Você está na página 1de 366

Título: UMA NOVA CHANCE PARA IGOR

Autora: Lu Fonseca
Capa: Mariana Oliveira
Diagramação: Lu Fonseca
Revisão: Lilian Lopes
1ª edição: 2023

Copyright © 2023 Lu Fonseca


Todos os direitos reservados.
É proibida a reprodução, distribuição ou transmissão desta publicação através de qualquer
forma ou meio sem a autorização da autora, salvo em casos de citações, resenhas e usos não
comerciais permitidos pela lei de direitos autorais.
A violação dos direitos autorais é crime estabelecido pela Lei 9.610/98 e punido pelo artigo
184 do Código Penal.

* Esta é uma obra de ficção e embora alguns lugares citados sejam reais, todo o resto, fatos e
personagens são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas, nomes e acontecimentos é mera
coincidência.
A Série Irmãos de Coração fala sobre segredos, traição e,
principalmente, sobre perdão.
Igor Medeiros é um anestesiologista que conheceu Helena, Rafael e
Saulo durante a residência. Para ele, as mulheres sempre foram sinônimos de
aventuras. Beatriz Mairinque é uma ortopedista recém contratada pelo
BHMed.
Beatriz fez parte do seu passado e reencontrá-la não estava em seus
planos, só que o destino a colocou em seu caminho mais uma vez.
Uma noite de amor. Erros são cometidos, mágoas são reveladas,
verdades são descobertas.
Ele a machucou no passado e agora precisa de uma nova chance.
Quantas vezes podemos errar?
Quantas vezes podemos perdoar?
É possível construir uma relação depois de tudo?
Dr. Igor Medeiros é um homem de muitas conquistas. Nascido em
família humilde e negro, já sofreu muita discriminação ao longo de sua vida.
Os percalços, no entanto, não o impediram de conquistar seu "lugar ao sol".
Afinal, ele é um dos anestesistas do corpo clínico do Hospital BHmed e tem
muitas conquistas femininas em seu "portfólio"...
O que não inclui a Dra. Beatriz Mairinque, a nova especialista da área
ortopédica recém-contratada pelo hospital. O problema é que Beatriz tem em
seu passado, uma história de "amor às avessas" com o tal anestesista gostoso
e ao se reencontrarem anos depois, está armada a confusão!!!
Com estes dois "enemies to lovers" - Igor e Beatriz - a autora Lu
Fonseca constrói, aos poucos, uma história onde há paixão, traição, mágoas e
perdão.
Do jeitinho tão dela, a escritora conquista a nós, leitoras e leitores,
com esta série incrível de médicos do renomado hospital da capital mineira.
Abordando assuntos polêmicos, explorando sentimentos distintos e às vezes
contraditórios, a autora constrói personagens únicos e cativantes, em histórias
de vida que se entrelaçam e se encaixam perfeitamente a cada livro desta
talentosa escritora.

@alivreiracatharina (Leitora Beta)


Este é um spin-off da Série Irmãos de Coração. Este livro pode ser lido
individualmente? Pode, mas você terá spoilers das histórias anteriores e
talvez não entenda algumas citações e referências aos personagens.
Para melhor aproveitamento, entender quem são os personagens,
aconselho ler primeiro os volumes anteriores:
Uma nova vida para Helena. – Link de acesso:
http://www.amazon.com.br/dp/B0B9Q3CSRF
Uma surpresa para Rafael – Link de acesso:
http://www.amazon.com.br/dp/B0BMZCPMCQ
Uma família para Saulo – Link de acesso:
http://www.amazon.com.br/dp/B0BX5JQS3S
Uma esposa para Davi – Link de acesso:
https://www.amazon.com.br/dp/B0C9JMW4ZS

AVISOS IMPORTANTES:
➡ Pela linha do tempo, a história de Igor inicia após o
Bônus Noite dos Irmãos no fim do livro “Uma esposa para Davi”.
➡ Este livro trata de temas como preconceito, assédio e racismo.
Caso se sinta desconfortável com algum destes temas, interrompa a
leitura.
OBS: Indicado para maiores de 18 anos, por ter conteúdo erótico e
assuntos sensíveis.
Boa Leitura!
Para você que já precisou de uma nova chance.
Torço para que tenha conseguido!
Só houve duas coisas nessa vida que desejei. Quando digo desejar é
almejar, ter como objetivo, realizar um sonho.
A primeira delas foi me formar em medicina. Eu era daquelas garotas
que ao brincar de boneca, eu não era a “mamãe”, eu era a médica. Costumava
dar injeção e até mesmo operar minhas bonecas. Não preciso dizer que
destruí algumas no processo. Depois caía no choro porque minha
reconstrução não era bem-sucedida. Talvez não seja boa ideia seguir como
cirurgiã plástica. Minha mãe me consolava, meu irmão caía na gargalhada e
meu pai apenas comprava outra, coitado. Se eu enterrasse todas as bonecas
que assassinei em cirurgias malsucedidas, teria um grande cemitério em
nosso quintal.
Por sorte meu pai acreditou em meu talento, segundo ele, me faltava
conhecimento e não vontade. Ele me mostrou que, se quisesse ser médica,
deveria estudar muito e me dediquei. Bastante. Não sou uma garota com QI
alto, daquelas que aprendem com facilidade, mas compenso com muito
esforço. Após me formar no colégio, fiz dois anos de cursinho em horário
integral, até ser admitida na UFMG. Minha família tem recursos, mas pagar
uma Universidade particular estava fora de cogitação.
No início do curso, conheci Igor. Meu segundo desejo. E minha única,
enorme e amarga decepção.
De início já me senti atraída, o cara é o pecado em forma humana.
Um espetáculo de homem. Um negro lindo, com um corpo bem definido, um
sorriso safado e um olhar destruidor de boas condutas.
Nunca fui uma garota tímida, sempre fui extrovertida, brincalhona e
assanhada. Eu gosto de namorar, perdi minha virgindade cedo, com dezessete
anos e nunca me arrependi. Bem, entrei na fila das candidatas a uma noite
com meu crush universitário, meu diamante negro.
Me aproximei aos poucos, fizemos amizade, saímos em turma e
chegamos a fazer alguns trabalhos juntos. Eu sempre me insinuei para ele,
acho que a sala inteira sabia que eu estava a fim de pular na sua cama e tenho
certeza que ele também. Às vezes nossos olhares se cruzavam e se prendiam
um no outro por mais tempo que o necessário. E nesses momentos meu
coração acelerava, tanto quanto minha intimidade se contraía em desejo. Só
Igor fazia isso comigo. Só meu diamante negro.
Eu sabia que a concorrência era brava. Eu não era a única a querer
comer esse chocolate apetitoso. Eu me garantia, sou uma mulher atraente,
mas ele parecia se encantar por Valesca. E o nome da figura não poderia ser
mais propício, da mesma forma que a cantora, a dita cuja tinha uma
retaguarda e tanto. A apelidaram de popozuda e ela se achava.
Bem, eu não entro em uma disputa para perder e tracei minha
estratégia. Se ele queria se deitar com a popozuda, que o fizesse. Eu sabia que
não ia durar, depois ele seria meu, assim que ela o trocasse por outro. Eu
podia esperar.
E foi assim que aconteceu, ao menos a primeira parte. No dia seguinte
que eles ficaram juntos, eu soube. Valesca espalhou pelo campus inteiro sua
noite de amor com meu diamante negro. Ressaltou em alto e bom tom para
quem quisesse ouvir, o quanto ele era gostoso e bem-dotado. Deus, precisava
ter dado tanto para um homem só? Eu sabia que eles ficariam juntos, mas
doeu ouvir tudo aquilo. Doeu mais do que imaginei. Ainda assim, me
mantive por perto, como uma boa colega.
O inesperado foi que o rolo entre eles durou mais do que supus. Eles
não assumiram um namoro, mas em quase todas as festas eles ficavam juntos,
durante o primeiro ano inteiro. E eu me alimentei de ilusões, achando que um
dia ele se cansaria dela e olharia para mim.
No segundo ano, o bendito dia chegou, eu só não sabia que quando
ele finalmente me enxergasse, destruiria todo meu sonho em alguns minutos,
em poucas palavras. Na verdade, aquele era o maldito dia.
Havia rumores que Valesca estava com um cara do quarto ano e não
vi Igor e ela juntos nas últimas baladas que estivemos. Então, fomos
convidados para uma festa de aniversário de um colega. Um evento em uma
danceteria. Fiz minha produção com um vestido curtíssimo e uma
maquiagem caprichada. Quando cheguei eu o vi dançando na pista com
alguns colegas. Peguei uma tequila no bar e tomei de uma vez, para criar
coragem. Depois de mais de um ano de espera, chegou a minha vez.
Entrei na pista e me aproximei dançando. Ouvi alguns assobios
quando entrei na rodinha do grupo e rebolei sensualmente o encarando. Vi
seus olhos acompanharem o movimento do meu corpo e seu sorriso sutil de
aprovação.
Quando seus olhos subiram para meu rosto, tive um vislumbre do que
seria pertencer a ele. Seu olhar me deixou encharcada de tesão. Eu só sabia
que o queria e chegava a doer. Nos aproximamos instintivamente enquanto
dançamos, até que nossos corpos começaram a roçar. Me virei de costas para
ele e ergui os braços deixando que ele tivesse uma visão do meu quadril.
Tudo bem, eu sabia que não tinha um terço do material da popozuda, mas eu
não era desprovida de tudo. Senti suas mãos pegarem minha cintura e me
puxarem contra si.
— Tá gostosa hoje, Bia!
Jesus, eu não sei se foi ouvir sua voz sussurrada junto ao meu ouvido,
ou foi sentir seu corpo pela primeira vez grudadinho ao meu, só sei que
minhas pernas bambearam e me faltou voz para responder. Parei de dançar
porque minhas pernas não respondiam e ele aproveitou para me puxar para
fora da pista.
Sem dizer nada, ele me levou até um cantinho escuro e me beijou. Se
não estivéssemos em um lugar público, não sei o que seria de mim. Foi uma
sensação indescritível. Eu o desejei como nenhum outro, esperei por ele,
aguentei a dor de vê-lo com outra, mas agora finalmente eu o tinha em
minhas mãos.
Seus lábios firmes me devoravam, sua língua quente invadiu minha
boca e levou qualquer resquício de sanidade que eu ainda possuía. Gemi em
sua boca e me entreguei em suas mãos.
As mãos dele passearam devagar pelo meu corpo, deixando um rastro
de fogo onde tocava. Eu tentava retribuir, mas minha coordenação motora
estava momentaneamente prejudicada. Em um instante empolgado, ele me
apertou contra si e senti o volume generoso entre nós. Pai do céu, eu
literalmente escorri por ele. Nunca senti tanto tesão na vida, acho que gozaria
nesse beijo se ele permanecesse nesse ritmo. Por sorte, ele teve mais controle
que eu e se afastou. Deu um sorriso lindo ao me encarar. Tenho certeza que
viu em meu rosto todo o desejo que sentia por ele, toda a paixão guardada em
meu peito.
Ele deu um beijo em meu nariz e me puxou para o bar. Tomamos
duas cervejas de mãos dadas e enquanto as horas passavam, minha
expectativa aumentou exponencialmente. Trocamos muitos beijos, inclusive
na frente da turma, até que em um abraço veio o convite que tanto esperei:
— Vamos sair daqui? Passa a noite comigo?
— É o que mais quero – respondo, acariciando seu rosto.
Recebo mais um beijo e ele diz:
— Só vou ao banheiro, me espere perto do bar.
Aceno e caminho em direção ao bar. Confiro as horas no celular,
envio um recado para minha mãe que não vou dormir em casa e aguardo.
Cinco minutos e nada. Estranho, banheiro de homem não costuma ter
fila. Dez minutos e nada. Começo a ficar inquieta e o busco no ambiente.
Calma Bia, o homem pode ter tido uma dor de barriga. Rio com o
pensamento. Ele não bebeu muito, tomamos três cervejas, não é o caso de
estar passando mal. Vinte minutos. Decido ir em busca dele. Vou até o
corredor do banheiro e não o encontro. Retorno ao bar e me sento em uma
banqueta alta, ela me dá uma visão privilegiada do local. Então eu vejo.
Igor e a popozuda aos beijos. As mãos dele na bunda dela, como
estiveram na minha há alguns minutos. Eles se afastam o suficiente para ele
falar alguma coisa em seu ouvido, ela concorda e os dois caminham de mãos
dadas em direção à saída. Ele sequer olhou para trás. Não sei quantos minutos
fiquei imóvel naquele lugar encarando a porta. Foi difícil acreditar no que
meus olhos viram. Cheguei a pensar que os minutos que passei em seus
braços foram um devaneio da minha mente. Não foi, ainda sinto minha
calcinha úmida e a sensação das suas mãos em mim. Pago a conta e pego um
táxi para casa.
Foi assim que aprendi o que é se sentir usada e descartada, descobri
que sonhos podem ser destruídos e que não podemos entregar nosso coração
a ninguém. Nesse dia, meu diamante negro se tornou um chocolate amargo.
Abro a porta do meu apartamento e o analiso com calma. Leo fez um
bom trabalho. Depois de seis anos fora, estou de volta. Foi necessária uma
pequena reforma depois que os locatários saíram. Meu irmão coordenou tudo
e agora de tarde meus móveis chegam. Nem acredito que estou em BH
novamente.
Depois que me formei, fiz a prova para a residência no BHMed[1]. Eu
passei, mas minha colocação não foi boa e peguei a vaga que restou na
unidade de Contagem. Decidi que moraria lá, não suportaria enfrentar horas
de congestionamento todos os dias para ir e voltar do trabalho. Aluguei meu
apê aqui em BH, consegui outro lá e foi uma boa decisão. Ótima na verdade.
Meu preceptor era um pequeno gênio da ortopedia e traumatologia. Ele me
abriu caminhos que não imaginava trilhar.
Aprendi a fazer reconstruções que não fazia ideia serem possíveis e
descobri que sou excelente com isso. Depois da residência, decidi fazer uma
especialização na área, com indicação do meu preceptor. Pedi licença no
hospital e fui para São Paulo. Conheci os melhores, estudei muito e hoje
tenho um conhecimento que poucos em BH possuem.
Terminei a especialização e iria retornar para Contagem, mas fui
contatada pelo RH e me ofereceram uma vaga como efetiva na Unidade de
Santa Efigênia, a mais disputada. Lá é a maior unidade da rede. É perto do
meu apartamento e da minha família. Não havia motivos para recusar. E foi
assim que voltei para casa.
Meu celular toca e vejo o nome de Nina, minha grande amiga, que
saudades.
— Oi Nina!
— Bia, já chegou? Está mesmo de volta?
— Acabei de entrar no apartamento. Ainda não acredito que estou de
volta, foram muitos anos fora.
— Precisa de ajuda? Hoje é sábado, saio do hospital mais cedo,
posso passar aí.
— Os móveis não chegaram ainda. Pode deixar que me viro aqui,
descansa hoje e amanhã a gente se encontra.
— Ah, quero saber tudo sobre esse tempo em São Paulo, imagino que
tenha muitas histórias para contar.
— Tenho, boas e ruins, de todos os tipos que quiser ouvir.
— Quer almoçar conosco amanhã? Nem vai conhecer a Sofia!
— Quero sim, quero muito ver essa garotinha linda!
— Combinado então, amanhã lá em casa!
— Combinadíssimo, me aguarde.
O resto do dia, passa voando. Os móveis que havia deixado em um
depósito chegam e as horas são gastas entre limpeza e organização dos meus
pertences.

Nina mora na Pampulha e pego um Uber para chegar lá. Vendi meu
carro antes de ir para São Paulo e preciso comprar outro com urgência. Bato a
campainha e sorrio ao ver minha amiga correndo para abrir. Nina não mudou
nada, continua linda! Alta, magra e linda.
— Deus, como consegue manter esse corpo enxuto? – Questiono ao
abraçá-la.
— Trabalhando mais horas que o normal. E até parece que você está
gorda, está ótima Bia!
Engordei alguns quilos ao longo dos anos, mas tento me manter em
forma, controlando a alimentação.
— Graças a muita fome e esforço. Não tenho essa genética
maravilhosa que você possui.
— Entra, Lipe e Sofia estão lá dentro.
Assim que passo pela porta encaro um Felipe sorridente, que me toma
em um abraço apertado.
— Ei gata! Que bom que está de volta.
— Ah Lipe, saudades de você também, gato!
O marido da Nina é um pedaço de mau caminho e somos amigos há
muitos anos. Felipe é amigo do meu irmão Leo e nos conhecemos antes dele
se casar, aliás, foi graças a mim que ele conheceu Nina. Nós morávamos
juntas enquanto eu estudava medicina e, em uma viagem no carnaval para
Búzios, eles se conheceram.
Observo a menina tímida me encarando do corredor.
— Gente, aquela lindeza é a Sofia?
— Vem cá filha, dá um abraço na Tia Bia – pede Felipe.
Sofia lembra muito Nina, em seu jeitinho tímido e seu sorriso bonito,
mas a aparência é uma mistura dos dois. Ela tem a pele morena de Nina, no
entanto, o cabelo e os olhos são do Lipe. Eu a puxo em um abraço apertado
quando ela se aproxima.
— Meu Deus, sua mãe está te dando fermento no café da manhã? Não
é possível que tenha crescido tanto. Eu te carreguei no colo e era
pequenininha a última vez que te vi. Foi ontem, como pode isso?
— Ela já tem seis anos, Bia. Já está no primeiro ano da escola – conta
Nina, orgulhosa.
— Meu Deus! Hora de ter outro, amiga, quer um irmãozinho Sofia?
Nina me dá um tapa e Lipe cai na gargalhada.
— Eu quero, meu pai também, mas minha mãe não quer – ela
responde com um pequeno sorriso.
— Nina, para de amarrar miséria, dá um irmãozinho para ela. E dessa
vez eu vou ser a madrinha!
— Que tal você ter um e eu ser a madrinha? – Rebate Nina, com um
olhar perspicaz.
— Já estou velha para isso e mesmo que quisesse, não consigo fazer
isso sozinha.
— Ah Bia, não acredito que faltem homens para você, nunca
faltaram.
Balanço a cabeça pensando na melhor resposta para a situação.
— Homens com quem eu encararia uma missão como essa, ainda não
encontrei. É um fato, nem todas mulheres nasceram para serem felizes no
amor. Eu sou a prova viva disso.
— Vem, fiz uma lasanha, vou colocar no forno e conversamos
melhor.
Nina me puxa para a cozinha, me sento e aguardo que coloque a
travessa no forno. Ela me oferece uma cerveja e aceito de bom grado. Nos
sentamos ali mesmo e fazemos um brinde.
— Agora você bebe? – Pergunto, curiosa. Nina não gostava de
cerveja.
— Com o tempo aprendi a tomar, mas só um copo de vez em quando.
Me conta, nenhum feio em vista?
Caio na risada com seu comentário. Nina é uma das poucas pessoas
que sabem minha preferência. Depois da minha decepção com Igor, aprendi a
olhar e apreciar os rapazes desprovidos de uma beleza padrão. Quando digo
“feios” não são aqueles que mal conseguimos olhar, se consigo beijar de
olhos abertos está de bom tamanho.
Homem bonito nunca mais, só dá trabalho e decepção. Os menos
atraentes são namorados maravilhosos. Nos tratam como uma rainha, não
traem, são companheiros e, caso saibam usar bem a língua, podem se tornar
perfeitos. Nem faço questão de pau grande, isso é ilusão de juventude. Se
souber fazer um bom oral, não me importo com o tamanho do instrumento e
já tive muito prazer com membros pequenos. O tal ditado “tamanho não é
documento” é bem verdadeiro. O que importa é saber o que fazer com a
ferramenta.
Tive dois namorados em Contagem, terminei com o segundo quando
fui para São Paulo e lá, bem, rolou outra decepção.
— Nenhum feio em vista, acabei de chegar, Bia. Não tive tempo de
caçar nada.
— Então me conta de São Paulo, aproveitou demais?
— Sampa é outro nível, aquela cidade borbulha 24 horas por dia!
Aprendi demais, foi uma experiência e tanto.
— Profissionalmente ou pessoalmente?
— As duas coisas. Profissionalmente foi mais do que imaginei que
seria. Descobri o que realmente gosto e sou boa. Depois da especialização,
fiquei um ano praticando as técnicas que aprendi e são fantásticas, vou ajudar
muita gente. Essa sua amiga aqui vai brilhar naquele hospital.
— Ah, eu não duvido disso, você merece Bia.
— Sim, eu mereço, me esforcei muito para isso. Fiz muitas cirurgias
longas, algumas de mais de dez horas, hoje tenho um conhecimento e uma
experiência diferenciada, mas não veio de graça.
— E o que teve de ruim em São Paulo? Disse que tinha histórias boas
e ruins...
— Meu dedo podre para o amor. Garanti mais uma decepção para
minha lista e uma falha na minha regra, nem todos os feios são confiáveis.
Nina abre a boca surpresa e sinto um gosto amargo na garganta. É
difícil contar meu fracasso, mas se tem alguém com quem posso desabafar é
ela. Olho ao redor e confirmo que Felipe não está por perto.
— Me envolvi com meu professor em São Paulo.
— Não acredito! — Ela começa a rir e não consigo rir com ela —
Bia, você não é fácil.
— Ah querida, quem dera fosse apenas safadeza. Eu me apaixonei
por ele.
— Ele não é velho? Como ele é?
— Um quarentão super bem conservado. Não é bonito, esses eu não
pego, mas não era de se jogar fora. Aparência não é importante para mim,
sabe disso. Ele é cativante, inteligente, simpático e isso o tornava charmoso,
atraente. O cara é um gênio em cirurgia reconstrutiva. Eu o admirava acima
de tudo.
— Como foi?
— Foi gostoso, bom demais da conta. Nos envolvemos no segundo
ano de especialização e, quando a concluí, ele me convidou para morar com
ele.
— Sério?
— Sim, já dormíamos juntos quase todas as noites. Enfim, eu aceitei,
me mudei para o apartamento dele, começamos a trabalhar juntos também,
ficávamos praticamente 24 horas por dia grudados.
— E o que aconteceu?
— Duas coisas. Um dia minha menstruação atrasou e o homem
surtou. Descobri que ele não queria ter filhos. Até aí tudo bem, já passei da
idade de ter filhos e sei que não vou ter nenhum, mas, eu não esperava aquela
reação. Acho que tudo mudou ali. Foi como se ele perdesse a confiança em
mim e aos poucos ele se afastou.
— Mas você não estava grávida?
— Não, não estava, mas o comportamento dele mudou comigo.
Comecei a me sentir mal dentro do apartamento dele até que um dia... –
pauso para respirar e criar coragem de terminar.
— Um dia?
— Eu o peguei aos beijos com outra aluna no hospital.
— Que canalha!
— Subi direto ao RH, pedi as contas, voltei ao apartamento, peguei
minhas coisas e fui embora.
— Não conversou com ele?
— Deixei a chave na mesa e fui para um hotel naquele momento. No
dia seguinte ele me ligou, eu disse o que vi e ele disse que “aconteceu”, mas
não era nada sério, que eu era impulsiva e imatura, enfim, falamos um monte
de merda um para o outro, agradeci a oportunidade ironicamente e fim.
— E como você está?
— Estou firme. Não vou dizer que não sofri, seria mentira, mas vou
sobreviver, não é minha primeira decepção. Aprendi mais uma lição: poder é
como beleza. Não se apaixone por homens com poder na mão, eles se acham
a última bala do pacote, ainda que sejam feios — Nina não consegue segurar
a risada e dessa vez a acompanho. É melhor rir do que chorar — Você deu
sorte amiga, muita sorte. Um gato como seu marido comendo na sua mão, é
raro!
— Eu sei, mas nem todos os bonitos são safados.
— Eu só conheço o Felipe que regenerou depois de você, porque
antes era MUITO safado.
— Eu conheço outro. Lembra do Rafael? Lindo, as enfermeiras caíam
de amores por ele e sua fama era de pegador. Casou, é fiel e maluco pela
esposa.
— O Rafael Rabelo? Deus, eu me lembro dele, era galinhaço na
Universidade. Sério que casou?
Ela me conta a história do Rafael e fico chocada, é uma história e
tanto. Ele era gente boa, chegamos a trocar alguns olhares e podia ter ficado
com ele se quisesse, mas já tinha me decepcionado com Igor e corria dos
bonitões. Pensando em Igor, decido perguntar por ele. Pensar em encontrá-lo
me revira o estômago. Mesmo depois de tantos anos? Sim, mesmo depois
desse tempo, que maldição.
— E o Igor Medeiros? Ainda por lá?
— Dr. Igor? Sim.
Nina não sabe da minha história e decepção com ele, aliás, sempre
evitei tocar no nome do meu antigo diamante negro. Quando conheci Nina,
tudo aquilo já tinha acontecido.
— Ele foi da minha turma na UFMG. Ele se casou? – Indago, sem
conter minha curiosidade.
— Verdade? Nunca me disse isso... não, Igor é do time dos galinhas,
ele não casa, nem namora, quer dizer, não que eu saiba.
— Aposto que pega todas as enfermeiras nas noites de plantão –
comento com amargura.
— Não, depois da Valentina ele não ficou com mais ninguém no
hospital, mas boatos rolam e ele....
— Quem é Valentina?
— Você não soube da Valentina? Meu Deus, foi um escândalo!
Felipe entra com Sofia na cozinha e interrompe nossa conversa.
— Tomando cerveja sem me convidar? Que falta de educação é essa,
meninas?
Felipe busca um copo e Sofia se senta no colo da mãe. Por hora nossa
conversa está encerrada.
O almoço é delicioso, a tarde é muito agradável e me sinto bem em
voltar. Amanhã inicio no hospital, vida nova mais uma vez.

Olho para a fachada do BHMed emocionada, quantas vezes passei por


aqui e sonhei com o dia que entraria ali como profissional. Bem, esse dia
chegou. Demorou mais do que imaginei, mas estou entrando pela porta da
frente com a cabeça erguida. A garota que não conseguiu a nota suficiente na
residência, agora entra com uma especialização e uma experiência que
poucos nesse país possuem.
Me dirijo primeiro para a sala do Dr. Guilherme, o Diretor da
Unidade, para me apresentar. Ele me recebe com um sorriso acolhedor no
rosto.
— Dra. Beatriz Mairinque, seja muito bem-vinda!
— Obrigada Dr. Guilherme, é um prazer conhecer o senhor e estar
aqui.
— Sei que fez um grande trabalho em Contagem e depois sua
especialização em São Paulo com o Dr. Gilvan Rebouças. Ele é um grande
mestre na ortopedia, seus conhecimentos serão valiosos por aqui.
— Ele é sim — ainda que esteja magoada com ele não posso negar a
realidade — pretendo ajudar como puder. De que vale um bom aprendizado
se não o colocarmos em prática?
— Espero que passe um pouco da sua experiência para os residentes,
não só para eles, os efetivos também têm muito para aprender com você.
— Estou disponível sempre que alguém precisar de orientação.
— Muito bom, sua documentação já está regular no RH, a escala de
serviço foi enviada ao seu e-mail. Que tenha uma longa trajetória conosco.
— Obrigada!
Nos despedimos e procuro a sala dos médicos para guardar minha
bolsa e iniciar meu primeiro dia. Um frio na barriga me toma quando entro
aqui. A primeira pessoa que encontro é um velho conhecido da Universidade,
nada velho por sinal, ele continua um pedaço de mau caminho.
— Rafael Rabelo? Meu Deus, você não mudou nada, quer dizer,
mudou para melhor.
— Beatriz? — Ele se aproxima e me dá um abraço rápido — soube
que estava vindo para cá, seja bem-vinda! Ortopedistas são sempre muito
procurados por aqui. E você também está ótima.
— Ah, os anos não são favoráveis às mulheres como são para os
homens — dou de ombros — soube que se casou, parabéns!
— Sim, sou um homem sério agora, tenho dois filhos – ele conta
cheio de orgulho e fico feliz por ele, sua mulher é uma garota sortuda.
— Fim da galinhagem, espero!
— Há muito tempo não sei o que é isso. Minha mulher me basta, sou
maluco por ela. Ela é meu mundo.
Ele abre o celular e me mostra fotos da esposa e dos filhos. Realmente
é uma família linda, o garoto é a cara dele, um mini Rafael.
— Agora acredito em milagres, parabéns Rafael, sua família é muito
bonita! Me conta, o que faz por aqui?
— Sou cirurgião geral. Provavelmente faremos algumas cirurgias
juntos. Onde está escalada hoje?
— Me colocaram com o Dr. Jair, conhece?
— Sim, ele deve estar no bloco cirúrgico. Já vai chegar colocando a
mão na massa. Terceiro andar.
— Ok, vou me trocar, não quero atrasar. Foi bom te ver.
— O mesmo. Te vejo por aí.
Me troco no vestiário e subo ao bloco cirúrgico. Dr. Jair é o
ortopedista mais antigo da Unidade, conversamos um bocado, conto a ele
algumas experiências que vivi e ele me encaminha para cirurgias
programadas de rotina. Nada complicado, excelente para um primeiro dia.
Quando encerro o plantão e me troco para ir para casa estou tranquila
e satisfeita. Só uma pequena coisa me incomoda. Não vi o diamante negro e a
expectativa de encontrá-lo o dia todo me perturbou. Preferia tê-lo visto e
resolver essa questão de vez na minha cabeça. Seremos colegas, nada além
disso. Anos se passaram, muita água rolou, não sinto mais nada por ele,
podemos ser bons colegas.
É o que espero.

No dia seguinte tenho um vislumbre rápido do chocolate gostoso.


Estava chegando na enfermaria do quinto andar e o vi entrando no elevador.
Senhor, o homem continua um pecado. Meu coração acelera dentro do peito
sem minha autorização. Nada disso, coração assanhado e sem vergonha, isso
é passado. Nada de bater por bonitões, lembra? Os feios são melhores.
Preciso de um homem feio com urgência, deve ter algum por aqui... por aqui,
não! Bia, juízo, aqui é lugar de trabalho.
Bar do Leo. Meu irmão tem um bar delicioso na Savassi. Preciso ir à
caça e lá é o melhor lugar para isso. Preciso transar, um oral gostoso é o que
necessito.
— Bia?
Olho para o lado e encontro minha melhor amiga, ah, vai ser uma
alegria trabalhar com ela.
— Nina! Estamos juntas hoje, que maravilha.
— Estamos, e aí, gostando daqui?
— Ainda é cedo para dizer alguma coisa, mas sim. Trabalho não falta,
já descobri isso.
— Com certeza não falta. Vamos, vou te acompanhar na ronda pelo
andar.
Tenho mais um dia tranquilo e proveitoso, que se repetiu ao longo da
semana inteira. Aos poucos fui me entrosando com a equipe e a rotina do
hospital. Não é muito diferente da Unidade de Contagem, apenas mais
agitada.
Depois de uma semana, algo ainda me incomoda, dessa vez com mais
intensidade. Ainda não encontrei o Dr. Igor Medeiros, o que é inconcebível já
que estamos trabalhando no mesmo local. Ele está fugindo de mim? É tão
absurda a ideia que rio sozinha. Não viaja Bia, foram apenas desencontros.
Beatriz Mairinque está de volta! Não podia haver nada pior que isso.
Beatriz foi meu pesadelo na Universidade.
No início do curso já percebi seu interesse por mim. Bia era gata,
ainda é, além de linda, seu astral sempre encantou as pessoas ao seu redor e
seu ar de confiança sempre me fez admirá-la. Por que não fiquei com ela? Por
dois motivos, primeiro porque no fundo sabia que era uma patricinha que
queria apenas transar com o cara “negro e bem-dotado” e não queria ser uma
experiência para ela. Algo inexplicável, porque não me importei de ser uma
experiência para outras mulheres, mas quando a via, não queria ser um objeto
de estudo na sua mão.
O segundo motivo? Valesca. Outra colega da Universidade por quem
me apaixonei. Valesca foi minha primeira paixão verdadeira. A morena era
gostosa e batalhadora. Ela era de uma família humilde, ao contrário de Bia,
estudou pra caralho e ainda assim, entrou através das cotas na Universidade.
Ela tinha dificuldades para acompanhar a turma, pois estudou a vida toda em
escola pública e me empenhei em ajudá-la. Claro que no meio disso tudo me
apaixonei, nos envolvemos e passamos mais tempo na cama que nos livros.
Nosso relacionamento, que não posso chamar de namoro porque ela
nunca aceitou assumir essa relação, durou um ano. No segundo ano da
Universidade decidi que sairia fora, pois já rolavam boatos que ela estava de
caso com outro cara. Doeu, mas me afastei.
Então rolou a festa de um colega e Bia apareceu por lá mais linda e
gostosa que nunca. Ela ainda me olhava com tesão e decidi arriscar. Uma
noite bem acompanhado, me ajudaria a tirar Valesca da cabeça de uma vez.
Nos beijamos e foi delicioso. A branquinha sabe beijar. Me empolguei e
passamos algumas horas entre beijos e toques deliciosos que me deixaram
pronto e ansioso para mais. Quando a chamei para passar a noite comigo e ela
topou foi pura adrenalina. Cheguei a pensar que tinha superado Valesca e
poderia iniciar algo novo.
Fui ao banheiro rapidamente e quando saí dei de cara com a Val. Seus
olhos estavam vermelhos e me preocupei de imediato, alguma coisa tinha
acontecido.
— Val, o que houve?
— Me abraça Igor, preciso de você.
Nem precisei abraçá-la porque ela pulou em mim. Meu coração se
apertou de medo, sabia que algo sério tinha ocorrido.
— Me conta, o que foi?
— Meu pai saiu de casa. Levou tudo embora. Não sei como vai ser,
minha mãe não para de chorar, estou desesperada, fica comigo.
Ah merda! O relacionamento dos pais dela é bem complicado pelo
que me contou. O pai é que sustenta ela e a mãe e se acha dono das duas por
conta disso. Segundo Valesca, ele tratava a mãe como empregada e
constantemente a humilhava. Não entendo como algumas mulheres se
submetem a isso. Valesca dependia dele para estudar e aguentava calada.
— Como assim, ele saiu de casa? Ele não pode abandonar vocês duas.
— Mas abandonou, ele levou as roupas, tudo, e foi embora, como
vamos viver Igor?
Ela começa a chorar e meu coração sangra. Não posso deixá-la nesse
momento. Me lembro de Bia, ela está me aguardando, que situação!
— Val, não sei como te ajudar, vocês precisam procurar um
advogado, um parente do seu pai, alguém que possa entrar em contato com
ele.
— Eu sei, mas não consigo pensar nisso agora, vim aqui só para te
buscar, fica comigo, preciso tanto de você hoje, por favor.
Aceno em concordância, não posso deixá-la no momento que mais
precisa de mim. Fui apaixonado por ela, talvez ainda sinta alguma coisa, não
consigo simplesmente virar as costas e passar a noite com outra sabendo que
Val está sofrendo. Penso em ir até Bia e me explicar, mas Valesca me abraça
e me beija profundamente. Um beijo que traz recordações, mas já não mexe
comigo como imaginei.
— Obrigada, lindo!
— Vamos.
Decido sair de fininho e me explicar para Bia na semana seguinte. Ok,
talvez eu tenha sido simplesmente covarde. Encarar Bia, depois de combinar
de passar a noite com ela, para dizer que vou sair com Valesca me faz sentir
um merda.
Eu a puxo para fora da boate e passo a noite com ela. Transamos e
dormimos juntos, mas definitivamente não foi a mesma coisa. O rosto e o
gosto de Bia não saíram da minha cabeça. Talvez fosse apenas minha
consciência gritando que fui um filho da puta ou talvez aquilo significasse
que eu senti algo diferente por ela. Naquele instante ainda não sabia o que
sentia por Bia, mas uma coisa eu entendi: Valesca era passado, apesar de
sentir tesão por ela, não queria mais levar esse rolo em frente. O problema era
fazer isso em um momento que ela estava tão frágil. É, a vida me trollou
bonito!
Na segunda-feira, assim que chego na Universidade, procuro por Bia,
preciso pedir desculpas e me explicar. Eu a encontro dentro da sala de aula.
— Oi Bia.
Ela ergue os olhos e consigo ver a mágoa em seus olhos por mais que
ela tente disfarçar.
— Igor? Tudo bem?
— Mais ou menos. Preciso conversar com você, quero te pedir
desculpas...
— Não temos nada para conversar e licença porque preciso terminar
esse trabalho.
— É claro que temos, eu posso...
— NÃO! Não temos! — Ela ergue a voz e algumas cabeças se viram
em nossa direção — Não quero conversar com você, pode me dar licença?
Ok, eu tentei. Não ia fazer um escândalo no meio da sala de aula. Se
ela não quer me ouvir, é um direito dela. Dou de ombros e sigo para minha
carteira. Fiz merda sim, sei que fiz, mas tive motivos para isso.
Lamento por dentro com um amargo no peito. Queria que tivesse sido
diferente, queria ter tido uma chance com ela. Naquela noite senti que Bia
poderia ter sido alguém importante na minha vida. Ela sequer me deu
oportunidade de me explicar, talvez ela seja de fato a patricinha esnobe que
eu imaginei. Definitivamente, eu não consigo enxergar bem as mulheres.
Dei apoio para Val naquela situação, mas aos poucos nos afastamos.
Ela assumiu um namoro com um cara do quarto ano e no fundo foi um alívio.
Já não sentia mais nada por ela além de tesão e isso eu resolvia com outras
garotas. Soube depois que ela abandonou o curso, pois precisava trabalhar.
Uma pena.
Não me apaixonei por mais ninguém e vadiei o quanto pude nos anos
seguintes. Sabia que minha vida mudaria na residência e aproveitei meus
anos de solteiro e de vida boa enquanto conseguia.
Bia se tornou uma inimiga oculta. Nos cumprimentávamos com
acenos eventualmente e chegamos a fazer alguns trabalhos em grupo quando
necessário, mas nunca mais tivemos uma conversa real. Havia um muro
invisível entre nós, que ela ergueu e eu não soube como transpor.
Foi um alívio saber que ela foi para a Unidade de Contagem após a
prova da residência. Era difícil lidar com alguém sempre pisando em ovos.
Bem, anos se passaram, a vida seguiu e agora ela está de volta. E eu estou
aqui, fugindo dela como um adolescente covarde, com medo de encarar essa
mulher e descobrir que ela ainda me odeia.
Eu consegui fugir por nove dias, no décimo ela me pegou e de uma
forma vergonhosa. Quando vi Beatriz virar o corredor do andar onde estava
trabalhando, entrei na primeira porta que encontrei. Uma sala de materiais de
limpeza.
Decido aguardar 3 minutos para ela passar e pego meu celular. A
porta abre subitamente e dou de cara com meu antigo desafeto.
— Dr. Igor Medeiros, bom dia!
— Bom dia Bia, quanto tempo! Soube que estava trabalhando aqui...
que bom. – Acho que minha frase não a convence, ela franze a testa e analisa
o local.
— Estava fugindo de mim? – Pergunta, incrédula. Sim, eu estava, mas
nem sob tortura vou admitir isso.
— Eu, claro que não! Só vim — olho em volta rapidamente e pego
um frasco ao meu lado — buscar álcool. Eu precisava disso.
Ela acena em concordância e aperta os lábios segurando o riso. Que
papelão, Jesus. Ignoro e tento puxar outro assunto para desviar sua atenção de
onde estamos.
— Seja bem-vinda Bia, soube que fez uma especialização em São
Paulo com Dr. Rebouças, o homem é o papa da ortopedia no Brasil,
parabéns!
Seu sorriso some e ela agradece de forma polida.
— Obrigada — ela suspira e pensa por alguns segundos — Nós
vamos trabalhar juntos aqui, anos se passaram e podemos ser bons colegas
Dr. Igor.
O que ela diz deveria me aliviar, mas Dr. Igor? Odeio essa
formalidade, nos conhecemos há anos, já nos beijamos, porra!
— Não precisa me chamar de Doutor, somos amigos Bia.
Ela sacode a cabeça e me corrige:
— Não somos não, nunca fomos. Posso ter muitos defeitos, mas
minha memória é boa. Para você sou a Dra. Beatriz — ela aponta com o dedo
para si mesma — Tenha um excelente dia Dr. Igor.
Ah, merda! Vai ser um inferno lidar com ela aqui. Recoloco o frasco
de álcool no lugar e saio da sala agoniado. É ridículo chamá-la de Dra.
Beatriz. Por que isso me incomoda tanto? Me encaminho para o meu
consultório indignado. Dra. Beatriz o cacete!
Voltamos aos tempos da Universidade. Nos cumprimentamos com
acenos e evito qualquer lugar onde ela esteja. Mas, trabalhando no mesmo
hospital, cedo ou mais tarde teríamos que enfrentar um plantão juntos.
Olho para a escala e descubro que estamos a tarde inteira juntos na
sala de cirurgia. Eu preciso ir até ela. Olho para cima, em uma conversa muda
com Deus, como se Ele estivesse ali no teto branco do hospital.
“Por que Senhor? Por que essa provação? Por que ela tinha que vir
parar aqui em Santa Efigênia?”
Obviamente Ele não me responde. Me troco e sigo para o bloco
cirúrgico depois do almoço. Cumprimento Mara que está de plantão no
momento.
— Ei Mara, beleza?
— Tudo tranquilo Igor, com quem está hoje?
— Dra. Beatriz Mairinque. Ela já chegou?
— Sim, a primeira cirurgia é na sala 02. O paciente deve estar
chegando, já foram buscar.
— Temos quantas cirurgias programadas?
— Até o momento cinco.
— Cinco? – Puta que pariu, isso significa muitas horas juntos. Meu
coração dispara só em pensar nisso.
— Sim, vai sair tarde hoje. Se tinha algum programa, melhor
desmarcar.
Uma maca passa ao nosso lado e Mara sinaliza que o paciente chegou.
Me dirijo para a antissepsia e entro na sala de cirurgia, ainda não há sinal
dela. Cumprimento o paciente, analiso seu prontuário e a avaliação pré-
anestésica. Preparo o material e aplico. Três minutos depois, ela entra com
um ar autoconfiante e cumprimenta a todos. Seus olhos param em mim por
dois segundos a mais. Sim, sou eu, estamos juntos aqui Dra. Beatriz.
— Boa tarde Dr. Igor. O senhor é o anestesista responsável?
— Sim, Dra. Beatriz — respondo ironicamente — o paciente está
pronto para você.
Dois residentes entram e ela pede que se aproximem.
— Muito bem, vamos ter cinco cirurgias hoje, quatro são
procedimentos simples e uma é mais complicada. Eu acredito que a prática é
a melhor maneira de se aprender, então vocês não vão ficar apenas olhando,
vão colocar as mãos no bisturi e vou estar ao lado orientando e conduzindo.
Que tal?
Os dois se animam como qualquer residente e fico feliz por eles. Ela
tem razão, só evoluímos praticando, mas nem todo preceptor tem essa visão.
A primeira cirurgia é rápida e fico hipnotizado a escutando conduzir o
residente com perfeição. Bia é segura do que faz, paciente com o residente e
simpática com todos ao redor, quer dizer, com quase todos. Comigo ela é um
cubo de gelo e só se dirige a mim se for absolutamente necessário.
Apesar disso, a tarde passa rapidamente. A cada cirurgia eu descubro
mais sobre ela e minha admiração aumenta a cada minuto. A última cirurgia é
mais complexa e demora cerca de três horas. Ela faz parte do procedimento
sozinha, mas explica minuciosamente aos dois residentes cada passo. Ela é
uma excelente cirurgiã, constato empolgado.
O procedimento termina tarde, já é noite e vejo o cansaço em sua
expressão. Não posso deixar de elogiá-la.
— Parabéns Beatriz, você foi incrível. Os residentes têm sorte de ter
você como preceptora — ela me encara surpresa, talvez não esperasse o
elogio e sigo adiante — foi impressionante ver você trabalhando.
— Por que? Achou que eu não seria boa? Posso não ter tirado as
melhores notas na Universidade, mas sou boa na prática.
— Não foi isso que eu quis dizer... era só um elogio.
— Não precisa me elogiar, estou fazendo minha obrigação. Boa noite
Dr. Igor.
Ela se vira e sai sem aguardar que eu responda. O que foi isso? Hoje
preciso de uma cerveja ao chegar em casa. Ou melhor, duas. Talvez me torne
um alcoólatra trabalhando com ela. Inferno.

Alguns dias depois, escuto a voz de Rafael me chamar assim que


termino de me servir no buffet do restaurante. Viro em sua direção e o vejo
me acenar em uma mesa. Ele está almoçando com Bia. Fico em dúvida se me
junto a eles, mas resolvo tentar. Me aproximo e cumprimento ambos.
— Boa tarde, posso me juntar a vocês?
— Senta aí mano – responde Rafael, ignorando nosso muro invisível.
— Dra. Beatriz? – Pergunto antes de me sentar. Ela ergue os olhos e
acena em concordância.
Me sento aliviado, mas assim que pego os talheres ela se ergue.
— Eu já terminei, tenham uma boa tarde.
Ela ainda tem comida no prato e me sinto mal. Levanto
imediatamente e seguro seu braço.
— Fique e termine de comer, eu saio.
— Estou sem fome, fique à vontade Dr. Igor — ela encara minha mão
que segura seu braço e a solto — Bom apetite.
Ela se vai e me sento novamente. Rafael está de boca aberta ao meu
lado me encarando. Suspiro alto e pego os talheres novamente.
— O que foi isso? Dr. Igor, Dra. Beatriz... o que há entre vocês?
— Um muro gigante, enorme, maior que a Muralha da China.
— O que você aprontou?
— Por que eu aprontei? Não pode ser ela?
Ele sorri de lado e fico puto porque o maldito está certo, fui eu que
aprontei com ela.
— Fiz a mesma Universidade que você e não estou falando da
Federal.
— Tudo bem, eu fiz uma merda com ela, mas foi no segundo ano,
mano. No segundo ano. E ela nunca me perdoou.
— Uau, deve ter sido uma merda gigantesca.
Conto a ele resumidamente o ocorrido e questiono:
— Acha que é motivo para isso até hoje?
— Mulher é um bicho complicado. Talvez ela nunca te perdoe... se
ela fizesse terapia com Davi, talvez superasse, ele é bom nessa coisa de abrir
os olhos da gente e amansar a raiva.
— Ela não vai fazer terapia com o Davi para me perdoar, que ideia,
Rafa!
— Por que não tenta conversar com ela? Vocês são adultos poxa,
senta e coloca os pingos nos “is”. Diálogo é o que Davi indicaria, eu acho.
— Ela não consegue almoçar do meu lado, acha que vai me escutar?
— Precisa tentar, vão trabalhar juntos, eu não queria ficar em um
clima ruim assim.
— Nem eu, quando soube que ela viria para cá me deu um frio na
espinha, mas tinha esperança que o tempo tivesse amainado as coisas, só que
continua a mesma merda da época da Universidade.
— Eu entendo os dois lados. Me lembro da popozuda, ela era gostosa,
mas foi foda cara! Chamar a gata para passar a noite com você e sair com
outra na cara dela... puta que pariu, nunca fiz algo assim.
— Tem anos caralho, o suficiente para superar, não?
— Não sei, mulher é bicho esquisito como eu disse. Talvez se ela
estivesse com outro, poderia ter esquecido. Deve estar sozinha, talvez ainda
sinta algo por você.
A ideia é tão absurda que eu escancaro a boca agora.
— Enlouqueceu? Ela me odeia! — Penso por um segundo e não vejo
mais desejo nos olhos dela, só mágoa — É só mágoa e raiva.
— Talvez, mas acho que pode ter algo além disso para durar tantos
anos. Fica a dica.
Sacudo a cabeça, é impossível. Rafael está viajando, nem em sonhos
ela ainda me desejaria.

Na sexta-feira, recebo uma mensagem de Nina me convidando para


comemorar seu aniversário no Bar do Leo. Como não tenho nenhum
programa em vista, decido que uma gelada é bem-vinda no fim da noite.
Termino o expediente, tomo um banho no hospital mesmo e sigo
direto para a Savassi. Encontro Nina e Mara na mesa, mais duas enfermeiras
do BHMed, além de Saulo e Alex.
— Opa! Que surpresa vocês dois por aqui, quanto tempo.
Abraço meus antigos colegas. Saulo e Alex fazem muita falta no
BHMed. Em seguida abraço Nina com carinho.
— Parabéns Nina, fico te devendo um presente.
— Imagina, não precisa, sua presença é o mais importante Dr. Igor.
Reviro os olhos me lembrando de uma certa médica que me chama
com o título.
— Não estamos no hospital, nada de Doutor aqui, por favor!
Cumprimento as outras meninas e me sento junto a Saulo.
— E aí como vão as coisas?
— Nina me mandou o convite e decidimos vir, estávamos precisando
espairecer um pouco.
— Muito trabalho?
— Demais, cara, tem dias que o João XXIII ferve. E Alex fica entre o
trabalho e os gêmeos. É cansativo também, ainda mais estando grávida.
— Verdade, parabéns Alex! — Cumprimento analisando sua barriga,
ainda não é aparente a gravidez — Está com quantas semanas?
— Dez — ela responde sorridente — ainda sinto enjoos, mas não é
como na primeira vez, está bem mais tranquilo.
— Dessa vez é um só! — Saulo exclama, visivelmente aliviado.
— Fico feliz por vocês. E o Rafa? Não vem?
— Não, ele disse que tinham que levar Henrique na festa de uma
coleguinha.
Me viro para pedir um chopp e, se não estivesse sentado, cairia da
cadeira. Bia se aproxima com um vestido matador. Puta merda, não bastasse
ela vir, tinha que exibir o tanto que ainda é gostosa? Nosso olhar se cruza e
vejo a surpresa em seu rosto. Ela não esperava que eu estivesse aqui. Sinto
muito branquinha, não vou embora, tenho tanto direito de estar aqui quanto
você.
Nina se ergue e as duas se abraçam demoradamente. Pelo jeito são
muito amigas.
— Parabéns Nina! Te desejo tudo que há de bom nesse mundo.
— Obrigada Bia, nem acredito que está aqui comemorando comigo.
Bia entrega um presente e as duas se sentam. Ela na frente de Saulo.
— Quem é ela? — Saulo pergunta baixinho.
— Dra. Beatriz Mairinque — respondo alto para que ela escute, e os
apresento — estes são Dr. Saulo Silva e Dra. Alexandra Borges, eles
trabalharam conosco no BHMed.
Os olhos de Bia se arregalam surpresos.
— Dr. Saulo, ouvi falar muito de você em Contagem. Alexandra...
Borges, espera, você também é ortopedista?
— Sim, agora sou Alexandra Borges Silva, nós somos casados – ela
informa orgulhosa.
Saulo a abraça carinhoso e porra, sinto inveja, não tenho vergonha de
admitir. Já gostei mais da minha vida de solteiro, queria muito alguém para
chamar de meu, ou melhor, de minha.
— Meu Deus! – Exclama Bia — Foi você que pegou minha vaga em
Santa Efigênia. Quando fiz a prova de residência, me lembro bem, fiquei mal
colocada e você pegou a vaga que eu queria.
— Agora não estou mais lá, a vaga é sua — Alex afirma — trabalho
em uma clínica no período da tarde. Nós temos gêmeos de três anos, não deu
para manter o trabalho no hospital.
— Gêmeos? É surpreendente que ainda trabalhe meio horário.
— Eles já estão na escolinha, só que vem mais um por aí.
Ela passa a mão na barriga e Bia abra a boca surpresa.
— Vocês não perdem tempo, pelo jeito o maior trabalho que têm é na
cama.
Beatriz brinca e não sei qual dos dois fica mais vermelho, Saulo ou
Alex, e caio na gargalhada.
Leo se aproxima e Bia se levanta imediatamente. Eles se abraçam
apertado e aquilo me incomoda de uma forma estranha.
— E aí pirralha? Não acredito ainda que está de volta.
— Estou, sentiu minha falta? Fala a verdade, estou carente.
Carente? Não acredito que Bia está sozinha, um mulherão desse...
— Senti sim e a mãe mais ainda. Vai lá amanhã que sua carência
termina rapidinho.
— Eu vou, já prometi a ela.
Leo a solta e me lembro que Rafael contou que eles são irmãos. Até
que se parecem. O incômodo no meu peito se alivia inexplicavelmente. Que
merda foi essa?
— Está tudo certo? Querem beber alguma coisa? – Ele indaga,
observando a mesa. Há algumas porções espalhadas, com uma cara ótima.
— Quero um chopp Leo! – Peço a ele e Bia faz um sinal pedindo
outro. Ele acena e vai em direção ao balcão.
— E o Felipe? – Pergunta Bia para Nina.
— Está chegando, eu vim direto do hospital, ele vai vir com a Sofia e
os irmãos.
— Ah, saudades da família Martin. Bom que vou ver todos de uma
vez.
— Vocês já se conheciam? – Pergunto para Nina, evitando olhar para
Bia.
— Claro, eu e Bia moramos juntas na época da faculdade.
Fico surpreso com a informação. O quanto Nina sabe sobre nós? Se
moravam juntas, Bia deve ter contado a ela a merda que fiz... Nina nunca
demostrou nada. Viro o rosto para Bia e a pego me encarando. Ela desvia o
olhar rapidamente para Leo que se aproxima com as bebidas. Pego meu copo
e o ergo para Nina em um brinde silencioso. A noite vai ser longa, mas, pelo
menos, estamos conseguindo conviver socialmente. É um progresso.
Quando dá meia-noite, Leo traz um bolo para Nina e cantamos
parabéns aos gritos para ela, que derrama algumas lágrimas emocionada. A
filha a abraça e é lindo ver a interação entre as duas. Felipe Martin a beija
completando o cenário de uma família feliz, daquele tipo de propaganda de
margarina como dizem por aí.
Como uma fatia do bolo e assim que Saulo e Alex se erguem, eu
acompanho. É hora de ir. Coloco uma nota em cima da mesa, sob os protestos
de Nina e dou um beijo em seu rosto.
— Obrigado pelo convite e parabéns mais uma vez, sua família é
linda!
Ela assente com um sorriso imenso, beijo cada uma das meninas na
mesa e fico em dúvida do que fazer ao me aproximar de Bia. Em um impulso
decido arriscar. Ela não vai me dar um tapa na cara, no meio do bar do irmão,
em pleno aniversário da amiga. Desço o rosto e beijo sua bochecha. Seu
perfume suave invade meu olfato e sinto uma vontade insana de lamber sua
orelha e descer pelo seu pescoço até dar um belo chupão e a deixar marcada...
meu pau pulsa e me afasto rapidamente.
— Boa noite Bia.
— Boa noite Igor, hum-hum — ela pigarreia — Dr. Igor.
Sorrio em resposta, chega dessa coisa de doutor para mim. Vou para
casa com algo para pensar. Essa mulher surpreendentemente ainda mexe
comigo. O que fazer com isso é a questão.
Entro na casa dos meus pais no sábado com uma mochila nas costas.
Vim para passar o fim de semana com eles. Meus pais moram em um
Condomínio no Riacho das Pedras, a cerca de 25 km de Belo Horizonte. O
local é lindo e calmo, mas longe da cidade, o que fez com que eu e Leo
saíssemos de casa cedo. Leo se mudou primeiro, alugou um apê e abriu o bar
com o dinheiro que recebeu de herança do meu avô. Meu pai me deu o meu
apartamento assim que passei em Medicina, segundo ele era minha parte na
herança.
Ele foi generoso, distribuiu a herança do meu avô entre nós dois e não
era obrigado a fazer isso. Eu agradeço imensamente, porque morar em
Riacho das Pedras e estudar ou trabalhar em BH seria inviável. Meu pai
trabalhava na Receita Federal e minha mãe era professora. Depois de uma
vida trabalhando duro, agora vivem com o conforto que merecem.
Me sinto uma menininha ao receber o abraço dos dois. É bom e me dá
vontade de chorar, ando muito emotiva e nada como abraço de pai e mãe.
— Vim para passar o fim de semana, quero o pacote completo, com
direito a almoço, jantar e sobremesa – solto para aliviar o clima.
— Faço tudo que quiser filha. É um alívio saber que está perto de nós
novamente – afirma minha mãe.
— Quero saber como foi em São Paulo – retruca meu pai e suspiro.
Vou ter que selecionar as informações passando apenas as partes boas para
eles. Eles não merecem saber que Gilvan foi um cretino comigo.
— Sim senhor, mas essa conversa fica para depois do almoço.
O almoço é delicioso, como senti falta do tempero da minha mãe.
Depois, me sento com meu pai do lado de fora e conto a ele um pouco do que
aprendi em São Paulo. Apesar de não ser da área médica, ele é curioso e se
interessa verdadeiramente pelo que conto. Minha mãe não tem esse interesse,
mas me pergunta sobre Gilvan quando ficamos sozinhas. Eles sabem que
morávamos juntos.
— Por que veio embora filha? Ele não era bom para você?
— Não queria que eu voltasse? Magoei.
— Sabe que não é nada disso. Estavam morando juntos, achei que era
sério.
— Também achei mãe, foi mais uma decepção. Ele tinha outras e não
nasci para dividir homem, ao menos não nessa vida.
— Ah que idiota! Melhor assim filha, pelo menos não se casaram, foi
só uma experiência ruim.
Sim, mais uma. Nem os feios se salvam, que mundo é esse? Rio ou
choro? Decido rir, rir de mim e da minha saga. Feliz no jogo, infeliz no
amor... preciso jogar na Mega Sena, alguma coisa devo ganhar, as chances
estão ao meu lado.
— Filha, você ainda vai encontrar um grande amor e ser muito feliz –
fala minha mãe com um olhar carinhoso. Sei que sua intenção é boa, mas no
momento não acredito nisso.
— Mãe, acho que pode desistir de netos. Eu e Leo somos fodidos
nessa coisa de amor.
Leo chegou a morar com uma garota há dois anos, então ela arrumou
um emprego no Rio e foi embora. Ele sofreu um bocado e acho que não quer
saber de tentar novamente tão cedo.
— Não fala besteira Bia, você é linda e excelente profissional. Basta
ficar atenta ao redor, vai ter muitos rapazes de olho em você.
— Preciso me estabelecer profissionalmente no hospital, não tenho
tempo para romance, mãe.
Não sei se ela acreditou, mas eu acredito. Estou temporariamente
fechada para reforma. Que o cupido procure outra trouxa para flechar.
O fim de semana passa voando e meu pai me leva de volta na
segunda-feira cedo, me deixando direto no hospital. Preciso encontrar tempo
para comprar um carro.
— Obrigada pai, desculpa te tirar da cama tão cedo.
— Fica com Deus querida, foi um prazer ter você conosco, não some.
— Não vou sumir, acho que vão até se cansar de mim.
Pisco e aceno me despedindo. Entro no hospital e me troco. Enquanto
me dirijo ao elevador olho a escala semanal. Estou novamente com Igor na
quarta-feira. Pelo jeito vamos trabalhar juntos mais do que imaginei, ao
menos uma vez por semana.
Na maioria dos dias tenho atendimentos pós-operatórios e clínicos na
parte da manhã e cirurgias agendadas no período da tarde, que muitas vezes
se estendem até a noite, ou seja, tenho hora para entrar, mas não para sair.
Quem pensa que vida de médico é nobre se ilude, ralamos feito gente grande.
Estou na penúltima cirurgia, quando a circulante entra e me dá um
recado.
— Dra. Beatriz, estão chamando a senhora na emergência.
— Estão me chamando? Eles sabem que estou no meio de uma
cirurgia?
— Sim, mas parece que é algo urgente e o Dr. Santos foi embora mais
cedo. A senhora é a única efetiva...
— Entendi. Seja lá o que for vai ter que esperar um pouquinho, diga
que desço o mais rápido que conseguir.
Estava explicando detalhadamente a cirurgia ao residente que me
acompanha, mas tomo a frente e simplesmente termino o procedimento o
mais rápido que consigo. Por sorte era uma cirurgia simples, uma osteotomia
para correção de joanete.
— Consegue finalizar agora? É só suturar.
— Claro que sim, Dra. Beatriz.
Saio da sala de cirurgia, retiro as luvas, touca, máscara e lavo as
mãos. Na saída, encontro o marido da paciente, falo rapidamente com ele que
a cirurgia correu bem e desço pelas escadas até a emergência. Igor acena
assim que me vê, droga, tinha que ser ele aqui?
— Um policial em serviço foi baleado e vai precisar de cirurgia.
Como ainda estava operando, adiantei e fiz um raio-x.
— Baleado? Não sabia que recebiam esse tipo de paciente aqui.
— Não é comum, mas o João XXIII estava lotado, segundo o
socorrista, e como ele tem convênio, trouxeram para cá.
Pego as chapas de raio-x e analiso contra a luz. Uau, foi um belo
estrago. A bala atingiu seu joelho e esfacelou parte da articulação estando
alojada ali.
— Vai ser preciso operar e não vai ser simples.
— Imaginei. Vou medicá-lo e efetuar a internação. Acha que
consegue operar amanhã?
— Amanhã? Não, vou resolver isso hoje ainda.
— Hoje? Pensei que seu horário estivesse terminando.
— E está, ou melhor, estava. Não vou deixá-lo sofrer até amanhã, o
quanto antes retirarmos a bala e os estilhaços melhor.
— Mas vai ser uma cirurgia longa...
— Vai, isso não me assusta mais. Pode encaminhá-lo ao bloco. Tenho
mais uma cirurgia antes dele, depois estou por conta. Onde ele está?
— Ele está na segunda cabine.
Me dirijo até lá com Igor atrás de mim. Olho seu nome no exame e o
cumprimento:
— Sr. Messias de Nóbrega.
O pobre homem está pálido e parece que vai desmaiar a qualquer
minuto.
— Sou eu.
— Sou a Dra. Beatriz Mairinque. O que o senhor andou aprontando?
Como conseguiu uma bala no joelho? – Questiono em um tom leve.
— Troca de tiros na PPL[2]. Já estive lá várias vezes, mas nunca tinha
acontecido.
— O senhor teve sorte, vamos fazer uma cirurgia e remover a bala.
Vai ficar um tempo de molho, mas vai ficar bem.
— Eu vou andar normalmente? Vou poder voltar a trabalhar?
— Com certeza. Vai precisar de um descanso, algumas fisioterapias,
mas vai voltar a trabalhar sim.
O alívio em seu rosto é visível. Mesmo em um serviço perigoso ele
deseja voltar à ativa, o que me faz admirá-lo. Vou fazer o possível por ele.
— O Dr. Igor vai encaminhar o senhor ao bloco cirúrgico, nos
encontramos lá daqui a pouco.
— É a senhora mesmo que vai me operar?
— Eu mesma, algum problema?
Antes que ele responda Igor toma a frente:
— A Dra. Beatriz é a cirurgiã ortopédica mais competente que temos
aqui. O senhor tem sorte que ela esteja trabalhando hoje.
Sorrio, me sentindo sem graça com seu elogio repentino.
— Há alguém o acompanhando? – Pergunto, preocupada.
— Tem dois colegas na recepção e a família já foi contatada.
— Tudo bem, mantenha-os informados, vou subir para adiantar a
última cirurgia. Providencie os exames básicos.
Igor assente e me encaminho à lanchonete antes de subir. Preciso me
alimentar, serão mais duas cirurgias. Como um sanduíche natural e tomo um
suco rapidamente antes de retornar ao bloco cirúrgico.
A primeira cirurgia segue sem incidentes e vou ao banheiro antes de
iniciar o último procedimento. Lavo o rosto e me examino no espelho. Estou
cansada. As olheiras estão visíveis no meu rosto. É Bia, você não tem mais
vinte anos. Dou de ombros e me encaminho para a antissepsia.
Entro na sala de cirurgia e encontro o paciente acordado.
— Onde está o anestesista, pergunto à enfermeira de plantão.
— Ele ainda não chegou. É troca de turno, está atrasado.
Que maravilha! Não bastasse ter que fazer uma longa cirurgia fora do
meu horário, preciso esperar o bendito anestesista dar as caras. Antes que eu
diga qualquer coisa, Igor entra na sala, paramentado.
— O que está fazendo aqui? – Indago, surpresa.
— Vou te acompanhar. Liguei para o Brito e ele teve um problema
com a filha, vai atrasar meia hora.
Eu o encaro, chocada. Ele está na emergência desde cedo, com certeza
está tão ou mais cansado que eu.
— Não precisa, podemos aguardar.
— Por que? O paciente está aqui, você, a equipe toda... tem algum
problema que eu acompanhe a cirurgia, Dra. Beatriz?
— Claro que não. Só imaginei que estivesse cansado, passou o dia
todo na emergência.
— Estou, como você deve estar também. Se você dá conta, também
consigo.
Ele se aproxima do paciente com seu prontuário, faz algumas
perguntas e prepara a medicação, em poucos minutos o homem está sedado.
— Ele está pronto.
— Obrigada.
Dessa vez não tenho residentes ao meu lado, sou apenas eu e o
paciente. Concentro no que estou fazendo e me desligo do resto. O primeiro
passo é remover a bala, depois, avalio o estrago. A cirurgia de reconstrução
não é simples, é minuciosa e minha atenção é focada no que preciso fazer,
assim, não vejo as horas passarem.
Me assusto quando Igor me oferece um copo de água. Minha boca
saliva. Ele abaixa minha máscara com cuidado e vira o copo descartável com
cuidado na minha boca. A água refresca minha garganta seca e aceno em
agradecimento. Ele se coloca ao lado do paciente novamente conferindo seus
batimentos cardíacos. Faço a pergunta que guardo desde a primeira cirurgia
que fizemos juntos.
— Por que anestesiologia?
Ele vira o rosto surpreso e retomo o que estava fazendo.
— Gosto de ser a pessoa que tira a dor.
Sua resposta me surpreende, de forma alguma imaginaria essa
resposta. E ele continua:
— Não me sinto menor pela minha escolha, sei que meu trabalho é
importante.
Me sinto obrigada a encará-lo ao responder:
— É óbvio que é, não estaríamos aqui se você não tivesse vindo. Não
subestimo sua escolha, apenas fiquei curiosa.
— É basicamente isso, um dia se me der oportunidade, te explico
melhor.
Aceno em concordância e me concentro no paciente novamente.
Minhas pernas doem, estão cansadas após tantas horas em pé, a vista arde e
preciso de mais atenção ainda para finalizar o procedimento.
Uma hora depois consigo encerrar. Olho o relógio, são mais de 22
horas. Levamos quase quatro horas.
— Procedimento encerrado. Obrigada a todos que me acompanharam.
Boa noite.
Me retiro rapidamente, desfaço dos materiais descartáveis e desço
para o vestiário. Troco de roupa e me sinto tão cansada que sento por alguns
minutos na sala de descanso antes de ir para casa. Fecho os olhos, sonhando
com minha cama, mas preciso de alguns minutos antes de acionar um Uber e
ficar em pé novamente o aguardando.
Não percebo Igor se aproximar, até que ele toca minha mão. Abro os
olhos devagar e o encaro.
— Vem, eu te deixo em casa.
Tudo em mim quer aceitar. Quero uma carona, quero alguém que
cuide de mim, mas ele não é o homem certo. Não posso abrir portas e deixar
entrar uma pessoa que vai me magoar novamente. Estou calejada. Só posso
contar comigo mesma.
— Obrigada, o Leo vem me buscar, estou aguardando ele me avisar
que chegou.
Sua expressão é de surpresa e não sei se acredita na minha mentira ou
não. Nesse instante, estou pouco ligando para isso.
— Certo, boa noite Dra. Beatriz, tenha um bom descanso.
— Obrigada, o mesmo Dr. Igor.
Eu o vejo se afastar e se não estivesse tão cansada cairia na risada. A
situação que estamos contracenando é ridícula. Essa coisa de Dr. e Dra. entre
nós é infantil, mas garante uma distância segura. Melhor assim. Pego meu
celular e chamo um motorista de aplicativo. Crio forças e fico em pé, mais
um dia vencido.

Algumas horas de sono, um banho quente, um café forte e me sinto


outra pessoa. Entro no hospital radiante, como se não houvesse saído
destruída algumas horas atrás.
— Ei Bia! — Rafael me cumprimenta animado — soube da cirurgia
do policial ontem de noite, uma pena que não estava aqui, teria acompanhado
você.
— Como soube? Igor te contou?
— Não, eu vi na televisão. O caso virou notícia.
Arregalo os olhos, surpresa. Não esperava, mas, pensando bem, um
policial alvejado em serviço é notícia.
— Não faltarão oportunidades para trabalharmos juntos. Vou ver
como o paciente está.
Subo até o quinto andar e procuro a enfermaria. Olho o prontuário e
converso com as enfermeiras, primeiramente. Depois, o encontro acordado,
com cinco pessoas no quarto.
— Bom dia! Temos festa hoje? Quem autorizou tantas pessoas aqui?
Sou apresentada à esposa do Sr. Messias, seu parceiro, seu capitão ou
coronel, não sei bem, um irmão e uma jornalista. Uma jornalista! Fico
indignada e pretendo conversar com o Dr. Guilherme a respeito.
— Apenas a sua esposa pode permanecer no quarto, vou pedir aos
demais que se retirem. Tem menos de doze horas que finalizei sua cirurgia e
ele precisa de repouso.
É difícil, mas consigo retirar as pessoas do quarto. Hora de dar uma
bronca no meu paciente.
— O senhor está em recuperação, não é recomendado ou liberada a
entrada de tantas pessoas ao mesmo tempo no quarto. Como isso aconteceu?
— Meu coronel apareceu com meu parceiro e a jornalista, antes só ela
e meu irmão estavam aqui. Eu não podia colocá-los para fora.
— Podia sim, ou ao menos deveria. Vamos combinar, se entrarem
mais de duas pessoas no quarto, a senhora vai chamar a enfermagem pelo
botão, as meninas vão saber o que fazer. E o senhor, vai destruir todo meu
trabalho se não fizer o repouso adequado. Me deixe ver como está.
O examino rapidamente e fico satisfeita com o resultado. Saio de lá,
oriento as enfermeiras para ficarem de olho no quarto e desço para falar com
o diretor do Hospital.
— Bom dia Dr. Guilherme, autorizaram cinco pessoas no quarto de
um paciente recém-operado. Gostaria de saber se tem ciência disso?
— Imagino que seja o policial. Acordei com meu telefone tocando e
eram jornalistas querendo notícias. Apesar disso, não autorizei ninguém a
subir, vou descobrir o que aconteceu na recepção.
— Obrigada.
Me viro para a saída e ele me chama:
— Dra. Beatriz, parabéns pela cirurgia! A senhora é uma excelente
contribuição para nossa Unidade.
Sorrio satisfeita, é bom começar o dia com elogios.
— Não fique tão feliz, vai ter algumas horas extras no meu cartão de
ponto.
Ele retribui meu sorriso e inicio meu trabalho com bom humor. Na
hora do almoço faço um prato com frango assado e legumes, corro para pegar
uma mesa quando um casal se levanta. O restaurante está cheio hoje.
Saboreio devagar, para fazer aquele almoço durar mais. Com o canto dos
olhos vejo Igor buscando uma mesa para se sentar. Merda! Está lotado e não
tenho coragem de deixá-lo comer em pé. Ergo o rosto e aceno para ele.
— Posso sentar com você? – Ele pergunta, incrédulo.
Aponto para a cadeira em concordância. Somos adultos, trabalhamos
juntos, é hora de abrir a guarda um pouco. Precisamos conviver socialmente.
Penso em um assunto para conversarmos, tem que ser trabalho obviamente.
— Estive com nosso paciente esta manhã. Ele está bem, se seguir o
pós-operatório direitinho, não vai ter sequelas.
— Você foi incrível, parabéns. O caso saiu na televisão, houve
repercussão.
— Não foi uma cirurgia complicada, só deu repercussão porque era
um policial em serviço.
— É bom ver que encontrou seu caminho. Por que cirurgia
reconstrutiva?
— Meu preceptor em Contagem fazia algumas cirurgias
reconstrutivas e o acompanhava. Descobri que era boa nisso, ele me indicou a
especialização com o Gilvan e foi o caminho que escolhi. E você? Disse que
me contaria melhor sobre sua escolha.
— Já falei o básico. Meu pai teve câncer e sentia muita dor, muita. O
que eu mais queria era poder aliviar sua dor. Quando comecei o internato,
estudei as opções que tinha e gostei do poder que o anestesista tinha sobre a
dor.
— Ele faleceu? Foi há muito tempo?
— Sim, eu estava na residência, já fazem alguns anos.
— Sinto muito. Existe uma demanda grande hoje por anestesistas,
emprego não vai faltar para você.
— Eu gosto daqui, não pretendo sair tão cedo.
— Por que faz tantos plantões na emergência? Não precisa mais fazer
isso – Sim, essa curiosidade me atiçou quando vi a escala da semana.
Ele me encara sorridente, antes de responder.
— Eu gosto. Gosto daquela loucura, da variedade de casos que pego.
Prefiro a correria do que ficar no consultório fazendo laudos pré-operatórios.
— Mas eles são necessários.
— São e eu os faço também, mas concilio o que gosto com o que é
necessário.
Ficamos alguns minutos em silêncio e estou quase terminando meu
prato quando ele diz baixinho:
— Bia, gostaria de te explicar o que houve no passado.
Sinto uma fisgada na barriga e largo os talheres. Não, não precisamos
reviver minha humilhação. O almoço embrulha no meu estômago e o encaro
com firmeza.
— O passado é passado. Acredito que possamos conviver como
colegas, mas é apenas isso, trabalho. Tenha uma boa tarde Dr. Igor.
Me levanto e saio sem aguardar sua resposta. Meu dia acabou de
perder a graça. Ainda bem que tenho uma tarde cheia de cirurgias para não
me deixar relembrar o passado.
No dia seguinte tenho uma nova tarde de trabalho com Beatriz. Ela
nunca vai me perdoar. É fato. Não sei se eu perdoaria, não posso tirar sua
razão, mas gostaria de poder me explicar. Passado é passado, como ela disse,
melhor deixar para trás o que não posso mudar. Beatriz é uma colega, apenas
isso.
Por que me incomoda tanto a distância que ela coloca entre nós, esse
muro maldito. Pelo menos almoçamos juntos ontem, é um progresso. Entro
na sala de cirurgia e preparo o primeiro paciente. Alguns minutos depois, ela
entra e sinto meu corpo vibrar, meu sangue parece correr mais rápido nas
veias. Ela tem um ar autoconfiante que me atiça. Isso não pode acontecer,
Igor seja profissional!
— Boa tarde Dra. Beatriz. O paciente está liberado para você.
— Boa tarde Dr. Igor. Todos prontos? Vamos iniciar porque nossa
tarde promete ser movimentada.
Passo horas a observando. Ela é competente e paciente com os
residentes. Isso é o que mais eu admiro. Muitos médicos não têm paciência
ou jeito para ensinar. Bia é perfeita. Ela deixa os residentes colocarem a mão
no bisturi, sempre acompanhando, sempre orientando e posso ver quase
adoração nos rostos deles. Em breve haverá brigas para ser escalado com ela.
A cirurgia do policial foi notícia e a equipe reconheceu seu mérito e
sua boa vontade. Ela podia ter deixado para o dia seguinte, mas fez uma
cirurgia longa que foi muito além do seu horário. Ela terminou exausta, tive
vontade de levá-la para casa, fazer seu jantar e a colocar na cama... Deus, que
viagem! Cai na real mané, nem em sonhos isso vai acontecer.
Volto ao momento atual, quando um bipe me mostra oscilação no
batimento cardíaco do paciente. O procedimento está demorando mais que o
previsto e vai ser preciso aumentar a medicação.
— Quanto tempo mais doutora?
— Uns quinze minutos, estamos terminando.
Faço o ajuste necessário e permaneço monitorando o paciente até ela
finalizar.
— Pronto, liberado.
Foi apenas o primeiro. A tarde será longa. Vejo ela se afastar, seu
cabelo está preso, mas um cacho cai pela sua nuca e minha mão coça para
pegá-lo e sentir seu cheiro. Estou ferrado, muito ferrado.
Encontro Rafael no vestiário após o plantão.
— E aí cara? Parece cansado, o dia foi puxado?
— A tarde inteira na sala de cirurgia com a Bia, não foi fácil.
— Ainda estão naquele clima? Precisa conversar com ela.
— Eu tentei, ela não quer. Até que melhorou um pouco, estamos
conseguindo trocar algumas palavras em relação ao trabalho.
— Vamos tentar incluí-la na turma. As meninas vão se tornar amigas
dela e aos poucos vocês estão de boa.
Penso rapidamente se é uma boa ideia, talvez seja um caminho. Dou
de ombros.
— Pode ser, pior que está é difícil ficar.
— Vou ver com Helena algum programa e a convidamos.
Concordo e pego minha mochila. Ao menos esta semana não estamos
juntos em mais nenhum plantão.
— Boa noite, Rafa.
Saio dali e a ideia de ir para casa não me anima. Penso em ligar para
alguma conhecida, minhas amigas de foda, mas desisto rapidamente. Sexo
por sexo está se tornando tedioso. Malhar, apesar de estar cansado, é a
melhor opção. Vou gastar energia na academia e deitar exausto. Uma boa
pedida.

Na sexta-feira Rafael me convida para uma pizza em sua casa de


noite.
— Quem vai?
— Você, Theo e Helena, João e a esposa e Beatriz, claro.
— Ela aceitou?
— Aceitou, disse que tinha chamado alguns colegas e ela seria bem-
vinda, por isso incluí o João no pacote.
— Ela sabe que eu vou?
— Ela não perguntou e eu não falei nada, mas, você é um colega
então...
— Saulo não vai?
— Não, Alex está cansada, não quer ir e ele não vai sozinho. Porra
Igor, programei tudo por sua conta, para de frescura.
— Eu vou. Não é frescura, só quero entender.
— Entender o que? A mina que você quer vai, é o suficiente para
você ir. Ponto final.
— Quem disse que eu a quero? Eu e a Bia é algo impossível, já te
expliquei.
— Cara, já te disse que fiz a mesma Universidade que você? Só que
fiz uma pós que você não fez. Na verdade, já fiz até mestrado considerando
os anos que tenho de casado. De mulher e amor eu entendo, então não precisa
fingir para mim, sinto o clima esquentar tanto quando estão juntos, que quase
preciso de filtro solar.
Caio na gargalhada, Rafael é muito idiota, mas é um grande amigo.
— Eu divido as pizzas com você, me passa a conta depois.
— Aí sim, te espero às 20 horas lá em casa.
Não sei o que vai acontecer entre eu e Beatriz, mas com Rafael e
Helena presentes, a noite vai ser divertida, isso tenho certeza.

Rafael me convidou para uma pizza em sua casa. Isso é no mínimo


estranho, muito estranho. Como ele disse que convidaria outros colegas e eu
sou uma novata precisando me enturmar, decidi aceitar. Se ele fosse solteiro,
provavelmente recusaria. Ele é bonito demais para minha segurança, mas é
casado, então fico tranquila.
Uma reunião em casa não pede muito, visto jeans, uma camisa de
seda estampada e sandálias de salto médio. Sacudo a cabeleira molhada e
decido deixar secar naturalmente. Meu cabelo castanho é cacheado e
volumoso, às vezes passo um produto e secador para conter o volume, mas
hoje estou sem paciência para isso.
Ele mora no Santo Agostinho e aguardo o horário do rush diminuir
para sair de casa. Chego lá com meia hora de atraso, não é muito. É uma casa
antiga, parece bem agradável. Bato a campainha e uma jovem mulher me
recebe sorridente. Ela é quase ruiva e tem muitas sardas no rosto.
— Olá, eu sou a Bia, o Rafael me convidou.
— Ah claro! Entra Bia, fica à vontade, eu sou a Giovana, esposa dele.
Arregalo os olhos surpresa. Sabia que Rafael era casado, mas sua
mulher não é o que eu esperava. Sim, ela é bonita, mas imaginava alguém
mais vistosa, mais “mulherão” ao lado dele. Giovana parece uma menina
ainda, na foto que ele me mostrou no celular não tinha tido essa impressão.
Na sala encontro alguns casais e Rafael vem me cumprimentar com
uma miniatura da esposa no colo.
— Ei Bia, legal que veio — ele me dá dois beijinhos e aproveito para
acariciar o rostinho da pequena — essa é a Paulinha, minha filha — ele
apresenta, orgulhoso.
— Linda Rafael, parabéns!
Faço festa e ela esconde o rostinho em seu ombro envergonhada. Pelo
jeito puxou a mãe em tudo.
— Vem, vou te apresentar ao pessoal. Dr. João é neurologista lá no
BHMed, não sei se já o conheceu e sua esposa Cris.
— Ainda não, muito prazer!
Nos cumprimentamos com apertos de mão e Rafael continua:
— Este é o Theo, irmão do João, que é casado com a Helena, minha
irmã.
— Sério? Meu Deus, que mundo pequeno.
Helena se ergue para me abraçar, ela parece muito simpática.
— Sejas bem-vinda! Eu também já trabalhei no BHMed, sou pediatra.
Tu és maravilhosa, amei este cabelão, o meu é escorrido, estou morrendo de
inveja.
— Não tenha inveja, ele me dá muito trabalho. Mais algum médico?
Podemos colocar uma placa de plantão no portão e fazer dinheiro.
Todos caem na risada e me sinto confortável entre eles.
— Eu posso administrar o dinheiro e a Cris cuidar da recepção, nós
não somos médicos – completa Theo com um sorriso. O homem é um
charme, diga-se de passagem. Não há nenhum solteiro e muito menos feio
nesta sala para minha tristeza.
— Vamos esperar o Igor chegar, aí eu peço as pizzas – diz Rafael e
meu rosto esquenta. Claro que ele viria, sua tonta, eles são amigos.
— Queres uma cerveja? – Oferece Helena, como se fosse a dona da
casa.
— Aceito, vim de Uber, posso beber.
Ela me puxa até a cozinha e tira uma long-neck da geladeira.
— A bebida fica aqui, cada um se serve, quando quiseres mais, só vir
e pegar.
— Obrigada. Você é de onde? Seu sotaque é diferente.
— Sou do Rio Grande, de Canoas, mas já virei mineira, estou aqui há
anos.
— Com esse sotaque não tem jeito de ser mineira.
Caímos na risada juntas e ela concorda.
— Eu sei guria, já tentei falar o trem[3], mas não acostumo. É um trem
difícil demais da conta!
Tomo um gole e engasgo com seu esforço de parecer mineira. Deus,
adorei Helena, acho que consegui uma nova amiga.
— Tudo bem? – Entra Giovana, curiosa.
— Tudo ótimo, estou mostrando a geladeira a ela, como se a casa
fosse minha.
— E é, você e Saulo são de casa, pelamordeDeus.
— Eu conheci o Saulo no Bar do Leo semana passada. São amigos
também?
— Saulo é o caçula. Eu, Rafael e ele somos irmãos. Tem o Lucas
também, gêmeo do Saulo, somos quatro na verdade.
— Irmãos? Vocês não se parecem...
— Somos irmãos de coração, nos adotamos. É uma longa história, aos
poucos tu vais entendendo. Não lembras de nós na Universidade? Eu me
lembro de tu vagamente.
— Na UFMG? Acho que não, mas fazem tantos anos, não me lembro.
— Éramos de outra turma, eu, Rafa e Saulo.
— Eu lembro do Rafael, quem não lembra? Todas as mulheres
lembram dele — Bato na boca ao encarar sua mulher — Jesus, desculpa.
— Imagina, sei que meu marido aprontou, não é a primeira a me
contar isso.
— Nunca fiquei com ele, eu juro. – Cruzo os dedinhos e os beijo, ela
sorri aliviada.
— É bom ouvir isso, seria estranho se já tivesse beijado meu marido,
ou feito mais que isso.
— Nem pensar, não fico com homem bonito, os maridos de vocês
estão seguros perto de mim.
As duas me encaram espantadas e explico melhor.
— Só feios, homem bonito dá muito trabalho. Desisti disso há muito
tempo. É só ilusão, ou melhor, desilusão.
As duas começam a rir e tomo alguns goles relaxando. Nos sentamos
na cozinha e escuto a campainha tocando.
— Deve ser o Igor — Giovana comenta olhando para a sala — o que
acha dele, Bia?
— O diamante negro? Bonito demais... sem chance também.
— Hum, diamante negro, gostei! — Exclama Helena, piscando para
mim.
— É só um apelido bobo que dei na minha imaginação.
— Homem bonito não é ruim, Rafa é o marido perfeito – retruca
Giovana, com os olhos cheios de amor.
— Theo também é lindo e é um príncipe, tu estás equivocada.
— Toda regra tem sua exceção, mas no geral, homem bonito é
propaganda enganosa. É a mesma coisa de homem com pau grande. Não
adianta ter um pau enorme e não saber o que fazer. Prefiro um pau pequeno
em um homem generoso.
As duas se entreolham segurando o riso. Estão me achando maluca
com certeza.
— Acho que Igor não tem chance contigo então. Ele é bem... –
Helena afasta as mãos mostrando o espaço de uma régua inteira entre elas.
— Igor? Duvido. Papo, aquele lá deve ser assim, mostro minha unha
do mindinho e as duas caem na gargalhada. No mesmo instante o dito cujo
entra na cozinha para nos cumprimentar.
— Boa noite!
Acenamos em resposta, mas rimos tanto que não conseguimos
verbalizar e responder seu cumprimento.
— Ei, qual é a graça? Posso rir também?
Ele está uma perdição, de jeans escuro e camiseta vinho. É impossível
não descer meu olhar para avaliar seu pacote. Bem, o jeans é folgado e não
me permite comprovar nada. Esse papo que ele é bem-dotado vem desde a
faculdade, será que é verdade?
— Coisa de mulher — responde Giovana, enxugando os olhos — vou
ver se o Rafa já pediu as pizzas.
Giovana sai da cozinha e Helena se levanta cumprimentando Igor
com um beijo no rosto, em seguida, passa por mim colocando a mão no meu
ombro.
— Adorei te conhecer Bia, bem-vinda ao Clube!
Não faço ideia que Clube é esse, mas sorrio em resposta. Igor vai até
a geladeira e pega uma long-neck também. Pelo jeito, todos se sentem em
casa aqui. Ele se senta ao meu lado e ergue a garrafa em um brinde. Bato a
minha na dele disposta a abrir uma trégua.
— A você, bem-vinda ao Santa Efigênia e à nossa turma. Está
gostando?
— Muito, dos dois. A Unidade é bem agitada e a turma parece bem
legal. Helena é muito simpática.
— Helena é uma figura. Pena que ela e Alex saíram do hospital.
Nossa turma de residentes era bem unida.
— Não posso reclamar de Contagem, fiz boas amizades lá, na verdade
mais que amizades.
O olhar surpreso dele me faz sorrir.
— Está comprometida? — Ele indaga conferindo minhas mãos —
Não sabia, podia ter trazido seu namorado.
— Não mais, estou solteira, mas tive um colega que namorei por um
tempo. Hoje somos amigos. E você, ninguém importante?
— Hum, não, ninguém.
Agora quem está surpresa sou eu. Um homem como Igor solteiro, é
difícil de acreditar.
— Imagino que as enfermeiras não são cegas, então qual o problema?
Ele cai na risada e passa a língua pelos lábios fartos, que vontade de
sentir aquela língua novamente.... Bia, foco! Foco!
— Não me envolvo com ninguém no hospital. Tive uma experiência
que foi um pesadelo, nunca mais.
Uau! Minha curiosidade é elevada ao cubo, mas me contenho.
Entendi o recado. O diamante negro é proibido para mim, o que não é
novidade, ele já era carta fora do baralho por meus próprios motivos, mas
ouvir de sua boca dói um pouquinho. Pigarreio e decido mudar de assunto.
— Helena contou que ela, Rafael e Saulo são irmãos adotivos, como
foi isso? Não entendi muito bem.
Ele me conta resumidamente e são histórias surpreendentes. É incrível
que três pessoas tão diferentes tenham se unido na juventude e criado uma
nova família. E o mais inusitado, que tenha dado tão certo. Os três se amam
verdadeiramente como irmãos.
— Muito legal! Eu e Leo somos bons irmãos também. Sei que posso
contar com ele. Tem irmãos?
— Tenho uma irmã, Dara, já casada. Moro com minha mãe.
Abro a boca surpresa mais uma vez. Igor já tem mais de trinta anos e
ainda mora com a mãe?
— Somos apenas eu e ela — ele argumenta — não há motivos para
deixá-la sozinha. Gosto de estar por perto e cuidar dela.
— Sua mãe tem sorte. Parabéns, não são muitos homens que teriam
esse cuidado com a mãe.
— Eu cuido de quem eu amo.
A frase não deveria me afetar, mas mexe comigo. Imagino como seria
ser amada e cuidada por ele. Dou um último gole na cerveja com pesar.
Gostaria de alguém para me amar e cuidar de mim. É bom ser independente,
mas melhor ainda seria ter alguém com quem contar.
Escutamos a campainha e ele se ergue ao meu lado.
— As pizzas, vamos para a sala. Estou faminto.
— Claro, eu também estou.
Foi uma conversa bem curta, mas muito esclarecedora. Igor colocou
as cartas na mesa e me sinto livre para ser sua amiga, com a certeza absoluta
que não acontecerá nada entre nós. Então, por que essa sensação ruim no
peito?

A noite anterior foi muito agradável, preciso agradecer ao Rafael.


Giovana e Helena são ótimas garotas e embora estejam um passo na minha
frente, com a família completa, incluindo filhos, me acolheram e me
deixaram muito à vontade. Ficamos de combinar um encontro só de garotas
e, se rolar, vou levar Nina comigo.
Igor só tomou aquela cerveja na cozinha, depois passou para o
refrigerante e me ofereceu carona na volta para casa. Ele tem uma
caminhonete enorme que me fez cochilar no caminho para casa, o que foi
bom. Estar sozinha com aquele chocolate delicioso em um espaço íntimo,
após eu ter bebido bem mais que uma cerveja, não seria recomendável.
Talvez, se estivesse acordada, teria feito besteira.
Acordei com ele acariciando minha bochecha e agradeci aos céus não
estar babando. Nos despedimos com um beijo no rosto e subi frustrada. Sim,
eu gosto de sexo e estou na seca há algum tempo. Aquele beijo no rosto e o
aroma do seu perfume despertou meu tesão. Apelei para meus brinquedinhos
antes de dormir, com a imagem de Igor na cabeça. Foi péssimo, não o
orgasmo, o pós-orgasmo. Achei que o havia superado. Não posso cair nessa
de novo, foram anos para me libertar dessa paixão, não posso deixar ele
entrar novamente. Nem na minha mente, nem no meu coração.
Na semana seguinte, um acidente no Anel Rodoviário movimentou o
hospital no fim da tarde. Uma carreta perdeu o freio e bateu em um ônibus de
viagem. Uma tragédia. Muitas vítimas fatais e feridos. Boa parte foi levada
ao João XXIII, mas muitos foram direcionados ao BHMed.
Fomos todos deslocados para a emergência. Recebo uma garotinha
desacordada, parece ter em torno de doze anos. Sua perna foi amputada,
minha pele arrepia. O socorrista me entrega seu membro decepado em um
recipiente com gelo. Checo seus sinais vitais e busco algum cirurgião
disponível. Encontro Beatriz atendendo uma paciente que não parece em
estado grave.
— Dra. Beatriz por favor, há uma urgência ao lado.
Ela faz uma recomendação à enfermeira e me segue. Seus olhos
arregalam ao ver a menina.
— O socorrista trouxe o membro no gelo, os sinais estão estáveis.
O socorrista que a trouxe nos chama ao canto e sussurra uma
informação que me faz perder o ar.
— A família toda dela morreu no local, só ela sobreviveu.
— O que! — Bia exclama, tão chocada quanto eu.
— Pai, mãe e um irmão. Eles estavam nos fundos do ônibus. Não sei
como ela sobreviveu.
— Jesus! — Juro que não sei como lidar com isso. Tenho inveja da fé
de Saulo, porque em momentos como esse, não entendo os desígnios de
Deus.
— Vamos levá-la para a sala de cirurgia, vamos salvar essa perna.
Olho para o estado da paciente e penso que o que ela propõe é quase
um milagre, sei que é possível, mas reconstruir toda uma articulação...
— Dr. Igor — ela bate palmas em frente ao meu rosto aturdido — não
podemos perder tempo, vamos!
Aceno e começo a tomar as providências para a remoção da garota ao
bloco cirúrgico. Quero acompanhar de perto, preciso ver se é possível algo
assim.
Cerca de trinta minutos depois estamos iniciando o procedimento.
Assumi como o anestesista responsável.
— A cirurgia vai ser longa — informa Bia às enfermeiras — se
necessário vocês podem revezar. Até você Dr. Igor, sei que estava no fim do
seu plantão, pode ser substituído sem problemas. Alguém avisou o
neurologista? Vou fazer a maior parte aqui, mas preciso dele comigo.
— Eu vou ficar até o fim. O Dr. João foi chamado, ele é um dos
melhores. Você o conheceu na casa do Rafael.
— Sim, eu me lembro. Vamos iniciar. Perder essa perna não é uma
opção, ela já teve prejuízos demais, não vou permitir que perca um membro
também.
Beatriz inicia o procedimento com a limpeza profunda do local e
segue com a fixação óssea através de pinos. É um trabalho meticuloso e
extenso. Quero prestar atenção em seus movimentos, mas meu papel aqui é
fundamental. Os sinais vitais da garota são minha responsabilidade, antes de
salvar sua perna, é preciso salvar sua vida. Ela perdeu muito sangue e, apesar
dos sinais estabilizarem, todo cuidado é pouco.
Três horas depois, o silêncio mostra como todos estão concentrados e
não é à toa. Estou recostado em uma banqueta, atento à paciente e à Beatriz.
Imagino o tanto que ela está cansada, a enfermeira ao seu lado enxuga sua
testa e ela pisca algumas vezes antes de prosseguir.
Uma hora depois ocorre a troca de turno das enfermeiras e o Dr. João
entra paramentado.
— Boa noite, desculpe a demora, estava preso em outra cirurgia.
É mais um que demonstra o cansaço em seu rosto. Ele observa atento
as mãos de Beatriz, ela agora trabalha nos tendões.
— Uau, está fazendo um excelente trabalho. Já fez um reimplante
assim?
— Não total, já fiz um parcial em São Paulo. Fiz especialização com
o Dr. Gilvan Rebouças.
— Ah sim, é o melhor em cirurgias reconstrutivas que já ouvi falar.
Chamo a circulante e peço água a ela. Podemos não comer, mas
deixar de hidratar não é opção. Quando ela retorna, bebo um copo e ofereço
outro à Beatriz.
— Tome, pare por um segundo.
— Não posso soltar aqui agora.
Abaixo sua máscara e coloco o copo descartável em sua boca com
cuidado, como fiz da outra vez.
— Tome devagar.
Ela fecha os olhos e deixa que eu vire a água aos poucos em sua boca.
Quando afasto o copo, ela abre os olhos e agradece.
— Obrigada, estava realmente precisando.
Subo sua máscara novamente e digo o que penso:
— Então peça, desmaiar em cima da paciente não vai ajudá-la.
Eu falei em tom de brincadeira, mas ela sequer me olha novamente.
Fico preocupado, ela não é a Mulher Maravilha, somos seres humanos e
temos nossos limites.
Uma hora depois, ela se afasta para o Dr. João trabalhar em cima dos
nervos. Eu empurro a banqueta em sua direção e ela se senta, alongando os
braços. Foram cinco horas em pé, em uma posição nada confortável, fazendo
uma cirurgia complexa que não admite erros.
Vinte minutos depois, o Dr. João a chama.
— Vou precisar que trabalhe comigo. Preciso afastar o tendão para
alcançar alguns nervos.
Ela volta sua atenção para a mesa de cirurgia e trabalham juntos por
mais de uma hora. Já são quase seis horas de cirurgia. Preciso reforçar a
medicação da paciente e isso me preocupa. Seus batimentos estão baixos,
estáveis mas baixos, não sei quanto tempo seu coração aguenta o esforço.
— Tem uma estimativa de tempo Dra. Beatriz? Preciso medicá-la
novamente.
— Algo em torno de uma hora, uma hora e meia considerando a
sutura.
Deus pai! Mais duas horas, nunca participei de um procedimento tão
longo. Embora passe a tarde em cirurgias, são procedimentos distintos que
nos permitem uma pausa para ir ao banheiro ou comer alguma coisa entre
uma cirurgia e outra.
— Será que alguém vem por ela, algum parente? – Beatriz indaga,
subitamente.
— Parece que os avós maternos estão aí, pelo que ouvi – Dr. João
responde.
— Menos mau – ela suspira.
Vejo ela afastar as mãos trêmulas. Posso ver que está no limite.
— Quer outra água? Posso pedir um energético para você.
— O Dr. Wellington é cirurgião plástico antigo aqui no hospital, ele
foi convocado também. Ele pode suturar para você. Sua parte encerra junto
comigo. O que acha? — sugere Dr. João.
Para meu alívio ela assente e peço a circulante que o acione junto com
o Dr. Giovani, um colega anestesista, caso ele esteja livre.
Minutos depois os dois entram juntos na sala e nos falam da comoção
pelos corredores, não se fala de outra coisa no hospital. Todos estão ansiosos
por notícias da pequena Ana.
— Ela vai ficar bem — informa Beatriz — ao menos fisicamente. Os
socorristas preservaram bem o membro e foram rápidos. Iniciamos a cirurgia
com um bom tempo de vantagem.
Entendo o que ela quer dizer. Se o membro não for reimplantado em
algumas horas ele necrosa e não há o que ser feito. O procedimento precisa
ser rápido e perfeito.
Explico ao meu colega a medicação aplicada e peço que ele assuma,
quero sair junto com Beatriz. Ela explica ao Dr. Wellington o que foi feito e
ele sinaliza a tranquilizando. Ele é capaz de finalizar a cirurgia com sucesso.
Saio junto com Beatriz e Dr. João. Tiramos as luvas, máscaras e
enquanto lavamos as mãos, ele a parabeniza.
— Foi um prazer trabalhar com você Beatriz. Seu trabalho foi
incrível, nunca havia participado de algo assim.
— Obrigada, você também brilhou, Dr. João, não conseguiria fazer
tudo sozinha.
Ele a abraça levemente e aperta minha mão, deixando o local. Bia se
apoia na pia e fecha os olhos. Olho o relógio, são quase 4 da manhã.
— Vem, vou te levar para casa.
Passo os braços em volta de sua cintura e ela não protesta. Eu a
conduzo por um elevador nos fundos, para evitar algum eventual curioso,
afinal, o caso da menina corre pelos corredores do hospital.
Eu a deixo na porta do vestiário feminino com suas coisas.
— Apenas troque de roupa, te encontro aqui em cinco minutos.
Para o meu alívio, ela não discute. Sigo ao vestiário masculino e
urino, aliviado, depois, lavo as mãos, tiro o uniforme e visto minhas roupas
rapidamente.
Saio e dois minutos depois ela aparece, pálida e abatida.
— Ei, você precisa comer alguma coisa.
— Em casa, me leva para casa, por favor.
— Claro, vamos.
Eu a conduzo até minha caminhonete no estacionamento do hospital.
Beatriz se apoia em mim, acho que sem perceber. Abro a porta e ela olha para
o banco, sem forças para subir. Eu a pego pela cintura e a ergo até o banco.
Depois, dou a volta e me sento no banco do motorista.
— Obrigada Igor, acho que não conseguiria chamar um Uber.
Ela continua pálida e pego seu pulso, verificando seus batimentos.
Talvez sua pressão esteja baixa. Vou cuidar dela hoje.
Ela me passa seu endereço e seguimos em silêncio até lá. Estaciono
na porta do seu prédio e ela permanece de olhos fechados. Desço, dou a volta,
toco sua mão e a chamo.
— Bia? Chegamos.
Ela abre os olhos e a ajudo a descer.
— Obrigada, eu...
— Eu vou subir com você, me deixe te ajudar, por favor.
Ela parece pensar por alguns segundos, mas a exaustão vence e ela
assente com um suspiro. Passo os braços pelo seu ombro e seguimos
abraçados até a porta do seu apartamento. Tiro as chaves da sua mão e abro a
porta.
Ela entra e deixa a bolsa sobre o sofá. Tranco a porta e tomo as rédeas
da situação. Seguro seu rosto entre minhas mãos e digo com firmeza.
— Tome um banho, vista algo confortável enquanto preparo algo para
comermos.
Ela tenta negar, mas dou um beijo em sua cabeça e a viro para o
corredor.
— Agora, vai.
Ela some em um dos quartos e me viro para a cozinha. Abro a
geladeira e olho as opções. Não tem muita coisa. A melhor escolha são os
legumes. Pego batata, tomate, cebola, abobrinha e pico tudo rapidamente.
Refogo a cebola, com um pouco de alho e coloco os legumes adicionando
água quente, para fazer uma sopa.
Quando Bia reaparece, está quase pronto.
— O cheiro está bom, mas não sei se consigo esperar, preciso deitar –
ela afirma com os olhos cansados.
— É rápido, mais cinco minutinhos. Vem cá.
Eu a puxo até o sofá e a deixo recostada, pegando seus pés. Foram
muitas horas em pé. Começo a massageá-los e ela geme baixinho. Se eu
também não estivesse tão cansado, provavelmente ficaria excitado.
Após alguns minutos, eu a deixo e confiro a sopa. Adiciono um
pouquinho de sal e pronto. Encho uma tigela que encontro no armário e levo
até ela.
— Consegue comer?
Ela assente e pega a tigela da minha mão. Sopra uma colher cheia e
experimenta com cuidado.
— Hum, delicioso. Obrigada.
Vou até a cozinha novamente e coloco um pouco para mim. Retorno e
me sento ao seu lado.
— Não sabia que cozinhava.
— Um homem da minha idade precisa saber fazer de tudo. Cozinhar é
fácil, eu gosto.
— Por que não se casou? Por conta da sua mãe?
— Não, claro que não. Posso me casar e ainda cuidar dela — dou de
ombros — apenas não achei alguém que valesse a pena. E você?
— Não dou muita sorte nesse quesito. Amor é algo bem complicado,
acho que não nasci para isso.
— Vejo meus amigos tão felizes no amor, Rafael, Helena e Saulo, até
o Davi... penso, por que não eu? É possível, eu acredito que ainda vou
encontrar alguém.
— Hoje em dia é difícil encontrar um homem com valores, com
caráter, alguém que queira levar um relacionamento a sério.
— Eu digo o mesmo das mulheres. Já fui muito usado por aí.
Ela engasga e bato as mãos em suas costas.
— Usado? Igor, faça-me o favor...
— Sim, usado. Por que não? Acha que só os homens usam as
mulheres? Está bastante equivocada Dra. Beatriz! – Afirmo, ironicamente.
Ela me encara incrédula e continuo:
— Tem mulheres que querem apenas dormir com o negro bem-
dotado para saber como é e contar para as amigas.
— Sério? Nunca imaginei...
— É verdade, infelizmente.
Terminamos de tomar a sopa em um silêncio confortável. Pego sua
tigela e deixo tudo dentro da pia. Volto e a puxo do sofá.
— Vem, vou te colocar na cama.
— Igor!
— Para dormir. Nem em sonhos estou pensando em algo além disso
nesse momento.
Eu a conduzo pelo corredor de mãos dadas até o quarto onde vi ela
entrar. É um quarto pequeno, com cama de casal, guarda roupa e uma
pequena mesinha com um notebook em cima. Puxo as cobertas e ela se deita,
sem discutir. Seu pijama é comprido, de malha, confortável. Eu a cubro e
beijo sua cabeça.
— Descanse, sem hora para acordar amanhã. Vou trancar a porta e
jogar a chave por baixo.
— Se quiser ficar, tenho outro quarto disponível.
— Obrigado, mas também preciso de um banho e da minha cama.
Boa noite, ou melhor, bom dia!
O dia está quase amanhecendo quando saio de lá. Entro no carro e
recosto no banco. Estou mega exausto, mas faria tudo novamente. Beatriz é
fenomenal, operar com ela é um aprendizado e cuidar dela... é um prazer e
tanto!
Sorrio sozinho e ligo o carro. As coisas estão melhorando entre nós.
Acho que eliminei o “doutor” de sua fala e talvez entre no rol dos seus
amigos. É um grande passo.
Acordo com meu celular tocando. Não faço ideia das horas, não
encontro o aparelho perto de mim e desisto de procurá-lo, ficando na cama
mais um pouquinho. Só que basta me lembrar do dia anterior e da cirurgia da
pequena Ana, para pular da cama.
Pode ser do hospital, preciso de notícias dela. Pego minha bolsa na
sala e procuro o celular, está quase descarregado, o que me faz voltar ao
quarto correndo e conectá-lo ao carregador.
Tem várias ligações perdidas, inclusive da minha mãe. A última foi
do Dr. Guilherme, no momento, é a mais importante. Toco em seu nome e
aguardo que ele atenda.
— Dra. Beatriz, boa tarde!
Tarde? Tiro o aparelho do ouvido e confiro as horas na tela,
13h30min, dormi por nove horas. Jesus!
— Boa tarde Dr. Guilherme, desculpe, cheguei em casa mais de 4h da
manhã e desmaiei.
— Entendo, eu a acordei? Peço desculpas.
— Não, imagina — minto na cara dura — já tinha acordado, estava
fazendo algo para comer. Aconteceu alguma coisa com a menina?
— Não, ela está estável, ainda sedada, mas preciso parabenizá-la. Não
se fala de outra coisa neste hospital, já ouvi em detalhes sobre sua cirurgia.
Você fez um excelente trabalho, parabéns.
Uau, o diretor em pessoa me ligando para dar os parabéns. Fico
emocionada.
— Obrigada, mas fiz o que qualquer médico com o meu
conhecimento faria. Fiz a especialização para isso, fico aliviada que tenha
dado tudo certo.
— É um orgulho ter a senhorita em nosso time. A mídia está em cima
de mim para ter notícias da menina, divulguei seu nome como responsável
pelo procedimento, talvez precise dar uma entrevista sobre ela.
— Ah não, essa parte deixo para o senhor, pode falar por mim. Só vou
almoçar e sigo para o hospital.
— Se quiser tire o dia hoje, as coisas estão tranquilas por aqui depois
de ontem.
— Quero dar uma olhada na menina. Vou dar ao menos uma passada
por aí.
Nos despedimos e me sinto derrubada. As nove horas de sono não
foram suficientes. Tomo um banho para acordar, visto um jeans e uma
camiseta de malha e vou até a cozinha. Vejo as vasilhas na pia e me recordo
de Igor.
Ele cozinhou para mim. Cuidou de mim, me colocou na cama... quem
diria, o diamante negro foi gentil comigo. Lavo a louça me lembrando de
suas palavras. “Já fui muito usado”. Será que isso é verdade? Uma mulher
não pode forçar um homem a ficar com ela e, se ele foi usado, ele também
usou a garota, ou não?
Fico confusa e sacudo a cabeça. Ele acompanhou sete horas de
cirurgia comigo, depois de um dia inteiro de plantão na emergência, não é
para qualquer um. Ele é um excelente médico, o que não me surpreende.
Fecho a torneira e abro a geladeira. Preciso fazer compras. Penso em
descongelar uma lasanha, mas quero comida de verdade.
Troco a blusa e paro em um restaurante próximo ao hospital. Almoço
um prato generoso, minha dieta que vá para o inferno hoje. Sigo ao BHMed
me sentindo uma pessoa novamente.
Ao entrar, já percebo que as coisas mudaram para mim no hospital.
Os olhares se voltam na minha direção conforme passo e pessoas que nem
conheço me cumprimentam. Sigo para o CTI onde a pequena deve estar
internada para saber seu estado.
As enfermeiras me dão boas notícias e confiro seu prontuário. Graças
aos céus, ela segue bem e estável.
— E a família dela? – Questiono, curiosa.
— Os avós ficaram ontem até o fim da cirurgia, mas tiveram que ir
embora. Não devem voltar hoje, vão providenciar o velório e enterro da
família dela.
— Deus, não consigo imaginar uma situação assim. Ela vai precisar
de um apoio psicológico quando acordar.
— Claro, a Dra. Clarice vai acompanhá-la. Ela é psiquiatra e o Dr.
Guilherme já a encaminhou para o caso. Ela vai permanecer sedada hoje?
Dr. Wellington recomendou 48 horas de sedação. Decido examiná-la
antes de opinar.
— Vou dar uma olhadinha nela.
Faço minha higienização e me aproximo de seu leito. Dr. Wellington
fez um bom trabalho, claro que ela vai carregar uma grande cicatriz, mas pelo
menos tem sua perna de volta. Os pontos estão firmes, sem sinal de
inflamação. Confiro seus dados na prancheta, temperatura, pressão, ela está
estável e poderia acordar, mas quando encaro seus olhinhos fechados, penso
na dor que vai sentir ao acordar... e não estou falando de dor física. Meu peito
se contrai e decido deixá-la dormir por mais um dia, pelo menos até seus avós
retornarem.
Volto à enfermagem e confirmo a prescrição do Dr. Wellington. É
melhor que ela acorde com um parente ao lado e hoje provavelmente ela
ficará sozinha. Viro o corredor e encontro Nina.
— Bia! Queria muito te encontrar, fiquei sabendo da sua cirurgia,
parabéns, que orgulho da minha amiga!
Ela me abraça e retribuo emocionada.
— Para com isso, sou só eu aqui – estão me tratando como uma
celebridade e não sei se gosto disso.
— E o que está fazendo no hospital? Achei que estaria desmaiada em
casa.
— Ah eu desmaiei, nem sei como cheguei em casa, se não fosse
Igor...
— Igor? O Dr. Igor?
— Sim, ele foi o anestesista junto comigo. Depois me deu uma carona
até em casa. Aliás, preciso comprar um carro. Seu cunhado ainda tem uma
agência?
— Sim, o Guilherme[4], vou te passar o telefone dele por mensagem.
— Obrigada, estou dispensada hoje, quem sabe ainda consigo resolver
isso.
Ligo para o cunhado de Bia e pego um táxi até sua agência na Av.
Antônio Carlos. Guilherme me recebe com gentileza, eu já o conhecia e
prefiro fazer negócio com ele.
— O que está procurando, novo ou seminovo?
— Hum, prefiro novo claro, mas algo com preço bom. Não preciso de
nada luxuoso, só um carro para me locomover com conforto, que não me
deixe na mão e tenha uma manutenção barata.
Ele me mostra algumas opções e escolho um Sandero prata. É
pequeno, mas confortável e vai me atender perfeitamente. Guilherme vai
fazer o emplacamento e me entregar em alguns dias. Assim que chego em
casa, minha mãe me liga, acabei me esquecendo de retornar sua chamada.
— Filha! Ouvimos seu nome na televisão, foi você quem operou a
menininha que perdeu a família?
— Sim mãe, fui eu.
— Não se fala de outra coisa. Como conseguiu colar uma perna?
Rio de sua simplicidade ao tratar do assunto. Como se bastasse passar
cola e pronto!
— Não é colar mãe, é reimplantar, é bem complicado e trabalhoso,
mas foi o que aprendi em São Paulo.
— Então valeu a pena. Seu pai está até babando para os amigos dele.
Quando vem nos ver?
— Na primeira oportunidade, mas ainda não sei quando será. Eu aviso
quando for. Te amo mãe.
Desligo e caio no sofá. Estou cansada, mas não posso dormir
novamente. Preciso regularizar meu horário. Ligo a televisão e vejo mais
algumas notícias sobre o maldito acidente. Tantas pessoas morreram, não foi
só a família da Ana. Tudo por conta do motorista irresponsável da carreta.
Tudo indica que ele dormiu no volante. A irresponsabilidade de uma pessoa,
elimina a vida de tantas outras e ainda destrói as que ficaram, como a da
pequena Ana.
Essa situação me faz pensar, hoje estou aqui, amanhã não posso estar.
Somos muito vulneráveis e basta um erro de alguém para passarmos de uma
pessoa real para uma estatística. A vida é um sopro e precisamos aproveitar
cada instante. Meu pensamento voa para Igor, ele foi tão gentil ontem, será
que... não Bia! Nem pensar! Ele é bonito e não é para o seu bico, a vida é
curta, mas não precisa se machucar a cada verão. Chega de tombos.
Mudo o canal e procuro um filme ou algo para me distrair nesse fim
de noite. Sozinha.

Encontro o diamante negro no dia seguinte assim que entro no


hospital.
— Bom dia, descansou? – Ele pergunta com um sorriso gentil.
— Bastante e você?
— Também. Teve notícias da Ana?
— Sim, passei por aqui ontem, ela ainda está no CTI, embora esteja
estável. Vamos ver se a família dela aparece hoje. Não quero que acorde
sozinha.
Entramos na sala de descanso e Igor cumprimenta um médico boa-
pinta. Esse ainda não conheci.
— Fala Davi, tudo bem?
— Tudo.
— Davi, essa é a Dra. Beatriz, nossa nova ortopedista.
— Dra. Beatriz? Foi você que fez a cirurgia da menina?
Contenho a vontade de revirar os olhos, fiquei famosa, ao menos
dentro do hospital.
— Sim, fui eu – respondo erguendo minha mão.
— O Davi é primo do Rafael, ele é psiquiatra. Você vai atender a
menina?
— Não, eu não trabalho com crianças e adolescentes. Provavelmente
será a Dra. Clarice.
— Isso, é ela mesma — confirmo — primo do Rafael? Que mundo
pequeno.
— Cheguei aqui antes dele, Rafa seguiu meu caminho.
Pego um uniforme e me dirijo ao vestiário.
— Foi um prazer Dr. Davi, nos vemos por aí.
Troco minha roupa e subo para ter notícias de Ana. A enfermeira
responsável diz que a avó virá no período da tarde. Busco por Dr. João e o
aguardo finalizar um atendimento.
Quando sua paciente sai, peço licença e entro em sua sala.
— Vou tirar a sedação de Ana, vamos deixar que acorde.
— Ok, tudo bem. Quando ela acordar, gostaria de examiná-la e fazer
alguns testes.
— Eu sei, cruze os dedos para dar tudo certo.
— Vai dar, não tem o que dar errado, nós fizemos um bom trabalho.
Respiro fundo criando coragem para encarar seus olhinhos abertos.
— Eu o chamo assim que ela estiver consciente.
Subo para o CTI e indico para as enfermeiras do setor, a suspensão da
sedação. Os analgésicos e outros medicamentos permanecem. Peço que me
avisem assim que ela acordar.
Começo uma ronda de rotina, atenta ao meu celular. Minha cabeça
não se afasta dela. Sou acionada no fim da manhã e retorno ao CTI em passos
rápidos. Faço a higienização, coloco a máscara e sigo direto ao seu leito. Vejo
seus olhinhos abertos e confusos.
— Oi querida! Meu nome é Beatriz, sou sua médica. Consegue me
dizer seu nome?
— Ana Maria – sua voz é baixinha e fraca.
— Ana Maria! Sente alguma dor?
Ela nega com a cabeça.
— Enjoo, sede? Me conte como se sente.
— Sede, eu quero água.
Busco um copo de água e a ajudo a tomar. Não sei até que ponto devo
conversar com ela sobre o acidente. Talvez seja melhor esperar a Dra.
Clarice. Opto por falar apenas o essencial sobre a cirurgia.
— Você machucou bastante sua perna direita. Eu tive que fazer uma
cirurgia e ela vai ficar boa, mas você vai precisar ficar aqui no hospital alguns
dias, depois mais um tempo de repouso em casa, certo?
Ela acena e continuo:
— Quero que aperte esse botãozinho caso sinta dor ou ache que tem
alguma coisa estranha. Vou chamar o Dr. João que fez a cirurgia comigo e
juntos vamos te examinar.
Me afasto e peço para chamarem o neurologista. Alguns minutos
depois, ele entra e segura a mão de Ana.
— Oi pequena, que bom ver esses olhos lindos abertos. Meu nome é
João,
Ela sorri em resposta e me aproximo.
— Estava te esperando para a examinarmos.
Retiro o lençol de cima dela e removemos o curativo. Ana parece
estar mais assustada que realmente com dor.
— Vou tocar em você e quero que pisque se sentir meus dedos, certo?
– Pede, Dr. João.
Ele a toca vagarosamente em várias partes do membro implantado e
Ana responde todas as vezes. Nos entreolhamos aliviados.
— Consegue mexer seus dedos dos pés? – Pergunto a ela.
Vemos os dedinhos se mexerem lentamente.
— Dói — ela reclama.
— Tudo bem, pode descansar agora. Você foi ótima. Hoje de tarde
vou te transferir para um quarto e lá você vai se sentir melhor, tudo bem?
Ela concorda e me afasto junto com Dr. João. Na saída, sou
apresentada à Dra. Clarice. É uma mulher na faixa dos quarenta anos, com
cabelos curtos e uma expressão gentil.
— Tem notícias da família dela? — Questiono — Pretendo transferi-
la para o quarto, mas não quero que fique sozinha.
— Os avós vão vir depois do almoço. Foi uma grande tragédia. Eles
enterraram a filha, o genro e o outro neto ontem.
— Vou deixar a transferência autorizada. Quando a avó chegar, ela
faz a alteração na recepção. Ela vai ficar bem? – Questiono, aflita.
— Com o tempo acredito que sim, mas esse momento será bem
difícil. Preciso trabalhar com ela e os avós. Eles também precisam de apoio.
Perderam uma filha e precisam assumir uma criança. Não é fácil. Com
licença, quero conversar com ela agora que acordou.
Ela se afasta e volto aos consultórios. É um dia triste. Apesar da
minha cirurgia ter sido um sucesso, me sinto derrotada.
Horas mais tarde, me aproximo do quarto dela para me apresentar aos
seus avós e encontro Igor no corredor.
— Tudo bem? – Ele indaga ao ver minha expressão triste.
— Estou indo conhecer os avós dela. Vem comigo? – Convido
subitamente. Talvez esteja sendo covarde, mas é exatamente assim que me
sinto.
— Eu? Não seria estranho?
— Não, você participou da cirurgia, não é estranho. Vamos comigo?
– Meu tom é de quem implora e, embora odeie isso, me sinto fraca e ele foi
um ótimo apoio quando precisei.
— Certo, vou com você.
Caminhamos lentamente até a porta de seu quarto. Bato devagar e
empurro a porta.
— Com licença, posso entrar?
Tentei preparar meu coração, mas ver os olhos cheios d´água da
pequena Ana de mãos dadas com a avó, me machuca. E é possível ver uma
dor ainda maior nos olhos vermelhos e inchados da avó.
— Eu sou a Dra. Beatriz Mairinque, uma das médicas responsáveis
pela Ana Maria e esse é o Dr. Igor Medeiros.
Apertamos as mãos rapidamente e fico sem saber se digo algo como
“meus sentimentos” para a senhora na minha frente. Ana me salva ao
perguntar:
— Foi você que costurou a minha perna?
— Sim, fui eu, com a ajuda de outros médicos, inclusive do Dr. Igor
aqui.
— A maior parte foi ela quem fez – diz Igor ao meu lado. Escutei um
tom de orgulho em sua voz?
— Obrigada — agradece a pequena — quando eu posso andar?
— Vai demorar um pouco. Sua perna tem que cicatrizar e isso é um
processo lento. Aos poucos vamos iniciar alguns exercícios para você mexer
a perna, mas andar mesmo, ainda vai demorar uns dias, na verdade, muitos
dias. Eu prometo que vai andar novamente, mas precisa ser paciente.
Ela pisca e uma lágrima desce pelo seu rostinho.
— Você sabia que minha mãe e meu pai morreram? – Ela pergunta,
com a voz embargada.
Aceno em resposta, segurando meu choro e respiro algumas vezes.
Igor segura minha mão e responde em meu lugar.
— Nós sabemos e lamentamos muito. Ainda bem que sua avó está
aqui, ela vai cuidar bem de você.
A avó se abaixa e dá um beijo na menina, ela luta contra o choro tanto
quanto eu. Respiro fundo e pergunto:
— A Dra. Clarice veio aqui? Ela também vai te ajudar.
— Veio sim, ela que contou para a Aninha sobre os pais – afirma a
avó.
— Ela disse que eles estão no céu, mas vão continuar comigo, aqui –
ela toca o peito.
— É verdade — concordo com a voz rouca — eles sempre vão estar
com você, porque ninguém pode tirá-los do seu coração.
— E nem daqui — Igor toca sua cabeça com a outra mão — eu
também perdi meu pai e nunca me esqueci dele. Os momentos que vivemos
juntos ficarão para sempre na minha memória.
— Você também está triste? – Ela o questiona com os olhos úmidos.
— Às vezes eu fico triste quando me lembro dele, mas ele não
gostaria que eu vivesse chorando, então busco ser feliz, porque sei que é o
que ele desejaria. Os momentos especiais que teve com seus pais, vão ficar
para sempre com você. Tente lembrar com carinho desses momentos e não
com tristeza.
— Mas eu queria muito que a mamãe estivesse aqui, eu sinto falta
dela.
Os lábios dela tremem e sinto minha força ir embora junto com a dela.
Aperto a mão de Igor.
— Eu tenho certeza que ela está — Igor continua — Reze e converse
com ela, vai sentir seu amor através de Deus.
Ana começa a chorar e a avó a abraça. Uma lágrima escorre pelo meu
rosto e Igor se despede por nós.
— Se precisarem, podem nos chamar a qualquer momento.
Ele me puxa para fora do quarto e desabo em um choro dolorido
assim que ele fecha a porta. Igor me puxa em um abraço e deixo o choro sair,
abafado em seu peito. Ele me encosta na parede, me protegendo dos olhares
ao redor.
— Estou aqui com você. Vai dar tudo certo.
Não sei exatamente o que ele diz com isso, mas me agarro a estas
palavras. Preciso acreditar nisso.

O fim de semana chega e vou para a casa dos meus pais. Preciso de
colo, me sinto egoísta ao pensar, com alívio, que tenho meus pais quando a
pequena Ana perdeu os dois. Meu pai me abraça, orgulhoso, mas percebe
minha tristeza e desabafo com eles.
— Filha, não se sinta culpada por nos ter aqui, o que aconteceu foi
uma fatalidade. É terrível, mas de forma alguma deve se sentir culpada. Pelo
contrário, você deu a ela a oportunidade de andar com sua própria perna.
Imagina se, além de tudo, se tornasse uma pessoa com deficiência, seria mais
um trauma.
— Eu sei, mas é difícil entender a vida em alguns momentos, aceitar
que coisas assim acontecem aleatoriamente.
— Não sabemos se é aleatório. São os mistérios da vida.
É verdade, nos apegamos à religião em situações como essa, só Deus
para nos consolar em momentos de tanta dor. Aproveito cada segundo com os
dois, cada abraço e beijo que recebo guardo no coração. Volto para casa no
domingo com meu coração mais calmo.
Assim que entro no hospital na segunda-feira encontro Nina e ela vem
me abraçar.
— Bia, não se fala de outra coisa pelos corredores. Está famosa no
BHMed.
— Gente, foi apenas um procedimento, não é razão para tanto.
— Ah é sim. Uma cirurgia longa de reimplante total de membro não é
pouca coisa.
— Foi um trabalho em equipe, Dr. João ajudou muito e Dr.
Wellington finalizou, porque já estava morta, não sei como ainda estava em
pé.
— Pena que o Dr. Saulo não estava mais aqui. Ele faria um trabalho
fantástico na sutura. Sabia que o chamavam de “mãos de ouro”?
— Não sabia, interessante.
— Ele é um excelente cirurgião, sempre se destacou aqui. Hoje
trabalha em uma clínica chique lá no Belvedere e no PS[5].
— Eu já tinha ouvido falar dele, mas não sabia do apelido. Eu o
conheci no Bar do Leo, lá no seu aniversário, ele parece um cara simples.
— Ele é, Dr. Saulo é uma das melhores pessoas que já conheci, em
termos de caráter.
— E o Igor? O que acha dele? – Questiono sem resistir.
— Dr. Igor? Também é muito competente. O Dr. Wagner adora
quando ele está na emergência e olha que agradar o Dr. Wagner não é fácil.
Igor é bom em traumas, vai gostar de trabalhar com ele.
— Sim, eu já trabalhei com ele, sei que é um excelente médico, mas
estava perguntando sobre personalidade, o que acha dele?
— Ah sim, ele é legal comigo. A Mara é mais amiga dele que eu, mas
eu gosto dele.
— Eles têm um caso? Ele é pegador, tipo, o sucesso entre as
enfermeiras?
Nina começa a rir e tampa a boca para não chamar atenção.
— Não — ela responde quando consegue parar — depois da Vacatina
ele não pegou mais ninguém aqui. Acho que já te falei isso.
— Depois de quem?
— Da Valentina. É uma longa história, vou resumir. Ela era
Coordenadora dos residentes e os assediava. Rafael e Igor foram algumas das
vítimas, até que os dois elaboraram um plano e ela foi denunciada. Foi um
babado dos grandes, ela foi mandada embora e perdeu a licença.
Ok, estou chocada. Quando penso que nada no mundo pode me
chocar, algo inesperado me surpreende. É comum termos mulheres
assediadas no trabalho, mas homens, é algo inusitado.
— Eu até participei do plano, não te contei na época porque estava em
São Paulo. Igor me avisou que estava indo para a sala dela, eu avisei Rafael e
Dr. Emerson que tinha algo errado acontecendo na sala dela. Os dois foram
para lá e a pegaram fazendo um boquete nele. Dr. Emerson é um médico
antigo e respeitado, ele foi direto no Dr. Guilherme.
— Meu Deus, e não deu problema para o Igor?
— Ele levou uma suspensão, não foi pior porque ele era a vítima. Foi
comprovado o assédio, Rafael tinha provas das conversas entre eles e outros
residentes denunciaram também. Por isso o apelido, ela era uma vaca.
— Nina, estou cho-ca-da!
— Chocados ficaram Rafael e Dr. Emerson quando pegaram os dois
— Nina recomeça a rir — dizem que o tamanho do Dr. Igor é absurdo.
Nina afasta as mãos e demoro a entender do que ela está falando,
então meu espanto se torna maior. O tamanho que ela me apresenta é
extremamente exagerado.
— Isso é fake, ninguém tem um pau desse tamanho.
— Eu não vi, mas o boato que rola é esse.
Boato esse que escuto desde a Universidade, deve ser verdade.
Merda, além de bonito é bem-dotado. Ninguém merece, ou melhor, alguém
deve merecer, alguém que não seja eu.
— Feliz da Vacatina — afirmo dando de ombros — ou infeliz, sei lá,
nunca experimentei algo assim.
— Nem eu. Lipe tem um tamanho perfeito, não preciso de nada maior
que ele. Imagino que deve ser desconfortável algo tão grande, mas por que
me perguntou sobre ele?
— Só curiosidade, ele me acompanhou na cirurgia da menina e depois
me levou para casa. Foi gentil.
— Ele é, muito educado e gentil, simpático... ficou interessada?
— Eu? De jeito nenhum, bonito e com pau grande? Sem chance
comigo, é problema e desilusão na certa.
— Para com isso Bia. Me dá nos nervos quando começa com essa
coisa de homem feio.
— Beleza não põe mesa, já ouviu esse ditado? É verdade e eu gosto
de uma mesa farta.
— Seu professor lá de São Paulo não era bonito e se deu mal do
mesmo jeito. O problema não é beleza, é caráter.
Não tenho argumentos contra isso. A campainha toca e Nina é
obrigada a se afastar. A história da Vacatina fica na minha mente o dia
inteiro. Que mulher atrevida! Preciso saber melhor sobre isso.

Helena me liga no sábado, convidando para um almoço de garotas.


Ela pegou meu telefone com Rafael e combinamos de nos encontrar em um
restaurante no bairro de Lourdes. Aceito o convite animada, preciso estender
minhas amizades. Nina infelizmente não pode me acompanhar.
Chego ao local e encontro Helena, Alex e pasmem, Isabella
Grazielle[6]! Ela segura no colo um bebê que é a coisinha mais fofa do
mundo. Deixo meu lado tiete que está berrando dentro de mim, aflorar,
afinal, a mulher é um mito.
— Não acredito, é Isabella Grazielle! Meu Deus, você é linda demais,
mulher! O que está fazendo aqui?
Ela me dá um sorriso caloroso e antes que possa responder, Helena se
adianta:
— Bella é casada com o Davi, primo do Rafa. Ele é meu primo
também, sempre o chamo de primo, dei até o nome dele para meu filho.
— O Dr. Davi psiquiatra? Eu o conheci... gente, é verdade, eu vi na
televisão quando ele a pediu em casamento, só não guardei o nome. Que
mundo pequeno!
— Senta Bia — ela pede me apontando a cadeira — aqui eu sou
apenas a Bella, sou muito amiga das meninas. Essa é a Chiara, minha bebê.
Ela é muito novinha, não tive coragem de deixá-la em casa.
— É linda também, puxou a mãe. Parabéns! Posso tirar uma foto com
você depois? – Peço sem vergonha alguma. Sou fã mesmo.
— Claro, vamos tirar algumas juntas.
— Ei Bia, também estou aqui – reclama Alex.
— Alex, tudo bem? Desculpa, fiquei empolgada porque ela é a
primeira famosa que conheço pessoalmente.
Troco beijinhos com todas e me acomodo na mesa.
— Fiquei sabendo da tua cirurgia pelo Rafa, foi incrível o que fizeste
– elogia Helena.
— Também fiquei sabendo, me deu muita vontade de voltar para o
hospital – completa Alex — acho que depois desse bebê vou fazer ligadura.
Três estão de bom tamanho e quero voltar a fazer cirurgias, estou sentindo
falta.
— Capaz! – Helena exclama e rio baixinho, seu sotaque é ótimo —
Meu irmão está de acordo com isso?
— Está, ele disse que o corpo é meu e eu decido. Ele não confessa,
mas acho que ficou até aliviado. Ter filhos hoje em dia não é fácil, ainda mais
para nós que trabalhamos muito.
— Onde vocês trabalham afinal? — Indago, curiosa — Sei que
trabalham juntas.
— Sim, trabalhamos meio horário em uma clínica que meu avô
construiu — conta Helena — fica em uma comunidade carente. Os
atendimentos são gratuitos, mas nós recebemos, a clínica funciona com
doações e verba do governo.
— Que incrível, seu avô teve uma grande iniciativa. Ele também é
médico?
— Sim, Dr. Rodolfo Albuquerque, ele é cardiologista. Já ouviste falar
dele?
— Claro que sim, vi uma palestra dele, quando estava na
Universidade.
— Ah eu estava lá também. Foi quando o reencontrei depois de sair
de casa.
— Depois pode me contar melhor sobre a cirurgia da menina? —
Pede Alex — Fiquei impressionada, queria assistir algo assim.
— Conto sim, mas em outro momento, coitada da Isabella, ficar
ouvindo sobre medicina não é nada interessante para ela.
— Boa tarde! — Giovana chega e temos outra rodada de
cumprimentos e beijinhos.
— Pronto a mesa está completa, que tal pedirmos? Estou com fome. –
Sugere Isabella.
Enquanto aguardamos o almoço, toco no assunto que me incomodou a
semana inteira.
— Vocês conheceram a Valentina? Nina me contou o que houve no
hospital e confesso que fiquei chocada.
Giovana engasga e Helena responde, indignada:
— Não me lembres daquela bruxa. Ah que ódio eu tenho daquela
mulher.
— Abusada, era uma vaca, ainda bem que se deu mal! – Exclama
Alex.
— Então é verdade? Ela assediava os residentes? Como ela fazia isso?
São homens adultos...
— Ela se oferecia e seduzia os rapazes — conta Helena — e depois
não deixava que saíssem fora.
— Ódio tenho eu, quando penso que Rafael esteve de caso com ela
por mais de um ano — afirma Giovana.
— Mais de um ano! — Repito, aturdida — Gente, por que não
denunciaram essa mulher antes?
— Eles tinham medo de perder a residência. Foi assédio no real
sentido da palavra, porque embora eles concordassem e transassem com ela,
ela usava do cargo para mantê-los com ela — explica Helena.
— E quando Rafa voltou comigo, ela não quis deixá-lo sair fora —
prossegue Giovana — ela chegou a me enviar mensagem e me ofender.
— Jesus, que víbora! Ela era bonita pelo menos?
— Era vistosa, não há como negar – responde Helena.
— Meninas, o Davi teve caso com essa aí? – Indaga Isabella,
preocupada.
— Não, fiques tranquila. Davi era efetivo, ela só pegava os residentes.
Ela curtia os novinhos.
— Saulo também ficou fora. Se ela colocasse as mãos nele, juro que
eu a assassinava! – Exclama Alex e pela sua expressão, eu não duvido que ela
o fizesse.
— Ela não seria louca de tocar no meu anjinho, eu te ajudava a
esconder o corpo – completa Helena.
— Ninguém lutou pelo Rafael — lamenta Giovana — deveriam ter
feito alguma coisa para tirar meu marido das garras dela.
— Teu marido queria estar nas garras dela, sinto muito — retruca
Helena — cansei de puxar a orelha dele por conta disso.
— E o Igor? Ficou muito tempo com ela? – Não resisto a perguntar.
— Acho que o mesmo tempo que o Rafa, mais de um ano, mas foi
dele a ideia do flagrante. Ela estava assediando um residente que era mais
inocente e Igor viu que o rapaz estava constrangido e ficando mal, então
resolveu expor a situação – conta Giovana.
— E fez em grande estilo pelo que ouvi.
As risadas correm pela mesa e todas afirmam, com exceção de
Isabella que ainda não sabia da história.
— Sim, um enorme estilo — concorda Helena — pelo que Rafael
contou foi algo impressionante.
— E olha, Rafa não é pequeno — Giovana sussurra — para ele ficar
impressionado...
— Deus me livre! — Exclama Alex mais uma vez — não sei como a
Valentina gostava disso, não consigo sequer imaginar transar com um homem
desse tamanho.
— Imaginar eu consigo e já sonhei muito com isso quando era mais
nova. Hoje estou mais pé no chão. Se o cara tiver habilidade com a boca me
dou por satisfeita – respondo em seguida.
— Sem dúvida, é uma habilidade essencial – concorda Helena e as
outras acenam em seguida.
O garçom chega e interrompemos nosso momento de confissões
íntimas. O almoço é longo e divertido. As meninas contam que costumam se
reunir esporadicamente, quando deixam os filhos com os maridos, e me
comprometo a me juntar a elas sempre que possível.

No domingo acordo com um telefonema inesperado. Olho incrédula o


nome de Igor na tela, olho as horas e são pouco mais de oito da manhã.
Atendo com meu coração acelerado de preocupação, ele não iria me ligar no
domingo tão cedo se não fosse importante.
— Igor, o que aconteceu?
Trabalhei um plantão de doze horas no sábado e quando me deitei
pensei que teria uma longa noite de sono, mas às sete da manhã acordo com o
grito da minha mãe.
Pulo da cama no susto e a busco pela casa. Encontro minha véinha
caída no chão da cozinha.
— Mãe, o que houve?
Sua expressão é de dor e fico em dúvida se devo levantá-la ou a
deixar imobilizada.
— Eu escorreguei no tapete e caí, me ajuda aqui, filho.
Puta que pariu! Já pedi oitocentas mil vezes para tirar esses malditos
tapetes da casa, mas ela os ama, até que demorou para acontecer algo assim.
— Mãe não foi por falta de aviso, quantas vezes já te pedi para não
colocar tapete espalhado pela casa? Na cozinha principalmente.
— Me ajuda a levantar moleque e para de me dar bronca que eu sou
sua mãe!
— Vou dar bronca sim, se age como criança, merece ouvir. Me diz o
que está doendo antes de levantar.
— Só o meu pé. Anda menino.
Ela me estende a mão e a ignoro por um instante, me ajoelho ao seu
lado e esfrego meus olhos nublados de sono. Pego seu pé e tento apalpar, mas
ela geme de dor e mal me deixa encostar.
— Mãe, me deixa te examinar primeiro. Não posso te levantar sem ter
ideia do que aconteceu.
— Me examina no sofá, me levanta daqui, Igor!
Reviro os olhos e peço paciência a Deus.
— Sente alguma dor nas costas? Bateu as costas ou a cabeça quando
caiu?
— Não, eu caí de lado, é só meu pé que está doendo, já falei.
— Tudo bem, vou te puxar devagar, vai sentar primeiro. Se doer mais
alguma coisa me avise.
Eu a ergo lentamente e a coloco sentada. De fato, parece ser apenas o
pé que já está começando a inchar. Carregar minha mãe é algo difícil, minha
véinha é gordinha e pesada. Suspiro pensando em como chegar na sala. Puxo
uma cadeira e a levanto colocando-a primeiro ali.
Vou até meu quarto e busco uma cadeira de escritório com rodinhas.
Levo até a cozinha e a ajudo a passar para ela. Não é o ideal, mas consigo a
empurrar até a sala e finalmente a coloco no sofá. Vou até a cozinha e pego
uma bolsa de gelo.
— Deixe no pé por um tempo. Vou trocar de roupa, vamos ter que
tirar um raio-x.
— Eu não vou para hospital, você sabe disso.
Desde que meu pai morreu, minha mãe não entra em hospital. Ela
ficou meio traumatizada e acha que se entrar em um hospital não vai sair de
lá viva.
— Mãe, você não está morrendo, é só um raio-x. Em menos de uma
hora estamos voltando para casa.
— Você é médico, de que adianta ter um filho médico se ele não pode
me tratar em casa?
— Eu não tenho aparelho de raio-x aqui, não tenho como fazer tudo
em casa – explico com paciência.
— Me dê só um remédio para dor, eu vou ficar bem.
— Precisamos ver se quebrou alguma coisa. Se quebrou, vai precisar
imobilizar, talvez engessar.
— Eu não vou Igor, não vou, você sabe que eu não entro em hospital,
eu jurei quando seu pai morreu.
Depois de meia hora de discussão eu desisti. Eita véinha teimosa,
Jesus! Também não posso deixá-la em casa sem ter certeza do que aconteceu.
Paro por um instante e penso em minhas opções. Levar minha mãe à força
não é boa ideia. Ela não vai ouvir minha irmã, como não me ouviu. É preciso
outra opinião médica.
Acho que vou ouvir um não enorme, mas é minha mãe e por ela eu
arrisco. Procuro o número de Beatriz no grupo do hospital e faço a ligação.
— Igor, o que aconteceu?
Sua voz é de sono e tenho certeza que a acordei. Ela vai me xingar até
minha quinta geração.
— Bom dia Beatriz, me desculpe por te acordar... de verdade, me
desculpe. Minha mãe levou um tombo agora de manhã na cozinha e a véinha
é tinhosa, não quer ir ao hospital de jeito nenhum. Parece que foi uma torção
no pé esquerdo, mas não tenho certeza se quebrou, ela mal deixou eu tocar.
Preciso de uma opinião de alguém com mais experiência ou talvez você a
convença a ir ao hospital...
— Você quer que eu vá até sua casa?
Ela parece incrédula e percebo que me precipitei, ela não vai me
ajudar.
— Sim, primeiro eu pensei em chamar a Alex, mas ela está grávida e
tem dois bebês, então pensei em você, mas pode deixar, vou me virar aqui.
— Igor, eu vou, me passe o endereço por mensagem.
— Você vem? Vem mesmo?
— Se me ligou é porque precisa de mim, eu vou claro.
— Ok, obrigado, obrigado mesmo.
— Me dê alguns minutos para eu levantar e me arrumar.
— Pode vir com calma, não é nada grave. Vou te enviar o endereço.
Desligo aliviado, envio meu endereço a ela e sigo até meu quarto para
me trocar. Coloco uma bermuda, uma camiseta e arrumo minha cama. Minha
bela noite de sono não durou muito. Retorno à sala e encontro minha mãe
com expressão de dor, entrego a ela um analgésico e um copo de água.
— Tome, vai aliviar um pouco, mas não é a solução. Uma colega que
é ortopedista vai vir aqui dar uma olhada em você.
— Para que? Você não é médico?
— Sou mãe, mas ela é especialista, acho que hoje é a melhor que
temos no BHMed. Seja educada com ela, por favor, e a deixe examiná-la.
Eu a ajeito melhor com algumas almofadas e vou até a cozinha.
Coloco uma leva de pão de queijo no forno. Ao menos um café posso
oferecer à Bia. Estou terminando de coar o café quando a campainha soa e
retorno à sala para abrir a porta.
A visão que tenho de Beatriz me deixa estático por alguns segundos.
Porra, ela está linda. Os cabelos cacheados emolduram muito bem seu rosto
perfeito. Me perco em seus olhos bonitos e ela me dá um sorriso acanhada.
— Bom dia. Vim o mais rápido que consegui, por sorte não moramos
longe.
De fato, moramos em bairros vizinhos, perto ao BHMed. Abro a porta
e faço um gesto para que entre. Aproveito enquanto ela passa e deixo meus
olhos correrem pelo seu corpo. Bia veste um jeans claro que marca sua bunda
perfeita, sandálias baixas e uma blusinha de manga curta. Simples e bonita.
Pigarreio, para voltar a realidade e a apresento à minha mãe.
— Mãe, essa é a Dra. Beatriz, a melhor ortopedista que temos no
hospital, e essa é minha mãe Ivone, a mulher mais teimosa do universo.
Bia sorri e me surpreende ao se ajoelhar em frente à minha mãe. Ela
pega suas mãos e a cumprimenta.
— É um prazer conhecer a senhora, uma pena que seja em uma
situação assim, o que houve? Como se machucou?
— Eu escorreguei no tapetinho da entrada da cozinha. Não foi nada
grave, meu filho é exagerado, não precisava ter chamado você.
— Às vezes os menores tombos são os mais graves, não há como ter
certeza. Vou dar uma olhadinha, está bem?
Beatriz se senta na ponta do sofá, retira a bolsa de gelo e me entrega.
Ela apalpa com cuidado desde o pé da minha mãe até a panturrilha. Vejo que
ela sente dor, mas se controla, coisa que não faria se fosse eu a examinando.
Realmente santo de casa não faz milagre como dizem por aí.
— Dona Ivone, eu sinto dizer, mas vamos precisar ir até o hospital
para tirar um raio-x.
Suspiro, pois, já sei a resistência que vamos enfrentar.
— Eu não vou em hospital querida, não precisa, basta me dar alguns
remédios.
— Não é bem assim, até para sabermos o remédio certo, precisamos
saber o que aconteceu e só vamos ter certeza com o raio-x.
— Igor disse que você era a melhor médica do hospital. Antigamente
os médicos examinavam a gente e sabiam o que aconteceu, hoje vocês não
sabem nada.
— Mãe! Pelo amor de Deus...
— Eu entendo o que quer dizer, mas não é bem assim. Antigamente
os médicos não tinham os recursos que temos hoje, então faziam os
diagnósticos diante do que viam, muitas vezes dava certo, mas algumas vezes
não dava. Hoje temos recursos para identificar e tratar o problema com
precisão, de forma que a senhora sofra menos e fique boa mais rápido. Por
que não quer ir ao hospital?
— Meu pai morreu no hospital, ela acha que se entrar no hospital não
sai de lá viva – Dou a explicação envergonhado, porque é algo ridículo, mas
infelizmente é o pensamento da minha mãe.
— A senhora já fez um raio-x? É como tirar uma fotografia, não dói e
não mata ninguém. A senhora vai sair bem rapidinho e muito viva de lá –
Beatriz explica com paciência.
— Eu não quero, Igor sabe que odeio hospital, tem que ter outro jeito.
— O hospital existe para cuidar das pessoas e não para matar.
Imagina se todo mundo que entrasse lá morresse? Ele seria um campo de
concentração e não um hospital. É verdade que infelizmente perdemos
pacientes eventualmente, alguns que estão em estado grave, mas a maioria sai
de lá bem vivo. O caso da senhora não é grave e eu PROMETO que vai sair
de lá viva. Igor disse que sou a melhor médica do hospital, que tal confiar em
mim?
Ela olha para Beatriz em dúvida, talvez com vergonha de continuar
argumentando e por fim questiona:
— Você vai comigo? É você que vai fazer o raio-x?
— Eu vou com a senhora e fico ao seu lado o tempo todo. Prometo
que vamos e voltamos juntas.
Cruzo os braços e espero sua resposta, imagino que realmente esteja
sendo difícil para ela ceder.
— Tudo bem, mas estou confiando que é a melhor médica que existe.
Não posso morrer ainda. Igor não se casou e precisa de mim.
— Mãe! — Deus, essa véinha vai me matar de vergonha. — Eu sou
um homem adulto, posso me cuidar sozinho, não preciso de ninguém.
Beatriz solta uma gargalhada gostosa e segura a mão da minha mãe.
— Acho que seu filho não pretende se casar, então a senhora vai viver
muito ainda, o que é uma ótima notícia.
Não sei o que me aborrece mais, o comentário da minha mãe ou da
Beatriz. Claro que eu quero me casar, nunca disse o contrário e afirmo isso
em alto e bom tom.
— Eu quero sim me casar, apenas não encontrei a mulher certa para
isso.
O sorriso morre em seu rosto e ela sacode a chave do carro.
— É melhor irmos.
— Vou colocar uma calça e já volto.
Corro até meu quarto, coloco um jeans e pego minha carteira, passo
no quarto da minha mãe e procuro sua bolsa. Antes de retornar à sala, sigo até
a cozinha e desligo o forno, nosso café vai ficar para depois. Volto para a sala
e Bia sugere irmos em seu carro.
— Meu carro está aí na porta, é mais fácil colocá-la nele que na sua
caminhonete.
Ela tem razão, meu carro é alto e carregar minha mãe não é uma
missão fácil. Ergo Dona Ivone do sofá e ela se apoia entre nós dois. Devagar,
conseguimos a conduzir até o portão e ajeitá-la no banco do carona. Beatriz
me oferece a chave.
— Melhor você dirigir, eu vou atrás porque sou menor.
Concordo mais porque tenho pressa do que pelo conforto. Dirijo
rapidamente, pois as ruas estão vazias e em dez minutos paro em frente à
emergência do BHMed. Beatriz entra e busca uma cadeira de rodas.
Colocamos minha mãe sentada e posso ver o aborrecimento em sua
expressão.
— Mãe, vou estacionar e já volto, fique tranquila – beijo sua testa e
volto ao carro.
Entro no hospital e encontro Beatriz e minha mãe na triagem.
Cumprimento a enfermeira que a atende.
— Oi Clara, tudo bem?
— Dr. Igor, está trabalhando hoje?
— Não, a senhorinha aqui é minha mãe.
— Sua mãe? Ah, podem ir direto ao raio-x, podia ter me avisado Dra.
Beatriz.
— Obrigado Clara! – Pisco para ela e vejo com o canto do olho
Beatriz fazer uma careta.
Empurro minha mãe pelo corredor e Bia segue calada ao meu lado.
Por um milagre, o local está vazio e ela é a próxima a ser chamada. Beatriz
entra com ela e fico aguardando, rezando que seja apenas uma torção. Em
poucos minutos elas saem.
— E aí? – Questiono, aflito.
— Temos que aguardar Igor, ele vai me passar o resultado assim que
possível.
Nos sentamos e os minutos são longos.
— Desculpe te tirar da cama em um domingo de manhã – peço mais
uma vez à Beatriz, quando vejo ela bocejar ao meu lado.
— Já disse que não tem problema, mãe é mãe, sei que faria o mesmo
por mim ou pela minha mãe.
— Com certeza, pode contar comigo sempre, Bia.
Ela acena e fico satisfeito que tenhamos superado aquela coisa de Dr.
Igor e Dra. Beatriz, nada era mais irritante do que aquilo. O responsável pelo
raio-x abre a porta e entrega o envelope a ela. Seguimos até uma cabine vazia
na emergência e Beatriz olha as chapas na luz.
— Aqui Igor.
Ela aponta um detalhe na chapa e vejo uma pequena fissura no osso.
Não acredito, é muito azar.
— Está quebrado? – Indago, apenas para confirmar o que meus olhos
veem.
— Sim, mas não precisamos engessar, ela pode usar a bota para
imobilizar, vai dar mais conforto a ela, no entanto, tem que usar de forma
constante, só retirar para o banho.
— Droga! Está vendo mãe, quebrou o pé por causa daquela porcaria
de tapetinho, vou jogar todos no lixo, não quero ver nenhum deles no
caminho novamente.
Ela parece assustada e Beatriz se abaixa e segura sua mão com
carinho.
— É uma fratura pequena, vai curar rápido se a senhora for obediente
e fizer o que eu recomendar. Vamos comprar uma bota e a senhora só vai
tirar para tomar banho, precisa até dormir com ela. É ela ou o gesso, posso
confiar que vai usar direitinho?
— Quanto tempo?
— Umas duas a três semanas mais ou menos. Vou passar alguns
remédios para dor e, apesar de um pouco de incômodo, vai passar rápido.
Agora que tal sairmos daqui?
Minha mãe sorri e vejo que Beatriz a conquistou. Quem diria, minha
mãe sorrindo dentro de um hospital. Passamos em uma casa de material
ortopédico próxima ao BHMed. Compro a botinha e um par de muletas. Em
seguida, paro na farmácia e adquiro os remédios que Beatriz indica.
Ao chegar em casa, acomodamos minha mãe em sua cama, já com a
bota no pé.
— Sossegue agora, vai ficar de castigo por algumas semanas, por
conta da sua travessura – brinco com ela que se ajeita e agradece a Beatriz.
— Obrigada doutora, Igor tem razão, você é a melhor médica, além
de muito bonita e simpática.
— Eu que agradeço, foi um prazer conhecer a senhora. Agora
descanse.
Beatriz beija o rosto da minha mãe e a acompanho de volta à sala.
— Vamos tomar um café? Coei antes que chegasse e tem pão de
queijo.
Ela acena e passa a língua pelos lábios.
— Aceito, café e pão de queijo não tem como recusar.
Nos sentamos e a sirvo primeiro.
— Delícia, obrigada.
— Eu que preciso agradecer, sozinho não conseguiria levá-la ao
hospital.
— Vai precisar de ajuda, como vai fazer para trabalhar? Ela não pode
ficar sozinha.
— Vou ligar para minha irmã, ela vai ter que vir e ficar com ela. Ela
ajuda o marido em sua loja, mas vai ter que tirar uns dias para me ajudar.
Conversamos por alguns minutos, até que ela termina o café e se
levanta.
— Eu vou indo, qualquer coisa pode me ligar.
Sigo até a porta com ela e assim que a abro, Beatriz se despede:
— Até amanhã no hospital.
Em um ímpeto a puxo em um abraço e respondo em seu ouvido
baixinho:
— Até amanhã, obrigado.
Sinto seu cheiro gostoso, não é perfume, é o cheiro de sua pele e fico
arrepiado. Respiro fundo e a seguro firme por alguns segundos, então me
obrigo a soltá-la.
Ela parece desconcertada, me olha por alguns instantes e aguardo.
Acho que ia dizer alguma coisa, mas parece desistir e vai embora. Fecho a
porta e me encosto nela. Beatriz mexe comigo de uma forma perigosa. As
coisas entre nós são complicadas e um envolvimento com ela não é boa ideia,
na verdade, é péssima ideia. Somos colegas e depois da Valentina, jurei não
me envolver com ninguém do hospital.
Péssima ideia Igor, ela não é para o seu bico – sacudo a cabeça e
busco meu celular para ligar para minha irmã.
No dia seguinte encontro com Rafael na sala de descanso.
— Ei, que cara é essa? Dormiu mal, achei que estava de folga ontem.
— Eu estava, mas minha mãe levou um tombo e vim parar aqui com
ela. A véinha conseguiu a proeza de quebrar o pé. Aí já viu...
— Ah merda, mas ela está bem? É algo grave?
— Não, é uma fratura simples segundo a Beatriz, mas ela é idosa e
mantê-la quieta é um desafio.
— Segundo a Beatriz?
— Sim, ela me ajudou – conto rapidamente a ele nossa manhã de
ontem.
— Então vocês estão se acertando?
Penso em uma resposta adequada para essa questão.
— Acho que sim, acho que vamos conseguir ser amigos, ou pelo
menos, bons colegas.
Ele me analisa e tento disfarçar o quanto posso, mas Rafael tem o
dom de enxergar dentro da gente, ele deveria ser psiquiatra como seu primo
Davi.
— Você não parece muito satisfeito com isso – ele comenta por fim.
— Eu estou satisfeito, claro, não quero ficar pisando em ovos com
uma colega diariamente no hospital. Uma boa relação de trabalho é
fundamental.
— Sim, mas não é o que você gostaria – ele afirma, convicto.
— Porra cara, de onde tira essas conclusões? Nem eu sei o que eu
gostaria ainda. Estou satisfeito de acabar com aquela coisa de Dr. e Dra.
Aquilo me dava nos nervos.
— Você está a fim dela, admite Dr. Igor, dói menos quando
admitimos – ele me provoca com um sorriso no rosto.
— Eu ainda não sei. Ela mexe comigo, admito. Ontem passei o dia
pensando naquela peste, mas não dá, não posso me envolver com ela, além
do nosso passado complicado, é uma colega e jurei que não me envolveria
com mais ninguém aqui, ainda me lembro da Valentina.
— Caralho, não me lembra daquela mulher. Aquilo foi um pesadelo
que, graças a Deus, terminou. Beatriz não tem nada a ver com a Valentina,
não há sequer comparação entre elas. Vocês precisam conversar e esclarecer
o passado.
— Como? Ela não quer me ouvir, nunca quis, eu não posso obrigar.
— Então deixe o passado no passado e recomece do agora. Conquiste
a garota.
— Como se fosse uma tarefa fácil. Uma mulher magoada nunca
esquece a merda que fizemos.
— Gio me perdoou e minha merda foi enorme, então tudo é possível.
— Dr. Rafael, estão chamando o senhor no sexto andar – um
residente o alerta.
— Já estou indo. Boa sorte Igor, não desista caso ache que vale a
pena. Se ela voltou, é a vida te dando uma nova chance, aproveite.
Me troco para trabalhar e as palavras de Rafael me perseguem o dia
todo. Uma nova chance... será?

Encontro com Beatriz apenas no fim da tarde, nos cruzamos no


corredor por acaso.
— Ei Igor — ela me para segurando meu braço — e sua mãe?
— Tudo certo, ela dormiu bem e com os remédios não está
reclamando de dor. Minha irmã está com ela.
— Que bom, mande um abraço a ela.
Aceno e ela retoma seu caminho. Em um ímpeto a chamo:
— Beatriz!
Ela para e se vira para mim. Linda, meu coração acelera e apenas sei
que preciso tentar.
— Gostaria de jantar comigo?
Posso ver a surpresa em seu rosto e quase escuto sua mente
trabalhando em uma desculpa. Insisto antes que me responda:
— Apenas um jantar de agradecimento, por favor.
— Quando? Hoje saio tarde daqui.
— Quando quiser, sexta-feira estou de folga, se você puder.
— Sexta saio no horário normal, se não tiver nenhuma emergência —
ela dá de ombros — pode ser.
— Então ficamos combinados na sexta. Te pego em casa às 21 horas,
se tiver algum imprevisto você me avisa.
Ela concorda e seguimos nosso caminho. Sinto alívio e uma ansiedade
como não sentia há tempos. Minha vida amorosa andava realmente fraca, Bia
voltou em uma boa hora, talvez isso signifique algo.

Estou olhando meu armário e escolhendo uma roupa para jantar com
Igor. Passei a semana refletindo se deveria ou não ter aceitado esse convite.
Me recordo mais uma vez que é apenas um jantar de agradecimento e tento
ignorar o tremor que sinto na barriga. — É fome sua besta, nada além disso.
Visto uma lingerie bonita apenas para me garantir. — Vai que
acontece um acidente e alguém precisa tirar minha roupa — ofereço a
desculpa mais ridícula para mim mesma.
O tempo está agradável e decido usar um vestido. Escolho um
modelito preto, preto sempre favorece. Grande parte dos meus vestidos são
pretos. Esse tem decote “V”, mangas curtas e vai até o meio das coxas. Tem
um estampado delicado em linhas prateadas, formando um desenho abstrato
na borda da saia.
Opto por uma sandália de salto médio, não sou boa com os altos e não
pretendo cair na frente dele. Jogo meu perfume favorito e me analiso no
espelho. Não estou mal, ainda dou um caldo. Viro de costas e analiso minha
bunda. Eu engordei um pouco nestes anos, mas minha bunda não chega na
metade da que a popozuda tinha.
Bia, juízo, ele não vai olhar sua bunda, aliás, ele nem vai reparar em
você garota, é só um jantar de agradecimento. – Relembro pela milésima
vez. Caprichei no cabelo e fiz uma maquiagem suave. Passo um batom rosa
delicado e finalizo minha produção.
Estou ajeitando uma clutch, quando o interfone toca. Atendo e aviso
que estou descendo. Tento acalmar meu coração no elevador e desisto
quando o vejo no portão me aguardando. Porra de homem gostoso! Igor
veste uma calça social preta e uma camisa de botão cinza. Estamos o par
perfeito.
Assim que me aproximo, sinto seu perfume amadeirado e seus olhos
medem meu corpo inteiro.
— Boa noite! – Eu o cumprimento com um sorriso tímido.
Ele estende a mão e assim que a pego ele desce o rosto e beija minha
bochecha.
— Boa noite, está linda!
— Obrigada, onde vamos?
— Pensei em um restaurante de comida árabe na Savassi, você gosta?
— Gosto, sou boa de garfo, como quase tudo.
Seguimos de mãos dadas até a esquina onde ele parou sua
caminhonete. Assim que ele abre a porta, desanimo com a altura e o meu
vestido.
— Para que um carro tão grande?
Ele ri baixinho e me ergue com facilidade, me colocando no banco do
carona.
— Poderia dizer que era meu sonho ter uma caminhonete, mas
descobri que a melhor parte é ajudar as mulheres a entrarem nela.
Bato minha clutch de leve em seu braço.
— Safado. Devia ter imaginado que seria algo assim.
Ele dá a volta e se senta ao meu lado. Antes de ligar o carro, ele liga o
som e a voz de Vander Lee invade o ambiente.
— Gosta? Posso trocar se quiser.
— Gosto muito, ele é sensacional, não me conformo que tenha
morrido tão jovem.
— É verdade, é um dos meus cantores favoritos. Foi uma grande
perda.
Seguimos conversando sobre música até o restaurante. O ambiente é
agradável, a comida deliciosa e fico surpresa quando uma música árabe
começa a tocar e algumas garotas surgem fazendo a dança do ventre entre as
mesas.
Uma delas para diante da nossa mesa e requebra com os olhos fixos
em Igor. Eu não consigo sequer ficar com raiva dela, meu chocolate favorito
é o homem mais bonito presente no restaurante. Mais do que a atitude da
garota, fico atenta à atitude dele. Ele observa a dança por alguns segundos e
me surpreende quando aproxima sua cadeira da minha e passa o braço ao
redor dos meus ombros. Como se fôssemos um casal.
Sinto meu rosto esquentar, a garota gira algumas vezes e sai na
direção de outra mesa.
— Ela é bonita — comento para puxar assunto — e dança muito bem.
— Verdade, mas você é mais interessante que ela.
— Não precisa me elogiar, não dá para me comparar com uma garota
como ela.
— Realmente não dá. Eu não gosto de meninas, hoje aprecio
mulheres e você se tornou uma mulher maravilhosa.
Não sei o que responder, ele está muito perto e sinto tudo esquentar,
das minhas bochechas até minha intimidade. Cruzo as pernas e acho que ele
percebe, porque escuto um riso baixinho. Ele acaricia meu ombro com o
polegar e aproxima o rosto do meu.
— Posso pedir a conta? Vamos sair daqui?
Deus, onde foi parar minha voz? Abro a boca, mas nada sai, me tornei
uma boneca de pano com seu carinho no meu ombro. Aceno em
concordância e tento colocar meus pensamentos em ordem enquanto ele paga
a conta.
Nós dividimos uma garrafa de vinho. Estou leve, mas não estou
bêbada. Continuo dona das minhas vontades. Beatriz reage! Você não é mais
uma tonta deslumbrada por ele, essa fase passou.
Sou uma mulher autoconfiante, responsável e dona de mim.
Então, por que minhas pernas fraquejam quando fico em pé? Me
apoio na mesa por um instante e Igor me oferece o braço. É melhor aceitar e
sair de braço dado com um homem gostoso que quebrar o nariz no chão.
Apenas por isso aceito seu apoio. Só por isso.
Quando chegamos na rua, ele solta meu braço e enlaça minha cintura,
passo o braço ao seu redor por instinto. Caminhamos abraçados até seu carro.
Na porta do carona, ele se vira e com a outra mão me puxa em um abraço.
Apoio as mãos em seu peito encarando seu pescoço, sem coragem de subir
meus olhos.
Ele desce o rosto e passa seu nariz entre meu cabelo, até encontrar
minha orelha. Todos os poros do meu corpo se arrepiam e, nesse instante, sei
que perdi a batalha.
— Quero te beijar — ele sussurra — quero muito, posso?
Eu não tenho voz, eu a perdi no restaurante e provavelmente ela ficou
por lá. Apenas ergo o rosto e encaro seus olhos negros brilhantes de desejo.
Abro meus lábios em um convite mudo que ele aceita de imediato.
Sua boca gruda na minha e me torno uma massa líquida em seus
braços. Ela é mais gostosa do que me lembrava, sua língua é mais afoita que
a minha e Igor me devora. E eu me deixo ser devorada por ele. Qualquer
pensamento racional me abandona e apenas sinto e sinto muito, mais que já
senti em minha vida.
Não sei quanto tempo ficamos nesse beijo, perco a noção de tudo, do
tempo, do espaço, das pessoas, do mundo ao nosso redor. Quando ele se
afasta, gemo em protesto, ele apoia o queixo na minha cabeça e me encosto
em seu peito recuperando o fôlego. Escuto seu coração batendo acelerado,
talvez tanto quanto o meu.
Depois de um minuto inteiro, ele abre a porta e me coloca no banco.
Passo o cinto de segurança com um aperto no peito, sem saber o que vai
acontecer agora. Igor se senta ao meu lado e busca minha mão.
— O que quer fazer?
Olho para ele surpresa, como assim o que eu quero fazer?
— Quer ir para casa? A decisão aqui é sua Bia, claro que eu quero
estender a noite com você, mas não quero precipitar nada, é você quem
decide.
Estou excitada, muito excitada, completamente molhada e tenho
certeza que o quero. Acho que nunca quis um homem como agora. Tento
pensar racionalmente, mas meu corpo se recusa a dar voz à minha mente.
Uma noite, eu mereço uma noite com ele, ainda que seja com anos de atraso.
Vou matar esse desejo do meu corpo e talvez então consiga superar essa coisa
que sinto por ele.
— Eu quero você – me forço a dizer e mal reconheço minha voz.
— Tem certeza? Podemos ir devagar.
Ir devagar? Eu o quero há mais de dez anos, tenho vontade de rir, mas
me controlo e apenas confirmo com a cabeça positivamente.
Ele liga o carro e entramos no trânsito. Igor liga o som e busca minha
mão. Não reparo o caminho que ele faz, apenas relaxo no banco e tento
controlar meu coração. Ele coloca minha mão sobre sua coxa e o encaro
enquanto dirige. Ele é lindo, uma perdição, minha tentação. Sei que nada vai
continuar como antes depois dessa noite. Igor um dia me rejeitou e mudou
minha visão dos homens. Hoje, ele vai me fazer sua e de alguma forma sei
que tudo vai mudar novamente.
Me perco em pensamentos e, quando percebo, estamos entrando em
um motel. Ele abre a porta do quarto e mal reparo o ambiente, minha atenção
é toda do homem ao meu lado. Igor vai até a cabeceira da cama, diminui as
luzes e coloca uma música baixinho.
— Gosta?
Não reconheço quem canta, mas é uma música antiga internacional,
romântica e sim, eu gosto, dá um clima perfeito. Jogo a bolsa na mesinha ao
meu lado e me aproximo. Se eu vou fazer isso, quero aproveitar o máximo
possível. Ele tira os sapatos, meias e desabotoa a camisa. Antes que ele a tire,
eu o puxo pela cintura e busco sua boca. Nos beijamos sem pressa. Ele me
segura pela cintura e começamos a dançar lentamente enquanto nos beijamos.
A música termina e ele se afasta retirando a camisa.
— Tira a roupa, te quero nua, Bia – ele pede, ansioso.
Descalço as sandálias e minhas mãos tremem quando puxo o vestido
pela cabeça. Me viro de costas e deixo que ele faça o resto. Sinto seus dedos
desabotoarem o sutiã e a peça escorrega até o chão. Igor se ajoelha atrás de
mim e desce minha calcinha devagar. Não tenho vergonha da minha nudez,
mas talvez de estar tão excitada.
Ele empurra minhas coxas abrindo minhas pernas e sinto seus dedos
subirem vagarosamente por elas. Cruzo os braços sobre o peito, tentando
inconscientemente acalmar meu coração. Seus dedos chegam na minha
intimidade e ele me toca com tanto cuidado que sinto vontade de chorar.
Igor desliza dois dedos suavemente pela minha fenda e testa minha
entrada com a pontinha do indicador. Então se ergue e me vira, vejo ele
provar meu gosto em seu dedo e em seguida ele me beija novamente. Desta
vez, mais contido.
— Vem cá delícia, quero você bem devagar.
Ele me puxa para a cama e nos deitamos um de frente para o outro.
Igor passa os dedos pelo meu rosto e fecho os olhos. Seus dedos descem pelo
meu pescoço, até meus seios. Igor brinca lentamente com eles, apenas
acarinhando. Abro os olhos e nos encaramos por um instante. Ele sorri e
retribuo. Ergo minha mão e começo a tocar seu peito em uma lenta
exploração como a dele. É como se estivéssemos nos conhecendo e é
gostoso. Como ele, quero que dure, também não tenho pressa.
Aos poucos, desço minha mão para o cós da sua calça e ergo os olhos.
— Tira, estou em desvantagem aqui – peço a ele.
— Ainda não, se eu sentir você tocar meu pau não vou conseguir ir
devagar.
Olho o volume se destacando em sua calça. Realmente parece ser
grande, rio baixinho lembrando de todos boatos que ouvi, finalmente vou
saber se é verdade ou não o que dizem sobre ele.
— O que foi? Está rindo de que?
Penso em inventar alguma coisa, mas não há motivo para isso, ele
deve saber a fama que tem.
— Finalmente vou descobrir se o que tem aí é grande mesmo ou é
lenda.
Ele ri junto comigo e beija minha mão.
— Faz diferença para você?
— Não, é apenas curiosidade.
— Jura? Se eu for uma grande mentira, pequenininho, não vai se
importar?
— Pequenininho eu já percebi que não é, mas não me importo de
verdade. Nunca namorei um cara bem-dotado e eles conseguiram me
satisfazer. Você beija bem, a língua para mim é tão ou mais importante que o
pênis.
Ele cai na gargalhada e esconde o rosto no travesseiro para rir. Não
sei onde está a graça, mas acabo rindo também. Ele enxuga os olhos no
travesseiro e me encara.
— Então você gosta de sexo oral?
— Alguma mulher não gosta? Só a que não experimentou ainda.
— Vou satisfazer você das duas maneiras, com minha boca e com
meu pau. Vem cá.
Igor me puxa e volta a me devorar com sua boca, depois a desliza até
minha orelha e a chupa devagar, meu corpo inteiro volta a arrepiar. É apenas
o início, aquela boca e língua fazem o reconhecimento completo do meu
corpo dedicando uma atenção especial aos meus seios e minhas coxas. Ele
me vira de bruços e lambe minha nuca enquanto agarra meu cabelo. Eu grito
seu nome, estou quase no limite e ele ainda não chegou lá.
Ele desce aquela boca divina pelas minhas costas e beija minha bunda
com carinho. Quando penso em implorar, ele ergue meu quadril e sua língua
encontra meu centro de prazer. Afundo o rosto no travesseiro e gemo. Acho
que estou escorrendo para ele e não tenho mais vergonha alguma. Rebolo em
sua boca, buscando meu prazer que não demora a chegar. Começo a
estremecer e Igor penetra um dedo com cuidado em mim, é a gota que faltava
para eu transbordar de prazer. O orgasmo me toma e meus joelhos falham,
mas ele me segura e suga meu prazer até eu parar de tremer.
Caio na cama em seguida, sem palavras. Foi mais que sensacional, foi
quente, íntimo e intenso. Igor sorri observando meu rosto.
— Linda. Linda e gostosa.
— Me dê alguns minutos – peço quando consigo.
Ele me puxa em um abraço apertado e relaxo no seu peito. Igor
acaricia meu cabelo sem pressa. Depois de alguns minutos em um silêncio
confortável, toco sua calça novamente.
— Que tal tirar isso agora? Estou achando que está me escondendo a
verdade. Não me importo que seja pequeno, eu sou pequena e vai ser perfeito
de qualquer modo.
Igor me solta e fica de pé ao lado da cama. Abre o botão da calça e
desce o zíper. Quando ele desce a calça junto com a cueca me sento em um
pulo.
— Igor! Meu. Deus.
Ele ri e se acaricia lentamente.
— Não é lenda Bia, e sim, vai ser perfeito.
Agora eu já não tenho certeza. Aquilo não vai caber em mim. Aquilo
não cabe em nenhuma mulher. Sempre tive curiosidade de transar com um
homem grande, mas não imaginava tudo isso, nem em meu maior devaneio.
Acho que não sabia que existia algo assim.
— Bia? – Ele se ajoelha na minha frente e descubro que ainda estou
embasbacada encarando seu membro.
— Igor, não vai dar... olha isso...
— Claro que vai, não desespera, relaxa, apenas relaxa.
Como? Ao mesmo tempo que o quero, tenho receio, Jesus, isso não
foi justo com os outros homens, por que tanto para apenas um?
Antes que eu continue argumentando com o Cara lá de cima, Igor me
puxa e toma minha boca mais uma vez. Ele me deita e recomeça a desvendar
meu corpo com sua boca sem pressa. Tento relaxar como ele sugeriu e
aproveitar. Ele suga minha intimidade novamente e sinto meu prazer
renascer. Igor é perfeito, ele não tem pressa, acelera e recua até eu me sentir
pronta.
Ele me provoca com seu dedo e sua língua até que começo a
estremecer novamente, então ele sobe o corpo e se coloca na minha entrada.
Instintivamente, fico tensa. Ele segura meu rosto e encara meus olhos.
— Não vou machucar você, confia em mim?
Aceno em concordância. Eu realmente confio. Ele coloca um
preservativo rapidamente e começa a me penetrar devagar, lentamente. Igor
me abre com um carinho e um cuidado que me surpreende. Aos poucos ele
avança, centímetro por centímetro, e nunca me senti tão completa.
Vejo o suor em sua testa e ele fecha os olhos. É sofrido para ele se
conter e meu coração se aquece ainda mais com seu cuidado.
— Tudo bem? – Ele questiona ainda de olhos fechados.
— Sim — acaricio seu rosto e beijo seu queixo — Entrou tudo?
— Tudo que eu consigo. Vou me mexer devagar, se sentir algum
desconforto me avise.
Abro mais as pernas e relaxo. Quero que ele tenha prazer, tanto
quanto ele me proporcionou. Igor começa a se mover. Ele se sustenta nos
braços e consigo ver nossos corpos se unindo. É lindo o contraste entre
nossas peles. Aos poucos, ele começa a acelerar e é impossível ficar imune.
Igor me toca internamente em lugares que nunca fui tocada, gemo alto e o
agarro com minhas pernas, querendo mais, querendo tudo. Ele me dá mais
prazer do que imaginei ser possível. Não sei qual de nós dois goza primeiro,
mas se antes foi intenso, agora foi devastador, é esta a palavra que melhor
descreve o que senti.
Igor terminou de me ferrar para os outros homens. Ele elevou o nível
a um patamar tão alto, que não vejo como chegar próximo ao que senti com
ele. Ele me puxa novamente para seus braços com a respiração ofegante.
— Porra Bia, o que foi isso? O que fez comigo?
— Porra Bia, o que foi isso? O que fez comigo?
Como? O que eu fiz com ele? Estou destruída aqui, mal me lembro do
meu nome. Ignoro seu comentário porque me concentro em recuperar minhas
forças. Minha intimidade ainda pulsa e meu coração bate descontrolado.
Igor retira a camisinha e a coloca com cuidado na mesinha ao lado.
Olho seu membro semi-ereto e começo a rir. Ele me olha, curioso.
— Desculpe, mas por mais que tivesse escutado os boatos não
imaginava algo assim. Já mediu? Sabe o tamanho?
— Vinte e cinco centímetros e meio bem medidos, quando estou
muito excitado.
— Igor, isso não é normal. Não entra inteiro em nenhuma mulher.
— Não é comum, realmente não é, e tem razão, nunca entro inteiro
em uma vagina, apenas em sexo anal.
Arregalo os olhos e meu espanto o faz rir.
— Não se preocupe, não vou exigir isso de você, mas se quiser tentar,
estou mais que disposto.
— Não sou tão maluca assim, ou tão corajosa.
— Poucas mulheres são, é o lado ruim de ser bem-dotado.
— Não consigo imaginar como é carregar uma mamba negra entre as
pernas.
— Uma o que?
— Mamba negra, aquela serpente venenosa, é uma das espécies mais
mortais pelo que me lembro.
Ele cai na gargalhada e se vira de lado para mim.
— Minha mamba não é venenosa, pode provar sem medo.
Encaro seu membro mais uma vez e minha boca saliva, é tentador. Eu
o toco e Igor fecha os olhos ao meu lado. Exploro com carinho aquela cobra e
a sinto endurecer em minha mão. Decido encarar, talvez seja minha única
oportunidade.
Empurro seu corpo e me coloco entre suas pernas. Começo
acariciando com as duas mãos, porque com uma só é complicado. Desço meu
rosto e passo a língua devagar sobre a ponta. Igor geme e isso me dá
coragem. Dou meu melhor ali e sei que Igor se contém para ficar parado,
aprecio seu esforço para não me machucar. Minutos depois ele me puxa e
segura seu membro para que me sente nele.
— Igor, não sei se consigo...
— Vem devagar, toma o que conseguir.
Estou prontíssima para mais uma rodada e ele desliza fácil, mas
apenas a metade já parece me encher. Ele me puxa sobre seu peito e cola sua
boca na minha. Nessa posição ele consegue entrar mais alguns centímetros e
começamos a nos mexer lentamente. É muito bom, na verdade, é fantástico.
Ele desce a boca pelo meu pescoço, morde meu ombro e me
enlouquece com sua língua. Quando sua mão me pressiona contra ele,
explodo de prazer. Rapidamente ele inverte nossas posições e arremete sem
dó por alguns minutos. Sem que eu espere, ele se retira e derrama seu prazer
sobre meus seios. Nem reparei que ele estava sem camisinha, ainda bem que
ele foi responsável.
— Pai do céu, não vou conseguir andar amanhã! – Exclamo, sentindo
minha intimidade latejando.
Igor tem a respiração ofegante, mas sorri na minha direção.
— Vai andar sim e se lembrar de mim o dia inteiro – ele pisca e dou
um pequeno soco em seu abdômen. Igor não é saradíssimo, mas tem um
corpo bem cuidado. Tem as pernas grossas e firmes e um peitoral de respeito.
— Vem, vamos tomar um banho e limpar você.
Ele me ergue e me sinto dolorida, realmente amanhã vou me lembrar
dele. Ele liga a água morna e me coloca sobre ela. Tenho o cuidado de não
molhar o cabelo. Igor é carinhoso e passa o sabonete com cuidado em meus
seios e depois entre minhas pernas. Pego o sabonete da sua mão e retribuo
como consigo. Nosso banho é rápido e não estendemos muito as carícias.
Acho que ele entende que não aguento outra rodada.
Enquanto nos enxugamos, Igor me traz de volta à realidade.
— Adoraria passar a noite aqui com você, mas preciso trabalhar
amanhã cedo.
— Eu também trabalho, minha folga é apenas no domingo.
— Então nos vemos amanhã no hospital. Vamos? Ainda dá para
dormir algumas horas.
Nos vestimos rapidamente e ele paga a conta. O caminho até minha
casa é feito de mãos dadas, ao som de Vander Lee novamente. Ele para em
frente ao meu prédio e não sei o que dizer, não sei como vai ser daqui para
frente, mas imagino que vamos seguir como amigos. Me lembro
perfeitamente que ele disse que não se envolvia com ninguém no hospital e é
claro que não espero um pedido de namoro.
— Te vejo amanhã então – ele diz e se aproxima, me dando um
selinho na boca.
— Claro. Obrigada pela noite, foi... uma experiência e tanto – digo
em tom de brincadeira para aliviar o clima, mas seu sorriso morre no mesmo
instante.
— Uma experiência? – Ele repete e agarra o volante virando o rosto
para frente.
Fico sem graça e não sei o que responder, mas tento melhorar minha
resposta, ele quer elogios?
— Sim, foi sensacional, uma noite para guardar na memória.
Ele parece magoado e se despede me convidando a sair do carro com
delicadeza:
— Foi sim, boa noite, é melhor você ir e descansar um pouco.
Aceno e desço do carro com dificuldade. Ele aguarda que eu entre no
prédio e o escuto arrancar em velocidade. O que aconteceu? Eu disse algo de
errado? Subo para o meu apartamento com um aperto no peito. Não
imaginava que nossa noite terminasse tão secamente, é assim que ele age com
as mulheres? Me sinto magoada e usada, embora ele não tenha me prometido
nada e eu não esperasse algo além de uma noite com ele.
Coloco uma camisola e me deito, mas o sono custa a vir. Meu corpo
me lembra de Igor e do que vivemos cada vez que me mexo. É uma noite
horrível e acordo péssima.
Entro no hospital ansiosa por vê-lo, mas ele está em atendimento
clínico e vou fazer a ronda dos pacientes recém-operados. As horas custam a
passar e só o encontro no meio da tarde, quando ele é requisitado para
acompanhar minha cirurgia.
Ofereço um sorriso quando ele entra, mas ele apenas me cumprimenta
secamente, caminhando direto ao paciente que ainda está acordado.
— Boa tarde Dra. Beatriz, pessoal, desculpem o atraso, não estava
escalado para cirurgias hoje, fui chamado de última hora.
Ele pega a prancheta com os dados do paciente e a analisa
rapidamente, faz as perguntas de praxe e prepara a medicação anestésica.
Percebo que ainda o observo incrédula e desvio meus olhos para o paciente.
Preciso me concentrar, apesar de ser uma cirurgia simples, tenho
responsabilidade.
A missão não é fácil. O tempo todo tenho ciência de sua presença ao
meu lado. O observo com o canto dos olhos algumas vezes e ele parece
perdido em pensamentos. O silêncio na sala chega a ser incômodo, mas não
consigo puxar assuntos aleatórios. Quando o procedimento termina, estou
exausta mentalmente. Sigo com Igor para fazer a assepsia e resolvo tomar a
iniciativa de uma conversa, somos adultos e não consigo fingir que nada
aconteceu entre nós.
— Igor, o que houve? Por que está assim comigo?
Ele hesita alguns segundos e responde sem me encarar.
— Aqui não é o lugar nem a hora para conversarmos.
— Então marque o lugar e a hora porque não estou entendendo nada.
Uma enfermeira entra e ele enxuga as mãos rapidamente.
— Nos vemos por aí, preciso voltar ao consultório.
Ele sai e me sinto uma idiota. O que eu esperava? Claro que eu seria
apenas uma foda para um cara como ele. Isso não me surpreende, eu já sabia
que não passaria de uma noite, mas não esperava que ele me tratasse dessa
forma. Tivemos um momento íntimo, no mínimo esperava sermos amigos,
algum gesto de carinho ou de respeito pelo que vivemos. Me sinto pior que
uma puta barata. Já tive sexo casual e algumas aventuras, mas nunca fui
tratada assim depois de uma noite com alguém.
Fico dividida entre a vontade de chorar e a de gritar de raiva. Como
não posso fazer nenhum dos dois, respiro fundo várias vezes para me acalmar
e conto os minutos para ir para casa.
Na hora de ir embora, encontro com Nina no elevador. Apenas ver
minha melhor amiga reacende minha vontade de chorar. Ela sorri e a abraço
apertado.
— Bia, está tudo bem? – Minha amiga me conhece bem, apesar de
termos ficado anos separadas.
— Não, não está. Me sinto um lixo.
— Ah, vamos lá para casa. Faço alguma coisa para comermos e
conversamos um bocado.
— Eu aceito, porque a ideia de ir sozinha para casa é péssima.
O caminho até a casa de Nina é longo, aproveito que estamos
sozinhas no carro e conto a ela primeiro sobre meu passado com Igor na
Universidade e por último a noite que passamos juntos.
— Bia, por que nunca me contou que o conhecia? Nunca soube de
nada disso, nem quando moramos juntas.
— Eu sei, Igor me marcou profundamente naquela época. Eu o amei
de verdade, não foi uma paixãozinha. E quando o reencontro, penso que o
superei para descobrir que na verdade, ele ainda mexe comigo. Mexe muito.
Decido dar voz ao meu corpo e veja a merda que fiz! Ele conseguiu me
magoar novamente, me sinto muito estúpida, como um homem pode fazer
Beatriz Mairinque de idiota duas vezes?
— Tem algo errado nessa história, não acredito que ele seja tão
cretino assim. Igor é gentil com todo mundo. Aliás, diria que vocês
combinam bastante um com o outro.
— Ele mal me olhou nos olhos. Chega a ser ridículo, se eu ainda não
estivesse dolorida de ontem, acharia que tinha bebido além da conta e tudo
não passou de uma alucinação.
— Falar nisso, me conta os detalhes, ele é mesmo grande como
dizem?
Mesmo com todo aperto no coração, tenho que rir. Basta me lembrar
da mamba negra para rir por alguns segundos.
— Sim, ele é — respondo quando consigo parar de rir — Ao menos
realizei minha fantasia de transar com um cara bem-dotado.
— E foi bom? — Nina faz uma careta — Não é incômodo? Não
machuca?
— Ele foi cuidadoso e carinhoso, ainda assim me sinto um pouco
dolorida porque no auge do momento ele se empolgou um bocado. Um cara
com um membro assim tem que saber o que fazer ou realmente pode
machucar uma mulher. Mas se eu for analisar a noite de ontem, foi nota dez,
não posso reclamar de nada. Acho que nunca vivi um momento íntimo tão
bom com um homem, talvez pelo que sinto por ele, não sei, foi uma noite
especial, que eu não vou me esquecer nunca. Pena que ele estragou tudo,
poucas horas depois.
— Vocês precisam conversar, ele te deve uma explicação. Liga para
ele amanhã que é domingo. Ele tem razão quando diz que o hospital não é o
lugar certo para conversarem sobre isso.
— Ele não me deve nada Nina. Não temos um relacionamento.
Estaciono em frente à casa dela e descemos, dando o assunto por
encerrado. Passo a noite com Nina e sua família e até durmo lá com preguiça
de ir para casa. A presença da pequena Sofia e o bom humor do Felipe, me
fazem esquecer de Igor e da minha noite quase perfeita.

Passo o domingo em casa cuidando da minha mãe, o que não


contribuiu muito para o meu humor. A véinha é difícil pra caralho quando
precisa ficar quieta. Se não está reclamando ou pedindo alguma coisa,
simplesmente fala sem parar. Começo minha segunda-feira de cabeça cheia e
me sinto de ressaca mesmo sem ter bebido uma gota de álcool.
Voltei ao período de fugir da Beatriz. É ridículo? Talvez, mas não
consigo olhar nos olhos dela sem demonstrar toda a mágoa que sinto e não
quero dar esse gostinho a ela. Olho a escala e para o meu alívio não estamos
juntos nenhum dia esta semana. Trabalho pela manhã em consultas pré-
cirúrgicas, fazendo laudos anestésicos e quando desço para almoçar já são
quase 14 horas.
Vejo Rafael sentado terminando seu prato e suspiro aliviado. Vai ser
bom rir um pouco com ele. Rafa sempre tem uma piada na ponta da língua e
um bom humor que contagia quem está em volta. É o que preciso.
— Não vou nem perguntar se posso sentar, já estou sentando – digo,
me acomodando na frente dele.
— Fique à vontade, mas já estou terminando — ele olha as horas —
tenho que estar no bloco cirúrgico em vinte minutos.
— Temos um tempinho. Diga algo para eu rir, alivie meu dia.
Ele sorri de lado e me analisa calmamente.
— Problemas no paraíso? Ah desculpe, é sua mãe, esqueci que ela
estava de repouso, ela piorou?
— Não, minha véinha é forte, ela dá trabalho, mas meu problema não
é ela... Rafa só me distraia.
— Rafa, só me distraia, por acaso tenho cara de palhaço? — Eu não o
respondo e ele continua — Tudo bem, o bêbado foi ao médico e ao voltar
para casa ele disse para a mulher: “Vamos ter que mudar de Minas”, a mulher
pergunta o porquê e ele responde: “O médico disse que no estado que estou
não posso beber mais”.
Rio baixinho, a piada é infantil demais.
— É o melhor que consegue?
— É o que tem para hoje, Henrique me deu um livreto de piadas de
médico, cara, é rir para não chorar, essa que contei é das melhores.
— Imagino a pior então.
— A pior é essa: A plantinha foi ao hospital, mas não foi atendida,
por quê?
Penso por um instante e dou de ombros.
— Porque lá só tinha médicos de plantão.
Quase engasgo com a comida e caio na gargalhada. É tão ridículo que
não consigo parar de rir.
— Está achando graça mesmo ou está rindo da minha cara? Eu tive
que ler o livro inteiro com ele e rir de tudo.
Enxugo os olhos e não vejo quando ele acena para alguém atrás de
mim.
— Oi Bia, senta com a gente.
Meu sorriso morre na mesma hora e perco a fome. Ela se aproxima
com uma bandeja e, após um segundo de hesitação, se senta ao lado de
Rafael.
— Boa tarde.
— Uma ótima tarde para vocês. Foi bom você ter chegado, eu preciso
ir. Faça companhia ao meu amigo, ele está precisando rir um bocado.
Rafael se levanta e tenho vontade de assassinar essa boca grande.
Largo os talheres, porque já não tenho vontade de comer e me ergo dois
segundos depois dele.
— Preciso ir também, desculpe Dra. Beatriz, tenho atendimento nos
consultórios.
Ela acena sem graça e por um instante me sinto mal. Caminho ao lado
de Rafael tentando não me lembrar que ela me usou na última sexta-feira.
— Ei, o que aconteceu entre vocês? – Ele indaga, curioso.
— Nada — suspiro — ou tudo, cara a coisa desandou de vez. Nós...
— Para, nem começa. — Ele me interrompe —Sou curioso e se me
contar vou querer ouvir até o fim e estou atrasado. Se quiser conversar vou
estar em casa de noite.
Rafael vira em direção ao elevador e me deixa sozinho, filho da mãe!
Vou até a sala de descanso pegar um café e encontro Davi. Ele é um cara que
já ajudou meus amigos quando precisaram de uma luz, talvez seja bom ter
uma conversa com ele.
— Dr. Davi Rabelo, ainda trabalha por aqui? – Brinco, já que faz
tempo que não o encontro.
— Há-há, muito engraçado. Como vai, Igor?
— Mais ou menos, na verdade, gostaria de conversar com você, tem
alguns minutos?
Ele olha o relógio e pensa por alguns segundos.
— Posso conseguir alguns minutos, uns quinze no máximo.
— Acho que dá, se importa de me ouvir no seu consultório?
— Quer uma sessão? Igor, se for isso, quinze minutos não dá,
podemos marcar...
— Só quero uma opinião, preciso te fazer uma pergunta.
— Tudo bem, vamos então.
Ele pega seu jaleco e o sigo até seu consultório.
— Nívea, me dê quinze minutos antes do primeiro paciente – ele pede
à recepcionista e abre a porta indicando que eu entre.
Nos sentamos e me sinto desconfortável, talvez não tenha sido uma
boa ideia.
— Pode perguntar, aproveite seus quinze minutos – ele incentiva.
— Ok — respiro fundo e tomo coragem — um homem pode se sentir
um objeto sexual?
— Claro que sim. Sentimentos, sejam eles quais forem, não são
divididos por gênero. Não existe isso de: só mulher sente isso, somos seres
humanos antes de qualquer coisa, sujeitos a qualquer tipo de sentimento. Está
se sentindo assim?
Aceno, ainda envergonhado, apesar de suas palavras.
— Deus, tenho até medo de perguntar — Davi passa as mãos pelo
cabelo — mas lá vai: Isso ainda tem a ver com a Valentina?
— Não, ou melhor, tem e não tem. Valentina foi só mais uma. Você
sabe, acho que todo mundo no hospital sabe que sou um cara bem-dotado. As
mulheres se jogam em mim curiosas para ver e saber como é transar com um
cara assim e por um tempo eu me senti o máximo, mas hoje, eu quero mais
que isso. Me sinto usado quando transo com uma mulher e ela diz, no fim da
noite, que eu fui uma experiência incrível.
— Eu entendo e não tem nada errado em se sentir assim. Se não é isso
que quer, precisa se posicionar em seus relacionamentos.
— Como? Existe uma mulher... eu achei que seria diferente com ela,
juro que achei que tinha encontrado alguém que valesse a pena, cheguei a
pensar que ela poderia ser a mulher certa. Tivemos uma noite espetacular,
não me lembro de me sentir tão empolgado com uma mulher como me senti e
no fim da noite, ela jogou um balde de gelo na minha cabeça quando disse
essa frase.
— Igor, precisamos conversar melhor sobre isso, quinze minutos não
são suficientes. Posso te aguardar no fim do dia se quiser.
Fico em dúvida e ele lê meus pensamentos, Davi é foda como meus
amigos dizem.
— O que disser aqui, fica aqui. Jamais comentaria com alguém o que
conversarmos, nem mesmo com minha esposa. Talvez seja melhor que eu te
indique alguém, somos amigos e...
— Eu prefiro você. Uma sessão, eu pago.
Ele sorri de canto como Rafael, em alguns momentos, os dois se
parecem muito.
— A primeira é de graça. Devo terminar entre 19 e 20 horas. Igor,
precisa confiar em mim. Aqui somos médico e paciente, lá fora continuamos
amigos. Eu não costumo atender amigos ou parentes, não é ético, mas como a
questão envolve o que aconteceu aqui no hospital com a Valentina, me sinto
na obrigação de te atender.
— Eu confio Davi, até mais tarde.
Subo para o consultório com um misto de alívio e medo no peito. Não
preciso me envergonhar de nada do que vou dizer e não tenho nada a perder.
Finalizo meus atendimentos, me troco e aguardo Davi em sua
recepção. Uma paciente sai com os olhos vermelhos e fico em dúvida se
estou fazendo o certo. Davi é famoso por jogar sal na ferida e porra, sinto um
frio na barriga pelo que me espera.
Ele acena me chamando e entro em sua sala novamente. Me sento em
uma poltrona e aguardo ele se acomodar na minha frente. Não sei como
começar.
— Vamos retornar a nossa conversa — ele inicia — Você disse que
se sentia um objeto sexual. Desde quando se sente assim?
Avalio a pergunta e busco em minha mente a resposta.
— Não sei dizer ao certo. Acho que as mulheres sempre me usaram,
mas quando era mais jovem não me importava, na verdade, eu gostava.
— Certo, vou reformular a pergunta: Quando começou a se sentir mal
com isso? Teve algum fato ou alguém que te levou a se sentir usado?
— Acho que foi com a Valentina. A partir dela isso ficou bem claro
diante dos meus olhos. Até porque chegou um momento que eu não queria
mais e ela não permitiu que eu saísse fora.
— Você foi assediado, foi um abuso, mesmo você sendo homem.
Nossa sociedade é machista ao extremo e pensamos que um homem não pode
ser assediado ou usado. Um homem de verdade deve estar sempre pronto
para o sexo e, se ele diz não, parece que não é homem o suficiente.
— Eu sei que foi assédio, assisti as palestras que realizaram na época,
mas não posso dizer que eu era inocente, ao menos no início eu quis. A
Valentina era uma mulher bonita e não vou mentir dizendo que não queria
transar com ela.
— Entendo, no início foi consensual. Quando deixou de ser?
— Não sei dizer exatamente. Por alguns meses foi bom. Ela era uma
mulher quente e estava sempre disponível, mas era para ser sexo casual e a
coisa foi se estendendo, ela querendo mais, se tornando possessiva...em
algum momento perdi o tesão, mas ela se impôs como minha Coordenadora e
fiquei com medo de perder a residência.
— No segundo em que não queria mais, deveria ter colocado um
ponto final. Aliás desde o início vocês agiram errado, não só você, mas
Rafael e os outros residentes que se envolveram com ela. Se ela deu em cima
de você e você quis retribuir de boa vontade, ok. Vocês eram adultos e livres,
mas deveriam se relacionar fora do hospital. Aqui dentro, nunca.
— Eu sei, eu tive minha parcela de culpa, mas fui eu que a entreguei
de um jeito ou de outro – lembro a ele.
— Sim, e se arriscou demais. Você poderia ter perdido não só sua
residência, como sua licença também. Sua sorte é que você não era a única
vítima, então a coisa pesou para o lado dela, mas você teve sim grande
parcela de culpa. Primeiro quando se envolveu com ela aqui dentro, segundo,
quando estendeu esse envolvimento além do momento que não queria mais e
por último, quando criou um teatro que te expôs desnecessariamente diante
de seus colegas. Vocês, que foram assediados por ela, podiam ter ido juntos
ao Dr. Guilherme e apresentado uma queixa.
— Achei que ele não acreditaria em mim. Até hoje tenho minhas
dúvidas se uma queixa seria suficiente.
— Talvez se você apresentasse sozinho realmente não fosse, mas se
fossem juntos, isso teria um peso. Poderiam ter apresentado outras provas,
mensagens trocadas entre vocês, mas você se expôs muito Igor. Imagino que
arque com as consequências até hoje.
— Com certeza. No entanto, o que sinto não é só em relação à
Valentina. Acho que o que aconteceu com ela só me abriu os olhos. Fico
confuso, porque me sinto usado, mas também usei muitas mulheres apenas
por prazer. Acho que não tenho o direito de me sentir mal com isso, quando
fiz o mesmo muitas vezes.
— Espera, estamos falando de coisas diferentes. Uma coisa é sexo
casual, outra é usar alguém. Não há nenhum problema em sexo casual. Se há
o consentimento das duas partes para uma noite de prazer, não há nada errado
e ninguém está usando ninguém. Quando você diz para uma mulher: Quer
passar a noite comigo? Está claro que é aquela noite. Se você a convida para
repetir, talvez signifique algo mais, então se é apenas sexo que pretende,
deixe isso evidente: ‘Curti nossa noite, gostaria de repetir eventualmente?’
Agora, se você faz promessas, coage ou ilude alguém para a levar para a
cama, então sim, você está usando alguém.
— Entendi.
— No caso da Valentina, pode até ter iniciado como sexo casual e
consensual, com o tempo, deixou de ser casual e por último consensual, o que
caracteriza o abuso, e como existia uma relação profissional entre vocês,
enquadramos como assédio. Você tem todo direito de se sentir usado.
— Engraçado, na época não me senti tão mal, mas hoje vejo que essa
coisa me afetou. Foi depois dela que esse sentimento ficou evidente para
mim. Acho que me expus demais como você falou e comentaram tanto sobre
o “meu tamanho” — faço aspas com as mãos — que quando me deito com
uma mulher sinto que ela está ali apenas para conferir se é real e me sinto um
objeto sexual, mesmo que seja casual e consensual.
— Certo, essa é outra questão. Temos várias questões a trabalhar:
Responsabilidade emocional e estereótipo, além do abuso obviamente. E
todas estão interligadas dentro de você. Vamos falar um pouco sobre
estereótipo. Estereótipos são rótulos generalizados sobre pessoas ou grupos.
Na maioria das vezes são depreciativos e preconceituosos, mas nem sempre.
Há estereótipos positivos e esses não costumamos levar em conta. No caso
aqui, temos o estereótipo do homem bem-dotado. Espera-se que um homem
bem-dotado deva ser bom de cama, estar sempre disposto e pronto para
transar em qualquer lugar e situação, com qualquer mulher... é isso?
— Basicamente sim, mas eu diria que o estereótipo envolve o negro
bem-dotado,
— Não necessariamente. Falamos mais sobre os negros porque a sua
raça tem uma estrutura física geralmente maior que a dos brancos, mas um
homem branco conhecido por ser bem-dotado, sofreria a mesma pressão. É
irônico porque a maioria dos homens deseja ser bem-dotado e não fazem
ideia que pode ser um problema, mas pode.
— Com certeza pode. Como disse antes, quando era jovem achava o
máximo, até que descobri tudo que isso envolve.
— Você já se sentiu pressionado a transar com alguém sem vontade,
fora a Valentina?
— Não que eu me lembre. Talvez tenha acontecido, mas eu não
atinei, só me senti assim depois dela.
— E para completar, você foi exposto para todos colegas e se tornou
alvo de comentários e piadas sobre o tamanho do seu membro. Claro que
tudo isso influencia para que se sinta um objeto.
— No início as piadas não me incomodavam, mas tudo tem limite.
Não quero ser conhecido ou reconhecido como o cara do pau gigante.
— Eu entendo perfeitamente o que você passa porque lido com uma
vítima de estereótipo todos os dias dentro de casa. Isabella sempre repete que
ela é mais que um rosto bonito e um corpo gostoso. É como enxergam uma
modelo como ela. O que eu posso te dizer é o mesmo que disse à minha
esposa. Você precisa ser forte para enfrentar o estereótipo e se mostrar além
disso. Não há outro jeito, infelizmente. Cabe a você mostrar às pessoas que é
mais que um pau gigante. Mostre a todos o médico competente que é, o
amigo leal, o colega gentil... com o tempo vão reconhecer suas qualidades e o
tamanho do seu pau vai ficar em segundo plano.
— Eu tento e dou meu melhor. Acho que meus colegas já entenderam
isso, apesar das brincadeiras eventuais, sei que reconhecem minhas
qualidades, já com as mulheres...
— Você acha que as mulheres te procuram apenas pelo tamanho do
seu membro?
— A maioria delas, mas o contrário também acontece, algumas fogem
quando descobrem o que as espera.
— Na hora “H”? — Davi pergunta, surpreso — Acontece dela
descobrir na hora ou você a avisa de alguma forma?
— Geralmente é na hora. Algumas se assustam quando olham, não
fico avisando antes, é constrangedor fazer isso.
— Imagino. E você para numa boa? Nunca forçou ninguém, certo?
— Claro, eu não sou um estuprador. Acontece de conversarmos e eu
conquistar a confiança da garota e aí irmos em frente. Com o tempo aprendi a
lidar com essa situação, mas de todo jeito se ela disser não, é não, por mais
frustrante que seja.
— Parabéns, é assim mesmo que deve agir. Você percebeu que sabe
ouvir o não de alguém em posição mais delicada, no entanto, não conseguiu
dizer o não, quando você era a parte frágil?
— Nunca me vi como uma parte frágil.
— Mas era. Quando a Valentina impôs sua posição para subjugar
você, através de ameaças, insinuações, ou seja lá o que ela usou, você era a
parte frágil. Você não disse não por medo. Medo de perder a residência,
medo de ser exposto como um homem fraco, medo de ser julgado pelos
colegas...
— É verdade. É mais fácil ouvir o não, que dizer.
— Nosso tempo acabou por hoje, mas quero que pense nisso tudo que
conversamos. Você precisa reconhecer o estereótipo que faz parte e lutar
contra ele, esse é o primeiro ponto. Aceitar seu corpo como ele é, porque isso
não vai mudar, imagino que não queira fazer uma cirurgia para diminuir seu
pênis.
— Claro que não! – Exclamo e rimos juntos da sua sugestão.
— Então, aceite o que não pode mudar e aprenda a lidar com as
situações que cheguem a você. Esse é o segundo ponto. Quero que me relate
na próxima sessão, algumas dificuldades que enfrenta por conta dessa
característica. Pode ser?
— Pode. Você sabia que eu me renderia a outras sessões, né?
— Óbvio. Não existe um problema que se resolva em uma sessão.
Caso aconteça, não é um problema.
— Espero que me faça um preço camarada.
— Eu te atendo aqui no hospital pelo convênio, não esquenta.
— Obrigado Davi. Você não é tão terrível como falam por aí.
Ele cai na gargalhada e me surpreende ao dizer:
— O Davi que joga sal na ferida é só um estereótipo!

Na semana seguinte aguardo ansioso a próxima sessão com Davi. Ele


me recebe novamente no fim do dia e assim que nos sentamos ele retoma de
onde paramos.
— Pensou no que conversamos?
— Pensei. Você disse para eu pensar em algumas dificuldades que
enfrento por ser bem-dotado?
— Isso. Coloque alguns problemas que enfrenta, fora as piadinhas
obviamente.
— Sempre tive medo de machucar uma mulher, principalmente
quando era mais novo. Hoje superei esse medo, aprendi a ser cuidadoso para
isso não acontecer. O problema maior é a reação das mulheres, ficam
deslumbradas ou assustadas, não há um meio-termo.
— O que é pior para você? Que fiquem assustadas?
— Claro, é frustrante ter que parar com a marcha engatada e já
aconteceu muitas vezes. Outra questão, nem toda posição elas topam, sexo
anal é algo muito raro na minha vida.
— Nem toda mulher curte sexo anal, independentemente do tamanho
do membro, mas imagino que sua situação dificulte ainda mais. Cabe a você
conversar e convencê-las, caso estejam abertas a esse tipo de relação. E as
que ficam deslumbradas?
— Essas são fáceis de lidar, mas são as que me fazem sentir um
objeto de estudo.
— Atualmente você se sente um objeto com qualquer mulher, em
toda situação, ou se sente assim com alguma mulher específica?
— Acho que me sinto assim com qualquer mulher que fique
deslumbrada olhando meu pau. De algum tempo para cá, porque nem sempre
isso me incomodou como já disse. Acho que com a idade comecei a querer
mais. Talvez ver vocês encontrarem o amor verdadeiro, me fez querer algo
diferente.
— Entendi, é como você disse na última sessão, só que de forma mais
específica. Você quer que as mulheres te vejam como um homem além do
seu “pau”.
— Isso. Não sou um animal exótico ou um rato de laboratório. Não
sou um objeto de estudo, sou um homem porra, tenho sentimentos.
— Com certeza. Para você ser reconhecido assim, são necessárias
duas coisas. Que se mostre como tal em primeiro lugar e que trate as
mulheres como deseja ser tratado em segundo lugar.
— Não entendi...
— Se você quer ser tratado como um homem com sentimentos por
uma mulher, deve apresentar esse homem a ela. Fora da cama. Se você
conhece uma garota e a leva para o motel na mesma noite, o que ela vai ver
em você? Seu pau gigante, obviamente. Se quer uma mulher realmente e
mostrar a ela quem você é, precisam se conhecer primeiro, conversar. Saia
para jantar, ir ao cinema... Claro que podem rolar beijos e amassos, isso faz
parte de conhecer alguém, mas se vai direto ao sexo, não espere muito além
disso. Se quer mais que sexo, ofereça mais que isso.
Aceno a cabeça em entendimento. Davi tem razão. Poucas vezes me
permiti conhecer uma mulher além da cama. Geralmente só buscava sexo
casual e esperava uma mágica acontecer.
— Vamos falar um pouco sobre Responsabilidade emocional.
Precisamos ser responsáveis em qualquer relacionamento na vida. Com
membros da nossa família, com nossos amigos, até mesmo com nossos
bichinhos de estimação. Se existe um relacionamento de alguma forma, existe
uma responsabilidade emocional em relação ao outro. O que é isso? É
apresentar de forma honesta e sincera seus sentimentos por essa pessoa. É ter
empatia e respeito pelo outro, conduzir suas ações de acordo com estes
sentimentos. Dentro de um relacionamento amoroso, chamamos isso de
responsabilidade afetiva. Está me acompanhando?
— Sim, já li algo sobre isso na época da Universidade.
— Ótimo, vamos adiante então. Lembra que falei para colocar as
cartas na mesa quando leva uma garota para a cama? Se quer sexo casual
deixe isso claro. Tive muitas mulheres antes da Bella, muito sexo casual.
Tinha até algumas “parceiras fixas”, mas sempre deixei muito claro que eram
noites de sexo, nada além disso. Se alguma se iludia e queria mais, eu me
afastava sem culpa, para não incentivar um apego que não seria
correspondido. Isso se chama responsabilidade afetiva. Então, se quer algo a
mais, deixe isso claro também, por que seria diferente?
— Às vezes queremos sexo casual, mas criamos expectativas
diferentes depois de uma noite de amor.
Ele me encara e um traço de compreensão passa por seus olhos.
— Sim, pode acontecer de você mudar de opinião ou terem
expectativas diferentes. Por isso é importante conversar e expor suas
intenções. Mesmo que não sejam com palavras, atitudes deixam claro suas
intenções. Se você foi para a cama com uma mulher, apenas por prazer, mas
sentiu algo além disso e quer repetir, diga a ela, a convide para jantar. Mostre
que foi importante para você, que significou algo e quer mais.
— E se ela deixar claro que para ela foi apenas uma ótima
experiência?
— Cabe a você conquistá-la. Se achar que vale a pena, tente. Pode
não dar certo, mas pode dar. Talvez ela mude de ideia e vocês tenham a
oportunidade de se conhecerem melhor. Você disse quando me procurou que
havia encontrado uma mulher, desenvolvemos outros assuntos e não falamos
mais sobre ela. Acho que é hora de me contar o que aconteceu entre vocês.
Penso em Beatriz e não sei nem como começar. Decido ser honesto e
contar tudo desde o início.
— Essa mulher é a Beatriz.
— Beatriz?
— A Dra. Beatriz Mairinque, a nova ortopedista — Davi me encara
chocado e se não fosse minha bagunça, riria de seu espanto — fique
tranquilo, não nos relacionamos aqui no hospital. Na verdade, é uma longa
história. Nós nos conhecemos na UFMG, ela era da minha turma de
medicina.
Conto a ele resumidamente nosso passado e o que aconteceu após
nosso reencontro. Davi esfrega as mãos no rosto e vejo meu amigo, no
momento meu terapeuta, confuso. Se o Dr. Davi está perdido, acho que meu
caso é grave.
— Deus! Como conseguiu fazer tanta bagunça, Igor? Lembra o que
falei há pouco sobre responsabilidade afetiva? Você não teve nenhuma com
essa garota. O que fez com ela no passado é o exemplo clássico de
irresponsabilidade emocional. Você gerou expectativas na menina e a
abandonou sozinha, sem nenhuma satisfação, saindo com outra no mesmo
instante, por que não voltou e explicou a situação a ela?
— Naquele momento eu fiquei envergonhado, me arrependi muito
depois, me arrependo até hoje. Eu tentei me explicar milhões de vezes e ela
nunca quis me ouvir.
— Não posso tirar a razão dela. Nosso tempo esgotou. Vou pensar em
tudo que me disse. Semana que vem continuamos.
— Davi, eu sinto que ela é importante, me ajude a reverter essa merda
toda.
— Eu não faço milagres, talvez deva procurar o Saulo — abro a boca
chocado e ele sorri alguns segundos depois — Estou brincando. Me deixe
pensar, vou te orientar, mas o milagre quem vai fazer é você. Você errou,
precisa assumir sua responsabilidade e pedir perdão. Se ela te perdoar, vão ter
um longo caminho a seguir antes do ‘felizes para sempre’.
— Obrigado Davi, sei que você é o cara! – Beatriz me aguarde. Se eu
fiz merda, vou corrigir e ela vai ser minha.

Esta semana nosso encontro foi inevitável. Temos uma tarde de


cirurgias juntos. Não concluí o assunto com Davi, mas já entendi que
precisamos conversar. Agora mais que nunca. Chego mais cedo ao bloco e a
aguardo ansioso. Quando ela entra, seu sorriso morre ao me ver.
— Boa tarde Dra. Beatriz — cumprimento com um sorriso fraco —
não faço ideia como quebrar o gelo que eu mesmo criei.
— Boa tarde a todos — ela responde de forma genérica — o paciente
está pronto?
— Sim, pode iniciar.
Observar Beatriz em ação é algo prazeroso para quem é médico ou
gosta da área. Ela é extremamente competente. Ainda que eu esteja tenso por
conta do nosso relacionamento, me perco ao vê-la colocar uma prótese com
tanta habilidade.
A cirurgia termina e, assim que libero o paciente, a procuro pelo
bloco. A encontro tomando água no corredor. Me aproximo com cautela e a
abordo com receio.
— Beatriz, precisamos conversar.
Ela se vira e me encara surpresa, demorando alguns segundos para
absorver minha fala e responder.
— Conversar? Agora você quer conversar? Vá conversar com o diabo
no inferno e me esqueça, Dr. Igor!
Ela joga o copo descartável na lixeira e vira as costas com o queixo
erguido. Bonita pra caralho! Não sei como vou conseguir corrigir tudo que
fiz, mas preciso. Eu quero essa mulher e preciso de uma nova chance.

Em minha próxima sessão com Davi me sinto mais solto, já não me


parece estranho sentar na sua frente e desabafar tudo que me atormenta.
Dessa vez, eu inicio a conversa.
— E aí, pensou em uma maneira de me ajudar?
— Igor, eu posso te ajudar, mas como eu falei, não faço milagres. O
seu primeiro passo, antes de qualquer coisa, é reconhecer tudo que fez de
errado e assumir sua responsabilidade.
— Eu assumo que agi errado com ela no passado. Não me arrependo
de ter apoiado a Val, mas de ter largado a Bia sem uma explicação.
— Essa explicação deveria ter acontecido no dia seguinte, já que não
conseguiu ser sincero com ela naquele momento. Ainda assim, anos depois, é
necessário colocar os “pingos nos is”.
— Eu sei, difícil vai ser ela me ouvir, nem naquela época ela me deu
uma chance, hoje ela está ainda mais magoada comigo.
— Vai ter que dar seu jeito. Conversar com honestidade é a única
maneira. Não há como iniciar um relacionamento com tantos esqueletos no
armário. Uma hora eles vão cair em cima de você e ainda estamos falando do
passado. Sobre o que aconteceu recentemente, precisamos conversar melhor.
— Eu sei que piorei as coisas, eu a ignorei depois da nossa noite, mas
porque me senti usado. Eu estava lá, pensando que tinha encontrado a mulher
da minha vida e ela diz “foi uma experiência incrível”, cara, eu fiquei muito
puto, não esperava ouvir isso dela.
— Por que não disse isso a ela? Beatriz não quero ser uma
experiência para você, foi incrível o que vivemos aqui e quero repetir, quero
te conhecer melhor, o que acha disso?
— Não sei, eu me senti magoado e me fechei. Agora entendo que
falhei novamente com ela.
— Sim, você criou uma expectativa e jogou a culpa em cima dela por
não a atender, sendo que ela sequer fazia ideia dos seus anseios. Amar é um
risco, precisamos nos expor e nem sempre vai valer a pena. Podemos nos
decepcionar, sofrer, mas também podemos nos surpreender e viver algo
realmente bom com alguém que valha a pena. A questão aqui é: Ela vale a
pena o risco?
— Vale, com certeza vale – respondo sem pensar duas vezes.
— Então arrisque. Faça com que ela te escute e abra seu coração de
verdade. Sobre o passado e sobre o presente. Mostre a ela seus sentimentos,
suas intenções, seus desejos. Se nada der certo, você tentou e vou estar aqui
com você.
— Eu devo contar a ela sobre a Valentina?
Davi pondera por alguns instantes antes de responder.
— Acho que sim, não há motivo para esconder, já que todo o hospital
sabe dessa história. Não é algo essencial, mas vai ajudá-la a entender o
porquê se sentiu como um objeto na última noite. Você se envergonha do que
aconteceu com a Valentina?
— Claro que sim.
— Não precisa, você foi uma vítima, ainda que no início fosse
consensual. Você pode ter sido irresponsável ao se envolver com ela aqui
dentro, mas foi forte o suficiente para expor aos quatro ventos o que estava
acontecendo e, por sua causa, outros rapazes foram poupados de passar por
isso.
— Você disse que não concordava com o meu plano.
— Eu não concordo com a forma como a entregaram, acho que você
se expôs desnecessariamente, mas o resultado final foi obtido com sucesso e
não posso tirar seu mérito.
Suspiro e deito minha cabeça no encosto da poltrona.
— Às vezes as coisas parecem mais difíceis do que elas são, não
desista ainda Igor. Chame-a para conversar em um ambiente neutro, sem
camas por perto, por favor, e vá dizendo tudo aos poucos. Sugiro começar
pelo presente, conte a ela como se sentiu na última noite, então explique
sobre a Valentina. Vá aos poucos, até chegar no passado.
— Não vai ser fácil, ela mal me cumprimenta, não sei como vou
convencê-la a me escutar.
— Tenho certeza que vai dar um jeito. Pense que ela vale a pena e se
inspire.
— Ok, obrigado Davi!
Falar é mais fácil que fazer, literalmente. Tentei de várias maneiras
me aproximar e conversar com a Beatriz, mas ela não me deu uma brecha.
Por fim, apelei e pedi ajuda ao meu colega Rafael. Ele já sabe todo nosso
lance e está disposto a me ajudar. Ele convidou Beatriz no sábado à noite
para uma resenha em sua casa e o que ela não sabe é que o outro convidado
serei eu.
Segundo Rafael, ela perguntou diretamente a ele se eu iria e ele teve
que mentir. Sei que coloquei meu amigo em uma situação difícil, mas é isso
que amigos fazem uns pelos outros.
Termino de me arrumar e pego a chave da minha caminhonete com
receio. Vai ser difícil, mas é necessário. Espero sinceramente que ela me
escute, nada além disso, apenas que me ouça.
Passo o caminho todo refletindo e escolhendo as palavras que vou
usar. Quando bato a campainha, estou nervoso pra caralho.
Giovana abre a porta e me recebe com um grande sorriso no rosto.
— Boa noite! Tudo bem?
— Mais ou menos — dou dois beijinhos em seu rosto — ela já
chegou?
— Sim, está na cozinha com o Rafa, vem.
Caminho devagar atrás da Giovana e quando entro na cozinha, posso
ver a surpresa nos olhos de Beatriz.
— Igor? — Seus olhos desviam imediatamente para Rafael — Você
mentiu para mim?
— Desculpe Bia, mas vocês precisam conversar. Igor me pediu ajuda
e só ofereci minha casa, é um ambiente neutro para vocês.
Ela se levanta no mesmo instante e pega a bolsa o que desperta minha
ira e me faz reagir.
— Fica aí. Hoje você vai me ouvir!
— O que? Eu não sou obrigada a te ouvir.
— Não, você não é, mas não vai morrer se me escutar. Porra, chega
de ser infantil, vamos conversar como adultos! – Levanto a voz, alterado.
— Eu que sou infantil? Tem certeza, Igor?
Respiro fundo e tento me acalmar, nem começamos ainda, não posso
me exaltar.
— Me escute hoje, por favor. Me dê uma hora e depois se quiser ir
embora tudo bem.
Ela parece vacilar e Rafael se levanta.
— Vamos deixar vocês à sós.
— Não, você fica aí — Beatriz impõe a ele, com o dedo em sua
direção — você armou essa situação, agora fique aí.
Ele ergue as mãos em defesa e se senta novamente.
— Tudo bem, eu fico. Gio, leve a Paulinha para o quarto por favor.
Giovana acena e sai em busca da filha. Eu e Beatriz nos encaramos
em silêncio, em uma guerra muda.
— Devo tirar as facas da mesa? – Rafael questiona em uma tentativa
de aliviar o clima.
— Não precisa — eu me sento e aponto a cadeira para Bia. Preferia
que estivéssemos sozinhos, mas se ela precisa de alguém junto dela, tudo
bem. Rafael já conhece nossa história, não há nada a dizer que ele já não
saiba. Ela se senta e constato que está armada. Sua postura tensa, os braços
cruzados e os lábios contraídos me mostram que terei um desafio pela frente
— Bia, eu sei que errei com você e preciso pedir desculpas, preciso justificar
minha reação depois da nossa noite juntos.
— Você não precisa justificar nada, eu entendi muito bem. Só errei
quando pensei que poderíamos ser amigos, mas já entendi que você quer
distância de mim. Eu não sou emocionada, pode ficar tranquilo, nós seremos
profissionais.
— Você entendeu tudo errado. Tudo. Errado. Eu não quero distância
de você, pelo contrário, nossa noite foi especial, maravilhosa e gostaria de
repetir infinitas vezes.
Seus olhos me encaram confusos, mas ainda mantém sua postura
defensiva e aproveito o momento para continuar.
— O problema todo foi a frase que você me disse quando te deixei em
casa. Quando você disse “foi uma experiência incrível”, você acionou um
gatilho. Eu fui assediado por nossa Coordenadora no BHMed uns anos atrás,
o Rafa também foi e depois dela... bem depois dela comecei a me sentir
usado como já te contei. Sei que é estranho um homem falar isso, mas é
assim que me senti muitas vezes. Sou um cara bem-dotado e as mulheres
ficam curiosas e ávidas para sair comigo. Depois da Valentina, várias vezes
me senti um objeto sexual e, apesar de me sentir assim, não me importei
porque eu só queria sexo e tudo bem, mesmo me deixando com uma ressaca
moral. Só que com você eu queria mais, eu queria te conhecer melhor, quero
na verdade, e quando me soltou aquela frase, porra, doeu em mim e me
afastei.
— Você está brincando comigo? – Ela questiona, incrédula.
— Não, não estou, estou sendo muito sincero aqui – afirmo com
veemência.
— O lance da Valentina realmente aconteceu — Rafa confirma ao
meu lado — e só terminou porque armamos um flagrante entre ela e o Igor,
por sugestão dele.
— Coisa que hoje penso que não deveria ter feito, eu me expus
demais, enfim, sua frase me abalou, me senti usado mais uma vez, alvo de
uma experiência, entende? Não é agradável se sentir assim, eu precisei de um
tempo.
— Eu não disse com essa intenção. Talvez a palavra tenha saído
errada, não quis em momento algum resumir aquela noite em uma
experiência. Para dizer a verdade, nem lembro de ter usado essa palavra.
— Mas usou, eu juro. Estou fazendo algumas sessões com o Davi,
primo do Rafa — posso ver a surpresa dele pelo canto dos olhos, esse fato ele
não sabia — e ele me fez ver que parte da culpa foi minha. Eu deveria ter
rebatido e dito na mesma hora o que senti e o que eu desejava para nós, em
vez de me fechar. Por isso, precisava tanto conversar com você.
Beatriz descruza os braços e a vejo relaxar um pouco na cadeira. As
coisas estão indo bem e decido continuar.
— Eu amei nossa noite Bia, não lembro de querer tanto uma mulher
como te quis. Acho que deveríamos ter ido mais devagar, mas não me
arrependendo de nada. Você é uma mulher linda, competente, inteligente e
gostaria muito de uma nova chance com você.
Ela pisca os olhos algumas vezes e aguardo ansioso sua resposta.
— Eu já te dei uma segunda chance e você pisou na bola comigo
novamente. Já foram duas vezes, me sinto uma idiota em te dar mais uma
oportunidade. Quantas chances você precisa para agir como um homem
decente? – Ela pergunta de forma irônica.
— Só mais uma. Prometo que não vou errar com você de novo. E foi
bom ter dito isso, finalmente vou poder te explicar o que aconteceu no
passado.
— Ah não, isso não quero saber, é passado, está morto e não interessa
mais.
— Interessa sim, você nunca deixou eu me explicar, mas eu preciso.
Hoje você vai ouvir – digo com firmeza, subindo minha voz novamente. Há
anos tento me justificar e ela não deixa, hoje vai acontecer.
— Eu não quero ouvir. Não preciso ouvir o óbvio — ela diz em voz
alta também — Você escolheu a popozuda e ponto final.
— Não é nada disso — me ergo em um rompante — E para com esse
apelido ridículo. Ela é mais que uma bunda grande e eu sou mais que um pau
grande, que porra! — Bato o punho na mesa e Rafael salta no mesmo
instante.
— Calma Igor, devagar aí – ele me alerta, mas meu sangue ferve,
estou farto disso.
— Que mania as pessoas têm de julgar os outros por suas
características físicas. Esses apelidos são ridículos e pejorativos, já deu! —
Grito com os dois, é um desabafo que vem do fundo da minha alma e deixo
sair — A Valesca, Valesca é o nome dela, era uma garota legal, que estava se
esforçando para fazer medicina. Uma garota simples, não era uma patricinha
querendo ser médica. Ela estava se dedicando o máximo e naquele dia o
idiota do pai dela saiu de casa e abandonou ela e a mãe sozinhas. As duas não
trabalhavam e ficaram à própria sorte. Ela foi me pedir apoio na boate, estava
perdida, desesperada... nós tivemos alguma coisa juntos por um tempo e eu
não podia simplesmente virar as costas.
— Mas para mim foi fácil virar as costas. Você nem teve a dignidade
de me dar uma satisfação, me deixou igual uma idiota te esperando.
— Eu fiquei com vergonha, não vou mentir para você. Como eu ia
chegar e te dizer: A Val precisa de mim, sinto muito, mas não vai rolar, logo
após te chamar para passar a noite comigo?
— Foda-se o que ia dizer! — Ela se levanta exaltada — Você não faz
ideia do que eu senti... eu te amava Igor. Eu te amava seu idiota!
Os olhos dela enchem de água e fico paralisado ao ouvi-la. Esperava
ouvir qualquer coisa menos isso. E ela continua antes que eu consiga reagir.
— Eu te amei desde que te conheci, mas você preferiu a Valesca e a
patricinha idiota aqui te esperou. Te esperei por um ano até ter uma chance
com você. Não faz ideia do quanto doía ver você com ela e quando chega a
minha vez, você vira as costas e sai com ela sem pensar duas vezes.
— Bia, desculpe, eu... não imaginava, eu não fazia ideia...
— Não você não fazia e não faz ideia, não sabe o quanto machucou
ver você sair com ela naquela noite. Nunca me senti tão mal, me senti um
lixo, você conseguiu colocar minha autoestima no asfalto.
— Eu queria ficar com você, eu juro! Só que a Val precisava de mim,
eu sabia da história dela, não dava para virar as costas...
— Você dormiu com ela ou apenas a apoiou como amigo? Você ficou
com ela naquela noite? – Bia pergunta e algumas lágrimas escorrem pelo seu
rosto. Fico calado, não quero mentir para ela, mas sei que a verdade vai
machucá-la mais ainda.
E diante do meu silêncio, ela desaba. Rafael a puxa contra si e ela
chora desesperada em seu peito. Tento me aproximar, mas ele estende a mão
me parando.
— Chega por hoje, Igor.
— Bia, eu fiquei com ela sim e me arrependi porque era você que eu
queria. Naquela noite eu percebi que o que eu tinha com a Val tinha
terminado. Eu e ela seguimos como amigos depois daquela noite. Eu te
procurei depois para me explicar e pedir desculpas. Sinto muito, eu não tenho
como apagar o passado.
Ela não ergue o rosto e ouvir seus soluços machucam meu coração.
Eu não fazia ideia que a havia magoado tanto.
— Vai Igor, em outro momento vocês continuam – pede Rafael.
— Tudo bem, eu vou agora, mas nossa conversa não terminou. Sei
que fiz tudo errado, mas gostaria muito de provar que posso te fazer feliz.
Nós podemos recomeçar do zero se me der uma nova chance.
Ela não responde e Rafael me sinaliza a porta. Saio pior que entrei,
meu peito dói e descubro pela primeira vez o que é sofrer por uma mulher.
Será que isso é amor?

Estou um caos. Não imaginava que encontraria Igor aqui e muito


menos que teríamos essa conversa. Choro descontrolada no peito de Rafael e
ele me acolhe com paciência, nada mais justo, já que me armou uma
armadilha.
Reviver o maldito passado foi um tormento, mas ouvir que ele passou
a noite com ela foi a gota d´água. No fundo eu sabia que isso tinha
acontecido, mas doeu a confirmação com todas as letras. Ele teve a cara de
pau de dizer que me queria, mas dormiu com ela ainda assim. Que tipo de
homem faz isso?
Depois de longos minutos e rios de lágrimas derramadas, consigo me
acalmar e me afasto constrangida de Rafael.
— Desculpe, desculpe por isso – peço em um suspiro.
— Sem problemas, meus ombros são largos, pode aproveitar. Tenho
dois irmãos e já os amparei inúmeras vezes, fora a Gio e meus filhos.
— Eles têm sorte – me sento novamente porque sinto minhas pernas
fracas. Giovana aparece na porta em seguida e limpo meus olhos com
vergonha do meu surto.
— Posso entrar? – Ela questiona e aceno positivamente. Ela vai até a
geladeira, enche um copo com água e me entrega.
— Ah que vergonha! Me desculpem o vexame.
— Não há vexame algum em chorar — responde Rafael — e na
verdade, eu que preciso me desculpar. Armei esse encontro porque Igor me
pediu ajuda e achei que precisavam conversar, mas não imaginei que seria
tão... conturbado.
— Eu e ele... não era para ser, nunca vai dar certo.
— Bia, desculpe, talvez eu não devesse dar palpite, já me envolvi
mais que devia na história de vocês, mas o que vejo são duas pessoas que se
gostam, se afastando por conta do passado. Não precisa ser assim.
— Você não sabe o que está falando, não faz ideia do que aconteceu.
— Eu faço, Igor me contou tudo. A questão é que o entendo. Ele fez
merda, uma merda gigantesca, e eu sei o que é isso. Fiz uma merda ainda
maior com a Gio e se ela não me escutasse e não me perdoasse, não
estaríamos juntos.
— Duvido que tenha feito algo assim.
— Eu fiz. Dei o fora na Giovana quando ela estava grávida do
Henrique. Não deixei sequer que ela me contasse que estava grávida. Quando
descobri a verdade, fiquei revoltado por perder sete anos da vida do meu filho
e custei a entender que também tive culpa. Quando entendi que a culpa maior
era minha, coloquei o rabo entre as pernas e pedi perdão a ela.
— Como conseguiu perdoar? – Questiono direto à Giovana ao meu
lado. Ela sorri e olha para Rafael com os olhos repletos de amor, só então me
responde.
— Eu o amo, sempre amei, não houve outro homem para mim. Eu
precisava escolher: Ou sofreria sozinha para sempre ou o perdoava e seria
feliz com ele. Escolhi a segunda opção e posso dizer que não me arrependo.
Rafa é o amor da minha vida.
Ele a puxa para seu colo e beija sua boca com verdadeira adoração. É
bonito de se ver, é um amor verdadeiro.
— Eu galinhei muito quando solteiro, mas só amei essa mulher — ele
declara —Ela é a minha dona, dona do meu coração, do meu corpo e morro
por ela e por meus filhos. Entende o que quero dizer? Por mais difícil que
seja perdoar, talvez valha a pena.
— Vocês se amam, é visível isso e muito bonito, não é o nosso caso.
— Você disse que o amava — ele argumenta — um amor verdadeiro
não morre assim. E o Igor, nunca o vi apaixonado antes, mas com certeza ele
sente algo forte por você. Andou atrás de mim com cara de cachorro morto de
fome por dias pedindo ajuda.
— Você já amou outros homens como o amou? – Pergunta Giovana.
— Eu já me apaixonei por outros homens, mas o que senti por Igor foi
forte e me mudou como mulher. Acho que a decepção que tive naquela época
baixou minha autoestima e meu padrão. Igor me estragou, me machucou
muito. Não posso permitir que ele faça isso de novo.
— Não acredito que ele vá te machucar. Se ele fizer isso, eu mesmo
dou uma surra nele — afirma Rafael e sorrio levemente — pense com calma
Bia, pense em tudo, analise seus sentimentos. Se achar que ainda o ama e que
pode ser feliz com ele, dê uma nova chance, perdoe.
— Esse perdão tem que vir do coração, não pode ser da boca para fora
— completa Giovana — não dá para dizer que perdoa e jogar o passado na
cara dele na primeira discussão.
— Bem lembrado — concorda Rafael — é para colocar um ponto
final no passado antes de recomeçar. Não é esquecer, mas superar.
— Como chegaram nesse entendimento? Isso é muito maduro!
— Davi nos ajudou. E se Igor está fazendo terapia com ele, é um
ótimo sinal. Pode ter certeza que Davi vai colocá-lo no caminho certo.
— Davi é realmente incrível e muito bom no que faz — afirma
Giovana — não sei detalhes sobre a história de vocês, mas tenha seu tempo,
pense, conversem outras vezes, esgote as possibilidades antes de descartar o
Igor. O que posso te dizer é que é muito bom dividir a vida com alguém que
amamos. Nunca me arrependi de perdoar o Rafa.
— Tudo bem, prometo pensar. Agora me diga uma coisa, Dr. Rafael,
o que essa Valentina tinha entre as pernas? Pelo amor de Deus!
Rafael joga a cabeça para trás e cai na gargalhada. Giovana sacode a
cabeça e revira os olhos.
— Não me lembra dessa vaca – responde Giovana na frente dele.
— Ela era... sedutora. Uma mulher mais velha, experiente, gostosa —
Ele responde por fim e Giovana o belisca, ele a ignora e continua — sim, ela
era gostosa, não vou mentir. Nós éramos solteiros, jovens, disponíveis... foi
unir a fome com a vontade de comer. O problema era largar o prato quando já
estávamos satisfeitos.
— Vocês sabiam que ela transava com um monte de rapazes e não
ligavam?
— Não, era só sexo – ele afirma com convicção.
— Deus, ela é mesmo uma vaca. Vacatina é o apelido perfeito.
— Como? – Giovana indaga, curiosa.
— É como as enfermeiras a apelidaram. Nina me contou.
Rafael volta a rir e o acompanhamos dessa vez. Me lembro do
rompante de Igor e volto ao assunto.
— E aquela história dele se sentir usado, aquilo foi real?
— Imagino que sim. Porra, me senti mal pelas vezes que brinquei
com ele por conta do seu... tamanho. Não fazemos ideia de como podemos
magoar os outros com essas brincadeiras.
— Verdade – me lembro de algo e cubro o rosto com as mãos
envergonhada.
— O que foi? – Questiona Giovana.
— Eu apelidei seu pau de mamba negra quando ficamos juntos —
conto e começo a rir, lembrando do momento. Rafael cai na gargalhada
novamente e Giovana quase vai ao chão.
— Você é ótima Bia — ele declara e se levanta colocando Gio na
cadeira ao lado — vou pegar algumas cervejas, vamos beber que nós
merecemos.
— Acho que ferrei com tudo depois desse apelido. Talvez eu também
precise pedir perdão.
— Gente, ele é mesmo isso tudo? – Pergunta Giovana, envergonhada.
— É mais querida, o homem é fenomenal! – Afirmo a ela, com
convicção.
— Nem pense nisso mulher, não imagine e não sonhe com algo assim
— pede Rafael a ela e me entrega uma long-neck — seu homem sou eu,
lembra?
— Perfeitamente, você não me deixa esquecer. Não se preocupe
amor, você me satisfaz plenamente – ela responde corada e bato palmas.
Rafael se senta ao seu lado e a puxa em um longo beijo.
— Ei estou aqui, não se esqueçam. – Abro minha cerveja e dou um
longo gole.
— Rafa se comporte — pede Giovana — vamos pedir algo para
comer? Estou com fome.
Pedimos comida chinesa e aproveito a noite observando o casal.
Rafael e Giovana se amam, como Nina e Felipe, como outros casais que
conheci ao longo da vida. O amor não é inatingível. Uma pulguinha cutuca
minha orelha, será que eu consigo viver algo assim? Será que Igor seria o
cara certo?
Fugir de alguém quando se trabalha no mesmo local é algo
complicado. Mesmo o BHMed sendo um prédio enorme, não consegui essa
proeza além de dois dias. No terceiro, Igor me encontrou na lanchonete e veio
direto em minha direção.
— Bia, boa tarde!
— Boa tarde — respondo analisando o pequeno cardápio que já sei
praticamente de cor.
— Nós precisamos conversar novamente. Não encerramos nossa
conversa ainda.
Resolvo encará-lo porque não há como evitar. Só não me sinto pronta
para um novo round ou uma nova conversa como ele sugere.
— Eu sei, mas preciso de um tempo, ainda estou processando tudo
que ouvi.
Ele acena e analisa minha expressão, não estou mentindo, então ele
cede.
— Tudo bem, quando se sentir pronta me avise. Eu fui sincero com
você, se me der uma nova chance, prometo não te magoar novamente.
— Um expresso duplo e um pão de queijo — peço à atendente e me
viro novamente para ele — não sei se acredito nisso Igor, mas prometo
pensar, é o máximo que posso fazer.
— Tudo bem, vou te aguardar. Vou aguardar o tempo que for preciso.
Ele sai e me sento com meu lanche. Eu realmente não sei o que fazer.
Minha mente ordena que eu me afaste dele e me sinto uma idiota por sequer
cogitar dar a ele uma nova chance, já meu coração dói só de pensar em não o
ter comigo e meu corpo, esse traidor, segue meu coração, afinal, basta ele se
aproximar para meu sangue correr mais rápido e meu coração errar o
compasso.
Termino meu expediente e sigo para o bar do meu irmão. Eu o
encontro atrás do balcão e ele sorri ao me ver.
— Olha se não é a Dra. Beatriz, bem-vinda!
Subo na banqueta e o abraço por cima do balcão.
— Tudo bem Leozinho?
— Tudo. Isso são saudades?
— Também, mas preciso beber. E se preciso beber, que seja aqui. Me
dá uma cerveja bem gelada.
— É para já — Ele busca uma long-neck e me entrega com um copo
— problemas?
— Problemas do coração. Por que somos tão fodidos nesse aspecto da
vida?
— Não dá para ganhar todas — ele dá de ombros — tivemos sorte
com família, trabalho, alguma coisa tinha que dar errado.
Rimos baixinho e pergunto a ele, curiosa:
— Você desistiu? Ou ainda acredita no amor?
Leo busca outra cerveja, abre e enche um copo para si.
— Não sei. Às vezes ainda tenho esperança, às vezes me sinto bem
sozinho e acho que é melhor assim.
— Mas você acredita que é possível ser feliz no amor?
— Claro que sim, eu conheço casais felizes, vários aliás, só não sei se
é para mim. Está apaixonada Bia? Achei que daria um tempo depois do idiota
de São Paulo.
— É alguém do passado que reencontrei. Ah, estou tão confusa Leo!
— Beatriz insegura? Isso é novidade. Quem é o cara? Eu conheço?
— Talvez, acho que sim, mas quem ele é não importa, o que importa
é: Vale a pena arriscar meu coração?
— Quem não arrisca, não petisca! O ditado é antigo, deve ter algum
sentido. Você nunca foi medrosa, estou te estranhando.
— É que ele já aprontou comigo no passado. Tenho medo de estar
sendo idiota em dar outra chance.
— É você que tem que avaliar se vale a pena o risco, não posso
palpitar sem saber quem é e o que viveram. Se fosse só sexo, diria para ir em
frente, mas pelo jeito não é e não tenho boa experiência em assuntos do
coração para opinar. Olha só, está chegando alguém que pode opinar com
know-how.
Me viro para a porta e vejo Felipe Martin entrando no bar. Ele nos vê
e vem em nossa direção sorridente.
— Opa, beleza? Vim fazer uma horinha até a Nina sair do hospital.
Tudo bem gata?
Ele me dá dois beijinhos e se senta ao meu lado.
— Tudo. Não sabia que a Nina saía tarde, hoje nem a vi.
— Vou buscá-la em uma hora e vamos juntos para casa.
— Lipe, como soube que a Nina era a mulher da sua vida? –
Pergunto, curiosa. Sei que já estão juntos há muitos anos, ele e Nina são uma
referência de casal feliz na minha opinião.
— Uau, que pergunta é essa?
— Eu e Leo estamos divagando sobre o amor. Me conta.
— Depois que ficamos juntos a primeira vez em Búzios, ela não saiu
da minha cabeça. Até tentei ficar com outras garotas, mas não consegui,
então descobri que estava apaixonado por ela. E quanto mais ficávamos
juntos, mais eu queria, melhor ficava... eu queria cuidar dela, ela era tão
sozinha. Aí ela engravidou e não tive dúvida nenhuma que queria ela e o bebê
para sempre.
Bem, Igor também não sai da minha cabeça. Sim, eu posso estar
apaixonada, assumo em meus pensamentos.
— Nunca se arrependeu? Nunca sentiu falta da vida de solteiro? –
Leo pergunta dessa vez.
— Nunca. Cara, eu aproveitei muito minha vida de solteiro, mas não
sinto falta nenhuma. Adoro tudo que tenho com Nina, nossa casa, nossa
família, é bom dividir a vida com alguém, as alegrias e tristezas como dizem.
Por que essa vibe? Alguém aqui com problemas no coração?
Leo sinaliza para mim com a cabeça e vira seu copo.
— Quer uma cerveja? – Ele oferece ao Lipe.
— Não, estou dirigindo. Me vê uma coca.
Leo se afasta e Felipe me encara.
— Qual o problema? Nina me contou que saiu com o Igor.
— Ah, Nina linguaruda! Não conto mais nada para ela.
— Não brigue com ela, somos casados e não temos segredos. Eu não
ia tocar nesse assunto com você, mas diante desse papo, o que está pegando?
— Resumindo: Igor me magoou no passado, eu o conheci na UFMG
quando fazíamos medicina e agora ele quer uma nova chance, não sei se devo
arriscar.
— Você gosta dele? Sei que passaram a noite juntos, foi bom?
— Sim para as duas perguntas.
Leo retorna e entrega a coca para Felipe.
— Acho que já respondeu sua pergunta Bia — ele retruca abrindo a
lata — Eu conheço o Igor superficialmente, sei que ele é mulherengo, mas eu
também era, acho que isso não o desabona. Se ele gostar de fato de você, vai
abrir mão das outras mulheres.
— Igor? — Leo indaga em voz alta — Ele é o cara?
— Sim, ele é o cara – assumo com um sorriso fraco.
— Deus, sabe que o cara é... — Leo afasta as mãos mostrando a
distância de quase um metro entre elas. Caio na risada antes de responder.
— Eu sei, já vi e experimentei, mas diminua isso aí um bocado, ele é
grande, mas não é para tanto.
— Você é corajosa, isso é fato – meu irmão completa, rindo também.
— E aquela coisa de só pego homem feio? — Questiona Felipe —
Igor faz sucesso com as mulheres.
— Ele é uma exceção. Por isso minha dúvida, se ele fosse feio eu não
teria medo de arriscar.
— Bia, eu não tenho muita experiência nessa coisa de amor, pois, só
amei, amo ainda, uma única mulher, mas vou te dar um conselho baseado
nisso. Se houver uma chance de ser feliz, arrisque, porque não tem nada
melhor ter alguém que amamos. E se não der certo, é só recomeçar.
Se fosse tão simples. Só eu sei o quanto doeu recomeçar. Não sei se
estou disposta a recolher meu coração na sarjeta novamente.
— Ao amor! – Felipe ergue o copo em um brinde. Eu e Leo batemos
o nosso ao dele em seguida.
Amor: Palavra de quatro letras que pode te levar ao céu ou ao inferno.
Viro o copo e peço uma porção ao meu irmão. Preciso comer ou nem de Uber
chego em casa.

No sábado recebo uma ligação surpreendente de Saulo.


— Beatriz? É Saulo, irmão do Rafa, tudo bem?
— Saulo, que surpresa, sim, tudo bem. E você?
— Tudo ótimo. Rafael me passou seu número. Gostaria de conversar
com você, será que poderia vir na minha casa hoje de noite?
De novo? Não vou cair nessa armadilha duas vezes. Igor me
subestima, ele poderia ao menos ser criativo.
— Saulo, desculpe, mas tenho compromisso.
— Ah que pena, e amanhã? Depois do almoço estou livre em
qualquer horário.
— Saulo, eu disse ao Igor que preciso de um tempo, ainda não estou
pronta.
— O que?
— Diga ao Igor que ainda não estou pronta. Quando eu tiver uma
resposta, eu o procuro.
— Igor? O que ele tem a ver com isso? Não estou entendendo Beatriz.
— Não foi o Igor que pediu esse encontro? Pode falar a verdade.
— Não, quero conversar com você sobre trabalho. Gostaria de sua
opinião sobre um paciente.
Deus, que vergonha. Ainda bem que ele não está me vendo, devo
estar mais vermelha que bandeira de tourada.
— Ah sim, desculpa! DESCULPA, que vergonha. Eu posso hoje,
Saulo.
Ele ri do outro lado e ainda quero morrer aqui desse lado.
— Certo, obrigado! Vou te enviar meu endereço por mensagem. Às
vinte horas está bom?
— Ótimo, até mais tarde.
Desligo e tenho vontade de me estapear. Alguns segundos depois vejo
o endereço e constato que somos vizinhos. A curiosidade me toma. O que
será que ele quer discutir comigo?

Saulo me recebe na porta com um lindo garotinho no colo.


— Gente, que coisa mais linda, como se chama essa fofura?
— Esse é o Samuel, essa fofura veio em dose dupla, daqui a pouco a
Raquel aparece por aqui. Fique à vontade.
Me sento no sofá e no instante seguinte Alex entra de mãos dadas
com uma menininha graciosa. Ela está grávida e sua barriguinha já está um
pouco aparente.
— Deus, ela também é fofa. Vem com a Tia Bia — chamo a pequena
e estendo os braços. Para minha surpresa ela vem, toda saliente e sem
vergonha alguma. Eu a pego no colo e a encho de beijos — vocês têm sorte,
eles são lindos e bonzinhos.
— São sim, me puxaram no humor – fala Saulo com orgulho.
— Nós emprestamos quando quiser – oferece Alex e a encaro
surpresa.
— Alex! – Saulo chama sua atenção e começo a rir.
— Emprestamos sim, por algumas horinhas, não é nada demais – ela
reafirma, sorridente.
— Eu aceito — respondo antes que Saulo brigue com ela — podem
me ligar quando quiserem umas horinhas de folga.
— Está vendo – retruca Alex — é bom ter mais opções de babá.
Precisamos de alguns momentos à sós.
Saulo fica vermelho e rio novamente. A pequena puxa meu cabelo
curiosa. Hoje deixei meus cachos soltos e estão, de fato, chamando atenção.
— Gostou do cabelo da tia? Mas não pode arrancar, a tia não vai ficar
bonita careca. – Solto sua mãozinha com cuidado e a beijo — E o novo bebê,
já sabem o sexo?
— Ainda não — responde Saulo, espero que no próximo ultrassom
consigamos descobrir.
— Este é mais agitado — comenta Alex alisando a barriga — Acho
que me puxou. Vou levar as crianças para verem desenho no quarto e vocês
podem conversar com tranquilidade — ela pega Raquel no colo e chama o
pequeno que está grudado no pai — Vem Samuel, vamos ver Cocoricó.
— Alex, coloca a Raquel no chão, você não pode carregar peso. –
Saulo chama sua atenção preocupado e ela só o ignora.
O menino sai em disparada corredor adentro e ficamos sozinhos na
sala. Fico em dúvida se toco no assunto “Igor”. Decido dizer alguma coisa
para que ele não pense que sou maluca.
— Desculpe pela minha resposta ao telefone. Igor armou um encontro
comigo na casa do Rafael e pensei que ele estava fazendo o mesmo através de
você.
— Ah, entendi. Vocês estão juntos?
— Não, é algo meio complicado, mas o que queria comigo? – Corto
logo o assunto porque não foi por isso que vim e não quero pensar na minha
vida romântica neste fim de semana.
— Seguinte, eu fiquei sabendo sobre a cirurgia da menina que fez no
BHMed e Rafael me falou sobre seu currículo. Eu tenho um paciente no PS,
talvez você possa ajudá-lo.
Saulo me entrega um prontuário e quando abro e começo a ler, meu
coração se aperta.
— Meu Deus, quantos anos ele tem?
— Vinte e dois. Ele luta contra o câncer há cinco anos. A remoção do
tumor destruiu sua mandíbula, atualmente ele se alimenta por sonda, tenho
quebrado minha cabeça pensando em como ajudá-lo, mas só a plástica não é
suficiente. Conversei com o Dr. Renan Versales, cirurgião bucomaxilofacial
do PS, que fez a cirurgia de remoção do tumor comigo na época. Segundo
ele, uma cirurgia reconstrutiva é possível, mas ele não tem experiência para
isso. Acho que você é a pessoa que eu precisava.
— Saulo, eu me especializei em cirurgia reconstrutiva de grandes
membros, principalmente os inferiores, nunca fiz algo assim.
— Mas acha que é possível?
— Possível é, com certeza. Só que isso envolve um custo enorme.
Uma prótese de titânio completa da mandíbula não fica barato, o SUS não vai
custear.
— Eu consigo a verba. Trabalho em uma clínica no Belvedere e
fazemos alguns trabalhos pro bono esporadicamente. Os sócios são pessoas
generosas, além de ricos, tenho certeza que consigo. Sei que não é sua
especialidade, mas trabalharíamos juntos, eu, você e o Renan.
A ideia é tentadora, um enorme desafio e eu amo, mas é a vida de um
garoto e não posso ser inconsequente e agir na empolgação.
— Eu preciso estudar o caso, o que significa pesquisar sobre uma
possível prótese e a cirurgia. Preciso de alguns dias para isso, antes de te dar
uma resposta.
— Claro, tenha o tempo que precisar.
Saulo se compromete a me enviar o prontuário por e-mail e
finalizamos o assunto principal. O resto da noite é agradável com o casal e as
crianças. Eles servem alguns petiscos e temos uma conversa animada. Não
sei se teria coragem de ter mais um bebê depois de um casal de gêmeos, mas
admiro essa família linda. E eles ainda têm um gatinho para alegrar a casa.
Caio na gargalhada ao saber o nome do gato: Patela[7].
Alexandra é divertida e me conta empolgada as peripécias da sua
infância. Saulo revira os olhos algumas vezes diante das loucuras que ela e os
irmãos aprontavam. Depois, ela me conta casos sobre seu emprego atual e a
admiro por ter trocado uma vaga no BHMed por uma clínica em uma
comunidade carente.
— Eu sinto falta da sala de cirurgia — ela confessa — mas eu tive
que fazer uma escolha e meus filhos ganharam. Para continuar no hospital
teria que deixar os gêmeos com babás ou na escola o dia inteiro e não faria
isso. Eu cresci sem minha mãe e isso me fez muita falta, quero estar com eles
o máximo possível — Saulo acaricia sua mão sobre a mesa e ela continua —
Na clínica só trabalho meio-horário e são pessoas que realmente precisam, é
gratificante, é algo diferente do hospital.
— Imagino que sim. Parabéns Alex, você é uma mulher e tanto! – É a
vez dela ficar vermelha com meu elogio e Saulo a puxa em um abraço
seguido de um selinho.
— Ela é sim, uma mulher admirável — ele concorda com orgulho e
os olhos cheios de amor. Percebo que, como Rafael, Saulo também é louco
pela esposa. Mais uma vez o amor verdadeiro bate na minha cara, talvez
encontrar alguém especial não seja tão raro. Meu pensamento voa para Igor e
sacudo a cabeça rapidamente. Hoje não, a noite está muito agradável para
pensar nos meus problemas amorosos.
Passo os quinze dias seguintes estudando o caso de Jonas apresentado
por Saulo. Todo meu tempo livre é dedicado a isso. Pesquiso as cirurgias já
realizadas, assisto vídeos, procuro depoimentos de colegas especialistas e
analiso seus exames de imagem, tentando visualizar uma prótese possível
para se adequar à sua realidade e me empolgo cada vez mais.
Penso em ligar para o Gilvan com o intuito de tirar algumas dúvidas,
mas desisto rapidamente. Entro em contato com a empresa que fornece as
próteses ao BHMed e agendo uma reunião como um dos protéticos da
empresa.
Todo esse desafio me fez deixar Igor em segundo plano, só que ele
aparentemente não desistiu e cada vez que esbarro com ele no hospital, me
encara com um olhar que diz “ainda espero sua resposta”. Estamos
conversando o mínimo necessário e ele só me abordou ao final de um plantão
em que me joguei no sofá da sala de descanso exausta, após uma cirurgia de
três horas.
— Cansada?
— Muito, você não faz ideia — Fora o serviço no hospital, tenho
passado boa parte das minhas noites e madrugadas com o notebook na mão
estudando o caso de Jonas, o que não me deixa muitas horas de sono.
— Que tal um jantar? Depois te deixo em casa e você só precisa
tomar banho e deitar.
A ideia é tentadora. Acho que preciso de uma noite de folga e estou
com fome. Igor percebe que vacilo e insiste:
— Eu prometo que é só um jantar Bia, vamos apenas conversar.
— Sem brigas? Não quero discutir hoje Igor, nem falar sobre o
passado.
— Combinado, você escolhe o assunto, vamos só... espairecer.
Aceno em concordância e me troco rapidamente no vestiário. Igor
passou o dia nos consultórios, então apenas retira o jaleco. Ele veste um jeans
e uma polo que marca seus braços fortes. Lembro de como seu abraço é
gostoso e acolhedor e pisco os olhos rapidamente para não me deixar levar
por esse tipo de pensamento.
Seguimos em direção ao seu carro no estacionamento e me lembro do
meu.
— Estou de carro também. Posso te seguir, onde quer ir?
— Vem comigo e deixe o seu aí, amanhã posso te buscar em casa se
quiser.
Não gosto de depender de ninguém, mas estou tão cansada que cedo.
Pensar em dirigir me cansa, já que decidi tirar a noite de folga que seja
completa. Amanhã pego um Uber para trabalhar.
Igor me ajuda a entrar em sua caminhonete e liga o som assim que
arranca o carro. Hoje Yam Satler[8] canta uma música romântica e fecho os
olhos apreciando o momento.
— O que gostaria de comer? Alguma preferência?
— Uma massa cairia bem, o que acha?
— Ótimo, conheço um lugar perfeito e bem pertinho.
Poucos minutos depois, Igor estaciona diante de um restaurante
pequeno e reservado, no mesmo bairro que moro.
— Conhece? – Ele questiona, curioso.
— Não, fiquei anos longe daqui, não conheço.
— Acho que vai gostar, vem.
Ele me ajuda a descer e me surpreendo ao conhecer o lugar, é
pequeno e acolhedor, como uma verdadeira Tratoria Italiana. Pedimos um
espaguete com lagostim para dois e um vinho por sugestão do chef. Enquanto
aguardamos, Igor me sonda, preocupado.
— Você parece realmente cansada, não tem dormido bem?
— Não muito – suspiro e decido repentinamente contar a ele sobre a
proposta de Saulo. Ele escuta paciente e interessado.
— Uau Bia, me parece uma oportunidade incrível.
— Não acha uma loucura? Nunca fiz uma cirurgia nesse nível.
— Claro que não, já te vi diversas vezes em ação, você é muito
competente e o Saulo também. Vocês dois juntos, não tem como dar errado.
Sorrio com seu elogio, porque sinto que é sincero.
— Obrigada, mas vai ser uma cirurgia longa e complicada, com uma
prótese caríssima, tem que dar tudo certo, não podemos falhar. Isso é uma
responsabilidade monstra e me deixa com as pernas bambas só em pensar.
— Foque apenas no resultado que precisa e como chegar lá. Pense no
garoto e no quanto ele vai se beneficiar disso. Não se prenda às dificuldades,
mas no objetivo e caminhe até ele.
— É o que tenho tentado fazer. Pensar no garoto me incentiva, mas
tenho medo de falhar, não vou mentir. Não sei se sou a melhor pessoa para
conduzir essa cirurgia.
— Eu acredito que nada vem por acaso. Se Saulo te convidou é
porque ele acredita em você e em sua capacidade. Como ele mesmo diria —
Igor sorri, provavelmente pensando no amigo — Deus não coloca nada em
nossa vida que não possamos dar conta.
Sorrio diante de sua frase e indago, curiosa:
— Você acredita em Deus?
— Claro, você não?
— Acredito, não sou uma religiosa fervorosa, mas tenho meus
diálogos com Ele — aponto para cima e Igor pega minha mão.
— Peça a Ele que te ilumine, que te mostre o caminho a seguir.
Confesso que também não era muito religioso, mas conviver com Saulo e
com a comunidade do Padre Afonso, me aproximou de Deus.
— A comunidade em que Alex trabalha?
— Isso, Alex e Helena trabalham lá regularmente. Eventualmente eu
faço alguns plantões voluntários.
— Sério? Que bacana! Não sabia... — Sou interrompida pelo garçom
que nos serve a refeição. Experimento e gemo baixinho, está delicioso —
Fantástico. Obrigada, estava precisando de uma noite assim.
— Fico feliz em ouvir isso.
Comemos tranquilamente, com uma conversa amena e finalizamos
dividindo um tiramissu dos deuses. Quando a conta chega, me ofereço para
dividir, mas Igor me impede.
— Eu te convidei, eu pago.
— Ok, a próxima é minha então.
Ele dá um grande sorriso ao me ouvir e concorda.
— Sem problemas, o importante é que teremos uma próxima vez.
Seguimos para meu prédio rapidamente, já que estamos próximos ao
meu endereço. Ele estaciona em frente ao meu prédio e fico sem saber como
me despedir. Por fim, agradeço com educação.
— Obrigada, foi uma noite deliciosa.
— Concordo, podemos repetir quando quiser.
— Quer subir para um café? – Pergunto em um rompante e meu
coração acelera.
Para minha surpresa, ele nega rapidamente.
— Não, você precisa descansar, tome um banho e durma bastante.
— Sim, eu preciso — concordo e abro a porta. Igor desce do outro
lado e dá a volta rapidamente para me ajudar a descer.
— Eu não bebi tanto assim, consigo descer sozinha – argumento
quando chego ao chão.
— Não me custa nada te ajudar — Ele me puxa em um abraço
apertado por alguns segundos — boa noite, linda!
O linda me faz balançar e o encaro por alguns segundos. Nesse
instante, sinto que preciso dar a ele ao menos uma justificativa.
— Igor, com tudo isso, não tenho pensado sobre nós, estou focada no
caso de Jonas.
— Eu entendo. Foi bom saber disso, porque confesso que estava
desanimado com a ausência de uma resposta da sua parte, mas eu sou
paciente.
— Eu não sei quanto tempo vou estar envolvida nesse caso e isso vai
me tomar todo o tempo disponível, inclusive meus pensamentos.
— Posso esperar o tempo que for preciso. E pode contar comigo Bia,
como um amigo, um apoio, prometo que vou estar ao seu lado.
— Obrigada — me viro para o prédio, mas antes de caminhar, me
volto para ele e beijo seu rosto — boa noite!
— Boa noite!
Finalmente me viro e caminho até a entrada. Subo no elevador me
sentindo leve como há dias não me sinto. Entro em meu apartamento e faço
como Igor sugeriu, banho e cama. A noite é maravilhosa e acordo com outra
disposição.

A reunião com o protético foi excelente. Ele se empolgou com o caso


de Jonas e avaliamos algumas possibilidades. Decidimos que precisamos de
novos exames de imagem para que a prótese saia perfeita. Vamos construir
um molde do seu rosto e fazer uma prótese de material mais barato. Só depois
de tudo pronto e testado, faremos a de titânio.
Saio empolgada e com a estimativa de custos na mão, ligo para Saulo.
— Boa tarde Beatriz.
— Boa tarde. Está ocupado?
— Hum, um pouco, mas consigo falar alguns minutos.
— Precisamos conversar pessoalmente mais uma vez. Estou disposta
a fazer a cirurgia com você.
Ele dá um grito rápido e caio na risada.
— Excelente Beatriz, então há possibilidade? – Ele questiona,
empolgado.
— Sim, acabei de sair de uma reunião com o protético. Vamos
trabalhar em conjunto, acredito que vamos conseguir.
— Graças a Deus! Quando podemos nos encontrar?
Marcamos um novo encontro no meu apartamento desta vez. Ele irá
chamar o Dr. Renan e vou passar a eles tudo que pesquisei. Retorno ao
BHMed com a adrenalina rodando em meu sistema, a cabeça a mil por hora e
ao ver Igor no corredor da emergência, não resisto e sigo até ele. Eu o pego
de surpresa, o abraçando assim que me aproximo.
— Ei que coisa boa! — Ele exclama — Você parece feliz, boas
notícias?
— Sim, eu aceitei a cirurgia, eu e Saulo vamos fazer — respondo
assim que me afasto e ele me aplaude no meio do corredor.
— Muito bem. Tenho certeza que vai ser um sucesso e vou
comemorar com você logo em seguida — aceno em concordância e firmamos
o compromisso com um aperto de mão — combinado, agora desculpe, mas
preciso atender, estou na emergência hoje e o bicho está pegando por aqui.
— Claro, vai!
Ele se afasta e subo pelo elevador com um sorriso bobo no rosto.

Separo todo o material que pesquisei sobre o assunto e monto uma


pequena apresentação para meus colegas. Agendamos às 20 horas e, como
Saulo, passei na padaria e comprei alguns petiscos para beliscarmos enquanto
discutimos.
Os dois chegam juntos e Saulo me apresenta ao Dr. Renan. O homem
é um senhor em torno de uns quarenta e poucos anos, bastante simpático.
Nos sentamos na minha mesa e inicio minha apresentação mostrando
exemplos que coletei de cirurgias reparadoras semelhantes à que vamos
executar.
— Primeiro precisamos extrair a fíbula com os vasos sanguíneos e
fazer a ligação deles nos vasos sanguíneos do pescoço. Isso é necessário para
que esse osso continue recebendo sangue e não sofra um processo de necrose
como sabem. Essa técnica de ligação é feita por meio de fios de sutura bem
finos. É uma técnica bem delicada. A prótese de titânio será esculpida a laser
e o enxerto ósseo sobre ela possibilitará o posterior implante dentário. Para a
execução da prótese, precisamos de novos exames de imagem. O protético
vai moldar o rosto do paciente para que a prótese saia perfeita.
Sigo explicando cada detalhe que anotei sobre tudo que será
necessário para o procedimento. Entre minha apresentação, a discussão sobre
alguns pontos e o esclarecimento de algumas dúvidas, levamos mais de três
horas nessa reunião.
— Deus, preciso ir embora, já passa das onze da noite! – Exclama
Saulo, assustado ao olhar o celular.
— Eu também, ficamos empolgados e perdemos a noção da hora.
Amanhã mesmo vou providenciar os exames que precisa, Beatriz – fala o Dr.
Renan.
— Acredito que ele leve cerca de trinta dias para confeccionar a
prótese. Depois, podemos agendar o procedimento.
— Obrigado Beatriz. Tenho certeza que essa cirurgia fará muita
diferença para o Jonas, não só em qualidade de vida, como em sua autoestima
– agradece Saulo.
— Tenho certeza que sim. Reze ao seu Deus para nos ajudar – peço a
ele, já sabendo sobre sua fé.
— Ele estará conosco, conduzindo nosso trabalho.
Sua frase me emociona e nos despedimos cansados, satisfeitos e
esperançosos.
O mês passa voando. Entre meu serviço rotineiro e a preparação para
a cirurgia de Jonas, sobra pouco tempo para minha vida pessoal. Passo alguns
fins de semana com meus pais e outros em casa, estudando ou simplesmente
dormindo por exaustão.
A prótese fica pronta e fazemos outras reuniões para afinar nosso
trabalho no momento da cirurgia. Quando finalmente a agendamos para a
semana seguinte, fico com uma expectativa gigante. Vou até o Pronto
Socorro conhecer o paciente, fico sensibilizada ao vê-lo e feliz por ter
aceitado o desafio. É um rapaz jovem, bonito, que merece ter uma vida
melhor. Sua família está empolgada e enxergo a esperança em seus olhos.
Não podemos errar, não há essa possibilidade.
Conforme os dias passam, minha tensão aumenta. O Dr. Guilherme,
bem como o Diretor do Pronto Socorro, estão acompanhando nossos
preparativos. É uma cirurgia inovadora que pode se tornar referência nesse
tipo de fratura.
Tenho folga no dia anterior e no seguinte da cirurgia. Na véspera,
estou tão ansiosa que preciso de alguém ao meu lado e a pessoa que quero é
ele. É Igor. Nem luto com minha consciência, sigo meu coração e pego o
celular em busca de seu nome. Ele tem se mostrado um bom amigo.
Almoçamos juntos algumas vezes, ele é atencioso comigo e interessado nos
preparativos. Não tocamos no assunto “nós dois”. Para falar a verdade, já
nem sei mais se existe a possibilidade de um “nós dois”.
A ligação chama e ele me atende no terceiro toque.
— Bia? Tudo bem?
— Oi Igor, tudo bem. Está muito ocupado hoje?
— Trabalhando, precisa de alguma coisa?
Ah merda, claro que ele estaria trabalhando. Meus pensamentos estão
tão focados na cirurgia que me desliguei do resto. Hoje é quinta-feira, dia
normal de trabalho de qualquer mortal.
— Desculpe, queria companhia, mas esqueci que hoje é quinta-feira.
— É amanhã, certo?
— Sim, amanhã às nove horas.
— Vamos jantar juntos? O que acha? Saio daqui e te pego em casa.
— Eu não sei, você vai estar cansado.
— Não vou, meu dia está bem tranquilo e gostaria muito de te ver.
— Tudo bem. Te espero pronta.
Desligo satisfeita por encontrá-lo pelo menos um pouquinho. Passo a
manhã revendo os pontos importantes do procedimento. Depois do almoço,
me deito no sofá e ligo a televisão para distrair minha cabeça.
Às dezenove horas estou pronta e jogo meu perfume para finalizar.
Uso um vestido preto básico até os joelhos e minha sandália favorita de salto
médio. Não sei onde vamos, mas é um look versátil que me permite sentir
bem para entrar em vários ambientes.
A vibração no meu celular aponta que Igor chegou, pego minha bolsa
e desço ansiosa. Ele me aguarda de pé, ao lado da porta do carona. Igor veste
jeans e uma camisa branca.
— Boa noite – cumprimento ao me aproximar e ele me abraça,
beijando meu rosto em seguida.
— Boa noite! Desculpe não estar melhor — ele diz apontando para
sua roupa — vim direto do hospital, mas tomei banho antes de sair de lá.
— Imagina, você está ótimo! – O que é verdade, sua aparência não
fica ruim com nenhum tipo de roupa.
Ele me ajuda a subir em sua caminhonete e dá a volta se sentando ao
meu lado.
— Onde quer ir? Estou à sua disposição.
— Um lugar tranquilo, nada badalado, quero acalmar minha mente.
Igor pensa por alguns segundos e me surpreende com sua sugestão:
— Que tal o Topo do Mundo[9]?
É um restaurante excelente, um pouco longe, mas com uma vista
maravilhosa. Um lugar romântico, bom para casais.
— Não é longe? Não está cansado?
— Não, ainda é cedo, por mim tudo bem.
— Ok, ótima escolha.
Passo o caminho falando sobre os preparativos para a cirurgia e sobre
a minha ansiedade. Ao chegarmos, escolhemos uma mesa junto à janela, o
que nos proporciona uma vista deslumbrante. Pedimos uma parmegiana para
dois e escolho um suco. Prefiro não beber e Igor me acompanha.
Quando o garçom nos traz a bebida, ele faz um brinde:
— Ao seu sucesso amanhã.
Bato meu copo ao dele, mas argumento:
— Não seria melhor fazer esse brinde depois da cirurgia?
— Nós faremos outro depois, mas eu tenho certeza do resultado.
— Obrigada Igor. Obrigada pelo seu apoio, pelo incentivo.
— Não precisa agradecer, é um prazer estar com você — ele pega
minha mão e a acaricia de leve. Sinto um arrepio atravessar minha pele e
seguir internamente até minha coluna — agora vamos falar de outras coisas,
nada de trabalho.
Concordo e começamos uma conversa sobre viagens e locais que
gostaríamos de conhecer. Nossos pratos são servidos e tenho mais uma noite
deliciosa ao seu lado. Quando saímos, lamento que as horas tenham passado
tão rápido.
A volta é silenciosa, recosto no banco da sua caminhonete tentando
não pensar em nada, apenas apreciando o momento. Quando Igor estaciona
em frente ao meu prédio e me ajuda a descer, não me sinto preparada para
ficar sozinha. Sei que a ansiedade não vai me deixar dormir e faço um pedido
a ele em um impulso:
— Sobe comigo.
— Não é boa ideia Bia, você precisa descansar.
— Eu sei, mas não vou conseguir dormir. Fica comigo hoje?
Meu rosto aquece, sei que estou me oferecendo a ele e não deveria,
porque ainda não finalizamos nossa conversa, mas eu preciso disso. Preciso
dele. Uma boa transa vai me relaxar e fazer dormir.
Ele me analisa por alguns segundos e penso que vai recusar, mas
escuto o apito do controle trancando o carro e suspiro aliviada. Ele me
oferece a mão e entramos juntos.
No elevador, Igor me puxa em um abraço e beija minha cabeça. Sinto
um frio na barriga, mas não estou nervosa. O elevador para e caminhamos até
minha porta em silêncio. Ao abrir, ofereço um café.
— Não é boa ideia, você precisa dormir. Cafeína não vai te ajudar.
— Tem razão. O que sugere?
— Vá se trocar, vou fazer você dormir.
Sorrio com suas palavras. Não duvido que durma bem depois de um
sexo bem feito com ele. Sigo para o banheiro e tomo um banho rápido apenas
para retirar a maquiagem e lavar as “partes principais”. Escovo meus dentes,
coloco um baby doll e quando saio, encontro Igor na minha cama, com o
lençol cobrindo até a cintura, sem camisa, olhando o celular. Talvez esteja nu
ali embaixo e só de pensar nisso esquenta meu corpo inteiro.
O quarto está em meia luz e, ao puxar o lençol, consigo ver que ele
está de cueca. Me ajeito ao seu lado e ele coloca uma playlist de músicas
românticas, me puxando para seus braços em seguida. Me deito em seu peito
e escuto seu coração batendo. Ele me segura com um braço e com a outra
mão acaricia meu cabelo. Aguardo um toque mais ousado que não vem.
Decido tomar a iniciativa e passo a mão devagar pelo seu peito ao
lado do meu rosto. Igor tem poucos pelos e arranho seu abdômen de leve
enquanto desço meus dedos pelo seu corpo. Para minha surpresa, ele me para,
segurando minha mão.
—Igor?
— Não Bia, não vamos transar hoje. Não é hora disso, você precisa
descansar.
— Sexo alivia. Tem algo mais relaxante que isso?
— Relaxa sim, mas não vai acontecer. Não antes de nos acertarmos.
Eu não quero e não vou errar com você novamente.
— Não podemos ter uma noite de prazer, sem pensar no passado nem
no futuro?
— Não, isso seria inconsequente. Se eu tiver você novamente como
mulher será porque me perdoou e nos acertamos. Não quero uma noite de
prazer com você, quero mais, um relacionamento de verdade.
Suas palavras me surpreendem e fico muda sem saber o que dizer.
Depois de um minuto inteiro em silêncio, começo a rir baixinho.
Igor ergue meu rosto e indaga:
— O que foi?
— Acha que vou conseguir dormir depois do que disse?
— Claro que vai — ele beija minha testa e ergue meu queixo
deixando beijinhos por todo meu rosto, finalizando com um beijo suave em
meus lábios — vamos combinar uma coisa? No próximo fim de semana livre
vamos viajar juntos. Vamos conversar longe de tudo e todos. O que acha?
Não sei se é boa ideia, mas é necessário. Já empurrei nossos
problemas o máximo possível e, diante do que ele disse, resolvo me abrir
para uma nova conversa.
— Tudo bem.
— Sem expectativas e sem brigas, vamos apenas ser sinceros e
verdadeiros um com o outro.
— Certo.
Nos ajeitamos na cama e ficamos de lado um de frente para o outro,
de mãos dadas. Igor passa um dedo sobre meus olhos, os fechando.
— Escute a música e não pense em nada. Só descanse.
Faço o que ele sugere e antes que perceba, estou dormindo.
Quando meu celular desperta às 07 horas, há uma bandeja ao meu
lado. Igor me surpreende mais uma vez. A bandeja tem café, suco, croissant,
pão de queijo, salada de fruta e até um cupcake. Olho ao redor e ele não está
por perto. Já ia me levantar quando vejo um bilhete e as chaves do meu carro
ao lado da bandeja.
Bom dia!
Não sei o que gosta pela manhã, então comprei um pouco de tudo.
Tive a liberdade de procurar a chave do seu carro em sua bolsa para buscá-
lo e o estacionei em frente ao seu prédio. Coma direito, tome um banho e se
prepare para este grande dia. Estou a uma ligação de distância a qualquer
momento que precisar. Não vou te desejar sorte, porque seu sucesso não
depende de sorte e sim da sua competência. Confio em você e te aguardo
para comemorarmos juntos!
É sua hora de brilhar e você vai ofuscar todos ao seu redor.
Igor
Meus olhos marejam e beijo o bilhete deixando algumas lágrimas
caírem. Ele está sendo um homem perfeito. Deus, acho que estou novamente
apaixonada por ele, ou será que nunca deixei de estar? Não posso negar para
mim mesma, se meu coração já batia por ele, agora está completamente
entregue.
Tomo um gole do café e aprecio o cuidado que teve ao colocá-lo em
um copo térmico. Ainda assim, desconfio que não foi há muito tempo ou teria
esfriado. Saboreio devagar item por item, apreciando não só o sabor, mas o
carinho por trás de cada coisa escolhida por ele. O cupcake é de banana com
canela, uma delícia!
Quando termino de comer, levo a bandeja para a cozinha e sigo para
um banho caprichado. Não sei quantas horas irá durar a cirurgia e preciso
estar bem. Ao sair para o quarto, faço um alongamento e me visto. Pego as
chaves, minha bolsa e, antes de guardar o celular, envio um recado a ele:
“Obrigada... por tudo! Você fez este dia mais especial.”
Acrescento alguns emojis com olhinhos de coração e sigo para o
Pronto Socorro João XXIII.

Encontro com Saulo e Renan na enfermaria do segundo andar. Vamos


juntos até Jonas para cumprimentá-lo e à sua família. É emocionante sentir a
expectativa de todos. Explicamos basicamente como será a cirurgia e a
recuperação. Depois de abraços e votos de boa sorte, seguimos para o
vestiário. Antes de fazermos a antissepsia, Saulo nos chama e realiza uma
oração de mãos dadas conosco.
Senhor Jesus, vós que curastes tantos enfermos com suas mãos, nos
acompanhe nas próximas horas. Que possamos ajudar Jonas para que tenha
uma vida digna, com saúde e conforto. Que o Senhor conduza nossas mãos,
ilumine nossa mente e fortaleça nosso corpo durante a cirurgia. Que o
Espírito Santo esteja presente conosco em todos os momentos, nos dando
calma e a sabedoria necessária para conduzir este procedimento com
sucesso. Obrigado Senhor por nos conceder a graça de ser um canal de Seu
amor. Que seja feita a Tua vontade. Amém!
Repetimos Amém e rezamos um Pai Nosso a seguir. É algo que nunca
fiz, mas que me emociona e tranquiliza. Saulo com seu olhar bondoso, sua
voz mansa, realmente parece um anjo, como diz Helena. Tenho muito a
aprender com ele. Fazemos a higienização e entramos na sala de cirurgia.
É uma cirurgia complexa, inovadora e será documentada. Há um
cinegrafista devidamente preparado com material esterilizado para filmar
todo o procedimento. Mesmo deixando apenas o pessoal essencial, somos
muitos dentro da sala de cirurgia. O anestesista informa que o paciente já está
sedado e ele me faz recordar de Igor. Gostaria que ele estivesse aqui conosco.
Respiro fundo e inicio o procedimento. Com cuidado, faço o corte
necessário e retiro a fíbula da perna, Saulo assume a sutura deste membro
enquanto eu e Dr. Renan fazemos a ligação dos vasos sanguíneos ao pescoço.
É um trabalho meticuloso, lento e delicado.
As horas passam devagar e chego a perder a noção do tempo. Em
alguns momentos sou interrompida para me hidratar e revezo com Saulo e
Renan para que não haja nenhum equívoco. Formamos uma excelente equipe,
um conferindo, vigiando e apoiando o outro. Nossos passos foram decorados
e executamos tudo como uma dança bem ensaiada.
Em uma cirurgia de longas horas, são necessárias algumas pausas
para irmos ao banheiro e comer alguma coisa, mas combinamos de fazer o
mínimo de pausas necessárias. Saulo sai primeiro e faço minha pausa quando
ele retorna, após quase cinco horas do início do procedimento. Como uma
fruta e uma barra de cereal junto com um energético, faço a antissepsia
novamente e retorno. Renan sai em seguida. Fazemos mais uma pausa
algumas horas depois e então seguimos até o fim.
O encaixe da prótese levou longas horas. Depois de acertar as
articulações, nervos e o enxerto ósseo, Saulo finaliza as suturas com mãos de
ouro. Seu apelido não é à toa. Quando finalizamos o procedimento completo,
a equipe nos aplaude e nos abraçamos emocionados. Foram dezesseis horas
dentro da sala de cirurgia. A mais longa que já fiz até hoje.
Minhas pernas doem, minha coluna protesta e meus olhos ardem
devido ao esforço. Avisamos a família sobre o sucesso da cirurgia, troco de
roupa e tudo que eu quero é chegar em casa, são quase quatro da manhã.
Desço do elevador com Saulo e, para minha surpresa, encontramos Igor na
recepção.
— Igor, o que está fazendo aqui? – Questiona Saulo, preocupado.
— Calma, está tudo bem, estou esperando a Beatriz.
— Me esperando? Desde que horas está aqui?
— Desde que saí do BHMed. Estava preocupado com você, sabia que
sairia exausta e também, estou curioso. Deu tudo certo?
— Sim, foi um sucesso — afirmo, ainda chocada que ele esteja ali,
me aguardando há horas. Penso que estou tendo uma alucinação e pisco os
olhos com força, mas ele me toma em seus braços e gira comigo algumas
vezes, o que me faz crer que de fato é real — Igor, está me deixando tonta. —
Protesto, afinal, não comi quase nada depois do café da manhã.
— Desculpe. — Ele me coloca novamente no chão com cuidado e
abre um grande sorriso — Parabéns, eu tinha certeza que seria um sucesso!
Vocês dois juntos, não tinha como dar errado.
Saulo também parece aturdido com a presença de Igor a esta hora da
madrugada. Por fim, sacode a cabeça e se despede.
— Eu ia deixar a Beatriz em casa, mas pelo visto ela está em boas
mãos. Até amanhã Beatriz, boa noite Igor ou bom dia, nem sei
dizer...desculpe, estou cansado.
— Vamos, estou morta também, não sei se consigo ficar em pé muito
tempo —para minha surpresa, Igor me pega no colo e caminha comigo em
direção ao estacionamento ao lado do hospital — Igor, o que está fazendo?
— Cuidando de você, me deixe fazer isso.
Eu deixo-me envolver por sua gentileza. Desisto de lutar e
simplesmente me recosto em seu peito. Ele me coloca no banco do carona e
me entrega uma sacolinha.
— O que é isso?
— Um lanche, imagino que está sem comer há algum tempo.
— Há muito tempo, na verdade, fiz alguns lanches rápidos, mas nada
substancial.
Igor se senta ao meu lado e faz uma careta de repreensão.
— Não podia parar uma cirurgia para fazer uma refeição completa —
abro a embalagem e descubro um sanduíche natural e um suco de caixinha.
Minha barriga reclama vergonhosamente e dou uma mordida enorme
saboreando com prazer — Já estou sem graça de tanto agradecer você, mais
uma vez, obrigada.
— Bia, não precisa agradecer, eu quero cuidar de você, entenda isso
de uma vez.
— Você está fazendo isso com maestria. Acho que ninguém nunca se
preocupou comigo dessa forma – confesso a ele.
— Fico feliz em ouvir isso.
Seguimos em silêncio e termino meu sanduíche pouco antes dele
estacionar em frente ao meu prédio.
— Você foi de carro? Seu carro ficou lá?
— Não, eu deixei na garagem e fui de Uber. Sabia que estaria cansada
demais para dirigir.
— Vem, vou subir com você.
— Não precisa, você deve estar cansado também.
— Você disse que estou cuidando de você com maestria. Preciso
fazer o serviço completo. Vou te colocar na cama.
Eu não luto, foi bom demais dormir abraçada com ele a noite passada,
se ele quer repetir, quem sou eu para reclamar. Entramos no apartamento e
tiro os sapatos imediatamente.
— Vou tomar um banho rápido – informo e ele assente deixando suas
chaves e carteira sobre a mesa.
Sigo para meu quarto e tiro a roupa jogando-a no cesto do banheiro.
Abro o chuveiro e prendo meu cabelo para não molhar. Para minha surpresa,
Igor entra no banheiro atrás de mim.
— Se importa que eu tome banho com você? Também preciso me
lavar antes de deitar. Não tomei banho no BHMed e estou há horas na
recepção do PS.
— Não – respondo com certa hesitação. Bia, não fique nervosa, vocês
já transaram, você já o viu nu. Digo para mim mesma em pensamento.
Entro embaixo da ducha e fecho os olhos apreciando o calor da água.
Deixo que ela bata nas minhas costas e o prazer aumenta quando sinto os
dedos de Igor massageando meus ombros. Gemo alto de satisfação.
— Ah, que delícia, nem sei o que dói mais, minhas pernas, minhas
costas ou meus braços.
— Apoie os braços na parede, vou lavar você – pede Igor.
Estendo os braços para frente, apoiando nos azulejos e não penso em
nada, apenas sinto. Igor passa o sabonete com delicadeza pelo meu corpo.
Pescoço, costas, barriga e seios. Ele passa as mãos ensaboadas com carinho
pelos meus seios e mesmo cansada é impossível não me arrepiar. Contenho
um gemido na garganta, mas estremeço com seu toque. Ele se ajoelha e
ensaboa minhas pernas, apertando suavemente minha panturrilha. Ergue meu
pé, um de cada vez, fazendo uma pequena massagem. Recosto a testa na
parede fria e relaxo. Ele sobe as mãos pelas minhas pernas e com cuidado
passa o sabonete pelo meu quadril. Por fim, ele chega lá.
Igor toca minha intimidade com os dedos e ouço seu arfar. Ele está
com tesão e eu também. Rebolo suavemente em sua mão mostrando o quanto
seu toque me agrada. Ele se levanta e sinto um beijo em meu ombro e sua
língua deslizando pela minha nuca em direção ao meu ouvido.
— Quer gozar? – Ele pergunta em um sussurro. Penso que estou
sonhando e Deus, eu não quero acordar, é bom demais. Aceno em
concordância, com medo de que ao proferir algo com minha voz, tudo aquilo
desapareça.
Igor acaricia minha intimidade lentamente, separa meus lábios e
encontra meu centro de prazer inchado, desejoso de atenção. Ele busca minha
lubrificação e retorna com a pressão certa. Em certo momento tenho medo de
cair, acho que minhas pernas não vão me sustentar.
Ele busca meu seio com a outra mão e o aperta provocando sensações
desconcertantes. Solto seu nome em um lamento sofrido e ele entende o que
preciso. Igor me penetra com um dedo e aumenta a pressão onde preciso. Me
contorço desavergonhadamente em seus dedos e, quando o clímax está
prestes a me atingir, busco apoio ao redor de mim. Antes que eu caia, ele
solta meu seio e me aperta contra si.
Me desfaço em um orgasmo maravilhoso. Todo meu corpo estremece
e Igor me toca com delicadeza a cada espasmo que sinto, prolongando meu
prazer. Quando meu corpo acalma, ele me vira e deposita um beijo suave em
meus lábios. Posso sentir sua ereção em minha barriga mas, antes que eu faça
alguma coisa, ele me empurra para fora do box.
— Se enxuga e vai para a cama. Já já te encontro lá.
— Não sei se vou conseguir te esperar acordada – confesso a ele
enquanto me enxugo.
— Pode dormir branquinha, você merece um bom descanso.
Volto ao quarto e fico em dúvida se coloco um pijama. Como sei que
não vou dar conta de retribuir o que Igor fez, visto meu baby doll e me ajeito
entre as cobertas. Fecho os olhos e sequer vejo ele sair do banheiro.

Assim que Beatriz sai do banheiro me toco para aliviar esse tesão
absurdo. Voltei aos meus anos de adolescente, quando me satisfazia
basicamente com punhetas. Em todas elas, penso na mesma mulher. Uma
mulher que está a alguns passos de distância, mas que não posso transar. Não
ainda.
Saio do banho e me enxugo. São quase cinco da manhã, mas hoje é
sábado e não trabalho, por isso pude esperar Beatriz até alta madrugada.
Penso se devo ir para casa ou se me deito ao seu lado. Estou tão cansado que
me rendo e ergo as cobertas me aconchegando ao seu corpo gostoso. Bia está
apagada e aproveito para observar seu rosto perfeito por cima do seu ombro.
Seus lábios cheios e bonitos, seus cachos que emolduram tão bem seu rosto.
Tudo nela é perfeito.
Beijo seus cabelos suavemente e digo um boa noite baixinho, mesmo
que ela não me escute. Puxo suas costas contra mim e relaxo no travesseiro.
Acordo antes de Beatriz. Levanto com cuidado, vou ao banheiro e me
visto. Estou indo até a padaria quando meu celular toca. É Davi. Tinha uma
sessão com ele ontem, mas enviei um recado pedindo que desmarcasse
porque queria aguardar Beatriz no Pronto Socorro. Atendo enquanto
caminho.
— Bom dia Davi.
— Bom dia. Tudo bem? Fiquei preocupado quando ouvi seu recado
ontem.
— Está tudo bem, só tive um compromisso. Quando nos
encontrarmos te conto tudo.
— Estou no meu consultório particular. O paciente das onze acabou
de desmarcar, quer vir?
Olho as horas na tela, faltam vinte minutos, não sei se consigo chegar,
mas seria ótimo conversar com ele.
— Quero, mas talvez atrase alguns minutos.
— Tudo bem, eu te aguardo aqui, vou te enviar o endereço, é perto do
BHMed.
Apresso meu passo até a padaria e compro algumas coisas que vejo
pela frente sem escolher muito. Peço um café e tomo com pressa, quase
queimando minha língua. Volto ao apartamento de Beatriz e por falta de
tempo deixo tudo sobre a bancada da cozinha. Pego seu bloquinho, que
descobri ontem sobre o móvel da televisão, e anoto um bilhete rápido.
“Bom dia! Precisei sair rápido, mas deixei algumas coisas na
cozinha para seu café. Mais tarde nos falamos. Beijos, Igor”
Deixo o bilhete no travesseiro ao seu lado e saio apressado conferindo
o endereço enviado por Davi, por sorte não é longe. Chego com dez minutos
de atraso.
— Bom dia, entre — ele me cumprimenta com um aperto de mão —
você parece cansado.
— Fui dormir às cinco, realmente estou cansado.
— Trabalhando?
— Não, ontem foi a cirurgia que a Bia fez com Saulo – Davi já sabia
sobre o procedimento — Fui aguardá-la no PS, queria estar lá quando ela
saísse.
— E como foi? Deu tudo certo?
— Segundo ela sim, foi um sucesso.
Davi sorri satisfeito. Como eu, ele sabia que não tinha como dar
errado. Não conheço o terceiro médico, mas Bia e Saulo são extraordinários,
era certeza de sucesso.
— Imagino que os dois devam estar aliviados e satisfeitos. E como foi
quando ela te viu, ficou surpresa?
— Sim, muito. Davi... eu vou para o céu, cara! Juro, estou fazendo
tudo certinho, mas não sei quanto tempo vou conseguir me segurar. Dormi
duas noites ao lado dela, sem transar, sequer sabia que isso era possível.
Davi ri baixinho, me analisando com seus olhos profundos.
— Você está se aproximando dela, reconquistando sua confiança, isso
é necessário, vai valer a pena.
— Eu sei, já está valendo. Eu disse que queria cuidar dela e ela
respondeu que estou fazendo isso com maestria. Sei que estamos nos
aproximando e construindo alguma coisa, mas é tão lento, gostaria que as
coisas andassem mais rápido.
— Não coloque o carro na frente dos bois, tudo a seu tempo. Já
conversamos sobre isso. Se quer um relacionamento com ela que não seja
casual, precisam construir um envolvimento além da cama.
— Eu sei, estou fazendo isso e confesso que estou gostando. Nem
lembro a última namorada que tive, mas faz muito tempo. Estou curtindo sair
com ela para jantar, conversar... Bia é excelente companhia e a cada dia me
convenço que ela é a mulher certa.
— Se tem essa certeza, ótimo. Fica mais fácil se controlar, você tem
um objetivo em mente, conquistar essa mulher.
— Até quando? Ontem eu a toquei — confesso a ele, contando a
seguir o que aconteceu depois que a busquei no Pronto Socorro.
— Nunca te disse para não a beijar ou não a acariciar, apenas disse
para apresentar a ela o homem que existe fora da cama. Não há um tempo
certo Igor, mas eu penso que deveriam transar apenas depois de conversarem
e se acertarem. Vocês têm assuntos pendentes e misturar sexo não vai dar um
bom resultado. Agora que essa cirurgia passou, talvez consigam conversar
novamente.
— Espero que sim, está difícil me manter na punheta, não sou mais
um adolescente.
— Vou te contar algo como amigo, algo pessoal. Lembra quando
Isabella foi para a Europa, antes de ficarmos juntos. Eu esperei por ela, fiquei
seis meses sem transar com ninguém e quer saber? Valeu muito a pena.
— Seis meses! Caralho!
— Seis meses, foi difícil? Sim, principalmente porque eu não sabia
sequer quando ela voltaria, se ela me queria, se ficaríamos juntos, mas eu não
queria nenhuma mulher. Meu corpo pedia por ela, eu o respeitei e aguardei.
— Também não quero outra mulher, não fiquei com ninguém depois
dela.
— Isso é um bom sinal, ficar com outra mulher pensando nela, vai te
dar uma ressaca moral que não é nada agradável. Aguente mais um pouco,
vai valer a pena.
Esfrego as mãos no rosto, sei que Davi tem razão, sei que preciso
esperar e que Bia vale a pena.
— Certo. Eu a chamei para viajarmos juntos. Queria um tempo com
ela para conversarmos sobre tudo sem brigas. Um lugar neutro, mas sem
ninguém por perto.
— É uma boa ideia, mas dormir juntos vai aumentar seu sofrimento.
Você está se testando além do necessário.
— Vou pedir dois quartos. Olha a que ponto me faz chegar, vou viajar
com a mulher que amo e pedir dois quartos! – Exclamo com o absurdo da
situação.
— A mulher que amo? – Davi questiona atento e reflito sobre o que
disse sem pensar. Eu a amo?
— Sim, eu a amo — assumo pela primeira vez — não estaria fazendo
tudo isso se não a amasse.
— Parabéns, estou quase te dando alta.
— Nem pensar, só vou liberar você depois que ela me perdoar.
— Ela vai e quero um convite para ir ao casamento.
— Você será um dos padrinhos.
Fico momentaneamente chocado refletindo sobre minhas palavras.
Acabei de assumir que amo uma mulher e que estou cogitando casamento,
algo que sempre fugi como o diabo foge da cruz. É Igor, Beatriz
definitivamente te abateu, mais um soldado perdido como dizem por aí.
Acordo sozinha novamente, mas ao contrário de ontem não tenho
pressa de levantar. Fico na cama e recordo sobre o dia anterior, primeiro
relembro a cirurgia e agradeço a Deus por tudo ter dado tão certo. Depois me
lembro de Igor. Meu coração fica quentinho quando penso que ele passou
tantas horas me aguardando.
E depois... foi delicioso quando me tocou no banho. Me sinto pulsar
só de me lembrar. Viro na cama e encontro um bilhete sobre o travesseiro ao
meu lado. Leio devagar e sorrio com suas palavras. Ele dormiu aqui. Me
lembro vagamente dele me puxando contra seu corpo, mas não tinha certeza
se era apenas um sonho. Esforço para me levantar, porque meu estômago
protesta ao saber que tem algo gostoso aguardando na cozinha.
Faço minha higiene e vou rapidamente até lá. Hoje Igor deixou pão de
queijo, broa e alguns biscoitinhos fritos. Faço um café solúvel, sim sou
preguiçosa, e me sento para comer conferindo as mensagens no celular.
Há um recado de Saulo pedindo que eu compareça ao Pronto Socorro
às 15 horas para uma reunião com o Diretor. Imaginei que isso aconteceria. O
homem deve estar ansioso para saber detalhes sobre a cirurgia. Envio um Ok
e a seguir ligo para meus pais para contar que deu tudo certo.

Chego pontualmente no hospital e encontro Saulo e Renan me


aguardando no saguão. Somos conduzidos para uma reunião com o diretor e
alguns médicos que acompanharam o procedimento através da câmera. Eles
nos parabenizam, tiram dúvidas e a reunião termina três horas depois. Nos
informam que a mídia especializada foi avisada e que estamos convocados
para uma entrevista coletiva na segunda-feira.
Após a reunião, subimos para verificar Jonas, ele está no CTI, ainda
sedado, mas tudo corre dentro da normalidade, sua situação é estável.
— Seu rosto parece outro — comenta Saulo — acredito que ele vai
ficar bem feliz com o resultado.
— Nossa, fizemos um trabalho e tanto! — Exclamo satisfeita. Claro
que há algumas cicatrizes, mas as principais, uma barba é capaz de cobrir, ao
menos, boa parte delas.
— Ele vai poder mastigar novamente, isso é o mais importante —
acrescenta Renan.
— E falar normalmente, além de sorrir — completa Saulo.
— E beijar na boca, gente! Não se esqueçam disso, ele é jovem, e isso
é muito importante. – Declaro e os dois caem na risada junto comigo.
— É verdade, beijar na boca é delicioso – confirma Saulo com o rosto
corado e aproveito para provocá-lo.
— Dr. Saulo Silva, declarando que beijar na boca é delicioso? Achei
que você era um anjinho.
— Ah para, sou casado e amo beijar minha mulher. Já chega Helena
com essa coisa de anjinho e Rafael me chamando de neném. Já estou com o
terceiro filho encaminhado.
— Por falar nisso, descobriram o sexo? – Pergunto, curiosa.
— Alex vai fazer ultrassom esta semana, aí iremos descobrir.
— Saulo é corajoso, eu só tive um e olhe lá – declara Renan.
— E eu que não tive nenhum — completo dando de ombros.
— Ainda pode ter — fala Saulo — aliás você disse que não tinha
nada com o Igor e ontem à noite ele estava aqui de madrugada te aguardando.
— E não temos, somos amigos.
— Amigos? Vocês não me pareceram amigos.
— Já fomos inimigos, então evoluímos para amigos, quem sabe
chegamos a algo mais num processo de evolução futuro.
— Tomara que seja um Darwinismo acelerado.
Caímos juntos na risada e algumas enfermeiras nos encaram de cara
feia.
— Vamos descer – sugere Renan — ele não irá acordar hoje. Amanhã
eu retorno para conferir.
Seguimos juntos para a portaria e fico de voltar apenas na segunda-
feira para a entrevista coletiva. Não trabalho no Pronto Socorro e, apesar de
acompanhar o caso de Jonas, tenho que cumprir meus horários no BHMed.
Saio de lá e vou direto para a casa dos meus pais. Passo a noite com
eles e só retorno depois do almoço de domingo. Troco algumas mensagens
com Igor, mas não combinamos nada. Finalizo meu domingo com um balde
de pipoca e uma comédia romântica. Sozinha.

Segunda-feira fico chocada ao chegar ao Pronto-socorro. O


movimento de repórteres e câmeras no saguão é tão grande que fico com o
coração apertado ao imaginar que aconteceu um grave acidente. Não vejo
nenhum noticiário há algum tempo, então estou por fora do que acontece por
aí. Observo um residente e me aproximo em busca de informações.
— Ei, o que aconteceu? Houve algum acidente?
— Hum, não estou sabendo, está procurando alguém?
— Não, essa quantidade de repórteres, o que houve?
— Ah, é sobre uma cirurgia inovadora que aconteceu aqui. Os
médicos vão dar uma coletiva.
Abro a boca chocada. Na verdade, meu queixo vai ao chão. Quando o
Diretor falou que daríamos uma coletiva, imaginei uns dois ou três repórteres
de revistas especializadas ou alguém de centros de pesquisas e não a grande
mídia que se encontra no saguão. Sigo para o elevador em busca de Saulo e
Renan e confiro minha imagem no espelho. Não estou mal, mas podia ter me
produzido melhor.
Encontro os dois na frente da sala do Diretor e me junto a eles,
ansiosa.
— Viram a multidão de repórteres lá embaixo?
— Sim, a coisa saiu de controle — responde Saulo — eles foram
informados e compraram o caso de Jonas, vai sair em todos os noticiários.
— Gente, vamos ficar famosos! – Exclama Renan.
— Eu não vim preparada para isso, estou tremendo agora – ergo
minha mão e mostro meus dedos trêmulos.
— Eu não me importo com a fama — continua Saulo empolgado —
mas essa repercussão é excelente para o PS, podemos conseguir mais
recursos depois disso.
Os dois continuam enumerando as vantagens de expandir o caso para
toda a população e uma pergunta me vem na cabeça:
— A família dele concordou com essa divulgação?
— Claro que sim, eles também vão ser entrevistados. Acredito que
estejam até recebendo algum dinheiro por isso – fala Renan.
— Eles sabem que a divulgação pode ajudar outros pacientes em
situação semelhante – completa Saulo.
O diretor nos chama e afirma que o caso teve uma grande repercussão
e que a entrevista será em um pequeno auditório. Primeiro ele irá falar,
depois, nós seremos chamados e por fim, os pais de Jonas.
Sei que isso é bom, sei que faz parte do trabalho, mas não me sinto
preparada. Meu coração quase sai pela boca quando vejo aquele monte de
câmeras voltadas para nós. Tento me acalmar, enquanto o diretor dá as
declarações iniciais. Ele conta basicamente o que aconteceu com Jonas e nos
apresenta.
Somos aplaudidos pelos jornalistas e observo Saulo corar ao meu
lado. Não sou a única apavorada aqui, mas na hora que começam as
perguntas, eu me solto e respondo com segurança a todas elas. Eu fiz o
planejamento, o acompanhamento com o protético e coordenei todo o
procedimento. Eu estive lá, fiquei horas trabalhando e acompanhando cada
minuto daquela cirurgia. Não há pergunta que eu não saiba responder.
Saulo e Renan também se posicionam bem e concluímos a entrevista
posando juntos para várias fotografias. Recebemos cumprimentos e subo para
ver Jonas com os rapazes, ele já acordou, mas ainda não consegue falar. Faço
algumas perguntas a ele que me responde com sinais. Ele está bem e vai ficar
melhor ainda.
Me despeço com tristeza dos dois, claro que ainda vou ver Saulo e
Renan eventualmente, mas não sei se trabalharemos juntos novamente e
fizemos uma ótima equipe. Sigo para o BHMed e, assim que entro, recebo
olhares e cumprimentos de médicos, enfermeiras e até mesmo de pacientes.
Meu coração fica acelerado e procuro por Igor.
Eu o encontro com Rafael na entrada do bloco cirúrgico. Os dois
começam a bater palmas ao me ver.
— Para com isso vocês dois. Já saiu na televisão?
— Sim, a Dra. Beatriz Mairinque está famosa agora – informa Rafael
com um grande sorriso.
— Meu Deus — cubro o rosto com as duas mãos — nunca pensei que
algo assim aconteceria.
— Vem cá, me dá um abraço — pede Igor me puxando e eu cedo o
apertando contra mim — estou muito orgulhoso de você, parabéns! Eu disse
que ia brilhar, lembra?
Meus olhos ficam úmidos e ergo o rosto o encarando. Posso ver a
admiração em seus olhos, é real, não está sendo apenas gentil.
— Eu não tinha essa certeza, mas obrigada por acreditar em mim.
— Como está meu neném? — Questiona Rafael — Não estou
conseguindo falar com ele.
— Ele está ótimo, ficou um pouco envergonhado como eu no início,
mas estava empolgado com o retorno que tudo isso irá trazer ao Pronto
Socorro.
— Precisamos comemorar, vou marcar alguma coisa lá em casa e
aviso vocês.
Aceno em concordância e uma enfermeira avisa os dois que o
paciente está pronto.
— Temos uma cirurgia agora. Depois nos falamos – diz Igor me
soltando.
— Certo, bom trabalho!
Passo o resto do dia pisando em nuvens, sou chamada pelo Dr.
Guilherme que também me cumprimenta e parece orgulhoso. Recebo vários
telefonemas da minha família e até de amigos do BHMed de Contagem que
me viram na televisão. Foi difícil trabalhar, mas retorno para casa com a
sensação de vitória, de dever cumprido.
Entro no BHMed de mãos dadas com Alex. Sinto uma nostalgia toda
vez que venho aqui, afinal, foram anos trabalhando neste hospital. O BHMed
foi minha segunda casa durante muitos anos.
Envio uma mensagem ao Rafael avisando que chegamos e subo com
Alex para que ela faça o Ultrassom. Dra. Selma nos recebe com um sorriso
no rosto e após cumprimentar Alex, me parabeniza.
— Eu vi a entrevista ontem Saulo, parabéns!
— Obrigado, foi um trabalho em equipe.
— Como tem passado Alex?
— Bem, a gestação única é bem mais tranquila que a gemelar –
afirma minha esposa — apesar do bebê se mexer mais, eu me sinto bem
melhor.
— Sem dúvida, ele tem mais espaço, então é natural que se mexa
mais. Já olhei seus exames de sangue e está tudo bem. Podemos iniciar o
ultrassom?
— Só um minuto — peço a ela — Rafael está descendo, ele vai ser o
padrinho e quer acompanhar.
— Ah claro, pode ir se trocando Alex.
Minha mulher se afasta e alguns segundos depois meu irmão aparece
e me puxa em um abraço antes mesmo de me cumprimentar.
— Parabéns cara! Senti um puta orgulho ao te ver na televisão, eu
sabia que você ia longe neném.
Fico emocionado com suas palavras porque sei que são sinceras. Nós
nos amamos de verdade e receber o reconhecimento do meu irmão mais
velho é muito importante.
— Obrigado! Mas hoje não quero falar disso, a estrela nesse momento
é o bebê que está vindo aí, seu afilhado.
— Ou afilhada, já tenho o Davizinho de afilhado, uma garotinha seria
perfeito. Uma outra garotinha, delicada como a Raquel.
Alex sai da cabine e se deita na maca. Sua barriguinha está grande,
mas nada que se assemelhe à última gestação. A Dra. Selma inicia o exame e
prendo a respiração em expectativa. Não demora muito para termos a
resposta que queríamos.
— Um garoto! – Ela exclama, apontando o pênis do meu filho na tela.
— Um menino, Alex — me abaixo e a beijo na boca — teremos mais
um menino!
— Sim, está feliz? – Ela indaga, preocupada.
— Muito, querida, muito! – Asseguro a ela apertando sua mão.
Eu não queria outro filho agora e ela insistiu tanto que acabei
cedendo, mas ela sempre me questiona, como se eu não quisesse outro bebê e
isso não é verdade. Eu apenas acho que deveríamos ter esperado mais um
pouco, só que ela argumentou que seria melhor criarmos todos juntos e que
as crianças seriam mais unidas, enfim, ela me convenceu e cedi. Hoje amo
esse bebezinho em sua barriga, como amo Samuel e Raquel.
Rafael me abraça mais uma vez e beija Alex na testa.
— Vocês já escolheram o nome? Rafael é um nome bíblico, sabiam?
Caio na risada ao ouvir sua sugestão.
— Não complique minha vida, eu vi a confusão que Helena arrumou
colocando Davi em seu filho.
— Não vai ter complicação nenhuma, vocês são os pais, a decisão é
de vocês.
— Nenhuma? O que o Lucas acharia disso e os irmãos da Alex?
— Tudo bem. Aliás, onde está o clone? Achei que ele viria.
— Ele está trabalhando, disse que não conseguiria vir, mas vou ligar
para ele.
Alex se senta e lhe dou a mão, ajudando a descer da maca.
— Posso contar o nome a ele? – Ela pede.
Já havíamos escolhido os nomes, caso fosse menino ou menina.
Combinamos de contarmos juntos para toda a família, mas vejo a ansiedade
nos olhos da minha mulher e não consigo negar nada a ela. Aceno e ela conta
para Rafael:
— Ele vai se chamar Daniel. Daniel foi o segundo filho de Davi e foi
um exemplo de justiça. Daniel significa “Deus é meu juiz”.
— Daniel, é um nome lindo, adorei — concorda Rafael — mas
continuo achando que Rafael seria melhor, é nome de anjo — ele argumenta.
— Quem sabe no próximo. – Responde Alex e abro a boca em
choque.
— Alex! Não tem próximo, nós combinamos que esse seria o último!
Ela cora e Rafael sorri de lado. Segundo ele, nós teremos uns dez
filhos, porque Alex não tem limites e ele sabe que tenho receio de fazer
vasectomia, inclusive por questões religiosas. Talvez precise rever meus
conceitos, ou realmente vamos terminar com mais filhos do que podemos dar
conta.
— Parabéns aos dois — afirma Rafael mais uma vez. Ele se aproxima
da barriga de Alex e a acaricia levemente — Daniel, aqui é o padrinho. Tio
Rafa, guarde esse nome, Tio Rafa vai estar sempre com você.
Ele abraça Alex em seguida e se vira para mim.
— Que tal um rolê amanhã de noite lá em casa? Precisamos
comemorar, seu sucesso e o bebê.
Olho para Alex e ela concorda imediatamente, seguindo para a cabine
para se trocar novamente.
— Tudo bem, combinado. Você chama Helena e eu chamo o Lucas.
— Vou convidar o Igor e a Beatriz também.
— Está rolando algo entre eles? – Pergunto curioso. Se alguém sabe
de algo, é Rafael. Ele sabe de tudo.
— A história ali é longa e complicada — ele responde — mas Igor
está caidinho por ela.
— Tomara que se acertem. Beatriz merece um cara legal. Espero que
Igor faça por merecê-la e mude seu comportamento mulherengo.
— Ele já mudou, coitado, está numa seca das bravas — ele comenta
baixinho — ela está fazendo jogo duro com ele.
— Não deve ser sem motivos.
Alex retorna e nos despedimos mais uma vez com abraços. Entro no
carro com minha esposa.
— Alex, precisamos parar de ter bebês. É sério, já conversamos sobre
isso. Criar um filho hoje em dia é caro e nós já temos três.
— Eu sei, estava brincando com você.
Olho para ela e não tenho certeza se era brincadeira. Decido apelar
para o que sei que mexe com ela.
— Você disse que gostaria de voltar a fazer cirurgias. Se continuar
tendo filhos não vai voltar nunca. — Ela fica muda refletindo sobre minhas
palavras e sei que peguei em seu ponto fraco — Eu posso fazer vasectomia,
acho que é mais seguro, por menos que goste da ideia.
— Não, não quero que faça isso. Sei que é contra o que acredita,
jamais deixaria que fizesse. Vou conversar com a Dra. Selma e ver a melhor
opção. Posso ligar as trompas junto com a cesariana.
— Não quero te forçar a nada e nem que se arrependa no futuro,
talvez o DIU seja suficiente por um tempo.
— Eu cresci em uma família grande e gostaria de ter muitos filhos,
mas você tem razão. Os tempos são outros e eu realmente gostaria de voltar a
fazer cirurgias. Acho que três está de bom tamanho.
Para Alex voltar a trabalhar em um hospital, as crianças já teriam que
estar crescidas e, ainda assim, vamos precisar de babás ou funcionárias para
nos ajudar por conta dos plantões. Fico aliviado que ela tenha optado por
trabalhar na Clínica meio-horário, podendo ficar com os gêmeos o restante do
dia. Não gosto da ideia de ter filhos e deixá-los nas mãos de outras pessoas.
Se nós os tivemos, nós devemos criar. Seguro sua mão e a beijo com carinho.
— Nós temos alguns meses pela frente, vamos refletir com calma.
Assim que entro na casa de Rafael, ele me puxa até o quintal para
conversarmos.
— Desde aquele dia que você e a Bia estiveram aqui que quero
conversar com você, mas não tivemos oportunidade no hospital, sempre tem
muita gente por perto – diz ele.
— O que foi? Algum problema com ela?
— Não, foi sobre o desabafo que fez naquele momento. Preciso te
pedir desculpas. Sei que estou sempre brincando por conta do seu tamanho,
mas nunca quis te ofender. Te considero um amigo cara, desculpa se
exagerei.
— Ah Rafa, esquece... não tenho raiva de você por conta disso. O tipo
de brincadeira que faz não me incomoda. Sei que é um amigo verdadeiro, o
que me incomoda é ser julgado por conta disso por pessoas que não me
conhecem de verdade.
— Tem certeza?
— Tenho, estamos de boa.
— Então posso te chamar de cobra?
— Cobra?
— Mamba negra?
Ele ergue as sobrancelhas com um sorriso safado e é impossível não
me entregar à uma longa gargalhada.
— Ela te contou? – Pergunto, quando consigo parar de rir.
— Sim. Parece que vocês têm se dado melhor. Já se acertaram?
— Não, mas estamos caminhando para isso. Temos nos encontrado de
vez em quando e estou fazendo o possível para me mostrar um homem
decente. Davi tem me ajudado bastante.
— Davi é muito bom. Eu o convidei hoje, mas ele mora longe e a
Chiara ainda é muito pequena, eles não vão vir.
— Uma pena. A Bia já chegou?
— Ainda não, mas deve estar chegando. Vamos entrar.
Encontro Helena e Theo e os cumprimento com um abraço. Giovana
está com Davizinho no colo. O moleque é uma graça e faço festa para ele.
As outras crianças passam correndo pela sala e apenas Tati para e me
dá um abraço.
— Esses moleques estão crescendo rápido demais! – Exclamo e antes
que Helena responda, a campainha soa.
Rafael segue até a porta e Beatriz entra carregando Raquel ao lado de
Saulo e Alex. Saulo traz Samuel no colo.
— Boa noite a todos! – Ela cumprimenta de forma geral, mas sigo até
ela e beijo seu rosto.
— Veio com eles? Podia ter me pedido carona.
— Eles são praticamente vizinhos, moramos no mesmo bairro.
— Tudo bem, mas faço questão de te levar de volta.
Dou uma piscadinha e ela assente com um pequeno sorriso.
Helena e Rafael cumprimentam os dois pela cirurgia e nos sentamos
na sala, enquanto a feijoada que Rafa encomendou não chega.
— Descobrimos o sexo do bebê — diz Saulo — para quem ainda não
sabe, vamos ter mais um garoto, Daniel.
— Helena grita e temos outra leva de cumprimentos.
— Se continuarem tendo filhos assim, alguém aqui vai ter que abrir
uma creche. Vou dar a ideia para minha irmã, ela está desempregada.
— O que ela faz? – Pergunta Giovana
— Dara é formada em Administração. Se souberem de alguma coisa.
— Fala para ela me enviar seu currículo. Tenho muitos clientes com
empresa, talvez consiga alguma coisa – oferece Theo.
— Puxa, valeu, seria muito bom.
— E sua mãe? – Questiona Bia ao meu lado.
— Está ótima, já tirou a bota e está caminhando sem as muletas. A
minha véinha é forte. Quase nos deixou malucos enquanto tinha que ficar
quieta.
— Que bom, mande um abraço a ela.
— Ela sempre pergunta por você. Aparece lá qualquer dia para vê-la.
— Vou sim, vamos combinar.
Olho ao redor e aproveito que todos estão em conversas paralelas.
Passo o braço ao redor de seu ombro e a puxo para perto de mim.
— Lembra que sugeri viajarmos depois da sua cirurgia? Vamos
marcar?
— Lembro, o que está pensando? Para onde vamos?
— O lugar é surpresa, este fim de semana vi que você trabalha, mas
no outro estamos livres, pode ser?
— Acho que sim, se não aparecer nenhum imprevisto.
— Ótimo, vou fazer uma reserva. Se aparecer algum compromisso
você me avisa.
A feijoada chega e nos espalhamos pela casa para comer. Beatriz se
senta com as meninas na cozinha e fico com os rapazes na sala, enquanto as
crianças se espalham por todo lugar.
Me acomodo na cozinha com Helena e Giovana. Saboreio um prato
delicioso de feijoada com arroz e couve, Helena me indaga com olhos
curiosos:
— E tu, fora o sucesso da cirurgia, como estás? Já saboreaste o
diamante negro?
Quase engasgo com a comida e Giovana começa a rir. Eu a encaro
surpresa, porque Giovana sabe da nossa briga, nesta mesma cozinha.
— Eu não contei nada a ela, não sou fofoqueira como meu marido.
— Ei, não estou sabendo de nada, desta vez o Rafa não me contou,
me atualizem por favor. – Helena pede, oferecendo suco ao Davizinho no seu
colo.
— Eu e ele ficamos juntos uma noite — confesso a ela — mas depois
tivemos um grande desentendimento. Foi um belo barraco, aqui mesmo nesta
cozinha, mas isso já tem um tempo. Depois começamos a nos entender aos
poucos como amigos. Igor tem sido um cavalheiro, mas não posso dizer que
estamos juntos.
— Vamos ao que interessa, o chocolate é gostoso? Eu amei este
apelido. – Declara Helena, empolgada.
— O chocolate é delicioso — não há como negar essa informação —
ele me convidou para viajarmos para conversar sobre nós dois.
— Hum, e tu aceitaste, certo?
— Sim, mas não posso dizer que não tenho receio de me machucar
novamente. Igor tem sido perfeito e não nego que estou apaixonada, mas ele
já me magoou duas vezes, é difícil essa coisa de perdoar.
— Não é tão difícil — opina Giovana — basta colocar uma pedra no
passado e pensar apenas no futuro. O tempo passa tão rápido, precisamos
aproveitar as coisas boas que a vida nos oferece.
— Não existe nada sem risco — interpõe Helena — mesmo um
relacionamento perfeito, entre um casal que nunca se machucou, pode
terminar por algum motivo. Não há garantia de felicidade eterna. Acredito
que um relacionamento é construído dia a dia e só se mantém firme com
muita dedicação de ambas as partes.
É verdade, seu raciocínio é perfeito. Davizinho protesta em seu colo
querendo ir para o chão e o pego para que ela possa comer.
— Helena, ele é uma graça, mas parece levado.
— Não como Levi. Meu filho do meio é ligado em 220v desde
pequenino.
— Você e Theo estão juntos há quanto tempo?
— Há pouco mais de cinco anos. Tati e Levi não são meus filhos
biológicos, Theo era viúvo quando o conheci.
— Nossa, a mãe deles era nova quando faleceu?
— Sim, ela foi assassinada, Levi tinha apenas dois meses.
Helena me conta a história do casal e fico de queixo caído. As
histórias de Helena, Rafael e Saulo são surpreendentes.
— Você é uma mulher de sorte, um homem gostoso como Theo, com
dois filhos lindos na mão, é o pacote completo. Sortuda! – Esfrego meus
dedos em seu braço para que ela me dê um pouquinho da sua sorte na vida
amorosa.
Igor entra na cozinha em busca de cerveja e me dá uma piscadinha ao
passar por mim.
— Tu não podes reclamar, recebestes um enorme chocolate de
presente — ela brinca com o olhar malicioso em um sussurro — cuidado para
não teres diabetes.

Depois daquela coletiva, nós continuamos sendo procurados por


jornalistas em busca de informações sobre a cirurgia e sobre Jonas. Fui
obrigada a dar mais duas entrevistas para a televisão e admito que a
repercussão do caso me surpreendeu.
Comecei a receber ofertas de emprego de hospitais em diversos
estados do Brasil. Nem cogitei aceitar nenhuma, afinal, acabei de retornar
para minha cidade e estou muito bem, perto da minha família e fazendo
novos amigos em um local de trabalho perfeito, mas não posso negar que as
ofertas inflaram meu ego. Ser reconhecida como uma boa profissional é o
sonho de todos e dentro da medicina, onde a disputa é grande, o
reconhecimento tem um peso maior.
Ando me sentindo uma celebridade dentro do BHMed, embora fosse
algo estranho no início, hoje me sinto envaidecida. É bom demais ser
reconhecida por mérito. Eu e Igor trabalhamos juntos duas vezes, saímos uma
para jantar, conversamos diariamente por mensagens ou ligações e estou
ansiosa em pensar em nossa viagem. Ela acontece amanhã. Vamos passar
apenas o fim de semana juntos, mas sei que essa viagem pode mudar tudo na
minha vida e no nosso futuro.
Essa conversa definitiva entre nós precisa acontecer. Acredito que
vou me machucar ouvindo algumas coisas e já pensei tanto nestes últimos
dias que minha cabeça chegou a doer em alguns momentos. Refleti sobre
tudo que ouvi de Giovana, Rafael, Felipe, Leo, Nina, todos comentários que
me fazem pensar em perdoar Igor, mas o medo de me machucar novamente é
enorme e ainda não tenho uma resposta, apesar de Igor ter se mostrado
perfeito nos últimos meses.
Decido deixar meu coração e minha mente aberta, é o máximo que
posso fazer. Vou escutar tudo que ele tem a dizer e tomar minha decisão na
hora certa. Termino de arrumar uma bolsa de viagem com o que Igor me
sugeriu levar, já que ele não contou onde iríamos. Segundo ele, eu deveria
levar roupas de calor e um biquíni. Imagino que vamos em algum lugar aqui
por perto, talvez uma pousada com piscina próxima de BH.
Aviso Leo e meus pais que vou fazer uma pequena viagem com
amigos, sem especificar para onde ou com quem, e me deito ansiosa. Me
lembro de Saulo e rezo para que Deus me dê um sinal do que fazer.

O dia amanhece ensolarado, coloco um vestido jeans curto que amo,


sandálias baixas e perco bons minutos ajeitando meu cabelo. Nesse momento
nadar não me parece boa ideia. Seria jogar todo meu trabalho fora.
Quando Igor toca o interfone estou terminando de comer uma torrada.
Tomo o restinho do café rapidamente e deixo a xícara dentro da pia. Pego
minhas bolsas e desço com o coração acelerado.
Ele me espera do lado de fora da caminhonete, de bermuda e
camiseta. Lindo como sempre. Igor tem as pernas grossas e os braços fortes e
é um pecado que os exiba assim para todas as mulheres. Bem, este fim de
semana ele vai estar ao meu lado e me sinto uma grande sortuda, mesmo que
por apenas dois dias. Me aproximo e ele abre um grande sorriso ao me ver.
— Bom dia! — Ele pega minha bolsa de viagem e a coloca no banco
de trás. Em seguida me puxa em um abraço gostoso.
— Bom dia. Me conta uma coisa: quantas horas por dia de malhação
para ter essas pernas saradas?
Ele ri ainda abraçado comigo e beija meu nariz antes de se afastar.
— Eu malho, mas não é tanto como imagina. Acho que o futebol me
ajudou mais que a academia. Jogo quase toda semana há anos.
— Sério? Não imaginava que jogasse futebol, nunca me contou isso.
Ele me ajuda a subir e se senta ao meu lado, ligando a caminhonete.
— Eu gosto. Lucas, irmão do Saulo, joga comigo. Todas as quintas-
feiras que estou livre, quando quiser ir comigo, fica aqui o convite.
— Eu posso ir?
— Claro, lá na quadra tem um bar, os caras levam amigas,
namoradas. Seria legal ter você torcendo por mim.
Meu coração aquece com a ideia de ter Igor como namorado e estar lá
torcendo e babando por ele.
— Onde vamos afinal? Vai me contar?
— Vou, vamos pertinho de BH. Conhece Macacos[10]?
— Não, mas já ouvi falar muito. Tem cachoeiras, né?
— Sim, tem várias. É um lugar lindo e tranquilo, acho que vai amar.
Realmente o local é perto, fica em São Sebastião das Águas Claras,
um distrito do Nova Lima, pouco depois do BH Shopping. Evito pensar que
alguém já esteve ali com Igor, mas quando ele estaciona na pousada,
conhecendo tão bem a região, é inevitável imaginar que ele pode ter vindo ali
com outras mulheres e, apesar de ser ridículo, eu pergunto a ele. Podem me
chamar de masoquista.
— Já veio aqui muitas vezes?
— Algumas, eu gosto da região.
— Bem acompanhado?
Ele sorri e responde tirando os óculos escuros, antes de descer do
carro:
— Já vim acompanhado duas vezes, mas nunca fiquei nessa pousada.
Ela é nova e foi indicada por uma amiga.
— Uma amiga?
— Sim, a Jhenifer. Ela é amiga da minha irmã na verdade. E, antes
que pergunte, nunca tive nada com ela.
— Desculpe, eu não estou te cobrando nada, foi só curiosidade
mesmo.
— Vou responder tudo que me perguntar com sinceridade Bia,
mesmo que alguma resposta te incomode.
Assinto e entendo o recado. Devo pensar em minhas perguntas, não
preciso me machucar além do necessário. Descemos do carro e Igor pega
nossa bagagem. Meu queixo cai quando ele cumprimenta a moça da
recepção.
— Bom dia, eu fiz uma reserva de dois quartos em nome de Igor
Medeiros.
— Dois quartos — sussurro em choque para mim mesma, não sei o
que pensar.
Igor pede meu documento e o retiro da bolsa no modo automático. A
moça nos entrega duas chaves e indica o corredor. A pousada é térrea e todos
os quartos tem uma porta dupla para o jardim, fora o acesso interno.
Seguimos em silêncio até a porta do primeiro quarto e Igor me entrega a
chave. Eu a pego constrangida, tentando esconder minha decepção com um
sorriso falso, mas Igor não é besta. Ele segura minha mão, antes que eu
destranque a porta.
— Eu não quero transar com você antes que nos acertemos e isso
seria impossível se dormíssemos juntos.
— Nós dormimos juntos dois dias e não transamos – lembro a ele.
— Era diferente, você estava exausta, era outro ambiente, aqui, eu não
resistiria a você.
Não sei se me sinto desprezada ou honrada com suas palavras.
Destranco a porta e encontro um quarto aconchegante. Cortina de renda na
janela, móveis escuros e uma colcha de retalhos cobre a cama dando ao local
um ar acolhedor.
— Quer dar uma volta para conhecer a região ou quer ir até uma
cachoeira? Podemos também ficar aqui na pousada se preferir – Igor
questiona e caminho até a cama, colocando minha bolsa sobre ela.
— Vamos até uma cachoeira. Podemos dar uma volta de noite.
— Ok, vou me trocar e bato aqui em... quinze minutos?
— Ótimo!
Ele fecha a porta e busco meu biquíni na bolsa. Está calor e é minha
primeira vez aqui, quero conhecer o lugar. Me troco rapidamente e estou
terminando de aplicar o protetor solar quando Igor bate na porta. Coloco o
protetor na minha bolsa e visto uma saída por cima do biquíni. Abro a porta e
encontro Igor com um short curto, uma camiseta e boné.
— Não trouxe um chapéu?
— Não, mas eu passei protetor. Podemos ir.
Igor destrava a caminhonete e me surpreendo.
— Vamos de carro? Achei que teria trilhas, essas coisas...
— Vamos um bom pedaço de carro e no fim caminhamos um pouco.
Assim que nos acomodamos, ele liga o carro e me explica sua
escolha.
— As cachoeiras da Ponte e Central são as mais visitadas e mais
próximas. São lindas, mas costumam ser bem movimentadas e quero
privacidade com você, então vou te levar até Dantês. É um pouco mais
afastada, mas é muito bonita também.
— Certo, estou por sua conta.
Mesmo ele dizendo que ela é mais distante, levamos poucos minutos
de carro. Quando descemos, Igor pega duas toalhas e uma bolsa térmica no
banco de trás. O homem veio preparado. Pego as toalhas da sua mão e ele
entrelaça seus dedos aos meus. Caminhamos em um silêncio gostoso em
meio a uma natureza deslumbrante. Acho que andamos por uns trezentos
metros e quando chegamos precisei parar por um minuto para absorver a
beleza do local. É maravilhoso. Igor me abraça por trás e apoia o queixo em
meu ombro.
— Gostou?
— Tem como não gostar disso? Obrigada por me trazer aqui.
Ele beija meu rosto, pega as toalhas da minha mão e as estende em
uma sombra. Coloca a bolsa térmica sobre elas e retira a camiseta. Olho ao
redor e há apenas mais dois casais ali. Sigo seu exemplo e retiro minha saída
de praia, me sentando em uma das toalhas. Igor me observa e sinto seu olhar
analisando cada detalhe do meu corpo. Não tenho mais vinte anos. Tenho
minhas gordurinhas aqui e ali, algumas estrias, marcas que o tempo coloca
em qualquer mulher e não me envergonho delas. Igor já me viu nua, já me
tocou, não há o que esconder.
Ele se senta ao meu lado e retiro o protetor da bolsa, entregando a ele.
— Pode passar nas minhas costas?
— Claro.
Suas mãos são suaves e fecho os olhos aproveitando o momento.
Quando ele termina, eu os abro e vejo um dos casais nos observando. Ignoro
e me deito com a cabeça no seu colo.
Fico quieta, ouvindo o som da água e o canto dos passarinhos. Não sei
dizer quanto tempo ficamos assim, mas alguns minutos depois, Igor pega
minha mão e a beija, com a outra acaricia meu cabelo. Ele respira fundo,
abaixa a cabeça e diz:
— Naquela noite que ficamos juntos, eu queria mais com você. Eu
queria tudo Bia, repetir inúmeras vezes o que fizemos, ter você de todas as
maneiras possíveis. Faz tempo que me sinto vazio depois de transar com
alguém. Sexo casual não me satisfaz mais, talvez por ver meus amigos tão
felizes no amor. Eu também estou buscando algo assim.
A voz de Igor é baixa e fico imóvel o escutando. O momento é tão
bonito que tenho medo de abrir a boca e estragar tudo.
— Acho que esperava ouvir qualquer coisa de você, menos aquilo.
Foi como um balde de água gelada na cabeça. Você disse que não foi sua
intenção, mas suas palavras me acionaram um gatilho. Eu te peço perdão pela
maneira que te tratei nos dias seguintes.
— Não foi realmente minha intenção — confirmo por fim — o que eu
queria dizer é que tinha sido uma noite incrível. Não me lembro de ter usado
a palavra “experiência”, não fazia ideia que isso te magoaria tanto.
— Nem eu. Conversando com Davi, descobri coisas que eu não fazia
ideia. Não imaginava que o que aconteceu com a Valentina tinha me marcado
tanto, mas foi esse lance que desencadeou esse sentimento em mim, essa
coisa de me sentir um objeto.
— Me desculpa Igor. Desculpa pelo apelido, aquela coisa da mamba
negra, não quis de forma alguma te ofender.
Ele ri e aperta minha mão enquanto ergue minha cabeça e se deita ao
meu lado, passando o braço sob minha cabeça. Ficamos juntinhos sob o sol.
— Você não me ofendeu com isso, foi engraçado. Não são todas as
brincadeiras que me irritam, não sou tão sensível assim. Eu não me incomodo
com as brincadeiras dos meus amigos, de pessoas que me conhecem de
verdade. Rafael, por exemplo, é o que mais me provoca, mas ele é um grande
amigo. Sei que posso contar com ele e que não me julga por conta disso, é
apenas diversão. O que não posso admitir é tratar alguém desconhecido com
apelidos pejorativos, julgar apenas por uma característica física sem saber o
que há por dentro da pessoa. Isso machuca.
Me lembro da popozuda e mordo meu lábio. Realmente eu não a
conheci e a julguei mal por ciúmes. Admitir isso provoca um azedume em
minha boca. Na verdade, todos a chamavam assim, não fui eu quem colocou
o apelido, mas ele tem razão, é bulling e eu me sinto mal por ter seguido o
fluxo. Eu sou melhor que isso.
— Entendi. Eu lamento Igor, muito do que disse sobre a Valesca —
me forço a dizer o nome dela — foi por ciúmes — admito por fim.
— Eu fui apaixonado por ela, imagino que também tenha se
apaixonado por alguém ao longo da vida. Ela era uma garota legal,
batalhadora. Eu a ajudava a estudar, não era só sexo, mas naquele dia que
ficamos juntos, já estávamos afastados. Na verdade, ela me afastou, acho que
já estava interessada em outro cara, mas na hora que seu pai saiu de casa, ela
me procurou. Acho que eu era um apoio, uma segurança para ela e eu cedi.
Não consegui virar as costas para ela naquele momento — ele pausa por
alguns instantes e respira fundo para continuar — eu confesso que tinha
dúvidas sobre o que sentia por ela e nós transamos naquela noite. Eu me senti
mal porque não parava de pensar em você e, se teve algo bom nisso tudo, foi
descobrir que nosso lance tinha de fato terminado. Nunca mais fiquei com ela
depois daquela noite. Conversávamos esporadicamente até que ela saiu da
Universidade, então perdemos o contato.
— Você não faz ideia de como me machucou naquela noite— abro
meu coração, afinal, foi para isso que viemos — Não era só uma noite com
você, era muito mais. Eu era apaixonada por você desde que te conheci. Meu
coração doía sempre que te via com ela, mas eu te esperei. Eu sabia que
vocês não durariam para sempre. Quando você me beijou, foi tão perfeito!
Acho que nunca tinha me sentido tão viva. E então você matou uma parte de
mim, quando te vi saindo com ela. Você destruiu parte da minha autoestima e
a minha visão dos homens.
É difícil admitir tudo isso em voz alta, mas é necessário. Se queremos
nos dar uma nova chance, é preciso colocar tudo em pratos limpos.
— Eu te peço perdão mais uma vez por não ter ido até você e
explicado a situação, não tenho justificativa para isso, só me acovardei
mesmo. Eu não fazia ideia do que sentia por mim. Juro, eu juro que se
imaginasse como se sentia, não teria agido daquela forma. Eu já me arrependi
sem conhecer seus sentimentos e hoje, ao saber, me sinto péssimo e lamento
muito que não possa voltar atrás.
Realmente é uma pena que não tenhamos a possibilidade de voltar
atrás e desfazer nossas merdas. Não sei o que dizer, fico calada e Igor
continua:
— No dia seguinte, eu tive consciência que Valesca era passado e
tudo que eu queria era me explicar e te pedir desculpas. Eu senti uma química
forte entre nós e queria te conhecer melhor, mas você nem me deu chance de
abrir a boca. Você ergueu um muro que era impossível de transpor.
— Você fez um grande estrago e eu precisava me proteger.
Igor se vira de lado para mim e puxa meu rosto em sua direção.
— Eu não fazia ideia dos seus sentimentos e te machuquei, como
você me machucou com aquelas palavras sem saber dos meus sentimentos.
Por isso é tão importante conversarmos.
— É impressionante como atos ou palavras podem mudar tudo.
Dizemos algumas coisas de forma irresponsável, que podem magoar
profundamente alguém sem nos darmos conta.
— É verdade, mas estamos aqui destruindo esse muro pouco a pouco.
Estou disposto a recomeçar do zero com você, Bia. Eu te quero como minha
namorada, em um relacionamento, não quero sexo casual. Estou apaixonado
por você. Se me der uma nova chance, prometo fazer o possível para te fazer
feliz.
Meu coração bate acelerado dentro do peito. Seria tão fácil dizer sim e
beijar sua boca, mas ainda tenho medo e digo isso a ele com todas as letras:
— Tenho medo, Igor. Se me machucar novamente não sei se consigo
me reerguer. E nós trabalhamos juntos, não quero sair do BHMed, demorei
anos para chegar ali. Se tudo der errado, vai ser horrível trabalhar com você.
— Eu jurei que não me envolveria com mais ninguém no hospital
depois da Valentina, mas o destino nos prega algumas peças. Eu não posso te
prometer que tudo vai dar certo entre nós, mas prometo fazer o possível. Não
quero um namorinho inconsequente, quero um relacionamento de verdade e
se tudo der errado, somos adultos, podemos conviver bem dentro de um
ambiente profissional.
Eu namorei um colega em Contagem e só terminamos porque fui para
São Paulo, ou seja, não fiquei lá para lidar com isso. Quando terminei com
Gilvan foi o mesmo, peguei minhas coisas e vim embora. Acho que não sou
tão adulta assim. Em meio a essas confissões, resolvo contar a ele sobre
Gilvan.
— Eu morei com o Gilvan por mais de um ano – solto em um ímpeto
repentino. Não quero esconder nada dele.
— O que? – Ele indaga, surpreso.
— O Gilvan Rebouças, meu professor. Nós nos envolvemos e
chegamos a morar juntos, eu fui apaixonada por ele.
Igor parece chocado e não diz nada, conto sobre nosso caso e como
terminamos.
— Você ainda gosta dele? – Igor pergunta em um sussurro e quase
posso sentir a agonia em sua voz.
— Não, eu o admiro como profissional. Aliás, acho que não o amava
de verdade. Doeu a traição, mas sequer sinto sua falta. Eu não teria dormido
com você se ainda gostasse dele.
— Morar juntos é um grande passo, nunca morei com uma mulher.
— Sim e trabalhávamos juntos também, ficávamos quase 24 horas
grudados e ainda assim, ele conseguiu me trair.
— Não vou te dizer que lamento, porque não é verdade. Se ainda
estivesse com ele não estaria aqui comigo.
Sorrio, feliz com seu comentário, com nossa conversa pacífica. Nunca
pensei que conseguiria falar do passado com tanta tranquilidade, mas cá
estamos. O sol começa a ficar mais forte e me sento.
— Vamos cair na água? Está quente aqui.
— Vamos — Igor se levanta e me puxa. De mãos dadas mergulhamos
naquela água límpida e gelada.
— Igor, está muito fria! – Protesto quando subo à superfície.
— Vem cá que eu te esquento.
Ele me puxa em um abraço e sem pensar muito nos beijamos.
É irresistível.
É delicioso.
É maravilhoso.
Eu enrosco seu pescoço com meus braços e deixo ele me engolir com
seus lábios bonitos e sua língua provocante. Depois de alguns minutos, Igor
me afasta.
— Vamos parar branquinha, não podemos acordar a mamba negra
aqui, não estamos sozinhos.
Ele mergulha para longe e me larga rindo sozinha. Eu ainda não sei ao
certo, mas este fim de semana preciso lhe dar uma resposta.
Saímos da água e nos sentamos em uma pedra mantendo os pés
submersos. O sol agora parece gostoso e nos expomos para que ele nos seque.
Um dos casais mal nos percebe, estão mais concentrados neles mesmos. O
outro, no entanto, não para de nos observar. É difícil ignorar os olhares
constantes em nossa direção.
— Eles não param de nos olhar – comento com Igor, sem maldade.
— Te incomoda? Se escolher ficar comigo vai ter que se acostumar.
— Por que? – Pergunto em minha inocência.
— Porque sou preto e você é branca.
— O que? Você está brincando?
— Não, linda, é verdade. Muita gente estranha, então, se acostuma
com isso.
— Isso é um absurdo! É racismo...
— Shh, fale baixo, não vale a pena arrumar confusão. Só estão
olhando – Igor dá de ombros e parece não ligar enquanto eu sinto meu sangue
ferver dentro das veias.
— Você não liga? – Questiono, indignada.
— Aprendi a ignorar. Não vale a pena, se fosse me incomodar com
isso teria que matar mil leões por dia. É muito desgastante.
Fico sentida com o que ele diz e coloco para fora minha indignação:
— Estamos em 2023, não é possível que as pessoas ainda sejam tão
preconceituosas, ainda mais aqui no Brasil, onde a maior parte da população
é de pardos e pretos.
— Bia, o ser humano é preconceituoso e racista. A cor é apenas um
dos fatores. Somos preconceituosos com gordos, deficientes, pobres, gays, há
tantos grupos que são discriminados. Eu aprendi a lidar com isso.
— Como? Não sei se consigo ser indiferente assim.
— É como eu te falei, eu sofria com isso ou ignorava. Decidi ignorar
para preservar a minha sanidade mental. Entendi que as pessoas são livres,
nem todo mundo é obrigado a gostar de mim.
— Gostar não, mas respeitar sim.
— Eles não estão nos desrespeitando, não nos destrataram ou fizeram
algum comentário indelicado. Apenas estão nos olhando. Deixe que matem
sua curiosidade.
— Igor, isso acontece no trabalho? – Indago, nervosa.
— Claro que sim. Não me destratam, mas já tive vários pacientes que
fizeram laudo anestésico comigo e depois repetiram com um médico branco.
— Deus, não acredito nisso!
— Uma vez um paciente me perguntou na cara dura se entrei na
Universidade pelas cotas.
— Que absurdo, suas notas eram bem melhores que as minhas. O que
respondeu?
— Respondi a verdade, que não, mas eu o entendo nesse ponto. As
pessoas pensam que se eu entrei por ser negro é porque não sou inteligente o
suficiente, e sabemos que não é bem assim. Expliquei que para se formar em
medicina não basta entrar, um aluno despreparado não consegue se formar.
Ele entendeu e me pediu desculpas.
— Eu admiro você, não sei se eu teria esse sangue frio.
— Quando se nasce preto, temos que aprender a lidar com esse tipo
de coisa. De forma geral, a maioria das pessoas me respeita, os
preconceituosos são minoria.
— Graças a Deus!
— As pessoas que importam me aceitam e gostam de mim. Tenho um
excelente relacionamento com todos no hospital. Inúmeros amigos e nunca
me faltaram mulheres — ele afirma com um sorriso safado, visivelmente me
provocando — não posso reclamar.
— Nunca te faltaram mulheres? Convencido! E ainda tem essa
mamba negra entre as pernas, Deus dá asas para quem já sabe voar, não é
justo.
Igor ri e me puxa em mais um beijo gostoso, depois desliza a boca até
meu ouvido e sussurra:
— A mamba negra está com saudades de você.
— É mesmo? — Pergunto o afastando, mesmo que suas palavras
tenham me deixado trêmula — não parece, quem pediu dois quartos foi você.
— Se disser que me perdoa, levo minhas coisas para o seu quarto
assim que chegarmos lá.
— Quem sabe, talvez mais tarde você tenha sua resposta, mas acho
que precisa se dedicar mais. O que tem naquela bolsa térmica?
— Vai me fazer sofrer, peste? — Nos levantamos e nos sentamos
novamente na sombra. Igor retira duas cervejas e um pacote de salgadinhos
da bolsa térmica.
— É só para quebrar o galho, vamos voltar e almoçar mais tarde.
Ele se senta de pernas cruzadas e me sento na sua frente, recostando
em seu peito. Bebo um gole da cerveja gelada e me sinto no paraíso.

Acabamos ficando mais tempo do que o esperado na cachoeira e


perdemos o almoço. Quando retornamos à pousada já era meio da tarde,
tomamos banho e decidimos aguardar o jantar. Dei uma cochilada merecida
depois de tanto sol e acordei com Igor batendo em minha porta.
Levanto assustada, constatando que já está escuro. Abro a porta e
encontro meu diamante negro de bermuda e camiseta com um sorriso
preguiçoso nos lábios.
— Desculpe te acordar, mas estou faminto.
— Eu também estou, só vou pentear minha juba, só um minuto.
Vou até o banheiro para tentar dar um jeito no estrago. Deitei com os
cabelos molhados e imagino a situação. Passo o pente largo entre meus
cachos alvoroçados e decido puxá-los em um rabo de cavalo. Passo um
batom clarinho e jogo um pouquinho de perfume. Estou usando um vestido
curto e coloco uma sandália de dedos. Volto ao quarto, pego minha bolsa e
encontro Igor encostado no batente da porta.
— Estou pronta.
Ele me analisa e passa os dedos por um cacho solto ao lado da minha
orelha.
— Eu gostei da juba. Adoro seu cabelo.
Ah Senhor, dai-me forças para resistir a isso! Porque precisa resistir?
É como se Deus ou alguém lá de cima sussurrasse em meus ouvidos. Porque
ainda tenho medo. Cadê o sinal que pedi?
— O que foi? Precisa de mais alguma coisa? – Igor questiona ao me
ver parada feito uma estátua.
— Não, desculpe, acho que ainda estou com sono – justifico com uma
meia verdade.
Damos uma volta a pé pelo vilarejo, de mãos dadas, e me encanto
com o lugar. Terminamos a noite em um bar movimentado. A música nos
atraiu. Comemos um prato mineiro com torresmo, mandioca e linguiça.
Dançamos pagode em uma pista minúscula e lotada, bebemos cerveja e posso
afirmar com certeza que me diverti demais.
Quando retornamos à pousada, me sinto feliz. Não conversamos, não
dizemos nada um ao outro, mas não precisa. Seguimos abraçados,
caminhando devagar, para estender os segundos e a noite não terminar.
Pegamos as chaves na recepção e, na porta do meu quarto, Igor me
puxa em um beijo profundo e gostoso que aquece tudo dentro de mim.
— Obrigado pela noite – ele agradece contido. Não acredito que ele
vai me deixar aqui sozinha. Eu o encaro chocada e quando me solta, reajo e
agarro sua camiseta.
— Fica — peço baixinho — Ele me olha, como se pudesse ler meus
pensamentos ou enxergar minha alma. Depois de alguns segundos, ele nega
com um sorriso triste.
— Não, você ainda não me perdoou.
— Igor, eu só tenho medo, mas eu quero você.
— Eu sei, mas isso não é suficiente. Eu quero você por inteiro e
precisa confiar em mim. Eu entendo e posso esperar. O que não posso é errar
de novo com você.
Ele me dá um selinho e se afasta rapidamente.
— Boa noite. Café da manhã às nove, te encontro aqui na porta.
Eu o vejo se afastar com uma tristeza no coração que faz meus olhos
marejarem, mas ele tem razão. Ainda não confio totalmente nele, não tenho
certeza que não vai me machucar novamente e admiro sua força de vontade
ao se afastar de mim.
Entro, coloco uma camisola sensual, que trouxe com segundas
intenções, escovo meus dentes e me deito sozinha. Reconheço que Igor está
se dedicando. Ele ganhou muitos pontos hoje. O dia foi maravilhoso, concluo
ao relembrar nossos momentos e conversas na cachoeira. Não foi difícil
como pensei. Sei que estamos fazendo o certo e caminhando como adultos
para um bom resultado. Talvez homens bonitos não sejam errados. Talvez eu
possa ser feliz no amor – penso com esperança antes de adormecer.

Igor bate na porta e já estou pronta. Dormi muito bem, talvez pelo
cansaço acumulado, pelo sol, pelo silêncio do local ou simplesmente por estar
em paz. Visto o biquíni por baixo de um short folgado e uma regata.
— Bom dia – eu o cumprimento com um beijo na boca por iniciativa
própria e o pego de surpresa.
— Bom dia, pelo jeito a noite foi boa?
— Muito. Desmaiei e descansei como há muito não fazia. E você?
— Eu... confesso que demorei um pouco para dormir.
Percebo nas entrelinhas seu motivo pela demora para adormecer e rio
enquanto belisco seu braço de leve.
— Culpa sua, suas escolhas.
— Estou descobrindo o peso de ser um cavalheiro. Minha vida de
galinha não era tão sofrida – ele faz uma careta e chego a ficar com pena.
Entramos na sala de café da manhã e nos servimos no buffet.
— O que vamos fazer hoje? Outra cachoeira?
— Tem um lugar que quero te mostrar. Para chegar lá fazemos uma
trilha, é uma boa caminhada, mas vale a pena, o local é lindo. Lá tem uma
cachoeira também, mas não é propícia a banhos. Podemos tirar umas fotos e
depois se quiser vamos até uma outra para nadar.
— Tudo bem, eu topo qualquer programa.
Terminamos de comer, pegamos nossas coisas e Igor dirige por cerca
de vinte minutos. Ele estaciona o carro em uma clareira e a partir dali
começamos a caminhar seguindo as placas da trilha.
Não sou uma esportista e me preocupo que seja uma caminhada
longa. Igor garante que é algo em torno de quarenta minutos e sossego. Isso
eu dou conta, o caminho é largo e não é muito íngreme. Ele me ajuda em
alguns trechos para que eu não escorregue nas pedras e a sombra das árvores
nos ajuda a não sofrer tanto com o calor.
Escuto o barulho da água e sei que estamos chegando. Alguns
minutos depois avisto o local. É deslumbrante. Uma queda d´água de cerca
de vinte metros, em um paredão de pedra, deságua em um espaço rodeado de
verde. O sol bate na umidade e forma um arco-íris que deixa a paisagem
como um lindo quadro. Fico estática por alguns minutos apreciando a beleza
na minha frente.
— É lindo, não é? – Ele questiona as minhas costas, colocando as
mãos em minha cintura.
— É maravilhoso! Acho que nunca vi nada tão bonito.
— Valeu a caminhada? – Ele me puxa contra si e relaxo em seus
braços. Apenas aceno em concordância e perdemos a noção do tempo
apreciando a paisagem. Uma criança grita em algum momento e só então
percebo que não estamos sozinhos.
Há algumas famílias e casais espalhados pelo local. O barulho da
água não nos deixa ouvir as conversas, o que nos dá a sensação de
privacidade. Alguns fazem piquenique, outros se deitam ao sol. Crianças
brincam felizes.
Igor me puxa até um espaço plano próximo da água e estende as
toalhas novamente. Nos sentamos e tiramos algumas fotos diante daquela
maravilha da natureza. Faço questão de tirar várias com meu próprio celular
para ter certeza que aqueles momentos ficarão guardados comigo.
— Já veio muito aqui? — Pergunto quando guardo meu celular e
arrependo no mesmo instante — Não responda — digo apressada — eu não
quero saber.
Igor ri e tira a camiseta, secando o suor de seu rosto.
— Nunca estive aqui com nenhuma mulher, ciumenta. Já vim aqui
com minha irmã e algumas vezes sozinho. É um bom lugar para pensar. A
última vez que estive aqui foi depois que meu pai faleceu.
— Me fale da sua irmã.
— Dara é três anos mais nova que eu. Crescemos juntos, sempre nos
damos bem e apoiamos um ao outro. Ela é formada em administração, se
casou há cinco anos e ainda não tem filhos. Seu marido é um cara legal, ele
tem uma loja de suplementos. É um cara bombado, boa-pinta, ele chama a
atenção das mulheres.
— Hum, então sua irmã se deu bem!
— Não sei, ele não faz o meu tipo — Igor brinca e caímos na risada
— ela me ajuda bastante com a minha véinha, nos dividimos em cuidar dela.
— Ela se recuperou mesmo? Talvez seja preciso fisioterapia.
— Ela está ótima, graças a Deus. É estranho ver a casa esvaziando,
primeiro Dara se casou, depois meu pai faleceu. Acho que por isso não tenho
coragem de ir morar sozinho. Me imagino no lugar da minha mãe ficando
sozinha.
— Tem razão, eu saí cedo de casa, então não sei o que é isso. É bonito
seu cuidado com ela.
— Por que saiu de casa?
— Meus pais aposentaram e se mudaram para o Recanto do Chalé. É
longe, não dava para morar lá e estudar em BH. Até dava, mas seria cansativo
demais. Meu avô faleceu e meu pai distribuiu a herança para nós. Leo
montou o bar e eu ganhei meu apê.
— Uau, que bom ter pais ricos!
— Não somos exatamente ricos, mas não posso reclamar de nada.
Desde que me formei, nunca deixei de trabalhar. Não sou uma patricinha
mimada – me defendo diante de seu comentário.
— Eu sei, desculpe. Confesso que tinha essa imagem de você na
Universidade, mas sei que sempre deu duro e hoje, não há o que discutir,
você é uma excelente profissional, por sua dedicação e seu esforço.
— Você fez a mesma Universidade que eu. O que seu pai fazia?
— Ele era engenheiro. Trabalhou em uma grande construtora na
maior parte da vida. Minha mãe nunca trabalhou.
Antes que eu responda alguma coisa um grito perto de nós chama
nossa atenção. Um garotinho de cerca de quatro anos corre em nossa direção
com uma bola na mão. A bola escapa de suas mãozinhas e vai em direção à
água. Ele muda o trajeto e corre atrás da bola.
É tudo muito rápido. Em menos de dois segundos o garotinho cai
dentro da água. Igor levanta ao meu lado e meu coração salta no peito ao ver
o menino ser levado pela correnteza. O que acontece a seguir é o maior
pesadelo da minha vida.
Antes que eu consiga pensar, vejo Igor correr e saltar na água. Me
levanto em pânico e escuto gritos ao meu redor. Gritos de todos os lados. Me
aproximo da borda com medo e não acredito quando vejo Igor desaparecer da
minha vista. Vejo sua cabeça reaparecer por um segundo alguns metros à
frente. Ele mergulha, sei que busca o menino, mas só consigo pensar que ele
não vai conseguir sair dali. A correnteza é forte demais e já ouvi tantos casos
de afogamentos em cachoeiras que sinto meu sangue congelar nas veias,
apesar do sol escaldante.
As pessoas se juntam cerca de vinte metros distante de mim e escuto
um grito desesperado. Não tenho coragem de me aproximar. Fico imóvel,
mal respiro, sem saber o que fazer. Até que vejo um grupo de homens se
abaixarem e retirarem o garoto da água. Forço minhas pernas a andarem até
lá. Vejo o menino ser colocado desacordado no chão e um homem o sacudir
desesperado, enquanto uma mulher chora ao seu lado. Devem ser os pais do
menino.
Minha mente raciocina rapidamente. Eu preciso reagir ou tudo será
em vão. Corro até eles e afasto os pais, gritando que sou médica. Confiro sua
respiração e faço uma massagem cardíaca intercalada com a respiração boca
a boca, até ele reagir, então o viro de lado e deixo expelir a água dos
pulmões. Quando ele chora, eu o entrego aos pais e me afasto. O alívio é
momentâneo, dura apenas um segundo porque meu coração ainda pulsa
agoniado.
Me levanto e busco por Igor entre os rostos alarmados ao meu redor e
não o encontro. Vou até a borda e não consigo vê-lo, não sei se é porque ele
não está ali ou porque minhas lágrimas tapam minha visão.
Alguém toca meu ombro e desabo sobre os joelhos. Grito seu nome
em uma voz que não parece a minha. O som que sai da minha garganta é feio,
é algo permeado de desespero e dor.
— IGOR!!!
Nunca sonhei em ser herói, bombeiro ou salva-vidas, nada que se
assemelhasse a isso. Apenas quis ser médico. Salvar vidas dentro de um
hospital, um ambiente seguro, com os recursos necessários à minha
disposição, mas quando vi aquele menino cair na água não pensei dois
segundos antes de pular atrás dele. Eu simplesmente não podia ficar parado
olhando uma criança morrer. Foi isso que pensei no último segundo antes de
pular atrás dele.
Quando a água gelada me envolve e sinto a força da correnteza, levo
outros dois segundos para me arrepender da minha decisão. Eu não vou
conseguir e nós dois vamos morrer. Essa constatação me gera um pânico e
uma força ao mesmo tempo, porque eu não quero morrer, não ainda. Não vivi
muito do que gostaria. O rosto da Beatriz vem em minha mente e penso que
não vivi nosso amor, não me casei, não tive filhos, não vi minha mãe chorar
no meu casamento ou com um filho meu nos braços, não posso ir ainda. Tudo
isso passa pela minha cabeça em poucos segundos, uns cinco no máximo, e é
o suficiente para que eu lute. Não vou morrer sem lutar, eu preciso conseguir.
Tento ver o garoto sobre a água e não consigo, encho o pulmão de ar
e mergulho o mais fundo que consigo. Tento ir abaixo da correnteza, mas ela
é forte. Consigo abrir os olhos e escanear ao meu redor, não o vejo. Subo
novamente e deixo a correnteza me levar, ela vai me levar ao mesmo lugar
que ele, eu espero.
Sou arremessado para uma lateral com algumas pedras e me preparo
para o impacto. Uso minhas mãos para amortecer o choque e tento me
segurar a elas. Quando me estabilizo, mergulho novamente e o vejo. Deus,
obrigado! Agradeço em um segundo precioso, antes de tentar resgatá-lo. Ele
está submerso, mas acredito que ainda há tempo de salvá-lo.
Deixo a correnteza me levar por mais alguns metros, tentando me
manter perto da borda, até onde o vi pela última vez. Não vou ter muitas
chances, preciso conseguir. Mergulho novamente e abro os olhos em busca
do menino. Seu corpo é lançado repetidas vezes contra a margem e isso me
ajuda, forço meus braços e pernas para chegar até ele e quando envolvo seu
pequeno corpo sei que valeu a pena. Procuro algo para me agarrar e encontro
um galho, frágil demais, mas é o que temos.
Respiro, ofegante e cansado. Não consigo examinar o menino, ele está
desacordado e sequer sei se respira, mas não consigo ajudá-lo nesse instante.
Deus é meu parceiro, descubro isso no instante que escuto os gritos e vejo
pessoas se aproximando. Eles retiram o garoto dos meus braços, mas quando
estendo minha mão para que me puxem, uma nova onda de água me afasta e
o galho se quebra. Sou levado para longe da borda, talvez Deus não seja meu
parceiro e sim do garoto.
Não posso desistir, repito para mim mesmo várias vezes, mas estou
tão cansado. Olho em volta buscando algo em que me agarrar novamente,
mas só existe água. Não há o que fazer, é impossível nada contra a correnteza
e só me deixo levar. Dois ou três minutos depois vejo que a correnteza se
divide e do lado direito há uma nova queda se aproximando. Sou arrastado
nessa direção e sei que é meu fim. É um lugar bonito para morrer, ao menos
isso.
Não sei o tamanho da queda e imagino que se desabar com força em
cima das pedras terei uma morte rápida. Obrigado Deus, por tudo, é o que
penso no último instante antes de cair.
Cair em queda livre é assustador pra caralho. Não sei se é assim que
sente quem pula de paraquedas, mas não é algo que faria de livre e
espontânea vontade. A respiração para e o coração acelera tanto que penso
que vou morrer de infarto se sobreviver à queda.
São poucos e assustadores segundos, muito assustadores. Então eu
afundo. Com força, por muitos metros. Meu corpo gira descontrolado
embaixo da água e sou jogado como um nada para os lados. Perco a noção da
superfície e de onde devo ir quando o impacto termina. O reflexo de buscar ar
me faz respirar e a água arde em meu nariz. Faço um esforço sobre-humano
para manter meus lábios fechados, ainda que meu pulmão exploda
implorando por ar. Tento estabilizar meu corpo e abrir os olhos. Para meu
alívio a correnteza agora é bem mais suave.
Busco por alguma luz e um leve brilho me conduz. Gasto o que me
resta de energia para chegar a ela. Os segundos são longos e forço meus
braços e pernas doloridos a trabalharem. Só mais um pouco.
A luz aumenta e minha energia também. A perspectiva de sobreviver
me faz tirar forças nem sei de onde. Quando emerjo e deixo o ar entrar em
meu pulmão, tenho vontade de rir e chorar ao mesmo tempo. Eu consegui. Eu
sobrevivi. Deus é meu parceiro também, valeu Brother!
As águas aqui são calmas e boio por alguns minutos recuperando meu
fôlego e descansando meus músculos. A sensação de estar vivo é sublime,
perfeita e grandiosa.
Quando me sinto em condições de me mexer, analiso ao meu redor.
Não sei onde estou, nunca estive aqui, mas parece uma clareira como tantas
em Macacos.
Preciso sair da água. O local é calmo, mas as águas são fundas, talvez
por isso não haja ninguém aqui. Nado devagar até uma das bordas e uso meus
braços para sair. Os mesmos protestam pelo esforço e tento buscar apoio com
os pés para ajudar. É difícil, mas consigo sair da água. Desabo entre pedras e
mato, sentindo o sol me aquecer. Fecho os olhos. Só preciso descansar e
respirar por alguns minutos.

— Igor, acorda! Eu te amo, acorda, por favor!


Renascer. Nascer de novo. É como me sinto ao abrir os olhos
novamente. Renascer ouvindo a mulher que eu quero, dizendo que me ama, é
sensacional e me faz sentir que tudo valeu a pena. O risco de morrer, a
sensação de partir e perder tudo que tenho e que ainda não vivi, tudo valeu a
pena, pelo garoto que salvei e por ela.
Pisco com a luz e me esforço para adaptar minha vista à claridade,
então busco seus olhos castanhos. Sigo sua voz e quando os encontro, vejo
tantas lágrimas e tanta tristeza em seus olhos que me preocupo.
— Bia — me esforço para falar, mas minha garganta arde e tusso
algumas vezes antes de continuar — Bia, tudo bem?
— Tudo bem? Não, não está nada bem, como ousa fazer o que fez?
Como ousa quase se matar e me deixar aqui sozinha? — Ela desaba em meu
peito e cai em um choro sofrido. Ergo meu braço que parece pesar duas
toneladas e o coloco sobre ela.
— Ei, eu não morri, ainda estou aqui.
Não sei se ela me escuta, porque minha voz não está lá grandes coisas
nesse momento e outras vozes se sobrepõem à minha, questionando como
estou e gritando coisas que não entendo. Há meia dúzia de pessoas ao meu
redor que não faço ideia quem são, mas imagino que tenham vindo me
ajudar.
Alguém puxa Bia de cima de mim, pedindo que me dê espaço para eu
respirar e não consigo impedir. Ela enxuga as lágrimas com as mãos e respira
fundo algumas vezes. Talvez ela precise de ar mais que eu nesse momento.
— Como você está cara? Consegue se mexer? – Um rapaz mais novo
que eu, me pergunta e mexo meus membros devagar, sentindo meu corpo.
— Acho que sim. E o garoto? Ele está bem?
— Está, você o salvou, nunca poderemos te agradecer o suficiente –
diz um outro e me alegro internamente ao saber que consegui. Não foi em
vão.
Bia se aproxima novamente e me toca com cuidado, assumindo a
médica dentro dela. Ela procura os batimentos em meu pescoço e relaxo
deixando que ela cuide de mim. Suas mãos me apalpam com cuidado a
seguir.
— Dói em algum lugar específico?
— Dói em todos os lugares possíveis – respondo com sinceridade e
vejo seus olhos assustados.
— Acha que quebrou alguma coisa? Vamos precisar chamar socorro
– ela diz aos demais.
— Não, não acho que quebrei nada, só me esforcei demais. Se me
ajudarem, consigo me levantar.
— Igor, se tiver quebrado alguma costela...
— Estou bem Bia, eu saberia se tivesse algo errado – argumento e seu
semblante relaxa um pouco.
Três rapazes me ajudam a sentar e quando consigo sinto meu
estômago reagir. Viro a cabeça e vomito ao lado. É constrangedor, mas me
alivia. O que sai é basicamente água. Parece que engoli mais do que imaginei.
Beatriz segura minha cabeça e quando termino ela me abraça, sem
nojo algum. Tento afastá-la, mas não tenho força.
— Desculpe, não foi assim que imaginei nosso domingo – peço
próximo ao seu ouvido.
— Consegue andar, cara? Se não conseguir vamos ter que pedir ajuda
mesmo – Indaga um dos rapazes ao meu redor.
— Acho que sim, onde estamos?
— Uns duzentos metros abaixo de onde você pulou.
— Duzentos metros, não é muito, acho que consigo.
Os rapazes me ajudam novamente e me colocam de pé. Bia
permanece ao meu redor como se fosse capaz de me segurar caso eu caísse.
Olho para o local A queda que sofri tem uns três metros e para meu alívio
não havia pedras embaixo dela. Por isso ainda estou aqui.
— Não conhecia esse lugar – comento dando meus primeiros passos
apoiado em dois dos rapazes. Meus músculos protestam e sinto alguns
espasmos, mas tenho a certeza que não quebrei nada.
— Nem a gente, tentamos seguir a correnteza te procurando e
descobrimos uma trilha até aqui. Então te vimos, você nasceu de novo, cara!
Ele diz o que já sabia e é a verdade. A vida me deu uma nova chance.
Olho para Bia e torço para que ela também me ofereça uma.
Com esforço, conseguimos retornar ao ponto onde estava com
Beatriz. Sou abraçado por algumas pessoas, entre elas a mãe do garoto que
chora em um abraço cheio de emoção. Vejo o menino no colo do tio e um
sentimento misto de satisfação e gratidão me toma.
Tiramos algumas fotos juntos e me oferecem bebidas e comidas que
recuso educadamente. Meu estômago ainda parece embrulhado e não vou
arriscar colocar nada para dentro.
Beatriz se senta na toalha que trouxe e me deito com a cabeça em seu
colo. Olho para a água e não creio em tudo que aconteceu, não acredito que
consegui e estou aqui novamente, parece que tudo foi uma ilusão, mas a dor
em meu corpo me mostra que foi real.
— Que loucura. Ainda não acredito que consegui – coloco para fora
meus sentimentos.
— Deus, foram os piores momentos da minha vida, você não faz ideia
— responde Bia passando o dedo em meu braço e analisando alguns
arranhões — eu ficaria mais tranquila se tirasse um raio-x.
— Estou bem, só meus músculos estão cansados. Isso aí foi
superficial. Bia, eu estava delirando ou escutei você dizer que me amava? –
Questiono, virando a cabeça em sua direção.
Ela sorri e sua mão deixa meu braço para acariciar meu rosto.
— Não era um delírio. É necessário perder alguém ou quase perder
alguém – ela se corrige — para descobrirmos o quanto amamos aquela
pessoa, o quanto ela é importante, o quanto você daria por tê-la durante mais
tempo. Eu quero você Igor, quero tentar porque doeu demais pensar que não
sentiria nunca mais seus abraços, que nunca mais veria seus olhos ou ouviria
sua voz.
— Então você me perdoa?
— Eu já perdoei. Vamos deixar o passado para trás e pensar no
futuro, mas por favor, não me machuque novamente.
— Eu não vou, só quero te fazer feliz. Bia, eu quero um
relacionamento, quero ser seu namorado, seu parceiro — digo, reforçando
mais uma vez, para que não haja nenhum mal-entendido desta vez — não
aceito menos que isso.
— Que bom porque eu também não. Já fui a segunda opção em sua
vida e não gostei do papel. Sou bonita demais para ser a personagem
secundária, dessa vez quero ser a protagonista — ela brinca, com um sorriso
ainda triste.
— Você é a protagonista da nossa história. Não fiquei com mais
ninguém desde que ficamos juntos. É você que eu quero. Pode parecer
precipitado, mas também amo você. Desde que retornou você tomou todo o
espaço vazio da minha vida, meus pensamentos, meus desejos, meu coração.
— Hum, ou essa tentativa de suicídio mexeu com você ou o Dr. Igor
é mais romântico do que eu supunha. Não interessa a razão, estou gostando,
pode continuar.
— Não sei se sou romântico, mas prometo me esforçar e sim, talvez
isso seja fruto do que acabei de passar. Como você disse, eu vi a morte na
minha cara e entre outras coisas, o que pensei é que não vivi tudo que queria
com você. Não quero e não vou esconder meus sentimentos.
Ela se abaixa e nos beijamos lentamente. Um beijo contido, afinal,
não estamos sozinhos, mas cheio de sentimentos. Respiro aliviado,
finalmente nos acertamos. Quando Bia se afasta, penso em Davi e fico
ansioso para contar tudo a ele.
— Eu tinha pedido a Deus um sinal, algo que me mostrasse o que
fazer em relação a você, mas Pai, não precisava de algo tão drástico! –
Beatriz conta, olhando para o céu e começo a rir, mas me contenho com uma
dor nas costas.
Depois de duas horas, me sinto bem o suficiente para percorrer o
caminho de volta até meu carro. Os parentes do menino nos acompanham
para dar um apoio caso necessário, mas me sinto relativamente bem.
Apesar disso, caminhar quarenta minutos nunca foi tão difícil. Preciso
de um relaxante muscular. Quando chegamos, Bia pega as chaves da
caminhonete e não discuto com ela, apenas pergunto:
— Já dirigiu um carro automático?
— Claro, meu pai tem um e Gilvan também tinha.
Seguro a vontade de revirar os olhos ao ouvi-la falar do seu ex. Não
sou um cara ciumento, nunca fui e não vou me tornar um agora. Subo no
banco do carona e fico aliviado ao entrar na pousada.
— Vou tomar um banho e nos encontramos para almoçar. Já arrume
suas coisas, depois do almoço voltamos direto para BH.
— Não seria melhor voltarmos amanhã de manhã? Acho que você
precisa descansar.
— Eu descanso em casa. Bia, estamos colados em BH, é menos de
uma hora daqui.
— Tudo bem, mas eu que vou dirigindo.
— Sim senhora. Confessa, gostou de guiar meu Pitbull?
— Até que não foi ruim – ela solta enquanto segura um sorriso.
— Bato aqui em uma hora – digo na porta de seu quarto.
— Não quer... um banho juntos? – Ela sussurra e gemo ao ouvi-la.
— Adoraria, mas sinto muito peste, estou dolorido demais para
qualquer coisa.
— Peste?
— Sim, você espera que eu esteja quase morto para me convidar para
um banho. Sinto muito, a mamba negra está abatida – sussurro de volta e
beijo sua boca rapidamente, me virando em direção ao meu quarto.

Beatriz estaciona na porta da minha casa. Por mais que eu dissesse


que poderia dirigir até aqui, ela se recusou a ficar em casa. Descemos e
retiramos nossas bolsas do carro.
— Quer entrar? – Convido enquanto ela pega o celular para chamar
um Uber.
— Não, você precisa descansar e eu quero arrumar minhas coisas
porque amanhã é segunda-feira, dia de luta.
Eu a puxo para os meus braços antes que ela acione o aplicativo.
— Obrigado!
— Pelo que?
— Pelo fim de semana, mas principalmente por me dar uma nova
chance.
— Estou dando uma nova chance para mim também.
Eu a beijo e dessa vez não me importo que estamos no meio da rua.
Beijo Beatriz mostrando a ela tudo que sinto, não vou deixar que ela se
arrependa de sua decisão.
No dia seguinte tenho uma sessão com Davi e estou ansioso para
contar a ele tudo que aconteceu no fim de semana.
— Tudo bem, Igor? – Ele me cumprimenta assim que abre sua porta.
— Tudo maravilhoso – respondo, apertando sua mão em um
cumprimento. Nos sentamos e esfrego as mãos suadas em minha calça.
— Pela sua cara temos boas notícias, pode começar – ele diz pegando
uma prancheta onde faz algumas anotações enquanto conversamos.
— Lembra que disse que ia viajar com a Beatriz e esperava que
conseguíssemos nos acertar? — Ele acena e continuo — Nós conversamos e
nos acertamos.
— Uau, que coisa boa! Me conte, como foi essa conversa?
— Foi tão tranquila que é até difícil de explicar. Conseguimos colocar
tudo para fora, principalmente sobre o passado, sem discussões ou brigas...
foi ótimo. Sinto como se um peso fosse retirado dos meus ombros.
— E ela te perdoou? Sentiu que foi verdadeiro?
— Não foi assim, logo depois da conversa. Passamos o sábado juntos,
conversamos, mas não ficamos juntos. Dormimos em quartos separados —
faço uma careta e ele sorri — e no domingo aconteceu quase uma tragédia —
narro para ele o incidente com o garoto e a reação de Beatriz. — Depois
disso, nós nos acertamos.
— Igor, estou chocado! Você quase morreu e me conta isso assim,
com essa cara boa?
Dou de ombros e sorrio para ele:
— Valeu a pena, salvei o garoto e ganhei o coração da minha garota.
— Você é maluco. Tem noção do risco que correu?
— Agora tenho, mas na hora só reagi, confesso que não medi os
riscos. Não podia ver uma criança se afogar na minha cara sem tentar ajudar.
Teve um momento, quando vi a segunda queda se aproximar, tive certeza que
ia morrer, foi uma sensação horrível. Quando eu caí, não consigo explicar, eu
realmente vi a morte naqueles segundos, foi assustador.
— Você está bem? Não se machucou?
— Estou um pouco dolorido e tive alguns arranhões superficiais, nada
grave. Como disseram, eu nasci de novo.
— Com certeza. Nesses segundos que pensou que ia morrer, chegou a
pensar alguma coisa? – Davi questiona, curioso.
— Sim, me lembro de agradecer a Deus e lamentar o que não vivi.
— O que seria isso? O que gostaria de viver?
— Gostaria de ter minha família, casar e ter filhos, dar essa alegria
para minha mãe.
— Certo, você parece estar caminhando nessa direção. Foi depois
dessa quase morte, que ela te perdoou?
— Sim, ela disse que às vezes é preciso perder alguém para descobrir
o quanto aquela pessoa é importante para você. Eu acredito que seja
verdadeiro. Beatriz disse que me amou na época que estudamos juntos, ela
esperou um ano por mim com esperança de ficarmos juntos, um amor assim,
não termina, ele só ficou adormecido.
— Isso é bonito Igor, um amor verdadeiro. Não a decepcione
novamente, valorize esse amor, faça a espera dela valer a pena.
— Eu vou fazer, eu também a amo. Não acho que meu amor seja
menor por ser mais recente.
— Não é, o amor pode vir em momentos diferentes, mas no momento
que se encontram, eles se completam. Veja Saulo e Alex, eles se apaixonaram
em momentos distintos, como vocês, e hoje são um inteiro juntos.
— É verdade. Eu me sinto exatamente assim, completo quando
estamos juntos.
— Não se esqueça nunca da responsabilidade afetiva. Você não é
obrigado a prometer nada a ela, mas o que prometer, cumpra. Não gere
expectativas que não possa suprir.
— Sim, eu me lembro, vou ficar atento a isso, não quero magoar
Beatriz de forma alguma.
— Em um relacionamento alguns pontos são fundamentais.
Fidelidade, se sente pronto para isso?
— Sim. Não fiquei com ninguém depois dela, é como você disse uma
vez, meu corpo pede por ela, eu não preciso de outra mulher.
— Certo, além disso é importante paciência, compreensão e
dedicação. Um relacionamento se constrói a cada dia, com pequenos gestos,
com palavras de carinho. Um mimo, uma mensagem, um encontro a dois,
uma viagem juntos... há tanto que podemos fazer. Conquiste o amor dela
diariamente, não deixe que só o sexo conduza o relacionamento. Por melhor
que seja, um relacionamento verdadeiro vai muito além da cama.
— Eu já aprendi isso. O que vivemos nos últimos meses foi muito
bom e não envolveu sexo.
— Acima de tudo não se esqueça do diálogo. Conversar é
fundamental, muitos casais se separam por problemas de comunicação. E
conversar não é discutir ou brigar.
— Nós conseguimos conversar este fim de semana, acho que de agora
em diante será mais fácil.
— Não guarde esqueletos no armário. Isso me lembra algo. Vamos
trabalhar agora essa questão. Quero que aprenda a se posicionar Igor, não só
no seu relacionamento com a Beatriz, mas diante de todos, diante da vida.
— Como assim?
— Quero que aprenda a dizer não quando necessário. Quero que
mostre seu descontentamento quando alguma piada de mau gosto te
incomodar, quando se sentir depreciado ou usado, reaja.
— Não são todas piadas que me perturbam, como te falei. Eu e Bia
brincamos direto sobre a mamba negra e é algo que não me incomoda. Rafael
sempre brinca comigo e é divertido. O que me incomoda são os olhares e
brincadeiras de quem não me conhece e apenas me rotula.
— Muito bem, então se acontecer, rebata. Coloque a pessoa no lugar
dela, você pode fazer isso com classe, com dignidade.
— Como seria isso?
— Basta dizer: Cara, eu não te dei essa liberdade para falar assim de
mim, ou eu mal te conheço, um pouco de respeito seria bom. Há inúmeras
maneiras de se posicionar. Eu vou pensar algumas situações e vamos
trabalhar isso na próxima sessão.
— Combinado, valeu Davi.
— Fiquei muito feliz com as novidades. Vamos combinar algo juntos,
Isabella disse que conheceu a Beatriz e gostou dela.
— Vamos sim, ela vai adorar, acho que ela é meio tiete da Isabella.
Davi sorri e nos despedimos na porta. Nunca pensei que gostaria de
fazer terapia. Não sabia que precisava disso. Talvez seja uma coisa que todo
ser humano deveria fazer.
Encontro com Rafael no dia seguinte durante o almoço e conto sobre
nossa viagem e que eu e Beatriz nos entendemos.
— Nós somos muito rabudos, o Cara lá de cima deve gostar muito da
gente. Aprontamos e magoamos nossas mulheres com força e elas nos
perdoam.
— De mim mais ainda, eu quase morri, não foi só a Bia que me deu
uma nova chance.
— Entendo sua reação, mas porra, que loucura, você foi no mínimo
inconsequente.
— Se eu não tivesse sido, aquele garoto estaria morto.
— Vocês dois poderiam estar mortos. Quanto à Bia, faça como eu,
idolatre sua mulher, não deixe passar a oportunidade que a vida está te dando.
Rafael literalmente abana o rabo e abaixa a cabeça para Giovana, não
sei se consigo ser assim, por mais que ame a Beatriz. Também não sou
ciumento como ele, acho que somos distintos e isso não significa que a ame
menos. Sacudo a cabeça e faço um convite a ele.
— Que tal comemorarmos amanhã no Bar do Leo? Topa?
— Claro, posso chamar meus irmãos?
— Chame quem quiser, vamos? Preciso ir para o bloco hoje.
Vamos até o Caixa, me lembro do que Davi disse sobre pequenos
gestos. Vou encontrar daqui a pouco com Beatriz e peço um bombom para
levar para ela.
— Está comendo chocolate agora? – Rafael pergunta, de fato, eu não
sou ligado em doces.
— É para a Bia.
— Ah, então leve esse – ele aponta uma barrinha de diamante negro.
— Porque?
— Sei que ela curte esse aí.
— Como sabe disso? – Indago, curioso.
— Eu sei de tudo, vai por mim.
— Ok – peço à atendente que troque para mim e pago a conta. Subo
para o bloco cirúrgico e me preparo para uma tarde de cirurgias com minha
namorada.
É estranho pensar nisso. Jurei que nem mesmo flertaria com mais
ninguém no hospital e cá estou, envolvido até o pescoço com Bia. Desta vez
vou fazer diferente, vou nos preservar, não sou mais um moleque.
Aguardo Beatriz diante da enfermaria e quando ela chega, sinto uma
alegria e uma saudade como se não a visse há dias. Ela se aproxima e a puxo
em um abraço apertado.
— Estou com saudades – sussurro em seu ouvido.
— Eu também – ela responde e beija meu rosto. Não combinamos
como iríamos nos comportar aqui dentro e aceito numa boa o que ela decidir.
— Almoçou? – Pergunto, preocupado, porque não a vi no restaurante.
— Almocei mais cedo, foi o horário que consegui, eram umas onze
horas.
— Então tome — entrego a ela o chocolate e posso ver a surpresa em
seus olhos — gosta desse?
— Gosto. — Ela começa a rir — Amo na verdade, é meu preferido!
É, meu amigo sabe das coisas, preciso agradecer a ele, registro em
pensamentos.
— Que bom que acertei. Estamos juntos hoje.
— Eu sei, que tal jantarmos juntos depois do plantão?
— Eu topo, topo o que quiser Dra. Beatriz – respondo com sarcasmo
ao incluir o título antes do seu nome.
— Estamos combinados, agora vamos Dr. Igor, temos um paciente à
nossa espera.
Seguimos para a antissepsia juntos. Vai ser uma tarde interessante.
Conseguimos um clima bom de trabalho. Passei a tarde observando
Beatriz encantar os residentes com seus conhecimentos e habilidades. Como
previ, os residentes estão brigando por uma tarde ao seu lado, ainda mais
depois que ela ficou famosa e meu peito se estufa de orgulho por ela.
Finalizamos a última cirurgia em torno de dezenove horas e combino
de aguarda-la no estacionamento. Ela aparece e mais uma vez temos o
problema do carro.
— Acho que vou começar a te buscar em casa, não dá para sairmos
em dois carros.
— Nossos horários são diferentes, não daria certo. Temos hora para
entrar, mas não para sair — ela argumenta e com razão — Que tal irmos para
minha casa e pedirmos alguma coisa?
— Nossa, aprovadíssimo, excelente ideia. Vou te seguindo.
Seguimos em dois carros até o seu prédio e a aguardo no hall
enquanto ela estaciona na garagem. Entramos juntos no elevador e analiso o
app de refeições.
— Está a fim de que? – Pergunto enquanto entramos no elevador.
— Qualquer coisa, estou com fome e tudo me parece bom.
Escolho um macarrão na chapa para dois e a puxo em um abraço
assim que entramos no seu apartamento.
— O jantar demora 40 minutos, que tal um banho juntos? – Sugiro,
cheio de más intenções, meu corpo reclama de saudades por ela.
— Ótima ideia, mas você se recuperou?
— Completamente, nada como uma boa noite de sono.
Beijo Beatriz e me aprofundo aos poucos, provocando com minha
língua. Ela gruda seu corpo em mim e a deixo sentir o quanto estou excitado.
— Hum, minha cobra já ressuscitou... — ela brinca, mordendo meu
pescoço e causando um frisson até minha coluna.
— Ela está faminta, com fome de você.
Beatriz se afasta e me puxa pela mão.
— Vem.
Tiramos a roupa e Beatriz se assusta ao ver um grande hematoma nas
minhas costas.
— Igor, você não me disse que tinha se machucado assim.
— Devo ter batido nas pedras em algum momento, mas estou bem.
Um pouco dolorido, mas nada que me impeça de fazer amor com você.
Entre falar e fazer há um longo caminho. Tento erguer Beatriz em
meu colo, mas gemo de dor e constato que no chuveiro não vai rolar. Apresso
o banho e vamos para a cama. Jogo um preservativo sobre a coberta.
— Talvez seja melhor esperarmos mais alguns dias – ela sugere, com
o semblante preocupado.
— Não dá, não vou ficar com esse enorme problema mais uma noite.
Vem, fica por cima, eu fico quietinho aqui e vai dar certo.
Me deito e Beatriz parece insegura, sei que ela ainda não está pronta.
Me tomar assim de uma vez não é fácil. Desço meu corpo e a puxo em
direção à minha boca.
— Senta na minha boca branquinha, vou aquecer você.
Sentir o gosto de Beatriz quase me faz gozar. Foram tantos dias de
espera e tantas noites sonhando com esse momento que qualquer dor ou
incômodo ficam completamente esquecidos.
Coloco um dedo dentro de seu canal úmido e assim que ela se sente
confortável, aumento mais um. Preciso prepará-la para mim, porque não sei
se vou conseguir pegar leve.
— Igor — ela grita e sinto seu orgasmo se aproximando conforme ela
aperta meus dedos. Os retiro rapidamente e a afasto da minha boca. Ela geme
frustrada e a conduzo até meu quadril, entregando a ela a embalagem.
Beatriz abre rapidamente e desliza a proteção em mim, posicionando
meu pau em sua entrada a seguir.
— Vem, desce devagar, sem pressa, no seu ritmo.
Seus olhos encontram os meus e tem tanta coisa além de tesão, vejo
emoção, confiança, carinho, adoração... espero que os meus transmitam a ela
tudo o que sinto também.
Começo a deslizar para dentro dela e sou obrigado a fechar os olhos,
minha respiração acelera e tento me conter para fazer isso durar. Beatriz
desce o corpo e nos beijamos lentamente. Brinco com seus seios em minhas
mãos, deixando ela fazer o serviço como prometi.
Bia sobe e desce lentamente, me enlouquecendo no caminho. Tento
me manter parado, mas é impossível, aos poucos ergo meu corpo ao seu
encontro e ignoro as pontadas doloridas que sinto ao me mexer.
Beatriz ergue o tronco novamente e começa a se tocar enquanto
desliza em mim e juro, nunca vi nada tão lindo ou tão sensual.
— Porra Bia, não vou durar muito – lamento enquanto observo a
imagem maravilhosa sobre mim.
Ela acelera seus movimentos e me deixo ir assim que sinto suas
primeiras contrações. Aperto seu quadril contra mim e me esforço para
manter os olhos abertos. Ver Beatriz se entregar ao prazer é incrível, uma
imagem linda que não vou esquecer tão cedo.
Ficamos abraçados em um silêncio gostoso e confortável. Beijo seu
rosto e sua boca inúmeras vezes com carinho.
— Minha branquinha gostosa! – Exclamo descendo minha boca até
sua orelha.
— Meu chocolate delicioso – ela retruca, rindo ao sentir cócegas.
— Chocolate?
— Sim, você é meu diamante negro sabia?
— Hum não, me explica isso direito.
Ela conta que me deu esse apelido logo que nos conhecemos e
entendo porque Rafael sugeriu a troca do chocolate.
— Você contou isso ao Rafael?
— Claro que não, mas contei para Giovana e Helena.
— Ah, entendi. Eu ia levar um bombom para você e ele sugeriu trocar
pelo diamante negro — rimos juntos, meu amigo é esperto e não perde uma
oportunidade de se meter, nesse caso ele me ajudou — você disse que amava
esse chocolate, eu me lembro.
— E é verdade, eu amo todas as versões dele, principalmente essa que
está aqui comigo agora.
Beijo Beatriz e me sinto animar novamente, mas o interfone nos
interrompe.
— Pausa para comida — ela diz — estou faminta e agora é de comida
mesmo.

No dia seguinte, somos os primeiros a entrar no Bar do Leo, fomos


direto do hospital para lá. Vejo Leo nos observar de mãos dadas e espero
sinceramente que ele fique ao nosso lado.
— Boa noite! — Ele cumprimenta se aproximando e puxando Beatriz
para seus braços — Tudo bem pirralha?
— Tudo ótimo! Este é o Igor.
— Eu já o conheço, Bia. Tudo bem, cara?
Nos cumprimentamos com um aperto de mão e Bia acrescenta:
— Você conhece o Igor, só que agora ele é o meu namorado.
— Uau, estão namorando... desde quando?
— Desde domingo e antes que pergunte, mamãe e papai não sabem
ainda. Você é o primeiro a saber.
Ele divide o olhar entre nós dois e o encaro com firmeza, pronto para
me defender de qualquer coisa que ele diga. Para o meu alívio, ele puxa
Beatriz em outro abraço.
— Parabéns, só quero que seja feliz — em seguida ele me puxa em
um abraço de lado — cuide bem dela e não a faça sofrer — diz baixinho para
que só eu escute.
— Pode ficar tranquilo, estou apaixonado pela sua irmã, não vou
brincar com ela.
— Fiquem à vontade, deixei duas mesas reservadas, precisa de mais?
— Acho que não, mas hoje está vazio, qualquer coisa puxamos mais
uma – respondo a ele e puxo Bia comigo até as mesas que ele nos reservou.
— E aí? Tranquilo agora? – Ela pergunta. Beatriz percebeu o quanto
eu estava ansioso pela reação de seu irmão.
— Sim, bastante. Acha que seus pais também vão reagir bem?
— Por que não iriam?
— Porque sou negro – respondo dando de ombros.
— Meus pais não são preconceituosos, Igor! – Ela protesta,
indignada.
— Algumas pessoas não são preconceituosas, enquanto as diferenças
estão distantes delas.
— Não é o caso dos meus pais, pode ficar tranquilo.
Tranquilo só vou ficar depois que os conhecer, mas não preciso dizer
isso a ela. Theo e Helena entram com Tati, Saulo e Alex os acompanham.
Nos levantamos e os cumprimentamos com abraços.
— Viemos de carona com meu anjinho — diz Helena — assim
podemos beber.
— Cadê o resto da molecada? — Pergunto ao sentarmos.
— Lucas ficou lá em casa com os gêmeos – responde Saulo antes de
Helena.
— Deixamos Levi e Davizinho com o João e a Cris mais cedo —
completa ela — Queremos uma noite tranquila. Tati já é uma mocinha, não
nos dá trabalho — ela sorri para a menina, orgulhosa e Tati beija seu rosto
em agradecimento.
Passo meu braço ao redor de Bia e vários olhos acompanham meu
movimento curiosos.
— Estamos namorando, achei que Rafael tivesse contado — anuncio
em alto e bom tom — esse é o motivo de estarmos aqui hoje.
— Rafa não disse nada, apenas que teríamos novidades – fala Saulo.
— Meu irmão fofoqueiro está aprendendo a guardar segredos, quem
diria! – Exclama Helena e rimos todos, pois ela tem razão, Rafael sabe de
tudo e é um grande leva e traz — Fico feliz com a novidade. E tu Igor, chega
de galinhagem, se comporte de agora em diante.
Ergo as mãos em defesa e Theo me parabeniza:
— Bem-vindo ao time dos homens comprometidos e apaixonados.
Leo se aproxima com uma bandeja cheia de copos e algumas bebidas.
Saulo e Alex, além de Tati, pegam refrigerante e o restante pega cerveja.
Escolhemos algumas porções e fazemos um brinde, assim que ele se afasta.
— Ao amor – brinda Saulo.
— A vocês, que sejam muito felizes — completa Theo.
— Que me deem um paciente novo em breve — pede Helena e
engasgo com seu comentário.
Beatriz se divide entre rir e bater nas minhas costas.
— Helena, pelo amor de Deus — peço assim que consigo falar —
estamos namorando há dois dias, dá um tempo, devagar por favor.
— Ah, mas um bebê de vocês será lindo demais! – Ela continua,
empolgada e Bia a corta para o meu alívio.
— Nem sei se quero filhos Helena, prefiro ser babá eventualmente
dos seus pacientes atuais.
Rafael, Giovana e Henrique chegam para o meu alívio, cortando esse
assunto macabro. Não que eu não queira filhos, mas ainda é cedo, sequer
conversamos sobre isso.
— Boa noite a todos – ele cumprimenta e resolvemos puxar mais uma
mesa. Depois que nos acomodamos, ele me encara.
— Tudo bem, Cobra?
É a vez de Beatriz engasgar e Helena nada curiosa, questiona o irmão:
— Cobra? Por que cobra?
No mesmo instante que pergunta, ela abre a boca, entendendo o
motivo do apelido e eu e Theo caímos na gargalhada, enquanto Alex e Saulo
ficam vermelhos.
— O Tio Igor tem uma cobra? – Pergunta Henrique em sua inocência.
— Tem filho, uma cobra enorme, por isso o apelido — responde
Rafael recebendo um beliscão merecido de Giovana.
— Eu posso ver um dia? – Ele questiona e agora a mesa inteira cai na
gargalhada, até mesmo Alex e Saulo.
— De jeito nenhum — Rafael responde apressado — você nunca vai
ver nem chegar perto dela, eu só vi uma vez e fiquei traumatizado. A mamba
negra é extremamente perigosa.
Enxugo as lágrimas de tanto rir e até Giovana ri ao lado dele. A
brincadeira se virou contra ele e quero ver ele sair dessa.
— Mas a Beatriz sabe lidar bem com ela, aposto – comenta Helena,
ao lado de uma Tati também curiosa.
— Beatriz a domesticou – respondo com um sorriso.
— Como tia? Com uma flauta? – Tati pergunta, simulando com os
dedos o movimento, tocando uma flauta imaginária.
— Não meu bem, eu não toco flauta, mas faço alguns truques com as
mãos – responde Bia, nada constrangida, para o meu alívio.
— Acho melhor mudarmos de assunto — interfere Theo — não quero
minha filha interessada em cobras, é muito perigoso.
— Tio, eu e a Tati podemos ir no cinema sábado? – Henrique
pergunta a ele.
— Depende, quem vai levar?
— Meu pai leva e busca a gente – ele responde afoito.
— Vocês dois sozinhos? De jeito nenhum – Theo afirma e os dois
protestam rapidamente.
— Qual o problema Theo? — Rafael pergunta — Não confia no
Henrique?
— Não confio nos hormônios. Eu já fui adolescente.
— Pai! – Tati reclama envergonhada.
— Só com um adulto junto. Se quiserem eu levo, mas vou entrar com
vocês.
Conheci Henrique e Tati ainda crianças e agora percebo que os dois
estão entrando na adolescência. É um pouco assustador, o tempo está
passando rápido demais.
Leo se aproxima novamente e nos serve as porções que pedimos.
— Bia, o Saulo me mostrou o vídeo da cirurgia — comenta Alex —
foi sensacional, daria tudo para participar de algo assim.
— Se algum dia voltar ao hospital, deixo você praticar comigo – ela
responde demonstrando boa vontade.
— Bia é o sonho de qualquer residente, eles estão loucos por ela —
comento, orgulhoso da minha garota.
— Isso é fato — afirma Rafael — e estou quase entrando na fila dos
residentes, ainda não fizemos um procedimento juntos.
— Verdade — Beatriz concorda e pergunta ao Saulo em seguida —
Como está o Jonas?
— Ótimo, feliz e cheio de esperança.
Os dois fazem um high-five e temos uma noite muito divertida. Não
há tempo ruim com essa turma.
No fim da noite, deixo Beatriz em casa e não subo. Amanhã
trabalhamos e já é tarde, precisamos dormir.
— Gostou da noite? – Pergunto dando um beijo de despedida.
— Amei, obrigada!
— Pelo que?
— Por estar comigo. É bom ter você.
— Então também preciso agradecer. É maravilhoso ter você,
branquinha.
— Você trabalha este fim de semana?
— Só no sábado de manhã. Vou dar um plantão voluntário na Clínica
São Judas Tadeu, lá na comunidade.
— Que tal depois irmos almoçar com meus pais?
Não vou dizer que me sinto confortável em conhecer seus pais, mas se
estamos namorando não há como fugir disso, em algum momento preciso
encará-los, então que seja logo.
— Por mim tudo bem, mas saio da Clínica às 13 horas.
— Não tem problema, vou combinar com a minha mãe e confirmo
com você até sexta.
— Certo.
Nos beijamos mais uma vez e ela desce. Que Deus me ajude.
Levamos pouco mais de uma hora para chegar até a casa dos pais de
Bia. Saí da Clínica e peguei minha namorada em casa. Já são quase 15 horas
e penso que não foi boa ideia combinar um “almoço”. Eu estou faminto e
imagino que os pais dela devem estar putos além de famintos.
Nunca estive no Retiro do Chalé, embora seja um lugar bastante
conhecido. O Condomínio é maravilhoso e não consigo imaginar o valor de
uma casa aqui, com certeza é algo bem distante da minha realidade.
Estaciono diante da casa dos seus pais e se não fosse o ar
condicionado do carro, estaria suando de nervoso. Descemos e busco sua
mão, se tenho que fazer isso, preciso de seu apoio.
Antes de chegarmos à porta, ela é aberta por um senhor grisalho, boa-
pinta que nos recebe com um sorriso no rosto. É um bom sinal.
— Ei paizinho, tudo bem? — Bia me solta para abraçá-lo e em
seguida me apresenta — este é o Igor, meu namorado. Igor, meu pai,
Evandro.
— Boa tarde — eu o cumprimento com um firme aperto de mão —
desculpe a demora, não deveríamos ter marcado um almoço, eu trabalhei até
às 13 horas e não conseguimos chegar antes.
— Boa tarde, seja bem-vindo. Quanto ao horário não tem problema,
nós costumamos almoçar tarde e já beliscamos algumas coisas. Entrem. Sua
mãe está na cozinha filha, vá chamá-la.
Para meu desespero Bia nos deixa sozinhos e encaro seu pai com as
mãos no bolso.
— Fique à vontade – ele diz apontando um sofá e me sento respirando
fundo. Não me lembro de conhecer os pais de uma garota depois da Valesca
— Estava trabalhando? O que você faz?
— Sou médico também. Trabalho no BHMed com a Beatriz, embora
hoje esteja fazendo um plantão voluntário em uma comunidade carente.
Ele ergue as sobrancelhas surpreso, pelo jeito Beatriz não falou sobre
mim.
— Então se conheceram no hospital? Esse namoro é recente? Não faz
muito tempo que Beatriz retornou de São Paulo.
— Na verdade, nos conhecemos há anos. Estudamos juntos na
UFMG, mas Beatriz foi para Contagem enquanto fiz minha residência na
Unidade de Santa Efigênia e agora nos reencontramos. Apesar disso, nosso
namoro é recente.
— Você também é ortopedista?
— Não, sou anestesiologista. Acompanho Beatriz em algumas
cirurgias.
Beatriz retorna com sua mãe e me levanto para cumprimentá-la.
— Igor, essa é minha mãe, Claudete.
— Muito prazer, a senhora é muito jovem, não parece mãe da Beatriz.
— Ah, imagina! É um prazer conhecer você também. Estão com
fome? Acabei de esquentar a comida.
— Estamos sim – responde Beatriz para o meu alívio.
— Vou colocar na mesa, podem se sentar.
Seguimos para a sala de jantar e me sento ao lado de Beatriz.
— O que querem beber? — Pergunta seu pai — Aceitam uma
cerveja?
— Não obrigado, estou dirigindo.
— Filha?
— Vou de refrigerante também. Está quente, um refrigerante gelado
está ótimo pai.
Ele segue até a cozinha e Beatriz me encara, curiosa.
— Tudo bem? Você parece que vai ter um treco.
— Tudo certo, estou me acalmando.
— Relaxa, os dois são gente fina.
Gente fina são com certeza, penso olhando o ambiente ao meu redor.
Seu pai nos serve um guaraná gelado e sua mãe coloca algumas travessas
sobre a mesa.
— Eu fiz nhoque, é uma das comidas preferidas da Beatriz e acho que
todo mundo gosta, tentei acertar – ela justifica o cardápio.
— Eu adoro massa, foi uma excelente escolha.
— Fique à vontade, aqui cada um se serve.
Há também uma salada e me sirvo dela primeiro, entregando a
travessa para Beatriz.
— Você acompanhou Beatriz na cirurgia do rapaz, aquele que
colocou a prótese na mandíbula? – Indaga o pai dela.
— Não, eu trabalho no BHMed e a cirurgia foi no Pronto Socorro,
mas a sua filha foi brilhante, eu tinha certeza que ela arrasaria. Já trabalhei
com o Saulo, o cirurgião plástico que a acompanhou e ele era conhecido
como mãos de ouro no BHMed. São dois grandes talentos, era certeza de
sucesso.
— O Saulo é muito competente mesmo, ele tem muito talento, o
apelido é perfeito para ele – afirma Beatriz.
— Eu não canso de ver as reportagens, minha filha ficou famosa —
diz sua mãe cheia de orgulho.
Fazemos a refeição contando alguns casos do hospital e relaxo aos
poucos. A comida está deliciosa e agradeço à mãe dela quando terminamos.
— Obrigado, estava tudo muito gostoso.
— Que bom que gostou, volte mais vezes. Beatriz e Leo quase não
aparecem aqui – sua mãe reclama enquanto retira a louça.
— Ninguém mandou morarem tão longe – reclama Beatriz.
— Ah, mas esse lugar é muito bonito, vale a pena – afirmo enquanto
retornamos à sala.
Para minha alegria, seu pai gosta de futebol e engrenamos em uma
conversa sobre o esporte. Beatriz tenta acompanhar, mas vejo o sono
nublando seus olhos. Ela se deita no sofá, com a cabeça no meu colo e
acaricio seus cabelos macios.
Sua mãe se junta a nós e pergunta sobre minha família. Conto que
meu pai já faleceu e que moro com minha mãe. As horas passam e são muito
agradáveis. Quando o dia começa a escurecer, acordo Beatriz com um beijo
em sua bochecha.
— Ei dorminhoca, acorda, precisamos ir embora.
— Por que não dormem aqui? – O pai dela sugere, me pegando
totalmente de surpresa.
— Eu não trouxe nada – respondo no automático enquanto Beatriz se
senta, espreguiçando ao meu lado.
— Ah, seria ótimo. Aqui é tão silencioso, eu amo dormir aqui.
— Fique então, aproveite seus pais, posso te buscar amanhã.
— O que? Não vou ficar sem você. Tem problema sua mãe dormir
sozinha?
— Não, ela está bem e qualquer coisa a Dara mora pertinho, mas eu
não trouxe nada, Bia.
— Minha mãe deve ter escova de dentes nova, não precisa de nada
além disso.
Olho seus pais e ambos parecem aguardar ansiosos que eu fique, o
que me surpreende bastante.
— Tudo bem, se não for incomodar.
A mãe dela abre um sorriso gigante para a filha e sinto que fui
aprovado. Eu e seu pai assistimos um jogo juntos, enquanto Beatriz e a mãe
preparam alguns tira-gostos na cozinha. Todo meu receio foi injustificado e a
companhia de seu pai me dá saudades do meu. Nós costumávamos ver
futebol juntos e penso o quanto sinto falta disso.
A noite passa rápido e ainda estou aceso quando Beatriz me puxa para
um quarto. A decoração é neutra, mas percebo através de pequenos detalhes,
como alguns porta-retratos, que o quarto pertence a ela.
— Este quarto é seu? – Pergunto para ter certeza.
— Sim, eu e Leo temos um quarto aqui. Que tal um banho?
— É para já — concordo tirando a roupa cheio de segundas intenções.
Meu corpo já recuperou e consigo segurar minha branquinha no colo — vou
cuidar de você, consegue ser silenciosa? – Pergunto enquanto ela liga o
chuveiro.
— Você vai ter que descobrir.
E é o que faço. Para minha alegria, Beatriz sabe ser sensual e
silenciosa, sexy e perfeita. Nos amamos no chuveiro e mais uma vez na
cama. Eu aguentaria mais uma rodada, mas ela adormece cansada no meu
peito e fecho os olhos ao seu lado, satisfeito.

Igor me deixa em casa depois de um fim de semana perfeito com ele e


meus pais. Ainda preciso me beliscar para acreditar que estou namorando
meu diamante negro. NAMORANDO! Parece algo inocente demais para
nossa idade e me sinto empolgada como uma adolescente. Deus, eu sou
patética, mas estou muito feliz e foda-se se me sinto uma mocinha
apaixonada pelo meu crush.
A semana começa e recebo um convite inesperado para palestrar na
UFMG para os alunos de medicina na próxima sexta-feira. Saulo e Renan
também foram convidados. A repercussão do nosso trabalho ainda está em
alta e aceitamos sem pensar duas vezes. É surreal pensar que, alguns anos
atrás, estávamos sentados ali como alunos e agora vamos retornar como
palestrantes, com nosso talento reconhecido por nossos professores. Isso é
algo que mexe conosco.
Nos reunimos na quarta-feira no meu apartamento para elaborarmos
uma apresentação, incluindo algumas imagens do procedimento.
— Você não tem noção da repercussão dentro do João XXIII — diz
Renan para mim — todas enfermeiras, médicos e até alguns pacientes me
reconhecem e vem me cumprimentar.
— Eu tenho, porque está acontecendo comigo no BHMed também.
—Tenho recebido pedidos de entrevistas até hoje — conta Saulo —
mas encaminho para o Diretor e ele mesmo responde a maioria. Virei
celebridade na Clínica do Belvedere onde trabalho. Segundo a secretária, há
uma fila de espera de pacientes que querem ser atendidos por mim — conta
Saulo em choque — É inacreditável!
— É inacreditável e muito bom — continua Renan — é nosso
trabalho sendo reconhecido e valorizado. Porra, vocês são jovens e ainda vão
muito longe, me orgulho muito de ter trabalhado com vocês.
— Como se você fosse muito velho — eu o contesto — trabalhamos
em conjunto e o mérito é nosso, de nós três.
— Vamos preparar essa apresentação. Quero ficar um pouco com
Alex e ela anda dormindo cedo.
— Saulo, este domingo estou disponível, se quiserem deixar os
gêmeos aqui e descansarem um pouco.
— Bia, são dois, eles são bonzinhos, mas é cansativo.
— Eu chamo o Igor para me ajudar ou a Nina, não se preocupe. Eu
prometi para a Alex e adoro crianças, eu realmente quero.
— Ok, vou falar com ela, obrigado.
Nos concentramos em elaborar a apresentação e dividir o que cada um
irá explanar. Quando deito, penso em tudo que está acontecendo na minha
vida, são tantas coisas boas, na vida profissional e pessoal que chega a dar
medo. Bia, sem neuras, é uma fase boa, apenas aproveite.
Encerro a última cirurgia na quinta-feira, louca para ir embora. Na
sexta estou dispensada por conta da palestra e o que mais quero é terminar a
noite com Igor para relaxar. Só que nada é como pensamos quando se é
médico.
Estou me desfazendo das luvas quando Rafael entra removendo a
máscara e me cumprimenta.
— Boa noite. É amanhã? Saulo me contou e gostaria muito de ir, mas
não posso, tenho cirurgias agendadas o dia todo.
— Sim, é amanhã, você acredita nisso? Eu e Saulo palestrando na
Federal.
— Acredito totalmente. Vocês fizeram um trabalho fenomenal e
merecem os créditos. Meu neném vai longe. Porra, me orgulho muito
daquele moleque.
— Por que neném? – Pergunto curiosa.
— Ele é o caçula e sempre foi tão inocente, tão ingênuo... até hoje sua
alma é pura. O apelido é perfeito para ele.
— Você é ótimo em apelidos, Helena não tem nenhum?
— Não, preciso pensar em um para ela... e o Cobra?
Rimos juntos, é outro apelido que ele não vai deixar de lado.
— Está ótimo. Deve estar me aguardando lá embaixo. Vamos jantar
juntos, quer ir conosco?
Antes que ele responda uma enfermeira entra e me chama:
— Dra. Beatriz, chegou um paciente com fratura exposta na
emergência. Dr. Wagner pediu que o atendesse.
— Ah não! — Lamento baixinho — Lá se foi o meu jantar, esqueça o
convite.
— Eu ia recusar o jantar — fala Rafael ao meu lado — mas aceito
uma cirurgia com você. Vamos fazer juntos e terminamos mais rápido, talvez
ainda consigam jantar.
— Tem certeza? Você já pode ir para casa...
— Tenho, estou curioso para te ver com as mãos na massa. Vamos
nessa.
Descemos e fazemos uma avaliação rápida do paciente. Acidente de
moto, mais um. Faço a solicitação do material necessário e o paciente é
encaminhado para os exames básicos. Enquanto ele é preparado, vou em
busca de Igor. Eu o encontro na sala dos médicos, conversando com um
residente. Ele se levanta assim que me vê e vem ao meu encontro.
— Terminou? – Ele pergunta, me dando um selinho a seguir.
— Não, vou ter que fazer mais uma cirurgia. Entrou um paciente com
fratura exposta. Não precisa me esperar, não sei quanto tempo vai levar.
— Ah Bia, que merda! – Ele parece realmente chateado — Eu te
espero, quero ficar com você hoje — ele completa baixinho.
Não posso deixá-lo aqui sentado por no mínimo duas horas. Igor
também trabalhou o dia inteiro e deve estar cansado. Uma ideia me vem na
cabeça, caminho até o meu armário e busco minhas chaves dentro da bolsa.
— Toma, me espera no meu apartamento então.
Ele olha para as chaves, como se fossem pedras preciosas.
— Tem certeza?
— Tenho, por que não? Tome um banho e peça algo para comer —
abaixo a voz e digo junto ao seu ouvido — me espere bem cheiroso e
descanse, porque vou te fazer suar quando chegar.
Ele agarra a chave com um sorriso imenso nos lábios.
— Promessa é dívida, espero que cumpra suas promessas.
— Todas elas. Preciso ir, até daqui a pouco.
Damos mais um beijo rápido e subo novamente para o bloco
cirúrgico. Confiro todo o equipamento e material necessário. Rafael observa
curioso.
— Vai usar tudo isso?
— Talvez não, mas prefiro ter à mão o que posso precisar.
O paciente chega e o anestesista responsável o seda para iniciarmos o
procedimento. Tendo em vista o horário, não tenho residentes ao meu lado e
posso me concentrar no que preciso fazer, sem preocupar em ensinar. Rafael
é um cirurgião experiente e, ainda que não seja ortopedista, entende o que
estou fazendo.
Fazemos juntos uma limpeza abundante do local. A limpeza do
ferimento é um dos passos mais importantes dessa cirurgia, pois o risco de
infecção é enorme em caso de fraturas expostas. Temos uma fratura tipo II,
com laceração considerável e contaminação moderada.
Executo em seguida a fixação óssea com pinos e placas. Rafael segura
o espaçador para que eu tenha espaço para trabalhar. Finalizo o uso de um
perfurador ósseo e Rafael ri por baixo da máscara.
— Você é boa com as ferramentas. Se a medicina der errado pode
abrir uma serralheria.
— A medicina já deu certo, está operando com uma celebridade,
esqueceu?
— Ops, desculpe Senhora Humildade.
Levanto a ferramenta em direção a ele em uma ameaça clara:
— Nada de apelidos para mim.
— Ei, é brincadeira. Posso tentar? Nunca usei algo assim.
— Já terminei as perfurações. Agora é fixar os parafusos. Toma.
Entrego os parafusos cirúrgicos a ele e explico como fixá-los. Rafael
tem a mão ágil e faz tudo com perfeição. Concluímos mais rápido do que
imaginei. Fazemos a sutura juntos e libero o paciente.
Descarto o material contaminado e o agradeço enquanto lavo as mãos.
— Obrigada Rafa, adorei trabalhar com você.
— Imagina, eu que agradeço. Uma aula particular de uma celebridade
da ortopedia e de graça, eu que agradeço.
Jogo um pouquinho de água em sua direção e fecho a torneira.
— Vou correr porque meu diamante negro está me aguardando em
casa.
— Olha, Cobra é bem mais forte e másculo que diamante negro.
Meus apelidos são melhores.
— Depende, eu prefiro saborear um chocolate que uma cobra.
— Bem, como eu não quero saborear nadinha dele, mande apenas um
abraço ao Cobra.
Aceno e corro até o vestiário para trocar de roupa. Entro no carro e só
então olho as horas, são pouco mais de dez da noite. Ainda posso aproveitar
meu namorado.
Entro em casa e encontro Igor no sofá, de cueca e camiseta assistindo
o jornal na televisão. É estranho e reconfortante encontrá-lo aqui, tão à
vontade na minha casa. Vou até ele antes que se levante e beijo sua boca
gostosa.
— Que visão maravilhosa! É o paraíso chegar em casa e encontrar
você assim.
Ele afaga meus cabelos e beija minha testa.
— Obrigado por me permitir te esperar aqui — entendo o que ele quer
dizer. Entregar minha chave a ele, é um voto de confiança — vá tomar um
banho, estava te esperando chegar para pedir algo para comer. O que quer
jantar?
— Algo que seja rápido, estou morrendo de fome. Tem uma
hamburgueria aqui na esquina, o que acha de um sanduíche?
— Eu topo, tem o telefone?
Busco o folheto na gaveta da cozinha e entrego a ele.
— Peça o maior de todos para mim.
— Deus, estou com medo de você. – Ele brinca.
— Se prepare, você vai ser a sobremesa. Diamante negro de
sobremesa.
Sigo para o quarto e tomo um banho rápido. Coloco uma camisola
curta e encontro Igor colocando os pratos na mesa.
— Já chegou?
— Ainda não, vem cá.
Ele me puxa e me coloca sobre a mesa entre os pratos.
— Estou com fome de você branquinha.
Fico molhada com suas palavras e acabei de sair do banho, isso não é
justo.
— Vai ter que esperar. O lanche já deve estar chegando.
— Se vou ser sua sobremesa, você vai ser meu aperitivo.
Igor se ajoelha e abre minhas pernas. Ainda bem que estou sentada ou
minhas pernas não me sustentariam.
— Igor, não temos tempo para isso.
Ele me ignora e afasta minha calcinha, observando atento minha
intimidade úmida por sua culpa.
— Hum, que delícia, sinto muito, mas vou me fartar aqui primeiro.
Ele me abre com os dedos e quando sua língua me toca, esqueço de
tudo, da minha fome, de onde estou e até do meu nome. Deixo meu corpo
cair sobre a mesa e me entrego em sua boca macia. O prazer aumenta
conforme sua língua dura me provoca e quando ele me penetra com ela, me
desfaço em um orgasmo delicioso.
Igor corre em direção ao quarto e pega sua calça. Observo ele atender
o interfone, que nem escutei tocar e colocar a calça rapidamente. Não consigo
me mover. Ele vai até a porta e fico estática ao pensar que estou quase nua
em cima da mesa, enquanto ele e o entregador estão a poucos passos de mim
e apenas a porta o impede de me ver. Quando Igor retorna ainda estou
imóvel, como me deixou. Ele ergue a sacolinha diante do meu rosto.
— Sua comida chegou. Se não descer da mesa vou comer em cima de
você. Talvez seja interessante.
— Nem pensar. – Com esforço me sento e desço da mesa, ajeitando
minha calcinha — Não vai me melecar de maionese e catchup, acabei de
tomar banho. Você lavou essa boca?
Ele se aproxima e sinto meu cheiro em seus lábios.
— Você atendeu o rapaz cheirando a boceta? – Pergunto, incrédula.
— E de barraca armada. Ele aponta sua calça e começamos a rir.
Nunca mais vou ter coragem de fazer pedido na hamburgueria. Organizamos
a bagunça que fizemos na mesa e me sento abrindo meu lanche.
— Anda, lave as mãos e a boca para comer – peço a ele com a voz
séria.
— O que eu ganho com isso mamãe? – Ele pergunta imitando uma
voz infantil.
— A mamãe promete brincar com você depois do jantar.
— Opa, estou indo.
Comemos em um silêncio tranquilo, nossos pés se tocando por baixo
da mesa e nossos olhos se buscando a cada minuto.
— Está nervosa? – Ele pergunta quando termina de comer.
— Muito. Sabe o que isso significa? Vai ter que dormir aqui para me
acalmar.
Ele sorri e lambe um pouquinho de molho ao lado da minha boca.
— Eu fico, só não sei se vamos dormir. Alguém prometeu me fazer
suar e ainda estou sequinho.
Levo os pratos para a pia e jogo as embalagens no lixo. Em seguida
busco meu namorado e o conduzo ao meu quarto.
— Espero que tenha se nutrido bem, a maratona vai começar, Cobra.
Nos jogamos na cama e não vejo a hora que realmente dormimos, caí
no sono exausta e saciada.
Encontro com Saulo e Renan no auditório. Já entreguei a apresentação
para a auxiliar que irá passar no telão.
Aos poucos, a plateia vai enchendo e meu coração vai acelerando.
Alguns professores vêm nos cumprimentar e fazem perguntas sobre nossa
vida após a Universidade.
Quando o sinal toca e a luz se apaga, Saulo geme ao meu lado.
— Deus, estou nervoso.
— Só você, neném? — Sussurro baixinho — Entra na fila.
— Ainda bem que é você quem inicia — ele completa e agora sou eu
quem gemo — Alex e Helena ficaram de vir, mas ainda não as vi.
O apresentador diz algumas palavras que não presto atenção e quando
ele chama meu nome, caminho com um ar confiante que estou longe de
sentir, até o microfone.
— Boa tarde a todos! É um enorme prazer estar aqui com vocês. Meu
nome é Beatriz Mairinque e há alguns anos atrás me sentei neste mesmo
auditório várias vezes como estudante de medicina. Me formei aqui na
UFMG e hoje sou cirurgiã ortopédica, com especialidade em cirurgia
reconstrutiva.
Falo um pouquinho sobre meu currículo profissional, principalmente
sobre a especialização que fiz em São Paulo e então conto que Saulo me
procurou buscando ajuda para o caso de Jonas.
— Na minha especialização trabalhei principalmente com grandes
membros, braços e pernas. Nunca havia feito nada semelhante a uma
reconstrução de mandíbula, mas ver as imagens daquele garoto, ainda tão
jovem, me fez buscar uma solução. Estudei, pesquisei, estudei mais, até
encontrar um caminho. Procurei um protético, talvez mais sonhador que eu, e
traçamos uma estratégia. Eu, Saulo e Renan nos reunimos e discutimos várias
vezes até nos sentirmos prontos e então tudo começou a acontecer de
verdade.
Sinalizo para que ela comece a exposição dos slides e passo o
microfone para Saulo que se apresenta e explica as imagens e o caso de
Jonas.
— Tentamos a quimioterapia, mas o tumor não regrediu e a solução
foi a remoção cirúrgica que o deixou deformado e com sequelas, dependente
de alimentação artificial e com a fala prejudicada. Estudei se poderia ajudá-lo
com a cirurgia plástica, mas com a mandíbula destruída não havia como
melhorar sua situação. Então fui atrás da Dra. Beatriz.
As imagens seguintes, mostram o molde que o protético fez do rosto
de Jonas para a produção da prótese perfeita.
— A solução era uma prótese completa da mandíbula. Foi um
trabalho caro e minucioso, mas o resultado foi fantástico — acrescento —
com a prótese pronta, marcamos a cirurgia.
A seguir mostramos algumas cenas do procedimento, explicando o
passo a passo que seguimos. Nesta etapa dividimos as falas entre nós três.
Aos poucos fomos nos acalmando e depois da apresentação abrimos para as
perguntas. Respondemos a todas com confiança e ao finalizar somos
aplaudidos de pé.
Meus antigos professores estão nos aplaudindo de pé. Abro um
sorriso enorme. É emocionante e gratificante saber que consegui. Sou uma
profissional reconhecida por meu trabalho. Meus olhos ficam úmidos, mas é
de alegria.
Abraço Saulo e Renan ao deixarmos o palco. Saulo parece tão
emocionado quanto eu. Alguns estudantes vêm nos cumprimentar e tirar fotos
conosco. É surreal, hoje me sinto uma celebridade como disse de brincadeira
ao Rafael. Alex e Helena se aproximam e fazem uma festa para Saulo. Ele
fica vermelhinho e beija Alex emocionado. Helena me abraça e me
cumprimenta:
— Parabéns guria! Tu és um orgulho para nós, mulheres!
E não acabou, antes de deixarmos o local recebemos convites para
palestrar na UFRJ e na Unicamp. Estou tão agitada que não consigo ir para
casa, ligo para Igor e combino de encontrar com ele no Bar do Leo.
Encontro meu irmão preparando o Bar para abrir e conto tudo a ele
enquanto o ajudo a organizar o local.
— Você merece Bia, sou testemunha do quanto você estudou para
chegar aqui. Vão fazer as outras palestras?
— Vamos, eles vão agendar em algum fim de semana no próximo
mês. Acho que as outras serão mais fáceis, hoje foi bem complicado.
Estudamos ali, eram nossos professores na plateia. Foi algo grande Leo.
— Imagino. Este reconhecimento profissional é o que a maioria das
pessoas busca e não consegue. Vocês fizeram algo novo e escreveram seus
nomes na história da medicina. Parabéns!
— Não exagera, menos...
— Não é exagero. A cirurgia foi documentada e vai ficar registrada
como a primeira reconstrução completa de mandíbula no Brasil. Estou
errado?
— Mais ou menos. Já houve outras reconstruções, mas não com uma
prótese tão perfeita e durável. Nunca houve um resultado tão bom.
Ele me abraça e me gira nos braços.
— Parabéns pirralha!
Abrimos o bar e aguardo ansiosa por Igor. Ele chega com Mara em
torno das dezenove horas. Recebo um abraço apertado e um beijo gostoso do
meu namorado. Nos sentamos e ele me puxa para perto.
— Quero ouvir tudo de você, me conta como foi.
Antes que eu comece a falar, Leo se aproxima e cumprimenta Igor
com um aperto de mão, em seguida ele cumprimenta Mara com um beijinho
próximo de sua boca.
— Tudo bem gata? O que quer beber?
Ela fica vermelhinha e acena em concordância.
— Uma cerveja escura.
— É para já – Leo dá uma piscadinha e se afasta. Encaro Mara
curiosa.
— E aí gata? O que está rolando entre vocês? – Pergunto direta. Meu
irmão não me contou nada, então tento descobrir por ela.
Ela me encara e parece em dúvida sobre o que dizer. Para minha
surpresa, Igor a entrega.
— Eles já ficaram juntos uma vez. Acho que Leo gostou e quer
repetir.
— Igor! – Ela protesta e não sei o que pensar. Não só sobre Leo não
me dizer nada dela, mas sobre Igor saber o que aconteceu entre eles. Felipe
Martin chega com Nina e ambos vêm nos cumprimentar. Hoje é dia dele
tocar, não me lembrava disso.
Nina se senta conosco e Leo nos serve as bebidas. Conto a eles sobre
a palestra, pedimos algumas porções e nos divertimos ouvindo meu amigo
cantar. Quando entramos no carro, no fim da noite, questiono Igor.
— Como sabia sobre o Leo e a Mara?
— Vim várias vezes aqui no Bar com a Mara. Vi algumas trocas de
olhares entre eles e um dia ela me contou que ficaram juntos. Foi depois do
aniversário da Nina, você tinha acabado de voltar.
— Ficaram tipo, transaram?
— Sim, transaram, foderam, ficaram, passaram a noite juntos, como
preferir.
— Por que ela contou isso a você?
— Somos amigos — ele dá de ombros — Quando Rafael era solteiro,
eu saía bastante com ele, depois ele se casou e eu saía eventualmente com o
Saulo e a Mara. Acho que a Mara gostava do Saulo. Então ele e Alex se
acertaram e sobramos eu e a Mara.
— Vocês nunca ficaram juntos?
— Nunca, depois da Valentina não quis me envolver com ninguém do
hospital, já te disse isso. Estou pagando língua com você.
Dou um beliscão em sua perna e continuo minhas perguntas.
— Acha que a Mara esqueceu o Saulo? Não quero meu irmão
magoado.
— Acho que sim, foi uma paixãozinha que não deu em nada. Lucas
entrou para o time, ela podia ter ficado com ele, afinal ele é o clone do Saulo
como diz Rafael, mas ela nunca demonstrou interesse.
— Mas as personalidades são bem diferentes pelo que sei.
— Muito. Lucas é mulherengo, o oposto do Saulo, provavelmente
Mara não investiu nele por conta disso. Ela parecia empolgada quando me
contou sobre o Leo.
— Meu irmão merece ser feliz. Tomara que ela seja a garota certa.
Igor para em frente ao meu prédio e me faz um convite inesperado.
— Que tal almoçar lá em casa amanhã?
— Amanhã? Não vai subir comigo?
— Hoje não. Dara me ligou contando que minha mãe abusou no
serviço de casa e depois ficou reclamando de dor nas costas. Acho melhor
ficar por perto.
Sei que não moramos juntos e não posso exigir que Igor durma toda
noite no meu apartamento, mas é tão bom tê-lo comigo. Foi tão fácil me
acostumar com sua presença, que me sinto frustrada ao pensar em subir e
passar a noite sozinha. Engulo minha decepção e o beijo tentando esconder
minha tristeza, mas ele percebe e passa o indicador pelo meu rosto.
— Não fica triste, te amo branquinha.
— Eu sei, desculpa, achei que dormiria aqui de novo.
— Quem sabe amanhã se ela estiver melhor. E você ainda não me
respondeu. Almoça lá em casa?
— Não sei, sua mãe não está bem, talvez não seja boa ideia.
— A Dara vai fazer o almoço. Ela quer te conhecer, foi ideia dela.
— Contou sobre nós?
— Para a Dara sim, dormi fora algumas noites e ela começou a
reclamar que eu estava vadiando muito, então contei que estava namorando.
Minha mãe ainda não sabe, vou contar amanhã.
— Vadiando?
— Eu não era um santo, Bia, e Dara ficou feliz em saber que estou
namorando alguém. Ah, não comente nada sobre o que aconteceu na
cachoeira, elas não sabem e é melhor assim ou ficarei dias ouvindo sermão
daquelas duas.
— Tudo bem, eu vou.
— Boa noite então – ele me dá um beijo profundo que acende minhas
partes baixas e desço de sua caminhonete com as pernas trêmulas. Uma longa
e solitária noite me aguarda, tomara que meu irmão tenha tido mais sorte –
penso, ao entrar em meu apartamento.

Estaciono em frente à casa de Igor tranquila, ao contrário dele que


quase teve um troço ao conhecer meus pais. Esse tipo de situação não me
assusta, ainda mais que já conheci sua mãe. Bato a campainha e sorrio ao ver
meu diamante negro de short e camiseta. Igor fica um espetáculo com essas
pernas grossas de fora.
— Boa tarde — ele cumprimenta me puxando para seus braços e não
perco tempo em responder, apenas o beijo — entra — ele pede quando nos
afastamos.
Encontro um casal nos observando. A garota é uma morena linda,
parecida com Igor, não há dúvida que são irmãos e o seu marido me lembra o
Rocky Balboa. O homem tem músculos em todos os lugares possíveis.
— Bia, minha irmã Dara e seu marido Jorge — Igor nos apresenta.
— Olá! – Não me faço de tímida porque isso é algo que não sou e me
aproximo abraçando os dois como se fôssemos íntimos.
— Muito prazer Beatriz! Seja bem-vinda, na verdade é um enorme
prazer finalmente conhecer uma namorada do meu irmão.
— Ah sim, imagino que não seja fácil dar conta de um homem como
ele, namorar seu irmão é uma missão para poucas — brinco — mas eu sou
uma mulher forte e persistente.
Nós duas rimos e Igor me abraça por trás, beijando meu cabelo, hoje
devidamente domado.
— Onde está sua mãe?
— Na cozinha, a véinha não sossega, não tem jeito.
— Ela está bem? Não estava com dor nas costas?
— Acordou ótima hoje, foi só falar que teríamos uma convidada que
ela se enfiou na cozinha e ninguém tira ela de lá.
— Contou a ela? — Igor nega com a cabeça e não sei o que pensar —
Vamos contar juntos. Vem.
Ele me puxa pela mão até a cozinha e encontro minha sogra diante do
fogão, mexendo uma panela com algo bem cheiroso.
— Mãe, olha quem está aqui – Igor chama sua atenção.
Ela se vira e reconheço a surpresa em seus olhos quando me vê.
— A doutora! Igor não precisava chamá-la, eu disse que estava bem.
— Eu não a convidei por sua causa — Igor solta minha mão e me
puxa em um abraço — eu e a Beatriz estamos namorando.
Se eu fosse uma garota tímida, era a hora de ficar roxa de vergonha,
como não sou, apenas sorrio para a senhorinha de boca aberta na minha
frente.
— Isso é verdade? – Ela questiona após alguns segundos.
— Sim, é verdade — eu mesma confirmo — espero que me aprove
como namorada do seu filho.
— Meu Deus, é claro que aprovo. — Ela enxuga as mãos em um pano
e vem me abraçar — Agora posso morrer tranquila, Igor está bem
encaminhado.
— Ah não! Não me deixe sozinha para cuidar dele, ele dá muito
trabalho — brinco com ela — é uma missão para duas.
Igor revira os olhos e Dara entra na cozinha.
— Que tal vocês irem para a sala, eu termino tudo aqui.
— Já está tudo pronto — diz sua mãe — mais dois minutinhos e pode
desligar. Gosta de frango ensopado com quiabo? — Ela me pergunta,
preocupada.
— Adoro. Com esse cheiro bom comeria até pedra ensopada. Fique
tranquila que sou boa de garfo.
Igor abre a geladeira e pega uma cerveja. Nos sentamos na mesa e ele
nos serve, até sua mãe ganha um copo, em seguida, Jorge faz um brinde.
— A Beatriz, a mulher que conquistou o coração do safado do meu
cunhado.
Batemos os copos e Igor beija minha boca em seguida.
— Quero ver quem vai me dar netos primeiro — fala sua mãe —
Dara não quer saber de crianças. Você gosta de crianças Beatriz?
Se estivesse bebendo algo provavelmente engasgaria nesse momento,
apenas pigarreio e penso na melhor resposta.
— Adoro — sou sincera na resposta — mas não penso em filhos por
enquanto, nem sei se conseguiria ter algum, já estou passando da idade para
isso.
— Mãe, estamos namorando há pouco tempo, vamos devagar. Quer
assustar a Bia? – Pergunta Igor — Peça netos para a Dara, ela sim já casou e
pode providenciar alguns bebês.
— Alguns? – Questiona Jorge — Enlouqueceu? Se tivermos um é o
suficiente, mas acho que ainda vamos aguardar uns anos. Filho é algo caro e
precisamos comprar um apartamento primeiro.
Eu e Igor nunca conversamos sobre crianças e a possibilidade de ter
filhos. Já sonhei muito com isso e é algo que gostaria, como a maioria das
mulheres, mas hoje sei que é complicado. Além da minha idade, nossa rotina
teria que mudar totalmente para receber um bebê. Falar sobre bebês me
lembra dos gêmeos.
— Amanhã vou passar o dia com a Raquel e o Samuel, você me
ajuda? – Peço a Igor, observando sua reação, que para o meu alívio é
tranquila.
— Claro, eles são bonzinhos. Se fosse o Levi, você estaria fodida, o
moleque é agitado demais.
O assunto segue tranquilo. Dara coloca a comida sobre a mesa e está
tão boa quanto o cheiro. Como mais do que devia e me ofereço para arrumar
a cozinha com Igor, mas Dara não permite. Ela e Jorge assumem a tarefa.
Sentamos na sala com sua mãe e ela me conta histórias de Igor
criança e adolescente. Rimos juntas das peripécias do meu namorado.
Quando Dara e Jorge se juntam a nós, conversamos sobre trabalho e conto a
eles um pouco da minha vida.
É uma tarde excelente e tenho certeza que vamos repetir muitas vezes.
Eu e Igor estamos bem, nossas famílias apoiam nosso romance e isso é algo
fundamental na minha opinião. Me lembro da nossa conversa sobre
preconceito e não consigo imaginar como seria se meus pais desaprovassem
minha escolha, principalmente por conta de algo como a cor da nossa pele.
Racismo seja da forma que for, pela cor ou por outro fator é algo
abominável na minha opinião. Observo nossas mãos unidas no meu colo e
acho lindo o contraste de nossas peles. Somos perfeitos juntos.

Igor dormiu comigo e no domingo, logo depois do almoço abrimos a


porta para recebermos duas fofuras de tamanho pequeno, Raquel e Samuel.
Alex me entrega uma bolsa com roupinhas, brinquedos, sucos e
frutas.
— Eles já almoçaram, agora só vão comer lá para as 16 horas. Basta
dar alguma fruta e um pouco de suco. Nós os buscamos na hora do jantar –
ela orienta.
— Ah se quiserem faço alguma coisa para eles comerem, tenho
legumes, posso fazer uma sopinha com carne moída.
— Não queremos abusar –— responde Saulo — uma tarde de folga já
é grande coisa.
Pego Raquel do colo de Saulo e ela observa atenta o ambiente ao
redor.
— Eles são bonzinhos, mas se estranharem podem ligar que
chegamos rapidinho, nós moramos bem perto, você sabe – reforça Alex e a
vejo ansiosa pela primeira vez.
— Alex, vamos cuidar bem deles, podem ficar tranquilos. Prometo
que qualquer coisa eu ligo.
— Eles gostam de ver desenho, qualquer um os distrai – ela completa.
Igor chama Samuel que está agarrado na perna do pai.
— Vem cara, vem com o Tio Igor.
Ele não parece disposto a se afastar de Saulo e prevejo uma cena.
Realmente quero dar uma folga a eles e preciso atrair o pequeno. Entrego
Raquel para Igor que passa a mãozinha sobre sua barba, curiosa. Igor beija
sua mão e ela solta uma risada gostosa. Me viro para Samuel e digo baixinho
como se fosse um segredo:
— A Tia Bia comprou bolo de chocolate, está lá na cozinha, você
gosta?
Saulo e Alex me desculpem, mas nem só de frutas gira o mundo. Uma
guloseima é necessária de vez em quando. Pisco para ele e estendo os braços,
ele fica em dúvida, mas vem devagar em minha direção. Quando consigo, o
pego no colo e deixo um beijinho em sua bochecha.
— Lindo, você é muito lindo! Vem, vamos procurar esse bolo com a
Tia Bia — Me afasto para a cozinha sinalizando rapidamente para Saulo e
Alex irem embora. Ela faz uma careta que ignoro e espero que ela não mude
de ideia.
Igor se junta a mim na cozinha um minuto depois e oferecemos uma
pequena fatia de bolo para cada um. Eles se lambuzam, mas deixo que se
divirtam e comam sem culpa. Depois lavamos suas mãozinhas e nos
sentamos na sala. Samuel olha ao redor e faz uma carinha de choro quando
não vê os pais, mas espalho os brinquedos que Alex trouxe e conseguimos
distraí-lo. Raquel é mais dada e não parece estranhar nada ou ninguém.
Quando se cansam dos brinquedos, ligamos a televisão e buscamos
um desenho que os atraia. Eles se aquietam no sofá e observo os dois,
encantada. É inevitável não pensar em filhos. Viro para Igor e seu semblante
pensativo parece refletir meus pensamentos. A pergunta sai sem que eu pense
muito:
— Você quer ter filhos?
— Eu gostaria. Acho que uma família completa envolve filhos. E
você?
— Também gostaria, eu adoro crianças, mas não sei como encaixar na
minha vida. Eu trabalho demais e as coisas estão começando a acontecer
profissionalmente. Imagino que daqui em diante fique ainda mais apertado,
estão aparecendo as palestras fora o trabalho no hospital...
— Agora seria complicado, mas é cedo para pensarmos nisso,
estamos começando um namoro. Daqui a alguns anos as coisas se estabilizam
e damos um jeito. Saulo, Helena e Rafael têm filhos, eles conseguiram, por
que não conseguiríamos?
— Daqui a alguns anos vou estar velha para isso Igor, já tenho mais
de trinta anos.
— Hoje as mulheres têm filhos com mais de quarenta, isso não é
desculpa. E em último caso, podemos adotar. Tem algo contra?
— Não, mas gostaria de ter um bebê, viver uma gravidez. Se
tivéssemos um filho, acha que ele seria pretinho ou branquinho? Eu gostaria
que puxasse você – confesso a ele.
— Acho que seria moreno, um meio-termo, uma misturinha de nós
dois.
Meus olhos ficam úmidos e não sei explicar o porquê me emocionei
ao pensar nisso. Igor me puxa em um abraço e beija minha testa.
— Ei nós vamos dar um jeito, tudo a seu tempo, não pretendo largar
você e um bebê virá na hora certa.
— Desculpa, acho que estou na TPM, não sou sensível assim.
— Eu sei que não. Estou até surpreso, mas também gosto desta versão
suave da Dra. Beatriz Mairinque.
Observo os gêmeos e penso o quanto Alex e Saulo são abençoados.
Que Deus conserve e proteja essa família linda e se não for pedir demais que
sobre um pouquinho dessa felicidade para mim.
Em alguns momentos a vida nos surpreende sem aviso. Passei o mês
seguinte em um ritmo acelerado, mas plenamente realizada na vida pessoal e
profissional. Ministramos as duas palestras no Rio e em Campinas e
continuam chegando convites para entrevistas e apresentações. Um dos
pedidos, veio de uma revista médica americana e nós três vibramos muito,
afinal, um reconhecimento internacional era mais do que ousamos sonhar.
Na vida pessoal também não posso reclamar de nada. Igor continua
sendo um namorado perfeito e não me arrependo de tê-lo perdoado. Claro
que não esqueci nosso passado, mas já não dói mais. É como Rafael disse:
perdoar não é esquecer, é superar. Estamos superando dia a dia, construindo
um relacionamento como nunca tive antes, com companheirismo,
cumplicidade, confiança, respeito, muita química e, por que não dizer, com
amor.
Passamos várias noites juntos no meu apartamento, mas quando não
dá, não nos cobramos ou ficamos chateados um com o outro. Preservamos
nosso relacionamento e respeitamos nosso espaço pessoal. Igor me incentiva
e se orgulha de mim, não há competição entre nós e isso é algo bem
relevante. Ele se orgulha verdadeiramente de cada conquista que realizo e não
se sente inferior ou superior a mim. Depois de um ano morando com Gilvan,
é o que mais valorizo em Igor. Gilvan nunca me tratou mal, mas sempre se
mostrava superior e nunca me senti uma igual ao seu lado.
E por falar em Gilvan, preciso contar que ele caiu de paraquedas na
minha vida novamente. Era a isso que me referia quando disse que a vida nos
surpreende em alguns momentos.
Estou fazendo a ronda no hospital quando recebo uma mensagem do
Dr. Guilherme solicitando minha presença em sua sala. Desço tranquila,
imaginando que ele deve ter recebido algum pedido de palestra em meu
nome. Temos negociado alguns dias que preciso me ausentar por conta
desses compromissos. Sua secretária pede que entre assim que me vê e quase
caio de susto quando dou de cara com o Dr. Gilvan Rebouças logo ao abrir a
porta.
— Bom dia Beatriz, tudo bem?
Ele me cumprimenta e se aproxima dando beijinhos no meu rosto
como se fôssemos íntimos. Ok, nós fomos íntimos, mas não somos mais.
— Tudo bem, o que está fazendo aqui?
— Precisamos conversar, tenho uma proposta para você.
— Para mim? – Questiono, ainda incrédula que ele esteja ali na minha
frente.
— Sim, poderíamos almoçar juntos? Não quero atrapalhar o Dr.
Guilherme, imagino que ele tenha muito trabalho.
— Eu não sei, estou em horário de trabalho, Gilvan.
— Já são mais de onze horas, imagino que possa adiantar seu almoço
por alguns minutos.
— Não há problema Dra. Beatriz – interfere Dr. Guilherme de boa
vontade. O que ele não sabe é que não quero almoçar com Gilvan. Não
imagino que alguma proposta que venha dele seja do meu interesse.
— Certo — respondo sem saída — me aguarde no saguão, vou buscar
minha bolsa.
Caminho até a sala dos médicos intrigada. Não faço ideia do que ele
queira me propor. Com certeza não é para negociar uma palestra, afinal, ele
me ensinou o que sei e com sua experiência daria uma palestra bem mais rica
que a nossa.
Guardo meu jaleco e pego minha bolsa. Confiro meu cabelo e passo
um batom rapidamente na boca.
Encontro com Gilvan no saguão, me aguardando com sua pose
arrogante escorrendo pelos poros. Como pude ser apaixonada por ele? – Me
pergunto em pensamento.
— Onde quer ir? – Pergunto assim que me aproximo.
— Em algum restaurante decente, você escolhe, afinal a cidade é sua,
não conheço nada aqui.
Por um restaurante decente, entendo um restaurante caro. Seguro a
vontade de revirar os olhos, aceno e digo para o provocar:
— Desde que pague a conta.
— Sempre paguei nossas contas, meu amor.
Ele não está mentindo, Gilvan pode ser arrogante e metido, mas
sempre foi generoso comigo. No entanto, sua fala me incomoda em parte e o
corrijo de imediato.
— Não sou mais o seu amor. Há um bom tempo, aliás. Vem, meu
carro está no estacionamento.
Para chegar no estacionamento, precisamos passar pela emergência e
me esqueci completamente que Igor estava de plantão ali. Apenas quando
nossos olhos se cruzam me lembro disso. Seu olhar segue para Gilvan atrás
de mim e o vejo caminhar em nossa direção. Merda! Não precisava de uma
cena agora.
— Está saindo? – Ele indaga a um passo de nós.
— Sim, o Dr. Gilvan veio para conversar comigo. Gilvan, este é o Dr.
Igor — Os dois se encaram por alguns segundos antes de apertarem as mãos
e não faço ideia do que estão pensando — nós vamos almoçar, mas logo
estou de volta.
Igor me analisa por alguns instantes e percebo que está se contendo
para dizer alguma coisa. Para o meu alívio ele apenas acena e dá um passo
para o lado.
— Até mais tarde – me despeço e aperto seu braço rapidamente.
Entramos no carro e penso nas possibilidades de restaurante para
almoçarmos. Fasano[11], não tem erro.
— Não tinha dinheiro para comprar algo mais confortável que isso
Beatriz?
Olho para o lado e rio ao vê-lo espremido dentro do meu Sandero.
— Desculpe, mas comprei o carro para mim, não fazia ideia que você
entraria nele. E só para saber, sim, eu tinha dinheiro para comprar um carro
melhor, mas este me atende bem, não preciso de luxo.
—Estou falando de conforto, não de luxo, são duas coisas distintas.
Você me parece bem.
— Estou ótima. Voltar para BH foi a minha melhor decisão.
— É claro que fiquei sabendo da sua cirurgia, inclusive vi algumas
entrevistas. Parabéns, eu sabia que você iria longe, você tem muito talento.
Uau, vindo do Dr. Gilvan Rebouças é um grande elogio e o agradeço
retribuindo.
— Obrigada, aprendi com o melhor.
Ele me olha, surpreso com meu comentário.
— Gilvan, nossos problemas pessoais não afetam minha opinião
sobre você como profissional. Você é mestre no que faz, se eu sou boa hoje,
foi porque aprendi muito com você.
— Somos uma boa dupla, Beatriz.
— Éramos. Afinal, que proposta é essa? Estou curiosa.
— Vamos conversar no restaurante, não quero ter que interromper o
assunto. Parece ser uma boa cidade, gosta mesmo daqui ou o que pesa para
ficar é sua família?
— Eu gosto daqui e sim, ter minha família por perto faz diferença.
Conversamos um pouco sobre a cidade até que estaciono nas
proximidades do hotel no Bairro de Lourdes.
— Fasano? – Ele questiona, surpreso.
— Sim, eu sei que você gosta. Vamos.
Nos acomodamos no restaurante e Gilvan pede uma entrada e uma
tônica, eu peço um suco de maracujá. Preciso me manter calma.
— E então? — Pergunto mais uma vez impaciente — imagino que
seja algo importante para fazer você vir até Belo Horizonte para conversar
comigo. A propósito, seu celular quebrou? O meu número continua o mesmo,
podia ter me ligado.
Ele ri. Gilvan tem bom humor, minhas provocações não o alteram,
isso era algo que eu gostava e me irritava ao mesmo tempo.
— Meu celular está inteiro — ele ergue o aparelho na minha frente —
mas eu tive receio que dissesse não pelo telefone.
— E o que te faz acreditar que pessoalmente direi sim? Sua beleza?
— Brinco com ele — Sinto dizer, já estou em outra.
— Sério? Está com alguém?
— Sim, mas imagino que sua proposta não seja amorosa, então isso
não vem ao caso.
— Realmente não é — ele pensa por alguns segundos, encarando o
ambiente — mas não nego que sinto sua falta — ele completa voltando a me
encarar — Você é uma mulher incrível Beatriz, inteligente, bonita e bem-
humorada. É difícil encontrar uma mulher com todas essas características.
Perdeu, bacana! Meu ego agradece e sorrio para ele.
— Infelizmente, só valorizamos o que temos quando perdemos.
O garçom nos serve a entrada e pedimos um risoto de bacalhau para
dois. Gilvan prossegue assim que ele se afasta.
— Você tem razão, mas eu não nasci para casamento ou família. O
que tivemos juntos foi o máximo que já me permiti. Pode não acreditar, mas
você foi uma mulher especial na minha vida. Não me vejo dividindo um teto
com alguém novamente.
— Se é assim, melhor ficar solteiro mesmo. Não iluda mais ninguém.
— Não te iludi de propósito, eu tentei juro, mas realmente não nasci
para isso.
— Certo, vamos ao que interessa.
Ele dá alguns goles na água tônica e solta o motivo dessa conversa:
— Estou com um caso semelhante ao seu. Gostaria que me ajudasse
na cirurgia.
— Qual caso? – Pergunto, sem entender.
— A reconstrução da mandíbula. Tenho um paciente em situação
similar, mas foi devido a um acidente.
Espera. O mundo parou de girar nesse segundo. Ainda bem que estou
sentada. Dr. Gilvan Rebouças, o Deus da Ortopedia no Brasil, o cirurgião-
chefe de um dos maiores hospitais da América Latina está pedindo minha
ajuda? Minha?
Acho que minha expressão demonstra todo meu espanto, talvez seja
minha boca aberta ou o silêncio que permanece entre nós. Gilvan sorri, sem
vergonha alguma em sua cara arrogante, e continua:
— Eu posso fazer? Claro que sim, mas podemos fazer juntos. Você já
tem a experiência e isso adiantaria bem as coisas.
Entendi. Ele apenas quer pegar tudo mastigado. Não quer passar
noites estudando e pesquisando como fiz.
— Adiantaria para você ou para o paciente? - Pergunto sentindo um
gosto amargo.
— Para ambos, mas seria uma excelente oportunidade para você
também. Repetir o feito em um dos maiores hospitais do Brasil, ao meu lado,
colocaria seu nome na mídia novamente.
— Eu não ligo para a fama. Sei que faz parte, mas o mais importante
é ser reconhecida pelo meu trabalho. Foi mais importante e emocionante a
palestra que dei para os meus professores, do que as notícias que saíram na
televisão.
— Sim, mas o reconhecimento viria de todos os lugares. Conversei
com o Dr. Guilherme e ele disse que libera você. Seriam poucos dias.
— Você conversou com ele antes de conversar comigo? E se eu não
aceitar?
— Se não aceitar não muda nada, mas se aceitar, já sabe que ele
aprova.
Ele tem razão, mas ainda assim me irrita saber que ele se precipitou
julgando que eu aceitaria sem pensar duas vezes. Aliás essa é a resposta que
tenho para ele.
— Eu preciso pensar.
—Tudo bem, mas não posso te dar muito tempo. O paciente está
aguardando. Preciso de uma resposta até sexta-feira.
— E se eu não topar?
— Vou fazer sozinho com minha equipe. Pense bem Beatriz, é uma
boa oportunidade, você vai receber uma boa grana e isso conta para o seu
currículo. Não vejo motivos para sua recusa.
— Meu trabalho? Minha vida pessoal?
— Seu trabalho vai continuar te aguardando, o Dr. Guilherme já
garantiu. Sua vida pessoal? Seu namorado pode ficar uns dias sem você ou se
quiser, leve-o junto.
— Ele trabalha, não pode sair me acompanhando de uma hora para
outra.
— São poucos dias. Ele é ciumento? Ele sabe sobre nós?
Respiro fundo sem saber o que responder. Sinceramente não sei o que
Igor diria sobre isso.
— Ele sabe sobre nós – respondo apenas.
— Explique a ele que é uma proposta profissional. Prometo te
respeitar Beatriz, seremos apenas colegas.
— É claro que seremos apenas colegas! – Não há outra opção nesse
caso, estou apaixonada por Igor e jamais o trairia — Não precisa prometer
algo assim, porque não há qualquer chance de outro tipo de envolvimento
entre nós.
O garçom se aproxima com nossos pratos e durante o almoço Gilvan
me fala sobre o paciente. É um homem de 41 anos de idade que bateu de
frente com uma carreta. É um milagre que tenha sobrevivido. Ele tem esposa
e filhos e Gilvan faz questão de reforçar este dado para me comover. Por fim,
ele me mostra imagens do paciente no seu celular e faz algumas
considerações.
Meu lado profissional se agita e já começo a visualizar o
procedimento. É inevitável me empolgar. Pontuo algumas coisas e trocamos
algumas ideias.
Gilvan pede a conta e nos despedimos na porta do hotel.
— Vou ficar por aqui. Meu voo sai no fim da tarde, daqui eu pego um
táxi para o aeroporto. Aguardo sua resposta.
— Te ligo até sexta-feira. Obrigada Gilvan, mesmo que eu não aceite,
obrigada pela proposta.
— Você vai aceitar, Beatriz. Se é a garota que eu conheci, você vai
aceitar.
Sinto raiva porque, no fundo, sei que ele tem razão. Não sei se
consigo recusar essa proposta. Ele me dá um abraço rápido e retorno ao
hospital com a cabeça cheia.
Subo direto ao bloco cirúrgico e passo a tarde ocupada, sem tempo
algum para pensar. Quando termino o último procedimento, me troco e ligo
para Igor:
— Ei, onde você está?
— Estou a caminho de casa.
O que? Igor nunca vai embora sem me avisar. Geralmente lanchamos
ou jantamos juntos, mesmo quando optamos por dormir separados.
— Aconteceu alguma coisa? – Indago preocupada, talvez sua mãe
tenha passado mal.
— Eu que pergunto Beatriz, o que aconteceu hoje?
Fico muda sem entender, até que me lembro que ele me viu com
Gilvan.
— Está se referindo ao almoço com o Gilvan? Ele veio me fazer uma
proposta. Quer que eu o auxilie em uma cirurgia de reconstrução de
mandíbula. Dá para acreditar? Dr. Gilvan Rebouças me pedindo ajuda. –
Brinco, mas o silêncio que segue mostra que Igor não viu graça nenhuma —
Igor? O que foi? Fala qual é o problema, por favor.
— Hoje não, conversamos amanhã.
— Tudo bem. Boa noite então.
Desligo a ligação puta da vida. Não fiz nada demais, nada que
justifique esse comportamento ridículo. Junto minhas coisas e vou para casa
chateada.

Acordo mal. Tive uma péssima noite, custei a dormir e tive um sono
inquieto, incomodada pelo comportamento de Igor, fora que a proposta de
Gilvan tomou grande parte dos meus pensamentos.
É uma excelente oportunidade profissional. Repetir a cirurgia de
reconstrução de mandíbula me deixaria em uma posição diferenciada na
comunidade médica. Isso abriria portas, é um item e tanto para o meu
currículo.
Preciso que Igor deixe o ciúme de lado e me apoie nisso, não posso
escolher entre ele e meu trabalho, é uma escolha injusta.
Chego ao BHMed com um início de dor de cabeça. Passo na
lanchonete e peço um suco de laranja, visto que não tomei café em casa.
Enquanto bebo, engulo um analgésico e envio uma mensagem para Igor:
“Precisamos conversar, me avise quando chegar no hospital.”
A resposta vem imediatamente.
“Já estou aqui. Consultório 31.”
Termino meu suco e subo até o andar dos consultórios. Na recepção,
pergunto se Igor está atendendo alguém. A atendente confirma e aguardo que
a paciente saia. Entro antes que ele chame outra pessoa e fecho a porta atrás
de mim.
Seu semblante está fechado e desisto de o beijar, apenas me sento na
sua frente e cruzo os braços. Ficamos em uma guerra silenciosa por um
minuto inteiro, até que ele diz:
— Preciso trabalhar, vamos deixar para conversar durante o almoço.
— Não. Eu mal dormi essa noite, não vamos guardar nossos
sentimentos de novo. Nós prometemos que faríamos diferente dessa vez.
Diga o que está acontecendo.
Ele apoia o queixo nos punhos e fecha os olhos por alguns segundos.
— Tem razão. O que aconteceu ontem? – Ele pergunta, por fim.
— Dr. Guilherme me chamou em sua sala e quando cheguei o Gilvan
já estava lá. Fui pega de surpresa, não fazia ideia que ele estava aqui e muito
menos o que queria comigo. Ele me chamou para almoçar alegando que tinha
uma proposta a fazer. No restaurante ele me explicou sobre um paciente em
situação semelhante ao Jonas, mas decorrente de acidente de carro. Ele quer
que eu faça a cirurgia ao seu lado, apenas isso.
— E você aceitou?
— Ainda não, eu disse que ia pensar, mas estou propensa a aceitar. É
uma excelente oportunidade profissional. Fazer uma segunda cirurgia
inovadora, ao lado dele, em um dos melhores hospitais do país me colocaria
na frente. É um salto e tanto na minha carreira. Eu não seria uma aprendiz ao
lado dele dessa vez, pelo contrário, eu estaria mostrando a eles como fazer.
Ele se recosta na cadeira e me observa com os olhos tristes.
— Igor, nós não temos mais nada um com o outro, eu juro. Não senti
nada ao lado dele, pelo contrário, não sei como pude me apaixonar por ele.
— Por que não me apresentou a ele?
Fico espantada com sua pergunta.
— Eu apresentei, não se lembra?
— Sim eu me lembro. Dr. Igor, este é o Dr. Gilvan. É isso que sou
para você Beatriz, um colega?
Então entendo seu aborrecimento, eu não o apresentei como meu
namorado. De fato, não o fiz, não foi por mal, apenas não queria um clima
estranho ou uma cena por parte de algum deles.
— Eu fui pega de surpresa e sei lá, não pensei muito. Como
estávamos no hospital, quis manter um relacionamento profissional.
— Depois então você disse a ele que eu era seu namorado? Lá no
restaurante, você contou a ele?
— Sim, eu disse a ele que estava com outra pessoa.
— Disse que era eu, Beatriz? – Ele insiste.
— Não, ele não perguntou quem era, isso não faz diferença.
— Faz toda diferença, porra! Toda diferença — Igor sobe a voz
irritado — Tem vergonha de mim, Beatriz?
Fico chocada com sua pergunta e nego prontamente com a cabeça.
— Claro que não! Está maluco, por que eu teria vergonha de você?
— Não sei, também gostaria de saber essa resposta. Algum motivo
tem para você ter escondido nosso relacionamento. Se coloque no meu lugar,
se eu te apresentasse a uma ex-namorada como uma colega qualquer, como
se sentiria?
— Desculpa, eu não fiz por mal. Ok, assumo que fiquei com medo do
que poderia acontecer. Não sabia qual seria sua reação ou qual seria a dele...
— Qual seria minha reação? O que esperava que eu fizesse? Não sou
a Alex que distribui socos em quem abraça o Saulo, não sou um homem
ciumento, nunca fiz uma cena de ciúmes na vida.
— Eu sei, mas Gilvan é um cara arrogante e juro que não sei o que ele
pensaria sobre nós, tive medo que fizesse algum comentário que ofendesse
você.
— Um comentário que me ofendesse? Um comentário racista? Estou
me fodendo para o que ele pensa, eu sei me defender. Um comentário
preconceituoso não me ofenderia mais que a sua atitude. Me senti um lixo,
Beatriz, um segredinho sujo e não gostei de me sentir assim – ele retruca com
firmeza.
— Você tem razão, tem toda razão, eu errei, me desculpa.
Igor esfrega as mãos no rosto e posso ver o quanto está sentido. Meu
coração se aperta ao ver o quanto o magoei. Merda, não fiz de propósito, mas
acionei gatilhos. Ele está se sentindo diminuído novamente.
Me levanto e sento em seu colo o envolvendo em um abraço.
— Me perdoa, assumo que fiz merda. Prometo que não vai acontecer
novamente.
Igor acena e tira minhas mãos do seu pescoço.
— Tudo bem, agora preciso trabalhar, tenho pacientes aguardando.
— Vamos lá para casa hoje? Eu faço alguma coisa para jantarmos
juntos.
— Pode ser, agora vai.
Beijo sua boca rapidamente e me levanto. Sei que ele ainda está
chateado, mas é algo que só o tempo vai resolver.
Beatriz sai da minha sala e me sinto perdido, não pretendo terminar
com ela, mas foi algo que me magoou muito. Pego o celular e envio um
recado ao Davi.
“Bom dia brother, tem um horário vago hoje?”
Chamo a próxima paciente e quando ela sai encontro a resposta de
Davi:
“Estou no consultório hoje, posso te atender na hora do almoço se
precisar.”
“Aceito.”
Ele está on-line e dessa vez a resposta vem rápida:
“Chegue 12h30 e traga uma salada com atum. É o honorário de
hoje.”
Sorrio, Davi é um grande cara.
“Feito!”
Termino meus atendimentos até 12 horas, passo no restaurante,
compro sua salada e vou a pé até seu consultório.
Davi está me aguardando com a porta aberta, ainda assim, bato
levemente para chamar sua atenção.
— Opa, entra aí.
Fecho a porta, entrego sua salada e ele agradece.
— Obrigado, estava com fome. Senta aí, vou comendo enquanto
conversamos. Quer?
— Não, obrigado, na volta como alguma coisa, não estou com fome
agora.
— Então, aconteceu alguma coisa?
— Sim — conto a ele o que aconteceu ontem e minha conversa com
Bia — Porra Davi, eu fiquei muito chateado, ainda estou. Tenho feito tudo
certo, estou me comportando como um homem que nunca fui porque quero
fazer isso dar certo. Sonho um futuro com ela e juro que não esperava por
isso.
— Você agiu corretamente, o que mostra o resultado das nossas
sessões, parabéns. Você conseguiu dizer o não. Assumiu para ela que não
gostou da sua atitude, mostrou seus sentimentos, vocês conversaram como
adultos, isso é o mais importante.
— Mas não me fez sentir melhor, continuo me sentindo mal.
— Igor, as pessoas erram, você sabe disso, somos humanos. Já ouviu
aquele ditado: Quem nunca errou que atire a primeira pedra? Você já errou
com ela mais de uma vez. Não pense que tudo vai ser flores em um
relacionamento, não é assim que acontece. Pessoas discutem, discordam,
fazem merda, não vai deixar de acontecer, mas o importante é conversar,
esclarecer. Quem errou pede desculpas, como ela fez e bora seguir em frente.
Pelo que disse, ela reconheceu que agiu errado, sentiu sinceridade em suas
desculpas?
— Sim, mas não é tão simples, basta eu desculpar e voltamos a ficar
bem? Ainda me sinto magoado.
— Você acredita que ela sinta vergonha de você?
Penso por alguns segundos antes de responder.
— Acho que não. Ela me apresentou aos pais, não faria isso se
sentisse vergonha de mim.
— Também acho. Vocês interagem no hospital, viajaram juntos,
foram ao bar do irmão dela, ela não está o escondendo. Talvez o que ela disse
seja verdade, ela tenha ficado constrangida com medo de uma cena de
ciúmes.
— Nunca dei motivos para isso, não sou um cara ciumento. Eu confio
nela, tanto que não me importei dela almoçar com o sujeito e sim, com o fato
dela não ter me apresentado como seu namorado.
— Certo, mas e o cara? E se ele fizesse uma cena de ciúmes?
— Ele? – Porra, isso é algo que não passou pela minha cabeça —
Isso só aconteceria se ele ainda gostasse dela.
— Nós não sabemos os sentimentos dele, talvez ela tenha se freado
por conta dele.
— Davi, agora me deixou com a pulga atrás da orelha, que merda!
Em vez de me ajudar, complicou mais a minha cabeça.
Ele ri e finaliza a salada jogando a embalagem no lixo.
— Converse melhor com ela sobre tudo isso, esclareça suas dúvidas,
mas o importante você já fez, mostrou a ela que não gostou, você agiu
corretamente. E não se esqueça, quando desculpamos, é para seguir em
frente, não fique remoendo isso.
— Eu vou tentar. Obrigado por me ouvir, hoje não era meu dia.
— Tudo bem. Precisamos marcar alguma coisa juntos. Que tal um
almoço domingo, lá em casa?
— Vou ver com a Bia, ela anda cheia de compromissos, palestras...
ela está ficando famosa também.
— Isso incomoda você?
— De forma alguma. Tenho muito orgulho dela, sei o quanto estudou
e batalhou, ela merece tudo que está acontecendo.
— Muito bem. Amar alguém é torcer pelo seu sucesso, tem homens
que não lidam bem com isso.
— Esse não é um problema para mim, valeu Davi.
Nos despedimos e retorno ao hospital. Como apenas um salgado na
lanchonete porque meu horário de almoço já está vencendo e retorno ao
consultório.
Termino meu expediente e ligo para ela.
— Oi Igor!
— Terminei aqui. Onde está?
— Já estou indo para casa, te aguardo lá.
— Ok, chego em uns quinze minutos.

Entro em seu apartamento e Bia está de cabelos molhados, indicando


que já tomou banho. Beijo sua boca suavemente e ela me puxa contra si,
aprofundando o beijo. Deixo rolar, mas depois de alguns segundos me afasto.
— E o jantar? Não estou vendo nada pronto?
— Vou começar agora. Filé com batatas souté, pode ser?
— Claro, adoro. Quer ajuda?
— Eu dou conta aqui, por que não toma um banho?
— Tudo bem.
Sigo para seu banheiro e tomo um banho com calma, refrescando meu
corpo e minha mente. A conversa com Davi me aliviou um pouco. Ao sair,
me enxugo e busco uma cueca limpa na gaveta da Beatriz. Fui obrigado a
deixar algumas peças aqui, já que estamos dormindo juntos com frequência.
Coloco uma camiseta, meus jeans e sigo para a cozinha. O cheiro está ótimo.
Beatriz não é muito de cozinhar, mas quando o faz, o resultado é muito bom.
Me aproximo por trás e beijo seu ombro. Ela desliga a frigideira e se
vira para mim.
— Tudo bem? – Ela pergunta passando a mão em meu rosto.
— Sim, mas ainda precisamos conversar.
— Certo, antes ou depois de comer? Já está pronto.
— Antes, não vou me estender muito nesse assunto.
Eu a puxo pela mão até seu sofá e ela se senta de lado, de frente para
mim.
— Eu não sou um cara ciumento Bia, jamais faria uma cena de
ciúmes e não me incomodei que tenha ido almoçar com seu ex, o que me
deixou chateado foi não ter me apresentado a ele como seu namorado.
— Eu entendi, inclusive reconheci que você tinha razão e pedi
desculpas.
— Eu sei, tem outra coisa que preciso saber, e quero que seja sincera
comigo, ele ainda gosta de você?
— Eu não sei, sinceramente não sei e não me interessa. Ele me fez
alguns elogios, foi quando disse que já estava em outro relacionamento. Daí
em diante mantivemos nossa conversa apenas sobre assuntos profissionais.
— Entendi que teria ficado receosa quanto à reação dele, é isso?
— Sim, mas não por conta de ciúmes. Gilvan não é ciumento, acho
que ele não ligaria de ter um relacionamento aberto. Estamos juntos, mas eu
transo com quem quiser e você também. Na verdade, acho que esse seria o
relacionamento dos sonhos para ele.
— Qual sua preocupação então?
— Eu disse a você, tive receio que ele te ofendesse de alguma forma,
fizesse alguma piadinha bizarra.
— Ok, eu sei lidar com isso e com gente sem noção. Não quero que se
preocupe com algo assim, muito menos que me esconda por conta disso.
Estamos juntos diante do mundo ou então, não estamos.
— Tem razão, não vai acontecer de novo, eu juro. Agora Igor, eu
pretendo ir para São Paulo fazer essa cirurgia. É um problema para você?
— Não, por que seria? Eu confio em você, Bia.
Seus ombros caem e ela suspira aliviada.
— Obrigada, não sei o que faria se dissesse o contrário. Não seria
justo escolher entre você ou minha carreira.
— E não precisa. Essa viagem é como as outras que você fez para dar
palestras. Uma viagem a trabalho.
Ela sobe em meu colo e abre um sorriso gigante.
— Obrigada, eu te amo! Te amo muito, meu chocolate gostoso.
Nos beijamos e brinco com sua língua até sentir meu pau reagir, então
a afasto, dando um último selinho.
— Vamos comer, depois fazemos sexo de reconciliação. Quero saber
se é bom mesmo como dizem. Se for, se prepare, vamos brigar mais vezes. –
Brinco com ela.

Beatriz marcou a viagem para São Paulo na próxima semana.


Confirmei o almoço na casa do Davi no domingo, mas antes disso, quero
fazer uma coisa que venho planejando há algum tempo com ela. Eu a
convidei para dançar no sábado à noite, mas não disse onde iríamos.
Eu a pego em casa e ela está uma tentação, com um vestido preto
muito curto, que deixa suas pernas bonitas de fora. Assim que ela se senta ao
meu lado passo a mão por sua coxa.
— Vestiu calcinha, peste?
— Claro que sim e por que peste? Não fiz nada.
— Nada a não ser me tentar a noite inteira com essa roupa.
— Se quiser posso ir trocar, mas não tenho nenhuma burca, sinto
muito – responde ironicamente.
— Engraçadinha – ligo o carro e ela me questiona mais uma vez:
— Onde vamos afinal?
— Em uma boate, desde que começamos a namorar não fizemos algo
assim.
— Tudo bem – Ela liga o som e toca Kamaitachi.
— Quem está cantando?
— Kamaitachi, não conhece? Adoro o cara, ele tem algumas músicas
dark, mas outras são muito boas.
No momento está tocando Gato Cerveja e canto junto com o som do
carro:
Tudo o que eu desejar eu consigo
nada pra gente é difícil
eu não me contento com pouco
eu to longe de aceitar isso
revirando a sacola de lixo
A noite é o dia dos bichos
Eu sou o rei desse covil
todos me conhecem como
gato mal e brabo
amarelo pelagem tigrado
eu sou um gato brabo
humanos me chamam de cerveja
eu sou um gato brabo
amarelo pelagem tigrado
eu sou um gato brabo
humanos me chamam de cerveja
Beatriz ri com minha performance e seguro sua mão.
— Gostei da música, mas você não é um gato brabo e muito menos
amarelo. É um gatão preto bonzinho que eu amo.
— Também te amo branquinha, você que é uma gatinha braba.
Coitado de mim!
Seguimos em um clima tranquilo até a porta da boate. Beatriz me
encara surpresa quando reconhece onde estamos.
— Aqui?
— Sim, aqui – é a boate onde a deixei anos atrás e saí com Valesca. O
lugar tem outro nome e houve alguma reforma, mas ainda é o mesmo local.
— Por que, Igor?
— Ouvi dizer que precisamos reconstruir novas memórias para apagar
as antigas e é isso que vamos fazer hoje.
Estaciono e descemos de mãos dadas. Compro as entradas e logo que
atravessamos a porta, percebo que o ambiente interno está bem mudado, mas
ainda assim quero terminar o que não fiz naquela noite.
O lugar está cheio e conduzo Bia até a pista de dança. Está tocando
algumas músicas antigas e Bia se empolga. Minha branquinha dança bem e
vejo diversos olhos masculinos em sua direção, me aproximo deixando claro
que ela está acompanhada e dançamos juntos por mais de uma hora.
A noite é divertida entre música, beijos, abraços e algumas bebidas.
Posso ver em seus olhos o quanto está se divertindo, acho que foi uma boa
decisão, mas a noite ainda não terminou. São quase duas da manhã quando a
puxo até o bar. Peço duas águas e viro a minha quase inteira de uma vez. Em
seguida passo minha língua gelada em seu pescoço e pergunto em seu
ouvido:
— Passa a noite comigo?
Ela me encara e parece emocionada, se lembrando de nossa noite de
anos atrás. Beatriz acena em concordância e repito meus movimentos do
passado.
— Só vou ao banheiro, me espere aqui.
— Igor, não precisa. – Ela pede, ansiosa e sim, eu preciso. Preciso
refazer a merda que fiz e quero que ela confie em mim.
— Eu volto, prometo!
Beijo a pontinha de seu nariz e me afasto. Vou ao banheiro como
disse a ela e até aguardo alguns minutos, não para fazer ela sofrer, mas para
reescrever corretamente aquele momento.
Saio do banheiro e a vejo com os olhos grudados na porta, como se a
qualquer momento eu e Valesca fôssemos ressurgir ali. Entro na sua frente,
tapando sua visão e seguro seu rosto com as duas mãos.
— Estou aqui. Vem, quero passar a noite com você – afirmo com
segurança.
Eu a beijo e sinto sua ansiedade esvaindo, através do seu corpo. A
aperto contra mim e sussurro:
— É você que eu queria naquela noite e meu desejo continua o
mesmo.
Antes que ela responda, a puxo para fora da boate e seguimos rápido
até meu carro.
Assim que arranco, ela me agradece:
— Obrigada!
— Não precisa agradecer, ao menos não ainda, a noite está só
começando branquinha.
Em vez de ir para o seu apartamento, sigo para um motel, traçando o
caminho que faria com ela naquela noite. Entramos no quarto e a amo
intensamente, com minha boca, minhas mãos, meu corpo inteiro. Beatriz
pode ir para São Paulo trabalhar com seu ex, mas é meu toque que vai estar
impregnado em seu corpo e sua mente.

Peço a conta assim que acordamos e passamos em seu apartamento


para trocar de roupa, antes de seguirmos para a casa do Davi. Ele e Isabella
moram em um condomínio em Nova Lima, um lugar tranquilo e muito
bonito. Nem parece que estamos tão próximos de Belo Horizonte.
Isabella nos recebe com a pequena Chiara no colo. A menina é linda
como a mãe e vai dar trabalho ao meu amigo quando crescer. Beatriz tenta
pegá-la, mas ela estranha e começa a chorar.
— Ela não é como a Raquel. A filhinha do Saulo não estranha
ninguém, ela e Samuel passaram uma tarde conosco de boa – comento com
eles.
— Ela está muito agarrada comigo, tenho ficado o dia inteiro com ela
– justifica Isabella. — Entrem, Davi já está vindo.
Encontramos Dona Zélia, avó de Davi, arrumando a mesa e a
apresento à Bia.
— Dona Zélia, tudo bem? Esta é Beatriz, minha namorada. Bia, ela é
avó do Davi e do Rafa.
— Que moça linda meu filho! Parabéns! – Ela exclama e Bia se
derrete ao meu lado. Dona Zélia é uma senhorinha que conquista todo
mundo.
— É um prazer conhecer a senhora. Eu trabalho com o Rafael no
hospital.
— Você também é médica? O Rafael também vai vir. Conhece meus
netos?
Nos sentamos e começamos a conversar, alguns minutos depois Davi
entra de bermuda e camiseta.
— Boa tarde, desculpem a demora, tive que atender a ligação de um
paciente.
— Tudo bem, amor? – Isabella questiona, preocupada.
— Sim, ele só precisava conversar um pouco. Querem beber o que?
Temos cerveja, refrigerante e suco de laranja.
— Eu vou de refri, eu e Bia bebemos muito ontem.
— Eu prefiro o suco – pede Beatriz e sigo Davi até sua cozinha para
ajudá-lo, deixando as mulheres na sala.
— E aí, tudo bem? – Ele pergunta indicando Beatriz.
— Sim, tudo ótimo. Conversamos e ficamos bem. Semana que vem
ela viaja para São Paulo, vai planejar a cirurgia com o Gilvan.
— Está confortável com isso?
Dou de ombros antes de responder.
— Acho que sim, não há o que fazer. É importante para ela e jamais
pediria que não fosse.
— Admiro você, Igor. Rafael jamais aceitaria algo assim e para dizer
a verdade, não sei se eu aceitaria tão bem, mesmo sabendo que é a atitude
correta.
— Verdade, a família Rabelo tem ciúme no DNA, Rafael é
insuportável...
— Eu sou o que? – O safado pergunta se intrometendo em nossa
conversa — Cheguei na hora, falando mal de mim Cobra, que absurdo!
Eu e Davi caímos na risada com seu ar de indignação.
— Estávamos falando sobre ciúmes e estava dizendo que sim, nesse
aspecto você é insuportável, não sei como sua mulher te aguenta.
— Ela me ama e sou ciumento mesmo. Aquela mulher é só minha,
todas as sardas dela são só minhas.
— Rafael é um caso raro de Freckle Fetish – Comenta Davi.
— O que é isso? – Inquiro, curioso.
— Fetiche por sardas – conclui Davi.
— É bom que seja raro, assim ninguém fica de olho na minha mulher
– argumenta Rafael.
— Eu confio na Beatriz e ponto. Até que ela me dê motivos, não vejo
razão para ciúmes. Ontem nós saímos para dançar e choveu de homem
babando nas pernas dela. Fiquei por perto, mas não me estressei com isso.
— Precisamos aprender com ele, Rafa – fala Davi abrindo uma
cerveja e entregando ao Rafael.
— Acho que não consigo, isso é muito evoluído para mim. Sou meio
homem das cavernas mesmo. Se fosse a Gio, pegava a mão dela e caía fora
ou então eu ia terminar a noite na delegacia.
Rimos mais uma vez e ele continua:
— Cuidado, quando trazemos uma mulher para conhecer a Vó Zélia
corremos sério risco, eu e Davi fizemos isso e terminamos casados.
— Vou correr o risco, casamento não me assusta mais como antes.
— Caralho — ele se vira para Davi — o que fez com meu amigo?
Que milagre é esse?
— Apenas abri os olhos dele, como fiz com os seus – responde Davi.
— Podemos abrir uma igreja, nas horas vagas eu escuto as confissões
e você faz os milagres, o que acha? – Ele pergunta ao Davi e é impossível
não cairmos na gargalhada.
— Deixa de ser ridículo, Rafa! – Davi exclama em meio a risadas.
— Não tenho culpa se me escolhem para confessar seus segredos.
Você foi um deles pelo que me lembro — ele acusa Davi — Paróquia São
Rafael!
Rio tanto que temo mijar nas calças, Davi enxuga os olhos depois de
alguns segundos e responde:
— Eu devia estar muito desesperado, foi uma medida de emergência
— Davi justifica e o empurra para fora da cozinha — chega disso, os padres
não podem se casar, não vamos abrir mão das nossas meninas.
Levamos bebidas para as mulheres na sala. Depois de uma hora de
conversa e muita risada, Dona Zélia serve o almoço e como até quase passar
mal. Saímos de lá no fim da tarde, deixo Beatriz em casa e lamento que nosso
fim de semana tenha terminado.
Na segunda-feira de noite, Igor me leva ao aeroporto. Ainda não sei
quantos dias vou ficar em São Paulo, mas combino de ligar todas as noites.
Fiz o check-in on-line e ele me leva direto ao embarque, tenho apenas uma
mala pequena de mão.
Respiro fundo ao me despedir, por mais que eu queira ir e seja
importante, é difícil me separar dele. Nos acostumamos rápido com o que nos
faz bem.
— Obrigada por me trazer, vou sentir saudades – me despeço o
abraçando e ele me aperta forte por alguns segundos.
— Eu também. Se cuida branquinha e não esquece de me ligar.
— Impossível eu me esquecer de você.
Nos beijamos sem nos importarmos com as pessoas em volta. Um
beijo sedento, gostoso, molhado, que em vez de nos acalmar nos acende de
uma maneira imprópria para o lugar.
— Hum, a mamba negra vai sentir sua falta – Igor sussurra em meu
ouvido e de fato, sinto sua ereção me cutucando. Abafo meu riso em seu
peito.
— Cuida bem dela até eu voltar. Te amo!
Igor beija meu cabelo e me solta.
— Eu também. Vai e me avisa quando chegar no hotel.
— Pode deixar.
Embarco com um misto de sentimentos no meu peito. A viagem é
rápida, pouco mais de uma hora. Desembarco em Congonhas e pego um táxi
até o hotel que Gilvan reservou para mim. Não é o Fasano, mas é um ótimo
hotel, relativamente próximo ao hospital onde iremos trabalhar.
Envio um recado ao Igor e outro aos meus pais quando me acomodo e
me deito ansiosa pelo que está por vir.

No dia seguinte chego ao hospital antes das nove e procuro por


Gilvan em seu consultório luxuoso. Ele me recebe, com um abraço,
empolgado.
— Que bom que veio, temos muito trabalho a fazer.
— Então vamos começar. Quanto antes começarmos, antes
terminamos.
Leio o prontuário do paciente e depois o visitamos em seu quarto. É
um caso diferente de Jonas, o que me anima e desanima na mesma proporção.
Por ser um caso diferente, é um novo desafio, ao mesmo tempo, significa
mais estudo, planejamento e mais dias em São Paulo.
O paciente é Leandro Amorim; ele teve uma fratura que destruiu 80%
da sua mandíbula, mas ainda temos parte da base, então precisamos definir se
aproveitamos a estrutura óssea que restou ou a retiramos e fazemos a prótese
completa como fizemos em Jonas.
Passo o dia analisando seus exames de imagem e averiguando
possibilidades. No fim do dia, me reúno com Gilvan e outros dois cirurgiões.
— Acho que devemos remover o que restou da mandíbula e fazer
uma inteira como fiz em Belo Horizonte, talvez possamos aproveitar essa
estrutura óssea para o enxerto, então não precisaríamos remover a fíbula ou
se o fizermos, será algo bem pequeno.
Discutimos algumas possibilidades e marcamos uma reunião no dia
seguinte com a empresa que fará a prótese.
Ao terminarmos, Gilvan me convida para jantar.
— Não, obrigada.
— É só um jantar Beatriz, sem segundas intenções.
— Eu acredito, mas não seria algo legal de contar ao meu namorado e
não quero esconder nada dele.
— Meu Deus, então esse romance é sério mesmo?
— É sim, a propósito, você o conheceu. Eu te apresentei a ele, Dr.
Igor, lembra?
Gilvan parece pensar e percebo quando assimila o que falei.
— O negro?
Seu reconhecimento por conta da sua cor de pele me irrita, porque ele
jamais perguntaria: O branco? Mas o mundo é assim, como disse Igor, e
combater esse tipo de coisa é cansativo, então apenas concordo.
— Ele mesmo, meu chocolate delicioso. Estou apaixonada por ele,
Gilvan, e é muito sério – reafirmo colocando todos os “pingos nos is”.
— Ei, não tenho nada contra, também adoro uma mulher negra, elas
são sensuais e muito excitantes.
— Só que no meu caso não é apenas sexo. Igor é um médico incrível,
inteligente, gentil e tem sido um homem perfeito em todos os sentidos.
— Ele é um cara de sorte. Pode acreditar Beatriz que nunca quis mal a
você. Desejo que seja feliz.
— Eu sei. Bem, obrigada pelo convite, nos vemos amanhã.
Retorno ao hotel, tomo um banho rápido e peço meu jantar no quarto
pelo telefone. Enquanto aguardo, ligo para Igor.
— Oi Bia — ele atende rápido — como está tudo por aí?
Conto rapidamente sobre meu dia e os ajustes que precisaremos fazer
para a cirurgia de Leandro.
— Você vai descobrir o melhor caminho, tenho certeza.
— Você tem muita fé em mim. Eu sei que vamos conseguir, até
porque o Gilvan é um excelente cirurgião, mas não quero errar.
— E não vai, eu realmente acredito em você. E ele, está sendo legal
com você?
— Sim. Ele me convidou para jantar e recusei, ele argumentou que
era um jantar entre amigos, mas disse a verdade a ele. Que não seria legal
contar para você, que saí para jantar com ele e que não mentiria. Aproveitei e
contei a ele que você era o meu namorado. Não há mais nenhum mal-
entendido.
— Ele se lembrou de mim?
— Claro, você foi o único homem que apresentei a ele.
— E qual sua reação?
— Aparentemente aprovou minha escolha. Ele não é má pessoa, Igor.
Gilvan tem seus defeitos como todo mundo, mas tem suas qualidades. É um
cara arrogante e mulherengo, mas é muito competente e generoso, tem bom
humor e sei que não me deseja mal. Acho que podemos ser bons colegas, até
mesmo amigos — Ele resmunga alguma coisa que não entendo e o provoco
— Alguém me disse que não era ciumento.
— Estou me esforçando aqui. É pedir muito que mantenha seu
relacionamento com ele dentro do hospital, como algo profissional?
— Não, foi o que fiz hoje. Fica tranquilo meu amor, de noite vou ser
eu e a Netflix neste quarto de hotel. Se for trair você, será com o Colin
Donnell.
— Acho que me garanto em relação a ele – Igor brinca e escuto a
campainha tocar.
— Meu jantar chegou, preciso atender a porta.
— Está vestida, Beatriz?
— Que pergunta é essa? Acha que vou atender a porta pelada?
Amanhã nos falamos, beijo.
— Beijo peste, saudades.
Desligo com um sorriso no rosto e abro a porta para receber meu
jantar. Um delicioso frango à milanesa com purê de batatas, para encerrar
minha noite.

Os dias seguintes são dedicados à reunião com a empresa que


confeccionará a prótese. Não fizemos o molde da cabeça do paciente desta
vez, porque eles têm equipamentos avançados que fazem a simulação da
imagem do paciente com tecnologia 3D de todos os ângulos possíveis, e eu
parecia uma criança diante de um videogame inédito.
Era possível simular o procedimento virtualmente e isso facilitou
muito as coisas. Pude testar algumas hipóteses e verificar qual seria a melhor
intervenção. Gilvan me deu carta branca. Ele não podia perder tantas horas
com esses estudos, por isso me buscou e reconheço o voto de confiança que
está me dando, afinal, ele estará ao meu lado e seu nome está em jogo.
Na sexta-feira nos reunimos e apresento a eles a melhor solução que
encontrei. Gilvan se empolga e os outros dois médicos vibram ao ver as
imagens. Explico como será o passo a passo da cirurgia e determinamos
quem fará o que. Tudo concluído e aprovado, me despeço, ansiosa para voltar
para casa e para os braços do meu diamante negro.
— Volta hoje ainda? – Gilvan me pergunta ao fim da reunião.
— Sim, vou pegar o voo das 20 horas. Quando a prótese ficar pronta,
eu retorno.
— Vamos jantar e te deixo no aeroporto. Sem discussões Beatriz, é
apenas uma gentileza.
— Não dá tempo de jantar, tenho que estar no aeroporto às 19 horas.
— Então tomamos um café lá mesmo, vamos.
Ele não me dá espaço para negar e concordo, é apenas uma carona e
um café, em um local público com centenas de pessoas ao nosso redor.
Passamos no hotel, Gilvan fecha a conta enquanto busco minhas
coisas. No carro, respiro aliviada.
— Obrigada Gilvan, por confiar em mim.
— Por que não confiaria? Era minha melhor aluna, aplicada e
inteligente. Não foi apenas sua beleza que me atraiu.
— Sem cantadas, nada de relembrar o passado.
O safado ri e me olha rapidamente enquanto dirige.
— Você é dura na queda, mas não era uma cantada, era um elogio
sincero. O Dr. Sebastian está impressionado com você.
Sebastian é o cirurgião plástico que irá realizar o procedimento
conosco. Um senhor experiente e muito competente.
— Ele também parece ser um excelente profissional.
— Ele é, todos que trabalham ali são. É o melhor hospital da América
Latina, só os melhores trabalham ali.
— Céus, você é muito esnobe. O estoque de humildade estava em
falta quando Deus te criou.
Ele cai na gargalhada e tenta se defender:
— Não estava falando só de mim, elogiei todos os meus colegas.
— Ah sim, os deuses do olimpo da medicina — brinco mais uma vez
— tem muita gente competente por esse país afora que não trabalha com
você. Se conhecesse o Saulo, você ficaria de boca aberta ao vê-lo fazendo
uma sutura, ele era chamado de mãos de ouro, duvido que fique atrás do Dr.
Sebastian.
— Se está dizendo, eu acredito. É bom saber que tem gente boa e com
talento chegando nessa nova geração, infelizmente não somos deuses, não
somos eternos.
Gilvan estaciona e procuramos um café no aeroporto. Ainda temos
quase uma hora antes que eu embarque.
Conversamos quase o tempo inteiro sobre trabalho, até que o telefone
dele toca e o observo marcando um encontro.
— Alguém especial? – Pergunto, sem resistir.
— Não, é uma mulher bonita que conheci através de um amigo.
Saímos de vez em quando.
— Não sente falta de alguém para dividir a vida, os problemas e as
alegrias?
— Às vezes, senti sua falta quando foi embora, mas acho que não
nasci para isso. Eu disse a verdade, você foi minha melhor experiência e
ainda assim...
— Ainda assim não fui suficiente.
— Não é culpa sua, você é maravilhosa, eu que vim com defeito de
fábrica. Além da humildade, faltaram outras coisas.
Agora sou eu quem dou uma risada gostosa.
— Faltou muita vergonha na cara. Saí daqui magoada com você, mas
hoje não sinto mais raiva alguma, talvez porque eu esteja com o Igor ou
porque você é quem é, verdadeiro e sincero, é difícil ficar chateada com você.
Ele pega minhas mãos e as beija.
— Que bom, não gostaria de perder você, como colega e como amiga.
— Pode contar comigo quando precisar. Estou adorando ensinar ao
meu mestre.
— O mestre mandou: Beba logo seu café ou vai perder o voo.

Procuro o desembarque aflita para encontrar os braços de Igor. Assim


que saio, o vejo com um buquê de rosas nas mãos. Ah Deus, nunca fui
mulherzinha de chorar com esse tipo de coisa, mas depois de quase uma
semana longe, estou tão maluca de saudades que ver meu namorado em um
ato romântico me emociona. Corro feito uma adolescente para seus braços.
Igor me segura com apenas um braço e o beijo antes que ele diga
qualquer coisa. Preciso sentir seu gosto, seu cheiro, sua pele, preciso senti-lo
em mim. Por fim ele morde meu lábio inferior e espalha pequenos beijos pelo
meu rosto. Nos encaramos por um minuto inteiro, apenas matando as
saudades. Passo as mãos por sua barba aparada e fito seus lábios.
Ele encosta sua testa na minha e respiramos juntos, bem pertinho um
do outro. É tão bom estar de volta, tão bom estar com ele.
— Bem-vinda minha branquinha. Pegue as flores, são para você.
— Ainda bem que são para mim, se não fosse você estaria em maus
lençóis.
— Para quem mais seria? – Ele me entrega e as cheiro suavemente
— Não sou muito ligada em flores, mas estas são especiais, obrigada!
Saímos abraçados do aeroporto até seu carro. Igor me ajuda a subir
em sua caminhonete e se senta ao meu lado.
— Como estão as coisas no BHMed?
— Como sempre, mas você fez falta. Toda hora ficava te procurando
pelos corredores, até lembrar que não estava lá. Ah, encontrei com a Ana
Maria, lembra dela?
— Claro, como eu esqueceria? Como ela está?
— Parece bem. Eu a vi rapidamente, ela estava indo encontrar uma
fisioterapeuta. Ela já está caminhando bem.
— Sério? Que notícia maravilhosa!
— A avó dela me deu seu número e perguntou por você. Talvez possa
ligar para ela, quem sabe fazemos uma visita?
— Eu adoraria. Ela está bem, emocionalmente?
— Não deu para saber em dois minutos de conversa, mas parece que
sim, dentro do possível. Tenho outra notícia, mas não sei se deveria te
contar...
— Agora conte, anda, começou termina.
— Mara me contou que ela e seu irmão estão firmes, ela está de
quatro por ele.
Abro a boca surpresa pela informação. Não conversei com Leo esta
semana, mas vou comer seu fígado quando o encontrar.
— Firmes como? Eles assumiram um namoro?
— Ele não fez um pedido oficial, mas estão se encontrando quase
todos os dias. Estive com ela uma noite lá no bar e eles estavam se comendo
com os olhos.
— Meu Deus, amanhã ele não me escapa, não me contou nada disso.
— Não me coloque no meio, não quero dar uma de fofoqueiro.
Seguimos conversando até que Igor estaciona em frente ao meu
prédio e descemos juntos.
— Nem te perguntei se queria jantar — ele diz enquanto subimos no
elevador — podemos pedir alguma coisa se estiver com fome.
— Estou faminta, adivinha de que?
— Pizza? Confesso que mando uma à moda sozinho.
Abraço seu pescoço e colo meu corpo no dele como consigo, as flores
atrapalham minha manobra. Puxo sua cabeça e digo em seu ouvido.
— Cobra. Estou com fome de cobra. Vou devorar uma mamba negra
inteirinha.
Ele ri e pressiona meu quadril no seu, esfregando aquela delícia em
minha intimidade.
—Tem certeza? Inteirinha eu duvido, acho que se esqueceu do
tamanho dela.
O elevador para e Igor me empurra com pressa, segurando a mala
com a outra mão. Assim que entramos deixo as flores e minha bolsa sobre a
mesa. Ele me pega no colo e me leva para o quarto sem acender as luzes.
— E a pizza? – Pergunto em provocação.
— Que pizza? Quem precisa de comida? A cobra vai fumar, vamos
incendiar esse apê, branquinha.
Igor me joga na cama, vai tirando sua roupa e eu não fico atrás. Em
poucos segundos estamos nus. Ele se ajoelha na cama e me puxa para seu
colo
— Sou todo seu, abusa de mim que eu deixo.
Nos beijamos enlouquecidamente, estou com fome do meu namorado.
Cravo minhas unhas em seus ombros e ele se afasta buscando meus seios.
Enquanto Igor suga um deles e acaricia o outro, rebolo suavemente em seu
colo e gemo alto com tanto prazer. Desço meu braço, busco seu membro e o
sinto endurecer em minha mão. Ainda me surpreendo com seu tamanho e não
sei como ele entra em mim, mas senti-lo excitado me deixa completamente
molhada.
Eu o quero em minha boca e empurro Igor, ele protesta e digo o que
pretendo:
— Quero chupar você, deita.
Igor se deita e me chama com a mão:
— Vem, vamos fazer isso juntos.
Oh céus, não sei se vou sobreviver a isso, mas com certeza vou tentar,
se morrer vai ser de prazer e não há nada de ruim nisso. Me posiciono
devagar sobre seu rosto e me deito em seu corpo, abocanhando o que consigo
do meu namorado. Igor me devora e perco o sentido e a noção de tudo. Ele
me suga sem pudor, morde e apalpa minha bunda e me sinto escorrer em sua
boca. Dou tudo de mim para agradá-lo e chego a engasgar algumas vezes.
Sinto o prazer dele chegando conforme ele se contrai e me preparo para
recebê-lo.
Igor goza primeiro e engulo tudo sem pensar. Ele para por alguns
segundos desfrutando seu prazer e quando me toca novamente, me
surpreende acariciando minha entrada proibida.
— Igor – protesto, com medo e prazer duelando dentro de mim.
— É só um carinho, é gostoso, relaxa.
Eu relaxo, ele volta a me lamber faminto, até me desfazer em um
orgasmo sensacional. Se há algo melhor que isso, desconheço.
Fico jogada em cima dele, sem forças para me mover. Igor ainda me
acaricia em todos lugares imagináveis por alguns minutos. Quando consigo
me mover, desabo ao seu lado.
— Acho que estávamos com saudades.
— Você acha — ele pergunta rindo — eu tenho certeza!
Ele me puxa em um abraço e ficamos grudadinhos sentindo o calor
um do outro, até que sua barriga protesta.
— Isso é fome? – Pergunto, surpresa.
— Se não for, é melhor ir ao hospital fazer uma tomografia porque
tem algo muito errado dentro de mim. Divide uma pizza comigo?
— Talvez seja melhor pedir duas, não sei se uma vai ser suficiente.
Ele pega o celular e seleciona o aplicativo, fazendo o pedido de uma
pizza à moda gigante.
— Cinquenta minutos. Aguenta mais uma? – Ele pergunta me
puxando para seu colo novamente.
— Não sei, vamos descobrir?
Igor afunda os dedos em meus cabelos e me puxa em um beijo
delicioso. Sinto meu gosto em sua boca e perdemos a noção do mundo mais
uma vez.
Três semanas depois estou embarcando para São Paulo novamente.
Confiro a prótese e ficou excelente. Nos reunimos mais uma vez,
relembrando o passo a passo do procedimento. O paciente é preparado para a
cirurgia que acontecerá no início do dia seguinte.
Chego cedo ao hospital e encontro Gilvan no bloco cirúrgico. Como
em BH, a cirurgia será filmada e documentada. Confiro o material necessário
e, em silêncio, faço uma oração me lembrando de Saulo. Inicio o
procedimento removendo o restante da sua estrutura óssea da mandíbula e,
em seguida, Gilvan assume preparando o local para o recebimento da prótese.
Dr. Matias, o cirurgião bucomaxilofacial que nos acompanha, trabalha com
Gilvan e eu oriento seus passos. Eu coordenando Gilvan Rebouças, ainda
bem que estão filmando porque nem eu acreditaria nisso.
É uma cirurgia de muitas horas e nos revezamos durante o
procedimento. Me sinto mais segura que na cirurgia de Jonas e, por isso, e
pela competência e experiência dos meus colegas, o procedimento é mais
rápido. Concluímos em nove horas e o resultado é excepcional.
Nos cumprimentamos no final e Gilvan me abraça, agradecendo e me
parabenizando.
— Você foi maravilhosa, parabéns!
— Obrigada, você é o mestre aqui, aprendi com você.
— Você é de longe minha melhor aluna.
Uau, é um elogio e tanto, que mexe com meu ego. Aperto as mãos da
equipe e vou me trocar. Só volto para BH amanhã, não sabia a hora que a
cirurgia terminaria e tinha certeza que estaria exausta.
Saio do bloco e encontro Gilvan me aguardando.
— Vou te levar no hotel e jantamos juntos no caminho.
— Não precisa, estou cansada, quero um banho e cama.
— Você precisa comer e quero conversar com você. Não vamos
demorar.
Não discuto porque estou com fome e ele tem razão, não almocei, fiz
apenas lanches rápidos durante o dia e uma refeição será bem-vinda.
Decidimos jantar no restaurante do meu hotel, é mais prático e rápido.
Pedimos uma massa e Gilvan escolhe um Malbec delicioso. Deixo o líquido
descer em minha garganta e aprecio o momento.
— Beatriz, vou te fazer uma nova proposta, mas não precisa me
responder agora. Pense e avalie com calma, por favor.
Eu o encaro imaginando o que vem por aí. Outra cirurgia desafiadora?
Deus, não posso ficar nesse vai e vem. Dr. Guilherme vem sendo
compreensivo, mas tudo tem limites, daqui a pouco ele me coloca para correr
do BHMed, por mais famosa que eu fique.
— Sou toda ouvidos – respondo, me dispondo a escutar sua proposta.
Sou curiosa e não me custa nada ouvir.
— Te quero na minha equipe. Vem trabalhar comigo, como efetiva.
Se estivesse bebendo, com certeza eu engasgaria nesse momento.
Penso se já estou tonta ou se ouvi direito e peço para repetir o que disse.
— Você ouviu bem, te quero na minha equipe, como minha colega.
Sei reconhecer um talento e você superou todas minhas expectativas. O
salário seria...
Ele segue discorrendo sobre a remuneração e todos os benefícios que
eu receberia. Meu salário no BHMed é bem menor do que me propõe. É
impossível não me empolgar com o que ele diz.
A comida chega e ele descreve a rotina do hospital e como seria o dia
a dia em sua equipe. Já trabalhamos juntos, mas eu era uma aprendiz, e com
certeza o que vivi é algo bem diferente do que ele me propõe agora.
Faço algumas perguntas e terminamos de comer em silêncio.
Seguimos juntos até o saguão e faço a única pergunta possível no momento:
— Até quando preciso te responder?
— Quanto tempo precisa? Uma semana, quinze dias? Não tenho um
tempo certo, na verdade, não preciso de outra pessoa agora. Estou chamando
você, porque é um talento que não quero perder, mas não vou colocar outra
pessoa caso rejeite.
Entendi, isso me deixa mais tranquila, sem pressão posso refletir com
calma.
— Não consigo dizer nada agora, estou tão cansada que não consigo
nem pensar, mas nos falamos e te dou uma resposta assim que possível.
— Certo, vou te mandando o feedback sobre o Leandro para que
acompanhe sua recuperação. Obrigado Beatriz.
— Eu que agradeço a oportunidade.
Nos abraçamos e subo para meu quarto cansada. Vejo alguns recados
de Igor, mas decido tomar um banho antes de ligar para ele. Quando me
deito, pego o celular e conto a ele toda a cirurgia, mas omito a proposta de
Gilvan. É algo para conversarmos pessoalmente e sequer sei o que penso
sobre isso.
Nos despedimos e durmo em menos de cinco minutos, sem hora para
acordar. Meu voo é às 13 horas e posso dormir o quanto quiser.

Desembarco no meio da tarde e Igor não pode me buscar, então


sobrou para o meu irmão, o que foi ótimo porque estou precisando de um
momento a sós com ele. Ainda não conversamos sobre seu relacionamento
com Mara. Já estive em seu bar e ele estava trabalhando, Igor estava comigo,
enfim, não havia clima nem tranquilidade para conversarmos.
— Oi Leozinho, voltei.
Ele me beija e pega minha mala.
— Tudo bem? Como foi tudo?
— Tudo perfeito, sua irmã é fera, podemos comemorar mais uma vez.
— Ótimo, mas vê se agora sossega esse rabo aqui, Confins[12] não é
na esquina para ficar vindo te buscar.
— Credo Leo, eu nem pedi, podia pegar um Uber.
— E o papai me deserdava, vamos.
Entramos no carro e assim que ele arranca, entro no assunto que me
interessa:
— Como está a Mara? — Ele vira o rosto em minha direção tão
rápido que me lembro da garota do filme “Exorcista” e começo a rir — Nem
adianta esconder, eu sei que estão envolvidos, quero saber se é namoro ou
amizade.
— Amizade não é, mas não sei se é namoro.
— Por que não? Sei que estão se vendo quase todo dia e uma
mosquinha me contou que ela está apaixonada.
— Quem contou? O Igor? Ela disse isso a ele?
— Talvez, mas quero saber o seu lado. O que sente por ela?
Ele suspira e pensa por alguns instantes antes de responder.
— Eu gosto um bocado dela, mas não sei, ainda estou com um pé
atrás antes de assumir alguma coisa.
— Por que? Não a conheço bem, mas o Igor sim e ele gosta muito
dela.
— Eu já a conheço há um tempo, ela vai ao bar com frequência.
Sempre achei ela uma morena linda, mas nunca me aproximei. Lembra
aquele dia do aniversário da Nina? Então, foi ali que ficamos juntos a
primeira vez. Eles ficaram até o bar fechar e a convidei para tomar uma
bebida comigo, só nós dois. Ela topou, nos beijamos e acabou rolando.
— E aí?
— Esperava que ela me ligasse ou aparecesse no bar e nada. Sabe
quando alguém não sai da sua cabeça? Cada mulher que entrava, cada
morena eu pensava que era ela, mas ela fez jogo duro.
Começo a rir e ele me acompanha. Meu irmão está ferrado, já vi tudo.
— Então, você ligou para ela?
— Fazer o que? Tive que entregar os pontos. Repetimos e foi melhor
ainda. Desde então estamos nessa.
— E vocês não conversaram? Qual o problema em assumir um
namoro?
— Não há problema, eu só tenho medo de rotular e estragar tudo. Está
ótimo como está, tenho medo do que pode vir com um namoro, cobranças,
não quero que vire obrigação, entende?
— Não, eu não entendo. Nenhuma mulher vai ficar em um rolo assim
muito tempo. Se ela é importante, assume ou vai perdê-la.
— Já me dei tão mal nessa coisa de relacionamento, me dá frio na
barriga pensar em assumir alguém.
— E perdê-la? Não sente um frio na barriga ao pensar nisso? Se não
pegar, outro pega.
— Caralho Bia, para de rogar praga.
— Estou abrindo seus olhos. Olha para mim, já me ferrei mais que
você e estou ótima com o Igor, a melhor coisa que fiz foi dar uma chance a
ele.
— O Igor está me surpreendendo, ele pegava geral, confesso que
fiquei com medo por você, mas ao que parece o amor faz milagres.
— Você não precisa pedi-la em casamento, é só um namoro Leo.
— É um compromisso.
— Sim, gosta dela ou não? Está disposto a ficar apenas com ela? Se
não estiver esquece, melhor deixá-la livre.
— Estou só com ela, não tenho ficado com mais ninguém. Eu gosto
dela, é uma garota simples, sem muita complicação na cabeça, trabalha muito
como eu e temos uma boa química. Sabe o que mais gosto nela? Ela não é
grudenta, odeio garota chicletes.
— Conversa com ela. Mostra que está a fim de assumir, pergunta se
ela está satisfeita com um romance casual ou se quer tentar algo mais. Coloca
as cartas na mesa.
— Eu sei que está certa, não dá para levar isso assim indefinidamente,
vou acabar sobrando. Felipe disse a mesma coisa.
— Ouça a voz de quem está feliz no amor.
— Falou a voz da experiência! E o Gilvan? Vocês ficaram lá de boa,
não surgiu nenhum clima estranho? Não rolou uma nostalgia?
— Não, estamos de boa, somos bons colegas ou amigos, sei lá. Não
tenho mais raiva, ele é o que é. Eu o admiro como profissional e ele tem um
bom humor que combina com o meu, nos damos bem, mas não me imagino
com ele novamente. Prefiro meu diamante negro, minha mamba negra.
Leo faz uma careta e penso se conto a ele ou não sobre a proposta de
Gilvan, acabo contando e peço segredo.
— Não comenta com ninguém, principalmente com o papai e a
mamãe. Quero decidir sobre isso sozinha, ou melhor, com o Igor.
— Está cogitando em ir? Se mudar para Sampa novamente?
— É uma proposta fenomenal. Profissionalmente seria um salto
gigantesco, não posso falar não de cara, preciso pensar.
— E o Igor?
Suspiro e fecho os olhos. Igor é a questão.
— Ainda não falei com ele, nem sei como tocar no assunto para dizer
a verdade. Ele vai odiar e com razão, não quero perdê-lo.
— Vai ter que fazer uma escolha.
— Isso não é justo. Deus não podia me colocar em uma bifurcação
dessa, como posso escolher entre minha carreira e o amor da minha vida?
— É maninha, cada um com seus problemas, eu não queria estar no
seu lugar.
— Nem eu, nesse momento, nem eu queria estar na minha pele.

Passo o restante da tarde colocando minhas coisas no lugar e lavando


roupas. Vou trabalhar no fim de semana para compensar os dias que fiquei
fora. Vou até a padaria e compro um lanche para mais tarde, já que Igor ficou
de vir para cá direto do hospital.
Eu o aguardo ansiosa e não é só por saudades. Preciso contar a ele
sobre a proposta de Gilvan e ainda não sei como fazer isso.
Quando ele chega e o abraço não quero pensar em nada, apenas me
deixo levar por seu beijo e me perco em seus braços.
— Ainda bem que voltou — ele diz entre um beijo e outro — chega
de ficar longe de mim branquinha. Sinto muito sua falta, viciei em você.
Suas palavras mexem comigo e tenciono em seus braços. Igor percebe
imediatamente.
— Ei, o que foi? Algo deu errado?
— Não, deu tudo certo, eu também senti sua falta. Faz amor comigo?
— Bia, aconteceu alguma coisa, posso sentir. Não mente para mim, o
que houve? Ele deu em cima de você?
— Não — respondo de imediato — não é nada disso. Preciso te
contar uma coisa, mas não quero falar agora, pode ser depois?
Ele analisa meu rosto e me puxa até o sofá.
— Me conta agora, combinamos de sermos honestos um com o outro
e sinto que não vou gostar do que vai dizer, então fala de uma vez.
Puxo minhas pernas e as abraço, então crio coragem e conto a ele.
Igor escuta em silêncio e não diz nada quando termino.
— Eu não respondi nada, disse que ia pensar. Eu deveria ter dito não,
mas é uma oportunidade e tanto, profissionalmente falando, não tive coragem
de falar não de cara.
Ele se recosta e parece perdido. Sua expressão é triste e meu coração
dói só de pensar que o magoei.
— Fala alguma coisa, briga, grita, sei lá... – peço a ele, nada parece
pior que seu silêncio.
— Eu não sei o que dizer, Beatriz. Não esperava por isso e não sei o
que dizer.
— Eu também não. Ele jogou essa bomba em mim ontem de noite e
desde então não paro de pensar. Preciso achar uma solução. Talvez... posso
pedir e ele consiga uma vaga para você também.
— Que? Enlouqueceu? Nem pense em algo assim. Não sou um
moleque Bia, não preciso que mendigue um emprego para mim com seu ex,
eu jamais aceitaria.
— Tudo bem, não foi boa ideia, mas você pode arrumar um emprego
em São Paulo, há vários hospitais na capital e com a sua experiência...
— Para Bia. Não continua, porque eu não vou sair daqui. A proposta
é para você e não me envolve. Eu tenho um emprego que gosto e não vou
largar tudo para ir atrás de você. Eu tenho minha mãe, esqueceu? Não posso
deixá-la sozinha, tenho meus amigos, minha irmã, minha vida aqui. Isso é
sobre você, não sobre mim.
— Estou tentando pensar em algo que seja bom para nós dois, talvez
você consiga algo melhor em São Paulo.
— Eu não quero algo melhor, estou bem onde estou. Não sou um cara
ambicioso, não quero fama, sucesso, nada disso. Acho que não me conhece
direito ainda.
O silêncio pesa entre nós e me recuso a continuar com isso.
— Podemos esquecer isso por hoje? Não quero pensar nisso agora, eu
quero você, senti sua falta e estava contando os minutos para te abraçar.
Sento em seu colo e seguro seu rosto, encarando seus olhos.
— Eu te amo, nenhum emprego no mundo vai mudar isso.
Finalmente ele se rende e nos beijamos. É um beijo aflito, cheio de
sentimentos bons e ruins. Um beijo cheio de saudade, tesão, agonia e medo.
Medo de nos perdermos. Minha vontade é parar o tempo nesse instante. Igor
morde meu lábio e arranho seu pescoço, ele arranca minha blusa e puxa meu
sutiã para baixo, expondo meus seios.
Nesse momento ele não é suave, belisca meus mamilos e dói, mas me
excita na mesma proporção. Ele me empurra no sofá e puxa minha calça
junto com a calcinha para baixo, enquanto intercala entre um seio e outro,
sugando com força. Sei que vou ficar marcada, mas não ligo. Abro os botões
da sua camisa enquanto ele desce o zíper de sua calça.
A necessidade grita entre nós, temos urgência e eu preciso sentir ele
em mim de qualquer maneira. Igor desliza a ponta de seu membro em minha
intimidade e entra me abrindo em um único impulso. Grito e ele parece se
conter, mas dura pouco. Ele agarra meu cabelo e me encara, pedindo
autorização para continuar.
Pisco e aceno, eu o quero. Assim, forte e intenso, ainda que me
machuque. Ele me beija com força e nossos dentes chegam a bater, sua língua
suga a minha enquanto Igor investe sem cuidado em mim, não é maldade, é
desespero. Sei porque sinto o mesmo.
Eu o agarro com as pernas e me movo contra ele ensandecida,
enlouquecemos e nos perdemos um no outro. Eu o agarro, arranho, mordo e
grito cada vez que ele se afunda em mim. Igor geme e puxa meu cabelo com
força. Nunca vivi algo tão intenso, sinto o orgasmo se aproximar e quando
gozo algumas lágrimas escorrem pelo meu rosto. Igor ruge e aumenta ainda
mais sua velocidade.
— Você é minha, não quero perder você – ele solta um segundo antes
de gozar.
É insano e carnal, é algo cru. Lindo, mas doloroso, poderoso e cruel.
Nos despimos nesse ato e nos entregamos um ao outro sem ressalvas, sem
controle, nos expomos inteiros, corpo e alma.
Igor desaba sobre mim e acaricio suas costas lentamente. Ainda sinto
seu corpo tremer, ainda sinto minha intimidade pulsando, ardida e cheia.
Cheia dele, do amor da minha vida.
Não sei quanto tempo ficamos ali, embolados, como se nenhum dos
dois quisesse voltar à realidade. Igor tem mais coragem que eu, ele toma a
iniciativa e se afasta devagar. Primeiro beija meus seios com carinho e
recoloca meu sutiã no lugar.
Quando ele sai de mim lentamente percebemos a falta do
preservativo.
— Desculpe, Deus, nem me lembrei...
Ele parece constrangido e não há motivos para isso. Na verdade, não
sei porque ainda usamos camisinha. Fazemos exames semestrais no hospital e
sei que estamos bem.
— Igor, eu tomo anticoncepcional, não se preocupe com isso.
Ele acena e se levanta indo em direção ao banheiro. Eu o aguardo
imóvel, reconhecendo os efeitos em meu corpo do que fizemos.
Igor retorna com a embalagem de lenços umedecidos e me limpo com
calma. Ele me entrega minha calcinha e vejo seu semblante preocupado.
— Machuquei você? Desculpe, eu me descontrolei.
— Acho que machucou um pouco, mas nada grave, só estou um
pouco ardida. Eu quis, foi louco, mas precisávamos disso.
Ele me ajuda a me vestir e o levo até a mesa para lancharmos. O sexo
nos acalmou, conversamos entre beijos, conto a ele sobre a cirurgia e sobre o
paciente. Igor escuta calado e depois me conta sobre o BHMed. Sei que há
um elefante branco entre nós, mas não é algo que eu possa resolver agora.
Não quero me precipitar e me arrepender no futuro. Qualquer decisão que eu
tome, será grande e definitiva. Não posso ser inconsequente.

No dia seguinte convido Nina para almoçar comigo. Preciso desabafar


com alguém e escolho minha amiga querida. Eu a chamo para um restaurante
próximo do hospital, não posso conversar com ela dentro do BHMed.
— O que houve? — Ela questiona, preocupada — você não parece
bem.
— Estou um lixo. A vida me pregou uma peça gigantesca, amiga.
Conto a ela sobre a proposta de Gilvan e explico tudo que envolve um
emprego como aquele.
— Você entende o significado de uma vaga como essa?
— Entendo, é simplesmente o melhor emprego no Brasil para alguém
da área.
— Exatamente. Além do salário, que é muito maior do que ganho,
tem todo o reconhecimento e as oportunidades que trabalhar em um hospital
daquele me dariam. Eles têm os melhores recursos e equipamentos. Posso
fazer pesquisas e desenvolver outras próteses inovadoras como essa da
mandíbula, é um mundo de oportunidades, e para alguém que está
começando como eu, é como ganhar na Mega Sena da virada.
— O que Igor disse?
— Apenas que não iria comigo. Eu sugeri que ele tentasse alguma
coisa em São Paulo, se ele fosse comigo não pensaria duas vezes, seria
simplesmente perfeito, mas ele descartou de imediato.
— Que merda Bia, sinto muito.
— Eu também, mas o entendo, ele tem a mãe dele, o pai já faleceu...
estar com a mãe é importante para ele.
— Você vai aceitar?
— Sinceramente, não sei o que fazer. Não é uma decisão justa,
qualquer escolha que eu faça, vou sair perdendo e muito. A sensação que
tenho, é que nenhuma opção vai me deixar feliz, estou entre a forca e a
espada, não sei o que fazer.
— Consegue pensar em perder o Igor?
— Não, é impensável me afastar dele, mas também não me imagino
dizendo não para uma vaga no Sírio Libanês[13].
— Talvez vocês possam namorar à distância.
— É uma péssima sugestão, isso não daria certo nunca, uma semana
separados já nos deixou insanos.
— Não queria estar em seu lugar, não sei como te ajudar.
— Nem eu sei como me ajudar. O que faria, Nina? Se tivesse que
escolher entre o Felipe e o emprego dos seus sonhos?
— Sem dúvida eu escolheria o Lipe, não há dinheiro que pague a
minha família, mas minha situação é diferente, somos casados e temos uma
filha, você é solteira.
As palavras de Nina mexem comigo, não penso em trocar Igor por
dinheiro, não é isso, aquele emprego envolve muito mais que dinheiro, não é
algo apenas financeiro.
— Estou muito ferrada, só um milagre para me ajudar.
— Reze e peça a Deus que te mostre o que fazer.
Acho que é o que posso fazer no momento. Por sorte, Gilvan não
estipulou um prazo. Fecho os olhos e peço a Deus outro sinal, mas dessa vez
Pai, não coloque meu diamante negro em risco.
Davi me recebe e não consigo disfarçar minha tensão, assim que nos
cumprimentamos, ele indaga:
— Por que essa cara? O que aconteceu?
— Cara, estou pagando todos os meus pecados, talvez por ter sido
promíscuo tanto tempo. Deus não vai me permitir ser feliz no amor.
— Você e a Bia me pareceram tão bem, o que houve?
Nos sentamos e conto a ele sobre a proposta de Gilvan.
— Como vou concorrer com isso?
— Você está se subestimando, se ela te ama de verdade, vai te
escolher.
— Davi, é uma vaga no Sírio Libanês como efetiva, isso não é pouca
coisa. Não sei o que fazer, desejo pedir que ela fique, mas não quero carregar
o peso dessa decisão.
— Você não pode fazer isso, em hipótese alguma. Se ela abrir mão
desse emprego porque pediu a ela, sempre haverá esse obstáculo entre vocês.
Você não pode carregar o peso dessa decisão porque a escolha é dela, não
sua. Não peça que ela fique, não faça chantagem emocional, a deixe livre
para decidir.
— E se ela não me escolher?
— Por mais que doa, você vai sobreviver, estou aqui para te ajudar.
Entenda, a maior prova de amor que pode dar a ela é oferecer a liberdade de
escolha. Ela precisa sentir que a apoia em qualquer situação, que ela é dona
do seu caminho, mas que você está ao lado dela.
— Como conseguiu deixar a Isabella ir, sem sequer saber se ela
voltaria?
— Foi uma das coisas mais difíceis que já fiz na vida. Ela levou um
pedaço do meu coração com ela, mas era a atitude correta, era o que eu podia
fazer. Ela precisava desse tempo. Beatriz também precisa, dê um tempo a ela,
sem pressão, não cobre uma resposta.
— Então, não posso fazer nada?
— Pode fazer muito. Demonstre seu amor para ela, mostre que a
apoiará em qualquer decisão, por mais difícil que seja, e ofereça o apoio que
ela precisar.
— É a primeira vez que amo uma mulher, que penso em ter uma
família e estou vendo meu sonho ir pelo ralo.
— Está sendo muito pessimista, entregando os pontos antes da hora.
Está confiando pouco no seu taco — rimos juntos com o duplo sentido da sua
frase — lembra que ela disse que você estava sendo um homem perfeito?
Você tem feito bem sua parte e isso tem relevância.
Esfrego as mãos no rosto impaciente.
— Não sei como vou conseguir sobreviver aos próximos dias.
— Continue agindo como sempre agiu, não cobre uma decisão, diga a
ela apenas que a ama e vai respeitar sua escolha, seja ela qual for.
Saio do consultório de Davi ainda desanimado, mas me agarro às suas
palavras para ter esperança. Hoje é sábado e Beatriz está trabalhando. Ela vai
fazer plantão hoje e amanhã, de doze horas cada, para compensar as folgas
durante a semana. Combinamos de encontrar apenas amanhã de noite, vou
deixar que descanse hoje, dois plantões seguidos emendando duas semanas
não é brincadeira.
Almoço em casa com minha mãe e Dara, depois passo a tarde
estudando um pouco. Enquanto leio, deixo algumas músicas tocando
baixinho. De repente uma delas me chama atenção pela letra e volto para
ouvir novamente do início. A Sua da Marisa Monte diz tudo que preciso dizer
à Bia. Envio a ela uma mensagem:
“Estive com Davi hoje e contei a ele sobre a proposta que recebeu, a
resposta que ele me deu foi: a maior prova de amor que pode dar a ela é
oferecer a liberdade de escolha. Ela precisa sentir que a apoia em qualquer
situação, que ela é dona do seu caminho, mas que você está ao lado dela.
Então branquinha, eu só quero que você siga para onde quiser, te
quero livre também... te amo.”
Em seguida envio o link da música com a letra embaixo:
Eu só quero que você saiba
Que estou pensando em você
Agora e sempre mais
Eu só quero que você ouça
A canção que eu fiz pra dizer
Que eu te adoro cada vez mais
E que eu te quero sempre em paz
'Tô com sintomas de saudade
'Tô pensando em você
Como eu te quero tanto bem
Aonde for não quero dor
Eu tomo conta de você
Mas te quero livre também
Como o tempo vai e o vento vem
Eu só quero que você caiba no meu colo
Porque eu te adoro cada vez mais
Eu só quero que você siga
Para onde quiser
Que eu não vou ficar muito atrás
'Tô com sintomas de saudade
'Tô pensando em você
Como eu te quero tanto bem
Aonde for não quero dor
Eu tomo conta de você
Mas te quero livre também
Como o tempo vai e o vento vem
Eu só quero que você saiba
Que estou pensando em você
Mas te quero livre também
Como o tempo vai e o vento vem
E que eu te quero livre também
Como o tempo vai e o vento vem
Ainda que ela não me escolha, desejo que seja feliz, fique bem e em
paz. Tenho a certeza que eu a amo, porque dói demais pensar em perdê-la,
mas se esse for o caminho para sua felicidade, que seja assim.
Meu celular toca e pego ansioso, pensando que é ela, mas é Lucas.
— Fala Lucas.
— Vai trabalhar hoje? Vamos jogar de noite e tem vaga.
— Hum, não vou trabalhar, eu topo, que horas?
— Pessoal combinou às 20 horas, mas se quiser chegar mais cedo
tomamos uma gelada.
— Chego meia hora antes então, valeu!

Chego na quadra e encontro Lucas com um copo na mão, jogando


conversa fora com uma mina.
— E aí cara?
— Olha o sumido aí! Tudo bem, mano?
Nos cumprimentamos com um aperto de mão, ele me apresenta a
garota que se afasta logo em seguida e me sento ao seu lado:
— Atrapalhei algo?
— Não, é a irmã do Zeca, de vez em quando ela vem aqui. Com ela
não rola nada. Aceita?
Aceno e ele enche um copo para mim. A cerveja está geladíssima,
deliciosa.
— Nuuu, bom demais! – Batemos os copos em um brinde e viro meio
copo de uma vez.
— Desistiu do futebol? Você sumiu, cara.
— Desisti não, amo jogar uma bolinha, mas tem faltado tempo, estou
namorando, outras prioridades agora.
— Ah não acredito, você também? Não sobrou ninguém da turma do
meu irmão.
— Sinto muito por você. Não sente falta de ter alguém importante na
sua vida? Não cansa de ficar de cama em cama, cada dia com uma mina
diferente?
— Não, acho que me cansaria de ficar com a mesma pessoa todos os
dias. Vejo meus irmãos apaixonados e acho incrível, mas não consigo me
imaginar no lugar deles, ainda não.
— Apenas porque não apareceu a mulher certa, quando aparecer tudo
muda. Vai querer ver apenas ela, seu pau só vai se levantar para ela...
Ele bate na mesa e me interrompe:
— Vai rogar praga para outro, que inferno!
Caio na risada e continuo:
— Você passa o dia pensando nela e abre mão das coisas que gosta,
como jogar bola, para ficar com ela sem pensar duas vezes.
— Isso me parece bruxaria e não amor.
— Sério agora, é bom, não é nenhum sacrifício, porque não tem nada
mais gostoso que ficar com a pessoa que você ama.
— Você não parece o Igor que eu conheço, acho que você é o clone e
não eu. Clonaram o meu parceiro de aventuras.
— Não se importa com o apelido? – Indago, curioso.
— E adianta me importar? Rafa não vai parar e para falar a verdade, é
uma honra ser o clone do meu irmão. Saulo é perfeito como diz a Alex, não
me importo de ser sua cópia malfeita.
— Você adora os gêmeos, não quer ter filhos?
— Eu amo aqueles pequenos, amo muito. Não sei, acho que no fundo
eu gostaria, mas em um futuro bem distante. É uma puta responsabilidade ter
filhos e não estou preparado para isso, ainda mais porque posso produzir dois
como meu irmão, preciso ter cuidado dobrado.
— Não é sempre que acontece, veja agora, Alex está esperando um
só. A chance é maior quando a mãe é gêmea.
— Sério? Não sabia, antes assim.
O pessoal nos chama na quadra e nos levantamos.
— Bora correr um bocado, hoje estou pilhado, vamos ganhar deles.
Jogamos por duas horas, depois tomamos mais umas cervejas com o
pessoal e quando entro no carro já passa das onze. Pego meu celular e me
assusto ao ver cinco ligações de Bia.
— Que porra aconteceu? – Pergunto em voz alta enquanto ligo para
ela.
— Igor? Onde estava? – Ela questiona com a voz rouca ao atender.
— Desculpa linda, estava jogando bola e depois fui tomar uma com
os rapazes, aconteceu alguma coisa? Te acordei?
— Não, estou deitada, mas não tinha dormido ainda. Vem para cá.
— Não combinamos de nos encontrar amanhã? Você precisa dormir,
fez um plantão de doze e amanhã tem outro.
— Só vem Igor, por favor, preciso de você.
Não sei se é sua voz rouca ou seu pedido insistente, Bia não é de
implorar por nada, o que me deixa com o coração aflito.
— Estou indo.
Penso em mil coisas enquanto dirijo até sua casa e a maioria não é
boa. Apesar da agonia, dirijo devagar, porque bebi e não devia estar ao
volante. Estaciono junto ao seu prédio vinte minutos depois e o porteiro, que
já me conhece, abre a porta para mim.
Bato a campainha e a primeira coisa que observo quando ela abre a
porta são seus olhos vermelhos. Quero puxá-la para os meus braços, mas
estou tão suado, que desisto. Apenas entro e fecho a porta atrás de mim.
— O que aconteceu?
Ela me dá um sorriso triste e responde:
— Você aconteceu. Tomei minha decisão.
Meu coração para e a vontade que tenho é de abrir a porta novamente
e correr para bem longe, não quero saber, não quero ouvir mais nada, mas
não posso fazer isso, não posso ser um covarde e fico imóvel no lugar, como
se estivesse vivendo em uma realidade paralela.
Ela me analisa dos pés à cabeça e dá um sorriso maior.
— Você fica uma delícia com esse uniforme e essas coxas de fora,
mas que tal um banho?
Aceno e caminho direto para o banheiro de seu quarto. Ganho alguns
minutos com isso. Alguns minutos para ressuscitar meu coração e acalmar
minha respiração. Tomo um banho quase frio e respiro devagar, mas é difícil,
é como se o ar não chegasse aos meus pulmões. Calma cara, vocês não
precisam terminar, vocês podem dar um jeito!
Saio do banho e coloco uma cueca boxer limpa. Como se fosse o
destino rindo da minha cara, é a última peça que tenho em sua gaveta. Decido
não vestir meu uniforme suado novamente e sigo em busca dela. A encontro
na cozinha, me aguardando com uma xícara de chá nas mãos.
— Quer comer alguma coisa? Quer um chá? – Ela oferece e tenho
vontade de gritar. Não consigo nem tomar água, que dirá comer alguma
coisa. Recuso com a cabeça e me sento ao seu lado, esperando minha
sentença.
Bia não parece nervosa, apesar dos seus olhos inchados, ela termina
seu chá e só então se vira para mim e pega minhas mãos.
— Eu recebi seu recado.
Meu recado? Por um instante não sei do que ela está falando e escolho
ficar quieto.
— Eu tinha pedido a Deus novamente um sinal do que fazer, algo que
me ajudasse a decidir e então você me enviou aquela música. Ela foi o sinal
que pedi, ela é perfeita e você é o homem que eu amo. Eu escolho você, não
há emprego no mundo, nada que seja melhor que ficar ao seu lado. Perdão
por sequer ter cogitado outra coisa.
Fico estático escutando suas palavras, ainda não acredito no que estou
ouvindo.
— Igor? Você está bem?
— Eu vou ficar, achei que você ia embora, estou voltando a respirar
nesse instante, me dê alguns segundos.
Ela ri e vem para o meu colo me abraçando em seguida.
— O que você disse foi perfeito sobre me deixar livre. Se tivesse me
pedido para ficar, talvez o resultado não fosse o mesmo, obrigada.
Santa Marisa Monte! Bendita playlist que tocou na hora certa, essa
será nossa música eternamente. Estou aliviado pra caralho, tirei toneladas de
cima de mim, mas ainda assim, me sinto obrigado a perguntar:
— Você tem certeza? Não quero que se arrependa depois, que jogue
isso na minha cara no futuro.
— Eu não vou fazer isso nunca, é minha escolha e eu escolho você,
meu diamante negro. Precisava te dizer isso, precisava beijar você, então
chega de conversa, me beija!
Realmente eu dispenso toda e qualquer palavra nesse momento.
Aperto sua cintura contra mim e tomo sua boca em um beijo profundo.
Preciso pegar leve, porque ontem fui um ogro com ela, lembrar disso me faz
desacelerar imediatamente.
Diminuo o ritmo do beijo e afasto seu rosto.
— Você deve estar dolorida de ontem e cansada de hoje, deveria
descansar.
— Sim, eu deveria, mas não ia conseguir dormir sem te ver e sem te
contar minha decisão.
— Então vem, vou te colocar na cama. Vamos dormir, só dormir
branquinha.
Eu a levo para o quarto e nos deitamos abraçados. Acaricio seus
cabelos e beijo sua testa.
— Obrigado, não faz ideia do alívio que estou sentindo. Jamais ia te
pedir para ficar, mas não consigo pensar como seria minha vida se fosse
embora.
— A vida me pregou uma enorme peça, nunca pensei que teria que
tomar uma decisão como essa. Não vou mentir para você, aquela vaga era
importante e pensei que surtaria, porque não me imaginava abrindo mão de
você nem dela. Não sei como consegui trabalhar hoje. O que eu pensava era:
De qualquer jeito vou perder algo muito importante. Então cheguei em casa
triste e cansada. Ouvir aquela música me quebrou, chorei horrores e meu
coração decidiu no mesmo instante, porque não quero e não vou abrir mão de
você.
— Bia, se for muito importante para você, nós podemos tentar. Eu
vou um fim de semana para São Paulo e você vem no outro.
— Não, nem pensar. Nós sabemos que médicos não têm fins de
semana garantidos e não é isso que eu quero. Trabalho eu já tenho e posso ser
uma excelente profissional aqui, por que não? Já você não está lá e eu não me
contentaria com alguns encontros por mês.
— É bom demais ouvir isso, eu te amo e prometo que vou fazer valer
a pena.
— Hum, eu tenho certeza que vale a pena,
Ela morde meu peito e me controlo para ficar imóvel, ela está cansada
e precisa dormir. Não dou ouvidos ao meu corpo que resmunga querendo
pular em cima dela. Alguns minutos depois, escuto seu ressonar e suspiro
aliviado. Deus, que loucura, em 24 horas fui do céu ao inferno e retornei ao
céu.
Não imaginava que amar seria essa montanha-russa de emoções. Não
imaginava que pudesse ser doloroso querer tanto alguém e a mera ideia de
perder essa pessoa, fosse tão assustadora. Me lembro de Lucas e por um
segundo invejo sua liberdade e sua paz, apenas por um segundo, porque não
troco o que tenho com Beatriz por toda a liberdade do mundo.

Beatriz
No domingo Igor me deixa no hospital e trabalho incansavelmente.
Faço a ronda dos pacientes operados pela manhã e depois desço para a
emergência. Wagner está de folga e assumo seu lugar, coordenando a
bagunça. Sim, tem dias que parece que a cidade inteira baixa aqui.
Saio de lá cansada. Gostaria de ligar para Gilvan, mas já está tarde e
deixo para o dia seguinte. Igor me aguarda no estacionamento.
— Como foi seu dia? — Ele indaga depois de me beijar e me ajudar a
entrar no seu carro.
—Exaustivo, não sei como você gosta da emergência, aquilo estava
um caos, um CAOS com letras maiúsculas e garrafais, não é à toa que o
Wagner vive estressado.
— Tem dias que o bicho pega, mas tem dias que é de boa. Eu gosto
da agitação, embora tenha dias que mal consigo tomar um café. Por falar em
café, vamos jantar?
— Nossa, não dou conta, só quero minha cama.
— Tem que comer alguma coisa, o que comeu hoje?
— Eu almocei, antes de entrar na emergência, depois, só água e olhe
lá.
— Vamos comer ao menos um sanduíche. Que tal um Subway? Não é
tão pesado.
— Tudo bem, é estranho você tomando conta de mim, parece minha
mãe: Já comeu filha?
Ele ri e pega minha mão.
— Nós nos preocupamos com você por que te amamos.
— Se saiu bem, vou relevar.
Lanchamos e Igor me deixa em casa, ele não quis subir e não insisti,
meu corpo está pedindo cama, apenas para dormir.
No dia seguinte estou um pouco melhor. Preciso repensar meus
compromissos fora da cidade, esta rotina vai me matar, duas semanas de
trabalho intercaladas com um plantão duplo é brincadeira, eu não tenho mais
os vinte anos de quando era residente.
Antes de sair para o BHMed, resolvo ligar para o Gilvan e resolver
essa questão de uma vez.
— Bom dia Beatriz, está com saudades?
Reviro os olhos e rio baixinho.
— Ainda não e você? – Devolvo a pergunta de imediato.
— Sempre. O que manda então?
— Eu tenho uma resposta para te dar. Te agradeço muito, muito
mesmo, mas não posso aceitar.
— A vaga? Tem certeza? É uma oportunidade e tanto.
— Não tenho dúvidas disso. É o emprego dos sonhos, mas é em São
Paulo e a minha vida é em BH agora. Aqui está a minha família e
principalmente o homem que eu amo. Hoje, ele é mais importante que
qualquer emprego, por melhor que seja.
— Não está se precipitando? Se quiser pode pensar mais tempo.
— Eu tenho certeza da minha decisão, mas fico honrada com seu
convite. E se precisar de mim, eventualmente, estou aqui.
— Está bem, é uma pena. De qualquer forma, amores vem e vão, se
algum dia mudar de ideia, pode me ligar. Para você eu sempre consigo uma
vaga.
Amores vem e vão na vida dele, aqui meu amor vai ficar eternamente
ao meu lado, mas não retruco e apenas me despeço, preciso trabalhar.
— Obrigada Gilvan, agora preciso ir.
— Espera, eu inscrevi você para concorrer ao prêmio da Área de
Cirurgia da ANM[14].
— O que? – Pergunto, surpresa, sem acreditar no que ouvi.
— A ANM premia anualmente em várias categorias, inscrevi você
com a cirurgia de reconstrução de mandíbula.
— Você é maluco, Gilvan? Deveria ter me perguntado antes.
— Por que? Você negaria? Não tem nada a perder e olha, acho que
tem grandes chances de ganhar.
— Você não tem nada a ver com essa votação, tem?
— Claro que não, mas eu acompanho a premiação, fico de olho nos
trabalhos apresentados, tem muita gente nova, com boas ideias, como você.
Deus, não sei o que pensar sobre isso, mas acho que é algo bom.
— Certo, obrigada novamente então, agora preciso ir, estou atrasada.
— Bom trabalho e não se esqueça, se mudar de ideia, basta me ligar.
Me despeço e corro para o elevador, disposta ou não, preciso encarar
mais uma semana de trabalho.
Hoje é um grande dia. O dia do nascimento do Daniel, nosso terceiro
filho. É tudo tão diferente da outra vez que chego a sentir medo de tanta
tranquilidade, como se algo fosse acontecer para quebrar nossa paz.
Planejamos tudo para que não houvesse imprevistos. Marcamos a data
do parto, afinal, Alex vai ligar as trompas após o nascimento do nosso filho.
Essa decisão ainda me deixa dividido, pois, ao mesmo tempo que me alivia,
me parece algo muito definitivo. Só que minha mulher parece finalmente
decidida a voltar ao hospital e ainda que demore alguns anos, se
continuarmos tendo bebês é algo que nunca iria acontecer.
Agendei minhas férias e tenho um mês inteiro para me dedicar a ela e
aos nossos filhos. Deixamos os gêmeos com Renata e meu avô Rodolfo e
seguimos para o BHMed.
Lá encontramos, para nossa surpresa, o pai dela. Meu sogro não
avisou que viria e Alex se desmancha em lágrimas ao vê-lo.
— Pai, o que está fazendo aqui?
— Precisava vir conhecer meu neto. Como está filha? Por que está
chorando?
Reviro os olhos, era só o que faltava. Alex ficou emotiva, embora não
tanto como na outra gestação e tomo a frente de responder, já que ela
continua fungando no peito do pai.
— Ela está bem, ficou emocionada, apenas isso. Precisamos fazer a
internação, querida.
Puxo minha mulher até o balcão e preenchemos a papelada
necessária. Retornamos ao saguão e encontramos minha família biológica ali.
Abraço minha mãe, Lucas e até meu pai. Com o tempo melhoramos nosso
relacionamento, ele é um ótimo avô para os meus filhos e com isso vem
ganhando meu coração.
— Posso ver o parto novamente? – Questiona Lucas, ansioso e nego
de imediato.
— Nada disso, hoje somos apenas nós. Tenha seus filhos se quiser.
Eles abraçam Alex e subimos para o bloco cirúrgico. Ali encontramos
Helena e Rafael. Helena será a pediatra a meu pedido e já está paramentada.
Ela abraça Alex e indaga:
— Como estás se sentindo, mamãe?
— Estou ótima, graças a Deus, sem gritos hoje – minha mulher
responde, surpreendentemente tranquila. Alex merecia uma gestação calma
depois dos gêmeos.
— Até que enfim chegaram, estou louco para conhecer meu afilhado!
– Exclama Rafael em seguida.
— Entre conosco então – convido sem sequer olhar para Alex. Rafael
é meu irmão mais velho, é quem me apoia em tudo e se Helena vai estar lá
dentro, é justo que ele esteja também.
— Você se importa? – Ele pergunta para Alex e ela sorri,
respondendo em seguida:
— Você participou do parto dos gêmeos, esse é seu afilhado, é justo
que esteja lá também.
— E o Lucas? Não vai entrar também? – Ele pergunta para mim.
— Não, Lucas não é médico, dessa ele vai sair fora, não deveria ter
entrado nem no outro parto.
Rafael sorri de lado e sei que ganhei alguns pontos com ele. Ele e
Lucas se dão bem, mas no fundo sei que ele sente ciúmes do meu irmão
gêmeo. Uma besteira, amo os dois, mas é um fato.
Hoje Rafa tem preferência, afinal, Daniel vai ser seu afilhado. Helena
segue com Alex e vou me trocar com Rafael. No caminho, ele questiona:
— Vão mesmo fechar a fábrica? Está tranquilo quanto a isso?
— Não muito, mas deixei a decisão com Alex e ela está segura disso.
Os feitos de Beatriz atiçaram sua vontade de voltar para a sala de cirurgia.
— Acho que três filhos estão de bom tamanho, não vão se arrepender.
— Também acho e Alex é uma excelente cirurgiã, ela merece voltar.
Nos trocamos e seguimos até a sala de parto. Cumprimento a Dra.
Selma, obstetra da minha mulher, e toda a equipe presente.
— Prontos para receber o Daniel? – Ela indaga, preparada para iniciar
a cesariana.
Acenamos e me aproximo de Alex, ela já recebeu a anestesia. Beijo
seus lábios e sussurro:
— Te amo, obrigado por me dar mais um filho.
Uma lágrima desce devagar pelo seu rosto e a limpo com mais um
beijo.
— Não acredito que está aqui comigo.
— Onde mais eu estaria?
Rafael se posiciona do outro lado e segura sua outra mão. Dra. Selma
inicia o procedimento e eu e Rafael tocamos nossos crucifixos ao mesmo
tempo. Um movimento que ele aprendeu comigo e sorrio. Fecho os olhos e
oro a Deus por Alex e pelo meu filho, que tudo corra bem.
Meu Pai nunca me decepciona e em poucos minutos escutamos o
choro alto do meu caçula. Tenho um vislumbre rápido dele quando Helena o
recebe nos braços.
Enquanto ela o examina, beijo Alex com todo amor do meu coração.
— Parabéns mamãe! Somos cinco agora.
As lágrimas descem por seu rosto sem controle, até que Helena me
entrega um pacotinho azul.
— Parabéns anjinho, ele é perfeito, parabéns Alex!
Ela se abaixa e deixa um beijo na testa da minha mulher. Analiso o
rostinho perfeito do meu filho por alguns instantes. Beijo sua cabecinha e
peço a Deus que o guarde e o proteja de qualquer mal.
— Seja bem-vindo filho, essa é a mamãe.
Coloco Daniel em seu colo e Alex o beija repetidamente. Rafael tira
algumas fotos e Helena nos chama para acompanhá-la ao berçário. Alex vai
continuar aqui para concluir a cirurgia. Pego meu filho de seus braços e o
entrego ao Rafael como um dia ele me entregou Paulinha.
— Leva meu filho ao berçário, vou ficar com ela.
Ele acena, emocionado e recebo um abraço de Helena antes que ela
saia. Então seguro a mão da minha mulher novamente e questiono pela última
vez:
— Está certa da sua decisão?
— Sim, não vai ficar chateado comigo?
— Nunca, como poderia? – Acenamos para a Dra. Selma e ela
continua seu trabalho.
Encontro Rafael e Helena em frente ao berçário quando o
procedimento termina. Ficamos lado a lado olhando Daniel. Ele se mexe,
inconformado por ter sido retirado de dentro da mãe. Seu jeitinho agitado me
lembra minha mulher.
— Como está Alex? – Helena pergunta.
— Tudo certo, foi para a recuperação.
— Mais um sobrinho, nossa família está gigante – comenta Rafael.
— Uma família que começou naquela sala de aula, há tantos anos
atrás – respondo com nostalgia e Rafael nos puxa em um abraço triplo.
— Dizem que Deus escreve certo por linhas tortas, que bom que
nossos nomes se cruzaram em algum momento da Sua escrita.
Finalizo a última cirurgia do dia. Retiro a touca, máscara, luvas e lavo
minhas mãos. Um dos residentes me para, a fim de tirar algumas dúvidas e
respondo com o resto de energia que me resta. Tudo que quero é me trocar e
ir para casa com meu diamante negro. Estou sonhando com os braços dele ao
meu redor.
Temos vivido uma rotina tranquila e acho que minha vida nunca
esteve tão boa. Nem quando vivia em São Paulo com Gilvan e na época
pensei que tinha encontrado meu caminho na vida.
A vida com Gilvan tinha glamour e ostentação. Não posso dizer que
era ruim, pois estaria mentindo. Trabalhava como aprendiz em um dos
maiores hospitais do país e vivia com um dos mais famosos cirurgiões
ortopédicos do Brasil. Só que isso tudo me deixava ansiosa e me sentia
sempre aquém.
Com Igor tudo é simples, não há qualquer tipo de complicação e nos
sentimos iguais. Apesar do reconhecimento da mídia após as cirurgias de
reconstrução de mandíbula, agora as coisas acalmaram e faço questão de me
colocar no mesmo patamar que ele. Nossa rotina é gostosa, fazemos o que
temos vontade, sem pressão de nenhum dos lados.
Esporadicamente ele dorme na minha casa, quando estamos a fim, e
não cobramos nada um do outro. Às vezes saímos apenas para jantar ou ir ao
bar do Leo. Passamos um ou outro fim de semana com meus pais e
almoçamos com sua mãe e Dara aos domingos, sempre que posso. Nunca tive
um relacionamento tão suave, tão bom em todos os sentidos e isso me alivia
porque não me arrependo, por um segundo que seja, da minha decisão.
Troco minha roupa, pego minha bolsa e caminho ao saguão enquanto
ligo para meu namorado.
— Onde você está? – Pergunto assim que ele atende.
— Bem atrás de você — Sinto seus braços em minha cintura antes
que eu possa responder. Desligo a ligação e sinto seu beijo em minha
bochecha — Fui tomar um café ou ia dormir naquele sofá.
— Desculpa a demora, um dos residentes me pegou quando estava
saindo.
— Quem foi? Me fala que vou atrás dele agora. — Igor brinca —
Como assim pegou você? Ele ainda não sabe que você é do Cobra?
— Bobo! — Viro em seus braços e beijo seu queixo — Que tal uma
pizza lá em casa?
— Com direito à sobremesa? – Indaga meu namorado safado com
segundas intenções.
— Quem sabe, tudo pode acontecer. Vamos.
Entramos no carro e já faço o pedido da pizza para adiantar, estou
com fome e quando chegarmos lá, ela estará quase pronta. Entro no
aplicativo de mensagens e vejo três recados do Gilvan. Clico, curiosa.
“Parabéns Beatriz, você ganhou! Eu sabia!”
“Vai ter que vir à São Paulo receber o prêmio.”
E em seguida um link que eu clico sem entender muito bem do que se
trata. E então eu leio algo inimaginável:
Academia Nacional de Medicina – ANM anuncia vencedores de
prêmios
Foram 65 candidatos que concorreram aos dez prêmios desta
edição. Considerada a mais antiga instituição na área da saúde em
funcionamento permanente, foi criada em 1829 pelo médico cirurgião
Joaquim Cândido Soares de Meirelles, sob o nome de Sociedade de Medicina
do Rio de Janeiro.
A reportagem segue contando um pouco sobre a Academia e em
seguida começa a citar os vencedores, desço meus olhos com o coração
palpitando forte no meu peito, até que encontro meu nome:
O Prêmio Raul David de Sanson, na área de Cirurgia, foi concedido
para a mineira Beatriz Mairinque com o trabalho “Reconstrução completa
de Mandíbula – Prótese de titânio oferece qualidade de vida”.
Eu. Não. Acredito. Nisso.
— Bia? Ei, estou falando sozinho aqui – Igor me chama sem fazer
ideia de nada. Sequer comentei com ele sobre o prêmio, achei tanta loucura
do Gilvan que deletei da minha mente, nem eu mesma me lembrava disso.
Abaixo o celular com as mãos trêmulas, não sei o que dizer a ele,
então digo a verdade.
— Eu ganhei um prêmio.
— O que? Que prêmio?
— Um prêmio da Academia Nacional de Medicina.
Igor me olha rapidamente, talvez para conferir se estou brincando,
mas minha cara de espanto deve mostrar a ele que é verdade. Ficamos em
silêncio por alguns instantes absorvendo a notícia e, por fim, ele pede mais
informações.
— Em casa eu te explico, ainda não estou acreditando. Me dê alguns
minutos.
Seguimos em silêncio até meu prédio, sinto uma vontade de rir, mas
temo parecer uma louca e aguardo até estarmos dentro do apartamento, então
entrego meu celular a ele.
— Leia, me diga se é meu nome mesmo que está aí.
Ele lê rapidamente e vejo seu sorriso se abrir quando encontra o meu
nome.
— Beatriz Mairinque, está aqui, com todas as letras. Como foi isso?
— O Gilvan me inscreveu logo depois que fiz aquela cirurgia com
ele.
— O Gilvan? – Seu sorriso morre com a mesma rapidez que surgiu.
— Sim. Ele me contou quando liguei para dar a resposta sobre a vaga.
Ele me inscreveu sem que eu soubesse, apresentou todo o projeto que
fizemos. Eu não cogitava ganhar e confesso que nem me lembrava mais
disso, estou tão surpresa quanto você.
— Bia, isso é grande, meu Deus! — Ele me puxa em um abraço e gira
comigo pela sala — parabéns meu amor, parabéns, você merece!
Solto o riso guardado em minha garganta e terminamos nosso abraço
em um beijo delicioso.
— Que orgulho de você, branquinha!
— É inacreditável! Preciso mandar isso para os meus pais.
O interfone toca e Igor recebe a pizza enquanto envio o link para
meus pais, Leo, Nina, Saulo e Renan. Lamento que o trabalho inscrito tenha
sido o de São Paulo, se eu tivesse me inscrito por iniciativa própria, teria
escolhido o trabalho de Jonas e colocaria os dois como meus coautores.
— Pizza ficou meio pobre — ele comenta — você merecia algo
melhor para comemorarmos um prêmio.
— Está ótimo, vou pegar um vinho.
Procuro em meu armário e encontro um vinho que ganhei de um
paciente, parece ser bom. Abro e pego duas taças.
Brindamos juntos e tomo um pequeno gole experimentando.
— Hum, é bom!
Igor concorda e me puxa em um abraço.
— Te amo, estou feliz demais por você.
— Você imaginava que um dia estaria aqui, com aquela peste da
faculdade que só te irritava, comemorando um prêmio com ela e o mais
importante, dizendo que a ama?
Ele cai na risada e se senta me puxando para seu colo.
— Nunca, não sei o que me surpreende mais: eu me apaixonar por
você ou você ganhar o prêmio. Vamos falar a verdade, você não era das
melhores alunas.
— Igor! – Belisco seu braço e ele ri ainda mais. Não posso brigar com
ele porque é verdade, eu não tirava as melhores notas, suava muito para não
ficar no prejuízo.
— O prêmio surpreende mais, porque sempre te achei gostosa,
mesmo com esse nariz empinado.
— Eu não tenho nariz empinado.
— Ah tem sim, mas você tem direito de ter, olha só o prêmio aí
mostrando seu valor.
— Sério? Você me acha metida? – Pergunto, surpresa com a firmeza
em sua voz.
— Metida não, confiante. Você é muito segura de si Beatriz, não só
como médica, como mulher também. E invejo um pouco sua autoconfiança.
— Achei que o Davi já tinha resolvido essa questão da sua
autoestima. Precisando de elogios?
— Não, precisando de amor, estou carente.
Ele me puxa em um beijo e suas mãos sobem em busca dos meus
seios e as afasto rapidamente.
— Espera, vamos comer primeiro, depois comemoramos devidamente
a dois.
— Está vendo a autoconfiança, é você quem manda aqui, peste!
Comemos, bebemos e terminamos a noite na minha cama,
comemorando em alto estilo. Uma noite inesquecível e perfeita, mais uma
que vou guardar para sempre na memória.
A sede da ANM é no Rio de Janeiro, mas este ano, excepcionalmente,
a entrega dos prêmios será em São Paulo. Recebo um e-mail, com os dados
da celebração e convoco meu namorado para me acompanhar. Igor fica
surpreso com o convite e não entendo o porquê.
— Você quer que eu vá com você?
— Claro que sim, é o meu namorado, quem mais iria comigo?
— Eu não sei. Bia, a mídia vai estar lá em peso. A cirurgia teve muita
repercussão e com certeza ela vai estar em cima de você novamente.
— E daí?
— Eles vão me fotografar ao seu lado.
Sua frase me irrita tanto, mais que qualquer outro argumento que ele
pudesse usar.
— Tem vergonha de mim Igor? De estar ao meu lado?
— Claro que não, não é isso, mas eu nunca vivi essa coisa de sair na
mídia, eu não sei me comportar em lugares assim, nem roupa eu tenho para
isso.
— Sem drama. Acredito que tenha um terno no seu armário. É o
suficiente.
Ele suspira e parece contrariado.
— O Gilvan vai estar lá?
— Provavelmente, não tenho certeza, mas eu gostaria que estivesse.
Não tenho mais raiva dele, não gosto mais dele como homem, ele é um
amigo e preciso agradecê-lo. Se não fosse sua iniciativa, eu não estaria
recebendo esse prêmio.
Ele parece receoso e, por fim, diz o que o incomoda de verdade.
— Bia, as pessoas vão comentar.
— Comentar o que?
— Que você namora um negro.
— E daí, não vão estar mentindo. Eu namoro um negro lindo e
delicioso, que me estragou para todos os homens do mundo. Deixe
comentarem o que quiserem, vamos mostrar a eles o quanto nos amamos e o
quanto somos lindos juntos.
— Certo, eu vou. Sei que estou pagando língua, zoei até o Davi
quando ele saía nos jornais com Isabella, agora é minha vez.
— Tudo tem sua primeira vez. Vai ser um momento importante da
minha vida, é o meu primeiro prêmio e quero você do meu lado.
— Eu vou estar lá. Sempre vou estar do seu lado, na entrega de
prêmios, na sala de cirurgia, no Bar do Leo, na casa dos seus pais, na sua
cama, onde você estiver e me quiser ao seu lado, é lá que eu vou estar.
— Obrigada! Prometo que também vou estar sempre com você, onde
me quiser e onde não quiser também, eu não costumo pedir autorização para
estar onde eu quero.
Igor me abraça e eu não fazia ideia que esta promessa feita por ele,
seria cobrada pelo destino apenas alguns dias depois.

Desembarcamos em São Paulo e seguimos direto para um hotel


próximo ao evento. Infelizmente, amanhã já voltamos para Belo Horizonte,
não há tempo para mostrar os lugares que aprendi a amar para Igor.
São Paulo é uma cidade que não dorme e não há outra como ela no
Brasil, arrisco até a dizer, no mundo. Talvez Nova Iorque se assemelhe. São
Paulo tem gente do mundo inteiro, colônias de japoneses, italianos,
muçulmanos, são tantos rostos e sotaques correndo dia e noite por suas ruas
agitadas. Temos o mundo todo em uma cidade.
É uma cidade que tem muito de tudo. Cultura, restaurantes, feiras,
lojas, são tantas atrações, parques, museus, shoppings, a cidade pulsa
aceleradamente, 24 horas por dia. Eu amo minha terra, mas aprendi a amar
essa loucura também.
Tomo banho e me arrumo cuidadosamente para o evento. Gasto no
mínimo uma hora para deixar meu cabelo comportado e Igor apenas ri da
minha briga com o secador. Capricho na maquiagem e por fim coloco um
longo que comprei para a ocasião. É um tecido preto com um brilho dourado,
que se destaca na minha pele. Tem um decote ousado e segue justo pelo meu
corpo até os pés.
Igor veste um terno preto com camisa branca, joga seu perfume e
pronto. Senhor, na próxima me deixe vir homem. Ele se arrumou em apenas
dez minutos e é o rei da gostosura. Acho que nunca o vi de terno e não sei de
qual versão eu gosto mais.
— Não trouxe gravata? – Pergunto, passando a mão em seu peito.
— Trouxe, mas odeio, precisa? – Ele pergunta com um ar triste e
cedo. Ele já está lindo assim, não precisa de gravata.
— Não, está ótimo, meu par perfeito, vamos tirar uma foto.
— Bia, imagino que vão tirar cinquenta mil fotos nossas lá.
— Mas nenhuma é só nossa, vem.
Igor me abraça e tira o celular da minha mão posicionando na nossa
frente, tiramos algumas selfies e o vejo relaxar. Era esse o objetivo.
Vamos de táxi até o local do evento e, logo que entramos, somos
cercados por inúmeros fotógrafos. Igor fica tenso ao meu lado e busco sua
mão. Ele a aperta e em seguida a solta, passando o braço por minhas costas
me puxando junto de si.
Eu sorrio, mais do imaginei que sorriria algum dia na vida. Sou
cumprimentada por médicos e autoridades e a todos apresento Igor como meu
namorado. Conversamos sobre trabalho e pesquisa enquanto saboreamos
salgadinhos finos e tomamos champagne.
Em certo momento vejo Gilvan e aceno para ele. Rapidamente ele
vem até nós. Igor aperta a mão em minha cintura e sussurro baixinho:
— Se comporta, ele é um cara legal, esquece que tive algo com ele.
Igor resmunga alguma coisa e não presto atenção porque Gilvan se
aproxima:
— Parabéns Beatriz! Posso te dar um abraço?
Ele olha de mim para Igor, pedindo autorização, e meu namorado me
solta, acenando.
— Você merece, é uma mulher brilhante — ele diz em voz alta e
acrescenta para Igor, o cumprimentando com um aperto de mão ao me soltar
— valorize a mulher ao seu lado, não seja estúpido como eu.
— Gilvan! – Exclamo, rindo do seu comentário.
— Com certeza eu não serei, mas eu te entendo, já dei minhas
mancadas, só que eu ganhei uma nova chance e não vou desperdiçá-la.
— Faça ela sorrir. Beatriz tem um sorriso lindo, mantenha-o no rosto
dela.
Ele dá dois tapinhas no braço de Igor e se afasta. Encaro meu
namorado que ostenta um sorriso orgulhoso.
— E então?
— Foi mais tranquilo do que imaginei.
Um sinal soa e nos sentamos em uma mesa com alguns convidados.
Temos alguns discursos e a seguir começa a premiação propriamente dita.
Um resumo do trabalho é exposto no telão e o vencedor é chamado.
Ao ouvir meu nome, me levanto com Igor, ele me dá um selinho que
é fotografado por inúmeras câmeras e sigo com as pernas bambas até no
palco, rezando para não levar um tombo. Só nesse instante penso como me
arrisquei ao vestir longo e saltos altos.
Graças ao bom Deus, chego intacta e pego o microfone. Recebo uma
placa e agradeço:
— Tenho muitas pessoas para agradecer, afinal, não cheguei aqui
sozinha. Agradeço à minha família que me permitiu sonhar, ao Gilvan
Rebouças que me ensinou muito do que sei, aos meus colegas de trabalho que
dividem seus conhecimentos comigo dia a dia. Obrigada Igor Medeiros, por
me amar e me aguentar, você é meu parceiro no trabalho e na vida! Por fim,
agradeço aos meus pacientes, pela confiança que depositam em mim todos os
dias e a todos aqui presentes. É uma honra receber esse prêmio, obrigada.
Deixo o palco ao som de aplausos, aperto algumas mãos e só me
acalmo quando me sento ao lado do meu amor. A noite é especial, mas não
seria tanto se não o tivesse comigo. Não faz nem um ano que estamos juntos,
mas já não me imagino sem ele ao meu lado.
A premiação encerra e um senhor de aproximadamente cinquenta
anos se aproxima de nós.
— Beatriz Mairinque? – Ele pergunta, estendendo a mão em um
cumprimento.
Eu a aperto e respondo:
— Eu mesma, o senhor é?
— Meu nome é Davidson Miller. Tenho um presente extra para a
senhorita.
Ergo as sobrancelhas curiosa e nada no mundo me preparou para o
que diz a seguir.
— Represento a Johns Hopkins University, buscamos talentos pelo
mundo e a senhorita acaba de ganhar uma bolsa integral para uma
especialização, a sua escolha, dentre todas que oferecemos.
Pisco, aturdida demais para responder alguma coisa. Ele prossegue,
empolgado:
— A bolsa cobre sua passagem, hospedagem e oferece uma
remuneração para cobrir suas despesas enquanto estuda. A remuneração não
é grande, mas o suficiente para que possa se dedicar aos estudos
integralmente.
— Uma bolsa? Por que eu? – Consigo questionar, ao recuperar minha
voz.
— Seu trabalho é surpreendente e segue uma linha que admiramos. A
cirurgia reconstrutiva tem evoluído muito rápido e não são muitos
profissionais que conseguem acompanhar. Vim disposto a oferecer uma bolsa
a um dos vencedores e a senhorita me conquistou com seu trabalho.
— Eu não sei o que dizer... eu tenho um trabalho, eu não sei...
— Não precisa decidir agora, a bolsa está disponível por um ano. Vou
deixar meu cartão, basta me ligar caso queira mais informações. Tenho
certeza que irá aproveitar essa oportunidade. A Johns Hopkins University é a
terceira melhor Universidade de Medicina da América. Possuímos mais de
900 laboratórios de pesquisa e já registramos mais de duas mil patentes
desenvolvidas na faculdade. Nos orgulhamos porque vários professores e ex-
alunos já ganharam o prêmio Nobel em Medicina. Tenho certeza que teremos
você em breve conosco, Beatriz.
— Obrigada, eu me sinto honrada – respondo em voz baixa, ainda
chocada com o que escuto.
Ele se despede e seguimos conversando mais um pouco com outras
pessoas. Igor não fala nada e não toco no assunto, mas quando entramos no
táxi para voltarmos ao hotel, sinto novamente um elefante branco entre nós.
É como se toda a alegria do dia tivesse escoado pelo ralo e isso me deixa
triste e irritada, mais irritada que triste, porque foi um dia tão especial na
minha vida e não quero que termine assim.
Entramos no quarto do hotel e tiro meus sapatos em primeiro lugar.
Largo minha bolsa em cima da mesinha e me viro para ele.
— Que tal tirar esse bico do rosto e voltar a sorrir para mim. Agora é
a melhor parte da festa. Achei que estaria ansioso para tirar meu vestido.
Ele se aproxima devagar e segura meu rosto, beijando minha testa.
— Você foi fabulosa, você é maravilhosa Beatriz, como aquele cara
disse. Eu te amo e me orgulho muito de você.
— Eu sei, também te amo e me orgulho de ter você ao meu lado.
Ao contrário do que espero, Igor me solta e se afasta até a janela.
— Não é justo te segurar do meu lado, você merece voar.
— O que? – Pergunto, atônita, sem acreditar no que estou ouvindo.
— Você tem muito talento, você vai longe, não posso te prender ao
meu lado, não seria justo com você.
— Igor, quem decide minha vida sou eu! Esquece isso, esquece
aquele homem, eu não vou a lugar nenhum.
— Você já abriu mão de um emprego no Sírio Libanês, agora vai
abrir mão de uma especialização na Johns Hopkins? Do que mais vai abrir
mão para ficar comigo? Acha mesmo que isso vai dar certo?
— Eu abro mão do que for preciso para ficar com você. Eu sou feliz
com você, nunca me arrependi de ter rejeitado aquela vaga, você sabe disso.
— Até quando? Até quando eu vou ser suficiente, Beatriz? Porque é
difícil pacas concorrer com tudo isso. Um dia você vai jogar na minha cara
tudo que abriu mão para ficar comigo.
— Eu nunca vou fazer isso porque a escolha é minha. Entende a
diferença? Não estou ficando ao seu lado porque me pediu e sim, porque eu
quero, portanto, não há motivos para jogar nada na sua cara.
— Faz ideia do peso que cai sobre as minhas costas, quando abre mão
de algo por mim? É muita coisa, meu Deus, você pode fazer tanto, trabalhar
em novos projetos, desenvolver novas próteses, ganhar inúmeros prêmios e
você espera que eu acredite que prefere trabalhar comigo no BHMed?
— Igor eu vou repetir, presta atenção: EU. SOU. FELIZ. COM.
VOCÊ! Não vou ser feliz sozinha nos Estados Unidos, ainda que seja em
Harvard, porque você não está lá. Eu quero o que tenho com você, quero ter
uma família com você, entendeu?
Os olhos dele umedecem e me aproximo o puxando em um abraço
apertado.
— Não faz isso, não estraga essa noite que foi tão especial – peço,
baixinho.
Igor me aperta e o sinto respirar fundo.
— Tudo bem, desculpa, não quis estragar sua noite, me perdoa.
— Então me beija.
Ele desce o rosto e me beija devagar, com um carinho e um cuidado
que me emociona, mas não me satisfaz. Eu o quero intensamente, brusco,
quero Igor marcando minha pele com seu amor.
Puxo sua camisa e arranho suas costas com minhas unhas.
— Para de me maltratar e me ama com vontade, com força, quero
sentir você dentro e fora de mim, em todos os lugares.
Igor me ajuda a tirar a roupa e fico nua. Ele apaga as luzes e me puxa
para seu colo, eu o enlaço com minhas pernas e ele me conduz até a parede
de vidros. São Paulo brilha lá embaixo.
— Vou te foder aqui, quero que todo mundo veja que você me
pertence.
Eu sei que é quase impossível que alguém nos veja, estamos no
décimo andar e as luzes estão apagadas, ainda assim é excitante. Eu o ajudo a
abrir a calça e encaminho seu membro até minha entrada. Mesmo estando
molhada, Igor é enorme e não é fácil deixá-lo entrar. Ele me beija
desesperado e sinto o vidro frio nas minhas costas. Rebolo devagar e ele entra
aos poucos, me alargando e provocando sensações deliciosas pelo caminho.
Gemo cada vez mais alto enquanto ele avança. Igor fala indecências
no meu ouvido e já não tenho certeza se os pedestres lá embaixo não escutam
meus gritos. Gritos de uma mulher apaixonada, saciada pelo seu homem.
Retornamos à Belo Horizonte há uma semana e não tocamos mais no
assunto da bolsa. Beatriz parece verdadeiramente bem com isso, mas eu não.
Não consigo esquecer as palavras daquele homem e a imagem do cartão que
ofereceu nas mãos dela.
Hoje tenho sessão com Davi no hospital e não sei se ele vai conseguir
me acalmar, porque sei o certo a se fazer e sei que vai doer pra caralho.
Entro em sua sala e assim que nos sentamos despejo tudo em cima
dele de uma vez, o convite e tudo que se passa pela minha cabeça.
— Eu te entendo e entendo a Beatriz. Precisa confiar nela, como ela te
falou, a decisão é dela. Se ela está segura que quer ficar com você, não
precisa se sentir culpado.
— Mas eu me sinto, não é justo Davi. Ela está abrindo mão de muita
coisa e tudo pesa em cima de mim, não quero carregar isso.
— Não precisa carregar esse peso. Você não pediu a ela que ficasse, é
escolha dela. Faça o possível para fazê-la feliz, para não a decepcionar. Ame
sua mulher intensamente como tem feito e tenho certeza que ela não vai se
arrepender.
— Eu me coloco no lugar dela. Não sei como me sentiria abrindo mão
de oportunidades como essas. Sei que abriria mão por ela, mas doeria, então
sei que dói, por mais que ela não demonstre.
— Empatia, isso é importante em um relacionamento, te ajuda a
entender o tamanho do amor que ela sente por você. Isso é bom cara, preferia
que ela escolhesse ir embora?
— Claro que não, mas penso se não haveria outra solução.
— Qual solução?
Deixo sair da minha boca pensamentos que vêm me atormentando,
que vão mudar minha vida, mas que me parecem o caminho certo a seguir no
momento.
— Uau, está mesmo disposto a isso? – Ele questiona, me analisando
minuciosamente.
— Não muito, mas eu preciso. Não consigo olhar para ela sem sentir
culpa.
— Então o faça, sem cobranças depois, faça como um ato de amor.
Aceno e respiro fundo. Preciso ter coragem, vou precisar abrir mão de
tudo para estar ao seu lado. Talvez seja a prova final do nosso amor, a prova
que superamos o passado e temos um futuro inteiro juntos.
Saio do seu consultório e envio dois recados, um para Beatriz dizendo
que preciso ir para minha casa hoje e outro para Dara, pedindo que me
encontre lá com Jorge.
Entro no carro e busco a música que ofereci para Beatriz e a manteve
nos meus braços. Deixo que as palavras entrem na minha mente e acalmem
meu coração:
Eu só quero que você caiba no meu colo
Porque eu te adoro cada vez mais
Eu só quero que você siga
Para onde quiser
Que eu não vou ficar muito atrás
Chego em casa e tomo um banho com calma, relaxando a tensão que
venho sentindo há dias. Quando saio, encontro minha irmã e meu cunhado na
sala, assistindo um jornal com minha mãe. Minha ideia era conversar apenas
com os dois, mas minha mãe é a principal afetada pela minha decisão e é
justo que saiba de tudo.
— Boa noite – beijo o rosto da minha irmã e cumprimento meu
cunhado.
— Boa noite — ela responde e me analisa — o que aconteceu?
— Posso desligar? — Aponto para a televisão — Precisamos
conversar.
Eles acenam e desligo o aparelho, me sentando próximo da minha
mãe. Decido contar desde o início para que entendam minha decisão.
— Há um tempo atrás, Beatriz recebeu um convite para trabalhar no
Sírio Libanês, logo depois que ela fez aquela cirurgia em São Paulo,
lembram? Ela recusou para ficar comigo.
Escuto os comentários surpresos e principalmente a exclamação feliz
da minha mãe.
— Foi essa cirurgia que a levou a ganhar o prêmio e agora ela recebeu
outro convite. Um convite para fazer uma especialização nos Estados Unidos,
em uma das melhores Universidades de Medicina que existem — antes que
eles comentem algo, prossigo — não posso deixar que ela recuse novamente.
Beatriz tem muito talento e ela não pode deixar passar todas as oportunidades
que a oferecem por minha causa. Não daria certo, em algum momento isso
pesaria sobre nós.
— Vai deixar ela ir? – Dara questiona, surpresa.
— Vou, mas pretendo ir com ela.
Desta vez o silêncio reina na sala e olho para minha mãe, é ela que me
preocupa. Deixá-la sozinha é o que não gostaria de fazer e essa é uma escolha
difícil para mim.
— Filho, eu estou bem, se eu sou o problema não deixe de ir, posso
ficar aqui sozinha, mas e o seu emprego?
— Vou tentar pedir ao Dr. Guilherme uma licença, sem remuneração
claro, mas pelo menos eu teria meu emprego ao retornar. Se ele não aceitar,
posso conseguir outro no futuro.
— E o que você faria lá? – Jorge indaga — Não pode estudar
também? Aproveite a oportunidade.
— É impossível, não faz ideia do custo de uma Universidade nos
Estados Unidos, por isso é tão importante que ela vá, é uma oportunidade
muito grande, mas posso trabalhar e juntar algum dinheiro. Ainda que não
seja como médico, alguma ocupação eu consigo, não pretendo ficar em casa à
toa.
— Nós entendemos — responde Dara — se é o que quer realmente,
nós damos um jeito aqui — ela sinaliza minha mãe com os olhos.
— Serão dois anos. Vocês poderiam se mudar para cá — sugiro com
esperança — a casa é grande e fariam companhia para a mamãe.
— Filho, eu não preciso de companhia, eu sabia que uma hora ou
outra eu ficaria sozinha. Um dia você se casaria e eu ficaria aqui no meu
cantinho, não há nada de errado nisso. É o que sempre quis para você, que
encontrasse alguém que te amasse de verdade e essa menina te ama.
— Eu sei, ela já me provou isso. Agora preciso mostrar a ela que a
amo também, mas não quero a senhora sozinha dia e noite, se Dara não
quiser vir para cá podemos contratar alguém, pelo menos durante o dia.
— Quando você vai? — Ela pergunta — Nos dê alguns dias para
pensar.
— Ainda não sei, não contei à Beatriz minha decisão. Ainda deve
demorar um tempo.
— Por que não se casam antes de ir? – Minha mãe questiona e rio
baixinho, minha véinha está louca para me ver amarrado.
— É cedo ainda para isso e já está acontecendo muita coisa para
acrescentar um casamento no pacote. Talvez quando voltarmos.
— Vocês não são mais crianças — ela alerta — se quiserem ter filhos
não podem esperar muito.
— Mãe, por Deus, vamos devagar. Se tivermos que ter filhos um dia
vamos ter, uma coisa de cada vez.
— Igor, faça o que precisa fazer — responde minha irmã para o meu
alívio — nós vamos dar um jeito.

Na noite seguinte, aguardo Beatriz para jantarmos juntos. Vou contar


a ela minha decisão e estou ansioso por isso. Para meu alívio, ela termina
seus atendimentos no horário e a convido para jantarmos na cantina italiana
perto da sua casa. É um ambiente íntimo e tranquilo, ideal para nossa
conversa.
Pedimos nossos pratos e quando o garçom se afasta busco sua mão.
— Ainda tem o cartão do homem da Johns Hopkins?
— Igor, não quero mais tocar nesse assunto, por favor.
— Nós vamos tocar sim. Você vai fazer essa especialização e eu vou
com você – digo de uma vez, sem preliminares.
— O que você disse? – Ela indaga, aturdida.
— Eu vou com você, não quero que perca essa oportunidade. Se o
problema sou eu, me leve na mala – brinco com ela e acaricio sua mão.
— Você está brincando? Não brinque com isso! – Exclama, incrédula
e preciso ser mais incisivo.
— Não estou brincando, já tomei minha decisão, dessa vez a escolha
é minha. Me deixe fazer isso por você, por nós.
— Você disse que não sairia daqui por causa da sua mãe, por que
mudou de ideia?
— Mudar daqui é algo definitivo, mas essa oportunidade é algo
temporário. Imagino que vamos ficar lá por uns dois anos e então voltamos.
Conversei com minha irmã e minha mãe, elas estão de acordo com a minha
decisão — Beatriz ainda me encara de boca aberta e parece chocada com o
que escuta — a menos que realmente não queira ir, aí não posso te obrigar.
— Eu quero, quer dizer, acho que sim, nem pensei nisso, mas é uma
oportunidade e tanto. Se está realmente disposto a me acompanhar, eu quero.
Ter você comigo seria fantástico, seria o melhor dos mundos.
— Pretendo estar com você para sempre. Se queremos fazer isso dar
certo, precisamos apoiar um ao outro e não pode ser só você a ceder.
— Igor, obrigada, eu nem sei o que dizer, não esperava por isso.
— Diga que me ama, isso é o que espero ouvir.
— Você sabe que eu te amo, não vivo sem você e a mamba negra -
ela sorri e minha cobra pulsa feliz, reconhecendo seu chamado.
— Ligue para o cara e descubra tudo o que precisa. Vamos começar a
fazer acontecer.
O garçom traz nosso jantar e comemos planejando nossos próximos
movimentos.

As coisas demoraram a acontecer, mais do que prevíamos. Beatriz


escolheu um curso na área de cirurgia reconstrutiva e as aulas iniciariam
apenas no início do ano, então tivemos alguns meses para nos preparar. Tirei
meu passaporte e meu visto, Beatriz já tinha o dela.
Conversamos com o Dr. Guilherme sobre nossa situação. Obviamente
ele garantiu a vaga para Beatriz e, para mim, ele disse que tentaria me
encaixar quando retornasse, mas não ofereceu nenhuma certeza.
Passamos o natal com nossas famílias juntas na casa de seus pais. Leo
foi com Mara, eles assumiram o namoro e estão tão bem quanto nós. Fizemos
uma comemoração de réveillon na casa do Rafael, com todos seus irmãos e
Davi. Foi como uma despedida, vou sentir muita falta dessa turma. Davi me
deu alta, mas disse que poderia ligar para ele a qualquer momento, caso
precisasse.
Embarcamos na segunda semana de janeiro. Foi difícil me despedir
do BHMed e dos meus colegas, espero sinceramente que encontre uma vaga
ali ao retornar. Sei que é difícil, é um dos melhores e mais concorridos
hospitais da capital mineira, mas sou um bom profissional e preciso confiar
no meu taco, como disse Davi.
Fomos acomodados em um apartamento perto da Universidade e
perco os primeiros dias conhecendo a região, fazendo compras e abastecendo
nosso apartamento com o necessário.
Estranho tudo, o clima, a comida, o idioma, mas não reclamo, foi
minha escolha e vou me adaptar.
Beatriz inicia o curso e o ritmo é intenso. Ela fica o dia todo fora,
passa parte do tempo na Universidade e parte no hospital, algo muito
semelhante à nossa época de internato.
Ela chega cansada e tento suavizar sua rotina. Cuido da casa, da nossa
alimentação e escuto tudo que ela deseja me contar. Chego a ajudá-la em
alguns trabalhos e fico sendo seu apoio nos primeiros meses.
Estamos morando em Baltimore, a cerca de 65 km de Washington.
Baltimore tem pouco mais de 500.000 habitantes e é o principal centro
urbano, financeiro e cultural de Maryland. Aqui temos um porto importante e
dentro da área portuária um centro de compras, com lojas, restaurantes e o
famoso Aquário Nacional.
Sempre percorremos a cidade nos dias livres da minha namorada e é
um prazer andar de mãos dadas com ela e descobrir os lugares juntos.
Visitamos o Fort McHenry National Monument and Historic Shrine[15], além
de vários museus. Baltimore é rica em cultura e entretenimento.
Em meio a tudo isso, pesquisei a possibilidade de exercer a medicina
aqui. Para isso preciso fazer o USMLE - United States Medical Licensing
Examination, que é um exame de 3 etapas. A primeira etapa é uma prova
teórica virtual, que concluí sem problemas. A segunda etapa é dividida em
duas partes: outra prova, com temas mais complexos e variados, acrescida de
um teste prático.
Tomei pau na primeira parte, estudei mais e refiz a prova, então
consegui. O teste prático foi mais tranquilo que a parte teórica, já que tenho
bastante experiência devido aos meus plantões na emergência.
A última etapa era um novo teste mais complexo, com cerca de 500
questões. Estudei muito antes de agendar e passei. Consegui concluir tudo
antes do fim do ano. Eu e Beatriz comemoramos com uma viagem à
Washington, no fim de semana.
Os professores dela me indicaram para uma clínica que atendia
estrangeiros, principalmente latinos e ali consegui meu emprego. Acredito
que por ser brasileiro, me contrataram de cara. A maioria dos americanos não
sabem que falamos português e não espanhol, como o restante da América do
Sul. Aprendi a me virar entre um portunhol e o inglês para me comunicar
com meus pacientes.
O atendimento é de clínica geral e bem tranquilo. A remuneração é
maior que ganhava no Brasil e como nossas despesas são custeadas pela
bolsa da Beatriz, guardei quase tudo em um bom pé-de-meia.
No fim do ano, Bia teve algumas semanas de folga e cogitamos ir ao
Brasil para rever nossa família, mas decidimos aproveitar nosso tempo aqui e
fomos para Nova Iorque. Passamos o réveillon na neve, em plena Time
Square e foi inesquecível.
Ali, em meio a pessoas de todo o mundo, abraçado com minha
branquinha, em um frio congelante, assistimos a famosa bola descer, e nesse
momento sussurrei em seu ouvido:
— Casa comigo?
Ela não me respondeu, mas grudou sua boca na minha em uma
resposta que dispensava palavras. Fogos de artifício explodiram sobre nós. O
mundo comemorava conosco o nosso amor.

Nosso segundo ano foi mais tranquilo que o primeiro. Já tínhamos


nossa rotina estabelecida. Beatriz se dedicou à uma pesquisa, desenvolvendo
uma nova prótese para o joelho que conjugava titânio com outro material e
prometia mais conforto aos pacientes.
Falávamos com nossa família semanalmente e com nossos amigos
esporadicamente. Dara acabou se mudando com Jorge para nossa casa. Com
o dinheiro que pagavam de aluguel, estavam construindo um segundo andar
em nossa casa. Uma excelente solução para todos nós, já que não pretendia
voltar a morar com minha mãe. Depois de dois anos morando juntos, eu e
Beatriz não nos separaríamos mais.
Combinamos que nos casaríamos ao retornar ao Brasil. Podíamos
continuar nos Estados Unidos? Podíamos. Beatriz teria sua licença ao
concluir o curso e com certeza teria uma vaga no Johns Hopkins, mas esse
não era nosso plano.
Queríamos voltar. Pretendemos criar nossos filhos juntos dos nossos.
Pessoas. Pessoas são o mais importante da vida. E assim o fizemos.
Olho para o espelho e sorrio ao me ver vestida de noiva. Toda mulher
sonha com esse momento e cá estou eu, bem depois dos trinta anos,
realizando meu sonho. Nina, minha melhor amiga, sorri ao meu lado.
— Você está maravilhosa! O Cobra vai babar quando te ver.
O apelido de Igor não se perdeu, mesmo ficando dois anos afastados.
Dr. Guilherme nos recebeu de braços abertos quando voltamos. Igor trabalha
como antes, em horário integral no BHMed. Eu ainda trabalho lá em alguns
dias, afinal, não consigo abandonar a sala de cirurgia, mas fui contratada pela
UFMG e dou aulas na metade da semana.
O que me faz tocar meu ventre e pensar no que vou fazer quando meu
bebê nascer. Nosso bebê. Igor ainda não sabe. Descobri que estava grávida há
duas semanas e resolvi guardar a surpresa para hoje. Igor me entregou uma
cesta de chocolates diamante negro quando acordamos, um pequeno gesto
que me fez chorar e ele pensou que eu estava na TPM, mal sabe o que o
aguarda.
Decidimos nos casar em uma cerimônia simples na casa dos meus
pais, no Retiro do Chalé. Estou em meu antigo quarto, aguardando meu pai
me buscar. Nina e Felipe, Leo e Mara serão meus padrinhos. Dara, Jorge,
Davi e Isabella, os de Igor.
Além deles, alguns colegas do hospital, Saulo e Helena também
foram convidados. Escuto as batidas na porta e meu coração acelera. Meu pai
a abre devagar e espia com cuidado para dentro.
— Está pronta? Tenho um noivo ansioso lá embaixo.
— Mais que pronta. Pai, eu vou casar! Estou bonita?
Ele entra e se aproxima me olhando dos pés à cabeça. Meu vestido é
reto, de renda, com um decote “V” e pérolas bordadas no busto e nas mangas.
Meu cabelo está preso em um penteado simples, mas que domou meus
cachos rebeldes. A maquiagem destaca minha boca e uso um colar de pérolas
combinando com o vestido.
— Bonita é pouco, está maravilhosa! Sabe que tudo que desejo é que
seja feliz e como tenho certeza que ele te faz feliz, vamos logo. Estou meio
nervoso, nunca levei uma filha ao altar.
Caminhamos de braços dados até a saída para a área externa e
aguardamos o início da marcha nupcial. Queria que Felipe tocasse, mas ele
não poderia ser meu padrinho e tocar, então preferi colocá-lo com Nina entre
meus padrinhos.
Sofia, filha deles, é minha dama de honra. Ela irá entrar na minha
frente com as alianças. Respiro fundo sabendo que minha vez está chegando.
Escuto os primeiros acordes e dou os primeiros passos com meu pai.
Então o vejo. Ele sorri e me dá um aceno, soprando um pequeno beijo com a
mão. Igor veste um terno de 3 peças preto, com uma gravata roxa que Davi
deu a ele. Algo sobre uma brincadeira que ele fez com Davi anos atrás e não
entendi muito bem.
Fato, meu futuro marido está lindo. Os feios que me perdoem, mas
vou terminar com um bonitão ao meu lado. Ironia do destino, Igor me
ensinou a amar os feios, ao me desprezar anos atrás, e depois me resgatou. O
que digo sobre isso? Não há feios e bonitos aos olhos de quem ama. O amor
nos faz belos, por dentro e por fora.
Ele se aproxima e cumprimenta meu pai com um aperto de mão, em
seguida segura minhas mãos e as beija.
— Finalmente! Vamos, estou derretendo dentro desse terno – ele diz
baixinho e seguro meu riso.
O padre faz uma cerimônia rápida e depois dos votos tradicionais e da
troca das alianças, fazemos nossos próprios votos de mãos dadas. Igor é o
primeiro.
— Traçamos um longo caminho até aqui, um pouco tortuoso,
principalmente para você. Sei que te machuquei quando éramos jovens, mas
você me deu uma nova chance e vou passar o resto da vida te agradecendo
por ela. Prometo fazer tudo para manter você sorrindo. Você é a mulher que
eu amo branquinha, me orgulho muito por ter você como minha esposa. Eu te
adoro cada vez mais!
Ele cita uma frase da nossa música e meus olhos ficam úmidos.
Escutamos alguns aplausos e respiro fundo para, finalmente, contar a ele a
novidade.
— Quando me pediu uma nova chance, pensei muito se arriscaria
meu coração novamente com você. Eu quase o perdi naquela cachoeira e
descobri que não conseguiria ser feliz sem meu diamante negro. Desde então,
você tem sido perfeito e não existe outro homem que eu queira mais no
mundo como meu marido que você. Hoje começamos nossa família. Nós
também te amamos muito.
Igor sorri e começa a descer o rosto para me beijar, mas para no meio
do caminho.
— Nós?
Puxo suas mãos até meu ventre e repito:
— Nós.
Igor fica estático, enquanto gritos nos rodeiam por toda parte. Sacudo
sua mão em busca de alguma reação.
— Igor, está bem?
Para minha surpresa, ele cai de joelhos e encosta o rosto na minha
barriga em um choro contido. E aí a bagunça se generaliza. Todo mundo se
aproxima, alguns tentam me abraçar, outros erguer e acalmar meu marido, até
que alguém grita:
— Gente, o padre não finalizou o casamento!
— Por favor, voltem aos seus lugares – pede o padre assustado com a
situação inesperada.
Os convidados retornam às cadeiras colocadas ao nosso redor. Igor
limpa os olhos com um lenço que alguém ofereceu e segura minha mão com
força.
— Padre, me casa logo, eu vou ser pai, não posso esperar muito – ele
pede e todos caem na risada.
— Com o poder a mim investido, eu os declaro marido e mulher. O
que Deus uniu, o homem não separa. Agora pode beijar a noiva.
Igor me toma em um beijo de cinema. Um beijo nada contido e me
sinto tranquila por estar entre pessoas íntimas.
— Queria ficar viúva antes de casar? Quase me matou do coração! —
Ele exclama em meu ouvido — Quando descobriu? Quanto tempo?
— Descobri há duas semanas. Ainda não fui ao médico, mas acredito
estar com uns dois meses no máximo.
— Estou muito feliz, você me fez o homem mais feliz do universo.
— Não sabia que queria tanto ser pai.
Nós não planejamos essa gravidez, apenas deixamos acontecer.
Combinamos que eu abandonaria o anticoncepcional quando voltássemos ao
Brasil e foi o que fiz, só que com nossa vida corrida, não pensamos mais
sobre isso, até que minha menstruação atrasou e fiz um teste de farmácia.
— Nem eu, mas estou radiante, quero uma menininha linda como a
mãe, uma pestinha.
Nos abraçamos emocionados, mas nossos convidados nos afastam
querendo nos cumprimentar e Rafael é o primeiro.
— Licença Cobra, vai ter a vida toda para abraçá-la, nos deixe
cumprimentar a noiva — Ele me puxa dos braços do meu marido e me abraça
— Parabéns Bia, vocês merecem muitas felicidades nessa vida. Quero ser
padrinho do moleque.
— Entra na fila — diz Leo me puxando dele — eu sou tio oficial e
tenho preferência.
Abraços intermináveis seguem, tornando meu dia especial ainda mais
feliz. Temos um almoço delicioso ao som do violão de Felipe Martin. Foi
assim que me tornei a Senhora Beatriz Mairinque Medeiros.

Saímos em lua de mel no dia seguinte. Temos apenas uma semana de


folga e optamos por ir para Búzios. O tio de Beatriz tem casa lá e é um lugar
que ela adora.
Apesar do pouco tempo de gravidez, Beatriz tem um efeito colateral e
não é enjoo. É vontade de fazer xixi. Nunca vi alguém urinar tanto na vida e
de BH até Búzios, fizemos várias paradas. Estamos próximos de Santos
Dumont, quando avistamos um boteco ruinzinho na beira da estrada.
— Ali Igor, pare ali.
— Ali é péssimo, não deve ter um banheiro decente.
— Vai ter que ser ali, eu não sento no vaso, eu me viro, pare ali
mesmo.
Desacelero o carro e paro contrariado em frente ao local. Ela desce
correndo e entra em busca do banheiro. Vou atrás devagar e encontro um
senhor no balcão.
— Tem uma água com gás?
— Temos sim. Loira, traz uma água com gás – ele grita para uma
senhora na outra ponta do balcão.
A mulher vai até uma geladeira e pega o que pedi. Ela se vira e algo
semelhante em seu andar me faz analisar seu rosto. Sinto meu corpo gelar ao
reconhecê-la. É inacreditável.
Ela me entrega a água sem me olhar e chamo seu nome baixinho:
— Valentina?
Ela se assusta e só então me encara, arregalando os olhos surpresa.
Seus olhos quase saltam ao me reconhecer.
— Igor? O que faz aqui?
— Estou de passagem, estamos viajando...
Beatriz se aproxima de mim nesse instante e me abraça pelas costas.
— Pronto amor, podemos ir?
Valentina desce os olhos até minha mão, encontrando minha aliança.
Ela está acabada, estes anos não foram bons para ela. Penso na mulher de
nariz em pé que ditava ordens aos residentes e nos seduzia com sorrisos
sensuais... não sobrou absolutamente nada daquela mulher. O senhor se
aproxima e bate o pano de prato com força em sua bunda.
— Anda mulher, não te quero de conversinha com cliente.
Ela se afasta envergonhada e puxo Beatriz para a saída. Para quem
gostava de rapazes, ela não terminou muito bem. De uma forma ou outra, ela
está pagando pelos seus erros.
Entramos no carro e entrego a água para minha esposa. Somos
responsáveis por nossos atos e temos que arcar com as consequências do que
fazemos. Valentina um dia me fez sentir usado, sujo. Beatriz me faz sentir um
homem honrado todos os dias.
Companheirismo, cumplicidade, intimidade, empatia, respeito e
admiração, são alguns dos ingredientes do nosso amor e posso atestar que
tem dado certo. Vou fazer o possível e o impossível para que continue dando
certo enquanto eu respirar. Talvez, até a eternidade, quem sabe.
Estrutura do BHMED:
Térreo: Emergência, Sala dos Médicos, Escritório do Dr. Guilherme,
Lanchonete e Restaurante.
1º e 2º andar: Consultórios Médicos
3º andar: Bloco Cirúrgico
4º andar: Maternidade
5ª andar e 6º andar: Apartamentos compartilhados e individuais.
7º andar: Área administrativa.
Ei pessoal! Espero que tenham gostado da história do Diamante
Negro e sua branquinha. Este livro foi difícil porque demandou muitas
pesquisas, foi o que mais citei casos médicos e preciso esclarecer algo
importante:
Usei da liberdade da escrita para citar que a cirurgia de Jonas e
posteriormente de Leandro, seriam algo inovador, no entanto, não é. Me
inspirei em um caso de reconstrução de mandíbula que encontrei na Internet
do ano de 2020.
Com este livro encerramos a Série Irmãos de Coração? Me dói dizer
sim, porque é difícil me despedir de personagens tão especiais, então digo
“Talvez”.
E a história do Lucas?
Não tenho resposta para isso e é uma das razões do meu “Talvez”. A
história de Lucas ainda não surgiu no meu coração. Se alguma hora ele bater
por ela, prometo que retomo a Série, mas por enquanto, darei uma pausa em
Irmãos de Coração para dar voz a outros personagens.
Então, o que vem por aí? Tenho várias ideias rondando minha mente,
mas não vou dar spoilers, apenas aguardem que teremos novidades em 2024.
Beijo no coração!
Tenho muito a agradecer!
Agradeço sempre primeiro a Deus, pela oportunidade de estar aqui,
vivendo bem, junto dos meus, com saúde e disposição.
Agradeço a toda minha família pelo apoio, paciência e incentivo. Em
especial, minha sogra Ester, minha consultora em Psicologia, meu marido
Enrico e meu filho Vicenzo, que sempre acreditaram em mim e minha mãe
Yvette, que viaja comigo através das leituras.
Um agradecimento especial à pequena, mas grande equipe que
trabalha comigo na realização dos meus sonhos: Lilian Lopes, revisora e beta
sensacional, Mariana Oliveira, a capista que deixa minhas obras mais bonitas,
Carina Prado, minha beta médica e gaúcha, e a mais nova integrante Dara
Nogueira que me ajuda a cuidar do grupo Surtando com a Lu. Valeu
meninas!
Um beijo grande para todas as garotas do grupo que surtam comigo.
Jhenifer e Dara, promessa feita, promessa cumprida! Se quiser se juntar a
nós, o link está na bio do meu Instagram ou me mande uma mensagem que te
envio o link para acesso ao grupo.
Por fim, muito obrigada a você leitor (a) que chegou até aqui. Você é
muito especial, sem você não teria sentido este trabalho. Posso pedir uma
coisinha? Se gostou, não deixe de avaliar e deixar um comentário. Isso vai
incentivar outras pessoas a lerem essa história e curtirem também.

Quer falar comigo? Vou adorar conversar com você!


Facebook
Instagram
E-mail
TikTok
Série Caminhos da Vida:
Meu Campeão

Vinny Ferraz é um atleta, campeão e recordista brasileiro em


medalhas olímpicas. Um acidente no auge de sua carreira provoca a perda de
seus sonhos, seus objetivos e muito mais.
Ele precisa se reerguer das cinzas e recomeçar. Nem todo recomeço é
fácil, mas é possível.
Ísis é uma mulher rica e bem realizada profissionalmente. Quando
encontra Vinny pensa que sua vida está perfeita, mas uma perda desestabiliza
sua vida equilibrada.
Duas almas machucadas que enfrentam as dificuldades e encontram
no amor a força para recomeçar e construir novos sonhos. Juntos, aprendem
que é possível seguir em frente e ser felizes!
Uma história que vai mexer com suas emoções.
Meu Coração

Este é um romance cheio de encontros, desencontros, altos e baixos.


William e Laura cresceram ouvindo que iam se casar. Será que a
profecia dos seus pais estava certa?
O destino parece não concordar com isso e uma série de encontros e
desencontros acontecem para os distanciar cada vez mais.
É possível tomar as rédeas da situação e desafiar o destino,
construindo seu caminho?
William resolve fazer isso e em vez de esperar o momento certo,
decide que o momento é agora. Ele e Laura se amam e vão ficar juntos, quer
o destino queira ou não.
Uma história que vai mexer com seu coração.
Meu Ídolo

Yam Satler é cego. Em meio a todas suas dificuldades descobriu o


amor pela música, em especial pelo piano. Sem pretensões sua irmã divulga
seus vídeos nas redes sociais. O sucesso é rápido e ele se torna um músico
famoso.
A fama tem seu ônus e ele vive solitário e recluso, apenas para sua
música.
Alexia é uma bailarina mineira que descobre a oportunidade de
trabalhar com seu ídolo e não hesita em largar tudo para ir atrás deste sonho.
Depois do encontro, a atração surge devagar e Yam resiste, mas se
entrega a esse sentimento. Alexia conhece o homem por trás do ídolo e seu
objetivo passa a ser mostrar a ele que existe um mundo além de suas paredes
e que tudo é possível.
Juntos, descobrem a importância da empatia. Em um relacionamento,
os dois indivíduos são importantes. Se colocar no lugar e lutar pelos sonhos
do outro, é fundamental.
Uma história que vai mexer com seus sentimentos.
Uma nova vida para Helena

Helena é uma jovem gaúcha que sonha em cursar Medicina. Filha de uma família classe média
do interior do RS, cresceu em um lar cheio de amor, junto aos pais e sua irmã. Na adolescência
conheceu Rodrigo e se apaixonou. Vivia feliz, estudando para conquistar seu objetivo, mas em um
piscar de olhos, seus sonhos viram pesadelos, pois, ela é traída da pior forma por todos que amava.
Decepcionada com sua família, Helena decide recomeçar sua vida na longínqua cidade de Belo
Horizonte e buscar a realização de seu sonho.
Na Universidade ela conhece Rafael e Saulo. Eles estão sozinhos, cada um enfrentando suas
dificuldades, mas com o mesmo objetivo de se formarem em Medicina. Eles se adotam como “irmãos
de coração”. Juntos se apoiam financeira e psicologicamente, e constroem uma nova família.

Durante a residência em Pediatria, Helena conhece Theo, um empresário que trabalha com
investimentos, viúvo e pai solo de duas crianças. Ela sofreu várias decepções amorosas e não acredita
mais no amor, mas Theo parece realmente disposto a conquistá-la. Dois seres magoados e traídos
conseguirão superar seus receios e se entregar ao amor?
Até onde há perdão? Até onde o amor supera tudo?
Você seria capaz de perdoar uma traição?
E se essa traição viesse daqueles que deveriam te amar acima de tudo?
Uma surpresa para Rafael

Rafael é um jovem mineiro que sonha em cursar Medicina. No


colégio, ainda adolescente, conheceu Giovana. Ela foi sua primeira paixão,
sua primeira mulher. Surpreendido pela doença do pai e preso na promessa de
se tornar “doutor”, ele a afasta da sua vida.
Na Universidade ele conhece Helena e Saulo, dois jovens com
dificuldades, mas com o mesmo sonho de se formar em Medicina. Eles se
adotam como “irmãos de coração” e constroem uma nova família.
Durante a residência em Cirurgia Geral, Rafael reencontra Giovana, e
descobre que ela guarda um segredo. Ela é a única mulher capaz de abalar
suas estruturas, mas seu coração fica dividido entre a atração e a mágoa.
Todo segredo é perdoável? E se este segredo envolve outros a ponto de
mudar suas vidas?
É possível esquecer o passado e recomeçar?
E quando seu coração encontra a paz, um incidente o leva direto ao
inferno e ele vive seu pior pesadelo.
Uma Família para Saulo

Saulo é um jovem mineiro que sonha em ter uma família e cursar Medicina. Abandonado na
porta de um convento, cresceu junto às Irmãs de Caridade e graças à generosidade de um médico que o
acompanhou, parte do seu sonho se torna possível.
Na Universidade ele conhece Rafael e Helena. Eles estão sozinhos, cada um enfrentando suas
dificuldades, mas com o mesmo objetivo de se formarem em Medicina. Eles se adotam como “irmãos
de coração”. Juntos se apoiam financeira e psicologicamente, e constroem uma nova família.
Durante a residência, Saulo conhece Alex. Ele é religioso, virgem e calmo. Ela é intensa,
agressiva e desbocada. Saulo se mantém distante, mas aos poucos descobre que eles têm mais
semelhanças do que podia supor. Resistir a ela se torna cada dia mais difícil.
Em meio às mudanças em sua vida, uma enorme surpresa: O passado que sempre esteve oculto
e o atormentou, desaba sobre ele.
Qualquer pecado pode ser perdoado? O quão misericordioso devemos ser?
Uma esposa para Davi

Davi Rabelo é um psiquiatra que ama sua profissão. Segundo


ele, cuidar da mente é tão desafiador quanto cuidar do corpo.
Durante um plantão no BHMed, surge uma emergência e seu caminho
se cruza com o de Isabella Grazielle, uma modelo internacional, doze anos
mais jovem que ele.
Para Davi, um romance com uma garota como ela seria algo
impensável, até o instante em que ele a resgata. Naquele momento crucial, ele
a entrega um pedaço de seu coração.
Ele sabe que Isabella esconde um segredo que a machuca, mas não
faz ideia do quão doloroso será descobrir o que esconde.
Tudo pode ser perdoado?
Tudo pode ser superado?
É possível perdoar um crime?
OBS- Todos os livros estão disponíveis em e-book na Amazon - Loja Kindle
e em versão física na Loja Uiclap.
[1]
Hospital fictício criado para a Série.
[2]
Pedreira Prado Lopes, favela mais antiga de Belo Horizonte.
[3]
Expressão mineira que substitui praticamente tudo.
[4]
Guilherme é o protagonista de “Um amor para toda a vida”, volume 3 da Série Família Martin.
[5]
Pronto Socorro João XXIII, o principal hospital público de Belo Horizonte.
[6]
Protagonista de “Uma esposa para Davi”, spin-off da Série Irmãos de Coração. Isabella Grazielle é
uma modelo famosa.
[7]
Patela é conhecida como rótula, osso da frente do joelho, responsável pela transmissão da força da
musculatura da coxa.
[8]
Protagonista de “Meu Ídolo”, spin-off da Série Caminhos da Vida.
[9]
Restaurante localizado em Nova Lima/MG.
[10]
Vilarejo localizado em Nova Lima/MG, conhecido por quem busca tranquilidade ou esportes ao ar
livre. Um refúgio cheio de trilhas e cachoeiras.
[11]
Hotel 5 estrelas, localizado no Bairro de Lourdes, em BH. Dentro dele, o Restaurante Gero prima
pelos ingredientes e pratos clássicos da culinária italiana, como risotos, massas, carnes e peixes.
[12]
O Aeroporto Internacional Tancredo Neves, localizado em Confins, fica a cerca de 40km do Centro
de Belo Horizonte.
[13]
O Hospital Sírio Libanês é considerado um dos mais importantes Centros Médicos da América
Latina.
[14]
Academia Nacional de Medicina.
[15]
Forte que é um Monumento e Santuário Histórico de Maryland.

Você também pode gostar