ódio para aquele que havia brincado
com ela e seus irmãos quando eram pequenos, com quem ela havia
compartilhado tanto ao longo de sua vida.
— Foi a espada dele que acabou com o Niall — disse, com voz de gelo.
— Ele mesmo me confessou antes de me sequestrar.
O grunhido indignado de todos os MacGregor presentes ergueu-se no ar
e Errol deu um passo para trás.
Ian MacGregor analisou seu olhar antes de tomar sua decisão.
— Não prolongarei mais o sofrimento que carrego. Não haverá
julgamento para você, não retornará a Meggernie para receber sua punição.
Malcom jurou vingar seu irmão, e tenho certeza de que Ewan não vai
ignorar o fato de que você colocou suas mãos sujas em sua esposa para
sequestrá-la. — Ele olhou por cima do ombro para os dois guerreiros que já
estavam prontos com a espada na mão. — É de vocês.
Os dois homens deram um passo à frente. Os olhos de Errol se
arregalaram de terror ao perceber que não tinha chance, que não haveria
misericórdia para ele. Ele era um guerreiro excepcional, mas não tinha nada
que fazer frente a essas duas torres humanas, que se aproximavam dele,
prometendo a morte com os olhos.
Foi muito breve. Apenas uma troca de golpes de espada desesperados e
frenéticos. Willow não conseguia tirar os olhos deles, assim como o restante
dos presentes, porque mesmo sabendo que a visão que estava prestes a
testemunhar seria desagradável, ela não queria perder o momento em que
aquele traidor sujo pagava por ter levado seu amado irmão.
Um grito animal ergueu-se no ar quando Ewan cortou o braço armado
de Errol no cotovelo. O homem caiu de joelhos, o rosto contorcido de dor.
— Isto, por ter ousado tocar na minha mulher — disse ele, com
desprezo.
Malcom ficou na frente dele então. Ele o olhou com todo o fogo da
vingança queimando em seus olhos.
— E isso por ter nos traído. Por fingir ser nosso amigo. Por roubar
minha outra metade da maneira mais vil.
Ele ergueu a espada e com um único golpe, separou a cabeça de seu
corpo, que rolou até parar a poucos metros de onde Willow estava. Náusea
subiu em sua garganta quando ela viu aquele olhar horrorizado em seus
olhos mortos. Mas não sentiu pena...
Ewan então se virou para Gilmer, que recuava ao ver o final que Errol
teve.
— Eu também mataria você com minhas próprias mãos pelo que fez
com minha esposa — ele exclamou — mas acho que os MacGregor
merecem poder vingar seu povo, Niall... e sua amada Erinn.
Gilmer ficou indignado com a última afirmação. Seus lábios se
apertaram até formarem uma linha reta que dividiu seu rosto enfurecido em
dois.
— Eu não fiz nada de errado com Erinn! Foram eles... eles, que
causaram a morte dela!
— Sim? — insistiu Ewan, querendo machucá-lo. Não ia deixá-lo morrer
em paz. Apenas por todo o sofrimento que ele causou, ele merecia. — O
que ela pensaria se descobrisse que você matou um de seus filhos?
— Na verdade — Willow tomou a palavra — tenho certeza de que
minha mãe, onde quer que ela esteja, sabe o que você fez. Se pensou em
encontrá-la no outro mundo, Gilmer Graham, tenha bem presente que
inclusive ali te desprezará pelo mal que tem infligido a minha família.
Nunca será sua, nem nesta vida nem em outra vida. Nunca terá o coração
dela...
O rosto de Gilmer caiu com essas palavras. O que eles insinuaram o
deixou seco e vazio por dentro. E entrou em pânico quando Ian MacGregor
avançou sobre ele, com a espada na mão, pois ia morrer de coração partido.
Ele sabia que esse sofrimento o acompanharia até a vida após a morte, e não
haveria esperança naquele outro mundo, nenhum alívio para ele. Passaria a
eternidade em sofrimento contínuo, iria para o inferno e arderia para sempre
nas chamas do desamor...
Nenhum dos que testemunharam seu merecido fim teve pena dele.
CAPÍTULO 45
Nem todo mundo sabe que Kate Danon não é meu nome verdadeiro,
embora imaginem. Achei que o pseudônimo era necessário para diferenciar
meu papel de escritor infanto-juvenil, do escritor romântico adulto, cujas
obras podem aparecer cenas mais ousadas ou mais sombrias... Hoje, Kate
Danon já faz parte da minha personalidade e sinto muito confortável
escrevendo com esse nome.
Minha paixão por escrever nasceu quando eu era muito jovem e cresceu
ao longo dos anos. Sempre sonhei em poder publicar e consegui atingir esse
objetivo em 2009, quando a editora Hidra e a editora Edebé, quase ao
mesmo tempo, decidiram que gostavam da minha forma de escrever e me
deram a oportunidade de publicar meus livros infantis (A série de livros El
diario de Luna Moon y Experimento Mythos, respectivamente).
Pouco depois, em 2012, a Kiwi Editions também confiou no meu
trabalho e publicou minha duologia de Los Guardianes: Los Guardianes de
la Espada y La Senda del Guardián, ainda com meu nome verdadeiro:
Victoria Rodríguez.
Em 2013 chegou meu primeiro romance adulto, também com edições
Kiwi, intitulado Una Mágica Visión. Foi com este romance que decidi usar
pela primeira vez um pseudónimo e, a partir daí, os sucessivos seriam todos
assinados como Kate Danon.
Com este novo livro entrei num mundo até agora desconhecido para
mim: o da auto publicação. A Joia de Meggernie foi um projeto muito
especial para mim e, talvez por isso, quis ser eu a controlar todos os
processos e cada passo que foi dado até à sua publicação. Coloquei todo
meu amor, meu esforço e meu entusiasmo para que o acabamento final
fosse, no mínimo, atrativo para vocês, leitores.
Este é o primeiro livro da trilogia dos Irmãos MacGregor, que é seguido
por O segredo de Malcom e O destino de Niall, nesta ordem.
Se quiser saber mais sobre meu trabalho, pode visitar minha página de
autora na Amazon: KATE DANNON
Mande-me um Email: kate.danon@gmail.com