Você está na página 1de 7

Era uma vez um homem comum.

Ele não era particularmente bonito, nem


extraordinariamente forte ou deveras inteligente. Não. Era um homem comum. O que o
tornava diferente do todo era que mesmo não sendo particularmente bonito, fazia com
que as mulheres suspirassem por ele; e mesmo não sendo extraordinariamente forte, não
demonstrava fraqueza; e mesmo não sendo deveras inteligente, não era idiota. 
Este homem possuía um dom maravilhoso. Ele conseguia enxergar dentro do
coração das pessoas e saber o que elas mais desejavam e o que mais temiam.
Não tendo nascido em família abastada, aprendeu a usar este dom em benefício próprio.
No começo, ajudando as pessoas a conseguirem o que mais desejavam e, quando isso
não era o suficiente, ameaçando-as com seus maiores medos. 
Este homem se considerava feliz e bem sucedido, tendo conseguido com o
passar dos anos tudo o que sempre desejou graças ao dom maravilhoso e a astúcia para
usá-lo de maneira produtiva. Todos o respeitavam e o temiam. E quando ele achou que
tinha tudo do que precisava, percebeu que não quando conheceu uma moça encantadora.
Ela era alegre e bem educada, devota e caridosa, bondosa e paciente, carismática e
engraçada. E o homem decidiu que o que ele nunca quis até então, era o que dava
sentido real à vida: uma família. Casar-se e gerar filhos que herdariam suas
propriedades e tudo o mais que conquistara.
Esta mulher, porém, ao contrário das outras, não tinha olhos para ele. Longe de
suspirar por ele, ela bocejava de tédio. Ela era casada com um homem por quem estava
apaixonada e sua vida era cheia de alegrias e seu coração de sonhos. Ela já alcançara o
que mais queria: seu marido, e seu maior medo era ficar sem ele. 
Isso deixou o Homem arrasado, mas, ainda decidido a tomá-la para si, criou um
plano para se aproximar do marido e tornar-se seu amigo. Descobriu que ele era
corruptível e influenciável e que suas ambições eram pífias e simples de realizar com
um empurrãozinho, então o convenceu de que o ajudaria.
O Homem assistiu o Marido trabalhar dobrado e fazer o que estava ao seu
alcance para realizar suas ambições e no caminho, ter cada vez menos tempo para sua
esposa.
A Mulher viu seu marido se tornar um homem cansado, irritado e mesquinho
que reclamava sempre sobre o dinheiro não ser suficiente por mais que ela o
economizasse. Ela o apoiava e ajudava a realizar seu sonho, pois para ela, vê-lo feliz era
a própria felicidade. Para tal, ela lavava roupa para fora e alfabetizava crianças. 
O Homem se aproveitou da amizade para se aproximar da Mulher e garantir que
quando ela encontrasse em seu marido o cansaço, encontrasse nele disposição. Quando
encontrasse em seu marido irritação, encontrasse nele paciência e onde seu marido era
mesquinho, o homem mostrou-se generoso. E mesmo assim ela ainda mantinha sua
fachada altiva e recusava sua ajuda.
O Homem não desanimou. Estava certo de que seu plano estava funcionando, já
que a mulher se tornava cada vez mais triste e abatida. Era questão de tempo até que ela
se rendesse aos seus cuidados e atenções que o marido negava.
Em pouco tempo o casal conseguiu realizar o primeiro objetivo de comprar uma
caravana para fazer viagens transportando passageiros e carga entre os vilarejos.
Com o novo negócio o Marido passaria menos tempo em casa e quando sua
mulher engravidou do primeiro filho, o Homem deu início a nova fase de seu plano:
Plantou a semente da dúvida na cabeça do Marido. A criança era loura como a mãe,
apesar do cabelo marrom do pai. O marido rebateu que quando criança, também era
loiro, mas no fundo de sua mente a dúvida trazida pela ausência constante criou raízes.
A partir de então, todas as vezes que voltava de viagem, vinha como se esperasse
encontrar alguém escondido em casa e assaltava sua mulher com violência e paixão
enciumados.

Os filhos vieram um atrás do outro. Todos loiros. Todos pálidos. Todos com
olhos claros.
O Homem assistia sua amada definhar em um casamento violento e restritivo e
seus esforços debaldarem um após o outro. O Marido agora a traia e mantinha amantes
em cada vilarejo que visitava e quase não a procurava mais. A Mulher já começava a
demonstrar a idade e a ruína por ter dado a luz a quatro filhos e ser tratada como escrava
onde antes era rainha. Ainda assim, para o Homem, a Mulher parecia estar no auge de
sua beleza e se desesperava por ver que o coração dela ainda estava cheio, se não de
sonhos, de esperança de que seu marido voltasse a ser como antes e retomassem sua
vida feliz. 
Mesmo depois de tudo, ouvi-la falar de suas esperanças com olhos tão brilhantes
o fazia se sentir um crápula por destruir o conto de fadas perfeito de uma criatura divina
e para quê? Para assisti-la definhar de desgosto e morrer num arroubo de ciúmes?
Foi então que decidiu tirar o Marido de uma vez da equação e armou uma
emboscada para sua caravana. As ordens eram para que os bandidos matassem o Marido
e destruíssem a caravana, assim, a Mulher não teria escolha a não ser aceitar sua
generosa oferta de casamento para manter sua casa e criar seus filhos. Ela ainda era
jovem e com o tempo poderiam ter seus próprios filhos e a vida feliz que ambos
sonhavam poderia se realizar.
O que o Homem não podia prever era que o medo da miséria e a vergonha de
perder tudo e ter suas vidas paralelas expostas pudesse ter transformado aquele marido
simples em algo feroz quando seu destino se apresentou. O Marido lutou bravamente e,
com a ajuda de alguns dos passageiros, conseguiu virar o jogo. A Caravana foi avariada
e precisaram de dias para voltar à estrada. 
A Notícia do ataque chegou no dia seguinte, trazida por um viajante que
encontrou corpos e destroços à margem da estrada. Não havia sinais de sobreviventes. O
Homem foi pessoalmente dar a notícia para a Mulher. Ela gritou e chorou e recusou-se a
deixá-lo abraçá-la ou confortá-la. O Filho mais velho, então com 14 anos, ouviu os
gritos e choro e veio correndo ver o que aconteceu. O Homem repetiu a história para
ele; o roubo, o assassinato, os destroços, os corpos... E emendou dizendo solenemente
que ele cuidaria de tudo, cuidaria deles, pois devia isso ao Marido.
Quando deram por si, o Filho aturdido percebeu que a mulher não estava mais
lá. Uma das meninas, que ignoravam a situação, a viu sair pelos fundos enquanto os
dois conversavam. O Filho pediu que elas os esperassem dentro da casa e foi com o
Homem atrás da Mulher. O caminho por onde ela seguiu dava num poço abandonado.
Ao saber disso, o Homem correu desesperado, mas era tarde. Cega pelo luto, a mulher
se jogara no poço. Ela preferia morrer do que viver sem seu amado. 
O Homem não queria acreditar que ela preferisse morrer a casar-se com ele.
Ajoelhou-se na beirada do poço e debruçou-se para olhar. O poço era fundo e a luz não
chegava ao fundo. O Filho tornou à casa e voltou com corda e archote. Ela estava
mesmo no fundo; o corpo meio coberto d'água, o pescoço retorcido num ângulo
impossível, os olhos abertos fitando o céu.
O Filho implorou ao Homem para que o ajudasse a resgatar o corpo, mas
prostrado pela culpa e frustração de ver seus sonhos transformados em cinzas, o Homem
mal o ouvia. Vendo que o Homem estava em choque e sem condições de responder ou
ajudar, o Filho amarrou a ponta da corda como um balanço e deu a volta em uma árvore
próxima e desceu no poço sozinho em estilo rapel, iluminado pelo archote que deixara
na borda. Ele rezava enquanto descia, pedindo a Deus animo e força. Ele já não era tão
criança para acreditar em milagres. O cheiro de água parada, terra e vegetação podre
camuflavam o fedor da morte. Quando chegou ao fundo e segurou o corpo sem vida de
sua mãe nos braços ainda maleável e morno, as lágrimas vieram. Abraçou-a e tirou os
cabelos dela da frente de seu rosto pedindo a Deus que fizesse uma exceção pela alma
dela por se matar num momento de loucura.
O Filho invocou todas as suas forças para amarrar o corpo da mãe e puxá-lo para
cima, na esperança de que o Homem já estivesse recuperado e o ajudasse. Gritou o
nome dele várias vezes sem obter resposta. Se deu conta de que o Homem
provavelmente não estava mais lá e que não conseguiria içar sua mãe sozinho, então
desceu-o novamente devagar, assegurando-se de amarrá-lo bem antes de escalar a
corda. A descida foi fácil em comparação com a volta. Por várias vezes ele parou
pensando que não conseguiria, mas finalmente após o que pareceram horas, ele
conseguiu chegar ao topo. Estava esgotado e se deixou ficar ali deitado ao lado do poço.
Nem sinal do Homem. A vontade de chorar assaltou-o novamente, mas ele precisava ser
forte. Seu pai se fora e agora sua mãe. O que seria de suas irmãs se ele não fosse forte?
O Filho voltou à casa e buscou o cavalo. Sua irmã mais velha perguntou o que
estava acontecendo, por que ele estava todo molhado e mas ele não teve coragem de
falar. Escondendo o rosto pediu que ela cuidasse das duas menores enquanto ele
resolvia tudo.

O Filho voltou ao poço com o cavalo e amarrou a corda na cela. Conduziu o cavalo
devagar até que o nó que fizera acima do corpo aparecesse e o parou. Amarrou as rédeas
a uma árvore para evitar que o cavalo saísse arrastando os dois por aí e voltou ao poço
para puxá-la para fora. Aquela parte lhe custou mais esforço e o consternou de tal modo
que desabou novamente no choro. Ele não sabia o que fazer, a quem procurar. Colocou
o corpo de sua mãe no dorso do cavalo e o levou para casa. A menina menor não
entendeu o que estava acontecendo, mas as outras duas, sim. Elas o ajudaram a levar o
corpo para dentro da casa e a deitaram na cama. Mesmo magra como estava, ela era
pesada demais para eles. Após discutir entre si o que deveriam fazer, o Filho decidiu ir a
cavalo até o vizinho mais próximo e pedir ajuda. Foi a decisão certa.

Quando o Homem chegou à cidade, foi direto procurar seus empregados e descobriu
que os corpos encontrados na estrada não eram na verdade dos passageiros da caravana,
mas sim os deles. Percebeu o quanto foi tolo e que suas ações precipitadas haviam
destruído tudo pelo qual trabalhou durante tantos anos. Inconformado, decidiu ir atrás
da caravana ele mesmo. Examinou pessoalmente as pistas e enviou emissários a todas as
propriedades próximas ao local onde os corpos haviam sido encontrados. Por fim a
encontrou em uma propriedade particular onde acampavam durante os reparos. De fato,
estavam prontos para seguir viagem na manhã seguinte. Localizou o Marido e o levou a
um local afastado o suficiente para que pudessem conversar sem serem ouvidos, mas
próximos o suficiente para que os observassem. Sem subterfúgios lhe contou tudo o que
estava engasgado em sua garganta durante tantos anos.O amor que sentia por sua
Esposa, as injustiças que o testemunhou cometer, as repetitivas rejeições da parte dela e
por fim, a culpa do Marido por não ter morrido como deveria. Falou tudo isso com
tristeza e emoção comoventes, despindo seu coração e derramando sua angústia e
decepção. Abraçou-o forte e, sussurrando, contou-lhe que ele estava ali para realizar o
último desejo dela.
O punhal não encontrou resistência, afundando-se no pescoço do Marido desavisado.
Agora os dois poderiam ficar juntos pela eternidade. O Homem lhe falou enquanto
assistia no rosto do Marido a surpresa e o terror em seus olhos enquanto perdiam o foco.
Esperou que ele morresse para começar a gritar por socorro. O Homem anunciou que o
Marido  não suportou a notícia da morte de sua Mulher, que se matou dando-o como
morto, e que antes que ele pudesse impedir, tomou seu punhal e deu cabo da própria
vida.

Todos acreditaram em sua versão dada a reputação do Homem combinada a sua


consternação e abalo. Dias se passaram até que o choque e o luto deixassem sua mente
clarear e se lembrasse das crianças.

Quando voltou à aldeia, soube que a igreja se recusou a enterrar a mulher no cemitério;
suicidas não têm lugar em solo sagrado. Soube também que o Filho fez tanto alarde por
conta disso que a polícia teve que intervir. E que a apenas alguns dias os parentes
vieram levá-los embora. Um vizinho o levou até o túmulo que fizeram para ela na
propriedade da família. A cruz era de madeira, mas havia sido esculpida e trabalhada
lindamente. Assim como as flores que haviam sido arranjadas em forma de coroas. As
flores já estavam mortas e ainda assim dava para ver o capricho empregado nelas. Tudo
fora feito pelos filhos. 

Saber que as crianças estavam sob os cuidados dos parentes o aliviou e o preocupou ao
mesmo tempo. Só esperava que os tais parentes não fossem da parte do pai, pois sabia
por suas conversas regadas a vinho com o Marido que o único parente deste era o irmão,
um homem de má reputação com o qual o Marido teve que brigar tanto pela herança
quanto pela noiva. Mas ao que tudo indicava, era este o caso, pois mal o corpo esfriou e
já havia um processo de transferência de posse das terras. O fato era que mesmo que ele
quisesse (e não estava tão certo se queria mesmo) não havia nada que ele pudesse fazer,
afinal este suposto Tio possuía o direito de guarda e administração dos bens das
crianças.

Os anos se passaram sem que o assunto lhe passasse pela mente. Durante estes anos o
Homem havia se casado com uma mulher submissa e sem graça e tinha os filhos que ele
tanto sonhara e mesmo assim sentia-se enfadado. Sua mulher fazia tudo o que ele
pedisse, não importando o quê, e seus filhos, ainda que muito novos, não demonstravam
se destacar em nada. Não eram travessos e nem espertos e algumas vezes ele se pegava
os olhando com fastio, como se fosse uma ninhada de ratos que devesse ser eliminada.
Lembrava com inveja os anos que passara acompanhando o crescimento dos filhos da
Mulher e seu Marido. Tão marotos, sapecas e curiosos. Sentia falta sobretudo do
menino que durante a ausência do pai o tratava como substituto. 

Resolveu que precisava vê-los, saber como estavam, o que haviam se tornado. Contudo,
nunca chegou a procurá-los. Afastou o pensamento como  se fosse um devaneio e
depois de algumas semanas ouviu um boato que lhe chamou a atenção: O Filho da
Mulher havia assassinado o Tio a sangue frio. A suposta briga teria ocorrido por culpa
de uma escrava e o garoto estava foragido. Incrédulo o Homem resolveu investigar e o
que descobriu foi que o Tio violentava pelo menos uma das meninas e quando o Filho
descobriu o matou e fugiu com suas irmãs. O Homem ficou arrasado ao perceber que a
vontade repentina de vê-los era o Dom avisando-o para evitar a tragédia e ele
simplesmente o ignorou. Dedicou-se a procurá-los e quando os encontrou, mal os
reconheceu.

Colar a parte que falta.

A Filha mais velha estava naquela idade onde os pais lhe arranjam marido e, a
segunda estava naquela fase onde não se sabe se é uma criança ou uma moça e a mais
nova... nenhuma criança deveria ter aquele olhar. O Filho tinha os trejeitos de seu pai,
mas fora isso, era uma cópia esculpida de sua mãe. Mesmo sendo quase um homem
agora, permanecia com aparência de menino. Estavam tão magros e maltrapilhos que o
Homem sentiu pena. O Filho o reconheceu imediatamente e o repudiou por tê-los
abandonado depois de prometer que não o faria. O Homem viu que os piores medos
daquela criatura já haviam se realizado e a única coisa que ele desejava era não precisar
mais ter medo.
O Homem os convenceu de que estava arrependido e que daquele momento em
diante seria diferente. Agora eles eram uma família e o Homem faria tudo o que
estivesse ao seu alcance para reparar o mal que lhes havia acometido. A promessa, desta
vez, foi cumprida. O Homem não mediu esforços para livrá-los das acusações que
recaíram sobre eles e expor a verdade. Fez questão que todos fossem informados das
circunstâncias pelas quais foram acolhidos pela família e exigiu que fossem punidos de
acordo.
(não como parentes, mas como escravos e que a filha mais velha fora vítima de
abuso desde que começou a se desenvolver e suportou calada até o dia que seu tio não
satisfeito em abusar dela, tornou seus olhos para as meninas mais novas. Em desespero
ela o ameaçou: contaria para a esposa dele e faria um escândalo. O resultado foi um
espancamento cruel com intenção assassina e um estupro despreocupado e hediondo.
Quando o Filho viu o estado em que a deixaram, ficou louco e a obrigou a contar a
verdade. Ele se culpou por não a ter protegido e jurou que não deixaria nada parecido se
repetir. Instruiu suas irmãs sobre o que deveriam fazer e quando a noite caiu, pediu que
elas o esperassem num local predeterminado. Ele também tinha coisas que precisava
fazer e por sua vez, providenciou o necessário e esperou. Como previu, o Tio não
demorou a procurá-los. – Eles estavam alojados num casebre próximo à casa principal,
onde geralmente ficavam os escravos que cuidavam da casa grande, longe o suficiente
para não incomodar a família e perto o suficiente para dispor deles sempre que
precisassem. – Quando o Tio entrou, encontrou apenas a escuridão e foi acender uma
vela. O Filho não hesitou. Atingiu o Tio na cabeça com uma pá. Ele não parou de bater,
mesmo quando o Tio já estava no chão e já não se mexia mais. Quando se acalmou,
fincou a pá naquele pescoço gordo, empurrou com o pé e o chão se cobriu de vermelho.
O Filho procurou nos bolsos do Tio e pegou o que encontrou. Antes de sair, trancou a
porta do casebre com a corrente que o Tio costumava usar quando queria impedi-los de
sair da casa. Se lavou para tirar as manchas de sangue que espirraram em si e foi se
encontrar com suas irmãs. O Filho já havia preparado uma carroça com algumas coisas
que conseguiram recolher escondido dos capatazes e escravos. Mandou as meninas
subirem e as escondeu entre sacas e trapos. Só faltava o cavalo para puxar a carroça. Por
saber ler e contar, era comum que o Filho fosse enviado para a cidade em excursões em
nome do Tio, por isso pouco se estranhou quando ele avisou que tinha uma mensagem
urgente para entregar em nome do Tio e saiu com o cavalo mais rápido em toda a
fazenda. Ele levou o cavalo para o local onde elas o aguardavam e seguiram viagem.
Durante os dias, trilhavam estradas oficiais e depois mudavam de direção em vias
secundárias onde, segundo os mapas que roubara do tio, haviam grutas e locais para
esconder a carroça e esperar em segurança até os caçadores desistirem. As provisões
duraram uma semana e então levaram a carroça e o cavalo para a vila mais próxima do
porto e o os venderam. O cavalo, a carroça e o relógio do Tio garantiram passagens para
Lisboa, mas chegando lá, eles não sabiam o que fazer. Os ferimentos da Filha mais
velha estavam quase curados, no entanto, ela estava doente. O Filho conseguiu trabalho
como mensageiro, mas o que recebia mal dava para a comida. As meninas mais novas
eram muito jovens para trabalhar como criadas e a mais velha estava muito doente. Os
dias passavam e nada ficava em seu estômago. Temendo por sua vida, a levou à uma
benzedeira. A mulher riu com tristeza e anunciou que as rezas só serviriam para
abençoar a jovem mãe e o filho que estava em seu ventre. Os dois entraram em pânico.
Se alguém descobrisse, ele não conseguiria protege-la. Sabia como o preconceito
funcionava. Uma moça solteira e grávida, independente do motivo, seria vista como
uma vagabunda disponível. A Benzedeira se apiedou deles e quis saber a história.
Relutante, a menina contou tudo, desde a primeira agressão à última e o Filho, que as
deixou a sós para que ela tivesse liberdade para falar, chorava do outro lado da porta
enquanto ouvia os detalhes que ele desconhecia. Quando ela terminou de falar, a
Benzedeira o chamou e ele preencheu as lacunas sem revelar que matou o Tio (e pai da
criança). A Benzedeira então cedeu um espaço para que ficassem até a criança nascer.
Em troca, as meninas a ajudariam nos afazeres diários e aprenderiam seu ofício. O rapaz
estava livre para trabalhar onde bem entendesse contanto que se dispusesse a ajudar
com o que precisasse de alfabetização e matemática. Eles fizeram o que ela disse e
pouco a pouco transformaram aquele quarto pequeno e triste num lar. O Filho acumulou
alguns empregos que não eram nem de longe o suficiente para vestir, calçar e alimentar
4 pessoas e se preparar para a chegada de um bebê. Numa noite ele viu uma
oportunidade e a agarrou. Por acaso viu que um homem carregava uma soma
considerável. O homem estava completamente bêbado quando saiu de uma taverna se
gabando de que a deusa da fortuna estava apaixonada por ele naquela noite. O Filho o
seguiu até um beco escuro onde o assaltou, ameaçando-o com um punhal simples. O
bêbado reagiu e o rapaz o matou a facadas. Foi neste momento que o Filho percebeu
que sua vida nunca mais seria a mesma. Até aquele momento pensava que matar seu Tio
tinha sido fácil por ter causado tanta dor, mas o ódio havia criado raízes dentro de seu
coração. Assim como aconteceu com seu Tio, também não sentiu remorso algum pelo
bêbado no beco. A partir de então o rapaz seguiu roubando e de vez em quando,
assassinando. Dizendo a si mesmo que era por sua família, até que foi pego. Havia
semanas que o Homem estava procurando as crianças e estava próximo da delegacia
quando trouxeram o Filho sob custódia e o resgatou.)
A família dos tios deles acabou em ruinas graças à influência e poder do Homem
que pareciam ilimitados. O Rapaz foi emancipado e suas propriedades foram
devolvidas, já que seu Tio falecera, e o Homem os levou para casa. Com a ajuda do
Homem tudo parecia voltar aos eixos. O Filho e as suas irmãs retomaram a rotina de
estudos e o Homem estava negociando um pretendente para a jovem mãe. Tudo parecia
bem até o Rapaz descobrir sobre o dom maravilhoso.
O Homem lhe contou que poderia compartilhar o dom com ele, mas que o dom
exigiria um grande sacrifício da parte do rapaz, que pensando no bem das irmãs, não
hesitou em aceitar. O Homem deu então ao Filho o dom maravilhoso e ao acordar o
Filho encontrou suas irmãs mortas. Ele gritou e chorou e exigiu respostas do Homem,
mas este apenas respondeu que o sacrifício foi feito. Primeiramente o rapaz entrou em
choque e depois teve um arroubo de fúria, mas o Homem lhe avisou que o bebê ainda
vivia e que ele deveria usar a dádiva do dom maravilhoso para criá-lo e fazer por ele o
que não pôde fazer por suas irmãs.

Você também pode gostar