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O Filho do Imperador
Camila Antunes
Camila Antunes
O Filho do Imperador
Todos os direitos reservados
camilaasbio@gmail.com / instagram: @_camilantunes / wattpad: @Camila-Antunes
MAPA DO CONTINENTE
SUL-EQUATORIAL-1
Novo Mundo
Para aqueles a quem devo tudo o que sou, pai e mãe.
“ – Eu não sei por que, mas sempre fui apaixonado
De pé, ao lado da lareira que nunca fora acesa, Kilian segurava uma taça
de vinho branco com uma das mãos. O polegar da outra estava apoiado sobre a
mandíbula, sustentando os dois dedos que usava para esfregar a têmpora. Seu
cenho, franzido, indicava que algo o incomodava. Não dava para saber ao certo
se era alguma dor física ou apenas aborrecimento.
Ele vestia seu traje verde de gala, que tradicionalmente usava nos bailes
de aniversário da irmã. Uma janela estava entreaberta atrás de Karen, de modo
que as cores do crepúsculo invadiam o ambiente e, refletindo sobre a pele do
rosto do rapaz, tornavam o rubor causado pela raiva que ele sentia por ela
naquele momento ainda mais intenso.
A jovem mal podia acreditar nas palavras que ouvia. Todo esforço
que fizera até agora, tentando se fazer entender pelo irmão, cada palavra
que usou para argumentar, pareciam não ter surtido efeito algum sobre sua
consciência. Ele estava exaustivamente irredutível, entretanto, ela se
recusava a aceitar − conhecendo Kilian − que ele realmente seria capaz de
submetê-la a um acordo tão absurdo.
Era simples para ele: qualquer mulher se sentiria lisonjeada por se casar
com um rei. Ele sabia disso porque era um. Desde que era apenas uma criança,
as meninas lhe davam atenção especial. Agora, aos vinte e três anos, não era
diferente. Kilian repudiava a ideia de se casar porque sabia que o principal
motivo que a maioria de suas pretendentes tinha para desejar tornar-se sua
esposa, estava diretamente ligado à coroa que ele carregava. Seu pai uma vez lhe
disse que o poder era a mais eficiente arma de sedução, e ele sabia do que falava.
O jovem rei usava esse conhecimento como uma defesa. Recusava-se a se
apaixonar e, só por garantia, limitava-se a manter as mais superficiais relações
físicas com qualquer mulher que aceitasse seus termos.
Mas Karen, Karen era a luz de sua vida. Tudo em que ele conseguia
pensar era no quanto seria sortudo o homem com o qual ela se casasse. Sua irmã
era delicada, carinhosa e parecia sempre feliz. Desde que perderam seus pais, ela
fora o principal motivo para ele permanecer firme. Mais do que todo o reino.
Agora, ele se sentia a pessoa mais estúpida da face da terra, por sequer imaginar
que
a moça pudesse não querer se casar com o filho do imperador de Lima. Ela
seria mulher do homem mais importante do planeta, e a ideia simplesmente
não lhe agradava. Sua Majestade não sabia ao certo se a raiva que sentia era
mesmo da irmã, por ser tão incompreensiva, ou de si mesmo, por
simplesmente não a ter consultado antes. Agora, a essa altura do acordo, era
tarde demais. Karen teria que obedecê-lo. Gostasse ou não.
⚜⚜⚜
Kilian vira o pai reinar por poucos anos. Onze, para ser exato. Nesse
tempo, contudo, acompanhara cada um de seus passos. Era como se o
destino ou algo sobrenatural – se acreditasse nesse tipo de superstição – o
preparassem para reinar desde muito novo. O jovem rei acabou ganhando o
coração de seu povo, ao erradicar a Peste do reino, quando negociou com o
Império de Lima, a vacina que havia sido desenvolvida em seus
laboratórios. Eles não tinham apenas a prevenção para o que chamavam de
Grande Mal, como também sua cura.
Mesmo que a história de sua Era pudesse fazer a maioria das pessoas
comuns acreditarem ser um verdadeiro milagre que a humanidade passasse por
aquilo e que permanecesse, após mil anos ainda, Kilian não se comovia. O
ceticismo era a maior característica do Novo Mundo. As religiões foram banidas
da maior parte dos países, por serem “uma causa potencial de discórdias
internacionais que deveriam ser evitadas em prol da perpetuação da espécie
humana”. E ele era prático, adepto a esse pensamento. Para o rei, a salvação de
sua nação dava-se por conta do acordo que fizera com o Império. A questão era
que nada se conquistava da mão de Lima sem um preço. E o preço que Kilian
tinha a pagar, embora não entendesse o motivo, era a mão de sua irmã.
⚜⚜⚜
Usou seu lenço branco com as bordas douradas para tentar dar um
jeito em sua aparência, mas logo se arrependeu, ao lembrar-se do que
aquelas cores representavam. Eram as cores da bandeira de Lima. Cores as
quais ela começava a odiar.
− Mande-a entrar, Davi − solicitou ao criado, que era ainda mais jovem
que seu irmão. − Por favor.
Karen tinha certeza, sem que ninguém precisasse lhe contar, que aquela
era uma oportunidade a qual a condessa jamais desperdiçaria, caso tivesse a
chance.
Analisando melhor, a valsa era, inclusive, uma boa explicação para que
ela viesse à sua procura. Kilian precisava escolher um par para a primeira dança
e só faria isso quando a irmã estivesse presente. Contudo, ela podia prever que a
escolha dele não seria Leila. Nunca era Leila.
− O que isso quer dizer? − Kilian interveio, ríspido. O que fez com
que todos os olhares, incluindo o do imperador, se voltassem para ele.
− Não quer dizer nada − anunciou o pai do menino, que logo se
virou para dirigir-se ao filho. − Não aprendeu nada sobre ser cortês?
− É claro que sim, meu pai − sorrindo assimetricamente, fez pouco
caso da repreensão. − Eu só estava brincando com Karen. Ela sabe, não é?
− Cla-claro − concordou a moça, olhando para as mãos. Kilian
franziu o cenho, desaprovando aquela interação entre o
casal, cujo destino ele ajudara a traçar. Decidiu chamar a atenção da irmã
para algo que não fosse o príncipe e assim, talvez, aliviar a tensão entre os
dois. Tocando com delicadeza em suas costas, deu-lhe um beijo no rosto, o
que fez Sales desviar o olhar, constrangido pela demonstração de afeto.
Karen sorriu para ele, agradecida. Ela sabia que aquela era uma forma do
irmão demonstrar o quanto ela era amada por ele, e como deveria ser
tratada.
− Então ele está aí, embora tímido − uma voz rouca soou às suas
costas, fazendo com que ela voltasse a realidade. Num passe de mágica, o sorriso
que começava a esboçar, desaparecera. – Concede-me esta dança?
Ela aceitou, graciosamente, repetindo diversas vezes o exercício de
respiração de sua mãe. Tomada pela mão, foi levada pelo príncipe até o centro
do salão, onde se uniu ao irmão e à princesa Sofia.
Com isso, pôde reparar em Sales pela segunda vez e constatar que o
rosto dele, quando observado assim, tão de perto, parecia mais bonito do
que se lembrava. O queixo quadrado do rapaz, o fazia parecer ter bem mais
do que dezenove anos de idade. Talvez isso fosse acentuado ainda mais
pelos traços fortes. Seu nariz era largo e levemente arredondado, enquanto
os lábios eram carnudos, contrastando com os seus, tão finos. Era
impossível que ela deixasse de pensar naquela boca sobre a sua. Se seria
macia e no gosto que teria.
Ao ouvir sua voz familiar, a moça deixou escapar uma lágrima que o fez
se mexer nervosamente à espera de uma nova cena de pirraça. Como nenhuma
palavra saiu de sua boca, e lágrima alguma veio depois daquela, Kilian apenas
estendeu a mão para secá-la e, aproximando-se de seu rosto, sussurrou
“biblioteca”. Com isso, ela entendeu que deveriam, primeiro, terminar aquela
valsa, mas que em breve teriam uma nova conversa. A princesa consentiu com a
cabeça, secretamente grata por aquela nova oportunidade de desabafar.
Do outro lado do salão, Dom Fernão observava as expressões com
cautela. Os olhos vagavam do filho, que dançava despretensiosamente com a
jovem Sofia, para a futura nora que, com o rosto angustiado, sussurrava ao
ouvido do irmão.
Dom Fernão tinha um amigo que salvara sua vida e uma promessa a
cumprir como dívida. Ele sempre cumpria suas promessas. Por mais que Kilian
estivesse se saindo bem como rei ao longo desses dois anos, o Imperador não
tinha certeza que aquele jovem teria culhões para fazer o que era certo.
Quando a música enfim acabou, viu o Rei Kilian tomar a irmã pelo braço
e, sem dar satisfação alguma, retirar-se para a biblioteca. Decidiu segui-los e
conseguiu alcançá-los antes que entrassem no recinto.
− Não pode estar falando sério. Não fica bem para um rei mudar de
ideia.
Encarando-o, o rei lhe perguntou:
− Você tem irmãs, Vossa Alteza Imperial?
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regava suas plantas, e a princesa respondeu o gesto com um tchauzinho
pesaroso. Nunca antes fora tão difícil para a princesa partir de sua casa. Nunca
houvera, também, um risco tão grande de que ela não voltasse.
Kilian fechou os olhos e não demorou muito mais do que alguns minutos
para pegar no sono, deixando claro para Karen que ela estaria solitária durante o
todo o percurso até o aeroporto. Ingrid e Moises eram os criados que os
acompanhariam, mas viajavam ambos em um segundo automóvel, o mesmo que
levava a bagagem da família.
Além dos dois, seguiria com eles também Portos, o oficial responsável
pela guarda pessoal de Kilian. Este era jovem, polido, mas algo em seu olhar
causava calafrios em Karen. Ele estava sentado no banco da frente, junto ao
condutor do veículo e, ao espiá-la pelo espelho retrovisor, lançou-lhe um sorriso
macabro. Não eram raros os momentos em que a princesa tinha a impressão de
que aquele homem tivesse algo contra ela − talvez a odiasse − e, mesmo se
aquilo fosse coisa da sua cabeça, nunca ficaria confortável o bastante para se dar
ao benefício da dúvida. Pressionando um botão no painel ao seu lado, ela
sussurrou um pedido de licença e fez com que uma tela subisse entre as cabines,
separando os compartimentos em que estavam. Aqueles olhos sombrios,
entretanto, ficaram em sua memória durante mais algum tempo. Ela se perguntou
como alguém daquele tipo teria conquistado a confiança do irmão. De repente
lhe ocorreu o pensamento de que existia muitas coisas sobre Kilian que
ignorava. Coisas das quais jamais tinha se dado conta. Até agora.
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contemporânea, que ela mesma já havia lido algumas vezes. Com uma
mocinha que tinha problemas na fala e um capitão charmoso, o conto falava
sobre como o amor verdadeiro era capaz de vencer todas as diferenças. De
repente, alguma coisa fez seu estômago embrulhar, e a princesa se deu
conta de que todos os sonhos ocultos que já tivera, imaginando que um dia
iria se apaixonar por um homem que a tratasse da mesma forma como
Henry tratava Rebecca, estavam muito próximos de desvanecerem para
sempre.
⚜⚜⚜
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que aquela planta era capaz de sustentar o peso de uma pessoa. Hoje,
olhando para ela sob a lembrança da força do príncipe, a moça duvidava
muito que alguém como ele estaria incluído naquela estatística.
⚜⚜⚜
Karen se sentia estranha. Ela e Kilian jamais fariam uma refeição tão fria
e formal para tão poucos convidados. Se estivessem em Salvaterra agora,
jantariam na sacada, descontraídos, com o Duque Dumas Pascoal ao seu lado e
observando as flores plantadas pelo senhor Arão. Cada segundo que se passava
enquanto estava naquela mesa, conferia a Karen a certeza de que não pertencia
àquele lugar.
− Está certo − sussurrou Sales, não tão baixo que não pudesse
ser ouvido. − Eu mereço isso.
Entendendo que ela não o perdoara e que não demonstrava o menor
interesse por desenvolver qualquer contato amigável com
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ele, o príncipe voltou-se para o irmão, puxando algum assunto sobre armas, ao
qual a moça ignorava. Dom Fernão e Kilian também tinham sobre o que discutir.
Karen só tinha a si mesma e, pela primeira vez, estava feliz por não receber
atenção demasiada. Ainda mais satisfeita estaria, não fossem as olhadelas de
soslaio que recebia de Roque com frequência.
Quando terminaram o jantar, Roque veio até ela a fim de convidá-la para
um passeio pelo jardim na manhã seguinte. A princesa consentiu, evidentemente,
porque sabia que estava ali para interpretar esse papel. Ainda assim, não
demorou a se retirar, deixando o rapaz sozinho com seus olhos brilhantes e seu
sorriso satisfeito.
Após subir as escadas, ela virou no corredor, na direção onde ficava seu
alojamento, mas antes mesmo que se aproximasse da entrada do quarto,
percebeu a presença de uma figura grande e soberba parada em frente sua porta.
− Isso só pode ser brincadeira – pensou. − Com o que ele gostaria de me
importunar a essa hora?
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− Esse título não soa bem na sua boca, Vossa Alteza Real. Mas
farei como quiser.
é infinitamente mais cômodo distorcer os fatos do que admitir que possa estar
errada sobre eles.
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cesa anunciou, com as mãos apoiadas nos quadris. − Não me importam seus
sentimentos.
Dessa vez, ele − que cruzava os braços sobre o peito − apenas comprimiu
os lábios, confirmando discretamente com a cabeça, como se tivesse captado
algum recado, e deu um passo para o lado, liberando a passagem para a porta.
Na minha janela
Meter o nariz?”
A um passarinho - Vinicius de
Moraes
A pior forma de ser acordado quando você não está feliz é, digamos,
ser acordado romanticamente.
1 Delfim é o nome que se dá ao herdeiro do trono da França. No Novo Mundo, o Império de Lima é
formado por alguns estados da Amazônia brasileira e outros países, incluindo a Guiana Francesa, colônia da
França na América do Sul desde 1667 e principal território da União Europeia no continente.
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uma das laterais do castelo. Os dois precisaram andar por um bocado de
tempo, até alcançá-la, de modo que o calor já começava a incomodar a
princesa. Ainda assim, a moça preferiu calar-se sobre o recente mal-estar,
visto que o príncipe parecia tão determinado a concluir o que fazia.
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era ele. − Teria sido melhor, não fosse o uirapuru que apareceu muito cedo
em minha janela.
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o ritmo convencional. O calor que começara a surgir dentro dela há alguns
minutos passou a consumi-la ainda mais. Para seu desgosto, o calor era bom,
aconchegante, delicioso.
Malditas flores.
CINCO
O livro secreto
Em vez do repúdio habitual, porém, ela não pôde evitar sentir uma
pontada de curiosidade.
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Não demorou para que o príncipe notasse sua presença e virasse a cabeça
em sua direção. Com um suspiro, ele deixou claro que a visão da princesa não
era a coisa pela qual mais ansiava naquele momento. Era como se,
exaustivamente, Sales estivesse esperando por um insulto.
− Sinta-se à vontade.
Ele a encarava, perplexo. Após terem feito três refeições inteiras sem
qualquer interação, Karen estava ali, agindo como se os dois fossem bons
amigos. O Delfim estava cansado de suas rixas, tinha que admitir, mas não podia
evitar achar graça daquilo, quando per-
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cebia perfeitamente o que ela tentava fazer. O príncipe conteve o impulso
de dar uma risada, e decidiu entrar no jogo dela.
pausa.
Ela baixou os olhos constrangida. Não pôde evitar sentir uma leve
pontada de frustração por ter sido desmascarada.
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posto a uma série de contestações entediantes, como nas raras vezes em que isso
aconteceu, ao longo de sua vida.
Ela ainda argumentou com bom humor, dizendo que, vindo dele, nada a
chocaria. Mas não poderia estar mais enganada. Assim que Sales virou o livro
em seu colo para que lesse as letras douradas da capa, seus olhos saltaram do
rosto. A princesa definitivamente não esperava por algo como aquilo.
− Você quer ver uma coisa proibida? − ele inquiriu, com um sorriso
sombrio.
− Você vai me mostrar uma coisa proibida? − duvidou, erguendo
uma sobrancelha para ele. Sales não pôde deixar de notar que essa era uma
mania que ela e o irmão tinham herdado em comum.
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− Então − conteve-se em dizer. − Para onde vamos?
− Venha comigo.
Sales a tomou pelo braço o que foi, por assim dizer, muito estranho.
Seus músculos rijos se contraíram quando ela passou as mãos sobre eles.
Karen era curiosa e queria senti-los. A camisa dele era fina e ela podia
sentir seu calor, como se estivesse tocando na própria pele do príncipe. Não
pôde deixar de notar que a manga de Roque nunca ficava assim, tão justa
em seu braço. Ela tentou parecer despretensiosa, mas era difícil disfarçar
que, na verdade, estava silenciosamente comparando o corpo dele com o do
irmão caçula.
− Pegue-o.
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− Cla… claro.
− Isso… são…
Era inacreditável. Esse lugar era como uma verdadeira alma, que
escondia centenas de pensamentos proibidos.
− Bom, sim. Meu pai não sabe sobre ele. Mandei que instalassem
em segredo, enquanto ele viajava. Ele não vem a biblioteca, e simplesmente não
se importa.
− Não vou mentir dizendo que não esteja surpresa que você tenha
escolhido a mim para fazê-lo.
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⚜⚜⚜
Ela andou através da sala, examinando cada uma das estantes. Ali
estavam vários exemplares do mesmo livro, em diferentes línguas, formatos
e tamanhos. Karen não pôde evitar impressionar-se com o fato de que, com
apenas doze anos, ele tivesse adquirido aquele hábito.
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mãe… a vida não fazia sentido para mim. Nunca fez sentido passarmos por essa
vida, estarmos aqui agora e amanhã não mais. Eu sentia um vazio imenso dentro
de mim. Até ler as palavras deste livro e me sentir… como se estivesse…
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− Não, não sinta medo. É algo assustador, eu admito. Mas ao
mesmo tempo é… − demorou alguns segundos para encontrar a palavra
certa. − É libertador.
sua voz.
o quê?
Ela não se sentia incapaz de sorrir. Apenas não gostava de fazer isso
na frente dele. Mas algo ali continuava estranho. Ele simplesmente não
desistia de demonstrar arrependimento. Estava se tornando um trabalho
exaustivo, lembrar-se de odiá-lo.
transformaram mais uma vez. De repente, ela sentira uma vontade súbita de
conhecer aquelas palavras que forçaram uma pessoa tão grosseira a lhe
dizer coisas tão ternas.
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− Será que… será que eu posso ficar com uma delas?
− Sim?
− Temporariamente, sim.
SEIS
O perfume doce
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Na frente da entrada principal do palácio, eles receberam calorosamente
a família de Julia e a princesa percebeu que os tais olhares ainda estavam lá.
Imediatamente, adiantou-se para lançar um abraço carinhoso na moça, afinal de
contas, no caso de se tornarem cunhadas, queria garantir que fossem grandes
amigas.
velho.
⚜⚜⚜
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− E posso saber o que deseja?
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− Para um passeio no jardim − ela respondeu, tentando repreendê-lo
com um olhar fuzilador, que ele escolheu ignorar. − O jardim secreto do
castelo.
Puxando-a pela cintura, Roque desceu as escadas sem dizer uma palavra.
Ela ficou intrigada por ele não ter percebido que aquele era o mesmo vestido que
usara na recepção de seu tio, mais cedo. Talvez, na verdade, tenha notado.
Talvez apenas tenha decidido ignorar que em vez de se preparar para o encontro
que marcaram, ela estivesse ocupada flertando com seu irmão.
Roque estava acostumado a perder para Sales. A não ser pela caça, que o
primogênito repudiava, ele perdia sempre. Perdia nas competições de hipismo,
na confiança do pai e na atenção das mulheres. Mas ele não iria perder Karen.
Não agora que tê-la para si era, pela primeira vez, uma possibilidade real. Sales
já desperdiçara sua chance. Ela era exclusivamente dele, e ele desperdiçou.
Roque não a deixaria escapar agora. Não deixaria que ela caísse no jogo do
irmão. Ele tomaria uma atitude, e faria isso imediatamente.
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− Não vai abrir? − ele perguntou, sem se preocupar em dar
nenhuma explicação.
A princesa encaixou o objeto na fechadura e, assim que a girou, a
porta moveu-se, deixando escapar um pequeno feixe de luz. Com a mão,
terminou de abri-la e, mais uma vez, encantou-se com aquele lugar mágico.
lugar.
nela.
Karen tentara. Ela podia jurar que tentara conter o sorriso. Mas
Roque sabia como ser doce. Às vezes em excesso, mas não ago-
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ra. Não para ela. Ele era sensível à natureza e sensível às coisas que ela gostava.
Sem dúvidas, não era rude ou arrogante como o irmão. Ele não era tão cheio de
si. E isso era bom. Às vezes. Bem, era bom naquele momento.
Mais uma vez ela engoliu a própria saliva. Não deveria deixar isso
acontecer. Não era o que tinha em mente.
− Nanão acho que seja uma boa ideia − sussurrou quando ele deu o
primeiro passo em sua direção. Passando as mãos uma na outra, ela pôde sentir o
quanto estavam suadas.
O rosto de Roque ficava cada vez mais próximo. Tão próximo que seu
perfume deixou um gosto doce na boca dela. As mãos ainda suavam, as pernas
estavam trêmulas, a boca salivava. Ela não estava certa de que queria aquilo.
Tampouco de que queria evitar. Nunca fora beijada antes, e não podia resistir à
curiosidade de conhecer essa sensação. Ao mesmo tempo, quão prudente seria
beijar o homem cuja proposta de casamento pretendia recusar? Com os olhos
semicerrados, Roque investiu a boca contra a sua, mas Karen hesitou, dando um
passo para trás. O príncipe levou as mãos até seu queixo, erguendo-o para si.
Mais uma tentativa. Mais um passo em sua direção. Como ele a queria! Passou
seus braços por sua cintura. Sua mão encaixou-se em seu quadril. Mais uma
investida contra seus lábios, dessa vez ele a alcançaria. Karen desviou o rosto
O Filho do Imperador 69
em vinte e cinco graus. O beijo atingiu o alvo pela metade: apenas no canto
dos lábios.
Roque se afastou. Ele não a pressionaria mais. Sabia que ela estava
começando a ceder. Sabia, como nunca, que Karen não era inatingível. Ele
poderia alcançar seu coração se continuasse tentan-do. Ele alcançaria.
Desde que ninguém ficasse em seu caminho.
⚜⚜⚜
Alguém saiu de dentro de seu closet, e o som de sua voz a fez saltar
sobre a cama, derrubando a chave no chão.
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tou-se na cadeira e desdobrou o papel, a fim de conhecer seu conteúdo. Tratava-
se de um recado sem assinatura, que só podia pertencer a uma pessoa.
O Filho do Imperador 71
identificar o que as siglas significavam. Mateus. Era um livro. Um
testemunho. Um testemunho escrito por alguém há milhares de anos.
− Não me sinto bem em discutir aqui dentro. Além disso, não quero chamar
atenção para esse lugar.
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Ele sinalizou para que ela saísse primeiro e a seguiu, logo depois.
Enquanto andavam pelo corredor estreito, entre as estantes da biblioteca,
um peso se formou no coração da princesa. Ela sabia que fora mais ríspida
do que o estritamente necessário e que, dessa vez, ele não havia dado
qualquer motivo para isso.
74 Camila Antunes
Ele abriu um sorriso breve, pela primeira vez naquele dia.
Karen levantou uma das mãos e levou até a dele. Devagar, afastou aquele
toque do seu rosto, o que ironicamente a fez sentir um vazio imediato. Depois
andou até a saída do apertado corredor, esperando que ele viesse atrás dela,
exatamente como aconteceu.
O Filho do Imperador 75
− Falo sério, Vossa Alteza. Não acho que nossa interação seja
adequada para duas pessoas que se consideram cunhadas.
− O que foi?
− Nada.
Sales intrigou-se.
− De que tipo?
− Acho que você não iria gostar de saber − hesitou, incerta.
76 Camila Antunes
A cada palavra que ela dizia, o príncipe se sentia mais confuso.
− Sim.
− Disse que isso não aconteceria. Que tudo ficaria bem, que eu
saberia o que fazer e que as coisas se resolveriam… desde que eu fosse até ele.
Quando eu respondi que eu já estava bem ali e que não entendia como ele
poderia me ajudar, o homem falou que se eu quisesse, ele tornaria leve todo meu
fardo… e por algum motivo, eu simplesmente acreditei nele.
O Filho do Imperador 77
Agora era Sales quem estava perplexo.
Analisando sua própria resposta, se deu conta de que não estava certa do
motivo de ter fingindo interesse em conquistar Roque, porém, acreditou que,
muito provavelmente, esse motivo foi ter sido flagrada pela grã-duquesa.
Karen segurou-se para não levar as mãos à boca, chocada com aquelas
palavras. Recusou-se a acreditar que tinha entendido o que ela dissera.
Era o fim. Ela realmente estava dizendo aquelas coisas. E fazia isso na
frente da própria mãe.
− Entender, entendo. Embora eu não acredite que você esteja se
referindo ao coração, que é onde mora a maioria das coisas duradouras.
Enrubescendo, Julia desviou os olhos, mas não se deu por vencida.
Apesar do sentimento de pena que acabou lhe acometendo pelo
O Filho do Imperador 79
constrangimento da moça, Karen memorizou que deveria alertar o irmão
sobre aquele perigo iminente. Se Julia investisse com esse plano em Kilian,
ele jamais perceberia suas intenções. Acharia que ela era uma mulher
moderna, como a Lady Ítala, com quem ele costumava sair, e tinha as
mesmas intenções que ele: divertir-se e seguir com sua vida, exatamente da
mesma maneira como sempre foi. Até mesmo a condessa Leila era esperta
o suficiente para saber que não conquistaria Kilian dessa forma. Pelo
menos, Karen achava que fosse.
− Então, Vossa Alteza Real, creio que depois de todos esses anos nos
visitando, já tenha se ambientado ao palácio.
80 Camila Antunes
pena. Ele estava compadecido dela, por ser tão estúpida. Estava compadecido e
nem um pouco surpreso. Ele sabia. Durante todo esse tempo, ele sabia que seu
irmão a fazia de idiota.
Julia tentou se desculpar, justificando que isso foi há muito tempo, e que
ela não tinha motivos para sentir ciúmes. É claro que Julia não sabia que Roque
havia dito a ela que nunca levara ninguém até lá. Que havia dito que ela era uma
exceção, porque era “especial” e que aquele era o lugar “deles”.
Ela ouviu um ranger e soube que a moça não tinha dado ouvidos ao
que acabara de pedir. Sem se virar para a porta, resmungou algumas
palavras e voltou a afundar a cabeça.
− O quê?
82 Camila Antunes
Paralisado, Sales piscou os olhos, vasculhando em sua mente o indício de
alguma coisa da qual falara que pudesse tê-la levado a essa conclusão.
sou?
− Você não precisa ser superficial para não se sentir atraído por
mim.
Mulheres.
Ela suspirou, enrolando um bocado dos cabelos nos dedos e percebeu que
Sales desviou os olhos para aquela mecha.
− De fato.
Ela baixou os olhos, voltando a sentir uma pontada de vergonha. Não era
que estivesse magoada pela falta de autenticidade dos sentimentos de Roque, em
si. Ele tinha agido mal, sim, mas o que mais a incomodava era o fato de ter
acreditado que fosse especial para ele. De ter acreditado quando todos ao seu
redor exceto, talvez, Kilian, soubessem que ela não era. Quando voltou os olhos
para Sales, perguntou por que ele não havia contado a verdade e deixado que
fizesse papel de idiota.
− Você sabe que não cabia a mim − justificou, fazendo-a soltar um
suspiro. Ele tinha razão. Karen lembrou do olhar de reprovação que ele lançou
ao irmão outro dia mesmo, no corredor.
O Filho do Imperador 83
− Seu irmão e eu teremos uma conversinha quando ele voltar
dessa competição.
Ela percebeu a menção de um sorriso querendo surgir em seus
lábios. Um sorriso que Sales tentava reprimir. Ele não queria ser indiscreto
sobre o quanto aquilo o deixava satisfeito. De repente, Karen se pegou
olhando para sua boca contorcida. Ela a fitava, não despretensiosamente,
mas com um fascínio quase hipnótico.
Seu sorriso voltou a desfazer-se, mas não antes de Sales abrir o seu,
para tranquilizá-la.
84 Camila Antunes
Ela percebeu que Sales se continha para não dar uma risada.
− “Ele sente o seu medo”, você disse. E até que ficou preocupado
comigo!
Karen sorriu para ele, mas quando percebeu que iria corar, desviou seus
olhos para a égua branca, quase lisa, exceto pela mancha escura na fronte,
próxima às orelhas, e nas patas (o que a fazia parecer calçar quatro botinas
negras).
− É um Manga Larga Marchador − disse, mas como ela não fez menção
de ter entendido o recado, decidiu explicar. − Você sempre sentia dores lombares
quando montava em um Quarto de Milha, mas isso não vai acontecer quando
estiver com Tiara. Ela tem o andar macio.
Ele diminuiu a distância entre os dois com o passo que deu em sua
direção. Estavam próximos mais uma vez. Agora não havia vestígio de amora,
mas um frescor de eucalipto em seu hálito, e ela percebeu que ele escovara os
dentes no curto período de tempo em que se separaram desde que ele estivera em
seu quarto. Ele tocou a única mecha de seu cabelo que havia escapado do
elástico que o prendia, e passou-a por trás de sua orelha.
O Filho do Imperador 85
pressão errada de suas intenções. Eu sempre teria cuidado de você, da sua
delicadeza, e até mesmo dos seus sorrisos excessivos.
Ela baixou os olhos e ele soube que sua indelicadeza no baile ainda
a causava alguma dor.
− Sei que não tenho o direito e que tampouco seria justo. Eu sei do que abri
mão. Mas não posso evitar lamentar.
2 Técnica de montaria, que consiste em fazê-la com as duas pernas do lado esquerdo do cavalo.
86 Camila Antunes
Sales soltou um profundo suspiro, antes de montar em Castanho. Dom
Fernão o avisara que mudaria de ideia sobre Karen e ele odiava que seu pai
estivesse certo.
⚜⚜⚜
Os dois atravessaram o extenso pátio e ela viu Kilian acenar pela janela
que espiara, com o canto dos olhos, desejando não encontrar ninguém. Mesmo
sem compreender totalmente o motivo, sentiu o sangue aquecer sua face, ciente
de que corara um pouco, um hábito o qual, aparentemente, começava a se tornar
frequente.
O Delfim, por sua vez, deu a volta com castanho, posicionando-se à sua
frente.
− Ah, Branca de Neve, não seja tola. Eu nunca estou sozinho. Ela
franziu o cenho, sentindo-se confusa. O que ele queria dizer com nunca estar
sozinho?
O Filho do Imperador 87
Olhou em volta e, pelo extenso campo aberto que estava diante dos
seus olhos, duvidou que alguém os acompanhara, mesmo com discrição.
Antes que pudesse perguntar, no entanto, Sales adentrou a mata, galopando
em castanho e tornando difícil para ela alcançá-lo.
aberto.
Estava mais do que claro que Sales ainda não aprendera a melhor
maneira de “não assustá-la”. Calma era tudo que ela não estava naquele
momento. Karen não se movia, exceto pelas mãos, que se apertavam em torno
das rédeas de Tiara, receosa do que poderia acontecer se as soltasse. Por um
breve momento, teve a impressão de que a égua compartilhava sua angustia.
Karen não pôde deixar de ficar intrigada com aquilo. Quem eram aquelas
pessoas? Camponeses que o chamavam pelo nome?
O Filho do Imperador 89
− Vossa Alteza Real.
Acácia era a mais velha, ela tinha a pele num tom escuro, como a do
príncipe, e estava acompanhada por seu filho Miguel, de nove anos, que era
levemente mais claro que a mãe. Logo Karen descobriu o porquê. O
próximo homem que lhe foi apresentado, de estrutura altiva, cabelos
grisalhos e a pele clara, se chamava Bráulio, e era pai de Miguel. Ela não
entendeu bem, mas Oscar se referia a ele como “pregador”.
Ele era o príncipe herdeiro e não era exatamente uma surpresa que
fosse desejado. Mas Karen sabia que ele conhecia aquelas pessoas. Ele as
conhecia bem, porque cumprimentou a cada uma delas com um abraço
caloroso e a princesa teve bastante certeza, apesar da pouca luz, que pôde
perceber a pele de Perla enrubescer ao seu toque. Ela era apaixonada por
ele.
90 Camila Antunes
te. Planos aos quais ela desconhecia por completo. Sales era mesmo uma grande
encrenca, uma encrenca que lhe fora anunciada e ela decidira ignorar. Seu corpo
ainda tremia um pouco quando ele se aproximou dela e, curvando-se, sussurrou
em seu ouvido:
− Karen − ele estendeu a mão para tocá-la. − Eu não faria nada que
te colocasse em risco. Quero muito te mostrar uma coisa e… bom, esse pode não
ter sido o método mais inteligente… ou o mais decente… mas foi tudo o que
consegui pensar. Não se ressinta de novo. Tudo o que eu te peço é para que
confie em mim.
Algo dentro dela se derreteu, mais uma parte da pequena geleira que se
forçava a firmar em seu peito. Uma sensação incompreensível de paz preencheu
seu coração e ela decidiu confiar nele. Confirmou com a cabeça e Sales a tomou
pelo braço, repousando a mão sobre a sua.
O Filho do Imperador 91
deada de um salão de festas arredondado. Eles fincaram suas tochas na
relva macia, formando um círculo cujo centro era adornado por pequenos
troncos simétricos de lenha que abasteciam uma fogueira.
92 Camila Antunes
a cabeça, em agradecimento. − Na semana passada, o nosso irmão Sales
expressou o desejo, apesar da insegurança, que sentia de trazê-la até aqui. E
vejam só, parece que criou coragem.
Sem ter certeza do que ele esperava como resposta, ela soltou:
O Filho do Imperador 93
a queria totalmente concentrada no que iria ouvir, e ela não se importou.
Estava intrigada e sabia que o toque de Sales não ajudaria em muita coisa,
além de roubar-lhe boa parte da atenção.
− Sim, era tudo isso. Ele era um Rei, filho de Deus e era o próprio
Deus − percebendo sua expressão confusa, o pregador desacelerou. Karen
aproveitou para espiar Sales, que agora repousava uma das mãos em frente sua
face, com os olhos fechados. − E não foi nada fácil para Maria, a mulher que
Deus escolheu para ser sua mãe. Ela era noiva de um homem bom… que estava
prestes a abandoná-la. Então o Criador se revelou a ele também, enviando um de
seus anjos para orientá-lo a cuidar daquela mulher e de seu filho.
− E ele aceitou?
O Filho do Imperador 95
− Por acaso o senhor saberia me dizer se… esse homem, o
menino… Deus…
Seu coração estava aos pulos e pelo suor que vinha das mãos do
futuro imperador, ele compartilhava da sua ansiedade, o que era no mínimo
curioso.
96 Camila Antunes
A princesa não pensava mais em nada, absorta naquelas palavras.
Tocando seu ombro, Sales a fitou com lágrimas nos olhos. Seu olhar não
era malicioso, não era irônico, era cheio de ternura e − ela podia notar − orgulho.
Ele abriu um sorriso sincero e, com a voz embargada, disse que ela
acabara de tomar a melhor decisão de sua vida.
ONZE
O sentimento sublime
“Pois a palavra de Deus é
viva e eficaz, e mais afiada
que qualquer espada de dois
gumes; ela penetra até o ponto
de dividir alma e espírito,
juntas e medulas, e julga os
pensamentos e as intenções do
coração.”
98 Camila Antunes
modo que a princesa percebeu que não era papel o que havia em seu conteúdo, o
que só fez deixá-la ainda mais curiosa. Passou uma mão por sua borda e, com a
outra, pegou sua pequena faca adornada em pérolas púrpuras − dulcícolas − para
abri-lo com cuidado. Em seu interior havia uma fina corrente de ouro, uma
pulseira que tinha como pingente uma pequena esmeralda cerceada por
brilhantes.
− É uma pena que Roque não esteja presente durante o festival para
lhe fazer companhia, minha querida. − Dom Fernão comentou, fazendo Karen
sentir-se mal imediatamente. Não era certo que ela não sentisse sua falta, menos
ainda que dispensasse tanto apreço pela companhia de seu irmão.
− Temos certeza que Sales não deixará que essa ausência seja
sentida, não é mesmo, meu sobrinho?
− Mamãe! − Julia sussurrou e Karen percebeu que todos os homens
da mesa, exceto Sales, que mantinha os olhos no próprio prato, se entreolharam
interrogativamente.
O Filho do Imperador 99
ela. Conhecendo-o como o conhecia, tinha certeza que se o encarasse,
mesmo que por um segundo, ele imediatamente descobriria todas as pistas
que precisava para desvendar os sentimentos que ela insistia em esconder, e
isso era uma coisa a qual preferia evitar.
⚜⚜⚜
Com o olhar triste, ele admitiu que encarava a porta, tomando coragem
para entrar no lugar no qual compartilhara tantos momentos com a falecida mãe.
− Por que não fazemos isso juntos? − sugeriu ela, no que Sales deu
um passo para trás, incerto.
Karen foi a primeira a entrar, mas quando se voltou para trás, notou que o
Delfim estava paralisado na porta. Seus olhos, olhos cor-de-caramelo e
lacrimejados, varriam o lugar enquanto a garganta engolia em seco.
Só o teu abraço
me faz sorrir.
depende de ti.
Sou só um vaso
Se é para tu remoldar
− Não sei quanto aos sofrimentos, mas… sem dúvidas por menos
dificuldades… − A princesa olhou para as próprias mãos, mas Sales ergueu seu
queixo com as pontas dos dedos. – Ei, sei o que está pensando… eu não estou
menosprezando sua dor pela perda dos seus pais.
− Ei.
Virando-se para Sales, Kilian fitou-o nos olhos, e achou por bem ser
direto.
O pai levantou os olhos vermelhos para ele, uma visão que lhe causou a
sensação de ter levado um soco na boca do estômago.
– Ele está vivo, filho. Está em seu quarto agora. – O príncipe começara a
esboçar um sorriso de alívio, quando foi interrompido pelo pai. – Mas não está
bem. Nem acordado.
Sales soltou os ombros e virou-se para porta, percebendo que Karen e seu
irmão estavam ali, escutando cada palavra. Seus olhos encontraram os dela,
contudo imediatamente se desviaram para fixarem-se em um ponto qualquer.
Karen notou que ele apertava os dentes.
– Eu posso ir até lá? – perguntou, provavelmente para o pai, mas não
encarava nada além dos próprios pés.
– Ele foi atingido. Primeiro no braço, depois nas costas, o que o fez
cair do animal no qual estava montado. Ei… – ele a entregou seu lenço,
tomando-a pela mão. – As balas foram removidas. Ele vai ficar bem.
⚜⚜⚜
4 Filho do rei, mas não o herdeiro do trono (Portugal, Espanha e Império de Lima).
– Tente movê-las.
– Ora, certeza absoluta! Isso tem tirado meu sono. – ele se conteve. –
Exceto, obviamente, por esse último que tive em excesso. Se sabe do que se
trata, fale de uma vez!
– Ah, não!
– Roque, você deveria ter suposto que ela acabaria descobrindo quais
eram suas reais intenções…
– Do que está falando, Sales? Eu a amo. – Ele tentou se levantar, mas
tudo o que conseguia era elevar um pouco o tronco, apoiando o braço sem
ferimento contra a cama. – Eu a amo e não tinha intenções levianas com ela.
Como você pôde ter pensado isso quando a pedi que se tornasse minha esposa?
– Por favor, fique parado até o médico chegar. Eu tenho… tenho certeza
de que ela vai entender, Roque. Sabe como as mulheres
– Ah, meu filho! Que alegria te ver acordado. O doutor Noronha irá
examiná-lo e logo depois seu tio quer te ver. Peço que me perdoe por deixar
sua noiva por último.
– Ela não é minha noiva ainda, mas… não há problema. Fico feliz
que eu possa ficar a sós com ela sem ter que me preocupar com o tempo.
Mas deixe-me conversar sozinho com o doutor Noronha por um tempo,
meu pai. Depois ficarei mais confortável para receber a atenção de vocês.
⚜⚜⚜
− Vou deixar vocês conversarem e você mesmo pode fazer isso, está
bem?
− Que bom. Não minta para minha irmã outra vez. Isso é um aviso
− ele se virou e desejou melhoras, antes de andar de volta até Karen. Lançou-lhe
um beijo demorado na testa e finalmente se retirou.
Karen se aproximou, pedindo que o príncipe se calasse.
abraço.
alívio.
− Sim?
E foi assim que ela entendeu que aqueles camponeses não eram
camponeses de verdade. Bráulio, o pregador, se uniu à esposa e ao filho,
vindo cumprimentá-la.
⚜⚜⚜
– Não deveria ficar constrangida por ser desejada pelo homem que
tanto te ama.
– Não, não estava – ele acariciava seu rosto e cabelos com uma
mão, enquanto a outra envolvia sua cintura. – Quero que se sinta
– Lady Perla está aqui para falar com você. Gostaria que de-
monstrasse bons modos.
120 Camila Antunes
– Lady Perla? – sentindo-se seguro, ele afrouxou a mão que
aprisionava a princesa e ela aproveitou para escapar de seu colo. – Por
favor, peça que entre.
Assim que Sales sinalizou, Perla adentrou o ambiente com sua irmã
Marisa e fez uma breve reverência para o príncipe. Para Karen, as duas
abriram um breve sorriso, sendo o da primeira, consideravelmente mais
ligeiro que o da segunda.
– Vossa alteza – Perla iniciou. – Vim trazer-lhe a notícia de uma
combinação de nossos pais.
Roque franzia o cenho, sem entender, enquanto Sales encarava
qualquer coisa que não fosse Karen, até o momento em que cravou os olhos
em seu vestido amarrotado. Sem jeito, ela passou a mão sobre o amassado
da saia e, mais uma vez, o Delfim desviou o rosto.
– Minha nossa, Lady Perla. Eu fico muito grato, mas isso não
é preciso.
mim?
Quando ouviu a proposta de Perla, uma amiga a quem Sales queria tão
bem, o Delfim começou a sugerir ideias para que o Barão da Encosta permitisse
sua estadia no castelo.
– Não sei, Alteza. Nós vamos ficar durante todo o verão. Minha ideia era
que Perla passasse as noites em nossa casa de férias e viesse ao castelo pelas
manhãs. Conhecemos o poder de alcance da boca do povo o suficiente para
considerarmos imprudente hospedar uma filha na casa de um príncipe solteiro.
Ele sentiu as mãos da filha do barão afagarem seu bíceps, o que o deixou
desconfortável. Bem diferente da sensação que teve há alguns dias na biblioteca,
quando Karen fez o mesmo. Cada minuto que se passava em que mais coisas o
faziam pensar nela, era um minuto que ele passava sentindo vontade de esmurrar
alguma coisa. Sua irritação era incomum, desenfreada, de uma maneira como
nunca antes sentira.
– Perdão. O quê?
Ela falava em um tom que o fazia compreender que aquela era uma
repetição. Sales estava totalmente alheio às coisas que a moça falava.
A moça o fitava de volta, cada vez mais rubra, aguardando sua resposta.
Seus cabelos negros estavam penteados para trás, a franja presa em um fino arco
de metal. Do arco em diante, um topete suave e muito bem arrumado se
formava, e as pontas dos fios muito lisos, terminavam em sua cintura. Os olhos
grandes e negros eram inquisitivos e sugeriam algo ao qual ele não poderia
decifrar. Sales não teria tolerância para qualquer que fosse o jogo dela, então
apenas tocou em sua mão, retirando-a do braço dele.
⚜⚜⚜
Ele ergueu uma perna de cada vez, sentindo o calor da água aquecer
sua pele. Quando, enfim, deitou-se, fechou os olhos para apreciar aquela
rara sensação de paz em uma semana inteira. Aquele era o momento ideal
para traçar um plano que o ajudasse a reassumir o controle do seu coração.
E ele sabia, como sempre soubera, o quanto era importante para o império
que guardasse o coração.
⚜⚜⚜
– Mas como…
– Ah, meu Deus! – ouviu Karen gritar, da direção de sua cama, onde uma
toalha repousava, muito bem dobrada. As mãos cobriam os olhos e a pele
assumira um tom escarlate.
Ele olhou para os pés, que estavam ensopados, bem como o chão que
pisava.
– O que faz aqui? – perguntou, cruzando os braços. O Sales debochado
estava de volta, num passe de mágica. Rindo-se da invasão da princesa
comprometida. Embora por dentro seu coração estivesse vibrando por sua
presença. Como não recebeu resposta, deu um passo em sua direção.
– Não – advertiu, esticando uma das mãos em sua direção. O que só o fez
constatar que ela o espiava entre os dedos. – Não se aproxime. Você vai molhar
todo o lugar.
– Olhe para mim, Karen. Eu não estou nu. Estou com um traje público de
banho.
Aos poucos, ela cedeu, descobrindo os olhos. Tentou manter-se
concentrada no seu rosto, e não no forte peito descoberto.
– O que está fazendo aqui?
– Ah! Não sabe? – ele deu mais um passo, mas seu olhar não era o
mesmo que o de costume. – Seu noivo sabe que está nos aposentos do irmão
dele, Vossa Alteza?
– Não faça isso, Sales. Por favor. Acha que é fácil para mim reprimir os
sentimentos que tenho por você?
– Foi o que me pareceu esta noite – disse, dando outro passo, para
ensopar outro bloco de porcelanato. – Você não disfarçou os ciúmes pelos
cuidados de Perla ao meu irmão.
– Não seja tolo, Vossa Alteza. Não foi isso que me incomodou. – ele
estacionou, percebendo que agora ela o encarava. Segura.
Passando as mãos pelo pedaço de pano, ela o jogou sobre ele, ciente
que deveria desviar o olhar, mas não o fez.
Ele agora secava os cabelos, sem tirar dela seus olhos. Parecia provocá-
la, consciente do efeito que sua aparência causava sobre ela. Seu braço, erguido
daquela forma, evidenciava ainda mais a rigidez e a definição de seus músculos.
Assim era difícil concentrar-se. Ela fechou os olhos, tomando a coragem
necessária para fazer o que queria. Quando os abriu, passou os dentes sobre os
lábios mais uma vez, e cravou-os sobre eles, como se estivesse provando uma
fruta suculenta.
Ela, por sua vez, sentia-se como uma flor em estágio de botão:
– Não – ele a interrompeu. – Por favor, não diga nada. Vamos apenas nos
contentar em dormir com a lembrança deste momento.
A moça abriu a boca para dizer alguma coisa. Talvez que o que ele
dissera fosse verdade. Talvez que realmente o amava perdidamente. Mas ele
pressionou o polegar nos seus lábios, que ainda estavam vermelhos do beijo, e
meneou negativamente a cabeça pedindo para que se calasse. Ela, mais uma vez,
consentiu.
⚜⚜⚜
– Roque! – Dom Fernão advertiu. – Não se esqueça que está falando com
um oficial do meu exército e seu superior.
– Claro. Com licença – disse, sem demonstrar remorso. Oscar apenas deu
um passo para o lado para abrir passagem. Karen o empurrou para fora dali,
sentindo o olhar de Sales queimar sua pele.
⚜⚜⚜
– Ah, não faça essa cara, minha princesa. Eu e o capitão nunca nos
entendemos.
– Você não precisava ser tão desagradável. Não combina com você. Isso
está mais para o seu irmão.
é bonito – jogou.
você.
Ela tentou se levantar para acompanhá-lo, mas ele ergueu uma mão
espalmada, pedindo para que se contivesse.
– Ao menos me diga o que queria conversar comigo – pediu, quando sua
cadeira já alcançava a saída e Roque deteve-se, sem virar-se para ela.
⚜⚜⚜
– Meu irmão agora não atende mais à porta? – Karen ralhou, ao deparar-
se com Moisés, o valete, na entrada do quarto de Kilian.
– Vossa Alteza, entre, por favor. Ele ainda está em reunião com o duque
Pascoal.
Ela franziu o cenho, certa de que aquilo não poderia ser um bom sinal.
Começara a suspeitar que Dumas não estava dando conta do acúmulo de tarefas.
Andou até onde Kilian estava e ele percebeu sua presença.
– Não podemos pedir isso, minha irmã. Ele tem sua própria casa e
suas próprias funções, que nunca foram poucas.
– Eu estou bem aqui, pessoal. – Dumas sorria do outro lado. Um
formigamento se instalou em seu estômago. Karen não
podia ir embora. Não agora. Seus sentimentos estavam tão confusos! Ela
não queria se afastar de Sales e sua ida para casa agora, praticamente selaria
seu compromisso com Roque. A essa altura, já não tinha tantas esperanças
de livrar-se dele, todavia não estava nos seus planos apressar a coisa toda.
Pensou também em Perla e em como ela estaria tão próxima de Sales na sua
ausência.
“Roque, Roque. Meu compromisso é com Roque.” Provavelmente isso
seria o melhor para ela. Provavelmente
– Como quiser – respondeu, aliviada por ele não ter dito nada sobre a
sala secreta da biblioteca. Ainda que, no fundo, soubesse que o irmão jamais
tocaria no assunto. Afinal, não poderia.
⚜⚜⚜
Aquela não foi uma noite tranquila para Karen. Ela passara muito tempo
refletindo sobre a possível volta para Vera Cruz e pouco
O Filho do Imperador 141
tempo descansando. Quando Ingrid a encontrou pela manhã, passou
minutos se lamentando pelas olheiras que se formaram em seu rosto.
Ravin.
Soltando toda trança que estava quase pronta, Karen girou em sua
direção, a fim de encará-la.
– Como quiser.
Ana Julia estava sentada de costas para ela. Descendo o olhar, notou
que a menina não estava sobre um sofá ou uma banqueta e sim sobre…
pernas? Essa não! Julia se sentava no colo de alguém.
− Está assim tão certa de que eu não tenho sentimentos por Julia? −
divagou em voz alta, como se ele mesmo procurasse por essa certeza. −
Porque acho tão estranho que em grande parte do tempo, ela não saia da
minha cabeça.
− Ah, meu irmão! Como posso ter certeza? Só você pode encontrar a
resposta que procura. Tente perguntar a si mesmo se consegue imaginá-la
ao seu lado para sempre.
− Acho que… − ponderou, contraindo a mandíbula mais uma
vez, com o olhar perdido − acho que posso fazer isso.
− Então já está a caminho da sua resposta.
⚜⚜⚜
Arrastando sua cadeira por toda a rampa improvisada, que lhe dava
acesso ao quarto, Roque tocou na porta, que foi aberta por seu
– Como o senhor sabe eu tenho uma neta pequena, filha de minha filha
viúva. E Sua Majestade permitiu que as duas vivessem aqui comigo, desde que
meu genro morreu em batalha. – Roque confirmou, franzindo o cenho. O que
aquilo teria a ver com Karen? – No meio da madrugada de hoje, minha neta
ardeu em febre e eu, para ajudar minha filha, decidi ir até o ambulatório procurar
por medicamentos. No meio do corredor, entretanto, eu percebi que a princesa se
esgueirava para o quarto.
– Porque acredito que Sua Alteza Real não gostaria de ser vista por
mim naquelas circunstâncias, meu príncipe. Acontece que ela estava
assustada, com as vestes molhadas.
– Deixe-me sozinho.
– Vítor – sussurrou.
– Dom Fernão?
sério.
– De fato, Majestade.
Ela sentia o próprio sangue correr freneticamente pelas veias, num ritmo
acelerado e constante. Olhava em volta, para as prateleiras limpas por Sales,
intactas, intocadas.
Ela ponderou.
dizer.
Ela ergueu os olhos interrogativos para ele, mas sabia do que a pergunta
se tratava. No entanto, o que diria? Meu coração traidor não consegue amar seu
filho caçula, com quem estou comprometida, porque está preso ao mais velho.
Aquele mesmo a quem rejeitei quando Vossa Majestade sugeriu que nos
casássemos?
– Deve saber que eu e sua mãe nos conhecíamos desde muito jovens.
Karen mal podia acreditar que ouvira aquelas palavras. Chegou a tentar
despertar a si mesma, para ter a certeza de que tudo aquilo não se passava de um
sonho bastante estranho.
– Papai disse que ficou muito grato porque o senhor estava vivo
para salvá-lo.
Ele sorriu.
– Mas quer que eu fique com Sales? Para eternizar sua aliança com
minha mãe?
– Não sou eu, nem seu irmão que temos que querer. – Como era curioso
que essas palavras saíssem justo de sua boca. – Nem mesmo Sales ou Roque. É
apenas você. Você é amada pelos dois, mas não pode amar aos dois, Karen.
Precisa se decidir ou causará mais destruição a esta família, a este império, do
que qualquer praga ou mesmo a peste negra.
– Entendo.
– Magoe-o você.
– Eu não gostaria que Roque, além de ter que carregar todo o sofrimento
de sua condição atual, fosse condenado a viver pelo resto dos seus dias com
alguém que ama o irmão. Com alguém, que mesmo que viesse a amá-lo, tivesse
Sales em seus pensamentos.
– Como o senhor tinha minha mãe?
– Dom Fernão?
– Sim?
⚜⚜⚜
– Ian, ainda não nos conhecemos, não é? – Ela abria para ele seu
melhor sorriso. Se fosse mesmo como a mãe, em alguns minutos ele estaria
encantado por ela. – Você negaria o pedido de uma dama?
Ela olhou para ele e depois para o garoto, que parecia ter congelado sobre
os próprios pés.
– Si-sim se-senhor.
Bráulio lhe lançou uma piscadela, no que Karen agradeceu, com uma
reverência brincalhona.
Olhando sobre ela, o homem sinalizou para que Ian se aproximasse com
Tiara, a princesa se calou e abriu espaço entre eles para o cuidador posicionar a
égua. Ela acariciou seu pelo macio com carinho, antes de tomar impulso para
montá-la. Olhou para o pregador, esperando resposta, porém não obteve êxito.
Não precisaria ser agora. Ela poderia esperar até que Roque se
recuperasse do rompimento, por respeito, mas valeria a pena.
– Garota?
– Não, Sales! Não mude de assunto! Apenas uma pessoa tem direito
de falar assim comigo, e é a pessoa que vive por mim.
O Delfim aproximou-se dela, a voz estava mais suave. No rosto,
contudo, não havia sinal de arrependimento.
– Agora imagine você, que após ter passado horas conversando com
essa “pessoa”, convencendo-a de que você estaria segura e
Ele tentou tocá-la no rosto, mas Karen desviou-se. Ela o encarava, mas
não sentia vontade de explicar-se, não sentia necessidade de dar a ele qualquer
satisfação. Entretanto, ainda assim, não queria irritá-lo.
– O que é isso? Não me diga que perdeu suas chaves outra vez?
– Vossa Alteza está de ótimo humor. Acaso foi ao quarto de algum jovem
príncipe outra vez? Aquele, para ser precisa, a quem Vossa Alteza não deveria
visitar?
– Não foi nada disso, Ingrid. Mas se quer mesmo saber, eu tenho algumas
novidades para compartilhar.
Sua Alteza sinalizou para que ela se acomodasse ao seu lado e insistiu
para que comessem juntas. Não era como se não tivessem intimidade para isso,
todavia nunca fora fácil para Ingrid se sentir totalmente confortável nessa
situação. No meio da refeição, a princesa contou a ela sobre os planos de romper
com Roque, e percebeu que a dama a encarava com cautela.
– Nada! Só… tente não parecer tão empolgada quando contar isso a ele.
Sales estava ao umbral, o rosto tenso fez Ingrid engolir em seco. Não foi
preciso que ele dissesse nada para que a moça entendesse: aquela era a hora de
se retirar. Desse modo, ela cumprimentou-o com uma reverência curta e, pedindo
licença, dirigiu-se para a cozinha.
– Já faz quase dois dias que ele não me procura. Acha que desistiu
de mim?
– Isso não faz o menor sentido, a menos que… – Sales ponderou.
Algo estava errado. – Essa não! – sussurrou. – Ele sabe.
– O quê?
– Eu sei, minha querida. – Sales tentou tocar em seu rosto, mas ela
desviou-se, arredia. – Não me entenda mal. O que eu mais desejava era que tudo
fosse diferente.
– Então me ouça, porque direi essas palavras uma única vez. Eu te amo,
Karen. Amo como nunca senti, mas não posso fazer isso ao meu próprio irmão.
Destruída, irritada, desejando matá-lo por não lutar por ela, Karen virou-
se para ele. Lágrimas grossas lhe encharcavam as bochechas, quando ela
avançou sobre o corpo do rapaz. Seu indicador, em riste, tocava-lhe o peito, e ele
examinava seu rosto com surpresa.
– Acha que está fazendo um bem ao seu irmão? E quanto ao que está
fazendo comigo?
– Karen! – Ele estendeu a mão, tomando-a pelo cotovelo, que ela puxou
para si.
– Não me toque.
Ela calou-se, encarando-o. Delicada, tocou no lenço que havia sobre sua
penteadeira e secou o próprio rosto, mantendo sempre distância do Delfim.
⚜⚜⚜
– Perdão?
– Nem pela coroa, nem pelo poder. Eu diria que é pelo encanto. E
acredite, aproveite essa confissão, pois não irei repetir. Já me sinto tola o
suficiente fazendo isso em voz alta uma única vez. Mas, convenhamos, que
menina nunca sonhou em casar-se com um príncipe?
– Estou surpresa que ache que não há milhares de garotas por esse
reino que suspirem por você.
– Você sabe o que eu sinto por você, minha querida, mas não
brinque comigo.
Seus passos o conduziram para a biblioteca, mas ele não foi até sua
sala secreta. Em vez disso, caminhou até uma escrivaninha e, com
violência, passou a mão sobre ela, derrubando alguns livros no chão. Como
uma fera indomada, Sales apoiou as duas mãos sobre o móvel, cerrando os
dentes e controlando a respiração. A voz de seu pai, às suas costas, não foi o
suficiente para constrangê-lo, mas o fez fechar os olhos e apertar os lábios,
insatisfeito pelo flagrante.
– Já não importa quem estava certo, meu filho. Acho que nenhum de nós
saberia dizer.
– O que importa então? – Ele o encarava angustiado, implorando por
uma resposta que o confortasse. Dom Fernão soltou apenas um meio sorriso,
fazendo-o entender que não a tinha.
– Eu também não, Sales. Como acha que me sinto vendo meu próprio
filho, tão jovem e saudável, naquele estado? Quanta lágrima acha que já
derramei por ele? Eu daria tudo para estar em seu lugar. Ainda assim, tenho
certeza, você não está fazendo nenhum bem dando a ele essa ilusão. A nenhum
de vocês dois.
⚜⚜⚜
– Bom dia. Devo informá-lo que há alguém aqui com quem você
não gostaria de encontrar-se.
Sales encarou-o.
– Calma, meu amigo. Não seja injusto comigo. Sei muito bem os
sentimentos que nutrem um pelo outro, aos quais os dois insis-
– De acordo.
⚜⚜⚜
o irmão.
– Acho que ela sabe onde está se metendo. – A princesa lhe lançou
uma piscadela enquanto se aproximavam de um riacho.
antes.
– Mas das outras vezes em que nos banhamos não havia um príncipe
à solta por aí com seu irmão – hesitou. – E se eles nos pegarem?
– Minha princesa!
– Escute aqui, meu príncipe. Com todo o respeito, peça para sua futura
noiva controlar-se. Se Vossa Alteza Imperial não se importa em ser uma peça no
jogo desses dois, fique sabendo que eu me importo. Mantenham-me fora disso.
Roque ameaçou responder, mas Dom Fernão chamou a atenção de todos
para que se juntassem à mesa de refeição. Perla se posicionou atrás dele,
sinalizando para Karen que o levaria até lá. A princesa consentiu, e quando
chegaram ao local, cada uma acomodou-se em uma das cadeiras que o
rodeavam. O irmão, por sua vez, sentou-se de frente para ele, no lado oposto da
mesa.
– Já chega.
Ele deu a volta por ela, até o assento de Roque, e ergueu-o pela
camisa, até que seus rostos estivessem na mesma altura.
– Solte-me, Sales. Você não tem poder para isso. – Seus olhos
desviaram-se para o pai, interrogativamente.
Ele não parecia ouvir, até que uma mão lhe tocou o antebraço.
Imediatamente Sales reconheceu o toque cálido de Karen, e seus músculos
rígidos relaxaram. Ele desceu Roque até a cadeira e, enquanto o irmão encarava
as próprias pernas com estranheza, tomou-a pelo braço, afastando-a dele.
Karen engoliu em seco. Nunca o vira tão transtornado. Ela tocou seu
rosto e entreabriu os lábios, insinuando uma resposta, quando um grito de dor
irrompeu em seus ouvidos. Os dois viraram-se para encarar o infante, que se
contorcia sobre a cadeira. Perla o socorria e Dom Fernão já havia saltado em sua
direção. Alguém gritou pelo doutor Noronha, que por sorte estava presente.
– Não pense nisso agora – Ela tentou interromper, mas ele meneou a
cabeça.
– Ele tem razão, Karen. Por mais que me doa, nós dois sabemos a
verdade. Isso acabou.
Ele apontou com a cabeça e Karen voltou a olhar ao redor para ver que
todos os encaravam. Ela manteve a expressão firme para mostrar que não estava
envergonhada. Pelo contrário, nenhuma palavra poderia descrever o peso que
parecia sair de seu corpo. Durante esse tempo, pensava em inúmeras maneiras de
encerrar o compromisso e agora ele simplesmente estava fazendo isto.
Entregando a liberdade de volta para ela, assim, de mão beijada. Karen ficou ali,
parada por alguns segundos, analisando como aquela atitude do infante tornava
tudo, incluindo a falta de remorso que sentia, tão mais fácil.
– Roque – Perla tentou interromper, mas sua súplica foi tão ignorada por
ele quanto seu olhar de compaixão pela princesa.
A princesa subiu as escadas devagar, num local que não havia sido
adaptado para rampa. Sua mão deslizou pelo corrimão gelado até chegar ao seu
andar. O coração ainda processava os últimos acontecimentos quando ela avistou
Sales parado à porta, exatamente como costumava fazer nos primeiros dias de
sua estadia. A primeira coisa que pensou foi em não contar a ele sobre a cena de
Roque e o fim do seu compromisso. Nada justificava que Sales não lutasse por
ela, que ela não fosse prioridade em sua vida ou que a decisão de ficarem juntos
não partisse dele.
O Filho do Imperador 175
– Ouvi dizer que as dores de meu irmão cessaram – resmungou,
quando ela o alcançou.
– Sim.
– Ele me pediu para descansar. Não era eu quem deveria lhe fazer
essa pergunta?
Ela passou por ele, entrando no quarto, mas quando sugeriu fechar a
porta o príncipe estendeu a mão, segurando-a.
– Já passamos por isso – disse, caminhando em sua direção. Seus
passos firmes a faziam andar para trás. – Escute o que eu tenho a dizer.
– Isso não seria escolha minha. – Seus olhos desviaram-se para sua
lateral livre, mas logo o Delfim encurralou-a com o outro braço.
Ele abafou uma gargalhada, contudo a distância entre os dois era tão
ínfima que ela pôde sentir o gosto do seu hálito.
– Na-não. – Calor subia por suas pernas, fogo por sua espinha.
– Você não é meu… – Karen tentou rebater, mas ele jogou a cabeça
para trás para encará-la e tratou de impedir que ela concluísse a frase.
Ela sabia que ele estava certo, mas o que aquilo queria dizer?
à sua frente, abaixou-se até que seus joelhos estivessem dobrados, exatamente
como os dele. Ela não reprimia mais o choro, de modo que Sales precisou
secar suas lágrimas com as próprias mãos.
– Ah, Karen – conseguiu dizer, ofegante, com o rosto dela entre as mãos.
– Sou incapaz de explicar os sentimentos que você causa a mim.
Com os olhos, Sales varria sua face levemente corada, a boca entreaberta,
e seus olhos, belíssimos olhos castanhos, que possuíam
– Estou dizendo que não houve escolha, Vossa Alteza. Não há o que
escolher, entendeu? É você que eu amo. Apenas você.
Os lábios dele elevaram-se em uma pequena curva, uma curva de alívio,
e ele tomou sua mão para depositar um beijo suave. Ainda assim, estava certo de
que havia mais a ser dito, de modo que fechou os olhos um por um momento e,
quando voltou a abri-los, sussurrou:
– Por que eu sinto que há um “porém” por vir?
Um pequeno aceno de cabeça, foi o seu sinal para que ela continuasse.
– Tornar-me sua esposa é tudo o que eu mais desejo, eu te prometo. –
Seus dedos deslizaram sobre o queixo quadrado do rapaz.
– Mas eu… eu não quero que isso aconteça agora.
– Entendo.
Ele jogou a cabeça para trás, olhando para cima, como se esperasse
que a resposta para aquilo caísse do céu. Que despencasse de alguma
estrela, ou que a voz do próprio Deus rasgasse o firmamento para ajudá-lo a
decidir.
– Jacó.
⚜⚜⚜
– Ah! – Ela afundou o rosto nas próprias mãos. – Outra vez? Não quero
nem imaginar o que Dom Fernão deve estar pensando sobre mim neste
momento!
Foi quando ela se deu conta. Ingrid não fitava seus olhos, em vez
disso, a moça encarava fixamente as próprias mãos. Ainda assim, a princesa
teve bastante certeza, era possível perceber que ela corava.
– Diga, Ingrid!
– Bem… acontece que… talvez… isso não tenha sido uma completa
novidade para mim.
– Não exatamente.
– O quê, então?
– Mas juro que não vi nada demais! Eu apenas estava no closet e… ouvi
vozes e… acabei ficando constrangida demais para sair de lá quando vi o Delfim
pressionando a senhorita na parede…
Ela agora cerrava os olhos com força, levando quatro dedos até a testa.
Mal se lembrava dessa parte da história.
– Ah, meu Deus!
– Foi lindo mesmo, não foi? – sussurrou com a voz abafada. Seu coração
estava inclinado a sentir-se aliviado, pelo simples fato de saírem do quarto e não
terem trocado mais carícias por ali. Karen também se inclinou, quando deixou o
corpo pender na direção de Ingrid, que abriu os braços, envolvendo-a enquanto
ainda escondia o rosto. Apreciando a sensação de maciez ao acariciar os cabelos
de sua princesa, a dama disse baixinho:
– Finalmente aquele tolo deu-se conta da joia que tinha ao seu alcance.
Eu não poderia estar mais feliz pela senhorita.
Karen soltou as mãos e retribuiu o abraço da amiga. O sorriso em seu
rosto não poderia estar mais escancarado.
– Ah, Ingrid! Se eu apenas pudesse descrever em palavras o que estou
sentido! Obrigada por se alegrar comigo!
– Nada me alegraria mais do que ver se concretizarem os desejos do seu
coração.
Ingrid pedira licença tão logo saíra da sala com a princesa e o Delfim,
deixando-os a sós no corredor do ambulatório. Cuidadoso, o príncipe ergueu
uma das mãos da noiva até os lábios e a manteve ali por longos segundos, como
se apenas a sensação de seu toque ou o aroma que recendia de sua pele gerassem
um efeito balsâmico sobre ele. Karen levou a outra mão até a lateral de seu rosto
fazendo-lhe, com o polegar, um carinho na têmpora.
− Não tão boa – Karen respondeu, roubando o olhar do homem para ela.
– Afinal sentirei saudades do meu tão querido sogro.
Dom Fernão, a quem ela tanto aprendera a admirar nesses últimos dias,
deixou escapar um sorriso infantil, que lhe derreteu o coração. O imperador
estendeu os braços para a futura nora, a filha de sua amada amiga, e aconchegou-
a com carinho.
− Também sentirei sua falta, criança. Você sabe bem que é como uma
verdadeira filha para mim. – Quando os dois finalmente afastaram-se um do
outro, ele a tomou pela mão, deslizando o polegar sobre o anel que pertencera a
sua antiga esposa. Sales o havia entregado a ela quando revelou o compromisso
ao pai. – Não posso deixar de reafirmar minha imensurável alegria ou de dizer
mais uma vez que esse anel no seu dedo é um enlevo aos meus olhos.
A princesa deixou escapar uma lágrima, a qual ele mesmo secou. Quando
lhe beijou a testa, o Imperador percebeu que as outras duas mocinhas presentes
no quarto também tinham os olhos marejados.
⚜⚜⚜
⚜⚜⚜
O sorriso breve que ele abriu em resposta foi o suficiente para deixá-la
intrigada. A princesa encaixou seu braço no dele e caminhou ao seu lado até o
expresso real. Os dois entraram na parte de trás do automóvel enquanto Ingrid
sentou-se na cabine dianteira, em um ambiente separado. Karen não conseguiu
esperar que chegassem a Salvaterra para perguntar o que estava acontecendo
com ele.
Ele estava tão magoado que a irmã era capaz de perceber a protuberância
que se formava em sua mandíbula.
− Ah, meu irmão! − Karen levou as mãos até a boca, sem disfarçar
a surpresa. Lentamente, aproximou-se para consolá-lo. Kilian aceitou o abraço,
aconchegando-a em seu corpo, como costumavam fazer quando eram crianças.
Ele havia perdido a noção de quanto tempo se passara desde que se tocavam
assim. − Eu sinto muito! Sinto por você não poder ter filhos… sei que um dia
encontrará alguém que…
− Karen! – interrompeu-a, a voz carregada de choque. − Eu posso ter
filhos! Quero dizer… até onde eu sei.
− Karen, por Deus! É claro que não. Eu quis dizer que não é algo
que eu queira fazer. Não agora. – mais uma vez passou a mão sobre a barba,
virando-se para ela. − Ela foi até o meu quarto há algumas noites, para… você
sabe…
− Isso.
− Ela queria tudo. Tudo que eu não posso oferecer. Não seria
justo com nenhum de nós dois.
− Bom − a princesa refletiu. − Posso não ser a mais experiente
no assunto, mas parece que você realmente não a ama, meu irmão.
− Não. Ainda não é ela.
− Não se preocupe, minha irmã, esse dia vai chegar. Você terá
uma cunhada e os sobrinhos que tanto deseja. Mas algo me diz que
LIGUE-ME
− Nosso primeiro jantar à luz de velas, não é óbvio? – fez uma pau-
sa para encarar o pulso. – Vossa Alteza Real está um pouco adiantada.
− Você é mesmo cheio de surpresas, não é? E onde está o
jantar? Virando-se para os lados, vasculhou o quarto com os olhos,
− Agora que estamos fazendo seu irmão e meu pai gastarem uma
pequena fortuna com essa chamada, vamos aproveitar isso ao máximo.
− Ah, Sales. Eu sobreviveria só por saber que você está aí. – Sua
mão se estendeu até quase tocar a tela, e ele fez o mesmo, fechando os olhos
pelo breve instante em que fingia tocá-la.
lembra?
− Parece certo.
− É, parece.
Karen
Império de Lima, província de Ravin, 1.000. N.M.
Com o polegar, seguro uma lágrima que estava prestes a escapar, quando
o imperador surge na porta, despertando-me de meus pensamentos.
– Claro, criança.
⚜⚜⚜
− Por favor, sei que a partir de hoje você não deverá obediência a
mim, mas… não passe mais de quatro meses longe de seu velho irmão.
− Você sempre será meu rei e Vera Cruz o meu país. E, além disso,
meu irmão, eu já não sou tudo o que tem, não é mesmo?
Kilian leva a mão direita até o anel em seu dedo e, reflexivo, gira-o
devagar. Há uma curva singela em seus lábios e um intenso brilho em seus olhos.
E assim, meu rei me toma pelo braço, levando-me até a antiga capela. Ele
não entendeu bem por que não nos casaríamos no suntuoso salão de festas do
castelo, e menos ainda porque o Lorde Comandante celebraria nossa cerimônia.
Mas eu prometi a mim mesma ter fé que havia de chegar o dia em que meu
irmão entenderia.
Ele vira-se para mim, e meu coração salta assim que nossos olhares
se encontram. Um sorriso instantâneo – quase fácil − se eleva em seu rosto,
ao mesmo tempo em que deixa serpentear uma lágrima.
A cada passo que dou, minha mente divaga sobre como chegamos a
este momento e o que aquele homem de olhos caramelados, ao qual eu
estava prestes a me entregar para sempre, representava. Foi ele quem gerou
em mim os mais extremos sentimentos: quem causou minha maior
decepção, a pessoa que mais me investiu ciúmes, quem me ensinou a
sagrada sabedoria e me fez conhecer o mais puro amor entre um homem e
uma mulher. É para ele que coloco este véu sobre meu rosto. É para ele que
me despirei deste vestido. Somente para ele, e sempre será.
⚜⚜⚜
Sales
Nada disso importa agora. Não quando sei que minha noiva está prestes a
entrar por aquela porta.
Toda aquela coisa de aperto no estômago não é nada perto do que sinto
exatamente agora. Estou anestesiado de amor pela mulher que ela se tornou. O
rei a entrega a mim e eu tomo sua mão, sentindo as mesmas emoções do
primeiro toque.
Karen faz seus votos. Eu faço os meus. E, mais do que nunca, estou
absolutamente certo de que escolhi as melhores palavras para encerrá-los:
À minha mãe, por ser minha fã número um. Ao meu pai, por ser o
melhor inventor de histórias. À Milena, minha soul sister. E ao meu marido
Caio, que todo mundo ama quase tanto quanto eu, por todas as vezes em
que deveria ter sentidos ciúmes da atenção que Sales recebia após um dia
intenso de trabalho, e por só ter reclamado em algumas delas.