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Gente pobre está muito ocupada tentando não ser pobre

Atlanta, série de vinte e um episódios e duas temporadas criada e estrelada por


Donald Gloover, chegou para trazer reflexões sobre racismo e pobreza, com
uma dose acentuada de humor ácido e muitas referências a dilemas vividos
pela população negra não só estadunidense, mas ao redor do mundo nas
grandes cidades.

A série lançada em 2016, é uma comédia dramática norte-americana, e conta


como personagens principais Earnest Marks/Earn (Donald Gloover), Alfred
Miles/Paper Boi (Brian Tyree Henry), Darius (Lakeith Stanfield) e Vanessa
Keefer/Van (Zazie Beetz).
A trama mostra o cotidiano de Earn, um homem negro pobre morador de
periferia, tentando ganhar algum dinheiro sendo empresário de seu primo, o
rapper Paper Boi. É interessante observar como o elenco principal é
inteiramente negro e periférico, e suas interações com pessoas brancas de
maior poder aquisitivo, é sempre atravessada por diversas situações de
racismo e exclusão social. A série demarca algo que negros estão sempre
debatendo entre si e em espaços de militância, que é a seguinte questão: O
racismo do dia a dia não é só ser confundido com ladrão, ou sofrer racismo
institucional. O racismo também é a concentração de renda e de oportunidades
em uma hegemonia branca, é a solidão da mulher negra, são as políticas de
guerra as drogas envoltas em homicídios e encarceramento em massa,
bullying, suicídio e mais muitas outras questões um pouco mais delicadas.
Talvez por isso a série seja uma queridinha entre o público. Os telespectadores
negros, assistem e se identificam com o que veem, e os brancos podem refletir
um pouco sobre questões que talvez antes não fossem expostas em seu
cotidiano.

A produção tem um “quê” muito especial, que é o uso do humor ácido. Muitos
conflitos mostrados na série carregam uma dose de comédia, fazendo quem
assiste ficar ou apreensivo, ou dando muitas risadas (às vezes, os dois). Como
é o caso dos episódios um (segunda temporada) e sete (primeira temporada).
No episódio um, o tio de Earn é confrontado pela polícia, após sua namorada
informar por telefone aos agentes que havia sido sequestrada pelo próprio
companheiro. Earn, tenta resolver a situação, pedindo ao tio que colabore com
a polícia, porém ele não sede. As falas de seu tio, são de extrema importância
para entendermos quantas vezes negros são colocados em situações
vexatórias ou até fora da lei, pela polícia, apenas por serem negros.
O tio de Earn, lhe entrega uma arma para ser utilizada como proteção e
segurança, e para enfrentar os policiais, ele surge com nada menos que um
jacaré enorme, um fator surpresa que impõe respeito.
No episódio sete, o rapper Paper Boi participa de um programa de televisão
onde se debate sobre preconceito, e têm como um dos entrevistados um
homem negro retinto que acredita ser branco e reclama do preconceito sofrido.
Ele se utiliza de roupas de grife, e uma peruca loira. A trama mostra um dilema
muito comum, que é o fato de alguns negros tentarem se passar por brancos,
para garantir melhores oportunidades e fugir do racismo e da necropolítica.
Nesta mesma linha, o episódio que mais é alvo de burburinho é também
considerado pela In Série como o de maior força, trata-se do episódio seis da
segunda temporada, que mostra Darius em busca de um piano vendido pela
internet por dois irmãos. Ao buscar o piano na casa dos personagens, Darius
se vê de encontro a um homem negro literalmente “pintado” de branco e
usando lentes de contato. O episódio faz referências a Michael Jakcson e os
Jackson 5 e a Sammy Sosa. A ambientação é claramente “de terror” contando
com uma atuação macabra que muitos sugerem ser feita pelo próprio Donald
Gloover. No Emmy, em 2018, Donald Gloover aparece ao lado de alguém
também vestido igual o personagem do episódio, talvez como uma crítica
social.
A trama também possui outros episódios que requerem mais atenção, que são
os episódios nove (primeira temporada), e dez (segunda temporada).

Além de uma narrativa muito rica, a série conta com uma trilha sonora
envolvente, com nomes como Young Thug, 21 Savage e Outkast, e um
aglomerado de atuações impecável. Por vezes parece não se tratar de
personagens e sim da vida e cotidiano dos próprios atores. O estilo cômico da
série, lembra narrativas como Todo Mundo Odeia o Chris (Everybody Hates
Chris), e Cara Gente Branca (Dear White People), ao tratar com humor de
temas sérios.
A produção também foi premiada como Melhor Série de Televisão Musical ou
Comédia, e Melhor Ator em série Musical ou Comédia, no Globo de Ouro em
2017.

Vale a pena assistir!

Matéria: Kenia de Mattos

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