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ESCOLA DE CIÊNCIAS SOCIAIS APLICADAS, EDUCAÇÃO, ARTES E

HUMANIDADES
BACHARELADO EM JORNALISMO

KENIA GUEDES DE MATTOS

ESTÉTICAS PERIFÉRICAS: UMA ANÁLISE DA PRODUÇÃO DE SENTIDO DA


MARCA NIKE EM TERRITÓRIOS PERIFÉRICOS

Salvador
2022
KENIA GUEDES DE MATTOS

ESTÉTICAS PERIFÉRICAS: UMA ANÁLISE DA PRODUÇÃO DE SENTIDO DA


MARCA NIKE, EM TERRITÓRIOS PERIFÉRICOS

Projeto de Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao


Curso de Bacharelado em Jornalismo da Universidade
Salvador – Unifacs, como parte requisito parcial para a
conclusão da disciplina Trabalho de Conclusão de Curso
em Jornalismo II.

Formato: (Produto – livro fotográfico)

Orientador Prof. Pablo A. Caldas

Salvador
2022
DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho de conclusão de curso a minha Avó Dirce, que me ensinou que
posso ser gigante e sutil ao mesmo tempo, que posso ser feroz sem perder a
docilidade, e que posso bradar enquanto canto ou escrevo palavras suaves. Minha
avó, aquela que me ensinou a magia das palavras. Dedico este trabalho também, a
todos os jovens pretos e periféricos que sobrevivem e resistem a este sistema racista
e capitalista que cria condições mortíferas sobre nós. Celebro a vida destes jovens
que mesmo em um cenário como esse, conseguem vibrar numa energia de alta
frequência, mostrando que há vida na juventude preta.
AGRADECIMENTOS

Acredito que agradecimento não é a palavra certa e sim, reverência. Neste projeto, eu
não poderia deixar de reverenciar primeiro os mais velhos, os Àgbà. Saúdo e vibro a
existência de minha avó Dirce, mais conhecida como Mãezinha. Foi com ela que
aprendi que nenhum poder pode substituir o poder das palavras. É com elas que a
gente desmancha ou cria feitiços, encanta, desencanta, emociona, leciona, aprende
e estabelece. Minha avó foi quem me tornou a "pessoa das palavras".
Não posso deixar de agradecer também a meus pais, por todo apoio incondicional e
por terem me possibilitado crescer rodeada de livros. A meu irmão, sua esposa Taize
e meus sobrinhos Valentin e Madhu.

E se este livro pode ser construído, foi por toda a relação de parceria construída junto
a meu esposo Lucas. A ele, devo todas as horas de paciência, sorrisos, incentivos e
até as distrações. Por último e não menos importante, agradeço e honro a presença
dos orixás e entidades religiosas em minha vida, em especial aqueles e aquelas que
guiam meus caminhos. Sem eles, nada sou. Asé o, meu pai Oxóssi, minha mãe
Iemanjá, meu caboclo e preto velho. LAROYÊ aos Exus e Pombagiras que me
acompanham.

Sou o que sou, pelo que nós somos todos.


Puxutriuh é o linha de frente,

é quem se permite. É quem dá a cara a tapa.

Vandal - PUXUTRIUH DOC (2022)


RESUMO

Com o objetivo de entender como a marca Nike produz sentido em indivíduos


periféricos, decidi que este seria meu tema de aprofundamento numa realidade vivida
e concebida pela juventude negra na diáspora. Nesse sentido, o fio condutor deste
estudo parte em entender como a semiótica da marca Nike produz sentido de
identidade e pertencimento em jovens negros periféricos na cidade de Salvador.
Através de alguns estudos de semiótica aplicada às marcas de vestuário, podemos
entender algumas relações estabelecidas entre as marcas e seus consumidores.
Portanto buscar entender como se dão essas incorporações sobre o corpo de jovens
negros periféricos que buscam no uso das mercadorias da marca Nike a construção
de suas identidades, as referências de negritude a partir do global para o local, pois o
uso em seus territórios de pertencimentos étnicos, culturais e sociais delineia origem,
lugar, espaço que se articulam como promotores de alteridade. Para construção do
escopo teórico me apoiei nas literaturas e referências que fizesse uma articulação
entre a semiótica e a juventude negra na dimensão socioeconômica e cultural dentre
eles os autores Stuart Hall para discutir identidade cultural; Achile Mbembe para
compreendermos o contexto em que se dá a necropolítica; Michael Foucault uma das
referências primárias para o discurso sobre o biopoder e como diferentes formas de
controle social recaem de forma mais severa sobre os corpos negros ; Bourdieu
sustenta nesse texto as reflexões sobre as trocas simbólicas e o conceito de habitus
e Santaella para fazer a triangulação necessária entre a marca e seus significados.
Trata -se de uma pesquisa do tipo qualitativa, bibliográfica, onde foi utilizado como
instrumento de coleta de dados a entrevista estruturada aplicada para seis depoentes.
Para este projeto de conclusão de curso foi escolhida a modalidade (produto) e dentro
dela o modelo o qual mais se adequou a proposta foi o de livro fotográfico e para o
mesmo o recurso utilizado foi registro fotográfico com jovens homens e mulheres
negros.

Palavras Chaves: estética, nike, semiótica, juventude


SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO...................................................................................... 8

2. A MARCA NIKE...................................................................................10

3. A SEMIÓTICA APLICADA AS MARCAS..........................................11

4. O ESTUDO SEMIÓTICO APLICADO A MARCA NIKE...................13

5. COMO A NIKE CHEGOU AO TERRITÓRIO PERIFÉRICO ............16

6. SOBRE AS ESTÉTICAS PERIFÉRICAS..............................................17

7. BIO PODER E NECROPOLÍTICA........................................................19

8. NIKE: Seu uso como como identificar cultural e construtor de sentido..22

9. O LIVRO-FOTOGRÁFICO ..................................................................30
9.1. RELATO: O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO PRODUTO....30
9.2 PROCESSOS E MÉTODOS..............................................................32
9.3 Recortes temáticos..............................................................................32
9.4 Pesquisas e levantamento de dados....................................................33
9.5 Busca de fontes...................................................................................34
9.6 Materiais textuais................................................................................34
9.7 Conteúdos audiovisuais.......................................................................35

10. CONLUSÃO............................................................................................36
12. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..............................................37
13 APÊNDICES.......................................................................................40
13.1 Apendice A: Capa e contracapa do livro......................................... 40
13.1.2 Apendice B: Link de acesso ao livro fotográfico...........................41
13.1.3 Link de acesso as entrevistas..........................................................41
13.1.4 Documentos de cessão do de imagem para o livro fotográfico......41
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1 INTRODUÇÃO

É consensual que vivemos em uma sociedade do consumo e que muito tem se


produzido na academia incursões teóricas e metodológicas sobre esse fenômeno
globalizante, qual seja o consumo. De acordo com Castro (2004)
É consensual, dentre os autores que discutem as sociedades
contemporâneas, a ideia de que a esfera do consumo vem, cada vez mais se
sobrepondo à esfera da produção, ou seja, para entendermos melhor o
mundo que nos cerca, temos que lançar o olhar para a forma como
mercadorias são consumidas e os sentidos lhe são conferidos à vida, via
consumo, uma vez que a sociedade, que antes, girava em torno da esfera da
produção, passa agora a produzir-se na esfera do consumo (CASTRO, 2004,
p.18).

Assim, tomando as reflexões de Castro (2004) o interesse deste trabalho parte


em entender como a semiótica da marca Nike produz sentido de identidade e
pertencimento em jovens negros periféricos na cidade de Salvador. Considerando ser
a marca Nike talvez uma das primeiras marcas a patrocinar negros, primeiro no
futebol, depois em atletas profissionais especialmente do basquete e de outros
esportes, bem como sua capacidade de inserção no universo cinematográfico, no
mundo da moda e também apoiando via patrocínio coletivos como o Esporte Clube
Corinthians Paulista e jogadores de futebol brasileiros como Ronaldinho Gaúcho,
Ronald Fenômeno, Neymar entre outros. Deste modo, temos uma marca e suas
mercadorias para analisar, em que medida a juventude negra periférica de Salvador
acessa e ressignifica essas mercadorias em signos identitários. De acordo com
Bordieu (1998) sobre consumo:
O gosto é classificador e classificatório, classificando o classificador: os sinais
das disposições estéticas e esquemas classificatórios revelam a origem e a
trajetória de vida da pessoa e se manifestam na forma do corpo, altura, peso,
postura, andar, conduta, tom de voz, estilo de falar, desembaraço, ou
desconforto em relação ao próprio corpo (BOURDIEU, 1998, p. 21)

Portanto buscar entender como se dão essas incorporações sobre o corpo de


jovens negros periféricos que buscam no uso das mercadorias da marca Nike a
construção de suas identidades, as referências de negritude a partir do global para o
local, pois o uso em seus territórios de pertencimentos étnicos, culturais e sociais
delineia origem, lugar, espaço que se articulam como promotores de alteridade. Diante
do exposto, há uma dimensão socioeconômica e antropológica a ser investigada por
9

tratar-se de um consumo de uma marca que não é acessível via valor das suas
mercadorias para a classe em que pertencem a maioria dos jovens negros do estado
da Bahia; e suas particularidades envolvendo a semiótica de um segmento regulatório
de identidades e subjetividades. Pois de acordo com Bourdieu (1998) o gosto é
classificador e classificatório e onde quer que essa juventude de determinados
espaços territoriais estiverem serão classificados, ainda que o gosto seja por uma
marca mundialmente conhecida como a Nike.

Ao lançar mão da vertente produção de sentidos temos a identidade como um


dos eixos regulatórios que estão em constantes transformações. Segundo Hall (1998):

O sujeito assume identidades diferentes em diferentes momentos,


identidades que não são unificadas ao redor de um “eu” coerente. Dentro de
nós há diferentes direções, de tal modo que nossas identificações estão
sendo continuamente deslocadas (HALL, 1998 pág.13).

O caminho interpretativo ou de entendimento sobre a força de uma marca na


produção de identidades de sujeitos periféricos que são corpos no entrelugar de uma
classe social e cultural menos favorecida e o consumo de artefatos considerados para
classes de alto poder aquisitivo. E em que medida essas identidades vão se
conectando, construindo e se reconstruindo. Hall (1998) diz: “A identidade é algo
formado ao longo do tempo, através de processos inconscientes, e não de algo inato,
existente na consciência no momento do nascimento”. (HALL, 1998, p.38).

Assim é necessário neste campo da semiótica, buscar analisar o efeito


simbólico da marca junto a esse grupo espacial e étnico racial que na conjuntura
política econômica do estado, não são contemplados pela inclusão nos espaços
sociais e culturais de níveis intermediários, ou seja, a sua maioria é refém do racismo
estrutural que cria estratégias insuperáveis de ascensão social e econômica.

Então, de acordo com Lemos, Migueles e Vieira:

O poder simbólico surge como todo poder que consegue impor significações
e impô-las como legítimos. Os símbolos afirmam-se, assim, como os
instrumentos por excelência de integração social, tornando possível a
reprodução da ordem estabelecida. Ou seja, usar a marca é uma distinção
social. (LEMOS, MIGUELES, VIEIRA, 2004, p.84)
10

Deste modo, este grupo foi identificado como uma espécie de “frente social”
não só de lançamento de tendências e consequentemente produção de sentidos, mas
também de uma ação combativa ao racismo e aos “biopoderes” impostos sobre seus
corpos.

2. A MARCA NIKE:
Para falarmos sobre a importância da Nike em territórios periféricos, faz-se
necessário um panorama sobre o início da marca e como ela se tornou tão popular ao
redor do mundo. A marca de artigos esportivos Nike inicialmente era chamada de Blue
Ribbon Sports e foi desenvolvida pelo ex-corredor e contador Phil Knight, que tinha
em mente um grande sonho de trabalhar vendendo tênis. Sendo assim, ele começou
seu projeto de vida, revendendo pares de tênis para corrida da marca Tiger que ele
havia conseguido adquirir através do próprio produtor que era uma grande empresa
localizada no Japão.
Com o aumento dos pedidos e consequentemente das vendas, o ex-corredor
decidiu presentear com um dos pares de tênis, o seu ex-treinador Bill Bowerman que
ao se dar conta do bom desempenho do calçado, pediu para se tornar sócio da
empresa representando 51% dela, enquanto Phil representava 49%.
Após venderem milhares de calçados, foi aberta a primeira loja da Blue Ribbon
Sports, comandada por um dos funcionários de Phil, conhecido como Jhonson. A loja
ficava localizada na Califórnia e era conhecida como um “ponto de encontro” para
atletas de corrida e pessoas que gostavam e acompanhavam o esporte. Além dos
pares de tênis, a loja era coberta de pôsteres e dos melhores e mais respeitados livros
sobre o tema.
Após o acordo entre a Blue Ribbon Sports e a empresa japonesa ter afrouxado
por conta do número de vendas, que para a empresa ainda era muito baixo,
preocupado em não perder o seu negócio e também o seu sonho, o proprietário da
Blue Ribbon Sports viu como alternativa fechar um acordo com uma empresa
mexicana chamada Canadá. A empresa produziu chuteiras com uma logomarca e
nome desenvolvidos por Phil.
Houveram várias conversas entre os membros do time da Blue Ribbon Sports
sobre qual seria a identidade visual e o nome da marca, até que Phil resolveu pagar
11

a uma estudante de artes chamada Carolyn Davidson para que desenhasse a logo,
sugerindo que deveria ter algo haver com a palavra “movimento” e que fosse algo
simples.

De todas as alternativas de logo construídas pela estudante, a escolhida foi o


símbolo da “asa” tal qual como o conhecemos hoje, sendo vendida a 35 dólares na
época. Este símbolo foi apelidado de “swoosh” e desta forma ele é chamado até hoje.

Para o nome da marca surgiram algumas opções entre os membros, mas a que
prevaleceu foi a sugestão de Johnson, um dos braços direitos de Phil Knight, que
trouxe a palavra “Nike” que apareceu para ele em um sonho enquanto estava
dormindo. Phil, logo associou a deusa grega da vitória, Nike. De acordo com (JÚNIOR,
2013, p.66) “Diziam os gregos que a Deusa podia voar e correr em grandes
velocidades”. Neste caso, é importante chamar a atenção sobre o significado da
marca inspirada na deusa da vitória. Ao passo em que ela significa vitória, logo, quem
a utiliza entende-se também como um indivíduo “vitorioso”.

Com o nome e a identidade visual definidos, deu-se início a produção dos


primeiros calçados da Nike, que inicialmente eram modelos de chuteiras vendidas nos
Estados Unidos. Passando a circular fora dos Estados Unidos, o Canadá foi o primeiro
país a vender modelos Nike em 1972, seguido de alguns países europeus a partir de
1978.

3. A SEMIÓTICA APLICADA ÀS MARCAS


Através de alguns estudos de semiótica aplicada às marcas de vestuário,
podemos entender algumas relações estabelecidas entre as marcas e seus
consumidores. Em um estudo sobre a relação entre capital simbólico e
12

posicionamento mercadológico das lojas de alto prestígio no Rio de Janeiro, (LEMOS,


MIGUELES e VEIRA, 2004) afirmam que:

“A estética parece ter sua independência frente às necessidades econômicas;


pois experimentar um interesse pela estética não supõe o fato de se possuir
os meios econômicos para fazê-lo. Portanto a estética existe em certa
oposição, ao menos, em relação ao conceito de poder econômico.” (LEMOS,
MIGUELES, VIEIRA, 2004, p.85).

Deste modo, podemos começar a entender o papel que uma marca de alto
prestígio pode operar, como uma construtora de sentido e mais especificamente,
como um poder simbólico, já que o poder simbólico segundo Lemos, Migueles e Vieira
(2004) impõe significações que se tornam legítimas. Sendo assim os símbolos podem
atuar como atores de integração social.

Sabemos que marcas notórias vendem seus produtos a um alto valor de


compra. Uma jaqueta simples da Nike por exemplo, pode custar por volta de
R$400,00. Através disto, observamos como o uso destas peças é capaz de definir o
poder aquisitivo de quem as usa, e não só isso, como definir um “lugar na sociedade”.
Mas o interessante é que há um confronto de ideias que refuta esta tese, já que muitos
indivíduos periféricos gastam seus pequenos salários em roupas de lojas de grife.

Andando pelas ruas, conseguimos ver que há uma espécie de diferenciação:


Uma mesma peça de roupa, é utilizada de modos diferentes entre indivíduos
periféricos e indivíduos de classes altas. Um mesmo modelo de tênis esportivo por
exemplo, em pessoas ricas, na maioria das vezes ele é utilizado para a prática de
esportes e atividades físicas, enquanto em pessoas das classes C,D e E ele é utilizado
como um artigo de moda, definidor de “estilo”. Esse mesmo modelo de tênis, é
reinventado e utilizado em passeios e festas, como um artigo que “demarca” um certo
poder que ultrapassa as barreiras financeiras. Neste sentido, Lemos, Migueles e Vieira
(2004) trazem uma interessante reflexão: “O mais puro compromisso na área da
estética se torna um modo de reivindicar liberdade de uma dominação econômica que
é parte do campo em que se está inserido”. (LEMOS, MIGUELES, VIEIRA, 2004, p.85)

Sobre este poder de reinvenção, podemos analisar que ele se aproxima do


conceito de Habitus definido por Bourdieu (1944), quando entendemos que ao
13

reinventar o modo de utilizar um artigo de grife mesmo que de forma inconsciente ou


não intencional, os indivíduos periféricos conseguem assim, criar uma espécie de
classificação de diferença que delimita o “nós” e “eles”. De acordo com Lemos,
Migueles e Vieira (2004) “O habitus mescla o que é aprendido com o que é natural”
(LEMOS, MIGUELES, VIEIRA, 2004, p.84)

Para analisar as marcas, Santaella apud (LIMA, CARVALHO, 2012, p.11)


sugere que façamos uma análise baseada em três diferentes caminhos, são eles:
aspecto qualitativo icônico, aspecto singular indicativo e aspecto convencional
simbólico.

No primeiro aspecto, a autora sugere que sejam analisados aspectos de uma


marca tais como: “Cores, linhas, substâncias, formas, dimensão, textura, tamanho,
luminosidade, etc.” (SANTAELLA, 2002) apud (COMPAGNON,2009) Já que estes são
os primeiros aspectos observáveis de uma marca, seja ela qual for. No segundo
aspecto, devemos analisar a marca em relação ao contexto do qual ela pertence,
observando “sua origem, ambiente de uso, e que informações existem sobre os
usuários ou consumidores” considerados como público-alvo.

O terceiro aspecto segundo trata-se de observar “a coerência entre as


expressividades da marca e as expectativas culturais de quem a marca procura
atender (RODRIGUEZ, 2001) apud (LIMA, CARVALHO, 2012, p.12).” Após isso,
torna-se necessário uma análise sobre o poder representativo da marca que significa
o que ela representa, os valores que lhe são atribuídos, o status cultural da marca
entre outros. Por último e não menos importante, a última etapa é analisar qual o
público que a marca deseja atingir, e quais os significados e valores que a marca tem
para este público. (RODRIGUEZ, 2001) apud (LIMA, CARVALHO, 2012, p.12).

4. O ESTUDO SEMIÓTICO APLICADO A MARCA NIKE

Após entender como é feita uma análise semiótica das marcas, utilizaremos o
proposto para entender o funcionamento e a concepção da marca que se apresenta
na temática deste projeto: A marca de artigos esportivos, Nike.
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Do ponto de vista qualitativo-icônico proposto por Santaella, podemos observar


que a identidade visual da marca contém apenas duas variações de cores, que são o
preto e o branco. Em relação às formas e dimensões, a marca se apresenta com uma
forma simples, e sua dimensão pode ser considerada como média, variando entre 5 e
20cm na maioria de seus artigos, produtos e representações visuais. Além disto,
podemos defini-la como uma marca de alta luminosidade pelo uso das cores preto e
branco, e pelo seu aspecto reflexivo em alguns artigos.

Imagem 1: Arquivo da internet, disponível em: https://registrofacildemarcas.com.br/registro-de-marcas-mistas/

Imagem 2: Arquivo da internet, disponível em: https://registrodemarca.arenamarcas.com.br/historia-da-nike/

No aspecto singular-indicativo podemos definir que em relação a origem e


ambiente de uso, a marca surgiu em Portland (EUA) e suas primeiras aparições foram
em alguns estados dos Estados Unidos em atletas, principalmente de corrida.
Hoje, a marca ainda é utilizada largamente por atletas de todos os tipos de esportes,
mas sua disseminação fez com que ela também se tornasse uma marca relacionada
15

à "moda". Sendo assim, pessoas de todos os tipos e de diversas ocupações, estão


entre os usuários e consumidores da marca.
Já no aspecto convencional-simbólico é possível observar que a marca tem
como expressão o conforto, aliado ao estilo e a alta-performance, respondendo aos
mesmos interesses do público o qual ela procura atender, que tem como expectativas
culturais uma marca “diferenciada” que possa fazer parte do seu dia a dia bem como
das suas práticas de esportes e atividades físicas.
Deste modo, o poder representativo da marca se demonstra através do que ela
representa, uma marca de alto padrão para práticas de atividades físicas. Tanto em
relação a sua origem, como a sua circulação, podemos afirmar que seus
consumidores, independente de serem seu público-alvo, interpretam a marca, ou
melhor, o seu uso, como sinônimo de vitória, riqueza, status, entre outros similares.
Em relação a identidade da marca e as identidades dos indivíduos, (CORREIA,
ZOBOLI, SILVA, SANTOS, SOUZA, 2016, p.4) afirmam que:
“Funciona como se sua identidade fosse o seu ego interno e a identidade da marca
fosse o não-ego formado a partir do contato do sujeito com a marca.” Sendo assim,
entendemos a partir desta reflexão que o indivíduo pode incorporar em si, a identidade
da marca, mesmo que de modo não intencional ou direto.
Do ponto de vista semiótico, analisando a marca como um “signo” segundo as
definições de Peirce, entendemos que a marca por si só, representa uma série de
coisas e elementos, ainda que estes não estejam presentes em um primeiro olhar. Por
exemplo, ao vermos a identidade visual da marca estampada em um papel, ou em
uma tela, quase que automaticamente imaginamos roupas da marca como bermudas
e jaquetas, modelos de tênis variados, bonés etc, mesmo que em nenhum momento
estes artigos tenham aparecido. Sobre isto, Correia, Zoboli, Silva, Santos e Souza
(2016), analisam que:

“A logomarca da Nike vista sob o viés de um signo que representa alguma


coisa ou até mesmo um conjunto de coisas, além dela própria, acaba
ocupando na mente de alguém o lugar dessa(s) coisa(s) por sua capacidade
qualitativa e quantitativa. Ou seja, ela faz lembrar, imaginar e/ou identificar
subjetivamente uma determinada coisa, mesmo sobre sua ausência objetiva.”
(CORREIA, ZOBOLI, SILVA, SANTOS, SOUZA, 2016, p.45)

Temos então, uma contradição que nos motiva e nos norteia para o assunto
que será tratado no próximo capítulo: O público a quem a marca deseja atingir, não é
16

o seu público massivo, pois entre os seus consumidores, há um número significativo


de indivíduos periféricos (negros ou não), que destinam seus recursos a adquirir peças
e artigos da marca, definindo assim seu próprio ideal de “estética periférica”. Mas para
que isso pudesse acontecer, primeiro foi necessário que estes indivíduos criassem
uma identificação com a marca, marco este, iniciado a partir de 1994.

5. COMO A NIKE CHEGOU AO TERRITÓRIO PERIFÉRICO

Em 1994 a Nike assinou um contrato de patrocínio com o jogador Ronaldo


Fenômeno, e no mesmo ano veiculou em variadas mídias televisivas o seu filme
comercial com o intuito de representar a Copa do Mundo, que naquele ano seria
realizada nos Estados Unidos. Estas, foram as duas primeiras ações da Nike que a
aproximou do público brasileiro e mais especificamente do público periférico, já que a
marca era diretamente ligada ao futebol, um dos esportes favoritos dos brasileiros e o
esporte que sempre imprimiu ideais de “força e superação”. Estes ideais eram
imprimidos na população periférica que assistia a muitos dos jogadores nacionais, que
eram adolescentes pobres e periféricos que com contratos em times e seleções
conseguiram ascender socialmente e terem estabilidade financeira.

De acordo com levantamento bibliográfico, a Nike tem um aporte financeiro de


aproximadamente 1,4 bilhões de dólares destinados a contratações de atletas como
garoto/a-propaganda da marca. A mesma, atingiu em cheio o público brasileiro
quando colocou os seus atletas não só como usuários da marca, mas também como
colaboradores. Os mesmos, tinham voz no processo de construção de alguns
modelos de artigos, e neste sentido se faz necessário mencionar dois casos que
tiveram grande impacto e admiração do público brasileiro, são eles os modelos de
chuteiras “Tiempo” e “Mercurial”. Ambas foram idealizadas e utilizadas pela primeira
vez respectivamente pelos atletas Ronaldo e Ronaldinho Gaúcho. De acordo com
Júnior (2013) “Ao associar sua imagem à estrelas de diferentes esportes, a empresa
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quer comunicar que todos podem ser atletas e desenvolver o espírito competitivo
retratado em suas campanhas publicitárias”. (JUNIOR, 2013, p.68)

Sendo assim, temos definido o momento em que a Nike cai “nas graças” do
brasileiro, em especial o periférico, que enxerga na marca características como vitória,
poder, competitividade e alta performance, ainda que estas não estejam ligadas
unicamente ao esporte e sim a vida. Afinal, há em comum entre as pessoas periféricas
a vontade de “vencer” traduzida pela ascensão social e financeira.

Ainda de acordo com Junior (2013), para Shimp (2002,p.270):

“isso é compreensível, já que muitos consumidores se identificam


imediatamente com estrelas, em geral, considerando-as como herói e
heroínas por suas realizações, personalidade e aparência física”. (SHIMP,
2002, p.270)

Com base nesta análise, entendemos onde há o gancho entre a marca e o


grupo destacado em questão. Ao consumirem a marca, o grupo projeta uma
idealização de uma vida como a destas estrelas das campanhas, uma vida próspera,
com muito dinheiro, respeito e fama.

6. SOBRE AS ESTÉTICAS PERIFÉRICAS

Muito se especula sobre o que é essa tal “estética periférica”, que na maioria
das vezes é mostrada em veículos de comunicação como a estética pertencente a
“ladrões, assaltantes e criminosos em geral”. Mas o objetivo deste trabalho, é
justamente ressignificar estas informações visuais que nos foram incutidas.
Desde quando os negros e negras se tornaram indivíduos livres, que se iniciou
o processo de favelização de algumas regiões do país, esse fenômeno social ficou
conhecido pela formação de grandes aglomerados habitacionais distantes dos centros
das cidades, construídos por conta própria pelos próprios moradores destes locais.
De acordo com Magnani (2002) apud Azevedo (2019):

Historicamente o termo periferia guarda uma “conotação geográfica e


sociológica, designado como uma área de expansão urbana em oposição ao
centro histórico”; carente de equipamentos básicos, habitada por populações
de baixa renda, com “pouca qualificação e de inserção precária” no mundo
do trabalho (MAGNANI, 2002).
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Muitas destas favelas ou bairros periféricos, foram construídos em cima de


morros, como é o caso de grande parte das favelas localizadas na cidade do Rio de
Janeiro – RJ. Não só a criação das favelas, mas a própria existência das pessoas que
lá habitam, sempre representou uma forma de luta pela sobrevivência frente a um país
dominado pela corrupção política, onde pessoas pobres têm seus direitos negados e
suas necessidades negligenciadas.

E como é observado, estas pessoas criaram não só o seu próprio modo de


viver, mas também de se expressar, demonstrando uma estética única e singular que
recebeu influências de variados lugares, como o futebol, a música com destaque para
os ritmos negros como samba, pagode, funk e hip-hop e principalmente a moda. De
acordo com Azevedo (2019) “Os diálogos interculturais ocorrem a partir da experiência
diaspórica que parece permitir a reconfiguração de valores, saberes e fazeres.”
(AZEVEDO, 2019, p.3) e é imprescindível salientar a importância dos ritmos na
formação de uma identidade cultural, neste sentido Azevedo (2019) também afirma
que:

“Desde os anos 70 que o funk vem sendo incorporado pela juventude negra
e pobre. Sobre o rap, podemos situar a década de 1980 como tempo de
formação de uma nova modalidade musical praticada por uma juventude com
as mesmas características sociais do funk.”(AZEVEDO, 2019, p.12)

Deste modo, podemos começar a entender de onde parte esta estética,


formada por vivências e experiências de indivíduos periféricos, respondendo com sua
expressividade a guerra travada contra suas vidas. No que diz respeito a referencias
estéticas, muitos destes indivíduos cresceram assistindo a campanhas de futebol e
também a videoclipes musicais em que os artistas negros eram vistos ostentando
notas de dinheiro, correntes de ouro, prata, diamantes nos dentes e roupas de grife.
Tudo isso, criou e cria um ideal do que é ser um negro/a bem-sucedido/a.

Azevedo (2019) afirma que “É preciso pensar as múltiplas centralidades da


cidade que, a partir de seus sujeitos históricos específicos, instituem suas redes
geopolíticas de ser e estar.” (AZEVEDO, 2019, p.4). Ao caminhar pelas ruas de
territórios periféricos de Salvador – BA e municípios vizinhos, observamos que quase
tudo se movimenta e se converge em uma identidade cultural regional e bairrista. As
19

pequenas padarias, os botecos com senhores sentados a frente jogando dominó, a


vestimenta dos jovens, os cortes de cabelo e a música. Os becos e vielas destes
territórios estão sempre dominados pelas sonoridades de Edson Gomes (Reggae),
Racionais MC`s (Rap/hip-hop), e grupos e cantores de pagode baiano como La Furia,
O Kannário, O Poeta, 7kassio entre outros.

Ainda que cada fator específico deste, contribua para o entendimento do que é
de fato a estética periférica, este conceito talvez nunca possa ser definido por inteiro,
já que não é algo “estático”. As estéticas periféricas estão sempre em movimento
porque elas representam o próprio movimento histórico de viver, ser e estar. Ainda
sobre este ponto, Azevedo (2019) define que: “Os movimentos e as estéticas
periféricas configuram-se como uma experiência subversiva que ocorre nas
demandas imediatas da comunidade procurando soluções a problemas concretos.”
(AZEVEDO, 2019, p.5).

7. BIO PODER E NECROPOLÍTICA: FORÇAS ATUANTES SOBRE OS CORPOS


PERIFÉRICOS

Falar sobre as estéticas periféricas é falar necessariamente sobre as forças


que atuam sobre ela, como um aparato de “contenção”: O biopoder e a necropolítica.
Antes de falarmos sobre como essas duas forças atuam nesta parcela da sociedade,
é necessário contextualizar cada uma distintamente.
Em seu ensaio “Necropolítica: bio poder, soberania, estado de exceção e
política da morte”, Achile Mbembe (2018) aborda o conceito de necropolítica como
uma nova roupagem do conceito de “biopoder” de Foucault, já que o mesmo coloca o
biopoder como um pensamento que em si, não dá conta de explicar por completo as
políticas da morte no contexto da modernidade. Desse modo, Mbembe define a
necropolítica como “um instrumento de controle que o Estado exerce sobre o corpo
dos indivíduos”. (Bontempo, 2020, p.560)

De acordo com Bertolini (2018) o conceito de biopoder defendido por Foucault


seria uma “técnica de poder que busca criar um estado de vida em determinada
20

população para produzir corpos economicamente ativos e politicamente dóceis.”


(BERTOLINI, 2018, p.87)

Fazendo uma primeira análise de ambas as teses, algo nos parece “comum”:
É latente a semelhança das definições destes conceitos com a experiência vivida no
Brasil pelos indivíduos que moram em favelas e bairros periféricos.
Atualmente o Brasil se inscreve como um país de regime democrático-representativo
e temos o aparato de repressão do estado conhecido como a polícia, ou a instituição
militar, que é a responsável e autorizada por lei a exercer o que quer que seja definido
como necessário, para o controle da violência. Mas, não é difícil perceber que na
experiência brasileira, toda e qualquer manifestação cultural dos indivíduos periféricos
é entendida assim, por este aparato repressivo como “violência”. A polícia atua não
como controladora da mesma, mas como um dispositivo de massacre e extermínio da
juventude negra, grupo este que é o “alvo” de ações governamentais, em específico
as ações da polícia militar.

É importante dizer que mesmo que a autora deste memorial seja uma mulher
jovem negra, que vive cotidianamente sob o medo destas ações, a violência contra a
juventude negra não é um mero “achismo” ou fruto apenas de observações diárias. Já
existem dados que comprovam a tese em questão.

Em matéria no portal online do jornal CNN Brasil, é mostrado que segundo


dados do Fórum Brasileiro de Segurança, “Dos 6.416 brasileiros mortos por
intervenção policial em 2020, 78,9% eram negros. A taxa de letalidade em operações
policiais é 2,8 vezes maior entre negros do que entre brancos. Pretos e pardos
representam 4,2 vítimas a cada 100 mil habitantes, já entre os brancos, esse número
é de 1,5 a cada 100 mil. Pessoas negras são as principais vítimas dessas ações em
pelo menos 36 das 50 cidades com mais ocorrências de operações policiais no país1.”
Ainda sobre dados alarmantes, o portal “Juventudes contra a violência” mostra
que “Das 61.283 mortes violentas ocorridas em 2016 no Brasil, a maioria das vítimas
são homens (92%), negros (74,5%) e jovens (53% entre 15 e 29 anos). As mortes

1Fonte:https://www.cnnbrasil.com.br/nacional/mortes-negros-acoes-policiais-brasil-vezes-maiores-
brancos/
21

violentas no país subiram 10,2% entre 2005 e 2015. Mas, entre pessoas de 15 a 29
anos, a alta foi de 17,2%.”2
Deste modo, não podemos deixar de entender o biopoder e a necropolítica
como atuantes sobre os corpos dos indivíduos periféricos. Mas como acontece essa
atuação?
Para entender essa questão, podemos começar observando como grande
parte das manifestações culturais da periferia, são entendidas como uma grande
“bagunça” ou até um “desvio de caráter”. Citando um trecho do livro fotográfico,
produto deste memorial, defendo que:

Tudo o que vem deles, ou melhor (de nós) já que sou também uma mulher
preta, é passível de criminalização, quando não é demonizado. As
manifestações culturais pretas, tomam forma quase de que um "excremento"
aos olhos de hegemonia branca. Nossa dança ofende, nossa religiosidade
causa medo, nosso modo de falar causa riso assim como nossas
gesticulações apavoram. Tudo que vem de nós é tido como pobre, podre,
ruim e perverso.”(MATTOS, 2022, p.11)

Foucault define perfeitamente a que nível mortífero pode chegar esse tal
"repúdio" racial. O filósofo consegue nos fazer entender que a soberania do biopoder
define quem deve viver e quem deve morrer, autorizando assim através da política e
das leis, que o aparato de repressão do estado (a polícia), esteja licenciado a ceifar a
vida daqueles que encontram-se às margens do que é considerado como "certo" ou
"aceitável". Sobre isso, Hannah Arendt nos confirma que uma política de raça, foi e
sempre será uma política de morte, já que ambas andam de mãos dadas na função
de extermínio da juventude negra.

Deste modo, a existência de pessoas periféricas bem como suas


manifestações culturais, funcionam como uma tecnologia de sobrevivência, que se
utiliza além de outros quesitos, da estética enquanto ação afirmativa.

2Fonte:https://juventudescontraviolencia.org.br/plataformapolitica/quem-somos/eixos-
programaticos/enfrentamento-ao-genocidio-da-juventude-negra/.
22

8. NIKE: SEU USO COMO IDENTIFICADOR CULTURAL E CONSTRUTOR DE


SENTIDO

Através das entrevistas feitas neste memorial e da pesquisa qualitativa,


podemos sinalizar onde começa a produção de sentido que a marca causa nos
territórios periféricos. Mas para isso, ainda é necessário conceituar como funciona
uma marca enquanto um signo referente a um produto e/ou serviço.
Lemos, Migueles e Vieira (2004) definem que:

A força de uma marca será tão maior quanto mais adequadas forem as
seguintes dimensões semiológicas: as formas como o signo se manifesta
(semiótica), a forma como o signo está associado aos seus significados
(semântica) e, finalmente, o grau de sinergia entre o signo e as expectativas
dos indivíduos ao qual ele se comunica. (LEMOS, MIGUELES, VIEIRA, 2004,
p.91)

Podemos sinalizar a marca Nike como uma marca de produtos com alto custo,
mas que mesmo assim é utilizada por indivíduos periféricos que contam apenas com
um salário-mínimo mensal, ou às vezes menos do que isto. As entrevistas mostraram
que o uso da marca pode ser uma forma de mostrar que a periferia também pode
consumir e andar na moda, neste sentido trago a colocação do jovem Ualas Ramos
Luz, morador do bairro de Itapuã, em entrevista para a autora deste memorial. Quando
questionado se acreditava que a marca Nike era presente nos territórios periféricos e
como era a visão do mesmo sobre o fenômeno cultural citado, ele responde:

“Sonho de desejo por qualquer favelado é estar bem-vestido, portar um pisante maneiro no pé, ser
aceito de alguma forma.” (LUZ, 2022).

Ainda neste sentido, o jovem Vitor Rosa Campos, morador do bairro Saúde,
trás com suas palavras, argumentos semelhantes aos de Ualas Ramos Luz:

Por ser uma marca esportiva e para pessoas com alto poder aquisitivo, moradores de favelas fazem
uso dessas marcas para manter a “ostentação” e os “status” perante o meio no qual estão inseridos,
afirmando que a periferia também pode consegui-la. (CAMPOS, 2022)

Mas o que alavanca esta vontade de “pertencer” e de manter um status que


23

muitas vezes custa muito mais do que estes indivíduos podem bancar sem que
passem por necessidades e carências de outros produtos? Pierre Bourdieu (2001)
nos mostra que o capital simbólico, um conceito que baseia-se no poder econômico,
cultural, social, político e estético pode ser importante para a resposta a esta pergunta.
Para além disto, Lemos, Migueles e Vieira (2004) defendem que:

A estética parece ter sua independência frente às necessidades econômicas;


pois experimentar um interesse pela estética, não supõe o fato de se possuir
os meios econômicos para fazê-lo. Portanto, a estética existe em certa
oposição, ao menos, em relação ao conceito de poder econômico. (LEMOS,
MIGUELES, VIEIRA, 2004, p.85)

Através das cortinas do capital simbólico, existe uma espécie de espaço que
determina onde fica o Nós (indivíduos periféricos) e o Eles (pessoas pertencentes às
classes sociais A e B). Neste sentido, a estética do indivíduo periférico não é marcada
exclusivamente por uma aspiração de ser ou parecer o Eles, mas sim, de recriar o
referencial estético deles à sua própria maneira.
Trazendo este conceito para o uso da marca Nike, conseguimos observar nos
bairros periféricos e favelas de Salvador e municípios vizinhos, que há jeitos
“específicos” de vestir e utilizar os artigos da marca, e que esta ação é repassada
entre gerações sem que haja uma norma consciente, ou um manual social. Para
ilustrar esta tese, trago o conceito de Habitus desenvolvido por Bourdieu (2001):

“O habitus demonstra que os atores sociais não são orientados apenas pelos
interesses econômicos, mas por regras muitas vezes inconscientes
traduzidas em valores, gostos, lugares etc. (BOURDIEU, 1998) apud
(LEMOS, MIGUELES, VIEIRA, 2004, p.83)

Este jeito específico de utilizar os artigos da marca, irei denominar de “o jeito


favela”. O jeito favela não quer qualquer modelo de tênis, eles querem modelos de
tênis esportivos específicos, como “Nike Shox”, “Tn”, “Vapormax” e o famoso “Air
Max”.
24

Nike Shox - Arquivo da internet disponível em https://cf.shopee.com.br/file/8e7b912bcd3e8c34df9d1a051dce5a5f

Nike Tn - Arquivo da internet disponível em https://static.cloud-boxloja.com/lojas/ym522/produtos/123e8a74-1176-4eaf-a7c8-


f8c8cf81d941.jpg
25

Vapor Max - Arquivo da internet disponível em


https://www.galegomultimarcas.com.br/images/virtuemart/product/73458640_549743128904443_1137063450262896640_o
7.jpg

Air Max - Arquivo da internet disponível em https://cf.shopee.com.br/file/49ecac3cda36cd918f56cb2b07c2bbbc


26

Além disto, há também o jeito favela de utilizar as roupas, que dá preferência


para roupas com o tecido esportivo patenteado pela Nike, o “dri-fit”, com foco para as
camisas de times e seleções patrocinadas pela Nike. Estas roupas raramente são
utilizadas para fins esportivos e sim, para ocasiões casuais e festivas como passeios
e festas. As roupas e os tênis, sempre são acompanhados, ou melhor, combinados
com relógios de grifes como Swatch, Invicta, Rolex, Technos, Nautica, entre outros,
juntamente com correntes de ouro ou prata.

Relógio Swatch - Arquivo da internet disponível em https://http2.mlstatic.com/D_NQ_NP_867621-


MLB20826196915_072016-O.jpg

Relógio Invicta - Arquivo da internet disponível em https://m.media-amazon.com/images/I/61L3m8gVc3L._AC_SX522_.jpg


27

Relógio Rolex - Arquivo da internet disponível em https://www.replicasderelogiostop.com.br/media/product/7a2/replica-de-


relogio-rolex-gmt-432.jpg

Relógio Technos - Arquivo da internet disponível em https://s3-sa-east-1.amazonaws.com/pluggto/4567/4567_e0ec89d2-fa8c-


47f7-bf22-9ce9b0eff7a8.jpg
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Relógio Nautica - Arquivo da internet disponível em https://http2.mlstatic.com/D_NQ_NP_744952-


MLB40307071765_012020-O.jpg

Todo este visual diga-se de passagem “caro”, demarca uma aura de luxo e
poder, que muito lembra o significado da marca: As asas da deusa Nike, as asas da
vitória.
Estes tipos de combinações de vestimenta são comuns em territórios
periféricos e são passadas de gerações e gerações, sem que este costume seja
percebido de forma direta. Na maioria das vezes, este costume é entendido como
“gosto”, sendo o gosto definido por Bourdieu (2001) como um dos interesses dos
atores sociais.

Se apropriando do jeito favela, estes indivíduos não atuam como


representantes da marca e sim a marca, atua como representante destes. Estas novas
formas de recriar artigos utilizados pelas classes A e B denota uma demarcação de
diferença, que consegue produzir uma identidade regional, entrando em contrapartida
a identidade nacional, que na atualidade vem se desfazendo de acordo com Stuart
Hall em “A Identidade Cultural na Pós-modernidade” (1992).
29

Segundo Woodward, Ynhall e Silva (2000) apud Lemos, Migueles e Vieira


(2004): “Essa marcação da diferença ocorre tanto por meio de sistemas simbólicos de
representação quanto por meio de formas de exclusão social. A identidade não é o
oposto da diferença: a identidade depende da diferença.” (WOODWARD, YNHALL,
SILVA, 2000) apud (LEMOS, MIGUELES, VIEIRA, 2004, p.86).

Ainda sobre esta tese, é importante destacar algumas considerações sobre


identidade. Quando nos perguntamos ou perguntamos aos outros o que é “ser
brasileiro” logo nos vem à cabeça o Rio de Janeiro, o Pão de Açúcar, as escolas de
samba, a Garota de Ipanema, o elevador Lacerda, o Porto da Barra, entre outros.
Todas estas imagens, ou melhor, signos, significam para nós uma identidade nacional.
Mas como é possível existir uma única identidade nacional, em um país extremamente
diverso e plural como o Brasil? A população do Sudeste por exemplo, nada se
assemelha a população do Nordeste e vice-versa. E ainda dentro das cidades, é
possível notar que em um mesmo município, existem múltiplas identidades,
principalmente entre os bairros nobres e as favelas. É notável que existe um
fortalecimento de um ideal de identidade regional, e talvez até bairrista.
Neste sentido, destaco a perspectiva de Stuart Hall (1992), quando defende que:

Existem evidências de um afrouxamento de fortes identificações com a


cultura nacional, e um reforçamento de outros laços e lealdades culturais
“acima” e “abaixo” do nível de estado-nação. As identidades nacionais
permanecem fortes, especialmente com respeito a coisas como direitos
legais e de cidadania, mas a identidades locais, regionais e comunitárias têm
se tornado mais importantes. Colocadas acima do nível da cultura nacional,
as identificações “globais” começam a deslocar e, algumas vezes, a apagar,
as identidades nacionais. (HALL, 1992, p.73).

Esta construção de identidade nacional que não leva em consideração a


multiplicidade dos povos e principalmente das etnias, acaba por forjar um ideal de
Brasil onde só existe a branquitude, bem como todos os seus aparatos de perpetuação
do racismo e de extermínio da juventude negra como foi exposto no capítulo 7 deste
memorial.

Deste modo, é impossível não caracterizar a identidade nacional como um ideal


30

de cunho racista, que coloca os povos periféricos como a parte “descivilizada” do país.
Concluo este pensamento, com uma fala de Gilroy (1992) apud Hall (1992):

Enfrentamos, de forma crescente, um racismo que evita ser reconhecido


como tal, porque é capaz de alinhar “raça” com nacionalidade, patriotismo e
nacionalismo. Um racismo que tomou uma distância necessária das
grosseiras ideias de inferioridade e superioridade biológica, busca, agora,
apresentar uma definição imaginária da nação como uma comunidade
cultural unificada. Ele constrói e defende uma imagem de cultura nacional –
homogênea na sua branquidade, embora precária e eternamente vulnerável
ao ataque dos inimigos internos e externos. (GILROY, 1992) apud (HALL,
1992, p.64)

9. O LIVRO FOTOGRÁFICO

Para este projeto de conclusão de curso foi escolhida a modalidade (produto)


e dentro dela o modelo o qual mais se adequa a proposta foi o de livro fotográfico,
inspirado no trabalho do jornalista brasileiro conhecido como Caco Barcellos.

Em seu programa chamado de “Profissão Repórter” distribuído através da


emissora Globo, Caco junto com sua equipe de jornalistas amadores constrói
reportagens sobre variados temas considerados polêmicos, com participação ativa
dele e de sua equipe nos cenários destes materiais. Além disso, serviu de grande
inspiração para a definição do produto, os livros “Abusado: O dono do morro Dona
Marta” e “Rota 66", ambos escritos por Caco Barcellos.

Nos dois livros, Caco se utiliza do jornalismo literário. Este estilo de jornalismo,
é base imprescindível para a construção dos textos que irão compor o livro. Pretende-
se utilizar das técnicas do jornalismo literário, como por exemplo o uso de primeira
pessoa, de subjetividade e de recursos da literatura ficcional, para produzir uma obra
que rompe com alguns conceitos hegemônicos e ocidentais comuns.

9.1. RELATO: O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DO PRODUTO

Para a concepção do produto, serviram como base os capítulos teóricos deste


memorial, bem como fotos e textos autorais produzidos pela autora do mesmo. A
31

intenção, foi a de imergir no universo da pesquisa, não só falando sobre “produção de


sentido” mas também produzindo sentido junto às pessoas que foram escolhidas para
estarem presentes no livro.

O processo de construção do livro foi muito orgânico, já que a temática sempre


esteve presente na vida da autora, que convive todos os dias com o sujeito principal
do projeto de pesquisa e sendo assim, este projeto tornou-se uma tentativa de trazer
vida a um fenômeno observável.

Inicialmente defini que contrataria um diagramador que pudesse traduzir em


um projeto gráfico, as minhas aspirações para o livro fotográfico. Com muita
dificuldade em encontrar um profissional que tivesse um referencial estético que se
assemelhasse a ideia do livro, acabei por decidir diagramar e construir o projeto
gráfico por conta própria.

Neste processo, frente às dificuldades em fazer algo que nunca fiz na vida,
tentei me lembrar que desde os 16 anos quando ganhei a minha primeira câmera
fotográfica, uma Nikon D3100, que eu estou envolvida com a fotografia e com as artes
visuais de forma geral. Foquei meus esforços em me inspirar não só nas coisas que
admiro, mas em tudo o que me rodeia.

Através do site Canva, comecei a idealizar e diagramar o livro fotográfico do


zero, sem templates e layouts prontos ou pré-desenvolvidos, buscando orientação na
melhor fonte que eu poderia ter: Os livros dos jornalistas que me inspiram, como Caco
Barcellos.

Para escrever os textos, me apoiei sobre o referencial teórico deste memorial,


sempre com um ideal em mente: Como posso fazer com que as pessoas que estejam
neste livro, possam compreender o que estou escrevendo e querendo dizer? Elas são
o meu eixo norteador.

Para o preparo das fotos, selecionei algumas pessoas que se encaixam nos
pré-requisitos definidos pelo eixo temático da pesquisa e deixei com que o preparo
32

das fotos fluísse naturalmente, dando total liberdade de escolha e de expressão, a


quem estava em frente às câmeras.

9.2 Processos e métodos

Inicialmente o método escolhido havia sido o documentário, mas ao começar a


produção deste memorial me atentei que o assunto a ser tratado tinha tanto apelo
visual, que não existiria formato melhor que o de livro fotográfico. Em fotos, temos as
imagens eternizadas, assim como me permitiu que eu criasse os cenários imagéticos
de acordo com o que eu entendi e entendia sobre o tema. Neste sentido, foi
imprescindível a colaboração de todas as pessoas que se disponibilizaram para
realizar as fotos e mostrar um pouco de suas experiências e realidades não só através
das fotografias, mas também das entrevistas que realizei com seis delas.

Neste sentido, investi em personificar o tipo de jornalista que eu sempre almejei


ser. Me coloquei como provocadora e interrogadora, ao questionar a estes indivíduos
sobre como se portam em suas realidades e sobre suas identificações e usos da
marca. Ambas as funções para mim, tornaram-se de extrema importância para a
construção do produto final.

9.3 Recortes temáticos

Entendendo que este projeto de pesquisa seguiu uma ordem cronológica, os


eixos temáticos também foram divididos desta forma, buscando o entendimento de
qualquer tipo de público ou de leitor. Para isto, concentrei meus esforços em
escrever,quase que contando uma história com início, meio, mas que não tem um fim
definido já que o objeto dessa pesquisa não é um objeto palpável e sim, são pessoas
em constante movimento e mudança.

Sendo assim, neste memorial dividi os eixos em 7 capítulos, que tratam


respectivamente sobre o início da marca Nike e sua história, as teorias semióticas
bem como sua aplicabilidade quando tratamos de marcas, o estudo semiótico aplicado
33

à marca Nike, a chegada da mesma no território periférico. Após isso, trouxe algumas
definições sobre as estéticas periféricas, os conceitos de biopoder e necropolítica de
Foucault e Mbembe, finalizando com o recorte principal que foi como a marca
consegue produzir e criar sentidos em indivíduos periféricos.

9.4 Pesquisa e levantamento de dados

Os dados para a construção deste produto são advindos de pesquisas e


revisões bibliográficas de autores conhecidos por escreverem sobre as temáticas
propostas, além de seis entrevistas feitas por escrito, com indivíduos nascidos e/ou
moradores de territórios periféricos de Salvador ou municípios vizinhos, que utilizam
peças na marca Nike. Os entrevistados foram: Ualas Ramos Luz residente do bairro
de Itapuã (Salvador – BA), Vitor Rosa Campos residente do bairro da Saúde (Salvador
– BA), Sâmela Maiara Dias dos Anjos residente do bairro de São Caetano (Salvador
– BA), Valdemar Junior Silva Neves residente do bairro Inferninho (Salvador -BA) e
Vítor Santana de Oliveira residente do bairro de Brotas (Salvador – BA).

Juntamente com as entrevistas, foram desenvolvidos outros artifícios e


técnicas, pretendendo expor imagens reais de como a marca é utilizada dentro dos
territórios escolhidos. Grande parte das informações sobre a marca Nike foram
retiradas do livro bibliográfico “A Marca da Vitória” do autor e também fundador da
marca, Phil Knight.

A apresentação dos conceitos semióticos foi feita com base na autora


Santaella, e nos autores Lemos, Migueles e Vieira. Sobre a chegada da marca no
território periférico, utilizei algumas reflexões trazidas por Carlos Casanova Junior em
sua tese de mestrado “A pátria das chuteiras: Um estudo da produção de sentido da
marca Nike no Brasil”. No que tange às estéticas periféricas, foi imprescindível o artigo
de Amailton Magno Azevedo, “Estética Negra e Periférica: Filosofia, Arte e Cultura”
trazendo o conceito de estética negra voltada para as periferias e como a corporeidade
deste grupo, se manifesta culturalmente.
34

Sobre biopoder e necropolítica foram trazidas questões e conceitos defendidos


por Michael Foucault e Achile Mbembe. Por fim, para defender a tese de que a marca
Nike consegue produzir sentido e construções de identidade nos territórios periféricos,
me embasei em alguns conceitos presentes no livro “Identidade Cultural na Pós-
Modernidade” do autor Stuart Hall e no conceito de “habitus” trazido por Pierre
Bourdieu.

9.5 Busca de fontes

A busca de fontes foi feita através de rede de contatos da autora deste projeto,
bem como através da rede social Instagram, onde divulguei algumas informações
sobre o projeto de pesquisa e busquei por perfis que se encaixassem nas
especificações por mim definidas, que eram: Ser um jovem nascido ou morador de
bairro periférico de Salvador – BA ou municípios vizinhos e ser negro/a.

Além destas fontes, os autores dos livros, artigos e pesquisas que foram
utilizados neste projeto, também se inscrevem como tal. Neste sentido, saliento que
apesar de já haver produções bibliográficas envolvendo teorias da semiótica
relacionadas à marca Nike, o material que se tem é relacionado ao esporte, com foco
no futebol na dissertação de mestrado “A Pátria das Chuteiras” produzida por Carlos
Casanova Júnior, assim como também estudos de semiótica aplicada, no artigo “A
marca Nike, seus signos, argumentos”, dos autores Vinícius dos Santos Souza, Fábio
Zoboli, Renato Izidoro da Silva, Elder Silva Correia e Tiago de Brito Ferreira Santos.

Mesmo com um bom aparato bibliográfico, as pessoas ao meu redor foram a


minha maior fonte de pesquisa, por estarem o tempo todo produzindo sentido. Deste
modo, também não posso deixar de pontuar o grande número de pessoas que vieram
até mim querendo contribuir de alguma forma com os materiais visuais do trabalho de
conclusão de curso, assim que divulguei as informações no meu perfil na rede social
Instagram.

9.6 Materiais textuais


35

A entrevista com as fontes foi de grande importância para a construção do


material textual do livro fotográfico. Sendo assim optei por dividi-lo em três capítulos,
para que seguisse uma ordem cronológica que conseguisse explicar o “porquê” de
cada assunto e fotografia selecionada.

No primeiro capítulo “A morte é inerente a vida” eu trago algumas reflexões


sobre o que é ser e estar no mundo, enquanto um indivíduo preto/a, vivendo a
experiência do racismo como classificador de algumas manifestações culturais. Neste
capítulo, tento fazer com que o leitor entenda a profundidade desta experiência.
No segundo capítulo intitulado de “Estéticas Periféricas”, faço uma imersão sobre a
estética da periferia, mostrando como ela funciona e como foi construída, além de
classificá-la como uma tecnologia de luta contra o racismo e contra o extermínio da
juventude negra.

No terceiro e último capítulo intitulado de “A Nike não nos representa, nós


representamos a Nike” trago algumas imagens e textos referentes a como é o uso da
marca Nike, dentro dos territórios periféricos de Salvador e municípios vizinhos, assim
como também delimito estas formas de se vestir e de combinar os produtos da marca.
Dentro do capítulo, também há alguns trechos das entrevistas feitas para a construção
do livro-fotográfico, e a conclusão das reflexões trazidas.

Com a construção destes três capítulos, foi possível concluir o objetivo deste
trabalho que era o de mostrar às pessoas como a Nike é capaz de produzir sentido
dentro de territórios periféricos através da moda e do habitus.

9.7 Conteúdos audiovisuais:

Além dos textos, o livro conta com fotografias de minha autoria e fotografias de
outros fotógrafos. As fotos produzidas por mim, foram idealizadas pensando no tema
do livro, e foram todas feitas no meu studio particular localizado no bairro de Piatã e
em alguns bairros da cidade de Salvador.
36

10. CONCLUSÃO

Vale destacar que este trabalho de pesquisa cujo produto resultou em um livro
fotográfico, nasceu de uma vontade intrínseca entre o que sou eu e o que somos
diante da realidade concreta em que vivem a jovens negros periféricos, e Ubuntu
enquanto uma filosofia africana que conseguiu estabelecer o fim do apartheid na
África do Sul, têm para nós populações negras na diáspora um eixo norteador de
resistência e sobrevivência ao racismo estrutural. Deste modo, o que apresento
enquanto contribuição para a área do jornalismo é a materialização da representação
da marca Nike e a sua potência na construção e validação de identidades negras em
processo de empoderamento.
A marca Nike se insere num contexto periférico de muitas desigualdades, mas
de muita criatividade e resistência, tese este amparada pelos autores Stuart Hall,
Achile Mbembe, Foucault, Bourdieu e Santaella que foram referências estruturantes
para a articulação entre a teoria e a realidade vivida por esses jovens, e que me
permitiu um olhar mais analítico na dimensão da semiótica, além de identificar o valor
simbólico da marca e as múltiplas corporeidades presente no cotidiano periférico. O
contato com as leituras de Amailton Azevedo ampliou significativamente o conceito de
estética periférica e a construção de sentidos que são os dois pontos chave deste
trabalho de conclusão de curso.
O fazer, o desejo, e o compromisso social são tripés que me conduziram nesta
caminhada desde a escolha do tema até o contato direto com os/as protagonistas que
são efetivamente o corpo desse trabalho. Foram suas experiências os maiores eixos
norteadores para elaboração do livro-fotográfico. Aqui finalizo uma etapa formativa,
mas não finalizo o desejo de construir pontes e levar para outros espaços estas
corporeidades e suas estéticas que expressam vontade de viver, que gritam pelo fim
do genocídio, que manifestam anseios políticos para transformação da sociedade.
Aqui se tem Ubuntu. Aqui se tem luta.
37

12. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARNHEIM, Rudolf. Arte e percepção visual: uma psicologia da visão criadora.


Tradução de Ivonne Terezinha de Faria. 7 ed. São Paulo: Pioneira, 1992.

AZEVEDO. Magno, A. estética negra e periférica: filosofia, arte e cultura. rth |, [S. l.],
v. 22, n. 2, p. 36–51, 2020. Disponível em:
https://www.revistas.ufg.br/teoria/article/view/59887. Acesso em: 13 set. 2021.

BERTOLINI, J. O conceito de biopoder em Foucault: apontamentos bibliográficos.


Saberes: Revista interdisciplinar de Filosofia e Educação, v. 18, n. 3, 18 dez.
2018.Disponível em: https://periodicos.ufrn.br/saberes/article/view/15937

BONTEMPO, V. L. ACHILLE MBEMBE E A NOÇÃO DE NECROPOLÍTICA. Sapere


Aude, v. 11, n. 22, p. 558-572, 22 dez. 2020.

BOURDIEU. P. La distinción: critérios y bases sociales del gusto. Madrid: Taurus,


1998

CASTRO. Ana L. Corpo, consumo e mídia. In: Revista Comunicação, mídia e


consumo. Volume 1.n.1, ano 1 : Corpo e sexualidade na mídia. São Paulo, 2004.

CORREIA, E. ZOBOLI, F. SILVA, R. SANTOS,T. SOUZA, V. A marca “Nike”, seus


signos e argumentos: um estudo de semiótica aplicada. Revista Motriviência, Santa
Catarina, v.28, n.47, p.14-30, maio de 2016.
Dsponível em: https://periodicos.ufsc.br/index.php/motrivivencia/article/view/2175-
8042.2016v28n47p14

ECO, Umberto. Tratado geral de semiótica. Tradução de Antônio de Pádua Danesi e


Gilson César Cardoso de Souza. São Paulo: Perspectiva, 2003.
38

GAMBARO, D. Bourdieu, Baudrillard e Bauman: O Consumo Como Estratégia de


Distinção. Novos Olhares, [S. l.], v. 1, n. 1, p. 19-26, 2012. DOI: 10.11606/issn.2238-
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gmt-432.jpg

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9ce9b0eff7a8.jpg

https://http2.mlstatic.com/D_NQ_NP_744952-MLB40307071765_012020-O.jpg

13. APÊNDICES

13.1 Apêndice A: Capa e contra-capa do livro:


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13.2 Apêndice B: Link de acesso ao livro fotográfico:

https://issuu.com/livrodekenia/docs/livro_12.06-novo

https://drive.google.com/file/d/18oi0Tu1-zc
6UJiYuXgXOSg_KrcZsAGl/view?usp=sharing

13.4 Apêndice C: Link de acesso as entrevistas:

https://drive.google.com/drive/folders/1qNTXF-8uohQZTWhoB1nKiZB2-
Xwsi_sh?usp=sharing

13.5 Apêndice D: Documentos de cessão de imagem para o livro-fotográfico:


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