Você está na página 1de 59

UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO

CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

HABILITAÇÃO EM PUBLICIDADE E PROPAGANDA

IDENTIDADE E SEMIÓTICA: MANIFESTAÇÕES DE GÊNERO NA

PUBLICIDADE DE MODA

FERNANDO CYSNEIROS FERNANDES DOS SANTOS

RECIFE - PE
MAIO/2016
UNIVERSIDADE CATÓLICA DE PERNAMBUCO

CURSO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

HABILITAÇÃO EM PUBLICIDADE E PROPAGANDA

IDENTIDADE E SEMIÓTICA: MANIFESTAÇÕES DE GÊNERO NA

PUBLICIDADE DE MODA

Monografia apresentada ao curso de Comunicação


Social da Universidade Católica de Pernambuco
como requisito parcial para a obtenção do título de
Bacharel em Publicidade e Propaganda sob a
orientação do Prof. Mestre Rodrigo Duguay da
Hora Pimenta.

RECIFE - PE
MAIO/2016
DEDICATÓRIA

Dedico este projeto para minha mãe e minha avó,


que sempre estiveram ao meu lado durante todos os
anos acadêmicos. Para todo o corpo docente da
Universidade Católica de Pernambuco, que me
forneceu todo o conhecimento necessário para
produção desta monografia.

Para todos aqueles que, de alguma forma, sentem


que não se encaixam no padrão da sociedade. Para
aqueles perseguidos por fanatismos extremistas,
oprimidos e silenciados por um sistema
normatizador, que encontrem neste projeto
momentos de refúgio e iluminação.
AGRADECIMENTOS

Agradeço a todos que contríbuiram, de alguma forma, para que chegasse aqui. A
todo o corpo docente da Unicap, por todos os anos de aprendizado, e ao meu
orientador Rodrigo Duguay por acreditar no tema e por me guiar ao longo do
processo de pesquisa.

Aos meus familiares por todo o apoio durante estes anos acadêmico, especialmente
minha mãe, Susie Cysneiros e avó, Rizomar Cysneiros, por todo o amor e as
condições dadas para que me dedicasse aos estudos.

Para todos os colegas que o ambiente acadêmico me trouxe, principalmente aqueles


que levaram a fraternidade para além do campus e que, apesar dos desencontros
ao longo dos períodos, mantiveram a amizade. Aos meus amigos, que tantas vezes
me apoiaram, consolaram e iluminaram durante todo o curso. Agradeço muitíssimo
também para todas as empresas e pessoas para as quais atuei como profissional
antes de me graduar pela paciência, pelo conhecimento e pela flexibilidade que me
permitiu estudar e trabalhar simultaneamente. Meus sinceros agradecimentos!
“We act as if that being of a man or that
being of a woman is actually an internal
reality or something that is simply true about
us, a fact about us, but actually it's a
phenomenon that is being produced all the
time and reproduced all the time, so to say
gender is performative is to say that nobody
really is a gender from the start.”
(Judith Butler)
6

RESUMO

A publicidade constantemente faz uso dos arquétipos de gênero para criar seus
personagens: homens e mulheres são demonstrados através de estereótipos
socialmente aceitos. No entanto, observa-se o crescimento de um movimento que
clama por maior aceitação dos sujeitos que não se identificam com a masculinidade
tampouco com a feminilidade. A mídia os denomina de “genderless”, ou gênero
neutro. O segmento da moda, que sempre acompanhou as transformações culturais
da sociedade, tem se apropriado deste discurso para criação de campanhas. Com
isto em mente, este projeto pretende analisar como esta tendência de mercado se
manifesta nos anúncios das marcas Gucci e Zara utilizando a análise semiótica de
Peirce. O início do estudo dedica-se a discussão da história das manifestações de
identidades de gênero, a formação do movimento LGBT e sua validação como
mercado financeiro. Refletindo sobre como o ser humano manifesta sua própria
identidade através do vestuário e como os conceitos de masculinidade e
feminilidade foram construídos socialmente, cria-se um cenário para analisar a
maneira como estes signos são aplicados na publicidade. Adiante, parte-se para
explicações sobre a metodologia escolhida e o estudo dos casos escolhidos. Através
dos capítulos, o autor espera fomentar uma reflexão sobre a performance e os usos
da publicidade como elemento importante para a desconstrução dos papeis de
gênero.

Palavras-chave: identidade de gênero, genderless, movimento LGBT, mercado de


moda, semiótica.
7

ABSTRACT

Advertising campaigns are constantly using gender archetypes to create it’s


characters by representing men and women through socially accepted stereotypes.
However, a movement claiming for more acceptance towards people that don’t fit
within the gender binary has been growing during the past few years. The media is
referring to it as “genderless”, or gender neutral. The fashion industry, which
has always followed societal and cultural transformations, has been using this as a
subject for various campaigns and clothing lines. With that in mind, this project
intends to analyze this market trend by observing ads from Gucci and Zara using
Peirce’s semiotic analysis. The first chapters of this study are dedicated to discuss
the history of gender identities, the creation of the LGBT movement and its validation
as a profitable niche. By reflecting on how the human being express his/hers own
identity through clothing and how the concepts of masculinity and femininity were
socially constructed, this project will identify how these signs were applied on
advertising campaigns. The second half of this study aims to explain the
methodology and the study of the chosen cases. Through these chapters, the author
hopes to promote a reflection about the performance and uses of advertising as an
important element on the deconstruction of gender roles.

Keywords: gender identity, genderless, LGBT movement, fashion industry, semiotics.


8

LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Mercado LGBT ao redor do mundo................................................... 23


Figura 2: Eixo paradigmático e sintagmático de Sausurre................................ 33
Figura 3: Tricotomias de Peirce........................................................................ 36
Figura 4: As mulheres da Gucci na era Tom Ford e Frida Giannini (1995, 41
1996, 2000, 2006, 2009, 2014)..........................................................................
Figura 5: Campanha Gucci Verão 2016 (Fotoquadro 1)................................... 42
Figura 6: Campanha Gucci Verão 2016 (Fotoquadro 2)................................... 44
Figura 7: Campanha Gucci Verão 2016 (Fotoquadro 3)................................... 46
Figura 8: Campanha Gucci Verão 2016 (Fotoquadro 4)................................... 47
Figura 9: Campanha Zara “Ungendered”.......................................................... 50
9

LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Conquistas do movimento LGBT no mundo após Stonewall....... 19


Quadro 2: Evolução resumida da sigla no Brasil.......................................... 21
10

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO.............................................................................................. 11

2. GÊNERO E SEXUALIDADE: UM PANORÂMA GERAL............................... 14

2.1 Identidades ao longo da história............................................................ 14

2.2 Surgimento e consolidação da militância LGBT.................................... 17

2.3 Sopa de letrinhas: o alfabeto do movimento.......................................... 19

2.4 Mercado LGBT e o “Pink Money” .......................................................... 22

3. O VESTUÁRIO COMO ELEMENTO CONSTRUTOR DE GÊNERO............ 25

3.1 Moda e comunicação............................................................................. 25

3.2 Conceitos de masculinidade e feminilidade na moda............................ 27

3.3 A inversão dos papeis de gênero através do vestuário......................... 30

4. GÊNERO, VESTUÁRIO E SEMIÓTICA........................................................ 32

4.1 Uma visão geral da semiótica................................................................ 32

4.2 Semiótica Peirceana.............................................................................. 34

4.3 Peirce aplicado: processos de significação do vestuário....................... 36

5. ESTUDO DE CASES.................................................................................... 39

5.1 A Gucci de Alessandro Michele............................................................. 40

5.1.1 Contexto......................................................................................... 40

5.1.2 Analise semiótica........................................................................... 42

5.1.3 Recepção do anúncio.................................................................... 48

5.2 A Zara e a linha “Ungendered” .............................................................. 49

5.2.1 Contexto......................................................................................... 49

5.2.2 Analise semiótica........................................................................... 50

5.2.3 Recepção do anúncio.................................................................... 51

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................... 53

7. REFERÊNCIAS............................................................................................. 56
11

1. INTRODUÇÃO

O estudo da publicidade ensina aos seus alunos que, muitas vezes, os anúncios
fazem uso de arquétipos reconhecíveis pelo público alvo para que a mensagem seja
decodificada com maior facilidade pelos seus receptores, buscando antigir os
objetivos de comunicação do cliente em questão. Desta forma, observa-se que
muitos modelos acabam sendo reutilizados com frequência na publicidade. É o caso
das famílias em comerciais de margarina, os personagens femininos em
propagandas de cerveja, entre outros. O uso destes “clichês” se torna ferramenta
para que o conteúdo seja decifrado com maior agilidade e sem ruídos.

No entanto, em tempos em que a população possui cada vez mais acesso a


informação, cresce a carga de consciência política dos indivíduos. Deve-se tomar
cuidado para não reinforçar estereótipos prejudiciais para certos grupos da
sociedade. É o caso, por exemplo, das maneiras como as identidades masculinas e
femininas são reproduzidas na publicidade. É notável que tem se tornado
verdadeiros fiscais quanto a estes aspectos – ainda sobre o caso da figura da
mulher em propagandas de cerveja, o CONAR (Conselho Nacional de
Autorregulamentação Publicitária) frequentemente é acionado com denúncias de
hipersexualização do sexo feminino e machismo, resultando na retirada de anúncios
do ar.

Para que a publicidade não contribua ainda mais com a vitaliciedade destes
estereótipos negativos, deve-se tomar cuidado não só com a forma com as quais os
personagens normativos são demonstrados, mas também com a inclusão de grupos
já marginalizados pela sociedade. A não visibilidade destes sujeitos na mídia acaba
por afastá-los ainda mais de serem socialmente aceitos. É o caso, por exemplo, da
comunidade LGBT.

O debate é atual e ainda há muito o que se falar sobre as maneiras com as quais a
publicidade faz uso das manifestações e performances de gênero. Recentemente,
observa-se o crescimento de movimentos que clamam pela aceitação dos indivíduos
não-binários, ou seja, aqueles que não se identificam nem com a masculinidade
sequer com a feminilidade.
12

Por outro lado, o universo da moda sempre refletiu – ou, ainda, colocou-se à frente –
(d)as transformações da sociedade. Uma das maiores demonstrações de sua
atuação política foi a popularização do uso de calças pelas mulheres a partir do
momento em que elas ingressam o mercado de trabalho, fato que será estudado
com maior profundidade adiante. Atualmente, o segmento mais uma vez faz uso do
discurso de gênero, e muitas marcas apostam no lançamento de coleções cujo mote
gira em torno do abandono das fronteiras entre homem e mulher. São linhas
contendo artigos de vestuário que, ao contrário do praticado tradicionalmente no
mercado, não dividem-se entre seções femininas e masculinas – as peças são feitas
para que ambos possam usar. É o chamado “genderless”.

Tendo isto em vista, o presente estudo tem como objetivo analisar de que forma a
propaganda contemporânea está demonstrando este novo momento da sociedade
perante as questôes de gênero – em especial, a publicidade de moda.

Numa primeira metade, há a contextualização sobre as diferentes performances e


identificações do ser humano com seu gênero, refletindo-se também sobre como o
sujeito faz uso de artefatos visuais em seu próprio corpo para manifestar a forma
como se reconhece. Já na segunda metade, o foco fica por conta do objeto de
estudo, cuja a ferramenta escolhida para analisá-lo é a semiótica de Peirce.

Manifestações não normativas e não binárias de gênero fazem parte da história da


humanidade. Este contexto é estudado com maior profundidade no segundo
capítulo, abordando o surgimento dos papeis de gênero e os eixos matriarcais e
patriarcais das sociedade. Em seguida, analisa-se de que forma estes sujeitos cujas
identidades fogem do padrão masculino/feminino/heterossexual passararam a ser
repreendidos pela sociedade e o início da formação do movimento LGBT. Este
segmento do estudo finaliza com um panorama atual do movimento e seu
reconhecimento como mercado financeiro, fator importante para refletir-se sobre os
motivos que leva a indústria de moda a levantar esta bandeira.

Ao longo do terceiro capítulo, o foco fica dedicado à reflexão da construção das


identidades de gênero a partir da forma como o ser humano se expressa com a
13

ornamentação de seu próprio corpo, analisando primeiramente em que termos a


moda caracteriza-se como forma de comunicação.

A segunda metade desta monografia dedica-se ao objeto de estudo em si. No


capítulo 4, a partir de elementos semióticos, analisa-se a carga semântica envolvida
na construção das identidades de gênero que, como instrumentos sígnicos,
precisam do vestuário para representar parte dos valores culturais emanados desta
identidade. Portanto, o vestir seria elemento indicial e revestido de significado,
contribuindo para a compreensão das representatividades dos gêneros trans na
publicidade de moda atual. Parte-se, então, para um estudo geral sobre as
semióticas – em especial, a de Peirce, ferramenta escolhida para o estudo dos
casos, que ocorre no quinto segmento desta monografia.

Diante este desenvolvimento, espera-se ponderar as diferentes formas que a


publicidade está se apropriando deste discurso. Ainda, vale considerar se este uso
das manifestações alternativas de gênero na propaganda de moda é um elemento
tratado como mera tendência lucrativa de mercado ou, de fato, um ato político.
14

2. GÊNERO E SEXUALIDADE: UM PANORÂMA GERAL

2.1 identidades ao longo da história

A diversidade sexual e de gênero, além dos papéis conhecidos classicamente como


“heterossexual”, “masculino” e “feminino”, existe desde a formação das primeiras
sociedades humanas. Okita (2015, p. 21) estuda que as relações entre pessoas do
mesmo sexo chegava a ser mais frequente que as heterossexuais nas tribos
primitivas, protagonizando diversos rituais religiosos. Naphy (2006, p. 23) corrobora
com a afirmação, afirmando que a prática homossexual era comum nas culturas do
Próximo Oriente entre 3.000 aC e o início da era cristã.

Relatórios antropológicos também apontam que expressões de gênero do que


contemporaneamente seriam definidos como travestis, tanto masculinos quanto
femininos, foram identificadas na parte majoritária das tribos da América do Norte.
Nestas primeiras organizações após a evolução do humano nômade, tais pessoas
seriam encaradas como seres superiores – ou ainda, mágicos.

Não existe indicação de que os índios norte-americanos tivesem algum


preconceito contra o homem que tinha relação sexual com outro do mesmo
sexo, que assumia os atos e vestimentas de uma mulher. Ao contrário, essa
pessoa era considerada grande aquisição e o homem efeminado não era
odiado, mas sim respeitado pelo seu povo e, na sua maioria, eram feiticeiros
(WESTERMARK, 1906, apud OKITA, 2015, p. 23).

Okita (2015, p. 25-43) aponta alguns motivos pelos quais essas sociedades
primitivas estivessem livres de quaisquer manifestações de repressão LGBTfóbica1:
a ausência de classes, a não imposição do cristianismo europeu (colonização) e a
estrutura matriarcal.

A ideia de paternidade ainda não existia. Primordiamente, a descendência da mãe


era o eixo utilizado para transferência de bens. A riqueza de um homem não
passava para seus filhos, mas sim para suas irmãs, uma vez que não se conhecia a
ideia de paternidade (OKITA, 2015, p. 26). Esm certo ponto, descobriu-se que era
necessário o sexo entre um homem e uma mulher para a reprodução. Ainda, com o

1
Palavras como homofobia, lesbofobia, bifobia, transfobia e LGBTfobia foram criadas e difundidas entre os
anos 70 e 90 nos Estados Unidos, segundo a psicóloga Juliana Spinelli Ferrari. No entanto, o termo
LGBTfobia será utilizado ao longo deste estudo para se referir a quaisquer atitudes de repressão contra
indivíduos cuja orientação sexual, identidade ou expressão de gênero difiram da “normatividade” cisgênero
e heterossexual, ainda que em contextos históricos anteriores a concepção destas definições.
15

desenvolvimento de novas tecnologias, o homem passou a acumular mais riquezas


que outros (animais domesticados, cereais e outros produtos), dando origem às
classes. Com as novas concepções de herança e riquezas, o homem passou a
exigir que seus bens passassem para seus próprios filhos, permitindo-os continuar a
acumulação material.

A instalação da estrutura patriarcal nestas sociedades primitivas trouxe novas


normas sociais para os diferentes papeis de gênero, uma vez que a mulher agora
estaria condicionada às relações monogâmicas para que os pais não duvidassem da
paternidade de seus filhos, ainda segundo Okita. A sexualidade – antes considerada
apenas um instinto natural – recebe uma conotação negativa, agora que seus atos
poderiam interferir no controle social. A mulher teve suas relações (tanto hetero
como homossexuais) limitadas pelo patriarcado, enquanto a relação homossexual
entre homens passou a ser considerada improdutiva por não gerar herdeiros.

Historicamente, parte majoritária da fé de caráter politeísta tratava a


homossexualidade como algo comum, existente entre seus próprios deuses,
conforme relatos da antiga fé Grega e Egípcia. No entanto, as religiões monoteístas
derivadas do personagem bíblico Abraão – judaísmo, cristianismo e islamismo –
trouxeram crenças que condenaram as expressões hoje conhecidas como LGBT
(NAPHY, 2006, p. 38-58).

Estes códigos religiosos recriminaram atos como espiritualismo, blasfemia, adultério,


alcoolismo e relações sexuais antes do casamento (esta apenas para mulheres),
assim como as práticas homossexuais. Para Naphy, as religiões abraâmicas
também contribuíram para a ideia de que o sexo serve apenas para fins reprodutivos
– aqueles que o fizessem apenas por prazer carnal seriam considerados pecadores.
O autor chega a afirmar que a propagação destes valores entre os anos 1550 e
1800 dC teria contribuído para a estrutura de leis e hábitos culturais que, ainda em
dias atuais, marginalizam a comunidade LGBT.

A UNFE, campanha em prol dos direitos LGBT liderada pela Organização das
Nações Unidas (ONU), também destaca alguns fatos históricos sobre a diversidade
sexual e de gênero ao redor do mundo: em Portugal, entre os séculos 16 e 19,
16

comunidades de homens e mulheres foram perseguidas pela Inquisição por


naturalizar os relacionamentos homoafetivos; na Itália, durante o período do
Renascimento, o termo "amor masculino" era utilizado para descrever relações
homossexuais entre homens - mencionado frequentemente nos poemas de
Michelangelo; na Rússia, a tribo indígena Chukchi identifica 7 outros gêneros além
de masculino e feminino; na China, até o século 17, homossexualidade era
considerada um sinal de elitismo cultural; em Samoa, na Polinésia, Fa'afine é a
definição para um terceiro gênero na cultura local, consistindo de pessoas
designadas homens ao nascer mas com expressões que abraçam tanto o
comportamento masculino quanto o feminino; na África do Sul, entre os séculos 16 e
20, mulheres abastadas poderiam casar com outras (mesmo que já tivessem um
relacionamento com homens), pois manter muitas esposas era visto como um sinal
de prosperidade.

Quanto às expressões de transsexualidade, conforme dito anteriormente, relatos de


sociedades primitivas confirmam a presença de membros que transgrediam as
noções comuns de gênero. Allen (2008) reconhece que nas primeiras civilizações da
Europa, Asia e África, diferentes tribos veneravam aquilo que chamavam de “The
Great Mother”; são entidades religiosas que, ainda que designadas com o sexo
masculino ao nascer, teriam sido castradas e assumindo posteriormente uma
identidade feminina. Isto ocorreu no período Paleolítico, com relatos na
Mesopotamia, Assíria e Babilônia. Já no período medieval, no ano 60 dC, o
imperador romano Nero teria mandado emascular um jovem chamado Sporus e o
levado como sua esposa, em trajes de imperatriz, numa cerimônia pública. Estas
são apenas algumas das manifestações na antiguidade do que entende-se
atualmente como transgeneridade.

O médico e militante alemão Magnus Hirschfeld foi o primeiro a usar o termo


“transexual”, já em tempos modernos, segundo estudos de Allen (2008). Em 1919,
ele fundou seu Institut für Sexualwissenschaft, a primeira clínica para atender
homens e mulheres transexuais, assim como começou a desenvolver estudos sobre
o comportamento. Foi nesta clínica que ocorreu a primeira cirurgia de redesignação
sexual, sendo a recipiente Lili Elbe, cuja história foi recentemente transformada em
17

produção cinematografica com o longa A Garota Dinamarquesa, do diretor Tom


Hooper, em 2015. Os estudos de Hischfeld e sua equipe culminaram na abertura de
sua própria biblioteca sobre sexualidade – que infelizmente viera a ser queimada em
1933 durante a perseguição nazista (Tatchell, 2015). Durante a mesma época,
surgem os primeiros movimentos de militância LGBT.

2.2 Surgimento e consolidação da militância lgbt

Hirschfeld, além de pioneiro nos estudos sobre a transexualidade, também fundou a


primeira organização pela luta dos direitos LGBT no mundo, em 1897. Segundo
Okita (2015, p. 47), “o foco ativista do Comitê, durante mais de duas décadas, foi a
campanha em prol da abolição do parágrafo 175”. Esta lei declarava que atos
homossexuais entre homens eram ilegais segundo o Código Penal alemão. A
organização recolheu assinaturas de personalidades do campo artístico, médico e
científico, contando com o apoio de nomes como Albert Einstein. Em 1933, as
atividades do grupo foram paralisadas por conta do nazismo, que acabou por
exterminar mais de 100 mil homossexuais em seus campos de concentração.

Apesar do hiato dos movimentos LGBT durante a Segunda Guerra Mundial, o fim do
combate político trouxe grandes avanços na luta pela igualdade. Grupos surgiram e
ressugiram tanto na Europa quanto nos Estados Unidos – “ONE, Inc” foi o primeiro
das Américas, apoiado financeiramente por Reed Erickson, homem transexual de
destaque por suas ações filantrópicas (BULLOUGH, 2002, p. 43). Nesta época,
tornou-se comum o termo “homophile”, enfatizando o sentimento de amor em vez da
atração sexual. Entre 1945 e 1969, os grupos comandaram diversas ações em
pequena escala, culminando no grande marco: Stonewall.

Em 28 de julho de 1969, a polícia de Nova York fez uma invasão rotineira num
bar homossexual chamado Stonewall Inn, forçando os fregueses a sairem às
ruas. Ao invés de fugir, eles, liderados por travestis, trancaram os policiais no
bar, incendiaram e atiraram pedras e garrafas enquanto os policiais tentavam
sair. Houve quatro noites de confrontos violentos entre a polícia e homossexuais
nas ruas de Nova York (OKITA, 2015, p. 63).

Os acontecimentos marcaram profundamente a história da comunidade. No


aniversário de um ano da rebelião, aconteceu a primeira Parada do Orgulho LGBT,
que até hoje acontece anualmente (OKITA, 2015, p. 64). Em 1973, a
18

homossexualidade foi retirada da lista de doenças mentais da Associação


Americana de Psiquiatria.

Tais movimentos europeus e norte-americanos impulsionaram a criação de grupos


militantes no Brasil (OKITA, 2015, p. 75). Formou-se o “Núcleo de Ação pelos
Direitos do Homossexual”, que em 1979 passou a se chamar Somos – Grupo de
Afirmação Homossexual. Uma de suas primeiras missões foi defender o jornal
Lampião da Esquina, jornal alternativo com foco em pautas homossexuais que foi
alvo da Lei de Imprensa2.

A primeira mobilização do Somos ocorreu no dia 20 de novembro do mesmo ano,


levando faixas contra a discriminação racial assinadas pelo grupo homossexual
durante a comemoração do Dia de Zumbi. Novos grupos foram criados e o Lampião
da Esquina organizou o I Encontro Brasileiro de Grupos Homossexuais, realizado
em São Paulo em 1980, contando com mais de 800 participantes. Atualmente, a
capital paulista recebe milhões de pessoas para a Parada do Orgulho LGBT e é o
evento que mais atrai turistas para a cidade segundo Luiz Sales, diretor da SPTuris,
empresa estatal responsável pelo turismo da região.

Desde Stonewall, foram muitas as conquistas dos movimentos que lutam pelos
direitos LGBT em todo mundo, conforme Quadro 1.

2
A Lei de Imprensa foi estabelecida em 1967 pela ditadura, dando poder ao governo de censurar ou até
mesmo fechar veículos de comunicação sob o pretexto de manter a moral e os bons costumes (OKITA,
2015, p. 70).
19

Quadro 1 – Conquistas do movimento LGBT no mundo após Stonewall

ANO ACONTECIMENTO
1969 A homossexualidade é legalizada no Canadá.
1972 A Suécia se torna o primeiro país no mundo a permitir legalmente a redesignação
sexual de transsexuais, fornecendo terapias hormonais gratuitamente.
1973 Australia e Nova Zelândia se tornam os primeiros países a remover a
homossexualidade de suas listas de doenças mentais. No mesmo ano, os Estados
Unidos tomaram a mesma decisão.
1981 A Noruega é o primeiro país a decretar uma lei para previnir a discriminação contra
homossexuais.
1986 Ocorre a primeira decisão judicial americana que deu direitos legais a um casal
homoafetivo.
1989 A Dinamarca é o primeiro país a decretar leis de acordos similares à união civil para
casais homoafetivos.
1990 A Organização Mundial de Saúde (OMS) remove a homossexualidade de sua lista de
doenças.
1992 Australia e Canadá banem a proibição de alistamento de homossexuais ao exército.
1993 O preseidente Clinton autorizou a política “Don’t Ask, Don’t Tell”, permitindo gays e
lésbicas a servirem ao exército contanto que não se assumissem.
2008 Brasil inclui a cirurgia de redesignação sexual no Sistema único de Saúde (SUS) nos
hospitais públicos.
2010 A adoção por casais homoafetivos é autorizada pelo Superior Tribunal de Justiça no
Brasil.

2010 Estados Unidos bane a política “Don’t Ask, Don’t Tell” de 93, permitindo que
homossexuais assumidos façam parte do exército.
2013 Brasil autoriza o casamento homossexual.
2015 Os Estados Unidos alteram sua legislação, dando direito a casais homoafetivos de se
casarem com os mesmo benefícios e direitos das uniões heterossexuais.

Fontes: Universidade do Sul da Califórnia, Portal Terra, Wikipedia.

2.3 Sopa de letrinhas: o alfabeto do movimento

Desde os acontecimentos de Stonewall, os movimentos de politização LGBT


passaram por diversas mudanças em suas denominações e siglas. Independente de
sua nomeclatura, pode-se dizer que o grupo sempre foi composto por pessoas que
não se enquadram nas normatividades sexuais e de gênero, sejam elas referentes à
orientação, identidade ou expressão3. No entanto, a nomeclatura da militância nem
sempre refletiu esta diversidade. No Brasil, as transformações ocorreram
3
Orientação sexual fala sobre quem a pessoa sente afetividade: sejam pessoas do mesmo sexo
(homossexuais), sexo oposto (heterossexuais), ambos os sexos (bissexuais), entre outros. Identidade de gênero
diz respeito a como alguém se sente, podendo ser do gênero feminino, masculino, transitar entre ambos ou
não se identificar com nenhum dos dois. Já a expressão de gênero fala sobre a forma como a pessoa se
apresenta ao mundo: seu comportamento, sua forma de se vestir, entre outras características. Alguém pode
apresentar traços claramente masculinos, femininos ou andróginos (Associação para o Planejamento da
Família).
20

principalmente por conta dos encontros realizados com os grupos militantes de todo
o país.

Originalmente, a primeira sigla em território nacional foi o MHB (Movimento


Homossexual Brasileiro), no final dos anos 70. Fachini (2005) estuda que, entre
1980 e 1992, houve um distanciamento dos grupos lésbicos por conta das
discordâncias de gênero. Ao longo destes anos, com participantes majoritariamente
homens, ocorreram diversas edições do Encontro Brasileiro de Homossexuais. A
presença quase masculina em sua totalidade levou alguns a preferir a nomeclatura
HSH (Homens que Fazem Sexo com Homens). Com o passar destes 12 anos,
houve o aumento da participação dos grupos femininos, resultando na alteração da
nomeclatura para Encontro Brasileiro de Lésbicas e Homossexuais, em 1993. Dois
anos mais tarde, trocou-se o termo “homossexual” por “gay”, e o movimento passa a
ter nomeclatura MGL (Movimento de Gays e Lésbicas). Finalmente, surge a sigla
GLS (Gays, Lésbicas e Simpatizantes).

Até este momento, não houve a inclusão de travestis, transsexuais e transgêneros4


na denominação do movimento. Vale ressaltar que, ainda assim, estes grupos já
participavam de tais encontros conforme estudos de Fachini (2005). A sigla só teria
sido alterada novamente em 1998, quando passou a ocorrer a troca de informações
da militância brasileira com a internacional, adequando-se para o padrão norte-
americano: GLBT, referindo-se aos gays, lésbicas, bissexuais e transgêneros.

Em 2008, o movimento brasileiro decidiu trocar a antiga sigla GLBT por LGBT. A
inversão na ordem, colocando o “L” na frente, teve como objetivo dar mais
visibilidade às reivindicações das componentes lésbicas, segundo o G1.

4
Travestis são pessoas cuja expressão de gênero difere daquela com a qual nasceram. Transexual é aquele cuja
identidade de gênero difere da designação biológica, podendo ou não passar por processos cirurgicos ou
hormonais para adequar seu corpo. Já transgênero é um termo abrangente para todos aqueles que não se
identificam de alguma forma (seja na expressão ou na identidade) com o rótulo que receberam ao nascer.
21

Quadro 2 – Evolução resumida da sigla no Brasil


ANO SIGLA
1978 MHB
1980-1992 MHB / HSH
1993 GLS
1998 GLBT
2008 LGBT

Existe o questionamento de por quê pessoas transgênero estão inclusas no


movimento, uma vez que é uma questão sobre sua identidade pessoal e não sobre
sua orientação sexual. Dawson estuda:

Pessoas trans e pessoas não hétero estão sujeitas a boa parte da mesma
discriminação, imcompreensão e maus-tratos porque muitos pensam que todos
pertencemos ao mesmo grupo. De certo modo, pertencemos sim – e é por isso
que muita gente usa “LGBT” como abreviatura para nossa comunidade inteira
(DAWSON, 2015, p. 18).

Há, ainda, diversas variações da sigla LGBT e estudos sobre a inclusão de novas
letras, tais como: queer (diz respeito àqueles que se recusam a rotular suas
identidades sexuais e de gênero, fluindo livremente); assexual (aqueles que não se
interessam por sexo); intersex (aqueles com órgãos genitais ou características
sexuais que não são necessáriamente masculinas ou femininas); entre outros
(DAWSON, 2015, p. 30-40).

Algumas das variantes populares são LGBTQ, com inclusão do queer; LGBTTQI,
com o duplo T para transsexuais e travestis, queer e intersex; LGBTTQQIAAP
adicionando assexuais, panssexuais, aliados e aqueles que ainda se questionam;
chegando até ao LGBTTQQFAGPBDSM, que além dos citados anteriormentes,
abraça também a poligamia, bondage, dominância e submissão, sadismo e
masoquismo. Facchini estuda esse fenômeno da “sopa de letrinhas” com algumas
críticas:

Qualquer alteração na lista de categorias alvo da ação, ou a renomeação de


uma categoria, significa inclusão ou exclusão de indivíduos (...). A luta por
cidadania baseada na identidade como ponto de partida tente a minar a
solidariedade e a produzir uma disposição à facciosidade e à normatização.
Embora a intenção dos ativistas do grupo (...) seja ampliar as possibilidades de
inclusão, há um sério risco de dar início a uma discussão sobre o conteúdo
descritivo de cada um dos termos e sobre o que os diferencia. Essa discussão
tem um grande potencial de gerar conflitos entre os indivíduos que se
reconhecem a partir de diferentes categorias e de operar normatizações
(FACCHINI, 2005, p. 272).
22

2.4 Mercado LGBT e o “Pink Money”

Periodicamente, institutos de pesquisa e cientistas buscam mensurar não só o


tamanho da comunidade LGBT como também seu impacto na economia. Um dos
pioneiros na área foi Alfred Kindsey, que entre 1948 e 1953 publicou livros contendo
o resultado de suas pesquisas sobre o comportamento sexual na sociedade norte-
americana. Na época, Kinsey concluiu que cerca de 10% dos homens já teriam
engajado em relações homoafetivas.

Os resultados são semelhantes aos obtidos pela Universidade de São Paulo, em


2009, levantando que 10,4% da população masculina no Brasil e 6,3% das
mulheres seriam homo ou bissexuais assumidos. Em 2016, o IBGE afirma que a
população total do país é de 205 milhões de brasileiros. Cruzando o resultado de
ambas as pesquisas, pode-se estimar que são 35 milhões de cidadãos que
identificam sua orientação sexual como gay ou bi.

Calcular uma estimativa da população transgênera é algo complicado, conforme


afirma Claire Cain Miller para o New York Times. A jornalista argumenta que os
principais serviços de censo dos Estados Unidos não incluem questões à respeito da
identidade de gênero em seus questionários. Outros métodos podem ser utilizados,
mas são altamente ineficazes. Um deles seria identificar quantas pessoas, no
Estados Unidos, já teriam alterado seu gênero e/ou nome nos documentos oficiais: o
resultado é de 135 mil americanos, com o total flutuando entre 0.1 e 0.5% de todo o
país. No entanto, este número não inclui aqueles que decidiram não comunicar suas
readequações aos órgãos do governo, nem os que optam por não passar pela
cirurgia de redesignação sexual (o procedimento era requirido para mudanças nos
registros até 2013), entre tantos outros casos.

Este público tem um grande impacto na economia, conforme reporta a revista IstoÉ
Dinheiro (2013). A publicação afirma que a comunidade LGBT tem movimentado
cerca de 3 trilhões de dólares anualmente, com dados apontando que o
homossexual gasta até 30% a mais que o heterossexual. A renda dos indivíduos
teria maior reversão em ítens como moda, cultura, lazer e turismo, uma vez que a
maioria dos casais não tem filhos. Ainda, o instituto Datafolha estuda que os
participantes da parada LGBT em São Paulo – a de maior representatividade no
23

país – possuem média de renda e escolaridade maiores que o padrão paulistano.


Este poder financeiro foi nomeado pela mídia como o “pink money”.

Figura 1 – Mercado LGBT ao redor do mundo

Fonte: IstoÉ Dinheiro

No Brasil, o potencial financeiro do segmento LGBT é estimado em US$


133 bilhões, o equivalente a R$ 418,9 bilhões, ou 10% do PIB nacional
(Produto Interno Bruto, total de bens e serviços produzidos no país),
segundo a Out Leadership, associação internacional de empresas que
desenvolve iniciativas para o público gay. Os números são subestimados, já
que nenhum país inclui em seu censo estatísticas sobre a população
homossexual (SCRIVANO, NETO, 2015).

Ao lado da atual situação de mercado apresentada, o mercado LGBT tem grande


potencial de crescimento. No entanto, não é em todo tipo de local e negócio que
este público se sente confortável. Ainda com dados da Out Leadership, apenas 27%
da comunidade britânica sente que está inserida num ambiente profissional em que
sua identidade será respeitada. Paralelamente, empresas com políticas pró-
diversidade tem retorno maior em 3% no mercado de investimento.

Academicamente, muito se fala sobre o comportamento de gênero, mas pouco


sobre seus reflexos na produção de publicidade e questões de marketing. Conforme
visto anteriormente, o público LGBT chega a gastar 30% a mais com moda, entre
24

outros segmentos, utilizando o vestuário como forma de construção de sua


identidade. É preciso estudar quais são os elementos semânticos que indicam a
questão de gênero e sexualidade para potencializar a ação junto a este mercado.
Seguindo adiante, serão analisadas de que forma ocorrem os processos signícos
que transferem os conceitos de masculino e feminino para a indumentária.
25

3. O VESTUÁRIO COMO ELEMENTO CONSTRUTOR DE GÊNERO

O processo de construção de identidade sexual e dos papeis de gênero passou por


mudanças ao longo da história, incluindo a inicial passagem de sociedade matriarcal
a patriarcal. De acordo com Musskopf (2008) estas transformações ainda
acontecem, agora numa direção mais específica, onde a perspectiva herterocêntrica
deixa de ser uma referência não apenas para o erótico, mas para o próprio corpo. É
o próprio autor que resume, de forma simplificada, o conceito de gênero que deseja-
se ver entendido neste capítulo:

Gênero refere-se ao dado social, formado por um aparato de regras e


padrões de construção corporal e comportamento que configuram a
identidade social das pessoas a partir do substrato físico-biológico, do que
resultam identificações como masculino e feminino, bem como as múltiplas
variantes que desviam da norma, como androginia, travestismo, efeminação
ou masculinização (MUSSKOPF, 2008).

Neste sentido, é necessário entender a construção das identidades de gênero e


orientação sexual a partir da forma como o ser humano se expressa com a
ornamentação de seu próprio corpo, analisando primeiramente em que termos a
moda caracteriza-se como forma de comunicação.

3.1 Moda e comunicação

Mesmo antes do início da produção têxtil, as comunidades mais primitivas


desenvolveram elementos que, em cada cultura, decifravam diversas
mensagens. “Os trabalhos produzidos por qualquer cultura ou civilização nunca
foram realizados somente para a satisfação primária das necessidades
utilitárias; até a mais pobre entre as tribos criaram objetos que foram para eles
fonte de gozo estético” (GIORGETTI, Cristina, apud CASTILHO, 2004, p. 99).

Nota-se que desde a organização das primeiras sociedades, o adorno domina


o funcional. O sujeito veste-se muito mais por razões referentes à sua forma de
se mostrar na sociedade - tais como prestígio social, rivalidade, pudor,
preferências estéticas, tentativas de atração do outro, identificação em tribos e
individualização - do que por razões funcionais, tais como proteção contra climas
adversos.
26

Castilho (2004) declara que a decoração corpórea é um campo explorado pela raça
humana desde os seus primórdios. O emissor incorpora elementos estéticos
que comunicam uma ou várias mensagens, esperando que o receptor decifre seus
hieroglifos a partir do primeiro contato visual. Mesmo nas culturas nas quais o
vestuário inexiste, a autora estuda que nenhuma delas ignora o adorno
corporal como forma de comunicação, utilizando-se de diferentes métodos para
transformar estes elementos estéticos em mensagem. Conclui que “o vestuário (...)
é um elemento de composição de um texto universal” (CASTILHO, 2004, p. 87).

A comunicação e seus signos podem ser transmitidas através de meios


verbais, como a escrita e a fala, ou não verbais, como a linguagem dos sinais,
placas do trânsito e gestos militares. A escola soviética da semiótica introduziu a
ideia de que toda produção cultural – entre elas, a moda – é um agente
comunicador. Tratando moda como comunicação, conclui-se que esta faz parte do
modelo não verbal. Barnard (2003, p. 50) defende que “moda e indumentária são
formas de comunicação não-verbal, uma vez que não usam palavras faladas ou
escritas”. Castilho (2004, p. 41) complementa que “essa linguagem articulada
se encontra presentificada pelas linguagens das linhas, das formas, das cores, das
proporções e dos volumes, que, na função de discursos não-verbais, expressam e
são traduzidas artisticamente pela organização plástica da moda”.

Nesta fala, a peça de roupa é o meio pelo qual a mensagem é transmitida.


Barnard (2003, p. 52) crê que “A mensagem, assim, é uma intenção da pessoa e é
isso que é transmitido pela roupa no processo de comunicação. A mensagem é
também, naturalmente, aquilo que é recebido pelo receptor”.

O corpo humano ganha duas significações distintas neste contexto. Por um lado,
ele é o próprio suporte da narrativa estabelecida através da moda – o palco
de um discurso. É o corpo do sujeito que veste as roupas com o objetivo de
comunicar; assim como o papel é o suporte para as palavras de um livro. É,
também, “configurador do posicionamento da imagem que o sujeito, segundo suas
escolhas, assume nas interações das quais participa” (CASTILHO, 2004, p. 95).
27

A moda é, portanto, regrada por uma gramática social que


reorganiza o corpo segundo concepções culturais, estabelecidas por
um contrato implícito ao grupo, que aceita regras de estruturas
básicas referentes às formas de adornar-se, de vestir-se, etc.,
tornando-as presentes nas linguagens das roupas (CASTILHO, 2004,
p. 180).

O vestuário é, portanto, um elemento cultural e agente comunicador rico em signos


que diferencia os sujeitos uns dos outros, ou que o incluem no mesmo grupo
social. Como conclui Godart (2010, p. 14), “a moda não se contenta, portanto, em
transformar tecidos em roupas, ela cria objetos portadores de significados”.

3.2 Conceitos de masculinidade e feminilidade na moda

Entre os muitos signos que a linguagem da moda pode traduzir nas peças de
roupa, um dos mais básicos é o conceito de homem e mulher. São várias as
construções sociais contemporâneas que definem, aos olhos dos observadores, o
gênero de um indivíduo. Barnard compara os termos sexo e gênero como
equivalentes à natureza e cultura:

Pode-se dizer que venha a existir um mundo onde seja possível dizer algo
como "o sexo está para o gênero, assim como a natureza para a cultura"
sem com isso arranjar encrenca. Nosso mundo não é esse. A distinção
sexo/gênero é útil portanto, mas não desprovida dos problemas que lhe
são inerentes. É util na medida em que sexo pode ser descrito como um
fênomeno natural; pode ser descrito como sendo uma coleção de
diferenças biológicas ou fisiológicas (...). É também útil na medida em que
gênero pode ser descrito como um fenômeno cultural; diferenças de
gênero podem ser descritas como diferenças culturais. É um fato cultural,
portanto, que a masculinidade consiste num conjunto de características
apropriadas, e feminilidade consiste num conjunto diferente (BARNARD,
2003, p. 167-168).

A metáfora é compartilhada por Castilho (2004, p. 112). A autora afirma que há


uma “existência bipartida entre sexualidade biológica e cultural”, refletindo que as
organizações culturais formam um elemento diferenciador entre o que é masculino
ou feminino com base em seus papeis sociais. Olhando especificamente para as
mulheres, Beauvoir (1980, p. 21) crê que a essência passiva, característica
marcante do conceito de mulher, é algo ensinado desde suas infâncias, mas que “é
um erro entender que se trata de um dado biológico: na verdade, é um destino que
28

lhe é imposto por seus educadores e pela sociedade”.

No que tange o vestuário, Freyre (1987, p. 23) afirma que a composição de roupas
é um “fenômeno sociológico” capaz de expressar diferenciações entre homens e
mulheres. Beauvoir (1949, p. 301) completa ao concluir que o ato de se vestir é um
possível agente transformador dos valores intrínsecos de cada sujeito – ao menos,
sob o julgamento social.

Entre estes agentes, um claro exemplo são as cores. No universo ocidental, é


comum que a cor rosa seja associada às meninas e o azul, aos meninos. Esta
convenção popular, segundo Barnard (2003), surgiu na França por volta do século
XIX, ganhando força no Ocidente em 1920. Além das diferenças com base nas
cores, outros binarismos diferenciadores seriam a presença/ausência de estampas,
os cortes retos/justos e até as peças saia/calça. Vale ressaltar, no entanto, que tais
definições mudam de acordo com a cultura da sociedade em questão: “o que uma
cultura apresenta como características masculinas, outra cultura entende como
sendo características femininas” (BARNARD, 2003, p. 168).

Estas distinções entre gêneros através da moda tiveram início a partir do século
XVIII. Nestes tempos, ainda de acordo com Barnard, eram poucas as diferenças no
guarda-roupas feminino e masculino e seus cuidados com a aparência: ambos
faziam uso de meias de seda, cosméticos, cabelos compridos, entre outros. Isto
mudou quando os homens passaram a adotar visuais mais simplórios e o papel de
ostentar riqueza através dos trajes foi transferido para suas esposas. O principal
momento desta mudança teria sido no final do século XIX, quando o vestuário
masculino se tornou reto, insípido e sóbrio. Barnard destaca, em especial, o
advento da calça nesta época como o elemento que marcou a distinção da
identidade masculina.

O autor afirma que foi, neste ponto da história, o surgimento da crença que “moda e
indumentária são de certa forma uma preocupação mais própria e adequada à
mulher do que ao homem” (BARNARD, 2003, p. 173). Este conceito, ainda
29

contemporâneo, manifesta-se na literatura brasileira: em 1986, Gilberto Freyre


publicou a obra “Modos de Homem e Modas de Mulher”, cujo título proporciona
interpretações de que moda seria algo mais feminino que masculino, uma vez que
a preocupação dos homens deveria estar voltada aos seus modos. Sobre isto,
Beauvoir reflete:

As roupas do homem, como seu corpo, devem indicar sua transcendência


e não deter o olhar; para ele, nem a elegância nem a beleza consistem em
se constituir como objeto; por isso não considera, normalmente, sua
aparência como reflexo de seu ser. Ao contrário, a própria sociedade pede
à mulher que se faça objeto erótico. O objetivo das modas, às quais está
escravizada, não é revelá-la como indivíduo autônomo, mas ao contrário
privá-la de sua transcendência para oferecê-la como uma presa aos
desejos masculinos; não se procura servir seus projetos mas, ao contrário,
entravá-los. A saia é menos cômoda do que as calças, os sapatos de salto
alto atrapalham o andar; os vestidos e os escarpins menos práticos, os
chapéus e as meias mais frágeis é que são os mais elegantes; o vestido,
quer fantasie, deforme ou modele o corpo, em todo o caso o expõe aos
olhares (BEAUVOIR, 1980, p. 296).

É importante destacar que, segundo Darde (2008), a moda e a indumentária são


elementos que reforçam as estrutura de poder da identidade masculina e
heteronormativa. Neste sentido, o autor ressalta a importância de entender a
complexidade do conceito de heteronormatividade, que é uma estrutura de
identidade social plural e hibridizada por diversas questões que vão além do
gênero, como sexualidade, desigualdades sociais e étnico-raciais. Neste sentido
ele destaca:
Embora quase sempre associada à heterossexualidade, a
heteronormatividade vai “além” dela e está relacionada às normas pelas
quais nossa sociedade está organizada. Sendo assim, tudo que se opõe
ou se diferencia dela é considerada “o outro”, como “desviante”. Nesse
sentido, é interessante observar que mesmo para as tentativas de
transgressão da heteronormatividade, ela é o modelo. Ou seja, a norma é
importante, inclusive, como paradigma da sua própria transgressão. Desse
modo, podemos dizer que a transgressão também é criada pela
heteronormatividade (DARDE, 2008).

Desta forma, a moda está a serviço de uma construção de identidade, que ao


mesmo tempo reforça e corrobora os elementos de poder já instituídos na
sociedade, inclusive os padrões de mercado vigentes, dos quais o marketing e a
propaganda fazem parte, questão que será melhor abordada adiante neste estudo.
30

3.3 A inversão dos papeis de gênero através do vestuário

Como visto, as convenções sociais sobre o vestuário de cada gênero são uma
realidade em diversas partes do mundo. Há, no entanto, movimentos que lutam
contra esta normatividade. O assunto entrou em pauta na luta feminista do fim dos
anos 60 – mais especificamente, o Movimento de Liberação da Mulher. Barnard
(2003, p. 199) estuda que “moda e indumentária eram vistas como construindo e
reproduzindo uma versão da feminilidade falsa e constritiva da qual se tinha de
escapar ou fugir”. Procurando desconstruir o sistema de gênero da moda, este
grupo teria se recusado a vestir peças de roupa que refletissem esta identidade
feminina. O fenômeno também é estudado por Gilberto Freyre:

É certo que umas poucas mulheres e outros tantos homens têm


respondido a desafios de consensos coletivos, quanto a modas, vestindo-
se, penteando-se, calçando-se, adornando-se, conforme seus gostos
pessoais ou individuais, alguns deles logo acusados de serem antes
masculinos - no caso de mulheres - que femininos e vice-versa. Pois um
dos característicos das modas de mulher é representarem feminilidade,
embora, por vezes, com interpretações diferentes do que seja feminino em
oposição a masculino. (...) Nos últimos decênios, vêm se impondo, em
européias ou norte-americanas, modas de mulher, partidas de Londres e
de New York em competição com Paris e Roma, toques de masculinização
do penteado, trajo, calçado, conciliados com predominâncias feminis em
conjuntos de aparências orientados por modas (FREYRE, 1987, p. 19-20).

O sociólogo pernambucano acredita que esta tendência teve início um pouco antes
do que disse Barnard: ele acredita que este movimento surgiu com o advento da
Primeira Guerra Mundial (1918), resultando num impacto no universo da moda
feminina por conta da glorificação dos heróis masculinos do combate. Ainda em
seus estudos, mais uma vez a calça, tipicamente masculina, torna-se elemento
transformador do sistema de gêneros da moda: já no século XX, uma espécie de
saia-calça foi desenvolvida em Paris, dando início ao uso da peça pela mulher. Seu
uso tornou-se tão comum que, para Freyre, triunfou sob “o preconceito de não
corresponder ao conceito de feminilidade” (1987, p. 22). Beauvoir também faz uso
da mesma peça para exemplificar esta nova concepção de feminilidade, afirmando
que esta ideia do que é ser mulher a partir de seu vestuário “pode evoluir de
maneira que os cânones se aproximem do que adotam os homens: nas praias, as
calças compridas tornaram-se femininas” (1980, p. 452).
31

Esta masculinização do vestuário feminino também teria sido incentivada após a


Revolução Industrial com a entrada da mulher no mercado de trabalho. Freyre
reflete que as “mulheres exuberantes” poderiam não transmitir a seriedade
necessária para profissões ditas ilustres, como se opções de roupas que
refletissem a feminilidade desqualificassem seu desempenho. Estas tendências
masculinas teriam sido necessárias para que a mulher conquistasse maior
independência. Deste modo, cria-se a associação entre masculino/seriedade e
feminino/frivolidade.

O pressuposto valida-se ao notar que a masculinização da mulher tornou-se


tendência comum, mas pouco se fala em feminilização do homem. Como estuda
Castilho (2004, p. 111-112), os contextos sociais que normatizam o vestuário de
cada gênero são permeados “por um caráter de extrema rigidez: usar os trajes
previstos, dada a sexualidade do sujeito, significa adequação e decência perante o
grupo social”, ou seja, quaisquer inversões seriam consideradas inadequadas e/ou
indecentes. Como estudado, a mulher teria triunfado sob este preconceito, mas o
mesmo não acontece com o sexo oposto. Alain Soral (apud Castilho, 2004) afirma
que o avanço da mulher sob os valores masculinos a confere valores dignos no que
diz respeito à moral do trabalho; mas quando o homem aventura-se em território
feminino, perde sua dignidade social e torna-se marginalizado.

Por essa razão, é muito mais comum observarmos as mulheres que se


apropriam em determinados momentos de elementos próprios do guarda-
roupa masculino e fazem uso dessas peças ou adaptam-nas a seu guarda-
roupa e à sua vida profissional. (...) O homem, por sua vez, quando se
apropria de trajes tipicamente femininos, perde credibilidade e ganha
geralmente um olhar desprestigiado, polêmico, e não é aceito (CASTILHO,
2004, p. 120).

Percebe-se, portanto, que o vestuário não só está dotado de signos que constroem
a feminilidade e masculinidade como também uma estrutura de poder entre
gêneros. Estes fenômenos e processos de significação encontram sua explicação
na ciência da semiótica, que será abordada a seguir.
32

4. GÊNERO, VESTUÁRIO E SEMIÓTICA

A semiótica é a teoria dos signos e, fundamentalmente, remete a capacidade de


significação que eles trazem para o ser humano. Classicamente acredita-se na
linguagem formal como o principal meio de geração de significado, mas a
capacidade semântica vai muito além, sendo os códigos não textuais importantes
elementos da linguagem humana e da construção da cultura segundo Barnard
(2003, p. 122). Sendo a identidade de gênero construída a partir de convenções
sociais e, portanto, parte da cultura, entender a estrutura dos signos faz com que
tenha-se capacidade de entender todos os instrumentos que geram sentido numa
dimensão cultural.

4.1 Uma visão geral da semiótica

Estudar a construção da identidade de gênero através dos artifícios visuais


incorporados pelos sujeitos nada mais é que refletir sobre como certos elementos
detém tamanhos significados intrísecos. Na ciência da comunicação, esta é a
semiótica.

A semiótica ou semiologia é a vertente que analisa a atribuição de significados para


quaisquer estímulos sensoriais percebidos pelo ser humano. Os signos, segundo
Luís Mauro Sá Martino (2014, p. 110), são uma representação, um elemento que
está cumprindo o papel de outro. Estes, por sua vez, não se limitam à linguagem
verbal. Sousa (2004, p. 45) afirma que “os signos não se restringem às palavras. As
imagens, por exemplo, podem funcionar como signos”.

O mundo contemporâneo traz uma massiva quantidade de imagens às quais todos


são diariamente expostos, exigindo uma rápida assosiação do interceptor para
traduzir seus significados. A semiótica, neste caso, é utilizada como ferramenta pelo
cientista de comunicação para decodificar e compreender estas relações entre as
imagens e suas leituras.

“Não há comunicação sem signos. (...) A semiose é, antes de tudo, um


processo de interpretação, pois a ação do signo é a ação de ser
interpretado em um outro signo. Por isso mesmo, o significado de um signo
é um outro signo e assim por diante, processo através do qual a semiose
está em permanente devir” (Santaella e Nöth, 2004, p. 160- 161).
33

A semiótica não teve uma abordagem homogênea, tendo sua origem em vertentes
distintas, tais como afrancesa, a soviética e a norte-americana, brevemente
descritas a seguir.

A francesa é baseada em Ferdinand de Sausurre, que estuda as diferenças da


língua e da fala usando o jogo de xadrez como ilustração para seus conceitos. As
regras do jogo definem a língua, enquanto a fala é representada pelo movimento das
peças. As peças (a fala) só podem se movimentar de acordo com as regras (a
língua). É necessário que ambos os jogadores entendam as regras para que
possam dialogar, da mesma forma que o receptor deve conhecer o código para que
compreenda a mensagem – caso contrário, não há comunicação (Martino, 2014, p.
112).

Os signos, por sua vez, são agrupados (de acordo com o código que seguem) para
compor um texto. Esta relação ocorre através de dois métodos: o da
semelhança/substituição e do contraste/diferença. Estes são os dois eixos definidos
por Sausurre: o sintagmático e o paradigmático. Sausurre afirma que é na união de
ambos que os significados são formados. O eixo paradigmático é aquele formado
por elementos semelhantes, que podem ser substituídos entre si, enquanto
osintagmático é composto por ítens contrastantes e que mudariam o significado do
texto caso substítuidos. Para exemplificar, Martino (2014) faz uso do vestuário:

Figura 2 – Eixo paradigmático e sintagmático de Sausurre

Fonte: Martino, 2014, p. 114.


34

Como dito anteriormente, signos não se limitam apenas à linguagem escrita e


formal. Isto pode ser dito, hoje, graças aos estudos da semiótica realizados na União
Soviética por volta da década de 50. Sua contribuição para a ciência anexou o
conceito que “qualquer produção cultural pode ser pensada como parte de um
sistema de signos” (Martino, 2014, p. 123).

Yuri Lotman foi um dos estudiosos que contribuíram significantemente com a escola
soviética da semiótica, introduzindo a ideia de semiosfera. Esta nada mais é que o
universo de signos de cada pessoa, capaz de definir e limitar cada ser. A limitação
surge a partir do momento em que cada produção cultural utiliza-se de signos
previamente existente nesta semiosfera para que possa produzir novos: é o
fenômeno da reciclagem de ideias. Como exemplo, Martino (2014, p. 123) menciona
que ao escrever uma nova obra, escritores fazem uso de seu universo de
referências prévias. Um músico irá conceber uma nova letra ou melodia a partir da
bagagem de significados que acumulou em sua carreira. Da mesma forma, um
estilista irá desenvolver uma nova coleção de roupas com base em ideias estéticas
vividas previamente.

4.2 Semiótica peirciana

A semiótica americana, baseada nos pensamentos de Charles Sanders Peirce, é a


escolhida para dar continuidade a este estudo e, portanto, objeto de maior
aprofundamento neste capítulo. Sua estrutura permite a observação de elementos
não verbais de maneira clara e precisa através de seu universo tríadico. Sobre seu
método, Santaella (2012, p. 22) defende: “a semiótica peirceana, longe de ser uma
ciência a mais, é, na realidade, uma filosofia científica da linguagem”.

Peirce se dedicou ao estudos dos fenômenos sígnicos, definindo três óticas sob as
quais quaisquer experiências podem ser analisadas: a qualidade, a relação e a
representação, cujos termos posteriormente foram fixados como Primeiridade,
Secundidade e Terceiridade. Conforme Santaella (2012) afirma, estes se referem,
respectivamente, ao que já está imediatamente presente na consciência do sujeito; o
sentimento, reação ou comoção do sujeito mediante tal estímulo; e a percepção ou
interpretação mediante os signos apresentados.
35

Tendo definido que os signos são regidos por esta natureza tríadica, Peirce ainda
elaborou dez tricotomias sob os quais os fenômenos sígnicos podem ser analisados,
focando seus estudos nas três principais: suas relações consigo mesmo; com seu
objeto dinâmico e com seu interpretante. O autor desenvolve:

Primeira: o signo como mera qualidade, um existente concreto ou uma lei


geral; Segunda: a relação do signo com seu objeto onde o signo tem algum
caráter em si mesmo ou uma relação com o interpretante; e, Terceira: seu
Interpretante representando-o como um signo de possibilidade ou com um
signo de fato ou um signo de razão. (PEIRCE, 2003, p. 51)

A primeira tricotomia, ou seja, a que analisa o signo em relação a si mesmo, possui


outras três subdivisões: o qualissigno, o legissigno e o sinsigno. Este primeiro trata
da qualidade imediata deste signo, seja uma ideia, sensação ou conceito – é a
imagem preliminar do signo, contendo apenas suas qualificações. O segundo é
aquele que surge através da delimitação das qualidades específicas de um signo,
conforme explica o autor: “um sinsigno (...) é uma coisa existente e real que é um
signo. E só o pode ser através de suas qualidades” (Peirce, 2003, p. 52). Já o último
abrange os signos que adquiriram significados através de convenções ou leis gerais
estabelecidas socialmente, resultado de uma impressão normativa. Ainda, vale
ressaltar que Peirce afirma que todo signo convencional é um legissigno, e todo
legissigno requer um sinsigno.

A segunda tricotomia reflete sobre a relação do signo com o objeto dinâmico – em


outras palavras, o objeto que surgiu da realidade que o signo se encontra.
Novamente, Peirce confere três subcategorias. Primeiramente há o Ícone, que é o
signo que possui impressões das qualidades de seu objeto, tal qual o qualissigno. Já
em grau de secundidade está o Índice, que relaciona-se com o objeto através de
uma referência ou associação. Já o Símbolo é o signo que estabelece conexão com
o objeto através de regras e convenções sociais, ou com as palavras do autor,
aquele “que se refere ao objeto que denota em virtude de uma lei (...) que opera no
sentido de fazer com que o Símbolo seja interpretado como se referindo àquele
objeto” (Peirce, 2003, p. 53).

A terceira e última das principais tricotomias de Peirce estuda a relação do signo


com seu interpretante, ou seja, as significações construídas sobre os fenômenos
sígnicos. Esta subdivide-se em Rema (um fenômeno isolado carregado de sentido),
36

Dicente (a realidade dentro da qual o Rema existe) e Argumento (a inserção num


contexto que comprove o Dicente).

Estas três tricotomias e suas subdivisões tríadicas são resumidas por Santaella na
imagem a seguir:

Figura 3 – Tricotomias de Peirce

signo 1º signo 2º signo 3º


em si com seu com seu
mesmo objeto interpretante
1º quali-signo ícone rema
2º sin-signo índice dicente
3º legi-signo símbolo argumento

Fonte: Santaella, 2012, p. 97.

4.3 Peirce aplicado: processos de significação do vestuário

Tais conceitos da semiótica Pierciana podem ser aplicados ao estudo da moda para
decodificar seus processos de significação. Barnard estuda a relação entre
indumentária e signos, ainda que sob ótica Sausurriana, numa tentativa de
desvendar a produção dos significados na moda, discutindo seu papel na vida social
e nas questões de poder e ideologia.

Barnard exemplifica: “um colarinho de homem, usado aberto e sem gravata, pode
(...) significar informalidade ou displicência; não é, ele mesmo, nenhuma dessas
coisas, mas as substitui ou representa” (2003, p. 123). Percebe-se que não apenas
o vestuário como objeto é capaz de gerar significado, mas também como a forma
nas quais as peças de roupas são coordenadsa e apresentadas.

Em outro exemplo que, além de moda, envolve também identidade de gênero, o


autor comenta:

Sapatinhos cor-de-rosa significam habitualmente que o bebê que os está


usando é uma menina; ao passo que sapatinhos azuis significação que o
usuário é um menino. As cores por ela mesmas não tem qualquer sexo,
mas são usadas para significar ou representar um ou outro sexo.
(BARNARD, 2003, p. 123).

Voltando à primeira tricotomia de Peirce, um qualissigno poderia ser uma peça de


roupa analisada puramente sob a ótica de suas qualidades: seu formato,
composição, cores, caimento, entre outros aspectos técnicos. Utilizando a categoria
37

acessório como exemplo, uma bolsa de mão difere-se de um óculos por conta de
suas qualidades intrísecas.

Observa-se que a análise signica do vestuário não deve ser concentrada apenas em
sua materialidade. Ao se estudar a peça de roupa como qualissigno, suas próprias
qualidades carregam uma carga semântica sob diversos aspectos - sua forma de
uso, cores, tecidos, entre outras especificidades, são alguns dos fatores que
contribuem para expandir a complexidade de seus processos signicos.

As categorias citadas anteriormentes são abordadas pelos conceitos do sinsigno,


ainda na primeira tricotomia de Peirce. Bolsa de mão, mochila, necessaire, clutch,
entre tantos outros tipos, são todas pertencentes ao mesmo nicho e que, por unirem-
se num mesmo grupo, fazem referência umas às outras. A divisão do vestuário entre
os gêneros tradicionais também pode ser encarado como sinsigno. Popularmente,
saias, vestidos e sapatos altos indiciam que um sujeito é do sexo feminino, uma vez
que todas as peças estão associadas pela mesma ideia. O mesmo ocorre com a
representação do masculino em ítens como paletós, calças e sapatos sociais.

Já o legissigno, aquele que se estabelece através das convenções e normas sociais,


é exemplificado com clareza pelos trajes simbólicos e culturais, como os distintos
usos da indumentária pela igreja católica, cuja significação atribuída é capaz de
hierarquizar seus clero. Ora, o Anel do Pescador, se analisado apenas pela ótica de
suas qualidades, seria uma joia tradicionalmente composta de ouro com uma
imagem de São Pedro em um barco em baixo-relevo. Em secundidade, poderia se
relacionar a outras joias, tais como brincos, colares e coroas. No entanto, seu
elemento diferenciador está na convenção social – neste caso, religiosa – que o
atribui significação especial. Este anel é o símbolo oficial do poder papal, sendo
utilizado apenas pelo sumo pontífice.

Elementos do universo da moda também podem ser analisados sob a luz da


segunda tricotomia de Peirce. Todas as fotografias em uma publicação editorial, por
exemplo, são ícones, uma vez que representam seu objeto dinâmico através da
reprodução e semelhança de suas qualidades. As posições executadas pelas
modelos da imagem são índices do comportamento humano, indicando diferentes
38

emoções como poder ou fragilidade. O símbolo, por sua vez, é um dos recursos
mais utilizados por esta indústria. Esta subdivisão de terceiridade trata das
propostas artificiais, cujos significados são definidos por leis ou convenções sociais.
É o caso da própria questão entre vestuário e gênero: uma peça de roupa não é a
materialização do sexo de um sujeito, mas a representa por conta da normatividade
regente.

Dando continuidade aos estudos deste projeto, o próximo capítulo irá aplicar as
teorias de Peirce apresentadas nas últimas páginas em cases publicitários do
segmento da moda. Para tal, as análises se concentrarão na primeira tríade
estudada. A segunda tricotomia foca no significado do sígno através de seu objeto
dinâmico, sendo especialmente indicada para estudos sociológicos e ou de gênero,
ao passo que a terceira – analisando o signo pelo seu interpretante – seria mais
indicado para pesquisas de público alvo.

Conforme demonstrado, é na tricotomia do quali/legi/sinsigno que o autor aborda os


processos sígnicos sob a ótica do próprio signo. Esta é a situação ideal para utilizar
tais teorias como ferramenta para decifrar mensagens publicitárias, uma vez que os
signos se apresentam em seu puro estado nos anúncios criados pelas marcas e
suas agências. Por estas razões, justifica-se o uso da primeira tríade como
ferramenta para estudar os anúncios propostos no capítulo a seguir.
39

5. ESTUDO DE CASES

Ao longo desta pesquisa, foram estudadas as manifestações de gênero e identidade


ao longo da história humana; a formação de grupos compostos por sujeitos de
identidades não normativas; a validação destes grupos como mercado consumidor;
as formas como esta identidade pode e é construída pelo vestuário e os processos
semióticos que transferem carga semântica para ítens aparentemente simples como
peças de roupas. Com tal base teorica, abre-se a oportunidade de analisar a forma
com a qual este novo momento do conceito de gênero na sociedade está se
materializando na publicidade contemporânea.

A publicidade, por sua vez, contem em si a própria substancialização do conceito de


signo. Através de anúncios, imagens são utilizadas para representar as mensagens
que a marca deseja transmitir. A narrativa desenvolvida nas peças de mídia funciona
como elemento que transfere personalidade para o anunciante. Este universo
imagético criado pelas agências de publicidade compõe um texto não verbal, sob o
qual as ferramentas de Peirce podem ser aplicadas para decodificar as intenções da
marca.

Conforme mencionado em capítulos anteriores, a moda é importante elemento


construtor da identidade de gênero. As escolhas diárias que são feitas para
adornação do próprio corpo refletem diretamente na forma como pessoas se sentem
e em como são vistas. Ainda, este segmento já proporcionou momentos marcantes
para a inversão dos papeis de gênero, tal como a popularização do uso de calças
pelas mulheres, permitindo que engajassem em novas atividades no mercado de
trabalho. Nada mais adequado, portanto, que analisar a publicidade específica de
moda para identificar novos traços do comportamento humano neste quesito e,
consequentemente, tendências de mercado.

A publicidade de moda recebe destaque principalmente pelo tipo especial de


imagem que exibe: a fotografia de moda. Esta modalidade específica costuma estar
carregada de signos. Não vende-se apenas as peças de roupa, como também um
estilo de vida.
40

Atualmente, a fotografia de moda é uma forma de arte com estética própria,


que se utiliza da linguagem representativa, através de signos carregados de
mensagens implícitas que falam ao subconsciente do seu observador. Tal
análise consiste em tentar estabelecer um paralelo entre dois planos: o da
expressão da imagem (o que ela mostra) e seu conteúdo (o que ela
significa); a realidade exterior a que ela faz referência (significante) e o
conteúdo material da imagem (significado). O conjunto da imagem é que
sugere algo: embora exista um produto dentro da imagem, a sua
ambientação é que vai sugerir, persuadir e demonstrar, provocando
atenção, desejo, ação, satisfação (VENTURI, 2015, p. 5).

Adiante, foram escolhidos dois diferentes casos para serem analisados. Ambos
tratam de marcas com décadas de existência e já consolidadas no mercado de
moda. Elas possuem em comum a característica de não demonstrarem, ao longo de
suas histórias, discursos que contemplam sujeitos de gêneros e identidades não
normativas – mas que engajaram recentemente em campanhas de comunicação
que trazem representatividade para tais manifestações. No entanto, uma foi
aclamada pela crítica, enquanto outra teve baixíssima receptividade. Mediante
comparação, o estudo destes dois momentos pode trazer reflexões produtivas sobre
as formas adequadas de se comunicar com este público.Vale observar que a origem
do material do primeiro caso é uma campanha em filme, motivo pelo qual permite-se
uma análise mais profunda através de seus fotoquadros em comparação com a
segunda, que trás apenas duas imagens.

5.1 A Gucci de Alessandro Michele

5.1.1 Contexto

Antes deste estudo aprofundar-se no anúncio específico que será apresentado, é


importante destacar o contexto no qual a marca se encontra. A maison da Gucci foi
fundada em 1921, na Itália. Ao longo de sua história, a grife foi encabeçada por
Guccio Gucci – seu fundador, falecido em 1953, cujo legado fora continuado por
seus filhos e netos.

A administração familiar sofre uma mudança nos anos 90, quando o estilista Tom
Ford é contratado. A estrutura genealógica rompe-se definitivamente em 93, quando
Maurizio Gucci vende todas as ações da empresa para investidora Investcorp. Neste
ponto, não há mais nenhum membro da família Gucci trabalhando para a grife
homônima. No ano seguinte, Ford é promovido a diretor criativo e se torna
41

conhecido por revitalizar a imagem da marca com uma injeção de glamour e


hipersexualização da figura feminina. Seu trabalho foi continuado pela nova diretora
criativa, Frida Giannini, em meados dos anos 2000.

Figura 4 – As mulheres da Gucci na era Tom Ford e Frida Giannini (1995, 1996, 2000, 2006, 2009,
2014).

Fonte: Vogue.

A Figura 4 mostra que a Gucci de Ford e Gianinni traz uma imagem com arquétipos
tradicionalmente femininos. O colo a mostra, o uso de salto alto, as modelagens
justas nas pernas e até mesmo as escolhas de beleza com maquiagem dando
destaque aos olhos são índices do que imagina-se como mulher no senso comum
ocidental. Esta análise histórica é fundamental para compreender o impacto do
público perante a próxima fase da maison italiana, foco deste estudo.

Frida Gianinni declarou em janeiro de 2015 que estaria deixando a Gucci. No


mesmo mês, o estilista Alessandro Michele foi apontado como novo diretor criativo
da casa. Sua nova proposta estética rompe dramaticamente com a que a grife
estava a seguir durante as décadas anteriores.

O caso que será analisado sob a ótica de Peirce é o vídeo produzido para a
campanha da coleção Primavera/Verão 2016, publicado em janeiro do mesmo ano,
completando o aniversário de um ano de Michele na direção da marca. O filme foi
dirigido por Glen Luchford com direcionamento criativo do próprio Michele. A peça é
claramente inspirada no filme Christiane F., 1981, do diretor Uli Edel. A seguir, serão
apresentados fotoquadros do anúncio.
42

5.1.2 Análise Semiótica

Figura 5 – Campanha Gucci Verão 2016 (Fotoquadro 1)

Fonte: YouTube

O anúncio tem início com a música Goodbye Horses, de Q Lazzarus, 1998, ao


fundo. William Garvey, compositor desta canção, afirma que a obra fala sobre
transcender as limitações físicas para conserguir enxergar o mundo através de
perspectivas sem fronteiras.

Entre os aspectos de primeiridade na Figura 5, podemos observar um homem,


destacando-se entre a multidão. Ele está andando de skate e utilizando um conjunto
blazer/calça com estampa floral e cores pasteis. Ao fundo, a sinalização com o nome
Berlin nos indica a cidade onde o filme se passa.

Tendo tais ícones apresentados, pode-se refletir sobre os índices por eles indicados,
agora em caráter de secundidade. Como foi observado ao longo deste estudo, o uso
de estampas no geral – em especial, a floral – é um elemento que, normativamente,
indicia feminilidade. O mesmo se aplica ao uso dos tons pastel, como o turquesa e o
rosa bebê. Percebe-se também que a manga do blazer é relativamente mais curta
que o comumente utilizado em peças masculinas. Em contrapartida, o personagem
está se locomovendo através de um skate – este, no entanto, é elemento
majoritariamente associado ao sexo masculino junto a todas as ideias que ele trás,
como a aventura, o perigo, a malandragem. Percebe-se, desde já, a intenção da
marca em misturar elementos do universo masculino e feminino num mesmo sujeito.
43

Agora com foco nos processos de significação em caráter de terceiridade, reflete-se


sobre quais valores esta cena pode transmitir para seu telespectador. A figura do
homem, por si só, representa a estrutura de eixo patriarcal na sociedade
contemporânea. Mas as roupas que o vestem não condizem com esta
normatividade. A ornamentação através do vestuário trouxe características
claramente femininas para sua imagem. É um conceito que dissocia-se da
normatividade, mostra que a liberdade em seu guarda-roupa não o impede de outras
atitudes vistas como masculinas – como andar de skate – e valida a existência de
homens afeminados.
44

Figura 6 – Campanha Gucci Verão 2016 / Filme Christiane F. (Fotoquadro 2)

Fonte: YouTube

Na Figura 6, em termos de primeiridade, observa-se jovens, na faixa de seus 20


anos, correndo numa estação de metrô. Neste grupo, todas as peças de vestuário
são coloridas e estampadas. Tanto os homens quanto as mulheres utilizam bolsas e
sapatos baixos, apesar da presença de alguns saltos altos.

Entre os índices de secundidade, pode-se refletir sobre o movimento dos homens e


das mulheres, elementos que costumam indicar seu gênero. Aqui, a opção da Gucci
foi desprender-se dos estereótipos. Em muitos dos anúncios contemporâneos, a
mulher apresenta movimentos delicados, fluidos, mesmo em ações mais agressivas
como uma corrida. Não é o caso da campanha da grife, no entanto. As mulheres
correm, algumas de salto, mas não há diferença de comportamento entre elas e
eles. O grupo ainda aparenta estar sendo liderado por uma mulher.
45

Já sobre os aspectos de terceiridade, destaca-se o uso de signos que remetem às


cenas do filme Christiane F., mencionado anteriormente. Como pode-se ver ao
analisar ambas as imagens da Figura 6, o cenário escolhido e a atuação dos
modelos são símbolos que claramente remetem ao longa. Ainda, a locação das duas
cenas é a mesma – a estação de metrô Banhof Zoo, de Berlim, conhecida pelo
público alternativo que a frequenta. No entanto, só poderiam ser compreendidos e
decodificados corretamente por aqueles que já tiveram contato com a obra
anteriormente. Como estudado na teoria de Peirce, esta é uma associação
estabelecida culturalmente.
46

Figura 7 – Campanha Gucci Verão 2016 (Fotoquadro 3)

Fonte: YouTube

A figura 7 mostra com maior clareza as peças de roupas utilizadas pelos


personagens do filme. Em primeiridade, temos mulheres vestindo blazers, gravatas
e óculos de armações grossas. Já os homens são apresentados com peças justas,
shorts curtos, além das já mencionadas cores claras e estampas.

Estes índices, agora em secundidade, estão claramente invertidos. Enquanto os


sujeitos de sexo feminino fazem uso de signos do universo masculino, o contrário
ocorre entre os homens. Nestes fotoquadros, ainda mais que em outros, torna-se
clara a terceiridade dos signos exibidos: a Gucci de Alessandro Michele está
eliminando as fronteiras de gêneros no que diz respeito as escolhas de vestuário.
47

Figura 8 – Campanha Gucci Verão 2016 (Fotoquadro 4)

Fonte: YouTube

Ao final do filme, o grupo de jovens chega a cobertura de um edifício (Figura 8). As


cores cinzas de Berlim contrastam com a super saturação das peças de vestuário e
seus personagens. Alguns apontam, outros conversam e dançam. Estes são os
elementos observáveis em primeiridade. Estas atitudes performadas pelos modelos
são indices, em termos de secundidade, de diversos sentimentos: alegria, euforia,
liberdade. O que estas emoções significam, tendo em vista todo o contexto da
campanha apresentado ao longo deste estudo?

Relembrando a inspiração no filme Christiane F., a história original mostra uma


sociedade alternativa, que foge de todos os padrões normativos da época. Na cena
específica em que este anúncio buscou referência (Figura 6), o grupo está fugindo
da polícia alemã. No entanto, este policiamento não esteve presente na campanha
publicitária. (cena do filme)

Partindo para a ótica da terceiridade, o interpretante pode relacionar o signo da


polícia (presente em Christiane F.) com a normatização da sociedade
contemporânea e suas regras sobre os papeis que cada gênero deve exercer. No
entanto, esta fiscalização não está presente na publicidade. Talvez por isso as
emoções mostradas nesta cena são de liberdade – trata-se de um grupo de pessoas
que, embora fujam do padrão, não encontram opressão neste mundo criado pela
Gucci.
48

5.1.3 Recepção do anúncio

O abandono das fronteiras de gênero teve recepção positiva na mídia e no público


consumidor. O conceituado portal Business of Fashion fala que a estreia de Michele
nas passarelas de Milão foi a mais antecipada da semana de moda, e que o estilista
conseguiu erradicar os últimos vestígios da era sexualizada de Tom Ford e Frida
Giannini, celebrando uma estética que transcende diferenças entre masculino e
feminino. A W Magazine afirma que Michele redefiniu os conceitos tradicionais de
masculinidade. Ao redigir a crítica de um de seus desfiles, a Vogue americana
afirma que "Se havia um coração masculino em cada uma das peças, os principais
detalhes eram de uma excentricidade feminina - e essa foi sua proposição mais
audaciosa" (BLANKS, 2015, tradução nossa).

Comercialmente, o cenário é favoravel ao redirecionamento da empresa e confirma


a receptividade do consumidor. Dhani Mau, co-diretora editorial do portal
Fashionista, revela que o grupo Kering – detentor das ações da Gucci – lucrou 4.8%
a mais em vendas no último bimestre de 2015 em relação ao ano anterior. O
interesse de multimarcas e revendedores em comprar as peças da grife aumentou,
resultando num acréscimo de 10% no segmento atacado. Já as vendas nas lojas
próprias da marca cresceram 3%. Os números são positivos, tento em vista o
cenário econômico mundial. A título de comparação, Bottega Venega, outra marca
italiana do grupo Kering, teve queda de 8.3% no mesmo período.

Por fim, conclui-se que o redirecionamento estético e conceitual no discurso da


Gucci trouxe resultados positivos. O caso fica registrado como exemplo positivo de
que forma corporações podem aderir ao discurso liberal. A visibilidade é fator
importante para que a sociedade adquira maior compreensão sobre as
complexidades da identidade de gênero – e a Gucci conquistou tal fato ao mesmo
tempo em que agradou ambos mídia especializada e público consumidor.
49

5.2 A Zara e a linha “Ungendered”

5.2.1 Contexto

A Zara representa, atualmente, o império do fast-fashion5 no mundo da moda. A


marca foi fundada em 1975 na Espanha pelo empresário Amancio Ortega.
Atualmente, está espalhada em mais de 88 países com 2.100 lojas.

A logística da Zara é completamente diferente das marcas de luxo: em vez de um


diretor de criação, possuem mais de 200 funcionários destinados a desenhar suas
peças. Em vez das tradicionais coleções (outono/inverno, primavera/verão, resort,
entre outras), a empresa executa um modelo de maior agilidade nas quais novos
artigos chegam em suas prateleiras até duas vezes por semanas. Desta forma, o
consumidor tem acesso às tendências mostradas nas passarelas das grandes
marcas em um prazo muito menor de tempo.

A Zara ainda é detentora de suas 16 fábricas, espalhadas em países como Portugal,


Marrocos, China e até no Brasil, produzindo cerca de 3 milhões de peças por
semana. O esquema permite o baixo custo dos artigos de vestuário. Vale a ressalva,
no entanto, que a companhia possui um certo histórico de escândalos relacionados
a trabalho escravo. Em solo nacional, os eventos culminaram na produção de um
Termo de Ajuste de Conduta - prevendo multa de até R$50 mil reais "para cada
fornecedor ou terceiro encontrado em situação irregular" (MELO, 2011, UOL
Notícias).

Em março de 2016, Zara lançou uma linha de roupas utilizando o conceito da


liberdade de gêneros. Denominada “Ungendered”, a coleção trouxe roupas livres da
divisão entre masculino e feminino. Seu anúncio será analisado a seguir através da
semiótica de Peirce.

5
O termo fast fashion, do inglês moda rápida, é utilizado para designar as empresas de moda de produção em
larga escala. As marcas criam suas peças com base nas tendências lançadas pelas grifes de luxo, lançando-as no
er ado e u urto espaço de te po. Neste étodo, os te idos usados são mais baratos e as técnicas de
o strução são adaptadas par a a ter aixo o preço de produção dessas peças DILLON, , p. 4 .
50

5.2.2 Análise Semiótica

Figura 9 – Campanha Zara “Ungendered”

Fonte: Zara.com

Ao contrário do case analisado anteriormente, a Zara optou por uma campanha


apenas em imagens no lugar de um filme. Percebe-se de imediato a estética
minimalita do anúncio. Em nível de primeiridade, temos apenas cores claras e tons
neutros: branco, cinza e a lavagem tradicional do jeans. Os personagens são
claramente reconhecidos como homem e mulher, no entanto, vestem as mesmas
peças de roupa – um moletom, uma calça e tênis. A única diferença entre ambos
está presente nas dobras no final da calça, presente na mulher e ausente no
homem.

Em termos de secundidade, nenhum dos elementos das imagens indiciam o sexo


feminino. Conforme visto anteriormente neste estudo, o uso de cores sóbrias, a
ausência de estampas e as modelagens soltas são características tradicionalmente
masculinas.

Em uma reflexão sobre a terceiridade dos signos deste anúncio, pode-se afimar que
a Zara tentou eliminar todas as referências de gênero do anúncio para criar uma
impressão neutra. No entanto, nota-se que apenas as referências de feminilidade
51

foram excluídas. Ao isolar o homem da imagem, sua figura continua com todas as
referências que indiciam o vestuário masculino.

Enquanto a opção da Gucci foi a inserção de elementos de secundidade e


terceridade de ambos os generos ao longo de toda a sua campanha, a Zara, ao
tentar excluir estes índices em busca da neutralidade, acabou tornando a mulher
dependente da figura do homem para imprimir uma suposta significação de
neutralidade de gênero.

5.2.3 Recepção do anúncio

O lançamento desta coleção gerou diversas críticas nas redes sociais e na mídia. A
seção financeira do New York Times afirma que os consumidores se decepcionaram
ao encontrar uma linha composta, basicamente, de roupas masculinas em corpos
femininos, afirmando que isto não é algo progressivo suficiente para muitos. O portal
Mashable destaca em sua manchete que é problemático que a Zara chame
moletons de "genderless" - entrevistados para a matéria demonstram anseio com a
obsessão da indústria na neutralidade de gênero e na forma como estão
apresentando esta ideia como mera tendência lucrativa. A Dazed Magazine mostra
ambos os argumentos negativos e favoráveis: apesar de destacar a importância de
que esta bandeira seja levantada numa corporação presente em 88 países, critica
que os anúncios trazem apenas modelos cisgêneros, enquanto poderia ter
apresentado sujeitos que de fato representam a luta contra a binaridade e
normatividade.

Na imprensa nacional, o Huffpost Brasil comenta sobre o caso Zara:


Criar roupas sem gênero não significa colocar uma cartela cinza e branco
pra todas as peças. Assim como as mulheres, existem homens que também
querem usar muitas cores, flores, bichinhos e frases meigas. Mesmo que as
roupas sejam para todos - homens e mulheres - é preciso pensar que as
modelagens podem ser diferentes. As mulheres querem usar o que tem no
guarda-roupa masculino, porém tem que cair bem no corpo (e o mesmo
pros homens). Parece complicado, mas fazer moda sem colocar rótulos é
fácil: é só não criá-los (SCHMIDT, 2016, Huffpost Brasil).

Comercialmente, não foram encontradas informações relevantes para se analisar o


desempenho da coleção “Ungendered”. Tampouco foram encontrados artigos na
imprensa internacional sobre este caso específico. Segundo dados da Bloomberg, o
52

valor das ações da Inditex, grupo que detém a marca Zara, permaneceu o estável ao
comparar os meses de março de 2016 (quando a linha foi lançada) e o mesmo mês
do ano anterior.

Vale a ressalva que, apesar do impacto na mídia, este caso tem proporções
consideravelmente menores que o analisado anteriormente. A coleção – uma entre
várias que a empresa lança anualmente – contém apenas 10 peças, lançadas em
poucos países, ao contrário da Gucci que mudou completamente seu
direcionamento conceitual e estético com a mudança de seu diretor criativo.
53

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo das identidades de gênero e dos signos que as representam é um trabalho


que, apesar da farto conteúdo encontrado acerca do tema, está constantemente
passível de erratas. Apesar do grande número de autores que seguem esta linha de
pesquisa, deve-se lembrar que estamos falando de pessoas reais, cada qual com
personalidades e traços diferentes. É um discurso de grande complexidade que só a
vivência poderia dar origem à propriedade de fala. Transferir esta pauta para um
ambiente corporativo e que possui, principalmente, fins lucrativos, pode ser um
pouco problemático.

Os casos analisados mostraram marcas que se destacaram na publicidade


contemporânea por demonstrar o conceito de gênero através de uma visão ainda
muito recente. Claro, identidades que transcedem o masculino e feminino não são
nada atuais ao pensar que suas manifestações estão presentes na população desde
as formações das primeiras sociedades, conforme visto no capítulo 2. O uso de
roupas convencionalmente vistas como do sexo oposto também não é fenômeno
moderno, assim como estudado no capítulo 3. O recente, neste caso, se refere à
maneira como o assunto está sendo abertamente discutido, principalmente no
mundo empresarial.

Sobre este assunto, deve-se ponderar sobre a diferença entre visibilidade e


representatividade. Claro, as marcas que levantam esta bandeira trazem visibilidade
para sujeitos cujas identidades não se encaixam na normatividade – mas isso não
significa que estão os representando. Nas campanhas analisadas, temos a imagem
fictícia da neutralidade de gênero, mas não há indícios de que os modelos
escolhidos se identificam, de fato, com a não binaridade – são atores performando
os papeis aos quais foram dirigidos.

É o caso, por exemplo, do filme A Garota Dinamarquesa (2015), do diretor Tom


Hooper, que traz o ator Eddie Redmayne como a primeira transexual que se tem
conhecimento submetida a cirurgia de redesignação sexual. Apesar da atuação que
lhe rendeu indicações ao Oscar, Redmayne é um homem cisgênero, heterossexual
e de manifestações convencionais. A representatividade ocorreria caso o elenco
54

trouxesse, de fato, sujeitos que representam esta luta. E isto é algo de extrema
importância para que suas existências saiam da margem da sociedade.

Ainda, conforme conclusões da análise semiótica dos anúncios e a própria recepção


das campanhas na mídia, é preocupante que parte das empresas parece focar
apenas na imposição do estilo masculino. Mais uma vez, ocorre a invisibilidade das
identidades afeminadas e a perpetuação do estereótipo que feminilidade é algo
aceito apenas entre mulheres.

Sobre como o assunto tem tido destaque nas empresas de moda, a repórter Mary
Rizzo redigiu o seguinte para o portal da CNN. Sua opinião retrata com excelência
opiniões pessoais do autor sobre a pauta:

Antes de levantarmos um brinde à moda pós-gênero, é importante


diferenciar o que é marketing e o que são, de fato, progressos em direção à
igualdade de gênero. Claro, a moda pode levantar a bandeira para provocar
mudanças sociais. Mas, frequentemente, a moda explora movimento sociais
ao se apropriar de suas estéticas, transformando-a em ousadas em
lucrativas (...).Em várias instâncias, diferenças raciais, pobreza e violência
são repáginados como "exótico". Modificados esteticamente para apelar aos
nossos olhos, eles criam uma clara distinação: existe nós, os consumidores
da sociedade, e eles,os excluídos da sociedade que ou nos fascina ou nos
amedronta (RIZZO, 2016, CNN, tradução nossa).

Voltando ao processo de pesquisa deste estudo, optou-se pelo uso da semiótica


para identificar os signos representativos de gênero nos anúncios escolhidos. A
publicidade é o meio ideal para aplicar os conceitos de Peirce, uma vez que as
próprias campanhas são fenômenos signícos em sua essência. Entretanto,
dificuldades foram encontradas.

Acredita-se que, apesar de suas complexidades, os conceitos de primeiridade,


secundidade e terceiridade são ferramentas limitadas para um entendimento do
cenário geral. Num primeiro momento, a tendência de mercado foi constatada
através desta ciência. Mas tornou-se necessário, inicialmente, estudar a história das
empresas em questão para identificar em que ponto o discurso de gênero condiz
com o direcionamento das grifes. Ainda, julgou-se importante explorar também a
recepção das peças publicitárias, resultando numa pesquisa de artigos na imprensa
e também da evolução financeira das corporações através de dados das bolsas de
valores.
55

Apesar das limitações encontradas, o caráter abstrato da ciência da semiótica


também trouxe pontos positivos. Trabalhar com uma ferramenta de veia tâo
acadêmica torna-se um desafio para formandos cujo foco está, muitas vezes, no
mercado de trabalho. No entanto, é esta dificuldade que transfere ao pesquisador
um olhar neutro diante seu objeto, permitindo analisar os elementos da narrativa
publicitária através de uma ótica que vai além das estratégias mercadológicas. Tal
experiência é de grande enriquecimento pela bagagem intelectual adquirida ao longo
do processo de pesquisa, rendendo frutos por qualquer caminho que o estudante
siga: seja o lato sensu ou strictu sensu.

São muitas as possibilidades que o tema escolhido oferece. O mesmo assunto pode
ser analisado através de diversas ferramentas, como o marketing, a sociologia ou a
psicologia. Conclui-se, através dos estudos que deram embasamento para este
projeto, que são muitas as formas que o ser humano utiliza para expressar sua
própria identidade. O vestuário é uma delas, e conforme visto, as diferentes peças
que fazem parte de um guarda-roupa carregam grandes cargas semânticas. Como
forma de expressão, a moda muitas vezes é utilizada para comunicar aspectos
intrísecos do ser humano – se vestir pode se tornar um ato político. A visibilidade
crescente do movimento LGBT e dos indivíduos não binários, agora validados como
mercado financeiro, chama a atenção das empresas do segmento. Questiona-se, no
entanto, sobre o uso de pautas de caráter social para fins lucrativos.
56

7 . REFERÊNCIAS

ADAMCZYK, Alicia. Zara‟s „Progressive‟ Clothing Line Misses the Mark for
Some. New York Times. Disponível em <http://time.com/money/4248373/zara-
ungendered-clothing-line/>. Acesso em 15 maio 2016.

Agência Brasil. Parada do Orgulho LGBT é evento que atrai mais turistas para
São Paulo, diz diretor da SPTuris. Disponível em: <
http://memoria.ebc.com.br/agenciabrasil/noticia/2011-06-23/parada-do-orgulho-lgbt-
e-evento-que-atrai-mais-turistas-para-sao-paulo-diz-diretor-da-spturis>. Acesso em:
01 março 2016.

ALLEN, Mercedes. Transgender History: Trans Expression in Ancient Times.


The Bilerico Project. Disponível em: <
http://www.bilerico.com/2008/02/transgender_history_trans_expression_in.php>.
Acesso em: 01 março 2016.

ALLWOOD, Emma Hope. Just how progressive is Zara‟s new „ungendered‟


range?. Dazed. Disponível em
<http://www.dazeddigital.com/fashion/article/30256/1/just-how-progressive-is-zara-s-
new-ungendered-range>. Acesso em 15 maio 2016.

ASSOCIAÇÃO PARA O PLANEJAMENTO DA FAMÍLIA. Identidade e orientação


sexual. Disponível em <http://www.apf.pt/sexualidade/identidade-e-orientacao-
sexual>. Acesso em: 01 março 2016

BARNARD, Malcom. Moda e Comunicação. Rio de Janeiro: Rocco, 2003


BEAUVOIR, Simone de. O Segundo Sexo. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1980.
BLANKS, Tim. Gucci: Spring 2016 Menswear. Vogue. Disponível em
<http://www.vogue.com/fashion-shows/spring-2016-menswear/gucci>. Acesso em 13
maio 2016.

BLOOMBERG. Inditex Stock Quote. Disponível em


<http://www.bloomberg.com/quote/ITX:SM>. Acesso em 15 maio 2016.

BULLOUGH, Vern. Before Stonewall: Activists for Gay and Lesbian Rights in
Historical Context. Routledge, 2002.

CASTILHO, Kathia. Moda e linguagem. São Paulo: Editora Anhembi Morumbi,


2004.
DARDE, Vincente William da Silva. A construção de sentidos sobre a
homossexualidade na mídia brasileira. UFRGS. Disponível em <
http://seer.ufrgs.br/index.php/EmQuestao/article/view/3109/4870>. Acesso em 04
maio 2015.
57

DATAFOLHA. Público da parada GLBT é mais escolarizado e têm maior renda


do que média da população paulistana. Disponível em
<http://datafolha.folha.uol.com.br/opiniaopublica/2005/06/1226951-publico-da-
parada-glbt-e-mais-escolarizado-e-tem-maior-renda-do-que-media-da-populacao-
paulistana.shtml>. Acesso em 13 março 2016.

DILLON, Susan. Princípios de Gestão de Negócios de Moda. Barcelona: Editorial


Gustavo Gilli, 2012.

EVEF. ZARA: O império da revenda de roupas. Disponível em


<http://www.evef.com.br/artigos-e-noticias/administracao-de-marketing/182-zara-o-
imperio-da-revenda-de-roupas>. Acesso em 15 maio 2016.

FACCHINI, Regina. Sopa de Letrinhas? Movimento homosexual e a produção


de identidades coletivas nos anos 1990. Rio de Janeiro: Garamond, 2005.

FERRARI, Juliana Spinelli. Homofobia. Brasil Escola. Disponível em


<http://brasilescola.uol.com.br/psicologia/homofobia.htm>. Acesso em 06 de marco
de 2016.

FREYRE, Gilberto. Modos de homem e modas de mulher. Rio de Janeiro: Record,


1987
G1. Movimento GLBT decide mudar para LGBT. Disponível em <
http://g1.globo.com/Noticias/Brasil/0,,MUL593295-5598,00.html>. Acesso em: 01
março 2016.

GARVEY, William. Goodbye Horses. Garvey Media. Disponível em


<http://web.archive.org/web/20120304014740/http://www.garveymedia.com/garvey/G
oodbye_Horses.html>. Acesso em 15 maio 2016.
GODART, Fréderic. Sociologia da moda. São Paulo: Senac, 2010.
IBGE. Projeção da População Brasileira. Disponível em <http://www.ibge.gov.br>.
Acesso em 13 março 2016.

ISTOÉ DINHEIRO. O Poder do Pink Money. Disponível em


<http://www.istoedinheiro.com.br/noticias/investidores/20130531/poder-pink-
money/3262>. Acesso em 13 março 2016.

KINSEY, Alfred. Sexual Behavior in the Human Male. Indiana University Press,
1998.

MARTINO, Luís Mauro Sá. Teoria da comunicação: Ideias, conceitos e métodos.


Rio de Janeiro: Editora Vozes, 2014.
MAU, Dhani. Gucci's sales slowly but surely continue to rise under Alessandro
Michele. Fashionista. Disponível em <http://fashionista.com/2016/04/kering-sales-
q1-2016>. Acesso em 13 maio 2016.
58

MELLERY-PRATT, Robin. Will Genderless Fashion Change Retail?. Business of


Fashion. Disponível em <http://www.businessoffashion.com/articles/intelligence/will-
genderless-fashion-work-retail>. Acesso em 13 maio 2016.

MELO, Débora. Zara assina termo de combate ao trabalho escravo que prevê
multa de R$ 50 mil. UOL Notícias. Disponível em
<http://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2011/12/19/zara-assina-termo-
de-combate-ao-trabalho-escravo-que-preve-multa-de-r-50-mil-para-cada-fornecedor-
irregular.htm>. Acesso em 15 maio 2016.

MILLER, Claire Cain. The Search For The Best Estimate of the Transgender
Population. The New York Times. Disponível em <
http://www.nytimes.com/2015/06/09/upshot/the-search-for-the-best-estimate-of-the-
transgender-population.html?_r=0>. Acesso em 13 março 2016.

MUNDOMAIS. Censo Gay. Disponível em


<http://web.archive.org/web/20110706153632/http://www.mundomais.com.br/exibem
ateria2.php?idmateria=334>. Acesso em 13 março 2016.

MUSSKOPF, André Sidnei. Quando sexo, gênero e sexualidade se encontram.


KOINONIA. Disponível em
<http://www.koinonia.org.br/tpdigital/detalhes.asp?cod_artigo=161&cod_boletim=9&ti
po=Artigo>. Acesso em 04 maio 2015.

NAPHY, William. Born to be gay: história da homossexualidade. Lisboa: Edições


70, 2006.
OKITA, Hiro. Homossexualidade: da opressão à libertação. São Paulo:
Sundermann, 2015.
ONE ARCHIVES. Timeline. Disponível em <http://www.onearchives.org/wp-
content/uploads/2015/05/Timeline-page-2-e1435779001815.jpg>. Acesso em 14
março 2016.

PEIRCE, Charles Sanders. Semiótica. São Paulo: Perspectiva, 2003.


PETRARCA, Emilia. How Gucci's Alessandro Michele Changed "Peacocking". W
Magazine. Disponível em <http://www.wmagazine.com/fashion/2016/01/gucci-
alessandro-michele-peacocking-menswear/photos/>. Acesso em 13 maio 2016.

RIZZO, Mary. Runway revolution: Can we tie unisex fashion trends to gender
equality?. CNN. Disponível em <http://edition.cnn.com/2016/01/14/fashion/unisex-
fashion-gender-equality/>. Acesso em 15 maio 2016

SANTAELLA, Lúcia. O que é Semiótica. São Paulo, São Paulo: Editora Brasiliense,
2012.
SANTAELLA, Lúcia; NOTH, Winfried. Comunicação e Semiótica. São Paulo:
Editora Hacker, 2004
59

SCHMIDT, Nadia. As marcas não estão entendendo o que é fazer roupas sem
gênero. Huffpost Brasil. Disponível em <http://www.brasilpost.com.br/nadia-
schmidt/as-marcas-nao-estao-enten_b_9474376.html>. Acesso em 15 maio 2016.

SCIACCA, Noelle. Why Zara calling sweats 'genderless' is problematic.


Mashable. Disponível em <http://mashable.com/2016/03/08/zara-genderless-
clothing/#rZpH1gCs38qa>. Acesso em 15 maio 2016.

SOUSA, Jorge Pedro. Elementos de teoria e pesquisa da comunicação e da


mídia. Santa Catarina: Letras Contemporâneas, 2004.
TATCHELL, Peter. Magnus Hirschfeld: The Einstein of sex who braved Nazi
genocide to wage LGBT crusade. International Business Times. Disponível em:
<http://www.ibtimes.co.uk/magnus-hirschfeld-einstein-sex-who-braved-nazi-
genocide-wage-lgbt-crusade-1502973>. Acesso em: 01 março 2016.

TERRA. BRASIL: A trajetória contra o preconceito. Disponível em


<http://noticias.terra.com.br/brasil/direitos-homossexuais/>. Acesso em 14 março
2016.

TIMELINE OF LGBT HISTORY. In: Wikipedia, The Free Encyclopedia. Flórida:


Wikimedia Foundation, 2016 Disponível em
<https://en.wikipedia.org/wiki/Timeline_of_LGBT_history>. Acesso em 14 março
2016.

United Nations Free & Equal. Sexual Orientation and Gender Identity are Nothing
New: LGBT people have been part of all societies througout history. Disponível
em <https://www.unfe.org/en/actions/idahot-infographic>. Acesso em: 07 março
2016.

VENTURI, Rosilene Machado de Andrade. Produção de moda - Da concepção da


imagem de moda à execução de catálogo de moda. UNIVILLE. Disponível em <
Produção de moda - Da concepção da imagem de moda à execução de catálogo de
moda >. Acesso em 11 maio 2015.
VOGUE. Gucci. Disponível em <http://www.vogue.com/fashion-shows/fall-2016-
ready-to-wear/gucci#all-seasons>. Acesso em 13 maio 2016.
WILSON, Brandon. The History of Gucci. Year In A Brand. Disponível em
<http://yearinabrand.com/history-gucci/>. Acesso em 13 maio 2016.

YOUTUBE. Gucci Spring Summer 2016 Campaign Film. Disponível em


<https://www.youtube.com/watch?v=l9b5jym0ig8>. Acesso em 13 maio 2016.

YOUTUBE. Christiane F - David Bowie Heroes Scene. Disponível em


<https://www.youtube.com/watch?v=oXjV-Yuwj3w>. Acesso em 13 maio 2016.

Você também pode gostar