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UFRR – UNIVERSIDADE FEDERAL DE RORAIMA

CENTRO DE COMUNICAÇÃO E LETRAS

DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

JOSEAN DEYLANNO KARTER FURTADO REGO

DO ERÓTICO AO POLÍTICO

UM ESTUDO SOBRE A REVISTA “G MAGAZINE”

Boa Vista
2005
1

JOSEAN DEYLANNO KARTER FURTADO REGO

DO ERÓTICO AO POLÍTICO

UM ESTUDO SOBRE A REVISTA “G MAGAZINE”

Monografia apresentada à banca


examinadora da Universidade Federal de
Roraima, como exigência para obtenção
parcial do título de Bacharel em
Comunicação Social – Habilitação em
Jornalismo.

Orientadora: Vângela Maria Isidoro Morais

Boa Vista
2005
2

JOSEAN DEYLANNO KARTER FURTADO REGO

DO ERÓTICO AO POLÍTICO

UM ESTUDO SOBRE A REVISTA “G MAGAZINE”

Monografia apresentada à banca


examinadora da Universidade Federal de
Roraima, como exigência para obtenção
parcial do título de Bacharel em
Comunicação Social – Habilitação em
Jornalismo.

Área de Concentração: Jornalismo de revista.

Data da aprovação: _____/_____/_____.

Banca Examinadora:

____________________________________________
Profª M.Sc. Vângela Maria Isidoro Morais (orientadora)
Universidade Federal de Roraima

____________________________________________
Prof. Maurício Elias Zouein (membro)
Universidade Federal de Roraima

____________________________________________
Profª Antônia Costa da Silva (membro)
Universidade Federal de Roraima
3

À minha mãe Antonia Furtado Rego; à


minha família; aos meus amigos e ao
meu companheiro Hávilo que, sem seu
incentivo e paciência, este trabalho
não seria possível.
4

Agradeço a ajuda e a atenção da equipe


da revista G Magazine. Agradeço à minha
orientadora Vângela Maria Isidoro Morais
por ter aceitado esta tarefa. Agradeço
também aos meus professores e colegas
de curso que ao longo destes anos
colaboraram direta ou indiretamente com
este estudo. Agradeço também ao meu
bom Deus que sempre se faz presente em
minha vida.
5

“O próximo, o pessoal, o afetivo, o erótico,


o imaginário, rejeitados para o mundo
inferior das paixões e das tradições,
reaparecem, não para se vingar da
racionalização e eliminá-la, mas para
acrescer sem pausa a diversidade e a
complexidade de nossas experiências e
de nossos modelos de sociedade e
cultura”.
Alain Touraine
6

RESUMO

Do Erótico ao Político trata da revista mensal G Magazine, uma publicação


da Fractal Edições, dirigida ao público gay brasileiro. Todavia, este trabalho dedica-
se também a resumir a história da homossexualidade no mundo, no Brasil e em
Roraima. Desta forma, fornecemos idéias para que o leitor deste estudo, faça uma
crítica apurada sobre o assunto. A revista G Magazine é um veículo peculiar em seu
segmento pois, costumeiramente, exibe celebridades masculinas nuas e com o falo
enrijecido, bem como contém vasto material jornalístico sobre o mundo gay. O
público mantém um carinho pela G, que é sempre explicitado através das
mensagens publicadas na seção de cartas. As mensagens demonstram uma
mudança na consciência do público gay brasileiro, que nos primeiros anos de vida
da revista, venerava muito mais aos ensaios de nu erótico, do que fazia referência
sobre as informações jornalísticas que a mesma passava para o imenso território
brasileiro. As edições foram avaliadas através de estudos da semiótica da cultura,
homocultura, ética jornalística e técnicas voltadas para o trabalho em revistas
segmentadas. Estão selecionadas reportagens sobre diversos assuntos e
identificadas as mensagens dos leitores que comentaram tais assuntos, para
sofrerem considerações dos autores que foram escolhidos para este estudo. Assim,
além da anotação da história oral da publicação, mostramos como uma revista pode
acompanhar o que seu leitor solicita, permanecer no mercado editorial e auxiliar no
processo de mudança de consciência do seu público.

Palavras chaves:
Jornalismo de revista; imprensa gay; homossexualidade; semiótica da
cultura; opinião do leitor.
7

ABSTRACT

From Erotic to the Politician deals of the monthly magazine G Magazine, a


publication of the Fractal Editions, directed to the Brazilian public gay. However, this
work is also dedicated to summarize the history of the homosexuality in the world, in
Brazil and Roraima. Of this form, we supply ideas so that the reader of this study,
makes refined criticals on this subject. G Magazine is a peculiar vehicle in its
segment therefore, usually, shows masculine celebrities naked and with hardened
penis, as well as contains vast journalistic material on the world gay. The public
keeps an affection for the G, that always is showed through the messages published
in the section of letters. The messages demonstrate a change in the conscience of
the Brazilian public gay, that in the first years of life of the magazine, venerated much
more to the assays of erotic naked, of whom it made reference on the journalistic
information that the same one passed to the immense Brazilian territory. The editions
had been evaluated through studies of the semiotics of the culture, homoculture,
journalistic ethics and techniques directed toward the work in segmented magazines.
News articles about several subjects were selected and were identified the messages
of the readers who make reference to this messages, to suffer considerations from
the authors who had been chosen for this study. Thus, beyond the notation of the
verbal history of the publication, we show as a magazine can follow what its reader
requests, to remain in the publishing market and to assist in the process of change of
conscience of its public.

Key-words:
Magazine journalism; gay press; semiotics of the culture; homosexuality;
reader’ opinion.
8

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .......................................................................................................... 10

CAPÍTULO I – CONTEXTO HISTÓRICO ................................................................. 12


1 Reino animal: os mamíferos homossexuais ....................................................... 12
2 O rito sexual: sociedades primitivas ................................................................... 13
3 A homossexualidade nas antigas civilizações .................................................... 14
4 A esquizofrenia ocidental .................................................................................... 16
5 Ano Zero d.C. até 1969 – Fatos homossexuais .................................................. 21
6 A imprensa gay e o movimento homossexual brasileiro ..................................... 38
7 A Aids e a militância gay ..................................................................................... 45
8 Contexto Contemporâneo ................................................................................... 48
9 Roraima – A militância gay no lavrado setentrional ............................................ 56
10 A diversidade sexual, preconceito e representação na mídia ........................... 58
11 A carta queer – A monografia e o autor ............................................................ 62

CAPÍTULO II – BASES TEÓRICAS E METODOLÓGICAS ..................................... 71

CAPÍTULO III – DO ERÓTICO AO POLÍTICO ......................................................... 78


1 Ergue-se o falo e a bandeira do arco-íris ............................................................ 78
2 Características editoriais................................................................................... 102
3 As reportagens e a opinião do leitor ................................................................. 105

CONCLUSÃO ......................................................................................................... 119

REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 123

OBRAS CONSULTADAS ....................................................................................... 126

APÊNDICES ........................................................................................................... 127

ANEXOS ................................................................................................................. 159

GLOSSÁRIO ........................................................................................................... 164


9

LISTA DE FIGURAS

Figura 01 – Capas da revista Meio Termo 45


Figura 02 – Logomarca do Grupo DiveRRsidade 57
Figura 03 – Casal gay de Roraima registra documentos em cartório 58
Figura 04 – O despertar total da idéia 64
Figura 05 – Página inicial do blog Carta Queer 68
Figura 06 – Esquema do mecanismo semiótico da cultura 77
Figura 07 – Capa da primeira edição da revista Bananaloca 78
Figura 08 – Ana Fadigas e o Autor 79
Figura 09 – Revista Suigeneris 81
Figura 10 – Revista G Magazine – Edições zero e 01 82
Figura 11 – Cartaz-fotomontagem de leitor da G 84
Figura 12 – Revista G News 86
Figura 13 – Publicidade da DirecTV na G Magazine 88
Figura 14 – Publicidade do Banco do Brasil na G Magazine 89
Figura 15 – Os dois primeiros recordes de vendas da G 91
Figura 16 – Revista Íntima. Fracasso na conquista do público feminino 94
Figura 17 – Silvia Campos e Francisco Pellegrini 95
Figura 18 – Revistas The Advocate e Têtu 99
Figura 19 – A censura no Rio de Janeiro 101
Figura 20 – Exemplo de evolução gráfica 102
10

INTRODUÇÃO
A presente monografia tem como objeto de estudo a revista G Magazine

dirigida ao público homossexual masculino brasileiro, publicada pela Fractal Edições

em São Paulo. Foram analisadas todas as edições da revista até a edição de nº 94

(julho/2005). Destas, foram selecionadas oito reportagens que estão distribuídas em

oito revistas, que atendem a quesitos como: temas relacionados ao comportamento

e fontes.

Todavia, para uma melhor compreensão, este trabalho apresenta no

primeiro capítulo o contexto histórico da homossexualidade: o amor homossexual

entre animais mamíferos, neste caso os macacos; a vida sexual nas tribos primitivas;

a liberdade grega e romana do sexo; a proibição sexual judia; personalidades

romanas que viviam plenamente o sexo; relatos das perseguições médicas e

policiais; como a justiça reage à questão homossexual; bem como há uma breve

contextualização contemporânea sobre a homossexualidade.

A seguir, podemos conferir o Capítulo II que trata dos autores e teorias que

procuram orientar o objetivo do trabalho que é mostrar como a revista G Magazine

promoveu mudanças editoriais, que acompanharam as solicitações dos leitores,

estes que se manifestaram através de mensagens publicadas na seção cartas.

Estes leitores mantêm uma relação amorosa com a revista que, de certa

maneira, colaborou na mudança de consciência do seu público e está intimamente


11

ligada ao processo de redução de preconceitos quanto à homossexualidade no

Brasil.

Para a efetivação deste trabalho, foi realizada uma visita in-loco a sede da

Fractal Edições na cidade de São Paulo, para conseguir, junto aos que produzem a

revista, informações precisas sobre o histórico desde a estréia, bem como se dá o

funcionamento da mesma.

No Capítulo III, além da história da G e suas características editoriais,

apresentamos os temas das reportagens selecionadas, confrontando com as

mensagens dos leitores sobre estas reportagens, buscando um diálogo com as

reflexões dos autores, bem como estão adicionadas as respostas às entrevistas

realizadas em São Paulo com a equipe da revista.

O título “Do erótico ao político”, está ligado à idéia de que a publicação

nasceu com uma intenção meramente mercadológica que reproduzia elementos

dispersos nas duas culturas: homossexual e heterossexual. E hoje ela carrega um

pouco do espírito ativista gay.


12

CAPÍTULO I – CONTEXTO HISTÓRICO

1 Reino animal: os mamíferos homossexuais

É comum observarmos entre os mamíferos a relação homossexual. Vários

documentos e também documentários de televisão mostram animais domésticos e

silvestres, tais como leões e macacos, trocando carícias entre seus pares do mesmo

sexo.

Todavia, os cientistas não quiseram, por um longo período, responder às

questões que envolvem a sexualidade dos mamíferos por preconceito. Colin

Spencer (1999, p.16) afirma que “os zoólogos foram até há pouco tempo reticentes

em discutir os comportamento homossexual entre os mamíferos” .

Os cientistas consideravam repugnante e demasiadamente obsceno o ato

homossexual entre os animais, que por anos ignoraram o objeto de estudo.

Sentimento promovido por uma sociedade homofóbica1 e preconceituosa.

Entre chimpanzés bonobos, “parentes” mais próximos do homem, observou-

se que caso a fêmea necessite do macho apenas para a procriação, estes se tornam

dispensáveis, podendo, desta forma, ocorrer à aproximação homossexual entre os

machos.

Tendo em vista os machos dominantes terem se apropriado de todas as

fêmeas, os jovens bonobos ficariam isolados em outros grupos, que entre lutas e

cócegas com outros chimpanzés machos, logo se converteriam em jogos eróticos.

“Jovens machos com ereção praticam felação um com o outro – ou sexo grupal, com

1
Homofobia é uma aversão a homossexuais e à homossexualidade, o que pode gerar violência. Esta
aversão pode vir a se manifestar tanto em heterossexuais quanto em homossexuais. Ronaldo
Pamplona da Costa ensina que “quando um homem homossexual é homofóbico, isso quer dizer
que ele não promoveu a contento a sua aceitação dessa forma de ser. Além de ter, injustificamente,
algo contra as pessoas homossexuais, há o agravante de que ele é uma delas (SPENCER, 1994,
91).
13

carícias nas genitais do outro e beijos de língua” (SPENCER, 1999, p. 22).

2 O rito sexual: sociedades primitivas

Atualmente a pederastia é crime punido severamente, tanto no Brasil quanto

noutros países. Todavia existiram e existem sociedades, consideradas primitivas,

onde o sexo com crianças e adolescentes era comum e incentivado. Spencer denota

que, por muito tempo,

os antropólogos têm sido notoriamente reticentes sobre a divulgação do


comportamento sexual das tribos que têm estudado. Os dados
antropológicos têm tendido a tratar o amor homossexual como um
fenômeno, escondendo as referências a ele em rápidas passagens ou pés
de página (1999, p. 22).

Mesmo assim foi possível catalogar algumas tribos e seus rituais sexuais.

Era muito comum, por exemplo, a pederastia ritualizada. Os mais jovens das tribos,

retirados de suas mães, eram iniciados sexualmente em rituais onde envolviam os

seus tios. Acreditava-se que o sêmen inserido no ânus do jovem transmitia força.

Para cada jovem, esse ritual durava pelo menos três anos em tribos como Marind e

Kiman2.

Na tribo Marind um ritual conhecido como Soson3 não permitia a

participação de mulheres. Durante o ritual os homens mais velhos dançavam, os

jovens eram encaminhados a um grande falo vermelho numa clareira da floresta. Daí

dava-se início a uma grande orgia masculina, único momento no calendário Marind

em que se permitia a promiscuidade.

2
As tribos Marind e Kiman estão localizadas no conjunto de ilhas conhecido como Melanésia, no
Oceano Pacífico.
3
Soson é um gigante castrado que usava um colar de cabeças humanas em redor do pescoço
(SPENCER, 1999:20).
14

As meninas Marind também eram submetidas a estágios de


iniciação, nos quais eram confiadas a um tio materno; este, com a ajuda da
esposa, estabelecia uma relação especial de tutor com a menina, mas sem
relacionamento sexual (SPENCER, 1999, p. 20).

A arqueologia descobriu, ao longo de toda Europa, da Espanha à Rússia,

uma quantidade de figuras de gordas mulheres esculpidas, acredita-se que há

25.000 anos atrás, as sociedades se estruturavam num sistema matriarcal: deusas.

Os homens estavam lá para servir as Deusas. A sexualidade


masculina tinha de ser controlada para permitir que os mais fortes,
inteligentes e saudáveis machos e fêmeas cruzassem. Os menos perfeitos
podiam gastar suas energias sexuais onde não prejudicassem o futuro da
raça. Como o homossexualismo jamais poderia ser procriativo, parece muito
provável que essa atividade fosse abençoada embora também
rigorosamente controlada pelas mulheres (SPENCER, 1999, p.21).

3 A homossexualidade nas antigas civilizações

As pequenas tribos eram estruturadas sobre o parentesco matrilinear, muitas

vezes os homens mantinham uma relação especial com os filhos de suas irmãs,

bem como exerciam o rito da passagem da idade através da pederastia. Com o

nascituro de assentamentos urbanos, esses costumes foram substituídos pelo

patriarcado. “As quatro primeiras dinastias do Egito estabeleciam a descendência

por meio da mãe, as seguintes pelo pai. Para os plebeus, a herança inicialmente

vinha pela mãe, posteriormente pelo pai” (SPENCER,1999, p. 30).

Nas antigas civilizações da Mesopotâmia, conforme estudos em fragmentos

de códigos estudados por Spencer, datados de 2 a 12 a.C., as leis eram minuciosas

ao delimitar limites à vida e direitos das mulheres. Não foi encontrado nada que

proibisse atos homossexuais, no entanto, a questão não era citada com freqüência.

Muito do que se sabe sobre o antigo Egito foi descrito em desenhos das

tumbas, desde posições sexuais a histórias de deuses que incansavelmente


15

copulavam. A idéia de que as mulheres pudessem gozar na relação sexual era vista

como extremamente irritante. Possibilitando assim, a busca pelo prazer da parte

delas, assim como os homens buscavam. “O adultério feminino era impiedosamente

condenado, constituía motivo de divórcio e podia ser punido com a morte na

fogueira, ao mesmo tempo em que a liberdade sexual masculina era encorajada”

(SPENCER, 1999, p. 33).

No antigo Egito a bissexualidade dos homens era normalmente aceita e

jamais atraiu a atenção da sociedade. Porém a homossexualidade passiva deixava

os egípcios inquietos. Interessante averiguar que como poderia haver

bissexualidade sem o sexo passivo de um parceiro? Aparentemente havia um

preconceito quanto ao ato sexual passivo.

É como se, não havendo uma palavra para designar a


homossexualidade ou a pessoa homossexual, tais categorias não
existissem como idéia. Igualmente não havia um conceito [...] de uma
pessoa bissexual – existia apenas a sexualidade masculina (duvido que
houvesse um conceito da sexualidade feminina, somente a fertilidade,
geração e maternidade femininas) (SPENCER, 1999, p. 36). [grifo do autor]

É possível que não existisse, no período do antigo Egito, um rito de iniciação

sexual para os rapazes. Todavia havia fortes indícios desse rito de passagem

masculino.

Dois costumes, acredito, explicam o porque disso: o casamento


cedo e ausência de qualquer tabu contra as relações sexuais de rapazes
antes do casamento com escravos ou com prostitutos de ambos os sexos.
O sexo era disponível, estava por toda parte, como a bebida e o alimento,
simplesmente considerado necessário. Se alguém, por temperamento, não
considerasse sexo uma coisa fascinante, estudava para o sacerdócio e se
preparava para uma vida de celibato (SPENCER, 1999, p. 36).

Durante o período da dinastia chinesa Zhou (1122-256 a.C.), existia uma

confederação de estados que estavam unidos através de casamentos de clãs e


16

dinásticos. Spencer diz que, naquele período, os relatos transmitidos davam conta

de “uma homossexualidade aberta na corte. Não existia uma palavra precisa para

homossexualidade que expressasse esse tipo de amor sexual; mais uma vez, é

óbvio que ele não estava rotulado como sendo diferente do amor entre homens e

mulheres” (SPENCER, 1999, p. 37).

Até aí o mundo antigo parecia ter aceitado a sexualidade homossexual,

mesmo não tendo denotado a prática. A legislação da época favorecia os homens,

em face de propriedade e herança. “Mas nenhuma crença ética tinha selecionado e

favorecido uma expressão da sexualidade em relação à outra. Nem havia um

conceito do que é ‘natural’ ou ‘antinatural’ em formulação. Tudo isso iria mudar a

partir de 600 a.C.” (SPENCER, 1999, p. 39).

4 A esquizofrenia ocidental

Muito se sabe que a cultura ocidental tem suas bases arraigadas na cultura

grega e pelos ensinamentos bíblicos dos hebreus. Havia inúmeros conflitos, em

vários aspectos, entre as ideologias gregas e hebraicas. Esses conflitos até hoje

estão presentes no homem ocidental.

Na Grécia4, a conquista dos rapazes começava quando o amante dizia a

todos os amigos e aos familiares do menino que pretendia conquistá-lo. Estes, por

sua vez, faziam de conta que não aceitavam tal relação e simulavam perseguição,

isto, caso o pretendente tivesse posses. Caso contrário, o pretendente seria

realmente perseguido, enfrentaria verdadeira resistência dos amigos e familiares do

rapaz. E o garoto ainda seria afastado do pretendente. “No entanto, se o menino não

4
Uma convenção social em Creta, na Grécia, era a pederastia. Conforme Colin Spencer (1999), o
historiador grego Éforo (405-330 a.C.) havia escrito brilhantes relatos sobre a pederastia grega. No
entanto sua obra se extraviou. Tudo que se sabe, hoje em dia sobre isso vem dos livros de
geografia do escritor Estrabão de Amasia, que nasceu 200 anos depois.
17

tivesse um amante, e ninguém estivesse tentando seduzi-lo, a vergonha social

atingiria a família” (SPENCER, 1999, p. 41).

O costume em Creta rezava que o rapaz mais desejável deveria ser valente

e inteligente, não o mais bonito. O rapaz era presenteado pelo amante e levado para

as montanhas onde ficariam juntos por dois meses. Lá, o jovem aprenderia a caçar e

a viver em ambiente inóspito. Lá dois faziam amor e, conforme os textos de Estrabão

de Amasia, o amante penetrava o jovem rapaz analmente. Os dois não estavam

completamente sós, havia também alguns parentes e amigos do menino, que

caçavam e festejavam juntos.

Depois de dois meses, o menino era enviado para casa com


presentes. Eram três, todos com significado simbólico: um boi, uma
armadura e uma taça. De volta para casa, o menino sacrificava o boi a Zeus
e havia uma procissão e uma festa. Fica claro que o que estava sendo
celebrado era o fato de que o menino dera seu primeiro passo em direção a
vida adulta (SPENCER, 1999, p. 41).

Na antiga Grécia vivia-se o hedonismo, o importante era viver os prazeres

da vida, “o gozo sensual do amor” (SPENCER, p. 46). Apenas as mulheres não

viviam esse hedonismo. A obrigação delas era puramente doméstica.

A celebração do hedonismo encorajava a manifestação sexual.


Nada era proibido, embora existissem leis para controlar os excessos. Não
havia rituais de purificação ou dias de abstinência depois da menstruação,
como em outras sociedades da época. A masturbação era considerada
natural se os homens não tinham oportunidade de copular com outros
(SPENCER, 1999, p. 41).

Os gregos tinham também, tal e qual os povos da Melanésia, uma certa

reverência ao falo. Era tido como um objeto de proteção. Outros eram carregados

nas mãos como amuletos ou como sinos. Tinham falos decorados com asas, garras

e foram muito utilizados em cerimônias religiosas. “Muito mais raros eram os

amuletos retratando os órgãos femininos, sobretudo por ser sugerido que eles
18

tinham menos poderes. Com freqüência eram representados como um figo maduro

fendido”. (SPENCER, 1999, p. 47)

Muito embora a sociedade grega, até este momento histórico, pareça ser tão

democrática, a sexualidade ateniense era muito complexa e contraditória. “Embora a

norma social fosse sem dúvida a bissexualidade, esse conceito era limitado por

muitas qualificações. Havia ainda muitas instâncias de comportamento que não se

conformavam com as normas, que mesmo assim eram tacitamente aceitas”.

(SPENCER, 1999, p. 47)

Entre os gregos não era bem aceita a postura de rapazes que amavam

apenas rapazes. O comportamento normal para os gregos estava definido como o

rapaz que era casado, ter relacionamentos com outros rapazes, com cortesãs e/ou

com amantes.

A segunda cultura que influenciou os costumes ocidentais é oriunda dos

hebreus, cujo estima pelas mulheres não era das melhores, seus atos eram regidos

pelo Talmude5.

A atitude dos hebreus em relação ao sexo marital, como mostrada


no Talmude, tem, entretanto, ecos de um moderno e detalhista manual de
sexo. [...] o sexo dentro de casamento era altamente valorizado, pragmático
e sensível. Em várias ocasiões, o Talmude mostra grande consideração
pelas mulheres casadas, embora possa desprezar as mulheres como um
todo (SPENCER, 1999, p. 53).

Além de alguns controles, tais como a idade em que cada homem ou mulher

deve-se casar, o Talmude aprovava a poligamia.

[...] embora haja diferentes versões sobre o número de esposas que um


homem pode ter. Uma autoridade dizia que um homem pode ter tantas

5
Doutrina e jurisprudência da lei mosaica com explicações dos textos jurídicos do Pentateuco (os
cincos primeiros livros do Velho Testamento, atribuídos a Moisés). (Dicionário Aurélio Eletrônico
Século XXI)
19

esposas quanto deseje, outra afirmava que não mais de quatro é o número
apropriado. A poligamia só foi proibida no judaísmo (SPENCER, 1999, p.
54).

Outro fato que ajuda a esclarecer o processo de construção da sociedade

ocidental no que tange a sexualidade, está presente no controle da quantidade de

vezes que os hebreus praticavam o sexo. Sendo que estamos nos referindo ao sexo

dentro do casamento que era uma obrigação religiosa, conforme Spencer apresenta:

Os homens ricos podiam ter relações todas as noites, os


trabalhadores duas vezes por semana (se viajassem muito, uma vez por
semana era o suficiente), os marinheiros podiam copular apenas uma vez a
cada seis meses, os condutores de camelo uma vez a cada 30 dias e os
professores uma vez por semana, nas noites de sexta-feira (1999, p.55).

Até hoje acredita-se que os hebreus reprovavam o sexo homossexual

baseados em passagens bíblicas6. Todavia, crer apenas nessa denotação bíblica,

faz-nos cegar mediante a outros aspectos, tais como referências ao culto da

prostituição masculina.

Nos primeiros dias de formação da nação, os hebreus estavam


rodeados por culturas que celebravam a prostituição masculina nos templos.
Textos hititas se referem a sacerdotes eunucos travestidos. Documentos
babilônicos e assírios mencionam sacerdotes que cantam, tocam, usam
máscaras e carregam uma roca de fiar, símbolo do trabalho das mulheres
(SPENCER,1999, p. 57).

Ainda hoje é muito comum religiões fundamentalistas utilizarem-se de

exemplos bíblicos para condenarem a relação homossexual. Todavia, quando

realizado um estudo detalhado dos costumes e textos encontrados do período,

percebe-se que houve um erro de interpretação para diagnosticar a


6
Parece provável que, nessas fases em que a nação de Israel lutava por sua independência e
identidade religiosa, muitos dos versos que exortam as pessoas a expulsar os sodomitas estão
aliados a instruções para destruir os ídolos. Trata-se de diretivas inteiramente religiosas. [...] Em
primeiro lugar, na tradução da Bíblia do rei James, a palavra ‘sodomita’ não tinha a acepção
moderna. Na época, ela traduzia todos os atos sexuais de qualquer tipo, entre pessoas dos dois
sexos, que não fossem a penetração vaginal na posição ortodoxa (SPENCER, 1999, 57).
20

homossexualidade como um pecado.

Temos uma referência no Levítico (18:22), noutra passagem


bastante clara: ‘Não deitarás com homens, como fazes com mulheres: é
abominação.’ Mas a palavra em hebreu ‘toevah’, traduzida aqui por
abominação, significa alguma coisa ritualmente impura, semelhante ao ato
de deitar com uma mulher menstruada. A mesma palavra hebréia é usada
quando se condena a prostituição no templo e quando se chama os não-
judeus de ‘impuros’. De modo que o verso original segundo a teoria, nada
tem dos componentes de mal que mais tarde adquiriram. A tradução grega
ressalta o significado de ‘ritualmente impuro’, e os primeiros teólogos a
viram como uma diretiva associada com a idolatria e prostituição no templo,
ou como estando no mesmo nível das muitas e detalhadas proibições que
eram aplicadas aos judeus ortodoxos mas nada tinham a ver com o
cristianismo (SPENCER, 1999, p. 58).

Outro exemplo muito comum para designar que Deus abomina as práticas

homossexuais, está na destruição catastrófica das cidades Sodoma e Gomorra7,

descrito no Livro do Gênesis. Elas foram destruídas em face de um grande terremoto

que provocou incêndio nas reservas naturais de petróleo, “uma visão inesquecível

que passou de geração para geração”. (SPENCER, 1999, p. 57)

A história sempre revela a opinião de cada época ou período em que foi

escrita. “Como transcorreram cerca de 1.000, ou pelo menos 500 anos, entre os

eventos e a época em que foram escritos, é claro que o Gênesis é história baseada

em mitos e contos folclóricos [...]” (SPENCER, 1999, p. 60).

Para os hebreus existiam duas coisas distintas: a ordem e a desordem. A

ordem era pura, a desordem impura. É possível que esteja aí o início do dualismo

bem e mal que rege muitas religiões judaico-cristãs.

Como os judeus sempre eram incentivados a crescer, multiplicar, procriar e

encher a Terra, o sêmen deveria ser injetado apenas no útero. O desperdício era

completamente abominado.

7
Sodoma e Gomorra eram duas das cinco cidades da planície da Jordânia em que, até hoje,
acredita-se que foram destruídas por ordem divina, em face dos, ainda discutíveis, pecados
homossexuais.
21

Isso talvez explique porque os judeus parecem tão indiferentes à


cópula das mulheres entre si, pois isso era obviamente irrelevante para o
futuro da raça. Mas a união sexual de dois homens agredia a ordem ‘natural’
imposta. (SPENCER, 1999, p. 64)

O homossexualismo8, para os hebreus em 200 d.C., era crime condenado

com morte por apedrejamento, apenas para o parceiro ativo. Posteriormente, no

Talmude, a condenação é estendida aos dois. Mas não é difícil estabelecer um

raciocínio que indique que na verdade havia um grande terror de que os costumes

gregos subjugassem os judaicos, no período em que Israel esteve sob domínio

grego. Costumes gregos esses que celebravam o amor homossexual, deixando os

hebreus profundamente afrontados. “A cultura ocidental herdou esse medo numa tal

medida que ele permanece vigorosamente vivo até hoje, alimentando a homofobia e

a injustiça” (SPENCER, 1999, p. 64).

5 Ano Zero d.C. até 1969 – Fatos homossexuais

Em Roma no período que varia entre 14 a 222 d.C., muitos de seus

imperadores como Júlio César, Tibério, Calígula, Nero, Adriano e Heliogábalo

figuram entre aqueles que celebravam o amor bissexual e homossexual, muito

embora esse conceito de orientação sexual que abrange a heterossexualidade,

homossexualidade e bissexualidade não existisse. Havia apenas o amor entre

iguais.

Júlio César, imperador de 23 a.C. a 14 d.C., era conhecido como “o homem

de todas as mulheres e a mulher de todos os homens” (RODRIGUES, 2005, p. 44).

8
O termo homossexualismo foi utilizado por Colin Spencer exaustivamente em sua obra. Atualmente,
o termo preferível é homossexualidade, por indicar comportamento, inclusive uma das bandeiras do
Movimento Homossexual. O termo antigo remete ao entendimento de quando era considerada
doença pela Organização Mundial de Saúde e Conselho Federal de Psicologia, bem como
Conselho Federal de Medicina. A palavra homossexual foi cunhada em 1869 pelo médico húngaro
Karoly Maria Benkert.
22

Tibério mantinha jovens meninos na Ilha de Capri, para que eles, quando na

piscina, fossem atrás dele para mordiscarem sua genitália. Tibério os chamava de

“meus peixinhos”.

Calígula (37 a 41 d.C.) foi sem dúvida um dos mais cruéis imperadores

romanos, através de sua libido. Seus inimigos, senadores, reféns de guerra,

mulheres, não escapavam de seus estupros. “Ao apresentar a mão para ser beijada,

ele estendia o dedo médio. Era o modo de dizer ‘beije o meu pênis’, e infeliz daquele

que não obedecesse” (RODRIGUES, 2005, p. 45).

De todos os imperadores romanos, apenas Cláudio (41 a 54 d.C.) não

configura como homossexual. Mas sua esposa, Messalina, era insaciável,

transformava os seus aposentos em bordel e chegava até a desafiar as prostitutas.

Numa destas situações, Messalina desafiou uma prostituta “para ver qual delas

saciava o maior número de homens possível em um período de 24 horas. Messalina

ganhou a disputa, tendo relações com 25 homens” (RODRIGUES, 2005, p. 46).

Outros, como Adriano, cujo governo foi considerado como “pacificador”, era

amante de Antínoo com o qual ficou até a morte deste por afogamento; Nero chegou

a ter relações sexuais com a própria mãe e, Heliogábalo, natural da Síria, se

travestia e expulsava as mulheres dos bordéis para roubar-lhes a clientela. Depilava-

se e depilava os homens com quem se deitava.

De tanto abuso pelo excesso de sexo, no começo do século II,


houve uma tentativa de repressão à homossexualidade e indução à
abstinência sexual, recomendada por médicos, políticos e filósofos,
demonstrando que a expectativa de vida de um cidadão romano era de
apenas 25 anos, alegando que as causas eram os contatos dos corpos, as
paixões desmedidas e representariam a escravidão da mente e dos
sentidos (RODRIGUES, 2005, p. 52).

Com o crescimento dos cristãos na política, estes conseguiram converter o


23

imperador Constantino ao cristianismo. Tal atitude representou a perda de força do

paganismo. A homossexualidade foi coibida e punida severamente. Em 342 a pena

de morte na fogueira estava destinada para aqueles que praticavam o

comportamento homossexual passivo.

Após a morte de Constantino e muitos homicídios entre membros da família

deste, com o objetivo de conseguirem o trono do parente, Constâncio, o segundo

filho de Constantino, após matar o irmão mais velho, assume o poder.

Constâncio era considerado pela Igreja como pertencente a uma seita que

negava a divindade de Cristo.

Este fato dividiu a Igreja, e grande parte dela, no Oriente, seguiu o


novo imperador [...] Além da confusão que estava acontecendo com as
perseguições aos homossexuais e a introdução de novos dogmas
religiosos, para culminar surgem as invasões dos bárbaros asiáticos,
liderados por Átila, rei dos hunos, que, por sua selvageria, era chamado de
“Flagelo de Deus”, Com a cavalaria e exímios cavaleiros manuseando
habilidosamente seus arcos e flechas, eram muito superiores às espadas
dos romanos. Roubando e saqueando e assassinando, provocaram a
batalha mais cruel e sangrenta que a humanidade jamais houvera visto. No
ano de 452, aconteceu a derrocada do grande império. Roma está
saqueado e arrasada. A capital do mundo caía, finalmente, sob o jugo que
impusera a tantos povos (RODRIGUES, 2005, p. 52-53).

Começa no século V, a era professada pela doutrina do cristianismo, que

buscava a monogamia, à indissolubilidade do casamento, a valorização da

virgindade feminina etc. Inicialmente se deu através dos pobres, depois se buscou a

nobreza. Para que os praticantes da homossexualidade não fossem perseguidos,

estes a viveriam na clandestinidade. Como regra cristã, recomendava-se aos que

não dispensavam o sexo, que casassem, tornando-se marido ou esposa, para todo

o sempre.

Todavia, a Igreja Católica sempre buscou eliminar da história os seus maus

exemplos. Prova disso é o caso dos papas homossexuais. Muitos deles


24

“grosseiramente promíscuos, devassos, libertinos, alguns cometendo até incesto e

outros adoradores do diabo e ateus”. (RODRIGUES, 2005, p. 58)

Dentre os protagonistas de escândalos que maculavam a imagem da Igreja,

estava o papa João XII. “João XII era um bissexual famélico e sôfrego, atraindo os

mais libertinos de ambos os sexos. Valia-se do tesouro papal para financiar suas

orgias e extravagâncias, seja com jogo, mulheres e bebidas”. (RODRIGUES, 2005,

p. 57)

João XII foi culpado de incesto, adultério e assassinato. Depois de ter sido

afastado por algum tempo e ter retornado através de uma batalha política e

sangrenta, João foi chamado de volta. Leão VIII foi excomungado por João XII que,

posteriormente, dedicou-se a punir o clero que o havia apoiado. Seus inimigos foram

esquartejados. João XII foi morto a pauladas, com 24 anos, por um marido traído e

furioso que o encontrou na cama com a esposa dele.

A Igreja Católica lutou durante 1.200 anos para impor a castidade aos

padres. Durante o Concílio de Latrão, em 1123, foi declarado inválido o casamento

dos padres. O efeito dessa medida fez apenas com que os padres se tornassem

promíscuos. Nos conventos fora proibido a entrada de violinos, tendo em vista que o

formato do instrumento lembrava o corpo de uma mulher, bem como os cantos

religiosos que intercalam vozes de homens maduros com rapazes, foi considerada

de apelo homoerótico9.

A Inquisição veio com o papa Gregório IX (1127 – 41), cujo intuito fora

combater a homossexualidade, o incesto e toda espécie de atos que fossem

sórdidos. Todavia, em alguns casos, fora utilizada como pretexto para perseguições

políticas e para praticarem extorsão. A arbitrariedade da Inquisição chegava a tal

9
O termo foi utilizado por Jurandir Freire da Costa em sua obra A inocência e o Vício – Estudos sobre
o homoerotismo (Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1992). A proposta do autor é a mesma para a
palavra homossexualismo, reduzir o estigma que leva ao entendimento de doença.
25

ponto que o cidadão, por vezes, morria na fogueira sequer sabendo do que estava

sendo acusado.

Segundo Rodrigues (2005, p. 62), com a peste negra – doença causada

pelas condições sanitárias precárias da época – os “desviantes sexuais”, foram

acusados da tragédia “com punições grotescas e desumanas. Qualquer atitude

suspeita era motivo para acender uma fogueira”.

Mas enquanto a Igreja fazia de tudo para evitar a prática


homossexual, aos poucos começou a surgir um novo capítulo na história da
Europa, que havia alguns séculos vivia num estado de barbárie, pior que a
ignorância. Foi preciso uma revolução, promovida por nobres, intelectuais e
artistas, para devolver o senso comum aos homens, tornando-os mais
sociáveis (RODRIGUES, 2005, p. 57).

Vários manuscritos gregos, com especial atenção aos de Platão, chegaram

no ocidente após a tomada de Constantinopla pelos turcos em 1453. Assim surgia a

imprensa, que contribuiu para o declínio do papado e com o reflorescimento cultural.

“O povo instruiu-se, e a mente humana emancipou-se da influência clerical. O

Vaticano estremeceu! Um prelado discursando na época disse: ‘Destruamos a

imprensa ou ela nos destruirá’” (RODRIGUES, 2005, p. 57).

Os humanistas responsáveis pelo aparecimento da Renascença voltam-se à

cultura grega e de Roma. A arte e a literatura destruíam a Inquisição. Nomes como

Leonardo da Vinci, Michelangelo e Voltaire lutavam “com tenacidade contra a

opressão religiosa e a crença dogmática em Deus, seguindo a filosofia do

autoconhecimento que foi, na realidade, a primeira máxima dos gregos”

(RODRIGUES, 2005, p. 68).

Com os conceitos introduzidos pelos pensadores humanistas da

Renascença, a punição para os praticantes da homossexualidade era mais leve e as

execuções tornaram-se raras. Os humanistas, por conseguinte, foram perseguidos e


26

vigiados constantemente.

A irracionalidade e a ignorância estavam sendo varridas, dando-se


mais atenção à educação das crianças e também à educação popular.
Muitos humanistas também se consideravam cristãos e acreditavam que o
humanismo nada mais era do que o cristianismo interpretado corretamente
(RODRIGUES, 2005, p. 69).

Durante o Concílio de Trento ficou decidido o celibato obrigatório em todo o

mundo. Com isso viriam as religiões lideradas por Lutero e Calvino. Elas

perseguiram os homossexuais com violência.

Calvino atacava diretamente ao catolicismo romano, através da preocupação

mais latente – a moralidade sexual. O protestantismo era agora o defensor severo

da vida sexual apenas no casamento. Genebra teve inúmeras mortes a mando de

Calvino que, sem remorso, executava todos aqueles que julgava serem pecadores.

Na mesma linha, a Alemanha crescia com a sua Igreja Luterana. Essas

doutrinas foram crescendo e tomando outros países, alimentando a homofobia.

Assim, a Igreja Católica sentindo-se ameaçada em seu poder, enviou para as

Américas e Oriente missionários com o fim de catequizar os povos distantes.

Na primavera de 1541, Francisco Xavier foi o primeiro missionário


a chegar ao Japão e à China. [...] seu relato mostra perplexidade quando
descobriu ‘abomináveis vícios contra a natureza, tão populares que eram
praticados sem nenhum sentimento de vergonha. Havia muitos meninos
com quem cometiam más ações’ Quando ele tentou explicar que aquele
procedimento significava um grande pecado, os japoneses ficaram
surpresos e acharam muita graça [...] Mais tarde os jesuítas descobriram
que a sodomia era praticada entre os samurais. [...] Os japoneses não
partilhavam a visão ocidental do pecado das relações sexuais. Para eles,
elas sempre pareceram um fenômeno natural. [...] Visitando Pequim ele
descreve que havia ruas cheias de prostitutos e a homossexualidade era
generalizada (RODRIGUES, 2005, p. 71).

Os missionários que aportaram nas Américas também tiveram experiências

similares. A ocorrência de travestismo, relatada pelos missionários nas tribos das


27

Américas, são as melhores documentadas.

Os índios illinois, os sioux, os índios da Flórida e os iucatã, no México, foram

os primeiros que os europeus observaram praticar o travestismo. Xochipili um deus

asteca, era patrono da homossexualidade e da prostituição. Mesmo que não muito

aplicadas, havia leis incas e astecas que penalizavam com a morte na fogueira

quem praticasse a sodomia10.

No Paraguai, o índio guaiaqui que não gostasse de caçar, deveria deixar o

cabelo crescer e ter ocupações femininas e se relacionar com os homens de

maneira passiva. Essa constatação e tantas outras que os espanhóis tiveram na

Europa, também tiveram quando nas Américas, os deixando aterrorizados. “O

próprio termo bugre, que designa os indígenas até hoje, vem do francês ‘bougre’,

que na Europa identificava os hereges, infiéis e sodomitas” (RODRIGUES, 2005, p.

72).

Em Portugal a Inquisição tinha profundo poder graças ao período da Contra

Reforma onde o cardeal Infante D. Henrique reinava a terra lusitana e acumulava o

cargo de inquisidor-geral. Ele dava as ordens aos que habitavam na terra tupiniquim.

A carta do rei especificava e ressaltava quatro casos de punições:


fossem comprovados os crimes de heresia, traição, sodomia e falsificação
de moeda, o governador/comandante gozava de autoridade sobre ‘toda
pessoa de qualquer qualidade’, para condenar os culpados à morte sem
aceitar apelação; mas quando o réu fosse ‘pessoa de mor (maior)
qualidade’, se quisesse o governador poderia absolver da pena de morte,
tendo competência para condenar a ‘dez anos de degredo e até cem
cruzados de pena (TREVISAN, 2002, p. 111).

Como na terra lusitana a religião cunhava um poder extremamente forte e

todos aqueles que cometiam os delitos como feitiçaria, homicídio, estupro e sodomia

10
“Segundo o historiador Jacques Sole, já na Antiguidade e durante a Idade Média o vocabulário
teológico-moral cristão englobava, sob o conceito de sodomia, tanto o sexo oral e anal (fora ou
dentro do casamento), quanto à relação sexual exclusivamente entre indivíduos do mesmo sexo”.
(TREVISAN, 2002, p.110).
28

eram punidos com o degredo para as colônias, sendo uma delas o Brasil. Entre os

nossos colonizadores portugueses estavam os

[...] assassinos, ladrões, judeus foragidos e gente considerada devassa e


desviante, por cometer libertinagem, sodomia, bestialidade, proxenetismo e
‘molicie’ – termo que se referia aos ‘tocamentos’ lascivos quanto à polução
fora do ‘vaso natural’ feminino, utilizando ou não as mãos. Como resultado,
o Brasil tornou-se compulsoriamente um foco de liberalidade e
promiscuidade no Reino, atraindo aventureiros e traficantes interessados
tanto na riqueza fácil quanto nas índias nuas e outras delícias tropicais
(TREVISAN, 2002, p. 112).

O governador de Pernambuco escreveu carta ao rei pedindo que deixasse

de encaminhar degredados ao Brasil por considerá-los “piores que peçonha”.

Testemunhos do bispo do Pará, em carta à corte portuguesa, revelam o quão ele

ficou horrorizado com as lascívias e destempero moral daqueles que aqui

habitavam. “A miséria dos costumes neste país me faz lembrar o fim das cinco

cidades (bíblicas), por me parecer que moro nos subúrbios de Gomorra e na

vizinhança de Sodoma” (TREVISAN, 2002, p. 111).

Durante a escravatura, os negros provenientes da África faziam de tudo,

desde trabalhar nas lavouras até descarregar os tonéis de excremento recolhidos

das casas, cozinhar e até mesmo tocar em orquestras. Belas negras serviam seus

patrões na copa e na cama. Sendo objetos sexuais de seus senhores, acabavam

por proporcionar filhos bastardos num clima de extrema promiscuidade.

Elas também serviam aos filhos dos senhores de engenho na iniciação

sexual. Onde, aliás, os negrinhos, da mesma idade dos filhos dos senhores de

engenho, também não escapavam dessa tarefa.

Na verdade era freqüente que o menino branco se iniciasse no


amor físico mediante a submissão do negrinho seu companheiro de
folguedos, significativamente conhecido com o apelido de leva-pancadas
(TREVISAN, 2002, p. 116).
29

O clima de devassidão também incluía certo “Manual de instrução aos

fazendeiros”, publicado em 1839, que dava conselhos aos compradores de escravos

para que se evitassem a compra de negros com o sexo pequeno. Entendia-se que

desta forma estavam garantindo a fertilidade e maior potência viril.

O médico Frutuoso Pinto da Silva, da Faculdade de Medicina da Bahia,

avisava aos pais, mestres e censores para o problema da moralidade e higiene

sexual dentro das instituições de ensino no ano de 1864. Havia uma grande

epidemia de gonorréia e sífilis, mas o médico também avisava quanto à prática da

masturbação e pederastia que “parece ir com passo sorrateiro fazendo suas

perniciosas conquistas no meio da mocidade”. (TREVISAN, 2002, p. 117)

A sífilis tinha um grande valor social. Era transmitida pelos senhores às

escravas e destas aos filhos dos senhores, tanto durante a amamentação, quanto no

início da vida sexual deles. Mesmo sendo uma epidemia, os sintomas e sinais eram

tidos como um presente. Dentre os homens, quem não tivesse as marcas eram

ridicularizados como virgens ou, até mesmo, menos machos.

Esses insólitos elementos da vida brasileira fazem crer que a


civilização chegou ao país junto com a ‘sifilização’, como resultado do
incontrolado processo de miscigenação entre índios, europeus e africanos
(TREVISAN, 2002, p. 117).

Vários estrangeiros que aqui passavam descreviam um clima generalizado

de religiosidade hedonista, que sequer o clero escapava. Festas religiosas que

geralmente terminavam em comemorações profanas.

Nada a estranhar: os mais populares santos brasileiros eram tidos


aqueles associados à sexualidade e à procriação, fosse para unir os sexos
ou para proteger a maternidade – como Santo Antônio, São João, São
Pedro, Nossa Senhora do Ó, do Bom Parto etc. Nas festas de São Gonçalo
do Amarante, santo especialista em arrumar marido ou amante para jovens
30

e velhas, as igrejas enchiam-se de rituais e danças pagãs (TREVISAN,


2002, p. 121).

Paralelamente existiam notícias de escândalos clericais oriundos de casos

homossexuais que não tinham a preocupação de esconder. Numa carta de 1761,

dirigida ao Conde de Oeiras, o bispo do Rio de Janeiro informava sobre o clima de

sodomia na cidade São Paulo. Um caso em especial era denunciado na carta. Era o

do padre Manuel dos Santos e seu amancebado, o músico Inacinho. Relatava

também um cidadão chamado de Pedro de Vasconcelos com Joaquim Veloso, todos

estes ligados à Igreja.

O ambiente hedonista também alcançava os conventos femininos que eram

menos observados. Viajantes denotavam a existência de freiras perfumadas que

trajavam

[...] finíssimas roupas interiores, meias de seda e sapatos incrustados de


ouro e diamantes. Um inglês viajante chamado de John Barrow, que por
aqui passou no século XVIII, dizia que a sífilis também havia chegado aos
conventos. Para lá eram levados confidencialmente, remédios
recomendados para aquele mal. O próprio testemunhou a chegada de uma
caixa com medicamento à base de mercúrio à abadessa de um convento no
Rio de Janeiro (TREVISAN, 2002, p. 121).

A Inquisição que deveria dar fim ao processo de desmoralização no Brasil,

chegou, segundo alguns documentos, em princípio, na Bahia em 1591, partindo para

Pernambuco em 1593, tendo visitado outras vezes Salvador, à época capital da

Colônia, bem como visitou Paraíba, Minas, Maranhão e Pará. Poucas são as

informações, mas denotam que o período que mais houve processos inquisitoriais foi

o século XVIII.

Para a chegada do processo inquisitorial, tanto o pedido podia vir da Colônia

quanto poderia ser simplesmente a mando da Corte. Mas os cidadãos, durante a

Visitação Inquisitorial, também podiam denunciar casos passíveis de punição. Caso


31

contrário, a omissão de informação poderia punir o omisso com açoites públicos.

De modo geral, deve-se admitir que a Inquisição foi obrigada a se


abrandar em solo brasileiro. A amplidão territorial da colônia e a
instabilidade da vida social constantemente ameaçada por perigos naturais
diminuíam a pressão social e impunham um ambiente de maior tolerância
(TREVISAN, 2002, p. 137).

E a repressão continua agora no Código Penal Brasileiro de 1830 que

influenciou o Código Penal Espanhol e, como conseqüência os Códigos Penais de

outros países da América Latina. Crimes como “por ofensa à moral e aos bons

costumes”, quando praticados em público, são oriundos do Código Imperial.

No Código Penal Republicano de 1890, a figura da ofensa moral continua

vigente sob o nome de “crime contra a segurança da honra e honestidade das

famílias” ou “ultraje público ao pudor”. Neste mesmo Código o travestismo era

referido como contravenção, com punição de 15 a 60 dias de prisão para quem

usasse “trajos impróprios de seu sexo” e os trouxesse “publicamente para enganar”.

Com a reforma de 1932, ao Código foi acrescido, no capítulo que inclui o

“ultraje ao pudor”, a “proibição de circulação em território nacional de folhetos, livros,

periódicos, jornais, gravuras etc. que ofendessem a moral pública; a pena prevista

era relativamente rigorosa: de seis meses a dois anos de prisão do responsável,

além de multa e perda do objeto onde constar a ofensa (o que significa, na prática,

que as publicações podiam ser recolhidas por ordem judicial) (TREVISAN, 2002, p.

167).

Em 1940 é promulgado o novo Código Penal, válido até hoje. Permanece o

crime por ultraje ao pudor quando praticado em público. E aí estão incluídas “as

representações cinematográficas, fonográficas ou teatrais, com detenção de seis

meses a dois anos do culpado ou pagamento de multa correspondente” (TREVISAN,


32

2002, p. 168).

Durante a ditadura vigente a partir de 1964, criou-se um


subterfúgio legal para punir veiculações consideradas obscenas, com a
promulgação da Lei 5.520, de 9 de fevereiro de 1967, conhecida como Lei
de Imprensa. [...] Através dela é que o governo ditatorial passou a reprimir
as primeiras veiculações relacionadas com a luta pelos direitos
homossexuais no Brasil (RODRIGUES, 2002, p. 111).

Dessa forma, o artigo 12 da Lei 5.520 de 9 de fevereiro de 1967 diz:

Aqueles que, através de meios de informação e divulgação


praticarem abusos no exercício de liberdade de manifestação do
pensamento e informação ficarão sujeitos às penas desta Lei e responderão
11
pelos prejuízos que causarem (apud MIRANDA, 1995).

O artigo 17 menciona “ofender a moral pública e os bons costumes”, todavia

na análise do jurista italiano Giuseppe Maggiore (1950),

moralidade pública é a consciência ética de um povo, em um dado momento


histórico: é precisamente o seu molde de sentir e de distinguir o bem e o
mal, o honesto e o desonesto. O conceito de moralidade pública –
referentemente ao tempo e lugar – contém em si qualquer coisa de relativo:
não coincide com a lei ética, que tem valor absoluto e universal. A
moralidade coletiva sofre, segundo os tempos, afrouxamentos e desvios,
pode perverter-se e decair; a lei moral remanesce, no seu eterno valor,
imutável: medida absoluta de cada transformação (apud MIRANDA, 1995, p.
224).

A questão apresentada por Trevisan (2002), pode ser, atualmente, avaliada

conforme a interpretação de jurista qualquer, levando-se em conta a realidade dos

costumes e da “moralidade pública”.

Voltando ao ano de 1846, o médico higienista Pires de Almeida dizia que

nosso país “não gozava da mesma virilidade”. Dizia que a potência masculina havia

11
O abuso de liberdade – bem é que se advirta – deve ser aferido de acordo com os casos tipificados
na lei, do contrário, a liberdade de imprensa seria mera abstração, pura liberalidade das classes
dirigentes (MIRANDA, 1995, p. 149).
33

sido perdida. O médico associava a economia ao aparelho genital masculino. Dizia

inclusive que se os exércitos não gozavam de sua potência não poderiam gozar de

sua bravura, entre tantas outras afirmações heterofalocêntricas12.

Com isso, buscava-se o reforço do matrimônio legal entre homens e

mulheres e a proibição do sexo fora do casamento. Acreditava-se que, evitando o

sexo extraconjugal, evitar-se-ia a alta incidência de doenças venéreas. Esta idéia era

difundida através de um pragmático patriotismo para potencializar os efeitos.

[...] em meados do século XIX, instauraram-se os papéis sexuais bem


delimitados: masculinidade e feminilidade se identificaram com paternidade
e maternidade, respectivamente. Tudo o que fugisse a esse padrão
regulador seria anormal. A partir daí é que os médicos da época
condenavam insistentemente os libertinos, celibatários e homossexuais,
tidos como cidadãos irresponsáveis e adversários e adversários do bem-
estar biológico-social, à medida que desertavam do supremo papel de
homem-pai [...] (TREVISAN, 2002, p. 173).

Várias ações foram desencadeadas como impor “uma educação [...] através

da qual os meninos deviam se esmerar em exercício físicos, para evitar a

efeminação, e aprender a amar o trabalho” (COSTA, 1994 apud TREVISAN, 2002, p.

173).

O higienista Pires de Almeida esmerava-se nos detalhes para evidenciar o

que seria um cidadão desviante sexual que, aliás, este deveria saber quais os seus

limites na sociedade para ser tolerado.

[...] Dr. Pires de Almeida [...] Não contente, e sempre resguardado


pela aura científica, [...] chegava a transcrever trechos de cartas de amor
entre dois pederastas, para mostrar como eles se expressavam entre si. [...]
Ainda assim, sempre se suponha o pederasta como um cidadão desviante
que conhecia o seu lugar e seus limites, para ser tolerado. Caso contrário,
como fazia [...] solicitava-se energicamente a intervenção da polícia, para

12
Com referência às ideologias do padrão normativo heterossexual. Onde o falo exerce fascínio;
centrado no pênis, quando ele determina e tem poder. Machismo.
34

13
coibir os abusos dos uranistas nos jardins públicos do Rio de Janeiro do
século XIX [...] (TREVISAN, 2002, p. 73).

A normatização higiênica instalada utilizava-se de preceitos científicos para

exercer um controle terapêutico que substituísse o processo do controle religioso.

Imperava um padrão de normalidade. Assim, a psiquiatria entra e vem aprimorar o

controle da ciência sobre as pessoas com a considerada prática sexual desviante.

A larga experiência com a loucura, durante o século XIX, conferiu à

psiquiatria o poder de classificar a homossexualidade como doença e não mais

como crime. Agora sob a denominação de doente, o pederasta deixou de ser

culpado por desrespeitar as normas vigentes, significando assim a sua

inimputabilidade. O homossexual agora era considerado um anormal.

Algumas características físicas, para justificar a homossexualidade,

precisam ser encontradas. Dentre essas características, constava o gosto dos

pederastas por roupas de cor verde, não conseguir assoviar este, por exemplo,

explicado pelo incômodo que o assovio produziria no reto.

Tais justificativas caíram por terra. Mas eram explicadas como exceções à

regra, como foi o caso do “pederasta Traviata, famoso no Rio de Janeiro da segunda

metade do século XIX, que sabia assobiar óperas inteiras, ‘com a expressão de uma

melodiosa flauta’. Talvez fosse porque também ativo – tendo até um chefe de polícia

como seu cliente nesse mister” (TREVISAN, 2002, p. 180).

Utilizando-se de teorias fascistas do criminologista italiano Cesare Lombroso

e, em face de treinamentos no Polizei Institut do Terceiro Reich em Berlin, um grupo

de médicos legistas liderados por Leonídio Ribeiro, começava no Brasil

13
Termo empregado na obra de Platão, “O banquete, segundo o qual o amor de Vênus (ou Afrodite)
Urânia só era compartilhado pelos machos, de modo que seus afeiçoados voltam-se ao que é
másculo” (Trevisan, 2002, p. 113).
35

nas primeiras décadas do século XX, [...] a questão da identificação criminal


[...] Assim como os criminosos, os loucos e as prostitutas, também os
homossexuais passaram a ser meticulosamente estudados, visando a
determinar seus caracteres biotipológicos; para tanto, utilizavam-se
fotografias íntimas, tiradas quando pederastas eram encarcerados
(TREVISAN, 2002, p. 182).

Acreditava-se que os homossexuais teriam pêlos pubianos, tamanho da

bacia predominantemente femininas e desenvolvimento excessivo das nádegas,

sem mencionar que buscaram outras características no ânus, como inexistência de

pregas ou dobras radiadas, presença de fístulas, fissuras e hemorróidas. Agora, o

que eles não esperavam encontrar eram pênis avantajados.

De acordo com Trevisan, as mulheres homossexuais também não

escaparam das pesquisas. A lésbica E.R., de 25 anos de idade, sustentava várias

amantes, sonhava com o serviço militar e se vestia com roupas masculinas, e

freqüentemente era vista em rodas de rapazes e,

tinha aprendido a urinar habilidosamente em pé, fazendo ‘com que o jato se


dirija para a frente e para cima’. Depois de esmiuçar tantos sinais de
inversão em E.R., os médicos confessaram-se perplexos: ao analisar-se o
sangue da paciente, ‘a quantidade de hormônio masculino foi encontrada
dentro dos limites normais’ (2002, p. 183).

Experiências com cobaias machos, estavam sendo iniciadas nos anos 1910,

visando “modificar” o comportamento desviante. Conforme Trevisan, essas cobaias,

depois de castradas, recebiam enxerto de uma glândula do sexo oposto, a


partir do que começavam a desenvolver caracteres físicos femininos – e
vice-versa. [...] Julgava-se, portanto, que com esse tipo de manipulação
hormonal podia-se reforçar a natureza contra o desvio. [...] Muitos anos
depois, quando se conseguiu isolar sinteticamente a testosterona, tal como
sonhava o Dr. Leonídio Ribeiro, o tratamento à base de hormônio masculino
de fato revelou-se ineficaz para a cura da assim chamada inversão sexual.
[...] a partir dos anos 80 [...] tornou-se comum, em grupos de homossexuais
adeptos do body building, utilizar grandes doses de anabolizantes, para
acentuar os caracteres masculinos secundários – e com isso, ironicamente,
reforçar mais a sua prática homossexual (2002, p. 189).
36

Na área de prevenção, nas escolas, procurava-se afastar os estudantes

“doentes” (grifo meu), evitar atividades que pudessem haver algum motivo para

atividade sexual entre rapazes, cuidar da cultura moral e aumentar o contato com

crianças do sexo oposto.

Nos tratamentos, buscava-se, dentre tantos métodos, obrigar o pederasta à

leitura de obras românticas que exaltavam as belezas femininas e até mesmo

colocar o “paciente” (grifo meu), para pernoitar com mulheres vestidas de homem,

para provocar o coito.

Para as mulheres homossexuais se usaria recurso semelhante,


exortação ‘meiga e convincente’, quando seu espírito for dócil, ou
‘linguagem áspera e dura’, quando se tratar de uma revoltada – até o ponto
de ameaçá-la com o asco e o desprezo que ‘merecem os monstros’
(TREVISAN, 2002, p. 181).

Pires de Almeida, inclusive aprovava a importação de prostitutas

estrangeiras para modificar o meio social “propício às inversões sexuais, fenômeno

já ocorrido no Rio de Janeiro, onde a pederastia, que grassava na primeira metade

do século XIX, comprovadamente diminuíra, segundo ele” (TREVISAN, 2002, p.

181).

Houve, entre 1930 e 1940, várias tentativas para criminalizar e, até mesmo,

para criar mecanismos legais para que homossexuais fossem presos para

tratamento de sua conduta sexual desviante. Nenhuma das tentativas logrou êxito.

Sobretudo algumas autoridades utilizaram-se de suas prerrogativas para prender e

humilhar muitos homossexuais no Brasil, mesmo não havendo dispositivo legal para

isso.

João Silvério Trevisan (2002) cita um dos casos mais chocantes, inclusive

um amigo deste, Roosevelt Antônio Chrysóstomo de Oliveira, jornalista e um dos


37

fundadores, ao lado de Trevisan, do primeiro jornal gay de circulação nacional, o

Lampião da Esquina.

Próximo à redação do jornal, que ficava na Lapa, no Rio de Janeiro, uma

menina chamada Cláudia, sempre mendigava com sua mãe que sofria de

transtornos mentais. Chrysóstomo decidiu então adotar a criança.

Passado um ano e meio, iniciara-se uma campanha, a partir dos vizinhos de

Chrysóstomo, para prejudicá-lo. Uma vizinha e uma empregada doméstica foram

depor contra ele dizendo que o mesmo teria se aproveitado da garota, uma vez que

quando foram dar banho nela perceberam que a vagina estava “vermelha e

inchada”. Criaram uma espécie de Comitê no prédio e inclusive ligavam para o jornal

Lampião da Esquina ameaçando criar escândalo e envolver o jornal, caso o

jornalista não fosse internado numa clínica psiquiátrica.

Um juiz pediu o exame da criança e os médicos constataram a integridade

do hímen. Mesmo assim Chrysóstomo foi indiciado por “maus tratos contra menor” e

“uso de menor para fins condenáveis”. A imprensa utilizou os fatos com

sensacionalismo. Um jornal chamado A Luta estampava em suas manchetes que o

“estuprador” havia sido preso.

Um dia após a falsa notícia, Chrysóstomo foi preso preventivamente sob a

alegação de que era um “pedofílico, numa cidade onde existem milhares de menores

abandonados”. No processo um promotor fez juntada de um exemplar de O

Lampião, para “dar uma noção exata da personalidade daqueles que lêem o tal

jornal e, a fortiori, dos seus responsáveis”, argumento prontamente acatado pelo juiz

que ainda considerou o jornal como “pasquim imoral e contrário aos bons costumes”.

Com um processo que corria sobre segredo de justiça, fato à época não

comum e, após passar oito meses na cadeia sem que a culpa fosse formalizada, ele
38

foi julgado a dois anos e oito meses de prisão por atentado violento ao pudor e mais

dois meses e vinte dias por maus-tratos a menor e, também mais um ano de medida

de segurança em prisão por periculosidade social.

O juiz emitiu a sentença condenatória baseando-se no testemunho


de uma vizinha que apresentara a denúncia inicial contra Chrysóstomo; mas
não levou em consideração que, chamada a reiterar sua acusação meses
depois, essa mesma testemunha desculpou-se, chorando, e abraçou
Chrysóstomo em público, alegando que o denunciou por pressão de outras
vizinhas, interessadas em expulsá-lo do prédio (TREVISAN, 2002, p. 202).

Após um ano e nove meses na prisão em condições subumanas, tendo

inclusive perdido boa parte dos dentes, em face da burocracia para encaminhá-lo

para tratamento, Chrysóstomo juntou toda documentação, escreveu um livro,

dedicou à Cláudia, sua filha adotiva e faleceu alguns anos depois, sem ao menos ter

visto a garota mais uma vez.

Ele foi considerado inocente após outra sentença, em segunda instância, no

dia 17 de março de 1983, “sob a alegação de que o julgamento anterior baseava-se

não em provas, mas em conjecturas” (TREVISAN, 2002, p. 203). Todo o episódio

teve início há pouco mais de 25 anos.

6 A imprensa gay e o movimento homossexual brasileiro

Atualmente, além de G Magazine – nosso objeto de estudo – podemos citar,

como mídias impressas de circulação nacional voltadas ao público gay, as revistas

Homens e Über que procuram, além do nu erótico masculino, desenvolver assuntos

sobre cultura, humor, música, moda, comportamento e sexo, bem como publicações

de vida curta e outras mais dirigidas à pornografia ou aos vídeos pornôs gays, como

a revista Porn.
39

Antes, em 1961, surge o que talvez possa ser considerado o


primeiro jornal homossexual do Brasil: Snob, criação de Agildo Guimarães.
Mimeografado e distribuído entre amigos, era mais um colunismo social que
um veículo de discussão de idéias. Entre os anos 60 e início dos 70,
circularam no Rio de Janeiro mais de quinze títulos: Snib, de Gilka Dantas,
Lê Femme, Subúrbio à noite, Gente Gay, Aliança de Ativistas
Homossexuais, Eros, La Saison, O Centauro, O Vic, O Grupo, Darling, Gay
Press Magazine, 20 de Abril, O Centro e O Galo. Em Niterói, surgem Os
Felinos, Opinião, O Mito e Lê Sophistique. [...]em Salvador [...] Fatos e
Fofocas (1963), de exemplar único que circulava de mão em mão até voltar
ao ponto de origem, quinzenal [...]; Zéfiro (1967), datilografado; Baby
(1968), também datilografado [...]; Litle Darling (1970) [...] em 1978, passa a
se chamar Ello. Nesse mesmo período [...] outro jornalista, Frederico Jorge
Dantas tentava impor um novo conceito à imprensa homossexual, até então
limitada a um pastiche do colunismo social; ele edita [...] os cadernos Eros,
com 15 exemplares, e Entender (LIMA, 2003).

Fato curioso foi a criação e funcionamento de uma Associação Brasileira de

Imprensa Gay, fechada pelo regime militar, dirigida por Agildo Guimarães e Anuar

Farah, com sede no Rio de Janeiro.

Em 1977, algumas personalidades intelectuais e artistas homossexuais de

São Paulo e Rio de Janeiro, reunidas no apartamento do pintor Darcy Penteado,

tiveram a idéia de um jornal com o ponto de vista de homossexuais. O Lampião da

Esquina nasce em abril de 1978.

Pode ser considerado o primeiro veículo de comunicação de


massa voltada diretamente para a discussão franca e aberta dos direitos
das minorias (negros, índios, mulheres) e, principalmente, da
homossexualidade (LIMA, 2003).

Coincidentemente, nos primeiros meses de 1978, acontecem reuniões de

um grupo de homossexuais “para discussão e atividades liberacionistas”.

(TREVISAN, 2002, p. 339).

As discussões denunciavam o caráter incipiente do grupo, como temas que

se concentravam sobre os indivíduos ali presentes e as experiências cotidianas

perante a condição deles. Na verdade era uma busca por uma identidade enquanto

grupo social.
40

Mesmo assim, surgiam temas ligados à quebra de papéis sexuais, a quebra

do modelo heterossexual imposto e a polivalência amorosa como uma proposta que

viria a revolucionar.

O grupo sentia a falta de lésbicas, pois a sua presença era incerta. Lógico

que a presença masculina também viria a ser flutuante, face a

‘falta de objetividade e organização’. É que, comparativamente aos grupos


políticos atuantes, não tínhamos nenhuma ‘consistência ideológica’ ou
organicidade. [...] Queríamos ser plenamente responsáveis por nossa
sexualidade, sem ninguém falando em nosso favor (TREVISAN, 2002, p.
340).

Em fevereiro de 1979, o grupo teve a oportunidade de expor suas idéias

num debate público realizado na Faculdade de Ciências Sociais da Universidade de

São Paulo. A partir dali o grupo passou a se chamar “Somos – ‘nome expressivo,

afirmativo, palindrômico, rico em semiótica e sem contra-indicações’, como dizia um

documento por nós publicados na época” (TREVISAN, 2002, p. 345).

As reuniões se revezavam nas casas dos participantes, uma vez que

suspeitavam que as atividades estavam sendo investigadas pela polícia.

Manter um clima de semiclandestinidade, ainda necessária


naquele período da vida brasileira, inclusive porque tínhamos indícios de
que a polícia acompanhava nosso trabalho. [...] ninguém mais entrava no
Somos sem antes participar de reuniões informais em que as pessoas se
conheciam, conversavam e trocavam experiências, naquilo que passou a
ser chamado de grupo de ‘reconhecimento ou identificação’, base molecular
do nosso ativismo em fase inicial. [...] cresceu também o número de
mulheres, até quase se igualar ao dos homens (TREVISAN, 2002, p. 345).

Nesse período o Lampião não estava numa situação agradável. O jornal

sofria acusações de atentado à moral e aos bons costumes num inquérito policial,

através de pedido efetivado pelo Ministério da Justiça, cujo efeito repercutia tanto no

Rio de Janeiro, quanto com a equipe que trabalhava em São Paulo.


41

A carta da Polícia Federal solicitando o inquérito referia-se a nós


editores como ‘pessoas que sofriam de graves problemas
comportamentais’, de modo que constituíamos casos situados [...] na
fronteira da Medicina Patológica [...] Antes mesmo de instaurado qualquer
processo judicial, fomos intimados e interrogados pela polícia, fotografados
e identificados criminalmente; [...] a polícia já nos julgava antecipadamente
culpados (TREVISAN, 2002, p. 346).

No intuito de fechar o pasquim, visando identificar irregularidades, a polícia

pediu também os livros contábeis. O inquérito movido contra o Lampião foi

arquivado, por não haver elementos suficientes.

Em 1979, já no segundo semestre, bombas explodiram bancas de jornal em

vários pontos do país. Em panfletos anônimos exigia-se o fim das vendas de jornais

e revistas alternativos que eram considerados pornográficos. Boatos atribuíam os

atentados a grupos denominados Falange Pátria Nova, Brigadas Moralistas e

Comando de Caça aos Comunistas.

O que motivou o movimento contra o Lampião foi uma matéria que criticava

o processo contra o jornalista Celso Curi, envolvido no imbróglio desde 1977 por

ofensa à moral e aos bons costumes, motivada pela coluna que o mesmo assinava

no antigo jornal Última Hora, a Coluna do Meio. Celso Curi foi absolvido através da

sentença que dizia que

[...] a Justiça ‘não tem como escopo abrigar exigências extraordinárias de


um pudor hipertrófico [...] em virtude de princípios particularmente rígidos’ e
afirmou não considerar crime que homossexuais procurassem ‘se impor
como segmento estruturado dentro da sociedade’ [...] tratava-se no primeiro
processo em que o homossexualismo esteve envolvido como objeto direto
de denúncia. Assim, como a absolvição de Celso Curi, criou-se um
importante precedente jurídico para defesa dos direitos homossexuais no
país (TREVISAN, 2002, p. 347).

Neste mesmo período já havia grupos militantes homossexuais gays em São

Paulo, Rio de Janeiro, Niterói, Belo Horizonte, Salvador, Brasília, Recife, João

Pessoa e no interior de São Paulo.


42

Em abril de 1980, em São Paulo, em espaço cedido pelo Centro Acadêmico

da Faculdade de Medicina da USP, foi realizado o I Encontro Brasileiro de Grupos

Homossexuais Organizados. A partir daí o Movimento Homossexual Brasileiro vai se

reforçar junto às siglas de esquerda, no intuito de ter maior espaço para

reivindicação.

Já o Lampião da Esquina, então abalado com ataques judiciais e temendo a

participação partidária dos militantes homossexuais, começou a se desligar do

compromisso moral com os grupos organizados, “propugnando uma autonomia

ampla e manifestando franca hostilidade contra a burocratização que começava a

moldar o ativismo guei14 [...]” (TREVISAN, 2002, p. 360).

O jornal passa a ter um espírito sensacionalista, perdendo o foco que o

gerou e deu força.

Certos setores do jornal mergulharam num vago populismo,


brandindo descabidamente o travesti em contraposição ao guei-macho, o
que acabou lhe dando um aspecto quase tão sensacionalista quanto os
jornais da imprensa marrom (TREVISAN, 2002, p. 360/202).

Como resultado vem a descaracterização das intenções iniciais do jornal,

provocando um desempenho financeiro desagradável nas vendas e falta de

anúncios publicitários. Todavia sua existência estava mais voltada para a venda dos

exemplares, comercialização de calendários e livros gays.

Com isso a proposta ousada e inovadora do Lampião foi absorvida pelos

jornais de grande circulação estes,

[...] mais progressistas e profissionalmente mais bem aparelhados do país.

14
A forma aportuguesada de gay está impressa em toda a obra de João Silvério Trevisan. A palavra
já consta no dicionário como guei. Tendo em vista a palavra em inglês ser utilizada constantemente
em vários materiais, sejam periódicos, movimento homossexual no Brasil e livros, optou-se pela
forma estrangeira.
43

[...] Nos anos 80, porém, temas ligados à homossexualidade, movimento


negro, feminismo e ecologia invadiram suas páginas, que já apresentavam,
não sem certo exibicionismo progressista, até sinônimos chulos ou
maliciosas paráfrases para se referir a homossexuais. [...] uma foto de Gal
Costa, em primeira página da mesma Folha de São Paulo [...] os pé da
cantora estavam em primeiríssimo plano, sobre uma mesa, e de tal modo
distorcidos pela lente grande-angular que seus sapatos pareciam,
facilmente, ser do tamanho 50 (TREVISAN, 2002, p. 362).

De maneira indireta, estes assuntos em destaque noutras publicações,

retirando o impacto causado pelo Lampião, bem como “decisões não acertadas, que

ficaram nas mãos de poucos editores e as divergências aumentando, decidiu-se em

julho de 1981 o fechamento do jornal” (TREVISAN, 2002, p. 363).

Nos anos 1980, observa-se um crescente consumismo gay e ao mesmo

tempo, o que sobrava, era uma militância sem muita representatividade e sem

condições de reflexões e de mobilização, com exceção do Grupo Gay da Bahia,

fundado em 1980 que mantinha contundentemente a regularidade de suas ações.

Possivelmente o primeiro grupo brasileiro de homossexuais a ser registrado como

sociedade civil em 1983.

O Movimento Homossexual Brasileiro perdeu uma grande chance, já na

Constituinte de 1988, de agregar o adendo “orientação sexual” no artigo da Carta

Magna que trata dos direitos do cidadão. Neste período, o MHB já estava envolvido

com o Partido dos Trabalhadores que havia decidido não apoiar a reforma da

Constituição.

Apenas lideranças homossexuais isoladas compareceram à Assembléia


Constituinte, em Brasília, para debater e pressionar, mas seu esforço foi em
vão. [...] E a luta pelos direitos homossexuais foi [...] subjugada aos
interesses partidários (TREVISAN, 2002, p. 367).

O citado Grupo Gay da Bahia, em 1981, liderou uma campanha nacional

para que o Ministério da Saúde deixasse de adotar o código 302.0 da Classificação


44

Internacional de Doenças, que situava o homossexualismo como desvio e transtorno

sexual. A campanha vencedora foi apoiada por várias entidades,

como a Associação Brasileira de Psiquiatria e da Sociedade Brasileira para


o Progresso da Ciência (SBPC), além de numerosas personalidades e de
353 parlamentares de todo o país [...] No começo de 1985 [...] o Conselho
Federal de Medicina finalmente acedeu, passando o homossexualismo para
o Código 206.9, debaixo da denominação ‘outras circunstâncias
psicossociais’ [...] a existência desse novo Código seria apenas
aparentemente para efeito de controle estatístico do Inamps, quando do
atendimento médico previdenciário (TREVISAN, 2002, p. 367/368).

O norte do País não ficou de fora do mercado editorial GLS15. Como parte

de um universo de revistas eróticas que pretendia se firmar no país, surge na cidade

de Manaus, no Amazonas, a revista Meio Termo (Figura 01), editada pela Complô

Editorial. Ensejando mudar o mercado editorial da capital amazonense, a nota de

lançamento em um folheto diz:

A primeira revista GLS da região Norte vem repleta de ensaios


fotográficos, matérias de interesse cultural, resenhas de livros, críticas de
discos e vídeos, gastronomia e decoração. [...] O que a faz ser uma revista
GLS é o fato de conter ensaio fotográfico de nu masculino,
preferencialmente modelos regionais. [...] Manaus hoje é uma cidade
moderna, antenada com o mundo. Não é à toa, por exemplo, que é o
terceiro mercado de TV por assinatura do Brasil, perdendo apenas para São
Paulo e Rio de Janeiro. Desde a criação da Zona Franca, mais
precisamente, desde a época áurea da borracha, que a cidade já flertava
com o novo, com a idéia do universalismo cultural, portanto, estamos
confiantes no futuro e cremos poder contribuir por uma sociedade mais
igualitária (MEIO TERMO, 2001).

15
GLS – Gays, lésbicas e simpatizantes.
45

Figura 01 – Capas da revista Meio Termo


Fonte: Reprodução das edições nº 01 a 03. As únicas três edições da revista Meio Termo, na ordem
de publicação da esquerda para a direita.

A revista foi lançada no dia 24 de agosto de 2001, em um clube da cidade.

Continha reportagens e entrevistas que privilegiavam as discussões sobre o

preconceito ao universo homossexual. Seus fundadores foram os jornalistas Aroldo

Caminha, Ney Flávio Mendes, Luiz Otávio Martins, Wilson Martins, Ana Cláudia

Jatahy e Omar Gusmão. Por divergências internas e obstáculos externos, a revista

teve curtíssima carreira, foram apenas três edições.

7 A Aids e a militância gay

Com o advento da Aids o padrão comportamental em relação ao sexo

modifica-se radicalmente entre os homossexuais. “Isso fez com que muitos homens

assimilassem idéias de constrangimento e culpa” (SPENCER, 1999, p. 356).

Mesmo assim, para muitos, o padrão de promiscuidade deixou como marca

a infecção pelo HIV. Os primeiros casos fatais foram identificados em Nova York. Os

relatos de “conhecidos dos conhecidos de meus amigos” e tantos outros relatos de

pessoas que tiveram amigos infectados e dizimados pela Aids se espalhavam

rapidamente.
46

Alguns poucos governos se mobilizavam contra a epidemia. Na Inglaterra e

nos Estados Unidos, a lentidão em decisões que viessem deter o crescimento da

epidemia, fez com que o movimento gay agisse, pois se sentiam recriminados e

oprimidos pelas políticas públicas de saúde.

O pior era que, no seio da sociedade dos anos 1980, crescia um sentimento

de que a Aids era um castigo divino. Toda a mobilização política ocorrida pós-

Stonewall16 caía vertiginosamente. Agora, a bandeira do Arco-Íris17 estava a meio

mastro.

Assim, as práticas do sexo inseguro foram postas de lado pela comunidade

homossexual obtendo bons resultados. Houve uma redução dos casos, por

exemplo, de hepatite B entre os gays e bissexuais.

Uma prática de sexo também emergia: o sexo por telefone. Sem mencionar

que um sentimento de solidariedade aflorou inspirando “heroísmo e altruísmo,

reforçou a necessidade de sobreviver e triunfar sobre as autoridades (de saúde)

heterossexuais indiferentes” (SPENCER, 1999, p. 359).

16
Noite do dia 27 de julho de 1969, vários homens da polícia de Nova York adentraram o bar
Stonewall Inn, sempre com bastante escárnio. Conta-se que num momento em que todos os
freqüentadores estavam sendo revistados e quando várias travestis e drag queens estavam sendo
detidas, alguém bradou “gay power” e outras palavras de ordem se espalhavam pelo ambiente. A
polícia buscou reforço de 300 homens. Deu-se início a uma disputa entre homossexuais e policiais
que se seguiu até a manhã do dia seguinte e por outros quatros dias. Ela terminou apenas com a
intervenção do prefeito da cidade que prometeu também o fim da violência policial. Daquele
momento em diante, os cerca de 50 grupos homossexuais existentes nos Estados Unidos teriam o
número dobrado. “Passadas algumas semanas, um grupo militante nomeado Frente de Libertação
Gay lançaria o jornal ‘Come Out’, decretando o 28 de junho o ‘Dia do Orgulho Gay’”. (G Magazine
ed. 21, 06/1999, p. 31) Um mês depois aconteceu o que seria a primeira parada gay do mundo, ela
ficou conhecida como a “Marcha de Stonewall”. A revolta de Stonewall, como ficou conhecida, é um
marco histórico do Movimento Gay e o divisor de águas para uma tentativa de afirmação identitária.
17
Em 1978, um ativista de São Francisco – EUA faz um pedido a um artista plástico chamado Gilbert
Baker, para que criasse um símbolo que viesse a identificar o movimento gay daquela localidade.
Ele não imaginava que aquela idéia viria se tornar, na verdade o símbolo mais forte do movimento
homossexual mundial. Em princípio Baker criou a bandeira com oito cores: rosa, vermelho, laranja,
amarelo, verde, azul, índigo e violeta. Respectivamente, as cores significam: sexualidade, vida,
cura, sol, natureza, arte, harmonia e espírito. Mas, em face da indisponibilidade comercial, em
massa, da cor rosa, a bandeira foi confeccionada com sete listras. Com um assassinato de um
homossexual assumido, em 1978, a comunidade fez um protesto e utilizou pela primeira vez a
bandeira do arco-íris. Mas para que houvesse simetria na avenida onde acontecia o evento, o
Comitê da Parada do Orgulho eliminou a cor índigo.
47

Com a caracterização de “peste gay”, a Aids crescia e alarmava a

sociedade, aumentando o preconceito quanto aos homossexuais. Poucos militantes

disponíveis se concentraram numa organização voltada para um sistema de

prevenção e atendimento às vítimas da epidemia.

Nas maiores cidades do Brasil, militantes misturaram-se aos agentes de

saúde. Neste meio encontramos a travesti Brenda Lee que ficou famosa por abrigar

– em sua casa – e sustentar várias de seus pares infectadas com vírus HIV. A casa

virou extensão do hospital Emílio Ribas, tornando-se Casa Brenda Lee, fundamental

para a rede paulista de saúde de enfrentamento à Aids.

A partir daí surge uma nova relação entre homossexuais e Estado. O

governo repassava dinheiro às instituições, que ficaram mais conhecidas como ONG

(organização não-governamental), no intuito de prevenir a transmissão e auxiliar no

tratamento da doença. Surgem também militantes com perfil mais politizado e

profissional.

No começo de 1985 [...] o Conselho Federal de Medicina


finalmente cedeu, passando o homossexualismo para o Código 206.9,
debaixo da denominação ‘outras circunstâncias psicossociais’, [...] a
existência desse novo Código seria apenas aparentemente para efeito de
controle estatístico do Inamps, quando do atendimento médico
previdenciário (TREVISAN, 2002, p. 368).

Mesmo que a idéia de que a Aids deixara de ser uma doença apenas dos

gays, a homofobia crescia. Os gays ainda eram considerados culpados pela

epidemia, “afinal, eles têm sido os bodes expiatórios de todos os grandes desastres,

desde a época de Justiniano, ou seja, há apenas 2.000 anos...” (SPENCER, 1999, p.

359).

Muito antes de toda essa mobilização que viria reforçar a existência de

grupos homossexuais pelo mundo, um senhor chamado Karl Heinrich Ulrichs, viria
48

se tornar o primeiro militante gay do mundo em 1862.

Quando revelou a orientação sexual à sua família, a recepção fora amistosa.

Karl usou o codinome Numa Numantius, para evitar que seus familiares sofressem

constrangimentos, passando a usar o seu nome verdadeiro seis anos depois e,

como conseqüência, pagando um árduo preço.

O alemão Ulrichs foi jornalista, nasceu na cidade de Aurich, foi expulso do

serviço militar por ser homossexual, expulso de uma sociedade literária face ao teor

de suas obras e foi o primeiro advogado a defender um cliente acusado de crime

sexual.

Karl Heinrich Ulrichs foi a primeira pessoa na História Moderna a


encorajar os gays a assumir publicamente sua orientação, a pedir direitos
iguais para as mulheres, a sugerir que as famílias aceitem e compreendam
seus filhos homossexuais, a exigir que a Igreja deixasse de ser homofóbica
(Mix Brasil, 2004).

8 Contexto Contemporâneo

Atualmente os homossexuais, no Brasil e no mundo, ainda lutam por seus

direitos. Sobretudo o direito de celebrar a união civil, popularmente conhecida como

casamento gay, ou melhor, a união de pessoas do mesmo sexo. Busca-se o

reconhecimento dessa união que vem acontecendo à margem do Estado.

Há profissionais do direito que dizem que, pelo menos no Brasil, por não

existir nada na lei que impeça a união de pessoas do mesmo sexo, é uma bobagem

tentar fazer com que o Estado venha reconhecer através de Lei. Todavia, outra ala

diz que realmente deve ser reconhecido, pois se trata de instrumento que declara o

direito e que não apenas deixe subentendido.

Fora dessa discussão do que existe ou não de fato e de direito, as decisões


49

judiciais têm provocado jurisprudência em todo o mundo. Uma extensa reportagem

da revista Superinteressante buscou saber com vários especialistas do Direito,

quantos e quais direitos são negados pelo Estado aos homossexuais que

compartilham uma vida em comum no Brasil. A reportagem listou 37 direitos

negados.

Dentre eles, podemos citar que o parceiro não tem direito à pensão

alimentícia em caso de separação, não inscrevem parceiros como dependentes da

previdência, não adotam filhos em conjunto, não têm usufruto dos bens do parceiro

em caso de morte, não dividem no imposto de renda os rendimentos recebidos em

comum pelos parceiros.

Várias explicações são dadas por aqueles que não querem que a união civil

seja possível. Em caso de adoção, por exemplo, a criança terá dois pais ou duas

mães o que, dizem os contrários à união, prejudica o parâmetro pré-estabelecido do

que é ser homem e do que é ser mulher.

Afirmação contestada por vários especialistas, refletida na matéria da

Superinteressante (Edição 202 de Julho/2004, p. 53), onde afirmam que “a ausência

de um referencial do sexo ausente não parece ser problema [...] a criança é capaz

de reconhecê-lo em outras pessoas próximas”.

No Brasil, desde 1995, tramita na Câmara dos Deputados um projeto de lei

que prevê a União Civil. Todavia, a ex-deputada federal Marta Suplicy empenhou-se

bastante e não conseguiu aprovar o projeto. Outros deputados já tentaram colocá-lo

em votação.

Em 2005, o deputado federal Jair Bolsonaro, um dos contrários ao projeto,

tentou colocar em plebiscito a questão da União Civil. O intento não venceu. A

Frente Parlamentar pela Livre Expressão Sexual, composta por mais de 60


50

parlamentares da Câmara e do Senado Federal, impediu sua aprovação na

Comissão de Justiça da Câmara. A Frente justificou que a sociedade brasileira ainda

não está devidamente preparada para aprovar, ou não a questão através de

plebiscito.

Mesmo com a ausência de um elemento jurídico que venha amparar a

camada da sociedade discriminada, alguns estados brasileiros, se colocam na

vanguarda das decisões judiciais em favor da legitimação da união entre seres do

mesmo sexo ou, pelo menos, fornecendo instrumento que tenha características

similares e que venha diminuir o sofrimento das partes num eventual litígio, por

exemplo.

A Justiça do estado do Rio Grande do Sul tem sido uma das mais

vanguardistas nestas questões. Várias decisões como reconhecimento de uniões

civis através de livros de registros de entidades militantes homossexuais até a

expedição de documento em cartórios têm sido freqüentemente relatadas na mídia

nacional.

De um extremo do Brasil a outro, o estado de Roraima, através de

provimento expedido pela Corregedoria de Justiça do Estado de Roraima, baseado

na decisão da Corregedoria de Justiça gaúcha, prevê o registro, em cartórios

estaduais, de documentos que comprovem a união de pessoas do mesmo sexo.

Decisões de capitais, como Fortaleza, têm sido amplamente aplaudidas. A

capital cearense criou lei que proíbe qualquer forma de discriminação quanto à

orientação sexual. Lei também aprovada pela Assembléia Legislativa de São Paulo,

já em vigor há cerca de quatro anos.

Esses são pequenos exemplos de vitórias dos homossexuais nos dias de

hoje. Porém, alas religiosas que historicamente são contra, abominam e ainda
51

proclamam seus políticos seguidores para votarem contra quaisquer benefícios

dirigidos aos homossexuais.

A Igreja Católica Apostólica Romana tem, como vimos no decorrer deste

trabalho, insistência em perseguir os homossexuais. No ano de 2003, a

Congregação para a Doutrina da Fé, ligada ao Vaticano, expediu um documento

com o nome de “Considerações sobre os Projetos de Reconhecimento Legal das

Uniões Entre Pessoas Homossexuais” que, sob o título “Atitudes Perante o

Problema das Uniões Homossexuais”, vociferam:

Àqueles que, em nome dessa tolerância, entendessem chegar à


legitimação de específicos direitos para as pessoas homossexuais
conviventes, há que lembrar que a tolerância do mal é muito diferente da
aprovação ou legalização do mal (GLS Planet, 2003).

Noutro parágrafo, sob o título citado anteriormente, o mesmo documento

assinado pelo falecido papa João Paulo II e pelo atual papa, Bento XVI, Joseph

Ratzinger, pedem que os católicos se posicionem contra quaisquer direitos oriundos

da união civil homossexual.

Em presença do reconhecimento legal das uniões homossexuais


ou da equiparação legal das mesmas ao matrimônio, com acesso aos
direitos próprios deste último, é um dever opor-se-lhe de modo claro e
incisivo. Há que abster-se de qualquer forma de cooperação formal na
promulgação ou aplicação de leis tão gravemente injustas e, na medida do
possível, abster-se também da cooperação material no plano da aplicação.
Nesta matéria, cada qual pode reivindicar o direito à objeção de
consciência (GLS Planet, 2003).

Segundo os preceitos católicos, dois homossexuais podem até viver juntos e

dormir na mesma cama. Mas não podem exercer o desejo que sentem um pelo

outro: não podem fazer sexo.

Mesmo assim surgem pequenas igrejas que acenam com a possibilidade de


52

inserir na sociedade as palavras de um Deus não homofóbico. É o caso da paulista

Acalanto, onde são recebidos homossexuais e heterossexuais.

Com um discurso que atravessa milênios a Igreja, acreditam alguns

militantes, incita a violência contra homossexuais. Como exemplo, João Silvério

Trevisan na matéria Liberdade se conquista lembra do episódio em que um grupo de

500 pessoas foram vítimas de agressão por pessoas que jogavam excremento do

alto de prédios em São Paulo, quando da primeira passeata gay, em fevereiro de

1981.

[...] o Largo do Arouche e a Vieira de Carvalho foram palco da


primeira manifestação pública por parte de homossexuais do Brasil [...] para
protestar contra a violência policial na região [...] testemunhei a
agressividade [...] moradores jogaram merda sobre nós do alto dos prédios
(G Magazine, junho/2005).

Hoje, sob chuva de confetes reluzentes, a maior parada gay do mundo,

realizada em São Paulo, alcançou, segundo os organizadores, o número de

2.500.000 participantes no dia 29 de maio de 2005. Número contestado pela Polícia

Militar paulista que atesta 1.800.000. Na confusão dos números, quatro dias antes,

no dia 26, a mesma PM paulista atestou 2.000.000 de participantes na Marcha para

Jesus, evento evangélico. Curiosamente, a Folha de São Paulo escreveu em

comparação:

Foi uma enorme brincadeira, regada a litros e mais litros de


cerveja, whisky falsificado e vinho barato. Uma diferença e tanto em relação
à Marcha para Jesus. [...] Aqui e ali, ontem, viam-se manifestantes fumando
um cigarro de maconha, enquanto dançavam ao som de Glória Gaynor,
Ivete Sangalo [...]muito à vontade, desfilavam gays como Rogério de Mattos
Cardoso, 19, e Cleomilson Bezerra de Souza, também 19 [...] Sem camisa,
esquálidos, eles trocavam beijos lascivos de língua, enquanto beliscavam
um o corpo do outro [...] mordiam-se e abriam a braguilha das calças
(CAPRIOGLIONE; MENA, 2005)

As repórteres destacadas para a cobertura do evento sequer observaram


53

outros detalhes como a presença de pais de homossexuais e, para completar, não

falaram qual era o tema da Parada de 2005 – a reivindicação da união civil entre

pessoas do mesmo sexo.

A Rede Globo de Televisão, dentre as grandes mídias brasileiras,

aparentemente, tornou-se mais receptiva quanto às discussões que envolvem a

homossexualidade. Em várias de suas novelas a temática tem sido explorada.

Atualmente, o personagem gay mais popular é Júnior, na novela América, vivido

pelo ator Bruno Gagliasso.

Mas o exemplo mais interessante ocorreu no último Big Brother Brasil18, a

edição número 5. Nele, como nas demais edições, foram colocados homens e

mulheres, desconhecidos do grande público, que almejavam o prêmio de um milhão

de reais19.

Seria tudo muito comum se não fosse por um professor universitário vindo

da distante cidade de Alagoinhas, na Bahia. Jean Wyllys causou mal-estar durante o

primeiro “paredão”20.

Quando o médico Rogério Padovan, líder da semana, anunciou que o

professor era o escolhido para o paredão, Wyllys disse que estaria sendo vítima do

preconceito do médico e do grupo do qual ele fazia parte e disse ao apresentador do

programa e para o todo o Brasil, ao vivo, com todas as letras: “Por que eu sou gay!”

No site da emissora, era disponibilizada a popularidade21 de cada um dos

participantes do programa. Num primeiro momento o professor baiano estava entre

os últimos. Após o episódio, sua popularidade subiu rapidamente. A colega de

18
Programa de TV que confina cerca de quatorze pessoas numa casa durante pelo menos três
meses.
19
Nas edições anteriores, o programa oferecia R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais).
20
Meio pelo qual o programa de TV elimina um dos participantes, até que fique apenas o vencedor. O
eliminado é escolhido pelo público através de telefone e Internet.
21
No sítio da emissora, o internauta podia votar no participante com quem ele se simpatizasse.
54

“paredão” foi eliminada com uma pequena diferença.

Posteriormente, seguiram-se várias indicações e manobras para eliminar o

professor Wyllys, provocadas por um grupo que ficou conhecido como “gigantes”,

liderado pelo médico Rogério Padovan. O grupo dizia que o professor estava se

aproveitando da situação, mas as cenas diziam outra coisa.

Em incontáveis cenas, o grupo dos “gigantes”, como ficou conhecido o grupo

do médico, era encontrado se referindo de maneira preconceituosa contra Jean.

Como quando numa brincadeira, onde participantes deveriam usar roupas exóticas,

o professor usou peças que lembravam o personagem principal do filme Indiana

Jones, momento este em que o médico o chamou de “Jeana Jones”.

No programa desta terça-feira, dia 18 de janeiro, o outro


concorrente Rogério fez algumas declarações que não agradaram os gays.
Em certo momento ele chamou Jean de ‘Jean Jones’ (em referência ao
filme Indiana Jones) e logo em seguida de ‘Jeana Jones’. Não bastasse
isso, ele ainda afirmou para seus ‘amigos’ que o Jean é o tipo de pessoa
que não quer ‘ficar perto’. (G Online, 2005)

Fora tantas outras cenas que aqui poderiam ser citadas, o professor gay

ganhou o prêmio máximo no Big Brother Brasil de maior audiência da história,

tornou-se celebridade, repórter do programa feminino das manhãs da Globo,

apresentado por Ana Maria Braga, virou ícone gay e escreveu outro livro22 que

chegou a ficar em terceiro lugar na classificação de livros de não-ficção da revista

Veja do dia 22.06.2005. Jean, além de professor universitário,

[...] pertence a uma outra minoria: a dos brasileiros que lêem mais de dois
livros por ano. Jornalista [...], ele brindava seus companheiros de programa
com serões sobre história e literatura, além de recitar letras de artistas-
cabeça da MPB (VALLADARES, 2005).

22
Jean Wyllys escreveu o livro de contos Aflitos, publicado por uma editora baiana.
55

Não muito estranhamente, após o Big Brother Brasil, a Globosat, Sky e a

Net, empresas de televisão a cabo, pertencentes ao grupo Globo, lançou em maio o

For Man, um canal de conteúdo erótico para o público gay.

Legal que acordaram para o nosso segmento! Só que meio chato


que pensem que gay só consome pornografia. Um pouco de cultura, moda,
música, seria super bem vindo, traria mais assinantes e ajudaria a diminuir o
preconceito que nos persegue! Hello programadores, gay é mais que sexo,
quem estiver antenado é que vai conquistar a galera (G Magazine, 2005)

O que se espera é que não se repitam casos como o do treinador de cães,

Edson Néris da Silva, assassinado a socos e pontapés por um grupo de skinheads23

em São Paulo no dia 6 de fevereiro de 2000, na Praça da República, no Centro. Dois

rapazes pertencentes ao grupo foram condenados, pelo Júri Popular por 6 votos a 1,

[...] por homicídio triplamente qualificado – motivo torpe, crueldade dos


métodos e recurso para dificultar a defesa da vítima. No total, as penas
somam 21 anos, em regime fechado. [...] Ao ler a sentença histórica o juiz
Barros Vidal enfatizou: ‘Dois homossexuais têm o direito de andar de mãos
dadas nas ruas, tanto quanto dois carecas, com suas cabeças raspadas,
roupas e bijuterias exóticas’ (Época, 19.02.2001. Os punhos da Justiça. p.
88, editora Globo. São Paulo)

Conforme dados coletados24, pelo Grupo Gay da Bahia, a partir do ano de

1963 até o ano de 2004, foram assassinados 2.501 homossexuais masculinos e

femininos, motivados pela violência homofóbica. Muitos crimes têm requintes de

crueldade, desta forma, considerados crimes de ódio.

Importante é perceber que a sociedade, neste caso, através da mídia, está

discutindo a questão do desejo sexual, da orientação sexual, colaborando com a

aceitação e respeito da grande diversidade humana em suas mais diversas

23
Grupo de rapazes de cabeça raspada que utilizam parâmetros preconceituosos e de caráter
violento.
24
O Grupo Gay da Bahia faz a coleta de dados a partir de notícias fornecidas pelos meios de
comunicação.
56

manifestações (sexuais, culturais). Conforme se verifica no anexo deste trabalho,

capas de revistas que levaram reportagens sobre a homossexualidade, sejam estas,

revistas dirigidas à grande massa e, até mesmo, revistas gospel que são

publicações dirigidas aos religiosos evangélicos.

9 Roraima – A militância gay no lavrado setentrional

Em 25 de agosto de 1994, um grupo de homossexuais roraimenses realiza

uma festa denominada de “Ou Vai ou Racha”, cuja intenção era a de conquistar

público para a criação da primeira associação gay de Roraima, intento já

embrionário.

À época, o grupo que tinha à frente Sebastião Lima Diniz Neto 25, a travesti

Luana Barros (Ronaldo Barros da Costa) e o cabeleireiro Mota26, não logrou êxito.

Aparentemente as pessoas não estavam dispostas a engajar-se em militâncias.

Naquele período a insipiência do grupo denominava a possível entidade como

sindicato.

Em Roraima, no ano de 2002, com adesão de poucas pessoas e com um

atraso de mais de duas horas por causa do empréstimo do trio elétrico, é realizada a

primeira Parada GLS, organizada por Sandra dos Santos (José Santos Gómez) e

pelas cabeleireiras Deborah Gasparelly e Della Ray.

Em 27 de julho de 2003 foi criada a primeira associação roraimense voltada

para a defesa dos direitos GLBT27: Associação Roraimense pela Diversidade

Sexual. Doze pessoas fundaram a entidade, são elas: Sandra dos Santos (José

25
Neto de Sebastião Diniz, um senhor que, nos anos 1950, veio para Roraima para ajudar a construir
a estrada da, hoje, BR-174, que dá acesso ao vizinho estado do Amazonas e ao restante do Brasil.
26
O cabeleireiro Mota não mais reside em Roraima.
27
GLBT – Gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros.
57

Santos Gómez), Sumaia Dias, Renildo Araújo, Roziane Araújo, Joaquim Abreu, Nívia

Pinho estas, que já eram ativistas do movimento contra o HIV/Aids e, os demais

eram Carlos Fournier Filho, Sebastião Lima Diniz Neto, Josean Rego, Sílvia Reis

(Caxias Gomes da Silva), Iolanda Ribeiro e Mário Guedes Sá.

Foram realizadas duas manifestações (paradas gay) em nome da

Associação que também é conhecida como Grupo DiveRRsidade (Figura 02), com

dois “R” em destaque. Durante as paradas realizadas em 2003 e 2004, o Grupo

obteve boa adesão do público e o respeito da mídia roraimense.

Figura 02 – Logomarca do Grupo DiveRRsidade


Fonte: Grupo DiveRRsidade. A logomarca do Grupo contém uma borboleta que, na verdade, são dois
“R” contrapostos e preenchidos.

Uma das vitórias do DiveRRsidade, fora tantos projetos hoje desenvolvidos,

foi o provimento nº. 085, expedido pela Corregedoria de Justiça do Estado de

Roraima, que dá direito às pessoas do mesmo sexo, que comprovem união de fato,

registrarem documentos dessa união em cartórios do Estado. A publicação foi feita

em 27 de dezembro de 2004.
58

Com base nesse mesmo documento, o administrador de empresas Márcio

André Coelho e Ralf Wessestein (Figura 03), pastor de igreja luterana em Roraima,

foi o primeiro casal a oficializar sua união em Roraima. Eles já haviam celebrado a

união na prefeitura de Wiesbaden, capital do estado de Hessen na Alemanha, um

dos poucos países a oficializar as uniões homossexuais. Naquele país a união é

conhecida como Parceria de Vida.

Figura 03 – Casal gay de Roraima registra documentos em cartório


Fonte: Coluna Social, Folha de Boa Vista de 04 fev. 2005. Da esquerda para a direita, Coelho e
Wessenstein em foto de união celebrada na prefeitura de Wiesbaden, capital do estado de Hessen na
Alemanha.

10 A diversidade sexual, preconceito e representação na mídia

Quando falamos de identidade de gênero, falamos sobre “as sensações

internas que estão em cada um de nós” (COSTA, 1994, p. 23). Quando nos

referimos ao desejo sexual, nos referimos ao fato de que um ser humano sente

atração por outro, independente do sexo biológico, desejo esse que não pode ser
59

contido, ele pode, apenas, não ser divulgado e, eventualmente, não praticado.

Quando falamos em orientação sexual, podemos subdividir em heterossexualidade,

bissexualidade e homossexualidade.

Na heterossexualidade ocorre a atração e o ato sexual entre pessoas de

sexos opostos. Na bissexualidade, um sujeito pode ter atração e praticar o ato

sexual com pessoas do mesmo sexo e pessoas do sexo oposto, independentemente

da quantidade de vezes com um ou com outro. Na homossexualidade a atração e o

ato sexual se dá com pessoas do mesmo sexo.

Muito há o que se pesquisar e estudar. O desejo sexual humano é por si só

tão complexo quanto o próprio ser humano. Vejamos: dentro da homossexualidade

vamos encontrar denominações como gays (homens que fazem sexo com homens)

e lésbicas (mulheres que fazem sexo com mulheres). Que também podem adotar

um comportamento social diferente do modelo heterossexista: homens se vestem e

se comportam como homens e mulheres se vestem e se comportam como mulheres.

Dentre os gays podemos encontrar homens que se vestem como homens,

têm comportamento de homens e que têm desejo, apenas, por homens com suas

mesmas características. Mas também podemos encontrar com a primeira

característica e que desejam sexualmente uma travesti. O que chamamos de:

papel de gênero [que] nada mais é que o nosso comportamento frente às


demais pessoas e à sociedade como um todo. Nesse caso, temos ‘uma
maneira de ser’, masculina ou feminina (COSTA, 1994, p. 23).

Este, tendo em vista o seu comportamento e vestes femininas, a travesti, por

sua vez, pode ter desejo por homens heterossexuais, bissexuais, bem como atraí-

los. Aliás, estes mesmos homens heterossexuais podem ter atração por gays e por

mulheres bissexuais. Enfim, o desejo humano, como já dissemos, é complexo. Mas


60

o que significa aquelas letras – GLBT – que tanto são difundidas pelo Movimento

Homossexual e, às vezes, difundidas grosseiramente pela mídia?

Os locutores, jornalistas e redatores pecam ao não compreender


e relatar adequadamente a diversidade sexual entre diferentes noções
como gays, lésbicas, bissexuais, travestis e/ou transexuais. Ao tentar
elucidar à sociedade, esses profissionais cometem equívocos grotescos e
acabam não contribuindo para o público entender melhor temas como
desejo, afeto, erótica, sexo, gênero, identidade, sexualidade. Ao invés de
educar, muitas vezes estimulam o preconceito (GARCIA apud G Magazine,
2005, pág. 80).

GLBT significa: gay, lésbica, bissexual e transgênero. O gay, a lésbica e o

bissexual já foram aqui citados. Restando o significado da palavra transgênero que

vêm de transgender ou, que transcende o sexo, comportamento social e sexual.

Nesse universo encontramos comumente as travestis (homens que se

vestem com roupas femininas e têm comportamento feminino); drag queens

(homens que se vestem de maneira exótica com roupas femininas e exageram

nestes elementos de forma caricata); cross dresser (homens que se vestem com

roupas femininas como fetiche, apenas para o sexo ou constantemente, não

necessariamente homossexual).

Outro sujeito encontrado é o transexual. Neste caso, não podemos confundi-

lo com a travesti. A transexualidade é uma disforia de gênero. Costuma-se dizer que

o corpo biológico não é aceito pela mente. Para a mente, o corpo, neste caso

biologicamente feminino, deveria ser masculino, isso quando nos referimos ao

transexual masculino e vice-versa quando o transexual for feminino.

Neste caso, e tão somente, pode ser realizada uma cirurgia de readequação

sexual, após a verificação minuciosa de uma junta médica, o que pode levar anos. O

transexual pode ser considerado como heterossexual, bissexual ou homossexual.

Quando esses sujeitos se reconhecem homossexuais ou, até mesmo


61

heterossexuais? De acordo com Ronaldo Pamplona da Costa,

só pode ser respondida se a nossa identidade de gênero e nossos papéis


28
de gêneros foram completamente desenvolvidos, de tal maneira que exista
uma total sintonia entre o que sentimos e a maneira como exteriorizamos
esses sentimentos, por meio do comportamento e das atitudes (1994, p.
29).

Neste vasto contexto, que não pode ser inserido nesse trabalho, por se tratar

de assunto denso e complexo por demais, acrescentamos que o preconceito pode

se dar, em face, também, da falta de conhecimento e mediante aspectos culturais da

sociedade em que o indivíduo estiver inserido. Como denota Costa que,

o desempenho dos papéis de gênero são estabelecidos pela sociedade.


Existe, nessa sociedade, sempre uma linha mais ou menos comum a todos
os homens e Mulheres, em termos de comportamento. As diferenças vão
acontecer de cultura para cultura, ou de época para época. [...] a maior
parte das relações entre as pessoas é de gênero e pouco envolve a
sexualidade propriamente dita. Se considerarmos a grande quantidade de
papéis que assumimos, o lado sexual só vai se manifestar com uma pessoa
que amamos ou desejamos. No entanto, nossa cultura tende a erotizar
muitas dessas relações. (1994, p. 31)

Parte do Movimento Homossexual tem utilizado o termo diversidade sexual

para resumir nomes e mais nomes que se agregam à luta pela livre expressão

sexual, afinal diversidade é democracia. E, como toda novidade, tem sido

amplamente contestado por que, segundo alegam, reduz a visibilidade

homossexual.

Como contraponto – apresentam os adeptos da diversidade sexual – esta

linha militante engloba todos aqueles que não se sentem representados pelos

militantes gays. Incluindo aí, as lésbicas e os transexuais.

Para melhor compreensão, no final deste trabalho, encontra-se um glossário

de termos comumente utilizados pela comunidade homossexual para designar várias

28
Papel de gênero nada mais é que o nosso comportamento frente às demais pessoas e à sociedade
como um todo (COSTA, 1994:23).
62

ações e comportamentos no universo homossexual. Aliás, boa parte dos termos tem

origem na língua africana iorubá, comumente utilizada pelos seguidores das religiões

afro-brasileiras.

11 A carta queer – A monografia e o autor

Este subtítulo tem como missão informar os motivos que levaram ao

nascituro deste estudo. Explicar o que levou o autor29 a trabalhar o tema G

Magazine. O pessoal e o profissional confundem-se neste trabalho.

Por que as pessoas têm tanto preconceito com relação à sexualidade que

não acompanha o convencionado heterossexual? Por que o universo homossexual é

tido como marginal? Qual (is) instrumento (s) podemos utilizar para reduzir o

preconceito que, eventualmente, se transforma em violência? São questões que

instigam o autor.

Outra questão era entender os motivos que levavam tantas pessoas a

procurar meios para impedir a visibilidade dos homossexuais que não contemplam e

não aceitam se curvar perante o contexto pré-estabelecido. Impedidos de se

manifestar, às vezes, através da força e da coerção. Elementos que impedem tantas

pessoas de viverem a sexualidade da maneira como querem e, por conseguinte,

serem felizes.

Respostas transcendentais também foram procuradas. Aliás, o sofrimento de

tantos era compartilhado pelo autor. Este sentia grande dificuldade de dizer quem

era, o que sentia, o que amava, sem ser molestado ou perseguido em todos os

ambientes, desde o familiar ao profissional.

29
O autor, Josean Rego, prefere utilizar-se da terceira pessoa, para referenciar-se neste subtítulo do
trabalho.
63

Talvez por isso o autor permaneceu, por um longo período, enclausurado em

sua realidade ou criando a sua própria, onde ele pudesse ser feliz e demonstrasse

suas capacidades sem ser motivo de chacota.

Em setembro de 2000, o autor decide ir à cidade Manaus30, Amazonas, para

participar de um evento chamado Intercom. Posteriormente ao final do evento, o

autor foi conhecer as instalações do jornal Amazonas em Tempo, local de trabalho

do amigo e jornalista César Oliveira.

Mais tarde, vários colegas do jornal, se dirigiram até o bar que ficava a

poucos metros da sede da publicação. Estavam presentes, além do autor, os

jornalistas Carlos Dias, César Augusto de Oliveira, Mário Adolfo de Castro, Elizabeth

Menezes, Maria Derzi, Danilo Melo e a arquivista Marluce Angiole (Figura 04).

Num momento qualquer, a jornalista Elizabeth Moreira, fez uma colocação

no mínimo curiosa. Ela dizia que a revista G Magazine era especial e que merecia

ser objeto de estudo. Ela não entendia por que ninguém havia feito um estudo sobre

a publicação31. Aliás, um questionamento compartilhado pelo autor.

Com aquela indagação da colega de profissão, fervilharam muitas idéias no

incipiente aluno de Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo da

Universidade Federal de Roraima, que já havia pensado em algo sobre a

publicação.

Como uma pessoa heterossexual, possivelmente simpatizante à causa

homossexual, falava com tanto carinho sobre a publicação, aparentemente ficava

mais fácil dissertar algo a respeito da revista.

Mas como falar de uma publicação que, no mínimo, era objeto de escracho

30
Na cidade de Manaus pela primeira vez o autor conhece uma boate gay no ano de 1997, onde
pode finalmente exercer o direito de ser livre, sem ser observado preconceituosamente.
31
Segundo a proprietária da revista, Ana Fadigas, a empresa foi procurada inúmeras vezes para o
desenvolvimento de trabalhos acadêmicos e apenas três foram para conclusão de curso e
obtenção de títulos.
64

de outras mídias e que poderia encerrar sua vida dependendo da força exercida dos

demais meios e da sociedade conservadora? Aliás, o aluno não queria apenas

entregar uma monografia que ficasse guardada nas prateleiras do arquivo da

Universidade. Ele desejava que ela fosse referência para outras pesquisas e

servisse de tema ou colaborasse para uma sociedade melhor.

Figura 04 – O despertar total da idéia


Fonte: Arquivo pessoal. Jornalistas Carlos Dias (primeiro plano), da esquerda para a direita, César
Oliveira, Mário Adolfo, Elizabeth Menezes, Josean Rego, Maria Derzi, Danilo Melo e a arquivista
Marluce Angiole (de costas)

O reticente [ao extremo] acadêmico se curvou completamente à idéia e a

defendeu junto ao amigo César Oliveira, que pedia para não prestar atenção ao que

a colega dizia afinal, aquele era um momento de diversão e a G não caberia naquela

discussão. Com as explicações do autor, Oliveira compreendeu o que queria dizer


65

Elizabeth.

Mas aquele não era o momento para o autor se expor perante os demais.

Além do medo da discriminação, não dispunha de meios para defender a tese da

colega, afinal, foram poucas as edições a que ele teve contato.

Outros temas foram elencados pelo autor, como estudar as manchetes do

jornal Folha de Boa Vista, consideradas pelo autor, extremamente violentas quando,

em momentos sensacionalistas, destacava grupos de adolescentes infratores

acusados de roubos, agressões e assassinatos: as galeras. O tema não vingou.

Existiam muitos trabalhos acadêmicos que pesquisavam sobre o assunto. O autor

buscava o ineditismo e o transgressor.

O princípio que o autor acreditava ser verdadeiro era o do jornalismo

responsável, capaz de levar multidões a mudarem a consciência e promoverem a

mudança de seus comportamentos, atribuído ao eventual primeiro objeto de estudo

como proposta de “um novo jornal” [grifo meu].

Ao analisar a G Magazine a proposta de “um novo jornal” foi encontrada. Um

veículo transgressor e que realmente sofria muita discriminação dos meios de

comunicação diversos.

O autor sabia que a revista tinha sido importante em sua vida. Mas não

sabia, ainda, como justificar. Precisava de palavras para descrever e do

conhecimento para analisar.

Uma carta publicada na edição nº 35 – edição “garimpada” pelo autor – no

Recado, espaço editorial assinado por Ana Fadigas, dizia como ele (o autor da carta)

se sentia perante a mídia: ela o representava de maneira escrachada.

[...] Logo após o jantar eu estava prestes a contar para a família


sobre [...] o fato de ser gay. [...] sentamos para ver TV como todas as
66

famílias fazem e [...] entra no ar uma matéria sobre travestis e prostitutas.


[...] era uma matéria deprimente que falava sobre uma briga entre travestis e
prostitutas no meio da rua. E detalhava [...] como as travestis eram
agressivas. [...] como a nossa sociedade tem por costume generalizar as
coisas, as pessoas acabam pensando que todo gay se veste de mulher e
sai fazendo ‘programa’ por aí. Culpa da mídia? Não só, mas de grande
parte, pois de tanto repetirem e mostrarem só a parte violenta e o submundo
de gays, travestis e prostitutas, acabam pensando que todo gay é
agressivo, tarado e ataca criancinhas. [...] Como mudar a cabeça das
pessoas [...] sendo que o principal veículo de comunicação do mundo, age
contra a gente? O meu pai até chegou a falar: ‘Por que ainda entrevistam
esses anormais degenerados perguntando o que acham sobre isso ou
aquilo?’. Aquilo me doeu. E assim mais uma oportunidade foi ‘podada’ por
uma matéria inoportuna na TV. Eu acho que quem faz isso sim, é que é
anormal. É a mídia degenerada que faz de tudo para subir aos picos de
audiência, se negando até mesmo a passar uma informação verdadeira [...]
Mas aí penso, ainda bem que existem pessoas como vocês... Que lutam,
pela gente. Isso ainda nos dá força para continuar vivendo. [...] E gostaria
de lembrar àquelas pessoas da mídia, que elas também podem usar o
poder da influência que possuem para coisas boas. [...] ficar só passando
meia dúzia de travestis e, ainda, às oito horas da noite é deprimente. [...] À
G Magazine: valeu pela força e idéia, e espero que publiquem este texto.
Beijinhos... (G Magazine nº 35, agosto/2000, Editorial, carta de Hugo
Manfredinni, 18 anos, Brasília).

Eureca! Era isso! A grande mídia o representava de maneira esculachada, a

G Magazine, não. Ela atendia, entendia e conversava com o leitor no mesmo tom.

Era o contrário do que acontecia na grande mídia, que apresentava à massa

a imagem de que todo homossexual masculino deveria, como obrigação, ser

extremamente afeminado ou que deveria ser travesti. O que fazia com que os

heterossexuais e, até mesmo, alguns homossexuais acreditassem nisso. Uma idéia

esdrúxula escutada pelo autor quando este dizia ser homossexual32.

Em 28 de fevereiro de 2003, num evento promovido pelo Centro Acadêmico

de Comunicação Social, realizado no Núcleo de Rádio e TV Universitária, após tanto

suspense quanto ao assunto que seria tema da monografia – o que deixava os

colegas extremamente curiosos – o autor fez a apresentação de um monólogo,

escrito pelo mesmo, que retratava um rapaz que buscava na noite a felicidade: Os

32
As discussões levadas pela G Magazine instigam cada vez mais o acadêmico, mostrando-lhe que o
mundo não só se resumia em discursos de mídias proferidas ao grande público.
67

notívagos33

Faltava-lhe profissionalismo, mas soube improvisar. Efetivou uma cena em

que alguém ensaiava um texto. Ao final, a promessa de desvendar o grande

mistério. O autor até queria se vestir de drag queen naquele dia, mas não se

considerava tão bom assim.

Depois dos aplausos vinha a responsabilidade de cunhar um trabalho,

considerado por ele, extremamente grande e que se identificava melhor com a sua

personalidade transgressora.

O aluno passara seu tempo na aquisição de livros em sua língua pátria, o

que na verdade era extremamente difícil, pois, além de não serem encontrados

facilmente em Roraima, muitos ainda não estavam traduzidos ou não haviam sido

publicados. Muitos estudos sobre a cultura homossexual ainda estavam

embrionários e poucos eram divulgados de maneira massiva. Principalmente os

estudos que concentrassem a idéia da mídia gay. Os temas ficavam restritos às

academias e presos nas bibliotecas de universidades sem terem, ao menos, uma

breve publicidade.

Neste momento entra a Internet. Muitos títulos que balizam esta monografia

foram encontrados através de ferramentas de buscas como Cadê? e Google,

encarecendo o produto final. Tendo em vista a aquisição de livros cujos preços eram

acrescidos de frete.

Para conseguir informações que viessem a colaborar com a construção do

trabalho, foi criado um blog34. O Carta Queer35 (Figura 05), como ficou conhecido, foi

lançado em janeiro de 2003, em conjunto com a apresentação do monólogo.

33
O texto Os Notívagos, encontrado no site www.cartaqueer.blogger.com.br, está reproduzido no
apêndice deste trabalho.
34
Página pessoal na Internet que disponibiliza ferramenta de comentários aos internautas em cada
artigo ou textos escritos.
35
www.cartaqueer.blogger.com.br.
68

Figura 05 – Página inicial do blog Carta Queer


Fonte: www.cartaqueer.blogger.com.br. O site foi criado para servir como fórum de discussões.

O site ficou bastante conhecido após a publicação no jornal A Crítica

(Manaus-Amazonas) de matéria que tinha como intenção obter mais visitantes e, por

que não, colaboradores, bem como também teve um aumento do número de visitas

por causa de publicação de artigo no site Observatório da Imprensa 36. Mas também

foi destaque na revista G Magazine, pois o autor ainda tinha intenção de fazer um

grande questionário37 para que os internautas e leitores da revista respondessem

on-line. Também foi destaque no jornal Folha de Boa Vista na coluna da jornalista

Shirley Rodrigues e em abril de 2003 no programa de TV, Quem é Quem,

apresentado por Cida Lacerda, na recém criada TV Ativa, afiliada da Rede Gazeta.

A idéia do blog não vingou. Esbarrou na falta do instrumento principal de

trabalho: o computador. O site ficou para outro momento e permanece no ar sem

atualizações desde agosto de 2004.

36
O artigo encontrado no www.observatoriodaimprensa.com.br pode ser encontrado no apêndice
deste trabalho e a matéria do jornal A Crítica está reproduzida no anexo.
37
O questionário não foi criado, pois não teve condições técnicas para tal, mediante, também, o alto
custo.
69

Entre os anos de 2002 e 2004, o autor se viu entre o medo generalizado da

cobrança que ele mesmo gerou nos seus pares acadêmicos que queriam ver o

trabalho. Esbarrou na falta de dinheiro para ir até a cidade de São Paulo (sede da

revista). Envolveu-se em atividades da militância gay roraimense. Não acreditava

que o mercado de trabalho jornalístico boa-vistense o aceitasse. E temia a cobrança

da sociedade de Roraima, pois a mídia também teve participação nesse processo de

divulgação do trabalho que, até aquele momento, era embrionário.

Obviamente o autor fez um outing de maneira acadêmica, ou melhor, não

havia a necessidade de expressar isso em palavras. O autor não acreditava que isso

faria alguma diferença. O que era preciso era vencer o preconceito com

determinação, que por vezes fugia juntamente com a coragem. Era uma sensação

de desespero num misto de entusiasmo por estar atingindo o primeiro objetivo:

divulgar o trabalho.

Numa dessas buscas na Internet o acadêmico localizou uma lista de

discussão chamada Gaylawyers, ponto de encontro de muitos homossexuais

brasileiros ilustres como Luiz Mott.

Certo dia o autor foi contatado através da lista por Léo Mendes, presidente

da Associação Goiana de Gays, Lésbicas e Travestis. O mesmo havia percebido

que o autor morava em Roraima, e que este seria uma pessoa que representaria o

Estado num evento em Goiânia, parte do projeto Somos, dirigido aos homens que

fazem sexo com homens, que atua na área de prevenção às doenças sexualmente

transmissíveis e Aids, bem como militância gay.

Era agosto de 2003 quando o autor seguiu para a cidade de Goiânia, sob a

anuência dos membros da recém criada Associação Roraimense pela Diversidade

Sexual. Lá muito aprendeu e percebeu que o mundo homossexual era diferente


70

daquilo que muitas pessoas descreviam para ele. Finalmente a diversidade de

opiniões e desejos sexuais era uma grande realidade.

Enquanto juntava material para a monografia, o autor colaborava

principalmente na comunicação e produção de material publicitário da Associação.

Nesse período que esteve mais ativo dentro da entidade, também colaborou com a

realização de duas paradas gays em Boa Vista.

Com recursos suficientes e após vários contatos, em maio de 2005,

finalmente foi possível realizar a viagem até a cidade de São Paulo para conhecer a

equipe que produz a revista G Magazine, e anotar a história da criação, através da

sua, hoje, única proprietária, Ana Fadigas.

Sem esquecer que seria uma oportunidade ímpar para conhecer uma cidade

onde as dimensões impressionam, não apenas territoriais, mas também culturais,

onde ocorre a maior parada gay do mundo.

O acadêmico introvertido deu lugar ao extrovertido e assumidamente gay,

fortalecido e orgulhoso de ser quem é. Crente de que está cumprindo uma grande

etapa de sua existência, o autor finalmente conclui o seu trabalho acadêmico.

Obrigado por ler a carta queer!


71

CAPÍTULO II – BASES TEÓRICAS E METODOLÓGICAS

O presente estudo é realizado à luz dos elementos que norteiam o

jornalismo na mídia segmentada, analisado em conjunto com o mecanismo

semiótico da cultura, bem como são utilizados conceitos do sociólogo Alain

Touraine, notável pensador contemporâneo, em conjunto com estudos sobre a

dispersão na semiótica das minorias, homocultura38 e teoria queer39 (estudos gays e

lésbicos).

O objeto de estudo é apresentado como uma mídia que, voltada para o

público homossexual masculino, além do apelo erótico, que ocupa boa parte de suas

páginas, contém informações, notícias, notas, reportagens e dados sobre a

comunidade homossexual no Brasil e no mundo que provocam alterações na

consciência desse público.

São avaliadas as respostas que os leitores dão à revista mediante as

reportagens de maior repercussão, através das cartas ou e-mails recebidos pela

redação. Estão contabilizadas todas as cartas recebidas da 1ª edição até a nº 94.

A partir delas são verificadas as que se referiram às reportagens cujo tema

está diretamente ligado às questões de comportamento e militância gay, com

preferência para aquelas que continham mais fontes. Encontra-se neste trabalho, em

anexo, a tabulação das reportagens com a tiragem e números de exemplares

vendidos e quantidade de cartas encontradas em cada edição.

Segundo Marília Scalzo (2004, p. 15), autora do livro Jornalismo de Revista,

38
“A noção de homocultura apareceu, historicamente, no I Worldwide Conference about Homoculture
promovido pela International Lesbian Gay Association (Ilga), na cidade de Estocolmo, 1998. [...] O
objetivo desse encontro era inscrever a diversidade da cultura homoerótica das comunidades gays
e lésbicas no mundo, permitindo observar a flexibilidade enunciativa do termo homocultura”
(SANTOS; GARCIA, 2002, p.7).
39
Conforme Guacira Lopes Louro (2003:8), a teoria queer “é o excêntrico que não deseja ser
‘integrado’ e muito menos ‘tolerado’. Queer é um jeito de pensar e de ser que não aspira o centro
nem o quer como referência; um jeito de pensar e de ser que desafia as normas regulatórias das
sociedades, que assume o desconforto da ambigüidade, do ‘entre lugares’, do indecidível. Queer é
um corpo estranho, que incomoda, perturba, provoca e fascina.”
72

“é na revista segmentada, geralmente mensal, que de fato se conhece cada leitor,

sabe-se exatamente com quem se está falando [...] entra no espaço privado, na

intimidade, na casa dos leitores”.

O espaço para o leitor, a seção de cartas, onde, hoje, recebe-se mais e-

mails, é um espaço democrático e onde se apresentam as condições de conhecer o

público com quem está se relacionando.

Para fazer isso, contudo, primeiro é preciso saber ouvi-lo. São


várias as maneiras de escutar o que o leitor quer e tem a nos dizer. Seja por
intermédio de pesquisas, qualitativas e quantitativas, ou mesmo por meio de
telefonemas, cartas e e-mails enviados à redação (SCALZO, 2004, p. 37).

De nada adianta, antes da publicação da revista, efetivar pesquisas que

identifiquem o que o leitor quer, “afinal de contas, ele quer ler. É preciso ter antes

uma idéia bastante clara da publicação e do público que se quer atingir” (SCALZO,

2004, p. 38).

As reflexões da autora quanto à publicidade nas revistas segmentadas,

também darão norte a este estudo, bem como utilizaremos os estudos realizados por

Maria Celeste Mira, autora do livro O Leitor e a Banca de Revistas – a segmentação

da cultura no século XX. Mira analisou também o universo da revistas masculinas e,

em especial a Playboy.

Nos Estados Unidos, num momento em que explodiam e cresciam, em

números de vendas, as publicações do nu feminino, havia uma grande disputa pelo

leitor e pelos anunciantes. Estes últimos, todavia, limitariam a competição, pois

estavam “descontentes com o crescimento do conteúdo pornográfico. Quanto mais

explícitas as revistas, menos anunciantes elas conseguiam” (MIRA, 2004, p. 109).

Com os estudos de Mira sobre a história da Playboy dos E.U.A., faremos

uma comparação com o nosso objeto de estudo, pois alguns momentos da história e
73

do desenvolvimento da publicação da Fractal Edições, são muito parecidos com a

revista americana.

Os princípios que devem reger a coleta de notícias, bem como quais são as

responsabilidades da profissão são discutidas ao longo deste, com base na obra de

Bill Kovach e Tom Rosenstiel que apontam:

A principal finalidade do jornalismo é fornecer aos cidadãos as


informações de que necessitam para serem livres e se autogovernar. [...] A
imprensa nos ajuda a definir nossas comunidades, nos ajuda a criar uma
linguagem e conhecimentos comuns com base na realidade. O jornalismo
também ajuda a identificar os objetivos da comunidade, seus heróis e vilões.
Essa definição tem se sustentado ao longo da história [...] pouca gente pode
contestá-la [...] olhando retrospectivamente, até mesmo o conceito de
jornalismo do conceito de criação de uma comunidade e mais tarde da
democracia. (2003, p. 31)

Para complementar, Eugênio Bucci faz uma grande explanação sobre ética

e imprensa e, numa reflexão, adverte quanto aos profissionais designados para

efetivar uma reportagem:

Daí a necessidade de prestar atenção nas convicções pessoais


dos jornalistas. Por exemplo: como fica um repórter irlandês, católico, que
reporta um enfrentamento entre jovens irlandeses católicos e a polícia da
rainha? Ou então: será que a promulgação de uma lei que dá direito aos
cônjuges de uniões homossexuais os mesmos direitos de que já dispõem os
casais heterossexuais, será reportada do mesmo modo por um repórter que
é um ativista gay e por um que, membro de uma ordem religiosa, tenha feito
voto de castidade? (2000, p. 94)

Sendo assim, o estudo verificou o corpo da redação da publicação e

localizou pares que facilitam a compreensão dessa mídia segmentada junto ao

público a que se destina. A grande maioria, senão todos que trabalham junto a

revista são homossexuais ou, pelo menos tem contribuído de alguma forma com

militância ou formação de opinião.

Introduzimos diálogos através de percepções do sociólogo Alain Touraine,


74

considerações de Alexandre Rocha da Silva referentes a dispersão na semiótica das

minorias, bem como análises da nova conjuntura sobre sexo e gênero na mídia,

proferidas por diversos autores em duas publicações, originadas de vários eventos,

correlacionados ao desenvolvimento de disciplina acadêmica brasileira que venha

estudar as questões da homocultura: A Escrita de Adé40 – Perspectivas Teóricas dos

Estudos Gays e Lésbic@s no Brasil e Imagem & Diversidade Sexual – Estudos da

Homocultura. Para complementar, estaremos utilizando recente vertente teórica

conhecida como queer, também associada aos estudos das duas obras citadas

acima.

Dentro do estudo também utilizaremos, como já informado, o mecanismo

semiótico da cultura. A Semiótica Russa ou, como ficou mais conhecida a Semiótica

da Cultura, está interdisciplinarmente voltada à investigação das mais variadas

esferas das pesquisas teóricas e artístico-culturais.

Os primeiros trabalhos da Semiótica da Cultura surgem há pouco mais de

um século atrás, no mesmo período em que a própria Semiótica ainda batalhava

“para se firmar como teoria geral dos signos”. Dentre os primeiros trabalhos

encontram-se “algumas formulações antropológicas do século XIX”. Todavia, como

disciplina, constituiu-se nos anos 1960, no Departamento de Semiótica da

Universidade de Tartu, localizada em Moscou.

O Impulso básico da disciplina foi dado pela necessidade de


entender a comunicação como sistema semiótico e a cultura como um
conjunto unificado de sistemas, ou melhor, como um grande texto. [...] Com
base nessas noções, o relacionamento dinâmico entre os sistemas da
cultura foi definido como um processo de modelização, segundo a qual a
cultura é entendida como texto e a comunicação, como processo semiótico.
(Semiótica da Cultura, São Paulo: PUC, 1998. Disponível em:
<http://www.pucsp.br/pos/cos/cultura/semicult.htm>. Acesso em: 9 jul.
2005).

40
Adé, na língua iorubá, significa homossexual masculino.
75

A Semiótica da Cultura deriva “da Lingüística, da Teoria da Informação e da

Comunicação, da Cibernética e, evidentemente, da Semiótica”. A Semiótica Russa é

um grande instrumento crítico para uma melhor compreensão de vários sistemas de

cultura, bem como analisar os problemas da cultura contemporânea.

Para compreendermos melhor como funciona o mecanismo semiótico da

cultura (Figura 06), vamos explicar cada um dos elementos através do próprio tema

e objeto de estudo:

Cultura social: São os usuários dos valores/signos atribuídos. Os valores são

atribuídos por eles.

Cultura material: São elementos materiais (artefatos) que desempenham

valores mentais através de sua aparência externa.

Cultura mental: São os valores que a sociedade presta aos artefatos, o que

eles representam para a sociedade.

Neste caso, podemos afirmar que quando falamos de cultura social,

estamos, neste estudo, nos referindo a cultura homossexual. Quando nos referimos

à cultura material estamos nos referindo a revista G Magazine. Quando nos

referimos à cultura mental falamos dos valores que a cultura homossexual atribui ao

artefato G Magazine, ou seja, quando ele exerce um papel naquela cultura.

Todavia para chegarmos ao esquema do mecanismo semiótico da cultura,

compreendamos a abordagem do semiotista Yuri Lotman que considera a cultura

mental,

como um sistema concêntrico de esferas semiósicas, rodeadas por um


arranho de camadas múltiplas de esferas não-semiósicas [...] São nestas
esferas semiósicas que estes segmentos são estruturados pelos códigos da
cultura; nas esferas não semiósicas os segmentos são deixados sem
estrutura. O conjunto de esferas pode ser classificado em quatro áreas
diferentes. (POSNER, 1995, p. 39)
76

Lotman foi o primeiro a fazer tal abordagem. Os quatro conjuntos de esferas

são:

a) a extracultural: que é completamente desconhecida dos indivíduos de um

grupo;

b) a não-cultural: cultura mental referente a um grupo, conhecida dos

membros de outro grupo, porém considerada como contrária à cultura deste;

c) o culturalmente periférico: pertencente à cultura mental de um grupo,

todavia não o representa como totalidade;

d) culturalmente central: elemento que representa a identidade de um grupo.

Quando uma sociedade descobre um segmento de realidade [...]


este segmento introduz um código rudimentar, já que a realidade em
questão tem que ser identificada, rotulada e posta em relação com os
segmentos conhecidos da realidade. Quando um segmento previamente
conhecido é removido, o seu código também é perdido. Estamos aqui diante
da criação e destruição de um código, e estes processos podem ser
chamados de semiotização e dessemiotização, respectivamente (POSNER,
1995, p. 41).

Como afirmado acima, os elementos que estão em cada esfera – que

representam um segmento de realidade – podem sofrer o processo de semiotização,

uma mudança cultural ou, o que significa dizer, que um elemento passa de uma

esfera para a outra. Caso isso ocorra, o código desse elemento, que estava noutra

esfera, perde-se, assim ocorre a dessemiotização. Todo o processo explicado

anteriormente está representado no esquema a seguir:


77

Cultura homossexual

Culturalmente Culturalmente
Central Periférico

G Magazine Triângulo Rosa


GLBT Bareback
GLS Dance music
Bandeira Arco-Íris

Extracultural Não-cultural

Tudo aquilo que Butch and femme


Heterocêntrismo
é desconhecido
Celibato
do grupo.
Processo de Semiotização
e dessemiotização

Figura 06 – Esquema do mecanismo semiótico da cultura


41
Segmentação da realidade através da cultura homossexual

Todo este estudo, bem como a revista G Magazine, estão inseridos na

categoria queer, tendo em vista o tema selecionado [para o estudo] e o material

trabalhado na revista buscar o novo, o inquietante, o ousado, não aspiram ser o

centro e sequer o querem como referência (LOURO, 2004:8).

41
Os termos aqui contidos estão explicados ao longo deste trabalho, bem como no glossário.
78

CAPÍTULO III – DO ERÓTICO AO POLÍTICO

1 Ergue-se o falo e a bandeira do arco-íris

Em abril de 1997 é lançada a revista Bananaloca (Figura 07), editada pela

Fractal Edições dirigida por Ana Fadigas (Figura 08) e Otávio Mesquita42. O nome foi

cunhado graças a um site de mesmo nome.

O Otávio Mesquita saiu porque ele achou que revista não era o
padrão dele. Ele investiu na revista. [...] ele divulgou. Ele tinha a Tábata que
era uma personagem muito engraçada. As pessoas gostavam muito. Ele
apoiou o projeto sempre [...] ajudou muito. Mas ele percebeu que não era a
dele ter uma editora. Então a gente comprou a parte dele e ele saiu (Ana
Fadigas, entrevista dia 23.05.2005, São Paulo/SP).

Figura 07 – Capa da primeira edição da revista Bananaloca


Fonte: Reprodução ed. 01 revista Bananaloca, abr/1997. A publicação era acompanhada de um vídeo
de sexo gay

42
Otávio Mesquita colaborou até a 12ª edição da G Magazine. Posteriormente, continuou
desenvolvendo projetos para programas de televisão.
79

Nascida de uma pesquisa de mercado43, a Bananaloca disponibilizava vídeo

de conteúdo pornográfico e teve uma tiragem inicial e 50.000 exemplares, vendidos

em bancas de revistas.

Figura 08 – Ana Fadigas e o autor


Fonte: Arquivo pessoal. Foto realizada no dia 23/05/2005 durante visita à sede da Fractal

Conforme Valmir Costa, a revista nasceu “com pretensões mercadológicas,

sem compromissos com a causa gay”. Seu advento veio ocupar uma lacuna deixada

pela revista Sui Generis44 (Figura 09): o nu erótico masculino. A confirmação vem do

editorial publicado na primeira revista.

43
Antes do lançamento, foi realizada uma pesquisa de mercado com o público gay, perguntando o
que eles gostariam de ter numa publicação dirigida a eles. As seções de cultura, entretenimento,
turismo e ensaios de nus masculinos foram as mais apontadas na pesquisa. O apelo de venda da
publicação são os garotos da capa, responsáveis pelos ensaios de nus masculinos (COSTA, 2001).
44
A revista Sui Generis teve a edição zero lançada no final de 1994 por Nelson Feitosa, com uma
proposta de levar cultura, política, artes, serviços e entretenimento ao público homossexual
brasileiro. “Mas a revista sucumbiu às novas exigências desse novo mercado, que demandou nus e
conteúdo mais sexual”. A revista teve 55 edições encerrando os trabalhos em 2000. A revista gerou
uma grande polêmica quando, na capa da edição nº 44 de junho de 1999, estampou dois homens
se beijando na boca. (Cf. STEFFEN, Luís Felipe. O fim de uma era. São Paulo: Mix Brasil, 2000.
Disponível em: <http://mixbrasil.uol.com.br/extra!suigeneris/sui.htm> Acesso em: 24 nov. 2003).
80

“CHEGA DE MEIAS VERDADES: NÃO USAR NEM DESOCUPAR


A MOITA... E aqui está a novíssima Bananaloca, sua revista de diversão G.
Afinal, nós achamos essa praia o máximo. A preferência no cardápio da
cama é algo ainda bastante polêmico, assunto encarado com preconceito
em boa parte do mundo. Mas o que se discute pouco (ou quase nada) é que
ser gay implica em algo mais que o desejo de um homem por outro homem.
É uma maneira especial de olhar o mundo. É um universo inteiro com estilos
de vida tão diversos como os diferentes rostos humanos são capazes de
ser. E, mais ainda, gay é um público, um mercado representativo pelo seu
número potencial de consumo[...]” (Bananaloca,abr/97 p. 1 apud COSTA,
2001).

Em entrevista especial para este estudo, realizada na cidade de São Paulo,

Ana Fadigas45, hoje, a única proprietária da Fractal Edições e que acumula as

funções de diretora e editora da revista G Magazine, explicando como seu nome

ficou tão associado à revista, informou que os sócios

[...] eram pessoas que [...] não queriam colocar os nomes deles. Eles eram
46
dois homossexuais que não fariam o outing naquele momento numa
publicação [...] eles escolheram o nome, tinham o know how, [...] eu tinha a
vontade de fazer. Então era eu e eles, mas eu descobri no fim que o único
nome verdadeiro ia ser o meu na publicação. Por isso que começou com o
meu nome [...] Uma amiga minha a Ester (Rocha), assessora de imprensa
47
do Gugu [...] era muito minha amiga [...] nos aproximou. ‘Gente a Ana quer
tanto e vocês também tem esse título, Bananaloca’, que eles adoravam e tal
[...] e aí eu falei: eu topo! E aí nos juntamos. E daí eu descobri isso que eu
não teria nenhum jornalista assinando nem eles mesmo dando o nome por
que eles tinham o trabalho deles [...] isso há oito anos atrás. [...] Daí surgiu a
Bananaloca, que, na quinta edição, o que eu percebi foi que seria muito
difícil o meu projeto bater com o deles. [...] E aí eles tinham registrado o
nome Bananaloca e eu tinha registrado como da editora e, eles já tinham
registrado como deles. Tinha alguma... não bateu alguma coisa e eu resolvi
seguir o meu caminho de G Magazine mesmo e devolver o nome para eles
(entrevista dia 23.05.2005, São Paulo/SP).

45
Filiada ao PT de São Paulo, Ana Fadigas é uma profissional do ramo de revistas. Esteve no Grupo
Abril de 1977 à 1995. Dirigiu e editou revistas para o público infantil, como histórias em quadrinhos,
bem como revistas de fotonovelas, Contigo (trabalhou durante oito anos), Carícia, Boa Forma, Fluir
entre outras.
46
Outing é um termo em inglês que significa assumir perante a sociedade a condição homossexual.
No Brasil também é utilizado o termo “sair do armário”.
47
Augusto Liberato, o Gugu, apresentador de programa de TV no Sistema Brasileiro de Televisão –
SBT.
81

Figura 09 – Revista Suigeneris


Fonte: Reprodução revistas Suigeneris ed. Zero e 44. Ousadia, comportamento, arte, serviço,
cultura, beleza e política sem o nu erótico.

Para complementar, Valmir Costa identifica Sérgio Lhamas e Paulo Negrão

como sendo os dois outros associados de Fadigas e Mesquita na revista

Bananaloca, bem como responsáveis pelo site homônimo.

No mesmo corpo da sua quinta edição, a Bananaloca apresenta o número

zero (Figura 10) da revista G Magazine, ainda com os nomes de Lhamas e Negrão

no conselho editorial. Sendo, que a partir do número 01 (Figura 10) da revista G, os

proprietários do site Bananaloca não fazem mais parte do conselho editorial da

publicação. A revista, nesse período, ainda não demonstrava muito compromisso

com as questões ativistas gays e, aparentemente, um grande desinteresse do

público leitor com as questões políticas.


82

Figura 10 – Revista G Magazine – Edições zero e 1


Fonte: Reprodução ed. zero e 01 da revista G Magazine. Muito nu erótico, poucos serviços e
aparente desinteresse do público com a questão ativista gay.

Todavia, Fadigas acrescenta sobre os outros sócios que,

hoje ela é uma história possível de se contar. Na época era muito sensível.
[...] Não houve problema com os dois. Fui tudo feito com tanta verdade. [...]
Nem eles fizeram nada para mim, nem eu fiz nada para eles. [...] Preferia
que tudo fosse [...] feito do jeito que deveria ser. (entrevista dia 23.05.2005,
São Paulo/SP)

A Fractal Edições também editou a revista Sexy, lembrada por desnudar

mulheres em poses pejorativamente conhecidas como “ginecológicas”, ou melhor,

mais ousadas. Ela deixou de ser publicada quando um outro sócio, Ângelo Rossi,

saiu da Fractal, tornando-se dono da Editora Peixes, que hoje edita a Sexy.

Quando da saída da revista Sexy da Fractal, a empresa passa a ter

dificuldades financeiras que viriam condenar a revista G Magazine um ano depois.

Fato este mencionado em editorial e divulgado em sites como o Mix Brasil48.

48
Mix Brasil (www.mixbrasil.com.br) um dos sites de conteúdo GLS mais antigos do Brasil.
83

Houve mesmo um abalo bem claro da Fractal. [...] Na editora


houve uma cisão, [...] um ano depois a editora teve um baque bastante
grande. [...] ela (revista Sexy) saiu um ano antes desse baque. [...] O fato
dela ser uma editora bem maior e depois ter ficado com uma revista só, a
saúde financeira ficou dela bastante difícil. E como tudo era muito aberto, eu
declarei mesmo que ela teve essa dificuldade. Eu não me senti bem em não
colocar. [...] Vendi uma casa, tinha uma casa bastante grande. Consegui
sanar uma parte bastante grande, a casa está aqui dentro (da editora). [...]
Hoje ela caminha... naturalmente. Uma editora é uma coisa que não dá rios
de dinheiro. [...] Quando você tem muitas revistas, sim. Mas, hoje ela é um
negócio só. [...] Ela é, primeiro, uma marca muito forte, a G. A gente saiu,
renegociou dívidas que tinha. Como todo mercado fez nessa época. [...]
Gerou uma coisa... mas a energia das pessoas, dos leitores, quando eu
abri (a verdade sobre o fim da revista), muito difícil... depois deu para
suportar. [...] Reenergizou de novo... totalmente (Ana Fadigas, diretora e
editora, entrevista dia 23.05.2005, São Paulo/SP).

A partir daí a revista recebe várias cartas e e-mails de solidariedade dos

leitores à equipe da revista e, principalmente, à Ana Fadigas:

Olá tudo bem com vocês? Eu não fiquei muito bem ao saber das
dificuldades [...] e ainda por cima de existir a possibilidade da mesma
chegar ao fim. [...] Não quero acreditar que a revista que abriu as portas
para eu aceitar a minha sexualidade chegue ao fim. Foi pela G que comecei
a saber que existem pessoas como eu, foi pela G que conheci o mundo gay
[...] foi pela G que vi gente famosa abri mão de seus receios e se expor nu
ao mundo (isso me deixou muito contente) [...] Foi nessa revista que deixei
as minhas opiniões e sugestões que foram tratadas com tanto carinho
atenção pela Aninha Fadigas... e tantas outras situações gostosas que a
minha G Magazine trouxe (G Magazine nº 70, julho/2003, Editorial, carta de
Edson A. dos Santos).

Manifestações de carinho se prolongaram por muitas edições. Dentre elas

algumas bem criativas como a do leitor Osmar Rezende, de Belo Horizonte, Minas

Gerais, que criou um cartaz (Figura 11), distribuído para vários amigos, com uma

montagem de várias fotos de modelos que saíram nus na revista, com os dizeres “dá

para imaginar a vida sem eles?” e “impossível ser feliz sem G” publica na G nº 70.
84

Figura 11 – Cartaz-fotomontagem de leitor da G


Fonte: Reprodução ed. 70, cartas, p. 11, G Magazine. O leitor distribui o cartaz como campanha para
ajudar a revista a permanecer no mercado.

Desde o início da revista (Bananaloca), percebe-se o carinho com que o

leitor trata Ana Fadigas. As primeiras cartas foram publicadas a partir da revista

Bananaloca nº 04 e com os nomes dos leitores abreviados:

Querida Ana, desculpe a intimidade, mas é que já sinto como um


amigo. Estás de parabéns, como um todo o pessoal da revista, que a está
tornando um realidade no mundo G. Sou leitor assíduo de publicações
importadas [...] acho que a Bananaloca vence pelo conteúdo. Faltava uma
revista com informação e cultura. E mais importante, na nossa língua
dirigida a nossa realidade. Vocês acertaram em cheio! (Bananaloca nº 04,
Cartas, pág. 49, J.C.M. de Porto Alegre/RS).

Na edição nº 71, sob o título “viver é um prazer total” o editorial da revista

declara que a publicação vai continuar e agrega figura onde acrescenta as frases:

“Apoiada pelo seu leitor, a G Magazine continua a luta [...] A revista da sua

identidade, da sua cidadania e do seu prazer, continua todo mês nas bancas!”.

Numa edição com uma capa ousada, onde havia uma tarja preta cobrindo o

pênis ereto do modelo, a G Magazine nº 72 convoca o leitor para comprar mais de


85

um exemplar e dar o outro de presente. O interessante é verificar que leitores se

comprometeram a comprar mais de um exemplar.

A história da revista G Magazine atrela-se em vários momentos da vida de

Ana Fadigas. Ela diz que seu primeiro marido, Jayme Camargo Pai 49, revelou-se gay

para ela. Hoje são grandes amigos e, Camargo, também é editor-chefe da G e tem

filhos com Ana:

Eu era muito jovem quando isso aconteceu... de saber da


homossexualidade dele. Foi... acho que... difícil como que para qualquer
pessoa que perde o ser que ama. Mas não foi muito mais difícil do que seria
com uma mulher [...] Quando é com um homem você desconhece o
universo. Então é como você estivesse perdendo alguém que você ama
para um universo desconhecido. Uma mulher você sabe. Você ter uma rival
mulher, você sabe como é. Ter um rival homem... e nessa época eu era
muito menina. [...] Tinha talvez 24, 25 anos [...] mas eu ainda tentei que o
casamento continuasse.[...] Mas deu a eterna união do amor verdadeiro. [...]
Minha história é muito ligada ao universo gay. Cada dia eu descubro que a
50
minha história é muito ligada. E isso está sempre no meu Recado (Ana
Fadigas, diretora e editora, entrevista dia 23.05.2005, São Paulo/SP).

As cartas e e-mails recebidos pela revistas são todos lidos e, na medida do

possível, respondidos e atendidos. Atualmente, a revista recebe pouco mais de duas

mil mensagens eletrônicas. Sendo que o campeão de mensagens, com referência

ao material escrito, é João Silvério Trevisan 51. A grande maioria das mensagens faz

menção aos ensaios fotográficos.

Com a tentativa fracassada da publicação da revista G News52 (Figura 12) o

conteúdo escrito permaneceu e foi agregado, em parte, na G Magazine. A G News

49
A designação “Pai” foi um artifício da publicação para diferenciar Jayme Camargo, o pai, do filho,
que assina com o mesmo nome e que também trabalhou na revista.
50
Por um longo período o espaço de opinião da revista, assinado por Ana Fadigas, chamava-se
Recado. Atualmente adota-se Editorial.
51
Trevisan escreve para a G Magazine coluna chamada Olho no Olho, hoje, de duas páginas, onde
discute uma série de assuntos do comportamento homossexual e militância. Seu material publicado
merece atenção especial e única, pois suas considerações são extremamente inquietantes e
provocadoras. É injusto falar dele em tão pouco espaço, mediante sua história que, inclusive
mencionamos neste estudo.
52
G News era trimestral e teve apenas duas edições, a primavera 2001 e a verão 2001/2002. Seu
conteúdo estava direcionado ao texto. Não havia material pornográfico ou erótico. A mesma foi
encerrada por falta de recursos.
86

foi produzida nos moldes da americana The Advocate e da francesa Têtu (teimoso),

o que traria os anunciantes que alegam que não anunciam na G Magazine por

causa do nu. Posteriormente trabalharia estes anunciantes para a G Magazine:

A G já é meio esquizofrênica. Ela tem o pênis ereto e a


cidadania, a militância, o comportamento... o jornalismo sério. [...] Que na
minha opinião não! (não é esquizofrênica) [...] Ela foi feita com os leitores. A
G é o ensinamento do público. Eu leio todos os e-mails possíveis e
imagináveis que chegam e cartas. Cartas são menos, por que no início
eram muito mais cartas. [...] Recebo uns 500 e-mails [...] diretos para mim
[...] leio e respondo. [...] Cartas hoje... devem chegar umas dez (Ana
Fadigas, diretora e editora, entrevista dia 23.05.2005, São Paulo/SP).

Figura 12 – Revista G News


Fonte: Reprodução ed. 01 e 02, G News. Fracassada tentativa de manter no mercado revista para o
segmento gay com conteúdo apenas jornalístico e militante.

Aliás, anúncios a G tem. Mas, em sua maioria são de empresas como

saunas, serviço de encontros via telefone e Internet, bate-papo e misticismo via

telefone, fitas e cinemas pornôs, boates, bares, sex shops, tratamentos de beleza,

perfumes, cirurgias plásticas, camisinhas, gel para relações sexuais, pousadas,

livros, perucas etc. Grandes anunciantes não procuram a publicação que tem como
87

público os gays que, por sinal, são homens.

Maria Celeste Mira, quando analisou a história das revistas de nu feminino

dos Estados Unidos nos anos 1960, identificou que, quanto mais ousadas fossem as

fotos, menos anunciantes as publicações teriam. Um fato que ocorre hoje com a G

Magazine, tendo em vista que o que a revista trás são pênis enrijecidos no lugar das

vaginas em poses mais ousadas.

Quando falamos de revista gay, revista sobre turismo e revista sobre

culinária estamos falando de revistas segmentadas que requerem anunciantes cujos

produtos sejam dirigidos para eles. Além dos pênis eretos e, por se tratar de mídia

que, costumeiramente, contém anúncios de serviços que envolvam conotação

sexual, faz com que o processo de decisão de anúncio na revista seja disperso

afinal,

que produto tem para o gay? Você tem revista segmentada, você está
abrindo anúncio para aquele segmento. Não existem produtos. Você tem
serviços. [...] São pessoas que oferecem produtos para o mundo gay. [...]
Só temos serviços para o segmento. [...] Os produtos que existem [...] se
comunicam com os gays e como se comunicam com as lésbicas, como se
comunicam através de outros canais. Nas outras revistas segmentadas
você tem produtos para o segmento. No caso das revistas de viagem, nas
revistas de culinária [...] As pessoas têm preconceito porque elas não têm
que rotular um produto a uma determinada situação sexual, ela trabalha um
produto para o varejo. [...] Não vou veicular minha marca com o público gay
(Sílvia Campos, responsável pelo marketing, entrevista dia 25.05.2005, São
Paulo/SP).

Sobretudo o jornalista deve atender ao leitor. Mas nem sempre o desejo do

leitor pode ser o mesmo do anunciante. “Muitas vezes, podem ser radicalmente

opostos” (SCALZO, 2004, p. 83).

Em contrapartida, revistas como a Playboy, que incluem o nu feminino, e é

dirigida para os homens, tem como anunciantes várias cervejarias, linha de produtos

de beleza masculina, bebidas fortes (vodka), várias marcas de calçados, várias


88

montadoras de automóveis e motocicletas, aparelho de telefone celular, empresa de

telefonia à distância, festas e eventos.

Dois únicos grandes anunciantes já publicaram na G Magazine: a Direct

TV53(Figura 13) e o Banco do Brasil (Figura 14). A Direct TV já havia feito vários

anúncios na revista e, na mesma edição (nº 82) em que foi publicado um dos

anúncios do Banco do Brasil, saiu anúncio, na contracapa sobre o canal Gay

Channel.

Figura 13 – Publicidade da DirecTV na G Magazine


Fonte: Reprodução ed. 16, 33 e 82, G Magazine. O serviço de TV por assinatura anunciava há
bastante tempo na revista.

Por se tratar de empresa que atende vários públicos, sem distinção, o

anúncio do Banco do Brasil, gerou grande feedback para a revista, o que representa

uma quebra do preconceito para com publicações gays.

[...] As agências fazem a programação em mídias óbvias, [...] Na

53
Canal por assinatura via satélite.
89

Editora Globo, Editora, Abril [...] E depois você tem o segmento. [...] A G é
de gay. A G não é percebida pelos anunciantes. [...] O cenário já mudou, a
mídia já mudou [...] nos bastidores ainda, não é isso. [...] O cenário é uma
grande parada [...] as leis estão mudando, mas no cenário a gente ainda
sofre para fazer o outing [...] A G a ainda por cima tem pinto de fora. Você
imagina que as grandes agências têm inúmeras desculpas para não estar lá
(na G). A nudez. [...] E aí você tira a nudez [...] Quando lancei a G News...
Ah, mas eu não sei ainda, ela não existe. Vai vender? Não vai? [...] As
desculpas vão acabando com o tempo. [...] Quando eu trabalhei com a
Contigo... a desculpa era uma revista para a empregada... ah, é só de
novela. [...] Hoje ela é uma revista que venceu as barreiras, tem vários
anúncios [...] O Banco do Brasil colocou esse anúncio porque pessoas nos
bastidores trabalharam pessoas. [...] Ele (Banco do Banco) não continuou
por que era uma campanha [...] que ele fez pela diversidade.[...] (Ana
Fadigas, diretora e editora, entrevista dia 23.05.2005, São Paulo/SP).

Figura 14 – Publicidade do Banco do Brasil na G Magazine


Fonte: Reprodução ed. 82 e 83, G Magazine. O anúncio causou grande admiração no público da G.

Quanto à possível repercussão junto a outros grandes anunciantes que

poderiam, a partir de uma decisão mercadológica do Banco do Brasil, procurar a

Fractal e fazer anúncio na G, Ana Fadigas complementa:

Isso é milagre? Faz assim [estalar os dedos] e todos entram? Ai


que bárbaro olha o Banco do Brasil! As pessoas fingem que vêem. [...]
Ninguém olhou para o Banco do Brasil e falou: Nossa o Banco do Brasil
misturado com pinto! Ai que horror! Muito pelo contrário! Olha que atitude
linda do Banco do Brasil dá. Alguém escuta? Não! Por que a surdez é
conveniente. Por tudo isso é um tempo longo de educação do povo, da
agência, do anunciante, da importância da revista. Quando a revista for
superimportante... e ela já é bastante [...] Mas é um caminho. Eu já trabalhei
90

com outras revistas que não eram gays, e era assim. Agora eu vou cansar?
Nem morta! Nem mortinha (entrevista dia 23.05.2005, São Paulo/SP).

Um momento em que a G deixa clara a intenção de acompanhar o desejo

dos leitores brasileiros encontra-se na edição nº 04. Uma mensagem enviada por um

leitor de Belo Horizonte, fez severas críticas às várias publicações gays. Ele as

acusou de serem extremamente estereotipadas e de recorrerem a elementos que

desprezam a diversidade dos homossexuais. Nela é possível perceber que a G

agora abrevia apenas os últimos nomes. O recurso foi muito utilizado também em

matérias e reportagens para identificar a fonte:

[...] parece que conhecem muito bem seu público e nunca se deram ao
trabalho de fazer uma pesquisa séria nem mesmo para confirmar suas
suspeitas. [...] fico irritado em ver nela (na G) os mesmos vícios de suas
‘irmãs’: a crença que os homossexuais sentem uma atração incontrolável
por heterossexuais [...] a crença de que o homossexual adora ser chamado
de ‘bicha’, ou por nomes femininos [...] a crença de que o gay adora drag
queens, que são homens frívolos e mentalmente perturbados, pois acham
que o fato de gostarem de machos, automaticamente os transforma em
fêmeas! Me irrita ver essa gente tomando conta da mídia e empurrando seu
modo de vida goela abaixo dos outros gays. [...] minha impressão é a de
que o público alvo da G Magazine é um homossexual afeminado, frívolo,
chiliquento, que não perde uma chance de usar calcinha e sutiã, que se
considera uma aberração da natureza por ter nascido mulher em corpo de
homem que sente tesão imenso por heteros. [...] e com um sentimento de
culpa do tamanho do mundo por gostarem de pessoas do mesmo sexo (G
Magazine nº 04, janeiro/1998, Cartas, Alan P. F, Belo Horizonte/MG, p. 64).

Marília Scalzo escreve que “é necessário ter maturidade profissional para

assumir os próprios erros [...].” Abaixo da mensagem publicada do leitor, a G

responde em letras vermelhas: “Cara valeu! Escreva sempre pra gente saber como

estamos indo, o.k? Afinal, são as cartas dos leitores que norteiam nosso trabalho” (G

Magazine nº 04, janeiro/1998, Cartas, p. 64).

A experiência da revista G Magazine está nas palavras de Fadigas

(entrevista dia 23.05.2005, São Paulo/SP): “O leitor gay é extremamente crítico, é

um leitor que tem inteligência, ele é ácido, ele é amoroso, ele é apaixonado”.
91

Em agosto de 1998, a edição nº 11 (Figura 15), traz o nu do ator Matheus

Carrieri, conhecido por vários trabalhos em telenovelas da Rede Globo e por seu

último trabalho na novela Chiquititas no SBT. A G Magazine teve os números das

vendas aumentados vertiginosamente de 4.395 na edição nº 10 (julho/1998) para

37.362.

Em depoimento à revista Veja, Carrieri afirmou: “Fiz pelo dinheiro. Se a

mulherada pode posar nua, por que os homens não podem? [...] Não aceitei fazer

caras e bocas nem me vestir de marinheiro e mecânico” (Veja, 2005).

Desde a primeira edição que vendeu 12.529 exemplares, a edição que mais

vendeu foi a nº 06 (março/1998) – 13.718 exemplares – que na capa tinha dois

dançarinos do grupo Carrapicho (Figura 15).

Figura 15 – Os dois primeiros recordes de vendas da G


Fonte: Reprodução ed. 06 e 11, G Magazine. Celebridades masculinas nuas aumentam
extremamente o número de vendas.

O sucesso de Carrieri foi tamanho que rendeu convites para posar outras

duas vezes para a G. Na terceira ele posou com o filho de 19 anos, Kaike Carrieri. O
92

ator exigiu, que nas fotos, os dois não aparecessem de frente.

[...] O que um nome famoso fez com a revista? Lançou a revista! Ela [...]
tinha uma venda razoável, mas com o nome desconhecido. E aí de repente
vem o primeiro grande ator de TV que coloca seu nome e sua imagem e
isso produz um efeito. E depois vem o primeiro jogador de futebol
(Francisco Pellegrini, diretor administrativo, entrevista dia 25.05.2005, São
Paulo/SP).

Quando a revista G Magazine desnudou o ator Mateus Carrieri famoso por

seus trabalhos em televisão, a revista gay torna-se imediatamente mais conhecida

pelos homossexuais e, conseqüentemente, de parcela das mulheres heterossexuais

que viam concretizada, naquele momento, seu desejo de ver uma celebridade

despida.

Vocês conseguiram mostrar alguém conhecido nacionalmente


como veio ao mundo. Porque só as mulheres tinham esse privilégio?
Mateus Carrieri provou que o homem que é homem tem mais é que se
mostrar (G Magazine nº 13, outubro/1998, Cartas, Luiz – Curitiba/PR, pág.
64).

Nesse momento o artefato G Magazine passa pelo processo de

semiotização do periférico para o central dentro da cultura homossexual. E para a

cultura heterossexual ela sai da extracultura para a não-cultura, desta forma, ficando

conhecida, porém não aceita. A revista passa a representar através do erótico

proporcionado por celebridades ditas heterossexuais, o elemento transgressor como

forma de reclamar o direito de exercer o prazer livremente.

Conhecida em todo o Brasil, as fotos da primeira edição com o ator foram

distribuídas até em cópias piratas pela Internet. As cartas que fariam referência ao

ensaio do Carrieri seriam publicadas na edição de número 13 em diante, em face da

demora em receber as correspondências. “Vocês conseguiram mostrar alguém

conhecido nacionalmente como veio ao mundo. [...] Mateus Carrieri provou que

homem que é homem tem mais é que se mostrar.” (G MAGAZINE nº. 13,
93

outubro/1998, Cartas, Luiz – Curitiba/PR, p. 64).

Mateus Carrieri foi vítima de várias notas recriminatórias como pode denotar

outro leitor que escreveu:

Espero que todas as notas recriminatórias que saíram na


imprensa não passem de mal-entendidos, pois não vi nada de errado ou
ruim com as fotos. Tenho certeza de que essas mesmas pessoas que
‘jogam areia’ foram as primeiras a ver e gostar do trabalho. Sinceramente, já
está na hora de acabar com a hipocrisia: por que mulher posa nua e ganha
até programa na TV e homem tem de ser discriminado? [...] (G MAGAZINE
nº. 13, outubro/1998, Cartas, Ronaldo – Poá/SP, p. 64).

O ator de telenovelas não seria o único e, sequer, a última celebridade a

posar nu para a G Magazine. Jogadores de futebol também são alvos constantes da

publicação.

A “febre” de celebridades que viriam tirar a roupa foi destaque até na revista

Veja de 02 de dezembro 1998:

A desinibição com que heterossexuais convictos e famosos tiram


tudo, [...] para deleite de um público bem específico baliza uma formidável
mudança de comportamento. Os tempos definitivamente são outros — pelo
menos em comparação com os anos 60, quando o goleiro Raul, do
Cruzeiro, tinha sua óbvia masculinidade contestada pela torcida adversária
por usar camisa amarela em pleno campo, ou nos anos 80, quando o hoje
deputado Fernando Gabeira escandalizou com uma sunga de crochê na
praia. Hoje jogadores de futebol usam brinco e fazem trenzinho em campo
para comemorar os tentos. O que não significa que o preconceito em
relação a homossexuais se tenha, magicamente, evaporado. Héteros que
posam nus em revistas gays ainda abrem o flanco para piadinhas maldosas
e gozação dos amigos. (VEJA, 2005)

Vampeta, à época, do Corinthians (São Paulo), foi o primeiro grande jogador

de futebol a se despir para as páginas da publicação da Fractal. A partir daí outros

jogadores ficaram nus. Vieram Dinei (Corinthians), Roger (goleiro do São Paulo),

Bruno Carvalho (Flamengo) e Túlio Maravilha (jogou pelo Goiás) e Alexandre


94

Gaúcho (ex-jogador do Flamengo e Botafogo)54.

O desejo de ver gente despida excita mais o sexo masculino que o feminino,
55
o que, eventualmente, poderia explicar o insucesso da revista Íntima e Pessoal

(Figura 16) publicada pela editora NBO em 2000, dirigida ao público feminino, com

vasto material informativo e de grande qualidade gráfica. Posteriormente, a revista

mudou de nome e de editora, passando a se chamar Íntima e Pessoal, publicada

pela Sales Editora.

‘O homem tem um erotismo mais visual e a mulher, mais tátil’,


compara Gilda Fucs. Toda regra, como se sabe, tem sua exceção: a revista
com o ator Mateus Carrieri teve venda significativa entre as mulheres. Uma
senhora chegou a pará-lo na padaria para saber se tinham usado recursos
de computador para aumentar seus impressionantes dotes naturais. Ele
negou, categórico. (VEJA, 2005).

Figura 16 – Revista Íntima. Fracasso na conquista do público feminino


Fonte: Reprodução ed. 02, revista Íntima e ed.11, revista Íntima & Pessoal. Da esquerda para a
direita, sem o nu frontal. Depois, com o nu frontal sem ereção.

54
Dinei (Edição 17), Roger (Edição 25), Bruno Carvalho (Edição 58) e Túlio Maravilha (Edição 75).
55
A publicação havia sido, inicialmente, publicada pela Salles Editora.
95

Aliás, o que determina o número de leitores, homens e mulheres, é o ensaio

de capa. Quando o modelo escolhido é uma celebridade a revista é vendida para

70% de leitores homens, contra 30% de mulheres. Quando não, esta proporção

passa a ser de 85% homens e 15% mulheres.

Ainda sobre a Íntima e Pessoal, Sílvia Campos (Figura 17), responsável pelo

marketing da revista G diz:

A Íntima quebrou por que não tinha público. [...] ver a bunda do
homem? [...] Seja alguma coisa, ou não seja nada, ou seja apenas
comportamento. [...] Pra quê público? Mulher foi criada pra ter vergonha do
nu. Quem gosta do nu é puta. (sic) Isso vem de gerações em gerações
(entrevista dia 25.05.2005, São Paulo/SP).

Figura 17 – Sílvia Campos e Francisco Pellegrini


Fonte: Arquivo pessoal. Foto realizada dia 25/05/2005 durante visita a sede da Fractal.

Afirmação ratificada por Marília Scalzo (2004, p. 61) onde ela diz que “muitas

revistas morreram, e outras continuarão a morrer, porque seus leitores mudaram e

elas não souberam acompanhá-los”.


96

Em outubro de 1999, a edição nº 25 que tirou a roupa do goleiro do São

Paulo, Roger José Noronha Silva, ou simplesmente, Roger, foi uma das que mais

teve repercussão. Por pouco ele não foi demitido do time.

A revista procura atender aos pedidos dos leitores com relação ao ensaio

principal. Como no caso de um leitor de Santos/SP, na seção de cartas da edição nº

17 (fevereiro/1999) que pediu, ainda empolgado com as fotos do Vampeta, “que tal

tirar a roupa, do Viola, do Raí, do Ozéias, do Túlio etc. Por que não tirar a roupa do

Otávio Mesquita?”. O pedido do Túlio foi aceito e o jogador posou na edição nº 75,

gerando entrevistas em programas de televisão como Boa Noite Brasil56.

Em entrevista, ainda para a revista Veja, o editor da G Magazine à época,

João Andrade afirmou que os leitores “querem tipos másculos. Reclamam quando

fotografamos homens com jeito efeminado". (VEJA, 2005).

Ana Fadigas (entrevista dia 23.05.2005, São Paulo/SP) ratifica, pouco mais

de seis anos depois, que o gosto do leitor não mudou:

Recebemos e-mails assim: nós não queremos ver gays. [...] Eles
falam assim: Ana, me desculpe, mas gostamos de homem. Mesmo que seja
gay, o homem, o padrão, o foco da revista [...] é o homem com
comportamento masculino.

Curiosamente, este mesmo leitor, em momentos íntimos, deverá se

encontrar com outro homem de sexo biológico homem, cujo comportamento deverá

ser, no mínimo, gay.

Na edição nº 25 a revista desnudou, aos 23 anos, Luis Cláudio Alves da

Silva, o jogador de voleibol Lilico, assumidamente homossexual, que na capa da

mesma edição, coincidentemente ou não, constava também um desportista, o

56
Boa Noite Brasil é um programa de auditório apresentado por Gilberto Barros na rede Bandeirantes
(Band).
97

goleiro Roger.

Todavia, nenhum modelo, dos ensaios fotográficos eróticos, tirou a roupa

para a G e assumiu a homossexualidade ao mesmo tempo. Fazendo da publicação

da foto um outing. Lilico, por exemplo, admitiu ser gay publicamente no início de

1999 e depois fez o ensaio para a revista.

Outros nomes famosos57 como Latino (cantor), David Cardoso Jr. (ator da

novela Zazá, rede Globo), David Cardoso (ator de filmes de pornochanchadas),

Victor Wagner (ator da novela Xica da Silva, rede Manchete), Márcio Duarte (cantor

e irmão do pagodeiro Vavá), Roger (banda Ultraje a Rigor), Nico Puig (ator), Rubens

Caribé (ator), Marcelo Picchi, Conrado (cantor e ator), Alexandre Frota (ator), Marco

Baby (locutor da Jovem Pan FM) e entre tantos outros.

Em alguns casos, rapazes que saem na G por serem famosos, ainda podem

ganhar mais espaço na mídia. É o caso de Theo Becker (edição 50) que foi ajudante

de palco em programa de TV da Xuxa e, algum tempo depois do ensaio na G

Magazine, fez parte do elenco de uma novela Celebridade da rede Globo. Ou o caso

de outro ajudante de palco, também da Xuxa, Renato Viana, que hoje faz parte do

elenco da novela Floribella da Band.

A revista sempre teve sucesso nas repercussões geradas com os ensaios

fotográficos. Mas um fato desagradável fez parte da história da G.

Foi o caso do cabeleireiro Cláudio Farias. Ele foi acusado de bater na

cantora Gretchen, sua ex-noiva. Tempos depois após a edição nº 62 ir às bancas,

ele foi morto num ponto de venda de drogas na cidade de Recife/PE.


57
A revista também buscou mostrar pelados cantores, pagodeiros, atores de novela, de bandas já
extintas, bem como bandas em pleno trabalho, participantes de programas de TV, conhecidos
como reality show como Acorrentados, No Limite e Big Brother Brasil (Globo), Casa dos Artistas e
O Conquistador do Fim do Mundo (SBT). Também já tirou a roupa do Homem-Bambu (Marcelo
Jakybales), personagem do Pânico da TV (Rede TV!) que, a exemplo das mulheres, que ficam
dançando com trajes curtos em programas de TV, são convidadas para tirar a roupa em revistas
eróticas. Todavia, diferentemente de tantas mulheres que ficam mais famosas depois dos ensaios
fotográficos, o Homem-Bambu foi demitido da Rede TV!.
98

Acho que são fases da revista. [...] se eu pudesse voltar algumas


páginas, eu não faria. Ou melhor faria... por que são aprendizados muito
duros. Lógico que toda capa a gente está pensando na venda. [...] Essa
particularmente foi muito infeliz... a escolha dele. [...] Eu sou bem
responsável por essa escolha. Por que houve muita pressão para que ele
não fosse capa. E eu sentia uma coisa muito ruim em relação a ele. [...]
Uma coisa da mídia muito em cima. [...] Por que a história desse rapaz é
uma história muito trágica. Tanto que ele morreu numa boca de droga. [...]
Ele foi acusado de tantas coisas [...] a história verdadeira tem nuances que
não são totalmente verdade e nem totalmente mentira. [...] E talvez por [...]
não querer [...] botar ninguém num julgamento [...] foi num momento que a
revista queria ficar tão isenta que pra ela acabou não sendo uma coisa
legal. A edição não vendeu muito. [...] A gente aprendeu com isso [...] Essa
teve uma conotação ruim. [...] Houveram alguns casos quando a G ainda
não tinha tantas representatividade. [...] Às vezes você vai ser malhado de
qualquer jeito (Ana Fadigas, diretora e editora, entrevista dia 23.05.2005,
São Paulo/SP).

Marília Scalzo cita Thomas Souto Corrêa onde ele afirma que “capa é feita

para vender revista”. A capa é o resumo irresistível da edição, ela deve seduzir o

leitor. E no caso da G Magazine essa sedução, tem como plano principal o apelo

erótico.

Para as fotos com o falo ereto, os rapazes fazem uso de revistas eróticas

inseridas numa cesta que disponibiliza revistas de mulheres e homens nus e,

eventualmente, utilizam drogas vasodilatadoras como o Viagra. Passam óleos, usam

lentes de contato coloridas e ou iluminação especial para realçar partes do corpo.

Para o segundo ensaio, chamado de Desejo, os desnudos são rapazes do

dia a dia como advogados, estudantes, strippers, modelos indicados por agências

ou, até mesmo, rapazes que procuram a revista. Eles são escolhidos em dias

específicos. Durante a seleção pede-se ao rapaz para ficar com o pênis duro.

Todavia, se estiver acima do peso, por exemplo, solicita-se ao rapaz exercícios

físicos e depois ele volta para mostrar os resultados.

Os pênis não são aumentados em programas de computador. A equipe de

arte limita-se a retirar algumas imperfeições, como berrugas e manchas.

O Brasil é o único país do mundo a ter publicações que exibem celebridades


99

sem roupa, que não sejam especificamente do meio erótico: Playboy e G Magazine.

A G Magazine ainda é mais ousada, além de ser a única revista gay no mundo que

apresenta o nu de celebridades masculinas, os modelos – celebridades ou não –

são fotografados com o pênis em riste o que traz à revista uma característica,

deveras,

muito peculiar [...] Ela é única no mundo. Inclusive o Brasil tem uma coisa
especial com nudez. [...] A Playboy também, no Brasil, é o único país onde
as famosas posam. Aqui não é pejorativo, aqui não pega mal para uma atriz
como a Déborah Secco sair na Playboy. Nos Estados Unidos acaba uma
carreira de uma atriz, ou em Portugal ou na Europa. Não existe isso. A
gente tem um moral um pouquinho diferente. E a G Magazine é a única
revista gay do mundo que publica famosos. Por que no mundo todas as
revistas gay ou tem conteúdo sério, como Advocate (EUA) e Têtu (Figura
18) na França com um pouquinho de apelo erótico [...] É uma revista
maravilhosa, o papel é superbom, os anunciantes são como a Volkswagem
[...] Mas não tem essa característica que a gente tem. [...] É uma
especialidade brasileira. [...] A desculpa dos anunciantes [...] é o medo do
falo ereto (Sérgio Miguez, editor, entrevista dia 23.05.2005, São Paulo/SP).

Figura 18 – Revistas The Advocate e Têtu


Fonte: Reprodução www.theadvocate.com e www.tetu.com. Da esquerda para a direita, a revista
americana e a francesa que são sucessos editoriais no segmento.
100

Ainda segundo a revista Veja, na reportagem Machões e Peladões, “só no

Brasil que um ator primeiro fica famoso, depois posa nu. A regra no resto do mundo

é o artista de sucesso mover céus e terra para impedir a divulgação de fotos

reveladoras dos tempos de vacas magras58” (VEJA, 2005).

Quanto ao cachê, conforme especulações das mídias sensacionalistas ,pode

variar de R$ 40 mil até R$ 300 mil. As fotos que são publicadas são escolhidas pelos

modelos em conjunto com a equipe da G.

Isso é uma coisa que você não vai conseguir. Nem que eu te
responda nem nada. É a coisa mais confidencial do mundo. Não tem jeito.
Eu vou te mentir tudo. Por contrato a gente não pode falar e ele não pode
falar. Por contrato ele pode dizer o que eles quiserem. (Ana Fadigas,
diretora e editora, entrevista dia 23.05.2005, São Paulo/SP)

Após o episódio de preconceito contra Jean Wyllys, no programa Big Brother

Brasil, os rapazes que faziam parte do grupo que se juntou para eliminar os demais

participantes da disputa, foram cogitados para tirar a roupa para a G Magazine.

Imediatamente, homossexuais do Brasil inteiro, encheram com e-mails a

redação da revista para dizer que não comprariam a publicação com fotos eróticas

dos rapazes. A revista decidiu que não faria nenhum ensaio.

Porém, Alan que, logo no início do programa, foi um dos responsáveis pelo

complô contra Jean, recebeu convite para posar para a G do mês de agosto de

2005. O ex-BBB e a equipe financeira da revista G Magazine, não entraram em

acordo sobre o valor do cachê. No mesmo mês, Grazielle Massafera, também

58
As celebridades masculinas entram na Justiça para evitar que fotos deles pelados sejam
divulgadas. O ator Leonardo DiCaprio perdeu na justiça contra a revista americana Playgirl, que
mostrou fotos dele nu, baseadas em cenas do filme Eclipse de uma Paixão. Outro que perdeu na
justiça foi Brad Pitt para a mesma revista que publicou fotos dele pelado, adquiridas com um
fotógrafo. “Já Arnold Schwarzenegger ganhou uma indenização do jornal inglês Sunday Mirror, que
comprou fotos do fortão nu num vestiário e publicou-as como ‘as fotos gay de Arnie’ ”. (Veja,
Machões e Peladões. São Paulo: Abril, 1998. Disponível em: <http://veja.abril.com.br
/021298/p_114.htm>. Acesso em: 29 jun. 2005)
101

participante do último Big Brother Brasil e noiva de Alan, será capa da revista

Playboy.

No mês de abril de 2005, a revista G Magazine, no estado do Rio de Janeiro,

como outras revistas eróticas, teve a capa da edição nº 91 (Figura 19), censurada

por decisão judicial. Na capa o costureiro Clodovil Ernandez e, de sunga, o modelo e

estudante de Direito, Júlio Capeletti. A capa foi censurada com uma tarja preta que

cobria apenas o modelo.

Figura 19 – A censura no Rio de Janeiro


Fonte: Reprodução www.gonline.com.br. Para o estado do Rio de Janeiro, a revista circula com uma
tarja negra que cobre apenas o modelo do ensaio fotográfico.

A Fractal Edições já publicou outras revistas eróticas e pornográficas 59 como

Fotonovela Gay60, Lolitos61, Relatos Eróticos62, Fetiche Gay63 e Transex, esta última

59
[...] eu detesto essa palavra: pornografia. Por que eu desconsidero pornografia. Eu acho tudo que é
um ato humano é um ato de prazer, de felicidade. [...] Eu Ana Fadigas [...] não estou colocando
uma regra para o mundo. [...] A maldade é uma pornografia. [...] A G me ensinou tanto coisa.
(entrevista dia 23.05.2005, São Paulo/SP). Neste momento, parafraseando Kovach e Rosenstiel
(2003:289), os valores do proprietário influenciam a natureza de um impresso.
60
Revista com sexo explícito. Não é mais publicada.
102

voltada para o nu de transexuais e travestis. A editora cogita voltar a publicar esta

última.

2 Características editoriais

A revista G Magazine, hoje com 100 páginas, no decorrer de sua existência,

foi sendo aperfeiçoada em seu aspecto gráfico. Letras, figuras e ícones

extremamente coloridos, que poluíam o visual da publicação, foram substituídos por

um aspecto mais limpo/leve, com colunas, retrancas, orelhas e boxes

simetricamente colocados, tantos nas matérias quanto nas páginas que contém

muitos boxes, como pode ser percebido no exemplo a seguir, tirado da página do

sumário de três edições (Figura 20). Ultimamente, o papel utilizado na impressão da

revista, é de altíssima qualidade: para o miolo é o Cromo 75 gramas e, para a capa é

o Couchê 150 gramas.

Figura 20 – Exemplo de evolução gráfica


Fonte: Reprodução ed. 02, 50 e 94, G Magazine. As primeiras edições tinham um visual poluído que,
com o passar do tempo, tornou-se mais leve, como no exemplo do sumário.

61
A revista não é mais publicada. Os ensaios privilegiavam rapazes mais novos cujas idades
variavam entre 18 e 26 anos.
62
A revista apresenta apenas contos e relatos eróticos.
63
Revista com fotos de modelos pelados que, ao final, se masturbam e ejaculam.
103

Um material com grande beleza e qualidade atrai um público exigente, afinal,

os jornais e revistas são um campo de grande atuação do design gráfico.


Pois, design e conteúdo são elementos inseparáveis. É importante
estabelecer um equilíbrio entre eles, pois, este mecanismo é a amarra de
comunicação para os leitores. [...] Desta forma, função, forma e conteúdo
estabelecem um triunvirato que decidem se os periódicos terão sucesso, ou
não (RODRIGUES apud Imagem & Diversidade Sexual, 2004, p. 282).

A publicação conta com editorial, sumário, página dedicada aos clippings de

notícias do mundo gay (G Press); 13 colunistas tratam de diversos assuntos; três

páginas de entrevista com personalidades do mundo gay ou com pessoas que

tenham conhecimento sobre homossexualidade ou simpatizantes à causa.

Entre os colunistas temos: Jean Wyllys, que assina a coluna Palavra de

Homem; João Silvério Trevisan, coluna Olho no Olho; Nany People – Na linha com...

Nany People; Renato Fernandes – Estilo; David Brazil, que assina sua coluna com o

próprio nome (Tabela 01).

Um aspecto interessante é denotar a presença de um espaço chamado

Diversidade. Nele, estão presentes colunistas que representam vários segmentos do

mundo homossexual. São eles: Rogério Munhoz – Ursos; De Lima e Douglas –

Família; Léo Bolanski – Positivo; Yáskara – Lésbicas; Cláudia Wonder – Trans

(Tabela 01).

Na página chamada S.O.S., a psicóloga Ita P. Wilde de Moraes e o clínico

geral Ricardo Tapajós, tem contato direto, através de e-mail ou cartas, com os

leitores que desejam tirar eventuais dúvidas sobre saúde.

Na última página da revista encontramos um espaço onde se revezam dois

colunistas: Vangel Leonel (cantora e escritora) e Glauco Mattoso (poeta). Leonel fala

a respeito de como uma lésbica vê o mundo gay e Mattoso inspira-se em temas que

envolvem a vida de homossexuais cegos.


104

Os assuntos abordados nas matérias e reportagens contam freqüentemente

com espaços para saúde/corpo, auto-ajuda, comportamento, tributos aos ícones e

ídolos de gays, viagem/turismo e reportagens especiais. Outros espaços podem

surgir conforme o contexto e temas que venham a ser debatidos no universo

homossexual.

Tabela 01

Colunistas e Cronistas da G Magazine64

Colunista Nome da Coluna Atuação Temas da Coluna


Jean Wyllys Palavra de Homem Professor, escritor A visibilidade gay na mídia
e jornalista
João Silvério Trevisan Olho no Olho Jornalista e escritor O comportamento do mundo e política gay
Nany People Na linha com... Nany Drag queen Crônicas bem-humoradas do dia a dia
People
Renato Fernandes Estilo Não informado na Temas relacionados à moda, beleza, bem-
revista estar e referências às pessoas-de-bem-
com-a-vida
David Brazil David Brazil Promotor de Homens belos e pessoas em voga na cena
eventos gay
Cláudia Wonder Trans Não informado na Temas relacionados às transgêneros
revista
Rogério Munhoz Ursos Professor Temas sobre o grupo conhecido como
ursos – homens gays que não atendem à
cultura do corpo perfeito
De Lima e Douglas Família Não informado na Os dois colunistas destacam o cotidiano da
revista família gay
Léo Bolanski Positivo Não informado na Temas de pessoas que vivem com o
revista HIV/Aids
Yáskara Lésbicas Não informado na Política e comportamento do mundo lésbico
revista
Fonte: Fractal Edições

Uma página é dedicada aos contos eróticos que, geralmente, são enviados

64
Dados coletados nas três últimas edições (92, 93 e 94).
105

por leitores da G. Página encontrada desde o princípio da revista, quando ainda

contava com seção de encontros – cartas publicadas dos leitores que procuram

amigos ou parceiros para se relacionar.

O conteúdo é acompanhado por um editor, editor chefe e, em alguns casos,

pela diretora da publicação. Em geral, a equipe da revista atua em conjunto, tanto no

material escrito quanto no fotográfico.

A revista conta com colaboradores que trabalham no sistema free-lance.

Eles enviam pautas de diversos lugares do país, que podem ser acatadas ou não,

em reuniões de pauta. Na sede da editora trabalham cerca de 18 funcionários.

Tendo em vista se tratar de publicação mensal, as informações são tratadas

para agregar valor pois, “a periodicidade mais elástica exige que o jornalista

encontre novos enfoques para os assuntos de que vai tratar, buscando sempre uma

maneira original de abordá-lo” (SCALZO, 2004, p. 65). Confirmado pela equipe da G:

Trabalhamos às vezes dois meses antes de cada edição. Agora


estamos fazendo julho. [...] Quando eu for cobrir a Parada a revista de julho
estará pronta. Já estarei fazendo a de agosto. É difícil a G noticiar a parada,
por exemplo. [...] Na verdade é difícil para qualquer revista mensal. [...] A
cobertura não é mais uma cobertura jornalística. Ela passa a ser um
comentário sobre o fato ou uma análise sobre o fato. (Sérgio Miguez, editor,
entrevista dia 23.05.2005, São Paulo/SP).

3 As reportagens e a opinião do leitor

Quando acompanhamos cartas e e-mails que são publicadas em revistas,

temos uma noção do que o leitor pensou a respeito do que foi noticiado. Suas

considerações são importantes para darmos vazão ao trabalho nas redações. Desta

forma sabemos o que leitor deseja da revista.

Para este trabalho estão selecionadas reportagens da revista G Magazine


106

que têm, pelo menos, duas fontes. As outras matérias com uma característica

apenas informativa, na qual não há entrevistado, foram desconsideradas. Notas,

colunas, entrevistas também não são objeto de estudo. Sendo livre a utilização

desses últimos para agregar informação.

Todas as revistas G Magazine – desde a edição nº 01 até a edição nº 94 –

foram verificadas65. Destas, foram selecionadas as reportagens onde, inicialmente,

chegou-se a um número de 94 reportagens que podem ser encontradas em número

de duas em cada edição, três ou, até mesmo, nenhuma matéria que se relacione ao

trabalho.

Desta forma, verificadas as edições posteriores, para localizar cartas ou e-

mails que fizessem menção ao material descrito, reduz-se o número para 29

matérias. Por conseguinte, foram escolhidas apenas as reportagens que, tivessem

nas edições posteriores, duas ou três mensagens de leitores na seção de cartas.

Assim foram identificadas oito matérias, conforme tabela abaixo.

Tabela 02
Reportagens analisadas e totais de cartas que as referenciam

Edição Mês/Ano Reportagem Total de cartas


32 mai/00 Sexo X Cifrões 2
37 out/00 A mestre com espinhos 2
39 dez/00 Bears - Gordos, peludos e de bem com a vida 3
44 mai/01 Mães do Bem 2
45 jun/01 A homossexualidade segundo o Espiritismo 2
53 fev/02 Pegação - Amada ou odiada. Uma paixão mundial 2
64 jan/03 Happy hour GLS (Shoppings) 2
73 out/03 As cidades pequenas e a vida gay 2
Fonte: Fractal Edições

65
A edição nº 94 está inserida, todavia apenas para averiguar se há cartas que fazem referência a
reportagem selecionada da edição anterior.
107

Com o título Sexo X Cifrões, a primeira reportagem trata dos homens que

procuram o sexo pago por prazer ou por falta de companheiro. Eles procuram

parceiros em saunas, boates e locais de grande aglomeração de garotos de

programa, também conhecidos como michês.

Publicada na edição nº 32 de maio/2000, a reportagem teve duas

mensagens de leitores publicadas na revista, uma na edição 33:

Gostei da matéria ‘Sexo & Cifrões’. Tem muita verdade. Afinal,


desde que o mundo é mundo, sempre existiu gente que paga e que cobra
para fazer sexo. Talvez alguns hipócritas não tenham gostado, mas a G
deve continuar com essas reportagens, doa a quem doer. Acho melhor que
outras, onde existem milhares de futilidades. Nem todo gay é fútil (G
Magazine nº 33, junho/2000, Cartas, Hélio, Salvador, BA).

E outra na 34:

Na edição de maio, li e, em parte, gostei da matéria sobre sexo


pago. Mas os senhores esqueceram os riscos que existem nessas coisas.
Com meus amigos e comigo já aconteceram coisas muito perigosas. No
meu caso, chamei um massagista por meio de anúncio de jornal. Ele
chegou com drogas e, depois, tentou me chantagear, dizendo que tinha
ligações com a polícia. Mas, como moro em casa vizinha a muitos edifícios,
sai na janela gritando por socorro. Ele se assustou e, assim mesmo, levou
dinheiro, talão de cheques e dois cartões de crédito, que deram muito
trabalho para cancelá-los. Já é tempo de esta revista ficar mais politizada (G
Magazine nº 34, julho/2000, Cartas, Antônio Ferrão, Rio de Janeiro, BA).

O leitor de revista deseja a informação direta e não incompleta. O “bom texto

é o que deixa o leitor feliz, além de suprir suas necessidades de informação, cultura

e entretenimento”. (SCALZO, 2004, p. 76) O que gera a resposta da revista:

Caro Antonio, embora a matéria seja mais sobre as razões que


levam as pessoas a optarem pelo sexo pago, logo no primeiro depoimento
há uma advertência sobre o perigo e a violência que existem nesse
comportamento (G Magazine nº 34, julho/2000, Cartas).

Com o título Ao Mestre, com Espinhos, publicada na edição nº 37 de

out/2000, a reportagem teve duas mensagens de leitores publicadas na revista, uma


108

na edição 39 e outra na 40. A reportagem fala dos professores gays e suas

dificuldades para lecionar por causa do preconceito.

[...] A matéria ‘Ao Mestre com Espinhos’ me fez lembrar de quando uma
professora disse em sala de aula, aqui na faculdade, que homossexualismo
está comprovado que é um fator biológico, a criança já nasce assim, é um
desvio, uma fatalidade, assim como nasce um mongolóide, também pode
nascer um homossexual, e que todos devem estar preparados. Que coisa.
Professora de faculdade! Gente, a revista atingiu mais uma vez um alto
estágio de qualidade gráfica, fotográfica e jornalística (G Magazine nº 39,
dezembro/2000, Cartas, Christian, Paranaguá, PR).

O elemento alegado como científico e utilizado pela professora para explicar

as razões da homossexualidade, pretende reforçar a norma sexual regulatória: a

heterossexualidade. Desta forma “reduz as experiências a estereótipos

encarregados de conter as dispersões para conservar o regime de signos

hegemônicos”. (SILVA, 2001, p. 33)

Significa dizer que o padrão heterossexista busca reduzir o valor do signo de

tudo aquilo que está fora do que ele determina como normal, gerando o preconceito

e, por conseguinte a discriminação. Assim,

é lamentável perceber como, ainda hoje, em muitas ocasiões e em muitos


espaços sociais, o tratamento com as diferenças está baseado em
discriminação, preconceito e exclusão, demonstrando, assim, um
desconhecimento dos parâmetros de sua construção. A discriminação, o
preconceito e a exclusão passam a ser formas de negar as diferenças,
talvez porque elas fazem pensar as ‘verdades’ e as identidades. Essa visão
está nesta perspectiva, agindo muito mais para perpetuação dessas
diferenças do que para a sua superação, exigindo posturas e tentativas de
mudanças (FERRARI apud A Escrita de Adé, 2002, p. 336).

Mesmo que seja norma convencionada, o jornalismo deve prover um espaço

para o debate e um fórum para a crítica, o que torna “possível criar uma democracia

mesmo num país maior, diversificado [...]” (KOVACK; ROSENSTIEL, 2003, p. 207).
109

[...] parabéns pela excelente matéria Ao Mestre com Espinhos. Só a G para


lembrar de nós, professores, e de nossos problemas quanto à aceitação de
nossa sexualidade. (G MAGAZINE nº. 40, janeiro/2001, Cartas, André de
Souza, Rio Bonito, RJ)

A afirmação do leitor André fica mais clara quando percebemos que “somos

uma sociedade em que a sexualidade ainda não está livre. A sexualidade está

trancafiada. [...] somos uma sociedade que não respeita os direitos e principalmente

as necessidades das pessoas” (COSTA, 1994, p. 201).

Em dezembro de 2000, é publicada a reportagem Bears: Gordos, Peludos e

de Bem com a Vida, que faz referência a um grupo de homens que não reproduz o

“ideal de beleza” masculina. Eles são gordos e peludos e vivem bem assim. A

reportagem obteve três mensagens de leitores em diferentes edições:

Surpreendo-me escrevendo pela segunda vez para uma revista.


Acho que me identifico com a G, que não resisto. No fundo, quem sabe, a G
atenua um pouco a minha solidão e me faz acreditar que a felicidade é uma
questão de procurar, procurar sempre. [...] em edição posterior, foram
publicadas as fotos com o Roger, da Banda Ultraje. Mas que homem feio.
Faço um comentário jocoso não para criticar, mas como nova defesa da
minha tese: se houve coragem para fotografar o Roger nu, por que não um
ursinho com todas as suas delícias fofas? Afinal, o que seria do verde se
todos gostassem do amarelo? Por gostar de ursos, até há pouco tempo eu
me considerava uma espécie de anormal. Então conheci um casal de ursos.
Resumindo, o lado bom desta história é que deixei de me sentir anormal
entre os meus pares. Aí vocês publicam a matéria sobre os ursos. Me
emocionei e me encontrei (G Magazine nº 43, abril/2001, Cartas, Fernando,
Porto Alegre, RS).

Ao afirmar “me emocionei e me encontrei” o leitor aponta para uma das

finalidades primordiais do jornalismo: “a imprensa funciona como um guardião tira as

pessoas da letargia e oferece uma voz aos esquecidos” (KOVACH; ROSENSTIEL,

2003, p. 31).

[...] Na edição de dezembro, aquela foto jamais deveria ter ilustrado a


matéria de ursos. Não gostei porque não me vejo daquela maneira e nem
faço apologia do desleixo na aparência. Os gays são narcisistas e ‘voyeurs’
em maior ou menor escala, não existe isso de achar obesidade sexy. O que
110

de fato existe nos ursos é atração pelos aspectos viris, em especial os pêlos
e a força muscular (G Magazine nº 44, maio/2001, Cartas, Gregory, Rio
Branco, AC).

O leitor afirma – de maneira categórica – que ignora a diversidade entre

homossexuais. Todavia a diversidade homossexual “é um fato importante, pois eles

não devem ser considerados apenas uma minoria, mas exploradores para toda a

sociedade dos variados modos de se viver a sexualidade” (TOURAINE, 2004, p.

248).

[...] quando vocês publicaram a matéria sobre os Ursos (sou gordinho e a


matéria me atingiu de maneira especial). Quero parabenizá-los pelo trabalho
e pelo respeito que vocês desenvolvem para a cena GLS. Assumi minha
homossexualidade assistindo a série da MTV ‘20 e pouco anos’, onde, entre
outros, estava o Rogério Munhoz. Queria muito conhecê-lo e para dizer o
quanto ele mudou minha vida. Se agora não me escondo mais dos meus
amigos e familiares, foi graças a sua coragem em se assumir em rede
nacional. Qual foi a minha surpresa esse mês quando ao comprar a G e
corri para ler a minha seção preferida: a coluna dos ursos que ele assina.
Que idéia é essa de tirar a coluna dos ursos da revista? Será que vocês
fazem parte da parcela de preconceituoso contra os quais lutamos? (G
Magazine nº 49, outubro/2001, Cartas, Marcos, por e-mail)

O público homossexual exige ser reconhecido publicamente como tal ou

acabam obrigando personalidades reconhecidas a assumirem sua posição perante a

sociedade (TOURAINE, 2004). A coluna voltou a ser publicada respeitando a grande

quantidade de cartas e e-mails de leitores pedindo o retorno. A atitude da revista em

devolver a coluna Ursos, alerta para o fato de que é essencial ter um canal aberto

com o público.

É comum ouvirmos relatos de mães que sempre apoiaram os seus filhos

quando no processo de aceitação da homossexualidade. A equipe da revista

acompanhou algumas mães e descobriram que elas são realmente árduas

defensoras de sua prole.

Em maio de 2001, a edição de nº 44 faz a reportagem Mães do Bem. Foram


111

localizadas duas mensagens de leitores na seção de cartas da edição 46.

Essas mães verdadeiras, que eu envio um abraço de coração a


coração. Ser mãe é isso aí, é aceitar e amar incondicionalmente. O meu
abraço, que não é em qualquer hipótese de apoio nem solidariedade,
porque elas não precisam disso, mas é de admiração e afeto pela grandeza
desses corações, que podem se colocar acima das banalidades do
socialmente aceito, não sou mãe, mas sinto grande simpatia por essa gente
corajosa, que ama de verdade, superando barreiras (G Magazine nº 46,
maio/2001, Cartas, Anna Luiza, por e-mail).
Na G nº 44, importante a matéria Mães do Bem. Quem tem o
apoio da mãe tem apoio de Deus e se esta pessoa está do seu lado, não há
barreiras que te impeçam de ter uma vida cheia de amor, sendo homo, ou
não. [...] (G Magazine nº 46, maio/2001, Cartas, A. P. Jr., São Roque, SP).

Tal como diz a máxima: “mães são todas iguais, apenas mudam de

endereço”. A relação de mães e filhos “não pode ser reduzida a uma relação social,

a um processo de socialização. Trata-se aqui da formação de sujeitos por suas

relações amorosas” (TOURAINE, 2004, p. 252).

Uma das práticas religiosas que aparentemente nada falam sobre a

orientação sexual do indivíduo é a espírita. Os escritos do francês Allan Kardec, que

datam do século 19, tem vários seguidores aqui e, por conseguinte, fazem do Brasil

a maior nação espírita do mundo.

A reportagem A homossexualidade segundo o Espiritismo, publicada na G

Magazine nº 45 em junho 2001 tratou de investigar as interpretações do espiritismo

quanto à homossexualidade, que podem ser a favor ou contra.

Sou kardecista, espírita, como preferem alguns, e li a reportagem


sobre Espiritismo. Como homossexual também tenho buscado respostas
para minha, nossa, condição. Algumas vezes encontro consolo, outras
acusações. Em minhas reflexões sempre me volta uma definição que há
anos ouvi de uma amiga: ‘Deus deve ser grande o bastante para dar maior
importância ao que levamos no coração do que a quem doamos nosso
amor’. Isso me faz pensar que de acordo com os postulados do Espiritismo,
estamos todos em evolução. Se ainda somos incapazes de nos explicar,
procuremos melhorar aquilo que está ao nosso alcance e um dia seremos
LUZ. Há virtudes que estão ao nosso alcance: lealdade, honestidade,
fidelidade e amor. Estamos aptos a desenvolvê-las e praticá-las. Obrigado
por levantarem a questão (G Magazine nº 46, maio/2001, Cartas, Luiz
112

Ricardo, por e-mail).


[...] A matéria sobre o Espiritismo procurou ser abrangente e
imparcial, com diversas referências bibliográficas e opiniões de marcantes
figuras do Espiritismo. Mas é preciso esclarecer que há mais livros espíritas
(psicografados) tratando do assunto. E aqueles enunciados não expuseram
tão claramente a posição do Espiritismo sobra a questão. O fato é que o
Espiritismo apóia o homossexualismo. Em Sob a Luz do Espiritismo, do
Espírito Ramatís, um capítulo defende abertamente a normalidade,
moralidade e até mesmo as virtudes mais notáveis dos homossexuais! Em
vida e sexo, do Espírito Emmanuel, o mentor não deixa dúvidas quanto à
normalidade da homossexualidade, além de afirma que os gays devem se
agrupar para se proteger enquanto a sociedade não evoluir o suficiente para
aceitá-los. Parabéns a G, mas sugiro nova abordagem com extratos das
obras que citamos. Isso ajudará gays espiritualistas a ‘sair do armário’,
como me ajudou no passado (G MAGAZINE nº. 46, junho/2001, Cartas,
William, por e-mail).

A relação com Deus tornar-se uma fuga do mundo real. Uma busca pelo

ideal que se procura viver. Exemplo disso é a religião espírita e o candomblé onde

grande parte dos gays assumidos se encontram. Reafirmando o dito acima,

observamos que,

o misticismo, seja ele cristão, judeu ou mulçumano, é um tipo de negação


do humano, do social e do psicológico, que são preenchidos por algo que
na tradição cristã, chamamos de amor, uma relação quase erótica com
Deus. (TOURAINE, 2004, p. 202)

Sexo sem compromisso em lugares públicos, esse foi o tema da reportagem

Pegação66 - Amada ou odiada, uma paixão mundial publicada da revista G nº 53 de

fevereiro de 2002. A prática que nasceu dos anos de repressão, é recorrente entre

homossexuais masculinos que não têm um namorado, ou companheiro fixo, ou até

mesmo é prática entre aqueles que não querem reproduzir a relação heterossexual.

A reportagem teve duas mensagens de leitores publicadas nas edições 55 e 57.

67
[...] curto pegação. Clubes, saunas, cinemas, dark-rooms , e meu preferido:
os banheiros. Logo, foi fácil me identificar com a matéria sobre pegação

66
Pegação é um termo utilizado entre os homossexuais masculinos para definir o ato do sexo sem
compromisso em lugares públicos.
67
Dark-rooms são salas escuras, encontradas tanto em boates como em saunas, onde os
freqüentadores podem ter intimidades sem se reconhecerem.
113

publicada na edição de fevereiro de 2002. [...] não podemos negar todos os


perigos que envolvem essa prática, e nisso a matéria deixou muito a
desejar. O texto conferiu um glamour à pegação que ele não tem. É uma
prática marginal mesmo dentro do mundinho, daí tantos a negarem [...]À
medida que lia a reportagem, esperava que se falassem dos riscos de
contaminação por doenças sexualmente transmissíveis, que se abordassem
os crimes cometidos contra os gays, por seus parceiros contra os gays, por
seus parceiros ou por aqueles que fingem interesse exclusivamente para a
prática de assaltos, chantagens e até mesmo homicídios; esperei que
falassem da ação policial e sua reconhecida truculência no trato com
homossexuais. E esperei que discutisse mais o que se pode fazer quando o
perigo da pegação aparece. [...] (G MAGAZINE nº 57, junho/2002, Cartas,
Pietro, por e-mail).

O profissional da imprensa deve estar atento para que o público participe do

processo de produção da notícia. “Nesse sentido, os cidadãos passam também a ter

algum tipo de responsabilidade no processo informativo”. (KOVACH; ROSENSTIEL,

2003, p. 291).

Em primeiro lugar, gostaria de parabenizar a todos que fazem a G


pela qualidade de sempre. A respeito da matéria sobre pegação, fiquei
curioso em saber como o repórter descobriu a minúscula Coronel Macedo,
pois sou natural dessa cidade. Não sabia do esquema, pois só vou lá nos
feriados e fico no sítio de meus pais... (G MAGAZINE nº. 55, abril/2002,
Cartas, Rafael, Mogi das Cruzes/SP).

Rafael, de Mogi das Cruzes, desconhecia o lugar citado na reportagem, que

fica na cidade onde moram seus pais, local este em que pode encontrar seus pares

para encontros furtivos. A identidade gay ou até mesmo uma cultura gay está sendo

construída/modificada lentamente, pois até então, suas vidas estavam restritas a sua

casa ou guetos. O que, aliás, está sendo reproduzido pelo leitor. Durante os anos

1960 o movimento gay foi o que,

[...] talvez, mais dificuldades teve para se estabelecer [...] Como toda forma
de legitimação, foi necessário todo um aparato de valores, idéias e
discursos. E que objeto melhor poderia, de forma direta e acessível, tornar
isto possível, se não os periódicos? (RODRIGUES, 2004, p. 281).

As dificuldades e compensações para um gay que mora numa cidade


114

pequena são o mote para a construção da reportagem As cidades pequenas e a

vida gay (G MAGAZINE nº 73 – outubro/2003). A reportagem teve dois comentários

de leitores publicadas na edição nº 75.

Li, analisei e parei para refletir sobre a matéria ‘As cidades


pequenas e a vida gay’, da G Magazine de outubro. Achei as histórias
interessantes e posso complementá-las, pois a maioria das cidades da
matéria possuía cerca de 8 mil habitantes, e eu moro numa com 2 mil.
Quando se assume uma sexualidade numa cidade como a minha, tudo
sobrecarrega em você: a causa do infarto do seu pai, a doença do seu
avô... é triste, mas é assim. Queria afirmar minha sexualidade para evitar
que muitas pessoas como eu, que vivem sendo amarguradas pelo
preconceito, não se sintam como eu me senti: achando que era doente, que
era estranho, que ia morrer e ir direto para o inferno... Quero, acima de tudo,
ter liberdade de ser quem eu sou! (G MAGAZINE nº. 75, dezembro/2003,
Cartas, Jefferson Gonzaga, por e-mail).

O leitor Jefferson reproduz o que muitos homossexuais fizeram e fazem pelo

mundo afora: “mostraram a diversidade de uma sexualidade que é cada vez mais

autônoma com relação às normas sociais”. (TOURAINE, 2004, p. 248)

Fiquei superidentificado com a matéria sobre gays em cidades


pequenas. Morei durante 18 anos numa cidadezinha do interior de São
Paulo e sempre me sentia pressionado dentro da minha sexualidade. Só
consegui me libertar mesmo quando fui morar longe da família e dos olhares
da sociedade local. Hoje já sou bem-resolvido e não ligaria para a opinião
dos outros mas, quando a gente é adolescente, fica tudo muito mais
complicado. De qualquer forma, achei bacana a matéria ver que existem
pessoas que conseguem ser felizes mesmo passando por essa barra
pesada do preconceito em pequenas cidades (G MAGAZINE nº. 75,
dezembro/2003, Cartas, João Carlos, por e-mail).

Neste momento a G Magazine se assemelha bastante ao Lampião da

Esquina, que foi, como já vimos, o primeiro periódico gay de circulação nacional,

pois,

o jornal passa a ser porta-voz para os discursos sobre sexualidade no que


ela tem de positivo e criador. Atingindo milhares de leitores ávidos de
poderem ver-se espelhados nas páginas do jornal. [...] O jornal ajudou a
materializar um sonho de várias pessoas – a possibilidade real de um
movimento gay organizado (RODRIGUES, 2004, p. 281).
115

A revista da Fractal é a maior se não, a única publicação gay de circulação

nacional que, atualmente, é porta-voz das comunidades gays brasileiras, em face,

até mesmo, da sua infra-estrutura e longo caminho percorrido.

Noutra reportagem selecionada para o estudo, grupos de gays, lésbicas e

simpatizantes se encontram em shoppings paulistas para conversas e paqueras. O

tema é bem voltado para a realidade de grandes cidades como São Paulo, que tem

até instrumentos legais como a lei antipreconceito por orientação sexual.

Publicada na edição nº 64, janeiro de 2003, a reportagem Happy hour GLS,

relata como acontecem os encontros e recebeu duas mensagens que foram

publicadas nas edições 65 e 66.

Queria dar os parabéns pela matéria dos adolescentes no


shopping, pois acho uma conquista super importante para nossa sociedade,
admiro muito todos estes garotos (G MAGAZINE nº. 65, fevereiro/2003,
Cartas, Paulo Moreno Souza, Santos/SP).

A grande parte do público gay sonha com a possibilidade de haver respeito e

aceitação. As publicações segmentadas, com espírito ativista, são representações

dos desejos dos seus leitores. As publicações dirigidas ao público gay “são muito

mais que apenas palavras e imagens. São representações simbólicas de desejos e

sonhos que um dia tornem-se realidade” (RODRIGUES, 2004, p. 281).

Acompanhando o raciocínio do leitor abaixo:

[...] o que me leva a escrever esta carta, é para dizer o quanto fiquei feliz
com a matéria Happy Hour GLS. Percebi na foto dos garotos que todos têm
minha idade, fiquei muito curioso e surpreso quando vi este assunto e fui lá
pessoalmente ao shopping Tatuapé para conferir. Em menos de 30 minutos
eu já havia conhecido 3 pessoas, e digo, conhecer no sentido de amizade.
Olha, foi muito bom saber que existem lugares perto de casa e o melhor que
é totalmente GRATUITO [grifo do autor] Hoje já tenho alguns amigos gays e
tenho quase uma paquera. Escrevo esta carta sem outro objetivo se não o
único de AGRADECER [grifo do autor] você e toda a revista neste espaço
pequeno, mas que com certeza me ajudou e pode ajudar outros jovens... (G
MAGAZINE nº. 66, março/2003, Cartas, RMS, São Paulo).
116

O adolescente acima encontrou amigos, se identificou junto ao seus pares,

assim podemos afirmar que “a imprensa ajuda a delimitar nossas comunidades “a

criar uma linguagem e conhecimentos comuns com base na realidade” (KOVACH;

ROSENSTIEL, 2003, p. 31).

Carta publicada na edição nº 94 faz referência a um elemento percebido ao

longo de toda a existência da revista. Os leitores, no nascituro da G, faziam muita

menção aos ensaios nus, alguns poucos faziam menção ao nu e depois ao material

jornalístico e, pouquíssimos, citavam, apenas, o material jornalístico.

A proporção é de 8 mensagens, que fazem referência aos ensaios nus, para

cada 10 mensagens enviadas por leitores, proporção verificada nas primeiras

edições. Todas as 8 mensagens citavam os ensaios nus e, detalhe, os leitores

assinavam com o nome abreviado, como no exemplo abaixo:

Diante do ensaio do Jansen de Oliveira, na edição nº 3 da G Magazine, o


pequeno interesse que eu ainda supunha ter pelo sexo oposto desapareceu
por completo e, se eu lutava desesperadamente contra a evidência de ser
gay, esse Apolo mineiro me fez entregar os pontos. O rostinho de
adolescente, o sorriso provocante, o corpo depilado e perfeito e (que glória!)
aquele pênis robusto, lindo (G MAGAZINE nº. 06, março/1998, Cartas, F.I.,
Araraquara/SP).

A afirmação de que o leitor da G estaria, eventualmente, mais interessado

no nu – uma obviedade, pois a revista nasceu com esta intenção e depois inseriu

mais densamente outros assuntos – pode ser verificada nos números tabulados no

anexo deste trabalho onde são relacionadas as reportagens selecionadas, as fontes

utilizadas, quantidade de cartas que referenciam o material jornalístico, capa, edição,

mês/ano de publicação, tiragem e vendas.

Os números que referenciam o material jornalístico está descrito na tabela

com a letra “Q”. A letra “P” identifica o número de cartas publicadas na edição e, sob

a letra “M”, estão contabilizadas as cartas que fazem referência às reportagens


117

selecionadas para o trabalho. Quando confrontamos o resultado obtido da diferença

dos números de “Q” e de “P”, das primeiras edições com o resultado da diferença de

“Q” e de “P” das edições mais recentes, fica mais perceptível o que queremos dizer,

pois a diferença entre “Q” e “P” é a quantidade de mensagens que comentam

apenas os ensaios nus. Uma proporção, que hoje, está praticamente o inverso de

quando a revista surgiu.

A proporção fica assim: para cada 10 mensagens publicadas de leitores, 6

mensagens fazem referência ao material jornalístico, um número que eventualmente

pode chegar a 8. O que pode dizer que o leitor da G está ficando mais consciente

quanto às questões da sexualidade.

No surgimento da revista, algumas mensagens enviadas destacavam, no

começo do texto, os ensaios e depois o material jornalístico ou, como no caso a

seguir que cita apenas as fotos dos modelos:

Mais uma vez a G Magazine se equivoca e o desejo é muito


melhor que o ensaio da capa! O Latino é muito mais ou menos! Mas tenho
adorado o rumo que a revista vem tomando! O editorial, as matérias, o
formato, a nova seção Faces é ótima, vocês poderiam fazer uma enquête e
escolher o desejo do mês seguinte dessa seção! Parabéns! Isso é uma
revista da qual me orgulho ser assinante. Mais uma sugestão, quando vocês
vão fazer um pôster central? Nem precisa ser o Ensaio da Capa, já que o
desejo é quase sempre melhor... (G MAGAZINE nº. 35, agosto/2000,
Cartas, Márcio Barros, por e-mail).

Atualmente, observa-se um grande número de mensagens que primeiro

fazem referências às matérias, notas, reportagens, colunas e depois citam de

maneira, às vezes sutil, os ensaios:

Gostaria de parabenizá-los pela excelência do trabalho prestado


para a comunidade gay brasileira. A revista está assumindo um papel cada
vez mais informativo, e isso é muito bom, já que em países como os EUA há
publicações importantes para o público gay como The Advocate [...] Devo
confessar que, após a extinta Sui Generis, achei que o Brasil, mais uma
vez, ficaria para trás quanto a revistas informativas para o público GLS, mas
118

hoje me tranqüilizo e fico feliz em saber que a G Magazine está realizando


muito bem esse trabalho, e melhor, com uma pitada de sensualidade (nunca
vulgaridade) Afinal, após abrir uma revista como a G e poder ler Trevisan e
ver um Big Brother, podemos até começar a acreditar que um dia teremos
os nossos direitos devidamente a nós atribuídos, graças ao espaço que
estamos ocupando na sociedade, expresso através de publicações sérias
como essa (G MAGAZINE nº. 82, julho/2004, Cartas, Amilton, por e-mail.
Rio de Janeiro/RJ).

Com o passar do tempo, surge uma maior conscientização de todas as

mídias através do crescimento dos movimentos homossexuais no Brasil e no mundo,

que trabalham dentro e fora do universo homossexual e, principalmente, através da

sua maior mobilização pública, as Paradas Gays. Emerge então um público

extremamente crítico que deixa os guetos e percebe sua responsabilidade que

cresce junto com a revista:

Oi, pessoal da G, venho acompanhando as edições da G


Magazine há mais de setes anos e notado o crescimento político, artístico,
jornalístico e cultural da revista. [...] Mas a melhor época da G é esta, pois
vocês não são bons em um assunto, são bons em vários (....a G) é uma
revista de utilidade pública que serve muito mais que ver homens nus, serve
para diminuir preconceito, educar, divertir, informar e dar uma luz a todos
nós que lutamos por um Brasil e um mundo melhores (G MAGAZINE nº. 94,
julho/2005, Cartas, Fábio Ribeiro, Vice-presidente do Glich, Grupo Gay de
Feira de Santana, por e-mail. São Paulo).

Colaborar com um mundo crítico e respeitador é um exemplo que muitas

mídias devem seguir, principalmente as mídias de massa, para que parem de

reproduzir as dispersões.
119

CONCLUSÃO

A história da militância e das publicações gays se confunde, tendo em vista

se tratarem de mídias segmentadas, cuja origem é a das mídias alternativas que

procuraram romper com a normalidade repressora, seja política, racial, étnica, etária

ou sexual.

A G Magazine leva, para o deleite do público gay brasileiro e para gays de

outros países onde é distribuída, corpos masculinos nus com os membros

intumescidos, objetos de desejo reprimido por anos por sentenças discriminadoras e

preconceituosas, cujo poder via-se, como se vê, ameaçado pelo transgressor

erotismo entre seres do mesmo sexo.

Temos que ter mente que o jornalismo é uma arma de construção de uma

sociedade que deve respeitar a diversidade cultural, sexual et cetera. Diferenças

essas que devem existir, pois fazem parte do processo de afirmação das

identidades, sejam estas de grupos ou individuais. O que não pode existir são as

reflexões que tornam o diferente marginalizado.

O profissional jornalista, onde quer que esteja, seja na redação de um jornal

comunitário, seja na mídia segmentada, seja no menor periódico ou na redação de

um grande jornal, deve atender ao chamado da comunidade, do grupo social ou


120

cultural sem a lente que embaça o texto jornalístico: o etnocentrismo68.

A tarefa deste profissional é respeitar as comunidades, coisa, aliás, que a

revista G Magazine faz. Principalmente, quando atende ao mais singelo pedido dos

leitores, das mais diversas cidades brasileiras, pedidos feitos por cartas ou por e-

mail.

A mudança de consciência no público da revista é evidente quando

verificamos que ele passa a cobrar, em suas mensagens, mais atenção da

publicação quando ao trato da informação que deve ser direta, completa e que

atenda a necessidade de entretenimento, peculiar a uma revista mensal que, em

geral, atende a um segmento e que deve conhecer bem o seu leitor para poder

chamá-lo de você (SCALZO, 2004).

Uma revista que começou com uma linha apenas pornográfica e

estereotipada, hoje, além de trazer o nu masculino brasileiro, ela forma opinião

através de seus colunistas e das reportagens esclarecedoras, retirando da letargia a

comunidade homossexual oprimida em seu desejo e direito humano de ser feliz.

Não se pretende dizer aqui, que a G Magazine é a responsável por levar o

público homossexual brasileiro a ter interesse sobre outros assuntos, que não

fossem os machos com seus falos em estado de ebulição. Afinal, vários outros

fatores estão relacionados a essa mudança de consciência, tais como a Justiça, a

compreensão, a conscientização, o amor, o respeito, a aceitação et cetera.

Pretende-se sim, dizer que se aprende a buscar pela construção de uma

identidade e, por conseguinte a afirmação desta, através de um veículo que, neste

caso, é uma revista concebida com carinho e editada por pessoas que sofreram o

que muitos sofrem e, quiçá, irão sofrer, um caminho tortuoso da descoberta solitária

68
Tendência do indivíduo em considerar valores, normas e outros elementos sociais e/ou culturais
próprios, como parâmetro para avaliar ou o aplicar a outro grupo social e/ou cultural.
121

de um mundo o qual ninguém ensinou a viver. Especialmente, porque a realidade é

direcionada ao mundo do sexual do homem com a mulher. Assim, tudo o que for

diferente desse contexto deve ser expurgado, marginalizado e sem o direito de

expor sentimentos.

O homossexual precisa aprender, por ele mesmo, a construir o seu amor, o

sexo, a sua família, a sua história e muitos outros aspectos da vida. Ele é um

autodidata. O que não quer dizer que a família seja culpada, afinal, ela foi educada

numa cultura homofóbica. Cultura esta que o homossexual precisa derrubar para

que as pessoas aprendam a tratá-lo como cidadão que é, e que, dia após dia, tem

maior consciência disso69.

Obviamente estamos num momento em que o mundo aceita melhor a

homossexualidade. Prova disso são as paradas do Orgulho Gay que, em

participação, aumentaram vertiginosamente no Brasil, por exemplo. É importante

compreender que,

ao estimular que as pessoas dancem ou desfilem nas ruas ao lado de seus


amigos, familiares, namorados/as [...] as paradas criam um espaço de
atuação política inclusivo: não é preciso ‘ser gay’ para estar lá, não é preciso
ser homossexual de um tipo específico, nem é preciso ‘gostar de política’,
basta estar disposto/a a romper o limite simbólico que separa os que ‘não
freqüentam lugar de boiola’ ou condenam ‘essa gente’ dos que se reúnem
para celebrar a diversidade. Nesse sentido, as paradas são um instrumento
político extremamente eficaz, uma vez que operam uma reordenação em
nível dos aspectos simbólicos e dos valores da nossa sociedade (FACCHINI,
2004, p. 47).

Afirmo aqui a importância de uma minoria ideológica e/ou quantitaviva ter

seu espaço midiático como porta-voz de seus anseios, para discutir e impedir que

haja dispersão, ou seja, que ajude a desmistificar o que propagam sobre a

69
TREVISAN, João Silvério. Homossexualidade como pedagogia. G Magazine, São Paulo, p. 22-1,
set. 2002.
122

homossexualidade de maneira discriminatória. Deve sempre existir um espaço para

dizer que existem como grupo e construir e/ou afirmar sua identidade.

A G Magazine não é esquizofrênica como disse, de maneira irreverente, a

proprietária da revista. Ela é sim transgressora e peculiar, pois reflete a cultura

brasileira construída por anos, oriunda de uma colonização imposta por Portugal. A

revista cumpre um papel importante ao ser erótica e é responsável por ser política.
123

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VEJA. São Paulo: ABRIL. Edição nº 1892; 16/02/2005.

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126

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Explicitação das Normas da ABNT, ed. reformulada, 13ª. ed. Porto Alegre: Dáctilo-
Plus, 2004.

MORAES, Eduardo. Transgêneros, o que e quem são? São Paulo: Abalo, 2003.
Disponível em: http://http:www.jornalabalo.com.br/materias/trans.htm Acesso em: 24
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SEVERINO, Antônio Joaquim. Metodologia do Trabalho Científico, ed. ver. e ampl. –


22ª edição. São Paulo: Cortez, 2002.
127

APÊNDICES

APÊNDICE A – Matéria Pesquisa toma o pulso do preconceito publicada em:

http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos/fd020420032p.htm.

APÊNDICE B – Monólogo Os Notívagos.

APÊNDICE C – Reportagens da revista G Magazine – Edições nº 01 a 94


128

APÊNDICE A

Extraído de http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos/fd020420032p.htm

FEITOS & DESFEITAS

MÍDIA & HOMOSSEXUALIDADE

Pesquisa toma o pulso do preconceito


Josean Rego (*)

Fico imaginando: o que se passa na cabeça de certos produtores de


televisão? Há brincadeiras em quadros conhecidos como "pegadinhas": pessoas são
abordadas nas ruas de movimento intenso e recebem propostas de todo tipo.
Freqüentemente têm sua sexualidade colocada em dúvida. Sexualidade!? Por que
será que há tanto interesse na sexualidade alheia? Talvez pelo fato de que, por
natureza, o ser humano seja curioso e esteja sempre à procura de novidades que
possam ser exploradas. Até aí tudo bem. Bem!?

Nas "pegadinhas", fico preocupado com o prejuízo psicossocial que tais


brincadeiras – que costumam dar ibope – provocam. Será que fomentam a
discriminação? Essa discussão sobre o que é preconceito, discriminação e
homofobia soa muito confusa. Ou será que nos confundem? No dia 10 de março a
RedeTV! levou ao ar mais uma de suas pegadinhas de temática homossexual, que
julgava desaparecidas de sua grade desde o protesto promovido pela Parada do
Orgulho GLBT (gueis, lésbicas, bissexuais e transgêneros) de São Paulo, em frente
à emissora, no dia 31 de janeiro deste ano.

O programa Eu vi na TV, apresentado por João Kleber no horário nobre,


levou dois homens à beira de um lago, provavelmente em São Paulo, onde várias
pessoas fazem sua caminhada: a dupla parava todos os homens que por ali
caminhavam e diziam que a pessoa abordada ganhara uma corrida de competidores
gueis.

Um dos atores usava um martelo plástico para, incansavelmente, bater no


cidadão abordado, enquanto o outro colocava em volta de seu pescoço um colar
colorido. A brincadeira era um questionamento à sexualidade alheia.
129

O limite entre brincadeira saudável e desrespeito é uma linha tênue. Por ser
tão frágil, essa "linha" pode vir a arrebentar e desencadear processos desagradáveis
tanto no objeto da "brincadeira" quanto nos espectadores, sejam heterossexuais ou
homossexuais. Entre os heterossexuais preconceituosos, valores heterossexuais
poderão estar sendo potencializados. Quanto ao homossexual, como se
comportará? Vai rir daquilo que vivencia, sabendo que é motivo de chacota dos
segmentos conservadores da sociedade, ou vai à luta reivindicar seus direitos?

O que assusta mesmo é o preconceito. Aliás, que fique bem claro, quando
me refiro ao preconceito quero dizer prejulgamento. É quando se tiram conclusões
apressadas de determinados fatos sem, ao menos, procurar seus fundamentos. É
necessário saber que há uma razão de ser para tudo.

O que gera o conflito? O que justifica um acontecimento? Esse instigar –


procurar compreender – deveria ser provocado nas pessoas. O ser humano não
pode simplesmente "engolir" as coisas. Não podemos deixar que os opressores
determinem nossa maneira de viver. Lógico, não se pode perder de vista os valores
éticos e morais. Vivemos em sociedade.

Numa conversa sobre esses temas, em que sempre defendo a liberdade e a


pluralidade sexual, um interlocutor reagiu: "Mas eu não sou preconceituoso!" Ora, a
palavra preconceituoso quer dizer, apenas, que existe um preconceito. Mas a
palavra se tornou tão pejorativa que as pessoas não gostam do rótulo.

Essas e tantas outras questões provocaram o tema de minha monografia:


GLBTs (gueis, lésbicas, bissexuais e transgêneros) na mídia impressa brasileira.
Percebi que há um tratamento mais justo na mídia impressa do que na televisiva. O
produto de mídia selecionado, para fazer tal estudo, é a revista G Magazine, dirigida
ao público GLBT.

Acredito, porém, que tal estudo não deva ser unilateral, a sociedade precisa
participar. Pensei na maneira mais acessível, para mim ou para eventuais
participantes. Portanto, criei um blog, uma espécie de diário virtual e eletrônico, que
o internauta pode acessar de qualquer lugar do planeta.

No blog "Carta Queer" www.cartaqueer.blogger.com.br exponho as leituras


que faço para o trabalho e deixo espaço para os comentários dos visitantes. O nome
"Carta Queer" é referência às cartas que a revista G Magazine recebe de seus
leitores. palavra inglesa queer significa estranho, diferente, e é comumente usada
nos Estados Unidos e na Europa para designar gueis e lésbicas. Espero, com este
trabalho, estar dando uma parcela de contribuição para a construção de uma
sociedade mais humana e plural.
(*) Estudante de Jornalismo da Universidade Federal de Roraima
130

APÊNDICE B

Extraído de http://www.cartaqueer.blogger.com.br/plus.htm Sarau da Comunicação

28FEV2003).

No dia 28 de fevereiro o Centro Acadêmico de Comunicação Social da


Universidade Federal de Roraima promoveu o primeiro Sarau da Comunicação às
20h30 no Núcleo de Rádio e TV Universitária. A intenção é descobrir novos talentos
artísticos. Apresentaram-se os alunos Érica Figueredo, Sônia Lúcia e Josean Rego.

O aluno Josean Rego fez a apresentação de um monólogo como leitura em


cena do texto Os Notívagos, criação própria. Abaixo você confere o texto. Estiveram
presentes além de alunos do curso a professora Etiene Travassos e os artistas
locais Diego Caóbi, Eliakin Rufino e George Farias.

OS NOTÍVAGOS

(venho tomando meu cafezinho)

Hoje, nessa noite, quero dizer a todos aqueles que quiserem me ouvir, a
todos aqueles que quiserem sentir no peito a dor, a força, o sentimento, a vontade
de ser alguém e não poder. Por que a gente não pode ser alguém que é?

Podem vir a me perguntar: Por que será que ele não pode ser quem ele é?
Vivemos em sociedade, vivemos com pessoas. Vivemos com várias pessoas.
Regras e mais regras são impostas. Então qual o problema? Esse é o problema: a
regra é imposta. Em muitas das vezes e em muitos dos casos, você sofre por causa
dessa regra.
131

Essa inútil! O que os outros têm haver comigo? Porque os outros tanto se
preocupam com o que faço? Qual o sentimento? Qual o motivo dessa sensação
desagradável de asco, de nojo, de imundície que leva as pessoas a
sobrecarregarem as outras com suas colocações pudicas. Levantarem poeira, onde
nela se acobertam até o próximo vento. Tripudiam daqueles que apenas fazem ou
vivem de forma diferente. Como se esses não fossem ninguém.

O que leva essas pessoas a fazerem isso? Qual o motivo da discriminação?


Sofrimento, dor, mas... isso não importa mais. Hoje é festa, fim de semana. Até
porque as pessoas são perfeitas à noite. À noite, as pessoas são elas mesmas. À
noite elas assumem a sua verdadeira forma. Muitas podem considerar com maldade,
outras como sendo a garantia da sinceridade: a verdade do próprio ser. Tem gente
que prefere não saber o passado, o presente e nem sequer o futuro. O futuro a Deus
pertence... muitos dizem assim.

Por isso eu digo que eu gosto da noite. Nela todos são iguais. Todos
procuram, todos querem, todos desejam... Incrível! Eu posso ser eu! Mas nem tanto.

Através do olhar, alcanço os lábios de outras pessoas, observo o corpo, o


jeito, o andar, o modo de cuspir, o modo de coçar, arrumar o cabeço, no modo de
consertar o borrado do baton... que borraram para você... (risos). Fico atento
também ao modo de falar.

Tudo bem mas eu vou sair. Quero encontrar... “Encontrar alguém...” Bem...
então uma pergunta: por que as pessoas não são elas mesmas enquanto é dia?
Enquanto o rei sol ilumina cada sulco de seus rostos, deixando clara cada marca do
tempo? Talvez seja o medo da rejeição.

As pessoas deveriam se tratar e lotar as clínicas dos psicólogos e


psiquiatras. Por causa desse medo não arranjam ninguém, nem se deixam arranjar.
Tudo bem... vive-se sozinho. Vive-se bem sozinho. Mentira!!! Não se vive só!
Ninguém merece isso.

Compreender é importante! Porque, acima de tudo, todos somos humanos.


Somos humanos e diferentes. Preciosos por sermos diferentes. Ricos por sermos
plurais e essa diferença é a que atrai.

Respeito, carinho, amor, dor... dor? Eu não gosto muito dessa senhora. Por
vezes ela bate a minha porta. Logicamente não quero abrir. Não gosto de sofrer.
Mas ela consegue derrubar a porta. E segue em minha direção para me abraçar. A
intenção dela é não me largar mais.

Bem... a noite terminou. Então eu deixo o lugar, me afasto. Eu me afasto das


pessoas. Eu me afasto de todas as pessoas. Daquelas que me aproximei e não
quiseram e daquelas que "deram o verde" e me deixaram sozinho esperando à
mesa.

Vou para a minha casa! Corro para a minha misantropia. Morfeu me aguarda
em casa para me fazer descansar. Porque ser diferente? Em nada ajuda! Muito pelo
132

contrário, ser diferente é crime. Ser diferente é não se deixar ser aceito. Por que as
pessoas precisam ser iguais? Porque todas as pessoas precisam ser iguais?

Por sermos diferentes somos motivos de chacota. É crime não ser igual e
não ter como regras o convencional? Eu não tenho uma...(...busseta! – ilustrar uma
vagina). Aaaaahhhh! Eu não tenho atributos femininos e não gosto que me
identifiquem assim.

Por ser diferente ou ter uma o-ri-en-ta-ção diferente sou motivo de escracho
e de brincadeiras infames. Nasci assim, não tenho culpa. A igreja diz que é pecado.
Mas será que o Deus citado por ela deixaria seus filhos lutarem contra algo que nem
sequer a ciência explicou ainda. Eu não gosto de sofrer. Quem gosta de sofrer?

O sofrimento eu sentiria se tivesse que enganar outras pessoas. Enganar os


meus filhos. As vezes me pergunto porque será que eu tinha que nascer como um
digno representante da dita escória da humanidade? Da peste guei! Ter feito minha
família se envergonhar! Ter feito minha mãe chorar e perguntar-se com a célebre
pergunta: Onde foi que eu errei?

Ninguém errou mamãe. Nasci assim. O que acontece é que os donos da


informação, não procuram levar mais respeito e dignidade em suas páginas ou na
telinha. Eu não sou palhaço para servir de personagem para brincadeiras
esdrúxulas. Sou sim uma estrela da vida. Um artista, no meu dia a dia sendo um
figurante para não ser notado. Para que não me critiquem. Para que eu não seja
apedrejado, para que não seja mais uma vítima de skinheads e ver os detentores do
poder coercitivo, com seu juízo de valor, estáticos, apenas observando a atrocidade
e o sofrimento alheio. Afinal sou guei!

A verdade dói. E dela poucos gostam ou não a praticam. As pessoas não


querem escutar. Parecem preferir a hipocrisia a ter o privilégio da sinceridade. Por
que será que não querem a verdade? Esses que não a querem, acabam gritando e
xingando inocentes que passam nas ruas. Vítimas de preconceito que desviam por
vários caminhos até chegar ao seu destino.

Os preconceituosos de plantão usam seus sapatos para bater e por final


limpar suas sujeiras em nossas costas. Descontando em nós a sua fúria, sua
"revolta" e covardia. Mas esses criminosos são tão inocentes quantos nós.

A eles, nem a nós, foi informado que era normal. Fomos educados de
maneira errada. Porque então não se educa diferente? Jornal, rádio, TV...

São seis da manhã. Vou me deitar. Se eu não grito para as paredes. Eu


tenho certeza que enlouqueço. Mas não vou enlouquecer. Mas também não vou
deixar que a vida me leve, que a vida me deixe, que a vida me... não, não, eu não
vou deixar que a vida me deixe. Eu não vou morrer! (risos sarcásticos) Não tão cedo!

Ainda vão ter muito o que me agüentar. Tenho certeza que vencerei! E pelo
menos deixarei a minha parcela de contribuição. Por que as pessoas precisam
133

compreender. É um dever de qualquer cidadão compreender e difundir a verdade. E


não escrachar com sensacionalismo, com desrespeito.

Então, volto ao meu leito. Morfeu já está me chamando de novo. Preciso


dormir e acordar renovado para encarar mais um dia de luta. Quem sabe mais tarde
encontrar alguém, nem que seja somente para satisfazer. Mas agora deito e passo a
sonhar que um dia tudo será diferente.
Josean Rego
134

APÊNDICE C
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ANEXOS

ANEXO A – Matéria publicada no Jornal A Crítica de Manaus

ANEXO B – Gráficos
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ANEXO A

Matéria publicada no Jornal A Crítica de Manaus

Extraído de http://www.cartaqueer.blogger.com.br/estamosnamidia.htm

19/03/2003 - Jornal A Crítica, caderno Bem Viver - Manaus/AM.

O diário de uma monografia

O blog é uma das mais recentes manias lançadas na rede mundial de


computadores. Milhares de adolescentes e adultos aprovaram a idéia de narrar em
diários virtuais desde fatos do dia-a-dia até opiniões sobre os mais variados
assuntos. O estudante de jornalismo Josean Rego, 27, da Universidade Federal de
Roraima (UFR), em Boa Vista, poderia ter seguido o mesmo caminho. No entanto,
preferiu utilizar os recursos dos blogs com finalidades acadêmicas.

Desde o último dia 7, está no ar o site “Carta Queer”


(www.cartaqueer.blogger.com.br), o diário do seu trabalho de final de curso cujo
objetivo é analisar o conteúdo da revista mensal “G Magazine”, da Fractal Edições –
direcionada ao público de gays, lésbicas, simpatizantes e transgêneros (GLST). A
proposta é se fixar nas matérias voltadas não para denegrir, e sim, para esclarecer o
público em geral a respeito do universo GLST, universo que, de acordo com o
acadêmico, pela falta de informação a seu respeito, ainda é alvo de muito
preconceito.

O trabalho buscará ainda analisar as cartas recebidas de leitores e


publicadas na revista que, aliás, foram a inspiração para o projeto e para o título do
blog. O nome do site, segundo seu autor, está intimamente relacionado ao espírito
do desenvolvimento do trabalho (o “queer” refere-se a um termo em inglês
comumente atribuído aos gays nos Estados Unidos e Europa que significa estranho
ou esquisito).

O enfoque do trabalho será o jornalismo como ferramenta para a construção


de um ser humano pluralista, não difamando, mas respeitando-o como parte de um
161

todo e precioso por ser diferente. Ao longo da monografia, o estudante pretende


também apresentar um contraponto entre o tratamento reservado aos GLST pela
mídia impressa e a mídia televisiva. Para ele, esta última, por meio de determinadas
emissoras, coopera para divulgar imagens equivocadas desse público e reforçar
preconceitos.

“As pessoas têm preconceito pois desconhecem o que é ser homossexual,


bissexual ou transexual. O preconceito nasce a partir da falta de informação”, afirma
Josean Rego. O acadêmico espera que, por meio da sua monografia, possa
contribuir com a construção de uma sociedade pluralista em que todos se respeitem
– “pois não existem seres humanos completamente iguais” – e ainda colaborar com
as mídias em geral na construção dessa sociedade.

A proposta do blog “Carta Queer” é ser uma espécie de fórum de


discussões, no qual serão inseridas informações sobre o andamento do trabalho. A
periodicidade, portanto, não será definida, pois as atualizações serão efetuadas
conforme o trabalho for elaborado e as leituras pré-determinadas forem executadas.

Os textos poderão permanecer até um mês no site e, quem quiser, poderá


deixar os seus comentários, já que Josean Rego quer coletar variadas opiniões
sobre o tema, de diversos lugares do Brasil e, por que não, do mundo.

O estudante começou a colher material para o seu trabalho em 1998. A


defesa da monografia acontecerá em dezembro, em Boa Vista, Roraima.
162

ANEXO B - GRAFICOS
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GLOSSÁRIO70

Abafa o caso - expressão usada quando alguém não está a fim ou não está mais
podendo ouvir determinada conversa ou comentário; usa-se ainda quando
alguém, por algum motivo, não quer que o assunto seja levado adiante
Abalar - fazer algo bem feito
Adé - (do iorubá) homossexual masculino; bicha
Alibã - (do iorubá) 1 policial; polícia; 2 (rj) significa também o carro patrulha santana;
se for o camburão, chama-se tia cleide
Alibete - (do iorubá) roubo; elza
Alice - bicha que vive num mundo de fantasias
Alma sebosa - (pe) pessoa chata e escrota; pessoa do além; malassombrada
Amadê - (do iorubá) menino jovem
Amapô - (do iorubá) variante de amapoa
Amapoa - (do iorubá) 1 vagina; órgão sexual feminino; 2 termo usado para designar
mulher [variantes: amapô, mapô]
Andrógino - pessoa que tem características de homem e de mulher ou traços
marcantes do sexo oposto ao seu; aparência indefinida entre o feminino e
masculino.
Ânus - cu; edi, rosca; anel de couro; durante a inquisição, a igreja chamava o furico
de vaso traseiro ou parte prepóstera
Aparta que é briga - expressão utilizada para designar duas possibilidades: 1 gays
em pleno amasso e começando a extrapolar; 2 cuidado! Gente hétero, sem
graça e que não entende do babado no pedaço...
Aqué (aqüé) - (do iorubá) dinheiro
Aquendar (aqüendar) - (do iorubá) 1 chamar para prestar atenção; 2 fazer alguma
função
Aquiri (aqüiri) - (do iorubá) (ce) bofe
Aranha - o mesmo que vagina; a expressão botar as aranhas para brigar significa a
relação sexual entre mulheres
Arrasar - fazer algo bem-feito ou com graça
Arrombada - aquela que tem vagina ou ânus alargado por excesso de uso
Asilada - (ce) louca; bicha bem doida ou que está nervosa
Atender - ato de envolver-se ou comprometer-se sexualmente com alguém;
exemplo: vou atender fulano
Avoa - interjeição empregada quando alguém ou uma idéia desagradável chega
perto; também é usada quando alguém se aproxima na hora errada,
geralmente de uma mona aquendando um bofe: avoa, bicha!
Azuelar - (ce) comer o bofe; ser a ativa
Babado - 1 acontecimento qualquer, podendo tanto ser bom como mau; 2 basfond;
3 caso amoroso e/ou sexual
Bagaceira - lugar ou coisa ruim, podre; lama
Baitola - (pejorativo) (ce) gay; homossexual masculino; boiola
Iorubá - baseada nas línguas africanas empregadas pelo candomblé, é a linguagem

70
Dados retirados do site http://www.mohanna.hpg.ig.com.br/dicigay.htm.
168

praticada inicialmente pelos travestis e posteriormente estendida a todo


universo gay [variante: pajubá, bajubá]
Balacobaco - festa; agito; evento; reunião
Bandeira - pinta; dar bandeira significa 'deixar perceber'
Bandeiroso - indivíduo ou comportamento que sinaliza homossexualidade
Banheirón - banheiro festivo com diversas finalidades, entre elas o uso de drogas,
conversas e sexo; banheiro com função ou pegação
Barbie - homossexual de corpo inflado, adepto da musculação e das bombas
Bareback – Orgia sexual, envolvendo homens, sem uso de preservativos.
Basfond - 1 lugar do babado; 2 caso amoroso e/ou sexual
Bater um bolo - (sp/rj) masturbação entre gays
Bater bolacha - ato sexual entre lésbicas
Baticum - festa com música e dança; balacobaco
Bereré - (do iorubá) lixo, resto, sobra; oco bereré é homem feio
Betty faria - expressão usada quando alguém é bonito e gostoso e que incita o
desejo sexual; débora kerr
Bf - (sp/rj) abreviação para bicha fina
Bi - forma abreviada e carinhosa para bicha
Biba - gay, homossexual, bicha
Bicha - homossexual masculino; gay; homem efeminado
Bicha-bofe - homossexual não efeminado, mas nem sempre ativo
Bicha-boy - bicha-bofe novinha
Bicha-louca - bicha cheia de ademanes, de afetação.
Bicha-macha - bicha com pose de macho; monocó; bicha-bofe
Bicha-mauricinha - bicha rica ou metida a rica e de gosto duvidoso
Bigodón - 1 bicha de meia-idade que adora usar um bigode; 2 mulher com buço em
excesso; 3 pêlos pubianos que saem pelas laterais da sunga ou da tanga
Bissexual - indivíduo que transa tanto com homens como com mulheres: gilete
Bizu - (pa) - fofoca
Boa noite cinderela - diz-se do golpe aplicado por michês em homossexuais
desavisados: consiste em dopar a vítima sem que ela perceba para
posteriormente assaltá-la
Bobby - 1 bofe que faz; 2 bicha metida a bofe
Bocuda - pessoa que conta os segredos alheios, por maldade ou não; fofoqueira;
língua solta
Bode - cansaço; enjôo; ressaca; saco-cheio; usado nas expressões estar de bode,
estar com bode de alguém ou ai, que bode!
Bofe - heterossexual ou homossexual ativo
Bofe escândalo - homem muito bonito e gostoso
Boiola - (pejorativo) (ce) homossexual masculino
Bombar - 1 tomar anabolizante; 2 praticar penetração anal com movimentos fortes e
rápidos
Boot - termo pejorativo para lésbica muito masculina
Boquete - fazer sexo oral em um homem
Boyzinho - adolescente ou jovem que se faz passar por machinho, mas que já
apresenta algumas características ou comportamentos homossexuais
Butch and femme - Casal lésbico onde as parceiras reproduzem o sistema
heterossexista, no qual a mulher é submissa ao homem.
169

Bronha - masturbação masculina


Caçação - ato de caçar; aqüendação forte no sentido sexual; pegação
Caçar - ir atrás de alguém para fazer sexo
Caixa de surpresas - diz-se da mala (acepção 1) que aparenta ser pequena, mas
que ao ser descoberta revela grande volume, densidade, peso e tamanho
Caminhoneira - (pejorativo) lésbica com gestual muito masculinizado
Carão - pose; esnobação; presunção
Caricata – gay que se veste de mulher para apresentação caricatural escrachada e
divertida. Seus esquetes utilizam-se de músicas em velocidade alterada e
com comicidade explícita.
Caso - 1 no mundo heterossexual, caso costuma ser uma terceira pessoa envolvida
num relacionamento já em andamento; amante; 2 no mundo homossexual,
caso é o(a) namorado(a) ou alguém com quem se está ficando
Celibato – Instituição cristã que prevê a decisão de não fazer sexo.
Celulite - telefone celular, exemplos: empresta o celulite; você trouxe o celulite
Chaveirinho - pênis pequeno; canivete
Checar - vide passar um cheque
Cheque - restos de fezes que borram a cueca ou o órgão sexual do parceiro
Chuca - instrumento utilizado para a limpeza do reto; exemplo: use a chuca pra não
passar cheque
Chuchu - barba malfeita ou que cresce durante a noite de montação
Cinco contra um - masturbação masculina; punheta
Clubber - aquele que freqüenta clubes e se arruma à caráter
Coió - (do iorubá) bater em alguém, xingar alguém
Colar velcro - ato sexual lésbico
Colocação - ato ou efeito de colocar-se
Colocado - 1 situado; 2 bêbado, drogado
Colocar-se - 1 ficar alterado por meio de bebida ou droga; 2 situar-se
Coronel - lésbica independente e mais velha que sustenta a amante
Crossdresser – indivíduo masculino que se veste de mulher com objetivos sexuais
ou apenas para sentir-se como mulher, podendo ser homossexual,
heterossexual e bissexual. Sendo que as suas atividades ficam restritas a
sua vida íntima, em geral, não assumem publicamente, o que o difere de
outros papéis sexuais.
Cuã - (do iorubá) casa, apartamento
Cunete - sexo oral na região do ânus.
Dadeira - homossexual passivo
Dance music - Estilo musical dançante, comum em danceterias.
Dar a elza - (do iorubá) roubar
Dar close - 1 dar uma olhada; 2 dar pinta
Dar o truque - enganar; dar o eq
Dar pinta - fazer trejeitos efeminados, propositadamente ou não; mostrar afetação
Dar piti - (ne) dar barraco; ficar louca; botar boneco
Débora kerr - expressão usada quando se vê alguém que provoca tesão; às vezes,
débora kerr faz dupla com betty faria
De leve - ( pa) pequena maldade
Desaquendar (desaqüendar) - (do iorubá) deixar de lado; deixar em paz; esquecer
Descabelar o palhaço - masturbar-se
170

Descer o barraco - (rj) aprontar uma briga; brigar; quebrar a louça


Drag king - lésbica que se veste de homem
Drag queen - gay que se veste de mulher, mas apenas para festas (não confundir
com travesti)
Dun-dun - (pejorativo) indivíduo da raça negra
Ebó - comida de santo na macumba; macumba em si
Edi - (do iorubá) ânus
Ekê - (ce) 1 pênis; a mala do bofe: o ekê do ocó; 2 problema: deixa de ekê! (não
confundir com eq, equê)
Elza - (do iorubá) roubo
Elzeiro - ladrão
Embaçado - 1 difícil; complicado; obscuro; confuso; turvo; desordenado
Encubado - diz-se do homossexual que ainda não assumiu sua sexualidade para si
mesmo; enrustido
Enrustido - homossexual que ainda não saiu do armário, não assumiu sua posição
de gay
Entendido - 1 homossexual; 2 homossexual dos anos 70 que gosta de romance à la
hétero
Eq (equê) - o mesmo que truque; engano; coisa falsa
Equezeiro - praticante do eq
Erê - (do iorubá) 1 bofinho adolescente; 2 criança, jovem
Fake - (do inglês) falso; falsificado; fajuto; do truque
Fanchona - (pejorativo) termo preconceituoso para lésbica
Fazer - copular; transar; atender
Fazer a chuca - fazer limpeza intestinal, principalmente do reto
Fazer sabão - ficar de babado; esfregar-se
Fechar - 1 dar muita pinta; 2 abalar
Fechação - ato de dar muita pinta
Ferveção - diversão; local onde está rolando diversão
Força no picumã - (interjeição) vá em frente! Vai nessa! Se joga!
Frapê - diz-se do pênis quando está meio-mole-meio-duro; meia-bomba
Friendly - (do inglês) diz-se de pessoas heterossexuais que convivem muito bem
com homossexuais; lugares frequëntados por heterossexuais em que os
homossexuais são bem-vindos; corresponde ao s da sigla gls: simpatizante
Gambé - policial; polícia; alibã
Garoto de programa - garoto de aluguel, michê, scort man
Gay - homossexual masculino; outros termos usados, mas com alguma variação de
sentido são: baitola, biba, bicha, biltra, boiola, cheine, culeiro, entendido,
frango, fruta, homiceta, homigina, laleska, mona, mônica, paneleiro, poc-poc,
quaquá, quatira, tata, vera-boiola, viado, xibungo; durante a inquisição, a
igreja católica chamava qualquer biba de somitigo (com a variante somítigo),
sodomita ou sodomítico
Gdc - abreviação de gay de cabeça: heterossexual amigo que simpatiza com as
idéias e comportamento gay
Gdf - abreviação de gay de fato: indivíduo gay
Gilete - antigo termo para designar o homem bissexual
Gls - abreviação de gays, lésbicas e simpatizantes
Glbt - abreviação de gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros
171

Go-go boy - dançarino de boate gay


Gravar - chupar um pênis ereto
Gritar - fazer-se notar ou tornar-se digno de apreciação exagerada
Hermafrodita - aquele(a) que nasceu com dois aparelhos genitais: vagina e pênis
Hetero-gay - (ce) heterossexual masculino que trata heterossexual feminino com
delicadeza, mas copula com mulheres porque gosta
Homofobia - medo irracional da homossexualidade
Homossexual - aquele(a) que transa com alguém do mesmo sexo; apesar de
politicamente correto, os(as) homossexuais preferem outros termos; veja:
gay e lésbica
Ilê - (do iorubá) casa
Jeba - pênis de proporções avantajadas; necão
Jogar o picumã - virar a cabeça, mudando os cabelos de lado, tal como as loiras
fazem, só que inteligentemente e com a intenção de menosprezar ou ignorar
alguém
Laiala - (pa) - vagina, xoxota
Laquaqua - (do iorubá) o contrário de bibita; piroca grande
Lash - (do iorubá) jogar o picumã, fazer a egípcia, virar a cara, dar rabissaca, com a
intenção de tombar alguém
Lesbian drama - comportamento dramático característico de lésbicas; rebuceteio;
Lésbica - homossexual feminina; outros termos usados, mas com alguma variação
de sentido são: bola, bolacha, bomberita, boot, bup, camioneta,
caminhoneira, chuia, chuteira, cookie, coronel, di santini, dyke, entendida,
fada, fufa, lelé, machorra, melissinha, moçona, mulher-macho, mulher-pinto,
mulheru, paraíba, patinha, quarenta-e-quatro-bico-largo, sabonete,
sandalinha, sapa, sapata, sapatão, sapeca, sargentão, tank-panzer; durante
a inquisição, a igreja chamava uma bolacha de íncuba, para definir a
parceria ativa: aquela que se deita por cima, como homem
Levar coió - apanhar; ser xingado por alguém
Levar pei - (ce) o mesmo que levar coió. Pei é uma onomatopéia de tiro
Lorogum - (do iorubá) briga; peleja; confusão; arruaça
Mafiosa - (rj) bicha ou lésbica má, que costuma observar tudo e todos com um certo
olhar de desdém, arrogância; geralmente tem uma língua muito afiada,
critica e fala mal de todos
Mala - 1 o volume do pênis ou o próprio pênis; 2 ou mala sem alça, pessoa chata;
escrota
Maldita - o mesmo que aids
Manguaça - 1 (sp) pênis; pau; pica; pinto; 2 cachaça
Mapô - variante de amapoa
Mati - (do iorubá) variante de matim
Mavambo - (rj) o mesmo que maloqueiro; bofe com pinta de ladrão, ladrão com pinta
de bofe que faz, bofe que dá coió pesado, elzeiro; traficante, bofe armado;
também bicha mavamba ou sapata mavamba: bicha ou sapata favelada,
com gírias caretas e sem educação
Meda - medo; geralmente empregado como deboche e com sentido contrário;
também usado na expressão que meda!, de uso corrente pela população
brasileira, mas originalmente empregado no circuito gay, segundo a
tendência de se falar tudo no feminino: hoje está chovenda!
172

Meia-bomba - diz-se do pênis que não atingiu ereção total, mas em torno de 50% ou
menos; frapê
Metrossexual – segundo o criador do termo, mark simpsom, metrossexual é
indivíduo do sexo masculino, não importando a orientação sexual, que vive
nas grandes metrópoles ou perto delas, sempre cuidadoso com o visual.
Michê - garoto de programa
Mona - (do iorubá) mulher, mas é frequentemente usado para denominar
homossexual masculino
Mona ocó - (do iorubá) tem diversos significados nos ambientes homossexuais:
mona é mulher e ocó, homem; em alguns grupos é usado para lésbicas
masculinizadas e em outros para gays não-efeminados ou também michês
[variante: monocó]
Montação - o processo de vestir-se com roupas de mulher, geralmente com certo
exagero
Montado - 1 bem vestido; 2 cross-dressing ou biba vestida de mulher
Morder a fronha - fazer a passivona; sentar no croquete
Muvuca - tumulto, aglomeração de pessoas
Neca - (do iorubá) pênis
Necão - pênis grande, avantajado; pauzão
Nena - (do iorubá) fezes
Nicaô - (do iorubá) diz-se do pênis de proporções avantajadas de travesti
Ocâni - (do iorubá) pênis
Ocó - (do iorubá) homem
Ocotô - (rn) pergunta equivalente a onde é que eu estou?; vocábulo geralmente
empregado por bichas passadas, desorientadas e disléxicas; exemplo:
depois de muito doida, a bicha olhou em volta e perguntou - ocotô?
Odara - (do iorubá) bonito, elegante, vivaz
Omivará - (do iorubá) esperma; porra
Operada - transexual que era do sexo masculino (ou nasceu com um pênis),
feminilizou-se, cortou o pênis e construiu uma envaginação; cortada
Oré - (do iorubá) garotão
Otim - (do iorubá) bebida alcóolica
Oxanã - (do iorubá) cigarro
Pacotão - pênis grande; mala (acepção 1)
Pacoteira - vagina grande ou inchada
Padê - (do iorubá) cocaína
Pajubá - variante de ioruba; bajubá.
Pam - abreviação de passiva até a morte
Pansexual - indivíduo versátil que transa com homem, mulher, cachorro, jumento,
árvore, melancia, pedra, areia e com a mão.
Pão-com-ovo - (pejorativo) (sp) homossexual pobre, tanto econômica como
culturalmente
Passada - (pa) - arrasada; chocada
Passar cheque - deitar fezes no pênis do homossexual ativo; checar; melar de nena
a neca do ocó; exemplo: ontem, no atendimento, a mona passou um cheque
no bofe
Passar um fax - defecar; cagar
Passivona - homossexual que apenas pratica o ato sexual passivo.
173

Pegação - aqüendação forte no sentido sexual; caçação


Pênis - órgão sexual masculino; benga; cacete; caralho (1); croquete; ekê;
estrovena; jeba; kibe; mala (1); manguaça; neca; pau; pica; pinto; piroca;
pomba (1); tromba; durante a inquisição, a igreja usava os termos membro
viril e natura, ou membro desonesto quando usado para o pecado
Philips - (rj) carro da polícia civil, porque é preto e branco
Piá - menino, garoto, guri, moleque
Picumã - (do iorubá) peruca, cabeleira; cabelo
Pindaíba - sem dinheiro; duro; dureza
Pintosa - bicha afetada, que dá pinta
Pirar no lance - aprofundar-se exagerada ou erroneamente em algo; encanar
em/com algo; alterar o sentido das coisas
Pirar o cabeção - (sp) curtir muito uma festa
Pittboy - (rj) heterossexual homofóbico malhado praticante de jiu-jitsu, sempre
reconhecido por estar acompanhado de um cachorro pittbull
Pittbullzeira - 1 lésbica que sempre arruma confusão; 2 mulher heterossexual
desprezível, machista e de miolo mole que vive atrás dos rapazes
desprezíveis, machistas e miolos moles praticantes de jiu-jitsu
Poc-poc - (sp) o mesmo que quaquá
Poderosa - adjetivo de emprego predominante entre gays, alguém de forte carisma
pessoal
Podre - coisa ruim
Porta-jóia - camisinha
Quaquá - homossexual efeminado
Qualira - (do iorubá) homossexual do sexo masculino
Quati - (do iorubá) ladrão; elzeiro
Quebrar-louça - 1 quando duas bichas pintosas namoram ou se aqüendam; 2
brigar; bater boca
Queer - (do inglês) estranho; gay
Queijudo(a) - (pe) menino(a) virgem
Racha - 1 vulva; vagina; 2 (pejorativo) mulher
Sabão em pó - (sp) diz-se quando dois gays, namorados ou não estão ficando;
Sair do closet - assumir publicamente a sexualidade; sair do armário; outing; as
variações; derrubar a porta do closet e chutar a porta do closet significam
assumir-se com estardalhaço
Se jogar - divertir-se muito; ir fundo num assunto ou caso
Semi-drag - 1 bicha andrógina; 2 bicha que se monta mas ainda não atingiu o status
de drag
Ser chegado - ter inclinações ou ser homossexual
Ser do babado - 1 ser homossexual; 2 frequentar lugar onde pratica-se atos
homossexuais ou que seja freqüentado por homossexuais.
Simpatizante - heterossexual que freqüenta lugares gays e tem um círculo amplo de
amizade com pessoas do babado
Sodomita - aquele(a) que pratica o coito anal fazendo a passiva; dadeira.
Soltar a franga - o mesmo que sair do closet
Soltar veneno - falar mal de algo ou de alguém
Susie - barbie que não toma bomba; musculosa natural
Taba - (do iorubá) maconha
174

Tá boa - força de expressão muito utilizada pelos gays significando desdém ou


descrédito, equivalente a você acha mesmo? Ou nem vem...; às vezes, vem
acompanhado de vocativo: tá boa, santa?
Tá meu bem - interjeição de espanto: olha!; olha só!; nossa!
Ter carão - ser bonito(a)
Tia - (pejorativo) bicha velha, também atribuído à aids. Exemplo: a mona tá com a tia
(aids).
Tô bege – estou pasmo.
Tô passada - estou horrorizada, impressionada.
Tombar - 1 avacalhar, debochar, menosprezar ou ridicularizar algo ou alguém;
reduzir os méritos; 2 arrasar, principalmente no modelão ou numa atitude:
tombou!
Trá - forma abreviada de traveca ou travesti
Transexual - aquele(a) que mudou de sexo por meios cirúrgicos (amputação ou
implante de pênis); não confundir com travesti nem com transformista; o
transexual que era mulher e passou a ser homem é female-to-male; o
contrário é conhecido simplesmente como operada
Transformista - homem que se veste de mulher para fazer apresentações artísticas,
geralmente para dublagens e sem exageros na maquiagem; não confundir
com travesti nem com transexual
Traveca(o) - travesti
Travesti - homossexual que se veste e comporta como mulher, quer faça programa
ou não; alguns travestis implantam silicone nos seios e outras partes do
corpo, mas ainda possuem pênis;
Triângulo rosa – Símbolo adotado pelos nazistas para identificarem as áreas onde
havia homossexuais em campos de concentração.
Truar - (ce) ferver
Truque - 1 enganação; enrolação; 2 coisa falsa
Truqueiro - aquele que dá truque
Tudo - (interjeição) muito bom! Exemplo: bi, tudo!
Uó - (do iorubá) algo ou alguém ruim, feio, desagradável, desprezível, errado,
equivocado
Urso - homossexual com excesso de peso e de pêlos.
Vagina - órgão sexual feminino; amapoa; aranha; buça; buceta; cona; gogóia;
grilinha; laiala; mapô; pacoteira; perseguida; piriquita; pomba (2); precheca;
racha; tabaco; tcheca; vulva; xana; xavasca; xibiu; xoxota; durante a
inquisição a igreja empregava os termos natura, assim como vaso natural
Velcro - 1 o mesmo que carpete; pêlos pubianos da mulher; 2 ato sexual lésbico
Veneno - palavras ou atos malignos de pessoas más.
Venenosa - pessoa que fala mal de algo ou alguém, ou que faz intriga
Versátil - designação surgida recentemente. Aquele se porta, tanto passivo, como
ativo numa relação sexual.
Xavasca - vagina; xana
Xepó - (do iorubá) cafona; brega

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