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UM OLHAR DIFERENTE
SOBRE A MODA

ANO 2023
2ª EDIÇÃO
FLORIANÓPOLIS/SC − BRASIL
INSTITUTO SOCIAL NAÇÃO BRASIL
2
REALIZAÇÃO:
Instituto Social Nação Brasil

Produção Executiva:
Claudio Rio

Transcrição, Formatação, Diagramação,


Revisão, Edição e Impressão em Braille e
ampliado:
ADEVA − Associação de Deficientes Visuais e
Amigos

Criação Arte Capa e Quarta Capa: Luciano


Martins
Arte Finalista Capa e Quarta Capa: Henry
Castelar
Autora(e)s Textos: Sheila Gies (Inglaterra/UK),
Bruna Brogin (Curitiba/PR), Daniela Auler
(Paraty/RJ), Daniel Massafera (São Paulo/SP),
Debora Monteiro (São Paulo/SP), Eleonora Amaral
(São Paulo/SP), Heloisa Rocha (Aracaju/ Sergipe),
3
Lara Souto (São Paulo/SP), Silvana Louro (Rio de
Janeiro/RJ), Themis Briand (Fortaleza/CE),
Walquíria Coimbra (Brasília/DF)

UM OLHAR DIFERENTE SOBRE A MODA − MODA


PARA TODOS
2ª Edição − Florianópolis/SC − Brasil

Instituto Social Nação Brasil, 2023


78 Páginas
Tamanho: 23 X 32 cm
1. Moda − Inclusão social
2. Moda Inclusiva − História
3. Moda − Acessibilidade
CDD 390
4
In memoriam

Dedicamos este Livro à José Roberto Leal


(Zézinho)

Presidente da AFLODEF/Associação
Florianopolitana de Deficientes Físicos

FOTO: Diorgenes Pandini, BD

Texto de leitura da imagem: José Roberto Leal,


está na cadeira de rodas de camisa cinza sorrindo,
entrada no Mercado Público de Florianópolis
5

AGRADECIMENTOS AOS NOSSOS


PARCEIROS E COLABORADORES

Caio Cavichioli,
Roberto Sander (Renaux View),
Anderson Lourenço (Silmaq),
Junior Limana (Iguaçu FM),
Karina Carvalho
João Leonel (Instituto Hadassa),
Juliana Gallas (Univali),
Andressa Marchioratto (Brandili),
Rosana Baron (Senai),
J. Moser,
Daniela Tomaz,
Marcos Batista,
Rubens Amorin,
Laia Orisa, Jupira Dias,
Daniela Auler
Amigo Down (Elizabeth e Pamela de Andrade),
Ronaldy Lemos,
entre tantos outros que se associaram a este
projeto.
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AGRADECIMENTOS AO PRÊMIO BRASIL


DE MODA INCLUSIVA:

Especialmente a
Beto Carramanhos,
Silvana Louro,
Juliana Caldas,
Daiane dos Santos,
Lais Souza,
Marinalva Almeida,
Thiago Cenjor,
Fernando Fernandes,
Mario Queiroz,
Maria da Penha,
Fernanda Dearo,
Negra Li,
Kadu Moliterno,
Ariel Goldemberg e
Rita Pock,
Caroline Marques,
Fernanda Yamamoto,
Julia Sato,
Kica Castro,
entre tantos outros.
7
Agradecemos a todos nossos modelos, muito
especiais, estilistas, estudantes, convidados e
todos os voluntários que participaram, e
participam, do Prêmio de Moda Inclusiva, projeto
que deu origem e resultou neste livro.
8
Prefácio: Ronaldo Fraga (Estilista − MG)
FOTO: Ronaldo Fraga
“A moda é um dos
vetores mais diversos
da atualidade, ela fala
de economia, ela fala
de história, ela fala de
antropologia, de antro-
pofagia, e ela fala tam-
bém da cultura de um
tempo, da face de um
tempo, e é neste lugar,
que acredito, que a
moda contemporânea
tem chance de se
renovar, que é lançar luz sobre grupos, sobre
figuras que sempre ficaram na sombra, ou bem
distantes das passarelas e do ideário, do clichê, do
modelo de clichê, aliás, eu acho que a chance dela
tem de se renovar e se refazer, é se tornar mais
democrática, mais diversa, e olhar para este
tempo diverso, num tempo que se mata pelas
diferenças, num tempo que se exclui pelas
diferenças, é a roupa mostrando talvez o desejo
mais íntimo de um tempo,
9
que é a relação pacífica amorosa com o diverso.
Então, pensando na moda inclusiva, na moda que
traga diferença de credos, diferenças físicas,
diferenças religiosas, diferenças sexuais, a moda
que sempre faz pela diferença, na verdade, este
vetor que sempre também se destacou por este
lugar.
Quando, no Brasil, projetos, como esse,
aparecem, lançando luz e conversando com as
novas gerações, que a moda ou a modelo é muito
mais do que a loura anglo saxônica com a blusa
de oncinha, com as pernas longas ao som de uma
música techno eletrônica, rompendo a passarela
num grande evento de moda, e traz, para esta
passarela, os acimas do peso, os mestiços, os
cegos, os deficientes físicos, traz gente de
verdade, a gente também tem uma face de
verdade da moda, e é este lugar que eu acho que
devemos apostar.”
10

SUMÁRIO

1. Prefácio: Ronaldo Fraga ...................... 8 e 9


2. Apresentação: Os realizadores, o tema e a
inspiração .......................................... 12 a 19
3. Sheila Gies: A moda inclusiva no
Brasil ................................................ 21 a 34
4. Bruna Brogin: A importância da moda inclusiva
para pessoas com deficiência ............... 35 a 49
5. Daniela Auler: Jornadas
Entrelaçadas ...................................... 50 a 52
6. Daniel Massafera: A moda ajuda a acelerar
processo de inclusão ........................... 53 a 56
7. Debora Monteiro: A prática da moda inclusiva
pode gerar impacto positivo na
Sociedade ......................................... 57 a 68
8. Eleonora Amaral: Em um mundo tão cheio de
visões, como ainda há tantos
invisíveis? .......................................... 69 a 77
11

9. Lara Souto: Sou Lara, nasci prematura, tenho


baixa visão ........................................ 78 a 81
10. Heloisa Rocha: Moda Inclusiva: A conscien-
tização por uma demanda reprimida ...... 82 a 90
11. Silvana Louro: Moda Inclusiva ....... 91 a 114
12. Themis Briand e Thais Frota: É possível uma
pessoa cega se auto maquiar? .......... 115 a 124
13. Walquiria Coimbra: Fashion
Inclusivo ....................................... 125 a 128
12

INSTITUTO SOCIAL NAÇÃO BRASIL − OS


REALIZADORES

O Instituto Social Nação Brasil, criador do Livro


“Um olhar diferente sobre Moda − Volume 2”, é
uma organização, que surgiu a partir da atuação
de jovens e líderes comunitários, que buscavam
espaço, para expressar suas atitudes e mudar esta
realidade. O seu grupo de fundadores, acumulam
uma experiência de mais de 15 anos de atividades
sociais e culturais, atuando em locais de difícil
acesso, com população em situação de
vulnerabilidade social, na grande Florianópolis, em
Santa Catarina. Este grupo, produziu projetos
premiados e de reconhecimento estadual e
nacional, em diversas áreas, como: − Área de
Assistência Social, Cidadania e Direitos Humanos;
− Área da Economia Criativa; − Área de Cinema e
Artes Visuais;
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− Área Esportiva e parcerias nacionais: A história
da fundação do Instituto, se sustenta através de
três eixos:
− Primeiro: Através da articulação e da
experiência dos seus diretores, com mais de 15
anos de atuação com projetos sociais e culturais,
em locais de difícil acesso, como centro de
atendimento e menores, penitenciárias e centros
comunitários;
− Segundo: Através das parcerias e intercâmbio
de experiências, com entidades locais e nacionais,
que atuam em ações de inclusão social e
desenvolvimento de novas tecnologias sociais;
− Terceiro: Pelo fator de ineditismo e pioneirismo
dos projetos, que a entidade cria e produz, sempre
aliando as artes e a cultura com a cidadania e a
inclusão social.
14

PRÊMIO BRASIL SUL DE MODA INCLUSIVA

A ideia da criação do Prêmio Brasil Sul de Moda


Inclusiva, surgiu, da constatação, de que o estado
de Santa Catarina, apesar de ser, reconheci-
damente, um dos maiores polos têxtil do Brasil,
com grandes empresas de confecção do país,
instaladas na região, que resulta numa grande
concentração de profissionais que atuam no
mercado da moda, no entanto, ainda não registra
ações de responsabilidade social ligadas ao
mercado da moda. Até o surgimento do Prêmio de
Moda Inclusiva, em 2013, não existia uma
preocupação com esta significativa parcela da
população e nem ações que contribuíssem para a
autonomia e a acessibilidade, através da moda,
para as pessoas com deficiência;
Os resultados alcançados: Os resultados
alcançados, nas oito edições, realizadas, do
Prêmio Brasil de Moda Inclusiva,
15
de 2013 a 2021, são simplesmente
surpreendentes, e foi isto, que motivou a
ampliação deste projeto, que surgiu no estado de
Santa Catarina, e depois foi ampliado para os
estados do Paraná e Rio Grande do Sul. Estes
resultados podem ser analisados sob diversos
pontos de vista:
1) Ponto de vista do Ineditismo e Pioneirismo: O
diferencial, deste projeto, fica por conta do seu
pioneirismo, que alia o mercado da moda, um dos
que mais cresce e emprega, no Brasil, com
responsabilidade social, permitindo que milhares
de alunos, tenham acesso, através de cursos e
palestras sobre o tema moda inclusiva, uma
promissora ferramenta de inclusão social que vem
conquistando o mercado da moda mundial;
2) Ponto de Vista da qualificação e capacitação
profissional: Nos últimos anos, frutos da
conscientização e promulgação de novas leis, que
resultaram na maior inserção
16
das pessoas com deficiência no mercado de
trabalho e na sociedade, como um todo, questões
como acessibilidade e autonomia, no ato de se
vestir, também tornaram-se de grande
importância para esta população, com potencial
para criação de um novo e promissor segmento,
no mercado da moda: a moda inclusiva. O Prêmio
de Moda Inclusiva, já capacitou, em Moda
Inclusiva, mais de 4.000 estudantes de Escolas
Técnicas e Universidades, e se não é possível
estimar o número exato, de alunos, que, através
deste projeto, conquistaram o acesso ao mercado
de trabalho, indiscutivelmente, a visibilidade
conquistada pelo Prêmio de Moda Inclusiva, vem
contribuindo, com o envolvimento de mais
estudantes e profissionais, da região sul do Brasil,
na área de moda inclusiva, com novos negócios,
surgindo e estabelecendo no mercado de moda;
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3) Do Ponto de Vista das Garantias dos Direitos
das Pessoas com Deficiência:
O principal impacto, deste projeto, além da
natural visibilidade e promoção da luta pelos
direitos das pessoas com deficiência, é o fato do
projeto atuar na garantia dos direitos
fundamentais das pessoas com deficiência,
contribuindo para ações de políticas públicas, e ao
mesmo tempo, atuando na construção de uma
sociedade mais inclusiva, com mais cidadania e
direitos humanos para todos.
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POR QUÊ MODA INCLUSIVA?

Porque a Moda é para todos, ou deveria ser.


Porque cada pessoa é diferenciada entre si, com
tamanhos e necessidades específicas.
Porque o Brasil, segundo o IBGE, tem mais de 45
Milhões de pessoas com algum tipo de deficiência,
ou seja, uma em cada quatro pessoas,
no país, tem algum tipo de deficiência.
Por que a sociedade mudou e a inclusão de
pessoas com deficiência, não se resume mais a
construção de rampas, calçadas ou sinaleiras, mas
também a inclusão na estética e na moda.
Porque, apesar de Santa Catarina ser o segundo
polo têxtil do país, atrás apenas de São Paulo, com
grandes empresas, um celeiro de profissionais de
moda, não existe ainda, nenhuma iniciativa
voltada para estes catarinenses, com algum tipo
de deficiência.
19
Por que o Instituto Nação Brasil, é uma
organização social e cultural, com experiência em
projetos com crianças, jovens e mulheres,
atuando em locais de difícil acesso, onde o estado
não chega, buscando sempre se atualizar através
de novas ferramentas de inclusão social.
Finalmente, por que acreditamos no Desenho
Universal, e, por que, na verdade, a inclusão das
pessoas com deficiência, já começa quando
pensamos sobre ela.
20
FOTO: Modelo Hilanna Santiago (Curitiba
/Paraná)
21

Sheila Gies − Inglaterra/UK

FOTO:
Inglaterra, 2002,
Manchester Metropolitan
University, MMU, Mestra-
do em Desenvolvimento
de Produto de Vestuário
(MSc Master of Science,
Clothing Product Develop-
ment) − foi o lugar e o
tempo para o avanço dos
conhecimentos e práticas
em moda e design, já adquiridos em nível
acadêmico no primeiro Curso de Estilismo em
Moda do Brasil, uma Extensão Universitária, 1992,
Universidade Federal do Ceará, UFCe.
22

A MODA INCLUSIVA
NO BRASIL

Um estudo pioneiro

A primeira pesquisa sobre


moda inclusiva
O alvo foi uma investigação para inovação do
design de peças de roupa para o cadeirante.
Essa abordagem foi inovadora na procura de
soluções de design que possam ser adequadas
tanto para pessoas com deficiência como para as
pessoas sem deficiência.
Metodologia
Um estudo de caso foi feito por permitir uma
investigação mais profunda nas questões de
design desafiadoras para uma cadeirante
adulta.
Como a condição médica do cadeirante varia de
pessoa para pessoa, é possível que as informações
e soluções encontradas nesse trabalho não sejam
23
apropriadas para a generalização. Estudos futuros
podem permitir o aumento da coleta de dados,
acomodar uma variedade maior de deficiências e
permitir que mais designs inovadores sejam
produzidos neste setor.
A moda inclusiva
A moda para pessoas com deficiência possui
vários aspectos a serem estudados. O uso da
cadeira de rodas é um dos sinais mais evidentes
de deficiência física, por isso a aparência geral
deve ser bem cuidada. A sociedade está
preocupada com as deficiências físicas que são
visíveis. Infelizmente, muitas pessoas veem a
deficiência primeiro e a pessoa depois.
Muitos aspectos sociais e culturais influenciam
essa primeira imagem, e é possível que a pessoa
sem deficiência não tenha consciência disso. Pode-
se considerar que a deficiência e a função das
roupas para a pessoa com deficiência são
diferentes,
24
e isso pode causar situações desconfortáveis em
contextos iniciais. O comportamento humano se
torna uma consideração primordial. É importante
considerar que uma pessoa com deficiência é,
antes de tudo, uma pessoa, como todas as outras.
Portanto, o uso dos elementos e princípios do
design devem ser usados de forma apropriada. As
pessoas com deficiência física e/ou mental
ocupam seus lugares na sociedade, trabalham
entre outras pessoas, devem ter roupas que sejam
funcionais e atraentes e que atendam às suas
necessidades especiais.
Consciência da Moda
O fator “parecer bem e se sentir bem” pode ser
especialmente útil para a pessoa com deficiência,
uma vez que a doença crônica e a deficiência
cooperam para a ruptura da imagem corporal.
25

Consciência de design
Os elementos e princípios do design podem criar
ilusões e efeitos físicos e psicológicos para pessoas
com deficiência, assim como para qualquer outra
pessoa, considerando as características e
necessidades do usuário. O objetivo principal do
design é apresentar a figura como atraente, bem
equilibrada e bem proporcionada.
Design de roupas para pessoas com
deficiência
Roupas para inclusão devem ser confortáveis,
simples de colocar e tirar; devem ser fáceis de
cuidar no tecido e no corte, com boas aberturas.
Os resultados das lesões podem determinar as
diferenças ou necessidades a serem satisfeitas no
desenvolvimento de uma roupa.
Roupas funcionais especialmente projetadas para
incorporar recursos de auto-ajuda e/ou de ajuste
especial, podem não ser sempre desejáveis,
26
devido a diferenças distintas das normas sociais
da moda.
Pessoas com deficiência fazem parte de um
mercado diversificado, composto por crianças,
adolescentes, adultos e idosos, com estilos de vida
diferentes, em diversos tipos de clima.
Principais dificuldades com roupas
identificadas no estudo de caso:
1) Roupas forradas. Normalmente, os tecidos
utilizados para o forro têm que ser lisos e
escorregadios para deslizar sobre outras peças de
roupa e facilitar o vestir e despir. Para a
entrevistada, além destes efeitos; roupas forradas
a fazem deslizar dentro da própria roupa.
Consequentemente, sua posição sentada é
constantemente afetada, forçando-a a fazer um
esforço extra para permanecer na posição correta,
provocando um cansaço extra.
2) Gola alta. Normalmente, as golas em pé são
entreteladas e rígidas, circundam a parte de trás
27
do pescoço. Como a cadeirante passa a maior
parte do tempo sentada, ela precisa frequente-
mente olhar para cima para interagir com outras
pessoas. A gola alta restringe o movimento da
cabeça, dificultando o movimento para cima,
causando desconforto.
3) Levantar os braços para tentar alcançar roupas
e demais objetos mais altos. Em decorrência, ela
precisa de uma folga especial nas cavas para
permitir o movimento total dos braços.
4) Impulsionar a cadeira de rodas à mão.
Consequentemente, as mangas compridas podem
ficar sujas e desgastadas, pois encostam na roda.
O formato das mangas também pode interferir. Se
forem soltas, podem se prender na roda e
eventualmente causar um acidente.
5) Andar com o auxílio de uma muleta canadense.
Estas se apoiam no cotovelo, enquanto transferem
para os braços parte do peso corporal que as
pernas
28
devem sustentar. Devido ao movimento repetido,
uma área de abrasão é gerada entre o antebraço
e a muleta. Ao usar mangas compridas, o pilling
pode ser criado na área em contato com a muleta.
As mangas devem deixar as mãos livres, para não
escorregarem.
6) Desconforto ao vestir e despir: Para calças é
necessário ficar em uma perna de cada vez.
Portanto, ela pode usá-las, mas não com a
frequência desejada − Como os movimentos de
sua coluna têm algumas restrições é difícil
manipular os fechos se não forem colocados na
frente.
Estes resultados não apareceram e diferiram de
alguns sugeridos pela literatura relativa, e nas
roupas encontradas em sites da internet
disponíveis então.
Análise dos dados
1. Roupas forradas
O forro pode ser dispensável se a peça for
confeccionada com um tecido que não precisa
29
ter sua forma melhorada pelo forro.
É importante fazer um bom acabamento para
evitar uma aparência desagradável do interior da
peça. Se o tecido for apropriado, a silhueta ideal
da roupa será alcançada e o problema que ela
pode criar para o usuário de cadeira de rodas é
eliminado.
2. Golas em Pé
As golas em pé restringem o movimento da
cabeça quando o cadeirante tem que olhar para
cima. A dificuldade surge devido ao tempo que os
cadeirantes passam na posição sentada. A gola
alta é sem dúvida elegante, mas é apenas uma
entre muitos tipos de golas. Decotes ideais são os
mais rentes aos ombros.
As golas fazem parte da linha da roupa, que
determina a direção do interesse visual em uma
peça inteira, são importantes para otimizar a
beleza, e fornecem potencial para criar ilusão que
minimize diferenças de uma figura.
Cabe ao designer selecionar apenas aquelas linhas
que apresentem a figura de forma
30
harmoniosa, independentemente das tendências
da moda. As golas podem chamar a atenção para
o busto da cadeirante, que é a principal parte do
corpo em evidência.
Se a ausência de um colarinho levantado mostrar
o pescoço, pode-se usar um lenço.
3. Movimento do braço
O corte é essencial para permitir movimento. A
ação dos braços precisa ser maior do que o normal
em movimentos ascendentes, com tecido que se
mova facilmente com o corpo.
Uma cava anatômica, rente ao braço, pode
aumentar a liberdade do braço.
Tecidos elásticos, inserções elásticas, fendas,
pregas, dobras ou outros recursos podem ser
usados para permitir uma maior variedade de
aparência atraente da parte superior. Estes devem
ser selecionados com muito cuidado, pois são
influenciados pela moda. Um top sem mangas é
uma opção, com o cuidado de não revelar as
axilas.
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4) Impulsionando a cadeira de rodas
O comprimento das mangas colabora para a
apresentação da figura. Devem ser mais curtas e
próximas do braço. As longas podem ter
extremidade ou punho que se dobre facilmente ao
impulsionar a cadeira.
5) Uso de muleta canadense
A abrasão é um problema se há atrito entre o
tecido e muletas, o que danifica a vestimenta.
Deve-se usar tecidos com características de
fibra ou acabamento que retardem a abrasão.
6) Falta de movimento nos quadris e pernas
Dificuldades para vestir e despir estão relacio-
nadas à condição médica e podem restringir o uso
de peças como calças. A melhor opção é o uso de
saias, construídas sem forro; podem ser
ligeiramente largas, franzidas, drapeadas etc. As
retas podem ser o melhor, pois são clássicas,
femininas e não interferem no desempenho da
cadeira de rodas.
32
O comprimento da saia adiciona mais dimensão à
silhueta total e cria uma ilusão vantajosa na
aparência. Saias acima do joelho devem ser
usadas por quem tem pernas atraentes, embora
não indicadas, pois podem aparecer algumas
folgas entre as pernas, causando um efeito
indesejável.
Zíperes devem ser colocados na parte frontal,
para facilitar o abrir e fechar.
7) Variedade de modelos disponíveis
As necessidades apresentadas pela cadeirante não
são muitas, mas são significativas o suficiente
para restringir suas opções de escolha.
Entretanto, com saias, blusas, suéteres e
acessórios é possível se vestir de forma muito
atraente e dar a impressão de possuir um guarda-
roupa vasto.
A escolha das cores deve ser significativa,
relacionadas entre si. Podem ser todas claros, ou
todas escuras, ou um equilíbrio de sombra e luz.
33

8) Aspectos Psicológicos
O estado de sentimentos da cadeirante está
diretamente relacionado à sua escolha de roupa
Conclusões
Essa análise mostrou que é possível encontrar
soluções simples e comuns de design de roupas
para as necessidades especiais da cadeirante e
que esta é uma área importante do design de
roupas que necessita ser desenvolvida.
É fundamental que as roupas oferecidas para
atender a cadeirante devam chamar a atenção
para a pessoa cadeirante, e assim desviar o olhar
da deficiência.
É possível que o usuário de cadeira de rodas use
roupas projetadas para indivíduos fisicamente
aptos; no entanto, existem restrições em
determinados recursos de design. A gama de
opções é grande, e contribui para a autoexpressão
no vestir, para satisfazer não apenas a exigência
de conforto,
34
mas também a necessidade de adorno.
Sobretudo, é clara a necessidade de uma
comunicação direta e aberta entre designers e
consumidores cadeirantes, para que o design seja
planejado para a pessoa, dessa forma permitindo
que a roupa e a moda sejam verdadeiramente
inclusivas.
Para ter acesso à pesquisa completa é só enviar
um e-mail para sheiladesign@hotmail.com
35

Bruna Brogin − Curutiba/PR

FOTO:
Bruna Brogin é doutora em
Design pela UFPR (2019),
realizou estágio doutoral
na Sapienza Università di
Roma (2017), é mestre em
Gestão do Design pela
UFSC (2015), é especialis-
ta em Design Experiencial
pela UFSC (2014) e é gra-
duada em Design de Moda
pela UDESC (2011). Atualmente é professora do
SENAI PR e SC e pesquisa sobre Moda Inclusiva a
oito anos.
A importância da Moda Inclusiva para as
pessoas com deficiência
Resumo: A Moda Inclusiva está na moda. Muitas
empresas vêm valorizando uma imagem social-
mente inclusiva e informando a seus clientes que
seus produtos são para todos.
36
Mas, o que é isso afinal? Algumas palavras
colaboram para que o conceito seja definido, são
elas: inclusão, acessibilidade, autonomia, saúde,
segurança, conforto, autoestima, ganho de tempo
e qualidade de vida.
Segundo Auler (2012) Moda Inclusiva é “uma
proposta de moda que propõe incluir tipos de
corpos que a indústria hoje não contempla...
pretende incluir pessoas com deficiência. Porque
elas existem e são muitas.” Percebemos, a partir
do trecho, que o foco é a inclusão, trazer para o
mercado de moda compradores com deficiência,
trazer para as prateleiras peças com adaptações
funcionais, e trazer para a passarela modelos com
deficiência.
Se analisarmos as mudanças que ocorreram nos
últimos dez anos, vemos que continuam aquém do
desejado, mas passos têm sido dados em direção
a inclusão. Os consumidores com deficiência
sempre existiram, mas muitas vezes delegaram a
tarefa a outros
37
compradores, como mães, irmãos e amigos.
Deixar de ir as compras tem vários motivos, que
vão desde a acessibilidade de meios de transporte
públicos, a dificuldade de acesso a meios de
transporte particular adaptados, a falta de acessi-
bilidade em ruas, lojas e provadores, a falta de
informação tátil e em áudio em lojas, a falta de
atendentes que se comuniquem em Libras, ou que
busquem outros meios de atender com equidade,
caso não saibam Libras.
Mesmo com tantas dificuldades as pessoas com
deficiência vão as compras, mas na maioria das
lojas as peças não são inclusivas ou adaptadas. É
importante lembrar que algumas pessoas
precisam de moda adaptada / inclusiva, ou seja,
precisam de roupas com modelos, tecidos ou
aviamentos que sejam inovadores a ponto de
promover melhoras na experiência de uso, princi-
palmente pessoas com deficiências severas.
Pessoas com deficiências leves muitas vezes
informam que não precisam
38
de adaptações, e não querem que as roupas
tenham nada de diferente, porque isso seria um
estigma, uma moda exclusiva.
A Moda Inclusiva poderia servir a pessoas com e
sem deficiência. Entendo que dar a opção de
escolha ao consumidor é o melhor. Se a empresa
tem opções de peças com soluções inclusivas,
quem quer pode comprar, se outros querem peças
sem adaptações, também podem consumir.
Algumas empresas que trabalham assim são a
Tommy Hilfiger, a Reserva, a Cat and Jack da
Target. No entanto, vale lembrar que algumas
empresas vendem as peças inclusivas somente
on-line, neste caso a comunicação precisa ser
eficaz, para que os clientes entendam exatamente
os tamanhos e funcionalidades das peças antes de
comprar.
Quanto a inclusão de pessoas com deficiência nas
passarelas, percebemos mudança nos últimos
anos, antes elas não existiam, agora vem
desfilando cada vez mais.
39
Além da promoção de inúmeros desfiles inclusivos
no mundo todo, as grandes semanas de moda de
Paris, Milão e Nova Iorque vem apresentando
diversidade entre os modelos. Como exemplo
pode-se citar a modelo com Síndrome de Down
Jamie Brewer a desfilar no NYFW (New York
Fashion Week) em 2015; o desfile Made in Italy
que apresentou roupas usadas por modelos
cadeirantes e amputados no NYFW em 2015; a
cadeirante Julian Mercado desfilou para a marca
The Blonds, na NYFW em 2020; em 2021 a modelo
cadeirante Aaron Philip desfilou para Moschino, e
a também modelo cadeirante Mya Pol desfilou
para Pretty Little Things, ambas na NYFW; em
2021 a collab de Faduma's Fellowship X Harriet
Eccleston desfilaram na London Fashion Week
com um casting com vários modelos com
deficiência.
A importância da Moda Inclusiva para as pessoas
com deficiência perpassa, também,
40
a acessibilidade. Isto se refere, além da acessi-
bilidade urbana e arquitetônica, como já citado, a
acessibilidade econômica. Os produtos de moda
inclusiva precisam ser comercializados a um preço
justo, isto é, que garanta a subsistência da
empresa, mas que o consumidor tenha recursos
para adquirir. Significa comercializar os produtos
em uma faixa de preço em que a população tenha
acesso ao consumo, caso contrário ela não tem
sentido de ser. Ao longo das pesquisas ouvi de
diversas pessoas sobre o custo elevado da moda
inclusiva, e que devido a isso não conseguiam
consumir, mesmo querendo.
Brogin (2019) aborda a necessidade de produção
de vestuário em uma quantidade escalável, para
que os preços sejam acessíveis e condizentes com
a realidade do Brasil. Uma sugestão apresentada
é a customização em massa, onde por meio da
produção de roupas em módulos, com
determinado grau
41
de variedade, é possível atender pessoas com e
sem deficiência, produzindo em grande
quantidade, baixando os preços unitários e
fornecendo produtos em um preço amigável.
A que se abordar a autonomia. A moda inclusiva é
importante para pessoa com deficiência pois
permite que ela tenha informações na peça que
permitam que ela escolha sozinha o modelo, o
tamanho, a cor. Autonomia para arrumar o guarda
roupa e conseguir achar sozinha as peças que
procura. Autonomia para se vestir sozinha.
Autonomia para ir ao banheiro sozinha, sabendo
que vai conseguir se desvestir e vestir para
desempenhar as atividades de higiene de que
necessita. Esta autonomia viabilizada por meio da
moda inclusiva proporciona que seu usuário tenha
a segurança necessária para ser independente, ou
seja, se sentir apto a estudar, trabalhar e conviver
socialmente, sabendo que com o uso de suas
tecnologias assistivas
42
se governará sem a presença de cuidadores.
A Moda Inclusiva é fundamental para a saúde de
pessoas com deficiência, pois provê tecidos que
levam em conta características dermatológicas,
aumento de temperatura, arrefecimento,
necessidade de ventilação, transpiração e
evaporação de suor, proteção contra quedas e
automutilações (em alguns casos de Autismo e
Paralisia Cerebral).
Modelagens que permitem que movimentos
amplos ou restritivos sejam ajustados, possi-
bilitando, por exemplo, maior amplitude de
movimento para pessoas com espasmos;
aberturas maiores (cavas, decotes, barras de
calças) para pessoas com espasticidade em mãos
e pés que geram padrões de rigidez; ou restrições
de acesso a fechos para que algumas pessoas não
se dispam (alguns casos Alzheimer).
Ao longo de pesquisas são inúmeros os casos de
relatos de danos a saúde de pessoas
43
com deficiência, principalmente severa, em
decorrência do uso de vestuários não inclusivos.
Cito alguns exemplos. Pessoas com paraplegia
adquirida por vezes são hospitalizadas devido a
usarem calças com botões ou zíperes nos bolsos
traseiros, devido a permanecerem sentadas por
longas horas sobre estes aviamentos forma-se
uma ferida, que pode evoluir para uma escara, e
demandar períodos de internamento hospitalar.
Quando a condição é adquirida muitas vezes a
pessoa ou seus cuidadores desconhecem a
sensibilidade na região glútea, sendo uma
ocorrência muito citada por usuários de cadeira de
rodas.
Outros exemplos incluem: episódios de quase
sufocamento ao vestir blusas e casacos com o
decote e a cava muito estreitos, com a pessoa
ficando presa entre as aberturas da peça;
machucados na região genital devido dificuldade
de puxar zíperes de calças; convulsões devido,
entre outros fatores, a sensação
44
de calor e não conseguir retirar a roupa ou pedir
que alguém o faça; queda da cadeira de rodas
devido a barra de saia ou vestido engatar na roda
da cadeira de rodas; inflamações em ostomias,
entre outros.
Todos estes fatores citados dizem respeito,
também, a segurança dos usuários de peças de
Moda Inclusiva, que além de conforto estético
buscam o conforto sensorial, no toque, na
aderência e no acomodamento na peça ao corpo
(tamanhos). Saber que uma roupa é segura
significa sentir que ao usá-la está livre de perigos,
danos e riscos eventuais. É, por exemplo, a
segurança que uma calça com costuras reforçadas
apresenta a um usuário cadeirante que faz a
transferência várias vezes ao dia, e se sente
tranquilo de que a peça não vai romper, e de que
o cós traseiro é alto o suficiente para não descer e
revelar suas roupas íntimas durante estes
momentos.
45
Outro exemplo é a segurança que uma pessoa que
se alimenta por tubo de alimentação sente ao
saber que sua blusa tem uma abertura estratégica
para este momento, possibilitando a alimentação
sem a necessidade de se despir, sem pressionar o
acesso e causar um acidente. Um último exemplo
de segurança é um reforço em peças usadas por
usuários de próteses no local da união entre a
prótese e o corpo, garantindo que um movimento
brusco não vai romper a peça, expondo
determinada parte do corpo.
O conforto na Moda Inclusiva é a ausência de
desconforto. Alguns tipos de conforto são
destacados por Slater (1997) e valem, também,
para Moda Inclusiva. Vai desde a ausência de uma
etiqueta que incomoda (conforto sensorial ou do
toque), uma peça que cabe e tem bom caimento
no corpo sem incomodar (conforto ergonômico), a
capacidade da peça de absorver o suor e
transmiti-lo para o exterior da roupa,
46
permitindo a transpiração e não provocando
alergias (conforto termo fisiológico), e mesmo o
fato de se sentir belo e adequado com
determinada roupa em determinado ambiente
(conforto pisco estético).
Este último tipo de conforto se relaciona com a
autoestima, que é a autoavaliação de si mesmo.
Quando um vestuário inclusivo adquire infor-
mações de tendências de moda, levando em conta
modelos, tecidos, aviamentos, cores, estampas e
acabamentos, então o usuário se sente parte de
algo maior, da Moda do momento. Ao ser incluído
na estética vigente ele se sente igual aos demais,
parte da sociedade, tendo acesso ao
conhecimento sobre moda e ao direito de
consumi-la, mostrando que também pode usufruir
destes códigos de beleza tão efêmeros. Minhas
pesquisas em moda inclusiva (BROGIN, 2019)
mostraram uma mudança positiva das emoções
envolvidas na percepção da autoimagem quando
jovens
47
com deficiência vestiam peças de Moda Inclusiva,
indo desde sorrisos, até abraços em si mesmo, e
longas contemplações no espelho.
O ganho de tempo no uso de Moda Inclusiva se
refere aos longos períodos de tempos que são
necessários para uma pessoa com deficiência se
vestir, podendo chegar a horas. Este tempo se
deve primeiro a casos de dificuldade de escolha da
peça, por exemplo para pessoas com deficiência
visual, o que pode ser sanado pelo uso de códigos
táteis de cores (MARCHI, 2019). Depois pela
decisão de se trocar sentado, deitado ou em pé e
fazer as devidas transferências (cadeirantes), pelo
tempo aguardando os cuidadores chegarem
(pessoas com maior dependência), pela necessi-
dade de movimentações lentas (pessoas com
espasmos), pelas dificuldades em introduzir as
partes do corpo em aberturas justas e fechar
aviamentos. Roupas projetadas com inclusão são
mais fáceis de vestir
48
e despir, promovendo ganho de tempo do usuário
e do cuidador, além de não acometer tanto a
saúde do cuidador devido a movimentos com
sobrecarga.
Todos os fatores mencionados que são levados em
consideração no projeto de Moda Inclusiva condu-
zem a uma melhor qualidade de vida das pessoas
com deficiência que as usam e seus cuidadores
e familiares. Por meio da Moda Inclusiva obtém-
se melhores níveis de bem-estar físico, mental,
psicológico e emocional, favorecendo o convívio
sociais, a saúde, e oportunidades de educação e
trabalho, permitindo que seus usuários se
desenvolvam mais e melhor.

REFERÊNCIAS
AULER, D. Secretaria dos Direitos das Pessoas
com Deficiência de São Paulo. Moda Inclusiva.
2012.
BROGIN, B. Método de Design para cocriação de
moda funcional para pessoas com deficiência.
49
411 p. Tese de Doutorado em Design. Programa
de Pós-graduação em Design. Universidade
Federal do Paraná. Curitiba. 2019.
MARCHI, S. R. Design Universal de Código de
Cores Tátil: Contribuição de Acessibilidade para
Pessoas com Deficiência Visual. Tese (Doutorado
em Engenharia Mecânica) − Universidade Federal
do Paraná, Curitiba, 2019.
SLATER, K. Subjective Textile Testing. J. Text.
Inst. V.88 Part 1, no 2, pp. 79-91, 1997.
50

Daniela Auler − Paraty/RJ

FOTO:
É bacharel em negócios
da moda pela Universi-
dade Anhembi Morumbi,
com especialização em
responsabilidade social e
sustentabilidade pela FGV
(Fundação Getúlio Var-
gas). Desenvolveu sua
carreira na criação e no
marketing em moda
inclusiva e sustentável. Idealizadora do Concurso
Internacional de Moda Inclusiva e dos cursos de
Moda Inclusiva realizados pela Secretaria de
Estado dos Direitos da Pessoa com Deficiência de
São Paulo. Idealizadora do projeto Retalhos
&Atalhos realizados na Rede de Reabilitação Lucy
Montoro. Co-idealizadora do MoDe (moda e
design: economia, inovação e sustentabilidade), é
representante do Fashion Revolution na cidade de
Paraty.
51

Jornadas Entrelaçadas
Ao ser convidada para participar de mais uma
edição desse projeto, me senti muito honrada,
mas dentro da temática que vem sendo desenvol-
vida, não poderia assinar um texto sem meu
amigo ativista Dani Massafera e minha amiga
jornalista e educadora social, Débora Monteiro.
Hoje, mais do que nunca, acredito que só
construímos uma sociedade igualitária e inclusiva
juntos, pessoas com e sem deficiência, e a moda
inclusiva tem esse propósito.
Nossas histórias se misturam em ideais e
experiências, essa troca já é moda inclusiva, pois
desde o início o que me encanta na construção do
conceito são essas trocas entre pessoas com ou
sem deficiência, terapeutas ocupacionais, fisiote-
rapeutas, estilistas, modelistas, uma equipe
multidisciplinar que nos mostra o respeito da
diversidade e o olhar sobre o talento do outro.
52
Sou apaixonada pela moda inclusiva, pois ela
sempre me traz novas percepções e perspectivas
sobre o assunto.
53

Daniel Massafera − São Paulo/SP

FOTO:
Um resgate. O meu
primeiro contato com a
moda inclusiva foi em
2014, através de um curso
oferecido pela Secretaria
de Estado dos Direitos da
Pessoa com Deficiência.
Chego ali ainda no proces-
so de luto, entre o luto e a
luta, dores e dúvidas, mas
com muita vontade de aprender, querendo me
reconhecer e acreditando que de alguma forma as
aulas iriam me ajudar a me olhar diferente e dar
gás para seguir bem o meu período de
reabilitação. Após o curso, iniciei um processo de
descobertas, conhecimento e o entendimento que
eu precisava me encontrar comigo mesmo, me dar
uma segunda chance, e assim surgiu a minha
paixão pela moda inclusiva. Foi o sutiã de bojo
para mulheres que tinham perdido a mama por
conta do câncer que me deu esse
54
estalo e me motivou a criar um universo de
possibilidades através das "dificuldades".
Após o curso, voltei a focar na minha reabilitação,
mas dessa vez com histórias para contar. Voltei
com os olhos brilhando, com a minha cabeça
pipocando cheia de ideias e vontades. A terapeuta
ocupacional da Rede Lucy Montoro, Denise
Tsukimoto me convidou para participar do desfile
do 10º Concurso Internacional de Moda Inclusiva.
Aceitei o convite vestindo a camiseta branca e
uma bermuda vermelha.
O meu sonho começaria a se realizar quando no
backstage, durante a maquiagem, posso expres-
sar sobre minha vida. Agora, eu tenho aquele
contato com amor próprio que estava tão distante
de mim. Naquele momento do penteado, da
maquiagem, da produção para o desfile, o sonho
começa a ganhar forma, brilho e cor. Entendi ali
que a vida tinha dado certo.
55
Logo depois do desfile fui convidado para fazer um
curso na UNIBES com os irmãos Campana e a Dani
Auler sobre customização de prótese (eu uso
prótese de membro superior e membro inferior).
Escolhi customizar a prótese do membro inferior
inspirado no jogo de xadrez com ajuda dos
designers dos Campana, com tecidos de reuso
como couro de jacaré preto e branco, e criamos
assim a peça com o nome “xeque mate”. Adorei
abrir essa janela na moda.
Logo depois participei do workshop Retalhos &
Atalhos, na Rede Lucy Montoro. Ali, eu já tinha
aceitado a minha condição física estava com
muitos sonhos e vontades, mas algumas pessoas
estavam iniciando o processo de resgate. Passei a
incentivar esses meus amigos e dizia “não
podemos morrer, somos grandes e essa sala é
pequena para os nossos sonhos”. A moda ajuda a
acelerar processo de inclusão, pois quando você
se reconhece
56
como indivíduo valorizado e é tratado de uma
forma humana, isso se reflete na reabilitação.
57

Debora Monteiro − São Paulo/SP

FOTO:
Débora Monteiro é
jornalista e educadora
social, publicou "Três mil
horas e adeus" na
antologia 2020, o ano
que não começou, da
Editora Reformatório, e
as obras "Vítimas Colate-
rais" e "Viageiros" na
antologia Parem as
Máquinas, do Selo Off Flip. Desde 2015 mora em
Paraty/RJ, onde participa do coletivo literário
"Segundas Intenções", que publicou o livro
coletivo "Paraty em Festa − Contos e Encontros".
A Ju (Juliana Nobre Monteiro Paiatto) viveu
guardando segredos. Sua mente permaneceu
incógnita para nós até aquele 13 de março, a
sexta-feira da nossa despedida: foram 36 anos
sem termos a chance de conhecer sua voz.
58
Podíamos supor os lugares onde ela gostava de ir
porque conseguíamos “ler” seus olhares e seus
sorrisos; sentíamos de quem ela mais gostava
pelas gargalhadas gostosas que expressavam sua
alegria; sabíamos que algo ia mal percebendo as
expressões do seu corpo enrijecido pela falta de
mobilidade.
Mas jamais soubemos qual sua cor favorita, a
comida preferida, seus detalhes prediletos. Quem
verdadeiramente se conectou com a minha prima
intuía seus quereres, tentando adivinhar como
agradá-la pouco a pouco.
Quando eu conheci a Daniela Auler em Paraty e
ouvi a sua história no trabalho com a moda
inclusiva, imediatamente pensei na minha prima.
A Juliana era especial, estávamos sempre
procurando oportunidades para garantir o seu
bem-estar. E a Daniela trazia ideias para melhorar
a rotina de pessoas que às vezes precisam
literalmente se desdobrar para entrarem
59
no padrão do consumo. A Juliana precisava
experimentar as criações da Dani, essa conexão
era urgente!
Assim veio o convite para minha prima desfilar no
9º Concurso Internacional de Moda Inclusiva, na
Unibes Cultural, em São Paulo. Eu não poderia
estar com elas na data, e para essa estreia
combinamos que a Ju assistiria de camarote ao
evento. Temos uma fotografia desse encontro, e
nela vemos o brilho da emoção da minha prima
presente em uma celebração aos seus pares.
Debater empoderamento ou inclusão pode parecer
frescura, mas é no mínimo essencial para a
autoestima das maiorias que estão ausentes do
mainstream, ganhando a narrativa de minorias.
De acordo com o Censo 2010, aproximadamente
46 milhões de brasileiros, ou cerca de 24% da
população, declarou ter algum grau de dificuldade
ou possuir deficiência.
No site “IBGEeduca”, portal do IBGE voltado para
a educação,
60
os dados apontam que em 2010 a deficiência
visual estava presente em 3,4% da população
brasileira, a deficiência motora em 2,3%, a
deficiência auditiva em 1,1% e a deficiência
mental/intelectual em 1,4%. É importante
ressaltar que, seguindo orientações interna-
cionais, considera-se “pessoa com deficiência” os
indivíduos que responderem ter pelo menos muita
dificuldade em uma ou mais das habilidades
investigadas (enxergar, ouvir, caminhar ou subir
degraus) ou possuir deficiência mental/intelectual.
Ao perguntar à população sobre essa questão, o
“IBGE procurou captar a percepção sobre a
dificuldade em ouvir, enxergar e caminhar ou
subir escadas, mesmo contando com facilitadores
como aparelhos auditivos, lentes de contato e
bengalas”
(https://educa.ibge.gov.br/jovens/conheca-o
brasil/populacao/20551-pessoas-com-deficiencia.
html)
61
Saber que no Brasil a população das pessoas com
deficiência equivale ao número de habitantes da
Espanha
(https://www.spain.info/pt_BR/descobrir-
espanhaÿdados-espanha-sociedade-populacao/)
deveria ser motivo suficiente para empreende-
dores e empreendedoras investirem em produtos
e soluções que potencializem a qualidade de vida
de quem precisa de mais.
Na prática, encontrar soluções para necessidades
especiais é mais complicado. Na casa da minha
prima existe um depósito de aparelhos,
equipamentos e traquitanas esperando doação.
Desde a infância a Ju conviveu com os limites do
corpo e ganhou acessórios que a acompanhavam
no dia a dia. A cadeira de rodas, inseparável,
tornou-se definitiva quando os ajustes pareceram
perfeitos. E a cada reforma era preciso buscar
talentos para deixá-la adaptada. Parece que o
maior obstáculo para o capitalismo é a
personalização.
62
Difícil transformar a lógica das massas. Por isso,
vamos driblando a ordem das coisas. Da cadeira
de rodas sisuda fabricada no exterior sobraram as
ferragens em preto enfeitadas com tinta roxa para
marcar o feminino. O inconveniente de ser
confundida sempre foi resolvido por toques do que
estamos acostumados a vincular com femini-
lidade. Um tique-taque nos cabelos pretos com
corte chanel, o strass aplicado à estampa da
camiseta, a sandália de tiras coloridas. Sempre o
improviso.
O último presente de aniversário que demos para
a Ju foi comprado na inauguração de uma loja
infantil. Ainda com a etiqueta, o biquíni verde
água com babados desenhado para meninas
serviu, ao contrário dos modelos tamanho P, M ou
G. Para os pés a saída era procurar sapatos e
sandálias em lojas infantis, senão nada se
ajustava à delicadeza de quem pouco caminhou
por aí. Em noites de traje, nada de saias e
vestidos; as calças eram
63
encomendadas na costureira, para terem
caimento à rigor. Os inventos misturavam tecidos
finos e sobreposições que deixavam a Ju ainda
mais graciosa.
Maquiagem? Testávamos um pouco de batom,
uma sombra divertida, improvisávamos com o que
usávamos nos nossos rostos. Penteado exigia
maior habilidade, e lá vinha a cabelereira fazer
cafuné para montar o look. Enquanto montávamos
o quebra-cabeça da moda, a Ju se esbaldava nos
mimos. Ela gostava dos paparicos.
Desculpe-me aos que parecem futilidade abordar
a questão da moda para pessoas com deficiência.
Sentir-se bem também é questão do que vesti-
mos, principalmente de como nossa personalidade
transparece na moda que escolhemos usar nas
ruas ou dentro de casa. Para o cotidiano e as
longas horas de dedicação nos momentos de
alimentação, a Ju vestia roupas antigas, que
podiam colecionar manchas. Para sair de casa, ela
estava sempre impecável em roupas
64
que infelizmente exigiam treino para serem
acomodadas aos membros. Eu não me lembro de
ver zíper, velcro, botões ou apetrechos que
facilitariam o vai-e-vem de colocar e tirar roupas
durante o dia. Na minha memória está o
contorcionismo de quem precisava desvestir
minha prima na correria no banco de trás do carro
para livrá-la de roupas acidentalmente encardidas
pelas necessidades fisiológicas. Pior se estivesse
frio. As pessoas com paralisia sentem tremendo
frio!
A Ju esteve na moda? Ela se adaptou... A moda
nunca coube exatamente nela. Por isso ela deve
ter ficado tão satisfeita naquele desfile de moda
inclusiva. Tanto quanto os modelos e as modelos
que eu vi desfilar na Casa da Cultura, em
Paraty/RJ, durante o Paraty Eco Festival (2017).
Acompanhei os alunos da APAE seguindo a Dani
de noites pelas ruas do Centro Histórico, e aplaudi
com o público os passos firmes
65
de pessoas especiais orgulhosas por vestirem
conforto e beleza. Um jovem com Síndrome de
Down nos chamou a atenção por fazer questão de
cruzar a passarela diversas vezes rodopiando em
modelos modernos, arrojados e milimetricamente
pensados para o seu estilo de vida. Foi uma festa.
Em tempos de diversidade, trazer para os
holofotes o que está fora da norma comprova o
quanto a empatia é primordial para a humanidade.
Que amputações, privação de sentidos, doenças
de pele não sejam consideradas um problema.
Que sejamos humanos, simplesmente.
Reflexão
Então através dessas jornadas entrelaçadas deixo
um convite para que vocês levem o conceito da
moda inclusiva em seus corações, em novas
atitudes do cotidiano pois sem percebermos a
caminhada, o presente não conseguiremos
transformar o futuro. E o futuro é o autocuidado e
o cuidado
66
das nossas relações, sim isso também é MODA.
* Foram criados 3 cursos sobre moda inclusiva
para atender as necessidades de trocas de saberes
sobre os participantes do Concurso Internacional
de Moda Inclusiva e a sociedade como um todo.
Sobre o concurso: além de estimular novas ideias
e técnicas de modelagens ergonômicas também
aproximava pessoas com e sem deficiência em um
novo protagonismo na moda, pois a moda
inclusiva começou a ser cocriada por designers,
pessoas com deficiência, profissionais da área da
saúde entre outros. Ele foi criado em 2008
idealizado pela Secretaria de Estado dos Direitos
da Pessoa com Deficiência durante a gestão da
Prof. Dra. Linamara Rizzo Battistella, onde que
teve 10 edições, sendo sua última em 2018.
O concurso foi um dos grandes fomentadores do
conceito, pois se precisávamos levar a temática
67
para o mercado dialogar com os estudantes era
uma forma de sensibilizar o futuro profissional.
** O projeto retalhos & atalhos realizado na Rede
de Reabilitação Lucy Montoro acredita que moda
inclusiva possibilita o direito de acesso da pessoa
com deficiência a vestimenta adequada para cada
ocasião que necessitar melhorando o acesso a
inclusão uma vez que aumenta o poder de escolha
do que o usuário deseja vestir, sendo assim,
podemos considerar que a prática da moda
inclusiva pode gerar impacto positivo na
sociedade, podendo ser usada por qualquer
pessoa − com ou sem deficiência, o projeto tem
como propósito a prestação de serviços à
população promovendo: resgate e elevação da
autoestima; desestigmatização dos corpos com
deficiência; representatividade e pertencimento
ao setor de moda e na sociedade como um todo;
estreitamento da relação
68
entre os temas de moda, beleza e deficiência,
além de trabalhar com os inscritos técnicas de
upcycling (reutilização criativa, é o processo de
transformação subprodutos, resíduos, produtos
em novos materiais ou produtos de melhor
qualidade ou com maior valor ambiental e
usabilidade, reconstrução das peças direcionada
para as necessidades do participante, orientação
sobre a ressignificação das peças que o
participante já possui no seu armário) durante o
projeto.
69

Eleonora Amaral − São Paulo/SP

FOTO:
Cursou Design e Produção
de Moda, atuando no
mercado ao lado de nomes
como Lenny Niemeyer,
Dudu Bertholini, Reinaldo
Lourenço e Luiza Ortiz.
Posteriormente se especial-
zou em Consultoria de
imagem pela Fashion Insti-
tute Of New York − Fit e
também em etiqueta e protocolo pela The Protocol
School Of Washington − Psow. Atualmente
ministra classes de Consultora de Imagem no
Curso de Moda Inclusiva em parceria com a Rede
Lucy Montoro de reabilitação, sob tutela de
Daniela Auler.
70

Em um mundo tão cheio de visões, como


ainda há tantos invisíveis?
Neste momento nos encaminhamos, ao que tudo
indica, para o final de tempos extremamente
tumultuados em que tivemos nossas estruturas
mais básicas abaladas. Atravessamos a primeira
pandemia com essa amplitude de nossa época
moderna.
Involuntariamente trancafiados em casa,
acuados, com medo, sendo atacados por algo
desconhecido e sendo confrontados com nosso
maior terror: a morte. Para complicar mais, temos
consciência de nossa finitude, afinal nos auto
intitulamos Homo Sapiens, o homem que sabe.
Assim como algumas outras espécies de animais,
os seres humanos tem naturalmente a inclinação
para a vida em comunidade. Em diversas
situações nossas semelhanças com os animais se
torna ainda mais evidente, como quando um
animal
71
se sente acuado ele ataca para se defender e/ou
defender o seu bando, muitas vezes nessas
situações o egoísmo, pelo instinto básico de
sobrevivência, se sobrepõe ao bem comum. Quem
não se lembra do frenesi por papel higiênico? Dos
supermercados colocando limites de quantidade
em determinados suprimentos por pessoa? Até
mesmo festas clandestinas... Pois é, seres tão
evoluídos recorrendo a comportamentos tão
primitivos, alguns deles nem animais que
naturalmente vivem isolados seriam capazes de
consentir. Claro que também vimos exemplos do
que o ser humano tem de melhor, pessoas que por
coragem, temeridade ou empatia e, porque não,
uma boa dose de criatividade, romperam suas
barreiras e para servir a comunidade. Logo em
primeiro lugar temos todos os profissionais da
área de saúde que de forma ímpar se colocaram
na linha de frente em nosso socorro, terapeutas
formando grupos
72
de ajuda, professores disponibilizando aulas
gratuitas, advogadas disponibilizando seus
serviços a mulheres vítimas de violência
doméstica, de confecções a costureiras fazendo
máscara e distribuindo em comunidades carentes,
até o ato singelo de se oferecer para fazer as
compras para os idosos da sua vizinhança.
O distanciamento social, a falta do toque físico,
não ver mais os sorrisos nas ruas por termos
nossos rostos cobertos por máscaras. A realidade
das pessoas com algum tipo de deficiência foi
ainda mais severa. Muitos não puderam dar
segmento aos seus tratamentos, deficientes
auditivos perderam sua capacidade de ler lábios,
deficientes visuais de contar com alguém disposto
a tocá-lo para guiar seu caminho.
Foram anos frios, mas com debates acalorados. O
politicamente correto imperou sob a pena do
cancelamento. A promessa de que sairíamos
transformados dessa experiência, que
aprenderíamos
73
a ter mais cuidado com o outro, mais conscientes
de nós mesmos e de nossas capacidades.
O tempo passou e ficamos exaustos. Dia após dia
fomos perdendo nossa identidade, privados de
nossos hábitos, nossa rotina. Comportamentos
que definiam nossa existência que foram
interrompidos e sem uma data para serem
retomados, como seguir, para onde e até por que
seguir? Diante do novo não há certo nem errado
apenas tentativas de sobrevivência. Fomos por
um lado libertados de padrões do que era
aceitável sobre a nossa imagem. O espelho já não
representava tanto quanto a lente da câmera do
celular ou computador que maquiava nossa
autoimagem com seus filtros e efeitos. Tivemos
até mesmo a oportunidade de desligá-la devido ao
mau funcionamento (quem não usou pelo menos
uma vez a frase: Ih, deu pau na câmera). Por
outro lado, tivemos a intimidade de nosso
74

lar exposta. Esposa e familiares gritando ao fundo,


filhos e pets invadindo entrevistas, palestras e
aulas... Cenas divertidas e constrangedoras
pipocavam por toda a internet. Era uma boa
distração, pois nossas mentes começaram a falar
cada dia mais alto... E o como lidar com a auto
imagem foi posto em cheque. Nos permitimos
novas sensações do eu e de experimentar com
nossos limites. A auto indulgência comer mais ou
o que comer, dormir mais ou em outros horários,
o isolamento a ausência da exposição nos fez ter
que conviver mais de perto com nos mesmos e
olhar para o outro virou uma fuga ou última opção.
A questão foi para quem escolhemos olhar?
Como disse antes somos seres que necessitam
pertencer a um grupo e é através das nossas
similaridades que nos aproximamos e vamos
delineando nossa identidade. Porem formar nossa
identidade a partir do outro incorre numa
75
sublimação do seu próprio ser, em não reconhecer
as suas particularidades as suas diferenças, o ser
nega o que lhe torna único. A moda tem um
grande papel na construção de nossa identidade
através da imagem. Em uma das aulas quando
cursei Consultoria de Imagem na Fashion Institute
of New York (FIT) uma frase me cativou “Faça de
um defeito um efeito”. Foram muitos anos para
que eu pudesse compreender o real sentido dela.
Existem diversos truques para disfarçar uma dita
imperfeição, mas exige um profundo trabalho auto
conhecimento para transformar uma diferença em
um fator de destaque positivo. O que é diferente
dos nossos padrões por um lado nos une com um
determinado grupo mas nos segrega do todo.
Nada nos une mais rápido do que um inimigo em
comum. Seja ele qual for, besta como vestis bem
uma calça skinny. Caímos fácil em armadilhas
para nos sentirmos especiais, superiores
76
(mas isso fica feio dizer, corre muito risco de
cancelamento) pertencentes. Eu mesma devo
agradecer a pandemia para assumir meu cabelo
cacheado, que na minha adolescência foi motivo
de bullying. Que hoje entendo que traduz sem
palavras a minha personalidade. Isso é ainda mais
complexo quando se refere à pessoas com algum
tipo de deficiência. Com poucas referências e uma
representatividade na mídia ainda cambaleante,
como se sentir confortável com a sua imagem para
quem se sente invisível? Foi durante minhas aulas
no curso de moda inclusiva, da incomparável
Daniela Auler que tomei a real dimensão da
severidade dessa realidade. Ao lhes transmitir
conceitos sobre cores e formas que ressaltavam o
que tinham de mais belo vi rostos sisudos se
abrindo em sorrisos e confiança. Aquele peito
cheio e cabeça erguida diante do espelho, foram
momentos que fizeram minha própria vida e
escolhas
77
fazerem sentido. Nesse curso conheci uma pessoa
que me fez perceber que meu trabalho estava
ainda incompleto, pois não contemplava uma
parcela notável da população, pessoas com algum
grau de deficiência visual. Lara foi fundamental
para que através de sua vivência eu tivesse como
desenvolver esse outro tipo de perspectiva. A
seguir Lara vai contar um pouquinho da sua
experimentação com sua imagem e o mundo da
moda.
78

Lara Souto − São Paulo/SP


FOTO:
Lara Souto Santana tem
graduação em Letras,
Português, Inglês e Peda-
gogia, e mestrado em
estudos linguísticos e lite-
rários em inglês. Viciada
em livros e entusiasta da
moda inclusiva, é profes-
sora da rede municipal de
São Paulo e trabalha como
consultora em acessibilidade e audiodescrição.

Sou Lara, nasci prematura, tenho baixa


visão.
Como eu enxergo muito pouco e passei boa parte
da vida usando as roupas que minha mãe escolhia
e comprava para mim. Me vi adulta sem saber o
que vestir, o que comprar e precisando aprender
sobre tudo que estava relacionado a esse mundo
da moda que é tão cheio de opções. Pensar em
moda tem muita relação com o que
79
queremos mostrar para os outros, como nós nos
colocamos no mundo e como nos sentimos bem.
A imagem que queremos mostrar muitas vezes
precisa ser construída, especialmente se a pessoa
não recebeu referências visuais ao longo da vida.
Isso é um desafio enorme para pessoas com
deficiência visual! Eu, além de ter contado com
ajuda de consultoria de estilo, sempre peço
opinião para pessoas nas quais confio. Em um
processo de mudanças pessoais comecei a desejar
ser dona de minhas próprias escolhas e, por ter
deficiência visual, pensei que a ajuda de um
profissional poderia ser mais efetiva para mim,
afinal eu me sentia completamente insegura para
fazer minhas escolhas e mal sabia qual era meu
estilo. Eu não sabia que determinadas composi-
ções teriam efeitos diferentes para as pessoas que
estavam a minha volta. Foi quando a Eleonora,
que já conhecia minha história através
80
dos meus trabalhos no programa de moda
inclusiva na Secretaria do estado e no IED
rapidamente se ofereceu para me ajudar. A dis-
posição e a vontade dela eram quase palpáveis.
Me ajudou a compreender a linguagem das cores,
por exemplo como uma blusa vermelha causa uma
impressão totalmente diferente de uma do mesmo
modelo mas azul clara. A linguagem das formas,
como uma blusa estruturada traz uma imagem de
segurança e autoridade ao contrário de uma
malha que passa a sensação de estarmos mais
abertos disponíveis. Foi como aprender uma nova
língua onde as palavras são as peças de roupa e
conjunção entre as cores, formas e texturas vão
formando as frases e dando a entonação.
Compreendi como traduzir tudo isso na imagem
que me representava a cada dia. Foi uma
construção bastante trabalhosa, mas ao mesmo
tempo muito importante, uma ferramenta real de
empoderamento e emancipação.
81
O mundo é visiocêntrico.
As pessoas cegas ou com baixa visão podem não
ver, mas o mundo vê. É por isso que precisamos
falar mais sobre isso. E você o que vai escolher
ver? Vai ter coragem para assumir uma nova
postura nesse novo normal? Podemos juntos
mudar a realidade se deixarmos nossas diferenças
de lado e reconhecermos que somos todos apenas
humanos.
82

Heloisa Rocha − Aracaju/SE

FOTO:
A jornalista Heloisa Rocha é
idealizadora do Moda Em
Rodas, projeto que trabalha
em prol da moda inclusiva, do
resgate da autoestima
feminina, especialmente da
mulher com deficiência, e de
promover uma nova percep-
ção do corpo com deficiência
na mídia. Radicada em São
Paulo desde 2008, a profissional de 37 anos é
natural de Aracaju (SE) e nasceu com
osteogênese imperfeita, condição rara que tem
como principal característica a fragilidade óssea.

Moda Inclusiva: A conscientização por uma


demanda reprimida
Há poucos anos, eu conversava sobre moda com
uma mulher usuária de cadeira de rodas e,
durante o bate-papo, ela me disse com mais
83
profunda sinceridade que sempre vestiu aquilo
que coubesse nela e que, por este motivo, nunca
deu muita importância às roupas pensadas e/ou
projetadas especialmente para os corpos com
deficiência. Após ouvir a confissão, eu apenas a
perguntei como ela lidava com o desejo de
adquirir uma peça que, infelizmente, não poderia
ser comprada porque dificultava a sua mobilidade
e que, até então, a indústria ainda não tinha
trazido nenhuma solução a ela e a outros milhares
de consumidores com deficiência. E, de forma
breve e direta, ela me disse que simplesmente
“não usava”!
Quando lancei o projeto Moda Em Rodas − em 14
de outubro de 2015 −, eu adentrava, de forma
leiga e imatura, neste setor da moda que, ao
contrário do que vivenciamos atualmente, era
raramente abordado. Os anos foram passando e o
meu conhecimento e percepção global da moda
inclusiva (ou do design universal)
84
foi evoluindo da mesma maneira que a temática
começou a ser mais discutida e modelos com
deficiência passaram a marcar presença em
campanhas publicitárias e em desfiles de moda.
Por outro lado, ao contrário dos outros setores de
moda e beleza dedicados aos corpos plurais, a
moda destinada à pessoa com deficiência não
avançou na mesma proporção o que, dessa forma,
justifica um pouco a percepção que a mulher
citada no início deste texto (e de tantas outras)
tem a respeito deste nicho da moda.
Por que isso acontece? Não existe uma explicação
única, mas, é verdade, que a popularização das
redes sociais permitiu que as pessoas com
deficiência pudessem compartilhar todas as suas
dores, conquistas e opiniões sobre os mais
variados assuntos, incluindo a questão da moda
inclusiva. Se não fossem essas ferramentas
digitais, o Moda Em Rodas jamais teria existido
85
e vocês nunca iriam ter a oportunidade de ler este
artigo. Porém, quando falamos no assunto
atualmente, parte da categoria brasileira com
deficiência tem gastado menos energia na questão
da produção de coleções com adaptações que
facilitem o seu cotidiano do que em outros
assuntos.
Não pense que isso ocorre porque a sociedade
com deficiência tem mais coisa com que se
preocupar do que, por exemplo, com a aplicação
de um zíper na lateral ou de uma etiqueta com QR
code. Acontece que boa parte dessas pessoas
nunca tiveram a oportunidade de provar uma peça
projetada para os seus corpos, passando a vida
inteira vestindo uma peça com um caimento ruim,
adaptada de forma caseira e, até mesmo,
incomodando e provocando, em alguns casos,
feridas no corpo. Infelizmente, a declaração da
mulher que conversava comigo é um exemplo da
realidade desta população, ou seja, boa parte
delas jamais
86
teve consciência de que uma roupa com uma
modelagem pensada em atender determinada
deficiência faria com que a pessoa tenha mais
independência e ganho de tempo no ato de vestir
ou despir; além de economizar por não precisar
recorrer ao serviço de uma costureira para ajustar
a peça.
Diante da falta de conscientização da população
com deficiência em relação à importância de uma
moda destinada a elas, as poucas (e pequenas)
marcas ou coleções inclusivas existentes no Brasil
têm muita dificuldade em crescer e em despertar
o interesse da grande indústria, já que sem busca
e consumo pouco é feito para que este mercado
avance. Será que existe solução para isso?
Há caminhos para que tal situação mude,
porém, para cada uma delas, é preciso esforço,
paciência e perseverança por parte de todos que
lutam ou trabalham por uma moda mais inclusiva.
E, em primeiro lugar, acredito no poder
87
da coletividade, ou seja, da parceria de grandes
indústrias com os pequenos empreendedores
desta demanda reprimida da moda; funcionando
da seguinte maneira: o primeiro entraria com o
capital, o maquinário e a publicidade e o outro com
todo know-how (conjunto de conhecimentos
práticos) sobre a elaboração e a confecção do
produto. Além do investimento aplicado para a
divulgação massiva das peças, a proposta permite
que consumidores de diferentes estados tenham
acesso físico da coleção, já que, atualmente, as
marcas nacionais destinadas ao público com
deficiência se encontram apenas no e-commerce.
A possibilidade de, por exemplo, o cliente com
deficiência visualizar a roupa com adaptação na
vitrine poderá despertar nele o interesse em
experimentar o produto, promovendo a
conscientização indireta da facilidade, da
comodidade e do caimento que a vestimenta
oferece.
88
Infelizmente, tal curiosidade não ocorre com a
mesma motivação quando a pessoa visualiza o
produto na internet.
Outro ponto positivo que a proposta da
coletividade pode trazer às grandes marcas é a
possibilidade de toda sua cadeia de produção −
dos designer aos vendedores − compreender ao
longo desse processo todos os passos que
envolvem a confecção e a venda de uma roupa ou
de um calçado projetado a um corpo com
deficiência. Assim, o funcionário poderá eliminar
aos poucos todos os conceitos equivocados que
possui à esta parcela da sociedade, já que o
atendimento é a principal queixa do consumidor.
Para boa parte dos clientes brasileiros com
algum tipo deficiência, o vendedor geralmente os
trata de forma infantilizada ou os ignora do
estabelecimento, dirigindo-se sempre ao seu
acompanhante. Tal atitude só reforça a ideia de
que a pessoa com deficiência não é um
89
consumidor em potencial ao mercado de moda e
beleza nacional.
É importante destacar que a proposta de
parcerias também pode funcionar entre grandes
indústrias e recém profissionais da moda, que, por
diversas ocasiões, elaboram sofisticadas e
funcionais modelagens para o público com
deficiência, mas que, por falta de incentivo e
mercado, acabam sendo engavetadas. Porém,
para que mais projetos universitários focados nos
corpos plurais surjam é preciso também que os
cursos de design e moda foquem mais nesta
temática em sala de aula e reduzam, em sua
grade curricular, os temas envolvendo a moda
eurocêntrica, que nada se assemelha à cultura, ao
clima e ao corpo brasileiro.
Enquanto a ideia de coletividade entre grandes
e pequenas marcas não deslancha no Brasil, eu,
particularmente, aposto no fator sob medida, ou
seja, que os empreendedores locais não se
prendam tanto a uma grade fixa e,
90
de forma humanizada e diferenciada, passem a
atender os clientes que não encontram peças aos
seus corpos e estilos, a exemplo do público com
nanismo. Quase como um produto exclusivo, a
proposta consistiria em reduzir ou ampliar, com as
devidas proporções, a sua modelagem, amplian-
do, dessa forma, o leque de seu público-alvo.
Porém, neste caso, o cliente precisa ter
consciência de que o custo de um produto sob
medida sempre será mais alto do que o de um
produzido em larga escala.
Não tem como negar que a educação é e
sempre será a base da mudança e, no caso da
moda inclusiva nacional, ela vem como forma de
conscientização e experimentação de uma
proposta que ainda é muito discutida, porém
pouco aplicada. Tente, experimente e comprove
os benefícios de uma peça adaptada ou feita sob
medida ao seu corpo e/ou às suas necessidades!
91

Silvana Louro − Rio de Janeiro/RJ


FOTO:
Silvana Louro, CEO da
Equal Moda Inclusiva,
produtora e estilista
formada pela Universidade
Cândido Mendes do Rio de
Janeiro.
Antes de começarmos a
falar de Moda, vamos falar
sobre transformações
sociais, políticas e
históricas. Isso porque não vamos ficar na
superfície do assunto. Moda é comportamento e
ele reflete o momento que vivemos.
Finalmente depois, falaremos de pessoas.
E tudo isso junto e misturado, resulta na Moda.
A roupa que você veste hoje te identificará no
tempo/espaço da timeline do futuro.
Olá! Muito prazer!
Sou Silvana Louro, CEO da Equal Moda Inclusiva,
produtora e estilista formada pela
92
Universidade Cândido Mendes do Rio de Janeiro.
Venho da área de moda onde por mais de 20 anos
formei modelos internacionais, editei e produzi
Coleções para desfiles e catálogos de inúmeras
marcas. Neste universo restrito, vivenciei todo
tipo de preconceito e nunca compactuei quando
modelos eram escolhidas apenas pelo seu biótipo.
Sou apaixonada pelo talento e vocação das
pessoas. Abandonei esse segmento da Moda
porque ele não fazia mais sentido para mim.
Comecei a voluntariar aqui no Brasil, África e Ásia
pela Idex International já faz mais de 10 anos.
Minha entrada na Moda Inclusiva se deu em 2011,
quando trabalhei em um Projeto com paratletas.
Lá conheci a primeira pessoa com deficiência e
vivenciei suas dificuldades para se vestir. Assim,
inspirada pelos desafios, criei e produzi em 2013,
o primeiro uniforme Paralímpico adaptado do
mundo após dois anos de pesquisa, já com
etiquetas
93
em braille, hoje nossas etiquetas em braille são
certificadas pelo IBC.
Ressignifiquei a Moda na minha vida a partir das
inúmeras possibilidades de transformar a roupa
que produzo na minha ferramenta de inclusão.
Meu olhar sempre esteve nas pessoas, porque elas
estão antes das roupas. Muito antes…
E para entender as pessoas e as relações entre
elas, precisamos da História. Voltando na história,
encontramos a construção de fatos e situações
que geraram o distanciamento social entre
pessoas com e sem deficiência. A inexperiência
nessas relações gera insegurança, pois muitas não
têm amigos ou conhecidos com deficiência logo,
nunca tiveram a oportunidade de interagir com
elas. Assim, a comunicação permanece
cristalizada, truncada, repleta de barreiras.
Convivendo há uma década com pessoas com
deficiência, entendi que essas relações não são
naturalizadas…
94
elas perpassam pelo receio de ofender, pela
insegurança, pelo capacitismo inconsciente e pelo
preconceito mesmo. O pleno convívio entre
pessoas com e sem deficiência está sendo
construído agora. São mais de cinco séculos de
exclusão e isolamento das pessoas com deficiência
na sociedade.
Nada justifica.
Faz pouco tempo que a sociedade passou a ver
pessoas com deficiência nas ruas, escolas,
teatros, empresas, dirigindo seu carro,
namorando, tendo filhos. Já ouvi pessoas
dizendo: O que eu faço quando o cadeirante
chegar?
Como se isso fosse um grande problema.
Respondo calmamente, diga olá! Exatamente
como você faria com uma pessoa sem deficiência.
Existe um receio intrínseco que não foi
desmistificado nessa relação. As pessoas com
deficiência sempre existiram, mas não eram vistas
facilmente.
95
Quando eu era criança nos anos 60, minha mãe
tinha uma amiga que eventualmente vinha
lanchar na nossa casa e outras vezes nós íamos
fazer o mesmo na casa dela. Essa amiga tinha
uma filha da minha idade e era ótimo, porque
enquanto elas conversavam, nós brincávamos de
boneca. Na minha memória afetiva, quando
estávamos na casa dessa amiga de minha mãe,
lembro de ouvir umas batidas e sons guturais
vindos de dentro de um dos quartos. Todos
ouviam, mas faziam de conta que nada estava
acontecendo. Eu como criança, perguntava o que
era aquele barulho e sempre era repreendida por
minha mãe.
Nunca foi dito nada sobre o ocorrido.
A criança com deficiência trancada no quarto
nunca foi vista por ninguém na cidade inteira. Ela
só queria brincar com a gente, participar… mas era
embaraçoso para a família assumir uma pessoa
com deficiência.
96
É uma lembrança triste porque dava para sentir
como ela queria sair dali, daquele quarto solitário.
Imagino como teria sido incrível
conhecê-la, interagir e fazer amizade.
Esse cruel isolamento impossibilitou que lindas
relações fossem estabelecidas por séculos.
E como falar de qualquer coisa relacionada à
pessoa com deficiência, sem falar da importância
destas relações… e essas relações começam na
Escola, na infância, onde a diversidade de
movimentos, tempos e aprendizados constrói
seres humanos melhores.
Vou convidar vocês a retrocederem comigo…
vamos lá atrás, fundamentar com a História essa
cruel construção, para continuarmos nossa
conversa depois:
Trechos do Livro: “As Pessoas com Deficiência na
História do Brasil − Uma trajetória de silêncios e
gritos!" de Emílio Figueira − Editora WAK “A
maioria das questões que envolvem as pessoas
com
97
deficiência no Brasil − por exemplo, mecanismos
de exclusão, políticas de assistencialismo, senti-
mentos de piedade, caridade, inferioridade,
oportunismo, dentre outras − foi construída
culturalmente… e questões culturais demoram a
ser revertidas, além de necessitarem de
estratégias bem elaboradas.
Os primeiros sinais da Educação Especial
aparecem no Período Jesuítico (1549-1759)
quando os conselhos de Manuel de Andrade de
Figueiredo. Por intermédio dele, apareceram os
primeiros sinais de tentativa da Educação Especial
no Brasil, quando os registros históricos da
atuação dos Jesuítas destacam a respeito dos
recursos pedagógicos mais oportunos referentes
as pessoas com deficiência intelectual,
recomendando: “O mestre prudente deve usar
com estes menor rigor no castigo, pois os
excessos na correção podem trazer efeitos muito
negativos.” De fato, o menino aflito de não poder
98
perceber a lição e temeroso ao mesmo tempo do
castigo, que o intimida e mortifica, abraçando só
o medo natural, se ausenta e foge da escola.
(FIGUEIREDO, 1722 apus MASSIMI, 1990, p.11)
”(1)”.
No parágrafo acima, vemos um primeiro lampejo
de sensibilidade para com as crianças com
deficiência intelectual. Sabemos que a palmatória
e duros castigos eram impostos aos estudantes
desde muito cedo. Continuando no mesmo livro:
“Sobre o Império e suas consequências nas duas
décadas de 1808-1829: Nelas, as pessoas com
deficiência foram lembradas pela primeira vez,
mas de forma negativa em nossa primeira
Constituição Política do Império do Brasil, de 25
de março de 1824, primeira Carta Magna do país
dizendo: “Dom Pedro Primeiro, por graça de Deus
e unânime aclamação dos povos, Imperador
Constitucional e Defensor Perpétuo do Brasil:
99
(…) Título II Dos cidadãos brasileiros (…)
Art.8' − Suspendese o exercício dos direitos
políticos: 1' – Por incapacidade física ou moral”.
As pessoas com deficiência eram responsabilidade
de suas próprias famílias e nunca do Estado ou da
sociedade. A primeira iniciativa formal visando a
Educação para pessoas cegas e surdas aconteceu
em 1835, através do deputado Cornélio Ferreira
França, que não chegou a ser discutido e foi
arquivado.
Vale acentuar que Educação em nosso país
sempre foi o centro de atenção apenas nos
momentos em que os segmentos dominantes da
sociedade sentiram necessidade, ou seja, por
fatores condicionantes de votos nos pleitos
eleitorais. (…) E com a educação de pessoas com
deficiência não foi diferente.
No início dos anos 90 surge um novo conceito: a
inclusão social. Um tema explorado em várias
partes do mundo, tendo ampla
100
preocupação internacional, explicitado em 1990
pela Resolução nº 45/91, da Assembleia Geral das
Nações Unidas. Formada de uma resolução e
regras bem definidas de uma sociedade para
todos.
A nova tendência também refletiu no campo
educacional. (…)
No ano de 1994, surgiu a "Declaração de
Salamanca − Princípios, Políticas e Práticas em
Educação Especial”. Esse documento reafirmou o
compromisso para com a “Educação para Todos”,
reconhecendo a necessidade de providenciar
educação para pessoas com necessidades
educacionais especiais dentro do sistema regular
de ensino. Antes essas pessoas eram habilitadas
ou reabilitadas para fazer todas as coisas que as
demais. Por meio da integração social, passavam
a conviver conosco em sociedade. Agora na
inclusão social, as iniciativas são nossas.
101
Surgiu o conceito da Educação Inclusiva. Sua
proposta tem duas definições básicas
internacionais: “Educação inclusiva significa
provisão de oportunidades equitativas a todos os
estudantes, incluindo aqueles com deficiências
severas, para que recebam serviços educacionais
eficazes, com os necessários serviços
suplementares de auxílios e apoios, em classes
adequadas à idade em escolas da vizinhança, a
fim de prepará-los para uma vida produtiva como
membros plenos da sociedade.” Ou ainda:
“Educação inclusiva é uma atitude de aceitação
das diferenças, não uma simples colocação em
sala de aula.”
Foram séculos! A História mostra o processo. Cada
luta, cada etapa, cada vitória. E apenas nos anos
90 a Educação Inclusiva possibilita o convívio das
PcDs na sociedade. Mas sabemos que são muitos
outros desafios que ainda existem até hoje, em
2022.
102
É necessário que todas as pessoas estejam
conscientes e atentas na desconstrução do
capacitismo porque não pode haver retrocesso.
Hoje temos a presença maciça de pessoas com
deficiência nas redes sociais empoderados, com
seus milhões de seguidores.
Essa visibilidade digital reflete diretamente no
mundo físico, fortalecendo a representatividade
e o compartilhamento das suas vivências.
Incluo o interessante texto publicado no Linkedin
de Andrea Schwartz:
“A valorização social é o futuro da inclusão. O
“diferente” passa a ser valorizado e não objeto de
uma visão assistencialista... E isso significa deixar
de incluir por conta de uma obrigação legal, social
ou moral para incluir a partir de uma visão de
valor. Essa é uma transição de conceitos, onde a
diversidade passa a ser desejada. A diferença
passa a ser valorizada e não objeto de
discriminação.
103
A pessoa é colocada em primeiro plano e não uma
característica específica. Isso porque com a
valorização se entende que a deficiência traz
consigo uma experiência de vida única, uma visão
de mundo ampliada e novas habilidades
desenvolvidas justamente por conta dessa
limitação. Valorizar a diversidade humana ao
invés de apenas se adaptar para incluir a limitação
ou de apenas enxergar a inclusão como um custo
social. Veja como o foco é diferente.
Nesse novo movimento de valorização, o conceito
de normalidade também passa por uma ressigni-
ficação. A diferença por conta de determinada
limitação para a ser encarada como normal, como
sempre deveria ter sido. É normal ser cadeirante,
cego ou surdo. O que não é normal é a sociedade
e as empresas não estarem preparadas para isso.”
E assim, cá estamos nos dias de hoje, com tantos
desdobramentos e também com muitos desafios.
104
Reitero que não podemos falar de verdade sobre
nada se não passarmos pela Educação Inclusiva,
pela normalização das relações e a constante
desconstrução do capacitismo, dia após dia, até
que ele se torne uma exceção dentro da sociedade
inclusiva.
Sim, mas não ficamos parados e estagnados, a
vida continua pulsante, as pessoas se
profissionalizam, buscam seus espaços profis-
sionais e claro! Elas se vestem. Todas as pessoas
se vestem.
Então, a Moda emerge dentro deste todo. Mas
para conhecer e alcançar o consumidor com
deficiência também é preciso que ele se conheça,
que seja pleno e consciente. Portanto identificar
as matizes que movem seu comportamento de
compra e como definem suas escolhas ainda está
em construção.
O quanto as adaptações nas roupas são
imprescindíveis? Pessoas com deficiência se
vestem
105
sem elas faz séculos. No máximo algumas
customizações em algumas peças e pronto.
Lembro quando usei pela primeira vez uma calça
jeans com elastano. Eu modelava com Luiza
Brunnet na Dijon, marca famosa nos anos 70/80.
Foi uma sensação incrível, que eu nunca mais
esqueci. A gente sorria uma para outra, porque a
calça não era rígida como os jeans anteriores! Ela
ia se moldando ao corpo com um conforto
inexplicável!
O resultado foi que toda essa geração sentiu a
mesma coisa que a gente: CONFORTO! E sabe o
que mais? NUNCA mais usei outra calça que não
tivesse elastano. Todas as pessoas dessa geração
também nunca mais usaram uma calça sem
elastano. Mas… se eu não tivesse experimentado,
nunca saberia o que é conforto. Continuaria com
as calças jeans duras que marcavam a gente e
apertava tudo, porque o índigo tradicional não
cedia.
106
E esse exemplo é o que uso quando penso porque
a maioria das pessoas com deficiência
consumidoras ainda preferem continuar com
roupas convencionais.
Hábito? Falta de conhecimento? Acesso difícil as
roupas adaptadas? Não.
Elas nunca provaram e não sabem o que é
conforto.
Talvez imaginem que estão bem com as roupas
convencionais, mas não estão. E a maioria não
sabe disso.
Bruno Dutra, cadeirante que trabalha na Lei Seca
no Rio de Janeiro, gravou um depoimento dizendo
que comprou uma calça jeans adaptada e depois
disso doou todas as suas calças convencionais.
Disse que não tem como mais ele usar outra calça
comprida.
Entenderam a questão?
Seria cultural a possível resistência às peças
adaptadas? O design e a qualidade importam? Os
conceitos dos consumos Consciente e Low
Consume
107
foram absorvidos pelo consumidor com
deficiência?
Sei que já ouviram falar e alguns até sabem seus
significados, mas esses conceitos foram
absorvidos? Apesar do expressivo quantitativo de
pessoas com deficiência no país, ainda não.
Os consumidores PcDs são inexperientes para
comprar roupas adaptadas ou convencionais e
isso não é culpa deles!
Não existe a vivência em escolher roupas e as
experiências de compra são na maioria das vezes
exaustivas. não existem opções de roupas para
suas rotinas de vida, estilos e possibilidades
financeiras.
Encontrar roupas adaptadas e provar essas roupas
em shoppings acessíveis com atendimento de
excelência ainda é um sonho distante.
Conheço muitos PcDs que pedem para as mães
comprarem qualquer roupa para eles vestirem.
Onde fica a construção da identidade deste
consumidor?
108
Extremamente frágil, não é? Para gerar estas
vivências, os conglomerados de moda precisam de
consumidores participativos e com voz na sua
representatividade.
O investimento deles e de todos, requer retorno e
a roda só vai girar quando a pessoa com
deficiência entender isso e se empoderar disso.
Sabemos da importância das adaptações nas
roupas, no conforto e na autonomia que elas
proporcionam às pessoas com deficiência. Mas se
não houver consumidor, metas de vendas
alcançadas, aberturas para novos investimentos,
as marcas continuarão artesanais, em escalas
minúsculas, vendendo apenas pela internet e sem
lojas físicas, que justamente são as pontas do
processo, onde se geram trocas de experiências,
mais opções de escolha, sairem com sua roupa na
hora e acesso fácil em shoppings. Converso com
muitas pessoas, grandes empresários que têm
condições de acelerar a entrada de marcas no
mercado.
109
Todos acham o projeto incrível, todos os
Magazines amam a ideia mas em seguida se
retraem.
É como se entendessem que ações com pessoas
com deficiência fossem “vespeiros” sociais…
“melhor não mexer nisso não!” Esse reflexo
comportamental atinge em cheio as possibilidades
de crescimento das marcas. E a história nos
mostra que o processo é longo.
As pessoas com e sem deficiência precisam
participar juntas nestes processos para acelerar os
resultados de mercado.
Eu faço isso. Sei que minha fala importa. Muitos
outros fazem também, mas ainda é pouco.
Através da representatividade, é muito importante
transcender os padrões de beleza. Nossos desafios
existem e para o mercado ainda somos
consideradas o nicho, do nicho, do nicho, ou seja
acham que não vai funcionar, não vai vender e é
melhor não arriscar. Mas aqui estamos!
110
Vou compartilhar duas vitórias dignas que nos
estimulam e nos mantêm na estrada:
Foi uma grande emoção quando conseguimos
entrar no maior Portal de Moda da América Latina
com modelos cadeirantes, amputadas e com
paralisia cerebral severa. Todas elas lá!!! Lindas!!!
Foram quase dois anos de espera e insistência.
Perguntávamos porque não podíamos entrar?
Tínhamos todos documentação, todos os SKUs
exigidos… mas deixavam a gente no vácuo meses
a fio. Imagino que deveriam estar atordoados por
não saberem o que fazer com a Equal Moda
Inclusiva. Toda perfeita na concepção de arte, nas
fotos… mas eram pessoas com deficiência… o que
a gente faz? Isso nunca aconteceu antes… quem
vai aprovar? Quem vai reprovar? E lá ficávamos
nós, meses no vácuo. Até que alguém, que
imagino seja um visionário, que gosta de um bom
desafio, nos aprovou.
111
Foi lindo demais estar junto de todas as maiores
marcas de moda nacionais com nossas modelos
com e sem deficiência juntas.
Outra experiência incrível foi a nossa parceria com
a Reserva: a Linha Adapt& + Equal. Essa
experiência de quase 3 anos foi muito forte. Desde
o início as equipes de Estilo, Desenvolvimento de
Produto e Marketing estavam alinhadas e enga-
jadas. Houve uma sensibilização das equipes
internas, a contratação de PcDs na fábrica e a
acessibilidade das dependências. Fiz o treina-
mento das equipes de venda e SAC, com manual
e tudo, algumas lojas foram adaptadas (nem
todos os shoppings têm espaço físico que
possibilitem isso) para que os balcões e vestiários
fossem acessíveis e por fim, o site também. Em
um grande esforço comum, conseguimos que as
14 peças adaptadas ficassem com o custo final
igual ao custo das peças convencionais. Mesmo
elas tendo no mínimo,
112
custos finais 3 vezes mais altos.
A vitrine com dois manequins, um cadeirante e um
amputado inferior na loja Reserva de São Paulo no
Shopping Pátio Higienópolis foi icônica e a mídia
fez um excelente trabalho, nacionalmente. Os
empresários que investem na qualidade de vida de
pessoas com deficiência são raros, o conceito do
real valor das pessoas precisa estar no DNA da
marca. E por isso a Reserva entrou de cabeça em
todos os processos. Muita gratidão por confiarem
no meu trabalho.
Gostaria de encerrar citando como referência de
empoderamento o Documentário “CRIP Camp” da
Netflix, produzido por Barack e Michelle Obama,
uma referência histórica importantíssima. Sem
spoilers, mas fica claro que quando as pessoas
com deficiência se conscientizam dos seus direitos
como cidadãos e ocupam os espaços sociais com
comprometimento e engajamento, as mudanças
são mais significativas.
113
Entendo também que esses posicionamentos são
resultados do se sentir pertencente, sendo a
Educação Inclusiva sua força motriz, assim como
a família e nós, a sociedade.
Meu movimento através da Equal Moda Inclusiva
faz todo sentido porque através das nossas
roupas, inspiramos o fortalecimento da dignidade
e da autoestima de todas as pessoas. As PcDs não
querem estar recortadas do todo e sim fazer
parte. Por isso produzimos a mesma peça em duas
versões: adaptada e convencional. A construção
da identidade da PcD começou e a Moda tem
grande influência nesse processo. Usufrua dela e
se permita! Faça parte! Muito obrigada!
Silvana Louro
114
Redes Sociais:
Instagram: @equalmodainclusiva
@silvanalouro − Youtube:
Silvana Louro/Equal Moda Inclusiva
Facebook: Equal Moda Inclusiva por Silvana Louro
Linkedin: Silvana Louro
Site: www.silvanalouro.com.br
115
Themis Briand − Fortaleza/CE
FOTO:
Themis Briand − Oficial de
Justiça Federal e apaixo-
nada por maquiagem,
criadora do método Bele-
za Para Todos de auto-
maquiagem para pessoas
com deficiência visual.
Criadora de Conteúdo,
compartilhando na inter-
net dicas sobre beleza com acessibilidade e
maternidade.
Thais Frota − Analista Judiciaria, Formada em
Psicologia e Direito.
É POSSÍVEL UMA PESSOA CEGA SE
AUTOMAQUIAR?
A resposta incialmente pode parecer ser um não,
pois a maquiagem para alguns é algo extrema-
mente visual, e uma pessoa com deficiência visual
não poderia conseguir, mas a resposta correta é:
SIM, é possível com o MÉTODO BELEZA PARA
TODOS!
116
Tudo começou com duas amigas, Themis Briand e
Thais Frota, em uma viagem com seus compa-
nheiros em maio de 2016, e, na hora de sair para
um jantar especial, a Thais estava se sentindo mal
vestida e sem graça, recorreu a Themis pedindo
para que ela a maquiasse e o resultado ficou
incrível, Thais recebeu muitos elogios do noivo e
sua autoestima elevou na mesma hora! Até aí
nenhuma novidade, pois é uma situação normal
na vida de qualquer mulher, porém a Thais tem
uma doença chamada Amaurose Congênita de
Leber. É uma doença genética que causa a
degeneração progressiva da retina e a perda
progressiva da visão. Ela já nasceu com essa
doença, mas enxergava bem mais do que enxerga
hoje, pois a visão vem piorando ao longo dos anos.
Hoje ela tem uma visão extremamente embaçada
e escura, vê cores como se fossem desbotadas e
também vê algumas manchas escuras.
117
Thais tinha pouco interesse por maquiagem. Na
adolescência, via as amigas maquiadas e achava
um exagero, achava que elas não precisavam
daquilo para serem bonitas, assim como ela
também não precisava e por isso não usava. Com
o passar dos anos, por insistência das amigas e da
família, até tentou usar alguns itens de
maquiagem, como batom, blush, rímel e lápis.
Mas, com exceção do batom, os demais itens
pareciam super complicados para ela. Passava
blush de forma totalmente errada (descobriu isso
depois), e pedia para qualquer outra pessoa (irmã,
mãe, pai...) passar rímel e lápis nos seus olhos,
pois achava que ela não era capaz de fazer
sozinha.
Na verdade, ela nem acreditava que maquiagem
fazia tanta diferença na aparência de alguém,
provavelmente porque não conseguia enxergar.
Ocorreu que, em algumas ocasiões muito
especiais, como formatura e casamentos em que
foi madrinha e precisou estar
118
bem maquiada, recorreu a profissionais. Nessas
ocasiões, recebeu tantos elogios que começou a
acreditar que talvez maquiagem não fosse tão
dispensável, que talvez estivesse realmente bem
mais bonita maquiada. Começou a ter vontade de
aprender a se maquiar, mas logo desistiu por
pensar que jamais conseguiria.
Themis é apaixonada por maquiagem. Sempre se
maquiou muito bem e sempre incentivou Thais a
fazer o mesmo. Ela dizia que um dia ia realizar o
sonho de maquiar a amiga do jeito que ela
quisesse, com batom bem vermelho e olhos bem
marcados, enquanto Thais morria de rir e falava
para ela deixar de ser doida e arranjar outro
sonho! E foi durante aquela viagem que o sonho
de Themis se concretizou e Thais se convenceu do
poder da maquiagem.
Quando retornaram, Thais foi procurar cursos de
automaquiagem para deficientes visuais. Ligou
para algumas instituições,
mas não encontrou nada... na verdade,
119
as pessoas nem entendiam o que ela queria.
Procurava um curso que ensinasse a se maquiar
no escuro, sem espelho e sem ajuda de ninguém.
Desistiu dos cursos e foi buscar tutoriais no
Youtube. Encontrou vários vídeos sobre maquia-
gem com mulheres explicando algo do tipo:
“Escolha essa cor, use esse pincel, passe dessa
forma e ficará assim”. Ela pensava “assim como?”,
não conseguia entender nada, não podia ver o que
elas estavam mostrando... encontrou então
alguns tutoriais de maquiagem feitos por meninas
com deficiência visual, foi
quando começou a se animar de novo! As meninas
não explicavam em detalhes como fazer, mas se
maquiavam sozinhas mostrando que era possível.
Se elas conseguiam, Thais também conseguiria,
só não sabia ainda como. Foi quando teve a idéia
de falar com a Themis. Ligou para ela, explicou o
que estava acontecendo e pediu que ela ajudasse.
120
Ela ficou super animada, e claro que aceitou o
desafio!
Themis ficou super animada e começou a pensar
em como poderia fazer para que a amiga
conseguisse se automaquiar de forma indepen-
dente, sem precisar da validação de ninguém, e
para isso percebeu que teria que se colocar no
lugar da Thais, usando a empatia, teria que sentir
as necessidades, as dificuldades da pessoa com
deficiência visual para que pudesse entender
melhor e criar um método eficaz já que na época,
em 2016, não exista nada a respeito que pudesse
ajudá-la. Precisaria aprender a se automaquiar
sem a ajuda de nenhum recurso, sem luz, sem
espelho e de olhos fechados, pois era preciso
desenvolver uma sensibilidade que ela, por não
precisar, nunca tinha tentado...
O primeiro passo foi se colocar em um ambiente
escuro, fechar os olhos e conhecer o seu rosto
através do tato, depois sentir o formato dos
produtos,
121
bem como a textura de cada um, e então começar
a usar os dedos como pincéis e aplicar os
movimentos de como aplicar cada produto, com o
diferencial de usar a contagem para obter a
simetria de cor em ambos os lados do rosto e,
assim, ao abrir os olhos viu que conseguiu se
maquiar.
O próximo desafio seria a Thais, que não tinha
nenhum conhecimento prévio de maquiagem,
aprender, e quando ela também conseguiu,
Themis percebeu a grandiosidade daquele método
e a convenceu para que gravassem juntas os
tutoriais para seu canal no Youtube ensinando o
método Beleza para Todos que ajudaria outras
pessoas com dificuldades semelhantes às dela. Os
tutoriais foram desenvolvidos de forma que
qualquer pessoa pudesse entender exatamente o
que estava sendo mostrado por elas. A idéia é que
as instruções fossem claras o suficiente para que
qualquer pessoa consiga entender de olhos
fechados.
122
Nos vídeos, elas descrevem em detalhes os
formatos das embalagens dos produtos, suas
funções, suas cores. Também explicam as
diferentes partes do rosto, esclarecendo onde se
localizam regiões como o côncavo dos olhos e a
maçã do rosto. Sugerem estratégias para a pessoa
identificar corretamente as diferentes cores de
sombras e batons. Descrevem em detalhes como
os produtos devem ser aplicados, a área exata
onde devem ser aplicados, e como evitar erros, já
que a ideia é que a pessoa seja independente, não
precise que outra pessoa aprove sua maquiagem.
O impacto foi imediato, milhares de mulheres com
deficiência visual no Brasil e no mundo comen-
tando nos vídeos o quanto o método Beleza para
Todos mudou suas vidas, pois estavam conse-
guindo realizar o que acreditavam ser impossível,
estavam se apropriando de suas aparências com
autonomia para se maquiarem quando
desejassem,
123
sem depender da ajuda de ninguém!
Depois vieram os cursos presenciais nos Institutos
de assistência a pessoa com deficiência e, mais
recente o lançamento do único batom com
acessibilidade através do QR CODE que “fala"
não só os componentes do produto, mas um
tutorial com o método e dicas de como harmonizar
a cor com o restante da maquiagem, pois a Themis
percebeu a carência de produtos com acessibi-
lidade, as marcas ignoram totalmente esse público
como consumidor, por isso lançou o batom, porém
seu sonho é desenvolver uma linha completa de
maquiagem para que qualquer pessoa com
deficiência visual possa também comprar com
independência.
Poder ajudar a transformar a autoestima dessa
forma é muito gratificante. É emocionante ouvir
os depoimentos de mulheres que foram tocadas
de alguma forma pelos vídeos. Mulheres com
deficiência visual que queriam se maquiar mas
achavam
124
que não conseguiriam, mulheres com deficiência
visual que nem sabiam o quanto maquiagem era
importante, mas que experimentaram fazer e
sentiram-se felizes, mulheres sem qualquer
deficiência visual mas que pensavam que
maquiagem era algo muito complicado, e até
mulheres de mais idade que já tinham perdido o
interesse por maquiagem. Cada mulher tem uma
história, e cada história nos faz sentir felizes e
pensar o quanto o trabalho valeu a pena!
125

Walquíria Coimbra − Brasília/DF

FOTO:
Brasileira, tetraplégica, Presi-
dente do Faschion Inclusivo,
modelo Inclusiva, com desfiles
em vários eventos, HairBrasilia,
Made in Japão, II Congresso
Ibero Americano de Doenças
Raras, paratleta de tênis de
mesa e bailarina.

Moda Inclusiva − Projeto Fashion Inclusivo


Quando o assunto é moda Inclusiva não nos
referimos apenas ao simples ato de integrar,
incluir ou até mesmo “tornar fazer parte de um
meio”, trata-se de estimular a autoconfiança a
superação e a desconstrução do que a mídia trata
como “padrão de beleza” ou propriamente dita
moda padronizada. Pois na moda, a
representatividade se traduz
126
na não aceitação dos padrões de beleza
excludentes, que destacam apenas corpos
brancos, magros e ocidentais.
Com essa proposta a moda Inclusiva tem como
principal base a construção da autonomia e da
emancipação das pessoas outrora vistas como
fora o padrão.
Além de desenvolver as potencialidades e
promover a transformação na falta de espaço
acessível, divulgação dos direitos das pessoas com
deficiência e especialmente a luta contra o
preconceito.
Atualmente, cada vez mais pessoas e empresas
preocupam-se com os problemas sociais e
engajam se em causas, assumem responsabi-
lidades. Além da satisfação pessoal e do desejo de
colaborar, essas iniciativas geram benefícios para
toda a sociedade. Uma oportunidade para as
empresas atuarem com responsabilidade social e
contribuir para a construção da autonomia e da
emancipação das pessoas com Deficiência.
127
Atualmente como presidente da Associação
Fashion Inclusivo, projeto busca divulgar a
capacidade das pessoas com deficiência através
de desfiles de moda, incentivando a socialização,
e melhorando a autoestima dos mesmos pela
inclusão social, envolvendo a escola, a família e a
comunidade.
Fashion Inclusivo tem como proposta despertar
sobre questões que envolvam estilo, elegância e
moda contemplando também as necessidades das
pessoas com deficiência; sensibilizar sobre a
importância dos aspectos de auto cuidado,
vestuário, criação de estilos e suas adequações
nas relações sociais; compartilhar conhecimento
sobre o tema e desmistificar questões relativas à
deficiência; ampliar a visão e consequente
atuação dos parceiros e colaboradores do evento
sobre o potencial de consumo da população com
deficiência e criar a oportunidade de novos
negócios pautados na responsabilidade social
128
por intermédio de produtos acessíveis.
Walquiria P. Coimbra é Presidente da Associação
Fashion Inclusivo − Brasília/DF
129

DIREITOS AUTORAIS − LEI Nº 9.610 DE 19


DE FEVEREIRO DE 1998

A Lei dos Direitos Autorais ampara o acesso ao


livro para pessoas com deficiência visual. Segundo
a Lei, Capítulo IV, Art. 46, item I, letra d, “Não
constitui ofensa aos direitos autorais, a
reprodução de obras literárias, artísticas ou
científicas, para uso exclusivo de deficientes
visuais, sempre que a reprodução, sem fins
comerciais, seja feita mediante o sistema Braille
ou outro procedimento em qualquer suporte para
esses destinatários”

Projeto selecionado pelo Prêmio Elisabete Anderle


de Apoio à Cultura − Edição 2021, executado com
recursos do Governo do Estado de Santa Catarina,
por meio da Fundação Catarinense da Cultura.
130

Projeto selecionado no Edital N.o 623/2021 e


executado com recursos da Prefeitura Municipal de
Florianópolis, Secretaria Municipal de Cultura,
Esporte e Lazer, Fundação Cultural de
Florianópolis Franklin Cascaes, através do Fundo
Municipal de Cultura, "Financiado com recurso
público oriundo do edital de apoio às culturas
2021"
131

• Este Livro foi impresso em janeiro de 2023, nas


fontes Verdana nº 22, sendo o miolo impresso em
papel offset 120 gramas e capa e contracapa em
papel couchê brilho e laminação, de 350 gramas,
com acabamento de encadernação em espiral
wire-ô metalizado, conforme e de acordo com as
leis as normas vigentes da ABNT/ Associação
Brasileira de Normas Técnicas. O livro Um Olhar
Diferente Sobre Moda − Edição 02, foi revisado,
transcrito em Braille e impresso na Gráfica ADEVA
− Associação de Deficientes Visuais e Amigos, na
cidade de São Paulo, no estado de São Paulo, no
Brasil, com uma tiragem inicial de 500
exemplares. Todos os direitos sobre a obra
pertencem aos realizadores, o Instituto Social
Nação Brasil.

Florianópolis, Janeiro de 2023

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