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Sinopse

Um homem estava prestes a ter tudo que sempre sonhou: uma


esposa e uma filha. Mas sua vida virou de cabeça para baixo rapidamente.
Deitada na maca do hospital, a esposa faleceu, enquanto fazia florescer a
filha. Tudo que lhe restou foi esse pedaço de carne que matou a própria mãe;
essa coisa que nasceu assassinando e arrancando sangue; uma criatura
acéfala, para quem tinha o dever de educar e amar ― e odiar, pois não podia
perdoá-la.

Com o devido tempo, percebeu que a filha possui valor e até parece
sua falecida mulher. Por vezes, parece demasiadamente. Nos movimentos,
na pele, no cheiro… é muito semelhante à progenitora. Seu sentimento, que
aprendeu a transitar entre amor e ódio, confronta-se com novas paixões. Já
não sabe definir o que sente ― e precisa descobrir rápido, antes que a
loucura responda em seu lugar.
Parte I

Quando descobriu que sua amada esposa engravidara, Viktor pulou


de alegria e beijou a barriga de Barbara; sempre sonhou em ter filhos.
Quando descobriu que seria uma menina, ficou ainda mais contente, embora
estivesse aberto à outra possibilidade com tranquilidade. Quando foi
noticiado sobre o parto de risco, não perdeu as esperanças, tudo sairia bem.
Quando viu os olhos arregalados e sem vida de uma esposa esticada acima
da maca do hospital, e em paralelo os olhos lacrimosos da recém-nascida,
uma alma indo e outra surgindo, não conseguiu sorrir.

A imagem daqueles corpos femininos ensanguentados ―


desatravessados um do outro ―, não saía da sua mente. Agonizadas por
causas opostas, ele agonizou por ambas. Desconhecia os motivos para
merecer tamanho desfortúnio. Que espécie de balanceamento doentio seria
aquele? Por que dar uma filha e arrancar a esposa? A vida não podia o iludir
mais do que naquele instante. Evitou pensar nos termos exatos, mas seu
peito sabia dos fatos: preferia receber uma filha morta do que uma assassina.
E preferia morrer do que admitir isso em voz alta.

Tinha uma bebezinha linda, que pouco conseguia contemplar sem


que seu cérebro ativasse um filtro de sangue por cima. Sentia-se o mais
amaldiçoado dos homens. Criou a filha como se fosse uma pequena fera, e
não sabia explicar o medo e a paixão que tinha por aquele pedaço humano
vazio de memórias e intelecto. Ao lidar com ela, ia aos extremos: hora um
pai deveras carinhoso, hora um inimigo piedoso. Preocupou-se com a
hipótese de surtar, de matar a criança indefesa ou estourar os próprios
miolos. Por sorte, passada a infância, aprendeu a lidar consideravelmente
bem com o ódio e o amor que sentia.

Na pré-adolescência, antes da fase rebelde, a garota (Priscila)


demonstrou diversas peculiaridades e instabilidade; possuía bastante
sagacidade, por vezes um pouco de maldade, certa impaciência com outras
crianças e uma feminilidade aguçada. O pai percebia isso, mas fingia não
ver. Não era sempre, às vezes parecia uma criança absolutamente normal e
insignificante. “É a transição”, pensava Viktor, satisfazia-se com esta
resposta.

Entretanto, havia a maior das estranhezas, e essa Viktor não


conseguia ignorar. A garota era muito parecida com mãe, tanto no físico, que
inclui a face e a posição de certas pintas características, quanto no jeito de
mover-se, por exemplo, na delicadeza ao lavar-se durante o banho, e também
no jeito de falar e nas palavras escolhidas. Uma dúzia de vezes alucinou e
pensou estar diante da esposa rejuvenescida; isso trazia uma temporária
felicidade, arrebatada ao retornar à realidade. Tamanhas ilusões só serviam
para relembrar a falta que sentia da falecida mulher.

Por longos anos se recusou a substituir a defunta, seja na vida


sentimental, seja na sexual. Deixou o espírito encher-se de necessidades
básicas, recalcou os desejos e torceu para que não gerasse uma pulsão
doentia. Os pensamentos confusos e obscenos surgiam, mas ele os renegava
com brutal racionalidade. Queria se convencer de que morreu junto à esposa,
e só ressuscitaria diante dela.

Não sabia como, ou mesmo se era possível, suprir a falta de mãe que
sua filha sentia. Faltava-lhe uma figura maternal, as avós estavam mortas e
não havia nenhuma tia. A mãe de Viktor se matou ainda na adolescência
dele. Já a de Barbara, Helena, morreu num acidente com lobos.

Um dia Priscila falou da avó Helena, o que foi surpreendente, pois


nem deveria conhecer este nome. O contexto:

― Você não deveria usar maquiagem nessa idade ― disse Viktor ao


ver a filha exageradamente maquiada, feito mulher crescida.

― Vó Helena deixava mamãe usar, nada mais justo que eu usar


também.

Uma simples frase arrancou suspiros de assombro. Como poderia


conhecer o nome da avó? Ele nunca falou dela. Mais que isso: como poderia
saber que Barbara usava maquiagem aos doze anos? Pois, incrivelmente,
isso era uma verdade pretérita. Se houvessem fotos antigas, do tempo jovial
de Barbara, o fenômeno estaria explicado; mas não haviam tais fotografias.
E não havia alguém para contar essas histórias.

Outros momentos semelhantes ocorreram, palavras capazes de


arrepiar a espinha dorsal do viúvo. Referências às cenas da infância da mãe,
à vó Helena, ao casamento de Viktor e Barbara… Ele cogitou influências
místicas, como a presença de espíritos ou semelhante coisa. Não sabia se
acreditava nessas loucuras, porém não podia negar o que via e ouvia.

Seria sua filha uma médium? Talvez. “Pode-se esperar muitas coisas
de alguém que matou a própria mãe”, pensou. Acreditar na coincidência
exigia cada vez mais fé.

A filha era um protótipo da mãe, os traços e trejeitos gritavam


afirmando isso. Os anos só confirmavam a proximidade, aumentavam-na. O
desenvolvimento facial, amadurecimento mental e crescimento das nádegas
e seios despertavam a imaginação de Viktor. Quase a pressionava a
confessar as causas de tanta igualdade genética e comportamental. Às vezes
ela parecia saber, sorria maliciosamente e transmitia uma perversa verdade
oculta; seu jeito depravava-se cada vez mais, era uma mulher trancafiada
numa criança. Uma fera enjaulada.

Despertava muitas coisas nele, cuja maioria não podiam ser


admitidas nem para a própria alma. Suas três almas teorizavam e desejavam
coisas diferentes. Descrever o que sentia pela filha era impossível, era um
amor de multifaces, uma quimera de representações, e ainda carregava um
profundo ódio.

O viúvo costumava sonhar várias vezes a mesma coisa, mudando


cenários e figurantes, mas em essência a mesma situação:

Encontrava-se cada vez num local diferente. Ao seu lado, a falecida


Barbara sorria exacerbadamente, quase a ponto de romper os músculos da
face e deslocar a mandíbula. Felicidade plena e esperançosa. Um lindo
sorriso, tão belo e sagrado, tão divino, que chegava a quebrar o coração de
Viktor; quebrava-o inteiro.
Passeavam de mãos dadas, aproveitavam o dia como se fosse um
exemplar único da vida. Não falavam sobre a morte, mas entendiam, pelo
olhar, que a morte pairava sobre ela e nada poderia mudar isso. Restava
aproveitar o máximo possível e torcer para que as horas fossem piedosas ou
aleijadas nas pernas.

Beijavam-se como crianças a brincar, na inocência de quem não vê o


mal espreitar pelos becos do mundo e pelas entranhas do corpo.

― Eu te amo, Viktor ― dizia, com os olhos cheios de água. ―


Prometa que vai cuidar da nossa filha.

― Eu… Ela ainda não nasceu, Barbara. Esqueça-a! Vamos viver por
nós!

― Viktor, prometa… ― passou a soluçar e babar, arcando-se e


pressionando a barriga. Vomitou raízes necrosadas. Foi tudo muito rápido.
Barulhos ecoavam nas entranhas da dama, os órgãos se contorciam,
sangravam numa hemorragia interna. Algo a empurrava de dentro para fora.
Havia um parasita no ventre. As pequenas mãos podiam ser vistas na
epiderme que rasgava; a carne era dilacerada. Um estrondo ocorreu,
vertebras foram partidas e tecidos rasgados: a mulher quebrou ao meio e
ficou conectada por finos músculos, a cabeça bateu no chão e o crânio
rachou: seus olhos permaneceram abertos e desalmados. Entre os pedaços
desmembrados da carniça, um bebê sorria maliciosamente, brincava com os
restos da mulher, atirava as tripas para cima e ria.

Imaginou que Priscila pudesse ser uma reencarnação da sua esposa,


uma ideia evidentemente insana, sabia disso. Contudo, o mundo é insano.
Essa opção tornava-se mais natural a cada nova semelhança entre mãe e
filha. A ideia transmutava-se em verdade na mente dele. O que sentia sobre
isso? Nem sabia explicar. Teria sua esposa de volta, não deveria ser a única
coisa que importa? Sequer perderia a filha para isso, não foi exigido um
sacrifício, a filha era a esposa, a esposa era a filha; ganharia as duas num
único corpo. Possuía dois grandes problemas: precisava confirmar a
identidade mística da garota e pensar como consumaria a união matrimonial
com ela.
A resposta para o segundo dilema dependia do esclarecimento sobre
o primeiro. Na ausência da luz, mergulhou nas trevas da dúvida angustiante.

Passou anos olhando-a de modo a tentar vislumbrar sua alma.


Dentro de si, numa segunda forma de achar a resposta, buscava decifrar a
paixão que tinha: era um amor paternal ou sexual? A cada dia sentia uma das
paixões, e recusava-se a testar a intensidade delas.

Na adolescência, aos dezessete anos, a garota entrou na fase mais


feminina e tentadora. Passou a sair sozinha, procurar festas e homens para
esnobar. E realmente zombava dos homens. Tratava todos como se fossem
crianças: igual a mãe, pensava Viktor. Mãe e filha detinham a aura de bruxa,
criaturas que vivem séculos; a primeira não era arrogante, apenas parecia um
sábio a lidar com as inocências humanas; a segunda, talvez pela idade,
transpirava arrogância nos trejeitos, no olhar e na maneira de mover a língua.
Viktor reparava muito naquela língua, dizia mais do que os sons produzidos
pelas cordas vogais.

Quando a filha trouxe um namorado para casa (ou mero ficante),


encheu-se de fúria. Pensou em esmurrar o rapaz. Levantou sua banhas do
velho sofá ― engordou bastante após perder a esposa ―, e se posicionou a
frente do jovem, com peito estufado e punhos fechados. A garota fez as
apresentações, mantendo um sorriso cínico e os lábios úmidos; divertia-se.
Apertou a mão esquelética com demasiada força; percebeu a fragilidade e
inocência do garoto que caiu aleatoriamente naquele caos familiar, não
deveria apanhar pela intromissão inconsciente. Teve tempo de contornar a
situação e fazer-se de pai ciumento.

Não permitiu que fossem sozinhos para o quarto, isso seria exagero,
não suportaria tamanha cólera.

Posteriormente refletiu sobre a questão. Até onde sabia, sua filha era
virgem. Nunca perguntou. Responder isso poderia auxiliá-lo a desvendar a
teoria da reencarnação, pois, pensou com seus primitivos neurônios, a garota
não tinha meios de descobrir a atuação sexual da mãe, isso era
demasiadamente íntimo; ninguém além dele poderia contar os detalhes. O
argumento para ver a jovem transar pareceu-lhe ótimo, questionável, mas
ótimo. Acobertava várias camadas obscuras? Talvez… “mas é ótimo”,
repetia para si mesmo.

Na segunda visita do jovem namorador, cumpriu seu plano. Deixou


que fossem sozinhos ao quarto e espiou pelo espelho falso (posto lá desde os
quatorze anos dela). Constrangeu-se ao ver as carícias iniciais, a excitação
crescente no pequeno cômodo, a volúpia jovial. O despir arrepiou sua nuca.
Dois humanos magros, brancos, inacabados, tapados apenas por roupas
íntimas; logo o sutiã dela foi retirado, revelando os pequenos seios de bicos
escurecidos. Teve vergonha de tirar a calcinha. O garoto foi envolvê-la em
seus braços, porém foi empurrado à cama, parando sentado. Ajoelhada,
puxou o pênis dele para fora da calça e cercou-o com sua boca.

Olhava o vidro quase sem piscar. Era como olhar um filme pornô.
Ficou ereto, mas contido pela racionalidade. Observou os detalhes da
movimentação, da atuação, agiu feito um crítico de cinema. Evitou
pensamentos sexuais, embora dançassem em seu subconsciente; era quase
impossível não lembrar da esposa em copulação.

Ao fim do gozo, suspirou de cansaço junto aos jovens, sentia-se


como se tivesse participado do coito. A filha transou de maneira muito
diferente da mãe, isso pareceu inegável. Tratava-se de um prova absoluta?
Decerto que não, “mas foi ótimo”.

A hipótese da reencarnação perdeu força, virou uma enfermidade


inativa no peito. Bastava um fraquejar no sistema e já ativaria a doença
conceitual. Outras opções ainda existiam, fracas e mal-pensadas.

Decidiu procurar evidências. Aproveitou o horário escolar e entrou


no quarto vazio da jovem. Gostaria de achar um diário, porém nada do tipo
foi visto; mexeu nos papeis e encontrou alguns estranhos manuscritos,
falavam sobre eventos passados, muito antigos; não de fatos históricos
importantes, mas pertenciam aos séculos remotos. Textos em primeira
pessoa, subjetivistas. Linguagem culta, clássica ― arcaica. O situado no
período mais velho, quatro séculos atrás, falava sobre bruxas e rituais. “Deve
ser um trabalho escolar, ou estórias imaginativas”, pensou. Estavam fora de
ordem cronológica. Mais de um falava no nome “Helena”, e isso chamou sua
atenção. Após ler, descobriu que todos eram tratados na perspectiva da tal
Helena. “Estranho…”

Mais nada fora do normal foi encontrado, infelizmente.

A avó Helena se tornou um tópico recorrente, cerne dos problemas.


Conviveu com ela por longos anos, antes do falecimento. Mulher elegante e
sensual, de hábitos ácidos; jovial na ironia e no sorriso. Também era muito
parecida com a filha, e consequentemente parecida com Priscila.

Na época em que tentava engravidar Barbara ― começaram a tentar


muitos anos antes da conquista mórbida ― ouvia piadas da sogra, e uma
descrença absurda; mais que isso, afirmava categoricamente que eles não
conseguiriam um bebê antes dela ir à cova. Acertou nisso. Tiveram vários
fetos mortos, abortos espontâneos. Aparentemente, o problema estava nos
genes: Helena também abortou muito, dizia nem se preocupar com a
possibilidade de engravidar. A mãe dela (avó de Barbara) detinha a mesma
característica e sua mãe idem; era uma família de mulheres únicas por
geração.

Outra coisa que estas mulheres partilhavam: uma velha mansão


numa zona de bosques abandonados. Um lugar levemente macabro. Foram
criadas nesse isolamento, ursas na caverna. Plantavam e viviam disso,
herbívoras, comiam carne apenas quando surgia um animal acessível.

Visitou a mansão somente duas vezes, e, desde a morte das duas


mulheres adultas, o lar passou a ser da jovem Priscila. Nas férias decidiu que
iriam passar uns dias lá, isso poderia despertar mais as memórias da filha.

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A mansão estava caquética, fúnebre; madeiras quebradas e


apodrecidas formavam as paredes lendárias. Não deixava de conter uma
beleza rústica. Sua grandeza atraía admiração instantânea. Sua imperfeição
humanizava-a. Suas marcas contavam longas histórias de peste, fogo e aço.
Relíquia mundial obscurecida por enormes coníferas.
O interior transmitia a mesma energia. A decoração era composta
por molduras de madeira, armas brancas, vasos lacrados e mofo enegrecido.
Madeira e tecidos gastos formavam tudo. Haviam bonecos de vodu
pendurados pelos cômodos, enforcados.

― É um lugar bem foda! ― disse a fedelha. ― Podemos ter um lobo


de estimação?

― Normalmente as pessoas criam coisas para comer, não para serem


comidas pelas criaturas.

― Essa é a sua filosofia de vida? ― riu.

Nenhuma boa resposta veio-lhe em mente.

Olharam os quartos, existiam cinco bem grandes. A cozinha fora


lotada de ervas e coisas que provavelmente apodreceram. O porão tinha
correntes, baldes de urina, sangue seco nas paredes de concreto e moscas ―
teria que limpar ou tacar fogo, ou limpar tacando fogo. No armazém, do lado
exterior, achou enxadas, machados, cordas grossas, sela de cavalo e lenha.

Foi ver como Priscila acomodou-se, e se assustou ao vê-la segurando


um sapo deformado. Ela riu deveras:

― Não sabia do seu medo de anfíbios.

― Tenho muitos medos que você desconhece. Solte essa coisa e


arrume seus pertences!

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Mais tarde, após jantarem um pouco do que trouxeram, foi conferir o


acervo literário com mais de mil obras. Ao menos cem eram livros sagrados,
em todas as línguas. Tamanho excesso assustava-o. Notou uma estante mais
vazia, de livros escolhidos a dedo e separados por algum motivo.
Manuscritos feitos à mão.

Puxou um exemplar e dele caiu um pedaço de papel desenhado: uma


árvore genealógica. A legenda falava em “reencarnações”, e havia uma
escala de tempo. No topo, respectivamente: Barbara, Helena, Maria,
Doroteia, Leopoldina, e ia-se ao infinito. Um nome em vermelho, outro em
azul. Na legenda explicava: em vermelho, Dama Margery, em azul, Bessie.
Ainda assim, foi incapaz de aceitar a dedução mais óbvia. Teve que
percorrer os olhos até o final da árvore, encontrando Dama Margery em
primeiro e a outra logo depois. Caiu na cadeira, atordoado. “É uma ficção, só
pode ser.”

Tremia por inteiro, erguia os papéis e nem conseguia ler.


Lacrimejava. Um documento narrava um pacto, o acordo primordial.
Faltavam partes, o tempo corroeu o papel e a tinta se degradou em diversos
pontos. Mas não restava dúvida alguma: sua esposa e filha eram
reencarnações de antigas bruxas, um laço sanguíneo e cíclico.
Parte II

Raciocinou bastante para entender o caso: sua filha tinha a mesma


alma da avó: Priscila e Helena eram, em essência, a mesma pessoa. Barbara,
em outra vida, foi mãe de Helena, e na próxima seria filha de Priscila. Era
simples de entender, a complicação surgia por causa da demasiada
estranheza que gerava. Nunca mais conseguiria olhar para a filha da mesma
maneira, as dificuldades para ver uma frágil garotinha foram elevadas à
décima potência. As camadas da criança, da jovem e da mulher formada se
sobrepunham. Através dela via a fina separação entre as paixões de amor e
ódio.

O quanto a garota sabia da própria origem? Seria possível que


lembrasse tudo e fosse dissimulada a esse ponto? O sorriso malicioso e a
sedução aparentemente inconsciente ganharam vertentes nojentas; agora via
sua sogra por trás das carnes de uma ninfeta que chamara de filha.

Foi ao quarto dela. Observou-a dormir, serena. Viu um demônio,


não uma jovem. Desceu as escadas novamente e caminhou até encontrar
uma solução. Precisava definir o que queria, o que tinha que evitar e o que
ainda restava. Confirmar a causa mística dos fenômenos foi mais aterrador
do que imaginara que seria. Tinha perguntas, agora ganhou respostas, e
ainda precisava oferecer reações. O punhal acima da estante magnetizava seu
olhar: matá-la virou uma opção tentadora e simples. Entretanto, a morte, seja
dele, seja dela, seria uma fuga, um ato de fracasso e medo. O amanhecer
iluminou seus horizontes: ganhou a chance de reaver sua mulher, um
presente que nenhum outro homem recebeu na Terra.

Limpou o porão, eliminou as moscas e o cheiro de decomposição;


esfregou o sangue, mas este se eternizou nas pedras. O pior foi retirar os
excrementos, fezes e urina. Gastou o dia inteiro para arrumar aquela
masmorra. Pegou madeira do armazém e construiu uma cama torta,
provisória e utilizável. Conferiu as correntes, enferrujadas, mas resistentes;
precisava achar as chaves. Feno deixaria o ambiente mais confortável.
Não era o local mais acolhedor da casa, porém ficou melhor que o
armazém ou a floresta. Transmitia uma segurança doentia. Somente um
único lobo conseguiria entrar ali: um lobo filho de adão, contra uma
chapeuzinho descendente de Eva (ou Lilith). Eis o conto clássico
remodelado ao mundo atual, onde teme-se as parafilias mais do que os
grandes predadores ― onde os desejos dos animais humanos é mais
ameaçador do que qualquer instinto dos animais ditos primitivos.

Fez o melhor jantar que podia com os poucos itens que havia. Abriu
uma garrafa de vinho, serviu em taças. A mesa ficou cheia em frente a eles.
O barulho da mata criava uma atmosfera animalesca, levemente tensa; junto
à casa, era como viajar no tempo ― exatamente o que Viktor queria fazer.
Falaram da mansão, dos arredores, do quanto tudo aquilo carregava nas
entranhas as histórias de seus moradores…

― Sua mãe cresceu aqui, e a mãe dela também.

― E a vó Helena, a bisavó, tataravó, e assim por diante.

― Sim, de fato. Como sabe disso?

― É óbvio, esse lugar tem pelo menos trezentos anos. Muita gente
morou e morreu nesse chão. Devem ter vários cadáveres no pátio.

― Verdade. Sabe me dizer onde estão?

― Por que eu saberia?

― Sei lá, você sabe muitas coisas, né? Mais que eu, às vezes.

― Querendo aprender comigo, é? Hm… ― seu tom criava lacunas


de perversidade.

― Sua avó, Helena, morreu nesta casa. ― Analisou bem as


expressões faciais da garota, por enquanto calma. ― Morreu de pneumonia,
coitada. ― Viu a alteração nos músculos do rosto dela, queria dizer algo, sua
garganta coçou em protesto: sabia a verdade, sabia que a avó havia morrido
de ataque cardíaco. A mentira gerou o desconforto inevitável. ― A sua mãe
morreu no hospital, no…
― Meu parto, é, eu sei. Culpa minha. ― Sua boca se contorceu,
num misto de dor e malícia.

― Verdade. Ou… será que foi de Helena? ― novamente, viu o


desconforto.

― Por que seria da vovó? ― a voz saiu rouca, mórbida, direta das
profundezas da terra, do corpo da falecida senhora Helena.

― Por quê? ― riu com elegância. ― Algum palpite? Ah… qual será
o motivo… Bom, é uma redundância, certo? ― Bebeu um gole de vinho.
Ambos tremiam, remexiam as pernas, conflitavam no olhar. Ele balançava a
faca, sem perceber; ódio e medo preenchiam seus sentidos. Estava diante de
Helena, tornou-se incapaz de ver a jovem Priscila. Podia esfaqueá-la, vingar-
se pelo passado de mentiras e provocações; uma parte dele queria isso, outra
queria o oposto.

― Do que você tá falando? Pai…

― Não me chama de pai! ― gritou, revirando a mesa no processo.


O vinho caiu, manchou o tapete com pingos de vermelho escarlate. ― Você
não tem idade paras ser minha filha! Você é… é… ― Avançou contra ela,
segurando-a pelo pescoço. A outra mão ainda portava a faca, mirava-a contra
o ventre. ― Só não te mato, aberração, porque preciso de ti. Infelizmente só
você pode me dar o que eu quero.

― Pai, para com isso! ― falava com dificuldade. ― Estou com


medo! Não sei do que você tá falando! ― Tentou livrar-se da mão gorda que
circulava seu fino pescoço juvenil. ― Estou ficando… sem… ar! ―
Desmaiou, e ele a deixou cair no chão.

Ergueu a faca em frente aos olhos e viu seu próprio reflexo:


monstruoso; gordo, ou melhor, obeso; dentes amarelados e moles; cabelos
em falta. Não era mais o Viktor, era alguma coisa absurda e nojenta que
devorou Viktor. Mas se tornou uma aberração necessária, só assim poderia
cumprir a missão e voltar a ser o que fora. Virou um monstro, um zumbi,
para poder lidar com uma bruxa e salvar sua esposa, um princesa perdida no
reino das almas. Depois de cumprir a missão, poderia arrancar as gorduras
excessivas e enterrar junto ao corpo de Helena.
Pegou a jovem idosa no colo e levou ao porão, prendeu-a nas
correntes e deixou-a repousar na cama. A faca ficou em seu bolso, mas não
pretendia usá-la em Priscila, outra coisa devia atravessar-lhe a carne e fazer-
lhe sangrar.

Acordou presa à cama com correntes pesadas. O corpo inteiro doía,


por causa da queda e da cama deformada. Gritou até os pulmões perderem
força. Tossiu bastante. Tomou um pouco da água que havia, um galão cheio.

Por três dias e três noites ficou naquele lugar, defecando e urinando
num balde, gritando quando conseguia ― momentos cada vez mais raros. A
fome tremulava seu estômago e ela pensou que morreria. Definharia por um
mês, imaginou. Quebrou o pulso tentando desprendê-lo da corrente, e suas
costas colecionavam arranhões. Partiu um pedaço do tronco que formava a
“cama” e tentou usar para abrir suas amarras, foi inútil. Matar-se-ia mais
tarde, deixou como última opção.

Na madruga após três dias, crescida sua vontade e enfraquecida sua


vítima, que, por mais amarrada e humilhada que estivesse, ele se recusou a
chamá-la assim, decidiu que cumpriria as atrocidades necessárias. “Um
monstro faz barbaridades, um príncipe mata o monstro.”

Desceu as escadas com determinação, uma verdadeira besta com um


homem trancafiado no fundo do peito. Foi com a faca empunhada. Olhou o
corpo mole da garota, adormecida, suada, fedida; e achou melhor assim, não
deveria haver prazer. Despiu-a lentamente. No corpo nu, de proporções
pequenas e esbeltas, viu o corpo de sua amada Barbara ― logo seu pênis
ergueu-se ereto. Penetrou a jovem tentando não lhe olhar na face. Ela
despertou e começou a gritar, horrorizada dizia para o pai parar, e repetia, e
enojava-o. “Pai… pai… pai…”, não queria ouvir essa palavra, não naquele
momento, não vindo daquela criatura repulsiva. Puxou a faca e usou contra a
língua dela. Surgiu um grito oco de agonia, interrompido pelo engasgamento
gerado pelo sangue, que escorria pelo queixo e pela garganta. Calou-se, e ele
voltou a realizar movimentos pélvicos. Apertou as coxas e fitou o rosto sujo
de sangue e cabelos grudados, agora não via sua filha ou esposa, via o
cadáver da sogra. Batia com as banhas nas pernas encardidas, sentia-se a
penetrar um morto ― ossos e lodo. Segurou os cabelos negros e levou o
crânio à parede, num impacto forte, repetido duas, três, quatro vezes. Ela
desmaiou, com sangue escorrendo pelo coro cabeludo.

Terminou. Gozou dentro da passagem carnuda e saiu mancando.


Deixou apenas duas coisas: um prato de comida e um potencial feto.

Toda as noites fez a mesma coisa, repetiu seus esforços e disfarçou


seu crescente prazer: tanto com a filha quanto com a sogra; uma amada,
outra odiada; uma acariciada com ternura, outra espancada e ensanguentada.
As duas recebiam o sêmen sacrificial, a gênese da esposa de Viktor.

A primeira noite já originou o fruto, mas ele não sabia disso, por isso
repetiu até vê-la vomitar e atrasar a menstruação.

― Por que está fazendo isso? ― ela escreveu na parede, com


sangue. Estava anêmica e mais esquelética do que dantes, nem parecia viva.

― Você sabe porque! ― Ajoelhou-se ao lado dela e acariciou seus


cabelos. ― Preciso que sua mãe nasça. Você vai parir a mamãe. Eu e ela
seremos uma família de novo e… e então você ficará livre, prometo. Mas,
agora que o feto está crescendo no seu ventre, preciso que coma e seja forte,
vou trazer remédio e uma cama melhor. ― Acarinhou e beijou a barriga
ainda magrela. ― Ei, minha princesa, não se preocupe, vou cuidar de você!

Priscila expressou ânsia, não podia falar por causa da língua


decepada. Cuspiu na direção do pai, era o máximo que conseguia fazer ―
seus músculos estavam fracos e sua mente divagava.

Nove meses se passaram na rotina de alimentar a prisioneira e


limpar seus restos. Mudou a cama, colocou móveis e arrumou uma corrente
mais confortável e ampla; regalias geradas pelo feto. Deu pincéis e papéis.
Ela pintou os abusos e fez retratos de Viktor para depois rasurar. O
ódio dela crescia de modo descomunal. Foi transformada numa fera
primitiva, sem linguagem, liberdade ou afetos; não sabia mais o que era ter
dignidade. Trinta e seis semanas é um tempo muito longo para ficar longe do
sol e da sanidade do meio social; mesmo para aproveitar o isolamento é
preciso da linguagem e das inspirações do mundo. Bestialidade só servia
para aumentar suas pulsões homicidas.

A barriga ficou gigante, quase quebrava sua coluna: tinha um verme


habitando suas entranhas.

― Como se sente com a gravidez? Você está carregando a sua mãe,


isso não é maravilhoso?

Escreveu na madeira: ― Só quero me livrar dessa coisa.

― Não fale assim! É a sua mãe, Barbara!

Escreveu: ― É uma aberração!

― Aberração é tu, fedelha desgraçada! ― Batia contra o rosto dela,


evitando ao máximo atingir a barriga.

Escreveu: ― Após o parto, ela será toda sua. Vou partir e nunca
mais retornar.

― Assim espero, Priscila. Nunca retornar!

Nos últimos meses esforçou-se para perder peso, saiu da obesidade;


aparou a barba e arrumou ao máximo os cabelos. Após dezoito anos
depressivos, teria sua amada de volta, bastaria mais alguns anos para que
pudesse se casar com ela. Precisava estar à altura, seria um homem muito
mais velho ― mais de quarenta anos de diferença entre eles. Teria que se
cuidar muito, por questões estéticas e de longevidade. Preparou-se para virar
um homem, matar a besta e receber sua esposa.

Faltavam poucos dias. Na verdade, poderia nascer a qualquer


momento.
― Está pronta? ― perguntou à filha.

Escreveu: ― Já fiz isso centenas de vezes, né? Posso ser literal ao


dizer que nasci pronta.

― Vejo que anda abraçando sua origem ― observou os quadros


com pinturas obscuras e macabras. ― Se lembra das vidas passadas?

Escreveu: ― Lembro de dizer para Margery não se envolver com os


homens, disse que deveria usá-los e descartá-los num fosso. Você não é o
primeiro a me causar problemas, Viktor, outros homens e mulheres, mais
fortes e poderosos, tentaram nos destruir. Alguns apodreceram ao redor desta
casa. Cedo ou tarde, você se juntará a eles. ― Sorriu sarcasticamente.

― Talvez eu deva lhe entregar aos deuses.

Escreveu: ― Não consegue resolver sozinho? Previsível. Sinto o


cheiro da urina respingando na calça. ― Abriu a boca e deixou sangue
escorrer da língua decepada. Usou o sangue para desenhar um sorriso na
barriga inchada e redonda; abaixo escreveu: aberração.

Tentou ignorar as ameaças, mas a garota assumia cada vez mais um


aspecto diabólico e envelhecido. Não tardaria muito para surgir rugas, em
nove meses adquiriu uma aparente idade de trinta anos. “Espero que nossa
filha tenha a mesma característica.”

Dia de parir a mãe, tataravó, filha e bisneta.

Viktor vestiu um traje de gala, o mais leve que tinha. Sujar-se-ia de


sangue, mas não importava, precisava estar o mais bonito possível para
reencontrar sua amada. Parcialmente, era como um primeiro encontro.
Ganharia a chance de acompanhar todas as fases do desenvolvimento da
esposa, seria seu mestre e amante.

Foi um parto difícil, durou horas. Priscila se debatia e esmurrava a


própria barriga, queria livrar-se da coisa. Lentamente a criatura escorreu pelo
buraco, atravessou a fenda junto a uma enxurrada de fluídos escarlate. Sem
tripas ou miolos, saiu apenas a coisa e um cordão, o último laço de ambas ―
desfeito pela lâmina de Viktor. Cessada a dor e a gritaria, ecoou pela
masmorra o choro da recém-nascida. O homem sorriu, admirando sua
pequena esposa, enquanto a mulher sorria por estar livre.

Ergueu a esposa e balançou, queria acalmá-la, protegê-la do mundo.


Nem a via, contemplava uma beleza pré-formada em sua imaginação. Sabia
que ela estava com fome, e somente por isso entregou a criança à mãe,
receoso. Tinha medo, a mulher poderia facilmente ferir o bebê ou chantageá-
lo com isso.

Ao segurar o mini humano, tão frágil e sedento por alimento,


arrepiou-se inteira. Puxou um dos seios para fora, inchado e transbordando
leite, e deu de mamar à pequena. Uma nova conexão surgia, não mais
através de mero pedaço de carne orgânica, desenvolveu uma ligação
sentimental e empírica (embora de potência inata). Balbuciou as palavras
“minha filha”, tremendo os lábios; fez isso mais de dez vezes, irritando
Viktor a cada repetição. Não era filha dela, ele pensava, era dele e de mais
ninguém.

Possuído por uma raiva de múltiplas faces e origens, nem pensou


muito antes de levar a faca à garganta dela, cortando as camadas mais
profundas. Sangue jorrou acima dos três. Sentiu-se o assassino de um
batalhão. Uma alma, tantos corpos. Ela simplesmente agonizou até a morte,
em poucos segundos, sua cabeça caiu para trás e os braços pressionaram a
filha com delicada força. A recém-nascida continuou mamando, sugando
leite misturado com sangue; teve o rosto limpado e acariciado pelo pai, avô e
marido. Ninguém reparou nas deformidades, ficaram deslumbrados demais e
deliraram, formaram na mente uma linda bebezinha bem diferente da
criatura que ali havia. Seu nome: Barbara.

10

A deficiência facial deixava um lado do rosto inchado e outro seco,


dificultando a movimentação da mandíbula; o corpo tinha vergões pela
epiderme. Não se parecia com Helena, Barbara ou Priscila, assemelhava-se
mais ao cadáver das três. Cresceu e as deficiências cresceram junto, e o
tempo provou que seu cérebro foi afetado também.
O homem não se importava, tinha nela tudo que precisava: uma neta,
uma esposa, uma companheira para a vida toda. Quando bebê, limitou-se a
beijá-la com selinhos, e assim manteve na infância, até entrar na pré-
adolescência, quando podiam masturbar um ao outro, com mãos e boca,
prazeres contidos. Na adolescência tirou a virgindade dos orifícios dela,
sempre com proteção ― não podia permitir que Bessie nascesse. Educou-a
sozinho. Diminuiu o mundo aos limites da floresta, afirmou que nada mais
existia e ela não teve motivos para duvidar disso, nunca interagiu com
pessoas de fora. Ele ensinou ela a se parecer com Barbara, cozinhar como
ela, mover-se como ela, falar como ela, transar como ela, e tudo mais que
pudesse fazer dentro das limitações físicas que tinha. Temporariamente, só
não podiam ter filhos.

Barbara (a nova) amava seu marido, não desejava nada além dele.
Ouvia as histórias da relação da sua avó com seu marido e se colocava no
lugar dela, pois assim ele queria. Absorvia o máximo da identidade da avó
Barbara, e o tempo tornou isso mais fácil, porque realmente começou a se
lembrar das vidas passadas ― fragmentos confusos.

11

Viktor desejava muito ter filhos ― desde que não fossem


reencarnações de Helena ―, e por isso correu atrás de uma ruptura ao pacto
de reencarnações. Estudou magia negra, desvendou cada parágrafo dos
misteriosos manuscritos e descobriu o que deveria fazer. Nisso se passaram
vinte anos. A velhice se aproximava. Precisava fecundá-la rápido.

Invocou o demônio do acordo original, para que pudesse substituí-lo


por um novo.

― Aceito o fim do ciclo entre Margery e Bessie ― disse o demônio


―, mas não aceito sua oferta, não vou estabelecer a reencarnação entre você
e Barbara. Vocês dois morrerão.

― Tudo bem. A partir de agora podemos ter filhos? Bessie não


voltará?

― Ela não. Contudo, seus filhos serão receptáculos e não poderão


passar de nove.
― Não, não… Quero filhos normais, humanos!

― Serão humanos, terão identidade própria e tudo mais. ― Criou


um contrato. ― Leia e assine.

Viktor leu cuidadosamente e assinou. Desejava muito os filhos.

Feito isso, teve os sonhados filhos, levemente deformados


fisicamente. Tiveram nove, não podiam ter mais que isso. Cinco garotos e
quatro garotas. Eram fortes, hábeis, inteligentes. Foi feliz até o fim da vida,
morrendo de velhice. Os garotos pareciam normais e o trataram com
respeito. Quanto a mãe, após a morte do marido, se matou cortando o
próprio pescoço com uma faca.

Os filhos ficaram ali, não sabiam do resto do mundo. Faziam orgias


entre eles. Quando um morria ― assassinado ou por acidente ―, logo
renascia no ventre de uma das irmãs. E assim seguiam a vida, nesse ciclo,
galhos de uma árvore hermafrodita, com raízes que certamente tocavam os
infernos.

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