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Universidade Federal de Goiás

Faculdade de Educação

Jean Costa Santana

Psicologia Política, Marxismo e América Latina

Goiânia

2019
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Universidade Federal de Goiás

Faculdade de Educação

Jean Costa Santana

Psicologia Política, Marxismo e América Latina

Dissertação de mestrado apresentada ao programa


de pós-graduação em Psicologia da Universidade
Federal de Goiás (UFG) como requisito parcial para
obtenção do título de mestre em Psicologia.

Linha de Pesquisa: Bases históricas, teóricas e


políticas da Psicologia

Professor: Dr. Fernando Lacerda Jr.

Goiânia
2019
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iv
v

Dedicatória

Dedico este trabalho à


memória de Maria Santa da
Costa Santana e Maria
Eduarda da Costa Ribeiro.
vi

AGRADECIMENTOS

Agradeço:

Aos meus Pais, Joel Clemente Ribeiro e Maria Santa da Costa Santana, pela

vida, educação e sabedoria concedidas com suor e muitas vezes com sacrifícios

próprios;

Ao meu irmão, Flavio Santana Ribeiro, pela força e exemplo de coragem;

Ao meu amor, Luana Xavier, pela paciência, compreensão e cumplicidade; ao

meu Professor e Orientador, Fernando Lacerda Jr., pelo compromisso, respeito,

humildade nas orientações, pelo incentivo e consideração pela pesquisa e por

minha formação, e sobretudo pelo apoio para além da minha vida acadêmica.

Aos professores Domenico Uhng Hur, Anderson de Brito Rodrigues, Maria do

Rosário Silva Resende e Gisele Toassa pelas respeitosas contribuições à minha

vida acadêmica.

Aos meus Colegas e demais Professores pelas conversas, provocações,

apontamentos e pela oportunidade de superação, pelo exemplo e imagem.

À CAPES pela bolsa de estudos.

Agradeço a todos que de uma ou outra forma contribuíram para a realização

deste trabalho.
vii

SUMÁRIO

RESUMO.........................................................................................................................vi

RESUMEN......................................................................................................................vii

INTRODUÇÃO...............................................................................................................01

Método..................................................................................................................07

Sobre este trabalho..............................................................................................12

1. PSICOLOGIA POLÍTICA: CONCEPÇÃO HISTÓRICA E DEFINIÇÃO.........14

1.1 O nascimento da ciência como ideologia.....................................................14

1.2 A Psicologia como ideologia..........................................................................19

1.3 Desenvolvimento histórico da Psicologia Política: Fundamentos no século

XIX.........................................................................................................................27

1.4 A Psicologia Política no século XX até sua consolidação............................32

2. A PSICOLOGIA POLÍTICA NA AMÉRICA LATINA: NECESSIDADE


POLÍTICA DE UMA INSURGÊNCIA CRÍTICA.......................................................40

2.1 Imperialismo e desenvolvimento dependente na América Latina..............40

2.2 Psicologia Política na América Latina: considerações históricas e teóricas


............................................................................................................................................51

2.3 Psicologia Política latino-americana: Alguns limites e a democracia


burguesa............................................................................................................................60

2.4 Da decadência ideológica à racionalidade burguesa...................................63

2.5 A racionalidade burguesa e o ocultamento da real natureza da divisão


social do trabalho..............................................................................................................65

2.6 O trabalho intelectual como auxiliar e reprodutor da racionalidade


burguesa............................................................................................................................69

2.7 Psicologia Política latino-americana e sua apologética à racionalidade


burguesa.............................................................................................................................72

3. PSICOLOGIA POLÍTICA LATINO-AMERICANA E MARXISMO: DA


CRÍTICA MARXISTA ÀS AÇÕES DE TRANSFORMAÇÃO E EMANCIPAÇÃO
SOCIAL..............................................................................................................................78
viii

3.1 Psicologia e Marxismo: da geopolítica latino-americana às necessidades do


marxismo.............................................................................................................................78

3.2 História do Marxismo na América Latina.........................................................80

3.3 Psicologia Política latino-americana e marxismo: uma produção teórica de


orientação prática-revolucionária......................................................................................85

CONSIDERAÇÕES FINAIS..............................................................................................95

REFERÊNCIAS..................................................................................................................100
ix

Resumo
Este trabalho tem como objetivo dissertar sobre as contribuições do marxismo à Psicologia
Política desenvolvida na América Latina, para isso há uma contextualização do nascimento do
modo de produção capitalista, sua expansão mundial, e a consequente divisão internacional do
trabalho que trouxe consequências específicas ao continente latino-americano. Para essa
proposta, partimos do referencial teórico marxista, cujo método — materialismo histórico-
dialético — nos possibilitou analisar uma realidade histórica e ontológica, bem como normas
político-jurídicas para ordenar relações entre classes como na sociedade classista capitalista.
Sendo assim, inicialmente, empreendemos esforços para descrever o nascimento da Psicologia
Política ante uma análise histórica da ascensão de novas forças produtivas que possibilitaram o
nascimento de novas ideologias conforme a racionalização de interesses estabelecidos pela
nova classe dominante burguesa. Em um segundo momento, buscamos descrever a história do
nascimento da Psicologia Política latino-americana. Para esse fim, apresentamos as
consequências da expansão mundial do capitalismo-imperialista que explorou da América
Latina seus recursos humanos, naturais e materiais, e a partir dessa realidade histórica, tentamos
descrever a Psicologia Política latino-americana como Psicologia Política crítica que sob a
racionalidade político-jurídica burguesa, buscou formas de emancipação social. Em uma
terceira parte, desenvolvemos a perspectiva teórica, crítica e revolucionária do marxismo —
como resposta concreta à necessidade geopolítica da América Latina. Nesse sentido, colocamos
o marxismo como expressão histórica e ontológica da América Latina, e destacamos que suas
contribuições são indissociáveis de uma Psicologia Política latino-americana que almeje, de
fato, não só a emancipação política, mas, sobretudo, a luta pela transformação social e a
revolução do modo de produção capitalista ao modo de produção socialista.

Palavras-chave: Psicologia Política, Capitalismo, América Latina, Marxismo


x

Abstract

The purpose of this thesis is to probe the contributions of Marxism to Political Psychology
developed in Latin America. A contextualization of the birth of the capitalist mode of
production, its worldwide expansion, and the consequent international division of labor that
brought specific consequences to the Latin American continent is provided. The Marxist
theoretical framework and its method - historical-dialectical materialism - enabled us to analyze
historical and ontological reality, as well as political and juridical norms to order relationships
between classes as in capitalist class Society. Initially, we endeavor to describe the emergence
of Political Psychology through a historical analysis of the rise of new productive forces that
allowed the birth of new ideologies according to the rationalization of interests established by
the new bourgeois ruling class. Then, we describe the history of the emergence of Latin
American Political Psychology. In doing so we present the consequences of the worldwide
expansion of imperialist capitalism that explored Latin America's human, natural and material
resources. Latin American Political Psychology is described as a Critical Political Psychology
in this historical reality that under bourgeois political-juridical rationality sought social
emancipation. In a third part, we develop the theoretical, critical, and revolutionary perspective
of Marxism - as a concrete response to the geopolitical needs of Latin America. In this sense,
we place Marxism as a historical and ontological expression of Latin America, and we
emphasize that its contributions are indissociable from a Latin American Political Psychology
that seeks, in fact, not only political emancipation but, above all, the struggle for social
transformation and the revolution of the capitalist mode of production to the socialist mode of
production.

Keywords: Psychology Political - Capitalism - Latin American - Marxism


xi

Resumen
Este trabajo tiene como objetivo disertar sobre las contribuciones del marxismo a la psicología
política desarrollada en América Latina, para ello hay una contextualización del nacimiento del
modo de producción capitalista, su expansión mundial, y la consecuente división internacional
del trabajo que trae consecuencias específicas al continente latinoamericano. Para esa
propuesta, partimos del referencial teórico marxista, cuyo método - materialismo histórico-
dialéctico - nos posibilitó analizar una realidad histórica y ontológica, así como normas político-
jurídicas para ordenar relaciones entre clases como en la sociedad clasista capitalista. Siendo
así, inicialmente, emprendimos esfuerzos para describir el nacimiento de la psicología política
ante un análisis histórico del ascenso de nuevas fuerzas productivas que posibilitar el
nacimiento de nuevas ideologías conforme a la racionalización de intereses establecidos por la
nueva clase dominante burguesa. En un segundo momento, buscamos describir la historia del
nacimiento de la psicología política latinoamericana. A este fin, presentamos las consecuencias
de la expansión mundial del capitalismo-imperialista que explotó de América Latina sus
recursos humanos, naturales y materiales, ya partir de esa realidad histórica, intentamos
describir la psicología política latinoamericana como psicología política crítica que bajo la
racionalidad político-jurídica burguesa, buscó formas de emancipación social. En una tercera
parte, desarrollamos la perspectiva teórica, crítica y revolucionaria del marxismo - como
respuesta concreta a la necesidad geopolítica de América Latina. En ese sentido, colocamos el
marxismo como expresión histórica y ontológica de América Latina, y destacamos que sus
contribuciones son indisociables de una psicología política latinoamericana que anhela, de
hecho, no sólo la emancipación política, sino, sobre todo, la lucha por la transformación social
y la revolución del modo de producción capitalista al modo de producción socialista.

Palabras - clave: Psicología-Política, Capitalismo, América Latina, Marxismo


1

Introdução

Durante minha formação, percebi que a Psicologia acadêmica que me foi apresentada
não problematizava as dimensões políticas e sociais referentes aos problemas práticos, sociais
e políticos da América latina. A crítica de Erich Fromm (1971) sobre a Psicologia, como ciência
experimental alienada e com métodos alienantes1, me fez refletir sobre qual era a função política
da psicologia.
Nos períodos finais de minha formação, questionei se a afirmação de Fromm seria
adequada somente para os caminhos trilhados pela ciência psicológica do comportamento
(Psicologia behaviorista) ou se, de outro modo, não caberia a toda Psicologia. Contudo, ao
entrar em contato com a perspectiva marxista e com autores que apresentavam uma explicação
histórica dos processos sociais e de luta de classes, tomei consciência do antagonismo entre a
classe social capitalista e a classe social trabalhadora — como classes principais no modo de
produção capitalista —, e com isso ficou claro que a Psicologia e outras ciências, ao se apoiarem
na divisão social do trabalho e atuarem na regulação social das relações de produção, tomam
partido na naturalização de relações sociais que estão submetidas à dominação da burguesia
como classe dominante (Viana, 2007a).
Após a conclusão da graduação, atuei como funcionário público temporariamente
contratado, na cidade de Alexânia, estado de Goiás, para a prestação de atendimentos
psicológicos e psicopedagógicos às crianças e adolescentes matriculadas na rede municipal e
regular de ensino. Também atendia crianças, adolescentes e adultos que apresentavam algum
tipo de deficiência sensorial, mental ou física, adquirindo experiência profissional na área da
Inclusão Social, além da Psicologia Escolar.
Entretanto, a situação cotidiana que eu mais enfrentava nos atendimentos era uma
imensa quantidade de crianças que chegavam encaminhadas pelas escolas com algum tipo de
rótulo referente aos problemas na aprendizagem. Essas crianças já estavam, de algum modo,
presas a algum tipo de narrativa individualizante e se esperava do profissional-psicólogo,
somente a chancela para se confirmar a culpa individual.
Percebi que os problemas que realmente acometiam essas crianças e adolescentes, era
de ordem estrutural-econômica, porque todas elas, incluindo as deficientes que eram
encaminhadas pelo poder público, eram extremamente carentes nas condições mais básicas de

1
“A moderna Psicologia acadêmica e experimental é, em elevado grau, uma ciência que trata de homens alienados,
é estudada por investigadores alienados, usando métodos alienados e alienantes” (Fromm, 1971, p. 76).
2

existência e pertenciam a uma geração de familiares extremamente pobres e fragilizados nas


condições básicas de existência. Isso me deixava impressionado e em estado de perplexidade.
Por experiência própria, percebi o uso da Psicologia a serviço da naturalização de estruturas
econômicas e políticas dominantes. Era natural, nos atendimentos, o uso de técnicas e
ferramentas de uma Psicologia científica asséptica e “apolítica” para dar diagnósticos
individualizantes.
No entanto, passei a questionar esse processo em que a escola esperava da ciência
psicológica uma chancela para individualizar os problemas escolares dos alunos. Senti a
necessidade de buscar respostas referentes à problemática envolvendo a Psicologia, a ideologia
e a dominação social, inerente às relações sociais e suas contradições.
No ano de 2014, no VIII Simpósio de Psicologia Política da Universidade Federal de
Goiás, entrei em contato com a perspectiva teórica da Psicologia da Libertação de Ignácio
Martín-Baró. Isso mudou meu modo de compreender a Psicologia e resgatou minha esperança
de contribuir com a transformação social por meio de uma Psicologia crítica e emancipatória
que busca dialogar com as maiorias populares. A Psicologia libertadora de Martín-Baró, e a
perspectiva histórica, materialista e dialética do marxismo, me despertaram o interesse de
analisar as condições históricas, materiais e psicossociais específicas da América latina.
Esse é o tema que desenvolvo nesta dissertação de mestrado, na qual analiso, por meio
da Psicologia Política e o marxismo, as consequências de uma história de colonização-
exploração e de dependência estrutural, que se faz atual na realidade social, política, cultural e
econômica de cada latino-americano.
Tendo em vista tudo isso, o objetivo geral deste trabalho foi apresentar uma análise
teórica e histórica da relação entre a Psicologia Política e o marxismo compreendida a partir do
contexto de colonização, exploração e dependência da América Latina. Para isso, descrevemos
as consequências impostas à América Latina mediante sua posição na divisão internacional do
trabalho com a expansão e reprodução do modo de produção capitalista.
Para esse caminho, os objetivos específicos foram: analisar a história da Psicologia
Política a partir da organização da sociedade sob o capitalismo moderno; apresentar a história
da Psicologia Política na América Latina, tendo em vista a organização geopolítica dessa parte
do continente atendendo a exploração internacional do capital; conhecer e discutir uma nova
leitura de Psicologia Política latino-americana a partir da teoria marxista, tendo como base as
categorias de totalidade, contradição, mediação e concepção materialista da história.
3

Buscar no marxismo contribuições teórico-metodológicas à formação da Psicologia


Política na América Latina demanda uma análise histórica e teórica sobre a Psicologia política,
o marxismo e a América Latina. Assim, pode-se pensar um posicionamento crítico contra uma
divisão de classes sociais desumana e opressora, na qual aqueles que possuem capital e não
produzem nada – as elites oligárquicas subservientes ao capital estrangeiro – controlam,
oprimem e eliminam diariamente os despossuídos e condenados da América Latina.
Nossa escolha por esse tema representa uma manifestação e uma preocupação de classe:
da classe desapropriada, roubada e explorada. Preocupação que representa engajamento com as
condições reais das maiorias populares pertencentes à América Latina que são cotidianamente
oprimidas, desrespeitadas e violadas em sua dignidade humana. Portanto, nossa escolha não foi
acidental e muito menos mera identificação acadêmica. É por isso que essa dissertação é uma
manifestação de revolta, de oposição, e, sobretudo, de busca por uma nova história para a
América Latina.
Cabe agora entendermos o porquê de escolhermos cada um dos termos em separado, ou
seja, o porquê de escolhermos a Psicologia Política como ferramenta de análise geopolítica, e
o porquê de escolhermos o marxismo como referencial teórico, e a razão para se pensar o
contexto da América Latina.
Escolhemos a Psicologia Política pela sua capacidade de se reconfigurar conforme as
distintas geopolíticas formadas e construídas a partir do conjunto das relações sociais em
determinado momento histórico, econômico e político. Mas para entendermos esse processo de
reconfiguração geopolítica da Psicologia Política, antes temos que entender o que é a Psicologia
Política e qual é sua área de atuação. Para Montero (2009) a Psicologia Política estuda a
interação entre os fenômenos políticos e os processos psicológicos e busca dar explicações dos
acontecimentos políticos e sociais a partir das teorias e conceitos da Psicologia. Já Sabucedo
(1996) define a Psicologia Política como área que aborda a influência dos fatores psicológicos
na conduta política e o efeito dos sistemas políticos na formação dos processos psicológicos.
Nesse sentido, as áreas de atuação da Psicologia Política seriam os fenômenos políticos e os
processos psicológicos. Contudo, todo fenômeno político e todo processo psicológico estão
inseridos em uma determinada realidade social e histórica. E toda realidade social e histórica
depende de como os seres humanos se organizaram - ou foram obrigados a se organizarem -
para produzirem suas condições sociais de subsistência. Mas que realidade social e histórica
seria essa?
4

Atualmente a condição material e social que estamos subjugados é o modo de produção


capitalista. Esse novo modo de produção se inicia entre os séculos XV e XVI com a
expropriação das terras dos camponeses, junto com a alienação fraudulenta dos domínios
estatais entre a burguesia o clero e a nobreza, e com a emergência do direito da propriedade
privada moderna (Marx, 1967/2011).
Com isso, deu-se início à acumulação primitiva, a qual, durante os séculos XVI e XVII,
sob liderança das potências colonizadoras, ocorreu a acumulação de capital graças à exploração
dos recursos naturais da América Latina, o extermínio e a escravização de populações nativas
forçadas ao trabalho, o saqueio das índias Ocidentais e a transformação da África numa reserva
de mão de obra disponível à escravização (Marx, 1867/2011). Todo esse processo gerou a
acumulação de capital que possibilitou às potências colonizadoras (Espanha, Portugal,
Inglaterra, França, Alemanha, Holanda) a liderança na Revolução Industrial que ocorreu no
século XVIII e, posteriormente, o controle sobre o capital monopolista. Daí emergiu a
existência de um capitalismo global dividido entre dominantes e dominados, na medida em que
às custas da exploração dos países subordinados, os países centrais do capitalismo conseguiram
certa estabilidade econômica e política ao longo de boa parte do século XX.
Foi nesse contexto histórico de acumulação capitalista que a América Latina teve seu
espaço e sua formação geopolítica2 específicos. A América Latina foi marcada pelas
determinações do modo de produção capitalista dentro da exploração internacional do capital.
Por isso, não queremos pensar apenas a Psicologia Política, mas a Psicologia Política na
América Latina, ou seja, como ela responde às determinações inerentes da formação política e
social da América Latina (Parisí, 2008).
Assim acreditamos que a Psicologia Política latino-americana possui alguns limites,
como, por exemplo, uma formação teórica difusa em que não há homogeneidade teórica e sim
dispersão e variação (Hur, Sabucedo & Alzate, 2018). Além disso, os acontecimentos sociais e
políticos são particularizados e isolados da totalidade social, ou seja, do modo de produção
capitalista, onde não se percebe a essência determinante desses fenômenos.
Ao não abordar a totalidade social, a Psicologia Política não tem o modo de produção
capitalista como determinação fundamental e isso faz com que ela se configure numa esfera
teórica difusa que autonomiza os elementos sociais colocando-os como fragmentos de análise

2
Conforme Franco (2014) a geopolítica é a análise geográfica articulada aos problemas políticos, econômicos e
sociais a partir de uma cíclica interação e determinação; nesse sentido, a geopolítica delimita a compreensão de
um espaço geográfico (um continente, um país, ou uma região) a partir de determinações de diversos fatores que
compõem o espaço social onde nele se interfere.
5

decorrentes do social e do político. Limites esses já denunciados por Martín-Baró (1988/1990;


1989/1991).
Sendo assim, seguindo a perspectiva marxista de Martín-Baró, acreditamos no avanço
teórico-prático da Psicologia Política a partir do marxismo. Este tem uma enorme contribuição
a dar por analisar os processos sociais e históricos marcados por conflitos de classes e denunciar
a interferência de interesses sociais na formação de processos psicossociais e na execução de
poder coercivo-repressivo por parte daqueles que dominam.
O motivo de nossa escolha pelo diálogo entre o marxismo e a Psicologia Política se deve
à crítica da última como subproduto da racionalidade burguesa criada pela divisão social do
trabalho. Ciências parciais, muitas vezes, não levam em conta a forma como uma sociedade se
organiza para produzir suas condições reais de existência.
Nesse sentido, partimos de uma posição radical ao denunciar a presença do pensamento
burguês na Psicologia Política latino-americana. Tal presença produz uma apologética aos
regimes políticos que legitimam e regularizam o modo de produção capitalista.
Este processo não se deve aos limites dos psicólogos político, mas do modo de produção
capitalista que gera a episteme burguesa que, por sua vez, é a parte da hegemonia burguesa em
um momento histórico condicionado pelo modo de produção capitalista. Este condiciona a vida
cotidiana, as relações sociais, as produções intelectuais, bem como os valores, a linguagem, a
percepção e a racionalidade burguesa.
O modo de produção capitalista gera uma sociabilidade e uma mentalidade que são sua
expressão. A mentalidade burguesa se cristaliza, bem como a episteme dela derivada.
Elas se tornam sólidas e passam a determinar a constituição do saber noosférico
(complexo) e mesmo as representações cotidianas. A cristalização do modo de pensar
burguês explica esse processo. É preciso recordar, no entanto, que tal cristalização é
produto social e histórico, significa a reprodução não apenas da mentalidade burguesa,
mas também da sociabilidade capitalista e os interesses derivados dela. Ou seja, a
episteme burguesa tem sua origem na mentalidade burguesa e na sociabilidade
capitalista. A sociabilidade capitalista, por sua vez, também é a base da mentalidade
burguesa. Em outras palavras, a sociabilidade capitalista atua duplamente sobre a
episteme burguesa: diretamente, através da força das relações sociais que a constitui, e
indiretamente, através da mentalidade burguesa (Viana, 2018, p. 19).
Sobre a episteme burguesa, Viana (2018) retrata um saber complexo que, alinhado ao
conhecimento científico, atua na formação de ideologias, doutrinas, representações e
6

pensamentos formando uma estruturação sociopsicológica decorrente da sociabilidade


capitalista. Essa sociabilidade capitalista é mediada pela episteme burguesa como campo
hegemônico de análise e de percepção das experiências sociais.
A episteme burguesa, como sustenta Viana (2018), não é uma ideologia em particular
de teóricos burgueses (como Malthus, Durkheim ou Auguste Comte etc.), muito menos um
paradigma teórico isolado, seja este funcionalista, fenomenológico ou estruturalista. Ao
contrário de teorias e paradigmas metodológicos particulares, ela é uma infraestrutura de
pensamento: “é a raiz da qual brotam os paradigmas e ideologias, estando presente sob forma
subjacente nessas manifestações concretas” (Viana, 2018, p. 71).
Ainda, segundo Viana (2018), as formas de análise da episteme burguesa se manifestam
no anistorismo, no antinomismo e no reducionismo. O anistorismo compreende a história de
maneira isolada e estática (como o funcionalismo e o estruturalismo) ou pela negação da própria
história ao conceber o capitalismo como última forma social e produtiva, ou seja, ao se
naturalizar e universalizar as relações sociais capitalistas. O antinomismo propõe concepções
de oposição entre binarismos (sociedade/indivíduo, sujeito/objeto, individualismo/holismo).
Aqui se nega, sobretudo, o antagonismo de classes entre a burguesia e o proletariado, o qual é
substituído por concepções de conflitos ou de oposição que podem passar por gradativas
mudanças reformistas. O reducionismo é a forma pela qual a episteme burguesa isola e
fragmenta os fenômenos sociais (Viana, 2018).
Nesse sentido, como será destacado no capítulo sobre o tema, existe na Psicologia
Política latino-americana elementos de presença do pensamento burguês e de apologética à
sociedade burguesa. A episteme burguesa se manifesta em formas de perceber e analisar os
fenômenos políticos, sociais e econômicos.
Afirmar a existência de um antagonismo3 radical entre a episteme burguesa e a episteme
marxista, significa reconhecer a episteme burguesa como forma predominante de análise e
percepção dos fenômenos sociais, políticos e econômicos. E muitas análises da Psicologia na
América Latina partem de percepções e análises dissociadas do modo de produção capitalista
e, assim, não problematizam a divisão social do trabalho.

3
Nesta parte ressaltamos que a palavra antagonismo é mais radical do que a palavra oposição. Isso porque no
antagonismo não há nenhuma chance de conciliação de indivíduos cuja existência e condição de classe é
dependente da exploração de outra classe — como é na relação entre capitalista versus proletários. Enquanto que
no termo — oposição — se abre possibilidades para uma relação a ser restaurada e reformada onde a luta de classes
é reduzida à estratificação social abrindo uma superficial disputa por espaços e renda. Isso exclui da análise a
totalidade social que é as relações sociais sob o capitalismo em sua constituição básica: burguesia contra o
proletariado.
7

Método

Para a construção deste trabalho, partimos do método dialético marxista, o qual destaca
o modo de produção da vida social como determinação fundamental das relações sociais (Marx,
1859/1977; 1845-1846/2007). Nesse sentido, sendo a sociedade uma totalidade, as partes que a
compõem mantêm uma relação necessária na regulação das relações sociais.
A dialética marxista expõe as contradições das relações de produção: há uma classe que
produz e outra que se apropria do que é socialmente produzido. Essa relação de contradição é
inerente ao do modo de produção capitalista: a burguesia, como classe dominante, procura
explorar a classe trabalhadora e extrair o mais-valor. A partir dessa relação de contradição, a
teoria marxista nos possibilita denunciar o papel de uma classe apropriadora que detém as forças
produtivas e procura ocultar sua relação de exploração.
Nesse sentido, a perspectiva marxista, além de revelar as contradições nas relações de
produção entre classes sociais antagônicas, é uma descrição crítica, teórica e prática, claramente
definida a partir dos desapropriados cujo único bem é a venda da força de trabalho para
sobreviver (Korsch, 1977).
O método dialético critica o método que abstrai a Psicologia e a categoria4 “política” do
conjunto das relações sociais. Ao contrário, neste trabalho, Psicologia e Política foram
entendidas e situadas a partir das relações sociais concretas que envolvem dominação de classe.
Assim, recusamos a Psicologia como ciência isolada e neutra, bem como a “política” como
categoria abstrata e mistificada.
Sobre a ideologia, vale dizer que historicamente houve a procura por legitimar, por meio
de ideias teológicas, filosóficas ou científicas (formas de ideologia), a divisão de classes
inerente aos diferentes modos de produção da vida social: escravista, feudal e capitalista; o
conhecimento filosófico – no período escravista –, o conhecimento teológico – durante a Idade
Média – ou o conhecimento científico especializado – proliferado no modo de produção
capitalista, foram modos de regulação ideológica das relações de produção entre indivíduos
produtores e não-produtores (Viana, 2009).

4
A dialética materialista retira da realidade concreta um conjunto de categorias (recursos para se pensar a
realidade) que estão relacionados a partir de uma totalidade e que servem de guia para se analisar um fenômeno
social. Assim, como exemplo, a categoria “esquerda ou direita”, como orientação espacial, não existe de fato na
realidade pois essas categorias não têm corpos físicos e não ocupam espaço, mas servem, a partir da realidade, de
orientação espacial que indicam caminho, rota ou direção. Sendo assim, não é a dialética, como categoria e recurso
heurístico que busca determinar a realidade, mas, ao contrário, é a realidade que determina o método dialético
(Viana, 2007a).
8

A ideologia, como falsa consciência sistematizada e construída a partir de relações


sociais contraditórias — entre produtores não-proprietários e proprietários não-produtores —,
tem como propósito, a partir dos interesses da classe dominante proprietária, naturalizar e
regular as relações. Marx (1859/1977) destaca que nas sociedades classistas, há uma
infraestrutura estabelecida pelo modo de produção (entre produtores e não produtores), sobre
a qual se fundamenta uma superestrutura político-jurídica, responsável por legitimar a
espoliação privada daquilo que é socialmente produzido.
Na superestrutura se organiza uma série de dispositivos de dominação ideológica
(política, filosofia, religião, psicologia) e de repressão/coerção (como o estado) que são
responsáveis por organizar e dar continuidade ao modo de produção dominante numa
sociedade dividida em classe.
[...] na produção social da sua existência, os homens estabelecem relações
determinadas, necessárias, independentes de sua vontade, relações de produção que
correspondem a um determinado grau de desenvolvimento das forças produtivas
materiais. O conjunto destas relações de produção constitui a estrutura econômica da
sociedade, a base concreta sobre a qual se eleva uma superestrutura jurídica e política
e a qual correspondem determinadas formas de consciência social. O modo de produção
da vida material condiciona o desenvolvimento da vida social, política e intelectual em
geral (Marx, 1977, p. 24).
Toda a superestrutura está relacionada com o processo de formação de consciência
social. Essa superestrutura é materializada pela família, pela escola e por qualquer outra
instância institucional responsável pela formação pessoal na qual, em sua existência, o sujeito
entrará em contato (Santos, 2000; Ponce, 2005, Enguita, 1989; Viana, 2007a).
Assim, o sujeito, no seu processo de formação de consciência, é coagido a lidar
socialmente com instâncias formativas que farão com que o mesmo forme seus valores, ideias
e visões de mundo (Iasi, 1999). Dessa forma, a construção processual de sua consciência passa
a entender a realidade como dada e natural, assim como a troca da totalidade social (modo de
produção, relações de produção) pela parte que lhe é apresentada e pela interiorização de
normas e valores que esse indivíduo vê como intrínsecas a ele (Iasi, 1999).
Na esteira dessa problemática, pode-se afirmar que a Psicologia atua como ideologia
na regulação das relações sociais capitalistas. Sendo assim, os aparatos ideológicos da
superestrutura têm a responsabilidade de manter e dar continuidade no processo de formação
da consciência:
9

A ideologia agirá sobre essa base e se servirá de características fundamentais para


exercer uma dominação que, agindo de fora para dentro, encontra nos indivíduos um
suporte para que se estabeleça subjetivamente. A ideologia não pode ser compreendida
apenas como um conjunto de ideias que, pelos mais diferentes meios (meios de
comunicação de massas, escola, igrejas etc.) são introduzidas na cabeça das pessoas.
Isso levaria ao equívoco de conceber uma ação anti-ideológica como a simples troca de
velhas por “novas” ideias (Iasi, 1999, p. 24).
Marx e Engels (1845-1846/2007), sustentam que as ideias dominantes são sempre as
ideias de uma classe dominante, posto que o mundo das ideias oculta interesses de classes:
As ideias da classe dominante são, em cada época, as ideias dominantes, isto é, a classe
que é a força material dominante da sociedade é, ao mesmo tempo, sua força espiritual
dominante. A classe que tem à sua disposição os meios da produção material dispõe
também dos meios da produção espiritual, de modo que a ela estão submetidos
aproximadamente ao mesmo tempo os pensamentos daqueles aos quais faltam os meios
da produção espiritual. As ideias dominantes não são nada mais do que a expressão
ideal das relações materiais dominantes, são as relações materiais dominantes
apreendidas como ideias; portanto, são a expressão das relações que fazem de uma
classe a classe dominante, são as ideias de sua dominação (Marx & Engels, 1845-
1846/2007, p. 47).
Ao criticarem a valorização da dominação do mundo das ideias sobre a realidade
histórica e a separação dessas ideias de uma materialidade histórico-social, fazendo uma
inversão da realidade ou ocultando a mesma, Marx e Engels (1845-1846/2007) enfatizam que
a classe dominante detém, não somente a dominação sobre os meios produtivos, mas também
tenta manter uma dominação no mundo cultural das ideias, tornando, portanto, suas ideias as
ideias dominantes e legítimas.
Para isso, os autores destacam três pontos essenciais que são: a classe dominante deve
separar as ideias dominantes de sua própria classe, para que não fique explícita a dominação
ideológica por meio das próprias ideias; deve ser atribuída uma causa mística às ideias para
que elas se autodeterminem como ideias epifenomênicas e autônomas; e por fim, as ideias
devem ser apresentadas como “naturais” por ideólogos, impermeáveis e isolados de uma
realidade histórica-material e valorativa (Marx & Engels, 1845-1846/2007).
É nesta direção que Martín-Baró (1983/2017) define ideologia como falsa consciência
que não corresponde com a realidade, mas que busca encobrir, e ao mesmo tempo justificar o
10

existente a partir dos interesses da classe dominante. Para o autor, a ideologia é uma força
social que se converte em um modo de viver, pensar e sentir das pessoas. A objetividade social
se converte em subjetividade individual. As pessoas, pela ideologia, tornam-se sujeitos sociais
e dão sentido à própria existência. Nesse sentido Martín-Baró (1983/2017) evidencia algumas
funções da ideologia como:
oferece uma interpretação da realidade; fornece esquemas práticos de ação; justifica a
ordem social existente; legitima essa ordem como válida para todos, isto é, converte
em natural o que é histórico; efetiva uma relação de domínio existente; e reproduz o
sistema social estabelecido (Martín-Baró, 1983/2017, p. 119).
Terry Eagleton (1997) aponta que a ideologia naturaliza as crenças e os valores, exclui
formas de pensamento que não seguem o fluxo ideológico e obscurece a realidade social de
modo a ocultar os conflitos sociais vivenciados cotidianamente pelas pessoas em suas
experiências reais:
Um poder dominante pode legitimar-se promovendo crenças e valores compatíveis com
ele; naturalizando e universalizando tais crenças de modo a torná-las óbvias e
aparentemente inevitáveis; denegrindo ideias que possam desafiá-lo; excluindo formas
rivais de pensamento, mediante talvez alguma lógica não declarada mas sistemática; e
obscurecendo a realidade social de modo a favorecê-lo. Tal “mistificação”, comumente
conhecida, com frequência assume a forma de camuflagem ou repressão dos conflitos
sociais, da qual se origina o conceito de ideologia como uma resolução imaginária de
contradições reais (Eagleton, 1997, p. 19, grifos do autor).
Portanto, a ideologia é expressão “natural” do ponto de vista dominante, sendo que as
ideias dominantes são formas de regulação das relações sociais de produção, pois a classe que
detém os meios materiais, possui, também, os pensadores como produtores de suas ideias
dominantes, como sustenta Marx (1845-1846/2007).
Sobre o regime político, este não pode ser tomado como autônomo em relação ao modo
de produção capitalista, pois sua essência manifesta-se a partir de como a classe capitalista cria
formas para se relacionar com as demais classes sociais. É nesse sentido que surgiu o Estado
burguês e a democracia burguesa como formas “políticas” que a classe dominante capitalista
elege para construir sua racionalidade e dominação de classe.
Destarte, em se tratando do Estado moderno burguês, ele nada mais é senão um balcão
para gerir os negócios da burguesia (Marx, 1848/2009). O Estado moderno está estritamente
associado à acumulação primitiva e ao capitalismo mercantilista. Foi por meio dele que a
11

burguesia marcou seu período de transição, centralização e ascensão ao poder como nova classe
dominante (Netto & Braz, 2006).
Nesse sentido, o Estado capitalista, analisado a partir do conjunto das relações sociais
do modo de produção capitalista, se configura como aparato para regular as relações sociais de
produção e garantir a dominação da classe dominante (Marx, 1848/2009; Viana, 2003; 2007a).
Para manter a dominação da classe capitalista, o Estado burguês tem como ação a repressão
social e usa as forças armadas (polícia e exército) para reprimir qualquer manifestação social
que vá contra os seus interesses. Mas isso só ocorre quando seus aparatos ideológicos (escola,
mídia, religião, etc.) não efetivam as funções sociais esperadas.
Em relação intima com o estado burguês, há a democracia burguesa. Esta foi erigida a
partir da Declaração Universal dos Direitos Civis do Homem, de 1789. Como extensão do
regime político burguês, a democracia burguesa tem como função garantir uma participação
restrita das classes sociais oprimidas, cooptar indivíduos que criticam e se posicionam ante as
limitadas concessões do estado capitalista e, além disso, amortece a luta de classes (Viana,
2003). Ademais, a democracia burguesa divulga seus interesses particulares como interesses
universais, de modo que concepções universais abstratas (liberdade, direito à propriedade
privada e igualdade), não passam de meios para defender os interesses particulares de quem
detém capital, isto é, a própria classe burguesa (Marx, 1843/2010; Lacerda Jr., 2016).
Portanto, por meio da teoria marxista, passamos a entender que são as condições
materiais de uma determinada sociedade, em seu processo evolutivo, que determinam a
consciência social e a constituição real das relações sociais (Marx, 1859/1977). Nesse sentido,
traçamos um caminho que se orienta por uma perspectiva material, histórica e dialética.
A dinâmica material é entendida como determinação fundamental, porque envolve o
modo de produção capitalista e sua forma de organizar a sociedade. A história possibilita a
compreensão do ser social como movimento dinâmico e de ação criativa, no qual há a
possibilidade de novas transformações que dependem da atividade humana. A dialética, por sua
vez, analisa as contradições sociais dentro das relações de produção sem autonomizar ou isolar
os acontecimentos sociais, políticos e históricos (Viana, 2007a).
O marxismo busca extrair da realidade categorias relacionadas entre si como partes que
compõem a totalidade que é a própria sociedade. O materialismo histórico-dialético possibilita
uma anatomia da sociedade capitalista e suas partes (relações sociais, emprego, democracia,
Psicologia política) sem dissocia-las do modo de produção da vida social. Em outras palavras,
os aspectos particulares que compõem a sociedade podem ser extraídos do conjunto das
12

relações sociais complexas e analisados a partir da determinação fundamental e constituinte —


que é a forma que se organiza a sociedade a partir de seu modo de produção.
O modo de produção é a determinação fundamental e a sociedade é a totalidade. Assim,
a concepção materialista da história não apresenta nenhuma consciência a priori, pois
apenas sugere existir determinadas relações e é só a pesquisa que pode confirmá-las e
desvendar as formas de sua manifestação (Viana, 2007a, p. 108).
Portanto, repensar uma Psicologia Política para a América Latina desde o marxismo,
coloca-a dentro de uma perspectiva material, histórica e dialética. Os processos psicossociais
ou psicopolíticos podem ser compreendidos a partir de uma engrenagem sociopolítica e de
determinantes estruturais condicionados pelo modo de produção capitalista. Nesse sentido,
parte da Psicologia Política, em articulação com o marxismo, criticar a mentalidade dominante
(produções intelectuais) tomando uma posição não asséptica para promover a conscientização
e a libertação de processos altamente alienantes que vitimam as classes desprivilegiadas dos
países de capitalismo subordinado, como a América Latina.

Sobre este trabalho

No primeiro capítulo, apresentamos uma descrição histórica sobre o surgimento da


ciência psicológica e sua alienação na defesa dos interesses da classe dominante. Nosso
propósito foi apresentar a história da Psicologia como uma ideologia a favor da regulação das
relações sociais sob o modo de produção capitalista. Empreendemos esforços para destacar o
contexto teórico e conceitual de influência exercida sobre a Psicologia Política por alguns
autores das Ciências Sociais do século XIX. Estando antes determinada por interesses sociais,
para além de um contexto teórico-conceitual, articulamos a particularidade das Ciências Sociais
com os interesses de classe, dando base histórica para o surgimento da Psicologia Política
hegemônica que, no século XX, formulou estudos positivistas, reducionistas e funcionalistas.
No segundo capítulo, abordamos a Psicologia Política a partir da geopolítica da América
Latina. Para tal, buscamos descrever o contexto histórico de formação da América Latina, a
partir da ampliação do capitalismo mundial, da colonização, e do imperialismo norte-
americano. Entendemos que esses elementos impuseram uma formação política e social
específica à América Latina, de modo que os países desse continente tiveram em seu
desenvolvimento a marca da exploração de seus recursos, a dominação objetiva e subjetiva e a
dependência em relação ao capitalismo dominante. Demostraremos algumas produções teóricas
13

da Psicologia Política na América Latina que buscam responder às consequências sociais e


políticas desse contexto. Para tal, realizamos um apanhado histórico de algumas obras de
Psicologia Política na América Latina, e demonstramos as primeiras obras de Psicologia
Política na América Latina, como a obra do brasileiro Victor de Brito até chegarmos à
Psicologia Política latino-americana, propriamente dita, que visa analisar fenômenos
psicopolíticos, como as consequências da tortura, trauma político e a consciência política.
No terceiro capítulo, partindo da leitura marxista, pretendemos aprofundar uma
articulação entre a Psicologia Política latino-americana e o Marxismo, desenvolvendo, a partir
dos limites da Psicologia Política latino-americana, uma análise materialista e histórico-
dialética que destaca a centralidade do modo de produção da vida social numa sociedade
dividida entre classes sociais antagônicas. Por fim, demonstramos algumas produções teórico-
metodológicas da Psicologia Política latino-americana, e destacamos algumas obras de Martín-
Baró, como avanço fundamental na Psicologia Política latino-americana.
Na parte final deste trabalho, objetivamos destacar, em nossas considerações finais, a
centralidade da teoria revolucionária marxista para a constituição de um espaço político-crítico
na Psicologia Política latino-americana. Nessa direção, destacaremos a necessidade da
revolução social constituir o horizonte ético-político da Psicologia Política. Para isso, é
necessária uma prática de classe para-si e é nesse espaço de comprometimento que pode emergir
uma verdadeira consciência libertadora.
14

1. Psicologia Política: concepção histórica e definição

Neste primeiro capítulo, pretendemos expor como a Psicologia como ciência autônoma
nasce junto com o desenvolvimento do conhecimento científico moderno associado às novas
forças econômicas e políticas postas em movimento pela burguesia como nova classe
dominante. O resgate histórico desse processo destaca a indissociável relação da ciência com a
sociedade e, mais especificamente, como o conhecimento científico foi submetido a
determinados interesses sociais da nova classe detentora dos meios de produção. Tal relação,
entre ciência e sociedade, explicita as políticas da Psicologia em seu papel específico na
sociedade moderna, visto que a ciência, antes determinada pelas novas relações capitalistas de
produção, surge como consequência da divisão social do trabalho específica ao capitalismo.
Com isso pretendemos dar base histórica para a construção da Psicologia Política
segundo as mudanças sociais, políticas e econômicas submetidas ao capitalismo como novo
modo de produção, para isso: a) destacamos a ciência como ideologia no capitalismo, b)
expomos a Psicologia como ideologia que atua de acordo com necessidades do modo de
produção capitalista, c) como o novo modo de produção capitalista influenciou as primeiras
concepções teóricas de Psicologia Política do século XIX, d) e a consolidação da Psicologia
Política como nova disciplina no século XX.

1.1 O nascimento da ciência como ideologia

A ciência é uma construção humana que produz conhecimento a partir da relação com
a natureza ou com a sociedade. A ciência, antes de tudo, nasceu do ato criador e teleológico
humano do trabalho e esteve, em um primeiro momento, marcada pela promessa de criar um
novo mundo dominando as forças da natureza (Schwartz, 1992). A ciência, como produção de
conhecimento e transformação da natureza, é indissociável do processo especificamente
humano de trabalho, no qual a atividade independe de qualquer forma determinada
naturalmente.
No entanto, a ciência moderna, ao tentar se autonomizar e ser independente das relações
sociais e da própria história social da produção capitalista, passou a ser uma ideologia em
oposição ao ato criativo e inovador humano (Schwartz, 1992). Mas como a ideologia da ciência
nasceu?
15

Segundo Marx (1867/2011), a transição do feudalismo ao modo de produção capitalista


foi possibilitada pela expropriação das terras dos camponeses para o pastoreio de ovelhas para
a obtenção da lã; pela acumulação primitiva de capital possibilitado pelo colonialismo do
período mercantilista; pela tomada de terras antes pertencentes à igreja católica; e pelo tráfico
humano de escravos do continente africano. Isso precipitou o surgimento de uma nova
organização socioeconômica, criada a partir da superação de relações de produção típicas do
feudalismo como o Estado absolutista (Netto; Braz, 2006).
Isso ocorreu em um contexto histórico de mudança no modo de produção e em
condições sociais que facilitaram embates contra um regime, que já estava sendo abalado por
conflitos sociais dirigidos pela burguesia, fundamentado no poder da tradição colocando, assim,
a nobreza feudal em processo iminente de extinção. Forças ideológicas em transição entravam
em contradição ante uma estrutura político-econômica limitada e insuficiente e, por isso, era
necessário para a burguesia criar novas condições sociopolíticas que poderiam contribuir para
a realização de seus próprios interesses (Netto & Braz, 2006).
Com a queda do Antigo Regime e a ascensão de uma nova classe dominante, definiram-
se novos rumos históricos à realidade social, política, material e científica (Hobsbawm, 2015).
Nesse contexto histórico, para o nascimento de uma nova organização do modo de produção da
vida social, dois grandes acontecimentos foram fundamentais: a Revolução Industrial de 1760-
1820 e a Revolução Francesa em 1789. Estas revoluções mudaram a organização política e
social na Europa e no mundo e foram dois grandes marcos no processo histórico de ascensão
da burguesia (Hobsbawm, 2015).
Com a derrubada do Estado Absolutista, a burguesia, instalada no poder, implementou
um novo programa de modernização liberal direcionado à permanência de seus interesses
políticos e econômicos. Contudo, o novo regime burguês não abandonou as práticas e os
processos de um Estado Absolutista (a repressão e coerção pelo exército, a burocracia estatal e
a ideologização das relações sociais). Tampouco, deixou de defender uma forma autocrática de
organização política. Esta foi enfrentada por uma classe social – o proletariado – que, a partir
de 1830, passou a atuar de forma independente (Hobsbawm, 2015). Sendo assim, as novas
práticas políticas da hegemonia burguesa não superaram as práticas do regime autocrático
absolutista feudal, mas as reutilizaram para ditar o triunfo da indústria capitalista como
sustentáculo da hegemonia de classe (Netto; Braz, 2006; Hobsbawm, 2015).
Com a divisão social do trabalho, aprofundada pela revolução industrial e o surgimento
de duas novas classes sociais antagônicas (proletariado e burguesia), estabeleceram-se
16

iminentes condições de ruptura entre o proletariado e a opressiva classe burguesa. Atemorizada


com os levantes populares de 1848, a burguesia se distancia do “programa da modernidade” e
se converte em classe conservadora, cujo objetivo foi a manutenção das relações sociais,
fundamentadas na propriedade privada dos meios de produção (Netto & Braz, 2006), e na
ciência como principal forma de ideologia (Viana, 2007a; 2007b)
Como sustenta Viana (2007a), a ciência, como ideologia, é inseparável do surgimento
do modo de produção capitalista:
A ciência surge com a ascensão da sociedade capitalista e é totalmente incoerente com
todas as modernas definições de ciência e dos critérios de cientificidade. O que
possibilitou o surgimento da ciência foi o desenvolvimento das forças produtivas
provocadas pelo modo de produção capitalista e das necessidades produzidas por ele,
tanto a necessidade de um maior controle sobre a natureza quanto à necessidade de um
maior controle social. É isto que possibilita e faz surgir a ciência e a sua historicidade é
determinada pelas necessidades da sociedade capitalista (Viana, 2007a, p. 66).
Podemos perceber que a ciência dominante ou burguesa não nasceu separada das
necessidades do capitalismo e que o avanço das forças produtivas possibilitou o surgimento da
ciência. Portanto, a ciência dominante não nasceu independente da sociedade. Nessa
perspectiva, acreditamos que a ciência como ideologia foi fruto da consolidação do modo de
produção capitalista, do desenvolvimento da divisão social do trabalho, assim como do
processo de mercantilização e burocratização das relações sociais (Silva, 2017).
O novo modo de produção material da vida social — fundamentado numa nova forma
de exploração social — sob o domínio da nova classe capitalista hegemônica, determinou a
emergência de novas relações sociais no trabalho, na política e na economia, assim como na
ciência (Marx,1859/1977). A ciência, no processo de transição, foi usada na derrubada do saber
centralizado no sagrado e no poder da tradição. Foi, portanto, uma ferramenta progressista e
positiva contra o regime feudal e algumas concepções filosóficas. A ciência desafiou as
concepções religiosas impostas como conhecimento verdadeiro pelo clero e pela nobreza. Com
a hegemonia da burguesia e com as novas relações sociais de produção, marcadas por
industrialização e mecanização, a ciência passou a desempenhar um outro papel importante: o
controle e a racionalização das relações sociais de produção (Yamamoto, 1987), sendo,
portanto, um importante veículo da ideologia burguesa (Viana, 2007a, 2007b, 2010).
Portanto, a ciência institucionalizada e ideológica é inseparável do surgimento do
capitalismo (Viana, 2007a). Com o avanço do novo modo de produção, a ciência se legitimou
17

como instância asséptica e objetiva (Viana, 2007a; Viana, 2007b) e como instrumento de
manutenção de uma administração-dominação racionalizada como efeito da industrialização
(Marcuse, 1973; Habermas, 1968).
Peixoto (2015) destaca que a ciência, assim como a técnica, foi utilizada para sustentar
a dominação da burguesia. A autora destaca que, assim como a filosofia defendeu os interesses
dos intelectuais livres da Grécia Antiga e a teologia legitimou os interesses do clero da
sociedade feudal, a ciência, na sociedade moderna capitalista “cumpre o mesmo papel: a esfera
científica, através de um conjunto de ideias, práticas, etc... indicam os caminhos mais prósperos
e lucrativos para a classe dominante” (Peixoto, 2015, p. 50).
A ciência aparece como acima do conhecimento simples, isto é, do senso comum. Se
apresenta como isenta de valores e livre dos interesses e requisitos das classes desprivilegiadas.
No entanto, segundo Viana (2006; 2010), é impossível à ciência ser neutra em seus conceitos e
categorias, pois foi construída a partir de seres sociais valorativos em sua essência.
Em oposição ao senso comum, a ciência foi construída seguindo um caminho
sistemático, metódico e empírico. Sistemática no sentido de ser estruturada segundo certo rigor
de procedimentos coesos e organizados. Metódica, porque se desenvolveu a partir de uma série
de métodos supostamente objetivos para apreender a realidade. Empírica, porque depende da
experiência observável e da prática dos sentidos. Esses foram os eixos reguladores de toda
ciência, seja ela ciência natural ou humana (Silva, 2017).
Após a instrumentalização da ciência pelo capital, apareceram várias especializações no
campo científico. Cada especialidade passou a definir um objeto de estudo próprio, mas reteve
os elementos normativos gerais mencionados anteriormente (Viana, 2006). Assim, diferentes
especialidades adotam as mesmas noções de ciência.
Duas características da ciência moderna são: a busca pela neutralidade e pela
objetividade. Estes dois critérios evidenciam o discurso científico como ideologia burguesa e
são a base da necessidade de sistematização, método e empiria nas ciências particulares (Viana,
2007a).
Com a consolidação do sistema capitalista e com a nova divisão social do trabalho, na
qual as novas formas de saberes científicos foram autonomizadas, emerge, pelo caminho da
neutralidade e da objetividade, um conhecimento que revoga a unidade entre ser histórico e
consciência histórica, instaurando o dualismo entre sujeito e objeto:
A finalidade da ciência é adquirir a “verdade objetiva”. O conhecimento passa a ser um
objetivo em si mesmo e essa sua autonomização leva a uma supervalorização da ciência,
18

que é a forma dominante da ideologia dominante na sociedade capitalista. A luta heroica


da ciência burguesa na busca do “conhecimento objetivo” revela-se, na realidade, uma
luta trágica onde a própria finalidade escolhida impede sua concretização (Viana, 2007a,
p. 29).
Nesse sentido, ao se substituir as reais condições históricas e a unidade entre ser e
consciência histórica, as especialidades das ciências burguesas ou do conhecimento submetido
à ideologia burguesa, aparecem como obstáculos para a investigação da totalidade da realidade
materializada nas relações sociais:
A fragmentação do conhecimento e o isolamento das especialidades são características
da ciência social burguesa. Em nome de uma “objetividade científica”, expressão da
decadência ideológica, os campos do conhecimento transformados em “ciências
autônomas”, acabam por substituir a investigação das “reais conexões causais na vida
social (por) analises formalistas e vazios raciocínios analógicos” (Yamamoto,1987, p.
14).
Segundo Yamamoto (1987), a busca por “objetividade científica” instituiu condições de
se fazer ciência que operam uma cisão das reais conexões causais da vida social, o que resulta
no estudo de elementos isolados da totalidade social.
Acreditamos que seja impossível a neutralidade de valores. O cientista é um ser social
formado a partir de relações sociais concretas que porta e expressa sentimentos, percepções e
posições sociais e econômicas. As relações sociais que formam o cientista abarcam,
inegavelmente, valores, crenças, formação e ideias. O cientista possui uma consciência
intencional formada a partir de seu meio social. Nesse sentido, a neutralidade científica busca
colocar o pesquisador como se fosse uma pessoa isolada de suas relações sociais, fora da
sociedade e, portanto, isento de valores e de perspectiva de classe. A neutralidade não seria o
ponto de chegada, mas sim o ponto de partida de qualquer perspectiva científica, seguindo os
critérios de isolamento de valores do positivismo.
O positivismo, por sua vez, considera que a neutralidade é necessária para se atingir a
objetividade e para conseguir isto cria diversos recursos que impossibilitam o
desenvolvimento de uma consciência correta da realidade, tal como é o interesse de
algumas classes sociais. Nesse sentido, o positivismo é uma forma de discurso
ideológico que se caracteriza pela luta trágica em busca da neutralidade e da
objetividade, que se revelam, na verdade, uma manifestação parcial e valorativa, que
são condições de impossibilidade do saber, não devido ao seu caráter parcial e
19

valorativo, mas sim graças a qual parte e valores se fundamenta (Viana, 2007a, p. 50-
51).
As citadas características – objetividade e neutralidade – da ciência são carregadas de
valores parciais que expressam interesses dominantes. Por exemplo, podemos citar Thomas
Malthus, ideólogo da classe dominante e economista submisso aos interesses do capital, quem
tentou justificar uma economia a partir das especulações de interesses da burguesia (Viana,
2014). Da mesma forma, a utilização das ideias de Herbert Spencer serviu para justificar a tese
de que a competição e a sobrevivência dos mais aptos seriam leis fundamentais para a vida
social (Portugal, 2015). Outro exemplo, é a obra de Durkheim, um defensor da “neutralidade
científica” que era a favor da divisão social do trabalho e do capitalismo (Viana, 2007b).
Das relações sociais concretas, os seres humanos criam os meios para produzir e
reproduzir seus meios de vida. A classe dominante no capitalismo busca planejar e dirigir os
meios de trabalho, em contraposição aos que são responsáveis pela execução do trabalho. Todos
esses exemplos mostram a produção de ideias a partir de valores sociais, portanto, formam
concepções políticas que têm numa classe social — a intelectualidade — uma classe
improdutiva que, em grande parte, opera como auxiliadora da classe dominante e contribui no
processo de manutenção e dominação entre classes.

1.2 A Psicologia como ideologia

No tópico anterior, abordamos o contexto histórico de mudanças sociais, políticas e


econômicas a partir das transformações das forças produtivas e da consolidação do modo de
produção capitalista. Tal processo determinou a constituição da ciência dominante como uma
das formas de ideologia justificadora dos interesses da nova classe dominante, a burguesia.
Neste tópico, nossa análise crítica abordará a Psicologia como ciência particular e suas funções
políticas.
Analisar a autonomização da Psicologia demanda considerar as condições materiais que
propiciaram o seu advento. Em outras palavras, é preciso “caracterizá-la enquanto uma
concepção do real conectada a esta formação social — ou dito de outra forma, enquanto
ideologia” (Yamamoto, 1987, p. 14).
Nesse sentido, o surgimento da Psicologia Experimental só foi possível após a
emergência da ciência moderna do século XVII, período em que formas de conhecimento
20

tradicionais – como os saberes místicos – entraram em crise e foram substituídos por um saber
que pretendia ser objetivo, racional e verificável (Japiassu, 1995).
A partir do pensamento iluminista do século XVIII, Vidal (2013) sustenta que a
Psicologia, como uma disciplina empírica, já exercia um papel crucial como uma das “ciências
mais úteis” para fundamentar a ciência e a filosofia. Embora a Psicologia ainda não fosse uma
ciência institucionalizada e tampouco uma profissão, Vidal (2013) destaca que a Psicologia –
por rejeitar ideias inatistas, criticar a metafísica e apelar para a observação e à experiência –
exerceu grande influência, tornando-se “a disciplina básica e estratégica dentro do campo das
ciências humanas e filosóficas” (Vidal, 2013, p. 62).
Nesse sentido, de acordo com Vidal (2013), a Psicologia, no século das luzes, foi uma
disciplina antropológica crucial, pois estudava os mecanismos do processo de conhecimento,
isto é, envolvia a condição e a crítica do processo de aquisição de conhecimento. Um outro
motivo, segundo o autor, para a proeminência da Psicologia, seria a definição de ser humano
que defendia na época, alinhada com uma antropologia cristã que valorizava a interação entre
corpo e alma acontecendo no cérebro e mediada pelos nervos do cérebro
Para Vidal (2013) essa psicologização do processo de conhecimento marcou a
constituição da Psicologia como disciplina empírica, pois ao analisar como o ser humano
obtinha conhecimento e ao indicar métodos de investigação empírica, a Psicologia estava
pavimentando, já no século XVIII, “o que ela ainda é hoje — um mecanismo maior de definição
das normas para o ser humano e sua conduta, e para o controle de seu funcionamento” (Vidal,
2013, p. 76).
Embora no trabalho de Vidal (2013) conferimos a importância da Psicologia por ter
atuado no estabelecimento de fundamentos das ciências modernas, constatamos que um outro
movimento importante foi a experiência de individualização. Decorrente de um poder
disciplinar que se inicia no século XVIII, nesse sentido Ferreira (2013) destaca a necessidade
de controle e de disciplina devido ao aumento demográfico da população, a criação de novas
técnicas e novos artefatos industriais, assim como novas relações de trabalho que impuseram a
necessidade de novas tecnologias de poder, dentre elas a Psicologia.
A disciplina do indivíduo esteve, desde o início, mediada por interesses privados e do
Estado, além de ter desempenhado atividades de regulação, esquadrinhamento, vigilância e
ajustamento (Ferreira, 2013). No final do século XIX, a Psicologia era dependente das
condições materiais, ou seja, do desenvolvimento do mundo capitalista e atuou prestando
contribuições na regulação social necessária para a reprodução do capitalismo. Nesse sentido,
21

a Psicologia, a partir do século XIX, foi, cada vez mais, definida pela sua utilidade à classe
dominante e à ideologia da classe dominante.
Para tanto, a Psicologia se adaptou aos preceitos do positivismo e se torna uma
Psicologia comparada ao animal, retirando do meio ambiente etológico modelos para se aplicar
ao meio social e buscando eliminar qualquer espécie de mentalismo ou de vida interior. Nos
rastros do Darwinismo (evolução das espécies, a seleção dos mais hábitos, e a adaptação ao
meio) houve novas práticas na Psicologia que buscaram a classificação e a separação dos
normais dos anormais, e o ajustamento dos desajustados (Ferreira, 2015). Assim, não era
relevante para a Psicologia a significação pela consciência ou a articulação entre esta e o social,
o político e o histórico. A partir daí, surgem as bases para uma Psicologia behaviorista, que era
mais útil para cumprir certas funções políticas e ideológicas. Por esse motivo, Japiassu (1983;
1995) enfatiza a aplicação da ciência psicológica ao controle social. Nas palavras do autor:
a tecnologia psicológica é um conjunto de técnicas fornecidas pelo desenvolvimento de
estruturas especializadas na elaboração e na utilização de um saber psicológico
científico. Essas estruturas especializadas dizem respeito, antes de tudo, aos
conhecimentos necessários à descoberta e ao aperfeiçoamento dos procedimentos
materiais da indústria, dos procedimentos ‘espirituais’ da adaptação social, da adaptação
mental, da aprendizagem escolar, etc. (Japiassu, 1983, p. 59).
Nesse caminho, Japiassu (1983; 1995) destaca o caminho utilitarista e mercantil trilhado
pela Psicologia behaviorista5, e que foi determinado, sobretudo, pelos interesses do capitalismo
norte-americano.
Todavia, no século XX, os projetos de Psicologia que existiram anteriormente foram
considerados como pré-científicos, pois não se encaixavam nas requisições positivistas. A
incorporação do positivismo na Psicologia se traduziu no surgimento das propostas
behavioristas, desde Watson até Skinner (Japiassu, 1983; 1995):
Da palavra-estímulo à palavra-resposta, é colocado fora de circuito epistemológico tudo
aquilo que se refere ao significado, ao sentido, à vida mental constituindo-se como
princípio de significação e de sentido. E é precisamente esta colocação fora de circuito
que o behaviorismo declara como epistemologicamente necessária para a constituição

5
A Psicologia behaviorista é destacada por Japiassu (1983, 1995) porque foi ela que teria “purificado” — sob
os vetos positivistas comteanos redutíveis à ideologia da ciência sob os interesses do modo de produção capitalista
— a Psicologia da introspecção (ou percepção interna) e da instância da consciência que era considerada por
Wundt e por outros psicólogos como Alfred Binet e Théodule Ribot; assim, a psicologia, tratando do observável,
do objetivo e pela neutralidade de valores entre o ser que pesquisa e seu objeto, se consumaria na Psicologia
behaviorista, como ciência verdadeira e autêntica.
22

da Psicologia como ciência verdadeira e independente. Sem isto, continuaria sendo essa
prática bastarda, como o foi a Psicologia pseudocientífica, desde Comte até Watson,
apelando à observação interna e à interpretação das condutas expressivas (Japiassu,
1995, p. 68).
Nesse sentido, Bertalanffy (1971) evidencia o predomínio do positivismo-mecanicista-
comportamentalista na Psicologia moderna que teve como vanguarda a Psicologia norte-
americana. O autor questiona o lugar ocupado pela Psicologia no mundo e afirma que ela se
tornou uma escolástica de técnicas voltadas à dominação da natureza humana e ficou indiferente
às questões humanas. O autor afirma, ainda, que a Psicologia busca tornar o humano um
autômato condicionado e um cidadão comportado e obediente às normas de consumo da
sociedade capitalista. A ciência do comportamento adaptativo toma o ser humano como uma
máquina sem história e produz modelos mecanicistas a partir de ratos torturados e obrigados a
dar respostas (Bertalanffy, 1971).
Assim, evidenciamos, conforme Parker (2014), o nascimento da Psicologia como
ideologia que expressa a existência do indivíduo em relações sociais sob o capitalismo. Essas
novas relações se fundamentam na propriedade privada, na família patriarcal e no Estado que
foram reconfigurados a partir do modo de produção capitalista. As novas relações de
propriedade apoiaram-se na Psicologia para responsabilizar o indivíduo pelo seu sucesso ou
fracasso, naturalizando a competição capitalista, a desigualdade estrutural e o fracasso dos
excluídos. As novas relações patriarcais que oprimem mulheres e crianças tornaram-se
suportáveis, adaptáveis e possíveis pela influência da psicologia. O Estado, aparelho de
dominação e regularização da exploração capitalista, protetor e apoiador da classe dominante,
criador de inimigos internos a partir da disseminação do racismo na defesa do nacionalismo e
como ferramenta do imperialismo colonizador civilizacional também teve, na ciência-
psicologia, um ponto de apoio que condenava, por exemplo, o descontentamento no capitalismo
(Parker, 2014).
Para entendermos esse contexto histórico da Psicologia como ideologia, temos que
estudá-la como ciência que surgiu a partir de mudanças sociais, econômicas e políticas. Como
ciência construída socialmente e dependente de interesses sociais, temos que compreender a
própria Psicologia como um complexo que é parte de uma totalidade mais geral e não como
uma parte autônoma da sociedade. Deleule (1969) destaca que toda ciência expressa a ideologia
que a antecedeu, o que implica que toda ideia científica expressa a ideologia dominante de uma
época.
23

Para Bertalanffy (1971), a Psicologia científica moderna se constituiu, marcadamente,


como positivista, mecanicista e comportamentalista. Ideologicamente, atende requisições do
sistema capitalista. Foi essa prioridade às necessidades do capitalismo, e não às necessidades
humanas, o que garantiu a consolidação da Psicologia como ciência.
Por isso, há a necessidade de fazermos uma análise crítica sobre o surgimento histórico
da ciência psicológica e suas funções políticas destacando sua relação com a classe dominante.
Sobre o surgimento histórico da ciência e da Psicologia científica, acreditamos que só há sentido
analisar esse processo sem uma dissociação dos processos sociais. Em outras palavras, para
entendermos a Psicologia científica como complexo instrumentalizado pelos interesses da
classe dominante, não podemos pensá-la como entidade autônoma ou independente das
determinações materiais constituídas a partir do modo de produção específico da sociedade
burguesa, pois a ciência tal como se dá hoje deve a ele a sua existência.
O problema que abordamos, contudo, gira em torno da ciência, na sociedade burguesa,
ter incorporado os interesses particulares de uma classe – a burguesia – voltados ao mercado e
ao lucro. Neste sentido, a ciência ganhou características específicas do processo de alienação
capitalista. Essa alienação marcou a Psicologia. Esta se constituiu como conhecimento
especializado que fetichiza a experiência imediata do indivíduo em seu processo de
individualização, e, além disso, tem na mensuração, na matematização e na separação entre
normais e anormais, características marcantes que a fundamentam como ciência do indivíduo
(Ferreira, 2015).
No processo de surgimento da Psicologia científica em uma rede de determinações
históricas e sociais, há elementos que devem ser reconhecidos por aqueles que praticam a
Psicologia:
Precisam compreender ainda que sua ciência, antes de desenvolver-se segundo suas
regras próprias, visando “verificar” ou “refutar” sua descrição dos fenômenos, foi e
continua sendo amplamente determinada (ou condicionada) por fatores
socioeconômicos, sócio-histórico-culturais e, mais ainda, por motivações filosóficas ou
psicológicas dos próprios pesquisadores (Japiassu, 1995, p.15).
Retomando Deleule (1969), a Psicologia moderna é um aparato técnico que se incorpora
à ideologia dominante da sociedade industrial. Nesse sentido, a Psicologia atua na
recomposição e na domesticação do indivíduo em um meio social opressivo. Ainda segundo o
autor, a Psicologia é útil ao sistema capitalista e atua como uma armadilha racional, pois coloca
a culpa no indivíduo, asfixiando, assim, uma possível consciência política contra a ordem social
24

opressora ou as condições sociais que geram sofrimento humano. Transforma-se o individual


para que o social não seja transformado ou limita projetos de mudar a estrutura social em um
reformismo por meio da mudança individual.
Por ter-se colocado submissa à estrutura do capitalismo industrial, a Psicologia foi
determinada por necessidades políticas, econômicas e sociais do modo de produção dominante,
ou seja, o capitalismo. É por isso que se pode afirmar que a Psicologia é uma ciência ideológica,
estando, portanto, determinada pelas próprias condições ideológicas da sociedade burguesa
(Deleule, 1969).
O papel da Psicologia como ideologia pode ser identificado já no surgimento da
Psicologia experimental, no laboratório de Leipzig em 1879, período de desenvolvimento da
indústria capitalista e das novas relações sociais submetidas à nova organização produtiva. A
partir das atividades inauguradas em Leipzig, surgiram as primeiras ideias daquilo que se tornou
a “Psicologia da eficiência industrial”. Seus pioneiros, Hugo Münsterberg e Walter Dill Scott,
foram alunos de Wundt (Yamamoto, 1987, p. 21).
Segundo Yamamoto (1987), ambos procuraram submeter a Psicologia aos fins do modo
de produção industrial capitalista: Münsterberg procurou articular a Psicologia experimental
aos fins da economia (isto é, o comércio e a indústria), ao tentar climatizar e adaptar os
trabalhadores às demandas do modo de produção capitalista; Walter Dill Scott, por sua vez,
desenvolveu testagens psicológicas sobre desempenho, além de apresentar consultoria para
empresas. Sendo assim, da mesma forma que existiram estudos sobre a fusão de conexões de
complexos psíquicos de partes da consciência no laboratório experimental de Wundt (Araújo,
2013), foi a partir de seus ensinamentos que surgiram procedimentos que buscavam adaptar o
comportamento à indústria (Yamamoto, 1987).
Contudo, Yamamoto (1987) destaca que essa perspectiva tecnicista de estudos e
aplicação da Psicologia referente à atenção, percepção e aptidão do trabalhador para a indústria
fracassou, forçando a ciência do indivíduo direcionar-se para outro objeto: as relações sociais
no trabalho. “Esta transferência, do ‘tecnicismo’ para o ‘humanismo’ traria, subjacente, uma
das missões fundamentais da Psicologia do Trabalho” (Yamamoto, 1987, p. 22). Portanto, a
Psicologia deslocou-se do treinamento experimental do trabalhador para a busca de novas
formas de controle do trabalhador a partir de estudos das relações sociais no trabalho.
Percebemos que essa Psicologia aplicada à indústria, distinta das pesquisas dos complexos
formadores da consciência de Wundt e submissa às relações humanas do trabalho industrial foi
uma forma de garantir a própria sobrevivência da Psicologia:
25

a Psicologia se traduz nas formas mais avançadas das determinações do capital, onde o
trabalho do psicólogo se subordina de forma mais direta às relações de produção, é que
as bases sobre as quais se assentam a Psicologia se desnudam e se deixam entrever mais
claramente, é na Psicologia do trabalho que as formas fetichizadas da ideologia buscam
resolver o conflito da produção, concebendo a sociedade como um conjunto de
indivíduos justapostos, relacionados enquanto mercadoria (Figueiredo citado por
Yamamoto, 1987, p. 22).
Além do desenvolvimento da Psicologia experimental aplicada aos processos do
trabalho industrial, é importante destacar os estudos de Galton sobre a inteligência e a seleção
dos mais capazes na Inglaterra, assim como os trabalhos de Alfred Binet na França. Ambos
contribuíram para as primeiras aplicações da Psicologia à educação por meio de mensurações
da inteligência individual e da medição-classificação das características dos indivíduos em
situação de competição (Yamamoto, 1987, Parker, 2014).
Nesse sentido, a atuação da Psicologia na escola seria marcada pela função de classificar
e selecionar crianças aptas ou excluir crianças inaptas por meio de explicações que interiorizam
na criança as condições sociais e materiais em que vivem (Parker, 2014; Patto, 1984;
Yamamoto, 1987).
A partir de critérios eugenistas de classificação e rendimento individual, a Psicologia
diferencial, inspirada nos preceitos racistas de Francis Galton (Castro, Josephson, & Jacó-
Vilela, 2013) refinou o darwinismo social. Assim, os primórdios da Psicologia escolar foram
marcados por uma atuação funcionalista que não contribuía para proporcionar a humanização,
mas para legitimar a derrota daqueles agredidos pelas condições materiais, sociais e históricas
do capitalismo, responsabilizando-os pelo fracasso escolar (Patto, 1984).
Essa Psicologia aplicada na escola é, também, rigidamente cientificista e inspirada por
teorias ideológicas como o darwinismo social de Darwin que foi sistematizado por Herbert
Spencer, servindo para legitimar a seleção e a classificação dos mais aptos para a escola e,
consequentemente, para a sociedade. Nos dias de hoje, podemos ver, tragicamente, que esse
critério de recrutamento do mais forte ou do mais apto ainda continua a prevalecer na escola: o
que mais se espera da Psicologia Escolar é o diagnóstico de distúrbios de aprendizagem e o
posterior encaminhamento para a intervenção farmacológica (Parker, 2014).
Para Parker (2014), a Psicologia é um poderoso componente das ideias dominantes que
sabotam as lutas contra a opressão. O autor destaca a “psicologização da cultura”, isto é, o
processo de individualização das experiências e dos processos sociais:
26

A Psicologia é importante não porque é verdadeira, mas porque ela é útil para aqueles
no poder. Descrições psicológicas da ação individual, frequentemente, são acolhidas
entusiasticamente por aqueles que têm mais a perder com tais descrições; e aqueles que
se beneficiam com pessoas sendo convencidas de que um problema pode ser reduzido à
forma como alguém pensa ou sente, também, compreensivamente, realmente acreditam
eles mesmos na psicologia. A Psicologia é um componente cada vez mais poderoso da
ideologia, das ideias dominantes que endossam a exploração e que sabotam as lutas
contra a opressão. Esta Psicologia circula para além das universidades e das clínicas e,
atualmente, diversas versões da Psicologia enquanto ideologia podem ser encontradas
em quase toda parte da sociedade capitalista (Parker, 2014, p. 9-10).
O autor enfatiza o indivíduo isolado e a manutenção da ordem social como componentes
constitutivos da nascente Psicologia como disciplina científica. Além disso, destaca que a
Psicologia contribui para que experiências socialmente produzidas (como culpa, fracasso e
tristeza) sejam transferidas para o indivíduo. Este, ao ser tratado de forma isolada de questões
políticas e estruturais, seria o responsável unilateral pela sua vida e suas escolhas. Nessa esteira,
a Psicologia desempenha uma função social na culpabilização e na responsabilização do
indivíduo no capitalismo:
A psicologia, como disciplina, chegou para desempenhar uma função muito específica
no capitalismo. Já as teorias acadêmicas e as práticas profissionais, englobadas pela
Psicologia em escolas, empresas, hospitais e prisões, andam de mãos dadas com o poder.
Isto, por si só, seria o suficiente para colocar a Psicologia na agenda daqueles envolvidos
na política radial. Porém, também há outro motivo mais importante para se lidar com a
psicologia: o campo da experiência individual, que chamamos de ‘psicologia’ foi ele
mesmo formado sob o capitalismo e uma análise mais rigorosa desta Psicologia nos
ajudará a entender algo profundo sobre o funcionamento do próprio capitalismo. Uma
análise rigorosa sobre o desenvolvimento da Psicologia pode, de fato, permitir
entendermos algo sobre a natureza da alienação na sociedade capitalista e o papel das
diferentes formas de opressão no seu interior (Parker, 2014, p. 13).
Nesse sentido, a Psicologia, como campo disciplinar e disciplinador, seria determinada
para fins que não foram postos por psicólogos, mas por instituições ou agências de controle e
de poder. É, portanto, marcada pelos interesses da classe dominante, isto é, a classe social que
detém os meios de produção e o poder econômico.
27

Para Parker (2014), a Psicologia reflete, na sociedade, as ideias dominantes da classe


dominante. Assim, por exemplo, ela fortalece o racismo e o sexismo criando teses psicológicas
que realçam mitos, como da raça superior ou do domínio sexista masculino (Parker, 2014).
A Psicologia também alimentou o colonialismo ao internalizar os valores dominantes
em sociedades colonizadas. A Psicologia transpôs para o nível cognitivo-individual aquilo que
é decorrente de relações de exploração social e histórica ocultando a axiologia disseminada pelo
imperialismo capitalista. Foi assim que a Psicologia manteve padrões culturais colonialistas em
seus moldes cientificistas, especialmente testes, ideias sobre o desenvolvimento “normal”
humano ou a culpabilização do indivíduo (Parker, 2014).
Em síntese, a Psicologia é uma criação humana e histórica, uma ciência determinada,
enquanto ideologia, pelos interesses do capitalismo. Ela não está isolada e nem é isenta de
valores. A emergência da Psicologia científica é consequência de múltiplas determinações e,
sobretudo, parte necessária de uma sociedade capitalista. Em sua relação dependente com a
sociedade, a Psicologia se subordinou aos requisitos de cientificidade ditados pelo modo de
produção capitalista que contribuíram para sua constituição e difusão como complexo de
saberes e práticas instrumentais para o capitalismo.
Foi assim que a Psicologia científica se converteu num conjunto de técnicas de
readaptação, de controle e de reintegração, isto é, em uma ideologia. A Psicologia sempre fez
parte de uma atuação e processo político, o que pode ser constatado pelo fato dessa ciência ser
construída socialmente e historicamente (Japiassu, 1983, 1995; Parker, 2014; Deleule, 1969).
Até aqui, apresentamos a construção histórica da Psicologia dominante destacando
como as políticas da Psicologia foram, predominantemente, conforme os interesses da classe
capitalista, tornando-se uma ideologia. A seguir, discutiremos a história da Psicologia Política,
como novo campo autônomo e particular de conhecimento.

1.3 Desenvolvimento histórico da Psicologia Política: Fundamentos no século XIX

Nesta parte, apresentaremos o contexto histórico de emergência da Psicologia Política


e como ela também esteve determinada por certos interesses de classe. Para isso, destacaremos
alguns autores que contribuíram para o início da Psicologia Política, a partir de interesses
definidos e limitados pelas necessidades de organização social do capitalismo. Pretendemos
destacar como a Psicologia Política norte-americana foi marcada pela conversão de problemas
políticos e estruturais em problemas de personalidade ou de caráter. Também destacaremos,
28

com isso, a inadequação dessa concepção de Psicologia Política à América Latina, pois a mesma
foi de encontro a uma organização sócio-histórica e política distinta.
A Psicologia Política, como campo, olha para as interfaces entre os fenômenos políticos
e os processos psicológicos. Trata-se de uma tarefa complexa, já que o campo da política, assim
como o campo do psicológico, são de difícil definição. Essas categorias, além de serem difusas,
ramificam-se em subáreas ou, até mesmo, em diferentes disciplinas. A Psicologia Política surge
de forma difusa e heterogênea, com singularidades que são marcadas por contextos sociais
distintos e, consequentemente, com ênfases sobre o psicológico e/ou o político que expressam
os diferentes contextos geopolíticos (Garzón, 2008; Montero & Dorna, 1993; Parisí, 2008;
Sabucedo, 1996).
A Psicologia Política buscou suprir lacunas entre a Psicologia e a ciência política.
Todavia, à Psicologia Política não deve ser atribuído um papel de autonomia em relação a outras
ciências. Se assim fosse, a própria Psicologia Política estaria se abolindo, pois sua história é
marcada pelo diálogo com vários campos do conhecimento, especialmente das ciências
humanas (Richter, 2017; Sabucedo, 1996).
Nosso recorte histórico acerca da Psicologia Política parte do século XIX. Isto porque
entendemos a necessidade de demonstrar as influências sociais, políticas e ideológicas na
constituição de uma nova disciplina inserida dentro de um contexto em que novas forças
produtivas estavam se desenvolvendo. Sendo assim, não trataremos aqui, sobre os fundamentos
teórico-filosóficos do período clássico grego que, de certa forma, influenciaram tanto o
pensamento da Psicologia como o pensamento da Política.
Em decorrência dos acontecimentos que ocorreram no final do século XVIII e início do
século XIX (Revolução Francesa em 1789 e a Revolução Industrial que se deu entre 1760 e
1820) houve uma reconfiguração política, econômica, social e psicológica da população do
continente europeu. Hobsbawm (2015), em sua análise histórica sobre esses acontecimentos,
enfatiza que a Revolução Francesa possibilitou, além da queda do absolutismo dirigido pelo rei
Luís XVI, a insurgência dos povos contra regimes opressivos. Isto ocorreu, por exemplo, no
Haiti com o levante dos jacobinos negros. Já a revolução industrial, além de ter aberto as portas
para o capitalismo monopolista sob a hegemonia da Inglaterra, consolidou o proletariado como
nova classe social a ser explorada (Hobsbawm, 2015).
Neste primeiro momento, alguns autores das Ciências Sociais do século XIX
articularam estudos sociais e políticos. Essa articulação, posteriormente, serviria para
demonstrar o potencial fértil da Psicologia Política (Richter, 2017).
29

Destacamos alguns importantes autores, como Durkheim e Le Bon, que realizaram,


direta e indiretamente, estudos relacionando saberes políticos e sociais que contribuíram para a
formação da Psicologia Política (Sabucedo, 1996). Esses autores estavam focados, tal como
Durkheim, em buscar uma maneira de organizar a sociedade de classe de forma que ela não
perdesse o “equilíbrio” ou buscando, tal como Le Bon, elaborar novas maneiras de gestão
administrativa elaboradas a partir de uma concepção das massas concebidas como entidades
débeis e irracionais, que deveriam ser organizadas e geridas pelos governos.
No entanto, como exceção, podemos destacar as ideias de Marx, com sua expressão
teórica do que seria a revolução industrial e o programa da modernidade maquiada pela ilustrada
emancipação política às custas da exploração de classe (Marx, 1843/2010; Netto & Braz, 2006).
Moya e Morales (1988) destacam como as análises de Marx discorreram sobre o modo de
produção da sociedade capitalista, partindo da organização social para discutir a alienação do
ser humano na sua relação com o desenvolvimento das forças produtivas.
Com o exposto, pode-se notar que a partir do século XIX aconteceram mudanças
cruciais na sociedade europeia que contribuíram na construção dos primeiros saberes que
seriam fundamentais para a Psicologia Política (Moya & Morales, 1988). A formação dos
estados-nações, as expansões imperialistas pelas potências europeias e a consolidação do modo
de produção capitalista, foram alguns desses acontecimentos que causaram reações e
provocaram novas situações que possibilitaram, por consequência, novas avaliações e pesquisas
fundamentais à planificação social por parte de ideólogos a favor da burguesia.
Ao longo do século XIX houve muitos acontecimentos produzidos pela nova
organização sociopolítica que preparou as bases da revolução burguesa. De acordo com
Hobsbawm (2015), a nova conjuntura, impulsionada pelo fervor da Revolução Francesa,
desencadeou um novo temor entre as elites frente a organização das massas revolucionárias. O
pensamento de alguns cientistas sociais no final do século XIX, como Durkheim e Le Bon,
buscava legitimar o processo de consolidação do sistema capitalista. Como veremos, esses
cientistas sociais tinham como objetivo planificar a sociedade de acordo com a ordem
dominante ditada pelo triunfo do capitalismo liberal burguês. Como consequência, as ciências
sociais e seus cientistas temiam uma insurgência popular que, a partir de 1830, passa a ser
organizada pela nova classe proletária contra a classe burguesa (Hobsbawm, 2015).
Marvakis (2016) destaca como as Ciências Sociais do século XIX buscavam um plano
de gestão política para controlar os movimentos da população explorada que surgiram àquela
época. O autor afirma que:
30

Ativa e destacadamente envolvidas com o citado projeto político, as Ciências Sociais


emergentes, com suas abordagens e seus modelos, contribuíram, desde a segunda
metade do século XIX, para a administração e dominação da população nas, e também
entre, diversas entidades geopolíticas, nos diversos Estados-nação. A tarefa
permanente, o ‘problema’ central, para as Ciências Sociais foram a regulação e a
administração da hierarquização intranacional e internacional da população (Marvakis,
2016, p. 98, grifos do autor).
Dessa forma, podemos entender que os estudos sociais permeados por elementos
psicológicos, construídos a partir das análises de Durkheim6 e Le Bon, foram fortemente
influenciados pelo contexto europeu e pelas consequências decorrentes do novo modo de
produção capitalista. Para responder aos conflitos sociais, marcados pela presença da classe
operária, às ciências sociais foi atribuída a responsabilidade de contribuir para a organização
“racional” das relações sociais e dos conflitos entre as classes.
Na concepção de solidariedade orgânica7 de Durkheim (1893/1999), por exemplo,
podemos conferir a paradoxal proposta de integração social a partir da divisão social do
trabalho. O autor propõe a solidariedade orgânica, a moral e a coesão social como elementos
fundamentais para o novo modo de organização do trabalho, já que instituições como a igreja,
o estado e a família seriam pouco eficazes na manutenção harmônica da ordem da sociedade.
Assim, o autor afirma a possibilidade de uma interdependência solidária e uma integração social
sem considerar as contradições fundadas pela apropriação privada da produção pelo capitalista
e pela exploração do proletariado. Durkheim não considerou as contradições sociais a partir da
existência de interesses antagônicos entre uma burguesia industrial em desenvolvimento e o
proletariado já constituído no final do século XIX. Ao contrário, o sociólogo francês ofereceu
uma análise positivista e conservadora sobre os fatos sociais (papeis sociais, língua, sistema
financeiro, classes sociais, etc.), entendidos como coisas autonomizadas, objetivas e
naturalizadas (Viana, 2006).

6
Entendemos que por mais que Durkheim tenha rechaçado os elementos psíquicos por meio de um determinismo
sociológico contido no “fato social” (Durkheim, 1895), acreditamos na impossibilidade de analisar qualquer
elemento social sem antes remetê-lo ao indivíduo à sua constituição dialética entre processos de formação da
personalidade e a objetividade: esse contradição de Durkheim é exposta em sua análise sobre o suicídio, e em sua
tentativa de neutralidade embora parcial e valorativo em seus próprios desejos (Viana, 2007b).
7
Durkheim apresenta a sociedade orgânica como fruto da divisão social do trabalho dentro de um contexto de
evolução cívica (Viana, 2006), nesse sentido o conceito de sociedade orgânica seria, ideologicamente, uma
maneira de integração social e de interdependência solidária numa sociedade dividida entre classes sociais
antagônicas.
31

Durkheim, embora defensor da neutralidade de valores na sociologia, foi um defensor


da divisão social do trabalho, isto é, um conservador que atuou em prol do capitalismo e um
protetor do Estado moderno como uma instituição benéfica e necessária à organização social
(Viana, 2007b).
Le Bon (1895/1954), por sua vez, expressa um conservadorismo resultante de seus
receios das multidões, isto é, do proletariado e do campesinato (Moya & Morales, 1988). A
crítica do autor à democratização do estado ou da abertura de espaços políticos para as massas
são marcantes em sua obra. No final do século XIX, as obras de Le Bon sobre a Psicologia
política destacavam a atuação coletiva das massas estigmatizando-as pela perda de consciência
crítica (Lacerda, 2016; Richter, 2015). Por isso, as multidões foram entendidas e rotuladas, por
Le Bon, como entidades incapazes de manifestarem uma consciência crítica, sendo reduzidas a
animais irracionais movidos por um instinto primitivo (Parker, 2014). Nesse sentido, Le Bon
direcionou seus estudos sobre a Psicologia Política, como uma ciência a favor dos governos e
das elites, com a intenção de descobrir maneiras eficientes para a gestão e controle das massas
(Lacerda, 2016; Parisí, 2008; Richter, 2015), assim como na defesa do liberalismo econômico
conservador (Richter, 2017).
A partir dos citados exemplos, vemos que as questões sociais foram analisadas pelas
ciências sociais do século XIX em prol de uma nova planificação social que procurava legitimar
a exploração das massas e da classe operária. Nesse caminho, aos cientistas sociais foi atribuído
o papel de pacificação, organização e gestão em prol da nova classe social dominante e,
sobretudo, contra o proletariado e o pensamento revolucionário.
Com relação à história dos saberes de alguns cientistas políticos e sociais do século XIX
que contribuíram para a formação da Psicologia Política, Sabucedo (1996) destaca que, para o
surgimento de uma disciplina, sempre há a referência a autores que expressam convergências
nos pensamentos e nos procedimentos de investigação sobre um determinado objeto de
pesquisa. Esta referência cumpre uma função justificadora e legitimadora da nova disciplina
por indicarem a articulação de categorias, interpretações e conhecimentos necessários para
fundamentar o novo campo disciplinar.
Contudo, no século XIX, ainda não há uma Psicologia Política consolidada na Europa,
mas sim saberes sobre o social, o psicológico e o político que foram fundamentais na definição
de diferentes rumos da Psicologia Política.
1.4 A Psicologia Política no século XX até sua consolidação
32

Para Sabucedo (1996), o surgimento e a formação de uma identidade própria da


Psicologia Política foi possível a partir das análises teóricas e metodológicas das Ciências
Sociais, especialmente autores, como Durkheim e Le Bon, que, no final do século XIX, fizeram
uso de ideias psicológicas, sociais e políticas em suas análises.
A forte influência de Le Bon decorre da existência de sua obra, de 1910, “Psychologia
Política e a defesa social”, a qual definiu a Psicologia Política como uma ferramenta
metodológica útil aos governantes para a organização e o controle social dos governados.
Maritza Montero e Alejandro Dorna (1993) sustentam que nessa publicação de Le Bon estariam
os primeiros estudos sistemáticos sobre o psicológico e o político com o fim de gerir a conduta
política e propor uma engenharia social.
Mas foi no século XX que a Psicologia teve seus fundamentos teóricos consolidados
aos saberes provenientes das teorias das Ciências Sociais, e isso contribuiu na construção da
Psicologia Política até sua autonomia. Arriscamos destacar, nesse sentido, duas influências
teóricas provenientes da Psicologia para a consolidação da Psicologia Política como campo
heterogêneo de pesquisa.
A primeira seria a Psicologia Behaviorista norte-americana, criada por John B. Watson,
a qual sofreu, inicialmente, forte influência da Psicologia comparada ao animal e da
reflexologia russa (Japiassu, 1983, 1995). Momento importante da Psicologia behaviorista foi
a obra de Skinner, quem, além de usar o condicionamento reflexo-fisiológico de Pavlov e das
ideias de Watson na análise do comportamento, também se apropriou do funcionalismo
adaptativo de Thorndike (Cançado, Soares & Cirino, 2013). Como influência direta dessa linha
de psicologia, depreendemos o desenvolvimento de uma Psicologia Política de tendência
positivista, adaptativa e submissa às prerrogativas quantitativas dos critérios científicos. Foi
uma Psicologia Política que, entre a década de 1940 e o final da década de 1970, era marcada
pela predominância do ambientalismo (Rosa & Silva, 2012) como prerrogativa funcionalista de
adaptar o ser humano ao ambiente capitalista norte-americano.
Parisí (2008) chamou essa linha da Psicologia Política de estrutural-funcional e sempre
esteve associada à geopolítica norte-americana, cumprindo a função de integração das pessoas
em uma estrutura política democrática.
A segunda influência epistemológica fundamental foi a Psicanálise de Sigmund Freud.
Este compreendeu a sociedade onde supostamente ela não existiria: no íntimo do indivíduo.
Com isso, a psicanálise desmascarou a mentira de que o sujeito seria inviolado em sua
33

intimidade pelos acontecimentos sociais, visto que o público e o privado não seriam dissociados
(Jacoby, 1977).
Destacando essa segunda influência, Richter (2015, p. 79) afirma: “não há como pensar
a Psicologia Política sem levar em consideração as contribuições de Freud, em especial, e da
psicanálise, em geral”. Sendo assim, a psicanálise freudiana, junto com a teoria de Marx sobre
o capitalismo, foram os fundamentos do pensamento crítico-social de alguns pensadores da
escola de Frankfurt (Adorno, Erich Fromm, Herbert Marcuse) que contribuíram, com suas
teorias, na construção de uma Psicologia Política como campo crítico (Deutsch, 1983; Moya e
Morales, 1988).
Nesse começo de relações teóricas entre Psicologia e política, à Psicologia foi colocado
o desafio de estudar um novo campo: o campo político. As primeiras discussões eram análises
difusas sobre o comportamento, a cognição e os afetos (Sabucedo, 1996). Diante desses
desafios, conferimos à política, como jogo de forças configurado a partir de relações sociais, a
interpretação de distintos contextos sociais, econômicos e históricos.
Indicando os diversos aportes teóricos à relação entre a Psicologia e a Política no século
XX, Sabucedo (1996) aponta para diferentes influências. Em primeiro lugar, destaca os
trabalhos do norte-americano Louis Leon Thurstone, abordando as atitudes como formas de
comportamentos sociais, assim como suas investigações sobre a inteligência e as aptidões, o
que possibilitou formas de medição sociopolíticas dos processos psicológicos e políticos na
Psicologia Política norte-americana. Sabucedo (1996) também apresenta como influência
importante os estudos realizados por Max Weber, quem, especialmente em a “Ética protestante
e o espírito do capitalismo,” teria colaborado no entendimento da relação entre determinados
sistemas de crenças e a ordem econômica capitalista em sua representação e legitimação social.
Weber contribuiu com a formação da Psicologia Política ao oferecer uma análise de fenômenos
da religião protestante em intersecção com o capitalismo e suas consequências sobre a conduta
humana.
Na primeira metade do século XX, favorecendo uma linha mais crítica nas articulações
entre Psicologia e a Política, também são relevantes os trabalhos de Erich Fromm e Theodor
Adorno. Esses autores foram descendentes de uma perspectiva freudo-marxista e pesquisaram
sobre a formação sócio-política de elementos psicológicos, com uma ênfase especial sobre o
papel dos afetos na adequação e aceitação de governos autoritários (Sabucedo, 1996; Garzón,
2008).
34

Assim, para Sabucedo (1996), a Psicologia Política é um campo interdisciplinar e difuso


que, a partir de uma pluralidade e diversidade de contribuições teóricas e metodológicas da
psicologia, da política e da sociologia, estuda a influência dos fatores psicológicos no
comportamento político, assim como os efeitos dos sistemas políticos nos processos
psicológicos.
Moya e Morales (1988), ao citarem Greenstein e sua análise do caminho que resultou
na ligação entre a Psicologia e ciência política, sintetizam algumas proposições importantes
para que a Psicologia Política fosse compreendida como uma área que estuda as origens e os
processos psicológicos da dinâmica política. Na perspectiva de Greenstein, a Psicologia Política
seria uma forma de Psicologia específica que estuda os processos políticos, isto é, trata-se de
uma subdisciplina da Psicologia. Com a Psicologia Política foi possível explicar fenômenos
produzidos pela interação entre ordem política e elementos psicológicos. Dessa forma, houve a
superação de uma brecha que estaria presente tanto no início da construção da Psicologia quanto
na Ciência Política.
Descrevendo as contribuições históricas à construção da Psicologia Política como
ciência independente, Moya e Morales (1988) e Deutsch (1983) destacam que Charles Merriam
(1874-1953), em 1925, por meio da obra intitulada “Novos aspectos da política” teria
incentivado uma aproximação entre a ciência política e a Psicologia. Anos mais tarde, tal
proposta seria elaborada e desenvolvida por seu aluno, Harold Lasswell. Por outro lado, ainda
segundo as citadas referências, a aproximação da Psicologia com a política, teria sido
impulsionada pelo psicólogo social Floyd Henry Allport que, em 1924, na Universidade de
Syracuse, criou um curso denominado Psicologia Social e Política. Foi, portanto, um dos
primeiros a articular diretamente a Psicologia com a política (Moya & Morales, 1988).
Contudo, até 1973, a Associação Americana de Psicologia (APA) ainda não conhecia a
Psicologia Política como uma divisão independente e separada, diferentemente de outros
campos como a Psicologia Industrial, a Psicologia Militar e a Psicologia Filosófica (Moya &
Morales, 1988).
Referindo-se ao século XX, Garzón (2008) expõe uma aproximação da Psicologia às
necessidades políticas de um século que foi permeado por embates ideológicos, transformações
sociais e guerras. A autora sustenta que alguns psicólogos se tornaram “políticos” buscando
responder às experiências sociais e políticas da época, já que o século XX foi permeado por
guerras e crises econômicas. Sendo assim, as produções teóricas desses psicólogos buscaram
35

refletir não só sobre as determinações políticas dos acontecimentos sociais, mas também sobre
o impacto pessoal desses acontecimentos sobre os indivíduos.
Nessa direção, Garzón (2008) expressa o posicionamento pacifista do psicólogo Edward
Tolman (1886-1959), que se posicionou contra as guerras e lutou contra o decreto que proibia
teóricos comunistas na Universidade de Berkeley, nos Estados Unidos. Esse mesmo psicólogo
também contribuiu para a afirmação da Psicologia Política por meio de sua obra “Drives
Toward Ward”, de 1942, na qual analisou, influenciado pela obra freudiana, os impulsos
agressivos e destrutivos expostos nas guerras.
Garzón (2008) também destaca como a obra “Walden II” de Skinner (1904-1990)
expressou as contribuições do behaviorismo para elaborar um novo projeto para a sociedade.
Segundo a autora, tratou-se de uma obra crítica à organização social das sociedades ocidentais
e, justamente por isso, propunha um experimento social demonstrado por uma nova sociedade
utópica e ideal, na qual o controle, por meio de novos reforçadores, serviria para a formação de
uma nova sociedade submetida às novas estruturas políticas de organização8.
As produções de Abraham Maslow (1908-1970), também expostas por Garzón (2008)
sobre o estudo das necessidades humanas, teria feito importantes contribuições à formação da
Psicologia Política no século XX, pois, ao destacar o desenvolvimento biopsicossocial de uma
pessoa, explicita como as necessidades básicas não podem ser satisfeitas fora da sociedade e do
conjunto das relações sociais.
Finalmente, a autora evidenciou as contribuições de Harold Lasswell (1902-1978) para
a fundação da Psicologia política, enquanto campo científico e independente. Lasswell,
Segundo Garzón (2008), investigou a influência do campo da publicidade no comportamento
eleitoral norte-americano, assim como analisou a conduta política expressa a partir de
motivações inconscientes. Por meio de deduções envolvendo a política e a psicanálise, Lasswell
empreendeu avaliações direcionadas aos processos psicológicos de líderes políticos, de modo
que as ações sociais e políticas desses líderes seriam inseparáveis da formação subjetiva e
individual (Sabucedo, 1996; Garzón, 2008; Richter, 2015). Nesse sentido, Garzón (2008)
destaca duas obras que fizeram com que Harold Lasswell ficasse conhecido como fundador da
Psicologia Política em solo norte-americano: Psychopathology and Politics (1930) e Power and
Personality (1948). Deutsch (1983) também destaca Harold Lasswell como o fundador da
Psicologia Política.

8
Nesta parte tratamos da perspectiva da autora, e não necessariamente da ideologia que está por trás da
abordagem skineriana como bem foi definida por Japiassu (1983).
36

Aunque los prolíficos escritos de Lasswell tratan sobre casi todos los temas de interés
para los psicólogos políticos, su particular énfasis sobre el modo en el que los procesos
psicológicos afectan a los procesos políticos ha influido especialmente en la forma en
que la mayoría de los científicos sociales norteamericanos han enfocado la psicología
política. Sus primeros libros, Psychopathology and politics (1930), World politics and
personal insecurity (1935), Politics: who gets what, when, and how (1936) y Power and
personality (1948) contribuyeron a establecer una perspectiva psicológica particular
para comprender el comportamiento político, la política y los políticos (Deutsch, 1984,
p. 239, grifos do autor).
Nesse apanhado histórico sobre a Psicologia Política, Moya e Morales (1988) enfatizam
três temas de estudo que historicamente influenciaram diretamente o surgimento da Psicologia
Política na segunda metade do século XX:
(...) lo que parece cierto es que la Psicología Política de los años setenta surge
apoyándose en la significación de tres grandes temas de estudio. En primer lugar, el
estudio de las actitudes sociales que tenía ya una tradición de varias décadas, y que
representa indudablemente el análisis de problemas políticos bajo la perspectiva
psicológica; recordemos, por ejemplo, los análisis factoriales de Thurstone (1934) sobre
radicalismo – conservadurismo y nacionalismo- internacionalismo, o las
investigaciones de Newcomb (1943) sobre cambio de actitudes políticas. En segundo
lugar, los estudios desencadenados alrededor de la Segunda Guerra Mundial para
intentar entender y analizar el fenómeno nazi y el genocidio desarrollado en el interior
de países cultos, estudios que tienen su representación más característica en la
Personalidad autoritaria, de Adorno y colaboradores (1950). Y, en tercer lugar, la
investigación sobre las dimensiones psicológicas de la conducta de voto, puesto que ese
comportamiento de participación política es uno de los fundamentos de los sistemas
democráticos occidentales (Cambpell et al., 1960 citado por Moya & Morales, 1998, p.
22).
As atitudes sociais, os fenômenos ligados ao desencadeamento da Segunda Guerra
Mundial e as condutas dos eleitores nos regimes democráticos seriam, segundo a perspectiva
histórica de Moya e Morales (1998), os principais processos que contribuíram para o
surgimento da Psicologia Política como disciplina independente no século XX.
Moya e Morales (1988) afirmam que a Psicologia Política, como ciência autônoma,
seria uma ciência relativamente recente, obtendo seu amadurecimento na década dos anos
37

setenta do século XX, quando foram publicados o primeiro manual de Psicologia Política, em
1973, por Jeanne Nickell Knutson, e o primeiro texto introdutório “A Psicologia da política” de
Willian F. Stone, em 1974. Também foram nos anos 1970 que foram publicadas duas revistas
sobre Psicologia Política e houve, em 1978, a fundação da Sociedade Internacional de
Psicologia Política, sob a presidência de Harold Lasswell. Esses foram os acontecimentos
históricos que consolidaram oficialmente a fundação da Psicologia Política como um novo
campo de saber, sobretudo, autônomo.
Já Deutsch (1983) sustenta que a Psicologia Política nasceu da necessidade de estudar
as relações entre os elementos políticos e psicológicos em contínua interação. A Psicologia
política, segundo a visão do autor, seria filha da ciência social e da psicologia, e teria como
objetivo o estudo da interação entre os processos psicológicos e os acontecimentos políticos do
século XX. Contudo, o autor destaca um ponto crucial: a Psicologia Política nasce num contexto
em que o avanço da ciência e da técnica teria precipitado a convicção de que elas poderiam ser
aplicadas ao comportamento político. Nesse sentido, há a necessidade de se criticar a relação
da Psicologia Política com a tradição científica positivista, a qual reproduz ideais objetivistas e
cientificistas deixando de lado a ação humana. Assim sendo, o autor destaca os acontecimentos
pelos quais surgiram as necessidades de estudar as relações entre os processos políticos e
psicológicos:
La agitación política creciente, la irracionalidad y el carácter destructivo de la primera
guerra mundial, además del advenimiento de los modernos regímenes totalitarios con
sus atrocidades y el uso sistemático de los medios de comunicación de masas con fines
propagandísticos parecían indicar la urgente necesidad de contar con un saber más
sistemático sobre la relación entre los procesos políticos y los psicológicos (Deutsch,
1983, p. 239).
Com relação à indispensável associação entre a Psicologia e a política, Deutsch (1983)
definiu oito campos de estudos referentes aos objetivos da Psicologia Política como uma nova
disciplina: (1) “o indivíduo como ator político”, se referindo aos determinantes do fazer
individual, como a formação das atitudes políticas, a participação e decisão política e o
comportamento eleitoral; (2) “movimentos políticos”, estudos sobre como o ato político é
determinado por grupos ou camadas sociais em interação objetivando fins políticos; (3) “o
político ou o líder”, estudos psicobiográficos de lideranças políticas que se destacaram por meio
da política; (4) “coligações e estruturas políticas”, pesquisas sobre o contexto subjacente que
proporcionam as formações e coligações políticas; (5) “relações entre os grupos políticos”,
38

análises de interações entre os grupos políticos como interações regionais, nacionais ou


internacionais (6) “os processos políticos,” pesquisas relacionadas com os processos subjetivos,
individuais e coletivos, e sua interferência no campo político, tais como a percepção e cognição,
a tomada de decisões e a persuasão, etc.; (7) “estudos monográficos” sobre casos particulares e
concretos, a partir de determinada região ou campo escolhido de investigação, como a análise
do comportamento eleitoral das pessoas em localidades determinadas; (8) “o desenvolvimento
humano e a economia política”, trabalhos sobre as consequências das decisões políticas para o
indivíduo na sua formação pessoal e humana.
No trabalho de Deutsch (1983), ressalta-se o perfil de Psicologia Política como nova
disciplina sob o solo norte-americano. Desse modo, a influência científica e técnica, a partir do
indivíduo sob o funcionalismo como paradigma, configurou-se como a principal determinação
da Psicologia Política; os traços dominantes seriam, de fato, a consequência de uma Psicologia
Política pragmática e funcional às demandas sociopolíticas da democracia liberal norte-
americana:
Esta perspectiva conduce a una psicología política que se centra principalmente en los
procesos psicológicos individuales y sociales - tales como motivación, conflicto,
percepción, cognición, aprendizaje, socialización, génesis de las actitudes y dinámica
de grupos- y en la personalidad y psicopatología del individuo como factores causales
que influyen en el comportamiento político (Deutsch, 1984, p. 239-240).
Portanto, percebemos uma espécie de Psicologia Política funcional e adaptativa, isto é,
que buscou a adequação do indivíduo às estruturas políticas que foram funcionais ao modelo
democrático estabelecido na América do Norte. E, por mais que existissem questionamentos
com relação à atuação pessoal e política de personalidades governantes, eram questionamentos
feitos a partir de prerrogativas ideológicas da democracia representada pelo próprio controle
dos governantes.
Christlieb (1987), em uma apresentação dos vários significados ligados à Psicologia
Política, destaca que a Psicologia Política norte-americana consiste em estudos de fenômenos
políticos a partir de ferramentas psicológicas sob uma perspectiva interdisciplinar. Alguns eixos
temáticos desses estudos giram em torno de problemas de personalidade, de atitudes políticas
e de crenças políticas consolidadas nos comportamentos individuais. Pela Psicologia Política
norte-americana, portanto, os estudos de personalidade dos dirigentes, as atitudes eleitorais, e
as atribuições características de oponentes numa disputa eleitoral são estudados,
39

predominantemente, a partir de um referencial behaviorista tendo como unidade de medição o


indivíduo em seu comportamento isolado (Christlieb, 1987).
Montero (1991) também apresenta algumas das publicações norte-americanas no campo
da Psicologia Política como um enfoque que enfatizou, predominantemente, processos
cognitivos (crenças e valores), a formação política, as relações internacionais, a socialização
política, assim como o desenvolvimento da própria disciplina atribuindo certa ênfase na conduta
individual inserida no campo político norte-americano.
Em síntese, a história da Psicologia Política foi marcada por sua utilidade política no
interior de relações sociais capitalistas, o que se evidenciou, especialmente, nas perspectivas
dominantes da Psicologia Política estadunidense. Contudo, podemos enfatizar linhas distintas
de Psicologia Política em resposta ao contexto político, cultural e econômico de cada país, e
isso ficará mais claro com a Psicologia Política latino-americana.
40

2. A Psicologia Política na América Latina: necessidade política de uma


insurgência crítica

No capítulo anterior, apresentamos o desenvolvimento histórico da Psicologia e da


Psicologia Política destacando articulações com as necessidades da ordem capitalista. Vimos
que o contexto geopolítico norte-americano possibilitou a articulação entre a Psicologia
científico-pragmática com a política liberal-democrática, o que, por sua vez, contribuiu para o
processo de autonomização da Psicologia Política como campo científico. Nesse sentido, a
Psicologia Política teve certas especificidades inerentes ao contexto social, econômico e
político do capitalismo norte-americano. Na América Latina, essa perspectiva, como resultado
de um contexto neocolonialista de reprodução e ampliação mundial do capitalismo, foi
dominante.
No entanto, houve um projeto de Psicologia Política latino-americana que surgiu de uma
articulação com o contexto geopolítico especificamente latino-americano. As consequências
históricas e materiais da colonização e do imperialismo trouxeram problemas e objetivos
específicos à construção de uma Psicologia Política latino-americana.
Sendo assim, neste capítulo apresentaremos o contexto histórico e material da América
Latina que foi — e continua sendo — marcado pelos ciclos de acumulação e reprodução
mundial do capital. Também delimitaremos a construção histórica da Psicologia Política latino-
americana para, então, destacar as particularidades da Psicologia Política latino-americana
segundo os anseios políticos, sociais e econômicos da América Latina, e por fim apontaremos
alguns limites na Psicologia Política latino-americana a partir de sua relação com a
racionalidade burguesa.

2.1 Imperialismo e desenvolvimento dependente na América Latina

Nos escritos de Marx, em sua produção histórica sobre a dinâmica do capitalismo,


podemos encontrar lineamentos gerais sobre a chegada do modo de produção capitalista e suas
consequências na América Latina, um continente historicamente colonizado. Marx (1867/2011)
descreve o alvorecer do capitalismo a partir do processo de acumulação primitiva. Assim,
graças aos descobrimentos geográficos dos séculos XVI e XVII, surgiram condições para o
desenvolvimento da indústria e da classe capitalista como classe dominante. O roubo da prata
e do ouro de partes da América do Norte, da América Central e da América do Sul por potências
colonizadoras, como Portugal e Espanha, influenciou grandemente a economia da Europa.
41

Trata-se, portanto, de um dos acontecimentos fundamentais que possibilitaram a transição do


feudalismo ao modo de produção capitalista (Marx & Engels,1848/2006).
Além disso, Marx (1846/2008) expôs a escravidão direta imposta ao continente
americano (em contraposição à escravidão indireta do proletariado pela classe burguesa) como
uma categoria econômica, em que o escravo foi transformado em um instrumento de produção.
“A escravidão direta é o fundamento da indústria burguesa” (Marx, 1846/2008, p. 54). Sem
esse tipo de escravidão, as colônias seriam inúteis para o comércio mundial.
Além do roubo dos recursos materiais e da escravidão, foi implantada na América Latina
uma espécie de dívida pública que possibilitou a exportação de seus recursos. Marx (1867/2011)
destaca o papel da Inglaterra. Esta acumulou enorme volume de capital – garantindo sua
superioridade comercial e industrial – graças ao sistema de dívida pública, criado no final do
século XVII, criado por meio do moderno sistema financeiro de empréstimo e financiamento
pelos bancos.
Após a revolução industrial, no século XVIII, a Inglaterra estabeleceu-se como nova
metrópole de capital financeiro e de produtos manufaturados, o que intensificou a falta de
independência política dos países latino-americanos (Marini, 2000). Uma enorme quantidade
de capital foi investida no desenvolvimento da América Latina no século XIX (criação de
estradas de ferro, canais e minas, etc.). Este processo, junto com o endividamento do continente,
sustentado pela cobrança de altas taxas de juros por credores burgueses ingleses, possibilitou a
permanência da retirada de recursos materiais do continente latino-americano (Marx,
1858/1982).
Sendo assim, a própria independência das colônias latino-americanas resultou da
chegada do capitalismo industrial, o qual, ao colocar em crise o modo de extração mercantilista
de Portugal e Espanha, possibilitou o monopólio de manufaturas e do sistema financeiro de
créditos inglês. Assim, havia uma parcial independência política e uma total dependência
econômica dos países latino-americanos (Ianni, 1974).
A expansão do capitalismo mercantilista e a posterior industrialização das potências
colonizadoras foram a base da formação econômica, social e política da América Latina ao
moderno modo de produção capitalista. As relações entre as nações reproduziram a divisão
entre o trabalho industrial e o comércio agrícola (Marx, 1985). Com a divisão social do trabalho
atingindo dimensões mundiais, traçando fronteiras entre países industrializados e países de
capital dependente (exportadores de matérias-primas e alimentos), os países da América Latina
tiveram (têm) o desenvolvimento de suas forças produtivas marcado pelo imperativo de atender
42

necessidades dos países industrializados (Marini, 2000; Martins, 2011). Sendo assim, as
exportações de matérias-primas e de alimentos da América Latina, contribuíram,
essencialmente, para o avanço das forças produtivas nos países industrializados.
Para explicar a dependência predominante na América Latina também é preciso destacar
a especificidade do desenvolvimento dos EUA. Com o capitalismo industrial em ascensão e
com a transferência de parte da indústria para a América do Norte — como, por exemplo, o
povoamento dos colonos na região pelo estabelecimento da indústria de algodão e pelo acúmulo
de mão de obra escravizada africana — deu-se início à nação que, já na primeira metade do
século XIX, iniciaria o seu império. Um “novo” imperialismo começou a mostrar sua face
quando os Estados Unidos expandiram suas fronteiras ao sul, apropriando-se de partes
territoriais do seu vizinho, o México, pela anexação do Texas em 1845 e pela Doutrina Monroe
(Ianni, 1974).
Após a II Grande Guerra, a hegemonia do capitalismo estado-unidense consolidou-se
sobre o mundo com a política do dólar e com a suposta proteção à segurança da “democracia”
– ante a ameaça socialista representada pela União Soviética. Tal situação mundial apenas
agravou a submissão da América Latina por meio de vários acordos políticos, militares e
econômicos: Doutrina Truman (1947), Tratado Interamericano de Assistência recíproca (1947),
Carta da Organização dos Estados Americanos (1948), Criação do Banco Interamericano de
Desenvolvimento (BID) em 1959, Criação da Assistência Latino-Americana de Livre Comércio
ALALC (1960), entre outros9 (Ianni, 1974). Contudo, para além de um combate ideológico ao
comunismo, o que era realmente concreto era a necessidade de acumulação capitalista, bem
como a legitimação e criação de condições necessárias à dominação e ao controle norte-
americano sobre as condições socioeconômicas da América Latina, camufladas pela suposta
“ajuda internacional” (Santos, 2011). Nesse caminho, as organizações multilaterais
desempenharam a função de combater revolucionários insurgentes, converter os problemas
resultantes do imperialismo na América Latina em problemas administrativos locais e fomentar
alianças com burguesias locais subalternas (Ianni, 1974).
Esse processo foi construído durante a Guerra Fria, entre 1946-1989, marcando um
período de expansão do capitalismo norte-americano pelo mundo, mantendo uma dinâmica da
divisão internacional do trabalho na qual o capital altamente industrializado controla e submete
economias nacionais dependentes (Ianni, 2001). Nesse sentido, o que já vinha acontecendo no

9
Aqui não tratamos da Criação da ONU, do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional que, logicamente,
contribuíram com o processo de dominação (Viana, 2010).
43

passado, ou seja, concentração e centralização do capital monopolista por potências


colonizadoras, generaliza-se com as indústrias transnacionais que ampliam seus mercados se
instalando em nações que antes colonizadas e agora passam por um neocolonialismo por meio
da dependência.
Essa dependência foi mantida pela ativa intervenção de governantes conformados por
alianças entre latifúndio, burguesias nacionais, forças militares e burocracia estatal. Tal bloco
intermediou, executou e se beneficiou da exploração, da acumulação e da transferência do mais-
valor ao capitalismo dominante (Ianni, 1974).
Com o rápido processo de atividade industrial de reconversão capitalista 10 de partes da
América Latina após a II Guerra Mundial vemos uma união entre o capitalismo transnacional
e a maioria dos governantes da América Latina em prol de projetos nacionais de industrialização
(Furtado, 1974). Os estados nacionais passam a ser um elo importante no jogo do imperialismo,
pois são instrumentos importantes nas mãos da classe dominante metropolitana e do capital
internacional (Ianni, 1974). Formou-se, portanto, a tríplice aliança entre capital estatal, capital
nacional e capital transnacional.
O capitalismo, desde sua acumulação primitiva, atua por meio de regimes históricos de
acumulação, isto é, modos de extração de mais-valor da classe produtora. Assim, conforme
Viana (2009), as formas de acumulação do capitalismo industrial são marcadas pelas forças
produtivas (modo de organização do trabalho), pela forma do Estado ou governo e são
indissociáveis da exploração internacional pelo bloco dominante:
O regime de acumulação, portanto, é a forma que o capitalismo assume durante o seu
desenvolvimento. O desenvolvimento capitalista, no entanto, possui uma tendência,
determinada em sua própria essência: a produção de mais-valor. O desdobramento da
produção de mais-valor é a acumulação de capital e este, por sua vez, gera a reprodução
ampliada e a centralização e concentração do capital, gerando a expansão mundial do
capitalismo e a exploração internacional, ao lado da ação estatal no sentido de garantir
todo este processo (Viana, 2009, p.31).

10
Nesse momento vale a diferenciação entre atividade industrial e industrialização. A industrialização é o processo
pelo qual a indústria muda toda uma estrutura social e econômica de modo que há uma acumulação de capital
girando em torno de um eixo produtor independente. Isto é diferente de uma atividade industrial que além de ser
obsoleta mantém, por sua vez, uma dependência em relação ao capital externo, uma dependência tecnológica e de
assistência técnica externa, dando continuidade a uma modernização subordinada. (Marini, 2000; Sunkel, 1967;
Emmanuel, 1981).
44

Com a modernização subordinada atingindo grande parte dos países da América Latina
sob o capitalismo dominante de vanguarda norte-americana, tornou-se imprescindível a
superexploração da mão de obra latino-americana pelo capitalismo nacional e internacional.
Esse período foi marcado, segundo Viana (2010), pela acumulação capitalista extensiva na
América Latina, marcada pela extração de mais-valor bruto, e por uma acumulação intensiva
nos países de capitalismo dominante. Nesse período temos, de fato, uma integração à ordem da
classe trabalhadora nos países de capital dominante, o que foi possível às custas da extração de
mais-valor dos países de capital subordinado, como a América Latina (Viana, 2003; 2009).
A superexploração da mão de obra latino-americana possibilitou a manutenção do
estado de bem-estar social e maior acesso aos bens de consumo pela classe trabalhadora dos
países imperialistas. Portanto, os interesses particulares de burguesias subalternas– formadas a
partir de subsidiárias de empresas de capital industrial do centro dominante – resultaram na
concentração de partes do excedente econômico, o que sustentou a dinâmica de transferência
de riqueza material às burguesias dominantes nos países centrais e acentuou a concentração de
renda exorbitante e a drástica desigualdade na América Latina (Martins, 2011; Marini, 2000;
Furtado, 1974; Santos, 2011, Ianni, 1974).
Agregue-se a isso a obstrução e bloqueio do excedente econômico potencial dos países
da América Latina. Por exemplo, as possibilidades de produção científico-tecnológica e de
avanço industrial interno e original foram sabotadas pela hipertrofia de alguns setores
produtivos (como a exportação de produtos primários) e pela deficiência das forças produtivas
industriais e tecnológicas (Ianni, 1974).
A criação de mais valor no processo de produção de mercadorias é impossível sem a
exploração do trabalhador (Marx,1867/ 2011), seja na América Latina ou em qualquer outro
lugar do mundo. No entanto, a extração de mais-valor do proletariado latino-americano teve a
especificidade de ser uma superexploração que se manifestou sob três formas: aumento da
intensidade do trabalho, prolongamento da jornada de trabalho e redução da capacidade de
consumo e das condições de vida (Marini, 2000; Martins, 2011).
Semelhante ao avanço industrial produtivo do algodão da América do Norte, que
necessitava da mão de obra escrava africana, vemos a exploração e escoação da mão de obra
latino-americana num anacrônico modo de escravização ante o avanço industrial dos países
avançados. A classe trabalhadora latino-americana se viu reduzida aos salários pagos por um
processo de superexploração (Martins, 2011; Marini, 2000; Santos, (2011).
45

Vale ressaltar, contudo, que a classe trabalhadora da América Latina empreendeu


resistência a essa superexploração estrutural. As greves no Brasil na década de 1950 (Viana,
2005) e a insurreição mineira e camponesa na Bolívia em 1952 (Coggiola, 2001) são exemplos
ilustrativos, mas o que predominou foi o aumento da exploração dos trabalhadores do
capitalismo subordinado.
Esse ciclo e aprofundamento da exploração inevitavelmente gerou crises, subversões e
insurgências por parte dos explorados que foram duramente reprimidos por regimes ditatoriais
implantados na América Latina entre as décadas de 1960 e 1980. A repressão foi em prol da
continuidade de acumulação capitalista pelas burguesias subalternas nacionais e da
transferência de mais-valor às burguesias dominantes internacionais. Nesse sentido, as forças
contra-insurgentes, implantadas na América Latina por meio de estados de terror, exerceram
suas funções em obediência às requisições do capital imperialista. As ditaduras militares foram
impostas na América Latina como guardiãs do capital financeiro internacional, da defesa da
estabilização da economia (acumulação capitalista) e do combate a um inimigo imaginário
externo (o comunismo). As ditaduras latino-americanas contaram com o comando e o
financiamento do imperialismo norte-americano (Coggiola, 2001).
A militarização na América Latina não foi consequência de elementos inerentes ao
processo de constituição das nações do continente e não resultaram de um plano de autodefesa
verdadeiramente nacional (Coggiola, 2001). O militarismo institucional latino-americano,
como forma de dominação repressora, sempre esteve aliado ao grande empresariado
(internacional e nacional) e a burocracia estatal. Este processo só foi possível com o
financiamento pelos Estados Unidos. As forças militares na América Latina procuraram
destruir movimentos sociais, sindicatos e outras organizações dos trabalhadores; a eliminar a
autonomia e a liberdade das universidades e centros educacionais; além de perseguir e censurar
meios de comunicação e de imprensa alternativa (Coggiola, 2001).
Os regimes ditatoriais na América Latina tiveram como propósito dar continuidade à
dependência estrutural, à apropriação histórica de seus recursos materiais e à superexploração
da força de trabalho pela burguesia interna submissa ao capital imperialista. Essas são as causas
reais de regimes políticos instáveis e de golpes militares impostos sob o álibi de estabilização
da “ordem”.
São exemplos de golpes militares: o regime encabeçado por René Barrientos Ortuño na
Bolívia em 1964; o regime, também iniciado em 1964, por Castelo Branco no Brasil; a tomada
do poder pelo exército na Argentina, em 1966, sob o comando de Juan Carlos Onganía; o golpe
46

chileno, em 1973, dirigido pelo ditador Augusto Pinochet que, inclusive, fez do país a primeira
cobaia das políticas neoliberais, um experimento acompanhado pelo cientista econômico norte-
americano Milton Friedman; o golpe de 1973 no Uruguai, iniciado com presidente Juan Maria
Bordaberry e continuado pelo ditador Aparício Mendez; além de diversas ditaduras ou
diferentes regimes militares em Nicarágua, El Salvador, Paraguai, Guatemala, Cuba, Venezuela
e outros países do Cone Sul (Coggiola, 2001).
Todos esses regimes repressores surgiram da iminência potencial ou real de revoluções
sociais em oposição à acumulação capitalista das elites dominantes. Como consequência social,
os regimes militares assassinaram milhares de trabalhadores, estudantes, insurgentes e
opositores políticos que atuavam em manifestações ou organizações políticas, além de criar
campos de concentração e atuar por meio de sequestros, tal como ocorreu no Chile e na
Argentina. As consequências econômicas foram a imposição de maior abertura ao capital
internacional e a destruição da indústria nacional e do excedente econômico potencial,
mantendo a dinâmica da exportação dos recursos primários (por exemplo, o Chile exportava
mais de 90% de suas matérias-primas), além da destruição inteira de economias nacionais como
ocorreu na Colômbia, Peru e Bolívia (Coggiola, 2001).
Em resposta aos regimes militares, ocorreram diversas greves e lutas insurgentes na
América Latina entre as décadas de 1960 e 1980 (Coggiola, 2001). Por exemplo: no Brasil, a
greve de Contagem em Minas Gerais em 1968 e do ABC paulista em 1979; a do operariado
argentino em 1982 ou a ação do Exército Revolucionário do Povo; a resistência armada de
guerrilheiros insurgentes, como o movimento revolucionário sandinista na Nicarágua entre
outras.
Os períodos ditatoriais geraram, além de uma crise econômica e política, o agravamento
da dívida externa e a crise dos próprios Estados latino-americanos. As falências políticas
advindas da própria ditadura militar passaram a ser desvantajosas ao empresariado local e aos
países dominantes, que passaram a reivindicar uma “redemocratização” dos estados da América
Latina. No Chile, por exemplo, segundo Coggiola (2001), o governo dos Estados Unidos e a
elite do empresariado votaram contra o regime ditatorial de Pinochet e reivindicaram uma
reestruturação do Estado ante a decadência do regime militar.
A crise econômica mundial afundou as ditaduras militares que procuraram inaugurar
uma fase de desenvolvimento econômico e impôs a necessidade de substituição desses
regimes. Em todas as crises militares da Argentina democrática pós-1983, quando
militares direitistas da antiga ditadura (os carapintadas) entraram em atrito profundo
47

com o governo civil de Alfonsín, o governo Reagan e os governos europeus apoiaram o


governo civil. Na situação de crise econômica mundial, só os que procuravam governar
com as oposições na ordem constitucional poderiam sustentar o Estado e continuar a
pagar a dívida externa. Portanto, pode-se dizer que nenhum dos novos regimes foi
resultado de um desenvolvimento democrático genuíno das classes dominantes. Na
constituinte brasileira, por exemplo, os cinco anos de mandato para Sarney
(constitucionalmente só se previam quatro) foram obtidos graças a uma fortíssima
pressão organizada pelos empresários ligados à ditadura militar e pelos próprios
militares (Coggiola, 2001, p. 94).
Parte desse processo foi iniciado com as crises do capital oligopolista a partir do fim da
década de 1960. Estas crises decorreram da recuperação da economia europeia e do Japão; da
queda da taxa de lucratividade fiscal dos Estados Unidos que era possibilitada pelo controle do
dólar; da ampliação da atividade industrial subsidiária do terceiro mundo proporcionada pelas
multinacionais (Harvey, 1992).
Com a falência dos regimes militares e com o processo de redemocratização, emergiram
regimes supostamente democráticos, pós-ditadura, na América Latina. No entanto, as novas
“democracias” foram marcadas pelos negócios do capital neoliberal e pelo processo de
reestruturação produtiva.
A reconfiguração dos estados latino-americanos para a “democracia” e a reestruturação
produtiva pretenderam abrir um novo caminho de reprodução e ampliação do capitalismo
transnacional na América Latina. O imperialismo demandou o estado neoliberal e a ideologia
da globalização para abrir espaço para um novo regime de acumulação de capital que ainda
assegurasse a transferência de mais-valor ao capital financeiro internacional11.
Os estados neoliberais começaram sua hegemonia nos anos 1980, como fruto da
necessidade de reprodução e exploração do capitalismo em níveis nacional e internacional. O
neoliberalismo se desenvolveu, nos países centrais, como resposta à crise do estado de bem-
estar social. O neoliberalismo foi marcado por redução dos gastos públicos em investimentos
sociais, privatizações das empresas estatais, desregulamentação de leis sobre o mercado privado
e o aumento de condições para subsidiar o capital oligopolista, garantindo, assim, a acumulação
capitalista no âmbito nacional e internacional (Viana, 2010). O estado neoliberal é altamente

11
O Chile serviu de antecipação das políticas neoliberais sendo acompanhado pelos próprios idealizadores, a escola
de Chicago, na implantação do neoliberalismo. Como consequência, suas conquistas sociais foram arrasadas pela
privatização de setores públicos como saúde e educação (Coggiola, 2001).
48

repressivo, utilizando permanentemente seu aparato militar como solução e resposta ao


aumento da violência e da miséria social (Wacquant, 1999).
O estado neoliberal foi fundamental para a reestruturação produtiva, pois flexibilizou as
relações formais entre capitalistas e classe trabalhadora, deixando a mão de obra assalariada
ainda mais a mercê da exploração dos capitalistas nacionais e internacionais (Martins, 2011).
Além do aumento do desemprego, acentuou-se a informalidade e a precarização da classe
trabalhadora da América Latina, aumentando seu adoecimento físico e emocional (Antunes &
Praun, 2015).
A reestruturação produtiva, baseada na inovação da extração de mais-valor inspirada no
modelo toyotista12, desferiu um duro golpe contra a solidariedade e a unidade de classe dos
trabalhadores pela utilização de técnicas administrativas e de cooptação ideológica: a troca do
termo “empregado” por “colaborador”, a criação do cliente interno, a participação nos lucros e
resultados e o gerenciamento de metas. Tudo isso fez com que a individualização no mundo do
trabalho aumentasse fragmentando, portanto, a classe trabalhadora (Antunes & Praun, 2015).
A ideologia da globalização fortaleceu ainda mais a exploração dos Estados Unidos
sobre a América Latina. A criação da Aliança do Livre Comércio das Américas (ALCA), por
exemplo, ampliou a instalação de subsidiárias na América Latina em busca de salários mais
baixos (Viana, 2010). A globalização nada mais é do que um eufemismo para a nova fase do
imperialismo em que as fronteiras nacionais foram deixadas para trás em prol da padronização
de normas político-jurídicas aplicadas às relações de produção pelo capital internacional
dominante:
Já é possível reconhecer que o significado do Estado-nação tem sido alterado
drasticamente, quando examinado à luz da globalização do capitalismo intensificado
desde o término da Segunda Guerra Mundial e acelerada com o fim da Guerra-Fria.
Algumas das características “clássicas” do Estado-nação parecem modificadas, ou
radicalmente transformadas. As condições e as possibilidades de soberania, projeto
nacional, emancipação nacional, reforma institucional, liberalização das políticas
econômicas ou revolução social, entre outras mudanças mais ou menos substantivas em
âmbito nacional, passam a estar determinadas por exigências de instituições,
organizações e corporações multilaterais, transnacionais ou propriamente mundiais, que

12
Modelo de extração de mais-valor desenvolvido no Japão e adaptado às novas requisições do capitalismo
neoliberal; conforme a evolução do taylorismo (maior controle do trabalhador), do fordismo (produção em massa
e uso tecnológico), chega-se ao taylorismo: modelo que procura atingir as relações de trabalho e produzir de acordo
com a demanda flexível e instável do mercado.
49

pairam acima das nações. A moeda nacional torna-se reflexa da moeda mundial, abstrata
e ubíqua, universal e efetiva. Os fatores da produção, ou as forças produtivas, tais como
o capital, a tecnologia, a força de trabalho e a divisão do trabalho social, entre outras,
passam a ser organizadas e dinamizadas em escala bem mais acentuada que antes, pela
sua reprodução em âmbito mundial. Também o aparelho estatal, por todas as suas
agências, sempre simultaneamente políticas e econômicas, além de administrativas, é
levado a reorganizar-se ou "modernizar-se" segundo as exigências do funcionamento
mundial dos mercados, dos fluxos dos fatores da produção, das alianças estratégicas
entre corporações. Daí a internacionalização das diretrizes relativas à desestatização,
desregulamentação, privatização, abertura de fronteiras, criação de zonas francas (Ianni,
2001, p. 59).
A globalização não é um fenômeno novo, ela é apenas a extensão do capitalismo
mercantilista que se iniciou no século XVI. Como consequência da queda da taxa de lucro
mundial do capitalismo, a globalização, como forma de reestruturação do capital, tem como
objetivo aumentar a coerção da exploração nos países dependentes, assim como o acúmulo e
transferência do mais-valor entre as burguesias nacionais e internacionais (Martins, 2011;
Viana, 2010).
Além dos danos sociais, políticos e econômicos relativos provocados pela exploração
da América Latina pelas potências centrais do capitalismo, há duras consequências sobre o
ecossistema do continente. Martins (2011) sustenta que o capitalismo dependente latino-
americano, têm excluído territorialmente e culturalmente populações originárias e camponesas
pela superexploração e pelo agronegócio. A alta concentração agrária pelos latifúndios têm
levado ao aumento do uso predatório do solo reduzindo sua capacidade biótica e abiótica, além
de expulsar e excluir milhares de pessoas de suas terras. A destruição da natureza é um problema
grave e histórico que acontece na América Latina, pois seu vasto bio-sistema, cada vez mais
explorado, é um dos recursos básicos do capital dominante. Em 10 anos, entre 1990 e 2010, a
proporção de florestas na América Latina teve uma redução de 51,9% para 47,2% (Martins,
2011).
A própria continuidade do avanço industrial dos países avançados necessita da
exploração contínua da força de trabalho e dos recursos materiais e primários dos países da
América Latina (Marini, 2000). O subdesenvolvimento dos países da América Latina é uma
condição necessária ao desenvolvimento dos países industrializados e dominantes.
50

O subdesenvolvimento da América Latina não é uma fase, um período ou problema


criado por setores específicos, como a tecnologia ou a educação. Segundo Martins (2011), a
América Latina é uma das engrenagens principais para a centralização e concentração do capital
dominante no século XXI: a exportação de produtos primários entre 2001 e 2009 teve um
aumento de 41,1% para 52,9%; a superexploração da força de trabalho continua e foi agravada
pelo crescimento no excedente de força de trabalho (que cria condições para depreciar ainda
mais os salários) e o crescimento do trabalho informal precarizado13. Conforme dados anuais
da CEPAL (2016), a população latino-americana que vive abaixo da pobreza, aumentou de
28,5% em 2014 para 30,7% em 2016. Trata-se de mais de 186 milhões de pessoas em situação
de miséria e passando fome.
A dependência estrutural da América Latina possibilitou uma dependência política que
se mantém em relações sociais e processos políticos. Trata-se de uma internalização de valores,
ideias e padrões de vida, conforme a ideologia dominante imperialista.
Em consequência, consolida-se e expande-se a dependência, institucionalizando-se as
condições de dependência estrutural, em sentido lato. Assim, paulatinamente, o país
subordinado é permeado pelas determinações extra-econômicas da dependência. Ou
melhor, a dependência estrutural começa a revelar-se também nos acordos políticos,
militares, culturais e de assistência técnica. E começa a tornar-se prática cotidiana no
pensamento e nas ações dos administradores, técnicos, políticos, líderes militares,
jornalistas, professores universitários, líderes sindicais etc. (Ianni, 1974, p. 133).
A dominação política sobre as relações sociais mantém a dependência estrutural por
meio da ideologia, nesse sentido a ideologia desempenha a função fundamental de
internalização do domínio imperialista na América Latina (Ianni, 1974), de modo que as
relações sociais, culturais, militares e científicas14, são consequentes às influências e
determinações econômico-materiais do capitalismo dominante-imperialista.
Sendo assim, até aqui vimos algumas das consequências da colonização e da dominação
do capitalismo imperialista sobre a América Latina, e esse foi o contexto geopolítico que deu

13
No Brasil, por exemplo, se o salário equivalesse a 100 em 1985, teve uma queda para 56 em 2002 (Martins,
2011); esse mesmo país ocupa, em 2018, a 4ª posição mundial de acidentes de trabalho (Keppler, 2018).
14
As Políticas da Psicologia exercendo o poder do discurso ideológico científico, atuou na sociedade latino-
americana segundo o equilíbrio e configuração de forças sociais dominantes (Martín-Baró, 1988/1990); nesse jogo
de forças parcial a ideologia dominante, as políticas da Psicologia foi um dos recursos de dominação ideológica
na América Latina. Seu mimetismo cientificista, fruto do imperialismo norte-americano, colocou em prática a
ideologia do positivismo, do individualismo e do presentismo (Martín-Baró, 1986).
51

forma à perspectiva crítica da Psicologia Política que será desenvolvida na América Latina,
como veremos no próximo tópico.

2.2 Psicologia Política na América Latina: considerações históricas e teóricas

Ao fazermos uma análise do contexto histórico da América Latina, percebemos a


instabilidade político-social que esteve por trás da construção teórica da Psicologia Política
latino-americana. Projetos políticos democráticos foram, frequentemente, sabotados ou
impossibilitados por governos autoritários e agentes do capital imperialista. Tal situação, em
uma realidade marcada por desigualdade estrutural, foi determinante para a emergência de uma
Psicologia Política que reivindicou ser, em sua maior parte, político-crítica e não mera ideologia
de conversão.
No caminho histórico percorrido pela Psicologia Política na América Latina, é possível
identificar a existência de saberes psicopolíticos na América Latina que antecedem o processo
de autonomização da Psicologia como disciplina ou a constituição da Psicologia Política nos
EUA. Como exemplo, citamos o trabalho de Agustín Álvarez (1933) — South América: ensayo
de psicología política — escrito em 1894. Nessa obra, o autor discutiu temas sobre Psicologia
e política como: a racionalidade natural frente ao egoísmo, o atraso e a ineficiência das leis
abstratas jurídicas e do sistema político e denunciou o monopólio e desuso da razão pelo sistema
político na América Latina. Além do livro South América, o autor argentino publicou outros
como “O manual de patologia política” em 1899, “Educação moral” em 1901 e “Transformação
das raças na América” em 1908.
Nas reflexões psicopolíticas de Agustín Álvarez, todavia não se encontra uma
perspectiva crítica sobre a história da América Latina, tampouco o autor evidenciou as
consequências políticas, econômicas e materiais da colonização impostas à América Centro-
Sul.
Outro estudo rudimentar que envolve saberes psicopolíticos na América Latina, foram
os estudos do brasileiro Victor de Brito. O autor, em 1908, empreendeu análises psicopolíticas
discutindo as personalidades dos estadistas Gaspar Martins e Júlio Castilhos, problematizando
características de ambos no contexto da revolução federalista que ocorreu no Brasil entre 1893
e 1895. Brito destacou os interesses de Gaspar Martins, um liberal e parlamentarista defensor
da monarquia que acreditava na recolonização de todo o Brasil a partir do Rio Grande do Sul,
e de um republicano, Júlio Castilhos, influenciado por Comte e Le Bon, que acreditava no
52

desenvolvimento do Brasil a partir das leis sociais evolucionistas e pelo controle do Estado
federal republicano.
Apesar de Victor de Brito destacar o sofrimento da massa brasileira nessas disputas, o
autor descreve as disputas entre federalistas e republicanos como disputas políticas e afirma
que governar independe das constituições políticas. O governo seria determinado pelo caráter
moral e honesto dos homens à frente do povo. Assim, fica claro que Victor de Brito deixou de
lado o contexto de exploração colonial de Portugal e suas consequências na formação de um
estado patrimonialista e autoritário no Brasil, assim como não evidenciou a disputa de poder
pela aristocracia brasileira e sua melhor forma de controle sobre a população. Nesse sentido,
percebemos uma análise política e psicológica individualista, a qual desconsidera problemas
estruturais e os conflitos entre classes sociais.
Com esse contexto, apresentamos algumas das primeiras obras que abordaram
elementos psicopolíticos em suas análises. Para além de meras produções teóricas, as obras que
descrevemos são documentos históricos que narram as primeiras manifestações de Psicologia
Política na América Latina. A partir daqui, evidenciaremos um segundo momento de Psicologia
Política latino-americana que foi pensada a partir da necessidade de resposta ante os anseios
sociais, políticos e econômicos da América Latina.
Para Sabucedo (1996), é inegável a existência de contribuições norte-americanas à
institucionalização da Psicologia Política no âmbito acadêmico. Isto se eu pela publicação de
manuais e revistas de Psicologia Política e pela criação da Sociedade Internacional de
Psicologia Política. No entanto, o autor destaca a necessidade de cautela na leitura das
contribuições norte-americanas, pois são provenientes de condições histórico-políticas
particulares.
La implantación y evolución de la Psicología Política en otros países tiene que traducirse
en nuevos enfoques y perspectivas, que respondan a lo que son sus tradiciones de
pensamiento, sobre la relación entre los fenómenos psicológicos y políticos. Ese debate
entre diferentes posiciones resulta no sólo obligado, sino también necesario, para el
desarrollo y avance de la Psicología Política (Sabucedo, 1996, p. 39).
Nesse sentido, Sabucedo (1996) destaca dois pontos marcantes na formação da
Psicologia Política latino-americana: um seria a luta pela liberdade representada pelos
processos de redemocratização; outro seria a inseparabilidade da Psicologia Política da
Psicologia social na América Latina. Os países da América Latina enfrentaram em sua formação
política ditaduras militares e isso marcou a história da Psicologia e da Psicologia Política.
53

Sabucedo (1996) ilustra a tese resgatando o livro “Los problemas psicológicos actuales”
escrito por Mira y Lopez, em 1941, que abordou elementos psicopolíticos para uma Psicologia
social aplicada à transformação social no contexto da ditadura de Franco na Espanha. O livro,
produzido em uma situação de exílio decorrente da participação do autor na guerra civil
espanhola, teria elementos semelhantes às produções teóricas sobre o trauma político criado no
Chile sob a ditadura de Pinochet ou às análises de Martín-Baró (1988/2017) acerca do trauma
psicossocial do terrorismo de estado em El Salvador. O argumento de Sabucedo contribui para
pensarmos a necessidade de uma Psicologia Política que tenha em seu campo conceitual o
diálogo com a realidade social em que está inserida.
Na América Latina, a Psicologia Política partiu de uma perspectiva social, pois não foi
possível analisar processos psicológicos na política de maneira abstrata e descontextualizada
de uma formação história e social (Hur; Lacerda Jr., 2016). Nesta esteira, as análises de Martín-
Baró sobre a opressão, a Psicologia social e a Psicologia da Libertação , em 1986, foram obras
essenciais à construção da Psicologia Política latino-americana. Martín-Baró, como veremos
mais adiante, marcou um novo referencial teórico, conceitual e prático a ser explorado pela
Psicologia Política latino-americana.
Montero e Dorna (1993) destacam como eixo central da Psicologia Política latino-
americana o compromisso com a transformação social. Nesse sentido, a Psicologia Política
desenvolvida na América Latina tem um duplo papel: o papel de produção científico-acadêmico
e, ao mesmo tempo, de luta pela transformação social.
Em uma primeira revisão bibliográfica sobre a construção da Psicologia Política na
América Latina, Montero (1987) destacou algumas áreas de estudo que seriam indissociáveis
da origem do campo. Essas áreas foram: o nacionalismo; a conduta política e processos
psicológicos; o trauma político; a ideologia, a alienação e consciência política; e o papel social
do psicólogo e da psicologia.
Sobre o nacionalismo, a autora apresenta produções teóricas e pesquisas de autores
latino-americanos que abordaram os efeitos da colonização e a influência da América do Norte
na construção identitária, cultural e linguística do continente. Esses efeitos marcaram a
autopercepção identitária da América Latina, resultando na depreciação do caráter nacional pela
comparação com referenciais externos.
Na Venezuela, logo após a queda da ditadura de Pérez Jimenez, em 1958, e com a
implantação de um processo de redemocratização do ambiente sócio-político, dois anos após
foi publicado um dos primeiros artigos tratando de fenômenos políticos na Psicologia com o
54

título “La Psicologia Política y la possibilidad de investigación acerca del caráter nacional
venezolano,” pelo psicólogo social, J.M. Salazar (Montero, 1978). O tema do nacionalismo,
abordado por esse artigo, dera início, segundo Montero (1978), à composição teórica da
Psicologia Política na América Latina.
Sobre o tema da conduta política e os processos psicológicos, Montero (1978) destaca
os estudos sobre a percepção e a cognição de eleitores na escolha dos candidatos políticos.
Também apareceram discussões sobre formas de socialização política, destacando as principais
dinâmicas e influências como família, grupo social e ambiente universitário sobre escolhas
políticas.
O trauma político, o terceiro tema da Psicologia Política latino-americana, engloba
descrições clínicas sobre traumas decorrentes das torturas físicas e psicológicas provocadas pela
repressão militar, assim como estudos sobre as consequências traumáticas deixadas pelos
conflitos armados.
A ideologia, alienação e a consciência política foi outro grupo de investigações da
Psicologia Política na América Latina. Montero (1987) identificou estudos sobre as causas
históricas que colocaram em marcha processos ideológicos e de alienação, assim como sua
influência na formação objetiva-subjetiva do povo latino-americano. Montero (1987) sustenta
que aqui há estudos que procuraram situar geopoliticamente a América Latina a partir de um
contexto histórico de exploração e dominação que funcionou criando obstáculos e dificuldades
ao desenvolvimento independente da região. Sendo assim, para uma compreensão mais global
de problemas estruturais, as pesquisas buscaram contribuições da Ciência Política, da
Sociologia, da Filosofia, da Economia para elaborar uma perspectiva crítica sobre os efeitos da
ideologia e da alienação..
Montero (1987) conclui, a partir de seu levantamento, que no caminho de construção teórica da
Psicologia Política na América Latina houve duas tendências. Em primeiro lugar, uma linha
mais tradicional de Psicologia Política definida como a área da conduta política e dos processos
psicológicos. A segunda, seria uma linha mais autêntica e fiel às necessidades político-sociais
da América Latina que trouxe análises sobre ideologia, alienação e consciência política. Ambas
as perspectivas estiveram sob influência teórica europeia ou estadunidense.
Contudo, “a necessidade de produzir explicações teóricas para uma realidade particular”
(Montero, 1984, p. 45) foi comum nos campos de investigação na América Latina. Para
Montero (1984), o importante são os modelos teóricos e de investigação de maneira geral, desde
que sejam incorporados e interpretados conforme o contexto histórico da América Latina: “isso
55

pode ser aplicado tanto aos teóricos funcionalistas e positivistas clássicos quanto aos autores de
abordagem marxiana” (Montero, 1987, p.45), pois o que importa é “dar voz a América
Latina”15.
As contribuições de Montero são inegáveis não só para a história da Psicologia Política
na América Latina, mas para a própria epistemologia da Psicologia Política latino-americana,
porque ela teve a intenção explicitamente assumida de propor uma Psicologia Política latino-
americana para a libertação e transformação social em prol das classes oprimidas:
A Psicologia política, em lugar de ser uma testemunha de processos sociopolíticos que
afetam ao indivíduo, é vista como um meio para intervir em transformações sociais, para
promovê-las e para analisá-las, a fim de produzir respostas aos problemas gerados pelas
relações sociais, econômicas e políticas (Montero, 1987, p. 46, tradução nossa).
Silva (2015) expõe que nas reuniões da Associação Internacional de Psicologia Política
(ISPP), os psicólogos políticos latino-americanos tinham seus próprios modelos teóricos e
metodológicos frente uma abordagem de Psicologia Política hegemônica e neutra representada
por psicólogos políticos dos Estados Unidos e da Europa. Em decorrência disso, Silva (2015)
evidência a ocorrência de algumas tensões em conferências ocorridas na Cidade do México e
em Barcelona, acentuando a necessidade de alguns pesquisadores iberolatinoamericanos de
terem seu próprio espaço institucional e alternativo frente a Associação Internacional de
Psicologia Política:
Portanto, as raízes da Associação Ibero-Latinoamericana de Psicologia Política (AILPP)
remontam aos anos 1970-1980, quando emerge a Psicologia Política latino-americana,
inspirada na produção intelectual e na ação coordenada por Ignácio Martín-Baró,
Maritza Montero, Graciela Mota, Silvia Lane e Leoncio Camino e outros psicólogos
políticos (Silva, 2015, p. 28).
Apesar da tardia consolidação da Associação Ibero-Latinoamericana de Psicologia
Política, em Medellín, no ano de 2011, a Psicologia Política latino-americana, como vimos, já
possuía toda uma bagagem teórica e metodológica desde a segunda metade do século XX.
Sendo assim, ela já possuía discussões teórico-metodológicas distintas e originais das
concepções de Psicologia Política euro-estadunidense.

15
Achamos problemática uma teoria genérica referente a uma visão interdisciplinar e até mesmo positivista da
autora, além disso, não partilhamos que o marxismo seja mais um ponto de vista especializado e fragmentado de
ciência. Esse é um ponto crítico, entre outros, que posteriormente analisaremos ao abordar a presença do
pensamento burguês na Psicologia Política latino-americana.
56

Nesse sentido, Montero (1991) apresenta três fases de evolução teórico-metodológico


da Psicologia Política na América Latina: (1) a Psicologia Política inconsciente ou implícita;
(2) a Psicologia Política consciente ou explícita; (3) a Psicologia Política como campo
autônomo e com aprofundamento teórico-metodológico. Para a autora, a crise da Psicologia
social durante a década de 1970, teria possibilitado uma abertura teórica e metodológica da
Psicologia Política à Psicologia da Libertação de Martín-Baró, dando origem, na década de
1980, a uma Psicologia Política autônoma e com metodologia própria e totalmente
contextualizada (Montero, 1991; 2009).
Montero (1991), ainda destaca como a Psicologia Política latino-americana teria
assumido em seu campo teórico-metodológico o papel da transformação social. Por isso, focou
temas e objetos como libertação, ideologia, alienação e forças superestruturais de dominação
sobre o indivíduo. Da mesma forma, existiu, em dado momento, o predomínio de um enfoque
dinâmico-dialético que estuda a realidade em constante transformação e de uma visão
construcionista que assume a pessoa como ser ativo e construtor de sua realidade social,
partindo das características históricas especificas de contextos geopolíticos distintos (Montero,
1991).
Nesse sentido, a Psicologia Política no Chile, segundo Sandoval, Hatibovic e Cárdenas
(2012), nasceu em conjunto com a Psicologia Social articulada com a necessidade de reação às
políticas ditatoriais do Estado chileno durante a década de 1970. Lembremos que o Chile serviu
como cobaia na aplicação das políticas neoliberais. As consequências sociais do neoliberalismo
serviram para ampliar as análises da Psicologia social, que passou a considerar aspectos
políticos e a problematizar a política institucional aplicada pelo estado ditatorial. Em outras
palavras, no Chile, a Psicologia política, como um momento da Psicologia social, surgiu com a
explicitação da dimensão política no contexto chileno:
La relevancia de lo político es que no vincula los fenómenos únicamente con los
escenarios institucionales, permitiendo ser pensado como un campo conceptual abierto,
móvil y dinámico, que va más allá de las necesidades de gobierno y dominio de lo social.
Es decir, con lo político nos referimos a todas aquellas prácticas y manifestaciones que
están sujetas a controversia, que forman parte de antagonismos y que, en general, nos
permiten mostrar que lo social es el resultado de relaciones de poder. Aquí es donde el
concepto adquiere su fuerza al permitirnos construir una perspectiva especial y diferente
para la psicología política como un momento de la psicología social (Sandoval; Juan;
Cárdenas, 2012, p. 447).
57

Na colômbia, Molina e Escobar (2012) destacam que os primeiros trabalhos de origem


da Psicologia Política foram realizados por Gerardo Marín em conjunto com o venezuelano
Miguel Salazar, na década de 1970. Contudo, a Psicologia política, como um campo
independente, surgiu no país no final da década de 1980, fortemente influenciada pela
Psicologia da Libertação de Martín-Baró, quem ministrou aulas no programa de mestrado da
Universidade de Bogotá, relacionando a Psicologia da Libertação com a Psicologia política.
Assim como a Psicologia da Libertação , os autores também destacam a sociologia interventiva
de Fals-Borda e a aproximação às pesquisas etnográficas de alguns psicólogos na formação da
Psicologia Política na Colômbia.
Los procesos y proyectos de emancipación, así como de desideologización marcaron el
comienzo de la PPC. Tales conceptos o marcos de referencia sirvieron para los primeros
estudios en el contexto nacional que se refirieron a participación política, ciudadanía,
representaciones sociales de diversos objetos, fatalismo y violencia política entre otros
(Aljure, 1986; Montero y Salas, 1993; Castro, 1995; Molina, 1995; Obregón, 1995;
Benítez, 1996). La inspiración en la Psicología de la Liberación, la perspectiva de la
Investigación Acción-Participativa de Orlando Fals-Borda, las primeras aproximaciones
a métodos etnográficos por parte de los psicólogos, constituyen otra de las aristas de
influencia latinoamericana para los primeros momentos de la Psicología Política en
Colombia. La tensión entre el objeto de la psicología política y su método estuvo a la
base de las primeras reflexiones (Molina & Escobar, 2012, p. 433).
Já no México, segundo Botello (2012), a Psicologia Política teria surgido com a
publicação de “Cuestiones de Psicología Política en México” escrito pela própria autora na
década de 1990. Posteriormente, a Psicologia Política transformou-se numa disciplina
acadêmica, direcionada para o bem público e tendo como base o desenvolvimento do
comportamento coletivo, o respeito aos direitos humanos e o direcionamento para prevenção e
solução de problemas ligados à ordem social.
No Brasil, Silva (2012) destaca a atividade intelectual e militante de Silvia Lane,
Salvador Sandoval e Leoncio Camino na formação da Psicologia Política brasileira. Nesse
sentido, o autor sustenta que Silvia Lane inaugurou uma Psicologia social e politicamente
comprometida com a leitura psicossocial da realidade política do país, onde a Psicologia
Política foi gestada junto a Psicologia social comunitária, e trilhou a mesma perspectiva da
Psicologia da Libertação de Ignácio Martín-Baró.
58

A insistência de Silvia em construir uma práxis que realmente se preocupava com um


‘fazer psi’ que rompia com a ideia de neutralidade e que assumia a centralidade do
exercício cidadão expresso no compromisso social, foi a base de uma Psicologia Política
comprometida com a realidade e que trilhava a perspectiva libertadora inaugurada por
Ignácio Martín-Baró (1985, 1991). Daí nasce uma Psicologia social politicamente
engajada. Este fazer de Silvia encontrava ressonância em fazeres de outros psicólogos
sociais, politólogos e sociólogos latino-americanos (Silva, 2012, p. 418).
Segundo Silva (2012), o trabalho do professor Salvador Sandoval – quem ministrou e
orientou pesquisas sobre comportamento político na Pontifica Universidade Católica de São
Paulo desde o ano de 1978 – fortaleceu ainda mais o compromisso ético-político de uma
Psicologia Política latino-americana. Sandoval, com o apoio de Silvia Lane, criou o primeiro
grupo brasileiro de estudo em Psicologia Política e, como consequência do I Simpósio Nacional
de Psicologia Política, na mesma universidade no ano de 2000, foi central para a fundação da
Sociedade Brasileira de Psicologia Política e da Revista Psicologia Política no Brasil (Silva,
2012).
Já Leoncio Camino usou a psicossociologia para dar sua contribuição na formação da
Psicologia Política brasileira. Sua leitura dos comportamentos políticos como greves e
movimentos sociais, ou seja, acontecimentos sociais e coletivos, buscava evitar análises
reduzidas ao individualismo (Silva, 2012). Da parceria entre o grupo de Pesquisa em
Comportamento Político de Leoncio Camino, com o grupo de estudo em Psicologia Política e
Movimentos Sociais, de Salvador Sandoval, surgiu um grupo de trabalho e pesquisa sobre
Psicologia Política nos encontros da Associação Brasileira de Psicologia Social (Silva, 2012).
Em síntese, a partir da década de 1970, na América Latina, a Psicologia Política, mesmo
distribuída entre diferentes países, emergiu como campo convergente em seus temas e
preocupações de pesquisa. Como exemplos, destacamos similaridades entre a Psicologia
Política do México, a Psicologia Política da Colômbia, a Psicologia Política do Chile e a
Psicologia Política do Brasil, já que esses países compartilharam problemas psicopolíticos
concernentes ao continente latino-americano. A partir desses países, notamos contextos de uma
Psicologia Política indissociável do contexto social projetando-se como campo de investigação
e de intervenção social.
Sendo assim, a Psicologia Política latino-americana foi ressignificada pelo pensamento
de Ignácio Martín-Baró (1988/1990; 1991/2013), visto que seu posicionamento político a partir
59

das maiorias populares foi responsável pelo giro político que transformou a Psicologia Política
latino Americana (Hur, Sabucedo & Alzate, 2018).
Por sua vez, Parisí (2016) defende a Psicologia Política Latino-americana como um
dispositivo de análise da realidade para a desconstrução dos discursos dominantes e
ideológicos. Na América Latina, esses discursos, como vimos, além de apresentarem um
esquecimento ou negação da história desse continente, colocaram como exemplo de
organização política, os próprios causadores da colonização-desorganização, isto é, os países
colonizadores. Por outro lado, a Psicologia Política Latinoamericana teria um compromisso
social com a cultura e história dos povos da América Latina, materializando-se através de um
conhecimento subversivo e contrário à ordem dominante (Parisí, 2016).
Assim, Parisí (2008) sustenta a especificidade da Psicologia Política Latinoamericana
dentro de uma perspectiva discursiva, de modo que sua atuação revelaria as intenções implícitas
dos discursos políticos dominantes e ideológicos. Em nosso ponto de vista, percebemos que
somente a análise de discursos dominantes não basta, pois, além de transferir para o campo
linguístico-representativo a dominação que se faz concreta no campo das relações sociais
concretas, despreza-se a base intencional de interesses de classe que estão por trás desses
discursos.
Entretanto, Parisí (2008) expõe vários modelos de análise da Psicologia Política
construídos conforme especificidades geopolíticas distintas. Entre eles, se destaca o modelo
Liberacionista-crítico, criado a partir de uma nova epistemologia construída a partir dos
trabalhos de Martín-Baró em resposta à situação geopolítica do continente. O autor ainda
destaca o modelo marxista, abrindo espaço para um novo campo de expressão teórica e prática
para a Psicologia Política Latinoamericana.
Para o modelo marxista de Psicologia Política, os processos e comportamentos
psicopolíticos, seriam produtos de instituições sociais e culturais, onde estas, por sua vez,
estariam condicionadas pelo modo de produção material de uma sociedade. Entendendo a
importância desse ponto, faz parte desse trabalho destacar as contribuições do marxismo à
Psicologia Política latino-americana, para que haja, além de uma contribuição teórica, um
aprofundamento de análise da Psicologia Política Latinoamericana, a partir da teoria marxista
cujo fundamento é a luta de classes.
Em síntese, no continente latino-americano predominou uma Psicologia Política que
não foi asséptica ou imparcial na análise de elementos psicopolíticos e de fenômenos políticos
que foram entendidos a partir de uma relação estrutural de dominação e imposição das forças
60

dominantes. Isso fez que se desenvolvesse na América Latina uma Psicologia Política singular
com traços críticos, visto que o elemento crítico de uma Psicologia Política na América Latina
— conforme entendimento do contexto social e histórico de exploração e opressão imposto a
essa parte do continente — que formulou estudos direcionados a um compromisso político,
ético e militante (Hur & Lacerda, 2016). Portanto, a Psicologia Política assumiu uma nova face
na América latina que fundamentou intervenções sociais e análises críticas de elementos
psicopolíticos (Hur & Lacerda, 2016; Lacerda, 2016b; Montero, 2007; Montero, 2009; Montero
& Dorna 1993; Martín-Baró, 1985a, 1986, 1988, 1991; Parisí, 2016; Pavón-Cuéllar, 2016;
Sabucedo 1996).

2.3 Psicologia Política latino-americana: Alguns limites e a democracia burguesa.

Como descrevemos no capítulo anterior, é indiscutível que a América Latina tenha sido
marcada pela exploração colonial. A divisão internacional do trabalho e o colonialismo
produziram um “desenvolvimento” marcado por graves problemas estruturais que envolvem
questões políticas (crises institucionais e autoritarismo), econômicas (concentração de renda
exorbitante e alarmante desigualdade social), culturais (falta de memória histórica, crise
educacional etc.) e sociais (banalização da violência, desumanização da vida, fatalismo, etc.).
Também nas páginas anteriores, traçamos uma introdução da história da Psicologia
Política na América Latina apanhando suas raízes desde o final do século XIX até chegarmos
em uma caracterização da Psicologia Política desenvolvida na América Latina. Com esse
apanhado histórico, chegamos às especificidades da Psicologia Política Latino-americana que,
alinhada à Psicologia Social, empreendeu esforços na luta pela liberdade democrática conforme
a geopolítica Centro-Sul do continente americano.
Concluímos que a Psicologia Política latino-americana, em decorrência das
consequências históricas da colonização, construiu suas bases epistemológicas fundamentando-
se numa crítica da realidade social específica do continente (Parisí, 2016; Souza, 1994).
No entanto, se a condição social precária das maiorias populares na América Latina, foi
e é decorrente da divisão internacional do trabalho e do imperialismo, então não basta uma
crítica que busque reformular as instituições burguesas com propostas reformistas ou a crítica
de instituições isoladas que buscam apenas a cidadania, a garantia de direitos e deveres ou a
reformulação do Estado burguês.
61

A racionalidade burguesa se materializa nas suas instituições: o Estado, o Direito, a


Democracia Burguesa. Estas foram conquistas sociais que se efetivaram conforme os interesses
da burguesia. Por isso, não permitem um avanço que, de fato, produza emancipação humana
(Marx, 1843/2010).
A burguesia, pela emancipação política, ocultou seus interesses de classe oferecendo a
liberdade e a igualdade como interesses universais. Sob os interesses liberais, a classe
dominante burguesa fundamentou suas práticas e sua hegemonia numa emancipação política
garantida por abstrações. Estas, por sua vez, foram resguardadas pelo Estado e pelo
fortalecimento da sociedade civil. A revolução política burguesa garantiu direitos individuais
sob a alienação da propriedade privada, fortalecendo interesses egoístas:
Portanto, nenhum dos assim chamados direitos humanos transcende o homem egoísta,
o homem como membro da sociedade burguesa, a saber, como indivíduo recolhido ao
seu interesse privado e ao seu capricho privado e separado da comunidade. Muito longe
de conceberem o homem como um ente genérico, esses direitos deixam transparecer a
vida do gênero, a sociedade, antes como uma moldura exterior ao indivíduo, como
limitação de sua autonomia original. O único laço que os une é a necessidade natural, a
carência e o interesse privado, a conservação de sua propriedade e de sua pessoa egoísta
(Marx, 1843/2010, p. 50).
Toda a análise política que gravita em torno do fortalecimento da sociedade civil
burguesa, naturalmente não levará em conta a divisão social do trabalho e tampouco o modo de
produção capitalista. Toda análise que parte de um conhecimento científico fragmentado e
dissociado da totalidade social terá como fim a reforma do Estado de Direito pela emancipação
dos direitos civis sob a ideologia da democracia.
A conversão da democracia em um consenso é, justamente, generalização de um
universal abstrato que, com frequência, se expressa na defesa de outros universais
abstratos: cidadania, políticas públicas, Estado democrático, etc. Seguindo as indicações
de Chasin (1978), pode-se afirmar que esse tipo de análise da democracia estabelece
uma suposta autonomia entre modo de produção e regime político. Separação que
possibilita a afirmação de teses que defendem a possibilidade de se mudar o mundo por
meio do regime político. Assim, ações políticas que modificam as bases materiais do
modo de produção podem ser descartadas de uma só vez, pelo simples fato de irem além
dos limites do regime político. Dizendo de outra maneira, o particular concreto, que é
ocultado pela defesa do universal abstrato é o conjunto de contradições do modo de
62

produção capitalista, especialmente da classe dominante em seu interior (Lacerda Jr.,


2016, p. 53).
Um pensamento que se situa na racionalidade burguesa não irá além da manutenção da
ordem social, pois seu limite é a análise liberal que zela pelos direitos da emancipação política.
Atuando numa legalidade política-científica, não se considera o Estado como relação de
dominação de classe mediado pela burocracia e que atua com o objetivo de manter e reproduzir
as relações de produção. Não se leva em conta a democracia como um regime político da
burguesia que tenta amenizar os conflitos de classes. Não se considera que é impossível uma
verdadeira democracia enquanto existir capitalismo. Não se considera a cidadania como uma
abstração criada pelo direito civil burguês que afirma que “todos são iguais perante a lei” sem
levar em conta uma realidade na qual os seres humanos são desiguais.
Sendo assim, nesse tópico, sustentaremos que uma crítica que gravita em torno do
reformismo do Estado ou que lute por uma democracia submetida ao capitalismo é uma crítica
submetida à racionalidade burguesa resultando numa apologia indireta ao desenvolvimento do
capitalismo e da sociedade de classes.
É preciso abordar o movimento do real e pensar as devidas soluções conforme o
movimento objetivo de uma realidade material, histórica e que tem como base a economia
política que se sustenta na divisão entre classes sociais16.
Entendemos que parte da Psicologia Política na América Latina reproduz elementos da
racionalidade burguesa. Para defender este argumento percorreremos os seguintes caminhos:
a) expor como a burguesia deixou de ser revolucionária e, a partir de sua decadência ideológica,
transformou-se numa classe reacionária e opressora; b) evidenciar a necessidade da
racionalidade burguesa na manutenção da divisão social do trabalho e de instituições como o
Estado, a democracia burocrático-partidária e a cidadania; c) analisar a influência da
racionalidade burguesa sobre a Psicologia Política na América Latina, em autores como Pablo
Fernández Christlieb, Rodríguez Kauth e Maritza Montero.
Em suma, abordaremos algumas questões teórico-metodológicas da Psicologia Política
latino-americana, apresentando suas limitações para, então, chegarmos à conclusão de que é
impossível propor e consumar uma transformação social partindo dos modelos submetidos às
tramas do pensamento burguês.

16
Aqui ressaltamos que a economia política não deve ser entendida como a ciência especializada da Economia,
mas sim como os seres humanos criam suas condições materiais para se reproduzirem tendo em vista a base
produtiva a partir da divisão social do trabalho, isto é, a divisão básica entre produtores e apropriadores da riqueza
que é socialmente produzido (Marx, 1967/2011).
63

2.4 Da decadência ideológica à racionalidade burguesa

A racionalidade burguesa iniciou-se a partir do liberalismo clássico como uma das


formas que a burguesia, até então revolucionária, encontrou para se contrapor ao Antigo
Regime feudal. A economia política clássica de Adam Smith e David Ricardo, entre os séculos
XVIII e XIX, são bons exemplos da implantação de uma elaboração objetiva, racionalizada e
necessária para a crítica das relações feudais e para estabelecer as bases teóricas que
legitimaram o nascimento de novas relações políticas e econômicas oferecidas pelo programa
de modernidade apresentado pela vanguarda burguesa (Netto & Braz, 2006). Na linha da
filosofia, Kant refletiu o pensamento revolucionário da burguesia: sua perspectiva delimitava
um posicionamento crítico favorável à nova ordem social burguesa e de oposição aos ideários
da ideologia teológica (Lacerda Jr., 2010). Contudo, da economia política clássica à filosofia
de Kant, o que esteve em jogo foi a expressão teórica de uma nova classe dominante: a
burguesia (Lacerda Jr., 2010).
Entre 1825 e 1848, a burguesia já estabelecida como classe hegemônica, mantém
elementos do Estado Absolutista e passa a combater uma nova classe emergente, o operariado.
De uma classe revolucionária que ditou todo um projeto de emancipação e transformação social,
por meio de uma cultura ilustrada, a burguesia tornou-se conservadora, reacionária e opressora
das classes desapropriadas e do operariado:
O movimento das classes sociais, naqueles anos — entre as décadas de vinte e quarenta
do século XIX —, mostra inequivocamente que estava montado um novo cenário de
confrontos: não mais entre a burguesia (que, antes, liderara o terceiro estado) e a
nobreza, mas entre a burguesia e segmentos trabalhadores, com destaque para o jovem
proletariado. Se o movimento ludista inglês fora derrotado pouco antes, a ele substituiu-
se o movimento cartista; e, no continente, avolumam-se as rebeliões e insurreições.
Todo esse processo vai explodir nas revoluções de 1848: nas convulsões que abalam a
Europa, um novo antagonismo social central agora na ordem do dia — dois
protagonistas começam a se enfrentar diretamente, a burguesia conservadora e o
proletariado revolucionário (Netto & Braz, 2006, p. 20).
A burguesia desenvolveu, intencionalmente, uma racionalização objetiva na defesa de
seus interesses como nova classe dominante. Todas as criações da burguesia passaram a
expressar a reproduzir seus interesses mercantis e de lucro. As instituições criadas pela
64

burguesia, como o Estado burguês, e mesmo a democracia, não tiveram a intenção de propor
uma emancipação humana, mas sim garantir sua hegemonia como nova classe social.
As fissuras, as contradições e a incapacidade das instituições cridas pela burguesia em
lidar com os segmentos assalariados, denotam as verdadeiras intenções por trás da emancipação
política colocada em marcha pela burguesia: aquela transfigurou-se numa manipulação,
cooptação e no enfrentamento à classe proletária. Estes foram os marcos de início da decadência
ideológica da burguesia.
No plano das ideias, 1848 assinala uma inflexão de significado histórico-universal: a
burguesia abandona os principais valores da cultura ilustrada e ingressa no ciclo da sua
decadência ideológica, caracterizado por sua incapacidade de classe para propor
alternativas emancipadoras; a herança ilustrada passa às mãos do proletariado, que se
situa, então como sujeito revolucionário (Netto & Braz, 2006, p. 20).
Lacerda Jr. (2010) afirma que a burguesia, ao deixar de portar os interesses objetivos
das massas que se envolveram nos processos revolucionários do final do século XVIII, passou
a defender seus próprios interesses tornando-se uma classe conservadora.
A racionalidade burguesa, composta por toda articulação da cultura dominante
burguesa17, criou um conjunto de práticas e expectativas para compreender o ser humano a
partir da organização social conforme as necessidades econômicas e políticas do capitalismo.
A partir de Lacerda Jr. (2010) destacamos dois projetos essenciais traçados pela
burguesia. O primeiro projeto foi de formulação de um conhecimento epistemológico que
aceita, reproduz e intensifica as deformações inerentes à divisão social do trabalho. O segundo
projeto é a continuidade de uma apologética à dinâmica do capitalismo a partir do conhecimento
científico limitado a setores parciais da realidade, assim se desconsidera a totalidade social sob
o modo de produção capitalista (Lacerda Jr., 2010). Esses dois pontos são constituintes do
paradigma que se configura e se define na racionalidade burguesa.
A decadência ideológica e seu subproduto — a racionalidade burguesa como projeto
conservador — se manifesta de maneira contraditória, ora objetivamente ora sutilmente. O que
importa dizer é que sua principal funcionalidade é a de ocultar as relações sociais sob o
capitalismo:

17
A cultura dominante burguesa é a hegemonia burguesa que é indiferente à divisão social do trabalho, assim, a
cultura, a tradição ou a hegemonia burguesa, planejou e executou um plano de dominação e exploração contra a
classe produtora; para isso, a dominação burguesa contou com o conhecimento científico como principal ideologia
como foi exposto no primeiro capítulo.
65

A função social fundamental da decadência ideológica é a de garantir a reprodução


social da ordem vigente e fazer com que a contribuição do conhecimento se reduza à
intensificação do processo de valorização do capital. Isto se manifesta das mais
diferentes maneiras no pensamento burguês: empobrecimento ou negação da razão,
fragmentação e especialização das ciências, afirmação da intuição ou da indução como
vias de produção de conhecimento etc. O que importa ressaltar é que as distintas
manifestações particulares da decadência ideológica, ao longo da história, possuem um
solo comum, não obstante a existência de diversas manifestações contraditórias
(Lacerda Jr., 2010, p. 65).
Como vimos, a decadência ideológica da burguesia colocou em marcha um plano de
racionalidade político-científico que acarretou numa tentativa de naturalização das relações
sociais sob o capitalismo. Todo o plano arquitetado pela burguesia esteve atrelado ao
desenvolvimento das forças produtivas. Com essa análise de fundo, surge a seguinte pergunta
que precisa ser respondida: como a burguesia tem conseguido manter sua racionalidade na
dominação social? Para responder a essa pergunta, temos que aprofundar nossa compreensão
sobre a divisão social do trabalho e sua consequência: o abandono da totalidade social pela
especialização do conhecimento científico.

2.5 A racionalidade burguesa e o ocultamento da real natureza da divisão social do


trabalho
A racionalidade burguesa colocou em marcha um plano de transformação das relações
sociais sob o Antigo Regime, mas teve como foco o desenvolvimento das novas relações de
produção capitalistas. Tendo em vista isso, a burguesia apropriou-se dos meios de produção,
criou o Estado burguês e fragmentou o conhecimento em setores especializados.
A racionalidade burguesa se fundamenta na desconsideração da natureza da divisão
social do trabalho. Não leva em conta a extração do mais-valor da classe produtora pela classe
dominante. Portanto, toda crítica que não ultrapasse o pensamento burguês, alicerçado na
divisão social do trabalho e na exploração da classe trabalhadora, se manterá nos limites da
sociedade e da racionalidade burguesa (Lacerda Jr., 2010).
Marx (1967/2011) ao abordar a divisão social do trabalho, ressalta que o enriquecimento
da classe dominante se dá às custas do sofrimento e empobrecimento da classe trabalhadora.
Nessa dinâmica, o trabalhador é um produto e posse do capital. A força de trabalho vendida
pelo trabalhador cria valor, ou seja, gera um valor excedente sobre o que é produzido. No
66

entanto, o capitalista paga ao trabalhador o equivalente ao valor de troca da força de trabalho,


não pelo valor que foi criado e justamente produzido por ela (Netto & Braz, 2006). Essa é a
base que constitui a exploração inerente ao modo de produção capitalista, causando sofrimento,
alienação e desumanização (Marx,1844/2008).
A divisão social do trabalho carrega a separação entre aquele que comanda e o outro
que executa a operação, e o que comanda a operação carrega as requisições do capital. Nesse
sentido, Barradas sustenta que:
O modo de produção capitalista apresenta como necessidade histórica transformar o
processo de trabalho em um “processo social” que tem como função explorar o trabalho
alheio para a produção de mais-valia, reproduzindo o objetivo de autovalorização do
capital. Nesse sentido, a forma material empreendida pelo capital dissocia as forças
espirituais dos produtores durante o processo de trabalho e ganha uma dimensão
imprescindível para se explorar o trabalho com maior êxito (Barradas, 2014, p. 123).
Com o capitalismo, as forças produtivas entram em choque com as relações de produção
que passam a ser contraditórias. Pelo avanço das forças produtivas (transformação da natureza,
desenvolvimento da capacidade humana, criação de ferramentas) submetidas ao modo de
produção capitalista, fizeram com que a divisão do trabalho se reconfigurasse18 na propriedade
privada dos meios de produção, na distribuição de renda desigual e na formação de classes
sociais antagônicas (Marx, 1867/2011).
Sobre a exploração da classe trabalhadora específica no modo de produção, aponta
Barradas (2014):
Podemos afirmar, segundo Marx, que a função social da divisão do trabalho na esfera
da produção e da divisão social do trabalho na sociedade capitalista reproduz a
exploração do capital sobre o trabalhador e consolida a apropriação privada do trabalho
alheio, fruto do processo produtivo. A divisão do trabalho capitalista é expressão da
base material que condiciona a reprodução despótica do capital enquanto relação social
dominante na fábrica e na sociedade (Barradas, 2014, p. 136-137).
Através dessa dinâmica, um processo de reificação é estabelecido. À classe que produz
os meios da existência humana, ou seja, à classe trabalhadora, não é permitido o conhecimento
sobre o seu papel fundamental dentro do conjunto das relações sociais e de classe. Assim: “a

18
Se antes a divisão social do trabalho era uma divisão naturalizada pelo sexo ou pela faixa etária, com o
capitalismo ela passa a ser conforme a necessidade e a posição da classe dominante (Viana, 2007).
67

processualidade histórica da divisão social do trabalho no capitalismo cumpre a função social


de consolidar a exploração do trabalho pelo capital” (Barradas, 2014, p. 141).
A partir da racionalidade burguesa se aceita e se reproduz as deformações decorrentes
da divisão social do trabalho. O pensamento epistemológico burguês provoca a perda de foco
das determinações causais da vida social e emergem explicações que não atingem as questões
decisivas da realidade social (Lacerda Jr., 2010).
Quando se perde de vista a totalidade social, isto é, a forma como se organiza o modo
de produção capitalista em sua determinação fundamental, o foco de atuação recai ora num
objetivismo positivista, ora em um subjetivismo idealizado. A isso se aplica um reducionismo
analítico, pois considera-se as consequências da sociabilidade capitalista e, com isso, busca-se
alternativas limitadas — como a valorização da linguagem, do inconsciente, do corpo etc. —
escapando do conflito determinante das relações sociais sob o capitalismo que é a oposição
entre o capital e o trabalho (Lacerda, 2010).
Sob o modo de produção capitalista, a divisão social do trabalho fragmentou as classes
sociais numa divisão complexa. Nesse sentido, as várias classes sociais existentes — como
burocratas, intelectuais, campesinato e comerciários — gravitam em torno de duas classes
fundamentais: que é a classe capitalista e a classe proletária (Viana, 2009). Desse modo, a luta
de classes se torna cotidiana, porque a essência do capitalismo está na extração do mais-valor
da classe trabalhadora produtiva19, determinante do modo societal capitalista. Toda a
perspectiva gnosiológica que não parte da totalidade social, isto é, que desconsidera o modo de
produção capitalista e sua divisão fundamental de classe, levará em conta o mundo criado pelos
valores da burguesia considerando os elementos isolados a partir de uma aparência fenomênica,
a-histórica e submissa à racionalidade burguesa (Lacerda jr., 2010).
Como exemplo, podemos citar os movimentos sociais que defendem a questão feminina,
do negro, ou da sexualidade, ou dos deficientes, mas que desconsideram a economia política de
classe. São movimentos que caem na submissão ao Estado e na reivindicação de direitos a partir
da ordem burguesa. Como sustenta Iasi (2017):
Não se trata da necessidade de compreender a particularidade das diversas formas de
opressão, como a questão da mulher, do negro, da sexualidade, da loucura, temas, aliás,
em que o pensamento de esquerda e o marxismo tiveram pioneirismo, mas da busca da
conexão entre essas dimensões e a totalidade em que se inserem. Nesse sentido, a

19
Marx, nas palavras de Da Silva (2017), define que nem todo trabalhador assalariado é, necessariamente, um
trabalhador produtivo, visto que nem todo trabalhador agrega ou repassa valor ao que é produzido.
68

configuração geral da consciência social de nossa época cumpre uma função que nem
sempre é visível, mesmo para os convictos militantes da “álea singular dos
acontecimentos”. Ela cumpre a função ideológica de ocultar a dimensão geral que
articula, transpassa e determina as opressões e explorações específicas, apagando os
nexos e determinações, isolando-as em suas legalidades próprias, fragmentando-as
pulverizando-as. Não se trata de um mero problema teórico: a fragmentação das
diferentes esferas da opressão e a perda de suas determinações com a ordem geral
permitem que meras alterações de forma se rearticulem em outro patamar
funcionalmente renovadas na garantia da mesma ordem contra a qual se confrontavam.
A absorção pela sociedade de mercado e pela ordem burguesa de movimentos radicais,
como a luta feminista, o movimento negro ou a rebeldia geracional de jovens, assim
como expressões organizativas da classe trabalhadora, como sindicatos, partidos e
movimentos sociais, podem demonstrar tragicamente esse princípio (Iasi, 2017, p. 36-
37).
Todas as reivindicações dos movimentos sociais que buscam direitos civis e estão
submissos à racionalidade burguesa, desconsideram a base fundamental pela qual o capitalismo
se sustenta, ou seja, a divisão social do trabalho. Sendo assim, as reivindicações fragmentadas
sempre capitulam ao Estado, à democracia burguesa e ao fortalecimento dos direitos civis sob
a ordem burguesa dominante.
Como garantia da fragmentação social oriunda da divisão social do trabalho, o trabalho
intelectual exerce a função de oposição e tem como função explorar diretamente ou
indiretamente a força de trabalho (Barrabas, 2014). Nesse sentido, é inevitável que o trabalho
intelectual, para além da execução da fábrica, tenha como função a reprodução do controle do
capital sobre o trabalho devido a ganhos secundários (como altos salários, posição de classe,
etc.) inerentes à divisão social do trabalho.
Portanto, toda crítica que não ultrapasse o pensamento burguês é um conjunto de
protestos românticos “anticapitalistas” que refletem, na verdade, as angústias resultantes das
crises do modo de produção capitalista (Lacerda jr., 2010). Trata-se de uma apologética ao
modo de organização social capitalista que se insere dentro dos limites da racionalidade
burguesa.
Nesse sentido, não é à toa que o trabalho reflexivo de grande parte dos intelectuais seja
direcionado aos fins do reformismo das instituições e da organização liberal burguesa. Sendo
assim, passemos a analisar a função do trabalho intelectual que, oriundo da especialização do
69

conhecimento científico, terá especificidades próprias numa sociedade cindida entre classes
sociais antagônicas, estando a favor da racionalidade burguesa.

2.6 O trabalho intelectual como auxiliar e reprodutor da racionalidade burguesa

Já vimos no capitulo 1 que a ciência é uma importante ideologia burguesa, pois o


cientista em sua neutralidade e objetividade tem, na sistematicidade, no método, na empiria e
na especialização do conhecimento científico, meios para se legitimar a existência da totalidade
social regida pelo capital. O cientista se coloca, na maioria das vezes, sujeito aos requisitos do
modo de produção capitalista. Sendo assim, nessa parte discutiremos o papel dos intelectuais,
que, a partir da divisão social do trabalho, assumem funções específicas e papeis sociais fixos
numa sociedade cindida entre classes sociais antagônicas.
Sendo assim, para expressar com maior precisão nosso posicionamento acerca dos
intelectuais como um setor auxiliar da classe dominante, novamente retomamos o processo de
industrialização decorrente das revoluções Industrial e Francesa como marcos na constituição
da burguesia como nova classe dominante.
Todo o conhecimento intelectual do século XVII ao XVIII, de John Locke a Emmanuel
Kant, já refletia a necessidade de manipulação da nova ordem social burguesa (Lacerda Jr.,
2010). Com a burguesia no poder, a qual uniu esforços com os resquícios do Estado Absolutista,
e com o conhecimento especializado das ciências em formação, colocou-se em marcha um
controle social na defesa dos interesses mercantis e burocráticos contra o proletariado e o
campesinato. Contudo, foi no século XIX, como sustenta Braga (2014), que intelectuais
passaram a produzir ideologias defensoras dos interesses da burguesia:
É no século XIX que emerge a intelectualidade, juntamente com o aparecimento
das instituições burguesas (organizações burocráticas), tal como a universidade, que
passa a se constituir como lócus privilegiado de formação e reprodução dessa classe
social. Portanto, a intelectualidade começa a se constituir como classe a partir do
momento em que um conjunto de indivíduos passa a se dedicar exclusivamente ao
trabalho intelectual especializado, se submetendo a um conjunto de regras
disciplinadoras e modeladoras dessa importante força de trabalho, assim como
produzindo um conjunto de ideologias (no sentido marxista do termo) legitimadora da
sociedade capitalista, de suas instituições e suas relações sociais (Braga, 2014, p. 15).
70

Nesse jogo de forças sociais originário, a oposição inconciliável entre a burguesia e o


proletariado, os intelectuais tornam-se produtores de ideologias. Uma determinação social é o
seu posicionamento de classe, que leva à busca pelo controle e pela administração do trabalho
manual (Da Silva, 2017).
Nesse sentido, Marx e Engels (1845-1846/2007) sustentam que, a partir da divisão
social do trabalho e da constituição do trabalho espiritual20, isto é, do trabalho específico dos
intelectuais, a consciência do ser social se autonomizou de suas relações sociais reais e
concretas e isso permitiu a possibilidade de legitimar a contradição entre a execução, por parte
da classe produtora, e o controle, por parte da classe dominante e seus aliados. Isso significa
que, a produção de ideias, por intelectuais posicionados fora do trabalho manual da classe
produtora, alinha-se aos interesses da classe dominante burguesa expandindo sua dominação e
exploração sob a organização capitalista.
A divisão entre trabalho manual e trabalho intelectual implica um meio de exploração
do capital ao introduzir a ciência e os estudos tecnológicos como parte da força
produtiva a serviço do capital. O processo de consolidação da divisão entre o trabalho
manual e o trabalho intelectual se consolida na produção industrial ao se buscar
incessantemente disciplinar, controlar e submeter o trabalho manual aos imperativos da
exploração do capital (Barrabas, 2014, p. 143).
Como classe improdutiva que não agrega mais-valor à produção de mercadorias,
logicamente porque não produz mercadorias por um quantum de trabalho manual (Braga, 2014;
Da Silva, 2017), os intelectuais recebem seus salários devido a repartição do mais-valor global
extraído do proletariado. Nesse sentido, seus interesses imediatos fazem parecer que suas ideias
são a fonte de seu próprio sustento, mas para manter sua posição privilegiada alinham-se com
a classe que detém os meios materiais (Marx & Engels, 1845-1846/2007).
Sobre os intelectuais, Da Silva (2017) afirma que grande parte deve negar a
possibilidade real de transformação radical do conjunto das relações sociais, porque seus
privilégios são oriundos da divisão social do trabalho. Intelectuais são avessos a uma verdadeira
transformação radical da sociedade capitalista para uma sociedade comunista, porque nesta a
sua existência não é mais necessária.

20
Na ideologia alemã, Marx não se refere ao trabalho intelectual como classe especializada e fixa a favor do
capitalismo, no entanto é clara a proposição do autor ao se referir ao trabalho espiritual (ou intelectual) como
consequência da divisão social do trabalho na construção de ideologias. O surgimento da classe intelectual a partir
de papeis fixos, da especialização do conhecimento e da submissão a regras disciplinadoras e modeladores dessa
classe, se deram no final do século XIX e Marx já tinha escrito a obra citada.
71

Como seu papel social garante certos privilégios, a atividade intelectual, dentro da
especialização do conhecimento científico, mantém suas necessidades e interesses de classe por
meio de críticas que não ultrapassam setores parciais da realidade e que capitulam à
racionalidade burguesa. Suas críticas gravitam em torno de reformismos ou reivindicações
através de instituições burocráticas e pela luta “democrática” que tem como objetivo fortalecer
a sociedade civil e não abolir a sociedade capitalista.
Conforme sustenta Braga (2014), os intelectuais tendem a desenvolver um papel distinto
da classe trabalhadora manual. Seu modo de vida (suas próprias condições sociais, seus
interesses e valores) demanda uma atividade que apenas regula as relações sociais:
A atividade da intelectualidade, devido ao papel que ela ocupa na divisão social
do trabalho, produz um modo de vida que lhe é comum, típico daqueles que a exercem
cotidianamente. Esse modo de vida coage ao cumprimento de certas regras e normas
burocráticas específicas, gera necessidades próprias, se organiza de forma
corporativista, estabelece ligação com outras instituições, tais como editoras, centros de
pesquisa e financiamento de pesquisas, em muitos casos estabelece vínculos com
sindicatos, partidos políticos e com o próprio Estado. Essas ligações aliadas às
necessidades da intelectualidade acabam por padronizar
um modo de vida, um conjunto de valores e representações típicas dos indivíduos que
ocupam essa função na sociedade (Braga, 2014, p. 18).
Entendendo que o trabalho intelectual, a partir da divisão social do trabalho, é necessário
ao controle do trabalho manual para a extração do mais-valor (Lessa, 2007), as críticas a partir
da atividade fixa e classista intelectual, não ultrapassam os limites da sociedade burguesa.
Contudo, todo indivíduo possui uma autonomia com relação aos papeis fixos, valores
e interesses condicionados pelo pertencimento de sua classe. E devido sua formação pessoal,
experiências anteriores, ou pertencimento anterior à classe explorada, esse mesmo indivíduo
pode assumir outros papeis sociais mesmo adquirindo uma ascensão social e se tornando
pertencente à intelectualidade (Braga, 2014; Da Silva, 2017). Nesse sentido, há entre os
intelectuais, um pequeno número de indivíduos que, devido ao seu processo histórico de vida e
formação pessoal, acabam por assumir um posicionamento crítico às ideologias e uma
perspectiva radical de transformação e revolução social (Braga, 2014; Da Silva, 2017).
Todavia esse não é o caso de grande parte da força intelectual construtora das bases
teóricas da Psicologia Política latino-americana. Isso porque grande parte dessa força
intelectual, além de não reconhecer a divisão social do trabalho, parte de críticas propositivas
72

ao fortalecimento da sociedade civil (e da racionalidade burguesa) por meio de análises liberais


que demarcam a legalidade de universais abstratos — como a luta pela “democracia” —, e não
de uma prática revolucionária de classe extraída do poder popular. Nesse sentido, Lacerda Jr.
(2016) critica a presença na Psicologia Política latino-americana de crenças em universais
abstratos que teriam como função ocultar as contradições sociais inerentes ao modo de
produção capitalista. O autor sustenta que a crítica liberal às instituições burguesas (democracia,
Estado, cidadania, políticas públicas, etc.) pela Psicologia Política latino-americana tem como
função a manutenção do ordenamento social, pois focam o regime político e não na luta de
classes.
A manutenção do ordenamento social, segundo os interesses da racionalidade burguesa,
seria garantida, em parte pela Psicologia Política latino-americana, estando esta atravessada
pelo campo analítico da episteme burguesa21. Para que fique claro esta nossa asserção, cabe
discutir a presença do pensamento burguês em algumas obras da Psicologia Política latino-
americana, apresentando sua apologética à racionalidade burguesa.

2.7 Psicologia Política latino-americana e sua apologética à racionalidade burguesa

A geopolítica da América latina abriu um espaço teórico-metodológico singular para a


Psicologia Política. No entanto, isso não evitou que autores partissem da racionalidade burguesa
e cultivassem em suas análises críticas alguns dos pressupostos analíticos da episteme burguesa.
A Psicologia Política latino-americana teve um desenvolvimento histórico marcado por
um posicionamento crítico, quando comparada com a Psicologia Política dominante — tanto
norte-americana como europeia. Tal posicionamento crítico, produziu independência teórico-
metodológica e um posicionamento de contraposição ao papel político e asséptico da Psicologia
Política dominante.
Pretendemos, a partir da perspectiva marxista, contribuir para o avanço da Psicologia
Política da América Latina. Exporemos a existência de uma tendência à racionalidade burguesa
em algumas produções da Psicologia Política latino-americana. Trabalhos nos quais não há uma
análise psicopolítica que: 1) parte da divisão social do trabalho e considere a prática

21
O modo de produção capitalista gera uma sociabilidade e uma mentalidade que se cristaliza e se solidifica nas
formas de consciência formadas pela hegemônica episteme e racionalidade burguesa condicionada por esse modo
de produção; nesse sentido, nossos valores, nossa linguagem, nossa percepção e nossa capacidade de análise
tendem a ser formadas a partir do pensamento burguês (Viana, 2018). Neste trabalho nos ocupamos da presença
subjacente do campo analítico burguês na Psicologia Política latino-americana, que consome uma apologética à
racionalidade e ao pensamento burguês.
73

revolucionária da classe proletária; 2) articule os regimes políticos que regulam a sociedade


civil com o modo de produção capitalista; 3) se desenvolve no campo analítico materialista-
dialético, pelo qual se abre uma posição radical de crítica e de orientação prática contra a
sociedade burguesa.
Para sustentar nosso argumento, analisaremos sinteticamente algumas produções, a
saber: Considerações teórico-metodológicas sobre la Psicologia Política de Pablo Fernandez
Christlieb; La Psicologia social y la Psicologia politica latinoamericana: ayer y hoy do autor
Angel Rodríguez Kauth;e, por último, ¿Para qué Psicología Política? de Maritza Montero.
Vale ressaltar que nossos apontamentos se referem a trabalhos isolados que não definem
os autores em sua totalidade teórica. Mas os trabalhos revelam que há, mesmo na perspectiva
crítica da Psicologia Política latino-americana, a presença do pensamento burguês numa
apologética ao capitalismo.
Nosso primeiro exemplo, é o trabalho de Pablo Fernández Christlieb (1987), o autor
enumera alguns pontos teóricos-metodológicos importantes sobre a Psicologia Política na
América Latina. Segundo ele, a Psicologia Política seria indistinta, em sua teoria e método, de
uma Psicologia social situada e aplicada no contexto da América Latina. Assim o autor destaca
pontos essenciais para que a Psicologia Política, como uma Psicologia social, parta da realidade
da América Latina.
O primeiro ponto destacado pelo autor é a necessidade de partir da própria realidade
imediata e em constante transformação da América Latina, tendo em vista a construção de
teorias psicopolíticas. O segundo ponto é a necessidade de uma Psicologia Política que abarca
a totalidade social e não se delimita como campo especializado e naturalmente despolitizado.
Em terceiro lugar, há a ênfase no estudo do ideológico nos níveis intergrupal, interindividual e
intraindividual. Em seguida, o autor destaca a incorporação da crítica no campo conceitual. O
quinto e último ponto é a necessidade de entender a prática do psicólogo político como um
protagonista social e não como um seguidor ou reprodutor de cânones metodológicos
(Christlieb, 1987).
Nesta esteira, Christlieb (1987) critica a Psicologia Política latino-americana pela
submissão aos paradigmas científicos de cânones teórico-metodológicos pertencentes a outras
realidades. A Psicologia Política é colocada, pelo autor, como um sistema de interpretação que
possibilita explicar campos da realidade social e delinear possibilidades de ação voltados à
vontade e ação humana.
74

Christlieb (1987) ainda aborda, de maneira crítica, os diferentes significados que o


termo “Psicologia política” representa teoricamente. Na visão do autor, o termo “Psicologia
política” abarca desde uma assessoria profissional a sindicatos, partidos ou programas sociais,
até uma orientação freudo-marxista, estruturalista ou existencialista sobre a sociedade,
passando pela análise de fenômenos políticos e psicológicos que englobam atitudes eleitorais,
impacto da publicidade e estudo de personalidades de lideranças políticas.
O autor afirma que a Psicologia Política deve se ocupar da transformação social
intersubjetiva que envolve o espaço público e o privado. Os processos intersubjetivos são
compostos pelos níveis intraindividual, interpessoal e civil. Há uma vinculação entre o nível
intraindividual (processos inconscientes ou conscientes, identificações, etc.) com o nível civil
(espaço público e espaço privado). A dinâmica intersubjetiva é formada a partir da esfera
pública e os processos ideológicos convertem o intraindividual e o interpessoal em dinâmicas
restritas ao espaço privado de experiências particulares que parecem invalidar o social
(Christlieb, 1987).
Assim, a ideologia, segundo Christlieb (1987), é entendida como descrição psicossocial
de “degradação simbólica”, isto é, certos símbolos perdem o significado e perdem seu valor de
experiência real e social, tornam-se meras palavras sem significação pública.
Para Christlieb (1987), à Psicologia Política cabe operar no campo da intersubjetividade:
“Se puede antecipar aquí que la función u objetivo de la psicología política es el análisis de las
posibilidades de enriquecer la calidad comunicativa dentro de una sociedad, esto es, ensanchar
la intersubjetividad” (Christlieb, 1987, p. 84).
Na visão do autor, a Psicologia Política analisa os processos ideológicos reduzidos ao
campo intraindividual, comunicacional e civil. A Psicologia política, nesse sentido, se isenta da
totalidade social e das contradições de classe e adentra nas relações intersubjetivas para
promover uma politização crítica da vida pública contra a cooptação desta pelos interesses do
espaço privado.
Em seu estudo sobre a especificidade da Psicologia Política latino-americana, Rodríguez
Kauth (2001) enfatiza que ela não pode se submeter à dominação dos paradigmas da ciência
euro-estadunidense, os quais marcaram a Psicologia social. O autor argentino destaca uma
revolução no campo científico a partir do momento em que a Psicologia Política passa a
considerar os acontecimentos sociais indo além da tradicional opção por pesquisas eleitorais.
A Psicologia política, indo além da Psicologia social tradicional e não reproduzindo
teorias e métodos anacrônicos e descontextualizados, seria um projeto para analisar fenômenos
75

como: a desesperança na política, a participação social e política, as influências dos meios de


comunicação de massa e o papel do Estado nas questões elementares da sociedade:
El investigador que pretenda hacer la Psicología Política que proponemos debe ir más
allá en su proyecto investigador –aunque a las empresas no les interese en lo inmediato.
Debe dedicar parte de su tiempo a profundizar las relaciones existentes entre los
fenómenos a estudiar que le encargan, con otro tipo de variables, tales como la
desesperanza, la participación social y política, la exposición a la influencia de los
medios masivos de comunicación, la tolerancia/intolerancia política, racial y religiosa,
la percepción de fenómenos políticos como la corrupción, el papel del Estado en sus
obligaciones elementales y tantos otros aspectos que convierten estos estudios en
macropsicosociales. Es obvio que esto no implica dejar de lado los aspectos referidos al
estudio e investigación de características psicológicas –individuales y de
micropsicosociología– que se realicen con el trabajo en pequeños grupos o con historias
de casos (Kauth, 2001, p. 47).
Para Rodríguez Kauth (2001) a Psicologia Política não tem um espaço específico
próprio, sendo um campo difuso e que pode se inserir nos campos jurídico, educacional ou
organizacional etc., desde que reconheça as relações de poder que atuam nesses espaços:
Entendemos que su espacio será todo aquel ámbito en que se haga un quehacer
psicológico, ya sea educacional, laboral, organizacional, judicial, vocacional, etc.; la
Psicología Política no tiene un espacio específico y absolutamente propio. Por esta
razón, en todos los espacios donde se manifiestan las relaciones de poder, y donde se
expresan sus contradicciones, no solamente entre los que mandan y los que obedecen,
sino también en el interior de cada uno de los sectores, son ámbitos de aplicación de ésta
nueva forma de concebir la psicología (Kauth, 2001, p. 49).
Identificamos certos limites na posição de Rodríguez Kauth acerca da Psicologia
Política latino-americana. Suas considerações sobre a “desesperança na política,” as
“influências dos meios de comunicação de massa”. “o papel do Estado” e a separação entre o
espaço macro e o micro, são elementos particulares e separados de uma totalidade social e não
remetem ao modo de produção capitalista. Nesse sentido, a proposta do autor não questiona se
o campo jurídico, educacional ou organizacional são instituições que procuram defender os
interesses da classe dominante e regular as lutas de classes, mas apenas como campos isolados,
nos quais ocorrem abstratas relações de poder.
76

Por sua vez, Montero (2009) afirma a Psicologia Política latino-americana como espaço
multidisciplinar, que se ocupa da análise e da descrição de fenômenos da vida pública,
mecanismos de poder e relações de força. A autora entende que o papel da Psicologia Política
latino-americana é o de realizar uma denúncia crítica para construir uma melhor sociedade na
luta pelos direitos humanos, pela democracia e pela vida:
Para mantener activa la condición dinámica y cambiante de la sociedad, contribuyendo
con una mirada crítica a la construcción de esa sociedad que
siempre se desea mejor, que siempre puede y debe ser mejor Para no permitir el olvido
y a la vez para generar la conciencia de la fuerza y de la debilidad y de la necesidad de
cambiar. Para ejercitar la memoria colectiva y la creatividad colectiva e individual. Para
mantener la búsqueda continua de un mundo mejor para todos los seres humanos. Hacer
la utopía a partir de utopías que crean nuevas utopías generando la esperanza motivante
y positiva… Para permitir la diversidad en todos los campos de la vida social, sin
reservas ni resquemores, sin culpa y sin vergüenza. Sin ser objeto de castigo. Por la
libertad. Para la democracia. Por la vida (Montero, 2009, p. 211).
Todavia, vemos como problemática a ideia de colocar a Psicologia Política latino-
americana como espaço teórico-metodológico multidisciplinar, assim como não partilhamos da
ideia de reduzir a Psicologia Política à luta por uma suposta democracia sem superar as lutas de
classes.
Com relação ao espaço multidisciplinar da Psicologia Política latino-americana,
problematizamos a prática de disciplinas fragmentadas conforme a especialização da ciência
como ideologia, fruto da divisão entre trabalho manual e intelectual. A defesa da
multidisciplinaridade trata dos efeitos aparentes, ocultando as verdadeiras contradições sociais
entre as classes sociais que são antagônicas a partir das relações na produção.
Já a luta pela democracia que a autora sustenta é irrealizável sem a abolição de uma
sociedade formada por classes sociais antagônicas. É impossível uma verdadeira democracia
numa sociedade em que o povo aguarda por concessões de uma minoria dominante.
Portanto, nos trabalhos citados aqui, percebemos a presença do pensamento burguês,
porque não analisam as raízes estruturais da divisão social do trabalho e não concluem em favor
do papel da classe trabalhadora como classe revolucionária. Processos políticos como
democracia e participação na política são entendidos como direitos políticos e dissociados do
modo de produção capitalista.
77

Em síntese, os trabalhos de Christlieb, Rodríguez Kauth e Montero não colocam no foco


de suas análises a luta de classes, isto é, a contradição central do modo de produção capitalista
e dos processos políticos na sociedade burguesa.
Conforme Lacerda Jr. (2010) com a perda da totalidade social, perde-se as causas
determinantes da vida social e são criadas explicações abstratas que não atingem as questões
decisivas do ser social em suas relações sociais concretas. Por esta via, a Psicologia Política
latino-americana toma como principal meta de análise as consequências e efeitos do modo de
produção capitalista eliminando a luta de classes por uma luta política dentro da própria
racionalidade burguesa.
Portanto, a produção teórica da Psicologia Política latino-americana é um campo difuso
e interdisciplinar. Dele aparecem análises reduzidas às relações intersubjetivas, que dissociam
elementos macrossociais e microssociais ou que naturalizam os marcos da legalidade política
da sociedade burguesa. Em todos os casos citados, brotam propostas reformistas que não
apresentam as determinações reais e concretas das relações de poder e dominação entre classes.
78

3. Psicologia Política latino-americana e marxismo: da crítica marxista às


ações de transformação e emancipação social

No segundo capítulo, vimos uma breve história da América Latina submetida à


acumulação capitalista, também abordamos a história da Psicologia Política na América Latina
e problematizamos alguns exemplos da Psicologia Política latino-americana por não abordarem
a contradição central do modo de produção capitalista: a luta de classes.
Já foi exposto que grande parte da Psicologia Política latino-americana apresentou
críticas essenciais para pensar a realidade da América Latina. Contudo, uma parte das
produções teóricas e metodológicas da Psicologia Política latino-americana é indiferente em
relação à divisão social do trabalho, da luta de classes e não considerou o proletariado como
classe revolucionária. Pois quando naturaliza os marcos da democracia burguesa, a Psicologia
Política latino-americana, no máximo, buscou atingir a emancipação política concedida e
idealizada pela racionalidade burguesa. No entanto, é necessário romper com os limites de uma
emancipação política capitulada pela racionalidade burguesa. Pensamos que a superação desses
problemas é possível por meio de uma articulação da Psicologia Política com o marxismo.
Abordaremos as possíveis articulações entre a Psicologia e o marxismo no contexto
geopolítico da América Latina para, então, discutir brevemente a presença do Marxismo na
América Latina. Por fim, faremos uma discussão teórica sobre a Psicologia Política latino-
americana articulada com o marxismo.

3.1 Psicologia e Marxismo: da geopolítica latino-americana às necessidades do marxismo

Como ciência burguesa, a Psicologia cumpriu um papel de fortalecer a engenharia e o


controle social. Assumiu um papel contrarrevolucionário, pois transferiu para o indivíduo
processos de origem social e estrutural. A Psicologia dominante reproduziu o individualismo,
o direito burguês e a propriedade privada operando como antídoto reacionário contra a
transformação das relações sociais entre classes. No entanto, a Psicologia também expressa em
seu interior as lutas ideológicas, pois ela se materializa pela ação de homens e mulheres que,
em sua prática profissional (e de classe), pode ser favorável ou contrário à ordem dominante.
O marxismo, como expressão teórica do movimento operário e anatomia da sociedade
burguesa, desde seu início foi apresentado por Marx (1867/2011) como força revolucionária
79

contra a dominação do capitalismo burguês. No entanto, isso não impediu que fosse cooptado
por diferentes grupos ou teóricos que extraíram da teoria marxista diferentes direcionamentos.
Assim como há diferentes projetos de Psicologias, construídos historicamente por seres
concretos, sociais e valorativos, o marxismo se revelou na história a partir de projetos teórico-
metodológicos distintos. Muitas versões do Marxismo não contribuem para compreender a
gênese, a consolidação e o desenvolvimento das inerentes crises da sociedade burguesa em seu
modo de produção capitalista (Lacerda Jr., 2018).
Por meio de uma leitura ontológica do pensamento de Marx, Lacerda Jr. (2018) expõe
como o centro do pensamento de Marx é a anatomia da sociedade burguesa. Ante isso, “a
atualidade do pensamento marxiano não depende de sua relação com o aparato estatal ou
partidário e também não depende de critérios positivistas de ciência” (Lacerda Jr., 2018, p. 23).
Descrevendo a relação entre Psicologia e Marxismo, Lacerda Jr., (2018) apresenta
formas de articulação que vão desde uma Psicologia contra o Marxismo, (ou Marxismo contra
a Psicologia), a uma necessária relação dialética entre o Marxismo e a Psicologia.
Na primeira forma, Psicologia e Marxismo seriam termos excludentes entre si. Nas
propostas psicologistas que desqualificam o Marxismo, há a afirmação da subjetividade como
uma instância isolada das determinações sociais. Já as críticas que separam o Marxismo da
Psicologia incluem tanto críticas provenientes de um marxismo ortodoxo, dogmático e não
dialético. Posição que predominou após a glorificação da reflexologia materialista-mecanicista,
a partir da hegemonia stalinista, após a morte de Lenin22. Há ainda, um outro tipo de crítica que
não concilia o Marxismo e a Psicologia, mas que é muito distinta da crítica stalinista:
Uma tese especialmente importante nesta vertente crítica é a que argumenta a
impossibilidade de diálogo entre Marxismo e Psicologia a partir das análises de Lukács.
Assim, se o marxismo se caracteriza, justamente, por buscar explicar o movimento da
totalidade (LUKÁCS, 1968/2012), então toda e qualquer teoria (seja a Psicologia, seja
a sociologia) que fragmenta a realidade social é uma mistificação da vida
contemporânea. Por isso, argumenta-se que não é possível desenvolver uma Psicologia
Marxista, pois ela necessariamente parte da fragmentação da totalidade (YAMAMOTO,
1987) (Lacerda Jr., 2018, 25).

22
A revolução de 1917 e a derrubada do czarismo autocrático levou Lênin ao poder e isso cooperou bastante com
as pesquisas de vários fisiologistas materialistas russos que antes não foram bem vistos pelos czares que presavam
por uma tradição religiosa e metafísica; indo ao encontro da ideologia socialista, Lênin apoiou pesquisas com
metodologias totalmente materialistas unindo-as com propostas que fortaleceram o marxismo ortodoxo, sendo
construído até mesmo uma cidade conhecida como a Cidade da Ciência (Júnior; Lopes; Cirino, 2015).
80

Em outras formas de articular o Marxismo e a Psicologia, aquele passou a ser apropriado


por psicólogos e psicólogas que em suas relações sociais concretas transformaram a Psicologia
numa ferramenta de luta, conscientização e transformação social para subverter a ordem da
classe dominante. Esse novo posicionamento da Psicologia, como uma ferramenta para a
transformação social e emancipação das maiorias populares, só foi possível através de uma
articulação dialética entre a Psicologia e a crítica marxista.
A partir de diferentes contextos sociais de luta pela transformação social, foi possível
uma relação dialética entre o Marxismo e a Psicologia. Mesmo sendo vistos e mantidos como
campos necessariamente delimitados em seu espaço teórico, se abriram para um diálogo com
fim de insurgência contra a ordem da classe dominante (Lacerda Jr., 2018).
Predominantemente, houve um processo de apropriação do marxismo pela Psicologia.
Em outras palavras, a intensificação das lutas sociais em contextos nos quais o
marxismo era uma referência importante para militantes socialistas, fez com que
psicólogas e psicólogos buscassem nos textos marxistas um ponto de partida para
criticar a Psicologia e a realidade existente e construir novas propostas teóricas e
profissionais (Lacerda Jr., 2018, 26).
Como vimos, Marx (1867/2011) já tinha denunciado a exploração colonizadora imposta
à América Latina desde o século XVI. O autor expôs como a colonização foi uma das causas
de toda a revolução industrial e progressista da Europa, isto é, a violência do sistema colonial
foi a parteira do progresso e da mudança do modo de produção feudal ao capitalista.
Entendendo o capitalismo como uma relação mundial, o marxismo descreveu a divisão
internacional do trabalho (Marx, 1985) introduzindo a compreensão sobre o desenvolvimento
desigual e combinado, onde o subdesenvolvimento e a dependência política foi (é) mantida por
oligarquias nacionais submissas às burguesias externas.
Portanto, tal como foi afirmado anteriormente, é impossível compreender a história real
da América Latina sem levar em conta suas condições materiais, políticas e econômicas. Para
isso, a teoria marxista é indispensável.

3.2 História do Marxismo na América Latina

Michael Lowy (2007) apresenta a história do marxismo na América latina dividida em


três períodos. O primeiro período revolucionário que começa em meados dos anos 1920 e 1930
e teve como grande expressão a insurgência salvadorenha de 1932 de caráter democrático-
81

socialista e anti-imperialista. O segundo período é marcado pela hegemonia soviético-stalinista


que ocorreu entre os anos 1930 e 1959. O terceiro período começa no ano da Revolução Cubana,
1959, expressando lutas radicais contra a subordinação ao capitalismo.
Leituras eurocêntricas e estalinistas do Marxismo pensavam a mudança na América
Latina por meio de uma evolução por etapas históricas. Tais leituras destacavam a necessidade
da industrialização para superar o atraso e supostos elementos feudais existentes na América
Latina. Löwy (2007) menciona vários autores que se posicionaram contra essas teorias e
destacaram que a miséria, o atraso e a subordinação da América Latina não resultavam de
características agrário-feudais, mas da posição particular que a América Latina ocupa no
capitalismo.
Al analizar la estructura de las relaciones productivas, varios investigadores marxistas
de las décadas de 1940 a 1950, como Caio Prado Jr., Sergio Bagú o Marcelo Segall,
negaron que las formaciones sociales latinoamericanas hubiesen sido originalmente
versiones locales del feudalismo europeo. Partiendo de esas investigaciones, André
Gunder Frank, Luis Vitale y otros desarrollaron un análisis de la dimensión
específicamente capitalista de la estructura productiva latinoamericana y de su
combinación con las formas pre-capitalistas, enfatizando que la evolución de sus etapas
socioeconómicas no fue idéntica a aquella vivida por Europa desde la Edad Media hasta
la era del capitalismo industrial. Al demostrar que la causa del subdesarrollo, de la
desigualdad regional y de la profunda miseria del campesinado no es el feudalismo, pero
sí el carácter particular que el capitalismo asumió en América Latina (formas coloniales
y, después, semicoloniales o dependientes), esos autores critican la tesis eurocéntrica
sobre la dimensión antifeudal del desarrollo del capitalismo en América Latina (Lowy,
2007, p. 12).
As primeiras introduções do marxismo na América Latina se deram por meio de
imigrantes alemães, italianos e espanhóis por volta do século XIX e especialmente a partir do
início do século XX. Essas ideias influenciaram Bolívar na Venezuela, San Martín na
Argentina, Zapata no México, Martí em El Salvador e Sandino na Nicarágua que mesclaram a
perspectiva socialista, o marxismo e o anarquismo com a cultura indígena, africana e o
cristianismo nas lutas contra a opressão colonial e imperialista (Semeraro, 2009). Assim:
“quando se procura entender a construção do socialismo latino-americano não se pode
prescindir da compenetração de elementos indígenas, étnicos, religiosos, culturais e nacionais
com as teorias marxistas e as ideias iluministas” (Semeraro, 2007, p. 128).
82

No final do século XIX surgiram os primeiros partidos operários, os primeiros


pensadores com perspectiva marxista e o primeiro Partido Socialista formado na Argentina por
Juan B. Justo23, sucedido pelo Partido dos Trabalhadores do Chile em 1912 (Lowy, 2007).
Uma figura que se destaca pela formulação de um marxismo correspondente com as
especificidades da América Latina composta pelos povos indígenas foi José Carlos Mariátegui:
Mariátegui (1928/2010), em Sete ensaios de interpretação da realidade peruana,
elabora a primeira tentativa de análise marxista da realidade concreta de seu país.
Utiliza, pois, o marxismo, considerando a realidade nacional de tradições milenares de
seus povos indígenas, estendível para os demais países andinos. Ou seja, para além do
sujeito revolucionário operariado típico da Europa no momento das elaborações
marxianas, ele complementa com o indígena. Vestígios de “comunismo inca”
facilitariam a via socialista, tendo em vista o histórico de socialização dos meios de
produção (propriedade coletiva da terra), bem como do trabalho social. Para ele, classes
sociais, propriedade dos meios de produção, imperialismo, dentre outras, eram,
portanto, categorias aplicáveis à compreensão daquela realidade, desde que
consideradas em suas especificidades (Valença, 2016, p. 182).
Löwy (2007) também ressalta a importância de Mariátegui na divulgação do Marxismo
na América Latina:
Esa síntesis dialéctica entre lo universal y lo particular, entre lo internacional y lo
latinoamericano, inspira también la obra de José Carlos Mariátegui (1894-1930),
indudablemente el pensador marxista más vigoroso y original que América Latina haya
conocido. Escritor y periodista, Mariátegui se convirtió al socialismo en 1919 y
descubrió el marxismo y el comunismo durante una larga estadía en Europa (1920-
1923), particularmente en Italia. Al regresar a Perú, se integró al movimiento de los
trabajadores y participó activamente del establecimiento de sindicatos de los
trabajadores industriales y agrícolas. En 1926 fundó la revista Amauta, que reunió a su
alrededor a la vanguardia cultural y política del Perú y de América Latina: también
publicó numerosos textos literarios y políticos europeos (Breton, Gorki, Lenin, Marx,
Rosa Luxemburgo, Romain Rolland, Ernst Toller, León Trotski). En 1927, Mariátegui
participó del Congreso de la Federación de los Trabajadores de Lima, cuyos delegados

23
Juan B. Justo foi o responsável pela primeira tradução em espanhol do livro O capital de Marx e esteve associado
a II Internacional, na divulgação do movimento operário e do socialismo.
83

fueron encarcelados por el gobierno y acusados de montar una “conspiración


comunista” (Löwy, 2007, p. 17-18).
As burguesias latino-americanas, mantidas pelo imperialismo norte-americano, foram
combatidas por insurgentes e subversivos que empreenderam esforços contra a ordem
dominante no período do imperialismo. A partir da segunda metade do século XX, houve uma
grande influência do stalinismo sobre os partidos comunistas na América Latina. Essa
influência, em grande medida, provocou uma hierarquização e uma burocratização do
funcionamento dos partidos e a reprodução acrítica de políticas e concepções teóricas do
stalinismo. Segundo Löwy (2007, p. 38):
En respuesta –y siguiendo la nueva orientación de la URSS–, los PC latinoamericanos
renovaron sus credenciales antiimperialistas y, hasta cierto punto, reanudaron la lucha
de clase contra las burguesías. Durante el período de la Guerra Fría se dio lugar a un
nuevo giro “izquierdista” del comunismo pro-soviético en América Latina. No obstante,
al contrario de 1929-35, ninguna acción revolucionaria de masas fue liderada por los
partidos comunistas y, más importante aun, ese nuevo cambio no amenazó en nada el
fundamento esencial de su estrategia para el continente: La interpretación stalinista del
marxismo, la teoría de la revolución por etapas y del bloque de las cuatro clases para la
realización de la revolución nacional-democrática.
Sob forte influência do stalinismo, o movimento comunista latino-americano acreditava
numa revolução social que viria depois de certas etapas. Grande parte dos partidos de esquerda
concebiam os países da América Latina como estados marcados por elementos feudais.
Seguindo essa visão, seria necessário realizar acordos entre as classes trabalhadoras e as
burguesias nacionais para se realizar revoluções democráticas que produziriam industrialização
e modernização. Somente depois disso, poder-se-ia defender o socialismo. No entanto, o
etapismo demonstrou ser ineficaz para transformar a América Latina radicalmente ao
socialismo e, muitas vezes, preparou derrotas para a classe trabalhadora (Löwy, 2007).
Combatendo o capitalismo imperialista e se diferenciando do stalinismo, a revolução
cubana demonstrou ser, de fato, uma revolução socialista. “A revolução cubana obviamente
consistiu numa grande mudança na história do marxismo latino-americano e na própria história
da América Latina” (Lowy, 2007, p. 45. Tradução nossa).
A Revolução Cubana demonstrou a necessidade de uma ofensiva na luta contra o
imperialismo. Para além de uma “resistência” que fica em posição passiva ante as atitudes do
84

opressor. Contra a violência deste, não há nada mais natural do que a defesa do oprimido pela
via da violência (Fanon, 1968).
Foi, portanto, Cuba quem abriu uma possibilidade inédita para a América, com uma
revolução tão grandiosa quanto a francesa, a russa e a chinesa, consideradas as modestas
dimensões do seu território e a localização geográfica às portas do império americano
(Semeraro, 2009, 129).
Nesse sentido, Löwy (2007) destaca que as ações e o pensamento de Che Guevara, ao
não se alinhar com as burguesias nacionais, iniciou uma nova proposta revolucionária marxista
na América Latina.
Che Guevara propôs um socialismo solidário, prático e de luta social. Sua posição se
contrapôs ao socialismo real soviético e lutou, junto com os camponeses, contra as burguesias
nacionais e o imperialismo. A Revolução Cubana abriu novos caminhos para a América Latina:
Una nueva etapa en el desarrollo del guevarismo –utilizamos este término para definir
la nueva corriente guerrillera después de la muerte de Che Guevara–, caracterizada
particularmente por el desarrollo de movimientos guerrilleros urbanos con considerable
impacto político, tuvo inicio después de 1968. Estos incluían al Movimiento de
Liberación Nacional – Tupamaros (liderado por Raúl Sendic) en Uruguay, el PRT-ERP
(Partido Revolucionario de los Trabajadores - Ejército del Pueblo, liderado por Roberto
Santucho) en Argentina, la ALN (Acción Libertadora Nacional, liderada por Carlos
Marighella) y el MR-8 (Movimiento Revolucionario 8 de Octubre, liderado por el
capitán Carlos Lamarca) en Brasil, y el MIR (liderado por Miguel Enríquez) en Chile.
Aunque tuviesen bases en el campo, esos movimientos eran fundamentalmente urbanos.
Encontraron apoyo significativo en medios estudiantiles e intelectuales y, en menor
grado, en las poblaciones pobres y en ciertos sectores radicalizados de la clase obrera
(Lowy, 2007, p. 50).
Com todo esse percurso histórico sobre o marxismo na América Latina, destacamos dois
pontos centrais: 1) o atraso econômico, social e político vivenciado pelos países da América
Latina não se dá pela permanência do feudalismo, mas a desumanização, a perda da memória
histórica e a desigualdade social da América Latina resulta da colonização e da dependência;
2) é impossível a transformação e a emancipação da América Latina sem ruptura revolucionária
e marcada pelo reformismo por meio do estado burguês.
O marxismo descreveu e criticou a dinâmica de lutas sociais entre classes, desvelando
os planos, as metas e os meios da burguesia como nova classe dominante e opressora.
85

No entanto, resgatando as raízes do capitalismo na América Latina, percebemos que


aqui existe uma ordem com especificidades resultantes da história de colonização e de
emergência de uma classe operária distinta da classe operária europeia. O marxismo na América
Latina necessita ser melhor compreendido sob a perspectiva da América Latina, porque as
burguesias na América Latina assassinam o proletariado pela via direta das forças militares ou
paramilitares, ou pela exploração intensa nas fábricas e nos locais de trabalho.
Também na América Latina surgiu uma tradição marxista que foi marcada pela união
das lutas da classe trabalhadora com movimentos indígenas, religiosos, estudantis que uniu
forças em determinados momentos sociais contra a opressão do capitalismo (Löwy, 2007).
Assim, se o marxismo apresenta um caminho para a transformação social na América
Latina, cabe à Psicologia Política latino-americana se apossar das orientações marxistas como
campo teórico-metodológico e revolucionário. Nesse sentido, vale destacarmos a perspectiva
teórica de Ignácio Martín-Baró, que sob influência da episteme marxista, redefiniu a Psicologia
conforme as necessidades da América Latina.

3.3 Psicologia Política latino-americana e marxismo: uma produção teórica de orientação


prática-revolucionária

O método marxista, como vimos, é a dialética materialista, método que possibilita


compreender a realidade e as relações sociais concretas, a partir do processo produtivo
capitalista como modo de produção dominante (Viana, 2007). Sobre o método marxista, Netto
(2011) sustenta que: a) analisa as contradições da sociedade capitalista e b) produz um
conhecimento teórico que é reprodução ideal do movimento do real, isto é, apreende a estrutura
e a dinâmica do objeto pesquisado.
Numa proposta de síntese, a teoria marxista é a reprodução ideal retirada do movimento
real, e a percepção do movimento real é dada pela análise histórica e material conforme as
condições dadas pelo modo de produção capitalista, onde este determina o ser social em suas
relações sociais concretas.
Nesse sentido, o marxismo apreende a totalidade pela análise histórica. Sobre a
totalidade, Viana (2018) afirma:
A totalidade é uma das categorias fundamentais da dialética. A totalidade possui
elementos constitutivos que são suas partes e ela só existe através das relações entre
suas partes. Desta forma, a particularidade é um elemento constitutivo da totalidade.
86

Cada particularidade possui uma especificidade que é identificada pela sua relação
específica com o todo. Sem a categoria da totalidade é impossível apreender o real, pois
ele mesmo é uma totalidade. Sem dúvida, a categoria da totalidade e seu uso não
significa abordar tudo, como alguns ingenuamente pensam. A categoria da totalidade é
uma concepção do real, do total e do particular, sendo um recurso heurístico para
analisar a realidade. Contudo, a própria realidade e seus componentes é uma totalidade
e por isso essa categoria é insubstituível e o real sem ela é incompreensível (Viana,
2018, p. 112-113).
A totalidade não pode ser compreendida sem a fundamental análise da história
enquanto processo. Nesse sentido, a compreensão marxista da história, aborda-a como resultado
da atuação de homens e mulheres para transformar a natureza e as condições materiais reais da
existência. O marxismo identifica a determinação fundamental, o modo de produção capitalista,
constitutivo das relações sociais. Lacerda Jr. (2014) afirma que o marxismo:
1. afirma a radical historicidade da essência humana, isto é, não há qualquer força
natural ou sobrenatural que governe a existência humana; 2. entende que o ser social é
produto da práxis humana, nele, há uma permanente dialética entre objetividade e
subjetividade; 3. analisa a individualidade em sua determinação reflexiva com a
sociabilidade, assim, se o marxismo não cinde a relação indivíduo-sociedade, também
não incorre no erro de identificar os processos de reprodução do indivíduo com os
processos de reprodução social; 4. é “anatomia da sociedade burguesa” que analisa o
seu processo de gênese e de desenvolvimento e; 5. tem como eixo fundamental a
perspectiva revolucionária, isto é, sua análise do presente, tenta prefigurar as distintas
possibilidades históricas de destruição e a superação da sociabilidade burguesa (Konder,
1984,1988; Lessa, 2007; Lukács, 1968, 1979, Marx, 1859; Tertulian, 2004) (Lacerda
Jr., 2014, pp. 32-33).
Por essa perspectiva marxista, há a possibilidade de contribuições do marxismo à
Psicologia Política latino-americana, pois o primeiro contribui para que a Psicologia Política
latino-americana se torne além de crítica, aparato de resistência e de ação ante a exploração e
as opressões.
Por exemplo, Pavón-Cuéllar (2016) nos oferece uma sistematização de algumas
contribuições do marxismo à Psicologia Política, para que ela se torne “coletiva, situada,
histórica, parcial e política, reflexiva e crítica, materialista e dialética, prática e conflitiva,
subversiva, revolucionária e libertadora” (Pavón-Cuéllar, 2016, p. 33 e 34).
87

O autor apresenta alguns aspectos epistemológicos, teóricos e metodológicos para


pensar uma Psicologia Política de perspectiva marxista. Contudo, não partilhamos da ideia do
autor em definir uma “Psicologia Política” que seja “marxista”, pois a afirmação de uma
“Psicologia Política marxista” é delicada, visto que o Marxismo não é uma disciplina
fragmentada do ramo científico que pode ser fundido com outra disciplina24. Entretanto,
inferimos, a partir da essencial colaboração de Pavón-Cuéllar (2016), que seja mais conveniente
analisar como a Psicologia Política na América Latina pode ser enriquecida pelo Marxismo.
Segundo Pavón-Cuéllar (2016), a Psicologia Política deve tratar das relações sociais e
não de individualidades isoladas, pois o marxismo rejeita qualquer forma de análise do
indivíduo isolado do conjunto das relações sociais. O autor indica, ainda, que a Psicologia
Política latino-americana deve ser histórica e reconhecer a perspectiva revolucionária no
processo de transformação social. Como decorrência disso, a Psicologia Política latino-
americana deve ser uma Psicologia Política parcial, renunciando qualquer pretensão de
neutralidade axiológica e se posicionando claramente ao lado dos socialmente oprimidos e
denunciando as injustiças sociais.
Pavón-Cuéllar (2016) defende, ainda, que uma Psicologia Política na América Latina
influenciada pelo marxismo é crítica e reflexiva, combatendo a legitimação-naturalização do
mundo socia como algo dado. A criticidade decorre de uma leitura dialética e materialista da
sociedade, desprezando qualquer forma de análise estruturalista, funcionalista ou idealista-
fetichista. Em congruência com o materialismo e a dialética, a Psicologia Política latino-
americana deve assumir o conflito e a intervenção social, evitando o academicismo ou
discussões psicologistas.
Em síntese, na perspectiva de Pavón-Cuéllar (20016) uma Psicologia Política inspirada
pelo marxismo é prática, subversiva, insurgente, profana, envolvida nas manifestações coletivas
e nas práticas de mudança social. Trata-se de construir uma Psicologia Política latino-americana
que é libertadora e revolucionária, indo contra toda ordem socialmente estabelecida
(CUÉLLAR, 2016).
Martín-Baró pode ser identificado como um pioneiro na elaboração de uma Psicologia
Política latino-americana inspirada pelo marxismo. Seu posicionamento contra as análises
positivistas da Psicologia dominante, assim como seus apontamentos críticos (teóricos,
metodológicos e de aplicação) acerca das políticas da Psicologia na América Latina (Martín-

24
A perspectiva marxista, como afirma Korsch (1977), parte da expressão teórica do movimento operário ao
analisar as bases materiais de uma sociedade de classes, assim, o marxismo não parte da divisão social do trabalho
para regularizar uma sociedade de classes antagônicas.
88

Baró, 1988/1990), o conduziram para elaboração de uma Psicologia Política direcionada à


realidade da América Latina.
Sob influência marxista, Martín-Baró (1982; 1983; 1984; 1986; 1987a 1985; 1987b;
1988) discorreu sobre os processos psicossociais (ideológicos) a partir de uma engrenagem
sociopolítica construída e determinada por estruturas macrossociais. Assim, a Psicologia da
25
Libertação , projeto ético-político pensado por Martín-Baró, critica as formas de dominação
social, toma uma posição não asséptica para promover a conscientização e a libertação de
processos altamente alienantes que vitimam as massas oprimidas dos países da América Latina.
Segundo Salazar (2017), a escolha do marxismo por Martín-Baró, se deu pela
necessidade de compreensão dos fenômenos sociais e políticos e por uma prática de luta
almejando a transformação social da América latina. O autor ainda sustenta que Martín-Baró
excluiu de suas análises o reducionismo e o positivismo típicos da Psicologia dominante. Sendo
assim, Salazar (2017) expõe os seguintes pontos acerca da influência marxista sobre Martín-
Baró: a) o desenvolvimento e crescimento da Psicologia Social e de suas áreas de atuação; b) a
tomada de consciência sobre a gravidade dos problemas sociopolíticos da América Latina; c) a
insatisfação com o papel passivo da Psicologia ao lidar com o ordenamento social numa clara
submissão aos interesses das classes no poder. Com a importância de Martín-Baró para a
construção da Psicologia Política latino-americana, vamos aprofundar um pouco mais na
análise teórica do autor.
Ao abordar o contexto psicopolítico e a realidade das maiorias populares da América
Latina, Martín-Baró (1985b/2017) destaca condições objetivas e subjetivas que mantêm a
dominação sociopolítica sobre a América Latina.
Sobre as condições objetivas, Martín-Baró (1985/2017) destaca a estrutura econômica,
a dominação norte-americana e as forças militares. Martín-Baró (1985/2017) expõe o
subdesenvolvimento, a dependência, a desigualdade e a injustiça. Condições que fazem com
que minorias nacionais detenham a maior parte dos recursos financeiros e as maiorias populares
estejam em condições de miséria e marginalidade. Os regimes políticos, de caráter autoritário,
são dominados por oligarquias que se perpetuam no poder. A hegemonia norte-americana sobre
a América Latina cria um sistema econômico e político dependente do império do Norte. Para
tanto, quando necessário, recorre-se às forças militares (Martín-Baró, 1985/2017).

25
A Psicologia da Libertação , criada através das obras de Martín-Baró, busca libertar a América Latina da
dominação estrutural, das injustiças e desigualdades sociais, e procura fomentar processos de libertação a partir de
uma nova Psicologia que parta da necessidade das maiorias populares (Lacerda Jr., 2017; 2018).
89

Sobre as condições subjetivas, Martín-Baró (1985/2017) destaca o universo cultural, a


consciência coletiva, os símbolos e a própria ideologia nos processos de subjetivação na
América Latina. Toda ordem social estaria permeada pelo domínio ideológico que procura “dar
sentido às grandes questões da existência humana; justificar o valor da ordem social para todos
os setores da população; permitir a interiorização normativa da ordem social pelos grupos e
pessoas” (Martín-Baró, 1985/2017, p. 59). Sendo assim, os processos ideológicos exercem a
função de legitimar os interesses das classes dominantes naturalizando, portanto, uma falsa
consciência imediatista e fatalista.
Para Lacerda Jr. (2017), a obra de Martín-Baró se divide em dois momentos importantes.
No primeiro, Martín-Baró teria se apropriado da Psicologia para um diagnóstico extensivo da
América Latina pelo qual destacou processos psicossociais específicos na formação do
continente. No segundo, o psicólogo social teria empreendido esforços para redefinir e libertar
a própria Psicologia. Como consequência, surge uma Psicologia crítica definida sobre novos
termos conceituais e parte deste processo foi a elaboração de uma “Psicologia Política” para o
continente latino-americano (Lacerda Jr., 2017). Sobre a Psicologia crítica de Martín-Baró,
Lacerda Jr. (2017) ressalta:
Foi por colocar a Psicologia contra a ordem e buscar a facilitação da gestação de um
mundo novo que o autor elaborou análises interessantes sobre as possibilidades e os
limites da Psicologia. Sua aposta na tese de que a Psicologia poderia ser bem menos
irrelevante para os condenados da terra é um convite para que pessoas em contato com
a Psicologia possam conhecer algo muito melhor do que o usual nicho de apologética
da ordem existente. A obra de Martín-Baró constitui um momento de viva reflexão e
análise da realidade latino-americana (Lacerda Jr., 2017, p. 15).
Hur, Sabucedo e Alzate (2018) consideram Martín-Baró o responsável por mudar a
perspectiva de análise da Psicologia Política latino-americana. Isso decorre do compromisso do
autor com as maiorias populares e isso fez repensar tanto uma Psicologia dos fenômenos
políticos, como as práticas de poder das políticas da psicologia:
Este cambio en la perspectiva de análisis de la PPL es simbolizada magistralmente por
la obra de Ignacio Martín-Baró. Él, un sacerdote y psicólogo español radicado en El
Salvador, fue uno de los porta-voces del pueblo del continente, siendo uno de los
pensadores que más referenció la PPL. Con una formación basada en una multiplicidad
de referencias y un intenso compromiso social, logró crear una propuesta de un
pensamiento con una perspectiva crítica y politizada para la PPL. Sus reflexiones y
90

quehaceres fueron fundantes para el fomento de una nueva forma de pensar en el


continente. En su proyecto de constitución de una PPL, no se preocupó sólo en
desarrollar una psicología de la política, pero también en analizar los efectos políticos
de las teorías y prácticas psicológicas, o sea en discutir las políticas de la psicología
(Sabucedo, Hur & Alzate, 2018, p. 9).
A partir da realidade política dos povos latino-americanos, a Psicologia da Libertação
de Martín-Baró, proporcionou um giro político na Psicologia Política latino-americana, esse
giro político demarcou uma nova Psicologia Política como projeto ético-político direcionada às
maiorias populares da América Latina (Sabucedo, Hur & Alzate, 2018).
Martín-Baró em Psicologia Política Latino-Americana, enseja por libertar a Psicologia
e assim construir uma Psicologia Política latino-americana, de modo que aborda uma distinção
crucial entre as políticas da Psicologia e a Psicologia da política. As políticas da psicologia,
segundo o autor, se relacionam com as funções e relações da Psicologia com a ordem social.
Muitas vezes, a atividade de psicólogos cumpre a função de ocultação e manutenção de forças
sociais opressoras sob uma determinada ordem política (Martín-Baró, 1988/2013). Já a
Psicologia da política, seria o conjunto de estudos e pesquisas de comportamentos e processos
políticos, sendo interpretada pela ciência psicológica. Sobre a Psicologia da política, Martín-
Baró (1988/2013) tece algumas críticas apontando a influência norte-americana na escolha das
técnicas utilizadas nas pesquisas, assim como as limitações teórico-metodológicas e a ausência
de práticas. Acerca da questão teórica da Psicologia da política, Martín-Baró problematiza:
Teoricamente, o principal problema reside na ausência de uma teoria convincente,
elaborada e que é caracterizada não apenas por uma sólida estruturação lógica, mas por
assumir a historicidade dos processos políticos e por contribuir ao que fazer político
concreto nos países latino-americanos a partir de uma opção que não esteja, de antemão,
aos condicionamentos da ordem estabelecida (Martín-Baró, 1988/2013, p.562).
Como problema de um objeto específico, Martín-Baró (1991/2013) sustenta que a
Psicologia da política estuda comportamentos como políticos a partir de análises de instituições
legalizadas, deixando de lado outras formas de perceber e fazer política, como, por exemplo,
uma greve de trabalhadores.
O autor ainda destaca a necessidade de superar o positivismo que atravessa a Psicologia
da política, sustentando a necessidade da pesquisa não ser indissociada da ação, não separando
o sujeito do objeto, mas concebendo a pesquisa de forma histórica e processual (Martín-Baró,
1988/2013). Para isso, Martín-Baró (1991/2013) não reprova o uso de testes ou de
91

quantificações pela Psicologia política, mas propõe uma inversão realista: que o problema não
seja definido pelo instrumento, mas sim que o instrumento seja definido a partir do problema
ou fenômeno social.
Com relação à prática, o principal problema seria a falta de posicionamento objetivo-
crítico de muitos pesquisadores com respeito aos fenômenos sociais e políticos da Psicologia
da política. Muitos desses pesquisadores tomam a objetividade científica como sinônimo de
falta de posicionamento sobre dados empíricos.
A assepsia é eticamente inaceitável, mas o compromisso político coloca em perigo a
objetividade do psicólogo. Não se pode confundir objetividade com parcialidade; o
psicólogo pode e, ainda, deve ser parcial, isto é, tomar partido, sem que isso resulte em
redução de sua objetividade. Não se pode permanecer imparcial frente à calúnia
sistemática ou a tortura e diante do maltrato à criança ou da dependência de drogas; mas
não há razão para essa parcialidade reduzir a objetividade, isto é, tornar as elaborações
teóricas e práticas menos adequadas à realidade (Martín-Baró, 1988/2013, p. 564).
Contudo, para que a Psicologia Política vá ao encontro de anseios e necessidades do
continente latino-americano, ela precisa romper com os condicionamentos e limites da
Psicologia. Nesse projeto, Martín-Baró (1988/2013; 1991/2013) defende uma Psicologia
Política que parta, prioritariamente, da realidade da América Latina, ou seja, uma Psicologia
Política latino-americana que enfrente três dilemas principais: ditadura e democracia,
dependência e autonomia regional e, por fim, alienação e identidade histórica.
Sobre a ditadura e a instabilidade democrática, Martín-Baró afirma:
O dilema entre ditadura e democracia, tão patente na história dos países latino-
americanos, não pode ser reduzido à realização periódica de eleições que permitem
definir, por meio do voto, quem dirigirá os poderes executivo e legislativo do país, ainda
que este seja um importante elemento da democracia. O problema dos povos latino-
americanos reside, muito mais, na necessidade de uma democracia social enquanto
fundamento das democracias formais. De outra forma, a democracia converte-se em um
simples instrumento de quem tem poder e os processos eleitorais se tornam nada mais
do que rituais cerimoniais que, no melhor dos casos, revelam qual dos setores
dominantes exercerá a hegemonia. A América Latina, utilizando a, mais que sutil,
distinção de Jeane Kirkpatrick, viveu e continua vivendo sob “democracias” que talvez
não são totalitárias, mas que, certamente, são autoritárias (Martín-Baró,1988/2013, p.
565).
92

No segundo dilema, o psicólogo social destaca a dependência de maior parte dos países
da América Latina aos Estados Unidos contrariando, assim, a soberania nacional. Os países da
América Latina estariam subordinados aos interesses da América do Norte.
Por consequência dessa falta de autonomia há uma alienação frente à identidade
nacional, grupal e pessoal da sociedade latino-americana. Este terceiro dilema está associado
com um “estado produzido nas pessoas por relações sociais que as espoliam e as despojam de
sua humanidade material e psíquica” (Martín-Baró, 1988/2013, p. 567). Em contrapartida,
Martín-Baró (1988/2013;1991/2013) propõe o resgate histórico da existência pessoal e social,
colocando como princípio metodológico da Psicologia Política a necessidade de considerar o
cidadão latino-americano numa mediação entre o macrossocial com o microssocial, ou seja, a
partir de uma elaboração objetiva e estrutural que considere os comportamentos cotidianos e
concretos.
Na lógica de Psicologia Política latino-americana, Martin-Baró (1988/2013) destacou
as limitações e possibilidades da própria Psicologia. O autor enfatiza, nesse sentido, a
impossibilidade de exercer a Psicologia, seja em pesquisa ou profissão, sem influenciar o
sistema sociopolítico onde “querendo ou não, sabendo ou não, a práxis científica e profissional
tem um impacto no equilíbrio de forças sociais e, portanto, favorece interesses sociais diversos”
(Martín-Baró, 1988/2013, p. 567). Torna-se evidente, portanto, a impossibilidade, tanto da
Psicologia como do psicólogo, em não fazer política em sua atuação, pois toda Psicologia é
política, mesmo que esta assuma uma posição de neutralidade e indiferença (Parisí, 2016;
Martín-Baró, 1988/2013).
Martín-Baró (1988/2013) sublinha o compromisso com a verdade. Isso representa a
prudência e a habilidade de uma Psicologia que deve posicionar-se a serviço das maiorias
populares sendo revolucionária sem, ao mesmo tempo, não se deixar cooptar por interesses de
instituições que podem, como exemplo, usar a miséria da população como promoção eleitoral
partidária:
A Psicologia Política latino-americana não pode permanecer no limbo da assepsia
científica e profissional, mas deve partir de uma opção axiológica. Qual será essa opção
é algo discutível. Inicialmente, e de forma muito genérica, cabe dizer que a Psicologia
deve se colocar a serviço das maiorias despossuídas de nossos povos e isso não apenas
por razões éticas ou políticas, mas por razões provenientes da própria psicologia. O
difícil é aplicar este princípio genérico à realidade concreta de cada país. Porque se
colocar a serviço das maiorias significa vincular-se com instâncias e organizações
93

concretas, cuja representatividade popular é, frequentemente, questionável e cuja


contribuição às causas do povo é, normalmente, mediatizada, quando não assimilada ou
cooptada, por outros interesses e forças sociais. Por isso, a opção concreta demanda
sempre sujar as mãos. Somente os revolucionários de salão acreditam que é possível
manter a pureza integral. Mas, como dizíamos antes, a opção axiológica não
necessariamente impossibilita a objetividade. Porque uma coisa é o custo da opção
concreta e outra muito diferente é a submissão concreta a uma linha partidista; sujar as
mãos não significa abdicar da capacidade crítica em relação à própria opção. O
psicólogo dificilmente contribuirá à Psicologia política, à desideologização, ou à
libertação social se ele mesmo ideologiza sua opção e se prende de maneira
incondicional à linha de um determinado partido ou organização (Martín-Baró, 1988/
2013, p. 568).
Esse compromisso com as maiorias populares e não com partidos políticos e tampouco
com instituições, representa um compromisso com a própria verdade. Para Martín-Baró
(1991/2013), o compromisso com a verdade deve assumir critérios históricos e dialéticos a
partir do horizonte político de libertação das maiorias populares. Daqui há a possibilidade de
se pensar a desalienação e a libertação a partir das necessidades das maiorias populares.
A partir desses elementos, entendemos que as contribuições de Martín-Baró foram
extremamente importantes para a formação, consolidação e construção teórico-metodológica
da Psicologia Política latino-americana. Sua coerência em unir o macro com o micro partindo
da totalidade social, sua denúncia da ideologia formada pela classe social dominante, sua
perspectiva de classe definida conforme a luta pelos despossuídos, e sua luta por uma
democracia realmente autêntica como um projeto emancipador,26 representam sua forte
influência teórica Marxista.
Nesse sentido, Ignácio Martín-Baró fez uma leitura psicopolítica que remete à
percepção de uma realidade materialista e dialética, e para isso analisou as condições estruturais
inerentes ao modo de produção capitalista, como descreveu as contradições inerentes às
relações sociais entre exploradores e explorados na América Latina. Portanto, Ignácio Martín-
Baró, fez uma análise histórica, abordou a totalidade social, e foi radical em suas concepções,

26
Martín-Baró (1985/2017) deixou bem claro a inexistência de uma verdadeira democracia na América Latina,
referindo-se às mesmas como “democracias em regime de segurança nacional”, ou seja, formas de regimes
políticos submissos aos interesses dos Estados Unidos. Martín-Baró (1983/2017) em um artigo sobre as eleições
em El Salvador, considerou o ato de votar como uma ação ideológica indissociável de uma alienação colonial que
sustenta a ordem nacional imposta.
94

pois destacou o antagonismo e a luta de classe a partir de relações sociais concretas conforme
as consequências do capitalismo na América Latina.
95

Considerações finais

Considerando a história do capitalismo, foi inevitável que essa forma de organização


produtiva não agredisse a América Latina. Marx (2008) ressalta que o avanço das formas
produtivas de gerações anteriores domina outras gerações posteriores:
Não é preciso acrescentar que os homens não têm o livre-arbítrio de suas forças
produtivas — que são a base de todo a sua história — porque toda a força produtiva é
uma força adquirida, o produto de uma atividade anterior. Assim, as forças produtivas
resultam da energia prática dos homens, porém essa mesma energia está circunscrita
pelas condições nas quais os homens estão colocados, pelas forças produtivas já
adquiridas, pela forma social que existe antes deles, que eles não criaram, que é o
produto da geração anterior. Pelo simples fato de que toda geração posterior encontra já
forças produtivas adquiridas pela geração anterior, as quais lhes servem como matéria-
prima de nova produção, forma-se uma conexão na história dos homens, forma-se uma
história da humanidade, que é tanto a história da humanidade quanto as forças
produtivas do homem e, consequentemente, suas relações sociais aumentam (Marx,
1846/2008, p. 49).
Com o desenvolvimento das forças produtivas, sob a direção da burguesia como classe
dominante, o capitalismo submeteu todas as nações sob o império do capital, como destaca
Marx:
Com o rápido aperfeiçoamento de todos os instrumentos de produção, com as
comunicações imensamente facilitadas, a burguesia arrasta para a civilização todas as
nações, até mesmo as mais bárbaras. Os baixos preções de suas mercadorias são a
artilharia pesada com que derruba todas as muralhas chinesas, com que força à
capitulação o mais obstinado ódio dos bárbaros aos estrangeiros. Obriga todas as nações,
sob pena de extinção, a adotarem o modo de produção da burguesia; obriga-as a
ingressarem no que ela chama de civilização, isto é, a se tornarem burguesas. Numa
palavra, cria um mundo à sua imagem e semelhança (Marx, 1848/2009, p. 49).
A ascensão do capitalismo expressou um processo histórico de total transformação das
relações sociais em âmbito universal. Infelizmente, para a América Latina, em sua relação com
o capitalismo, foi imposta, a princípio, a submissão à exploração. Não coube à América Latina,
a opção de escolher ficar de fora dessa transformação global e desvantajosa, pois ela mesma,
desde a acumulação primitiva e do capitalismo mercantilista, foi uma das razões centrais das
96

transformações das forças produtivas e do surgimento do capitalismo industrial nos países


dominantes.
Marx (1859/1977) ressalta que a classe que detém os meios materiais, ou seja, os meios
de produção têm posição favorável para conquistar a hegemonia política, econômica e cultural
sobre outras classes. Isso acomete a política e a economia internacional, pois conforme o avanço
das forças produtivas e a divisão internacional do trabalho, os países de capital dependente
foram submetidos à dominação política e econômica dos países capitalistas industrializados.
Com isso, atestamos uma dominação via mão dupla, ou seja, existe uma dominação
tanto objetiva quanto subjetiva que acomete as maiorias populares na América Latina. No
entanto, entendemos que a dominação subjetiva (pela ideologia, pelo fatalismo e pelo
simbolismo cultural de inferioridade) é alimentada pelas condições objetivas e estruturais que
se conectam e correspondem às condições reais de miséria de grande parte dos latino-
americanos.
Neste trabalho, tomamos partido dos oprimidos e superexplorados da América Latina,
pois tanto na história do capitalismo Europeu como do Norte-Americano, as classes
trabalhadoras mantiveram uma relação de responsabilidade social27, mesmo que subalterna às
aristocracias desses países (para bem ou mal) foram integradas nas relações sociais que foram
se desenvolvendo. Ao contrário, como expõe Semeraro (2009), na América Latina os
desapropriados são instrumentos descartáveis para serem usados e jogados fora, pois além de
explorados pelo capitalismo, carregam em si a marca da inferioridade étnica-racial:
Os oprimidos latino-americanos, ao contrário, apresentam uma conotação mais brutal.
Sendo considerados de “raça inferior”, os índios, os negros, e os mestiços são
instrumentos para usar e descartar sem preocupação de integrá-los no sistema. São os
superexplorados e anulados, uma condição abaixo da própria existência do proletariado.
A inferioridade racial dos colonizados, de fato, nunca os tornou dignos de salários
estipulados e dos direitos concedidos ao trabalhador europeu (Semeraro, 2009, p. 2006).
Da submissão e exploração colonial à Europa que se iniciou no século XVI com a
acumulação primitiva de capital, passando pelo capitalismo industrial do final do século XVIII,
e pela exploração do capitalismo financeiro monopolista, até chegar ao neoliberalismo, a
América Latina, foi subjugada, explorada e desumanizada em suas necessidades políticas,

27
Entendemos que mundialmente, devido elementos da luta de classes, as classes desapropriadas sempre foram
perseguidas pelos capitalistas burgueses como em 1919, nas ruas da Alemanha, onde foram mortos pelo exército
de Groner e Von Hindenberg milhares de trabalhadores pertencentes a conselhos populares (Schwartz, 1992).
97

econômicas, culturais, educacionais e sociais, onde as maiorias populares foram privadas de


suas necessidades mais básicas.
Ante essas condições materiais e a partir da reflexão do papel ideológico da Psicologia
sobre os processos sociais e políticos da realidade da América Latina, a Psicologia Política
latino-americana passou por um giro político e assumiu um posicionamento crítico de
conscientização e potencialização das maiorias populares latinas como minorias nos direitos
sociais (Hur, Sabucedo & Alzate, 2018). Diante disso, alguns autores da Psicologia Política
latino-americana se posicionaram ético-politicamente contra a ordem dominante do capitalismo
imperialista.
Todavia, conforme Hur, Sabucedo e Alzate (2018) a Psicologia Política latino-
americana é um campo heterogêneo, disperso e variável, em que não existe homogeneidade
teórica-metodológica e tampouco definição clara do que é a Psicologia Política latino-
americana. Para além disso, com a intenção de avançar na proposta crítica da Psicologia Política
latino-americana, sustentamos que há na Psicologia Política latino-americana manifestações do
pensamento burguês. Grande parte de suas produções teóricas não considera a divisão social do
trabalho e não leva em conta a luta de classes.
Com essa nossa crítica à Psicologia Política latino-americana, procuramos apresentar o
marxismo como proposta de explicação do movimento do modo de produção capitalista, que,
ao atingir dimensões mundiais, afetou drasticamente a América Latina.
Sendo assim, traçamos uma linha histórica descrevendo o nascimento da burguesia
como nova classe dominante e vanguarda do capitalismo — como novo modo de produção da
vida social — e destacamos práticas políticas da burguesia como forma de manter sua
dominação e exploração sobre a classe proletária.
Foi por isso que na primeira parte deste trabalho apresentamos a história da Psicologia
Política tendo por base o modo de produção capitalista, conforme o qual expomos o regime
político como modo da classe dominante em regularizar as relações sociais e manter a classe
proletária/trabalhadora sob seu domínio. Com esse contexto, definimos uma base material que
condiciona o ser social e destacamos a produção científica como necessária à regulação das
relações sociais onde a psicologia, como uma das áreas de especialização da ciência, atua como
ideologia.
Sendo assim, como forma de controle e racionalização das relações sociais de produção,
na qual a burguesia explora o proletariado, destacamos a alienação da ciência como produto da
divisão social do trabalho e ideologia que defende os interesses burgueses. Como consequência
98

disso, destacamos as políticas da Psicologia dominante como ideologia alinhada à racionalidade


burguesa e submissa às necessidades políticas, econômicas e sociais do modo de produção
capitalista. Ante isso, concluímos que a Psicologia dominante é uma ciência alienada porque
ignora a luta de classe, sendo mais uma ferramenta de controle, de ajustamento e adaptação
coerente às necessidades da classe dominante. Concluímos que o papel ideológico dessa
Psicologia nega os problemas sociais estruturais e os transfere ao indivíduo, assim como
entende a mudança social consequente à mudança individual isolada das relações sociais
capitalistas.
Com a Psicologia Política não foi diferente. Abordamos a história da Psicologia Política,
desde o século XIX, buscando nas primeiras contribuições teóricas de cientistas sociais, o plano
de gestão e planificação social em desfavor explícito aos desapropriados, os quais tinham que
ser dominados pela sua irracionalidade, e organizados conforme a solidariedade orgânica da
divisão “natural” do trabalho.
Ao adentramos no século XX, descrevemos a aproximação entre estudos da ciência
política com a Psicologia já consolidada como ciência da experiência imediata do sujeito. Nessa
esteira, destacamos duas tendências distintas de Psicologia Política: a estrutural-funcional, sob
forte influência do positivismo da Psicologia behaviorista; e a social-crítica sob influência de
autores da escola de Frankfurt. Também destacamos a oficialização da Psicologia Política sob
solo norte-americano, com a criação da Sociedade Internacional de Psicologia Política, em
1978, por Harold Lasswell. Além disso, enfatizamos a posição funcionalista da Psicologia
Política norte-americana em corresponder à utilidade política de ajustamento e integração social
aos marcos da democracia civil norte-americana.
Contudo, a partir da geopolítica da América Latina, gestou-se outra Psicologia Política.
E essa Psicologia Política, mediante as condições sociais, econômicas, culturais e materiais da
América Latina, em grande parte se institui como crítica. Sendo assim, vimos que a Psicologia
Política latino-americana foi disfuncional ao ordenamento do sistema capitalista, pois ela não
se ajustou às requisições de planificação, controle e ajustamento social, como requeridas por
uma Psicologia Política hegemônica.
Desse modo, a Psicologia Política Latino Americana foi, em sua maioria, uma
Psicologia Social, visto que ela aborda as necessidades sociais de maiorias populares oprimidas
por um estado controlado por oligarquias que se mantém no poder e fazem uso de ditaduras
militares para manter seus interesses dominantes. Assim, parte da produção teórica da
99

Psicologia Política Latino-Americana, engajou-se na luta pelos direitos civis e por uma
democracia que valoriza a emancipação política, cultural e civil.
Ante isso, acrescentamos que há manifestações da Psicologia Política latino-americana
que refletem o pensamento burguês decadente e não conseguem ultrapassar as crises
decorrentes do modo de produção capitalista. Isso porque a Psicologia Política latino-
americana, como qualquer outra disciplina científica, parte da divisão social do trabalho e,
devido isso, aceita e reproduz a racionalidade burguesa por meio de crença nas instituições
burguesas. Desse modo, neste trabalho propomos uma análise da construção histórica e teórica
da Psicologia Política latino-americana, buscando responder como o marxismo pode contribuir
para a Psicologia Política da América Latina.
No capitulo III, expomos algumas contribuições do marxismo à Psicologia Política
latino-americana, no qual apresentamos o marxismo como expressão teórica da classe
trabalhadora e anatomia da sociedade burguesa.
Como sustenta Lacerda Jr. (2010) a crítica marxista vai além dos limites da
racionalidade burguesa e expõe elementos fundamentais para problematizar a sociedade
capitalista com o fim de superá-la, pois tem como força motora dessa crítica e ação de mudança,
a ofensiva da classe trabalhadora como possibilidade de realizar revoluções sociais e
transformar as relações sociais capitalistas.
Sendo assim, num contexto de insurgência contra a ordem dominante e crítica das
instituições burguesas, o marxismo foi apropriado por psicólogos e psicólogas que repensaram
a atuação ideológica da Psicologia e construíram novas propostas teóricas e profissionais a
partir das maiorias populares oprimidas.
Assim, destacamos que o marxismo, ao abordar o modo de produção capitalista e sua
inerente divisão internacional do trabalho, apresenta uma perspectiva histórica, política e social
da América Latina, visto que Marx descreveu toda maldição que caiu sobre a América Centro-
Sul. Dessa forma, é impossível que a Psicologia Política que parte de uma orientação ético-
político-crítica, seja indiferente ao marxismo como campo teórico-metodológico e, sobretudo,
revolucionário.
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