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Wings & Valkyrias

Tradução e Revisão: Claudia


Leitura: Lala
Formatação: Aurora
10/ 2020
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Sinopse
Beckett,

Se você está lendo isso, bem, você conhece o protocolo da última


carta. Você conseguiu. Eu não. Não fique com esse sentimento de culpa,
porque sei que se houvesse alguma chance de você ter me salvado, você
teria feito isso.

Preciso de uma coisa de você: saia do exército e vá até Telluride.

Minha irmã Ella está criando os gêmeos sozinha. Ela é muito


independente e não aceita ajuda com facilidade, mas perdeu nossa avó,
nossos pais e agora eu. É demais para alguém suportar. Não é justo.

E aqui está a questão: há outra coisa que você não sabe que está
destruindo a família dela. Ela vai precisar de ajuda.

Então, se eu morrer, significa que não posso estar lá por Ella. Não
posso ajudá-los com isso. Mas você pode. Então, estou implorando, como
meu melhor amigo, cuide da minha irmã, da minha família.

Por favor, não a faça passar por isso sozinha.

Ryan
CAPÍTULO UM
BECKETT
Carta nº 1

Prezado Chaos,

Pelo menos é como o meu irmão falou que te chamam. Perguntei-lhe


se algum dos amigos dele precisava receber alguma correspondência extra
e me deram o seu nome.
Então, oi, eu sou a Ella. Conheço toda as regras de sem nomes
verdadeiros nas cartas. Tenho escrito estas cartas desde que ele tem feito
o que faz... que acho que é o que você faz.
Agora, antes de você colocar esta carta de lado e murmurar um
estranho “Valeu, mas não, obrigado” como os caras fazem, isso é tanto
para mim quanto para você. Considerando que eu poderia ter um lugar
seguro para desabafar longe dos olhos curiosos desta pequena cidade
intrometida, seria quase como se eu estivesse usando você.
Então, se você quiser ser meu ouvinte, eu ficaria grata, e em troca,
ficaria feliz em ser a sua. Além disso, faço fantásticos biscoitos de
manteiga de amendoim. Se os biscoitos não chegarem com esta carta, vá
bater no meu irmão, porque ele roubou seus biscoitos.
Por onde começo? Como me apresento sem parecer um anúncio de
solteiros? Garanto que não estou procurando nada além de um amigo por
correspondência - um amigo por correspondência muito distante -
prometo. Militares não mexem comigo. Caras em geral não. Não que eu não
goste de caras. Simplesmente não tenho tempo para eles. Você sabe o que
eu tenho? Profundo pesar por escrever esta carta à caneta.
Eu sou a irmãzinha, mas tenho certeza de que meu irmão já te contou
isso. Ele tem uma boca bem grande, o que significa que você provavelmente
também sabe que tenho dois filhos. Sim, sou uma mãe solteira e não, não
me arrependo das minhas escolhas. Cara, fico doente com todo mundo me
perguntando isso, ou simplesmente me dando o olhar que implica a
pergunta.
Quase apaguei a última linha, mas é verdade. Além disso, sou muito
preguiçosa para reescrever tudo.
Tenho vinte e quatro anos e fui casada com o doador de esperma
dos gêmeos por cerca de três segundos. Apenas o tempo suficiente para as
linhas ficarem rosa, o médico dizer que havia dois batimentos cardíacos e
ele fazer as malas na quietude da noite. As crianças nunca foram dele, e
honestamente, talvez estejamos melhores assim.
Se você não é chegado em filhos de amigos por correspondência, não
vou me ofender. Mas sem biscoitos. Os biscoitos são apenas para amigos
por correspondência.
Se você não se importar com amigos por correspondência que são
pais solteiros, continue lendo.
Meus gêmeos têm cinco, o que, se você fizer as contas certinho,
significa que eles nasceram quando eu tinha dezenove anos. Depois de
chocar nossa pequena cidade, decidindo criá-los sozinha, quase matei todo
mundo do coração ao assumir Solitude quando minha avó morreu. Eu tinha
apenas vinte anos, os gêmeos ainda eram bebês, e aquela pousada foi
onde ela nos criou, então parecia um bom lugar para criar meus
filhos. Ainda é.
Vamos ver... Maisie e Colt são praticamente a minha vida. De um
jeito bom, claro. Sou ridiculamente superprotetora com eles, mas reconheço
isso. Tenho a tendência de exagerar, de construir uma fortaleza ao redor
deles, o que me mantém meio isolada, mas, ei, existem defeitos piores que
isso, certo? Maisie é a mais quieta, e sempre posso encontrá-la se
escondendo com um livro. Colt... bem, ele costuma estar em algum lugar
que ele não deveria estar fazendo algo que ele não deveria estar
fazendo. Gêmeos podem ser loucos, mas vão te mostrar que são duas
vezes incríveis.
Quanto a mim? Estou sempre fazendo o que preciso fazer, e nunca
sendo o que realmente deveria ser ou fazendo o que quero. Mas acho que
é a natureza de ser mãe e administradora de um negócio. Falando nisso,
está abrindo aqui, então é melhor eu selar essa carta e despachá-la.
Escreva de volta se quiser. Se você não fizer isso, vou entender. Só
saiba que há alguém no Colorado enviando pensamentos carinhosos para
você.

Ella

***

Hoje teria sido um momento perfeito para meu segundo palavrão.


Geralmente, quando completávamos uma missão, virava um Dia
da Marmota1 de verdade. Mesma porcaria, dia diferente. Havia quase um
padrão previsível e acolhedor na monotonia.
Não vou mentir, eu era um grande fã de monotonia.
A rotina era previsível. Segura, ou tão segura quanto seria dar o
fora daqui. Estávamos um mês em outro local desconhecido em outro
país onde nunca estivemos, e a rotina era a única coisa confortável sobre
o lugar.
Hoje havia sido tudo menos rotineiro.
Missão cumprida, como sempre, mas com um preço. Sempre havia
um preço, e ultimamente, estava ficando alto.
Olhei para a minha mão, flexionando meus dedos porque eu podia
fazer isso. Ramirez? Ele perdeu essa habilidade hoje. O cara ia segurar
aquele novo bebê com uma prótese.

1 Referência ao filme O Feitiço do Tempo, em que o personagem era condenado a reviver


indefinidamente o mesmo dia.
Arremessei meu braço, jogando o Kong, e o brinquedo de cachorro
cruzou o céu, um clarão vermelho contra o azul imaculado. O céu era a
única coisa limpa nesse lugar. Ou talvez hoje eu me sentisse sujo.
Havoc correu pelo chão, seus passos seguros, seu foco concentrado
em seu alvo até...
— Porra, ela é boa, — disse Mac, se aproximando atrás de mim.
— Ela é a melhor. — Olhei para ele por cima do meu ombro antes
de fixar meus olhos em Havoc enquanto ela corria de volta para mim. Ela
tinha que ser a melhor para chegar onde estávamos, uma equipe de alto
nível que operava sem tecnicamente existir. Ela era uma espécie de cão
de operação especial que ficava cerca de um milhão de quilômetros acima
de qualquer outro cão treinado para atividade militar.
Ela também era minha, o que automaticamente fazia dela a melhor.
Minha garota era uma perfeita labradora retriever de setenta
quilos. Sua pelagem preta se destacava na areia enquanto ela parava
perto das minhas pernas. Seu traseiro atingiu o chão e segurava o Kong
para mim, seus olhos dançando. — Última vez, — falei baixinho quando
tirei da sua boca.
Ela se foi antes mesmo de eu retrair meu braço para jogar.
— Notícias de Ramirez? — Perguntei, observando Havoc se afastar.
— Perdeu o braço. Cotovelo para baixo.
— Fffffff... — Joguei o brinquedo o mais longe que pude.
— Você poderia soltar isso. Parece apropriado hoje. — Mac coçou a
barba de um mês que estava deixando crescer e ajeitou os óculos escuros.
— A família dele?
— Christine vai encontrá-lo em Landstuhl. Estão enviando sangue
novo. Quarenta e oito horas pra chegar.
— Tão rápido? — Éramos mesmo dispensáveis.
— Vamos avançar. Reunião em cinco minutos
— Entendi. — Parecia que íamos para o próximo lugar
desconhecido.
Mac olhou para o meu braço. — Você deu uma olhada nisso?
— O doutor deu um ponto. Apenas um arranhão, nada para te
deixar agitado. — Outra cicatriz para adicionar às dezenas que já
marcavam minha pele.
— Talvez você precise de alguém pra te deixar agitado.
Dei uma boa olhada de lado para o meu melhor amigo.
— O quê? — Ele perguntou com um exagerado encolher de ombros
antes de acenar para Havoc, que parou novamente, tão agitada quanto a
primeira ou a trigésima sexta vez em que joguei o Kong. — Ela não pode
ser a única mulher em sua vida, Gentry.
— Ela é leal, linda, consegue procurar explosivos ou matar alguém
que está tentando te matar. O que exatamente falta nela? — Peguei o
Kong e esfreguei atrás da orelha de Havoc.
— Se tenho que explicar isso, você é um caso perdido para eu
ajudar.
Nós voltamos para o pequeno complexo, que era nada mais do que
algumas instalações ao redor de um pátio. Tudo era marrom. As
instalações, os veículos, o chão, até o céu pareciam estar ficando com
aquele tom.
Ótimo. Uma tempestade de poeira.
— Você não precisa se preocupar comigo. Não tenho problemas
quando estamos em missão, — disse a ele.
— Oh, estou bem ciente, idiota com a fuça de Chis Pratt. Mas
cara... — ele colocou a mão no meu braço, nos parando antes que
pudéssemos entrar no pátio onde os caras estavam se reunido... — você
não... se apega a ninguém.
— Nem você.
— Não, atualmente não estou em um relacionamento sério. Isso
não significa que eu não tenha alguém, pessoas com quem me preocupo
e que se preocupam comigo.
Eu sabia onde ele ia chegar e essa não era a hora, o lugar ou
o nunca. Antes que ele pudesse ir mais fundo, dei um tapa nas suas
costas.
— Olha, nós podemos ligar para o Doutor Phil ou podemos dar o
fora daqui e seguir para a próxima missão. — Seguir em frente, sempre
foi o que veio mais fácil para mim. Eu não tinha relacionamentos porque
não queria, não porque não fosse capaz. Vínculos - com pessoas, lugares
ou coisas - eram inconvenientes ou ferravam você. Porque havia apenas
uma coisa certa e era seguir em frente.
— Estou falando sério. — Seus olhos se estreitaram em um olhar
que eu tinha visto muitas vezes em nossos dez anos de amizade.
— Sim, também estou. Estou bem. Além disso, estou apegado a
você e a Havoc. Os outros são só enfeite.
— Mac! Gentry! — Williams chamou da porta do prédio norte. —
Vamos lá!
— Estamos indo! — Gritei de volta.
— Olha, antes de entrarmos, deixei uma coisa na sua cama. — Mac
esfregou a mão na barba... a expressão nervosa.
— Sim, seja o que for, depois desta conversa, não estou
interessado. — Havoc e eu começamos a andar em direção à reunião. Já
sentia no meu sangue a inquietação por ação, abandonar este lugar e ver
o que estava esperando por nós.
— É uma carta.
— De quem? Todo mundo que conheço está naquela sala. —
Apontei para a porta enquanto cruzávamos o pátio vazio. Era o que
acontecia quando você crescia pulando de um lar adotivo para outro e
depois se alistava no dia em que completava dezoito anos. A coleção de
pessoas que você considerava digna de conhecer era um grupo tão
pequeno que cabia em um Blackhawk2, e hoje nós já estávamos perdendo
Ramirez.
Como eu disse. Vínculos eram inconvenientes.
— Minha irmã.
— O quê? — Minha mão congelou na maçaneta da porta
enferrujada.

2 Helicóptero militar.
— Você me ouviu. Minha irmãzinha, Ella.
Meu cérebro revirou sua lista de contatos mental. Ella.
Loira, sorriso assassino, olhos suaves e gentis que eram mais azuis do
que qualquer outro céu que já vi. Ele ficou andando por aí com a foto dela
na última década.
— Gentry, vamos lá. Você precisa de uma foto?
— Eu sei quem é Ella. Por que diabos tem uma carta dela na minha
cama?
— Só achei que você podia precisar de um amigo por
correspondência. — Seu olhar caiu em suas botas sujas.
— Um amigo por correspondência? Como se eu fosse um projeto
da quinta série da escola da sua irmã?
Havoc deslizou para mais perto, seu corpo descansando contra a
minha perna. Ela ficava em sintonia com todos os meus movimentos, até
mesmo as menores mudanças no meu humor. Isso é o que nos tornava
uma equipe imbatível.
— Não, não... — Ele balançou a cabeça. — Estava só tentando
ajudar. Ela perguntou se tinha alguém que precisava de
correspondência, e como você não tem família...
Zombando, abri a porta e deixei sua bunda do lado de fora. Talvez
um pouco daquela areia enchesse sua boca aberta. Eu odiava
a palavra que começa com F. As pessoas reclamavam delas o tempo todo,
constantemente, na verdade. Mas no minuto em que percebiam que você
não tinha uma, era como se fosse uma aberração que precisava ser
consertada, um problema que precisava ser resolvido, ou pior - pena.
Eu estava tão além da pena de alguém que era quase engraçado.
— Tudo bem, pessoal. — O capitão Donahue chamou nossa equipe
de dez membros - menos um – ao redor da mesa de conferência. —
Lamento dizer que não estamos indo para casa. Temos uma nova missão.
Todos aqueles caras gemendo - sem dúvida sentindo falta de suas
esposas, seus filhos - apenas reafirmaram minha ideia sobre o assunto
do vínculo.
***

— Sério, Novato? — Rosnei quando o novato se esforçou para


limpar a porcaria que ele havia derrubado no baú que servia como minha
mesa de cabeceira.
— Desculpe, Gentry, — ele murmurou enquanto recolhia os
papéis. O típico garoto americano, recém-saído do treinamento de
operador, que não tinha nada que estar nessa equipe ainda. Precisava de
mais alguns anos e um pouco mais de autocontrole, o que significava que
ele tinha relação com alguém influente.
Havoc inclinou a cabeça para ele e então olhou para mim.
— Ele é novo, — falei suavemente, coçando atrás das orelhas.
— Aqui, — disse o garoto, entregando-me uma pilha de coisas, com
os olhos arregalados como se eu fosse expulsá-lo da unidade por ser
desajeitado.
Deus, eu esperava que ele fosse melhor com sua arma do que com
a minha mesa de cabeceira.
Coloquei a pilha nos centímetros da cama que Havoc não estava
usando. A classificação demorou apenas alguns minutos. Artigos de
periódicos que eu estava lendo no meio de vários tópicos, e... — Droga.
A carta de Ella. Recebi aquilo há quase duas semanas e não abri.
Também não joguei fora.
— Vai abrir? — Mac perguntou com o timing de um especialista em
merda.
— Por que você nunca xinga? — Perguntou o novato ao mesmo
tempo.
Olhando para Mac, deslizei a carta para o fundo da pilha e peguei
o artigo no topo. Era sobre novas técnicas de busca e resgate.
— Bem. Responda ao novato. — Mac revirou os olhos e se deitou
em seu beliche, as mãos atrás da cabeça.
— Hey, meu nome é Johnson...
— Não, é Novato. Ainda não ganhou um nome, — corrigiu Mac.
O garoto ficou como se tivéssemos acabado de chutar seu maldito
cachorrinho, então eu amoleci.
— Certa vez alguém me disse que xingar é uma desculpa para um
vocabulário de merda. Faz você parecer de baixa classe e sem
instrução. Então eu parei. — Deus sabia que eu já tinha muita coisa
contra mim. Não precisava parecer o merda que eu tinha sido.
— Nunca? — o Novato perguntou, inclinando-se para frente como
se estivéssemos em uma festa do pijama.
— Só na minha cabeça, — respondi, folheando um novo artigo.
— Ela realmente é um cão de trabalho? Ela parece tão... doce, — o
Novato disse, esticando a mão para Havoc.
Ela levantou a cabeça e rosnou em sua direção.
— Sim, ela é, e sim, se mandar ela vai te matar. Então faça um
favor a nós dois e nunca mais tente tocá-la. Ela não é um animal de
estimação. — Deixei ela rosnar por um segundo para mostrar que tinha
razão.
— Relaxe, — eu disse a Havoc, passando a mão pelo lado do
pescoço. A tensão imediatamente drenou de seu corpo e ela desmoronou
na minha perna, piscando para mim como se nunca tivesse acontecido.
— Droga, — ele sussurrou.
— Não leve para o lado pessoal, Novato, — Mac disse. — Havoc é
uma mulher de um homem só e, com certeza, você não é o cara.
— Leal e mortal, — eu disse com um sorriso, acariciando-a.
— Algum dia, — Mac disse, apontando para a carta que tinha
deslizado para a cama ao lado da minha coxa.
— Hoje não é esse dia.
— No dia em que abrir, você vai se xingar por não ter feito isso
antes. — Ele se inclinou sobre o beliche e voltou com um pote de biscoitos
de manteiga de amendoim, comendo um com os efeitos sonoros de um
pornô.
— Sério isso?
— Sério, — ele gemeu. — Tão bom.
Eu ri e deslizei a carta de volta para baixo da pilha.
— Durma um pouco, Novato. Amanhã temos ação.
O garoto assentiu. — Isso é tudo que sempre quis.
Mac e eu compartilhamos um olhar de conhecimento.
— Diga isso amanhã à noite. Agora, feche os olhos e pare de
derrubar minhas coisas ou seu nome de guerra vai ser Mão Furada.
Seus olhos se arregalaram e ele afundou em sua cama.

***

Três noites depois, o Novato estava morto.


Johnson. Ele ganhou seu nome e perdeu a vida salvando Doc.
Fiquei acordado enquanto todos dormiam, meus olhos flutuando
para o beliche vazio. Ele não pertencia a este lugar e todos nós sabíamos
disso - expressamos nossas preocupações. Ele não estava pronto. Não
estava pronto para a missão, para o ritmo da nossa unidade ou para a
morte.
Não que a morte se importasse.
O relógio virou e eu fiz vinte e oito anos.
Feliz aniversário para mim.
As mortes sempre me pareciam diferentes quando estávamos em
missão. Elas geralmente se enquadram em duas categorias. Ou eu
ignorava e seguia em frente, ou minha mortalidade era repentina e
tangível. Talvez fosse meu aniversário, ou que o Novato fosse pouco mais
que um bebê, mas esse era o segundo tipo.
Ei, Mortalidade, sou eu, Beckett Gentry.
Logicamente, eu sabia que com a missão terminada, nós iríamos
para casa nos próximos dias, ou para o próximo inferno. Mas naquele
momento, uma necessidade crua de conexão me agarrou de uma maneira
que parecia uma pressão física no meu peito.
Sem apegos, eu disse a mim mesmo. Essa merda era um problema.
Além de estar apegado a outro ser humano de uma maneira que
não fosse reservada para os irmãos com quem eu servia, ou mesmo para
minha amizade com Mac, que era o mais próximo que eu já havia chegado
da família.
Em um movimento de pura impulsividade, peguei minha lanterna
e a carta de onde a enfiei em uma revista de montanhismo.
Equilibrando a lanterna no meu ombro, abri a carta e desdobrei a
folha pautada de caderno, cheia de uma letra elegante e feminina.
Li a carta uma vez, duas vezes... uma dúzia de vezes, imaginando
suas palavras com as fotos de seu rosto que vi ao longo dos
anos. Imaginei-a se esgueirando por alguns momentos no início da
manhã para escrever a carta, imaginando como teria sido o dia dela. Que
tipo de cara abandonava sua esposa grávida? Um imbecil.
Que tipo de mulher tinha gêmeos e um negócio quando ainda era
uma criança? Uma muito forte.
Uma mulher forte e capaz que eu precisava conhecer. O anseio que
me agarrou era desconfortável e inegável.
Mantendo-me o mais quieto possível, peguei um caderno e uma
caneta.
Meia hora depois, fechei o envelope e bati no ombro de Mac com
ele.
— Que diabos? — Ele me disse, rolando.
— Quero meus biscoitos. — Enunciei cada palavra com a seriedade
que normalmente reservo para os comandos de Havoc.
Ele riu.
— Ryan, estou falando sério. — Dizer o primeiro nome significava
que a coisa era séria.
— Sim, bem, se vacilar, perde seus biscoitos. — Ele sorriu e se
acomodou de volta em seu beliche, sua respiração profunda alguns
segundos depois.
— Obrigado, — sussurrei, sabendo que ele não podia me ouvir. —
Obrigado por ela.
CAPÍTULO DOIS
ELLA
Carta nº 1

Ella,

Você está certa, seu irmão imediatamente comeu aqueles


biscoitos. Mas em defesa dele, esperei muito tempo para abrir sua
carta. Acho que se vamos mesmo fazer isso, devemos ser honestos, certo?
Então, não sou bom com pessoas. Eu poderia te dar um monte de
desculpas, mas na verdade, não sou bom com elas. Acrescente a isso falar
o que não devo, ser franco ou simplesmente não perceber a necessidade
de conversas fiadas ou uma série de coisas. Desnecessário dizer que
nunca escrevi cartas para... ninguém, agora que parei pra pensar nisso.
Em segundo lugar, gosto que escreva com caneta. Isso significa que
você não volta atrás e se censura. Você não pensa demais, apenas escreve
o que quer dizer. Aposto que pessoalmente você também é assim, dizendo
o que pensa.
Não sei o que contar para você sobre mim que não seria censurado,
então que tal isso: faz cinco minutos que tenho vinte e oito, e além de meus
amigos aqui, tenho zero contatos com o mundo ao meu redor. Na maioria
das vezes sou bom com isso, mas hoje à noite estou me perguntando como
é ser você. Ter tanta responsabilidade e tantas pessoas dependendo de
você. Se eu pudesse fazer uma pergunta, seria assim: como é ser o centro
do universo de alguém?
Muito respeitosamente,

Chaos
***

Li a carta pela terceira vez desde que chegou esta manhã, meus
dedos correndo sobre a letra irregular, escrita inteira com letras em
maiúsculas. Quando Ryan disse que havia alguém em sua unidade que
ele esperava que eu assumisse como amigo por correspondência, pensei
que ele tinha perdido a cabeça.
Os caras com quem ele servia eram geralmente tão abertos quanto
um cofre de armas trancado. Nosso pai tinha sido do mesmo
jeito. Honestamente, quando as semanas se passaram sem uma
resposta, imaginei que o cara tinha esnobado a minha oferta. Parte de
mim estava aliviada – eu já tinha tantos problemas. Mas havia algo a ser
dito sobre as possibilidades de um pedaço de papel em branco. Ser capaz
de esvaziar meus pensamentos para alguém que eu nunca encontraria
era estranhamente libertador.
Pela carta dele, me perguntei se ele sentia o mesmo.
Como alguém poderia chegar aos vinte e oito sem ter... alguém,
alguém sob qualquer forma? Ry disse que o cara era reservado e tinha
um coração tão acessível quanto uma parede de tijolos, mas Chaos
parecia... solitário.
— Mamãe, estou entediada. — Maisie disse do meu lado,
balançando seus pés debaixo da cadeira.
— Bem, você sabe o quê? — Perguntei em uma voz cantada,
colocando a carta dentro da minha bolsa.
— Só as pessoas chatas ficam entediadas? — Ela respondeu,
piscando para mim com os maiores olhos azuis do mundo. Ela inclinou
a cabeça e torceu o nariz, fazendo rugas no topo. — Talvez não fossem
tão chatas se tivessem coisas para fazer.
Balancei a cabeça, mas sorri e ofereci meu iPad.
— Tenha cuidado com isso, está bem? — Não podíamos nos dar ao
luxo de substituí-lo, não com três dos chalés de hóspedes recebendo
novos telhados esta semana. Eu já havia vendido vinte e cinco acres nos
fundos da propriedade para financiar os consertos que precisavam ser
feitos há muito tempo e hipotecara a propriedade ao máximo para
financiar a expansão.
Maisie assentiu com a cabeça, seu rabo de cavalo loiro balançando
quando ela abriu o iPad para encontrar seus aplicativos favoritos. Era
um mistério como uma criança de cinco anos usava isso melhor do que
eu. Colt também era um especialista, mas não tão habilidoso quanto
Maisie. Principalmente porque ele estava muito ocupado escalando o que
não devia.
Meu olhar disparou para o relógio. Quatro da tarde. O médico já
estava meia hora atrasado para a consulta que ele havia me pedido. Eu
sabia que Ada não se importava de cuidar de Colt, mas eu odiava ter que
pedir a ela. Ela estava na casa dos sessenta anos e, apesar de ainda ser
ativa, Colt não era nada fácil de acompanhar. Ela o chamava de
“relâmpago em uma garrafa”, e ela não estava muito longe.
Maisie distraidamente esfregou o quadril onde ela reclamava. A
queixa passou de uma pontada, uma dor, a dor sempre presente que
nunca a deixou.
Pouco antes de eu perder a paciência e me dirigir à recepcionista,
o médico bateu antes de entrar.
— Ei, Ella. Como está se sentindo, Margaret? — perguntou o doutor
Franklin com um sorriso gentil e uma prancheta.
— Maisie, — ela o corrigiu com olhos sérios.
— Claro, — ele concordou com um aceno de cabeça, atirando-me
um leve sorriso. Sem dúvida, eu ainda tinha cinco anos, considerando
que o doutor Franklin também foi meu pediatra. Seu cabelo estava mais
grisalho e havia uns vinte quilos a mais nele, mas ainda era o mesmo de
quando minha avó me trazia a este consultório. Nada mudou muito na
nossa pequena cidade de Telluride. Claro, a temporada de esqui chegou,
os turistas inundaram nossas ruas com seus Land Rovers, mas a maré
sempre recuava, deixando para trás os habitantes locais para retomar a
vida como sempre.
— Como está a dor hoje? — Ele perguntou, abaixando-se na altura
dela.
Ela deu de ombros e se concentrou no iPad.
Tirei-o das mãos pequenas e arqueei uma sobrancelha para ela em
desaprovação.
Ela suspirou, o som era mais antigo que o de uma criança de cinco
anos, mas voltou-se para o doutor Franklin. — Sempre dói. E não doía
sempre.
Ele olhou para mim para esclarecimentos.
— Faz pelo menos seis semanas.
Ele assentiu, então franziu a testa enquanto se levantava, virando
os papéis na prancheta.
— O quê? — Frustração retorceu em meu estômago, mas mordi
minha língua. Não faria nenhum bem a Maisie perder a paciência.
— Os resultados da cintilografia óssea são bons. — Ele se inclinou
contra a mesa de exame e esfregou a mão na nuca.
Meus ombros caíram. Era o terceiro teste que faziam em Maisie e
ainda nada.
— Bom é bom, certo? — Perguntou ela.
Forcei um sorriso para o bem dela e entreguei o iPad de volta. —
Querida, por que você não joga um pouquinho enquanto converso com o
doutor Franklin no corredor?
Ela assentiu, ansiosamente voltando para qualquer jogo que
estivesse no meio.
Encontrei o doutor Franklin no corredor, deixando a porta
entreaberta apenas para que eu pudesse ficar de ouvidos em Maisie.
— Ella, não sei o que dizer. — Ele cruzou os braços sobre o peito.
— Tiramos raio-X, cintilografia, e se eu pensasse que ela ainda ficasse
quieta tempo suficiente para uma ressonância magnética, poderíamos
tentar isso. Mas, com toda honestidade, não estamos encontrando nada
de errado fisicamente com ela.
O olhar simpático que ele me deu irritou meu último nervo.
— Ela não está inventando. Qualquer dor que sente é muito real e
algo está causando isso.
— Não estou dizendo que a dor não é real. Já a vi com tanta
frequência para saber que algo está acontecendo. Alguma coisa mudou
em casa? Qualquer novo fator de estresse? Sei que pode não ser fácil para
você administrar aquele lugar sozinha com duas crianças pequenas,
especialmente na sua idade.
Meu queixo subiu uns bons centímetros, do jeito que eu sempre
fazia quando alguém usava meus filhos e minha idade na mesma frase.
— O cérebro é muito poderoso...
— Você está sugerindo que isso é psicossomático? — Retruquei. —
Porque agora ela está tendo problemas para andar. Nada mudou em
nossa casa. É a mesma coisa desde que os levei para casa deste mesmo
hospital, e ela não está sob nenhum estresse no jardim de infância,
garanto. Isso não está na cabeça dela; está no quadril dela.
— Ella, não há nada, — ele disse suavemente. — Procuramos por
fraturas, rupturas nos ligamentos, tudo. Pode ser um caso muito ruim
de dores de crescimento.
— Isso não são dores de crescimento! Você está deixando escapar
algo. Pesquisei na internet...
— Esse foi o seu primeiro erro. — Ele suspirou. — Pesquisar na
internet vai convencê-la de que um resfriado é meningite e uma dor nas
pernas é um coágulo gigante pronto para deslocar e matar você.
Meus olhos se arregalaram.
— Não é um coágulo, Ella. Nós fizemos um ultrassom. Não
há nada ali. Não podemos resolver um problema que não vemos.
Maisie não estava inventando. Não estava na cabeça dela. Não era
um sintoma de ter nascido com uma mãe jovem ou de não ter um pai
presente. Ela estava com dor e eu não podia ajudá-la.
Eu estava completa e totalmente impotente.
— Então acho que vou levá-la para casa.
***

Apreciei a caminhada pela estrada municipal até a sede. Buscar as


correspondências nesta época do ano sempre era meu jeito de dar uma
escapada, e eu me divertia ainda mais agora que tinha as cartas de Chaos
pelas quais ansiar. Eu estava esperando a número seis a qualquer
momento. O ar do final de outubro era intenso, mas ainda faltava mês
para a abertura das pistas. Então meus pequenos momentos de
serenidade seriam engolidos pela enxurrada de reservas.
Graças a Deus, porque realmente precisamos do negócio. Não que
eu não apreciasse o ritmo mais lento do outono depois que os
excursionistas de verão voltavam para casa, mas eram os nossos
invernos que mantinham Solitude longe da falência. E com nossos novos
e penosos pagamentos de hipotecas, a renda era necessária.
Mas por enquanto, isso era perfeito. Os álamos se tornaram
dourados e estavam começando a perder suas folhas, que atualmente
cobriam o caminho arborizado da estrada até a casa. Não ficava longe,
apenas cem metros ou mais, mas a distância era suficiente para dar aos
visitantes aquela sensação de reclusão pela qual procuravam.
Nossa sede abrigava alguns quartos de hóspedes, a cozinha
profissional, a sala de jantar e as salas de jogos, além de uma pequena
ala residencial separada onde eu morava com as crianças. Sempre
fervilhava de vida quando alguém queria companhia. Mas Solitude
recebeu seu nome e sua reputação dos quinze chalés isolados que
pontilhavam nossos duzentos acres. Se alguém quisesse a conveniência
de acomodações de luxo e proximidade com a civilização, enquanto ainda
estava longe de tudo, nós éramos o local perfeito.
Se ao menos eu pudesse pagar pela propaganda das reservas dos
chalés. Você poderia construí-los o tempo todo; as pessoas só viriam se
soubessem que existia.
— Ella, você está ocupada? — Larry perguntou da varanda da
frente. Seus olhos dançavam sob as espessas sobrancelhas grisalhas que
pareciam se enrolar em todas as direções.
— Não. O que houve? — Eu mexia com a correspondência
enquanto subia as escadas, parando em uma placa que talvez precisasse
ser substituída. O problema sobre se reposicionar como um resort de
luxo era que as pessoas esperavam perfeição.
— Há algo esperando por você na mesa.
— Esperando? — Ignorei seu sorriso - o homem nunca seria um
jogador de poker - e entrei.
Tirei minhas botas e as coloquei embaixo de um dos bancos do
vestíbulo. A madeira recém-reformada estava quente debaixo dos meus
pés quando cruzei em frente à mesa da recepção.
— Boa caminhada? — Hailey olhou para cima de seu celular e
sorriu.
— Acabei de pegar a correspondência, nada de especial. — Segurei
a pilha de cartas na minha mão, prolongando a tortura por mais alguns
momentos. Além disso, o envelope por cima era uma conta do doutor
Franklin, que eu não tinha pressa de abrir.
Fazia quase um mês desde que levei Maisie para vê-lo e ainda não
havia diagnóstico para a piora da dor. Esta era apenas mais uma fatura
para me lembrar que diminui o valor do prêmio do seguro mais baixo
possível para passarmos este ano.
— Sei. Você não está procurando uma carta, está? — Os olhos
castanhos dela estavam arregalados com inocência fingida.
— Eu não deveria ter lhe contado sobre ele. — Ela nunca ia me
deixar em paz, mas sinceramente, eu não ligava. Aquelas cartas eram a
única coisa que eu tinha só para mim. O único lugar onde eu poderia me
abrir e ser honesta sem julgamento ou expectativa.
— Ei, é melhor do que você viver por tabela através da minha vida
amorosa.
— Sua vida amorosa me deixa no limite. Além disso, estamos
apenas nos escrevendo. Não há nada romântico. Ryan precisava de um
favor. Isso é tudo.
— Ryan. Quando ele vai voltar para casa? — Ela suspirou com um
suspiro sonhador que a maioria das garotas da cidade soltava quando
meu irmão era mencionado.
— Acho que um pouco depois do Natal, e fala sério, quantos anos
você tinha? Doze quando ele saiu para se alistar?
Hailey era apenas dois anos mais nova que eu, mas me sentia
infinitamente mais velha. Talvez eu tivesse envelhecido dez anos por
criança, ou administrar Solitude me levou prematuramente para a meia
idade, mas, seja o que for, havia uma vida entre nós.
— Pare de enrolar! — Larry insistiu, quase pulando para cima e
para baixo.
— Qual é o grande problema?
— Ella, venha aqui! — Ada chamou da sala de jantar.
— Vocês dois estão atrás de mim agora? — Sacudi a cabeça para
Larry, mas o segui até a sala de jantar.
— Tá-dá! — Ada disse, agitando os braços em um floreio em direção
à mesa escura em estilo colonial.
Segui seus movimentos, encontrando a revista que eu estava
esperando, sua capa azul brilhante destacando-se contra a madeira.
— Quando chegou? — Minha voz caiu.
— Esta manhã, — respondeu Ada.
— Mas... — Levantei a pilha de correspondência.
— Oh, acabei de trazer isso aqui dentro. Eu não ia privar você da
sua hora favorita do dia.
Alguns momentos calmos e tensos se passaram enquanto eu
olhava para a revista. Férias na montanha: o melhor de 2019 no Colorado.
Edição de inverno.
— Não vai morder, — disse Ada, levando a revista na minha
direção.
— Não, mas pode nos fazer famosos ou quebrar a gente.
— Leia, Ella. Deus sabe que já li, — ela disse, empurrando os
óculos de volta no nariz.
Pequei a revista da mesa, deixando cair a pilha de correspondência
em seu lugar e folheei-a.
— Página oitenta e nove, — insistiu Ada.
Meu coração batia forte e meus dedos pareciam grudar em todas
as páginas, mas cheguei à página oitenta e nove.
— Número oito, Solitude, Telluride, Colorado! — Minhas mãos
tremiam enquanto eu observava as fotografias brilhantes da minha
propriedade. Sabia que tinham enviado alguém para nos avaliar, mas não
sabia quando.
— Nós nunca estivemos no top vinte e você acabou de chegar no
top dez! — Ada me puxou para um abraço, seu corpo maior superando o
meu. — Sua avó ficaria muito orgulhosa. Todas as reformas que você fez,
tudo que você sacrificou. Droga, estou orgulhosa de você, Ella. — Ela se
afastou, limpando as lágrimas dos olhos. — Bem, não fique aí chorando,
leia!
— Ela não é a única chorando, mulher, — disse Larry, dando a
volta para abraçar sua esposa. Esses dois eram tão solitários quanto
eu. Eles estiveram com minha avó desde que ela abriu e eu sabia que
ficariam comigo o máximo que pudessem.
— “Solitude é uma joia escondida. Aninhado nas montanhas de
San Juan, o resort exclusivo ostenta não apenas um ambiente familiar
na sede, mas mais de uma dúzia de chalés de luxo recém-reformados
para aqueles que não querem trocar a privacidade pela proximidade das
encostas. Apenas a dez minutos de carro de algumas das melhores
estações de esqui do Colorado, Solitude oferece exatamente isso - um
refúgio da montanha Village, que é muito turística. Esta pousada parece
mais um resort e é perfeita para quem procura o melhor dos dois mundos:
serviço impecável e a sensação de estar sozinho nas montanhas. É a pura
experiência do Colorado”.
Eles nos amaram! Nós éramos uma das dez melhores pousadas do
Colorado! Apertei a revista no meu peito e deixei a alegria passar por
mim. Momentos como esse não aconteciam todos os dias, ou mesmo a
cada década, e este era meu.
— A pura experiência do Colorado é o que existe quando os turistas
voltam para casa, — Larry resmungou, mas sorriu.
O telefone tocou e ouvi Hailey atendendo ao fundo.
— Aposto que as reservas estão prestes a aumentar! — Ada entoou
enquanto Larry dançava com ela ao redor da mesa.
Com uma crítica dessa, era uma aposta certa. Nós íamos ficar
lotados e logo. Conseguiríamos pagar a hipoteca e o empréstimo para os
chalés em construção no lado sul.
— Ella, a escola no telefone, — gritou Hailey.
Larguei a revista com a outra correspondência e dirigi-me ao
telefone.
— Aqui é Ella MacKenzie, — eu disse, me preparando para ouvir o
que Colt tinha feito para irritar sua professora.
— Senhora MacKenzie, que bom. Aqui é a enfermeira Roman da
escola primária. — Havia mais do que um tom de preocupação em sua
voz, então não me incomodei em corrigi-la sobre meu estado civil.
— Tudo certo?
— Lamento dizer que Maisie está aqui. Ela caiu no parquinho e sua
temperatura está acima de 40°C.
Caiu. Temperatura. Um sentimento profundo e nauseante, que só
poderia ser descrito como presságio, se apertou em minha barriga. O
doutor Franklin havia deixando escapar alguma coisa.
— Estou indo até aí.
CAPÍTULO TRÊS
BECKETT
Carta nº 6

Caro Chaos,

Aqui está outro lote de biscoitos. Esconda-os do meu irmão. Não


estou brincando. Ele é um ladrão sem vergonha quando se trata disso. É
a receita da nossa mãe, bem, realmente da nossa avó, e ele é viciado.
Depois que perdemos nossos pais - nosso pai no Iraque e mamãe em um
acidente de carro um mês depois, tenho certeza de que ele lhe contou -
sempre tinha na cozinha, esperando depois da escola, depois de partir o
coração, depois de vitórias e derrotas nos jogos de futebol. Eles são como
o lar dele.
E agora você tem um pedaço do meu lar com você.
Você me perguntou algo em sua primeira carta, quando foi? Um mês
atrás? De qualquer forma, você me perguntou como era ser o centro do
universo de alguém. Naquela época eu não sabia como responder, mas
acho que agora consigo.
Para ser sincera, eu não sou o centro do universo de ninguém. Nem
dos meus filhos. Colt é ferozmente independente e tem certeza de que foi
encarregado de cuidar pessoalmente da segurança de Maisie - e da
minha. Maisie é confiante, mas sua quietude pode ser confundida com
timidez. Não é engraçado? Ela não é tímida. Ela é uma juíza de caráter
ridiculamente boa e pode identificar uma mentira a um quilômetro de
distância. Eu gostaria de ter a mesma habilidade, porque se tem uma coisa
que não suporto é mentira. Maisie tem instintos incríveis sobre as pessoas
que ela definitivamente não herdou de mim. Se ela não fala com você, não
é porque é fraca e introvertida, é porque simplesmente acha que você não
merece o tempo dela. Ela é assim desde que era bebê. Gosta ou não gosta
de você. Colt... ele dá a todos uma chance, e uma segunda chance, uma
terceira... você entendeu.
Acho que ele herdou isso do tio dele, porque posso admitir que nunca
fui capaz de dar uma segunda chance quando se trata de magoar as
pessoas que amo. Por mais embaraçoso que eu possa admitir, ainda não
perdoei meu pai por nos deixar - pelo olhar no rosto de meu irmão ou por
aquela mentira fácil de que ele estava indo para uma missão por algumas
semanas..., mas depois nunca mais ter voltado. Por escolher divorciar-se
da minha mãe em vez do exército. Caramba, faz catorze anos e eu ainda
não perdoei o oficial que deu a ordem que o matou - por quebrar o coração
da minha mãe pela segunda vez. Eu realmente odeio isso em mim. Sim,
Colt definitivamente puxou o coração mole do meu irmão, e espero que ele
nunca o perca.
Aos cinco anos, meus filhos já são pessoas melhores do que eu
jamais serei e estou ridiculamente orgulhosa deles.
Mas não sou o centro do universo deles. Sou mais parecida com a
gravidade deles. Agora eu os tenho totalmente seguros, os pés no chão, o
caminho óbvio. É meu trabalho mantê-los ali, perto de tudo que os mantém
seguros. Mas, à medida que crescem, relaxo um pouco, paro de atrair com
tanta força. Uma hora, vou libertá-los para voar, e só vou atraí-los quando
pedirem ou precisarem. Inferno, eu tenho vinte e quatro anos e às vezes
ainda preciso ser atraída. Mas, sinceramente, não quero ser o centro. Por
que o que acontece quando o centro não existe mais?
Tudo... todo mundo sai de órbita.
Pelo menos foi o que aconteceu comigo.
Então estou bem com a gravidade. Afinal, controla as marés, o
movimento de tudo e até torna a vida possível. E quando estiverem prontos
para voar, talvez encontrem alguém que mantenha os pés no chão. Ou
talvez voem com eles.
Espero que seja um pouco dos dois.
Então, posso saber por que te chamam de Chaos? Ou isso é tão
secreto quanto a sua foto?

Ella

***

— Chaos, você quer compartilhar? — Williams perguntou,


indicando com a cabeça em direção à carta.
— Não. — Dobrei a carta número seis e a coloquei no bolso do meu
peito enquanto o helicóptero nos levava para a operação. Havoc ainda
estava entre meus joelhos. Ela não era uma grande fã de helicópteros, ou
do rapel que estávamos prestes a fazer, mas estava firme.
— Você tem certeza? — Williams brincou de novo, seu sorriso
brilhante contra sua pele escura e camuflada.
— Totalmente. — Ele não ia conseguir a carta ou um biscoito. Eu
não ia compartilhar nenhuma parte de Ella. Ela era a primeira pessoa
que sempre foi minha, mesmo que fosse apenas através de cartas. Isso
não era um sentimento que eu queria dividir.
— Deixe-o em paz, — disse Mac ao meu lado. Ele olhou para o meu
bolso. — Ela é boa para você.
Eu quase o ignorei. Mas o que ele me deu foi um presente, não
apenas Ella, mas a conexão além dos caras, da missão. Ele me deu uma
janela para a vida normal fora da caixa em que me tranquei nos últimos
dez anos. Então dei a ele a verdade.
— Sim. — Balancei a cabeça. Isso era tudo que eu poderia dar a
ele.
Ele deu um tapa no meu ombro com um sorriso, mas não disse “eu
te avisei”.
— Dez minutos, — Donahue gritou por cima do comunicador.
— Como é? Telluride? — Perguntei a Mac.
Seus olhos assumiram aquele olhar melancólico para o qual eu
costumava revirar os olhos. Agora eu estava estranhamente desesperado
para saber, para imaginar a pequena cidade em que ela vivia.
— É linda. No verão é exuberante e verde, e as montanhas se
erguem acima de você como se estivessem tentando levá-lo para mais
perto do céu. No outono, parecem mergulhadas em ouro quando o álamo
se transforma... como agora. No inverno, é um pouco movimentado por
causa da temporada de esqui, mas a neve cai em volta de Solitude e é
como se tudo estivesse coberto de recomeços. Então vem a primavera e
as estradas ficam lamacentas, os turistas vão embora, e tudo nasce de
novo, tão bonito quanto no ano passado. — Ele deixou a cabeça cair de
volta contra o banco do helicóptero.
— Você sente saudades.
— Todo dia.
— Então por que ainda está aqui? Por que foi embora?
Ele virou a cabeça para mim com um sorriso triste. — Às vezes você
tem que ir embora para saber o que deixou. Você realmente não valoriza
algo até perdê-lo.
— E se você nunca teve isso? — Era mais uma questão clínica.
Nunca fui apegado a um lugar ou me senti em casa. Nunca fiquei em
lugar tanto tempo para que esse sentimento se enraizasse. Ou talvez eu
não fosse capaz de criar raízes. Talvez elas tenham sido cortadas de mim
com tanta frequência que simplesmente se recusaram a crescer.
— Vou lhe dizer uma coisa, Gentry. Você e eu. Depois que essa
missão terminar, vamos tirar uma folga e vou apresentar Telluride a você.
Sei que você sabe esquiar, então vamos para as pistas, depois os bares.
Posso até deixar você conhecer Ella, mas terá que passar por Colt.
Ella. Nós tínhamos só mais alguns meses nessa equipe de operação
especial. Então era adeus à Força de Reação Rápida e olá para um
pequeno tempo de inatividade, que eu geralmente desprezava, mas agora
me sentia um pouco curioso. Mas Ella? Essa curiosidade não era nem
um pouco branda. Eu queria vê-la, conversar com ela, descobrir se a
mulher que escreveu as cartas existia de verdade em um mundo que não
era de papel ou perfeito.
— Vou gostar disso, — respondi devagar. Ele tinha me convidado
inúmeras vezes, mas nunca aceitei.
Suas sobrancelhas se ergueram quando seu grande sorriso se
tornou quase cômico. — Quer ver Telluride ou Ella?
— Ambos, — respondi com sinceridade.
Ele acenou com a cabeça quando o aviso de cinco minutos veio nos
comunicadores. Então se inclinou para que só eu pudesse ouvi-lo, não
que os outros tivessem uma chance sobre os rotores.
— Vocês seriam bons um para o outro. Se você deixar seus pés em
um lugar por tempo suficiente para que algo cresça.
Inútil. Você estraga tudo.
Tirei as palavras da minha mãe da minha cabeça e me concentrei
no agora. Deslizar para lá seria um desastre esperando para acontecer,
então fechei a porta na minha cabeça.
— Eu não sou bom para ninguém, — falei a Mac. Então, antes que
ele pudesse ir mais fundo, conferi o equipamento de Havoc, certificando-
me de que ela estivesse bem presa para não a perder na descida.
Gravidade poderia ser uma cadela.
Os comentários de Ella sobre esse assunto passaram pela minha
cabeça. Como seria ter alguém a seu lado? Era reconfortante sentir essa
segurança? Ou era sufocante? Era o tipo de força em que você confiava
ou o tipo da qual fugia?
Havia mesmo pessoas que permaneciam tempo suficiente para
serem consideradas tão confiáveis? Se havia, nunca conheci. Foi por isso
que nunca me incomodei com relacionamentos. Por que diabos você se
inscreveria para investir em alguém que acabaria dizendo que você era
muito falho, muito complicado, para deixar por perto?
Até Mac, meu melhor amigo, era contratualmente obrigado a
pertencer à mesma unidade que eu, e até a amizade dele tinha limites, e
me certifiquei de nunca testar essas linhas. Sabia no fundo do estômago
que ele queimaria qualquer pessoa que machucasse Ella.
Dez minutos depois, aterrissamos, e essa foi a única gravidade em
que tive tempo de pensar.
CAPÍTULO QUATRO
ELLA
Carta nº 6

Ella,

Obrigado pelos biscoitos. E sim, seu irmão os roubou enquanto eu


estava no banho. Você deve achar que ele deve estar pesando uns
trezentos quilos.
Eu pensei sobre o que você disse sobre gravidade.
Nunca tive isso – algo que me prende em qualquer lugar. Talvez
quando entrei para o exército, mas na verdade era mais sobre minha
afinidade com a unidade do que para qualquer lugar ou pessoa. Até
conhecer o seu irmão e fomos avançando através da seleção. Infelizmente
gosto demais dele, assim como a maior parte da nossa unidade. É
lamentável porque às vezes ele pode ser um pé no saco.
Por que me chamam de Chaos? Essa é uma longa e desagradável
história. Prometo que vou contar para você um dia. Vamos apenas dizer
que envolve uma briga de bar, dois seguranças realmente irritados e um
mal-entendido entre seu irmão e uma mulher que ele confundiu com uma
prostituta. Ela não era.
Ela era a esposa do nosso novo oficial comandante. Ops
Talvez eu o faça contar essa história.
Você mencionou em sua última carta que Maisie não estava se
sentindo bem. Os médicos chegaram ao fundo da questão? Não posso
imaginar o quão difícil isso deve ser para você. Como está Colt? Ele
começou as aulas de snowboard?
Tenho que ir, estão nos reunindo e quero ter certeza de colocar isso
no correio.
Te vejo mais tarde.

Chaos

***

Os únicos sons no quarto do hospital eram os pensamentos


gritando dentro da minha cabeça, implorando para serem libertados. Eles
exigiam respostas, gritavam para encontrar todos os médicos neste
hospital e fazê-los ouvir. Sabendo que Telluride não ia investigar mais a
fundo, eu a trouxe para o maior hospital em Montrose, a uma hora e meia
de distância.
Era quase meia noite. Nós estávamos aqui desde logo depois do
meio-dia e ambas as crianças estavam dormindo. Maisie estava enrolada
em si mesma, ofuscada pelo tamanho da cama do hospital, alguns fios
enviando seus sinais vitais para os monitores. Graças a Deus eles
desligaram o sinal sonoro incessante. Só de ver o lindo ritmo de seu
coração já bastava para mim.
Colt estava estendido no sofá, com a cabeça no meu colo, sua
respiração profunda e regular. Embora Ada tivesse se oferecido para levá-
lo para casa, ele recusou, especialmente enquanto Maisie tinha um
aperto de morte em sua mão. Eles nunca conseguiram ficar separados
por muito tempo. Passei meus dedos pelo cabelo loiro, da mesma
tonalidade quase branca do de Maisie. Como seus traços eram parecidos.
Quão diferentes eram suas pequenas almas.
Um clique suave soou quando a porta se abriu apenas o suficiente
para um médico enfiar a cabeça.
— Senhora MacKenzie?
Levantei um dedo e o médico assentiu, recuando e fechando a porta
suavemente.
O mais silenciosamente que pude, afastei Colt do meu colo,
substituindo meu calor por um travesseiro e minha jaqueta por cima de
seu corpinho.
— Tá na hora de ir? — Ele perguntou, aconchegando-se mais no
sofá.
— Não, parceiro. Preciso falar com o médico. Você fica aqui e cuida
de Maisie, tá certo?
Lentamente, olhos azuis se abriram para encontrar os meus. Ele
ainda estava meio adormecido.
— Pode deixar.
— Eu sei. — Afaguei sua testa com meus dedos.
Com passos seguros e dedos muito inseguros, abri a porta e fechei
sem acordar Maisie.
— Senhora MacKenzie?
Examinei seu crachá. Doutor Taylor.
— Na verdade, não sou casada.
Ele piscou rapidamente e depois assentiu. — Certo. Claro. Me
desculpe.
— O que você descobriu? — Juntei as laterais do meu suéter, como
se a lã pudesse funcionar como algum tipo de armadura.
— Vamos até outra sala. As enfermeiras estão bem aqui, então as
crianças estão bem, — ele me assegurou, já me levando a uma área com
paredes de vidro que parecia servir como uma sala de reuniões.
Havia dois outros médicos esperando.
O doutor Taylor apontou-me para uma cadeira e eu me sentei. Os
homens na sala pareciam sérios, seus sorrisos não alcançavam seus
olhos, e o cara da direita parecia não conseguir parar de clicar sua
caneta.
— Então, senhorita MacKenzie, — começou o doutor Taylor. —
Fizemos alguns exames de sangue em Margaret e drenamos um pouco
de líquido do quadril dela onde encontramos a infecção.
Eu me remexi no meu lugar. Infecção... isso foi fácil.
— Então... antibióticos?
— Não exatamente. — Os olhos do doutor Taylor dispararam em
direção à porta, e olhei para ver uma mulher de meia-idade encostada no
batente. Ela era classicamente linda, sua pele escura era tão perfeita
quanto seu coque francês. De repente eu estava muito consciente do meu
estado de desordem, mas consegui manter minhas mãos longe do meu
coque bagunçado sem charme.
— Doutora Hughes?
— Apenas observando. Vi o prontuário da menina quando entrei
no turno.
O doutor Taylor assentiu, respirou fundo e voltou sua atenção para
mim.
— Bem, se ela tem uma infecção no quadril, isso explicaria a dor
nas pernas e a febre, certo? — Cruzei meus braços sobre o meu abdômen.
— Sim, explicaria. Mas encontramos uma anomalia no hemograma
dela. O número de seus glóbulos brancos está alarmantemente elevado.
— O que isso significa?
— Bem, este é o doutor Branson e é ortopedista. Ele vai nos ajudar
com o quadril de Margaret. E este... — O doutor Taylor engoliu em seco.
— Este é o doutor Anderson. Ele é oncologista.
Oncologista?
Meu olhar se virou para encontrar o médico idoso, mas minha boca
não se abriu. Não até ele dizer as palavras para as quais sua
especialidade tinha sido chamada.
— Senhorita MacKenzie, os testes da sua filha indicam que ela
pode ter leucemia...
Sua boca continuou a se mover. Eu vi tomar forma, assisti aos
movimentos de seus traços faciais, mas não ouvi nada. Era como se ele
tivesse se transformado na professora de Charlie Brown e tudo estivesse
vindo através de um filtro de um milhão de galões de água.
E eu estava me afogando.
Leucemia. Câncer.
— Pare. Espere. — Estendi minhas mãos. — Eu a levei no pediatra
pelo menos três vezes nas últimas seis semanas. Ele me disse que não
havia nada, e agora você está dizendo que é leucemia? Isso não é
possível! Eu fiz de tudo.
— Eu sei. Seu pediatra não sabia o que procurar, e nem sequer
estamos certos de que seja leucemia. Precisamos de uma amostra de
medula óssea para confirmar ou descartar.
Qual médico disse isso? Branson? Não, ele era o ortopedista, certo?
Era o médico do câncer. Porque meu bebê precisava fazer teste
para câncer. Ela estava em outra sala e não tinha ideia de que um grupo
de pessoas a condenava ao inferno por um crime que nunca
cometera. Colt... Deus, o que eu ia dizer a ele?
Senti uma mão apertar a minha e olhei, minha cabeça no piloto
automático, para ver a doutora Hughes na cadeira ao meu lado. —
Podemos ligar para alguém? Talvez o pai de Maisie? Sua família?
O pai de Maisie nunca se preocupou em vê-la.
Meus pais tinham morrido há catorze anos.
Ryan estava a meio mundo de distância fazendo Deus sabia o quê.
Ada e Larry estavam, sem dúvida, dormindo na sede de Solitude.
— Não. Não há ninguém.
Eu estava sozinha.

***

Os exames começaram pela manhã. Peguei um pequeno caderno


da bolsa e comecei a anotar o que os médicos diziam, que testes estavam
sendo realizados. Eu não conseguia absorver tudo isso. Ou talvez a
enormidade disso fosse simplesmente demais para absorver.
— Outro teste? — Colt perguntou, apertando minha mão enquanto
os médicos tiravam mais sangue de Maisie.
— Sim. — Forcei um sorriso, mas não o enganei.
— Só precisamos ver o que está acontecendo com sua irmã,
homenzinho, — o doutor Anderson disse de onde estava sentado ao lado
do leito de Maisie.
— Você já viu seus ossos. O que mais quer? — Colt estalou.
— Colt, por que não vamos tomar um sorvete? — Ada perguntou
do canto. Ela chegou cedo esta manhã, determinada a não me deixar
sozinha.
Eu poderia estar em uma sala com uma dúzia de pessoas que eu
conhecia – ainda assim estaria sozinha.
— Vamos, vamos pegar um pouco para Maisie, também. — Ela
estendeu a mão, e eu acenei para Colt.
— Vá. Nós não vamos a lugar nenhum por um tempo.
Colt olhou para Maisie, que sorriu. — Morango.
Ele balançou a cabeça, cumprindo seu dever com toda a seriedade,
depois lançou outro olhar ao doutor Anderson antes de sair com Ada.
Segurei a mão de Maisie enquanto eles terminavam de colher
sangue. Então me enrolei ao lado dela na cama e liguei desenhos
animados, segurando seu pequeno corpo contra o meu.
— Estou doente? — Ela olhou para mim sem medo ou expectativa.
— Sim, querida. Acho que você está. Mas é muito cedo para se
preocupar, está bem?
Ela assentiu com a cabeça e se concentrou em qualquer programa
que estivesse passando no Disney Junior.
— Então é bom que eu esteja em um hospital. Eles fazem você
melhorar nos hospitais.
Eu beijei sua testa. — Isso, eles fazem.

***

— Não é leucemia, — disse-me o doutor Anderson, enquanto


estávamos no corredor mais tarde naquela noite.
— Não é? — Alívio correu através de mim, a sensação física
palpável, como o sangue retornando a um membro por muito tempo
adormecido.
— Não. Mas não sabemos o que é.
— Ainda pode ser câncer?
— Pode. No entanto, não estamos achando nada além do número
de glóbulos brancos elevado.
— Mas você vai continuar procurando.
Ele assentiu com a cabeça, mas o brilho de certeza que ele tinha
em seus olhos quando ele pensou que era leucemia tinha ido embora. Ele
não sabia com o que estávamos lidando, e obviamente não queria me
dizer isso.
Os terceiro e quarto dias passaram com mais testes. Menos certeza.
Colt ficou inquieto, mas se recusou a sair do lado de sua irmã, e
não tive coragem de fazê-lo ir embora. Eles nunca ficaram separados por
mais de um dia em suas vidas. Eu não tinha certeza se eles sabiam como
sobreviver como indivíduos quando pensavam em si mesmos
coletivamente.
Ada trouxe roupas limpas, levou Colt para passear, me atualizou
sobre os negócios. Era tão estranho que Solitude tivesse sido minha
prioridade número três atrás de Colt e Maisie nos últimos cinco anos,
mas neste momento senti isso totalmente sem importância.
Os dias se misturaram, e meus dedos estavam quase machucados
de tanta pesquisa que fiz na internet desde que o doutor Anderson soltou
a palavra que começa com C. Claro que me disseram para não olhar a
internet.
Certo, então.
Eu não conseguia me lembrar de nada que disseram na metade do
tempo. Não importava o quanto eu tentasse me concentrar, era como se
meu cérebro tivesse escudos e estivesse apenas absorvendo o que achava
que eu poderia aguentar. Usar a internet preenchia as lacunas que
minha memória e meu caderno não conseguiam.
No quinto dia, nos reunimos na sala de reuniões de novo, mas
dessa vez eu tinha Ada ao meu lado.
— Ainda não sabemos o que está causando isso. Nós testamos
todas as causas usuais e tudo deu negativo.
— Por que isso não parece uma coisa boa? — Ada perguntou. —
Você está dizendo que não encontrou câncer, mas parece desapontado.
— Porque há algo ali. Eles simplesmente não conseguem
encontrar, — eu disse, minha voz ficando aguda. — Foi a mesma coisa
com o doutor Franklin. Maisie disse que se machucou e foi mandada para
casa com um diagnóstico de dores durante seu crescimento. Então
chamou de psicossomático. Agora vocês estão me dizendo que o sangue
dela diz uma coisa, os ossos dela dizem outra e vocês não têm ideia do
que seja.
Os homens tiveram o bom senso de parecer envergonhados. Eles
deveriam estar. Estudaram anos e anos para este momento e estavam
falhando.
— Bem, o que vocês vão fazer? Porque tem que ter alguma
coisa. Você não vai mandar minha menininha para casa.
O doutor Anderson abriu a boca, e eu sabia pelo rosto dele que a
próxima desculpa estava chegando.
— Oh, inferno não, —gritei antes que ele pudesse dizer uma
palavra. — Não vamos sair daqui até me darem um
diagnóstico. Entenderam? Vocês não vão lavar as mãos. Não vão tratar
disso como um mistério que simplesmente não conseguem resolver. Não
fiz medicina, mas sei que ela está doente. Seu exame de sangue diz
isso. Seu quadril diz isso. Vocês foram para a faculdade de medicina,
então descubram isso.
Silêncio rugiu mais alto do que qualquer desculpa que eles
poderiam ter me dado.
— Senhorita MacKenzie. — A doutora Hughes apareceu, sentando-
se ao lado do doutor Anderson. — Desculpe-me por não ter estado aqui,
mas dividi meu tempo entre este hospital e o Hospital Infantil de Denver
e acabei de retornar esta manhã. Eu vi os resultados do teste da sua filha
e acho que posso ter mais uma coisa que podemos fazer. É incrivelmente
raro, especialmente em uma criança desta idade. E se for o que acho que
deve ser, precisamos agir rapidamente. — Uma prancheta apareceu na
minha frente com outra autorização. — Uma assinatura é tudo que
preciso.
— Faça. — Rabisquei meu nome no papel enquanto minha mão se
movia, mas não era um esforço consciente. Nada parecia uma escolha no
momento.
Duas horas depois, a doutora Hughes apareceu na porta, e eu saí,
deixando Colt e Maisie em volta um do outro na frente de Harry Potter.
— O que você descobriu?
— É neuroblastoma.

***

Ada foi no meu carro, Colt amarrado em sua cadeirinha atrás dela
enquanto nós seguíamos através das curvas e mais curvas da rodovia em
direção a Denver. Eu nunca tinha estado na parte de trás de uma
ambulância, nem mesmo quando entrei em trabalho de parto dos
gêmeos. Agora minha primeira viagem em uma durou cinco horas.
Eles nos levaram imediatamente ao leito pediátrico de câncer no
Hospital Infantil. Não existia nenhuma quantidade de murais de
desenhos alegres nas paredes que pudessem aliviar meu humor.
Colt andou ao meu lado, a mão dele na minha, enquanto
empurravam Maisie pelo largo corredor. Pequenas cabeças espiavam
pelas portas ou corriam, algumas carecas, outras não. Havia crianças
vestidas como super-heróis e princesas, e um charmoso Charlie
Chaplin. Uma mãe com uma xícara de café me deu um sorriso hesitante
e compreensivo quando passamos por onde ela estava sentada.
Era Halloween. Como eu tinha esquecido? As crianças adoravam o
Halloween e não disseram uma única palavra. Sem fantasias, sem
gostosuras ou travessuras, apenas exames e hospitais, e uma mãe que
não conseguia se lembrar de que dia era.
Eu não queria estar aqui. Eu não queria que isso estivesse
acontecendo.
Mas estava.
A enfermeira que registrou Maisie em seu quarto certificou-se de
que tínhamos tudo o que precisávamos, incluindo uma cama dobrável
que ela disse que Colt e eu podíamos ficar à vontade para dormir.
— Vocês têm fantasias? — Ela perguntou, muito animada para o
meu gosto e gentil demais para não gostar.
— Eu... eu esqueci que era Halloween. — Essa era a minha
voz? Tão baixa e ferida? — Desculpe, pessoal, — eu disse aos gêmeos
enquanto eles olhavam para mim com uma mistura de excitação e
desapontamento. — Esqueci suas fantasias em casa.
Apenas outra maneira de decepcioná-los.
— Eu as comprei, não se preocupe, — disse Ada, colocando uma
mochila no sofá. — Não tinha certeza de quanto tempo ficaríamos longe,
então peguei o que consegui pensar. Colt, você é nosso soldado, certo? —
Ela entregou a Colt o traje embrulhado em plástico que comprei há
algumas semanas.
— Sim! Igual o tio Ryan.
— E Maisie, nosso anjinho. Quer colocar isso agora ou esperar? —
perguntou Ada.
— Eles podem se vestir. Na verdade, fazemos um pouco de doces
ou travessuras por volta das cinco, então eles podem se preparar, — disse
a enfermeira. Eu não conseguia lembrar o nome dela. Eu mal me
lembrava do meu nome.
Balancei a cabeça em agradecimento quando as crianças abriram
suas roupas. Uma coisa tão comum em circunstâncias extraordinárias.
Ada envolveu seu braço em volta dos meus ombros, me puxando
com força.
— Isso parece mais travessura do que gostosura, — falei baixinho,
para que as crianças não me ouvissem. Eles riam e se vestiam, trocando
peças para que Maisie usasse o capacete de Ryan e Colt tivesse uma
auréola de prata brilhante.
— Estamos em dias difíceis, — concordou Ada. — Mas você criou
uma dupla de guerreiros ali . Maisie não vai desistir e Colt com certeza
não vai deixá-la desistir.
— Obrigada pelas fantasias. Não posso acreditar que me
esqueci. E tudo isso com Solitude e os preparativos para a temporada...
— Pode parar aí mesmo, senhorita. Eu tenho criado você desde
que você chegou a Solitude. Sempre fomos você e Ryan, e Ruth, Larry e
eu. Ruth era forte, mas sabia que precisaria de todos nós juntos para
ajudar vocês depois que perderam seus pais. Não se preocupe com nada
em casa. Larry está cuidando de tudo. E quanto às fantasias, você tem
coisas mais importantes nessa sua linda cabeça. Apenas deixe-me sentir
útil e lembre-se dos pequenos.

***

Tantos exames. TEP-TC3. As letras enlouqueceram em minha


cabeça enquanto ela estava em cirurgia. Eles o chamavam de pequeno. O
tumor que encontraram em sua glândula suprarrenal esquerda e rim era
tudo menos isso.
Outra sala de reuniões, mas eu não estava sentada. Eu ouviria
todas as notícias que eles tinham para mim de pé. Ponto.
— Senhorita MacKenzie, — a doutora Hughes se dirigiu a mim
quando ela entrou com uma equipe de médicos. Eu estava grata por
qualquer acordo que ela tivesse com Montrose que permitisse que ela
estivesse aqui, com o mesmo rosto, a mesma voz comigo.
— Bem?
— Realizamos a biópsia e testamos o tumor e a medula óssea.
— Certo. — Meus braços estavam cruzados com força, fazendo o
possível para segurar o resto de mim.

3 Tomografia computadorizada
— Eu sinto muito, mas o caso da sua filha é muito agressivo e
avançado. Na maioria dos casos de neuroblastoma, os sintomas
aparecem muito mais cedo do que isso. Mas a condição de Maisie tem
progredido sem nenhum sinal externo. É provável que esteja avançando
há anos sem ser detectado.
Anos. Um monstro estava crescendo dentro da minha filha há
anos.
— O que você está tentando me dizer?
A doutora Hughes deu a volta na mesa para pegar minha mão onde
eu estava balançando para frente e para trás como se os gêmeos ainda
fossem bebês em meus braços precisando de alívio.
— Maisie tem estágio neuroblastoma quatro. São mais de 90% de
sua medula óssea.
Eu mantive meus olhos fixos nos dela castanhos escuros, sabendo
que assim que perdesse esse contato, eu estaria me afogando novamente.
As paredes já pareciam estar se fechando, os outros médicos
desaparecendo da minha visão periférica.
— 90%? — Minha voz era quase um sussurro.
— Temo que sim.
Eu engoli e me concentrei em levar o ar para dentro e para fora dos
meus pulmões, tentando encontrar coragem para fazer a pergunta
óbvia. A que eu não pude forçar além dos meus lábios, porque no minuto
em que saísse e ela respondesse, tudo mudaria.
— Ella? — Perguntou a doutora Hughes.
— Qual é a sua perspectiva? Seu prognóstico? O que nós fazemos?
— Nós atacamos imediatamente e sem piedade. Começamos com
quimioterapia e seguimos em frente. Nós lutamos. Ela luta. E quando ela
estiver cansada demais para lutar, então você faz o que pode para lutar
por ela, porque esta é uma guerra total.
— Quais são as chances dela?
— Ella, eu não tenho certeza se você quer...
— Quais são as chances dela? — Eu gritei com o resto das minhas
energias.
A doutora Hughes fez uma pausa, depois apertou minha mão.
— Ela tem 10% de chance de sobreviver.
Aquele rugido voltou aos meus ouvidos, mas eu o afastei,
concentrando-me em cada palavra que a doutora Hughes disse. Eu
precisava de toda a informação.
— Ela tem 10% de chance de sobreviver a isso? — Eu repeti,
precisando que ela me dissesse que eu tinha ouvido errado.
— Não. Ela tem 10% de chance de sobreviver este ano.
Meus joelhos cederam quando minhas costas atingiram a
parede. Eu deslizei, papel amassando atrás de mim enquanto meu peso
derrubava o que quer que estivesse lá. Eu caí no chão, incapaz de fazer
qualquer coisa além de respirar. Vozes falaram, e ouvi, mas não entendi
o que elas diziam.
Na minha cabeça, repetiam uma coisa várias vezes. — 10% de
chance.
Minha filha tinha 10% de chance de viver esse ano.
O que significava que ela tinha 90% de chance de morrer, aquelas
asas de anjos que ela se recusava a tirar tornando-se muito reais.
Concentre-se nos dez. Dez era melhor que nove.
Dez era... tudo.

***

Eu me recompus. Quimioterapia. Cateteres. Consultas em


Montrose e Denver. Câncer agressivo significava um plano
agressivo. Pastas cheias de informações, cadernos com
rabiscos. Agendas, aplicativos e estudos de pesquisa tornaram-se meus
momentos de vigília. Minha vida mudou naqueles primeiros dias.
Eu mudei.
Como se minha alma tivesse pegado fogo, senti uma queimação no
peito, um propósito que eclipsou tudo o mais. Minha filha não morreria.
Colt não perderia sua irmã.
Isso não me quebraria nem quebraria a minha família. Aguentar
isso era a segunda prioridade apenas para a sobrevivência de Maisie.
Eu não chorei. Não quando escrevi as cartas para Ryan e para
Chaos. Não quando contei a Colt e a Maisie como ela estava doente. Não
quando ela começou a vomitar após a primeira sessão de quimioterapia,
e não quando, um mês depois, durante a sua segunda sessão de uma
semana, seu lindo cabelo loiro caiu em tufos no dia anterior ao seu sexto
aniversário. Quase vacilei quando Colt veio do barbeiro com Larry - sua
cabeça tão brilhante e careca quanto a de sua irmã - mas apenas sorri.
Ele se recusou a se separar durante o aniversário deles, e por mais que
eu quisesse que ele não visse o que ela passou durante a quimioterapia,
fiquei incrivelmente agradecida por estar com os dois, por não estar em
constante estado de preocupação com um enquanto estava cuidando do
outro.
Eu não desmoronei.
Não até a véspera de Ano Novo.
Foi quando os oficiais vieram à porta e rasgaram minha fachada
forte em pedaços com uma simples frase: Lamentamos informar que seu
irmão, SSG Ryan MacKenzie, foi morto em ação. Devido à natureza de sua
unidade, isso era tudo que eu podia saber. Os detalhes - onde ele esteve,
o que aconteceu, com quem ele esteve - tudo era confidencial.
Quando não houve mais cartas de Chaos, eu tive pelo menos uma
dessas respostas.
Ambos se foram.
Eu quebrei.
QUATRO MESES DEPOIS
CAPÍTULO CINCO
BECKETT
Beck,

Se você está lendo isso, blá, blá. Você conhece o protocolo da última
carta. Você conseguiu. Eu não. Não fique com esse sentimento de culpa,
porque te conheço, e se houvesse alguma chance de ter me salvado, você
teria feito isso. Se houvesse alguma maneira de mudar o desfecho, você
teria feito isso. Então, seja qual for o buraco profundo e sombrio de culpa
em que você esteja se afundando, pare.
Preciso de uma coisa de você: leve sua bunda para Telluride. Sei
que a data da sua baixa é a mesma da minha. Aproveite isso.
Ella está sozinha. Sozinha não do jeito como ela tem vivido, mas
sozinha mesmo, de verdade. Nossa avó, nossos pais e agora eu. É pedir
demais para ela suportar. Não é justo.
Mas aqui está a questão: Maisie está doente. Ela tem apenas seis
anos, Beck, e minha sobrinha pode morrer.
Então, se eu morrer, significa que não posso ir para casa em janeiro
como planejamos. Não posso estar lá para ela. Não posso ajudar Ella com
isso, jogar futebol com meu sobrinho ou segurar minha sobrinha. Mas você
pode. Então, estou te implorando, como meu melhor amigo, cuide da minha
irmã, da minha família. Faça o que puder para salvar minha pequena
Maisie.
Não é justo pedir. Sei disso. É contra a sua natureza cuidar, não
cumprir uma missão e seguir em frente, mas eu preciso disso. Maisie e Colt
precisam disso. Ella precisa disso - precisa de você, embora ela lute com
unhas e dentes contra você antes de admitir. Ajude-a mesmo quando ela
jurar que está bem.
Não a faça ficar sozinha.
Vou guardar um lugar para você aqui do outro lado, irmão, mas não
se apresse. Aproveite cada segundo que puder. Você é o único irmão que
eu desejaria ter e meu melhor amigo. E para o caso de ninguém lhe ter dito
- você é digno. De amor. De família. De um lar.
Portanto, enquanto você procura essas coisas, confira se Telluride é
o lugar que procura. Pelo menos por um tempo.

Ryan

***

As montanhas se erguiam acima de mim, impossivelmente altas,


considerando que eu já estava a quase nove mil pés. Claro, o ar parecia
mais rarefeito, mas também era de alguma forma mais fácil respirar.
Havoc descansava a cabeça no console de couro entre nossos
bancos enquanto eu guiava minha caminhonete pelo centro de Telluride.
Era um perfeito Norman Rockwell4. Fachadas de lojas de tijolos à vista e
pintadas, famílias passeando com crianças. Não era exatamente o
paraíso turístico que eu esperava.
Parecia mais como uma cidade natal deveria parecer. Só que não a
minha cidade natal.
Era de Ryan. Mac foi enterrado aqui, pelo menos foi o que me
disseram. Eles mandaram para o funeral só o capitão Donahue e mais
alguns. Eu fiquei em campo com o resto da unidade, valioso demais para
ter licença.
Eu sabia a verdade: não era eu - pelo menos não na situação em
que estava naquele momento. Era Havoc. Eles precisavam dela e ela só
obedecia a mim.

4Normal Rockwell foi um pintor americano reconhecido em seu país por retratar
minúcias da vida cotidiana da família americana, especialmente registros de eventos
de cidade pequena e seus estereótipos.
Esfreguei o topo de sua cabeça, prometendo-lhe silenciosamente
que ela teria uma vida pacífica a partir de agora. Que tão rapidamente
quanto nós dois recebemos a licença final, ela merecia um pouco de paz.
Eu? Eu vivia em um inferno de minha própria criação. Um que eu
mais do que merecia. Parei para abastecer o tanque antes de sair da
cidade, seguindo meu GPS para o endereço de Solitude.
Solitude. Que apropriado. Solidão.
Eu estava sozinho. Ella estava sozinha.
E continuaríamos assim, porque nunca estaríamos juntos. Fui
responsável por isso quando parei de escrever no dia em que Ryan
morreu.
Mas eu poderia fazer isso. Por Ryan. Por Ella. Mas não por mim.
Achar que fosse por mim implicava que havia algum tipo de redenção da
qual eu era digno.
Mas não. O que eu fiz estava além de qualquer redenção.
Forcei minha mandíbula e apertei o volante quando me aproximei
da estrada particular. Fiz uma curva, meu olhar capturando a caixa de
correio pendurada em um ângulo qualquer no poste. Quantas vezes ela
foi até ali procurando minhas cartas? Quantas vezes ela encontrou uma
e sorriu? Vinte e quatro.
Quantas vezes ela fez a caminhada sem uma? Querendo saber o
que aconteceu comigo? Talvez tenha pensado que morri na operação com
Ryan. Talvez fosse melhor assim.
Eu não tinha certeza se queria saber.
Dirigi pela estrada asfaltada, sob os álamos que ladeavam o
caminho. Ryan diria que havia algo sobre ser propício chegar na
primavera, durante o período do renascimento, mas isso era um monte
de merda.
Não havia renascimento para mim. Sem recomeços. Eu não estava
aqui para ver a vida começar. Estava aqui para ajudar Ella se fosse o fim
para Maisie. Se Ella pelo menos me deixar chegar perto.
O frio na minha barriga era muito familiar, me reduzindo àquele
garoto magro e quieto que fui há vinte anos, aparecendo na casa de outra
família, esperando que não encontrassem um motivo para torná-lo o
problema de outra pessoa. Esperando que, dessa vez, ele não guardasse
suas coisas em outro saco de lixo quando quebrasse acidentalmente um
prato ou alguma regra que nem sabia que existia, rotulado como
“problemático” e levado para outra casa mais rígida.
Pelo menos dessa vez eu já sabia quais regras havia quebrado e
estava mais do que consciente de que meu tempo aqui era limitado.
Parei na entrada circular em frente à sede, igual às fotos que vi na
internet. Parecia um chalé de madeira, só que enorme. O estilo era
modernizado, rústico, se é que isso pudesse existir, e de alguma forma
me lembrava de uma época em que homens colhiam árvores inteiras para
construir casas no território selvagem para suas mulheres.
Quando eles construíam coisas em vez de destruí-las.
Meus pés atingiram o chão e parei, esperando Havoc pular antes
de fechar a porta.
Dei um sinal e ela veio direto para o meu lado. Subimos a pequena
escada que levava a uma varanda ampla, repleta de cadeiras de balanço
e um banco suspenso. As jardineiras que cobriam a grade da varanda
estavam vazias, limpas e prontas para o plantio.
Era isso. Eu estava prestes a conhecer Ella.
O que diabos eu ia dizer? Ei, me desculpe, parei de escrever para
você, mas vamos ser sinceros, eu quebro tudo que toco e não queria que
você fosse a próxima? Me desculpe, Ryan morreu? Me desculpe, não fui
eu? Seu irmão me mandou cuidar de você, então se você puder apenas
fingir que não me odeia, seria ótimo? Me desculpe, eu desapareci? Me
desculpe, não consegui ler nenhuma das suas cartas que chegaram depois
que ele morreu? Me desculpe por tantas coisas que nem consigo listar
todas?
Se eu dissesse alguma coisa, se ela soubesse quem eu realmente
era - porque parei de escrever - nunca me deixaria ajudá-la. Me daria um
pé na bunda e me mandaria embora. Ela já havia admitido em suas
cartas que não dava uma segunda chance a pessoas que machucavam
sua família, e eu não a culpo. Era uma ironia torturante que, para
cumprir o desejo de Ryan de ajudar Ella, eu tivesse que fazer a única
coisa que ela odiava – mentir... pelo menos por omissão.
Basta adicionar isso à crescente lista dos meus pecados.
— Está pensando em entrar? Ou só vai ficar de pé aí?
Eu me virei para ver um homem mais velho de sessenta anos vindo
em minha direção. Aquelas eram umas sobrancelhas loucas. Esfregou a
mão na calça jeans e pegou a minha.
Cumprimentamo-nos com um aperto firme. Este devia ser Larry.
— Você é o nosso novo hóspede?
Eu assenti. — Beckett Gentry.
— Larry Fischer. Sou o jardineiro de Solitude. — Ele se curvou
diante de Havoc, mas não a tocou. — E essa quem poderia ser?
— Esta é Havoc. Ela é uma cadela militar aposentada.
— Você é o adestrador dela? — Ele não a acariciou e imediatamente
gostei dele. Era raro que as pessoas respeitassem o espaço pessoal dela...
ou o meu.
— Eu era. Agora acho que ela é minha.
Seu olhar estreitou um pouco como se estivesse procurando algo
em meu rosto. Após um silêncio prolongado, que parecia uma inspeção,
ele assentiu. — Certo. Vamos instalar vocês dois.
Um sino tocou levemente quando entramos no vestíbulo intocado.
O interior era tão aconchegante quanto o exterior, as paredes pintadas
em tons suaves que pareciam projetadas profissionalmente para dar uma
aparência moderna de fazenda.
Sim, eu tinha visto muitos programas de decoração e jardinagem
no último mês. Estúpidas salas de espera.
— Oh! Você deve ser o Sr. Gentry! — Uma voz alegre chamou de
trás do longo balcão da recepção. A menina parecia ter vinte e poucos
anos, com um grande sorriso, olhos castanhos e cabelo do mesmo tom.
Casca grossa, mas bonitinha. Hailey.
— Como você saberia disso? — Peguei minha carteira, tomando
cuidado para não retirar a carta no bolso de trás.
Ela piscou para mim rapidamente antes de abaixar os olhos.
Merda. Eu teria que trabalhar para suavizar meu tom agora que eu
era civil - bem, quase civil. Tanto faz.
— Você é o nosso único check-in de hoje. — Ela clicou no
computador.
Eu faria o check-out caso Ella percebesse quem eu era. Então teria
que encontrar outra maneira de ajudar sem que ela apresentasse
acusações de assédio. Embora eu tenha certeza de que Ryan estaria se
divertindo com isso, ele não acharia graça se eu não conseguisse ajudá-
la.
— Alguma preferência pelo seu chalé? Temos algumas opções
disponíveis agora que a temporada está encerrada.
— O que você tiver estará bem.
— Tem certeza? Sua reserva é para... uau! Sete meses? É isso
mesmo? — Ela clicou rapidamente, como se tivesse encontrado um erro.
— É isso mesmo. — Nunca fiquei em um lugar por sete meses na
minha vida. Mas sete meses me levavam ao aniversário do diagnóstico de
Maisie, então parecia prudente reservar um chalé. Não era como se eu
estivesse comprando uma casa aqui ou algo assim.
Ela olhou para mim como se eu lhe devesse uma explicação.
Bem, isso foi estranho.
— Então, se eu pudesse ter um mapa? — Sugeri.
— Claro. Me desculpe. É que nunca tivemos um hóspede por tanto
tempo. Isso me pegou desprevenida.
— Sem problemas.
— Não seria mais barato arranjar um apartamento? — ela
perguntou baixinho. — Não que eu esteja sugerindo que você não pode
pagar. Merda, Ella vai me matar se eu continuar ofendendo os hóspedes.
— Ela murmurou a última parte.
Coloquei meu cartão de débito no balcão, na esperança de agilizar
o processo.
— Debite todo o valor. Vou pagar despesas eventuais quando for
embora. E sim, provavelmente seria mais barato — Isso era o máximo de
explicação que ela conseguiria.
Depois de uma transação de valor absurdo, guardei minha carteira
e agradeci ao meu eu mais jovem por poupar dinheiro como um garoto
pobre determinado a nunca mais passar fome. Eu não era mais pobre ou
criança, mas nunca me perguntaria de onde minha próxima refeição
viria.
— Isso é... um cachorro? — uma mulher mais velha perguntou, seu
tom suave, mas incrédulo.
— Sim, senhora. — A mulher parecia ter a mesma idade de Larry
e, pelo olhar dela, tinha que ser Ada. Tive a estranha sensação de entrar
em um reality show ao qual só eu assistia. Eu sabia quem era cada uma
dessas pessoas pelas cartas de Ella, mas para elas eu era um completo
estranho.
— Bem, não permitimos cães aqui. — Seu olhar se fixou em Havoc
como se ela pudesse imediatamente ter pulgas e infestar o lugar.
Merda. Se Havoc for embora, eu também iria.
— Ela vai aonde eu vou. — Minha resposta padrão saiu da minha
boca antes de me censurar.
Ada me deu um olhar que tenho certeza de que deve ter feito Ella
fugir quando era mais jovem. Cerrei os dentes e tentei novamente.
— Não estava ciente dessa política quando fiz a reserva. Me
desculpe.
— Ele pagou até novembro! — Hailey disse de trás da mesa.
— Novembro? — A boca de Ada se abriu.
— Não se preocupe, amor. — Larry foi até a esposa e passou o
braço pela cintura dela. — Ela é uma cadela militar. Não vai estragar o
tapete nem nada.
— Aposentada, — corrigi enquanto Havoc ficava perfeitamente
imóvel, lendo a atmosfera.
— Por que ela se aposentou? Ela é agressiva? Temos crianças
pequenas aqui e não podemos ter ninguém mordido. — Ada espremeu as
mãos - na verdade as torceu. Era fácil vê-la em conflito. Paguei por sete
meses, a maioria fora de época. Eu era renda garantida.
— Ela se aposentou porque eu me aposentei, e ela não quis
obedecer a ninguém mais. — Fui seu adestrador por seis anos e não
conseguia imaginar minha vida sem ela, por isso deu certo. — Ela só vai
morder com meu comando ou em minha defesa. Ela nunca fez xixi no
tapete ou atacou uma criança. Isso eu posso prometer.
Ela não era a assassina de crianças na sala. Eu era.
— Ela vai ficar bem, Ada. — Larry sussurrou algo em seu ouvido
que a fez olhar um pouco mais perto, enrugando a pele fina da testa.
Então tiveram um diálogo sem palavras, cheio de sobrancelhas
levantadas e acenos de cabeça.
— Certo, tudo bem. Mas você está por sua conta para alimentá-la.
Hailey, coloque-o no chalé Aspen. Naquele, de qualquer maneira, está
prevista a troca de tapete novo no próximo ano. Bem-vindo à Solitude,
senhor...
— Gentry — forneci com um leve aceno de cabeça, lembrando de
forçar um sorriso rápido que eu esperava não parecer uma careta. —
Beckett Gentry.
— Bem, Sr. Gentry. O café da manhã é servido entre as sete e as
nove horas. O jantar pode ser arranjado, mas você está sozinho para
almoçar e para...
— Havoc.
— Havoc — disse ela, seu rosto suavizando quando Havoc inclinou
a cabeça com a menção de seu nome. — Bem, tudo bem então. Larry, por
que você não mostra a ele o chalé?
Larry assobiou quando saímos. — Essa foi por pouco.
— Parece que sim, — concordei, abrindo a porta da caminhonete.
Havoc saltou para dentro em um único movimento suave.
— Uau. Ela tem um bom salto.
— Você deveria vê-la escalar uma parede. É incrível.
— Um labrador, hein? Achei que todos aqueles cães eram pastores
e outras coisas. Um labrador parece muito mole para esse tipo de
trabalho.
— Oh, acredite em mim, sua mordida é muito mais afiada do que
seu latido.
Poucos minutos depois, guiei minha caminhonete pela estrada
estreita e pavimentada que atravessava a maior parte da propriedade. O
chalé Aspen ficava no lado oeste, perto da beira de um pequeno lago.
Havoc estaria no céu. Tendo estudado a área, eu sabia que havia hectares
entre os chalés, a propriedade projetada para dar aos visitantes o nome
do local - solidão.
Havoc e eu subimos os degraus da varanda da frente e virei a chave
na fechadura. Não há cartões eletrônicos aqui. Combina com os chalés,
as montanhas, o isolamento. Larry acenou para mim do jipe dele quando
a porta se abriu, e então ele se afastou, deixando-nos a explorar nosso
lar temporário.
— Isso não é um chalé, — eu disse à minha garota quando entrei
em um pequeno vestíbulo repleto de piso de madeira e uma daquelas
coisas de bancada onde os sapatos eram guardados em cestas. À
esquerda, havia um hall interno que, sem dúvida, era o centro da
temporada de esqui e, à direita, um lavabo.
As paredes eram pintadas nos mesmos tons suaves do hall de
entrada, o chão escuro e acolhedor, os tapetes limpos e modernos. A
cozinha surgiu à direita enquanto eu caminhava mais para dentro, uma
combinação acolhedora de armários claros, granito escuro, utensílios de
aço inoxidável.
— Pelo menos nós podemos cozinhar, — disse a Havoc enquanto
olhava para a área de jantar com oito lugares.
Então, olhei além da cozinha para a sala e meu queixo caiu. A sala
de estar era projetada para o segundo andar em uma clássica moldura
triangular que envolvia todo o chalé. As janelas do chão ao teto traziam
a luz da tarde, que filtrava através das árvores e refletia no lago. As
montanhas se erguiam acima, a neve marcando a linha das árvores nos
picos.
Se alguma vez tivesse imaginado um lugar em que pudesse
construir uma casa, talvez fosse aqui.
Eu nunca tinha visto uma visão mais bonita.
— Toc, toc! — uma voz doce e feminina chamou pela porta da
frente. — Posso entrar?
— Claro, — respondi, caminhando para o centro do chalé onde o
corredor levava direto para a porta.
— Me desculpe, — ela disse, fechando a porta e aparecendo. Meu
coração quase parou. Ella.
Esquece tudo o que eu disse - ela era a visão mais linda que eu já
vi.
Seu rosto estava mais fino que as fotos que eu tinha, os círculos
sob seus olhos um pouco mais escuros, mas ela era requintada. Seu
cabelo estavam presos em sua cabeça em algum tipo de nó, e ela usava
uma blusa Henley azul - o exato azul brilhante de seus olhos – debaixo
de um colete azul mais escuro. Seu jeans moldava perfeitamente seu
corpo, mas era fácil ver que ela havia perdido peso desde... tudo. Ela não
estava cuidando de si mesma.
Seu sorriso não alcançava seus olhos e percebi que ela ainda estava
falando comigo.
— Oi, eu sou Ella MacKenzie, dona de Solitude. Ouvi de Hailey que
colocaram você nesse chalé e tivemos um problema com o fogão que ela
havia esquecido, então eu queria oferecer outro chalé se você não quiser
o incômodo de uma equipe de reparos aqui amanhã.
Um momento estranho passou antes que eu percebesse que
precisava responder. — Não, está bem. Vou ficar fora amanhã a maior
parte do dia, pelo menos. Eles não irão me incomodar. Ou eu mesmo
posso olhar.
— Nem sonharia com você fazendo isso. — Ela me dispensou,
olhando ao redor do chalé em uma inspeção rápida. — Está tudo em
ordem com seu chalé?
— Tudo. É lindo.
Ela assentiu enquanto olhava para o lago, sem perceber que meus
olhos estavam nela. — Este é o meu favorito.
Havoc se remexeu ao meu lado, chamando a atenção de Ella.
— E o que você acha do chalé? — ela perguntou.
Havoc inclinou a cabeça e estudou Ella. As primeiras impressões
eram tudo para ela, e se não gostasse de Ella logo de cara, havia pouca
esperança de se recuperar.
— Posso? — Ella perguntou, olhando para mim.
Eu balancei a cabeça estupidamente, como se eu fosse um garoto
do ensino médio trancado em um quarto com uma garota por quem tinha
uma queda. Como diabos eu mentiria para ela? Esconder quem eu era?
Como eu tinha chegado tão longe sem um plano?
Ela esfregou Havoc atrás das orelhas e imediatamente a
conquistou.
— Você não se importa que ela esteja aqui? Houve uma falha de
comunicação quando fiz a reserva. — Minha voz estava rouca, minha
garganta doía com tudo o que eu queria, precisava, dizer a ela.
Ela me manteve vivo.
Ela me deu gravidade quando tudo ficou fora de controle.
Ela abriu a janela para me mostrar que outra vida era possível. Eu
tinha destruído o mundo dela e a abandonado, e ela não tinha nem ideia.
Eu era apenas um estranho para ela.
— De modo nenhum. Ouvi dizer que ela é um cão de serviço? —
Uma última massagem e Ella se levantou, chegando quase à minha
clavícula. Eu sempre fui grande, mas algo sobre o quanto ela se parecia
frágil me fez sentir enorme, como se eu pudesse colocar meu corpo na
frente da tempestade em sua direção e protegê-la... mesmo que a
tempestade fosse de minha própria criação.
— Ela é uma cadela militar aposentada.
— Oh. — Um olhar sombrio cruzou seu rosto antes que ela
trouxesse aquele sorriso falso de volta ao lugar. — Bem, assim que meu
filho descobrir que você tem um cachorro, poderá receber uma visita. Ele
está atrás de mim para conseguir um, mas agora... bem, não está nos
meus planos e nem tenho tempo para treinar um filhote.
Colt. Um choque de antecipação correu através de mim com a ideia
de finalmente poder conhecê-lo.
— Eles podem dar trabalho, — eu disse, passando a mão pelo
pescoço de Havoc.
— Você era... você é o adestrador dela? — Ella perguntou,
estudando meu rosto.
Deus, eu poderia olhar naqueles olhos para sempre. Como a Maisie
estava? Em que sessão ela estava agora? O tumor estava diminuindo?
Estava quase operável?
— Eu era e sou. Servimos juntos e agora estamos juntos - de
licença final, na verdade. Não é oficial por mais oito semanas. Nós dois
estamos trabalhando em toda a questão da domesticação e prometo que
nenhum de nós fará xixi no tapete.
O sorriso que brilhou em seu rosto foi breve, mas verdadeiro.
Eu queria de volta. Queria vê-lo todos os dias. Todo minuto.
— Vou considerar isso. Então, acho que ela é treinada em
explosivos? Você era especialista em desarmamento?
Eis o momento que definiria todo o meu propósito aqui. Seu sorriso
desapareceria e eu, sem dúvida, receberia um tapa bem merecido no meu
rosto.
— Ela é treinada em explosivos e em farejar pessoas. Ela é apenas
agressiva sob comando e realmente ama qualquer um que jogue seu
brinquedo favorito.
— Explosivos e pessoas? Isso é raro, certo? — Sua testa franziu,
como se estivesse tentando se lembrar de algo.
— Para a maioria dos cães, sim. Mas Havoc era um cão de
operações especiais, o melhor dos melhores.
As feições de Ella ficaram arrasadas e ela recuou um passo,
esbarrando no pilar de madeira maciça que separava a área de jantar. —
Operações especiais.
— Sim. — Balancei a cabeça lentamente, deixando-a juntar as
peças.
— E você acabou de dar baixa? Você é muito jovem para dar baixa,
sabendo como todos vocês são viciados em adrenalina. Você acabou de...
sair? — Ela cruzou os braços sob os seios, os dedos esfregando o bíceps
em um sinal de nervosismo.
— Meu melhor amigo morreu. — Minha voz mal era um sussurro,
mas ela ouviu a verdade.
Seus olhos voaram impossivelmente arregalados, o azul ainda mais
assustador contra o súbito brilho de lágrimas que vi se reunir ali antes
que ela as afastasse. Ela olhou para o chão e, em um milésimo de
segundo, sua coluna endireitou-se e ela ergueu paredes com um metro e
meio de altura.
Ela não estava apenas se protegendo. Ela estava se fechando. — E
é por isso que você está aqui.
Balancei a cabeça novamente, como se eu tivesse me transformado
em um boneco desde que ela entrou.
— Diga. Preciso que você diga as palavras.
Meu nome de guerra é Chaos. Sinto tanto sua falta e de suas cartas.
Eu desejo suas palavras mais que oxigênio. Sinto muito por Ryan. Eu não
mereço estar aqui. Ele merece.
As opções passaram pela minha cabeça. Em vez disso, preferi a
verdade mais segura que eu poderia dar a ela sem rasgá-la em pedaços
ou explodir a missão mais importante da minha vida.
— Ryan me enviou.
— Como assim?
— Mac... Ryan. Ele me enviou para cuidar de você. — Do jeito que
saiu, eu quase podia acreditar que estava aqui como o anjo da guarda,
aquele que entraria e a salvaria da merda sobre a qual eu não tinha
controle. Não podia curar o câncer de sua menininha. Eu não poderia
trazer o irmão dela de volta. Sobre isso, eu era na verdade o demônio.
Ela balançou a cabeça e se virou, indo direto para a porta da frente.
— Ella.
— Não. — Ela me afastou - a segunda vez desde que a conheci - e
segurou a maçaneta da porta.
— Ella!
A mão dela parou na maçaneta, a outra apoiando-se no batente da
porta.
— Eu sei que é demais. Sei que sou a última coisa que você
esperava. — Em todos os sentidos. — Se você não acredita em mim, tenho
a carta que ele me deixou. — Enfiei a mão no bolso de trás, puxando o
envelope que dobrara e desdobrara muitas vezes que os vincos estavam
marcados.
Ela se virou devagar, encostando-se na porta. Seus olhos eram
cautelosos, sua postura tensa. Ela não era um cervo nos faróis. Ela era
um leão da montanha ferido, encurralado, com linhas elegantes e olhos
conhecedores, pronto para lutar comigo até a morte se eu chegasse muito
perto.
— Aqui. — Aproximei-me e ofereci a carta a ela.
Ela nem olhou para isso.
— Eu não quero isso. Não quero nenhuma parte disso, nem de
você. Não preciso andar lembrando-me de que ele se foi. Não sou fraca e
não preciso de uma babá.
— Sinto muito que ele não esteja aqui. — Minha garganta se
apertou, muito perto das emoções que eu mantinha em um forte
bloqueio.
— Eu também. — Ela abriu a porta e saiu e eu corri atrás dela
como o idiota que era.
— Não estou indo a lugar nenhum. Você precisa de qualquer coisa,
você tem isso. Você precisa de ajuda? Você também tem.
Ela soltou uma risada de escárnio enquanto descia os degraus.
— Não quero ou preciso de você aqui, Sr... — Ela abriu a porta do
seu SUV e puxou um papel. — Sr. Gentry.
— Beckett, — respondi, desesperado para ouvi-la dizer isso. Meu
nome verdadeiro.
— Tudo bem, Sr. Gentry. Aproveite suas férias e depois volte para
casa, porque como eu disse, não preciso de uma babá ou de caridade de
ninguém. Eu cuido de mim desde que Ryan fugiu e se juntou ao exército
depois que nossos pais morreram.
Eu queria agarrá-la, segurá-la contra o meu peito e bloquear
qualquer coisa que quisesse causar qualquer dano. Minhas mãos doíam
para se arrastarem pela linha de suas costas, para tirar qualquer
sofrimento causei. Eu sabia que isso seria difícil, mas vê-la assim não era
algo que eu pudesse ter me preparado.
— Não importa se você me quer ou não, porque não estou aqui por
sua vontade. Estou aqui por Mac. Foi tudo o que ele pediu para mim,
então, a menos que você me expulse de sua propriedade, vou manter a
promessa que fiz.
Os olhos dela se estreitaram. — Certo. Qualquer coisa que eu
precisar?
— Qualquer coisa.
— Quando Ryan morreu...
Não. Qualquer coisa. Menos isso.
—... ele estava em uma operação, certo?
Ela podia ver o sangue escorrer do meu rosto? Porque eu com
certeza senti isso. Eu ouvi os rotores. Vi o sangue. Alcancei a mão dele
quando ela caiu fracamente na maca.
— Sim. É confidencial.
A mão dela agarrou o batente da porta aberta.
— Sim, é o que dizem. Eu preciso... — ela suspirou, olhando para
todos os lugares, menos para mim, por um segundo antes de endireitar
os ombros e encontrar meus olhos. — Eu preciso saber o que aconteceu
com Chaos. Ele estava lá? Quando Ryan morreu? Vocês estavam na
mesma unidade, certo? — Sua garganta se moveu enquanto ela engolia,
e seus olhos assumiram um apelo desesperado.
Droga. Ela merecia saber tudo. Que eu não era o homem que eu
queria ser, o que ela precisava. Que eu era o pedaço de merda que
conseguiu voltar com o coração batendo enquanto o irmão dela chegava
em casa envolto em uma bandeira. Eu precisava que ela soubesse que
escolhi parar de responder às cartas dela porque sabia que a única coisa
que poderia trazer nesta vida seria mais dor.
Eu precisava que ela soubesse que foi apenas a carta de Ryan que
me trouxe aqui, e a consciência de que era o mínimo que eu poderia fazer
pelo meu melhor amigo. Que eu nunca quis machucá-la, nunca tive a
intenção de esmagar sua vida como a bola de demolição que eu era - não
quando ela vivia sob um vidro quebrável.
— Bem? Ele estava lá?
Mas o que eu precisava não era importante.
Nunca fui capaz de dar uma segunda chance quando se trata de
magoar as pessoas que amo. Carta número seis.
Se eu dissesse a ela essas coisas, ela me daria um fora e eu falharia
com Mac pela segunda vez. Eu poderia dizer que a escolha era dela, mas,
na verdade, seria minha. Eu era o cara que as pessoas procuravam uma
desculpa para se livrar, e a verdade era um motivo embrulhado em papel
de presente para me chutar para o meio-fio. Havia dois caminhos
distintos à minha frente: o primeiro, em que eu diria a ela quem eu era e
o que havia acontecido e ela rapidamente caía fora da minha vida, e o
segundo... em que faria tudo que podia para ajudá-la, sem importar o
que o custo.
Caminho número dois, que seja.
— Ele estava lá, — respondi honestamente.
Seu lábio inferior tremia e ela o mordeu, como algum sinal de
fraqueza que precisava ser anulado. — E? O que aconteceu?
— Isso é confidencial. — Eu era um bastardo, mas um bastado
honesto.
— Confidencial. Vocês são todos iguais, sabia? Leais em tudo um
para o outro e absolutamente nada para mais ninguém. Apenas me diga
se ele está morto. Eu mereço saber.
— Saber o que aconteceu com Mac... com Chaos... nada disso faria
bem a você. Isso machucaria muito mais do que já está machucando.
Acredite em mim.
Ela zombou, balançando a cabeça enquanto esfregava a ponte do
nariz. Quando olhou para cima, o sorriso falso estava no lugar, e aqueles
olhos azuis ficaram glaciais.
— Bem-vindo à Telluride, Sr. Gentry. Espero que aproveite a sua
estadia.
Ela subiu no SUV e bateu a porta, acelerando o veículo em marcha
à ré para sair da estrada.
Fiquei observando até que ela desapareceu na floresta espessa de
árvores.
Havoc roçou minha perna. Olhei para ela e ela olhou de volta para
mim, sem dúvida sabendo que eu era um imbecil pelo que deixei
acontecer.
— Sim, isso não foi tão bem. — Olhei para o céu sem nuvens do
Colorado. — Nós a magoamos, Mac. Então, se você tiver alguma dica de
como conquistar sua irmã, sou todo ouvidos.
Abri a porta traseira de minha caminhonete e comecei a
descarregar minhas coisas.
Pode ser temporário, mas ficarei aqui pelo tempo que Ella me
deixasse ficar. Porque em algum lugar entre a carta número um e a carta
número vinte e quatro, eu me apaixonei por ela. Apaixonei-me por suas
palavras, por sua força, por sua perspicácia e bondade, por sua graça em
circunstâncias impossíveis, pelo seu amor aos filhos e sua determinação
de viver por conta própria. Eu poderia listar mil razões que a mulher
possuía seja qual for o coração que eu tivesse.
Mas nenhuma delas era importante porque, embora ela fosse a
mulher que eu amava, eu era apenas um estranho. Um indesejável nisso.
O que era mais do que eu merecia.
CAPÍTULO SEIS
ELLA
Carta nº 17

Ella,

O ritmo está aumentando aqui, o que é quase uma bênção, quase


uma maldição. Prefiro estar ocupado a entediado, mas estar ocupado vem
com seu próprio conjunto de problemas. Continuamos sendo pressionados
para a reimplantação, mas espero que tudo fique bem em breve, e poderei
manter essa data que marcamos para uma viagem a Telluride, se você
ainda me receber. Atenção, estou levando seu irmão e, ultimamente, ele
fede.
Pelo menos o tempo está passando mais rápido, assim como essas
cartas. Acho que nem espero receber uma de você antes de escrever
novamente. Talvez seja o simples ato de colocar a caneta no papel, de não
ver você reagir ao que estou escrevendo, que torna tudo tão fácil, quase
sem esforço.
Você perguntou onde eu me estabeleceria se quisesse deixar de ser...
como você me chamou? Um nômade? Não sei, honestamente. Nunca
encontrei um lugar que de alguma maneira tivesse esse apelo e que eu
pudesse sentir como especial. Houve casas, apartamentos, quartéis.
Cidades, subúrbios e uma fazenda. Estive em todo o mundo, mas viajar
com essa equipe significa que só vejo as partes do mundo que mais
machucam.
Acho que quero um lugar onde me sinta conectado. Conectado à
terra, às pessoas, à comunidade. Um lugar que afunda seus ganchos tão
fundo em mim que não tenho escolha a não ser deixar as raízes crescerem.
Um lugar onde a terra toca o céu de uma maneira que me faz sentir
pequeno sem me sentir insignificante ou claustrofóbico. As cidades estão
fora - lembre-se, não sou uma pessoa sociável - talvez uma cidade
pequena, mas não tão pequena que você não consiga fugir dos erros que
inevitavelmente comete. Sou profissional na categoria de erro e aprendi que
as pessoas geralmente acham mais fácil me expulsar do que perdoar.
Quanto ao lance do nome, que tal isso: no dia em que eu aparecer
em Telluride para fazer um passeio aprovado por Colt, direi meu nome
completo. Eu nunca odiei tanto uma política de operações de segurança
quanto agora, mas de certa forma é um pouco divertido. Serei capaz de me
apresentar a você e, enquanto isso, você se perguntará se todo estranho
que chega à sua porta pode ser eu. Um dia será.
E seriamente. O Natal é daqui a menos de um mês. Compre um
filhote para seu filho. E abrace Maisie por mim. Deixe-me saber como foi a
quimio este mês.

Chaos

***

— Quem diabos ele pensa que é? — Bati quando a porta se fechou


atrás de mim. Talvez eu tenha batido. Tanto faz.
Deixei a raiva fluir através de mim, esperando que isso dominasse
a dor que brotava na minha garganta. Chaos estava com Ryan. Uma parte
de mim já sabia - já que suas cartas pararam quando Ryan morreu -,
mas supor e saber pareciam incrivelmente diferentes.
Perdi Ryan e Chaos e recebi Beckett Gentry como uma espécie de
confuso prêmio de consolação com complexo de herói.
Pelo amor de Deus, Ryan. Você sabe que nunca precisei ser salva.
— Quem? — Ada perguntou, levantando a cabeça da cozinha.
Chutei minhas botas enlameadas e fui em direção a Hailey, cujas
sobrancelhas estariam em sua linha do cabelo se ela pudesse levantá-las
ainda mais.
— Gentry!
— Aquele é um grande pedaço de homem, mesmo com as respostas
monossilábicas, — disse Hailey, virando outra página em sua revista
Cosmo.
Eu bufei, metade para a opinião dela e metade pelo fato de ela ainda
ler Cosmo. Que ela ainda estivesse em uma fase da vida em que Cosmo
guardava os segredos do universo. Eu mudei para revistas de jardinagem
e de mulheres de negócios, nas quais não havia questionários sobre como
saber se um homem estava interessado em você.
Eu tinha vinte e cinco anos com gêmeos de seis, um dos quais
lutando por sua vida, e tinha o meu próprio negócio, o que custava cada
minuto do meu tempo livre. Não havia nenhum cara. Puxei a placa de
identificação de Ryan, a que tinha vindo com suas coisas, movendo-a
para cima e para baixo da corrente com um hábito nervoso.
— O quê? Ele é. Você viu aquela barba? Aqueles braços?
Sim e sim.
— O que isso tem a ver?
Ela olhou as páginas de sua revista. — Se preciso dizer que ele
parece estar prestes a assumir o papel de Chris Pratt no universo Marvel,
então você é um caso perdido, Ella. Aqueles olhos? Unh. — Ela se
recostou na cadeira e olhou sonhadora para o teto. — E ele vai ficar aqui
até novembro.
Novembro. Aquele homem ficaria em minha propriedade pelos
próximos sete meses.
— Ele tem todo aquele jeito de dor secreta, super forte, meditativo.
Faz uma mulher querer puxá-lo para perto e...
— Não termine essa frase.
— Oh, dê um tempo para a menina. Aquele rapaz é bom de se olhar
— Ada concordou, encostando-se na mesa da recepção. — Se bem que as
habilidades das pessoas poderiam servir para alguma coisa.
— Aquele rapaz é das operações especiais. — Disse isso como a
maldição que era.
— E como você sabe disso? Por causa do cachorro dele? Eu ainda
tenho minhas reservas sobre ter um cachorro na propriedade, mas ela
parecia bem comportada, e os labradores não podem ser tão agressivos,
certo? — Ada olhou por cima da mesa para ver o que Hailey estava lendo.
— Primeiro, os labradores podem ser tão agressivos, por isso ela é
uma cadela de operações especiais ou era. Tanto faz. Ele é o adestrador
dela.
— Não pule para suposições apenas porque você se sente um pouco
estranha por haver um homem atraente e solteiro tão pertinho daqui, —
Ada alertou, folheando a página da revista.
— Não estou... como você sabe que ele é solteiro? — Será que elas
pesquisaram sobre ele no Facebook? Caras como ele tinham Facebook?
Ryan nunca teve. Ele disse que era uma restrição.
— Ninguém faz check-in por sete meses apenas com o cachorro, se
não for solteiro.
— Sim, bem, isso não importa. Ryan o enviou.
A revista atingiu a mesa em uma agitação de páginas enquanto as
duas mulheres me encaravam. Ada foi a primeira a reagir, respirando
fundo.
— Fale.
— Parece que Ryan escreveu uma dessas cartas póstumas e pediu
que ele viesse a Telluride cuidar de mim. Sério. Ryan está morto há três
meses e ele ainda está me dando sua opinião sobre os homens que eu
deveria ter na minha vida. — Forcei uma risada e empurrei as emoções
de volta na caixinha arrumada a que pertenciam.
O pior de passar por tanta coisa em tão pouco tempo? Você não
pode se dar ao luxo de sentir nada sobre... nada, ou acaba sentindo tudo.
E era isso que metia você em problemas.
— Você tem certeza? — Hailey perguntou.
— Não li a carta nem nada, mas foi o que ele disse. Dada a
aparência dele, o cachorro... a maneira como ele se move. — Ele me
avaliou de cima embaixo em segundos, e não foi nada sexual. Eu o vi
categorizar os detalhes em seu cérebro tão claramente como se ele
realmente tivesse um computador aberto. — Ele se move como Ryan.
Seus olhos olham como os de Ryan... como os de meu pai. — Eu limpei
minha garganta. — Então, espero que, assim como meu pai, ele fique
entediado e siga em frente logo. — Era o que os homens faziam, certo?
Eles iam embora. Ryan tinha sido honesto sobre suas intenções,
enquanto papai mentia por entre os dentes. Jeff não tinha sido melhor,
contando histórias bonitas para conseguir o que queria e fugindo no
minuto em que percebeu que havia consequências. As mentiras sempre
foram piores que a partida.
Pelo menos Gentry foi sincero e honesto sobre o fato de Ryan tê-lo
mandado até aqui. Com honestidade, más escolhas, eu poderia lidar.
Mentiras eram intencionais, infligiam dor por razões egoístas e
imperdoáveis.
— O que você vai fazer? — Hailey se inclinou para frente como se
estivesse na primeira fila de sua própria novela.
— Vou ignorá-lo. Ele partirá em breve, quando sentir que cumpriu
seu dever com Ryan e eu posso fechar essa porta para... tudo. — Para
Chaos. — Enquanto isso, vou buscar Maisie na escola, porque
precisamos estar em Montrose em duas horas para os exames dela. Isso
é o que importa agora. Não algum sósia de Chris Pratt que tem um
enorme complexo de culpa.
Eu estava quase de volta ao meu escritório - precisava da pasta dos
exames de Maisie - quando ouvi Hailey rindo.
— Ha! Então você notou!
— Eu disse que não importava. Não que estava morta. — Pasta na
mão, corri de volta pelo vestíbulo, agradecida por estarmos vazios nesta
segunda-feira, com exceção do Sr. Gentry.
— E aqueles olhos? Parecem esmeraldas, né?
Sério, Hailey voltou ao ensino médio.
— Claro, — falei com um aceno de cabeça, calçando minhas botas.
— Ada, você pode pegar Colt depois da escola? Droga. Ele também tem o
projeto de arte celular amanhã. Precisa de outra mão de tinta na margem,
você pode ajudar?
— Claro. Não se preocupe. Vá cuidar da nossa garota.
— Obrigada. — Eu odiava isso, deixando-os com tudo, deixando de
lado mais uma coisa que Colt precisava. Mas as necessidades surgiam
por períodos, certo? Agora era o período em que Maisie precisava mais de
mim. Eu só tinha que ajudá-la a passar por isso, e da próxima vez que
Colt precisasse de mim, eu estaria lá.
Conferindo a hora no meu celular e xingando, corri escada abaixo,
quase pulando o último degrau. Agarrei-me à grade de madeira, meu
impulso me fazendo girar ao redor da base da escada e direto para uma
figura muito alta e sólida.
Alguém com braços enormes que não apenas me segurou, mas
também salvou a pasta de Maisie e meu celular de aterrissar na lama.
— Uau. — Beckett me firmou e depois recuou um passo.
Pisquei para ele por um momento. Os reflexos do cara eram loucos.
Ele é operações especiais, sua tonta.
— Estou atrasada. — O quê? Por que diabos saíram essas palavras
em vez de agradecer ou algo que poderia ser mais sociável?
— É o que parece. — Houve uma ligeira curva em seus lábios, mas
eu não chamaria isso de um sorriso completo. Mais como leve diversão.
Ele entregou a pasta e o celular, e eu os peguei no que parecia ser a troca
mais embaraçosa da história do constrangimento. Então, mais uma vez,
o cara estava literalmente me salvando quando falei que não precisava
ser salva.
— Você precisa de alguma coisa? — Abracei a pasta no meu peito.
Talvez ele tenha levado minhas palavras a sério e estivesse saindo de
Telluride, ou pelo menos fora de minha propriedade.
— Acho que falta uma chave. Do portão do cais? — Ele enfiou as
mãos nos bolsos da calça jeans.
— Acho que isso significa que você não está indo embora.
— Não. Como eu disse, fiz uma promessa a...
— Ryan. Entendi isso. Bem, fique à vontade para... — Acenei meu
braço em direção à floresta, como se o final da frase aparecesse
magicamente através dos álamos. — Fazer... seja lá o que você vai fazer.
— Eu farei. — Sua boca fez aquele sorriso quase de novo, e havia
um brilho determinado em seus olhos. Não era a resposta que eu
esperava. — Então, você está atrasada?
Merda. Eu virei meu celular. — Sim. Tenho um compromisso com
minha filha e tenho que ir. Agora.
— Alguma coisa que eu possa ajudar?
Caramba, ele parecia sincero. Fiquei dividida entre perplexidade
por ele ter mesmo aparecido aqui para fazer perguntas assim e irritada
como o inferno que um estranho automaticamente assumiu que eu não
poderia lidar com a minha vida.
O fato de eu não poder lidar com minha vida definitivamente não
estava em jogo.
Claramente, o aborrecimento venceu.
— Não. Sinto muito, mas não tenho tempo para isso. Peça a Hailey
a chave do portão, ela fica...
— Na recepção. Sem problemas.
E ele notou quem era Hailey... perfeito. Era exatamente disso que
eu precisava, uma recepcionista apaixonada que inevitavelmente
quebraria seu coração quando ele fosse embora.
— Não tenho tempo para isso, — murmurei.
— Você continua dizendo isso. — Beckett deu um passo para o
lado.
Balançando a cabeça com a minha própria incapacidade de manter
o foco, passei por ele, abri a porta do meu Tahoe e joguei a pasta no banco
do passageiro. Dei a partida, liguei o celular no carregador e coloquei o
carro em movimento.
Então, pisei nos freios.
Ficar chateada era uma coisa. Ser uma cadela total? Essa era outra
coisa completamente diferente.
Abaixei a janela quando Beckett se aproximou da porta da frente.
— Sr. Gentry?
Ele se virou, e Havoc também, que parecia mais uma sombra, mais
uma extensão de Beckett do que uma entidade separada.
— Obrigada... pela escada. Me segurando. A pasta. Celular. Você
sabe. Obrigada.
— Você nunca precisa me agradecer. — Seus lábios pressionaram
em uma linha firme, e com um olhar indefinível e um aceno de cabeça,
ele desapareceu na sede.
Uma emoção que eu não conseguia nomear passou por mim,
correndo pelas minhas terminações nervosas. Como um choque elétrico,
mas quente. O que foi isso? Talvez eu simplesmente tivesse perdido a
capacidade de definir emoções quando as desliguei alguns meses atrás.
Fosse o que fosse, não tive tempo de me concentrar nisso.
Dez minutos depois, parei em frente à escola primária e estacionei
na faixa de ônibus. Me processe, os ônibus não estariam disponíveis por
mais três horas e eu precisava de cada minuto para chegar à consulta a
tempo.
Abri as portas da escola e rabisquei meu nome na prancheta na
janela, registando a saída de Maisie.
— Ei, Ella, — disse Jennifer, a recepcionista, enquanto mascava
um chiclete. Ela era um pouco mais velha do que eu, e se formou na
turma de Ryan. — Maisie está aqui atrás. Vou abrir para você.
As portas duplas apitaram, o sinal universal de aceitação para a
entrada, e entrei, encontrando Maisie sentada em um banco no corredor
com Colt ao lado dela e o diretor, Sr. Halsen, do outro lado.
— Senhorita Mackenzie. — Ele se levantou, ajeitando a gravata com
estampa de Páscoa.
— Sr. Halsen. — Balancei a cabeça, depois voltei minha atenção
para o meu três minutos mais velho. — Colton, o que você está fazendo
aqui?
— Indo com vocês. — Ele pulou do banco e puxou as alças da
mochila do Colorado Avalanche.
Meu coração se apertou um pouco mais. Caramba, ele tem levado
tantas surras nos últimos meses que eu nem tinha certeza do que era
normal. — Querido, você não pode. Hoje não.
Hoje era dia de tomografia.
Seu rosto assumiu os traços de teimosia com os quais eu estava
acostumada. — Eu vou.
— Você não vai e eu não tenho tempo para discutir, Colt.
Os gêmeos compartilharam um olhar significativo, que falava um
monte de coisas em um idioma que eu nunca poderia falar ou mesmo
entender.
— Está tudo bem, — disse Maisie, pulando do banco e segurando
a mão dele. — Além disso, você não quer perder a noite de frango frito.
Seus olhos jogaram punhais diretamente para mim, mas eles não
eram nada além de suaves para sua irmã. — Certo. Vou guardar as coxas
para você.
Eles se abraçaram, o que sempre me parecia duas peças de um
quebra-cabeça se encaixando.
Compartilharam outro daqueles olhares e depois Colt assentiu
como um pequeno adulto e recuou um passo.
Ajoelhei-me ao nível dele. — Parceiro, sei que você quer ir, mas hoje
não, está bem?
— Eu não quero que ela fique sozinha. — Sua voz era o sussurro
mais suave.
— Ela não vai ficar, eu juro. E a gente volta hoje à noite e contamos
tudo para você.
Ele não se incomodou em concordar, ou mesmo dizer adeus,
apenas deu meia volta e caminhou pelo corredor em direção a sua sala
de aula.
Soltei um suspiro, sabendo que teria controle de danos para fazer
mais tarde. Mas esse era o problema. Sempre era mais tarde.
Maisie enfiou a mãozinha na minha. Nem ela poderia prometer
agora, o que significava que, tanto quanto eu odiava, Colt tinha que
esperar.
— Senhorita MacKenzie... — O Sr. Halsen limpou a sujeira invisível
dos óculos de aro grosso.
— Sr. Halsen, eu era criança nesses corredores quando o senhor
assumiu o cargo. Pode me chamar de Ella.
— Ella, sei que você está a caminho de outro compromisso...
Inspire. Expire. Não bata no diretor.
— Mas quando você voltar, precisamos discutir a frequência de
Margaret. Está impactando na qualidade de sua educação, e precisamos
discutir isso.
— Discutir, — repeti, porque se eu dissesse o que realmente estava
pensando, isso não refletiria bem em meus filhos.
— Sim. Discutir.
— A frequência de Maisie. — Como se eu desse a mínima sobre a
frequência no jardim de infância. Ela estava lutando por sua vida e o
homem queria discutir se ela havia perdido o dia em que falaram as
virtudes de Z ser de Zebra?
— Sim, discutir a frequência de Margaret.
Para um educador, eu pensaria que ele teria outra coisa para falar.
Olhei para Maisie, cuja testa estava enrugada em sua marca
registrada de tanto faz que eu reconhecia muito bem... já que era a minha
marca. Em sincronia, olhamos para o Sr. Halsen.
— Sim, vamos acertar nisso.
Depois da quimio. E tomografias. E náusea e vômito. E exames de
sangue. E tudo o mais que vinha com uma criança cujo corpo se voltou
contra ela.

***

Duas horas depois, nos sentamos no San Juan Cancer Center, eu


andando para lá e para cá no final da mesa de exames, enquanto Maisie
balançava as pernas para frente e para trás, brigando contra qualquer
aplicativo no iPad que ela tivesse escolhido para o dia.
Eu estava muito agitada para fazer outra coisa além de desgastar
o chão. Por favor, que dê certo. Minha oração silenciosa ascendeu junto
com outras milhares que rezei. Precisávamos que o tumor diminuísse,
ficasse pequeno o suficiente para que pudessem tentar uma cirurgia para
removê-lo. Eu precisava que todos esses meses de quimio servissem para
alguma coisa.
Mas também sabia o quão perigosa a cirurgia seria. Olhei para
minha filhinha, seu gorro rosa choque com flores combinando
destacando-se contra as paredes brancas. O pânico que tinha sido meu
companheiro constante nesses cinco meses subiu pela minha garganta,
os “e se” e “e agora” atacam como os ladrões que roubam a sanidade. A
cirurgia poderia matá-la. O tumor certamente iria matá-la.
— Mamãe, senta, você está me deixando tonta.
Sentei-me ao lado dela no lado largo da mesa de exames e dei um
beijo em sua bochecha.
— Bem? — Perguntei quando a doutora Hughes entrou, folheando
algo no prontuário de Maisie.
— Oi, doutora! — Maisie disse com um aceno entusiasmado.
— Prazer em vê-la também, Ella. — Ela levantou a sobrancelha. —
Oi, Maisie.
— Desculpe. Oi, doutora Hughes. Meus bons modos fugiram
gritando ultimamente. — Esfreguei minhas mãos no meu rosto.
— Está tudo bem, — ela disse, pegando o banco giratório.
— O que a tomografia diz?
Um sorriso suave brincou em seu rosto. Minha respiração ficou
presa, e meu coração bateu com força, esperando as palavras que eu
tanto desejava ouvir e, no entanto, estava aterrorizada, pois tudo isso
começou cinco meses atrás.
— Está na hora. A quimioterapia reduziu o tumor o suficiente para
operar.
A vida da minha garotinha estava prestes a ficar fora de minhas
mãos.
CAPÍTULO SETE
BECKETT
Carta nº 7

Chaos,

Estou sentada no corredor do Hospital Infantil do Colorado, com um


caderno apoiado sobre os joelhos. Eu diria a você que dia é hoje, mas
sinceramente não consigo me lembrar. Tem sido um borrão desde que
disseram câncer.
Maisie tem câncer.
Talvez se eu escrever mais algumas vezes, parecerá real em vez
desse pesadelo nebuloso do qual não consigo acordar.
Maisie tem câncer.
É, ainda não parece real.
Maisie. Tem. Câncer.
Pela primeira vez desde que Jeff foi embora, sinto que não sou o
suficiente. Gêmeos aos dezenove? Não foi fácil e, no entanto, foi tão natural
quanto respirar. Ele foi embora. Eles nasceram. Tornei-me mãe e isso me
mudou no próprio alicerce da minha alma. Colt e Maisie se tornaram minha
razão de tudo, e mesmo quando eu estava sobrecarregada, sabia que
poderia ser o suficiente para eles se eu desse tudo o que tinha. Então eu
dei e eu fui. Ignorei os sussurros, as sugestões que deveria desistir deles
e ir para a faculdade, tudo porque sabia que não havia lugar melhor para
os meus filhos do que comigo.
Talvez eu tenha alguns problemas, mas sempre soube que era o
suficiente. Mas isso? Eu não sei como ser suficiente para isso.
É como se os médicos estivessem falando uma língua estrangeira,
jogando letras e números que eu deveria entender. Laboratórios, exames e
possibilidades de tratamento e decisões. Deus, as decisões que tenho que
tomar.
Eu nunca me senti tão sozinha na minha vida.
Maisie tem câncer.
E não sei se sou o suficiente para fazê-la passa por isso, e ela tem
que passar por isso. Não consigo imaginar um mundo onde minha filha não
esteja. Como posso ser tudo o que ela vai precisar e dar a Colt algum senso
de normalidade?
E Colt... quando os exames genéticos voltaram, me disseram que Colt
e eu precisávamos fazer um teste de mutação genética. Ele está bem,
graças a Deus. Nós dois estamos e nenhum de nós carrega isso. Mas
aqueles momentos esperando para ouvir se perder os dois era uma
possibilidade? Eu mal podia respirar com o pensamento.
Mas tenho que ser o suficiente, certo? Não tenho escolha. É como o
momento em que vi essas duas pulsações no monitor. Não havia opção
para falhar. E não há como fracassar agora.
Maisie tem câncer e sou tudo o que ela tem. Então acho que é pelo
buraco do coelho que vou.

Ella

***

Pisei na doca que chegava ao pequeno lago logo atrás do meu chalé
testando meu peso. Sim, isso precisaria ser reconstruído. Não é à toa que
mantiveram o portão trancado.
O sol se estendia logo acima, cortando a manhã fresca. Eu estava
no Colorado por quase duas semanas e aprendi que a chave para o clima
aqui eram as camadas, porque pode estar nevando pela manhã, mas
chegava a quase vinte graus no jantar. A Mãe Natureza tinha algumas
mudanças sérias de humor por aqui.
Um nevoeiro leve laminava o lago, permanecendo nas margens da
pequena ilha que ficava a cerca de cem metros de distância no centro do
lago. Sabia que uma hora eu teria que usar o pequeno barco a remos que
estava amarrado no final do cais e remar.
Mac estava enterrado lá.
Quase me matou quando não me deixaram voltar e enterrá-lo e, no
entanto, houve um alívio esmagador por não ter que enfrentar Ella, ver
sua expressão quando percebesse o que fiz - porque eu estava vivo e seu
irmão não.
Havoc saltou e sacudiu a água da pelagem e deixou cair o Kong aos
meus pés, pronto para decolar na água pela vigésima vez. Ela ficou
inquieta o dia todo nessas duas últimas semanas, e eu também.
Curvei-me, esfregando-a atrás das orelhas em seu lugar favorito.
— Certo, mocinha. O que você diz de nos secarmos e procurarmos um
emprego? Porque vou enlouquecer se ficarmos aqui por muito mais tempo
como um par de pesos mortos. E, sinceramente, espero que você comece
a falar de volta a qualquer momento, caso seja necessário algum contato
humano.
— Está tudo bem se você fala com seu cachorro, — uma vozinha
veio atrás de mim. — Isso não faz de você louco ou nada. — Seu tom
sugeria o contrário.
Olhei por cima do ombro e vi um garoto parado do outro lado do
portão, vestindo jeans e uma camiseta do Broncos. Seu cabelo estava
cortado no couro cabeludo, ou melhor, tinha sido, e estava voltando a
crescer com um leve brilho de penugem loira. Suas sobrancelhas cheias
estavam juntas sobre os olhos azuis como cristal, enquanto ele me dava
uma olhada completa.
Os olhos de Ella.
Este era Colt. Eu sabia disso na minha alma.
Fiz um esforço para suavizar meu tom, ciente de que não sabia
nada sobre conversar com crianças. Presumi que não o assustar era um
bom começo. — Eu sempre falo com Havoc.
Ela balançou o rabo como se em resposta.
— Ela é uma cachorra. — Suas palavras estavam em desacordo
com o desejo em sua voz e a maneira como seus olhos se fixaram em
Havoc como se ela fosse a melhor coisa que ele já viu.
Levantei-me para encará-lo e ele endireitou sua coluna e me
encarou. O menino não se assustou facilmente, o que significava que eu
tinha um pouco de chance.
— Não é quando você fala com eles que precisa se preocupar se
está louco, — eu disse a ele. — É quando eles começam a responder.
Seus lábios franziram por um segundo e ele deu um passo à frente,
espiando por cima do meio portão para olhar Havoc. — Então você é
louco?
— Você é?
— Não. Mas você pegou um de nossos chalés por seis meses.
Ninguém faz isso. Só as pessoas loucas. — Sua expressão oscilava entre
me julgar e admirar Havoc.
Ele implorou a Ella por um cachorro e ela quase cedeu - então veio
o diagnóstico de Maisie. Mas eu não deveria saber disso. Não era para
saber que ele queria jogar futebol americano, mas Ella estava muito
preocupada com concussões e o empurrou para o outro futebol. Eu não
deveria saber que ele teria aulas de snowboard este ano, ou que cortou
todo esse cabelo em seu aniversário porque sua irmã havia perdido o
dela.
Eu não deveria saber, mas sabia. E foi um inferno não poder dizer
isso a ele.
— Na verdade, aluguei por sete meses. E você parece um pouco
pequeno para julgar as pessoas. — Cruzei meus braços.
Ele imitou minha pose sem hesitar. — Isso te faz ainda mais louco.
E não deixo pessoas loucas ao redor da minha mãe ou da minha irmã.
— Aah, você é o homem da casa.
— Eu não sou homem. Tenho seis anos, mas logo terei sete.
— Entendi. — Segurei um sorriso, ciente de que ele faria sete só
daqui a oito meses. Mas o tempo era relativo nessa idade. — Bem, eu não
sou louco. Pelo menos ela não acha que sou louco. — Acenei a cabeça em
direção a Havoc.
— Como você sabe? Porque você disse que se ela fala com você, isso
significa que você é louco. — Ele deu um passo à frente, descansando as
mãos no topo do portão que alcançava os ombros. Eu precisava lixar para
que ele não tivesse lascas.
Cara, ele tinha olhos apaixonados por Havoc.
— Você quer vê-la?
Ele se assustou, seu olhar voando para o meu ao mesmo tempo em
que recuou. — Eu não deveria falar com estranhos, especialmente
hóspedes.
— O que respeito totalmente. No entanto, isso não impediu você de
vir aqui. — Olhei para trás, vendo o quadriciclo azul do tamanho de uma
criança que estava estacionado ao acaso atrás do meu chalé. Pelo menos
havia um capacete apoiado no assento.
Eu tinha um pressentimento que não o salvaria de Ella.
— Ninguém nunca ficou tanto tempo e nunca com um cachorro.
Só se trabalharem aqui ou que sejam da família. Eu só... — Ele deu um
suspiro melodramático e sua cabeça caiu.
— Você queria ver Havoc.
Ele assentiu sem olhar para cima.
— Você sabe o que ela é? — Andei devagar, como se ele fosse um
animal selvagem que eu assustaria se me movesse rápido demais.
Quando cheguei ao portão, destranquei o fecho de metal, abrindo-o.
— Ada diz que é uma cachorra de trabalho. Mas não como um cão
para necessidades especiais. Há uma menina na minha classe que tem
um desses. Ele é legal, mas não podemos tocá-lo. — Seus olhos se
ergueram lentamente, seu conflito tão aberto e expresso naqueles olhos
que meu coração se apertou no meu peito.
— Se você recuar um pouco, eu a levarei até você.
Ele engoliu em seco e olhou de Havoc para mim e depois acenou
com a cabeça como se tivesse feito sua escolha. Então ele caminhou para
trás, nos dando espaço suficiente para sair da doca e aterrissar em terra
firme.
— Ela é uma cadela de trabalho. Ela é um soldado.
Ele levantou uma sobrancelha para mim e depois olhou cético para
Havoc. — Eu pensei que eles tinham orelhas pontudas.
Meu sorriso escorregou livre. — Alguns têm. Mas ela é um labrador.
É treinada para farejar pessoas e... outras coisas. Além disso, ela arrasa
quando você joga alguma coisa para ela ir buscar.
Ele deu um passo à frente, puro desejo em seus olhos, mas olhou
para mim antes de chegar muito perto. — Posso acariciá-la?
— Obrigado por perguntar. E sim, você pode. — Dei um pequeno
aceno a Havoc e ela avançou, a língua pendendo para fora.
Ele se ajoelhou como se ela fosse algo sagrado e começou a
acariciar seu pescoço. — Oi, garota. Você gosta do lago? É o meu favorito.
Que tipo de nome é Havoc?
E boom. Eu estava condenado. O garoto poderia ter me pedido para
entregar a lua a ele e eu teria encontrado uma maneira de fazer isso. Ele
era tão parecido com Ella na expressão e com Ryan na maneira como se
sustentava. Essa confiança iria servi-lo bem quando se tornasse um
homem.
— Agora olhe quem é louco conversando com cães. — Eu estalei
minha língua.
Ele olhou para mim por detrás de Havoc. — Ela não está falando
de volta.
— Claro que está. — Abaixei-me ao lado dele. — Vê como o rabo
dela balança? É um sinal claro de que ela gosta do que você está fazendo.
E a maneira como a cabeça dela está inclinada para onde você está
esfregando? Ela está lhe dizendo que é onde ela quer que você esfregue.
Os cães falam o tempo todo, você só precisa saber a língua deles.
Ele sorriu, e meu coração baqueou outra vez. Era como puro sol,
um tiro de alegria inalterada que eu não tinha desde... eu não conseguia
nem lembrar desde quando.
— Você fala a língua dela?
— Claro que sim. Eu sou o que eles chamam de adestrador, mas
na verdade ela é minha.
— Você a controla? — Ele não se incomodou em olhar para mim,
claramente se divertindo muito verificando Havoc.
— Bem, eu costumava. Mas nós dois estamos nos aposentando.
— Então você é um soldado?
— Sim. Bem, eu costumava ser. — Passei a mão pelas costas de
Havoc por hábito.
— E o que você é agora?
Uma pergunta tão inocente com uma resposta incrivelmente
pesada. Eu fui um soldado por dez anos. Tinha sido minha fuga de um
inferno de orfanato. Eu tinha sido o melhor soldado possível porque o
fracasso não era uma opção, não se isso significasse voltar à vida de onde
vim. Prometi a mim mesmo que nunca daria a eles um motivo para me
expulsar e, por dez anos, comi e dormi no Exército, a unidade. Eu ganhei
meu lugar.
— Eu não sei mesmo, — respondi com sinceridade.
— Você tem que descobrir isso. — O garoto me lançou um olhar
sério. — Os adultos deveriam saber esse tipo de coisa.
Uma risada retumbou no meu peito. — Sim, vou começar a
trabalhar nisso.
— Meu tio era um soldado.
Meu estômago bateu no chão. Qual era a fala aqui? Quanto você
deveria contar a uma criança que não era sua? O que Ella gostaria que
ele soubesse?
Felizmente, não tive que pensar muito, porque o SUV dela veio
rasgando a estrada de terra ao lado do meu chalé. Ela pisou no freio e
uma nuvem de terra soprou ao redor dos pneus. Meu coração deu um
pulo de antecipação. Quantos anos eu tinha, porra? Quinze?
— Porcaria. Ela me encontrou.
— Ei, — eu disse suavemente.
Ele encontrou meu olhar, seu nariz e boca todos franzidos.
— Não diga palavrão.
— Porcaria não é palavrão, — ele murmurou.
— Mas é quase. Sempre há uma palavra melhor para usar e tenho
a sensação de que sua mãe faz questão que você seja bem educado para
encontrar uma. Deixe-a orgulhosa.
Sua expressão se endireitou e ele assentiu solenemente.
— Além disso, pelo olhar no rosto dela, você já está com problemas,
— sussurrei.
— Colton Ryan MacKenzie! — Ella gritou enquanto se aproximava
de nós. — O que nesta terra de Deus você pensa que está fazendo aqui
fora?
Levantei-me e Havoc imediatamente voltou para o meu lado.
— Verdade, — Colt concordou, parado do outro lado de Havoc. —
Nome do meio significa que estou de castigo, — ele terminou em um
sussurro.
Ella veio pelo resto do caminho até a doca, a fúria emanando dela
em ondas. Mas além dessa fúria havia um medo glacial. Senti isso com
tanta certeza como se ela tivesse trazido uma tempestade de neve com
ela. Seu cabelo loiro estava frouxamente entrelaçado em uma trança
lateral que caía por cima do colete e daqueles jeans...
Voltei meu olhar para o dela, que no momento estava perfurando
Colt.
— Bem? O que você tem para dizer em sua defesa? Pegando seu
quadriciclo? Sem contar para ninguém? Sentado aqui com um estranho?
Você me matou de susto! — Deus, ela era linda com raiva, era a única
emoção que eu já tinha visto nela desde que cheguei aqui. Toda vez que
eu esbarrava nela, ela simplesmente levantava uma sobrancelha para
mim e dizia “Sr. Gentry”. Pelo menos desta vez a raiva dela estava
direcionada para outro lugar.
— Checaram minhas credenciais de segurança e tudo, — falei a
ela. Ela me lançou um olhar que fechou minha boca e quase me fez feliz
por nunca ter tido uma mãe de verdade. Aquele olhar era coisa de filmes
de terror.
Os olhos de Colt ficaram impossivelmente arregalados e ele franziu
a boca para o lado.
— Colt, — Ella advertiu, cruzando os braços.
— Ele tem um cachorro, — disse Colt.
— E isso lhe dá o direito de não apenas invadir o espaço de um
hóspede, mas também colocar-se em perigo? Quando mandei
expressamente não incomodar o Sr. Gentry?
Ai. Acho que isso explicava por que demorei duas semanas para
conhecer Colt.
— Ele não se importou. Ele me disse que ela é uma cachorra de
trabalho e que costumava ser um soldado. Igual a ele. Você sabe, como o
tio Ryan.
O rosto de Ella caiu, um véu de tristeza nublando seus olhos.
Naquele momento, vi o cansaço que ela havia escrito para mim. Às vezes
parece que o mundo está desmoronando, e sou a única no centro, meus
braços estendidos tentando apoiá-lo. E estou tão cansada, Chaos. Não
posso deixar de me perguntar quanto tempo posso aguentar antes de
sermos esmagados pelo peso. Carta número dezessete. Vi a mulher que
escrevera as cartas, que me capturara com nada mais que suas palavras.
Meus dedos flexionaram com a necessidade de puxá-la para mim,
envolver meus braços em volta dela e dizer a ela que eu abraçaria o
mundo pelo tempo que ela precisasse. Essa era toda a razão pela qual eu
estava aqui, para fazer o que pudesse para aliviá-la.
Mas eu não poderia dizer isso, porque, embora ela tenha deixado
Chaos fazer isso por ela, até aceitado o amor dele, ela não deixaria
Beckett. E se ela soubesse por que eu mantive esse segredo... bem, ela
provavelmente me enterraria ao lado de Ryan. Deus sabia que eu já
desejei esse destino centenas de vezes.
— E tenho certeza de que ele já contou que trabalhou com o tio
Ryan? — Ella perguntou, seu olhar voando para o meu brevemente com
desaprovação.
Ah, foi por isso que ela me colocou na lista de não-visitas.
A boca de Colt se abriu, e ele olhou para mim como se eu tivesse
algum tipo de capa de super-herói. — Você trabalhou? Você conheceu
meu tio?
— Eu conheci. Ele foi a coisa mais próxima que eu tive de um
irmão. — Falei isso antes que eu pudesse me censurar. — E não, não
contei a ele porque não sabia se você gostaria que ele soubesse, — disse
a Ella.
Os olhos dela se fecharam por um segundo e ela suspirou, tão
semelhante ao movimento anterior de Colt, mas não tão dramática.
— Me desculpe por assumir isso, — ela disse suavemente. — E pela
invasão dele no seu espaço. Isso não vai acontecer novamente. — Essa
última parte foi direcionada diretamente para Colt.
Ele chutou lentamente a terra embaixo de seus pés.
— Ele não me incomodou. De fato, foi uma honra conhecê-lo, Colt.
Se estiver tudo bem para sua mãe, você sempre pode visitar Havoc. Ela
realmente gosta de buscar os objetos que você joga e não tenho certeza
se você notou, mas estou ficando meio velho jogando para ela o tempo
todo.
Ele revirou os olhos. — Você não é velho. — Ele inclinou a cabeça
para o lado. — Mas até você saber o que você é, também não tenho certeza
de que você é um adulto.
— Colt! — Ella cuspiu.
Eu ri, e ela olhou para mim como se eu tivesse duas cabeças.
— Está tudo bem, — assegurei a ela. — Eu falei a ele, desde que
estou me aposentando, não sou realmente um soldado e não tenho
certeza do que isso me faz no momento, além de um turista permanente.
— Ainda estou surpresa que você esteja dando baixa. Na minha
experiência, caras de operações especiais servem até que os mandem
embora ou expulsem.
— Bem, estou de licença final, então em quarenta e cinco dias será
oficial.
Sua guarda caiu por um momento, seus ombros amolecendo. Ela
olhou como se fosse a primeira vez que ela realmente me visse, e lá estava
outra vez, o espessamento do ar entre nós, a conexão que
compartilhamos desde nossas primeiras cartas.
Mas eu sabia o que era e ela não.
— Você está saindo porque... — A cabeça dela inclinou, muito
parecida com a de Colt.
— Você sabe porque.
Ela se aproximou de mim inconscientemente, seus olhos
examinando os meus, procurando por algo que eu estava desesperado
para entregar, mas não podia. — Você falou que saiu porque seu melhor
amigo morreu. Você saiu por Ryan — ela concluiu.
— Por você. — No momento em que estava fora da minha boca, eu
queria sugá-lo de volta, apagar os últimos cinco segundos e fazer
diferente. — Por causa do que ele pediu, — tentei esclarecer, mas o
estrago estava feito.
Ela recuou, os ombros tensos. Aquelas paredes voltaram a subir
quilômetros de distância nos poucos metros que nos separavam.
— Acho que já o incomodamos o suficiente hoje. Colt, agradeça ao
Sr. Gentry por não ser um sequestrador psicopata e vamos embora.
— Obrigado por não ser um sequestrador psicopata, — ele repetiu.
— Quando quiser, amigo. Como eu disse, se estiver tudo bem com
sua mãe, você pode voltar e ver Havoc. Ela gosta de você. — E
provavelmente seria bom tirá-lo de casa de vez em quando.
Esperança iluminou seu rosto como uma manhã de Natal. — Por
favor, mãe? Por favor?
— Sério? Você já está de castigo do seu quadriciclo por essa proeza
e ainda quer ter privilégios para passar um tempo com um estranho?
Seu olhar passou tristemente para o quadriciclo, depois de volta
para Ella. — Mas ele não é um estranho de verdade. Se o tio Ryan era
seu irmão, ele é meio da família.
E meu coração baqueou pela terceira vez.
Família era uma palavra que eu não usava e nem precisava.
Família significa compromisso, pessoas de quem você depende - que
podem depender de você. Família era um conceito totalmente estranho,
mesmo com a irmandade dentro de nossa unidade.
— Falaremos sobre isso mais tarde, Colt. — Ella disse, esfregando
a pele macia entre os olhos.
— Mais tarde você vai embora!
Bem, se isso não era uma mudança abrupta de humor.
— Não vou embora até depois de amanhã. Agora, entre no carro,
Colt. Vamos...
— Está bem! — Ele deu outro tapinha em Havoc e depois foi em
direção à caminhonete.
— Ele parece ter mais de seis anos.
— Sim. Até este ano, os gêmeos ficaram apenas ao redor de adultos.
Algumas crianças aqui e ali dos hóspedes, mas ambos têm apenas seis,
mas parecem mais velhos. Provavelmente não deveria tê-los protegido
tanto, mas... — Ela encolheu os ombros.
Sou ridiculamente superprotetora com eles, mas reconheço isso.
Carta número um.
— Eles definitivamente fazem valer o salário da professora. Sinto
muito que você tenha visto isso. — Ela olhou para a ilha. — Faz alguns
meses... perdendo Ryan e tudo com Maisie...
— Como está o tratamento dela? — Perguntei, pisando em águas
às quais eu não tinha direito.
Sua cabeça estalou em minha direção. — Você sabe.
— Ryan. — Mac e eu conversamos muito sobre isso, então não era
exatamente uma mentira.
Ela balançou a cabeça exasperada e começou a voltar para a
caminhonete.
— Ella, — eu a chamei, alcançando-a rapidamente. Depois de
quase duas semanas correndo dez quilômetros pela manhã, finalmente
estava acostumado à altitude. Não que não tivéssemos enfrentados
elevações semelhantes no Afeganistão, mas eu estive no nível do mar por
dois meses antes de chegar aqui.
— Quer saber? — ela atirou de volta, girando para me encarar.
— Uau! — Segurei seus ombros para não bater nela, e
abruptamente soltei minhas mãos. Era a segunda vez que a toquei desde
que estive aqui e o contato era demais, mas não o suficiente.
— Eu odeio que você saiba coisas sobre mim. Odeio que você
provavelmente soubesse que Colt era meu filho, que você sabia sobre o
diagnóstico de Maisie. Você é um estranho que tem acesso a detalhes
íntimos da minha vida por causa do meu irmão, e isso não é justo.
— Não posso mudar isso. Nem tenho certeza se o faria porque é por
isso que estou aqui.
— A razão pela qual você está aqui está enterrada naquela ilha!
De muitas maneiras.
— Nós podemos dar voltas e voltas. Mas eu não vou embora. Então
farei esta proposta para você. Você pode me fazer qualquer pergunta que
quiser — levantei meu dedo quando ela abriu a boca, sabendo que
novamente perguntaria sobre a morte de Mac — que eu tiver permissão
para responder e vou lhe contar tudo o que puder sobre mim. Você está
certa. Não é justo que eu saiba tanto. É incrivelmente assustador saber
sobre seus filhos, sua vida... você. Mas Mac te amava e falava de você o
tempo todo. Você, eles, este lugar era o lar para onde ele queria tanto
voltar, e quando ele falava sobre você, era como se ele tivesse um pequeno
momento de alívio do inferno em que estávamos vivendo. Portanto,
lamento muito que sua privacidade tenha sido violada. Você não tem
ideia de como sinto muito, mas não posso voltar no tempo e pedir para
ele não compartilhar demais. Se eu tivesse esse botão do tempo mágico,
usaria para algo muito melhor, como salvar a vida dele. Porque ele deveria
estar aqui. Não eu. Mas sou eu quem ele mandou e vou ficar. — Apertei
minha mandíbula. O que tinha nessa mulher que acabava com qualquer
filtro que eu tivesse? Seja lendo suas cartas ou olhando em seus olhos,
ela tinha um poder sobre mim que era pior do que uma garrafa de tequila
que soltava a minha língua. Ela me fez querer contar tudo a ela, e isso
era perigoso para nós dois.
— Se Ryan queria tanto estar aqui, ele poderia ter saído quando
estava se realistando. Mas ele não saiu. Porque caras como Ryan - como
você - não ficam em casa, não criam raízes, não ficam, ponto final. Posso
aceitar que sou sua... missão, ou o que for, por enquanto, mas não aja
como se você não fosse temporário.
Lutei contra todos os instintos do meu corpo que gritavam para
afirmar o contrário, mas eu sabia que ela não acreditaria em mim e nem
eu tinha certeza. Era apenas uma questão de tempo até que ela
percebesse quem eu realmente era e o que tinha feito. E meus
sentimentos por ela não amorteceriam essa precipitação. Nem um abrigo
nuclear conseguiria.
— Sinto muito, — ela disse em voz baixa depois de alguns
momentos de silêncio entre nós. — Não consigo imaginar o que você
passou, se você era realmente tão próximo de Ryan. E você deve ter
desenraizado sua vida inteira para vir aqui.
— Eu pensei que não tinha raízes, — provoquei.
Um pequeno sorriso apareceu em seu rosto, mas foi triste. — Como
eu disse, me desculpe. Mas imagine se eu aparecesse em... onde quer que
você estivesse, e soubesse tudo sobre você e você não soubesse uma
única coisa sobre mim. Perturbador, né?
Um sentimento dolorido e irritante passou por mim, porque ela
sabia tudo sobre mim. De certa forma. Eu deixei de fora os detalhes
físicos da minha vida enquanto basicamente trazia minha alma para fora
do meu corpo e a colocava no papel para ela. Ela pode não saber o que
eu era, mas sabia quem eu era, mais do que qualquer outra pessoa no
planeta. Eu a deixei entrar e depois me fechei, e senti falta dela com uma
ferocidade que era aterrorizante.
— Sim, posso entender como isso seria um dez na escala de
estranheza.
— Obrigada. E realmente, são onze. — Ela voltou pelo caminho até
seu Tahoe, onde Colt estava com a caçamba aberta e esperava com seu
quadriciclo.
Aparentemente, essa não era a primeira vez que ele tinha ficado de
castigo, se ele estava tão ciente da rotina.
— Eu guardo isso, Colt, — eu disse a ele. Então, levantei-me na
parte de trás do SUV, agradecido por haver um revestimento de borracha.
Quando me virei, Ella estava olhando para mim, sua boca levemente
aberta. Bem, olhando para meus braços. Fiz uma anotação mental para
conseguir uma academia. Eu gostei desse olhar.
— Algo mais? — Perguntei, fechando a caçamba.
Ela balançou a cabeça rapidamente. — Não. Nada. Obrigada por...
você sabe...
— Não ser um sequestrador psicopata?
— Algo parecido. — Um rubor surgiu em suas bochechas.
— Eu estava falando sério sobre checar os meus antecedentes. Se
você se sentir mais confortável...
— Não, claro que não. Não tenho o hábito de checar antecedentes
e não vou começar agora.
— Você deveria, — murmurei. — Se eu fosse um sequestrador
psicopata, Colt estaria morto. Na verdade, esses bosques são bastante
isolados para esconder um serial killer e nunca se sabe.
Ela revirou os olhos para mim e subiu no banco do motorista.
— Ei, Sr. Gentry? — Colt chamou do banco de trás.
Ella abaixou a janela e eu me inclinei para vê-lo amarrado em uma
cadeira alta e fina que estava ao lado de uma vazia.
— E aí?
— Eu decidi que, já que você é irmão do tio Ryan, isso faz de você
uma família. — Ele disse isso com a seriedade de um adulto.
— Você decidiu? — Minha voz suavizou. O garoto não sabia o que
estava oferecendo, ou o quanto isso significava para mim, porque ele
sempre teve uma família. Era simplesmente um dado. — Bem, valeu.
Encontrei os olhos de Ella no espelho retrovisor e ela soltou um
pequeno suspiro de derrota.
— E você não é louco, — acrescentou. — Então, acho que você pode
ficar.
Abri um sorriso tão grande que minhas bochechas doíam. Esse
garoto era incrível. — Obrigado por sua aprovação, Colt.
— De nada, — ele disse com um encolher de ombros.
Dei um passo para trás e Ella fechou a porta e depois se inclinou
pela janela aberta. — Não se esqueça que têm refeições na sede. Ada disse
que não tem visto você por lá e fica curiosa.
— Anotado. Não queria levar Havoc com Maisie lá. — Eu não era
especialista em crianças com câncer, mas sabia o suficiente que ela não
precisava que eu levasse pelos extras.
— Oh, isso é... realmente atencioso da sua parte. Mas está tudo
bem. Depois que ela ficou neutropênica pela primeira vez... isso é
quando...
— Seus glóbulos brancos caem ao nível em que fica suscetível a
todas as infecções conhecidas pelo homem? — Terminei.
— Sim. Como você sabia disso?
— Eu li sobre neuroblastoma. Muito.
— Por Ryan?
Por você.
— Sim, algo assim.
Ela desviou o olhar do meu, como se sentisse nossa conexão
também. Mas onde eu abracei a intensidade, ela aparentemente não. —
Certo. Bem, depois disso, mudei as crianças da ala residencial para um
chalé onde poderíamos ficar...
— Embrulhados como uma bolha, — Colt gritou do banco de trás.
— Praticamente, — Ella admitiu com um encolher de ombros. —
Na verdade, somos seus vizinhos. Se você andar cerca de duzentos
metros por esse caminho, nos encontrará.
— Então, acho que vou te ver por aí.
— Então, acho que você vai.
Eles seguiram pelo amplo caminho ao lado do meu chalé. Deve ter
havido um pequeno barco aqui ou algo para ter um caminho como esse
aberto.
Havoc se recostou em seu quadril e inclinou a cabeça para mim.
— Acho que foi melhor, né? — Perguntei. Seu rabo balançou de
acordo. — Sim. Agora vamos encontrar um emprego antes que Colt
cancele nosso cartão de adulto.
Três horas depois, eu era oficialmente o mais novo membro em
tempo parcial do Grupo Telluride de Resgate na Montanha. Risca isso.
Havoc era. Ela era todo o talento, de qualquer maneira.
CAPÍTULO OITO
ELLA
Carta nº 9

Ella,

Primeiro, estou sem palavras. Não consigo encontrar palavras


adequadas para expressar minha tristeza pelo diagnóstico de Maisie ou
meu espanto por como você está lidando com isso.
Jeff é um idiota. Desculpe, tenho certeza de que ele deve ter algumas
qualidades redentoras, porque uma vez você o sentiu digno para lhe dar
seu coração e até se casar com ele, mas ele é idiota. E digo isso no tempo
presente de propósito, porque ele ainda está fazendo você se sentir como
se não fosse suficiente quando provar repetidamente que é.
Você é o suficiente, Ella. Você é mais do que suficiente. Nunca
conheci uma mulher que tenha sua força, sua determinação, sua lealdade
absoluta aos seus filhos. Então, incluí uma coisinha. Retire quando
precisar, para se lembrar de que você pode fazer isso, porque eu tenho
absoluta certeza de que você pode.
E sim, eu sei que você é uma boa mãe sem nunca ter “conhecido”
você. Principalmente é porque sei como é ter uma má, e você é tudo menos
isso.
O que você precisa? Não posso levar o jantar, mas posso pedir uma
pizza monstro. Existe algo que eu possa enviar para você? Sei que o que
você provavelmente precisa é do apoio de pessoas e, nessa arena, minhas
mãos estão atadas e sinto muito. Sei que não posso fazer muito com essas
cartas, mas, se pudesse, estaria aí ou mandaria seu irmão para casa.
Você é o suficiente, Ella.
Chaos

***

Revirei o pescoço, tentando desalojar o nó aparentemente


permanente que se formou entre as omoplatas. Horas curvadas sobre
planilhas e contas fizeram isso com uma garota.
Sufoquei um bocejo e verifiquei o relógio. Sim, oito e meia da noite
era tarde demais para tomar um café. Eu ficaria acordada até o
amanhecer.
Então, era chá gelado. Tomei um gole do meu copo e voltei a
classificar as contas. Estávamos com problemas, do tipo que eu não sabia
como me livrar. O tipo que realmente chegaria em casa quando Maisie
fizesse cirurgia em três dias.
Ada enfiou a cabeça no escritório improvisado que montamos no
chalé. — Deixei alguns bolos para a manhã. Precisa de mais alguma
coisa?
Forcei um sorriso e balancei a cabeça. — Não. Obrigada, Ada.
— Você é da família, querida. Não precisa me agradecer. — Ela me
deu uma encarada ultradura e então arrastou a poltrona de onde eu a
tinha encostado na parede, afundando-se nela e colocando as mãos no
colo.
Esse era o código de Ada para “não estou desistindo”. Porcaria.
— Conte-me. E não se atreva a se segurar.
Eu relaxei na minha cadeira do escritório e quase menti. Mas a
mulher me encarava como um olhar de mãe, que era praticamente a
mesma coisa que um detetive fazendo você suar debaixo de uma luz.
— O quê? — Perguntei, mexendo na minha caneta.
— Conte-me.
Eu não queria. Expressar a preocupação para outra pessoa
significava que eu não poderia lidar com isso sozinha, significava que era
tudo muito real.
— Acho que posso estar um pouco sobrecarregada
financeiramente. — Eu já estava ali emocional, física e mentalmente,
então o que importava adicionar mais uma coisa à pilha sempre
crescente? Você não pode afogar uma pessoa demais. Uma vez que
estejam debaixo d'água, não importa o quanto esteja acima deles se eles
não podem nadar para cima.
— Quão sobrecarregada? Você sabe, Larry e eu temos um pouco
guardado.
— Absolutamente não. — Eles trabalharam com minha avó a vida
toda, considerando tudo o que fizeram para nossa família, nossa
propriedade. Eu não ia pegar um centavo deles.
— Quão sobrecarregada? — ela repetiu. — Como quando os gêmeos
eram recém-nascidos?
Ah, os bons velhos tempos enquanto eu tentava alimentá-los, vesti-
los e pagar por cursos a distância enquanto trabalhava aqui em Solitude.
Bons tempos.
— Ruim.
— Quanto ruim? — Não havia uma linha no corpo da mulher que
me levasse a acreditar que ela estivesse nem remotamente tensa.
— Acho que posso ir à falência, — sussurrei. — Apostei tudo nas
reformas.
— E você nos fez conhecidos. Nossas reservas estão totalmente
fechadas a partir do Memorial Day. Você sabe que isso é apenas fora de
temporada. Ninguém quer andar pelo lodo da primavera. É neve ou sol
puro que faz a diferença por aqui.
— Eu sei. — Olhei para o monte de boletos e forcei outro sorriso.
Vovó nunca hipotecou a propriedade, e mesmo que eu sentisse que de
alguma forma a estava traindo, nós transformamos Solitude. — E vai
valer a pena. A gente sabia que por alguns anos pagar essa hipoteca seria
um sacrifício, mas com as reformas e a construção dos cinco novos chalés
este ano, é a melhor decisão de negócios que poderíamos ter tomado. Mas
cortei uma parte pessoal este ano com o plano de saúde. Imaginei que as
crianças nunca ficariam doentes e mesmo que ficassem, os custos
médicos seriam relativamente baixos, então mudei o plano para um mais
barato.
— E o que isso significa com tudo o que você está passando?
— Significa que estou gastando muito dinheiro. Alguns de seus
tratamentos são cobertos, outros não; alguns são apenas parcialmente
cobertos. Sempre que vamos a Denver, estamos fora da cobertura e,
então, pago ainda mais. — Eu estava gastando muito dinheiro com uma
taxa que era simplesmente insustentável. E não eram apenas os
tratamentos. Tínhamos que contratar outro funcionário para passar a
noite na sede já que eu morava aqui agora, e todas as despesas extras
que vieram com as viagens de Maisie era dinheiro saindo, mas não
entrando.
— Oh, Ella. — Ada se adiantou e colocou a mão envelhecida na
minha mesa. Eu a segurei entre as minhas, meu polegar correndo sobre
sua pele fina e translúcida. Ela tinha a idade da vovó quando ela morreu.
— Está tudo bem, — eu a tranquilizei. — Quero dizer, é a vida de
Maisie. Não vou deixar minha filha... — Minha garganta se apertou e
fechei os olhos enquanto me segurava. Era por isso que não falava sobre
esse tópico. Tudo precisava ser mantido em sua própria caixinha bem
organizada e, quando chegasse a hora, lidaria com cada uma delas. Mas
falar sobre isso significava que todas as caixas pareciam se abrir de uma
só vez e jogar seu conteúdo sobre mim. Eu respirei gaguejando. — Vou
fazer o que for preciso para garantir que ela receba exatamente os
cuidados de que precisa. Sem atalhos. Não há opção para o tratamento
mais barato. Não vou arriscar a vida dela assim.
— Eu sei. E se a gente fizesse uma arrecadação na cidade? Você
sabe, como fizeram quando o garoto Ellis queria viajar para SeaWorld no
ano em que sua mãe morreu?
Meu primeiro instinto foi me rebelar, recusar completamente. Esta
cidade virou o nariz para mim quando engravidei e fui abandonada aos
dezenove anos. Nos últimos seis anos, construí sozinha o que eu era e
pedir ajuda parecia trair tudo o que havia conseguido.
Mas a vida de Maisie valia muito mais do que meu orgulho.
— Vamos manter isso como uma opção, — concordei. — Não há
nada que possamos resolver hoje à noite, então por que você não
descansa um pouco?
— Tudo bem, — disse ela, batendo na minha mão como se eu
tivesse cinco anos novamente. — Eu vou me deitar. — Ela se levantou
fazendo um esforço e depois se inclinou sobre mim, beijando minha testa.
— Você também precisa descansar um pouco.
— Não estou cansada, — menti, sabendo que tinha a madrugada
para equilibrar as coisas por alguma mágica financeira.
— Bem, se você não estiver cansada, pode aparecer no chalé do Sr.
Gentry. Pelo que Hailey me contou, ele vara a noite, caso você estiver
procurando alguma companhia. — Ela me deu um sorriso inocente, mas
eu a conhecia muito bem para cair nessa.
— Uh-uh. Não está acontecendo. — Mexi na pilha de boletos para
fechar a discussão. — Além disso, tenho duas crianças de seis anos
dormindo no andar de cima. Não posso simplesmente sair e deixá-las,
posso?
— Ella Suzanne MacKenzie. Estou ciente de que Hailey dorme em
seu quarto de hóspedes. Na verdade, ela está na sua sala agora assistindo
a algo horrível na sua televisão e é mais do que capaz de ouvir seus filhos.
Que, devo acrescentar, estão dormindo profundamente.
— Sério, você acha que podemos contar com Hailey como uma
adulta?
— Ela funciona muito bem quando você tem uma emergência na
sede da qual precisa cuidar, não é? Seus bebês estão perfeitamente
seguros e não é como se Maisie estivesse fazendo quimio esta semana.
Então, se está se escondendo daquele homem absolutamente delicioso,
isso é com você. Não culpe esses preciosos bebês ou use-os como
desculpa. Entendeu?
Minhas bochechas esquentaram. — Eu não estou me escondendo,
e ele não é... delicioso.
— Mentira. — Ela apontou o dedo para mim como se eu tivesse oito
anos novamente e roubado um biscoito da prateleira de refrigeração.
— Tanto faz. Tenho vinte e cinco anos, tentando administrar um
negócio em expansão, criando gêmeos sozinha e no meio de um... —
Minhas mãos se agitaram, apontando para tudo na minha mesa. —
…câncer. Não tenho tempo para romance. Não ligo se ele é bonito. — Ou
quão grandes são seus braços. Nada disso era importante.
— Bem, não mencionei nada sobre um romance, mencionei?
Hummm? — Ela saiu, contente por ter a última palavra.
Caí na minha cadeira, deixando minha cabeça rolar para trás. Era
tudo demais. As crianças. Solitude. As contas. A ameaça à vida de Maisie.
A presença de Beckett deixou minha vida cuidadosamente construída
fora de controle.
Claro, ele era bonito. E talvez Ryan tivesse confiado nele. Mas não
significava que eu confiava. Não significava que eu tinha a capacidade de
pensar nele. Só que, bem, quando eu obviamente pensava. Mas não era
como se eu pensasse nele de propósito. Ele entrou nos meus
pensamentos, invadiu realmente, da mesma forma que entrou na minha
vida.
Olhei para o quadro de avisos ao lado da minha mesa. Estava vazio,
exceto pelo papel retangular com uma mensagem em grandes letras
maiúsculas.
VOCÊ É O SUFICIENTE.
Chaos. Sentia sua falta com uma dor quase irracional,
considerando que nunca o conheci. Eu nem tinha uma foto para
lamentar, apenas suas cartas, aquela voz escrita que se estendeu por
milhares de quilômetros e de alguma forma atingiu minha alma.
E agora ele se fora como todo mundo.
E Ryan havia enviado Beckett. Pelo menos, foi o que Beckett havia
dito.
Mas eu nunca tinha visto a carta. Eu deveria ter olhado a carta.
Isso é o que qualquer mulher racional faria quando um estranho
aparecesse afirmando ter sido enviado por seu irmão morto. Ela checaria
sua alegação.
Eu, no entanto, aceitei sem questionar. Havia algo em sua voz, em
seus olhos, que simplesmente parecia verdade. Mas se havia uma coisa
que eu não conseguia lidar, era uma mentira. Se de alguma forma ele
estava mentindo, eu precisava saber agora.
Que se dane.
Afastei-me da mesa e estava na sala de estar antes que eu pudesse
pensar claramente sobre o assunto, pedindo a Hailey para olhar as
crianças. Ela concordou, com a colher no meio de uma caneca de sorvete
que a consolava de sua mais recente separação do cara do mês.
Peguei meu casaco no caminho para a porta dos fundos e estava a
meio caminho da casa de Beckett antes que eu tivesse vontade de dar
meia volta e correr. Que diabos eu estava fazendo? Aparecer na casa dele
no meio da noite? Certo, talvez não fosse o meio da noite, mas estava
escuro.
Usando meu celular como lanterna, caminhei pela margem do lago,
me dizendo como isso era estúpida a cada passo, até que olhei para cima
e vi a luz através de suas janelas. Então, caminhei até a porta da frente.
Por que isso não podia esperar? Por que agora? O que eu esperava
ganhar, além da verdade sobre se Ryan o havia enviado ou não? Por que
importava agora e não duas semanas atrás, quando ele apareceu e
alterou meu senso de gravidade?
Porque... Oh. Aparentemente, eu tinha acabado de bater na porta.
Acho que a decisão foi tomada.
Fuja, a jovem imatura de dezenove anos dentro de mim insistiu.
Parecia que a parte romântica do meu desenvolvimento havia congelado
com a idade em que a empurrei em mais uma caixa e fechei a tampa com
força.
Você não é criança, minha parte madura rebateu.
Antes que eu pudesse entrar em qualquer outra discussão comigo
mesma que pudesse me levar à ala psiquiátrica, a porta se abriu.
Santa. Merda. Ele estava sem camisa.
— Ella?
E com os pés descalços. Apenas calças de treino.
— Ella, está tudo bem?
Que tipo de corpo era esse? Como um homem normal tinha tantos
músculos, todos duros, tonificados e cortados em linhas que pareciam
talhadas para a boca? Minha boca.
Duas mãos firmes apertaram meus ombros.
— Ella?
Balancei minha cabeça, como se pudesse afastar os pensamentos,
e arrastei meus olhos da incrível forma de seu torso, passando pelo
pescoço coberto por uma barba por fazer, para aqueles olhos em pânico.
Eu gostei de verde. Verde era uma cor incrível.
Verde. Verde. Verde.
— Está tudo bem. Desculpe, — murmurei, sabendo que parecia
uma idiota. — Eu não esperava... — Fiz um gesto para seu corpo.
— Você achou que tinha mais alguém em casa?
— Não. Apenas achei que talvez você estivesse vestido. Como uma
pessoa normal. — Forcei um encolher de ombros e ele soltou meus
braços.
Então, ele sorriu.
Ugh. Ele era incrivelmente bonito. Irritantemente lindo.
— Me desculpe. Vou me lembrar de checar com você antes de
malhar da próxima vez. Entre. Vou pegar uma camisa. — Ele abriu a
porta para que eu pudesse passar por ele.
E ele cheirava bem enquanto malhava? Que tipo de feitiçaria era
essa? Esse cara era mesmo uma pessoa real? Ninguém parecia tão bom
e cheirava bem e era gentil com as crianças. Havia um defeito.
Ele é operações especiais.
Sim, esse era um defeito muito grande. Não que eu pudesse ver
esse cara como um homem, no sentido romântico. Como se eu tivesse
tempo para essa porcaria agora, ou mesmo a energia. Mas eu também
não era idiota e algo havia mexido comigo quando o vi com Colt.
Caras com cachorros. Caras com crianças. Qualquer um deles
tinha a garantia de chamar minha atenção, e esse cara tinha os dois.
— Eu já volto, — ele me disse enquanto fiquei na entrada. — Fique
à vontade para se sentir em casa, já que... você sabe, é a proprietária! —
ele gritou enquanto subia as escadas correndo.
Meus passos estavam hesitantes quando entrei no chalé. Tudo
estava exatamente como o alugamos; não havia personalização ou
qualquer coisa que sugerisse que ele ficaria aqui mais do que alguns dias,
muito menos sete meses. Sem louça suja na pia, sem livros nas mesas,
sem jaquetas jogadas ao acaso nas costas das cadeiras.
Havoc saiu da sala, abanando o rabo lentamente, e eu me abaixei
para vê-la.
— Ei, garota. Você estava dormindo? Sinto muito por te acordar. —
Esfreguei atrás das orelhas dela, e ela se inclinou para o meu toque.
Um minuto depois, ele estava na minha frente, uma camiseta preta
esticada sobre o peito. Sim, isso não diminuiu seu apelo sexual,
infelizmente.
— Então, você gosta da minha Havoc.
— Nunca disse que não gostava dela. Acho ela ótima. O adestrador
dela, por outro lado... — Dei de ombros, olhando ao redor do chalé. —
Você tem certeza de que vai ficar sete meses? Parece que você nem ficou
aqui no fim de semana.
Apenas mais um sinal de que esse cara não ficaria por perto.
Ele sorriu, piscando em branco, até os dentes, e formando
pequenas rugas ao redor dos olhos. — O que, por que gosto do meu chalé
organizado? Limpo? Descomplicado?
— Ou estéril e impessoal, como você gostaria de chamá-lo, —
provoquei.
Ele zombou. — Então, o que posso fazer por você, Ella? — Ele se
recostou no bar que dividia a cozinha da sala de estar.
— Eu esperava que você me mostrasse a carta de Ryan. — O clima
na sala mudou instantaneamente.
— Oh. — Ele rapidamente controlou sua expressão, mas eu tinha
visto a surpresa inicial. — Sim claro. Apenas espere aqui.
Ele subiu os degraus novamente. Ouvi uma gaveta abrindo e
fechando, e em alguns instantes, Beckett estava de volta.
— Aqui está. — Entregou um envelope que provavelmente já foi
branco, mas que agora estava manchado de sujeira e amassado pelo
repetido manuseio. Meus dedos tremiam quando o peguei, vendo o nome
de Beckett rabiscado na frente com a letra de Ryan.
Meu polegar roçou a tinta enquanto minha garganta se contraía,
uma queimadura familiar fazendo cócegas no meu nariz. Lágrimas
ameaçaram cair pela primeira vez desde seu funeral, e rapidamente
afastei as emoções o mais longe possível. Eu as mantive trancadas com
força, exatamente como as caixas com as coisas dele que acumulavam
poeira em seu antigo quarto. Eu acabaria limpando, resolvendo as coisas
que sabia que Colt iria querer, mas ainda não.
Isso estava na minha lista depois do câncer, que atualmente tinha
cerca de vinte e quatro quilômetros de extensão.
— Pode levá-la com você, — Beckett ofereceu, sua voz rouca
suavizada a um nível que chamou meus olhos para os dele. — Caso você
queira alguma privacidade para ler.
Havia uma profunda tristeza em seu olhar, uma dor dolorida e
insondável que sugava o ar dos meus pulmões. Eu conhecia esse
sentimento. Eu era esse sentimento, e vê-lo refletido em outra pessoa de
alguma forma fez com que o meu parecesse validado e um pouco menos
solitário. Houve lágrimas no funeral de Ryan. Larry, Ada... eu, as
crianças, as poucas garotas da cidade que ele via de vez em quando, até
os dois caras que vieram para representar sua unidade. Mas nenhum
deles parecia como eu me sentia - como se eu tivesse sido abandonada
pela única pessoa que realmente me conhecia... não até esse momento
com alguém que eu considerava um estranho.
Um estranho com quem eu estava conectada através da morte da
pessoa que nós dois amávamos.
Dado o estado do envelope, e quantas vezes ele obviamente leu a
carta, sabia o que ele estava oferecendo e o que lhe custava. Esse simples
gesto significou mais para mim do que cada "deixe-me-sabe-o-que-você-
precisa" de cada pessoa bem-intencionada que sabia sobre Maisie, até
mais do que as ofertas honestas de Ada e Larry, que eu considerava
família.
Beckett estava me oferecendo a chance de sair pela porta com um
pedaço sagrado de sua história.
— Não, tudo bem. Sinceramente, prefiro ler aqui. Com você. —
Onde talvez apenas uma vez, eu não me sentiria tão sozinha em minha
dor por Ryan. — Se estiver tudo bem?
— Claro. Você quer se sentar? — Ele recuou e cruzou os braços
sobre o peito. Se eu o conhecesse melhor, diria que ele parecia nervoso,
mas não estava familiarizada o suficiente com nenhum de seus
maneirismos para realmente fazer suposições.
— Não, tudo bem. — Sentar-me significava ficar, e eu
definitivamente não estava ficando.
Abri o envelope e deslizei a carta. Era papel de caderno pautado, o
mesmo que ele usara para me enviar cartas. O papel estava ainda mais
gasto que o envelope, a única página manchada de sujeira nas dobras.
Respirando fundo para me firmar, desdobrei a carta e reconheci
imediatamente a letra de Ryan.
— Quantas vezes você leu isso? — Perguntei, minha voz baixa.
— Pelo menos uma vez por dia desde que eu... — Beckett pigarreou.
— Às vezes mais, no começo. Agora guardo no bolso para me lembrar por
que estou aqui. Mesmo que você não me deixe ajudá-la, estou me
esforçando para fazer o que ele pediu.
Concordei e li a carta na íntegra o mais lentamente que pude,
saboreando a última vez que ouviria do meu irmão.

Não é justo pedir. Sei disso. É contra a sua natureza cuidar, não
cumprir uma missão e seguir em frente, mas eu preciso disso. Maisie e Colt
precisam disso. Ella precisa disso - precisa de você, embora ela lute com
unhas e dentes contra você antes de admitir. Ajude-a mesmo quando ela
jurar que está bem.
Não a faça passar sozinha.
Ali estava. A verdade. Ryan enviou Beckett, pediu-lhe para ajudar,
ou melhor, o obrigou tão bem que Beckett deixou uma carreira que amava
e se mudou para um lugar estranho, onde a pessoa por quem se mudara
o ignorava descaradamente a todo momento possível.
O último pedido de Ryan foi por mim.
Meus olhos se fecharam, e contei enquanto respirava fundo, até
que a necessidade de chorar histericamente, de jogar as coisas no lote
que o destino decidiu que eu merecia, passou.
Então olhei para Beckett, me dando conta de que ele se afastou
alguns metros para se encostar na parede, como se sentisse minha
necessidade de espaço. Mas seus olhos estavam fixos nos meus, o
conjunto de sua boca tão estoico quanto eu imaginaria um cara de
operações especiais ficar... como Ryan ficava.
— Obrigada. — Devolvi a carta para ele no envelope.
— Sinto muito por estar aqui e ele não.
— Por que você não se acha digno de amor? De família? Todo
mundo é digno de família. — Mesmo quando eu estava no fundo do poço,
sempre soube disso. Se não eram meus pais, eram vovó, ou Ryan, ou
Larry e Ada. Agora meus filhos também. O que aconteceu com esse cara
que ele não tinha uma?
Ele se desencostou da parede, passando por mim em direção à
cozinha, deixando a carta no balcão mais próximo. — Sabe, ele queria
estar aqui. Ele estava saindo na data da baixa, já havia dito ao
comandante que não estava se realistando. Tinha toda a intenção de
estar aqui para você desde o momento em que soube da Maisie. —
Beckett abriu a geladeira, pegando duas garrafas de água e ignorou
descaradamente o que perguntei.
Dei a volta pela ilha da cozinha para segui-lo.
— Sim, bem, ele disse isso antes, logo após o nascimento dos
gêmeos. Chegou em casa de licença e com os dois dormindo no peito, me
prometeu que não estava saindo. Que tinha voltado para casa onde era
necessário. O engraçado é que ele nem durou o mês de folga antes de o
telefone tocar, fazer as malas e partir. Parei de acreditar nele depois disso.
Não confio muito em promessas bonitas, mesmo de homens que dizem
que me amam. Agora, quanto a você, você deixou um trabalho que
obviamente amava e se mudou simplesmente para atender ao pedido de
Ryan. Isso é lealdade. Essa é a própria definição de família e não consigo
entender por que você acha que não merece quando a possui.
Ele desenroscou a primeira tampa e tomou um gole profundo,
depois colocou a garrafa no balcão e me entregou a outra. Peguei por
hábito, não porque estava com sede.
— Você está indo para Denver para a cirurgia de Maisie pela
manhã?
— Você sempre se esquiva de perguntas?
Um sorriso brilhou em seu rosto e desapareceu tão rápido quanto
parecia. — Não estou aqui por mim. Estou aqui por você.
Toda vez que ele dizia isso, eu sentia um pedacinho da argamassa
em minhas paredes emocionais estalar. Não suficiente para derrubá-las
ou até enfraquecê-las. Mas estava lá da mesma forma, apenas esperando
para expandir e crescer. Ninguém nunca ficou por aqui, muito menos fez
o que Beckett tinha feito.
Não que isso fosse permanente.
— Você não deveria estar. Você tem uma vida. Não importa o que
Ryan tenha dito nessa carta, não sou sua responsabilidade. Não importa
o quão próximos vocês eram, você é um estranho. Agradeço cada oferta
que você fez e pelo que passou para cumprir o desejo de Ryan, mas isso
é demais. — Minhas palavras foram duras, mas mantive minha voz
suave. Eu não queria machucá-lo.
— Eu não vou embora. — Ele imitou meu tom.
Engraçado como a conversa foi a mesma da primeira vez que nos
conhecemos, mas a conotação era muito diferente e isso fez toda a
diferença. Eu não estava tentando afastar Beckett tanto quanto tentava
libertá-lo.
— Você vai. — Assim como Ryan. Assim como Jeff e papai.
Depender de Beckett seria a coisa mais tola que eu poderia fazer.
Sua mandíbula flexionou e ele desviou o olhar por um momento.
Quando seu olhar voltou, seus olhos estavam um pouco mais duros. —
Acho que você vai ter que esperar e ver.
A tensão alongava o comprimento da cozinha entre nós, palpável o
suficiente para cortar... ou talvez para nos amarrar juntos – o soldado e
a mulher que ele era obrigado pela honra a vigiar.
— É melhor eu ir embora. — Deixei minha garrafa fechada no
balcão e passei por Beckett, pelo corredor e até a porta.
— Sei que essa cirurgia vai ser difícil. Para ela, para você. Por favor,
me prometa que ligará se precisar de alguma coisa.
Olhei por cima do ombro para vê-lo parado no corredor cerca de
um metro e meio atrás de mim. Havia determinação em seu rosto, mas
aquela tristeza estava de volta em seus olhos. Eu não devia nada a esse
homem e sabia muito menos sobre ele, além do fato de Ryan ter confiado
nele.
Abri a porta e entrei no ar fresco, desejando que pudesse limpar
meu cérebro confuso e sobrecarregado. Mas o pensamento bateu em mim
sem piedade, até eu deixar entrar - Beckett não poderia cumprir sua
promessa a Ryan se eu não deixasse. Eu podia ser muitas coisas, mas
cruel não era uma delas.
— Eu prometo.
Não era mentira, porque eu não tinha intenção de precisar de nada
de Beckett. Fechando a porta atrás de mim, deixei seu chalé e voltei para
o meu. Agora que sabia a verdade, podia parar de deixar o cara invadir
meus pensamentos e voltar ao que precisava focar.
Maise.
CAPÍTULO NOVE
BECKETT
Carta nº11

Chaos,

Ontem perdi a peça de Ação de Graças de Colt. Ele era o peregrino


da fala que convidava os nativos americanos para a festa. Ele praticou
suas falas por semanas. Falou sobre isso o tempo todo.
E eu perdi.
Maisie não estava forte o suficiente para voltar para casa depois de
sua primeira sessão de quimioterapia. O número de células diminuiu e não
nos deixaram sair de Denver até chegarem a níveis seguros. Isso acontece,
pelo menos foi o que me disse uma das outras mães aqui. O nome dela é
Annie e ela tem sido uma dádiva de Deus nas últimas duas semanas. O
filho dela está aqui e acho que dá para perceber que ela me colocou debaixo
de suas asas. A curva de aprendizado é imperdoável.
Estamos em Denver há quase duas semanas. É o melhor hospital
infantil do Colorado e é onde está a oncologista dela, mas descobri alguns
dias depois que chegamos aqui que também não é coberto pelo plano de
saúde. Engraçado eu nunca ter pensado nisso antes.
Por que não consigo pensar com clareza? Até minhas cartas estão
dispersas agora, assim como está o meu cérebro.
Então, sim, duas semanas e eu perdi a peça de Colt. Ada foi e gravou
para mim, mas não é a mesma coisa. Ele fez uma cara tão corajosa quando
fizemos uma chamada por vídeo logo depois, mas sei que o decepcionei.
Jurei, quando eles nasceram, que eu nunca os decepcionaria, e agora, não
importa o que eu faça, um deles sofre por isso.
Como isso é justo? Vejo os pais aqui que trocam de turno entre a mãe
e o pai, ou os pais com apenas um filho, e sinto essa pontada horrível e
egoísta de inveja pelo que eles têm - a capacidade de se equilibrar.
Eu sei que, na ordem das coisas, perder a peça não é grande coisa.
É a primeira de muitas, certo? Há muitos fardos que poderão vir para ele
e eu poderei estar ao lado dele, e Maisie precisa de mim agora. Mas não
posso deixar de sentir que é a primeira gota no balde e estou com tanto
medo de que acabará por encher. Perdi sua primeira peça quando jurei que
nunca perderia nada, e como os médicos estão me apresentando planos
de tratamento, posso ver o quanto ela vai perder. O quanto ele vai.
Porque não fui só eu que perdi a primeira peça, Maisie também. E
em vez de estar no palco, ela estava em uma cama de hospital. Os médicos
me dizem que suas contagens estão aumentando e esperam que possamos
voltar para casa amanhã.
Deus, espero que estejam certos.
Espero que vocês estejam tendo um pouco de peru por aí ou pelo
menos uma pequena pausa. Descanse quando puder.

Ella

***

Esfreguei a cabeça de Havoc quando fiz a curva com a caminhonete


através do portão de Solitude, depois dirigi pela estrada curva em direção
ao meu chalé, passando pelo de Ella. Seu SUV havia sumido, o que
significava que eles deveriam ter ido para Denver como planejado. Ela
estava aqui esta manhã quando fui a uma sessão de treinamento no meu
novo emprego, e tive um lampejo de preocupação de que algo tivesse
mudado seus planos.
Não que ela fosse me contar.
Não que eu merecesse saber.
Ela me matou ontem à noite, fazendo aquelas perguntas, me
chamando de estranho. Quase quebrei ali, mas nossas circunstâncias
não haviam mudado, e se sendo apenas Beckett me deixasse me
aproximar o suficiente para ajudar, então enterraria Chaos ao lado de
Ryan. Deus sabia que esse já era o caso Eu não estava muito longe
quando sugeri que ele também havia morrido naquela missão.
Eu não queria mentir para Ella, mesmo por omissão, mas se ela
soubesse quem eu realmente era, me expulsaria de sua vida. Saber
apenas a levaria fazer perguntas que eu não poderia responder, e mesmo
que pudesse, a verdade me exilaria tão rapidamente quanto a descoberta
dela da mentira que eu estava vivendo. Enquanto ela não descobrisse, e
eu mantivesse meus sentimentos sob controle, eu seria o único
carregando o peso da feia verdade.
Depois que Maisie estivesse curada e Ella não precisasse mais de
mim, eu contaria a ela.
Virei na minha estrada comprida e, em seguida, pisei nos freios
com tanta força que chegou a chamara a atenção de Havoc.
Havia um estranho jipe estacionado em frente ao meu chalé.
Quem diabos poderia ser? Segui vagarosamente até a frente, até
que uma figura familiar caminhou pela lateral do jipe. Alto, ombros
largos, olhos, cabelo e pele escuros. Reconheci-o à primeira vista.
Capitão Donahue.
O que ele quer?
— Está tudo bem, garota, — disse a Havoc. — É apenas Donahue.
— Estacionei a caminhonete e saí, Havoc pulando atrás de mim.
— Cão solto! — Gritei o aviso quando ela se aproximou dele,
sabendo muito bem que ela não o atacaria.
— Ah, muito engraçado, — disse ele, abaixando-se ao nível dela.
Ela parou bem na frente dele e sentou-se de costas enquanto eu
andava até ele.
— O que você está fazendo aqui, Donahue?
— Camiseta legal, — disse ele, acenando com a cabeça para minha
nova camiseta do Grupo Telluride de Resgate na Montanha.
— O que você está fazendo aqui? — Repeti.
Ele suspirou e se levantou. — Sempre falador, né? — Ele abriu a
porta do jipe e se inclinou, voltando com um Kong vermelho. — Trouxe
um presente para você, — disse ele a Havoc. As orelhas dela se animaram
quando ele mostrou a ela, mas ela não se mexeu quando ele a jogou na
floresta. — Pegue! — ele gritou, mas ela ainda o olhou como se ele tivesse
enlouquecido. — O quê? Você ama essas coisas.
Fiquei ao lado dela e cruzei os braços sobre o peito.
— Ela ainda é tão teimosa? — Ele perguntou, levantando os óculos
escuros para o topo da cabeça.
— Sim.
Ela nem olhou para mim, apenas manteve os olhos fixos nele.
— Bem. Eu esperava que, com algum tempo de folga, não
tivéssemos que aposentá-la... ou você. — Ele balançou a cabeça
exasperado.
— Pegue.
Com uma palavra, Havoc saltou em direção à floresta para
encontrar seu novo brinquedo. Um sorriso se espalhou pelo meu rosto
quando Donahue revirou os olhos.
— Está certo. Você provou seu ponto. Ela é sua e sempre foi. Bom
te ver.
— Também, mas você não respondeu minha pergunta. Por que você
está aqui?
— Podemos nos sentar?
Levei-o ao pequeno pátio atrás do chalé, onde havia um conjunto
completo de móveis à sombra do sol das três da tarde.
— Você tem quarenta e cinco dias de folga — ele disse enquanto
nos sentávamos nas cadeiras vermelhas.
— Sim, — respondi, lançando o Kong em direção ao lago. Havoc
ficou muito feliz buscando isso. Hoje, ela havia se esforçado para
procurar trabalho, mantendo suas habilidades aprimoradas para
encontrar pessoas, e estava cansada, mas feliz.
— Estou aqui para pedir que você reconsidere. — Ele se inclinou
um pouco para a frente.
— Não.
— Gentry. — Ele suspirou, esfregando a área entre as
sobrancelhas. — Somos uma equipe.
— Não mais. — Minha voz caiu.
Ele olhou através do lago para a pequena ilha. — Você já foi lá vê-
lo?
Meu silêncio respondeu.
— Não havia nada que você pudesse ter feito por ele, — ele me disse
pela centésima vez.
— Sim, bem, é aí que vemos as coisas de maneira diferente.
Havoc voltou e lancei o brinquedo outra vez, o movimento familiar
reconfortante.
— Você acha que isso é o que ele realmente quer? Sair da equipe?
Deixar sua família? Você e Havoc são parte de nós.
— Estou fazendo exatamente o que ele pediu. — Tirei a carta do
bolso de trás e entreguei a ele.
Ele leu a carta e xingou ao devolvê-la ao envelope. — Eu deveria ter
lido a maldita coisa antes de dar a você.
— Não há chance de eu ir embora. Por mais que aprecie o que você
esteja fazendo aqui, não posso voltar atrás. Estou de licença final e, em
quarenta e cinco dias, estarei fora. — Eu ficaria definitivamente longe da
única vida que conhecia.
— E se houvesse outra opção?
— A menos que essa opção seja Mac voltando dos mortos, eu não
ligo. Não posso me importar. O que quero não importa mais.
— Entendi. E entendo o que você está fazendo aqui. Inferno, eu te
admiro por isso. É o sacrifício final e eu não tenho nada além de respeito
por você. Mas eu sei disso... a situação não vai durar para sempre. Não
quero que você se vire e se arrependa dessa escolha.
Lancei um olhar que claramente dizia que eu não me arrependeria,
mas ele continuou. — E se eu lhe dissesse que, devido à natureza de
nossa unidade, posso colocá-lo em uma espécie de lista de inativos
temporários?
— Como assim?
Havoc trouxe o Kong de volta, mas vi a exaustão nos olhos dela e
fiz sinal para ela se deitar. Ela pegaria aquela coisa até cair, a menos que
eu desse o sinal.
— Não é o que você pensa. Você não está... inativo. Mas foi o único
jeito que eu e os superiores pensamos em lhe dar uma saída aqui.
— E o fato de que nada está errado comigo?
— Acho que nós dois sabemos que isso não é verdade, — disse ele,
olhando para a ilha. — Olha, nos últimos dez anos, você nunca tirou uma
licença.
— E?
— E você está exausto. Mental e fisicamente exausto. Então, a
papelada foi feita baseado nisso. Você só precisa assinar.
— Eu não vou voltar.
— Agora não. Mas isso lhe dá um ano para pensar - mais tempo,
se precisar. Podemos estender até cinco. Pagamento, benefícios e
reingresso fácil quando estiver pronto.
— Eu já tenho um emprego. — Fiz um gesto para a minha camiseta.
— Não onde você faz o tipo de diferença que faz conosco. Você é da
família, Gentry, e sempre será bem-vindo. Assinar esses papéis para
aceitar não promete que você voltará, simplesmente oferece a opção que
você está prestes a perder quando a licença final terminar. Ou você assina
a baixa e esta oferta morre imediatamente. — Ele se levantou e deu
alguns passos à frente, com os olhos na ilha. — Ele era mesmo um dos
melhores, não era?
— Ele foi o melhor de nós.
Donahue se virou e passou por mim, parando para colocar a mão
no meu ombro. — Os papéis estão no centro de operações especiais de
Denver. Mandei por e-mail a informação para o escritório cerca de uma
hora atrás.
— O quê? Não queria deixá-los aqui?
— Imaginei que se eu os deixasse aqui, você os queimaria antes de
considerar o que estou tentando oferecer.
Eu odiava que ele estivesse certo.
— É bom ver você, Gentry. Descanse. Faça o que puder pela família
de Mac e, quando terminar sua missão, volte para casa. — Ele me
entregou a carta de Ryan e saiu sem outra palavra.
Havia uma centelha na minha alma - a inquietação que havia
permanecido adormecida por algumas semanas voltando à vida. A
necessidade de se concentrar em uma missão de cada vez e seguir em
frente. A oferta dele era tentadora, e eu não podia arcar com isso, não
quando Ella precisava de mim.
Preparei uma bolsa para mim e uma para Havoc, depois verifiquei
meu e-mail para encontrar o endereço. A melhor parte do meu trabalho
atual era apenas estar de plantão, não agendado, e isso não começaria
oficialmente até uma semana. Se eu saísse dentro de uma hora, poderia
chegar em Denver às dez, mais ou menos, se levasse as seis horas
habituais que gastei para chegar aqui. Em sete horas, poderia assinar a
baixa e pôr um fim em qualquer pensamento de aceitar a oferta de
Donahue. Além disso, talvez a viagem curasse aquela pequena mordida
de inquietação que tinha os dentes em mim.
Vinte minutos depois, entrei na sede, Havoc ao meu lado.
— Sr. Gentry! — Hailey disse, se animando enquanto eu caminhava
em sua direção. Ela bateu seus cílios e se inclinou para frente. — O que
posso fazer por você?
Ela era exatamente o tipo de garota que Mac teria procurado.
Engraçada, sociável, bonita e envolvente.
Mas eu pertencia apenas a Ella - mesmo que ela não soubesse.
Seja legal. Seja civilizado. Use um tom mais suave. Repeti os
lembretes em minha mente, determinado a fazer um esforço com as
pessoas que eram importantes para Ella.
— Estou indo para Denver por alguns dias e só queria ter certeza
de que você soubesse antes de eu sair.
— Oh, claro... — O telefone tocou e ela atendeu, erguendo o dedo
para mim. — Solitude, Hailey, pois não? Oh, oi, Ella. O quê?
Agora era eu encostado no balcão.
— Bem, você precisa disso? Claro, entendi. Eu só quis dizer que eu
poderia levar amanhã de manhã...
— O que foi? — Perguntei.
— Ela deixou a pasta de Maisie no escritório, — ela sussurrou,
cobrindo o fone.
— Com os dados médicos? — Essa era uma em que Ella levava em
todos os compromissos. Mantinha todos os registros de seus
tratamentos, todos os resultados escritos em laboratório... tudo.
Hailey assentiu. — Eu sei, Ella, deixe-me ver o que posso fazer...
Peguei o telefone da mão de Hailey. — Levo para você. Mande a
Hailey me enviar uma mensagem com o número do seu quarto no
hospital. — Antes que ela pudesse discutir, devolvi o telefone a Hailey.
Virando-me para a porta, vi Ada saindo do escritório com a pasta nas
mãos estendidas.
— Eu ouvi. Ela apenas parou por um segundo esta manhã e
esqueceu.
— Eu vou cuidar disso, — eu disse a ela.
— Eu sei que vai, — ela disse. — Você quer que cuidemos de Havoc
para você?
Meu primeiro impulso foi um caloroso “inferno não”. Mas então a
cabeça de Colt apareceu da área de jantar.
— Havoc! — Ele correu para a frente e se ajoelhou para abraçá-la,
e ela deitou a cabeça no ombro dele. — Por favor? Podemos cuidar dela?
Ela pode dormir na minha cama e tudo. Vou jogar seu brinquedo e
alimentá-la, prometo!
— Ela vai aonde eu vou, — eu disse a Ada.
— Não para o hospital. Sei que ela é uma cadela de trabalho, mas
eles só deixam entrar cães que estão mesmo trabalhando. — Os olhos
dela ecoaram seu apelo. — Sr. Gentry, Ella não me deixou ir com ela. Ou
Larry. E sei sobre... a carta de Ryan e tudo. — Ela olhou para Colt e
voltou para mim. — E eu não gostaria que Havoc ficasse presa em um
hotel se você... digamos, fique durante a cirurgia amanhã.
Ela estava me repreendendo, sem dúvida. Mas ela não tinha ideia
do quanto eu queria estar lá por Ella, ou o quão difícil seria deixar Havoc.
Uma ladainha de palavrões passou pela minha cabeça, nenhum
deles adequado para expressar meus sentimentos conflitantes. Havoc
estaria segura aqui e cuidada. Não era como se não tivéssemos passado
um fim de semana separados antes. Quando não estávamos em missão,
ela ficava no canil com todos os outros cães de trabalho, de acordo com
o regulamento, mas esteve comigo todos os dias desde que Mac morreu.
Mas Ada estava certa e Ella estava sozinha.
Respirei fundo e me abaixei para olhar Colt nos olhos. — Você tem
aula amanhã?
Ele balançou a cabeça devagar. — Dia do professor ou algo assim.
— Dia de trabalho do professor, — Ada corrigiu.
Balancei a cabeça e esfreguei minha mão em seu cabelo espetado.
— Certo. Então você está no comando dela. Está bem? A bolsa dela está
na caminhonete e tem a comida e as coisas favoritas dela. — Quanto mais
eu explicava como cuidar dela, mais brilhantes ficavam seus olhos, até
que o garoto era praticamente um urso de cuidados por toda a alegria
que ele emanava.
Ela estaria em boas mãos.
Peguei a bolsa dela e levei de volta para Colt, depois me ajoelhei na
frente de Havoc, peguei o rosto dela em minhas mãos e olhei nos olhos
dela. — Fique com Colt. Seja boa. — Adicionei esse pequeno pedido extra
para que ela soubesse que eu queria dizer ficar e não proteger. Caso o
contrário, surgiriam os dentes. Mas essa escolha dela, e se ela mostrasse
qualquer hesitação, ela não poderia ficar - teria que ir comigo. Era
exatamente por isso que estávamos nos aposentando juntos.
Sua cabeça girou para olhar Colt, indicando que ela entendia não
apenas o comando, mas quem ele era.
— Volto em alguns dias. Fique. Com. Colt. Seja. Boa.
Soltei sua cabeça e ela imediatamente correu para o garoto.
— Boa menina. — Partes iguais de alívio e preocupação me
atingiram bem no estômago.
— Não seria uma boa ideia separá-los. — Avisei Ada.
— Ela vai morder? — ela sussurrou.
— Não. A menos que alguém mexa com ele. Se isso acontecer, Deus
ajude a pessoa, porque ela só soltará uma mordida com meu comando.
Você ainda tem certeza de que quer ficar com ela?
— Com certeza. — Ela passou as mãos pelo avental limpo e
impecável.
— Vamos lá, Havoc! — Colt disse, correndo pela porta lateral da
casa, o Kong em suas mãozinhas. Ela trotou com ele, abanando a cauda.
Ada inclinou a cabeça.
— É engraçado…
— O quê?
— Ela parece uma coisinha tão dócil. Você nunca imaginaria que
ela seria capaz de destruir alguém.
— Ela é como qualquer outra mulher a esse respeito, senhora.
Cinco minutos depois, eu estava dirigindo em direção a Ella e
Maisie, finalmente capaz de fazer a única coisa para a qual fui enviado
aqui: ajudar.
CAPÍTULO DEZ
BECKETT
Carta nº 2

Chaos,

Estou tão feliz que você escreveu de volta! Primeiro, feliz aniversário,
mesmo sabendo que está atrasado. Olhando as datas em seus envelopes,
demora uns quatro ou cinco dias para eu receber as cartas, o que é super
rápido. Lembro-me de quando costumava demorar seis semanas.
Segundo, que tal isso? Vamos sempre escrever com caneta. Nunca
apagar, só ser honesto e dizer o que vem à mente. Não é como se
tivéssemos muita coisa em jogo ou precisássemos manter as aparências.
Tudo bem que você não seja bom com pessoas. Na minha
experiência, há poucas pessoas que valem nosso esforço. Tento dar tudo o
que tenho às pessoas mais próximas a mim e manter esse círculo pequeno.
Prefiro ser ótima para poucas pessoas do que medíocre para muitas.
Então, deixe-me fazer uma pergunta que não será censurada – aliás,
é sinistro pensar que as pessoas leem nossas cartas, mas eu entendo.
Qual foi a escolha mais assustadora que você já fez? Por que você
escolheu isso? Algum arrependimento?
A maioria das pessoas pensaria que eu diria que é ter filhos gêmeos
ou criá-los, mas nunca tive tanta certeza de nada na minha vida quanto
de meus filhos. Nem Jeff, meu ex-marido. Eu estava iludida demais para
ter medo quando ele me pediu em casamento e não posso me arrepender
de tudo o que aconteceu por causa dos meus filhos. Além disso, o
arrependimento não nos leva a lugar nenhum, né? Não faz sentido ficar
remoendo as coisas que aconteceram quando precisamos seguir em frente.
Minha escolha mais assustadora foi feita no ano passado. Eu
hipotequei Solitude, que não é apenas uma pousada, mas uma
propriedade de duzentos acres. Minha avó a mantinha sem quaisquer
encargos e eu queria mais do que qualquer coisa manter esse legado, só
que ficamos quebrados em todos os níveis. Como não consegui vender mais
terras, fiz a terrível escolha de hipotecar a propriedade e transformar tudo
em melhorias, na esperança de nos lançar como uma espécie de retiro de
luxo. Cruzei meus dedos para que funcionasse. Entre o capital que peguei
para melhorias nos chalés e propriedades e os empréstimos para
construção dos novos chalés a serem iniciados no verão, sou essa louca
mistura de esperança e medo. Não vou mentir, é meio divertido. Quem não
arrisca, não petisca, certo?
Indo para minha próxima escolha assustadora... ser voluntária na
comissão da associação de pais e mestres.

Ella

***

Enfiando a pasta de Maisie debaixo do braço, conferi o número do


quarto em meu celular quando o elevador apitou no piso de oncologia
pediátrica.
Eram quase onze da noite; aqueles momentos com Colt me
custaram algum tempo, mas fiz uma viagem bem tranquila.
— Posso ajudar? — uma enfermeira com um sorriso gentil e um
pato Donald perguntou na recepção. Ela parecia ter uns trinta e poucos
anos e estava alerta para o quão tarde era.
— Estou indo para o quarto setecentos e quatorze, Maisie
MacKenzie. — Eu disse a ela. Uma coisa que aprendi em minha década
servindo em nossa unidade era que, se você agia como se pertencesse a
algum lugar, a maioria das pessoas acreditava que você pertencia.
— Já passou do horário de visitas. Você é da família?
— Sim, senhora. — De acordo com Colt, eu era, então, de uma
maneira realmente complicada, não estava mentindo.
Os olhos dela brilharam. — Oh! Você deve ser o pai dela. Todo
mundo queria ver como você seria!
Certo, eu não ia mentir sobre isso. Uma coisa era espalhar a ampla
generalização e outra reivindicar a honra de ser o pai de Maisie. Quando
abri minha boca para falar, senti uma mão no meu ombro.
— Você conseguiu, — disse Ella com um sorriso suave.
— Eu consegui, — repeti. — A pasta também conseguiu. —
Entreguei-a e ela a abraçou em um gesto muito familiar que fez meu peito
doer. Ela deveria ter alguém para segurá-la em momentos como este, não
algum objeto inanimado.
— Eu vou levá-lo de volta, — Ella disse à enfermeira.
— Vá em frente.
Andei pelo corredor com Ella, olhando os murais de ursos. — Eles
não estão brincando sobre estampa de ursinhos, hein?
— Não. Ajuda a lembrar a infância. — Ela respondeu. — Quer
conhecer Maisie? Ela ainda está acordada, apesar de todos os meus
esforços.
— Sim, — respondi sem pausa. — Gostaria muito disso. —
Eufemismo do século. Ao lado das fotos das montanhas que Colt havia
desenhado para mim, as fotos de animais de Maisie eram minhas
favoritas. Mas essas pertenciam ao Chaos. Assim como Ella e Colt, eu ia
partir do zero com Maisie.
Nossos passos eram os únicos sons enquanto caminhávamos pelo
longo corredor.
— Esta ala é para pacientes internados, — Ella me disse,
preenchendo o silêncio. — Os outros dois são para pacientes
ambulatoriais e transplantes.
— Entendi, — eu disse, meus olhos examinando os detalhes por
hábito. — Olha, você precisa saber que a enfermeira acha que...
— Que você é o pai de Maisie. — Ella terminou. — Eu ouvi. Não
esquenta, ela não vai forçar os papéis de adoção em você nem nada.
Deixei todas as informações do pai em branco porque, merda, eles
ligariam para Jeff em caso de emergência. Ele nunca a viu.
— Gostaria de dizer que não entendo como alguém pode fazer isso,
mas, de onde eu venho, isso acontece com muita frequência.
Ela parou do lado de fora da sala marcada com o nome de Maisie.
— E onde é isso?
— Cresci em um orfanato. Minha mãe me deixou em uma estação
de ônibus em Nova York quando eu tinha quatro anos. Siracusa para ser
exato. A última vez que a vi foi quando ela perdeu seus direitos no
tribunal um ano depois. Já vi alguns pais horríveis na minha vida, mas
também alguns ótimos. — Eu apontei para ela. — E se seu ex é tão
patético que nunca viu sua filha, então ele não a merece. Ou você. Ou
Colt.
Havia um milhão de perguntas nadando naqueles olhos, mas eu
fui salvo por Maisie.
— Mãe? — A pequena voz chamou de dentro da sala. Ella abriu a
porta e eu a segui.
O quarto era de bom tamanho, com um sofá, uma cama de solteiro,
uma cadeira de balanço acolchoada e a gigantesca cama de hospital que
continha uma pequena Maisie.
— Ei, docinho. Não dormiu ainda? — Ella perguntou, colocando a
pasta em uma mesa atrás da porta e movendo-se para sentar-se na beira
da cama.
— Não estou... cansada. — disse Maisie, parando no meio para um
bocejo enorme. Ela girou ao redor de sua mãe para me espiar. — Oi?
Aqueles olhos azuis de Ella captaram cada centímetro de mim em
um julgamento superficial. Ela era magra, mas não muito frágil. Sua
cabeça tinha um formato perfeito e a falta de cabelo apenas fazia seus
olhos parecerem muito maiores.
— Ei, Maisie, eu sou Beckett. Moro no chalé ao lado do seu, — disse
a ela quando cheguei ao pé da cama, usando o tom mais suave que eu
tinha.
— Você tem Havoc. — Ela inclinou a cabeça levemente, como Ella.
— Sim. Mas ela não está comigo. Na verdade, eu a deixei com Colt
para lhe fazer companhia enquanto eu vinha ver você. Espero que esteja
tudo bem. Achei que ele poderia querer um amigo para conversar.
— Cães não falam.
— Engraçado, é sobre isso que eu e seu irmão conversamos. Mas
às vezes você não precisa de alguém para responder. Às vezes, só
precisamos de um amigo para ouvir, e ela é muito boa nisso.
Seus olhos se estreitaram por um momento antes de me presentear
com um sorriso brilhante. — Eu gosto de você, Sr. Beckett. Você
emprestou seu melhor amigo para o meu melhor amigo.
E com isso, eu era um caso perdido.
— Eu também gosto de você, Maisie. — Falei suavemente, com
medo de que minha voz se quebrasse se eu a elevasse mais do que isso.
Maisie era tudo que eu sabia que ela seria e muito mais. Ela tinha
a mesma alma doce e determinada que sua mãe tinha, mas mais
brilhante e menos intocada pelo tempo. E no mesmo momento em que
senti uma gratidão avassaladora por ela ter me aceito, fui inundado pela
raiva irracional por ela ter que passar por isso.
— Nós vamos assistir Aladdin. Quer assistir também? — Ela
perguntou.
— Nós não vamos assistir Aladdin. Você vai dormir — Ella disse
com um aceno severo.
— Estou nervosa. — Maisie murmurou para Ella.
Se meu coração já não estava doendo, agora estava gritando. Ela
era tão pequena para fazer uma cirurgia como esta amanhã. Ter câncer.
Que tipo de Deus fazia isso com crianças pequenas?
— Eu também, — Ella admitiu. — Que tal isso? Vamos começar o
filme, e eu vou me aconchegar com você? Vamos ver se não conseguimos
fazer você dormir.
— Combinado. — Maisie assentiu.
Ella pegou o filme e eu fui em direção à porta. — Vou deixar vocês
meninas com a sua noite.
— Não, você tem que ficar! — Maisie gritou, me parando.
Eu me virei para ver seus olhos arregalados e em pânico. Sim, eu
nunca mais seria a causa desse olhar em seu rosto.
— Ella?
Ela olhou de Maisie de volta para mim. — Maisie, é muito tarde, e
tenho certeza de que o Sr. Gentry prefere ter uma boa cama grande.
— Há uma cama aqui.
Ella suspirou, fechando os olhos. Vi a batalha sobre a qual ela
havia escrito: a necessidade de ser mãe de Maisie, como se não houvesse
uma chance esmagadora de que ela estivesse perdendo essa guerra com
o conhecimento de que ela provavelmente estava.
Mas esse pedido aos olhos de Maisie não era questão de ser
mimada; havia uma necessidade gritante lá. Fui até a cama e me sentei
na beira. — Você pode me dar uma razão? — Sussurrei para que Ella não
pudesse nos ouvir.
Maisie olhou para Ella e eu olhei por cima do ombro para vê-la se
ocupando em inserir o DVD.
— Você tem que me dizer, Maisie. Porque não quero incomodar sua
mãe, mas se for uma boa razão, eu brigo por você.
Ela olhou de novo e depois para mim. — Eu não quero que ela fique
sozinha.
Seu sussurro rasgou através de mim mais alto do que uma sirene
de ataque aéreo. — Amanhã? — Perguntei.
Ela assentiu rapidamente. — Se você for embora, ela vai ficar
sozinha.
— Certo. Vamos ver o que posso fazer.
Sua mãozinha agarrou a beira da minha jaqueta. — Promete?
Havia algo solene na maneira como ela estava perguntando que me
lembrava de Mac e da carta. Era quase como se ela soubesse coisas que
não deveria... não podia.
— Promete que não a deixará sozinha? — ela repetiu, seu sussurro
suave.
Cobri sua mão pequena com a minha. — Prometo.
Ela olhou meus olhos, avaliando novamente. Então assentiu e
deitou-se na cama levantada, relaxando.
Atravessei o quarto escuro até Ella enquanto ela tirava os sapatos.
— Eu vou embora se você quiser, mas ela está bastante inflexível.
— O que ela está pensando? Eu nunca a vi exigir algo assim.
— Isso é entre nós. Mas acredite em mim, é bastante sensato. O
que você quer que eu faça?
— Há apenas o sofá e aquela cama pequena. — Ella mordeu o lábio
inferior, mas não era para ser um gesto sexy. Mac fazia o mesmo quando
estava preocupado. — Eu não desejaria isso para meu pior inimigo.
— Eu dormi em condições muito piores, acredite em mim. Isso não
é um problema. O que você quer que eu faça, Ella? — Eu faria o que ela
quisesse, mas Deus, eu esperava que ela me quisesse, qualquer parte de
mim. Saber como estava assustada com esse momento, com o que
aconteceria a Maisie amanhã, e não poder confortá-la da maneira que ela
precisava, estava me matando.
Ela soltou o lábio com um suspiro, toda a sua postura suavizando.
— Fique. Eu quero que você fique.
Meu peito se contraiu de uma maneira que tornou impossível
respirar fundo. Então dei uma respirada curta e coloquei minha jaqueta
na parte de trás da cadeira de balanço. — Então eu vou ficar.

***

A procissão na minha frente era solene, quase reverente. Os


enfermeiros empurraram Maisie, em sua cama, pelo corredor em direção
à grossa linha azul que marcava onde a ala cirúrgica se tornava acesso
restrito para médicos e pacientes.
Ella andou ao seu lado, a mão de Maisie na sua, inclinando-se
sobre a filha. Seus passos eram lentos, como se os enfermeiros
soubessem que Ella precisava de cada segundo que lhe restava. Eles
provavelmente sabem. Afinal, este era apenas um dia normal para eles.
Outra cirurgia em outra criança com outro tipo de câncer. Mas para Ella,
esse era o dia que ela temia e ansiava com igual ferocidade.
Eles pararam um pouco antes da linha azul e eu recuei, dando a
elas o espaço que precisavam. Com o cabelo puxados para trás, pude ver
o sorriso fraco e forçado em seu rosto enquanto ela passava os dedos pelo
couro cabeludo de Maisie, onde seu cabelo estaria. Os lábios de Ella se
moveram enquanto ela falava com Maisie, a tensão visível nos músculos
tensos de seu rosto, de seu pescoço flexionado.
Ela estava segurando, mas a corda ficava fina e desgastada a cada
segundo. Eu a assistia desmoronar desde as seis da manhã, quando os
primeiros enfermeiros chegaram para começar a preparar Maisie.
Observei-a morder os lábios e acenar com a cabeça enquanto assinava
os papéis, reconhecendo o risco de remover um tumor desse tamanho em
uma garota tão pequena. Observei-a forçar um rosto corajoso e sorrir
para deixar Maisie confortável, brincando sobre como Colt ficaria com
ciúmes de sua nova cicatriz.
Então, assisti à conversa no FaceTime entre Maisie e Colt e meu
coração se partiu por eles. Esses dois não eram apenas irmãos ou amigos.
Eles eram duas metades de um todo, falando em meias frases e
interpretando respostas de uma palavra como se tivessem seu próprio
idioma.
Embora Ella estivesse apavorada, eu sabia que era Colt quem tinha
mais a perder quando se tratava de Maisie, e não havia nada que eu
pudesse fazer sobre isso.
Coloquei minhas mãos nos bolsos da minha calça jeans para não
ir até ela. Essa necessidade pulsando em mim era egoísta, porque segurar
Ella me ajudaria, mas não a ajudaria. Não havia nada que eu pudesse
fazer por ela, além de ficar de pé e testemunhar o que sabia que ela temia
que fosse seus últimos momentos com a filha.
Impotente.
Eu estava tão malditamente impotente. Assim como eu estava
quando finalmente encontramos o corpo de Ryan, três dias após a
operação implodir. Não havia nada que eu pudesse fazer para recuperar
seus batimentos cardíacos, apagar as que haviam sido as piores horas de
sua vida ou curar milagrosamente o ferimento de bala que havia entrado
na base do crânio e saído...
Havoc. Pôr do sol nas montanhas. O sorriso de Ella. Repeti
mentalmente minhas três coisas favoritas enquanto deixava escapar um
suspiro trêmulo, bloqueando os pensamentos. As memórias. Elas não
pertenciam aqui. Eu não poderia ajudar Ella agora se eu estivesse preso
com Ryan.
Uma das enfermeiras falou com Ella e minha garganta se apertou
momentaneamente quando Ella se inclinou para beijar a testa de Maisie.
A mão de Maisie apareceu sobre os trilhos da cama, entregando um
ursinho de pelúcia rosa gasto. Ella assentiu e pegou o urso. Levaram
Maisie pelo corredor e através de um conjunto de portas duplas
giratórias.
Ella cambaleou para trás até que caiu contra a parede. Eu avancei
para frente, pensando que ela poderia cair no chão, mas eu deveria saber.
Ela se segurou contra a parede, o urso agarrado ao peito como uma tábua
de salvação quando ela levantou a cabeça em direção ao teto, respirando
fundo.
Ela não se virou para mim, ou para os enfermeiros que passavam,
apenas se fechou como se soubesse que sua única fonte de consolo viria
de algum lugar profundo dentro de si. Minha compostura me abandonou
quando me dei conta de que ela não procurava conforto porque não
estava acostumada a receber, que essa cena seria idêntica se eu não
estivesse aqui.
Mas eu estava aqui.
Sabendo que era uma intromissão, e além de me preocupar,
caminhei até ficar na frente dela. Seus olhos estavam fechados, sua
garganta em movimento enquanto ela lutava pelo controle. Tudo em mim
doía para segurá-la, para carregar o quanto do fardo que ela me deixasse.
— Ella.
Os olhos dela se abriram, brilhando com lágrimas não derramadas.
— Vamos, vai ser um longo dia. Vamos arranjar um pouco de
comida e café. — Se eu não pudesse cuidar de seu coração, eu poderia
pelo menos sustentar seu corpo.
— Eu... eu não sei se consigo me mover. — Sua cabeça virou um
pouco quando ela olhou em direção às portas. — Lutei todos os dias nos
últimos cinco meses. Eu a levei para tratamentos, briguei com a empresa
do plano de saúde, briguei com ela por causa de água quando a quimio
a deixou tão doente que ela desidratou. Tudo pelo que lutamos foi para
esse momento, e agora que está aqui, não sei o que fazer.
Eu segurei firme minhas emoções voláteis e estiquei minha mão
até seu rosto, apenas para me conter e segurar levemente seus ombros.
— Você fez tudo o que pode. E o que você conseguiu, o quão longe
a levou, é surpreendente. Você fez o seu trabalho, Ella. Agora precisa
deixar os médicos fazerem o deles.
Seus olhos se voltaram para os meus, e senti sua tortura como se
fosse uma dor física no meu estômago, o corte incessante de uma faca
cega me rasgando em dois. — Não sei como dar esse controle a outra
pessoa. Ela é minha garotinha, Beckett.
— Eu sei. Mas a parte mais difícil já acabou. Você assinou os
papéis, por mais difícil que fosse, e tudo o que podemos fazer agora é
esperar. Agora por favor, deixe-me alimentar você.
Ela se desencostou da parede e eu recuei um passo, colocando uma
quantidade respeitável de distância entre nós. — Você não precisa ficar.
Eles disseram que vai demorar horas e não apenas algumas.
— Eu sei. O tumor dela está na glândula adrenal esquerda e,
embora esteja encolhido, ainda existe um risco muito real de que ela
perca esse rim. Uma cirurgia mais longa significa que eles estão fazendo
tudo o que podem para salvá-la e que estão sendo cuidadosos para
remover todos os fragmentos desse tumor. Eu estava ouvindo quando
eles prepararam você esta manhã.
Um meio sorriso triste ergueu os cantos da boca. — Você faz muito
isso. Ouvir. Prestar atenção.
— Isso é ruim?
— Não. Apenas surpreendente.
— Eu não ligo quantas horas vai demorar. Estou aqui. Não estou
deixando você. — Uma eternidade se passou quando ela fez sua escolha,
não apenas para comer, mas para acreditar em mim. Acreditar que eu
falei a sério. Soube quando ela decidiu, quando seus ombros
mergulharam e um pouquinho da tensão deixou seu corpo.
— Está bem. Então definitivamente vamos precisar de um café.
O alívio era um gosto doce na minha boca, um sentimento suave e
pleno no meu coração. Incapaz de encontrar as palavras certas, eu
simplesmente assenti.

***

— E esse urso? — Perguntei duas horas depois, quando nos


sentamos na sala de espera, lado a lado no sofá, nossos pés apoiados na
mesa de café.
— Ah, este é Colt, — explicou Ella, acariciando carinhosamente o
rosto do urso felpudo e amado.
— Colt é... uma garota.
— Talvez Colt só goste de rosa. Você sabe, apenas homens de
verdade podem usar rosa. — Ela me lançou um olhar de soslaio.
— Vou me lembrar disso.
Depois de um café da manhã leve - seu estômago estava muito
enjoado para mais - entramos em uma conversa fácil. Simples, até.
— Os ursos foram um presente da minha avó para os gêmeos. Um
rosa, um azul, como tudo naquela época. Mas Colt se apaixonou pelo
rosa. Tinha que ter com ele o tempo todo, então o azul se tornou o de
Maisie. Quando eles tinham três anos, Ryan chegou e levou Colt para
acampar durante a noite. Maisie sempre foi mais caseira e implorou para
ficar em casa, então eu deixei. Mas Colt quase se recusou a ir. Maisie
sabia que era porque eles não conseguiam ficar separados. Então, ela
pegou o urso azul, disse a ele que era Maisie e o mandou embora.
— Então esse é mesmo o urso de Colt?
Ella assentiu. — Ele envia com ela toda vez que ela é hospitalizada
para que eles possam ficar juntos, e ele tem o azul em casa.
Sim, aquela dor insuportável mudou-se para o meu coração.
— Você tem filhos incríveis.
Seu sorriso era genuíno, e quase perdi o fôlego quando ela se virou
um pouco, compartilhando comigo. — Sou abençoada. Eu não tinha
certeza de como faria isso quando Jeff foi embora, mas eles sempre foram
tão... eles foram tudo. Quero dizer, com certeza, eles foram cansativos,
barulhentos e bagunceiros, mas trouxeram cor para minha vida. Não me
lembro como era o mundo antes de segurá-los, mas sei que não era tão
vibrante assim.
— Você é uma ótima mãe.
Ela fez um movimento para ignorar o meu elogio.
— Não. Você é. — Repeti, precisando que ela me ouvisse e
entendesse meu respeito por ela.
— Eu só quero ser o suficiente. — O olhar dela disparou para o
relógio, do mesmo jeito que fazia a cada cinco minutos desde que Maisie
desapareceu por aquelas portas giratórias.
— Você é. Você é o suficiente. — Ela piscou para mim e eu
amaldiçoei minha língua. Eu me entregaria se não tivesse cuidado.
— Obrigada, — ela sussurrou, mas eu sabia pelo jeito que ela
desviou o olhar que ela não tinha certeza.
— Então, o que vem agora? Banco Imobiliário? Jogo da Vida? —
Perguntei, tentando aliviar o clima e distraí-la.
Ela apontou para a caixa de madeira na extremidade oposta da
mesa. — Scrabble. E é melhor ter cuidado. Não tenho escrúpulos em
acabar com você, mesmo se for tão legal e ficar comigo o dia inteiro.
Eu não era legal. Era um idiota manipulador e mentiroso que não
merecia sentar-se na mesma sala com ela. Mas eu não poderia dizer isso.
Então peguei a caixa e me preparei para levar uma lição.

***
— Então você cresceu em lares adotivos? — Ella me perguntou
quando demos nossa 64ª volta do chão.
Maisie estava em cirurgia há seis horas e recebemos uma
atualização da equipe cirúrgica cerca de quinze minutos atrás, que tudo
estava indo bem e eles estavam se esforçando ao máximo para salvar seu
rim.
— Eu cresci.
— Quantos?
— Sinceramente, não me lembro. Eu me mudei muito.
Provavelmente porque era uma criança horrível. Briguei com todos que
tentaram ajudar, forcei todas as regras e me esforcei para ser expulso de
onde me colocavam, esperando que de alguma forma fizesse minha mãe
voltar.
Eu não esperava que ela entendesse. A maioria das pessoas que
cresceram em casas normais com uma família quase normal não
conseguia.
— Ah, a lógica doce e ilógica de uma criança, — disse Ella.
Claro que ela entendeu. Foi isso que me atraiu a ela logo de cara.
Sua simples aceitação de mim através de nossas cartas. Mas pelo que eu
tinha visto, ela era assim - aceitando.
— Praticamente.
— Qual foi o melhor lar? — ela perguntou, novamente me
surpreendendo. A maioria das pessoas queria saber o pior, como se
minha vida fosse comida de fofoca para alimentar a necessidade obscena
de tragédia de outras pessoas.
— Uh, meu último. Eu fiquei com Stella por quase dois anos, desde
meu aniversário de quinze anos. Ela era a única pessoa com quem eu
sempre quis ficar. — Memórias me atingiram, algumas dolorosas, outras
doces, mas todas encobertas com o tipo de filtro que só o tempo podia
dar.
— Por que você não ficou? — Chegamos ao final de outro corredor
e demos meia-volta.
— Ela morreu. — Ella parou e tive que me virar. — O quê?
— Sinto muito, — disse ela, apertando a mão no meu bíceps. — Por
finalmente encontrar alguém apenas para perdê-lo...
Meu instinto era esfregar as mãos no rosto, balançá-lo e continuar
andando, mas eu não moveria um músculo com a mão dela em mim, não
importa o quão inocente o toque fosse. — Sim. Realmente não há palavras
para isto.
— Como se alguém pegasse sua vida e a sacudisse como um globo
de neve, — Ella sugeriu. — Parece levar uma eternidade para as peças
assentarem e elas nunca estão no mesmo lugar.
— Exatamente.
Ela capturou o sentimento com a precisão de alguém que sabia.
Como foi que eu nunca encontrei alguém que entendesse como era minha
vida e ainda assim essa mulher definiu isso sem piscar um olho?
— Vamos lá, ainda não percorremos o caminho do linóleo, — disse
ela, e começou nossa 65ª volta.
Eu acompanhei.

***

— Isso está demorando muito. Por que está demorando tanto? O


que está acontecendo de errado? — Ella andava de um lado para o outro
na sala de espera.
— Faz tempo que eles não nos atualizam. Talvez estejam
terminando. — Eu a observei de onde me inclinei contra o peitoril da
janela. Ela tinha ficado calma, controlada, até chegarmos à hora em que
eles estimaram que a cirurgia terminaria.
Assim que a hora passou, algo mudou dentro dela.
— Faz onze horas! — ela gritou, parando com as mãos na cabeça.
Fazia tempo que ela soltava tantos fios de cabelo que flutuavam ao seu
redor, tão despenteados quanto ela.
— Sim.
— Era para levar dez! — Seus olhos estavam arregalados e em
pânico, e eu não podia culpá-la. Inferno, ela estava apenas dando voz aos
mesmos pensamentos na minha cabeça.
— Está tudo bem? Sr. e Sra. MacKenzie? — Uma enfermeira
apareceu com a cabeça. — Alguma coisa que posso fazer por vocês?
— Eu não sou...
— Sim, você pode descobrir exatamente o que está acontecendo
com minha filha? Era para ter terminado a cirurgia dela há mais de uma
hora e não houve notícias. Nenhuma. Ela está bem?
O rosto da mulher se suavizou em simpatia. Ella não era a primeira
mãe a entrar em pânico na sala de espera e ela não seria a última. — Que
tal eu verificar para você? Volto com notícias.
— Por favor. Obrigada. — Um pouco da ferocidade deixou os olhos
de Ella.
— Claro. — Ela deu um sorriso tranquilizador para Ella e saiu em
busca de informações.
— Deus, estou ficando louca. — A voz de Ella era apenas um
sussurro.
Ela balançou a cabeça enquanto lutava contra um tremor no lábio
inferior. Afastei-me do parapeito e fui para ela em quatro passos largos,
sem parar para pensar em quem eu era ou quem ela sabia que eu era.
Simplesmente passei meus braços em volta dela e a puxei para o meu
peito como eu queria desde o primeiro momento em que a vi.
— Você não seria a mãe que você é se não estivesse enlouquecendo
um pouco, — tranquilizei-a enquanto ela relaxava contra mim.
— Acho que fui jogada direta em um pequeno manicômio, — ela
murmurou no meu peito antes de virar a cabeça e descansar logo abaixo
da clavícula.
Porra, ela se encaixou em mim exatamente como eu sabia que ela
se encaixaria - perfeitamente. Em outra vida, é assim que teríamos
enfrentado todos os desafios juntos. Mas naquela vida, Maisie estava
saudável e Mac estava vivo. Neste mundo... bem, ela não estava
exatamente me abraçando de volta. Certo. Porque eu tinha os braços dela
presos entre nós. Ela estava me afastando? Eu estava tão inconsciente?
Essa percepção me atingiu como uma mangueira de incêndio e
soltei meus braços imediatamente. Que diabos eu estava pensando? Só
porque ela queria que eu ficasse com ela não significava que ela queria
que eu a tocasse. Eu era o acompanhante dela e tive sorte de ser isso,
mas com certeza não era sua escolha ou preferência.
— Não me solte, — ela sussurrou. Suas mãos ainda estavam entre
nós, mas não estavam me afastando, estavam simplesmente
descansando nos meus peitos. No máximo, ela se inclinou. — Eu tinha
esquecido como era isso.
— Ser abraçada? — Minha voz era áspera.
— Ser abraçados juntos.
Nunca uma única frase me deixou de joelhos moles.
— Estou com você. — Firmei meu aperto, espalmando uma mão
bem logo abaixo de suas omoplatas e segurando sua nuca com a outra.
Usando meu corpo o melhor que pude, eu a rodei, imaginando que eu era
algum tipo de parede, que eu poderia manter longe qualquer sofrimento
que estivesse vindo para ela. Meu queixo descansou no topo de sua
cabeça e, segundo a segundo, eu a senti derreter e ceder.
Embora não pudesse contar a ela, eu amava essa mulher. Eu
enfrentaria exércitos por ela, mataria por ela ou morreria por ela. Não
havia verdade maior que isso, e nenhuma outra verdade que eu pudesse
dar a ela. Porque onde ela era honesta, forte e gentil, eu era um mentiroso
que já a machucara da pior forma possível. Eu não tinha o direito de
segurá-la assim, mas pior ainda, eu não ia mexer um músculo.
— Sra. Mackenzie? — A enfermeira voltou, acompanhada pela
cirurgiã de Maisie. — Eu os encontrei quando estavam saindo da cirurgia.
— Sim? — Ella se virou nos meus braços e a deixei livre, mas ela
pegou minha mão, apertando tanto que me preocupei momentânea com
o fluxo de sangue nos meus dedos.
A cirurgiã sorriu e senti uma onda de alívio mais poderosa do que
qualquer momento em que escapara ileso da batalha.
— Conseguimos. Foi arriscado por um tempo com o rim esquerdo,
mas conseguimos salvá-lo. Você tem uma garotinha bastante teimosa em
suas mãos. Ela está em recuperação agora, descansando. Assim que
acordar, nós a traremos de volta para vê-la, mas não espere que ela fique
acordada por muito tempo, está bem?
— Obrigada. — A voz de Ella falhou, mas essa palavra carregava o
tipo de significado que geralmente levava horas para transmitir.
— De nada. — A cirurgiã sorriu novamente, com exaustão escrita
em cada linha do rosto, antes de nos deixar sozinhos na sala de espera.
— Ela está bem. — Os olhos de Ella se fecharam.
— Ela está bem.
— Ela está... ela está realmente bem, — ela repetiu. Então, como
se alguém tivesse retirado tudo o que a mantinha de pé, ela desabou, os
joelhos cederam. Eu a peguei antes que ela caísse no chão e a puxei
contra mim. — Ela está bem. Ela está bem. — Ella repetiu a frase várias
vezes até que as palavras começaram a gritar, os soluços brutos e feridos.
Enganchei um braço sob os joelhos e outro atrás das costas,
pegando-a enquanto ela enterrava o rosto no meu pescoço, lágrimas
quentes escorrendo pela minha pele, encharcando minha camisa. Então,
me acomodei no sofá, segurando-a em meu colo enquanto seu
angustiante grito sacudia a pequena estrutura.
Ela chorou de uma maneira que me lembrou a válvula sendo
liberada em uma panela de pressão - o resultado de muito confinado por
muito tempo. E mesmo que o alívio ainda fosse doce com a cirurgia bem-
sucedida, eu sabia que havia muito mais pela frente - por eles. Isso era
só uma pausa na luta que lhe permitiu um segundo precioso para
recuperar o fôlego.
— Estou com você. Ela está bem. — Eu disse, passando a mão
sobre o cabelo dela. — Vocês duas estão bem. — Falei no tempo presente,
porque isso era tudo que eu poderia prometer a ela.
E por enquanto, com Havoc a salvo com Colt e Maisie sem tumor,
Ella enrolada em meus braços era o suficiente.
CAPÍTULO ONZE
ELLA
Carta nº 21

Ella,

Sim, acredito que o cara da biblioteca te convidou para sair. Não,


não acho estranho ou uma brincadeira. Por que você? Não é como se eu
não tivesse visto sua foto, o que sim, eu sei, me coloca em vantagem entre
nós. Não tenho certeza se você notou, mas você definitivamente não está
sofrendo no departamento de aparência.
Vá em frente, me dê suas desculpas. Sim, você tem dois filhos e, sim,
um deles está enfrentando grandes desafios. Você é dona de uma empresa
que consome muito tempo e, pelo que sei sobre você, também tem a
tendência de se colocar por último ao considerar algo em sua vida.
Mas ouça (risca isso)... leia: nada disso te faz “não namorável”, como
você chamou. Você sabe o que é não namorável? Alguém que é egoísta ou
consumida por pequenas coisas da vida que não significam nada. Para
mim, a qualidade mais atraente em uma mulher é sua capacidade de doar
a si mesma, e Ella, você faz isso com louvor.
Entendo que você não chegou a sair desde que Jeff se mandou.
Entendo que, nos últimos cinco anos, você se consumiu criando seus filhos,
cuidando de seus negócios e geralmente sendo tudo para todos. Mas isso
não significa que você não pode deixar alguém entrar. Especialmente
agora.
Não vou dizer que você precisa de alguém para se apoiar, porque sei
que se tornou especialista em se manter sozinha. Mas com o que você está
enfrentando, sei que ajudaria ter alguém para apoiá-la nos momentos em
que você sente que é impossível. Saia para jantar com o cara, Ella. Mesmo
que nada aconteça, você saberá que deu o grito ao universo. Você não pode
recusar todas as coisas boas que chegam até você só porque está com
medo do que pode acontecer ou não. Essa é a saída do covarde e você não
é covarde.
E honestamente, quem não se apaixonaria por você? Nos falamos há
três meses e estou meio apaixonado por você sem nunca estar na mesma
sala. Apenas dê ao sujeito - dê a si mesma - uma chance de ter alguma
felicidade, porque você merece.
Ou você pode esperar até janeiro, quando eu aparecer
aleatoriamente à sua porta.
Só uma ideia para pensar.

Chaos

***

— Precisa de mais alguma coisa? — Perguntei a Maisie,


entregando-lhe o iPad. Ela estava toda montada na sala de estar da
residência da sede, a uma distância gritante de Hailey e Ada.
— Não, — respondeu ela, selecionando o P ao abrir um dos
aplicativos que a professora havia recomendado.
— Sua barriga está bem? — Fazia duas semanas desde a cirurgia
e, enquanto o local da incisão parecia uma monstruosa serpente rosa
deslizando pela barriga da minha filha, ela jurou que a dor estava quase
acabando.
Talvez tenha sido o modo como ela dormiu nos primeiros dias
depois, ou a garganta inflamada pelas doze horas de intubação, ou o tubo
de alimentação que ficou nela por dias, mas tive dificuldade em acreditar
nela. Ou talvez fosse que minha tolerância à dor em seu nome fosse muito
menor do que a dela.
— Mãe, eu estou bem. Sem vomitar ou qualquer coisa. Está bem.
Vai. — Ela olhou para mim. — Além disso, assim que você sair, Ada vai
me dar o sorvete sem açúcar.
— Acho que você não deveria me contar isso. — Eu ri e dei um beijo
em seu couro cabeludo, ainda brilhante e suave. Revisar sua dieta tinha
sido um desafio, isso era certo. — Você sabe por que tem que ser sem
açúcar, né?
— Você falou que o açúcar alimenta o monstro dentro de mim. E
mesmo que a maior parte do monstro saiu, o resto dele está no meu
sangue. Então não podemos alimentar o monstro.
— Certo. Sinto muito, Maisie.
Ela olhou para mim com olhos que pareciam décadas mais velhos.
— Está tudo bem, o monstro não gosta disso.
Eu a beijei novamente antes de sair, pegando sua pasta no
caminho para a porta depois de avisar Ada que eu estava saindo.
Parando no espelho da entrada por um momento, tentei suavizar
os fios arrepiados na trança que fiz no meu cabelo esta manhã.
— Pare. Não importa o que você faça, você ainda é linda. — Hailey
comentou quando veio atrás de mim.
— Ha. Nem me lembro da última vez que fui à academia ou coloquei
maquiagem. Estou batalhando para não parecer psicótica. Estou longe
de ser linda.
Ela apoiou a cabeça no meu ombro e nossos olhos se encontraram
no espelho. — Você tem o tipo de beleza que brilha, não importa o quê.
— Querendo um aumento? — Provoquei.
— Não. Apenas dizendo a verdade. Agora saia daqui antes de perder
a reunião. Ada e eu cuidamos de Maisie. Não se preocupe.
— Preocupação tornou-se minha emoção padrão.
Ela se fixou no meu rosto por um segundo antes que seus olhos se
iluminassem, o que significava que ela estava prestes a sugerir algo
ridículo. — Eu sei exatamente o que...
— Hailey... — Eu gemi. Nós éramos amigas, mas a ideia de diversão
dela não se encaixava exatamente na minha vida.
— Saída de casal. Eu levo Luke e você leva Beckett. Podemos ir ao
cinema, jantar ou experimentar o novo bar de karaokê no Mountain
Village.
— Um bar? — Deixei meu tom mostrar exatamente o que eu
pensava sobre isso. Essa era a vida de pessoas despreocupadas que não
tinham responsabilidades como crianças. Ou câncer. Ou uma criança
com câncer. Você sabe, jovens normais de 25 anos.
— Sim. Um bar. Porque se alguém precisa de uma bebida, é você,
Ella. E eu sei que Beckett estaria disposto a levá-la para sair.
Minha coluna ficou rígida. — Nós não somos... não é assim. —
Apenas o pensamento de Beckett fez um rubor subir pelas minhas
bochechas.
— Esse homem fica de olho em você sempre que você está na
mesma sala. Vamos lá, quantas vezes ele voltou para Denver depois da
cirurgia de Maisie?
Afastei-me do espelho para encarar Hailey. — Três vezes.
— Em duas semanas.
E toda vez que ele apareceu, meu coração fez esse movimento
estúpido e louco de pular. Algo mudou no dia da cirurgia de Maisie. Não
apenas porque ele ficou lá, mas porque eu queria que ele ficasse. Foi a
primeira vez durante o tratamento de Maisie que me permiti não apenas
me apoiar em alguém, mas deixá-lo me segurar.
Na manhã em que ele apareceu com Colt como uma surpresa -
cerca de três dias após a cirurgia - eu quase derreti em uma poça
sentimental. Ele parecia saber exatamente o que eu precisava - o que
Maisie precisava - e proporcionou isso antes que eu pudesse pedir.
— Sim, em duas semanas, mas não é romântico.
— Ahã.
— Não é! Ele está aqui porque Ryan pediu que ele estivesse. Só
isso. Nada mais. — Pelo menos foi o que disse a mim mesma sempre que
encontrava aqueles olhos verdes me observando ou eu olhando para ele.
— E você não o acha bonitão ou algo assim, certo?
— Eu... — Olhos verdes da cor de pinho, cabelo grosso e braços
mais grossos, tanquinho que descia até... controle-se. — Claro que acho.
Eu já chequei o homem. — E já senti.
Eu senti a maneira protetora como ele me segurava - firme, mas
não opressiva, como se simplesmente soubesse que eu precisava ser
segurada naquele momento. Senti a gentileza de suas mãos quando ele
enxugou minhas lágrimas depois de soluçar tudo o que segurei. Senti a
alegria que ele era capaz quando Colt subiu na cama ao lado de Maisie e
segurou sua irmã. Senti a enorme capacidade de amar que ele tinha,
mesmo que não quisesse reconhecê-lo.
Sim, eu sentia muito mais quando se tratava de Beckett.
— Bem, sim. Você teria que estar morta para não notar. Porque ele
é gostoso, Ella. E não do tipo de uma ficada. Ele é gostoso do tipo “me
come na bancada da cozinha e me deixa ter seus filhos”. Além disso, está
começando a dar respostas mais longas, o que mostra claro potencial no
departamento de superar o passado.
Um lampejo de algo quente e feio atingiu meu estômago e se foi tão
rapidamente quanto veio. Ciúmes. Não havia razão para ter ciúmes de
Hailey. Claro, ela era linda e disponível e não estava presa ao passado,
mas no minuto em que voltamos de Denver, ela parou completamente de
procurar Beckett. E não era porque ela não estaria interessada. Ouvi
fofocas tomando café ontem - metade de Telluride estava interessada no
mais novo membro do Grupo de Resgate.
Era porque Hailey pensou que talvez eu estivesse interessada.
— Ele sempre deu respostas longas e eu já tenho filhos, lembra?
Além disso, por falar em crianças, se eu não sair agora, vou me atrasar
para esta reunião.
— Certo. Vá. Fuja. Mas esse homem mora ao lado, e pelo que vi,
você terá que lidar com essa — ela apontou para o meu rosto vermelho
— frustração reprimida de alguma maneira.
Um hóspede entrou, a campainha tocando com o leve som de
tilintar que me levou horas para decidir.
— Salva pela campainha, — Hailey sussurrou antes de se virar
para o nosso novo convidado. — Bem-vindo à Solitude! Você deve ser o
Sr. Henderson. Seu chalé está pronto para você e sua esposa. — O sorriso
dela era amplo e espelhado pela aparência hipster de vinte a tantos anos.
A temporada de trilhas de verão estava quase chegando.
Aproveitei minha oportunidade, peguei a pasta, e escapei pela porta
da frente.
Eram 10:31 quando cheguei, mas estacionei nas vagas designadas
à escola primária, como uma boa mãe, e demorei mais um minuto para
minha chegada já atrasada.
— Ella! — Jennifer sorriu para mim através do vidro. — Está tudo
pronto para você.
— Oi, Jennifer. — Assinei a prancheta e abri a porta quando a
campainha tocou.
— Como a Maisie está se sentindo? — ela perguntou enquanto me
acompanhava até os escritórios que ficavam logo atrás da recepção.
— Ela está bem, obrigada. A cirurgia correu bem e ela está pronta
para voltar à escola na segunda-feira.
— Sério? Já? Isso é incrível!
— Você ficaria chocada ao ver a rapidez com que as crianças se
recuperam e, desde que seus níveis sejam bons, ela estará segura aqui.
— Simplesmente não posso acreditar que ela venceu tão
rapidamente!
Ah não. Eu vi aquele olhar nos olhos dela e eu odiava ser aquela
que ia acabar com isso. — Não, Jen. Ela removeu o tumor e eles
conseguiram tirar tudo, mas ela está no estágio quatro. Sua medula
óssea ainda é predominantemente cancerosa. Ela acabou de passar pelo
primeiro passo.
O rosto dela caiu. — Oh. Me desculpe. Acho que não entendi.
Eu ofereci a ela um sorriso. — Não se preocupe. Muitas pessoas
não entendem e espero que você nunca precise. Ela está batalhando.
Seus lábios se apertaram em uma linha plana antes de ela acenar
com a cabeça. — Claro. — Ela abriu a porta da sala de conferências e
apertei sua mão enquanto passava, assegurando-lhe que ela não tinha
dito nada digno de vergonha.
— Ah, senhorita MacKenzie, estou tão feliz que você conseguiu, —
disse o diretor Halsen da ponta da mesa. A gravata dele era tão reta
quanto o rosto.
Aparentemente, éramos todos negócios hoje.
— Sra. May. — Sorri para a professora de Maisie e Colt. Ela tinha
mais de vinte anos e Colt só dizia as melhores coisas sobre ela. Uma onda
de culpa atingiu meu peito ao me dar conta de como eu estava ausente
das atividades da escola este ano.
Sim, eu definitivamente não estava ganhando o prêmio Mãe do Ano
da Associação de pais aqui. Nem mesmo a Mãe Mais Legal. Eu era
praticamente a Mãe Inexistente.
— E este é o Sr. Jonas, que é nosso superintendente distrital e se
juntará a nós hoje. — O diretor Halsen apontou para o senhor mais velho
à sua esquerda. O homem acenou para mim com os lábios contraídos
que se transformaram em um sorriso forçado.
— Sr. Jonas.
Sentei-me no final da mesa de conferência, deixando dois lugares
vazios entre mim e o que parecia ser o exército que se reunira contra
mim, ou melhor, Maisie. O som alto da abertura do zíper da pasta era
quase obsceno no silêncio.
— Então, Srta. MacKenzie...
— Ella, — eu o lembrei.
— Ella, — ele concordou com um aceno de cabeça. — Precisávamos
nos reunir hoje por causa do número de faltas de Maisie. Como você sabe,
ela precisa estar presente por um mínimo de novecentas horas para
concluir o jardim de infância. Agora, entre as ausências e os horários em
que ela precisa sair mais cedo ou chegar tarde, ela tem cerca de
setecentos e dez.
— Certo. — Folheei a pasta na parte da escola dela, onde mantive
registro de seus dias, horas e documentação.
— Sentimos que neste momento precisamos discutir as opções
dela, — disse o diretor Halsen, empurrando os óculos pelo nariz e abrindo
a pasta de papel pardo à sua frente.
— Opções, — repeti, tentando entender.
— Ela não cumpriu os requisitos legais, — disse Sr. Jonas, sua voz
suave, mas seus olhos me diziam que, em sua opinião, a questão já
estava decidida.
— Certo. — Virei a carta que guardei em uma folha plástica e a tirei
da pasta. — Eu concordo totalmente que ela não cumpriu o requisito,
mas o distrito nos garantiu nesta carta datada de novembro que vocês
não a reteriam por isso. Essa regra é dispensável nos regulamentos do
distrito devido a doenças devastadoras e foi com isso que vocês
concordaram.
Deslizei a carta pela mesa. A Sra. May pegou e passou adiante,
enviando-me um sorriso compreensivo.
— Nós concordamos. E não estamos aqui para lhe dar ultimatos,
Ella. — Assegurou-me o diretor Halsen. — Estamos aqui para discutir o
que é melhor para Maisie. Fizemos este acordo sem olhar para o futuro a
longo prazo. — Porque acharam que ela não duraria tanto tempo.
— O que é melhor para Maisie... — repeti suavemente. — Você quer
dizer, como não ter neuroblastoma no estágio quatro? Porque
definitivamente eu concordo, isso não é do melhor interesse dela.
O Sr. Jonas pigarreou e se inclinou para frente, descansando as
mãos dobradas e enrugadas na mesa. — Nós simpatizamos
completamente, senhorita MacKenzie. O que sua filha passou é trágico.
Fiquei emputecida, raiva subindo quando minha coluna se
endireitou. — Não é trágico, Sr. Jonas. Ela não está morta.
— Claro que não, minha querida. Não estamos dizendo que nada
disso é justo, mas a verdade é que Maisie pode não estar pronta para a
primeira série.
Minha querida. Como se eu fosse uma garotinha pedindo uma
boneca nova e bonita. Para o inferno com isso.
— Fizemos tudo o que pediram. A Sra. May foi bastante atenciosa
e garanto que ela está pronta.
— Ela está. — Sra. May assentiu.
O diretor Halsen suspirou, tirando os óculos e limpando um local
imaginário. — Vamos olhar para isso de um ângulo diferente. Você pode
nos dizer como está o tratamento dela? O que podemos esperar nos
próximos meses?
Voltei para a folha onde mantinha o plano de tratamento estimado,
percebendo que chegamos a um ponto em que não tinha certeza.
Estávamos em uma encruzilhada.
— Ela acabou de fazer uma grande cirurgia há duas semanas. Está
se recuperando maravilhosamente e está pronta para voltar às aulas na
segunda-feira. Na semana seguinte, faremos outra sessão de quimio, o
que, como vocês sabem, significa que ela terá uma semana inteira de
aula. Esperamos que os níveis dela permaneçam estáveis o suficiente
para voltar para o fim das aulas, mas não há como dizer. Daí entramos
no verão. Vou saber mais quando for fazer quimioterapia e posso me
encontrar com a oncologista dela.
Os diretores compartilharam um olhar que me fez sentir como se
eu não estivesse do outro lado da mesa, mas do outro lado do campo de
batalha. Senti essa mudança vindo sobre mim - essa que apareceu
quando colocaram os gêmeos em meus braços - como peças de armadura
se encaixando no lugar enquanto eu me preparava para defender minha
filha.
— Você já pensou em repetir o jardim de infância? Se ela estiver
em uma situação melhor para estar totalmente presente no próximo ano
letivo, isso não a prejudicaria. Não forçaríamos, é claro, mas vale a pena
pensar. De fato, muitos de nossos pais retêm seus filhos no jardim de
infância por várias razões. Certamente este procedimento qualifica...
Eu surtei.
— Com todo o respeito, não foi um procedimento. Foi uma cirurgia
de doze horas, com risco de morte, na qual foi removido um tumor do
tamanho de uma bola de softbol da glândula adrenal da minha filha. Isso
não é um inconveniente; isso é câncer. E não, o próximo ano não será
melhor. Ela está lutando por sua vida, então, desculpe-me se não
compartilhar suas preocupações de que ela pode ter perdido o dia
importante do jardim de infância quando você abordou o ciclo de vida da
borboleta. Estatisticamente, ela pode nem mesmo... — Minha garganta
se fechou, meu corpo se rebelando contra as palavras que eu não falava
desde o dia em que me deram suas chances. — O próximo ano não será
melhor.
— E você não deseja que ela repita o jardim de infância. — O diretor
Halsen anotou algo na pasta.
— É jardim de infância. Sério que vocês acham que ela precisa
disso? Uma repetência não seria difícil só para Maisie, mas para Colt
também. Eles ficariam separados por um ano na escola, o que significaria
que, mesmo que - quando - ela vencer o câncer, vai ter que olhar as
consequências nos olhos todos os dias.
— Ela não vai, — falou Sra. May. — Ela é muito inteligente e vai se
sair bem na primeira série, — disse ela aos diretores.
Os dois homens conversaram em silêncio por um momento antes
de se voltarem para mim. — Gostaríamos de oferecer uma solução.
Transfira-a para um programa domiciliar. O jardim de infância não é tão
academicamente desafiador quanto a primeira série e, no próximo ano,
ela precisará da flexibilidade.
— Tirá-la da escola.
— Colocá-la em casa, — corrigiu o Sr. Jonas. — Nós não estamos
contra vocês, Srta. MacKenzie ou Maisie. Estamos mesmo tentando
encontrar a melhor solução. Ela não tem estudado as horas necessárias
e, no próximo ano, sua quantidade de tarefas aumentará
exponencialmente. Junte isso a responsabilidade de tê-la aqui com seu
sistema imunológico enfraquecido, a preocupação colocada sobre os
funcionários e as outras crianças, e todos nós podemos ficar mais à
vontade - incluindo Maisie. Ela poderia manter a melhor programação
para sua saúde se estudasse em casa.
Outras mães com filhos com câncer fizeram isso. Eu tinha falado
com algumas delas, mas sempre parecia que faziam como último
recurso... quando estavam morrendo. Não era tanto o ato físico de tirá-la
da escola, mas era o reconhecimento emocional de que ela não poderia
ir.
E isso era igualmente devastador para todos nós - Maisie, Colt e
especialmente eu.
Mas isso aliviaria os níveis de estresse nela, nos dias em que ela
não conseguiria sair da cama. Nas manhãs em que ela passava
vomitando na privada, chorando, apenas para olhar para mim e jurar que
podia fazê-lo.
— O que isso implicaria?
— Eu poderia ensiná-la, — ofereceu May. — Eu poderia ir às tardes
sempre que ela se sentir bem o suficiente. Ela ficaria em dia, ficaria
dispensada das horas mínimas letivas e poderíamos adaptar o
planejamento pessoalmente.
— Posso pensar sobre isso?
— É claro, — disse Jonas, devolvendo a carta do início de seu
diagnóstico.
Adiamos a reunião e a Sra. May saiu comigo. Senti-me entorpecida,
ou talvez simplesmente tivesse sido atingida com tanta força e tantas
vezes nos últimos seis meses que não registrava mais dor.
— Colt está vindo almoçar, se você quiser vê-lo, — ela sugeriu. Colt.
Ele era exatamente o que eu precisava agora.
— Eu gostaria muito disso, — respondi a ela.
Ela pegou minha mão e apertou-a levemente. — Ele é um garoto de
ouro. É gentil, compassivo e defensor das crianças menores.
Meu sorriso foi instantâneo. — Eu tive sorte com esse cara.
— Não. Ele é de ouro porque tem uma mãe excepcional. Por favor,
não esqueça isso no meio de tudo. Você é uma ótima mãe, Ella.
Eu não conseguia pensar mais nada para dizer que não fosse algo
para contestar essa afirmação, então simplesmente apertei a mão dela.
Então, fiquei com várias outras mães que estavam paradas do lado
de fora do refeitório, todas esperando seus filhos. A maioria eram as mães
normais da Associação de Mães, aquelas que tinham minivans
impecáveis, agendas com códigos de cores e moda elegante, mas sensata.
Alguns eu conhecia, outras não.
Olhei para o meu tênis, jeans gastos e camiseta de mangas
compridas e me senti... desleixada. Eu realmente nunca entendi o termo
“desleixada”, mas agora? É, entendi. Não conseguia me lembrar da última
vez que cortei meu cabelo, ou gastei um tempo para realmente colocar
mais maquiagem do que corretivo por baixo dos meus olhos e rímel. Nada
disso importava no esquema das coisas de salvar Maisie, mas agora, eu
sentia claramente a dissociação entre mim e essas mulheres como se
estivessem em vestidos de baile.
— Oh, Ella! É tão bom ver você! — Maggie Cooper disse com a mão
sobre o coração, exibindo um diamante maior que a articulação dos
dedos. Ela era um ano mais velha que Ryan e se casara com um dos
empresários da estação de esqui. Eu meio que esperava que o anúncio
do noivado deles desse a entender “garota da cidade se dá bem”.
— Você também Maggie. Como está... — Merda. Qual era o nome
do filho dela? O detestável que pintou a mochila de Maisie com marcador
permanente e achou fofo forçar beijos nela? Doug? Deacon? — Drake? —
Ufa.
— Ele está ótimo! Realmente arrebentando no piano e ansioso pelo
futebol. Começa na próxima semana, caso Colt queira jogar. Olha, eu
queria perguntar, você já pensou em tratar Maisie de um jeito holístico?
Quero dizer, esses medicamentos são mesmo venenosos. Eu estava lendo
um blog que falou sobre comer apenas mandioca ou algo assim? Foi
mesmo intrigante. Com certeza posso enviar para você.
Simmmmm. Graças a Deus consegui colocar um sorriso no rosto e
concordar. — Claro, Maggie. Isso seria bom. — Aprendi nos últimos seis
meses que a maneira mais fácil de lidar com os bem-intencionados
conselheiros era apenas agradecer e concordar sem compromisso de ler
qualquer pesquisa que eles tivessem encontrado sobre veneno de cobra
ou qualquer outra coisa.
Para minha sorte, a turma virou a esquina, carregando lancheiras
ou tickets de almoço.
— Ótimo! E achei um monte de orgânicos! Eles devem ser ótimos
para crianças com leucemia e tudo mais.
— Neuroblastoma, — falei sobre as cabeças das crianças enquanto
elas se colocavam entre nós no corredor. — Ela tem neuroblastoma.
— Oh, certo. Fico confusa com todos esses cânceres. — Ela acenou
como se não houvesse diferença.
— Oh, meu Deus. Quem é aquele? — A mãe ao lado dela perguntou,
olhando diretamente para o corredor.
Eu me virei para ver Colt andando logo atrás da classe com um
sorriso de um milhão de watts e Havoc entre ele e Beckett.
Beckett, que usava calças cargo, como usava para trabalhar, e uma
camiseta azul marinho do Grupo Telluride de Resgate na Montanha que
se esticava perfeitamente em seu peito e ao redor dos bíceps.
— Eu não tenho ideia, mas estou dentro, — disse Maggie, com os
olhos fixos em Beckett quando seu filho a encontrou.
Beckett acenou com a cabeça para algo que Colt disse e tirou o
boné, colocando-o para trás na cabeça de Colt. Ugh, meu coração
estúpido e louco deu um pulo e me deu aquela sensação adolescente e
brilhante para a qual eu definitivamente não tinha tempo.
— Sério? — A outra mãe suspirou. — Sangue novo?
— Da temporada. Tem que ser — respondeu Maggie.
Beckett olhou para cima e imediatamente me viu, um sorriso o
transformando de deslumbrante e sombrio em apenas sensual. Quando
foi a última vez que pensei em um cara dessa maneira? Jeff? Como se o
reconhecimento disso despertasse, senti um zumbido baixo na barriga,
como se meu desejo sexual tivesse acordado depois de quase sete anos
adormecido.
— Mãe! — Colt me viu e correu, saindo da fila para pular em mim.
Eu o peguei facilmente, levantando-o contra o meu peito. Por uma
fração de segundo, fiquei preocupada que tivesse acabado de cruzar a
linha dos meninos-grandes, mas por mais intuitivo que ele fosse, ele
abaixou a cabeça e me apertou com força.
— Estou tão feliz que você está aqui, — disse ele, e eu o abaixei,
tendo conseguido minha dose de Colt.
— Eu também. — A voz de Beckett deslizou sobre mim como açúcar
bruto, grave e doce ao mesmo tempo.
Pelo canto do olho, vi o queixo de Maggie cair, e então ela
desapareceu, esperançosamente, para o refeitório, embora eu soubesse
que essas poucas palavras deixariam as línguas de fofocas tremendo.
— O que vocês três estão fazendo? — Inclinei-me e esfreguei Havoc
atrás de suas orelhas macias. — Oi, garota.
— Beckett estava aqui para a apresentação na escola! — Colt
exclamou.
Oh Deus, eu tinha esquecido.
— Oh, parceiro. Esqueci totalmente que você precisava de algo para
compartilhar hoje. Me desculpe. — Quando eu iria parar de estragar tudo
e organizar a minha vida?
— Não, mãe, está tudo bem! Beckett me disse na semana passada
que traria Havoc, então tirei do seu calendário da cozinha. Foi tão legal!
Ela foi buscar seu brinquedo e depois, Beckett me escondeu em uma
árvore e disse-lhe para me encontrar e ela me encontrou! Sem dúvida, a
melhor apresentação na escola do ano.
— Estou tão feliz! — E eu estava mesmo. Minha culpa sumiu por
um precioso segundo e olhei para Beckett em gratidão. — Obrigada, —
falei suavemente.
A leve inclinação de seus lábios não era um sorriso. Era algo mais
suave, mais íntimo e infinitamente mais perigoso. — Fiquei feliz em fazer
isso.
— Eu estava aqui para uma reunião da Maisie e só precisava de
uma pequena dose de Colt, — falei a ele.
As sobrancelhas dele se abaixaram. — Tudo certo?
Antes que eu pudesse responder, Maggie estava lá com brilho labial
aplicado recentemente e um folheto, tão perto que ela estava quase entre
nós.
A postura de Beckett endureceu.
— Oh, Ella, — ela disse, — antes que eu me esqueça, aqui estão as
informações para o time de futebol. Eu sei que Colt queria jogar na liga
da primavera, mas todos nós entendemos com o que Maisie está
passando, bem, você tem muito com o que se preocupar. Mas, caso você
consiga algum tempo, adoraríamos tê-lo.
— Futebol? Sério? — Colt se iluminou como uma árvore de Natal e
eu queria dar um tapa em Maggie e em todas as outras mães do planeta
que tinham a capacidade de dizer sim sem verificar os horários das
consultas médicas e sessões de quimio.
— Colt, estamos muito ocupados...
Beckett gentilmente segurou meu cotovelo, afastando-se de
Maggie. — Deixe-me ajudar.
— Beckett... — Deixá-lo ajudar significava depender dele, e deixar
Colt depender dele também. E embora eu soubesse que ele tinha as
melhores intenções, eu também estava ciente de que sua alma tinha os
mesmos demônios inquietos que Ryan tinha.
— Por favor.
Ainda bem que ele não estava me pedindo para tirar minhas
roupas, pois entre aquela voz e o apelo em seus olhos, eu não podia fazer
nada. Minha cabeça concordou antes de meu cérebro tirasse o melhor
proveito disso... e eu.
— Você quer jogar futebol, Colt?
— Sim!
— Está bem, vamos tornar isso realidade.
Em meio à comemoração de Colt, Maggie colocou o panfleto na
minha cara e voltou seu sorriso para Beckett. — E quem é você? Um dos
melhores da polícia de Telluride?
Seus olhos perderam o calor, sua expressão ficando distante, quase
fria, e diferente de qualquer expressão que já vi nele. Maggie era a
exceção, ou eu era?
— Não, esse é o departamento do xerife.
Seu tom era curto, quase irreconhecível pela maneira como ele
falou comigo e com as crianças.
— Setor privado, hein?
— Sim.
Resposta curta. Talvez Hailey estivesse certa - ela simplesmente
tinha visto algo que eu não tinha, porque ele não tinha mostrado isso ao
meu redor.
— Ooh, o tipo especial de busca e resgate, — disse ela, dando o
passo que a colocou entre nós. — Os contratados para as chamadas
perigosas. — A voz dela se abaixou e recuei para evitar me asfixiar com
seu perfume.
— Acho que sim, — respondeu Beckett.
— Você sabe que a empresa é realmente financiada por um
conglomerado de proprietários da estação de esqui e dos hotéis da
estação, né? Queriam algo imediatamente disponível sabendo o quão
ocupado o escritório do xerife fica.
— É mesmo? — Beckett deu um passo atrás, mas Maggie o seguiu.
Sua mandíbula se flexionou e o olhar que ele me lançou era tudo menos
engraçado. Ele estava mesmo muito desconfortável.
Sem dúvida era hora de intervir.
— Ela está certa, — falei quando Colt pegou minha mão. — O
marido dela é dono de um dos hotéis, certo, Maggie?
Ela faiscou abertamente para mim, mas seu rosto ficou doce
quando olhou de volta para Beckett, bem, apreciando era uma palavra
melhor. Cobiçando abertamente era outra maneira de dizer isso. — Ele
é, o que acho que significa, de certa forma, que você trabalha para mim.
Os olhos dele ficaram glaciais. — Sou um prestador de serviços
autônomo, o que significa que trabalho para mim.
Me movi para ficar ao lado de Beckett e ele relaxou apenas o
suficiente para que a mudança fosse visível. — É sempre bom te ver,
Maggie, mas acho que esses caras estão ficando com fome, certo? —
Perguntei a Beckett.
Ele concordou. — É sempre bom conhecer outros pais na turma de
Colt e Maisie.
As palavras eram as certas, mas eram forçadas, como se ele as
tivesse praticado em sua cabeça antes de dizê-las em voz alta.
Os ombros de Maggie caíram, mas ela se recuperou rapidamente.
— Claro. Acho melhor eu voltar para Drake. Você está se juntando a nós?
Olhei para Colt, que estava felizmente ocupado com Havoc. Ele
tinha que estar com fome, e estávamos perdendo a hora do almoço aqui.
— Na verdade, eu ia perguntar à minha Ella aqui se ela queria
almoçar comigo. — As palavras saíram dele, como todas as outras vezes
que conversávamos sozinhos. Fácil. Natural.
Maggie notou.
Ponto. Marcado.
Se era verdade ou não, eu poderia tê-lo beijado em agradecimento.
Não que eu fosse beijá-lo ou tocá-lo de alguma maneira que indicava algo
mais do que amizade, se é que é isso que tínhamos. O que éramos, afinal?
Vizinhos com culpa?
Maggie assentiu e deu meia volta, quase me derrubando. Beckett
estendeu a mão, firmando meu ombro enquanto ela passava. Quem se
importava com a verdade? Eu não!
Após a reunião de hoje e o ataque de Maggie, senti uma sensação
de rebelião bem no estômago e espalhando-se para fora. — Colton
MacKenzie.
— Mãe?
— Quer passar o resto do dia comigo? Conosco? — Olhei para
Beckett.
— Sim!
— O que você quer fazer? — Beckett perguntou, agachando-se.
A boca e o nariz de Colt balançavam para frente e para trás
enquanto ele pensava. — Quero fazer um piquenique com Maisie. Se ela
se sentir bem o suficiente.
Eu tinha tanta sorte em ter esse garoto. — Então será piquenique.
Enquanto caminhávamos para nossos carros, rocei o braço de
Beckett, parando-o enquanto Colt e Havoc andavam à frente alguns
metros.
— Você não é uma pessoa muito sociável, né?
— Isso é óbvio?
— Totalmente. — Mas estranhamente cativante também,
percebendo que ele era diferente comigo. — Eu só não percebi isso até
agora.
— Sim, bem... acho que fico confortável com você.
Aquela simples admissão parecia o melhor elogio e senti minhas
bochechas ficarem vermelhas.
— Você percebe o que fez, certo? — Eu precisava que ele entendesse
o compromisso que assumira, quão preciosa era a confiança de uma
criança.
— Com o almoço?
— Futebol, Beckett. São três treinos por semana e jogos no fim de
semana. Isso significa que nos dias em que estou no médico da Maisie...
— Estou no campo com Colt. Não vou decepcioná-la, Ella. Ou ele.
Meus dentes afundaram no meu lábio inferior enquanto eu lutava
contra o desejo de acreditar nele, de confiar que ele estaria onde disse
que estaria.
— Acredite em mim, por favor.
— Eu sei que você tem as melhores intenções, mas na minha
experiência... os caras nem sempre estão presentes. — Falei a última
parte chutando o concreto entre meus pés. Para ser mais exata, eles
mentiam e diziam que iriam, e daí nunca apareciam. Talvez seus motivos
sejam variados, mas o resultado nunca mudava.
Ele levantou meu queixo gentilmente com o dedo e encontrei a
coragem pouco a pouco para encontrar seu olhar.
— Eu vou estar presente por você. Por Colt. Por Maisie. Não vou
embora. Não vou te abandonar. Não vou morrer. — Suas palavras me
atingiram no coração com a força de uma tonelada de tijolos. — Eu vou
estar lá, e se você não acredita em mim agora, tudo bem. Eu vou
conquistar isso.
— Não tenho o direito de esperar isso de você. — Nós não estávamos
juntos ou qualquer outra coisa que implicaria que ele tivesse tal
obrigação. Eu tinha que confiar que seu senso de dever para com meu
irmão era forte o suficiente para segurá-lo aqui, e confiança não era um
dos meus pontos fortes.
— Você tem o direito porque dou isso a você.
Ficamos assim, olhando fixamente um no outro, a mão dele
debaixo do meu queixo, guerreando silenciosamente até eu suspirar e
deixar meus olhos se fecharem. — Certo. Mas não o decepcione.
— Não vou. Quanto mais cedo você acreditar nisso, mais cedo eu
posso pegar um pouco desse fardo que você está tão empenhada em
carregar sozinha. Tenha um pouco de fé em mim.
Respirei instavelmente e tentei, a coisa da fé. — Futebol.
Ele sorriu. — Futebol.
CAPÍTULO DOZE
BECKETT
Carta nº 18

Chaos,

Encontrei os pais de Jeff no supermercado cerca de uma hora atrás.


Isso não acontece com frequência, talvez uma ou duas vezes por ano
quando estão de férias, mas sempre me bate mais rápido quando isso
acontece.
Por que isso? Depois de sete anos, você acharia que eu seria imune
ao vê-los, mas não sou.
Lá estava eu, de pé no corredor de bebidas, olhando para todos os
sabores de Gatorade conhecidos pelo homem, debatendo qual sabor Maisie
poderia não vomitar. Ela está tão enjoada ultimamente, mas sei que ela
tem que se manter hidratada por causa desses novos remédios e pelo
potencial de insuficiência renal. Enfim, estou pensando em maçã verde,
certo? Porque pelo menos é verde, assim quando ela inevitavelmente
vomita, pelo menos não entro em pânico por parecer sangue. E quando eu
estava grávida dos gêmeos, coisas cítricas eram a única coisa que
mantinha a náusea a distância. Encho o carrinho e, quando chego no fim
do corredor, vejo os pais de Jeff escolhendo o peru para o Dia de Ação de
Graças.
Não é como se eu não soubesse que é Dia de Ação de Graças ou que
as pessoas precisam de perus. Mas estava parada ali, tentando descobrir
o que comprar para manter minha filha viva, e eles estavam discutindo a
vantagem de cem reais sobre dezoito quilos.
Assim como Jeff, eles nunca viram nenhuma das crianças. Eu os
renunciei no minuto em que seu pai apareceu com um cheque polpudo,
documentos de divórcio e um pedido para abortar.
Então, duas semanas atrás engoli meu orgulho e pedi ao pai dele
que acrescentasse Maisie ao seguro de Jeff, já que Jeff trabalha para ele.
Ele me expulsou e me disse que as crianças não eram da sua conta. Acho
que Jeff está namorando a filha de um senador, o que torna meus filhos
um estorvo. Maisie está morrendo e eles estão mais preocupados com a
imagem de Jeff.
Então sim. Nós não nos falamos.
Mas hoje, por alguma razão, isso me atingiu mais do que o normal.
Talvez seja porque Maisie está tão doente. Porque quando penso em Jeff e
nas perguntas dos gêmeos sobre ele que não posso evitar por muito mais
tempo, sempre penso que as crianças podem procurá-lo quando tiverem
idade suficiente. Isso é com ele. E agora, me dou conta de que Maisie pode
nunca ter essa chance. E embora eu não queira nada com ele, nunca os
impediria de procurar essas respostas. Mas o tempo pode detê-la.
E, no entanto, não estou perguntando se ela quer conhecê-lo. Quero
o tempo todo que ela tem. Não quero compartilhá-la com Jeff, e
sinceramente não acho que ele lhe traria nada além de mágoa.
A primeira coisa que fiz depois que peguei um pouco daquele
Gatorade para Maisie foi pegar uma caneta e escrever para você. Porque,
por Deus do céu, não consigo descobrir se isso me torna uma pessoa má,
uma pessoa egoísta. E pior, se isso acontecer, há uma parte esmagadora
de mim que simplesmente não se importa. Isso não é pior?

Ella

***

— Você está pronto agora? — Perguntei quando Colt correu pelo


corredor para o banheiro da casa de sua mãe. O garoto treinava há três
semanas e hoje finalmente era o sábado do fim de semana do Memorial
Day - dia do jogo.
Os gêmeos se formariam no jardim de infância (seja lá o que isso
significava) na segunda-feira. Porque precisavam de capelos e becas
minúsculas estava além da minha compreensão, mas com certeza
pareciam fofos para a pequena sessão de fotos que Ella havia feito no
lago.
— Chuteiras! — ele gritou.
— Na sua bolsa. — Levantei a pequena bolsa Adidas no ar enquanto
ele deslizava para um par de meias na minha frente.
— Você pegou?
— Sim, e suas caneleiras, e o protetor solar para a sua cabeça.
Agora, você está pronto para jogar ou o quê? — Tínhamos vinte minutos
até que estivessem à nossa espera no campo para aquecimento.
— Sim! — Ele pulou no ar, as duas mãos esticadas em direção ao
teto.
— Certo, economize um pouco dessa energia para o jogo, está bem?
Estamos jogando com um time de Montrose e eles serão difíceis.
A testa dele enrugou. — Eles só têm seis anos. Igual a mim.
— Sim, bem, você também é forte. Agora coloque seus calçados e
vamos embora.
Colt correu de volta para o vestiário e fui procurar Ella,
encontrando-a no escritório com Maisie esticada no sofá em frente à
escrivaninha, livro na mão. — Ei, Maisie. Ella, você está pronta?
Ela olhou por cima da eterna pilha de papéis na extensão de mogno
e rapidamente encobriu seu pânico, forçando um sorriso. — Sim, deixe-
me ver se Hailey voltou para que possa ficar de olho em Maisie.
— Eu quero ir. Mãe, por favor? Por favor? — Maisie implorou. Ela
parecia corada hoje, a cor retornando às bochechas bem a tempo de fazer
outra sessão de quimio na próxima semana.
Esse foi um daqueles momentos em que fiquei tão feliz por não ser
um pai, porque eu cederia toda vez. Toda.Vez.
A testa de Ella franziu. — Simplesmente não sei, Maisie.
— Estou me sentindo ótima hoje, o clima está bom e vou até me
sentar no carro. Mas, por favor? Não quero perder o primeiro jogo.
— Você iria falar que está se sentindo ótima mesmo que não se
sentisse.
— Por favor?
Os olhos de Ella encontraram nos meus. — É sua decisão, — disse,
ciente de que não fazia parte dessa equação de tomada de decisão. — Eu
posso lhe dizer que está uns vinte e dois graus, sol claro, e eu tenho uma
tenda de sombra no carro.
— Mas todas as pessoas...
— Beckett pode afugentá-las, certo? — Maisie usou aqueles
grandes olhos azuis em mim e levantei minhas mãos imediatamente, me
afastando. Sim, eu cederia toda vez.
— Não vou me envolver. Ella, você decide, estarei por aí. — Longe
das mulheres da casa que estavam se encarando.
— Ela pode ir, — Ella cedeu.
Chegamos ao campo cinco minutos depois do que deveríamos, mas
eu não estava estressado. Era futebol infantil, não a Copa do Mundo.
Virei Colt no banco, amarrando as chuteiras depois que prendi suas
caneleiras. Então levantei o frasco de protetor solar.
— Isso é grudento.
— É spray. E, sério, é você quem insiste em raspar a cabeça.
— É por Maisie!
— Não estou discutindo com seu raciocínio, homenzinho. Mas você
sabe o que me disseram na sua idade? Você é livre para escolher, mas
não está livre das consequências de sua escolha. Raspar a cabeça é
incrível. Agora, protetor solar. — Eram quase quatro horas, mas o sol da
tarde era tão duro quanto a cabeça careca.
Ele cruzou os braços sobre o peito do uniforme marrom, mas não
pronunciou uma palavra enquanto eu pulverizava, protegendo seu rosto
com minhas mãos.
— Você está ficando bom nisso, — disse Ella, dando a volta na
frente da minha caminhonete.
— Ele facilita, — falei, e coloquei Colt ao chão. — Você está pronto
para ir.
Ele foi até Ella, que se ajoelhou, exposta em seus shorts cáqui. —
Certo, qual é a coisa mais importante no jogo de hoje?
A expressão de Colt ficou feroz. — Jogue na minha posição, não
mostre medo e hoje à noite jantamos as almas de nossos inimigos!
Ella se inclinou para o lado e levantou uma sobrancelha para mim.
— O quê? — Dei de ombros.
Ela se levantou e ajeitou o uniforme dele. — Pode ir.
— E passe a bola para o corredor! — Gritei atrás dele. Ele virou,
dando um joinha antes de correr em direção a sua equipe.
— As almas de seus inimigos? — Ella questionou, segurando uma
risada com os braços cruzados sob os seios. Não olhei para a maneira
como a posição os levantou em direção ao decote da blusa marrom. Não.
Não olhei.
— O quê? Ele é praticamente um homem.
— Ele tem seis anos.
— Os meninos eram treinados como guerreiros aos sete anos na
antiga Esparta.
Ela riu, o som totalmente intoxicante. — Vou me certificar de
manter os espartanos fora da lista de convidados para sua festa de
aniversário.
— Só por segurança, — concordei e fui recompensado com outra
risada.
É exatamente assim que a vida dela deveria ser, cheia de jogos de
futebol, sol e sorrisos dos dois filhos. Era exatamente isso que ela
merecia. Eu simplesmente não era a pessoa que merecia dar a ela.
Havoc pulou da carroceria da caminhoneta e me fez companhia
enquanto eu montava a tenda longe de onde os outros pais estavam
instalados. O modelo deixava o ar fresco entrar, mas mantinha o sol longe
de Maisie, permitindo que ela visse o jogo. — Fique, — ordenei a Havoc,
e sua traseira atingiu o chão na abertura da tenda.
Quando voltei para a caminhonete, Ella já estava tirando as
cadeiras dobráveis da carroceria. Maisie sentou-se empoleirada na
beirada do banco, e foi quando eu a vi - exaustão. Cara, ela escondeu
bem.
— Ei, por que você não vai até lá e arruma a cadeira de Maisie, e
vou levá-la? — sugeri a Ella. — Assim ela não fica no sol por muito tempo.
Ella concordou e atravessou a extensão gramada até a tenda.
— Você está exausta, — eu disse a Maisie, voltando-me para ela.
Ela assentiu, abaixando a cabeça um pouco. — Eu não queria
perder isso. Eu sinto falta de tudo.
— Eu entendo, mas você também precisa se cuidar para poder fazer
ainda mais quando melhorar.
Os dedos dela deslizaram sobre o local debaixo da blusa onde seu
cateter corria em seu braço, protegida por uma braçadeira de malha. —
Eu sei.
Foi o jeito que ela disse que me fez segurar sua mão. — Eu vejo
muitos jogos de futebol no seu futuro. Tudo o que você está passando
agora um dia será essa história louca que você contará a todos, e ficará
muito bem na sua dissertação de entrada na faculdade, certo?
— Tenho seis anos. — Um pequeno sorriso surgiu em seus lábios.
— Por que todo mundo continua dizendo isso para mim hoje? —
Perguntei. — Agora, você gostaria de uma carona para o jogo?
Seu sorriso irrompeu em um lampejo de alegria e eu a peguei,
ajustando suas longas calças cor-de-rosa e a camisa de manga comprida
combinando para cobrir toda a sua pele, e depois seu gigantesco chapéu
de sol rosa choque. — Certo, vou te fazer uma proposta, — ofereci
enquanto caminhava em direção à tenda com Maisie nos braços.
— O quê?
— Não deixo você cair, se você concordar em impedir que seu
chapéu se solte.
— Combinado! — Ela riu, um som que decidi que era apenas
superado na minha lista dos melhores sons de todos os tempos pela
risada de sua mãe.
Algumas das outras mães e pais da equipe gritaram cumprimentos,
e eu respondi com um sorriso que esperava não parecer forçado, sabendo
que tinha muita sorte de ter um lugar na vida de Maisie e Colt, por menor
que fosse. Esse papel me trouxe ter que lidar com outros pais, e eu estava
trabalhando nisso. A cada prática, a conversa fiada ficava mais fácil, os
sorrisos um pouco menos falsos, e comecei a ver os outros pais como
indivíduos e não apenas... como pessoas.
Coloquei Maisie na cadeira que Ella havia montado e depois apoiei
seus pés em uma menor que servia de apoio para os pés. Vendo o
pequeno arrepio que a cobriu, rapidamente puxei o cobertor da carroceria
e o coloquei sobre as pernas de Maisie.
— Você tem certeza de que está bem?
Ela assentiu. — Só um pouco de frio.
Coloquei o cobertor em volta dela e nos acomodamos para assistir
ao jogo. Ella começou como uma daquelas mães calmas, mais do que um
pouco feliz com uma câmera, mas reservada em seus comentários. No
segundo tempo do jogo, ela estava gritando por Colt quando ele marcou
um gol.
A transformação foi hilária e sexy como o inferno.
Ou talvez fosse a visão daquelas longas pernas em seus shorts. De
qualquer maneira, foi necessária grande parte da minha concentração
para manter minhas mãos afastadas da pele macia logo acima do joelho
dela. Porra, eu a queria. Queria tudo dela - sua risada, suas lágrimas,
seus filhos, seu corpo, seu coração. Eu queria tudo.
Para minha sorte, meu desejo por ela estava fisicamente apenas
atrás da minha necessidade de cuidar dela, o que mantinha minha libido
sob controle.
Na maioria das vezes.
Sim, tudo bem, isso era mentira. Quanto mais tempo passávamos
juntos, mais perto chegava de beijá-la só para ver qual era ao gosto dela.
Eu queria beijá-la até que ela esquecesse todo o peso sobre ela, até que
ela me perdoasse pela mentira que eu estava vivendo.
E quanto mais eu mantinha meu segredo, mais distante isso ficava.
Quanto mais eu sonhava com a possibilidade de que ela pudesse me
deixar ficar em sua vida como apenas Beckett.
Não que eu não tenha tentado contar a ela quem eu realmente era.
Contar a ela como suas cartas me salvaram, que me apaixonei por ela
apenas com suas palavras. Mas então percebi o quanto eu tinha me
envolvido em sua vida - pegando compras, levando Colt ao futebol, saindo
com Maisie quando ela estava doente demais para ir para a sede. No
momento em que eu contasse a Ella quem eu era de verdade, o que eu
tinha feito, ela me expulsaria e ficaria sozinha outra vez, e prometi estar
presente para ela e as crianças. Manter essa promessa significava não
lhe dar uma razão para me expulsar. Dizer a ela era egoísta, de qualquer
maneira. Isso apenas a machucaria.
Chaos não tinha chance de ajudar Ella - de estar lá por ela. Não
depois do que aconteceu. Eu teria que esperar até que Maisie estivesse
livre antes de ir para Ella. Então a escolha seria dela.
— O que esse garoto está fazendo? Isso não é contra as regras? Ele
não pode dar uma rasteira assim! — Ella gritou.
— Acho que foi mais um descuido dos dois, — rebati.
— Oh, meu Deus, ele fez de novo! Pegue ele, Colt! Não deixe que ele
faça isso com você!
— Você sabe, ele tem apenas seis anos, — falei, doce como torta de
cereja.
Ela lentamente se virou para mim com um olhar e um escárnio de
boca aberta. — Que seja.
Eu ri e pela primeira vez percebi que estava totalmente satisfeito
com minha vida. Mesmo sem ter conquistado Ella, nunca ter provado sua
boca, nunca tenha tocado sua pele, nunca a mantido na cama em uma
manhã chuvosa de domingo ou a ouvido dizer as três pequenas palavras
pelas quais eu estava faminto, esse momento era suficiente.
Olhando de volta para Maisie na sombra, vi seus olhos fechados e
a profunda e rítmica ascensão e queda de seu peito. Ela estava dormindo
com Havoc enrolado sob as pernas estendidas. Se ela já estava tão
exausta, como diabos iria aguentar outra sessão de quimio na próxima
semana?
— Oh não... não, não, — Ella murmurou, e voltei minha atenção
para o campo.
O outro time passou por Colt, depois pela defesa, e marcou um gol
para vencer o jogo.
Bem. Merda.
Meu coração doeu quando vi o rosto de Colt, a maneira como seus
ombros caíram. Mas ele apertou a mão do time adversário como
desportivo que era e depois se sentou no banco muito tempo depois que
o treinador terminou o discurso de encorajamento pós-jogo. Vendo
alguns dos outros pais atravessando o campo, olhei para Ella, que
parecia quase tão decepcionada quanto Colt.
— Bem, isso é péssimo. — Ela cruzou os braços sobre o peito, a
longa trança lateral roçando sobre o braço enquanto se virava para olhar
para mim. — O que eu digo para ele?
— Que tal você me dar um segundo com ele?
— Fique à vontade. — Ela apontou para o banco. — Eu vou juntar
tudo.
Atravessei o campo sua mochila nas mãos, depois abaixei-me na
frente dele para começar a desamarrar os nós duplos que ele jurou que
não podia jogar sem.
— Cara, amei assistir você jogar, — falei a ele, deslizando a primeira
chuteira livre.
— Deixei ele passar. Perdemos porque errei.
Desamarrei a segunda chuteira e depois a tirei também. — Não.
Você ganha como equipe e perde como equipe. Não há vergonha nisso.
— Eu não queria perder, — ele sussurrou, como se fosse um
segredo sujo.
— Ninguém quer, Colt. Mas posso dizer que às vezes as perdas são
tão importantes quanto as vitórias. As vitórias são muito boas e vamos
comemorar o que fizemos de certo. Mas as perdas, elas nos ensinam
mais. Nos ensinam a ver onde podemos melhorar e, sim, nos fazem sentir
muito mal, e tudo bem. À medida que crescer, você verá que não é como
lida com as vitórias que o torna um bom homem, é como lida com as
perdas.
Entreguei a ele os sapatos que ele trouxera, e ele os calçou
enquanto pensava, sua pequena testa enrugada nas mesmas linhas que
Ella fazia quando estava trabalhando em alguma coisa. Então ele apertou
o velcro e pulou do banco. — Então está tudo bem em perder.
Eu concordei. — Você tem que perder algumas vezes. Mantém você
humilde, mantém você trabalhando mais. Então sim, está tudo bem em
perder. Às vezes até é bom para você.
Ele soltou um suspiro gigante e melodramático e depois assentiu.
— Você vem comigo por um segundo?
— Claro, — respondi sem pensar, seguindo-o ao passar pelo nosso
banco em direção ao time visitante, onde ele encontrou o garoto que havia
marcado o gol final.
O garoto viu Colt e se levantou.
Colt foi direto para ele. — Só queria dizer que você é realmente
rápido. Bom trabalho hoje.
O garoto sorriu. — Você também. Aquele foi um gol fantástico!
Eles apertaram as mãos como pequenos homens e Colt sorriu
quando nos afastamos.
— Estou realmente orgulhoso de você, — falei quando começamos
a atravessar o campo.
— Bem, ele é muito rápido. Mas quer saber? Nós vamos jogar de
novo no final do verão e eu vou ser mais rápido. Não posso esperar tanto
tempo para chutar sua bunda.
Eu queria chamar sua atenção, mas estava muito ocupado
tentando não rir. — Entendi. Então vamos jantar a alma dos nossos
inimigos?
— Bingo.
Ele parou no meio-campo e eu tive que voltar alguns passos. —
Colt, o que há de errado?
Ele olhou para mim, bloqueando o sol com a mão, e depois olhou
em volta para os outros pais voltando para seus carros. — É assim que
é? — Ele sussurrou tão baixo que eu e inclinei.
— Que é o quê? — Perguntei.
— Ter um pai? — Ele inclinou a cabeça levemente.
As Palavras fugiram no mesmo ritmo que toda emoção me assaltou.
Sua pergunta me abriu, deixando-me cru e exposto de uma maneira que
nunca havia sentido antes.
Agachei-me ao nível dele e disse a única coisa que me veio à mente.
— Quer saber, não tenho certeza. Eu nunca tive um pai.
Os olhos dele se arregalaram. — Eu também.
Eu estou aqui agora. As palavras estavam lá, na minha cabeça, na
ponta da minha língua. Mas não eram minhas para dizer ou oferecer.
Cara, era um pedaço do inferno se apaixonar pelo filho de outra pessoa
quando você não podia reivindicar o amor da mãe dele - ou da mãe dela.
Olhei através do campo e vi Ella sentada com Maisie à sombra, passando
as mãos pela grama.
— Que tal levarmos as meninas para casa? — Perguntei a Colt
quando tirei meu boné e o coloquei na cabeça dele para manter o sol
longe dele.
— Boa ideia. Vamos cuidar das mulheres. — Ele caminhou em
direção às meninas, e dessa vez não segurei o riso. Como o garoto podia
me deixar perto das lágrimas em um segundo e rindo no seguinte estava
além da minha compreensão.
— Perdemos, — disse Colt a Ella, enquanto voltávamos para o
carro. Eu tinha Maisie nos braços, a cabeça no meu peito, enquanto Ella
puxava o carrinho atrás de nós.
— Oh cara. Tenho que admitir, estou feliz que não haja almas
inimigas para jantar hoje à noite — ela brincou, puxando-o para o lado.
— Acho que teremos que nos contentar em pedir pizza.
— Pizza! — ambas as crianças gritaram, então bateram as mãos,
Colt pulando para se aproximar de Maisie.
Prendi cada criança em seus assentos que comprei para a
caminhonete e carreguei o carrinho e o conteúdo na carroceria enquanto
Ella pedia pizza. Havoc pulou atrás entre as crianças. Ella se acalmou
uma tonelada desde que a oncologista disse que Havoc era
completamente segura para Maisie já que seus níveis não ficavam muito
mal.
Eu nos levei de volta a Telluride, enquanto Colt e Maisie discutiam
os méritos do queijo contra a calabresa.
— Eles alguma vez terminam alguma frase na conversa? —
Perguntei a Ella.
— Não. É como se eles tivessem seu próprio idioma. Apenas sabem
o que o outro está pensando antes de terminar, então não terminam.
— Assustador, mas legal.
— Exatamente.
Como seria natural estender a mão e pegar a dela, dar um beijo na
palma da mão. Tudo sobre isso parecia fácil - certo. Assim como escrever
para ela tinha sido... Não que ela saberia sobre isso em breve.
Parei na frente da pizzaria e estacionei a caminhonete. — Uma vaga
bem na frente? Parece estava destinado ser pizza hoje à noite! — Eu
declarei.
As crianças levantaram os braços em vitória, mas a de Maisie não
era tão alta. Ela estava ficando esgotada de novo.
Ella e eu saímos da caminhonete, mas fui mais rápido que ela na
calçada. — Pode deixar que eu pego, — disse a ela.
— Você não vai pagar a pizza, — ela protestou.
— Sim, eu vou.
— Não vai. — Ela cruzou os braços sobre o peito.
— Eu vou.
Ela deu um passo à frente e olhou para mim, toda animada e
teimosa. Meu olhar caiu para os lábios dela, separados e perfeitos. Tão
beijáveis.
— Estou pagando, — disse ela, toda suave e lenta, como se
soubesse que eu estava lutando para segurar minhas malditas mãos.
— Nos seus sonhos.
Sua expressão ficou suave, e eu teria pagado um milhão de dólares
para saber o que ela tinha acabado de pensar. — Tudo bem, — disse ela.
— Mas só se você concordar em jantar conosco.
— Combinado.
— Não vai!
— Eu vou!
Nós dois nos viramos para ver os gêmeos zombando de nós pela
porta aberta, com sorrisos gigantes nos rostos.
— Sim, sim. Está certo. Bico calado, vocês dois, ou vou colocar
anchovas nas de vocês. — Ameacei sem uma expressão séria. — Devemos
pegar outra pizza?
— Eu pedi três, — Ella disse com um encolher de ombros.
Ficamos ali e sorrimos um para o outro como idiotas, ambos
sabendo que ela tinha planejado que eu ficasse para jantar muito antes
do nosso pequeno acordo.
Havoc saltou enquanto eu caminhava em direção à loja, e me virei,
abaixando-me para acarinhar suas orelhas. — Proteja Maisie e Colt.
Ela correu para longe, estacionando seu traseiro logo abaixo da
porta aberta.
— Ella! — Hailey acenou e entrei na pizzaria enquanto as duas
mulheres começaram a conversar perto da caminhonete.
Três pizzas e cinco minutos depois, saí da loja e quase deixei cair
as caixas.
Um casal mais velho e bem vestido, vindo do lado oposto de onde
Hailey conversava com Ella, fez uma pausa. Não foi a pausa que me
provocou, foi o olhar em seus rostos. Choque total e desprezo ao olhar
para os gêmeos.
Havoc se levantou - ela sempre foi uma boa juíza de caráter – e eu
comecei a me mover.
A mulher deu um passo à frente, como se não tivesse controle sobre
suas próprias ações, e Havoc arreganhou os dentes e começou a rosnar.
Ella virou-se para o rosnado, e quando ela respirou fundo, eu tinha
todas as informações que eu precisava. — Não! — ela retrucou, não para
Havoc, mas para o casal. Ela marchou diretamente ao lado de Havoc,
arreganhou os dentes e tudo, e disse de novo. — Não. Vão. Agora.
Eu vim atrás do casal, depois para o lado, deslizando as pizzas no
banco do passageiro enquanto caminhava para me colocar entre eles e
Havoc.
— Não chegue mais perto. Ela vai para a jugular se você mover uma
mão em direção a essas crianças. — Mantive minha voz baixa e uniforme.
No minuto em que ficasse agitado, Havoc ficaria perigosa.
— Esse cachorro é uma ameaça, — disse o homem, zombando de
mim.
— Somente para as pessoas que ela vê como ameaças aos gêmeos
ou a Ella. Agora, acredito que Ella pediu para vocês irem. — Fui adiante,
forçando o casal a recuar, sabendo que Havoc me seguiria e daria a Ella
o espaço para fechar a porta para que os gêmeos não fossem expostos.
Quando ouvi a porta bater, relaxei e Havoc afastou os dentes.
— Quem exatamente você é? — A mulher exigiu.
— Não é da sua conta.
— Estes não são seus filhos, — o homem fervia.
— Também não são seus, — eu disse. — Mas eu sou deles e isso é
o que importa. E posso lhe dizer que se chegarem perto deles sem a
permissão de Ella, Havoc será a menor das suas preocupações.
Quando o homem começou a encarar Ella, mudei-me para a linha
de visão dele, impedindo-a do desgosto direcionado para ela.
— Beckett, — Ella chamou suavemente, sem dúvida percebendo a
pequena multidão que estava assistindo à interação.
— Tenham uma boa noite, — eu disse ao casal, depois me virei e
voltei para Ella, colocando minha mão nas costas dela e a pressionando
para entrar na caminhonete, depois fechando a porta atrás dela.
O casal se foi.
Passei por Hailey, Havoc ao meu lado.
— Os pais de Jeff, — ela sussurrou.
— Imaginei.
— Tem tequila no freezer. — Ela apontou para a cabine da
caminhonete, onde Ella estava em silêncio, atordoada.
— Bom saber.
— Quem era aquele? — Colt perguntou.
— Ninguém com quem você precisa se preocupar, — respondeu
Ella.
— Havoc estava preocupada, — Maisie rebateu.
— Havoc é um bom juiz de caráter, — Ella murmurou. — Eles eram
apenas algumas pessoas que eu conhecia.
— Eles não foram muito legais, — observou Colt.
— Não. Eles nunca foram.
Ella ficou quieta quando voltamos para Solitude e fingiu seu sorriso
durante o jantar. Então ela levou as crianças para a cama e eu me sentei
no sofá, esperando silenciosamente enquanto Havoc cochilava aos meus
pés.
Meia hora depois, ela desceu as escadas, vestindo uma calça de
flanela e uma blusa de alças. Sua boca abriu em um O de surpresa
quando me viu. — Pensei que você tinha ido.
— Não. Sente-se. — Dei um tapinha no sofá ao meu lado e desviei
o olhar dos inchaços de seus seios que estavam elevados ao longo do
decote de sua blusa.
Ela afundou no canto do sofá, levando os joelhos até o peito. —
Aposto que você está bem curioso sobre o que aconteceu fora da pizzaria.
— Fale.
Ela apoiou o queixo nos braços cruzados e respirou fundo. —
Aqueles eram os pais de Jeff.
— Presumi isso.
Seus olhos se levantaram para os meus.
— Você é igual a Ryan quando faz isso, tirar conclusões de tudo ao
seu redor. Pessoas também.
— Nos mantém vivos, — respondi antes de pensar. Meus olhos se
fecharam momentaneamente diante do erro e da dor que se seguiu. —
Você sabe o que quero dizer.
Ela assentiu. — Eles nunca viram as crianças antes. Nunca
perguntaram sobre eles.
Eu sabia a maior parte disso. Risca isso. Chaos sabia. Mas eu
queria que Ella contasse a mim, Beckett. Confiar em mim tanto quanto
ela confiou naquele amigo sem rosto. Então, em vez de mentir ou pedir
para ela continuar, eu simplesmente esperei.
— Jeff partiu quando eu estava de oito semanas de gravidez. — Ela
desviou o olhar, o rosto caindo quando ela entrou na memória. — Ele não
queria se casar, na verdade não. Era tudo muito Meatloaf5.
— O quê? — Descansei meu braço na parte de trás do sofá e me
inclinei. — Tipo a comida?
— Tipo o artista. Você sabe, “Paradise By The Dashboard Light”?
— Ah, entendi. Sem anel, sem sexo.
— Bingo. Estávamos juntos todo o último ano, e olhando para trás,
quando eu o peguei mentindo sobre fumar - fumar de todas as coisas
para mentir! - Eu deveria ter ido embora, mas estava perdida naquela
ideia ingênua amor-pode-mudá-lo. Enfim, estávamos indo para a
Universidade do Colorado no outono e tudo parecia realmente romântico.
Fugir e casar no dia seguinte à formatura, noite de núpcias em um hotel
e surpreender minha avó e os pais dele no dia seguinte.
— Acho que isso acabou muito bem. — Eu não tinha visto um pingo
de piedade naquele cara, o que nunca foi um bom pai.
— Como uma tonelada de tijolos. Vovó chorou. — Ela engoliu em
seco e levou um momento. — Os pais dele o deserdaram e nos mudamos
para um dos chalés de verão, que era mais do tipo acampamento que o
que você vê agora. Vovó ficou decepcionada, mas isso nunca mudou seu
amor ou sua promessa de pagar pela minha faculdade. Jeff ficou tão
triste depois daquela primeira semana. A lua de mel acabou, como você

5 Meatloaf (bolo de carne), músico, cantor, produtor e ator norte-americano.


deve saber, e ele ficou estressado com a forma como pagaria sua
mensalidade, e tudo apenas girava em espiral. Ele passou de bebê de
fundo fiduciário para um quebrado da noite para o dia. Quatro semanas
após nossa pequena viagem ao cartório, descobri que estava grávida e,
duas semanas depois, o médico me disse que eram gêmeos.
Tentei me colocar no lugar dela naquela idade e não consegui. Aos
dezoito anos, eu havia me alistado nas forças armadas e mal conseguia
me cuidar, muito menos de dois outros humanos. — Você é incrivelmente
forte.
Ela balançou a cabeça. — Não, porque no minuto em que o médico
usou aquela varinha de ultrassom após os exames de sangue, tive um
momento em que me arrependi de tudo. Tudo, — ela repetiu em um
instante.
— Você era jovem. Não posso imaginar que exista uma jovem em
sua posição que não entre em pânico.
— Eu tinha dezoito anos e era casada com um cara que não gostava
mais de olhar para mim, bem, a menos que estivesse nua. E mesmo
assim... sexo... — Ela encolheu os ombros. — Bem, acho que serviu a
seu propósito. Eu contei a ele no minuto em que cheguei em casa,
pensando que ele saberia o que fazer. Ele sempre tinha planos, sabia?
— O que ele fez?
— Ele ficou lá por um momento em choque, e entendi. Afinal, me
senti da mesma maneira. Então ele... ele me pediu para abortá-los.
Minhas unhas afundaram na parte de trás do sofá, mas eu não
disse uma palavra.
— E foi naquele instante, quando essa escolha foi posta na mesa,
que o choque desapareceu, e eu sabia que os queria. Que não havia nada
que eu não faria para protegê-los. Foi quando percebi que tinha amado a
pessoa que ele fingia ser: forte, leal, carinhosa, protetora... e tudo era
uma gigante mentira. Ele foi um ótimo ator, mas não era um homem
grande e forte que me levaria para a faculdade e construiria essa vida
incrível. Ele era um garotinho assustado que não podia colocar mais
ninguém em primeiro lugar, e isso me incluía. E lá estava eu, percebendo
que morreria pelos gêmeos, e ele queria que eu os matasse porque eram
inconvenientes, e eu também. Eu recusei. Ele ameaçou. Eu recusei. Ele
se foi na manhã seguinte.
— Sinto muito que você tenha passado por isso.
Ela encolheu os ombros. — É o que é e me ensinou a nunca confiar
em um mentiroso. Você mente uma vez, é provável que faça isso de novo
e de novo. De qualquer forma, o pai de Jeff apareceu uma semana depois
com um grande e gordo cheque e documentos de divórcio, me dizendo
que eu poderia ter o primeiro quando provasse que não estava mais
grávida.
— Você está brincando comigo? — Rosnei. Agora eu queria o idiota
de volta na minha frente, queria aquele pescoço magro enrolado entre as
mãos.
— Não. Então, assinei os papéis, peguei o cheque da mão dele e
coloquei fogo na frente a ele.
Essa é a minha garota.
— Agradável. Muito visual.
— Sim, bem, fui um pouco dramática e acabei queimando o chalé.
Literalmente. Tudo se foi.
— Então não me deixe sozinho com você e um isqueiro, é o que está
dizendo? Sem churrasqueira, sem marshmallows assados, sem fogos de
artifício?
Ela riu, aliviando o clima, mas eu ainda queria estrangular todos
naquela maldita família.
— E você ficou em Telluride e criou as crianças, — eu assumi.
Ela assentiu. — Sim. Jeff nunca voltou. Nem uma vez. Patty e Rich
compraram um lugar em Denver, mas ainda voltam nas férias, como você
viu hoje. Mas eles nunca viram as crianças. Nunca pedi, pelo menos,
quando eles me encontraram. Mesmo quando pedi ajuda para o plano de
saúde de Maisie, Rich disse que as crianças não eram problema deles.
Não vou cometer o erro de pedir ajuda novamente.
— Não sei se eles merecem ver as crianças.
— Eu também, mas me preocupo que Maisie possa não ter a
chance se ela quiser, sabe? Quero dizer, um dia eles vão crescer. Farão
perguntas mais profundas e buscarão suas próprias respostas. E
Maisie... — Ela escondeu o rosto nas mãos.
Deslizei para frente, até que as pontas dos dedos dos pés roçaram
a parte externa da minha coxa. Então, gentilmente tirei as mãos dela,
quase esperando que ela estivesse chorando, que ela tivesse liberado a
válvula de pressão a uma taxa mais constante e fácil do que durante a
cirurgia de Maisie.
Mas não havia lágrimas, apenas um poço de tristeza tão profundo
que afogaria uma alma comum. Mas Ella não era uma alma comum.
— Maisie terá tempo para fazer sua escolha. — Eu não tinha o
direito, mas o pensamento não iria embora, então o expressei. — As
crianças perguntam sobre ele? Jeff?
— Às vezes. Eles são curiosos, é claro, e o Dia dos Pais é sempre
um assunto delicado, mas tive muita sorte de ter Larry e as crianças
ficaram bem isoladas de outras crianças por aqui. Este foi o primeiro ano
na escola de verdade.
— O que você diz a eles?
— É claro que eles têm pai, porque os bebês precisam ter pai e mãe.
Mas eles não têm pai. Porque, embora todos os homens possam ser pais,
nem todos são qualificados para serem pais, e o deles não era.
Porque seu pai perdedor não queria você. Ele queria a próxima
encrenca mais do que um pedaço de merda gritando como você. As
palavras de minha mãe bateram na minha cabeça como uma bola solta
em uma máquina de pinbol.
— Você é uma mãe fantástica. Espero por Deus que tenha ouvido
isso com frequência, porque realmente é. — Meus polegares roçaram seu
pulso, exatamente acima de sua pulsação.
— Eu não fiz nada que ninguém mais teria feito, — ela refutou com
um encolher de ombros.
— Não. Não dê de ombros. Porque sou o produto de alguém que
não fez o que você fez - o que você faz todos os dias. Nunca duvide disso.
Além disso, se eu conhecer Jeff, vou nocauteá-lo.
Ela me presenteou com um pequeno sorriso. — Não faça isso. Ele
é advogado em Denver agora. Provavelmente iria processá-lo por quebrar
seu precioso nariz. Se quiser machucar Jeff, tem que acertar em algo que
ele se preocupa - o seu bolso. E honestamente, estamos melhores por ele
ter ido embora. A vida com ele teria sido miserável e eu não gostaria que
as crianças aprendessem com esse tipo de pai, especialmente Colt.
— Entendi.
Seu olhar cintilou na minha boca e se afastou.
Ela não está pensando em beijar você, menti para mim mesmo.
Porque se eu admitisse a verdade, eu a teria debaixo de mim em três
segundos. Minhas mãos estariam em seu cabelo, minha língua em sua
boca, seus suspiros em meu ouvido.
O silêncio se estendeu entre nós, gritando com as inúmeras
possibilidades do que poderia acontecer a seguir.
Lentamente, soltei seus pulsos e voltei para o meu lado do sofá. —
Acho que eu deveria ir. Está tarde.
— São nove horas.
— Me ajude aqui, Ella. — E agora minha voz parecia lixa.
Impressionante.
— Ajudá-lo no quê? — ela perguntou, mudando de posição para
que suas pernas ficassem debaixo dela.
— Você sabe o que. Não me faça dizer isso. — No minuto em que
eu dissesse isso, nós dois estávamos ferrados, e não no sentido físico.
Bem, nisso também.
— Talvez... talvez eu queira que você diga, — ela terminou em um
sussurro estrangulado.
— Eu não posso. — Ainda não. Não enquanto sou um mentiroso. Se
ela olhasse para o meu colo, eu definitivamente não precisaria de
palavras. Fiquei excitado assim que ela olhou para minha boca.
— Oh. Entendi. — Ela recostou-se na bunda e soou um alarme na
minha cabeça.
— Entendeu o quê?
— Como vou dizer isso? — Ela riu em autodepreciarão.
— Ella. — Era um apelo para falar, para não falar. Inferno, eu não
sabia mais.
— Você não me vê assim. Eu entendo totalmente. — Ela pegou o
controlo remoto da TV.
— Como exatamente eu te vejo? Por favor me esclareça. — Inclinei-
me para a frente, roubando o controle remoto. Ela começou isso agora
tinha que terminar.
Ela bufou de aborrecimento. — Você me vê como mãe. Como mãe
de Colt e Maisie. E é claro que sim, porque é isso que eu sou. Uma mãe
com dois filhos.
— Bem, sim, — eu disse. Sua maternidade - a devoção
desinteressada que ela tinha pelos filhos - era um dos atributos mais
atraentes.
Ela revirou os olhos com um pequeno suspiro, e a lâmpada
metafórica se acendeu na minha cabeça.
— Você acha que não quero você.
Ela me lançou um olhar que confirmou meu palpite e corou o
mesmo vermelho de seu sofá. — Sabe, você tem razão. Está tarde. — Ela
fingiu um bocejo. — Suuuuuuper tarde.
— Eu quero você. — Porra, era tão bom dizer as palavras.
— Sim, certo. — Ela me deu um olhar pateta e um sinal de positivo.
— Por favor, não me faça sentir mais idiota do que agora.
Sim, chega dessa besteira.
Eu avancei em um movimento suave, deitando-a de volta no sofá,
deslizando sobre ela enquanto eu juntava seus pulsos em uma mão
acima de sua cabeça e me encaixei entre suas coxas abertas.
Casa.
— Puta merda, você se move rápido. — Não havia medo ou rejeição
em seus olhos, apenas surpresa.
— Não em todas as áreas, — prometi.
Os lábios dela se separaram.
— Ella. Eu quero você.
— Beckett... você não precisa.
Sim, aquele pequeno suspiro que ela fez ia ser minha ruína.
Soltei seus pulsos, deixando meus dedos deslizarem por seu braço
até que eu minha mão estivesse entrelaçando no cabelo na base do couro
cabeludo e a outra na curva em sua cintura.
— Sente isto? — Então deslizei para frente, deixando meu pau
acariciar forte ao longo da costura em sua calça de pijama o suficiente
para ela ofegar com o contato. Eu não conseguia me lembrar de querer
rasgar tanto um pedaço de tecido na minha vida. — Eu nunca quis uma
mulher tanto quanto quero você.
Eu me movi novamente, e seus olhos se fecharam quando ela
soltou o gemido mais doce.
Meu pau palpitava, sabendo tudo o que eu fantasiei na maior parte
dos últimos oito meses estava a uma decisão de distância.
— Beckett. — Suas mãos encontraram meu bíceps, suas unhas
afundando.
— Nunca pense que não te quero, porque se as coisas fossem
diferentes, eu já estaria dentro de você. Eu saberia exatamente a
sensação de estar em você, e como você fica quando goza. Pensei nisso
pelo menos de cem maneiras diferentes e, acredite, tenho uma grande
imaginação.
Ela esfregou o quadril contra mim e eu travei minha mandíbula
para não lhe dar exatamente o que seu corpo estava pedindo. — Ella,
você tem que parar.
— Por quê? — ela perguntou, seus lábios perigosamente perto dos
meus. — Como assim, se as coisas fossem diferentes? — Os olhos dela
se arregalaram. — Isso é porque tenho filhos?
— O quê? Não, claro que não. É porque você é a irmã mais nova de
Ryan. — Antes que eu pudesse causar mais danos, me levantei e me
sentei do lado do sofá.
— Porque... eu sou a irmã mais nova de Ryan, — ela repetiu, se
apressando em se sentar de frente para mim. — E você acha que ele vai
o quê? Assombrar você?
Três coisas: A carta. O câncer. A mentira.
Repeti isso na minha cabeça até ter certeza de que podia olhá-la e
não a arrastar de volta para mim.
— Beckett?
— Quando eu era criança, se eu quisesse algo, eu pegava isso.
Imediatamente. Transei aos catorze anos com uma garota no meu lar
adotivo do momento. Abria os presentes de Natal mais cedo, se tivesse a
sorte de ganhar um, e geralmente era da minha assistente social ou de
alguma instituição de caridade.
— Não entendi. — Ela colocou os braços em volta dos joelhos
novamente.
— Eu fazia isso imediatamente porque sabia que se não o fizesse,
era provável que não o conseguisse depois. Era o tipo de coisa agora ou
nunca - não havia segunda chance.
— Certo.
— Não posso tocar em você, não posso falar sobre isso, porque
tenho medo de agir de acordo com isso.
— E por que isso importa se eu quero que você faça?
— Porque não vou ter uma segunda chance. E eu sou uma porcaria
com pessoas, com relacionamentos. Nunca tive um que durou mais de
um mês. Nunca amei uma mulher com quem dormi. E com certeza vou
fazer algo para estragar tudo, porque não é apenas o meu pau que quer
você, Ella.
Aquele O apareceu de volta em seu rosto e fechei meus olhos para
não me lançar ao longe e beijá-la. Saber que ela me deixou - que ela
queria – fez minha necessidade virar de uma bala para um míssil nuclear.
— E quando eu estragar tudo, porque vai acontecer, acredite em
mim, também machucaria Colt e Maisie. Você estaria por sua conta
novamente, porque não há chance de me deixar ficar por aqui e ajudá-la
como Ryan pediu.
— Então é isso.
— Então é isso. Você é a irmã mais nova de Ryan.
— Eu e ele temos uma diferença de apenas cinco anos. Não sou tão
nova, sabe? — Ela pegou o controle remoto.
— Estou bem ciente.
— Então, se Ryan ainda estivesse vivo... — Ela lançou um último
olhar para mim.
Eu deixei tudo escorregar por um milissegundo, deixando-a ver
tudo nos meus olhos, o quanto eu a queria, e não apenas pelo seu corpo.
— Tudo seria diferente.
— Tudo?
— Tudo, menos o que sinto por você, o que provavelmente ele teria
me matado por isso. Onde isso nos deixa?
— Você quer dizer, além de eu ser uma solteirona e sua honra
ligada a um fantasma?
— Algo parecido.
Ela rolou a cabeça ao longo das costas do sofá, murmurando
baixinho algo que parecia um palavrão. Então, se sentou ereta e ligou a
TV com um clique do polegar. — Isso nos deixa escolhendo um filme.
Porque não vou deixar você sair por aquela porta agora.
— Você não vai?
— Não. Se você sair agora, pode ficar estranho com isso e não
voltar. Honra é uma coisa fabulosa, mas às vezes o orgulho pode ser
muito mais forte, especialmente quando você se convence de que é para
o bem da outra pessoa.
Porra, a mulher me conhecia.
— Então é filme, — concordei. — Apenas... fique do seu lado do
sofá.
— Não fui eu quem cruzou a linha, — ela brincou com um sorriso
que me deixou excitado de novo.
Filme escolhido, sentamo-nos e assistimos, nós dois nos olhando
de soslaio. Como diz aquele ditado... o cavalo fora do celeiro. Sim, o cavalo
estava fora do celeiro e não voltaria. De jeito nenhum. Não tinha como.
Aquele cavalo estava correndo feito louco e destruindo o meu
controle cuidadosamente construído.
Mas não reclamei quando ela se moveu. Ou quando ela pressionou
contra o meu lado. Não. Levantei meu braço e saboreei a sensação de
suas curvas, sua confiança. Nem reclamei quando ela se deitou em meus
braços. Inferno não, eu a segurei e memorizei a cada segundo.
Acordei com um sobressalto na porta se abrindo, pegando uma
pistola que não estava lá. Mas Havoc estava e, como seu rabo balançava
lentamente contra a madeira, eu sabia que tinha que ser Hailey.
Sim. Ela entrou na ponta dos pés, depois nos viu no sofá, curvou-
se e me deu um sorriso antes de entrar no quarto de hóspedes.
Abaixei minha cabeça, respirando o perfume cítrico do cabelo de
Ella, e apertei meu braço na cintura dela para que ela não caísse do sofá.
Eu teria dormido equilibrado em uma tábua se isso significasse que eu a
seguraria.
Antes que eu pudesse dormir, ouvi passos novamente, mas desta
vez eles estavam vindo do andar de cima. O rosto de Colt apareceu logo
acima de mim, e o pânico em seus olhos me disse que ele não se
importava que eu estivesse abraçado com sua mãe.
— O que há, parceiro?
— Algo está errado com a Maisie. Ela está pegando fogo.
CAPÍTULO TREZE
ELLA
Carta nº 13
Ella,

Sinto muito por você ter perdido a peça de Colt, e não, não é menos
importante. Entendi e não sei o que eu poderia dizer – ou escrever - que lhe
daria a tranquilidade que você merece. Você está sendo rasgada em duas
direções diferentes, e isso deve parecer impossível.
Mas posso dizer que está fazendo um ótimo trabalho. Sim, você
perdeu a peça, mas Maisie precisava de você. Haverá momentos em que
Colt crescerá, que ele precisará de você, e você sentirá falta de algo para
Maisie. Acho que isso é parte de ter dois filhos. Você faz o melhor que pode
pelos dois e espera que tudo seja igual no final. A culpa significa que você
é uma ótima mãe, mas às vezes precisa se libertar. Este é um desses
momentos.
O que você está passando é um pesadelo. Você precisa se dar um
pouco de espaço para tropeçar, porque tem razão - não é uma dessas
famílias com dois pais. Então isso significa que você precisa se cuidar
muito bem, porque você é a única que eles têm.
Faça-me um favor e apenas espere. Seu irmão vai para casa assim
que puder. Você não ficará sozinha por muito tempo, prometo. Ele
mencionou que Colt queria uma casa na árvore e, enquanto eu estiver
visitando, eu o ajudarei. Talvez não seja muito, mas isso lhe dará um lugar
só dele e lhe dará a tranquilidade de que ele tem algo especial.
Eu gostaria de ter um conselho melhor, mas sei que você não precisa
dele, apenas um ouvido, e você tem o meu sempre que quiser.
Chaos

***

— Quarenta. — Li os números no termômetro novamente, para o


caso de eu ter entendido errado na primeira vez. Maisie estava
queimando. — Preciso levá-la para o hospital.
— Temos que levá-la ao hospital, — Beckett me corrigiu da porta
do banheiro. — Pegue o Tylenol, panos molhados, o que você precisar, e
vamos embora. Colt, me faça um favor e acorde Hailey?
Ouvi o barulho familiar dos pés de Colt descendo as escadas
enquanto revirava o armário de remédios procurando por Tylenol. O que
poderia ter causado isso? O jogo de futebol. Tinha que ter sido. Mas
ninguém estava perto dela, e seus níveis estavam ótimos em sua última
consulta. O que ela poderia ter pegado naquele curto período?
Encontrei o frasco rosa chiclete com o antitérmico e medi a
quantidade exata que ela precisava no minúsculo copo medidor.
— Ella, — Beckett chamou meu nome do corredor, e tropecei para
fora do banheiro, remédio pronto.
Ele tinha Maisie nos braços contra o peito, enrolada no cobertor.
Coloquei minha mão na testa dela e sufoquei todos os palavrões que
vieram à cabeça. Isso não era bom. Tivemos tanta sorte com as
complicações dela - náusea, vômito, perda de cabelo, perda de peso, tudo
era bastante normal, coisas pequenas. Mas isso era desconhecido.
— Maisie, amor, preciso que você abra os olhos e tome um remédio,
está bem? — Eu a persuadi, correndo minha mão livre ao longo de sua
bochecha.
Os olhos dela se abriram, vidrados de febre. — Estou quente.
— Eu sei. Você consegue tomar isso? — Mostrei a ela o copo.
Ela assentiu, o movimento pequeno e fraco. Beckett ajudou-a a
ficar na posição vertical, e coloquei o copinho em sua boca em forma de
coração. Pequenos lábios perfeitos. Ela nunca teve cárie ou um osso
quebrado antes de seu diagnóstico, e agora não pestanejava para os
medicamentos.
Ela engoliu e se sacudiu, sentindo náuseas.
— Baby, você tem que segurar, certo? Por favor? — Implorei como
se fosse sua escolha. Sua mandíbula caiu e ela começou a ter náuseas
de novo.
— Vamos para fora, — Beckett ordenou, e saiu, deixando-me segui-
lo.
Ele a carregou escada abaixo e saiu para a varanda, mal parando
quando teve que abrir a porta. O homem nem me deu a chance de chegar
lá primeiro.
Parei no escritório, pegando a pasta de Maisie da minha mesa e
correndo atrás deles.
— Está melhor assim, certo? Sente esse ar? Bom e frio. Respire
fundo, Maisie. Entrando pelo nariz, saindo pela boca. Está certo. Assim
mesmo. — Sua voz era tão suave e calma, em contraste direto com a
posição rígida do maxilar dele.
Maisie arqueou o pescoço, como se estivesse procurando o ar fresco
da noite, e sua respiração diminuiu quando a barriga se acalmou. Ela
tinha que segurar o remédio, nos dando tempo para chegar ao pronto-
socorro.
— Melhor? — Perguntei, pegando sua mãozinha.
— Um pouco.
— Bom. — Eu aceitei um pouco. Um pouco era melhor do que
vomitar os remédios.
— Oh, meu Deus, Ella, o que posso fazer? — Hailey correu para a
varanda enquanto amarrava o roupão, Colt logo atrás dela, descalço.
— Você pode ficar com Colt? Por favor? Temos que levá-la ao
pronto-socorro.
— Com certeza. Para onde você vai levá-la? O centro médico está
fechado.
— Onde fica o pronto-socorro mais próximo? — Beckett perguntou.
— Montrose é o único aberto a essa hora da noite — olhei meu
celular — ou da manhã. São três da manhã.
— Leva uma hora e meia, — disse Hailey em voz baixa, como se seu
tom importasse, ou que pudesse mudar a distância.
— Não do jeito que dirijo, — respondeu Beckett, já caminhando na
direção de sua caminhonete.
— Eu volto já! — Hailey gritou, correndo para dentro da casa.
— Mãe? — Colt apareceu ao meu lado, Havoc ao seu.
— Ei. — Abaixei-me na altura dele. — Você fez muito bem, Colt.
Você fez exatamente certo.
— Deveria ser eu.
— O quê?
— Eu deveria estar doente, não Maisie. Não é justo. Deveria ser eu.
— Seus olhos estavam tão vidrados quanto os de Maise, mas por causa
das lágrimas não derramadas.
— Oh, Colt. Não. — Meu estômago revirou com o pensamento de
também passar por isso com ele.
— Mas é porque ela foi ao meu jogo, né? É minha culpa. Eu sou
mais forte do que ela. Deveria ser eu. Por que não sou eu?
Puxei-o para a frente em meus braços, quase o esmagando contra
o meu peito quando o abracei. — Isso não é por sua causa. Qualquer
coisa que provocasse uma febre como essa teria levado muito mais
tempo. Você entende? Isso não é culpa sua. Você é a razão pela qual
podemos levá-la ao médico. Você é o herói nisso, amigo.
Ele acenou com a cabeça no meu pescoço, e senti pequenas
correntes de umidade logo antes dele fungar. Esfreguei suas costas até
ouvir o motor roncar atrás de mim, e então empurrei Colt para trás para
poder olhar para ele.
— Diga-me que você entende.
— Eu entendo, — disse ele, limpando os traços de suas lágrimas.
Ele endireitou sua pequena coluna, parecendo tão pequeno e ainda tão
velho.
— Sinto muito por ter que deixar você, mas preciso ir, amigo.
— Eu sei, — ele disse com um aceno de cabeça. — Por favor, ajude-
a.
— Eu vou. — Dei-lhe um beijo de promessa contra sua testa. — Eu
amo você, Colton.
— Te amo mãe.
— Ela está no banco de trás, — Beckett disse logo atrás de mim.
— Aqui, — disse Hailey, correndo de volta para a varanda com uma
caixa e empurrando-a em meus braços. — Gelo, garrafas de água, panos,
Motrin, seus sapatos, carregador de celular, bolsa, outras coisas.
— Obrigada, — eu disse, abraçando-a com um braço. — Vou
mantê-la atualizada. — Corri da varanda e entrei na traseira da
caminhonete de Beckett, imediatamente cercada pelo cheiro de couro
limpo e Beckett. — Você consegue se sentar? — Perguntei a Maisie, que
estava desafivelando o cinto de segurança.
— Não.
— Certo, venha aqui. — Eu a sentei no banco do meio, apertei o
cinto de segurança e a coloquei no meu colo.
Segurança nas rodovias aprovada? Não. Mas o câncer já estava
fazendo o possível para matar minha filha, então não achava que
adicionaríamos um acidente de carro à minha lista recente de tragédias.
Olhei pela janela e vi Beckett curvado à altura de Colt. Ele o puxou
para um abraço apertado, envolvendo a pequena figura de Colt em seus
enormes braços. Uma palavra rápida para Havoc e ele estava vindo na
minha direção.
Ele passou pelo brilho dos faróis e abriu a porta do motorista,
entrando e fechando-a em um movimento suave.
— Vocês estão bem, garotas? — Ele ajustou o espelho retrovisor
para nos ver em vez da estrada, enquanto passava pela entrada circular.
— Estamos firmes, — disse a ele, incapaz de pensar em outra
palavra para descrever. Eu estava bem? Maisie? Não. Mas era isso que
era, e eu estava firme.
— Certo. — Ele entrou na estrada principal de Solitude. Tudo
estava tão quieto a esta hora da manhã. Quando normalmente eu era
consumida pelo barulho das crianças, o rádio, meus próprios
pensamentos, tudo o que havia agora era o som dos pneus de Beckett no
asfalto. Suave e firme.
Com a cabeça de Maisie no meu colo, alcancei a caixa aos meus
pés, pegando uma toalha e uma garrafa de água gelada que obviamente
acabara de sair da geladeira. — Acha que consegue segurar isso no
estômago? — Perguntei a ela.
Ela balançou a cabeça.
Os olhos de Beckett encontraram os meus no espelho retrovisor
quando chegamos ao portão de Solitude. — Alguma objeção se eu
ultrapassar a velocidade permitida? — ele perguntou quando entrou na
estrada.
— Nenhuma. — Seu pé bateu no acelerador e a caminhonete
decolou. — Você conhece as estradas...?
— Ella, você confia em mim? — ele interrompeu.
Vendo que eu estava segurando minha filha doente na traseira de
sua caminhonete enquanto ele nos levava noite adentro, eu pensaria que
a resposta era óbvia. Dãã. Era exatamente o que ele estava dizendo. —
Eu confio em você.
— Apenas cuide da Maisie e deixe-me levá-la até lá.
Eu balancei a cabeça e comecei a trabalhar, derramando água
sobre a toalha e limpando-a.
Beckett tinha isso, e eu tinha Maisie.

***

— O cateter de Margaret está infectado e ela mostra sinais de sepse,


— disse o médico seis horas depois.
Eu imediatamente recuei, ficando ao pé da cama da minha filha,
onde ela estava dormindo profundamente. — De jeito nenhum. Eu
mantenho essa coisa limpa... bem, o possível. — Meu cérebro teria dado
imediatamente uma resposta mais inteligente se eu não tivesse dormido
mais ou menos duas horas. — Eu esfrego, mantenho embrulhado,
arejado, tudo o que todo médico instruiu.
O médico de meia-idade do plantão me deu um aceno de
entendimento. — Tenho certeza que sim. Não vimos nenhum sinal
externo de infecção, o que acontece quando não se origina na pele. Não
fica chateada. Isto acontece. Mas precisamos tratá-la. Isso significa
transferi-la para a UTI e iniciar antibióticos.
Coloquei meus braços em volta da minha barriga e olhei para
Maisie. Ela ainda estava com febre, mas estava só um pouco acima de
trinta e oito, e ela estava conectada a um IV para hidratação. — Sepse?
Eu não saberia?
O médico estendeu a mão, segurando meu ombro levemente até
que olhei para ele. — Você não teria como saber. Ela tem muita sorte de
ter tido aquela febre e você a trazer aqui tão rapidamente.
Olhei para Beckett, que estava ao lado da cama de Maisie,
encostado na parede com uma mão na estrutura da cama, como se ele
matasse qualquer dragão que ousasse se aproximar. Não tive sorte de
trazê-la aqui. Tive sorte de Beckett estar dirigindo. Que ele estava comigo
quando a febre aumentou.
Eu nunca teria conseguido economizar meia hora de carro como
ele conseguiu.
— Sepse. Então, a infecção está no sangue dela. — Tentei me
lembrar de tudo que eu tinha lido nos últimos sete meses, me sentindo
como se tivesse sido jogada em uma prova final de uma aula que não
sabia se eu tive. A pressão arterial dela estava baixa, sabia disso pelos
monitores, e a respiração estava um pouco difícil. Segunda fase. — Os
órgãos dela?
Ele tinha aquele olhar no rosto. Aquele que os médicos têm quando
não queriam dar más notícias.
— Os órgãos dela? — Repeti, levantando minha voz. — Faz
semanas do pós-operatório dela e os médicos passaram doze horas
salvando seus rins, então você poderia me dizer se isso foi em vão?
— Precisamos ver como ela reage aos antibióticos. — Sua voz
desceu no tom de acalmar a mãe do doente.
Alarmes tão altos quanto sinos de igreja soaram na minha cabeça
e meu estômago revirou. — O quanto eu preciso me preocupar?
— Muito.
Ele não piscou, não suavizou sua expressão ou seu tom. E isso me
aterrorizou ainda mais.
A hora seguinte foi um borrão.
Fomos transferidas para a UTI, onde fomos internadas. Deram-me
uma pulseira com as informações de Maisie, e acenei quando
perguntaram sobre Beckett, que já estava vasculhando minha pasta pelo
histórico dela e informações sobre plano de saúde.
Visto que éramos frequentadores assíduos no hospital de câncer
afiliado, eles tinham tudo em arquivo, assim eu pude deixar a pasta de
lado. Até que começaram os antibióticos intravenosos, eu a peguei de
volta e comecei a fazer anotações.
— Nós removemos o cateter? — Perguntei ao médico, examinando
seu crachá. Doutor Peterson. Beckett veio para o meu lado, quieto, mas
firme.
O médico examinou seu iPad antes de responder. — Precisamos
pesar os prós e contras. Na maioria dos casos, o cateter em si não é o
perigo, e se o removermos, pode-se ver as complicações de inserir outro.
— Vai direto para o coração dela.
— Sim. Mas começamos antibióticos mais fortes e estamos
monitorando-a, especialmente a entrada e saída de líquidos.
— Função renal, — presumi.
Ele assentiu. — Precisamos dar uma chance à medicação. Se não
melhorar, precisaremos remover o cateter.
— Então, por enquanto, esperamos.
— Nós esperamos.
Eu balancei a cabeça, murmurei agradecimentos, ou algo assim, e
me sentei na cadeira ao lado da cama de Maisie. Espere. Apenas espere.
Isso foi tudo o que pude fazer.
Como sempre, eu estava impotente e minha filha de seis anos
estava lutando por sua vida. Como isso poderia ser justo? Por que não
podia ser eu naquela cama? Com os IVs e os cateteres e os monitores?
Por que ela?
— Que tal eu pegar um café para nós? — Beckett ofereceu,
interrompendo meus pensamentos depressivos.
— Isso seria bom. Obrigada. — Dei a ele um sorriso fraco e forçado,
e ele foi em busca de cafeína.
O gotejamento constante de seu IV era meu companheiro, os
monitores emitindo um bipe reconfortante a cada batimento cardíaco. A
pressão dela estava perigosamente baixa e rapidamente me viciei em
assistir à tela quando novas medidas surgiam.
Esperar. Esse era o procedimento. Esperar.
Meu celular tocou, me assustando, e abri para atender
rapidamente quando vi o nome da doutora Hughes aparecer como o
contato.
— Doutora Hughes? — Respondi.
— Ei, Ella. Recebi uma ligação dizendo que Maisie foi internada em
Montrose. Como você está? — Sua voz era uma respiração bem-vinda de
familiaridade.
— Eles informaram você?
— Sim. Na verdade, estou a caminho agora.
— Você está aqui em Montrose? Pensei que fosse ficar em Denver
por mais uma semana. — Folheei a pasta para encontrar minha agenda
com os horários da doutora Hughes.
— É o fim de semana do Memorial Day, então vim para passar o
fim de semana com meus pais.
Meu alívio por tê-la aqui estava em segundo lugar apenas para
minha culpa. — Não quero que você desista do seu fim de semana.
— Absurdo. Eu estarei aí em cerca de meia hora. Além disso, me
dá uma desculpa para deixar de ouvir a opinião da minha mãe sobre
vestidos de madrinhas. Você está me fazendo um favor, eu juro.
— Você vai se casar? — Como eu não sabia disso?
— Faltam seis meses — ela disse, seu sorriso brilhando em sua
voz. — Logo estarei aí, apenas aguente firme.
Desligamos quando Beckett entrou com uma xícara branca e verde
familiar. — Você é um deus entre os homens, — eu disse, pegando a
xícara e segurando-a entre minhas mãos, esperando que um pouco do
calor se transferisse para minha pele acordasse meus nervos.
Ultimamente, parecia ser o meu estado padrão.
— Vou trazer café para você com mais frequência, — ele prometeu,
puxando uma cadeira para se sentar ao meu lado. — Como ela está?
— Nenhuma mudança. Não tenho certeza do que estou esperando.
Resultados instantâneos? Ela aparecer e ser magicamente curada de
uma infecção que eu nunca vi? Como eu não vi isso?
— Por que você não é um laboratório de exame de sangue
ambulante? Precisa pegar leve consigo mesma, Ella. Se o médico disse
que não tinha como ver isso acontecer, você precisa acreditar nele. Se
culpe pela escolha do time de beisebol ou com o fato de que seu óleo está
vencido há mais de três mil quilômetros, mas não por isso.
— O que tem de errado com os Rockies?
Ele encolheu os ombros. — Nada se você gosta de perder.
— Ei, eles são o time da cidade e não sou uma torcedora só nas
horas boas.
— Isso é o que amo em você, — ele disse com um sorriso enquanto
observava Maisie. — Sua lealdade inabalável, mesmo para uma equipe
que claramente é péssima.
— Só porque você é fã do Mets... — Fiz um gesto para o boné de
beisebol que ele usava.
— Culpado. — Ele olhou para mim e piscou, e ficou
instantaneamente claro: ele me distraiu de me sentir culpada.
Eu balancei minha cabeça e suspirei, grata pelo café e pela fração
de segundo que tive para limpar minha cabeça de ir pelo caminho da auto
aversão que não faria bem a Maisie.
— Estou assustada.
— Eu sei. — A mão dele cobriu a minha, onde estava no meu colo.
— Isto é mau.
— Sim. — Seu simples reconhecimento significava mais do que
qualquer plateia bem-intencionada. Com Beckett, não precisei colocar o
rosto corajoso ou sorrir quando alguém me dissesse que tinha certeza de
que Maisie ficaria bem quando realmente não sabiam. Eu poderia ser
horrivelmente honesta com esse homem.
— Não quero enterrar minha filha. — Vi a ascensão e a queda do
peito dela debaixo do vestido de hospital estampado. — Não sei como
planejar algo assim, nem sequer considerar. Não sei como olhar para Colt
e dizer a ele que sua melhor amiga... — Minha garganta se fechou,
negando ao resto das minhas palavras a liberação que elas tanto
precisavam. Eu as mantive presas por tanto tempo que pareciam mais
poderosas, como se eu tivesse alimentado o monstro mantendo-o
escondido.
Beckett apertou minha mão. Tudo nele me ofuscava, incluindo
aqueles dedos longos e fortes que seguravam os meus com tanta força e
cuidado.
— Desde o momento em que me disseram suas chances, eu me
recusei a planejar isso. Porque planejar parecia admitir a derrota, como
se eu já tivesse desistido dela. Então não planejei. Simplesmente me
recusei a acreditar que isso poderia ser uma opção. E então…
Fechei os olhos quando a memória deslizou sobre mim, me
apunhalando com uma dor tão aguda que eu deveria ter visivelmente
sangrado. Abaixando seu caixão. As armas à margem. O rosto severo do
soldado que me entregou uma bandeira dobrada.
— E então enterrei Ryan. Que tipo de Deus faz isso? Leva o seu
único irmão enquanto brinca com a ideia de levar sua filha?
O polegar de Beckett acariciava minha articulação, mas ele ficou
quieto. Não havia nada que ele pudesse dizer - nós dois sabíamos disso.
— Você ficou bravo? Quando ele morreu? — Perguntei, afastando
meus olhos de Maisie para olhar Beckett.
Seu foco mudou para baixo. — Furioso.
— Com Deus, — presumi.
— Comigo mesmo. Com todos os soldados da nossa unidade que
não o salvaram, levando aquela bala. Com o governo por nos enviar para
lá. Com os... — Ele engoliu. —... insurgentes que puxaram o gatilho.
Com todos que viveram depois que ele morreu.
— Como você superou isso? — Ele estava tão calmo, como o lago
às cinco da manhã, antes que uma onda de vento perturbasse sua
superfície.
— Por que você acha que superei? — Seus olhos encontraram os
meus, e eu vi ali, a dor que ele mantinha meticulosamente escondida. O
quanto era profundo? Quanto dano foi causado a ele ao longo dos anos?
Beckett Gentry sabia quase tudo o que havia para saber sobre mim,
e mesmo assim eu não sabia nada sobre ele. Foi porque não perguntei?
Porque eu estava tão consumida com Maisie? Com Colt? Por que
secretamente não queria saber?
— Às vezes acho que não te conheço de verdade, — falei
suavemente.
Um canto da boca dele se levantou em um meio sorriso irônico. —
Você pode não saber muito sobre o meu passado, mas acredite em mim,
você me conhece, e isso é mais importante.
Antes que eu pudesse questioná-lo ainda mais, a porta se abriu e
a doutora Hughes entrou. Ela usava jeans e uma blusa com o casaco
branco padrão.
— Ei, Ella.
— Doutora Hughes. — O nome dela saiu como uma onda de alívio.
— Como está indo? — Ela pegou o prontuário no final da cama.
— Estamos esperando que os remédios funcionem ou não. — Para
os órgãos de Maisie falirem ou não. Para ela viver ou morrer.
— Ah, e você espera tão bem, — ela disse com as sobrancelhas
levantadas.
— Culpada, — respondi.
Ela olhou para Beckett e depois nossas mãos conectadas.
— Ah, este é Beckett Gentry, — eu disse, soltando minha mão e
dando um tapinha em seu ombro. Ridículo. — Ele é... — Puta merda, o
que ele era? Como o apresentar? Ele não era meu namorado. O cara nem
me beijou, mesmo que ele esteve no quase a semana inteira.
— Sou o melhor amigo de seu falecido irmão, — explicou ele,
levantando-se, oferecendo-lhe a mão. — Acho que você é a especialista
em neuroblastoma de Maisie. Ela ama você.
A doutora Hughes apertou sua mão e sorriu. — Bem, certamente
estou feliz em ouvir isso. Maisie é uma das minhas favoritas. E prazer em
conhecê-lo, Sr. Gentry. Ella definitivamente precisava de algum apoio.
Fico feliz em saber que ela está tendo isso.
— Estarei por aqui enquanto ela precisar de mim. — Ele respondeu
à pergunta que ela não fez, e os olhos dela ficaram suaves.
Mais uma caída por ele.
Então começamos a trabalhar. Ela fez algumas perguntas e
verificou a ficha dos exames mais recentes de Maisie, as sobrancelhas se
unindo às vezes enquanto lia. Ela auscultou a respiração, verificou os IVs
e mediu a pressão.
— O quanto eu preciso me preocupar? — Perguntei, sabendo que
ela não iria me enganar.
Seu suspiro foi profundo, e folheou o prontuário mais uma vez. —
Eu não sei e não posso dizer até vermos como ela reage aos remédios.
Posso lhe dizer que ela está muito melhor do que há poucas horas. Você
salvou a vida dela.
— Colt salvou, — eu disse suavemente.
— Esses dois. — Ela riu levemente. — Uma alma dividida entre dois
corpos.
— Ele disse que a ouviu chorando em seu sonho, — Beckett disse.
— Ele acordou e foi para o quarto dela e a encontrou queimando.
Minha cabeça virou na direção dele, imaginando quando Colt
tinha... Enquanto você estava na caminhonete. Quando ele conversou com
Colt na varanda. A gratidão que senti por Beckett por sua conexão com
Colt foi temperada com inveja por ele conhecer meu filho de uma maneira
que eu não conhecia.
Porque Beckett estava por perto mais do que eu.
— Qual é o próximo passo? — Perguntei, precisando ignorar isso.
— Vai demorar algumas horas, mas quando tivermos certeza de
que os remédios funcionam...
— Não isso. Os tratamentos. Seguir em frente com tudo isso. — Eu
não queria pensar no que não podia controlar. Queria me concentrar no
que conseguisse. O que pesquisar em seguida, para prepará-la. Com isso
eu poderia.
A doutora Hughes assentiu e então se sentou na última cadeira
vazia da sala, inclinando-se para a frente na mesinha. — Nós deveríamos
nos encontrar na próxima semana, — disse ela.
— Certo.
— Você tem certeza de que quer fazer isso agora?
Olhei para minha menininha travando uma batalha com a qual eu
não poderia usar uma espada e, em vez disso, escolhi outro combate. —
Eu quero.
— Essa última sessão de quimioterapia não alterou seus níveis,
como esperávamos. — Ter o tumor desaparecido era bom, mas se a
medula óssea ainda fosse esmagadoramente cancerígena, outro
cresceria. Nós cortamos o topo da árvore, mas as raízes ainda estavam
vivas e lutando.
— Ela está desenvolvendo uma resistência à quimio? — A mão de
Beckett encontrou a minha novamente e eu a segurei. Forte.
— É uma possibilidade. Tínhamos discutido o tratamento com
MIBG e acho que é a nossa melhor aposta. — Ela se inclinou e puxou um
panfleto da bolsa, colocando-o sobre a mesa. — Consegui algumas
informações sobre um teste clínico. — Ela olhou para Beckett e eu sabia
exatamente o porquê.
— Pode falar sobre isso na frente dele. Está tudo bem. — Até agora,
as únicas pessoas que sabiam como estavam minhas finanças eram Ada
e a doutora Hughes. E provavelmente a empresa de telefonia celular que
se acostumou comigo pagando perpetuamente um mês atrasado.
— O teste cobrirá certos aspectos, mas não tudo, e o único hospital
no Colorado com instalações para fazer isso é o Infantil do Colorado. —
Ela me deu um olhar conhecedor.
O custo era astronômico e eu não tinha dinheiro para cobri-lo. Mas
eu pensaria nisso mais tarde. — Envie a papelada e vamos levá-la.
— Certo. Precisa ser logo.
— Como tudo, né?

***

— Fale-me sobre o tratamento, — Beckett perguntou sete horas


depois, enquanto jantávamos na pequena lanchonete. Maisie dormia no
andar de cima, a pressão flutuando, a temperatura febril.
Ela acordou uma vez e pediu para usar o banheiro, o que quase me
fez chorar de alívio. Os rins dela ainda estavam funcionando.
Empurrei o frango frito sem graça para o lado do meu prato. Por
que todos os alimentos do hospital eram sem graça? Por que precisavam
ser gentis com o estômago? Ou talvez eu estivesse errada, e não era isso,
eu que estava entorpecida demais para realmente provar.
Talvez toda a comida do hospital fosse boa e estávamos
preocupados demais para perceber.
— Ella, — Beckett disse gentilmente, me tirando dos meus
pensamentos. — O MIBG?
— Certo. É um tratamento relativamente novo para o
neuroblastoma que liga a quimioterapia à radiação que atinge o próprio
tumor. É uma coisa incrível, e conseguem fazer isso em apenas dezoito
hospitais em todo o país, um deles em Denver.
— Isso é incrível. O mesmo hospital onde Maisie fez sua cirurgia?
— O mesmo. — Cutuquei meu purê de batatas, ficando de queixo
caído quando Beckett engoliu garfada após garfada. — Como você come
isso?
— Passe uma década no exército. Você ficaria surpresa com o que
parece ótimo para jantar.
E era uma perspectiva que me levou ao garfo.
— Alguma desvantagem com o MIBG?
— A fase experimental não é coberta pelo meu plano. — E ali
estava, a entrada para o pesadelo que era minhas finanças.
— Você está brincando comigo. — Ele piscou algumas vezes, como
se esperasse que eu mudasse minha resposta. — Diga-me que você está
brincando, Ella.
— Eu não estou. — Dei uma mordida no meu frango, sabendo que
precisava das calorias, não importa de onde vinham.
— Então, o que fazemos? — Duas linhas apareceram logo acima do
nariz dele quando ele se inclinou para frente.
— A mesma coisa que tenho feito. Dar um jeito. Pagar por isso. —
Dei de ombros, parando quando dei outra mordida quando percebi o que
ele havia dito. O que fazemos? Nós. Não você. Nós. Eu consegui engolir
antes de parecer uma idiota com uma coxa de frango presa na minha
cara.
— Como assim a mesma coisa que você tem feito? O quanto eles
não cobriram? — Seu tom era calmo e uniforme, mas um pouco
assustador pela intensidade.
Dei de ombros e peguei um rolinho.
— Estou me esforçando muito para não perder a cabeça, então se
você responder, isso vai mesmo me ajudar.
Afastei meus olhos do rolinho, para cima do peito, até a veia
inchada no pescoço - sim, ele estava chateado - até os olhos. — Muito.
Eles não cobriram muito.
— Por que você não disse nada?
— Porque não é da sua conta!
Ele recuou como se eu tivesse lhe dado um tapa.
— Desculpe, mas não é. — Suavizei meu tom o máximo possível.
— E o que eu diria? Ei, Beckett, você sabia que arrisquei a saúde dos
meus filhos no ano passado? Que meu plano não cobre metade do que
Maisie precisa? Que torrei o seguro de vida de Ryan para manter minha
filha viva?
— Sim, você pode começar dizendo isso. — Ele passou a mão pelo
cabelo, apertando as mãos no topo da cabeça. — Comece dizendo algo.
Em quantos problemas você está?
— Alguns.
Nós travamos uma guerra silenciosa, cada um tentando encarar o
outro. Alguns batimentos cardíacos depois, eu cedi. Ele era o único a
tentar ajudar, e eu estava sendo teimosa por uma questão de privacidade
que realmente não precisava.
— O hospital em Denver, onde ela fez sua cirurgia, está fora da
rede. Isso significa que tudo o que é feito lá, toda vez que ela vê a doutora
Hughes lá, ou faz uma cirurgia ou um tratamento lá, não é coberto pelo
meu plano.
— É isto? O que está acontecendo agora?
— Sim, isso está bem. Mas o MIBG não. Ou o transplante de
células-tronco que a doutora Hughes já sugeriu.
— Então, quais são as opções?
— Financeiramente?
Ele assentiu.
— Por ser proprietária de Solitude, não me qualifico para receber
assistência do governo. Gastei minha poupança no primeiro mês do
tratamento e sua cirurgia acabou com o seguro de vida de Ryan.
Hipotequei Solitude até o fim no ano passado por causa das reformas,
então isso também não é uma opção. Mesmo vender a propriedade agora
mal cobriria o pagamento da hipoteca. Então, só sobra me disfarçar para
assaltar um banco ou fazer um strip-tease virtual no
singlecancermoms.com.
— Isso não é engraçado.
— Não estou rindo. — Um momento de silêncio passou entre nós
enquanto ele digeria o que eu tinha dito. Ele mastigou lentamente, como
se estivesse mastigando as minhas palavras. — Olha, eu não sou a única
com quem isso acontece. Os planos de saúde negam tratamentos o tempo
todo. Ou dizem para você escolher as opções menos caras que cobrem.
Medicamentos genéricos, hospitais diferentes, tratamentos alternativos,
esse tipo de coisa. Existem planos de pagamento e subsídios para aqueles
que se enquadram e alguns testes cobrirão os custos dos medicamentos.
— Existe uma alternativa para o MIBG?
— Não.
— E se ela não conseguir?
Meu garfo bateu no prato, e lentamente levei meus olhos para ele.
— E se ela não responder a esses medicamentos?
O músculo em seu maxilar se enrijeceu quando seus olhos ficaram
duros. Este não era o cara que amarrou chuteiras ou segurou minha filha
- me segurou. Este era o cara que matou pessoas para viver. — Você está
me dizendo que a vida de Maisie não está apenas nas mãos de seus
médicos..., mas nas de seu plano de saúde? Eles decidem se ela vive ou
morre?
— Em poucas palavras. Eles não decidem se ela pode receber o
tratamento, apenas se pagarão. O resto é por minha conta. Sou eu quem
deve consultar os médicos e dizer se posso pagar o preço da vida da
minha filha.
Horror brilhou em seu rosto, esse cara que tinha visto e feito coisas
que provavelmente me daria pesadelos.
— Muito ferrado, certo? — Perguntei com um sorriso irônico.
— Quanto isso custa?
— Qual parte? As sessões de quimio de vinte mil dólares que ela
recebe uma vez por mês? A cirurgia de cem mil dólares? Os remédios? A
viagem?
Ele soltou um suspiro, colocando as mãos no colo. — O MIBG.
— Provavelmente cinquenta mil, custa mais ou menos um rim. Mas
é a vida de Maisie. O que devo falar? Não? Por favor, não salve minha
filha?
— Claro que não.
— Exato. Então, vou dar um jeito. Ela provavelmente precisará de
duas sessões de MIBG e, em seguida, o transplante de células-tronco que
custa em média cerca de quinhentos mil.
Ele empalideceu. — Meio milhão de dólares?
— Sim. Câncer é negócio, um bom negócio.
Ele afastou o prato. — Acho que perdi o apetite.
— E você quer saber por que estou perdendo peso, — brinquei.
Ele não riu. Na verdade, ele não me deu mais do que uma palavra
como resposta quando voltamos para o andar de cima. Quase me senti
culpada por descarregar nele, mas me senti bem de uma maneira
estranha por compartilhar tudo isso, reconhecer que muito disso não era
justo.
Ele ficou sentado ao meu lado a noite toda, nunca reclamando das
cadeiras ou dos monitores. Observou todos os níveis como um falcão,
folheou a brochura do MIBG, andou pelo corredor do lado de fora. Fez
vídeo chamadas com Timothy Colt e Havoc, trouxe mais café e leu a pasta
de Maisie, que naquele momento era mais pessoal para mim do que um
diário. Puxou a cadeira o mais perto possível da minha e, quando
adormeci por volta da meia-noite, ele ficou cuidando.
Beckett era tudo que eu precisava desesperadamente nos últimos
sete meses. O que eu ia fazer quando ele inevitavelmente fosse embora?
Agora que eu sabia como era ter alguém como ele em tempos como esse,
seria mil vezes mais difícil na sua ausência.
Acordei com um sobressalto e encontrei Beckett de pé ao lado da
cama de Maisie. Ele olhou para mim com um sorriso enorme quando o
médico entrou.
Tropeçando em meus pés, esfreguei meus olhos sonolentos e
ofeguei. Maisie estava sentada, um sorriso enorme, os olhos claros.
— Oi mãe!
Piscando rapidamente, olhei para os monitores antes de responder.
Sua pressão subiu, sua temperatura diminuiu, seu nível de oxigênio
aumentou. Minha mão voou para cobrir minha boca quando meus
joelhos dobraram, mas Beckett me segurou pela cintura, me levando para
o lado dele sem perder o ritmo.
— Oi, Maisie. Como você está se sentindo?
— Muito melhor, — ela respondeu.
Minha boca tremia quando olhei de volta para o médico, que estava
folheando o prontuário, ouvindo o relatório de outro médico. Eram sete e
quinze da manhã. O turno da noite mudou para o dia enquanto eu estava
dormindo.
— Bem? — Perguntei.
— Parece que a medicação está funcionando. Ela vai ficar bem.
Virei meu rosto no peito de Beckett antes de desmontar na frente
de Maisie. Ele passou os braços em volta de mim enquanto eu respirava
fundo, profundamente, seu cheiro. Eu estava literalmente expulsando
meu medo e inspirando-o.
— Você ouviu isso, Maisie? Parece que você não vai perder aulas
na semana que vem — brincou Beckett, sua voz um tom grave e profundo
contra o meu ouvido.
Ele nos trouxe até aqui, cuidou de mim, de Maisie, de Colt.
Desarraigou toda a sua vida para se mudar para a casa vizinha. Foi firme
toda vez que jurei que não precisava dele e todas as vezes quando eu
precisei sem qualquer indício de que eu-te-avisei.
Respirei fundo e voltei-me ao médico, que me deu o aceno satisfeito
de um trabalho bem feito.
— Vamos mantê-la aqui na UTI mais um dia, apenas para ter
certeza, e depois levá-la para pediatria por mais alguns dias para
monitoramento. Melhor prevenir do que remediar.
— Obrigada. — Não havia outras palavras para dizer.
— Você tem uma pequena guerreira ali, — disse o médico antes de
sair, deixando-nos sozinhos.
— Não tenho o Colt, — disse Maisie baixinho, olhando em volta da
cama.
Levei um segundo para entender o que ela estava dizendo. — Me
desculpe, saímos tão rápido que esqueci de pegá-lo. — O urso
provavelmente estava na cama de Colt, a única mancha rosa em um mar
azul.
— Não se preocupe, amanhã, quando sua mãe for para casa por
um tempinho, ela vai trazê-lo. Está bem assim? — Beckett ofereceu.
— O quê? Ir para casa? Inferno que não, não vou deixar minha
filha.
— Sim, — ele disse com um aceno de cabeça. — Se você sair às
dez, poderá chegar em casa, tomar um banho e chegar a tempo para a
formatura de Colt às duas.
Formatura do jardim de infância de Colt. Minha boca caiu e meu
olhar passou de Beckett para Maisie. Como eu poderia deixá-la aqui?
Como eu poderia perder a formatura de Colt? Claro que era um pouco
bobo, mas eu sabia o quão importante era para ele. Como eu poderia
deixá-la aqui quando ela deveria estar atravessando o palco com ele?
Como tudo isso é justo?
Beckett segurou meu rosto, parando a batalha de pingue-pongue
com a minha concentração. — Ella. Ela está estável. Estará fora da UTI.
Eu sou mais do que capaz de ficar com ela por algumas horas. Você
precisa estar lá para Colt. Deixe-me fazer isso. Pare de se dividir em duas
e deixe-me ajudar. Por favor.
— Sim, mãe. Você tem que ir. Não quero que Colt fique triste, —
acrescentou Maisie.
— Não tenho como voltar.
— Você pega minha caminhonete.
Espera. O quê? Caminhonetes eram sagradas para os caras. Ele
poderia muito bem estar oferecendo sua alma em uma bandeja. — Sua
caminhonete.
— Você tem uma carteira de motorista, certo? — ele brincou.
— Bem, sim.
— Então está resolvido. Você vai pegar o Colt Rosa quando voltar
para casa amanhã. Enquanto isso, eu e Maisie vamos assistir a filmes e
passar um tempo. O que você acha, Maisie? — Ele olhou de volta para
minha filha.
— Sim!
— Você tem certeza? — Perguntei.
— Absoluta. — Ele pegou minhas mãos e as segurou no peito. —
Eu juro. — A sensação mais doce se desenrolou no meu peito, apenas
para pousar no fundo da minha barriga.
Esticou-se pelo meu corpo até que eu xinguei as pontas dos meus
dedos formigando. — Tire muitas fotos, certo?
— Certo, — respondi, focada na emoção avassaladora que me
consumia. Tinha que ser uma paixão, certo? Quem não iria ter uma
queda por esse homem?
Era só isso, porque não havia chance de eu me apaixonar por
Beckett.
Absolutamente nenhuma.
Ele se virou e fez um “toca aqui” com Maisie, aquela pequena faixa
branca no pulso dela gritando mais alto do que meu cérebro podia negar.
Porque enquanto minha cabeça estava em pânico no sábado à noite,
focada em formulários, médicos e transferências, meu coração havia
declarado que esse homem era confiável. Meu coração assinou esse papel
enquanto minha cabeça estava consumida com outros assuntos. Este
homem estava na minha vida e, de certa forma, na de Colt. E,
definitivamente, na de Maisie.
Afinal, aquela pulseira tinha o nome dela escrito.
Oh, Deus. Eu estava apaixonada por ele.
CAPÍTULO QUATORZE
BECKETT
Carta nº 20

Chaos,

Sinto que tudo o que escrevo ultimamente é sobre o diagnóstico de


Maisie. Honestamente, às vezes sinto que é tudo no que penso. Eu me
tornei uma daquelas pessoas com uma ideia fixa, e tudo gira ao redor dela.
Então, vamos tentar levantar o astral por alguns minutos. O Natal
está chegando. É uma das épocas mais movimentadas do ano para
hóspedes e, como de costume, recebemos reservas estáveis até a primeira
semana de janeiro, o que é ótimo para negócios e indicações.
Mudei as crianças para o último chalé que tínhamos disponível e
tirei-o da reserva. É a melhor maneira de manter Maisie segura quando
seus níveis ficam mais baixos, e até agora está funcionando. E aqui estou
eu de novo, de volta ao câncer.
Colocamos uma árvore no chalé e Hailey, minha recepcionista, foi
morar conosco para ajudar à noite quando preciso sair correndo. Estou
começando a pensar que as crianças também gostam mais da privacidade.
Colt até pediu uma casa na árvore lá no Natal, mas eu disse a ele que teria
que esperar meu irmão chegar em casa. Sou bastante útil, mas não sou
fabricante de casas na árvore. Provavelmente desabaria antes que ele
pisasse nela. Também estou me perguntando se é uma boa ideia construir
uma casa na árvore para ele, já que talvez vamos voltar logo para a sede.
Logo. A qualquer momento. A verdade é que tudo parece ser logo
ultimamente.
Como vocês estão se sentindo com as festas? Precisam de alguma
coisa? Maisie e Colt estão enviando alguns desenhos para vocês. Estavam
preocupados que vocês não tivessem uma árvore de Natal, então
desenharam algumas para vocês e me ajudaram a cozinhar neste fim de
semana.
É difícil acreditar que já é dezembro e que vocês vão voltar para casa
logo. Mal posso esperar para finalmente ver a pessoa com quem estive
conversando esse tempo todo e te mostrar o lugar. Não surte, mas é
definitivamente o que mais espero no ano novo.

Ella

***

A solução de problemas era uma habilidade da qual


particularmente me orgulhava. Não havia um problema que eu não
conseguisse solucionar, um quebra-cabeça que não conseguisse resolver.
Eu era bom em tornar o impossível uma realidade. Mas isso era como
bater minha cabeça contra uma parede de tijolos só para ver como era.
Folheei as informações da MIBG pela centésima vez e fiz uma
referência cruzada ao que havia encontrado no meu celular. O que eu não
daria pelo meu laptop.
Era ridículo o plano de Ella não cobrir a terapia, mas o meu
cobriria. Por outro lado, se havia uma coisa que militares acertavam era
no plano de saúde, que eu ainda tinha, já que perdi a noção do tempo e
acabei não assinando os papéis de Donahue da baixa.
— Eu não teria deixado a torre, — disse Maisie de sua cama,
sentando-se e pulando levemente no colchão. Estávamos fora da UTI
desde esta manhã, logo antes de Ella partir para Telluride.
Olhei para o filme - Enrolados. Rapunzel. Entendi. — Você sairia se
sua mãe fosse uma bruxa má.
— Mas ela não é, então eu teria ficado. — Ela puxou o boné para
baixo sobre a testa.
— Mas olhe para esse mundão. Você está me falando que não quer
mesmo ver o que tem por aí? — Coloquei tudo em cima da mesa.
Ela deu de ombros, torcendo a boca para o lado e torcendo o nariz.
— Tem muita coisa por aí. — Apoiei os pés no chão, deslizando a cadeira
para ao lado da cama de Maisie.
— Pode ser. Não quer dizer que eu possa ver.
Não havia lamento em sua voz, apenas simples fatos e aceitação.
Me dei conta do quanto ela era jovem, quanto de sua vida ela se lembrava
e quanto dela já havia sido gasta lutando. Foram sete meses infernais
para Ella, mas deve ter parecido uma eternidade para Maisie.
— Você vai, — falei para a ela.
Ela olhou para mim algumas vezes antes de finalmente virar a
cabeça e encontrar meus olhos.
— Você vai, — repeti. — Não é só a parte da escola. Isso é só o
começo.
— Eu nem consegui me formar no jardim de infância, — ela
sussurrou. — Por favor, não conte para a mamãe que estou triste. Ela já
está bastante triste.
Era como conversar com uma mini-Ella, preocupada com todo
mundo, menos ela mesma. Até seus olhos eram os mesmos, só que Maisie
ainda não tinha aprendido a esconder seus pensamentos.
— Eu tenho uma ideia, — falei.
Quarenta minutos, outra roupa de hospital e uma corrida rápida
para o posto de enfermagem, e estávamos quase prontos.
— Pronto? — ela gritou do banheiro.
— Quase, — tentei dizer, minha boca segurando o suporte de fita
adesiva enquanto envolvia o cordão ao redor da beirada desgastada de
uma tira da minha camiseta.
Passei o cordão até em cima do chapéu e depois o prendi. Artes e
artesanato não eram meu ponto forte, mas isso serviria. Bati na porta do
banheiro, que se abriu o suficiente para Maisie estender a mão.
— Sua alteza, — eu disse, entregando a ela minha criação.
Obrigado, Deus, pelas enfermeiras e pelas salas de arte na pediatria.
Maisie riu e pegou, fechando a porta na minha cara. Cara, ela se
recuperou tão rapidamente. Os antibióticos ainda estavam bombeando
através de sua linha IV, e ela ainda estava internada no hospital, mas era
noite e dia desde o dia do jogo de futebol.
Eu me chutei pela centésima vez por não ter notado enquanto a
carregava para o carro. Não havia febre, nem vermelhidão, nada, mas eu
sabia que ela estava desligada, que estava cansada demais.
— Você está pronta? — ela perguntou.
Chequei meu relógio. Eles atravessariam o pequeno palco a
qualquer momento. — Eu estou se você estiver.
— Faça um discurso, — ela ordenou com a porta entre nós.
— Você sabe que normalmente não estaria escondida, né?
— Você não deveria me ver até chamar meu nome.
— Isso é para casamento, — eu falei a ela, tentando não rir. — A
noiva e o noivo não podem se ver até que se encontrem no altar. Não isso.
A porta se abriu, e eu a segurei para que ela conseguisse entrar,
trazendo seu suporte de soro com ela. Ela passou pela porta e meu
sorriso ficou tão grande que pensei que poderia dividir meu rosto.
Ela usava uma camisola de hospital de uma única cor por cima da
normal, cortesia da equipe de enfermagem, e na cabeça estava o meu
horrível chapéu de formatura. Esses eram difíceis de fazer. Seu pingente,
pendurado do lado, ficou grosso na franja, mas eu estava sob um pouco
de pressão. Não foi o meu melhor trabalho, mas ia servir.
— Por favor, sente-se, — ordenei, indo para o outro lado do quarto,
aos pés da cama dela.
De cabeça erguida, ela se aproximou e sentou-se à mesa.
O movimento da porta chamou minha atenção, mas quando vi que
eram apenas as duas enfermeiras que me ajudaram a procurar os
materiais, dei-lhes um sorriso rápido e me voltei para a plateia de uma
garota.
— Fala, — ela me lembrou com um aceno sério.
— Certo.
Rapidamente peguei o papel enrolado que serviu como seu diploma
improvisado que eu havia rabiscado. — Hoje é o começo de sua jornada.
— O que diabos eu deveria dizer a seguir? Pessoas não eram o meu forte,
muito menos crianças.
Ela inclinou a cabeça, quase perdendo o chapéu, e rapidamente o
endireitou. — Continue.
— Certo. — Uma ideia surgiu na minha cabeça, e corri com ela. —
Ouvi dizer que a maior aventura é o que vem pela frente. Bem, eu li, mas
vamos usar isso.
Maisie abafou uma risadinha e depois assentiu com toda a
seriedade. — Continue.
— E a história que li foi sobre uma princesa feroz que queria lutar
por seu reino. Quando todos os homens foram chamados para a guerra,
disseram a ela que, como princesa, ela teria que ficar para trás e cuidar
de seu povo. Ela argumentou com o rei que poderia cuidar de seu povo
lutando por eles, mas ele ordenou que ela ficasse - para ficar em
segurança.
— Ele queria que ela ficasse em sua torre, — disse ela, inclinando-
se para a frente.
— Ei, nas formaturas, os formandos não interagem com os
oradores, — provoquei.
Ela sorriu, mas recostou-se na cadeira e fez o movimento como se
estivesse fechando os lábios.
— Agora, onde eu estava? Ah, a princesa. Certo. Então a princesa,
por ser tão inteligente, sabia que era necessária. Então, se vestiu como
um homem e entrou no campo do exército, indo para a batalha com os
homens.
Os olhos de Maisie se iluminaram e sua boca se abriu ligeiramente.
— O que aconteceu?
— O que você acha? Ela entrou em batalha com armadura
completa, segurando sua espada gigante, e derrubou o naz... uh...
dragão, matando-o com um golpe poderoso e defendendo seu reino. Ela
era a líder que seu povo precisava, porque era corajosa o suficiente para
lutar.
Maisie assentiu com entusiasmo, e quase esqueci que deveria estar
fazendo um discurso de formatura... para uma criança de seis anos.
— Certo. Então, ao embarcar nessa jornada de sua educação,
lembre-se de ser corajosa como a princesa.
— E diga a todos os reis que eles estão errados! — Ela deu um pulo.
Oh, isso não estava indo do jeito que eu pretendia.
— Mais ou menos. Quando você for... você sabe, grande o suficiente
para segurar uma espada.
Ela pareceu refletir sobre isso por um segundo e depois assentiu
com toda a seriedade.
— Então, — continuei. — Você tem que lutar pelo que sabe que é
certo. Defender as pessoas que precisam da sua proteção. Nunca deixe
ninguém lhe dizer que você é menos que um guerreiro porque você é uma
garota. Porque na minha experiência, as meninas são as guerreiras mais
fortes. Talvez seja por isso que todos os meninos tentam deixá-las fora da
batalha. Eles estão com medo de que elas vão aparecer.
— Faz sentido. — Maisie concordou. — Pronto?
— Pronto. Discurso terminado. — Tentei me lembrar de qualquer
formatura que já tive e falhei, porque nunca tive uma. Embarquei para o
treinamento básico assim que terminei o último ano, um dia antes da
formatura. Mas já tinha visto muitos filmes. Limpei minha garganta. —
Chegou a hora de você deixar os dias infantis e despreocupados do jardim
de infância e embarcar em sua jornada na escola primária. Quando eu
chamar seu nome, levante-se e aceite seu diploma.
— Beckett, você sabe que sou a única aqui, né?
Eu a silenciei. — Eu não falei seu nome ainda, formanda.
Ela me deu o mesmo olhar que Ella dá quando está quase me
dando uma bronca, e pressionei meus lábios para não rir.
— Margaret Ruth MacKenzie.
Ela ficou de pé, majestosa como uma princesa, e caminhou em
minha direção com a cabeça erguida, trazendo o suporte de soro. Quando
ela chegou na minha frente, agachei-me ao nível dos olhos dela. —
Parabéns pela sua formatura. — Entreguei-lhe o diploma com uma mão
e apertei a mão dela com a outra.
— E agora? — ela sussurrou.
— Agora você vira o pingente para o outro lado.
Ela fez a coisa do nariz e da boca de novo e moveu o pingente para
o lado oposto.
— Agora declaro você formada, — eu disse no tom mais formal que
consegui.
Ela sorriu e riu, pura alegria irradiando dela como o sol. Então se
jogou nos meus braços quando as enfermeiras na porta começaram a
bater palmas.
Eu a segurei, tomando cuidado para não apertar muito, mas ela
não tinha o mesmo problema, e me abraçou ao ponto de quase
estrangular. Cara, eu amava essa menina. Amava sua força, sua
tenacidade, sua bondade. Ela era única e esperava que ela soubesse o
quanto era preciosa, não apenas para sua mãe, mas para o mundo.
Quando as palmas cessaram, olhei para ver nada menos que meia
dúzia de enfermeiras assistindo à formatura de Maisie. A garota era
magnética - atraía pessoas onde quer que fosse, e eu não era diferente.
— Que tal uma foto? — uma enfermeira que parecia ter a idade de
Ella perguntou.
— Sim! Com certeza! — Entreguei meu celular para ela, e ela tirou
algumas de Maisie comigo. — Obrigado. Agora só a formanda — falei para
Maisie, apontando a câmera enquanto ela fazia uma pose.
— Era Aowyn, — a enfermeira falou com um sorriso enquanto as
outras enfermeiras parabenizavam a formada. — A princesa que matou
os nazgul. Era Aowyn.
Culpado. — Fã de Tolkien?
— Fã de cinema. Meio que vem no pacote quando você trabalha em
pediatria.
— Acha que ela percebeu?
Ela encolheu os ombros. — Foi um bom discurso. As meninas
precisam de mais rainhas guerreiras.
— Eu gosto de rainhas guerreiras, — Maisie disse, ficando ao meu
lado. — Está na hora de Moana? — Tão rapidamente como sua alegria
veio, ela se encostou um pouco em mim, e senti o cansaço tomar conta.
— É um bom plano para mim. — Colocando meu antebraço debaixo
dela, levantei-me, levantando seu leve peso, e a carreguei de volta para a
cama, o IV na minha outra mão.
Ela recuou, sentando-se na posição vertical e tirou o boné quando
as enfermeiras foram embora. — Obrigada, — ela disse, brincando com o
pingente.
— Sei que não é a mesma coisa...
— É melhor. — Ela me deu um olhar que não deixava espaço para
discussão.
Sentei-me na beira da cama dela, ajustando o suporte de soro para
que estivesse mais perto dela. — É só o começo, Maisie. Você tem muita
coisa pela frente. Os verões, as montanhas, o nascer do sol. As escolhas
que você fará quando decidir para qual faculdade ir, no segundo em que
sair para um mochilão pela Europa. Esses são os momentos em que você
descobre quem será, e isso é apenas o começo do que está esperando por
você depois que passar por isso.
— Mas e se isso for tudo o que existe? — ela sussurrou.
— Não é, — prometi.
O rosto dela se contorceu, os lábios contraídos e as lágrimas
brotaram nos olhos. — Estou morrendo? É isso que está acontecendo
comigo? Mamãe não vai me contar. Por favor me diga, Beckett.
Uma prensa apertou meu coração, tão forte até que eu ter certeza
de que iria parar de bater.
— Maisie...
— Por favor. Eu vou morrer?
Pensei na terapia de MIBG de que ela precisava, nos inúmeros
medicamentos, tratamentos, operações, transplantes. Tudo o que estava
entre ela e um corpo livre de doenças.
— Não enquanto eu estiver aqui. — Eu não quis saber o que tinha
que fazer. Encontraria uma maneira de ela conseguir o que precisava.
Não ia ver outra criança morrer se eu tivesse o poder de mudar seu
destino.
— Certo. — Ela relaxou contra a cama levantada e aceitou minha
palavra como se fosse a verdade absoluta. Então ela sorriu enquanto
brincava com os fios do pingente. — Estou feliz por você estar aqui.
Antes de me descontrolar na frente dela, me inclinei para frente,
pressionando meus lábios na testa em um beijo rápido. Quando me
afastei, forcei um sorriso e afugentei a umidade estranha nos meus olhos.
— Eu também, Maisie. Eu também.

***

— Gentry, estou feliz que você esteja aqui. — Mark Gutierrez me


encontrou enquanto eu estacionava a caminhonete na trilha. Ele estava
com trinta e poucos anos, em boa forma, com uma cabeça cheia de cabelo
pretos e confiança suficiente para torná-lo um bom líder de unidade para
nossa operação de busca e resgate, mas não era arrogante.
Eu aceitava a confiança, mas a arrogância era uma quebra de
acordo. A arrogância matava homens... e crianças também.
Havoc pulou no chão atrás de mim, já vestindo seu colete de
trabalho.
Isso sempre sinalizou a ela que a hora de brincar acabou e fiquei
aliviado pelo nosso tempo em Telluride não ter mudado isso. Entre as
viagens a Denver e os dias que passei em Montrose com Maisie, fiquei
com medo de que ela perdesse o ritmo. Ontem voltei para Montrose e
trouxe Ella e Maisie para casa, depois de ficar por lá por uma semana, e
quando ligaram hoje à tarde, Havoc havia voltado à ação.
— Ei, Havoc, — disse Gutierrez, andando em sua direção.
— Não. Ela está no modo de trabalho. — Eu impedi o acesso dele.
Ela estava em alerta e vulnerável no momento, e eu não precisava fazer
um boletim de ocorrência porque ele havia perdido um dedo.
— Está bem. Desculpe, nunca tivemos um cão militar aposentado.
— Sem problemas. Qual é a situação? — Havoc ficou ao meu lado
quando nos aproximamos do grupo de homens. Metade usava uniforme
do grupo de Telluride e a outra do condado de San Miguel. — Por que
estamos aqui se os rapazes do condado também estão?
— Eles estão procurando há horas, e o trilheiro desaparecido é um
VIP em um dos resorts, então fomos chamados para ajudar.
— Entendi. — O grupo se separou quando eu e Gutierrez nos
juntamos. Havoc ganhou um amplo espaço enquanto ela se sentava ao
meu comando.
O cara no centro, que obviamente estava no comando com um
megafone preso no cinto, nos lançou um olhar como saudação.
— Como eu estava dizendo para os que chegaram agora, a Sra.
Dupreveny saiu com seu guia de trilhas esta manhã com suas duas
filhas, de sete e doze anos.
Que não seja a criança. Por favor, que não seja criança. Recusei-me
a ser responsável pela morte de outra criança.
— Quando ela caiu, acreditamos que quebrou a perna, enviou o
guia de volta com as filhas para pedir ajuda. Aparentemente, ficaram
surpresos com a falta de serviço na Highline, então podemos assumir que
o guia não é daqui.
Um bufo de exasperação percorreu o grupo. Suspirei de alívio por
ser um adulto sozinho lá fora.
— O guia voltou ao meio-dia e ligou para o condado. Organizamos
um grupo de busca e resgate logo depois, sem sorte. A chuva
definitivamente não foi nossa amiga.
Olhei para o céu. As nuvens ainda estavam cinzentas, mas não
eram mais a versão pesada das conhecidas tempestades temperadas por
aqui. Deveríamos ter condições de trabalhar por um tempo.
— Como podem ver, a chuva parou e precisamos encontrá-la.
Rapidamente. Temos cerca de quatro horas restantes de boa luz solar.
Segundo o guia, ele a deixou cerca de uma hora e marcou a trilha com
sua bandana, que é rosa. Encontramos a bandana, e ela ainda está lá,
mas não encontramos a Sra. Dupreveny. O plano é caminhar em grupo,
depois dividir as coordenadas de busca e levar essa mulher de volta ao
marido.
Um dos caras do Telluride levantou a mão. Capshaw, se me lembrei
direito. Eu precisava mesmo passar mais tempo com os outros caras, não
apenas treinando Havoc.
— Capshaw?
Pelo menos acertei. — Quem vai estar no comando?
Um murmúrio percorreu o grupo, e entendi o que era, dois grupos
rivais trabalhando juntos, e esperava que não atrapalhasse. Egos
geralmente arruinavam uma missão. Examinei o grupo, vendo outro cão
e o treinador do lado oposto em um uniforme do condado. Um labrador
amarelo que estava mudando de posição de sentado para de pé a mais
ou menos cada minuto. Sem descanso.
Não é da minha conta.
— O condado está no comando. Telluride está aqui como apoio. —
Outro murmúrio.
— Se já resolveram a hierarquia, podemos começar? — Perguntei,
já impaciente.
Os olhos do cara se estreitaram em minha direção e depois para
Havoc. — Você é o novo cara, certo? O soldado? E o cachorro?
Cabeças balançaram na minha direção. — Somos nós. Agora, já
terminamos de desperdiçar a luz do dia?
Ele fez o gesto de "fique à vontade" em direção à trilha, e partimos.
Apertei minha pequena mochila nas costas e fechei o zíper da blusa fleece
leve sobre o peito. Já estava frio e só ia esfriar.
— Porra, tem que pisar no pé no primeiro dia? — Gutierrez
perguntou, andando ao meu lado.
— Não tem sentido perder tempo falando quando a missão é bem
clara.
— Já percebi.
Ajustamos frequências de rádio entre o grupo e caminhamos pela
trilha, atravessando uma ponte e vendo Telluride. Era mesmo
espetacular daqui, com as montanhas subindo de ambos os lados,
alcançando o céu.
A cerca de vinte metros, o outro cachorro correu através do prado
que seguia ao nosso lado. Havoc ficou ao meu lado, seus passos e
respiração firmes.
— Então, eu vi você no centro da cidade com Ella MacKenzie, —
disse Gutierrez, quebrando o silêncio que eu estava desfrutando.
— Provavelmente. — Gostei bastante de Mark enquanto estávamos
de serviço e, ocasionalmente me esforçava para conversar com ele, mas
Ella não estava na minha lista de tópicos aprovados.
— Tem alguma coisa rolando? — ele perguntou como se fosse uma
conversa de boteco.
— Cuidado, — avisei.
— Ei, eu conheço Ella. Ela é uma boa menina - mulher. Eu era
amigo do irmão dela. Ele morreu. Você sabe disso, certo? Há cerca de seis
meses.
Meu coração disparou de um jeito que não tinha nada a ver com a
altitude. — Sim, eu sei.
— Ela também tem filhos. Bons meninos.
— Sim. — O que esse cara estava falando?
Ele suspirou, curvando a conta em seu boné em um sinal nervoso.
Esse cara seria uma presa fácil em uma mesa de pôquer.
— Olha, não estou sendo curioso.
— Com certeza você está. A pergunta é: por quê?
Ele olhou para trás, vendo o que eu já sabia. Havia cerca de seis
metros entre nós e os membros do grupo mais próximos. Distância
suficiente para conversar em particular. — Só estou tentando cuidar
dela.
— Bom saber. — Não havia uma alma no planeta que se
preocupasse mais com Ella do que eu, e embora fosse quase adorável - a
preocupação dele – era absolutamente desnecessária.
— Estou falando sério. Ela tem muita merda para lidar e se teve
alguma coisa pior nisso tudo, Ella ganhou isso. Entre perder os pais e
Jeff ir embora...
— Você conhece Jeff? — Meus passos teriam vacilado se meu corpo
não estivesse no piloto automático, acostumado a continuar quando
minha cabeça estivesse em outro lugar.
— Conheci Jeff, — ele corrigiu. — Eu saia com seu irmão mais
velho, Blake.
— Outro filhinho de papai batizado com um nome para
homenagear alguém, — murmurei.
Gutierrez riu. — Isso é verdade. Os dois são - filhinhos de papai
idiotas. Bebês de fundos fiduciários que nunca tiveram que batalhar um
dia na vida. Ambos ganharam suas fortunas de mão beijada e agora seus
empregos.
Uma punhalada de puro ódio correu através de mim como um
veneno ácido queimando em minhas veias. Claro que ele tinha tudo fácil
enquanto Ella trabalhava duro.
— Então, você sabe onde ele está?
— Claro. Está trabalhando para a empresa de seu pai em Denver.
Noivo da filha de um político, se o Facebook dele for verdadeiro.
Guardei as informações, alimentando o plano que vinha formando
desde que prometi a Maisie que ela não iria morrer.
— Enfim, você e Ella estão sérios? — Ele olhou para mim de lado e
olhei para a mão dele. Grande aliança de ouro. Bom. Não estava a fim de
brigar com um cara por Ella. Não quando eu não podia confiar em mim
mesmo para não bater nele.
— Somos amigos, — falei de um jeito para não comprometer. —
Estou apenas ajudando-a.
Ele pareceu ponderar isso por um minuto e depois assentiu. —
Bom. Isso é bom. Ela precisa de toda a ajuda que conseguir agora com
os filhos.
— Não, — corrigi, meus olhos examinando a linha da floresta para
o caso de encontrarmos a nossa excursionista. — Ela não precisa de
ajuda; ela conseguiu resolver tudo sozinha. Mas preciso ajudá-la. Não
quero que ela tenha que lidar sozinha. Há uma diferença.
Gutierrez assentiu de novo, como um boneco, mas sincero. Talvez
eu tenha passado muito tempo cercado de soldados. Talvez civis precisem
conversar sobre seus sentimentos em caminhadas nas montanhas.
Talvez eu fosse o estranho por ser tão fechado, não ele por ser tão
bisbilhoteiro.
— Me desculpe, cara. É só que... é uma cidade pequena e você é
novo. E depois de perder Ryan, sei que ela está sofrendo. Quer dizer, eles
nem contaram o que aconteceu.
Claro que não. Porque quando as missões davam errado, quando
os soldados ficavam inconscientes em vez de mortos, depois arrastados
por rebeldes para o deserto, despidos de seus uniformes, amarrados,
amordaçados, torturados e baleados na nuca enquanto usavam nada
além de suas cuecas, os militares tendiam a escondê-lo de suas famílias
e chamar de confidencial.
Ninguém queria pensar nisso acontecendo com o irmão.
— Quer dizer, nem a deixaram ver o corpo dele. Isso deve mexer
com ela. Pelo que ela sabe, ele ainda pode estar vivo em algum lugar, e
os militares estão encobrindo isso para transformá-lo em um Jason
Bourne ou algo assim. Isso é sinistro.
Os músculos da minha mandíbula flexionaram quando cerrei os
dentes para manter a boca fechada. Esse cara não sabia de nada, não o
que aconteceu com Ryan, não que ele era meu melhor amigo. Estava só
tentando cuidar de Ella, garantindo que eu tivesse uma boa e clara
imagem do que ela havia passado. Pelo menos era o que eu continuava
dizendo a mim mesmo quando nos aproximamos do local de busca.
O caminho estava repleto de álamos, que reduziam ao mínimo o
nosso campo de visão, mas ali estava, amarrado ao tronco – uma
bandana rosa. Nos agrupamos quando o megafone ocupou o centro.
Era hora de trabalhar.

***
— É um cachorro e tanto que você tem aí. — Gutierrez me disse
cerca de uma hora depois, quando nossa trilheira foi resgatada e
estávamos voltando pela trilha.
— Ela é única, — concordei.
Ele então me deixou andar o resto do caminho em silêncio, pelo
qual eu estava agradecido. Levei meses para deixar Ryan se aproximar e
anos para me tornar seu melhor amigo. Ella era a única pessoa com quem
tive uma conexão instantânea e sorri quando percebi que Maisie e Colt
também estavam nessa lista agora.
Chegamos à base da trilha e abri a porta da caminhonete para
Havoc entrar. Ela se sentou no banco do passageiro, feliz e um pouco
cansada.
— Você se saiu bem hoje, — Gutierrez disse, tirando sua própria
mochila, carregando-a no carro estacionado ao lado do meu.
— Valeu. Foi bom ser útil.
— Sim, eu sei disso. — Ele tirou o boné e esfregou a cabeça. —
Olha, sobre as coisas que falei sobre Ella...
— Não. Está bem. — Apertei com mais força a porta.
— Cidade pequena, — ele disse com um leve encolher de ombros.
Era mesmo. Talvez não a vila com as estâncias de esqui, mas a
parte antiga. Especialmente quando os turistas não estavam por perto e
eram só os habitantes. Eram todos ligados aqui, e posso não entender,
mas eu poderia fazer o possível para respeitá-los.
— Ryan não morreu há seis meses. — A cabeça de Gutierrez
levantou-se.
— Ele morreu há cinco meses e sete dias, mais ou menos algumas
horas. Algumas longas horas. Eu sei, porque ele era meu melhor amigo.
Servi com ele por quase uma década.
— Oh, cara, eu sinto muito. — Toda a sua postura caiu.
— Tudo bem. Nunca se desculpe por cuidar de Ella. Eu te disse
apenas para que você soubesse que não há nada que eu não faria para
mantê-la segura, para cuidar dela e das crianças. Nada. Eles são a razão
de eu estar aqui.
Ele engoliu em seco e finalmente olhou para mim, respirando
fundo. — Certo. Obrigado por me dizer. Se precisar de alguma coisa, ou
se ela precisar, me avise ou chame minha esposa, Tess. Ella nunca vai
pedir.
— Sim, ela é muito teimosa assim.
Um fantasma de um sorriso cruzou seu rosto. — Algo me diz que
você também é.
— Culpado.
Voltei para casa com um corpo cansado, um cachorro contente e
uma mente que não parava de andar em círculos. Falei a sério o que
disse: não havia nada que eu não faria para manter Ella e as crianças
seguras.
Ou havia?
Eu pisei no freio quando passei pelo chalé de Ella.
Seu plano de saúde não cobriria os custos do tratamento que
poderia salvar a vida de Maisie.
Mas li todos os fragmentos de informações na internet sobre o
hospital e meu plano poderia.
Engatei a caminhonete em marcha à ré e depois virei em direção
de Ella. Eu estava fora da caminhonete antes que o motor desligasse,
dando dois passos de cada vez e batendo na porta antes de meu cérebro
entrar em ação com todos os motivos que ela diria não, sabendo que eu
teria que convencê-la a dizer sim.
— Beckett? — Ella perguntou enquanto abria a porta da frente. Ela
estava de jeans e uma camiseta de manga comprida, o cabelo em uma
trança lateral grossa que me fez querer agarrá-la enquanto eu a beijava.
— Tudo certo?
— Sim. Desculpe pela visita. Você tem um segundo?
— Claro, entre.
— Não onde as crianças podem ouvir, — falei baixinho, colocando
meus polegares nos bolsos.
As sobrancelhas dela se ergueram de surpresa, mas ela saiu para
a varanda, fechando a porta atrás dela. — Certo, o que aconteceu?
— Seu plano não vai pagar pela terapia com MIBG, pelo hospital
de que ela precisa ou pelo transplante de células-tronco.
— Certo. — Ela cruzou os braços sob os seios e olhou para mim,
aqueles olhos azuis curiosos, mas confiantes.
— Ela precisa, certo? Ou vai morrer?
— Beckett, o que é isso?
— Ela vai morrer sem ele? — Repeti, minhas palavras um pouco
mais bruscas do que já usei com Ella.
— Sim, — ela sussurrou.
Eu balancei a cabeça para mim mesmo, me virando e andando pela
varanda enquanto Ella me seguia.
— Beckett! — ela estalou.
Eu me virei e respirei fundo para acalmar meus nervos. — Seu
plano não vai pagar por isso...
— Certo, nós já discutimos isso.
— Mas o meu vai.
— Certo? — Ela piscou para mim, sua testa franzindo.
— Ella, case comigo.
CAPÍTULO QUINZE
ELLA
Carta nº 15

Ella,
Perdemos alguém hoje.
Você pode achar que eu estaria acostumado com isso depois de todo
esse tempo, até insensível. Alguns anos atrás eu estava. Não tenho ideia
do que mudou recentemente, mas agora parece que toda perda é
exponencialmente mais difícil que a anterior.
Ou quem sabe sejam iguais, mas eu estou diferente. Mais irritado.
É difícil descrever, mas agora estou mais consciente da minha
desconexão, da minha incapacidade de criar laços emocionais além de
alguns amigos íntimos. Essa pequena lista inclui você.
Como posso estar tão conectado a alguém que nunca vi, mas não
com a maioria dos caras ao meu redor? Você é mais segura no papel porque
não está na minha frente? Talvez seja uma ameaça menor?
Eu gostaria de saber.
Eu queria ter as palavras para a esposa desse cara, seus filhos.
Queria poder levar isso para eles, tomar o lugar dele. Por que o mundo
pega as pessoas que são amadas, rasgando buracos no tecido da alma de
outras pessoas, enquanto eu posso andar de skate incólume? Onde está a
justiça em um sistema tão aleatório e, se não há justiça, por que estamos
aqui?
Sinto o mesmo desejo inquieto de retomar o controle, de cumprir a
missão e seguir em frente. Assinale a opção, largue tudo e saiba que
fizemos a diferença.
Só não tenho mais certeza de que diferença é essa.
Diga-me algo real. Diga-me como é viver no mesmo lugar a vida
inteira. É sufocante ter raízes tão profundas? Ou faz você balançar em vez
de quebrar quando os ventos vêm? Estou no vento há tanto tempo que
honestamente não consigo imaginar.
Obrigado por me deixar desabafar com você. Prometo que não serei
tão deprimente na próxima vez.

Chaos

***

— Desculpe. — Falei, olhando para Beckett como se ele tivesse


duas cabeças. — O que você acabou de dizer? — Não havia como ele ter
falado o que ouvi.
— Case comigo.
Ou pode ser que ele tenha dito isso. — Você perdeu a cabeça?
— Talvez. — Ele se recostou no parapeito da varanda, mas não
cruzou os braços na frente do peito, como fazia quando seu botão
obstinado era acionado. Em vez disso, agarrou os dois lados do parapeito,
deixando o torso desprotegido. Vulnerável. — Mas vai funcionar. No
papel, pelo menos.
— Eu não... eu não posso... estou sem palavras.
— Bom, isso vai me dar uma chance de convencê-la. — Oh meu
Deus, ele estava falando sério. — Se você se casar comigo, as crianças
serão meus dependentes. Eu posso cuidar delas.
— Você quer se casar comigo para cuidar dos meus filhos. — Eu
disse devagar, certa de que de alguma forma tinha ouvido errado.
— Sim.
Minha boca se abriu e fechou algumas vezes enquanto eu tentava
soltar uma palavra - qualquer palavra - pelos meus lábios. Eu
simplesmente não conseguia pensar em nada.
— O que você acha?
— Nós nem estamos namorando! E você... você quer se casar?
Havoc veio trotando até a varanda, mas ela não foi para Beckett.
Ela se sentou ao meu lado, como se sentisse que seu treinador havia
perdido a cabeça de idiota.
— Não no sentido romântico! — Ele passou a mão pelo rosto. — Eu
sou péssimo em explicar isso.
— Tente. Esforce-se mais.
— Certo. Eu estava lendo os papéis do MIBG no hospital com
Maisie, e lembrei do que você disse sobre o seu plano não cobrir. Então,
olhei no site do hospital e eles aceitam o meu plano, e não o seu
coparticipativo. Está tudo coberto.
— Bom para você. Agora você pode ser tratado de câncer. — Como
diabos ele poderia apenas sugerir que nos casássemos?
— Eu não terminei de explicar.
Eu queria jogá-lo de volta em sua caminhonete e fora da minha
propriedade, mas havia uma minúscula faísca em mim que acendeu com
o pensamento de que Maisie poderia receber o tratamento de que
precisava. E essa pequena faísca era esperança. Cara, eu odiava a
esperança.
A esperança enganava você, dava a você sentimentos esfuziantes
apenas para afastá-los novamente.
E agora, Beckett era uma grande fatia de esperança esfuziante e eu
o odiava por isso.
Tomando meu silêncio por aquiescência, Beckett continuou.
— Se você se casar comigo, as crianças estão cobertas. Todos os
tratamentos de Maisie serão pagos. Chega de brigar com o pessoal do
plano de saúde. Não há mais genéricos. Ela receberá os melhores
tratamentos possíveis.
— Você quer que eu me case com você, se torne sua esposa, durma
na sua cama - quando você não vai nem me beijar - tudo por causa de
um plano de saúde ? Como se eu fosse algum tipo de prost...
— Uau! — Ele me interrompeu, acenando com as mãos. — Nós não
teríamos que realmente... você sabe. — As sobrancelhas dele subiram
pelo menos uma polegada.
— Não, não sei. — Cruzei os braços sobre o peito, sabendo muito
bem o que ele queria dizer. Se ele tivesse coragem de sugerir casamento,
certamente poderia estabelecer os termos.
Ele suspirou exasperado. — Nós apenas teríamos que nos casar no
sentido legal. No papel. Poderíamos morar separados e tudo. Ficar com o
seu nome, que seja. Seria apenas para proteger as crianças.
Oh meu Deus, o homem que eu amava estava realmente na minha
frente, me pedindo em casamento, não porque me amava de volta, mas
porque ele achava que isso salvaria minha filha. Agora eu o amava ainda
mais e odiava nós dois por isso.
— Somente no sentido legal? Então você realmente não me quer?
Você só quer proteger meus filhos? — Ótimo, agora eu parecia chateada
por ele não me querer em sua cama. Se minhas emoções pudessem
escolher um lado, isso seria ótimo.
— Achei que já discutimos isso. Eu quero você. Isso só não
funciona comigo, pedir que se case comigo.
— Você está mesmo se ouvindo? Você me quer, mas não quer se
casar comigo. Mas está disposto a se casar comigo para proteger as
crianças por causa de um plano de saúde, desde que não vivamos como
se estivéssemos casados. Somente o envolvimento legal, nem amor, nem
compromisso, nem sexo.
O que nos deixou com a única parte do casamento que eu
realmente conhecia: a parte em que o marido se afastava.
— Exatamente.
— Certo, essa conversa acabou. — Eu me virei e depois me virei de
volta para encará-lo. — Sabe o quê? Não. Casamento significa algo para
mim, Beckett! Ou pelo menos costumava significar. Pode não ser o
mesmo para você, ou você acha que, pela maneira como deixei Jeff se
divorciar de mim, acho que é só um pedaço de papel, mas não é. Deveria
ser uma vida inteira de amor, compromisso e lealdade. Deveria ser todos
aqueles votos sobre doenças e saúde, e melhor e pior, e amar alguém
mesmo nos dias em que você não gosta. Não é, ei, vamos assinar este
pedaço de papel e juntar-nos enquanto for conveniente. Deveria ser sobre
construir uma vida com a única pessoa na terra que deveria ser sua. É...
não é para ser temporário. Deveria ser para sempre.
Ele deu um passo em minha direção e depois se conteve, enfiando
os polegares nos bolsos.
— É sobre amor, Beckett.
— E amo seus filhos. Não deveria ser sobre isso.
A intensidade em sua voz, seus olhos, me atingiu no coração. —
Eles também amam você, — admiti. Eu também. Por isso não pude
concordar com isso. Iria nos destruir quando acabasse. Uma coisa era
me candidatar para a dor, mas meus filhos? Este era o meu limite.
Toda a sua postura suavizou, como se minhas palavras tivessem
tirado parte da luta dele.
— Eu não quero fazer nada que os prejudique, ou você. Só estou
dizendo que, se fossem meus, legalmente, Maisie poderia receber o
tratamento de que precisa. Isso poderia salvar sua vida.
Essa faísca de esperança brilhou, ofuscando demais tudo o que eu
e as crianças passamos. Todas as noites sem dormir. Todas as contas
médicas que se amontoavam na minha mesa, ameaçando nos levar à
falência. O conhecimento avassalador de que, se ela não tivesse o
tratamento com MIBG, provavelmente não viveria.
Mas o que aconteceria com ela quando Beckett terminasse de
brincar de casinha?
— Eu não conheço você tão bem para isso, não da maneira que
importa.
Seus olhos brilharam com dor e aquelas defesas voltaram a subir.
— Você me conhece bem o suficiente para ter me dado direitos de decidir
por Maisie, certo?
— Isso foi por algumas horas para que eu pudesse ir para a
formatura de Colt, e apenas para o pior cenário!
— Olhe a realidade, Ella. Sua vida inteira agora é o pior cenário
possível.
Nossa!
— Sim, bem, você mesmo disse: nunca esteve em um
relacionamento que durou mais de um mês. Nem estava disposto a me
beijar porque disse que iria estragar tudo e isso machucaria Colt e Maisie.
A raiva desapareceu de seu rosto instantaneamente e foi
substituída por uma tristeza avassaladora. — Você não confia em mim.
Meu coração queria. Meu coração gritava que ele faria qualquer
coisa pelas crianças. Minha cabeça, por outro lado, não estava recuando
de sua própria declaração de que não iria durar.
— Eu pensei que conhecia Jeff. Eu o amava. Dei tudo a ele, e no
minuto em que tudo se transformou nos gêmeos, ele se mandou. Eu
nunca voltei a namorar. Nem uma vez. Jurei que nunca colocaria meus
filhos em posição de deixar alguém abandoná-los de novo.
— Eu nunca iria me afastar deles, ou de você. Sempre vou estar
presente, Ella.
— Não ouse mentir para mim. Os homens da minha vida costumam
prometer com uma mão e fazer as malas com a outra.
— Não foi mentira a primeira vez que eu disse isso, e nada mudou.
É uma promessa.
— Isso foi para o futebol! Não casamento! Você não pode ficar aí e
me prometer para sempre sendo que, há duas semanas, nem estava
aberto à possibilidade de um relacionamento.
— É apenas no papel, Ella!
— Não é! A maneira como você pede que eu dependa de você - que
meus filhos dependem de você - não é apenas no papel. Isso é muito real.
E se você for embora enquanto ela estiver no meio do tratamento? Seria
interrompido! Como isso é melhor do que eu lutando agora para arranjar
dinheiro? No mínimo, seria mais prejudicial, porque pelo menos agora eu
sei o que estou enfrentando. Você sabe o que é um longo prazo? Mesmo
que ela supere, a taxa de recaída... Você não entende as implicações a
longo prazo do que está oferecendo, por mais bem-intencionadas que
sejam. — E pronto; foi a oferta mais sincera e genuína que já recebi. Mas
a vida havia me ensinado há muito tempo que as intenções não valiam
nada.
— Tudo o que posso lhe dar é minha palavra e a promessa de que,
não importa o que aconteça comigo, eles estarão protegidos. Maisie
viveria.
— Você também não sabe disso. — Meu maior medo escapou como
se não fosse nada, mas eu já deveria estar acostumada com esse homem.
Ele tinha um jeito de tirar minhas defesas, deixando-me aberta aos
elementos. Mas não sabia como confiar na aparência do sol depois de
viver em um furacão perpétuo. Não quando havia a possibilidade
esmagadora de que ele era simplesmente o olho da tempestade.
— Eu não sei, — ele admitiu. — Mas quando ela perguntou se iria
morrer, prometi a ela que isso não aconteceria enquanto eu estiver aqui,
e essa é o único jeito que consigo pensar em cumprir essa promessa.
Gelo correu por minhas veias, me arrepiando do coração para fora.
— Minha filha perguntou se iria morrer?
— Sim, quando estávamos em Montrose...
— E só agora você me conta? — Andei para frente até ficar a apenas
um fôlego dele, olhando para seu rosto estúpido e perfeito.
— Acho que sim.
— E você prometeu a ela que ela não iria morrer?
— O que mais você gostaria que eu dissesse, Ella? Que ela tem 10%
de chance de viver até novembro? Daqui a apenas cinco meses! — Ele
teve a coragem de fazer parecer que eu era o louca.
— Estou bem ciente! — Minha voz disparou alto. — Você acha que
não eu faço uma contagem regressiva na minha cabeça? Que não estou
terrivelmente consciente todos os dias? Como ousa dizer a ela que ela não
vai morrer. Você não tem o direito de fazer esse tipo de promessa.
— Para ela ou para você? — ele perguntou suavemente. — Ela é
uma criança que precisa ser tranquilizada, informada sobre o quão forte
é, que essa luta está longe de terminar e, sim, eu sei quanto tempo isso
levará. Não vou lhe contar que ela está a poucos meses da derrota.
— Você não deveria ter feito essa promessa, — reiterei. — Eu não
minto para meus filhos e você também não pode. Essa guerra que ela
está travando é esmagadora. É Davi contra Golias.
— Certo, e você a armou com um estilingue e a enviou contra o
gigante. Estou lhe dizendo que tenho um tanque maldito e você não o
usará! Você vai mesmo vê-la morrer porque não vai arriscar que sou um
cara decente? O que você quer? Referências pessoais? Detector de
mentiras? Coloque-me no que quiser, deixe-me salvá-la!
Ele soltou um palavrão, e só isso bastou para me tirar da raiva e
ouvir o resto do que ele estava dizendo.
— Você disse um palavrão. Acho que nunca ouvi você falar palavrão
antes.
Ele passou por mim, passando as mãos pelo cabelo até segurar sua
nuca. Quando metade da varanda estava entre nós, ele se virou. — Você
tem minhas sinceras desculpas por isso. Eu não falei uma palavra assim
em voz alta por mais de dez anos. Mas o resto? Não vou me desculpar por
isso. Você pode achar que sou louco o quanto quiser. Entendi. Você está
com medo de ela morrer e com que tipo de cara ela vai ficar presa como
pai se sobreviver, mesmo que seja apenas no papel.
— Sim e não.
— Qual?
— Não estou com medo de ela ficar presa a você, — admiti
suavemente. — Sei que você faria qualquer coisa por eles. Vejo isso na
maneira como você cuida deles, da maneira que eles confiam em você.
— Mas você não acredita que vou ficar.
Quanto tempo a carta de Ryan poderia segurá-lo aqui? Ele era tão
honrado com essa carta que se sacrificaria com um casamento? Eu
poderia confiar nessa honra para mantê-lo por tempo suficiente para
salvar Maisie? Tudo isso era um emaranhado de confusão.
— Eu não acredito em ninguém para ficar e você já me avisou que
eu não deveria. Que acabará indo embora.
— Ah, não. Você não vai usar minhas palavras contra mim, a
menos que as fale direito. Eu falei que você não me deixaria ficar - que
me mandaria embora. Mas parece que você nem precisa que eu estrague
tudo antes de começar a me enxotar. Faz isso com todo mundo que se
aproximam de você? Ou só tenho sorte?
Ignorei a verdade de seu golpe, recusando-me a olhar no espelho
metafórico que ele segurou no meu rosto.
— Quer saber? Nada disso importa. Não quando é uma mentira
enorme. Estaríamos cometendo fraude, Beckett. Um pedaço de papel
falso sobre um relacionamento inexistente e, se descobrirem... não vou
colocar as crianças nessa situação.
Sua mandíbula ficou tensa e ele me deu um aceno singular antes
de virar e descer os degraus.
Havoc imediatamente me abandonou para segui-lo, pequena
traidora que era.
Ele se virou no pé da escada. — Você está mesmo dizendo que não
está disposta a mudar sua moral para salvar a vida de sua filha? A me
dar um pouco dessa confiança preciosa que você mantém trancada com
mais força do que Forte Knox?
Eu senti o golpe verbal até os dedos dos pés. Era mesmo o que eu
estava fazendo? Escolhendo minha própria moral, meu problema de
confiança sobre a vida de Maisie? Estava tão cansada que não conseguia
acreditar? Não conseguia ter esperança quando meu próprio irmão deu
se aval a ele?
Ryan.
— Você quer que eu acredite em você? — Minha voz suavizou.
— Quero.
— Está bem. Me conte como Ryan morreu.
A cor sumiu de seu rosto. — Isso não é justo.
Um pedaço dessa esperança quente e difusa queimou no meu peito.
— Não me faça mentir para você, — ele implorou... ou ameaçou.
Eu não sabia dizer.
Fiquei em silêncio, esperando que ele dissesse algo diferente – para
me dar um pouco da confiança que ele estava pedindo. Para se colocar
em uma posição de vulnerabilidade. Mas quanto mais nos olhávamos,
mais rígida sua postura se ficava, até que se tornou mais uma vez o
soldado endurecido que conheci no seu primeiro dia em Solitude.
Senti uma triste sensação de perda, como se algo raro e precioso
tivesse desaparecido antes que seu valor pudesse ser conhecido.
— Boa noite, Ella. Amanhã pego Colt para o treino às dez.
— O quê? Treino de futebol? — Como se a briga que tivemos fosse
algo normal e pudesse ser deixado de lado. Como se não tivéssemos
enfiado uma dinamite entre nós e acendido o pavio.
— Sim. Futebol. Porque eu apareço. É isso que faço. Quando faço
uma promessa a alguém, cumpro, e isso vale para os seus filhos. E, como
você aparentemente não aceita minha palavra, só vou ter que provar de
novo e de novo.
Ele abriu a porta e Havoc pulou na caminhonete. Então, entrou e
me deixou em pé na varanda da frente com a boca aberta, tentando
descobrir o que diabos tinha acontecido.

***

— Bem? — Perguntei a Ada enquanto colocava outro biscoito de


manteiga de amendoim na minha boca. Colt e Maisie estavam dormindo
em nosso chalé, e Hailey ficou de guarda enquanto eu voltava à minha
infância e derramava minhas entranhas em Ada.
— O que quer que eu diga? — ela perguntou, pegando outra
bandeja do forno e colocando para esfriar.
— O que você acha? Opiniões, qualquer coisa. — Porque eu
precisava de alguém para me dizer que eu não era psicopata.
— Acho que um homem extremamente bonito ofereceu um jeito de
salvar sua filha. — Ela se recostou no balcão oposto, limpando as mãos
no avental.
— O quê? Então a errada aqui sou eu? Ele me pediu em casamento,
Ada. Isso dá direitos verdadeiros sobre meus filhos por causa do plano.
Plano que ele pode revogar sempre que sentir vontade de pedir o divórcio.
Inferno, direitos sobre Solitude.
— Só se você deixar. Está me dizendo que não consegue redigir um
acordo pré-nupcial ou algo que limite os direitos dele? O mesmo que você
faria com Jeff se ele voltasse por aquelas portas?
— Jeff não vai voltar.
— Exatamente.
— E se ele for um serial killer? — Perguntei, pegando outro biscoito.
— Ele era o melhor amigo de Ryan.
— É o que ele diz, — murmurei com a boca cheia. Bem, a carta
dizia. Ryan nunca havia compartilhado detalhes pessoais sobre os caras
com quem serviu. Mal me contou alguma coisa sobre Chaos quando me
pediu para ser seu amigo por correspondência, apenas que um cara em
sua unidade precisava receber cartas. Eu sentia falta do meu irmão. Eu
queria meu irmão. Precisava ouvir sua opinião, porque ele nunca falou
sobre Beckett se eram melhores amigos.
Eu também sentia falta de Chaos.
Chaos. Se ele tivesse aparecido na minha porta em janeiro, tudo
seria diferente. Eu sabia disso na minha alma. Talvez eu fosse uma
psicopata. Afinal, me apaixonei por dois homens diferentes no intervalo
de quê? Oito meses? A gravidez durou mais que isso.
Mas Chaos estava morto. Ryan estava morto. Mamãe e papai
estavam mortos. Vovó? Morta também.
Eu realmente iria adicionar minha filha a essa lista? — Ele não
tinha a carta de Ryan?
— Sim, — admiti de má vontade. — Talvez se tivesse uma foto deles,
ou algo assim. Qualquer coisa.
— Você perguntou? — Ela inclinou a cabeça e olhou para mim
como se eu tivesse dez anos de novo.
— Bem. Não.
— Hã. Parece que você já acreditou nele, né?
— Ugh. — Deixei minha cabeça rolar para trás e suspirei minha
exasperação para quem quisesse ficar do meu lado. — Você está do lado
dele.
— Estou do lado de Maisie. E esse lado parece muito melhor
quando ela está viva.
Bem, quando você coloca assim...
— Não sei o que fazer. Não posso me casar com ele, Ada. É apenas
uma questão de tempo até ele ficar entediado. Caras como Beckett não
brincam de casinha.
— Ele não é seu pai. Ele não é Ryan. Ele não é Jeff. Você precisa
parar de condená-lo pelos erros deles.
Ela estava certa, e ainda assim meu coração não aceitava, minha
cabeça não se rendia. — Mesmo se ficar tempo suficiente para fazer
Maisie fazer o tratamento, uma hora ele vai ticar a opção “salvei a irmã
de Ryan” e seguir em frente.
— E isso é ruim porque...
— Porque vai partir o coração das crianças.
— Coisa engraçada sobre corações partidos - só os vivos os têm.
Atirei um olhar para ela. — Sim, entendi. Pelo menos ela estaria
viva para ter um coração partido, certo? Mas e se ele abandonar o
tratamento no meio? E se o plano for cancelado e o hospital interromper
sua terapia?
— Então ela vai ter mais tratamentos do que está tendo agora, não
vamos pôr a carroça na frente dos bois. Às vezes você só precisa mostrar
um pouco de fé, mesmo que ele seja um verdadeiro estranho.
— Não sei como confiar nele com meus filhos. — Peguei outro
biscoito e quebrei ao meio.
— Isso é besteira. — Ela apontou o dedo na minha direção. — Você
já confia nele com os gêmeos. Ele leva Colt ao futebol e ficou com Maisie
no hospital com os privilégios que você lhe deu sobre os cuidados dela.
Enfiei outro pedaço de biscoito na boca e mastiguei lentamente.
Ugh, ela estava certa. Eu já não tinha admitido a Beckett que sabia que
ele faria alguma coisa pelas crianças?
— Sabe o que acho? — Ada perguntou, aproveitando minha boca
cheia. — Você não está com medo de confiar as crianças a ele. Está com
medo de confiar a ele você.
O biscoito raspou minha garganta quando engoli com força.
— O quê? Nem considerei isso. Ele disse que o casamento seria
apenas no papel. — O que - tudo bem, eu poderia admitir – Tinha doído
um pouco de verdade.
— Mas você se importa com ele.
Demais.
— Não interessa qualquer sentimento que eu possa ou não ter. Este
não é um dos seus filmes de romance de Natal em que se casam de forma
fraudulenta, se envolvem em brigas de bolas de neve e se apaixonam.
Aqui não existe um felizes para sempre.
Mesmo assim, é claro que saber disso não me impediu de me
apaixonar por ele.
— Ella, é junho, não há neve.
— Você sabe do que estou falando.
— Vai mesmo ficar sentada aí e me dizer que está disposta a
estabelecer um limite para manter Maisie viva?
E aí estava a ironia.
Merda. O que eu não faria por Maisie? Com cabeça fria o suficiente
para ter alguma perspectiva, sabia que não havia um limite. Eu arriscaria
o inferno e a condenação por ela. Venderia minha própria alma.
Beckett poderia salvar Maisie. O único obstáculo era minha própria
teimosia e medo.
Mas e se houvesse uma maneira de deixar meu medo fora da
equação? Conectar Beckett diretamente às crianças sem que meu
passado atrapalhe? — Acho que tenho que falar com Beckett.

***

Colt voou pela porta da frente depois do treino, corado e feliz. — Oi


mãe! — Ele era um borrão, me beijando no rosto e depois subindo
correndo as escadas para o seu quarto.
Beckett estava parado na porta, com o boné na mão. Suas
bermudas estavam baixas no quadril e aquela incrível extensão de
abdominais e peito estava coberta com uma camiseta do Pearl Jam. Seus
olhos se arregalaram quando viu meu vestido de verão e a extensão nua
das minhas pernas, mas rapidamente olhou para outro lugar. — Ele tem
um jogo amanhã, mas sei que Maisie deveria fazer quimioterapia.
— Partimos depois do jogo. Ela não começa até segunda-feira e
precisam ver se os níveis de plaquetas estão altos o suficiente para fazer
isso. A infecção ferrou um monte de coisa.
— Está bem, me avise. Posso levá-lo, é claro. — Ele começou a sair
de casa e quase xinguei.
— Obrigada. Olha, Beckett, sobre ontem?
Ele parou, lentamente arrastando os olhos para os meus e
mantendo-os lá, em vez de nos meus ombros nus ou no decote sem alças
que escolhi apenas para chamar sua atenção. Claro, o vestido era velho,
mas pelo menos ainda servia.
Quando ficou claro que ele não falaria, segui em frente. — Eu confio
meus filhos a você.
Os olhos dele se arregalaram um pouco.
— Eu precisava dizer isso primeiro, para você saber que tudo o que
discutimos na noite passada... a maior parte não é sobre as crianças. É
sobre mim. Você não fez nada além de provar isso desde que chegou aqui,
e foi errado da minha parte pedir que me contasse sobre Ryan quando
sei que isso custaria sua integridade. Irônico mesmo, né? Eu estava lhe
pedindo para provar sua confiabilidade quebrando sua palavra. Me
desculpe.
— Obrigado, — ele respondeu calmamente.
— Há alguém com quem eu gostaria de jantar hoje à noite.
Os olhos dele se estreitaram.
— Com você, — rapidamente corrigi. — Jantar com você e alguém.
— Você quer que eu a acompanhe em um encontro? — Sua voz se
abaixou, um tom áspero e rouco que acordou meu corpo em partes que
estavam adormecidas desde Jeff.
— Não. Quero me encontrar com meu advogado e queria que você
fosse comigo. Sobre — olhei para onde Maisie estava dormindo no sofá —
o que você me ofereceu ontem. Mais ou menos.
Seus olhos se arregalaram de surpresa por um segundo e eu
saboreei a reação. Não tive muitas chances de chocar Beckett.
— Mais ou menos?
A esperança brilhou em seus olhos, catapultando meu coração na
minha garganta. — Quero fazer algumas perguntas antes de dizer
qualquer coisa. Nem sei se o que estou pensando é possível, mas ficaria
muito grata se você fosse comigo para descobrir isso.
— Claro. Que horas?
Olhei para o relógio e depois forcei um sorriso. — Em cerca de
quarenta e cinco minutos?
Em vez de zombar ou dizer que avisei em cima da hora, ele
simplesmente assentiu, dizendo: — Certo, — e saiu.
Usei o tempo para me arrumar um pouco para a nossa viagem,
forçar Colt a tomar banho e jogar o jantar para as crianças no forno. Medi
a temperatura de Maisie quando ela acordou e suspirei aliviada com a
bela leitura de 36,9 quando Ada chegou. Então, fiquei ligeiramente
nervosa antes de colocar a pouca maquiagem que eu tinha, o que
significava um golpe de rímel e um pouco de brilho labial.
Não que isso fosse um encontro ou algo assim.
Beckett chegou exatamente meia hora depois que saiu, sua nuca
raspada, cheirando a sabonete e couro, e ele. Humm.
— Pronta? — ele perguntou depois de abraçar as duas crianças.
— Sim, — eu disse, pegando minha bolsa e um casaco branco.
Descemos as escadas e ele abriu a porta para mim. No momento,
de calça social, camisa de colarinho aberto e blazer azul escuro, ele
parecia mais um cavalheiro do que um soldado de operações especiais,
mas eu sabia que era só por fora. Ele podia parecer todo fofo e arrumado,
mas debaixo das roupas ele era devil’s food6, ponto final.

6 Tipo de bolo de chocolate (https://www.youtube.com/watch?v=nEWVmTxmioc ).


E eu gostava muito, muito, de chocolate.
Subi na caminhonete e ele fechou a porta, mas não antes que
deixasse seus olhos ficarem nas minhas pernas por um tempo mais do
que o necessário. Boa escolha de saltos.
Nosso caminho para Telluride foi tranquilo, acompanhado por
apenas um pouco de rock clássico fluindo pelos alto-falantes.
— Este era o favorito de Ryan, — ele disse calmamente, me pegando
desprevenida. — Costumava me deixar louco com isso.
Thunderstruck.
— Sim, era, — concordei. — Ele ainda tocava...
— Uma terrível guitarra imaginária? — Beckett perguntou com um
sorriso. — Oh sim. Sempre que podia. Entre isso e Poison, tive o prazer
de vê-lo fingir tocar uma guitarra. Ele contou que conhecemos Bret
Michaels?
— O quê? Não acredito!
— Olha no porta-luvas. — Ele fez um gesto com a cabeça, e eu
ansiosamente me atrapalhei com a trava até que ela se abriu. — Debaixo
do manual.
Puxei um envelope branco grosso e distorcido com fotos.
— Acho que está no meio.
Folheei as fotos, vendo Beckett em todas, com outros soldados
como ele, como Ryan. Até que olhei mais de perto e vi que era Ryan em
uma foto de grupo. Minha respiração ficou presa e passei o polegar sobre
o rosto familiar, uma dor muito familiar se instalando no meu peito.
— Sinto falta dele, — eu disse calmamente.
— Eu também. — Os nós dos dedos embranqueceram no volante.
— Mas é uma coisa boa. Sentir falta dele. Luto significa que você teve
alguém que vale a pena lamentar.
Encontrei uma foto em que os soldados estavam em três fileiras,
todos camuflados e barbudos. Por um segundo, eu me perguntei e, antes
que me desse conta, minha boca se abriu. — Qual é o Chaos?
Becket virou a cabeça repentinamente na minha direção quando
chegamos a um sinal vermelho, e senti uma fração de segundo de culpa.
Beckett sabia o que Chaos sentia por mim? Ou como eu me sentia por
ele?
Seu olhar caiu para a foto. — Ele é o terceiro da esquerda.
Eu procurei na foto, faminta pela minha primeira visão de Chaos
quando estacionamos em uma vaga em frente ao restaurante. Havia
Beckett, sério como sempre... — Existem outros dois soldados na terceira
posição. — Ambos usavam barbas grossas e curtas e óculos de sol.
A porta do lado do motorista se fechou. Beckett já havia desligado
a ignição e saído da caminhonete.
— Acho que esse assunto está encerrado, — murmurei,
examinando os rostos uma última vez antes de deslizá-los de volta no
envelope com o coração pesado. Eu voltaria a olhar de novo? Terei a
chance de fazer perguntas?
Coloquei as fotos de volta no porta-luvas pouco antes de Beckett
abrir minha porta e me ajudar a descer. Saltos e estribos nem sempre
eram a combinação mais fácil. Então entramos no restaurante, um
lugarzinho italiano de propriedade da família que eu adorava.
Quando chegamos à nossa mesa, Mark já estava esperando e se
levantou.
— Uau. Gutierrez? — Beckett perguntou quando Mark deu a volta
na mesa e beijou meu rosto.
— Prazer em vê-lo, Gentry. Vamos nos sentar?
Beckett puxou minha cadeira e eu me sentei. Era um gesto quase
arcaico, mas me fez sentir protegida, cuidada e um pouco desequilibrada.
— Então, você não comanda só a equipe de resgate, — Beckett
disse enquanto os homens se sentavam.
— Não, sou apenas um voluntário. Me mantém ocupado e não é
como se houvesse um monte de negócios em direito de família aqui em
Telluride. — Ele encolheu os ombros. — Como você, apenas fazendo isso
por diversão, agora.
Beckett assentiu lentamente.
— Então, acho que vocês dois se conhecem, — falei levemente,
embora o momento parecesse qualquer coisa, menos isso. — Obrigada,
Mark, por nos encontrar no sábado à noite. Sei que você e Tess têm a
noite de namoro.
— Sem problemas. Ela está em Durango no fim de semana com as
crianças. Acredite em mim, prefiro estar aqui com você do que jantar com
minha sogra. Agora, o que foi?
— Quer contar a ele a sua proposta? — Perguntei a Beckett, e ele
tomou as rédeas.
Foi preciso um copo de vinho e todo o jantar, mas ele explicou tudo
da maneira mais completa possível, desde os tratamentos, as contas, o
plano, até a ideia de casamento.
Ella Gentry.
Mentalmente afastei essa foto da minha cabeça. Eu me casei por
capricho uma vez, e definitivamente uma segunda vez não estava nos
planos. Não me importava o quão bom o nome dele parecia associado
com o meu.
— Você quer se casar com Ella? — ele perguntou a Beckett
enquanto a garçonete limpava nossos pratos.
— Você gostaria de se casar com uma mulher que não tem interesse
nenhum em se casar com você? — Beckett respondeu.
Minha cabeça virou para olhá-lo. Interesse nenhum? Não era falta
de interesse em Beckett, era um interesse avassalador por minha
sanidade e... lógica.
— Mas eu me casaria, se é isso que ela qu... precisa, — Beckett
terminou.
Ótimo. Agora eu era a donzela. Só faltava uma gigantesca placa
luminosa acima da minha cabeça piscando com as palavras “em perigo”
e minha vida estaria completa.
— Certo, então não vamos insistir nessa opção, — disse Mark, seu
olhar piscando entre nós dois. — Ninguém quer um casamento arranjado
aqui. Então, Ella. Agora que tenho uma boa ideia do que está
acontecendo, é a sua vez. No telefone, você mencionou uma ideia?
— Certo. — Girei na minha cadeira para olhar Beckett. — O que
você está oferecendo é basicamente fazer de Maisie sua filha? Certo?
Mesmo que seja apenas no papel?
— Sim. Colt também... como meu filho, obviamente. Legalmente.
Só essas palavras enviaram um calor em espiral através da minha
barriga, ou talvez fosse o vinho. De qualquer maneira, isso me deu
coragem para continuar.
— Estou um pouco danificada.
Ele ergueu uma sobrancelha como me conte algo que eu não sei
— E às vezes esse dano me cega. Isso fica no meu caminho e me
segura. E estou bem com isso. Mas não estou bem com isso machucando
Maisie ou Colt. Então, se houvesse uma maneira de você ser o pai legal,
dando a eles todas as mesmas proteções que ser meu marido daria... sem
eu ser sua esposa, você iria querer isso?
— Sem me casar com você? — As sobrancelhas dele se enrugaram
para dentro.
— Tirando-me, e meu dano, da equação, — esclareci antes de
abaixar minha voz em um sussurro que só Beckett podia ouvir. — Como
alguém sábio me disse uma vez, não se trata de não querer você.
— Eu não entendo.
— Você gostaria das crianças se eu não fizesse parte do acordo?
— Sim. — Ele respondeu sem hesitar.
— Para sempre?
— Para sempre.
Aquele calor no meu estômago se espalhou, combinando com o
amor que ardia tão intensamente no meu peito. Eu meio que esperava
brilhar como um Ursinho Carinhoso.
Afastei meus olhos dos de Beckett e olhei para onde Mark estava
sentado, seu olhar disparando entre nós, sua mente já funcionando.
— Ele pode adotá-los? Sem se casar comigo?
Beckett respirou fundo.
— Isso é algo que você estaria disposto a fazer? — Mark perguntou
a Beckett.
— Sim. — Mais uma vez, a resposta veio instantaneamente.
— Você já pensou sobre o que isso realmente significaria? — Mark
me perguntou.
— Sim. Eu sei que isso coloca as crianças em risco.
Senti Beckett tenso ao meu lado, como um estalo de energia no ar.
— Poderia, — Mark concordou. — Seria como ter outro pai – terá
que considerar suporte financeiro, visitas, direitos de custódia, tanto
físicos quanto tomada de decisões. É basicamente compartilhar seus
filhos com ele. Mas também os protege mais. No momento em que ele os
adotar, eles estarão cobertos pelo plano de saúde dele, não importa o
status da sua... relação. Os militares sempre vão vê-los como dele.
— Mesmo se ele for embora?
A mandíbula de Beckett ficou tensa. — Sim. Você poderia até me
processar por assistência, se quisesse.
— Eu nunca processaria você por assistência.
— Eu não me importaria se você fizesse.
— Certo, mas você ainda estaria desistindo de uma parte dos seus
direitos, Ella.
Meus pelos se arrepiaram. Os gêmeos sempre foram meus, e
apenas meus. — Podemos diminuir o risco?
Ele se inclinou para trás, continuando sua avaliação para nós dois.
— Claro. Você apenas teria que elaborar um contrato de custódia para
ser assinado imediatamente. Pode-se dizer que você tem a guarda física
exclusiva, ele não tem direito a visitação, mas você deve compartilhar a
tomada de decisões, ou isso parecerá bastante fraudulento. Você nem
precisaria preencher isso, a menos que haja um problema. Apenas no
caso de alguém vir procurar.
— Isso é fraude? — Eu precisava saber. Provavelmente ainda
continuaria com isso - a vida de Maisie valia algum tempo na prisão -
mas eu precisava saber. — Quero dizer, o casamento parece muito mais
fraudulento para mim. Se nenhum de nós quer se casar com o outro, e
estamos morando em casas separadas com nomes separados, isso é mais
fraude do que Beckett querendo estar lá para as crianças, certo?
— Você quer ser pai das crianças? — Mark olhou diretamente para
Beckett.
— Sim, — ele respondeu sem pensar duas vezes. — Eu as adoro.
Nada me faria mais feliz do que protegê-las dessa maneira, dar a elas o
que eu puder.
— Você terá que fazer um pouco melhor que isso com o juiz Iverson.
Ele tem coração mole com Ella, sempre teve, mas você não mora aqui.
Ele não vai confiar em você só porque apareceu em alguns treinos de
futebol.
Beckett respirou fundo e brincou com seu copo. — Eu cresci sem
pai. Muitos caras bateram primeiro, ou geralmente me ignoraram, mas
ninguém eu considerei um pai. Quando eu e Colt estávamos
atravessando o campo depois de um jogo de futebol, ele perguntou se era
assim que era ter um pai, e não soube dizer sim, porque eu não sabia - e
ele também não sabia. Quero que Colt e Maisie saibam como é ter um pai
- em qualquer jeito que Ella me deixar estar lá para eles. Só quero ser o
cara com quem eles podem contar.
— Essa é basicamente a definição de paternidade, e acho que você
aguentaria bem no tribunal. Não é uma fraude se você está adotando
para poder ajudar a criá-los. O plano de saúde é definitivamente um
privilégio – um que o juiz Iverson veria. Mas ele perdeu a esposa para o
câncer cerca de dez anos atrás, então, sinceramente, acho que você tem
uma boa chance de ele optar por ver só isso: uma vantagem e não o
motivo. A falta de direitos o incomodaria?
Ele balançou sua cabeça. — Maisie morrendo me incomoda. Eu
nunca pegaria nada de Ella que ela não quisesse dar e nunca faria nada
que machucasse as crianças.
Lembrei das fotos que as enfermeiras me mostraram da pequena
cerimônia de formatura que Beckett fez para Maisie. Ela o amava. Colt o
amava tanto, e eu estava ali com ele. Eles já tinham muito a perder
quando se tratava de Beckett.
— Eles teriam que saber? Imediatamente, pelo menos? — Eu soltei.
Ele podia machucar as crianças assim que se afastasse. Dar a eles um
pai só para vê-lo ir embora era cruel. Assim que Maisie estivesse livre -
esperando que no futuro Beckett ainda estivesse feliz em Telluride -,
poderíamos contar a eles... assim que seu coração estivesse forte o
suficiente para suportar se as possíveis consequências do oposto fossem
verdadeiras.
Beckett ficou rígido, mas seu olhar permaneceu firme e inabalável
na direção de Mark.
— Uh... — Os olhos de Mark se moveram entre nós. — Acho que
não? As crianças não precisam ser informadas ou dar consentimento até
os doze anos. Teríamos que conversar com o juiz Iverson. Vendo como ele
sempre a favoreceu, e seu ódio pelos Danburys, bem, acho que
poderíamos convencê-lo a concordar.
— Então poderíamos realmente fazer isso? — Perguntei, aquela
pequena chama de esperança queimando de novo. — Mesmo que não
sejamos casados?
— O casamento pode ser o caminho mais fácil, — disse Mark com
um encolher de ombros.
— Eu simplesmente não posso. Não depois do que aconteceu da
última vez. Não tenho pressa de usar outra aliança.
— É exatamente o que você deve dizer ao juiz Iverson, se ele
perguntar. Nossa definição de família mudou muito nas últimas décadas
e o casamento não é mais o fator determinante. E, como você é a mãe das
crianças e elas não estão sob a tutela do estado ou algo assim, a única
complicação seria realmente a opinião do juiz Iverson. Um homem
solteiro pode com certeza adotar os filhos de seu parceiro sem que sejam
casados. Vocês devem ter que representar um pouco a parte do parceiro.
Meu rosto esquentou. Eu não tive um “parceiro” desde Jeff, e ele
nunca foi realmente isso.
— Então, basicamente, eu estaria negociando meus únicos direitos
de poder de decisão, e é isso?
— Basicamente. — Ele brincou com seu copo de vinho enquanto
nos observava, seus olhos vendo demais.
— Mas você estaria ganhando a vida de Maisie, — respondeu
Beckett. — E você sabe que eu nunca passaria por cima de você quando
se tratar das crianças. Não sou um vilão. Só estou tentando ajudar.
— Eu sei, — eu disse suavemente, e eu sabia, mas a confiança não
era algo que eu distribuía como doce.
— Há um problema. Você terá que fazer com que Jeff ceda seus
direitos parentais.
Certamente que a explosão de uma bomba nuclear teria menos
impacto no meu coração.
— Por quê? Ele não está na certidão de nascimento e as crianças
são MacKenzie, não Danbury.
— Ella, todo mundo sabe que Jeff é o pai. Admitir ou não a certidão
de nascimento não elimina seus direitos. Um teste de paternidade e a
adoção seria anulada. Não estou dizendo que ele jamais exercerá seus
direitos, mas o juiz exigirá a cessão de direitos. Sem cessão. Sem adoção.
— Certo, — respondi, minha voz parecendo a de um rato. Eu não
queria ver Jeff. Nunca. Isso era como abrir uma cicatriz totalmente
curada apenas por diversão.
Agradecemos a Mark, Beckett pagou o jantar e partimos, voltando
para casa em um silêncio tenso.
— O que você está pensando? — Beckett perguntou quando
atravessamos o portão de Solitude.
— Num jeito que não exige que eu veja Jeff. — Apertei meus olhos
com força. — Isso é uma mentira. Sei o que você está oferecendo é uma
dádiva de Deus, não apenas para Maisie, mas para Colt. Para mim. Eu
simplesmente não consigo suportar a ideia de ter que pedir qualquer coisa
a ele.
— Eu vou lidar com Jeff, — Beckett prometeu. — Além do mais, ele
provavelmente gritaria se você aparecesse. Pelo menos, eu posso ignorá-
lo.
— Você faria isso por mim? — Perguntei quando chegamos ao meu
chalé, a caminhonete parando suavemente.
— Eu faria qualquer coisa por você. — Seus olhos se fixaram nos
meus nas luzes do painel, intensos e um pouco magoados. — O que é
preciso fazer para você acreditar em mim? Confiar em mim? Quer meus
antecedentes verificados? Verifique. Quer meu limite de crédito?
Impressionante. Minhas contas bancárias? Vou adicionar você. Você tem
minha palavra, meu corpo, meu tempo, e estou de pé aqui oferecendo
meu sobrenome. O que mais posso lhe dar?
— Beckett, — inclinei-me para ele, mas ele se afastou.
— Não que você fosse dar a eles meu sobrenome, não enquanto eles
nem sequer sabem o que estamos fazendo. Certo? Eu posso ser o pai no
papel para eles, mas não sou bom o suficiente para ser o pai deles.
— Não é... não é disso que se trata.
— Oh, eu sei. É que você não acredita que eu vou ficar. Você acha
que vou dar o fora como Jeff. Acha que vai machucar ainda mais as
crianças.
— Imaginei que poderíamos contar assim que Maisie estivesse
saudável.
— Se eu ainda estiver por aqui, certo?
Eu odiava e amava que ele me conhecesse tão bem. Eu nem
precisava responder. Ele viu nos meus olhos.
— Sim. Certo. — Ele desligou o motor e tirou as chaves. — Nem
tenho o direito de ficar chateado. Sei o que estou oferecendo e a parte de
ser pai não está junto, certo? Apenas a proteção legal. Você precisa de
algo, estou dando a você, assim como prometi que faria. Simples assim.
Ele abriu a porta e saiu da caminhonete. Segui rapidamente depois,
observando suas costas sumirem da minha garagem, em direção ao lago.
— O que você está fazendo?
— Deixando minha caminhonete aqui. Venho buscá-la amanhã
antes do jogo. A caminhada me fará bem.
— Beckett! — Eu o chamei.
— Não se preocupe, Ella, — ele gritou de volta. — Sei qual é o meu
papel. Entendi. E ainda vou estar presente. É o quanto quero...
Ele não terminou, apenas levantou as mãos e continuou andando.
Mas terminei essa frase para ele na minha cabeça de uma dúzia de
maneiras diferentes.
O quanto quero você.
O quanto quero seus filhos.
O quanto quero estar na sua vida.
O quanto quero estar presente para você.
O quanto quero que Maisie viva.
Cada uma que surgia me fez sentir pior por não confiar nele. Mas
o cara estava enfrentando uma vida inteira de pessoas fazendo
promessas e me deixando.
E eu estava enfrentando uma vida inteira na qual ninguém confiava
nele. Não éramos apenas uma dupla?
CAPÍTULO DEZESSEIS
BECKETT
Carta nº 15

Chaos,

Sinto muito por você ter perdido alguém. Não consigo imaginar como
isso deve ser difícil e ainda continuar com o que você está fazendo. Toda
vez que eu perdia alguém, meus pais ou minha avó, isso sempre me
desligava, como se meu corpo não pudesse processar a enormidade dos
meus sentimentos. Isso mostra o tipo de homem que você é que pode
continuar sendo, e quero dizer isso da melhor maneira possível.
Você diz que é ruim com as pessoas, que não se conecta, mas não é
quem eu vejo quando abro essas cartas. Ou melhor, quem eu ouço. Alguém
que não consegue se conectar não seria tão aberto. Caramba, pra começar,
nem teria respondido. Mas você respondeu, e sou grata.
Talvez você simplesmente escolha com quem se conectar, e tudo
bem. Acho que ninguém acorda e decide ser a borboleta social como meu
irmão. Provavelmente é por isso que vocês dois são bons amigos. Vocês se
equilibram.
Sabe com quem mais eu aposto que você se conectaria? Crianças.
Talvez não as crianças de todo mundo, mas definitivamente as suas. Você
já pensou em filhos? É uma pergunta aleatória, mas estou curiosa.
Provavelmente porque tive os meus tão jovem e não consigo imaginar não
os ter, meio que imagino todo mundo que encontro com filhos.
Menos Hailey. Ela é uma das minhas melhores amigas, e tenho
certeza de que um dia ela será uma ótima mãe... depois que ela for bem-
sucedida por um tempo. Sucesso sendo a palavra-chave aqui. Aposto que
você a amará quando chegar aqui. Ela é linda, divertida e não imagina
todo mundo que conhece com crianças.
De qualquer forma, aposto que você seria um ótimo pai. Pensativo e
resistente, mas também esgueirando-se em maratonas de Guerra nas
Estrelas nos fins de semana preguiçosos. Eu poderia absolutamente
imaginar... se eu pudesse imaginar você. Sim, ainda estou desejando uma
foto.
Espero ter conseguido distraí-lo por alguns minutos. Espero que
saiba o quanto sinto muito por sua perda.

Ella

***

Eu estava na janela do arranha-céu no centro de Denver, olhando


a cidade. Este definitivamente não era um lugar que eu pudesse criar
raízes. Dois meses em Telluride me ensinaram que eu e edificações de
concreto não éramos compatíveis a longo prazo.
Além disso, Denver não tinha Ella.
Fazia uma semana desde a nossa briga na caminhonete, e éramos
educados... até amigáveis. Mas aquele ritmo descontraído que sempre
tivemos estava longe de ser encontrado. Não com tudo pendente entre
nós.
Se não tomasse cuidado, ela perceberia que eu estava apaixonado
por ela, e então estaríamos em uma merda ainda pior.
Nunca tive uma mulher provocando meu temperamento como Ella.
Inferno, até soltei um palavrão perto dela. Também nunca tive uma
mulher que eu gostaria de ver mais de uma ou duas vezes, ou alguém
que possuísse minha alma do jeito que ela possuía. É claro que eu
concordaria com quaisquer condições que ela tivesse quando se tratasse
da adoção. Não apenas porque estava desesperado para salvar Maisie e
proteger Colt, mas porque daria a Ella o que ela quisesse se isso a fizesse
sorrir.
E, em troca, ela estava me dando uma família, tão ferrado quanto
a justificativa. As crianças seriam minhas, de todas as maneiras que
eram importantes para mim. Eu poderia amá-las, protegê-las, garantir
que tivessem tudo o que precisassem. Eu autorizaria Maisie para cada
tratamento e me certificaria de que Colt soubesse que eu o protegeria
todos os dias de sua vida. Eu provaria o meu valor a Ella, e me faria
presente até que ela não pudesse duvidar de mim novamente e, então, eu
ganharia seu coração.
Até ela descobrir o que você fez.
Sim. Isso. Não importava o quanto tentasse ignorá-lo, meu segredo
estava pendurado sobre minha cabeça como uma guilhotina.
Pelo menos as crianças ficariam protegidas quando Ella me
expulsasse. Não era como se ela não me deixasse adotar as crianças ou
arriscasse Maisie. Era o único jeito de cumprir minha promessa a Ryan
e acalmar meu coração dolorido, sabendo que um dia o passado me
alcançaria.
Meu celular tocou e abri o aplicativo de mensagens.
DONAHUE: Os documentos atualizados estão prontos com novas
datas. Você tem certeza disso?
Meus dedos pararam sobre as teclas. Eu tinha certeza de que
queria que Maisie vivesse, e esse era o único meio para esse fim.
GENTRY: Sim. Mas isso não significa que estou voltando.
DONAHUE: Você continua se dizendo isso.
Coloquei meu telefone no bolso, sem me preocupar em responder.
— Sr. Gentry, — gritou uma voz atrás de mim, e me virei.
— Sr. Danbury, — respondi. Então esse era Jeff. Ele basicamente
parecia um universitário que havia sido forçado nas roupas de seu pai.
Seu cabelo era loiro e liso para trás, seus olhos cinza e calculistas.
Apertamos as mãos e rapidamente me sentei em frente dele na
mesa de reuniões, com medo de perder a cabeça e esmagá-lo por ter
tocado Ella, muito menos abandonando ela e as crianças.
Que ele se dane. Ele não a merecia, e com certeza não os merecia.
Ele ajeitou o paletó e eu fiz o mesmo, desabotoando o botão inferior.
Pelo menos Denver tinha rápidos bons alfaiates.
— Então, o que posso fazer por você, Sr. Gentry? — Ele perguntou.
— Soube que você é o mais novo sócio minoritário da sua empresa.
— Eu sou. Acabei de me formar na faculdade de direito.
— Vantagens de ter um pai com o nome na parede? — Perguntei,
apontando para o nome da empresa.
O sorriso dele se apagou. Jeffizinho não gostava de mencionar seu
berço de ouro. Caras como ele eram todos iguais - ganharam suas vidas
confortáveis de mão beijada e desprezavam qualquer contratempo que os
mantivessem longe do prêmio. Deus sabia que ele passaria por cima de
Ella.
— Considero parte do negócio da família, — ele disse com um
encolher de ombros.
— Ah, família. Estou tão feliz que você mencionou isso. —
Empurrei o envelope pardo sobre a mesa e ele o pegou.
— O que diabos é isso? — Ele perguntou, analisando o papel.
— Você sabe o que é, a menos que aquele diploma de direito não
lhe ensine a ler. Assine.
Ele leu de novo e depois abaixou o papel devagar. Então eu vi, o
olhar que dizia que ele achava que tinha vantagem sobre mim agora que
sabia o que eu queria.
— O que Ella deu para você fazer isso?
— O que você disse?
— Tem que haver uma razão. Faz anos.
— Há sim. Estou adotando os gêmeos.
Seu sorriso morreu em seu rosto formal e seu olhar caiu na minha
mão, procurando uma aliança.
— Você está se casando com ela?
— Não entendo como isso é da sua conta.
— Bem, considerando que quer adotar meus filhos...
Toda emoção drenou do meu corpo num recuo familiar. A sensação
é a mesma de toda vez que entrei em combate, me preparando para
cometer atrocidades imperdoáveis.
— Eles não são seus filhos, — eu disse.
— Sim, permita-me discordar disso, considerando quantas vezes
eu a fodi nos dois meses em que nos casamos. Uma garota de cidade
pequena com uma mente de cidade pequena só queria uma aliança
primeiro.
Se Havoc estivesse aqui, ela teria ido para a garganta dele só com
base no meu nível de tensão.
— Você pode ser o pai biológico deles, mas com certeza não é o pai.
Você nunca os viu, falou com eles ou teve qualquer interação. Eles. Não.
São. Seus. Filhos. Eles são meus.
Assim que as palavras saíram da minha boca, aquela doce pressão
voltou ao meu peito, o amor que eu tinha por eles dominou meu instinto
de anular minhas emoções.
— Então, o que exatamente eu ganho com isso?
— Você está falando sério?
Ele encolheu os ombros. — Considere uma transação comercial.
Você quer algo que eu tenho. O que você vai me dar em troca?
— Que tal eu lhe dizer o que não vou lhe dar?
Ele ficou sentado esperando enquanto eu fazia o possível para
manter a cabeça fria.
Três coisas: Maisie. Colt. Ella. Eles eram a razão e as únicas coisas
que importavam.
— Não vou lhe dar a conta de mais de dois milhões de dólares pelos
tratamentos contra o câncer de Maisie, que vencem no próximo ano.
Ele engoliu em seco, mas não mostrou outro sinal externo de me
ouvir.
— Razão suficiente? Ou podemos apenas adicioná-la ao seu plano
de saúde, já que você gosta muito de chamá-los de seus. Tenho certeza
de que seu pai iria gostar muito, considerando que ele disse a Ella cerca
de seis meses atrás que ele realmente não se importava se Maisie vivesse
ou morresse desde que ela deixasse você e ele em paz. Tenho certeza de
que seria ótimo para os negócios se vazasse.
— Isso é uma ameaça?
— Nem um pouco. Por que eu faria isso se você vai assinar a cessão
e sua pequena secretária ali fora vai autenticar tudo bem bonitinho? —
Recostei-me na cadeira.
— Bem. Eu assino. — Ele arrancou uma caneta do copo no centro
da mesa e rabiscou seu nome pelo papel. Eu não relaxei. Ainda não.
— Faça a autenticação.
Ele xingou baixinho, mas se afastou da mesa e latiu para a
secretária da porta. Uma mulher de vinte e poucos anos, com uma saia
lápis apertada, apressou-se, assinando a parte inferior do documento e
carimbando-o antes de correr de volta para sua mesa.
Jeff empurrou a folha para mim e examinei o documento,
certificando-me de que havia sido assinado e autenticado corretamente.
Eu não faria isso pela segunda vez.
— Agora, se houver mais alguma coisa?
Eu deixei meu sorriso relaxado. — Sim. Pegue seu talão de
cheques.
— Desculpe? — Seus olhos se arregalaram em indignação.
— Pegue. Seu. Talão de cheques. Você vai dar um cheque a Ella
por seis anos de pensão alimentícia para as crianças. Agora.
— O inferno que vou. Além disso, comecei a trabalhar no mês
passado. O que você quer? Trinta por cento de nada?
— Sim, mas seu fundo fiduciário de um milhão de dólares deu um
pontapé assim que você assistiu a sua primeira aula na faculdade. Então
você vai escrever um cheque adorável e gordo para Ella.
— Como sabe disso?
— Não é importante. Você vai preencher o que lhe deve ou vou levar
este documento para o pai da sua noiva. O que ele é? um senador? E
depois vou vazar para a imprensa que você não apenas abandonou
aquelas crianças, mas deixou a mãe desamparada enquanto ela lutava
para pagar os tratamentos de câncer que Maisie precisa. Como você acha
que isso vai parecer na imprensa?
— Você me arruinaria.
Eu respirei fundo, firmemente. Esse idiota egoísta não ficou afetado
mesmo sabendo que Maisie tinha câncer. — Sim, essa é a ideia.
— Por quê? Por que arruinei Ella? Como se ela tivesse um futuro
de qualquer maneira.
— Você acha que arruinou Ella? Não há homem no planeta que
possa fazer isso. Não se iluda. A única razão pela qual ela não está aqui
é porque você não vale o tempo dela. Agora pegue seu talão de cheques.
Ele saiu da sala de reuniões, retornando rapidamente com a caneta
sobre um talão de cheques aberto. — Quanto?
— Tudo o que você acha que vale a pena para manter feliz seu
futuro sogro e o nome de seu pai na parede.
Ele rabiscou a caneta sobre o cheque e depois jogou o papel para
mim. O cheque sussurrou em uma parada suave bem na minha frente, e
eu o peguei, dobrando-o ao meio e deslizando-o no bolso do peito.
— Você nem vai olhar? — Ele gritou.
— Não. Ou é suficiente ou não é. — Levantei-me, abotoando meu
paletó e dirigiu-me para a porta, documento na mão.
— Como você soube do fundo fiduciário? — Ele perguntou de novo,
ainda sentado.
Fiz uma pausa, minha mão na porta, me debatendo.
Que diabos. Por que não?
— Ah, quer saber? Cidade pequena, pessoas com cabeça de cidade
pequena, elas têm grandes corações e bocas maiores ainda. E só para
constar, a melhor coisa que você já fez em sua vida foi se afastar de Ella.
Você nunca volte a mexer com as crianças. Eu manteria essa tradição se
fosse você. Eu protejo o que é meu.
Afastei-me sem pensar duas vezes, indo para uma pequena base
do exército nos arredores de Denver. Havia outros papéis que precisavam
ser assinados hoje.
***

— Beckett! — Colt voou pela porta e se lançou em meus braços,


como se eu tivesse partido há duas semanas em vez de dois dias.
— O que há, homenzinho? — Eu o levantei no ar, saboreando o
cheiro de canela e luz do sol enquanto embaralhava a pasta em minhas
mãos.
— Estamos assando!
Levei-o para dentro de casa e fui recebido pelo mesmo perfume. —
Torta de maçã? — Perguntei.
— Como sabe?
— Bem, a única coisa que cheira tão bem quando assa é torta de
maçã ou torta de menininhos e, como você ainda está aqui, escolhi a de
maçã.
Havoc girou em volta das minhas pernas em saudação, e coloquei
Colt no chão para dar à minha garota um pouco de carinho atrás da
orelha. — Bom trabalho, — falei a ela, sabendo que tinha ficado ao lado
de Colt.
— Beckett! — Maisie gritou do sofá.
— Como está minha melhor garota? — Perguntei, dando a volta
para me agachar ao lado de onde ela estava. Estava pálida, sua pele
quase translúcida. — Está se sentindo bem?
Ela balançou a cabeça.
— Se você pudesse convence-la a beber alguma coisa, eu lhe daria
a alma — disse Ella, vindo da cozinha, com um punhado de farinha na
testa.
Uma pontada de desejo misturada com pura luxúria. Eu queria
essa vida e essa mulher. Queria a liberdade de roubá-la das crianças por
um segundo e colocar minhas mãos nela. Beijá-la. Tocá-la. Ver seus olhos
se fecharem de prazer. Ver as linhas de preocupação desaparecerem da
testa dela.
— Torta de maçã, hein?
— É a favorita dela, então pensei que talvez... — Ela encolheu os
ombros.
— Com o que tenho que suborná-la para conseguir fazer você beber
uns goles de Gatorade? — Perguntei a Maisie.
Ela olhou para mim, aqueles olhos azuis ficando mortalmente
sérios. — Chega de Moana. Traga-me Star Wars. Não é assustador. — Ela
lançou um pequeno olhar na direção de Ella.
Ella zombou, mas assentiu para aprovar a negociação.
— Combinado. Tenho o sabor maçã verde que você gosta na minha
casa. Dê-me alguns minutos com sua mãe e eu vou pegar, está bem?
— Combinado.
Puxei seu cobertor um pouco mais e segui Ella até seu escritório.
VOCÊ É O SUFICIENTE.
A placa manuscrita que enviei estava no quadro de avisos. Inferno,
sim, ela era o suficiente. Era eu quem faltava em quase todos os
departamentos. Incluindo a honestidade.
Quão estranho era ter ciúmes de si mesmo? Conhecer outra versão
sua que tinha um pedaço da mulher que você amava?
— Como estão os níveis de plaquetas dela?
— Vamos para o centro médico amanhã de manhã para outra
transfusão. Eles podem fazer isso em Telluride, então pelo menos é perto.
Balancei a cabeça e entreguei a pasta para Ella.
Seus dedos tremiam um pouco, mas ela abriu. Então sua boca se
abriu. — Você fez isso.
— Fiz. Você é livre. As crianças estão livres.
— Como? — Ela leu novamente.
— Eu sou muito convincente.
Ela sorriu para mim. — Eu acredito.
Coloquei o cheque na pasta, deixando-o cair em cima do
documento. A boca dela se abriu.
— O que é isso?
— É seu por direito.
Ela recostou-se, a bunda empoleirada na beira da mesa. — É meio
milhão de dólares. Por que ele... O que você fez?
— Você conseguiu um pouco do dinheiro que ele deveria ter lhe
dado o tempo todo.
Ela olhou para mim, seu rosto uma miríade de expressões que eu
não conseguia acompanhar. — Eu não quero isso.
— Imaginei.
— Você imaginou?
Eu assenti. — Você os criou por conta própria. Achei que a última
coisa que você faria seria pegar o dinheiro agora. Isso daria a ele um
sentimento de propriedade que você nunca permitiria.
— Então por que trouxe?
— Você disse uma vez que para machucá-lo, teria que acertar o
bolso dele. Então eu o acertei. Trouxe o cheque, porque nunca vou tirar
essa escolha de você. Esse dinheiro poderia pagar toda a dívida de
Solitude ou pagar tratamentos para Maisie. Ou a faculdade no futuro. Eu
não ia tirar essa escolha.
— Eu não preciso disso para Maisie.
— Não precisa se você quiser que eu a adote. Essa é outra opção
que não vou tirar de você. Eu não sou Jeff. E isso lhe dá opções. Esse
cheque significa que você não está encurralada. Não precisa me escolher.
Ficamos ali, nossos olhos presos em uma conversa silenciosa
enquanto ela considerava. O meu implorava que ela confiasse em mim.
Se apoiasse em mim. Precisasse de mim mesmo com uma pequena fração
do jeito que eu precisava dela. O dela ponderou, ponderou e decidiu, e
fixos no meu, enquanto ela rasgava o cheque em pedaços.
— Eu escolho você. E agora estou livre. Somos livres.
Eu sorri porque sabia que não estava mais livre - eu era dela...
deles.
CAPÍTULO DEZESSETE
BECKETT
Carta nº 3

Chaos,

Ser mãe é uma merda. Desculpe, sei que não nos conhecemos o
suficiente para dizer algo assim, mas é verdade. Pelo menos hoje é.
Passei a maior parte da minha tarde na sala do diretor. Não só isso,
mas era o mesmo diretor de quando eu era criança. Eu juro, sentei-me
naquela cadeira de couro estridente em frente à sua mesa e eu voltei a ter
sete anos.
Só que agora eu sou adulta, e meus filhos são os que me colocam
numa fria.
Colt e Maisie estão na mesma turma do jardim de infância. Eu sei, li
um monte de besteira sobre colocar gêmeos na mesma classe, e como isso
não os deixa cultivar sua própria identidade, mas esses chamados
especialistas nunca tiveram que olhar para os meus selvagens de olhos
azuis e ouvi-los recusarem-se a ser separados. E por recusa, quero dizer
que tentamos. Na primeira semana de aula, tive que pegá-los todos os dias
às nove da manhã porque eles ficavam saindo para ir para a sala de aula
do outro. Finalmente, cedemos. Sabe a frase "escolha suas batalhas"? Era
mais como "admita a guerra, você está perdendo." Mas tudo bem.
Enfim, há um garotinho com uma queda enorme por Maisie. Fofo, né?
Nem tanto. Hoje no recreio, ele decidiu que toda a turma jogaria "pega-pega
com beijo", que acho que em vez de pegar alguém com sua mão, você planta
um beijo sobre ele. Legal, né? Maisie não queria jogar, então o garoto
começou a correr atrás dela de qualquer maneira, e acabou tropeçando
nela e beijando-a apesar de suas objeções. Naturalmente, ela o empurrou
e o derrubou. Meu irmão ficaria orgulhoso; ela deu esse soco do jeito que
ele ensinou.
Colt ouviu a comoção e foi correndo. Quando Maisie contou a ele o
que aconteceu, ele se manteve calmo, mas o outro menino a chamou de um
nome não agradável que rima com gruta (de acordo com Colt), e bem... Colt
ficou furioso.
O outro garoto tem um olho roxo e um bocado de areia de playground.
Contei que fui para a escola com a mãe dele? Vida de cidade pequena
super desajeitada.
Colt ficou uma semana de detenção, que Maisie está exigindo que
ela fique com ele. Eles têm cinco anos. CINCO ANOS, Chaos. E ainda é o
jardim de infância. Como diabos vou sobreviver à adolescência?
Ugh. Isso é tudo por hoje. Ser mãe é uma merda.

Ella

***

Meu alarme disparou e eu estava em funcionamento. Literalmente.


Corri dez quilômetros ao longo do terreno de Solitude, tomei banho e fui
para o trabalho, que agora era completamente voluntário já que assinei
os documentos de Donahue. Ali, passei alguns exercícios para Havoc e
trabalhei com ela no cinto de rapel.
Era uma sexta-feira bastante típica.
Exceto que hoje era o dia da adoção e isso mudou tudo.
Jeff havia assinado os papéis há pouco mais de um mês e
descobrimos há alguns dias que hoje era o dia. Todos os dias tinham sido
uma espera cansativa, mas meu plano de saúde me permitia matricular
as crianças com base na documentação pendente de adoção, o que
significava que em duas semanas elas estariam cobertas. E em um mês,
Maisie poderia receber sua primeira terapia com MIBG.
Estacionei a caminhonete em frente à sede, e eu e Havoc acenamos
para os novos hóspedes enquanto entramos. O verão estava bastante
movimentado e Ella estava ocupada atendendo a clientes e aplacando os
exigentes. Acho que as palavras “acomodações de luxo” eram o sinal para
que os idiotas emergissem da população em geral.
Oh, veja, ela estava lidando com outro.
Eu e Havoc esperamos do lado de fora das portas duplas enquanto
uma mulher de cinquenta e poucos anos balançava a cabeça para Ella.
— E não era exatamente isso que estávamos procurando. Pedi
especificamente à beira do lago e estamos diante de uma vista adorável,
mas com certeza não é água!
Ella olhou para mim por cima do ombro da mulher no meio da aula,
e lhe enviei um olhar consolador. Pelo menos espero que tenha sido
consolador, porque ela quase riu.
Ela fez um gesto com a cabeça na direção dos fundos e eu entendi
a dica. Levei Havoc pela sede, vendo Hailey na recepção e Ada em sua
glória, colocando biscoitos recém-assados na mesa. Fomos para os
fundos e abrimos a porta da residência.
— Beckett! — Maisie veio correndo pelo canto e a peguei antes que
ela trombasse na parede. — Você tem que me ajudar! Colt tem o melhor
esconderijo e não consigo encontrá-lo! Não é justo! Ele pode correr mais
rápido e sabe disso!
Foi incrível o que um mês de quimioterapia havia feito por seu nível
de energia. — Há quanto tempo você está procurando?
— Uma eternidade! — Ela arrastou a palavra para garantir que eu
entendesse exatamente quanto tempo era eternidade.
Olhei para ela e ela cedeu.
— Vinte minutos.
— Cara, isso é uma eternidade, — concordei. — Quer encontrá-lo
super rápido?
— Sim! — Ela pulou para cima e para baixo.
— Pronta? — Perguntei a ela enquanto estava de pé.
— Sim! — ela repetiu, ainda pulando. Cara, se eu pudesse
engarrafar essa energia, seria um homem muito rico.
— Havoc, sente-se.
Havoc ficou sentada, olhando para mim para o meu próximo
comando. Ela ouviu o tom e sabia que era hora de trabalhar. Além disso,
eu queria treinar um pouco.
— Procure Colt.
Ela saiu como um tiro, farejando o chão ao redor da sala de estar,
a sala de jantar e depois subindo as escadas. — É melhor você segui-la,
Maisie.
Maisie saiu correndo assim que Ella abriu a porta, rapidamente
entrou e a fechou. Então, se recostou na porta, deixando seus ombros
cederem.
— Essa era minha filha correndo como um craque do atletismo? —
ela perguntou, seu tom mais do que cansado.
— Era. Ela está com Havoc. Aparentemente, parece que Colt usou
sua saúde como uma vantagem injusta na brincadeira de esconde-
esconde, então estou nivelando o de jogo.
Na hora certa, Havoc latiu e houve um pequeno baque e uma série
de risadas altas.
— Não é justo! Isso é trapaça! — Colt gritou.
Houve uma avalanche de passos descendo as escadas e os três
apareceram no corredor.
— Boa menina, — falei a Havoc, que trotou para aceitar o último
petisco que eu tinha no bolso da nossa sessão anterior.
— Podemos ir lá fora? Por favor? — Perguntou Maisie.
Ella mordeu o lábio.
— Por favor? — Colt implorou, tornando a palavra mais longa do
mundo.
— Certo. Fiquem longe dos hóspedes e se cuidem. — Ella cedeu. —
E peguem um chapéu!
— Havoc, fique com Colt e Maisie. — O trio saiu correndo pela porta
dos fundos antes que Ella pudesse mudar de ideia.
— É como tê-la de volta, — Ella disse com um suspiro. — Fora da
quimioterapia, ela é tão cheia de energia e feliz e tem um grande apetite.
Com seus níveis elevados, ela pode ser apenas uma criança por um
segundo. Fico feliz que tenhamos este mês antes do tratamento com
MIBG.
— Eu também.
Ella empurrou a porta e caminhou até a janela, puxando a cortina
para o lado para ver as crianças brincando no quintal logo atrás da casa.
— Nunca me preocupo com Havoc com eles. Isso é estranho? Eu a vi ir
para cima dos pais de Jeff e ainda não me preocupo.
Andei até o lado dela, nossos ombros se tocando, vendo Havoc
saltar e perseguir o brinquedo que Colt havia jogado. — Eu disse a ela
para protegê-los. Normalmente digo para ficar com eles, mas estávamos
na rua e eu disse para proteger. Ela ainda mataria qualquer um que
mexesse com eles agora, mas não uma criança ou um hóspede ou alguém
que não tivesse a tensão que ela captasse. Quando digo “proteger”, isso
a coloca em alerta. Agora, ela está apenas brincando com eles.
— Ela é incrível.
— Ela mudou muito desde que saímos da unidade. Enquanto
trabalhava, ela foi para o canil, treinada, cuidada por mim, mas não teve
tempo para ser só um cachorro. Mesmo nas missões, dormia comigo,
trabalhava comigo e nunca saia do meu lado, mas ainda assim, não havia
tempo de cachorro de verdade. Aqui, ela trabalha, mas aprendeu a estar
segura com as crianças e os hóspedes.
— Ela está se domesticando, — Ella disse com um sorriso, então
cutucou meu ombro. — Como alguém que conheço.
Eu ri. — Você está pronta para esta tarde?
— Sim, — ela disse com um aceno entusiasmado. — E quanto a
você?
— Nervoso, honrado, feliz, completamente deslumbrado com o nível
de responsabilidade que vem com os pequenos humanos.
Ela olhou para mim com olhos cansados, mas felizes. — Como todo
pai de primeira viagem.
— Eu não saberia dizer.
— Eu também não. Acho que vamos descobrir juntos. Difícil de
acreditar que esta era a nossa casa, estou tão acostumada a morar no
chalé agora.
— Acha que voltará quando for mais seguro para Maisie?
— Sinceramente, não sei. Gosto de morar no chalé e ter essa
privacidade, esse limite entre casa e trabalho. Morando aqui, eu estava
sempre no trabalho. — Ela esfregou a testa com os dedos e depois apertou
o rabo de cavalo.
— Você está bem? Quero dizer, não me bata por estupidez
masculina, mas você parece um pouco cansada.
Ela se virou, sentada no banco da janela. — Isso é porque estou
cansada. Talvez seja porque Maisie só tenha tomografias este mês, para
que meu cérebro descanse um pouco da insanidade normal e tudo o mais
apareça.
— O que eu posso fazer?
— Você está adotando meus filhos hoje para que minha filha não
morra. Acho que cumpre todos os requisitos que você poderia imaginar.
— Não estou fazendo isso apenas por Ryan, — comecei, mas parei
quando a porta da casa se abriu e Hailey entrou correndo, as bochechas
coradas e os olhos brilhantes.
— Conner Williamson acabou de me convidar para sair! — ela
exclamou.
— Não acredito! — Ella deu um pulo.
— Certo? Eu só tenho uma queda por ele desde quando? A nona
série? — Ela girou no meio do chão, os braços estendidos. — Conner
Williamson me convidou para sair!
Ella riu. — Estou tão feliz por você!
Hailey correu e a abraçou. — É isso! Apenas sei disso! Ele vai se
apaixonar loucamente por mim e vamos nos casar, ter filhos e será
perfeito!
— Vai mesmo! — Ella concordou.
Vi algo torcer em seu rosto, como se a sua alegria tivesse se
transformado em uma tristeza cheia de pânico.
— Está tudo bem se eu sair uma hora mais cedo amanhã? — ela
perguntou, recuando com as mãos nos ombros de Ella.
— Totalmente! — Ella forçou um sorriso, e eu poderia ter acreditado
se não a tivesse visto escorregar.
— Obrigada! — Hailey apertou Ella novamente e se afastou
dançando, girando bastante perto da porta e saindo.
— Ella, — falei suavemente, indo para a frente dela para que não
pudesse fugir.
— O quê? — Ela deu de ombros e tentou ao máximo fingir um
sorriso, mas seu lábio inferior tremia.
— O que está acontecendo? E não diga que nada. — Gentilmente
segurei seus ombros.
Ela encolheu os ombros. — Estou bem.
— Ella, em cinco horas estamos prestes a compartilhar as crianças.
E sim, entendi. Na verdade, não sou o pai delas, apenas o provedor de
plano de saúde, mas você não acha que precisamos ser honestos um com
o outro? Os bons, os maus, os exaustos.
— Ela está tão animada. — Sua voz era um sussurro.
— Está.
— E não consigo mais lembrar como é isso. Ficar tão animada. Ser
convidada para sair em um encontro. Quer dizer, já faz sete anos. Sete,
Beckett. — Ela apertou meu bíceps, suas unhas sem dúvida deixando
meias luas na minha pele. — Tenho certeza de que voltei a ficar virgem,
de tanto tempo que faz.
— Sim, não acho que é assim que funciona...
— E amo minha vida. Amo Colt e Maisie e esse negócio. Tenho
orgulho das minhas escolhas, sabia? Estou orgulhosa delas! — Sua voz
se elevou.
— Como você deveria estar.
— E tudo com Maisie. É tudo no que penso ultimamente. Quero
dizer, é julho, certo? Faz nove meses desde que ela foi diagnosticada.
Nove meses. E farei qualquer coisa para garantir que ela viva...
— Tipo, me deixar adotá-la, — interrompi, pensando que ajudaria.
— Exatamente! Como encontrar o homem mais sexy, mais irritante
e viciante que já vi e depois o empurro não para a zona de amigos, mas
para a zona de amigos do irmão e depois o catapulta para a zona de papai,
onde, entenda, ele ainda é intocável.
Uma onda de calor bateu no meu corpo. Eu me saí tão bem
mantendo minhas mãos longe dela desde o nosso quase desastre no sofá.
Corria dez quilômetros por dia, tomava banho frio, nadava no lago, tudo
com a intenção de manter minhas mãos afastadas de Ella, e com um
discurso, ela me deixou ao limite do autocontrole. Fazia quase um ano
desde que transei, e meu corpo estava me lembrando de uma maneira
muito difícil e muito dolorosa que a única mulher que eu queria estava
em pé na minha frente, reclamando que eu estava na zona de amigos.
— Certo, pare. Você não me empurrou para a zona de amigos. Eu
me coloquei lá. E a zona do papai também. Isso é por minha conta. Não
você.
— Então você é estúpido! — ela gritou, seus olhos brilhando com o
mais fofo indignação. — Quero dizer, a zona de amigos, não as coisas de
papai.
— Você é tão adorável.
Os olhos dela se estreitaram.
Oh, droga, escolha errada de palavras.
— Adorável? Eu sou adorável? Não, esse é o problema. Eu não corto
o cabelo há um ano, você sabe o que é isso? Não é o cabelo - não sou tão
vaidosa - é o tempo, Beckett. O tempo que leva para investir em si mesma
como mulher, e não sou mais uma mulher. Abandonei minha
maquiagem, meus banhos de velas à noite de domingo, não durmo uma
noite inteira desde o diagnóstico de Maisie, e estou presa usando calça
há um mês porque não raspei minhas pernas.
— Gosto de você de calça.
— Essa não é a questão! É julho, Beckett! Julho é para shorts,
caminhadas e bronzeadores, e ser beijada sob o luar. E estou de jeans
sem beijos, e minhas pernas parecem que um Yeti de algum lugar do
Himalaia me emprestou seu casaco!
— Uau, isso é... mesmo uma visão. — Não ria. Não. Ria.
Ah, sim, essas unhas estavam deixando marcas.
— Eu não sou mais uma mulher. Sou mãe. Uma mãe que não pode
ser outra coisa a não ser mãe porque sua filha pode não viver o ano todo.
— Ela soprou como um balão estourado, suas mãos soltando meu bíceps
e sua cabeça pousando com um pequeno baque no meu peito. — Deus,
eu sou egoísta.
Passei meus braços em volta dela e a abracei com força. — Você
não é egoísta. Você é humana.
— Cabelo não é importante. Não nas minhas pernas ou na minha
cabeça. Não quando Maisie nem sequer tem. Já lhe disse, temos um mês
com tempo livre e meu cérebro fica louco com besteiras que não são
importantes. — Ela murmurou as palavras no meu peito.
— Isso é importante porque você é importante. Sabe quando você
está em um avião, e dizem para você colocar a máscara de oxigênio antes
de seus filhos? É isso. Se você só coloca o oxigênio no seu filho, desmaia
e não pode ajudá-lo. De vez em quando, você tem que respirar, Ella, ou
vai sufocar.
— Estou bem. Só precisava desabafar.
— Sei que você precisa e eu posso aguentar.
Ela se afastou um centímetro e me deu um sorriso sexy como o
inferno.
— O quê? — Eu estava quase com medo da resposta dela.
— Oh, nada. Só não parece que estou na zona de amigo. — Ela
encolheu os ombros.
Oh merda, eu estava duro e a puxei contra mim.
— Nunca disse que não te queria, Ella. De fato, tenho certeza de
que disse o contrário. Nada mudou.
Ela soltou um longo suspiro pelos lábios, movendo uma mecha de
cabelo loiro que havia escapado de seu rabo de cavalo. — Sim, e isso não
importa de qualquer maneira. Pernas peludas e tudo.
— Você está me matando. — Peguei a mão dela e me virei, depois
deixei a casa com ela a reboque, abrindo caminho para a recepção onde
Hailey estava lidando com algum tipo de papelada. — Hailey.
— Beckett, — disse ela com uma voz fingindo séria.
— Leve Ella agora para cortar o cabelo. Faça massagem, banho de
algas ou qualquer coisa que as meninas gostem de fazer. Pinte as unhas
dos pés, compre roupas novas, tudo. Você tem cinco horas, e daí preciso
dela no tribunal. Você pode fazer isso?
— Beckett... — Ella objetou.
— Pare, — implorei. — Você está me dando seus filhos de presente.
Deixe-me lhe dar algumas horas. E depois, sairemos. Para um
restaurante de verdade com menus de verdade e sem giz de cera sobre a
mesa. Sem advogados. Sem filhos. Só nós. E você vai se sentir tão linda
quanto sempre é comigo.
— Ella, se você não pular nesse cara, eu vou, — Hailey afirmou.
Ella a silenciou com um olhar. — Hailey tem que trabalhar.
— Eu vou cuidar dos telefones e hóspedes, — ofereci.
— Você vai? — Ella torceu a boca para o lado como Maisie. — E
não vai matar ninguém que te incomoda?
— Farei o possível para deixar sua empresa intacta. — Peguei
minha carteira e entreguei a Hailey meu cartão de crédito. — Não dê isso
para Ella, ela não vai usá-lo. Por favor, faça-a se sentir como uma mulher.
— Isto será muito divertido! — Hailey saiu de trás da recepção. —
Vou pegar minha bolsa e depois vamos!
— E vou ficar de olho nos pequeninos, — Ada falou, tendo chegado
no fim da conversa. — Vou colocá-los na cama também. Vocês, crianças,
fiquem fora o tempo que quiserem. — Ela gritou a última parte enquanto
voltava para a cozinha.
— Você tem certeza? — Ella me perguntou.
Deus, ela era tão linda. Peguei a mão dela e a puxei para um nicho
perto do corredor da frente. — Você é deslumbrante. Não precisa de
maquiagem. Nunca houve um momento desde que te conheci que a vi
como algo menos do que uma mulher incrivelmente bela e requintada.
Mas entendo que você não se sente como te vejo. Então sim, tenho
certeza.
— Você está sempre cuidando de mim, — ela sussurrou.
Eu cedi ao impulso, deixando meu polegar deslizar pela pele macia
e impecável de seu rosto. — Essa é a ideia. — Estávamos muito perto, o
ar estava carregado demais e eu amava essa mulher demais para manter
a cabeça fria. Antes de inevitavelmente a prender na parede e provar que
a virgindade não regredia, eu precisava deixá-la ir. — Vejo você no
tribunal às quatro e meia, — prometi. Então, levantei a mão dela, virei-a
e dei um beijo longo e suave diretamente no centro da palma da mão,
desejando mais do que tudo que fosse a sua boca.
Sua respiração ficou presa quando a fechei, como se ela pudesse
segurar o beijo.
— Por que isso?
— Para provar que não dou a mínima para as pernas peludas. Além
disso, agora já não faz sete anos desde que você foi beijada.
Seus lábios se separaram e seu olhar caiu na minha boca.
Merda. Merda. Merda.
Eu não tinha certeza se necessidade era a palavra apropriada para
o quanto eu queria Ella. Era uma dor constante que simplesmente existia
como normal. Antes que eu pudesse fazer qualquer outra coisa da qual
me arrependeria mais tarde, saí pelo hall de entrada.
— Você tem certeza de que pode cuidar da recepção?
Sorri para ela e pisquei. — Deixa comigo. — Talvez Ella e as
crianças fossem as únicas pessoas com as quais realmente me
relacionava, mas percorri um longo caminho com o público em geral nos
últimos quatro meses.
Hailey agarrou a mão de Ella e a levou para fora da casa,
balbuciando, rosto atordoado e tudo.
Fiz uma anotação mental para piscar para a mulher com mais
frequência.
CAPÍTULO DEZOITO
ELLA
Carta nº 4

Ella,
Seus filhos são incríveis. Sério. Acho que rir provavelmente não é a
reação certa para essa história, mas vamos lá. Aquele garoto levou um
chute no traseiro não apenas por um, mas pelos dois filhos. Você está
criando dois fodões. Desculpe, mas essa é realmente a melhor palavra
para descrevê-los depois dessa história.
Quanto aos meus filhos? Não sei se isso está nos planos para mim.
Não porque não gosto de crianças. Sinceramente, gosto. Eles são
brutalmente honestos, que é uma característica geralmente perdida na
idade adulta. Mas, eu não saberia nada sobre ser pai, já que não tive um.
Talvez seja uma coisa boa, já que também não tenho um mau exemplo de
pai, mas, na verdade, os únicos exemplos de pais que tenho na minha vida
vieram da televisão.
Eu ficaria com muito medo de estragar uma criança.
Mas se saberia o que estaria fazendo? Sim, as crianças seriam
ótimas. Nunca fui o cara que sonhava em jogar futebol, mas
definitivamente podia imaginar algo assim. Sinceramente, não penso
nisso, nem em nada no futuro. Quando você quer algo, ou sonha, você tem
algo a perder. Não sou fã de ser colocado em posição de perder qualquer
coisa. Para não dizer que não sou um pouco imprudente, mas apenas
comigo mesmo e com as coisas que posso controlar.
Querer algo lhe causa problemas. Desejar deixa você descontente,
quando preciso agradecer o que tenho. Aprendi essa lição muito jovem.
Gosto de pensar que isso me torna uma pessoa melhor - estar contente com
o que tenho -, mas ouço seu irmão falar sobre você e sua família, e às vezes
me pergunto se talvez essa falta de desejo seja mesmo uma pequena forma
de covardia. Dessa forma, você é muito mais corajosa do que eu. Você tem
a capacidade de amar além de si mesma, de arriscar seu coração a cada
dia através de seus filhos.
Eu respeito isso tanto quanto invejo.
Além disso, diga a Maisie na próxima vez que um cara a perseguir,
ela precisará acertar as bolas. Os pequenos valentões crescem e se tornam
grandes valentões.

Chaos

***

— Ele piscou para mim, — eu disse a Hailey enquanto


experimentava o vestido lavanda. — Piscou.
Eu amava o homem, estava a segundos de compartilhar meus
filhos com ele, e ele piscou para mim. Tenho certeza de que eu fiquei à
beira de um orgasmo só com isso. Desde quando ele ligou o modo
charme? E onde estava esse charme nos últimos quatro meses?
Beckett quietão, eu adorava.
Beckett protetor e brincalhão, eu amava.
Mas esse Beckett que piscou e beijou a palma da minha mão? Sim,
tive sorte de não ter queimado espontaneamente e queimado meus
negócios.
— Você já me falou isso uma dúzia de vezes desde que saímos de
casa. Algumas vezes no salão, pelo menos uma vez durante a pedicure e
seis ou sete vezes enquanto estávamos sendo depiladas. Você viu a placa
“esses quartos são para o relaxamento tranquilo dos outros”? Tenho
certeza de que nunca poderemos voltar a esse spa. — Ela olhava seu
celular.
— Tanto faz. Nunca vi esse lado dele. Ele era todo...
— Gracioso? — ela perguntou, olhando para cima. — Ooh, gostei
desse. Seus peitos ficaram ótimo.
Passei o dedo pelo decote. — Não é demais?
— Não. É retro quente. Você parece uma dona de casa dos anos
cinquenta que é safada no quarto.
Revirei os olhos, mas movi meu quadril para que a saia evasê do
vestido na altura dos joelhos balançasse levemente. Adorei o decote, o
cinto brilhante que definia minha cintura e até o leve decote.
Principalmente, gostava da sensação de usar um vestido, de ser uma
mulher, com curvas e macia e recentemente mimada.
— Acho que vou conseguir.
— Beckett vai perder a cabeça. — Ela pulou e deu a volta no
pedestal do provador, avaliando as linhas do vestido. — Sim. Isso vai
acabar no quarto.
— Claro que sim. O meu.
— Sério? — Hailey estalou um quadril e me lançou um olhar mais
do que exasperado.
— Ele tem medo que ser mais do que... o que quer que sejamos,
potencialmente nos ferraria a longo prazo, e com as crianças envolvidas,
e as coisas do Ryan... — Eu dei de ombros.
— Então entre pelada no quarto dele. Isso vai fazê-lo mudar de
ideia.
— Você está louca? Por que eu faria isso? Eu só transei com um
cara, Hailey. Um. E isso foi há sete anos. Para dizer a verdade, ele nem
me fez gozar direito.
— Porque ele provavelmente nem sabia como fazer.
Balancei minha cabeça e alisei o tecido roxo suave debaixo dos
meus dedos recém-cuidados. — Não importa. Beckett não está
interessado em mim assim e, francamente, eu nem deveria estar tendo
essa discussão. Tenho problemas maiores com que me preocupar.
Saí do pedestal e fui para o provador, deixando Hailey do lado de
fora.
— Ele não dorme com ninguém desde que esteve aqui, sabia? —
ela perguntou através das venezianas na porta.
— O quê? Como você sabe disso? — Tirei o vestido e o coloquei no
cabide com cuidado.
— Porque é uma cidade pequena, imbecil. Todo mundo fala, e
Beckett é muito digno de fofoca. Especula-se que ele seja gay ou
interessado em outro lugar...
— Posso dizer com certeza que ele não é gay. — Senti cada
centímetro delicioso dele contra mim mais cedo, vi o modo como seus
músculos ficaram tensos quando ele se afastou.
— Dã. Ele não está dormindo porque quer você. Acredite em mim,
se eu visse uma chance ali, eu estaria por toda parte. Sinceramente, não
sei como você não subiu em cima dele e...
— Porque ele me disse não! — Corei, pensando em nosso pequeno
momento fracassado no sofá. — Honestamente. Ele me disse não. Sua
lealdade a Ryan supera todo o resto.
— Ella?
— O quê? — Eu disse, pegando minha camisa.
— Você não tirou o vestido, certo? Porque precisa encontrá-lo no
tribunal em dez minutos.
Peguei meu celular, passando a tela para ver as horas. — Merda,
— murmurei.
— Coloque estes também. — Ela jogou sobre a porta um par de
saltos pretos e um bolero prata. — Vamos lá, a menos que você queira ir
pelada para o tribunal. E embora, sim, eu ache que isso cumpra a missão
sexual, acho que isso pode interferir na missão adoção.
Eu me vesti rapidamente e saí do provador.
— Vire-se, — ordenou Hailey, e quando virei, ela tirou a etiqueta
das costas, já segurando uma caixa de sapatos e outra etiqueta. —
Vamos!
Segurando nos braços minhas próprias roupas, caminhamos até o
caixa.
— Ela está vestindo tudo isso. — Hailey pousou as etiquetas e a
caixa no balcão.
O adolescente me olhou e sorriu. — Estou vendo.
— Mas não por muito tempo, — acrescentou Hailey com uma
piscadinha.
Sério, o que há com a piscada hoje?
Hailey pagou usando o cartão de crédito de Beckett e senti o mesmo
lampejo de culpa que senti no salão. Mas não tive tempo de me
concentrar nisso, enquanto corríamos para o tribunal.
Beckett estava do lado de fora em um terno perfeitamente ajustado,
seu cabelo penteado em uma desordem sexy. Quando ele me viu, sorriu
lento e grande, aproveitando o tempo para arrastar os olhos dos meus
dedos esmaltados para as suaves ondas de loiro que caíam logo abaixo
dos meus seios. Finalmente encontrou meus olhos e visivelmente engoliu.
— Uau.
— Quatro e trinta e um, e ela é toda sua! — Hailey declarou,
devolvendo a Beckett o cartão de crédito.
— Obrigado, Hailey. — Ele enfiou o cartão no bolso do peito.
— O que você diz Ella MacKenzie? Quer me fazer pai? — Ele
ofereceu o braço, e meu coração acelerou como as mil borboletas que se
instalaram no meu estômago.
— Você definitivamente poderia ir atrás disso depois, — Hailey
sussurrou enquanto eu passava, mas só dei um a olhara para ela e voltei
minha atenção para Beckett.
Então, esqueci a Hailey e peguei o braço dele.
Seu cheiro era incrível e, quando ele abriu a porta para mim, me
inclinei para respirar mais fundo. Era como se o cara se esfregasse no
couro e vento novos e coisas realmente gostosas. Fosse o que fosse,
funcionou absolutamente para ele.
Atravessamos o saguão e parei na escadaria. — O que há de
errado? — ele perguntou, seu tom gentil.
— A última vez que estive neste tribunal, saí casada com Jeff. E
por mais errada que tenha sido essa decisão, não posso me arrepender,
porque isso me deu os gêmeos. Isso me levou a esse momento. Para você.
Ele apertou com mais força a minha mão e sua atenção cintilou
nos meus lábios.
Me beija.
— Aqui estão vocês! — Mark chamou do alto da escada. — Vamos
começar esse show, sim?
— Vamos? — Beckett perguntou, sua voz baixa e áspera.
— Sim. Vamos.
Meia hora depois, saímos do tribunal com um pedaço de papel que
dizia que Beckett era o pai de Maisie e Colt.
Eu sabia que era apenas para proteger Maisie, dar a ela a melhor
chance que ela tinha de lutar contra a doença, mas assim que nós dois
assinamos, parecia mais significativo do que uma transação comercial.
Uma minúscula, mas inegável, chama de esperança surgiu em meu
coração por não estar apenas no papel - era real.
Meus filhos agora também eram de Beckett.
E eu estava apaixonada por ele.

***

— Eu o odeio! — Xinguei quando bati a porta da frente quatro horas


depois. Os faróis de Beckett desapareceram quando ele voltou para o seu
chalé.
— Odeia quem? — Ada perguntou, saindo da cozinha.
— Beckett é o meu palpite, — disse Larry do chão do banheiro,
onde estava consertando a casa de bonecas de Maisie.
— Sim, Beckett! — Eu surtei. — Oh, obrigada, Larry. Eu realmente
aprecio isso.
— A adoção não deu certo? — Ada perguntou calmamente, me
levando para o escritório.
— Não, foi tudo bem. A noite toda foi perfeita! Ele me levou para
jantar e pediu vinho, depois me levou de teleférico até o Village para um
daqueles pequenos concertos ao ar livre e dançou comigo. O homem
dançou comigo! E então me trouxe para casa, me acompanhou até a
porta e me abraçou. Ele me deu um abraço de boa noite.
A preocupação caiu em seu rosto e ela suspirou com um sorriso
suave. — Oh, Ella. Você se apaixonou por ele, não é?
— Ele me abraçou!
— Não que eu te culpe. Ele é um bom homem; ele é mesmo. É
espetacular com as crianças, gentil, confiável e bom de olhar. Adicione
seu complexo de cavaleiro de armadura brilhante, e você certamente se
apaixonará por ele. — Ela pegou minhas mãos.
— Ele me abraçou, — sussurrei.
— O que você vai fazer sobre isso?
— Nada. Ele já deixou claro que isso está fora de cogitação e não
posso culpá-lo. Não tenho exatamente um fardo leve, você sabe. Dois
filhos, um doente, um negócio para administrar, enormes problemas de
confiança. Não sou mesmo o que alguém como ele procuraria.
— E como ele é precisamente?
— Perfeito.
Ada suspirou e soltou minhas mãos. — Certo, bem, você é livre
para ficar aqui e fazer esse drama. Mas caso sinta vontade de agir de
acordo com sua idade e fazer algo espontâneo, Larry e eu estamos
ocupando o quarto para passar a noite. Então estaremos aqui. A noite
toda. E pela manhã. Você sabe... só por precaução.
— Eu ajo de acordo com minha idade.
— Oh, querida, você não age, e você nunca agiu. Você não é velha,
não está estragada, não é uma solteirona. Você tem vinte e cinco anos.
Então sim. Eu vou dormir.
Fiquei no meu escritório, sem vontade de me trocar, mas também
sem querer tirar os saltos. Parecia um pouco demais com derrota.
VOCÊ É O SUFICIENTE.
Olhei para as palavras de Chaos, cantando-as na minha cabeça.
Ele estava certo. Eu era o suficiente e acabei sendo passiva em qualquer
que fosse meu relacionamento com Beckett.
Olhando para o diploma feito à mão de Maisie, meus olhos se
demoraram na letra agitada de Beckett. O que acontecia com os militares
e a caligrafia pior que de médico? A dele era tão ruim quanto a do Chaos,
e isso dizia alguma coisa.
Eu perdi Chaos antes que pudesse agir de acordo com meus
sentimentos, e não cometeria o mesmo erro com Beckett.
Saí do meu escritório, peguei minhas chaves da mesa de entrada e
saí. Eu poderia jurar que ouvi um “é isso aí”, vindo da janela do quarto
de hóspedes quando entrei no meu carro, mas quando olhei para trás, o
quarto estava escuro.
— Você é o suficiente, — disse para mim mesma o tempo todo que
dirigi para o chalé de Beckett. Suas luzes estavam acesas, então pelo
menos eu não estava acordando o homem. Estacionei o carro e engoli de
volta o leve gosto de pânico que inundou minha boca, endireitando
minhas costas enquanto eu subia seus degraus.
toc. Toc. Toc
Coloquei meus dedos na porta antes que eu pudesse perder a
coragem, mas nos preciosos segundos que Beckett levou para responder,
comecei a cultivar algumas penas muito parecidas com galinhas em volta
do meu coração.
— Ella? — Ele respondeu, abrindo a porta. Ainda estava de terno,
mas afrouxou a gravata e desabotoou o botão superior da garganta,
revelando uma pequena parte da pele que eu estava de repente
desesperada para beijar. — Está tudo bem? É Maisie?
— Maisie está bem, — falei, ao mesmo tempo irritada e amando-o
ainda mais porque pensou nela primeiro.
— Oh, bom. O que está acontecendo? Entre. — Ele se afastou e
entrei no chalé, seguindo pelo corredor. Onde antes era frio e impessoal,
agora havia desenhos que Colt e Maisie haviam desenhado pendurados
em vários lugares, como aqueles que me vi olhando na geladeira dele
enquanto entrava na cozinha. Ele adaptou seu "limpo e ordenado" e nos
deixou "complicar" o próprio espaço em que vivia. Bobo, mas os desenhos
acalmaram um pouco o meu medo desenfreado de que Beckett
desapareceria um dia.
— Você quer uma bebida? — Ele perguntou devagar.
— Não. — Virei-me para encontrá-lo encostado no balcão. Ele tirou
o paletó em nossa caminhada. — Você me levou para um encontro.
— Sim. — Ele me deu um sorrisinho sexy enquanto desabotoava
os punhos da camisa e eu queria chutá-lo.
— Você me levou para um encontro. Jantar, dança, passeio
romântico. Então me levou para a minha porta e me abraçou. Como se
eu fosse sua irmã. — Eu segui em frente e sua expressão mudou, um
olhar de fome piscando antes que ele a controlasse.
— Sim. Culpado em todos os aspectos.
— Eu não sou sua irmã, Beckett.
— Já reparei. — Ele respirou fundo e colocou as mãos no balcão,
os nós dos dedos ficando instantaneamente brancos.
Eu me encostei contra ele, quase gemendo com a pressão de seus
músculos duros sob meus dedos enquanto eu descansava minhas mãos
em seu peito.
— Bem, pode ser que os encontros tenham mudado nos últimos
sete anos, mas na minha limitada experiência, eles terminam com um
beijo. — Eu me levantei na ponta dos pés até minha boca pairar logo
abaixo da dele.
— Ella. — Ele disse meu nome como um apelo, mas para quê? Para
nos dar o que nós dois queríamos? Para eu recuar e deixá-lo dormir com
sua honra?
— Me diga o que você quer. Porque quero te beijar. Mesmo que seja
só uma vez. — Fechei o pequeno espaço entre nossas bocas e rocei meus
lábios nos dele. Como um homem tão duro podia ter lábios tão macios?
Seu corpo virou pedra contra o meu, todos os músculos travados.
Sob as pontas dos meus dedos, seu coração começou a bater forte.
Ficando mais ousada, eu o beijei suavemente, permanecendo em
seu lábio inferior. Então me afastei apenas o suficiente para olhar em
seus olhos. O resto dele poderia ser uma estátua, mas aqueles olhos
diziam tudo o que ele não dizia, e ele estava a um segundo de...
Sua boca bateu contra a minha, e o resto dele ganhou vida. Uma
das mãos passou pela parte de trás do meu cabelo enquanto a outra
segurou na minha cintura e me puxou ainda mais perto.
Eu me abri debaixo dele, e sua língua varreu por dentro, tomando,
consumindo, conhecendo cada linha da minha boca. Um gemido
escorregou dos meus lábios e enterrei minhas mãos em seu cabelo,
puxando suavemente os fios curtos.
Então o beijei de volta como tinha sonhando há meses.
Nossas bocas emaranhadas, o beijo com um sabor doce, como o
vinho que terminamos depois da nossa dança, e igualmente intoxicante.
Ele chupou minha língua em sua boca, e ansiosamente esfreguei a dele,
acariciando e acariciando. Bom Deus, o homem sabia o que estava
fazendo.
Meu mundo inteiro existia nesse beijo, na sensação dos braços de
Beckett ao meu redor.
Ele mudou o ritmo, chupando suavemente meu lábio inferior antes
de inclinar a cabeça e me beijar mais fundo, até que me tornei nada além
de necessidade. O calor correu por minhas veias, trazendo-me à vida,
uma variação eufórica dos formigamentos em meus membros depois que
eles adormeceram e foram trazidos de volta ao sentimento.
— Deus, Ella, — ele gemeu, seus dedos apertados no meu cabelo.
— Sim, — insisti, amando tudo sobre isso. Ele curvou seu corpo
sobre o meu, depois me levantou pela minha bunda e girou, me colocando
no balcão. Então, usou as duas mãos para segurar minha cabeça e me
beijou até que eu não conseguia me lembrar do meu próprio nome - só
que eu pertencia a ele.
Meus dedos correram ao longo de seu pescoço, até que segurei sua
gravata por baixo, curvando meus dedos pelo espaço onde ele afrouxara
o nó.
— Eu poderia te beijar para sempre, — ele disse contra a minha
boca.
— Por mim, tudo bem.
Ele sorriu e não pude deixar de imitá-lo. Tudo parecia tão
incrivelmente certo. Ele afastou uma mecha do meu cabelo do meu rosto
com uma ternura que fez meu coração palpitar, como se estivesse
alcançando-o. Eu amo este homem. Só esse pensamento fez meu desejo
aumentar subir um pouco, até que estava inquieta e sentindo dor.
Meu desejo sexual nos últimos sete anos havia sido um circuito
quebrado e, de repente, as luzes voltaram a acender quando Beckett
ligava interruptor após interruptor.
Beijando-me de novo, ele deslizou os braços em volta de mim, e
quando me puxou para a beira do balcão, abri minhas coxas, deixando
tudo junto, lábios, peitos e quadris. Havia um extremo no beijo agora, um
desespero grave que só poderia ser o resultado do desejo que ambos
mantivemos firmemente preso nos últimos meses.
Amaldiçoei as camadas de tecido entre nós, desejando ter escolhido
uma saia mais curta e menos fofa. Ele interrompeu nosso beijo e ofeguei,
sugando um pouco de ar necessário quando ele colocou a boca no meu
pescoço. Puta merda.
— Beckett, — choraminguei, deixando minha cabeça rolar para
trás e dando-lhe acesso irrestrito a qualquer parte de mim que quisesse.
Elas eram todas dele.
Ele apoiou minhas costas arqueadas com uma mão e abriu o botão
único do meu bolero com a outra, sem parar a investida no meu pescoço.
Pousou longos beijos de boca aberta no meu pescoço, na minha clavícula
e no meu decote.
Meus sapatos atingiram o chão de madeira quando eu os chutei,
prendendo meus tornozelos ao redor de sua cintura para trazê-lo mais
forte contra mim.
Isso me rendeu outro gemido de seus lábios. Recostando-me, apoiei
minhas mãos no granito frio, tão em desacordo com o calor da minha
pele. Ele passou as mãos pelos lados dos meus seios, pela minha cintura,
pelas minhas coxas cobertas pelo vestido, até alcançar a pele nua dos
meus joelhos.
Eu nunca tinha ficado tão feliz por estar sem meia-calça em toda a
minha vida.
Mãos fortes deslizaram debaixo do meu vestido, subindo pelas
laterais das minhas pernas. A pele dele era áspera e calejada, mas seu
toque era gentil, com exceção da pressão de seus dedos quando apertou
a parte superior das minhas coxas. Tive o desejo insano de pedir a ele
para apertar mais forte, para deixar algum tipo de marca que me diria
amanhã que isso aconteceu de verdade, que não foi tudo um sonho.
Ele me beijou, grudando em minha boca num ritmo que fez meu
quadril arquear nele, desejando que suas mãos se movessem. Nunca
tinha sido beijada com tanta experiência ou cuidado, nunca senti meu
sangue subir a um pico de febre como este. Era uma absoluta, completa
e deliciosa loucura.
Seus polegares acariciaram a linha das minhas coxas, roçando a
borda da minha calcinha, e senti essa sensação em todos os lugares. No
meu interior, minha barriga, as pontas dos meus seios. Aquele
movimento simples acariciou meu coração e o fez disparar.
— Mais, — implorei, apertando minhas coxas ao redor dele,
precisando da pressão para aliviar a dor, mesmo que só um pouco.
Como se eu o tivesse mordido, ele soltou minhas coxas e recuou
um passo, meu choque afrouxando meu agarre o suficiente para que ele
se soltasse dos meus tornozelos.
— Certo, isso é o contrário de mais, — falei, minhas palavras tão
agitadas quanto minha respiração.
Ele se recostou no outro balcão, seu peito subindo e descendo tão
rapidamente quanto o meu. Pelo menos não era a única afetada por
aquele beijo. Ele parecia totalmente torturado e um pouco zangado
quando soltou a gravata.
Porra, isso era sexy.
Ele fechou os olhos enquanto suas mãos puxavam seu cabelo. Era
a própria imagem de um homem intensamente excitado que não
conseguia se controlar, e talvez eu fosse má, mas eu adorava saber que
o deixei assim.
— Beckett.
— Não. — Ele balançou a cabeça quando abriu os olhos. A maneira
como seu olhar passou sobre mim, meu vestido mal cobrindo minhas
coxas ainda abertas, foi tão intenso que enviou outra onda de pura
luxúria através do meu corpo. — Assim não.
Um corte rápido de medo deslizou pelo meu esterno. Para ele, o
beijo não foi o mesmo evento de curvatura de gravidade que foi para mim?
— Você prefere esperar mais quatro meses para me beijar? Porque
somos nós, Beckett. Sempre vou ser irmã de Ryan. Sempre vou querer
você e se o jeito que você me beijou é alguma indicação, você me quer
também.
— Eu sempre soube que seria assim entre nós. Desde o momento
em que pus os olhos em você, soube assim que minhas mãos... — Ele
prendeu o lado do lábio inferior entre os dentes por um segundo, depois
agarrou o balcão.
— Suas mãos o quê? — Provoquei, sentando-me ereta e
descansando meus braços.
— Eu sabia que, assim que pusesse as mãos em você, seria um
milagre eu parar tempo suficiente para ter um pensamento racional em
minha cabeça. Tocando você... Deus, Ella, se você tivesse alguma ideia
do quanto te quero, ainda não estaria sentada no meu balcão me olhando
assim.
— Talvez eu saiba. — Passei a língua pelo lábio inferior. — Talvez
me sinta da mesma maneira. E pensamentos racionais são
superestimados.
— Fique com esses pensamentos.
— Por quê? Talvez eu queira ser imprudente pela primeira vez.
Talvez eu goste da maneira como você tira todo pensamento racional da
minha cabeça. Talvez seja exatamente por isso que preciso disso, preciso
de você. — A dor centrada entre minhas coxas me fez mover meu quadril.
Sexo nunca foi algo que procurei, ou um grande show de fogos de artifício,
mas nunca me lembrei disso começando com essa necessidade
torturante e arranhando.
— Estou realmente tentando aqui.
Tentando minha paciência.
A agulhada da rejeição foi doída. Juntei meus joelhos e abotoei meu
bolero com as mãos trêmulas. — Eu não entendo você. Falo que quero
que você me beije e foge para trás do sofá. Raspo minhas pernas e visto
um vestido, e você se despede com um abraço. Me jogo em você e você
me beija como se eu fosse a única mulher no mundo, e agora está aí.
Beckett, não posso deixar meus desejos mais claros e nem posso ser a
que corre atrás de você sempre. Se me quer fisicamente, mas não me
quer, então diga. Porque acabei de ouvir você me dizer não como se
houvesse algo errado comigo.
Ele teve a coragem de parecer magoado, como se a constante
abordagem de nosso distanciamento físico fosse mais dolorosa para ele
do que para mim. Como se eu não estivesse constantemente tentando
tirar nosso relacionamento da zona de amigos.
— Você me vê como uma irmã? É isso?
— Foda, não! — Ele suspirou. — E agora falei duas vezes um
palavrão.
— Não estou nem aí. Você pode falar foda aos montes se isso
significar que está interessado em usar como um verbo. — Apoiei minhas
mãos no balcão e me preparei para descer, encontrar meus sapatos e
minha dignidade e levar minha bunda sexualmente frustrada para casa.
— Olhe para mim. — Sua voz assumiu o tom grave que eu amava.
Levo meus olhos para os dele, desejando poder entender o que
diabos o homem estava pensando. O que o impediu de pegar o que eu
sabia - ou pelo menos realmente tinha esperanças – que ele queria. — O
que você está pensando? — Eu balbuciei.
— Estou contando quantos copos de vinho você tomou. Dois no
jantar. Um após o show, e por quanto tempo? Cinco horas? — Os olhos
dele se estreitaram em pensamento.
— Não estou bêbada, se é isso que você está sugerindo! Como se
eu precisasse de álcool como desculpa...
— Oh, não, — ele me interrompeu, deixando sua voz ainda mais
baixa. — Não estou perguntando por causa de você. Estou perguntando
por causa de mim, para que eu saiba que quando fizer a próxima
pergunta, você não esteja bêbada demais para responder.
Minha língua molhou meus lábios repentinamente secos. — Certo.
— Você me quer, Ella?
— Acho que tenho sido bem clara que sim.
Ele balançou sua cabeça. — Não. Não quis dizer “você quer dar uns
amassos comigo”? Você me quer? Porque estou de pé aqui, tentando
manter minhas mãos no balcão para não as enfiar embaixo do seu vestido
até o interior das suas coxas.
Meus lábios se separaram, muito pesados para ficarem fechados.
— Porque sei que na hora que estiverem nessa pele macia, não há
como eu ser capaz de respirar sem transar com você, deslizando dentro
de você como tenho fantasiado por muito tempo. — Enunciou essa última
parte, deixando bem claro exatamente o que queria que acontecesse, caso
eu não tivesse entendido.
Era exatamente isso que eu queria, que desejava... precisava mais
do que cada respiração que ele estava falando.
— E quando isso acontecer, tudo vai mudar entre nós, Ella. Então,
preciso que me diga que me quer ou saia pela porta antes que algo para
o qual você não está pronta aconteça.
Eu não conseguia me lembrar de estar mais pronta para qualquer
coisa na minha vida.
— Eu. — Abri o botão do bolero. — Quero. — Tirei-o. — Você. —
Deixei cair no chão.
— Ella, — Ele empurrou o balcão.
— Aqui e agora, — acrescentei, desabotoando o botão atrás do meu
pescoço, apenas no caso de o homem precisar do meu consentimento -
inferno, meu apelo - registrado. As tiras flutuaram para os lados, as
curvas dos meus seios segurando o decote no lugar.
— Obrigado, Deus. — Ele não se incomodou com os botões da
camisa, apenas alcançou a parte de trás da cabeça e a tirou da maneira
incrivelmente sexy que os caras faziam. Mas Beckett faz isso cem vezes
mais sexy quando seu torso foi revelado.
Todos os músculos ondulantes e pele adorável. Tenho certeza de
que eu poderia ter um orgasmo só de olhar para ele. Não que já não tivesse
acontecido com uma ajudinha movida à bateria, mas se houvesse um
momento, seria esse.
— Você é tão... — Acenei minhas mãos em sua direção. — Tudo
isso é apenas... eu não tenho palavras.
— Bom, — ele disse, deixando cair a camisa no chão. — Porque vou
precisar usar essa boca para outras coisas além de conversar. — Ele
diminuiu a distância entre nós com dois passos, segurou meus joelhos
em suas mãos e separou minhas coxas. Então, cumpriu sua promessa,
enfiando as mãos debaixo do meu vestido até chegarem ao topo das
minhas coxas, apenas para agarrar e depois puxar para ele.
Fechei meus braços em volta do pescoço dele quando ele me beijou.
Era profundo, poderoso e primitivo, sua boca tomando a minha como se
estivesse reivindicando. Liberado, Beckett beijou com um pouco menos
de delicadeza e muito mais urgência. Meu corpo respondeu, meus seios
ficando tensos e calor disparando sobre a minha pele.
Ofeguei contra sua boca quando seu polegar deslizou sob a beira
da minha calcinha, e minhas unhas levemente arranharam seu couro
cabeludo quando ele me abriu e roçou meu clitóris.
— Beckett, — implorei, empurrando meu quadril em sua direção
em reflexo.
— Estou com você, — ele prometeu. Então me beijou lentamente,
sua língua deslizando na minha enquanto seu polegar me excitava,
girando, acariciando e pressionando, transformando aquele calor na
minha barriga em um nó tenso que se enrolava cada vez mais forte.
Movi-me inquieta, minha necessidade de sentir sua pele contra a
minha brigando com a minha igual necessidade de manter suas mãos
exatamente onde estavam. Como se lesse meus pensamentos, sua mão
desocupada deslizou sobre minha cintura até minhas costas, onde abriu
o zíper do meu vestido.
O tecido cedeu facilmente, descobrindo meu sutiã sem alças.
Arqueei, pressionando meus seios contra seu peito, e ele pressionou seu
polegar contra meu clitóris, enviando raios de prazer através de mim,
doces e cortantes ao mesmo tempo.
Ao enfiar o polegar, ele fez algum tipo de bruxaria nas minhas
costas que desabotoou meu sutiã, liberando meus seios enquanto a peça
caía no meu colo. Ele interrompeu nosso beijo para olhar para mim,
segurando um seio com reverência e passando os dedos sobre o mamilo
endurecido.
— Perfeito, — ele disse antes de abaixar a cabeça para levá-lo à
boca. Movendo o polegar ao mesmo tempo, arqueei as costas e gritei.
Isso era tão gostoso.
Joguei minhas mãos atrás de mim para apoiar meu peso e me
entreguei à boca e aos dedos dele. Essa tensão aumentou mais até ficar
impossivelmente mais tenso, meus músculos travando no que eu
esperava que fosse o meu primeiro...
— Beckett! — Gritei o nome dele quando ele apertou meu clitóris
em um golpe profundo, levando meu corpo para o colapso total enquanto
meu orgasmo me levava ao limite, a liberação chegando em ondas
poderosas que inclinavam o eixo da Terra.
Ele me beijou com leves e saborosas carícias de seus lábios contra
os meus. Até reunir forças para abrir os olhos e o encontrar me
observando, um olhar de total adoração em seu rosto.
— Eu poderia ver você fazer isso um milhão de vezes e ainda assim
querer mais.
— Isso foi... — O que tinha nesse homem que roubou todas as
minhas palavras e me transformou em uma idiota que pronuncia meia
sentença? — Bom trabalho.
Ele sorriu. — Bom trabalho?
Oh, Deus, acabei de dar um soco verbal no cara.
— Bem, sim. Eu nunca... sem... bem, com ninguém.
Seus olhos se arregalaram em entendimento. — Há muito mais.
— Sim, gosto desse plano. — Antes que eu pudesse dizer algo mais
ridículo, eu o beijei, passando minhas mãos pelas costas dele. Sua pele
era firme, quente e muito macia. Quando cheguei ao cinto, deslizei meus
dedos ao longo de sua cintura, saboreando a maneira como seus
abdominais flexionavam, e ele respirou fundo entre beijos.
Quando cheguei ao zíper, fiquei ousada e peguei sua ereção na
minha mão e a agarrei levemente. Ele era tão duro quanto o granito
embaixo de mim, longo, grosso e - se fosse algo como o resto de seu corpo
– sem dúvida perfeito.
Sua respiração entrecortada transformou em um completo silvo de
ar entre os dentes cerrados.
— Ella...
Simplesmente olhei para ele, deixando-o ver o quanto eu queria ele,
isso, nós. Tudo isso.
Em vez de me parar, ele simplesmente assentiu e fechou os olhos
pelos poucos segundos que acariciei seu corpo.
— Deus, querida, — ele sussurrou.
Ele me deu mais uma chance de o acariciar e depois tirou minha
mão, colocando-a no balcão. Antes que eu pudesse reclamar, ele tirou a
carteira do bolso de trás e a lançou no balcão ao meu lado.
Então, obrigada, tudo o que é bom e certo no mundo, ele
desabotoou a calça, tirando os sapatos e tirando a roupa tão rapidamente
que tudo que eu podia fazer era assistir em apreciação.
O homem era pura perfeição, e inteirinho meu para o tocar.
Com água na boca, corri os dedos dos peitorais pelas linhas de seu
abdômen, descendo devagar até o monte do lado. Ele não era apenas
definido, ele era musculoso, seus músculos se elevando pelo abdômen.
Ele deu um passo à frente, entre as minhas coxas, e me beijou até
que eu não conseguia pensar em nada, a não ser na sensação de sua
boca, o calor de sua pele, o ritmo de sua respiração. Ele me levantou um
pouco, ajustando meu vestido para que minha bunda atingisse o granito,
depois deslizou o tecido sobre a minha cabeça, deixando-me com nada
além de minha calcinha de seda azul.
Então, fixou os olhos nos meus, prendeu os polegares nas tiras e a
arrastou pelas minhas pernas e a tirou. Não havia tempo para ficar
envergonhada, não quando ele estava me beijando, pele com pele. O
contato aumentou tudo, e nossas mãos estavam rapidamente em toda
parte - tocando, procurando, descobrindo um ao outro.
Quando ele deslizou as mãos entre as minhas coxas, a pressão
familiar aumentou de novo, a dor dentro de mim começando a pulsar.
— Tão maravilhosamente molhada, — ele disse entre beijos.
Então, deslizou um dedo dentro de mim e quase saí do balcão. —
Isso é incrível. — Balancei-me contra seu dedo e ele acrescentou outro, o
estiramento fazendo a dor latejar.
Ele abriu a carteira com a mão livre, deslizando um pacote de papel
alumínio.
— Andar de cima? — perguntou.
— Aqui. Agora. Não há mais espera. — Quase sem pensar nos
movimentos firmes e profundos de seus dedos, agarrei a camisinha e a
abri. Minhas mãos tremiam quando a levei à cabeça de sua ereção. Eu
tinha razão, até isso era perfeito.
— Eu não sei... Oh, Deus, Beckett! — Ele adicionou um terceiro
dedo enquanto seu polegar roçava suavemente meu clitóris hipersensível.
— Precisa de ajuda?
— Sim. Nenhuma experiência com... — Gemi quando ele enrolou
seus dedos, encontrando aquele ponto indescritível dentro de mim que
fez meu quadril se mover para montar sua mão. — Isso. Grávida aos
dezoito, lembra-se?
Ele cobriu minha mão com a dele, empurrando-nos lentamente em
seu comprimento até que ele estivesse coberto. — Essa pode ter sido a
coisa mais erótica que fiz na minha vida, — sussurrei.
— Eu também. Você leva tudo na minha vida ao próximo nível.
Sua boca encontrou a minha em um longo beijo carnal que
terminou com ele gentilmente mordiscando meu lábio inferior. Seus
dedos saíram de dentro de mim e fiquei tensa quando ele nivelou seu
quadril com o meu.
— Nervosa? — ele perguntou, beijando o local logo abaixo da minha
orelha.
— Um pouco. Faz sete anos desde que fiz isso.
Ele pegou meu rosto em suas mãos e me beijou suavemente. —
Tenho certeza de que ainda funciona da mesma maneira.
Eu sorri e relaxei instantaneamente com outro beijo.
— Não se preocupe, estou com você, — ele disse outra vez, e as
palavras tomaram meu nervosismo como se nunca existisse.
Como se não estivesse posicionado entre minhas coxas, ele tomou
minha boca com cuidado e, em segundos, eu tinha meus tornozelos
presos em volta da cintura, saboreando o contraste de sua estrutura dura
com minhas curvas. Ele acariciou meu corpo, trazendo o fogo de volta
ainda mais quente do que tinha sido.
Quando meu quadril começou balançar contra seus dedos, ele
encostou sua testa na minha. E quando essa dor rugiu, e estiquei minha
mão para o seu quadril, ele agarrou o meu, cutucando sua ereção na
minha entrada.
— Por favor, — eu disse, arqueando contra ele.
Mantendo uma mão no meu quadril, ele agarrou a minha nuca com
a outra e nos puxou tão perto que nossas respirações se misturaram,
mas não me beijou, simplesmente observou meus olhos enquanto
empurrava dentro de mim lentamente centímetro por centímetro.
Soltei um gemido suave quando ele se encaixou, tão profundo que
consegui senti-lo por todo o meu corpo, como se ele tivesse perfurado
minha alma.
— Ella, — ele gemeu. — Deus, você é tudo.
Ele deslocou a mão no meu quadril para debaixo da minha bunda,
me levantando um pouco e me puxando mais para a beira do balcão antes
de começar a empurrar em um ritmo profundo e seguro. Nossos corpos
se moveram como se estivéssemos fazendo amor juntos por anos, em vez
de momentos, como se ele fosse o único homem para quem fui criada.
Passei meus braços em volta dele, segurando a parte de trás de sua
cabeça enquanto ele me levava cada vez mais alto, cada golpe trazendo
essa tensão ao ponto de ruptura, até que nossos corpos estavam
escorregadios de suor.
Ele não mudou seu ritmo, apenas me levou repetidamente como se
fosse durar para sempre, como se não houvesse outro objetivo senão
sentir aquele momento. Não havia despertadores, horários, nenhum
lugar mais urgente do que estar aqui nos braços do homem que eu
amava.
Meus músculos travaram, esforçando-se para se libertar, e Beckett
me beijou, ao mesmo tempo deslizando o polegar entre nós para acariciar
meu clitóris. Eu me desfiz, gritando quando o orgasmo tomou conta de
mim, mais fundo e mais forte do que já senti na minha vida. Ele tomou
meus gritos em sua boca, como se estivesse se alimentando do meu
prazer, como se fosse mais do que sexo para ele também.
Eu o segurei perto, a emoção me levando além da razão.
— Eu te amo. — As palavras saíram da minha boca sem
preâmbulos ou pensamentos.
Ele fez uma pausa, seus olhos se arregalando. Então, me beijou
profundamente e com força enquanto empurrava selvagemente, sem
ritmo, enrijecendo em meus braços e soltando, enterrando seu rosto no
meu pescoço quando encontrou sua libertação, meu nome em seus
lábios.
Antes que eu pudesse me sentir estranha, ele se afastou, pegando
meu rosto em suas mãos. Nossa respiração estava irregular, e a dele
diminuiu antes da minha. — Eu te amo, — ele disse, mantendo os olhos
presos nos meus.
— Mesmo? — Era quase demais esperar, ter esse tipo de felicidade.
— Eu te amei desde o começo. É bom saber que você me alcançou.
Meu sorriso foi instantâneo e correspondeu ao dele.
— Agora, quanto tempo temos? Porque gostaria de levá-la para
cima e fazer isso de novo apropriadamente.
Se isso não foi apropriado, mal podia esperar para ver o que era.
— A noite toda. Temos a noite toda.
— Posso trabalhar com isso.
E ele fez isso.
Outras três vezes antes do café da manhã.
CAPÍTULO DEZENOVE
BECKETT
Carta nº 4

Chaos,

David Robins me convidou para sair hoje. Quem é David Robins, você
provavelmente está perguntando? Ele é realmente o melhor por aqui. Vinte
e oito, bombeiro, bonito, todo o material de romance. Qualquer garota em
sã consciência teria aceitado.
Claro, eu disse não. Já lhe falei uma vez, não tenho tempo para
homens e nada mudou nas últimas seis semanas em que escrevemos um
para o outro. Finalmente, tenho Solitude pronta para conquistar o mundo,
e simplesmente não posso me permitir a distração.
Mas então, às vezes, quando estou deitada na cama à noite, me
pergunto se é só isso. Claro que não namorei enquanto estava grávida.
Claro que o divórcio veio, mas eu tinha assuntos mais importantes em
mente. Quando Colt e Maisie nasceram, o primeiro ano foi um borrão entre
a alimentação e a dentição e dois bebês em dois horários. Claro, eles são
fofos agora, mas não eram tão fofos às duas da manhã, juro. Então eram
crianças, e eu ainda estava correndo sem rumo e descontroladamente
igual a uma mãe solteira com gêmeos. Agora eles estão no jardim de
infância, e sinto que finalmente minha vida está estabilizada.
Mas ainda disse não quando David me perguntou.
O que diabos estou esperando? Não é como se eu precisasse de um
raio. Eu não sou mais uma garota romântica boba. Sei que há mais em um
ótimo relacionamento do que química.
Mas também não quero acabar como a louca dos gatos da rua.
Honestamente nunca fui uma pessoa felina, então isso provavelmente
seria um problema em algum momento.
E você? É difícil namorar quando você sai com tanta frequência? Isso
é algo em que você pensa? Feliz solteiro? Deve ser difícil tentar começar
alguma coisa quando geralmente está no meio do mundo, né?

Ella

***

Ela parecia tão tranquila enquanto dormia. Normalmente, Ella


estava sempre ligada no duzentos e vinte - sempre em algum lugar que
precisava estar ou algo que precisava fazer, mas enquanto dormia, tudo
nela relaxava.
Ela merecia ficar assim o tempo todo.
Olhei do seu rosto adormecido para o relógio. Sete e meia da
manhã. Eu não tinha dormido tão tarde, ou tão bem, desde... não
conseguia nem lembrar desde quando. Sem pesadelos e pensamentos
desgovernados, apenas Ella e um sono doce e feliz.
Havoc acordou, sacudindo o sono e deitou a cabeça na cama.
O mais silenciosamente possível, levantei-me, pegando uma calça
de moletom e vestindo-a. Nós poderíamos estar isolados aqui, mas não
queria chocar muito os hóspedes que possam dar um passeio matinal ao
redor do lago.
Atravessamos a casa e abri a porta no terraço dos fundos. Havoc
correu para porta e já estava na floresta quando desci as escadas para o
pátio abaixo.
As pedras estavam frias nos meus pés descalços, mas fiquei ali de
qualquer maneira, deixando o frio tomar o calor da minha cama. Frio
significava que era real. Ella estava lá em cima na minha cama. Passei a
noite passada mostrando a ela exatamente como me sentia sobre ela, e
se Havoc se apressasse, talvez eu pudesse voltar para a cama e mostrar
mais uma vez.
Ela me amava.
A alegria que senti com esse conhecimento foi temperada pela
minha culpa por saber que não a merecia. Ganhei o amor dela por
omissão, porque ela só conhecia esse meu lado - mantive o outro
cuidadosamente escondido. Escondido como o segredinho sujo que era.
— O que faço agora? — Perguntei a Ryan, olhando para a ilha.
Eu a mantive afastada até quebrar, meu autocontrole não era nada
quando se tratava daquela mulher. Se eu fosse um homem melhor, eu a
teria mandado embora ontem à noite. Teria parado depois daquele beijo.
Definitivamente não deveria ter transado com ela no balcão da cozinha,
e depois na minha cama e no meu chuveiro. Um homem melhor teria
contado a ela o segredo, agora que a adoção foi feita e Colt e Maisie
estavam protegidos financeiramente.
Um homem melhor teria dito a verdade e sofrido as consequências.
Claramente, eu não era um homem melhor.
Não contei a ela porque não queria perder a expressão em seu
rosto. Não queria perder o calor de seu amor, do seu corpo, do seu
coração. Ainda não estava pronto para o meu sonho acabar. Inferno, não
contei a ela porque eu era egoísta e estava tão envolvido agora que não
havia como sair.
Havoc correu de volta para mim e a esfreguei atrás das orelhas. —
Vamos tomar café da manhã?
Subimos as escadas do terraço e atravessamos a porta de vidro
deslizante.
— Oh! — Ella parou com a bunda no ar, tentando calçar o sapato.
— Bom Dia? — Ela já estava vestida com o que usava no nosso encontro,
o cabelo preso em um nó e o rosto rosado de sono e sexo.
— Isso foi uma pergunta? Porque acho que é uma ótima manhã. —
Caminhei pela sala até onde ela estava na beira da cozinha.
— Bem, sim. Quero dizer, acho que sim? — Ela me deu um sorriso
constrangedor que teria deixado qualquer diretor de comédia romântica
orgulhoso.
— Mas você não tem certeza?
Seus olhos correram pelo meu peito e voltaram, seu rosto ficando
um tom de rosa ainda mais forte. — Não, eu tenho certeza. É um bom
dia.
Caramba, ela estava envergonhada. Minha Ella, que não se
importava com o que alguém pensava dela, estava toda desconcertada na
minha cozinha às sete da manhã.
— Café? — Perguntei, deixando minha mão deslizar ao redor de
sua cintura para suas costas enquanto eu passava por ela.
— Oh. Preciso ir para casa. Tenho certeza de que as crianças estão
acordadas e... tudo isso. — Ela começou a olhar ao redor do balcão,
movendo a cafeteira para o lado.
— Ella, o que você está procurando? — Perguntei.
— Minhas chaves? Estava com elas ontem, certo? Porque vim
dirigindo, mas não me lembro do que aconteceu com elas depois que
entrei. Acho que me distraí.
Peguei a mão dela, segurando-a e virando-a para me encarar. —
Você não estava com elas quando entrou. Meu palpite seria que estão no
seu carro.
— Ah não! E se alguém roubou! — Ela começou a andar, mas
bloqueei seu caminho dando um passo ao lado.
— Querida, estamos no meio do nada. Ninguém roubou seu carro.
Os olhos dela se fecharam. — Por que eu as deixaria no carro?
Porque é isso que adultos maduros fazem, certo? Deixam as chaves no
carro enquanto saem correndo e fazem o que querem.
Ela estava tão perturbada e fofa, mas eu sabia o que estava
desencadeando o colapso, e precisávamos resolver o problema. Agora.
— Abra seus olhos. Ella. Por favor.
Lentamente, seus cílios tremeram, e aqueles olhos azuis bebê
olharam para mim. — O quê?
— Estou apaixonado por você. Já estava apaixonado por você antes
de dormirmos juntos, e ficarei apaixonado por você pelo resto da minha
vida, se meu coração serve de alguma indicação. Nada na noite passada
mudou isso. Eu sou eu. Você é você. Nós somos... o que você quer que
sejamos.
— O que nós somos?
— O que você quiser que sejamos? — Meu peito apertou,
esperando-a responder. O que ela quisesse, eu daria a ela.
— O que você quer que sejamos? — Ela virou o jogo.
De repente, vi todas as discussões sobre o que teríamos para jantar
pelos próximos cinquenta anos. — Eu quero você. Falei isso ontem à
noite.
— Você queria sexo. Agora é dia e não estou cobrando nada do que
você disse ontem à noite. E sei que essa deve ser a manhã mais
embaraçosa de todos os tempos, então me desculpe, mas não tenho
muita experiência nesse departamento. — Ela puxou o lábio trêmulo
entre os dentes.
— Eu quero você. Todos vocês. Acredite em mim, colocar minhas
mãos em você é uma grande vantagem, porque não tenho certeza se
alguém lhe contou ou não, mas você é incrivelmente linda. Mas quero
mais do que uma noite sua na minha cama. Ou no balcão da cozinha.
Acho que ela ficou com um tom de rosa ainda mais forte. Não
pensei que fosse possível.
— Então, onde isso nos deixa?
— Bem, meu dia está livre. Então pensei em bater na porta do
cartorário até abrir na segunda-feira e depois nos casar imediatamente.
— O queixo dela caiu e não pude deixar de continuar. — A menos que
você seja o tipo de garota que pega um voo para Las Vegas, nesse caso,
eu vou também. Então vamos para o meu pequeno, mas leal, culto de
seguidores do dia do juízo final. Já fiz os preparativos para você e as
crianças no abrigo, onde vocês vão cuidar das uvas.
Ela piscou, a boca ainda aberta.
— A menos que você prefira cuidar das cabras. — Graças a Deus
por todas as noites que Ryan me fez jogar pôquer. Eu era capaz de manter
uma cara séria.
— Você está brincando.
— Sim. — Eu peguei o rosto dela em minhas mãos.
— Oh! Graças a Deus. — Todo o seu corpo relaxou.
— Imaginei que estamos namorando. Como pessoas normais. Você
esperou o casamento para dormir com o seu primeiro, então sei o que
isso significa para você. E se você quiser se casar hoje, eu
absolutamente...
— Não termine isso! — Ela colocou a mão na ‘minha boca. —
Namorar é bom. Eu gosto de namorar.
Eu beijei sua mão, e ela a abaixou.
— Certo. Então estamos namorando. — Meu sorriso era tão grande
que machucou minhas bochechas.
— Exclusivamente, — disse ela com um aceno de cabeça.
— Me obrigue? — Inclinei-me para um beijo, e ela recuou com
aquele olhar “não mexa comigo” que ela gostava tanto. —
Exclusivamente, — concordei. — Ella, há uma razão para eu não ter
ficado com ninguém desde que cheguei aqui.
— Oh, por que você está fora de forma e queria praticar um pouco
primeiro? — Ela inclinou a cabeça divertidamente.
— Ah. Porque desde o momento em que vi seu rosto e ouvi você
falar, era a única que eu queria. Você me arruinou para outras pessoas
antes de saber meu nome. — Ela me arruinou desde o segundo em que
disse que se arrependia de ter escrito à caneta. Ela tinha toda a minha
alma quando terminei a primeira carta. — Agora que tive uma noite com
você, não quero apenas uma. Quero todas e estou disposto a aceitar o
que você quiser me dar.
Ela pareceu dividida por um segundo e depois suspirou em
frustração. — Isso foi muito bom. Não tenho nada demais para dizer. Só
que amo você.
Eu a beijei suavemente, uma simples carícia dos nossos lábios,
porque não pude evitar. — Essa é a coisa mais incrível que você poderia
ter dito. Acredite em mim. Não é algo que estou acostumado a ouvir. —
Ou qualquer coisa que merecesse, mas eu era o idiota que aceitaria.
— O que dizemos às crianças sobre nós? Sei que não é uma
conversa usual de primeiro encontro, mas não somos exatamente um
caso usual.
— Vou fazer o que você fizer. O que quiser contar, nós contaremos
a eles.
Ela colocou os braços em volta do meu pescoço. — Bem, o que quis
dizer, você é o pai deles.
— Tenho que dizer que também adoro ouvir isso. — Mesmo que
seja apenas entre nós. Eu sabia que isso não mudaria a maneira como
ela se sentia em manter a adoção em segredo, e tudo bem. Pela primeira
vez desde que cheguei em Telluride, senti como se tivesse tempo. Tempo
para conquistá-la, tempo para ganhar sua confiança.
— Certo, diremos a eles que estamos namorando. Não é como se
pudéssemos esconder por muito tempo de qualquer maneira. — Ela
pressionou contra mim.
— E por quê?
— Porque não tenho ideia de como não te beijar o tempo todo, agora
que sei como você é incrivelmente bom nisso. — Seus dedos se curvaram
no meu cabelo.
— Agora, veja quem está dizendo todas as coisas impressionantes.
Então eu a lembrei exatamente como eu era bom nisso. Até que ela
roubou todos os pensamentos da minha cabeça e fiquei mais uma vez à
sua mercê.

***

As pessoas podiam ser tão felizes assim? Parecia quase natural ter
isso como meu novo normal. Acordei, fui trabalhar, jantei com Ella e as
crianças e roubei beijos quando não estavam olhando.
Não estava mentindo quando disse que poderia beijá-la para
sempre. Ela era mil beijos diferentes em uma mulher, os macios e ternos,
os profundos e apaixonados, os duros e desesperados. Nunca sabia quem
estava em meus braços, e ainda assim eram todas Ella.
Tudo era Ella.
Dei um salto de fé e reservei meu chalé indefinidamente. Ella
protestou contra o custo, mas entreguei a Hailey meu cartão de crédito
com um sorriso. Indefinidamente não era para sempre, e eu já tinha
encontrado o lugar perfeito para começar algo mais permanente.
Acontece que recebi umas dicas de investimento de um amigo e a
localização era perfeita.
— O que você acha de uma tirolesa? — Colt perguntou da parte de
trás do chalé de Ella, olhando para a casa na árvore que passamos os
últimos dez dias construindo.
— Acho que é algo que você precisa perguntar à sua mãe, porque
não estou entrando nessa briga. — Baguncei as mechas curtas e
onduladas de seu cabelo. Ele parou de cortar no mês em que Maisie
conseguiu pular a quimio, e estava crescendo rapidamente.
Fazia um mês desde que eu adotara as crianças e onze dias desde
que Ella levou Maisie a Denver para seu primeiro tratamento com MIBG.
— Eu usaria um capacete! — ele argumentou.
Seja firme, lembrei a mim mesmo. Éramos apenas eu e Colt nos
últimos onze dias, com alguma ajuda de Ada e Hailey, é claro, e fiquei
surpreso que ele ainda não estivesse cantando de galo. Provavelmente
porque passou mais da metade daqueles dias na escola.
— Oh, não acho que isso seria uma discussão. Pare de testar sua
sorte, criança.
Ele suspirou. — Bem. Mas e uma rampa de terra para o meu
quadriciclo?
Hum. Agora essa ideia tinha algum mérito. — Hmmm.
Ele viu minha fraqueza e atacou, revelando aquele sorriso. — Quer
saber de uma coisa?
— O quê? — Perguntei com a mão no ombro dele.
— Acho que estava certo. Sabe, na volta do futebol.
Tentei pensar de qual jogo ele estava se referindo dentre as dezenas
que teve até agora. — Sobre o quê?
— É assim que deve ser ter um pai.
Oh, merda, eu ia chorar.
— Bem, talvez nem todo pai. Sei que o pai do Bobby não conseguiu
construir isso. E o pai da Laura também é muito legal. Ele pilota aviões.
Talvez todos os pais sejam legais de maneiras diferentes, sabe? Como
alguns pais nem são, você sabe... pais.
— Sim, — disse suavemente, porque não conseguia pensar em
outra palavra. Meu cérebro estava mole, junto com meu coração.
— Pensei muito nisso. — Ele me deu um sério aceno de cabeça.
— Estou percebendo. Eu amo você, homenzinho.
— Sim, eu também te amo. E queria mesmo uma rampa de terra.
Eu ri quando Ella entrou na garagem.
— Mamãe chegou! — Colt correu morro acima, Havoc toda feliz
atrás dele, atrás deles. Engraçado, fiquei em missões por um ano, às
vezes mais, e ainda assim os últimos onze dias pareciam mais longos do
que isso.
O tempo passava mais devagar quando você sentia saudade da
pessoa que ama.
Cheguei à garagem a tempo de ver Ella sair do carro e abraçar Colt.
Então ela esfregou as orelhas de Havoc e arrulhou algo para ela antes de
se levantar e empurrar os óculos de sol para o topo da cabeça.
— Ei, você. — Ela sorriu e meu peito ameaçou explodir. Eu a amava
mais agora do que um mês atrás, ou mesmo quatro meses atrás. Eu não
sabia como meu coração iria aguentar toda essa emoção se continuasse
crescendo a esse ritmo.
Peguei-a e beijei-a, sentindo a onda de lar como sempre sentia
quando nossos lábios se tocavam. — Senti saudades.
Ela segurou meu rosto áspero da barba e me beijou novamente. —
Senti saudades.
— Sim, a gente entendeu. Vocês ficaram com saudades um do
outro. — Colt riu, já correndo para a porta de trás aberta. — Você brilha?
Tem superpoderes?
— Acho que não, — Maisie respondeu, com a voz mais baixa que
o normal.
— Como você sabe? Você checou? Será que tem sensor aranha?
Pus Ella no chão e fui em direção à porta aberta, onde Maisie estava
balançando os pés para fora. Ela desceu do carro e foi instantaneamente
envolvida por Colt, que agora estava cinco centímetros mais alto que ela.
— Senti sua falta!
— Eu também, — ela disse suavemente, colocando a cabeça no
ombro dele. Olhei para Ella, que me deu um sorriso triste e com lábios
tensos.
— Tenho muito para lhe mostrar! — Ele puxou a mão dela, e ela
assentiu, começando a caminhar atrás dele até a casa da árvore, sem
dúvida.
— Ela está cansada, — falei para Ella, pegando sua mão enquanto
seguíamos as crianças.
— Exausta. Ela fez uma transfusão enquanto estávamos lá, mas
ainda está sem apetite, e o número de suas hemácias ainda está baixo e
ela só está... Aquilo é uma casa na árvore? — Ella parou, olhando para a
casa da árvore que havíamos construído entre dois pinheiros.
— Gostou?
Ela riu. — Você construiu uma casa na árvore para ele. Ele sempre
quis uma. — Aquela risada se transformou em um pequeno suspiro
enquanto seu rosto se contorceu de tristeza por um momento. Então,
apertou minha mão e forçou um sorriso. — Obrigada. Ryan... ele e... bem,
você a construiu e é incrível.
Ryan e Chaos. Eu sabia exatamente o que ela estava pensando.
Estou bem aqui. Nunca te abandonei. Mas destruí você.
Eu não disse nada disso, simplesmente beijei seu pulso. — Quer
ver?
— Sim!
Eu a conduzi para a escada, onde Colt e Maisie estavam. — Certo,
Colt, por que você não pega sua mãe?
— Está bem!
— Tem certeza de que essa coisa pode aguentar o nosso peso? —
Ella perguntou enquanto observava Colt subir. O garoto subiu a escada
com uma rapidez medonha. Ele seria um alpinista e tanto quando
crescesse.
— Na semana passada, aguentou metade da equipe de busca e
resgate, — falei a ela. — A não ser que subamos lá com dez de você,
estamos bem.
— Usou artilharia pesada, hein? — ela brincou.
Colt gritou, e olhei para cima para vê-lo cair do topo da escada.
Merda!
Dei um passo à frente, os braços estendidos e prontos quando Ella
ofegou.
Pouco antes de me alcançar, ele se segurou, suas mãozinhas
agarrando o centro grosso do degrau de madeira.
— Colt! — Ella gritou.
Ele apoiou o pé no degrau acima das minhas mãos e olhou para
nós com um sorriso enorme. — Isso foi legal.
Chupei um pouco de ar e soprei lentamente, desejando que meu
coração saísse do estômago. Aquele garoto seria a minha morte.
— Isso não foi legal! — Ella gritou, sua voz estridente e à beira do
pânico.
— Estou bem. Viu? — Soltou a escada rapidamente e a agarrou de
novo antes de cair.
— Pare com isso! Passei semanas no hospital com sua irmã e não
estou preparada para voltar!
— Tá bom, tá bom, — ele murmurou e subiu de volta, chegando ao
topo da escada e desaparecendo pela escotilha.
— Você está bem? — Perguntei a Ella.
Ela deu dois passos e enterrou o rosto no meu peito com um
suspiro enorme.
— Ele está bem. Foi apenas um escorregão. — Meus braços se
fecharam ao redor dela e eu beijei o topo da cabeça dela. — Acidentes
acontecem.
— Não tenho energia suficiente para acidentes. A gente não pode
só colocar os dois em uma bolha?
— Vou trabalhar para construir uma dessas. — Olhei para Maisie,
que estava estudando os apoios da casa na árvore. — O que você acha?
— É incrível! — Ela sorriu.
— Hoje, você é minha favorita.
— Eu ouvi isso! — Colt gritou, diretamente acima de nós. — Envie-
a para cima ou ande na prancha!
— Ninguém está andando em uma prancha, — Ella me avisou
quando soltou meus braços e subiu a escada.
— Não há prancha, — prometi a ela.
— Acho que você falou ao contrário, — Maisie gritou para Colt. —
Nós ainda estamos aqui embaixo.
— Tanto faz! Suba!
— Cuidado com isso, — eu disse a Maisie, tirando um balanço de
onde estava guardado na árvore. Estendi com uma mão e a sentei nele
com a outra. — Agora segure nas laterais.
Seus olhos brilharam quando uma rede subiu ao seu redor e ela
segurou na borda, passando os dedos pelos laços brancos. — Sério?
— Ella, prepare-se para pegá-la! — Eu gritei. Olhei pela escotilha
secundária e vi Ella assentir, confusa, mas pronta. Depois fui para a
roldana e comecei a levantar Maisie.
— Ahhh! Isso é tão legal! — ela gritou.
Ela atravessou a escotilha e Ella a tirou do balanço. Então peguei
a escada e fui encontrar minha pequena família na varanda. Estávamos
a uns cinco metros de altura e escolhemos um local onde as crianças
pudessem ver o lago. As crianças, que estavam checando as coisas legais
que Colt havia pedido na casa na árvore, como uma mesa e cadeiras, uma
cozinha de brincar e um tubo gigante de papelão que pintamos de
vermelho porque ele queria chamar a casa de árvore de “Estrela da
Morte”.
— Isso é incrível, — Ella disse, passando os braços em volta da
minha cintura. — Ryan teria adorado.
— Sim, mas ele queria um trampolim gigante para Colt pular daqui
de cima.
Os olhos dela se arregalaram.
— Bem, Colt pediu uma tirolesa.
— Daqui de cima?
— Ei, ele é seu filho, — eu disse com um encolher de ombros e a
abracei mais perto de mim.
— Eu gosto disso, — ela sussurrou. — Voltar para casa, sabendo
que Colt não estava sozinho.
— Eu também. — Eu beijei sua testa. — É tudo muito normal e sei
que parece loucura, mas estou realmente amando normal. Passar um
tempo com você e as crianças, ficar com você sozinho sempre que posso,
é realmente...
— Perfeito, — ela sugeriu.
— Perfeito, — concordei, olhando por cima do ombro para me
certificar de que as crianças estavam ocupadas antes de eu a beijar.
Nossos lábios se encontraram, e então Ella aprofundou. Fiquei
mais do que feliz em atender. Nossas línguas se tocaram brevemente e
depois nos separamos, ouvindo as crianças chegando.
— Não é tão legal? É como se a gente estivesse sozinho aqui em
cima! — Colt disse.
— Quase sozinho, — respondeu Ella, atirando-me um sorriso
conhecedor.
— Quase, mas não exatamente. — Concordei sobre as cabeças das
crianças enquanto olhavam para o lago.
— Eu amei, — Maisie me disse com um sorriso.
— Então tudo valeu a pena.
Eles correram para o outro lado da casa, e Ella se apoiou nas
minhas costas, passando os braços em volta de mim.
— Posso te encontrar sozinha mais tarde? — ela perguntou, suas
mãos deslizando debaixo da minha camiseta para esfregar as linhas dos
meus abdominais.
— Sim, quantas vezes você puder lidar. — Deus, eu a queria.
Precisava colocá-la debaixo de mim, sobre mim, ao meu redor. Precisava
me sentir conectado a ela da maneira que apenas o sexo fazia, os
momentos em que não havia preocupações, câncer, sem passos de
crianças, apenas nós e o amor que tínhamos um pelo outro.
Antes que ela pudesse responder, meu celular tocou. Estiquei a
mão entre nós ao meu bolso de trás e o puxei para responder. — Gentry.
— Ei, sei que você não está de plantão neste fim de semana, mas
temos alguns trilheiros perdidos, — a voz de Mark veio através da linha.
Suspirei. Tudo o que eu queria era jantar com as crianças, enfiar
suas caras sorridentes na cama e ficar muito sozinho com a mãe delas.
— Quão perdidos?
— Eles perderam o check-in há quatro horas.
— Vá, — Ella insistiu, beijando meu braço onde a pele encontrava
a camiseta. — Sei que precisam de você. Vá.
— Eu estarei aí em vinte minutos. — Desliguei o celular e puxei
Ella para meus braços. — Me desculpe. Esta é a última coisa que quero
fazer agora.
— Oh, Acredite em mim, você é a única coisa que quero fazer agora.
Ela disse com um beijo no meu queixo antes de me soltar. — Vem ficar
comigo esta noite depois que terminar?
Eu assenti. Limitamos as festas do pijama, mas eu não ia discutir.
Não essa noite. — Volto o mais rápido possível. Prometo. — Eu disse a
ela antes de beijar as crianças na testa enquanto corriam novamente. —
Você consegue descer Maisie?
— Consigo. Vá. — Ella ordenou.
Deixei meus olhos percorrerem seu corpo e suspirei em um drama.
— Turistas.
Ela descaradamente riu. — Ei, isso é vida normal. Não era você que
estava defendendo o normal?
— Se normal significar que chego em casa para você hoje à noite,
estou bem com isso.
E eu estava. Eu, o cara que nunca quis raízes, era todo sobre
colocá-los aqui no fundo. Isto era o que eu queria. Essa vida. Ella. Colt.
Maisie.
Normal. Todos os dias, normalmente comum.
Eu só precisava que Maisie sobrevivesse, porque não havia normal
sem ela nisto tudo.
SEIS MESES DEPOIS
CAPÍTULO VINTE
ELLA
Carta nº 5

Ella,
Ah, a questão do namoro. Sinceramente, não namoro. Por quê?
Porque minha vida não é justa para mulher alguma. Nós zarpamos num
piscar de olhos. E não tipo, “Ei, semana que vem vou embora.” “Desculpe,
não estarei em casa para jantar... durante os próximos dois meses”. Parece
um jeito ruim de começar um relacionamento quando nunca sei quando
vamos voltar para casa. Pensa nesta viagem, por exemplo. Nós pensamos
que levaria alguns meses. Definitivamente, não é a jornada de várias
paradas que tem sido. Eu não consigo imaginar deixar uma garota em casa
para esperar por isso.
Então, sem parecer... um idiota, prefiro não ter relacionamentos de
longo prazo. De certa forma, também não tenho certeza se sou capaz.
Quando você cresce sem saber nada sobre um bom relacionamento que
funciona, é muito difícil se ver em um.
Quanto a Robins, se você quiser ir, vá. Não se esconda atrás de sua
vida ou de seus filhos. Se você está com medo de chegar lá e se arriscar,
diga isso. Se aposse disso. O que você passou tornaria qualquer pessoa
normal um pouco tímida, sem dúvida. Ninguém vai pensar menos de você.
Só não se esconda atrás de desculpas. Você ficará mais forte quando
identificar o que a coloca no limite. E honestamente, eu vi fotos suas. Você
não vai acabar como a louca dos gatos, prometo.
Sou feliz solteiro? Acho que felicidade é um termo relativo, não
importa qual seja o assunto. Parei de tentar ser feliz quando tinha uns
cinco anos. Agora fico com contente. É mais fácil de alcançar e não me
deixa com a sensação de que algo está faltando. Uma hora vou sair das
forças armadas, quem sabe daqui a dez anos ou mais. Por enquanto, esta
é a vida que amo e estou contente. Objetivo atingido.
Conte-me um pouco sobre o Telluride. Se eu for à cidade como turista,
o que com certeza preciso ver? Fazer? Comer?

Chaos

***

Contente. Ultimamente, eu estava procurando a palavra certa para


descrever meus sentimentos sobre o borrão de minha vida, e era isso: eu
estava contente.
Eu amava Beckett com uma intensidade quase assustadora. Isso
não mudou - e algo me disse que não iria mudar. Mas também sabia que
havia coisas sobre ele que eu nunca saberia. Mesmo sete meses como
casal não haviam preenchido todos as lacunas de quem ele era antes de
aparecer em Solitude.
Na maioria das vezes, ele era o Beckett que eu conhecia, mas havia
momentos em que o peguei olhando para a ilha de Ryan, ou quando ele
acordou de um pesadelo, que não pude deixar de imaginar se algum dia
o conheceria do mesmo jeito que ele me conhecia.
Talvez tenha sido simplesmente o que vinha com o pacote quando
você amava um homem como ele. Aprendi em alguns meses de nosso
relacionamento que o amor era principalmente sobre compromisso, mas
sempre era sobre aceitação. Havia dezenas de pequenas coisas sobre ele
que poderiam me irritar, e o mesmo acontecia com ele, mas, na maioria
das vezes, éramos quem éramos e nos amávamos. Não havia sentido em
tentar mudar um ao outro, ou queríamos crescer ou mudar a nós
mesmos, ou não. Depois que você aceitava isso sobre alguém e ainda o
amava, você era praticamente indestrutível.
Beckett tinha aceitado que eu sempre seria superprotetora dos
gêmeos e que eu não estava nem perto de contar a eles que ele os adotara.
Aceitei que havia simplesmente partes dele que sempre permaneceriam
sombrias e secretas.
Mas não havia como negar que minha escolha de manter a adoção
em segredo foi diretamente impactada pelos momentos em que Beckett
se distanciava quando eu perguntava sobre seu passado.
Não era que eu não confiasse nele. Ele morreria por mim. Pelas
crianças. Mas até que eu tivesse 100% de certeza que ele ficaria - que
aquelas sombras em seus olhos não me levariam a encontrar suas malas
prontas - os gêmeos não podiam saber. Deus, eles o amavam, e até a
chance de Beckett destruir seus corações sendo o segundo pai a
abandoná-los era um risco muito grande. Não enquanto Maisie ainda
estava lutando por sua vida.
O pensamento de perder Beckett fez meu coração vacilar, e estendi
a mão pelo console da caminhonete para segurar sua mão enquanto ele
nos levava pelas estradas familiares para Montrose. Ele levantou minha
mão e beijou a parte interna do meu pulso, um hábito que eu amava,
sem tirar os olhos da estrada. A neve subia de ambos os lados, mas pelo
menos as estradas estavam limpas. Fevereiro sempre foi um mês
imprevisível.
— Você está bem aí atrás? — Perguntei a Maisie enquanto ela
brincava com o iPad que Beckett deu a ela no natal. Combinava com o de
Colt quase de forma idêntica, exceto o estojo.
— Sim, apenas fazendo um jogo de ortografia, a Sra. Steen me deu
para fazer a lição de casa. — Ela não olhou para cima, apenas continuou
movendo os dedos.
— Você trouxe Colt? — Perguntei, vendo o urso rosa preso no
assento ao lado dela.
— Sim. Ele ficou bravo por não poder vir, então prometi que Colt
viria. — Ela encontrou meus olhos no espelho e forçou um pequeno
sorriso.
— Você está nervosa.
— Estou bem.
Beckett e eu trocamos um olhar de soslaio, e nós dois deixamos
passar. Ela passou por trinta e três dias de inferno há um mês. A mega
quimioterapia tinha sido a parte mais cruel de seu tratamento.
Ela vomitou. A pele descascou. Ela tinha feridas no trato
gastrointestinal e um tubo de alimentação foi colocado porque não
conseguia segurar nada no estômago. Mas assim que terminou o
tratamento e as células-tronco foram transplantadas, ela se recuperou.
Voltou a ser a menina surpreendente em todos os níveis como uma
garotinha poderia ser.
Eu não poderia dizer que estava feliz, não com Maisie ainda lutando
por sua vida, mas havíamos ultrapassado a marca do ano em novembro,
e ela ainda estava aqui. Ela teve outro aniversário, outro natal. Colt
estava tendo aulas de snowboard. Solitude ficou lotada durante a
temporada de esqui e no verão, e Hailey havia se mudado alguns meses
atrás, sabendo que eu podia confiar em Beckett, que havia se deslocado
entre Telluride e Denver, para estar onde ele mais precisava.
Tudo voltou a Beckett. Ele assumiu os piores dias e os tornou
suportáveis. Aproveitou os bons dias e os tornou requintados. Cuidou
das crianças, levou Colt para a escola, levou Maisie para compromissos
locais, fez o jantar nas noites em que eu não conseguia escapar da sede
- não havia nada que ele não fizesse.
Então talvez eu não pudesse dizer que estava feliz, mas estava
contente, e isso era mais do que suficiente.
Chaos teria ficado orgulhoso.
Fazia quase catorze meses desde que perdi Chaos e Ryan, e eu
ainda não tinha ideia do motivo. Isso fazia parte do passado de Beckett
que tive um tempo quase impossível de aceitar. Apenas quase, porque o
ouvi gritar o nome de Ryan no meio de um pesadelo alguns meses atrás.
Aquele grito me disse que ele não estava nem perto de estar pronto para
conversar.
Ryan e Chaos se foram.
Beckett estava vivo e em meus braços, e isso significava que eu
tinha todo o tempo do mundo para esperar até que ele estivesse pronto.
Entramos no estacionamento do hospital e Beckett carregou Maisie
pelo estacionamento cheio de lama enquanto eu seguia seus passos,
agradecida por estar de botas.
Maisie ficou quieta durante a entrada e os exames de funções vitais
e completamente silenciosa enquanto tirava o sangue e passava pela
tomografia computadorizada.
Quando fomos colocados em uma sala de exames para aguardar a
doutora Hughes, ela era quase uma estátua.
— O que está pensando? — Beckett perguntou enquanto ele se
sentava na cama de exame.
Ela deu de ombros, balançando os pés debaixo da cadeira. Eles
fizeram um acordo após o segundo tratamento com MIBG - ela não ficaria
mais sentada em camas de exame mais do que o necessário. Ela disse
que a faziam sentir como uma criança doente e queria acreditar que
estava melhorando. Então Beckett se sentava na cama até o documento
chegar e depois trocavam de lugar.
— Eu também, — disse ele, imitando seus ombros.
— Eu, três, — acrescentei.
Isso nos rendeu um pequeno sorriso.
A doutora Hughes bateu e abriu a porta. — Olá, Maisie! — ela disse
para Beckett.
— Preso, — ele sussurrou.
Maisie sorriu e pulou para ocupar seu lugar quando ele se sentou
na cadeira dela e depois pegou minha mão.
— Como você está se sentindo? — A doutora Hughes perguntou,
fazendo as verificações físicas habituais.
— Bem. Forte. — Ela assentiu para enfatizar seu argumento.
— Eu acredito em você. Sabe por quê?
Minha mão apertou a de Beckett. Tão firme quanto tentei parecer
para Maisie, estava aterrorizada com o que ela ia dizer. Parecia tão injusto
fazer uma garotinha passar por tanta coisa e não dar certo.
— Por quê? — Maisie sussurrou, seus braços esmagando o ursinho
de Colt.
— Porque seus testes parecem ótimos, assim como você. Bem e
forte. — Ela bateu no nariz de Maisie com o dedo. — Você é uma estrela
do rock, Maisie.
Maisie olhou por cima do ombro para nós, um sorriso tão grande
quanto o estado de Colorado.
— O que exatamente isso significa? — Perguntei.
— Estamos analisando menos de 5% da medula óssea dela.
Nenhuma mudança desde que você saiu do hospital no mês passado. E
sem novos tumores. Sua garota está estável e em remissão parcial.
Essa palavra tropeçou em algo no meu cérebro e entrou em curto-
circuito, assim como aconteceu na primeira vez em que disseram câncer,
exceto que desta vez foi no final da alegria da descrença.
— Diga de novo, — implorei.
A doutora Hughes sorriu. — Ela está em remissão parcial. Isso
significa sem novos tratamentos por enquanto. Provavelmente vou querer
fazer uma sessão de radioterapia em alguns meses para limpar qualquer
uma das células microscópicas, mas enquanto as tomografias estiverem
voltando limpas, acho que podemos dar um tempo a ela.
Tudo ficou embaçado, e as mãos de Beckett esfregaram minhas
bochechas. Eu ri quando percebi que estava chorando.
Ouvimos a doutora Hughes explicar que não era uma remissão
completa. Ela fez um progresso significativo, mas não estava curada. Ela
esperava que o tratamento com radioterapia acabasse com o resto e então
poderíamos agendar a imunoterapia.
Depois, reiterou que mais da metade de todas as crianças com
neuroblastoma agressivo tem risco de reincidências após terem sido
declaradas em remissão total, que isso não era uma garantia, mas uma
pausa muito necessária. Suas tomografias semanais podiam até ser
feitas em Telluride, e ela faria a avaliação em Denver, sem necessidade
de dirigir para Montrose.
Anotei tudo o que pude processar na pasta dela, esperando poder
entender tudo mais tarde. Então Maisie pulou da mesa e fomos para o
carro. Maisie e Beckett conversaram e riram, brincando sobre a
quantidade de sorvete que ela iria comer enquanto tinha alguns meses
livre do tratamento. Ela declarou que iria comer uma cesta inteira de
Páscoa cheia chocolate e potes de manteiga de amendoim.
Beckett colocou Maisie na caminhonete e ela afivelou o cinto. Então
ele fechou a porta e segurou a minha mão enquanto me acompanhava
até o lado da caminhonete.
De repente, isso me atingiu. Maisie estava conversando sobre a
Páscoa, que era daqui dois meses. Minha visão nadou e cobri meu rosto
com as mãos.
— Ella, — Beckett sussurrou, me puxando contra seu peito.
Agarrei a beira de seu casaco e chorei, o som feio, doído e real. —
Páscoa. Ela vai estar aqui na Páscoa.
— Sim, ela vai, — ele prometeu, passando a mão pelas minhas
costas em movimentos vigorosos. — Está tudo bem em fazer planos, você
sabe. Olhar para o futuro, como será a vida para nós quatro quando ela
estiver saudável. Não há problema em acreditar em coisas boas.
— Estou presa há tanto tempo. Apenas vivendo de tomografia para
tomografia, quimio para MIBG. Nós nem compramos presentes até a
semana antes do Natal, porque eu não podia ver isso tão longe no futuro.
E agora posso ver daqui a alguns meses. — Claro, houve tomografias
semanais, mas alguns meses pareciam uma eternidade, um presente da
única coisa que nos foi negada - o tempo.
— Vamos aproveitar e desfrutar cada minuto que ela se sentir bem.
— Certo, — concordei com um aceno de cabeça, mas com a palavra
“remissão” a ser atiradas ao redor como uma bola de praia em um show,
senti o desejo angustiante de mais. Sempre empurrei para o lado o
pensamento de Maisie morrendo, mas também não tinha pensado em
sua vida. Meu mundo se estreitou à luta. Meu infinito existia dentro dos
limites de seu tratamento, nunca olhando muito à frente por medo de
tirar os olhos da batalha do momento. — Acho que estou ficando egoísta.
— Ella, você é a pessoa menos egoísta que conheço. — Seus braços
me apertaram, me imobilizando.
— Eu sou. Porque imploro há semanas, e agora vejo meses e quero
anos. Quantas outras crianças com neuroblastoma morreram enquanto
ela lutava? Três em Denver? E aqui estou vendo essa luz no fim do túnel
e rezando para que não seja um trem de carga vindo em nossa direção.
Isso é egoísmo.
— Então também sou egoísta. Porque desistiria de tudo para que
ela tivesse tempo. Para você ter tempo.
Voltamos para casa com Maisie cantando juntos com a playlist de
Beckett. As preocupações anteriores dela foram deixadas de lado por
mais um dia e outro teste.
Minhas preocupações persistiram. Desejar algo tão fora de alcance
tinha sido um pensamento distante, e agora que era uma possibilidade
real, esse desejo era uma necessidade gritante que empurrou todo o resto
para o lado e exigiu ser ouvida.
Eu não queria apenas esses meses. Eu queria uma vida.
Pela primeira vez desde que Maisie foi diagnosticada, eu tinha uma
esperança real. O que significava que eu tinha algo a perder.

***

Duas semanas depois, minhas costas bateram na parede do meu


quarto, e mal percebi. Minhas pernas estavam em volta da cintura de
Beckett, minha camisa perdida em algum lugar entre a porta da frente e
as escadas. A dele caiu em algum lugar entre as escadas e o quarto.
Sua língua estava na minha boca, minhas mãos estavam em seu
cabelo e estávamos pegando fogo.
— Quanto tempo nós temos? — ele perguntou, sua respiração
quente contra a minha orelha antes de arrastar beijos pelo meu pescoço,
persistindo no local que sempre trazia calafrios à minha pele e febre ao
meu sangue.
— Meia hora? — Foi um palpite.
— Perfeito. Quero ouvir você gritar meu nome. — Ele me carregou
para a cama, e alguns segundos e algumas roupas depois, estávamos
ambos alegremente nus.
Éramos especialistas em sexo silencioso, do tipo em que bocas e
mãos cobriam os sons de orgasmos, onde você roubava banhos ou
sessões no meio da noite para evitar as inevitáveis interrupções de
crianças. Há muito tempo tiramos a cabeceira da cama da parede.
Mas ter a casa inteira por meia hora? Era uma desculpa para ser
francamente hedonista.
Ele se moveu sobre mim, e eu aninhei seu quadril entre o meu
enquanto ele me beijava até o esquecimento. Não importa o quão
reservado ele possa ser sobre seu tempo nas forças armadas, ele era um
livro aberto enquanto estávamos na cama. Nossos corpos se
comunicavam sem esforço, e de alguma forma conseguimos melhorar a
cada vez que fazíamos amor. O fogo que meio que esperava esfriar apenas
queimava mais e mais forte.
— Beckett, — gemi quando ele pegou um mamilo em sua boca e
deslizou a mão entre as minhas coxas.
— Sempre tão pronta. Deus, eu amo você, Ella.
— Eu. Amo. Você. — Cada palavra foi pontuada por um suspiro. O
homem sabia exatamente como me levar ao limite com nada mais do que
alguns...
Zummm.Zummm.
Forcei minha cabeça para o lado, onde vi o celular de Beckett
iluminado no chão ao lado de seus jeans.
— É. Para. você.
— Eu não ligo, — ele disse antes de me beijar. Entre a língua e os
dedos, eu já estava arqueando para encontrá-lo, desesperada para
aproveitar ao máximo nosso tempo sozinhos. Estes eram os momentos
em que nada mais importava, onde o universo inteiro se dissipava e nada
existia fora nossa cama -nosso amor.
Zummm.Zummm.
Droga. Olhei de novo e descobri as letras na tela dele. — É da
estação, e se ligaram duas vezes...
Beckett grunhiu seu aborrecimento, mas se inclinou sobre a cama
para pegar o celular. — Gentry. — Ele colocou a boca na minha barriga,
e passei minhas mãos sobre a ampla extensão de seus ombros. ―Não se
preocupe. Não.
Sua língua seguiu de volta para a curva do meu seio depois parou
abruptamente.
Ele se colocou de joelhos e eu sabia antes que ele dissesse uma
única palavra que ele estava saindo, porque já estava a milhões de
quilômetros de distância.
— Estarei aí em dez minutos. — Ele desligou o telefone e me deu
um olhar: aquele que dizia que não iria se não precisassem dele.
— Está tudo bem, — eu disse a ele, já sentado.
Ele colocou a mão no meu joelho. — Eu não iria se eles não...
— Precisassem de você, — terminei por ele.
— Exatamente. Houve uma capotagem perto de Bridal Veil Falls, e
uma menina de dez anos está desaparecida. Ela foi jogada do veículo. É...
é uma criança.
As crianças eram as pessoas que ele nunca dizia não. Mesmo que
não estivesse de plantão, se envolvesse uma criança, ele ia.
Inclinei-me para a frente e o beijei suavemente. — Então é melhor
você ir.
— Desculpa. — Seus olhos percorreram meu corpo. — Desculpa,
desculpa, desculpa.
— Eu sei. Eu te amo. Vá salvar a garotinha de alguém. — Eu o
joguei pela porta com Havoc e, cinco minutos depois, eu estava
completamente vestida no meu quarto.
Com uma casa vazia.
As opções eram infinitas. Eu poderia ler um livro. Eu poderia
assistir a algo que eu tinha gravado meses atrás. Poderia até tomar um
banho. Doce, tranquilo e feliz.
Em vez disso, escolhi lavar roupa.
— Vou começar uma colônia de nudistas, — murmurei enquanto
agarrava a cesta de Maisie e descia os degraus.
Meu telefone tocou no meio do caminho, e fiz apoiei a cesta no
quadril para atender. — Alô?
— Sra. Gentry?
Por mais adorável que pareça - interrompi esse pensamento.
— Não, sou a senhorita MacKenzie, mas conheço Beckett Gentry.
— Fui até a pequena lavanderia e joguei a carga. Se acabarmos morando
aqui depois que Maisie estiver curada, a primeira coisa da minha lista
seria pedir a Beckett para instalar uma lavadora e secadora nova e maior.
Caramba, eu tinha acabado de fazer planos não apenas para Maisie
viver, mas para Beckett ainda estar comigo. Eu estava mais que otimista
hoje.
— Senhorita Mackenzie?
A otimista que ignorou completamente o telefone em seu devaneio.
— Estou aqui. Sinto muito, o que você estava dizendo?
Coloquei sabão e apertei o começar, então saí da lavanderia para
que conseguir ouvir a mulher.
— Meu nome é Danielle Wilson. Trabalho para a Tri-Prime. — O
tom dela era todo negócio.
— Oh, a empresa do plano de saúde. Claro. Sou a mãe de Maisie
MacKenzie. Como posso ajudá-lo? — Cara, esses pratos também
precisavam ser lavados. Que diabos as crianças inventaram com Ada esta
tarde?
— Estou ligando em referência à carta que enviei ao comandante
do primeiro-sargento Gentry. A mesma cópia para você também. — Ela
com certeza estava irritada.
Pensei na pequena pilha de envelopes em minha mesa que
detalhava os pedidos pagos. — Desculpe, na verdade não as abro há
algumas semanas. Geralmente sou muito melhor com isso. — Mas saber
que tínhamos alguns meses de folga nos tratamentos me fez parecer
imprudente por não abrir correspondências relacionadas ao câncer. Eu
me senti como Ross naquele episódio de Friends, dizendo ao correio que
estávamos de folga.
Então, caiu a ficha do que ela disse.
— O comandante dele?
— Sim. Capitão Donahue? Também lhe enviamos a carta semana
passada, como forma de notificação.
Beckett estava fora. Ele disse que estava de licença antes da baixa
quando chegou aqui em abril, e já era a primeira semana de março. Eu
não sabia muito sobre o exército, mas não achava que a licença durasse
um ano. Oh Deus, ele mentiu para mim?
— Gostaria de agendar um horário para uma entrevista preliminar.
Semana que vem está disponível. Talvez meio-dia na segunda-feira?
— Sinto muito, você quer vir para Telluride?
—Sim, isso seria melhor. Segunda-feira funciona ou terça-feira
seria melhor para você?
Ela queria vir para Telluride em dois dias.
— Tudo bem na segunda, mas posso perguntar sobre o que é? Eu
nunca tive uma visita da empresa de planos antes.
O que ela falou a seguir me deixou atordoada em silêncio. Isso me
manteve imóvel até as crianças chegarem em casa com Ada. Depois,
silêncio durante o jantar e os banhos. Minha mente ia a dez mil direções
diferentes quando levei as crianças para a cama... e não parou por horas.
Passava das dez da noite quando Beckett entrou pela porta, usando
a chave que eu lhe dera sete meses atrás.
Ele estava exausto, com manchas de sujeira escorrendo pelo rosto.
Ele tirou a jaqueta de Busca e Resgate, pendurando-a na prateleira perto
da porta, e Havoc parou para receber uma pequena esfregada antes de
seguir em direção ao seu pote de água.
— Por que não tenho chave da sua casa? — Perguntei.
— Como assim? — Ele parou abruptamente quando me viu sentada
à mesa da sala de jantar em meio aos papéis abertos do plano.
— Eu dei uma chave da minha casa para você, e você dorme aqui
a maioria das noites agora. Parece tão simbólico, sabe? Deixo você entrar
e você mantém tudo bem trancado. Eu só entro quando você abre a porta.
Ele se sentou na cadeira no canto perto da minha. — Ella? O que
está acontecendo?
— Você ainda tem um oficial comandante? Donahue?
O modo como a expressão dele ficou em branco me deu a resposta.
Ryan tinha a mesma expressão sempre que eu perguntava a ele algo
sobre a unidade.
— Você ia me contar que não saiu?
Ele tirou o boné e passou as mãos pelo cabelo. — É um tecnicismo.
— Eu meio que vejo estar no exército como estar grávida. Você está
ou não está. Não há meio termo. — A dúvida sombria e raivosa que eu
mantinha afastada começou a cortar meu peito, indo até o meu coração.
— Você mentiu para mim esse tempo todo? Você ainda está dentro? Está
só esperando até eu não precisar mais de você para voltar? Ainda sou
apenas uma missão para você? Irmãzinha do Ryan?
— Deus não. — Ele pegou minha mão, mas eu a afastei. — Ella,
não é isso que está acontecendo.
— Explique.
— Alguém apareceu logo depois que cheguei aqui me pedindo para
voltar e recusei. De qualquer maneira, depois do que aconteceu, eu não
estava realmente pronto para voltar e Havoc pode obedecer a vocês, mas
ela não aceita comandos de outros adestradores.
— Ah, outra mulher que você arruinou para qualquer outro
homem, — eu disse, saudando-o com minha garrafa de água.
— Aceito isso como um elogio. — Ele se inclinou sobre a mesa,
apoiando os cotovelos na madeira escura e polida.
— Não é.
— Esse... cara me ofereceu um detalhe técnico, ficar fora por
invalidez temporária. Isso me permitiria deixar tudo igual no exército,
sem aparecer de verdade. Eu poderia voltar sempre que quisesse se
acabasse assinando uns papéis que começavam com um prazo de um
ano e podiam ser renovados até cinco. Ele completamente contornou o
sistema, fazendo o que podia para me dar uma maneira fácil de voltar.
— E você aceitou. — Eu não conseguia nem olhar para aqueles
olhos. No minuto que em que olhei, ele me convenceu de que estava
ficando, quando todas as provas apontavam o contrário.
— Eu recusei.
Meus olhos dispararam para ele.
— Mas na noite em que percebi que poderia colocar Maisie e Colt
no meu plano, sabia que tinha que assinar. Era a única maneira de deixá-
los 100% cobertos.
— Quando você fez isso?
— Na manhã em que fui ver Jeff. Foi exatamente um dia antes da
oferta expirar.
— Por que você não me contou? — Um pouco da minha suspeita
desapareceu.
— Porque sabia que você odiava tudo o que fizemos, a vida que
levamos. Que você me veria assinando esses papéis como meu carro de
fuga para quando eu acabasse de brincar de casinha aqui em Telluride.
Estou certo? — Ele se recostou e levantou a sobrancelha em questão.
— Talvez, — admiti. — Mas não pode me culpar, pode? Caras como
Ryan, e você... e... — Chaos. — Todos vocês têm a necessidade constante
de adrenalina. Ryan me falou uma vez que o momento em que se sentia
mais vivo estava no meio de uma batalha. Que tudo naquele momento
acontecia em cores vivas, e o resto de sua vida desaparecia um pouco por
causa disso.
Beckett brincou com a aba do boné e assentiu lentamente. — Sim,
isso pode acontecer. Depois que você tem esse nível de adrenalina
correndo pelo seu corpo, esse senso elevado de vida e morte, as coisas
cotidianas normais parecem estar um pouco abaixo. Como se a vida é
fosse um monotrilho na Disney, e o combate a montanha-russa - os altos,
os baixos dramáticos, as voltas e reviravoltas. Só que às vezes as pessoas
morrem na montanha-russa, e isso faz com que você se sinta ainda mais
sortudo em escapar e muito mais culpado.
— Então, por que eu não esperaria que você voltasse a isso? Se
somos o monotrilho, você deve estar entediado e, se não está, vai ficar.
— Porque amo você. — Ele disse isso com uma certeza tão incrível,
do jeito que alguém diz que o mundo era redondo ou que os oceanos eram
profundos. Seu amor era uma conclusão inevitável. — Porque beijar você,
fazer amor com você? Quando estamos juntos, você eclipsa tudo isso.
Isso nem fica em segundo plano, simplesmente não existe. O combate
nunca me incomodou antes porque eu não tinha nada a perder. Ninguém
me amava, e me importava apenas com Ryan e Havoc. Eu não poderia
abandonar você. Eu não podia atravessar o mundo e me preocupar com
você, com as crianças. Eu não poderia entrar em combate com a mesma
eficácia, porque eu saberia que se eu morresse, você ficaria sozinha.
Entendeu?
— Eu sou sua criptonita. — Isso não parecia tão lisonjeiro.
— Não, você me deu algo a perder. Outros caras casados estão bem,
mas talvez seja porque eles não tiveram uma infância tão bagunçada. O
amor por eles era o monotrilho. Você é a primeira pessoa que já amei, e
a primeira mulher que já me amou. Você é a montanha-russa.
Bem, se isso não enfiou um alfinete na minha bolha de raiva e a
estourou.
— Você deveria ter me dito.
— Me desculpe. Eu deveria ter lhe contado. Mas estávamos ficando
tão próximos naquela época e eu queria tanto você que não quis arriscar.
— Ele se sentou ereto e pegou minha mão, olhando nos meus olhos com
uma expressão tão intensa que um calafrio percorreu minha espinha. —
Se às vezes escondo alguma coisa de você é porque tenho medo de
arriscar perdê-la. Essa coisa toda de montanha-russa? Eu nunca me
senti assim. Nunca meu coração deixou meu corpo e pertenceu a outra
pessoa. Não sei como é ter um relacionamento e tenho a tendência de
estragar tudo.
Passei o polegar por baixo do pulso dele. — Você está indo bem.
Estamos indo bem. Se pensar bem, este também é o meu relacionamento
mais longo. Só não esconda as coisas de mim, certo? Sempre posso lidar
com a verdade e mentiras... — Engoli o nó na garganta. — Mentiras são
o meu limite. Eu preciso confiar em você.
E eu ainda o confiava, mesmo que ele tivesse escondido esse
detalhe de mim.
— Há coisas sobre mim que mudariam o jeito como você me olha.
— Você não sabe disso.
— Eu sei. — Ele estava tão certo.
— Me teste.
O músculo em sua mandíbula flexionou, e ele parecia que ele
poderia...
— Como você soube do meu comandante?
Ou não.
Decepção inundou meu estômago. — A empresa do plano de saúde
ligou. Estão mandando alguém na segunda-feira para nos entrevistar.
— O quê? Por quê?
— Acho que o valor das contas de Maisie disparou um alarme
interno com sua recente inscrição. Eles estão nos investigando por
fraude.
Seus olhos se fecharam lentamente e sua cabeça rolou para trás.
— Isso é fantástico.
— Beckett...
Ele se afastou da mesa e pegou o boné, colocando-o. — Acho que
vou dormir na minha casa hoje à noite. Não é você, apenas o resgate, e
preciso...
— Você encontrou a garotinha? — Perguntei, vergonha abaixando
minha voz porque eu não tinha pensado em perguntar antes agora, muito
consumida com meu próprio drama.
— Sim. Ela conseguiu sobreviver, mas foi por pouco.
Dei um suspiro de alívio. — Então estou feliz que você foi.
Quão diferente era essa conversa da que tivemos algumas horas
antes, quando ele partiu.
— Eu também.
— Fique. Por favor, fique — Pedi suavemente. — Sei que às vezes
você tem pesadelos depois de resgates. Eu dou conta disso. — Se eu
quisesse um futuro com esse homem, tinha que provar a ele que não iria
dar as costas quando ele mostrasse as partes que propositalmente
mantinha escondidas. — Eu te disse, não há nada que me faça olhar para
você de forma diferente.
— Eu matei uma criança.
Ele falou tão baixo que quase não o ouvi, mas sabia que ele não
repetiria, mesmo que eu perguntasse. Então, sentei-me o mais imóvel
possível e simplesmente observei o rosto dele.
— Foi um ricochete de bala. Ela tinha dez anos. Eu a matei, e nosso
objetivo não era nem no local do qual tínhamos informações. Eu matei
uma criança. Ainda quer dormir ao meu lado?
— Sim, — respondi rapidamente, lágrimas formigando nos meus
olhos.
— Você não fala sério. Ela tinha cabelo castanhos e olhos
castanhos claros. Nos viu chegando e estava tentando tirar seu
irmãozinho do caminho. — Ele agarrou as costas da cadeira. — Eu ainda
escuto a mãe dela gritando.
— É por isso que você vai para todo resgate de criança, não importa
o quê.
Ele assentiu.
Talvez fosse parte do motivo de ele estar tão determinado a salvar
Maisie também.
— Não foi sua culpa.
— Nunca mais diga isso para mim, — ele retrucou. — Eu puxei o
gatilho. Sabia dos riscos. Matei aquela criança. Toda vez que você me vê
com Maisie ou Colt, pense nisso e depois decida o quanto realmente quer
saber sobre como passei a última década.
Meu coração se partiu por ele, por aquela menininha e sua mãe.
Para o irmão que ela tentou tirar do caminho. Pela culpa que Beckett
carregava. Eu queria dizer a ele que ele não podia me assustar. Que eu
sabia quem ele era em sua alma, e ele era um homem fenomenal. Mas o
olhar em seu rosto me disse que não era uma opção hoje à noite - ele não
estava pronto para a absolvição de ninguém.
Caso ninguém lhe ter dito - você é digno. De amor. De família. De um
lar.
As palavras de Ryan em sua última carta a Beckett me atingiram.
Ele era a única pessoa que poderia conhecer Beckett melhor do que eu,
e eu tinha a sensação de que, embora conhecesse todos os lados bonitos
de Beckett, Ryan conhecia os sombrios.
Eu me levantei e estendi minha mão, esperando-o tomar sua
decisão. Depois do que pareceu uma vida, ele pegou minha mão e subiu
as escadas comigo. Depois que ele tomou banho, e nos deitamos juntos
na escuridão do meu quarto, Beckett me puxou contra ele, segurando
minhas costas na frente dele.
— Não te dei uma chave porque você é a dona do chalé, Ella. Achei
que você já tinha uma. Talvez eu devesse ter dito para você usá-la sempre
que quisesse, mas acho que achei que você sabia.
— Sabia o quê?
— Você me deu sua chave quando chegamos ao ponto do nosso
relacionamento em que você confiou em mim, tive permissão para
acessar você.
— Certo.
— Eu tive que ganhar sua confiança. Mas você teve a minha desde
o primeiro dia. Você já tinha uma chave. Sei que a porta do sótão está
um pouco entupida, mas aguarde um pouco.
Eu me virei em seus braços, lembrando cada vez que ele
perguntava se poderia me ajudar. O dia em que encontrou Colt em sua
casa. Na noite em que entrei para ler a carta do Ryan... e, em seguida,
novamente na noite da adoção. Quando ele chegou, fui eu que o excluí.
— Eu te amo.
— Eu sei e amo você, — ele me disse. Então, passou a hora seguinte
me mostrando com cada toque de suas mãos e beijo de sua boca.
Como eu disse, éramos especialistas em sexo silencioso. Sexo
alucinante, abalador da terra e modelador de almas.
CAPÍTULO VINTE E UM
BECKETT
Carta nº 21

Chaos,

É Natal. Hã. Eu me tornei mesmo essa pessoa, tão triste e consumida


pela preocupação que até escrever Natal parece deprimente?
Não deveria ser. Maisie está aqui e, já que faz uma semana desde
sua última sessão de quimio, ela está realmente se animando. Seu cabelo
caiu completamente agora. Começou a cair logo após a segunda sessão,
seu aniversário, para ser mais preciso. Uma vez que começou, ela me disse
para cortar tudo. Ela disse que era mais fácil ficar triste ao mesmo tempo
do que um pouco todos os dias.
Minha filha de seis anos é incrivelmente sábia.
Então é Natal e, enquanto meus filhos brincam com seus novos
brinquedos, quero me concentrar no que é bom.
Primeiro, obrigada pela manta. É muito macia e adorei isso. Gostaria
de perguntar onde você a encontrou, mas provavelmente significaria me
dizer coisas que você não tem permissão. Espero que seu presente tenha
chegado aí também.
Segundo, logo você vai estar aqui. Eu tenho que admitir, estou muito
mais animada com isso do que deveria estar. Sinto que já te conheço tão
bem, e te ver cara a cara é exatamente isso - te ver. Eu te conheci vinte e
uma cartas atrás. Como é incrível conhecer alguém através de suas
palavras diante do rosto, descobrir a mente atraente e ver se o corpo é
igual. Não que eu esteja julgando seu corpo. Tenho certeza de que é ótimo,
já que você faz o que faz. Quero dizer, está tudo bem.
Estúpida. Doida. Amiga de correspondência.
Só estou dizendo que tenho que admitir que estou atraída por quem
você é como pessoa. Isso é estranho? Espero que não. Mais pessoas devem
se encontrar assim, para realmente entender uma pessoa antes de ver a
embalagem externa.
E sei que são apenas cartas, mas tenho essa sensação louca de que
você me entende, provavelmente melhor do que qualquer um aqui.
Então venha para cá.

Ella

***

— Comporte-se, — eu disse a Havoc quando ouvimos batidas.


Abri a porta da frente e encontrei Ella parada ali, pasta na mão, o
rosto tenso. Era segunda-feira e a mulher dos planos de saúde chegaria
em dez minutos. Mudamos a reunião para minha casa, esperando não
preocupar Maisie.
Além disso, já que era o único no documento, era eu realmente
quem ela estava investigando.
— Café? — Perguntei quando Ella entrou.
— Estou tremendo o suficiente como está. — Ela tirou o casaco e
pendurou-o no cabide, revelando um jeans em que suas curvas se
encaixavam perfeitamente e uma blusa azul que combinava com seus
olhos. Puxa, ela parecia bem. Saudável. As sombras debaixo de seus
olhos estavam desaparecendo e sua pele tinha um brilho maravilhoso.
Mal podia esperar para ver como a luz aquecia sua pele através dos
vitrais que eu tinha acabado de instalar na nova casa - a que ainda não
havia contado a ela que construíra nos últimos seis meses. Esse foi um
segredo que fiquei feliz em manter. Mais duas semanas e finalmente
estaria pronta para entrar. Então ela teria esse chalé de volta para os
negócios e não sentiria que eu estava pressionando-a para morar juntos.
O fato de a casa ser perto de Solitude e grande o suficiente para
todos era apenas um privilégio.
— Não se preocupe. Nós não fizemos nada de errado. Eu juro. Esta
é apenas uma visita rápida.
— Ela veio de Denver, Beckett. Tem certeza de que não precisamos
de Mark? Não há nada rápido nisso. É inconveniente para ela e invasivo
para nós.
— Bem, tem isso, — eu disse, colocando meus braços em volta dela.
— Vamos ligar para Mark se for necessário, mas sinceramente acho que
não há com o que se preocupar.
Quando a campainha tocou de novo, eu suspirei. — Parece que ela
chegou cedo. Viva.
Deixei o calor dos braços de Ella e abri a porta para encontrar...
— Uau. O que você está fazendo aqui?
A boca tensa de Donahue me disse que não era por escolha. — Fui
convocado. Aparentemente, é mais fácil para fins de segurança do que
visitas aleatórias ao nosso “escritório”. — Ele levantou aspas no ar.
— Entre.
Ele entrou, colocando o casaco no cabide e depois parou um pouco
quando viu Ella.
— Senhorita MacKenzie — ele disse com um pequeno aceno de
cabeça.
— Você estava no funeral de Ryan. — Sua voz ficou suave.
Eu peguei a mão dela. — Ella, esse é...
— Capitão Donahue, — ele respondeu com sinceridade. — Já sei
que o demônio do plano disse a ela.
— Bem, é bom ver você de novo. Me desculpe, eu não fui gentil no
funeral de Ryan. Eu estava um pouco... fora de ordem.
— Você estava sofrendo. É compreensível. Além disso, Chaos me
falou tanto de você que parecia que eu que te conhecia.
Ele não poderia ter me chocado mais se tivesse me dado um soco
nas bolas.
— Chaos, — Ella disse esse nome como se fosse um maldito santo.
— Você o conhecia. Certo. Mesma unidade.
Os olhos de Donahue voaram para os meus e balancei levemente a
cabeça, imperceptível para qualquer outra pessoa, exceto para quem
havia trabalhado comigo em situações em que esse movimento era vida e
morte.
Como exatamente agora.
Ele instantaneamente deu a Ella um sorriso tranquilizador. — Bom
rapaz. Dava para ver que era louco por você. — Desta vez, seu olhar para
mim foi definitivamente um pouco desaprovador. — Gentry. Que tal um
café?
Isso não foi uma sugestão.
— Parece bom.
— Vou esperar aqui. Acho que vejo o carro dela entrando. — Ella
disse, com o rosto quase contra o vidro da porta.
— Que diabos está fazendo? — Donahue perguntou enquanto eu
fazia uma xícara de café para ele.
— O que Mac pediu.
— E ela não sabe?
— Não. E precisa continuar assim. — Depois que a máquina parou
de assobiar, entreguei a xícara a ele. Eu sabia que ele gostava de seu café
igual gostava de suas mulheres, preto e forte.
— Você adotou os filhos dela, e se meus sentidos sórdidos estão
certos, você está dormindo com ela, e ela não...
— Assim que ela souber, terminamos. Você sabe o que aconteceu.
Ela vai me chutar daqui tão rápido que vou ter um trauma cervical. Como
diabos vou ajudá-la então? Eu odeio isso. Mas é assim que é. Quanto
mais eu esperava para contar a ela, mais envolvido ficava e agora estamos
aqui.
A porta se abriu e fechou, seguida pelo som de dois pares de passos
femininos em nossa direção.
— Droga, Cha... — Ele balançou a cabeça. — Gentry.
— Bem, senhores. É bom ver que vocês estão aqui e prontos para
começar. Sou Danielle Wilson, e vocês devem ser Samuel Donahue e
Beckett Gentry.
Ela parecia estar perto dos quarenta anos, com um traje apropriado
e mínima maquiagem. Seu cabelo castanho estava preso em um apertado
coque francês, e um par de óculos pendurados em seu colar.
Meus instintos diziam que ela estava buscando sangue. Meu
sangue.
— Café? — Ofereci.
— Não, obrigada. Podemos começar?
Todos nos reunimos em volta da mesa da sala de jantar. Danielle
sentou-se à frente, espalhando pastas e cadernos como se estivesse se
preparando para estudar para as provas finais. Ella sentou-se ao meu
lado de um lado, com a mão firmemente dobrada na minha, e Donahue
ficou do outro lado, recostando-se na cadeira e bebendo seu café.
O cara sempre fazia uma cara de paisagem.
Mas por que ela o teria chamado?
— Vamos começar. Sr. Gentry, poderia me dizer como é que adotou
os filhos da senhorita MacKenzie? — Colocou os óculos, tirou a caneta e
apoiou-a sobre um bloco amarelo.
Moda antiga.
— Eu servi em uma unidade com o irmão dela, Ryan. Ele pediu em
sua última carta para eu vir para Telluride e cuidar de sua irmã, Ella.
Ela assentiu, escrevendo rapidamente. — Posso ver a carta?
— Não, — respondeu Ella. — Isso é particular e não é da sua conta.
Danielle se inclinou para frente, fixando os olhos de falcão em Ella.
— Sua filha foi adotada em julho e, desde então, custou à nossa empresa
mais de um milhão de dólares em tratamento de uma doença pré-
existente - e imediatamente tratada com uma terapia que não foi
aprovada pelo seu fornecedor anterior. A menos que você queira pagar
essas contas, sugiro que me traga a carta.
Oh, essa mulher não era mole, não.
Arqueei meu quadril e tirei a carta do bolso de trás, deslizando-a
sobre a mesa para ela. — Você não pode ficar com isso.
— Você guarda isso com você? — ela perguntou, olhando por cima
dos óculos para mim.
— Sim. Quando seu melhor amigo pede algo assim, a gente tem a
tendência de guardar por perto.
Ela abriu a carta e leu, depois tirou uma foto com o celular.
Eu me senti violado, como se ela tivesse acabado de tirar uma foto
da alma nua de Ryan sem a permissão dele. É o que ele iria querer. Ele
quer que sua família seja protegida.
E eu também.
— Interessante. Então a unidade sancionou esta missão? — ela
perguntou a Donahue.
— Não sei a que unidade você está se referindo, — ele respondeu
com um encolher de ombros.
— Estou bem ciente do que você sabe, capitão Donahue. Eu segui
seu histórico de documentos e o acordo que você fez com o Sr. Gentry
para mantê-lo nessa brecha de invalidez. Você planejou tudo isso? Deixá-
lo em invalidez temporária para que ele conseguisse pagar o plano da
irmãzinha aqui?
Donahue tomou um gole de café e fiquei chocado por não ter
congelado pelo seu jeito frio. — Não, mas se isso foi um benefício da
minha oferta, estou feliz por ter ajudado. Foi oferecido a Gentry a
invalidez temporária porque eu tenho o poder de oferecê-lo e ele não
estava apto a retornar ao serviço.
— E essas razões foram... — Ela olhou para ele.
— Está fora da sua alçada. Concordei em vir aqui para o benefício
de Ella e Beckett, e não tenho problemas em esclarecer qualquer coisa
que ache que exista. Mas você não tem autorização para saber... bem,
quase tudo. Tudo o que pode saber é que fui autorizado a oferecer-lhe
invalidez temporária na esperança de que ele se recuperasse o suficiente
para retornar à ativa a qualquer momento nos próximos cinco anos. A
documentação adequada foi arquivada e ele permanece elegível para
assistência médica. É isso aí. É tudo o que você vai saber de mim.
Ela ajeitou os óculos e olhou para mim e Ella. — Então você aparece
aleatoriamente em Telluride para atender à solicitação da carta do seu
amigo morto e adota os filhos dela.
— Não é aleatório, mas sim. Eu me apaixonei pelas crianças, assim
como me apaixonei por Ella. Quando você ama alguém, você quer
protegê-lo. Eles não tinham um pai em suas vidas e eu quis ser isso para
eles.
— Mas você poderia simplesmente se casar com a senhorita
MacKenzie e conseguir a mesma coisa, certo? — O olhar dela piscou entre
nós.
— Daí seria fraude, — eu disse enquanto a mão de Ella se apertava
na minha. — Isso daria a você um caso, embora se fossem atrás de todas
as garotas que correm atrás de soldados por benefícios, estaria muito
ocupada para aparecer aqui.
— Eu realmente não acredito em casamento, — Ella acrescentou.
O que. É. Isso?
— Não acredita? — Wilson perguntou, claramente não acreditando
nela.
— Não. Eu fui casada com o pai biológico de Colt e Maisie. Ele foi
embora assim que soube que eram gêmeos. Divorciou-se logo depois.
Casar-se com Beckett teria sido uma fraude absoluta quando eu não
tenho fé nessa instituição. Afinal, o que é isso se os votos não significam
nada e um pedaço de papel liga sua vida à de alguém tão facilmente
quanto o próximo dissolve o vínculo? Não significa nada. Mas a adoção
sim. Ele tem um vínculo incrível com meus filhos e compartilha tanto dos
deveres de pais quanto eu. Ele leva Maisie às sessões, leva Colt ao futebol
e ao snowboard. Construiu uma casa na árvore para eles e prepara
almoços pela manhã. Isso parece fraude para você?
Um silêncio constrangedor caiu quando Wilson fingiu olhar por
cima de suas anotações. Nada disso fazia sentido. Claro, as contas de
Maisie eram astronômicas, mas as pessoas adotavam crianças com altos
níveis de necessidades todos os dias.
— Se terminamos aqui... — Donahue começou.
— Não estou satisfeita. — O tom de sua voz, o jeito que ela
descaradamente olhou para Donahue, me fez inclinar para a frente e
analisar os detalhes de seu rosto. Isso era pessoal.
— Como você soube da unidade? — Perguntei.
— Meu melhor palpite é que ela descobriu com a irmã, Cassandra
Ramirez. — Donahue a encarou.
Ramirez. Ela saiu depois que perdeu o braço. Pelo que ouvi dos
caras antes de partir, a transição não foi fácil. Sobre isso, Ella estava
certa - caras como nós não desistiam da adrenalina sem lutar. Eu tinha
busca e resgate. Ramirez... não.
Ela engoliu em seco e bateu a caneta no papel algumas vezes antes
de olhar para cima. — Sim, sou irmã de Cassie. Mas isso não tem nada
a ver com esta investigação.
Besteira.
— Claro que tem, —Donahue disse com um encolher de ombros. —
Você quer justiça pelo que aconteceu com ela. Pelo fato de que ela teve
que sair antes de estar pronta, e eu não pude dar a ela o mesmo acordo
que dei a Gentry. Não o dinheiro - sua aposentadoria médica cobria isso
-, mas a esperança de voltar. É por isso que você está aqui. Não é por
Maisie, nem por Beckett, nem por Ella. É por mim.
Ela limpou a garganta e empilhou as pastas. — Isso não tem nada
a ver. Em absoluto. Sinto muito, mas, a menos que você possa me
fornecer uma prova de que tinha algum relacionamento estabelecido com
essa criança antes do diagnóstico, vou recomendar que seu caso seja
revisado e que todos os tratamentos atuais sejam suspensos enquanto
investigamos mais.
— Você não pode fazer isso! — Ella estalou. — Eles são filhos dele
por lei. Ele cuida deles, os apoia e age como pai de todas as maneiras.
— Engraçado, porque quando encontrei Colton mais cedo na
escola, ele me disse que não tinha pai. E quando perguntei sobre você,
ele disse que você era o melhor amigo de seu tio e namorado de sua mãe,
mas nunca mencionou ser adotado por você. Por que será?
— Você falou com meu filho sem o meu consentimento? — Ella
voou sobre a mesa, e tudo o que pude fazer foi colocar meu braço em
volta da cintura e puxá-la de volta.
— Relaxa. Com certeza não fazia parte da minha investigação. Por
acaso, fui à escola para obter mais alguns fatos sobre quando Margaret
foi retirada da escola e os contatos de emergência mudaram para Colton,
quando eu o vi.
— Mentirosa. — Ella fervia.
— Você passou dos limites, — eu disse o mais calmamente possível.
— Toda essa investigação é exagerada e, quando a encerrarmos, você
pode apostar que levaremos mais alto do que você.
— Há a vida de uma garotinha em jogo. — Ella falou em um tom
uniforme, mas sua mão segurou a minha. — E você só se preocupa em
se vingar de Donahue.
— Eu me importo com o cumprimento das regras, que esses
homens não devem ter problemas em respeitar. A verdade é que esse
homem adotou os dois filhos de sua agora namorada, um dos quais
precisa de milhões de dólares em tratamentos, e você nem disse às
crianças que eles são adotados. Cheira muito mal. Se não for necessária
uma investigação completa do Tri-Prime, você terá minhas desculpas, é
claro. Estamos combatendo fraudes este ano.
Ela estava em uma caça às bruxas, e mesmo que o que tínhamos
feito fosse perfeitamente legal, e de nenhuma maneira fraudulento, ela
distorceria tudo e nos jogaria no inferno enquanto eles “investigavam”.
Poderiam interromper os pagamentos dos tratamentos, exames de
Maisie, a próxima rádio... tudo isso. Mesmo que sejamos inocentes de
qualquer irregularidade, seria tempo suficiente para Maisie sentir as
ramificações.
A menos que eu pudesse provar que conhecia as crianças antes do
diagnóstico.
Um rugido surdo encheu meus ouvidos enquanto Ella e Wilson
trocavam palavras. Eu perderia Ella, mas sabia disso assim que apareci
em Telluride. O tempo que tive com ela foi um presente a que eu não
tinha direito. Inferno, eu tinha roubado. Ela realmente não conhecia o
homem por quem estava apaixonada, porque eu não contei a ela.
Três coisas. Três razões. Foi o que usei para decidir, acalmando
minha necessidade de pular primeiro e me arrepender depois.
Ella merecia a verdade.
Maisie merecia viver.
Meu amor pelas crianças não era fraude.
Decisão tomada.
— Se você esperar aqui um momento, — eu disse acima da briga,
pedindo licença à mesa. Subi as escadas dois degraus de cada vez e
peguei a caixa que mantinha enterrada debaixo de uma pilha de roupas
íntimas na minha mesa de cabeceira.
Provas na mão, desci as escadas lentamente. Ella e Wilson ainda
estavam discutindo, mas Donahue se virou para mim. Ele olhou a caixa
e minha expressão.
— Você tem certeza? — ele perguntou baixinho.
— É o único jeito.
Ele assentiu enquanto eu passava por ele para ficar ao lado de Ella.
A conversa parou e todos os olhos estavam em mim.
— Eu te amo. Eu sempre te amei — falei para Ella.
— Eu também te amo, Beckett, — ela respondeu, as sobrancelhas
juntas em confusão. — O que você está fazendo?
Beijá-la foi o primeiro pensamento em minha mente - levando o
último segundo com ela para que eu pudesse memorizar tudo. Mas já
tinha tirado o suficiente dela.
— Eu deveria ter lhe contado e sei que isso está prestes a me
custar... você, mas não posso deixar outra criança pagar pelos meus
erros, principalmente a Maisie.
A caixa emitiu um som suave quando eu a deslizei pela mesa.
Wilson a pegou e levantou a tampa quadrada. — O que exatamente estou
olhando?
Ela pegou as provas do meu pecado sobre a mesa e Ella ofegou.
— Por que você tem minhas cartas? As cartas dele? — ela
sussurrou.
Eu mantive meus olhos na Senhora Wilson, incapaz de me
preparar o suficiente para assistir ao amor morrer nos olhos de Ella
quando ela percebesse.
— Você disse que precisava de provas de que eu conhecia as
crianças antes do diagnóstico, que tinha um relacionamento com elas.
Você encontrará cartas datando antes do diagnóstico, além de imagens
desenhadas pelas crianças e pequenas anotações. Eu conhecia as
crianças, as amava e amava Ella antes de Maisie ser diagnosticada. Você
não tem motivos para investigar. Se isso fosse apenas sobre os
tratamentos de Maisie, eu também não teria adotado Colt. A verdade é
que eu queria ser o pai deles.
Wilson suspirou, folheando as cartas. — Vou precisar dar uma
saída e fazer uma ligação. — Ela tirou algumas fotos das cartas de Ella e
das crianças, juntou seus cadernos e saiu pela porta da frente.
— Ella... — comecei.
— Não. Nem uma única palavra. Ainda não. — Os nós dos dedos
dela estavam brancos e as pontas das unhas também, onde elas
cravaram no bíceps.
Donahue me enviou um olhar com tanta simpatia que quase
desmoronei ali mesmo.
Minutos se passaram. Os únicos sons em meio à tensão na sala
eram as batidas do relógio e o coração rasgando nos meus ouvidos,
consumindo todos os pensamentos. Tinha sido o suficiente? Acabei de
desistir de tudo... por nada?
A porta da frente se abriu e a senhora Wilson voltou, com uma leve
mancha de rubor nas bochechas. — Parece que me enganei. Me desculpe
— ela soltou a palavra — por ter incomodado vocês. Embora a situação
ainda permaneça em uma área muito... cinzenta, você não fez nada que
justificasse o cancelamento da política, e meu supervisor decidiu que a
investigação está encerrada.
Quase caí de alívio com a nossa vitória, não importa o que tivesse
custado.
— Não pareça tão decepcionada. Você pode ajudar os mocinhos
hoje. — Donahue se afastou da mesa. — Vou acompanhá-la para fora.
Wilson levantou-se e me deu um sorriso forçado. — Meu cunhado
disse você era um dos bons, se isso vale alguma coisa. Ele disse que você
e o cachorro eram perfeitamente compatíveis, como nada que ele já
tivesse visto. Até seus nomes significam a mesma coisa. Foi um prazer
conhecê-lo, senhor Gentry. MacKenzie. — Ela se virou para onde Havoc
estava sentado ao meu lado. — Havoc, certo?
— Por aqui, Sra. Wilson, — Donahue chamou. Ele fixou os olhos
em mim enquanto ela caminhava em sua direção. Ele sabia que eu estava
prestes a ter muito trabalho. — Essa oferta permanece. Você pode sempre
voltar.
Concordei e eles saíram, a porta se fechando com um som
ameaçador e ecoante atrás deles.
— Como você pôde esconder isso de mim? Por que você tem as
cartas dele? — Ella perguntou, levantando-se da cadeira e se afastando
de mim em direção à caixa.
— Ella.
Ela colocou as mãos nos dois lados da cabeça e a balançou. — Não.
Não. Não. Oh, Deus. A casa da árvore, a mesma letra no diploma de
Maisie. Havoc. Não é uma coincidência, é?
— Não. — Toda a minha vida fui capaz de compartimentar, desligar
minhas emoções. Foi assim que sobrevivi a todos esses anos em um
orfanato, como existi em operações especiais. Mas Ella havia mudado
algo em mim. Ela abriu meu coração e agora eu não conseguia calar a
maldita coisa. Essa dor era insuportável e era apenas o começo.
— Diga. Não vou acreditar, a menos que você diga. Quem é você?
Meus olhos se fecharam e minha garganta se fechou. Foi tudo o
que pude fazer para respirar. Mas ela merecia a verdade, e agora Maisie
estava protegida. Eu fiz tudo o que pude para honrar o pedido de Ryan,
e as consequências para o meu coração não importavam. Endireitei
minha coluna e abri os olhos, observando o olhar suplicante e
aterrorizado dela.
— Sou Beckett Gentry. Nome de guerra Chaos.
CAPÍTULO VINTE E DOIS
ELLA
Isso não estava acontecendo. Simplesmente me recusei a acreditar
que nada disso era real. Mas essas eram minhas cartas sobre a mesa,
junto com as figuras e bilhetes que as crianças haviam enviado para
Chaos.
Beckett.
Olhei novamente, apenas para ter certeza de que eu não tinha
enlouquecido. Não. Só meu coração.
— Como? Por quê? Você me disse que ele estava morto! — As
palavras voaram sem pausa para ele explicar. Talvez fosse porque eu
honestamente não queria ouvir. Não queria que minha minúscula bolha
de vidro se quebrasse.
— Eu nunca disse isso. Eu lhe disse que saber o que aconteceu
com Ryan - comigo - só ia machucar mais do que você já estava
machucada. — As mãos dele agarraram o encosto da cadeira. Sorte dele,
ter algo em que me segurar quando eu estava em queda livre.
— Como? Quando você está vivo! — Eu gritei. — Como pôde me
deixar pensar que estava morto? Por que faria isso comigo? Isso é algum
tipo de piada? Deus, as coisas que você sabia sobre mim quando
apareceu... por que Beckett? — Sentindo a tensão, Havoc se levantou,
mas não foi do lado de Beckett que ela se sentou, foi do meu.
— Não é uma piada - nunca foi. Não contei porque sabia que, assim
que descobrisse quem eu era, o que havia acontecido, você me expulsaria.
Merecidamente. E quando inevitavelmente o fizesse, eu não seria capaz
de ajudá-la. Não seria capaz de fazer a única coisa que Ryan me pediu,
que era cuidar de você.
— Meu irmão. Tudo isso foi pelo meu irmão? Você dormiu comigo
por ele também? Apenas para me manter perto? Me fez me apaixonar por
você? — Quanto de nós era mentira?
— Não. Eu me apaixonei por você muito antes de Ryan morrer.
— Não. — Recuei, precisando de distância e ar. Por que não havia
ar? Meu peito doía tanto que o simples ato de respirar tomou
concentração.
— É verdade.
— Não é. Porque se você me amasse, nunca me deixaria acreditar
que estava morto. Não teria me deixado em paz no pior momento da
minha vida e então aparecer alguns meses depois como outra pessoa.
Você mentiu para mim!
— Por omissão, sim, eu menti. Sinto muito, Ella. Eu nunca quis te
machucar. — Ele parecia convincentemente sincero, mas como poderia
estar quando mentiu para mim por onze meses?
— Eu lamentei você. Eu chorei, Beckett. Essas cartas eram
especiais para mim, você era especial para mim. Por que você faria isso?
Ele ficou ali em silêncio e estoico, e minha descrença e choque se
transformaram em algo mais sombrio e mais doloroso do que jamais
imaginei.
— Diga-me o porquê!
— Porque fui eu quem matou Ryan! — Seu rugido era gutural e
ferido, como se a admissão lhe tivesse sido arrancada de má vontade. O
silêncio que se seguiu foi mais alto do que qualquer uma das nossas
vozes.
Havoc me abandonou, sentando-se ao lado dele. Havoc e Chaos.
Quão perfeitos eles eram um para o outro.
— Eu não entendo, — finalmente consegui dizer.
Beckett inclinou-se um pouco, esfregando a cabeça de Havoc de
uma maneira que eu já tinha visto ele fazer centenas de vezes. Não era
para ela, mas para acalmá-lo. Ela era seu cão de trabalho e seu cão de
terapia, tudo junto.
— Você se lembra quando eu lhe disse que matei uma criança?
— Sim. — Não era provável que eu esquecesse algo assim.
— Foi no dia vinte e sete de dezembro. Essa informação não deu
certo e eu pirei. Você diz a si mesmo que você é o mocinho. Que está ali
para deter os terroristas, devolver aos civis o país que eles merecem, que
estamos mantendo nosso país seguro. Mas ver aquela menininha morrer
na minha mão... isso rompeu algo em mim. Não conseguia parar de
pensar nela, no que havia feito ou no que poderia ter feito diferente. —
Ele esfregou as mãos no rosto, mas juntou tudo.
Meu coração estúpido balançou em direção a ele, apesar de tudo
que ele fez. Eu já tinha visto em primeira mão o que aqueles pesadelos
fizeram com ele. O resto dele pode ser uma mentira, mas eu sabia que
aquilo era verdade.
— Na noite seguinte, novas informações chegaram e recebemos
ordens. Metade do esquadrão estava na missão, inclusive eu, mas o
pensamento de colocar minha mão na minha arma literalmente me fez
vomitar. Eu sabia que era um perigo não apenas para mim e para a
missão, mas para meus irmãos. Falei com Donahue e saí da linha de
combate. Sei que parece simples, mas não é. É admitir aos seus irmãos
que meu lugar não é com eles - que está quebrado. Donahue concordou
e disse que eu precisava de alguns dias de inatividade para acertar minha
cabeça.
— Isso é compreensível, — eu disse suavemente.
— Não faça isso. Não tenha pena de mim. Porque quando saí da
minha posição, ficou uma vaga vazia e Ryan pegou.
Eu respirei através da dor como aprendi quando mamãe e papai
morreram. Tudo o que eu queria desde que aqueles homens apareceram
na porta era meu irmão de volta, mas eu teria me contentado em saber o
que aconteceu com ele. Agora aquela porta estava aberta para a verdade,
e eu estava dividida entre o desejo de saber e a necessidade de arrancá-
la com força e continuar na ignorância.
— Ele tomou o seu lugar. — Apenas dizer as palavras enviou uma
corrente de emoção por mim toda. Orgulho por Ryan ter dado um passo
à frente. Raiva por se colocar em perigo vezes demais. Gratidão que
Beckett havia vivido. Mas a tristeza tomou conta de tudo. Eu senti falta
do meu irmão.
— Ele tomou o meu lugar. — A mandíbula de Beckett flexionou
quando ele respirou trêmulo. — Durante a missão, ele foi separado do
resto da equipe. Eles alcançaram o alvo, mas Ryan sumiu. Rumores
indicavam que foi capturado.
Meus olhos ardiam com a picada familiar de lágrimas. Mantendo-
os fechados, lembrei de Ryan, rindo com as crianças à beira do lago,
pulando pedras. Desistindo de ensinar-lhes destreza e apenas indo para
o concurso de respingos. Vivo. Saudável. Inteiro. Agarrei a imagem
mental com tanta força que quase senti a água na minha pele. Então,
abri meus olhos. — Conte-me o resto.
Ele balançou a cabeça quando seus punhos se fecharam. — Você
não quer saber o resto.
— Você perdeu o direito de me dizer o que acha que eu preciso.
Agora termine. Era como a mega-quimio de Maisie, certo? Exploda tudo
em um procedimento poderoso e tortuoso e depois reconstrua.
— Deus, Ella. — Ele olhou para o teto e depois para as minhas
cartas antes de arrastar seu olhar de volta para o meu. Ele estava
torturado. — Levamos três dias para encontrá-lo. Quando me disseram
que ele tinha desaparecido, me recompus, e Havoc e eu fomos em busca.
Comunicação de rádio, fontes... tudo deu em nada depois daquela
primeira noite. Até procurei na internet, pensando que se o matassem,
teriam postado na internet. — Ele assobiou. — Desculpe, isso não
precisava ser dito.
— Tudo precisa ser dito.
Ele assentiu. — Certo. Finalmente conseguimos algumas
informações de um grupo de crianças, criadores de cabras um pouco fora
da cidade. Saímos, mas quando chegamos lá, o complexo estava vazio.
Havoc... ela encontrou Ryan a cerca de cinquenta metros de distância.
— Ele estava morto, — imaginei.
— Sim. — Seu rosto se contorceu, seus olhos disparando de um
lado para o outro, e eu sabia que ele estava perdido na memória. — Sim,
ele estava morto.
— Conte-me.
— Não, não vai ajudar você a dormir, Ella. Acredite em mim, é o
material dos pesadelos. As coisas dos meus pesadelos.
Eu queria mesmo saber? Ajudaria de alguma forma? Eu me
arrependeria de ter deixado essa chance passar? — Me dê o básico. —
Depois disso, talvez nunca mais visse Beckett e ninguém mais naquela
unidade iria me dizer nada.
— Básico? Não tem nada básico nisso. — Sua expressão mudava a
cada poucos segundos em sua boca, no franzir da testa, na tensão na
mandíbula. — Nós o encontramos despido - até a cueca e camiseta.
Eles... fizeram algo horrível com ele.
A primeira lágrima escapou, riscando minha bochecha com uma
dor nova e feia.
— Ella... — O sussurro angustiado não era nada com o que já tinha
ouvido de Beckett.
— Continue. — Pisquei, enviando outra corrente de umidade pelo
meu rosto sem me preocupar em limpá-lo. Se Ryan teve que suportar
tudo isso, então eu poderia chorar por ele sem as sutilezas sociais das
bochechas limpas. — Não me deixaram vê-lo. Disseram que os restos não
eram apropriados para ver.
— Ele levou um tiro na nuca e esse tipo de ferida...
— Executado.
— Sim. Esse é o nosso melhor palpite. Eles fizeram isso às pressas
quando nos ouviram chegar e... o deixaram enquanto fugiam para as
colinas.
Balancei a cabeça, o movimento enviando umidade para a minha
camisa. — E depois?
Ele puxou a cadeira e desabou nela, esvaziado, com as mãos sobre
o rosto.
Eu deveria ter me sentido culpada por fazê-lo passar por isso,
fazendo-o me falar. Mas mesmo depois do que ele me fez passar com suas
mentiras, tudo o que senti foi uma conexão inexplicável com o homem
que eu amava, que tinha estado lá e resgatou o meu irmão. De uma forma
estranha, horrível, a dor nos conectou em um vínculo que eu estava
aterrorizada e desesperada para cortar.
— Por favor, Beckett.
Suas mãos caíram apáticas em seu colo enquanto ele se recostava
na cadeira. Quando olhou para mim, a miséria estava gravada em cada
linha do rosto e nos olhos amortecidos.
— Ele estava apagado, mas quente, e o virei, pensando que poderia
fazer os primeiros socorros, mas não consegui. Não havia... — Ele
balançou a cabeça. — Não posso. Simplesmente não posso. — Seus olhos
se moveram como se sua mente estivesse avançando rapidamente. — O
helicóptero chegou e nós o resgatamos. Peguei sua placa de identificação
- sabia que ele queria que você ficasse com ela – e me sentei com ele a
noite toda antes da chegada do avião, e então Jensen o levou para casa.
Eu era considerado valioso demais para a missão para ser dispensado,
especialmente quando nosso alvo havia mudado para os assassinos de
Ryan.
— Você os encontrou? — Não sei por que isso parece importante;
não é como se houvesse justiça na guerra.
— Sim. Nós os encontramos. E. Não. Pergunte. — Seus olhos
ficaram duros e perigosos, e o vi novamente - o homem que era capaz de
compartimentar tudo. Vi a tempestade em seus olhos, a maneira como
seus punhos cerraram. Isso era Chaos.
E ao mesmo tempo, eu tinha sentimentos verdadeiros e profundos
por ele.
— Você recebeu as outras cartas? As que enviei depois? — Eu
precisava saber. Elas nunca foram devolvidas. Essas cartas foram
testemunhas da minha dor. Ele as tinha lido e simplesmente as rejeitou?
— Sim. Mas não consegui lê-las. Não consegui levantar uma caneta
e contar o que aconteceu, não que eu tivesse permissão. Eu me apaixonei
por você, essa mulher incrível que nunca conheci. Nunca havia sentido
amor antes, não dessa maneira, e tudo que eu queria fazer era protegê-
la.
— Ignorando-me? Fazendo-me pensar que você morreu ao lado do
meu irmão?
— Não fazendo nada que traga mais dor à sua vida. Eu quebro tudo
e todos, Ella. Por isso me chamam de Chaos. Me chamaram assim muito
antes das forças armadas, e assim que defendi seu irmão em uma briga
de bar e o apelido veio à tona, pegou ali também. Com razão. Eu levo
destruição em todos os lugares que vou. Ainda nem tinha me encontrado
com você e já fiz você perder Ryan. O último membro sobrevivente de sua
família imediata morreu porque eu não consegui me recompor por tempo
suficiente para cumprir minha missão. Sou a razão de ele estar morto.
Você queria continuar escrevendo para o homem que matou seu irmão?
Eu deveria ter mentido para você então, em vez disso? Você não dá
segundas chances quando se trata de sua família, lembra? Mesmo se eu
lhe contasse a verdade e você de alguma forma me perdoasse,
continuando com nossas cartas, sabendo que eu havia causado a morte
dele e que talvez eu fosse a próxima notificação que você recebesse? Eu
não poderia fazer isso. Você merecia cauterizar essa ferida e seguir em
frente.
— Seguir em frente? — Andei de um lado para o outro ao longo da
ponta da mesa, minha energia subitamente demais para ficar parada. —
Minha filha tinha acabado de ser diagnosticada com câncer, meu irmão
estava morto e eu não tinha ninguém. Ryan foi embora porque ele teve
que ir. Você escolheu.
— Era melhor você pensar que eu morri do que saber que o homem
que você teve a gentileza de fazer amizade foi responsável pela morte de
Ryan.
— Vá para o inferno. — Eu me virei e fui em direção à porta, apenas
para parar antes de sair da grande sala. — Quando você decidiu vir aqui?
Continuar a mentira?
— Donahue me deu a carta de Ryan logo antes de eu sair. Ele
guarda todas as nossas últimas cartas. Eu já tinha escolhido ficar - não
havia mais nada para mim. Mas li a carta e soube que tinha que vir.
Mesmo que isso destruísse minha alma por estar tão perto de você e
nunca lhe dizer quem eu era ou que te amava, eu tinha que vir. Eu era a
razão de ele estar morto. Não consegui negar ao meu melhor amigo a
única coisa que ele me pediu.
— Então você decidiu mentir. — Ele invadiu minha vida, meu
coração, todas as moléculas da minha existência sob falsa pretensão. —
Sabendo o que meu pai fez, o que Jeff fez, você ainda escolheu mentir
para mim.
— Sim.
Eu me inclinei contra a parede, meu coração exigindo que eu saísse
pela porta e salvasse o que restasse dele, enquanto meu cérebro lutava
para conseguir todas as respostas antes que o desgosto me consumisse.
Mesmo Jeff indo embora não doeu tanto, porque eu não o amava assim.
Eu amava Beckett nas profundezas da minha alma, de uma
maneira que consumia até os menores pedaços e lugares sombrios que
eu mantinha escondidos de todos os outros. Até o amor que eu tinha
pelos meus filhos se relacionava com o jeito que eu amava Beckett,
porque ele também os amava.
— Você já pensou em me contar? — Virei minha cabeça
lentamente, de alguma forma encontrando forças para olhá-lo.
— Desde o primeiro momento em que vi você, — ele admitiu, se
inclinando contra a ponta do balcão da cozinha, o mesmo onde fizemos
amor pela primeira vez. — Estava sempre na ponta da minha língua,
especialmente quando você perguntava sobre Chaos. Vi a dor que sentia
e parte de mim se perguntava se você era apaixonada por ele do mesmo
jeito que por mim.
— E ainda assim me fez acreditar que ele... que você estava morto.
— Eu não respondi à pergunta implícita.
— Eu ficaria com ciúmes de mim mesmo, me perguntando por que
você se abriu comigo quando eu era apenas uma carta, mas o meu
verdadeiro eu não teve chance. Sabia desde o início que contar a você
levaria ao momento que estamos tendo agora, quando você
inevitavelmente me expulsaria de sua vida, e isso significava que eu não
conseguiria fazer o que Ryan pediu e o que você precisava. A mentira era
a única maneira de ajudá-la. Então aceitei que, para você, eu nunca seria
mais do que o cara que seu irmão enviou.
— E daí me apaixonei por você. — Coração tolo, estúpido e ingênuo.
— Você me deu um vislumbre da vida que nunca pensei que
poderia ter. Me mostrou o que significava ter uma família e pessoas que
se fazem presentes, e fiz de tudo para estar presente para você. Não posso
agradecer o suficiente pelos últimos onze meses, e não posso começar a
explicar o quanto me arrependo imensuravelmente do que fiz com você e
o que lhe custou. Ella, você é a última pessoa que eu gostaria de magoar.
— Mas você me magoou. — Essa dor era uma avalanche na minha
direção. Senti o estrondo na minha alma, vi o pó gelado descer sobre o
meu senso comum, até ouvi as sirenes de aviso na minha cabeça. Eu me
apaixonei por esse homem e ele mentiu para mim todos os dias nos
últimos onze meses.
Jeff prometeu que me amaria para sempre. Ele fingiu ser algo que
não era, e então me abandonou.
Ryan me prometeu que sempre cuidaríamos um do outro. Ele se
juntou ao exército e voltou para casa em um caixão.
Meu pai prometeu que ele estava indo para uma missão por uma
semana ou duas... e nunca olhou para trás. Nem mesmo pedi uma visita.
Beckett... Chaos. Sobre o que mais ele mentiu? Poderia acreditar
em tudo o que ele disse no ano passado? Ele mentiu para as crianças?
Estava mesmo me dizendo a verdade agora? Ou apenas o que achou que
poderia lhe render minha misericórdia? Eu poderia acreditar em
qualquer coisa que ele me dissesse novamente?
— Sinto muito. Perdão, ou mesmo entendimento, não é algo que
estou esperando de você. Não sou digno disso, ou de você. Nunca fui.
Meu coração começou a gritar. Eu estava perto do fim de qualquer
força que eu tivesse e precisava sair daqui antes que eu tivesse um
colapso completo. O olhar em seus olhos manteve meus pés colados no
chão. Não houve apelo, terror sobre o que estava acontecendo conosco,
apenas aceitação triste. Ele sempre soube que acabaríamos aqui. Afinal,
ele nos colocou nisso.
Havia alguma maneira de nos recuperar disso? Eu amei esse
homem e ele me amou. Vale a pena lutar por isso, certo? Mas como
seríamos tóxicos se encontrássemos um caminho além disso? Eu nunca
esqueceria o que ele fez - sempre estaria pairando sobre nós como uma
nuvem sinistra, chovendo veneno.
— Preciso fazer uma última pergunta.
— Qualquer coisa, — ele respondeu. Como um rosto tão bonito
poderia mascarar tanto engano?
— Tudo o que você fez - a adoção, nosso relacionamento, a
formatura de Maisie, a casa na árvore de Colt - foi por causa da carta de
Ryan? — Minha respiração ficou presa no meu peito, esperando por sua
resposta. Por mais que ele me magoasse, eu precisava saber que éramos
reais, que não tinha sido tão estúpida.
— Não. A carta de Ryan me trouxe aqui. Eu não teria vindo sem
ele. Mas o resto, Ella, foi tudo porque te amo. Porque amo Colt e Maisie.
Porque, por este breve e brilhante momento, vocês eram a minha família,
meu futuro, e parecia para sempre. Não fiz tudo isso por Ryan. Fiz isso
por você. Por mim.
Os três metros entre nós se esticaram sem parar e, no entanto, não
pareciam nada enquanto eu pensava no meu próximo passo. Havia amor
e mentira em partes iguais entre nós, mas minha raiva por sua traição
ofuscou tudo.
Eu ainda o amava - ambos os lados dele - mas nunca seria capaz
de confiar nele de novo. Sem confiança, de que adiantava o amor? Como
você poderia construir uma vida com alguém se tivesse que questionar a
veracidade de tudo o que dizia e fazia?
— Não é o suficiente. — Depois que as palavras foram ditas, senti
a verdade delas tocar em minha alma. — Você me olhou nos olhos por
quase um ano e mentiu para mim. Compartilhei tudo o que tinha com
você - meu coração, minha alma, meu corpo e até minha família - e você
nem podia ser sincero sobre quem você é. Nem sei como processar isso.
Não sei que partes de você - partes de nós - são mentiras ou verdades.
Quero ser forte e dizer que vamos superar isso, porque nos amamos
muito, mas acho que não é possível. Pelo menos, não agora. Não tenho
força suficiente em mim para isso. A morte de Ryan levou. O diagnóstico
de Maisie levou. Eu deveria saber que você também iria levar, mas confiei
em você e agora não tenho mais nada para dar.
Minha mão ao longo da parede me firmou enquanto eu caminhava
em direção à porta da frente. A luz do sol entrava pela vidraça, acenando-
me como uma promessa - se eu pudesse sair daqui um pouco intacta,
ficaria bem. Porque eu precisava ficar. Eu tinha Colt e Maisie para cuidar.
Não tinha o luxo de desmoronar como uma garota apaixonada.
Eu não tinha o luxo de perdoar Beckett.
— Compreendo. — Sua voz veio logo atrás de mim quando minha
mão agarrou a maçaneta da porta. Senti sua proximidade, aquela
eletricidade palpável que sempre provocou entre nós, e sabia que se me
virasse ele estaria ali. — Se você precisar de alguma coisa, ainda estou
aqui.
Meus olhos ardiam de novo, mas desta vez não era tristeza por
Ryan, mas por Beckett. O sentimento era semelhante, sabendo que eu
tinha perdido a pessoa que mais amava.
— Acho que seria melhor se você fosse embora. — Falei diretamente
para a porta. Beckett permanecendo em Telluride só me daria tempo de
voltar me apaixonar por ele - e eu não poderia sobreviver a outra mentira.
Eu não podia ser forte pelos meus filhos quando Beckett me deixava de
joelhos, e eles vinham primeiro. Sempre. — Vou encaixotar suas coisas
na minha casa e despachá-las. Nunca mais quero ver você.
Tão certo como se eu tivesse cauterizado a ferida com um ferro em
brasa, todos os nervos do meu corpo gritaram com dor aguda e
nauseante. Sem esperar por sua resposta, saí do chalé e não olhei para
trás.
CAPÍTULO VINTE E TRÊS
BECKETT
Carta n º22

Chaos,

Ryan está morto. Mas tenho certeza de que você já sabe disso.
Sinceramente, sinto que estou apenas escrevendo para parecer real.
Ryan está morto.
Ryan está morto.
Ryan...
Nada parece certo. Seu corpo ainda está em Dover, sendo preparado
para o enterro, e já me disseram que eu não posso vê-lo. Dessa forma,
espero que seja uma piada cruel, que ele não esteja em um caixão. Que
não tenho que descobrir onde enterrar meu irmão.
Minha mãe. Meu pai. Minha avó. Ryan. Todos se foram, e ainda
estou aqui. Maisie é a próxima? É isso que a vida realmente é? Uma
tragédia após a outra? Ou é simplesmente assim que minha vida está
indo?
Colt e Maisie estão arrasados. Colt se recusou a falar ontem depois
que contei, e Maisie não parou de chorar. Eu, por outro lado, não comecei
a chorar. Ainda não. Estou com medo de que, quando começar, nunca mais
pararei. Serei essa fonte de água salgada que vaza miséria.
Ryan era meu melhor amigo. Meu porto seguro em uma tempestade.
E agora sinto que estou neste oceano sem fim no meio de um furacão, e as
ondas estão apenas esperando para me naufragar e me levar para baixo.
Sei que isso parece loucura, mas a única pessoa que quero agora é
você. Você é a única pessoa com quem fui completamente honesta nos
últimos meses. Você é a única pessoa que pode entender a dor debilitante
e esmagadora da alma que nem consigo entender. Porque sei, por mais que
você jure que não sabe o que é família, Ryan era seu irmão. Ele era sua
família.
Só espero que você venha ao funeral, porque sei que ele iria querer
você aqui. Eu sei que quero. E se você não puder vir, espero que não esteja
mudando seus planos. Por favor, venha para Telluride. Mesmo que seja só
para tomar uma xícara de café comigo. Por favor venha.

Ella

***

Li a carta pela centésima vez, e depois a coloquei de volta na minha


gaveta da mesa de cabeceira. Eu tinha evitado aquela carta e as duas que
se seguiram nos últimos dezesseis meses, e agora era tudo que eu queria
ler - ouvir a voz dela na minha cabeça.
Se eu tivesse lido quando ela a enviou, em vez de escondê-la, eu
teria vindo. Nunca poderia ter dito não a ela, e tudo teria sido diferente.
Por outro lado, Ryan ainda estaria morto por minha causa, então talvez
não.
Desci as escadas da minha nova casa e encontrei Havoc cochilando
no sol que vinha através das janelas do chão ao segundo andar no meu
grande quarto. Eu tinha uma parte de árvores limpa para que conseguir
ver a ilha localizada no meio do pequeno lago. Felizmente, no ângulo em
que minha casa estava, eu não conseguia ver a casa de Ella.
Talvez estivesse me torturando mantendo a sepultura de Ryan à
vista, mas saber que Ella estava tão perto e tão longe era muito pior. Já
fazia mais de um mês desde que ela saiu do meu chalé. Minhas coisas
chegaram naquela tarde. Todo o meu papel na vida de Ella se resumia a
quatro caixas.
Depois do rompimento, esperava gritos, berros, coisas sendo
jogadas em mim pelo que eu tinha feito, mas seu silêncio estoico foi pior.
Ela aceitou que tínhamos terminado, e agora eu tinha que seguir em
frente sem ela e as crianças.
Deus, eu sentia falta das crianças. Apaixonar-me por Ella tinha me
ligado a elas de uma maneira que era ao mesmo tempo uma bênção e
uma maldição. Uma bênção por tudo que me ensinaram, pelo amor que
não tinha percebido que era capaz de sentir. Uma maldição porque Ella
cortou todo o meu acesso, como era o seu direito. Ela não confiava em
mim, e isso se estendia às crianças Seu coração estava partido por mim,
mas meu coração estava quebrado pela perda dos três.
Suspirei ao ver minha sala vazia. Eu precisava mesmo comprar
alguns móveis. Meu quarto estava mobiliado e a maioria das coisas da
cozinha era entregue diariamente, graças à Amazon.com. Mas o resto dos
móveis simplesmente não parecia importante, porque esta era a minha
casa, mas por algum motivo não parecia a minha casa.
Meu celular tocou quando abri a geladeira para decidir um almoço.
— Gentry, — atendi, me perguntando quem havia se perdido agora.
Quando a primavera chegou na região, mais trilheiros estavam vindo e
pegando o mal da montanha, ou perdidos, ou quebrando seus ossos em
locais inconvenientes.
— Sr. Gentry? Sinto muito incomodá-lo. Aqui é o diretor Halsen
aqui da escola primária. Por acaso Colton está no meu escritório.
Meu estômago revirou. — Ele está bem? Está machucado? — Por
que estavam me ligando?
— Não, não. Nada como isso. Na verdade, ele entrou em uma briga
hoje com um colega de sala e precisa ir para casa.
— Uma briga? — De jeito nenhum. Não é Colt. Claro, o garoto foi
suspenso, mas nunca o vi ficar violento, a menos que fosse sobre Maisie.
— Sim, uma briga.
— Uau. Você ligou para a mãe dele?
— Tentamos, mas ela não atendeu e Colt nos disse que ela está em
Montrose para uma das terapias de Margaret. Estava esperando que você
pudesse buscá-lo.
Afastei o celular da orelha e chequei o número, só para ter certeza
de que não era brincadeira. — Buscá-lo? — Perguntei lentamente.
— Sim. O regulamento exige que ele volte para casa hoje e você é o
segundo nome na folha de contatos de emergência dele.
Merda. Ella ainda não havia atualizado as informações das
crianças. O que significava que eu poderia ver Colt. Esbarrei na porta
com a emoção. Ella não queria que eu o visse e eu não tinha o direito. —
Tem mais alguém na lista?
— Somente Ada e Larry e pelo que me falaram eles estão de férias
em Glenwood Springs por alguns dias.
O que só restava eu.
— Sim, estarei aí em vinte minutos. — Ele me agradeceu e
desligamos.
Hesitei por um segundo, meu dedo pairando sobre o nome de Ella
na minha lista de contatos, mas me levantei e cliquei no ícone do celular.
Foi direto para o correio de voz, não que eu estivesse surpreso. Tentei
ligar algumas vezes naquela primeira semana e tive o mesmo resultado.
Ella terminou comigo. Falou que mentiras eram seu limite e ela falou
sério.
— Ei, Ella, é Beckett. Olha, a escola acabou de ligar e acho que Colt
entrou em uma briga e precisa ser buscado. Sou o único na lista dele,
então vou pegá-lo. Me avise se você quer que o deixe na sede em Solitude
ou leve-o para Montrose. Se não tiver notícias suas, vou trazê-lo de volta
para minha casa. Sei que você não quer que eu o veja, mas isso está um
pouco fora do meu controle, então espero que você entenda. Obrigado. —
Desliguei e descansei o telefone na minha testa. Até ouvir a mensagem
de voz dela era tortura.
Deixei Havoc dormindo ao sol e saí, dirigindo pela estrada de terra
que cortava a propriedade. Depois de vinte minutos, estacionei na escola.
Com um frio na barriga, eu estava prestes a ver Colt.
Atravessei as portas e assinei o formulário depois olhei para a
recepcionista. — Oi, sou Beckett Gentry, estou aqui para pegar...
— Colton MacKenzie, — a jovem mulher disse com um sorriso. —
Eu sei quem é você. Todos nós sabemos. — Ela acenou com a cabeça em
direção a algumas outras mulheres que se reuniram ao redor da mesa
atrás dela.
— Ah certo. Então, posso pegá-lo?
— Ah com certeza! Vou abrir para você.
O som de destravamento da porta soou e entrei na escola. A última
vez que estive aqui foi com Ella na peça da primeira série de Colt, alguns
meses atrás. Tão recente quanto parecia, também parecia a lembrança
de outra pessoa.
— Por aqui, — a recepcionista disse, colocando uma mecha de
cabelo atrás da orelha e me dando um sorriso paquerador. — Sou
Jennifer, caso você não se lembre.
— Jennifer, certo. Nós nos conhecemos no ano passado, certo? —
Ela me levou para os escritórios da administração.
— Sim! Quando você veio para o busca e resgate com seu cão. Acho
que lhe dei o meu número quando você entrou.
— Sim, eu lembro disso. — Tentei forçar um sorriso. Ella e eu não
estávamos juntos na época, mas não importava, e não liguei para
Jennifer. — Desculpe por não ligar. Espero que não haja ressentimentos.
Jennifer tocou meu braço do lado de fora da porta do diretor. —
Nenhum. Fiquei tão triste ao saber que você e Ella terminaram. Se você
precisar de alguma coisa, ou apenas quiser conversar, fico feliz em lhe
dar meu número de novo, por precaução.
Caramba. Ela parecia tão esperançosa e descomplicada, e não Ella.
— Obrigado, vou... pensar nisso. — Foi o melhor que consegui fazer
sem ofendendo-a.
— Faça isso. — Ela sorriu de novo. Muito sorridente. Aposto que ela
estava feliz a maior parte do tempo. Que não estava lutando para manter
sua filha viva, ou lidando com a morte de seu irmão e a traição do homem
que amava. Era toda brilhante, como uma moeda nova.
Mas nos últimos dezoito meses, aprendi que gostava de um pouco
de mancha. Dava profundidade às linhas e tornava as peças brilhantes
ainda mais atraentes. Ella estava além da beleza pelo que ela passou. A
tragédia não a quebrou, mas a refinou.
Jennifer bateu e abriu a porta do escritório do diretor e entrei, meus
olhos imediatamente se fixando em Colt.
Ele estava impossivelmente maior.
— Diretor Halsen, — cumprimentei o diretor, que apontou para a
cadeira vazia ao lado de Colt.
Aceitei, sentando-me ao lado de um Colt muito rígido. Cada linha
do seu corpinho estava tensa, e sua boca toda enrugada. Sua mão
agarrava o apoio de braço e estendi a mão, dando-lhe um aperto
tranquilizador. Sua postura suavizou apenas um pouquinho, mas foi o
suficiente.
— Sr. Gentry. Lamento chamá-lo aqui, mas nesse tipo de incidente,
quando há violência, precisamos mandá-lo para casa.
— Você pode me contar o que aconteceu? — Perguntei a Colt.
— Ele atacou um colega de classe...
— Gostaria de ouvir dele, primeiro, se estiver tudo bem, —
interrompi o diretor Halsen.
— Estávamos no parquinho e Drake Cooper não deixava Emma
sozinha. Ela não gosta dele. — Colt manteve os olhos à frente. — Ela
disse para ele ir embora e ele não foi e ele tentou beijá-la.
Drake. O reconhecimento me atingiu. Carta número três.
— É o mesmo garoto que perseguiu Maisie com esse lance de
beijar? — Perguntei. Foi a primeira vez que usei algo que apenas Chaos
sabia. Claro, Colt não sabia disso, não percebeu isso quando me sentei
ao lado dele. Senti uma fusão estranha do cara que escrevera aquelas
cartas e do homem que adotara Colt.
— Sim. Acho que ele não aprendeu.
— Acho que não.
O diretor Halsen me deu um olhar de desaprovação que
descaradamente ignorei.
— Então eu o afastei e bati nele, — Colt terminou com um encolher
de ombros. — Ele tentou me bater de volta, mas me esquivei.
— Legal, — falei com um aceno de cabeça. — Ele é lento.
Outro encolher de ombros.
— Sr. Gentry, como você pode ver, seu filho instigou a violência em
um ataque não provocado. Ele será mandado para casa hoje e suspenso
amanhã. Temos que enviar uma mensagem de que esse tipo de violência
não é tolerado.
— Eu não sou filho dele, — Colt sussurrou.
Sim você é.
— Certo, desculpe, Colt, — o diretor Halsen corrigiu e me enviou
outro olhar aguçado. Ele sabia da adoção do ponto de vista dos registros.
— Não tenho nenhum problema em levar Colt para casa ou ele ser
suspenso. Você está certo, ele bateu primeiro. Mas minha pergunta é o
que você vai fazer com Drake.
A cabeça de Colt girou em minha direção em choque.
— Como assim? — O diretor Halsen perguntou.
— Meu palpite é que você disse a Colt que ele é totalmente culpado
aqui, certo? Afinal, ele bateu, fez o que você pensou que estava
aumentando a violência.
— Ele está errado.
— Talvez. Mas Drake também. E ele já estava no meio de um ato
de violência, que Colt parou.
— Eu dificilmente chamaria esse tipo de travessuras de parquinho
de violência, — zombou o diretor Halsen. — Drake foi informado de que
suas ações são inaceitáveis. Mas você sabe como são garotinhos
apaixonados, tenho certeza.
Olhei para Colt, que tinha o mesmo olhar de Ella quando ela estava
prestes a perder as estribeiras.
— Na verdade, eu sei. Eles agem como Colt e protegem as garotas
que gostam. O que o outro garoto fez, quer você entenda ou não, está
errado. E claro, você pode dizer que é uma brincadeira de parquinho,
como tenho certeza de que você tem feito nos últimos trinta anos em que
esteve nesta escola. O problema não é esta vez; é o padrão. Você não fez
nada no ano passado quando foi com Maisie. Agora estamos aqui, e esse
garoto é um ano mais velho. Então, com certeza, posso levar Colt para
casa e conversar com ele sobre quando é apropriado usar a força. Mas
provavelmente vou mostrar a ele como dar um soco melhor, porque um
dia o outro garoto terá dezesseis anos e não serão apenas beijos no
parquinho que ele vai tomar à força. — O diretor Halsen deixou o queixo
cair e eu fiquei de pé. — Obrigado por me avisar. Vou garantir que a mãe
dele tome as medidas apropriadas. Colt? Pronto para ir? Acho que está
tudo bem um sorvete.
Colt assentiu, saindo da cadeira e jogando a mochila por cima do
ombro. Saímos do escritório, atravessamos as portas duplas e entramos
no ar de março. Colt ficou em silêncio quando subimos na caminhonete
e ele se afivelou no assento.
Eu não o tinha removido no último mês. Essa ação parecia mais
permanente do que quando Ella saiu do chalé.
— Sua mãe não ligou, — eu disse enquanto verificava meu celular.
— Ela está em Montrose com Maisie, — Colt respondeu.
— Sim. Quem está cuidando de você já que Ada e Larry estão de
férias? — Saí do estacionamento em direção a Solitude. O tráfego não
estava tão ruim a essa hora do dia, mas assim que o sol se pusesse, seria
um caos como sempre durante a estação turística.
O fato de eu já morar em algum lugar por tempo suficiente para ter
ciência de que havia uma estação turística era uma revelação.
— Hailey.
— Certo, quer que eu te leve para a sede? — Olhei pelo espelho
retrovisor, mas ele estava olhando pela janela. — Colt?
— Eu não ligo.
Eu nunca recebi três palavras que me cortaram tão rapidamente
antes. Claro que ele estava bravo comigo. Ele tinha todo o direito de estar.
— Bem, deixei uma mensagem para sua mãe de que se ela não me ligasse,
eu o levaria para minha casa. Isso é legal? Ou você prefere ficar com a
Hailey?
Isso era um beco sem saída e eu sabia disso. Mais do que tudo, eu
queria algumas horas com ele. Precisava saber como estava, o que tinha
de novo em sua vida, se estava no time de futebol do campeonato de
primavera. Eu sentia tanto a falta dos gêmeos quanto Ella. Mas também
sabia que isso era contra os desejos de Ella e eu não podia simplesmente
roubar essas horas.
— A que distância você mora? — ele perguntou, ainda observando
a paisagem passar. — Não posso entrar em um avião ou algo assim.
Mamãe ficaria muito brava.
Meu coração deu um pulo. — Amigo, eu ainda moro em Telluride...
— Você mora? Eu achei... — Ele balançou a cabeça. — Acho que
podemos ir para sua casa, assim você não mente para minha mãe. Ela
fica muito brava se você mentir.
Eu sabia que Ella era o tipo de mãe que não entrava em tantos
detalhes do porquê não estávamos mais juntos, mas essas palavras
tocaram o coração da mesma forma. — Tem certeza?
Ele assentiu. — Hailey está trabalhando, e a cozinheira substituta
não gosta de crianças por perto. De qualquer jeito, Ada não gosta dela. E
se estiver tudo bem, eu gostaria mesmo de ver Havoc. — Seu tom era
suave, como se ele estivesse decidindo entre brócolis e couve-flor no prato
dele.
— Sim. Ela também gostaria disso. Eu também. Sinto sua falta,
amigo.
— Certo. — Ele zombou.
— Eu sinto, Colt.
Ele não respondeu, e continuou a me dar o gelo até que entramos
na estrada de terra que começava na beira da propriedade Solitude.
— Onde estamos indo? — ele perguntou.
— Minha casa.
Ele se inclinou em direção à janela, verificando a propriedade. —
Você mora aqui?
— Eu moro. — Entramos na pequena clareira onde a casa foi
construída e a cabeça de Colt girou.
— Você mora do outro lado do lago?
— Sim. Legal, né? — Entrei na garagem e desliguei o motor.
— Sim. — Colt pegou sua mochila e foi para casa antes de mim.
Abri a porta e ele voou para dentro, ajoelhando-se onde o lavabo
encontrava a cozinha e passando os braços em volta de Havoc.
Ela choramingou, seu rabo batendo no chão enquanto deitava a
cabeça no ombro dele, depois no outro. — Eu sei. Também senti
saudades, menina — disse Colt, esfregando as orelhas. — Tá tudo bem.
Eu não sabia quem estava me matando mais no momento: Colt
com suas palavras suaves ou Havoc com seus gemidos. Ela agiu do
mesmo modo quando Maisie chegou em casa da mega-quimio em
dezembro.
— Tenho sorvete no freezer, — ofereci.
— Não. Eu estou bem. Vamos jogar! — Ele largou a bolsa depois
sua jaqueta e Havoc o levou pela porta da frente, com o Kong já na boca.
Eu os segui e me sentei nos degraus da varanda da frente enquanto
Colt jogava o brinquedo na margem do lago. Ele estava a apenas dez
metros de distância, mas cara, ele me ignorou com tanta força que
parecia quilômetros.
Depois de alguns minutos, caminhei em direção a eles. — Gostou
daqui? — Perguntei.
— Você não pode ver minha casa daqui, — disse ele com outro
encolher de ombros.
— Não, está atrás da ilha.
— É por isso que você se esqueceu de mim? — Ele jogou a bola na
praia.
Sim, eu não sobreviveria algumas horas com ele nesse ritmo. Ella
me encontraria morto, Colt segurando os restos triturados do meu
coração.
— Eu nunca te esqueci, Colt. Isso seria impossível.
Havoc trouxe para ele o Kong e ele jogou com mais força, o
movimento mostrando mais raiva do que exercício. — Sim, certo.
— Colt. — Caí de joelhos e o virei para mim, depois respirei fundo
para me estabilizar. Ele tinha duas marcas de lágrimas nas bochechas.
— Eu não te esqueci.
— Então por que você não foi ver a gente? Um dia, fui para a escola
e, quando cheguei em casa, mamãe disse que vocês não eram mais
amigos, e foi isso.
— Amigo, é complicado. — Coloquei minhas mãos em seus ombros.
— É o que dizem os adultos quando não querem explicar as coisas.
— Ele piscou, e outro conjunto de lágrimas de raiva escorreu.
— Você sabe o quê? Você está certo. As relações entre os adultos
são mesmo difíceis de explicar, mas vou tentar. Eu estraguei tudo. Você
entendeu? Não foi sua mãe. Isso não é culpa dela, é minha. E errei tanto
que terminamos.
— Mas você não terminou comigo! — ele gritou. — Ou com a Maisie!
Você sumiu! E quando fui ver você, você já tinha ido embora. Foi embora
sem se despedir ou explicar.
— Estou bem aqui, — prometi, minha garganta apertando, quase
sufocando minhas palavras.
— Mas eu não sabia disso! Você disse que me amava e que éramos
amigos. Amigos não fazem isso.
— Você está certo. Colt, me desculpe. — Coloquei toda a emoção
que eu tinha em minhas palavras, esperando que ele percebesse o quão
verdadeiras elas eram. — Senti sua falta todos os dias. Não houve um
minuto em que não quisesse vê-lo ou falar com você. O que aconteceu
entre mim e sua mãe não significa que não amo você e Maisie. É só que...
— Por que não havia palavras para isso? Por que eu não poderia explicar
as coisas para ele sem colocar a culpa na Ella? Não foi culpa dela. Foi
minha.
— Complicado, — ele terminou.
— Sim. Complicado.
Sua raiva desapareceu, sua boca caída em uma tristeza profunda
e trêmula. — Eu só... meio que pensei que você fosse meu pai. Ou talvez
você fosse um dia. E então foi embora.
Desta vez, suas lágrimas me destruíram. Eu o puxei contra o meu
peito, passando os braços em volta dele. — Eu também, Colt. Nada me
faria mais feliz do que ser seu pai. Você é o melhor menino que poderia
ter imaginado. Isso não é culpa sua. Não é culpa da sua mãe. É minha
culpa. Então, se você quiser ficar bravo, tudo bem, mas você tem que
ficar bravo comigo. Ninguém mais. Promete?
— Eu não quero ficar bravo. — Ele chorou na minha camisa. —
Quero que você conserte!
— Eu queria poder. Mas há algumas coisas quebradas demais para
serem consertadas.
Ele se afastou e olhou para mim. — Maisie estava quebrada de
verdade e você e mamãe consertaram. E ela ficou doente e chorou, mas
mamãe dizia que ia melhorar se lutar, e então tudo valeu a pena.
— Eu sei. — Eu geralmente era muito boa em lógica infantil, mas
ele estava me roubando a minha aqui.
— Então você não pode estar mais quebrado do que Maisie e não
tentar consertar isso. Você não vê Maisie desistindo e faz uma eternidade.
Ele arrastou a última palavra. — Você e mamãe quebraram em um dia.
— Eu gostaria mesmo que fosse assim tão simples, Colt.
— Maisie também. Mas ela é corajosa o suficiente para tentar.
Eu estava seriamente levando uma lição de relacionamentos por
uma criança de sete anos de idade. — Sabe quem você parece agora?
Ele ergueu as sobrancelhas, mas não respondeu. — Seu tio Ryan.
Exatamente como ele.
Ele olhou para a ilha e voltou para mim. — Certo. Então vai tentar
consertar? Ou está desistindo?
Tudo para Colt era tão fácil. Ele ainda não tinha visto o pior da
humanidade, o que as pessoas eram capazes de fazer umas às outras.
Não tinha visto o que eu tinha feito para sua mãe. Não sabia que eu lhe
custaria o tio. Amei Ella ainda mais naquele momento por não as colocar
contra mim.
— Eu posso tentar, amigo. Por você e Maisie, posso tentar. —
Respeitei o desejo de Ella e sumi. Tendo tirado todas as outras opções,
essa parecia a melhor maneira de honrá-la. Além disso, não era como se
eu merecesse uma segunda chance. Mas, e se eu tivesse cometido um
erro? E se eu devesse ter insistido?
Ela teria enxotado você de volta.
— Bom. Peça desculpas. Garotas gostam disso. — Ele me deu um
aceno e um tapinha no meu ombro.
— Vou considerar isso. Algo mais?
Sua testa franziu por um momento, e então me deu um sorriso. —
Elas gostam quando você briga por elas também.
Cara, eu amava esse garoto.
— Emma é a tal, hein? — Pelo que me lembrei da festa de
aniversário de Colt, ela era fofa, gentil e inteligente, com grandes olhos
castanhos e cabelo pretos encaracolados, alguns tons mais escuros que
sua pele.
— Ela tem uma pele bonita. — Ele assentiu com ênfase.
Acenei de volta, conseguindo não rir. — Você falou isso para ela?
— Não! — Ele olhou em volta por um segundo, ponderando. —
Talvez quando tiver doze anos.
— Pensando a longo prazo, entendi. — Levantei-me quando ele se
virou e jogou outra vez o Kong para Havoc, que estava esperando
pacientemente. — Acho que o que você fez por ela hoje foi incrível. É
sempre bom proteger pessoas menores. Talvez menos acertado, no
entanto.
Ele assentiu. — Fiquei muito bravo.
— Sim, entendo isso também. Mas isso é uma grande parte de ser
homem, conhecer sua força e controlar sua raiva.
— Eu tenho sete anos.
Eu quase ri, percebendo que estava na vida dele o tempo suficiente
para ouvi-lo proclamar eu tenho seis anos.
— Não por muito tempo. Você poderia simplesmente impedi-lo, e o
resultado não teria sido tão satisfatório, mas bem eficaz. Além disso, sem
envolver o diretor.
— Vou considerar isso. — disse ele, repetindo minhas palavras de
antes.
— E daí, o que você acha da casa? — Eu construí para ele, para
Maisie... para Ella. Ironicamente, nós rompemos logo antes que eu
pudesse surpreendê-la com isso.
Ou talvez eu devesse ter contado a ela logo no início, como todo o
resto.
Ele olhou para a casa, as sobrancelhas franzidas em avaliação. —
É bom. Eu gosto disso.
— Estou feliz em ouvir isso.
— Precisa de uma casa na árvore. — Ele apontou para um
arvoredo. — Bem ali seria bom.
— Anotado.
— E uma tirolesa.
— Não vai desistir dessa, né?
— Nunca! — Ele partiu, correndo atrás de Havoc pela praia
enquanto meu celular tocava.
Ella.
— Ei, — atendi.
— O que aconteceu com Colt? — ela perguntou, sua voz aguda. —
Desculpe, não tenho sinal naquela ala do hospital, perdi todas as ligações
e agora a escola está fechada. Que bagunça.
Sua voz deslizou através de mim, suave e cortante em um
movimento gracioso. — Está tudo bem. — Limpei minha garganta,
esperando limpar o som rouco.
— Não acredito que você foi até lá. A que distância você estava?
— Acho que uns dez minutos?
— Espera. Você ainda está em Telluride?
— Eu falei que não iria embora.
Sua respiração mudou várias vezes, como se ela começasse a dizer
algo e depois mudasse de ideia.
— Então, Drake tentou beijar Emma, — eu disse, — e Colt foi atrás
dele.
Ela gemeu. — Que idiota. Drake, quero dizer. Não Colt.
— Sim, eu sei. Eu posso ter causado um pouco de drama com o
diretor, no entanto. Eu disse a ele que era parcialmente culpa deles por
não acabar com isso quando aconteceu com Maisie.
— Certo? Eles deixaram aquele garoto escapar de assassinato.
Espera, como você...?
Ouvi sua leve respiração quando a ficha caiu de como eu sabia.
— Sua terceira carta. — Senti o tom da nossa ligação mudar
quando meus pecados nos invadiram, mas não me vacilei. — Falei para
Colt que era ótimo defender a garota que você gosta, mas talvez um pouco
menos acertando o cara.
— Sim. Verdade.
O silêncio se estendeu entre nós, triste e pesado com as coisas que
já tínhamos dito no mês passado.
— Então, ele está brincando com Havoc agora, mas posso levá-lo
para Hailey, se você quiser. Ele está suspenso amanhã.
— Merda, não vou para casa até amanhã à tarde e Hailey cuida
dele enquanto Ada e Larry estão fora, mas ela está trabalhando o dia todo
amanhã. Não me importo com ele na sede, mas...
— Mas a cozinheira que substitui Ada não é uma grande fã de
crianças. Colt me contou.
— Sim, ela é meio malvada. Mas muito boa também. — Ela
suspirou e imaginei-a alisando o cabelo para trás, os olhos correndo de
um lado para o outro, tentando descobrir o que fazer.
— Eu posso ficar com ele. Tenho um quarto, e eu adoraria muito
passar um tempo com ele. Mas entendo perfeitamente se você não quiser
isso, e eu estaria disposto a levá-lo para Montrose também. — Ou corte
meu coração e sangre, o que você quiser.
Alguns segundos de silêncio se passaram, e quase recuei, odiando
colocá-la nessa posição.
— Isso seria legal e tenho certeza de que ele adoraria. Ele realmente
sentiu sua falta. — Sua voz caiu para um sussurro. — Maisie também.
— Também senti saudades deles. É... tem sido difícil.
Eu sinto sua falta a cada segundo, tanto que dói respirar.
— Sim.
Mais silêncio. Eu daria qualquer coisa para vê-la naquele
momento, abraçá-la, cair a seus pés e fazer qualquer sacrifício que ela
exigisse.
— Olha, eu ligo para Solitude e aviso Hailey e chegarei lá por volta
das cinco. Tudo bem?
— Sem problemas.
— Obrigada, e estou feliz que você ainda esteja aqui, quero dizer aí.
Em Telluride. Certo. Tchau, Beckett.
— Ella. — Eu não suportava dizer adeus, mesmo que apenas
através de um telefonema.
A linha caiu e olhei para Colt. Eu tinha vinte e quatro horas com
ele. Fiz o que qualquer homem racional faria. Liguei para o trabalho e
aproveitei ao máximo cada minuto.
CAPÍTULO VINTE E QUATRO
ELLA
Carta nº 2

Ella,
Esses biscoitos são a melhor coisa do mundo. Não estou mentindo.
Primeiro, não deixe que comissão da associação de pais e mestres
assuste você. Embora eu admita, eu estive em guerras. Muitas. E essas
mulheres ainda me intimidam, e nem tenho filhos, então vou simplesmente
lhe fazer a saudação dos Jogos Vorazes e desejar o melhor para você.
Sim, assistimos a muitos filmes por aqui.
Você perguntou sobre a escolha mais assustadora que já fiz. Não
tenho certeza se realmente tive medo de uma escolha que fiz. Estar com
medo significa que você tem algo a perder, e nunca tive isso. Sem me
aprofundar muito nos meus antecedentes, direi simplesmente que não
tenho família fora desta unidade. Também não tenho ninguém esperando
que eu volte para casa desta viagem. Até ingressar no exército foi uma
decisão fácil, já que tinha dezoito anos e estava prestes a ser expulso do
sistema.
Fico com medo em nome dos outros caras. Eu odeio vê-los se
machucar, ou pior. Fico com medo toda vez que seu irmão faz uma besteira
imprudente, mas essa não é a minha escolha.
Mas vou te dizer a maior escolha. Comprei um terreno, sem nem ver,
só porque me foi recomendado. O proprietário estava em dificuldades e eu
me joguei. Também não tenho ideia do que fazer com isso. Meu investidor
- sim, eu tenho um desses para não morrer sem dinheiro - me disse para
segurá-lo e vendê-lo aos empreiteiros quando eu quiser me aposentar. Seu
irmão disse para construir uma casa e sossegar.
Agora isso me assusta. A ideia de sossegar em algum lugar, e não
recomeçar a cada poucos anos, é um pouco assustadora. Existe uma paz
em ser um nômade. Recomeço quando me mudo. Uma lousa limpa apenas
esperando eu estragar tudo. Ei, te avisei, sou péssimo com as pessoas.
Sossegar significa que tenho que trabalhar para não afastar todos ao meu
redor, porque estou preso a eles. Isso, ou viro um eremita da montanha e
deixo crescer uma barba muito longa, o que pode ser realmente a escolha
mais fácil.
Acho que vou avisá-la quando descobrir qual decisão tomar.
Sua propriedade parece ótima e tenho a fé máxima que você fez a
escolha certa hipotecando-a por melhorias. Como você disse, quem não
arrisca, não petisca.
O que diabos você coloca nesses biscoitos? Porque são seriamente
viciantes. Posso me arrepender deles depois de percorrer alguns
quilômetros extras, mas valem a pena.
Obrigado novamente,

Chaos

***

— Tem certeza de que este é o caminho certo? — Perguntei a Maisie


quando entramos na estrada de terra. — Estamos tão perto da Solitude.
Telluride. Beckett ainda estava em Telluride. Ele não foi embora.
Não seguiu em frente como eu tinha tão tolamente assumido.
— Foi o que a moça do GPS disse da localização que ele enviou —
respondeu Maisie, acenando com o aplicativo do Google Maps aberto. —
Eu vou mesmo ver Beckett?
A esperança em sua voz era brutal.
— Sim, por alguns minutos. — Tentei manter meu tom leve, mas
falhei miseravelmente. Talvez tenha sido a exaustão de duas semanas de
internação com Maisie para a radioterapia. Talvez ter ouvido que outra
criança que Maisie conheceu em Denver morreu na semana passada.
Talvez tenha sido Beckett.
Ou talvez meu coração estivesse simplesmente quebrado por todas
as opções acima. — Estou com saudades dele, — ela disse suavemente.
— Eu também, amor, — respondi sem pensar.
— Não, você não está. Se estivesse com saudades, ligaria para ele.
Teria deixado a gente o ver. — Seu tom era qualquer coisa, menos
compreensivo, enquanto avançávamos pelo bosque.
— Maisie, não é assim tão fácil. Às vezes, os relacionamentos
simplesmente não dão certo e você pode não entender isso até ficar mais
velha.
— Certo.
Cara, vou ficar encrencada quando rabugentinha virar uma
adolescente. Então sorri, ficando ciente de que agora que ela tinha uma
chance de virar uma adolescente.
Por causa de Beckett.
Mas as mentiras estavam entrelaçadas com o amor, e elas eram o
assassino. As mentiras não apagaram tudo o que ele fez por mim, por
nós. Não apagaram a sensação de quando ele me beijou, a maneira como
meu corpo queimou em todos os cilindros quando ele estava em um
quarto. Não destruíram o jeito que ele amava as crianças, ou o jeito que
elas o amavam.
Mas esse amor também não apagou as mentiras ou o meu medo de
que ele dissesse mais.
E houve o nosso impasse.
Não era que eu não conseguia ver além do que ele tinha feito para
entender por que ele fez isso. Só não conseguia confiar nele.
— Oh meu Deus, — sussurrei quando chegamos à casa. Olhei para
o lago, só para ter certeza, e depois de volta para casa. Eu teria
perguntado a Maisie se ela tinha certeza, mas Colt saiu correndo de casa
com Havoc logo atrás, e isso respondeu à pergunta.
Beckett possuía os vinte e cinco acres que vendi há dois anos para
aquela empresa de investimentos.
A casa em si era linda. Construída no estilo chalé, que combinava
com os do Solitude. Dois andares com o telhado em formato de vários
triângulos e pilares de pedra. Era clássico, rústico e moderno, tudo em
um estilo. A definição de Beckett.
Colt abriu a porta de Maisie. — Aí está você! Senti sua falta!
— Eu também! — ela disse, e os dois se abraçaram.
— Ei, querido, — falei quando eles se separaram.
— Oi mãe! — Colt me lançou um sorriso por cima do encosto do
banco.
— Nós fizemos o jantar, vamos lá!
— Oh, Maisie não se sente muito bem. — Imediatamente entrei em
pânico ao pensar em passar mais do que alguns minutos com Beckett.
— Nós imaginamos. Então, temos frango, arroz e bolachas de água
e sal, se você precisar, Maisie. Vamos lá, você tem que ver a casa!
Maisie pulou, mais ágil do que eu a tinha visto nas últimas duas
semanas, e os dois saíram como um tiro.
— Bem, acho que isso está resolvido, — murmurei para mim
mesma. Houve um desejo de checar meu cabelo e maquiagem, e eu o
afastei. Não havia necessidade de impressionar Beckett. Engraçado,
costumava pensar a mesma coisa, porque ele me amava. Agora era
porque eu não deveria me importar com o que ele pensava.
Olhei no espelho e arrumei meu cabelo com alguns puxões
rápidos... porque eu me importava. Droga.
— Não seja uma covarde, — me repreendi quando saí do Tahoe. Eu
o deixei, não o contrário. Então, por que doía tanto? Por que meu coração
estava disparado? Por que eu desejava vê-lo quase tanto quanto o
evitava?
Ugh.
Eu tinha vinte e seis anos com meu primeiro coração partido de
verdade. Quando Jeff foi embora, os gêmeos e minha própria teimosia
haviam aliviado a dor e me distraído. Mas Beckett? Não havia distração
para Beckett. Ele estava em meus pensamentos, meus sonhos, minhas
mensagens de voz que recusei a excluir e as cartas que eu não jogaria
fora. Ele estava me enlouquecendo por toda parte.
Meus passos eram lentos quando entrei em casa. O interior era
igualmente bonito, com pisos de madeira escura e tetos altos. Era
exatamente a casa que eu teria projetado para mim. Mas não era minha
e ele também não.
Espere. Cadê os móveis? Não havia fotos nas paredes, nem sinais
de que ele realmente se mudara. Ele estava indo embora, afinal?
— Ei, — ele disse, vindo de um canto.
Merda, ele parecia muito gostoso. De jeans e camiseta de beisebol
de manga comprida com o logotipo do time de futebol de Colt já era ruim
o suficiente, mas seu cabelo estava um pouco mais longo e perfeitamente
despenteado, e ele teve a coragem de deixar crescer um pouco de barba
muito sexy.
— Oi. — De todas as palavras que precisávamos dizer um ao outro,
foi tudo o que saiu.
— As crianças estão conhecendo por aí. — Seus olhos se voltaram
para o teto quando o som de pés correndo veio através dele. — Olhe, Colt
queria fazer você jantar. Falei para ele que provavelmente não era uma
boa ideia, mas ele foi inflexível e achei que você poderia só levar com você
se não quisesse ficar.
— Você mora nos vinte e cinco acres dos fundos de Solitude que
vendi há dois anos.
— Sim. — Ele disse isso tão facilmente.
— É para cá que você veio?
— Depois que terminamos? — ele esclareceu.
Eu assenti lentamente. — Quando você fez o check-out e Colt me
disse que suas coisas haviam sumido, perguntei a Hailey se você havia
deixado alguma informação.
— Não deixei.
— Eu sei. Foi quando supus que você tinha voltado para o exército.
Igual aos dois outros homens que amei.
— Não deixei nenhuma informação porque achei que você ligaria
para a estação. Nunca me ocorreu que você pensaria que eu realmente
deixaria você e as crianças depois que prometi que não. — Ele suspirou,
esfregando o rosto. — Então, de novo, menti sobre quem eu era, então...
Ele estava certo. Nós dois sabíamos disso.
— Não gostei da maneira como terminamos as coisas... eu terminei
as coisas — eu corrigi.
— Nem eu, — ele respondeu suavemente.
— Você não ligou.
— Eu tentei naquela primeira semana, mas você não atendia.
Imaginei que você falava sério quando me disse que não queria me ver de
novo.
— Me desculpe. Nunca deveria ter dito isso. Eu tenho a tendência
de... exagerar quando se trata de mentiras, e...
— E construiu uma fortaleza ao redor das crianças, — ele terminou
meus pensamentos, recitando minhas próprias palavras de nossas
cartas. — Eu entendi e mereci. Não é como se você não tivesse me avisado
em sua primeira carta, certo?
Deus, o homem me conhecia tão bem, e eu odiava a sensação de
que eu não o conhecia.
— Você não tem móveis.
As sobrancelhas dele se levantaram com a minha mudança de
assunto. — Apenas no quarto e na cozinha. Não que isso implique alguma
coisa. Eu só precisava de uma cama. Para dormir. Apenas dormindo. —
Seus ombros se levantaram e ele enfiou os polegares nos jeans. — E a
cozinha, é claro. Para comer. Porque é uma cozinha.
O modo como navegamos desajeitadamente a conversa teria sido
engraçado se vê-lo não fosse como se tivesse acabado de arrancar meu
coração e assistido as batidas finais.
— Por quê? Por que você não tem móveis?
— Francamente?
— Sim. Acho que temos muitas mentiras entre nós, né? — Eu
estremeci. — Isso não é necessário. Me desculpe.
— Fique à vontade, eu mereço o que você quiser.
— A mobília? — Eu o lembrei de explicar esse assunto.
— Comprei o que precisava. Sempre planejei deixar você escolher
o resto, e depois... bem, eu realmente não me importo. Acho que deveria
ter uma sala antes da temporada de futebol. É um pouco estranho comer
todos aqueles salgadinhos na cama.
As crianças desceram correndo pelos largos degraus que davam
para o segundo andar. — Não é ótimo, mãe? — Maisie perguntou
enquanto voava com Colt atrás dela. Cara, essa garota se recuperou tão
rápido. Havoc parou para ganhar um rápido carinho e depois foi atrás
deles.
— Espere até ver a sala de jogos! — Colt disse a ela e eles estavam
no outro corredor.
— Ela pelo menos disse oi para você? — Perguntei com uma
pequena risada.
— Sim, ganhei um abraço enorme antes que Colt a levasse para
cima para ver os quartos.
— Quantos têm? — Não que eu precisasse saber.
— Seis. Cinco aqui e uma suíte acima da garagem.
— Uau. Grande. — Balancei minha cabeça. — Por favor, não faça
uma piada tipo “foi isso o que ela disse”.
— Não sonharia com isso. — Seu sorriso era de tirar o fôlego e
comovente.
Como sempre, tudo com ele era tão fácil e sem esforço, mas agora
também era terrivelmente difícil.
— Certo, não é da minha conta, mas você construiu isso? Você é o
dono da terra que vendi? — Eu já visto a construção e me torturei por
vender a propriedade toda vez que espionava a equipe de construção.
Felizmente, a ilha a escondia quando eu estava em casa, então consegui
ignorá-la.
— Eu estava construindo ao longo dos últimos sete meses ou mais.
Para você.
Forcei meus pulmões a respirar quando estavam obviamente
avessos à ideia. — Para mim.
— Você disse para não mentir. — Ele lançou um sorriso por cima
do ombro. — E foi a maior escolha que já fiz.
— Você comprou o fundo de vinte e cinco acres há dois anos? Eu
pensei que era uma empresa de investimentos.
— Era. Ryan perguntou se eu estaria interessado em investir em
uma propriedade. Concordei e pedi ao meu gerente financeiro para lidar
com isso, já que estávamos no exterior na época. Ele estava atrás de mim
para diversificar, então fiz isso. Bem, ele fez. Assinei os papéis assim que
voltamos da missão. Não sabia que eram seus acres até que cheguei aqui.
— E você não me contou. Não tem um comportamento padrão aí?
— Não. Existem segredos e surpresas.
— Você é dono dos vinte e cinco acres da minha propriedade!
— Na verdade, só quatro acres. Vá em frente e verifique com a
prefeitura. Devolvi todas as terras, menos quatro acres para a casa. Ah,
e há um desvio para a estrada. Espero que você não se importe.
— Você devolveu?
— Menos a casa. Quero dizer, sim, eu construí para você, mas para
mim também. E é legal se você quiser a casa, mas estou no pacote. Agora
venha pegar um pouco dessa comida. Posso colocar em pratos e
embrulhar, se você não quiser ficar. Sem pressão.
Ele se virou e começou a andar, então eu o segui. A casa era mesmo
espetacular. Ele me levou a uma cozinha grande e moderna que
realmente tinha mesa e cadeiras. Abria para um pátio gigante através de
uma porta de vidro deslizante.
Merda de casa perfeita.
— Você não pode fazer uma casa para mim.
— Já fiz, — ele respondeu, andando pela ilha até onde a comida
descansava.
— Não é normal construir uma casa para uma mulher e não contar
a ela. — Entrei na cozinha e recostei-me nos balcões de granito escuro.
Espaço bom no balcão também. Perfeito para... Desligue esse pensamento
agora.
— Sim, bem, eu tive essa noção estúpida e romântica de que eu iria
construi-la e provar a você que não estava indo embora. E então, quando
Maisie fosse curada, e tudo se estabilizasse, talvez você quisesse morar
aqui. Comigo. Mas eu também sei que você gosta de morar na
propriedade, então não iria pressioná-la e realmente não estávamos
prontos para falar de mudanças. — Ele empilhou comida em pratos. —
E nós dois sabemos que não sou exatamente bom com relacionamentos.
Provavelmente tenho quatorze anos por toda a experiência que tenho
nessa área. — Ele me deu um encolher de ombros provocador.
— Isso é mesmo tão fácil para você? — Oh, isso saiu realmente
duro.
Os pratos estalaram contra o granito quando ele os pousou, depois
lentamente se virou para mim.
— Não. Não é. É impossível vê-la, estar na mesma sala que você, e
não querer cair de joelhos e pedir perdão. É tudo o que consigo fazer para
manter minhas mãos longe de você, para não a beijar, tocar, lembrar de
como somos bons juntos e o quanto eu amo você. Está me matando não
te levar para o andar de cima e mostrar o quarto que construí só para
você, por nenhuma outra razão senão dormir ao seu lado. Todo aspecto
disso parece que uma faca está retorcendo dentro de mim, e o pior
aconteceu ontem, quando Colt me disse que eu não o amava. Que ele
pensou que eu seria o pai dele e, em vez disso, fui embora e me esqueci
dele, e então disse que eu era um covarde por não consertar. E sabe de
uma coisa? Ele está certo sobre a parte do covarde. Posso mentir e dizer
que sei que você não quer que eu lute por você, que nem sequer tenho
uma segunda chance, mas a verdade é que estou com muito medo de
fazer qualquer coisa, além de respirar, com medo de piorar as coisas. Não
perdi apenas você, Ella, também os perdi. Não há nada fácil nisso, e estou
fazendo o possível para mantê-lo leve. Então você quer essas malditas
ervilhas? Porque o site que li disse que elas são boas para comer depois
da radioterapia.
Ele disse um palavrão.
— Ervilhas são boas. — Saiu como um sussurro.
— Excelente. Também há arroz integral. E frango magro, já que é
mais fácil para ela digerir. — Ele colocou as ervilhas no prato. — Posso
saber o que vem a seguir? Ou é só esperar os extratos do plano de saúde?
— Temos exames de sangue agendado na próxima semana. Se
estiver limpo, então começamos a imunoterapia.
Um sorriso aliviado cruzou seu rosto, mas não foi para mim. —
Esse é o último obstáculo, certo?
— Talvez. Espero que sim. Eu realmente não quero ter esperança.
— Esperança é bom. Sinta isso. Porque não temos ideia do que está
vindo. Você tem que aceitar o bom quando ele vem, porque o ruim não
vai dar uma escolha.
As crianças correram para a cozinha e Maisie se acomodou em uma
das cadeiras.
— Maisie?
— Estou bem, mãe.
— Só não exagere, — eu disse por hábito.
— Ficar ou ir? — Beckett me perguntou em um sussurro para que
as crianças não ouvissem. Ele me deu a escolha. Ele sempre me deu a
escolha.
— Beckett. Colt está no time de futebol do campeonato de
primavera — Maisie informou, balançando as pernas para frente e para
trás na cadeira. — Além disso, Hailey terminou com outro garoto, e eu
recusei meu “faça um desejo” de novo.
— Espere, você o quê? — Beckett perguntou, caminhando em sua
direção. — Por quê? Você não quer se vestir de Batgirl para o dia em
Denver? Ou ser uma sereia nas Bahamas? Trabalhar em um filme por
um dia com Ron Howard?
Ela encolheu os ombros. — Eu tenho tudo o que quero e a única
coisa que eu pediria, não podem me dar, então devem dar o desejo a
alguém que precisa.
Ele se agachou. — O que você quer?
— Não importa agora. Nós vamos comer?
Não perdi apenas você, Ella, também os perdi.
Suas palavras me atingiram outra vez, duas vezes mais fortes que
na primeira vez. Eu amava este homem - ainda assim, se fosse honesta
comigo mesma — confiava nele o suficiente para deixá-lo adotar meus
filhos. Então, com uma ironia, cortei contato para poupar meu coração
e, ao fazê-lo, esmaguei os gêmeos - exatamente o que eu estava com medo
de que ele fizesse. Tudo porque eu não era capaz de estar perto dele e
respirar fundo ao mesmo tempo. Ele nunca havia sido um perigo para
eles, e talvez eu fosse tola, mas um pouco de distância havia clareado
minha cabeça, e eu acreditava que ele sempre foi honesto com as
crianças. Inferno, ele tinha sido o pai deles de várias maneiras, além do
legal. Ele não os abandonara como Jeff. Construiu uma maldita casa
para eles e largou o que estava fazendo para ir buscar Colt, mesmo que
não estivéssemos mais juntos.
E embora eu o cortasse abruptamente, ele nunca me procurou com
esse acordo de adoção para forçar a questão. Ele me deu a escolha.
E eu tinha escolhido errado.
Eu estava errada.
— Nós vamos ficar.
Beckett se levantou, me enviando um olhar de puro choque. —
Você vai ficar.
— Só para o jantar.
Seu rosto se contorceu de emoção antes de suavizar com um aceno
de cabeça e um sorriso forçado. — Sim, vamos comer. Colt, pegue
algumas bebidas para as meninas.
Colt aplaudiu e depois serviu limonada na bonita jarra de vidro.
Comemos, e era normal e torturante ao mesmo tempo. Meus filhos
se empolgaram e nunca pararam de falar, informando Beckett sobre tudo
o que havia acontecido no mês passado. Ele escutou e respondeu, seus
olhos dançando enquanto absorvia cada palavra deles.
Eu o observei em silêncio, baixando o olhar sempre que ele notava,
apenas para voltar a olhar. Ele era Beckett, mas também era Chaos, e a
cada mordida que dava, linhas de suas cartas bombardeavam meu
coração, lembrando-me que o homem sentado à minha frente era o
mesmo para o qual me senti imediatamente atraída. O mesmo que estava
triste, solitário e que não se sentia digno da conexão humana - de família.
Terminamos de comer e me levantei. — Colt, você pode limpar a
mesa? Quero que Beckett me mostre o andar de cima.
— Sim! — ele disse com um aceno entusiasmado e depois
sussurrou algo para Beckett que parecia muito com “peça desculpas”.
Beckett assentiu solenemente e depois bagunçou o cabelo de Colt
e piscou para Maisie. Então fez um sinal para o seguir e me levou pelas
escadas.
As escadas chegaram a um patamar onde o salão se dividia em
duas seções com uma ponte que atravessava a entrada. — O das cri... os
outros quartos são assim.
— Mostre-me o mestre.
Ele andou na direção oposta e me levou a um lindo quarto principal
com tetos abobadados e janelas enormes. Uma cama king-size ocupava
uma parede, com roupas de cama prateadas e brancas que eu teria
escolhido.
— Há um banheiro por ali com dois closets e uma máquina de lavar
roupa instalada. Há uma outra instalada no andar de baixo, porque...
bem... as crianças sujam coisas. Não que isso importe, ou algo assim.
Você pode conferir se quiser. — Ele estava sentado nos pés da cama.
— Não preciso. Sei que é perfeito.
— Bem, se você não veio aqui para ver a banheira, o que foi?
— Nós não vamos voltar a ficar juntos. — Isso escorregou da minha
boca.
— Bem, sem rodeios.
— Desculpe, quero dizer, eu queria que isso fique claro antes de
dizer o que vem a seguir. — Comecei a andar de um lado para o outro na
frente da cama. Cara, o tapete era muito macio.
— Bem, depois dessa introdução, mal posso esperar para ouvi-la.
— Ele se inclinou um pouco para a frente, apoiando as mãos na cabeceira
dos pés da cama. — Mas primeiro, preciso pedir desculpas. Novamente.
Mais alto, talvez, para que Colt possa ouvir. Ele me aconselhou que as
garotas gostam quando você pede desculpas. Então, me desculpe,
profundamente, por mentir para você. Por deixar você pensar que eu
estava morto. Por não ler suas cartas depois de Ryan morreu. Se tivesse
lido, nunca teria ficado longe quando você me pediu para vir.
— Você leu as cartas? — Depois de tudo, ele finalmente as abriu.
— Eu li. E me desculpe. Eu deveria ter respondido. Deveria ter
vindo. Nunca deveria ter escondido isso de você. Sinto muito pela dor que
lhe causei, e não há palavras de remorso suficientes para expressar como
me sinto por custar-lhe Ryan.
Eu parei de andar. — Beckett, eu não culpo você por Ryan. — Seus
olhos dispararam para os meus.
— Como você não me culpa?
— Como posso culpar? — Sentei-me ao lado dele na beira larga da
cabeceira. — Não foi sua culpa. Se houvesse alguma chance você salvá-
lo, você teria feito isso. Se houvesse alguma maneira de mudar o
desfecho, você teria feito isso. — Recitei as palavras de memória.
— Ryan.
— Sim, Ryan. O que aconteceu com você lá, não é algo que alguém
deva passar. Você não matou intencionalmente aquela criança. Foi um
acidente. Eu te conheço, Beckett. Você não machucaria uma criança. Os
acidentes são horríveis e coisas terríveis acontecem sem motivo e sem
culpa. Não foi sua culpa. O que aconteceu com o Ryan? Também não é
sua culpa. Você não é mais responsável por isso do que uma borboleta
africana é por um furacão.
— Não é a mesma coisa.
— É sim. Existem dez mil maneiras de culpar alguém pela morte
de Ryan. A culpa é dos meus pais por morrer, por mudar a vida dele
dessa maneira. Minha avó por não lutar mais quando ele queria se
alistar. Os terroristas por fazê-lo sentir que precisava ir para lá e fazer
alguma coisa. Eu, porque rezei por tanto tempo para que ele voltasse para
casa sem detalhar em que condição eu o queria. Mas nada disso importa.
Ele se ofereceu para ir em uma missão, e meu palpite é que ele teria se
oferecido para ir mesmo se você estivesse lá, porque isso é o que ele era.
Ele era igual ao meu pai - levei anos para ver isso. Se você quer culpar
alguém, culpe os homens que puxaram o gatilho, porque essa é a única
culpa que vale a pena colocar.
Ele abaixou a cabeça. Eu me virei, segurei em minhas mãos seu
rosto áspero da barba e levantei seu rosto para encontrar meus olhos. —
Às vezes, coisas ruins acontecem. E não há culpa a ser colocada. Você
não pode raciocinar com o universo, por mais sólida que seja sua lógica.
Se tudo fizesse sentido, Maisie não teria câncer e meus pais estariam
vivos, Ryan estaria aqui. Você nunca teria crescido do jeito que cresceu.
Somos pessoas imperfeitas feitas dessa maneira por um mundo
imperfeito, e nem sempre temos uma opinião sobre o que nos molda. Eu
não culpo você por Ryan. A única pessoa que se culpa, é você. E se você
não deixar essa dor passar, isso moldará o resto da sua vida. Você tem
essa escolha.
— Eu amo você. Você sabe disso, certo? Não importa o que
aconteceu, ou o quanto estraguei tudo, eu amo você.
Soltei minhas mãos, engoli o nó na garganta e assenti. — Eu sei. E
gostaria que o amor e a confiança estivessem de mãos dadas conosco,
mas em algum lugar eles se separaram e não sei se conseguem encontrar
o caminho de volta. Preciso ser capaz de acreditar nas coisas que você
me diz, e isso está quebrado. Talvez se Maisie não estivesse doente, e eu
estivesse um pouco mais forte..., mas simplesmente não consigo. Não
agora, pelo menos. E sei que você ama as crianças e elas amam você. E
eu estava errada em separar você deles. Fiquei magoada e arranjei
algumas desculpas esfarrapadas na minha cabeça. Mas a verdade é que
sempre posso confiar eles a você. Quero dizer, você é o pai deles. — Eu
dei-lhe um cutucão lateral.
— No papel.
— Na realidade. — Algo estalou na minha cabeça. — É por isso que
você não me pressionou a contar sobre a adoção, né? Você sabia que a
verdade apareceria.
— Sim.
— E você não os queria nessa posição.
— Sim.
Levantei-me e comecei a andar de novo. — Você quer um papel em
suas vidas?
— Deus, sim. Vou aceitar o que você estiver disposta a me dar.
Ele disse essas mesmas palavras após a primeira vez que estivemos
juntos. Ele as viveu desde que chegou em Telluride, sempre me deu a
escolha de quão longe eu o deixaria entrar. Ele nunca pressionou, nunca
exigiu nada mais do que eu queria permitir.
Não importava o quanto ele me machucou, Beckett ainda era o
mesmo cara por quem me apaixonei. O mesmo homem que meus filhos
amavam e precisavam. A única coisa que mudou foi a minha percepção
sobre ele - sobre nós.
— Certo, então aqui está o que vamos fazer. Vamos apenas agir
como se estivéssemos divorciados.
— Nós nunca fomos casados.
— Um pequeno detalhe. O que estou dizendo é que pessoas que
têm casos de uma noite conseguem compartilhar crianças. Você e eu nos
amamos - nos amávamos. Podemos descobrir isso. Se você estiver sério
sobre ficar...
— Eu construí uma casa, Ella. O que mais você quer?
— Você ainda está no exército? — Eu sabia a resposta, é claro. Ele
não podia sair, não enquanto precisávamos da cobertura para Maisie.
Mas também sabia que assim que ela estivesse bem, ele não seria capaz
de sossegar em um lugar agora que não estávamos mais juntos, quando
tudo o que o segurava aqui eram as crianças. Sua alma nômade ansiava
por seguir em frente.
— Isso não é justo.
— Sim. Eu sei. — Suspirei. — Certo, se você for ficar por aqui... por
enquanto, as crianças podem vir quando quiserem. Se você quiser
acompanhar Colt no futebol, nós resolveremos isso. Se quiser sair com
Maisie nos fins de semana, ou qualquer outra coisa, veremos o que
funciona para todos. Você pode ter acesso a eles e eles a você. Somos
adultos e eles são crianças. Então, precisamos agir mais como adultos
que as crianças. Você precisa manifestar seus direitos e eu preciso dar a
você. E eu não quero esconder a adoção das crianças, então talvez
quando Maisie estiver fora de perigo, se você ainda está aqui e tudo
mais, devemos dizer a eles que você é realmente o pai deles. Quero dizer,
era isso que eu pretendia antes...
Eu mal parei de andar de um lado para o outro, quando me vi
envolvida por braços fortes e quentes e pressionada contra um peito duro
e familiar.
— Obrigado, — ele sussurrou no meu cabelo.
Ele cheirava tão bem e se parecia tão certo. Talvez se ficássemos
aqui por bastante tempo, nada mais importaria. Poderíamos
simplesmente congelar o momento e viver nele, cercados pelo amor que
tínhamos um pelo outro.
Mas não podíamos. Porque ele me colocou no inferno por mais de
um ano, e não interessa o quanto eu o amava, eu não tinha certeza se
poderia confiar nele outra vez com meu coração, acreditar que ele me
diria a verdade quando se tratava de nossa relação.
— De nada. E sinto muito por afastá-los de você. Você sempre
brinca que não tem nenhuma experiência em relacionamento, mas eu
também não. Lidei com tudo de um jeito errado. Mas vou começar a ser
melhor agora.
— Eu estarei aqui, — ele prometeu. — Vou estar presente por eles
e por você. Sei que você não tem fé em mim, e tudo bem. Vou provar para
você. Recuperarei sua confiança um milímetro de cada vez. Você não vai
se arrepender de me deixar adotá-los, eu juro.
— Nunca me arrependi disso, — eu disse, envolvendo meus braços
em volta dele para um abraço e depois saindo da segurança de seus
braços antes de fazer algo estúpido como acreditar no que ele havia
acabado de prometer.
— Quer contar para as crianças?
— Sim. — Seu rosto se iluminou como uma criança na manhã de
Natal.
Nós os encontramos na mesa limpa da cozinha e eles pararam a
conversa imediatamente para olhar para nós.
— Você consertou? — Colt perguntou.
— Não dessa maneira, homenzinho, — Beckett disse suavemente.
— Você pediu desculpas?
— Pedi, mas desculpas não conserta o que não pode ser
consertado.
Então Colt olhou para mim.
— Não. — Beckett deu um passo à frente e se abaixou. Eu sempre
amei como ele abaixava para ficar na altura dos meus filhos. — Você não
fica bravo com a pessoa que se machucou, nem a julga por isso, porque
somente essa pessoa pode lhe dizer a profundidade do corte, entendeu?
Isso não é culpa da sua mãe. É minha. — Ele olhou para Maisie, que
tinha lágrimas nos olhos. — É minha.
Ele se levantou e veio para o meu lado.
— Então, não estamos juntos, — reiterei. Nada de bom veio de
crianças confusas.
— Mas sei que vocês o amam e ele ama vocês. Então, a partir de
agora, desde que todos concordem, vocês poderão vir sempre que Beckett
disser que está bem. Futebol, tratamentos, telefonemas, visitas, vamos
resolver isso.
A boca de Maisie se abriu. — Sério?
— Sério, — prometi a ela.
Colt tinha sido uma bola silenciosa de raiva desde que eu me
separei de Beckett, mas Maisie tinha se expressado mais e às vezes
absolutamente sincera.
— Então vocês não estão juntos, mas podemos ficar com ele? Ele é
nosso?
Mais do que você sabe.
— É isso que estou dizendo.
As crianças voaram de suas cadeiras, abraçando Beckett, depois
me abraçando, depois de volta para Beckett, depois um para o outro.
Então Maisie abraçou Beckett novamente e sussurrou algo em seu
ouvido. Ele lhe deu um sorriso que quase beirava ao choro e disse: — Eu
também.
Nós levamos as crianças até o meu carro e elas entraram. Quando
as portas foram fechadas, virei-me para Beckett, que novamente estava
com as mãos nos bolsos. Por ter uma quantidade louca de autocontrole,
captei com facilidade essa revelação de nervosismo.
— Obrigada. Pelo jantar, por cuidar de Colt. Pelo terreno e pela
casa, mesmo que não seja minha. A intenção foi espetacular.
— Obrigado por eles, — ele respondeu.
— O que ela falou?
— Quer saber mesmo?
— Beckett, — eu adverti.
— Ela disse que esse era o seu desejo, a única coisa que ela queria
era... eu, de uma maneira indireta.
— Ela queria um pai, — imaginei. — Você ser o pai dela.
— Eles são crianças, — ele falou dando de ombros, mas eu sabia o
quanto isso significava para ele.
— Eles são nossos filhos.
— Olha, eu ouvi o que você disse lá em cima, alto e claro. Sei que
estar juntos não é uma opção. Mas, por mais banal que pareça, eu
adoraria se conseguíssemos sermos amigo. Mesmo que seja apenas pelo
bem das crianças.
Ali, do lado de fora da casa que ele construiu para mim, eu gostaria
de nunca ter conhecido a verdade. Queria que ele nunca tivesse mentido
ou que pudéssemos recuperar tudo. Desejei que ele não fosse os dois
homens complicados pelos quais me apaixonei. Mas ele era, e ele mentiu.
E apesar de tudo, eu ainda o amava. — Sim. Acho que podemos
administrar isso.
— Recuperarei sua confiança, não importa quanto tempo leve, —
ele prometeu novamente.
Mesmo que eu não estivesse pronta - não tinha certeza se alguma
vez estaria - eu queria acreditar que ele ia conseguir isso e esse desejo
acendeu um pontinho de esperança em meu coração.
Não era um fogo tão forte para me aquecer, não como nosso amor.
Mas era uma faísca.
— Eu preciso aprender a dar essas segundas chances. Pequenos
passos. Boa noite, Beckett.
Ele assentiu e ficou na varanda até sairmos de vista.
SEIS MESES DEPOIS
CAPÍTULO VINTE E CINCO
BECKETT
Carta nº 23

Chaos,

Faz dois dias desde que enterramos Ryan. Você não veio e não
respondeu minha carta. Quando perguntei aos rapazes da sua unidade se
você estava bem, pelo menos presumi pelos cortes de cabelo deles eram da
sua unidade, me disseram que não tinham ideia de quem eu estava
falando.
Então, sim, eles eram da sua unidade.
Se você não está me respondendo e não foi ao funeral de Ryan, resta
uma opção que não consigo perguntar. Porque não sei se aguento.
Você se tornou algo que eu nunca esperava, esse apoio silencioso
que nunca julga. Não sabia o quanto passei a depender de você até você
não estar aqui. E estou aterrorizada. Você me disse uma vez que só fica
assustado se tiver algo a perder. E acho que talvez tenhamos algo a perder.
Há muita dor agora. Tanto que sinto que, no segundo quando acordo,
tenho dez anos no pequeno prontuário hospitalar. Risque isso, tenho nove
anos. Não posso ter dez, certo? Não quando eu tenho Colt e Maisie. Mas
dói muito.
Ryan. Eu vi abaixá-lo no chão em nossa pequena ilha e ainda não
consigo juntar todas as peças para formar uma imagem real. Tudo parece
nebuloso, como um pesadelo do qual não consigo acordar. Mas à noite
sonho que Ryan está em casa e você aparece na minha porta - uma figura
borrada da qual nunca consigo me lembrar de manhã. Sonhos se tornaram
a realidade que quero e acordo com o pesadelo.
Então, estou implorando, Chaos. Não esteja morto. Por favor, esteja
vivo. Por favor, não me diga que você estava lá com Ryan, que encontrou o
mesmo destino.
Por favor, diga-me que você não foi enterrado em algum lugar em um
funeral sobre o qual nunca fui informada. Que não me foi tirada a única
chance que eu teria que ficar a poucos metros de você.
Por favor, apareça em algumas semanas e me diga que você está
bem, que foi muito doloroso responder às minhas cartas. Diga-me que você
está abalado com a morte de Ryan. Apenas por favor apareça.
Por favor, não esteja morto.

Ella

***

— Você tem certeza disso? — Donahue perguntou pelo telefone.


— Tenho. Você está segurando a papelada, certo? — Soltei o colete
de trabalho de Havoc e pendurei-o no armário dela, que ficava ao lado do
meu.
— Sim. — Ele suspirou. — Não faz tanto tempo.
— É setembro, — falei com uma risada. — Isso significa que já faz
dezoito meses desde que entrei em licença. — Dois anos desde que recebi
a primeira carta de Ella. — Você não pode me deixar no banco para
sempre, treinador.
— Eu tenho mais três anos.
— Não. Está na hora. — Peguei as chaves do meu carro no gancho
do meu armário e olhei para as fotos que cobriam a porta interior.
Caminhadas com Ella e as crianças no mês passado. Acampamento neste
verão. Colt depois de vencer as semifinais da liga. Maisie finalmente
começou a nadar no lago alguns meses depois de completar a
imunoterapia. Ella sentada com a cabeça de Havoc no colo. Ella e eu
ainda estávamos na zona de amigos, mas eram minha família e este era
meu lar. Conseguir a vaga de período integral que se abriu há alguns
meses significava que meu novo plano de saúde cobria Maisie, de modo
que todas as peças estavam finalmente no lugar. — Sinto falta de vocês.
Não vou mentir. Vocês foram minha primeira família. Mas nunca vou
esquecer de Telluride. Nós dois sabemos disso. Inferno, Ella terminou
comigo há sete meses, e ainda estou aqui. Encontrei um lar. Além disso,
Havoc está engordando.
Ela choramingou e inclinou a cabeça para mim.
— Tudo bem, gosto de você meio gordinha, — tranquilizei-a com
um tapinha, ciente de que ela não tinha ideia do que eu falei. — E são só
três quilos.
— Certo. Se você tiver certeza, eu aceito. Mas se alguma coisa
mudar, me liga. Entendido?
— Sim, senhor. Mas nada vai mudar.
Ele suspirou. — Você é um bom homem em uma tempestade,
Gentry.
— Engraçado, não foi isso que você disse quando eu estava lá.
— Não vá ficar se achando pra cima de mim. Até mais.
— Até mais. — Houve um clique e a linha foi desligada.
Coloquei meu telefone no bolso e fechei nossos armários.
O dela dizia: — HAVOC.
O meu dizia: — CHAOS.
Porque sob tudo isso, eu ainda era eu, e assim que parei de lutar,
percebi que estava bem com isso.
— Ei, Tess disse para levá-lo para casa, se você quiser jantar, —
Mark ofereceu quando pisei no estacionamento.
— Eu iria, mas Ella ligou mais cedo e disse que as crianças querem
jantar, então estou indo para a casa dela. Agradeça a Tess.
— Está certo. Como vão as coisas, afinal? — Ele perguntou, assim
como em todas as outras semanas. Ele se tornou nosso líder de torcida
não tão silencioso.
— Lento, mas indo.
— Combata o bom combate. — Ele acenou quando nós dois
entramos em nossos veículos. Havoc se acomodou em seu assento e eu
trouxe a caminhonete à vida. Fomos para casa com as janelas abaixadas,
Havoc enfiando a cabeça pela janela. Era um veranico, com temperaturas
ainda acima dos vinte, o que significava que os trilheiros estavam aqui
mais cedo do que o habitual para a temporada, mas, como o Dia do
Trabalho havia passado duas semanas atrás, estava um pouco mais
calmo na parte mais baixa de Telluride.
Apertei um botão no painel e a voz de Ella encheu minha
caminhonete.
— Ei, você está a caminho?
— Sim. Quer que eu pegue a pizza?
— Isso seria incrível.
— Logo chego aí.
— Certo. Dirija com cuidado. — Ela desligou e eu sorri. Não
estávamos juntos, mas éramos bons. Claro, a tensão sexual ainda estava
ali, e eu a amava - isso nunca mudaria - mas eu estava provando para
Ella todos os dias, e não deixava de ter esperança de que um dia seria o
suficiente para reparar o que eu tinha quebrado. Mas ei, eu menti para
ela por onze meses, e eu estava a apenas sete meses de penitência.
A verdade era que eu esperaria para sempre.
Enquanto isso, era como estar casado sem toda a parte do
casamento.
Houve dias em que pensei que nossa segunda chance estava ao
nosso alcance e dias em que ela parecia estar a um milhão de quilômetros
de distância. Mas nenhum de nós namorou mais ninguém, e agarrei-me
àquela pequena esperança de que as vezes que a peguei me olhando
significassem que estávamos chegando a algum lugar.
Tínhamos o tempo que ela precisasse.
Estacionei em frente à pizzaria e levei Havoc comigo enquanto
preparavam o nosso pedido. O engraçado de criar raízes era que as
pessoas me conheciam. Conheciam Havoc.
— Aqui está, Sr. Gentry, — disse o filho dos Tanners, entregando-
me três caixas. — Ei, Havoc.
— Bom jogo na sexta, — falei a ele enquanto pagava.
— Obrigado! Você vai semana que vem?
— Não perderia, — respondi enquanto saía pela porta com a pizza.
Acenei para duas pessoas que reconheci e coloquei as pizzas no
espaço entre os assentos de Maisie e Colt enquanto Havoc pulava no
banco do passageiro. Logo os gêmeos completariam oito anos, o que quer
dizer que eu teria muito mais espaço de volta na minha caminhonete.
Olhei para o pacote de Oreos aberto no porta-copos de Colt e revirei os
olhos.
Aquele garoto seria a minha morte.
Depois de algumas músicas no rádio, entrei na garagem de Ella e
abri as portas. Havoc voou, correndo para cumprimentar as crianças.
— Beckett! — Maisie gritou, descendo as escadas.
Seu cabelo loiro voltou a crescer um pouco cacheado e agora estava
em um corte alinhado com a parte inferior das orelhas. Seis centímetros
gloriosos de cabelo não afetado pela quimio. Ainda prendíamos a
respiração, observando o sangue dela e as tomografias
computadorizadas, mas ela passou pela imunoterapia com êxito, e agora
era um jogo de espera enquanto seu corpo lutava por conta própria.
— Oi, menina Maisie, — falei e a abracei com meu braço livre. —
Como foi a escola?
— Bem! Fiz outro pré-teste de ortografia.
— Você não é a tal sabe-tudo? — Dei um beijo no topo da cabeça
dela enquanto caminhávamos até a varanda. — E você, Colt?
— Eu não fiz, — Colt respondeu enquanto se aproximava para me
abraçar.
— É só um pré-teste, parceiro. Vamos estudar, certo?
Ele assentiu e abriu a porta para nós.
— Cheguei com a comida! — Berrei.
— Ah, o caçador voltou, — Ella disse com um sorriso quando ela
saiu de seu escritório. — Dia bom?
— Agora é. — Meus olhos percorreram seu vestido branco, notando
sua pele bronzeada, cabelo encaracolado e pernas de um quilômetro de
comprimento. Porra, eu sentia falta do corpo dela. Sentia falta do jeito
que ela ofegava em meu ouvido, do jeito que suas costas se arqueavam
quando eu estava dentro dela, do jeito que nos perdemos um no outro.
Mas ainda não estávamos lá, então falei para o meu pau se acalmar e
levei as pizzas para a cozinha. — Vestido bonito. Tá rolando alguma
coisa?
Ela estava se vestindo um pouco mais ultimamente. Com Maisie
fazendo tomografias a cada semana e depois a cada duas semanas, Ella
tinha mais tempo para si mesma, e isso se revelava. Sua pele brilhava,
seus olhos brilhavam e essas pernas definitivamente não eram de um
Yeti.
— Oh, bem, David Robins me convidou para sair hoje à noite. —
Ela passou a mão pelo meu braço e me deu uma piscada de olhos
arregalados, inocente demais para ser sério. Puta merda, ela estava
mesmo flertando comigo?
Agora eu estava em partes iguais divertidas, excitadas e com
ciúmes do inferno.
Não perdi o seu grande sorriso quando as caixas deslizaram das
minhas mãos para o balcão, mas as peguei antes do jantar acabar no
chão de madeira. Oh, sim, minha garota estava me provocando.
Robins a convidou para sair todos os meses desde que terminamos.
Logo eu iria aparecer na casa dele e convidá-lo para sair com meu punho.
Estúpido garoto bonitinho.
— E? — Tentei perguntar de um jeito indiferente depois que parei
de mexer nas caixas.
— Bem, sei que Jennifer Bennington convidou você para sair
quando almoçou com as crianças hoje. Ela está atrás de você desde... o
que, o início dos tempos? — Ela mudou de lado, passando a mão pelas
minhas costas antes de olhar para mim com um pequeno sorriso. Ela
nunca me tocou tanto assim. Não sabia o que aconteceu com ela, mas
aceitaria.
— Não cutuque o urso. Você sabe que falei não para ela hoje.
Assim, como falei não para ela não em qualquer outra ocasião e
continuarei falando não.
Ela puxou o lábio inferior com os dentes e me deu um olhar que eu
não via há sete meses. Esse olhar a colocaria neste balcão em cerca de
dez segundos, se ela não tivesse cuidado.
— Ella?
— O quê? — Ela dançou do outro lado da ilha.
— Você acabou de girar? — Algo estava acontecendo.
— Talvez. Estou de bom humor.
— Estou vendo. — Tirei quatro pratos do armário. — Então, acho
que você não vai comer com a gente, — brinquei, querendo ver até onde
ela iria.
— Por que você disse não para ela? — Ella perguntou, deslizando
ao meu lado. Seu cabelo estava solto nas costas e meus dedos coçavam
para entrelaçar e sentir os fios contra a minha pele.
— Você sabe por quê. — Sim, éramos bons, mas ela estava me
matando. Lentamente. Dolorosamente. Ela olhou para mim, tão linda que
prendi minha respiração. Verifiquei para ter certeza de que as crianças
ainda estavam do lado de fora antes de olhar para ela. — Porque ainda
estou apaixonado por você.
Falei a ela pelo menos uma vez por semana, para que soubesse que
eu não estava nisso só pelas crianças. Avisei-a que eu não ia a lugar
nenhum, que nossa amizade era ótima, mas eu estava seguindo o coração
dela. Estava experimentando aquele lance flagrante de honestidade.
Seus lábios se separaram e, se isso tivesse acontecido oito meses
atrás, eu a teria beijado. Teria feito muito mais do que beijá-la quando as
crianças fossem para a cama. Mas não foi há oito meses, foi agora.
— Bem, também disse não para David. — Ela sorriu e se virou.
— E qual é a sua lógica? — Merda, agora eu também estava
sorrindo. A mulher me deixou louco, mas sim, eu ainda a amava com
todos os ossos do meu corpo. Como não poderia?
— Você com certeza. Temos planos para o jantar, certo? — Ela disse
da beira da cozinha em direção à porta da frente.
Não foi uma declaração de amor. Não ganhei uma dessas dela
desde a noite em que concordamos em ser partilhar a custódia. Mas eu
não era nada além de paciente.
— Jantar! — ela gritou depois de abrir a porta, e havia uma
confusão de pés, tanto de duas pernas quanto de quatro pernas.
— Eu trouxe Havoc! — Colt pegou sua comida e encheu seu prato.
Maisie levou pratos cheios de pizza para nossos respectivos lugares
à mesa. Enquanto assistia a todo mundo se sentar e Ella colocar um copo
de chá doce no topo do meu prato, percebi que nada havia realmente
mudado em nosso relacionamento, exceto o aspecto físico.
Ela ainda era minha primeira ligação quando algo dava certo. Eu
ainda era a pessoa em que ela se apoiava quando as coisas davam errado.
Ela estava ao meu lado quando descobri que outro membro da
minha unidade havia morrido no mês passado.
Ainda nos sentávamos nos mesmos lugares à mesa.
Levei o prato de Ella e coloquei na frente dela.
— Posso fazer a prece? — Maisie perguntou enquanto eu me
sentava.
— É todo sua. — Juntamos as mãos - as minhas com Ella e Maisie
e Colt diretamente à minha frente - e inclinamos a cabeça.
— Querido Pai Celestial, obrigada por nossos dias e por tudo que
você nos deu. Para nossa casa e nossa família: Colt, Mamãe, Beckett e
Havoc. E obrigada pela doutora Hughes. Mas especialmente, obrigada por
me deixar livre do câncer.
Minha cabeça se levantou, meus olhos voando para Maisie, que
sorriu para mim, sentindo falta dos dentes da frente e tudo. Ela assentiu,
e quase perdi a cabeça. Virei-me para Ella, que tinha lágrimas escorrendo
pelo rosto.
— Nenhuma evidência da doença. Recebemos a ligação hoje. — O
sorriso dela era enorme enquanto ria. Alegria pura, pura e irrestrita.
— Não acredito! — Colt levantou as mãos no clássico sinal de
vitória. Pelo menos não fui o último a saber.
Afastei-me da mesa tão rápido que minha cadeira caiu no chão.
Então levantei Maisie da cadeira e a abracei. Ela enterrou o rosto no meu
pescoço, e estremecimentos assolaram meu corpo enquanto eu a
segurava com força.
Ela ficaria bem. Ela conseguiu. Ela ia viver.
— Beckett? — ela chamou.
— Sim, Maisie?
— Eu não consigo respirar, — ela chiou.
Eu ri e a coloquei no chão. — Finalmente conseguimos que você
viva e agora estou matando você com meus abraços ultra-fantásticos.
— Minha vez! — Colt pegou a irmã e os dois pularam e se
abraçaram.
— Ei, — Ella disse atrás de mim.
Eu me virei e ela esticou a mão para o meu rosto, enxugando as
lágrimas que eu não tinha percebido que estavam ali. Cruzando a linha,
passei meus braços em volta dela e a puxei para perto.
Para meu alívio, ela se derreteu contra mim, sua cabeça se
encaixando exatamente no local abaixo da minha clavícula que era dela.
Ela me abraçou com força, as mãos espalhadas nas minhas costas, e
descansei meu queixo no topo de sua cabeça.
— Ela vai ficar bem, — sussurrei.
Ella assentiu.
Ficamos ali por longos minutos, enquanto Colt e Maisie corriam
pela casa gritando e rindo.
— Boa surpresa? — Ella perguntou, se afastando apenas o
suficiente para olhar para mim.
— A melhor surpresa possível. Sempre. — Segurei seu rosto com a
mão, deixando meu polegar acariciar sua pele perfeitamente macia.
— Comida! — os gêmeos gritaram, quebrando nosso pequeno
feitiço.
Nós nos separamos e nos sentamos de volta para a melhor pizza
morna que já tive na minha vida.
***

— Deixe-me fazer isso, — eu disse a Ella, assumindo a louça


algumas horas depois.
— Colt está bem? — ela perguntou, embrulhando a pizza.
— Depois de ler Onde vivem os monstros pela décima vez, ele ficou
satisfeito, — eu disse a ela. — Maisie?
— Dormiu sem problemas. Acho que ela está emocionalmente
exausta. — Ela se recostou no balcão e me viu deslizar os pratos na
máquina de lavar louça.
— Compreensível. — Fecho a máquina de lavar louça. — Não
acredito que acabou.
— Sim. É tão surreal. — Ela olhou para o espaço. — Quero dizer,
me disseram as taxas de recaída, e elas são altas. Muito altas. Então,
pode voltar. Mas se ela aguentar cinco anos, então as chances...
— Ella, — interrompi, pisando na frente dela e pegando seu rosto
em minhas mãos. — Aceite o bom. Sinta o feliz. Este é o melhor tipo de
bom, e você conseguiu. Você a trouxe até aqui.
— Você a trouxe até aqui também. — Sua voz suavizou, e ela se
inclinou contra a minha mão.
— Certo, nós a trouxemos até aqui. Então, vamos aceitar o feliz. —
Ela ficou na ponta dos pés e me beijou.
Meu choque durou um milésimo de segundo antes que eu a
beijasse de volta. Movi meus lábios sobre os dela, saboreando cada toque,
porque nunca soube se conseguiria novamente. Quando seus lábios se
separaram, aproveitei ao máximo e aprofundei o beijo.
Suas costas bateram no balcão quando minha língua entrou em
sua boca. Então suas mãos agarraram minha camisa, seus gemidos
doces no meu ouvido quando o beijo se tornou explosivo. Repetidamente,
peguei sua boca, beijando-a até que ela estivesse arqueada contra mim,
seus seios pressionados no meu peito.
Afastei minha boca e dei um passo atrás. — Ella. — Minha
respiração estava errática, meu coração trovejava, e eu tinha quase
certeza de que, se não me reajustasse, estaria matando meu pau por
asfixia na cueca em questão de minutos.
— Beckett.
— O que você está fazendo?
— Aceitando o meu feliz. Você é o meu feliz. — Ela deu um passo
em frente.
— O que isso...?
Ela me interrompeu com um beijo suave. — Apenas seja feliz e me
deixe ser sua. Podemos resolver isso amanhã.
Se estivesse mais forte ou um pouco menos emocionado com a
recuperação de Maisie, eu poderia ter me afastado. Poderia ter dito não e
a obrigar a estabelecer nosso status de relacionamento. Teria sido mais
cuidadoso com meu coração.
Três coisas.
Um. Eu a amava.
Dois. Ela era tudo que eu queria, sempre. Então, se isso era tudo
que poderia ter com ela, então eu não diria não. De jeito nenhum.
Três. Eu usaria essa noite para lembrá-la exatamente por que
pertencemos um ao outro, e amanhã tudo o que resolveríamos seria onde
íamos morar.
Agarrei sua bunda em minhas mãos e a levantei contra mim,
beijando-a profundamente e com força. — Prenda seus tornozelos, —
ordenei contra sua boca.
Ela os prendeu, envolvendo as pernas em volta da minha cintura.
Eu a beijei pelas escadas e pelo corredor, carregando-a pela casa
como se fosse meu prêmio final. Não parei quando fechei a porta do
quarto e tranquei atrás de nós, ou quando a deitei no meio de sua cama.
Ela interrompeu o beijo, mexendo no cinto da minha calça jeans
enquanto tirava meus sapatos e minhas meias. Então minhas mãos
subiram por suas coxas e minha boca seguiu, beijando todos os pontos
sensíveis que eu sabia que ela tinha.
— Senti falta disso, — falei contra sua pele.
— Eu também, — ela respondeu, com as mãos no meu cabelo
enquanto eu passava os dentes sobre sua calcinha. — Beckett. — Seu
quadril rolou nas minhas mãos.
Fiz um rápido movimento com sua calcinha fio dental e tirei o
vestido por cima da cabeça - depois o sutiã - dentro de um minuto no
máximo. Então ela estava nua, estendida diante de mim com os braços
abertos e um sorriso.
Sim, este era o meu feliz, tudo bem.
Tirei o resto das minhas roupas e depois cobri o corpo dela com o
meu. — Você tem certeza? — Perguntei.
— Tenho certeza. — Ela me puxou para um beijo e nossas bocas
se encontraram em uma fúria de necessidade. Não havia nada de gentil
nisso - esse era o resultado de meses e meses de necessidade e sofrimento
negados.
Pousei beijos em todo o seu corpo enquanto ela se remexia embaixo
de mim. Quando pairei sobre o ápice de suas coxas e agarrei seu quadril,
suas unhas roçavam meu couro cabeludo. — Por favor, Beckett.
Se ela dissesse meu nome assim mais uma vez, eu seria seu criado
disposto pelo resto da eternidade. Especialmente se isso significasse na
cama.
Coloquei minha boca nela e ela pulou. Prendi seu quadril e a comi
implacavelmente até que ela começou a dizer o meu nome novamente,
sua cabeça batendo no travesseiro. Senti falta desse gosto, do jeito que
suas pernas ficavam tensas quando ela estava perto, do puxão de seus
dedos no meu cabelo enquanto ela perdia a cabeça. Eu a levei às alturas
com a minha língua, sem lhe dar uma pausa, nenhuma chance de
escapar do que eu sabia que estava vindo rapidamente.
Quando ela começou a tremer, empurrei ainda mais forte até que
ela se separou debaixo da minha boca, abafando seu grito com o próprio
punho. Ela era a mulher mais sexy e sensual que já vi.
Quando suas pernas relaxaram, levantei-me acima dela,
aproveitando um segundo para apreciar o brilho vidrado de seus olhos
azuis, seus lábios inchados de beijar e o rubor em suas bochechas. —
Você é linda.
O sorriso dela era lento e de alguma forma mais íntimo do que o
que eu tinha acabado de fazer com ela.
— Quase tinha me esquecido de como era entre nós, — ela admitiu.
— Ou disse a mim mesma que me lembrava disso de forma errada.
— Elétrico.
— Lembre-me novamente. — Ela ajoelhou-se e assobiei quando
minha ereção deslizou através de sua umidade para aterrissar em sua
entrada.
— Anticoncepcional?
— Nunca parei e não houve mais ninguém.
— Você tem sido isso para mim desde a primeira carta. Só você.
Sempre você. — Eu me afundei nela até que ela me cercou. Casa. — Eu
amo você, Ella.
Ela puxou minha cabeça para a dela e nossas bocas terminaram a
conversa. Por mais urgente que tivesse sido seu primeiro orgasmo,
dediquei meu tempo agora, prolongando cada golpe, toda vez que nos
reuníamos apenas para recuar novamente. Usei toda a habilidade e
resistência que possuía para mostrar o que eu sentia por ela com beijos
drogados e movimentos lentos e profundos.
Ela me conheceu movimento por movimento, nossos corpos
arqueando juntos em perfeita parceria até que chegamos a um frenesi.
Quando seu corpo se apertou ao redor do meu quando seu segundo
clímax a levou, foi com o meu nome nos lábios e o coração nas mãos. Eu
segui quase imediatamente, caindo em cima dela e rapidamente nos
rolando para o lado para não a esmagar.
— Você está bem? — Perguntei, afastando seu cabelo do rosto. Eu
estava mais do que bem. Estava perfeitamente contente em casa.
Ela se alongou preguiçosamente com um sorriso. — Feliz. Muito,
muito feliz.
— Eu também.
Ela rolou de novo e ficou por cima, sorrindo para mim, seu cabelo
uma cortina que nos cercava. — Aposto que posso fazer você ainda mais
feliz.
Então começamos tudo de novo.
CAPÍTULO VINTE E SEIS
ELLA
Carta nº 20

Ella,

Então o Colt quer uma casa na árvore, não é? Aposto que eu e seu
irmão podemos lidar com isso.
Não se preocupe, sua cabeça vai automaticamente para Maisie. Eu
me preocuparia se não o fizesse. O que você está passando consome
praticamente tudo. Inferno, eu penso muito em vocês e nunca coloquei os
olhos em vocês.
Mas vamos lá, vamos lhe dar um pouco de distração. Prometi há
alguns meses que contaria a história por trás do meu nome de guerra.
Então aqui vai. Chaos. Todo esse estado de disfunção, onde tudo se desfaz
sem rima ou razão, certo? Isso é praticamente eu. Exatamente. Enquanto
crescia, me metia em problemas sempre que podia, ou às vezes eles me
encontrava. Chamavam-me de Chaos, porque quando eu aparecia, a
destruição inevitavelmente me seguiu. Geralmente lugares, mas às vezes
pessoas. Muitas pessoas. Se alguém se apega, não posso deixá-lo se
aproximar e me autodestruo até que se afastem. Tenho idade suficiente
para ver os padrões, mas não estou muito preocupado para realmente
alterá-los.
Então, eu e seu irmão vamos a um bar logo depois da triagem e ele
começa a dar em cima de uma mulher. Não vejo o rosto dela, apenas um
corpo em um vestido que mostra praticamente tudo. Ele supõe que ela é
uma prostituta - não me pergunte por que, porque não tenho ideia - e então
no fim das contas ela é na verdade a esposas de um dos nossos
instrutores.
Sim, o mundo desabou. O cara ficou louco, o bar foi jogado para cima
porque eu interferi, e quando o nariz estava quebrado e as garrafas
pararam de voar, eu me viro e me dou conta de que ela era alguém com
quem cresci. Então ela apenas olha para mim e diz: — Como sempre,
fazendo e acontecendo, Chaos. Você chega e tudo vai para o inferno. —
Seu irmão e o instrutor ouviram e pegou.
Então, sim, essa é a minha definição. Eu chego e tudo vai para o
inferno. Ainda tem certeza de que quer que eu vá te visitar? Brincadeirinha,
você sabe que eu estarei aí.
Espero que esteja recebendo presentes embrulhados para as
crianças, árvores cortadas e tudo mais. Estou amando as luzinhas a pilha
que Colt enviou e a pequena árvore-de-rosa de Maisie.
Te vejo depois,

Chaos

***

Estiquei-me, sentindo-me deliciosamente dolorida em lugares que


não sentia desde...
Um braço quente e forte cobriu minha cintura e me puxou de volta
para a curva de um corpo masculino muito firme.
Beckett.
Esperei o pânico aumentar, a sensação de merda quando o erro já
tinha sido cometido e não se pode fazer nada além de lidar com as
consequências, mas nunca aconteceu, porque não foi um erro. Apenas
um doce contentamento e a dor dos músculos bem utilizados.
Quantas vezes nos perdemos um no outro na noite passada? Três?
Eu disse a ele que resolveríamos hoje, e falei a sério. Este era o pai dos
meus filhos, o cara que construiu não uma, mas duas casas na árvore,
que esteve presente não importa quantas vezes eu duvidei dele.
E não interessa as mentiras, os enganos e tudo o que veio à tona,
eu o amava. Isso nunca mudou. E sinceramente, eu o perdoei há muito
tempo pela mentira. Depois que a mágoa diminuiu, reli as cartas. Vi a
auto-aversão que ele mascarou, o verdadeiro sentimento de que ele não
era digno de amor e não podia se conectar às pessoas.
Quando ele finalmente se conectou a Ryan, e depois o perdeu, ficou
em um estado deprimido. Por acaso, fui pega no meio de tudo isso.
E quanto à confiança? Ele a reconstruiu meticulosamente nos
últimos seis meses, nunca vacilando e sempre declarando sua intenção.
Era impossível ignorar esse tipo de implacabilidade, e agora que Maisie
estava livre do câncer, era hora de descobrir o que Beckett e eu faríamos
um com o outro.
Eu poderia ter um momento para ser minha própria prioridade pela
primeira vez em anos, e o que eu queria era ele.
— Mãe! Vamos, vamos nos atrasar! — Maisie gritou do corredor.
Estiquei o pescoço para ver o relógio.
— Oh droga! Beckett, estamos atrasados! — Voei da cama,
correndo para o roupão de banho que ficava pendurado na parte de trás
da minha porta, mas nunca usei.
— O quê? — Ele se levantou, as cobertas caindo na cintura.
Bom Deus, esse homem era lindo. Realmente, de dar água na boca.
É exatamente por isso que você está atrasada.
— Temos de ir. Já são sete e meia! As crianças precisam estar na
escola às oito ou perdem a excursão! — Corri para o corredor para
encontrar as duas crianças vestidas, bonés, tênis de caminhada
amarrados. — Bom Dia.
Eles me deram um sorriso dizendo que sabiam exatamente quem
estava na minha cama.
Falha parental.
— Então, quem está nos levando para a escola? — Maisie
perguntou com um pequeno pulo na ponta dos pés.
— Sim? Você ou Beckett? — Colt acrescentou, pulando de forma
idêntica.
— Certo, discutiremos isso mais tarde. Precisamos nos arrumar.
Agora.
— Já fizemos isso! — Maisie disse, parecendo totalmente alegre.
— Café da manhã?
— Cereal, — disse Colt. — Sabia que você ficaria brava se a gente
usasse o fogão.
— E a gente queria que você dormisse. — Maisie levantou os dedos
e começou a contar. — Café da manhã, pronto. Dentes escovados, pronto.
Havoc alimentada. Ela dormiu comigo ontem à noite, mas é uma porca
da cama, então tem que ficar com Colt hoje à noite.
E foi exatamente o que ganhei ao deixar Beckett dormir na minha
cama. As crianças automaticamente assumiram que estávamos juntos
de novo. Ou talvez nós estivéssemos. Não havia absolutamente tempo
para pensar nisso agora. Meu tempo acabou, e as crianças voltaram para
o lugar prioritário. A conversa comigo e Beckett ficaria para mais tarde.
Em uma mesa. Com muitas roupas. Toneladas de roupas. Talvez uma
parca.
— Temos nossos tênis, nossos bonés, nossas calças e blusas, e nos
besuntamos com protetor solar. Tudo o que precisamos é de um lanche.
— Ela parou de contar.
— Lanche. Posso fazer isso... com os dez minutos que tenho. —
Corri para o quarto e encontrei Beckett já vestido, parecendo sexy como
o inferno e amassado pelo sono. O sexo era muito parecido com açúcar -
desista e você para de sentir falta depois de um tempo, mas você come
de novo e está apenas desejando a próxima dose. E cara, eu queria uma
dose de novo. Muito.
— As crianças estão bem? — ele perguntou, amarrando os sapatos.
— Oh, apenas fazendo suposições, mas fora isso, estão bem. Talvez
eu precise de uma pequena ajuda para etiquetar. — Tirei o roupão e vesti
minha calcinha. — Beckett, concentre-se.
— Oh, estou concentrado. Acredite em mim. — Seus olhos estavam
presos na minha bunda.
Sutiã posto e fechado.
— Temos dez minutos antes que eles tenham que sair...
— Lanches?
— Exato.
— Tô dentro, — ele disse, já caminhando em direção à porta. Ele
segurou meus ombros enquanto passava por mim, me impedindo de cair
enquanto eu pulava como uma lunática com uma perna na calça jeans.
— Bom dia, — ele disse suavemente enquanto pressionava um beijo na
minha testa.
— Bom dia para você, — respondi, e ele estava do lado de fora.
Cara, eu gostei muito disso. Voltando ao doce ritmo que tivemos
enquanto estávamos juntos. Saber que as risadas que ouvi subindo as
escadas era o resultado de crianças felizes em uma manhã agitada com
o pai.
Vesti minha camiseta verde de manga comprida e decote canoa e
desci correndo as escadas, meias e botas na mão. Então parei na beira
da cozinha e observei a cena por um minuto que não tínhamos.
Beckett trabalhava no balcão, enrolando rocambole de carne e
queijo, enquanto Maisie enchia as garrafas de água e Colt pegava
iogurtes.
— Sinto que estou esperando este dia há uma eternidade, — disse
Colt, jogando maçãs em sacos de papel marrom. — Um dia inteiro sem
escola, apenas caminhando em cima das folhas.
— Bem, é tipo escola, — respondeu Maisie.
— Você sabe o que quero dizer. — Colt puxou o boné.
— Cara, eu gostaria caminhar o dia inteiro para ganhar a vida, —
brincou Beckett, cortando os rocamboles.
— Você faz isso! — Maisie respondeu com uma risadinha.
— É verdade! — ele respondeu com um rosto chocado.
Esta era a imagem da perfeição, e eu sabia que poderia tê-la pelo
resto da minha vida... assim que tivéssemos tempo para conversar. Hoje
à noite, talvez?
— E os doces? — Perguntei, acariciando Havoc a caminho da
despensa. — M&Ms parece bom?
— Sim! — as crianças gritaram quando as joguei nos sacos de papel
necessários para a excursão.
— Certo, é isso? — Beckett perguntou.
— Acho que estamos prontos, — disse a ele. — Crianças, peguem
suas mochilas e entrem no meu carro.
Os dois abraçaram Beckett e saíram correndo pela porta.
Nós olhamos um para o outro através da ilha da cozinha por um
segundo, antes que ele limpasse a garganta. — Sinto que há coisas que
precisam ser ditas.
Andei pela ilha, subi na ponta dos pés e dei um beijo suave na boca
dele. — Também acho. Que tal hoje à noite?
Um lampejo de esperança percorreu seus olhos verdes e ele sorriu.
— Hoje é noite.
Saímos de mãos dadas e ele acenou para as crianças enquanto
descíamos a garagem. Eles podem chegar dois minutos atrasados. Certo
três.
Estacionei o carro quando crianças da segunda série entraram nos
ônibus. — Certo, vamos encontrar a Sra. Rivera, — falei às crianças
enquanto cruzávamos a multidão.
— Estou vendo ela! — Maisie disse, apontando para a frente.
— Desculpe pelo atraso,— eu disse a ela.
Ela sorriu, os cantos dos olhos castanhos enrugando. — Tudo bem,
você chegou bem a tempo. Colt, Maisie, por que vocês não entram no
ônibus com sua turma?
— Tchau, mãe! — Maisie disse, pressionando um beijo rápido na
minha bochecha.
— Você vem, Colt? — Emma perguntou da janela do ônibus acima
de nós.
— Sim! — ele respondeu. Essa paixão ainda estava forte, mas ela
era mesmo a menina mais doce. Colt abraçou minha cintura e eu beijei
o topo de sua cabeça.
— Divirta-se e pegue uma folha vermelha para mim, se vir uma. As
douradas estão por toda parte, mas as vermelhas são raras por aqui.
— Pode deixar! — Ele acenou e saiu correndo, segurando a mão de
Maisie quando eles subiram no ônibus.
Voltei para Solitude e comecei a trabalhar.
Tivemos dois casamentos este mês e todos os chalés foram
reservados. Os três que construímos durante o verão estavam quase
terminados, se conseguirem envernizar o piso de madeira.
As horas passaram em uma enxurrada de reservas e assuntos com
os hóspedes até que percebi que era quase hora do almoço.
— Ei, era a caminhonete de Beckett que vi vindo do seu caminho
esta manhã? — Hailey perguntou, colocando a cabeça no meu escritório.
— Talvez, — eu disse sem olhar.
— Até que enfim.
— Não é da sua conta, — falei a ela, largando minha caneta e
olhando para cima. Eu nem tinha contado a Beckett como me sentia, e
ele merecia ouvi-lo primeiro.
— Deveria ser. Esse homem te ama, e sim, eu sei que ele errou
muito, mas ele também é quase perfeito. Você sabe disso, né? Porque
estou no grupo de solteiros e se eu tivesse alguém como Beckett que se
dedicasse a mim e aos meus filhos, eu ia trancafiar isso.
— Já entendi.
— Certo, porque ele é lindo. Eu já vi o tanquinho dele quando ele
estava correndo, e se a sua lavadora quebrar, você tem uma ótima
alternativa.
— Ele tem duas lavadoras e secadoras em sua casa. Vou ficar bem,
— eu brinquei.
— E ele construiu uma casa para você! Quero dizer, é o sexo? É
ruim? — Ela se encostou no meu batente da porta.
— Acho que Beckett não conhece a definição de sexo ruim. — O
que ele provou novamente na noite passada. De novo e de novo. Mesmo
quando estávamos frenéticos e rápidos, nossa química era suficiente para
me levar ao limite. O homem me deixou louca por luxúria simplesmente
por existir.
— Sério. Tranque-o.
— Ella, — Ada disse da porta.
— Você também não. — Revirei os olhos quando ela entrou, Larry
atrás dela. — Olha, sim, Beckett passou a noite passada aqui. E sim, ele
é... Beckett...
— Ella! — Ada gritou.
— Calma! O que foi?
Larry arrancou o boné e passou a mão pelo cabelo grosso e
grisalho. — Eu estava ouvindo a rádio frequência no celeiro.
— Ok? — Finalmente registrei os olhares apavorados em seus
rostos. — Gente, o que foi?
— Chamaram a equipe de resgate. Chamaram Telluride, não
apenas o condado. — Os dois trocaram um olhar que caiu no meu
estômago.
— Beckett? Ele está bem? — Ele tinha que estar bem. Eu o amava.
Eu não tinha decidido o que fazer com ele, mas sabia que não poderia
viver sem ele.
Larry assentiu. — Beckett foi chamado. Ella, a ligação era da trilha
de Wasatch.
Meu estômago bateu no chão.
— As crianças.
CAPÍTULO VINTE E SETE
BECKETT
Hélices giravam acima de mim em um ritmo familiar enquanto o
chão se afastava. Havoc estava sentada ao meu lado, com os ouvidos para
trás. Ela podia lidar com os voos de helicóptero, mas ainda não era uma
fã. Coloquei meu capacete e liguei o rádio.
— Certo, estamos dentro. Qual é a emergência? — Estávamos fora,
realizando alguns exercícios, quando o chamado chegou. Ouvi a trilha de
Wasatch, e era isso, e não estava tão familiarizado com todas as trilhas
do condado para lembrar qual era.
Peguei meu equipamento, joguei o cinto de segurança de rapel de
Havoc e saí correndo sem parar até o helicóptero para a decolagem.
— Eles têm uma criança desaparecida, — Jenkins disse, o médico
residente através do rádio.
— Perdida? — Um calafrio percorreu minha espinha. Onde as
crianças estavam hoje? Ella assinou a autorização e não perguntei.
— Sim. Isso é tudo que sabemos. A informação chegou cerca de dez
minutos atrás, disse que a criança desapareceu.
Balancei a cabeça e olhei pelas portas abertas quando passamos
por Bridal Veil Falls e subimos a passagem. Distraidamente, acariciei a
cabeça de Havoc enquanto subíamos a montanha.
— Acho que podemos pousar bem ali, — disse o piloto, e olhei para
ver onde ele estava indicando.
A pequena clareira cruzava com a trilha, que parecia larga e bem
percorrida.
— Quando estivermos no local, vocês dois façam o seu trabalho, —
ordenou o chefe Nelson do banco ao lado de Jenkins. — O condado está
envolvido, mas sabem que você vem, já que o cachorro deles nunca
consegue encontrar nada.
— Entendi.
Uma criança. Meu sangue começou a bombear furiosamente pelas
minhas veias, do mesmo jeito de antes de todas as missões em que tomei
parte. Essa era a mesma adrenalina, mas muito mais assustadora.
— Faz quanto tempo que a criança sumiu?
— Eles não sabem. A testemunha está em choque. Se a criança
escorregou da trilha, é bastante denso o bosque atrás do penhasco.
Puta merda.
— Ela poderia ter caído de um penhasco? — Examinei o terreno,
mas estávamos muito perto do pouso para ter uma visão completa.
— Parece que sim. Não me surpreenderia se isso se transformar em
uma ação de recuperação.
Meu queixo travou. Não enquanto eu estiver aqui. Eu não iria
perder uma criança para uma maldita trilha no Colorado.
— Vamos esperar aqui. Avise-nos se precisar de algo, — exclamou
o piloto enquanto soltávamos e abaixávamos nossos capacetes.
Fiz sinal de positivo quando ele olhou por cima do ombro, então
segurei a coleira de Havoc, dando a ela o sinal de que estava na hora de
partir. Ela ficou ao meu lado quando pulei alguns metros no chão e fui
em direção à equipe do condado.
— O local fica a cerca de meio quilômetro nesta trilha, — disse o
chefe deles do centro do círculo. — Professores e alguns alunos ainda
estão lá, então sejam sensíveis.
Professores. Alunos.
Não esperei o resto da instrução, apenas saí em uma corrida mortal
pela trilha, Havoc perfeitamente andando comigo. Era rochoso até na
trilha, mas o barranco ao sul não era nada além de amigável. Era áspero
e acidentado, mas não muito pronunciado. Até a frente se tornar íngreme.
Isto era o penhasco.
Merda, não havia como uma criança sobreviver a esse tipo de
queda.
Aumentei o ritmo, quase correndo pelo resto da trilha, passando
por alguns uniformes do departamento do xerife até virar uma curva.
Então parei tão rápido que derrapei um pouco nas rochas.
A sra. Rivera se levantou, balançando a cabeça enquanto falava
com um socorrista. Ela estava tremendo, lágrimas escorrendo pelo rosto.
— Sra. Rivera? — Gritei, me fazendo seguir em frente.
— Sr. Gentry, oh, Deus. — Ela cobriu a boca.
— Onde estão meus filhos? — Tentei manter a voz nivelada, mas
saiu como um grito estrangulado.
Ela olhou por cima do ombro e a ignorei, procurando pelo pequeno
grupo de estudantes que estavam sentados contra a montanha, com as
lancheiras ainda fora, todas surpreendentemente silenciosas. Meus olhos
percorreram os cinquenta ou mais deles até...
— Beckett! — Maisie chorou, seu corpinho emergindo da multidão.
Ela correu a todo vapor para mim e eu a peguei, abraçando-a com força.
Ela soluçou no meu pescoço, seu corpo tremendo a cada choro.
Menos um. Respirei fundo e me permiti sentir seu coração bater
quando minha mão a segurou de volta. Ela estava bem. Ela estava aqui.
— Está tudo bem, Maisie. Estou com você. — Eu disse enquanto
olhava para ela, ainda examinando o grupo.
Onde diabos estava Colt?
Olhei de novo e meu sangue gelou. — Maisie. — Caí de joelhos para
que ela pudesse ficar de pé e a tirei do pescoço. — Cadê o Colt?
— Não sei e não vão nos dizer nada até que os adultos cheguem
aqui. — Lágrimas escorreram por suas bochechas. — Há outro grupo por
lá. — Ela apontou a trilha cerca de dez metros para outro grupo de
estudantes.
— Está bem. — Por dois segundo, pensei em sentá-la com a turma.
Que se dane isso. Se já tivéssemos um filho a um passo do abismo, minha
filha não seria a próxima. — Venha comigo.
Eu a ergui em meus braços, apoiando-a no meu antebraço
enquanto subia a trilha. Assim que estávamos longe do primeiro grupo,
olhei para Havoc e a soltei. Se algum pai se assustou, eles poderiam ir à
merda.
— Procure Colt.
Ela cheirou Maisie, sem dúvida para sentir o cheiro de Colt nela, e
depois encostou o focinho no chão, indo em direção ao pequeno grupo de
crianças. Uma dupla socorristas dava atenção a não mais de dez
crianças, todas em estado de lágrimas, menos uma.
Emma. Ela estava de lado, de costas para mim, olhando a trilha.
— Sr. Gentry? — Outra professora parou de conversar com as
crianças e se aproximou, seu lábio tremendo. — Oh, Deus. Paramos para
lanchar e quando recomeçamos, a trilha... foi só... — ela começou a
soluçar. — Nós. Ficamos. Separado.
— Onde? — Perguntei ao socorrista.
— Na trilha perto da curva, mas não há sinal do garoto. Algumas
crianças pensam que o viram do outro lado.
Coloquei Maisie no chão e coloquei a mão na da sra. Rivera, que
nos seguiu. — Por favor, mantenha-a aqui. Maisie, me dê alguns minutos,
certo?
Forcei um sorriso e acariciei seu rosto. Fique calmo. Não a deixe ver
o pânico. Repeti para mim mesmo enquanto esperava que ela assentisse.
Ela não podia ver isso, não podia experimentar isso, e por mais que eu
quisesse que ela estivesse ao meu lado para mantê-la segura, ela
precisava da proteção da distância.
Então, parti, ignorando a professora e seguindo Havoc até onde eu
já sabia que ela me levaria - direto para Emma.
A menininha estava olhando para a trilha, a uns três metros e meio
da beira da queda. Um policial se ajoelhou ao seu nível, falando com ela,
mas ela não estava respondendo. Seus olhos estavam vazios, sua boca
fechada, mas relaxada, e em suas mãos, ela segurava um boné do Grupo
de Busca e Resgate de Telluride que Havoc estava me alertando no
momento.
Não, não, não.
Tentei empurrar o pânico do jeito que fiz inúmeras vezes na
batalha, mas isso era diferente. Este era o meu pior pesadelo.
— Ela não está falando. — Cada linha do rosto do policial estava
tensa.
— Dê a ela algum espaço e deixe-me tentar.
Ele assentiu, afastando-se o suficiente para ouvir, mas não ficando
ao redor.
— Emma, — falei gentilmente quando desci ao nível dos olhos dela
e a virei para mim. — Emma, cadê o Colt? Por que você está com o boné
dele?
Seus olhos viraram lentamente do penhasco para mim. — Eu
conheço você.
— Sim, você conhece. Pertenço a Colt e Maisie, — falei, tentando
manter minha voz suave e calma, sabendo que se ela se chocasse ainda
mais, eu perderia a chance de conseguir informações. — Você pode me
contar o que aconteceu?
Ela assentiu, os movimentos levando três vezes o tempo normal. —
A gente estava lanchando, bem ali. — Ela apontou para o grupo. — E daí
terminamos, daí andamos em uma fila, exatamente como deveríamos. A
gente nem estava perto do precipício, juro! — A voz dela falhou.
O policial ao nosso lado começou a tomar notas.
— Eu sei. Está bem. — Peguei suas mãos nas minhas com o boné
de Colt entre nós. — O que aconteceu então?
— A gente se virou para voltar, porque as outras crianças estavam
comendo devagar. Então o chão simplesmente desapareceu. Foi tão
rápido.
— Certo, e o que então?
Mais socorristas se juntaram atrás de nós e eu os afastei. Ela olhou
para eles e depois para o boné de Colt, desligando-se.
Olhei por cima do ombro e vi Mark. — Cobertor.
Ele pegou um do novo grupo de socorristas e me entregou.
— Mantenha-os afastados. Ela está em choque e eles só estão
piorando as coisas. — Ele assentiu e começou a latir ordens enquanto eu
colocava o cobertor pesado ao redor dela. — Somos apenas você e eu,
Emma. Você pode me dizer o que aconteceu depois?
Os olhos dela subiram para os meus. — O chão tremeu e eu
comecei a cair. Colt agarrou minha mão e me puxou? Eu acho? Ou me
empurrou. Eu estava atrás dele e depois estava na frente dele. Fez muito
barulho. Como cubos de gelo em um copo.
Deslizamento de terra. Tinha que ser.
— Eu tentei agarrá-lo, mas acabou. Então eu estava na beirada e
ele se foi. Fiquei com isso. — Ela levantou o boné dele.
Meu coração parou. Ele parou de bater e tudo ao meu redor
congelou. Então meu coração bateu forte e o mundo voltou à vida, mas
parecia duas vezes mais rápido.
Colt. Oh, meu Deus, Colt.
— Algumas crianças pensam que o viram do outro lado. Foi isso
que aconteceu? Vocês ficaram separados? Por favor, diga sim. Por favor.
Ela balançou a cabeça lentamente.
— Emma, ele caiu? — Minha voz estava alta, tensa pelo nó gigante
na minha garganta.
Ela assentiu.
Por três batimentos cardíacos, não achei que conseguiria controlar.
Mas aspirei ar nos pulmões e, de alguma forma, voltei.
— Obrigado, — falei a ela. Então, corri pelo caminho, assobiando
para Havoc. Ela veio atrás de mim e depois ao meu lado. A trilha se
estreitou quando viramos a curva e parei, agarrando o colete de Havoc
enquanto ela deslizava.
— Cuidado, é uma queda ruim, — disse um dos caras do condado,
encostado na encosta. — Não vejo nenhum sinal do garoto, o que é bom.
Ele provavelmente está do outro lado da trilha, como a professora acha.
Estamos apenas esperando a equipe aparecer do outro lado.
Um metro e meio à nossa frente, a parte da trilha do lado do
penhasco havia caído e o resto parecia pronto para partir. Meu coração
subiu na minha garganta. — Fique, — resmunguei para Havoc.
Então avancei, apoiando minha mão na encosta para me manter
firme. Olhando pela beirada, vi uma queda acentuada - talvez quinze
metros - que terminava em uma encosta íngreme e coberta de árvores.
— Viu? Nenhum sinal dele. A professora disse que está com uma
blusa fleece azul.
— É azul claro, — respondi, examinando o terreno abaixo. — Com
o logotipo BRT atrás e Gentry escrito na frente.
Era a única coisa que ele implorava antes de voltar para a escola,
e a única coisa que ele tinha com o meu nome.
— Oh, certo, então. Bem, a gente não está vendo ele. O que seu cão
diz?
Olhei de volta para Havoc, que estava sentada perfeitamente
imóvel. Não está em alerta. Não estava ansiosa para seguir a trilha. Ela
sabia a mesma coisa que eu. — Ela diz que ele está lá embaixo.
Dei uma última olhada no terreno, tentando memorizá-lo.
— Droga. Então está prestes a ser uma missão de recuperação,
porque não tem como o garoto estar vivo.
Eu me virei, enfiando meu antebraço na garganta do cara quando
o prendi contra a montanha. — Você não sabe disso.
Ele borbulhou.
Mãos me puxaram de volta. Mark. Ele me soltou e apertou meu
ombro.
— Que diabo é a o seu problema? — O socorrista esfregou sua
garganta.
— É filho dele, — Mark respondeu.
A expressão do cara caiu. — Ah Merda. Me desculpe. Quero dizer,
poderia haver uma chance...
Eu era a única chance de Colt.
Agarrando Havoc, eu saí correndo de volta pela trilha, tomando
cuidado para me equilibrar nas rochas. Torcer meu tornozelo poderia
matar Colt.
Peguei meu walkie-talkie e pressionei o canal. — Nelson, é Gentry.
Aquele helicóptero ainda está sobrevoando?
Um momento cheio de estática se passou quando cheguei no
primeiro grupo. Maisie sentou-se com Emma, segurando a mão na beira
do grupo.
— Está, — Nelson respondeu.
— Continue assim. Havoc e eu estamos a caminho, e precisamos
descer o penhasco rapidamente.
— Recebido e entendido.
Mark me alcançou quando me abaixei para Maisie, que tinha
parado de chorar e agora parecia completamente vazia, os braços em
volta da barriga.
Eu a abracei, curvando meu corpo para cercá-la o máximo possível.
— Vou te levar para baixo, certo? E então Mark vai levá-la à estação e
vamos ligar para sua mãe.
— Beckett, você quer que eu vá embora? — Mark perguntou
suavemente. — Você não precisa da minha ajuda?
— Eu preciso que você tire minha menininha desta montanha, —
eu disse enquanto me levantava, Maisie se mexendo em meus braços
para segurar meu pescoço. — Segure-se, Maisie.
Eu corri, equilibrando seu peso, sabendo que cada segundo
contava, mas não havia como deixá-la lá em cima. A voz de Ella encheu
minha cabeça enquanto eu pensava toda vez que ela se sentia culpada
por ter que deixar um para cuidar do outro.
Viramos a curva seguinte e o helicóptero apareceu, junto com um
grupo de pais atrás de uma fila de socorristas.
— Más notícias. Voam. — As palavras de Mark vieram gaguejadas
pela respiração pesada.
— Beckett! — Ada gritou da frente do grupo.
— Ada está aqui, — eu disse a Maisie. — Mark, mudança de planos,
vá para o helicóptero.
Ada correu para a extremidade da multidão, Larry não muito atrás
dela. Eles alcançaram um policial que os deixou passar depois que eu
assenti.
Houve uma cacofonia geral de gritos dos pais, sem dúvida querendo
notícias, mas o zumbido do helicóptero atrás de mim abafou qualquer
palavra.
— Estão todos bem? — Ada perguntou. — Oh, Deus, cadê o Colt?
Por que você não trouxe Colt de volta também? — A voz dela disparou em
pânico e Larry colocou a mão no ombro dela.
— Preciso que você a leve, — falei para Ada, mas Maisie se agarrou
no meu pescoço. — Maisie, você tem que me deixar ir, está bem?
Ela se afastou, segurando meu rosto em suas mãos. — Ele está
ferido. Posso sentir isso. — Ela tocou sua barriga.
— Vou encontrá-lo agora, mas preciso que você fique com Ada,
certo?
— Certo. — Ela me abraçou e dei um aperto nela antes de entregá-
la.
— Cadê Ella? — Perguntei enquanto Maisie se transferia para os
braços de Ada.
— É Colt, não é? — Ada perguntou.
Eu não pude dizer isso. Se eu dissesse, as paredes de celofane que
eu tinha parariam de me segurar, e isso não era uma opção.
— Cadê a Ella? — Repeti.
— Ela está no posto da guarda florestal lá atrás, com alguns outros
pais. — Ela fez um sinal para a multidão. — Eles estão tentando
conseguir notícias do condado. Quer que a gente a pegue? Alguém tem
que contar a ela. — O rosto dela se enrugou.
Luzes piscando apareceram. Bom, a ambulância estava aqui.
— Não, apenas fique com ela. Isso... isso não é bom. Ela vai precisar
de você.
Colt não tinha tempo para eu esperar por Ella. Olhei para Larry,
cujo rosto estava fechado e tenso.
— O que você quer que eu diga a ela? — ele perguntou.
— Diga a ela que vou encontrar nosso filho. — Antes que eu me
descontrolasse, corri para o helicóptero, Havoc comigo. Eu a levantei para
a aeronave e entrei. Capacete. Cinto de segurança travado.
— Voe para o sul, — disse ao piloto. — Há uma parte da trilha que
caiu. Precisamos descer lá.
— Entendido. — O piloto decolou e meu estômago revirou quando
subimos no ar.
Inclinei-me para a frente e prendi as partes do colete de Havoc que
eu precisava para mantê-la segura.
— Pequeno problema, não há onde pousar, — o piloto gritou de
volta.
— Você sabe descer de rapel? — Perguntei a Mark.
— Em teoria, — ele respondeu.
— Leve-nos para onde podemos descer de rapel, — disse ao piloto,
depois me virei para Mark. — Me acompanhe.
Ele assentiu.
— Preciso que você esteja pronto, Jenkins.
— Estou estabilizado. — Ele me assegurou do banco. — A prancha
e a maca estão prontas.
— Você tem novas informações?
Ele assentiu.
— A que horas aconteceu?
Ele examinou a prancheta e olhou o relógio. — O relatório chegou
quarenta e cinco minutos atrás, e fizeram o chamado cerca de dez
minutos depois.
Ele caiu há quase uma hora. Acerto o cronômetro no meu relógio.
— Volte para o rádio e consiga o máximo de mãos aqui que conseguirmos.
O helicóptero pairou acima do único terreno limpo visível.
Parecíamos estar a uma curta distância de onde as pedras teriam caído.
— Estamos prontos, — disse o piloto através do rádio.
Tirei meu capacete enquanto Jenkins segurava a corda. Então,
coloquei Havoc no freio e a mantive entre minhas pernas enquanto nos
arrastávamos para a porta. Jenkins me passou a corda e prendi o freio
que me permitia sua controlar a descida. — Sei que você odeia isso, —
eu disse a ela, certificando-me de que estava bem seguro onde estava
preso à corda alguns metros acima de seu cinto. — Mas nosso Colt está
lá embaixo.
Agarrei a corda e seu freio, dei a ela o sinal de joelho a que ela
estava acostumada, e saímos para o nada. Ela ficou completamente
quieta enquanto eu nos movimentava na corda com ela pendurada entre
os joelhos.
Fizemos isso centenas de vezes, mas nunca me senti tão urgente.
Urgências causavam erros, então acalmei minha respiração e abaixei-nos
lentamente, mão sobre mão, até chegarmos ao chão.
Então soltei o freio e o coloquei na mochila de Havoc. Mark
começou imediatamente.
Tirei um petisco de Havoc da mochila dela. — Bom trabalho. Sei
que isso é péssimo.
— Como você faz isso com um cachorro? — Mark perguntou depois
que alcançou o chão um minuto depois.
— Muita experiência. — Inclinei-me para Havoc. — Procure Colt.
Ela começou a farejar e nós caminhamos na direção do
deslizamento. — Quanto tempo ela vai levar? — Mark perguntou.
— Não tenho certeza. Ele não andou por esse caminho, então ela
não tem um caminho para seguir. Nós vamos ter que chegar perto o
suficiente para ela sentir o cheiro dele no ar ou em qualquer lugar que
ele tocou.
Caminhamos morro acima, por trechos de grama até os joelhos e
depois sob altos pinheiros. Eu me concentrei na minha respiração e no
movimento dos meus pés enquanto Havoc andava à nossa frente,
procurando. Quanto menos eu pensasse no que encontraríamos, melhor.
— Colt! — Eu gritei, rezando para que ele pudesse nos ouvir... que
ele fosse capaz de nos ouvir.
— Colt! — Mark gritou. — Deveríamos ter trazido Jenkins?
— Não. Ele precisa ficar com o helicóptero. Quando as outras
equipes aparecerem, ele precisa estar disponível, e se estiver conosco, e
alguém encontrar Colt...
— Entendi.
— Sou médico de combate, o que quer dizer que estou qualificado
para fazer qualquer coisa além de cirurgia. Todo mundo na nossa... todo
mundo com quem eu costumava trabalhar também era. — Fazia parte do
treinamento antes de você ser selecionado como um soldado de primeiro
nível. — Colt! — Tentei de novo.
E de novo.
E de novo.
O bipe no meu relógio indicava que tinha passado uma hora e meia
e ainda não nada de Colt. Olhei para a montanha. Estávamos fora da
linha das árvores, logo abaixo da zona de deslizamento, e havia muitas
rochas ao nosso redor que pareciam iguais. Eu não sabia o que era novo
e o que sempre esteve aqui.
Nós vimos o helicóptero descer algumas equipes e Mark lidou com
a coordenação de rádio, certificando-se de escolher diferentes regiões.
Minha região era para onde Havoc decidiu ir e todos eles podiam lidar
com isso.
Havoc estava farejando como louca em direção ao sul, então
seguimos ao longo da linha das árvores.
— Colt! — Vi o brilhante pedaço de azul assim que Havoc decolou
em um beco sem saída. Verifiquei o chão rapidamente, saltando pedras,
abaixando galhos de pinheiros enquanto eu corria. Havoc sentou-se ao
lado dele, choramingando.
— Colt, — eu chamei, mas ele não respondeu. A metade superior
de seu corpo estava limpa, mas a metade inferior estava escondida pela
folhagem caída.
— Boa menina, — eu disse a Havoc, entregando-lhe um presente
do meu bolso por puro hábito antes de cair de joelhos ao lado dele.
— Colt, vamos, amigo. — Sua pele estava pálida, o sangue escorria
de pequenos cortes no rosto. Coloquei meus dedos em seu pescoço e
esperei.
Por favor, Deus. Eu farei qualquer coisa. Por favor.
Ele tinha pulsação, mas era rápida e com arritmia. A pele estava
fria.
— Ele está sangrando em algum lugar, — eu disse a Mark quando
ele caiu no outro lado de Colt. — Precisamos tirar esses galhos dele, mas
apenas os mais leves. Se estiver pesado, espere por mim.
Mark assentiu e começou a puxar os galhos menores de Colt. —
Resgate 9, aqui são Gutierrez e Gentry. Nós encontramos o menino.
Pulsação está presente, mas está ausente. Por favor, envie médicos o
mais rápido possível.
A estática veio pelo rádio de Mark enquanto eu tirava a blusa de
Colt.
— Merda. Gentry.
Olhei de volta para a metade inferior do corpo de Colt e a bile subiu
na minha garganta, mas olhei para o céu e forcei-a a descer. A coxa
direita de Colt estava presa debaixo uma pedra grande e irregular,
aproximadamente a metade do tamanho de um motor de carro.
— Corte as calças dele em volta. Eu preciso ver a pele. — Não é
bom.
— Gutierrez, aqui é Resgate 9. Por favor, aviso que estamos no meio
do reabastecimento. A caminho imediatamente.
Merda. Merda. Merda.
— Colt, você está aí, amigo? — Perguntei, acariciando seu rosto. —
Você pode acordar para mim?
Os cílios dele tremeram. — Beckett?
O som mais doce que já ouvi foi a voz de Colt naquele momento.
Ele estava vivo e capaz de falar. Obrigado Deus.
— Ei! — Eu pairava sobre seu rosto, prendendo sua cabeça no
lugar quando seus olhos se abriram. A pupila direita estava um pouco
maior que a esquerda. Concussão. — Ei, não se mexa, está bem? Estou
aqui.
— Onde estou? — ele perguntou, seus olhos varrendo da esquerda
para a direita.
— Você teve uma queda muito ruim, então não pode se mexer,
certo? Você pode ter machucado o pescoço. Mark está aqui comigo, e o
médico está a caminho. Só não mexa a cabeça.
— Certo. — Ele estremeceu. — Eu me machuquei.
— Acho que sim. Você consegue me dizer onde?
Os olhos dele mudaram. — Em toda parte.
— Entendi. — Olhei para onde ele estava preso. — Colt, você
consegue mexer os dedos dos pés? Só os dedos dos pés?
— Sim, — ele disse.
Olhei para Mark, que balançou a cabeça com a boca contraída.
Não entre em pânico.
— Bom trabalho, amigo. Você pode fazer isso de novo? — Esperava
parecer mais calmo do que me sentia, porque estava prestes a sair da
minha própria pele.
— Viu? Os dedos estão bem. Eles nem doem, — Colt disse com um
pequeno sorriso. Mark balançou a cabeça novamente e minha alma caiu
em uma pequena bola.
— Suas pernas não doem? — Perguntei.
— Não, só todo o resto. — Seus olhos começaram a se fechar.
— Colt. Colt! — Agarrei seu rosto. — Você tem que ficar comigo,
certo? Mexa os dedos da mão.
Todos os dez se mexeram. Posso lidar com isso.
— Estou cansado. Emma está bem?
— Ela com certeza está, mas está preocupada com você. Você fez
muito bem, Colt. Você a salvou. — Chequei a pulsação outra vez. Merda,
estava mais rápido e mais leve.
— Protegemos pessoas menores, — disse ele com um sorriso fraco.
— Estou com frio, Beckett. Está frio?
— Olhe embaixo da rocha. Tem sangue? — Perguntei para Mark.
Tirei minha jaqueta de lã e a coloquei no peito de Colt. — Melhor?
Mark se agachou. — Eu não consigo ver. Acho que conseguimos
tirar isso de cima dele.
— Precisamos fazer um torniquete primeiro. Há todas as chances
de ele ter uma lesão por esmagamento. Já se passaram quase duas horas,
não podemos simplesmente tirá-lo disso. Há um na mochila de Havoc.
— Merda, Beckett, — Mark disse suavemente. — Sangue.
Peguei o torniquete e me ajoelhei ao lado de Mark. Sangue vermelho
escuro escorria por baixo da rocha. — Onde diabos está o helicóptero?
Diga a eles para trazer a cesta aqui.
— Resgate 9, aqui são Gutierrez e Gentry. Qual é o status de
conseguir essa cesta?
— Gutierrez, aqui é Resgate 9. Tempo aproximado cinco minutos
— Porra, — murmurei. Não havia palavra melhor neste momento.
Eu cavei logo abaixo da coxa de Colt, o suficiente para deslizar o
torniquete e, em seguida, amarrei-o com força, prendendo-o bem acima
de onde a pedra o prendeu.
— Não mexa, — avisei Mark.
Então me ajoelhei do outro lado de Colt. Seus lábios estavam azuis,
sua pele pálida, úmida e fria. Sua pulsação era rápida e fraca.
— Ei, amigo, parei seu sangramento. Você só precisa esperar o
helicóptero, certo?
Ele me deu um pequeno sorriso. — Eu vou andar de helicóptero?
Legal.
— Você vai. Além disso, você é meio que um herói. Todo mundo vai
pensar que você é legal, mas ainda acho que você é o mais legal —
prometi. — Dói em algum outro lugar?
— Não, nada dói.
Eu congelo. Choque. Hemorragia. Paramos o sangramento na perna
dele, mas tinha que haver um sangramento secundário, se não uma
dúzia deles depois daquela queda.
Ele está ferido. Posso sentir isso.
Gêmeos. Assim como ele acordou quando ela estava com o cateter
infeccionado. — Certo, continue falando comigo, amigo. — Tirei minha
blusa de cima dele e levantei a camiseta. Hematomas roxos profundos
desbotavam todo o lado esquerdo do peito. Sua barriga estava inchada.
Recostei-me nos calcanhares e coloquei a cabeça nas mãos.
Ryan. Você tem que me ajudar aqui. Por favor.
— Onde estamos? — Colt perguntou, sua voz suave.
Levantei-me rapidamente e agarrei o braço de Mark. — Ele está
com hemorragia interna. Meu palpite é baço, o que significa minutos.
Corra para o lugar mais próximo onde você possa ver o céu e lance o
sinalizador.
Ele era a imagem de angústia ao olhar para Colt, mas se virou e
correu.
Baixei meus joelhos ao lado de Colt e depois me deitei ao lado dele,
enrolando meu corpo ao redor dele. — Eu te amo tanto.
Ele virou a cabeça e não gritei com ele sobre ferimentos no pescoço.
Não havia sentido. — Eu também te amo, Beckett. — Ele abriu os olhos
e descansei minha testa contra a dele.
— Estava pensando que a gente podia adicionar aquela tirolesa na
casa da árvore. O que acha? — Passei meus dedos pelo cabelo dele.
— Sim. Acho que você deveria fazê-la entrar no lago. Isso seria legal
e mamãe não se preocuparia com cair tanto.
Esta foi uma queda que não vimos chegando.
Havoc choramingou, encolhendo-se do outro lado de Colt. Ela
sabia.
— Você está absolutamente correto. — Chequei a pulsação dele.
Tão malditamente fraca.
— Acho que estou morrendo, — ele sussurrou.
— Você está bastante machucado, — eu disse, minha voz
embargada na última palavra. Não queria mentir para ele, mas não
queria que seus últimos minutos fossem gastos com terror. Não havia
nada que pudéssemos fazer neste momento. Eu ia perdê-lo.
Ella. Deus, ela precisava estar aqui.
— Está bem. Não fique triste. Diga a mamãe e Maisie para não
ficarem tristes também. — Ele respirou fundo várias vezes. — Eu vou ver
o tio Ryan.
Eu não conseguia respirar. Meu peito apenas subiu e desceu com
o dele, meu coração sincronizando com seu ritmo frágil.
— Apenas espere, amigo. Há tanto que você ainda não fez. Há muito
o que fazer.
Ele olhou para mim, o amor brilhando em seus olhos. — Eu tenho
que ter você. Como um pai.
Lágrimas caíram dos meus olhos, correndo pelo lado do meu rosto
até a terra abaixo. — Oh, Colt. Nós íamos contar para você. Só estávamos
esperando Maisie ficar bem, mas eu adotei você no ano passado. Você
teve um pai por um tempo. Alguém que te ama mais do que a lua e as
estrelas.
Suas respirações eram cada vez mais lentas, cada uma um esforço
hercúleo, mas ele ainda conseguiu sorrir. — Você é meu pai.
— Eu sou seu pai.
— Então é assim que é. — Ele estendeu a mão fria enquanto a
colocava contra minha bochecha. — Eu amo ter um pai.
— Eu amo ser seu pai, Colt. Você é o melhor menino que eu poderia
ter ganhado. Estou tão orgulhoso de você. — As palavras mal saíram.
Seus olhos se fecharam quando outra respiração estremeceu
através dele. Ouvi o som de rotores no fundo.
— Eu sou Gentry, — Colt disse, conseguindo abrir os olhos
novamente.
— Você é. Um Gentry e um MacKenzie. Para sempre.
— Para sempre? — Ele perguntou.
— Para sempre. Sempre serei seu pai. Não importa o que. Nada vai
mudar isso. — Nem mesmo a morte. Meu amor por ele cruzaria por mais
longe que Deus o levasse.
— Colton Ryan MacKenzie-Gentry. Consegui tudo o que sempre
quis. — Seus olhos se fecharam e seu peito subiu apenas metade do que
estava alto. Reanimação não ajudaria, não quando ele não tinha sangue
para circular.
— Eu também, — eu disse, beijando sua testa.
— Diga a mamãe e Maisie que eu amo elas. — Suas palavras foram
mais lentas, pontuadas por respirações parciais.
— Vou dizer. Elas te amam muito. Você tem uma mãe, um pai e
uma irmã que fariam qualquer coisa por você.
— Eu amo você, papai, — ele sussurrou.
— Eu amo você, Colt.
Seu peito sacudiu mais uma vez, e então sua mão caiu do meu
rosto quando ele se foi.
— Colt? — Senti a pulsação que não estava lá. — Colt! Não! —
Deslizei por baixo dele e me sentei, embalando-o na minha frente, meus
braços em volta dele enquanto sua cabeça rolava contra o meu peito.
Um grito primitivo rasgou da minha garganta. Depois outro, até
meu corpo tremer de soluços. Ao meu lado, Havoc sentou-se e começou
a uivar, o som baixo e estridente.
Cuide dele, Ryan.
— Beckett, — Mark disse suavemente. Quando olhei, ele estava
ajoelhado perto de mim, com os olhos cheios de lágrimas não
derramadas. Meus olhos ritmicamente borrados, depois clarearam.
— Ele se foi. — Meus braços se apertaram ao redor de seu corpinho.
— Eu sei. Você fez tudo o que pôde.
— Eu fiz rocambole esta manhã, — eu disse, passando a mão sobre
seu cabelo macio. — Ele queria queijo extra e coloquei para ele. Eu fiz
rocambole para ele
Isso foi horas atrás.
Horas.
E agora ele se foi.
— O que você quer fazer? — Mark perguntou.
Percebi que havia meia dúzia de caras ao nosso redor. Jenkins se
ajoelhou e fez as mesmas verificações que eu, apenas para pressionar
sua boca em uma linha tensa e ficar de pé novamente.
Querer? O que eu queria fazer? Queria gritar novamente, rasgar
tudo nesta floresta em pedaços. Queria esmurrar a montanha até virar
escombros. Queria olhar para o meu menino e ouvi-lo rir, vê-lo correr no
terraço de sua casa na árvore. Queria que ele crescesse, queria conhecer
o homem que ele deveria se tornar. Mas ele estava além do meu alcance.
O que eu queria não importava quando nada estava sob seu
controle.
— Eu preciso levá-lo para sua mãe.
CAPÍTULO VINTE E OITO
ELLA
O helicóptero pousou na pequena clareira a cerca de trinta metros
à minha frente e meu coração afundou. Havia apenas duas razões pelas
quais eles pousariam. Ou eles não encontraram Colt, ou...
— Respire, — Ada me disse. Larry levou Maisie para casa. Eu não
a queria aqui, não a queria nas linhas de frente de uma tragédia.
Um grupo do condado estava atrás de nós, todos assistindo.
Esperando.
— Se o encontraram, o levariam de avião para Montrose, — eu
disse. Me esforçando tanto para reprimir o medo que segurava meu
estômago.
— Beckett o encontrará. Você sabe que ele vai.
Eu tinha visto o mapa, sabia a que distância foi o desmoronamento.
A porta se abriu no helicóptero e Mark desceu primeiro, depois
Beckett. Ele estava vestindo uma camisa de manga comprida, mas sem
a blusa fleece azul.
Ele olhou para mim e não precisei ver o rosto dele à distância. Sua
postura dizia tudo. — Não. — O som era apenas um sussurro. Não, não,
não.
Isso não estava acontecendo. Isso era impossível.
Beckett se virou quando outros membros do Grupo de Busca e
Resgate Telluride desceram e então deslizaram uma prancha,
carregando-a como carregadores de caixão.
Então vi a blusa de Beckett.
Cobrindo o rosto de Colt.
Meus joelhos cederam e o mundo ficou preto.
***

O mundo entrou em foco quando pisquei. Luzes brilhantes


pairavam acima de mim e senti o cheiro estéril do hospital. Virando a
cabeça, vi Beckett em uma cadeira ao meu lado, com os olhos inchados
e vermelhos.
Havoc dormia embaixo da cadeira.
— Ei, — ele disse, inclinando-se para pegar minha mão.
— O que aconteceu?
— Você desmaiou. Estamos no hospital em Telluride e você está
bem.
Tudo voltou rugindo para mim, o helicóptero. A blusa fleece.
— Colt?
— Ella, eu sinto muito. Ele se foi. — O rosto de Beckett se enrugou.
— Não, não, não, — eu entoei. — Colt. — As lágrimas caíram em
um dilúvio, vindo com força e rapidez quando soltei um som entre um
choro e um grito que não pareceu parar. Talvez tenha parado enquanto
respirei, mas foi isso.
Meu bebê. Meu rapazinho bonito e forte. Meu Colt.
Braços quentes me cercaram quando Beckett se arrastou para a
cama ao meu lado e enterrei minha cabeça em seu peito e gemi. Não havia
palavra suficiente para essa dor. Não havia uma escala. Não dez para ser
medicado. Essa agonia não era mensurável; era insondável.
Meu garotinho morreu sozinho e frio no pé de uma montanha em
que ele havia crescido.
— Eu estava com ele, — Beckett disse suavemente, como se ele
pudesse ler meus pensamentos. — Ele não estava sozinho. Cheguei a
tempo de ficar com ele. Falei a ele que era amado e ele falou para lhe dizer
para não ficar triste. Que ele tinha tudo o que queria. — Sua voz falhou.
Olhei para Beckett, minha respiração curta e irregular. — Você o
viu?
— Eu vi. Contei a ele que o adotei, que ele tinha uma mãe e um pai
que fariam qualquer coisa por ele.
Ele não estava sozinho. Havia algo nisso, certo? Ele nasceu nas
mãos de sua mãe e morreu nos braços de seu pai.
— Bom. Estou feliz que ele soube. Deveríamos ter contado a ele
antes. — Todo esse tempo perdido porque eu estava com tanto medo.
Durante todos os dias ele poderia ter Beckett e saber quem ele era para
ele.
— Houve dor? — Ele deve ter sentido tanta dor e eu não estava lá.
— No começo, mas desapareceu muito rapidamente. Ele não sentiu
dor quando morreu. Ella, juro que fiz tudo o que pude.
— Sei que você fez. — Isso era verdade, mesmo sem saber o que
tinha acontecido. Beckett teria morrido para salvar Colt. — Ele estava
com medo? — Comecei chorar de novo.
— Não. Ele foi tão forte e tão seguro. Perguntou sobre Emma. Ele
a salvou, Ella. Por isso ela viveu. Ele a empurrou para salvá-la. Era tão
corajoso, e amava você e Maisie. Foi o que ele disse por último. Para dizer
a você e a Maisie que ele ama vocês. E então me chamou de pai, e se foi.
Foi isso.
Os soluços recomeçaram, incontroláveis e sem parar. Isso não era
de coração destroçado. Ou tristeza.
Era a desolação total da minha alma.

***

— Não havia nada que você pudesse ter feito, — Doutor Franklin
disse do outro lado da mesa, ladeado por outros médicos.
Olhei pela janela e vi a mínima sugestão do nascer do sol.
Não queria que fosse um novo dia. Queria que fosse no mesmo dia
em que lhe dei um beijo de despedida, o abracei antes que ele subisse no
ônibus. Não queria saber como era o sol se não estivesse brilhando nele.
— Colton teve lesões internas graves, incluindo uma vértebra, baço
rompido e uma aorta rompida, combinada com a laceração da artéria
femoral. E essas são apenas as coisas que vimos no ultrassom. Por favor,
acredite em mim quando digo que não havia nada que você pudesse ter
sido feito, Sr. Gentry. De qualquer forma, seu raciocínio rápido na perna
dele deu a você os minutos que teve.
— É por isso que não sentia dor, — Beckett disse, sua mão cobrindo
a minha.
— Ele perdeu toda a sensibilidade. Não sentia dor.
Lágrimas escorreram pelo meu rosto, mas não me preocupei em
enxugá-las. Para que se elas acabaram de sendo substituídas?
— Se eu tivesse chegado lá mais rápido? — A voz de Beckett
estrangulou a última palavra.
O Doutor Franklin balançou a cabeça. — Mesmo que ele tivesse
caído aqui fora do nosso pronto-socorro, não há nada que poderíamos ter
feito. Nem mesmo em Montrose. Lesões tão graves? O tempo que você
teve foi um milagre. Sinto muito por sua perda.
Minha perda.
Colt não estava perdido. Eu sabia exatamente onde ele estava.
Ele não pertencia ao necrotério. Pertencia em casa, dormindo,
quente e em segurança em sua cama.
— Precisamos ir para casa, — falei a Beckett. — Temos que contar
a Maisie. — Uma nova onda de lágrimas caiu. Como eu deveria contar à
minha garotinha que a outra metade do seu coração se foi? Como ela
deveria e continuar com meia pessoa?
— Certo. Vamos para casa.
O Doutor Franklin disse algo para Beckett e ele assentiu. Então,
de alguma forma, coloquei um pé na frente do outro e fomos para a porta
da frente.
Fiz uma pausa antes das portas. Os gêmeos nasceram aqui. Eu me
levantei da cadeira de rodas neste mesmo lugar e os carreguei até suas
cadeirinhas de carro, ignorando os protestos das enfermeiras, andando
porque eu tinha que saber que eu poderia fazer isso sozinha.
— Ella?
— Não posso simplesmente deixá-lo aqui. — Meu peito apertou, e
lutei por um segundo antes que eu pudesse respirar. Meu próprio corpo
não queria viver em um mundo sem Colt.
Os braços de Beckett me cercaram. — Eles estão com ele. Ele está
seguro. Nós cuidaremos dele amanhã. Por enquanto, vamos levá-la para
casa.
— Acho que não consigo me mover, — sussurrei. Eu não conseguia
mexer os pés, deixar Colt para trás enquanto ia para casa.
— Você quer ajuda? — ele perguntou.
Balancei a cabeça, e Beckett se inclinou e me pegou, uma mão
atrás dos meus joelhos e a outra apoiando minhas costas. Passei meus
braços em volta do pescoço dele e coloquei minha cabeça em seu ombro
como ele me carregou de manhã.
Beckett nos levou para casa em meu carro. Pelo menos acho que
foi o que ele fez. O tempo perdeu todo significado e relevância. Eu estava
à deriva no oceano, apenas esperando a próxima onda me puxar para
baixo.
Pisquei e nós estávamos lá dentro, Ada se preocupando com
alguma coisa. Beckett me sentou no sofá e colocou um cobertor sobre as
pernas. Ada disse alguma coisa, e assenti, sem me importar com o que
era. Uma xícara de café apareceu em minhas mãos. O sol nasceu
desafiando minha dor. Indiferente ao meu mundo que acabou na noite
passada, ele estava determinado a avançar.
— Mãe? — Maisie entrou no quarto, segurando seu ursinho de
pelúcia azul. Ela estava vestida de pijama púrpura, com o cabelo
despenteado e pequenas linhas de travesseiro amassando o rosto.
Tão parecido com o rosto de Colt. Será que algum dia eu olharia
para ela e não o veria?
— Ei, — resmunguei.
Beckett apareceu ao seu lado.
— Ele está morto, — ela disse como se fosse fato, com o rosto mais
solene do que nunca em qualquer fase do tratamento.
Meus olhos voaram para Beckett, mas ele balançou a cabeça.
— Eu soube ontem à noite. Parou de doer. Eu sabia que ele se foi.
— O rosto dela se contorceu e Beckett a puxou contra o lado dele. — Ele
se despediu enquanto eu estava dormindo. Disse que está tudo bem e
para olhar no bolso dele. — Beckett a sentou ao meu lado no sofá e eu
levantei meu braço para poder segurá-la.
— Sinto muito, Maisie. — Beijei sua testa e ela dobrou ainda mais.
— Não está bem. Ele não deveria morrer. Eu deveria. Por que ele
morreu? Não é justo. Nós tínhamos um acordo. Nós sempre estaríamos
juntos. — Ela começou a chorar, o que trouxe de volta as minhas
lágrimas. Seu corpo minúsculo tremia contra o meu enquanto suas
lágrimas escorriam pela minha camisa.
Esforcei-me para encontrar as palavras certas, para não deixar
minha filha sozinha em sua dor porque não conseguia sair da minha.
— Não é justo, — eu disse a ela enquanto a esfregava nas costas,
seu ursinho azul preso entre nós. — E você não deveria morrer. Nenhum
de vocês deveria. Foi simplesmente o que aconteceu.
Como não poderia haver uma explicação melhor do que isso? Qual
foi o raciocínio de um acidente que você não viu? Onde estava a justiça
nisso?
Beckett ficou do outro lado, e nós a cercamos com o máximo de nós
que tínhamos para dar. Ela precisava de tudo. Posso ter perdido meu
filho, mas ela perdeu a outra metade.
Depois de cerca de uma hora, ela adormeceu, virando-se para
Beckett. Ele a segurava contra o peito, as mãos correndo sobre o cabelo
dela, e eu não pude deixar de imaginar se foi assim que ele segurou Colt
quando ele morreu. Então desliguei o pensamento e o enfiei atrás de uma
porta que eu abriria quando estivesse pronta para a resposta.
Ada entrou, segurando uma sacola do hospital de Telluride. —
Você queria isso? Ela disse para olhar no bolso.
Enfiei a mão na sacola e tirei a blusa de Colt. Não havia sangue,
nem lágrimas, nada para indicar o trauma que ele sofrera. Achei o
primeiro bolso que estava vazio. O próximo estaria, também, se a lógica
governasse. Afinal, só porque eram gêmeos não significava...
Meus dedos se depararam com algo fino e enrugado. Puxei para
fora e minha respiração me abandonou.
Era uma folha vermelha.
***

O sol brilhava lindamente no dia em que Colt descansou.


Espalhava-se pelas folhas das árvores da pequena ilha, pontilhando o
chão em pequenos pontos de luz. A brisa aumentou, trazendo uma
cascata de cores, principalmente dourado dos álamos.
Fiquei entre Beckett e Maisie enquanto abaixavam o pequeno
caixão branco de Colt no chão. Maisie se recusou a usar preto, dizendo
que era uma cor estúpida e Colt odiava. Ela usava amarelo, da cor do sol,
e segurava o urso rosa de Colt.
Ela colocou o azul dela com ele na noite passada, dizendo que era
a única maneira de se separarem. Mas vendo a luz escorrer de seus olhos,
sabia que não estávamos apenas enterrando Colt, mas também parte de
Maisie.
Emma, a garotinha que Colt salvou, estava com os pais, com
pequenas lágrimas no rosto. Eu estava imensuravelmente orgulhosa do
que Colt havia feito e não consegui desejar mal a Emma; não foi culpa
dela. Mas ainda não conseguia entender como Deus poderia trocar a vida
de um filho por outro.
Teria sido Colt por Emma?
Ou rezei muito nos últimos dois anos e acidentalmente troquei Colt
por Maisie com meus pedidos desesperados para que ela vivesse?
A fila de enlutados começou a aparecer, querendo expressar sua
tristeza. Por que eu iria querer ouvir o quanto eles sentiam falta dele? Eu
mal podia respirar através da minha própria dor, tentando absorver a de
Maisie, apoiar a de Beckett. Simplesmente não havia mais espaço para a
dor de mais ninguém.
— Eu não posso, — disse a Beckett.
— Certo, eu posso lidar com isso, — ele disse e me acompanhou
até o pequeno banco que adicionamos à ilha quando Ryan morreu. Maisie
sentou-se ao meu lado enquanto Beckett e Ada atendiam a fila e Larry os
conduzia aos pequenos barcos a remos que contratamos para levá-los de
volta à costa.
— Agora eu sou como você, mamãe.
— Como assim, bebê?
Seus olhos ficaram presos em Colt. — Nós dois temos irmãos aqui.
Outra onda de dor me atingiu, me arrastando para baixo de ondas
tão grossas que eu não conseguia respirar, não conseguia ver minha
direção para a superfície. Como alguém sobreviveu perdendo um filho?
Por que a dor simplesmente não parava o meu coração como
constantemente ameaçava, e me enviava com ele?
A mão de Maisie encontrou a minha e o ar escorreu pelos meus
pulmões.
— Nós temos. — Finalmente encontrei forças para responder a ela.
— Beckett também está igual a gente. — Ela voltou sua atenção
para onde Beckett estava balançando a cabeça e apertando as mãos do
último da fila. — Seus dois melhores amigos estão aqui.
Engoli pela milésima vez, tentando desalojar o nó permanente na
minha garganta enquanto o observava. Ele esteve forte e firme, lidando
com o que eu não podia, mesmo que sua dor fosse igual à minha. Ele era
simplesmente tão forte.
Logo seríamos apenas Beckett, Maisie e eu sentados no banco, de
frente para a casa que Beckett havia construído para nós.
— Você está pronta? — Beckett perguntou. — Podemos ficar o
tempo que você quiser.
Eu não aguentava vê-los derramar sujeira sobre o meu menino,
para bloquear a luz do sol em seu rosto. Parecia tão definitivo, tão errado.
— Sim, vamos.
Passamos por onde os coveiros estavam ajustando Colt e parei na
lápide de Ryan, colocando minha mão na superfície lisa de granito. — Ele
está com você agora. E sei que você nunca quis ser pai, mas precisa ser,
só por um tempo. Até chegarmos aí. Certifique-se de que ele brinque.
Ensine-lhe tudo, qualquer coisa que ele queira saber. Abrace-o e ame-o
e depois deixe-o brilhar. Ele é seu por um tempo.
Minha visão ficou turva e Beckett pegou meu braço. Eu me virei
para ver Maisie ajoelhada na beira do túmulo de Colt, seus ombros
tremendo. Segui em frente, mas Beckett me parou. — Dê a ela um tempo.
Eu ouvi então, sua pequena voz conversando com ele. Eu não
conseguia entender as palavras, mas sabia que era apenas para os dois,
muito parecido como o que acontecia quando ele estava vivo. Beckett
ficou em silêncio, me apoiando até Maisie estar pronta.
Como você se despede da pessoa que compartilhou sua alma?
Aquele que esteve com você em todos os batimentos cardíacos da sua
vida?
Ela se levantou, alta e segura, depois se virou para nós com um
sorriso triste. Então, enxugou os olhos e parou de chorar. — Ele está bem
agora. Nós dois estamos.
E de alguma maneira eu sabia que ela estava falando sério. Ela
encontrou sua paz com a certeza de que apenas uma criança poderia ter.
Pareceu um piscar de olhos, mas estávamos de volta em casa. Ada
havia organizado a recepção na sede, então a minha casa estava
silenciosa e vazia, o que era exatamente o que eu precisava.
Enviei Beckett para a sede com Maisie e simplesmente me sentei,
tentando apenas estar. Havoc estava ao meu lado, enrolando a cabeça no
meu colo enquanto eu forçava o ar através dos meus pulmões,
concentrando-me nos simples mecanismos da vida.
Alguém bateu na porta e o capitão Donahue entrou. — Sinto muito
incomodá-la. Não consigo imaginar como você está se sentindo, nem
fingirei saber. — Ele ficou na minha frente e depois se abaixou ao nível
do meu olho. Muito parecido com Beckett. — Sei que talvez não seja a
hora, mas estamos de partida e não sei quando voltarei a Telluride. Então
isso é para você.
Ele me entregou um envelope branco com a letra de Beckett. Estava
endereçado a mim.
— O que é isso? — Perguntei, retirando o papel.
— Não leia ainda. Agora não é a hora. Alguns dos caras me pediram
para guardar suas últimas cartas. Guardei a de Mac para Gentry e
guardei a de Gentry para você.
— Para mim?
Ele assentiu. — Estou deixando com você, caso comece a se sentir
perdida ou esqueça o quanto ele te ama. Como eu disse, não agora. Mas
um dia.
Ele foi embora, mas eu não me lembrava do ato dele sair, ou de
mais alguém retornando. O ritmo constante da minha respiração era
tudo no que conseguia me concentrar, contando até dez vezes sem parar,
tentando viver a dor. Sentei-me ali, bebi a água que me foi entregue, comi
a comida que foi preparada e fingi um sorriso quando Maisie disse que
era hora de dormir.
Eu me recompus o suficiente para aconchegá-la. Escovei o cabelo
atrás da orelha com os dedos e coloquei a mão sobre o peito enquanto ela
adormecia, o dia afetando seu minúsculo corpo. A batida do seu coração
deu força ao meu, saber que ela ainda estava aqui, porque lutei como o
inferno para mantê-la viva.
Mas Deus não me deu essa chance com Colt.
Encontrei Beckett no corredor, encostado na porta do quarto de
Colt.
— É como uma espécie de piada cruel, — eu disse, surpreendendo
Beckett. — Como se isso não fosse verdade.
Ele voltou-se para mim. — Continuo esperando encontrá-lo aqui.
Como se eu pudesse dizer a Havoc para procurá-lo e ele vai sair de onde
quer que esteja se escondendo.
Assenti, minhas palavras me falhando.
— Vamos dar uma volta, — ele sugeriu.
Não fiz objeções enquanto caminhávamos para fora, o ar fresco
fazendo minhas bochechas sensíveis e salgadas arderem. Do outro lado
da água, meu filho estava enterrado ao lado do meu irmão, e eu ainda
não conseguia entender a realidade de tudo. A névoa que cercava meu
cérebro desde a queda começou a clarear com a brisa do lago, deixando
espaço para outras emoções pela primeira vez em dias.
Não. Era. Justo. Nada disso. Colt merecia melhor.
— Lutei tanto por Maisie, — eu disse, apoiando as mãos no
corrimão de madeira do meu deck. — Ficava dizendo que ela precisava
de mim e que Colt ficaria bem, mas Maisie estava morrendo. O quanto
isso foi estúpido? — Minha voz falhou.
Beckett recostou-se no parapeito e ouviu, como se soubesse que eu
não estava procurando uma resposta.
— Todos esses tratamentos, viagens e internações, apenas
tentando mantê-la viva do monstro dentro dela. Todo esse medo e alegria
quando ela entrou em remissão. Todas essas emoções... e então isso
acontece. Ele cai a poucos quilômetros de nossa casa e morre antes que
eu possa me despedir dele.
A mão dele cobriu a minha no parapeito.
— Por que não tive a chance de lutar por ele? Eu deveria ter tido a
chance. Onde estavam os médicos? Seus tratamentos? Onde estavam
sua pasta e seu cronograma linha do tempo? Onde diabos eu estava?
Troquei a vida dele pela dela? Foi isso o que aconteceu?
— Não.
— É isso que parece. Como se todos os piores pesadelos que tive
sobre Maisie, preparando-me para perdê-la, acabasse de se tornar
realidade com Colt, mas é pior do que qualquer coisa que eu poderia ter
imaginado. Passei dois anos lutando pela vida de Maisie, garantindo que
cada momento fosse especial, porque poderia ser o último. Estava tão
ocupada olhando para o trem de carga que vinha para Maisie que perdi
de vista Colt, e agora ele está perdido. Eu perdi ele.
— Ele sabia que você o amava, — disse Beckett suavemente.
— Ele sabia? Eu continuo passando aquela manhã em minha
mente. Estávamos com tanta pressa, e eu o abracei - lembro disso -, mas
acho que não disse que o amava. Ele correu tão rápido e não pensei nisso.
Pensei em vê-lo mais tarde. Por que não o parei? Por que não dormimos
mais tarde? Ele teria perdido o ônibus. Por que não o abracei mais? Foi
tão rápido, Beckett. Tudo isso. Toda a sua vida passou tão rápido e eu
esqueci de dizer que o amava.
— Ele sabia.
Balancei minha cabeça. — Não. Perdi peças de teatro, jogos,
projetos e meses da vida dele porque escolhi Maisie, e ele sabia disso.
Sempre escolhi Maisie porque não sabia que seria ele que partiria. Que
tipo de mãe faz isso? Que constantemente escolhe um filho em
detrimento do outro?
— Se você não tivesse feito isso, estaríamos enterrando dois filhos
agora. Ella, isso não é culpa sua. Você não trocou Colt por Maisie. Não o
barganhou, não o perdeu porque lutou como o inferno por ela. Isso foi
um ato de... eu nem sei. Foi um acidente.
— Não há razão! Nenhuma. Nenhuma guerra para lutar, nenhuma
maneira de combater o que aconteceu. Acabou antes que eu soubesse
que começou. Eu não pude lutar por ele. Eu teria, Beckett. Eu teria
lutado.
Beckett enxugou as lágrimas que eu não sentia. — Eu sei que você
teria. Nunca conheci uma mulher que luta como você. E sei que isso não
ajuda, mas eu lutei. Fiz tudo o que pude e, quando não foi suficiente,
deitei-me e segurei-o por nós dois. Ele não estava sozinho. Você não o
abandonou. Você nunca o abandonou. Não durante a doença de Maisie,
nem no dia da excursão.
A dor tomou conta do meu corpo. Eu não podia imaginar isso
diminuindo, ou vivendo com isso dia após dia.
Não sei como respirar. Como acordar amanhã.
Ele passou os braços em volta de mim por trás, descansando o
queixo no topo da minha cabeça. — Nós vamos descobrir juntos. E se
você não conseguir respirar, eu farei isso por você. Uma manhã de cada
vez. Minuto a minuto, se for necessário.
— Como você tem tanta certeza?
— Porque uma mulher muito sábia me disse uma vez que você não
pode argumentar com o universo, por mais sólida que seja sua lógica. E
que nós podemos respirar através da dor ou podemos deixá-la nos
moldar. Então, tenho certeza de que vamos respirar fundo até que a dor
diminua um pouquinho.
— Isso nunca vai desaparecer.
— Não. Vou sentir falta dele todos os dias. Talvez tenhamos perdido
um pouco do sol, mas a Maisie está aqui, e pode não ser tão brilhante
sem Colt, mas também não está totalmente escuro.
Ele estava certo. Eu sabia na minha cabeça, mas meu coração
ainda não conseguia enxergar além dos próximos cinco minutos.
— O capitão Donahue passou por aqui. Ele queria se despedir.
Acho que a unidade está partindo, — falei com cuidado. Se Beckett fosse
embora, seria a hora. Agora que Telluride era um lugar doloroso para
ficar.
— Desejo-lhes sorte.
— Você não quer ir? — Meu peito apertou, esperando a resposta.
Ele me virou nos braços para poder ver meu rosto.
— Não. Eu não quero ir. E, de qualquer maneira, isso não é
importante. Assinei os papéis na semana passada. Estou fora.
— Você está fora?
— Estou fora. Além disso, o trabalho em tempo integral na Busca
e Resgate tem um plano de saúde realmente bom. — Ele me deu um meio
sorriso.
— Você está fora. Você não está indo embora.
— Mesmo se você me expulsar, ainda vou dormir na sua porta dos
fundos. Nunca vou te deixar. — A verdade soou clara em sua voz, em
seus olhos.
Eu tinha esquecido de dizer a Colt que o amava. Nunca mais
cometeria o mesmo erro.
— Eu te amo, — eu disse. — Me desculpe, eu não falo isso há tanto
tempo. Mas eu te amo. Nunca parei de te amar.
— Eu te amo. — Ele me deu um beijo na testa. — Nós vamos ficar
bem.
Naquele segundo, não senti como se isso fosse acontecer, mas meu
cérebro sabia que ele estava certo. Porque por um breve segundo, quando
ele me disse que tinha escolhido ficar, um lampejo de alegria atravessou
meu coração, apenas para ser extinto rapidamente por uma dor
avassaladora.
Mas esse lampejo estava ali. Eu ainda era capaz de sentir algo
diferente... nisso.
Então peguei meu feliz e o guardei. Eu o traria para fora de novo
quando não estivesse tão escuro, quando houvesse espaço na minha
alma para isso.
E por agora, respirar era tudo que eu podia fazer.
E foi o suficiente.
CAPÍTULO VINTE E NOVE
ELLA
Ella,

Se você está lendo isso, significa que não posso vê-la em janeiro,
como planejamos. Me desculpe, mesmo. Eu costumava dizer que não podia
ter medo enquanto estivesse aqui, porque não tinha nada a perder. Mas
no minuto em que li sua primeira carta, tudo mudou.
Eu mudei.
Se nunca te contei, deixe-me dizer agora. Suas palavras me
salvaram. Você entrou na escuridão e me puxou para fora com sua
bondade e sua força. Você fez o impossível e tocou minha alma.
Você é uma mãe fenomenal. Nunca duvide disso. Você é o suficiente.
Essas crianças têm muita sorte de ter você do lado deles. Não importa o
que aconteça com o diagnóstico de Maisie ou com a teimosia de Colt, você
é a maior bênção que essas crianças jamais poderiam pedir.
Faz algo por mim? Entre em contato com meu gerente financeiro. O
número dele está no final. Mudei meu seguro de vida para Colt e Maisie.
Use-o para enviá-los para a faculdade ou dê o começo necessário para
encontrar sua paixão. Não consigo pensar em um uso melhor para isso.
Quer ouvir algo louco? Estou apaixonado por você. É isso mesmo. Em
algum lugar entre a carta número um e a vinte e tanto, percebi que estava
apaixonado por você. Eu, o cara que não consegue se conectar com outros
humanos, me apaixonei pela mulher com quem nunca fiquei na mesma
sala.
Então, se eu morrer, quero que se lembre disso. Ella, você é tão
incrível que fez eu me apaixonar por você apenas com suas palavras.
Não guarde suas palavras para si mesma. Não importa o que ache,
encontre alguém que queira ouvi-las tanto quanto eu. Então ame.
E me faça um favor - ame o suficiente por nós dois.
Com todo o meu amor,

Beckett Gentry
Nome de guerra, Chaos

***

Três meses depois.

— Onde você quer isso? — Beckett perguntou, segurando uma


caixa marcada como “cozinha”.
— Provavelmente na cozinha, — provoquei.
— Ha, ha, — ele riu quando ele passou por mim até a cozinha,
colocando-a com as outras.
— Quantas ainda tem? — Perguntei da sala grande.
— Só algumas perdidas na caminhonete. Por quê? — Ele agarrou
meu quadril e me puxou para ele. — Tem planos para mim?
— Talvez, — eu disse com um sorriso lento. Em algum lugar no
último mês, parei de fingir os pequenos sorrisos. Os maiores ainda eram
puramente para o benefício de Maisie, mas os pequenos? Esses eram
reais. Esses eram meus.
— Eu gosto disso. — Ele abaixou a cabeça até nossos lábios se
encontrarem em um beijo. — Esses planos talvez incluam o chuveiro?
Porque eu tenho esse pequeno banco embutido...
Uma rajada de ar gelado nos atingiu quando a porta da frente se
abriu. Nós nos viramos para ver Maisie e Emma voando, a neve cobrindo
seus chapéus enquanto elas pisavam na entrada da casa rindo.
— Essa tirolesa é a melhor! — Emma disse quando suas botas
caíram no chão.
— Certo? Espere até o verão e podemos ir na outra que entra no
lago! — Maisie acrescentou.
Aquela que Beckett construiu algumas semanas após a morte de
Colt. Ele fez um milhão de coisas assim - mantendo Colt com ele à sua
maneira. Maisie estava certa, os dois melhores amigos de Beckett
estavam naquela ilha, e assim como Ryan tinha uma parte de Beckett
que eu talvez nunca soubesse, Colt também tinha.
Beckett me beijou de novo rapidamente e se dirigiu à garagem para
outra caixa.
— Que tal um chocolate quente, meninas? — Ofereci.
— Sim, por favor! — ambas responderam ao mesmo tempo.
Peguei o chocolate e comecei a preparar, parando para admirar a
vista da neve caindo no lago congelado. Meu coração deu aquele aviso
familiar e desviei o olhar da ilha, concentrando-me em conseguir canecas
para as meninas.
Eu sentia falta de Colt todos os dias. Todo minuto.
Mas os meses me deram tempo suficiente para que cada segundo
não pertencesse à minha dor. E eu sabia que o tempo só aumentaria.
Isso nunca iria embora completamente, mas pelo menos eu não estava
naufragando naquele oceano de tristeza a cada batida do coração. As
ondas ainda chegavam. Às vezes eram previsíveis, como a maré. Outras
vezes, me atingiam com a força de um tsunami, fazendo-me cair tão
fundo que parecia que estava no primeiro dia, em vez do dia cento e cinco.
As meninas entraram correndo, pulando nas banquetas que eu
comprei para deslizar sob a extensão de granito. Elas riram e
conversaram sobre a próxima peça de Natal. Derramei o cacau e coloquei
alguns marshmallows antes de deslizá-los sobre o balcão.
— Obrigada, Senhora MacKenzie, — disse Emma antes de tomar
um gole.
Não a corrigi sobre o Senhora, apenas sorri. — Sem problemas.
— Obrigada, mãe! — Maisie disse, tomando um gole dela.
Beckett entrou com outra caixa e colocou-a na pilha ao lado da
mesa da cozinha. Então, se recostou no balcão comigo. — Qual é esse
idioma? — ele perguntou, encarando as meninas.
— Língua de meninas, — eu o informei. — Elas estão discutindo a
lista de convidados para a festa de aniversário de Emma no próximo mês.
O aniversário de Maisie acabara de passar. Ela tinha oito anos
agora, mais velha que Colt jamais seria. Ela iria crescer, amadurecer e
prosperar, mas Colt ficaria para sempre congelado nos sete anos. O dia
tinha sido difícil, mas Maisie convidou sua nova melhor amiga.
Aconteceu que, quando Emma e Maisie perderam Colt, elas se
encontraram. Mesmo morto, ele ainda estava dando presentes para sua
irmã.
— Cacau, hein? — Beckett perguntou, roubando um gole da caneca
de Maisie.
— Papai! — ela repreendeu com uma risadinha.
Deus, eu amava o som disso tanto quanto ela adorava dizer isso.
Contamos a ela após o funeral, sabendo que ela merecia saber todos os
dias de sua vida que Beckett a amava tanto que ele se tornara seu pai.
Ele salvou a vida dela, mas isso era algo que mantivemos entre nós dois.
Beckett beijou minha bochecha e começou a abrir as caixas, rindo
quando encontrou um dos brinquedos de Colt escondido em uma das
panelas. Eu adorava isso nele, a maneira como conseguia falar de Colt e
sorrir através da dor. Ele o manteve vivo de mais de uma maneira. Pela
tirolesa, as fotos que pendurou pela casa, a folha vermelha emoldurada.
Ele nunca teve medo de dizer seu nome, e mais de uma vez cheguei em
casa para encontrá-lo com Maisie aconchegados no sofá assistindo a
vídeos de Colt.
Eu ainda tinha que passar por um sem desmoronar. Talvez um dia
eu fosse capaz de sorrir ao som da voz de Colt. Por enquanto, era
simplesmente um lembrete do que eu havia perdido e como tudo parecia
vazio sem ele.
Beckett nos manteve avançando em um ritmo desconfortável, mas
administrável. Ele nunca me deixou afundar por muito tempo, mas
também nunca me deixou ignorar a dor. Testava os meus limites e depois
recuava, e se não fosse por ele, poderia ter escolhido simplesmente parar
de me mover.
Maisie manteve meu coração batendo.
Beckett me manteve vivendo.
Eu me assegurei todos os dias de que ambos soubessem que os
amava.
Levou quase todos os três meses, mas finalmente li a última carta
de Beckett, e foi isso que me trouxe até aqui, nesta casa que ele construiu
para nós quatro - que agora abrigaria três.
Amor o suficiente por nós dois. Foi o que ele disse na carta. E falou
ao meu coração de uma maneira que nada mais poderia. Porque é isso
que Colt gostaria. Ele gostaria de se mudar para esta casa e viver nossa
vida com o cara que todos amamos.
O homem que ansiava por minhas palavras e possuía meu coração.
Ele assinou a carta com seu nome verdadeiro. As últimas palavras
que Chaos me falou fundiram os dois homens que eu amava até ver os
dois em Beckett, que estava atualmente olhando para o meu espremedor
de alho, como se fosse um dispositivo de tortura.
— Esta gaveta, — eu disse a ele, abrindo-a com meu quadril.
— Curvador de cílios? — ele perguntou, largando-o na gaveta.
— É para smothies. Funciona muito bem com morangos. — Dei de
ombros.
— Mentirosa! — Ele riu e voltou a desfazer as caixas.
Olhei pela janela para a ilha e respirei fundo quando a dor me
invadiu. Então peguei a caixa seguinte e comecei a desempacotar item
por item, fundindo minha vida com a de Beckett. Eu segui em frente
porque era onde Beckett e Maisie estavam, e era isso que Colt teria
desejado. Afinal, ele também estava aqui, em todas as linhas desta casa
que Beckett havia construído para ele - para nós.
Eu ainda ouvia ecos de seus passos nas escadas, sua risada nos
corredores. Houve até momentos em que jurei que senti o cheiro de seu
cabelo impregnado de sol, como se ele tivesse entrado para um abraço e
fugido de novo antes que eu pudesse capturá-lo completamente. O quarto
que Beckett fez para ele estava intocado, exceto pelas caixas que
trouxemos da minha casa. Eu ainda não estava pronta para ir para lá, e
tudo bem.
Havia muitas lembranças que eu não estava pronta para guardar.
Dei uma olhada no capacete que Colt usou naquele primeiro Halloween
no hospital e soube através de uma única caixa que não seria capaz de
fazer isso.
Mas Maisie pegou o capacete e sorriu, lembrando-se de quando
trocou com Colt para usá-lo naquela noite.
Ele usara sua auréola.
Como eles sabiam que acabariam trocando de papéis.
Como se tivesse sido planejado o tempo todo, e eu simplesmente
perdi os sinais.
— Você acha que o lago está congelado o suficiente para andar? —
Perguntei a Beckett.
Ele me deu aquele olhar - aquele que sabia exatamente o que eu
era pensando - e depois olhou para o lago nevado. — Eu fui lá ontem e
as temperaturas estão ainda mais baixas hoje. Provavelmente você vai
ficar bem. Quer que eu vá com você?
Balancei minha cabeça. — Não, gostaria de ir sozinha. Acho que
estou pronta.
Ele simplesmente assentiu e me deu o espaço que eu precisava.
Metodicamente, amarrei minhas botas, fechei o casaco e peguei
meu chapéu e luvas na saída. O ar estava frio, a neve, do tipo leve e
cintilante, que parecia um brilho recém-descido quando atravessei o lago.
Subi a ilha até o centro, onde Colt e Ryan esperavam.
Eu nunca estive aqui sozinha, nunca senti que estava pronta, como
se fosse forte o suficiente. Talvez eu ainda não estivesse, mas estava
cansada de esperar para sentir vontade. Talvez me sentir forte o
suficiente tenha vindo de ser forte com tanta frequência que era o padrão.
Palavras me abandonaram quando me ajoelhei diante da pedra de
Colt, indiferente ao fato de a neve derreter imediatamente através do meu
jeans. Havia tantas coisas que eu precisava dizer a ele, mas nenhuma
delas deixaria meus lábios. Então parei de tentar e simplesmente abaixei
a cabeça, deixando as lágrimas dos meus olhos levarem as palavras do
meu coração direto para ele.
Finalmente, minha garganta produziu um som.
— Eu teria lutado por você. Teria destruído as próprias estrelas,
Colt. Você é amado, não no tempo passado, mas agora, a cada segundo
de cada dia, e isso nunca mudará. Vejo pedaços de você em sua irmã,
pequenos vislumbres de sua alma brilhando na dela. Ela carrega você
com ela da mesma maneira que todos nós. Sinto tanto a sua falta que,
em alguns dias, parece que não consigo suportar, mas então a vejo e de
alguma forma consigo sobreviver. Você me ensinou como fazer isso, sabe.
Quando sua irmã estava doente, e parecia demais, como se eu não
pudesse ser o suficiente para ajudá-la, olhava para você e percebia que
eu tinha que ser, porque não importa o que acontecesse com sua irmã,
seria sempre você e eu, garoto. Você me ensinou como me levantar e dar
o primeiro passo. Só nunca percebi o quanto eu precisaria da lição. Mas
estou fazendo isso. Por você, e Maisie, e seu pai. Deveríamos ter falado
sobre ele antes... Deveria ter feito muitas coisas, sério.
Levantei meu rosto para o céu e deixei a neve cair na minha pele.
Minhas lágrimas se misturaram com a neve derretida até as duas serem
uma, e meus olhos secaram.
O ar queimou meus pulmões enquanto eu o inalava
profundamente, congelando a sensação pesada de lágrimas que
carregava comigo como uma medalha de sobrevivência.
Precisando de uma pausa, caminhei alguns metros até o túmulo
de Ryan.
— Eu nunca disse obrigada, — eu disse a ele, tirando a neve do
topo da pedra. — Por Beckett, quero dizer. Não sei como você sabia, mas
você sabia. E sei que você me disse que as cartas eram para ele, e você
disse para ele que as cartas eram para mim, mas você sabia o quanto
precisávamos um do outro. Você me salvou através do Beckett, Ry. Você
salvou Maisie. Encontrei um anel enquanto estava desfazendo as malas
em nosso quarto. Ele ainda não perguntou, e espero que espere um
pouco, mas sei que ele é meu para sempre, e só o tenho por sua causa.
Então, obrigada por Beckett e por sua carta que o trouxe para mim.
Agora, dê um beijo no meu garoto, sim? — Pressionei um beijo nos meus
dedos e coloquei sobre o nome dele. — Ele está apenas emprestado, então
tenha cuidado com ele.
Então voltei para o túmulo de Colt.
— Eu te amo e sinto sua falta, — eu disse a ele. — Não há nada
mais verdadeiro que eu possa te dizer. E eu gostaria de ter estado com
você, mas estou tão feliz que você teve seu pai, e agora você tem seu tio
Ryan. Você foi meu maior presente, Colt. E por mais que eu odeie todos
os dias que você vai embora, estou muito grato pelos dias que tive.
Obrigado por ser meu. — Então, dei um beijo nos mesmos dedos e os
deixei seguir seu nome, todas as vinte e uma letras dele.

COLTON MACKENZIE-GENTRY

A caminhada de volta pelo lago foi silenciosa, profundamente


pacífica. Eu fiz isso. Encontrei forças para colocar um pé na frente do
outro e chegar lá. E continuaria fazendo isso em todos os sentidos,
porque era suficiente forte.
Muito disso era devido ao homem parado na beira do lago,
esperando que eu voltasse para casa.
— Você está bem? — Beckett perguntou, me envolvendo em seus
braços.
— Sim. Acho que vou ficar, pelo menos.
Ele roçou meu rosto com as mãos cobertas de luvas. — Sim, você
vai ficar.
— Você já pensou sobre o destino?
Sua testa franziu. — Você quer dizer a maneira como perdemos
Colt?
— Sim. Não. Mais ou menos. Fiquei tão zangada com Deus por ter
levado Ryan, depois Colt, quando acabamos de ter Maisie limpa, por tê-
lo levado.
— Eu também.
— Mas então eu estava olhando para o lago e pensei nisso. Talvez
ele sempre devesse ir. Talvez os dois devessem ter ido. Se Ryan não
tivesse morrido, talvez você tivesse vindo nos visitar, mas não teria ficado.
Não estava na sua natureza naquela época.
Beckett não falou, simplesmente me deu um pequeno aceno de
cabeça e esperou que eu continuasse.
— Mas ele morreu. E você veio. E você salvou Maisie com o
tratamento, e salvou o coração de Colt por estar aqui quando eu não
poderia. Realizou todos os seus desejos e lhe ensinou coisas incríveis. Por
sua causa, ele não ficou sozinho. Por sua causa, ele foi duplamente
amado. Estou percebendo que o destino o teria levado, quer você
estivesse aqui ou não. Quer Ryan tivesse vivido ou não, ou Maisie
morrido. Mas sem você, ele estaria sozinho. Ninguém mais poderia tê-lo
encontrado, poderia ter dado a ele a paz que você deu. Sem você, eu teria
enterrado meus dois filhos.
Sua boca pressionou em uma linha enquanto ele lutava para
manter o controle. — Não consegui salvá-lo. Eu teria dado minha própria
vida se isso significasse que ele poderia estar aqui com você. Eu salvei
todas as crianças desde... — Ele engoliu em seco e desviou o olhar.
— A cada chamado, você tenta se arrepender por um pecado que
não cometeu conscientemente. Eu vejo seu rosto toda vez que você
encontra uma criança.
— Mas não consegui salvar a sua. Não foi possível salvar a minha.
Como você pode me perdoar por isso?
— Porque não há nada a perdoar.
As meninas riram enquanto corriam pela neve, indo em direção à
casa da árvore.
— Você acha?
Dei uma olhada para Emma, seu sorriso brilhante enquanto ela
ajudava Maisie a subir a escada.
— Eu sei. — Calor correu pelo meu peito. — Talvez você não tenha
conseguido salvar o garotinho que sempre esteve destinado a ir, mas você
a salvou ensinando Colt. — Fiz um gesto em direção a Emma.
A mandíbula de Beckett flexionou. — Destino, você acha?
— Destino, — respondi. — E talvez não seja verdade para todos,
mas pode ser minha verdade. Isso é o suficiente para mim.
Ele pressionou seus lábios gelados na minha testa. — Eu te amo.
Eu vou sempre amar você.
Eu me levantei e pressionei meus lábios nos dele em um beijo
suave. — Eu te amo. Agora e para sempre. Tudo isso.
Sim, eu era capaz de imenso pesar, mas também era capaz de amor
infinito. E amaria minha vida novamente. Talvez não hoje, mas um dia.
Porque ainda não terminei.
A vida era curta. Colt me ensinou isso.
Valia a pena lutar pela vida. Maisie me ensinou isso.
Cartas podem mudar sua vida. Ryan me ensinou isso.
O amor - quando estava certo - era suficiente para salvá-lo. Beckett
me ensinou isso todos os dias. E a nossa foi mais que suficiente.
E eu também.
EPÍLOGO
MAISIE
Larguei um pacote de M&Ms na grama e rasguei o meu.
— Adivinha? — Perguntei ao meu irmão. — Não vai perguntar?
Tudo bem, que seja. É como se você fosse adolescente alguns meses antes
ou algo assim. Já se passaram cinco anos. Você sabe o que isso significa?
Coloquei um M&M na boca e mastiguei.
— Isso significa que ainda estou livre do câncer. Isso significa que
meu risco de recaída é tipo... nada. Isso significa que vencemos. Mas
significa que vai demorar um pouco até eu te ver. Lembra quando fizemos
esse acordo? A noite em que fiquei tão doente? Aquele em que você disse
que se eu morresse, você também morreria, para nunca ficarmos
sozinhos?
Passei a mão sobre a lápide dele, traçando as letras do nome dele.
— Quebrei esse acordo. Só não sabia que estava quebrando.
Sempre pensei que o câncer voltaria e manteria minha parte do acordo.
Mas não aconteceu. E espero que não fique bravo. Porque a vida está boa.
Quer dizer, Rory é maluca. Nossa irmãzinha é um serelepe total. Ontem,
ela pulou o corrimão para o chão. Pensei que mamãe ia ter um infarto. E
Brandon é um bebê tão bonzinho, tão doce e fofinho, e Havoc nem se
importa quando ele puxa suas orelhas. Eu e Emma temos planos para o
próximo fim de semana, nada grande, mas você sabe... planos. Mamãe e
papai estão bem. Eles ainda se beijam na cozinha quando acham que
ninguém está olhando. Meio nojento, mas são felizes.
Cheguei à letra final de seu nome e suspirei.
— Cinco anos. E ainda sinto sua falta o tempo todo. Bem, não o
tempo todo, já que muitas vezes sinto que você está comigo. Mas sim,
sinto sua falta. Todo mundo sente. Mas vou ter que quebrar nossa
promessa e sei como fazer as pazes com você: vou ter que ser duas vezes
mais incrível e viver por nós dois. Certo?
Levantei-me e peguei o pacote extra de M&Ms para que mamãe não
surtasse quando ela aparecesse mais tarde.
— Apenas me faça um favor. Dá umas voltas por aí. Porque
definitivamente vou precisar de ajuda para ser tão incrível, se eu tiver
que compensar você por ter partido. Estou com saudades, Colt.
Beijei meus dedos e os pressionei em seu nome, da mesma forma
que mamãe sempre fazia. Então entrei no barco e remei de volta pelo lago.
A partir de hoje, meu futuro estava aberto.
O câncer não estava voltando.
Eu ia viver, e Colt também - porque sempre o carregava comigo.
Alguns laços não podiam ser quebrados.
— Maisie! — Papai chamou da varanda quando amarrei o barco
na doca que havíamos construído alguns anos atrás. — Você quer sair
comigo?
— Sim! — Respondi.
Eu não perguntei para onde; se papai estava indo para algum
lugar, eu estava dentro. Porque Colt estaria e eu tinha uma promessa a
cumprir.
Duas vezes incrível.

FIM.

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