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ENTRE FLASHES E LOOKS: O uso da fotografia e da moda como fonte histórica.

Jacielma da Cruz dos Reis1


Jessica da Silva Moura2

INSTITUTO DE ENSINO SUPERIOR FRANCISCANO/IESF

RESUMO: O presente artigo tem como objetivo analisar, estruturar e sintetizar a importância
da moda e da fotografia como fontes históricas, percebendo elas como importantes
instrumentos utilizados para salvaguardar a memória da cidade de Caxias - MA na década de
50 do século XX. Além de fazer uma discussão teórico-metodológica sobre essas fontes,
procuramos fazer um estudo da cidade de Caxias através das informações obtidas da análise
do material coletado.

Palavras-Chave: Fotografia. Moda. Fontes Históricas.

INTRODUÇÃO

Quando você se propõe a fazer um trabalho historiográfico, muitas dúvidas e


indagações começam a surgir, e um desses dilemas é com relação às fontes. Em um primeiro
momento podemos não perceber os milhares de documentos que temos em nossa volta, mas
se por algum instante, e por algum motivo se quer abrimos nosso guarda-roupa vamos se
deparar com uma fonte riquíssima capaz de recriar o mundo vivo dos nossos tempos, ou de
explicar gostos e comportamentos de épocas passadas e atuais, prazer! Você está diante da
Moda. Porém, se ao invés de abrir um guarda-roupa, nos debruçamos sobre um álbum de
fotografias nos deparamos com uma das fontes mais relevantes da historiografia, capaz de ser
fragmentos dos momentos, testemunho do que aconteceu e do que acontece, dos pensamentos,
da vida, do cotidiano, dos sonhos de indivíduos ou da coletividade em determinado período,
está é a Fotografia.
Ambas as fontes são capazes de abranger e salvaguardar para o futuro
informações que a própria documentação escrita ao longo dos anos desconheceu ou não
procurou analisar, por considerá-las de pouca importância. Partindo de tal pensamento,
buscamos aqui analisar a moda e a fotografia enquanto fontes históricas capaz de servir de
informações sobre a cidade de Caxias na década de 50, pois é sabido que com o surgimento
da escola dos Annales, ampliaram-se os objetos de estudo da História, apresentando novos e
ricos elementos para o conhecimento das sociedades. Sendo assim, faz se necessário

1
Especialista em História do Brasil: Cultura e Sociedade pelo Instituto de Ensino Superior Franciscano/IESF.
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Especialista em História do Brasil: Cultura e Sociedade pelo Instituto de Ensino Superior Franciscano/IESF.
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mencionar que devido às poucas, ou até mesmo, a ausência de fontes históricas referentes à
cidade de Caxias na década acima mencionada, a moda e a fotografia se destacaram como
importantes elementos para se perceber a cidade nesse período, pois através delas podemos
visualizar o cotidiano, os costumes, e as práticas culturais.
Diante do exposto, o presente trabalho se baseia na seguinte problemática: Como
possibilitar na produção acadêmica, o uso da fotografia e da moda como fonte histórica de
modo a contribuir para uma vasta possibilidade de problemas digno de estudo?
Levando em consideração esta problemática, o que pretendemos aqui é mostrar a
importância da moda e da fotografia como fontes históricas percebendo elas como elementos
capazes de apresentar os costumes de uma sociedade, que ficaram eternizados em suas
vestimentas e no papel fotográfico, salvaguardando assim a memória de Caxias na década de
50 do século XX.
A luz das contribuições de Vergara (2014) sobre taxionomia das pesquisas, o
presente trabalho se classifica quantos aos fins em explicativa, pois buscamos mostrar como a
moda e a fotografia pode ser utilizada como fontes históricas, e quanto aos meios ela é
bibliográfica e documental. A mesma é bibliográfica, haja vista, que faremos o uso de livros,
fotografias, sites, entre outros recursos, e documental, pois analisaremos as fotografias
conservadas em órgãos públicos e privados, buscando da relevância e consistência para a
pesquisa.
A moda é parte da cultura! Sendo assim, a mesma é um importante documento
histórico repleto de informações sobre os gostos, costumes, moral e valores de determinada
pessoa e/ou época. Já a fotografia por sua vez é um registro visual que nos leva a reviver de
certa forma, a época ali registrada, além de nos permitir observar as mudanças ocorridas nas
paisagens e no comportamento das pessoas. Observando tal pensamento, ambas funcionam
como importante meio de salvaguardar a memória coletiva e perceber as transformações
socioculturais.
De ante do exposto acima, para alcançar o objetivo aqui proposto, primeiramente
analisaremos a moda e a fotografia enquanto documento histórico, posteriormente, procurou
compreender esses campos enquanto instrumento de investigação e interpretação da memória
histórica de Caxias-MA, e por último, buscamos refletir como a moda e fotografia colabora
para a preservação da memória individual e coletiva.
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2. A VESTIMENTA E A FOTOGRAFIA COMO DOCUMENTO HISTÓRICO.


2.1 PARA MUITO ALÉM DO SUPÉRFLUO E DAS TEDÊNCIAS: a moda como fonte
histórica.

A moda não é algo que existe apenas nas roupas.


A moda está no céu, na rua; a moda tem a ver com idéias,
com a maneira como vivemos, com o que esta acontecendo.
Coco Chanel

Quando você pensa no tema Moda talvez a primeira coisa que venha na sua
cabeça seja: roupas, cores, tendências, desfile, supérfluo ou frivolidades. Deve então se
indagar: O que leva uma pessoa a trabalhar com essa temática tão “fútil”? Bem, cabe aqui
então uma resposta a esta indagação tão recorrente, com duas perguntas bem simples: Por que
você está usando essa roupa? Que imagem você acha que esta repassando? Nesse sentido, fica
bem perceptível que trabalhar com essa temática é perceber que ela diz muito sobre nós e o
momento que estamos passamos, ou seja, estudar moda não é apenas falar sobre a última
tendência de Paris, Milão, Nova York ou a nova cor do verão, trabalhar com essa problemática
é ganhar a possibilidade de discutir sobre os costumes, as roupas, o comportamento de
determinadas pessoas, ou ainda, possibilita o estudo de determinada época apenas analisando
a vestimenta usada pelas pessoas desse período.
A moda saiu das passarelas e ganhou os livros, conquistou todas as esferas da vida
social, influenciando comportamentos, gostos, ideias, artes, móveis, roupas, objetos e a
própria linguagem. A vestimenta acompanha as transformações de uma época. Essas podem
ser de origem cultural, um gosto literário, ou molde um traje conforme seu anseio ou desejo.
O vestir marca a individualidade do sujeito e expressa a sociedade (REIS, 2016).
Nos idos das décadas de 50 e 60 do século XX, a Moda fez sua inscrição como
objeto de interesse das ciências humanas. A partir desse momento a moda ganhou uma
relevante atenção, justificada por sua abrangência, pois a mesma pode ser estudada sobre
várias perspectivas, sendo um fenômeno cultural em que coexistem interesses econômicos,
sociológicos, psicológicos, etnológicos, entre outros (SOUZA; CUSTÓDIO, 2005). Nessa
mesma perspectiva, Barnard (2003) afirma que a moda como objeto de pesquisa é um
fenômeno completo, por que propicia um discurso histórico, econômico, etnológico e
tecnológico. Por tanto, podemos considerar a moda uma realidade presente em todos os
períodos históricos, e como tema historiográfico permite investigar tanto a organização
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habitual como as grandes estruturas econômicas da sociedade, contemporâneo ou bem


distante no tempo e no espaço.
Dentro desta esfera de conhecimento, concordamos com SCHNEID e
MICHELON (2017, p.02) quando elas afirmam que:

O vestuário, as roupas, a indumentária, são indícios da sociedade que os usou e


atestam como a aparência é uma composição que engloba concepções e práticas
culturais que habitam os corpos, isso se dá através das práticas sociais, dos conceitos
culturais, dos ritos de passagem, da intimidade e do lazer, bem como o estilo de vida
de uma determinada época.

Percebemos então que a moda como um fenômeno histórico não está relacionado
apenas ao consumo, mas as transformações sociais que caracteriza a modernidade, como a
individualização dos sujeitos através da aparência (LIPOVESTSKY, 1989). Embora esteja em
diversos setores da vida na sociedade contemporânea, é no vestuário, que constituímos aqui
um conjunto de peças utilizadas pelas pessoas no ato do vestir, que a moda se manifesta mais
claramente. Levando em consideração a moda enquanto vestuário, ele afirma que:

[...] o vestuário, sem dúvida alguma, que encarnou mais ostensivamente de moda;
ele foi o teatro das invenções formais mais aceleradas, mais espetaculares. Durante o
imenso período, o domínio da aparência ocupou um lugar predominante na história
da moda, Se ele não traduz, a evidência, toda a estranheza do mundo das futilidades
e da superficialidade, ao menos é sua melhor via de acesso, por que a mais bem
conhecida, a mais discreta, a mais representada, a mais comentada. Não há teoria ou
história da moda que não tome o parecer como ponto de partida e como objeto
central de investigação. Por que exibe traços mais significativos do problema, o
vestuário é por excelência a esfera apropriada para fazer o mais exatamente possível
a meada do sistema da moda; só ele nos proporciona numa certa unidade, toda a
heterogeneidade de sua ordem (LIPOVETSKY,1989, p.24)

A palavra “moda” vem do latim modus, significando “modo”, “maneira”. Em


inglês, moda é Fashion, corruptela da palavra francesa Façon, que também quer dizer
“modo”, “maneira”. Palomino (2003) argumenta que o conceito de moda apareceu no final da
Idade Média e princípio da Renascença, na corte de Bargonha, atualmente parte da França. Ao
tentarem variar suas roupas para diferenciar-se dos burgueses, os nobres fizeram funcionar a
engrenagem – os burgueses copiavam e os nobres criavam. A moda surgiu então como uma
necessidade de diferenciação entre nobreza, clero e plebe.
A moda possui entre outras facetas singulares a busca pela individualização e a
necessidade de interação em grupo. As mudanças da moda dependem da cultura e dos ideais
de uma época. Os acontecimentos históricos refletem a maneira de vestir das pessoas,
períodos de guerra, recessão, riquezas, medos, comportamentos, influências religiosas,
alegrias, enfim, tudo é identificado por meio da análise da indumentária (STEFANI, 2006, p.
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11). Sendo assim, a indumentária, ao cobrir o corpo, também transmite informações a respeito
das pessoas e do período em que viveu ou vive, sendo uma importante fonte histórica.
Portanto, ao falarmos em moda, percebemos que ela não tem como principal
objetivo apenas cobrir o corpo, mas que esta, constitui significados que determina usos,
costumes, maneiras e gestos do indivíduo, portanto, a moda permite a distinção de uma
determinada classe e imitação da outra, um processo que incide pelo desejo de participar ou
de se afirmar como ser social e deixar sua identidade. A roupa, em todos os tempos, serviu
para distinguir a classe social a qual o indivíduo pertence, pois, carrega todo o significado do
papel que o indivíduo representa dentro da sociedade. Além disso, a moda tem haver com as
ideias, à forma como vivemos e com o que está acontecendo ao nosso redor. A moda é um
produto do que somos e do tempo que pertencemos, ou seja, o vestir acompanha as
transformações de uma época (SILVA, 2012, p. 18). As roupas têm a capacidade de oferecer
um sentido de pertencimento a um lugar de memória, criando conexões com espaços e tempos
diferentes, são objetos lotados de significações emocionais que afetam quem a usa e também
quem a observa (SCHNEID;MICHELON, 2017, p. 04).

2.2 “CONGELANDO” MOMENTOS, SALVAGUARDANDO A MEMÓRIA: a fotografia


como fonte histórica.

Ao olharmos uma fotografia lembranças de um passado vem á tona,


reconstituindo acontecimentos, despertando sentimentos que fazem com que esse passado
estivesse sendo vivido no presente momento. Bem como, contribui para a preservação da
memória, pois o ato de fotografar congela momentos que se preservarão e perpetuarão para
muito além de sua existência no tempo. Partindo desse ponto, alguns questionamentos se
fazem presentes ao tentarmos entender a relação existente entre a Fotografia e a História: Até
que ponto as fotografias podem ser consideradas como fonte histórica? Como os registros
fotográficos podem ajudar na compreensão histórica de uma cidade e na preservação da
memória dos sujeitos?
Com seu surgimento na década de 1830 e disseminada no século XX, a fotografia
tornou-se um marco importante na composição do conhecimento histórico, ampliando o
conhecimento sobre o mundo e contribuindo para uma nova forma de registrar os momentos e
a materialidade existente, algo que só era feito através das pinturas. Contudo, num primeiro
momento negou-se a fotografia a sua importância como fonte histórica, pois não era tida
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como um documento oficial, e dessa forma, não buscavam questioná-la de forma critica,
concebendo-a como uma mera arte ilustrativa.
Em relação a isso, Boris Kossoy (2001), aponta duas razões para que se possa
esclarecer esse fato, na qual a primeira é de ordem cultural, visto que havia a ideia de ter
somente a fonte escrita como transmissão única do saber, renegando assim a fotografia como
fonte confiável de estudos. Em relação à segunda razão, o autor enfatiza que ela:

[...] decorre da anterior e diz respeito à expressão. A informação registrada


visualmente configura-se num sério obstáculo tanto para o pesquisador que trabalha
no museu ou arquivo como ao pesquisador usuário que frequenta essas instituições.
O problema reside justamente na resistência em aceitar, analisar e interpretar a
informação quando esta não é transmitida segundo um sistema codificado de signos
em conformidade com os cânones tradicionais da comunicação escrita (KOSSOY,
2001, p.30).

Mediante a isso, nota-se que a não utilização da fotografia como documento


histórico em um primeiro momento é decorrente de um aprisionamento ás tradições e a
resistência em se utilizar algo novo por parte tanto dos pesquisadores como de outros
usuários. Contudo, a partir da Escola dos Annales, os objetos de estudos da História
ampliaram-se necessitando assim a inserção de novas fontes documentais, explorando dessa
forma, novos caminhos para a pesquisa histórica. Assim, os registros fotográficos começam a
ganhar espaço como fonte histórica e instrumento de pesquisa.
Defendendo a disseminação do uso da fotografia o historiador Peter Burke (2004,
p. 17) enfatiza que as “imagens nos permitem imaginar o passado de forma mais vivida [...]
Embora os textos também ofereçam indícios valiosos, imagens constituem-se no melhor guia
para o poder de representações visuais nas vidas religiosas e política de culturas passadas”.
Nesse sentido, percebemos que com sua utilização, tornou-se possível o registro de cenários,
pessoas, acontecimentos, com muito mais precisão e abrangência do que a fonte escrita
poderia fazer.
Ao referir-se sobre a utilização da fotografia como fonte histórica, Mauad (1996)
enfatiza que,
A fotografia é uma fonte histórica que demanda por parte do historiador um novo
tipo de crítica. O testemunho é válido, não importando se o registro fotográfico foi
feito para documentar um fato ou representar um estilo de vida. No entanto,
parafraseando Jacques Le Goff, há que se considerar a fotografia, simultaneamente
como imagem/documento e como imagem/monumento. No primeiro caso,
considera-se a fotografia como índice, como marca de uma materialidade passada,
na qual objetos, pessoas, lugares nos informam sobre determinados aspectos desse
passado- condições de vida, moda, infraestrutura urbana ou rural, condições de
trabalho e etc. No segundo caso, a fotografia é um símbolo, aquilo que, no passado,
a sociedade estabeleceu como a única imagem a ser perenizada para o futuro. Sem
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esquecer jamais que todo documento é monumento, se a fotografia informa, ela


também conforma uma determinada visão de mundo. (MAUAD, 1996, p.8).

Partindo desse pressuposto, entende-se que a fotografia remete ao desejo do


indivíduo em preservar a imagem do real sobre determinados aspectos, tempos e espaços.
Sendo que para interpretá-la faz-se necessário entender o porquê e para que, as imagens foram
construídas, haja vista que tal percepção auxilia na compreensão dos conteúdos das imagens.
Pois “toda fotografia tem atrás de si uma história” (KOSSOY, 2001, p.45) e pode e deve ser
utilizada como fonte histórica, visto que, a fotografia, neste sentido, é um método, com o qual
se observa a realidade de passado que se faz permanente quando se é trazido á tona por esse
documento.
Torna-se necessário levar em consideração ao trabalhar com os registros
fotográficos, as múltiplas faces que eles apresentam, e que o seu processo de construção
envolve diversos elementos possuidores de histórias próprias, apresentando os particulares do
fotógrafo. Podendo ele incluir ou excluir uma variedade de conteúdos ou informações. Dessa
forma, “não representam uma realidade pura e simples, pois possuem um caráter polissêmico,
ou seja, os significados e interpretações que podem ser encontrado são muitos, sempre
vinculadas às intencionalidades e ao contexto de sua produção”. (MOURA, 2016, p. 33).
Havendo assim a necessidade de uma metodologia adequada, para que o seu
potencial informativo seja alcançado, e para que haja dessa forma, a decifração dos seus
conteúdos. Onde o “método da contextualização da imagem, o cruzamento do documento
visual, os textuais e orais torna-se um imperativo para responder as questões tipicamente
históricas.” (BORGES, 2005, p.85).
Nesse sentido, as fotografias, quando empregadas como um fragmento de tempo e
aliada ao senso crítico do pesquisador e sua análise posterior, podem resultar em
compreensões mais abrangentes dos temas proposto e suas problemáticas, revelando assim
como uma fonte bastante importante para a pesquisa histórica. O propósito desses registros
fotográficos é trazer lembranças antigas e despertar nas pessoas o assunto revivido na
fotografia, para que algumas memórias não se percam no tempo sem que ninguém as conheça.

3. ATRAVÉS DA FOTO E DO VESTIR: a cidade de Caxias da década de 50.

A cidade de Caxias, Maranhão, é conhecida e caracterizada por seu passado rico


em aspectos histórico e cultural, sendo palco da Revolta da Balaiada, berço de poetas, maior
exportadora de algodão no século XIX e detentora de um grande parque têxtil, na qual foi à
primeira cidade a instalar uma fábrica de tecido no Estado. Através desses fatos históricos e
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culturais “criaram-se subsídios para alimentar a ideia de uma cidade rica, cultural, importante
nacional e internacionalmente e, portanto, com um passado a ser protegido para inspirar a
cidade do presente”. (ALMEIDA, 2010, p.19).
O passado importante dessa cidade é recordado através dos monumentos que se
encontram nela, como casarões, igrejas, praças, que fazem um paralelo com o seu presente.
Ou mesmo, através das memórias de pessoas mais velhas e das fotografias que por muitas
vezes remontam elementos marcantes das décadas passadas que de certa forma não fazem
parte atualmente do cotidiano caxiense, como: cinemas, teatros e as fábricas têxteis, fazendo
com que o passado se faça presente na memória dos caxienses. Partindo dessa premissa,
ressalta-se aqui a importância da fotografia, pois através dela é possível reconstruir alguns
aspectos do cotidiano de pessoas, de uma época ou de paisagens urbanas vivenciadas por elas.
Desse modo, a fotografia age como construtora de memória seja ela particular ou
de um grupo, pois através dela podemos produzir determinadas narrativas nas quais estamos
envolvidos direta ou indiretamente. Analisando-a pelo ponto de vista temporal, verificamos
que a imagem fotográfica permite vivenciar a presença do passado, pois, “a própria fotografia
é um recorte espacial que contém outros espaços que a determinam e estruturam, como, por
exemplo, o espaço geográfico, o espaço dos objetos (interiores, exteriores e pessoais) o
espaço da figuração e o espaço das vivências, comportamentos e representações sociais”
(MAUAD, 1996, p.10).
Assim, o cenário urbano, juntamente com o retrato das pessoas, sempre esteve
ligado intrinsecamente aos registros fotográficos. Seus elementos estruturais – monumentos,
edificações e praças – além dos fatos sociais e políticos, constituíram um tema recorrente no
mundo da fotografia desde o seu início, sendo que passaram a ser gradativamente
documentados pelos mais variados fotógrafos. Os fenômenos urbanos presentes nos registros
fotográficos permitiram o surgimento de discussão sobre a problemática da construção e da
perpetuação de uma memória visual da cidade. Nesse contexto, a fotografia leva aos olhos de
quem a vê uma imagem daquela cidade que já foi um dia, o progresso urbano, cultural e
social. Dessa forma, a fotografia e a cidade possuem elementos privilegiados para uma
aproximação do passado com o presente, um elo entre esses dois períodos.
Sabe-se que em consequência do advento das fábricas têxteis na cidade de Caxias,
o núcleo urbano da cidade vai se delineando, a medida que a elite local vai se preocupando
em ter um espaço mais adequado para sua condição social. Começando a partir desse
momento as modificações na estrutura urbana da cidade, com as construções de
estabelecimentos comerciais, casarões, praças e traçados das ruas (ALMEIDA, 2010, p. 21).
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Dessa forma, os conjuntos de fotografias escolhidos para análise neste artigo representam os
espaços urbanos e o vestuário da elite caxiense na década de 50, retratando além das cenas
arquitetônicas e cotidianas dessa cidade, o modo de vestir das pessoas. O que nos propicia nos
dias atuais, perceber Caxias como um Lugar de Memória, visto que nesta cidade está
impregnada a memória individual e coletiva de seus moradores, a partir das lembranças dos
acontecimentos que aqui ganharam forma, tendo assim a fotografia como elemento
despertador dessa memória.
Entre os registros fotográficos que mais despertam o imaginário da sociedade
caxiense, encontra a fotografia da Rua Afonso Cunha, que é conhecida atualmente como
Calçadão da Afonso Cunha, logradouro este de bastante circulação na cidade, haja vista que
além de se localizar no centro histórico da cidade, abriga os mais variados estabelecimentos
comerciais e um grande número de vendedores ambulantes.

FIGURA 1: Rua Afonso Cunha


FONTE: Acervo de Sinésio Santos

Nota-se que a fotografia foi retirada a partir da Praça Gonçalves Dias, sendo que
no primeiro plano é possível observar dois casarões, onde do lado direito funcionou da década
de 1940 a Caixa Econômica Federal, e o mesmo abrigou farmácias e lojas de confecções e
calçados. Bem como podemos notar o tráfego de pessoas mais livremente, pois ainda não se
fazia presente na rua os vendedores ambulantes. Sobre esta Rua, Albuquerque nos informa
que:
A Rua Afonso Cunha passou a conter um grande número de lojas. Com fachadas
antigas, algumas ainda preservadas; por exemplo, a casa onde morou o ex-prefeito
de Caxias Aniceto Cruz, que prestou relevantes trabalhos à comunidade caxiense.
Esta rua foi ponto de encontro dos jovens da época, pois nela existia um dos cinemas
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mais badalados da cidade, chamava-se “Cine Rex”. Era um dos mais movimentos,
porque tinha aparelhos novos e dava mais conforto aos espectadores, que se
aglomeravam na porta, onde os vesperais atraiam uma grande clientela de jovens.
Mais tarde, também foi chamada de a Rua das Farmácias, pois nela se concentrava
um grande número de farmácias da época, como: a Farmácia de D. Zazá, que
pertencia a Izaura Costa & Irmã, “Farmácia do Povo”, de propriedade do Sr. Hugo
Fonseca, a “Farmácia Enos”, do Sr. Enos Carvalho, “Farmácia dos Pobres”,
“Farmácia de Dr. Pedra”, etc. (MESQUITA, 1992, pp. 23-24)

É possível constatar algumas continuidades e rupturas em relação a esta rua aos


logo dos anos. Nota-se que ela continua sendo parte fundamental no desenvolvimento da
cidade no que se refere ao comércio local, bem como ainda mantém o calçamento feito de
pedra. Em contrapartida, a fotografia nos apresenta elementos que não estão mais presentes na
rua, como é o caso do prédio onde funcionava o Cine Rex, um dos mais conhecidos e
movimentados espaços de sociabilidade caxiense na época.
Desse espaço de sociabilidade restaram apenas as lembranças das pessoas que
frequentavam esse local, as que transitavam em frente ao prédio ou até mesmo de quem não
viveu nessa época. Mas que em algum momento da sua vida ouviu falar desse local por seus
pais ou avós, e que ao ter a oportunidade de olhar essa foto, consegue imaginar como era esse
ambiente, podendo fazer a relação do passado com o presente, e vendo as mudanças
existentes. Pois, o prédio na qual funcionava o cinema foi demolido e no seu lugar foi
construído uma das lojas de grande importância econômica de Caxias, o Armazém Paraíba.
Nesse sentido, é notório afirmar que as fotografias evocam lembranças, emoções,
além de muitas informações por parte de que as observam. Constituindo-se como registro e
memória visual ela apresenta-se como fonte e documento privilegiado para uma aproximação
entre fragmentos do tempo histórico, permitindo a perpetuação de um momento. Em relação a
isso, Boris Kossoy (2002) nos informa que:

A fotografia estabelece em nossa memória um arquivo visual de referência


insubstituível para o conhecimento do mundo. Essas imagens, entretanto, uma vez
assimiladas em nossas mentes, deixam de ser estáticas; tornam-se dinâmicas e
fluidas e mesclam-se ao que somos, pensamos e fazemos. Nosso imaginário reage
diante das imagens visuais de acordo com nossas concepções de vida, situação
socioeconômica, ideologia, conceitos e preconceitos. Não obstante todo o
conhecimento e experiência que temos acumulado ao longo de nossas vidas - que
injetamos quando de nossa leitura de imagens – necessitamos ainda recorrer à
imaginação (KOSSOY, 2002, p. 45).

A fotografia abaixo, feita do alto do Morro do Alecrim, conhecido anteriormente


como Morro das Tabocas nos apresenta uma vista panorâmica da cidade de Caxias. Ao
observá-la, notamos a beleza natural da cidade, onde as casa e outras construções estão
cercadas pela vegetação. Além disso, notamos que a fotografia brinca com o imaginário de
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quem a observa, pois nos mostra elementos que já não se fazem mais presente neste local,
como é o caso do cruzeiro feito de madeira e o canhão que foi usado da Guerra da Balaiada 3,
este que foi retirado do seu lugar original e colocado na Praça Duque de Caxias ao lado do
busto do general Luis Alves de Lima e Silva, e que mais tarde ficou conhecido como Duque
de Caxias, por atuar e vencer o combate contra os revoltosos durante a guerra citada
anteriormente.

FIGURA 2: Vista panorâmica da cidade de Caxias do alto do Morro do Alecrim.


FONTE: Acervo de Sinésio Santos

Assim como detalhes do espaço urbano e arquitetônico de uma cidade, a


fotografia também possibilita estudar o vestuário, a pose e as aparências elaboradas dos
personagens de determinada época, sendo que eles estão ali “congelados na escala habitual do
original fotográfico: informações multidisciplinares nele gravadas – já resgatadas pela
heurística e devidamente situadas pelo estudo técnico-iconográfico – apenas aguardam sua
competente interpretação”. (KOSSOY, 2001, pp. 101-102)
Levando em consideração que hábitos sociais e suas relações com os espaços de
vivência que se reflete nos hábitos de vestir evidenciam o caráter histórico do vestuário,
abaixo buscamos analisar uma fotografia do Uniforme de gala do Colégio São José, uma
tradicional instituição de ensino católica, composta basicamente por membros da elite
caxiense na década de 50. Vale destacar que o uso do uniforme escolar estava fortemente

3
Trata-se de um movimento popular e social que eclodiu em 1838 e prolongando-se até 1841, envolvendo as
mais diversas camadas da população maranhense. O movimento foi marcado pela forte presença das classes
subalternas, tais como escravos, negros forros, vaqueiros, camponeses e artesões, embora contasse também com
a presença de profissionais liberais e intelectuais ligados ao partido Bem-te-vi, como os jornalistas, José Cândido
de Morais e Silva, Estevão Rafael de Carvalho e João Francisco Lisboa. (BOTELHO, 2009, p.99).
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vinculado a ideia de pertencimento, e funcionava, a rigor, como um sinal de distinção social e


com um arraigado intuito civilizador. Podemos então dizer que, o uniforme teria três funções
básicas: representar a identidade da instituição, promover a segurança dos alunos fora da
escola e identificar a posição social das alunas apenas pelo uso do uniforme, sendo que a
moda possibilita a individualização dos sujeitos através da aparência (LIPOVESTSKY, 1989).

Figura 3- Uniforme de gala (1950)


Fonte: Acervo iconográfico do IHGC.

O uniforme de “gala”, que era usado nos dias de festas e reuniões na escola, tinha
a seguinte composição: era de seda, composto de saia azul e blusa de mangas comprida
branca, a saia azul juntava-se com o peitilho, formando um vestido. No peitilho tinha seis
botões, sendo três de cada lado. Era necessário o uso da gravata borboleta na cor azul, sapato
preto, meia branca até o joelho, luvas e boinas. O Colégio São José procurou preservar nas
alunas um ideal de mulher que caberia nas posições de professoras, mães, esposas e
excelentes cristãs por sua vez católicas (MOURA, 2014, p. 95).
Quando nos propomos a trabalhar com a moda enquanto vestimenta, objetivamos
mostrar que a vestimenta não permite apenas a transmissão de certos símbolos, mas também
que sejam identificados por meio dela posições ideológicas, comportamentos. As vestimentas
expõem uma ligação entre o indivíduo e a sociedade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS
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A fotografia e a moda apresentam-se como elementos de interpretação do passado,


carregadas de subjetividade. Visto que nelas há a presença de uma carga de informações,
lembranças e elementos que nos permite recordar determinado acontecimento, sendo também
importantes para a pesquisa e construção de uma história para a cidade, pois despertam os
eventos do passado, mostrando o cotidiano, os vestuários, os eventos, a arquitetura e diversos
elementos dela em uma determinada época.
Os registros fotográficos contribuem para despertar a memória dos sujeitos, sendo
que eles acionam a nossa imaginação para dentro de um acontecimento que já passou e que
vai se moldando mediante o olhar de quem a observa ou interpreta. A moda por sua vez, nós
dá indícios sobre os vestuários de uma determinada época, mas não só isso, pois os materiais
utilizados para fabricar uma roupa nos permitem contar a história sobre quem os fabricou e
em quais condições trabalharam, bem como, nos possibilita perceber os padrões de vestimenta
propostos naquele momento.

BETWEEN FLASHES AND LOOKS: The use of photography and fashion as a historical
source.

ABSTRACT

This article aims to analyze, structure and synthesize the importance of fashion and
photography as historical sources, perceiving them as important instruments used to safeguard
the memory of the city of Caxias-MA in the 50's of the twentieth century. In addition to
making a theoretical-methodological discourse about these sources, we seek to make a study
of the city of Caxias through the information obtained from the analysis of the material
collected.

Keywords: Photography. Fashion. Historical Sources

REFERÊNCIAS
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Rocco, 2003
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