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Estar sempre atenta, saber reconhecer até o mínimo barulho, isso pode
salvar a sua vida quando você pertence a um mundo como meu. É por isso
que o resmungos vindos da sala me despertaram no meio da noite. olhei para
o relógio de pulso que tinha deixado sobre a mesa de cabeceira e constatei
que passava das duas da manhã. Afastei os lençóis sem fazer barulho, me
assegurei de pegar minha arma no cofre e só então caminhei furtivamente
em direção a sala.
Estava escuro, a luz fraca vindo da lareira era a única coisa que
iluminava o ambiente, ainda assim fui capaz de identificar a figura encolhida
no sofá. Sofia resmungava de dor, abraçando a si mesma como se congelasse
de frio.
— Porra! — xinguei, guardando a arma no cós da calça de moletom
antes de me abaixar ao seu lado, tocando sua testa úmida para me certificar
de que os tremeres em seu corpo eram resultados de febre alta. — Mas que
droga!
Sofia estava queimando de febre.
Eu devia ter a acordado para que ela seguisse para a cama, a noite está
tão fria e seu ferimento na perna ainda está se recuperando. O que eu estava
pensando ao deixá-la aqui?
— Sofia. — Toquei seu ombro, ela não abriu os olhos. Xinguei
novamente, me erguendo e correndo apressada até o quarto onde peguei dois
cobertores grossos e trouxe para o sofá, cobrindo-a com eles. Seu corpo
tremia e estava coberto de suor, então caminhei até a cozinha em busca de
uma tigela de água e um pano limpo.
Aproveitei para pegar uma jarra de água e um copo, pois lembrei dos
seus remédios na mesa de cabeceira, a próxima coisa que fui buscar.
— Sofia, você precisa acordar para tomar os seus remédios, isso vai te
ajudar com a dor e a febre. — Tentei novamente, sem resposta da parte dela.
Segurei seu rosto entre minhas mãos e acariciei as bochechas vermelhas
por causa da febre.
— Petaloúda, você precisa acordar para que eu possa cuidar de você.
Se seus olhos não estivessem tão desfocados quando encontraram os
meus, poderia jurar que ela fez aquilo de propósito. Mal contive um suspiro
de alívio quando sorri para a mulher e a ajudei com os remédios. Ela
resmungou de dor durante todo o processo, e o estremecimento de seu corpo
me deixou ainda mais angustiada. Pelo menos, Sofia tomou seus remédios
antes de fechar os olhos e repousar a cabeça no encosto do sofá.
Me sentei no chão ao seu lado, molhei o pano limpo na água fresca e
passei a limpar o suor de seu corpo. Ela gemeu de dor, estremeceu e se
contorceu por umas três horas até que a febre cedeu, o suor diminuiu e os
tremores pararam. Sendo assim o som de sua respiração pode ser ouvido por
toda a sala, era calma e em um ritmo normal, o que me encheu de alívio
enquanto reabastecia a lareira e voltava a me sentar ao seu lado.
Nem se quisesse poderia ir embora sabendo que ela poderia precisar de
mim novamente.
Pelo menos em seu sono posso cuidar dela sem medo de que mais dos
meus sentimentos idiotas sejam expostos.
CAPÍTULO 5
Acordei sentindo meu corpo dolorido e não era por conta de uma noite
dormindo no sofá da sala. Memórias vagas me lembravam de tremer de frio,
uma febre forte que deixou meu corpo fraco, cheio de dor e ensopado de
suor. Penso até que tive delírios quando uma lembrança vem à mente:
Helena cuidando de mim a noite toda e me chamando de Petaloúda.
— Hum.
O resmungo me faz ficar estática por alguns segundos antes de fazer
força para me colocar sentada. Se tivesse sido um delírio eu ainda estaria
delirando porque Helena se encontrava sentada no chão, com a cabeça
deitada na beirada do sofá, dormindo ainda com um pano na mão.
Tinha sido real?
Toquei seu ombro e encontrei pele quente e macia. Engoli um suspiro
chocado e respirei fundo antes de balançar seu ombro com mais força até
que ela acordasse aos poucos, com os olhos inchados depois de uma noite
mal dormida. A expressão confusa durou pouco tempo antes que ela me
visse acordada e se levantasse do chão para se juntar a mim no sofá, uma
mão em minha testa para ver se a febre persistia e um suspiro de alívio
deixando seus lábios ao perceber que eu estava bem.
— Sem febre — resmungou, se levantando e seguindo para a cozinha,
consigo levou uma bacia vazia e o pano que usou para limpar minha pele
durante a noite.
Permaneci ali sentada, confusa, tentando conter uma pontada louca de
esperança misturada com felicidade. Helena ainda se preocupa comigo, ela
se preocupa comigo depois de tudo.
Posso até dizer mais, conheço essa mulher o suficiente para saber que
ela não perderia uma única hora de sono por alguém que não amasse. Quem
dirá a noite toda.
Controlando o sorriso que queria tomar conta do meu rosto, me
coloquei de pé e segui até a cozinha onde a encontrei tentando acender o
fogo para fazer café. Me apressei em sua direção antes que Helena colocasse
fogo em si mesma.
Ela viu minha chegada e foi logo me enxotando com a mão.
— Você precisa tomar um banho quente para se limpar, um pano úmido
não fez grande coisa. Se apresse para o banho, eu vou levar café para te
aquecer logo em seguida.
Dessa vez não controlei o riso e ela me encarou com raiva.
— O que tem de divertido?
Ignorei sua pergunta e me coloquei em seu espaço, roçando
propositalmente nossos corpos enquanto tirava o acendedor de suas mãos e
acendia o fogo eu mesma. Escutei o suspiro que ela tentou conter por me ter
tão próxima, e a pequena chama de esperança dentro de mim ficou maior,
queimou mais rápido.
Helena é uma mulher de ações muito mais do que de palavras, todo o
cuidado da noite passada e dessa manhã é o combustível para propagar ainda
mais as chamas dentro de mim.
Pensei que nunca teria essa oportunidade, mas e se estivesse errada? E
se puder, nem que seja a última coisa que faça nessa vida, provar para essa
mulher que a amo e tem sido assim por um longo tempo?
— Deixa que eu faço isso, não quero que você coloque fogo na cabana.
— Mal agradecida — resmungou irritada. Os braços cruzados por cima
dos seios. Desviei o olhar antes de complicar as coisas ainda mais.
“Calma”, disse para mim mesma. “Sinto tanta falta dela, de tocá-la,
beijá-la, amá-la e ser amada por ela.”
— Engano seu, eu estou muito agradecida, linda. Você cuidou de mim
ontem e está fazendo o mesmo agora. Só quero retribuir o favor e evitar que
você acabe colocando fogo em si mesma.
— Há, há!
Emburrada por ter sido pega, ela sai da cozinha e caminha para longe.
Por hora deixo que o faça, não é como se ela pudesse ir muito longe, foi a
própria Helena que nos colocou nessa situação. Somos apenas nós duas por
vários e vários quilômetros. Vou reverter essa situação ao meu favor.
Já errei pra caralho nessa vida, o que é mais um erro? Mesmo que ele
signifique o fim da minha carreira no FBI.
Termino de fazer o café e deixo a cozinha. Helena estava “lendo um
livro” deitada na cama. Entrei sem falar nada, mexi nos armários, peguei
algumas roupas, suspeitosamente novas e do meu tamanho, e entrei no
banheiro. Agradecendo aos céus por ter água quente mesmo que o chuveiro
tivesse que levar alguns minutos para aquecer.
Aproveitei esse tempo para verificar o ferimento em minha perna,
quase tinha esquecido dele após acordar com todo o meu corpo doendo.
Após o banho refiz o curativo notando como a ferida estava cicatrizando
bem, isso era bom, tendo em vista o local em que estamos se pegasse uma
infecção poderia perder a perna.
— O que está fazendo? — berrou Helena quando saí do banheiro e
caminhei direto para a cama, me deitando quase por cima dela. Minha pele
estava fria mesmo após o banho quente e vestir um conjunto quente de calça
e camisa de moletom.
— Estou com frio, pode ser a febre voltando.
Ela revirou os olhos, mas não se afastou, o que teria feito caso não
quisesse meu toque.
— Você acabou de sair do banho.
— Você precisa continuar cuidando de mim, linda.
— Sério? — Um brilho de mágoa apareceu em seus olhos esverdeados,
me encolhi um pouco pensando que tinha ido longe demais. preciso ir
devagar, conquistando aos poucos se quero mostrar que o que senti e sinto é
real, esse deve ser o caminho.
No momento, Helena é como o rio congelado que cerca os arredores
dessa cabana, o gelo pode parecer duro, é até possível caminhar por cima,
mas um mínimo descuido e o gelo se rompe mostrando o quão fino
realmente era. Minha mulher é forte como uma guerreira, no entanto, sua
confiança se encontra em frangalhos.
Até mesmo uma mentira em meio a milhões de verdades pode acabar
com a confiança de alguém.
O que falta em Helena não é amor por mim, é confiança de que não vou
voltar a traí-la.
Como não tinha palavras suficientes para mudar isso por hora, me
limitei a apertar o abraço em volta do seu corpo. Acalmando meu coração,
ela suspirou e voltou a ler seu livro, me deixando roubar um pouco do calor
que escapava de sua pele. Ficamos assim por horas talvez, antes de nos
levantarmos para o café.
Abri os olhos e sabia que o dia ainda não havia amanhecido, estava frio
e a casa silenciosa a não ser pelo barulho que me acordou. Sofia estava
agarrada as minhas costas até poucos segundos atrás, então não poderia ser
ela.
— Me diga que você tem mais de uma arma? — seu sussurro foi baixo
e rente a minha orelha. Eu não tinha ouvido coisas, nós tínhamos companhia.
Saltei da cama o mais silenciosamente que consegui, caminhei até o
cofre e peguei minha arma e a pistola reserva, não hesitei antes de entregá-la
a Sofia. Também peguei o telefone via satélite só por garantia.
— Quem você acha que é? — ela questionou, caminhávamos para fora
do quarto, nenhum outro barulho foi ouvido após o primeiro que nos
despertou.
— Qualquer um — respondo no mesmo tom sussurrado. Entramos no
corredor e não vejo ninguém. Segui na frente e Sofia veio logo atrás me
dando cobertura.
Um novo barulho foi ouvido quando chegamos próximo a sala, fui
rápida em a empurrar para dentro da primeira porta que encontrei, era o
quarto de hospedes que havia transformado em almoxarifado. Dessa vez o
barulho era mais baixo que o primeiro, era como o clique de uma arma e só
pode ser ouvido porque estávamos muito próximas dele.
Poucos segundos depois de entramos no quarto, sons de passos foram
ouvidos. Eram pelo menos três homens e todos eles passaram direto em
direção ao final do corredor onde meu quarto estava localizado.
— Profissionais — sussurrei para Sofia que assentiu.
Eles não apenas haviam descoberto sobre a minha cabana secreta como
também tiveram acesso a planta da casa e sabiam exatamente para onde
seguirem para me emboscar.
Saber disso me deixou mais alerta, mas não ajudava a descobrir os
envolvidos. Tenho uma lista quase infinita de inimigos e muitos deles têm
acesso a pessoal treinado.
Abri uma fresta na porta e vi os três homens no final do corredor
próximo a porta do meu quarto. Todos estavam vestidos em roupas pretas de
combate e com armas de grosso calibre, apesar disso tinha confiança o
suficiente para manter seus rostos descobertos. Na mesma hora reconheci os
três homens.
Por que procurar longe quando os maiores imigos estão bem perto?
Serguei, Leonard e Armande. Três soldados de alta patente dentro da
Aderfia. Seria mais uma tentativa ridícula de tomar o poder? Parece que
temos mais ratos a cada dia.
— Aqueles porcos! — xingou Sofia por cima dos meus ombros ao
reconhecer os homens que tinham acabado de entrar no quarto.
Sorri com sua irritação.
Ambas deixamos nosso esconderijo e caminhamos em direção a porta
aberta. As vozes deles ficaram altas o suficiente para serem ouvidas do
corredor. Xingamentos e questionamentos de onde a “puta Paraskevas”
estava.
Devo dizer que foi divertida a expressão de olhos arregalados que
Armande fez ao nos ver paradas no corredor quando saiu xingando do
quarto. Ele nem ao menos teve tempo de reagir antes de ter um buraco de
bala atravessando sua testa. Sofia foi mais rápida do que eu, até teria a
elogiado se não fosse pelo pandemônio que começou depois.
Os dois homens ainda no quarto começaram a atirar a esmo, tiros esses
atravessando a parede e quase nos acertando. Sofia se jogou para trás e caiu
no chão, tentando procurar um abrigo. Precisei fazer a mesma coisa, ficando
em desvantagem quando Leonard apareceu na porta com sua arma apontada
direto para a minha cabeça. Ele sorriu como se precisasse provar alguma
coisa antes de me matar, foi seu erro porque deu tempo de Sofia atirar,
acertando seu joelho.
— Porra! — ele berrou quando sangue jorrou pela ferida, o homem se
desequilibrou e a arma vacilou. Foi a oportunidade que precisei para dar fim
ao seu sofrimento com uma bala no peito.
Antes de seu corpo cair no chão eu estava correndo pelo corredor, Sofia
seguia na frente e chegamos à sala. O local mais espaçoso da cabana.
— Cozinha! — falei, ela assentiu e correu em direção a cozinha.
Quanto a mim procurei abrigo na própria sala, enquanto ouvi o som dos
passos de Serguei, o último homem respirando.
Estava abaixada atrás do sofá quando ele apareceu na sala. Atirei, mas o
tiro passou rente a sua cabeça e lhe deu chance de desviar e ainda por cima
descobrir minha localização. Xinguei todas as maldições que conhecia
quando me encolhi diante da rajada de tiros que acertou o sofá, espuma
voava por todos os lados, o local estava parcialmente escuro e silencioso.
Serguei sabia a disposição dos quartos, mas torcia para que não tivesse
conhecimento da disposição dos móveis, a única coisa que poderia me dar
vantagem em um momento como aquele.
Afinal, onde estava Sofia e por que ela não apareceu para me ajudar?
Não gostaria de pensar que fui largada para morrer.
Quando os tiros pararam seus passos recomeçaram, ele estava se
aproximando para ver se eu continuava viva. Respirei fundo e estiquei o
braço, puxando o gatilho da arma. O tiro acertou o vaso de vidro no móvel
próximo a passagem do corredor. Serguei saltou para o lado, seus olhos
desviaram do local onde eu estava, os próximos dois tiros acertaram seu
peito. Ele disparou uma última vez antes de cair para trás. O tiro ricocheteou
na lareira e parou na parede próxima a mim.
Minhas mãos estavam tremendo quando fiz a ligação que Perseu
atendeu poucos segundos depois.
— Helena? — O alarme em sua voz confirmava que devia ser tarde em
casa.
— Minha cabana foi comprometida por gente nossa. Serguei, Armande
e Leonard. Todos mortos.
— Estou a caminho, aguente firme.
Ele desligou no mesmo momento em que um barulho na porta da
cozinha me fez virar em alerta, com a arma apontada.
— Desculpa — murmurou Sofia com um filete de sangue escorrendo
por sua testa ao mesmo tempo em que ela tropeçou para dentro do espaço da
sala. Uma arma sendo apontada para sua têmpora.
— Abaixe a arma sua vadia, ou essa aqui morre. Se bem que eu estaria
fazendo um favor para a Aderfia ao estourar os miolos de uma traidora,
quem diria que essa vaca estaria viva. Ela fingiu a própria morte, não foi?
Minha mandíbula apertou com puro ódio, eu tinha dito a Stephanos
que deveríamos limpar toda a “casa” Rochet quando Mason Rochet foi
condenado a morte pelas minhas mãos após comprovarmos que o bastardo
estuprava sua enteada. Se meu irmão tivesse aceitado minha petição eu não
teria que olhar para a cara desse filho da puta, Franco Rochet, o irmão mais
novo de Mason.
— Não faça isso, Helena, você sabe que ele vai matar nós duas — disse
Sofia com uma expressão forte e corajosa. A idiota parecia querer dizer
“estou pronta para morrer, se salve”. Como se eu fosse permitir algo assim.
— Tudo bem. — Abaixei a arma lentamente, colocando-a no chão.
Um amador teria visto isso como uma vitória e baixado a guarda. Se
fosse eu, e tivesse certeza de que estava em desvantagem, não teria hesitado
antes de meter uma bala no meu inimigo. Às vezes um final rápido e
decisivo é a melhor saída. No entanto, assim como esperava, Franco estava
longe de ser um profissional como eu. Ele queria vingança pelo irmão e
nessas horas os sentimentos interferem.
Cada segundo a mais de vida que eu tivesse, era um risco a mais que ele
corria.
— A amarre com isso — ele disse, atirando um rolo de fita para Sofia
antes de a empurrar em minha direção.
Ela caminhou de forma obediente e começou a passar fita nos meus
pulsos.
— Não me faça de idiota! Passe bastante fita.
Assentindo, Sofia continuou sua tarefa de distração. Ao tentar usar
poucas voltas da fita para me prender, ela fez com que Franco
desconsiderasse o fato de que minhas mãos estavam sendo amarradas na
frente do corpo. Talvez, ele não me conheça tão bem quanto a minha
Petaloúda.
— Se afaste — voltou a latir ordens, Sofia o obedeceu. — Passe nas
suas mãos agora.
— Não posso fazer isso.
— Faça! — gritou, a arma apontada para ela.
Um pouco sem jeito, Sofia começou a fazer isso. Quando as duas
estávamos com as mãos amarradas, ele nos disse para sentar no sofá
destruído. Nessa hora uma expressão irritada passou por seu rosto ao
perceber que nossos pés ainda estavam livres.
Que idiota. Ele não sabe agir sozinho. Imagino que se escorava em seus
colegas, deve ser por isso que nunca chegou muito longe na hierarquia da
Aderfia. Lixo, tenho que falar com meu irmão sobre isso, temos que ser
mais rígidos com quem trabalha conosco.
Se não são capazes de nos matar, vão ser capazes de nos defender?
— Quem se mexer primeiro vai ter o prazer de ver a outra morrendo em
sua frente.
Sorri de forma debochada. Os homens odeiam quando as mulheres
fazem isso. Tem algo a ver com seus egos frágeis.
Eles podem suportar o fato de serem lixos que colocam suas mãos sobre
mulheres para as ferir, mas não aguentam um risinho.
— Você anda assistindo muitos filmes, Franco. Deixa-me adivinhar,
James Bond?
Seu maxilar estava travado quando ele se aproximou e bateu em meu
rosto com brutalidade. O cano da arma acertando minha bochecha, gosto de
sangue tomou minha língua ao mesmo tempo em que pontos escuros
turvaram minha visão.
— Seu porco, não encoste nela! — gritou Sofia.
Franco riu.
— Que bonito, você é uma vadia mesmo, traiu seu irmão, a máfia e por
quê? Por essa vaca? — Ele volta a rir, dessa vez usando sua arma para traçar
o contorno do seio direito de Sofia. — Eu devo fodê-la na sua frente antes de
começar com você?
Grunhi com ódio, desejando mais do que tudo colocar minhas mãos
nele e acabar com sua vida.
— Consigo ver o que tanta te atraí, essa vadia é gostosa. Pena que meus
colegas estão mortos ou todos teriam um bom tempo aqui. Aposto que você
gostaria do show. Afinal, eu soube de tudo que você fez com meu irmão e
tenho que retribuir cada mínima coisa.
Franco para diante de mim, se abaixa até ficar na minha altura e aponta
sua arma para o meio das minhas pernas com força suficiente para que eu
tenha que morder um resmungo de dor. O tempo todo seu sorriso satisfeito
me deixava enjoada.
— Devo começar enfiando um cabo de vassoura na sua boceta como
você fez com ele?
Sua arma estava pressionada a minha pele. Eu sabia que deveria esperar
só mais alguns segundos até que fosse seguro, mas quem disse que poderia
depois de ouvir tanta merda desse lixo humano?
Abri um sorriso amplo, assim como abri mais as pernas. Ele me
encarou com estranheza e vi o questionamento em seus olhos. Pena que
Franco não pode emitir uma única palavra antes que minhas mãos em um
bote rápido passassem por cima da sua cabeça. Ele grunhiu e tentou se soltar,
amei isso porque consegui usar as pernas livres para chutar sua mão e fazer a
arma deslizar para longe.
O homem se contorceu, aposto que estava tentando me acertar com
socos, puxei as mãos unidas com fita, adorando o fato de muita fita ter sido
usada criando tanta resistência. Ergui um joelho e pressionei contra a parte
da frente de seu pescoço. Com os olhos ampliados, Franco percebeu que em
breve ficaria sem ar, eu esperava quebrar seu hioide antes disso.
— A diferença entre nós dois é que eu não brinco em serviço, muito
menos em meio a uma vingança. Quando você estiver no inferno junto do
seu irmão, lembre-se de dizer a ele que não pode se vingar porque é um
merdinha que subestimou demais uma mulher.
Ele bateu em meu joelho, grunhiu, se sacudiu, eu não o soltei até ver
seu rosto vermelho e os olhos saltados, sem brilho. O corpo ficando mole
entre meus braços. Eu sabia quando um homem estava morto e por isso o
soltei, ouvindo o baque que fez ao cair de encontro ao chão de madeira.
— Essa merda passou perto — resmunguei, me encostando no sofá
esfarrapado.
Sofia estava tendo sucesso ao se livrar das fitas mal postas em volta das
suas mãos, e logo veio me ajudar com as que me prendiam.
— Você foi muito idiota.
Dispenso com um aceno de mão.
— Tudo friamente calculado.
Ela me puxa para um beijo duro, de supetão. Gemi em sua boca por
causa da dor, meu rosto latejava por causa do golpe que Franco me deu com
o cano da arma, isso não me impediu de beijá-la de volta. Envolver meus
braços em torno de seu corpo, a puxar para o meu colo, sugar sua língua,
apreciar o gosto único que eu tanto amo. Quem se importava que quatro
corpos estivessem espalhados pela casa? Quem ligava que um deles
estivesse aos nossos pés quando eu estava beijando a minha borboleta?
— A vida ao seu lado nunca pode ser calma, nem mesmo quando
estamos escondidas em uma cabana no meio do nada.
Não a contradisse, e também não tentei falar sobre essa “vida ao meu
lado”. Ainda haviam tantas coisas não ditas. Eu só queria aproveitar o
momento.
— Vamos, você precisa de algo para parar esse sangramento na cabeça
e eu preciso de um café enquanto espero meu cunhado vir nos resgatar —
disse, me erguendo do sofá, pagando-a pela mão e levando-a em direção a
cozinha.
Até porque, esperava que ela cuidasse de seu ferimento, fizesse o meu
café e voltasse a me beijar pelo tempo que demorasse até a chegada de
Perseu.
Às vezes consigo ser uma rainha exigente. É raro, mas acontece com
certa frequência.
CAPÍTULO 8
Dois meses foi o tempo que esperei por ela, contrariando Stephanos e
me agarrando na amizade de Perseu que sempre me dava forças, foi assim
que aguentei dois meses de angústia até a noite do evento beneficente
organizado por uma grande rede de hospitais do país. Tinha sido escolhida
para representar os Paraskevas no evento, já que sou a pessoa mais sociável
em comparação a meu irmão mais velho.
Ele tem deixado a maioria dos eventos por minha conta depois da volta
de Perseu, pois meu cunhado vive nas sombras desde que sua morte foi
forjada por Stephanos.
Entrei no salão de festas em meu imponente vestido vermelho, algo que
tem que ser minha marca registrada, esse em especifico tinha um belo decote
e uma fenda lateral. Me sentia poderosa caminhando, mesmo sozinha, pelo
espaço do evento. Ciente dos olhares sobre mim, sorri a todo momento,
distribuindo gentileza como é característico da elegante e bondosa Helena
Paraskevas.
— É um prazer vê-la esta noite, senhorita. — Ouvi de diversas pessoas.
Engajei em algumas conversas, cumprimentei os convidados. O tempo todo
com um sorriso impressionante no rosto, nem se notava minha frustração e a
forma como olhava discretamente para o relógio de pulso esperando dar uma
hora para poder sair.
Sou uma borboleta social que adoraria enfiar um punhal em algumas
das malditas pessoas presentes no evento. Gente chata.
— Não sei como você consegue enganar alguém se continua suspirando
de irritação a cada minuto.
Todo o meu corpo ficou rígido, eu estava próxima ao palco do evento,
um médico já de idade, que nem vou me preocupar em dizer o nome, estava
fazendo um discurso infinito agradecendo as doações que haviam recebido
esta noite para uma campanha que estão desenvolvendo contra o câncer.
Sorri e ergui a taça em direção ao palco quando o nome da minha família foi
mencionado, quando o foco saiu de mim pude suspirar irritada e nessa hora
uma voz se fez presente.
Eu não havia notado a sua chegada, meu coração martelava no peito ao
girar para encontrá-la. Parada ali com um sorriso amoroso estava a mulher
por quem tanto tenho ansiado.
Sofia vestia um vestido azul escuro que mal alcançava a altura dos
joelhos. Era decotado e chamava atenção para o conjunto de joias enfeitando
seu colo. Até mesmo as pessoas presentes no local que conheciam “Lupi”
teriam que dar uma segunda olhada para a reconhecer como Sofia. Ainda
mais que agora os cabelos pretos e lisos estavam na altura dos ombros.
— S-Sofia — deixei escapar sem fôlego.
Ela sorriu ainda mais, levantando a mão para tocar meu rosto. Suspirei
com o contato.
— ¡Si linda!
— Como?
Ignorando minha pergunta, ela segurou uma das minhas mãos e
começou a me levar para fora do salão de festas. Subimos as escadas em
silêncio, meu coração martelando no peito durante todo o percurso até
alcançarmos um terraço vazio de onde podíamos ver uma Nova Iorque de
tirar o fôlego em toda a sua gloria noturna. Levei um bom minuto antes de
desviar meus olhos da vista e focar em Sofia.
— Fiz tudo que precisava fazer, amor. — Novamente sua mão encontra
a pele da minha bochecha. Fecho os olhos com o contato. Isso é real? Ela
finalmente voltou para mim e por vontade própria?
— Do que está falando?
— Saí do FBI e me desliguei de toda essa parte da minha vida. Sou
apenas eu agora, Sofia Lozada. Sem máscaras, identidades secretas, sem
mentiras. Sou apenas eu e se isso servir de alguma coisa...
A interrompo, puxando-a de encontro a mim. Nossos lábios se chocam
ao mesmo tempo em que suas mãos se firmam em minha cintura e gemidos
deixam nossas bocas. A maciez de sua boca, a doçura do beijo. Eu poderia
chorar.
— Senti sua falta — sussurrei em meio ao beijo que arrancava meu ar.
Ela apertou com força a minha cintura.
— Você sabia o tempo todo que eu voltaria?
— Me esforcei para acreditar em seu amor, eu precisava disso. Preciso
disso para viver, Sofia, mesmo que alguns, como o meu irmão, possam me
taxar de idiota por confiar em você novamente.
— Eu não tenho como mudar o passado — disse ao afastarmos nossas
bocas em busca de ar, sua testa colou na minha ao mesmo tempo em que
nossos olhos se encontraram e não desviaram mais. — Mas quero estar com
você, mesmo que não mereça, mesmo que precise encarar um duro castigo
por tudo que fiz. Eu também preciso de você, linda, necessito da sua
presença como de ar para respirar.
Sorrio, beijando-a novamente.
— Que bom que é assim, porque Perseu e eu nos certificamos de
montar uma certa teia de arranha que vai “apagar” o que você fez no passado
e garantir sua volta dos mortos. Ao mesmo tempo devo dizer que essa teia
vai te prender a mim para sempre, e uma vez que você ficar, Petaloúda,
jamais te deixarei partir novamente. Sou uma filha da puta pior do que
aquela que você conheceu tantos anos antes.
— Deixei tudo pra trás, Helena. Percebe que fiz isso por você? Por nós?
Já não tenho para onde voltar, minha fênix de sangue. Você é o único lar que
essa borboleta conhece nesse momento. Então, por favor, deixe-me ser a
única a te pedir em casamento dessa vez.
O ar saiu dos meus lábios com surpresa.
— Você quis dizer isso?
Ela assente.
— Não faça isso! — Tento pará-la, mas Sofia é mais rápida e fica de
joelhos diante de mim, uma caixinha aberta com um par de alianças dentro.
E por mais que estivesse emocionada com o momento, também estava
preocupada com seus joelhos nus tocando o chão irregular do terraço.
— Dessa vez sou eu, Sofia Lozada, essa mulher que não tem uma
carreia, nem amigos, essa pessoa falha pra caralho, mas que te ama com
loucura. Sou eu quem te pede para passar todos os dias da sua vida comigo,
porque sem você eu sou apenas cinzas.
Deixo que algumas lágrimas escorram por meu rosto.
Soterro qualquer mágoa do passado.
Preciso dela.
A quero para mim.
Ela é a minha borboleta, e essa fênix que renasceu das cinzas pode
muito bem aceitar as falhas que compõem essa mulher. Até porque sou cheia
de falhas também. No final, Sofia é meu equilíbrio, minha outra metade,
meu refúgio e não por ser perfeita, e sim por ser uma desgraçada tão fodida
quanto eu.
Encaixamos perfeitamente, assim como o anel em meu.
— Sim, eu me caso com você, Petaloúda.
Talvez eu tenha conseguido arrastar meu irmão e cunhado para uma
cerimônia nos jardins da mansão Paraskevas alguns meses depois. Outra
coisa que pode ter acontecido é que Sofia e eu tenhamos enfiado aqueles
dois loucos em ternos caros e os feitos dizer seus votos logo depois de nós.
Com um sobrenome falso, no caso de Perseu, e algumas pequenas
mentirinhas que trouxeram Sofia (Lupi) de volta dos mortos, meu irmão e eu
demos a cartada final. Sim, eles eram nossos por toda a vida e depois disso,
e não eram papéis que ditavam isso, nem mesmo as grossas alianças de ouro,
e sim o fato de que Sofia e Perseu eram nossas fodidas almas gêmeas.
FIM
AGRADECIMENTOS
Agradeço a você leitor que deu uma chance a ORDF, meu primeiro
romance lésbico. Espero que tenha conseguido se envolver com a história
das minhas meninas. Obrigada por sua leitura.
Também agradeço a todos que contribuíram para que ORDF nascesse,
as betas, parceiras, meninas da divulgação, minha revisora, designe de
banners e a capista.
Deixo aqui um agradecimento especial para Ana S. Vieira a pessoa que
organizou esse projeto incrível. Obrigada pelo convite. Meu agradecimento
também as meninas participando junto comigo do VIBLES, amei estar com
vocês ao longo dos últimos meses, criando nossas meninas e suas histórias
incríveis.
Se você chegou até aqui, gostou do conto e quer ajudar a autora, não
deixe de avaliar o livro. Coloque uma resenha no site da amazon, é rápido,
fácil e gratuito. E não esquece de compartilhar com os amigos.
Um beijo da Gabby.
SOBRE A AUTORA
Nasceu no agreste Alagoano em 02 de dezembro de 1997, e teve pouco
acesso e incentivo à leitura e à escrita nos primeiros anos de sua vida. Ainda
assim, sempre foi apaixonada por histórias e não demorou muito para
escrever as suas. Foi no wattpad em 2017 que surgiu o pseudônimo Gabby
Santos, e com ele a grande paixão de sua vida, os romances LGBTQIAPN +.
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Table of Contents
VIBLES
NOTA DA AUTORA
SINOPSE
GLOSÁRIO DE TERMOS
PLAYLIST
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
AGRADECIMENTOS
SOBRE A AUTORA