Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
PUBLICIDADE DE MODA
RECIFE - PE
MAIO/2016
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO
PUBLICIDADE DE MODA
RECIFE - PE
MAIO/2016
DEDICATÓRIA
Agradeço a todos que contríbuiram, de alguma forma, para que chegasse aqui. A
todo o corpo docente da Unicap, por todos os anos de aprendizado, e ao meu
orientador Rodrigo Duguay por acreditar no tema e por me guiar ao longo do
processo de pesquisa.
Aos meus familiares por todo o apoio durante estes anos acadêmico, especialmente
minha mãe, Susie Cysneiros e avó, Rizomar Cysneiros, por todo o amor e as
condições dadas para que me dedicasse aos estudos.
RESUMO
A publicidade constantemente faz uso dos arquétipos de gênero para criar seus
personagens: homens e mulheres são demonstrados através de estereótipos
socialmente aceitos. No entanto, observa-se o crescimento de um movimento que
clama por maior aceitação dos sujeitos que não se identificam com a masculinidade
tampouco com a feminilidade. A mídia os denomina de “genderless”, ou gênero
neutro. O segmento da moda, que sempre acompanhou as transformações culturais
da sociedade, tem se apropriado deste discurso para criação de campanhas. Com
isto em mente, este projeto pretende analisar como esta tendência de mercado se
manifesta nos anúncios das marcas Gucci e Zara utilizando a análise semiótica de
Peirce. O início do estudo dedica-se a discussão da história das manifestações de
identidades de gênero, a formação do movimento LGBT e sua validação como
mercado financeiro. Refletindo sobre como o ser humano manifesta sua própria
identidade através do vestuário e como os conceitos de masculinidade e
feminilidade foram construídos socialmente, cria-se um cenário para analisar a
maneira como estes signos são aplicados na publicidade. Adiante, parte-se para
explicações sobre a metodologia escolhida e o estudo dos casos escolhidos. Através
dos capítulos, o autor espera fomentar uma reflexão sobre a performance e os usos
da publicidade como elemento importante para a desconstrução dos papeis de
gênero.
ABSTRACT
LISTA DE FIGURAS
LISTA DE QUADROS
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO.............................................................................................. 11
5. ESTUDO DE CASES.................................................................................... 39
5.1.1 Contexto......................................................................................... 40
5.2.1 Contexto......................................................................................... 49
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................... 53
7. REFERÊNCIAS............................................................................................. 56
11
1. INTRODUÇÃO
O estudo da publicidade ensina aos seus alunos que, muitas vezes, os anúncios
fazem uso de arquétipos reconhecíveis pelo público alvo para que a mensagem seja
decodificada com maior facilidade pelos seus receptores, buscando antigir os
objetivos de comunicação do cliente em questão. Desta forma, observa-se que
muitos modelos acabam sendo reutilizados com frequência na publicidade. É o caso
das famílias em comerciais de margarina, os personagens femininos em
propagandas de cerveja, entre outros. O uso destes “clichês” se torna ferramenta
para que o conteúdo seja decifrado com maior agilidade e sem ruídos.
Para que a publicidade não contribua ainda mais com a vitaliciedade destes
estereótipos negativos, deve-se tomar cuidado não só com a forma com as quais os
personagens normativos são demonstrados, mas também com a inclusão de grupos
já marginalizados pela sociedade. A não visibilidade destes sujeitos na mídia acaba
por afastá-los ainda mais de serem socialmente aceitos. É o caso, por exemplo, da
comunidade LGBT.
O debate é atual e ainda há muito o que se falar sobre as maneiras com as quais a
publicidade faz uso das manifestações e performances de gênero. Recentemente,
observa-se o crescimento de movimentos que clamam pela aceitação dos indivíduos
não-binários, ou seja, aqueles que não se identificam nem com a masculinidade
sequer com a feminilidade.
12
Por outro lado, o universo da moda sempre refletiu – ou, ainda, colocou-se à frente –
(d)as transformações da sociedade. Uma das maiores demonstrações de sua
atuação política foi a popularização do uso de calças pelas mulheres a partir do
momento em que elas ingressam o mercado de trabalho, fato que será estudado
com maior profundidade adiante. Atualmente, o segmento mais uma vez faz uso do
discurso de gênero, e muitas marcas apostam no lançamento de coleções cujo mote
gira em torno do abandono das fronteiras entre homem e mulher. São linhas
contendo artigos de vestuário que, ao contrário do praticado tradicionalmente no
mercado, não dividem-se entre seções femininas e masculinas – as peças são feitas
para que ambos possam usar. É o chamado “genderless”.
Tendo isto em vista, o presente estudo tem como objetivo analisar de que forma a
propaganda contemporânea está demonstrando este novo momento da sociedade
perante as questôes de gênero – em especial, a publicidade de moda.
Okita (2015, p. 25-43) aponta alguns motivos pelos quais essas sociedades
primitivas estivessem livres de quaisquer manifestações de repressão LGBTfóbica1:
a ausência de classes, a não imposição do cristianismo europeu (colonização) e a
estrutura matriarcal.
1
Palavras como homofobia, lesbofobia, bifobia, transfobia e LGBTfobia foram criadas e difundidas entre os
anos 70 e 90 nos Estados Unidos, segundo a psicóloga Juliana Spinelli Ferrari. No entanto, o termo
LGBTfobia será utilizado ao longo deste estudo para se referir a quaisquer atitudes de repressão contra
indivíduos cuja orientação sexual, identidade ou expressão de gênero difiram da “normatividade” cisgênero
e heterossexual, ainda que em contextos históricos anteriores a concepção destas definições.
15
A UNFE, campanha em prol dos direitos LGBT liderada pela Organização das
Nações Unidas (ONU), também destaca alguns fatos históricos sobre a diversidade
sexual e de gênero ao redor do mundo: em Portugal, entre os séculos 16 e 19,
16
Apesar do hiato dos movimentos LGBT durante a Segunda Guerra Mundial, o fim do
combate político trouxe grandes avanços na luta pela igualdade. Grupos surgiram e
ressugiram tanto na Europa quanto nos Estados Unidos – “ONE, Inc” foi o primeiro
das Américas, apoiado financeiramente por Reed Erickson, homem transexual de
destaque por suas ações filantrópicas (BULLOUGH, 2002, p. 43). Nesta época,
tornou-se comum o termo “homophile”, enfatizando o sentimento de amor em vez da
atração sexual. Entre 1945 e 1969, os grupos comandaram diversas ações em
pequena escala, culminando no grande marco: Stonewall.
Em 28 de julho de 1969, a polícia de Nova York fez uma invasão rotineira num
bar homossexual chamado Stonewall Inn, forçando os fregueses a sairem às
ruas. Ao invés de fugir, eles, liderados por travestis, trancaram os policiais no
bar, incendiaram e atiraram pedras e garrafas enquanto os policiais tentavam
sair. Houve quatro noites de confrontos violentos entre a polícia e homossexuais
nas ruas de Nova York (OKITA, 2015, p. 63).
Desde Stonewall, foram muitas as conquistas dos movimentos que lutam pelos
direitos LGBT em todo mundo, conforme Quadro 1.
2
A Lei de Imprensa foi estabelecida em 1967 pela ditadura, dando poder ao governo de censurar ou até
mesmo fechar veículos de comunicação sob o pretexto de manter a moral e os bons costumes (OKITA,
2015, p. 70).
19
ANO ACONTECIMENTO
1969 A homossexualidade é legalizada no Canadá.
1972 A Suécia se torna o primeiro país no mundo a permitir legalmente a redesignação
sexual de transsexuais, fornecendo terapias hormonais gratuitamente.
1973 Australia e Nova Zelândia se tornam os primeiros países a remover a
homossexualidade de suas listas de doenças mentais. No mesmo ano, os Estados
Unidos tomaram a mesma decisão.
1981 A Noruega é o primeiro país a decretar uma lei para previnir a discriminação contra
homossexuais.
1986 Ocorre a primeira decisão judicial americana que deu direitos legais a um casal
homoafetivo.
1989 A Dinamarca é o primeiro país a decretar leis de acordos similares à união civil para
casais homoafetivos.
1990 A Organização Mundial de Saúde (OMS) remove a homossexualidade de sua lista de
doenças.
1992 Australia e Canadá banem a proibição de alistamento de homossexuais ao exército.
1993 O preseidente Clinton autorizou a política “Don’t Ask, Don’t Tell”, permitindo gays e
lésbicas a servirem ao exército contanto que não se assumissem.
2008 Brasil inclui a cirurgia de redesignação sexual no Sistema único de Saúde (SUS) nos
hospitais públicos.
2010 A adoção por casais homoafetivos é autorizada pelo Superior Tribunal de Justiça no
Brasil.
2010 Estados Unidos bane a política “Don’t Ask, Don’t Tell” de 93, permitindo que
homossexuais assumidos façam parte do exército.
2013 Brasil autoriza o casamento homossexual.
2015 Os Estados Unidos alteram sua legislação, dando direito a casais homoafetivos de se
casarem com os mesmo benefícios e direitos das uniões heterossexuais.
principalmente por conta dos encontros realizados com os grupos militantes de todo
o país.
Em 2008, o movimento brasileiro decidiu trocar a antiga sigla GLBT por LGBT. A
inversão na ordem, colocando o “L” na frente, teve como objetivo dar mais
visibilidade às reivindicações das componentes lésbicas, segundo o G1.
4
Travestis são pessoas cuja expressão de gênero difere daquela com a qual nasceram. Transexual é aquele cuja
identidade de gênero difere da designação biológica, podendo ou não passar por processos cirurgicos ou
hormonais para adequar seu corpo. Já transgênero é um termo abrangente para todos aqueles que não se
identificam de alguma forma (seja na expressão ou na identidade) com o rótulo que receberam ao nascer.
21
Pessoas trans e pessoas não hétero estão sujeitas a boa parte da mesma
discriminação, imcompreensão e maus-tratos porque muitos pensam que todos
pertencemos ao mesmo grupo. De certo modo, pertencemos sim – e é por isso
que muita gente usa “LGBT” como abreviatura para nossa comunidade inteira
(DAWSON, 2015, p. 18).
Há, ainda, diversas variações da sigla LGBT e estudos sobre a inclusão de novas
letras, tais como: queer (diz respeito àqueles que se recusam a rotular suas
identidades sexuais e de gênero, fluindo livremente); assexual (aqueles que não se
interessam por sexo); intersex (aqueles com órgãos genitais ou características
sexuais que não são necessáriamente masculinas ou femininas); entre outros
(DAWSON, 2015, p. 30-40).
Algumas das variantes populares são LGBTQ, com inclusão do queer; LGBTTQI,
com o duplo T para transsexuais e travestis, queer e intersex; LGBTTQQIAAP
adicionando assexuais, panssexuais, aliados e aqueles que ainda se questionam;
chegando até ao LGBTTQQFAGPBDSM, que além dos citados anteriormentes,
abraça também a poligamia, bondage, dominância e submissão, sadismo e
masoquismo. Facchini estuda esse fenômeno da “sopa de letrinhas” com algumas
críticas:
Este público tem um grande impacto na economia, conforme reporta a revista IstoÉ
Dinheiro (2013). A publicação afirma que a comunidade LGBT tem movimentado
cerca de 3 trilhões de dólares anualmente, com dados apontando que o
homossexual gasta até 30% a mais que o heterossexual. A renda dos indivíduos
teria maior reversão em ítens como moda, cultura, lazer e turismo, uma vez que a
maioria dos casais não tem filhos. Ainda, o instituto Datafolha estuda que os
participantes da parada LGBT em São Paulo – a de maior representatividade no
23
Castilho (2004) declara que a decoração corpórea é um campo explorado pela raça
humana desde os seus primórdios. O emissor incorpora elementos estéticos
que comunicam uma ou várias mensagens, esperando que o receptor decifre seus
hieroglifos a partir do primeiro contato visual. Mesmo nas culturas nas quais o
vestuário inexiste, a autora estuda que nenhuma delas ignora o adorno
corporal como forma de comunicação, utilizando-se de diferentes métodos para
transformar estes elementos estéticos em mensagem. Conclui que “o vestuário (...)
é um elemento de composição de um texto universal” (CASTILHO, 2004, p. 87).
O corpo humano ganha duas significações distintas neste contexto. Por um lado,
ele é o próprio suporte da narrativa estabelecida através da moda – o palco
de um discurso. É o corpo do sujeito que veste as roupas com o objetivo de
comunicar; assim como o papel é o suporte para as palavras de um livro. É,
também, “configurador do posicionamento da imagem que o sujeito, segundo suas
escolhas, assume nas interações das quais participa” (CASTILHO, 2004, p. 95).
27
Entre os muitos signos que a linguagem da moda pode traduzir nas peças de
roupa, um dos mais básicos é o conceito de homem e mulher. São várias as
construções sociais contemporâneas que definem, aos olhos dos observadores, o
gênero de um indivíduo. Barnard compara os termos sexo e gênero como
equivalentes à natureza e cultura:
Pode-se dizer que venha a existir um mundo onde seja possível dizer algo
como "o sexo está para o gênero, assim como a natureza para a cultura"
sem com isso arranjar encrenca. Nosso mundo não é esse. A distinção
sexo/gênero é útil portanto, mas não desprovida dos problemas que lhe
são inerentes. É util na medida em que sexo pode ser descrito como um
fênomeno natural; pode ser descrito como sendo uma coleção de
diferenças biológicas ou fisiológicas (...). É também útil na medida em que
gênero pode ser descrito como um fenômeno cultural; diferenças de
gênero podem ser descritas como diferenças culturais. É um fato cultural,
portanto, que a masculinidade consiste num conjunto de características
apropriadas, e feminilidade consiste num conjunto diferente (BARNARD,
2003, p. 167-168).
No que tange o vestuário, Freyre (1987, p. 23) afirma que a composição de roupas
é um “fenômeno sociológico” capaz de expressar diferenciações entre homens e
mulheres. Beauvoir (1949, p. 301) completa ao concluir que o ato de se vestir é um
possível agente transformador dos valores intrínsecos de cada sujeito – ao menos,
sob o julgamento social.
Estas distinções entre gêneros através da moda tiveram início a partir do século
XVIII. Nestes tempos, ainda de acordo com Barnard, eram poucas as diferenças no
guarda-roupas feminino e masculino e seus cuidados com a aparência: ambos
faziam uso de meias de seda, cosméticos, cabelos compridos, entre outros. Isto
mudou quando os homens passaram a adotar visuais mais simplórios e o papel de
ostentar riqueza através dos trajes foi transferido para suas esposas. O principal
momento desta mudança teria sido no final do século XIX, quando o vestuário
masculino se tornou reto, insípido e sóbrio. Barnard destaca, em especial, o
advento da calça nesta época como o elemento que marcou a distinção da
identidade masculina.
O autor afirma que foi, neste ponto da história, o surgimento da crença que “moda e
indumentária são de certa forma uma preocupação mais própria e adequada à
mulher do que ao homem” (BARNARD, 2003, p. 173). Este conceito, ainda
29
Como visto, as convenções sociais sobre o vestuário de cada gênero são uma
realidade em diversas partes do mundo. Há, no entanto, movimentos que lutam
contra esta normatividade. O assunto entrou em pauta na luta feminista do fim dos
anos 60 – mais especificamente, o Movimento de Liberação da Mulher. Barnard
(2003, p. 199) estuda que “moda e indumentária eram vistas como construindo e
reproduzindo uma versão da feminilidade falsa e constritiva da qual se tinha de
escapar ou fugir”. Procurando desconstruir o sistema de gênero da moda, este
grupo teria se recusado a vestir peças de roupa que refletissem esta identidade
feminina. O fenômeno também é estudado por Gilberto Freyre:
O sociólogo pernambucano acredita que esta tendência teve início um pouco antes
do que disse Barnard: ele acredita que este movimento surgiu com o advento da
Primeira Guerra Mundial (1918), resultando num impacto no universo da moda
feminina por conta da glorificação dos heróis masculinos do combate. Ainda em
seus estudos, mais uma vez a calça, tipicamente masculina, torna-se elemento
transformador do sistema de gêneros da moda: já no século XX, uma espécie de
saia-calça foi desenvolvida em Paris, dando início ao uso da peça pela mulher. Seu
uso tornou-se tão comum que, para Freyre, triunfou sob “o preconceito de não
corresponder ao conceito de feminilidade” (1987, p. 22). Beauvoir também faz uso
da mesma peça para exemplificar esta nova concepção de feminilidade, afirmando
que esta ideia do que é ser mulher a partir de seu vestuário “pode evoluir de
maneira que os cânones se aproximem do que adotam os homens: nas praias, as
calças compridas tornaram-se femininas” (1980, p. 452).
31
Percebe-se, portanto, que o vestuário não só está dotado de signos que constroem
a feminilidade e masculinidade como também uma estrutura de poder entre
gêneros. Estes fenômenos e processos de significação encontram sua explicação
na ciência da semiótica, que será abordada a seguir.
32
A semiótica não teve uma abordagem homogênea, tendo sua origem em vertentes
distintas, tais como afrancesa, a soviética e a norte-americana, brevemente
descritas a seguir.
Os signos, por sua vez, são agrupados (de acordo com o código que seguem) para
compor um texto. Esta relação ocorre através de dois métodos: o da
semelhança/substituição e do contraste/diferença. Estes são os dois eixos definidos
por Sausurre: o sintagmático e o paradigmático. Sausurre afirma que é na união de
ambos que os significados são formados. O eixo paradigmático é aquele formado
por elementos semelhantes, que podem ser substituídos entre si, enquanto
osintagmático é composto por ítens contrastantes e que mudariam o significado do
texto caso substítuidos. Para exemplificar, Martino (2014) faz uso do vestuário:
Yuri Lotman foi um dos estudiosos que contribuíram significantemente com a escola
soviética da semiótica, introduzindo a ideia de semiosfera. Esta nada mais é que o
universo de signos de cada pessoa, capaz de definir e limitar cada ser. A limitação
surge a partir do momento em que cada produção cultural utiliza-se de signos
previamente existente nesta semiosfera para que possa produzir novos: é o
fenômeno da reciclagem de ideias. Como exemplo, Martino (2014, p. 123) menciona
que ao escrever uma nova obra, escritores fazem uso de seu universo de
referências prévias. Um músico irá conceber uma nova letra ou melodia a partir da
bagagem de significados que acumulou em sua carreira. Da mesma forma, um
estilista irá desenvolver uma nova coleção de roupas com base em ideias estéticas
vividas previamente.
Peirce se dedicou ao estudos dos fenômenos sígnicos, definindo três óticas sob as
quais quaisquer experiências podem ser analisadas: a qualidade, a relação e a
representação, cujos termos posteriormente foram fixados como Primeiridade,
Secundidade e Terceiridade. Conforme Santaella (2012) afirma, estes se referem,
respectivamente, ao que já está imediatamente presente na consciência do sujeito; o
sentimento, reação ou comoção do sujeito mediante tal estímulo; e a percepção ou
interpretação mediante os signos apresentados.
35
Tendo definido que os signos são regidos por esta natureza tríadica, Peirce ainda
elaborou dez tricotomias sob os quais os fenômenos sígnicos podem ser analisados,
focando seus estudos nas três principais: suas relações consigo mesmo; com seu
objeto dinâmico e com seu interpretante. O autor desenvolve:
Estas três tricotomias e suas subdivisões tríadicas são resumidas por Santaella na
imagem a seguir:
Tais conceitos da semiótica Pierciana podem ser aplicados ao estudo da moda para
decodificar seus processos de significação. Barnard estuda a relação entre
indumentária e signos, ainda que sob ótica Sausurriana, numa tentativa de
desvendar a produção dos significados na moda, discutindo seu papel na vida social
e nas questões de poder e ideologia.
Barnard exemplifica: “um colarinho de homem, usado aberto e sem gravata, pode
(...) significar informalidade ou displicência; não é, ele mesmo, nenhuma dessas
coisas, mas as substitui ou representa” (2003, p. 123). Percebe-se que não apenas
o vestuário como objeto é capaz de gerar significado, mas também como a forma
nas quais as peças de roupas são coordenadsa e apresentadas.
acessório como exemplo, uma bolsa de mão difere-se de um óculos por conta de
suas qualidades intrísecas.
Observa-se que a análise signica do vestuário não deve ser concentrada apenas em
sua materialidade. Ao se estudar a peça de roupa como qualissigno, suas próprias
qualidades carregam uma carga semântica sob diversos aspectos - sua forma de
uso, cores, tecidos, entre outras especificidades, são alguns dos fatores que
contribuem para expandir a complexidade de seus processos signicos.
emoções como poder ou fragilidade. O símbolo, por sua vez, é um dos recursos
mais utilizados por esta indústria. Esta subdivisão de terceiridade trata das
propostas artificiais, cujos significados são definidos por leis ou convenções sociais.
É o caso da própria questão entre vestuário e gênero: uma peça de roupa não é a
materialização do sexo de um sujeito, mas a representa por conta da normatividade
regente.
Dando continuidade aos estudos deste projeto, o próximo capítulo irá aplicar as
teorias de Peirce apresentadas nas últimas páginas em cases publicitários do
segmento da moda. Para tal, as análises se concentrarão na primeira tríade
estudada. A segunda tricotomia foca no significado do sígno através de seu objeto
dinâmico, sendo especialmente indicada para estudos sociológicos e ou de gênero,
ao passo que a terceira – analisando o signo pelo seu interpretante – seria mais
indicado para pesquisas de público alvo.
5. ESTUDO DE CASES
Adiante, foram escolhidos dois diferentes casos para serem analisados. Ambos
tratam de marcas com décadas de existência e já consolidadas no mercado de
moda. Elas possuem em comum a característica de não demonstrarem, ao longo de
suas histórias, discursos que contemplam sujeitos de gêneros e identidades não
normativas – mas que engajaram recentemente em campanhas de comunicação
que trazem representatividade para tais manifestações. No entanto, uma foi
aclamada pela crítica, enquanto outra teve baixíssima receptividade. Mediante
comparação, o estudo destes dois momentos pode trazer reflexões produtivas sobre
as formas adequadas de se comunicar com este público.Vale observar que a origem
do material do primeiro caso é uma campanha em filme, motivo pelo qual permite-se
uma análise mais profunda através de seus fotoquadros em comparação com a
segunda, que trás apenas duas imagens.
5.1.1 Contexto
A administração familiar sofre uma mudança nos anos 90, quando o estilista Tom
Ford é contratado. A estrutura genealógica rompe-se definitivamente em 93, quando
Maurizio Gucci vende todas as ações da empresa para investidora Investcorp. Neste
ponto, não há mais nenhum membro da família Gucci trabalhando para a grife
homônima. No ano seguinte, Ford é promovido a diretor criativo e se torna
41
Figura 4 – As mulheres da Gucci na era Tom Ford e Frida Giannini (1995, 1996, 2000, 2006, 2009,
2014).
Fonte: Vogue.
A Figura 4 mostra que a Gucci de Ford e Gianinni traz uma imagem com arquétipos
tradicionalmente femininos. O colo a mostra, o uso de salto alto, as modelagens
justas nas pernas e até mesmo as escolhas de beleza com maquiagem dando
destaque aos olhos são índices do que imagina-se como mulher no senso comum
ocidental. Esta análise histórica é fundamental para compreender o impacto do
público perante a próxima fase da maison italiana, foco deste estudo.
O caso que será analisado sob a ótica de Peirce é o vídeo produzido para a
campanha da coleção Primavera/Verão 2016, publicado em janeiro do mesmo ano,
completando o aniversário de um ano de Michele na direção da marca. O filme foi
dirigido por Glen Luchford com direcionamento criativo do próprio Michele. A peça é
claramente inspirada no filme Christiane F., 1981, do diretor Uli Edel. A seguir, serão
apresentados fotoquadros do anúncio.
42
Fonte: YouTube
Tendo tais ícones apresentados, pode-se refletir sobre os índices por eles indicados,
agora em caráter de secundidade. Como foi observado ao longo deste estudo, o uso
de estampas no geral – em especial, a floral – é um elemento que, normativamente,
indicia feminilidade. O mesmo se aplica ao uso dos tons pastel, como o turquesa e o
rosa bebê. Percebe-se também que a manga do blazer é relativamente mais curta
que o comumente utilizado em peças masculinas. Em contrapartida, o personagem
está se locomovendo através de um skate – este, no entanto, é elemento
majoritariamente associado ao sexo masculino junto a todas as ideias que ele trás,
como a aventura, o perigo, a malandragem. Percebe-se, desde já, a intenção da
marca em misturar elementos do universo masculino e feminino num mesmo sujeito.
43
Fonte: YouTube
Fonte: YouTube
Fonte: YouTube
5.2.1 Contexto
5
O termo fast fashion, do inglês moda rápida, é utilizado para designar as empresas de moda de produção em
larga escala. As marcas criam suas peças com base nas tendências lançadas pelas grifes de luxo, lançando-as no
er ado e u urto espaço de te po. Neste étodo, os te idos usados são mais baratos e as técnicas de
o strução são adaptadas par a a ter aixo o preço de produção dessas peças DILLON, , p. 4 .
50
Fonte: Zara.com
Em uma reflexão sobre a terceiridade dos signos deste anúncio, pode-se afimar que
a Zara tentou eliminar todas as referências de gênero do anúncio para criar uma
impressão neutra. No entanto, nota-se que apenas as referências de feminilidade
51
foram excluídas. Ao isolar o homem da imagem, sua figura continua com todas as
referências que indiciam o vestuário masculino.
O lançamento desta coleção gerou diversas críticas nas redes sociais e na mídia. A
seção financeira do New York Times afirma que os consumidores se decepcionaram
ao encontrar uma linha composta, basicamente, de roupas masculinas em corpos
femininos, afirmando que isto não é algo progressivo suficiente para muitos. O portal
Mashable destaca em sua manchete que é problemático que a Zara chame
moletons de "genderless" - entrevistados para a matéria demonstram anseio com a
obsessão da indústria na neutralidade de gênero e na forma como estão
apresentando esta ideia como mera tendência lucrativa. A Dazed Magazine mostra
ambos os argumentos negativos e favoráveis: apesar de destacar a importância de
que esta bandeira seja levantada numa corporação presente em 88 países, critica
que os anúncios trazem apenas modelos cisgêneros, enquanto poderia ter
apresentado sujeitos que de fato representam a luta contra a binaridade e
normatividade.
valor das ações da Inditex, grupo que detém a marca Zara, permaneceu o estável ao
comparar os meses de março de 2016 (quando a linha foi lançada) e o mesmo mês
do ano anterior.
Vale a ressalva que, apesar do impacto na mídia, este caso tem proporções
consideravelmente menores que o analisado anteriormente. A coleção – uma entre
várias que a empresa lança anualmente – contém apenas 10 peças, lançadas em
poucos países, ao contrário da Gucci que mudou completamente seu
direcionamento conceitual e estético com a mudança de seu diretor criativo.
53
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
trouxesse, de fato, sujeitos que representam esta luta. E isto é algo de extrema
importância para que suas existências saiam da margem da sociedade.
Sobre como o assunto tem tido destaque nas empresas de moda, a repórter Mary
Rizzo redigiu o seguinte para o portal da CNN. Sua opinião retrata com excelência
opiniões pessoais do autor sobre a pauta:
São muitas as possibilidades que o tema escolhido oferece. O mesmo assunto pode
ser analisado através de diversas ferramentas, como o marketing, a sociologia ou a
psicologia. Conclui-se, através dos estudos que deram embasamento para este
projeto, que são muitas as formas que o ser humano utiliza para expressar sua
própria identidade. O vestuário é uma delas, e conforme visto, as diferentes peças
que fazem parte de um guarda-roupa carregam grandes cargas semânticas. Como
forma de expressão, a moda muitas vezes é utilizada para comunicar aspectos
intrísecos do ser humano – se vestir pode se tornar um ato político. A visibilidade
crescente do movimento LGBT e dos indivíduos não binários, agora validados como
mercado financeiro, chama a atenção das empresas do segmento. Questiona-se, no
entanto, sobre o uso de pautas de caráter social para fins lucrativos.
56
7 . REFERÊNCIAS
ADAMCZYK, Alicia. Zara‟s „Progressive‟ Clothing Line Misses the Mark for
Some. New York Times. Disponível em <http://time.com/money/4248373/zara-
ungendered-clothing-line/>. Acesso em 15 maio 2016.
Agência Brasil. Parada do Orgulho LGBT é evento que atrai mais turistas para
São Paulo, diz diretor da SPTuris. Disponível em: <
http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2011-06-23/parada-do-orgulho-lgbt-
e-evento-que-atrai-mais-turistas-para-sao-paulo-diz-diretor-da-spturis>. Acesso em:
01 março 2016.
BULLOUGH, Vern. Before Stonewall: Activists for Gay and Lesbian Rights in
Historical Context. Routledge, 2002.
KINSEY, Alfred. Sexual Behavior in the Human Male. Indiana University Press,
1998.
MELO, Débora. Zara assina termo de combate ao trabalho escravo que prevê
multa de R$ 50 mil. UOL Notícias. Disponível em
<http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2011/12/19/zara-assina-termo-
de-combate-ao-trabalho-escravo-que-preve-multa-de-r-50-mil-para-cada-fornecedor-
irregular.htm>. Acesso em 15 maio 2016.
MILLER, Claire Cain. The Search For The Best Estimate of the Transgender
Population. The New York Times. Disponível em <
http://www.nytimes.com/2015/06/09/upshot/the-search-for-the-best-estimate-of-the-
transgender-population.html?_r=0>. Acesso em 13 março 2016.
RIZZO, Mary. Runway revolution: Can we tie unisex fashion trends to gender
equality?. CNN. Disponível em <http://edition.cnn.com/2016/01/14/fashion/unisex-
fashion-gender-equality/>. Acesso em 15 maio 2016
SANTAELLA, Lúcia. O que é Semiótica. São Paulo, São Paulo: Editora Brasiliense,
2012.
SANTAELLA, Lúcia; NOTH, Winfried. Comunicação e Semiótica. São Paulo:
Editora Hacker, 2004
59
SCHMIDT, Nadia. As marcas não estão entendendo o que é fazer roupas sem
gênero. Huffpost Brasil. Disponível em <http://www.brasilpost.com.br/nadia-
schmidt/as-marcas-nao-estao-enten_b_9474376.html>. Acesso em 15 maio 2016.
United Nations Free & Equal. Sexual Orientation and Gender Identity are Nothing
New: LGBT people have been part of all societies througout history. Disponível
em <https://www.unfe.org/en/actions/idahot-infographic>. Acesso em: 07 março
2016.