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AVISO: Este é um livro que retrata a violência em diversos níveis,

seja na sua maneira física ou psicológica. É um livro não recomendado para


menores de 18 anos por conter cenas de sexo, linguajar vulgar.

Observação: A história narrada pela autora sobre a máfia Fratelli é

única e, exclusivamente, fictícia; fazendo com que as leis e regras (dentro da


trama) não existam de fato. Não condizem com a realidade.

Desejo que você tenha uma prazerosa leitura!

AVISO 2: A leitura do livro 1, 2, 3, 4 e livro 5 (ANJO NEGRO,

ANJO INDOMADO, ANJO SELVAGEM, ANJO PERDIDO e ANJO


FERIDO) não é obrigatória, mas caso você tenha interesse em conhecer,

ambos estão disponíveis aqui, na plataforma da Amazon.

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Copyright© 2021 Sara Ester

Capa: Barbara Dameto

Revisão: Sara Ester

Diagramação Digital: Sara Ester

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e

acontecimentos descritos são produtos da imaginação da autora. Qualquer


semelhança com fatos é mera coincidência

_______________________________________________________

Anjo Encontrado

Livro 6 — Irmãos Fratelli

Sara Ester

1ª Edição

Agosto — 2021

Imbituba — SC/ Brasil

Todos os direitos reservados.

São proibidos o armazenamento e/ou a reprodução de qualquer parte

dessa obra, através de quaisquer meios — tangível ou intangível — sem o

consentimento escrito da autora.


A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº

9.610/98 e punido pelo artigo 184 do Código Penal.


Sinopse
Angel Herrera era conhecido por ser um homem impiedoso e letal nos

negócios. Como chefe do maior cartel do México, não havia limites para
suas ações nem para sua ambição. O que ele queria, ele tomava.

Entretanto, havia uma linha que o mexicano não arriscava ultrapassar,

e esta levava até sua pequena... a garota que roubou seu coração no instante

que o encarou nos olhos.

Lis era seu calcanhar de Aquiles,

Sua Criptonita.

Lis Pérez era uma garota doce, porém, carregava consigo uma aura

sombria, cuja razão, ela não entendia, já que fora criada sob um teto que,
apesar de humilde, continha muito amor.

Ao conhecer Angel, seu mundo todo gira de cabeça para baixo; e,

embora o relacionamento deles seja tão intenso quanto o forte sentimento que
nutrem um pelo outro, os diversos segredos que cercam a vida dos dois

poderão ameaçar esse amor.


O passado sombrio do mexicano retornará para assombrá-lo e,
colocar a vida da sua garota em perigo. Mentiras serão descobertas... velhas
feridas serão abertas. Contudo, Angel fará de tudo para consertar as coisas.

Nem que tenha que morrer no processo...


Sumário
Sinopse

Prólogo

Angel

Capítulo 1

Lis

Capítulo 2

Angel

Capítulo 3

Lis

Capítulo 4

Angel

Capítulo 5

Lis

Capítulo 6

Angel

Capítulo 7

Lis

Capítulo 8

Angel

Capítulo 9

Lis

Capítulo 10

Angel
Capítulo 11

Lis

Capítulo 12

Angel

Capítulo 13

Lis

Capítulo 14

Angel

Capítulo 15

Lis

Capítulo 16

Angel

Capítulo 17

Lis

Capítulo 18

Lis

Capítulo 19

Lis

Capítulo 20

Angel

Capítulo 21

Angel

Capítulo 22

Lis

Capítulo 23
Angel

Capítulo 24

Lis

Capítulo 25

Angel

Capítulo 26

Lis

Capítulo 27

Angel

Capítulo 28

Lis

Capítulo 29

Angel

Capítulo 30

Lis

Capítulo 31

Angel

Epílogo

Lis

FIM

ESCOLHIDA, livro 1 — MC LOBOS

Prólogo

Adela
Prólogo

Angel

Desde criança, nunca almejei liderar um negócio com a grandiosidade


do Cartel; meu falecido pai sempre foi um homem de visão, um empresário

que gostava de se arriscar, porém, ele conhecia todos os riscos.

Eu não tive escolha.

Fui obrigado a tomar à frente de tudo quando me vi sozinho...

Sem pai.

E com uma irmã desaparecida.

Diante desse cenário, obriguei-me a esconder todos os meus medos, já

que fiquei com a responsabilidade de um império nas mãos, com muitas

famílias dependendo da minha liderança. Sem falar na luta para encontrar o


paradeiro da minha irmã, o qual levei mais de dois anos para descobrir.

Rosa foi sequestrada depois que fizeram uma emboscada para nosso pai. No

fim das contas, ele acabou sendo assassinado enquanto tentava resgatá-la.
Talvez isso tenha facilitado para que meu lado, ainda sensível,

houvesse sido apagado e, com isso, meu lado sombrio se aflorou. A frieza se

tornou base para minhas atitudes e passei a governar o império da família

com mãos de ferro. Não mancharia o nome do meu pai.

A chegada do Miguel na sala fez com que meus pensamentos se

dispersassem.

— Onde está o infeliz? — Perguntei, rangendo os dentes. Minha perna

estava latejando de dor.

Mais forte do que a dor estava minha raiva pelo filho da puta do
Javier que ousou meter bala em mim. Horas antes, eu e os irmãos Fratelli —

meus aliados — protagonizamos uma emboscada no Porto de Ensenada,

considerando que havíamos descoberto que Javier se encontraria com Dante,

braço direito de Louis Moran, líder da máfia Shadows.

Javier Hernandez e eu tínhamos um histórico ruim, mas nunca

havíamos ultrapassado essa linha... Os limites sempre se mantiveram

intactos.

Até essa noite...

— Seu veterinário não vem! — sibilou uma voz, que até quando

estava irritada, continuava doce e angelical.


O barulho de seus saltos ecoou pelo lugar conforme Lis dava passos

ferozes pelo ambiente.

Desviei meus olhos para Miguel, exigindo uma explicação dele. Eu

odiava quando ele agia pelas minhas costas, sobretudo, em relação à sua

irmã.

Miguel estava comigo há quase quatro anos; na verdade, desde que ele

tentou roubar meu carro. Na ocasião, decidi não o matar pela audácia,

porque ele alegou que precisava de dinheiro para ajudar o seu pai doente.

Então, como eu tinha acabado de perder o meu, e não fazia ideia de onde

estava minha irmã, optei por não acabar com a vida do infeliz e o contratei

como meu segurança particular.

— Sinto muito, patrão. — Deu de ombros com um sorrisinho sem

graça. — Mas você sabe como ela é.

Estalei os lábios, enquanto sacudia a cabeça, praguejando baixinho.

— Pare de xingar, porque isso não vai mudar nada — resmungou ela,

zangada como eu nunca tinha visto. Chegou até onde eu estava, sentado sobre

uma maca. Estávamos numa das minhas instalações, visto que meu ferimento

exigia cuidados imediatos e eu não poderia seguir direto para minha mansão;

muito menos ir para um hospital. — E não ouse brigar com Miguel, porque a

culpa foi toda minha — defendeu o irmão, com ferocidade. — Desde que
voltei para o México, pedi para que ele me informasse sobre quaisquer

contratempos.

Ela, em nenhum momento, olhou para mim enquanto falava.

— Como chegou até aqui? — indaguei.

— Com meu carro — respondeu, simplesmente, fazendo-me ainda

mais irritado. — Antes que comece a rosnar feito um animal feroz, saiba que

não vim sozinha. — Rolou os olhos, malcriada. — Vim com meus dois

seguranças. — Acrescentou, empinando o lindo narizinho.

Ela não gostava disso, mas insisti para que andasse com dois homens

da minha total confiança. Eu odiava a ideia de vê-la desprotegida.

Soltei um suspiro enquanto esfregava o rosto, frustrado, em seguida,

me voltei para Miguel.

— Vá lá fora verificar como estão as coisas — ditei a ele. — Não

confio que o desgraçado do Javier vá ficar em silêncio depois do que

fizemos com um dos armazéns dele.

Durante meu retorno para casa, depois que saí do Porto de Ensenada,

algumas horas atrás, dei ordem para que meus homens incendiassem uma das

instalações do Javier. O idiota tinha iniciado uma guerra quando decidiu

apertar o gatilho contra mim.


— Miguel, por favor, traga-me algo afiado, panos limpos e uma

garrafa de uísque, ou qualquer outra bebida forte. — Acrescentou Lis, e eu

dei uma risadinha.

— Realmente será bom beber uma dose agora — comentei num

suspiro.

— Uma dose não, seu idiota! — retrucou Lis, irritada. — Você vai

precisar de pelo menos uma meia garrafa, ou por acaso acha que tenho

agulhas, seringas e anestésicos na minha bolsa?

Arregalei os olhos, abismado com sua explosão.

Quando ouvi o clique da porta sendo fechada, indicando que Miguel,

meu guarda costa, tinha saído da sala, soltei um suspiro baixo.

— Não tenho certeza se vou gostar de tê-la, segurando algo afiado

perto de mim, pequeña — murmurei, fingindo estar assustado. — Não com

toda essa sua raiva.

— Mas é claro que estou com raiva! — exclamou, demonstrando todo

seu nervosismo com a situação.

— Por que está chateada? — perguntei para ela, que continuava séria.

— Deite-se! — Exigiu, seca, forçando meu corpo para trás na maca.

Nesse momento, seu perfume infundiu minhas narinas e me obriguei a

ignorar o que esse aroma causava em todo meu ser. Desde a primeira vez
que a vi, me apaixonei. Não uma paixão qualquer..., mas um sentimento tão

forte que meu peito chegava a doer.

Ao contratar Miguel, mandei averiguar toda sua história — embora

seu olhar me dissesse que tinha contado a verdade — e acabei descobrindo

que sua família, de fato, era humilde e que seu pai vinha sofrendo de uma

doença cujo tratamento era absurdamente caro. Além dessas informações,

também fiquei sabendo a respeito de sua irmã Lis, que não era legítima da

família, embora ela não soubesse disso. Descobri que garota foi criada pelos

Pérez desde que era recém-nascida. Lis chegou na época em que a senhora

Margarita havia perdido seu bebê, que nasceu com uma deficiência no

coração.

A garota era tão linda quanto doce; sua doçura equiparava-se a

inocência que berrava por todos os seus poros.

Quando a conheci, ela tinha acabado de fazer dezessete anos. Seu pai

era um homem bom, aliás, toda sua família era, além de não terem nenhuma

ligação com negócios criminosos — apenas Miguel, que num ato de

desespero tentou me roubar e entrou para meu Cartel. Como eles possuíam

poucos recursos financeiros, decidi, por conta própria, arcar com os estudos
da Lis, que sempre sonhou em se tornar médica.
— Você sabe a resposta para essa pergunta — sibilou ela, em resposta

à minha pergunta. Rugi quando ela rasgou o tecido da minha calça. — ¡Dios

mio, Angel! — Exclamou, sacudindo a cabeça. — Não acredito que você

pretendia chamar um veterinário para cuidar de você, mesmo sabendo que

estou quase me formando em medicina.

Fiquei em dúvida se sua irritação foi porque não pensei em chamá-la,

considerando que me esforçava ao máximo para mantê-la longe do perigo,

ou se porque ela acreditava que eu ignorava meu próprio bem-estar.

Na verdade, eu tinha um médico que me servia na mansão, mas o

homem não estava na cidade, então não me restaram muitas opções, além do
veterinário da minha confiança.

— Não preciso lembrá-la de que sou chefe do maior Cartel do


México, hun? — Indaguei, arqueando as sobrancelhas. — O que acha que ia

acontecer cada vez que eu desse entrada num hospital com esse tipo de
ferimento? A polícia não me deixaria em paz, pequenã.

— Entendo — respondeu num sopro. — Mas estou aqui agora —

lembrou, ainda usando aquele tom de voz magoado. — Por que não mandou
me chamar? Não me diga que pensou que eu não fosse dar conta de ver um

pouquinho de sangue? — Revirou os olhos.

Travei o maxilar no instante em que ela pressionou meu ferimento.


— Eu não queria colocá-la nisso. — Sibilei, entre dentes. — Você é
pura demais para toda essa merda, Lis.

Nesse momento, ela, finalmente me encarou nos olhos. Eu sempre

perdia o ar. Lis era de uma beleza extraordinária; cabelos escuros, não tão
compridos, e pele tão alva que parecia porcelana. Os olhos se destacavam

pelo tom de azul que me lembrava o céu.

— Eu já disse que você não pode me proteger de tudo. — Comentou,

oferecendo-me um sorrisinho. — Não sou mais uma criança.

— Não, você não é — murmurei, intenso. Nossos olhares se chocaram


novamente e vi a forma como sua respiração engatou.

Pigarreou e desviou os olhos quando fomos interrompidos pela


chegada do seu irmão Miguel.

— Trouxe o que você me pediu, Lis. — Declarou, se aproximando de


nós. — Puta merda! — Exclamou ele, ao examinar meu ferimento mais de
perto. — Isso está bem feio. — Fez uma careta.

— A bala está alojada — avisou ela. — Dê a bebida para ele —


ditou, e me firmei sob o cotovelo. Miguel me passou a garrafa de uísque e

entornei a bebida direto do gargalo. — Ei?! — Lis exclamou, tirando da


minha mão. — Também preciso do uísque para esterilizar o local. — Disse,

despejando um pouco do líquido sobre o ferimento.


— Alguma novidade lá fora? — Perguntei ao Miguel, enquanto
voltava a beber. O uísque descia queimando minha garganta.

— Tudo igual — respondeu ele, com o maxilar travado. — Sem


contra-ataques.

— Merda! — praguejei. — Não sei se gosto desse silêncio.

— Já chega desses assuntos de guerra e mortes. — Murmurou Lis,


com a respiração irregular. Notei que suas mãos tremiam. — Estão me

deixando nervosa e, não sei se perceberam, mas estou segurando uma faca.

Bebi outro gole, em seguida, ofereci a garrafa para ela.

— Beba um pouco— pedi, encarando-a com intensidade. — Vai lhe

dar a coragem de que precisa.

— Se quiser, eu posso cortar, irmã. — Ofereceu Miguel, estalando os

dedos. — Basta me dizer o que preciso fazer. — O idiota parecia eufórico


com isso.

Lis negou com a cabeça, buscando uma respiração profunda.

— Eu faço — afirmou. — Apenas estou nervosa, porque até o


momento meus treinamentos foram feitos somente em defuntos.

— Isso é para eu me sentir melhor? — Indaguei, rindo nervosamente,

mas a risada acabou me causando mais dor.


— Quieto! — Exclamou, soltando o ar aos poucos enquanto firmava a

lâmina em minha pele. — Não quero causar mais estragos aqui.

Seu tom mandão me fez querer rir outra vez, mas me controlei, pois
não queria lhe deixar ainda mais nervosa.

Quando a faca perfurou minha carne, me esforcei para não gritar de


dor e apenas mantive meus dentes cerrados. O uísque foi meu anestésico,

embora não diminuísse em nada meu desconforto.

— Pronto — disse ela, angustiada por estar me causando dor, apesar


de ser inevitável. Tirou a garrafa da minha mão e entornou um bom gole, que

a fez tossir descontroladamente. — Merda!

— Isso não é como água, pequeña — comentei, com um sorriso no

canto dos lábios.

De repente, tive minha atenção desviada para Miguel, que se tornou


tenso quando alguém lhe chamou através da “escuta”.

— O que foi? — perguntei, resfolegante.

— Os homens de Javier estão lá fora. — Declarou ele, pegando sua

pistola e se preparando para sair da sala. — Não se preocupe que vou dar
um jeito nisso.

— Filhos da puta do caralho! — Exclamei, tentando me levantar. —

Me dê minha arma — pedi, gemendo de dor.


— Nada disso! — Lis me barrou, encarando meus olhos com tanta

seriedade que cheguei a ficar sem ar. — Você não está em condições para
sair daqui agora, não com essa bala alojada em sua coxa. Eu só cortei, ainda

não a retirei.

— Lis está certa, patrão — reforçou Miguel. — Precisa se recuperar

primeiro. Fique tranquilo que eu e os outros daremos conta.

Rangi os dentes, furioso e tenso ao mesmo tempo. Eu odiava ter que


depender de outras pessoas; odiava me sentir de mãos atadas.

Lis voltou a forçar meu corpo para trás e, dessa vez, eu permiti.

Vi quando ela pegou uma espécie de pinça de dentro da sua pequena


bolsa e, em seguida, avisou que retiraria a bala.

Eu podia ver a maneira como suas mãos tremiam quando jogou o


uísque sobre o objeto, e isso piorou um pouco mais quando começamos a

ouvir o som de disparos no lado de fora. Apoiando-me em um dos meus


cotovelos, levei minha mão até a sua, apertando-a.

Nossos olhares se encontraram e, por um segundo, desejei puxá-la

contra meus braços e encher sua boca gostosa de beijos. Desejei confessar o
quanto a amava.

— Está tudo bem — declarei no fim. — Eu confio em você.

Mordendo os lábios, ela baixou a cabeça, assentindo.


Respirou fundo antes de levar a pinça até minha pele onde, lentamente
e com cuidado, começou a retirar a bala.

O som dos disparos se tornou mais evidenciado, o que me desesperou.

— Lis... — chamei, sentindo que a qualquer momento acabaria


perdendo a consciência. Eu tinha perdido muito sangue. — Você precisa

fugir. — Sibilei, entre dentes.

— Pare de falar — ralhou. — Jamais deixarei você.

Nesse momento, alguém invadiu a sala, fazendo Lis dar um pulo de

susto.

Tentei me erguer, mas meu fodido corpo não me obedecia.

— Lis... Lis... Lis...

Eu não podia perdê-la. Não podia deixar que a levassem. Não podia
deixá-la vulnerável.

Fiquei preso entre a realidade e a inconsciência. A última coisa que

meus olhos viram foi o momento em que minha garota pegou minha pistola e
atirou contra o maldito intruso.

A porra do meu coração se afundou no peito, pois, por minha culpa,


ela sujou suas belas e macias mãos...

Por minha culpa, Lis acabou se tornando uma assassina.


Capítulo 1

Lis

Eu não me considerava uma garota frágil, embora todos ao meu redor


insistissem em me manter sob uma redoma de vidro. Cresci dentro de uma

família humilde, mas sempre repleta de muito amor e respeito. Miguel e eu


tínhamos uma diferença de idade considerável, com ele sendo mais velho,

porém, às vezes, eu me sentia mais madura.

Infelizmente, meu irmão tinha algumas atitudes impulsivas, o que,


constantemente, o colocava em enrascadas. Quando ele começou a trabalhar

para o Angel, chefe do maior cartel do México, eu fui a primeira a saber, já

que nosso pai — nossa família — não aceitaria tão facilmente seus negócios
ilegais, então foi algo bem assustador. Angel era conhecido por ser um

homem duro e implacável, consequência deixada pela perda de seu pai e,

sequestro de sua irmã na época em que Miguel começou a trabalhar para ele.
Entretanto, meus olhos nunca o enxergaram como uma pessoa ruim, nunca

consegui vê-lo como um mero criminoso; e isso, de certa forma, dizia muito

sobre mim. Era como se houvesse um lado sombrio, escondido em meu


interior. Por mais que eu amasse minha família, meus pais e irmão, eu sentia

a ausência de algo; sentia que faltava alguma coisa mesmo sem saber o quê.

— Lis? — Estremeci de susto com o som da voz do Angel, seguido de


uma batida na porta do banheiro em que eu estava. — Lis? Abra a porta,

pequeña.

Minhas mãos estavam firmes sobre a bancada da pia, enquanto eu me


encarava no espelho. Meus olhos estavam vermelhos e úmidos conforme as

lágrimas borravam toda a minha maquiagem. Sempre perguntei a minha mãe

o motivo de ter olhos azuis, considerando que eu era a única da família a tê-

los, o restante tinha olhos escuros. Contudo, ela sempre desconversava e

dizia que meus traços lembravam os antepassados da nossa família.

— Lis? — Angel insistiu.

Uma rápida olhada em minhas roupas me fez observar as manchas de

sangue.

Boa parte era do Angel, o restante do homem que matei. Eu havia

tentado salvá-lo, mas o disparo foi certeiro no coração.

Tudo isso aconteceu há pouco menos de duas horas, mas eu não


conseguia esquecer.

E o pior... não me sentia arrependida do que fiz. Ou era ele, ou seriam

Angel e eu.
Jamais permitiria que alguém ferisse o homem que cuidava de mim

como se eu fosse uma princesa. Jamais deixaria Angel ser machucado na

minha frente sem fazer nada para impedir.

Gritei quando a porta do banheiro foi arrombada com selvageria. Ao

me virar, com a mão no peito devido ao susto, visualizei a figura do homem

que vinha habitando meus pensamentos desde que nos conhecemos, há quase

quatro anos. Ele não sabia, aliás, apenas Miguel sabia, mas eu era

completamente apaixonada por ele.

— Eu... — se calou quando arrastou os olhos pelo meu corpo como se

estivesse buscando por algo errado. — Você não me atendeu quando eu

chamei.

Pisquei e, em seguida, levei os dedos abaixo dos meus olhos para

enxugar as lágrimas que desciam insistentes.

— Estou bem. — Murmurei, soltando um suspiro doloroso. — Você

não deveria estar de pé.

Tentei passar por ele, mas sua mão segurou meu braço forçando-me a

permanecer ali.

Arquejei baixinho com o contato de nossos corpos.

— Temos que conversar — ditou, em tom apreensivo. — Não me


lembro de muita coisa, mas sei que a merda foi das grandes, e você... ah,
pequeña... — amparou meu rosto, me encarando com um olhar que me fez

desejar chorar.

Nervosa, me afastei e segui para o quarto. Era uma suíte imensa.

— Onde está o Miguel? — Perguntei, me aproximando da cama e

ajeitando os travesseiros. — Tenho certeza de que ele estava aqui quando

entrei no banheiro.

Depois do acontecido, duas horas atrás, meu irmão foi rápido o

bastante para nos tirar daquele lugar e nos trazer para a mansão do Angel.

Terminei de costurar o ferimento de sua perna enquanto ele ainda estava

desacordado. Pedi para que Miguel fizesse uma transfusão de sangue, pois

foi necessário.

— Ele saiu para resolver alguns assuntos meus — respondeu minha

pergunta.

Levei meus olhos para onde ele estava, ainda parado na porta do

banheiro.

O homem estava apenas de cueca, pois optei por tirar sua calça a fim

de facilitar meu trabalho.

— Deite-se! — Exigi, apontando para a cama.

— Lis...

O interrompi, irritada:
— Por favor, Angel, faça o que estou pedindo. — Desabafei,

esfregando a têmpora.

Claro que o idiota tinha que dificultar as coisas e não seguiu minhas
recomendações...

— Por que está fazendo isso? — Quis saber, caminhando em minha

direção, com dificuldade.

— Isso, o quê? Não entendi.

Fiz uma careta quando ele pegou uma garrafa de uísque.

— Tentando fingir que não aconteceu nada. — Respondeu, me

encarando com uma emoção que deduzi como sendo irritação. Tentei tirar a

garrafa da sua mão, mas ele não permitiu. — Fingindo que está bem, quando

sei que isso não é verdade.

— Está enganado. — Resmunguei, buscando uma respiração profunda,

enquanto me virava de costas para ele. Apoiei as mãos em minha cintura

obrigando minhas emoções a se manterem controladas. — Só estou cansada,

mas garanto que me sinto bem.

— Você matou um homem, Lis — revidou. — Então é óbvio que não

está bem. Não minta para mim.

Não falei nada.


Ao invés disso, me virei para ele e fiquei o observando enquanto ele

bebia seu uísque como se este fosse água.

— Eu sabia que não deveria ter permitido que você ficasse lá... —

resmungou mais para si mesmo, enquanto sacudia a cabeça. — Deveria ter

mandado Miguel tirar você daquele lugar, nem que fosse à força.

Não acreditei no que estava ouvindo.

— De nada por ter salvado sua vida — ironizei, magoada.

Nossos olhos se encontraram e vi a fúria nos seus.

— Ainda não entendeu que isso não tem nada a ver comigo? —

revidou, tão irritado quanto. — Não era para você ter se envolvido nessa

porra! Não era para você ter sido jogada na porcaria de um tiroteio, muito

menos ter tirado a vida de alguém.

— Então é isso que te preocupa? — Questionei, me aproximando. —

O fato de eu ter me tornado uma assassina? Por acaso isso está fazendo você

me enxergar com outros olhos?

Como eu estava próxima, ele levou o dedo até uma mecha do meu

cabelo, que caiu em meu rosto, e colocou atrás da minha orelha.

— Só estou preocupado, pequeña — murmurou, amenizando o tom de

voz. — Toda essa porra é fodida demais, e eu nunca almejei isso para você.

Você é luz.
— Tarde demais. — Declarei, segurando sua mão e a pressionando

em meu rosto. — Mesmo você não querendo, eu já estou envolvida —

admiti. — Já estou envolvida de corpo e alma.

Vi que seus olhos se arregalaram quando o entendimento se fez

presente em sua mente.

— Eu não acordei hoje imaginando que atiraria em um homem, Angel,

mas confesso que faria isso quantas vezes fosse necessário, apenas para
proteger você.

— Pelo amor de Deus, Lis, não fale um absurdo desses! — Afastou-


se, se mantendo de costas.

— Não é absurdo — argumentei. — É a verdade.

— Você não nasceu para isso — voltou a me encarar. — Não nasceu


para essa escuridão.

— A única certeza que eu tenho é de que nasci para ser sua, Angel —
confessei, nervosa por ter tido coragem de dizer tais palavras. — O peso da

morte daquele homem não será maior do que a dor que eu teria aqui no peito
se perdesse você. Não entende? — Cheguei mais perto, espalmando seu

peito com minhas mãos trêmulas. — Me apaixonei por você. E não me


importo com a forma como ganha a vida. — Deslizei as mãos para cima, até
chegar ao seu rosto endurecido — Eu só quero estar com você. Nada mais
tem importância.

— Vou providenciar um profissional de cabeça para você. —

Suspirou, beijando minha testa antes de ser afastar. — Agora tenho certeza
de que você não está bem.

— Está dizendo que estou louca? — Me vi incrédula. — Então eu me


declaro para você e é isso que tem para me dizer? Que estou louca?

Ele me encarou de lado, com as mãos na cintura.

— O que quer que eu diga?

— Eu não sei, droga! — explodi, odiando-me por estar perdendo o

controle. — Por que não tenta dizer que também sente o mesmo por mim,
hun? Não é possível que não sinta nada diante de tudo o que me proporciona

— eu estava desesperada.

A maneira como ele me encarou fez meu coração quebrar. Parecia


estar sentindo pena.

— Sinto muito, Lis, mas não consigo vê-la como mulher. — O ar


ameaçou me abandonar. — Veja bem, eu tenho um imenso carinho por você,

assim como pela sua família, mas não passa disso — explicou, sem desviar
os olhos dos meus. — Você não serve para mim.

Terminou de cravar a faca no meu peito.


Mesmo me esforçando muito, não pude evitar de cair aos prantos.
Trêmula, olhei ao redor em busca da minha bolsa. Eu não sabia o que pensar.

Não sabia o que dizer.

— Lis... Aonde vai?

Nesse momento, fechei os olhos, com a mão na maçaneta.

— Para longe de você — respondi, com a voz embargada. — O mais


longe que eu puder.

Dizendo isso, abri a porta e saí.

No caminho, esbarrei em Miguel, mas não dei tempo para que ele
percebesse meu descontrole e acelerei os passos. Eu precisava fugir dali.

Precisava resguardar meu coração, embora desconfiasse que meu amor pelo
Angel me perseguiria para onde quer que eu fosse.
Capítulo 2

Angel

— Podemos tentar trabalhar com ele, pois o homem tem uma ótima
frota de caminhões — comentou Ramiro, meu consultor. — Fora que o

homem preza demais pela discrição, então não teremos problemas com os
federais.

— Isso não chega a ser um problema, já que tenho a polícia na minha

mão.

— Não exagere — revidou. — Você não é nenhum Pablo Escobar.

— Não, sou melhor. — Comentei, sorrindo como um maldito demônio.

— Gosto de causar pânico nas pessoas.

De repente, meu telefone pessoal começou a tocar, interrompendo

nossa conversa.

Nem precisei falar nada e Ramiro pediu licença, em seguida, saiu do

meu escritório. Eu gostava dele.


Joguei as pernas sobre a mesa e me recostei em minha poltrona. Em

seguida, atendi a ligação da minha irmã.

— Rosa, querida! Estava com saudades de você. — Foi impossível


esconder o sorriso que tomou conta do meu rosto todo.

Por muito tempo, eu vivi acreditando que estava sozinho no mundo,

sem pai e mãe, e sem minha única irmã. No último ano, as coisas foram bem
tensas com todos os malditos ratos que eu tive que eliminar dentro da minha

organização, sobretudo, com os que ousaram ameaçar minha doce irmã e

forçá-la a um casamento sem amor.

— Também estou. — Ouvi sua voz do outro lado da linha. — Quando

pretende vir me visitar? Faz muito tempo que não nos vemos, irmão.

— Desse jeito, você vai me fazer acreditar que o idiota do seu marido
não está sendo suficientemente presente na sua vida, querida — murmurei.

— Quer que eu dê um jeito nele?

Ela resmungou, zangada.

— Será que dá para parar de ameaçar o Luca?

Foi impossível evitar uma risada.

— E perder a diversão? — Zombei, fazendo a sorrir também.

— Palhaço! — Exclamou, entre risos. — Mas agora é sério...

quando virá me ver?


Respirei fundo.

Eu tinha pedido para que os Fratelli não mencionassem a ela sobre o

episódio do tiro, já que eu a conhecia bem o suficiente para saber que não

sossegaria enquanto não se deslocasse até o México para me ver. E com

tanta merda acontecendo não havia segurança, não com tantos inimigos do

meu lado e do lado deles.

— Estou me esforçando para resolver alguns problemas que,

infelizmente, vêm tomando a porra do meu tempo. — De certa forma não era

mentira. — Fora que deve saber que também estou ajudando os Fratelli na

caçada ao Louis Moran.

Ouvi seu suspiro baixo e sofrido.

— Sim, eu sei — soprou. — Não aguento mais essa maldita guerra.

Levei as mãos ao rosto, esfregando-o em frustração.

— Ei? Por que não me fala do curso que está fazendo? Estou ansioso

para comer da sua comida, sabia?

Ouvir sua risada me aliviou, já que consegui amenizar a tensão

mudando o rumo da conversa.

Rosa era minha preciosidade, e mesmo eu “pegando no pé” do seu

marido, me sentia feliz e satisfeito com seu casamento. Luca Ricci era um

homem de valor e provou merecer minha irmã.


Passamos alguns minutos conversando até que ela decidiu desligar.

Assim que nos despedimos, meus olhos se fixaram no papel de parede

que coloquei no visor do meu celular, era uma foto da Lis, de quando tirei

sem que ela estivesse olhando. Meu coração se apertou quando me lembrei

de nosso desentendimento, há quase uma semana. Eu não fui sincero em

minhas palavras... não podia ser.

Eu não poderia trazê-la para meu mundo. Não queria que ela se
misturasse a minha escuridão, mais do que já havia se misturado.

Por isso tentei afastá-la dizendo que não a amava.

Magoá-la com minhas palavras. Mesmo que doessem mais em mim do

que nela.

Depois disso, descobri que ela retornou à Londres, algo que não fazia

parte de seus planos, pois eu sabia que ela estava com ideia de permanecer

no México. Saber que, tão cedo, eu não voltaria a vê-la me causava tanta dor

que chegava a perder o ar, mas, ao mesmo tempo, entendia que seria melhor

assim. O lugar da Lis não era ao meu lado, pelo contrário, era o mais longe

possível de mim.

Meu telefone voltou a tocar, fazendo-me dispersar os pensamentos.

Era o Mariano, um dos irmãos Fratelli.


— Descobrimos o paradeiro do Louis — disse ele, quando atendi. —

Demorou um pouco, mas Dante revelou que o desgraçado está no México.

Me ericei com essa informação.

— Onde, especificamente?

— Na estância de Playa del Carmen, na Riviera, logo ao sul de

Cancún.

Assenti, fazendo minha mente trabalhar rapidamente.

— Qual o plano? — indaguei, sem esconder a euforia.

— Embarcaremos agora mesmo — respondeu, agitado. — Podemos

contar com seu apoio?

— Esperarei com meu pessoal para dar o suporte necessário —

rebati, sem pestanejar.

***

Depois que eu e os Fratelli chegamos ao local de esconderijo do

Louis Moran e o encontramos vazio, descobrimos que o desgraçado havia se

entregado a polícia. No fim das contas, o idiota queria escapar da fúria dos

italianos, os quais tanto feriu.

— Você não vai fazer nada, além de atravessar o caminhão na pista e

causar transtorno. Faremos o resto — expliquei ao motorista, que trabalhava


para mim.

— O que essa merda aqui vai fazer mesmo? — Questionou Joshua,

gesticulando para a arma de choque em suas mãos. Ele fazia parte da equipe

do Daniel, líder do moto clube Lobos. — Por que não podemos usar armas

de verdade?

Revirei os olhos.

— Esse rapaz precisa de tratamento, Daniel. — Apontei, passando por

eles.

Estávamos todos à espreita; o comboio de policiais, transportando

Louis Moran, chegaria a qualquer momento.

— Josh só é exagerado demais — revidou ele.

— Psicopata você quis dizer, né? — Zombou Ethan, fazendo-nos rir.

— Eu apenas não finjo. — Afirmou Joshua, dando de ombros. —

Adoro mandar os filhos da puta para o inferno.

— Nem todos os policiais são maus, Josh — alegou Oliver. — Nem

todos são corruptos.

Nesse momento, o garoto franziu o cenho, mas não comentou nada.

Eu não era idiota, pressentia que algo de muito grave tinha acontecido

no passado dele para tê-lo deixado assim, tão sanguinário.


— Estão vindo — avisei, me concentrando no que realmente

importava no momento. Olhei para a estrada. — Em suas posições — ditei a

todos.

Quando os dois carros de polícia se obrigaram a parar por causa do

caminhão atravessado na pista, nós aguardamos até que os homens saíssem

dos veículos. Enquanto eu e Daniel usamos dardos tranquilizantes, o restante

dos homens usaram arminhas de choque. O plano era que ninguém se ferisse.

O delegado foi o último a se render, o que me custou um pouco, já que

que prometi aos Fratelli que não teriam feridos.

Assim que a porra toda acabou, ordenei aos meus homens para que se

dispersassem.

— Puta que pariu! — Ouvi a exclamação do Joshua, enquanto dava um


pulo para longe do carro da polícia. — Por que não disseram que

raptaríamos o Frankenstein?

Foi impossível ignorar o desejo de rir. Me aproximei, ouvindo Louis

resmungar alguma coisa em espanhol, nitidamente assustado, visto que não


fazia ideia do que estava acontecendo.

— Não perca seu tempo, cabrón! — resmunguei. — Nós iremos fazer


um passeio agora.

Me afastei e fiz sinal para que o tirassem do carro.


O plano era levá-lo até Sierra Madre Ocidental, onde os Fratelli
estariam esperando para executarem a vingança almejada.

Meu telefone tocou, me distraindo. Era Miguel.

— O que foi? — Atendi.

— Lis não está bem — falou, sem rodeios.

Meu coração ameaçou saltar da boca.

— Como assim? O que aconteceu? — Todo meu corpo se tornou tenso


de puro medo.

— Os seguranças que a estão vigiando afirmaram que ela está

saindo toda noite para beber — declarou. — E ambos sabemos que ela não
é assim. Minha irmã não está bem.

Merda!

Travei o maxilar. Eu não tinha contado para ele sobre minha última

conversa com Lis, quando ela admitiu estar apaixonada por mim; era algo
íntimo.

Respirei fundo.

— Não posso falar agora — declarei, nervoso com tanta coisa


acontecendo ao mesmo tempo. — Mas prometo que resolveremos isso —

garanti. — Nem que eu tenha que viajar até Londres se for preciso.
Dizendo isso, desliguei.

Foi justamente isso que tentei evitar... o sofrimento dela era o meu.

Porra!

Mesmo angustiado, mascarei minhas emoções e voltei a me concentrar


na situação que exigia minha atenção imediata. Eu ainda era um chefe de

cartel, e meus aliados precisavam de mim.


Capítulo 3

Lis

Minha rotina estava virada do avesso desde que retornei a Londres.


Na verdade, eu não tinha a intenção de voltar, considerando que,

ingenuamente, acreditei que Angel me aceitaria ao seu lado. Entretanto, tudo


o que ganhei foi um coração partido.

Fui ingênua o suficiente para acreditar que um homem como Angel se

apaixonaria por mim.

Burra!

Desde que Miguel o colocou em nossas vidas, passei a observá-lo;

Angel era um homem poderoso; e na maioria das vezes, letal e duro com

seus subordinados. Porém, quando estava comigo, ele se transformava em


outro homem. Mais amável.

Talvez fosse meu coração apaixonado imaginando coisas, mas eu


sempre senti que ele mudava quando estava perto de mim.
Odiava o fato de amar alguém que, na primeira oportunidade me

afastou para longe.

— Você está com aquela cara de novo — comentou Brittany.

Estudávamos juntas. Embora minhas últimas semanas não houvessem

rendido quase nada, já que passei boa parte das minhas noites em baladas,

como era o caso dessa. Meus amigos e eu estávamos em uma das boates
mais badaladas de Londres.

— Que cara? — Comentei, bebericando minha tequila, enquanto fingia

desentendimento. Como minha amiga, ela sabia que fui rejeitada pelo homem
que eu amava, embora eu não houvesse contado detalhes, visto que não

podia falar a respeito dos negócios criminosos do Angel. — Estou me

divertindo — Menti, forçando um sorriso, que ela não acreditou.

Brittany era uma garota de cabelos loiros e pele bem branca; os olhos

verdes iluminavam seu rosto de traços marcantes. No passado, quando vim

para Londres a fim de fazer o intercâmbio, eu e ela compartilhamos o

dormitório, contudo, Angel decidiu que eu deveria morar em meu próprio

apartamento. Na ocasião, Miguel alegou que seria melhor, pois minha

segurança deveria vir em primeiro lugar. Foi difícil explicar aos meus

amigos, a presença dos seguranças que me acompanhavam em todos os

lugares, sobretudo, o luxo do meu apartamento.


— Está tentando convencer a si mesma? — Zombou ela, rindo com ar

de atrevimento.

Rolei os olhos, me colocando de pé.

— Vou dançar. — Avisei, me afastando da nossa mesa.

Eu e ela viemos com mais dois amigos, John e Charles, que já estavam

atracados, cada um com uma garota. Não éramos os melhores amigos do


mundo, mas nos dávamos bem.

Decidida a me anestesiar por mais uma noite, comecei a remexer o

corpo de acordo com as batidas da música eletrônica conforme seguia para a


pista de dança, desviando do amontoado de pessoas.

Entornei mais um gole da minha bebida, em seguida, fechei os olhos e

me permiti viajar ao som da música dançante. De repente, senti mãos

enlaçarem minha cintura, o que me obrigou a abrir os olhos e me afastar.

— Não estou buscando companhia. — Sibilei, assim que encarei o

rapaz de sorriso bobo.

Não esperei por resposta e virei em meus calcanhares, ameaçando me

afastar dele. Entretanto, o idiota não se deu por satisfeito e segurou-me pelo

braço.

— Nossa! Por que a pressa, gatinha? — indagou, se insinuando todo.

No começo, quando cheguei a Londres tive um pouco de dificuldade para me


comunicar, considerando que minha fluência era no inglês americano, e o

britânico era bem diferente, bem mais arrastado. — Nem me deu tempo de

me apresentar. — Arrastou sua mão livre em meu braço, causando-me


arrepios.

Fiquei assustada, porque era nítido que ele estava levemente

embriagado.

Prestes a abrir a boca para retrucar, uma voz, que eu reconheceria em


qualquer lugar, soou, cavernosa.

— A garota não está interessada. — Angel estava atrás do rapaz, com

cara de poucos amigos.

— E quem é você, cara? — revidou o idiota.

Angel deu um sorrisinho, em seguida, se aproximou, quase colando o

rosto no dele.

— No momento, não sou ninguém — afirmou, encarando-o com

intensidade. — Mas posso me tornar o seu pior pesadelo se continuar

insistindo em importunar a minha garota.

Minha garota? Minha mente deu um nó.

— Agora tire as mãos dela se não quiser perdê-las. — Avisou, com

um sorriso sinistro. Parecia estar falando do tempo.

Assustado, o rapaz me soltou.


— Maluco — resmungou antes de se afastar.

Meus olhos não tinham abandonado Angel em nenhum momento. Tudo,

dentro e fora de mim tentava entender o que ele estava fazendo ali.

— Oi, pequeña. — Cumprimentou-me, chegando mais perto. Havia

um calor em seu olhar, que, ao invés de me cativar, causou-me ainda mais

raiva.

Sem segurar o ímpeto, ergui a mão e o estapeei. Eu queria xingá-lo.

Queria bater nele.

O choque que minha reação o causou não foi maior do que a dor que

sua presença causou em meu peito. Como eu iria superá-lo se ele não ficava

longe?

Sentindo meus olhos nublados pelas lágrimas insistentes, decidi sair

correndo. Caminhei, apressada, driblando as pessoas que se atravessavam

em meu caminho. Minha mente estava confusa, com pensamentos

bagunçados; buscava uma explicação para Angel ter vindo atrás de mim, mas

ao mesmo tempo, odiava que ele estivesse ali.

Sem ter como sair pela porta da frente, rumei para a saída dos fundos.

Rapidamente, peguei meu celular dentro da minha bolsa de mão e mandei

uma mensagem para a Brittany, avisando que iria embora. Eu só queria fugir.

Fugir do homem que tinha meu coração em suas mãos.


Com mãos trêmulas, guardei meu celular e obriguei minhas pernas a se

manterem firmes. Estava tão absorta em pensamentos que demorei a reagir

quando ouvi um som de tiro.

Travei no lugar, com as mãos para cima sem nem saber o que estava

acontecendo.

As lágrimas me cegavam, pois nublavam minha visão completamente.


Eu não fazia ideia de nada, mas meu instinto de sobrevivência berrava aos

meus ouvidos.

Lentamente, me virei e dei de cara com um homem morto bem atrás de

mim. Gritei, abafando o som com minha mão. Meus olhos avistaram, a alguns

metros de distância, um homem com a arma em punho; ele estava me

olhando. Não sabia quem era, o que apenas piorou meu estado de terror.

O homem morto, a minha frente, no chão, estava com a cabeça

sangrando, indicando que o disparo havia sido certeiro, no crânio.

— Lis!

Ouvi a voz do Angel.

Trêmula, me virei para ele quando se aproximou, correndo. Seus olhos

assustados, se arrastaram pelo meu corpo, buscando por algum ferimento

antes de me puxar contra seus braços. Pude sentir que ele tremia tanto quanto

eu.
— E-ele... acabou de-e levar um ti-tiro — apontei para o cadáver,

sentindo cada um dos meus músculos tremer.

Angel amparou meu rosto com suas duas mãos, que estavam frias.

— Vai ficar tudo bem — afirmou com a voz tensa. — Venha, temos

que sair daqui. — Me segurou pela cintura, mantendo-me colada ao seu

corpo.

Rapidamente, um carro freou bem ao nosso lado. Angel abriu a porta


da parte de trás para que eu pudesse entrar. Eu não conseguia parar de

chorar, nem quando Angel se colocou ao meu lado, aninhando-me em seus


braços.

***

Quando chegamos ao hotel em que Angel estava hospedado, me deixei


ser guiada por ele. Na verdade, eu me sentia flutuar conforme minha mente

vagava para o momento em que alguém foi morto bem atrás de mim.

— Lis, querida... — pisquei, assim que Angel me colocou sentada

sobre a cama. Nem tinha percebido que já estávamos no quarto. — Você está
bem?

Ergui os olhos para ele, franzindo o cenho conforme minha mente

esforçava-se para raciocinar com coerência.

— Por que está aqui? — indaguei, num sopro.


Vi que ele não estava esperando por essa pergunta, pois tentou se
esquivar.

— Estou aqui a negócios e...

— Pelo amor de Deus, Angel! — O cortei, numa mistura de fadiga,


mágoa e irritação. — Seja honesto comigo. — Explodi, soluçando. — Eu

acabei de presenciar um assassinato, então, por favor, não minta para mim.

Respirando fundo, ele desviou os olhos.

— Vim atrás de você — admitiu. — Fiquei preocupado quando soube

que você estava saindo todas as noites para beber.

Levei as mãos ao rosto, enxugando as lágrimas que desciam sem parar.

— Então veio apenas para me vigiar — não foi uma pergunta. Minha

boca se tornou amarga.

— Não foi isso que eu disse, Lis.

— Eu sei muito bem o que você disse, Angel. — Sibilei, olhando


diretamente em seus olhos. Me coloquei de pé, soltando o ar que estava me
sufocando. — Lembro de cada palavra. Cada palavra que entrou aqui dentro

— pressionei meu peito — cravando como uma lâmina afiada.

Vi quando uma emoção diferente passou pelos seus olhos, mas eu

estava muito nervosa para conseguir discernir.


— Eu nunca quis magoá-la.

Sacudi a cabeça, enquanto ria com amargura.

— Ah, claro que não — ironizei. — Você só quis deixar claro que eu
não estou aos pés da mulher perfeita que precisa estar ao seu lado. — Odiei-
me pela explosão, mas não pude evitar. — E sabe de uma coisa? Acho que

você tem razão. Você é um homem perigoso, Angel — apontei, ansiando


magoá-lo da mesma maneira que ele fez comigo. — Bastou você aparecer

para que a violência surgisse ao meu redor. Eu estava bem aqui! — declarei
num fôlego só. Travei o maxilar, esfregando meu rosto com as duas mãos. —

Eu estava tentando superá-lo. Mas então você apareceu e estragou tudo.


Agora estou presenciando assassinatos. O que você quer de mim, Angel? O

que quer?

Seu rosto estava endurecido, enquanto me encarava, sem nada dizer.

— Já chega disso! — exclamei, rumando para fora do quarto. — Não

ficarei nem mais um minuto perto de você.

Entretanto, Angel se aproximou de mim, por trás, me segurando pela

cintura.

— Me perdoe, pequeña — soprou em meu ouvido. Em seguida, senti


uma picada de agulha em meu pescoço.
A expressão devastada do Angel foi a última coisa que vi antes de a

escuridão me tomar.
Capítulo 4

Angel

Pouco mais de um mês sem vê-la. E bastou colocar meus olhos sobre
ela para que tudo, dentro e fora de mim, se reacendesse como uma árvore de

Natal.

Quando desembarquei em Londres, meu plano era vigiá-la de longe,


apenas para tentar entender — e ver com meus próprios olhos — o que

estava acontecendo, visto que Miguel tinha deixado claro que sua irmã não
estava bem. E isso ficou evidenciado no instante em que a segui até aquela

casa noturna e presenciei seu descontrole emocional. Lis sempre foi uma

garota doce e calma, embora forte e selvagem quando necessário. Porém,


quando a vi se embebedando, entendi que minha garota estava devastada. E

odiei a mim mesmo por saber que fui o único causador disso.

— Eu sinto muito, pequeña. — Soprei, acariciando seu rosto sereno.

Eu tinha a colocado sobre a cama depois que me obriguei a dopá-la. Eu

sempre carregava comigo dardos tranquilizantes, então não pensei duas

vezes antes de usar. Não podia permitir que ela, simplesmente, saísse do
hotel, considerando que eu ainda precisava descobrir o que estava

acontecendo. O assassinato daquele homem não era a porra de uma

coincidência, e eu sabia disso. — Não posso permitir que saia daqui e corra

perigo.

Me inclinei e beijei sua testa.

Em seguida, me afastei e fui para fora.

— Não saiam desta porta por nada! — exclamei aos dois seguranças

no lado de fora. — E não permitam que a senhorita Lis deixe o quarto — fui

taxativo.

Dizendo isso, rumei para os elevadores. No painel, acionei o botão do

térreo do prédio.

Coloquei as mãos nos bolsos da minha calça, trincando os dentes. A

todo momento, minha mente tentava raciocinar sobre os últimos


acontecimentos, mas não conseguia assimilar nada.

Quando as portas se abriram, saí e trilhei o corredor em direção a

única porta que me levaria para o térreo do prédio. Peguei minha arma e, em

seguida, girei a maçaneta. O ar úmido da noite banhou meu rosto, entretanto,


não tive tempo para desfrutar disso, considerando que senti a pressão do

cano de uma pistola em minha nuca.

— Abaixe sua arma, mexicano — sibilou uma voz em tom baixo.


Dei uma risadinha.

— Por que não abaixa a sua primeiro?

Ele não respondeu de imediato, mas decidiu se afastar. Ao me virar


para trás, me deparei com Ryan, conhecido por ser um caçador de

recompensas. Foi com a ajuda dele que, longos meses atrás, os irmãos

Fratelli conseguiram me encontrar na Ilha das bonecas, quando fui traído e

preso pela minha própria organização.

Na época, o líder de uma das famílias do meu cartel, pensou que

poderia manchar minha reputação para roubar o trono; com isso, raptaram

minha irmã e tentaram forçá-la a um casamento. Porém, com a ajuda dos

Fratelli, consegui recuperar o controle e mandar todos os ratos para o

inferno.

— Admito que estou surpreso em vê-lo por aqui, caçador. —

Comentei, guardando minha arma.

Minutos atrás, quando cheguei ao hotel com a Lis, eu vi o Ryan. Ou

melhor, ele me deixou vê-lo. Na mesma hora entendi que algo estava muito

errado. O assassinato daquele homem e a presença do caçador não eram uma

mera coincidência. Então fiz sinal para que ele me esperasse no térreo do

prédio.
— Vejo que anda convivendo bastante com os Fratelli — murmurou

ele. — Eles são os únicos que me chamam assim.

Guardou sua pistola no coldre.

— Por que está aqui, Ryan? — fui direto ao ponto.

Ele me encarou com atenção.

— Estou a serviço — respondeu, misterioso.

Arqueei as sobrancelhas.

— Foi você quem assassinou aquele homem — não foi uma pergunta.

— Por quê?

O homem, que não aparentava ter mais do que quarenta anos, cruzou

os braços e se recostou na parede atrás de si.

— Fiz aquilo pela garota.

Franzi o cenho, sentindo meu corpo todo se eriçar com a ideia de a Lis

estar em perigo.

— Lis? O que ela tem a ver com essa merda?

Foi impossível não demonstrar meu incômodo.

— Você já deve saber que os Fratelli possuem uma irmã desaparecida

— comentou, me encarando com as sobrancelhas arqueadas.


O baque que suas palavras me causaram fez com que eu desse alguns

passos para trás. Levei as mãos aos meus cabelos, deslizando-as para minha

nuca, enquanto me virava de costas, pensativo.

— E por acaso está pensando que essa garota é a Lis? — indaguei,

ainda com espanto, embora minha mente estivesse a mil.

Há umas duas semanas, Mariano me ligou comentando a respeito

dessa nova descoberta que acabou pegando a todos de surpresa; na ocasião,

deixei claro que estaria a disposição para o que precisassem, pois sabia que

Rossi não estava na ativa, visto que precisava cuidar da sua esposa, que

ainda estava de luto pela perda do bebê.

— Quando me contrataram, eles me entregaram as informações que o

investigador deles reuniu — argumentou. — Isso me levou até o México,

onde, com minhas pesquisas, cheguei até a família Pérez. — Me analisou

com calma. — Não aja como se não soubesse que a garota não é filha

legítima deles.

Trinquei os dentes, nervoso demais para me controlar.

— Isso não prova nada — resmunguei.

Aquilo era tudo o que eu menos precisava naquele momento. Lis não

suportaria descobrir a verdade sobre suas origens. Não quando seu coração

ainda estava tão machucado, e por culpa minha.


— O senhor Pérez é um bombeiro aposentado — explicou. —

Descobri que ele estava de plantão na época em que a criança recém-nascida

foi deixada no corpo de bombeiros. Junto com ele, estavam trabalhando mais

cinco homens. Três já estão mortos, então restaram apenas dois, o senhor

Pérez e outro, que se mudou do México. Porém, o descartei, porque não

encontrei indícios de que foi ele quem pegou a menina.

Minha respiração estava desigual quando me voltei para ele, com as

mãos na cintura.

— Por que matou aquele homem? — indaguei quase em um rugido.

Desencostando-se da parede, veio até mim, enquanto tirava algo de

dentro do bolso.

— Por causa dela. — Entregou uma foto para mim. Pisquei, em


reconhecimento. — Juana Lopes.

Todos os pelos do meu corpo se arrepiaram.

— Por algum motivo, essa mulher está tentando fazer mal a garota —

contou. — E isso aconteceu algumas vezes, desde que ela ainda estava no

México. — Suspirou. — Precisa treinar melhor os seus soldados —

alfinetou. — Nem perceberam as movimentações suspeitas, nem quando


interferi nas ações dos desgraçados.

Ergui meus olhos para ele.


— Como descobriu sobre a Juana?

Deu de ombros.

— Sei fazer meu dever de casa, mexicano — comentou com uma

risadinha. — Na primeira oportunidade que tive, peguei um dos idiotas e o

torturei até que contasse até mesmo o número da calcinha da própria mãe. —

Rolou os olhos, embora o sorriso ainda pairasse em seus lábios. — Num

primeiro momento, não entendi a motivação para tal perseguição, mas bastou
eu ver a maneira como se comporta com ela para que o entendimento se

fizesse presente em minha mente. É por você.

Respirei fundo, voltando a esfregar meu rosto. Olhei para o céu escuro

num pedido silencioso de uma solução, mas não havia.

Ao menos ainda não.

— Ela é uma mulher do meu passado — admiti. — Alguém que não

pensei que fosse ver novamente — desabafei. — Agora a maldita está atrás
da Lis, da minha Lis... — fechei a mão em punho, pressionando-o em meus

lábios para evitar soltar todos os xingamentos que queria.

— Se ela realmente for a irmã desaparecida dos Fratelli, você terá a

ajuda deles para mantê-la em segurança — declarou.

— Eu sou capaz de mantê-la segura — rugi, indignado com sua


suposição descabida.
— Mas não pense que aqueles irmãos deixarão a garota com você —
revidou. — Não pensarão duas vezes antes de pegarem o jatinho particular

deles para o México, ou para Londres, se ela ainda estiver aqui.

Comecei a andar de um lado ao outro, forçando minha mente a pensar.


Eu precisava de tempo para resolver tudo. Precisava limpar minha sujeira

antes que ela respingasse na garota que eu amava.

Não era justo com ela.

— Eu preciso que você me dê um tempo antes que a Lis descubra

tudo. — Pedi, fazendo-o semicerrar os olhos. — Não faça essa cara, porque
você nem tem certeza se ela é a garota certa, mas eu posso descobrir isso —

ditei. — Posso conseguir um fio de cabelo para que seja feito o exame de
DNA. — Ele ficou pensativo. — Lis não faz ideia de que não é filha legítima

das pessoas que conhece como seus pais, então toda essa merda vai devastá-
la. Fora que agora preciso me preocupar com uma louca que está caçando-a

como se fosse um animal, e minha garota sequer sabe disso. Tudo isso vai
destrui-la. — Ryan continuou em silêncio. — Eu só preciso de tempo para

prepará-la. Preciso de tempo para limpar toda minha merda antes de jogar
essa bomba sobre ela, entende? Se você entrar naquele maldito quarto agora

e expor tudo o que descobriu sobre seu passado, Lis vai surtar. Além disso,
a certeza só virá com um exame de DNA.
Ryan respirou fundo, tiquetaqueando o maxilar enquanto olhava para o
chão, em seguida, para um ponto fixo em nossa frente; parecia estar

analisando todos os fatos apontados.

— Está certo, mexicano — declarou finalmente. — Te darei dois

meses. — Me encarou com intensidade. — Tire a garota de Londres e a leve


de volta para seu território. Vou ficar afastado, mas continuarei por perto,

dando cobertura quando necessário.

Sacudi a cabeça, assentindo.

— Como poderei encontrá-lo? — indaguei.

— Eu o encontrarei. — Disse, se afastando. — Tome conta da garota.

Desejei xingá-lo por me pedir o óbvio, considerando que desde que


conheci a Lis minha prioridade se tornou fazê-la feliz e mantê-la em

segurança. Mas entendi que a vida dela estava correndo perigo, e por minha
culpa. Tudo o que mais temi estava acontecendo, mesmo com todo o esforço

que tive para mantê-la afastada dos meus problemas.

Furioso, marchei em direção a porta, socando a madeira antes de abri-


la. Ignorei a dor que os ferimentos em minha mão me causaram.

Aquilo não era nada perto do problema que tinha caído sob meus
ombros.

Precisava tirar a Lis de Londres, e o mais rápido possível.


***

Presenciei o momento em que os lindos olhos azuis se abriram. Lis

demorou a raciocinar sobre onde estava e o que estava acontecendo. De


repente, se remexeu na cama até se sentar, olhando para todos os lados.

Quando seu olhar me encontrou vi uma mistura de emoções tomar conta de


seus lindos olhos.

Ao contrário do que imaginei, ela não disse nada. Ao invés disso, se


colocou de pé e caminhou até a porta do quarto. Uma rápida olhada no lado

de fora fez com que o espanto tomasse conta do seu rosto e ela se voltasse
para mim.

— O que você fez comigo? — quis saber, aturdida. — Onde estamos?

Respirei fundo, me jogando contra a poltrona em que me mantive


sentado por um bom tempo, apenas velando seu sono.

— Eu precisei dopar você.

Choque abrilhantou suas belas feições. Odiei enxergar sua decepção.

— Você... precisou? — Entortou os lábios. Parecia estar enojada. —

Está se ouvindo? Onde está meu irmão? Sou incapaz de acreditar que ele
esteja a par de toda essa loucura.

— Miguel não está na aeronave. — Avisei no instante em que ela

ameaçou sair do compartimento.


Seus olhos encontraram os meus, quase em pânico.

— Aeronave? — repetiu, abismada.

Fechei os olhos por um breve momento, buscando forças para contar a


ela.

— Estamos voltando para o México — declarei de uma vez. — Eu


não tive escolha.

— Você não teve escolha? — reagiu como uma gata raivosa. — Ah,
claro que você teve... — riu com amargura — Escolheu se enfiar na minha
vida. Escolheu ser gentil comigo ao ponto de eu me apaixonar por você

como uma boba. Escolheu rasgar meu coração em milhares de pedaços


quando me declarei a você. Escolheu se intrometer na minha vida como se eu

fosse uma mera expectadora. — Rugiu, apontando o dedo em minha direção.


— Pare de tomar decisões por mim. Pare de insistir em continuar fazendo

parte da minha vida, porque você já deixou claro que não quer fazer parte
dela.

Meu peito subia e descia conforme escutava suas palavras. Não pude
mais continuar sentado, então me ergui num pulo.

— Acontece que as coisas mudaram — declarei com o maxilar

travado.
— Mudaram? — Piscou, me vendo chegar mais perto de seu corpo
trêmulo. — Por quê? Por acaso se apaixonou por mim durante as últimas

semanas que estivemos longe um do outro? — por mais que tentasse


esconder, eu senti uma pontada de esperança em seu tom.

— As coisas mudaram, porque agora você está em perigo, pequeña —

fui honesto nessa parte da história. Vi o medo tomar conta de seu lindo rosto.

— Em perigo? — se sobressaltou. — Como assim? Por quê? E

Miguel? E meus pais?

As perguntas se atropelavam em sua boca, obrigando-me a puxá-la


pela cintura de modo a mantê-la dentro do meu abraço.

— Não vou encher sua cabecinha com problemas. — Aleguei,


alisando suas costas com minhas mãos. — Sei que ainda está chateada

comigo, mas saiba que sou capaz de tudo para mantê-la em segurança, Lis.

Afastando a cabeça para trás, ela ergueu os olhos para encarar os


meus. Nossos rostos estavam tão próximos que bastava que eu me inclinasse

alguns centímetros para beijá-la.

Levei os dedos abaixo de seus olhos de modo a enxugar o resquício de

lágrimas.

— Eu ainda te amo, mas fique sabendo que estou te odiando muito


agora. — Admitiu, fazendo um beicinho lindo que desejei morder, mas
controlei esse ímpeto.

Sorri abertamente.

— Você é incapaz de odiar alguém, pequeña. — Falei, não resistindo

ao desejo de tocá-la com meus lábios. Nesse caso, beijei sua testa.

— Não fique convencido — resmungou, depois que eu voltei a

abraçá-la.

Permanecemos assim por um bom tempo, em silêncio. Eu não queria


soltá-la nunca mais.

— Você sabe que não vou ficar no escuro, né? — quebrou o silêncio.
— Vou querer saber de todos os detalhes dessa história.

Dei um sorrisinho baixo.

— Se não fosse assim, não seria você. — Ironizei, arrancando-lhe um


sorriso.

Eu faria de tudo para protegê-la.

Faria de tudo para amenizar o impacto de todo peso que estava prestes

a recair sobre ela.


Capítulo 5

Lis

Quando chegamos no México, na mansão do Angel, desci do carro e


corri em direção ao Miguel, que já estava com os braços abertos para me

receber.

— Oh, minha irmã. — Murmurou ele, enchendo minha cabeça de


beijos, enquanto me apertava um pouco mais contra seu peito. — Fiquei com

tanto medo.

Tentei não chorar, mas foi uma missão impossível. Quando percebi, já
estava chorando.

— Angel ainda não me contou o que está acontecendo, mas disse que

estou correndo perigo. — Aleguei, empurrando minha cabeça para trás, de


modo a fixar meus olhos nos seus. Miguel tinha os olhos castanhos escuros e

o rosto bronzeado. — Não entendo o que eu possa ter feito para irritar

alguém. — Funguei, manhosa.


— Você não fez nada, irmã. — Afirmou, com um sorriso amoroso.

Desde pequena, Miguel me protegia de tudo e todos, fazendo-me sentir

segura apenas por tê-lo em minha vida. — É tudo um engano, e prometo que

vamos cuidar disso. — Garantiu, acariciando minha bochecha. — A partir

de agora, você ficará aqui. Eu já trouxe suas coisas.

Pisquei, ainda assimilando tal novidade.

— E a mamãe e o papai? — indaguei, preocupada com eles e com o

que pudessem pensar.

— Angel achou melhor tirá-los do México por um tempo. —


Respondeu, soltando um suspiro baixo.

— Como não sabemos a extensão do problema, acredito que seja

melhor manter seus pais longe, e, em segurança. — Foi Angel quem


respondeu, colocando-se ao nosso lado. Seu olhar direcionado a mim era tão

carinhoso que meu coração se aqueceu ridiculamente. — Não se preocupe,

pequeña, porque eles estão bem. Confie em mim. — Sorriu. — Os mandei

para o Brasil, em um dos meus resorts com praia privada. Lá, terão

segurança e suporte vinte e quatro horas.

Sacudi a cabeça, assentindo. Senti como se um enorme peso houvesse

saído dos meus ombros.


— Está certo. — Falei, exalando um sorriso fraco. — Foi uma boa

ideia tirá-los do perigo. Eles não precisam se ferir.

— E nem você, Lis. — Miguel revidou, chamando minha atenção para

si. — Por isso a trouxemos para cá — argumentou. — Para mantê-la segura.

Mordi os lábios, nervosa.

— Tudo bem. — Respirei fundo.

— Venha... — olhei para Angel e o vi gesticulando para a entrada da

mansão — Vamos entrar. Você precisa descansar.

Concordei.

— Miguel, marque uma reunião com todos os líderes dos grupos. —

Disse ele, espalmando a mão no meio das minhas costas. — E ligue para o

Daniel Duran, quero a ajuda dele em um assunto.

Meu irmão acatou as ordens e, em seguida, se afastou de nós dois,

Angel e eu, que prosseguimos para a entrada. Mesmo eu me esforçando para

ignorar, o calor do corpo do Angel perto do meu era aterrador. Ele parecia

exercer uma força sobrenatural sob mim, um poder capaz de me dominar por

inteira.

— Você pode ficar com o quarto de hóspedes ao lado do meu — disse

ele assim que chegamos ao pé da escadaria imensa. — Gosto da ideia de ter


você por perto num caso de necessidade. — Seus olhos nos meus estavam

tão quentes que fui obrigada a segurar uma respiração estrangulada.

Desviei o olhar, envergonhada com meus pensamentos pecaminosos.

— Estou cansada — soprei, pigarreando em seguida. — Vou subir e

tomar um banho.

— Tudo bem — murmurou, enquanto eu subia os degraus de um em

um. — Descanse, pequeña.

Não falei nada.

Ao invés disso, apenas continuei subindo as escadas, ansiando pegar

de volta meu controle perdido.

No quarto, me recostei contra a porta, de olhos fechados, e tentando

controlar minha respiração. Minhas emoções estavam à flor da pele.

Sentindo minha respiração ruidosa, analisei o quarto com calma e me


deparei com uma mala. Rapidamente fui até ela, a abrindo e revirando seu

conteúdo. Depois de escolher algumas peças de roupas, deixei-as sobre a

cama e decidi ir ao banheiro para tomar um banho.

Senti cada um dos meus músculos, tencionado, no instante em que me

enfiei debaixo da água morna do chuveiro; a ducha forte parecia massagear

minha pele conforme eu me movimentava dentro do Box. Não pude evitar

que minha mente fosse chicoteada com as lembranças dos recentes


acontecimentos; eu não queria, mas foi mais forte do que eu. As malditas

lágrimas jorraram de meus olhos, misturando-se a água do chuveiro; a ideia

de saber que eu não teria mais controle da minha própria vida me assustava,

sobretudo, a respeito do meu relacionamento com Angel, porque eu ainda era

apaixonada por ele.

Enlouquecidamente apaixonada.

E isso, de certa forma, me deixava irritada. A fraqueza dos meus

sentimentos e emoções diante dele me deixava irritada, porque eles

dominavam minha razão, me deixavam cega de amor.

Cansada de todo aquele chororô, decidi desligar o chuveiro depois de


alguns minutos.

Enrolei-me na toalha e abandonei o banheiro. No quarto, terminei de

me enxugar, em seguida, vesti uma calcinha e uma calça mole de moletom.

Escolhi uma blusa de alça para a parte de cima, já que estava uma noite

abafada.

Depois disso, me ajeitei na cama, aninhando-me entre os lençóis. Meu


telefone vibrou com mensagens da Brittany, então peguei o aparelho e

comecei a conversar com ela, explicando — sem muitos detalhes — os

últimos acontecimentos.

Ficamos conversando por um bom tempo até eu pegar no sono.


***

Acordei, assustada com o barulho. Apoiei um dos braços sob a mão,

piscando enquanto forçava minha mente a assimilar o que estava

acontecendo. Ao verificar o horário no visor do meu celular vi que beirava

às quatro da madrugada. Preocupada, joguei os pés para fora da cama,

calçando meus chinelos e rumando para fora do quarto.

Nervosa, espiei o corredor escuro, presa entre o medo de seguir para

o andar debaixo e o de ficar no meu quarto mesmo, quietinha. Entretanto,

minha preocupação com Angel falou mais alto.

Engolindo meu medo, continuei seguindo, a passos lentos. À medida

que eu ia avançando, o barulho ia aumentando também; pareciam coisas

sendo jogadas contra a parede.

Trêmula, cheguei no alto da escada e comecei a descer, olhando para

todos os lados. Minhas mãos estavam frias e suadas conforme esfregava uma

na outra. Caminhei em direção ao escritório, depois que percebi que o

barulho vinha de lá.

Estiquei minha mão, que tremia, até a maçaneta da porta e, lentamente,

a girei. Minha respiração estava ruidosa, e piorou quando me deparei com

Angel, de costas, com ambas as mãos apoiadas sobre a mesa no meio do

cômodo.
Resfoleguei, enquanto olhava para a bagunça do escritório; havia

diversos cacos de vidros espalhados, além de quadros e cadeiras. O monitor

do seu computador pessoal também estava no chão.

Devagar, dei um passo para dentro, sem querer assustá-lo com meu

movimento abrupto.

— Angel...?

Ele não se moveu, embora eu houvesse observado seus ombros


tencionarem com meu tom de voz.

— O que aconteceu? — perguntei, baixinho.

Suspirando, ele virou a cabeça em minha direção me fazendo enxergar


dor em seus olhos, que estavam avermelhados.

— Eu sou fodido — disse com a voz quebradiça. — É isso que


aconteceu.

Pisquei, tentando entender o que ele estava dizendo.

— Não entendo...

— Você não entende, porque é pura demais para me enxergar como

verdadeiramente sou. — Declarou, se voltando para mim. Eu podia ver que


ele havia bebido, mas continuava lúcido. Um homem como ele já devia estar
acostumado com bebidas fortes. — Toda essa merda é culpa minha, Lis.

Culpa das minhas escolhas ruins. Culpa da minha maldade.


Sacudi a cabeça, não querendo ouvir aquelas palavras saindo da sua
boca.

— Pare! — Exclamei, encurtando o espaço que nos separava, porém

parei quando senti um corte na lateral do meu pé. — Ai. — Gemi.

Na mesma hora, Angel veio até mim, desesperado e amparando-me em

seus braços.

— Puta merda! — praguejou quando visualizou o sangue escorrendo


da minha pele branca.

— Não foi nada — murmurei, sem querer preocupá-lo, mas foi em


vão, porque me senti sendo erguida em seu colo.

— Está sangrando, como pode dizer que não foi nada? — Parecia
zangado, não comigo, mas consigo mesmo.

Aninhei-me em seus braços, enquanto ele rumava para fora do

escritório. Quando abriu a porta de um dos diversos banheiros daquela


mansão, me colocou sentada sobre a bancada da pia. Em seguida, remexeu

em uma das gavetas e pegou o kit de primeiros socorros.

Permaneci em silêncio conforme me deixava ser cuidada por ele.

Observei, atentamente, quando umedeceu um chumaço de algodão no soro


antes de pressioná-lo em meu ferimento. O corte tinha sido superficial, bem

na lateral do meu pé direito.


Angel se sentou no vaso sanitário e apoiou meu pé em seu joelho. Seu
rosto estava endurecido, assim como todo seu corpo.

— Isso não foi culpa sua — murmurei, quebrando o silêncio. — Eu


que não prestei atenção onde estava pisando.

— Você não precisaria se preocupar em onde pisar se eu não tivesse

quase destruído meu escritório — rebateu. — Além disso, acordei você com
meu surto.

— Está mesmo decidido a vestir a capa de homem mau, não é? —


rugi.

Seus olhos se ergueram para os meus.

— Esta já é uma capa que faz parte do meu corpo, pequeña —


declarou com tanto fervor que arrepios me tomaram por inteira. — É como

minha segunda pele.

— Não acredito! — exclamei. — Sei que todos nós temos dois lados,

ninguém é bom o tempo todo. — Ele desviou o olhar para meu ferimento,
onde pressionou uma gases. — Você é o líder da maior organização
criminosa do México, Angel, então imagino que precise exercer medo e

poder para ganhar o respeito dos demais. Mas sei que não é mau o tempo
todo.
Aproveitei para pular da bancada quando ele terminou o curativo e

soltou meu pé. Me aproximei dele, segurando seu queixo e forçando-o para
cima de modo a ter seu olhar no meu. Seus olhos estavam tão perdidos que

senti meu coração apertado.

— Não pode afirmar isso — murmurou. — Não sabe das coisas cruéis
que já tive coragem de fazer...

— Mas sei das boas, e para mim é isso que importa. — Deslizei a
mão em seu queixo, com carinho, adorando sentir o pinicar da sua barba em

minha palma e dedos. — Você cuida de mim e da minha família. Se preocupa


com pessoas inocentes. Doa milhares de euros para caridade. — Sorri,

usando a outra mão para segurar seu rosto completamente. — Eu não estaria
prestes a me formar em medicina se não fosse por você.

— O mérito é seu, eu apenas dei o dinheiro.

Sacudi a cabeça, rindo da sua insistência em querer se isentar das


coisas boas que fez.

— Monstros não fazem caridade, Angel — apontei o óbvio. — Você

pode não enxergar, mas eu enxergo agora...

Suas mãos se enrolaram em minha cintura, fazendo-me resfolegar.

— O quê? — indagou, estudando meu rosto com intensidade. — O que

você enxerga agora?


Sorri, mordendo o lábio inferior.

— Que todo seu cuidado comigo significa apenas uma coisa... —


soprei, deslizando uma das mãos do seu rosto aos seus cabelos. — Que você

também me ama.

Vi quando seus olhos ganharam um brilho diferente.

— Diga que estou equivocada — pedi, me inclinando para ele, sem

deixar de encarar seus olhos. — Diga que nada disso é verdade. — Meus
olhos iam dos seus para sua boca entreaberta. — Afaste-me se eu estiver

errada... — soprei contra seus lábios convidativos. Suas mãos em minha


cintura apertaram minha carne, como se estivesse tentando se controlar. —

Não permita que nossas bocas se toquem...

Nada.

Seu silêncio foi minha deixa para colar nossos lábios, a princípio,

com calma. Quando nossas línguas se tocaram, a eletricidade tomou conta de


cada centímetro de pele existente em mim. À medida que o beijo foi se

aprofundando, Angel arrastou suas mãos pelo meu corpo até me forçar a
sentar em seu colo, com as pernas abertas, uma de cada lado. Gemi no

instante em que ele abandonou minha boca apenas para trilhar meu pescoço
com beijos quentes e molhados; nossos gemidos se misturaram.
De repente, abri os olhos, que estavam fechados, e forcei a cabeça
dele para trás, querendo que ele parasse um pouco para poder me encarar.

— Diga... — soprei sem fôlego. Ele piscou, sem entender. — Diga

que me ama.

Nossas respirações estavam ruidosas, e nossos corpos tão quentes que

eu podia sentir o suor escorrendo em minha testa.

Ele não disse nada.

Suspirei, decepcionada.

— Que pena. — Lamentei, deslizando os dedos em seu rosto perfeito.


— Você não poderá me ter enquanto não tiver coragem de aceitar o que sente

por mim. Eu não quero um homem pela metade.

Dizendo isso, saí do seu colo.

Em silêncio, deixei o banheiro e rumei para as escadas, em direção ao

quarto em que estava hospedada.

Só me permiti chorar quando voltei para minha cama. Um choro


repleto de sentimentos conflitantes, sobretudo, dor, mágoa e medo.
Capítulo 6

Angel

Horas antes

— Feito! — Exclamou Miguel, assim que entrou no escritório. — A


reunião com os líderes foi marcada para mais tarde.

— Conseguiu falar com o Daniel? — perguntei, afobado.

— Ele disse que vai te ligar dentro de algumas horas.

Assenti, suspirando. Girei minha poltrona, pensativo sobre os últimos


acontecimentos. Minha mente não tinha parado de trabalhar em possíveis

soluções para toda aquela merda, mas não vinha nenhuma.

Eu só sabia que precisava proteger a Lis.

Tinha que mantê-la a salvo.

Meu telefone tocou, fazendo-me visualizar o nome do Mariano no

visor. Ignorei a chamada. Não estava pronto para enfrentar os Fratelli ainda.

— Tem mais coisas acontecendo — não foi uma pergunta. Miguel me

conhecia bem.
Gesticulei para ele se sentar, o que fez com que semicerrasse os olhos

em minha direção.

— Fala logo, Angel — resmungou. — Me conhece tempo suficiente


para saber que odeio que fiquem de rodeios comigo. — Se sentou,

desconfiado.

O encarei com intensidade, me jogando para frente e apoiando os


cotovelos na mesa.

— Tudo bem, então vou direto ao ponto. — Travei o maxilar,

inspirando profundamente. — O segredo da sua família está prestes a ser


descoberto. — Ele franziu o cenho, confuso com minhas palavras. — Estou

falando a respeito do fato de a Lis não ser legítima.

Na mesma hora, ele se levantou, nervoso.

— Que porra está falando? — rugiu.

Rolei os olhos, impaciente.

— Por favor, não ofenda minha inteligência, Miguel — ralhei. — Você

pensou mesmo que eu não investigaria sua família antes de contratá-lo? Está

comigo a tempo suficiente para saber que não sou homem de depositar a

confiança em qualquer pessoa. — Fixei o olhar no seu, desafiando-o a me

contradizer. Como não disse nada, eu continuei: — Sua mãe tinha acabado
de perder uma filha, depois de um parto crítico, quando seu pai chegou em

casa com a Lis, que ainda era uma recém-nascida.

Observei quando seu maxilar tiquetaqueou, demonstrando seu

nervosismo.

— Então isso significa que pretende fazê-la sofrer? — perguntou,

entre dentes, referindo-se a Lis.

— Não seja idiota! — rugi, indignado com a suposição. — Sabe muito

bem que jamais faria nada que causasse dor a sua irmã, ao menos não de

propósito — defendi-me.

Miguel levou sua mão ao queixo, zanzando de um lado ao outro;

parecia agoniado e preocupado.

— Acontece que a verdadeira família dela está procurando por ela —

complementei, nervoso. — E, ao que tudo indica, ela faz parte de uma máfia
italiana.

— O quê? Puta que pariu!

— Eles são meus aliados — expliquei. — São em cinco irmãos, e só

descobriram que possuem uma irmã desaparecida a pouco tempo.

— NÃO! — exclamou ele, num rugido. — A Lis não pode saber

disso, Angel. — Apontou para mim. — Minha irmã não pode saber que

mentimos para ela esse tempo todo. Ela não vai aguentar.
Suspirei, esfregando meus cabelos. Sacudi a cabeça.

— Esse é o maldito problema — desabafei. — Não é algo que esteja

em nossas mãos. Não mais.

Surpreendendo-me, ele marchou até mim, dando a volta na mesa e me

pegando pelo colarinho da camisa; fúria vibrava em seus poros. Seus olhos

estavam injetados de pura ira. Podia enfrentá-lo, mas permiti ser o alvo da

sua frustração.

— Quando você se enveredou dentro da minha família, prometeu que

os manteria a salvo — acusou. — Eu vejo a maneira como você olha para

minha irmã... — entortou os lábios, desgostoso, fazendo-me arregalar os

olhos em surpresa. — Vejo sua luta interna para se manter afastado dela. E

eu nunca me intrometi nessa merda...

— Você trabalha para mim — cortei suas palavras.

— Mas por ela e meus pais mando tudo pra casa do caralho! —

rebateu, com ainda mais raiva. — Eu escolhi estar aqui com você. —

Apontou. — Mas eles não. Ninguém da minha família merece sofrer,

sobretudo, minha irmã.

— E acha que eu não sei disso, porra? — Sibilei, entre dentes, o

empurrando e me colocando de pé. — Eu amo a Lis — confessei,

visualizando uma chama em seu olhar. — Prefiro morrer a vê-la sofrer.


— Pois é isso que vai acontecer se ela sair machucada nessa história

toda — ameaçou, sem um pingo de remorso. — Sou leal a você, mas minha

família vem em primeiro lugar. Por eles, eu mato e morro.

Dizendo isso, ele, simplesmente, virou em seus calcanhares e rumou

para fora da sala, batendo a porta com força.

Minha respiração estava irregular.

— AAAAH! — Berrei, espalhando as coisas de cima da mesa, no

chão.

A raiva emanava através de mim.

***

— Eu não vejo alternativa a não ser destruir o Javier, antes que ele

nos destrua — comentou um dos líderes. — Os prejuízos causados pelos

ataques dele ainda não são consideráveis, mas é melhor não esperar que

piore, hun?

— Concordo — disse outro. — É preciso cortar o mal pela raiz.

Eu estava ali, mas na verdade, minha mente estava em outro lugar.


Todo meu foco estava em Juana, a mulher do meu passado que havia

decidido voltar para me assombrar. Conhecendo-a como eu conhecia, tinha

certeza de que ela não sossegaria enquanto não acabasse comigo, e isso

significava acabar com as pessoas que eu mais amava.


Droga!

Precisava encontrar um jeito de manter a Lis em segurança, além de

encontrar uma maneira de descobrir se ela era mesmo a irmã desaparecida

dos Fratelli.

Suspirei baixo, esfregando o rosto com as duas mãos. Minha cabeça já

estava latejando.

— O que acha, Angel? — Pisquei, quando mencionaram meu nome.

Estávamos reunidos em uma das minhas propriedades, usadas para

esse tipo de encontro. Assim como minha mansão, ela também tinha a

segurança reforçada.

— Javier não é peixe grande. — Rebati, me colocando de pé e

pegando meu paletó que estava no encosto da poltrona. Podia sentir os olhos

de todos eles sobre mim. — Mas concordo que ele já está sendo

inconveniente demais. — Suspirei. — Vamos observar os próximos passos

do infeliz. Sem contra-ataques agora — ditei.

Comecei a sair.

— Sem contra-ataques? — ouvi alguém perguntar, em tom incrédulo.

— Então devemos ficar olhando enquanto ele destrói nossos armazéns e

rouba nossos carregamentos?

Irritado, parei e me voltei para trás, para o dono da voz atrevida.


— Sim, Juan! — exclamei, entre dentes. — Ou por acaso quer

começar uma maldita guerra para trazer os federais diretamente na nossa

porta? — Questionei, cruzando os braços. — Você acha que os governantes,

aqueles que estão em nossa folha de pagamento, irão comprar uma briga por

nós? — Arqueei as sobrancelhas em desafio. — Pelo contrário, cabrón!

Eles vão enfiar é no nosso traseiro!

Minha irritação estava no nível máximo.

— Só façam o que ordenei, porra! — Olhei para todos, usando um tom

que não deixava brechas para discussão.

Retomei os passos para a saída e logo deixei a sala.

No lado de fora da propriedade, entrei no carro. Miguel estava na


direção do veículo. Nós ainda não estávamos conversando direito, mas ele
sabia separar o lado pessoal e o profissional muito bem.

— Sua preocupação está em outro lugar, eu posso sentir. — Disse,


ligando o carro. — Tem a ver com a tal mulher do seu passado?

Quando fui para Londres atrás da Lis, contei a ele a respeito da


ameaça que Juana estava impondo sob sua irmã. Eu quis ser honesto, visto

que a garota era sua família.

— Sim. — Respondi, trincando o maxilar. Podia ouvir meus dentes


rangerem. — Enquanto eu não descobrir o que ela quer, não conseguirei
dormir em paz — admiti. — Javier é um bosta perto dela.

— Fico imaginando o que você deve ter feito para irritar essa mulher
desse jeito — comentou.

Não falei nada.

***

Mal cheguei na mansão e meu celular começou a tocar. Era o Daniel.

Ouvi Miguel se despedindo, mas não dei atenção, porque meu foco
estava no líder do moto clube Lobos.

— Só me deixa entrar no meu escritório e já conversamos — falei

quando atendi.

— Tá certo — disse ele, do outro lado da linha.

Apressei os passos, observando que a casa estava silenciosa. Beirava


às onze da noite. Deduzi que Lis já estivesse dormindo.

— Pronto! — Exclamei, depois que fechei a porta do escritório. — Eu

estava ansioso para conversar com você.

— Devo me sentir preocupado, ou lisonjeado? — brincou.

— Puta merda, eu não sei. — Aleguei, me jogando sobre a cadeira

atrás da minha mesa. — A única coisa que eu sei é que estou ferrado, Daniel.
— Certo... vamos por partes — disse. — Por que não me explica o
que está acontecendo?

***

Foi minha conversa com Daniel que piorou meu estado emocional e
culminou em meu descontrole, porque, finalmente, entendi a gravidade da

minha situação. Como líder de um Moto clube tão imenso quanto o Lobos,
imaginei que Daniel pudesse me ajudar a encontrar o paradeiro de Juana

Lopez. Porém, bastou que eu falasse o nome dela para que ele tremesse. O
idiota já tinha ouvido falar da desgraçada, mas nunca chegou a vê-la. A

mulher era conhecida como um fantasma no submundo. Afirmou que seria


uma missão quase impossível, embora houvesse garantido que me ajudaria.

Isso me desesperou, porque, como eu enfrentaria um inimigo


invisível?

Eu não suportaria que Lis pagasse por um erro meu. Morreria mil

mortes apenas para que ela não fosse ferida.

Ainda no banheiro, me coloquei de pé e me encarei no espelho. O

homem que me encarava de volta era um homem sem alma, vazio e escuro.
Rosa e Lis eram as únicas partes boas que habitavam dentro de mim. Antes

delas, a única mulher que amei foi minha mãe, porém, o sentimento se foi
junto com ela, quando faleceu. Eu não fui ensinado a amar, mas a ser forte.
Sequer tive tempo para chorar quando me vi sozinho no mundo, então o

caminho que trilhei não foi algo para se orgulhar.

Lis não deveria me amar.

E eu precisava mantê-la longe..., mas como faria isso agora que senti o

sabor de seus lábios?

Meu corpo todo ainda estava fervendo por causa da sensação da sua
boca na minha e suas mãos percorrendo meu corpo. Ela era tão macia... tão

quente e delicada. Eu podia ficar horas beijando aquela boca doce que
jamais me cansaria. Podia ficar horas fungando o nariz em seus cabelos que

ainda seria pouco.

Nervoso, saí do banheiro e fui atrás dela. Eu não queria magoá-la.

Jamais quis.

Mas como ficaríamos juntos diante de tantos problemas? Como ficaria


minha consciência sabendo que estava escondendo segredos dela? Lis não

me perdoaria quando toda verdade viesse à tona.

Droga!

Cheguei no corredor e marchei até a porta do quarto em que ela


estava. Levei a mão à maçaneta, mas pausei o movimento assim que passei a
ouvir o seu choro sofrido.

Fechei os olhos, sentindo meu peito doer.


Eu a amava mais do que a mim mesmo. E era justamente por isso que

eu não poderia condená-la a uma vida de perigos.

Suspirei baixinho e, em seguida, me afastei da porta.

Precisava de um banho.

Um banho frio.
Capítulo 7

Lis

Duas semanas tinham se passado desde que Angel e eu nos beijamos,


entretanto, nós dois não chegamos a mencionar o assunto. Ele preferiu

ignorar o acontecido, então não tive alternativa a não ser fazer o mesmo.

Era doloroso, mas eu não queria forçá-lo a nada. Entendia seu medo
em não querer me colocar dentro do perigo que era sua vida, mas ele não

percebia que não adiantava me empurrar para longe, porque eu já estava


mais do que envolvida.

Soltando um suspiro baixo, deixei a sala de aula. Meus seguranças

estavam me aguardando no corredor, embora não me sufocassem com sua

presença, tão perto. Eu não fazia ideia de como Angel havia conseguido

convencer a Universidade a permitir a presença dos capangas no local


estudantil, mas entendia que havia perguntas que não precisavam de

respostas. Angel era o líder de uma organização criminosa; certamente, tinha

poder para conseguir o que quisesse.


Guardando os livros dentro da minha bolsa, ajeitei-a em meus ombros

e rumei para o estacionamento do campus, consciente de que Miguel estaria

lá me esperando. Esse tinha sido o combinado desde que fui obrigada a

retornar ao México: eu poderia voltar a estudar, mas deveria ir com

seguranças e voltar com meu irmão.

Ao contrário do que eu imaginava, quando cheguei ao estacionamento

não era Miguel quem me esperava, mas sim o Angel. Engoli em seco,

nervosa com seus olhos me acompanhando à medida que eu caminhava em


sua direção, encurtando o espaço que nos separava. Meu coração batia tão

depressa que comecei a ficar com medo de sofrer uma síncope.

— Oi. — Saudou-me quando parei em sua frente. Tentei focar meus


olhos apenas em seu rosto, mas foi impossível ignorar o desejo de arrastá-

los pelo seu corpo, coberto por um terno feito sob medida, que deixava seus
músculos em evidência. Seu perfume invadiu minhas narinas, piorando o

estado de excitação que sua presença me causou. Por que ele tinha que ter

tanto poder sob mim e meu corpo?

— Por que Miguel não veio? — Perguntei, coçando a garganta para


disfarçar as reações que me causou.

O canto de seus lábios se distendeu num sorrisinho.


— Está tão chateada assim comigo que não consegue nem ficar feliz

em me ver? — Perguntou, abrindo a porta do carona para que eu pudesse

entrar. — Poderia disfarçar um pouco, pequeña.

Suspirei, entrando, enquanto ele dava a volta no veículo.

— Não é isso... — soprei, virando a cabeça para poder encarar seu

rosto lindo. — Só fui pega de surpresa. — Dei de ombros, sentindo o

nervosismo me abater. — Quase não nos vemos mais, por isso estranhei.

Ele ligou o carro na ignição, em seguida, nos tirou dali. Acompanhei,

pelo retrovisor, dois carros nos seguindo. Entendi que eram os seguranças

nos dando cobertura.

— Você não sabe mentir, Lis. — Murmurou, me encarando de relance.

— E não precisa disso comigo. — Vi como seus dedos apertaram o volante

com força, embora seu tom estivesse ameno e seu olhar tranquilo. — Eu fui

um idiota, então mereço seu desprezo.

Abri a boca para falar, mas meu raciocínio ficou lento. Sendo assim,

hesitei e permaneci calada.

E o silêncio se perdurou por longos minutos, até eu estranhar o trajeto

e questioná-lo:

— Para onde estamos indo? — perguntei. — Pensei que iríamos para


sua casa. — Apontei para trás, especificamente, para a avenida que nos
levaria até sua mansão.

— Quero te mostrar um lugar — murmurou em tom de mistério.

— Ah. — Foi a única coisa que falei, considerando que não estava

esperando por aquilo.

Angel tinha o hábito de me surpreender com uma facilidade

assustadora.

Eu não podia ser hipócrita em não admitir que nossa convivência

estivesse destruindo meu emocional, visto meus fortes sentimentos por ele,

mas, ao mesmo tempo, eu amava a sensação de dormir e acordar sabendo

que estávamos a uma mera parede de distância um do outro.

Inspirei profundamente em busca de controle, mas me arrependi na

mesma hora, porque seu cheiro estava impregnado por todo o interior

daquele carro. Uni minhas mãos em meu colo e decidi mirar a paisagem fora

da janela, lutando contra a maneira como meus músculos tremiam

descontroladamente. A tensão que se instalou entre nós era palpável, mas

nenhum dos dois ousou falar qualquer coisa que fosse para quebrar aquele

maldito silêncio.

Eu estava tão nervosa que demorei a raciocinar quando Angel parou o

carro em um lugar deserto. Ao olhar para frente pude observar uma

construção em ruínas; parecia uma fábrica abandonada.


— Que lugar é esse? — indaguei, confusa. — Por que estamos aqui?

— Olhei para ele, que tinha o olhar fixo na paisagem à nossa frente.

— Foi aqui que eu perdi o meu pai — declarou, fazendo meu coração
se apertar. — Este foi o lugar que o roubou de mim.

— Eu não... — pigarreei, angustiada — Eu não sabia.

Sorrindo fraco, ele me encarou. Permaneceu assim por alguns

instantes. Parecia estar me estudando.

— Veja bem, Lis, eu não sou um homem que foi ensinado a ser bom —

murmurou, com os olhos nos meus. — Quando vivo, meu pai dizia que a

busca pelo poder exigia sacrifícios, e isso significava fazer coisas ruins,

coisas que estivessem acima do certo e o errado. — Assenti com a cabeça,

compreendendo. Embora não ousasse abrir a boca para falar nada. — Então,

quando minha única irmã foi raptada, há pouco mais de quatro anos, eu vi a

face obscura de tudo o que podíamos fazer por estarmos neste patamar,

entende? Liderando o maior cartel do México. — Soltou o ar, desviando os

olhos dos meus por alguns instantes. Observei quando apoiou os braços

sobre o volante, encarando a paisagem fora da janela. — Eu tinha vinte e

três anos na época, então acompanhei de perto a caçada que tirou, não

somente minha irmã de mim, mas também o meu pai. Fizeram uma

emboscada bem aqui — apontou, forçando-me a olhar para a direção


indicada. — Ele não teve qualquer chance. — Cerrou as duas mãos com

força, como se estivesse tentando se controlar.

Notei como seu maxilar tiquetaqueou devido a sua raiva com as

lembranças dolorosas.

— Com a morte precoce dele, fui obrigado a assumir o comando. —

Voltou a encarar meu rosto. — E eu cacei cada infeliz que esteve por trás da
emboscada contra meu velho. — Ouvi seus dentes rangerem. — Degolei,

esquartejei, piquei na bala, torturei, fiz comer o próprio pau... — minha

respiração foi se tornando ruidosa conforme o ouvia narrar tudo aquilo, sem

desviar dos meus olhos assustados —... não havia piedade em meu peito, Lis

— declarou, sem pestanejar. — Eu tinha fúria. Tinha sede de sangue.

Busquei pela sua mão, mas ele a recolheu sem que eu tivesse tempo de

tocá-lo.

— Quando eu, finalmente, me vinguei pelo assassinato do meu pai,

pude devotar toda minha atenção a procura da minha irmã — continuou

narrando. — Não fazia ideia se ela ainda estava viva, mas eu precisava, ao

menos, encontrar o corpo dela para dar-lhe um enterro digno. — Meu

coração se apertou com a dor presente em seu tom. — Levei dois anos para

encontrá-la; dois malditos anos para me reunir novamente com minha

família.
Eu sabia da garota, embora não houvesse tido a oportunidade de

conhecê-la, visto que quando ela retornou ao México, eu ainda estava em

Londres. Na ocasião, Miguel estava comigo. Ainda me lembrava quão

culpado meu irmão ficou quando soube de tudo o que aconteceu com Angel,

que foi traído e preso pelo seu próprio povo.

— Mas você a encontrou — soprei, com a voz carregada de emoção.

— Encontrei, mas a um alto custo — argumentou, ficando em silêncio


por alguns instantes. — Quando eu tento afastar você, Lis, não é com a

intenção de magoá-la, mas de protegê-la.

— Me proteger? — Pisquei, sem entender sua lógica. — De quem?

Ele me olhou com os olhos tão angustiados que minha respiração


travou no peito.

— De mim — respondeu, com firmeza. — Do que eu represento. Não

entende? Eu sou destruição. Causo o caos a minha volta, Lis, e você não
precisa se envolver nessa merda. — Ele tentou esconder, mas eu vi a

umidade em seus lindos olhos. — Já me basta saber que você está correndo
perigo por minha causa... — sacudiu a cabeça, revoltado — não vou

suportar se algo acontecer a você. Eu a amo demais para perdê-la.

Pisquei, sem ar.


— O-o que disse? — Gaguejei, me remexendo toda no banco. Angel
me encarou, intenso como sempre era. — Por favor, repete...

Inspirou fundo, se ajeitando de lado. Sua mão ergueu, apenas para

amparar meu rosto; seus olhos acompanhavam o movimento de seus dedos


em minha pele como se estivesse hipnotizado.

— A ideia de amá-la é errado, Lis — murmurou, dolorido.

Segurei seu rosto também, querendo trazê-lo para mais perto.

— Por quê?

— Porque eu não a mereço — declarou. — Não mereço um anjo como


você. Sou um demônio que tem fome de sangue e morte. — Deslizou o

polegar em meus lábios semiabertos. — Eu poderia ser facilmente


crucificado apenas por tê-la em meus braços, e por todos os pensamentos

pecaminosos que tenho com você, pequeña.

Aproximou a boca da minha, mas sem me beijar de fato; ficou apenas


brincando com meus lábios.

— Então se eu sou um anjo como você afirma, deixe-me curar as


feridas da sua alma — pedi num sussurro contra seus lábios carnudos. —

Deixe-me iluminar seu interior com o meu amor. — Ele estudava meus
traços, enquanto arrastava as mãos por meus cabelos. — Deixe-me amá-lo.

Deixe-me guiá-lo — me calei, querendo que ele absorvesse minha


declaração. — Só me ame de volta, Angel. Não negue seus sentimentos por
mim.

Mal terminei de falar e sua boca se apossou da minha, com urgência.


Gemi no instante em que senti o toque da sua língua quente e macia. O sabor

dos seus lábios ainda era o mesmo do que eu me lembrava.

Pequenos choques me inundaram à medida que Angel descia as mãos


pela lateral do meu corpo, apertando-me com força calculada. O calor tomou

conta de cada centímetro de pele existente em mim.

— Angel... — gemi em desespero.

— Eu sei, pequeña... — gemeu de volta, acariciando minha bochecha.


— Sei do que precisa. — Afirmou, antes de se afastar de mim.

Eu estava resfolegante, toda descabelada, vermelha e suada.

— Vamos pra casa. — Avisou, me encarando com tanto fervor que me


senti quase entrando em combustão ali mesmo. — Prometo que vou acabar

com o desconforto que está sentindo aí embaixo... — indicou minhas pernas.

Fiquei tão ruborizada que sequer tive forças para falar qualquer coisa
que fosse. Meu único pensamento estava na promessa por trás de suas

palavras, e eu mal podia esperar para voltar a sentir seus toques e carícias.
Capítulo 8

Angel

Eu tinha consciência de que não deveria.

Tinha consciência de que seria condenado pelo que estava prestes a


fazer, mas liguei o foda-se a partir do instante em que senti o toque dos

lábios dela nos meus. Apenas o som de seus gemidos já bastou para fazer a
porra do meu controle ir para o espaço.

Lis era como uma droga viciante, e eu sabia que assim que a tomasse

seria para sempre.

Mal estacionei o carro, e já desci, dando a volta no veículo e abrindo

a porta para que ela pudesse descer também. Seu nervosismo era aparente.

— Vou cuidar de você. — Soprei, segurando seu rosto. Em seguida,

desci os lábios até sua testa. — Mal posso esperar para provar cada

centímetro da sua pele...

Ela não disse nada, mas gemeu tão gostoso que todo meu corpo

vibrou.
Entrelacei nossos dedos, ansioso demais para ignorar o desejo de

acelerar os passos em direção à entrada da mansão.

Instantes depois, quando entramos em meu quarto, soltei a mão dela,


querendo dar-lhe espaço. Observei a tensão em seus ombros à medida que

circulava pelo amplo espaço.

— Está nervosa? — Indaguei, arrancando meu paletó. — Não


precisamos fazer nada que não queira, pequeña.

Virando-se para mim, enxerguei uma miríade de emoções em seus

lindos olhos azuis. Suas mãos estavam em frente ao corpo, e ela torcia os
dedos freneticamente como se estivesse buscando as palavras certas para

dizer.

— Você já trouxe outra mulher aqui?

Pisquei, com minha mente demorando a raciocinar sobre sua pergunta.


Foi impossível segurar a risada presa em minha garganta.

Sacudi a cabeça, encurtando o espaço que nos separava.

— Então essa é sua preocupação? — Perguntei, deslizando uma das

mãos em seu rosto, adorando a maneira como ela curvava a cabeça para

minha carícia.

— Não sei se gosto da ideia de estar com você em um lugar onde já

esteve com outras. — Fez uma careta fofa, que em nada diminuiu sua beleza.
— É estranho.

Meu sorriso ficou maior.

— Não se preocupe. — Murmurei, enchendo sua nuca com minhas


mãos. — Você é a única que já esteve em meu quarto — declarei,

visualizando um brilho intenso em seus olhos. — E é a única que já esteve

aqui... — peguei sua mão e a depositei em meu peito, sobre o coração, que

batia descompassado.

— Está batendo tão depressa. — Admirou-se, fazendo-me sorrir,

deliciado.

— É porque estou nervoso.

Acompanhei a forma como sua testa ganhou pequenos vincos.

— Mas você não é um homem inexperiente. — Estudou-me com

atenção.

Arrastei uma mão até sua cintura, enquanto a outra se manteve em sua

nuca. Puxei-a contra mim, querendo senti-la mais perto.

— Tem razão — soprei contra seus lábios. — Mas é a primeira vez

que farei amor com a mulher que amo.

Enchi seus lábios com os meus, reivindicando seus gemidos; jamais

senti tanto prazer apenas com um mero beijo. Lentamente, comecei a

caminhar, com ela de costas, até a cama no meio do cômodo. Assim que
chegamos à beirada do móvel, parei de beijá-la. Olhando em meus olhos, Lis

ameaçou desabotoar o camisete que vestia, mas freei seu movimento.

— Eu faço isso, pequeña. — Levei as mãos aos botões, abrindo-os de

cima a baixo. Lis auxiliou a retirar a peça por seus braços. Nossos olhos não

se desgrudavam, os seus não negavam a expectativa para o que estávamos

prestes a fazer.

Arrastei os dedos por seus ombros, descendo a alça do seu sutiã


delicado; podia sentir minha garota tremendo sob meus braços.

— Angel... — gemeu de olhos fechados quando minha boca desceu até

sua pele de seda.

Soltei o fecho da peça em suas costas, em seguida, retirei por seus

braços. Os seios de tamanho médio saltaram perante meus olhos, fazendo

minha boca salivar com o desejo de prová-los. Os bicos, intumescidos,


apontavam em minha direção, deixando-me ensandecido.

Arrastei a língua, chupando e sugando sua pele cheirosa e macia,

adorando ouvir seus gemidinhos sexy. Lis era tão delicada que até mesmo a

maneira como suas mãos bagunçavam meus cabelos me fazia duvidar se ela

estava mesmo me tocando. Quando abocanhei um mamilo, enquanto

amassava o outro, tive que segurá-la pela cintura para mantê-la de pé.

— Oh, Dios mio! — exclamou, em delírio.


Dei uma mordidinha no bico de seu seio, arrancando-lhe um gritinho

agudo.

— Deite-se. — Pedi, trilhando seu pescoço com beijos. — Deite-se


na cama, porque estou louco para devorá-la com minha boca, baby.

A senti estremecer em meus braços, mas ela fez o que pedi, embora

seu nervosismo fosse aparente.

Enquanto ela se ajeitava, aproveitei para tirar minhas roupas, sem

deixar de notar seu olhar guloso sob meu corpo.

— Uau! — exclamou, admirando a tatuagem de dragão que fiz. O

desenho pegava boa parte das minhas costas. — O que significa?

Dei um sorrisinho malicioso enquanto engatinhava sobre a cama,

parando entre suas pernas.

— Significa que possuo o poder sob tudo o que toco. — Murmurei,

divertido, enrolando os dedos em sua calça e, em seguida, deslizando-a para

baixo. — E vou fazê-la sentir a força desse poder agora, quando eu a fizer

gozar de todas as formas imagináveis e inimagináveis; até suas pernas

virarem gelatinas.

Ela arquejou.

Sem querer continuar protelando, arranquei sua calcinha, revelando o

pontinho rosado entre suas pernas, que reluzia para mim.


— Céus! — Exclamou, enroscando uma perna na outra, desesperada

por algum contato, alguma fricção que pudesse amenizar seu desconforto. —

Angel, por favor...

Me ajeitei, com os braços debaixo das suas coxas, de modo a manter

suas pernas bem abertas e ainda conseguir encher minhas mãos com seus

seios empinados.

— Vou cuidar de você, baby — soprei contra seu clitóris inchado,

resvalando minha língua sobre ele. — Vou fazê-la ficar rouca de tanto gritar

pelo meu nome.

Coloquei a língua para fora, abocanhando sua bocetinha, que estava

tão molhada que me fez gemer em puro êxtase. A mão direita ficou

amassando seus seios e beliscando seus mamilos, enquanto a outra

permaneceu em sua abertura, lambuzando os dedos em seu nervo pulsante.

Passei os próximos minutos naquela tortura, enchendo sua bocetinha com

minha boca, arrancando-lhe mais e mais gemidos desesperados a cada

orgasmo que eu a proporcionava. Lis se remexia toda, ora me puxava contra

si, ora tentava me empurrar para longe, sensível demais para me deixar tocá-

la.

Forcei suas pernas abertas, sugando todos os seus sulcos enquanto,

fascinado, assistia ela tendo mais um orgasmo; era o quarto.


Aguardei até que ela se acalmasse, e arrastei a boca pelo seu corpo

febril, lambendo sua pele suada. Aproveitei para brincar mais um pouco com

seus mamilos quando fiquei cara a cara com eles outra vez. Assim que pairei

o rosto a centímetros do seu, admirei, com fascínio, suas bochechas

ruborizadas.

— Linda demais — soprei, enlouquecido de tesão apenas com a visão

da satisfação presente em seus olhos pesados de luxúria. — Gostosa demais.

— Inclinei a cabeça, tomando seus lábios nos meus, sedentos. — Com você
nunca será suficiente, pequeña. — Aleguei, sugando seu lábio inferior. — Eu

sempre vou querer mais.

Desci a boca até seu queixo, onde chupei com vontade, soltando
mordidinhas em sua pele branca.

— Também tenho ânsia de você — admitiu, baixinho. Pude notar sua


timidez.

Sorri, arrogante.

— Vou pegar uma camisinha. — Avisei, saindo de cima dela e me


colocando de pé.

Depois que peguei o pacote dentro da gaveta do armário de cabeceira,


finalmente tirei a cueca. Uma rápida olhada para Lis me fez notar o espanto
em seu olhar.
— O que foi, baby? — Indaguei, colocando a camisinha. — Está com
medo? Se estiver, nós não precisamos continuar.

— Não é isso. — Afirmou, se sentando, meio nervosa. — É que... —

baixou os olhos, escondendo-se de mim.

Franzi a testa, preocupado com a tensão que tomou conta do seu corpo

frágil.

Cheguei mais perto dela e firmei um dedo em seu queixo, forçando seu
rosto para cima.

— Qual é o problema?

Ela tentou fixar os olhos nos meus, mas não resistiu à tentação de

descê-los por meu corpo, mirando, especificamente, o meu pau, que pulsou
descontroladamente por causa de seu olhar curioso.

Engoliu em seco.

— Eu sou virgem. — Declarou de uma vez, fazendo minha respiração


travar na garganta.

Na mesma hora, minhas pernas fraquejaram e dei alguns passos para

trás. Foi impossível não sentir aquela sensação de posse me tomando com
uma força sobrenatural, apenas por imaginar que eu seria o primeiro. Mas,

ao mesmo tempo, a culpa rebateu de volta, arrancando meu ar.

— Angel...
Me afastei da cama, ficando de costas.

— Você devia ter me falado antes — ralhei, cortando suas palavras.

— Puta merda, Lis!

— Mas que diferença isso faz? — Revidou ela, se colocando de pé e


vindo até mim.

— É a sua virgindade, droga! — Murmurei, me voltando para ela, que


já estava ao meu lado.

— Você está certo — afirmou, intensa. Se aproximou, pressionando os


seios em meu peito. — Ela é minha, e eu quero entregá-la a você. O homem

que eu amo.

— Lis... — minha voz falhou no instante em que seus lábios trilharam


beijos molhados em meu peito, pescoço e queixo.

— Eu quero que você me faça sua. — Pediu, encarando meus olhos,


carregados de puro tesão. — Quero me sentir preenchida, completa. —

Mordeu os lábios.

Puta merda!

A visão era tão sexy que fui incapaz de controlar um gemido

animalesco.

Enrolei sua cintura, reivindicando sua boca com a minha.


— A partir do momento que eu a tomar, será para sempre, entendeu?

Não terá volta.

Suguei seus lábios, conforme a empurrava para trás, em direção a


cama novamente.

— Isso soou meio possessivo — murmurou em tom divertido.

Sorri junto.

— É porque eu sou, pequeña. — Revidei, empurrando-a gentilmente

contra o colchão. — Sou ciumento com o que é meu.

A cobri com meu corpo, embora sem colocar meu peso sob ela.

Afastei suas pernas com as minhas, ansioso para me ajeitar em sua entrada
escorregadia.

Ao encarar seus olhos pude ver um misto de emoções, sobretudo, a

ansiedade.

— Está pronta?

Em resposta, ela enrolou os braços em meu pescoço e me puxou para

si, buscando minha boca na sua. Senti quando suas pernas circularam minha
cintura, preparando-se para me receber.

Lentamente, direcionei meu pau em sua entrada, lambuzando-me com


sua excitação, adorando provocá-la um pouquinho.
— Angel...

— Shh... — sussurrei em sua boca.

Iniciei a penetração, tomando o cuidado de distraí-la — da dor da


invasão — com beijos e carícias em seus mamilos. Lis não reclamou em

nenhum momento, embora suas expressões faciais a entregassem. Assim que


cheguei na metade do caminho, ela cravou as unhas em minhas costas,

gemendo toda sua dor contra meus lábios.

— Isso — falei. — Crave suas unhas em mim — declarei —, se isso

for distrai-la da dor lá embaixo.

— Me beija — sibilou, entre dentes. — Me beija agora.

E eu beijei, beijei com tudo de mim. Minhas mãos circulavam pelo seu

corpo todo, com devoção, como se estivessem memorizando cada detalhe.


Lis era tão perfeita e quente que eu poderia morrer em seus braços que

morreria feliz.

No instante em que a invadi por completo, parei de beijá-la e colei


nossas testas. Minha respiração estava entrecortada, porque estava difícil

pra caralho segurar o ímpeto de meter meu pau em sua bocetinha com a
ferocidade que eu estava acostumado; o selvagem em mim estava berrando

em meus ouvidos.
— Pronto! — exclamei, sem fôlego. — Agora somos um só. Você é
minha, Lis. Minha para sempre.

Amparando meu rosto em suas mãos quentes, ela me beijou.

— Eu me tornei sua desde a primeira vez que te vi — confessou,


emocionada. Seus olhos estavam úmidos.

Beijei o rastro de suas lágrimas, carinhosamente, enquanto começava

a me movimentar devagar.

— Eu a amo, Lis — declarei com fervor. Ela sorriu tão lindo que meu

peito sufocou de amor. — Sou capaz de qualquer coisa para continuar


mantendo esse sorriso em seus lábios, minha pequeña.

Aos poucos, meus movimentos foram acelerando, se tornando mais


duros. Me firmei nos joelhos, arreganhando um pouco mais as suas pernas e
pressionando-as contra seu abdômen. A visão do meu pau entrando e saindo

de dentro do seu interior me deixava doido.

— Oh, delícia de bocetinha apertada. — Gemi, jogando a cabeça para

trás por um segundo. Estava me esforçando para me controlar. Lis não


desviava os olhos dos meus em nenhum momento, era como se quisesse ter

certeza de que aquilo realmente estivesse acontecendo entre nós dois.

O suor pingava da minha testa, escorrendo por nossas peles suadas.


Ouvi-la gemendo tão gostoso apenas piorava meu estado de excitação; eu
queria fodê-la com força, mas precisava trancar meu lado selvagem e fazer
da nossa primeira vez, um momento bom, não somente para mim, mas para

ela também.

No instante em que Lis começou a revirar os olhos, gemendo palavras

incoerentes, entendi que estava gozando. Então me concentrei, intensificando


as investidas até sentir suas paredes pélvicas ordenhando meu pau com tanta

força que não pude mais continuar lutando contra o orgasmo que chegou me
arrebatando. Não me lembrava de já ter sentido tanto prazer no sexo como
tive ali, com minha garota.

Minha...

Exausto, desabei ao seu lado, na cama.

Levei as mãos para baixo, para tirar a camisinha, em seguida, ergui um

dos braços para que Lis se aninhasse em meu peito.

— Está chorando? — perguntei ao ouvi-la fungando.

Me encarou, ainda aninhada em meu peito. Usei a mão livre para


enxugar suas lágrimas.

— É um choro de felicidade — admitiu, corada. — Me sinto a mulher


mais realizada do mundo.

Sorri, encantado com sua doçura.


— Eu amo você. — Soprei, tocando nossos lábios. — Nunca sequer
ousei pensar em ter o privilégio de estar assim com você, meu anjo. —

Acarinhei seu rosto. — Você é a luz na minha escuridão, Lis. Sem você, eu
sou apenas trevas.

Dessa vez foi ela quem me beijou forte.

Depois, se ajeitou melhor em meus braços, como uma perfeita gatinha


manhosa.

Minutos depois, quando pensei que ela já estivesse dormindo, sua voz

soou:

— Você gostou? — quis saber, com a voz rouca.

— Por que a pergunta aleatória? — Minha mão estava fazendo carinho


em seus cabelos escuros.

Ela não respondeu de imediato.

— É porque foi minha primeira vez, então não tenho certeza se fiz tudo
certo... — pigarreou, nervosa. — E você é um homem experiente e...

Ergui seu queixo para poder encarar seu rosto rubro.

— Nenhuma mulher que já esteve comigo se compara a você —


declarei com fervor. — Porque com todas elas, foi apenas sexo, desejo

carnal, entende? Não houve sentimento algum — expliquei, sério. — Com


você foi diferente, porque a amo, Lis. Saboreei cada detalhe, cada instante...
porque cada um deles foi especial. — Acariciei sua bochecha. — E só não
estou em cima de você de novo, porque quero respeitar seu corpo, que deve

estar dolorido por causa da sua primeira vez. — Sorri, cheio de malícia.

Suas bochechas ficaram ainda mais vermelhas.

— Safado. — Murmurou, sorrindo envergonhada.

Me beijou e, em seguida, voltou a se aninhar em meu peito.

Permanecemos assim, em silêncio, apenas compartilhando do calor um


do outro. Em meu âmago, eu desejava parar o tempo, apenas para poder

mantê-la em meus braços para sempre.


Capítulo 9

Lis

Abri meus olhos, sentindo-me preguiçosa. Rolei na cama,


espreguiçando-me conforme sentia meus músculos tencionados. Eu estava

nua, quente e pegajosa. Lembranças de horas atrás invadiram minha mente,


me causando um frenesi de sentimentos e sensações.

Curiosa, ergui o lençol — que cobria parcialmente meu corpo — para

espiar entre minhas pernas, considerando que estava latejando um pouco.

— Está doendo?

— AH! — Gritei de susto, chutando as cobertas no impulso. Me

deparei com Angel de pé, perto da cama, rindo para mim. Ou de mim, não

consegui identificar. — Está louco? Credo, homem! — Me sentei,


massageando meu peito. Meu coração estava batendo depressa. — Nem

percebi você aí. Quer me matar do coração?

Ele alargou o sorriso, encarando-me com um ar sapeca.


— Não tenho culpa se a sua concentração estava tão focada em sua

bocetinha linda e não ao seu redor.

Meu rosto se tornou rubro, aliás, não só o rosto, mas todo meu corpo
queimou de vergonha.

— ¡Dios mio! — exclamei, escandalizada com suas palavras. —

Como consegue falar essas coisas sujas?

Sua risada debochada me irritou, forçando-me a cobrir meu rosto com

o travesseiro.

— Vai dizer que está envergonhada depois de ter gemido tão gostoso

em meu ouvido? — Questionou, se colocando sobre a cama. Pude senti-lo

tentando tirar o travesseiro do meu rosto.

— Para com isso, Angel — Pedi, entre risos. Eu estava rubra de

vergonha quando, finalmente, o encarei. Ele estava sentado na beirada da


cama, ao meu lado. — Você está me deixando encabulada.

— Isso vai ficar meio complicado, porque você fica linda com as

bochechas ruborizadas. — Observou, acariciando meu rosto. Seus olhos

carregavam um brilho devasso. — E isso é excitante pra caralho.

Levei uma das mãos a sua boca, cobrindo-a.

— Chega de falar palavrão. — Pedi, segurando o riso.


Ele sorriu, fechando a mão em minha nuca e chocando nossas bocas

num beijo quente e devasso. O lençol que cobria meus seios, caiu, então

Angel aproveitou para preencher suas mãos gulosas com os dois.

— Que horas são? — Indaguei, quando sua boca desceu em meu

queixo. — Por que está todo arrumado desse jeito? — Resfoleguei por causa

das suas carícias.

Gemi quando sua língua passeou em meu mamilo.

— Preciso sair... — disse e, em seguida, mordiscou minha pele,

causando-me arrepios por todo corpo. — Infelizmente com tantas merdas

acontecendo ao nosso redor, eu não posso me dar ao luxo de ficar aqui com

você, pequeña. Embora esse fosse meu desejo.

— Já conseguiu descobrir quem estava por trás daquele assassinato lá

em Londres? — perguntei, de olhos fechados, deliciando-me com suas

carícias.

Algo em minha pergunta o incomodou, porque parou de me tocar e

afastou a cabeça para poder me encarar. Sua expressão era neutra, não

consegui decifrar.

— Estou trabalhando nisso — disse no fim, pigarreando de modo

nervoso. — Prometo que nada de ruim chegará até você, baby.


Acreditei nele, porque nunca encontrei motivos para desconfiar.

Desde que Angel entrou em minha vida a única coisa a qual sempre se

dedicou foi em me manter segura.

— Você não acha que de repente pode ter sido uma mera

coincidência? — questionei, pensativa. — Pode ser que eu estivesse no

lugar errado e na hora errada.

Suspirando, ele decidiu se colocar de pé. Senti frio com sua ausência.

— Não foi coincidência — declarou, sério.

Arregalei os olhos.

— Então você sabe de alguma coisa — argumentei, ansiosa. — Sabe o

motivo para eu ter presenciado todo aquele terror — não foi uma pergunta.

— Aquele disparo era para mim, né? Era para eu ter morrido naquela noite,

por isso você me trouxe para sua mansão, porque este lugar é quase uma

fortaleza.

— Não foi isso que eu disse, Lis. — Veio até mim e amparou meu

rosto com suas mãos. Meu coração batia tão depressa que desconfiei que ele

pudesse ouvir as batidas aceleradas. — Eu tê-la trazido para cá não tem a

ver com o que houve lá em Londres — garantiu, com o rosto estranhamente

endurecido. — Eu apenas quis me certificar de que o tiroteio a qual

enfrentamos, há algumas semanas, não traga consequências desagradáveis. O


homem que você matou fazia parte de uma gangue inimiga minha, mas já

estou lidando com eles. Fica tranquila. — Sorriu, mas foi um sorriso que não

chegou aos seus olhos.

Fiquei olhando para ele por alguns instantes.

— Tem certeza? — perguntei, duvidosa.

Assentiu com a cabeça.

— Não quero que encha sua cabecinha com este assunto. — Disse, se

inclinando e beijando minha testa. — Eu cuido disso. Confie em mim.

Eu sorri como uma boba apaixonada.

— Eu confio — garanti, com fervor. — Tenho certeza de que você


jamais mentiria e nem esconderia nada de mim. — Declarei, segurando seu

rosto também.

Ele não fez nenhum comentário. Ao invés disso, me abraçou apertado,

enchendo meu pescoço de beijos.

— Tenho que ir agora. — Avisou, aprumando o corpo. Ele ficava

lindo de terno. Naquele momento, estava usando um em tom azul marinho,


que realçava seus olhos castanho claro. — Qualquer coisa que precisar,

você pode pedir para a Guadalupe — comentou, enquanto seguia para a

porta. — Ela é de total confiança.


Guadalupe era a governanta da mansão; uma senhora baixinha e muito

atenciosa. Não fazia ideia de quanto tempo ela trabalhava naquela casa, mas

imaginava que desde a época que o pai do Angel era vivo.

— Está bem — soprei, sem jeito.

Assisti o momento em que ele saiu, fechando a porta do quarto. Fiquei

encarando a madeira por longos minutos, forçando minha mente a raciocinar


sobre minha nova realidade. Uma realidade em que tive a melhor noite da

minha vida, nos braços do homem que eu amava.

Ainda era difícil acreditar, visto a dificuldade do Angel em enfrentar

seus traumas e medos. Antes, ele não entendia que de nada adiantava me

afastar, pois o amor que ardia em meu peito sempre serviria como uma ponte

entre nós.

Como um elo, nos unindo cada vez mais.

Mordendo os lábios, joguei os pés para fora da cama. Precisava tomar

um banho e organizar meu dia.

Uma rápida verificada no meu celular me fez ver que faltavam poucos

minutos para as nove da manhã.

Me coloquei de pé, arquejando com o contato dos meus pés contra o

piso frio. Enrolada no lençol, me peguei caminhando em direção ao enorme


closet, curiosa para espiar as coisas dele. O quarto tinha uma decoração bem

masculina, em tons pastéis.

Entrei no closet, inspirando profundamente para me deliciar com o

perfume dele; Angel era tão cheiroso que eu me sentia como uma viciada,

sempre ansiando por uma próxima dose.

Sentindo-me uma garota travessa, comecei a remexer em suas coisas,

adorando descobrir sua intimidade. O closet era organizado por cores:


ternos claros e escuros, além de sapatos. Angel era obcecado por sapatos

sociais; eu fiquei abismada com a diversidade deles, que variavam entre


marcas conhecidas e, absurdamente caras.

Depois de longos minutos, finalmente, decidi seguir para o banheiro.


Assim que me encarei no espelho, me peguei sorrindo para meu próprio

reflexo. Era um sorriso que, mesmo se eu quisesse, não conseguiria apagar.

***

Quando deixei o quarto do Angel, fui direto para o meu, onde coloquei

um vestido leve, além de uma sapatilha. Peguei minha bolsa, colocando meu
celular e carteira dentro, em seguida, abandonei o cômodo e me encaminhei

para o andar de baixo.

Assim que estava descendo os últimos lances de escada, me deparei


com Miguel, o que me fez estranhar, pois imaginei que ele houvesse ido junto
com Angel para sabe-se lá onde.

Quando me viu, parou e permaneceu me estudando com olhos


curiosos.

— O que foi? — Indaguei, olhando para meu próprio corpo. — Tem


alguma coisa errada comigo?

Cheguei perto dele, que estava de braços cruzados.

— Não sei. — Deu de ombros, apoiando a mão no queixo. — Estou


achando você diferente. — Semicerrou os olhos para mim, fazendo-me

sorrir, sem jeito. — Por acaso você e o Angel...

O cortei:

— Pelo amor de Deus, Miguel. — Cobri sua boca com minha mão,

olhando ao redor com medo que alguém estivesse ouvindo. — Não quero
falar sobre isso com você. — Meu rosto esquentou de vergonha.

Ele sabia que eu era extremamente apaixonada pelo Angel, porque


nunca escondi meus sentimentos dele. Meu irmão era meu maior confidente.

Ouvi sua risadinha, seguida de uma mordida em minha mão.

— Ficou envergonhada — apontou, achando graça.

Desviei os olhos, encabulada.


— Claro que fiquei. — Bati em seu ombro, fingindo estar chateada. —
Palhaço.

Miguel me puxou para um abraço, beijando o alto da minha cabeça.

— Vou levar você para tomar café. — Avisou, se afastando e


verificando as horas em seu relógio de pulso. — Tenho um tempo livre

agora. Podemos colocar o papo em dia, sobretudo, a respeito dessa


felicidade toda. — Gesticulou em minha direção, rindo com diversão. —

Quero saber de tudo.

Rolei os olhos, gargalhando para ele.

— Uhum, vai sonhando...

Me puxou pela mão, levando-me em direção a saída.

No lado de fora, Miguel indicou o carro que usaríamos, porém, parou

quando observamos a aproximação de um veículo. Reconheci como sendo


do Angel.

Pegando-me de surpresa, meu irmão marchou até ele, quando o carro

parou. Um sorriso tomou conta de meus lábios no instante em que me deparei


com o olhar apaixonado do Angel; meu coração quase derreteu de amor.

Entretanto, pavor invadiu minhas entranhas quando Miguel fechou o


punho e atingiu o rosto do Angel com tudo.
— AH! — Berrei de susto, enquanto cobria a boca com as mãos,

apavorada.

Angel caiu no chão com o golpe que levou.

— Mas que porra! — Cuspiu um pouco de sangue, fixando o olhar em

meu irmão, que parecia um touro descontrolado.

Corri até eles.

— O que deu em você, Miguel? — Intimei, em tom acusatório,

enquanto me ajoelhava perto de Angel.

Meu irmão estava tão irado que era possível sentir a fúria exalando de

seus poros.

— Ela não é qualquer uma. — Sibilou ele, encarando Angel, que


continuava no chão, embora estivesse massageando o local atingido. — Lis

não é como as vadias que você come quando bem entender.

— Miguel! — exclamei, escandalizada.

Porém, ele me ignorou e persistiu em ameaçar o chefe:

— Então pense bem em suas atitudes daqui para frente, porque se


magoar a minha irmã, será um homem morto!

— Céus, Miguel! Pare com isso, agora. — Fui até ele, nervosa com
toda aquela tensão. — Eu não preciso que brigue pela minha honra, pelo
amor de Deus! Em que século estamos?

— Nunca desrespeitei sua irmã, Miguel. — Afirmou Angel, se


levantando. Seu rosto estava sério, e fixo no meu irmão. — Lis e eu nos

apaixonamos — declarou, fazendo meu coração aquecer. — E prefiro morrer


a magoá-la. — Esfregou os dedos no canto da boca, limpando o sangue que

escorria.

— Já chega! — Empurrei Miguel para a direção contrária. — Vamos


sair daqui. Você já conseguiu me irritar o suficiente — ralhei com meu

irmão. Depois me voltei para Angel, que continuou no mesmo lugar: — Mais
tarde conversamos.

Ele me ofereceu um sorriso tão lindo, que me fez desejar beijá-lo.

No carro, Miguel tomou a direção, e eu fui no banco do carona.

— Pode me explicar o que foi tudo aquilo? — Intimei, de braços

cruzados, enquanto ele ligava o carro e nos tirava dali. — Você me fez
passar a maior vergonha da minha vida, sabia?

Ela não disse nada, apenas ficou exalando aquele sorrisinho irritante

no canto dos lábios.

— Você é minha irmãzinha, ora. É meu dever protegê-la.

Levei a mão em minha testa, fechando os olhos e sacudindo a cabeça,


incrédula com suas palavras.
— Me proteger do quê, Miguel? — questionei, abismada. — Angel
não me forçou a nada, e você sabe disso.

— Eu sei — confirmou o que eu já sabia. — Mas isso não o isenta da

minha fúria por ter tocado em você — argumentou, tranquilamente. — Você é


minha irmã, Lis, fala sério! Não gosto de pensar em você desse jeito com um

homem. — Sacudiu a cabeça, como se estivesse espantando os pensamentos.

Não resisti ao desejo de rir.

— Seu bobo! — Levei a mão a sua cabeça, esfregando seus cabelos.

Ambos sorrimos um para o outro, cúmplices.

***

Miguel me levou em uma Confeitaria.

— Está com fome? — Questionou, enquanto pegava o cardápio. —


Gosto dos Molletes daqui — acrescentou, referindo-se ao pão com feijão e

alface.

— Pode ser. — Murmurei, me ajeitando na cadeira. O local era


agradável, porém Miguel optou por ficarmos em uma das mesas do lado de

fora do estabelecimento. — Não pense que te perdoei pelo que fez com o
Angel. Ele poderia te despedir pela sua falta de respeito, sabia?

Meu irmão era um homem lindo, de olhos tão escuros quanto a noite.
Ele me ofereceu um sorriso, ignorando minha expressão zangada.

— Angel não vai me despedir — disse, com tranquilidade. — E você

já me perdoou, sinto isso. — Piscou um olho, sapeca.

Sorri junto com ele, odiando o fato de saber que ele estava certo.

De repente, sua expressão leve se tornou anuviada, assustando-me.

— SE ABAIXA, LIS! — Gritou, se jogando sobre mim num


movimento tão abrupto, que demorei a entender o que estava acontecendo.
Gritei quando caímos no chão; Miguel sobre mim.

Meu coração batia depressa.

— Miguel... — gemi, desesperada.

— Shh... — soprou de volta, me arrastando para trás de uma pilastra.

Observei quando pegou sua arma, depois que me colocou atrás de suas
costas.

— Você está sangrando! — exclamei, sentindo minha garganta

queimar.

Tentei me levantar, mas ele freou minha intenção:

— Quieta, porra! — Rosnou ele, olhando ao nosso redor, tenso. —


Fique atrás de mim.
Lágrimas passaram a descer dos meus olhos, descontroladamente.
Miguel voltou a me puxar contra o chão, no momento que começamos a ouvir

uma saraivada de balas. O alvoroço foi grande ao nosso redor, piorando meu
estado de pânico.

— Temos que sair daqui. — Choraminguei, analisando seu ferimento.


— Você levou um tiro, Miguel. Precisa de cuidados. — Levei minha mão na
ferida, pressionando para conter o sangue.

Ele estava me abraçando com um dos braços, mantendo-me em suas


costas, enquanto firmava uma pistola na outra mão.

— Ainda não — disse, sem fôlego. — Não é seguro sair agora.

— Mas você vai morrer, droga! — Chorei, apavorada.

Não vi em que momento aconteceu, mas Miguel desmaiou em meus


braços. Minha respiração travou na garganta. Nervosa, olhei ao redor, a

procura de alguém, mas não havia ninguém por perto.

Me firmei sob os calcanhares e me esforcei para arrastar o corpo do


meu irmão para longe do perigo, mas eu não tinha forças. As lágrimas
desciam sem parar, dificultando minha visão.

— Por favor, Miguel... — gemi, voltando a pressionar seu ferimento

com minhas duas mãos. — Não morra, irmão. — Solucei.


Gelei quando alguém se aproximou atrás de mim, forçando-me a virar
o corpo.

— Vocês estão bem? — perguntou o homem de olhos azuis como os


meus. Tinha um forte sotaque italiano.

Apressada, peguei a arma da mão do Miguel.

— Não se aproxime! — Rosnei, apontando a pistola para o


desconhecido, que ergueu as mãos em rendição. — Eu não vou deixar você

tirar meu irmão de mim — sibilei, entre dentes. Embora as lágrimas


estivessem descendo como uma enxurrada.

Me coloquei na frente do corpo do Miguel como uma barreira


protetora.

— Puta merda! — O homem deitou a cabeça, verificando o estado do

meu irmão por cima dos meus ombros. — Que bagunça. — Estalou os
lábios.

Eu só sabia chorar.

— Eu já disse que não é para você se aproximar. — Ditei,


destravando a pistola. — Ou juro que vou atirar.

Um sorriso incrédulo tomou conta de seus lábios.

— Duvido que saiba usar essa coisa. — Gesticulou para a pistola em


minhas mãos.
Sorri com amargura.

— Já matei um homem, então isso não será nenhuma novidade para

mim — declarei, fazendo-o se espantar.

— Tudo bem — continuou com uma das mãos erguidas, enquanto a


outra, que detinha uma arma, descia. — Sou um amigo — garantiu. — Não
atire. Vou guardar minha arma.

Observei suas ações atentamente. Podia sentir todo meu corpo

tremendo, sobretudo, a mão que segurava a arma.

— Estou aqui para ajudar — repetiu em tom calmo. — Angel me


mandou aqui.

Pisquei, absorvendo sua declaração. De repente, meu choro se


intensificou.

Deixei a pistola cair no chão, e voltei a me ajoelhar ao lado do


Miguel, que continuava desacordado.

Agarrei o braço do desconhecido quando ele se aproximou, fixando


meus olhos nos seus.

— Por favor, me ajude a salvar meu irmão — implorei, mantendo o

corpo do Miguel em meus braços. — Eu não faço ideia de quem você seja,
mas quero confiar que esteja do nosso lado.
Ele permaneceu me encarando de um jeito esquisito, como se

estivesse em transe.

— Moço? — chamei, aos prantos. — Moço? — voltei a chamar,


nervosa com seu olhar, e angustiada pelo meu irmão. — Ah, pelo amor de
Deus! — Estapeei seu rosto, fazendo-o piscar e me encarar em espanto. —
Vai me ajudar ou não, poxa? — rugi, impaciente. — Meu irmão está

morrendo em meus braços aqui.

— Ok, ok. Está certo! — Sacudiu a cabeça, como se estivesse


voltando ao presente. Em seguida, se colocou de pé, e pegou o celular. Fez
uma ligação rápida, falando em italiano com a pessoa do outro lado da linha.

Depois, guardou o aparelho no bolso e se abaixou para pegar Miguel

nos braços.

— Vamos — ditou, em tom de comando. Na mesma hora, dei um


pulinho de susto quando um carro surgiu ao nosso lado, freando bruscamente.
Quando a porta de trás foi aberta, eu freei sua intenção, que pretendia

colocar Miguel dentro do veículo.

— Como posso ter certeza de que você é realmente de confiança? —


indaguei, morrendo de medo. — Nem mesmo sei o seu nome.

Meu corpo todo tremia, e tudo o que minha mente pensava era em
Miguel.
O desconhecido deu um sorrisinho, como se houvesse apreciado

minha atitude.

— Sou um dos mocinhos, querida — afirmou, intenso. Sacudi a


cabeça, ainda desconfiada. Mas não havia tempo a perder, e eu precisava
confiar naquele homem. Sendo assim, dei espaço para que ele colocasse meu

irmão dentro do carro. — A propósito... — chamou minha atenção para si


—, eu me chamo Rossi Ricci.
Capítulo 10

Angel

Horas antes

Meu corpo parecia estar flutuando quando deixei Lis no meu quarto;
cada centímetro de pele meu ardia com o desejo inflamado.

Aquele do mais puro e pecaminoso.

Ao contrário do que imaginei que aconteceria, não encontrei nenhum


resquício de arrependimento em minha mente ou coração; nem poderia.

Passar a noite com minha garota nos braços foi o melhor presente que um

fodido como eu poderia ganhar. E eu não merecia porra nenhuma.

Além do mais, Lis não fazia ideia de tudo o que eu estava escondendo
dela, e isso me enchia de tormento vivo. Odiava o fato de mentir para a

garota que tinha meu coração nas mãos.

Dispensei meu motorista, pois não queria companhia. Ordenei que

apenas quatro dos meus seguranças me acompanhassem, discretamente.


Minha mente estava uma bagunça de pensamentos conflitantes,

considerando que o medo de perder a única coisa boa que já me aconteceu

parecia me sufocar.

Lis era minha preciosidade.

A luz que mandava minha escuridão embora.

Como poderia viver sem ela, agora que a provei?

Suspirei, sacudindo a cabeça a fim de espantar os pensamentos;

precisava me concentrar. Precisava focar minha atenção em algo que


pudesse me tirar daquela maldita enrascada.

Eu já estava no trânsito a alguns minutos.

Com isso em mente, tirei o carro da pista e adentrei a uma estrada de

chão batido. Não fazia ideia de onde aquele caminho me levaria, mas estava

apenas sendo guiado pelo endereço indicado no GPS.

Assim que cheguei ao meu destino, freei e, em seguida, desliguei o

carro.

Dei uma olhada ao meu redor, mas sem descer do veículo; não havia

nada ali, além de mato.

De repente, peguei minha arma e apontei para trás, quando alguém

meteu a mão na porta traseira e, simplesmente, entrou no meu carro.


— Que carajo, Ryan! — Rugi, sacudindo a cabeça. — Quase meti

uma bala na tua cabeça. — Pisquei. — E isso ia me fazer te odiar, porque

meu estofamento ia ficar todo manchado de sangue, porra! — Baixei a

pistola, sentindo a raiva inflamando meus sentidos.

O idiota arqueou as sobrancelhas, parecendo não ter dado a mínima

para minhas palavras.

— Trouxe o que pedi? — indagou, simplesmente.

Rolei os olhos, impaciente.

Ele tinha me ligado há umas duas horas, enquanto eu observava Lis


dormir. Na verdade, eu quase não dormia bem à noite, então a noite passada

foi ainda mais difícil, porque desejei prolongar o momento com minha garota

o máximo de tempo possível.

— Está aqui. — Estendi o pequeno embrulho, onde continha um


chumaço de cabelo da Lis. Mais cedo, quando ele me ligou, eu tinha ido até

o quarto dela, e peguei sua escova de cabelos. — Quanto tempo para ter

certeza?

Sacudiu a cabeça.

— Não sei ao certo. Preciso conversar com meu contato no

laboratório — respondeu. — Mas acredito que os resultados de testes feitos


com amostras de salivas saem mais rápido.
Cruzei os braços.

— Você é um homem curioso, sabia? — comentei, pensativo. — Tem

contatos em todo lugar, mas não é fiel a ninguém.

— Sou fiel a mim mesmo, cabrón! — rebateu, com aquele ar de

mistério.

— Ou ao dinheiro?

Ele deu um sorrisinho.

— Não deveria estar tão preocupado comigo. — Alegou, guardando o

embrulho que eu o havia entregado, no bolso da sua jaqueta. — Não quando

a garota ainda está correndo perigo. Por acaso já conseguiu resolver o

problema? Ou está apenas brincando de casinha com a coitada?

Travei o maxilar, sentindo a frustração me dominar por inteiro.

— Não fale o que não sabe! — Rugi, cerrando os punhos. — Minha


prioridade é a segurança dela, e isso jamais vai mudar — argumentei. — O

problema é que não sei como fazer para encontrar a Juana — acrescentei

num suspiro. — Conversei até com Daniel, do MC Lobos, mas ele afirmou

que a mulher é conhecida no submundo como fantasma. E essa porra dificulta

muito a minha procura. Como encontrar alguém que não quer ser encontrado?

Ele me analisou por um segundo.


— Você sabe o que precisa fazer — disse com intensidade cortante.

— Sabe onde precisa ir. Aquela mulher não vai parar, e você sabe disso.

Precisa decidir o que é mais importante, mexicano... — pausou, me

analisando: — Seu orgulho, ou a vida da mulher que você ama.

Eu podia perguntar como ele conseguiu descobrir todas aquelas

informações, considerando que sempre me preocupei em manter meu

passado muito bem guardado, mas entendi que seria perda de tempo. Ryan

era conhecido por sua capacidade em descobrir coisas e encontrar pessoas,

por isso se tornou um caçador de recompensas.

— Se é tão bom assim em encontrar pessoas, por que não encontra

essa desgraçada pra mim?

Sua risada me irritou.

— Porque atualmente estou concentrado em um trabalho — respondeu

simplesmente. — E não sou homem de fazer coisas malfeitas.

Bufei.

Observei quando ele abriu a porta para sair.

— Mas se quer um conselho... — comentou, obtendo minha atenção —

Retorne ao seu passado — disse, sério. — Enfrente seus fantasmas se quiser

ter a chance de vivenciar um futuro com sua garota.

Não falei nada.


Ele saiu do carro, mas deu a volta no veículo. Abri a janela para ele,

quando se colocou ao lado da minha porta.

— A propósito, você receberá a visita dos irmãos Fratelli ainda hoje.

— Afirmou, verificando o horário em seu relógio de pulso.

Pisquei, nervoso.

— Por quê? — intimei, tentando me recordar de algo que pudesse ter

deixado passar. — Nenhum deles me ligou.

— Ao que parece, eles estão conectando os pontos a respeito da

garota. — Sorriu de um jeito cínico.

— Como assim? — Franzi o cenho, confuso. De repente, minha mente

deu um estalo e meu rosto se anuviou: — Por acaso você contou para eles?

— acusei num rugido. — Você me deu a sua palavra de que esperaria, porra!

— Calma aí, macho alfa... — gesticulou, tedioso. — Sou um homem

de palavra sim — garantiu, ofendido —, mas acontece que eles me

apertaram para informações, então fui obrigado a relatar sobre a garota. E

isso serviu para inflamar a ânsia deles, porque a algum tempo, antes mesmo

de descobrirem que tinham uma irmã desaparecida, eles se depararam com a

Lis em sua casa, e na ocasião ficaram assustados, mas não deram a


importância que deveria, porque ainda estavam em guerra contra Louis

Moran.
Meu coração acelerou gradativamente à medida que minha mente foi

sendo preenchida com as lembranças; lembrava-me desse episódio em

questão, pois foi no dia em que Lis chegou de Londres e decidiu me visitar.

— Mas agora eles querem conferir mais de perto — continuou Ryan,

voltando a ter minha atenção. — Tenha em mente que aqueles irmãos são

homens obstinados quando querem algo.

Senti meus dentes rangerem.

— Eu também sou — rugi, mas já estava sozinho. Ryan tinha ido

embora tão rápido que sequer percebi.

***

Eu ainda estava massageando meu maxilar — por causa do soco que

ganhei do Miguel — quando fui avisado de que os Fratelli estavam entrando


na propriedade. Fazia pouco mais de quinze minutos que Miguel e Lis

haviam saído, então meus nervos ainda estavam inflamados por causa de
toda discussão que tive com ele. Eu não tive como revidar, considerando que

entendia seu sentimento; senti a mesma coisa quando o idiota do Luca se


envolveu com minha irmã.

Inspirando fundo, segui para a saída, disposto a recebê-los logo que


estacionassem o carro.
— Há que devo a honra desta ilustre visita, meus caros? — Perguntei,
enquanto me aproximava. — Não me avisaram que viriam.

— Se atendesse minhas ligações, saberia. — Alfinetou Mariano,

batendo a porta do carro com força. — Que merda está acontecendo,


mexicano?

— Por que está com a cara toda amassada? — Observou Luca, meu
cunhado. — Alguém andou te socando? Puta Merda, quem foi? Quero

parabenizar. — Zombou, rindo feito o retardado que era.

Arqueei as sobrancelhas para ele, esforçando-me para controlar o


ímpeto de avançar contra sua cara feia.

— Não é da sua maldita conta, seu idiota — rosnei. — Ou está


querendo sentir o peso do meu punho? — ameacei.

— Já chega! — Rossi rugiu, descendo do carro. — Parecem


adolescentes nessa porra! — Olhou de mim para o irmão mais novo. —
Quando vão entender que agora somos uma família?

— Quando um quebrar a cara do outro, como já fizemos em algum


momento das nossas vidas. — Comentou Manuele, entre risos.

Rossi rolou os olhos, mas ignorou a fala do irmão e se concentrou em


mim.
— Estamos aqui por um assunto de extrema importância para nós,
Angel — argumentou, com a seriedade que já lhe era característica.

Assenti, fingindo não saber de nada.

— Claro! Vamos entrar, por favor. — Gesticulei. — Assuntos sérios


precisam ser tratados com um copo de tequila na mão. — Dei uma risadinha,

começando a seguir para a entrada da minha casa.

— Nós vamos conversar sim, mas primeiro... — suas palavras

interromperam meus passos, fazendo-me voltar para ele. — Preciso saber


daquela moça que estava com você há algum tempo, bem aqui.

Meu coração, que já estava acelerado, começou a bater mais depressa.


Entretanto, mantive minha expressão neutra.

— Lis? — perguntei, fingido.

— Isso. Onde podemos encontrá-la? — Foi Fillipo quem perguntou.

— Conseguimos informações de que ela está morando com você —


acrescentou Manuele. — Estão juntos?

Porra, Ryan!

— Por que querem saber? Que merda está acontecendo aqui? —


Cruzei os braços, me colocando na defensiva. — Lis não faz parte do nosso

mundo obscuro.
— Acontece que temos quase certeza de que ela é nossa irmã

desaparecida — declarou Rossi. — Quando Ryan falou sobre ela, na mesma


hora me lembrei daquela ocasião em que nós a vimos aqui, com você.

— Naquele dia, todos nós ficamos admirados pela semelhança dela

com nossa irmã falecida — murmurou Mariano. — Só não demos tanta


importância, porque precisávamos focar nossa atenção no maldito do Louis.

— Como podemos encontrá-la, Angel? — Rossi repetiu, sem esconder


a ansiedade em sua voz. — Precisamos olhar para ela outra vez.

— Lis tem uma família — revidei, nervoso. — As coisas não são tão

simples. O que acham que vai acontecer? Por acaso pensam que ela vai,
simplesmente, abrir os braços e cumprimentar os novos irmãos se realmente

for a irmã de vocês? — questionei.

— Nós só queremos conhecê-la. — Rosnou Rossi, se aproximando de

mim com postura ameaçadora. — Quando foi sua vez, nós estendemos a mão
— alfinetou, referindo-se ao fato de terem me ajudado a encontrar o

paradeiro da Rosa.

— Cheguei a viajar para Turquia atrás da sua irmã. — Luca


acrescentou, fazendo-me arreganhar os dentes para ele.

— A missão também dizia que você deveria se deitar com ela? —


sibilei, revoltado.
— Angel! — exclamou Rossi, chamando minha atenção para si. —

Onde está a garota?

Maldição!

Sacudindo a cabeça, inspirei profundamente.

— Ela saiu com o irmão, rapaz que trabalha para mim — contei,
temeroso com tudo o que aquela merda implicaria em meu relacionamento

com a Lis. — Isso já faz uns trinta ou quarenta minutos. — Tiquetaqueei meu
maxilar. — Conhecendo-o como conheço, Miguel a levou para tomar café na

confeitaria que ele ama. Vou mandar o endereço para você. — Gesticulei
para o Rossi. — Se quiser vê-la, vá sozinho, para não assustar.

— Está certo. — Se afastou, seguindo novamente para o carro. — Vou

aguardar o endereço.

Fiz sinal para que alguns dos meus homens acompanhassem o carro

dele, para dar um suporte se necessário.

Suspirando, olhei para os quatro idiotas que ficaram ali comigo.

— Vamos entrar. — Murmurei, me virando nos calcanhares. —

Preciso beber.

***

Não deu nem trinta minutos que Rossi saiu e o telefone do Mariano

começou a tocar. Fiquei tenso na mesma hora quando entendi, mesmo eles
conversando em italiano, que algo tinha acontecido com a Lis.

— O que houve? — questionei, angustiado.

Mariano pegou o paletó, se encaminhando para fora do escritório em

que estávamos.

— Um tiroteio — respondeu, tão nervoso, quanto todos nós. — O


irmão da garota está ferido, mas Rossi garantiu que ela está bem. Um de seus

homens falou sobre suas enfermarias clandestinas, então meu irmão está
levando os dois pra lá — declarou. — Ficou de mandar a localização em

alguns minutos.

Precisei de todo meu autocontrole para me manter lúcido naquele

momento, porque minha mente ameaçou entrar em colapso devido ao terror


com a ideia de ficar sem a Lis.

***

Quando estacionamos em frente ao prédio em ruinas, ambos nos


apressamos para entrar no local. Eu precisava manter profissionais da

medicina para ocasiões extremas, então o preparo do local era sempre em


lugares fora do radar da polícia e longe de qualquer suspeita.

Assim que meus olhos se chocaram com a Lis, bem e intacta, foi como

se um peso enorme houvesse saído dos meus ombros. Ela estava sentada,
curvada sobre o próprio corpo, chorando descontroladamente. Rossi estava
ao seu lado, recostado contra a parede, enquanto a confortava com uma das
mãos em seu ombro, embora não dissesse nada. Apenas observava a

possível irmã.

Olhando para o cenário além deles, podíamos ver o material plástico

que usavam a fim de isolarem o local para evitar o contato com bactérias. Os
médicos estavam com Miguel na mesa de cirurgia improvisada.

Quando Lis virou o rosto e me encontrou ali, parado e a olhando se

colocou de pé num pulo e correu em minha direção. Minha única reação foi
abrir os braços para ampará-la.

— Ele tomou um tiro por mim, Angel — choramingou, soluçando alto.


— O Miguel me salvou.

Reforcei o aperto em seu corpo, querendo ter o poder de arrancar tudo

de ruim que ela estivesse sentindo.

— Se ele morrer, eu nunca vou me perdoar.

Segurei sua cabeça e a forcei para trás, pois queria falar com ela
olhando em seus olhos.

— Escute... — firmei nossos olhares — você não tem culpa de nada,


entendeu? O Miguel fez aquilo que todo irmão faria, te protegeu. — O rosto

dela se contorceu com novas lágrimas. — Oh, pequeña, vai ficar tudo bem.
— Eu estou aqui agora. — Enchi seu rosto de beijos, assim como seus
lábios.

Pude ouvir um rosnado baixo ao nosso redor, como de cães prestes a

atacar sua presa. Não precisei olhar para saber que aquele som foi uma
reação dos Fratelli à minha aproximação com a suposta irmã. Lis não
percebeu, aliás, eu desconfiava que ela sequer houvesse notado a presença
de todos eles ali; sua preocupação estava em Miguel, a única família que

conhecia.

Desesperado para arrancar seu sofrimento, mantive Lis escondida em


meus braços. Ignorando o fato de que os cinco mafiosos mais temidos da
Itália estavam mais do que ansiosos para arrancarem minha pele, e de forma
bem lenta e dolorosa.
Capítulo 11

Lis

Alguns minutos antes

Meu peito estava sufocado, e eu me sentia uma tremenda inútil por não
poder ajudar meu irmão.

Eu poderia colocar um torniquete, mas para ferimentos abdominais

ficava um pouco mais complicado. Como há mais espaço para o sangue se


acumular, é muito difícil identificar o quão sério o sangramento realmente é.

Grande parte dos vasos sanguíneos correm por dentro da coluna vertebral,
ou seja, não tem como ver pulsações ou esguichos que normalmente

indicariam uma laceração destes vasos. Então, eu só imaginava o pior.

Rasguei o tecido da própria camiseta dele, em seguida, fiz uma


bandagem na extensão do abdômen. Depois comecei a fazer pressão,

torcendo para que a viagem até o socorro não demorasse muito.

— Aguenta firme, Miguel. — Choraminguei, sem tirar os olhos dele,

que estava com a cabeça apoiada em meu colo. — Não ouse me deixar,
irmão. — Solucei.

— Você parece amá-lo muito. — Me assustei com a voz de timbre

forte. Levei os olhos para os bancos da frente do carro, e me deparei com o


tal Rossi, debruçado de modo a me espiar. Outro homem estava dirigindo.

— Lógico que eu amo, é meu irmão — murmurei com o cenho

franzido. — Ele me protegeu.

Ficou me olhando com aquele olhar minucioso.

— O que aconteceu lá?

Pisquei, me esforçando para espantar as lágrimas, porém minhas

emoções estavam à flor da pele, então era uma tarefa difícil.

— Eu não sei bem — respondi, nervosa com as recordações. —

Miguel e eu estávamos conversando quando ele percebeu uma mira laser em

meu corpo, então gritou e se jogou sobre mim. — Os soluços me tomaram, e

me voltei para meu irmão, beijando seu rosto. — O alvo era eu, não ele.

— O que você fez para se tornar um alvo? — Uma escuridão tomou

conta de seus olhos azuis. — Por acaso isso tem a ver com Angel?

Funguei.

— Por que teria a ver com ele? — rebati, nervosa. — Angel não faz

nada, além de me proteger e cuidar de mim — defendi-o.


— Não parece estar fazendo o serviço direito pelo visto — alfinetou

em tom severo —, considerando a situação em que está agora. —

Gesticulou, parecendo com raiva.

— Não se pode culpar uma pessoa por fatalidades do destino —

declarei, nervosa com sua suposição sobre Angel não conseguir cuidar de

mim. — Nem todas as coisas ruins que acontecem têm apenas um culpado.

— Neste caso, preciso discordar de você, querida — rebateu, me

encarando com olhos perturbadores. — Sempre há um culpado. Sempre há

alguém por trás da dor e sofrimento — afirmou. — Ou por acaso acredita

que todos são bonzinhos? — Riu de modo amargo. — As pessoas são tiradas

de nós, constantemente, Lis, e nem sempre podemos evitar, apesar de

tentarmos.

Voltei a fungar, desviando os olhos para meu irmão.

— Você fala como se conhecesse a dor da perda — comentei com um

aperto no peito. — Quem você perdeu?

Algo em seus olhos fez meu coração acelerar, embora eu não houvesse

conseguido decifrar a emoção.

— Uma irmã — respondeu baixinho. — Eu perdi uma irmã.

Dizendo isso, ele se virou para frente, ajeitando-se no banco. Entendi


que tinha dado nossa conversa por encerrada.
***

— Por que não me conta o que aconteceu, hun? — Angel indagou,

ainda me mantendo em seus braços. Ele tinha acabado de chegar ali.

— Foi tudo muito rápido — aleguei, esforçando-me para fazer minha

voz soar firme. — Mas tenho certeza de que o tiro era para mim, Angel. Era

para eu estar naquela mesa cirúrgica, não Miguel.

— Não diga besteiras! — Ralhou ele, me apertando um pouco mais

em seus braços enquanto esfregava minhas costas. — Miguel estaria aos

pedaços se algo houvesse acontecido com você — declarou. — E eu

também.

Me afastei de seu peito, para poder encarar seus olhos preocupados.

Ergui a mão para poder acariciar seu rosto. De repente, dei um pulinho de

susto ao som de um pigarrear. Aliás, não somente um.

Pisquei, olhando ao redor. Estava tão absorta em minha bolha de dor

que não tinha notado a presença daqueles homens. A maneira como me

olhavam me faziam sentir estranha.

Angel respirou fundo, parecendo desconfortável com alguma coisa.

— Lis, estes são... — se calou, parecendo não saber as palavras

certas.
— Amigos — um deles concluiu a frase pelo Angel, se aproximando

de nós dois. — Não sei se você se lembra, mas nós já nos vimos antes, lá na

casa do Angel. Eu me chamo Mariano.

Aceitei quando ele estendeu a mão para segurar a minha. Observei

quando levou aos seus lábios, beijando os nós dos meus dedos.

— Sou o Manuele — disse o outro, que era idêntico ao primeiro.

— São gêmeos. — Gesticulei, estudando-os.

— Sim, nós somos. — Respondeu Mariano, me oferecendo um sorriso

gentil. Depois, se virou para o restante deles: — E estes são Luca e Fillipo

— Apontou para os outros dois, que já estavam ao meu lado, parecendo,

estranhamente ansiosos para me cumprimentarem.

— Eles são irmãos do Rossi. — Angel apontou para o homem que

havia me ajudado com Miguel, longos minutos antes. — Fazem parte de uma

organização italiana.

— Eu bem que percebi o sotaque. — Sorri para o Rossi, que encheu

os olhos com um brilho intenso ao presenciar meu sorriso. — Então vocês

estão aqui para ajudar com tudo o que está acontecendo? — Olhei para todos

eles.

— Ainda não sabemos de todos os detalhes, querida. — Afirmou um

dos gêmeos, com um olhar leve. Depois sua expressão endureceu quando
encarou o Angel, que estava ao meu lado: — Ao que parece, o mexicano

aqui não nos contou toda a verdade.

Pisquei.

— Verdade? — indaguei, sem entender. — De que verdade estão

falando? — Meus olhos intercalaram entre eles e Angel.

— Que vocês dois estão juntos. — Respondeu Rossi, chegando mais

perto. Seu olhar para o Angel era tão sombrio que cheguei a ficar com medo.

Senti Angel tenso ao meu lado, embora ele houvesse optado pelo

silêncio.

— E o que isso tem a ver? — rugi, incomodada.

— O óbvio, querida — foi Luca quem respondeu, tão feroz quanto os

outros. — Você está com um alvo nas costas, e isso, provavelmente, vem dos

inimigos do Angel. Ou por acaso não sabe que seu namorado é chefe do

maior cartel do México? — Arqueou as sobrancelhas.

Raiva inflamou meus sentidos.

— Não fale comigo como se eu fosse uma boba. — Rosnei, apontando

o indicador contra o rosto bonito dele. — Quem você pensa que é, hein?

Você não me conhece, então não vou admitir que me trate como uma idiota.

Ouvi uma risadinha ao meu redor, mas não percebi quem estava rindo.
Ao contrário do que imaginei, Luca não pareceu chateado com minhas

palavras nem com minha explosão. Na verdade, ele sorriu.

— Você é bem esquentadinha. — Insinuou, em tom impressionado. O

sorriso ainda persistindo em seus lábios.

Rolei os olhos.

— Quem vocês são, afinal? — perguntei, impaciente. Não estava

gostando nada da maneira como estavam olhando para o Angel.

— Mafiosos — respondeu Fillipo, o que notei ser o mais silencioso

deles. — Mas nossas lutas são travadas contra pessoas ruins, aquelas que
estão do lado negro da força.

Assenti, analisando suas palavras. De repente, virei a cabeça em

direção ao Rossi.

— Você viu quem estava atirando? — perguntei a ele.

— Não — respondeu, nitidamente frustrado com isso. — Eles fugiram

quando cheguei — rosnou, tenso. — Angel mandou alguns de seus homens


comigo, foi quando aconteceu a troca de tiros. Mas não deu de ver mais nada

— afirmou.

— Você não precisa se preocupar com isso agora, Lis — alegou

Angel, depois de ter ficado calado por um bom tempo. — Prometo que vou
descobrir quem está por trás de toda essa merda.
Meus olhos voltaram a ficar úmidos.

— Se permitir, nós também podemos ajudar, Lis. — Murmurou Rossi,


me fazendo olhar para ele, que demonstrava ansiedade em seus olhos. Era

esquisito, mas eu tinha gostado desse mafioso. Aliás, não somente dele, mas
de seus irmãos também. — Queremos trabalhar junto com Angel para

garantir que você fique segura, querida.

Sentindo minha garganta fechar com a emoção, me virei para trás,

especificamente, para a ala em que estavam operando o Miguel. Eu não fazia


ideia se ele conseguiria sobreviver, e essa certeza fazia meu coração se

tornar tão pequenino que até mesmo respirar se tornava uma tarefa difícil.

— Isto se estende ao seu irmão também — acrescentou Rossi.

— Eu ainda sou capaz de manter a segurança do meu pessoal, capo —

rugiu Angel, tão letal quanto nunca vi antes.

— Non è come sembra, pirla! (Não é o que está parecendo, idiota!)


— sibilou Rossi, em italiano. Seu tom foi tão ameaçador que todos os meus

pelos se arrepiaram. — Non solo hai messo in pericolo nostra sorella, hai
permesso che accadesse tutta questa merda. Cosa ci nascondi, messicano?

Hai molto da dirci. (Você não só colocou nossa irmã em perigo, como
também permitiu que toda essa merda acontecesse. O que está nos

escondendo, mexicano? Você tem muito o que nos contar.)


— Non parlare come se fossi già sicuro. Sono ancora il capo qui;
Sono ancora il fottuto proprietario di tutta questa merda, quindi faresti

meglio a abbassare i toni, capo. Non sono il nemico. (Não fale como se já
tivessem certeza. Eu ainda sou o chefe aqui; ainda sou a porra do dono de

toda essa merda, então é melhor diminuir o tom, capo. Não sou o inimigo.)
— rebateu Angel, em italiano também.

— Querem fazer o favor de falarem no meu idioma? — rosnei,


revoltada. — A impressão que eu tenho é de que estão tentando esconder

coisas de mim, e odeio ser feita de boba.

De repente, fomos interrompidos pelo médico que operou meu irmão.


Meu coração parou uma batida.

— Como ele está? — indaguei, cheia de angústia. Angel não saiu do


meu lado em nenhum momento.

— Senhor. — O homem cumprimentou Angel, com um aceno de

cabeça. — Bem, o paciente chegou com sangramento ativo, então tivemos


que realizar uma laparotomia exploratória para ver se o disparo não chegou

a provocar lesões nos intestinos grosso e delgado e em vasos sanguíneos.


Traumas assim podem gerar grandes sangramentos internos, que, se não

forem controlados a tempo, às vezes, levam à morte do paciente.


Dependendo da estrutura acometida, traumas...
Meu rosto se contorceu com novas lágrimas, enquanto ouvia o médico

falar. Podia sentir o braço do Angel em minha cintura, me mantendo firme,


querendo deixar claro que estava ali comigo.

Funguei, levando as mãos ao rosto para enxugar as lágrimas que não

paravam de molhar minhas bochechas.

— Eu posso vê-lo? — perguntei, com voz embargada, depois que o

médico concluiu o relatório do estado clínico do Miguel.

— Sim. — Disse, gesticulando. — Ele só não vai poder conversar,


porque está sedado.

Me soltei do Angel e apressei os passos na direção indicada pelo


médico. Eu já estava me debulhando em lágrimas outra vez quando me

aproximei do meu irmão, que estava ligado a aparelhos. Porém, não estava
entubado, fato este que me deixou bem mais tranquila.

Fiquei surpreendida com a qualidade daquele lugar e dos

equipamentos implantados, considerando que era algo clandestino. Imaginei


que Angel havia gastado muito dinheiro.

— Oh, meu irmão... — segurei sua mão, sentindo-me tremer de dentro


para fora. — Você vai ficar bem — afirmei, embora não tivesse certeza. —

Digo isso, porque você me prometeu. Você prometeu que cuidaria de mim até
que eu ficasse velhinha. — Soltei um sorriso em meio às lágrimas, enquanto
me ajoelhava perto da maca em que ele estava. — Então pode desviar de

qualquer luz suspeita que você ver, e correr de volta para mim, irmão.
Continue sendo forte. Não desista agora.

Beijei sua mão e, em seguida, colei minha testa sobre ela.

Ouvir o bipe frenético, que indicava o ritmo de seus batimentos


cardíacos, me trazia alívio e esperança de que ele estava lutando.

E eu também lutaria por ele. Não descansaria enquanto ele não


voltasse para mim.
Capítulo 12

Angel

Eu estava sentindo meus músculos trêmulos devido a toda tensão que


pairava no ambiente. Era óbvio que eu já estava consciente de que, uma

hora, toda aquela merda recairia sobre mim e Lis, mas não havia me
preparado.

— Angel? — Virei a cabeça em direção ao Rossi, que me encarava

com olhos duros e frios. — Temos que conversar — ditou.

Rangi os dentes, nervoso com a situação.

— Aqui não — sibilei.

Me afastei deles, que ficaram resmungando xingamentos em italiano, e


segui para onde Lis estava.

Presenciar sua dor por causa do que houve com seu irmão me deixou

devastado, porque, de certa forma, eu sentia que a culpa era minha. E

imaginar que Lis pudesse ter sido a vítima se Miguel não houvesse se
colocado na frente dela como um escudo protetor, me deixava ainda mais

culpado.

Eu precisava encontrar uma maneira de acabar com isso.

Precisava encontrar um jeito de mantê-la longe da mira do tsunami do

meu passado.

Sacudi a cabeça, espantando meus pensamentos quando vi a Lis

ajoelhada no chão; peguei uma cadeira e levei para perto dela.

— Venha, baby... — a amparei pelos ombros, forçando suas pernas a


se firmarem no chão. — Sente-se aqui. Vai acabar se ferindo desse jeito.

Ouvir seus soluços estava me despedaçando por dentro, embora eu me

esforçasse para não demonstrar meu descontrole.

Lis não foi feita para chorar.

Respirando fundo, eu me ajoelhei em sua frente, que já estava sentada

na cadeira, e segurei suas duas mãos. Virei as palmas para cima e beijei-as

com devoção.

— Eu sinto tanto... — soprei, num misto de sentimentos. Olhei para

Miguel ali, naquele estado, e me senti impotente. Além de ser um soldado

meu, ele também era um amigo. — Gostaria de poder fazer mais.

— Não se culpe — murmurou ela em tom embargado. — Eu escolhi

isso quando atirei naquele homem.


Franzi o cenho, sem entender suas palavras.

— O que está dizendo? — indaguei, meio débil.

Ela voltou a fungar, enquanto eu passava os dedos em suas bochechas


para enxugar as lágrimas insistentes.

— Você disse que o fato de eu ter atirado naquele homem para te

proteger possa ser o motivo para essa maldita caçada contra mim —
afirmou, com os olhos baixos. — Então aceito as consequências. —

Suspirou e, em seguida, encarou o irmão. — Só que me dói demais saber que

meu irmão esteja nesta situação por algo que eu fiz.

— Lis, olhe para mim... — puxei seu rosto para encarar meus olhos.

Todo meu corpo estava tenso com suas palavras. Eu estava me sentindo um

maldito cretino por tê-la feito acreditar que toda aquela caçada desenfreada

contra ela tinha a ver com o tiroteio a mando do Javier, sendo que, na

verdade, eram ataques protagonizados pela Juana. Entretanto, eu não podia

contar a verdade, pois se fizesse isso, corria o risco de perdê-la para

sempre. — Você não tem culpa de nada — afirmei, torcendo para que ela

acreditasse. — Na verdade, sua única culpa é amar demais, querida. —

Sorri fraco, sendo acompanhado por ela. Aproximei nossos rostos e toquei

meus lábios nos seus. — Pare de encher sua consciência com algo que não te
pertence, pequeña. — Pedi, desenhando seu lábio inferior com meus dedos.
— Apenas se preocupe em ficar bem, pra emanar energias positivas para a

recuperação do seu irmão. Miguel não ia gostar de vê-la se culpando desse

jeito.

Ela assentiu com a cabeça, tentando sorrir, mas não conseguiu, porque

as lágrimas voltaram a importuná-la. A puxei para meus braços e a mantive

ali, aconchegada ao meu peito.

Se eu pudesse, a esconderia comigo para sempre.

— Vou precisar dar uma saída — avisei, depois de um tempo.

— Por quê? — ouvi sua pergunta em tom magoado.

A empurrei, delicadamente, pois queria encarar seus olhos.

— Porque preciso trabalhar num jeito de parar esses ataques antes que

mais alguém se machuque — falei, calculando as palavras certas para dizer.

Não poderia dizer que caçaria cada um que ousou feri-la e que os mandaria

direto para o inferno. — Meus homens ficarão aqui para garantir a

segurança. Confie em mim, tudo ficará bem.

Sacudiu a cabeça, soltando um suspiro baixo. Sua expressão foi tão

fofa que desejei morder seus lábios.

— Promete que não vai demorar?

Sorri, acariciando seu rosto todo.


— Prometo.

Dizendo isso, me coloquei de pé. Inclinei-me e depositei mais um

beijo em seus lábios doces.

Em seguida, rumei para fora, logo me deparando com os Fratelli. Toda

sensação de plenitude que a presença da Lis me causou, se desfez no instante

em que observei o peso da fúria por trás daqueles pares de olhos azuis.

— Agora podemos ir. — Avisei, seco, enquanto passava por eles.

***

— Alguém quer beber? — perguntei, assim que chegamos à sala da

minha mansão. Nenhum deles respondeu, enquanto persistiam em me encarar

com aquele olhar cavernoso. — Ninguém? — Dei de ombros, abrindo a

garrafa de tequila. — Vou beber por vocês então. — Entornei um generoso

gole. Sabia que precisaria de todo álcool possível para a conversa que

enfrentaria nos próximos minutos.

— Por que não nos contou que estava... — Rossi se calou por um

instante, torcendo os lábios como se estivesse enojado — envolvido com

nossa irmã? Por acaso não pensou que essa informação pudesse ser

importante para nós?

Não resisti à risadinha.


— Qual é a graça, idiota? — rugiu Manuele em tom ameaçador. — No

momento, nós estamos agindo pacificamente, mas não me custa nada partir

para a agressividade, aqui e agora. — Cerrou os punhos.

Arreganhei os dentes, sentindo a fúria passeando por minha corrente

sanguínea.

— Estou rindo, porque ainda nem sabem se Lis é realmente a irmã


desaparecida de vocês, mas já estão agindo como irmãos superprotetores. —

Aleguei, sacudindo a cabeça. — E, na verdade, o único irmão que ela

conhece está lá, numa mesa cirúrgica, num maldito hospital clandestino, e

tudo porque a defendeu — declarei, duro. — Não estou dizendo que não

existe a possibilidade de ela ser a irmã de vocês, mas as coisas precisam ser

feitas com cuidado, porque por trás desse segredo tem uma garota meiga e

doce, que é completamente apaixonada pela família dela, a única que

conhece.

Eles permaneceram pensativos.

— Por que não a manteve longe? — a pergunta veio do Mariano. —

Você afirmou que ela e a família são civis, salvo seu irmão, então por que

decidiu trazê-la para o perigo que você representa?

Odiei a acusação por trás de suas palavras, mas ele tinha razão. Eu

tinha colocado um alvo nas costas da garota que eu amava no momento que a
trouxe para minha vida.

Tomei um novo gole da bebida ardente, sentindo o líquido descer


queimando.

— Pelo mesmo motivo que cada um de vocês optou por manter suas

garotas em suas vidas de perigo. — Gesticulei, alfinetando. — Por amor.

— Isso não é justificativa — rebateu Luca. — Você chegou a trazê-la

para sua casa, o que me faz deduzir duas coisas... — se calou, me encarando.
— Que você tem consciência do quê, ou quem a está perseguindo, por isso a

trouxe para sua fortaleza. Ou... — se aproximou numa tentativa de me


intimidar — está apenas a usando para seu bel...

Cortei suas palavras com um soco na boca.

Fillipo e Mariano, que estavam mais perto, se colocaram em minha


frente para me impedir de continuar enchendo o idiota de seu caçula de

porrada.

— Como ousa cogitar uma coisa dessas, ¿hijo de puta? — rugi a

pergunta, indignado com tal suposição. — Acha que Lis é qualquer uma para
que eu, simplesmente, a trouxesse para minha casa como uma espécie de

concubina? — berrei, cheio de revolta.

— Não foi isso que ele disse, Angel — Rossi defendeu o irmão. — Só
estamos tentando entender a situação.
O encarei com os olhos injetados de frieza e fúria.

— Ah, vocês querem entender? — indaguei, ensandecido. Entornei


mais um longo gole de tequila, em seguida, depositei a garrafa sobre a

mesinha de centro. — Eu conheci a Lis há quase cinco anos, desde que seu
irmão Miguel começou a trabalhar para mim — comecei a narrar. — Me

apaixonei, perdidamente, por ela, porém sabia que jamais poderia tê-la,
porque sou o maldito chefe de um cartel. — Dei uma risada amarga. —

Entretanto, meu medo de sempre mantê-la segura não me impediu de arcar


com seus estudos... — pausei, me recordando. — Lis sonhava em se tornar

médica, e isso surgiu por causa de uma doença que seu pai teve, cujo
tratamento era muito caro. — Respirei fundo. — Estava tudo certo, ela

vivendo sua vida, enquanto eu cuidava da sua segurança, porém, me


mantendo longe... — estalei os lábios, irritado comigo mesmo. — Até que

ela retornou de Londres, depois de uma longa temporada de intercâmbio. —


Olhei para eles. — Foi no dia em que vocês a viram aqui. — Assentiram. —

Então levei aquele tiro na perna durante nosso ataque no Porto de Ensenada,
quando ajudei vocês a capturarem o melhor soldado do Louis, e ela ficou

sabendo. A teimosa me encontrou, revoltada por eu não a ter chamado para


me ajudar. Na ocasião, eu tinha chamado um veterinário para cuidar da

minha ferida. — Sorri, me lembrando de toda sua braveza comigo. — Eu


tentei mandá-la de volta, mas Lis não arredou o pé de lá. — Suspirei. — No
fim das contas, o lugar em que estávamos foi atacado, e ela precisou atirar
para se defender, e me defender.

— Que porra está dizendo?! — Manuele esbravejou, agarrando minha


camisa.

— Eu desmaiei, porra! Não pude evitar nada. — Empurrei Manuele

para longe.

— A única coisa que entendi dessa merda toda foi que você colocou

nossa irmã, que nem sabíamos que existia, em risco. E isso só está piorando
meu estado de irritação com você, mexicano. — Soou Rossi, oferecendo-me

aquele olhar sinistro, que já era característico dele.

— E acham que fiz isso de propósito? — ralhei, indignado. — Por


acaso pensam que desejei colocá-la em perigo? Eu a amo, carajo! Boludos!

— Ainda não decidi se gosto da ideia de saber que você e ela estão...
— Mariano não concluiu o pensamento, nitidamente incomodado.

Semicerrei os olhos.

— Então estamos num impasse aqui, porque também não gosto da


ideia de saber que Luca deflorou a Rosa, porém permiti que o casamento

deles acontecesse pela felicidade da minha irmã. E digo mais, meu amor
pela Lis é puro e sincero, e nossa união fará com que nossas famílias fiquem
ainda mais fortes. Porque depois que Luca se casou com a Rosa, nos

tornamos uma única família.

— Então está realmente disposto a assumi-la? — Rossi perguntou, me


estudando.

— Pode apostar — respondi, sem pestanejar. — E ninguém será capaz


de me impedir.

Ambos rosnaram, incomodados com meu tom.

— Saiba que depois que tudo isso acabar, você terá que passar pelo
nosso desafio antes de adquirir o direito de ficar com nossa irmã —

comentou Luca.

Notei quando os outros irmãos o encararam, sem entender.

— De que teste está falando? — Fillipo indagou.

Luca deu de ombros.

— Não sei, mas quando foi minha vez, esse idiota tentou me ferrar
com aquele maldito teste — resmungou, ranzinza. — Então ele não vai

escapar de um desafio.

Tiquetaqueei meu maxilar, cruzando os braços.

— A sua sorte é que a Rosa é louca por você, e eu não quero magoá-
la, porque se...
— Acho que já ultrapassamos a cota de ameaças por hoje — interveio

Rossi, cortando minhas palavras. — Está claro que o objetivo de ambos aqui
é manter a Lis em segurança — acrescentou, fazendo cada um de nós engolir

os xingamentos.

O silêncio reinou por alguns instantes.

— Então a pergunta que não quer calar é: Como você fará isso,

mexicano? — indagou Manuele, num rosnado. — Como fará para tirar nossa
irmã da enrascada em que a colocou?

Arqueei as sobrancelhas.

— Ah, então é assim? — indaguei, incrédulo. — Quando é para ajudá-


los a limpar a sujeira de vocês, eu sirvo — rosnei em revolta. — Mas

quando o negócio tem a ver comigo, só recebo cobrança?

— Saiam! — Rugiu Rossi, para os irmãos, que arregalaram os olhos.

— Quero falar com Angel à sós. — Eles sequer discutiram.

Quando ficamos sozinhos, ele se voltou para mim.

— Essa será a última coisa que irei falar sobre este assunto —

começou ele, respirando fundo — Não gosto de saber que está com minha
irmã, mas pelo mesmo motivo que você não gosta de saber que a sua está

com o Luca... — fez uma careta, e eu o acompanhei. — Nossas emoções nos


cegam e nos impedem de ver as coisas com clareza. — Assenti, porque
concordava com ele. — Ainda não sabemos se a garota é realmente nossa
irmã, mas quero que saiba que confio em suas intenções com ela; confio que

realmente a ama e que deseja fazê-la feliz.

— Obrigado. — Murmurei, vendo-o assentir com a cabeça.

Suspirando, ele resolveu se sentar em um dos sofás. Sua expressão

voltou a se tornar sombria.

— E então? — Indagou, gesticulando para que eu me sentasse no sofá


adjacente. — Por que não me conta o que está escondendo? Qual dos seus

inimigos está perseguindo a minha irmã?

Respirei fundo.

Me sentei também. Porém, antes, voltei a pegar a garrafa de tequila.


Eu sabia que precisaria me anestesiar para ter aquela conversa; voltar ao
meu passado nunca era uma viagem agradável.
Capítulo 13

Lis

Acordei com o toque da mão de alguém em meus cabelos. Pisquei, me


remexendo e erguendo a cabeça para entender o que estava acontecendo. Eu

tinha pegado no sono na cadeira mesmo, com a cabeça apoiada na maca em


que o Miguel estava.

Meus olhos piscaram no momento que me deparei com o sorriso do

meu irmão.

— Miguel... — soprei, com voz embargada. — Você acordou?!

— Culpa do seu ronco. — Revidou em tom brincalhão, fazendo-me

sorrir um pouco mais, mesmo em meio às lágrimas.

Me coloquei de pé e me joguei em seus braços, embora com cuidado

para não o ferir.

— Eu fiquei tão preocupada. — Choraminguei, ainda agarrada em seu

pescoço, enchendo seu rosto de beijos. — Você me assustou.


Nem tive coragem de contar o incidente aos nossos pais, pois não

queria preocupá-los.

Suas mãos vieram para meu rosto.

— Você está bem? — quis saber, com uma expressão sombria. — O

que aconteceu depois que eu apaguei?

Balancei a cabeça, pressionando as minhas mãos sobre as suas.

— Isso não importa agora — declarei, nervosa, pois foi impossível

não me recordar do terror que passamos. — O importante é que estamos


bem.

— A Lis está certa. — Soou Angel, se aproximando. — O importante

é que vocês dois estão bem. — Sorriu. — Bem-vindo de volta, soldado. —

Sacudiu a cabeça.

Miguel passeou os dedos abaixo de meus olhos, enxugando minhas

lágrimas que desciam descontroladas.

— Quanto tempo eu dormi? — quis saber.

— Pouco mais de doze horas, eu acho. — Respondi, fungando. — A

sua cirurgia foi um sucesso; o médico disse que o disparo não afetou nenhum

órgão. Graças a Deus você não foi atingido enquanto estava de costas,

apenas quando se virou de frente.


— ¡Esos hijos de puta! — praguejou ele, provavelmente se referindo

aos que tentaram nos ferir. Ameaçou se sentar, porém, gemeu de dor.

— Você não pode se mexer. — Resmunguei, forçando-o a continuar

deitado. — Seu abdômen foi aberto há algumas horas, então precisa de

repouso — ralhei, com cara feia.

— Conseguiu descobrir quem eram? — Questionou, ignorando-me e

fixando os olhos no Angel, que estava parado, perto da maca. — O disparo

era para Lis, eu tenho certeza disso — declarou com olhos injetados. —

Você precisa resolver essa merda, Angel. Precisa encontrar essa maldita

mulher que está atrás da minha irmã.

Pisquei, abismada. Olhei tão rápido para o Angel, que meu pescoço

chegou a doer.

— Mulher? — indaguei, confusa. — Que mulher é essa? Do que

Miguel está falando?

Notei que Angel travou o maxilar, incomodado com o assunto.

— Ele se enganou, pequeña. — Sorriu, chegando mais perto. — Não


existe mulher nenhuma — decretou, sério. — E, na verdade, você não

deveria ter de se preocupar com algo assim, deixa isso comigo.

— É a vida dela, Angel — rugiu meu irmão. A tensão entre os dois se


tornou palpável. — Não pode continuar escondendo as coisas que
interferem, especificamente, na vida da Lis.

— Ah, então você quer que sua irmã viva com medo? — revidou

Angel, quase em um rugido. — Acha certo que ela passe a noite toda

prostrada na porra de um hospital clandestino como este, sem comer, sem

dormir e chorando como uma condenada? Quer que ela tenha a mente

preenchida com pesadelos para sempre? Porque, eu quero mantê-la fora

disso tudo. Quero manter sua irmã na porra de uma redoma de vidro.

Franzi o cenho.

— Mas isso não é possível — rebati, espantada com suas palavras. —

Você não pode me esconder do mundo. Não é porque você me ama que tem o

direito de me isentar de tudo, por medo de me fazer sofrer. Se vamos ficar

juntos, você precisa confiar em mim.

Ele continuou encarando meu irmão com um olhar duro.

— Ela precisa descansar — disse para Miguel, parecendo não se

importar com o que falei. — Sua irmã não aceitou sair daqui enquanto você

não acordasse. — Depois amenizou o olhar quando fixou os olhos nos meus.

— Vamos para casa. Lá conversaremos — prometeu. — A segurança aqui

está reforçada, então seu irmão vai ficar bem.

Voltei a olhar para Miguel, que buscou minha mão.


— Ele tem razão, irmã — reforçou, embora eu ainda notasse sua

tensão. — Não quero que fique doente por minha causa. Estou bem. —

Sorriu, mas foi um sorriso que não iluminou seu rosto. — Não foi desta vez

que você ficou livre de mim.

Fiz uma careta.

— Não fale isso nem por brincadeira. — Me joguei em seus braços

outra vez, beijando seu ombro.

— Eu sei, me desculpe. — Lamentou, enquanto acariciava meus

cabelos. — Mas você precisa descansar. Do que adianta eu ter uma

enfermeira que mal se aguenta em pé? — Brincou, empurrando meu corpo


para trás de modo a encarar meu rosto. — Vá para casa, se alimente direito e

descanse. Não ouse voltar aqui hoje. Vou ficar esperando sua visita amanhã.

Inspirei profundamente. Em seguida, olhei para o Angel.

— Está certo — murmurei, meio incerta, mas consciente de todo meu

cansaço das últimas horas. — Já me sinto melhor apenas em saber que você

está bem. — Me coloquei de pé, depois que aceitei a mão do Angel, que me
segurou e me manteve por perto. — Promete que vai mandar me chamar se

acontecer alguma coisa?

Rolou os olhos.
— E pare de ser malcriado! — Ralhei, arrancando-lhe um sorriso. —

Eu te amo, irmão. — Toquei seu rosto, sentindo a barba pinicar minha mão.

— Obrigada por ter salvado minha vida. Obrigada por sempre cuidar de

mim.

Nos despedimos novamente e, em seguida, me deixei ser guiada para

fora.

Uma parte minha não queria sair dali, mas, ao mesmo tempo, eu me

sentia mais leve em saber que meu irmão estava se recuperando bem, e longe

do perigo de morte.

***

Quando chegamos na mansão, Angel me acompanhou até meu quarto.

Eu estava cansada, não só fisicamente, mas emocionalmente também.

— Está com fome? — Perguntou, enquanto me ajudava a tirar o casaco

que eu estava usando. — Posso mandar preparar alguma coisa para você

comer.

— Que horas são? — Indaguei, caminhando em direção ao banheiro.

— Perto das oito da manhã — respondeu, me seguindo.

Retirei minhas roupas, ficando nua em sua frente. Fui até o box e liguei

o chuveiro.
— Não estou com fome. — Expliquei, regulando a temperatura da

água. — Na verdade, ainda sinto meu estômago embrulhado — reclamei,

entrando debaixo da ducha.

— Porque você ficou com as emoções à flor da pele — disse. —

Então é compreensível.

Fechei os olhos, suspirando com o contato da água morna em minha

pele.

— Vou deixar você tomar banho. — Declarou, ameaçando sair do

banheiro.

— Não vá, por favor. — Freei sua intenção de me deixar. — Não

quero ficar sozinha.

— Eu nunca poderia deixá-la nem se eu quisesse, Lis — afirmou,


cheio de intensidade.

Sorri, sentindo meu coração bater descompassado.

Desliguei o registro depois de alguns minutos, em seguida, peguei a


toalha e me enrolei.

Angel se afastou da porta para que eu pudesse passar. Assim que senti
seu perfume, me aproximei dele, que enrolou um dos braços em minha

cintura.

— Lis... — se calou quando colei nossos lábios.


Minha língua pediu passagem dentro da sua boca, gemendo quando
senti a maciez da sua.

Ele tentou me afastar, embora eu sentisse que me queria tanto quanto

eu o queria.

— Baby... — segurou-me pelos ombros — você precisa descansar.

Não acho certo me aproveitar de você num momento como este.

Neguei com a cabeça.

— Não, eu preciso de você. — Enrolei os braços em seu pescoço,

fazendo com que minha toalha caísse aos nossos pés. — Preciso do seu
amor. — Colei nossos lábios outra vez, com sofreguidão. — Preciso sentir

você dentro de mim.

Arrepios inundaram minha pele com o rosnado que ele soltou. Sua

mão firmou minha cabeça, e senti a urgência do seu beijo.

Angel me impulsionou, de modo a me fazer enlaçar sua cintura com


minhas pernas. Sua boca desceu para meu queixo e pescoço, deslizando a

língua em minha pele febril. Logo, senti a textura do colchão em minhas


costas no instante em que Angel me depositou sobre a cama, aninhando-se

entre minhas pernas, ainda de roupas.

— Oh... — arqueei as costas, lambendo os lábios quando comecei a

senti-lo descer com beijos molhados pelo meu corpo.


O calor da sua língua estava me levando à loucura.

Me coloquei sob os cotovelos no momento que Angel arreganhou

minhas pernas, enfiando a cabeça no meio delas e abocanhando meu clitóris


com uma fome desesperadora. Seus olhos não se desviavam dos meus; ele

gostava de acompanhar todas as minhas reações.

Mordi os lábios, evitando gemer alto.

— Não se segure... — exigiu, soprando e mordiscando meu nervo

pulsante. — Quero ver você se desmanchar toda em minha língua, pequeña.

Joguei a cabeça para trás, gemendo e abraçando sua cabeça com

minhas pernas; eu queria mais.

Queria senti-lo mais perto.

Gritei quando Angel introduziu um dedo, sem deixar de me chupar;

meu corpo estava quente e suado.

Senti um redemoinho se formando em meu baixo ventre, obrigando-me


a expor tudo o que eu estava sentindo. Meus gemidos aumentaram de

intensidade conforme os movimentos de seus dedos aceleravam; Angel


afundou três dedos, lambuzando-se em meus próprios líquidos.

Quando o orgasmo me tomou, demorei um pouco para assimilar o


prazer que invadia meu corpo; Angel voltou a se deitar sobre mim, já sem

roupas.
Sequer vi o instante em que ele se despiu e colocou a camisinha.

— Eu amo você. — Declarou ele, tão intensamente que precisei

engolir o desejo de chorar de emoção.

Segurando minha perna, ele me penetrou lentamente; senti um pouco de

incômodo, considerando que aquela era a segunda vez que eu fazia sexo.
Então meu corpo ainda não estava acostumado com a invasão.

— Eu sei. — Segurei seu rosto, trazendo seus lábios para os meus,

exigindo seus beijos. — Também amo você.

Angel continuou investindo até me preencher por completo; ambos

gememos na boca um do outro com a sensação de puro êxtase.

Completos.

Um só.

Enfiei minha língua dentro da sua boca, enquanto me ajeitava para


recebê-lo, erguendo os quadris de encontro aos seus movimentos.

Suas investidas eram, ora lentas, ora duras. Não havia um ritmo certo,

entretanto, eu me sentia como se estivesse flutuando.

Angel escondeu o rosto em meu pescoço, cheirando e sugando minha

pele antes de pairar a boca em meu ouvido e sussurrar:


— Goze no meu pau, baby... — arrepios inundaram-me por inteira. —

Deixe-me sentir sua bocetinha me ordenhando, pequeña. — Gemeu,


causando-me um frenesi interno.

Eu me sentia tão devassa quando ele me falava essas coisas, que tudo,
dentro e fora de mim, queimava como brasas.

Minha respiração se tornou ruidosa e todo meu corpo começou a arder

de forma intensa e desesperadora. De olhos fechados, me deixei guiar por


sensações que me levaram ao céu; quando os espasmos do orgasmo me

tomaram, Angel me manteve firme, enquanto persistia em suas investidas


furiosas.

Depois que gozou, ele se deixou cair em meu lado, exausto.

Puxou-me para seus braços, aninhando-me em seu peito de forma


carinhosa. Eu amava esse cuidado que ele tinha comigo, o que, de certa

forma, me fez questionar se talvez ele já houvesse feito isso com outras.

— Angel? — Chamei, embora não ousasse erguer os olhos para

encarar os seus.

— Hun? — Sentia seu carinho em meus cabelos.

— Você sempre fez isso depois do sexo? — indaguei, intimidada.

— Isso o quê?

Suspirei, nervosa.
— Ficar abraçado com a garota depois do... — não consegui concluir
o raciocínio.

Ele deu uma risadinha, que fez seu corpo vibrar. Remexendo-se, ele

ergueu meu queixo, pois ansiava me olhar nos olhos, embora eu quisesse me
esconder.

— Eu só faço isso com você, pequeña — garantiu, com fervor. —


Você é a única que desperta meu melhor lado, Lis, a única que possui minha

melhor parte.

Sorri, emocionada.

Toquei nossos lábios, adorando sentir seu cheiro.

— E a tal mulher que meu irmão mencionou?

O senti ficar tenso, entretanto foi tão breve que não entendi se
aconteceu mesmo ou se foi imaginação minha.

— Não existe mulher nenhuma — declarou com tanta certeza que


acreditei.

Assenti com a cabeça, depois de encarar seus olhos por alguns

instantes.

Ele me conhecia bem, e sabia que eu não suportava mentiras.


Voltei a abraçá-lo, sentindo-me anestesiada pelo cansaço. No fim das
contas, tudo o que meu corpo desejava naquele momento era dormir.
Capítulo 14

Angel

— Ainda não entendi por que você mandou me chamar, mexicano. —


Comentou Joshua, assim que freei o carro. Uma rápida olhada no meu

retrovisor me fez observar a chegada dos meus homens, que vieram para me
dar suporte se acaso eu precisasse.

Suspirei, levando a mão na maçaneta da porta.

— Porque você é do mesmo clã do Jack, o Estripador[1] — declarei,

abrindo a porta —, e vou precisar desse estrago para o que vamos fazer
agora.

Joshua fazia parte do moto clube Lobos, liderado pelo Daniel Duran.

— Vou levar isso como um elogio. — Revidou ele, depois que saiu do

carro também, sacudindo sua jaqueta. O patch, emblema do Moto clube

Lobos, era exibido com um orgulho sem precedentes. — E então? Qual é o


plano? — Questionou, olhando ao redor.

Estávamos em frente a um bar decadente.


Respirei fundo, me concentrando no que faríamos a seguir. Já tinha se

passado pouco mais de uma semana desde o ataque que Lis e Miguel

sofreram, e minhas investigações me levaram até ali.

— Este bar é de uma gangue, conhecida como Los demônios. —

Contei, fazendo sinal para que alguns dos meus homens cercassem o lugar

decrépito. — O líder, chamado Antonio, é um antigo desafeto meu, mas

nunca vi necessidade de confrontá-lo. — Expliquei, seguindo para a parte de

trás do carro e abrindo o porta-malas para verificar o estoque de armas.

— O que mudou? — Perguntou Josh, admirando a pistola nove

milímetros em minhas mãos. Entreguei a ele.

— Foram os homens dele que protagonizaram o ataque contra minha

garota na semana passada — respondi, com o maxilar endurecido. — Agora,

eu preciso saber o motivo. — Sorri, maquiavélico. — Preciso saber quem

mandou — acrescentei, embora eu já soubesse.

Joshua estava brincando com a pistola, parecendo uma criança

animada com um brinquedo novo.

— E me chamou por que não daria conta sozinho? — zombou, me

encarando de soslaio. — Não sabia que você precisaria de ajuda para uma

simples conversa, mexicano.

Dei uma risadinha.


— Esse é o problema, psicopatinha... — ironizei, fechando o porta-

malas depois de ter distribuído armas para o restante dos meus homens —,

não haverá conversa alguma, apenas destruição. — Vi seus olhos brilharem

de pura euforia. — Solte esse monstro que habita dentro de você e destrua

cada um desses filhos da puta. — Ele me encarou, assentindo, mas com certa

dúvida. Então me aproximei, apoiando minha mão em seu ombro. — Eles


são acostumados a sequestrarem garotas e trazê-las para cá. — Apontei com

o queixo. — São uns imundos, e merecem ser estripados.

E lá estava em seus olhos... o monstro adormecido querendo sair para

brincar.

Gesticulei para meu pessoal.

— Quero que o sigam. — Apontei para Joshua. — Ele liderará a

missão — avisei. — Só quero um homem vivo — decretei. — Antonio

Madero.

Mal terminei de falar e meu telefone começou a tocar.

Observei o instante em que rumaram para dentro do local, iniciando o

trabalho. Logo, o som dos disparos se iniciou, como música para meus

ouvidos.

Respirei fundo quando visualizei a foto da Lis piscando na tela do

celular.
— Oi, pequeña. — Atendi. — Está tudo bem?

— Angel — soprou ela, doce. — Vai demorar muito para chegar?

Olhei ao redor, nervoso que ela pudesse ouvir todo o alvoroço.

— Não vou demorar — afirmei, mesmo não tendo certeza. —

Aconteceu alguma coisa? Miguel está aí com você?

A recuperação dele estava sendo rápida, o que me deixava aliviado;

jamais me perdoaria se algo houvesse acontecido com ele.

— Ele acabou de sair daqui — respondeu. Em seguida, suspirou. —

Não aconteceu nada, eu só estou com saudades. Queria você aqui

comigo...

Fechei os olhos, sentindo o peso de suas palavras.

— Oh, pequeña, não faz assim... — murmurei, nervoso. — Eu também

estou com saudades, mas... — olhei para a entrada do lugar a minha frente.

— Você precisa trabalhar — concluiu por mim. — Eu sei — soprou.

— Só... toma cuidado.

Sorri, agraciado com sua preocupação.

— Tomarei.

— Amo você, Angel.

— Eu amo mais.
Dizendo isso, encerrei a ligação.

Permaneci alguns instantes olhando para a tela do celular, até que

decidi voltar a me concentrar na tarefa em minha frente.

Peguei minha pistola e segui pelo caminho que Joshua e meus homens

trilharam, minutos antes.

À medida que ia avançando, não perdia nenhum ruído, estava sempre

atento a qualquer movimento suspeito. Havia muitos corpos no chão,

obrigando-me a ir desviando conforme ia trilhando o lugar asqueroso. O

cenário era de filme de terror, daqueles bem assustadores para pessoas de

coração fraco.

O que não era meu caso.

Quando cheguei perto do balcão do bar, me deparei com Joshua

parado, na frente de um homem.

Olhei ao redor, satisfeito com a visão de todos aqueles cadáveres.

— Cadê o Antonio? — perguntei.

— Está lá atrás. — Apontou um dos meus homens.

Assenti e, em seguida, cheguei mais perto do Joshua.

— O que foi? — intimei, com o cenho franzido. — Por que está com

essa cara? — indaguei, sem entender. Depois, notei que havia um homem
vivo. — Que porra é essa? Por que o deixou vivo? — Apontei, observando

o moribundo.

— Não está vendo? — Indagou Joshua, estremecendo. — Ele faz parte

de algum tipo de seita do mal. Olha as tatuagens dele... — gesticulou, com os

olhos arregalados de pavor. — Não vou matá-lo. Esse tipo de coisa dá azar.

Fiquei tão abismado que fui incapaz de ignorar a gargalhada.

— Você é realmente um garoto estranho. — Sacudi a cabeça, ainda

assimilando suas palavras. — Fez toda essa merda — gesticulei para o

massacre ao nosso redor —, mas está se borrando nas calças por causa

desse lixo? — Apontei para o homem no chão, que estava mais apavorado

do que ele, visto que ia morrer de qualquer jeito.

— Não percebe que ele lida com satanismo? — Piscou, nervoso.

Voltei a rir.

— Acredita mesmo nisso? Sabe que teu encontro com o diabo vai

chegar uma hora ou outra, hun?

Deu de ombros.

— Só não quero arriscar.

— Você tem problemas — murmurei, ainda rindo.


Sem me dignar a olhar, apontei a arma e meti uma bala na cabeça do

infeliz, no chão.

— Se o demônio vir me buscar por culpa disso, juro que vou mandá-

lo ir atrás de você também — declarei, tentando segurar o riso assim que

visualizei o pavor nos olhos claros do Joshua.

— Puta merda, mexicano — estremeceu — não fala isso nem

brincando. — Resmungou, vindo atrás de mim. Minha risada aumentou. —


Não gosto dessa porra.

— Assassino supersticioso é foda mesmo — zombei, entre risos.

Amenizei o riso no momento que me deparei com Antonio, de joelhos,

ao redor dos meus homens.

Quando me viu, riu feito uma hiena.

— Eu deveria ter adivinhado que só podia ser você, cabrón. — Disse,

cuspindo sangue, respingando em meus sapatos. Não sabia quem tinha sido,
mas fizeram um pequeno estrago na cara do desgraçado. — Veio se vingar da

minha pequena travessura?

Fingindo uma tranquilidade que estava longe de sentir, peguei uma


cadeira e a depositei na frente dele, virada de modo que quando eu sentasse

o encosto ficasse contra meu peito.

— Onde ela está? — fui direto ao ponto.


— Ela quem? — rebateu, fingindo não saber de quem eu estava
falando.

— Não vamos para esse caminho, Antonio. — Murmurei, apoiando os

braços no encosto da cadeira. — Podemos fazer isso do jeito fácil, com


você cooperando e tendo uma morte rápida e indolor... — me calei,

estalando os lábios — Ou... podemos fazer do jeito difícil, e ambos sabemos


quão doloroso isso pode ser. — Sorri como um verdadeiro demônio. — Está

vendo aquele rapaz ali? — Apontei para o Joshua, que sorriu como uma
besta assassina. — Ele vai adorar estripar você todinho, ainda mais depois

que eu contar as coisas doentias que você é acostumado a fazer com pobres
garotinhas inocentes...

Notei quando Antonio estremeceu, assustado com a maneira como


Josh o encarava.

— Eu não sei onde encontrá-la, aliás, nem sei quem ela é. — Afirmou,

me olhando nos olhos. — A vadia me ofereceu muito dinheiro, então não me


importei com a identidade dela. — Deu de ombros.

Fiquei o encarando, analisando suas palavras.

De repente, fiz sinal para Joshua se aproximar.

Quando o psicopatinha pegou a faca e ameaçou cortar um dedo da mão

do infeliz, ouvi o som do seu telefone tocando.


— Espera... — me levantei, fazendo Joshua parar. Enfiei a mão dentro
do bolso da jaqueta do Antonio e peguei seu telefone, que tocava sem parar.

Era um número restrito.

Atendi, mas não falei nada, apenas pressionei o aparelho no ouvido.

— Olá, Mi bebé. — Todo meu corpo gelou ao som daquela voz. —

Está procurando por mim?

Sua risada me causou calafrios.

Travei o maxilar, respirando fundo para evitar gritar de frustração.

— Onde você está, Juana? — indaguei, esforçando-me para controlar


meu ímpeto de xingá-la. — O que você quer?

— Ora, não ficou óbvio? — revidou em tom tedioso. — Vingança,


afecto(carinho) — esclareceu. — Eu o farei pagar por toda dor que me

causou.

— Você é louca — rugi, em revolta. — Por que não aparece, hun? Ao


invés de descontar suas frustrações em pessoas inocentes?

— Porque é mais divertido desse jeito. — Gargalhou. — É gostoso


observar o seu desespero em tentar descobrir quais serão meus próximos

passos.

— Onde você está? — sibilei, entre dentes.


— Estou mais perto do que você imagina, Mi bebé.

Dizendo isso, ela desligou a chamada, fazendo-me pressionar o

aparelho com força na palma da minha mão.

Minha respiração estava irregular, assim como meu coração

acelerado.

— Algum problema?

Ouvi a voz do Joshua, e forcei-me a me controlar, mascarando minhas

emoções.

— Posso contar com você para finalizar aqui? — Gesticulei ao redor,

ignorando sua pergunta.

Ele assentiu, demonstrando sua costumeira animação doentia.

Dei mais algumas ordens, aos meus homens que ficariam ali com ele e,

em seguida, rumei para fora do lugar. Minha mente estava a mil, enquanto
tentava raciocinar sobre uma maneira de me livrar daquela mulher e do

perigo que ela representava para Lis, mas como? Como faria isso?

Juana sempre foi implacável em tudo o que se dispunha a fazer, e foi


justamente isso que mais me encantou nela quando a conheci.

Entrei no carro, batendo a porta com força. Todo meu corpo tremia de
raiva e frustração.
Um barulho de mensagem chamou minha atenção. Enfiei a mão dentro

do bolso e retirei o celular de lá.

Pensei que fosse alguma mensagem da Lis, mas logo descobri que era

de um número desconhecido, em que dizia:

“CONFIRMADO”.

Não levou nem meio segundo para que eu entendesse. Era uma

mensagem do Ryan, confirmando o laço sanguíneo da Lis com os Fratelli.

Mal tive tempo de digerir aquela nova bomba, e meu telefone começou
a tocar sob minha mão. Era o Rossi.

— Ryan acabou de confirmar — disse, sem nem me esperar falar. —


Acabou o tempo, Angel. Ou você conta pra ela, ou nós contaremos.

Respirei fundo, sentindo-me afundar em meu próprio desespero. Eu


nunca quis nada daquilo. Nunca desejei causar nenhum tipo de dor a Lis.

Preferia morrer.

***

— Angel?

— Por favor, não se levante. — Pedi, estendendo a mão no instante em

que Lis ameaçou sair da cama. — Eu estou sujo. Não quero tocá-la assim.
Estava em seu quarto observando-a dormir, desde que cheguei em
casa, há poucos minutos. Tudo, dentro e fora de mim, gritava para que eu

fosse vê-la. Eu precisava colocar meus olhos sobre ela antes de qualquer
coisa.

— Ei, espera...

Neguei com a cabeça, dando passos para trás.

— Por favor, não chegue perto de mim.

— Angel...?

Rumei para fora, apressado.

Entrei no meu próprio quarto e segui direto para o banheiro. Podia


sentir a pressão dos recentes acontecimentos fervendo minha mente; o medo

de perder a única coisa boa que me aconteceu gritando aos meus ouvidos.

Já sem roupas, abri a box e liguei a saída de água. Depois de regular a

temperatura, fui para debaixo da ducha, sentindo a força da água morna em


minhas costas. Baixei a cabeça, de olhos fechados. Como chefe de cartel, eu

estava acostumado a ser pressionado, mas aquele era um caso diferente.

Era sobre a Lis.

A luz da minha vida.

E com ela, eu não tinha qualquer controle.


Estremeci no momento que mãos delicadas deslizaram em minhas
costas. Ao virar a cabeça para trás me deparei com minha pequena.

— Lis...

Seu sorriso lindo estava lá, me brindando com sua doçura.

— Eu já falei que você não precisa esconder sua escuridão de mim.

— Declarou, me forçando a virar o corpo para ela, que também estava nua.
Sua mão direita se ergueu, amparando meu rosto. — Eu o amo do jeitinho

que você é, Angel. Pare de se esconder dos meus olhos.

Desesperado, a puxei para mim, apertando-a em meus braços. Eu


desejava mantê-la presa comigo para sempre, mas sabia que isso não era

possível. Eu não podia privá-la do mundo nem das suas dores.

Não podia privá-la da verdade.

— Lis, eu... — comecei a falar, afastando meu rosto. Seus olhos


estavam nos meus, expectantes. — Eu preciso te contar uma coisa, mas...

Ela sacudiu a cabeça, sorrindo.

— Eu já sei. — Afirmou, me fazendo franzir a testa. Deslizando as


mãos em meus ombros, notei quando observou os próprios movimentos.

— Sabe? — indaguei, estudando suas reações.

Assentiu.
— Você foi atrás das pessoas que tentaram me ferir, as mesmas que
acabaram ferindo meu irmão — respondeu, sem pestanejar. Ergueu o olhar,

fixando seus olhos nos meus, que a estudavam. — Estou errada?

Pisquei, enquanto arrastava meus dedos por seu rosto lindo, me


perguntando o que seria de mim se a perdesse.

— Não, não está errada — respondi. — Eu os peguei — admiti a


verdade. — Peguei todos eles.

Visualizei um brilho sombrio tomando conta dos seus olhos.

— Obrigada — murmurou contra meus lábios. — Obrigada por


sempre cuidar de mim.

Senti a pressão da sua língua em meus lábios, exigindo passagem para


dentro da minha boca.

Impulsionando o corpo, eu a segurei, girando e pressionando suas

costas no piso gelado, enquanto sentia suas pernas abraçando minha cintura.

Parei de beijá-la e afastei o rosto para poder encarar seus olhos.

— Por favor, eu quero você — declarou com a voz carregada de


desejo. — Preciso de você, Angel.

Suas palavras foram a minha perdição.


Não esperei nem mais um segundo e a penetrei numa estocada só,
fazendo nós dois gemermos na boca um do outro.

Aquele era o meu lugar favorito no mundo todo.

Lis era a minha casa.

O meu lar.

Então, eu sabia que quando tudo viesse à tona, eu ficaria sem nada.

Vazio.

Oco.

Um fantasma, tal qual, a mulher do meu passado que passou a me

perseguir.
Capítulo 15

Lis

Faltava alguns minutos para meu expediente no estágio acabar quando


dois plantonistas entraram na sala em que eu estava, no hospital, e me

pediram ajuda com um caso que tinha acabado de chegar.

Fui com eles, sentindo a adrenalina dominando minhas veias; eu


amava a profissão que havia escolhido, porque me permitia a chance de

salvar vidas.

— Aqui, senhorita. — Um deles abriu as portas duplas da ambulância.

Havia uma mulher deitada na maca.

— O que houve com ela? — Perguntei, enquanto entrava no carro,


com meu estetoscópio em mãos.

Porém, quando entrei completamente, as portas foram fechadas com

um baque.

— Ei?! — Me sobressaltei. Nesse momento, a mulher, que pensei que

estivesse adoecida, se ergueu, sentando-se. — Mas o que...


Me calei no instante em que visualizei uma pistola em sua mão.

— Nenhum piu, bonitinha. — Ditou, me encarando com olhos ferozes.

Senti o carro entrar em movimento, deixando-me ainda mais

desesperada.

— Quem é você? — Perguntei, me escorando na lateral, atenta a


qualquer movimento suspeito. — Não te conheço.

Ela sorriu, mas foi um sorriso macabro.

— Mas eu te conheço. — Afirmou, me estudando. — Sei tudo sobre

você. Isso não é interessante?

Pisquei, incrédula.

— Não, não é — respondi num sopro. Precisei me segurar para não


cair quando o carro fez uma curva fechada. — É assustador, na verdade. —

Engoli em seco.

Me esforcei para me concentrar nela, questionando-me de onde

poderia conhecê-la. Ela era uma mulher bonita, pele bronzeada e olhos

escuros. Os cabelos eram em tom castanho escuro.

— Juro que não consigo entender o que ele viu em você, sabia? —

comentou, não dando a mínima para o que eu tinha falado anteriormente. —

O que você tem de especial? Por acaso é algo que você faz na cama?
Franzi o cenho.

— Não entendo suas palavras — argumentei, nervosa. — Acho que

você se enganou comigo.

Sua risada piorou meu estado de pavor.

Eu estava me esforçando para não entrar em pânico, mas todo meu

corpo estava gelado de puro pavor. Ainda mais porque ela mantinha a mira
da pistola em minha direção.

— Você é digna de pena, Lis. — Fez meus olhos se arregalarem,

porque, finalmente, entendi que não havia sido um erro eu estar ali, pois ela
me conhecia realmente. — Uma garota sonsa, daquelas que ainda acreditam

em contos de fadas. Acertei?

— Por que estou aqui? — Perguntei, ouvindo meus batimentos

cardíacos ensurdecedores. — O que quer de mim?

— Conversar — falou, simplesmente. — Contar uma historinha. —

Sorriu. — Por acaso, realmente acredita que Angel está sendo honesto com

você? Confia mesmo nele?

Minha respiração estava ruidosa.

— O que quer dizer com tudo isso? — perguntei, ofegante. — O que

pensa que o Angel fez?

Sacudiu a cabeça, rolando os olhos.


— Cega, meu Deus! — sibilou, impaciente. — Angel nunca falou nada

sobre mim? Você nunca soube a meu respeito?

— E eu deveria saber? Por que acha que Angel me falaria das

mulheres do passado dele?

De alguma forma, minhas palavras pareceram irritá-la, porque seus

olhos se tornaram sombrios, quase injetados de raiva.

— ACONTECE QUE EU NÃO SOU QUALQUER UMA! — berrou

numa explosão de raiva que me causou calafrios. — Eu sou a garota que

marcou a vida dele — amenizou o tom. — A única que ele amou.

Meu peito subia e descia, enquanto minha mente lutava para raciocinar

sobre tudo o que ela dizia.

— Não está entendendo nada, hun? — Indagou, enquanto limpava uma

lágrima solitária que deslizou em sua bochecha. Neguei com a cabeça,

trêmula. — Sente-se. — Exigiu, apontando para o assoalho da ambulância.

— Vai acabar caindo desse jeito. — Não tive alternativa a não ser obedecer.

Embora tudo dentro de mim estivesse gritando de medo e confusão. —

Queria não estar surpresa com o fato de ele ter mantido minha história com

ele em segredo, mas não estou. — Declarou, inspirando fundo. — Angel é

mentiroso mesmo, faz parte da natureza dele, sabe?

Travei o maxilar.
— Não adianta tentar me colocar contra ele, porque não vai funcionar

— ditei, num murmúrio. — Você não o conhece como eu.

Novamente riu, mas foi uma risada zombeteira.

— Eu dizia a mesma coisa, meu bem — alegou, me encarando. —

Pensava que era única, que era especial para ele — murmurou, meio

apaixonada. De repente, ficou séria: — Até ser abandonada como se eu

fosse um trapo velho. E o pior, grávida!

Pisquei, tentando entender.

— Grávida? — repeti, meio débil. — Isso é mentira. — Neguei com a

cabeça, ainda assimilando suas palavras. — Angel jamais faria isso, não é

da índole dele.

— Ah, não acredita em mim? — Questionou, arqueando as

sobrancelhas. — Por que eu estaria aqui se tudo isso fosse uma mentira? Por

que eu estaria perseguindo você se não tivesse um motivo muito forte por

trás?

Perdi o ar.

— Então está me dizendo que todos os ataques foram...

Assentiu, sorrindo como uma doida.

— Culpa minha — confirmou em tom orgulhoso. — O ataque em

Londres — lembrou, me fazendo relembrar do episódio, quando um homem


foi morto bem atrás de mim. — E aqui, no México. — Suspirou. — Enfim,

houve outras tentativas, porém estas falharam devido a certas interferências.

— Vi que franziu o cenho, chateada com isso.

— O-o Angel, ele...

— Se ele sabe sobre mim? — concluiu minha pergunta incompleta. —

Sim, claro que sabe. Estamos brincando de cão e gato agora. — Sorriu. —
Admito que está sendo bem divertido até.

Pisquei, levando as mãos à cabeça, esfregando meus cabelos. Minha

mente estava a mil com tantos pensamentos conflitantes.

— Mas ele não me contou — falei para mim mesma. — Eu pensei que

todos os ataques estivessem acontecendo por culpa minha, por algo que eu

fiz.

— Mas é desse jeito que ele faz, querida... — comentou ela, roubando

minha atenção — Angel distorce as coisas, nos envolve em tantas mentiras

que, no fim das contas, acabamos confiando em tudo o que ele diz. Porque

ele nos faz sentir especiais.

A encarei, sentindo-me ridícula por estar com os olhos úmidos.

— Quando eu o conheci, há alguns anos, ele fugiu comigo, garantindo

que me amava e que eu era a mulher da vida dele — contou, parecendo

nostálgica. — Eu o coloquei dentro da minha casa, dentro da minha família,


que o acolheu com todo amor e respeito do mundo. Sabe o que ele fez? —

Neguei com a cabeça, sem forças para dizer qualquer coisa. — O

desgraçado me abandonou. Sumiu no mundo de uma hora para outra. Agiu

como se eu não tivesse a mínima importância.

Esfreguei o rosto, querendo acordar daquele maldito pesadelo.

— Percebi que fui apenas mais uma — continuou a falar, ignorando

meu desejo de não querer ouvir. — Fui apenas mais uma garota na vida dele,
mais uma que ele usou e acabou abandonando depois que se cansou. Não

percebe? Não entende que Angel é igual a todos os homens? Eles só querem
uma coisa de nós, bonitinha, e é o que temos entre as pernas.

— NÃO! — berrei, revoltada com tudo aquilo. — Você está mentindo.


Angel é um homem honrado e jamais seria capaz de algo assim. Muito menos

ter abandonado você grávida, ainda mais de um filho dele.

— Ah, é? — rebateu, com os olhos semicerrados. — Então por que


ele me manteve escondida de você? Por que o, “bonzinho”, a fez acreditar

que a culpa de todas as merdas que vêm acontecendo era sua, ao invés de ter
sido honesto e contado o que fez comigo, e que por causa disso, eu estava

atrás dele em busca de vingança?

Me coloquei de pé, sacudindo a cabeça.


— Pare de falar... — resmunguei, sentindo-me desesperada com tantos
pensamentos.

— Você é tão inocente que não faz ideia de tudo o que acontece, e bem

diante do seu narizinho — declarou, tendo minha atenção outra vez. — Está
aí, toda valente defendendo um homem que afirma amá-la, mas que na

verdade, esconde coisas de você. E, inclusive, uma delas pode mudar a sua
vida por completo.

— Do que está falando?

Sorriu, brincando com a própria arma.

— Não acha divertido o fato de eu saber algo tão sério sobre a sua

vida, mas que você não faz ideia do que seja?

Minhas narinas inflaram.

— Você é doente. — Sacudi a cabeça, numa mistura de emoções.

Deu risada.

— Por acaso nunca se perguntou o motivo para a diferença de seus


traços físicos do restante da sua família, Lis? — indagou, de repente. Meu

coração parou uma batida. — Você é a única que possui olhos azuis, além da
pele tão branca quanto a neve.

— Do-do que está falando? — Eu não estava conseguindo respirar


direito.
Precisei me segurar novamente devido as curvas que o motorista dava
com a ambulância.

A maldita riu, parecendo zombar da minha agonia.

— Pare de rir e fale de uma vez, sua doente.

— Você é lerda, hein, bonitinha? — Gargalhou. — Não ficou óbvio?

Você é adotada, ou roubada, ou sei lá o quê. — Rolou os olhos, parecendo


entediada com o assunto. — Não faz parte da família Pérez, querida. — O ar

fugiu dos meus pulmões, enquanto meus olhos se tornaram um borrão de


lágrimas sem fim. — De alguma forma, você chegou nessa família, e foi

criada como se fosse deles, mas, na verdade, sua origem é italiana. Seu pai
se chamava Federico Ricci, mas ele já está morto, então... — deu de ombros

— isso já não importa. O x da questão aqui é que você possui cinco irmãos
vivos, que formam uma máfia muito poderosa. E o mais engraçado é que...

— voltou a rir, descontroladamente — você já conheceu todos eles. Você


conversou com seus verdadeiros irmãos e nem sabia.

— O-o que você... — minha mente deu um nó.

— Mas ele sabia — acrescentou, parando de rir de uma hora para


outra. — Angel sempre soube que você não pertencia a família Pérez. Ele

sabia, Lis — repetiu. — Sabia, mas preferiu esconder de você. Preferiu


esconder algo tão sério como as suas verdadeiras origens. E sabe por quê?
— não respondi, mesmo porque nem conseguiria, já que estava soluçando

sem parar. — Porque ele é mentiroso. É isso o que Angel faz, ele mente. Ele
destrói tudo o que toca. Ele usa e abusa, e depois descarta, sem se importar

com as consequências nem com nossos sentimentos.

Eu estava destruída.

Meus pensamentos estavam desordenados, interligando

acontecimentos do passado e do presente.

De repente, o carro da ambulância parou, fazendo-me cair de cara no


assoalho.

Gemi de dor, porque acabei ferindo o nariz.

— Já está sentindo o sabor da decepção? — Perguntou ela, se

inclinando e segurando meu rosto com uma das mãos. — Está sentindo a dor
que eu senti no passado?

Minhas lágrimas nublavam minha visão, impossibilitando-me de

enxergá-la com clareza.

— Eu poderia meter uma bala na tua cabeça agora mesmo, mas dessa

vez vou deixá-la ir. Porque tenho certeza de que fará a coisa certa, hun?

Me soltei do seu aperto e me sentei, lutando para raciocinar.

Mesmo sentindo minhas pernas bambas, consegui me levantar e me

manter de pé. Logo, as portas duplas da ambulância foram abertas.


— Acabei de salvar a sua vida, bonitinha. — Afirmou ela quando

ameacei rumar para fora. — O que você deve dizer?

Freei os passos, sentindo a angústia dominando todos os meus

sentidos.

Engoli em seco.

— O-obrigada — murmurei, aos prantos.

Fui, praticamente, empurrada para fora do veículo. Quando


aceleraram para longe, me inclinei com as mãos nos joelhos, sentindo como
se houvesse acabado de chegar de uma maratona.

Olhei ao redor, me perguntando onde estava. Todos os meus sentidos


estavam alterados.

Respirando fundo, aprumei o corpo, passando as mãos, grosseiramente


no rosto, para enxugar as lágrimas que jorravam sem parar.

Ergui a mão, quando um taxi se aproximou.

A adrenalina ainda corria pelo meu sangue, fazendo-me refém de todas


as sensações diversas.

Passei o endereço da casa do Angel ao motorista, em seguida, tombei

a cabeça no vidro, fechando os olhos, enquanto relembrava de tudo o que


aquela mulher tinha me contado.
Tudo.

Cada detalhe.

***

Quando o taxista parou em frente à mansão, percebi uma


movimentação diferente no lugar, e deduzi que fosse por minha causa, já que
fui, praticamente, sequestrada.

Chamei um dos soldados do Angel e pedi para que ele acertasse o


pagamento do rapaz do taxi, visto que minhas coisas tinham ficado no

hospital.

Rumei para a entrada do casarão, sentindo como se meus pés

estivessem flutuando.

Na verdade, eu me sentia anestesiada.

No momento que abri a porta, ouvi uma mistura de vozes, entretanto o

que chamou minha atenção por completo foi a figura do homem que passou a
me fazer refém desde a primeira vez que o vi; Angel roubou meu coração

para si sem nenhuma dificuldade, e isso apenas me fazia odiá-lo mais.

Eu odiava que ele tivesse tanto poder sob mim.

Odiava saber que, apesar de tudo, eu ainda continuava o amando.

Amando com todas as malditas forças do meu ser.


Quando nossos olhos se conectaram, visualizei o alívio tomando conta
dos seus automaticamente.

— Oh, Lis, graças a Deus, pequeña. — Murmurou, desligando o


telefone. Não fazia ideia de com quem ele estava falando. Notei que não

estava sozinho na sala. — Onde você estava? — Rumou até mim com
desespero. — Fiquei enlouquecido de preocupação quando fui te buscar e

não...

Estendi a mão, não querendo que ele se aproximasse.

— Não ouse chegar perto de mim — rosnei num sibilar. — Não ouse

me tocar.

Freou os passos, piscando em confusão.

Desviei os olhos dele, olhando ao redor. Os cinco italianos — os

quais julguei serem os irmãos que a desconhecida mencionou — também

estavam ali. Respirei fundo. Encarei Miguel.

— Lis...

— Você sabia? — cortei Angel, em mais uma tentativa sua de falar


comigo, e fixei o olhar em Miguel. — Sabia que eu não era legítima?

Pelo espanto em seu rosto, entendi tudo.

— Irmã...
— Apenas responda minha pergunta, Miguel — fui dura, apesar da
calmaria em meu tom de voz.

Respirou fundo, baixando o olhar.

— Sim, eu sabia — admitiu, pesaroso.

Lambi os lábios, evitando chorar.

Sacudi a cabeça, levando as mãos aos cabelos enquanto zanzava pelo


lugar, me mantendo de costas para todos eles.

Minha mente estava a mil.

— Não falamos nada, porque isso não era relevante, Lis. Nós...

— O quê? — o interrompi, incrédula. — Não era relevante? —


indaguei. Suas palavras só serviram para me magoar mais. — Então a
verdade sobre mim, sobre as minhas origens não é algo importante, Miguel?
Está me dizendo que eu não merecia saber sobre minha verdadeira família?

Eu não deveria saber sobre eles? — Apontei para os italianos, que se


mantinham silenciosos.

— Lis, vamos conversar...

— EU JÁ MANDEI VOCÊ FICAR LONGE DE MIM! — berrei para


Angel, que se assustou com minha explosão. Na verdade, até mesmo eu me

assustei. — Você me traiu duas vezes. — Acusei, gesticulando com os


dedos. — Mentiu quando não me contou sobre a mulher do seu passado. E
me traiu quando preferiu omitir o fato de eu ter uma segunda família.

Terror tomou conta de seus olhos.

— Se encontrou com a Juana?

— Você nos prometeu que não permitiria que aquela mulher chegasse
perto da nossa irmã, mexicano...

— Por que você ainda não resolveu essa merda, Angel?

— JÁ CHEGA! — berrei, revoltada com aquela gritaria deles. —

CALEM A BOCA! — Meu rosto estava vermelho, de raiva e por causa da


vontade de chorar. — Vocês não têm o direito de estarem com mais raiva do
que eu. — Apontei de um para o outro. — Eu fui a enganada aqui. EU!

— Lis, eu posso explicar... — Angel insistiu.

Neguei com a cabeça, sentindo meus malditos olhos úmidos outra vez.

— Você já teve essa chance — murmurei. — Teve, mas preferiu


mentir. Preferiu me fazer de idiota. Preferiu me humilhar, deixando-me ouvir
tudo através de uma mulher maluca. — Enxuguei o rosto. — Eu sempre
deixei claro a você que o aceitava do jeito que você é... — joguei as mãos

no ar, nervosa — sempre afirmei que o amava com todas as suas


imperfeições. A única coisa que pedi em troca foi o seu amor, e a sua
honestidade. Apenas isso. — Mordi os lábios, engolindo os soluços. —

Você sabe que não suporto mentiras.

Visualizei seus olhos vermelhos.

— O que ela te contou? — Perguntou, entortando os lábios. Sua tensão


era palpável, embora o desgraçado conseguisse mascarar suas emoções.

— O suficiente para eu entender que você é um maldito mentiroso. —


Rosnei, apontando o indicador, numa mistura de raiva e mágoa. — O

suficiente para eu entender que, assim como você fez com ela, eu seria a
próxima a ser abandonada. Me pergunto se você só estava esperando eu
engravidar.

Espanto abrilhantou seu rosto.

— O-o que você...

Rolei os olhos, impaciente.

— Ah, pare de fingir, Angel — o interrompi. — Ela me contou sobre o


bebê que estava esperando quando você a abandonou.

— Mas eu não...

— Me levem com vocês. — Rumei para perto dos italianos, ignorando

Angel completamente. Não aguentava mais ouvi-lo. — Tirem-me daqui, por


favor. Eu quero ir para a Itália.
Por um momento, o silêncio reinou no ambiente.

— Não levem o que ela está dizendo agora em consideração —


argumentou Miguel, repleto de angústia. — Minha irmã só está confusa.

— Ela também é nossa irmã — rosnou o Rossi. Me lembrava dele da


ocasião em que me ajudou com Miguel. — E, ao contrário de você, eu não
vou tratá-la como criança. Se ela quer ir conosco para a casa que, sempre foi

dela, pode ter certeza de que sim, ela irá.

Miguel praguejou baixo, mas optou pelo silêncio.

— É isso o que quer, querida? — perguntou um dos gêmeos. Não me


lembrava do nome dele. — Estamos aqui para cuidar de você. Não faz ideia
da alegria que foi saber que temos você, uma irmã a qual nem tínhamos

conhecimento até pouco tempo atrás.

Assenti, enquanto tentava administrar todas as minhas emoções


bagunçadas.

— Só preciso arrumar minhas coisas e ir até a faculdade — expliquei,


fungando. — Estou no último ano, mas como adiantei muitas disciplinas,

minha grade é tranquila. Só tenho que avisar sobre minha ausência.

Eles sacudiram a cabeça, assentindo.

— Estamos com você, irmã.


Precisei de esforço para engolir a saliva, porque toda aquela história

ainda me machucava. Eu não conseguia acreditar que tinha vivido uma


mentira.

Não conseguia aceitar que tinha sido traída pelas pessoas que mais
amava na vida.

E o pior, que tinha sido usada pelo único homem que permiti entrar em
meu coração.
Capítulo 16

Angel

Passaram-se somente quarenta e oito horas desde que Ryan confirmou


o laço sanguíneo entre Lis e os Fratelli, porém, infelizmente, não consegui

uma oportunidade para contar a ela. Na verdade, eu vinha me preparando,


mas com toda pressão dos irmãos, e a frequente ameaça da Juana, não foi

possível.

— Não se preocupe, pois conosco, ela ficará segura — mencionou


Rossi, me forçando a encará-lo.

Por fora, eu parecia controlado, mas por dentro, me sentia como uma

fera enjaulada.

— E comigo, ela não estará. É isso que está dizendo, capo? —


Rosnei, rumando para ele, com os punhos cerrados.

— Lis acabou de dizer que foi sequestrada pela sua ex-louca, e bem
debaixo do seu nariz. — Rugiu Mariano, se colocando na frente do Rossi. —

Ninguém aqui está duvidando da sua liderança nem da sua capacidade em


cuidar do seu pessoal. Mas precisa admitir que a situação já está saindo do

controle.

— E essa merda está respingando em nossa irmã — acrescentou


Fillipo.

— Agora que acabamos de conhecê-la, não a deixaremos correndo

perigo — argumentou Manuele. — Será bom que ela vá conosco, além de


isso ser a vontade dela.

— Você estragou tudo, mexicano — zombou Luca, me deixando ainda

mais irritado.

— Isso não é engraçado, idiota. — Revoltou-se Miguel, encarando

Luca de um jeito ameaçador. — Se não percebeu, minha irmã ama o Angel, e

está nitidamente abalada com tudo o que está acontecendo.

— Por acaso acha que estou torcendo contra a felicidade dela? —


sibilou Luca, tão ameaçador quanto. — Eu apenas não sou cego. Todo mundo

aqui presenciou o desabafo dela. Não tente defender o seu patrão, quando, na

verdade, ele é o responsável por tudo isso.

— A única pessoa que estou defendendo aqui é a minha irmã —


rebateu, sem pestanejar. — Entretanto, trabalho ao lado do Angel há alguns

anos, e sei da lealdade dele com todos ao seu redor. Nas últimas semanas,

tivemos nossas diferenças, mas nunca duvidei da sua devoção pela Lis.
Olhei para ele, assentindo com a cabeça, agradecido por suas

palavras.

— Sou culpado sim, por toda dor que ela está sentindo — murmurei,

olhando para eles —, mas essa nunca foi minha intenção, pelo contrário, eu

tentei evitar isso ao máximo. — Suspirei, esfregando meu rosto. — Me

esquivei de todas as maneiras, apenas para não ter que enxergar a dor que

enxerguei nos olhos dela minutos atrás. Eu sabia que ela não encararia bem o

meu passado com Juana; sabia que ela se sentiria traída quando descobrisse

que eu sempre soube que ela não era legítima da família Pérez, mas que

mantive segredo. Porém, eu só quis protegê-la da dor.

— Eu acredito em você, mexicano — soou Rossi. — Esse instinto de

proteção faz parte da nossa natureza. — Respirou fundo, olhando para os

irmãos. — Você já esteve do nosso lado em vários momentos, lutando


conosco as nossas batalhas. — Voltou a me encarar nos olhos. — Já ficou

mais do que claro que todos nós, aqui nesta sala, queremos uma coisa só,

que é o bem-estar da Lis. — Afirmou. Depois mirou os olhos no Miguel: —

Não tive tempo de agradecer a você por tê-la protegido durante aquele

ataque.

Miguel deu de ombros.

— Não fiz por você — resmungou. — Fiz por ela.


Rossi distendeu os lábios num sorrisinho.

— Jamais falei o contrário — complementou. — Entendo que vocês

dois estejam chateados agora, mas o fato de a Lis decidir ir conosco não é o

fim do mundo.

— Não conhece minha irmã — soprou Miguel.

— Mas vou conhecer — rebateu Rossi, firme. — Percebo que Lis é

uma garota de opinião, porém o tempo que passei com ela naquele hospital

clandestino me fez enxergar o lado em que ela se doa pelas pessoas que ama.

Nossa irmã me enfrentou como uma leoa no momento que encontrei vocês

dois naquele estabelecimento — contou ao Miguel, fazendo-o arregalar os

olhos. — Ela o protegeu de mim, pois pensou que eu fosse uma ameaça.

Então, eu sei que ela só precisa de tempo para digerir tudo.

— E ela estará segura — Mariano voltou a reforçar. — Cuidaremos


dela.

De repente, nos calamos e miramos o alto da escada quando ouvimos

o barulho dos saltos da Lis. Ela estava descendo os degraus com uma mala

de rodinhas.

Quando nossos olhos se chocaram, ela desviou o olhar rapidamente.

Fillipo foi até ela, pegando a mala das suas mãos.


— Lis, por que não espera para conversarmos com o papai e a

mamãe? — Perguntou Miguel, se colocando na frente dela. — Eu posso ligar

para eles. Ou melhor, Angel pode mandar buscá-los, ou nós mesmos

poderemos viajar ao Brasil para encontrá-los.

— Não quero — respondeu, mantendo a dureza em seu tom de voz e

na sua postura. — Todos vocês tiveram tempo para me contar. Todos. —

Alfinetou, me encarando com mágoa. — Agora, eu só quero sair daqui. Estar

perto de vocês dois está me machucando.

Isso me perfurou como uma adaga afiada.

Observei, em silêncio, enquanto ela seguia para fora, acompanhando


os irmãos de sangue. Não olhou para trás em nenhum momento.

— Só dê tempo a ela. — Pediu Rossi, batendo em meu ombro. —

Deixe a raiva dela passar.

Assenti, embora estivesse levando tudo de mim para não correr atrás

dela e implorar pelo seu perdão.

***

Poucos dias haviam se passado desde que Lis foi para a Itália, mas eu

sentia como se a dor da saudade aumentasse mais e mais a cada minuto.

A todo momento, eu tentava ocupar minha mente com coisas

relacionadas aos negócios, porque dessa forma, não sucumbiria a dor que a
ausência dela estava me causando, e nem pegaria a porra de um jatinho para

buscá-la nem que fosse à força.

Eu não podia fazer isso.

Não podia agir feito um troglodita, embora essa fosse minha vontade

sempre que a lembrança do rosto dela surgia em meus pensamentos para

atormentar minha mente. Eu prometi a mim mesmo que me manteria afastado,


e que não a procuraria enquanto não resolvesse o problema chamado Juana.

— Ele já chegou. — Afirmou Miguel, surgindo na porta da sala em

que eu estava. Sacudi a cabeça, espantando meus pensamentos diversos. —

Quer que eu o mande entrar?

De onde eu estava, sentado, ergui minha garrafa de tequila em um

convite mudo para que ele se aproximasse e compartilhasse da minha


bebida.

Nossa relação ainda estava um pouco abalada, mas eu confiava minha

vida a ele. Confiava em sua lealdade.

— Você está péssimo. — Observou, se aproximando. Optou por

permanecer de pé depois que o servi com uma dose. — Precisa estar cem

por cento para o que está por vir.

Respirei fundo, servindo sua taça outra vez. Em seguida, beberiquei o

líquido ardente direto do gargalo.


— Infelizmente, isso não será possível — expus. — Porque sua irmã

levou meu coração com ela — declarei, sem olhar para ele. — Então estou

pela metade.

Nesse momento, ele se sentou.

— Você nunca foi conhecido por ter coração, chefe. — Zombou,

fazendo-me sorrir.

O encarei.

— Já conseguiu falar com ela? — perguntei, ansioso por qualquer

migalha de notícia. Embora, Rossi me deixasse a par, todos os dias, de como


ela estava indo.

Miguel suspirou, pegando a garrafa de tequila da minha mão.

— Apenas uma mensagem avisando que estava bem.

Arqueei as sobrancelhas.

— Ao menos já é alguma coisa — murmurei. — Melhor do que o gelo

que estou recebendo.

— Você foi um idiota.

Meus olhos chisparam os seus.

— Olha como fala comigo — sibilei, soltando um resmungo baixo. —

Ainda pago o seu salário.


Deu de ombros, sem dar a mínima.

— Não falei nenhuma mentira — rebateu, sem um pingo de culpa. —


Tem sorte de eu não quebrar a sua cara, porque bem que você merecia. Lis

não estaria nessa situação se não tivesse se envolvido com você.

— Eu não teria me envolvido com ela se você não houvesse tentado

roubar o meu carro — lembrei, desafiando-o a me rebater.

— Touché.

Soltando o ar, me coloquei de pé, ajeitando a lapela do meu paletó.

— Alguma novidade dos seus pais? — Indaguei, pegando meu chapéu


de cima da mesa. Não era sempre que eu usava, mas gostava de usar em

ocasiões especiais.

Percebi quando Miguel ficou tenso com minha pergunta.

— Ainda não contou a eles — não foi uma pergunta. — Eles precisam

saber que Lis já descobriu tudo. Você precisa prepará-los.

— Eu vou — afirmou. — Mas na hora certa.

Assenti com a cabeça.

A família era dele, então ele, melhor do que ninguém, sabia como
lidar com os seus.
Rumei para fora da sala, logo me reunindo com os líderes dos grupos
do cartel.

Todos se tornaram silenciosos quando cheguei, além de terem se


colocado de pé numa questão de respeito.

— Boa noite, senhores! — saudei-os. — Podem se sentar, por favor.

Fizeram o que pedi.

Nesse momento, fiz sinal para que Miguel mandasse o nosso

convidado entrar.

— Mandei reuni-los hoje, porque teremos um convidado ilustre. —


Gesticulei para a entrada do local, no mesmo instante que Javier entrou. O

alvoroço foi grande, mas tratei logo de silenciá-los: — Entendo o


desconforto de vocês, mas Javier está aqui como um convidado meu.

O idiota se aproximou, trajando um terno em tom avermelhado, com


um par de sapatos pretos. Javier nunca teve bom gosto para moda.

— Boa noite! — Saudou aos demais, sorridente. Me encarou,

chegando mais perto. — Boa noite, Angel. — Estendeu a mão em minha


frente, onde peguei, apertando com força. — Confesso que fiquei surpreso

com seu convite. O que pretende? Uma trégua?

Sorri, ainda apertando sua mão.

— Uma trégua não — murmurei —, mas o fim.


Arqueou as sobrancelhas.

— Por favor, sente-se. — Apontei para uma cadeira vazia.

Fez o que pedi, embora estivesse desconfiado. Ele não tinha vindo
sozinho, eu, inclusive, permiti a entrada de alguns dos seus homens. Sabia

que ele não seria idiota ao ponto de tentar qualquer merda ali.

— Agora estou curioso, Angel — declarou, me encarando. — Como


você pretende fazer para entrarmos em um acordo?

Tomei meu assento, em minha poltrona.

— Simples — murmurei, tranquilamente. — Ou você para de tentar

foder os meus negócios e começa a trabalhar para mim, ou vou foder você,
literalmente falando. — Semicerrei os olhos, querendo deixar nítido meu

tom de ameaça.

O imbecil deu risada, jogando a cabeça para trás.

— Mas eu nunca trabalhei para você antes de nossa rivalidade

começar, cabrón!

Sacudi a cabeça, concordando com ele.

— Sim, é verdade — falei. — Mas acontece que agora as coisas

mudaram. Você me deixou irritado, Javier, e quando fico irritado o meu lado
mau fica mais aflorado, entende? — Sorri como um demônio. Me inclinei,

apoiando os braços nos joelhos. — Você e sua merda de organização não


têm forças nem recursos para lutarem contra mim — alertei. — Além disso,

eu conheço todos os seus contatos; sei de onde você pega as drogas e armas,
o que acha que vai acontecer se eu fizer minhas ligações, hun? Vou dizimar

seus armazéns, suas cargas — ameacei. — Vou roubar seu dinheiro. Vou
plantar provas contra você e sua família, e mandar os federais na sua porta.

— Parei de falar, observando suas reações. Eu queria que ele digerisse


minhas palavras. — Resumindo, Javier: eu não vou descansar enquanto não

acabar com você. E se isso não for suficiente, juro que começarei a tocar em
seu pessoal.

Travou o maxilar, nervoso.

— O que você quer, porra?

Sorri, satisfeito que a arrogância presente em seu olhar houvesse

desparecido.

— Quero que pare de tentar me confrontar — sibilei. — Pare de me


causar problemas desnecessários. Sozinho, você é um bosta. Quero que

trabalhe para mim.

Ninguém ousava falar qualquer coisa, apenas ouviam.

— Trabalhar para você? — Entortou os lábios. — Tenho capacidade

de fazer meu próprio caminho.

Dei de ombros, impaciente.


— A proposta foi dada — resmunguei. — Já que prefere a maneira
mais difícil, além de mais divertida para mim, pode sair. Nossa reunião

termina aqui. — Gesticulei para a saída.

— Espera... — ele freou a tentativa de um dos meus homens em pegá-


lo para colocá-lo para fora, à força se fosse preciso. Assenti para o homem

deixá-lo. — Que tipo de parceria propõe?

O canto dos meus lábios se distendeu num meio sorriso.

— Aproxime-se — pedi.

Aprumando os ombros, ele olhou ao redor, ainda mantendo aquela


arrogância que me irritava demais.

— Eu posso possuir um grupo pequeno, como você mesmo afirmou,


mas me orgulho da maneira como trabalho — murmurou. — Eu e meus
homens...

— Ainda não estamos falando de negócios, Javier — cortei suas


palavras, fazendo-o arquear as sobrancelhas. — Estes homens atrás de você,

são meus líderes, e a sua fama com eles não é nada boa — expliquei,
enquanto ele olhava para trás. — É necessário que você prove que realmente

está disposto a ser um de nós. É necessário que você mostre sua lealdade.

Neste momento, ele voltou a me encarar.

Me coloquei de pé e estendi minha mão direita.


— Agora, ajoelhe-se e beije meu anel — exigi, sério.

Uma miríade de emoções tomou conta de seu rosto.

— Não pode estar falando sério. — Zombou, rindo de maneira

nervosa. Olhou ao redor, parecendo não acreditar em meu pedido.

— Este será o primeiro passo para você começar a ganhar a confiança

do meu pessoal — afirmei. — Mostre a eles que me aceita como único líder.
Mostre que acredita que sou o único dono da porra do México.

Visualizei um brilho raivoso tomando conta de seus olhos, entretanto,

me surpreendendo, ele se ajoelhou.

Sem falar nada, pegou minha mão e beijou o anel, com pedra preta.

Tinha sido do meu pai.

— Eu o aceito como líder, Angel Herrera — declarou em tom

engasgado.

Sorri, um pouco satisfeito com sua decisão.

Na verdade, um lado meu — aquele tomado de pura escuridão —


torcia para que ele não aceitasse minha proposta, pois assim, eu poderia
guerrear. E, ultimamente, eu vinha sentindo uma necessidade maior de
alimentar o mal que existia dentro de mim.

Talvez fosse por causa da ausência da Lis, considerando que ela

funcionava quase como o meu freio, mas, na verdade, eu não podia me


isentar da culpa.

Eu era um monstro.

E nem minha garota poderia mudar isso.


Capítulo 17

Lis

Dias antes

De olhos fechados, eu me esforçava para esquecer, por pelo menos


alguns minutos, de tudo o que tinha recaído sobre meus ombros. Ansiava

amenizar a dor das feridas abertas, mesmo tendo certeza de que não seria
possível.

Era real.

Tudo aquilo era real.

— Posso me sentar aqui? — Abri os olhos ao som da voz do Rossi.

Me deparei com ele em pé, ao meu lado. Estávamos no jatinho particular


deles, seguindo para a Itália.

Pisquei.

— Pode — respondi num murmúrio. — Mas não serei uma boa

companhia, porque não quero falar com ninguém no momento — fui honesta.
— Tudo bem — disse em meu idioma, visto que eu havia deixado

claro que não falava em italiano. — Eu só quero ficar ao seu lado.

Se sentou, me presenteando com seu perfume. Rossi era um homem


muito bonito, o único barbudo da turma.

Olhei para ele, depois levei o olhar ao nosso redor, me deparando

com todos os outros me observando. Eu entendia que, assim como estava


sendo surreal para mim, para eles também deveria estar sendo. Sempre me

questionei sobre as diferenças de meus traços físicos do restante da minha

família, porém jamais cogitei algo tão radical.

— Só quero que saiba que ter você aqui é uma alegria sem tamanho —

declarou, roubando minha atenção para si. Seus olhos brilhavam nos meus.

— Não existem palavras para expressar sua importância para mim — depois

olhou para os irmãos —, para todos nós.

Pisquei, engolindo em seco. Enxuguei as lágrimas que deslizaram em

minhas bochechas.

— Obrigada — soprei num murmúrio baixo.

***

Quando o carro parou no enorme jardim do casarão imponente, Rossi

desceu primeiro e deu a volta no veículo para abrir a porta para mim como

um perfeito cavalheiro.
Seu sorriso era tão lindo quanto o brilho que tomava conta de seus

olhos sempre que olhava para mim.

— Seja bem-vinda! — Gesticulou ao redor.

— Esta propriedade está na nossa família há gerações — comentou

Mariano.

— Então... — pigarreei, escolhendo as palavras certas para dizer —


eu vivi aqui por alguns dias?

— Não — respondeu Manuele com uma sombra nos olhos. — Você foi

roubada de nós ainda no hospital.

O clima se tornou tenso automaticamente, fazendo-me arrepender de

ter feito a pergunta.

— Oh. — Foi a única coisa que consegui dizer.

Nós ainda não tínhamos conversado sobre a história que permeava

minha vida nem nosso passado como uma família.

— Por favor, vamos entrar. — Luca se colocou ao meu lado, sorrindo.

— Estou ansioso para te mostrar tudo. — Parecia eufórico com isso.

— Nem venha tentar monopolizar a Lis, porque ela também é nossa

irmã, Luca. — Queixou-se Fillipo, fazendo-me sorrir, enquanto os

acompanhava. — Todos nós, juntos, iremos mostrar as coisas para ela.


— Mas eu nem falei nada. — Defendeu-se, dando de ombros. — E, na

verdade, ela tem opinião própria, ora — argumentou. — Lis pode decidir

que tem um irmão preferido, e eu não terei culpa alguma quando ela perceber
que esse irmão será eu. — Apontou para si mesmo, arrogante.

Aumentei a risada.

Tentei acompanhar a brincadeira deles, considerando que os gêmeos

também entraram no embalo, mas não consegui ignorar a lembrança do


Miguel em minha mente. Meu coração doeu e me obriguei a engolir o desejo

de chorar.

— Você está bem? — Foi Rossi quem perguntou, talvez sentindo

minha mudança de postura.

Olhei para ele, me deparando com sua preocupação.

— Acabei de me lembrar do meu irmão. — Murmurei, visualizando

uma emoção diferente tomar conta de seu rosto. — Quer dizer... — pigarreei

— meu outro irmão — corrigi, sentindo-me nervosa. — Me desculpa.

Sorriu.

— Não se preocupe — disse. — É tudo novo ainda.

Assenti, forçando um sorriso.

Nesse momento, entramos na casa, que mais parecia um castelo. A

mansão do Angel era imensa, mas não chegava ao nível daquela ali.
Eu me sentia estranha, quase como uma intrusa entre aquelas pessoas,

que até então eram desconhecidas.

— Aspetta mamma figlio. (Espera a mamãe, filho.) — Me assustei


quando senti dois bracinhos ao redor das minhas pernas. Olhei para baixo e

me deparei com o mais lindo par de olhos azuis que já vi. Era um lindo

garotinho.

Me abaixei, sentindo-me encantada.

— Oi, bebê! — exclamei, sem resistir ao desejo de pegá-lo nos

braços.

Olhei para frente a tempo de ver cinco garotas se aproximando. Uma

era negra e tinha cabelos trançados; outra, tinha um ar imponente, como se

estivesse pronta para matar alguém. Me concentrei na que tinha olhos

grandes e absurdamente azuis, deduzi que fosse a mãe da criança em meus

braços. Ao lado dela estava uma com o corpo mais avantajado, mas não

menos atraente. E, por último, observei a loira, com a barriga grande de

grávida. Deu para notar que ela estava prestes a ganhar o bebê.

— Mio figlio si è affrettato a incontrare sua zia. (Meu filho se

apressou em conhecer a tia.) — Disse a garota de olhos azuis, sorrindo,

porém não entendi nada.

Pisquei, olhando de uma para outra.


— Ela disse que o pequeno Benjamin estava ansioso para conhecer a

tia — acrescentou a garota de corpo avantajado, em espanhol. Quando ela

chegou mais perto foi impossível não reconhecer a familiaridade com o

Angel. — Percebi que você ficou perdida com o idioma. — Sorriu com

gentileza. — Eu sou a Rosa. — Se aproximou, e me puxou para um abraço

de lado, já que eu estava com o menino nos braços.

— É um prazer conhecê-la — falei num engasgo de choro. Olhar para

ela, estar perto dela... falar com ela me fez perder a base sob meus pés.

Olhei para o bebê em meus braços e o beijei antes de entregá-lo a

mãe.

— Eu me chamo Maya, sou a esposa do Rossi — disse ela, em

espanhol dessa vez. — Me perdoe, não sabia que você não entendia italiano.

— Sorriu, sem jeito.

— Eu sou Beatrice, esposa do Manuele — comentou a loira, em tom

meigo, também em espanhol. Seu sorriso era tão lindo quanto ela toda. —

Estou muito feliz por tê-la conosco.

— Sou Paola, esposa do Mariano — apresentou-se a bela garota com

ar selvagem. — Seja muito bem-vinda a nossa família.

— É um prazer conhecer você, Lis — afirmou a linda garota negra. —

Sou Simona, esposa do Fillipo. — Apontou para o marido, atrás de mim.


Eu podia sentir minha respiração descompassada conforme olhava

para aquelas pessoas, me perguntando o que estava fazendo ali. O que era

ridículo, visto que a ideia tinha sido minha. Ao olhar para trás, para encarar

os rostos dos lindos homens que descobri serem meus irmãos, me senti ainda

mais perdida. Perdida na questão dos sentimentos mesmo.

Eu não os conhecia.

Não conhecia ninguém ali.

Meus olhos nublaram com lágrimas não derramadas.

Percebendo meu pânico interno, Rossi se aproximou, segurando


minhas mãos.

— Ei?! — Me debulhei em lágrimas, jogando-me em seus braços. —

Está tudo bem — soprou ele, angustiado.

Eu podia ouvir o alvoroço de vozes ao nosso redor, mas fui incapaz de

entender.

— Portala in una delle camere da letto amore (Leve ela para um dos
quartos, amor) — ouvi a voz da garota de olhos azuis, conforme Rossi me

encaminhava para a direção das escadas. — La poverina ha bisogno di


riposare. (A coitadinha está precisando descansar.)

Não consegui olhar para nenhum deles enquanto seguia com Rossi
para o andar de cima.
***

— Se não gostar deste quarto, podemos escolher outro — comentou,


instantes depois de entrarmos no cômodo espaçoso. Com o canto do olho,

percebi quando deixou minha bagagem atrás da porta. — Talvez você prefira
um que tenha sacada. Também temos um com o teto de vidro e...

— Este aqui está ótimo — afirmei, cortando suas palavras. O encarei,


notando seu nervosismo e sua dificuldade em conversar comigo. —

Obrigada por se preocupar em me deixar à vontade.

Deu de ombros.

— Não sei se está funcionando. — Respirou fundo, sem jeito.

— Você está tentando. — Murmurei, enxugando as lágrimas. — Aliás,


todos vocês estão, e eu não poderia estar mais agradecida. — Suspirei, me

sentando na cama. — O problema sou eu, e minhas emoções. — Levei as


mãos ao rosto quando senti uma nova enxurrada de lágrimas me abater. —
Ver a irmã do Angel me desestabilizou. Por que ele me magoou tanto, Rossi?

Por quê?

Inspirando profundamente, ele trilhou o cômodo e se sentou ao meu

lado, embora eu pudesse sentir a tensão em seu corpo.

— Infelizmente, eu sou a pessoa errada para dar conselhos, Lis —

desabafou, nitidamente frustrado com isso. — Nunca fui bom com as


palavras.

Funguei, olhando para minhas próprias mãos.

— Eu só não queria estar me sentindo assim. — Dei de ombros, me


sentindo impotente. — É como se houvessem enfiado a mão no meu peito e
arrancado o meu coração. Me sinto vazia. Mas não queria me sentir assim.

Nunca fui fraca.

— Vejo que você está exigindo demais de si mesma. — Declarou ele,

estendendo a mão num convite mudo para que eu segurasse. — E você não
precisa fazer isso, querida. — Me encarou com um olhar compreensivo. —

Lis, você acabou de descobrir que viveu uma mentira, além de ter sido
magoada pelo homem que ama. Então, por favor, permita-se sofrer. Permita-

se chorar. Porque isso não vai diminuir em nada a sua força, sabe por quê?
— Neguei com a cabeça. — Porque você é uma Ricci. — Sorriu. — Além

de continuar sendo uma Pérez.

Franzi um pouco o cenho, assimilando suas palavras, enquanto


observava nossas mãos unidas.

— Você é o meu irmão — afirmei, testando aquela frase pela primeira


vez desde que descobri tudo. Olhei para o Rossi, me deparando com seus

olhos brilhantes.

— Sim, eu sou — concordou com voz afetada.


De alguma forma, eu me sentia mais conectada com ele do que com os

demais.

— Promete que nunca vai mentir para mim? — pedi num engasgo de
choro. — Promete que jamais irá me esconder as coisas?

Apertando minha mão na sua, ele a levou aos seus lábios, beijando os
nós de meus dedos frios.

— Eu prometo que jamais vou mentir para você. Nossa relação será

baseada na honestidade. Sempre.

Meu rosto se contorceu com novas lágrimas.

— Obrigada. — Soprei, me jogando em seus braços.

Senti que seu corpo tencionou quando apertei suas costas, mas não dei
atenção a isso.

Eu só precisava me sentir amparada de alguma forma, e, no momento,


Rossi era o único que podia fazer isso.

***

Eu não fazia ideia do horário, mas notei que ainda era madrugada.
Minha cabeça estava dolorida devido ao fato de eu ter pegado no sono

depois de tanto choro. Quando Rossi me deixou no quarto, horas atrás, fui
incapaz de sair, e chorei até adormecer.
Nervosa com as dores em meu corpo, devido a toda tensão das últimas

horas, eu me levantei. Na verdade, eu tinha acordado com o som de uma


canção, aliás, de acordes de piano.

Eu era apaixonada pelo som.

Curiosa, saí da cama e trilhei o quarto até chegar na porta de saída.


Espiei o corredor, me perguntando quem estaria tocando piano naquele

horário, visto que era de madrugada, mas acabei saindo do quarto, ansiosa
para ouvir o som mais de perto.

Pé por pé, fui caminhando pelo corredor, seguindo o som.

Depois de alguns minutos, cheguei em frente a uma porta e, devagar, a


empurrei. A iluminação estava baixa, tendo somente a luz do luar como

claridade.

Lentamente, eu entrei, me deleitando com a decoração da sala. O

cômodo era espaçoso, e tinha uma parede toda envidraçada.

Meu coração estava batendo descompassado quando comecei a


caminhar pelo lugar, absorvendo cada detalhe, sentindo sensações estranhas.

Eu não entendia, mas era como se aquele fosse um espaço sagrado...


especial.

— Ah, me desculpe! — Me assustei quando ouvi a voz de uma garota.


Ela falou em espanhol, embora seu sotaque italiano fosse bem carregado.
Olhei para o piano, e me deparei com a garota grávida. — Acabei
acordando você com minha música — não foi uma pergunta.

Sorri, sem jeito.

— Não se preocupe. — Dei de ombros, me encaminhando para uma


das poltronas que tinha ali. — Eu gostei de ser acordada com um som tão

lindo. — Sorri. — Você toca maravilhosamente bem.

Visualizei o rubor em suas bochechas rechonchudas, mesmo com a


baixa iluminação.

— Obrigada — murmurou. — Eu amo tocar. E, ultimamente, com a


gravidez avançada, não estou conseguindo dormir direito, então meu consolo

é vir pra cá. — Gesticulou ao redor.

— Está de quanto tempo?

Ela suspirou, enquanto massageava a barriga arredondada.

— Indo para quarenta e duas semanas — respondeu. — Minha


garotinha não está querendo sair. — Sorriu, doce.

Sorri junto.

— Ah, é uma menina? — indaguei, encantada, já imaginando a beleza


da criança, considerando que Beatrice era uma mulher linda. Além da beleza

do pai, claro.
— Sim — respondeu. — Vai se chamar Nina.

— É um bonito nome — comentei.

Assentiu, baixando os olhos, enquanto mantinha as mãos na barriga.

De repente, o silêncio nos invadiu por alguns instantes.

— Que lugar é esse? — perguntei, me referindo a sala em que

estávamos. — Sinto como se fosse especial.

— E é. — Afirmou, roubando minha atenção para si. — Esta era a


sala da Bianca.

Franzi o cenho, tentando entender.

— Bianca?

— Sim, sua irmã gêmea que faleceu ainda criança.

Perdi o ar.

Meu coração parou de bater na mesma hora. Como assim, irmã


gêmea?

De repente, me lembrei de quando conheci o Rossi e ele me disse que


havia perdido uma irmã.

Senti minha cabeça latejar um pouco mais, enquanto minha mente


lutava para absorver mais aquela descoberta.
Capítulo 18

Lis

A luz do Sol bateu sobre a lápide do jazigo, iluminando os nomes,


Federico Ricci, Sandra Ricci e Bianca Ricci. Havia uma frase logo abaixo,

o qual deduzi que fosse uma mensagem bonita, mas como estava em italiano,
eu não pude decifrar.

Entendi que Federico e Sandra fossem meus verdadeiros pais.

Era estranho estar ali, mas, ao mesmo tempo, eu me sentia conectada a

eles de alguma forma. Nos foi roubado o direito de convivermos, como uma
família. E essa certeza me entristecia demais.

Olhei para frente, para o mausoléu imponente logo a poucos

centímetros de onde eu estava, e me perguntei como teria sido minha vida se


eu não houvesse sido levada deles. Voltei a encarar o jazigo, me sentando no

chão mesmo, enquanto lia e relia os nomes dos três.

Meu coração estava pequenino, aliás, ele ficou assim desde o

momento que Beatrice me contou, horas atrás, sobre a irmã gêmea que eu
nem sabia que tive, mas que perdi sem nem mesmo ter a chance de conhecer.

Doía-me pensar nela. Doía-me saber que havíamos sido separadas uma da

outra logo no nascimento.

Então, incapaz de voltar a dormir, considerando que fiquei inquieta

com o que Beatrice disse, decidi sair da casa e comecei a perambular pela

propriedade, até que encontrei o jazigo.

Eu estava fungando baixinho quando ouvi o som de passos logo atrás

de mim; nem precisei olhar para saber que eram meus irmãos. Todos os

cinco estavam ali.

— Você nos deixou preocupados, baixinha. — Comentou Luca, se

jogando ao meu lado, no chão. Eu gostava do sotaque deles. — Por que não

avisou que estava querendo fazer um passeio pela propriedade? Teríamos

adorado fazer isso com você.

Enxuguei os resquícios de lágrimas, enquanto erguia os joelhos, de

modo a abraçar minhas próprias pernas.

— Eu não estava conseguindo dormir direito, então ouvi o som de um

piano, e quando fui atrás encontrei a Beatrice tocando. — Contei, levando os

olhos para o Manuele, que assentiu, sorrindo orgulhosamente. Notei que

todos eles se reuniram ao meu redor, próximos ao jazigo da família. — Sem

querer, ela acabou me falando sobre a Bianca. — Apontei para a lápide a


nossa frente, sentindo uma dor esmagando meu peito. — Vocês não tinham

me contado sobre eu ter tido uma gêmea.

— É porque este é um assunto doloroso, Lis. — Argumentou Mariano,

sentando-se sobre a estrutura de cimento. — Nenhum de nós gosta de

relembrar da nossa criaturinha de luz, porque sua ausência ainda dói muito.

Absorvi suas palavras, olhando para minhas próprias mãos.

— Como ela era? — perguntei.

— Luz. Nossa irmãzinha era luz. — Respondeu Rossi, me fazendo

encará-lo. Ele estava de pé, esbanjando um terno branco. Na verdade, notei


que ele gostava muito de usar essa cor. — Bianca irradiava vida e doçura

por onde passava, e a todos ao seu redor. Não havia quem não a amasse. Ela

arrancava isso das pessoas.

A forma como ele falava dela era tão linda que meu peito sufocou.

— Aquela sala de piano foi feita para ela. — Comentou Fillipo,

sorrindo com nostalgia. — Bianca sonhava em ser uma musicista famosa

quando se tornasse adulta. Ela amava tocar aquele piano, que hoje é tocado
apenas pela Beatrice.

Eu não queria perguntar, pois temia a resposta, mas eu tinha que saber;

precisava conhecer a história do meu passado.

— O-o que houve com ela? — gaguejei.


— Foi sequestrada a mando de um desafeto do nosso pai — respondeu

Manuele, apontando para o nome Federico. — Ela tinha oito anos.

E nos próximos minutos, eu ouvi a história mais horripilante de toda

minha vida. Meu coração pareceu ter se despedaçado em mil pedacinhos

diante de todos os fatos e detalhes sombrios que destruíram, não somente

minha irmã gêmea, mas toda nossa família.

— Só descobrimos sobre você há poucos meses — comentou Rossi,


minutos depois, com os olhos vermelhos. — Nossos pais nunca nos contaram

sobre a gêmea que foi roubada ainda no hospital.

Funguei, levando as mãos ao rosto, molhado pelas infinitas lágrimas.

Minha mente ainda estava lutando para absorver toda história por trás da

morte da minha irmã.

— Como a nossa mãe deve ter sofrido... — soprei, sentindo meu peito
sufocado de dor. — Pensou que eu estivesse morta quando, na verdade, eu

estava sendo criada por outra família. Sendo amada e amamentada por outra

mãe.

Como Luca estava mais perto de mim, ele me puxou para seus braços,

visto que permiti ser vencida pelas minhas emoções.

— Você não tem culpa de nada disso, querida. — Declarou,

acariciando meus cabelos. — Aliás, você é culpada sim, mas de ter nos
trazido esperança. Amor.

— Mas ela... ela... — gaguejei, entre soluços — ela só tinha oito anos.

— Chorei mais. — Era só uma criança. Como puderam fazer isso?

— O importante para você saber é que, em vida, Bianca foi muito

amada — declarou Mariano, firme. — Nossa irmã teve todo o amor do

mundo, dos irmãos, do pai e da mãe.

— Por muito tempo, eu acreditei que houvesse falhado com ela —

ouvi a voz do Rossi. — Me culpei pelo que fizeram, e odiei a mim mesmo

por ter sido omisso com a única criaturinha que me trazia luz. Bianca era a

melhor parte do meu dia, e isso não era novidade para ninguém. — De
repente, ele se calou, parecendo engasgado. Me afastei dos braços do Luca,

angustiada com a dor que estava vibrando através do corpo do Rossi. —

Então, quando... quando eu peguei o corpinho dela, sem vida, em meus

braços, eu jurei a ela que ia me vingar de todos os culpados. E eu fazia parte

da lista.

Me coloquei de pé, indo até ele, que estava de costas para mim.

Toquei em seus ombros, enrolando o braço no seu. Senti sua tensão ao toque,

porém, relaxou quando percebeu que era eu ali.

— Me dediquei a esse tributo por longos anos, até eu me casar com a

Maya e minha garota me fazer entender que eu estava errado de agir assim.
— Se virou completamente, me encontrando bem em sua frente. Pude ver a

umidade de lágrimas em seus olhos. — Eu ainda me sinto falho na maior

parte do tempo. — Admitiu, pegando minhas mãos nas suas. — Ainda sinto

um medo constante, que aumentou consideravelmente com a chegada do meu

filho. Mas aprendi a restabelecer minhas forças no amor — afirmou. — No

amor pela minha família, pelos meus irmãos.

Observei quando os outros se colocaram de pé também, e se

aproximaram.

— É certo que seu nascimento foi brindado com o início de uma

tragédia, Lis — declarou Fillipo. —, mas o seu retorno para as nossas vidas

foi como se estivéssemos encerrando um ciclo e iniciando outro.

— Uma nova história. — Acrescentou Luca, com um sorriso lindo.

— A Bianca jamais será apagada de nossas mentes nem dos nossos

corações — afirmou Manuele. — Mas já passou da hora de a deixarmos ir.

Olhei para o Rossi, que amparou meu rosto com uma das suas mãos.

Senti quando enxugou minhas lágrimas com seus dedos.

— Você me lembra muito ela na aparência — confessou, intensamente.

— Mas sua força e bravura vêm da nossa mãe.

— E a teimosia vem do nosso pai. — Acrescentou Mariano,

arrancando risadinhas.
— Estamos felizes em ter você aqui, baixinha. — Comentou Luca,

fazendo-me franzir o cenho.

— Pare de me chamar de baixinha. — Ralhei com ele, beliscando sua

cintura, fazendo-o sorrir. — Tenho quase um e cinquenta e oito.

Todos riram.

Respirei fundo, olhando para os cinco, que estavam ao meu redor.

— Admito que ainda me sinto muito assustada com tudo — desabafei.


— É doloroso aceitar que perdi tantos momentos; que perdi a chance de tê-

los conhecido. — Apontei para o jazigo, referindo-me aos nossos pais e


irmã. — Mas, ao mesmo tempo, estou feliz por ter ganhado vocês. Cinco

irmãos para me amarem. Cinco irmãos para me protegerem.

— Pode apostar nisso — falaram juntos, quase como um coro.

Sorri, abrindo os braços num convite para receber o abraço deles.

— Vocês vão precisar me ensinar o italiano — murmurei, baixinho,

fazendo-os sorrirem.

Nesse momento, alguém se aproximou, esbaforido e com os olhos

arregalados.

— Senhor... — fixou a atenção no Manuele, que se afastou, tenso

— O que foi, homem?


— A sua esposa... ela...

A tensão tomou conta de todos nós.

— O que tem a Beatrice? Fala logo! — esbravejou, impaciente.

— Ela acabou de entrar em trabalho de parto.

— Puta merda! — ouvi o praguejar ao meu redor, mas não me


preocupei em saber de onde veio.

Não esperei por mais nada e, simplesmente, saí correndo para a


direção da entrada do casarão.

***

Quando chegamos no quarto em que Beatrice estava, me deparei com a


garota gemendo de dor, sendo amparada por Maya, Paola e a irmã do Angel.

Simona estava mais afastada da cama, com o pequeno Benjamim nos braços.
Pisquei quando visualizei um lindo menino de, aproximadamente, uns dez

anos, ao lado de um cachorro. Na verdade, o quarto lotou com tantas


pessoas.

Me aproximei da cama.

— Querida, vou levá-la ao hospital. — Afirmou Manuele,


desesperado, enquanto tocava o rosto da mulher, que gritou quando sentiu

uma forte contração.


Discretamente, ergui o lençol que a cobria, e visualizei o que
precisava saber para tomar as rédeas daquela situação.

— Não, você não vai tirá-la daqui! — Decretei, fazendo-o se


espantar, descrente das minhas palavras firmes. — Seu filho já está

nascendo, então não vai dar tempo. O parto terá que ser feito aqui.

Manuele arregalou os olhos. Aliás, não somente ele, mas todos que
estavam no quarto.

— Quero que todos saiam do cômodo. — Ditei, me erguendo e


trilhando o espaço para poder abrir um pouco mais as cortinas de modo a

obter o máximo de claridade possível. — Preciso de conhaque, tesoura, água


morna e panos limpos.

— Ma-as... você sabe fazer isso? — Manuele questionou, nitidamente

apavorado. Seu olhar intercalava entre mim e sua mulher.

— Meu irmão me disse que ela estava cursando medicina. — Lembrou

Rosa, me fazendo engolir em seco devido a menção ao Angel.

— Vou descer e agilizar tudo o que você pediu. — Afirmou Paola,


fazendo-me assentir. Observei quando ela saiu e levou o menino junto,

enquanto mandava todos os outros para fora. Manuele foi o mais difícil de
aceitar sair.
Voltei para a cama, ajeitando os travesseiros atrás da Beatrice, que

estava com o rosto corado e assustado. Rosa estava de um lado da cama, e


Maya do outro. Simona achou melhor sair, alegando que não ia aguentar

presenciar o sofrimento da Beatrice.

— Beatrice? Não existe uma forma menos dolorosa de fazer isso —


alertei. — Para trazer a sua garotinha ao mundo, você vai precisar fazer

força. Muita força, entendeu?

Mesmo apavorada, ela assentiu com a cabeça.

— Maya, você pode se ajeitar atrás, nas costas dela como um apoio?

— perguntei. — Estou achando que os travesseiros não vão resolver.

— Claro. — Respondeu ela, se erguendo e se ajeitando onde eu pedi.

Neste momento, a Paola voltou ao quarto, trazendo as coisas que eu


iria precisar.

Eu estava tremendo de nervoso, mas me sentia confiante.

Depois de tudo pronto, me coloquei entre as pernas da Beatrice, e


respirei fundo. Uma nova onda de contrações a abateu, fazendo-a se retrair.

— Não se retraia, querida — declarei. — Faça força para baixo.

Mande sua filha sair.

Os gritos aumentaram conforme Beatrice se esforçava para trazer sua

filha ao mundo. Quando visualizei a cabecinha da criança, me apressei em


tirar o cordão umbilical que estava enrolado em seu pescoço.

— Não pare agora, Beatrice — ditei, nervosa quando vi que ela


estava prestes a relaxar. Isso poderia prejudicar a criança, que já estava com

a cabeça toda de fora. — Sua filha já está com a cabecinha toda de fora. Só
mais um pouquinho.

Com meus dedos, auxiliei a saída dos ombrinhos da menina.

Meu coração batia tão descompassado que temi sofrer uma síncope ali
mesmo. Quando a criança finalmente foi expelida, o som de seu choro entoou

pelo quarto, emocionando a todas nós. Fiz a limpeza necessária, retirando


toda secreção de seus olhos e nariz, impedindo qualquer obstrução. Eu sabia

que era importante secar o bebê — que estava molhado em razão da bolsa
gestacional e do líquido amniótico — e aquecê-lo para que não perdesse

calor.

— Ela está bem? — perguntou Beatrice, nervosa e com a voz


embargada. — Eu quero vê-la.

— Ela está bem — respondi, sorrindo. — Só preciso finalizar os


procedimentos antes de entregá-la a você.

O cuidado com o cordão umbilical precisava ser delicado. Eu nunca

tinha feito nenhum parto, mas já tinha presenciado muitos durante meu
estágio no hospital do México. Então sabia que para realizar o corte, era
importante esperar cerca de 2 a 3 minutos após o nascimento.

O corte só devia ser realizado após as ligaduras do cordão umbilical

serem feitas.

— Preciso de um cadarço limpo e uma tesoura esterilizada — pedi

para Maya, que olhou para Rosa. — Preciso fazer um nó no cordão


umbilical para, em seguida, poder cortar. É como uma margem de segurança.

— Certo. — Murmurou Rosa, se levantando e remexendo em algumas

gavetas.

Rapidamente me entregou o que pedi, juntamente com a garrafa de

conhaque que Paola tinha trazido antes. Joguei o líquido na tesoura, em


seguida, fiz o corte, ciente dos centímetros que precisava deixar.

Depois de pronto, finalmente, enrolei a menina, deixando-a quentinha

e a entreguei para a mãe, que tinha os olhos umedecidos.

— É uma linda garotinha — soprei, tão emocionada quanto todas elas.

— Parabéns!

— Olha só... — disse Maya — ela veio com o seu cabelo. —


Observou, sorrindo.

Paola não dizia nada, mas eu podia ver o brilho emocionado em seus
olhos.
— Posso chamar o Manuele? — perguntei. Umedeci mais um pano e
limpei o sangue das minhas mãos. — Ele deve estar desesperado lá

embaixo.

— Lá embaixo? — repetiu Paola, rindo. — Ele está aí no corredor,

zanzando de um lado ao outro.

Sorri também, sacudindo a cabeça.

— Pode mandá-lo entrar, por favor — soprou Beatrice, sem parar de

admirar a filha.

Foi Maya quem saiu da cama.

Quando Manuele entrou no quarto, não olhou para nada nem ninguém,

apenas para sua esposa e filha. A emoção tomou conta do ambiente.

— Ela é linda. — Disse ele, aos prantos. Encheu a cabeça da Beatrice

de beijos. Depois me olhou, preocupado: — As duas estão bem?

Assenti, enxugando as lágrimas que desciam mesmo eu tentando

controlar.

— Agora é só levar as duas ao hospital — murmurei, engasgada pela


emoção. — Mas deu tudo certo. Beatrice é forte, assim como sua filha.

— Obrigado — disse ele, me encarando com intensidade. — Você


acabou de trazer ao mundo, o meu bem mais precioso, Lis — declarou com

fervor. — A sua sobrinha.


Mordi os lábios, sentindo o peso das suas palavras.

Eu tinha feito mesmo aquilo.

Eu tinha acabado de trazer uma criança ao mundo. Não uma criança

qualquer, mas a minha própria sobrinha.


Capítulo 19

Lis

Dias depois

A água escorria pelo meu corpo, que parecia tão febril quanto meu
interior. Eu me sentia queimar de dentro para fora.

Espalmei as duas mãos na parede fria do box, fechando os olhos e

tentando controlar as sensações que me dominavam naquele momento. Eu


não queria, mas era mais forte do que eu.

O desejo ardia em cada centímetro da minha pele.

As lembranças quentes de meus momentos com o Angel...

Por que ele tinha tanto poder sob mim? Eu odiava o fato de amá-lo

tanto, quando ele merecia somente meu desprezo depois de tudo o que fez.

Com um arquejar baixo, deslizei uma das mãos para baixo, sentindo...

Experimentando.

Descobrindo.
Minha mente foi sendo preenchida pelas lembranças das mãos do

Angel em meu corpo, arrancando-me todo tipo de sensação prazerosa. Meus

dedos beliscaram meu mamilo, enquanto eu imaginava que era ele me

tocando. Continuei descendo a mão, até escondê-la entre minhas pernas,

onde permiti que meus dedos acariciassem aquele amontoado de nervos, que
pulsava dolorosamente. Iniciei movimentos calmos, mas, aos poucos, fui

intensificando conforme o prazer ia aumentando.

Em meus pensamentos não havia outro, a não ser ele...

Angel.

Ele me dominava em todos os sentidos, me fazendo refém até mesmo

em um maldito orgasmo.

Quando gozei, o choro veio junto com o furor da satisfação.

Um choro de raiva.

Um choro de culpa.

***

“Já está pronta para conversar? Estou com saudades, irmã. Como

você está?”

Li e reli a mensagem do Miguel algumas vezes, antes de responder:

“Não se preocupe. Estou bem.”


Enxuguei uma lágrima solitária que desceu em minha bochecha, e

funguei baixinho. Eu não queria estar me sentindo tão magoada com ele e

nossos pais, mas estava. Não conseguia ignorar o fato de que todos os três

me esconderam algo tão grave como a história da minha vida.

Eu tinha o direito de saber.

— Ah, eu sabia que encontraria você aqui. — Me assustei com a

chegada abrupta da Rosa na sala em que eu estava. Era a sala de piano.

Desde que descobri que tinha sido da minha irmã gêmea, o lugar acabou se

tornando meu refúgio. — Procurei você pela casa inteira até concluir que só

poderia estar aqui. — Sorriu com gentileza.

Nos últimos dias, eu e ela havíamos trocado algumas palavrinhas, mas

nada muito relevante.

— Está tudo bem? — Perguntou, enquanto se aproximava. Eu estava

em uma poltrona, perto das vidraças da janela, pois queria pegar a luz do

Sol. — Parece um pouco tristinha. — Observou.

Olhei para ela, sentindo a saudade pelo Angel aumentar, considerando

que os dois eram muito parecidos.

— Estou com saudades do meu irmão. — Respondi, desviando o olhar

para minhas próprias mãos. — Saudades dos meus pais também.


Notei quando ela tomou o assento na poltrona ao meu lado. Rosa era

uma mulher linda, toda cheia de curvas e pele bronzeada.

— Consigo sentir sua angústia — afirmou com a voz baixa. — Sei

quão doloroso é estar longe da família.

Virei a cabeça em sua direção.

— Seu irmão me contou o que aconteceu com você — murmurei, a

encarando. — Sequer sou capaz de imaginar o que você passou.

Ela me ofereceu um sorriso fraco.

— Não vou dizer que não gosto de me lembrar do meu passado,

porque tudo o que passei serviu de experiência para me deixar mais forte —

declarou. — Minha trajetória ruim é o lembrete de toda minha força.

Me senti emocionada com suas palavras.

— Eu queria ser forte assim — declarei, baixinho. — Na verdade, eu


queria não ter tido meu coração partido no meio de toda essa história.

Ganhei mais cinco irmãos, mas me sinto machucada, entende? — fui honesta.

— Não almejei nada disso.

— Entendo você — disse. — É difícil aceitar que tudo o que você

viveu foi uma mentira. Só que se você parar para pensar, não foi uma mentira

totalmente. — Franzi o cenho, mas continuei a encarando para ouvir o que

tinha a dizer. — Você foi amada, Lis, e esse amor é real. Seus pais e seu
irmão são reais. E o fato de terem escondido a verdade sobre a sua origem

não foi por serem maus, mas porque temiam perdê-la.

Minhas lágrimas nublaram meus olhos.

— Eu sei. — Soprei, olhando para a janela. — O problema foi a

mentira. Não gosto que mintam para mim.

Levei os dedos abaixo dos olhos, limpando a umidade que se

acumulou ali.

— Às vezes, a mentira é a única saída — concluiu.

— Pode até ser, mas a mágoa é inevitável — rebati. — Eu sou

verdadeira com as pessoas, e sempre espero isso de volta.

— Agora estamos falando da sua família mexicana, ou do meu irmão?

— Arqueou as sobrancelhas em desafio.

Meu rosto ruborizou um pouco. Eu sabia que, uma hora ou outra,

iríamos tocar no assunto.

— De todos eles. Estou falando de todos eles — expus, nervosa. —

Angel sabe que eu não suporto mentiras, e ele, praticamente, me enredou em


uma rede delas. Eu só ofereci amor a ele, e em troca recebi apenas mentiras.

— Você deu a ele uma chance para se explicar?

Neguei com a cabeça.


— Ele teve muitas oportunidades para conversar comigo antes de toda

essa merda, então por que eu o ouviria agora?

— Porque você o ama — afirmou, sem pestanejar, e eu nem mesmo

tive coragem de negar. — E ele também a ama. Sei disso, porque meu irmão

nunca amou outra mulher antes.

Fiz uma careta me lembrando da mulher que me sequestrou.

— Isso é o que você está dizendo — murmurei, amarga. — Angel é

bom em esconder segredos.

— Por que está dizendo isso?

— Eu fui sequestrada pela antiga namorada dele — respondi, sentindo

a irritação da lembrança me dominar. — Ele não contou para você? — Dei

uma risadinha. — É claro que não! Deve estar se fazendo de coitadinho.

— A única coisa que sei é que meu irmão está sem o maldito freio, Lis

— declarou, com intensidade. — É como se ele houvesse perdido o amor

pela vida e estivesse tentando se matar.

Meu coração parou uma batida com sua declaração.

— Eu não posso falar nada sobre essa tal mulher, porque se ela

realmente existiu na vida do Angel, foi na época em que ele saiu de casa. —

Deu de ombros, com um suspiro. — Mas de uma coisa, eu tenho certeza... —

parou de falar, querendo garantir que eu estivesse ouvindo: — Meu irmão é


leal aos seus. Se você ouviu o “eu te amo” saindo da boca dele, então é

verdade. Ele amará você eternamente, mesmo que você não o aceite mais.

Meu rosto se contorceu com novas lágrimas, mas me esforcei para não

as derrubar. Estava farta de chorar.

— Agora, Lis, você tem duas opções... — afirmou Rosa, se curvando

e apoiando os braços nos joelhos —, ou você escolhe ignorar o amor que

sente e reforçar a mágoa em seu coração, se mantendo longe de quem ama.


Ou, escolhe o amor e vai atrás da sua felicidade. — Se calou por um

instante. — Mas eu já aviso: — apontou o indicador para mim, de modo


ameaçador. — Se magoar o meu irmão, não vou pensar duas vezes antes de

acabar com você. Por isso, pense muito bem antes de procurá-lo. Tenha
certeza dos seus sentimentos. Tenha certeza de que conseguirá perdoá-lo.

Dizendo isso, ela simplesmente se levantou e deixou a sala.

Me deixando com o coração aos pulos, não apenas pela ameaça


velada, mas também pela certeza de que Angel não estava nada bem.

E eu sabia que seu descontrole emocional era culpa minha.


Capítulo 20

Angel

Dias depois

Entornei um gole generoso de tequila e, em seguida, bati a taça sobre a


mesa, bocejando o líquido ardente em minha boca.

Olhei ao redor, analisando cada detalhe do Pub, que era meu. A

música, que tocava em um volume ameno, misturava-se ao som de vozes


altas, e risadas.

Enfiei a mão dentro do bolso e retirei meu maço de cigarro. Eu tinha

parado de fumar há algum tempo, mas nos últimos dias, infelizmente, o

hábito voltou.

— Tem certeza de que o tal grupo virá hoje? — perguntei ao Miguel,

que estava junto comigo na mesa.

— Ao menos as informações que me passaram foi de que os idiotas

estão vindo aqui todas as noites — respondeu.

Sacudi a cabeça, irritado com a audácia.


Acendi o cigarro, logo levando-o aos lábios.

Há alguns dias, Miguel acabou descobrindo que tinha um grupo de

imbecis que estava usando meu Pub como ponto de venda de drogas, e isso,
certamente, eu não ia permitir.

— Você sabe que eu poderia resolver essa situação facilmente, hun?

— indagou ele, me encarando com seriedade. — Não há necessidade de


você se envolver nisso, quando precisa se focar em descobrir onde Juana

está. Já se passaram dias e você ainda não descobriu nada.

— Eu posso fazer os dois. — Murmurei, tragando meu cigarro, me


jogando contra o encosto da cadeira. — Ultimamente, estou sempre disposto

a uma boa diversão. — Sorri, maquiavélico.

Olhei para o lado, a tempo de ver um cliente homem importunando


uma das minhas funcionárias. Franzi o cenho, incomodado com a cena.

— Na verdade, você está sempre disposto a puxar briga. — Rebateu

Miguel, me forçando a olhar para ele, que estava nitidamente frustrado com

esse fato. — E isso é ruim.

— Por quê? — Traguei outra vez, logo soltando a fumaça pela boca e
nariz.

— Porque você é o chefe de uma organização gigantesca, Angel —

rugiu, impaciente. — Que porra! — explodiu. — Está agindo como se não


tivesse mais nada a perder, como se quisesse se matar.

Não falei nada.

— Lis é importante sim — continuou dizendo —, e não apenas para


você. Mas você não pode se deixar dominar pela dor da ausência dela.

Minha irmã vai voltar, Angel. Ela vai voltar.

Continuei fumando, enquanto olhava para ele, assimilando suas


palavras.

— Eu sei disso. Sei que ela vai voltar — murmurei, depois de alguns

instantes. — Mas não para mim. Eu a perdi, Miguel. Estraguei tudo. É isso o
que eu faço, eu estrago as coisas.

Dei uma última tragada, em seguida, pressionei a bituca sobre a mesa,

apagando.

— Desde quando isso aqui se tornou uma consulta terapêutica? —

Gesticulou entre nós dois, fazendo-me rir.

— Acho que desde que você começou a querer decidir o que eu devo

fazer, ou não. — Arqueei as sobrancelhas. — A adrenalina do perigo é a

única coisa que me faz esquecê-la. — Expus, voltando a olhar para o lado,

especificamente, para o idiota que insistia em importunar minhas

funcionárias. — No fundo, é o único momento que me sinto eu mesmo,


entende? Me sinto livre.
Miguel abriu a boca para falar, mas hesitou quando me levantei da

mesa, abruptamente.

Rumei para a mesa ao lado, feito um touro desgovernado.

— Algum problema aqui? — Indaguei, espalmando a mesa com as

duas mãos. Isso fez os copos e garrafas caírem. — Por acaso você está com

dificuldade em entender que nossas garotas não fazem parte do cardápio? —

Rugi, semicerrando os olhos.

O idiota estava sozinho na mesa, mas não pareceu intimidado.

Com o canto dos olhos, notei Miguel conversando com a garota que

servia, fazendo ela se afastar.

— Na verdade, você pode não ter notado, mas a vadiazinha estava

querendo dar a boceta para mim. — Alegou, piscando um olho. Pegou uma

das garrafas de cerveja e bebeu direto do gargalo. Em seguida, a quebrou na

minha cabeça.

O golpe me fez perder o equilíbrio por alguns instantes, o que facilitou

para que o filho da puta me acertasse um chute no peito. Caí no chão.

Quando ele marchou até mim, segurando um pedaço de vidro da

garrafa quebrada, aproveitei para lhe dar uma rasteira. Logo montei em seu

corpo, lutando com ele, que tentava me cortar com o vidro.

— Acaba com isso, Angel — dizia Miguel. — Já chega dessa merda!


Ele sabia que eu estava me permitindo dominar por aquele verme, mas

eu não dava a mínima. Só queria sentir a sensação do perigo.

Porque com isso, eu me sentia vivo outra vez.

— Que tal se eu pegar esse caco de vidro e cortar o seu pau fora, hun?

— rugi contra o rosto do infeliz, que estava vermelho de sangue, e por causa

do esforço que fazia para tentar me dominar. — Desse jeito, nunca mais

usará essa merda para abusar de ninguém, seu escroto do caralho!

Tomado de pura fúria, levei o caco de vidro até seu rosto e fiz um

corte logo abaixo dos olhos, descendo até o lábio. Seus gritos soaram como

música para meus ouvidos, enquanto eu só sabia rir feito um lunático.

Depois disso, me levantei, enxugando o resquício de sangue em meu

rosto de quando ele me acertou com a garrafa. Fiz sinal para meus homens,

que já estavam ali.

— Tirem esse bosta daqui. — Gesticulei, resfolegante. Em seguida,

encarei o pessoal que observava tudo em silêncio. — Que fiquem avisados,

porra! Não desrespeitem as garotas que trabalham para mim. E a última


palavra aqui é a minha.

— Carajo, Angel! — Miguel me segurou pelo braço, mas me soltei

com um safanão.
— Pare de encher a porra do meu saco, Miguel! — sibilei, revoltado

com ele. — Não se esqueça de quem é que manda.

— Mas do jeito que você está agindo, daqui a pouco não vai mandar

em mais nada, porque vai estar a sete palmos do chão, merda!

Ignorei suas palavras e rumei para os fundos do Pub, enquanto

limpava o sangue que escorria do meu rosto machucado.

Nesse momento, uma movimentação suspeita na entrada do

estabelecimento chamou minha atenção, forçando-me a frear os passos.

— São eles? — Apontei para o grupo de rapazes, abrindo e fechando

meus punhos, sentindo a adrenalina voltar a dominar meus sentidos.

Os idiotas estavam vendendo sua maldita droga na porra do meu

estabelecimento, e eu não ia permitir.

— Quer me deixar cuidar deles? — indagou Miguel, em tom baixo.

— Só por cima do meu cadáver — sibilei.

— Você está descontrolado, Angel — o ouvi dizer, mas não dei

ouvidos.

Eu queria o caos.

Queria a destruição.
Passei pelo balcão do bar e peguei uma garrafa de tequila, em seguida,

marchei até o grupo de quatro rapazes. Eu não era estúpido em não saber

que, provavelmente estariam armados. Então, peguei minha pistola, me

garantindo com o apoio de meus soldados. Primeiro, desarmei os idiotas.

— Então vocês pensaram que poderiam, simplesmente, virem até aqui,

no meu Pub, para venderem suas malditas drogas? — perguntei, com uma

risadinha. Entornei um belo gole de tequila, sentindo o líquido ardente

descer queimando pela minha garganta. Entreguei todas as armas para um


dos meus seguranças, inclusive, a bebida, enquanto estalava os dedos das

mãos, me preparando. — Estão mesmo tentando me irritar... — sacudi a


cabeça, rindo. — E conseguiram.

— E quem é você, idiota? — um deles cometeu o erro de perguntar

isso.

Meu sorriso aumentou consideravelmente, enquanto o sangue fervia

em minhas veias.

— Eu? — indaguei. — Sou o rei do México. O dono da porra toda.

Mal terminei de falar e já meti o pé no peito de um deles, que tentou se

defender, mas fui mais rápido. Logo, seus parceiros partiram pra cima de
mim, ansiosos para me agredirem.
Acabei com dois deles facilmente, deixando-os numa pilha, um em
cima do outro, desmaiados.

Sobraram dois.

— Que porra de rei é você, hun? — indagou um deles, com a cara


toda estourada. — Acha que manda em tudo só porque lidera o maior cartel

do México? Se sentar na cadeira de chefe não o faz um líder, seu bosta.

O calei com um soco, que o nocauteou na mesma hora.

— Acha que me mete medo? — perguntou o que sobrou, se afastando

de mim, que dava passos em sua direção.

Estalei os dedos, sorrindo.

— Isso eu já não sei responder, mas posso afirmar que você me causa

pena. — Aumentei o sorriso. — Muita pena.

Estiquei o braço e soquei bem no estômago do infeliz, que se inclinou

para frente, deixando o rosto bem à mercê dos meus punhos.

O derrubei no chão, sem deixar de socar sua cara, repetidas vezes.

Eu podia ouvir as vozes alteradas ao meu redor, mas não conseguia

parar.

Eu não podia.
— VOCÊ VAI MATÁ-LO, ANGEL! — era a voz do Miguel, mas
ignorei totalmente.

Não tinha forças para parar.

Nada poderia me parar.

De repente, Miguel chegou mais perto e pressionou um telefone no

meu ouvido.

— Angel?

Meu coração parou de bater quando escutei a voz da Lis.

— Lis? — Pisquei, incrédulo, enquanto me afastava do moribundo


abaixo de mim. Quase caí, pois acabei tropeçando em minhas próprias

pernas. — É você?

Ouvi seu soluço.

— E-eu ainda não te perdoei, mas você precisa estar inteiro quando

isso acontecer — falou, com a voz embargada.

— Lis, eu...

— Pare de buscar pela morte a todo momento, droga!

Abri a boca para falar, mas ela desligou antes que eu conseguisse.

Fiquei olhando para a tela do celular, num misto de euforia e


adrenalina.
Olhei para o Miguel, que estava parado ao meu lado.

Deu de ombros.

— Eu sabia que ela seria a única voz que você ouviria. —


Resmungou, pegando o celular da minha mão. — Seu idiota!

Pisquei, ainda preso naquele misto de emoções.

Pela primeira vez, depois de muito tempo, senti esperança.

Esperança de voltar a ter minha garota em meus braços.


Capítulo 21

Angel

— Eu ainda não concordo com essa merda — rosnou Miguel,


parecendo inquieto, enquanto eu me preparava para sair. — Você não está

pensando direito.

— Já foi decidido, Miguel. — Murmurei, respirando fundo.

Peguei meu celular e fixei os olhos na foto da Lis — que eu tinha


colocado como papel de parede — reunindo forças para o que eu precisaria

fazer.

— Não há outro jeito — desabafei. — E estou cansado de continuar

no escuro. Sua irmã não poderá voltar ao México enquanto Juana continuar à

solta.

— Mas e se você morrer, carajo? — revoltou-se. — Lis nunca mais

vai se recuperar, não entende isso?

Suspirei, absorvendo suas palavras.


Desde que Lis e eu nos falamos rapidamente através daquela ligação,

há uma semana, não voltamos mais a nos falar. E estava tudo bem, porque eu

entendia que minha garota precisava de tempo.

— Eu quero que fique no comando até eu voltar — declarei,

ignorando o que ele tinha acabado de falar. — Já conversei com os anciãos,

e eles estão de acordo. Haverá votação para um novo líder somente se eu

não retornar dentro do prazo que foi estipulado.

Vi quando seu rosto endureceu com a ideia.

— E que prazo é esse?

Olhei para ele, no mesmo instante que Ryan entrou na sala.

— Não se preocupe com nada agora. — Murmurei, pegando meu

paletó, que estava no encosto da poltrona. — Só cuide dos negócios para

mim enquanto eu estiver fora.

Caminhei na direção do Ryan, que se mantinha em silêncio. Ele não

era um homem de muitas palavras.

— E o que vou dizer quando ela perguntar por você?

Ouvi a voz do Miguel quando toquei na maçaneta da porta de saída.

Era mais do que óbvio que ele se referia a Lis.

Parei e fechei os olhos, enquanto respirava fundo.


— Diga que estou me esforçando pra deixar a casa dela limpa para

que ela possa retornar.

Girei a maçaneta da porta, a abri e saí, tendo a certeza de que Ryan

estaria logo atrás.

***

Eu podia estar tranquilo por fora, mas por dentro, eu estava nervoso
como há muito tempo não ficava.

Não era como se eu estivesse confortável com a ideia de voltar a

rever aquelas pessoas do meu passado, passado este que tinha retornado
para me assombrar. Mas sabia que aquele era o único jeito.

— Não avisou sobre isso aos Fratelli — comentou Ryan. Não foi uma

pergunta.

— Desde quando tenho que contar a eles sobre cada passo meu? —

Rebati, olhando para ele, que estava dirigindo.

Estávamos apenas nós dois no carro, que era dele.

Sua risadinha me surpreendeu, considerando que ele quase não

demonstrava suas emoções.

— Você me lembra muito o seu pai. — Afirmou, fazendo-me arquear

as sobrancelhas. — E sim, eu o conheci na época em que servimos ao

exército. Ele tinha a mesma arrogância que você tem.


Baixei os olhos, encarando minhas próprias mãos.

— Não sou arrogante. Eu apenas confio em minhas habilidades.

— Seu problema é que você nem sempre mede as consequências —

argumentou ele. — Não podemos confiar apenas nos instintos, mexicano. —

Por favor, não cometa os mesmos erros do seu pai.

Olhei para ele.

— É impossível não cometer erros quando nos deixamos dominar

pelas nossas emoções, caçador — murmurei. — Você pode estar pensando

que essa é uma missão suicida — falei —, talvez seja. — Dei de ombros. —

Mas minha prioridade é a segurança da Lis. Nada mais me importa.

— Nem a sua vida?

— Ela é a minha vida, caçador — declarei, sem pestanejar.

Notei um brilho em seus olhos, como se estivesse impressionado.


Porém não disse nada.

O silêncio se manteve por mais um tempo, e só foi quebrado quando

chegamos em frente a uma entrada, barrada por um pequeno portão.

— Chegamos. — Avisou, descendo.

Fiz o mesmo, observando ao redor, sentindo a adrenalina querendo me

dominar.
— A partir do momento que passar por aquele portão, você estará

sozinho, mexicano. — Afirmou Ryan, fazendo-me encará-lo. — Não irei

com você. Minha parte no acordo era essa, trazê-lo até aqui. Agora você está

por conta própria. Tem certeza de que quer continuar?

Fui até ele.

— Desse jeito vai me fazer acreditar que está preocupado comigo,

caçador. — Zombei, enquanto retirava um envelope pardo de dentro do meu

paletó.

— Não seja idiota — fez uma expressão impaciente. — Só estou

deixando as coisas esclarecidas.

Aceitou o envelope, onde continha seu pagamento.

— Agradeço, mas sei cuidar de mim. — Sorri para ele, enquanto

ajeitava a lapela do meu paletó. — E, além disso, esse é o meu passado,

então somente eu poderei resolver as pontas soltas que deixei.

Sacudiu a cabeça, assentindo. Depois, se encaminhou para o carro e o

ligou.

Despediu-se com um aceno sutil, em seguida, fez a volta e acelerou

para longe.

Respirei fundo, me preparando psicologicamente para o que

precisaria enfrentar dali por diante.


Caminhei até o portão de madeira e o abri. O lugar era quase como um

parque ambiental, mas com a diferença de a mata ser totalmente fechada em

ambos os lados, só havia uma estrada para seguir, e bem estreita.

Mesmo sentindo o nervosismo ameaçar me abater, continuei seguindo,

com a certeza de que logo seria surpreendido.

Ryan estava certo em sua preocupação com meu bem-estar, visto que
eu estava prestes a abrir a porta do meu passado, e de um passado que não

terminou bem. Los gitanos (Os ciganos) eram um pequeno grupo de

gangsters que não se fixavam num território por muito tempo, o que tornava

difícil rastreá-los. Por isso pedi a ajuda do Ryan para encontrá-los.

Eles eram a família da Juana.

E, de certa forma, foram a minha por um tempo.

Parei de caminhar no instante que passei a ouvir o som de ruídos na

mata. Semicerrei os olhos, atento a qualquer movimento suspeito. De

repente, me esquivei de uma flexa que foi lançada em minha direção.

— Por favor, não atirem! — Exclamei, rolando pelo chão, mas

tomando o cuidado de mostrar que estava desarmado. — Eu vim em missão

de paz.

Lançaram mais flexas, porém, felizmente, consegui me esquivar de

todas.
Eu estava no chão quando ouvi o som de galope de cavalos.

— Não ouse se levantar, Angel — escutei quando ameacei ficar de pé.


Três cavalos pararam em minha frente, trazendo os três irmãos que

formavam a liderança do pequeno grupo familiar. — Ainda estou tentando

entender o motivo da sua presença aqui, mas meu raciocínio fica muito lento

quando sou dominado pela raiva. E voltar a vê-lo me deixou com muita

raiva, cabrón.

Alonzo, Dario e Berto. Foram os homens que me acolheram quando

fugi de casa em busca de aventuras. Eu era adolescente, então não sabia o


que queria de fato, mas tinha certeza de que não era assumir os negócios do

meu pai.

Foi quando conheci Juana, a garota que me deixou deslumbrado com

sua liberdade em viver tudo o que sentia vontade, algo que eu não tinha com
meu pai. Então, eu e ela começamos um romance puramente proibido e

selvagem; não havia limites para nós dois nem para nossas aventuras. Logo,
fui aceito pela sua família, seus irmãos. Eu me tornei um deles.

Eu era um deles.

Até que precisei ir embora quando soube do sequestro da minha irmã.

— Estou aqui numa missão de paz, Alonzo. — Repeti o que já tinha


dito antes, com as mãos erguidas. — Vim para conversarmos.
Fiquei de pé, ainda mantendo as mãos no alto. Todos os três
apontavam suas armas para mim. Além, é claro, dos homens que estavam

escondidos na mata ao nosso redor.

Alonzo desceu do cavalo, sem desviar os olhos dos meus.

— E por que acha que teríamos alguma coisa para conversar com um

traidor como você? — rugiu a pergunta.

— É muita pretensão sua pensar que aceitaríamos ouvir o que quer


que tenha a nos dizer depois de tantos anos — argumentou Dario, tão irritado

quanto.

— Entendo que estão com raiva de mim por eu ter ido embora daquele

jeito, mas tenho uma explicação — falei, angustiado. — Eu só preciso que


me escutem. E preciso que me ajudem a encontrar Juana.

— Por que quer encontrar nossa irmã? — perguntou Berto, num


rosnado assustador.

— Como ousa vir até nós e ainda mencionar o nome dela? — Sibilou

Alonzo, se aproximando e pressionando o cano da pistola em meu pescoço,


abaixo do queixo. Não me movi. — Você realmente quer morrer. — Não foi

uma pergunta.

— Eu só quero conversar com ela. Só isso — soprei, nervoso. — A

irmã de vocês está descontrolada. Sei que errei, mas preciso consertar meu
erro antes que Juana machuque pessoas inocentes.

— Pessoas inocentes? — foi Berto quem perguntou, estalando os

lábios. — Por acaso está se referindo a sua família? As pessoas pelas quais
você nos trocou?

— Talvez você não saiba, Angel, mas nossa irmã estava grávida

quando você, simplesmente, partiu sem dizer adeus. — Rugiu Alonzo,


fazendo meus olhos se arregalarem. Quando Lis mencionou sobre isso,

semanas atrás, eu não tinha acreditado, porque Juana poderia ter dito
somente para inflamar a raiva da Lis contra mim. — Mas ela perdeu a

criança quando foi atrás de você, pois foi capturada por um grupo rival e a
espancaram. A deixaram para morrer, mas nós a encontramos a tempo. Nossa

irmã nunca mais se recuperou depois do que aconteceu.

Meu coração doeu com aquilo. Nunca quis feri-la. E jamais teria ido

embora se soubesse que Juana estava grávida de um filho meu.

— Na verdade, ela nunca mais foi a mesma depois que conheceu você
— complementou Dario, com ódio escorrendo de seu tom. — Você a

destruiu.

— Você a roubou de nós — rebateu Berto, num rosnado.

— Então se sua intenção, ao vir até nós, fosse para encontrar perdão e

ajuda, se enganou — acrescentou Alonzo, com olhos injetados. — Porque


aqui você terá apenas dor. Você veio para o encontro da sua morte, Angel.

Abri a boca para falar, mas não tive tempo, considerando que fui

atingido com alguns dardos nas costas.

Caí de joelhos, mas sem deixar de encarar os três homens furiosos

diante de mim.

Eu sabia que tinha irritado aquela família quando fui embora sem
olhar para trás, mas não imaginei que houvesse sido naquele nível.

Senti minhas vistas embaçando e meus sentidos se perdendo.

A última imagem que minha mente me presenteou foi o rosto sorridente

da Lis.

Da minha Lis.

Eu tinha feito tudo aquilo pensando nela, para tentar garantir que ela

ficasse bem, mas não deu certo.

E, infelizmente, eu não tinha pensado num plano b.


Capítulo 22

Lis

Uma semana depois

Eu estava com as emoções à flor da pele, enquanto encarava o visor


do celular; tinha acabado de falar com minha mãe. Aparentemente, Miguel

não tinha contado a eles que eu havia descoberto o segredo sobre minhas
origens, então estavam agindo naturalmente.

Decidi me omitir, porque aquele não era um assunto para se tratar pelo

telefone. Além do mais, eu queria conversar com os dois cara a cara;


precisava olhar nos olhos deles para entender o motivo para terem

escondido de mim algo tão sério.

Obviamente que entendia o medo que tiveram de me perder, ainda


mais pelo fato de que, na época em que me encontraram, a mamãe tinha

acabado de perder um bebê. Contudo, ainda era difícil aceitar que me

esconderam a verdade sobre minha história.


Sem forças para resistir, comecei a remexer nas fotos do meu celular

até encontrar a que eu estava procurando... dele.

Angel.

Desde que conversei com ele, dias atrás, depois que Miguel me ligou,

insistindo para falar comigo a respeito do Angel, nós não conversamos mais.

Não por falta de insistência dele, claro. Mas eu ainda não me sentia pronta.

Embora estivesse ardendo de saudades, considerando que eu já estava

na Itália a pouco mais de um mês.

O episódio em que meu irmão se desesperou ao ponto de me pedir

para conversar com seu patrão me deixou assustada, e muito preocupada,

porque percebi que Angel não estava nada bem. E saber disso me deixava

ainda mais culpada, porque compreendia que boa parte desse descontrole
era culpa minha.

Estar ali, na Itália, e na casa que foi dos meus pais, convivendo com

meus irmãos e suas esposas estava me fazendo entender o verdadeiro sentido

da palavra família. Nenhum relacionamento era perfeito, percebi que a

perfeição vinha do amor.

E junto do amor vinha a paciência e a resiliência.

Rossi e Maya tiveram que aprender, juntos, a lidar com os problemas

e todas as mudanças que o relacionamento deles causou em suas vidas.


Beatrice e Manuele tinham uma história linda de amor, que por pouco não foi

encerrada por culpa de pessoas ruins. Porém, ela me contou que ambos

precisaram se adaptar às mudanças do relacionamento, sobretudo, a respeito

da gravidez inesperada.

A bebê deles iluminava a todos sempre que Beatrice vinha para a

fortaleza do Rossi. Nina era uma garotinha adorável.

Luca e Rosa também tiveram que enfrentar muitos obstáculos para

ficarem juntos, o que me deixou com o coração quentinho, pois pude sentir a

força do amor deles.

Quando Simona me contou que era uma princesa de verdade, eu fiquei

espantada. Na verdade, de todas as garotas da casa, ela era a mais

reservada, tal qual, Fillipo. Talvez fosse por isso que os dois eram tão

perfeitos um para o outro, se combinavam em tudo. Além disso, Maya me

confidenciou que Simona não se sentia confortável com o toque masculino,

apenas com o do marido. Esse mero detalhe me deixou ainda mais encantada

com a história do amor dos dois, pois entendi que meu irmão lutou muito
pelo amor e pela confiança da sua amada.

E quando eu olhava para Paola e Mariano, juntos, eu sentia um sorriso

se formar em meus lábios, automaticamente, porque a trajetória dos dois foi


uma das mais difíceis, considerando que Paola lutou contra o amor deles, e
por puro medo de a família não aceitar. E eu a entendi, pois o medo nos

torna refém em vários aspectos.

Ele nos priva da vitória.

E nos priva de vivenciar a felicidade plena.

Soltei um suspiro baixo enquanto deslizava o dedo pelo visor do

celular, sobre a foto do homem que me tinha por completo. Eu o amava tanto

que chegava a doer.

Me coloquei de pé, pois estava na beira da piscina com os pés na

água. Depositei meu celular e óculos sobre a mesinha que tinha ali.

De repente, ouvi os gritos do Luigi, filho da Paola. Quando olhei, o vi

correndo em minha direção, com o cachorro Thor atrás dele. Também pude

ver o Rush, o pequeno cão que foi presente do Rossi ao seu filho Benjamin.

— Corre, Lis — gritou Luigi, entre risos. — Ou o Thor vai te pegar.

Fiquei tão atrapalhada que acabei tropeçando em minhas próprias

pernas quando tentei correr, e isso me fez cair dentro da piscina.

Gritei com o impacto.

Segurei a respiração, e em poucos instantes submergi, tossindo

descontroladamente. Luigi estava rindo, divertindo-se às minhas custas.


— Ah, seu garotinho safado! — exclamei em meu idioma, achando

graça da sua sapequice. Thor estava latindo alto, enquanto rodeava o corpo

do Luigi, seu amigo inseparável.

Nadei até a borda e, com cuidado, consegui puxar Luigi para mim e

trazê-lo para a água junto comigo.

— Ah, Lis! — reclamou quando se afundou na piscina, embora

estivesse rindo. Rosa me contou que, no passado, foi babá dele, e que

durante esse tempo ensinou espanhol ao garoto.

Surpreendendo-nos, Thor também pulou na piscina. Apenas o Rush

que não, pois ainda era muito pequeno e tinha medo.

Luigi e eu começamos a jogar água um no outro, além de nadar para

longe do Thor. Eu não me lembrava da última vez que tinha rido tanto. Era

incrível como, aos olhos de uma criança, a vida se tornava leve e fácil.

Luigi era apenas um garoto de pouco mais de dez anos, mas conseguiu

me fazer sorrir sem o mínimo esforço.

— Ah, mas a festa está muito boa por aqui... — parei ao ouvir a voz

do Luca. Ele estava parado na beirada da piscina, com as mãos nos bolsos.

Seu sorriso resplandecia seu belo rosto. — Banho de piscina com roupa e

tudo? Eu não sabia que esse era um hábito dos mexicanos. — Brincou,

arqueando as sobrancelhas.
Dei uma risadinha.

— Por que não entra para se divertir conosco? — Convidei,

espirrando água nele, que se esquivou.

— É, tio Luca, vem brincar também — complementou Luigi, tão

animado quanto.

Thor ficava saindo da piscina e entrando, todo bobo.

— Não posso. — Afirmou Luca, sorrindo para o menino. — Na

verdade, vim atrás de você, Lis. — Apontou. Quando olhou novamente para

mim, notei a mudança em sua expressão. Foi sutil, mas percebi.

Essa mera percepção me deixou intrigada.

— Aconteceu alguma coisa? — Perguntei, nadando para fora da

piscina. Luca já estava com uma toalha felpuda para me cobrir. — Estou

sentindo você meio tenso.

Negou com a cabeça, mas não me olhou nos olhos.

— Não se preocupe, baixinha — disse, insistindo nesse apelido que

eu odiava. — Só precisamos conversar com você — afirmou. — Venha... —

gesticulou — estão nos esperando.

Mesmo desconfiada, e preocupada, eu o segui.


No caminho, Luca e eu fomos conversando e nos divertindo um com o

outro, considerando que ele gostava de me irritar com suas piadinhas toscas.

Talvez por ser o mais novo da turma, ele fosse o mais brincalhão.

Quando chegamos ao hall, logo paramos de rir assim que avistamos os

outros. Na verdade, meu sorriso desvaneceu no instante que percebi os

rostos sérios e toda a tensão do ambiente.

A água pingava do meu corpo e cabelos, molhando todo o piso abaixo


dos meus pés.

— Vamos esperar você trocar de roupa — comentou Luca, ao meu


lado.

Neguei com a cabeça, sentindo o nervosismo me abater.

— Não! — Ditei, me aproximando dos demais. — O que foi? O que


aconteceu?

— Lis, você vai ficar doente assim — argumentou Mariano. — Por


favor, vá trocar de roupa primeiro.

— Vocês estão me deixando nervosa. — Rebati, passando a toalha no

rosto. — É algo com o Angel? — ninguém disse nada. — Com o Miguel?

Silêncio.

— Rossi... — insisti, olhando para ele. — Você me prometeu —

lembrei-o. — Prometeu que nunca esconderia coisas de mim.


Ficando de pé, ele respirou fundo. Aproximou-se, esfregando meus
ombros e braços, como se quisesse me preparar para o que estava prestes a

dizer.

Meu coração batia tão rápido que fiquei assustada.

— Tudo bem — soprou, parecendo cansado. — Não vamos esconder

nada de você, querida — afirmou. — Queremos que nossa relação seja


firmada na base do amor e, principalmente, da confiança. Certo?

Pisquei, assentindo.

Podia sentir minha respiração irregular, mas me obriguei a me manter


firme.

Rossi se calou por um segundo, pensando no que dizer.

— Há, aproximadamente, uma semana, Angel procurou a família da


Juana, a mulher que sequestrou você.

Arregalei os olhos, espantada demais para conseguir falar qualquer


coisa que fosse.

— A ideia dele, segundo Ryan, o homem que contratamos para

encontrar você, era tentar obter a ajuda daquelas pessoas para frear as ações
da Juana, visto que a mulher ainda não foi encontrada. Angel estava muito

preocupado com o que ela pudesse fazer com você e, com as pessoas de sua
organização.
Eu sentia como se a cor houvesse fugido do meu rosto.

— O-o que aconteceu? — perguntei, mesmo temendo pela resposta.

Rossi permaneceu me olhando, querendo ter certeza de que eu


estivesse bem.

— Ryan disse que Angel não voltou para casa. — Respondeu, fazendo

meu coração se apertar de dor e medo. — Ele teme que algo de ruim possa
ter acontecido, visto que aquelas pessoas estavam com raiva do mexicano.

Coloquei a mão na boca, de modo a abafar o som do choro.

— Não... — gemi, em tom dolorido. — Angel...

Eu deveria ter previsto que seu descontrole emocional o levaria por

esse caminho.

— Vocês acham que... — fui incapaz de concluir o raciocínio.

— Não temos certeza de nada ainda. — Foi Manuele quem respondeu,

se colocando de pé.

— Mas precisávamos te contar, pois sabemos que você o ama, então

você tinha que estar a par do que está acontecendo — declarou Fillipo.

— Nós viajaremos para o México ainda hoje — avisou Rossi. —


Temos que investigar o que aconteceu. Independentemente de qualquer coisa,

Angel é nosso aliado e esteve conosco quando mais precisamos dele.


Mordendo os lábios, para evitar me debulhar em lágrimas, eu sacudi a

cabeça, absorvendo tudo o que tinha acabado de ouvir.

Minha mente estava a mil.

— Eu vou junto — declarei, sem pestanejar.

— Lis... — Luca começou a dizer, mas o cortei:

— Eu ainda estou magoada com ele sim, mas nunca deixei de amá-lo
— afirmei, com a voz embargada. — Angel se descontrola quando se sente

sozinho, e foi justamente isso que aconteceu quando vim para cá. Ele perdeu
o freio. — Funguei, enxugando o rosto. — Preciso estar lá quando vocês o

encontrarem. Preciso que ele me veja. Preciso que ele sinta que eu o amo e
que é só uma questão de tempo para ficarmos bem de novo.

Notei a dureza em suas expressões.

Foi Mariano quem abriu a boca para falar, mas primeiro pigarreou:

— Você precisa estar preparada para o pior, irmã — murmurou, com o

maxilar travado.

A dor ameaçou me esmagar de dentro para fora, mas não me deixei


dominar.

Eu precisava ter esperanças.

— Angel está vivo. — Declarei, fazendo Rossi franzir o cenho.


— Como tem tanta certeza? — Luca quis saber.

— Porque eu o sinto aqui. — Pressionei meu peito, bem no coração.


— Ainda consigo senti-lo.

Fui vencida por uma nova enxurrada de lágrimas que me abateu,

porém, dessa vez, fui amparada por todos eles.

Meus irmãos.

Meus novos protetores.


Capítulo 23

Angel

Eu não fazia ideia de quanto tempo estava ali, nu e pendurado por


correntes que cortavam a pele dos meus pulsos, mas sabia que minha

situação era crítica.

Sempre me questionei sobre quando minha morte chegaria, embora


torcesse para que demorasse, visto que mal tinha sido feliz ao lado da Lis.

Nem cheguei a realizar as promessas que fiz a minha garota.

Entretanto, lá no fundo, eu sabia que monstros como eu não mereciam


a felicidade.

— Por que você foi embora? — perguntou Alonzo, pela milésima vez

desde que aquela maldita tortura começou.

Jogaram um balde de água fria em mim, em seguida, senti o fio

elétrico saindo dos meus testículos e vindo para meu ouvido.

— E-eu já falei... — gemi, me preparando para o que estava por vir

—, minha irmã foi sequestrada, e eu precisava ajudar meu pai a encontrá-la.


— Resposta errada!

Então o choque veio, ainda mais forte indo até o meu dedo do pé. A

água servia para causar uma maior condutividade da eletricidade pelo


corpo.

— Eu acredito que você tenha entrado dentro da nossa família com

algum propósito, Angel — ouvi alguém dizer, mas meu cérebro estava muito
bagunçado para conseguir distinguir qualquer coisa que fosse. — Por que um

homem como você, prestes a se tornar chefe do maior cartel do México,

fugiria de casa e se filiaria a um pequeno grupo de gangsters como o nosso?

Você estava com más intenções, assuma!

Gemi no momento que socaram meu estômago.

— Você usou a nossa irmã, e quando ela não tinha mais serventia, a
abandonou como se a coitadinha não fosse nada. Você nos abandonou como

se nós não fôssemos nada.

Mais golpes.

Um mais agressivo do que o outro.

Eu não falava mais, porque percebi que minhas palavras não tinham

nenhum valor para eles, que já estavam com suas mentes blindadas. Nenhum

deles me ouviria de fato. Suas opiniões sobre mim e meus atos no passado já

haviam sido tomadas.


Só me restava esperar a morte chegar.

Quando aquela sessão de tortura acabou, eles me deixaram sozinho

naquele lugar, que era uma espécie de porão. Havia somente uma janela no

local, onde eu podia ver a mata fechada.

Colocaram uma música altíssima, na intenção de quebrar minha

resistência. Era música, agressões, choques, perguntas, choques, música...

Na verdade, eles queriam me quebrar por completo antes de me matarem.

Eu lutava para continuar mantendo minha mente sã; lutava para

continuar resistindo, pois ansiava voltar a ver a Lis, nem que fosse uma

última vez.

Mas estava difícil.

***

— Você está cansado, Angel. — Murmurou Dario, enquanto

bebericava uma bebida. Ele estava sentado num canto. — Posso ver isso.

Posso ver que está quase desistindo.

Não falei nada.

Na verdade, eu mal tinha forças para abrir a boca.

— Eu vou te dizer o que vai acontecer... — acrescentou ele,

tranquilamente. — Nós vamos te matar e, em seguida, a nossa irmã vai caçar


toda a sua família. Ela vai matar todos que você ama, sabe por quê? Porque

foi isso que você fez com ela.

Minha respiração se tornou ruidosa e eu tentei me soltar, ignorando a

dor que as correntes causavam em minha carne.

— E-eu não sa-sabia que ela estava grávida — soprei, sem voz. —

Nã-não tive a intenção de trair ninguém.

— Para quem não tinha a intenção, você foi bem convincente —

zombou com uma risada amarga. — Você jogou fora a nossa confiança.

Jogou fora a consideração que tínhamos. Nós tínhamos planos, Angel. Planos

maiores.

Não falei nada.

Minhas forças estavam se esvaindo.

Los gitanos eram conhecidos por realizarem pequenos furtos, além de

serem especialistas em sumir com cadáveres. Boa parte das organizações

criminosas procuravam por eles quando queriam desaparecer com corpos e

seus vestígios. Lembrava-me de ter feito muito isso, mesmo não gostando,

visto que tinha saído de casa justamente para me afastar de toda essa merda.

— E-eu não sabia... que ela estava grávida — repeti, sem fôlego.

Podia ver e sentir meu próprio sangue escorrendo em minha pele, além

do vômito por causa das sessões de choque.


— Não acredito em você — alegou, seco. Se colocou de pé. — Não

acredito em você. — Marchou até mim, segurando meu rosto com uma das

mãos. Colou o rosto no meu. — NÃO ACREDITO EM VOCÊ! — berrou em

revolta.

Fui atingido por vários socos no estômago, costela e rosto. Não vi

quando aconteceu, mas acabei perdendo a consciência.

***

Abri os olhos, sentindo um suor frio tomando conta de todo meu

corpo. Eu estava morrendo.

Podia sentir.

Quando uma nova tortura começou, eu já não sentia mais nada. Eles

me batiam e eu não reagia, eles davam choques e meu corpo se dobrava todo

e caía de novo, não saía mais som nenhum.

Eu, finalmente, desejei a morte, porque ansiava que aquele inferno

acabasse de uma vez.

Senti quando me desceram, tiraram as correntes e tentaram me

reanimar.

— Esse filho da puta recebeu alguns dias de tortura e já está todo

arrebentado? Que história é essa? — ouvi um deles dizer, mas meu cérebro

não estava assimilando mais nada direito.


Outro, num acesso de raiva, pegou a pistola, armou e enfiou dentro da

minha boca.

— Acorda, seu pedaço de merda! — rugiu, furioso. — Você não vai

morrer desse jeito.

Nesse momento, houve um estouro, como de uma granada, assustando-

os. Eu estava preso entre a realidade e a inconsciência, mas notei quando um


dos irmãos saiu do porão para verificar o que estava acontecendo no lado de

fora. Foi quando ouvimos troca de tiros.

Não demorou muito e alguém entrou ali, atirando e matando os dois

irmãos que tinham ficado.

Tentei forçar meus olhos a se abrirem, pois queria conseguir focalizar

a pessoa que estava ali e, que, ao que tudo indicava tinha vindo para me
salvar, mas não obtive êxito algum. Eu apenas via borrões.

Como eu estava no chão, a pessoa se aproximou e se inclinou, ficando

sob os calcanhares.

Logo, senti o toque de uma mão quente e macia em meu rosto

ensanguentado.

— Oi, mi bebé — disse, fazendo-me estremecer da cabeça aos pés. —

Sentiu saudades?
Minha respiração engatou quando minha mente entendeu que eu sairia

de uma tortura apenas para entrar em outra.

— Vo-você matou... eles — consegui dizer, apesar da dificuldade. —

Matou seus irmãos.

Ouvi quando estalou os lábios, como se não tivesse feito nada demais.

Sempre desconfiei que Juana tivesse uma veia psicopata.

— Matei — afirmou, sem peso algum. — E matarei qualquer um que


ousar entrar em nosso caminho. Ninguém tem o direito de nos separar, bebé.

— Aproximou o rosto do meu. — E agora que, finalmente, estamos juntos


outra vez, vou cuidar para que nada nos separe de novo.

Não falei nada.

Porque, no fundo, não havia nada para dizer.


Capítulo 24

Lis

Quando desembarcamos no México, a primeira pessoa que vi, ao


descer da aeronave foi Miguel. Ele abriu os braços para me receber no

instante que corri em sua direção, ansiando por seu abraço.

Eu ainda me sentia magoada, mas durante as últimas semanas, ao lado


da minha outra família, entendi muitas coisas. Uma delas, foi que não deve

existir lugar para rancor onde o amor é a base. E a família era a base de
tudo.

— Senti saudades, Lis. — Soprou Miguel, apertando-me um pouco

mais em seus braços fortes. Senti seus beijos em minha cabeça.

Me afastei para poder encarar seus olhos, que só demonstravam amor.


Embora eu houvesse notado quão cansados eles estavam.

— Eu também senti — falei a verdade. Assisti quando pegou minha


mão e a levou aos seus lábios. — Já tem alguma notícia do Angel? —
perguntei, sem esconder a inquietação. Mal consegui dormir desde que

soube, horas atrás, que o homem da minha vida estava correndo perigo.

— Vamos conversar quando chegarmos em casa. — Afirmou,


acariciando meu rosto com carinho. — Estou feliz que esteja aqui. É muito

bom ter você de volta, onde é o seu verdadeiro lugar.

Fui contagiada pelo seu sorriso lindo.

— O lugar da Lis é onde ela queira estar. — Comentou Luca, se

aproximando de nós, juntamente com os outros. — E qual o problema de ela

estar com a família dela?

Miguel fechou a cara na mesma hora.

— Por acaso está dizendo que eu não sou a família dela? — revoltou-

se com Luca.

— Quem insinuou isso primeiro foi você — rugiu de volta, tão

ameaçador quanto. — Não se conforma com o fato de a Lis ter outros

irmãos, além de você. O que foi? Está com medinho de perder o posto de

melhor irmão, hun?

Ergui a mão e pressionei minha têmpora, irritada com a infantilidade

daqueles dois.

— Eu não preciso desse tipo de coisa, porque a Lis sabe do meu valor

e...
— ¡Ya llega! (Já chega!) — gritei, e depois em italiano: —

Abbastanza! — Eu tinha aprendido algumas palavrinhas soltas. — Parecem

duas crianças, poxa! — voltei ao espanhol. — Que coisa chata!

Depois disso, me encaminhei para o carro disponível e, simplesmente,

entrei na parte de trás, batendo a porta com força. Me sentia chateada. Não

queria que meus irmãos criassem nenhum tipo de competitividade pelo meu

amor, porque seria algo injusto.

Todos eles tinham um espaço em meu coração, por igual.

— Me perdoe por isso — disse Rossi, depois que tomou o assento ao

meu lado. Ele estava usando seu rotineiro terno branco. — Luca é desse jeito

mesmo, mas não faz por mal. Ele só é intenso demais, às vezes. — Sorriu,

culpado.

Sorri de volta, mas sem mostrar os dentes. Na verdade, voltar ao

México me deixou ainda mais angustiada, porque sabia que, muito

provavelmente, Angel estava em alguma parte daquele país, e precisando da

nossa ajuda.

— Tudo bem — soprei. — Eu só fico triste, porque todos vocês são

meus irmãos. Todos. E não quero que disputem pelo meu amor nem pela

minha atenção.
Rossi deslizou os dedos em minha bochecha, me oferecendo aquele

olhar caloroso de sempre.

— Eu sei.

Ficamos em silêncio por alguns instantes, esperando Miguel resolver

mais alguns detalhes. Pude ver que os outros se encaminharam para outro

carro, que também estava na pista de pouso.

— Por que você sempre usa terno branco? — perguntei de repente. —

Tenho essa curiosidade.

Me olhou e, em seguida, desviou o olhar para a paisagem fora da

janela.

— Por causa da Bianca. — Respondeu, fazendo meu coração se

apertar um pouco. — Era o preferido dela.

Respirei fundo, esforçando-me para controlar minhas emoções. Ainda

era difícil assimilar o fato de que tive uma gêmea, e que a perdi ainda na

infância.

Incapaz de comentar qualquer coisa que fosse, optei por buscar a mão

do Rossi e entrelaçar nossos dedos. Apertei, querendo que ele entendesse

esse gesto como uma forma de apoio. Eu entendia sua dor. Entendia.

Ambos sorrimos um para o outro.

Um sorriso cúmplice.
Instantes depois, Miguel entrou no carro, no banco da frente; ele ia

dirigir. Além do carro que estaria levando meus outros irmãos, também notei

mais dois carros nos acompanhando, certamente com seguranças.

— Você ainda não me disse se já descobriram algo sobre o paradeiro

do Angel — comentei com Miguel, assim que colocou o carro em

movimento.

— Eu não quero deixá-la preocupada, Lis.

— Mais do que já estou? — rebati, nervosa.

Ouvi seu suspiro.

— Estamos investigando. — Respondeu, me encarando através do

espelho do retrovisor. — Mas prometo que contarei tudo a você, irmã. Não

vou esconder mais nada.

Assenti com a cabeça, me sentindo grata por suas palavras.

***

Ao entrarmos na propriedade do Angel, percebi que a movimentação

estava diferente. Entendi que era meu irmão quem estava no comando ali.

Desci do carro e segui para dentro, consciente de que precisava de um

banho antes de qualquer coisa. Deixei-os e fui direto para o quarto que

ocupei na época em que morei ali. Entretanto, pensei melhor e fui para o

quarto do Angel.
Seu perfume atingiu minhas narinas no instante que abri a porta; meus

olhos nublaram automaticamente, porque a última vez que nos vimos foi

quando brigamos.

Sentindo-me tremer da cabeça aos pés, trilhei o cômodo e segui até a

cama, onde me sentei, observando tudo ao redor, em busca de algum detalhe

de como foram as últimas semanas do Angel sem mim.

Angel não tinha o hábito de dormir muito, então seu quarto estava

sempre muito bem-organizado, considerando que mal o usava. Sem resistir,

estiquei o braço e peguei seu travesseiro, ansiando voltar a sentir seu cheiro.

Foi impossível não chorar nesse momento, pois a saudade apertou forte meu

peito.

Eu o amava demais.

De repente, uma batida na porta fez eu me recompor rapidamente.

— Entre — pedi, deixando meu corpo ereto na cama.

Era Miguel, carregando minha bagagem.

— Imaginei que a encontraria aqui. — Alegou, entrando e fechando a

porta.

Observei quando deixou minhas malas ao lado da cama. Em seguida,

parou e me encarou. Por mais que houvéssemos conversado durante minha


estadia na Itália, eu sabia que não estávamos bem completamente. Ao menos,

não como antes.

— Como você está? — Quis saber, se sentando ao meu lado. — Sei

que essa não é a hora nem o momento, mas... — coçou a garganta, como se

estivesse selecionando as palavras certas para dizer — você gostou da

viagem?

Respirei fundo antes de responder:

— Apesar de ter ido em circunstâncias ruins, eu gostei — falei com

honestidade, visualizando sua expressão entristecida. — Ei?! Não estou


falando isso para te alfinetar, Miguel — busquei sua mão, apertando com a

minha — Independente de qualquer briga ou mágoa, você ainda é meu irmão


e eu te amo. Sempre vou amá-lo, assim como aos nossos pais. — Ele sorriu,

em seguida, beijou minha mão que segurava. — No momento, só me sinto


impotente pela maneira como as coisas terminaram entre mim e Angel, sabe?

Eu fui muito dura com ele, e me arrependo disso. — Minha voz embargou.
— E se eu não voltar a vê-lo? E se eu acabei o perdendo para sempre?

Nunca vou me perdoar pelas palavras cruéis que o desferi naquele dia.

— Você estava com raiva, além de magoada. Não se culpe por ter
agido movida pelas emoções.

Funguei, enxugando as lágrimas grosseiramente.


— Ah, eu não sei — resmunguei. — Você sabe que sou um pouco
ruim.

Ele riu, concordando.

Cutuquei sua cintura, chateada, embora estivesse achando graça


também.

— Você é doce, mas com um toque de acidez, irmã — alegou,


zombeteiro.

Voltei a beliscá-lo, porém dessa vez, ele tentou se esquivar e

acabamos nos deitando, um de frente para o outro. Permanecemos assim por


um tempo.

— Senti falta de você — confessei, emocionada. Miguel sempre foi


meu melhor amigo, meu confidente, meu protetor.

Seu sorriso lindo aqueceu meu peito.

— Eu também. — Beliscou meu nariz.

E nos próximos minutos, narrei a ele todos os acontecimentos que


houve na Itália, tudo o que descobri sobre meu passado e minha verdadeira

origem.

***
No dia seguinte, acordei cedo e tomei um banho longo. Precisava
restabelecer minhas energias, pois sentia que os próximos dias seriam tensos

e agonizantes.

Quando desci, me deparei com todos os meus irmãos reunidos numa

das salas principais da mansão. Notei uma diferença sutil em suas


expressões ao me avistarem.

Foi Miguel quem se atravessou, vindo até mim.

— O que foi? — indaguei, nervosa, porque percebi que tinha


acontecido alguma coisa.

Na noite anterior, ele tinha me dito que todos eles iriam ao tal lugar
que Angel foi, para investigar e tentarem entender o motivo para o sumiço do
meu mexicano.

— Vem aqui, Lis... — segurou-me pelas mãos e me puxou para sentar-


se no sofá, enquanto eu encarava a todos eles.

— O que está acontecendo? Por que estão com essas caras? —


indaguei, desconfiada. — O que tinha no tal lugar?

— Calma, Lis — argumentou Mariano, em timbre engasgado. — Ouça

o que Miguel tem a dizer.

Com o coração aos pulos, voltei a me concentrar no Miguel, que

estava ajoelhado em minha frente. Podia ver o tormento em seus olhos.


— Nós acabamos de voltar do local em que Angel foi — afirmou, me

encarando nos olhos. — Ele não estava lá. — Mordi os lábios, enquanto
sacudia a cabeça.

— Tu-tudo bem — murmurei, engolindo em seco. — Isso não quer

dizer nada... — enxuguei as lágrimas que desceram sem que eu pudesse


conter — Ou melhor, isso diz muito, hun? Significa que Angel está vivo, em

outro lugar.

— Todas as pessoas desse local estavam mortas, Lis — decretou

Miguel, sério. — Desconfiamos que foi aquela mulher fez isso. Havia
correntes sujas de sangue fresco, como se alguém houvesse as usado

recentemente.

— Angel? — minha voz não passou de um sopro de dor.

Assentiu com a cabeça, pesaroso.

— Angel saiu daqui com a intenção de ir falar com a família dela,

esperançoso de que eles pudessem ajudá-lo a frear as ações doentias da irmã


— explicou Rossi. — Acreditamos que as coisas não saíram como

planejado e ele acabou se tornando um refém.

Cobri o rosto com as mãos, quando uma nova enxurrada de lágrimas

me abateu.
— Mas então onde ele está se todos os outros estão mortos? —

indaguei, ainda espantada.

Notei quando Miguel colocou a mão dentro da jaqueta, e retirou um

pedaço de papel de lá.

Entregou a mim:

“O amor e a vingança andam de mãos dadas. Então como você tem

o amor dele, eu terei a minha vingança.”

Um soluço escapou da minha garganta, arrancando o meu ar.

Me coloquei de pé, enquanto lia e relia aquela mensagem.

Comecei a andar de um lado ao outro, absorvendo aquelas palavras.

— Lis?

Li e reli, ignorando meus irmãos.

— Irmã, por favor, fala alguma coisa.

Respirei fundo, me voltando para eles. Enxuguei meu rosto banhado de


lágrimas.

— Ela o está mantendo refém — afirmei, sem um pingo de dúvida. —

Não vai feri-lo, pelo contrário, vai protegê-lo, assim como fez matando os
próprios irmãos. Eles estavam tentando matá-lo, porém, ela o salvou. Juana

ainda é apaixonada pelo Angel. Isso ficou claro como água para mim.
Finalmente entendi que, quando ela me sequestrou, sua intenção era me
colocar contra ele, nos afastar um do outro. E a maldita conseguiu. Odiei-me

por isso.

Meus irmãos ficaram pensativos por um segundo.

— Vou ligar para o Ryan. — Avisou Rossi, pegando o celular. —

Vamos ver o que o caçador consegue descobrir.

Respirei fundo, encarando o papel novamente. Ela tinha escrito as


palavras com sangue, o sangue dele.

Meu coração estava dolorido, entretanto, um sentimento diferente


ardia em meu âmago.

Fúria.

Algo jamais sentido antes.


Capítulo 25

Angel

Quando conheci Juana, ela estava num clube de tiro; eu tinha saído de
casa recentemente, logo que completei dezoito anos. Ansiava aproveitar

minha vida e me aventurar em tudo quanto fosse possível, antes que a


obrigação do cartel me acorrentasse. Então por um longo tempo, Juana

assumiu o papel de minha parceira de loucuras, e foi bom.

Eu não podia ser hipócrita em dizer que não foi, porque nossa história
foi importante em minha trajetória de vida. Mas não ao ponto de eu

abandonar tudo — para sempre — e viver com ela e sua família.

Era consciente de que agi errado, simplesmente desaparecendo do

mapa, contudo, eu conhecia Juana o suficiente para saber que ela não me

deixaria partir.

Ela já tinha dado indícios de sua dependência por mim.

Ali, naquele momento, enquanto eu olhava para ela, me sentia com

remorso por toda dor que a tinha causado. Jamais tive a intenção de entrar
em sua vida para lhe causar mágoas. Eu só queria me afastar do meu pai e da

porra do cartel.

— O que foi, bebé? Por que me olha tanto?

Não fazia ideia de onde estávamos, porque passei um tempo

desacordado, mas eu continuava preso, embora com algemas dessa vez.

Quando voltei a consciência, percebi que meus pulsos feridos haviam

sido enfaixados, além de meus outros ferimentos também terem sido

cuidados.

— Ainda não acredito que você matou seus irmãos — murmurei.

Ela estava ao meu lado, me alimentando com um tipo de sopa; o sabor

era horrível, mas eu fingia gostar. Precisava agir com cautela, até descobrir

seus planos.

— Eles pretendiam matar você. — Disse, dando de ombros. Abri a

boca quando ela me ofereceu outra colherada. — E não tinham esse direito.

— Franziu o cenho, como se estivesse incomodada. — Você é meu, Angel.

Por que é tão difícil de entender isso?

Busquei respirar fundo, embora esse simples ato me fez gemer de dor.

— Puta merda! — exclamei, dolorido.

— Não se esforce tanto — disse ela. — Está com muitos hematomas.


Se levantou, fazendo-me observá-la com atenção.

— Que lugar é esse? — Indaguei, olhando ao redor. Parecia com um

depósito.

— Nosso esconderijo por alguns dias — respondeu, evasiva. —

Depois do que pretendo fazer, nós poderemos partir do México. Poderemos

ir para qualquer lugar.

Minha respiração voltou a se alterar, e meus sentidos se tornaram

alertas.

— E o que você pretende fazer, Juana? O que está tramando?

Ela me olhou, de pé; um sorriso maligno pairava em seus lábios.

Sempre a achei bonita e atraente aos meus olhos.

— Sabe, Angel... — começou a dizer —, eu custei a me reerguer

emocionalmente depois que você foi embora e me deixou com uma criança

na barriga.

— Mas eu não...

— NÃO ME INTERROMPA, PORRA! — berrou, alucinada. Engoli

os xingamentos e baixei a cabeça, buscando me controlar. — Como eu estava

dizendo... — pigarreou — Eu tentei ir atrás de você, mas então fui capturada

pela gangue rival que tínhamos na época e quase morri. Eles me fizeram
perder nosso filho; roubaram de mim a única lembrança que eu tinha de

você.

— Porra! — resmunguei, comovido por ela. Era meu filho também.

— Então meus irmãos cuidaram de mim, e quando me senti forte o

suficiente para lutar sozinha, eu fui embora. Participei de um roubo que me

rendeu um bom dinheiro e ótimos contatos. Comecei a trabalhar para pessoas

influentes, que preferiam manter a discrição. Foi quando nasceu “o


fantasma”. Meu codinome agora. — Sorriu, orgulhosa. — Porém, nunca me

esqueci de você. Eu apenas estava esperando a oportunidade certa.

— Oportunidade certa? — Pisquei. — O que pretende, afinal? Qual

seu propósito em me deixar preso aqui? Serei seu bichinho de estimação

agora?

Deu uma risadinha.

— Oh, não seja lerdo, Angel. — Revirou os olhos com impaciência.

— Já deixei mais do que claro que o amo, embora você não esteja

merecendo meu amor. — Estalou os lábios, frustrada. — Mas entendo que os

homens possuam uma necessidade sexual maior do que a das mulheres, e é

por isso que o perdoo por ter ficado com tantas enquanto esteve longe de

mim. Contudo, sinto que com aquela tal de Lis... — entortou a boca ao

pronunciar o nome dela — é diferente. E sei que enquanto essa garota existir,
você nunca mais vai conseguir olhar para mim como antigamente. Eu não o

terei por completo.

— Juana...

O pavor ficou visível em meus olhos arregalados.

— E eu o quero por completo, Angel — concluiu, ignorando-me. — E

isso só vai acontecer quando aquela garota morrer.

Tentei persuadi-la, mas foi em vão.

— Vou deixá-lo descansar agora. — Declarou, sorrindo.

— Por favor, Juana, deixe a Lis fora di...

Fechou a porta na minha cara.

— JUANA! — berrei, desesperado. — Eu já estou aqui, porra! Você

já tem a mim, carajo. JUANA!

A Lis não...

Minha garota não...

Meus olhos se encheram de lágrimas, enquanto tudo o que eu

conseguia sentir era medo.

E impotência.

***
— Me ajude a sair daqui — pedi ao médico que estava cuidando de

mim. Não fazia ideia de quem era. — Quanto você quer? Posso te pagar o

valor que quiser. Eu posso te deixar um homem rico.

Ele estava me examinando, tratando de todo o estrago que os irmãos

da Juana fizeram em meu corpo.

Minhas dores eram constantes, mas não mais forte do que a que eu
estava sentindo com o medo de perder a Lis. Eu precisava protegê-la.

Precisava mantê-la a salvo da fúria da Juana.

— Sinto muito, senhor — disse, suspirando. — Se eu o ajudar agora,

eu também precisarei fugir. E tenho uma família para cuidar.

Travei o maxilar.

— E não tem medo de mim, filho da puta? — rugi, indignado.

Os olhos do homem se arregalaram.

— Pare de ameaçar o médico, Angel. — Juana entrou no lugar. — Não

adianta oferecer suborno a ele. — Sorriu para mim.

Em seguida, mandou o homem sair. O covarde saiu, praticamente,

correndo.

Bufei, jogando a cabeça para trás, de olhos fechados. Tudo o que


minha mente fazia era pensar na Lis, e no que a louca da Juana pudesse estar

planejando contra ela.


— Por que está tão nervoso? — Intimou ela, chegando mais perto. —

Por acaso está preocupado com alguma coisa? — Insinuou, se sentando em

meu colo, com as pernas abertas. Pegou meus braços algemados e passou

por seu corpo, prendendo-nos um ao outro. Desejei esganá-la naquele exato

momento, mas controlei o ímpeto de lhe fazer mal. — Ou será que está

preocupado com alguém?

Encarei seus olhos com atenção, raciocinando sobre tudo o que

vivemos no passado. Juana sempre foi muito intensa em tudo o que fazia.

— Estou preocupado sim... — soprei, aproximando meu rosto do seu.


Observei quando sua respiração engatou —, mas com você, bebé — falei,

observando suas reações. Minha declaração causou o efeito desejado,


porque seu olhar se tornou derretido. Eu ainda conseguia manipulá-la. —

Não quero que se machuque por minha causa.

— Está preocupado comigo? — perguntou, meio débil.

Sacudi a cabeça e, em seguida, toquei nossos lábios num selinho

delicado.

— E por que não estaria? Você salvou a minha vida. — Sorri. — Você

foi a única mulher que se arriscou por mim.

As mãos dela deslizaram por meu rosto, ainda inchado.


— Sim, eu fui — soprou, orgulhosa. — Porque não existe outra que o
ame mais do que eu. — Me beijou, exigindo minha língua na sua. — Eu me

guardei para você em todos esses anos. Tentei odiá-lo por ter me
abandonado, mas não consegui. Não tem como...

Entreabri minha boca um pouco mais, aceitando quando ela quis

aprofundar o beijo.

— Agora estamos juntos de novo — sussurrei, entre o beijo. —

Somente eu e você, e mais ninguém...

Enquanto a beijava, esforçava-me para me livrar das algemas. Eu


poderia ter feito isso antes, mas precisava ter certeza de que deixaria minha

algoz imobilizada.

Desloquei o dedo, gemendo um pouco por causa da dor e, em seguida,

deslizei a mão para fora da algema. Existiam outras maneiras mais fáceis e,
menos dolorosas de se livrar de algemas, mas aquela foi a única que serviu

no momento.

Rapidamente recoloquei o dedo no lugar.

Quando Juana percebeu que eu tinha conseguido me soltar, tentou sair

do meu colo, mas não permiti; minha mão foi parar em seu pescoço.

— DESGRAÇADO, MENTIROSO! — Rugiu, lutando comigo.


Ela deu um jeito de girar o corpo e enrolar as pernas em meu pescoço,
mas mordi sua coxa o mais forte que consegui, fazendo-a gritar de dor e me

soltar.

Nos rolamos no chão, ambos nos agredindo; Juana era uma excelente

lutadora, além de atiradora. Quando, finalmente, consegui ficar de pé, corri


até a pistola, que ela tinha deixado em cima de uma mesa.

— Não se mova! — Decretei, quando a encarei, ainda no chão. Mágoa

e fúria brilhavam em seus olhos. — Não faça nenhum movimento, porque


não vou hesitar em atirar.

Minha respiração estava ruidosa, e todo meu corpo parecia ter


passado por um triturador. Doía demais.

Lágrimas desciam de seus olhos, conforme encarava os meus.

— Você me traiu — declarou em tom embargado. — Me enganou. Fez


eu acreditar que me queria.

Passei as costas da mão em minha boca e nariz, de modo a enxugar o


sangue que escorria.

— Nada diferente do que eu já não tenha feito antes — aleguei com

indiferença.

Ela soltou um grito frustrado e, descontrolada, marchou até mim. A

fúria estava em cada um dos seus poros; brilhava em seu olhar.


Não tive escolha a não ser bater em sua cabeça com a coronha da

arma; isso fez com que ela caísse, desacordada.

Depois disso, me apoiei na parede ao lado, buscando uma respiração


ofega. Olhei ao redor, forçando minha mente a trabalhar.

Com dificuldade, abri a porta e me esquivei, conforme analisava o


ambiente ao meu redor. Eu não era idiota em não cogitar o fato de que,

provavelmente, Juana não estaria ali comigo sozinha; ninguém trabalhava do


jeito que ela trabalhava sem ter ajuda.

Me escondi atrás de umas caixas, gemendo por causa da dor em meu

corpo. Aguardei o melhor momento e, em seguida, fui me arrastando para


fora daquele lugar, que ainda não fazia ideia de onde era.

Com cuidado, fui me rastejando para não ser visto pelos capangas; vi,
ao menos, uns três. No instante que visualizei a porta, me ergui, espiando

para escolher o melhor momento de atravessar. Entretanto, as coisas saíram


do controle quando fui visto por um deles, então me obriguei a atirar.

Corri, mas senti quando um disparo me atingiu na lateral do corpo.

— Carajo! — Sibilei, enquanto corria sem parar.

A adrenalina estava me dando a força que eu precisava para correr.

Logo, cheguei a uma avenida, cheia de carros e pessoas. Meu coração

batia descompassado, conforme olhava em volta, preocupado que me


capturassem.

Desesperado, e sentindo meu corpo querendo falhar, parei uma pessoa


aleatória e pedi seu telefone. Na verdade, pedir, não foi exatamente o que eu

fiz, já que apenas tomei o aparelho da sua mão.

Rapidamente disquei o número do Miguel.

— Alô. — Atendeu.

— Miguel, sou eu — falei, com a voz falha. Meus olhos continuavam


atentos ao meu redor.

— Angel? Puta que pariu, chefe! Onde você está?

— Presta atenção, vou te falar — murmurei, sem fôlego. — Eu não


estou nada bem, Miguel, então seja rápido — fui honesto.

Então passei o endereço a ele, deixando explícito alguns nomes de

estabelecimentos para facilitar o encontro.

No fundo, eu não me importava com meu bem-estar, apenas com o da

Lis.

Mas eu não poderia cuidar do bem-estar dela estando com o meu


fodido daquele jeito.

Precisava restabelecer minhas forças.

Precisava ficar bem para cuidar da minha garota.


Capítulo 26

Lis

Eu estava descendo as escadas no momento que Miguel falava com


alguém ao telefone. Meu coração parou uma batida quando o ouvi

pronunciando o nome do Angel.

Acelerei os passos, descendo de dois em dois degraus, sentindo a


adrenalina dominando cada um dos meus poros.

— Sim, eu sei onde fica — murmurou Miguel, concentrado no que

Angel dizia do outro lado da linha. Em seguida, mencionou a Praça da


Constituição.

Não pensei nem duas vezes e segui direto para fora.

Ao perceber minha movimentação, Miguel correu atrás de mim, mas

fui mais rápida e peguei seu carro. Na verdade, o único carro disponível no

momento, embora houvesse outros na garagem.

— LIS! LIS! ESPERA, LIS!


Acionei a marcha ré e, em seguida, acelerei para longe. Comecei a

buzinar para que abrissem o portão, porque eu não ia parar. Nada seria

capaz de frear meus instintos naquele momento.

E meus instintos me mandavam ir atrás do Angel. Sentia que ele

precisava de mim.

O portão foi aberto, o que me fez agradecer.

Minhas mãos apertavam o volante com tanta força que meus dedos se

tornaram esbranquiçados. Podia ouvir meus batimentos cardíacos

ensurdecedores aos meus ouvidos, conforme acelerava mais e mais rápido.


Tudo o que minha mente me mostrava era a imagem do Miguel conversando

com Angel pelo telefone, além do desespero na voz do meu irmão. Eu

precisava encontrar o Angel.

Precisava salvá-lo.

Mal dormi nos últimos dias, preocupada demais com o que pudesse

estar acontecendo com ele; fazendo de tudo para continuar mantendo a fé.

Então não, eu não podia ficar em casa, esperando.

Não podia.

***

Levei pelo menos uns trinta minutos para chegar à Praça; com o corpo

tremendo, desci do carro, já sabendo que estava no local certo, devido aos
detalhes que ouvi de Miguel, comentando ao telefone.

— Lis?

Senti um forte arrepio, pois foi impossível não reconhecer o timbre da


sua voz.

Quando me virei para trás, me deparei com Angel perto do carro. Sua

aparência estava assustadora, demonstrando toda sua debilidade. Seu corpo


estava nitidamente desnutrido.

Meus olhos nublaram, e cobri a boca com a mão.

— Oh, meu Deus, Angel! — exclamei, com a voz embargada. — O

que fizeram com você?

Corri até ele, com medo de abraçá-lo, pois temia piorar seu estado

ainda mais.

Fiquei com as mãos espalmadas em seu peito, sem saber para onde

olhar primeiro; ele precisava de atendimento médico urgente.

— O-o que está... fazendo aqui? — indagou, meio débil. Parecia não

estar acreditando que era eu ali.

— Vim por você. — Amparei seu rosto inchado, sentindo meu peito se

apertar com todo o sofrimento que passou. — Eu te amo, Angel.


Seus olhos se umedeceram também, o que me deixou ainda mais

comovida, pois foi difícil ver um homem como ele, sempre tão forte e

destemido, fragilizado daquela forma.

De repente, seu rosto se contorceu levemente, o que me forçou a olhar

para baixo. Foi quando notei o sangue jorrando na lateral do seu corpo, onde

ele apertava com força.

— Puta merda, você levou um tiro?! — exclamei em desespero.

— Não foi nada... — resfolegou quando verifiquei o ferimento por

cima. — Acho que foi de raspão...

Travei o maxilar, presa num misto de revolta e dor.

— Vem... — abri a porta do carro, sentindo meu corpo todo tremendo

— Você precisa de cuidados médicos, urgente.

— O-onde está o Miguel? — perguntou, ainda sem fôlego. — E os

Fratelli? Estão aqui também?

Dei a volta no veículo e me apressei a ligá-lo na ignição.

Suspirei, engatando a primeira marcha.

— Miguel deve estar furioso comigo. — Comentei, mordendo os

lábios. Eu estava me esforçando para continuar sob controle.

— Por quê?
— Porque quando ouvi vocês dois conversando ao telefone, eu me

senti entrando no modo “piloto automático”; então peguei o carro dele e saí

em disparada — expliquei, meio sem fôlego, porque todos os meus sentidos

estavam alterados devido a situação crítica. — E meus outros irmãos não

estavam presentes no momento, mas, muito provavelmente, já devem estar

sabendo. Estão todos no México. — Respondi, acelerando para longe. A

única coisa que me importava no momento era tratar os ferimentos do meu

homem. Meu amor.

— Então quer dizer que... — parou de falar para respirar — você

passou a perna no Miguel? — insinuou, em tom divertido. Embora eu

sentisse sua respiração irregular devido a gravidade dos ferimentos. —

Adoro essas suas nuances, pequeña.

Mesmo séria, por causa de toda preocupação, foi impossível não abrir

um sorriso.

— Nas últimas semanas percebi de onde herdei essa veia corajosa —

comentei, me referindo aos meus irmãos italianos. Olhei para ele, de relance

e o peguei me roubando um olhar também. — Acho que sou tão ruim quanto

eles.

— Não, vo-você não é ruim. E, tampouco, seus irmãos — disse, com

veemência cortante. — Afinal de contas, eles são mi-minha família também,


considerando que Rosa é... casada com Luca, lembra?! — indagou. —

Somos homens du-duros quando necessário, apesar de não gostarmos, mas...

a vida nos obrigou a seguir por esse caminho.

— Eu sei — soprei, nervosa, cada vez que olhava para ele e via seu

estado sofrido.

— Lis... — sua mão buscou pela minha, que estava no câmbio. O


encarei, percebendo sua inquietação — me-me perdoe.

— Não se esforce tanto — pedi, angustiada, e sentindo o engasgo do

choro querendo me dominar.

— E-eu estou bem... — tossiu, jogando a cabeça para trás, no encosto

do banco.

— Não, não está! — Exclamei, sacudindo a cabeça.

— E-eu quase morri, Lis — murmurou, fazendo meu coração em

frangalhos, enquanto me esforçava para continuar firme. — E isso me fez

perceber que... — se calou por um segundo —, e-eu ia morrer sem ter

pedido perdão a você. E isso... estava me corroendo.

— Angel... — peguei sua mão, mantendo um olho na estrada e outro

nele —, está tudo bem. Por favor, não se esforce.

Nervosa, parei num posto de gasolina, onde tinha avistado uma loja de

conveniência. Na verdade, o lugar estava tão decadente que, por um instante,


desconfiei que estivesse abandonado.

Tirei meu cinto.

— Já volto — avisei, apressada. — Vou ver se encontro gelo e

ataduras — falei, agitada. — Depois vou levá-lo direto para um de seus

hospitais.

Me inclinei para ele, que estava cada vez mais pálido e fraco.

— Aguenta firme, por favor. — Beijei seus lábios.

Depois disso, saí do carro e apressei os passos até o estabelecimento


logo a minha frente.

Minutos depois, quando estava saindo, com as sacolas de compra nas


mãos, observei a chegada de um carro preto. A mulher que saiu dele me fez

enxergar vermelho.

Deixei as coisas caírem, conforme marchava para onde ela estava —


atenta ao veículo que Angel estava. A idiota estava tão concentrada em meu

homem, que mal notou minha aproximação.

Angel abriu a porta quando se viu refém dela e sua pistola.

— Pensou mesmo que conseguiria fugir de mim, hun? — rosnou ela.


— Com o rastreador que mandei implantar em sua pele do pulso foi bem
fácil. — Riu, se achando vitoriosa.
— Eu... vou com você. — Arquejou Angel, descendo do carro. — Só
não machuque a Lis.

Nesse momento, me aproximei.

Ao me ver, apontou a pistola em minha direção, porém, a primeira


coisa que fiz foi girar o corpo e segurar sua mão, que segurava a arma, e

comecei a bater sua mão contra a porta do carro, até fazer a pistola voar
longe.

Eu podia ver e ouvir o desespero do Angel com toda aquela confusão,

mas, no fundo, eu estava cega. Não via nada em minha frente, além daquela
mulher.

— Por acaso pensa que pode lutar comigo, vadia? — Sibilou ela,
sorrindo.

Não me preparei para me esquivar do seu golpe quando esticou o


punho, atingindo meu rosto em cheio.

Paola tinha me dado algumas aulinhas no tempo que passei na Itália,

mas era óbvio que eu não havia me tornado especialista.

Travei o maxilar, remexendo-o de um lado ao outro. A filha da puta

tinha uma mão pesada.

— Posso não ser a melhor lutadora de nós duas... — cuspi um pouco


de sangue —, mas tenho um ponto a meu favor — argumentei, resfolegante.
Arqueou as sobrancelhas, arrogante.

— E qual é? — Questionou, puxando uma faca de dentro da sua

botina.

Semicerrei os olhos.

— A raiva — respondi.

Mal terminei de falar e atingi seu abdômen com um chute. Como se


não estivesse acreditando que a acertei, ela me encarou com uma fúria

homicida e veio pra cima de mim com tudo. Meu rosto foi seu alvo, fazendo-
me quase cair, mas me mantive firme no lugar. Segurei sua mão no exato

instante que trouxe a lâmina da faca para meu rosto.

— Acho que está na hora de fazermos uma pequena arte neste rostinho
bonito, hun? — Murmurou, com uma risada ensandecida.

A ponta da faca cortou minha bochecha, e senti o sangue escorrendo


em minha pele.

Naquele momento, estiquei o joelho e voltei a atingir seu estômago

com toda força que pude desferir.

Aproveitei seu desequilíbrio e girei seu pulso forçando ela a jogar a

faca no chão. Em seguida, agarrei seus cabelos e bati seu rosto contra a
lataria do carro.

A pancada a fez cair no chão, desnorteada.


Sorri, enquanto limpava o sangue que escorria da minha boca, nariz e

outras partes do rosto. Tranquila, dei passos até ela, que engatinhava em
direção a pistola.

Chutei a arma para longe de suas mãos gulosas, e me abaixei, sob os

calcanhares. Voltei a agarrar seus cabelos.

Angel mal se aguentava em pé, mas ameaçou se aproximar.

— Não ouse! — avisei, lhe dando um olhar sombrio.

A idiota começou a rir, olhando para o Angel.

— Então é assim? — Gargalhou, apontando. — Ela manda em você?

Trinquei os dentes.

Bati sua cabeça contra o chão, ouvindo o som do seu nariz se


quebrando.

Em seguida, virei seu corpo de barriga para cima e me sentei sobre

ela. Ela tentou lutar comigo, mas, felizmente, eu estava na vantagem.

Não havia mais freio em minhas ações.

Eu queria sangue.

Mais e mais.

E mais.
Minhas mãos doíam de tanto socar seu rosto, entretanto, eu não me

sentia vingada.

Aquela mulher foi a responsável por toda dor que senti nas últimas

semanas, e ainda ousava continuar me subestimando.

Quando me levantei, cambaleando, olhei ao redor a procura da


pistola.

Meu peito subia e descia, conforme a adrenalina corria por minhas


veias.

— Lis... — gemeu Angel, tentando se aproximar, mas sua condição

debilitada não o permitia. Ele estava se apoiando no capô do carro. — Não


faça isso...

De repente, ouvi o som de carros freando bruscamente, além de fortes


batidas de portas.

— LIS! — Era o Miguel.

— Lis, querida, não faça isso — agora era o Rossi. — Não suje suas
mãos assim, irmã.

— Irmã, você não precisa levar essa culpa — soprou Manuele,


cauteloso. — Deixe esse fardo para nós, seus irmãos.

Cada um deles tentou me persuadir a não fazer aquilo, enquanto tudo,

dentro e fora de mim, gritava para eu seguir em frente com minha decisão. O
que eu mais desejava era enfiar uma bala bem no meio da testa daquela filha
da puta.

Destravei a arma e apontei.

— Lis... — chamou Angel, em tom desesperado —, olhe para mim. —


Ergui os olhos para ele, que me encarava com uma mistura de dor e

preocupação. — Vo-você não precisa fazer isso. Nã-não precisa provar nada
a ninguém.

— Você não tem garra, não tem força — sussurrou Juana, tomando

minha atenção para si. Sua voz estava anasalada. Vi quando cuspiu sangue.
— E saiba que nada vai me deter, vadia!

Minha respiração estava tão ruidosa, que eu podia sentir a adrenalina


à flor da pele.

— Angel não merece você. Ele não merece uma garota fraca, sem

pulso firme — continuou dizendo, embora com dificuldade. — Eu vou atrás


de cada um de seus familiares e vou matar to...

Um único disparo silenciou suas palavras.

Para sempre.

— Deveria ter me matado quando teve a chance — resfoleguei. —

Agora, não vai matar mais ninguém, sua desgraçada. — Rosnei, cuspindo
sobre seu corpo imóvel.
Quando olhei para meus irmãos, eles estavam chocados.

Assustados.

Numa mistura de horror e orgulho.

Depois de alguns instantes, se aproximaram e me puxaram para um


abraço. Foi quase um abraço em conjunto.

— Você está bem? — Luca quis saber, analisando meu rosto e corpo.

Assenti com a cabeça, piscando freneticamente.

— LIS! — Me ericei com o desespero presente na voz do Miguel.

Quando me virei para trás, o vi com Angel, que tinha desmaiado. — Ele não
está nada bem.

Meu corpo se amoleceu todo, de pânico.

— Vamos levá-lo ao hospital — pedi, trêmula.

Fillipo e Luca ajudaram Miguel a carregarem Angel até o carro. Os


outros disseram que ficariam ali para resolverem a questão da retirada do
cadáver da Juana, além de verificarem todas as possíveis imagens de

segurança onde eu aparecia atirando a queima roupa na desgraçada. Além, é


claro, de todas as testemunhas.

Embora o lugar estivesse, praticamente, deserto.


Me ajeitei na parte de trás do carro, com a cabeça do Angel apoiada
em meu colo.

As lágrimas deslizaram em minhas bochechas, nublando minha visão

completamente.

Em meu íntimo, apenas o bem-estar dele me importava.

O fato de eu ter atirado naquela mulher era nada perto do medo de


perder o grande e único amor da minha vida.
Capítulo 27

Angel

Abri meus olhos, sentindo cada músculo do meu corpo doer. Minha
mente ainda estava confusa, então demorei um pouco a assimilar o lugar ao

meu redor. Quando virei a cabeça para o lado, me deparei com a Lis,
dormindo, mas, debruçada sobre a maca em que eu estava. Ela, certamente,

ficaria toda dolorida por causa do mal jeito na cadeira.

Meu coração ainda custava a acreditar que ela realmente estava ali.
Em meu íntimo, eu temia acordá-la e descobrir que tudo aquilo não passava

de um sonho.

Tentei me mexer, mas isso acabou a acordando. Seus olhos logo

encontraram os meus e vi um misto de emoções nos seus.

— Oi — soprei, sentindo minha voz arranhar minha garganta.

Seus lábios se distenderam num sorriso tão lindo que eu desejei tê-la
acordado antes se soubesse que isso a faria tão feliz.
— Oi — soprou, emocionada. Buscou minha mão, entrelaçando

nossos dedos. — Como você está? — perguntou, sem esconder o brilho da

euforia em me ver acordado. Notei que seus olhos estavam fundos, o que me

fez deduzir que ela ficou ao meu lado esse tempo todo. — Está sentindo

alguma dor? — Se levantou, abruptamente. Começou a verificar todos os


parâmetros daqueles aparelhos barulhentos. Em seguida, pegou a lanterna do

celular e verificou minhas pupilas.

— Quanto tempo fiquei desacordado? — perguntei, admirando-a com


intensidade, considerando que seu rosto estava tão perto do meu. Seu cheiro

inundou meus sentidos, deixando-me zonzo. — Cadê todo mundo? — me

lembrava de ter visto Miguel e os Fratelli antes de desmaiar.

— Meus irmãos não estão aqui, mas avisaram que mais tarde

voltariam. A segurança lá fora foi bem reforçada, então pode ficar tranquilo.
— Declarou, sorrindo. — Estamos bem — afirmou. — E respondendo à sua

outra pergunta, você ficou desacordado por algumas horas. — Respondeu,

realizando o procedimento de ausculta pulmonar. Ela ficava ainda mais linda

daquele jeito, toda profissional. — Pode inspirar fundo para mim? — pediu,

concentrada no meu peitoral. Eu percebi que estava completamente nu por

baixo daquele lençol fino.

Fiz como pediu, não resistindo ao sorriso que pairou em meus lábios

sem que eu pudesse controlar.


— O que foi? — Indagou, sorrindo também. — Por que está com essa

carinha?

Ampliei o sorriso.

— Você fica tão sexy no modo “doutora”... — aleguei, mordendo os

lábios, enquanto olhava para os seus desejando beijá-los.

Sorrindo, sacudiu a cabeça.

Instantes depois, satisfeita com os resultados, voltou a se sentar.

Porém, antes, arrastou a cadeira para poder ficar mais perto de mim.

O brilho em seu olhar aqueceu meu peito.

— Acho que você não está em condições de ficar alegrinho, hun?! —

insinuou, em tom brincalhão.

Busquei sua mão novamente, trazendo-a aos meus lábios, onde beijei

com cuidado e calma.

— Você realmente está aqui? — perguntei, baixinho. Passeei os olhos

pelo local, finalmente notando que estávamos numa das minhas instalações

médicas. — Ou isso é apenas uma travessura do meu subconsciente? Porque

se for, não quero acordar dessa realidade nunca mais.

— Oh, Angel... — se inclinou e deslizou o nariz no meu —, eu estou

aqui sim. Isso é real.


Acariciei a lateral do seu rosto, inspirando seu cheiro doce.

— Sinto muito — soprei, admirando seus traços. — Por tudo. Tudo

que a fiz passar. Nunca quis magoar você, eu juro.

— Eu sei. — Respondeu, beijando meu ombro. Estávamos com os

rostos bem próximos. — Mas não precisamos falar sobre isso agora —

afirmou. — Primeiro, eu quero ter certeza de que você está bem. Você

chegou aqui bem debilitado, com diversos hematomas internos, além do tiro
que foi de raspão, mas fez um pequeno estrago na pele da sua cintura.

— Eu amo você, Lis — declarei, ignorando suas palavras. — Amo

você, como jamais amei outra mulher — reiterei. — Me perdoe por ter

deixado você descobrir toda essa história daquela maneira, através da boca

da Juana. Eu... sinto muito. Sinto muito... — me calei, enquanto tentava me

sentar, mas a dor me fez frear a tentativa.

— Fique quieto! — exclamou, nervosa. — Você ainda não pode se

sentar — ralhou. — Está tudo bem — afirmou. — Eu estou aqui. — Beijou

meus lábios com carinho. — E não irei a lugar algum. Nunca mais.

— Promete?

Sorriu contra meus lábios.

— Sim, eu prometo.

***
Nas próximas horas, Lis me fez passar por uma série de exames; então

no instante que me vi livre, eu comecei a arrancar todos aqueles fios que

estavam em meu corpo.

— Ei?! — Lis se alterou. — O que está fazendo? — eriçou-se. — Não

pode tirar o acesso, Angel. Não pode sair da cama, droga!

Me sentei, jogando os pés para fora da maca.

— Tenho que sair daqui — falei, suspirando. — Já estou muito tempo

longe de casa, e preciso saber como estão os negócios. Não tenho certeza se

Miguel está conseguindo administrar tudo.

— Ele está mantendo tudo sob controle. — Afirmou ela, se

aproximando e colocando minhas pernas sobre a cama. Fui obrigado a me

deitar novamente, mesmo a contragosto. — Então você pode sossegar essa

bunda aqui, ou vou ser obrigada a algemá-lo. — Na mesma hora que disse

isso, ela arregalou os olhos, parecendo arrependida pelas palavras. — Oh,

meu Deus, me desculpe, Angel, eu não quis...

Ainda era possível ver as marcas em meus pulsos — das correntes e


algemas — devido a todos aqueles dias que estive em cativeiro.

Sorri, levando minha mão ao seu rosto lindo.

— Eu iria adorar ser algemado por você, pequeña — brinquei,

ansioso para tirar aquela tensão do seu rosto.


Suas bochechas se tornaram rubras.

— Bobo — murmurou, envergonhada.

Me ajeitei, afastando-me um pouquinho para o lado.

— Deite-se aqui comigo — pedi.

Minha garota nem hesitou e logo se deitou ao meu lado, ficando de

frente para mim.

— Tem certeza de que não está sentindo dor nessa posição? —

preocupou-se. — Angel, acho melhor eu...

— Shh... — colei o indicador em seus lábios, freando sua tentativa de

se levantar — Pare de tentar fugir da nossa conversa, Lis. — Visualizei a

forma como engoliu com dificuldade.

— Não estou fugindo — defendeu-se, mas senti sua tensão. — Eu só...


— suspirou —, estou com medo.

Levei a mão aos seus cabelos, afastando os fios de seu rosto.

— Medo?

Assentiu com a cabeça.

— Medo de que nosso afastamento possa ter causado rachaduras

irreversíveis em nosso relacionamento — desabafou, sem desviar dos meus

olhos. — Na última vez que nos vimos, eu disse coisas horríveis, Angel, e
me arrependo muito. Eu estava com raiva e magoada, então não medi o peso

das minhas palavras.

— Você estava na sua razão — argumentei, odiando o fato de ela se

sentir culpada. — Eu menti. Escondi segredos de você.

— Mentiu com a intenção de me proteger — afirmou, sem pestanejar.

— E eu deveria ter escutado você.

Franzi o cenho, enquanto continuava acariciando seu rosto de pele


macia. Odiei a pequena cicatriz que ficou em uma parte da sua bochecha.

— Eu não sou um homem de palavras delicadas, Lis — falei,


encarando seus olhos com intensidade. — Não sei como ser romântico, não

sei nem como agir direito, porque estou apaixonado por você. E esse amor,
de certa forma me deixa impotente, pois tudo, dentro e fora de mim, gritam
para mantê-la segura, amada e feliz. Entretanto, nem tudo está nas minhas

mãos. Eu não tenho controle de todas as coisas. — Me calei por um segundo.


— Não me orgulho do que fiz com a Juana — fui sincero. — Nosso

relacionamento nunca teve o mesmo peso para mim como teve para ela,
entretanto, eu não tinha o direito de, simplesmente, abandoná-la. Ela merecia

o meu respeito na época. — Respirei fundo, reorganizando meus


pensamentos. — Só fiquei sabendo da gravidez dela agora; jamais teria

abandonado a criança se soubesse — me calei por um instante, pensativo.


— Sei disso. — Soprou, amparando meu rosto com suas mãos
quentes. — Embora tenha precisado de todo esse tempo para perceber quão

impulsiva eu agi com você — declarou. — Nosso distanciamento me


mostrou que meu coração não funciona direito sem o dono dele, que é você.

Entendi, com a ajuda da minha segunda família, que não há relacionamentos


sem obstáculos; e que estes mesmos obstáculos só podem ser ultrapassados

com o auxílio do amor. — Sorriu. — E eu o amo, Angel. Amo tanto que não
consigo colocar em palavras. Apenas a mera ideia de perdê-lo me fez
ignorar qualquer desentendimento que tivemos, porque são banais perto da

grandeza do sentimento que compartilhamos um com o outro.

Sorri, sentindo meus olhos umedecerem.

— Eu queria ter o poder de impedir que você sofresse — soprei. —


Queria ter o poder de mantê-la longe de tudo que possa manchar a sua luz.

Você está aqui agora, comigo, mas a que custo? — Minha voz embargou,
porque apenas a lembrança do que aconteceu me causava dor. — Sinto tanto,
Lis... sinto tanto por você agora ter que carregar mais uma morte nas costas,

e por minha culpa. — Ela fechou os olhos e colou nossas testas. — Eu sinto
muito mesmo. Não foi justo que você teve que matar a Juana. Não você,

pequeña. Nunca quis envolver você nessa merda.

— A culpa não foi sua. — Afirmou, voltando a me encarar. — Não

era você que estava com o dedo no gatilho. A escolha foi minha, Angel —
declarou, séria. — Eu também não imaginei que fosse capaz de matá-la. —
Suspirou. — Acho que no fim das contas, foi o sangue dos Fratelli, que corre

em minhas veias, que falou mais alto. — Sorriu, fraco.

Não falei nada.

Permanecemos nos encarando por alguns instantes.

— Ambos nos perdoamos? — questionou, brincalhona, quebrando o


silêncio.

Sorri, fungando.

Colei nossas bocas, ansioso para voltar a sentir o sabor de seus


lábios. Quando ouvi seu gemidinho, todo meu corpo estremeceu de luxúria.

Amor.

Saudade.

Devoção.

De repente, uma movimentação no lugar chamou nossa atenção e nos


obrigou a parar o beijo.

— Ora, ora... parece que a bela adormecida finalmente acordou,

pessoal! — exclamou Manuele.

— Será que dá para tirar essas mãos da minha irmã? — Rugiu Miguel,
com uma careta.
— Ela também é nossa irmã, idiota. — Rebateu Luca, fazendo-me

rolar os olhos da sua infantilidade.

Lis deu risada, mas decidiu sair da cama.

Um a um, se aproximou, cumprimentando-me.

— É bom ter você de volta, mexicano. — Disse Rossi com um sorriso


amigável.

Lis estava interagindo com seus irmãos.

— É bom estar de volta. — Falei, sorrindo também, mas olhando para


ela.

Porque ela era a responsável pela minha felicidade.

De repente, Luca se aproximou da cama, me encarando com os olhos


semicerrados.

— Finalmente chegou o momento que eu mais almejei... — sorriu,

feito um maníaco. — Aquele em que você se fode para conquistar o direito


de ficar com a nossa irmã.

— Ei?! — Lis estapeou seu braço, assustando-o. Embora sorrisse para


ela. — Eu não sou uma inválida, viu? Posso muito bem falar por mim

mesma. E saibam que Angel não precisa fazer nada, porque já conquistou
meu coração. Somos um do outro agora. — Me encarou, sorrindo brilhante.
Mariano apoiou a mão em seu ombro, roubando a atenção dela para si.

— Querida, isso não tem nada a ver com o fato de vocês se amarem ou
não, entende?

— Não. — Disse ela, fazendo uma careta fofa. — Não entendo.

— Angel provou que a ama, mas também precisa provar para nós, sua
família italiana, que é capaz de fazer qualquer coisa por você — murmurou

Fillipo. — Temos que ter certeza de que nossa irmãzinha estará em boas
mãos.

Travei o maxilar, incomodado com suas palavras. Como ainda

duvidavam da minha capacidade?

— Isso é ridículo — alegou ela, revoltada com eles.

— É uma tradição da nossa família — ditou Luca.

Lis o encarou, irritada.

— Tradição merda nenhuma. — Rebateu, apontando o indicador para

ele. — Só está insistindo nisso, porque está louco para pagar na mesma
moeda o que Angel fez com você quando foi sua vez de se casar com a Rosa.

Todos riram, inclusive Luca, que não negou a acusação.

Idiota!
— Tudo bem, Lis... — falei, chamando a atenção de todos para mim.
— Depois de tudo o que passei para estar ao seu lado, não vai ser qualquer

teste que vai me tirar do páreo.

Desviei os olhos para o Rossi, que me encarava com uma expressão


de respeito.

— Molto buona! Ci vediamo in Italia per la tua sfida, messicano.


(Muito bem! Nos vemos na Itália para o seu desafio, mexicano.) — declarou

com firmeza.

Assenti.

Ao encarar Lis novamente, a peguei me olhando com preocupação.

Entretanto, para tranquilizá-la, pisquei um olho, o que a fez sorrir.

Era desse jeito que eu a queria, sempre sorrindo.

Não havia nada nem ninguém que pudesse ser capaz de me manter

longe dela. Nem mesmo a porra de um desafio de seus irmãos.

Nenhum maldito obstáculo poderia tirá-la de mim.


Capítulo 28

Lis

Duas semanas depois

Miguel e eu tínhamos acabado de buscar nossos pais no aeroporto; e


foi impossível não se emocionar quando os vi, porque meu coração se

encheu de amor e saudades.

Quando chegamos em casa, chamei os dois para que pudéssemos


conversar na sala. Meus pais me encararam com estranheza, considerando

que minha expressão estava séria.

— O que foi, filha? — perguntou minha mãe, desconfiada. Depois

olhou para o Miguel: — O que está acontecendo, Miguel?

— Vamos apenas conversar, mãe. — Disse ele, beijando a testa dela,

tentando tranquilizá-la.

— Você está muito séria, Lis. — Observou meu pai, tomando seu

assento no sofá.
Optei por ficar de pé, de frente para eles. Miguel também se manteve

de pé, mas ao lado do sofá, com as mãos nos bolsos. Parecia mais nervoso

do que eu.

Encarando os rostos apreensivos dos meus pais, respirei fundo antes

de começar a falar:

— Eu já sei de tudo... — declarei, prestando atenção em suas reações.

Minha mãe piscou, confusa. Ela era linda, apesar da idade. Seus

cabelos iam até o meio das costas, embora naquele momento estivesse

amarrado em um coque apertado.

— Tudo? — indagou.

— Do que está falando, filha? — Quis saber meu pai, coçando sua

cabeça de cabelos brancos. — Você está nos deixando assustados.

Respirei com dificuldade, enquanto olhava para o Miguel, que, num

movimento sutil de cabeça, me incentivou a continuar.

— Estou falando sobre as minhas origens, pai — respondi, notando o

arregalar de seus olhos. — Sei de onde eu vim. Sei que fui adotada por

vocês quando ainda era uma recém-nascida. Sei que o senhor me encontrou

no posto do Corpo de Bombeiros.

Ambos olharam um para o outro, nervosos e preocupados. Em

seguida, olharam para o Miguel, que ergueu as mãos, como se estivesse


dizendo que não havia sido culpa dele.

— Ela descobriu sozinha — disse. De certa forma, não mentiu. —

Não tenho nada a ver com isso.

— A forma como descobri, não importa — murmurei, roubando a

atenção deles novamente para mim. — O importante aqui é a descoberta em

si.

— Filha, nós podemos explicar... — minha mãe se levantou, repleta de

angústia. Me preocupei que sofresse uma síncope.

— Nós não escondemos isso de você para magoá-la, minha querida,


mas porque ficamos com medo — argumentou meu pai, tão nervoso quanto

minha mãe. — Pois, independentemente de qualquer coisa, de ter nosso

sangue ou não, você é a nossa filha, Lis. Eu a amei desde a primeira vez que

a peguei nos meus braços, naquele Corpo de Bombeiros.

— E eu a amei no instante que coloquei meus olhos em você —

acrescentou minha mãe, em tom de voz embargado.

Minhas lágrimas desceram sem que eu pudesse contê-las.

— Eu sei — soprei, emocionada. — Eu descobri a história da minha

origem, mas também descobri que fui agraciada com os melhores pais que o

destino poderia me dar. — Abri os braços para eles. — Amo vocês. —


Chamei Miguel para se juntar a nós. — E tenho orgulho da minha história.
Obrigada. — Beijei os rostos deles. — Obrigada por terem cuidado de mim,

por terem me acolhido. Obrigada por terem me amado.

E entre choro e declarações, nós nos abraçamos. Eu sabia que eles

iriam querer saber de tudo, todas as minhas descobertas, e eu contaria —

ocultando os detalhes sombrios, óbvio.

Um novo ciclo estava se iniciando entre nós.

Porém, com ainda mais amor, respeito e cumplicidade.

***

Angel estava falando com alguém ao telefone quando cheguei na

mansão; assim que seus olhos pousaram em mim, ele desligou a chamada.

Seu olhar acompanhou cada um dos meus movimentos até que eu

estivesse em sua frente. Seus braços enlaçaram minha cintura, e ele colou

nossos corpos, que estavam sedentos um pelo outro.

Sua boca tomou a minha de assalto, e espalmei seu peitoral, gemendo

contra sua boca.

— Eu quero você... — soprei em seus lábios. Desci a boca, lambendo

e mordendo seu queixo. Estávamos em seu escritório.

Deslizando as duas mãos em minhas costas, Angel amassou minhas

nádegas, fazendo-me sentir a protuberância do seu desejo evidente. Desde


que ele saiu do hospital, há quase duas semanas, nós ainda não havíamos

transado, embora houvéssemos trocado carícias mais quentes.

Angel tinha dito que só voltaria a fazer amor comigo depois que
realizasse o tal desafio que meus irmãos estavam tramando. O que,

obviamente, achei ridículo, mas nenhum dos meus argumentos fora suficiente

para fazê-lo mudar de ideia.

— Eu quero você, Angel... — insisti, arrastando a mão para baixo,

entre suas pernas, onde apertei com força calculada.

Seu gemido rouco causou arrepios em todo meu corpo.

— Puta que pariu, Lis! — Mordeu meu pescoço, sugando minha pele

alva.

Gritei no momento que ele me colocou sentada sobre sua mesa,

espalhando algumas coisas que estavam ali em cima.

Mordi os lábios, enquanto o observava afrouxar sua gravata. Angel

sempre me deixava babando por sua beleza máscula.

A luxúria pairava entre nós dois como ondas pesadas, deixando-me

sem fôlego. Apoiei o peso do meu corpo sob ambas as mãos, abrindo bem

minhas pernas, desavergonhadamente. Eu estava de saia, então Angel teria

uma bela visão da minha calcinha vermelha.


Ainda era possível visualizar algumas manchas arroxeadas em sua

pele, do rosto e do restante do corpo, mas sua recuperação estava indo bem.

O que me deixava aliviada demais.

— Assim você acaba comigo, pequeña. — Reclamou, espalmando as

mãos em minhas coxas, arreganhando-me um pouco mais para ele. A maneira

como lambeu os lábios, ao admirar minha intimidade, me fez gemer

baixinho. Desejei me contorcer, louca por qualquer atrito naquele pontinho

que pulsava. — Eu prometi aos seus irmãos que não a tocaria antes de

passar pelo desafio deles... — se inclinou e beijou a pele da minha perna,

estremecendo-me.

De olhos fechados, joguei a cabeça para trás, me perdendo em seu

toque ardente.

— Mas eles não vão saber... — argumentei, arquejando. — Prometo

que não vou falar nada. — Zombei, fazendo-o dar uma risadinha.

O pinicar da sua barba em minha pele me deixou com ainda mais

tesão.

— Eles seriam capazes de arrancar o meu pau. — Falou, entre risos.

Arregalei os olhos na mesma hora e voltei a encará-lo. Me ergui,


enlaçando sua cintura com minhas pernas, querendo-o mais perto do meu

corpo.
— Isso não vai acontecer, porque todos eles sabem o quanto essa

ferramenta masculina pode fazer uma mulher feliz — murmurei, divertida.

Adorei o som da sua risada. — E eles querem a minha felicidade.

Sua mão enrolou meu cabelo, e ele forçou minha cabeça para trás.

— Vou fazer você gozar... — declarou, me encarando com aqueles

olhos escaldantes. Toquei sua língua quando deslizou a sua em meus lábios

entreabertos. Gemi no instante que seus dedos me acariciaram por cima da


calcinha úmida. — Vou te chupar toda, minha pequeña...

Ansiosa, voltei a me deitar, ampliando a abertura das minhas pernas.


Não havia timidez.

Havia apenas aquele tesão desenfreado.

Angel não arrancou minha calcinha vermelha, peça minúscula que eu


tinha escolhido especialmente para provocá-lo, porque ele já tinha me dito

que gostava daquela cor em mim. Ele afastou para o lado e, em seguida,
abocanhou meu clitóris sem qualquer cerimônia; sua boca simplesmente me

comeu como se eu fosse um manjar muito saboroso. Eu podia sentir sua


fome, assim como eu estava faminta.

Suas mãos subiram para apertar meus seios quando ele me viu fazendo
isso; era como se ele se sentisse o único responsável a me dar prazer.
Gritando, arqueei as costas, enlouquecida com a maneira como sua
língua estava me acariciando.

No momento que senti seus dedos me penetrando, em conjunto com sua

língua habilidosa, Angel cobriu minha boca com sua outra mão.

— Eu amo seus gritos, baby, mas se o Miguel ouvir, ele será capaz de

arrombar aquela porta — sussurrou, divertido. Soprou meu amontoado de


nervos, e isso fez com que meus olhos se revirassem nas órbitas. — E nada

vai me impedir de fazê-la gozar na minha boca.

Apertei minhas pernas ao redor de seu pescoço, exigindo mais.

Eu queria mais.

Muito mais.

Mordi sua mão, forçando-o a deixar minha boca livre. Quando me


apoiei sob os cotovelos, o encarei. A visão dele com o rosto escondido entre

minhas pernas foi a gota d’água para meu êxtase.

Joguei a cabeça para trás, em delírio. Girei o quadril, perdida naquele

prazer exorbitante que somente ele era capaz de me causar.

Somente ele.

Meu homem.

Meu amor.
Eu ainda estava aérea, esforçando-me para recuperar meus sentidos
quando senti que Angel colocou alguma coisa em meu dedo.

Piscando, trouxe a mão esquerda diante dos meus olhos e me assustei


com o anel que estava em meu dedo; o objeto carregava uma enorme pedra

de diamante.

Com o peito subindo e descendo, devido a miríade de emoções, eu me


sentei e encarei Angel com os olhos úmidos.

Ele estava com as mãos apoiadas no tampo da mesa, prendendo-me


com seu corpo. Seus lábios estavam inchados e avermelhados.

— Isso é...

— Meu pedido de casamento — completou meu raciocínio, com


timbre nervoso.

Franzi o cenho, pensativa.

— Mas você nem me deixou responder... — murmurei, estalando os


lábios, fingindo frustração.

— Não quer se casar comigo?

Sua expressão de espanto foi tão fofa que desejei encher seu rosto de
beijos.
— É claro que eu quero, seu bobo. — Puxei seu rosto para mim,

beijando sua boca, que ainda estava com meu gosto. — Eu apenas estava
brincando com você. Só estava querendo ver sua cara.

Mordeu meu lábio.

— Ai — reclamei.

— Ultimamente, você anda muito malvada comigo. — Disse, rindo.

Sorri também.

O abracei mais apertado, inspirando seu cheiro, enquanto escondia o


rosto na dobra do seu pescoço.

— Eu amo você, Angel. — Declarei, com intensidade. — Mal posso

esperar para me tornar sua esposa. — Voltei a encarar seus olhos. — Eu


quero ser tudo o que você precisa; sua esposa, parceira, amiga, amante...

Ele tocou meu rosto, admirando meus traços. Ambos estávamos


emocionados.

— Você já é tudo isso e muito mais, minha pequeña. — Afirmou,

enchendo meu coração de calor.

Nos beijamos novamente.

Um beijo com um gostinho de quero mais... e de muitas promessas.


Capítulo 29

Angel

Eu ainda não acreditava que estava prestes a fazer aquilo, entretanto,


sabia que não tinha escolha. Não, se quisesse continuar mantendo a paz na

minha relação com os Fratelli.

Freei o carro no momento que cheguei ao local estabelecido.


Permaneci dentro do veículo por algum tempo, criando coragem para o que

precisaria fazer. Optei por fazer aquela viagem sozinho, justamente pelo
constrangimento, embora soubesse que seria alvo de risadas de qualquer

maneira.

Quando, finalmente, reuni toda a coragem que necessitava para sair do

carro, respirei fundo e peguei o celular. No lado de fora, olhei ao redor,

analisando todos os detalhes da paisagem daquela colina. A voz do Rossi


veio a minha mente, conforme eu me recordava das suas orientações a

respeito do desafio que queriam.

“Você deverá ir até a comuna de Artesina, na província de Cúneo,


na região Piemonte, Itália, e tirar uma foto ao lado do coelho de pelúcia.
Depois disso, envie ela no meu celular.”

Eu não fazia ideia de que nas montanhas do norte da Itália, existia algo

tão estranho e inesperado: um coelho rosa gigante estava deitado em cima de


uma colina. Pela expressão em seu rosto mais parecia que ele houvesse

caído do céu.

Antes de ir para essa loucura, eu tinha pesquisado sobre o bicho:

“Hase” é um bicho de pelúcia de 55 metros de comprimento, criado

pelo Gelitin, um coletivo de arte de Viena. Desde 2005, está no topo da

Colletto Fava, e tem como objetivo, fazer o público se sentir tão pequeno
como Gulliver fez em suas viagens. Feito de tecido e palha, após 5 anos de

costura, tem a previsão de se degradar completamente com a ajuda do tempo

e dos animais, até 2025.

Suspirando, baixei a cabeça, olhando para o visor do celular.

— Isso é fodido demais até mesmo para mim, porra! — Sacudi a

cabeça, sentindo a irritação voltar a me dominar. — Italianos, hijos de puta!

— Rugi, socando a lataria do meu carro.

De olhos fechados, deixei com que meus pensamentos me levassem até


a Lis, a garota que tinha o poder de me dar asas. E por ela, apenas por ela

que eu me submeteria àquela humilhação do caralho.


Cansado de ficar protelando, rumei para o maldito coelho gigante.

Agradeci que não tinha nenhum turista ali, ou, com a raiva que eu estava

seria capaz de meter bala em qualquer um.

Perto do bicho, procurei pela parte em que seria mais fácil de subir e,

em seguida, caminhei sobre a escultura cor de rosa. Decidi me deitar perto

da boca do coelho, esticando o braço o máximo que pude para poder pegar

um melhor ângulo para a foto. Eu estava de terno, o que deixava tudo ainda

mais ridículo, porque destoava do cenário.

Eu, o chefe de um cartel, tirando foto com um coelhinho de pelúcia.

Assim que tirei a porra da foto, me sentei e enviei para o celular do

Rossi.

Me controlei para não mandar um xingamento junto.

Malditos italianos!

Novamente no carro, me preparei para fazer o longo trajeto de volta.

Mas com a certeza de que quando voltasse, não haveria mais empecilhos

entre Lis e eu.

Ela seria minha para sempre.

E por completo.

***
Horas depois, tive minha entrada liberada na mansão dos Fratelli.

Estranhamente, eu me sentia nervoso.

Desci do carro e, quando me preparei para me encaminhar em direção

a entrada, fui presenteado com a visão da Lis, que corria até mim.

Abri os braços para recebê-la.

— Está feito! — Exclamei, beijando sua boca gostosa. Reforcei o

aperto em sua cintura. — Cumpri a porra do desafio — soprei.

— Eu sei. — Deu uma risadinha, enquanto rodeava meu pescoço com

seus braços gulosos. — Você me deixou orgulhosa. E devo admitir que a foto

ficou bem fofa.

Franzi o cenho.

— Você a viu? — indaguei, sem esconder o constrangimento.

Afastei nossos rostos, notando seu olhar desconcertado.

— Não somente eu... — explicou —, mas todos.

Travei o maxilar.

Entrelacei nossas mãos e nos encaminhei para a entrada.

Assim que passei pela porta, meus olhos não perderam o enorme

banner que mandaram fazer da foto que tirei com o maldito urso.

Olhei para Lis, que me oferecia um sorriso sem graça.


— Juro que não tive nada a ver com isso. — Afirmou, dando de

ombros.

— Esse não era o combinado, capo — rosnei para ele, que veio me
receber. Aliás, estavam todos eles ali. — O que essa porra de foto está

fazendo ali?

— Sinto muito, mas não resisti, mexicano — admitiu, sem esconder o

sorriso. Virou-se de lado, apontando para o banner. — Você conseguiu um

ótimo ângulo, hun? Fica bem no rosa. — Zombou, fazendo todos rirem,

menos eu.

— Há-há-há. — Fechei a cara. — Era pra rir?

— Eu achei engraçado, cunhado. — Argumentou Luca, chegando mais

perto. Odiei a expressão de zombaria em seu rosto. — Olha só, será que não

ficará interessante acrescentar essa foto nos convites de casamento? O que

acha, Lis?

— Daqui a pouco, vou procurar a graça na ponta da minha pistola, seu

filho da puta! — Rugi, ameaçando avançar contra ele, mas tive minha
intenção freada pela Lis, que se colocou em minha frente.

— Ei?! — Estava sorrindo. — Não fique zangado com eles. — Beijou

meus lábios, querendo me acalmar.


— Angel Herrera, chefe do maior cartel do México, não resistiu aos

encantos do maior coelho de pelúcia já criado... — insistiu Luca.

Estiquei a perna, tentando acertar um chute nele, mas não consegui por

causa do aperto da Lis em meus braços. O idiota se afastou, rindo.

— Vocês são tão infantis, sabia? — Soou a Rosa, se aproximando.

Nós dois já tínhamos nos encontrado depois de tudo o que aconteceu comigo.
Minha irmã ficou desesperada em saber que quase me perdeu. — Qual o

problema de o Angel ter tirado essa foto? Estou começando a achar que

estão com inveja, porque o tom rosa super combinou com meu irmão.

A risada foi unânime, até mesmo eu achei graça.

A puxei para meus braços, beliscando sua cintura.

— Até você vai zombar de mim, tesoro? — Questionei, apertando-a

em meus braços.

— Não resisti — disse em tom culpado, embora o sorriso ainda

pairasse em seus lábios grossos. Sorri também, beijando sua testa. — Mas

estou orgulhosa de você — repetiu o mesmo que foi dito pela Lis.

— Fizemos essa brincadeira, mas quero que saiba que todos nós

apoiamos o seu casamento com a nossa irmã. — Disse Manuele, com um

sorriso enorme para Lis. — Provou sua lealdade, mexicano.


— E provou que é capaz de dar sua própria vida por ela —

acrescentou Fillipo. — E isso é honroso.

— Há alguns meses, nem sabíamos que Lis existia — murmurou

Mariano —, e quando a encontramos, você deixou claro que ela era sua

prioridade de vida.

— Mesmo com todos os acontecimentos, você não deixou de prezar

pela segurança e bem-estar dela — disse Luca, demonstrando respeito. A


zombaria não estava mais em seu olhar. — Existem coisas que fogem do

nosso controle, então sabemos que tudo o que houve não foi culpa sua, ao
menos, não conscientemente.

— Você sabe que para mim, a família vem acima de tudo... —


mencionou Rossi, chegando mais perto. Sua postura agora era dominante. —

Lis é minha irmã, uma ao qual descobri há pouco tempo. Assim como meus
outros irmãos, ela é preciosa, Angel. Porém, hoje, eu a estou entregando a

você, porque tenho confiança de que irá cuidar muito bem dela. Tão bem
quanto nós cuidaríamos. — Sorriu para a irmã. — Além disso, Lis também

possui um irmão bravo lá no México, que nos prometeu ficar de olho.

Lis deu risada.

— Vocês são doidos demais. — Sacudiu a cabeça.


Sorrindo, soltei o ar, aliviado por, finalmente, ter encerrado aquele
ciclo.

Estiquei a mão ao Rossi, que aceitou e deu um forte aperto. Repeti

esse gesto com os demais, um a um.

— Seja bem-vindo a família, cunhado. — Murmurou Luca, sorrindo.

Fechei a mão em punho e soquei seu peito, fraquinho. Adorava


provocá-lo.

E eu sabia que o sentimento era recíproco.

— Obrigado, cunhado.

Olhei para trás, a procura da Lis, e a encontrei ao meu lado.

Meus olhos brilharam, assim como os seus. Enlacei sua cintura,

enchendo sua boca risonha de beijos.

Dei alguns passos com ela, sem deixar de abraçá-la; quando cheguei

perto do banner com minha foto, peguei um isqueiro do bolso e acendi.

— Oh, Dios mio, Angel! — Assustou-se, em meus braços.

Mas não havia perigo algum, já que o banner estava preso por dois

pequenos ganchos.

O sistema de incêndio da mansão logo foi acionado, molhando todo


mundo, que começou a me xingar.
— Acho que acabei de encontrar aquela graça que eu estava
procurando, seus italianos folgados. — Resmunguei, entre risos.

Os xingamentos aumentaram, e ambos ameaçaram me bater, então corri


com Lis para fora da casa.

Nós dois estávamos com as roupas ensopadas.

Minha garota não parava de rir, o que deixava meu peito aquecido,
considerando que amava o som da sua risada.

Eu passaria por mil mortes apenas para vê-la sorrir para mim.

— Parece que você acabou de estragar tudo com eles. — Alegou,


espalmando meu peitoral com suas mãos delicadas. — Estou achando que

vão desconsiderar tudo o que disseram a você... — brincou, segurando o


riso.

— Então acredito que preciso aproveitar a oportunidade e raptá-la


para mim, hun? — Intimei, beijando o canto dos seus lábios convidativos. —

O que acha de se aventurar comigo, pequeña?

Deslizando as mãos até meu pescoço, ela tocou nossos lábios.

— Com você, eu vou para qualquer lugar — declarou com

intensidade. — Meu paraíso sempre será ao seu lado, Angel.

Não resisti ao desejo de beijá-la.


Éramos duas metades. Entretanto, o encaixe era perfeito.
Capítulo 30

Lis

Dois meses depois

Se me contassem, lá atrás, que eu estaria prestes a me casar com o


homem que me apaixonei à primeira vista, não acreditaria.

Fazendo uma retrospectiva de todos os acontecimentos dos últimos

meses, eu entendia que a felicidade era algo difícil de se esperar entre nós
dois. Nosso amor era algo quase impossível. Quase proibido.

— Você está tão linda vestida de noiva, minha filha — murmurou

minha mãe, enquanto admirava meu reflexo no espelho. — Sempre sonhei

com esse dia. — Abraçou-me por trás, apoiando o queixo em meu ombro. —

O dia em que presenciaria sua felicidade ao se casar com o homem que ama.

Sorrimos uma para outra, através do espelho.

No decorrer das últimas semanas, finalmente aconteceu o encontro dos

dois, pai e mãe, com meus irmãos italianos. Meus pais não eram ingênuos ao

ponto de não saberem que os Fratelli eram homens mafiosos, embora pedi
aos meus irmãos para que não transparecessem nada. Eu não queria trazer

esse lado sombrio para os dois. Ansiava mantê-los numa bolha de luz. Se

dependesse de mim, eles jamais conheceriam a verdade crua, nem mesmo

que eu, a filha amada, tirou a vida de duas pessoas.

— Eu estou muito feliz mesmo. — Soprei, fechando os olhos quando

ela encheu meu pescoço de beijos. Comecei a rir, porque senti cócegas.

Nesse momento, ouvimos batidas na porta do quarto em que

estávamos.

Era a Beatrice com o Luigi, filho da Paola.

O brilho nos olhos dos dois me deixou toda boba.

— Uau! — exclamou Luigi e, em seguida, assoviou. — Eu queria ser o

noivo agora. — Piscou para mim, todo sedutor.

— Luigi! — Beatrice deu um tapinha no braço dele, que riu. Na

verdade, todos rimos.

A loira voltou a me encarar, exalando aquele sorriso lindo. Beatrice

era uma garota maravilhosa, tanto por fora quanto por dentro.

— Viemos buscá-la. — Disse, caminhando até mim. — Seu noivo já

está te esperando no altar. — Segurou minhas mãos nas suas.

— E onde está a pequena Nina? — perguntei da sua garotinha.


— Seja o que Deus quiser, mas a deixei com o pai. — Contou, dando

uma risadinha.

Ri junto com ela.

— Até imagino o desespero do Manuele. — Comentei, cobrindo a

boca com a mão para abafar o riso.

— Ele ficou até duro — acrescentou Luigi, em tom zombeteiro.

A risada foi unânime.

— Ai, ai, esses meus irmãos... — sacudi a cabeça, respirando fundo.

Eu estava nervosa.

Como que sentindo meu nervosismo, minha mãe apertou minha mão.

— Respire, porque você caminhará em direção a sua felicidade,

querida. — Declarou, acariciando minha bochecha. Seu olhar estava tão

acolhedor que me segurei para não chorar. Não poderia, pois borraria toda

minha maquiagem.

Com os três ao meu lado, segui até a porta, onde me deparei com meu

pai no corredor. A maneira como ele me olhou foi tão linda que me obriguei

a respirar profundamente.

— Eu não posso chorar, pai. — Reclamei com ele, que se aproximou

de mim, sorrindo.
— Se quiser chorar, chore, querida. — Beijou minha testa. — Hoje é

o seu dia, então você pode tudo. — Sorriu.

Em seguida, deslizou o dedo em minha bochecha, enxugando uma

única lágrima que deslizou de meus olhos.

Busquei uma respiração funda, antes de grudar o braço no do meu pai.

Juntos, caminhamos para o local da cerimônia.

Optei por me casar no México mesmo, pois, no fim das contas, ali era

a minha casa.

Então, decoramos o jardim da mansão, para que a cerimônia

acontecesse ao ar livre.

Quando meu pai e eu chegamos em frente ao tapete vermelho, que me

levaria até o homem da minha vida, foi impossível esconder o sorriso de

euforia.

Na verdade, era um misto de emoções.

— Está pronta? — perguntou meu pai, exalando felicidade e orgulho.

— Desde que o vi pela primeira vez — respondi, referindo-me ao

Angel.

Então, devagar, nós começamos a caminhar.


Escolhi Luigi como meu pajem, para levar as alianças. Ele estava

lindo, dentro de um terno sob medida. Não havia dúvida de que aquele

menino daria trabalho com as garotas quando se tornasse adulto.

Conforme caminhávamos, eu olhava ao redor, observando os

convidados; estavam todos ali, ao menos, os mais importantes da minha

vida. Alguns amigos da faculdade também.

Quando chegamos ao altar, meu pai beijou minha testa. Depois, olhou

para o Angel, que apertou sua mão e o abraçou de lado.

— Cuida bem dela, rapaz — pediu. — Lis é tudo para nós.

Angel me olhou.

— Pode ficar tranquilo, senhor Pérez — comentou, firme. — Sua filha

é o meu ar.

Mordi os lábios, segurando o desejo de chorar.

Meu pai se afastou, e Luigi se colocou ao lado dos meus irmãos.

Estavam todos no altar improvisado. Do lado contrário, estavam as garotas;

Paola estava, nitidamente, incomodada por ter que usar um vestido social.

Ela odiava esse tipo de roupa.

Me concentrei no Angel, que se aproximou e ergueu meu véu. Seu

olhar era tão brilhante quanto o amor que pairava entre nós como ondas.
— Amor meu... — soprou, acarinhando minha bochecha, enquanto

admirava meus traços. — Conseguiu ficar ainda mais linda.

Sorri, encantada com a devoção que vi presente em seus olhos.

Ele estava usando um terno em tom azul claro, que o deixou com uma

elegância sem tamanho.

Respirando fundo, nós dois olhamos para o reverendo, que nos

encarava com seriedade.

— Estamos todos aqui reunidos para celebrar a união deste casal —

apontou — Angel Herrera, e Lis Pérez — começou a dizer.

Depois de todos os dizeres, que era de praxe, chegou o momento de

recitarmos os votos. Angel foi o primeiro:

— Hoje, estamos iniciando um novo ciclo em nossas vidas, juntos, e

eu te prometo ser fiel na alegria e na tristeza, na riqueza e na pobreza, na

feiura e na beleza... — dei risada, assim como os demais. — Prometo que

vamos continuar tirando fotos juntos, como sempre fizemos, mesmo quando

seus cabelos estiverem completamente brancos e eu já houver me esquecido

do que é ter cabelos. — Gargalhei alto. — Prometo continuar te beijando

apaixonadamente quando já estivermos com a pele enrugada e cheios de


netos dizendo que velho não beija.
Minha risada aumentou e não resisti ao desejo de puxá-lo contra mim

para beijá-lo, ignorando os resmungos do padre que dizia que ainda não era

a hora do beijo.

— Seu bobo — soprei, entre risos. — Bem, seguindo a mesma linha

do humor... — ouvi algumas risadinhas — Angel, meu amor — segurei suas

mãos, olhando em seus olhos emocionados —, hoje, lhe aceito como meu

esposo, e prometo amá-lo para sempre, com toda ternura que existe em meu

coração. Estarei ao seu lado nos momentos alegres e difíceis, estarei ao seu
lado na cama, mesmo quando não restar um centímetro de cobertor em cima

de mim, porque você já puxou tudo. — Brinquei, fazendo-o sorrir. — Quero


que saiba que, não importa pelo que passamos, ou pelo que, provavelmente
iremos passar, estarei lá para ser seu porto seguro, assim como tenho certeza

de que você será o meu.

Pegou minhas mãos e as ergueu até seus lábios, beijando os nós dos

meus dedos.

Luigi se aproximou de nós, com as alianças. Peguei a do Angel, e ele

pegou a minha.

O reverendo ditou as palavras e, em seguida, Angel deslizou a linda


aliança em meu dedo. Pude notar que ele tremia tanto quanto eu.
Na minha vez, deslizei a aliança, recitando as costumeiras palavras de
celebração. No instante que o reverendo nos declarou casados, eu peguei a

mão do Angel, que estava com a aliança, e a pressionei em minha barriga.

Meu coração batia tão descompassado que temi passar mal a qualquer
momento.

— O-o que você... — seus olhos estavam arregalados, enquanto eu


observava a cor fugindo de seu rosto.

Com os olhos úmidos, assenti com a cabeça, emocionada com a

mágica do momento. Eu sabia que não poderia ter escolhido hora melhor
para contar que ele seria pai.

— Sim — respondi sua pergunta muda. — Eu estou grávida. Nós


iremos ter um filho, Angel.

Na mesma hora, ele levou a mão livre até a gravata, afrouxando-a. A


palidez em seu rosto aumentou e, assustando-me, o homem, simplesmente,
desfaleceu aos meus pés.

— Oh, meu Deus, Angel! — Me inclinei, olhando ao redor. — Por


favor, ajudem ele...

Meus irmãos se aproximaram na mesma hora.

— Se eu soubesse que você estava querendo matar o noivo, eu teria


feito o serviço antes, Lis — comentou Luca, em seu modo zombeteiro.
— Luca! — Rosa o estapeou, fazendo-o rir. — Palhaço.

O belisquei também, porque meus pais estavam ali, e eu não queria

que pensassem mal dos meus irmãos.

— Ai, droga! Eu acho que foi um baque pra ele. — Comentei,


preocupada, enquanto me ajoelhava ao seu lado, no chão. — Será que eu

deveria ter contado antes, com mais calma? — Olhei para todos.

— Agora é tarde, Lis. — Argumentou Miguel, sacudindo a cabeça. —

Você acabou de ficar viúva, irmã.

O papai puxou a orelha dele, fazendo-me rir da sua cara de tacho,

apesar de toda tensão.

— Se acalme, querida. — Disse mamãe, deslizando a mão em meu


braço. — Angel apenas ficou emocionado e desmaiou.

— Se já desmaiou com a notícia, imagina quando a criança nascer?!


— comentou Manuele, em tom debochado.

— Você nem ouse fazer graça, porque posso contar as trapalhadas que

você faz no dia a dia com nossa filha. — Murmurou Beatrice, fazendo meu
irmão fechar a cara, sem jeito.

Preocupada, ignorei todos ao redor e me foquei somente no meu


marido. Amparei seu rosto em minhas mãos e comecei a chamá-lo, enquanto

acariciava sua pele com carinho.


— Angel? Angel? Acorde, meu amor...

Instantes depois, seus olhos se abriram; fui a primeira pessoa que ele

enxergou. Piscou um pouco, talvez esforçando-se para entender o que tinha


acontecido.

— Você está bem? — indaguei, nervosa.

Franziu o cenho, se ajeitando para se sentar. Olhou em volta.

— O que houve?

— Você desmaiou feito um maricão, mexicano — murmurou Luca,


divertido.

— Aparentemente, nós descobrimos que você tem um lado mais

amolecido, Angel — acrescentou Fillipo, segurando o riso — Foi isso que


aconteceu.

Mordi os lábios.

— Você acabou de entrar para a turma dos homens sérios,


comprometidos, donos da porra toda, mas que se derretem facilmente quando

o assunto é aqueles sorrisos sem dentes. — Sorriu Rossi, apoiando a mão no


ombro do Angel. — Bem-vindo ao mundo dos pais, Angel. — Deu um

tapinha em seu braço.

Quando meu marido voltou a me encarar, visualizei a umidade em seus

olhos, emocionando os meus. Desde que descobri a gravidez, uma semana


atrás, só contei para a minha mãe e para o Miguel.

— Então... é verdade? — perguntou com a voz embargada.

Assenti com a cabeça, me colocando de pé.

Ainda sentado, ele me puxou pela cintura, escondendo o rosto em

minha barriga plana.

— Eu vou ser pai... — sussurrou, emocionado, beijando minha

barriga.

Acariciei seus cabelos, chorando junto com ele. Eu estava temendo


sua reação, considerando o peso que era nossa realidade. Não seria de se

admirar que um homem como ele, chefe de cartel, não quisesse ter filhos.
Ainda mais com toda aquela história com a Juana.

Segurei sua cabeça, forçando seu olhar no meu, em seguida, me


inclinei para ele.

— Sim, você vai. — Declarei, antes de beijar sua boca. — E nós

seremos felizes, tão felizes quanto merecemos. — Sorri.

O beijei, com ele me abraçando pela cintura com tanto amor e avidez

que meu coração se derreteu todo.

— Obrigado por me amar — soprou ele. — Obrigado por ser a luz na


minha escuridão. E obrigado pelo melhor presente de toda minha vida. — Se

colocou de pé. — Você e esse bebê são meu bálsamo.


Voltamos a nos beijar, tão apaixonadamente quanto nosso coração
exigia.

Éramos um só agora.

Um só coração.

Uma só alma.
Capítulo 31

Angel

Lis deslizou o pé por meu peitoral, subindo até meu rosto, onde
segurei e dei uma leve mordida, fazendo-a gemer baixinho. Estávamos na

banheira do hotel que escolhi para passarmos nossa lua de mel. Optamos por
fazer um pequeno tour pelas ilhas gregas. No momento, estávamos em

Santorini.

— Como está se sentindo? — Perguntou, sorrindo. Eu estava amando


o brilho intenso em seus olhos. — Ainda estou anestesiada com tudo.

— Estou me sentindo vivo. — Respondi, me sentando. — É assim que

você me faz sentir, Lis... — ela também se sentou, abraçando meu pescoço

— Vivo. Feliz.

Sua boca buscou pela minha.

— Também me sinto assim — afirmou contra meus lábios. — Você me


faz sentir forte, como se eu pudesse fazer qualquer coisa. — Sorriu.

— E você pode — concordei.


Então nos beijamos com toda intensidade que nosso amor exigia.

Depois de alguns instantes, pausamos o beijo, mas sem afastar nossas bocas;

era como se quiséssemos eternizar aquele momento.

Era nosso.

Éramos nós dois e mais um.

Eu ainda não tinha parado para administrar a ideia de que seria pai,

muito menos o fato de que estava casado com a Lis.

— Seus irmãos vão me sacanear pelo resto das nossas vidas por causa
do meu desmaio no casamento, né?! — quebrei o silêncio, assim que me

recordei do episódio patético.

Ela riu.

— Pode apostar que vão. — Respondeu, entre risos. — Mas

independente do que houve, eu sei que você é meu super-herói, Angel, e que

estará sempre disposto a nos proteger dos perigos.

— Sim, minha pequeña. — Beijei seu queixo. Ela estava sentada em

meu colo, com ambas as pernas ao meu redor. — Depois que eu e você nos

tornamos “nós”, eu adquiri superpoderes. — Seus olhos azuis brilharam com

uma intensidade que me fez ter a sensação de estar no céu, pronto para um

salto livre de paraquedas.

Me beijou, apaixonada.
— Sei disso — soprou, me apertando um pouco mais. — Inclusive,

estou necessitando do uso de um dos seus superpoderes agora — insinuou,

cheia de malícia, enquanto se esfregava em meu pau enrijecido. — E não me

venha com esse papo de pegar leve, porque o quero com força, Angel. —

Arrastou a língua por meu rosto, seguindo para o pescoço, onde deu leves

mordidas. — Quero senti-lo profundamente dentro de mim, ao ponto de eu


ficar sem ar — sussurrou em meu ouvido.

Meu pau latejou na mesma hora.

— Puta merda, Lis! — Xinguei, travando o maxilar para me controlar.

— Desse jeito você acaba comigo, mulher...

Me levantei da banheira, com ela em meu colo.

Nos levei para o quarto, sem parar de gemer, porque Lis não parava

de falar sacanagens em meu ouvido. Ultimamente, seus hormônios estavam

extremamente intensos por causa da sua gravidez.

Ainda com os corpos molhados, nos ajeitei sobre a cama; minha boca

desceu por cada centímetro da sua pele febril, adorando a maneira como ela

se contorcia toda debaixo de mim.

Quando cheguei em sua barriga, a enchi de beijos lentos.

— Olha só, bebê do pai... — murmurei, concentrado — me perdoe,


mas daqui a pouco vou precisar dar umas cutucadas na sua mãe, então acho
melhor você se defender.

Lis gargalhou alto, se apoiando sob os cotovelos.

— Não tem vergonha de falar essas coisas para o nosso bebê? —

Indagou, entre risos.

Me coloquei entre suas pernas, afundando o rosto em seu amontoado

de nervos, inchado e molhado.

— Não... — dei uma soprada em seu clitóris, adorando o som dos

seus gemidos —, porque ele ou ela tem que aprender a se defender desde o

útero — falei, fazendo sua risada aumentar.

Voltei a subir pelo seu corpo, lambendo toda sua pele úmida.

— Palhaço. — Mordeu meu lábio quando meu rosto pairou sob o seu.

A penetrei numa estocada só, arrancando um gemido de nós dois.

Joguei a cabeça para trás, de olhos fechados, conforme investia

freneticamente contra sua bocetinha apertada; suas mãos arrastaram-se em

minhas costas, arranhando minha pele.

Lis se transformava numa verdadeira leoa durante o sexo; não havia

mais timidez, apenas aquela liberdade deliciosa e satisfatória.

Abocanhei seu mamilo, sugando-o com vontade, sentindo um pouco de

ciúme, pois logo teria que dividir aquela delícia com nosso bebê.
Acelerei os movimentos dos meus quadris, quando senti suas paredes

pélvicas me apertando. Eu sabia que ela estava prestes a gozar, então me

controlaria para que ela gozasse primeiro.

O prazer da minha garota sempre vinha na frente do meu.

Assim que Lis se desmanchou em meus braços, me concentrei em meu

próprio prazer. Escondi o rosto na dobra do seu pescoço e, praticamente,

rosnei um gemido estrangulado no momento que o orgasmo me atingiu.

Fiquei tão mole que me obriguei a cair ao seu lado, na cama.

Exausto. Eu estava exausto

— Mulher, você acaba com minhas energias. — Me queixei, fazendo-a

rir. Se jogou sobre mim, mordendo os lábios de maneira sedutora. — Estou

até sem fôlego — acrescentei.

— Pois pode tratar de se recuperar, porque ainda tenho muito fogo

para ser apagado. — Ditou, ainda rindo.

Fui incapaz de não rir também.

— Fica tranquila que a minha mangueira estará sempre pronta para


você, pequeña — rebati.

Ambos gargalhamos da minha breguice.

***
Eu tinha acabado de desligar o telefone — depois que conversei com

Miguel — quando me virei para voltar ao quarto e me deparei com Lis,

parada nas portas duplas que dava acesso à sacada do quarto em que

estávamos hospedados.

— Acordei você? — Perguntei, caminhando até ela. — Está sentindo

alguma coisa? Algo com o bebê? — Amparei sua barriga, preocupado.

Ainda era cedo para sabermos o sexo.

Olhou para baixo, apertando minhas mãos em sua barriga.

— Não, nós estamos bem. — Tocou meu rosto, acariciando minha

bochecha. — Com quem estava conversando?

— Com o Miguel. — Respondi, entrelaçando seus dedos e a levando

até a balaustrada. A vista do nosso quarto era linda. — Queria saber como
estavam as coisas na minha ausência.

Vi que ela ficou quieta por alguns instantes.

— Já faz algum tempo que quero te fazer um pedido — comentou, mas

não me olhou. Parecia estar escolhendo as palavras certas. — E eu sei que

basta somente uma ordem sua.

— O que foi? — indaguei, nervoso pela tensão que tomou conta de seu

corpo delicado. — Pode falar.

Nesse momento, ela me encarou.


— Eu queria muito que meu irmão saísse da organização — disse,

séria. — Miguel ainda é novo e temo perdê-lo por causa de todos os perigos

que sua profissão oferece.

Suspirei, tocando seu rosto.

— Ah, minha doce pequeña... — estalei os lábios. A puxei para mim,

acariciando seus cabelos. — Pode soar estranho, ou até egoísta da minha

parte, porém, essa é uma decisão que não cabe a mim nem a você... — falei
—, mas, exclusivamente, ao Miguel.

Ela afastou o rosto para poder me encarar nos olhos.

— Então você acha que ele gosta do que faz?

— Você acha que eu gosto do que faço? — rebati sua pergunta com

outra. — Eu mesmo respondo... — continuei — não gosto. Entretanto, se eu


não me sentar naquela cadeira, outro ocupará o lugar, e esse alguém poderá

ser bem pior do que eu.

Minha garota fez um muxoxo, entendendo meu ponto.

— Eu sei que você está pensando no bem-estar do seu irmão e de

todos nós — argumentei, ansioso para tirar aquela sombra do seu rosto. — E
entendo isso. É comovente. — Voltei a acariciar sua bochecha. — Mas assim

como eu, sei que Miguel pensa da mesma forma. Ele sabe da importância do
que fazemos.
Lis me abraçou apertado, suspirando.

— Está bem — desabafou, instantes depois. — Entendi. É uma merda


fodida que não tem como mudar. Seu cargo nos oferece riscos, e entendo que

você não pode abandonar tudo.

— Se isso acontecer, será o mesmo que eu assinar um decreto de

morte para toda família — falei a verdade. Eu queria que ela compreendesse
todos os riscos.

Ela me olhou com olhos tristes.

— Eu sei — soprou.

Permanecemos em silêncio por alguns instantes, apenas nos

admirando.

— De uma coisa eu tenho certeza, Lis — quebrei o silêncio. — Desde


que permaneçamos juntos, tudo vai acabar bem. — Murmurei, sorrindo.

— Não tenho planos de ir para lugar nenhum. — Me beijou, animada.


— Além do mais agora, que tenho uma sementinha do nosso amor sendo

gerada dentro de mim. — Levou minhas mãos até sua barriga plana.

Não falei nada.

Não havia o que dizer, apenas sentir.

E eu jamais fui tão feliz em toda minha vida.


FIM
Epílogo

Lis

Três anos depois

Meu coração estava batendo tão depressa que parecia que meus
músculos estavam tremulando junto. Sonhei tanto com aquele momento que

estava sendo bem difícil assimilar e acreditar que era real.

Nos últimos anos, muita coisa aconteceu, contudo, o amor apenas


aumentou; tanto entre Angel, eu e nosso filho, como também entre o restante

da minha família. Meus irmãos italianos não frequentavam o México com


frequência, considerando seus afazeres, porém, sempre estávamos em

contato por telefone, ou via Skype. Minha conexão com eles só aumentava.

Eu já os amava demais.

Miguel e Luca continuavam com aquelas provocações infantis, sempre

tentando disputar minha atenção, embora, eu desconfiasse que fizessem isso


somente como uma forma de me irritar.
Respirei fundo, sentindo meus olhos úmidos, conforme assistia aos

meus amigos, sendo chamados para receberem seus diplomas. Do palco, eu

podia ver toda minha família: Miguel e meus pais, meus irmãos italianos

com suas esposas, e Angel, com nosso filho nos braços. Quando engravidei,

optei por trancar a faculdade, visto que não conseguiria me doar cem por
cento, nem aos estudos nem a maternidade. Então, retornei assim que meu

bebê completou um ano.

Sorri, quando vi Angel sussurrar alguma coisa no ouvido dele, que


começou a rir e a bater palminhas.

— Formanda, Lis Pérez Herrera. — Minhas emoções se

intensificaram quando ouvi meu nome sendo chamado. Eu havia decidido


manter meu sobrenome de solteira, junto com o que recebi do Angel. Tinha

orgulho das minhas raízes sim, mas também tinha do seio familiar em que fui
criada, amada e feliz.

Emocionada, caminhei pelo palco e peguei meu diploma. O

estardalhaço na plateia, por parte dos meus familiares, foi estrondoso,

fazendo-me sorrir em meio às lágrimas.

Ergui o diploma, oferecendo aquela conquista a cada um deles, a base

de toda minha vida.

***
— Eu já falei isso, mas quero que saiba que sou muito orgulhoso de

você, filha. — Disse meu pai, tão emocionado quanto eu, enquanto me

puxava para um abraço. — Você batalhou e conquistou seus sonhos.

Finalmente se tornou uma médica.

Sorri, encantada com seu carinho.

Minha mãe estava ao nosso lado, nos encarando com aquele brilho

emocionado nos olhos.

A puxei para o abraço também.

— Amo vocês. — Apertei os dois contra mim.

Logo, Miguel se aproximou, me encarando com provocação.

— Então quer dizer que você, finalmente, conquistou o direito de usar

um bisturi? Meu Deus, fico até arrepiado só em pensar... — fingiu

estremecer, zombando.

Dei risada, batendo em seu ombro.

— Pare de palhaçada! — exclamei, rindo.

Ele me puxou para um abraço.

— Hmmm... — funguei seu pescoço — está todo perfumado assim,

por quê? Tem alguma garota na jogada?

Se afastou, achando graça.


— Precisa ter alguma garota para eu cuidar da minha vaidade? —

Rebateu, franzindo o cenho. — Eu, hein...

Arqueei as sobrancelhas.

— Sei... — cruzei os braços para ele — Veja lá, Miguel...

Tivemos nosso momento interrompido pela chegada do Angel, com

nosso filho nos braços. Logo atrás dele, veio Fillipo, Luca e os gêmeos.

Além, é claro, de suas mulheres e filhos. Maya, Beatrice, Paola, Simona e

Rosa estavam lindas; elegantemente vestidas.

— Viemos dar os parabéns para a nova médica da família — disse

Maya, resplandecendo alegria. Ela estava grávida de quatro meses. Meu

coração se enchia de alegria sempre que via sua barriga saliente, porque

soube do seu sofrimento quando teve um aborto no passado. — Você é

motivo de orgulho, irmã. — Eu amava o fato de ela se referir a mim dessa


forma.

Nos abraçamos.

Em seguida, foi a vez de Beatrice, que me apertou, enchendo meu

rosto de beijos. Ela era muito carinhosa. Me inclinei, para ficar da altura da

pequena Nina, que estava cada dia mais parecida com a mãe. Apenas os

olhos que eram do Manuele.


— Oi, linda da tia. — Sorri, deixando um beijo estalado em sua

bochecha rosada. — Está gostando do passeio, hun?

Ela resmungou algo parecido com “está tudo chato”, que fez tanto eu
quanto Beatrice rirmos.

Em seguida, voltei a me colocar de pé a tempo de me deparar com a

aproximação da Simona. Ela tinha um modo de agir mais sutil, porém, não

escondia o prazer em presenciar minha felicidade.

Paola logo se aproximou, sorrindo.

— Agora precisamos retomar nossos treinos. — Mencionou com uma

piscadinha. — Será mais fácil você saber o que fazer quando eu quebrar a

sua cara durante o treinamento — zombou.

— Há-há-há. — Revirei os olhos, embora estivesse sorrindo.

— Parabéns, Lis! — Exclamou ela, abraçando-me rapidamente. Assim

como Simona, Paola não era de muito contato físico. — É uma conquista e

tanto...

— É tão bom saber que tenho uma irmã que puxou meus genes... —

murmurou Luca, exalando aquele ar de arrogância. — Beleza e inteligência...

onde vamos parar, hun?

Gargalhei da sua expressão boba.

— Seu bobo! — O abracei, enchendo seu rosto de beijos.


Mariano e Manuele chegaram mais perto de nós, e Manuele estapeou a

cabeça do Luca, que reclamou.

— Ei?!

— Já falei para você parar de monopolizar nossa irmã! — disse,

sério.

Sorri das suas provocações.

Fiquei entre os gêmeos, agraciada com o amor deles.

— Você é orgulho para nós todos os dias, não somente hoje —

declarou Mariano. — Parabéns, querida.

Afastei-me um pouco, encarando o rosto de ambos.

— Obrigada.

Quando finalmente me aproximei do Angel, nosso filho esticou os

bracinhos para mim, ansiando por meu colo. Meu coração transbordou de

amor.

Santino tinha um pouco dos meus traços, como meus olhos azuis,

entretanto, era mais parecido com Angel. Optamos por esse nome, por ele

ser de origem italiana, mas ser muito conhecido no México.

— Não tenho palavras para dizer quão orgulhoso estou de você,

pequeña — soprou Angel, depois que me entregou nosso filho. Nós nos
olhamos de maneira apaixonada. — Fazê-la feliz sempre será minha

prioridade. Você e ao nosso filho.

Puxei seu rosto para mim, ansiando por sua boca. Eu não cansava de

admirá-lo.

Não me cansava de amá-lo.

— Amo você.

Senti seu sorriso contra meus lábios.

— Eu amo mais — respondeu.

Assim que me afastei, olhei ao redor, procurando pelo meu irmão mais

velho.

— Cadê o Rossi? — Franzi o cenho.

— Precisou sair para atender uma ligação do Daniel Duran —

respondeu Angel, referindo-se ao presidente do moto clube Lobos.

Desde que nos casamos, exigi ao Angel que me deixasse a par de

todas as atividades da sua organização; eu queria saber de tudo, sempre.


Cada detalhe do que fazia ou deixava de fazer, pois desse jeito não seria

pega de surpresa como aconteceu com a Juana.

— Você acha que...

Ele não me deixou concluir a pergunta, pois respondeu antes:


— Sim, ao que tudo indica, encontraram a garota — afirmou.

Pisquei, aturdida.

Há alguns meses, meus irmãos ficaram sabendo de uma espécie de

seita, onde um homem se intitulava santo e, com a ajuda de seus séquitos


sequestrava garotas e crianças para alimentarem seus desejos doentios. E

uma dessas garotas era amiga da Adela, esposa do Daniel, presidente dos
motoqueiros.

Obviamente que, como eram aliados, meus irmãos italianos se

dispuseram a ajudar; entretanto, eu sabia que esse tipo de coisa mexia com
eles por causa do que aconteceu com a Bianca.

E eu os entendia.

— Coitadinha — soprei. — Espero que ela consiga superar todas as

possíveis merdas fodidas que enfrentou nas mãos daqueles doentes.

— Ela vai — disse Angel. — Os lobos vão cuidar dela. — Me beijou.


— Aqueles caras podem ser loucos e sanguinários, mas são intensos quando

o assunto é família. E se eles decidiram adotá-la, pode ter certeza de que a


garota estará segura.

Assenti com a cabeça, enquanto beijava o rosto gordinho do nosso


filho.

Meu coração estava quentinho.


A felicidade irradiava dos meus poros como ondas magnéticas. Meu
filho, meu marido, minha família, minha profissão...

Eu não era ingênua ao ponto de não saber que as coisas nem sempre
seriam flores, mas tinha certeza de que enquanto estivéssemos juntos, tudo

ficaria bem.

Assim que olhei para o lado, visualizei Rossi caminhando em minha


direção; seu semblante estava sério, mas mudou quando encontrou meu olhar;

tornou-se puro acalento.

Nossa conexão era única.

— Me perdoe o pequeno sumiço, querida. — Murmurou, me


abraçando. Em seguida, beijou a cabecinha do sobrinho, em meus braços. —
Mas tive que atender uma ligação importante — explicou, sem querer dar

muitos detalhes.

Sorri para ele.

— Não se preocupe, Angel me contou. — Toquei seu rosto com


carinho. Ele também sorriu, segurando minha mão em seu rosto antes de
beijar a palma.

Observei quando pegou um envelope pardo de dentro do bolso de seu


paletó branco, além de uma pequena caixinha de veludo.
— Isso é para você, irmã. — Entregou-me a caixinha. Nesse momento,

Angel pegou Santino dos meus braços para que eu pudesse abrir o presente.
— Houve um tempo em que deixei de acreditar em Deus, porém, desde a sua

chegada em nossas vidas, Lis, não há um dia que eu não o agradeça pela
dádiva de saber que temos você aqui conosco — declarou, com a voz

carregada de emoção.

Abri a caixinha e senti meus olhos úmidos quando visualizei a


delicada joia. Era uma corrente de ouro, com um pingente no formato de um

estetoscópio, todo cravejado em pedras preciosas.

— Rossi! — Cobri a boca com a mão, surpreendida e emocionada.

Olhei para ele, que me encarava com os olhos encantados. O abracei


apertado. — Obrigada, meu irmão.

— Você é uma garota incrível, que só nos dá orgulho.

Quando nós nos afastamos, ele, finalmente, me entregou o envelope.

— Desde que passei a conviver com você, entendi que não é uma
garota que pode ser comprada. — Argumentou, enquanto eu abria o

envelope. — Pelo contrário, você precisa ser conquistada.

Arquejei quando visualizei o conteúdo do envelope.

— Isso é...
— Um Instituto, aqui no México — foi Angel quem respondeu,

deixando claro que já sabia da surpresa. — Algo totalmente voltado para as


pessoas carentes, com diversas especializações médicas.

— Tomei a liberdade de batizar com o nome da nossa irmã Bianca —


acrescentou Rossi, roubando minha atenção para si outra vez. — Mas o

presente é seu, então tem o direito de administrar o lugar do jeitinho que


quiser.

Mesmo me esforçando para não chorar, perdi a batalha contra as

lágrimas.

Me joguei nos braços do meu irmão, fechando os olhos, enquanto

buscava uma respiração profunda.

— Não vou trocar o nome — afirmei. — Gosto da ideia, porque será


uma forma de ter minha irmã por perto, mesmo não a tendo conhecido —

soprei, emocionada.

Afastei a cabeça.

Rossi arrastou os dedos abaixo dos meus olhos, enxugando minhas

lágrimas.

Em seguida, pegou a corrente de dentro da caixinha e me pediu para

virar, porque queria colocar em meu pescoço.


Depois, voltei a encará-lo, enquanto admirava a delicadeza daquela
peça.

Não era pelo valor, mas pelo significado.

— Parabéns, Lis! — Exclamou, sorrindo todo lindo. — Minha irmã.

Sorri junto com ele.

— Meu irmão.

Voltamos a nos abraçar.

Um abraço repleto de amor, cumplicidade e amizade.

Não havia como eu me sentir mais completa.

FIM
ESCOLHIDA, livro 1 — MC LOBOS

Prólogo

Adela

Alguns anos antes da história dos Anjos

Quando o alarme despertou, eu já estava acordada, embora ainda


continuasse na cama prorrogando o momento de me levantar para mais um

expediente de trabalho. Não que eu estivesse reclamando, mas... eu me sentia


cansada.

Cansada da rotina do meu cotidiano.

Cansada da solidão que se tornaram meus dias.

Com um suspiro, joguei as pernas para fora da cama bagunçada, me

espreguiçando ao esticar os braços para cima. Me coloquei de pé, e me

esquivei de toda bagunça que estava meu apartamento. Minha folga seria

dentro de dois dias, ocasião em que, finalmente, poderia limpar tudo.

Morava em El Paso, Texas, há cinco anos, desde que saí da casa dos

meus pais, em Austin, para viver com meu namorado na época. Nosso
relacionamento terminou, há dois anos, então tive que me virar sozinha.

Obviamente que esse não foi o planejado, considerando que quando

saí de casa almejava viver uma aventura de amor e constituir uma família;
contudo, me sentia uma vitoriosa por manter minhas convicções acima de

qualquer relacionamento. Quando meu ex-namorado Bruce me mostrou sua

verdadeira face, percebi que meu amor por ele não era maior do que meu

amor-próprio. Sendo assim, decidi seguir minha caminhada sozinha.

Sem medo.

Sem culpa.

O horário no relógio marcava quatro da tarde, então dispersei meus

pensamentos aleatórios e me ergui da cama. Precisava me preparar para

trabalhar.

***

Já era início da noite e eu ziguezagueava de um lado ao outro na

lanchonete em que trabalhava como garçonete. O lugar não era tão grande em

se comparando com outros estabelecimentos da cidade, mas era um bom


ambiente de trabalho. O dono era muito generoso. Além de mim, havia outra

garota, mas ela cuidava do caixa. Os outros funcionários ficavam na cozinha.

No geral, o ambiente de trabalho era bem agradável, apesar de alguns

inconvenientes vez ou outra com clientes masculinos. Eu precisava ter todo


um jogo de cintura para driblar as investidas de homens abusados, que se

achavam no direito de me tocarem como se eu fizesse parte do cardápio do

lugar.
— Posso ajudá-los com mais alguma coisa, senhores? — perguntei a

dois homens, utilizando minha postura profissional.

— Posso pedir qualquer coisa? — questionou um deles. O encarei,

arqueando minhas sobrancelhas. O homem era lindo com aqueles cabelos

loiros e barba bem-feita. Os olhos azuis estavam nos meus o tempo todo,

como se estivessem me desafiando a recusar sua cantada.

Tanto ele quanto seu amigo usavam uma jaqueta com uma logo de moto

clube. Deduzi que estivessem de passagem na cidade.

— Qualquer opção que esteja no cardápio, senhor. — Indiquei,

tentando não demonstrar nada, muito menos minha irritação.

Seu amigo deu uma risadinha, mas não disse nada, apenas baixou a

cabeça enquanto continuava bebendo sua cerveja.

— Tem certeza? — insistiu, não se dando por vencido. Ousadamente,


sua mão segurou a minha quando peguei o prato com suas sobras. — Aposto

que vai se divertir muito se me der uma chance, ruivinha — insinuou.

Sem controlar o ímpeto, joguei as sobras contra ele, que se assustou


com meu ato abrupto. Vi o espanto em seus lindos olhos.

— Já disse que não estou a venda — sibilei entre dentes.

Em seguida, virei em meus calcanhares e me afastei.


Sentia-me nervosa, porque se o idiota quisesse fazer uma queixa

contra mim ao meu chefe, certamente, o homem me demitiria, mesmo eu

sendo uma funcionária exemplar. Apesar dessa constatação, eu não estava


arrependida; odiava me sentir como um maldito pedaço de carne.

***

Passava da meia noite quando eu me via caminhando para a parte de

trás do restaurante a fim de levar o lixo; não havia mais ninguém na


lanchonete, apenas eu. Todos já tinham ido embora.

Não era sempre que eu ficava com a responsabilidade de fechar o

estabelecimento, mas naquele dia fui premiada com a honra. Chegava a ter

vontade de rir.

O fundo do lugar dava para um beco estreito e escuro, típico daqueles

de filme de terror. Joguei as sacolas na lata de lixo e, em seguida, me


preparei para entrar, mas fui agarrada por alguém e lançada contra a parede

próxima. Sequer tive tempo de gritar, pois minha boca foi pressionada por

uma enorme mão.

— Promete que não vai gritar? — perguntou num sussurro ameaçador.

Sacudi a cabeça afirmativamente.

Mesmo desconfiado, Bruce afrouxou o aperto de sua mão. Seu corpo

estava pressionando o meu contra a parede, então não havia qualquer chance
de eu escapar de seu jugo.

Meus olhos nublaram pelo pavor da situação. Conhecia meu ex-

namorado e sabia do que ele era capaz.

— O-o que você quer, Bruce? — perguntei com a voz apavorada.

Seus olhos desceram para meus lábios, e uma de suas mãos arrastou-

se por meu corpo, causando-me asco. Sequer conseguia acreditar que um dia

cheguei a ser apaixonada por ele.

— Você, Adela — respondeu, sem pestanejar. — Quantas vezes mais

terei que te dizer isso, hun? — Sua boca desceu para a minha, mas virei o

rosto fazendo com que seus lábios resvalassem em minha bochecha. — Volta

pra mim, bebê...

As lágrimas desceram sem que eu conseguisse controlar. Bruce

começou a beijar meu queixo e pescoço, mesmo eu tentando empurrá-lo para

longe.

— Por que você não entende? — perguntei em meio ao choro.

A fúria em seus olhos me assustou ainda mais fazendo-me engolir em

seco.

— A única coisa que eu entendo é que você é minha, Adela —

declarou em tom de ameaça, me segurando pela cintura e me virando contra

a parede fria. Meu rosto machucou um pouco quando ele pressionou com
força. — Isso não mudou... — ergueu minha saia, mesmo sob meus protestos

— e nem vai mudar.

Prestes a baixar minha calcinha, algo aconteceu e Bruce foi arrancado

para longe de mim.

— Que porra é essa aqui? — Gritou alguém, enquanto eu tentava me

recompor.

— Quem é você, seu filho da puta? — Bruce reagiu, se jogando pra

cima do desconhecido, que caiu depois de levar um golpe no rosto. — Como

ousa se intrometer em algo que não te diz respeito?

Os dois começaram uma briga extremamente agressiva, enquanto eu

continuava ali, sem saber o que fazer e incapaz de reagir. Meus olhos iam de

um lado ao outro, conforme os dois homens se agrediam feito gladiadores.

— Detesto covardia, seu pedaço de merda do caralho! — rosnou o

desconhecido, socando Bruce repetidas vezes. — Não se garante na

conquista; é por isso que precisa pegar a garota a força? Pois vou te mostrar

o que faço com projetos de homens feito você.

Nesse momento, Bruce pegou uma arma e apontou contra o outro.

Cobri o rosto com as duas mãos, assustada com tudo o que estava
presenciando.
— Pois é isso o que eu faço com intrometidos feito você. —

Engatilhou a arma.

O movimento do desconhecido foi tão rápido que até mesmo eu custei

a entender tudo o que aconteceu diante dos meus olhos. Em um minuto, Bruce

estava com a arma, mas no outro, se tornou o alvo.

— Fica em pé, seu filho da puta! — Rugiu para Bruce, que se levantou

devagar. Estava todo ensanguentado. — Poderia meter uma bala na sua


cabeça, aqui e agora. O que acha disso?

— Vá em frente — disse Bruce, tentando não demonstrar medo.


Porém, eu o conhecia. — Mas saiba que nada disso ficará assim. Nada. Você

não sabe com quem está mexendo.

O desconhecido deu uma risadinha baixa e, em seguida, estalou os


lábios.

— Tsc, tsc, tsc... pelo contrário, é você que não sabe com quem está
mexendo. — Atirou, fazendo-me gritar de susto. Quando olhei, a bala tinha

pegado na lixeira ao lado. — O próximo, garanto que não vou errar. —


Ameaçou, voltando a engatilhar a arma. — Agora vaza daqui, caralho!

Eu ainda estava travada no lugar quando observei Bruce se afastar,


mesmo a contragosto. Meu corpo todo tremia, descontroladamente.
— Você está bem? — Me assustei ao som da voz perto de mim.
Mesmo com a pouca iluminação, consegui reconhecer o cara loiro que atendi

mais cedo na lanchonete.

Ergueu as mãos.

— Me perdoe, não quero deixá-la ainda mais assustada. —

Complementou, guardando a arma em sua cintura. — Aquele covarde chegou


a machucar você?

Não consegui encontrar minha voz, então somente neguei com a

cabeça.

Depois disso, me desencostei da parede e rumei para a porta. Parei

quando notei que ele não me seguiria.

— Você não vem?

Fui direto para a cozinha, onde liguei a torneira da pia e lavei meu

rosto e pescoço a fim de acalmar meus ânimos. Mais calma, me virei e me


deparei com meu salvador a poucos centímetros de distância. Era ele

mesmo... o homem que tentou me ganhar na lábia.

— Está ferido. — Comentei, indicando o sangue em seu supercílio e

boca. — Vou umedecer um pano para limpar seus ferimentos — avisei, já me


munindo das coisas que iria precisar. Instantes depois, cheguei mais perto

dele, nervosa com nossa proximidade. Seus olhos não se deixavam dos meus
em nenhum momento, enquanto eu limpava os machucados de seu rosto. Seu
perfume preencheu minhas narinas. — Por que voltou aqui?

— Para me despedir — respondeu, sem desviar dos meus olhos.

Não resisti ao desejo de sorrir.

— Mas nós dois não somos íntimos — rebati, tentando entender sua

lógica.

Engoli uma respiração profunda quando ele ergueu a mão para tocar

meu rosto.

— Sei disso, mas desde que a vi mais cedo, seu rosto não saiu da
minha cabeça um só segundo — confessou, fazendo meu coração bater mais

depressa.

Sem jeito, me afastei e fiquei de costas para ele por alguns instantes.

De repente, me virei e me apoiei na bancada da pia.

— Você não deveria ter feito o que fez — avisei, angustiada pelo
perigo que se colocou por mim. — Aquele homem que você quase matou é

meu ex-namorado, um dos chefes da maior gangue da cidade. Ele é perigoso


e cruel.

Observei o instante em que ele fez uma careta de desgosto.

— Você já foi daquele cara?


Espanto tomou conta do meu rosto.

— Foi só nesse detalhe que prestou atenção? — questionei em

espanto, embora estivesse achando graça.

— O único detalhe que achei pertinente. — Deu de ombros.

Permanecemos nos encarando por algum tempo. As faíscas entre nós


dois eram torturantemente sufocantes, não havia como negar.

— Eu me chamo Adela. Qual é seu nome? — perguntei para quebrar o

silêncio desconcertante.

— Daniel.

Era tão excitante a forma como ele olhava para mim, como se eu fosse

alguma espécie de obra prima, ou comida muito saborosa. Meu estômago se


retorcia todo de ansiedade.

Voltei a me aproximar, dessa vez enrolando seu pescoço com meus


braços.

— Quer me levar para casa, Daniel? — indaguei num sopro, enquanto

encarava seus lábios convidativos. — Depois de tudo o que aconteceu


minutos atrás, você acabou ganhando minha atenção.

Sorrindo, ele não perdeu tempo e colou a boca na minha, fazendo-me


gemer com a maciez dos seus lábios.
***

Mal abri a porta do meu apartamento e já fui prensada contra a


madeira. Todo meu corpo estava acesso por causa do toque daquelas mãos

habilidosas. No fundo, eu sabia que não deveria agir tão


inconsequentemente, levando aquele desconhecido para minha casa, ainda

mais depois de tudo o que houve com Bruce. Mas ignorei todos os malditos
alertas e apenas me deixei levar pelo desejo que vibrava em meu âmago.

Desejo de me sentir amada.

Desejada.

Cuidada de verdade.

Antes mesmo de chegarmos ao meu quarto, nossas roupas já estavam

espalhadas pelo chão.

— Isso, assim... — gemi ensandecida no instante em que ele me jogou

contra a cama e levou o rosto entre minhas pernas para me chupar. — Oh,
puta que pariu! — Comecei a gritar, incapaz de controlar o prazer abundante.
— Ai que delícia...

Meu escândalo pareceu diverti-lo, porque pude ouvir sua risadinha,


que me causou pequenos tremores pelo corpo todo por causa da vibração.

— Tão sensível — murmurou, assim que me desmanchei em sua


língua. Colocou a camisinha e, em seguida, voltou a pairar sob mim subindo
com beijos, levando alguns minutos para acariciar meus seios médios,
lambendo e mordendo meus mamilos tenros. — Mal posso esperar para

observar suas reações quando meu pau estiver todo enterrado em você,
ruivinha.

Desesperada por mais, segurei seu rosto e avancei os lábios nos seus

ansiando por mais de seus beijos.

Abrindo minhas pernas com as suas, me invadiu com uma só estocada

levando-me ao delírio com a sensação quente e deliciosa. Joguei a cabeça


para trás e arqueei as sobrancelhas, sentindo a plenitude do momento; meu

corpo todo parecia estar flutuando.

— Olhe para mim — exigiu, intensificando as estocadas, tornando a


penetração mais profunda. — Quero ver seus olhos enquanto estou fodendo

você. Quero que saiba quem está aqui agora.

Não falei nada, ao invés disso, abracei sua cintura com minhas pernas

e, em seguida, consegui nos rolar na cama de modo a ficar por cima.


Comecei a galopar em seu pau como uma desesperada; suas mãos vieram

para meus seios, apertando-os com pressão calculada. Podia sentir seus
quadris se movimentando junto ao meu, encontrando meus movimentos.

— Gostosa demais. — Sibilou, esmagando meus mamilos em seus

dedos.
Gritei quando um orgasmo arrebatador me derrubou arrancando meu
fôlego e levando consigo todas as minhas forças. Daniel voltou a me colocar

abaixo de seu corpo, intensificando a penetração em busca de sua própria


libertação.

Com mais algumas investidas, seu gemido rouco me fez entender que
também havia gozado arrepiando-me da cabeça aos pés. Foi tão sexy.

Jogou-se ao meu lado.

Mesmo sem fôlego, me remexi para poder encará-lo. O homem era


lindo demais, como uma obra da natureza com todas aquelas tatuagens.

— Tem tempo para um banho? — perguntei, o que o fez me oferecer

um sorriso. Um mero sorriso que aqueceu meu coração completamente.

— Será um prazer, ruivinha. — Se inclinou para me roubar um beijo.

A noite era uma criança.

***

Acordei no dia seguinte com alguém mexendo em meu corpo. Logo,


um sorriso se fez presente em meus lábios quando meu cérebro se recordou
dos momentos quentes que tive com Daniel.

Mordi os lábios quando senti sua mão descendo pelo meu corpo nu,
deslizando-a para baixo, entre minhas pernas.
— Hmmm... que delícia — gemi.

— Concordo — soou a voz que me fez abrir os olhos imediatamente.

— Bruce! — exclamei, assustada. Rolei pela cama, para longe dele.

Acabei caindo no chão, mas consegui me levantar rapidamente. — Como


entrou aqui? — Perguntei, olhando ao redor, tentando entender o que estava
acontecendo. Deduzi que Daniel, homem que foi meu amante por longas
horas atrás, acabou acordando antes de mim e ido embora. Sequer fiquei

surpresa.

Bruce sorriu de lado, dando a volta na cama. Os hematomas em seu


rosto, decorrência das agressões de horas atrás, estavam bem visíveis.

— Não interessa como entrei aqui — rebateu, me encarando com


aquele olhar doentio. — A única coisa que me interessa saber é: quem é o

cara de ontem à noite?

Peguei um lençol para me cobrir.

— Não sei — menti. — Nunca tinha visto ele na vida.

— Mentirosa! — Gritou, agarrando meu braço e me puxando para si.


— Você já deu pra ele? Por isso que ele estava te defendendo daquele jeito?

Comecei a chorar.

— Está me machucando, Bruce, por favor...


— Ah, estou te machucando? — Zombou, me empurrando contra a
cama. — Você ainda não viu nada, vadia. — Levou as mãos ao cinto,

começando a tirá-lo. Meu coração acelerou de pavor.

Desesperada, ameacei escapar, mas suas mãos agarraram minhas


pernas forçando-me a permanecer na cama. Debatendo-me, consegui acertar
um chute em seu rosto, o que fez com que me soltasse.

Livre do seu agarre, consegui me afastar e correr para fora do quarto.

Entretanto, Bruce logo me alcançou. Gritei quando senti suas mãos em minha
cintura, porém, uma delas se fechou em minha boca, calando meu pedido de
socorro.

— Por que a pressa, bebê? — Sussurrou, lambendo minha orelha. —

Sabe que fico doido quando você dá uma de difícil...

As lágrimas nublaram meus olhos e os soluços saíam sem controle.

Sem me dar por vencida, forcei o cotovelo para trás, pressionando sua
costela. Isso o fez afrouxar o aperto e me possibilitou de fugir de seus
braços. Entretanto, voltei a sentir o seu toque em meu braço, porém, consegui

me desvencilhar e isso acabou o desequilibrando, considerando que


escorregou no tapete da sala. Sua queda aconteceu tão abruptamente que
acabei me assustando com o baque.
A princípio, não entendi a cena diante de mim, mas a partir do

momento em que visualizei a mancha de sangue crescendo debaixo da sua


cabeça o pânico me dominou por completo. O desgraçado bateu contra a
quina de um móvel.

— Oh, meu Deus! — Exclamei, correndo para a porta de entrada,


onde fechei na chave. Minha mente estava uma bagunça de sentimentos e

sensações, enquanto tentava processar toda minha realidade naquele


momento.

Mesmo apavorada, voltei para perto do Bruce e me abaixei, apenas


para pressionar o dedo em sua jugular para ter certeza se estava vivo ou não.

Morto.

Ele estava morto.

Droga! Droga! Droga!

Corri para o quarto, peguei uma mala e abri meu guarda-roupas. Em


seguida, comecei a reunir todas as minhas coisas jogando tudo dentro da
mala.

Mas a quem eu estava tentando enganar? Eu jamais conseguiria sair

viva daquela cidade. Não depois de ter matado um dos líderes da maior
gangue da região. Eles me caçariam até a morte.
Essa constatação exauriu todas as minhas forças e coragem. Me vi de

mãos atadas.

Deixei-me cair contra a cama, permitindo que o choro me dominasse.


Não havia saída. Eu estava perdida.

Como poderia ter saído de uma noite maravilhosa para uma manhã tão
aterrorizante?

Deitada na cama, meus olhos se detiveram no armário de cabeceira.


Na verdade, num pequeno pedaço de papel que estava em cima dele.
Pisquei, enxugando as lágrimas do meu rosto, grosseiramente, com as costas
da mão. Me sentei e peguei o papel. Era um bilhete do Daniel.

“Me perdoe por sair desse jeito, mas não quis acordá-la. Esse é

meu telefone se acaso quiser me ver de novo, ruivinha.”

Li a mensagem repetidas vezes, juntamente com seu número de


telefone.

Com mãos tremulas, peguei meu celular e digitei seu número.

— Alô. — Atendeu no segundo toque.

Respirei fundo, tentando engolir o choro.

— Alô, Daniel?

— Sim, sou eu. Quem está falando? — perguntou com desconfiança.


— Adela — respondi, já aos prantos. — Me-me desculpa te ligar

assim... ma-mas, estou desesperada — não fazia ideia se ele estava


conseguindo me entender. — Por acaso, vo-você já saiu da cidade?

— Se acalme, querida, e me explique o que está acontecendo com


você. Por que está chorando?

Solucei alto, tentando apagar a imagem do Bruce da minha mente.

— Será que... vo-você pode vir até minha ca-casa? — perguntei. —


Estou pre-precisando de ajuda. É urgente, Daniel. Por-por favor... —
implorei, desesperada.

— Estou indo — disse, sem pestanejar. Em seguida, desligou.

Joguei o telefone contra o colchão e puxei o lençol para mim,

cobrindo meu corpo com ele. Queria ter o poder de apagar toda aquela
merda. Queria poder esquecer tudo o que aconteceu.

Queria esquecer que, naquele momento, minha vida estava nas mãos
do homem que eu conhecia a menos de vinte e quatro horas.
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[1] Jack, o Estripador é o pseudônimo mais conhecido para designar um famoso assassino em
série não identificado que atuou na periferia de Whitechapel, distrito de Londres, e arredores em 1888.

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