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MOVIMENTOS SOCIAIS E RESISTÊNCIA

Editora Appris Ltda.


1.ª Edição - Copyright© 2022 dos autores
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Catalogação na Fonte
Elaborado por: Josefina A. S. Guedes
Bibliotecária CRB 9/870

M935m Movimentos sociais e resistência / Arlete Ramos dos Santos,


2022 Cláudio Pinto Nunes, Júlia Maria da Silva Oliveira, Ricardo Alexandre Castro
(orgs.). - 1. ed. - Curitiba : Appris, 2022.
265 p. ; 23 cm.

Inclui referências.
ISBN 978-65-250-3793-6

1. Educação – Política pública. 2. Educação rural. 3. Movimentos sociais.


I. Santos, Arlete Ramos dos. II. Nunes, Cláudio Pinto. III. Oliveira, Júlia Maria
da Silva. IV. Castro, Ricardo Alexandre. V. Título.

CDD – 370.1

Livro de acordo com a normalização técnica da ABNT

Editora e Livraria Appris Ltda.


Av. Manoel Ribas, 2265 – Mercês
Curitiba/PR – CEP: 80810-002
Tel. (41) 3156 - 4731
www.editoraappris.com.br

Printed in Brazil
Impresso no Brasil
Arlete Ramos dos Santos
Cláudio Pinto Nunes
Júlia Maria da Silva Oliveira
Ricardo Alexandre Castro
(org.)

MOVIMENTOS SOCIAIS E RESISTÊNCIA


FICHA TÉCNICA
EDITORIAL Augusto Vidal de Andrade Coelho
Sara C. de Andrade Coelho
COMITÊ EDITORIAL Marli Caetano
Andréa Barbosa Gouveia (UFPR)
Jacques de Lima Ferreira (UP)
Marilda Aparecida Behrens (PUCPR)
Ana El Achkar (UNIVERSO/RJ)
Conrado Moreira Mendes (PUC-MG)
Eliete Correia dos Santos (UEPB)
Fabiano Santos (UERJ/IESP)
Francinete Fernandes de Sousa (UEPB)
Francisco Carlos Duarte (PUCPR)
Francisco de Assis (Fiam-Faam, SP, Brasil)
Juliana Reichert Assunção Tonelli (UEL)
Maria Aparecida Barbosa (USP)
Maria Helena Zamora (PUC-Rio)
Maria Margarida de Andrade (Umack)
Roque Ismael da Costa Güllich (UFFS)
Toni Reis (UFPR)
Valdomiro de Oliveira (UFPR)
Valério Brusamolin (IFPR)
SUPERVISOR DA PRODUÇÃO Renata Cristina Lopes Miccelli
REVISÃO Júlia de Oliveira Rocha
DIAGRAMAÇÃO Bruno Nascimento
CAPA Eneo Lage
PREFÁCIO

Tecendo pensamentos e ações


entre Movimentos Sociais e Educação
O título a que dei este prefácio me remete a uma teia de pensa-
mentos e ações que buscam, por meio da reflexão, problematização,
identificação e análise de Movimentos Sociais e Processos Educativos no
mundo contemporâneo, entremear sujeitos, territórios, políticas públicas
e espaços educativos. Esta teia se corporifica nos escritos de cada um
de seus autores e se transversaliza com a minha ideia de tecido, trama,
emaranhado de sentidos e significados que vão se revelando em imagens
mais amplas da luta e resistência dos Movimentos Sociais e da Educação,
na América Latina.
Nesse sentido, apresento o livro Movimentos Sociais e Resistência.
Trata-se de uma coletânea que se insere no campo dos Movimentos Sociais
e seus desdobramentos que inclui trabalhos de autores que se incluem em
vários Grupos de Pesquisas, Programas de Pós-Graduação em Educação,
e insistem nesta obra em colocar o pensamento e as ações numa outra
ordem discursiva, diferente muitas vezes daquelas destacadas no espaço
acadêmico. Assim, sendo as temáticas desenvolvidas e organizadas nesta
coletânea se distribuem em três grupos.
No primeiro grupo se encontram artigos que discutem sobre movi-
mentos sociais, lutas e resistências, no campo educacional. 1 - Do Brasil ao
Chile: reflexões sobre a resistência secundarista latino-americana, de Julia
Rocha Clasen, Livian Lino Netto e Aline Accorssi, busca refletir sobre o
movimento de ocupação secundarista a partir da ação que ocorreu em
momentos distintos, no Chile e no Brasil; 2- Procurando Paulo Freire:
viagem e encontro nas universidades latino-americanas. Caso: Argentina,
de Micaela Ovelar, apresenta de forma metafórica, a obra e o legado de
Paulo Freira na América Latina; 3 - Movimentos sociais e conjuntura
educacional brasileira: campo de disputas entre movimentos populares e
conservadores, de Amone Inácia Alves e José Paulo Pietrafesa, identifica
os movimentos conservadores que desenvolvem ações junto à juventude
nos espaços da educação, a fim de dialogar com as categorias trabalho
e movimentos sociais, na modernidade e na contemporaneidade. 4 - O
fechamento das escolas do campo: negação de direitos e cortes de orça-
mentos públicos, de Ruth de Oliveira Sousa, Antônio Domingos Moreira,
Arlete Ramos dos Santos e Jamile de Souza Soares, analisa as políticas
recessivas, cortes orçamentários e congelamento de gastos públicos, que
desencadeou inúmeros retrocessos educacionais nas escolas do Campo
no Brasil. 5 - Formação de professores nas escolas do campo da Região
Metropolitana de Curitiba: luta e resistência por políticas públicas, de
Rosana Aparecida da Cruz e Maria Arlete Rosa, problematiza a política de
formação de professores(as) nas escolas localizadas no campo da Região
Metropolitana de Curitiba. O artigo 6 - Ensino Médio com intermedia-
ção tecnológica-EMITEC na escola do campo: uma percepção dos jovens
campesinos, de Inaiara Alves Rolim e Elis Cristina Fiamengue, analisa a
visão que os jovens campesinos constroem sobre a escola a partir da sua
relação com a mesma. 7 - Informatização docente: desafios e possibilidades
no ensino remoto, de Deise Bastos de Araújo, busca conhecer como tem
sido consolidado o processo de informatização docente numa escola
municipal de Bom Jesus da Lapa-BA.
No segundo grupo, os artigos evidenciam a relação entre Educação
do Campo, Educação Quilombola, mediação tecnológica e formação do
sujeito. 8 - A educação escolar quilombola para além do capital, de Kaique
Borel de Jesus, Arlete Ramos dos Santos, Catiana Nogueira dos Santos e
Érica Pereira Paraguai Fonsêca, propõe um diálogo teórico sobre o tema
a partir das proposições de Meneghetti e dos pensamentos de Mészáros,
Oliveira, Santos e Reis, Munanga, Gomes e das orientações das Diretri-
zes Curriculares Nacionais; 9 - Movimentos socioterritoriais do campo
e a participação nas manifestações em Uberaba e Uberlândia (MG), de
Beatriz Silva da Costa e Janaina Francisca de Souza Campos Vinha, dis-
cute as manifestações realizadas pelos movimentos nos centros urbanos,
consideradas ações de luta na terra que visam criar e fortalecer territó-
rios camponeses. 10 - Reflexões sobre s educação durante a pandemia do
covid-19: 2020 – 2021 normatização das tecnologias digitais na educação
básica, de Geysa Novais Viana Matias e Arlete Ramos dos Santos, apre-
senta algumas reflexões sobre a educação brasileira nos anos de 2020 e
2021, sob a ótica da educação como direito a todos os brasileiros. 11 - O
serviço de convivência e fortalecimento de vínculos (scfv) como espaço de
educação não formal e o educador social, de Priscila da Silva Rodrigues
e Maísa Dias Brandão Souza, que analisa o Serviço de Convivência e
Fortalecimento de Vínculos (SCFV) como espaço que oferta educação
social; 12 - Educação na pandemia: um olhar sobre as condições reais de
acesso à internet nas redes públicas baianas, de Igor Tairone Ramos dos
Santos, Valéria Prazeres dos Santos e Rogério Gusmão do Carmo, aponta
as perspectivas sobre o ensino remoto e o acesso à conexão de internet
na pandemia da Covid-19; 13 - A experiência do projeto “educa lapa: edu-
cação conectada com você”, contribuições para o ensino aprendizagem na
educação de jovens e adultos no contexto da pandemia, de Solange Balisa
Costa, Claudia Batista da Silva, Tihara Rodrigues e Adenilson de Souza
Cunha, apresenta e analisa o projeto de educomunicação intitulado de
EDUCA LAPA: educação conectada com você, que se materializa por
meio de programa de rádio e propõe uso das mídias na educação com
produção de conteúdos educativos.
Por fim, o terceiro grupo destaca dois artigos no campo da educação
forma e não formal. O 14 - O ensino de artes como instrumento de media-
ção e socialização no ensino-aprendizagem, de Gilvan dos Santos Souza e
Julia Maria da Silva Oliveira, que busca entender como o ensino de Artes
poderia contribuir para o aprendizado, bem como para a socialização dos
educados da Escola Municipal Euclides da Cunha, situada no povoado de
São Sebastião, área rural do município de Vitória da Conquista, ao longo
das atividades do Projeto Escola Mais - EDUCARTE. E o 15 - Movimen-
tos sociais populares urbanos no Brasil: lutas, conquistas e contribuições,
de Rosimeiry Souza Santana e Ricardo Alexandre Castro, apresenta um
breve histórico sobre as organizações de lutas dos movimentos sociais
urbanos no cenário brasileiro.
Esta obra ganha relevância, na Educação da Contemporaneidade,
pois se mostra como inovadora, na medida em que remete os leitores à
insurgência de novas teias e tramas diante da enunciabilidade e visibili-
dade do tema que entrelaça Movimentos Sociais e Educação.

Salvador, 8 de fevereiro de 2022

Natanael Reis Bomfim


PPGEDUC/UNEB
SUMÁRIO

DO BRASIL AO CHILE: REFLEXÕES SOBRE A RESISTÊNCIA


SECUNDARISTA LATINO-AMERICANA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13
Julia Rocha Clasen, Livian Lino Netto, Aline Accorssi

PROCURANDO PAULO FREIRE: VIAGEM E ENCONTRO NAS


UNIVERSIDADES LATINO-AMERICANAS. CASO: ARGENTINA . . . . . . . . . . . . . 27
Micaela Ovelar Márquez

MOVIMENTOS SOCIAIS E CONJUNTURA EDUCACIONAL BRASILEIRA:


CAMPO DE DISPUTAS ENTRE MOVIMENTOS POPULARES E
CONSERVADORES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 35
Amone Inácia Alves, José Paulo Pietrafesa

O FECHAMENTO DAS ESCOLAS DO CAMPO:


NEGAÇÃO DE DIREITOS E CORTES DE ORÇAMENTOS PUBLICOS . . . . . . . . . . . 55
Ruth de Oliveira Sousa, Antônio Domingos Moreira, Arlete Ramos dos Santos,
Jamile de Souza Soares

FORMAÇÃO DE PROFESSORES NAS ESCOLAS DO CAMPO


DA REGIÃO METROPOLITANA DE CURITIBA:
LUTA E RESISTÊNCIA POR POLÍTICAS PÚBLICAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 79
Rosana Aparecida da Cruz, Maria Arlete Rosa

ENSINO MÉDIO COM INTERMEDIAÇÃO TECNOLÓGICA-EMITEC NA


ESCOLA DO CAMPO: UMA PERCEPÇÃO DOS JOVENS CAMPESINOS . . . . . 105
Inaiara Alves Rolim, Elis Cristina Fiamengue
INFORMATIZAÇÃO DOCENTE: DESAFIOS E POSSIBILIDADES
NO ENSINO REMOTO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 121
Deise Bastos de Araújo

A EDUCAÇÃO ESCOLAR QUILOMBOLA PARA ALÉM DO CAPITAL . . . . . . . . . . 133


Kaique Borel de Jesus, Arlete Ramos dos Santos, Catiana Nogueira dos Santos, Érica
Pereira Paraguai Fonsêca

MOVIMENTOS SOCIOTERRITORIAIS DO CAMPO E A PARTICIPAÇÃO


NAS MANIFESTAÇÕES EM UBERABA E UBERLÂNDIA (MG) . . . . . . . . . . . . . . . 147
Beatriz Silva da Costa, Janaina Francisca de Souza Campos Vinha

REFLEXÕES SOBRE A EDUCAÇÃO DURANTE A PANDEMIA


DO COVID-19: 2020 – 2021 NORMATIZAÇÃO DAS TECNOLOGIAS
DIGITAIS NA EDUCAÇÂO BÁSICA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 161
Geysa Novais Viana Matias , Arlete Ramos dos Santos

O SERVIÇO DE CONVIVÊNCIA E FORTALECIMENTO DE VÍNCULOS (SCFV)


COMO ESPAÇO DE EDUCAÇÃO NÃO FORMAL E O EDUCADOR SOCIAL . . . . . . . 183
Priscila da Silva Rodrigues, Maísa Dias Brandão Souza

EDUCAÇÃO NA PANDEMIA: UM OLHAR SOBRE AS CONDIÇÕES REAIS


DE ACESSO À INTERNET NAS REDES PÚBLICAS BAIANAS . . . . . . . . . . . . . . . . . 195
Igor Tairone Ramos dos Santos, Valéria Prazeres dos Santos,
Rogério Gusmão do Carmo

A EXPERIÊNCIA DO PROJETO “EDUCA LAPA: EDUCAÇÃO CONECTADA


COM VOCÊ”, CONTRIBUIÇÕES PARA O ENSINO APRENDIZAGEM
NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO CONTEXTO DA PANDEMIA . . . . . . . . 211
Solange Balisa Costa, Claudia Batista da Silva, Tihara Rodrigues Pereira,
Adenilson de Souza Cunha
O ENSINO DE ARTES COMO INSTRUMENTO DE MEDIAÇÃO
E SOCIALIZAÇÃO NO ENSINO-APRENDIZAGEM . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 225
Gilvan dos Santos Souza, Julia Maria da Silva Oliveira

MOVIMENTOS SOCIAIS POPULARES URBANOS NO BRASIL:


LUTAS, CONQUISTAS E CONTRIBUIÇÕES . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 243
Rosimeiry Souza Santana, Rosilda Costa Fernandes, Ricardo Alexandre Castro
DO BRASIL AO CHILE: REFLEXÕES
SOBRE A RESISTÊNCIA SECUNDARISTA
LATINO-AMERICANA

Julia Rocha Clasen1


Livian Lino Netto2
Aline Accorssi3

Introdução
Este capítulo tem a intenção de pensar o aprendizado com o outro,
presente no movimento estudantil secundarista. Para isso, retomamos as
ações coletivas que ocorreram em dois locais e, em momentos distintos,
primeiro no Chile em 2006 e depois no Brasil nos anos de 2015 e 2016,
quando as/os estudantes secundaristas ocuparam as suas escolas em res-
posta a um cenário de acentuamento de um projeto neoliberal internacional
que ameaçava a educação pública, assim como outros setores sociais. Ao
ponderar sobre esses dois momentos, buscamos pelas congruências do
movimento estudantil secundarista, e dos acúmulos políticos gerados por
ambas as ações, como construtoras de um formato de resistência frente
os ataques em curso.
As/os estudantes brasileiras/os, ao ocuparem suas escolas no ano
de 2016, não apenas assumiram a linha de frente da organização do
conjunto da sociedade, diante dos ataques que se impuseram naquele
período, mas também, colocaram-se em diálogo com outras lutas e inspi-
raram-se nas/os estudantes chilenos para construir um movimento com
coerência internacionalista: “Acabou a paz, isso aqui vai virar o Chile”,
gritaram aos quatro cantos do país. Ecoaram os atos dos Pinguins4 no

1
Mestra em Educação. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação
da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Pelotas, Brasil, clasenjulia1@gmail.com.
2
Mestra em Educação. Doutoranda do Programa de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Educação
da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Pelotas, Brasil, livianlino@gmail.com.
3
Doutora em Psicologia. Docente do Programa de Pós-Graduação em Educação e da Faculdade de Educação
da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), Pelotas, Brasil, alineaccorssi@gmail.com.
4
Denominação para os/as estudantes chilenos receberam durante os movimentos estudantis ocorridos em 2006.
ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

Chile, e estudaram formas de ação para resistir diante de um período de


intensificação dos ataques. Essas ações apresentaram um caráter inter-
nacional presente na luta do movimento estudantil secundarista. É essa
interligação de ambos os movimentos que buscamos aqui investigar. Na
intenção de compreender aspectos conscientizadores e construtores de
um repertório político do movimento estudantil secundarista naquele
período. Sendo repertório político o conjunto de ações disponíveis aos
sujeitos em cada tempo histórico (TILLY apud ALONSO, 2012).
Neste sentido, pretendemos compreender dois diferentes movi-
mentos de resistência dos/as secundaristas, como meio de explorar seus
nexos e redes simbólicas de ação, os quais conforme Ilse Scherer-Warren
(2008) significam: “esses nexos em formas expressivas, comunicativas e
em pautas políticas comuns a várias organizações, criando identidades
coletivas que possibilitam a articulação dos movimentos específicos numa
rede de movimentos sociais” (SCHERER-WARREN, 2008, p. 507).
Nesse sentido que colocamos aqui como questão central para com-
preensão de tal identidade coletiva constituída pelo movimento estudantil
secundarista latino-americano no período recente: quais as proximidades
e possibilidades políticas decorrentes destes dois movimentos, a Revolta
dos Pinguins no Chile (2006) e as Ocupações Secundarias no Brasil
(2015 e 2016)?

Consciência política e formas de resistência


O movimento estudantil secundarista é debatido neste trabalho,
como uma possibilidade de ponderação acerca da resistência internacio-
nal, no sentido de conjeturar as intermediações dos movimentos sociais
na América Latina, como parte de um processo de conscientização e
organização social. Não se ignora, nesta articulação, a diversidade iden-
titária presente nos movimentos sociais como um todo, que assume um
formato de luta de acordo com o próprio contexto sob o qual se forma e
traça sua ação, mas levantamos como relevante uma análise da unidade
de resistência constituída diante do inimigo comum, expresso no impe-
rialismo e nas classes dominantes nativas (NETTO, 2017) como aspecto
central na organização da classe trabalhadora em seu caráter mundial.
Por meio dessa aproximação investigativa, buscamos compreender
os formatos de organização assumidos na realidade contemporânea latino-
14
MOV I M E N TO S S O C IA I S E R E SI ST Ê NC IA

-americana, e de que forma estas diferentes ações políticas se entrelaçam e


conduzem novos contextos de resistência. Reflexão que transpassa a com-
preensão da formação histórica das nações colonizadas, como aspecto que
configura uma identidade de resistência, e repertórios políticos traçados
a partir de uma práxis comum, que advém do histórico de colonização
e necessária resistência, presente na América Latina.
Assim, torna-se preciso refletir sobre as marcas da formação histó-
rica como elemento determinante na consciência política dos sujeitos que
resistem. De maneira que os processos de luta aqui levantados não podem
ser compreendidos de maneira isolada, mas a partir de seus encontros e
congruências que geram uma força transformadora.
É estabelecido como ponto de partida para pensarmos estas pro-
ximidades, a busca pela superação das amarras históricas e exploratórias
da ordem dominante, presentes nas ações de resistência. E a relação entre
distintos contextos que expressam o rompimento com um isolamento,
artificialmente projetado pela dinâmica societária do capital, e que é
conduzido por meio de uma lógica de individualização das contradições
da ordem. Conforme Netto (2017), a cada novo estágio do seu desenvol-
vimento, o capital inaugura expressões sociopolíticas correspondentes a
uma intensificação da exploração, sendo assumido no atual momento, a
dimensão do seu esgotamento, a face da barbárie, expressa com efetivi-
dade pelo dito tardo-capitalismo.
Ao refletir acerca da luta daqueles que insurgem em tal contexto de
barbárie expressa pelo sistema econômico e nas relações políticas-sociais,
é preciso desenvolver um olhar atento as conexões entre povos subalter-
nizados. Diante da busca pela compreensão dos caminhos necessários
para uma aproximação política daqueles que partilham as mazelas da crise
da globalização, em um contexto de instabilidade econômica e social. É
preciso também questionar o processo de reconhecimento de si enquanto
sujeito político, que vai à luta, segundo Freire (1987) essa seria exigência
primordial para resistência e construção pela liberdade dos oprimidos.
Não poderia deixar de ser assim. Se a humanização dos
oprimidos é subversão, sua liberdade também o é. Daí a
necessidade de seu constante controle. E, quanto mais con-
trolam os oprimidos, mais os transformam em “coisa”, em
algo que é como se fosse inanimado. (FREIRE, 1987, p. 29).
Assim, o processo de humanização dos sujeitos, construção de uma
consciência de si, ou de uma consciência política, transpassa também um
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ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

rompimento com as relações de poder historicamente construídas e que


garantem aos oprimidos o silêncio e passividade (FANON, 2005). É um
movimento primordial para que os sujeitos possam resistir as relações
opressivas, um reconhecimento humanizado de si mesmos, ou, conforme
Paulo Freire (1987) para que os sujeitos possam ir à luta, é preciso que
antes se reconheçam enquanto sujeitos, e não como “coisas”. Esse reco-
nhecimento de si mesmo ocorre mediante o encontro com o outro e no
desvendamento também dos outros enquanto sujeitos e não “coisas”.
Assim, o processo de conscientização dos sujeitos não é movi-
mento individual, mas que decorre das relações estabelecidas, mediante
o encontro com os outros, ao ver que as contradições que formam seu
processo conflitivo de revolta são compartilhadas. Parte de um movimento
de desvelar a “naturalidade” das relações de exploração e opressão, para
compreender o caráter histórico dessas e a consequente possibilidade de
sua superação.
Perceber as contradições que dão forma as vivências dos sujeitos
inseridos na sociedade de classes é condição ao seu processo de consciên-
cia, o qual não ocorre de forma unitária ou linear, mas tende a revisitar
suas diferentes formas ao longo do seu desenvolvimento (IASI, 2011).
E seus significados dizem respeito a construção de uma consciência
emancipatória, no sentido de superação da condição de opressão desu-
manizadora. Assim, o movimento da consciência exige aos sujeitos,
desaprender limites intrínsecos em sua busca conscientizadora por Ser
Mais, desaprendermos quem devemos ser, para aprender nossa vocação
histórica enquanto sujeitos (FREIRE, 1987).
Neste âmbito de necessária conscientização coletiva, é preciso
pontuar as lutas que caminham no sentido de formação conscientizadora
de uma resistência que busca romper com um isolamento imposto pelo
projeto do capital, a partir de um aprendizado que não se encerra em
um período ou país, mas apresenta possibilidades de resistir e esboçar
outros contextos possíveis. É nesse sentido que buscamos adentrar aqui
o movimento de ocupação no Chile e no Brasil, a partir da compreensão
das potencialidades presentes na referência esboçada pelas/os estudan-
tes secundaristas brasileiros no ano de 2016 ao movimento chileno que
ocorreu dez anos antes.

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MOV I M E N TO S S O C IA I S E R E SI ST Ê NC IA

Os movimentos secundaristas do Brasil ao Chile


No ano de 2016, eclode no Brasil a Primavera Secundarista, movi-
mento que decorre de outros momentos de luta. É, também, expressão de
aspectos que permaneceram dos momentos antecedentes. Sem delimitação
de onde se inicia e onde se encerra, escolas de 19 estados do país são ocu-
padas por estudantes, em um movimento que perdura com organização
nacional ao longo do segundo semestre do ano de 2016. Os/as estudantes
mobilizaram setores da sociedade que pareciam adormecidos, resistiram e
organizaram uma luta nacional. Para além disso, transformaram cotidia-
nos e estruturas que pensavam imutáveis. Conforme Alexandre Virgínio
(2017) coloca, “nas ocupações os jovens viveram, concomitantemente,
a reflexão e a ação. Assim, o poder esteve controlado pela democracia
participativa “[...] que é uma forma né de não burocratizar a luta” (Célia,
15, A)” (VIRGÍNIO, 2017, p. 52).
Ao pensar as ocupações no Brasil que ocorreram no ano de 2016,
é preciso considerar que elas se articularam frente um conjunto de ata-
ques que não se iniciaram naquele momento, mas tomaram um caráter
ameaçador após golpe parlamentar que resultou no impeachment da
presidenta Dilma Rousseff do Partido dos Trabalhadores e posse do seu
até então vice-presidente Michel Temer do Partido Movimento Demo-
crático Brasileiro. Diante desse cenário, diferentes setores sociais foram
atacados e direitos históricos ameaçados, dentre esses a educação era setor
fortemente atacado, com medidas como: PEC 241 que previa o congela-
mento de gastos públicos em setores essenciais como educação, saúde e
seguridade social por vinte anos, a Reforma do Ensino Médio, medida que
determinava uma reestruturação na organização e no currículo escolar,
retirando a obrigatoriedade de algumas áreas como sociologia, filosofia,
artes e educação física, assim como apresentava aspectos que ameaçavam a
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB). Também o projeto
Escola Sem Partido, articulado desde 2014, toma espaço naquele cenário
para ser apresentado como projeto de Lei, esse representava a concepção
ideológico por detrás dessas medidas, com o enquadramento do ensino
crítico enquanto uma “doutrinação” e criminalização de professores/as.
Em resposta a esse cenário, a ocupação das escolas se demonstra
como tática política possível e necessária ao momento. Ao serem antece-
didos/as pelos/as estudantes paulistas que no ano de 2015 ocuparam cerca
de 220 escolas, frente ao Programa de Reorganização Escolar imposto
17
ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

pelo governo de Geraldo Alckmin5 e pelo movimento latino-americano


com a Revolta dos Pinguins no de 2006.
Durante o movimento, espaços de ensino foram propostos pelos/as
estudantes e uma reorganização do espaço escolar foi implementada ao
longo dos dias que permaneciam na escola. Naquele espaço era vivenciado
um projeto de escola e pautas políticas que visavam uma reestruturação
daquele espaço eram exercidas pelas/os estudantes. Além disso, as/os
secundaristas se somaram na resistência com outros setores sociais,
participaram da articulação de resistência daquele período diante de
direitos que eram ameaçados, demonstraram o seu movimento como
uma alternativa no sentido de resistir, lutar e construir outra escola e
outro rumo social.
Ao ocuparem suas escolas, esboçaram o significado pedagógico
presente na sua luta, conduzida por um aprendizado político e social, que
também não se limitava aqueles/as que ali estavam, mas era um convite
à toda sociedade. A partir dessa vivência da escola estabelecem alguns
nexos simbólicos que explicitavam que o movimento não começou ali
e estaria longe de terminar, pois o que de fato demarcavam com a ocu-
pação das escolas era a possibilidade política da juventude secundarista
reivindicar e participar ativamente da construção do espaço escolar e
social. Experimentaram com as ocupações um conjunto de formatos de
ação política que já eram apresentados pelo movimento dos Pinguins no
Chile, e reinterpretam esse repertório de ação para o contexto brasileiro.
Inicialmente, com a ocupação das escolas paulistas no ano de 2015, é
traduzido um manifesto pelo coletivo O Mal-Educado6 que apresentava
os significados e possibilidades políticas do movimento de ocupação:
O objetivo deste texto é explicar o plano de ação escolhido
para a luta dos estudantes secundaristas da cidade. Nossa
estratégia deve nos permitir vencer a luta por uma educação
pública, gratuita e de qualidade. As ocupações massivas de
colégios são uma das ferramentas dentro dessa estratégia.
Para ganhar, todos devem saber o porquê brigamos, quando
devemos atacar, quando é preciso recuar e quando é preciso
dispersar. Se nunca atacamos, não seremos ouvidos, mas se
5
O Programa de Reorganização Escolar, imposto pelo governo de Geraldo Alckmin (PSDB), buscava a
reorganização das escolas por ciclos de ensino, levando ao fechamento de diversas escolas e na redistribuição
dos/das alunos/as entre as escolas já existentes.
6
Manifesto escrito por estudantes chilenos e argentinos sobre como e por que ocupar sua escola, traduzido
por estudantes paulistas durante as ocupações de 2015 em São Paulo, Brasil.

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MOV I M E N TO S S O C IA I S E R E SI ST Ê NC IA

também não dispersarmos no momento certo, vamos nos


isolar e desgastar, e não conseguiremos o que queremos
(O MAL-EDUCADO, 2015, p. 3).
Tal manifesto é um dos nexos demonstrados com o movimento de
ocupação brasileiro, quando os/as estudantes deixaram claro que sua luta
não representava uma resistência isolada, mas insurgia da disposição de
revisar estratégias perante a experiência vivenciada em outros contextos
e por outros processos de luta. E fizeram dessas experiências referências
para pensar o curso das suas ações.
A Revolta dos Pinguins no Chile foi movimento que tomou atenção
da mídia internacional, ecoou a ação dos/das estudantes, e deixou mar-
cas no imaginário coletivo. Foi no ano de 2006 que os/as estudantes se
manifestaram perante as medidas educacionais em voga, dez anos antes
das ocupações dos/as secundaristas no Brasil.
No Chile, a ação dos/das secundaristas, tem no início pautas pon-
tuais e, aos poucos, assume demandas mais abrangentes, transformando
processos de compreensão da sociedade e deixando marcas que trans-
passam também outras conjunturas sociais. O contexto que eclode o
movimento, é de aprofundamento da privatização do sistema de ensino,
que tem parte do sistema gerido pelo empresariado e entidades religiosas,
sendo cobrada uma mensalidade dos/das alunos/as, ao mesmo tempo
que parte do seu recurso é estatal.
Sobre esse tema, é importante destacar o fato de que foi
a iniciativa de um governo democrático, pós-Pinochet,
que aprofundou a privatização do sistema educacional,
ao permitir, em 1993, por meio da Ley de Impuestos a la
Renta, que os estabelecimentos particulares subvencionados
cobrassem mensalidades de alunos do ensino fundamental
e médio. Tal liberalidade também foi concedida às escolas
municipais de ensino médio (liceus) (Almonacid, s.d.;
Rojas Figueroa, 1997), as quais, entretanto, por abrigar
a população mais pobre, nunca puderam, em sua grande
maioria, contar com esses recursos (ZIBAS, 2008, p. 201).
As demandas iniciais dos/das estudantes eram no sentido de reivin-
dicação de melhorias no sistema de ensino. Segundo Cuandra (2008) eles/
elas foram às ruas no final de abril de 2006, em um movimento massivo
com quase dez mil estudantes, e tinham como pautas a gratuidade do
passe escolar e a diminuição do preço da Prova de Seleção Universitá-

19
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JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

ria (PSU). Diante desses atos iniciais, o governo recém-empossado de


Michelle Bachelet, teve sua reação em dois sentidos: a desqualificação
do ato dos/das estudantes e uma tentativa de apaziguamento do conflito
político. Tal posicionamento do governo, e a própria força política que
indicava o movimento secundarista, gera um aprofundamento da sua
organização, com a ampliação nas suas pautas e a ocupação das escolas.
Nesse momento produziu-se uma virada estratégica nas
reivindicações dos estudantes. À medida que o conflito
começou a se alastrar pelo país e que novos atores foram
se somando ao movimento, ampliaram-se as demandas
por reformas de caráter estrutural, como a reformulação
da Jornada Escolar Completa (JEC) e a extinção da Lei
Orgânica Constitucional do Ensino (Loce) promulgada
(literalmente) no último dia do regime militar (10/3/1990)
(CUANDRA, 2008, p. 183).
Foi implementado pelo governo, mediante a força política do movi-
mento que os/as estudantes assumiram naquele período, um Conselho
Assessor Presidencial para a Qualidade da Educação que tem como
caracterização, conforme Cuandra (2008) o encargo de conciliação dos
diversos setores da educação em conflito, no sentido de alterações na Lei
Orgânica Constitucional do Ensino (LOCE), a qual é herança do período
ditatorial. No entanto, tal Conselho demonstrou-se distante das demandas
dos/das estudantes e, ainda que composto por dirigentes secundaristas,
dentre os 74 membros do Conselho, suas ideias eram pouco ouvidas ou
consideradas.
Diante de tal caracterização, foi reestabelecida a mobilização estu-
dantil, no mês de outubro de 2006, com a ocupação de prédios públi-
cos. Esta segunda onda de ação dos/das estudantes foi responsável pela
mobilização de outros setores da educação e da sociedade. Desencadeou
também uma onda de mobilizações, massivas e duradouras, que deixa-
ram marcas na construção dos movimentos sociais de forma ampliada.
Desta forma, é possível visualizar permanências de tal movimento
também nas mobilizações assumidas pelos/as estudantes secundaristas
brasileiros/as, nos anos de 2015 e 2016. Os quais demarcaram tal vincu-
lação internacionalista, em sua luta constituída em oposição as políticas
brutais do neoliberalismo. Atentos e atentas à estratégia de apaziguamento
dos movimentos sociais presente na gestão da democracia burguesa, a
sua luta era no sentido de mudar o rumo da educação, de construir um

20
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projeto de escola e de ensino. O movimento deixou marcas na história,


como um estudante esboça: “Se o meu filho um dia for professor, ele vai
contar a minha história, vai contar a história de todos aqueles que lutaram
por uma educação melhor, por uma escola poder se chamar de escola”
(ACABOU A PAZ, Isto aqui vai virar o Chile!)7.
Estes movimentos marcaram uma ação de enfrentamento, de rom-
pimento com a passividade e um caminho de renúncia à lógica do con-
senso que predomina nas relações políticas, essencialmente nos países
que detém na sua formação história marcas traumáticas de conflituali-
dade do Estado. “É indubitável que os diversos governos que viveram a
experiência “traumática” das ditaduras militares sentiram-se inclinados
a adotar uma postura mais conciliadora e consensual a respeito do devir
das diversas sociedades e das formas de resolver as disputas políticas”
(CUANDRA, 2008, p. 179).
A mobilização dos/das secundaristas nos dois contextos investi-
gados, toma a característica de uma explosão social, na medida em que
não é prevista, pois mesmo diante de contextos de fragilidade social, os/
as estudantes secundaristas são ideologizados como sujeitos espontâneos
e imaturos. Espera-se atos de rebeldia, mas jamais uma ação organizada
com caráter nacional e mobilizadora de outras categorias sociais.
Não é incomum a queixa dos alunos de que os adultos
sempre os rotulam de irresponsáveis, inconsequentes, de
que eles não sabem o que querem da vida, de que eles não
têm desejos, não encontram sentido em nada. Por isso,
precisam ser tutelados, sob pena de perderem o controle,
cometerem erros irreparáveis e/ou prejudicarem a si mes-
mos, aos seus amigos e familiares. Os adultos, disse uma
estudante de uma escola ocupada, pensam que os jovens
não sabem qual é o seu lugar na sociedade (DA SILVA,
2017, p. 69).
Em resposta a tal concepção social, os/as jovens secundaristas
demonstram a força de resistência e traçaram caminhos à educação
pública. Reivindicaram durante as ocupações um outro formato de ser em
sociedade, compartilharam vivências e aprenderam mediante esta expe-
riência. Elucidaram algo já projetado por teorias críticas da educação, e
trouxeram na realidade concreta, vivenciada no cotidiano do movimento:
7
Fala de estudante participante das ocupações paulistas de 2015, extraída do documentário Acabou a Paz,
isto aqui vai virar o Chile! (PONZATO, 2016).

21
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JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

a possibilidade de aprender com a experiência, o aprendizado a partir


da luta! As ocupações foram nesse sentido formativas das/os estudantes.

Não começou lá e não terminou aqui


A aproximação política, organizativa e discursiva entre o movimento
de resistência dos/das estudantes chilenos/as e brasileiros/as, não é mera
coincidência, nem acaso. Decorre do próprio contexto histórico, econô-
mico e político que abarca estes movimentos, de tal modo que delinear
a dinâmica econômica, que toma forma no atual estágio do capital, e
que em diferentes proporções é âmbito gerador de uma revolta, é ques-
tão essencial para compreender a proporção política assumida pelos/as
estudantes na Revolta dos Pinguins, no contexto chileno e na Primavera
Secundarista, no Brasil.
Assim, o esforço teórico para a aproximação entre os movimentos
ocorridos no Brasil e no Chile, não parte de um entusiasmo pelo uni-
versalismo a qualquer custo, e nem mesmo de uma transposição desses
movimentos, ignorando suas diferenças. Mas expressa uma tentativa de
percepção acerca dos nexos políticos e simbólicos que formam esta rede
de movimentações, e consagram atos de resistência, como parte de um
traçado emancipatório. Mais do que isso, deixam indícios de conscienti-
zação e organização dos/as trabalhadores/as em diferentes sociedades, e
aplicam o caráter internacionalista da resistência, necessário para enfrentar
a ordem exploratória mundial do capital.
A construção coletiva de outros possíveis contextos, oriunda das
ações dos movimentos sociais, é elemento essencial para pensar os pro-
cessos políticos em curso, assim como a idealização da emancipação do
pensamento social, emergente destes processos. Para que esta constru-
ção ocorra é preciso não apenas uma viabilização da convergência entre
movimentos, mediante pautas similares, ou contextos próximos, mas
parte da construção de uma consciência coletiva, na medida em que o
sujeito se identifica como parte de algo, que ultrapassa sua individuali-
dade. E, vislumbra a partir desse reconhecimento, o papel histórico de
transformação social, ao conceber na organização coletiva, caminhos
para construção de si e de outras possíveis realidades.
A libertação é, portanto, mais do que resultado de um momento
pontual. É um processo de luta, que incorre da participação dos sujeitos,
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uma participação no formato de engajamento decorrente da construção


coletiva e do próprio processo de reconhecimento do sujeito como sujeito
histórico. Esse, não mais vê a sua ação em uma simplicidade individua-
lista, mas ao querer-se livre, quer o ver outro livre também. E, o outro
aqui não é o avesso dele, mas os diferentes povos que compartilham das
marcas da exploração social, sendo esse processo parte do movimento
da consciência dos sujeitos.
Assim, as lutas dos/as secundaristas aqui revisitadas, não são atos
isolados ou dissonantes da amplitude dos movimentos sociais, mas parte
de uma reação ao neoliberalismo e ao sistema de mercantilização da
vida, adotado mundialmente e de forma brutal nos países da América
Latina. Se constituem como parte de um sistema conflitivo de disputa
por um horizonte social mais justo, o qual, conforme Galvão (2008), é
contribuinte de um processo de politização da sociedade civil e gerador
de novas práticas sociais, ao romper fronteiras isoladoras. Assim, mesmo
diante da variedade de ação e discursos ideológicos presentes nas redes
de movimentos sociais, o caráter político e, portanto, a disputa política
é o que gera o sentido da sua ação coletiva.

Considerações Finais
Com este trabalho, buscou-se aproximar os nexos simbólicos pre-
sentes entre as ações dos movimentos estudantis secundaristas, no sentido
de refletir sobre uma necessária superação do isolamento politicamente
arquitetado pela ordem dominante. Além disso, procurou-se refletir sobre
o aspecto conscientizador presente na luta, e os significados presentes na
referência política assumida pela ação secundarista.
Ressaltamos a necessidade de construção de uma unidade, não
homogeneizante, mas que constrói resistência apontando para um hori-
zonte de possível superação das amarras históricas que se mantém pre-
sentes aos sujeitos. Assim, os repertórios de ação coletiva não são criados
de maneira isolada, mas a partir do reconhecimento conflitivo do outro e
de si como agente de transformação, que pretende romper com a história
forjada a partir da opressão do capital.
Podemos perceber que, com as manifestações protagonizadas pelos/
as estudantes, de lá e de cá, existem nexos simbólicos de ação e redes de
organização social que criam uma unidade sem precisar homogeneizar
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os sujeitos, mostrando que existem permanências de tais movimentos


até os dias de hoje e que ainda reverberam nas ações políticas e ganham
força com a internacionalização das lutas.
Como exemplo de tais permanências que resultam da revolta dos
sujeitos e que desencadeiam a organização de movimentos populares
frente a dominação do capital com o avanço de políticas neoliberais,
especialmente ocorridas a partir dos processos eleitorais dos últimos anos,
com uma virada ao conservadorismo, na América latina há um prenúncio
de esperança, como por exemplo as greves de mulheres, afim de deixar
claro o papel fundamental e não remunerado do trabalho reprodutivo,
bem como a última eleição na Bolívia, que o povo deu uma resposta ao
processo de ascensão de governos neoliberais que chegaram ao poder
por meio de golpes contra o povo.
No período próximo também emergiu no Chile uma revolta popular
que derruba a constituição de Pinochet, e a partir de um plebiscito decidiu
com 80% dos votos da população aprovar uma assembleia constituinte,
e agora tem a possibilidade de transformar, por exemplo, seu sistema de
saúde, aposentadorias, privatização da água e os direitos das mulheres e
da população indígena.
Tais protestos foram apontados como a maior manifestação no Chile
desde o final da ditadura de Augusto Pinochet. Em resposta aos movimentos,
o governo anunciou uma série de medidas em que afetaria justamente o que
agora poderá ser mudado com uma nova constituinte, como por exemplo
as aposentadorias. A resposta do Estado às manifestações geralmente é
truculenta, de repressão e de punição contra o povo, o qual se percebe como
sujeito de ação política, por meio do processo de conscientização, e que ao se
organizar contra o desmonte neoliberal, é combatido por agentes públicos,
tais como a própria polícia já que o objetivo dos governos conservadores
são o de realizar a manutenção dos interesses do capital.
O ato do Chile, com a aprovação da assembleia constituinte, ecoa
no Brasil, que desde 2018, após a eleição do candidato que fez campanha
com discurso religioso, de apoio à ditadura, à tortura e à morte, vive um
momento de crise política e econômica que revela o aumento das desi-
gualdades sociais, as quais pareciam terem sido minimamente apaziguadas
com políticas públicas como por exemplo o bolsa família.
O atual Presidente do Brasil, cria um clima de instabilidade e des-
confiança, negando a ciência e colocando em risco a população com

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uma postura negacionista com relação ao vírus que deixou o mundo em


alerta. A aprovação da assembleia constituinte no Chile é recebida com
comemorações dos movimentos sociais, que só não ocuparam as ruas
pelo contexto de pandemia mundial e a necessidade de isolamento social,
que nem todos podem cumprir. Ainda assim, é respiro de esperança que
a revolta popular se mantém viva, mesmo diante de contextos de intensi-
ficação de governos conservadores e reacionários. A luta dos/as chilenos/
as é esperança no Brasil da possibilidade de insurgências e de construção
de outros contextos. Afirmativa da formação de uma identificação com-
partilhada, mediante um sentimento de solidariedade que permite este
encontro de diferentes povos com possibilidades de resistência.

Referências
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NETTO, José Paulo. A face contemporânea da bárbarie. In: José Paulo Netto.
Ensaios de um marxista sem repouso. (org.) Marcel Braz. São Paulo: Cortez, 2017.

25
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caminhos para uma política emancipatória? Revista Caderno CRH, v. 21, n.
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ZIBAS, Dagmar M. L. “A Revolta dos Pinguins” e o novo pacto educacional
chileno. Revista Brasileira de Educação. v. 13 n. 38, p. 199-408, maio/ago. 2008.

26
PROCURANDO PAULO FREIRE:
VIAGEM E ENCONTRO NAS UNIVERSIDADES
LATINO-AMERICANAS. CASO: ARGENTINA

Micaela Ovelar Márquez8

Uma pessoa nunca sabe quando vai ter — e muito menos está
preparada — para um grande encontro. Aquele momento da vida em
que algo ou alguém muda significativamente a maneira como lemos o
mundo (FREIRE, 1985) e a nós mesmos dentro dele. Sobretudo no campo
acadêmico, em que cada passo nos depara tantos textos formidáveis (e ​​
outros nem tanto) é difícil saber quando vai chegar em nossas mãos uma
história que vai deixar marcas inesquecíveis e vai também ajudar a curar
muitas de nossas feridas.
Nas próximas linhas vamos a contar apenas um dos encontros pos-
síveis com Paulo Freire, porque na verdade sobre uma figura tão universal
como ele são infinitas as possibilidades de nos identificar com sua vida
e legado. Sobre ele, por exemplo, se pode falar do Freire menino, do via-
jante, do intelectual, do pedagogo, do filósofo, do pai e esposo amoroso
(mas muito exigente), duma pessoa paciente e impaciente ao mesmo
tempo, do marxista e do cristão. Foi também um humano valente e um
cientista humilde. Mas fazendo um pouco de justiça aos seus desejos,
Freire gostaria de ser lembrado simplesmente como “um sujeito que
amou profundamente o mundo e as pessoas, os bichos, as árvores, águas,
a vida” (CAVALCANTI, 2020).
Além disso, nas aulas, muitas vezes temos escutado — vinculado à
educação freireana e até não referida a ela — sobre os “círculos de cultura”,
sobre a “dialogicidade”, sobre as “palavras geradoras” como uma forma
de começar o diálogo socrático tão essencial na filosofia freireana. Enfim,
durante toda a vida do menino de Jaboatão, tem sido bem comprovado
sua sensibilidade e seu compromisso com os oprimidos e as oprimidas,
8
Licenciada em Estudos Políticos e Governo (UBV). Magistra em Relações Internacionais (UCV). Especialista
em Estado, Governo e Democracia (Clacso). Professora e pesquisadora do Centro de Estudos em Economia
Política (CEEP-UBV). Membro do Grupo de Estudos sobre Movimentos Sociais e Educação do Campo e da
Cidade (GEPEMDECC-Uesb) e da Rede Latino-americana de Pesquisa em Educação do Campo, Cidade e
Movimentos Sociais (PECCS).

27
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JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

não só do Brasil, também da África, da Asia, da América Latina... assim


como a sua luta pela educação popular, a partir da politização, da rea-
lidade concreta, como um caminho para a liberdade do ser humano,
como uma marcha “que revela a vontade amorosa de mudar o mundo”
(SINEP-MG, 2018).
Nosso encontro com Paulo Freire foi por meio das experiencias
educativas nas universidades da Argentina. Neste caso o ponto de partida
na procura do patrono da educação brasileira foi começando por aquilo
que talvez seja mais comentado sobre Paulo Freire na América Latina
e no mundo: suas obras mais famosas “Educação prática da Liberdade”,
“Pedagogia do oprimido”, “Pedagogia da Indignação”, livros que tem sido
traduzido para dezenas de línguas. Também ficamos sabendo que ele é
o teórico latino-americano mais citado nas ciências sociais, e o terceiro
autor mais lido no mundo inteiro dessa área.
Assim, para este trabalho vamos abordar algumas das etapas his-
tóricas e das maneiras nas quais Freire chegou às salas de aula da Argen-
tina, passando por diferentes períodos de desenvolvimento das políticas
públicas em matéria de educação, para ir verificando quão atual é seu
pensamento e sua obra hoje nas salas de aula latino-americanas.
Embora Argentina ainda tenham desafios pela frente, de fato, o país
tem avances significativos no combate ao analfabetismo e na incorpora-
ção de sua população à educação em todos os níveis. Por isso, é interes-
sante abordar a trajetória do pensamento de Freire nessas construções e
formações dos alicerces da educação ao longo do tempo, até chegar aos
nossos dias.

Breve história das universidades públicas da


Argentina
No caso da Argentina, depois da época colonial e no começo do
surgimento do Estado nacional, onde foram criadas, por exemplo, a
Universidade de Buenos Aires (Uba), a Universidade Nacional de La
Plata (UNLP), a Universidade Nacional da Córdoba (Unc), que estavam
enfocadas em formar as elites do momento; o país teve “momentos claros
de aceleração nos que se intensificou a criação de novas universidades”
(ACCINELLI; MACRI, 2015) dentro desses momentos, destacamos os
seguintes três períodos de fundações de universidades na Argentina:

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Mapa 1 – Rede das Universidades públicas argentinas (2011)

Fonte: Secretaría de Políticas Universitárias de la República Argentina (2016)

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O primeiro ocorre na década de 1970 do século passado, durante


o terceiro (e último) governo de Juan Domingo Perón (1973-1974), que
criou quatorze universidades. Na época, a política educativa estava orien-
tada para gerar e ajudar ao desenvolvimento nacional argentino. Foi o
momento do desenvolvimentismo na América Latina.
O segundo período, nos anos 1990, também durante um governo
peronista, do presidente Carlos Menem (1989-1999) foram criadas sete
universidades. Neste período tem difusão e predomínio a ideologia neo-
liberal na América Latina e começa uma reforma estrutural do Estado. A
Casa Rosada avança com a redução do aparelho do estado: privatização
de empresas nacionais, redução do financiamento de áreas essenciais,
como educação, saúde e segurança (ACCINELLI; MACRI, 2015).
Por fim, o terceiro período aconteceu a partir do 2009, quando
foram criadas na periferia de Buenos Aires: cinco (5) universidades.
Uma das principais características deste último grupo de universidades
é tomar como nome a cidade na que estão sediadas, no que poderia se
considerar uma prevalência do valor do local sobre o regional e, por
outro lado, denotam uma ênfase em seu vínculo potencial com o meio
ambiente, assim como com nas problemáticas evidenciadas pelas bases
sociais (GARCÍA, 1997).
Daí que estas universidades — a diferencia dos outros períodos —
tem como princípio fundador a implantação dum projeto educativo que
atenda às necessidades sociais e econômicas da cidade onde os estudantes
moram e interagem (GARCÍA DE FANELLI, 2017).

Paulo Freire na educação argentina


Analisando nestes três momentos de fundações das universidades
na Argentina, o que primeiro que podemos pensar é que durante a década
de 1970, Paulo Freire ainda não era tão conhecido, nem na Argentina nem
no mundo, mesmo que já tiveram sido publicados em espanhol “Educa-
ção Prática para a Liberdade” (1969) e “Pedagogia do oprimido” (1970).
No entanto, Freire chegou pela primeira vez à Argentina no mês
de agosto de 1973, convidado pelo então ministro da Educação, Jorge
Taiana, quem, em setembro de 1973, lançou a Campanha de Reativação
Educativa de Adultos para a Reconstrução (CREAR). Ao respeito, Mar-
tínez (2019) vai dizer que Pedagogia do Oprimido marcava o desenho de
políticas tales como a emblemática Campanha de alfabetização CREAR
(MARTÍNEZ, 2019).
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A seguir faremos uma breve comparação de alguns elementos


presentes na campanha argentina CREAR de 1973 e o programa que,
no início da tumultuada década de 1960, Paulo Freire dirigiu em Angi-
cos, Rio Grande do Norte (RN): um programa piloto de alfabetização
de jovens e adultos denominado “As 40 Horas”. O patrono da educação
brasileira explicou em detalhes essa experiência no seu texto Educação
Prática da Liberdade. Além disso, temos o documentário de Luiz Lobo,
realizado em 1963, para a Secretaria da Educação do RN (INEP, 2014),
e que sobreviveu à ditadura brasileira (1964-1985).
Em “As 40 horas”, a equipe de umas vinte pessoas coordenada por
Marcos Guerra, quem até aquele momento era líder da União Estadual
dos Estudantes do Rio Grande do Norte (UEE/RN), depois de conhecer,
dialogar e compartilhar com as pessoas de Angicos que iam a ser alfabeti-
zadas, selecionavam algumas “palavras geradoras” escolhidas do universo
vocabular cotidiano. Algumas das mais conhecidas eram: tijolo, belota,
voto, povo (LITERACY PROJECT TV, 2021).
Na campanha nacional de alfabetização argentina CREAR (1973)
as palavras geradoras eram voto, cidade, trabalho, água, escola, direitos,
camponês, futebol. Ou seja, podemos ver a influência da experiência cole-
tiva de Freire em Angicos (apesar de não ser mencionados diretamente)
estavam ali vivos na campanha argentina, que tinha de slogan: “o povo
educa o povo”, outra frase de inspiração freireana.
O programa “As 40 horas” de 1963 utilizava slides que projetavam
as palavras geradoras e desenhos, este era um passo fundamental na
dialogicidade nos Círculos de Cultura (CC). Assim, na experiencia argen-
tina do CREAR também utilizavam desenhos que não tinha as palavras
gemedoras, mas que representam a cultura das pessoas, seus problemas
e situações cotidianas.

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JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

Figura 1 - Representações utilizadas em Angicos (1963) do livro Educação prática


para liberdade (1969)

Fonte: Livro Educação prática para liberdade (1969)

Figura 2 – Campanha de Reativação Educativa de Adultos para a


Reconstrução (1973)

Fonte: CREAR (1973)

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Figura 3 – Campanha de Reativação Educativa de Adultos para a


Reconstrução (1973)

Fonte: CREAR (1973)

Na década de 1990, Paulo Freire havia-se transformado numa das


grandes referências da educação popular a nível mundial. Em 1993, Freire
visitou novamente Buenos Aires, ele esteve no mítico Hotel Bauen, ali deu
uma conferência extraordinária de mais de duas horas de duração. No
entanto, é possível dizer que ainda estava encerrado num círculo seleto,
de filósofos e educadores, de cientistas sociais. Mas neste século XXI, o
menino de Jaboatão já pertence a todos, a todas, não só para elites, mas
para o povo, nas universidades da periferia, que são universidades dos
oprimidos e oprimidas.
Hoje todas as universidades públicas da Argentina estudam o pen-
samento de Paulo Freire desde o ciclo inicial até os pós-graus. Freire
não é apenas atual nas universidades públicas da Argentina e fora das
universidades. A filosofia da educação freireana é ferramenta essencial e
concreta para a liberdade do ser humano oprimido. Freire está hoje mais
presente que nunca.

Referências
FREIRE, P. (ed.). Reading the World and Reading the Word: An Interview with
Paulo Freire. Language Arts, v. 62, n. 1, p. 15–21, 1985.
33
ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

CAVALCANTI, A. Como gostaria de ser lembrado por Paulo Freire. 23 set.


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LITERACY PROJECT TV. Promo de Fonemas da Liberdade por TVE Bahia.
Literacy Project TV, 16 set. 2021. 1 vídeo 0h e 30 min. Disponível em: https://
www.youtube.com/watch?v=RlWd_lpSqC0&ab_channel=LiteracyProjectTV.
Acesso em: 3 mar. 2022.

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MOVIMENTOS SOCIAIS E CONJUNTURA
EDUCACIONAL BRASILEIRA:
CAMPO DE DISPUTAS ENTRE MOVIMENTOS
POPULARES E CONSERVADORES

Amone Inácia Alves9


José Paulo Pietrafesa10

Introdução
Este texto adveio da necessidade contextualizar as licenciaturas na
Universidade Federal de Goiás (UFG) no cenário das mudanças provo-
cadas pela política nacional de formação, cujo escopo foi a edição da Base
Nacional Comum Curricular (BNCC) proposta do governo federal em
2019 para esses cursos (de Licenciaturas). A referida mesa fez parte do
XXV Simpósio da Faculdade de Educação, (FE-UFG – 2019) cujo tema
foi Formação e Licenciaturas. Assomados a isso, com base nos projetos de
pesquisas intitulados “Processo social de trabalho do assistente social” e
“Trabalho e Educação nos níveis locais e regionais: processo de formação e
humanização dos sujeitos do campo”. Buscamos estabelecer um diálogo com
as categorias trabalho, capital e movimentos sociais, de modo a contribuir
com essa discussão. Cumpre-nos compreender como discutir essa relação
no contexto dos movimentos sociais conservadores, uma vez que foram
estes movimentos a proporem profundas mudanças na BNCC com claro
cunho ideológico a partir da centralidade hegemônica nas relações sociais.
Entendemos que refletir sobre os cursos de Licenciaturas e sua
proposta de formação é urgente, vez que se questiona nesse momento
(2020-2021) de intensos conflitos de interesses entre propostas de escolas
universais, plurais-laicas, humanistas e, principalmente públicas e de
qualidade, que vinham sendo construídas no decorrer das décadas de
1990 e 2000, até os anos de 2015, e entre outra vertente que se propõe a
construir escolas negacionistas da ciência, sacras-religiosas, negadora das
9
Doutorado em Educação pela UFG. Docente da Faculdade de Educação da UFG.
10
Doutorado em Sociologia na UNB. Docente da Faculdade de Educação da UFG.

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ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

reflexões sobre gênero e identidades raciais, voltadas para a meritocracia


individualista, que deve formar para o mercado de trabalho e não para
a construção de humanidades.
Neste quadro dicotômico se percebe que a tarefa de consolidar
a formação docente (as Licenciaturas) e seus espaços de mediação (as
escolas) são palco de disputas de hegemonias e contra hegemonias.
Observamos, ainda, que a partir de 2015 com o processo de impea-
chment da presidente Dilma Rousseff (PT), se avançou para a formação
de um novo bloco de poder no Brasil, de cunho neoliberal, mas ao mesmo
tempo ultraconservador em seus aspectos políticos e culturais. Este
bloco, que por ora, é hegemônico em setores de destaque na estrutura
de poder, dentre eles pode-se observar: maioria de parlamentares no
Congresso Nacional (2018-2022), domínio de vastos setores do judiciário
e do sistema de coerção social (agentes de segurança pública) além de
receberem apoio de setores empresariais (principalmente do financeiro e
do agronegócio exportador) e, tem conquistado espaços em dois campos
distintos. Um deles formado na sociedade civil, com a consolidação de
movimentos conservadores que atuando fortemente no espaço religioso
(predominantemente no católico e no evangélico e, em menor escala no
segmento espírita) e no de jovens e adolescentes. Esta movimentação
de forças tem apresentado propostas e projetos à sociedade brasileira
numa polarização de confrontos envolvendo Movimentos Sociais (MS)
tradicionais de caráter popular e estes novos atores sociais organizados,
com perspectivas conservadoras.
Outro campo de avanços das forças conservadoras tem sido mar-
cado por constantes aprovações para alterar e ou eliminar legislações que
atendiam às pautas dos Movimentos Sociais de cunho populares (ex.:
alteração e eliminação de leis sobre: expansão de sistemas de Educação
do Campo; atendimento de adolescentes e Jovens na formação técnica-
-científica; sistema de produção de material didáticos com temas voltados
à história da África, questões de gênero e raça, universalização da edu-
cação básica, dentre outras). Também avançaram de forma coercitiva e
destrutiva sobre programas e políticas públicas até então prioritários dos
governos anteriores (Bolsa Família e combate às desigualdades sociais,
Reforma Agrária, Proteção ao Meio Ambiente, Programas de distribuição
de livros didáticos ao ensino fundamental, dentre muitos outros).
Este conjunto de movimentações interferiu diretamente no sistema
educacional e reverberou na esfera das escolas públicas em todos seus
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MOV I M E N TO S S O C IA I S E R E SI ST Ê NC IA

níveis. Em um momento em que se vislumbra retroceder a escola aos anos


1940, com indicou Saviani (2017b) temos que compreender esse processo
e fortalecendo as ações pela sobrevivência dos direitos, o direito à uma
escola pública, laica e gratuita. Apresentamos os movimentos considerados
conservadores e como estes impactam nos documentos sobre educação.
Considera-se, para efeito deste estudo, Movimentos Sociais (MS)
a partir da categorização de Scherer-Warren (1987, p. 20):
[...] uma ação grupal para transformação (a práxis) voltada
para a realização dos mesmos objetivos (o projeto), sob a
orientação mais ou menos consciente de princípios valora-
tivos comuns (a ideologia) e sob uma organização diretiva
mais ou menos definida (a organização e sua direção).

Desse modo, consideramos que os movimentos, chamados de conser-


vadores, agregam algumas destas variáveis apresentadas por Scherer-Warren
(1987), tais como “projeto, ideologia e direção”, porém não se apresentam
como promotores de transformadores das relações sociais, portanto não
se propõem a “[...] uma ação grupal para transformação (a práxis) [...]”,
uma vez que se pautam pela racionalidade do capital, sua manutenção e a
manutenção da política de coesão e coerção do Estado burguês. Ou seja,
abriram um campo de disputas nas relações sociais do Brasil.
Dividiremos o texto em dois momentos. No primeiro, pretendemos
mostrar como a categoria trabalho ganhou a centralidade nas relações
sociais do período moderno, e com isso o processo educativo se torna
fomentador e promotor da formação da classe trabalhadora para o mer-
cado de trabalho (estranhamento) e não para o mundo do trabalho. Neste
processo a educação se insere no contexto capitalista dicotômico, de por
um lado, formar para o trabalho, com as propostas de adestramento,
treinamento para as competências do trabalho (alienação) e, por outro,
a formação culta e bacharelesca para a elaboração intelectual.
Em seguida, objetivamos abordar quais os interesses e projetos
envolvidos na trama que é a educação no Brasil. E, no segundo momento,
situaremos os movimentos conservadores, na contramão da possibilidade
de construção das bases para uma formação de fato emancipadora e livre.
E mais uma vez, um campo de disputa das ações. O movimento conser-
vador apresenta uma racionalidade de agir e pensar para a manutenção
do status quo hegemônico.

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ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

Trabalho e movimentos sociais: campos em


disputas hegemônicos e contra hegemônicos
Os seres humanos, em suas relações sociais e com os elementos da
natureza, criam mediações que lhes possibilitam exercer suas forças físicas
e, através destas relações recriam sua sobrevivência biológica. Para além
da sobrevivência, executam e desenvolvem culturas, modos de produção,
relações de poder (no sentido de coesão e correção social). Estas ações,
que potencializou a sobrevivência da espécie, dinamizam e transformam
aquelas relações em cada período histórico.
Esse processo, que não é uniforme no tempo, garante a reprodu-
ção social do ser humano enquanto modos de vida em suas dimensões
econômicas, sociais, políticas, culturais e espirituais. A este conjunto de
ações, que potencializam a sobrevivência de nossa espécie, identificamos
como sendo o trabalho. Esta ação humana, mediatizada pela utilização de
suas forças, seja ela física (força motriz), seja ela fazendo parte da cons-
trução sociocultural e política (produção de conhecimento que produz
ferramentas de trabalho), e, ainda a política (consolidação do Estado e
de suas forças de coesão e coerção social) dinamizaram e transformaram
as relações humanas (MARX, 2021). A ocorrência, ou não, de transfor-
mações nestas relações são organizadas por sujeitos históricos (MARX;
ENGELS, 1978; GRAMSCI, 1979) o que provocou, e provoca desde o
início da modernidade, contradições também identificadas com cada
tempo histórico.
Dentre as múltiplas formas de contradições geradas nas sociedades
modernas ocidentais (a partir da revolução industrial iniciada no século
XVIII) destaca-se as relações de trabalho “livre”, de trabalho assalariado,
definida como sendo grupos de pessoas que controlavam os meios de
produção e grupo de pessoas que “livremente” vendiam sua força física
(seu único meio de sobrevivência, o trabalho). O fruto deste processo
acelerou a produção de bens (as mercadorias) e serviços, consolidando o
capitalismo enquanto modo de produção e o trabalho conquistou a cen-
tralidade nas relações sociais. “A grandeza do valor de uma mercadoria
varia na razão direta da quantidade, e na inversa da produtividade do
trabalho que nela se aplica” (MARX, 1980, p. 47).
Se por um lado o trabalho consolidou-se como o exposto por Marx
(2021), por outro transformou-se em elemento de alienação, uma vez

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MOV I M E N TO S S O C IA I S E R E SI ST Ê NC IA

que separou as atividades produtivas, distanciando as relações entre ser


humano, natureza e o produto do seu trabalho. O trabalhador perde a
noção (no sentido de ideia, de sentimentos) de um valor criado pelo seu
esforço físico, pelo seu trabalho. O trabalho se torna “estranhado”, algo
externo ao trabalhador. Deixa de pertencer ao sujeito que exerce a força
física no ato de produzir (MARX, 2021). “O trabalhador se torna tanto
mais podre quanto mais riqueza produz, quanto mais a sua produção
aumenta em poder e extensão. O trabalhador se torna uma mercadoria tão
mais barata quanto mais mercadoria cria” [...] Sim o trabalhador mesmo
se torna um objeto...” (Manuscritos econômicos-filosóficos, MARX, 1844,
p. 143-144).
É nesse processo de compra e venda de trabalho que se fundamenta
e se estrutura o capital e, resultado desta relação pode ser vista na consoli-
dação do sistema fabril de produção, bem como no cercamento das terras
coletivas, e sua transformação em terra de negócios em contraposição a
sua utilização para terra de trabalho.
A classe dirigente construiu sua hegemonia numa relação de mando e
consentimento a partir do uso, posse e propriedade dos meios de produção,
criando condições coercitivas de controle sobre trabalho, em particular e
a sociedade civil em geral, seja do ponto de vista cultural (ideológico), seja
político econômico (Estado e suas instancias). O controle da sociedade
civil e da sociedade política interferiu diretamente no bloco que exerceu
e exerce a hegemonia (GRAMSCI, 1979, 2002). Estas ações, comuns em
um determinado grupo social, mas não permanente, de subordinação a
outro grupo tendem a desfocar as contradições existentes nas relações
sociais e políticas. A concepção do mundo imposta mecanicamente pelo
ambiente exterior, vindos do bloco hegemônico é desprovida de consciên-
cia crítica e coerência de classe do bloco subalterno, desagregando-o de
seus próprios interesses. A adoção acrítica de uma concepção do mundo
de outro grupo social resultou em um contraste entre o pensar e o agir
e a coexistência de duas concepções do mundo, que se manifestam nas
palavras e na ação efetiva (ALVES, 2010, p. 74).
Do ponto de vista das contradições geradas nos processos históricos,
pode-se perceber, conforme identificado por Pietrafesa (2019, p. 155)
A ocorrência ou não de transformações nas relações sociais
(em suas dimensões econômicas, sociais, políticas, cultu-
rais, espirituais) são organizadas por sujeitos constituídos

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JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

nestes processos formativos da condição humana [...] o que


provocou, particularmente na modernidade e na contem-
poraneidade complexas contradições.
A consolidação dos Estados Nacionais como consequência das
transformações ocorridas no século XIX e, do capital como princípio
organizador deste período, agiram de forma orgânica, consolidando
ideologias, culturas sociais e políticas, cabendo aos sujeitos históricos se
organizaram a partir de Movimentos Sociais (MS) para reivindicarem as
condições de suas existências e ou, transformarem as relações sociais a
partir de critérios diferentes da hegemonia do Estado burguês e do seu
criador, o capital.
O ser humano, por ter como uma de suas características a vida social,
com múltiplas relações, não conseguiria atender suas necessidades bási-
cas, ou seja, atividades produtivas e vida social, com suas potencialidades
individuais. Neste aspecto a racionalidade liberal burguesa do trinômio
“liberdade, igualdade e fraternidade” e do surgimento da categoria “indi-
viduo” livre (muito mais para ideologia, no refletir de MÉZÁROS, 2004)
não foi suficientemente consolidada no período moderno.
As necessidades do ser humano (seja elas de produção e, de organi-
zação social) de se deslocar e sobreviver, lançaram-nos em ações coletivas
que possibilitaram qualificar as demandas individuais em propostas e
projetos de caráter social. E nestes movimentos os coletivos de sujeitos “[...]
se percebem enquanto força política, reconfiguram saberes, e constituem
suas identidades, se colocando enquanto ser social” (PIETRAFESA, 2016,
p. 130). Estes atores coletivos evidenciam as contradições do modelo de
acumulação implementado de forma flexível (HARVEY, 1989), rejei-
tando a racionalidade do capital e de seu organizador, o Estado, com
vistas a construção de novos padrões de produção e trabalho, buscando
se contrapor à cultura hegemônica, ou até mesmo se movimentam para
mantém o status quo desta hegemonia.
As movimentações sociais em seus coletivos são heterogêneas em
ideologias, na perspectiva de construção do projeto de Estado Nacional
e, em intervenções de ações diretas frente aos conflitos gerados pelo capi-
tal. Suas ações podem ser de diversos alcances e níveis: locais, regionais,
nacionais, são heterogêneas, também, no tempo e no espaço. Podem ser
específicos enquanto grupos coletivos (gênero, raça e etnias, geracional,
reivindicar políticas públicas, tais como educação, saúde, segurança

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MOV I M E N TO S S O C IA I S E R E SI ST Ê NC IA

saneamento...), ou mais uma vez, em defesa do status quo hegemônico,


se movimentando no sentido dos avanços das políticas liberais e neoli-
berais de ações do Estado e do capital para avançar em sua racionalidade
lucrativa frente ao trabalho.
O movimento, para além dos sistemas produtivos (econômico) no
sentido de deslocamento de forças políticas e sociais, pode ser uma reação
ao conflito que o capital coloca num determinado período histórico. E
ainda, as variações existentes nestes atores coletivos, podem ter finitudes,
sejam temporais e de objetivos, sejam de esgotamento de direção e de
organização estrutural. Em perspectiva de dinamicidade estes movimentos
heterogêneos têm em comum desenvolver suas ações de forma coletivas e
de caráter político. Neste sentido reforçam a construções de atores sociais
em busca de algum tipo de emancipação (VAKALOULIS, 2000; BAR-
KER, 2014), ou de manutenção de algo (por exemplo forças produtivas
hegemônicas), sejam elas específicas e localizadas ou num nível mais
amplo, na busca de novas racionalidades de organização social e estatal.
As movimentações sociais de caráter popular e transformador,
mediatizadas pelas contradições entre trabalho e capital e, a partir delas
os conflitos gerados, agem em pelo menos duas formas substantivas de
ações. A primeira promove e agrega as ações diretas dos sujeitos em pro-
cesso organizativo, potencializando o surgimento de novos protagonistas
e, a segunda, agem como elemento formador e educador. Agir e pensar,
requer o ato de planejar, criar propostas alternativas, desenvolver sabe-
res. Neste sentido “[...] podemos afirmar que a vivência no movimento
social é humanizadora, e que [...] pode ser compreendido como matriz
educativa” (CALDART; PALUTO; DOLL, 2006, p. 55).
Porém, na reconfiguração dos movimentos sociais no Brasil a par-
tir dos anos de 2012 a 2014, percebeu-se que as motivações e as formas
de alguns se movimentarem alteraram os rumos e mesmo as definição
descrita por o Caldart, Paluto e Doll (2006) e, não sinalizaram a categoria
“humanizadora”, nem “educadora”, podendo se referir à formadora de posi-
cionamento político ideológico para manutenção do poder hegemônico do
capital frente ao trabalho, divisor entre os movimentos transformadores
e os que buscam a manutenção do status hegemônico, uma vez que o
Movimento e suas ações só são humanizadores quando colocam luzes,
acendendo a inquietude do ser, buscando a superação da degradação
humana promovida pelo bloco historicamente hegemônico. Coloca-se

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então uma questão relevante para o campo das análises dos movimentos
sociais: Os movimentos conservadores, efetivamente pertence à categoria
de movimentos sociais no sentido analítico apresentado?
No decorrer dos anos de 1970 a 2010 analisou-se os Movimentos
Sociais ao se posicionarem como sujeitos de direitos nas ações, dando-lhes
as condições de construírem novos saberes e novas potencialidades de
organização social. Scherer-Warren (1987) ao analisar as movimentações
sociais no final dos anos de 1980, em seus aspectos gerais, e a categoria
Movimentos Sociais de forma específica, indicou que para os conflitos
na sociedade moderna pudessem serem considerados enfrentamentos e
disputas por hegemonias e contra hegemonias eram necessários que os
atores sociais (MS) elaborassem um conjunto de indicadores, dentre eles
ter “[...] a práxis, o projeto, a ideologia, e a organização diretiva”.
Além dos quatro elementos identificação pela autora, a categoria
“sujeito coletivo” foi uma constante nas reflexões sobre o tema Movimentos
Sociais, Pedon (2013, p. 11), entendeu que se tratava de:
[...] um tipo de mobilização coletiva de caráter perene,
organizada e que realiza, por meio de suas ações, uma
crítica aos fundamentos da sociedade atual, baseado nos
processos de acumulação de riquezas e concentração do
poder, manifestados na forma de território.
Este é, justamente, o processo humanizador dos movimentos sociais,
uma vez que as possíveis conquistas tiram setores da população de sua vivên-
cia da miséria, do desemprego, da violência e do êxodo rural (dentre um
conjunto de outras situações degradantes) que o capital as lançou. Mesmo
que os movimentos socais não tenham alterado a correlação das forças
hegemônicas nestes espaços, dão aos sujeitos as condições de produzirem
e reproduzirem suas condições com algum grau de autonomia. E, ainda,
quando conquistam direitos e trabalho, produzindo energia necessária à
sua reprodução física (os alimentos), ao mesmo tempo que politizam esses
sujeitos dando-lhes vozes na elaboração de novos projetos de sociedade,
possibilitando a construção de cultura, de espaço de educação e forma-
ção política (TORRES, 2008). Movimentam, mesmo que em proporções
pequenas, as forças sociais frente ao capital e seu aliado, o Estado burguês.
Os movimentos conservadores agem de modo político e ideológico
(legítimo do ponto de vista de seus interesses) reafirmam a racionali-
dade do capital e tem como objetivo a consolidação de projetos para sua
manutenção.
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Nesta multiplicidade de visões e ações coletivas (e também sujeitos


coletivos) que se pode perceber, na realidade brasileira que os conflitos
se efetivam quando um ou mais movimentos propõem novas e distintas
formas de produzir o espaço e os saberes nesses espaços que, por sua
vez, sejam diferentes da racionalidade do capital frente às relações de
trabalho humano e controle dos bens produzidos por esse trabalho e, a
utilização dos elementos da natureza para além da condição de fornece-
dora de insumos produtivos. As formas de ação dos sujeitos históricos,
portanto, entram em choque com as seculares estruturas de controle
do trabalho e as modernas estruturas do capital e do Estado burguês. A
centralidade das ações pauta-se para a superação do “estranhamento do
trabalho” (MARX, 2021).
No campo das disputas por hegemonias e, por isso, possibilidades
de geração de conflitos sociais, um significativo exemplo da contradi-
ção “trabalho e capital” ocorreu e ocorre nos espaços rurais do Brasil,
identificado por Mazzetto Silva (2012, p. 76), em que este espaço tem
sido “[...] esvaziado, concentrado, homogeneizado, destruído, contami-
nado pela artificialização imposta pelos complexos do agro e de outros
negócios. Um rural da mercadorização do trabalho e da natureza”. Esta
movimentação criou bolsões de excedentes populacionais as cidades em
condições de extrema marginalização social (falta de qualquer política
pública sanitária e saúde, educacional), além de precarização nas relações
de trabalho, com fortes tendências ao desemprego. Essa situação viven-
ciada no mundo agrário reporta-nos à ideia de ‘favelização’ tão comum
à cidade no decorrer do século XX.
Os movimentos sociais de caráter popular, fazendo frente às situa-
ções históricas de ação do Estado e do capital agrário reconfiguraram seus
espaços numa perspectiva de uma “resistência da vida” (MAZZETTO
SILVA, 2012). Construíram pautas sociais para além dos conflitos traba-
lhistas e de políticas públicas (educação, saúde, lazer, cultura). Propõem
um lugar para se viver, numa perspectiva da efetivação de novos direitos
espaciais, culturais e sociais que se aceita a diversidade de atores: sem-terra,
sem teto, quilombolas, indígenas, comunidades tradicionais, operários,
trabalhadores do setor de serviços, que formam esse rico universo do
mundo do trabalho brasileiro. Entendê-los somente sob a ótica econômica
ou urbana, talvez seja um grande erro.

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O Movimento Social (MS) visto a partir da lógica de reconfiguração


social de conflitos (potencializa e politiza os sujeitos) amplia as fronteiras
dos trabalhadores, dando-lhes voz na produção de novos projetos de
sociedade, possibilitando a construção de cultura política, de espaço de
educação e formação política (TORRES, 2008). Neste sentido auxiliam
na elaboração de identidades e utopias, consolidando uma ideologia de
“classe para si”. Acrescentou Mascarenhas (2004), é um “palco para a
educação”. Ele abre janelas para a ressignificação de valores. Contrapõe-se
à cultura hegemônica da lógica do capital. Pessoa (1999) identificou que
MS representa a relação conflitiva entre saberes (racionalidade do capi-
tal) e contra saberes (novo protagonismo dos atores sociais engajados).
Assim como a sociedade se movimenta em suas contradições,
as categorias analíticas sobre MS, também se movimentam e entram no
campo das disputas no interior das relações reflexivas, e assistimos o
avanço organizativo dos movimentos conservadores, apropriando-se da
racionalidade das mobilizações e ações coletiva para a manutenção da
hegemonia da coerção e controle, como que forças capazes de capturar a
lógica das mobilizações populares, colocando na pauta social seu projeto.
É este novo quadro que se faz necessário a devida análise.

Movimentos conservadores e conservação:


Qual é a novidade?
Se por um lado, temos os movimentos sociais que carregam para
o tensionamento da sociedade civil a cultura, a força mobilizadora e a
resistência à racionalidade do capital, temos por outro, os movimentos
conservadores, que como o próprio nome diz, advêm da perspectiva
não-revolucionária, agindo em defesa da manutenção da ordem e do
status quo. Para a conservação:
[...] valores como a liberdade, a autonomia, o progresso, a
moral, o individualismo e as oportunidades ilimitadas foram
tomados como características naturais, em contraposição
ao humanismo, ao multiculturalismo, ao coletivismo, ao
ambientalismo, ao liberalismo, em suma, às transformações
e às questões sociais da década de 1960. (LIMA; HYPÓ-
LITO, 2019, s/p).
Assim, para os neoconservadores, a “verdadeira” moral se impõe
aos novos valores conquistados nos últimos anos e está na natureza a
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reivindicação de seu lugar de fala e defesa. Tanto aqui no Brasil, como


nos EUA11, esses grupos se sentem com uma visão salvacionista, assumin-
do-se enquanto coletivo que defende posições retrógradas em relação a
grupos como de LGBTQIA12, mulheres, povos originários, dentre outros
movimentos que discutem mudança de valores.
Como já tem sido sobejamente discutido, a escola brasileira atra-
vessa no último decênio um momento difícil, tanto no campo político,
como no campo econômico. As universidades vivenciam talvez o seu
pior momento, em que lhe são impingidas acusações de doutrinamento
ideológico, achincalhamentos públicos e quando não, ameaças de corte
de recursos. Não podemos esquecer que o Golpe contra a presidenta
eleita Dilma Rousseff e a consequente posse de Michel Temer em 2016
pôs em marcha um projeto de supressão de direitos e de ajuste econô-
mico, cujo propósito era reposicionar o país na correlação de forças da
economia mundial.
Esse golpe que continua atuante em 2021, promove o que chamamos
de contrarreformas, pois retrocede direitos e conquistas, como as reformas
trabalhistas e previdenciárias, que ao invés de fazê-los avançar rumos a
uma sociedade menos desigual como a nossa, agudizam os problemas,
ampliando o trabalho a uma terceirização sem limites. Tudo isso abraça os
movimentos conservadores, em uma simbiose entre neoconservadorismo
e neoliberalismo, mantras evocados pela Nova Direita.
Para esse grupo, o desmantelamento do Estado em prol do mercado,
enseja um ordenamento “natural”, que organizaria melhor a sociedade,
agindo em favor dos mais esforçados. Valores incorporados a partir da
lógica neoliberal, tornaria os sujeitos mais concorrentes. Então caberia
ao Estado apenas referendar esse esforço, de modo a colaborar com essas
premissas.
O que está em jogo, no campo educacional, utilizando da teoria
dos campos (BOURDIEU, 2003) como mote explicativo, é um projeto
no campo de disputas sobre o tipo de formação a ser dada, em uma
perspectiva de formação acrítica ou emancipadora. Inspirados no pensa-
mento de Edmund Burke e Roger Scruton, o primeiro escritor do século
XVIII e o outro, um filósofo contemporâneo, esses grupos tidos como
11
Segundo Lima e Hypólito (2019), esses movimentos surgem nos EUA em resposta à elaboração do Estado
de Bem-Estar Social e à participação ativa das chamadas minorias nas instâncias deliberativas do governo.
12
Essa sigla corresponde às lésbicas, bissexuais, transgêneros e travestis, a diversidade do movimento Queer,
intersexos e assexuais.

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conservadores têm posto em prática um conjunto de ideias privatistas


e de gestão empresarial da educação. Burke (2014, p. 70) afirmou que:
[...] aqueles que tentam nivelar nunca igualam. Em todas as
sociedades, consistindo em várias categorias de cidadãos,
é preciso que alguma delas predomine. Os niveladores,
portanto, somente alteram e pervertem a ordem natural
das coisas, sobrecarregando o edifício social ao suspender
o que a solidez da estrutura requer seja posto no chão.
Percebam que a ideia de nivelamento e natureza estão postas como
bases para a elaboração desse pensamento. Por isso, o alinhamento às
propostas neoliberais, que apesar de apregoarem liberdade econômica e
de mercado, propõem a conservação dos costumes.
Convém assinalar que o neoliberalismo não é só um modo eco-
nômico, mas uma nova ordem do capitalismo que enseja uma nova
subjetividade, pautada pelos critérios da concorrência, meritocracia e
individualismo exacerbados, como refletiram Pierre Dardot e Christian
Laval (2014). Mas para que esse projeto se concretize, urge modificar a
sociedade, por meio da escola, para o alcance desses objetivos.
No livro A escola não é uma empresa, o sociólogo Christian Laval
(2014) abordou como a escola tem reagido ao avanço do neoliberalismo,
incorporando valores como inovação e eficiência. Apresenta, ainda, como
o Banco Mundial, a Organização para o Comércio e Desenvolvimento
Econômico (OCDE) e a (organização Mundial do Comércio) têm pres-
sionado os sistemas de educação a moldarem seus profissionais para se
adequarem às necessidades do capitalismo, trazendo no bojo de suas
medidas, a promessa da modernização.
No Brasil, o bloco do poder que se assume neoliberal e tem como
meta a transformação do Estado segundo suas premissas é representado
pelo setor financeiro, a fração que detém o maior poder nos governos, desde
o fim da ditadura civil-militar. O movimento Todos pela Educação (TPE),
artífice desse projeto, surgido nos anos 2000, é capitaneado pelo setor
bancário, liderado pelo Banco Itaú, dono da Fundação Unibanco e Itaú,
em articulação com o setor de comoditties, da siderurgia, do empresário
Jorge Gerdau Johannpeter, idealizador do movimento Brasil Competitivo
(EVANGELISTA; LEHER, 2018, p. 7).
O TPE possui grandes projetos educacionais que têm sido implemen-
tadas nas escolas por meio da chamada gestão compartilhada, parcerias
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público-privadas. São compostas por fundações privadas ou organizações


sociais, como Faça Parte, Ayrton Senna, Roberto Marinho, Victor Civita,
Abril, Bunge, DPaschoal, Bradesco, Santander, Lemann, dentre outras.
Inspirados na iniciativa No Children Behind (nenhuma criança dei-
xada para trás), programa do governo Bush que utilizava de instrumentos
de ensino voltados para a avaliação em larga escala, com base na premiação
e castigo, o TPE tem se inserido nas escolas neste país, segundo Olinda
Evangelista e Roberto Leher (2018, p. 9), promovendo a formação para o
trabalho explorado e a pedagogia do capital, nas chamadas competências
de formação, preparo para os exames e atrelamento do funcionamento
da escola a esses exames.
Em Goiás, a presença do instituto Unibanco/Fundação Itaú tem sido
forte no cenário goiano, com a implementação de parcerias nas escolas de
ensino médio em Goiás, atuando na chamada gestão compartilhada, que
insere até a adoção de disciplinas no currículo. Vários pesquisadores, como
Eliane Nicolodi (2014) Valdirene Oliveira (2017) e outros têm mostrado
como o Ensino Médio se tornou no Estado um campo de disputas por
um projeto formativo inspirado na ideia de capital humano, de empre-
gabilidade para o mercado precarizado e de apagamento do professor e
aluno como sujeitos históricos, como asseverou Olinda Evangelista (p. 11).
Esse grupo influenciou sobremaneira os documentos oficiais da
educação emitidos nos últimos anos. Não é à toa que durante o governo
de Luís Inácio Lula da Silva, o principal plano para a educação recebeu
o nome do grupo: Plano de Desenvolvimento Compromisso Todos pela
Educação. Coube a esse grupo, inclusive desenhar as iniciativas e imple-
mentação de metas do governo, pactuando uma agenda do capital para
a educação.
A reforma do ensino médio (Lei n. 13.415/2017), aprovada pelo
Congresso e sancionada pelo Presidente da República um mês após o golpe
em 22 de setembro de 2016, na forma de medida provisória, mostra como
as decisões voltadas à educação foram tomadas no atropelo da sociedade,
dos educadores e da comunidade escolar em geral. Muitos estudantes
ocuparam as escolas em todo país, expressando a insatisfação com tais
medidas em prol do adestramento em técnicas produtivas.
Outro documento aprovado no curso do golpe, encontra-se a Base
Nacional Comum Curricular (BNCC). Inicialmente, a proposta era a
construção de uma base comum, em respeito à pluralidade de ideias, à
47
ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

uma concepção ampla do currículo e à diversidade cultural presente em


cada escola, respeitada na orientação curricular, base das orientações
curriculares ou diretrizes, presentes nos documentos anteriores. Muitos
pesquisadores foram envolvidos nessa tarefa, com a presença de consultas
públicas. A apresentação de uma Base, totalmente contrária ao que defen-
diam os educadores, mostrou-se uma atitude conservadora, impositiva,
com forte influência desse grupo, inspirada na ideia de construção de
competências e habilidades para a formação de um “futuro trabalha-
dor subalternizado e de um professor sujeito de sua própria alienação”
(EVANGELISTA, 2018).
Além da imposição da BNCC no atropelo e na ingerência sobre
a escola, é importante citar também a Emenda Constitucional 95/2016
que reduziu ao máximo os investimentos do Estado na saúde e educação,
afetando diretamente os recursos destinados.
Percebe-se a ingerência de um grupo que vêm assumindo o pro-
tagonismo no campo da educação, que é o grupo ultraconservador,
representado por grupos sociais ligados, sobretudo, à área de serviços.
Representados pela organização de empresários, como Instituto Brasil
200 (IB200), esse grupo corrobora com as pautas conservadoras para o
cenário educacional brasileiro, como: O Programa Escola Sem Partido, a
Nova alfabetização, a militarização das escolas e as novas diretrizes para
as licenciaturas.
Em entrevista à Revista Isto é dinheiro, Flávio Rocha, dono da loja
de departamentos Riachuelo, afirmou “O Brasil 200 se difere de outros
centros de pensamento liberal por também apoiar uma agenda cultura.
O inimigo hoje é mais o marxismo cultural que o econômico”. Ao afirmar
isso, percebe-se que esse grupo não possui apenas pretensões de regula-
mentar o Estado, mas de interferir nas políticas educacionais em curso.
Silva e Souza (2019, p. 8) indicaram que essas agendas reforçam o
caráter conservador, porque se pautam na censura, no cerceamento ou
controle das políticas públicas e na criminalização dos movimentos sociais,
objetivando difundir o controle do privado sobre o ensino e aprendizagem,
ao mesmo tempo em que engendram um discurso centrado na tradição,
na família e defesa da propriedade.
O Grupo Escola Sem Partido, inicialmente de forma tímida em
ocasião de seu surgimento em 2004 presidida pelo advogado Miguel
Nagib, desde então tem ganhado envergadura, ensejando um projeto
48
MOV I M E N TO S S O C IA I S E R E SI ST Ê NC IA

de Lei que tramitou na Câmara dos Deputados e provocou um embate


jurídico no Supremo Tribunal Federal (STF), gerando em alguns Estados
da federação projetos que envolvem a criminalização de professores e
práticas nas escolas sobre o que eles chamam de doutrinação ideológica.
Onde esse grupo não conseguiu avançar em projetos de Lei que filtram
o que o professor ensina nas escolas, conseguiu avançar na criação de
associações de pais, que se tornam vigilantes do conteúdo ideológico
dado nas escolas de seus filhos. Avançam com o apoio religioso dos
neopentecostais, na conquista de cadeiras no legislativo e executivo com
a eleição de vereadores até conselheiros tutelares.
É sintomático o próprio título, sem partido. Segundo Manhas (2016,
p. 26) “[...] não diz respeito à não partidarização da escola, mas sim à
retirada do pensamento crítico, da problematização e da possibilidade
de se democratizar a escola”.
Recentes invasões de grupos a escolas, como em ocasião da entrada
de dois vereadores no Rio de Janeiro ao Colégio Pedro II, mostram como
esse grupo tem agido: com intolerância à diversidade, com ameaça aos
fundamentos da liberdade, seja de gênero, de etnia, dentre outros. Ins-
pirados no pensamento de dois intelectuais
Outros movimentos que participaram ativamente das Jornadas de
Junho de 201313 tiveram grande influência nos desdobramentos que teve
no Golpe de 2016 foram os Movimento Brasil Livre, o “Vem pra Rua” e
o “Revoltados Online”.
Surgidos em 2014, defendendo as pautas a liberdade do capital e a
meritocracia, expressas nos documentos de base da orientação ideológica,
expressam um interesse pelo liberalismo, pelo conservadorismo e pela
preservação dos costumes. Para Freitas (2018, p. 17):
Uma grande diferença na organização destes movimentos
é o fato deles, e principalmente o MBL, realizarem uma
militância diária, que implica em uma participação ativa
na vida pública da esfera Federal, da Estadual, e das cida-
des aonde existem sedes. As pautas são divididas entre
diretrizes gerais do movimento e as adaptações destas nas
24 realidades locais.

13
O Movimento Passe Livre (MPL) que ensejou as jornadas de junho, se posicionou contra os reajustes das
tarifas nos transportes públicos. Em seguida, vários grupos se assomaram às passeatas estendendo-se por
outros Estados da Federação, com grande abrangência de municípios. Caracterizou-se por ser um movimento
que se pretendia apartidário, sendo violentos com partidos e sindicatos.

49
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No documento do MBL em 2014, ocasião do surgimento, defen-


deram a “implementação do sistema de vouchers para o ensino básico,
fundamental, médio e superior com valor igual para todos os alunos de
cada nível”. É importante ressaltar o crescimento desse grupo na defesa
do Estado Mínimo nas universidades, nos subúrbios das cidades fazendo
formação política e agregando a juventude, conseguiram a partir das redes
sociais ampliar seu escopo de atividades.
Então, entender a lógica desses movimentos faz-se importante
para compreender a nova faceta dos MS. Como vimos, a novidade está
no requentar das antigas práticas da direita, da assumência de uma classe
que pretende assumir o processo civilizatório e das bandeiras excludentes
que marcam a sociedade e a educação brasileira.

Tecendo considerações finais


O objetivo deste artigo foi refletir sobre como os movimentos
sociais organizados a partir de pautas sociais mais amplas, de direito à
vida, ao trabalho, à escolarização, à saúde e demais grupos organizados,
conseguiram no tensionamento com o Estado garantia de direitos que
não se estendiam apenas aos seus coletivos, mas a toda sociedade. Apre-
sentamos como a busca por esses acessos se dava contrariamente aos
interesses de determinados grupos representantes do capital que não se
contentavam em renunciar a privilégios e domínio político e econômico.
Disputam as hegemonias organizados por um lado os trabalhadores,
os movimentos sociais, os sindicatos e demais organizações da sociedade
civil. Por outro, estão os proprietários de terras, os empresários e os donos
do capital. Nessa disputa, o poder sobre o Estado, sobre as definições de
quem está a serviço entram em cena, resultando em muitos embates que
reverberam na forma como os governos vão se posicionar em relação a
esses grupos.
No Brasil, esse tensionamento significou a destruição de políticas
públicas de cunho popular (conquistas dos Movimentos Sociais com
projetos de transformações sociais e suas pautas de reivindicações das
décadas de 1970 a 2010) e, a consolidação de uma lógica conservadora
nos espaços ideológicos (mídias, igrejas, escolas, partidos políticos sem
projetos de governo) que fortaleceram as ações nos espaços da infraes-
trutura social e econômica do Brasil. A classe trabalhadora tem amargado
com duras perdas, desde salariais à qualidade de vida, moradia e trabalho.
50
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À título de exemplo dessa derrocada, com as eleições de 2018,


foram eliminados vários Ministérios (de Desenvolvimento Agrário, das
Cidades, dos Direitos Humanos, da Cultura) como uma ação de elimi-
nação de direitos e de políticas populares. Ao mesmo tempo que o bloco
conservador hegemônico passou a ampliar sistemas de controle e coerção
social (no campo das ideias), este mesmo bloco acelerou o processo de
privatizações do Estado brasileiro, não apenas das empresas dentro do
Estado, mas ele próprio. Fenômeno que atendeu as pressões de governos
dos Estados Unidos (EUA), fortalecendo sua influência no conjunto da
América Latina.
Para a educação significou uma série de ingerências no trabalho
docente, na organização da escola e nos seus conteúdos. Mostramos como
a emergência do pensamento ultraconservador reverberou em ações
como Escola Sem Partido, gerando vários danos para a formação escolar.
Mostramos como têm avançado esses movimentos conservadores,
destacando a organização do pensamento de ultradireita, que visa con-
servar os costumes, aliados com uma perspectiva neoliberal de práticas.
Destacamos a força da chamada Nova Direita, grupo assim denominado
pela literatura estadunidense para designá-los em 1960, que visam o
desmantelamento do Estado de Bem-Estar social, a perseguição a grupos
como homossexuais, mulheres, indígenas e quilombolas etc. No Brasil,
esse grupo ganhou um ativismo político, primeiro nas redes sociais a
partir das jornadas de junho de 2016, culminando com as eleições para
presidente, com a vitória de Jair Messias Bolsonaro, representante desse
pensamento no país.
Então, aos educadores e movimentos sociais cabem entender como
esse movimento conservador se organiza, compreendendo seus fios
condutores, para que possa se construir a resistência de combate. Aí está
a sobrevivência de todos/as e a crença em uma sociedade que pode se
tornar mais justa e fraterna.

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54
O FECHAMENTO DAS ESCOLAS DO CAMPO:
NEGAÇÃO DE DIREITOS E CORTES DE
ORÇAMENTOS PUBLICOS

Ruth de Oliveira Sousa14


Antônio Domingos Moreira15
Arlete Ramos dos Santos16
Jamile de Souza Soares17

Introdução
As pesquisas em torno da nucleação e do fechamento de escolas
do campo no Brasil têm sido importantes para o fortalecimento das lutas
contra as contradições impostas pela sociedade capitalista. Nucleação
corresponde à desativação de escolas, configura-se pelo deslocamento de
crianças e jovens das redes municipais ou estaduais de ensino das escolas

14
Mestranda em educação – PPGEd/UESB. Pós-Graduada em Gestão Pública - UNEB; Pós-Graduada
em Psicopedagogia Institucional, Clínica e Hospitalar - EEA (Escola de Engenharia e de Agricultura da
EEMBA). Graduada em Pedagogia pela Universidade do Estado da Bahia - UNEB; Gestora escolar da Rede
Municipal de Educação de Bom Jesus da Lapa - Ba; Membra do Grupo de Estudos e Pesquisas em Movimentos
Sociais, Diversidade e Educação do Campo e da Cidade - GEPEMDECC. E-mail: ruthtinha@yahoo.com.br
E-mail: ruthtinha@yahoo.com.br.
15
Mestre em Educação pelo Programa de Pós-Graduação em Educação pela Universidade Estadual do
Sudoeste da Bahia - PPGEd/UESB; Especialista em Agroecologia pelo IF/Baiano; Graduado em Pedagogia;
Coordenador Pedagógico pela Secretaria de Educação de Ibotirama/Ba; Membro do Grupo de Estudos e
Pesquisas em Momentos Sociais, Diversidade e Educação do Campo e da Cidade - GEPEMDECC. Email:
tony.dom1987@gmail.com.
16
Pós-doutorado em Educação e Movimentos sociais (UNESP), Doutorado e Mestrado em Educação (FAE/
UFMG), Professora do Departamento de Ciências Humanas, Educação e Linguagem (DCHEL), Professora
do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB) e
do Programa de Pós-graduação em Educação Mestrado Profissional em Educação Básica (PPGE) da Uni-
versidade Estadual de Santa Cruz (UESC). Coordenadora do Grupo de Estudos e Pesquisas Movimentos
Sociais, Diversidade e Educação do Campo e Cidade (GEPEMDECC/CNPq), Coordenadora da Rede Latino
Americana de Educação do Campo - Movimentos Sociais (REDE PECC-MS) e Coordenadora do Programa
Formacampo. E-mail: arlerp@hotmail.com.
17
Mestre em Educação pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). Licenciada em Pedagogia
pela Universidade do Estado da Bahia (UNEB). Professora da Educação Básica no Município de Guanambi/
BA. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Movimentos Sociais, Diversidade e Educação do Campo e
da Cidade -GEPEMDECC; Coordenadora territorial do Programa de Formação de educadores/as do Campo
(FORMACAMPO). E-mail: jamsouza_2016@hotmail.com.

55
ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

do campo, localizadas em comunidades que apresentam baixo número de


matrículas ou caracterizadas como isoladas, devido à precária infraestru-
tura em relação às escolas de comunidades vizinhas ou escolas urbanas
mais bem aparelhadas. Segundo o Parecer CEB 23/2007, os principais
motivos alegados por aqueles favoráveis à nucleação são:
[...] baixa densidade populacional determinando a sala
multisseriada e a unidocência (escola com um único pro-
fessor, ministrando aulas para várias séries e faixa etária);
facilitação da coordenação pedagógica; racionalização da
gestão e dos serviços escolares e melhoria da qualidade da
aprendizagem (p. 6).
O processo de nucleação, no Brasil, foi particularmente forte na
década de 1990, quando as reformas educacionais na educação básica,
induzidas pela Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN)
nº 9.394/1996, priorizaram o Ensino Fundamental com a criação do
Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental, de
Valorização do Magistério (Fundef) e o fortalecimento do Fundo Nacional
de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Ao estabelecerem critérios
para a transferência de recursos financeiros às escolas públicas do Ensino
Fundamental, estimularam a municipalização dele, processo que resultou
no fechamento de várias escolas multisseriadas.
Assim, este trabalho tem por objetivo analisar como as políticas
recessivas, cortes orçamentários e congelamento de gastos públicos que
afetam a educação, contribuem para o processo de fechamento e nucleação
das escolas do campo no Brasil. Esse desdobramento, frente ao desmonte
da escola pública de qualidade gera exclusão, precarização, privatização
e de responsabilização do Estado.
A educação é um campo delicado que requer muita atenção, em
especial no Brasil, que possui um gigantesco déficit na área educacional.
Esses contingenciamentos, a interrupção de programas e os cortes de bolsas
representam o desalinhamento de setores estratégicos da educação. Um
dos setores que mais sofre com essa falta de investimento, é a Educação
do Campo, que vem sendo desprivilegiada com a falta de amparo de
políticas públicas. Essa modalidade era predominantemente vista com
uma educação atrasada, sem meios tecnológicos para o desenvolvimento
do ensino/aprendizagem e subordinada à educação urbana.
Os movimentos sociais, por meio das suas lutas desconstroem essa
concepção preconceituosa e excludente da educação do homem e mulher
56
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do campo. A educação que buscamos a partir das lutas, é uma educação


plena que respeite e valorize a cultura da população na qual a escola
está inserida, a fim de que alunos construam suas identidades de forma
positiva e valorativa. A intenção dos movimentos é lutar por um processo
educativo que possam garantir a educação para as gerações futuras.
Segundo Costa et al. (2016) a luta pela constituição dessa agenda
nacional, deve-se inexoravelmente aos movimentos sociais do campo e
instituições que historicamente trabalham na perspectiva da Educação
do Campo, que além de denunciar a situação de descaso com as escolas
situadas no campo brasileiro, chamou e continua chamando atenção do
Estado da situação que vive essas escolas.
Os movimentos sociais do campo e instituições que historicamente
trabalham na perspectiva da Educação do Campo, que além de denunciar
a situação de descaso com as escolas situadas no Campo, pontuam falhas
de carências de investimentos, junto ao poder público com a situação de
retrocessos de direitos, sufocam a educação brasileira. De acordo com
Callegari (2019), esses cortes na educação, na ciência e na tecnologia, feito
atualmente pelo governo, foram reduções dramáticas, inclusive, por conta
das medidas aprovadas, como a emenda que congelou os gastos públicos.
Isso representa a erosão das possibilidades da própria soberania nacional.
Desta forma, a educação é a finalidade que contribui significativa-
mente para todas as outras, como desenvolvimento econômico, político,
cultural, social e humano. Não investir em educação é abortar as pos-
sibilidades de desenvolvimento das forças produtivas, a diminuição das
desigualdades, a redução da violência, a melhora das condições de saúde.

Procedimentos metodológicos da pesquisa


Para o desenvolvimento deste trabalho, a pesquisa envolveu a revi-
são documental nos bancos de dados do Ministério da Educação (MEC),
Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD), e o Instituto
Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A revisão bibliográfica acompanhou todo o processo de pesquisa
e intencionou o olhar crítico dos pesquisadores para dissertar sobre o
tema. Praia et al. (2007) defende que ser crítico, ou possuir espírito crí-
tico, significa: colocar ideias, pensamentos e estudos à prova, levar a um
verdadeiro esgotamento para se obter uma solução aceitável e adequada

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ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

sobre determinada situação. Severino (2013), vem contribuir explicando


que revisão bibliográfica tem como objetivo a revisão de literatura de um
determinado tema, desta forma pesquisamos em livros, artigos, disserta-
ções, documentos, entre outros que tratem sobre o tema.
Para compor nossas análises, buscamos nos questionários por meio
de uma plataforma de comunicação virtual (WhatsApp), entre os dias
5 e 25 de maio de 2021, com os sujeitos que vivenciaram o fechamento
e nucleação das escolas do campo experiências, relatos e impactos dos
fechamentos das escolas campesinas da cidade de Bom Jesus da Lapa,
localizada no meio São Francisco, Oeste baiano. O questionário foi apli-
cado com os sujeitos de comunidades/escolares diferentes, para obtenção
de dados mais propriedade e precisos. Para preservação da identidade e
privacidade dos partícipes, usamos neste artigo nomes fictícios, expostos
no quadro 1, com o perfil dos(as) entrevistados(as).

Quadro 1 – perfil dos (as) partícipes


NOME FICTÍCIO FUNÇÃO SEXO ESCOLARIDADE
Professora A Professora Feminino Especialização completa
Professora B Professora Feminino Especialização completa
Professora C Professor Masculino Graduação completa
Liderança comunitária D Agricultura Familiar Feminino Ensino médio completo
Mãe de aluno E Agricultura Familiar Feminino Ensino fundamental completo
Aluno F Estudante Feminino Ensino médio incompleto
Fonte: os autores, 2021

Para dar conta de responder a essas problemáticas, construímos na


perspectiva de Silveira e Córdova (2009), uma pesquisa desenvolvida na
abordagem do método qualitativo, que se preocupa com o aprofunda-
mento da compreensão sobre determinados fatos, visando produzir novas
informações. Assim, consideramos que esta seja o tipo mais indicado
para tal pesquisa, aproximando-se do objetivo esperado e em virtude das
inúmeras possibilidades e instrumentos que esta apresenta.

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Movimentos sociais e as lutas contra o desmonte


das escolas públicas
A luta dos trabalhadores e dos movimentos sociais para garantir
o direito à escolarização e ao conhecimento faz parte das estratégias de
resistências, construídas na perspectiva de manter seus territórios de
vida, trabalho e identidade. Surgiu como reação ao histórico conjunto
de ações educacionais que, sob a denominação de educação rural, não só
mantiveram o quadro precário de escolarização no campo, como também
contribuíram para perpetuar as desigualdades sociais naquele território
(MALHEIRO, 2019). A educação rural era predominantemente vista
como algo que atendia a uma classe da população que vivia num atraso
tecnológico, subordinado, a serviço da população dos centros urbanos
(ROSA; CAETANO, 2008).
A partir da realização da I Conferência Nacional por uma educação do
campo, em 1998, a expressão campo passa a substituir o termo rural. Ocorre
uma inclusão e consequente valorização das pessoas que habitam o meio
rural, pois a educação voltou-se para as especificidades inerentes ao homem
do campo, essa inclusão oportunizou relação harmoniosa entre produção,
terra e seres humanos, com relações sociais democráticas e solidárias.
Dois anos antes a educação do campo trilhou avanços relevantes
como a aprovação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB/1996),
foi um avanço que delineou as principais ideias que pautaram essa moda-
lidade, determinando legalmente como deve ser a metodologia, o currí-
culo, a organização das escolas situadas no campo, bem como questões
envolvendo o calendário escolar que no campo diverge do calendário
das escolas do meio urbano, por conta de situações climáticas e fases do
ciclo agrícola.
Nos últimos anos, os movimentos sociais têm intensificado suas
lutas, pois os cortes orçamentários na educação, os desmontes de políticas
públicas e os recorrentes ataques aos professores, acusados de disseminar
o “marxismo cultural” no Brasil, expressa uma onda neoliberal, e um
projeto do capital que segundo Mészáros (2008), diante do acirramento
da crise mundial do capital e das mais bárbaras reações da burguesia
para recuperar suas taxas de lucro e manter-se como classe dominante
e dirigente, arquiteta ações para manter sua rede de exploração com a
classe trabalhadora reforçando assim a divisão de classes.
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ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

Na sua essência, a finalidade da educação será sempre a força motriz,


tanto para a elaboração de estratégias apropriadas e adequadas para mudar
as condições objetivas do sistema de produção e a reprodução das injustiças
de classe, como para “automudança” consciente dos indivíduos convida-
dos a materializar a criação de uma ordem social radicalmente diferente.
Para tanto, dois conceitos devem ganhar destaque: a universalização da
educação e a universalização do trabalho como atividade humana autor
realizadora (MÉSZÁROS, 2008 apud MELIM, 2018).
Desse modo, a educação rompe amarras, constroem caminhos pela
igualdade social, contribui por condições de uma vida digna, dentro do
contexto de uma sociedade capitalista. Por esses ajustes sociais a educa-
ção é capaz de realizar o equilíbrio de classes. Assim, os donos do poder
manipulam dados, congelam orçamentos, retiram direitos adquiridos,
boicotam projetos, cortam fundos voltados à educação.
Os dados sobre fechamentos de escolas do campo, apresentados
por Cassin e Bezerra (2017), sinalizam que existem tentativas, com apoio
de algumas esferas governamentais, de negação do direito à educação,
enquanto estratégia de esvaziamento do campo para atender às demandas
requeridas pela atual versão do capital. Entre tais demandas encontra-se a
concentração de terras, a expansão do agronegócio e a apropriação voraz
da natureza (CALDART, 2012).

Políticas Governamentais no Brasil:


Lutas de Classes
A trajetória das políticas educacionais na história brasileira foi
marcada por lutas, avanços e retrocessos. Esse marco político traz uma
dinâmica de impactos, ora positivo, atuando na correção das distorções
sociais e garantindo acesso a uma educação de qualidade.
O crime contra a classe trabalhadora, configura-se em uma violação
de direitos humanos, que vai desde o corte de orçamentos da educação
até o fechamento de escolas. Os impactos orçamentários sofridos pela
educação em 2015, no segundo mandato da presidenta Dilma Rousseff,
ocasionaram estranhamento por parte da sociedade, pois o lema “Pátria
educadora”, escolhido no segundo mandato, foi de encontro os cortes orça-
mentários, o ajuste fiscal e a política altamente destrutiva das áreas sociais.
Neste momento histórico, eclodem e crescem a insatisfação da
população em geral e em especial, da classe organizada em centrais sin-
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MOV I M E N TO S S O C IA I S E R E SI ST Ê NC IA

dicais e movimentos populares reivindicatórios, a reversão dos cortes e


predominância dos interesses dos empresários na educação pública, a
ação demonstrada pela classe trabalhadora organizada era reagir, com
mobilizações, greves, paralisações e outras formas de manifestações, opon-
do-se ao Plano Econômico de Dilma (TAFFAREL; MUNARIM, 2015).
É importante salientar que a política econômica tem relação com
a implementação do ajuste fiscal realizado na educação em vários gover-
nos. Para promover superávit primário, resultado positivo de todas as
receitas e despesas do governo, excetuando gastos com pagamento de
juros, a prática dos governos é cortar gastos nos ministérios para justificar
equilíbrio fiscal.
No governo Dilma Rousseff, dos anos 2013 e 2014, não houve
corte na educação, no entanto em 2015, era da crise econômica no Brasil.
Uma de suas características foi à forte recessão, que levou a um recuo no
produto interno bruto (PIB), por dois anos consecutivos. A economia
contraiu-se em cerca de 3,5% em 2015 e 3,3% em 2016. Essa situação levou
ao anúncio de corte de 10,6 bilhões na educação em 2015 e 4,2 bilhões
em 2016, ônus de uma crise que não foi gerada pela classe trabalhadora,
porém foi paga por ela, para a manutenção de lucros e capital.
A consequência das restrições orçamentárias no governo Dilma,
segundo Taffarel e Munarim (2015), foi perda e diminuição de projetos e
programas ofertados nas escolas básicas e nas universidades, fechamentos
de escolas, principalmente no campo e inviabilidade do funcionamento de
instituições como as universidades que vêm sendo parceiras na efetivação
de programas de governo que beneficiam as populações do e no campo.
No final de 2015, no cenário de instabilidade financeira e política,
a presidenta Dilma Rousseff foi destituída do cargo no dia 31 de agosto
de 2016, após três meses de tramitação do processo iniciado no Senado,
que culminou com uma votação em plenário resultando em 61 votos a
favor e 20 contra o impedimento.
A construção desse golpe de Estado ocorreu a partir do congresso,
mídia, segmentos do Judiciário e do mercado financeiro (FREITAS,
2018). O falso motivo do Congresso da abertura do impeachment, ale-
gando pedaladas fiscais, objetivou destituir uma liderança de esquerda
que não estava totalmente fechada com agenda neoliberal e colocar no
poder Michel Temer, político de direita que possui consciência de classe
fundamentada na proteção da propriedade privada e na defesa das nor-
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ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

mas definidas pelos donos dos meios de produção. Para Ritser (2019, p.
366), fica evidente que as “instituições do Estado agem ou deixam de agir
conforme os interesses de classe”.
Em 2016, Michel Temer assume a presidência, os donos do capital
se veem novamente representados na Presidência da República. Começa
então uma série de retrocessos sociais do governo Temer, entre elas a
aprovação da Proposta de Emenda Constitucional apelidada de PEC do
teto dos gastos públicos (PEC 241 na Câmara dos Deputados e PEC 55
no Senado Federal), reforma trabalhista, desmonte da educação pública
iniciada pela revogação das nomeações do Conselho Nacional de Educação
(CNE), órgão colegiado ao Ministério da Educação (MEC), que auxilia
na formulação de políticas públicas e diretrizes de ensino. A anulação da
nomeação dos membros foi uma medida unilateral, antidemocrática que
vetou a participação da sociedade no desenvolvimento, aprimoramento e
consolidação da educação nacional de qualidade, enfraquecendo o forta-
lecimento da educação pública, gratuita, laica e socialmente referenciada.
A reforma do Ensino Médio, aprovada em 2017 por medida pro-
visória, promoveu uma série de mudanças na educação básica brasileira.
Uma das mais polêmicas é a que tange à retirada da obrigatoriedade de
disciplinas, tais como: Artes, Educação Física, Filosofia e Sociologia.
Ainda no governo Temer, foram cortados da educação R$ 4,3
bilhões em 2017, em 2018 foi anunciado cortes de R$ 16,2 bilhões nos
ministérios (sem especificar quais pastas perderiam verbas). No mesmo
ano, alegando urgência da garantia de meta fiscal, corta-se mais 2,3 bilhões
do MEC. Outra medida deste governo que foi de encontro ao avanço
educacional, principalmente da educação do campo, foi Resolução n.º
3, de 21 de novembro de 2018 que atualizou as Diretrizes Curriculares,
liberar até 40% da carga horária total do Ensino Médio para que esta
pudesse ser realizada à distância, e que a Educação de Jovens e Adultos
pudesse ser feita 100% à distância. Essa liberação afetou diretamente
a educação do campo, pois a maioria dos estudantes camponeses tem
aulas presenciais, e não são todos que possuem acesso à internet, desta
forma, essa mudança resultaria em retrocessos no processo educacional
no campo, afirma Aureliano et al. (2020).
O Governo Temer durou dois anos e sete meses e ficou marcado
como o mais impopular desde o fim do Regime Militar (1964-1985),
foi um governo que veio da elite, trabalhou para interesses das classes

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dominantes, seguiu até o fim do seu governo com intensas ofensivas


neoliberais, contra o direito dos trabalhadores.
A sangria não está nas contas públicas, e sim, no que estão
fazendo na vida do trabalhador. Essa é a lógica do cha-
mado ajuste fiscal que, em verdade, é um ajuste para a
acumulação do capital, que traz consigo a face deletéria
da política de espoliação das riquezas, dos direitos sociais
(SILVA, 2018, p. 13).
A política neoliberal avançou a passos largos neste governo, isso se
caracterizou não só no desmonte da educação pública, mas um projeto
de classe que vem se desenvolvendo privilegiando setores do capital em
detrimento dos direitos sociais.
Portanto, os descasos vêm aumentando gradativamente, e ao chegar
ao governo Bolsonaro em 2019, existem medidas ainda mais perversas,
pois os movimentos sociais são atacados, bem como o investimento des-
tinado à educação do campo, sendo toda a base governante articulada
com o agronegócio, latifundiários, e os ruralistas. Aureliano et al. (2020)
asseguram que o atual governo é um defensor deste sistema destruidor
do campo, o qual abala vidas, polui, mata e envenena, embora seja visto
com maus olhos pela sociedade, essas ações são apoiadas por alguns
governistas e bancada ruralista.
As primeiras medidas adotadas pelo governo em 2019 e que inci-
dem diretamente sobre as políticas de Educação do Campo, revelam-se
alinhadas ao empresariamento da educação e o imperialismo do agro-
negócio nas áreas rurais, nesta perspectiva o governo quer transformar a
educação do campo em uma modalidade frágil, com o intuito de formar
exército industrial para mãos de obra do mercado de trabalho, ou seja,
quer transformar camponês em operário.
A educação tem sido uma área prioritária para expansão
dos interesses do capital em nosso país e tal condição tem
mobilizado o governo a alterações significativas na legisla-
ção em favor de tais interesses. Não à toa, a primeira medida
pós-golpe foi a reforma do Ensino Médio que revela uma
estratégia articulada e realizada no contexto de um Golpe
para impor à sociedade um novo modelo - curricular e
de gestão escolar, abrindo espaço para a entrada solene e
formal das empresas e suas organizações na disputa pelo
FUNDEB, que movimenta um orçamento anual de mais
de 130 bilhões de reais (FONEC, 2018, p. 1).

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JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

Para viabilizar o plano de desmonte da educação do campo, o


governo extingue a Coordenação responsável pela educação do campo.
Assim, fica inviabilizada a continuidade do Programa Nacional de Educa-
ção na Reforma Agrária, o Pronera, voltado para a formação de estudan-
tes do campo. De acordo com a concepção de Santos (2012), o governo
atual se articula demonstrando objetivar o regresso das universidades,
da educação, dos movimentos sociais e dos camponeses, atentando de
forma pertinente suas principais estruturas.
Nesses dois anos e meio do governo Bolsonaro, a educação já perdeu
R$ 5,8 bilhões, sem contamos com os contingenciamentos que foi de R$
7,4 bilhões anunciados, sendo desbloqueado desse valor apenas R$ 1,5
bilhões. Denota-se o grande prejuízo nas políticas públicas educacionais,
nos processos de ensino/aprendizagem, nas formações dos professores,
nas infraestruturas das escolas, no transporte escolar, e principalmente
no fechamento das escolas do campo, que vem sendo alvo das políticas
de boicote, subjugando trabalhador camponês com ações destrutivas
dentro de um aparelho ideológico de Estado.
É importante pontuar que o projeto de desmonte da escola pública
vai além de cortes de verbas, ele está atrelada aparelhamento ideológico
que estão presentes na estratégia de mobilização de forças conservadoras
e de extrema direita, bem como na escolha de Ministros que comungam
dessa mesma ideologia destrutiva, essa seleção cirúrgica, carregada muitas
vezes de um despreparo proposital para desfecho desse desmonte que
estamos presenciando, não só na pasta da educação, como também na
área da saúde, meio ambiente, cultura e outras.
Para a Educação do Campo, o legado construído,
[...] ainda que com imensas limitações, significam a con-
quista de fundos públicos para a garantia do direito à
educação dos trabalhadores. Nossas práticas educativas
compreendem a imprescindível necessidade de superação
da sociabilidade gerada pela sociedade capitalista, cujo fun-
damento organizacional é a exploração do ser humano sob
todas as formas, a geração incessante de lucro e a extração
permanente de mais-valia. Ao contrário desta perspectiva,
nossas práticas educativas têm como horizonte formativo o
cultivo de uma nova sociabilidade, na qual o fundamento
encontra-se pautado na superação da forma capitalista de
organização do trabalho, na associação livre das/os traba-

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lhadoras/es, na solidariedade e na justa distribuição social


da riqueza construída coletivamente pelos seres humanos
(FONEC, 2019, p. 2).
Pode-se afirmar, portanto, que se construiu no Brasil uma materia-
lidade, uma base política no campo da educação, que vem dos processos
organizativos e de um projeto contra- hegemônico de campo, desde as
lutas sociais empreendidas nas últimas décadas. Uma materialidade que
estruturou não somente uma base teórica, mas também formou uma base
técnica objetiva em todos os campos do conhecimento sobre a qual erige
um movimento sólido de Educação do Campo.

Aspectos Legais:
Escolas do campo e sua permanência
É lícito observar, que qualquer medida unilateral que prive o direito
à educação, como o fechamento de escolas do campo, desrespeita os
aspectos legais como: A Constituição Federal 1988, estabelece em seu
artigo 205 que a educação é um direito de todos e dever do Estado e da
família, bem como preconiza em seu artigo 206, no inciso I o princípio
da igualdade de condições para o acesso e permanência na escola.
A LDB 9394/1996, define as linhas gerais da educação brasileira e
foi criada para fomentar o direito a toda população de ter acesso à edu-
cação gratuita e de qualidade, determinando legalmente como deve ser
a metodologia, o currículo, a organização das escolas situadas no campo,
para essa modalidade organização escolar própria incluindo adequação
do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e às condições climáticas.
A Lei n.º12.960/2014 proíbe o fechamento de escolas do campo,
indígenas e quilombolas sem que haja consulta aos órgãos normativos
como o Conselho Municipal da educação e a comunidade escolar, anali-
sando o impacto da ação e os prejuízos à população camponesa. Essa lei
foi sancionada pela presidenta Dilma, a partir das pressões e articulações
dos movimentos do campo.
Lei n.º 8.069/1990, dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adoles-
cente (ECA), em seu artigo 53 determina que a criança e ao adolescente
tenham o direito ao acesso à escola pública e gratuita próxima de sua
residência. Tal preceito também deve ser assegurado aos alunos do campo.
As leis mencionadas constituem um arcabouço jurídico consistente
e significativo para a garantia de direito a uma educação de qualidade para
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ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

todos e para o povo do campo, que precisa de aparatos legais para que
seus direitos sejam garantidos e não facialmente retirados, violentando
a identidade e a dignidade do povo camponês.

Nucleação e fechamento das escolas no município


de Bom Jesus da Lapa - BA
As escolas presentes no campo são espaços para emancipação
humana, tendo como pilar a educação popular, ofertando por meio do
processo educativo um currículo próprio, atendendo a realidade do homem
camponês, fortalecendo assim a comunidade que a escola está inserida.
A Resolução n.º 2, de 28 de abril de 2008 em seu Art. 1º afirma que
a Educação Básica do Campo compreende a Educação Infantil, Ensino
Fundamental, Ensino Médio e Educação Profissional Técnica de nível
médio integrada com o Ensino Médio e destina-se ao atendimento das
populações do campo: agricultores familiares, extrativistas, pescadores,
ribeirinhos, assentados e acampados da Reforma Agrária, quilombolas,
indígenas e outros. Em seu Art. 3º afirma que a Educação Infantil e os
anos iniciais do Ensino Fundamental serão sempre oferecidos nas próprias
comunidades rurais, evitando-se os processos de nucleação de escolas e
de deslocamento das crianças (BRASIL, 2008).
A escola do/no campo também é um amparo a ausência da escola-
rização de milhões de brasileiros que por inúmeros motivos não puderam
frequentar a escola. De acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios (PNAD, 2019) o Brasil tem 11 milhões de analfabetos, equivale
6,6% da população, esse percentual se acentua quando nos referimos a
população do Campo, aonde o analfabetismo chega a ser quase quatro
vezes maior em relação à urbana. A taxa de analfabetismo no campo é
de 17,7%, contra 5,2% nas cidades.
O problema, no entanto, é especialmente mais grave no Nordeste,
pois é a região que mais fecha escolas, consequentemente a que mais se
concentra a taxa de analfabetismo com percentual de 13,9% (PNAD,
2019). A Bahia foi terceiro estado de 2015 a 2018, que mais fechou escola
na região nordeste 15,54% se contrapondo a necessidade da ajuda efetiva
da permanência da escola no combate ao analfabetismo tão eminente
da região.
Diante deste contexto de fechamento de escolas, que já é uma reali-
dade no município de Bom Jesus de Lapa - BA, a nucleação como proposta
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de reordenar a rede não é um fato isolado no contexto político-administra-


tivo das políticas públicas municipais. Há muitos casos de reordenamento
de escolas das redes federais e estaduais e de governos municipais, com
o intuito de resolver a questão da universalização da escola básica, falta
de orçamento para a manutenção das escolas do campo, diminuição de
matrículas, salas multisseriadas e visão ideológica de governo.
O projeto de nucleação apresentado pelo município de Bom Jesus
da Lapa evidencia que os repasses dos recursos financeiros, para manu-
tenção do ensino do campo e da sede dos municípios brasileiros, têm
demonstrado queda brusca por parte do Governo Federal, FNDE e
Ministério da Educação. Os recursos advindos do governo federal para a
manutenção das escolas baseiam-se na quantidade de alunos matriculados
no ano anterior. Esses recursos são destinados a garantir, supletivamente, a
manutenção do prédio escolar, aquisição de material permanente; compra
de material de consumo (material de limpeza e pedagógico), capacitação
e aperfeiçoamento de profissionais da educação e desenvolvimento de
projetos pedagógicos. Com a redução desses valores os municípios estão
encontrando dificuldades em manter as escolas do campo com pouco
quantitativo de alunos.
O governo federal por meio da Resolução n.º 3, de 1997, apresenta
o valor per capita anual do repasse da União para a manutenção das uni-
dades escolares, segue abaixo, o quadro 2 para apreciação:

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Quadro 2 – Valores anuais repassados pela União por quantidades de alunos


matriculados
VALOR ANUAL POR ESCOLA – R$ 1,00
NÚMERO DE REGIÕES NO, NE e CO REGIÕES SD, SU e no DF
ALUNOS POR
ESCOLA CUSTEIO CAPITAL TOTAL CUSTEIO CAPITAL TOTAL

De 21 a 50 500 - 500 500 - 500

De 51 a 100 1.300 - 1.300 1.100 - 1.100


De 101 a 250 2.300 400 2700 1.500 300 1.800
De 251ª 500 3.200 700 3.900 2.200 500 2.700
De 501 a 750 5.300 1.000 6.300 3.700 800 4.500
De 751 a 1000 7.500 1.400 8.900 5.200 1.000 6.200
De 1001 a 1500 8. 600 1.700 10.300 7.000 1.200 8.200
De 1501 a 2000 12.000 2.400 14.400 8.000 2.000 10.000
Mais de 2000 16.000 3000 19.000 12.000 2.500 14.500

Fonte: dados da resolução, 2007

Os dados nos apontam que os recursos advindos da União são insu-


ficientes para a manutenção de unidades escolares com pouco número
de alunos matriculados. As escolas de pequeno porte, como a maioria
das escolas do campo, que tem de 21 a 100 alunos, não recebem nenhum
valor de capital, impedindo as escolas de adquirem itens básicos, como:
impressora, computador e outros bens permanentes que auxiliam no
desenvolvimento do ensino aprendizagem dos alunos.
Comprometido com falta de recurso para a manutenção das esco-
las do campo e alinhado ao discurso da concepção de uma educação de
qualidade sem multisseriação e com mais estrutura. O município Bom
Jesus da Lapa, lança a proposta aos órgãos normativos, obedecendo a
Lei 12.960/2014 que previne a consulta as comunidades afetadas e ao
Conselho Municipal de Educação, essa última, aprova com ressalvas
a nucleação e fechamento de 18 escolas do campo entre 2018 e 2019,
afetando 414 alunos de 14 escolas unidocentes (escola com um único
professor) nucleadas em 2018 (Semed 2019).
Neste aporte, as condições para nucleação mediante diálogo com
as comunidades afetadas foram: revitalização das estradas de acesso às
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escolas que receberão os alunos; transportes adequados para o desloca-


mento dos alunos; formação das turmas de acordo com a Portaria de
Matrícula; reforma e/ou ampliação das escolas que receberão os alunos
(PARECER TÉCNICO CME n.º 004/2018).
Com intuito de contrastar dados menos técnicos, a partir de aspectos
que buscam evidenciar um recorte da materialização de direitos, tanto
dos educandos, quanto dos educadores, foi realizado os questionários
por meio de uma plataforma de comunicação virtual (WhatsApp), entre
os dias 05 e 25 de maio de 2021, com três docentes, um estudante, um
líder comunitário e uma mãe de aluno que vivenciaram o fechamento e
nucleação das suas unidades escolares.
Ao questionar em um primeiro momento somente os três docen-
tes, sobre a importância da escola no campo e suas especificidades com
garantia de direito, responderam o seguinte:
Para o campesino é a primeira via de comunicação ou con-
tato com o poder público, é o local onde a comunidade se
reúne para as mais diversas discussões, é a valorização da
cultura local, é uma forte via para a erradicação do trabalho
infantil e também a porta de entrada para a modernização
do campo. A comunidade vive a escola e esta relação muitas
vezes é conflituosa, principalmente se as peculiaridades
contextuais não forem consideradas no currículo escolar
e na prática pedagógica. (PROFESSORA A, 2021).

As escolas do campo são de uma importância fundamen-


tal para nossas vidas, pois nela podem ser desenvolvidas
atividades como cultivo de alimentos, cuidado com os
animais de criação entre outras coisas. Outra característica
econômica da zona rural é o ecoturismo, que pode também
ser chamado de turismo rural. (PROFESSORA B, 2021).

A escola do campo é de fundamental importância para a


comunidade, possibilita a garantia dos direitos das crianças,
dos jovens e adultos, promovendo um espaço de cidadania.
Além de diminuir os casos de trabalho infantil e envolvi-
mento com drogas lícitas e ilícitas. É resgate da autoestima
e de melhores oportunidades no campo profissional. Infe-
lizmente, nem sempre ocorre dessa forma, mas é como
deveria ser e acontecer em muitos espaços da educação
do campo. (PROFESSORA C, 2021).
Corroborando com Cardoso (2019), sobre as falas dos professores,
a ausência de políticas públicas capazes de fomentar o acesso à educação
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por parte da população camponesa, demonstra a ineficiência do Estado


em cumprir seu papel, mas tal problemática encontra-se atrelada à falta
de preocupação do Governo em propiciar mecanismos que garantam o
ingresso do sujeito do campo em um sistema educativo de qualidade, sem
a necessidade de sair de seu ambiente para obter o direito à educação.
Ainda dialogando com os professores sobre as escolas do campo
de Bom Jesus da Lapa, perguntamos quais prejuízos que as professoras
observaram com a nucleação e fechamento das escolas do campo, e estas
afirmaram o seguinte:
Para a gestão pública, nuclear as escolas pode até benefi-
ciar o seu erário, mas não resolve a situação precária das
escolas no campo e cria outros problemas para alunos e
comunidade/localidade. Ao observar algumas comunidades
que estão sob esta política educacional, pode-se perceber
que os danos são muitos e poderiam ser mais amenos com
a criação de núcleos escolares na própria zona rural, em
comunidades mais próximas, pois quando os alunos são
deslocados para a zona urbana à uma escola em que não
se considera a sua identidade campesina a situação é ainda
mais grave. (PROFESSORA A, 2021).

As críticas feitas ao processo de nucleação denunciam o


distanciamento da escola-núcleo das comunidades de ori-
gem de seus alunos e de suas respectivas famílias, além dos
riscos e desgastes que longas viagens realizadas em estradas
precárias implicam para os alunos. Indica-se também que a
política de nucleação contribui ao desenraizamento cultural
dos alunos do campo, tanto por deslocá-los para longe da
comunidade de origem, como por oferecer um modelo
de educação urbano, alheio ao seu cotidiano. Critica-se
ainda o desestímulo à gestão participativa da escola, uma
vez que, longe de sua comunidade de origem, os alunos e
seus respectivos pais não teriam meios para participar da
gestão da escola, conforme orienta a própria LDB. (PRO-
FESSORA B, 2021).

O fechamento das escolas acarreta altos custos sociais e eco-


nômicos para as pessoas que vivem nas diversas comunida-
des do campo. Assim ocorrendo várias disparidades como:
aprendizagem comprometida, pais despreparados, lacunas
nos cuidados com as crianças, má nutrição (muitas crianças
e jovens dependem das refeições gratuitas), aumento de
violência doméstica e etc. (PROFESSORA C, 2021).

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Tendo em vista ampliar o olhar, perguntamos a comunidade escolar,


além dos professores, aluno, e mãe de aluno: “Quais prejuízos puderam
observar com a nucleação e fechamento da escola do campo da sua locali-
dade?”. Obtivemos as seguintes respostas:
O fechamento de escolas sob alegação de custos eleva-
dos para atender aos poucos alunos apenas demonstra o
desinteresse da gestão pública com a educação. A educação
nucleada é excludente, pois não disponibiliza a educação
em sua localidade de origem, é uma negação ao direito a
educação. (PROFESSORA A, 2021).

As nucleações aos moldes atuais afetam negativamente a


formação da identidade rural, aumentam dificuldade de
aprendizado e abandono escolar, e diminuem drasticamente
o vínculo dos pais com os professores (alguns desconhecem
totalmente) devido às diferenças culturas, econômicas e
dificuldade de acesso às escolas. (PROFESSORA B, 2021).

O fechamento de escolas do campo, fez com que estudantes


fossem transferidos para escolas distantes e também para
a sede do município, onde muitas vezes não atende as
peculiaridades das comunidades do interior. Ainda tem o
fato, que muitos alunos sofrem preconceitos linguísticos,
culturais, sociais, raciais entre outros, quando passam a
frequentar uma escola da sede. (PROFESSOR C, 2021).

As escolas no campo alimentam, dá vida a comunidade


rural. O seu fechamento é o início do fim da comuni-
dade, é uma ameaça que tem provocado êxodos para a
zona urbana de toda a família ou apenas o estudante, que
após conclusão dos estudos não retornam as suas origens,
diminuindo ano a ano a quantidade de moradores das
comunidades. Então, manter as escolas no campo extra-
pola o cunho educacional, é também uma questão social.
(LÍDER COMUNITÁRIA D, 2021).

O fechamento de escolas no campo tem provocado desis-


tência, devido ao deslocamento/distância, a qualidade do
transporte, a cultura presente na nova escola e um conteúdo
totalmente desvinculado da sua realidade. Primeiro fecha-se
uma escola, depois o posto de saúde e por fim, a igreja.
Ali havia uma comunidade. (MÃE DE ALUNO E, 2021).

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A escola é um lugar de troca coletiva e de aprendizagem,


que entendermos melhor as questões do espaço onde vive-
mos...Estudar em sua comunidade tem a vantagem de estar
perto de casa, com amigos e professores que já conhece-
mos. Estudar em outra localidade tem a dificuldade da
distância de pegar ônibus e de conciliar trabalho e estudo.
(ALUNO F, 2021).
Podemos observar que para o poder público a nucleação de escolas
do campo é uma prática de organização político-administrativa faz parte
do processo de democratização formal do Estado brasileiro.
Gonçalves (2021), vem colaborar com essa análise ao afirmar que,
as críticas feitas ao processo de nucleação denunciam o distanciamento
da escola-núcleo das comunidades de origem de seus alunos e de suas
respectivas famílias, além dos riscos e desgastes que longas viagens rea-
lizadas em estradas precárias implicam para os alunos. Indica também
que a política de nucleação contribui ao desenraizamento cultural dos
alunos do campo, tanto por deslocá-los para longe da comunidade de
origem, como por oferecer um modelo de educação urbano, alheio ao
seu cotidiano.
Portanto, em que pese a realidade e o contexto das escolas do campo,
impõe-se àqueles que lutam o dever de associar a disposição de resis-
tência ativa à atitude de resiliência, acreditar no tempo e no patrimônio,
no legado histórico vivo e em movimento. Fazê-lo florescer no chão da
escola, de baixo para cima. Conjugar o verbo “esperançar”, construindo
o tempo futuro e atuando sem tréguas no tempo presente.

Considerações Finais
De acordo os dados da pesquisa, os desafios que permeiam a edu-
cação do campo, tanto na esfera federal, como nos dados apresentados no
município de Bom Jesus da Lapa, Bahia. Os dados atrelados na educação
do campo, não somente na eliminação do analfabetismo, perpassam
também no resgate da autoestima do camponês, desenvolvimento da
sustentabilidade local. No que tange a agenda pública pelo intermédio
das lutas dos movimentos sociais, que cobram e articulam por meio de
pautas político-sociais, projetos de emancipação humana e direito absoluto
a escola de qualidade. A educação do campo é direito e não esmola. Que
nos leva a reafirmarmos a importância da luta de movimentos sociais
pelo projeto de educação das populações camponesas no Brasil.
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MOV I M E N TO S S O C IA I S E R E SI ST Ê NC IA

A Educação do Campo, ao longo das últimas décadas, apresentou


avanços significativos com os movimentos de educação do campo que
objetiva por meio das lutas, a busca por melhorias educacionais, a supe-
ração da divisão de classes, a igualdade de direitos e a valorização de sua
identidade.
Os dados da pesquisa evidenciaram que o acirramento da crise
econômica no Brasil, a reação da burguesia para recuperar suas taxas
de lucro e manter-se como classe dominante, foi comprimir orçamentos
públicos em nome do ajuste fiscal. A área social foi a mais afetada com os
cortes orçamentários, em especial a pasta da educação que sofreu fortes
retrocessos de direito educacional como: fechamentos escolas, paralisação
de políticas educacionais, diminuição a capacidade de investimentos em
infraestrutura, falta de material pedagógico e formação de professores.
A atual política recessiva de cortes orçamentários, que leva ao
fechamento de escolas, principalmente no campo, configura-se crime
contra uma nação e a classe trabalhadora, especialmente contra os povos
do campo, pois, a escola do campo é patrimônio da comunidade, símbolo
de lutas e conquistas, de identidade dos povos do campo que vem sendo
ameaçada com os retrocessos na legislação do país.
De acordo com nossa pesquisa realizada com os docentes, aluno,
mãe de aluno e líder comunitário, em comunidades distintas da zona rural
de Bom Jesus da Lapa, os principais motivos que levam ao fechamento
de escola são: falta de prioridades dos governantes para com o avanço da
educação; plano ideológico de limitar as expectativas dos trabalhadores
em termos de socialização do conhecimento pela escola; cortes orçamen-
tários; diminuição das matrículas e salas multisseriadas. As demandas
reveladas a cada ato e/ou encontro tornam visíveis milhares de sujeitos,
cujos direitos consignados constitucionalmente têm sido intencionalmente,
disfarçados por um véu de invisibilidade.

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78
FORMAÇÃO DE PROFESSORES NAS ESCOLAS
DO CAMPO DA REGIÃO METROPOLITANA
DE CURITIBA: LUTA E RESISTÊNCIA POR
POLÍTICAS PÚBLICAS

Rosana Aparecida da Cruz 18


Maria Arlete Rosa 19

Este artigo busca problematizar a formação de professores na atual


conjuntura, palco em que as políticas públicas sofrem golpes e retroces-
sos como resultados das determinações políticas do atual governo bra-
sileiro. A reflexão aqui realizada permite apresentar uma possibilidade
de práticas de formação de profissionais da educação em municípios
localizados na Região Metropolitana de Curitiba, Estado do Paraná. A
região é composta por 29 municípios, com destaque para o Município
de Tijucas do Sul, situado na direção sul e distante a 60 km de Curitiba.
Em sua maioria, os municípios da região estão inseridos num contexto
urbano metropolitano marcados pela invisibilidade da ruralidade, com
o predomínio do urbano sobre o rural. Para melhor visualização, segue
a Figura 1, mapa de localização espacial da Região Metropolitana de
Curitiba e seus municípios.

18
Doutora e mestre em Educação. Especialista em Psicopedagogia. Graduada em Pedagogia, especialista em
Psicopedagogia. Pedagoga da SEMED de Tijucas do Sul - PR. a qual coordena as escolas do Campo. Repre-
sentante do Nupecamp (Núcleo de Pesquisa em Educação do Campo, Práticas Pedagógicas e Movimentos
Sociais). Integrante do FONEC (Fórum Nacional da Educação do Campo) e APEC (Articulação Paranaense
da Educação do Campo). E-mail: rosanacruz2007@yahoo.com.br.
19
Professora Adjunta do Programa de Pós-graduação em Educação e pesquisadora do Nupecamp - Univer-
sidade Tuiuti do Paraná, Filiação, Brasil. E-mail: mariaarleterosa@gmail.com. Orcid: 0000-0001-6891-0834.

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ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

Figura 1 – Mapa Político da Região Metropolitana de Curitiba

Fonte: Curitiba, 2020

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MOV I M E N TO S S O C IA I S E R E SI ST Ê NC IA

Nessa roda de conversa aqui realizada, temos a oportunidade de


dialogar sobre a formação de professores, problematizando e refletindo
sobre as políticas de formação, assim como relatando experiências de luta
e resistência em tempos sombrios. Destacamos a participação do Pro-
grama de mestrado e doutorado em Educação pela Universidade Tuiuti
do Paraná, constituído por duas linhas de Pesquisa: Práticas Pedagógicas
e Elementos Articuladores, linha da qual integramos como docente e
pesquisadora e, outra, de Políticas Públicas e Gestão da Educação.
O Programa, já consolidado há mais de 25 anos, constituído por
12 docentes, tem como missão a formação continuada de professores da
Educação Básica e forte inserção social regional no estado do Paraná e
em outros estados brasileiros. Em sua maioria, os discentes são oriundos
da Educação Básica que atuam nas diferentes modalidades educativas e
discentes da Educação Superior que atuam em cursos de formação inicial
de professores, ofertados por instituições do sistema estadual de ensino,
institutos federais, entre outras. Esse Programa de mestrado e doutorado
contribui com pesquisas e estudos para a produção de conhecimentos
significativos, com destaque para as redes de ensino e escolas localizadas
nos 29 municípios que integram a Região Metropolitana de Curitiba, foco
dessa roda de conversa.
Sendo Curitiba a cidade polo de sua Região Metropolitana, com
aproximadamente 2 milhões de habitantes, ela determina as relações
urbanas dessa região, cuja população soma mais de 3 milhões e meio de
habitantes e representa 31% da população do Estado do Paraná. Uma
das regiões fortemente adensadas, que apresenta maior crescimento nos
últimos anos dentre as demais regiões metropolitanas brasileiras.
Tendo como contexto a Região Metropolitana de Curitiba, des-
tacamos dois projetos20 de pesquisa realizados pelo Núcleo de Pesquisa
em Educação do Campo Movimentos Sociais e Práticas Pedagógicas
(Nupecamp) – Universidade Tuiuti do Paraná. Os projetos tiveram um
conjunto de ações de formação para profissionais de educação das escolas
municipais do campo localizadas nesta região. Um projeto pesquisou o
letramento (OBEDUC I/Capes), com o título “Realidade das escolas do
campo na Região Sul do Brasil: diagnóstico e intervenção pedagógica
com ênfase na alfabetização, letramento e formação de professores”; outro
20
Projeto coordenado pela professora Dr.ª Maria Antonia de Souza e vinculado ao Núcleo de Pesquisa em
Educação do Campo e Movimentos Sociais – Nupecamp - OBEDUC II - Projeto Observatório da Educação/
CAPES - EDITAL 049/2012.

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ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

projeto é denominado “A Educação do Campo na Região Metropolitana


de Curitiba: diagnóstico, Diretrizes Curriculares e Reestruturação dos
Projetos Políticos-Pedagógicos”, do Observatório em Educação – OBE-
DUC II/Capes, financiados pela Diretoria de Educação Básica/Capes.
Nesses projetos, como pesquisadora colaboradora, estudamos a Educação
Ambiental escolar com ênfase em investigar os elos de articulação entre
a Educação do Campo e Educação Ambiental nas escolas do campo.
O projeto OBEDUC/II ampliou sua abrangência para os 29 muni-
cípios da Região Metropolitana de Curitiba, tendo como objeto de estudo
a revisão dos projetos políticos pedagógicos dos municípios que se dispu-
seram a participar da pesquisa. Assim, participaram os professores que
integram as redes municipais de ensino, que, como sujeitos de pesquisa,
conforme os procedimentos adotados de pesquisa-ação pelo projeto,
contribuíram para a construção do diagnóstico dos projetos político-pe-
dagógicos de seus municípios e, em alguns casos, como o do município
de Tijucas do Sul, reestruturaram o Projeto Político Pedagógico de sua
rede de ensino.
Esse município é representativo de uma boa prática de formação dos
profissionais de educação e será detalhado no decorrer deste artigo. Com
resultados exitosos quanto aos objetivos propostos para o projeto OBE-
DUC/II, ocorreu uma ressignificação do projeto político-pedagógico do
município de Tijucas do Sul ao construir referências político-pedagógicas
participativas dos diferentes segmentos da comunidade na gestão escolar.
Aqui cabe registrar a indignação, como educadoras, diante do
desmonte de políticas públicas realizadas pelo atual governo federal, de
forma irresponsável e perversa, ao cortar e extinguir financiamentos de
Programas como o dos Observatórios de Educação – Capes. Esse Programa
buscou responder a uma necessidade histórica no sentido de materializar
a articulação entre a formação inicial e continuada dos profissionais da
educação, no âmbito do Ensino Superior e a Educação Básica.
Os resultados constatados pelo projeto OBEDUC/II possibilitaram
concretizar atividades de formação inicial e continuada por um programa
de mestrado e doutorado, evidenciando que a pesquisa é uma estratégia
importante de formação para a educação básica. Assim é o caso dos pro-
fessores das redes municipais de ensino que participaram do projeto, em
especial de Tijucas do Sul, com desdobramento de seus resultados até a
presente data, ao organizarem o Projeto Integrado por meio de Acordo de

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MOV I M E N TO S S O C IA I S E R E SI ST Ê NC IA

Parceria e PD&I, tendo como objeto desenvolver proposta de cooperação


e parceria entre Universidade Federal do Paraná - Setor Litoral, por meio
do laboratório, projeto de extensão Laboratório de Estudos em Ludicidade,
Tecnologia e Comunicação (Lutecom), a Universidade Tuitui do Paraná,
por meio do Programa de Pós-Graduação em Educação – Mestrado e
Doutorado/PPGED - Nupecamp e a Prefeitura Municipal de Tijucas do
Sul. Esta ação vem sendo nominada pelas três entidades como Projeto
Integrado Tijucas do Sul.
Nesse viés, ressalta-se que o Nupecamp deu continuidade, desde
2012 até a presente data, realizando reuniões mensais e quinzenais para
organizar suas atividades de estudo, pesquisa e extensão. Não obstante
a falta de financiamento, as atividades de pesquisa, extensão e formação
dos profissionais de educação contam com a participação de egressos
dos cursos de mestrado e doutorado do PPGED. A maior parte desses
egressos receberam bolsas da Capes e CNPQ, o que assegurou sua for-
mação continuada e a produção de resultados de impactos, ao serem
multiplicadores das ações de formação realizadas pelos municípios, em
especial dos professores da rede municipal de Tijucas do Sul.
Ainda, em tais reuniões ocorre a participação dos egressos e alunos
dos cursos de mestrado e doutorado que desenvolvem estudos tanto na
modalidade da Educação do Campo como na Educação Ambiental. Também,
atividades de formação de professores em municípios da Região Metropo-
litana de Curitiba, como seminários de formação; curso de especialização
e diferentes atividades de extensão com foco na formação de professores.
Registra-se aqui o compromisso dos docentes do PPGED e Nupecamp
com as atividades de pesquisa e formação dos profissionais de educação,
que, mesmo diante do desmonte das políticas públicas de formação, com
a falta de investimentos e recursos para projetos e programas de formação,
desenvolvem atividades de cooperação, a exemplo das ações de parceria e
solidariedade para com os municípios, a fim de que a formação continuada
possa ocorrer nesses municípios da Região Metropolitana de Curitiba.
Cabe atenção à Meta 15 do PNE, que trata da política nacional de for-
mação dos profissionais da educação, no sentido de assegurar que “todos os
professores e as professoras da educação básica possuam formação específica
de nível superior, obtida em curso de licenciatura na área de conhecimento
em que atuam”. Consta-se, em dados do Observatório do PNE, que não se
registram indicadores de realização de cumprimento dessas metas.

83
ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

Vale pontuar os estudos de Gatti (2010, p. 1355-1379) sobre formação


de professores, que destacam a necessidade de uma real revolução nas
estruturas institucionais, formativas e nos currículos de formação inicial.
Ainda, vale assinalar que vemos um processo, como menciona a autora,
de fragmentação formativa e que a formação de professores não pode
ser pensada a partir das ciências e de seus campos disciplinares como
adendo destas áreas, mas a partir da função social da escola, buscando-
-se ensinar às novas gerações o conhecimento acumulado e consolidar
valores e práticas coerentes com a nossa vida civil.
Saviani (2011, p. 7-19) refere-se a circunstâncias para se equacionar
o problema da formação dos professores de modo adequado, as quais
devem estar associadas a determinadas condições de exercício do tra-
balho docente que envolve a carreira dos docentes, as questões salariais
e as jornadas de trabalho. Ainda que tais condições operam como fator
de desestímulo à procura pelos cursos de formação docente e de dedica-
ção aos estudos. Argumenta o autor que existe uma reciprocidade entre
qualidade do trabalho docente e formação docente, e que a educação é
o eixo do projeto de desenvolvimento nacional.
Autores que são referências e baluartes para a educação brasileira
nos orientam na fundamentação teórica e nas posições político-educa-
cionais, ao passo que contribuem para a compreensão da complexidade
da realidade sobre a formação de professores no contexto brasileiro. Além
disso, apontam elementos importantes para a avaliação dos programas
de formação diante dos desafios a serem enfrentados e dos possíveis
caminhos a serem trilhados nesse contexto tão precário e de descaso da
educação brasileira, promovido pelo atual governo, gerando desestímulos
e falta de esperança para a educação.
Isto posto, buscamos trazer experiências, possibilidades, boas práticas
de resistências e, ainda que não haja recursos e investimentos, são práticas
construídas com base em compromissos com a educação pública e de qua-
lidade, com a educação básica, com a formação de professores, fortalecendo
uma perspectiva crítica e de transformação. Consideramos que a articulação
entre a educação do campo e a educação ambiental possibilita evidenciar
a construção de práticas que expressem tal perspectiva de educação, que
possa ser fortalecida nos processos de formação de professores. Aqui reto-
mamos, como um dos resultados das ações realizadas pelo OBEDUC/II
nos municípios da Região Metropolitana de Curitiba, a apresentação de

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atividades que se desdobraram, a exemplo do Projeto Integrado de ações


de formação de professores realizadas no município de Tijucas do Sul.
Com um número expressivo de escolas localizadas no campo, em
decorrência de que sua população vive e trabalha na área rural, o Pro-
jeto Integrado é inovador pela concepção integrada de políticas públicas
municipais, construído coletivamente por diferentes áreas da adminis-
tração municipal, assim como da parceria com a Universidade Federal
do Paraná, Setor Litoral, com a participação de docentes e pesquisadores
que atuam na Licenciatura da Educação do Campo. Conjuntamente, a
Universidade Tuiuti do Paraná, por meio da participação dos docentes do
Programa de Pós-Graduação em Educação e Nupecamp, que desenvol-
vem pesquisas nas áreas de Educação do Campo e Ambiental, Educação
Especial, Letramento, o livro didático, os quais estão comprometidos
com o Projeto Integrado e com as possibilidades de suas boas práticas
no Município de Tijucas do Sul.
Compreendemos que a escola é uma liderança social no contexto
do território do campo, na qual é realizado um conjunto de ações, e que
ela é protagonista e espaço de articulação das políticas públicas com a
comunidade escolar de alunos, pais, famílias e lideranças locais. O ter-
ritório que delimitamos é o espaço geográfico das bacias hidrográficas,
em especial aquelas de áreas de mananciais para abastecimento público,
uma vez que Tijucas do Sul integra as áreas de proteção de mananciais
de Curitiba e Região Metropolitana.
Entendemos que o Projeto Integrado de formação dos profissio-
nais de educação no município de Tijucas do Sul possibilita que a escola
venha a compreender o contexto socioambiental, cultural, econômico
e produtivo em que está inserida. Estudos evidenciam que a escola, em
especial a escola do campo, não se apropria de conhecimento sistemati-
zado sobre a realidade socioambiental do seu entorno, muito embora o
conhecimento empírico do seu cotidiano seja valoroso.
Esse fato estabelece uma contradição com o prescrito pela política
da educação do campo, que estabelece como princípio que o estudante é
sujeito de direito. Para tanto, apropriar-se de conhecimento da sua realidade
é uma condição necessária para a cidadania campesina. Consideramos
que este é um dos principais desafios a serem enfrentados no processo
de formação dos profissionais de educação e dos gestores públicos que
trabalham com a educação do campo.

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JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

Os escassos estudos sobre a realidade socioambiental rural da Região


Metropolitana de Curitiba evidenciam um contexto de invisibilidade do
rural diante da força do urbano, que àquela se sobrepõe. O predomínio
das relações urbanas sobre o rural aprofunda-se diante das desigualda-
des educacionais, em que frequentar a escola é um desafio cotidiano das
famílias que vivem e trabalham na área rural dos municípios desta região.
Ainda, registramos o descaso dos atuais gestores das políticas públi-
cas do governo do Paraná, responsáveis pelo desmonte da educação do
campo nesta região. O resultado imediato de interesses vinculados ao
transporte escolar pelas administrações municipais institui como política
pública o fechamento de escolas do campo localizadas nas áreas rurais.
Diante disso, foi organizado, pela comunidade de pais e alunos, um
movimento de resistência de fechamento de escolas do campo, o qual
contou com o apoio do Nupecamp.
Assim, fortalecer a identidade da escola como liderança social no
território das bacias hidrográficas do Município de Tijucas do Sul, em
que predominavam as culturas de fumo, com impactos sobre saúde da
população do campo, é um compromisso com a vida e com a educação
pública e de qualidade. Vale pontuarmos que os riscos à saúde pública e
danos ambientais foram determinantes para a organização de ações de
saúde e ambientais junto ao Ministério Público do Paraná, com vistas à
conversão da agricultura do fumo para uma agricultura de sustentabili-
dade da vida e do ambiente. Como resultado das políticas adotadas pelo
município e demais órgãos públicos, foi possível a transformação da
atividade agrícola de Tijucas do Sul, que passou a ser o maior produtor
de produtos orgânicos do estado do Paraná.
A compreensão pela escola da dinâmica da realidade econômica,
social e ambiental do município é determinante para a formação dos
profissionais que trabalham com a Educação do Campo. Foi a partir
do Projeto do OBEDUC/II, que tinha como objetivo realizar a revisão
do Projetos Político-Pedagógicos das escolas e do próprio município,
que se tornou possível desenvolver ações de formação dos professores
e comunidade escolar, no sentido de contribuir para a compreensão da
realidade das escolas do campo. Para tanto, foi realizado um levantamento
participativo de dados do entorno da escola e do município. Participa-
ram professores, estudantes, diretores, equipe pedagógica e comunidade,
visando a apropriação de conhecimento sistematizado sobre os elementos
para entendê-la.
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A estratégia político-pedagógica de formação de professores, das


equipes pedagógicas e da comunidade escolar possibilita o empoderamento
dos princípios preconizados pelas políticas da educação do campo. Ela
está fundamentada na perspectiva21 de Caldart (2019, p. 3), que tem na
agroecologia um dos “pilares centrais da construção da Reforma Agrária
Popular, exatamente porque se refere ao modo de produzir que desenha
a função social da terra em uma forma de relação metabólica do ser
humano com a natureza e não contra ela”.
Essa estratégia tem como tarefas: ser a favor da humanidade; lutar
pela construção do próprio Movimento; territorializar os processos
produtivos agroecológicos; que a proposta agroecológica seja apropriada
de forma prática e científica pelas comunidades; que tais comunidades
decidam por processos de transição que entrelacem formas de produzir,
lutar e de viver.
Vivenciamos constantemente disputas político-pedagógicas nas
escolas públicas; a luta é contínua, com a organização de ações de resis-
tência diante de um projeto conservador que se contrapõe a um projeto
de emancipação dos sujeitos que defendem a educação pública e de
qualidade. Não podemos esmorecer diante de um governo autoritário e
impositor. Cruz (2018), em sua tese de doutorado, pesquisou a temática
“Educação e contradição: disputas político-pedagógicas em torno da
escola pública do campo”, em que destaca que a escola é um espaço de
disputa de projetos societários diferentes: um ligado à formação humana
dos sujeitos, que atende os interesses da classe trabalhadora; ou outro
baseado no sistema capitalista, empreendedor e mercadológico, que
favorece a classe dominante.
Nesse sentido, experienciamos momentos extremamente contra-
ditórios, ao nos deparamos com um projeto de sociedade que foge da
concepção humana de educação, uma dura conjuntura que está atre-
lada ao modo de produção capitalista, e a nossa luta, enquanto classe
trabalhadora, vem sendo árdua. Nesse cenário, observamos retirada de
direitos, corte de salários, a extinção do Pronera, a BNCC, que chega
de forma determinante e sem consulta à comunidade escolar, e tantos
outros fatores que interferem para o desmonte da educação pela força do
21
“Agroecologia nas Escolas de Educação Básica: fortalecendo a resistência ativa!” Roseli Salete Caldart –
Texto de Exposição realizada no VIII Encontro Estadual de Educadoras e Educadores de Assentamentos de
Reforma Agrária do MST RS. Nova Santa Rita, 30 e 31 de outubro 2019. Mesa: “Reforma Agrária Popular,
Agroecologia e Educação”, compartilhada com Adalberto Martins na manhã de 31 de outubro.

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JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

capital. Portanto, determinantes externos aproximam-se e adentram às


escolas públicas. Isso implica no andamento do trabalho pedagógico que
defendemos para a Educação do Campo, cujo princípio é a valorização
da identidade, da vida, da cultura, da terra (SOUZA, 2016).
A BNCC refuta um projeto de campo e não há coerência com os
princípios da Educação do Campo, porque não contempla a diversidade
dos sujeitos do campo, das águas e das florestas. A participação coletiva,
por meio da gestão democrática, é um fator essencial para superarmos
tais contradições vivenciadas, a agricultura familiar se contrapondo ao
agronegócio; a luta por um currículo coerente ao contexto do campo
contrapondo-se à BNC; e a gestão democrática contrapondo-se a uma
gestão autoritária e individualista.
Nesse sentido, Souza assevera que:
Os movimentos sociais e os Fóruns de Educação do Campo
constituem exemplares da experiência coletiva na luta por
direitos, por outro projeto de sociedade, por valorização
cultural e por educação. Expressam práticas articuladas e em
Articulação Nacional. São intelectuais orgânicos coletivos em
ação de enfrentamento e confronto de dois projetos de país
– o do capital e o dos trabalhadores. (SOUZA, 2016, p. 115).
Souza (2016) pontua determinantes externos, como as Diretri-
zes Curriculares, Diretrizes Nacionais da Educação Básica, Avaliação
Nacional da Educação Básica, convênios e empresas, que interferem no
andamento de uma proposta coerente com as práticas sociais. E, ainda,
menciona sobre os determinantes internos, como as relações hierárquicas,
rotinas instaladas na escola, materiais restritos, infraestrutura, plano de
carreira, rotatividade de professores, fatores que afetam o movimento da
construção da Educação do Campo.
Nesse viés, há necessidade de um coletivo engajado e organizado
na defesa e na luta por direitos, fazendo indagações, problematizando tais
aspectos contraditórios, revertendo-os. Para tanto, é preciso nos tornar-
mos intelectuais orgânicos, a fim de defendermos a classe trabalhadora.
Cabe destacar que se esse diálogo for problematizado nas formações de
professores, estaremos, consequentemente, formando alunos críticos, que
problematizam e transformam seu meio social. Como aponta Gramsci
(1987, p. 89) “Instrui-vos porque teremos necessidade de toda vossa
inteligência. Agitai-vos porque teremos necessidade de todo vosso entu-
siasmo. Organizai-vos porque teremos necessidade de toda vossa força”.
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Nesse sentido, que resistência construímos? Nós as construímos


quando lutamos por um movimento contrário aos determinantes que
acabam impondo, hierarquizando, determinando o saber, a formação
designada e não construída pelos próprios sujeitos. E é a partir dessa
concepção de educação que trazemos a experiência sobre a formação de
professores realizada pelo Município de Tijucas do Sul, Estado do Paraná.
Os debates sobre a concepção da Educação do Campo no municí-
pio iniciaram-se quando ingressamos, professora Rosana, no mestrado,
em 2012, na Universidade Tuiuti do Paraná, e começamos a participar
do grupo de pesquisa denominado Nupecamp22. Sob a coordenação de
Souza (2021), o Nupecamp é um espaço coletivo de formação que recebe
a inspiração e o incentivo de sua coordenadora, para que seja fortalecido
com os encontros, que são realizados mensalmente. A fotografia a seguir
(Figura 2) demonstra um momento de debate realizado, em que estão
presentes a coordenadora, as autoras deste artigo e colegas pesquisadores
do Nupecamp, em reunião mensal realizada em 2018, na Universidade
Tuiuti do Paraná.

Figura 2 – Encontro realizado no ano de 2018 com alguns integrantes


do NUPECAMP

Fonte: SANTOS, Cleverson, UTP, 2018

22
NUPECAMP é coordenado pela Professora Doutora Maria Antônia de Souza e orientadora de Rosana
Aparecida da Cruz.

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Cabe ressaltar que as formações se iniciaram no Município de


Tijucas do Sul, e o primeiro encontro foi realizado em 2013, com os
diretores e coordenadores das 15 Instituições de Ensino, tanto do Ensino
Fundamental como da Educação Infantil, problematizando-se as questões
do campo, levantando-se as demandas e dificuldades encontradas nas
escolas públicas, que contrapõem a concepção da Educação do Campo
e a Concepção da Educação Rural.

Figura 3 – I Encontro de Formação de gestores

Fonte: Rosana Cruz, Pesquisa de campo, Município de Tijucas do Sul-PR, 2012

As discussões permearam-se nos debates da Educação do Campo


se contrapondo a Educação Rural. Não tínhamos conhecimento sobre
essas concepções e passamos a dialogar com a comunidade escolar numa
perspectiva de nos afirmarmos como sujeitos do campo e compreender-
mos a nossa realidade, valorizando o contexto sociocultural.
Nesse sentido, em 2013, tivemos o primeiro Seminário Municipal na
Semana Pedagógica, com a temática “Identidade dos Sujeitos do Campo
de Tijucas do Sul”. Antes do seminário, cada escola buscou dados rela-

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cionados à cultura e identidade de cada comunidade, caracterizando os


aspectos de trabalho, os costumes, os modos de ser, tipos de produção,
entre outros. Nesse momento, a professora doutora Maria Antônia de
Souza fez a sua explanação sobre a identidade dos sujeitos do Campo e
os princípios da Educação do Campo. Foi o início das discussões sobre
a Educação do Campo na formação de professores no município.

Figura 4 – Diálogo com a professora Maria Antonia sobre Identidade dos


Sujeitos do Campo

Fonte: Rosana Cruz, Pesquisa de campo, Município de Tijucas do Sul-PR, 2013

Dando continuidade ao debate sobre a Educação do Campo no


Município, esta autora, professora Rosana, relatou que, no mesmo ano,
foi iniciada a revisão dos projetos políticos-pedagógicos em todas as
instituições do Município, juntamente com os professores e a comuni-
dade escolar.
Após o levantamento de dados sobre a identidade e seu entorno,
cada escola iniciou os grupos de trabalho com leituras e análise de autores
como Paulo Freire, Pedagogia do Oprimido; Por Uma Educação do Campo:
Contribuições para a Construção de um Projeto de Campo (MOLINA;
JESUS, 2004), debatendo autores como Roseli Salete Caldart, que discutiu,
nesta obra, “Elementos para a Construção do Projeto Político Pedagógico

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JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

da Educação do Campo”, mencionando sobre a identidade, formação


humana vinculada à concepção do campo. Ainda, Bernardo Mançano
Fernandes e Mônica Castagna Molina, sobre o Campo da Educação do
Campo, em que abordam a questão do território, o paradigma da Educa-
ção do Campo, as diferenças entre a concepção da Educação do Campo e
Educação Rural, o campo do Agronegócio e da Agricultura Camponesa.
Outro texto debatido da mesma obra foi de Miguel Arroyo, Por
um Tratamento Público da Educação do Campo, em que o autor trata da
importância dos Movimentos sociais, a educação como direito aos povos
do campo, formulação de políticas, formação de profissionais, reorientação
de currículos, organização de material didático, além de problematizar
o agronegócio e a agricultura camponesa.
O texto de Maria Antônia de Souza Educação do Campo: Políticas,
Práticas Pedagógicas e Produção Científica (2008) foi debatido e apresenta
a Educação do Campo e sua inserção na agenda da política educacional
nos últimos anos, destacando o papel da sociedade civil e a organização
coletiva, as práticas pedagógicas nas escolas dos assentamentos da Reforma
Agrária, como as pesquisas de formação acadêmica de Pós-Graduação
relacionadas ao tema educação e movimentos sociais do campo. A profes-
sora Rosana mencionou que, à época, trabalhava na Secretaria Municipal
de Educação e mediava esse debate nas escolas, oferecendo subsídio em
relação às leituras mencionadas. Cabe ressaltar que os projetos políticos-
-pedagógicos eram homogêneos e, a partir desses momentos coletivos,
os professores e a comunidade escolar passaram a ser protagonistas de
um projeto coerente com o contexto do campo.
De todo o processo desenvolvido desde a busca da identidade, cada
escola construiu seu grupo de trabalho na escola (seminários internos).
Após os debates internos de cada escola, foram realizados seminários
mais amplos, para que cada instituição relatasse a construção dos proje-
tos-políticos pedagógicos referentes a cada escola.

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Figura 5 – Grupos de estudos e seminários municipais

Fonte: Rosana Cruz, Escolas localizadas no Campo em Tijucas do Sul- PR, 2013

Concomitantemente com os seminários municipais, foram criados


no município de Tijucas do Sul os seminários intermunicipais, abrangendo
os municípios da Região Metropolitana. O primeiro seminário realizado
foi no ano de 2014, organizado pelo município de Tijucas do Sul, em par-
ceria com o município da Lapa. Os professores das escolas localizadas no
campo de Lapa vieram até Tijucas do Sul, estabelecendo uma parceria na
alimentação e na organização como um todo desse primeiro seminário.
Todos os municípios da Região Metropolitana foram convida-
dos para participar. O evento contou com aproximadamente, 500 pes-
soas presentes, entre professores, pais de alunos, agricultores familiares,
representantes de associações, sociedade civil, sindicatos, universidades,
assentamento do Contestado da Lapa, entre outros. Foram discutidos

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temas relacionados à agroecologia, ao fechamento de escolas, à formação


de professores, à alfabetização e ao letramento gestão democrática, ao
Projeto político-pedagógico, ao currículo etc.
Diante dos debates, eram organizadas as cartas compromissos e os
desafios levantados. Em 2015, o seminário intermunicipal foi realizado
no Município da Lapa, e estavam presentes em torno de 600 pessoas, de
diferentes segmentos. Em 2016, foi realizado o III Seminário intermuni-
cipal em Campo Largo, e, em 2017, o IV Seminário Intermunicipal em
Almirante Tamandaré, com os professores.
Nesse sentido, foi criada uma rede de articulação com os diferentes
municípios da Região Metropolitana. Havia místicas de abertura, apresen-
tação cultural, feiras culturais e trocas de experiências entre os municípios.

Figura 6 – Seminários Intermunicipais realizados em Lapa (2015), Tijucas do Sul


(2014) e Almirante Tamandaré (2017), Estado do Paraná

Fonte: pesquisa de Campo

Em 2020, foi realizado o V Seminário Intermunicipal, de forma online.


O tema geral abordado foi “Trabalho, Educação e Escola Pública”, abrangendo
os municípios da Região Metropolitana. O seminário foi organizado em 4
momentos e os professores assistiram por meio de meets. Com a pandemia,
os professores tiveram que se adaptar ao uso da tecnologia, o que, inicial-
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mente, foi difícil, mas aos poucos foram aprendendo mutuamente, sendo
possível dar continuidade aos debates da Educação do Campo.

Figura 7 – Seminário online realizado em tempos pandêmicos, 2021

Fonte: Rosana Cruz

Em 2021, o município de Tijucas do Sul deu continuidade às for-


mações, tendo os professores solicitado os encontros, mesmo on-line,
alegando que se sentiam solitários, de modo que as conversas e trocas
de experiências foram essenciais, mesmo de forma distante, em face dos
momentos de distanciamento social pela pandemia.

Figura 8 – Encontro com os diretores e coordenadores

Fonte: Rosana Cruz, Secretaria Municipal de Educação de Tijucas do Sul, 2021

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Após o encontro no início do ano letivo com os diretores e coor-


denadores, cuja discussão foi voltada à avaliação e ao planejamento no
ano de 2020, iniciamos a Semana Pedagógica. No primeiro dia, ocorreu
um debate com a seguinte temática: “Angústias e aprendizados durante
a pandemia: limites, dificuldades e aprendizados”.
A partir das demandas, foram problematizadas e encaminhadas
para a formação com temas específicos. Na sequência, também houve um
momento de discussão sobre a BNCC, sobre o planejamento e pensando
a prática pedagógica, de como seria essa organização. Foi problemati-
zado: “Que currículo temos? Que currículo queremos? O que fazer para
melhorar? Como seria o planejamento?”. Diante desse debate, o coletivo
de professores solicitou encontros anuais para pensar os conteúdos exis-
tentes na BNCC, a fim de replanejamento de um currículo coerente com
o contexto do campo.

Figura 9 – Semana Pedagógica - 2021

Fonte: Rosana Cruz, Tijucas do Sul-PR – 2021

Nesse sentido, os representantes do Nupecamp foram convidados


para uma reunião na Secretaria Municipal de Educação, a fim de se
debater sobre as formações de 2021 e realizar uma parceria na formação
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de professores. A conversa foi extremamente importante para que fos-


sem realizados os encaminhamentos dessas formações. Foi sugerido ao
grupo um levantamento das diferentes temáticas enviadas pelas escolas,
de acordo com as necessidades das instituições de ensino.

Figura 10 – Representantes do NUPECAMP e SEMED de Tijucas do Sul - PR

Fonte: Rita de Cássia Gonçalves, Secretaria Municipal de Educação de Tijucas do Sul, 2021

A partir das temáticas, o grupo de pesquisa (Nupecamp) se orga-


nizou com os professores específicos que pesquisavam determinada
temática, a qual se articulava à solicitação dos professores. Inicialmente,
as formações eram semanais e, logo após, passaram a ser quinzenais,
devido às demandas de trabalho exercidas pelos professores no período
da pandemia.
Diferentes temáticas foram levantadas, como: Diversidade, Alfabe-
tização e Letramento, Educação Inclusiva, Currículo e BNCC, sequência
didática, temas geradores, planejamento com as multisseriadas, agroeco-
logia, entre outras. Cabe ressaltar que foram realizados em torno de 20
encontros online em 2021.

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Figura 11 – Formação continuada em 2021

Fonte: Rosana Cruz, Tijucas do Sul, 2021

Além do Nupecamp/UTP, foi realizada a parceria da UFPR Litoral


- Matinhos para o encaminhamento das ações no município. Foi criado
o “Projeto Integrado”, o qual se articula com os diferentes setores do
município, para se pensar coletivamente as demandas e buscar as ações
necessárias. O Projeto conta com a participação das Secretarias de Agri-
cultura, Meio Ambiente, Educação, diretores, coordenadores, professores,
Secretaria da Saúde, Secretaria de Planejamento, Emater, Sindicato dos
Trabalhadores Rurais, Representantes de agricultores familiares e Uni-
versidades. Dessa forma, se pensa de forma conjunta sobre as limitações
e dificuldades e, a partir disso, levantam-se estratégias e soluções.
Nesse projeto articulado, discute-se sobre a questão da agroecologia
na formação de professores, aspecto fundamental para articular a Edu-
cação do Campo e a Educação Ambiental no Município. Outro assunto
abordado foi em relação ao Mapa Social das comunidades, haja vista que,
no mapa atual do município, constam apenas 43 comunidades. Com as
pesquisas realizadas, passa-se de 90 comunidades, entre comunidades
e sub comunidades. A pesquisa foi realizada pelos próprios professores
do município e, para a efetivação do mapa social, haverá uma formação
específica de Geografia, para que, coletivamente, abra-se espaço de suges-
tões a respeito dessa construção.

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Cabe ressaltar que, na Formação da Agroecologia, está sendo articu-


lado à temática o Projeto da UFPR – Setor Litoral denominado “Licenciar”,
desenvolvido com os professores da Educação Infantil, o qual vai integrar
também a Literatura por meio das narrativas e a criação de personagens
ligados à fauna da região, valorizando-se, assim, o contexto local, a pre-
servação da cultura e da identidade.

Figura 12 – Projeto Integrado

Fonte: Rosana Cruz, 2021

Outra formação específica solicitada pelos professores das escolas


que possuem salas multisseriadas está sendo realizada por meio da Escola
da Terra, uma formação condizente com essa especificidade diante de
uma metodologia baseada no inventário da realidade, valorizando o
contexto sociocultural dos sujeitos, por meio de um planejamento com
temas geradores. Essa formação é uma parceria entre a Universidade
Federal da Fronteira Sul (UFSS), a Unicentro, a Secretaria do Estado da
Educação e o Ministério da Educação. Os encontros são realizados online,
através do aplicativo Teems.

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Figura 13 – Escola da Terra 2021

Fonte: Brasil, 2021

Essa formação trabalha com a pesquisa realizada pelos professores


num processo investigativo da realidade e, diante do diagnóstico, eles
constroem os planejamentos de acordo com a observação do entorno
das comunidades, destacando o trabalho, divisão social e territorial,
cultura e identidade, interdependência campo-cidade, questão agrária e
desenvolvimento sustentável, organização política, movimentos sociais
e cidadania. A partir desse inventário, são direcionados atividades e
conteúdos numa metodologia interdisciplinar, valorizando os saberes e
conhecimentos dos alunos.
Os eixos são extraídos das Diretrizes Curriculares da Educação
do Campo de 2006, do Estado do Paraná, importante documento para
o conhecimento dos professores que atuam nas escolas do campo, que
fomenta a valorização da identidade e cultura dos sujeitos do campo.

Considerações Finais
Consideramos o objetivo colocado para o artigo no sentido de
problematizar aspectos sobre a Formação de professores no processo
educacional. Assim, destacou-se a estratégica metodológica como ele-
mento articulador de formação o trabalho coletivo e as experiências
entre os próprios sujeitos em formação, para ver, julgar e agir sobre sua
própria realidade.
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Nesse sentido, ver a realidade do município, identificando-se elemen-


tos de diagnóstico, em que “partir”, visando julgar no sentido de analisar
as atribuições de causas e reponsabilidades de gestão para, na sequência,
planejar as ações necessárias aos encaminhamentos e soluções diante
das prioridades estabelecidas no pelo plano de ações. Essa organização
de planejamento formativo busca criar condições de respostas compar-
tilhadas com a gestão administrativa diante das angústias, limitações e
dificuldades enfrentadas cotidianamente pela escola e comunidade.
Assim, busca-se construir, de forma participativa, as políticas de
formação de professores e profissionais da educação pensadas a partir
dos seus sujeitos. Uma formação continuada deve ser construída por
“eles” e não “para” eles, caso contrário, de nada adianta uma formação
ser determinada sem ser construída num coletivo educador de formação.
O pressuposto dessa concepção de formação é a práxis conforme a
concepção do materialismo-histórico, que significa a “atividade consciente
objetiva mais elevada, bem como a vinculação teórica mais profunda
com a práxis real” (VÁZQUEZ, 2007, p. 29). Dessa forma, uma práxis
de formação continuada que responda às necessidades dos educadores
busca a construção de um trabalho coerente e dentro do contexto social,
“pois seria um espaço propiciador de problematização da experiência e
angústias pedagógicas vividas, um espaço de trocas e de construção de
novos conhecimentos” (SOUZA, 2008, p. 1101). É nesse sentido que
construímos um processo formativo, valorizando as especificidades das
escolas e CMEIS da Região Metropolitana de Curitiba, em especial do
Município de Tijucas do Sul, que é o foco de reflexão deste texto.
Por conseguinte, o Projeto Integrado busca contribuir para a com-
preensão dos professores e profissionais da educação e demais participantes
sobre o diferencial qualitativo do trabalho coletivo, pela integração de
ações de diferentes áreas, como a educação, a saúde, a cultura, a agricul-
tura, as áreas que tratam do planejamento, plano da cidade, que tratam
dos aspectos da gestão de território, entre outras.
A metodologia de trabalho coletivo como práxis de formação dos
professores e profissionais da educação e participantes aponta para a cons-
tituição de um coletivo formador e educador. Portanto, tem a participação
social como principal elemento articulador do aprendizado individual,
ampliando a compreensão de totalidade da gestão do território, com o
compartilhamento de informações e conhecimento da escola sobre a
realidade de seu entorno e de seu município, Tijucas do Sul.
101
ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

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ENSINO MÉDIO COM INTERMEDIAÇÃO
TECNOLÓGICA-EMITEC NA ESCOLA DO
CAMPO: UMA PERCEPÇÃO DOS JOVENS
CAMPESINOS

Inaiara Alves Rolim23


Elis Cristina Fiamengue24

Introdução
A Educação a Distância – EaD constitui-se uma modalidade de
ensino que existe há muito tempo no Brasil e vem crescendo de maneira
expressiva nas últimas décadas. De acordo com Moore (2008), a evolução
da Educação a Distância ao longo do tempo pode ser caracterizada em
cinco gerações: a primeira se caracterizou pela comunicação textual, por
meio de correspondências: a segunda se constituiu pelo ensino por meio
do rádio e televisão; a terceira foi marcada pela criação das Universida-
des Abertas; a quarta caracterizou-se pela distância em tempo real, com
cursos em áudio e videoconferência; e a quinta configura-se pelo ensino
e aprendizado online, em que o aluno frequenta classes e universidades
virtuais, com base em recursos midiáticos http://www.
No campo a tecnologia atua, então, como meio para ampliar a
educação em comunidades periféricas, de difícil acesso, como é o caso
de muitas comunidades rurais, quilombolas, indígenas, dentre outras,
operando como promotora do desenvolvimento humano e social, assim
como, viabilizadora da formação estudantil de sujeitos que não puderam
concluir seus estudos. Desse modo, projetos educacionais EaD devem

23
Universidade Estadual de Santa Cruz – Uesc. Mestranda do Mestrado Profissional em Educação do
Campo na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia – UFRB. Coordenação de Educação do Campo no
município de Serra do Ramalho/BA. E-mail: inaiararolim@gmail.com.
24
Doutorado e Mestrado em Sociologia pela Universidade Estadual Paulista – Unesp/Araraquara. Graduada
em Ciências Sociais pela Universidade Estadual Paulista – Unesp/Araraquara. Professora do Ensino Superior
na Universidade Estadual de Santa Cruz – Uesc, atuando na graduação nos cursos de Pedagogia, História e
Matemática e no Programa de Pós-Graduação Mestrado Profissional em Educação – PPGE e no Programa
de Pós-graduação em História – PPGH.

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JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

conceber o aluno como foco central, considerando suas especificidades


socioculturais e o local onde ele vive e se relaciona com o outro. Assim,
no contexto das comunidades rurais os programas de EaD precisam
estruturar-se a partir das especificidades locais, como horários, ritmos
de estudos, atividade extraclasse, períodos de chuva e colheita na plan-
tação. De acordo com Godoy (2007, p. 24), “o desenvolvimento integral
das populações assentadas depende da capacidade de garantir o acesso
aos diversos direitos sociais, como a educação”. Ao oferecer condições
adequadas para estudar a EaD contribui de maneira efetiva com a apren-
dizagem dos estudantes do meio rural e diminui assim, a evasão escolar
de jovens e adultos camponeses.
Nesse sentido, para suprir a necessidade da oferta da educação
básica em todas as etapas nas comunidades rurais, possibilitando jovens
e adultos que residem em localidades de difícil acesso e longínquas em
relação aos centros urbanos e escolas de ensino regular, têm sido criados
programas de Educação a Distância para levar o ensino médio a essas
comunidades. Como exemplo dessa iniciativa temos, no âmbito do governo
do Estado da Bahia o Programa Ensino Médio com Intermediação Tec-
nológica – EMITec.
Nesse contexto, o Programa Ensino Médio com Intermediação Tec-
nológica (Emitec), está em vigor pela Secretaria de Educação do Estado
da Bahia, lançado em 2011, normatizado pela portaria n.º 424/2011,
Diário Oficial de 21 de janeiro de 2011, e é uma política educacional que
apresenta uma proposta de oferecer o Ensino Médio aos jovens e adultos
estudantes que moram e trabalham em comunidades distantes ou de
difícil acesso à rede Estadual de ensino regular. Ao utilizar-se de serviços
de comunicação multimídia com som e imagem o programa transmite
as aulas via satélite e procura promover a interação entre o professor à
distância por meio de chats mediados pelo monitor presencial.

Percurso metodológico
A pesquisa foi de abordagem qualitativa, na perspectiva do método
dialético, pois objetivou compreender a relação entre a juventude cam-
pesina e a escola no contexto do Ensino Médio com Intermediação Tec-
nológica levando em conta o universo simbólico e a conjuntura socioe-
conômica na qual os jovens estão inseridos.
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Para o levantamento de dados utilizamos a aplicação de questioná-


rios e a observação direta. Tendo em vista que a pesquisadora faz parte
da escola e já possui laços com os sujeitos participantes, a pesquisa é
do tipo participante, pois consiste “na participação real do pesquisador
com a comunidade ou grupo” (LAKATOS; MARCONI, 2003, p. 194).
Os participantes da pesquisa foram 14 jovens que frequentam o EMITec
de uma escola do meio rural do município de Serra do Ramalho, Bahia.

É possível haver uma relação entre a cultura juvenil


camponesa e a proposta pedagógica do EMITec?
A Educação do Campo, gestada no seio dos movimentos sociais e
construída segundo as especificidades do meio rural, é um conceito que
propõe transformações na sociedade por meio do trabalho pedagógico.
Resultado das lutas dos movimentos sociais do campo, a educação cam-
pesina compreende ações pautadas em um trabalho de conscientização
do povo do meio rural enquanto sujeitos de direitos, gestores de sua
própria vida. Arroyo, Molina e Caldart (2009), defendem que somente
haverá uma educação endereçada às singularidades dos povos do campo
se, simultaneamente, existir a construção de um projeto de desenvolvi-
mento para o campo, que seja parte de um projeto nacional que priorize
a sobrevivência do campo na sociedade brasileira. Afirmam, ainda, que
tal projeto deve ter como protagonistas os sujeitos e os seus processos de
produção da vida. Esse ideal tem fomentado, no âmbito dos movimentos
sociais, a luta pela garantia do direito à escola, ao conhecimento, à ciência
e à tecnologia socialmente produzidos.
No que concerne ao estudo sobre a percepção que os jovens cam-
pesinos possuem da escola no contexto do EMITec, entendemos que é
importante levar em consideração os elementos da cultura juvenil dos
jovens do meio rural; processo onde a aprendizagem significativa per-
passa, portanto, pela valorização e dialogicidade entre ensino formal e
as culturas juvenis. O mundo cultural dos jovens é um território onde
eles constroem e demarcam sua identidade, o que exige que as práticas
pedagógicas desenvolvidas com jovens priorizem seus elementos cul-
turais, estabelecendo um relacionamento efetivo com os jovens sujeitos
que compões a escola.
Quando falamos das culturas juvenis, estamos nos refe-
rindo, portanto, a todos os elementos que demarcam uma

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JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

identidade própria desse grupo, por exemplo, a linguagem,


as roupas e acessórios, os estilos musicais, os aparelhos
tecnológicos, os espaços e modos de lazer e sociabilidade.
(ALVES; HERMONT, 2014, p. 18).
Nesse sentido, no processo de construção do currículo escolar é
necessário que se leve em conta os aspectos culturais dos jovens para
que ocorra uma aproximação verdadeira entre a escola e o jovem aluno,
possibilitando a interação entre cultura escolar e cultura juvenil. Assim,
a questão do planejamento curricular relaciona-se ao tema investigado,
expectativa de formação da juventude rural, por ser um instrumento por
meio do qual a escola pode desenvolver ações que promova a participa-
ção e protagonismo dos jovens dentro do ambiente escolar. Entretanto, a
pesquisa revelou que não acontece um planejamento com as professoras
mediadoras ou com os jovens; as professoras apenas executam as ordens
que vem de Salvador, tanto no que diz respeito à transmissão das aulas,
quanto no que se refere à aplicação das provas, das atividades e das ava-
liações de recuperação.

Os jovens campesinos e a relação com a escola na


perspectiva do EMITec
Ao pensar no protagonismo juvenil entendemos que a escola pre-
cisa conceber o jovem como elemento central da prática educativa, que
participa de todas as fases desta prática, desde a elaboração, execução
até a avaliação das ações propostas. Nesse contexto, tomar a cultura e
realidade do jovem como ponto de partida para a prática pedagógica e
organizacional escolar, significa pensar para além do desenvolvimento de
competências cognitivas, mas ao contrário pensar também a construção
das competências socioemocionais. Nessa perspectiva, cria-se espaço para
a discussão de projetos de vida, aprendizagem ao longo da vida, inserção
no mundo do trabalho e o convívio dos jovens em uma sociedade marcada
pela diversidade cultural e social.
No que concerne à proposta curricular, portanto, é necessário que
ela dê sentido às aprendizagens dos jovens alunos, dialogando com seus
interesses, permitindo a personalização e manipulação de conhecimento
de acordo com suas necessidades. Dessa forma, um elemento importante
a ser levado em conta pelo trabalho pedagógico são os projetos de futuro
dos jovens. Sendo o Ensino Médio a última etapa da educação básica
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muitos são as dúvidas com relação às questões profissionais e pessoais


com relação ao futuro; muitos são os questionamentos ao que fazer após
essa fase do ensino e, “nesse momento de suas vidas, o diálogo estreito
com as questões que os desafiam pode ser uma estratégia valiosa” (ALVES;
HERMONT, 2014, p. 18). Com relação ao que esperam da escola os
estudantes manifestaram que:
Bom, quero continuar trabalhando e conseguir meus obje-
tivos, uma vida melhor e confortável (Aluno 5).

Arrumar um bom trabalho e fazer cursos (Aluna 6).

Uma boa educação, com novas experiências para um futuro


brilhante e disciplina de informática (Aluna 10).

Pretendo arrumar um trabalho melhor, menos cansativo e


fazer alguns cursos que possam me dar dinheiro (Aluno 13).
O mundo do aluno, seu universo simbólico, deve ser o ponto de
partida de planejamento escolar, que precisa ser sistematizado a partir dos
seus interesses culturais, sua visão de mundo, seus gostos, seus amores e
paixões, sua interação com o outro e sua linguagem. Considerando que
a escola lida diariamente com a diversidade e multiplicidade de interes-
ses de seus jovens estudantes torna-se importante que a escola procure
conhecer esses interesses e a diversidade cultural da juventude escolar.
Nesse sentido, é válido que a escola conheça e incorpore ao seu
currículo temas relacionados às preferências, esportes, moda, estilos
musicais dos jovens. De acordo com Corti e Souza, (2012), é importante
que a escola faça uma reflexão a respeito da juventude e da condição juve-
nil como caminho para o delineamento de estratégias que contemplem
os jovens no contexto escolar. O reconhecimento das especificidades do
mundo juvenil contribui para o desenvolvimento de ações educativas
correlacionadas com as necessidades e desejos dos estudantes.
Os jovens são marcados por uma heterogeneidade sociocultural
que precisa ser levada em conta no contexto escolar, desde os projetos
curriculares, os projetos pedagógicos a serem desenvolvidos no dia a
dia e no decorrer do ano letivo, até a elaboração do Projeto Político
Pedagógico. O processo de construção do conhecimento só ocorrerá de
maneira significativa quando abarcar a cultura, os significados atribuídos
ao mundo e a realidade dos jovens. Sobre como a escola pode contribuir
para atingir as expectativas para o futuro, os jovens responderam que:
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JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

Eu queria que as aulas acontecessem com professores pre-


sentes, para tirar nossas dúvidas. Os assuntos das aulas não
têm nada a ver com as provas. Acho que falta interação
(Aluno 2).

As aulas são muito boas, mas nós não temos muito foco
nelas. Falta muita interação, eu prefiro os professores
“puxando minhas orelhas” (Aluno 1).

Sim. Com estudo a gente pode ter uma vida melhor e aju-
dar a família. O estudo nos ajuda a ter um futuro melhor
(Aluno 4).

Sim, para uma formação e melhor aprendizagem (Aluna 3).

Pode sim, porque na escola vou aprender o necessário para


ter um futuro melhor (Aluno 5).

Em minha opinião sem educação não somos nada, porque


não arranjamos nada. A escola pode me ajudar a conseguir
um curso para eu ter uma renda melhor (Aluno 14).
As falas dos estudantes revelam que a escola tem papel importante
nos projetos de formação e na construção de conhecimento, entretanto,
mesmo concordando que as aulas são boas eles apontam pontos nega-
tivos como a ausência de conexão das aulas com as provas e a falta da
interação com os professores. Nesse sentido, de acordo com a observação,
realizada de outubro a novembro de 2019, e de conversas com os alunos
no intervalo das aulas foi possível verificar que eles sentem falta de mais
dinamismo, de eventos na escola, da sua atuação na caracterização da
escola, de aulas mais inovadoras e que despertem seu interesse, que tenham
utilidade prática em suas vidas e que dialoguem com suas experiências e
respondam aos seus questionamentos. Isso exige que o cotidiano escolar
abrace a cultura juvenil e os temas ligados ao universo dos jovens, requer
a participação coletiva de todo corpo escolar, do engajamento de profes-
sores, diretores e órgãos governamentais ligados à educação. Segundo as
Diretrizes Operacionais para o Ensino Médio:
A formação dos indivíduos é hoje atravessada por um
número crescente de elementos. Se antes ela se produzia,
dominantemente, no espaço circunscrito pela família, pela
escola e pela igreja, em meio a uma razoável homogeneidade
de valores, muitas outras instituições, hoje, participam desse
jogo, apresentando formas de ser e de viver heterogêneas.
(BRASIL, 2013, p. 156).

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Isso revela que para o aluno desenvolver uma aprendizagem que


tenha significado prático, a atuação da escola e dos professores vai além
da transmissão de conceitos, relaciona-se ao ‘fazer sentido’ para o aluno,
daí a necessidade de que os novos saberes sejam trabalhados sob a ótica
da contextualização, que no caso desse estudo diz respeito às expectativas
de formação dos jovens. É necessário que a escola seja uma extensão do
mundo simbólico dos jovens, que lhes sejam agradáveis as quatro horas
diárias que passam nesse espaço. Contextualizar, nesse processo, signi-
fica criar uma ligação verdadeira entre o aprendiz e o aprendido, entre
aluno e escola, onde o primeiro apropria-se da segunda, ocupando-se
seus espaços e imprimindo sua marca nela. O que pressupõe a inclusão
de assuntos relacionados à cultura juvenil no currículo e no cotidiano
escolar; valorizando os contextos culturais dos quais os jovens fazem
parte e aos quais estão expostos diariamente.
Desse modo, as propostas voltadas para a construção de conhe-
cimento pelos jovens estudantes podem ser desenvolvidas de maneiras
diversas, como a possibilidade de participação dos jovens estudantes,
desenvolvimento de estratégias pedagógicas dinâmicas e que levem em
conta os elementos da cultura juvenil, assim como, novas maneiras de
organização das estruturas da gestão com abertura para a colaboração dos
jovens na tomada de decisões (CORTI; SOUZA, 2012). Nessa perspectiva,
ao serem questionados a respeito do desejo de mudanças na metodologia
do EMITec, os estudantes se manifestaram da seguinte forma:
Eu queria que houvesse aulas presenciais também, com os
professores do EMITec para explicar melhor os conteúdos
(Aluno 2).
Se pudesse teria um professor presencial, pois a interação
é muito pouca. Gostaria que tivéssemos livros (Aluno 1).
Eu gostaria que houvesse mais explicação dos conteúdos;
nas provas não tem quase nada dos assuntos passados
nas aulas; o tempo para escrever deveria ser maior e se
tivéssemos livros seria mais fácil para aprender (Aluno 4).

Mudaria sim, porque não temos material para estudar nem


professores presenciais (Aluna 3).
As falas dos estudantes revelam que o EMITec possui pontos fra-
cos, gerando insatisfação nos jovens. Sendo a ausência de professores
presenciais e impossibilidade de tirar dúvidas pontos em comum entre

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as queixas dos alunos. Durante a pesquisa percebemos que a questão


da interação é uma questão latente, embora haja o professor mediador
para promover a ‘interação’ dos estudantes com os professores especia-
listas por meio do chat, as falas dos estudantes revelam que isso não é
suficiente. O posicionamento dos estudantes mostra que a proposta do
EMITec necessita de uma reformulação de modo a alcançar esses jovens,
tanto no que diz respeito à construção de conhecimento quanto no que
se refere à interação.
Outro aspecto que os alunos chamam a atenção é para a questão
da ausência de um material didático que os auxiliasse durante as aulas e
servisse de apoio para estudar em casa. Como foi observado durante a
transmissão das aulas, o tempo para copiar os conteúdos é muito curto,
o que prejudica os alunos quanto aos conteúdos que ficam incompletos;
para resolver esse problema muitos alunos tiram foto dos slides para
copiar em casa.
Desse modo, se por um lado o EMITec oportuniza que jovens e
adultos terminem a educação básica, por outro é importante, então, que a
metodologia do programa reconheça que “eles são jovens, amam, sofrem,
divertem-se, pensam a respeito das suas condições e de suas experiên-
cias de vida, posicionam-se diante dela, possuem desejos e propostas de
melhorias de vida” (DAYRELL, 2007, p. 5). Assim, entre os jovens alunos
do Ensino Médio há aqueles que querem ser jogador de futebol, modelo,
atriz/ator, médico, professor, tomar conta da terra da família ou simples-
mente casar-se e ser feliz para sempre, projetos e sonhos que exigem do
trabalho pedagógico uma atenção especial e que podem ser tratados de
maneiras diversas e em todas as disciplinas escolares.
Nessa perspectiva, percebemos que os conhecimentos prévios da
juventude campesina precisam ser levados em consideração no contexto
das práticas pedagógicas do EMITec, de maneira que contribua com a
formação dos jovens, uma vez que esses conhecimentos constituem seu
universo de significados e lhe servem de base para dar sentido ao mundo
ao seu redor. Esses saberes é um espaço favorável à construção de um
trabalho pedagógico que contemple as angústias, os desejos, dúvidas e
necessidades dos jovens estudantes. Ao propor um diálogo com os saberes
que a juventude traz para o ambiente escolar, a escola, por meio de sua
proposta pedagógica e os professores, com sua prática em sala de aula,
concorrem para que os jovens se sintam valorizados e contemplados

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em suas especificidades, ao mesmo tempo em que tem a possibilidade


de tomar conhecimentos dos limites e potencialidades dos jovens para
desenvolver um projeto de ensino que permita a ampliação dos seus
saberes e descoberta de novas habilidades.
Nesse contexto, as questões inerentes ao mundo simbólico juvenil
possuem significado importante para a constituição da identidade dos
jovens e precisam ser levadas em conta no currículo escolar. Questões
como sexualidade, de gênero, racial, religiosas, trabalho e família além de
afetar o sujeito desde a puberdade influenciam de maneira significativa na
formação do jovem e na sua interação com o mundo. Essas dimensões da
vida da juventude estão presentes no cotidiano escolar e podem se cons-
tituir como elementos para o desenvolvimento de estratégias educativas
nas diversas áreas do conhecimento formal. O que se propõe não é um
trabalho pautado na transmissão mecânica desses temas, mas ações que
sejam significativas para os jovens, atividades que priorize a linguagem
juvenil a partir de músicas, filmes, danças, pesquisa utilizando a internet,
gincanas, competições esportivas, dentre outras. Com relação às ativi-
dades mais envolventes e significantes para os jovens, Alves e Hermont
(2014, p. 20), destacam:
As que dialoguem com suas linguagens (...); que sejam
negociadas e não impostas(...); que exijam autonomia,
responsabilidade e confiança; das quais se sintam parte
integrante e não apenas cumpridores de tarefas delegadas
pelos adultos, demandando participação efetiva no desem-
penho de tarefas importantes; que sejam dinâmicas, não
rotineiras, pautadas em experiências; que valorizem suas
capacidades e seus saberes, (...);que utilizem tecnologias,
como internet, aparelhos de celular, músicas, imagens,
vídeos, filmes, programas de rádio etc.
Importante salientar que não se espera que o professor adote a
linguagem dos jovens, mas que saibam adequar a linguagem científica à
linguagem juvenil, sabendo mesclar a formalidade e informalidade; do
mesmo modo é importante que o professor não use de autoritarismo
com os jovens, que as decisões e atividades sejam decididas em conjunto,
levando os jovens a se sentirem parte do processo de ensino e aprendizagem
e valorizados em seus conhecimentos e desejos. Nesse contexto, há que se
pensar também que o programa conta com professores mediadores e que
eles precisam de apoio pedagógico para fazer a mediação com os alunos.

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JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

Nessa perspectiva, é necessário que os jovens alunos se percebam


como uma parte importante do trabalho pedagógico, como participantes
desse processo, não apenas como executores de atividades e cumpridores
de ordens. Até mesmo porque a dinâmica juvenil não pode ser contida
pela rigidez do currículo escolar, com horários bem definidos, cadeiras
enfileiradas e conteúdos a serem dados. Observamos que a proposta de
ensino e aprendizagem do EMITec seria mais eficiente se contemplasse
em seu percurso atividades envolvendo a prática de esportes, aulas de
campo, feira cultural, uso do celular, eventos como gincanas e projetos
envolvendo música e dança, dentre outras ações que oportunizem aos
jovens o exercício da criatividade e da fruição que lhes é natural.
No contexto da execução da proposta do EMITec, é perceptível que
os alunos sentem falta de mais dinamicidade nas aulas e no cotidiano
escolar, assim como, é possível perceber que os jovens alunos podem
contribuir com a elaboração de metodologias e estratégias que vá ao
encontro de seus interesses e necessidades. É comum os professores recla-
marem sobre indisciplina na sala de aula, mas não atentam para o fato
de que muitas vezes o que chamam de indisciplina é a manifestação da
falta de significados que a escola está tendo na vida dos estudantes, sendo
necessário, portanto, “consolidar a percepção dessa etapa educacional
considerando o diálogo com a juventude, ou seja, reconhecer os jovens
e seus saberes, suas relações com o mundo e a perspectiva que tem para
seu futuro” (ALVES; HERMONT, 2014, p. 27).
Importante ressaltar que não basta usar recursos tecnológicos ou
atividades diferenciadas é necessário em primeiro lugar que tais meto-
dologias estejam conectadas com os desejos, interesses e necessidades do
jovem aluno, que sejam utilizadas a favor de questões que se relacionem
diretamente com o mundo cultural dele, caso contrário apenas contribuirá
para o cansaço dos professores e desinteresse dos estudantes. Nesse cená-
rio, desenvolver um trabalho pedagógico com jovens, seja no campo ou
na cidade, constitui-se um grande desafio, pois entre tantos fatores, nem
a faculdade desenvolve uma linha de discussão especificamente para a
juventude desses espaços, nem o governo promove programas de forma-
ção docente para atender as questões da juventude campesina e urbana.
Nesse sentido, as inúmeras questões da sociedade moderna, as
indecisões juvenis, a multiplicidade de escolhas que estão diante da
juventude exige que a escola desempenhe o papel de auxiliar os jovens

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campesinos a desvendarem suas potencialidades, possibilitando que os


jovens vivenciem momentos de reflexão, questionamento, problematização
da sua realidade e de questões inerentes ao mundo juvenil para poderem
delinear seus planos para o futuro.
Nesse processo é necessário o acesso à informação a respeito do
mundo do trabalho e suas possibilidades, num processo em que os alunos
sejam concebidos como sujeitos produtores de conhecimento. A pesquisa
evidenciou, entretanto, que a proposta do EMITec não tem promovido
esse espaço de autoconhecimento e descobertas aos jovens; com um
ensino pautado na transmissão dos conteúdos, onde cada noite os alunos
precisam assistir 4 aulas diferentes, com pouco intervalo entre uma aula e
outra, não há espaço para a discussão das suas expectativas de formação
ou do que eles querem para o futuro. Nesse contexto, seria interessante
que o EMITec, por meio de sua proposta de ação, considerasse que:
O presente não é somente uma ponte entre passado e futuro,
mas um tempo de preparação para esse futuro. É nesse
processo, permeado por descobertas, experimentações,
emoções e conflitos, que os jovens se questionam: “Quem
sou eu?”, “Para onde vou?”, “Qual rumo devo dar na minha
vida?”. (VILLAS; NONATO, 2014, p. 17).
A partir desses questionamentos os jovens elaboram seus proje-
tos e aos poucos definem o papel que a escola terá na realização desses
projetos. Em sua trajetória, os jovens se constituem e se reconhecem nas
restrições impostas pelo seu tempo e o contexto no qual está inserido. As
restrições com as quais os jovens se deparam dizem respeito às possibili-
dades objetivas que podem afetar a vida dos jovens, tanto para alcançar
seus desejos quanto no sentido contrário. Com isso, entendemos que
para conquistar seus desejos os jovens campesinos não podem contar
apenas com seu esforço pessoal ou vontade, uma vez que no seu percurso
esses jovens se deparam com limites relacionados ao seu contexto social,
cultural, político e econômico.
Compreendemos que sendo conhecedora desses limites, a escola,
nesse caso o programa EMITec, precisa criar espaço em sua proposta
que possibilite aos jovens a interlocução a respeito de seus planos para
o futuro. Nesse contexto, a escola tem papel significativo na definição
das expectativas de formação da juventude. Sendo importante para o
desenvolvimento do sujeito, a escola assume papel determinante no pro-

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JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

cesso de formação pessoal e na construção de aspectos da identidade dos


jovens. Assim, a escola precisa ser entendida para além da transmissão
de conhecimentos científicos, mas ao contrário precisa ser vista também
como espaço sociocultural. Na visão de Dayrell (1996, p. 1), significa:
Compreendê-la na ótica da cultura, sob um olhar mais
denso, que leva em conta a dimensão do dinamismo, do
fazer-se cotidiano, (...) enfim, alunos e professores, seres
humanos concretos, sujeitos sociais e históricos, presentes
na história, atores na história. Falar da escola como espaço
sócio-cultural implica, assim, resgatar o papel dos sujeitos
na trama social que a constitui, enquanto instituição.
Dessa forma, a escola não pode separar o ser jovem do ser aluno,
pois o processo educativo engloba sujeitos concretos, possuidores de
valores, saberes e experiências construídos e vivenciados no seu grupo
social, com suas práticas e visão de mundo. É papel da escola estabelecer
uma interação entre as atribuições do ser estudante e os elementos que
constituem a identidade e a cultura dos jovens. De acordo com Leão e
Carmo (2014, p. 35-36),
A escola é lugar de aprender. Então, é importante compreen-
der como os jovens aprendem. (...) nos interessa apenas
notar que os jovens demandam da escola conhecimentos
que lhes sejam importantes para a vida. As posturas, ati-
tudes e críticas expressas à escola denunciam, em muitos
casos, a falta de sentido dos currículos e métodos de ensino.
Nesse contexto, quando a escola realiza atividades dinâmicas, que
propiciam a participação dos jovens, a interação com os colegas, exercício
da criatividade e de seus conhecimentos, ela passa a ter outro sentido
para os jovens; isso contribui para que os jovens alunos passem a ter mais
interesse pela escola e se constitui uma ferramenta para que os professores
repensem suas metodologias, adotando estratégias que tratem de assuntos
conectados com os interesses e necessidades dos jovens.
Dessa forma, observamos que o aparente desinteresse pelas aulas,
demonstrado pelos jovens participantes da pesquisa, não que a escola
não seja importante em suas vidas, mas que a proposta de ensino desen-
volvida pelo programa do EMITec não está relacionada aos interesses,
necessidades e desejos dos jovens campesinos. Mesmo estando inseridos
em um contexto social carente de políticas públicas de valorização dos
seus sujeitos, como é o meio rural, os jovens desse espaço sabem o quer
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para seu futuro. E seja para estudar e trabalhar no campo ou na cidade,


a escola precisa criar espaço para debater essas questões com os jovens.

Considerações finais
Diante do exposto, falar sobre a percepção dos jovens sobre o
EMITec e da influência deste na vida estudantil do jovem do campo não
se limita apenas à discussão sobre certificação acadêmica, mas analisar,
também, como a formação estudantil do jovem do campo pode contri-
buir para sua atuação social. E nesse contexto, é necessário que o EMITec
reconheça que os jovens estão inseridos em outros espaços educativos e
que chegam à escola com uma diversidade cultural que precisa ser levada
em conta no contexto escolar. Entretanto, observamos que o projeto de
ensino do EMITec vai na contramão da Educação do Campo demandada
pelos movimentos sociais. O modelo educacional reivindicado por esses
movimentos, com destaque para o MST, abrange a luta pela valorização da
cultura e da identidade do povo campesino, a defesa da educação como
espaço de formação de militância para defender a terra como espaço de
produção da vida e contemplando todas as vivências dos atores dessa
história, o respeito à realidade histórica dos sujeitos do campo como cen-
tro do processo educacional e uma educação construída dentro de uma
complexa e significativa rede de saberes passados de geração para geração.
Nessa perspectiva, os resultados da pesquisa revelaram que, no que
diz respeito à juventude do campo, observa-se que as políticas públicas
ainda é um assunto pouco discutido e que não chega a muitas comunidades;
marcada por influências diversas, as políticas públicas para a juventude
campesina ainda carecem de maior atenção do poder público quanto à
sua efetivação e garantia de direitos dessa categoria social. No setor edu-
cacional observa-se que a criação do EMITec denuncia a necessidade de
investimento em infraestrutura das escolas do campo, capacitação dos
professores mediadores e elaboração de uma proposta condizente com
as especificidades de cada comunidade. Isso com vistas à valorização
e emancipação política da juventude desse espaço. Assim, o programa
não dialoga com as políticas de Educação do Campo reivindicadas pelos
movimentos sociais. Vale ressaltar que as considerações apresentadas não
visam depreciar o programa, mas discutir que a iniciativa governamental,
embora seja válida, carece de ponderações e de reorganização curricular
com a participação da comunidade e que leve em conta as expectativas
de futuro dos jovens.
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ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

Referências
ALVES, Maria Zenaide; HERMONT, Catherine. Estratégias metodológicas
de trabalho com jovens. In: CORREA, Maria Licinia; ALVES, Maria Zenaide;
LINHARES, Carla. (org.). Cadernos temáticos: juventude brasileira e ensino
médio. Belo Horizonte: UFMG, 2014. 33p.
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118
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Ensino. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2014.

119
INFORMATIZAÇÃO DOCENTE: DESAFIOS E
POSSIBILIDADES NO ENSINO REMOTO

Deise Bastos de Araújo25

Introdução
O ser humano, traz no bojo de sua evolução epistemológica, nuances
que lhes são peculiares e que corroboram para que este modifique o meio
em que vive, bem como a si próprio. Nuances estas, que estão envoltas
das necessidades e interesses diários em conhecer-se e compreender as
relações que se estabelecem com outros seres e elementos da natureza,
naturalmente ou culturalmente construídos.
Neste pressuposto, destaca-se a ciência e a tecnologia, como instru-
mentos de sistematização de conhecimentos socialmente estabelecidos
diante das demandas existentes, bem como das necessidades que emergem
no cotidiano.
Estes dois elementos, têm seu marco estabelecido na revolução
industrial, na qual, identificou-se concepções e ideologias para o mundo
mercadológico e de trabalho, que desencadeou os interesses neoliberais
de lucro e ao mesmo tempo de um processo irreversível de facilidade e
conforto a quem tem acesso a ela (SILVEIRA; BAZZO, 2006).
Com isto, todos os departamentos públicos, privados e autônomos/
independentes, renderam-se a integralização da ciência e tecnologia,
como ocorre no setor da Educação. Vale ressaltar que no atual período
pandêmico na qual encontra-se o mundo, em decorrência do Novo Coro-
navírus (Covid-19), a ciência e a tecnologia têm sido importantes aliados,
a partir de estudos e pesquisas emergentes para orientação e criação de
recursos de prevenção e tratamento.
E, para continuidade do processo de ensino aprendizagem, a ciência
e a tecnologia, mais uma vez assumem o papel de grande relevância, pois
por meio de diferentes recursos, estes têm contribuído para a dinamização
e fomento dos diferentes saberes.
25
Especializando em Gestão e Políticas Públicas para a Educação Básica (Uneb). Integrante do grupo de
Pesquisa GEPEMDECC (Uesb). E-mail: deisetkd@hotmail.com.

121
ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

Porém, a forma na qual as Políticas Nacionais estão sendo condu-


zidas, as ações em educação remota, especialmente na educação pública,
não têm apresentado na prática, os benefícios que poderiam ser alavan-
cados pelas TICs, por diversos fatores, que surgem da necessidade da
comunidade escolar, em ter acesso massivo a estas.
Assim, este artigo objetivou conhecer, a partir do discurso de pro-
fessores/as, como tem sido consolidado o processo de informatização
docente numa escola municipal de Bom Jesus da Lapa – BA.

Percurso metodológico
Este Estudo de Caso caracteriza-se como estudo misto (quantita-
tivo/qualitativo), que por sua vez, utilizou-se como recurso para a coleta
de dados, um questionário semiestruturado, que devido ao período de
pandemia na qual o isolamento social é uma das principais medidas de
contenção do Coronavírus (Covid-19), foi disponibilizado aos partici-
pantes via plataforma google forms26.
Tendo como amostra seis docentes que trabalham numa escola
de porte médio, no território da cidade do município de Bom Jesus da
Lapa-BA e que trabalham com turmas do Ensino Fundamental I (Anos
Iniciais).

Análise dos dados e discussões


Com a globalização, a sociedade, de modo geral, tem elaborado e
se aproximado cada vez mais dos recursos tecnológicos, desenvolvendo o
que pode ser chamado de cultura digital, na qual, especialmente os jovens,
têm desfrutado cada vez mais de objetos científicos, especialmente para
comunicar-se e expressar-se. A nova Base Comum Curricular (BNCC),
reconhece esta tendência, quando afirma que:
Há que se considerar, ainda, que a cultura digital tem pro-
movido mudanças sociais significativas nas sociedades
contemporâneas. Em decorrência do avanço e da multipli-
cação das tecnologias de informação e comunicação e do
crescente acesso a elas pela maior disponibilidade de com-
26
É um aplicativo de gerenciamento de pesquisas lançado pelo Google. Os usuários podem usar o Google
Forms para pesquisar e coletar informações sobre outras pessoas e podem ser usados ​​para questionários e
formulários de registro

122
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putadores, telefones celulares, tablets e afins, os estudantes


estão dinamicamente inseridos nessa cultura, não somente
como consumidores. Os jovens têm se engajado cada vez
mais como protagonistas da cultura digital, envolvendo-se
diretamente em novas formas de interação multimidiática
e multimodal e de atuação social em rede, que se realizam
de modo cada vez mais ágil. (BRASIL, 2020, p. 61).
Sobretudo, a BNCC também inclui nas discussões, as consequências
que vem ligadas a Cultura Digital, como os apelos emocionais, a indução
ao imediatismo das respostas, o privilégio de análises superficiais, bem
como do uso de imagens e expressões sintéticas de diferentes segmen-
tos, que precisam ser argumentados discutidos e refletidos no ambiente
escolar (BRASIL, 2020).
Tanto é que, em diferentes competências e áreas de conhecimen-
tos constam neste documento conteúdos programáticos que sugerem
a dinamização não somente da cultura digital, mas midiática também.
Tendo em vista as alusões das novas tendências educacionais, nota-
-se que a escola precisa estar atenta aos aspectos da globalização, no que
concerne a aproximação com as TICs, em que, para uma formação de
fato crítica e autônoma é indispensável reconhecer que, a sociedade está
cada vez mais vinculada a ciência e a tecnologia, nos aspectos sociais,
econômicos, políticos e culturais (RAMOS et al., 2009).
Portanto, a informatização docente, apresenta-se como um impor-
tante mecanismo para condução do ensino e aprendizagem nas Unidades
Escolares, ainda mais necessário neste período de pandemia do Covid-19,
na qual a maioria das Instituições Escolares têm adotado este método de
ensino para continuidade das atividades pedagógicas. Pois, o isolamento
social é uma das medidas utilizadas para a contenção do contágio deste
vírus que tem ceifado a vida de muitas pessoas.
O que ocorre, é o que Moreira et al. (2020) revelam como Ensino
Remoto Emergencial, que exige mudanças organizacionais complexas,
que implicam desafios institucionais, pessoais e coletivos de adaptação,
flexibilização e inovação.
Pois, a educação não pode estagnar até que a pandemia no Brasil
seja cessada, isto se dá a partir do direito que os educandos possuem,
como consta no Artigo 5º da Constituição Federal (1988):
A educação, direito de todos e dever do Estado e da famí-
lia, será promovida e incentivada com a colaboração da

123
ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa,


seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação
para o trabalho. (BRASIL, 1988).
Porém, no atual modelo de educação, para que esta continue em
exercício, não pode ser tratada de “qualquer” forma, apenas por cum-
primento legal e burocrático, ela precisa de fato acontecer e favorecer os
escolares em sua formação integral, mesmo diante das complexidades de
intervenção pedagógica, que não é momentânea.
Outra questão a ser mencionada, é a qualidade do Ensino Remoto
Emergencial, pois em várias partes do país, o que tem sido apresentado
está longe de atender toda a comunidade escolar de forma qualitativa,
mesmo com medidas de uso de programas de rádio, televisivos, atividades
impressas, dentre outras alternativas. Mas, acontece que:
Ao evidenciar as desigualdades, os problemas e os desafios,
a pandemia evidenciou um país permeado de fragilidades,
contradições e emergências, sobretudo no âmbito educa-
cional quando são expostas questões ligadas à realidade
da escola pública, dentre elas os perfis dos estudantes, a
formação docente e a natureza das políticas/dos projetos
educacionais. Em síntese, a pandemia visibilizou a reali-
dade brasileira como ainda não ocorrera no pós-Segunda
Guerra Mundial: um país altamente desigual, com graves
problemas a serem equacionados, como a erradicação do
analfabetismo e/ou a elevação do nível de escolaridade da
população brasileira, a melhoria no processo formativo do
professor da Educação Básica, a diminuição da pobreza,
dentre outros em diferentes aspectos e contextos. (CUNHA
et al., 2020, p. 36).
Fragilidades, que também foram identificadas neste estudo, em
que os docentes, numa escala de 1 a 5 (sendo 5 a maior dificuldade da
escala), revelaram ter dificuldades estimadas de 2 a 5, como mostra o
gráfico a seguir:

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Gráfico 1 – Dificuldades com manuseio das TICs numa escala de 1 a 5 (sendo o 5 a


maior dificuldade)

Fonte: pesquisa de campo, 2021

Além disto, há docente que não possui em sua residência algum


tipo de rede de internet (Gráfico 2), que possa viabilizar a comunicação
com a comunidade escolar, mesmo que em contrapartida, os demais
possuam Rede de Wi-fi, esta é uma realidade que precisa ser pensada.

Gráfico 2 – Tipo de rede de Internet que o docente possui

Fonte: pesquisa de campo, 2021

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Outro ponto a ser destacado é o recurso tecnológico, na qual também


há docente que não possui nenhum recurso para interação, dois professores
apenas possuem o aparelho de celular e três profissionais possuem um aparelho
de celular e um notebook, como recurso para mediação de aulas (Gráfico 3).

Gráfico 3 – Recurso(s) tecnológico(s), de investimento pessoal, utilizado para


mediação do ensino remoto

Fonte: pesquisa de campo, 2021

Ao depararem-se com as dificuldades que fazem parte do contexto


do ensino remoto, Moreira et al. (2020) sugerem que:
[...] se devem definir políticas e criar programas de for-
mação e de capacitação para todos os agentes educati-
vos direcionados para o desenvolvimento de projetos de
formação e educação digital que permitam realizar uma
adequada transição deste ensino remoto emergencial para
uma educação digital em rede de qualidade. (MOREIRA
et al., 2020, p. 362).
Todavia, isto não tem ocorrido na realidade em estudo, em que
faltam colocar em prática muitos elementos de contribuição, para melhor
atender os escolares e subsidiar as práxis pedagógicas.
Sobre isto, alguns participantes da pesquisa sinalizaram e sugeri-
ram, perspectivas viáveis de investimentos no campo da educação, que
merece ser discutida e analisada pela gestão municipal, na qual destacam
“Suporte tecnológico aos docentes e alunos” (Docente 1) e:

126
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Plataformas de ensino remoto, aparelhos de qualidade na


escola: notebook, computador e outros, caixa amplificada,
microfone, sala com boa acústica, internet de qualidade,
formação adequada e suficiente, suporte técnico e condições
adequadas para planejamento e correção das atividades
(Docente 2).
Ora, se o município sugere o uso de tecnologias para mediação do
ensino remoto, esta poderia ou até mesmo deveria oportunizar o acesso
de toda a comunidade escolar aos recursos das TICs, responsabilizando-
-se e assumindo o papel de contribuir, ainda mais, para uma educação
de qualidade.
Pois, nas entrelinhas é notório a responsabilização do ensino aos
docentes e famílias, que de forma limitada e despreparada, em muitas
situações, têm buscado aproximar-se do processo de ensino e aprendi-
zagem. O que é muito preocupante, as consequências destas barreiras já
são visíveis agora, quiçá até o final da pandemia, em que:
Provavelmente, a perda de desempenho será maior entre
estudantes de baixa renda, pois além da deficiência de
acesso às tecnolo-gias tendem a sofrerem mais os impactos
emocionais da crise financeira causada pela pandemia, bem
como são menos propensos a ter em casa um ambiente de
aprendizado adequado, como espaço silencioso, dis-po-
sitivos que não precisam compartilhar, internet com boa
velocidade e auxílio dos pais. (CARDOSO et al., 2020, p. 42).
Assim sendo, um entrave nos processos formativos, na qual para
ter acesso à educação, se faz indispensável o acesso as TICs, o que requer
olhar sensível das políticas públicas de incluir e promover educação
democrática.
Mas infelizmente não é o que ocorre, até então, o suporte ofertado
restringe-se, especialmente na impressão de atividades (Gráfico 4), até
porque, a rede municipal de Educação adotou como atividade principal
de mediação, o estudo dirigido a partir de atividades impressas. E, quando
não há momentos de interações e trocas de conhecimentos, caracteriza-se
com o modelo de “educação bancária”, pensamento de Freire (1987), que
indica o depósito de conteúdos, o recebimento destes e o arquivamento
do saber. Numa dinâmica mecanizada, superficial e excludente.

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Gráfico 4: Suporte da Secretaria Municipal de Educação para o Ensino Remoto

Fonte: pesquisa de campo, 2021

Haja vista que alguns docentes têm-se desdobrado para incluir nas
mediações, o uso das tecnologias, entretanto, não tem conseguido atender
a todos/as os/as alunos/as, merecendo, assim, olhar compassivo e atento
para este tipo de intervenção que não inclusiva, como pode ser revelado no
gráfico a baixo:
Gráfico 5: Porcentagem de educandos atendidos via tecnologia, com base na turma
de cada docente

Fonte: pesquisa de campo, 2021

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A partir do exposto, faz-se necessário e urgente refletir sobre o


abismo que a educação tem provocado quanto ao seu papel de ser acessível,
democrática e inclusiva, com a intervenção incoerente e perigosa no que
tange aos efeitos do presente e aos que estão por vir. Vale ressaltar que
tal consideração parte do pressuposto de que, não se restringe apenas ao
município em questão, mas todo um contexto nacional.
Em que, a educação tem sido construída de forma precária, no que
diz respeito ao acesso, ao currículo e outros processos de aprendizagem
e a classe trabalhadora, sempre esteve desprivilegiada em relação as
políticas educacionais e as poucas conquistas foram frutos de muita luta
no enfrentamento do modelo político, social e econômico vigente, que
sustenta a grande divisão de classes existentes (UCHOA; SENA, 2019).
E as dificuldades que hoje estão sendo evidenciadas com o Ensino
Remoto, faz parte uma estruturação que ao longo dos tempos vem sendo
inseridas na educação, a diferença é que devido ao momento, estas difi-
culdades estão mais evidentes, assim sendo a informatização docente
não o único problema, mas, mais um fator que precisa ser revisto pelas
políticas públicas educacionais.
Afinal, a intencionalidade de transição do Ensino à Distância (EaD)
na Educação Básica, já estava em discurso, mesmo antes da pandemia,
na qual várias iniciativas já tinham sido estreadas nos recursos midiáti-
cos, todavia:
A análise dos projetos em EAD desenvolvidos no Brasil,
sobretudo pelo governo, no passado, nos mostra suas rup-
turas bruscas e descontinuidades. Tratam-se de projetos
políticos, mais do que educacionais, planejados por um
determinado grupo e que eram sumariamente encerrados
quando da mudança da orientação política do próprio
Ministério da Educação, muitas vezes no mesmo governo.
(KENSKI, 2002, p. 9).

Assim, podendo registrar a ineficiência do EAD em escolas públi-


cas, frente as realidades existentes, um modelo de ensino que para ser
implantado, exigirá grandes transformações nas estruturas familiares e
educacionais, que até então, encontra-se distante de promover e instituir
uma educação, de fato, para todos/as.

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ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

Considerações finais
A partir dos dados e discussões mencionadas, pode-se perceber que
o processo de informatização docente tem sido consolidado de forma lenta
e inadequada, distanciando-se então, do que seria ideal para o processo
de formação docente para melhor atendimento aos educandos, neste
período de pandemia, na qual o setor da Educação tem perpassado com
grandes dificuldades.
Sugere-se assim, uma ampliação das políticas públicas educacionais,
que viabilizem a eficácia das propostas e das práxis docentes, oferecendo
recursos tecnológicos de informações e comunicação e formação conti-
nuada para que os docentes, em grande parte ou quem sabe totalidade,
possam manusear estes instrumentos.
Para além desta sugestão, também é preciso pensar na comuni-
dade escolar, que também sofrem, em muitos casos, pela falta de acesso
e conhecimentos sobre as TICs.
Diante disto, fazendo refletir sobre o desenho abismal na qual
encontra-se a educação, distanciando ainda mais a classe trabalhadora
do acesso à Educação, conduzindo os docentes a um trabalho ineficiente
e abusivo. O termo abusivo condiz a sobrecarga de atividades sem apoio
direto da Gestão Municipal, pois quando a(o) professor(a) utiliza de
recursos próprios para manter o funcionamento da Educação, este assume
uma responsabilidade que é prioritariamente dos Fundos de investimento
da educação.
Outrossim, é preciso que a comunidade escolar e os gestores muni-
cipais e de outras esferas, reflitam sobre os desdobramentos realizados até
o momento e pensem nos impactos que estes estão causando e podem
causar no processo de ensino-aprendizagem dos/as educandos/as atendi-
dos, não só na Unidade Escolar em estudo, mas em toda rede municipal.

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130
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UCHOA, A. SENA, I. (org.). Diálogos Críticos: BNCC, educação, crise e luta
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131
A EDUCAÇÃO ESCOLAR QUILOMBOLA PARA
ALÉM DO CAPITAL27

Kaique Borel de Jesus28


Arlete Ramos dos Santos29
Catiana Nogueira dos Santos30
Érica Pereira Paraguai Fonsêca31

Primeiras palavras
Damos início ao texto expondo que a ideia, que aqui propomos,
constituir-se-á de maneira muito singular e muito específica em relação
à temática abordada, visto que os encadeamentos lógicos e as reflexões,
que visamos construir, têm como ideal ensaiar possibilidades de uma
educação quilombola que esteja para além do capital. Com isso, é válido
dizer que nos abstemos, aqui, da necessidade de afirmar “coisas últimas”,
ou seja, dispensamos a obrigação de dizer, neste texto, “verdades que não
possam ser confrontadas”. Ao contrário disso, esse ensaio deve funcionar
como ferramenta para reflexão, desconstrução, reconstrução e construção
de ideias e diálogos.

27
O ensaio “A educação escolar quilombola para além do capital” começa a surgir e é construído a partir
das discussões realizadas na disciplina “Educação, Movimentos Sociais, Trabalho e Formação” do Programa
de Pós-graduação em Educação, PPGED, da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - Uesb, ministrada
pela Professora Dra. Arlete Ramos dos Santos.
28
Mestrando em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Estadual do
Sudoeste da Bahia - PPGED/UESB, Especialista em Atendimento Educacional Especializado e Educação
Inclusiva pela Faculdade Venda Nova do Imigrante - ES e Licenciado em Pedagogia pela Faculdade Uninassau
de Vitória da Conquista.
29
Doutora e Mestra em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), graduada em
Pedagogia pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb) e Pesquisadora das áreas de educação
do campo, políticas educacionais, educação de jovens e adultos, movimentos sociais do campo e Plano de
Ações Articuladas (PAR).
30
Mestranda em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Estadual do
Sudoeste da Bahia - PPGED/Uesb. Especialista em Desenvolvimento Humano, Educação e Inclusão Escolar
pela Universidade de Brasília (UNB). Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Movimentos Sociais e
Educação do Campo e da Cidade (GEPEMDECC).
31
Mestranda em Educação pelo Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Estadual do
Sudoeste da Bahia - PPGED/UESB. Licenciada em Geografia pela Universidade Estadual do Sudoeste da
Bahia (Uesb). Membro do Grupo de Estudos Pesquisa e Políticas Públicas para Educação Superior (GEPPES).

133
ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

Prosseguimos nos remetendo à força motriz que nos traz à escrita


desse trabalho, tendo como ponto de partida o enlace entre formas de
educação que rompam com as noções e com os modelos educacionais
que se estabelecem a partir do e com vistas para o capital e as formas de
educação quilombola que, por sua vez, constitui-se de forma distintiva
(grifo nosso).
Dito isso, nosso percurso começa a ser trilhado tendo como base
as proposições do Meneghetti (2011) acerca do delineamento do gênero
ensaio teórico, caminho pelo qual optamos por utilizar para refletir e
dialogar neste texto.
Sendo assim, pela liberdade que esse gênero nos possibilita, convi-
damos ao leitor, a partir desse momento, a despir-se de sua confiança em
suas certezas e a estar aberto às possibilidades de compreensões outras
da realidade, afinal “o ensaio requer sujeitos, ensaísta e leitor, capazes
de avaliarem que a compreensão da realidade também ocorre de outras
formas” (MENEGHETTI, 2011, p. 321). Assim, repetimos o que dissemos
inicialmente, frisando ao leitor e fixando à nós mesmos que, aqui neste
texto, em concordância com Meneghetti (2011), não nos orientaremos
pela lógica do encontro de respostas finais ou afirmações que represen-
tem verdades últimas, contrariamente a isso e às metodologias científicas
tradicionais, nos orientaremos por meio de perguntas, indagações que
nos dê possibilidade de reflexão e diálogo sobre a temática proposta.
Não esperem conclusões definitivas, remédios ou antídotos que
solucionem as problemáticas que aqui dispomos, ao contrário disso, se
junte a nós e reflita conosco e ao longo dos parágrafos dialogue com o
texto, ponha tudo à prova, concorde, discorde, mas antemão compreenda
e ao compreender atenha-se à consciência do que a partir desse texto é
possível refletir.
Para darmos continuidade, lançamos mão de dois escritos que insti-
garam e instigam as questões que aqui desenvolvemos: o “A educação para
além do capital”, “Para além do capital: rumo a uma teoria da transição”,
obras do filósofo húngaro, István Mészáros (2008/2011). Complementando
e aproximando as obras do autor à realidade que pretendemos refletir,
utilizaremos, também, as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Edu-
cação Escolar Quilombola (2013) e os livros “A trilha de emancipação dos
saberes quilombolas nas escolas”, de autoria Niltânia Brito Oliveira, Arlete
Ramos dos Santos e Greissy Leoncio Reis (2020) e “O negro no Brasil de
hoje” do autor Kabengele Munanga e Nilma Lino Gomes.
134
MOV I M E N TO S S O C IA I S E R E SI ST Ê NC IA

Então, o que seria a educação quilombola? Quais


são seus princípios e especificidades? Como se
constitui?
A Educação Escolar Quilombola, de acordo as Diretrizes Curricu-
lares Nacionais Gerais para a Educação Básica (2013), seria aquela que é
concebida a partir das entidades educativas que estão registradas segundo
seus territórios e culturas, ao passo que tal educação constitui-se de peda-
gogias específicas, tendo como base as características étnico-culturais
próprias de cada comunidade, o que quer dizer que seria importante que
os docentes dessas instituições possuíssem uma formação distintiva, tal
qual suas pedagogias, de maneira a observar os rudimentos constitucio-
nais que conduzem a educação básica do país.
Ao passo que é importante situar o leitor que, de acordo com Oli-
veira (2018), os camponeses quilombolas possuem particularidades que
lhes são determinantes no sentido de diferenciação dos padrões socio
metabólicos do capitalismo, particularidades essas que surgem a partir
das relações de produção que têm por meio do trabalho, à medida que
este, para os camponeses representa, por primazia, uma ação educativa.
Desta forma, salienta-se que a organização econômica camponesa se
baseia no trabalho familiar, na economia de subsistência, na propriedade
familiar e no gerenciamento da terra, isto é, no gerenciamento dos meios
de produção, sendo que este, por sua vez, diferencia-se e desassocia-se
do planejamento cronológico capitalista. De forma que a terra, para os
camponeses quilombolas, figura como um bem comum em que engendra
seus modos de vida.
Segundo Oliveira, Santos e Reis (2020, p. 17),
A Educação Escolar Quilombola no Brasil surgiu das contra-
dições e pressões contra as políticas neoliberais e das organi-
zações do Movimento Quilombola e do Movimento Negro,
que trazem essa problemática à cena pública e política e
a coloca como importante questão social e educacional.
As autoras supracitadas dizem que o direito dos povos quilombolas
a uma educação que seja relacionada às suas singularidades é constitu-
cional a partir das Diretrizes para a Educação do Campo. Ao passo que,
estas, germinam a partir dos embates que foram travados pelos movi-
mentos sociais que se mobilizaram para encontrar, em meio ao contexto
135
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JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

neoliberal, modos de alçar avanços para com as populações campesinas32


a partir de novas proposições que se direcionam para a educação rural,
enquanto prática social que se vincula às pelejas por territórios, por tra-
balho e por educação. E é nesse cenário que a Educação quilombola vai
se constituindo e se organizando.
As especificidades dessa modalidade de educação, em consonância
com as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Qui-
lombola (BRASIL, 2013), emergem a partir das diferenças culturais que
a constituem, isso pois, as comunidades quilombolas possuem modos
próprios de se organizarem socialmente e utilizam-se de saberes e conhe-
cimentos que nascem e são repassados por meio das tradições que carre-
gam, assim como das formas como ocupam e utilizam seus territórios e
recursos naturais. Ao passo que a forma como essas comunidades lidam
com suas terras e recursos permitem o estabelecimento de uma condição
específica para que os elementos culturais, sociais, religiosos, ancestrais e
econômicos desses povos funcionem de modo orgânico e natural.
Poderia então uma educação quilombola estabelecer-se de outros
modos que não sejam a partir dessas especificidades? Poderia então haver
educações outras nos quilombos senão a que deles emergem? A quem
essas educações serviriam? A quais propósitos? A educação quilombola
ainda seria educação quilombola se se afastasse de seus princípios, espe-
cificidades e características? Seriam essas, apenas questões culturais?
Sociais? Religiosas? Ancestrais? Ou econômicas?
Essas questões vão nos surgindo ao longo do percurso que vamos
trilhando e podemos perceber que, talvez, elas convirjam entre si e quei-
ram perguntar uma mesma coisa ao mesmo tempo que perguntam outras
ou que talvez não, elas perguntam aquilo que querem perguntar. Sendo
uma ou outra alternativa, elas convidam para a cena uma nova pergunta:
Afinal, a educação quilombola vem no sentido de educar para resistir ou
no sentido educar para competir com as outras inúmeras educações?

32
A formulação terminológica “população campesina” refere-se ao conceito de Campesinato, que por sua
vez, segundo Costa e Carvalho (2012, p. 115), diz respeito ao “conjunto de famílias camponesas existentes em
um território. As famílias camponesas existem em territórios, isto é, no contexto de relações sociais que se
expressam em regras de uso (instituições) das disponibilidades naturais (biomas e ecossistemas) e culturais
(capacidades difusas internalizadas nas pessoas e aparatos infraestruturais tangíveis e intangíveis) de um
dado espaço geográfico politicamente delimitado”.

136
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Educar para resistir ou educar para competir?


Dando continuidade, retomamos a indagação supracitada a partir
das reflexões feitas por Ivana Jinkings acerca do pensamento de sociedade
que tem como ponto de partida o ser humano, ao passo que, sobre isso ela
diz que “pensar a sociedade tendo como parâmetro o ser humano exige
a superação da lógica desumanizadora do capital, que tem no individua-
lismo, no lucro e na competição seus fundamentos [...]” (MÉSZÁROS,
2008, p. 9). Sendo assim, nossas reflexões começam a ser delineadas sobre
os dois vieses que temos trazido ao texto desde a seção anterior: o educar
para resistir e o educar para competir.
Poderia então uma educação quilombola voltar-se para a resistência
e, por conseguinte, pautar-se no ideal de emancipação, sem que antes
tenha se desvinculado da noção individualista, imersa na racionalidade
lucrativa e competitiva do capital? Poderia uma educação quilombola
humanitária andar de mãos dadas com aquilo que lhe desumaniza e a faz
moldar-se ao padrão educacional de produção de máquinas, máquinas
essas que trabalham para o capital? Poderiam coexistir em harmonia
pensamentos tão distintos?
Pensar essas questões pode nos levar a pensar a noção de contradito-
riedades que surgem entre o conceito de educar para resistir/emancipar33
e do educar para competir, isso pois uma educação quilombola que tenha
como princípios a resistência e a emancipação humana estruturalmente
não se relaciona, funciona e coexiste com princípios de competitividade,
lucratividade e obtenção de lucratividade de modo desenfreado, irracional,
individualista e desumanizante.
De maneira que poderíamos pensar nisso a partir da noção de que,
contrariamente ao que se circula, “a educação não é um negócio... não é
uma mercadoria” e “não deve qualificar para o mercado” (MÉSZÁROS,
2008, p. 9). Dessa forma, não seria reducionista pensar em educação
como negócio, mercadoria ou como instrumento de qualificação (aqui,
leia-se preparo, ao invés de qualificação) para o mercado? Se a ideia de
tratar a educação de forma genérica por negócio e produto soar como
reducionista, como soaria, então, a concepção de uma educação escolar
quilombola com essas características?
33
Neste texto, os conceitos de resistir e emancipar não são colocados juntos no sentido de serem sinônimos
um do outro, mas na intenção de correlacionar a ideia de causalidade entre um e o outro, assim, neste sentido:
a noção de emancipação decorre da ideia de resistência.

137
ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

Essa noção de educação como produto negociável, vendível e adje-


tivador tal qual adereço a ser fabricado, comercializado e usado como se
bem entendem inclina-se a recair na ótica de redutibilidade utilitarista
que a burguesia tende a ter de tudo o que a circunda. Ao passo que a
educação, assim como as pessoas que pensam a educação, educam e são
educadas passam a ser coisas por meio de um processo de “coisificação”
em que tudo deve ter uma utilidade e com um fim em si mesmo.
Desse modo, ousadamente parafraseando Mészáros, poderíamos
também dizer que a educação quilombola não é um negócio, e muito
menos um artefato negociável tal qual uma mercadoria, e de igual modo,
poderíamos dizer que essa modalidade de educação, assim como a edu-
cação de um modo geral, não deve ter como foco uma “qualificação” para
o mercado, mercado esse externo aos ideais quilombolas e ao serviço
do capital.
Voltamo-nos, assim, para um outro ponto: a compreensão de que
a garantia de acesso à escola é suficiente para a superação dos problemas
provocados pelo capital. Uma outra consequência que tende a surgir a
partir dessa compreensão origina-se a partir da romantização de que a
educação por si só soluciona problemas, mais que isso, de que a exis-
tência de escolas e a garantia de acesso a elas é a solução para o caos
social ocasionado pela exploração que se dá pelo capital. Ao que Jinkings
(MÉSZÁROS, 2008, p. 11, grifo nosso) vai dizer que “o simples acesso à
escola é condição necessária, mas não suficiente para tirar das sombras do
esquecimento social milhões de pessoas cuja existência só é reconhecida
nos quadros estatísticos”.
É importante, a partir disso, rememorar que a educação quilombola
só passou a ser compreendida como necessária muito depois e a partir da
Constituição Federal de 1988, quando, em seu 68º artigo atesta e reconhece
propriedade definitiva dos territórios ocupados por remanescentes de
quilombos a eles (BRASIL, 2013). Ao passo que somente dentro desses
últimos 33 anos é que se começa a pensar em uma educação que desse
visibilidade às especificidades dos povos quilombolas.
Assim, seria válido pensar que o acesso, puro e simples, à escola
funcionaria eficazmente para a sustentação de uma educação quilombola
emancipatória e que esteja em consonância com os ideais de resistência,
pelos quais ela tem se mantido?

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Aqui, nós voltamos à questão inicial: educar para resistir e emanci-


par ou educar para competir? Com isso, tendemos a pensar em todos os
pontos que temos trazido ao texto como contexto e sustentáculo para essa
questão inicial. Ao passo que, primeiramente, observamos que a noção
de implantação de formas outras de educação, externas aos quilombos,
nos quilombos nos conduz a pensar a ideia de currículos importados
que correspondem a realidades diferentes das que são vivenciadas pelas
comunidades quilombolas. E, segundo, pela compreensão de que somente
a concepção de um currículo importado, por si só, já recai nas noções de
educação como negócio e mercadoria, e por isso, o conceito de importação.
Isso porque, segundo Sader (MÉSZÁROS, 2008, p. 9), possivel-
mente coisa alguma pode exemplificar de modo tão próximo à noção
estabelecida a partir do neoliberalismo de que tudo pode ser vendido,
tudo pode ser comprado, tudo pode ser valorado, quanto a mercanti-
lização da educação. De maneira que, segundo o autor, um povo que
impossibilita a emancipação tende a converter as instituições educativas
em “shopping centers”, isso pois são mais adequados à racionalidade do
consumo e da lucratividade.
A concepção de uma educação quilombola para a resistência e, por
sua vez, para a emancipação, em todo o sentido que ela traz em si, não
soa muito coerente se casada à concepção de uma educação que traba-
lha sobre os princípios de competição, que por sua vez está atrelada aos
fundamentos de uma educação capitalista.
Assim sendo,
Ao pensar a educação na perspectiva da luta emancipatória,
não poderia senão restabelecer os vínculos - tão esquecidos
- entre educação e trabalho, como que afirmando: digam-
-me onde está o trabalho em um tipo de sociedade e eu te
direi onde está a educação. Em uma sociedade do capital,
a educação e o trabalho se subordinam a essa dinâmica,
da mesma forma que uma sociedade em que se universa-
lize o trabalho - uma sociedade em que todos se tornem
trabalhadores - somente aí se universalizará a educação.
[...] educação significa o processo de “interiorização” das
condições de legitimidade do sistema que explora o trabalho
como mercadoria, para induzi-los à sua aceitação passiva
[...]. (MÉSZÁROS, 2008, p. 17).

139
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JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

Então, neste sentido, poderíamos pensar em uma educação qui-


lombola que rompesse com esses padrões? Poderíamos pensar em uma
educação quilombola para além do capital?

Uma educação quilombola para além do capital


Prosseguindo com as discussões, iniciamos essa nova seção com a
tentativa de explicar o conceito de “para além do capital”, temática central
do nosso diálogo, e atrelá-lo à educação escolar quilombola, na intenção
de conceber por meio dos tensionamentos e reflexões, aqui realizados,
uma educação escolar quilombola emancipatória, em contrapartida às
educações que emergem a partir do e para o sistema capitalista.
Dessa forma, o conceito “para além do capital”, de acordo com Més-
záros (2011), parte da ideia de superação e transcendência do capital, o
que não quer dizer abolição do capital, visto que para o autor isso seja algo
impossível. Essa superação e transcendência, para ele, ocorreria a partir
do estabelecimento de um sistema organicamente autossustentável e que
seja reforçado mutuamente por seus segmentos. Em síntese, Mészáros
(2011, p. 917) diz que “ir para além do capital significa superar o modo de
controle do capital como sistema orgânico: uma tarefa só possível como
empreendimento global” (grifos do autor).
Assim, estabelecido o capital, de maneira a perpassar todos os
âmbitos da vida em sociedade, segundo o autor, seria nula a tentativa de
aboli-lo, exatamente por ele estar imbricado em basicamente todas as
ações humanas, de maneira que tendo isso como base podemos inferir,
tomando por base nosso objeto de reflexão aqui nesse texto, que esse
processo de imbricação se dá inclusive na educação e por meio dela. De
forma que, de acordo com o autor supracitado, seria necessário superá-lo,
transcendê-lo, o que ousadamente pudemos compreender como ação de
driblar o capital.
De maneira que, Mészáros (2008, p. 27) muito bem expressa essa
ideia quando diz que:
[...] o capital é irreformável porque pela sua própria natu-
reza, como totalidade reguladora sistêmica, é totalmente
incorrigível. Ou bem tem êxito em impor aos membros da
sociedade, incluindo-se as personificações “carinhosas” do
capital, os imperativos estruturais do seu sistema como

140
MOV I M E N TO S S O C IA I S E R E SI ST Ê NC IA

um todo, ou perde a sua viabilidade como o regulador


historicamente dominante do modo bem-estabelecido de
reprodução metabólica universal e social.
Com isso, o autor nos faz refletir e meio que nos conduz ao pen-
samento de que não se pode reformar ou corrigir o capital dado a forma
como ele se dá, se estrutura e tem estruturado, também, a sociedade. Ao
passo que ou ele se impõe e se superpõe sobre o que aqui ousadamente
podemos denominar “maquinário social”, manutenindo assim a conti-
nuidade do status quo à moda capitalista, ou ele tem sua funcionalidade
desviada perdendo assim seu sentido, poderíamos dizer. Ao que pode se
depreender, a partir disso, de modo genérico e até simplista que o capital
não seria capital se não possuísse essas características que se configuram
de modo a estabelecer domínio e poder.
Explanado o conceito, voltamo-nos, a partir dele, ao pensamento
e reflexão de educações quilombolas que estejam para além do capital:
Como seria, então, driblar o capital no âmbito educacional? E como esse
processo se daria dentro da educação quilombola? Poderia mesmo existir
uma educação quilombola anticapitalista?
Para refletir sobre essas questões, nesse momento, trazemos Més-
záros (2008) quando nos diz que a educação que tem sido legitimada,
sobretudo dentro dos 150 anos, tem funcionado de modo a servir ao
intento da instrumentalização cognitiva de determinadas pessoas para que
elas sirvam para o ideal de expansão do sistema capitalista, assim como
produzir e repassar uma cadeia de princípios que validam os interesses
da classe dominante. O autor vai nos dizer que esse processo ocorre de
maneira a dar entender que não existe outra forma de gerir a sociedade
senão dessa forma. E isso, segundo o autor, pode se dar de duas maneiras:
a internalização pelos sujeitos “adequadamente educados” ou pela via da
dominação estrutural e da subordinação hierarquizada.
Ao passo que refletindo sobre o que propõe o autor e as questões
que trazemos podemos chegar ao entendimento de que há um padrão
educacional que funciona de modo a alimentar e fortalecer as estruturas
capitalistas que envolvem a sociedade. Pode se depreender, portanto, que
para que esse processo ocorra de maneira a cumprir com seus intentos
ele deve ser cíclico, irredutível e inalterável. Para isso, a educação acrítica
tem sido utilizada como instrumento de suma importância, dado a sua
potência de “inculcação”. Outro ponto importante é a ideia de validação

141
ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

dos interesses das classes dominantes: para que essa validação aconteça
é necessário que os conhecimentos tidos como importantes sejam, tam-
bém, validados por essas classes dominantes, de forma que elas tenham
domínio não só dos meios de produção, mas de igual forma sobre os
conhecimentos historicamente produzidos. Assim, surge a ideia de que
quem detém o domínio sobre tais conhecimentos determinam quais
conhecimentos sejam válidos e quem pode ou não ter acesso a eles e o
motivo de terem ou não acesso.
E para que esse empreendimento de fato funcionasse, Mészaros
(2008) relata que “A própria História teve de ser totalmente adulterada”.
Ao passo que ele explica que a ideia de deturpar a história parte exata-
mente quando se há riscos muito altos envolvendo a racionalização e a
validação da ordem social que vai se estabelecendo nesse sistema como
“natural e inalterável”.
Quando o status quo corre o risco de ser tocado, mexido, alte-
rado... segundo essa lógica, a história precisa, então, ser escrita nova-
mente e difundida de maneira distorcida, ou mais distorcida ainda do
que quando reescrita, tudo isso para que a ordem social defendida pelo
sistema permaneça do mesmo modo. Isso pois, “Aqui a questão crucial,
sob o domínio do capital, é assegurar que cada indivíduo adote como
suas próprias as metas de reprodução objetivamente possíveis do sistema
[...]” (MÉSZÁROS, 2008, p. 44).
E nesse sentido é válido trazer para nossas reflexões a ideia e o
conceito de quilombo para que possamos dar prosseguimento com as
considerações e para visualizarmos melhor como poderia a educação
quilombola representar uma educação anticapitalista e como ela se cons-
tituiria como essa educação.
Assim, convidamos para o nosso diálogo Munanga e Gomes (2016)
que dizem que contrariamente ao pensamento reducionista e simplista
de que os quilombos seriam somente onde os negros escravizados se
refugiavam, a ideia de quilombo alude à uma espécie de instituição/asso-
ciação sociopolítica e militar muito conhecida na África Central em que,
de acordo com antropólogos, estava aberta a todos. Segundo os autores,
os quilombos brasileiros possuem muitas similaridades com os quilom-
bos de África, isso pois os quilombos africanos meio que inspiraram os
quilombos que se constituíram no Brasil de forma que sua constituição
se dá basicamente por meio dos negros, trazidos do continente africano

142
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aqui escravizados e seus descendentes, em oposição a sistema escravocrata


imposto e com a intenção de implantar formas de vida e de organizações
políticas outras que não às dos colonizadores. No quilombo todos os
oprimidos eram bem-vindos.
Os quilombos são, de acordo com os autores: “[...] uma reunião
fraterna e livre, com laços de solidariedade e convivência resultante do
esforço dos negros escravizados de resgatar sua liberdade e dignidade
por meio da fuga do cativeiro e da organização de uma sociedade livre”
(MUNANGA; GOMES, 2016, p. 72).
A partir do que foi dito já é possível perceber traços nas socieda-
des quilombolas que se opõem, quase que instantaneamente, aos ideais
capitalistas, ao passo que pode-se perceber isso com um pouco mais de
acessibilidade quando nos deparamos com o exemplo do quilombo de
Palmares que, logo quando começou a ser constituído em 1595, passou
a representar “[...] uma ameaça ao governo colonial, afinal, nesse local
a terra e o resultado do trabalho coletivo pertenciam a todos e não a
alguns ricos senhores de engenho. Além disso, no seu interior vivia-se e
respirava liberdade, o que era inaceitável para a sociedade escravista da
época” (MUNANGA; GOMES, 2016, p. 78).
Não fosse as afirmações comprovadas por estudiosos e pesquisa-
dores do campo, ao toparmos com essas realidades poderíamos pensar
se tratar de uma utopia. Assim, de posse dessas informações podemos
perceber que constitutivamente as sociedades quilombolas já driblavam
os primeiros veios do que viria a se tornar o capital que hoje conhecemos
ao se opor as formas de exploração, produção e divisão social colonialista.
Dessa forma, pensar em como se daria o processo de driblar o capital no
âmbito educacional dos quilombos atuais e em uma educação quilom-
bola anticapitalista não estaria tão distante da realidade, tendo em vista
o sentido original de suas cosmovisões.
É válido então, voltarmo-nos, mais uma vez, ao que diz as Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola (BRASIL,
2013) quando nos lembram de que as comunidades quilombolas conce-
bem suas vivências, suas organizações culturais, políticas e econômicas
a partir dos territórios tradicionais, de maneira que esses, por sua vez,
representam para os povos quilombolas possuem um valor distinto do
que têm os grandes donos de terra: seus territórios representam o sus-
tento e as memórias ancestrais; lugar em que as tradições e os valores são

143
ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

criados e recriados e em que seus componentes lutam pela garantia de


serem diferentes sem serem desiguais. Ao passo que, diferente de outras
sociedades, seus territórios não se constituem como meros objetos de
posse individual, mas relaciona-se com a ideia prática de coletividade.
Assim, a educação quilombola tem se constituído de modo que todas
as suas especificidades, incluindo as supracitadas, sejam respeitadas e, em
essência, a educação escolar quilombola abriga em si uma potencialidade
enorme de se constituir enquanto uma educação que rompa com o viés
do capital, de maneira a, também, constituir-se como instrumento de
resistência e oposição ao capital.
É certo que, segundo Mészáros (2008, p. 45, grifos do autor), “a
educação formal não é a força ideologicamente primária que consolida
o sistema do capital; tampouco ela é capaz de, por si só, fornecer uma
alternativa emancipadora radical”. Deste modo, cremos ser válido reiterar
o que dissemos anteriormente na tentativa de dizer que a educação não
é por si só uma força que mantém o capital assim como ela por si só não
representa a solução para os problemas que dele se originam.
Nesse sentido, é válido também dizer por meio de (MÉSZÁROS,
2008, p. 45, grifos do autor) que:
Esperar da sociedade mercantilizada uma sanção ativa - ou
mesmo mera tolerância - de um mandato que estimule as
instituições de educação formal a abraçar plenamente a
grande tarefa histórica do nosso tempo, ou seja, a tarefa de
romper com a lógica do capital no interesse da sobrevivência
humana, seria um milagre monumental. É por isso que,
também no âmbito educacional, as soluções “não podem
ser formais; elas devem ser essenciais”. Em outras palavras,
eles devem abarcar a totalidade das práticas educacionais
da sociedade estabelecida.
Pode se dizer, então, que não haverá, por parte de uma sociedade
mobilizada pelo capital, nenhuma ação que incentive entidades educa-
cionais, sobretudo às de origem que quilombola, a romperem com as
noções capitalistas. De maneira que as mudanças e rompimentos com
essas noções carecem ter origem a partir das práticas educacionais e
não a partir de prescrições verticais que advém de terceiros. Com isso,
o autor e nós convidamos ao leitor a pensar a ideia de que para que esse
rompimento ocorra precisamos de muito mais que normas advindas do
estado para uma ruptura com o capital, o que não vai ocorrer.
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Primeiras palavras: a continuação


Rompendo com a ideia de “considerações finais”, que circulam con-
vencionalmente em grande parte dos textos acadêmicos, aqui, segundo
o percurso que temos trilhado, optamos por trazer o título da primeira
seção desse texto seguido por uma ideia de continuidade, visto que como
dissemos inicialmente, não trazemos conosco certezas e afirmações cabais,
antes trazemos mais questionamentos e mais reflexões.
Embora quiséssemos dizer mais e produzir mais reflexões, espera-
mos ter cumprido com o objetivo desse texto que era o de suscitar ideias e
diálogos outros. Reiteramos, então, que não objetivamos de forma alguma
esgotar o tema, ao contrário disso temos ciência das muitas lacunas que
deixamos e pensamos que essas lacunas podem possibilitar brechas para
novas conversas a partir do que aqui expusemos.
Em síntese, pensamos ter, de modo geral, conseguido alçar mini-
mamente o objetivo de traçar esses diálogos em torno de uma educação
quilombola que rompa com os modelos educacionais capitalistas e, desse
modo, a partir das reflexões realizadas anteriormente, podemos inferir
que as comunidades quilombolas, apesar de em grande parte possuir
membros trabalhadores e que tenham como ideal a coletividade, de certo
modo ainda carecem de uma educação que abarque e alcance a totali-
dade de seus membros, não simplesmente porque essas comunidades
tenham isso como intento próprio, mas pela carência de efetividade de
algumas das políticas públicas por elas alcançadas por meio das lutas e
movimentos sociais.
Com isso, nos despedimos dizendo que o texto continua, continua
aqui, aí, lá... em todo o canto em que houver pessoas que estejam dispos-
tas para, não só lê-lo, mas sobre ele refletir e dialogar, cremos ser isso a
dança da dialética.

Referências
BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica.
Ministério da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretoria de Currículos
e Educação Integral. Brasília: MEC, SEB, DICEI, 2013.
BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Escolar Quilombola.
In: Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais da Educação Básica. Ministério

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ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

da Educação. Secretaria de Educação Básica. Diretoria de Currículos e Educação


Integral. Brasília: MEC, SEB, DICEI, 2013.
COSTA, Francisco de Assis; CARVALHO, Horacio Martins de. Agricultura
Camponesa. In: CALDART, Roseli Salete; PEREIRA, Isabel Brasil; ALENTE-
JANO, Paulo; FRIGOTTO, Gaudêncio. Dicionário da Educação do Campo.
1. ed. São Paulo: Expressão Popular, 2012.
JINKINGS, Ivana. Apresentação. In: MÉSZÁROS, Istvan. A educação para além
do capital. Tradução de Isa Tavares. 2 ed. São Paulo: Boitempo, p. 9-14, 2008.
MÉSZÁROS, Istvan. A educação para além do capital. Tradução de Isa Tavares.
2. ed. São Paulo: Boitempo, 2008.
MÉSZÁROS, Istvan. Para além do capital: rumo a uma teoria da transição.
Trad. Paulo Cezar Castanheira; Sérgio Lessa. 1 ed. São Paulo: Boitempo, 2011.
MUNANGA, Kabengele; GOMES, Nilma Lino. O negro no Brasil de Hoje. 2.
ed. São Paulo: Global, 2016.
OLIVEIRA, Niltânia Brito. A política da educação escolar quilombola no
município de Vitória da Conquista – Ba, de 2012 a 2017. 2018. Dissertação
(Mestrado Profissional em Educação Básica) – Universidade Estadual de Santa
Cruz, Ilhéus, BA, 2018.
OLIVEIRA, Niltânia Brito; SANTOS, Arlete Ramos dos; REIS, Greissy Leon-
cio. A trilha da emancipação dos saberes quilombolas nas escolas. Salvador:
EDUFBA, 2020.
SADER, Emir. Prefácio. In: MÉSZÁROS, Istvan. A educação para além do
capital. Tradução de Isa Tavares. 2. ed. São Paulo: Boitempo, p. 15-18, 2008.

146
MOVIMENTOS SOCIOTERRITORIAIS
DO CAMPO E A PARTICIPAÇÃO NAS
MANIFESTAÇÕES EM UBERABA E
UBERLÂNDIA (MG)

Beatriz Silva da Costa34


Janaina Francisca de Souza Campos Vinha35

A questão agrária brasileira: apresentando os


movimentos socioterritoriais e as manifestações
como expressões da luta pela terra
O presente trabalho busca compreender as manifestações do campo
realizadas pelos movimentos socioterritoriais nas cidades. Assim, nesse
ensaio, são analisadas as manifestações ocorridas nos municípios de
Uberaba e Uberlândia (MG) no período de 2000-2018. Damos ênfase a
ação dos movimentos socioterritoriais mais atuantes na região e as suas
reivindicações.
Para adentrar essa reflexão, é importante apresentar alguns elementos
teóricos que sustentam nossa análise, sendo a questão agrária o pressuposto
central. Sobre a questão agrária brasileira, entendemos que por se tratar
de uma problemática territorial ela é, também, uma problemática social e
econômica, caracterizada pelo alto grau de concentração da propriedade
nas mãos de poucos. A estrutura fundiária, que historicamente em nosso
país é mal distribuída, se coloca para os geógrafos e geógrafas como uma
questão territorial que extrapola e aflora outros aspectos que contribuem
na produção do espaço geográfico – social, econômico, cultural, político,
ambiental etc.

34
Discente da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM). Departamento de Geografia. Pes-
quisadora do Núcleo de Estudos Territoriais e Agrários – NaTERRA. Uberaba (MG), Brasil. E-mail: bia.
scosta2@gmail.com.
35
Docente da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM). Departamento de Geografia. Coorde-
nadora do Núcleo de Estudos Territoriais e Agrários – NaTERRA. Uberaba (MG), Brasil. E-mail: janaina.
vinha@uftm.edu.br.

147
ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

Não é de hoje que esse tema é amplamente debatido. Durante o


século XIX, Kautsky (1986) já discutia a questão agrária na Alemanha
durante o governo social-democrata. No Brasil, a invasão colonizadora
que instituiu o modelo das Sesmarias no século XVI e a Lei de Terras no
século XIX, evidenciam como a questão agrária foi sendo forjada sob o
signo da concentração da propriedade rural. Esse cenário influenciou a
construção de um projeto nacional edificado com base no latifúndio e,
posteriormente, no agronegócio, concentrando, desde cedo, a terra, o
poder e os direitos.
Sobre a questão agrária, Prado Jr. (1987, p. 125) afirma a neces-
sidade de “(...) fazer com que a utilização da terra no Brasil se realize
em benefício principal daqueles que nela trabalham, e não constitua
apenas, como é o caso presente, simplesmente um negócio de pequena
minoria”. Ele ainda afirma que os dois setores essenciais da agropecuária
brasileira são caracterizados por “grandes proprietários e fazendeiros de
um lado; trabalhadores sem-terra, ou com insuficiente quantidade de
terras, do outro”.
Sabe-se, ainda, que a questão agrária está ligada diretamente aos
conflitos por terra, revelando a necessidade da reorganização da estrutura
fundiária no cumprimento da sua função social. Tal questão é abordada
a partir de dois processos contraditórios: a conflitualidade e o desenvol-
vimento rural (FERNANDES, 2008). A conflitualidade não se restringe
ao momento do enfrentamento, ela é inerente ao modo de produção
capitalista no campo, uma vez que o seu desenvolvimento é contraditório,
cria tensões, exclusões e conflitos. O conflito não é um processo externo
ao desenvolvimento. O campesinato se (re)produz a partir dos conflitos,
(re)criando sua existência ao longo da história. Um exemplo é quando os
processos de lutas são promovidos com a construção de acampamentos
e ocupações de terra, as quais se transformam em assentamentos rurais.​
É por isso que Fernandes (2008) afirma que tanto a conflitualidade como
o desenvolvimento rural são características da contradição estrutural do
capitalismo, pois o mesmo produz a concentração da riqueza, a expansão
da pobreza e o desenvolvimento no campo.
A respeito, Fernandes afirma:
Essas famílias produzem e se reproduzem por meio dos
conflitos e do território, ou seja, ao conquistarem a terra, ao
serem assentadas, elas não produzem apenas mercadorias,

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criam e recriam igualmente a sua existência. Através da


territorialização da luta pela terra, elas realizam – também
– novos assentamentos. A maior parte dos assentamentos é
resultado do conflito que promove o desenvolvimento. Essas
famílias organizadas em movimentos socioterritoriais não
aceitam as políticas de mercantilização da vida e por essa
razão usam meios “estranhos” ao capital, que é confrontado
a todo momento. Por outro lado, as políticas mercantis não
têm apresentado resultados amplos de ressocialização que
possam impedir ou convencerem as famílias sem-terra a
abandonarem suas ações. O Estado também não conse-
gue acompanhar os conflitos para solucioná-los. Por tudo
isso, nas considerações finais, proponho o “empate” com
espaço – diálogo em que os interessados possam debater
o conflito como desenvolvimento, não criminalizar a luta,
tratando-a por meio de diferentes políticas no processo da
conflitualidade. (FERNANDES, 2008, p. 4).
A questão agrária no país é consequência do desenvolvimento
do capitalismo no campo, cujo agronegócio é uma das expressões mais
pujantes na contemporaneidade. Sobre tal modelo, A ​ lentejano (2011)
destaca quatro questões: a persistência da concentração e a desigualdade
resultante; a internacionalização cada vez mais frequente da agricultura;
as transformações na dinâmica produtiva; e a persistência da violência,
exploração e devastação ambiental no campo.
Os defensores da reforma agrária afirmam a importância de sua
luta, associando às causas ambientais, a soberania alimentar e a luta pela
democracia. Um dos principais instrumentos de luta são as ocupações,
ações que especializam a luta pela terra no enfrentamento direto contra
o capital no campo. Fernandes (2001) já as caracterizava pelo tipo de
experiência, podendo ser: “espontâneas e isoladas, organizadas e isoladas,
organizadas e especializadas”. A ação de ocupar parte de uma necessidade
de sobrevivência, e a partir dela, os movimentos compuseram outras
diferentes formas de luta. Uma delas são as manifestações nas cidades,
as quais são discutidas a seguir.
Assim, em detrimento do avanço do latifúndio e do agronegócio,
milhares de famílias camponesas são desterritorializadas no Brasil, isto
é, são destituídas de seus territórios, ocasionando lutas e resistências. A
partir da diferenciação de terra e território, sendo a primeira associada a
um meio de produção e o segundo como lugar de vida, a luta pela terra
se torna a busca por produção e direito ao trabalho, e não somente de
identidade e moradia.
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ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

Os movimentos sociais, sem-terra, camponeses, indígenas e qui-


lombolas são grupos que, historicamente, realizaram lutas e constituíram
resistências em todo o território nacional. E elas foram determinantes
tanto nas transformações espaciais e territoriais, quanto também na
contribuição de uma construção de luta e resistência espacial e territo-
rial (FILHO, 2016). Com a ação desses grupos é que, mais adiante, seria
iniciada em uma atuação organizada da resistência camponesa. Sendo
alguns deles a luta dos Povos Guaranis, o arraial de Canudos, a Guerra
do Contestado, o cangaço, temos também a União dos Lavradores e
Trabalhadores Agrícolas – ULTAB, criada em 1954 durante a Segunda
Conferência Nacional dos Lavradores e Trabalhadores Agrícolas, realizada
em São Paulo, e o Movimento dos Agricultores Sem Terra – MASTER,
criado no RS em 1960.
Greves, reivindicações, fundação de associações, de sindicatos, de
federações e da Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricul-
tura foram as principais características de resistência, e a sua constância
por todo o território brasileiro são exemplos do avanço da formação
camponesa da época.
Com o Golpe de 1964 a repressão violenta contra a luta dos traba-
lhadores se intensificou, e todo o processo de formação das organizações
foram destruídos, assim como suas políticas acabaram intensificando a
concentração de renda, a concentração fundiária e o êxodo rural. Mas tal
ataque contra os trabalhadores fizeram com que suas lutas eclodissem, e
por volta da década de 1970 a questão agrária se tornou um dos principais
problemas do governo (FILHO, 2016).
E com isso foram surgindo diversos movimentos, mas princi-
palmente, a Comissão Pastoral da Terra (CPT), ligada à uma frente
progressista da Igreja Católica, desmascarava as políticas e projetos dos
militares. Posteriormente, a CPT partiu para a conquista da terra, gerando
a expansão das lutas. E o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra
(MST), que foi criado a partir da necessidade de enfrentamento contra
o latifúndio e o Estado, mas também de outros direitos básicos negados
pelo desenvolvimento do capitalismo. O movimento trabalha em diver-
sas frentes, como a reforma agrária, luta pela produção de alimentos,
educação, qualidade de vida e de saúde, elementos que, de acordo com
Fernandes (2001), buscam a organização de uma estrutura básica visando
uma vida digna.

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E assim deu-se sequência os processos de espacialização e territo-


rialização da luta pela terra. Principalmente os desenvolvidos pelo MST
que se iniciaram com a CPT e com a Comissão Regional Sul. No entanto,
era de responsabilidade dos trabalhadores a organização das lutas, e com
isso foi possível a criação de uma organização autônoma.
A partir de reflexões a respeito de suas experiências foi concebida
uma metodologia de luta, que Fernandes (2001) entende como uma
organização que se estende desde a construção do espaço até a conquista
da terra, ambos aprendidos no processo de luta pela terra. Sabemos que
o movimento possui como identidade a ocupação da terra, instrumento
que possibilitou a existência dos assentamentos (FERNANDES, 2001).
A territorialização do MST seu deu por 18 estados de 1985 até 1990.
Na Bahia foi instaurado um dos primeiros passos para sua organização,
realizando uma ocupação na terra pertencente à Companhia Vale do Rio
Doce, marcando assim o início do movimento na região Nordeste. Em
seguida foi a vez de Sergipe, seguido por Alagoas, Pernambuco, Paraíba,
Rio Grande do Norte, Ceará, Piauí e Maranhão. Partindo daí foi a vez
de Goiás, Rondônia, Minas Gerais, Espírito Santo, Rio de Janeiro, São
Paulo, Mato Grosso do Sul, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul
(FERNANDES, 2001).
Em meio a tais conflitos, foram sendo desenvolvidos pelo MST
procedimentos para a qualificação de sua luta. Fernandes (2001, p. 3)
destaca “o dimensionamento e a interação das atividades: formação
política, educação, produção, administração, comunicação”. Tais cam-
poneses podem se integrar também no movimento pelos diferentes
setores compostos pelas formas de organização estabelecidas ali, como:
secretaria nacional, secretarias estaduais, setor de frente de massa, setor
de formação, de educação, de comunicação, de finanças, de projetos, de
direitos humanos, de relações internacionais, setor de saúde, coletivo
de mulheres, coletivo de cultura, sistema cooperativista dos assentados,
articulação dos pesquisadores e mística.
E assim como na forma de organização das atividades do movi-
mento, havia instâncias que foram elaboradas a partir das ações das lutas
e da reforma agrária, sendo nomeadas de diversas formas até sua con-
figuração no início de 1990, sendo elas: Congresso Nacional, Encontro
Nacional, Coordenação Nacional, Direção Nacional, Encontros Estaduais,

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Coordenações Estaduais, Direções Estaduais, Coordenações Regionais e


Coordenações de Assentamentos e Acampamentos.
Entre os anos de 1988 e 1998 os números de assentamentos e ocu-
pações cresceram, chegando a atingir até 20% a mais do que o normal
em número de ocupações, e até 50% a mais em relação a quantidade de
famílias participantes. Fernandes (2001, p. 16) relaciona tal crescimento
diretamente com “a organização dos movimentos sociais, o aumento do
desemprego e a política de assentamentos do governo”.
Tal movimento possui a ocupação como principal forma de luta
para o acesso à terra, e a luta pela terra, como sabemos, é um dos prin-
cipais elementos para o entendimento acerca da questão agrária. Sobre
ela, podemos afirmar que tais ações espacializam a luta dando maior
visibilidade, e no Brasil estas ações ocorrem com mais frequência em
propriedades devolutas ou públicas e de latifúndios. Fernandes (2001,
p. 8) já as caracterizava pelo tipo de experiência, podendo ser “espon-
tâneas e isoladas, organizadas e isoladas, organizadas e especializadas”.
A ação de ocupar parte de uma necessidade de sobrevivência, e a partir
daí o movimento organizou diferentes formas de luta, como é o caso das
manifestações, discussão que será travada adiante.

Manifestações do campo: expressão da luta pela terra


em Uberaba e Uberlândia (MG) para conquista e/ou
manutenção do território camponês
As manifestações são concebidas como estratégias de luta e resis-
tência organizadas por movimentos socioterritoriais que visam reivin-
dicar condições dignas e justas para a população camponesa. A maioria
das manifestações ocorrem nas cidades, sobretudo em grandes centros
urbanos e capitais, e objetivam denunciar, ao tornar público, as mazelas e
problemas sociais enfrentadas, espacializando as lutas do campo em ações
nas cidades. Configuram-se também como uma maneira de pressionar o
Estado e, ao mesmo tempo, despertar a consciência crítica na população
das cidades (PEREIRA, 2015). Elas podem ser compreendidas pelas suas
formas de atuação, espaços de ocorrência, movimentos socioterritoriais
atuantes e reinvindicações (PEREIRA, 2015).
No Brasil ocorreram, entre 2000 e 2018, 13.993 manifestações, que
envolveram 7.676.644 pessoas. Dentre estes números, destaca-se um maior

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percentual na região Nordeste, que representa 34,4% das manifestações do


Brasil. Em contrapartida, a região Norte foi a que menos manifestações
realizou, somando 14,3% do total brasileiro. A ordem se repete quando
observado o número de pessoas envolvidas. O Nordeste apresenta a maior
representatividade, somando 36,1%, e o Norte com um menor número,
10,3% (DATALUTA, 2020).
Nos últimos anos nota-se que elas vêm conquistando um espaço
maior. Sobre isso, João Pedro Stédile, coordenador nacional do MST,
afirma que:
Agora a ocupação de terras é insuficiente para enfrentar o
modelo do agronegócio. Por isso, além das ocupações, o
MST deve desenvolver novas formas de luta, que envolvam
todos os camponeses e outros setores da sociedade inte-
ressados em mudar esse modelo de exploração agrícola,
que agride o ambiente e produz alimentos contaminados.
(STEDILE, 2010, p. 1).
Por serem uma maneira de tornar público o cenário de conflitos
sociais, as manifestações pressionam o Estado, tornando visível a confli-
tualidade no campo. Buscam evidenciar circunstâncias de interesse da
população, mas que geralmente são disfarçadas pelo discurso dominante.
Desta forma, elas ocorrem com o objetivo de obter visibilidade, sendo
realizadas, então, em lugares representativos.
Sobre as suas formas de atuação, podemos destacar no Brasil o
acampamento; bloqueio de rodovia; caminhada/marcha; celebração
religiosa; concentração em espaços públicos; interdições; ocupação a
prédio públicos e privados; retenção de veículo; saque; temática, e por
fim, vigília (PEREIRA, 2015).
Os espaços que ocorrem essas manifestações, em grande parte,
concentram-se nas capitais. Elas proporcionam maior visibilidade para
suas reinvindicações, chamando atenção da sociedade e de órgãos do
Estado, já que, geralmente, são nessas capitais que se concentram as
esferas do poder, tendo como principais alvos o Instituto Nacional de
Colonização e Reforma Agrária (INCRA) e o Instituto de Terras do
Estado de São Paulo (ITESP), potencializando o impacto de tais ações
(PEREIRA, 2015). Além das grandes capitais, tais movimentos podem
ocorrer também em municípios que possuem quantidade significativa
de assentamentos, ocupações e acampamentos.

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ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
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Referente às reivindicações, ou seja, o que se busca com as mani-


festações, estas são bem variadas. De acordo com Pereira (2015), além de
lutarem pela terra, demandam, também políticas ambientais, de defesa
dos povos tradicionais, de respeito aos direitos humanos, contra à fome,
à pobreza e questões trabalhistas. Ainda, podem se dar por políticas agrí-
colas, infraestrutura, educação, saúde, questões indígenas e quilombolas.
As manifestações evidenciam a permanência e o acesso à terra,
com a contínua disputa por uma parcela do território. Segundo Raffestin
(1993, p. 60), “o território é um espaço político por excelência, o campo
da ação dos trunfos”. Representam a continuidade de um processo de
(re)produção do campesinato que se inicia com a conquista do assenta-
mento, isto é, de uma parcela do território, mas que não cessa, uma vez
que a luta pela permanência é uma realidade que aflige e mobiliza esses
sujeitos na realização de ações nas cidades. Por isso, compreendemos que
as manifestações são expressões da luta de movimentos socioterritoriais
que acontecem em espaços que emanam conflito, disputas e tensões do
campesinato.
Ancorada à uma estrutura fundiária extremamente concentrada,
a mesorregião do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba é uma das regiões
do estado de Minas Gerais com os maiores índices de ações dos movi-
mentos socioterritoriais, seja pela ocupação, manifestação ou formação
de acampamentos, assim como Noroeste e Norte de Minas Gerais.
No Gráfico 1 estão representadas as manifestações ocorridas nas
cidades de Uberaba e Uberlândia, totalizando 72. No município de Ube-
raba, entre os anos de 2000 e 2018, nota-se que foram realizadas 17 mani-
festações; já na cidade de Uberlândia, foram 55 atos. Em ambas, o ano
que mais ocorreu atos foi 2012: em Uberaba ocorreram 4 manifestações,
e em Uberlândia 15.

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Gráfico 1 – Quantidade de manifestações do campo nas cidades de Uberaba (MG) e


Uberlândia (MG) entre 2000-2018

Fonte: DATALUTA, 2019

Com a emancipação no final do século XIX de Uberaba, o centro


urbano de Uberlândia foi se desenvolvendo, e com a chegada da Compa-
nhia Mogiana de Estradas de Ferro, houve uma mudança importante na
dinâmica da cidade. Em 1912, com a instalação da Companhia Mineira
de Auto Viação Intermunicipal (CMAVI), Uberlândia começou a se
diferenciar das demais. Nas décadas de 1940 e 1950, “o perímetro urbano
de Uberlândia é expandido, assim como sua influência no comércio
regional, consolidando seu mercado no Centro-Oeste brasileiro através
do comércio atacadista” (PACHECO, 2015, p. 35). No início da década
de 1960, foi instalada em Uberlândia a “Cidade Industrial” a fim de
atrair indústrias para a região. Desta forma, na década de 1970, grandes
indústrias foram instaladas na cidade, como: Companhia de Cigarros
Souza Cruz, a Cargill Agrícola S.A, a Braspelco, a Rezende Alimentos, a
Uberlândia Refrescos, dentre outras.
É possível identificar uma modesta expressão quanto às manifesta-
ções no município de Uberaba, consequência do processo sócio-histórico
que se perpetua até hoje, cuja influência do agronegócio e do latifúndio
são imperativos para a primeira (COSTA, 2021). Com a expansão da

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ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

ferrovia para outros estados e municípios, Uberaba foi perdendo impor-


tância como rota comercial entre São Paulo e Mato Grosso. Mas como os
fazendeiros já estabeleciam contatos comerciais com a Índia, iniciou-se
o processo de importação do gado Zebu, e em pouco tempo a cidade se
tornou referência em bovinocultura. A pecuária se intensificou princi-
palmente a partir de 1906, fortalecendo-se em detrimento da atividade
comercial-urbana.
Ao analisar o Gráfico 2 pode-se observar que o Movimento de
Libertação dos Sem-Terra (MLST) e o MST Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem Terra (MST) são os movimentos mais atuantes. É interessante
observar que no Triângulo Mineiro, o MLST predomina na quantidade
de manifestações, diferente de outras regiões de Minas Gerais, como Belo
Horizonte, onde predominam o MAB, MST e CPT. Para se ter uma ideia,
só em Uberlândia o MLST possui 19 manifestações, seguido pelo MST,
com 17. Já no município de Uberaba, o movimento mais atuante foi o
MST, com 8 manifestações, seguido pelo MLST, com 4. Isso retrata uma
característica de luta mais regional por parte do MLST.

Gráfico 2 – Movimentos mais atuantes nas manifestações do campo nas cidades de


Uberaba (MG) e Uberlândia (MG) entre 2000-2018

Fonte: DATALUTA, 2019

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Como visto, o MLST possui uma expressividade em sua atuação


no Triângulo Mineiro. Carvalho (2011, p. 91) afirma que “o movimento
já conquistou 40 assentamentos na região do Triângulo Mineiro/Alto
Paranaíba e dentre eles, 14 assentamentos estão no município de Uber-
lândia”. Sabe-se que ambos, MST e MLST, foram os movimentos socio-
territoriais “que mais atuaram na região na década de 1990 e anos 2000”
(CARVALHO, 2011).
O MLST, surgiu em 1997, se diferenciando dos demais pois “já
nasceu com aspiração nacional” (CARVALHO, 2011). Já o MST, “iniciou
sua atuação em Minas Gerais concomitante a sua atuação na região Sul
do país” onde “vieram as primeiras lideranças do MST para o Triângulo
Mineiro em 1989” (CARVALHO, 2011, p. 94). Após inúmeras divergên-
cias, “apenas em 1997 o MST retornou à região e criou uma sede regional
do movimento em Uberlândia”, estando ele “já consolidado na região e
seu diferencial é o investimento na formação de consciência de classe.
O MST já conquistou 13 assentamentos apenas no Triângulo Mineiro”
(CARVALHO, 2011, p. 95).
Nem todas as manifestações envolvem somente os movimentos
aqui citados. É muito comum a ocorrência de ações conjuntas entre estes
movimentos, objetivando maior visibilidade, força e unidade política. Tais
parcerias podem ser entre os movimentos mais conhecidos, assim como
com pequenos movimentos que ainda detém pequena visibilidade polí-
tica e articulação. Se torna fato que “a região do Triângulo Mineiro/Alto
Paranaíba se difere pela grande diversidade de movimentos se comparada
ao restante do estado de Minas Gerais e também comparada ao cenário
nacional” (CARVALHO, 2011, p. 102). Além disso, dentre os diversos
movimentos atuantes, o MST e MLST possuem significativa relevância
no cenário de lutas da região e se fazem fundamentais na construção e
manutenção do território camponês.
No caso dos municípios em tela, também realizam ações a APR
(outrora denominada CPT), a União Nacional de Luta Camponesa
(UNLC), o Movimento de Luta pela Terra (MLT), a Via Campesina,
Central Única dos Trabalhadores (CUT), Docentes da Universidade
Federal de Uberlândia (UFU), Fórum Sindical dos Trabalhadores (FST),
ONG’s e Federação dos Trabalhadores na Agricultura do estado de Minas
Gerais (FETAEMG).

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Dentre as reivindicações, a característica principal são terra, políticas


agrícolas, questões trabalhistas, contra injustiça/violência, por direitos
humanos e crédito. Ao observar a notícia abaixo (Figura 1), é possível
observar o acampamento de sem-terra em espaço público, e que reivin-
dicavam direitos de moradia e agilidade nos processos de assentamento
das famílias camponesas.

Figura 1 – Sem-terra acampam na praça cívica

Fonte: Correio de Uberlândia, 2010

Considerações finais
Este trabalho refletiu as manifestações do campo nas cidades, com
ênfase para as manifestações, reivindicações e principais movimentos
socioterritoriais em Uberaba e Uberlândia (MG). Uberlândia, com 55 atos,
destaca-se, fato atrelado à expansão do seu centro urbano e da criação de
inúmeros assentamentos rurais. Uberaba, com 17 manifestações, reflete
um processo sócio-histórico em que o agronegócio e o latifúndio são
muito presentes, o que fragiliza a articulação política na luta camponesa.
O MLST e MST são os movimentos que mais atuaram em manifes-
tações, cujas reivindicações têm como demanda central a terra, políticas
agrícolas, questões trabalhistas, contra injustiça/violência, por direitos
humanos e acesso a créditos.
Mesmo diante da pujança do capital no campo, compreende-se
que as manifestações são formas de luta que evidenciam o movimento
contraditório do capitalismo no campo. Elas atualizam o debate sobre a
questão agrária, sinalizando para lutas que buscam a reprodução social
do campesinato por meio de ações nos centros urbanos.
Por fim, pode-se dizer que esse trabalho parte de uma visão iné-
dita, de escala local, que versa sobre as lutas do campo em Uberaba e
Uberlândia. A partir dele, foi possível apresentar uma perspectiva sobre
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as manifestações, forma de luta considerada importante para a criação


e/ou manutenção de territórios camponeses.

Referências
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da Geografia. Terra Livre, v. 1, n. 36, p. 116-142, 2011.
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a trajetória dos movimentos e organizações sociais na construção do território.
2011. 140 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal de
Uberlândia, Uberlândia, 2011.
CLEPS JR., João; FREITAS, R. L. de; VICTOR, F. B. Reforma agrária e ações
dos movimentos socioterritoriais do campo em Minas Gerais: 25 anos de lutas
e resistências. Boletim DATALUTA, abril, 2013, p. 191-217.
COSTA, B. S. da. Lutas do campo na cidade: as manifestações do campo nos
municípios de Uberaba e Uberlândia (MG). 2021. 78 f. Trabalho de Conclusão
de curso (Graduação em Pedagogia) – Universidade Federal do Triângulo
Mineiro, Uberaba, 2021.
FERNANDES, B. M. A ocupação como forma de acesso à Terra. 2001. Dis-
ponível em: http://www2.fct.unesp.br/nera/publicacoes/fernandes_ocupacao.
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FERNANDES, B. M. Questão agrária: conflitualidade e desenvolvimento terri-
torial. In: BUAINAIN, A. M. (org.). Luta pela Terra, Reforma Agrária e Gestão
de Conflitos no Brasil. Campinas: Editora da Unicamp, p. 173-224, 2008.
FILHO, J. S. Contribuição à construção de uma teoria geográfica sobre
movimentos socioespaciais e contentious politics: produção do espaço, redes
e lógica-racionalidade espaço-temporal no Brasil e Argentina. Presidente Pru-
dente: [s. n.], 2016.
KAUTSKY, K. A questão agrária. São Paulo: Nova Cultural, (1899) 1986.
PACHECO, R. A. A influência das elites e das políticas públicas na configura-
ção do espaço urbano: uma crítica a partir do setor leste de Uberlândia (MG).
2015. 149 f. Dissertação (Mestrado em Educação) – Universidade Federal de
Uberlândia, Uberlândia, 2015.

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ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

PEREIRA, D. V. Participação política, desenvolvimento territorial, e mudança


social: um estudo das manifestações dos movimentos socioterritoriais do campo
no estado de São Paulo no período 2000-2012. 2015. Dissertação (Mestrado
em Educação) – Universidade de São Paulo (USP). Escola de Artes, Ciências e
Humanidades. São Paulo, 2015.
PRADO JR., C. A Questão Agrária. 4. ed. São Paulo: Brasiliense, 1987.
RAFFESTIN, C. Por uma Geografia do poder. São Paulo: Ática, 1993.
STÉDILE, J. P. O MST e a ocupação de terra. 2010. Disponível em: https://mst.
org.br/2010/04/07/o-mst-e-a-ocupacao-de-terras/. Acesso em: 10 nov. 2020.

160
REFLEXÕES SOBRE A EDUCAÇÃO DURANTE
A PANDEMIA DO COVID-19: 2020 – 2021
NORMATIZAÇÃO DAS TECNOLOGIAS
DIGITAIS NA EDUCAÇÂO BÁSICA

Geysa Novais Viana Matias36


Arlete Ramos dos Santos 37

Introdução
Os anos de 2020 e 2021 ficarão marcados na história pelo enfren-
tamento da pandemia da Covid-19, sobretudo no que diz respeito à
história do Brasil, visto que as marcas da potencialização dos problemas
sociais já existentes que serão impulsionadas pela ausência de políticas
públicas capazes de suprir minimamente os direitos básicos para uma vida
humana digna. Essa doença infecciosa causada pelo novo Coronavírus
(SARS-CoV-2)38 teve o primeiro caso oficial registrado num paciente
hospitalizado em dezembro de 2019 em Wuhan, China, mas estudos
retrospectivos detectaram um caso clínico com sintomas da doença em
01/12/2019 (GRUBER, 2020). No dia 5 de janeiro de 2020, a Organização
Mundial da Saúde (OMS) publicou o primeiro comunicado a respeito do
assunto, com relatado de 44 casos de “pneumonia de causa desconhecida”
em Wuhan/China. No dia 25 do mesmo mês, a OMS admite que o risco
de epidemia no mundo é “alto” a partir desta data.
As advertências em relação à periculosidade desse vírus provocaram
mudanças no comportamento de grande parte da população mundial.
Desde a intensificação dos hábitos de higienização das mãos e calçados,
até mesmo a restrição da locomoção das pessoas, medidas muitas vezes
desconfortáveis como o uso obrigatório de máscaras, mas estritamente
36
Geysa Novais Viana Matias, mestranda em Educação, Uesb, geysa.nv@gmail.com.
37
Arlete Ramos dos Santos. Doutora em Educação (UFMG), professora do Programa de Pós-Graduação
em Educação (PPGEd/Uesb).
38
Causado pelo novo patógeno viral do tipo de coronavírus, da família Coronaviridae, é um dos mais letais.
A Covid-19 é causada por um vírus muito agressivo e atingiu o mundo inteiro, devido sua rápida replicação
e letalidade (Estellita, Mendes, Pascoal, Lima e Queiroz, 2020).

161
ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

necessárias. Nesse contexto, a educação foi impactada diretamente com


as medidas sanitárias para conter a propagação do vírus, o que propiciou
uma “seleção legal” dos sujeitos que continuariam a estudar no período
da pandemia, visto que as tecnologias digitais e os materiais impressos
como ferramentas de aprendizagem reverberaram numa triagem dos
estudantes que permaneceriam no sistema educacional.
Neste estudo a “seleção legal a educação”, se aplica todas as leis,
decretos, medidas provisórias e pareceres39 que estão no âmbito da lega-
lidade, pensados para regular /garantir a continuidade do ano letivo
durante o período pandêmico, mas que por sua vez não são suficientes
para contemplar todos os estudantes. Medidas outorgadas por órgãos
criados com o objetivo de propiciar uma educação justa e qualificada, mas
que legitimaram de forma explícita a retirada de milhões de alunos do
processo educativo por meio de textos que não contemplam as diversas
realidades educacionais ou a partir do silêncio perante as necessidades
educativas que emergiram.

Ano de 2020 – inícios da pandemia e mudanças


educacionais no brasil
Em 26 de fevereiro de 2020 foi registrado o primeiro caso de Covid-
19 no Brasil, e em 2 de março o Ministério da Saúde indica a confirmação
de dois casos de contaminação pelo novo Coronavírus e o monitoramento
de 433 casos suspeitos. O mundo começava a enfrentar uma pandemia,
pois quinze países, além da China: Alemanha, Austrália, Emirados Ára-
bes, Filipinas, França, Irã, Itália, Malásia, Japão, Singapura, Coreia do Sul,
Coreia do Norte, Tailândia, Vietnã e Camboja, passam a ser monitorados
pela Organização Mundial de Saúde (OMS).
Como já havia alertado a OMS, a Covid-19 tornou-se uma pande-
mia mundial, e afetou de forma direta ou indireta todos os países. Como
consequência dessa crise sanitária a educação foi impactada diretamente
com as medidas preventivas, para contenção e controle da contaminação
do novo vírus, visto que toda a educação básica fora estruturada para o

39
O quadro com os documentos analisados está em Anexo.

162
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ensino presencial, com tempo escola e carga horária definida40, e esta moda-
lidade não poderia ocorrer devido ao riso de proliferação da Covid-19.
A alternativa para manutenção e ou suporte de aprendizagem ini-
cia-se com o processo de normatização do uso das tecnologias digitais. O
Ministério da Educação publicou no Diário Oficial da União a portaria n.º
343, de 17 de março de 2020, na qual em seu Art. 1º “autoriza, em caráter
excepcional, a substituição das disciplinas presenciais, em andamento,
por aulas que utilizem meios e tecnologias de informação e comunicação”,
essa portaria era direcionada exclusivamente ao ensino superior.
Subsequente, em 18 de março de 2020, o Conselho Nacional de
Educação (CNE) considera a necessidade de reorganizar as atividades
acadêmicas em todas as redes de ensino, de todos os níveis, etapas e
modalidades, por conta de ações preventivas à propagação da Covid-19.
Isso porque o CNE identifica que a educação precisará de mudanças para
a manutenção das aulas. E em 1º de abril de 2020 foi publicada a Medida
Provisória n.º 934, na qual estabelece normas excepcionais sobre o ano
letivo da educação básica e do ensino superior decorrentes das medidas
para enfrentamento da emergência de saúde pública.
A pergunta que surge nesse contexto é educação para quem? Essa
flexibilização na organização das atividades em todas as redes de ensino,
ocorrerá para quais alunos, de quais instituições e quais estudantes serão
excluídos nesse processo?
Ao analisarmos de forma crítica essa realidade da educação brasi-
leira, fica evidente que os decretos e medidas provisórias publicadas em
2020, respaldam de forma genérica a implementação do ensino remoto
de forma emergencial, no entanto, o Ministério da Educação fica em
silêncio diante das necessidades educacionais de um país heterogêneo e
pandêmico, carente de um direcionamento para efetivar o direito edu-
cacional definido pela constituição de 1988.
Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado
e da família, será promovida e incentivada com a colabo-

40
Art. 24.
I – a carga horária mínima anual será de oitocentas horas para o ensino fundamental e para o ensino médio,
distribuídas por um mínimo de duzentos dias de efetivo trabalho escolar, excluído o tempo reservado aos
exames finais, quando houver; (LDB, 2021).
A Lei n.º 13.415/2017 alterou a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional e estabeleceu uma mudança
na estrutura do ensino médio, ampliando o tempo mínimo do estudante na escola de 800 horas para 1.000
horas anuais (até 2022).

163
ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

ração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da


pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho.

Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes


princípios:

I – igualdade de condições para o acesso e permanência


na escola. (BRASIL, (1988).
Em meio a ausência de uma posição federal em relação às medidas
a serem tomadas para organizar, viabilizar e propiciar uma educação de
qualidade a todos os brasileiros, os governadores e prefeitos de forma
assistemática reorganizaram seus calendários, criaram plataformas espe-
cíficas para o período e medidas que possibilitassem um maior acesso à
educação. Isso refletiu na forma como cada estado organizou a educação
pública e privada. Como pode ser observado no quadro a seguir:

Quadro 1 – Estados que monitoram o acesso ao ensino remoto em 2020

Regiões Estados Aulas remotas


Espírito Santo Sim
Minas Gerais Não
SUDESTE
Rio de Janeiro Sim
São Paulo Sim
Paraná Sim
SUL Rio Grande do Sul Sim
Santa Catarina: Sim
DF Sim
Goiás Sim
CENTRO-OESTE
Mato Grosso Não
Mato Grosso do Sul Sim

164
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Alagoas Sim
Bahia Não
Ceará Não
Maranhão Não
NORDESTE Paraíba Não
Pernambuco Não
Piauí Sim
Rio Grande do Norte Não
Sergipe Sim
Acre Sim
Amapá: Sim
Amazonas Sim
NORTE Pará Sim
Rondônia: Sim
Roraima Não
Tocantins: Não
Fonte: OLIVEIRA, Elida. et al. 2020

Como pode ser observado no quadro 1 na rede estadual de ensino


dezesseis estados e o Distrito Federal (DF: AC; AL; AM; AP; DF; ES; GO;
MS; PA; PI; PR; RJ; RO; RS; SC; SE; e SP) fizeram atividades remotas,
que validaram o ano letivo de 2020; e dez estados (BA; CE; MA; MG;
MT; PB; PE; RN; RR; e TO) não fizeram atividades objetivando avaliar a
aprendizagem dos alunos, o que propiciou numa mudança significativa
do planejamento da educação no ano de 2021.
Segundo a pesquisa TIC Domicílios, realizada pelo Centro Regional
e Estudos para Desenvolvimento da Sociedade da Informação (CETIC),
em 2019, 71% dos lares do país, possuíam acesso à internet, e que a cada
cinco pessoas, uma afirma que só consegue acessar a internet por meio
da rede emprestada do vizinho. A indicação de acesso à internet a priori
não apresenta a sua qualidade, visto que alguns aplicativos ou plataformas
exigem uma maior qualidade de rede para o seu uso, bem como equi-
pamentos compatíveis. O Google sala de aula e as aulas síncronas por
meio de chamadas de vídeo são bons exemplos de recursos que podem
ser usados na realização das aulas remotas, mas que são de difícil acesso
para estudantes que usam dados móveis ou acesso limitado a rede.
165
ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

No entanto, os problemas educacionais evidenciados no período


da pandemia não se limitam ao acesso residencial à internet — que já é
um dado preocupante na implementação do ensino remoto — e a adesão
dos estados ao sistema remoto de ensino de forma emergencial, porque a
desigualdade de acesso às tecnologias digitais educacionais no território
brasileiro já era evidenciada a cada Censo escolar. Para melhor com-
preensão das dificuldades estruturais que as escolas públicas brasileiras
possuem no que diz respeito ao uso e implementação das mídias e tec-
nologias digitais na educação, foi relacionado alguns aspectos físicos das
escolas do campo (R) e das escolas nas cidades (U) nos anos 2010 e 2020.

Quadro 2 – Dependências física e serviços das escolas brasileiras


2010 2020
Dependência física e serviços R U R U
Laboratório de informática 13% 51% 15% 43%
Laboratório de ciências 1% 16% 2% 17%
Água via rede pública 24% 94% 32% 94%
Energia via rede pública 78% 100% 89% 100%
Rede de esgoto via rede pública 4% 68% 9% 77%
Água filtrada 86% 91% 88% 97%
Internet 8% 75% 45% 95%
Banda larga 4% 62% 33% 81%
Fonte: QEdu, 2021

É possível observar no quadro 2 que as escolas brasileiras em dez


anos de história, estão distantes dos consideráveis avanços tecnológicos
e científicos da humanidade. É perceptível que houve uma ampliação
do acesso à internet nos espaços escolares, mas qual a qualidade desse
recurso? Se observarmos o número de laboratórios de informática nas
escolas — recurso que poderia ser usado para inclusão digital — fica
evidente que o investimento nesses espaços não ocorreu com a mesma
proporção do acesso à internet, o que pode inferir que o uso da internet
se limita a realização de atividades administrativas das instituições de
ensino; pois os ambientes de inclusão digitais não foram ampliados, isso
desconsiderando a possibilidade da escola ter um laboratório de infor-
mática que pode estar em desuso.

166
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Quando o olhar é direcionado para as Escolas do Campo as carências


nas dependências físicas das unidades de ensino, tornam-se ainda mais
evidentes. A energia elétrica que é a base para o acesso às tecnologias
educacionais, não faz parte da estrutura de 11% das escolas, fato que
impossibilita a implementação e acesso às tecnologias digitais. Em con-
traponto, 95% das escolas urbanas estão conectadas a internet, enquanto
45% das Escolas do Campo possuem esse acesso, essa comparação nos
permite observar que há uma diferença clara no investimento nas escolas
brasileiras de acordo a sua localização geográfica. Todos os itens expostos
no quadro acima (Laboratório de informática, Laboratório de ciências;
Água via rede pública; Energia via rede pública; Rede de esgoto via rede
pública; Água filtrada; Internet e Banda larga), evidenciam que os espa-
ços de aprendizagem do campo, em dez anos se mantiveram com menos
recursos em seus espaços físicos, que as instituições urbanas.
Esses dados interferem na qualidade da educação a ser ofertada nas
escolas, porque espaços educacionais com limites de acesso à internet
tornam-se mais um instrumento de exclusão digital, visto que os alunos
que não possuem acesso as tecnologias digitais em seus lares poderiam
usar esses espaços para permanecerem no processo educacional durante
a pandemia.
Após analisar os limites de acesso à internet em espaços públicos
(escolas) e privados (residências) é possível compreender que a adesão
ao sistema remoto de ensino, propicia uma exclusão educacional que
impacta consideravelmente milhões de estudantes, como fora relatado
pela pesquisa realizada no final de julho de 2020 pelo DataSenado41. Entre
os quase 56 milhões de alunos matriculados na educação básica e supe-
rior no Brasil, 35% (19,5 milhões) “tiveram as aulas suspensas devido” à”
pandemia de Covid-19, enquanto que 58% (32,4 milhões)” passaram a
ter aulas remotas. Na rede pública,”26% dos alunos” que estão tendo aulas
online “não possuem acesso à internet” (AGÊNCIA SENADO, 2020).
Dessa forma pode se inferir que as mudanças legais sob forma de
pareceres e/ou portarias, foram direcionadas para a educação de parte dos
brasileiros. Essas medidas contemplaram apenas crianças, adolescentes e
adultos que tinham condições financeiras e familiares para se manterem
no processo de ensino/aprendizagem.

41
Disponível em: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/08/12/datasenado-quase-20-mi-
lhoes-de-alunos-deixaram-de-ter-aulas-durantepandemia. Acesso em: 10 nov. 2022.

167
ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

Para “propiciar” uma inclusão educacional, alguns estados que


adotaram a educação remota em 2020 (quadro 1), distribuíram materiais
impressos para que os alunos sem acesso à internet pudessem fazer as
atividades programadas. A proposta aparenta incluir os excluídos digitais
no processo de aprendizagem, mas qual educação está sendo ofertada
a esses alunos? Sabendo que o processo de ensino/aprendizagem está
para além de realização de atividades, a entrega de um material seria
suficiente para reestabelecer o vínculo educacional desses sujeitos? Para
essa análise se faz necessário considerar que estes estudantes não possuem
as tecnologias digitais a sua disposição para fazer consultas, podem ter
dificuldades em obter uma instrução doméstica por pais e/ou responsáveis
com escolaridade e/ou tempo para fazê-lo.
Ao dispor do material impresso na busca de propiciar a manuten-
ção da educação em meio a pandemia, aparentemente não foi levado em
consideração que para ampliação dos conhecimentos seria necessário
um auxílio intelectual aos estudantes. O que nos conduz a uma análise
simples em relação a esses materiais que: se objetivarem a repetição dos
conhecimentos prévios dos estudantes, consequentemente não propiciará
um considerável avanço na aprendizagem, em contraponto, se esses
materiais forem para além dos conhecimentos que os alunos já possuem,
será necessário o auxílio intelectual para que a aprendizagem ocorra.
Mesmo frente a esses problemas a educação remota ocorreu em vários
estados brasileiros, com progressão da maioria dos estudantes para as
séries seguintes.
Essa aprovação quase que “automática”, só foi pensada em julho
de 2020 — após as primeiras resoluções que estabeleceram o ensino
remoto — pelo Conselho Nacional de Educação no parecer CNE/CP
n.º 11/2020, que trouxe em suas entrelinhas uma forte preocupação em
evitar a reprovação de alunos no ano de 2020, sob a justificativa de que o
maior desafio seria driblar o abandono escolar e reconhecer o esforço dos
estudantes e equipes escolares para garantir o processo de aprendizagem
durante a pandemia, em condições bastante adversas. Para tal finalidade,
o parecer sugeriu que as avaliações e exames de conclusão do ano letivo
de 2020 das escolas deveriam considerar os conteúdos curriculares efe-
tivamente oferecidos aos estudantes, mas sem desconsiderar o contexto
excepcional da pandemia.
Em dezembro de 2020, o Ministério da Educação por meio da portaria
n.º 1.030, dispõe sobre o retorno às aulas presenciais e sobre o caráter excep-

168
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cional da utilização dos recursos educacionais digitais para integralização


da carga horária das atividades pedagógicas enquanto durar a situação de
pandemia do novo Coronavírus. O Ministério, nessa portaria, expõe uma
“vontade” governamental para que as aulas presencias voltem a ocorrer
em 2021, e novamente, ao expor o uso das tecnologias digitais como fer-
ramenta de educação, serão mantidas as exclusões de aprendizagens, visto
que o Projeto de Lei (PL) 3.477/20, que propôs oferecer acesso gratuito à
internet para estudantes e professores de escolas públicas do ensino básico,
aprovado pelo senado em 24 de fevereiro de 2021, foi integralmente vetado
pelo presidente Jair Bolsonaro em 19 de março de 2021.
As desigualdades sociais potencializadas pela crise sanitária em
2020 parecem não incomodar algumas autoridades brasileiras, visto que
as justificativas usadas pelo impacto inicial do primeiro ano de pandemia
não se adequam a 2021, porque houve tempo para se pensar em políticas
públicas voltadas para a heterogeneidade da educação brasileira, o que
propiciaria uma educação voltada para todos os estudantes.

Educação em 2021, mudanças e permanências:


um olhar sobre as heterogeneidades
Em dezembro de 2020 foram publicados alguns pareceres que
objetivavam instruir em relação ao ensino em 2021, e o Ministério da
Educação por meio desses documentos, novamente, se isenta da respon-
sabilidade de direcionar a educação nacional, como fora descrito no 2º
Relatório Anual de Acompanhamento do Educação já:
[...] se constata na atual gestão do MEC é uma grave ausência
de coordenação nacional, de liderança e de gestão. Obser-
va-se a alta rotatividade nos cargos de alto escalão e em
posições estratégicas e, sobretudo, a ausência de um projeto
nacional para as políticas públicas da Educação Básica, que
tenha o Plano Nacional de Educação como referência. Desde
2019, a pasta já teve três ministros, quatro secretários de
Educação Básica (houve quatro trocas em um ano e meio),
dois secretários de Educação Técnica e Profissional (duas
trocas em um ano e meio), três presidentes do Instituto
Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio

Teixeira - Inep (foram duas trocas nos primeiros quatro


meses de governo) e três presidentes do Fundo Nacional de

169
ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

Desenvolvimento da Educação - FNDE (três trocas em um


ano e meio). (TODOS PELA EDUCAÇÂO, 2020, p. 43).
Como consequência, o MEC deixa a cargo dos estados e municípios
a função de estruturar e viabilizar a educação da forma que eles consi-
derassem adequada para atender as especificidades dos seus territórios.
Segue o Quadro 2 com a legislação de 2020 sobre regulamentação do
ensino durante a pandemia.

170
Quadro 2 – Pareceres e resoluções 2020
Documentos Data Pauta
Parecer CNE/CP nº 5/2020, aprovado em28 de abril de 2020 Reorganização do Calendário Escolar e da possibilidade de cômputo
de atividades não presenciais para fins de cumprimento da carga
horária mínima anual, em razão da Pandemia da COVID-19.

Parecer CNE/CP nº 6/2020, aprovado em 19 de maio de 2020 Guarda religiosa do sábado na pandemia da COVID-19.

Parecer CNE/CP nº 9/2020, aprovado em 8 de junho de 2020 Reexame do Parecer CNE/CP nº 5/2020, que tratou da reorganização
do Calendário Escolar e da possibilidade de cômputo de atividades
não presenciais para fins de cumprimento da carga horária mínima
anual, em razão da Pandemia da COVID-19.
Parecer CNE/CP nº 10/2020, aprovado em 16 de junho de 2020 Prorrogação do prazo a que se refere o artigo 60 do Decreto nº 9.235,
de 15 de dezembro de 2017, para implantação de instituições creden-
ciadas e de cursos autorizados, em razão das circunstâncias restritivas
decorrentes da pandemia da COVID-19.
Parecer CNE/CP nº 11/2020, aprovado em 7 de julho de 2020 Orientações Educacionais para a Realização de Aulas e Atividades
Pedagógicas Presenciais e Não Presenciais no contexto da Pandemia.
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Parecer CNE/CES nº 498/2020, aprovado em 6 de agosto de 2020 Prorrogação do prazo de implantação das novas Diretrizes Curriculares
Nacionais (DCNs).
Parecer CNE/CP nº 15/2020, aprovado em 6 de outubro de 2020 Diretrizes Nacionais para a implementação dos dispositivos da Lei nº
14.040, de 18 de agosto de 2020, que estabelece normas educacionais
excepcionais a serem adotadas durante o estado de calamidade pública
reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020.

171
172
Documentos Data Pauta
Parecer CNE/CP nº 16/2020, aprovado em 9 de outubro de 2020 Reexame do item 8 (orientações para o atendimento ao público da
educação especial) do Parecer CNE/CP nº 11, de 7 de julho de 2020,
que trata de Orientações Educacionais para a Realização de Aulas e
Atividades Pedagógicas Presenciais e Não Presenciais no contexto
da pandemia.
Parecer CNE/CP nº 19/2020, aprovado em 8 de dezembro de Reexame do Parecer CNE/CP nº 15, de 6 de outubro de 2020, que
2020 tratou das Diretrizes Nacionais para a implementação dos dispositi-
vos da Lei nº 14.040, de 18 de agosto de 2020, que estabelece normas
educacionais excepcionais a serem adotadas durante o estado de
calamidade pública reconhecido pelo Decreto Legislativo nº 6, de
20 de março de 2020.
Resolução CNE/CP nº 2, de 10 de dezembro de 2020 Institui Diretrizes Nacionais orientadoras para a implementação dos
dispositivos da Lei nº 14.040, de 18 de agosto de 2020, que estabelece
normas educacionais excepcionais a serem adotadas pelos sistemas de
ensino, instituições e redes escolares, públicas, privadas, comunitárias
e confessionais, durante o estado de calamidade reconhecido pelo
Decreto Legislativo nº 6, de 20 de março de 2020.
ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES

Resolução CNE/CES nº 1, de 29 de dezembro de 2020 Dispõe sobre prazo de implantação das novas Diretrizes Curriculares
Nacionais (DCNs) durante a calamidade pública provocada pela
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

pandemia da COVID-19
Fonte: Ministério da Educação, 2020
Já o quadro seguir, contém informações sobre a situação em cada unidade da Federação de acordo com a
Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura - UNESCO. Todos os dados foram atua-
lizados em 31/05/2021.

Quadro 3 – Situação da educação no Brasil (por região/estado)

Regiões Estados Fechamento Educação a distância Plano de reabertura

Não. As aulas presenciais estão liberadas para


sim, escolas já estão abertas no modelo
Espírito Santo todos os níveis de ensino, sendo intercaladas sim, programa lançado em 2020.
híbrido.
com aulas remotas.
sim, complementação com aulas remotas e
sim, aulas na rede estadual seguem em regime
Minas Gerais sim. contraturno para quando as aulas presenciais
remoto
voltarem.
SUDESTE parcial, ensino híbrido tem sido implemen-
tado gradualmente nas cidades, mas em alguns não, aulas presenciais têm sido sim, escolas abrem de acordo com a situação
Rio de Janeiro
municípios as aulas presenciais seguem sus- retomadas gradativamente epidemiológica de cada município.
pensas.
não, a Rede estadual retomou aulas presenciais
sim, plano de retorno gradativo às aulas
São Paulo dia 14/04/2021 de forma gradual e facultativa, sim.
presenciais.
priorizando estudantes mais vulneráveis.
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173
174
parcial, reabertura gradual das escolas com aulas
presenciais entrou em nova fase dia 24 de maio,
em modelo híbrido, em cerca de 600 escolas
sim, calendário gradual de retomada das
Paraná da rede estadual. 200 escolas já tinham sido sim.
aulas.
reabertas há 14 dias. O retorno se dá de forma
SUL escalonada e todas as instituições de ensino
seguem um protocolo de segurança.
sim, as aulas presenciais já estão sendo
Rio Grande do Sul sim, calendário gradual de retomada das aulas. sim.
retomadas.
não, aulas presenciais com modelo híbrido,
Santa Catarina sim. sim.
ensino presencial e remoto
sim, aulas presenciais devem retornar após sim, o Secretário pede que os professores não
DF a vacinação de professores e profissionais da sim. sejam obrigados a voltar a dar aulas presen-
educação. ciais antes de serem vacinados.
sim. as aulas presenciais serão totalmente sim, expectativa com vacinação de profes-
Goiás retomadas até agosto, após vacinação de todos sim. sores e do retorno às aulas presenciais a partir
os profissionais da educação. do mês de julho
CENTRO-OESTE parcial, a Portaria autoriza a realização de
sim, foi elaborado Plano de retomada das
plantões pedagógicos nas escolas com, no
aulas na rede estadual de ensino na modali-
Mato Grosso máximo, cinco alunos por sala. Entretanto, os sim.
dade híbrida, que deve ser iniciado no dia 7
plantões são opcionais, e fica a critério de cada
de junho, de forma escalonada
unidade escolar a realização desses plantões.
Mato Grosso do a Secretaria de Educação vai planejar o
sim, aulas seguem em regime remoto sim.
Sul retorno das aulas presenciais
ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)
sim, aulas presenciais devem ser retomadas
Alagoas sim. sim
no segundo semestre.
parcial, as unidades de ensino públicas e par-
ticulares podem manter as atividades de forma
semipresencial. Para que isso ocorra, é necessário
que a taxa de ocupação de leitos de UTI Covid
sim, plano de retorno gradativo às aulas
Bahia esteja abaixo de 75%, por cinco dias consecuti- sim.
presenciais.
vos. Além disso, as atividades letivas devem ficar
condicionadas à ocupação máxima de 50% da
capacidade de cada sala de aula e ao atendimento
dos protocolos sanitários estabelecidos.
sim, a Justiça derrubou liminar que permitia o sim, plano de retorno gradativo às aulas
Ceará retorno às aulas presenciais para estudantes do sim. presenciais.
ensino médio.
sim, aulas híbridas devem começar no segundo sim, vacinação de profissionais da educação
Maranhão semestre após a vacinação de todos os profis- sim. deve acelerar retorno gradativo às aulas pres-
NORDESTE
sionais da educação. enciais.

sim, as aulas nas redes públi-


cas estadual e municipais e nas
sim, plano de retorno gradativo às aulas
parcial, escolas privadas de ensino infantil e fun- escolas e instituições privadas
Paraíba presenciais.
damental podem funcionar pelo sistema híbrido. dos ensinos superior e médio
funcionam exclusivamente com
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sistema remoto.

parcial, algumas cidades não podem abrir suas


escolas devido ao aumento do número de casos sim, retorno por etapas a depender do cenário
Pernambuco sim.
de COVID-19. Outras cidades continuam com de casos e mortes de COVID-19.
escolas abertas.
parcial, alguns municípios adotaram modelo sim, a maioria dos municípios as aulas presenciais estão sendo discutidas
Piauí
híbrido. continua em regime remoto. com o Comitê de Operações Emergenciais.

175
176
sim, o MPRN e Defensoria Pública pedem na
Rio Grande do Justiça que Estado autorize retomada imediata de
sim. sim.
Norte aulas presenciais de forma híbrida e facultativa
na rede estadual de ensino.
não, estão autorizadas a serem retomadas as
NORDESTE
aulas presenciais para os 1º e 2º ano do ensino
Plano de reabertura: sim, vacinação de pro-
fundamental da rede estadual e para os últimos
Sergipe sim. fessores e profissionais da educação já está
períodos letivos do ensino superior, além de
planejada.
turmas das redes municipais, a depender da
decisão de cada prefeitura.
sim, ano letivo começou dia 10 de maio, com
Acre sim. sem informação.
aulas remotas.
Amapá sim, suspensão por período indeterminado sim. sem informação
parcial, aulas presenciais estão sendo retomadas
sim, alguns municípios já estão abrindo suas
Amazonas no formato híbrido, gradativamente, apenas no sim.
escolas.
interior do estado.
sim, o estado planeja vacinação de professores
Pará sim, suspensão por período indeterminado sim. e profissionais da educação para retomar as
aulas presenciais.
NORTE sim, o retorno às aulas nas escolas municipais
Rondônia: sim. sem informação
fica a critério de cada gestor municipal.
sim, o ano letivo iniciou na rede estadual de
Roraima ensino no dia 3 de maio e segue com a oferta sim. sem informação
de aulas remotas
ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES

parcial, a partir de 17 de maio, foi autorizada a


retomada gradual da oferta de atividades edu-
Tocantins: cacionais presenciais em estabelecimentos de sim. sim, retorno tem ocorrido de forma gradual.
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

ensino, públicos e/ou privados, de educação


básica e superior.
Fonte: UNESCO, 2021
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No quadro acima, são apresentadas algumas informações sobre


a educação brasileira em 2021. O primeiro item apresentado é sobre
fechamento das escolas devido a pandemia da Covid-19. No qual qua-
torze estados permanecem com suas unidades de ensino fechadas (Minas
Gerais, Rio Grande do Sul, Distrito Federal, Goiás, Mato Groso do Sul,
Alagoas, Ceará, Maranhão, Rio Grande do Norte, Acre, Amapá Pará,
Rondônia e Roraima); quatro estados (Espírito Santo, São Paulo, Santa
Catarina e Sergipe) com suas escolas abertas, respeitando os protocolos
de segurança epidemiológica e observância dos dados de saúde; e nove
estados (Rio de Janeiro, Paraná, Mato Grosso, Bahia, Paraíba, Pernambuco,
Piauí, Amazonas e Tocantins) com funcionamento parcial das escolas.
Diferente do ano anterior (quadro 1) agora se apresentam estados com
sistemas educativos parcialmente abertos, isso ocorre porque a Covid-19
não atingiu todas as cidades brasileiras da mesma forma, e os posiciona-
mentos políticos também interferem na reabertura das escolas.
A segunda coluna expõe sobre o ensino remoto, que foi adotado
em quase todos os estados brasileiros e no Distrito Federal, com apenas
duas exceções: o Rio de Janeiro que está priorizando o retorno gradual das
aulas presenciais e Rondônia que não dispôs informações sobre o ensino.
Apesar do quadro 3 trazer o termo educação a distância (como
consta na Unesco), é importante frisar que os estados brasileiros adota-
ram o Ensino Remoto de Emergência (ERE) que consiste numa mudança
temporária para um modo de ensino alternativo devido a circunstâncias
de crise. No qual são envolvidos o uso de soluções de ensino totalmente
remotas para o ensino que, seriam ministradas presencialmente ou como
cursos híbridos. Essas aulas retornarão aos formatos presenciais assim
que a crise ou emergência diminuir ou acabar. Diferente dos ensinos à
distância, essa modalidade não tem como objetivo “recriar um sistema
educacional robusto, mas fornecer acesso temporário a suportes e con-
teúdos educacionais de maneira rápida, fácil de configurar e confiável,
durante uma emergência ou crise” (HODGES et al., 2020, p. 6).
Ao planejar o retorno gradual as aulas presenciais, além dos pro-
tocolos de segurança, a imunização de toda comunidade escolar precisa
ser programada, com o objetivo de evitar que os ambientes educacionais
se tornem estufas de propagação das diferentes cepas da Covid-19. O
quarto item do quadro analisado, apresenta a perspectiva dos estados
em vacinar seus professores.

177
ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

Em relação a reabertura das escolas, apenas Roraima não informou


seu posicionamento, os demais estados e o Distrito Federal declararam
o planejamento para o retorno seguro as aulas presenciais por meio da
abertura das escolas.

Considerações finais
A educação brasileira que historicamente é marcada por avanços
e retrocessos em relação a conquista do direito de aprender, apresentou
nos anos de 2020 e 2021 a sua face amarga, pois o poder político foi usado
para exclusão em várias frentes: ao minar as relações entre professores e
estudantes na qual substitui-se as interações humanas pelo cumprimento
de atividades impressas ou online; ao reduzir os saberes a partir da Base
Nacional Comum Curricular (BNCC, 2017), e ao apartar milhões de
estudantes dos processos de aprendizagem ao não disponibilizar recur-
sos que permitam o acesso e a permanência desses sujeitos nos moldes
educacionais disponibilizados.
Neste estudo, evidencia-se que a flexibilização na organização das
atividades educacionais em todas as redes de ensino, propicia o privilégio
de estudar para os alunos que fazem parte do ensino privado, residem em
centros urbanos, possuem acesso à internet de qualidade, contam com
o apoio familiar com tempo e conhecimento que propicie um suporte
doméstico. Aos estudantes que não se encaixam nesse perfil resta o acesso
a uma educação limitada, diferenciada ou excludente, até que a pandemia
seja controlada e talvez possam retornar aos espaços de aprendizagem.
A educação é um direito de todos, previsto tanto na constituição
federal, quanto na Lei de Diretrizes e Bases da Educação- LDB-9394/1996
e por meio de portarias e leis complementares. Frente a grave situação
em que nos encontramos, com exclusões e negligências, por meio “dos
retrocessos estabelecidos e das consequências que teremos que enfrentar,
precisamos mais do que nunca nos comprometer com a luta pela qualidade
da educação e resistir coletivamente aos ataques que sofremos, sem con-
cessões e “puxadinhos pedagógicos” (SAVIANI; GALVÃO, 2021, p. 45).
Como demonstrado nas análises realizadas no corpo desse artigo,
a “seleção legal” dos sujeitos que têm acesso à educação de qualidade
tem sido uma realidade brasileira nos anos de 2020 e 2021, porque as
medidas emergenciais para manutenção dos processos educativos e/ou

178
MOV I M E N TO S S O C IA I S E R E SI ST Ê NC IA

recuperação das aprendizagens têm se mostrado insuficientes para con-


templar todos os estudantes e atender as necessidades que emergiram
frente a pandemia da Covid-19.

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deixaram de ter aulas durante pandemia. Senado Federal. 2020. Disponível em:
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Disponível em: http://www.bahia.ba.gov.br/2021/03/noticias/educacao/esta-
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ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

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180
MOV I M E N TO S S O C IA I S E R E SI ST Ê NC IA

TODOS PELA EDUCAÇÃO. 2º Relatório anula de acompanhamento da


Educação Já. 2021. Disponível em: https://todospelaeducacao.org.br/wordpress/
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em: https://pt.unesco.org/fieldoffice/brasilia/covid-19-education-Brasil. Acesso
em: 20 jun. 2021.

181
O SERVIÇO DE CONVIVÊNCIA E
FORTALECIMENTO DE VÍNCULOS (SCFV)
COMO ESPAÇO DE EDUCAÇÃO NÃO FORMAL
E O EDUCADOR SOCIAL

Priscila da Silva Rodrigues42


Maísa Dias Brandão Souza43

Introdução
Este artigo aborda a temática da educação não formal tomando
como objeto de análise o Serviço de Convivência e Fortalecimento de
Vínculos (SCFV). Serviço ofertado pela assistência social (referenciado
pelo CRAS) que muito pode nos revelar acerca da educação social. Tendo
como questão de pesquisa a seguinte pergunta: O Serviço de Convivência
e Fortalecimento de Vínculos é um espaço que oferta educação social?
Objetivamos depreender o SCFV como espaço que oferta educação
social; analisar a educação não formal e o perfil do SCFV; discutir de que
forma SCFV oferta educação social; além de apreciar a prática educativa
do educador social dentro do SCFV no município de Vitória da Conquista.
Para tanto, este artigo também tem como base o trabalho de conclusão
de curso de especialização em educação social, intitulado A formação do
educador social que trabalha no Serviço de Convivência e Fortalecimento
de Vínculos da zona urbana do município de Vitória da Conquista-Bahia,
escrito por uma das autoras deste artigo (RODRIGUES, P. S., 2019), a
qual tinha como proposta analisar a formação do educador social que
trabalha no Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV),
da zona urbana de Vitória da Conquista- Bahia.
42
Mestre em Educação pela Uesb (PPGED); especialista em Educação Social (UNILEYA); pedagoga (Uesb);
pesquisadora no Grupo de Estudos Movimentos Sociais, Diversidade e Educação do Campo e Cidade
(GEPEMDECC/UESB); pesquisadora no grupo de Grupo de Estudos em Linguagem, Formação de Professores
e Práticas Educativas (GELFORPE/Uesb). Educadora social pela PMVC- Bahia.
43
Especialista em Direito Previdenciário pela Universidade Norte do Paraná - Unopar; Assistente Social no
Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia da Bahia IFBA/Brasil; aluna Especial do Programa de Pós-
-graduação em Educação – PPGED/Uesb; membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Movimentos Sociais,
Diversidade e Educação do Campo e Cidade – GEPEMDECC/Uesb; E-mail: maisabrandao@hotmail.com.

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ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

Este trabalho foi motivado pela experiência da prática da autora,


inicialmente como educadora social no município de Vitória da Con-
quista dentro do SCFV e, posteriormente, como especialista em educação
social e mestre em educação, que passou a questionar sobre o papel do
SCFV frente ao trabalho socioeducativo desenvolvido com a população
em situação de vulnerabilidade social e sua relação com o campo da
educação não formal.
Este artigo trata de investigar o Serviço de Convivência e Forta-
lecimento de Vínculos (SCFV), como forma de educação não formal
desenvolvido pela Secretaria de Assistência Social, seu papel dentro do
ensino dos direitos; além de conhecer a identidade do educador social
(profissional competente por direcionar este diálogo dentro do Serviço)
e as competências exigidas para o trabalho no SCFV. De modo especí-
fico, discorre a respeito do conceito de educação social na compreensão
da educação não formal, descreve o perfil do SCFV e sua relação com a
educação não formal.
Tendo em vista estas observações, este artigo parte do conceito
da educação não formal, situa o educador social dentro dessa educação
não formal; caracteriza mais especificamente as implicações do educador
social com o trabalho no SCFV; e por fim, analisa a formação inicial e
continuada dos educadores sociais que trabalham no SCFV do município
de Vitória da Conquista- Bahia.

Educação Não Formal


A educação não formal, por não acontecer dentro da escola, usual-
mente não é encarada em sua potencialidade. A educação não formal é
uma área de conhecimento em construção, carente de pesquisa científica e
uma reflexão sobre esta realidade, de um ponto de vista crítico e reflexivo.
A educação não formal muitas vezes é comparada com a educação
formal, beirando a informalidade. Conforme Gohn (2006, p. 28),
Quando tratamos da educação não formal, a comparação
com a educação formal é quase que automática. O termo
não formal também é usado por alguns investigadores como
sinônimo de informal. Consideramos que é necessário
distinguir e demarcar as diferenças entre estes conceitos. A
princípio podemos demarcar seus campos de desenvolvi-
mento: a educação formal é aquela desenvolvida nas escolas,

184
MOV I M E N TO S S O C IA I S E R E SI ST Ê NC IA

com conteúdos previamente demarcados; a informal como


aquela que os indivíduos aprendem durante seu processo
de socialização - na família, bairro, clube, amigos etc.,
carregada de valores e culturas próprias, de pertencimento
e sentimentos herdados: e a educação não-formal é aquela
que se aprende “no mundo da vida”, via os processos de
compartilhamento de experiências, principalmente em
espaços e ações coletivos cotidianas.
A educação não formal é caracterizada pelo trabalho voltado aos
diferentes espaços e contextos sociais, principalmente no que diz respeito
aos grupos em desvantagem na sociedade. A educação não formal deve
ser definida como um espaço concreto de formação para a aprendizagem
de saberes para a vida em coletivo. A educação não formal ocorre em
espaços coletivos cotidianos que acompanham as trajetórias de vida dos
grupos e indivíduos com processos interativos intencionais. Assim sendo,
crianças, adolescentes e jovens são atendidos em inúmeras instituições
no turno oposto ao da escola. Dentre elas, as Secretarias de Desenvolvi-
mento Social se destacam em ocupar-se oficialmente desse público, fora
do horário escolar (SOUZA, 2010).

A Educação Não Formal e o Serviço de Convivência


e Fortalecimento de Vínculos (SCFV)
A educação não formal tem gerado polêmicas pelas dificuldades
encontradas em ser definida, conforme Gohn (2014, p. 39): “Um dos
grandes desafios da educação nao-formal tem sido definí-la, caracteri-
zando-a pelo que ela é. Usualmente ela é definida pela negatividade - pelo
que ela não é”.
A educação não formal articula-se ao campo da educação cidadã.
Na educação não formal, essa educação volta-se para a formação de
cidadãos(as) livres, emancipados, portadores de direitos, assim como
de deveres para com o(s) outro(s). Chegamos, portanto, ao conceito que
adotamos para educação não formal, encontrado em Gohn (2014, p. 40):
É um processo sociopolítico, cultural e pedagógico de forma-
ção para a cidadania, entendendo o político como a formação
do indivíduo para interagir com o outro em sociedade. Ela
designa um conjunto de práticas socioculturais de apren-
dizagem e produção de saberes, que envolve organizações/
instituições, atividades, meios e formas variadas, assim como

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ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

uma multiplicidade de programas e projetos sociais. A edu-


cação não-formal, não é nativa, ela é construída por escolhas
ou sob certas condicionalidades, há intencionalidades no
seu desenvolvimento, o aprendizado não é espontâneo, não
é dado por características da natureza, não é algo naturali-
zado. O aprendizado gerado e compartilhado na educação
não-formal não é espontâneo porque os processos que o
produz têm intencionalidades e propostas.
Gohn (2014) define a educação não formal como ações e práticas
coletivas onde a cidadania é o objetivo principal. Desta forma, a educa-
ção não formal se fomenta por meio da prática social, passando por um
processo de ação grupal. Garcia (2009 apud GROPPO, 2013) caracteriza
a educação não formal como campo de práticas com contribuições dos
movimentos sociais, da educação popular, da assistência social, das
organizações não governamentais, do terceiro setor e da educação social
Neste sentido, a educação social nasce da educação não formal e
aborda as relações sociais. Para Caro (2011, p. 138), a educação social
tem ligação com os âmbitos social e pedagógicos, assim “A construção da
educação social em nosso país está relacionada a nossa própria história
e seu campo de intervenção é o espaço sociocomunitário. Enfim essa
educação é determinada por suas características distintas: eu âmbito
social e seu âmbito pedagógico”.
Baseados nesse conceito de educação social, enquanto processo de
aprendizagem coletiva, voltada à formação para a cidadania e a interação
social, por meio da intervenção no espaço socio comunitário, temos os
Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV), pouco
divulgado pela área da educação (cursos de licenciatura e secretárias de
educação).
Os Serviços de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV)
são ofertados pelo Centro de Referência em Assistência Social (CRAS),
que é a porta de entrada do Sistema Único de Assistência Social (SUAS).
Os SCFV estão referenciados pela equipe técnica do CRAS, até mesmo
quando o lugar de funcionamento não está localizado dentro do CRAS,
portanto, trata-se de um serviço voltado ao atendimento de pessoas em
situação de risco social.
O SCFV possui caráter preventivo e proativo e está voltado a pessoas
em área de vulnerabilidade social, para tanto, é salutar nos debruçarmos
sobre o conceito de vulnerabilidade, que segundo a Política Nacional de

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MOV I M E N TO S S O C IA I S E R E SI ST Ê NC IA

Assistência Social – PNAS (2004) se constitui em situações que podem


levar à exclusão social dos sujeitos. Estas situações se originam das desi-
gualdades sociais que privilegiam alguns em detrimento de outros. Con-
forme o Capacita SUAS/PE (BRASIL, 2000, p. 7),
A Assistência Social deve compreender o aspecto multidi-
mensional presente no conceito de vulnerabilidade social,
não restringindo esta à percepção de pobreza, tida como
posse de recursos financeiros, embora a insuficiência de
renda seja obviamente um importante fator de vulnerabi-
lidade. É necessário que a vulnerabilidade seja entendida
como uma conjugação de fatores, envolvendo, via de regra,
características do território, fragilidades ou carências das
famílias, grupos ou indivíduos e deficiências da oferta e
do acesso a políticas públicas.
É preciso encarar a vulnerabilidade social em seu aspecto multi-
dimensional detectando seus principais fatores cujo enfrentamento e
superação requerem, fundamentalmente, ações específicas da política de
assistência social. Conforme as orientações técnicas sobre o Serviço de
Convivência e Fortalecimento de Vínculos para crianças e adolescentes
de 6 a 15 anos,
[...] todo esse cenário de vulnerabilidades e riscos, que
impacta diretamente no núcleo familiar, enfraquecendo-o
em seu papel protetivo, gera consequências diretas para a
infância e adolescência, tais como: negligência; violência
física, psíquica, sexual; abandono; situação de rua; explo-
ração do trabalho infantil. Desse modo, cabe ao Estado
ofertar serviços para essas famílias, de forma a superar as
situações de risco. (BRASIL, 2010, p. 18).
O SCFV tem vistas ao alcance de alternativas emancipatórias para
o enfrentamento das vulnerabilidades, antecipando-se a situações de
desproteção, por meio de encontros com diálogos e atividades que pro-
movam: a valorização e o reconhecimento; a escuta; a produção coletiva;
o exercício de escolhas; a tomada de decisão sobre a própria vida e de
seu grupo; o diálogo para a resolução de conflitos; o reconhecimento de
limites; o aprendizado de forma igualitária; o reconhecimento e nomeação
das emoções nas situações vividas; além do reconhecimento e admiração
da diferença (BRASIL, 2016).
Os grupos do SCFV são formados por até 30 usuários, divididos
por ciclo de vida, mas também podem existir os grupos intergeracionais,

187
ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

com a mistura dos diversos ciclos, sob a orientação do educador social.


Os encontros dos grupos podem ser diários, semanais ou quinzenais. No
SCFV, como a convivência faz parte da intervenção, e faz-se necessário o
fortalecimento dos vínculos, orienta-se que o intervalo máximo de tempo
para os encontros dos grupos seja de quinze dias.
Para o alcance de seus objetivos, o planejamento das atividades
deve ser coletivo, envolvendo os profissionais que atuam no serviço, que
são os técnicos de referência e os educadores, sendo também fundamen-
tal a presença dos usuários no processo de escolha dos temas a serem
abordados. Junto com o Educador Social, dentro dos grupos do Serviço
de convivência, existe o trabalho com os técnicos de referência, que são
assistentes sociais ou psicólogos, que tem por função auxiliar o educador
com o trabalho dos grupos.
Em cada campo de educação temos um educador. Segundo Gohn
(2006, p. 29) “Se na educação formal sabemos que são os professores. Na
não formal, o grande educador é o ‘outro’, aquele com quem interagimos
ou nos integramos”, porém, como todo processo educativo pede uma
intencionalidade, o educador social ocupa esse papel de mediador das
relações e do processo de convivência grupal.
O aprendizado dentro do SCFV realiza-se por meio da troca. O
diálogo baseado em temas não é um simples bate papo, é o fio condutor
para a formação cidadã, portanto, a escolha dos temas geradores para as
discussões de grupo, não podem ser aleatórias ou impostas, devem emergir
do cotidiano. O espontâneo tem lugar na criação, mas ele não é o elemento
dominante no trabalho dentro do Serviço de Convivência e Fortalecimento
de Vínculos, dessa forma, deve-se ter: princípios, metodologias e avaliações.
O papel do educador social dentro do SCFV é fundamental para
uma educação voltada ao ensino de direitos sociais. Porém é um trabalho
muito abrangente e não possui uma formação específica, faltando-se um
reconhecimento legal de profissão. Conforme Garrido (2011, p. 23),
Notadamente o campo de trabalho do educador social é
bastante amplo e abrangente, porém não há uma formação
específica. O profissional da educação social desempenha
funções desde ações pedagógicas, intervenções sociais e
orientações e aconselhamento. Todavia, a Educação social
ainda não tem seu reconhecimento legal.
Segundo citação acima, não podemos dizer com exatidão a iden-
tidade do educador social, uma vez que a própria educação social ainda
188
MOV I M E N TO S S O C IA I S E R E SI ST Ê NC IA

não tem seu reconhecimento legal. A luta pela educação social no Brasil
visa à formulação e implementação de políticas públicas que garantam o
fortalecimento e a qualidade da ação educativa oferecida fora da escola.
Para tanto, a formação dos educadores sociais é essencial, assim como
a legalização dessa profissão, protegendo os educadores sociais com
direitos trabalhistas.

A formação do Educador Social e as implicações


com o trabalho no SCFV
O educador social que atua no Serviço de Convivência e Fortaleci-
mento de Vínculos (SCFV) deve planejar com a coordenação da equipe
técnica suas atividades antes de realizar qualquer grupo. Para isso, faz-se
necessário que haja uma definição dos temas geradores a serem abordados,
que podem ser trabalhados tanto com as crianças e adolescentes, quanto
com os adultos (incluindo a terceira idade).
Para realizar tais atividades o Conselho Nacional de Assistência
Social (CNAS), no Art. 4º, exige como escolaridade para a função de
educador social, o ensino médio. Seguindo as orientações do CNAS, o
município de Vitória da Conquista/BA, para contratação de educador
social exige nível médio. Conforme lemos na Lei n.º 1.760, de 27 de
julho de 2011; anexo V; descrição dos cargos efetivos; (alterado pelas Leis
n.º 1.875, de 3 de janeiro de 20 13 e 1.902 de 28 de maio de 2013), para
título do cargo de educador social os pré-requisitos são: “Ensino médio;
Aprovação em concurso público”.
A formação do educador social que trabalha no Serviço de Con-
vivência e Fortalecimento de Vínculos, da zona urbana do município de
Vitória da Conquista contempla as exigências de escolaridade para se
trabalhar, a questão é se essa formação inicial de nível médio contempla
as competências para se trabalhar com o SCFV.
Para isso, foi realizada uma pesquisa, intitulada A formação do
educador social que trabalha no Serviço de Convivência e Fortalecimento
de Vínculos da zona urbana do município de Vitória da Conquista- Bahia,
escrito por uma das autoras deste artigo (RODRIGUES, P. S., 2019), a
qual tinha como proposta analisar a formação do educador social que
trabalha no Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV),
da zona urbana de Vitória da Conquista-Bahia.
189
ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

A pesquisa foi feita apenas com os educadores efetivos do concurso


de 2014. Foi verificada a presença de educadoras graduadas, especialis-
tas, e ou cursando graduação, cumprindo dessa forma para além do que
exige a legislação do Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS),
quando afirma, de acordo com o artigo 4º, que para realizar tais atividades
exige-se como escolaridade para a função de educador social, o ensino
médio. Todos os educadores sociais entrevistados tinham formação de
nível superior ou estavam cursando em áreas distintas, que vão de licen-
ciaturas a bacharelados.
Foi percebida a necessidade de uma formação para além do nível
médio. Segundo a formação do educador social, Pereira (2015, p. 97)
aponta alguns desafios a serem superados. Ele cita que:
a. muitos educadores que atuam têm apenas o ensino
médio como formação inicial, outros, não muitos,
possuem graduação em pedagogia e raros têm curso
técnico em educação social ou em alguma área que
trata da questão social;

b. soma-se a isso a valorização da experiência tácita como


se ela sozinha desse conta das contradições da prática,
uma delas é a exacerbação dos atributos da qualificação
polivalente na atuação profissional do educador social;
Segundo educadores pesquisados, são necessários uma formação
de nível superior, sensibilidade e um olhar diferenciado em relação às
demandas de risco social, além de um conhecimento da política de
assistência social. Faz-se necessário que os profissionais sejam habilita-
dos inicialmente com uma formação que abranja conteúdos e métodos
específicos para trabalhar com um público que se encontra em vulnera-
bilidade e risco social.
Ao serem questionados, a área acadêmica provavelmente mais
aproveitada para o trabalho do educador social dentro do Serviço de
Convivência e Fortalecimento de Vínculos (SCFV), os cursos de licen-
ciatura tiveram destaque de favorecimento para o trabalho, uma vez que
a formação auxilia na construção do aparato didático para as atividades
com os grupos. Sobre a caracterização da Educação Social, Caliman (2009)
especifica que essa modalidade está inserida na categoria de Educação
não formal e está vinculada à política de serviços sociais com função
educativa e não só assistencial.
190
MOV I M E N TO S S O C IA I S E R E SI ST Ê NC IA

Como percebemos em Graciani (2014, p. 29) “A prática pedagó-


gica, como fonte de conhecimento, fortalece a formação continuada dos
educadores sociais”.
As educadoras que já tiveram contato com a educação formal e
possuem cursos de licenciatura, demonstraram maior facilidade para
o trabalho, pois consideraram que a sua formação inicial lhes deu mais
condições de desenvolver suas atividades voltadas a educação integral
e emancipação dos usuários para a formação de cidadãos reflexivos e
autônomos. Mas há destaque de que a formação em licenciatura, sem o
conhecimento específico em práticas sociais também é incompleto e os
conhecimentos sobre assistência social são a base fundamental.

Considerações Finais
A educação não formal é valiosa para a aprendizagem coletiva
da política dos direitos e o Serviço de Convivência e Fortalecimento de
Vínculos (SCFV) tem papel fundamental na construção dessa educação
social. Portanto, é imprescindível refletir acerca das contribuições deste
serviço para a educação não formal, entendendo sua singularidade e
importância, dando maior visibilidade e fortalecendo o diálogo entre
educação e assistência social, que embora distintas, compartilham uma
educação cidadã.
É urgente que se teçam mais reflexões a respeito deste tema para
que haja maior valorização do SCFV para a educação não formal, e para
que se chegue ao maior aprofundamento do diálogo e do fortalecimento
da intersetorialidade entre as esferas públicas, diminuindo divergências
quanto ao seu perfil e atuação.
Com relação ao educador social que atua dentro do SCFV, não
tem como enxergar a educação social, sem a figura deste profissional,
que é o principal mediador na construção de uma educação de direitos
nos espaços voltados a educação não formal, por isso a necessidade de
refletirmos acerca da sua formação, que afeta diretamente o trabalho
com os grupos e com esses usuários em vulnerabilidade e risco pessoal
e social, para exercer trabalho de excelência, de caráter emancipatório,
de empoderamento e garantia de direitos.
Faz-se necessário que os profissionais sejam habilitados inicialmente
e com uma formação continuada que abranja conteúdos e métodos espe-

191
ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

cíficos para trabalhar com um público que se encontra em vulnerabilidade


e risco social. Precisa atuar para a educação integral e emancipação dos
usuários, defendida por Santos e Leiro (2015, p. 71) como uma educação
para a “formação de cidadãos reflexivos e autônomos, que possam se posi-
cionar autenticamente na realidade social, em que vivem, e adotar uma
postura de não neutralidade, frente às questões que afligem os homens e
as mulheres, tanto de forma objetiva quanto subjetiva”.

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V; descrição dos cargos efetivos; (alterado pelas Leis n.º 1.875, de 03 de janeiro
de 20 13 e 1.902 de 28 de maio de 2013).

193
EDUCAÇÃO NA PANDEMIA:
UM OLHAR SOBRE AS CONDIÇÕES REAIS
DE ACESSO À INTERNET NAS REDES
PÚBLICAS BAIANAS

Igor Tairone Ramos dos Santos44


Valéria Prazeres dos Santos45
Rogério Gusmão do Carmo46

Introdução
O presente texto se dispõe a discutir, ainda que amplamente, a
educação no país no contexto pandêmico. Para isso, apresentamos, a
priori, uma contextualização das ações federais, buscando situar em que
conjunto se situa o que estamos vivendo atualmente, sobretudo na esfera
pública. Argumentamos e compreendemos que a falta de direcionamento
específicos por parte do Governo Federal, impulsiona o movimento
privatista da educação pública, uma vez que as empresas se apresentam,
com seus pacotes e “soluções” como única alternativa para a organização
do ensino neste período de isolamento social.
Posteriormente, avançamos na discussão das condições estruturais
das escolas públicas antes da pandemia, essa discussão serve para a com-
preensão de que poucas escolas tinham condições efetivas de trabalhar
com recursos tecnológicos e que essas dificuldades só se expandiram
44
Bolsista Fapesb. Doutorando em Educação pela Universidade Federal da Bahia/UFBA. Mestre em Edu-
cação pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia/UESB. Integrante do Grupo de Estudo e Pesquisa
em Movimentos Sociais e Diversidade Educação do Campo e Cidade (GEPEMDECC-CNPq). Integrante
do Grupo de Pesquisa Educação, Comunicação e Tecnologias (GEC). E-mail: ramosdossantosigortairone@
gmail.com. ORCID: https://orcid.org/0000-0003-1796-2401.
45 *
Mestra em Educação - Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc), Ilhéus, Bahia, Brasil. Membro
do Grupo de Estudos e Pesquisas Movimentos Sociais, Diversidade e Educação do Campo e da Cidade
(GEPEMDECC) e da Rede Latino-americana de Pesquisa em Educação do Campo, Cidade e Movimentos
Sociais - RedePECC-MS. Email: prof.valeriah@gmail.com.
46
Mestrando em Educação pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia - Uesb, Vitória da Conquista
- Bahia. Membro do Grupo de Estudos em Linguagem, Formação de Professores e Práticas Educativas –
GELFORPE/UESB. Membro do Grupo de Pesquisa em Memória, Espaço e Culturas – MESCLAS/UFRB.
E-mail: rogeriogusmao182@gmail.com.

195
ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

com o ensino remoto, aprofundamos essa discussão com resultados da


pesquisa desenvolvida pelo Grupo de Estudos e Pesquisa em Movimentos
Sociais, Diversidade e Educação do Campo e Cidade, em 2020.
Embora fossem promulgados diversos decretos, apresentados a
posteriori, com o objetivo de restringir atividades presenciais e suspen-
der as aulas no espaço escolar, a educação sofreu um grande impacto
negativo pois as aulas dependem sobremaneira da tecnologia, no entanto
nem todos têm acesso a equipamentos tecnológicos que possibilitem o
acompanhamento efetivo de atividades escolares, como computadores,
notebooks ou até mesmo celulares. Como foco, neste artigo trataremos
especificamente sobre o papel da internet neste contexto e suas dificuldades.
Este texto está dividido em quatro partes. Na primeira parte, está
explicitado um panorama sobre os marcos legais da educação concernentes
ao Covid-19; na próxima seção, está descrito um panorama sobre a internet;
no terceiro tópico, são expostos os dados mais importantes sobre a pes-
quisa do Grupo de Estudos e Pesquisa em Educação, Movimentos Sociais
e Educação do Campo e Cidade/GEPEMDECC com dados sobre o acesso
à internet por parte dos professores e alunos durante o ensino remoto. Na
quarta parte, é realizada uma reflexão geral sobre os dados encontrados; e,
findando este artigo, estão as considerações finais sobre a pesquisa realizada.

Um olhar geral para a situação da Educação no Brasil


No Brasil, a portaria 343, de 17 de março de 2020, dá início à para-
lisação das atividades presenciais nas escolas e universidades públicas e
privadas durante a pandemia e gesta a substituição das aulas presenciais
por aulas por meios digitais. A medida de fechamento das escolas segue
a orientação da Organização Mundial da Saúde que considera essencial
para conter as taxas de contaminação da Covid-19, doença causada pelo
vírus SARS-CoV-2, ou coronavírus (como ficou conhecido) isolamento
social e medidas de higienização como uso de álcool 70%, lavagem das
mãos, uso de máscaras entre outros, embora aqui no Brasil, até mesmo
essas medidas básicas e essenciais tenham sido atacadas pelo presidente
Jair M. Bolsonaro durante toda a pandemia.
Com isso, muitas discussões sobre a situação das aulas foram per-
meando todos os espaços, mas a falta de ações específicas para a educação
por meio do governo Federal, fizeram com que os estados e municípios
tivessem que se organizar de maneira autônoma no que tange às ações

196
MOV I M E N TO S S O C IA I S E R E SI ST Ê NC IA

relacionadas à educação em quase todo ano de 2020. O silêncio e a ina-


ção do Ministério da Educação aprofundaram o fosso entre a educação
destinada à classe trabalhadora e aos mais ricos, pois uma vez que o MEC
não propunha soluções, as empresas faziam brotar diversos projetos para
a educação. Não demorou muito e nós já tínhamos ações iniciadas, prin-
cipalmente nas redes particulares de ensino que tocaram o barco como
se não estivéssemos no meio de uma pandemia global, assim como as
empresas que abraçaram o momento como oportunidade de vender seus
cursos e formações destinadas, principalmente, aos professores. A esse
respeito Saviani e Galvão (2021, p. 43) destacam que:
[...] o “ensino” remoto foi colocado como única possibi-
lidade de substituição ao funcionamento das escolas. No
entanto, como também procuramos evidenciar, essa suposta
alternativa é precarizada e não atende minimamente ao
que defendemos que seja ofertado pela educação pública
de nosso país. Assim, antes de mencionar quaisquer pro-
posições, é preciso reiterar que fomos atravessados por
uma crise sanitária planetária, que obviamente tem con-
sequências. Também não nos esqueçamos que a pandemia
poderia ter atingido nosso país em menores proporções e,
portanto, se há responsáveis pela situação de calamidade a
que foi submetida a classe trabalhadora brasileira, ela não
pode ter seus efeitos minimizados ou dirigidos à “ausência”
dos trabalhadores.
O ensino remoto foi instituído, primeiro nas escolas e universida-
des particulares e depois acabou sendo visto como a única possibilidade
também para o setor público, desconsiderando a realidade social entre
os alunos das escolas públicas e das escolas particulares. O MEC acaba,
por meio da Portaria n.º 544 de 16 de junho de 2020, efetivando a prática
de ensino remoto ao autorizar as unidades letivas a organizarem-se por
meio digital até dezembro de 2020. O decreto resolve:
Art. 1º Autorizar, em caráter excepcional, a substituição das
disciplinas presenciais, em cursos regularmente autorizados,
por atividades letivas que utilizem recursos educacionais
digitais, tecnologias de informação e comunicação ou outros
meios convencionais, por instituição de educação superior
integrante do sistema federal de ensino, de que trata o art.
2º do Decreto nº 9.235, de 15 de dezembro de 2017.
Tal mecanismo, com todas as críticas que poderíamos fazer a um
trabalho educativo quase que improvisado, pois as redes municipais,
197
ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

estaduais e federais, professores e alunos sem um direcionamento do


ministério da educação tiveram que lidar com algo completamente novo,
como é esse aglomerado de plataformas para transmitir, armazenar,
gravar aulas, além de tudo isso, essa premissa expressa o agravante de
ser desigual, excludente e inviável para um país de situações díspares em
termos sociais como é o Brasil. Para discutir a gestão federal da educação
na pandemia, trazemos o excerto de Souza et al. (2021, p. 66):
No âmbito da política da educação, é preciso registrar que,
desde que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) assumiu
a presidência da República, em janeiro de 2019, já houve
três ministros do Ministério da Educação (MEC), sendo que
um dos indicados para o cargo não pôde assumir quando
se tornou público que o que constava em seu Curriculum
Lattes não correspondia à sua formação. No momento
atual, Milton Ribeiro, pastor presbiteriano e ex-gestor de
uma rede de ensino particular conservadora e religiosa, é o
terceiro ministro a assumir a pasta em menos de dois anos
de governo. Em entrevista recente, concedida ao jornal O
Estado de São Paulo, no dia 24 de setembro de 2020, ele
não reconheceu o papel do MEC frente à questão da desi-
gualdade social de acesso ao ensino, tão evidenciada no
momento da pandemia (SALDAÑA; PALHARES, 2020).
A proposição que apresenta para o setor da educação con-
figura um conjunto de dificuldades para a grande maioria
dos/ as estudantes das escolas públicas brasileiras, os quais
enfrentam graves problemas quanto ao acesso à internet,
aos computadores ou a telefones tipo smartphone, além
da falta de espaço adequado para o ensino remoto e de
acompanhamento pedagógico, entre outros, e mesmo à
própria natureza da educação, que é um processo que se
efetiva, em grande medida, a partir da convivialidade,
como já inferido. Pela experiência na docência, é possível
afirmar que as dificuldades vivenciadas por estudantes são
também experienciadas pelos/ as professores/as. Pode-se
até mesmo dizer que elas são reflexos umas das outras.

É importante ressaltar que embora tenha autorizado nos termos


explícitos pela Portaria n.º 544 de 16 de junho de 2020 o ensino por meio
de tecnologias, o Governo Federal não criou programas de apoio para
esse fim, não fez parcerias com os estados e municípios para aquisição
de aparelhos tecnológicos e internet para quem não possui, inclusive, o

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presidente vetou47, em março de 2021, o projeto lei (PL 3.477/2020) que


dava acesso à internet a professores e alunos de escolas públicas, o projeto
de desmonte à educação vem sendo efetivado de diversas formas.

A internet como ferramenta para manutenção das


atividades remotas
Se com o advento dos computadores e celulares as trocas culturais
no planeta foram revolucionadas, uma grande parcela do que conhecemos
hoje como Tecnologia Digital não existiria sem o surgimento da internet.
Antes de prosseguir com sua contextualização é importante explicar o
conceito do supracitado vocábulo que significa
[...] uma rede mundial de computadores ou terminais
ligados entre si, que tem em comum um conjunto de proto-
colos e serviços, de uma forma que os usuários conectados
possam usufruir de serviços de informação e comunicação
de alcance mundial através de linhas telefônicas comuns,
linhas de comunicação privadas, satélites e outros servi-
ços de telecomunicações. (MORAIS; FRANCO; LIMA,
2012, p. 42).
Tal rede foi criada na época da Guerra Fria, em meados de 1960,
para fins bélicos, tendo como objetivo principal a confecção de um canal
que seria seguro para a comunicação em duas bases em lugares distintos
(MORAIS; FRANCO; LIMA, 2012). A rede trazia, diferentemente do
que tínhamos até aquele momento, uma interatividade efetiva entre as
pessoas e a tecnologia, ultrapassando barreiras econômicas e geográficas,
revolucionando as relações entre povos e como estes se comunicam. Com
a eficácia deste novo recurso, seus investimentos aumentaram, e com o
passar do tempo, sua capacidade e velocidade de tráfegos de informações
melhorou. Atualmente, é difícil imaginar um mundo em que a internet
não esteja presente, possibilitando, por exemplo, cirurgias médicas a
distância e conferências entre professores e alunos de maneira global
(MORAIS; FRANCO; LIMA, 2012).

47
Senado Notícias: https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2021/03/19/vetado-projeto-que-dava-
-acesso-a-internet-a-alunos-e-professores-da-rede-publica. Veto de Bolsonaro derrubado: lei de internet
gratuita a alunos e professores tenta aliviar defasagem da escola pública no mundo digital: https://g1.globo.
com/educacao/noticia/2021/06/07/veto-de-bolsonaro-derrubado-lei-de-internet-gratuita-a-alunos-e-pro-
fessores-tenta-aliviar-defasagem-da-escola-publica-no-mundo-digital.ghtml.

199
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JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

A internet tem a capacidade de movimentar grandes quantidades


de dados em pouco tempo e isso lhe confere capacidade de transportar,
não somente informações, mas ideias, culturas e sistemas de sociedade,
tendo impacto imenso na educação e na prática pedagógica (MORAIS;
FRANCO; LIMA, 2012). Como tratamos na seção sobre avaliações, tra-
balhamos com a perspectiva de uma produção conjunta do aprendizado,
por parte de alunos, professores e recursos digitais, tendo a internet a
característica de estimular a interação entre os estudantes, ajudando-os
a trabalhar mundialmente de forma colaborativa.
[...] o uso pedagógico das redes oferece a alunos e profes-
sores, neste processo, a chance de poder esclarecer suas
dúvidas à distância, promovendo ainda, o estudo em grupo
com estudantes separados geograficamente, permitindo-
-lhes a discussão de temas do mesmo interesse. Mediante
esta tecnologia, o aluno sairá de seu isolamento, enrique-
cendo seu conhecimento de forma individual ou grupal.
(GARCIA, 2009, p. 3).
Como exposto, a intercomunicação mundial entre os sujeitos pro-
duz efeitos importantes na fluidez do processo de ensino-aprendizagem.
Nos últimos anos, os alunos já têm nascido envolvidos na rede, visto que
desde pequenos já possuem tablets e computadores e se tornam sujeitos
atuantes no mundo virtual.

Dificuldades enfrentadas no ensino remoto


Embora a rede mundial de computadores, a internet, tenha facilitado
a manutenção de atividades de forma remota, dadas as possibilidades de
diversas atividades serem realizadas a distância, as maiores dificuldades
encontradas durante o ensino remoto foram, mais bem percebidas em
relação aos cidadãos, onde foram desvelados diversos problemas de acesso
à conexão. Embora vivamos numa sociedade em que a vida ao redor da
internet é aspecto marcante de sua organização, ainda há resquícios de
profundas diferenças socioeconômicas em termos de condições financeiras
para aquisição de produtos, bem como barreiras também geográficas, pois
em regiões externas às cidades ainda há dificuldade de chegar conexões
banda larga. Apresentamos, no quadro a seguir, dados importantes de
serem analisados para a compreensão das condições físicas das escolas
públicas no país:
200
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Quadro 1 – Condições físicas das escolas públicas no Brasil no ano de 2010-2018


BRASIL 2010 2012 2014 2016 2018

Dependência
R48 U R U R U R U R U
física e serviços

Laboratório de
13% 51% 22% 58% 24% 56% 23% 52% 19% 47%
informática

Laboratório de
1% 16% 1% 17% 1% 17% 2% 17% 2% 15%
ciências

Energia via rede


78% 100% 81% 100% 84% 100% 86% 100% 87% 100%
pública

Internet 8% 75% 12% 83% 16% 86% 30% 88% 34% 91%

Banda larga 4% 62% 7% 73% 8% 74% 17% 76% 21% 79%

Fonte: adaptado de Santos e Nunes, 2020, p. 122

Segundo o Quadro 1, vê-se que em diversos anos o perfil de cres-


cimento no acesso à internet e à banda larga sofreu pouca alteração, com
marcante diferença entre as áreas urbanas e rurais. O pouco avanço do
acesso à conexão se tornou marcante neste período e um dos grandes
empecilhos para realização de atividades de ensino-aprendizagem como
a recepção e acesso aos exercícios enviados por professores e o acom-
panhamento de aulas que ocorram em tempo real, transmitidas por
plataformas de chamada de vídeo como Google Meet, Zoom e Mconf,
ou sites de transmissão de mídia em tempo real como Youtube e Vimeo.
Esta é uma demonstração do quão despreparada nossa sociedade estava
para a continuação das atividades de maneira remota e satisfatória.
O grupo de estudos e pesquisa em Movimentos Sociais, Diver-
sidade e Educação do Campo e da Cidade (Gepemdecc) desenvolveu
uma pesquisa sobre o ensino remoto no estado da Bahia com o objetivo
de diagnosticar o andamento das atividades neste período pandêmico,
que “Ao todo, foram obtidas 756 respostas, das quais “70% dos sujeitos
atestaram que trabalha na rede pública municipal de ensino; 21,5% na
rede pública estadual; 3,4% na rede federal; e 13% na rede privada” (SAN-
TOS, 2020, p. 12). A respeito da internet, é possível diagnosticar pontos
importantes por exemplo:

48
A letra R refere-se a Rural e a letra U refere-se a Urbano.

201
ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

Figura 1 – Tipo de conexão de internet dos professores

Fonte: GEPEMDECC, 2020

Observa-se na figura 1 que embora uma boa parcela dos responden-


tes (aproximadamente 40%) afirmou que utiliza Wi-Fi (que pode significar
acesso à banda larga), ainda há uma grande quantidade de pessoas que
respondeu utilizar internet móvel, de tecnologia 3G ou 4G, o que pode
significar um problema pois este tipo de conexão dificulta realização de
funções como a visualização de vídeos mais pesados e a participação em
aulas síncronas, por ser mais estável e ter limite de dados.

202
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Figura 2 – Nível de satisfação com a própria conexão

Fonte: GEPEMDECC, 2020

Na figura 2 é demonstrado que a maior parte dos respondentes,


que são professores, afirmou que sua conexão é regular, seguido de satis-
fatória, porém, entra em relativo contraste quando comparado com a
proposição e a devolutiva das atividades por parte dos alunos, conferido
pela figura 3, abaixo:

203
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Figura 3 – Modalidades de atividades por meio do ensino remoto

Fonte: GEPEMDECC, 2020

Quando se observa a figura 3, nota-se que a maioria das solici-


tações de atividades se deu por mecanismos que demandam internet,
como “Redes sociais” e “Envio de atividades” que são mecanismos que
necessitam de internet para seu funcionamento.

Figura 4 – Entrega das atividades pelos alunos

Fonte: GEPEMDECC, 2020

204
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Pode-se observar pelo exposto na figura 4 que embora o número


de respostas a respeito da entrega das atividades tenha uma discreta dife-
rença, a quantidade de respostas “Não” (28,17%) ainda foi maior que sim
(27, 20%), expondo de maneira muito clara que existem graves proble-
mas de acesso ao aprendizado, por parte dos alunos, boa parte disso em
decorrência de dificuldades no acesso à internet que além de ocasionar
problemas na continuação das atividades, os professores não conseguem
ter um claro quadro a respeito da aprendizagem de seus alunos.

Reflexões sobre os expostos


Como observado, os decretos legais emitidos para instituir quarentena
e suspensão das atividades letivas foram necessários para contenção da infec-
ção da população e melhor preparo do sistema público de saúde. Porém, a
quarentena evidenciou diversas desigualdades que assombram a sociedade
brasileira que perpassam as questões de renda e no acesso à inclusão digital.
Sendo assim, segundo Knop (2017, p. 2), exclusão digital se trata de:
[...] desigualdades econômicas, sociais, culturais e de status
se reproduzem na dimensão virtual e tecnológica, o que
significa restrição de acesso a indivíduos já marginalizados,
reificando assim suas condições de vida e trabalho [...] a
diferença entre os indivíduos e as sociedades que têm os
recursos para participar na era da informação e aqueles
que não o fazem; sendo que, no que tange a sua análise
e interpretação, verifica-se algo mais complexo do que
oferecer computador e acesso à internet a indivíduos
Ou seja, um dos principais problemas evidenciados pela pandemia
e pela suspensão das atividades se tratou da falta de acesso às conexões
de internet e a aparelhos que fizessem uso desta tecnologia. No Brasil,
boa parte deste problema reside no fato de que o acesso à internet ainda
caminha a passos lentos em direção a sua universalização, desde seu sur-
gimento, quando aparece primeiramente com o objetivo de abastecimento
da Rede Nacional de Pesquisa, levando internet a diversas instituições
pública em 1990, quando somente em 1995 se iniciou seu uso de maneira
comercial pelo território nacional. Hoje em dia, quando observa-se os
números, verifica-se que o acesso está ainda longe de uma universalização:
Embora mostre evolução, a pesquisa indica que há ainda
14,9 milhões de domicílios sem acesso à Internet. “Os prin-

205
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JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

cipais motivos foram falta de interesse (34,7%), serviço caro


(25,4%) e nenhum morador sabe usar (24,3%)”, afirma em
comunicado a coordenadora de Trabalho e Rendimento do
IBGE, Maria Lucia Vieira. O rendimento médio de quem
utilizava Internet era de R$ 1.769, contra R$ 940 de quem
não usava a rede. (AMARAL, 2020, p. 1).
Além do exposto na citação, de maneira geral e numérica obser-
va-se a seguinte figura:

Figura 5 – Acesso à internet por domicílios no Brasil

Fonte: CETIC, 2018

Ou seja, ainda existe uma grande lacuna no acesso à internet por


parte das residências brasileiras, e essa diferença é inclusive regional,
sendo as regiões Norte e Nordeste as mais prejudicadas, no entanto,
mesmo em regiões como a Sudeste e Sul ainda é latente a diferença entre
as áreas urbanas e rurais. Tais dificuldades refletiram diretamente nos
resultados da figura 4, quando somente uma pequena parcela entregava
as atividades, quando enviadas.
206
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O não-acesso à internet ocasiona problemas sérios de maneira social


e educacional, pois ainda que os conteúdos escolares fossem fornecidos
aos alunos a posteriori, a desigualdade de aprendizado ainda ocorreria,
pois, tais estudantes em instituições privadas de ensino ainda dispões de
mais recursos tecnológicos e acesso à banda larga do que os alunos nas
instituições públicas (SANTOS, 2020). De acordo com Knop (2017), a
falta de acesso à internet pode aumentar a desigualdade no trabalho, pois
ao utilizar a internet há possibilidade de realização de cursos online, ou
intercomunicação entre os sujeitos e só somente uma classe dominante
pode acessar este recurso, mantém-se desigualdade. Também pode haver
piora do desemprego por conta dos empecilhos de acesso a vagas ofere-
cidas de forma online e seus respectivos cadastros.
No âmbito governamental, em que pese a existência de
vários projetos de inclusão digital executados e apoiados
pelo governo, nenhuma política pública emergencial de
alcance nacional, relacionada ao acesso às tecnologias digi-
tais para ensino remoto, fora criada, a fim de minimizar os
prejuízos dos alunos menos favorecidos economicamente
durante a pandemia. (RIBEIRO, 2010 et al., 2020, p. 7).
A dificuldade de políticas públicas no âmbito educacional, sobretudo
no acesso à tecnologia e a conexões de rede também faz parte de um plano
governamental de promover privatização de serviços e desligamento de
setores públicos de diferentes esferas da organização Social.
Ao longo da década de 1990, foi colocada em xeque a
competitividade do Brasil no mundo globalizado em
função de um movimento de denúncia sobre a crise da
escola. Nessa acepção, as frações burguesas locais busca-
ram se organizar como partido, com programas e táticas
definidas para disputar os caminhos da educação pública
[...]. Decerto, o setor financeiro organizou-se como classe
buscando definir os rumos da educação brasileira, assim,
o Itaú-Unibanco, vinculado com setores industriais como
Guerdau, conseguiram constituir uma grande aliança entre
setores dominantes que configuravam os grandes grupos
econômicos no Brasil. (DE PAULA, 2019 et al., 2019, p. 5).
Desta forma, um dos principais objetivos destes grupos é lucrar
com as políticas promovidas pelo governo e manter as estruturas de poder
como estão, com o sistema financeiro as dominando. Decerto que esses
processos de privatização econômicas não são produto somente de toma-
207
ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

das de decisão de líderes brasileiros, mas sofrem influências Organismos


Multilaterais como a Organização para Cooperação e Desenvolvimento
Econômico – OCDE, que citam em suas cartilhas que para promoção do
financiamento ao desenvolvimento econômico nos países, estes devem
promover diminuição da participação do Estado na promoção de serviços
e um deles é a promoção do fornecimento de tecnologia, seja nas esco-
las, seja na sociedade, pois de acordo com tal organismo, o Estado seria
deficiente e insuficiente para promoção deste acesso (OCDE, 2015). No
entanto, é importante dizer que as empresas privadas são constantemente
preocupadas com os lucros, desta forma não investem de forma efetiva,
ocasionando diferenças significativas, sobretudo entre áreas rurais e
urbanas, como observado na figura 5.
Ao estabelecer essa desigualdade, mantém-se a estratificação social
com o conhecimento concentrado nas mãos de uma pequena classe e
os alunos que não conseguirem obter o mesmo conhecimento poderão
ser aproveitados como mão-de-obra barata. Desta forma, vemos que
as dificuldades no acesso à internet não são fruto somente do acaso da
desorganização política e econômica do governo para organizar um plano
educacional, mas há um sistema organizado em prol da manutenção
das desigualdades de acesso, que se tornaram mais evidentes a partir da
autorização da manutenção das atividades de forma remota.

Considerações finais
As problemáticas que envolve o ensino público nesse contexto
pandêmico são inúmeras, neste texto, procuramos apresentar e debater
algumas delas e destacamos, os aspectos que dizem respeito aos interes-
ses privatistas, à venda de pacotes de formação prontos aos professores,
à falta de políticas públicas de formação e de programas para melhoria
da qualidade de internet de professores e alunos, e, principalmente à
alarmante desigualdade no acesso e na continuidade dos estudos pelas
quais estão passando parcela significativa dos alunos das escolas públicas.
Neste sentido, gostaríamos de ressaltar que para além dos “jeitinhos”
que vêm sendo dados, é necessário denunciar o abandono do Estado
de suas obrigações para com o provimento de educação de qualidade
a todos, conforme estabelece a Constituição Federal de 1988 e resistir,
buscando formas coletivas de construção e enfrentamento em defesa da
escola pública, gerida e cuidada para atender com dignidade os filhos da
classe trabalhadora.
208
MOV I M E N TO S S O C IA I S E R E SI ST Ê NC IA

O ensino remoto, embora fosse a única alternativa encontrada


por diversos setores educacionais para seguimento de atividades, se
demonstrou um retrato marcante da dificuldade de organização das
esferas governamentais de políticas públicas educacionais, além de expor
as desigualdades sociais, tecnológicas e de formação dos profissionais e
dos alunos. Deste modo, também se demonstram latentes as desigualda-
des educacionais entre os ensinos públicos e privados, que se mostrarão
danosas a curto e longo prazo.
Desta forma faz-se necessário pressionar as autoridades governamen-
tais para criação de políticas públicas que promovam o acesso à conexão
de internet para todos e todas, também, a formação para manipulação
destes equipamentos, pois tais problemas já eram marcantes mesmo antes
do tempo pandêmico. Assim, a sociedade estará mais preparada para lidar
com períodos de crise e para realização de atividades que não estejam
totalmente conectadas com o ambiente físico da escola.

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meio do ensino remoto nas atividades escolares nos municípios localizados

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ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

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210
A EXPERIÊNCIA DO PROJETO “EDUCA LAPA:
EDUCAÇÃO CONECTADA COM VOCÊ”,
CONTRIBUIÇÕES PARA O ENSINO
APRENDIZAGEM NA EDUCAÇÃO DE JOVENS E
ADULTOS NO CONTEXTO DA PANDEMIA

Solange Balisa Costa49


Claudia Batista da Silva50
Tihara Rodrigues Pereira51
Adenilson de Souza Cunha52

Introdução
Atualmente a sociedade mundial perpassa pelo segundo ano de
enfrentamento da pandemia de Covid-19. No Brasil, esse dilema tem
se tornado cada vez mais agravado pela falta de controle da atual crise
sanitária53, ainda enfrentando muitos entraves de natureza política e de
gestão da saúde pública.
A educação tem sido um dos setores sociais mais afetados por esse
problema, sobretudo no campo da EJA, onde os profissionais da educação
junto aos gestores tiveram que reinventar novas práticas no sentido de
amenizar os impactos causados pela pandemia que infere diretamente
na vida escolar dos alunos.
Nesse contexto, a Secretaria de Educação (Semed) do município
de Bom Jesus da Lapa (BA), elaborou uma proposta para auxiliar o
enfrentamento da pandemia por meio do projeto Educa Lapa: Educação
Conectada com você, considerando a especificidade do município que
49
Mestre em Educação pelo PPGED/UESB, professora da rede municipal de Bom Jesus da Lapa.
50
Mestre em Educação pelo PPGED/UESB, professora da rede municipal de Bom Jesus da Lapa.
51
Mestre em Educação pelo PPGED/UESB, professora da rede municipal de Bom Jesus da Lapa.
52
Doutor em Educação pela FAE/UFMG, professor do DCHEL/UESB e do PPGED/UESB.
53
Essa crise se deu em virtude do discurso contra a ciência, por parte do governo federal, que levou ao
atraso da compra de vacinas, tornando o processo de imunização da população muito mais lento, ainda em
desenvolvimento.

211
ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

abrange 52 (cinquenta e duas) Unidades de Ensino (campo e sede) com


cerca de 14 mil alunos, sendo a sua grande maioria pertencentes a famílias
de baixa renda onde a comunicação via internet ainda é bastante limitada,
especialmente para os sujeitos do campo onde situa-se o maior número
de estudantes. A proposta, surge no contexto das reuniões internas da
equipe da Secretaria Municipal de Educação (Semed), onde discutia-
-se ser necessário encontrar uma alternativa para tornar os conteúdos
escolares mais acessíveis ao público-alvo de forma colaborativa e com
o envolvimento dos sujeitos, como parte do processo educativo. Nesse
sentido, é pensado o programa Rádio Escola para ser apresentado em
uma emissora de rádio local de fácil acesso, com cobertura e qualidade
em todo território regional, já que as aulas presenciais até o final do ano
de 2021 continuavam suspensas.
A partir dessa ideia nasce o planejamento do projeto, cuja proposta
foi imediatamente aceita pela gestão municipal e pelas unidades de ensino.
Foram realizadas parcerias entre a gestão municipal, uma emissora de
rádio local e os protagonistas dessa ação: SEMED e escolas municipais.
Em seguida foi constituído o Programa de rádio denominado de Educa
Lapa com roteiros e públicos específicos. À medida que acontecia a divul-
gação, íamos percebendo que se tratava de um projeto inovador com uma
grande responsabilidade pública, capaz de provocar uma transformação
na educação municipal pela dimensão que a proposta ia ganhando.
Na estrutura do projeto, cuja metodologia se aplica em um programa
de rádio em dias alternados (segunda, quarta e sexta), um desses dias é
dedicado ao público da Educação de Jovens e Adultos (EJA), de que trata
este artigo, dado a sua especificidade, e por ser uma das modalidades mais
beneficiados com o projeto. Temos a plena convicção que os alunos da
EJA possuem inúmeras limitações no acesso às tecnologias, o que justifica
essa ação tão necessária nesse momento da pandemia.
A estratégia de usar a educomunicação como fundamento dessa
ação parte da possibilidade que este meio possibilita, como o uso de rádio
escola, web rádio virtual, jornal comunitário, videogames, softwares de
aprendizagem online, podcasts, blogs, fotografia, produção de notícias
para veiculação em mídias livres etc. Tudo isso contribui para que pos-
samos ampliar o atendimento escolar nesse período da pandemia, sendo
escolhido o rádio escola que agrega várias mídias condensadas em um
único veículo de comunicação (o rádio).

212
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Deste modo, a secretaria de Educação de Bom Jesus da Lapa vem se


dedicando e investindo neste projeto alinhado com proposta curricular das
unidades de ensino, a participação de alunos, pais, professores, gestores,
e toda sociedade em torno de um objetivo comum: a formação integral
dos sujeitos para a construção de uma sociedade mais justa e igualitária.

Pressupostos epistemológicos da Educomunicação


Para a educação no século XXI, não basta apenas transmitir infor-
mações, mas formar cidadãos que saibam transformar informação em
conhecimento, com a capacidade de usá-los em benefício próprio e de
sua comunidade. Para tanto, faz-se necessário o uso de ferramentas que
auxiliem a educação no cumprimento dessa função. Assim, o uso das
mídias é utilizado como facilitadora desse processo.
Destaca-se neste contexto a educomunicação que propõe uma
intervenção a partir de Educação para a mídia, ou seja, o professor e os
estudantes desenvolvem em sala de aula conteúdos educativos, fazendo
a gestão democrática das mídias com práticas de ecossistemas comuni-
cativos abertos e criativos.
Com isso, a educomunicação mostra-se bastante relevante na con-
temporaneidade, sobretudo atualmente, em virtude do isolamento social
provocado pela pandemia de Covid-19. No entanto, esse termo já é citado
desde a década de 1970 ao designar a prática educativa para a recepção
crítica dos meios de comunicação conhecida na Europa como Midia
Education para La Comunication (1970) (RODRIGUES, 2014, p. 33).
Sua origem parte da reivindicação de instituições supraestatais, como a
Unesco ao notar a importância da formação em Educomunicação, que,
demanda tratamento específico em programas escolares, na formação de
professores, na educação de famílias e mesmo em adultos, idosos, donas
de casa, desempregados.
No Brasil, a denominação da Educomunicação surge em 1997 com
uma pesquisa denominada de “Perfil” realizada pelo Núcleo de Comu-
nicação e Educação (NCE-ECA/USP)54 tendo como coordenador Ismar
de Oliveira Soares, pioneiro em estudos e pesquisas nesta área. Nesse
54
Tinha como objetivo analisar o profissional que atua na inter-relação Educação-Comunicação. A partir
daí a inter-relação Comunicação-Educação passou a ser considerada como “um novo campo de intervenção
social” e recebeu definições de subáreas de atuações e estudos, ao mesmo tempo em que também passou a
ser denominado de Educomunicação (MACHADO, 2003)

213
ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

período surgem várias organizações, movimentos sociais e alguns projetos


governamentais com implementação de programas de educomunicação
que possuem em comum a promoção ao protagonismo infantojuvenil.
De acordo com autor mencionado (SOARES, 2011), as bases concei-
tuais para educomunicação nascem com o educador brasileiro Paulo
Freire que concebeu a educação envolvida pela comunicação dialógica
e participativa, e com o jornalista argentino Mário Kaplun que traba-
lhou os processos comunicativos com intencionalidade educativa. “Tais
autores compreendem a primeira geração de educomunicadores cuja
prática e reflexão teórica configura o ato de comunicar em benefício da
dialogicidade e da educação”. (RODRIGUES, 2014, p. 33). Dessa forma
podemos afirmar que a interface da educação com a comunicação finda
na Educomunicação.
Essas duas áreas do conhecimento embora distintas, pois a edu-
cação é representada pela escola sob a responsabilidade de transmitir o
saber construído socialmente e formar sujeitos, enquanto a comunicação
midiática é representada pelo mercado e tem o papel de produzir e divul-
gar informação e entretenimento à sociedade, ambas se relacionam com
a finalidade de atender as demandas oriundas da sociedade atual, cada
vez mais complexas no século XXI. Apesar dessa divergência, a educo-
municação caracteriza-se como um campo independente e autônomo.
Soares (2000, p. 63) define a educomunicação como,
[...] o conjunto de ações inerentes ao planejamento, imple-
mentação e avaliação de processos, programas e produtos,
destinados a criar e a fortalecer ecossistemas comunicativos
presenciais ou virtuais (tais como escolas, centros culturais,
emissoras de TV e rádios educativos, centros coordenadores
de educação a distância ou “e-leaning” e entre outros...)
assim como melhorar o coeficiente comunicativo de ações
educativas, incluindo as relacionadas ao uso de recursos
da informação no processo de aprendizagem.
Nota-se que a educomunicação é bastante significativa sendo vista
como área de intervenção social, pois possibilita ampliar o diálogo, a
participação e a criatividade em espaços formais e informais de apren-
dizagem. Nos espaços educacionais, suas ações ampliam capacidade de
expressão dos estudantes, uma vez que estimulam o pensamento crítico
sobre as informações que eles consomem diariamente nos veículos de
comunicação. Além disso, os estudantes de todas as idades podem ser

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protagonistas na produção dos seus próprios conteúdos pela comunicação


participativa e dialógica.
Ao considerar o uso das mídias nos processos pedagógicos, os
espaços educativos podem aderir várias linguagens e produtos midiáticos.
Não podemos dizer qual é o melhor, mas podemos inferir sobre a mais
viável mediante o contexto que se vive. Neste sentido o Rádio Escola é
uma das grandes possibilidades para articulação das atividades educativas
promovendo a participação de todos por possibilitar o uso de várias mídias
escolares na construção de conteúdos educativos de forma colaborativa.
Esses instrumentos possuem natureza integradora e contribui para
articulação e desenvolvimento dos conteúdos escolares nas diversas áreas
do conhecimento favorecendo o desenvolvimento integral de crianças,
adolescentes, jovens, adultos e idosos.

As contribuições da Educomunicação para o


trabalho pedagógico na EJA
A utilização do rádio em ações educativas voltadas para o campo da
EJA não é recente. As históricas campanhas de alfabetização de adultos
utilizam deste recurso como alternativa para o sistema de ensino deste
o ano de 1957 por meio do rádio pelo governo federal e que tendia a
produção de programas educativos veiculados por emissoras espalhadas
em todo o país. É considerado um dos projetos precursores da educação
a distância no Brasil. (MENESES, 2001). Podemos citar como exemplo
Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos (CEAA) quando em
1957 foi notada a precariedade em seus resultados, tentou recuperar-se
por meio da criação do Sistema Rádio Educativo Nacional (SIRENA).
Nessa etapa de declínio acentuado, a referida campanha chegou a ser
reconhecida como ‘fábrica de eleitores’, fracassando do ponto de vista
educativo (PAIVA, 2003). Entretanto o rádio continuou sendo um recurso
facilitador do processo de ensino aprendizagem na EJA pela sua abran-
gência no território nacional.
Um dos maiores desafios para a Educação no momento é pensar em
como ela pode ser benéfica, dialógica e acessível a todos os indivíduos.
Nesse período da pandemia de Covid-19, esse desafio tornou-se ainda
maior pelas limitações impostas em meio às restrições estabelecidas para
o momento. Sendo assim, foi pensado o projeto de educomunicação em

215
ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
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formato de Rádio Escola, denominado de Educa Lapa, para rede municipal


de ensino de modo a incluir todos em uma proposta educativa acessível,
inclusive aos menos favorecidos de recursos midiáticos como é o caso
dos alunos da EJA que vive no campo. Esta proposta se fundamenta em
Freire (1997) ao defender uma comunicação que abranja os valores e a
cultura de todos os participantes do processo para ampliar as vias de
acesso aos saberes e ampliar os canais de conhecimento.
Sabemos que a Educação de Jovens e Adultos (EJA), refere-se a uma
modalidade de ensino “destinada a todas as pessoas que, por diferentes
razões, não tiveram a oportunidade de continuidade ou de acesso aos
estudos na Educação Básica” (SANTOS; SOUZA, 2011, p. 2) que está
pautada no artigo 37º da LDB nº 9394/96 e no artigo 205º da Consti-
tuição Federal de 1988 que dá seguridade a todos no acesso à educação.
Entretanto, esse tem sido um dos campos da educação mais afetado pela
adoção do ensino remoto devido às limitações dos sujeitos mediante a
pandemia.
A educação dos sujeitos da EJA deve preconizar o diálogo como
forma de efetividade e exercício de sua liberdade e transformação, como
prevê o ideário Freireano (1997) que defende a “educação como prática
da liberdade”. De acordo com esse autor, é preciso viver o diálogo e não
somente dizer estar comprometido com ele; ser dialógico é, no entanto,
esforçar-se na transformação constante da sua realidade.
Dada essa relevância, adotamos a Rádio Escola na rede municipal,
por meio de um programa de rádio semanal, como já dito, como forma
de criar um canal comunicativo em rede para que todos participem dessa
ação conjunta em momento específico. O exercício do Rádio Escola
possibilita, inclusive, interação com os diversos temas que compõe a
proposta curricular do município e ainda mobiliza a sociedade para
juntos proporcionar uma educação plena a todos os cidadãos, uma vez
que é dado espaço para todos participarem de forma a colaborar com o
processo formativo.
Consideramos que essa é uma ferramenta poderosa para trabalhar
o direito à livre expressão e à opinião. É, também, uma estratégia para
se debater a responsabilidade inerente ao exercício desse direito com os
estudantes, professores e demais pessoas da comunidade escolar.
Além disso, o rádio proporciona o desenvolvimento da escuta e
consequentemente o ato de comunicar-se bem como o senso crítico,

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visto que o programa de rádio propriamente apresentado problematiza


os conteúdos de forma contextualizada. Freire (1996) afirma que “não
há inteligência da realidade sem a possibilidade de ser comunicada”, e
isso na EJA é fundamental. O ato da escuta vai além da possibilidade
auditiva de cada um, pois significa a disponibilidade permanente por
parte do sujeito que escuta para a abertura a fala do outro, ou seja, é um
ato recíproco sem redução do outro que fala, pois:
A verdadeira escrita não diminui em mim, em nada, a
capacidade de exercer o direito de discordar, de me opor,
de me posicionar. Pelo contrário, é escutando bem que me
preparo para melhor me colocar, ou melhor, me situar do
ponto de vista das ideias. (FREIRE, 1997, p. 120).
Assim, na EJA, é imprescindível momentos de diálogo, reflexão
e troca de experiências, interligado com o saber científico com vista ao
desenvolvimento integral dos sujeitos.

Aspectos metodológicos
Neste processo de ecossistemas criativos que prevê a implementa-
ção de ações contextualizadas baseadas na interação dialógica entre os
sujeitos, nasce o projeto Educa Lapa: Educação conectada com você, cuja
metodologia se efetiva no Rádio Escola que vai ao ar numa emissora de
rádio local de frequência FM, três vezes por semana em horário nobre
(das 18 às19h) com duração de 60 minutos e composto por conteúdos
educativos e públicos diferenciados de modo atender todos os níveis e
modalidades de ensino.
As ações para a efetivação desse projeto iniciaram com a elaboração
da proposta pela equipe da secretaria de educação apresentado ao setor
administrativo (jurídico e financeiro) do município para aprovação desta.
Após a aceitação pelo órgão gestor, iniciaram os processos de divulgação
e busca de parcerias com a comunidade local.
A implementação dessa proposta se justificou pela necessidade de
uma ação conjunta que colabore para o desenvolvimento educacional dos
alunos da rede municipal que nesse momento da pandemia apresentam
dificuldades para acompanhar as atividades educativas, em especial os
estudantes da EJA, com limitações no uso das mídias. Conforme Costa
(2012) a EJA tem como objetivo primordial diminuir o distanciamento que

217
ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
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existe entre os cidadãos excluídos e os que não são excluídos, proporcio-


nando a estes a possibilidade de cursarem e terminarem o Ensino Básico
e, consequentemente, melhorarem a sua qualidade de vida, pois segundo
Pompeu e Zimmermann, (2009) o acesso de todos à educação possibilita a
construção de um projeto democrático de sociedade igualitária, com menos
discriminações, uma via de auto reconhecimento, da autoestima e do outro
como igual, como parceiro, como constituinte do ambiente democrático.
É nesse processo democrático que o projeto Educa Lapa vem acon-
tecendo. Inicialmente, foi feita uma sondagem para verificação dos temas
de interesse juntos aos coordenadores pedagógicos que decidiram ali-
nhá-lo ao planejamento pedagógico da escola. Após essa articulação foi
definido a estrutura do programa e iniciou-se a organização técnica junto
à emissora de rádio e aos parceiros encontrados nesse primeiro momento.
Logo que o programa é iniciado, vai passando por adequações até que
viesse a ganhar uma configuração própria.
O planejamento da programação é realizado quinzenalmente com
a equipe da Secretaria Municipal de Educação que elabora um crono-
grama para inserir as escolas participantes e definição das temáticas. Na
grade da programação o primeiro programa da semana (segunda-feira)
é destinado ao público da educação de jovens e adultos. Após o planeja-
mento com cronograma organizado de participações, as coordenadoras
da Semed entram em contato com a equipe escolar para orientar o tra-
balho e posteriormente receber as participações, geralmente em áudio e
algumas vezes ao vivo.
a composição do Programa dedicado a EJA, contém os seguin-
tes quadros:

• EDUCAÇÃO EM PARCERIA – entrevista com um convidado


da sociedade
• PODCAST- exposição de conteúdos escolares
• FALA MESTRE - Experiências de professores(as)
• FALA FAMÍLIA - Relatos de familiares e comunidade escolar
• O PROTAGONISTA DA VEZ - Vivência dos alunos(as)
• VOCÊ SABIA? Enquete temática para interação e participação
dos ouvintes.

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Todos esses quadros têm como propósito promover a participação


dos ouvintes e o desenvolvimento educacional dos sujeitos. Para isso é
necessário possibilitar “o acesso, elaboração e reconstrução de saberes que
contribuam para a humanização e emancipação do ser humano” (BRASIL,
2009, p. 28). Com esse intuito, há espaços no bojo dessa programação
para agregar conteúdos curriculares de forma organizada e alinhada
com o planejamento escolar, de forma dinâmica e colaborativa com
vistas ao desenvolvimento de várias habilidades, entre elas a capacidade
de comunicar-se. Nesse interim, são incluídos todos os sujeitos da EJA
(alunos(as), pais, professores, gestores e comunidade), inclusive as pessoas
que possui alguma deficiência, pois os professores criam mecanismos de
comunicação entre eles.
Ademais, Soares (2011), salienta que as ações devem ser inclusivas,
democráticas, midiáticas e criativas permitindo que todos os integrantes
de uma dada comunidade, sintam-se membros do processo educomu-
nicativo e tratados com igualdade, utilizam as mediações tecnológicas
de maneira criativa em prol da valorização das manifestações culturais
dos envolvidos. De tal modo, o Projeto Educa Lapa, se organiza de forma
temática a cada programa de rádio executado, envolvendo a participação
de atores sociais, com momentos de interação, reflexão e aprendizagem
com o intuito de valorizar a cultura local.
Portanto, a estrutura anteriormente apresentada visa integrar os
atores da educação em um ambiente comunicativo de aprendizagem
com um toque de entretenimento onde todos possam sentir-se parte do
processo. Para viabilizar esse processo, após o planejamento e elaboração
do cronograma de participação com a equipe da secretaria de educação,
é feito o contato com as unidades de ensino que cria os conteúdos com
elaboração do material a ser apresentado em áudio sob a orientação dos
coordenadores da Semed. Os áudios produzidos entre os participantes
são encaminhados a coordenação do Programa (coordenadora peda-
gógica/EJA/Ensino Fundamental II, e apresentadora do programa) que
juntas produzirão o programa semanal de rádio. Para cada programa é
produzido um card. informativo contendo a pauta e identificação dos
participantes a fim de divulgar o conteúdo e valorizar a participação dos
envolvidos. O programa acontece ao vivo, sempre com a presença de
convidados e assessorado por um ou mais coordenador(es) da Semed.
Como se observa, há uma rede de colaboradores para efetivação dessa
proposta. São pessoas comprometidas com a educação e que buscam, de
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JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

alguma forma, transmitir algo que venha somar nesse novo mecanismo
de construção do saber.
É característica da EJA a diversidade do perfil dos educandos, com
relação à idade, ao nível de escolarização em que se encontram, à situação
socioeconômica e cultural, às ocupações e a motivação pela qual procuram
a escola. Dessa forma, o projeto Educa Lapa traz amplas possibilidades
de valorização da cultura que na EJA é tão importante por se tratar de
sujeitos com largas trajetórias de vida. Segundo Arroyo (2019, p. 159),
“o conhecimento é fruto da cultura”. Por isso, nos programas de rádio os
alunos têm a oportunidade de apresentar suas variadas manifestações
culturais, seja por meio da música, dos causos, poemas, relatos de expe-
riências, entre outras formas de expressão numa aprendizagem contínua
e prazerosa como no lembra Freire (1996), ensinar e aprender não pode
dar-se fora da procura, fora da boniteza e da alegria.

Resultados preliminares
O projeto Educa Lapa foi criado na atual gestão municipal (2020-
2024), mais precisamente no início do ano letivo de 2021, como uma das
alternativas para auxiliar no ensino remoto. Logo, o programa de rádio
iniciou-se em 5 de abril e, portanto, celebra três meses de existência no
momento que este texto é produzido. Com apenas 38 programas mate-
rializados e executados, sendo 14 destes destinados ao público da EJA, já
podemos mencionar alguns resultados positivos os quais destacaremos
na sequência.
À medida que os programas foram ao ar (ao vivo), a audiência foi
aumentando e o Educa Lapa foi ganhando uma ampla dimensão. Para isso
foram criados e/ou utilizados canais de comunicação, tais como: plata-
formas digitais da Emissora (aplicativo, YouTube, Facebook), WhatsApp,
Instagram, card, outdoor, panfletos e folders. Esses instrumentos, além de
divulgar a proposta, proporciona a participação e a interação do público
neste veículo de comunicação. Por meio das mensagens que chegam no
chat no momento da transmissão ao vivo pelo YouTube e no WhatsApp
da emissora, verificamos a repercussão da proposta e a sua abrangência.
O Educa Lapa tornou-se o nosso Patrimônio Educacional!
Gratidão a secretaria de educação pela importante inicia-
tiva. (Alessandra Vaz, Professora de Bom J. da Lapa/BA)

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Parabéns a Rádio e a Secretaria de Educação pela grande


iniciativa de levar a voz dos professores e alunos lapenses
a lugares onde muitas vezes só as ondas do rádio chega.
(Aparecida, ouvinte de Paratinga/BA)

A cada programa fico mais encantado com Educa Lapa.


Parabenizo a todos os envolvidos e desejo que continue
com essa proposta magnifica, pois é muito gostoso de ouvir.
(Sandro, ouvinte de São Paulo-SP)

Por conta da pandemia ficou difícil ter o contato direto com


a rede de ensino. A secretaria teve uma atitude plausível
que foi organizar esse maravilhoso programa Educa lapa
que caiu como uma luva para nós estudantes. (Mariana,
aluna 8º/9º ano).
Esses relatos demonstram a credibilidade que o projeto Educa Lapa
vem ganhando apesar do pouco tempo de existência, e ao mesmo tempo
reafirma a responsabilidade para com o público. Estes são apenas alguns
dos depoimentos recebidos que representam a satisfação do público em
geral. No entanto, a secretaria de educação realiza a avaliação dessa ação
bimestralmente com a equipe de coordenadores de área e por meio de
pesquisa de satisfação à sociedade.
Nesses 3 meses de execução de programa onde os sujeitos da EJA
foram contemplados com 14 programas verificamos que já houve avanço
mediante os dados referentes às apresentações dos participantes e ao
conteúdo produzido.

Tabela 1 – Dados de participação da EJA no programa de rádio Educa Lapa


Famílias Alunos Pessoas
PODCAST
Público da EJA participantes participantes entrevistados
produzidos
(áudio) (áudio) da sociedade
2.700 12 45 23 21

Fonte: roteiro de apresentação do programa Educa Lapa- SEMED, 2021

A partir desses resultados, nota-se que projeto Educa Lapa vem


atingindo o seu objetivo pela dimensão que vem ganhando nos relatos dos
ouvintes nas redes sociais e pelo conteúdo produzido pelos participantes
com uma grande repercussão na rede municipal. É evidente a satisfação

221
ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

dos alunos da EJA nos quadros do programa, demonstrando seus saberes


e desenvolvendo suas habilidades. Já é possível perceber sua evolução na
comunicação e a motivação para os estudos dentro de suas possibilidades.

Considerações finais
A experiência do projeto Educa Lapa possibilitou-nos uma refle-
xão acerca do ensino da EJA no contexto da pandemia. Vimos que são
inúmeras as dificuldades agora em virtude da pandemia de Covid-19
que tornou o acesso à escola bem limitado. Nesse sentido os sujeitos da
EJA são os mais prejudicados pelo seu contexto histórico por se tratar de
um público diferenciado com condições mais precárias e com carência
extrema de políticas públicas.
Deste modo, a estratégia de utilizar o Rádio Escola pelo município de
Bom Jesus da Lapa tem trazido excelentes resultados para a EJA por se tratar
de um recurso acessível a toda população e por possibilitar a integração
entre os sujeitos com a socialização de conteúdos educativos e provocar o
desenvolvimento de habilidades por meio da educomunicação. Já se nota
nas primeiras avalições, segundo a secretaria municipal de educação, a
motivação dos estudantes em participar dos programas (como protagonistas
e como ouvinte), e consequentemente no aproveitamento das atividades
remotas. Isso demonstra o comprometimento dos envolvidos nesta proposta
e a relevância para o atendimento educacional nesse momento pandêmico.
Sabemos que o Rádio Escola por si só não traria resultados satisfa-
tórios. Toda proposta impregnada no conteúdo tratado em cada programa
de rádio deve estar associada ao currículo estabelecido pela rede municipal
de ensino às etapas da EJA. Essa vinculação estabelece o sentido entre o
que ensina na escola e a experiência vivenciada pelos alunos, demons-
tradas em sua participação efetiva.
Ademais, a proposta é recente e de acordo com as participações e
colaborações de alunos e comunidade escolar o programa será adaptado,
caso haja necessidade, para atender as necessidades educacionais de nossos
estudantes. É importante mencionar que temos ciência que a estratégia
de aproximação e apoio aos nossos estudantes via educomunicação não é
suficiente para sanar com as dificuldades encontradas pelo ensino remoto,
estamos encontrando caminhos de amenizar as carências que o ensino
não presencial impõe.
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Referências
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direito a uma vida justa. Petrópolis: Vozes, 2017. 2ª Reimpressão, 2019.
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da Programação Neurolinguística: uma reflexão sobre o papel da comunica-
ção na Educação Popular. 2006. Fls. 85. Dissertação (Mestrado em Educação)
– Universidade Federal da Paraíba, João Pessoa, 2006.

223
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JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

SOARES, Ismar de Oliveira. Educomunicação: as perspectivas do reconheci-


mento de um novo campo de intervenção social: o caso dos Estados Unidos.
Eccos Revista Científica Uninove. v. 2 n. 2, dez 2000b. Disponível em: https://
periodicos.uninove.br/eccos/article/view/225/221 Acesso em: 17 jan. 2022.
SOARES, I. de O. Entrevista com Ismar de Oliveira Soares: A Educomunica-
ção. Novos Olhares, [S. l.], n. 12, p. 35-41, 2003. DOI: 10.11606/issn.2238-7714.
no.2003.51389. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/novosolhares/article/
view/51389. Acesso em: 17 jan. 2022.

224
O ENSINO DE ARTES COMO INSTRUMENTO
DE MEDIAÇÃO E SOCIALIZAÇÃO NO ENSINO-
APRENDIZAGEM

Gilvan dos Santos Souza55


Julia Maria da Silva Oliveira56

Brincar com crianças não é perder tempo, é ganhá-lo; se é triste


ver meninos sem escola, mais triste ainda é vê-los sentados
enfileirados em salas sem ar, com exercícios estéreis, sem valor
para a formação do homem.
(Carlos Drummond de Andrade)

Introdução
O intuito da observação aqui descrita foi entender como o ensino
de Artes poderia contribuir para a aprendizagem, bem como para a
socialização dos educandos da Escola Municipal Euclides da Cunha,
situada no povoado de São Sebastião, área rural do município de Vitória
da Conquista, ao longo das atividades do Projeto Escola Mais, hoje com o
nome de Educarte. Assim como Peixoto (2001), acreditamos que a Arte
humaniza, logo cremos que sua inserção no espaço educativo colabora
com a humanização da aprendizagem. Ousamos afirmar que a junção dos
campos Educação e Arte, pode assegurar o que postula a Lei de Diretrizes
e Bases da Educação Nacional de Base (LDBEN), n.o 9394/1996, artigo 206:
“liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o pensa-
mento, a arte e o saber” (BRASIL, 1996). Para a autora supramencionada,

55
Mestre em Educação pelo PPGED/Uesb. Professor da Educação Básica na rede municipal de Vitória da
Conquista – BA. Membro do Grupo de Estudos e Pesquisas em Movimentos Sociais e Educação do Campo
e da cidade (GEPEMDECC)/UESB.
56
Doutora em Educação pela Univeristé de Montréal. Professora Titular no Departamento de Ciências
Educação, da Universidade Estadual de Santa Cruz-Ilhéus-Bahia. Doutora em Educação pela Université
de Montréal – Québec-Canadá. Coordenadora do Centro de Estudos, Pesquisa e Extensão em Ciências
Humanas (CEPECH)/DCIE/UESC. Membro do Grupo de Pesquisa Cyberxire: Redes Educativas, Juventudes
e Diversidade na Cibercultura e do Grupo de Estudos e Pesquisas em Movimentos Sociais e Educação do
Campo e da cidade (GEPEMDECC)/UESB..

225
ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

[...] a Arte possibilita ao ser humano uma forma de suspen-


são da realidade, a partir da qual retorna ao dia-a-dia trans-
formado e enriquecido, ou seja, com a sua compreensão da
realidade humana ampliada. Isso “faz com que o indivíduo
singular se identifique com a humanidade em geral” e possa
se perceber “[...] particularmente mais humano ao mesmo
tempo em que compartilha esse significado e se sente parte
da humanidade (PEIXOTO, 2001, p. 109).
Notamos pela assertiva acima, que a Educação e a Arte podem
reconfigurar a escola, ao possibilitarem que, para além de preparar os
sujeitos conforme exigido pelo mercado capitalista, seja oportunizado
a esses um ensino que considere as multiculturalidades e plurietnias de
um país como o nosso (SOUSA, 2019).
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN), volume 6, das séries
iniciais do Ensino Fundamental, destinados à área curricular Arte, desta-
cam que “a educação em arte propicia o desenvolvimento do pensamento
artístico, que caracteriza um modo particular de dar sentido às experiências
das pessoas: por meio dele, o aluno amplia a sensibilidade, a percepção, a
reflexão e a imaginação” (BRASIL, 1997, p. 15). Nesse sentido, é possível
pensar o ensino da Arte como sinônimo de oportunidades, em que o
educando pode desenvolver seu potencial, expandindo a criatividade, a
imaginação, o conhecimento sobre os artistas e suas obras.
Porém, em muitas escolas, o ensino da Arte não possui um lugar
de destaque, conforme sua importância. Nestes espaços, ainda, a Arte
se restringe aos desenhos impressos, sem contextualização prévia, pois,
como observam Martins, Picosque e Guerra (2015, p. 29),
[...] é comum às aulas de arte serem confundidas com lazer,
terapia, descanso das aulas “sérias”, o momento para fazer
a decoração da escola, as festas, comemorar determinada
data cívica, preencher desenhos mimeografados57, fazer
o presente do Dia dos Pais, pintar o coelho da Páscoa e a
árvore de Natal. Memorizam-se algumas “musiquinhas”
para fixar conteúdos de ciências, faz-se “teatrinho” para
entender os conteúdos de história e “desenhinhos” para
aprender a conta.

57
Cópias no mimeógrafo, aparelho com o qual se reproduzem réplicas a partir de originais escritos ou
desenhados em estêncil, um papel fino especial com pequenas perfurações, hoje substituído pelas impressoras.

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Entendemos que a discussão sobre a Arte precisa ir além da perspec-


tiva do desenhar e/ou pintar, uma que a Arte esteve presente nos distintos
momentos da humanidade, desde a pré-história, com a arte rupestre. Dessa
forma, podemos perceber que ela não se resume a momentos estáticos,
pontuais, posto que encontramos assuntos que podem ser explorados e que
permeiam o dia a dia, tais como: feminismo, racismo, homofobia, entre
outros temas relevantes para a formação social dos sujeitos. Enfim, essa
área pode contribuir para a valoração da vida, como defende Ostrower
(2014). Para ele, “ao exercer o seu potencial criador, trabalhando, criando
em todos os âmbitos do seu fazer, o homem configura a sua vida e lhe dá
um sentido” (OSTROWER, 2014, p. 166).
Acreditamos ser possível reconhecer o mundo em que se vive por
intermédio da Arte, pois entendemos que pode propiciar uma leitura
de mundo e, a partir da cultura do indivíduo, oportunizar a participa-
ção em sua comunidade. Nesse contexto de integração, de participação
comunitária, do se relacionar com o outro, o sujeito inicia seu processo
de humanização, mediatizado pela Arte e, nesta, o reconhecimento da
sua cultura como parte da sua formação integral, plena. Dessa forma,
começar a humanizar o homem, a mulher, visto que, por meio dela,
torna-se possível conscientizar os sujeitos, uma vez que “a arte se instala
em nosso mundo por meio do aparato cultural [...] com a noção de arte
da nossa cultura” (COLI, 2001, p. 77).
Peixoto (2001, p. 118) observa que
[...] o conhecer artístico é fruto de um fazer; o artista não
converte a arte em meio de conhecimento copiando uma
realidade, mas criando outra nova. A arte só é conheci-
mento na medida em que é criação. Tão somente assim
pode servir à verdade e descobrir aspectos essenciais da
realidade humana.
A arte narra a história do mundo, com ela se torna possível enten-
der e conhecer a sociedade, seu processo histórico, a descoberta de um
mundo, quase sempre alheio a nossos conhecimentos. Assim como o
ensino das outras disciplinas, o de Arte tem potencial de conduzir os
sujeitos aprendizes à percepção estética, por desenvolver a sensibilidade
bem como o pensamento crítico, à medida que contemplarem o processo
tácito de evolução dos movimentos culturais e artísticos.

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ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

Diferentemente dos PCN, a Base Nacional Curricular Comum


(BNCC) expande as possibilidades de experimentações com a Arte,
exortando que:
[...] as manifestações artísticas não podem ser reduzidas
às produções legitimadas pelas instituições culturais e
veiculadas pela mídia, tampouco a prática artística pode
ser vista como mera aquisição de códigos e técnicas. A
aprendizagem de Arte precisa alcançar a experiência e a
vivência artísticas como prática social, permitindo que os
alunos sejam protagonistas e criadores. A prática artística
possibilita o compartilhamento de saberes e de produções
entre os alunos por meio de exposições, saraus, espetáculos,
performances, concertos, recitais, intervenções e outras
apresentações e eventos artísticos e culturais, na escola
ou em outros locais. Os processos de criação precisam ser
compreendidos como tão relevantes quanto os eventuais
produtos (BRASIL, 2017, p. 2).
É inegável que os PCN levantaram uma relevante reflexão a respeito
da Arte, bem como foram responsáveis pelo reconhecimento de outras
linguagens, como, por exemplo, a música, a dança e o teatro, garantindo,
assim, a valorização de suas peculiaridades. Todavia, a BNCC, ainda que
apresente lacunas, preconiza propostas que ampliam o acesso dos edu-
candos a experiências estéticas nas aulas de Arte, de modo a possibilitar
às crianças e aos jovens se tornarem protagonistas ao expressarem sua
criatividade e seus sentimentos via processo artístico.
Diante disso, este trabalho se pauta na seguinte questão: “De que
maneira o ensino de Artes pode contribuir para a socialização dos edu-
candos?”. Levando em consideração esse questionamento, as perguntas
secundárias levantadas para a orientação deste trabalho foram: de uma
maneira geral, como tem sido trabalhado o ensino de Arte na escola
pesquisada? Essa abordagem possibilita que o educando desenvolva, para
sua formação, habilidades como a criatividade, a imaginação, a diversão
e o conhecimento sobre artistas e suas obras?
Realizamos um levantamento bibliográfico, com vistas a embasar
as discussões aqui apresentadas. Os principais termos usados na pesquisa
foram compreendidos a partir de autores como Coli (2001), Ferreira
(2001), Fusari e Ferraz (2001) e Peixoto, (2001), entre outros que debatem
a temática aqui proposta.
228
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E por falar em arte...


O termo Arte não é um conceito simples de ser definido. Se nos
debruçarmos sobre os cânones históricos, veremos que ele vem sendo
debatido há séculos por inúmeros filósofos, sem chegar a uma definição
única. Além disso, seu significado e sua aplicação foram se modificando
de acordo com o passar dos séculos.
Para Morris Weitz (1916-1981), filósofo estadunidense, “é falsa a
afirmação de que ‘arte’ pode submeter-se a uma definição real ou a qual-
quer tipo de definição verdadeira” (WEITZ, 2007, p. 62-63), haja vista que
os primeiros usos da palavra estão contidos em documentos datados do
século XIII. Todavia, suas muitas variantes hipoteticamente começaram
a ser utilizadas a partir da fundação de Roma, no século XXVII a.C.
A fim de facilitar a discussão, iremos nos valer do conceito de Adami
(2021, p. 1), que afirma:
A designação do termo Arte vem do latim Ars, que significa
habilidade. É definida como uma atividade que manifesta
a estética visual, desenvolvida por artistas que se baseiam
em suas próprias emoções. Geralmente a arte é um reflexo
da época e cultura vivida. A Arte existe desde os primeiros
indícios do desenvolvimento do homem, inicialmente
utilizada para suprir necessidades de sobrevivência, como
utensílios de cozinha e inscrições em cavernas. No Século V
a. C., era considerada técnica, do grego tékn, onde esculturas
e pinturas eram aprimoramentos técnicos.
De acordo com a assertiva acima, notamos que a Arte pode ser
entendida como uma alternativa que os seres humanos encontraram para
expressar suas emoções, ideias, histórias e cultura por meio de valores
estéticos, representados por distintas formas, a exemplo do cinema, do
teatro, da pintura, da dança, da música, da poesia, entre outras modali-
dades. Em suma, o conceito de Arte é amplo, logo não seríamos capazes
de esgotá-lo neste texto; destarte, valemo-nos dessas contribuições no
intuito de ilustrar a relevância desse campo para o contexto social,
[...] entendendo arte como produto do embate homem/
mundo, consideramos que ela é vida. Por meio dela o
homem interpreta sua própria natureza, construindo formas
ao mesmo tempo em que se descobre, inventa (BUORO,
1994, p. 25).

229
ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

Sobre Vitória da Conquista e o Projeto Escola Mais


Conforme anunciamos, este trabalho foi realizado no município
de Vitória da Conquista, no estado da Bahia, distante 518 quilômetros
da capital, Salvador. No que tange à rede municipal de ensino, existiam
44.987 alunos matriculados em 2021, segundo a Secretaria Municipal de
Educação (Semed), distribuídos em 160 unidades escolares, sendo 76 esco-
las na zona rural e 52 na urbana, e 32 creches, 23 sob a responsabilidade
direta dos municípios, denominadas de Centro Municipal de Educação
Infantil (Cmei) e 9 conveniadas, localizadas na zona urbana, e uma 1 na
zona rural. Essas instituições são atendidas por 1.785 professores, entre
contratados e efetivos (Secretaria Municipal de Saúde, SEMED, 2021).
Em relação aos níveis de ensino, a Semed atende ao Ensino Funda-
mental com os Ciclos de Aprendizagem, a Educação Infantil, bem como as
modalidades de Educação do Campo e Educação de Jovens e Adultos (EJA),
além de atentar para outras políticas educacionais de caráter nacional, a
exemplo da Educação Inclusiva, Programa Nacional do Transporte Escolar
(PNATE), do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), entre
outros. Nesse sentido, busca-se cumprir o que está disposto no Art. 18,
da Lei n.o 9394/1996: “Os sistemas municipais de ensino compreendem:
I - as instituições do ensino fundamental, médio e de educação infantil
mantidas pelo Poder Público municipal” (BRASIL, 1996, p. 7).
O governo municipal de Vitória da Conquista, em 2010, implantou
um projeto denominado Escola Mais, com vistas a garantir os 200 dias
letivos, conforme versa a LDBEN n.º 9.394/1996. Assim, o Escola Mais
se constituía uma estratégia para garantir aos docentes a realização das
Atividades Complementares (AC), espaço para destinado ao planejamento,
a avaliação, e formação continuada.
O Escola Mais, atualmente Educarte, é um projeto que aponta
algumas possibilidades de qualificação da escola pública conquistense, a
partir da introdução de diferentes linguagens artísticas, quais sejam: artes
visuais, dança, música, teatro, capoeira e xadrez (SEMED, 2010). Busca
ainda trabalhar na perspectiva da emancipação cultural para socializar o
acesso aos bens culturais da humanidade. Todas as modalidades ofereci-
das estão amparadas na legislação vigente e fundamentadas nos teóricos
que discutem a importância do lúdico na aprendizagem, a exemplo de
Vigotski (1991, p. 98), para quem “[...]o lúdico influencia enormemente
o desenvolvimento da criança.” Em consonância, Almeida (2006, p. 10)

230
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destaca que “o lúdico faz parte das atividades essenciais da dinâmica


humana, trabalhando com a cultura corporal, movimento e expressão”.
No mesmo diapasão, Kishimoto, (2010, p. 26) exorta que a Arte
[...] é um instrumento pedagógico muito significativo.
No contexto cultural e biológico é uma atividade livre,
alegre que engloba uma significação. É de grande valor
social, oferecendo inúmeras possibilidades educacionais,
pois favorece o desenvolvimento corporal, estimula a vida
psíquica e a inteligência, contribui para a adaptação ao
grupo, preparando a criança para viver em sociedade,
participando e questionando os pressupostos das relações
sociais tais como estão postos.

A arte é uma realização humana elaborada a partir da percepção, das


ideias e das emoções de cada artista para despertar o interesse em um ou
mais espectadores. Ademais, cada obra possui um significado diferente,
pois cada criador tem um olhar voltado para a realidade sob sua ótica de
mundo. Considerando isso, o trabalho com as Artes visuais pode auxiliar
na formação social do educando, em seu desenvolvimento, interferir na
percepção de ser, existir, se relacionar consigo e com o mundo. Nesta
perspectiva do desenvolvimento dos sujeitos aprendizes, Pereira (2005,
p. 20) afirma que favorece
[...] aos discentes evoluírem de maneira individual e coletiva,
aprendendo dessa forma, de maneira significativa possibi-
litando, ainda, que educadores e educando se descubram,
se integrem e encontrem novas formas de viver a educação.

A metodologia do projeto aqui descrito é desenvolvida em três eixos:


1) abordagem das linguagens artísticas nas classes do Ensino Fundamental
das escolas públicas municipais; 2) ações de cidadania nas comunidades
onde as escolas funcionam; 3) oficina de pais. Tais eixos são distribuídos
em três momentos de vivência, a saber:
Contação de histórias escolhidas de acordo com a faixa
etária e temática pertinente à ampliação do patrimônio
cultural do aluno e formação de valores; Abordagem teó-
rica de acordo com a programação temática; Abordagem
prática de acordo com uma programação proposta pelas
modalidades a serem trabalhadas no projeto (SEMED,
2010, p. 23).

231
ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

Acreditamos que o projeto Educarte pode colaborar de maneira


relevante para o desenvolvimento psicossocial, cultural e social dos sujeitos
por ele atendidos. Cremos, ainda, que as atividades apresentadas, além
de facultarem aos discentes o desenvolvimento da criatividade, podem
contribuir para que se tornem um ser crítico, atuante e pensante.

Função social e educativa da arte


Mello (2014) afirma que as atividades voltadas à expressão — como
o faz de conta, o desenho, a pintura e a dança — são consideradas, pela
maioria das escolas, como improdutivas; todavia, estudos comprovam
que elas são essenciais para a formação, a socialização e a construção
da identidade e da personalidade da criança. Para Frederico (2005), a
arte reflete a realidade, mas de um modo próprio. Com seus recursos,
ela apresenta uma reprodução fiel da realidade, mais rica do que aquela
vivida e sentida pelo homem imerso na vida cotidiana, uma vez que:
[...] a arte opera diretamente sobre o sujeito humano; o
reflexo da realidade objetiva, o reflexo dos homens sociais
em suas relações recíprocas, no seu intercâmbio social
com a natureza, é um elemento de mediação, ainda que
indispensável; é simplesmente um meio para provocar
este crescimento do sujeito (FREDERICO, 2005, p. 274).
Podemos perceber que a Arte pode contribuir para ajudar a criança
a se desenvolver livremente, estimular a criatividade e a expressão, desen-
volver o pensamento artístico, deixando o particular dar sentido às expe-
riências do exterior, ampliando a sensibilidade, a percepção, a reflexão e
a imaginação. Entretanto, em alguns espaços, as experiências artísticas
vivenciadas acontecem de forma totalmente descaracterizada. Diante
disso, defendemos a necessidade de despertar a criatividade dos educan-
dos, por meio das artes, uma vez que, em algumas escolas, a criatividade
tem sido “severamente inibida por obstáculos de natureza emocional e
social e por um sistema de ensino que tende a subestimar as capacidades
criativas do aluno e recozê-las abaixo do nível de suas reais possibilidades”
(ALENCAR; FLEITH, 2003, p. 20).
Compreendemos que o ensino de Arte não precisa ter como objetivo
a formação de artistas profissionais, como pintores, músicos, dançarinos
ou escultores, mas, deve buscar ampliar o conhecimento e a sensibilidade
dos educandos. Barbosa (1991, p. 32), declara, por exemplo, que
232
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[...] a matemática não tem como objetivo formar matemá-


tico, embora artistas, matemáticos e escritores devem ser
igualmente bem-vindos numa sociedade desenvolvida. O
que a arte na escola principalmente pretende é formar o
conhecedor, fruidor, decodificador da obra de arte.
Desse modo, o ensino de Arte deve estimular o aluno, a refletir
sobre si e sobre a sociedade, a partir das criações, das interpretações,
assim, descobrirão seu papel na sociedade, a explorarem o mundo e
apreendem a realidade que vivem. Esse movimento desvela e, ao mesmo
tempo, constrói suas concepções, ou seja, permite que os estudantes
abram um novo olhar para o exercício da cidadania. Para concretizar uma
produção, a criança precisará fazer escolhas, tomar decisões e iniciativas,
preocupar-se com o outro, no sentido de fazê-lo entender o que produz,
ser cuidadosa e atenta, agindo com delicadeza, ser paciente em relação
aos efeitos oferecidos pelos materiais.
O artigo 3º da Lei n.o 9394/1996 versa sobre alguns princípios, entre
eles: “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar a cultura, o
pensamento, a arte e o saber; pluralismo de ideias e de concepções peda-
gógicas” (BRASIL, 1996). Notamos na letra da lei, o intuito de garantir,
respeitar e valorizar as singularidades dos distintos sujeitos, bem como
garantir ao educando uma formação completa de conteúdos práticos em
sua existência.
Segundo Luzia de Maria (2002, p. 59), “o que a arte busca é justa-
mente preservar a integridade dos homens, prover cada ser do alimento
necessário para que se concretize nele o sentido de humano”. Nessa
perspectiva, o ensino de Artes na escola torna-se um recurso de apren-
dizagem valioso, pois, por meio dela, o educando toma conhecimento da
existência de uma produção social e observa que essa produção tem uma
história. Além disso, a Arte como instrumento mediador do ensino e da
aprendizagem pode colaborar para a formação do cidadão, na medida em
que faculta a igualdade de participação e compreensão sobre a produção
nacional e internacional de arte, fazendo com que os educandos tenham
uma participação maior na sociedade na qual estão inseridos.

Sobre os dados, sobre o que vimos e ouvimos


No que tange aos aspectos metodológicos, fazemos uso da pesquisa
qualitativa, compreendendo-a a partir da concepção de Lüdke e André

233
ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

(1986, p. 1), que explicitam que é preciso promover o confronto entre os


dados, as evidências, as informações coletadas sobre determinado assunto e
o conhecimento teórico acumulado a respeito dele. Por termos trabalhado
a partir da sensibilidade dos sujeitos, de suas reflexões e interpretações,
optamos pela abordagem descrita, considerando que
[...] a abordagem qualitativa, enquanto exercício de pes-
quisa, não se apresenta como uma proposta rigidamente
estruturada, ela permite que a imaginação e a criatividade
levem os investigadores a propor trabalhos que explorem
novos enfoques (GODOY, 2015, p. 4).
Ainda sobre o assunto, Minayo (2015, p. 53) descreve que o referido
tipo de investigação se configura como o “estudo de história, das relações,
das representações, das crenças, das percepções e das opiniões, produ-
ções das interpretações que humanos fazem a respeito de como vivem,
constroem seus artefatos e a si mesmos, sentem e pensam”.
Concluímos, pelas descrições acima, que a pesquisa qualitativa se
pauta nos aspectos subjetivos do comportamento humano. Seu objeto
são os fenômenos que acontecem em determinada cultura, tempo e
local, tempo e cultura, bem como as crenças, os símbolos, os valores e as
relações humanas de um grupo social, justificando, assim, sua utilização
em nossa proposta de inquirição.
A primeira parte da pesquisa consistiu na observação, que, de acordo
com Lüdke e André (1986, p. 26), é “usada como principal método de
investigação ou associada a outras técnicas de coleta [...] e possibilita um
contato pessoal e estreito do pesquisador com o fenômeno pesquisado, o
que apresenta uma série de vantagens”. De acordo com Moura, Ferreira
e Paine (1998), ela pode ser entendida como uma técnica, que permite
colher registro e impressões a respeito de um fenômeno previamente
contemplado, por meio de contato direto com os sujeitos da pesquisa ou
mesmo de instrumentos que facultem o processo de observação. Dessa
forma, ela deve ser entendida como algo além das faculdades de ver ou
unicamente registrar; deve ser compreendida como a percepção de uma
situação e a recolha do máximo de abstrações de determinado fato ou
mesmo de respostas dos sujeitos inqueridos.
Lüdke e André (1986, p. 25) ressaltam ainda que,
[...] para que se torne um instrumento válido e fidedigno
de investigação científica, a observação precisa ser antes de

234
MOV I M E N TO S S O C IA I S E R E SI ST Ê NC IA

tudo controlada e sistemática. Isso implica a existência de


um planejamento cuidadoso do trabalho e uma preparação
rigorosa do observador.
Diante disso, percebemos a importância de sabermos, enquanto
pesquisadores, “o quê” observaremos e “como” o faremos para atingir
nossos objetivos no trabalho desenvolvido em campo para que aconteça
“um contato pessoal estreito do pesquisador com o fenômeno pesquisado”
(LÜDKE; ANDRÉ, 1986, p. 26).
Sob essa perspectiva, durante o processo de observação, notamos
que a maioria dos educandos estava desinteressada pelas atividades pro-
postas. Quando os questionamos sobre o motivo, responderam:
“Eu tenho preguiça de ficar pintando a mesma coisa todo
dia, devia ater coisa mais legal” (CÂNDIDO PORTINARI);

“Não gosto de Artes”, as outras matérias são mais impor-


tantes (TARSILA DO AMARAL);

“Por que só dá desenho mimeografado pra gente. É assim


que a professora faz” (ANITA MALFATI);

“A gente só faz desenho de vez em quando, o resto é cortar


e colar papel na folha de caderno” (LASAR SEGALL)58.
Os nomes utilizados são fictícios para preservar a identidade dos
sujeitos. As respostas obtidas nos conduziram a perceber que os trabalhos
desenvolvidos não despertavam o interesse nos sujeitos observados.
Ao nos debruçarmos sobre algumas pesquisas — entre elas a de
Buoro (1994), a de Coragem (1989), a de Rebouças (1995), os Anais de
evento da Universidade Cruzeiro do Sul (1995), a de Camillis (1997) e a
de Franco (1998) —, constatamos que a desvalorização da disciplina de
Arte ainda é marcante, mesmo que sua obrigatoriedade date, no Brasil,
de 1971, sendo promulgada pela LDB, via Lei n.º 5.692, de 11 de agosto
de 1971 (BRASIL, 1971). Almeida (2006), assim como outros autores
aqui mencionados, atribui esse descaso à falta de clareza na formação
inicial de muitos professores, o que tem influenciado de forma negativa
a qualidade dos trabalhos desenvolvidos com a disciplina. Coadunamos
com os pesquisadores acima referendados, pois acreditamos que essa
fragilidade dificulta, tanto para os educadores como para os educandos,
o entendimento de que
58
Visando manter o sigilo do nome dos entrevistados, utilizamos nomes de artistas plásticos brasileiros.

235
ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

[...] aprender arte envolve não apenas uma atividade de


produção artística pelos alunos, mas também a conquista
da significação do que fazem, pelo desenvolvimento da
percepção estética, alimentada pelo contato com o fenô-
meno artístico visto como objeto de cultura através da
história e como conjunto organizado de relações formais
[...]. Ao fazer e conhecer arte o aluno percorre trajetos de
aprendizagem que propiciam conhecimentos específicos
sobre sua relação com o mundo (BRASIL, 1997, p. 44).
Para a professora Roberta Puccetti, pesquisadora e diretora da
faculdade de Artes da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de Cam-
pinas, em entrevista no Portal Aprendiz, esse processo de depreciação do
ensino de Arte deve-se ao fato de não ter uma regulamentação específica
descrita na LDBEN n.º 9.394/1996. Enfatiza a professora: “não há na lei
uma determinação específica que diz como e quando essas aulas devem
ser ministradas, [...] cada estado lida com o ensino de artes como acha
melhor” (PORTAL APRENDIZ, 2005, p. 1). Ainda segundo Puccetti,
essa situação faz com que muitas escolas não tenham profissionais habi-
litados para ministrar as aulas de Arte; e, “como não tem um professor
de arte, a escola acaba nomeando um professor de outra disciplina para
substitui-lo, o que mostra a falta de preocupação com as aulas de arte”
(PORTAL APRENDIZ, 2005, p. 1).
À medida que a Arte for reconhecida como um ramo relevante do
conhecimento, ela possibilitará aos profissionais que atuam nessa disciplina
criar um ambiente propício para debater as pluralidades que permeiam o
espaço escolar, exercitar a autoexpressão, enfim explorar um universo de
experiências perceptivas que poderão transformar a escola em um espaço
produtor de conhecimento significativo para o público por ela atendido.
Como consequência, a escola torna-se um espaço vivo, diferente, produtor
de novos conhecimentos, portanto, faz se necessário que os professores
saibam que não é qualquer método de ensino de Artes que corresponde
ao objetivo de desenvolver a criatividade, da mesma maneira que é preciso
localizar as artes do aluno no complexo mais totalizante da criatividade
geral do indivíduo, como alerta Barbosa (2013).
Morin (2015, p. 39) exorta que
[...] a educação deve favorecer a aptidão natural da mente
em formular e resolver problemas essenciais e, de forma
correlata, estimular o uso total da inteligência geral. Este

236
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uso total pede o livre exercício da curiosidade, a facul-


dade mais expandida e a mais viva durante a infância e
a adolescência, que com frequência a instrução extingue
e que, ao contrário, se trata de estimular ou, caso esteja
adormecida, de despertar.
Partindo da premissa de que o desenvolvimento intelectual, psi-
cológico e social de um sujeito perpassa por um processo paulatino, que
lhe permite evoluir de uma maneira individual e/ou coletiva, trabalhar
com a Arte na educação escolar torna-se imprescindível. O sucesso dessa
atividade ou mesmo de outros ramos do conhecimento formal depende
não só da formação inicial do educador, mas também do investimento
em recursos necessários, bem como de um espaço adequado para sua
realização.

Algumas ponderações
Não podemos ignorar que nas últimas décadas, a situação do ensino
de Arte vem passando por mudanças significativas, sobretudo quando
foi inserida como obrigatória no currículo escolar. Mas como pudemos
constatar, muito ainda se tem por fazer para que ela tenha a devida valo-
rização e reconhecimento como um ramo do conhecimento importante
de ser trabalhado em sala de aula.
Partimos do princípio de que conhecimento nos faculta, além de
desvelar o mundo a nosso redor, iterarmo-nos a respeito de nossa história.
E a Arte acompanha o homem em todo seu percurso histórico, podendo
tornar-se um forte contributo nesse processo, inclusive quando associada
a outras disciplinas, como matemática, história, português, entre outras
que compõem o currículo.
Entendemos que é de suma importância que as crianças tenham
acesso a obras de arte, de origem global ou regional, bem como a sua con-
textualização histórica e a sua influência para o momento presente. Com
esses dados, a partir da realidade do educando, é possível promover um
diálogo sobre o artista, a relação que ele tem com espaço a seu redor e o
modo como sua obra pode influenciar o público que a contempla, valori-
zando a capacidade que ela tem de comunicar, ainda que não use palavras.
Sabemos que o fazer plástico ou a atividade artística, como a pin-
tura a dramatização, a música, a modelagem e a dança, ou qualquer outra
manifestação que se vale de elementos considerados sensíveis, expressam

237
ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

a subjetividade do sujeito criador. Assim, é possível construir um per-


curso dialógico que proporcione um diálogo respeitoso entre educador
e educando e contribua para o processo de emancipação deste último
bem como para a construção de sua autonomia
Acreditamos que os tópicos acima apresentados, no que tange a
sua importância do ensino de Arte, elucidaram de que forma essa área
pode contribuir para a percepção de mundo dos educandos. Para tanto,
seu papel deve ir além da distração ou mesmo do foco apenas no racio-
cínio e na inteligência, mas sim deve visar ao desenvolvimento afetivo
e emocional, garantindo ao sujeito aprendiz a chance de descobrir seu
potencial de criação.
Por fim, somos educadores que atuam na Arte-Educação. Temos,
portanto, um desafio: fazer Arte no dia a dia da escola, sem perder de
vista o vínculo dialético entre processos emocionais, sensíveis e sociais, o
ensino da supracitada disciplina e seus movimentos cognitivos sensíveis.

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240
MOV I M E N TO S S O C IA I S E R E SI ST Ê NC IA

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Vitória da Conquista/BA, 2017.
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241
MOVIMENTOS SOCIAIS POPULARES
URBANOS NO BRASIL: LUTAS, CONQUISTAS E
CONTRIBUIÇÕES

Rosimeiry Souza Santana59


Rosilda Costa Fernandes60
Ricardo Alexandre Castro61

Introdução
Entre as décadas de 1970 a 1990, os movimentos sociais populares,
tiveram significativas contribuições para a história das lutas urbanas no
Brasil. Uma história que se consolidou por intermédio da representati-
vidade de lideranças comunitárias forjadas na prática da convivência em
suas comunidades periféricas, em situação de vulnerabilidade econômica
e social, nos grandes centros urbanos.
Nessas circunstâncias, inferimos, que foram essas lideranças que
elaboraram estratégias e ações no âmbito das mobilizações e reivindica-
ções pela redemocratização do país, no período que marcou a transição
do regime da ditadura militar, (sob o domínio das Forças Armadas, que

59
Mestranda do Programa de Pós-graduação em Educação-PPGED, pela Universidade Estadual do Sudoeste
da Bahia. Uesb. Bacharelado em Psicologia, pela Faculdade Juvêncio Terra. Especialização em Educação e
Diversidade Étnico Cultural, pela Uesb). Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisas em Movimentos
Sociais, Diversidade, Educação do Campo e da Cidade - GEPEMDECC/Uesb. Pesquisadora do Grupo de
Estudos e Pesquisa em Educação do Campo - GEPEC/Uesb. Integrante da Rede Latino-americana de Pesquisa
em Educação do Campo, Cidade e Movimentos Sociais - RedePECC-MS Correio eletrônico: rosysantana007@
hotmail.com.
60
Mestra em Educação, pela UESB. Licenciada em Ciências Exatas com Habilitação em Matemática pela Uesb.
Professora do Ensino Fundamental na rede Municipal de Vitória da Conquista-Bahia. Atualmente, professora
do Ensino Médio na Rede Estadual do estado da Bahia. Membro do Grupo de Estudos Movimentos Sociais,
Diversidade Cultural e Educação (GEPEMDEC/Uesb). Pesquisadora do Grupo de Estudos e Pesquisa em
Educação do Campo (GEPEC/Uesb). Correio eletrônico: fernandesrosilda@bol.com.br.
61
Mestrando do Programa de Pós-graduação em Educação-PPGED, pela Universidade Estadual do Sudoeste
da Bahia. Uesb Licenciado em Biologia pela Universidade do Vale do Sapucaí - Univás. Membro do Grupo de
Estudos e Pesquisa em Movimentos Sociais, Diversidade, Educação do Campo e da Cidade - GEPEMDECC/
uesb. Integrante da Rede Latino-americana de Pesquisa em Educação do Campo, Cidade e Movimentos
Sociais - RedePECC-MS. Correio eletrônico: ricardoacastro@me.com.

243
ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

controlava o Estado, impondo uma política ostensiva por meio de conflitos


políticos e ideológico), para um Estado democrático de direito.
Para Codato (2005), essa transição, que perpassa do período da
ditadura militar, para um regime democrático liberal, teve como finalidade
“estabelecer inferências causais entre o conteúdo, o método, as razões e o
sentido da mudança política a partir de 1974” (p. 84), bem como garantir
um regime democrático para tempos futuros.
Dessa forma compreendemos que a implementação desse regime
democrático se conformou a partir da instituição de direitos, direcio-
nados a distribuição dos recursos públicos, consolidado legitimamente
pela Constituição Federal Brasileira de 1988. E assim, apreendemos que
os movimentos sociais urbanos62, também estiveram presente no prota-
gonismo dessa história.
Na atualidade, esses movimentos sociais urbanos, em seus diversos
cenários de elaboração de estratégias e articulações nos enfretamentos
às questões sociais, avançaram em suas pautas de reivindicações, tanto
no campo das questões de infraestrutura no contexto da urbanização,
quando no acompanhamento e monitoramento do Estado por meio do
controle social63, configurados pelos conselhos.
Nesse contexto, esse trabalho tem entre suas finalidades apresen-
tar uma breve discussão sobre as contribuições das Frentes populares
urbanas, na luta pela redemocratização do Brasil, tal como na luta por
garantias de direitos. Movimentos sociais populares, que se constituíram
nas reivindicações de pautas históricas, direcionados as políticas públicas
de habitação, configurado por moradia digna na cidade, entre outras
políticas como trabalho, saúde, educação, transporte, assistência social
e segurança etc. (BRASIL 1988).
O trabalho foi fundamentado na perspectiva do Materialismo
Histórico-Dialético−MHD, por compreender que esses pressupostos
62
“Os movimentos sociais urbanos podem ser entendidos hoje como um fato diferenciador da sociedade
capitalista atual, tendo como característica essencial um questionamento da ação estatal na distribuição
de benfeitorias urbanas e dos equipamentos de consumo coletivo. Se por um lado assumem um caráter
econômico, incidindo sobre a qualidade de vida urbana, por outro lado assumem um caráter basicamente
político, configurando-se enquanto eixos significativos para se compreender de uma nova forma a dinâmica
da realidade urbana a partir das suas contradições” (JACOBI, 1987, p. 2).
63
Existem vários conceitos para o termo Controle Social, mas nesse trabalho, compreendemos como Con-
trole Social, o ato da participação da sociedade organizada na gestão da administração pública, ou seja, a
possibilidade de a população acompanhar e monitorar as políticas do Estado “para a garantia da soberania
popular” (CORREIA, 2009, online).

244
MOV I M E N TO S S O C IA I S E R E SI ST Ê NC IA

metodológicos, permitem a interpretação da realidade social em seus


aspectos contextualizados, sobre o viés das contradições da sociedade
pautada no sistema de produção capitalista e na luta da classe trabalha-
dora (MARX, 2008).
Nessas perspectivas, nas primeiras considerações desse artigo,
apresentaremos um breve histórico sobre a luta dos movimentos sociais
populares no Brasil. Em seguida, abordaremos as principais Frentes de
Lutas Urbanas Populares, com representação no Conselho Federal das
Cidades, autarquia do Ministério das Cidades, pasta destituída pelo
governo Bolsonaro. Por fim, apontaremos contribuições e conquistas
das organizações sociais e mobilizações urbanas no contexto das lutas
comunitárias no país.

Movimentos Sociais Populares Urbanos:


historicidade em sistematização
Em 1978, José Álvaro Moisés defende, na Universidade de São
Paulo (Usp) sua tese intitulada Classes populares e protesto urbano, que
possuía como palavras-chave: Movimentos Sociais; Participação; Pro-
testo Urbano; Democracia; Direitos Políticos; Comportamento Político.
A tese é o resultado da investigação realizada pelo pesquisador, sobre os
movimentos de massas, seus efeitos sociais e políticos na sociedade da
época. De acordo Gohn (1985), o pesquisador foi pioneiro ao apresentar
à sociedade brasileira um dos primeiros trabalhos sobre movimentos
sociais urbanos produzido no Brasil.
Para Jacobi, (1987), as primeiras mobilizações sociais urbanas no
país, ganharam força no período pós Ditadura Militar64, quando os movi-
mentos sociais se organizaram com mais intensidade para os enfrentamen-
tos direcionados às questões sociais urbanas, devido à ausência de políticas
públicas habitacionais, aglomerações e desordenamentos em comunidades
periféricas, carência de regularização fundiária, falta de infraestrutura,
a exemplo de pavimentação, saneamento básico, entre outros serviços
públicos, para a população consolidada pela classe trabalhadora.
64
Período compreendido entre 1964 e 1985 como Estado Militar, Estado Civil-Militar, Ditadura Militar,
Ditadura Civil-Militar, Regime Militar, Regime Civil-Militar, Ditadura Militar, Ditadura Empresarial Militar
dependendo da visão política e acadêmica adotada quanto a esse objeto de estudo, excluindo o termo revo-
lução, como alcunharam os militares e os manuais escolares instruídos para oficializar e justificar a violência
política estabelecida em nome da nação (PADRE, 2019, p. 18).

245
ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

Em 1970, intensifica-se a organização da classe trabalhadora no país


em oposição à exploração do trabalhador. Conforme Santos (2013, p. 36):
[...] os primeiros movimentos foram movimentos de ope-
rários, lutando por melhoria de condições de trabalho e
salário, sendo, portanto, considerados tradicionais, porque
não se organizava de forma independente. Estavam sem-
pre ligados a um partido, submetendo-se à subordinação
e autoritarismo dessa instituição burocrática, política e
ideológica, para fortalece se como movimentos de massa.
Devido à nova conjuntura global que começa a despontar
da década de 1970 do século XX, os movimentos sociais
no Brasil também mudaram a sua dinâmica, e começou a
aparecer um tipo de movimento inovador que se passou
a incluir nas suas bandeiras de luta as questões sociais,
políticas, econômicas, e culturais, organizando enquanto
grupo com interesse específico, não demandando mais a
ajuda dos partidos e sindicatos.
A efervescência produzida pelo processo de redemocratização do
país, trazia à superfície as reivindicações da classe de trabalhadora, tal
qual de outras organizações e coletivos que daí se originaram conforme
suas especificidades e interesses. Nesse sentido, os movimentos formados
por partidos políticos de esquerda, articulavam-se de forma a envolver
diversos setores da sociedade civil65 em posicionamento de resistência
contra a ditadura. De acordo Gohn (2011a, p. 342), “inegável é que os
movimentos sociais dos anos 1970/1980, no Brasil, contribuíram deci-
sivamente, via demandas e pressões organizadas, para a conquista de
vários direitos sociais, que foram inscritos em leis na nova Constituição
Federal de 1988”.
Nesse panorama, compreendemos que esses movimentos sociais
com bandeira de esquerda66, em tempos de ditaduras, atuavam na clan-
destinidade com a finalidade de criar estratégias de enfrentamentos ao
Estado, promover a organização política e a formação de lideranças. No
entanto, historicamente, houve a necessidade de os movimentos sociais
lutarem para além dos posicionamentos de resistência, ou seja, entre suas
65
Sociedade civil (Estado ético) no ideológico gramsciano: “organizações responsáveis pela elaboração
e/ou difusão das ideologias, compreendendo as escolas, as igrejas, os partidos políticos, os sindicatos, as
organizações profissionais, os meios de comunicação etc. (VIOLIN, 2006, p. 5).
66
Enquanto a burguesia faz uso da ideologia do liberalismo, os Movimentos sociais e partidos políticos
de esquerda utiliza de uma ideologia em oposição aos sistemas capitalista enquanto modo de produção que
explora o trabalho humano e a natureza (BRESSER-PEREIRA, 2005).

246
MOV I M E N TO S S O C IA I S E R E SI ST Ê NC IA

finalidades estavam o processo de abrir espaços em suas intervenções para


as demandas específicas, acerca das reivindicações por políticas públicas
sociais direcionadas às maiores necessidades da população, principalmente
posterior as décadas de 1970, recorte temporal do estudo em questão.
No Brasil e em vários outros países da América Latina,
no fim da década de 1970 e parte dos anos 1980, ficaram
famosos os movimentos sociais populares articulados por
grupos de oposição aos regimes militares, especialmente
pelos movimentos de base cristãos, sob a inspiração da
teologia da libertação. No fim dos anos 1980 e ao longo
dos anos 1990, o cenário sociopolítico transformou-se de
maneira radical. (GOHN, 2011a, p. 342).

Movimentos sociais populares urbanos no Brasil:


contexto da luta por direitos
Diante do exposto, destacaremos dois elementos os quais compreen-
demos como fundamentais no auxílio para nossa discussão. O primeiro
está direcionado ao contexto de abrangência de luta dos movimentos
sociais para além do território nacional. O segundo, gira em torno do
posicionamento ideológico de esquerda desses movimentos sociais que
se contrapõe ao Estado, quando essa estrutura de toda maneira coordena
a vida da sociedade por meio do mercado. Para Bresser-Pereira (2005,
p. 27), “a esquerda se caracteriza por atribuir ao Estado papel ativo na
redução da injustiça social ou da desigualdade, enquanto a direita, perce-
bendo que o Estado, ao se democratizar, foi saindo do controle, defende
um papel do Estado mínimo”, configurado pela desconstituição e/ou a
não efetivação de direito constituídos. Inferimos que dessa mesma dinâ-
mica se configuraram as ações dos movimentos sociais, em suas lutas e
enfretamentos (FERNANDES, 2021).
De acordo Oliveira (1999), os primeiros movimentos sociais urba-
nos no Brasil surgem na década de 1970, como uma forma possível de
resistência, inclusive ao regime militar. Eram formados de coletivos repre-
sentados por diversos segmentos e militantes, com os mesmos interesses
sociais. Entre os movimentos sociais com ações nesse período destacamos
os movimentos populares, com pautas habitacionais e de regulamentação
das ocupações, entre outras questões urbanas, a exemplo do denominado
Direito à cidade.
247
ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

Partindo do princípio de que a cidade pertence a todos os seus


habitantes, a primeira dimensão do Direito à cidade se refere
à possibilidade de permanência em seus espaços, ou seja, a
possibilidade de garantir para si uma “parcela de cidade”. Essa
dimensão avalizadora não está dissociada da cidadania. Vale
destacar que o sujeito, antes de se voltar para a vida política
de sua cidade, precisa ter acesso às bases de sua sobrevivên-
cia: uma casa, um emprego, condições adequadas de saúde,
educação etc. (CARVALHO; RODRIGUES, 2016, p. 48).
Os autores apontam alguns elementos que merecem destaque, o
primeiro está direcionado ao Direito à cidade. O segundo trata dos aspec-
tos da permanência e sobrevivência nessa cidade. No pensamento desses
autores, morar na cidade não se resume apenas ao fato de ter um teto, ou
seja, habitar nos espaços urbanos, é preciso pertencer à cidade ter acesso
aos serviços público, implementados pelo conjunto de políticas públicas
pautadas no Capítulo II, artigo 6º da Constituição Federal Brasileira,
que trata dos direitos sociais, a fim de proporcionar condições de vida
digna à população. Nessa perspectiva, inferimos que para sobreviver no
contexto do urbano, necessita-se que estejamos associados à estrutura
política, econômica e social desses espaços.
Sendo assim, compreendemos que as frentes de luta urbanas e
populares adentram nessa pasta, com pauta de reivindicações por direitos
sociais, de modo que esses direitos fossem implementados para além da
legislação, mas efetivados sob responsabilidade do Estado.

Os Movimentos sociais populares urbanos:


contribuições e conquistas
As décadas entre os anos 1970 e 1980 foram marcadas pelas ações
dos movimentos sociais. A atuação desses movimentos populares teve
grandes repercussões do ponto de vista das lutas, conquistas e da garantia
de direitos e efetivação das políticas públicas implantadas no país. Por
conta da concentração de serviços oferecidos pelo mercado de trabalho nos
grandes centros urbanos, a cidade crescia desordenadamente. Entretanto,
a população configurada pela classe operária, além de emprego, precisava
de acesso aos serviços básicos para sobrevivência, a exemplo de moradia
digna, saneamento básico, saúde, educação, transporte, segurança e lazer.
Para Santini (2015, p. 32),

248
MOV I M E N TO S S O C IA I S E R E SI ST Ê NC IA

O avanço da participação popular nas ruas e nas praças


teve um papel fundamental na perspectiva da construção
do poder popular. Inicialmente com as manifestações estu-
dantis, passando pela mobilização popular em busca da
conquista de direito e transformação social efetiva.
De acordo com o autor, os movimentos sociais se constituíram
como uma instituição de poder, ou seja, as ações populares tiveram grande
repercussão no desenvolvimento de espaços coletivos, organizados e
não institucionalizados, bem como nas conquistas por direitos em todo
país. Por isso, a importância de enfatizar que os movimentos sociais são
instituições fundamentais no cenário da luta de classes, sobretudo em
função do antagonismo entre a burguesia, então detentora dos meios de
produção, e o proletariado, isto é, a classe trabalhadora (MARX, 2008).
Segundo Konder (2012, p. 31), a única maneira de superar a divi-
são da sociedade em classes é pela luta de classes. Nessa perspectiva, a
dinâmica que permeia as ações coletivas populares foi originada dessas
lutas de classe no contexto marxista, sobretudo em relação à contradição
entre capital e trabalho.
Entendemos por questão social o conjunto das expressões
das desigualdades econômicas que são conformadas pela
produção coletiva da riqueza - gerada pelos trabalhadores,
destituídos dos meios de produção - e pela sua apropriação
privada pelos proprietários dos meios de produção. Ques-
tão social expressa, assim, a configuração da sociedade de
classes. (DURIGUETTO, 2013, p. 11).
A autora evidencia que a desigualdade social, nesse caso com enfoque
na desigualdade habitacional, é consequência das adversidades dos meios
de produções que implicou no crescimento desordenado dos centros
urbanos, em consequência do processo de industrialização, em que, mais
uma vez o capitalismo adentra no cenário da falta de planejamento do
Estado no que tange ao processo de urbanização do Brasil. Contudo, os
Movimento pela Reforma Urbana caminhavam, pressionando o Estado
a fazer valer a Constituição e elaborar estratégias e alternativas para con-
solidar políticas habitacionais e de infraestrutura urbana no país.
De acordo Maricato (2016), os movimentos sociais populares se
articulavam e ainda se articulam de forma tão organizada que a reper-
cussão de suas ações teve como desdobramentos a luta pela Reforma
Urbana no Estado brasileiro. As propostas em torno das discussões para

249
ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

a Reforma Urbana no país se iniciam a partir do Seminário de Habitação


e Reforma Urbana, ocorrido em 1963, quando se despertam as preo-
cupações direcionas ao desordenamento dos grandes centros urbanas
(BONDUKI, 2017, p. 22).
Outro aspecto ressaltado por Maricato (2016, p. 35) foi que o “movi-
mento pela Reforma Urbana avançou conquistando importantes marcos
institucional”. Ao acessar legislação que consolida as políticas públicas
urbanas no Brasil, é possível traçarmos uma linha do tempo, ao destacar
primeiro “um conjunto de leis [...] a partir da Constituição Federal de
1988, da Lei 10.257/2001 que instituiu o Estatutos das Cidades” até o
espaço de diálogo entre o Estado e a sociedade civil por intermédio dos
Conselho Nacional e os Conselhos Estaduais das Cidades, bem como as
Conferências das Cidades “consolidação de espaços dirigidos à participa-
ção direta das lideranças sindicais, profissionais, acadêmicas e populares
como as Conferências Nacionais das Cidades” (MARICATO, 2016, p. 35).
O Quadro 1 apresenta um demonstrativo referentes a algumas
conquistas, resultado das mobilizações urbanas no Brasil, consolidadas
em função de legislação, entre outros espaços de ações e estratégias para
elaboração e efetivação de políticas públicas no Brasil.

Quadro 1− Implementação de pasta e de políticas públicas


Resultados das lutas dos movimentos populares urbanos
Ano Conquistas
1979 Conselho Nacional de Desenvolvimento Urbano
1988 Constituição Federal, Capítulo II art. 6º dos Direito Sociais
2001 Lei 10257 10 de julho 2001 que cria Estatuto das Cidades
2003 Ministério das Cidades
2003 Conferência Nacional das Cidades
2003 Secretaria Nacional de Habitação
2003 Secretaria de Mobilidade Urbana e Saneamento Ambiental
2004 Conselho Nacional das Cidades

Fonte: a autora, 2021

250
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O Estatuto das Cidades tem entre seus objetivos estabelecer diretri-


zes para as políticas urbanas, conforme previsto na Constituição Federal,
segundo a qual, “A política de desenvolvimento urbano, executada pelo
Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei, tem
por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da
cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes” (BRASIL, 1988, online).
Nessa conjuntura, observa-se que entre 2001 e 2004 há uma sucessão
de ações governamentais que possibilitaram a consolidação das políticas
públicas urbanas no Brasil. O Estatutos das Cidades é instituído em 2001,
já em janeiro de 2003 é criado o Ministério das Cidades respaldado por
meio da Medida Provisória n.º 103/2003, convertida na Lei n.º 10.683
de 28 de maio de 2003, cujo objetivo era preencher um vazio de mais de
30 anos em relação à ausência de política urbana que pudesse atender as
reivindicações históricas dos movimentos sociais populares municipais que
demandavam por uma reforma urbana em todas as cidades do território
brasileiro (MCIDADES, 2006). Em 2004, é assinado o Decreto n.º 5.031
de 200467 que instituiu o Conselhos Nacional das Cidades, (ConCidades)
e as Conferências das Cidades que, segundo regimento, deveria ser ins-
tituído em todos os estados e municípios da federação.
O ConCidades é um órgão colegiado de caráter consultivo
e deliberativo, integrante da estrutura básica do MCidades.
O conselho foi criado em 2004, em convergência com um
importante instrumento de gestão democrática da Política
Nacional de Desenvolvimento Urbano (PNDU), ainda em
processo de construção. (IPEA, 2012, online).
Nesse cenário, apresentaremos composição geral do ConCidades,
com destaque para os movimentos sociais populares, por conta no objeto
em estudo. O Conselho Nacional das Cidades possui 86 integrantes, que
contemplam desde os poderes públicos em todos os entes federados,
como representação da sociedade civil organizada por movimentos
sociais, trabalhadores, empresários, pesquisadores e Organizações não
governamentais. No que diz respeitos aos movimentos sociais populares,
os critérios para integração no ConCidades parte da participação dessas
representações na condição de delegado68 ou delegada da Conferência
das Cidades e ser votado no momento oportuno dentro da Conferência.
67
Faz -se necessário salientar que o Decreto n.º 5.031 de 2004, que dispõe da estrutura, competência e com-
posição e funcionamento do Conselho das cidades, foi revogado e editado sem alteração em seus objetivos
e finalidades, passando a vigorar o Decreto nº 5.790, de 25 de maio de 2006.
68
Sujeito eleito ou eleita pela organização a qual está vinculada, para representá-la no espaço da Conferência.

251
ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

A tabela 1 traça um demonstrativo das intuições por segmento de


representação que compõem o Conselho Nacional das Cidades.

Tabela 1 – Demonstrativo das intuições por segmento de representação no Conselho


Nacional das Cidades
Integrantes por representatividade Número
Representantes poder público federal 16
Representantes poder estadual ou distrital 11
Representantes do poder público municipal 12
Representação de movimentos populares 23
Representantes de entidades empresárias 08
Representantes de entidades de trabalhadores 08
Profissionais da acadêmicos e de pesquisa 06
Organização não governamental 04
Total 86
Fonte: adaptado com base no Relatório do IPEA, 2012

Em pesquisa documental, constatamos que na composição do


ConCidades existem apenas 4 instituições que representam os movimen-
tos sociais populares urbanos. Ao pesquisar a história dessas entidades,
verificamos que essas organizações tiveram origem na década de 1980
e têm entre seus objetivos, criar estratégias de diálogo entre o Estado e
os movimentos sociais que lutam por moradia, regularização fundiária
das ocupações, programa habitacionais, bem como melhores condições
de moradia, infraestrutura e serviços básicos para a classe trabalhadora.
A composição dos conselhos poderá contemplar a repre-
sentação de todos os segmentos sociais existentes ou os
segmentos designados no ConCidades, eleitos na Con-
ferência Nacional das Cidades, tais como: Poder Público
Estadual ou Poder Público Municipal, Entidades dos Movi-
mentos Populares, Entidades Empresariais, Entidades dos
Trabalhadores, Entidades Profissionais, Acadêmicas e de
Pesquisa e Organizações não Governamentais. (MCIDA-
DES, 2006, p. 18).
Outra informação importante diz respeito aos critérios de inclusão
desses movimentos populares no ConCidades. De acordo MCidades

252
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(2016), o critério de seleção da participação dessas entidades na Confe-


rência Nacional das Cidades, espaço onde se elege os representantes do
ConCidades, está ancorado nas circunstâncias de que só poderia concorrer
às vagas dos movimentos sociais populares, as organizações que, além de
sua representatividade em nível municipal e estadual, tivessem também
representatividade em nível nacional. Nessa perspectiva, o ConCidades
nacional possui um total de 86 Conselheiros e Conselheiras, sendo que,
desse quantitativo, 23 são integrantes dos movimentos sociais populares,
distribuídos entre as seguintes instituições: 1) Central dos Movimentos
dos Populares (CMP); 2) Confederação Nacional das Associações de
Moradores (CONAM); 3) Movimento Nacional de Luta por Moradia
(MLNM); e 4) União Nacional por Moradia Popular (UNMP).

Quadro 2 — Apresenta um resumo sobre a origem dos movimentos urbanos com


cadeira no ConCidades
Instituição Origem
CMP A Central dos Movimentos Populares — CMP “Tem origem no final dos
anos 70, mas ganha repercussão, em 1979, com a origem a Articulação
Nacional de Movimentos Populares e Sindicais (ANAMPOS). Atualmente
se articula para o desafio histórico de fortalecer a participação popular
na luta pela efetivação dos direitos” (CMP, 2021, on-line).
CONAM A Confederação Nacional de Associações de Moradores — CONAM,
tem origem em “1982, presente no movimento nacional popular e comu-
nitário, tem como seu papel organizar as federações estaduais, uniões
municipais e associações comunitárias, entidades de bairro e similares”
(CONAM, 2021, on-line).
MNLM Movimento Nacional de Luta por Moradia — MNLM “Presente em 17
estados do país o MNLM nasce nos anos 80 em um momento de grandes
ocupações de áreas e conjuntos habitacionais nos centros urbanos. A partir
desse contexto foi organizado 1º Encontro Nacional dos Movimentos de
Moradia, em 1990, dando origem ao Movimento Nacional de Luta pela
Moradia – MNLM (SCHÄFFER et al., 2010, n.p.)
UNMP A União Nacional de Moradia Popular — UNMP “iniciou sua articulação
em 1989 e consolidou-se a partir do processo de coletas de assinaturas
para o primeiro Projeto de Lei de Iniciativa Popular que criou o Sistema,
o Fundo e o Conselho Nacional por Moradia Popular no Brasil (Lei
11.124/05) (UNMP, 2021, on-line).
Fonte: a autora, adaptado de Websites das organizações, 2021

253
ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

De acordo o CONAN (2021), a “Confederação participou do pro-


cesso de coleta de assinaturas para a criação do Fundo Nacional de Mora-
dia Popular e defende a aplicação do Estatuto da Cidade”. A organização
defende a universalização da qualidade de vida, o direito a cidades, que
incluem para além do direito à moradia, [...] moradia digna, junto aos
outros serviços básicos e democratização em todos os níveis”. Atualmente,
a CONAM está presente em 22 federações estaduais, marcando presença
em 550 entidades em capitais e municípios do Brasil. O registro no Portal
da instituição evidencia seu protagonismo em Atos contra as políticas
de retrocesso que atingem os direitos constituídos da população mais
desfavorecida economicamente.
Nessa perspectiva segue a MNLM, cujo objetivo é criar estratégias de
ações e enfrentamentos para incidir no déficit habitacional, no Brasil, ao
estimular os integrantes da instituição a lutarem pela manutenção direitos
instituídos por meio das organizações e articulação desses movimentos de
luta pela moradia. Isso ainda é algo presente no movimento desenvolvido
por sem-teto, inquilinos, mutuários e ocupantes, unificando suas lutas
pela conquista de moradia e do direito fundamental à Cidade. Do mesmo
modo, a UNMP tem entre suas finalidades os objetivos da MNLM, que
trata da articulação e da mobilização dos movimentos sociais populares
na luta pelo direito à moradia, bem como por uma Reforma Urbana,
além de ser empenhado na elaboração e no desenvolvimento de ações
em áreas de favelas, de cortiços, de sem-teto, de mutirões de ocupações
e de loteamentos.
Nessa perspectiva, em consonância com o olhar Moisés (1987), os
movimentos sociais populares traçam um novo perfil histórico para o país,
configurado pela Nova República e pela Constituição Federal de 1988. “A
partir de então, foram exploradas lutas como a descentralização do poder,
a municipalização das ações governamentais e a maior participação da
sociedade civil nas questões políticas” (MOREIRA, 2005, p. 214).
Desse modo, compreendemos que atuação dos movimentos sociais
populares permitiu a inserção dessas entidades em espaços de participação
popular que têm intensificado suas intervenções na gestão governamen-
tal, a exemplo dos conselhos e das conferências. De acordo com Alencar
e Ribeiro (2014, p. 23), entre os anos de 1988 até 2010, foram criados
52 conselhos nacionais, que se somaram aos cinco já existentes. Entre
eles, 24 foram criados de 2003 a 2010. Organizaram-se 103 conferências

254
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nacionais entre 2003 e 2014, nas diversas áreas de políticas públicas, além
de ouvidorias públicas no poder executivo, legislativo e judiciário tanto
em nível federal e estadual, quando municipal.
Alencar e Ribeiro (2014) traçam um demonstrativo sobre o avanço
nas consolidações da participação social popular na gestão do Partido dos
Trabalhadores (PT), quando existia um Departamento de Participação
Social69, com a finalidade de possibilitar uma relação dialógica entre gestão
governamental e os movimentos sociais em suas diversas representações.
Não obstante, nessa seção do manuscrito, faz-se pertinente registrar o
lamentável cenário do retrocesso com implicações na luta, tal como nas
conquistas dos movimentos sociais.
Um fato evidenciado por Alencar e Ribeiro (2014) que precisa ser
destacado, diz respeito ao Decreto Federal n. 8.243, de 23, de maio de
2014, que instituiu a Política Nacional de Participação Social (PNPS) o
Sistema Nacional de Participação Social (SNPS). Como o próprio nome
sugere, trata de um espaço governamental com objetivo de fomentar
políticas participação social na gestão do governo do Partido do Traba-
lhadores, como podemos verificar no Art. 1º “Fica instituída a Política
Nacional de Participação Social - PNPS, com o objetivo de fortalecer
e articular os mecanismos e as instâncias democráticas de diálogo e a
atuação conjunta entre a administração pública federal e a sociedade
civil” (BRASIL, 2014). Entretanto, em abril de 2019, o governo Bolsonaro
editou o Decreto n.º 9759, de 11 de abril de 2019, que, em seu Artigo n.º
10, trata da destituição da Política Nacional Participação Social, ou seja,
mais um espaço de diálogo e interação popular destruído pelo governo
Bolsonaro, marcado pelo retrocesso.
Outros aspectos relacionados à política do retrocesso foi a medida
do governo Bolsonaro que destituiu o Ministério das Cidades70, enquanto
pasta exclusiva que ancorava o Conselho Nacional das Cidades, as Con-
ferências das Cidades, tal como políticas e programas direcionados ao
desenvolvimento urbano no país, instituído da gestão do Partido dos
Trabalhadores. Em 1º de janeiro de 2019, o governo Bolsonaro editou a

69
Em âmbito nacional, o governo destacou a Secretaria Nacional de Ação Social (SNAS) que tem por
competência garantir o diálogo entre os diversos órgãos da administração pública federal e a sociedade
civil. Ela tem como responsabilidade, entre outras, prestar apoio ao trabalho dos conselhos, na realização de
conferências, na promoção do diálogo entre ouvidorias públicas, na produção de estudos que contribuam
para o aperfeiçoamento desses espaços e na articulação entre eles (IPEA, 2014).
70
O Ministério das Cidades foi instituído em 2003 pela Lei n.º 10.683 de 28 de maio de 2003.

255
ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

Lei n.º 13.844, de 18 de junho de 2019, que extingue o Órgão e suas fun-
ções, de modo que as funções do antigo Ministério foram atribuídas ao
Ministério do Desenvolvimento Regional pela junção ao Ministério das
Cidades. Por intermédio da atuação da participação popular, foi criada
uma pasta pelo governo Bolsonaro, que está abrigada no então Ministério
de Desenvolvimento Regional.
Diante de um processo marcado pelas medidas de retrocesso, marca-
-se o desinteresse do governo em dialogar com as organizações sociais, bem
como pelo retrocesso acerca das políticas públicas constitucionalizadas.
Enquanto sociedade civil, na condição de pesquisadores e pesquisadoras,
precisamos também nos posicionar acerca das medidas adotadas pelo
governo marcado por ataques à democracia no país.
Nesse sentido, inferimos que tanto no governo Lula quanto o governo
da Dilma Rousseff tiveram o compromisso com a criação e a consolida-
ção de vários espaços de participação popular, a exemplo do Estatuto
das Cidades, como um documento próprio, que serve de diretrizes para
se pensar o desenvolvimento urbano das unidades federativas, junto ao
Ministério das Cidades, com pasta específica para atender as necessidades
das cidades, de um país tão diverso, como o Brasil. Dentro do Ministério
das Cidades, consolidou-se a Secretaria Nacional de Habitação, atrelada
à Secretaria de mobilidade urbana e saneamento ambiental. Os governos
posteriores à gestão do PT, com ações antidemocráticas, destituíram
direitos, por meio de revogação da legislação constituída, o que se confi-
gura como “um retrocesso sem precedentes” que tem “contribuído para a
destruição de forças produtivas, destruindo o trabalhador, suas condições
de existência” de forma expressiva a classe trabalhadora (TAFFAREL,
2019, p. 88).
À luz das discussões, constatamos que o posicionamento dos movi-
mentos sociais, em suas lutas cotidianas, foi de fundamental importância
para que o governo adotasse medidas frente às demandas da população.
O Programa Minha Casa Minha Vida, de fomento a políticas habitacio-
nais, assim como o Programa de Aceleração do Crescimento71 (PAC),
com objetivo de garantir melhorias nas condições de infraestrutura e
mobilidade em todo país, o que é um exemplo do resultado da luta das
organizações sociais. O governo Lula e a gestão de Dilma Rousseff deram
continuidade ao incentivo à participação social popular, ao instituir o
71
Sob a gestão do Ministério do Planejamento.

256
MOV I M E N TO S S O C IA I S E R E SI ST Ê NC IA

Conselho Nacional das Cidades, órgão deliberativo que contribui na


tomada de decisões junto à gestão, com representação de segmentos da
sociedade civil72 e da gestão governamental.
O Conselho das Cidades, de certa forma, se configura como
a concretização da ideia do CNPU presente na proposta
original do Estatuto das Cidades. Este processo de um
conselho de Estado que se abre para determinados setores
da sociedade no processo de democratização, passando por
uma proposta de participação paritária incluindo associa-
ções de moradores insere o Conselho das Cidades, portanto,
como ponto de chegada de um longo percurso institucional
de retomada e avanço da democracia no Brasil, marcada
pela ascensão da discussão participativa. (TATEMOTO,
2016, p. 50).
De acordo com Maricato (2016), as discussões sobre as agendas das
políticas urbanas no Brasil entram no cenário dos movimentos sociais
nos anos de 1964-1985, a partir do movimento pela Reforma Urbana com
pautas sobre as questões sociais e estruturais no país, principalmente, as
demandas relacionadas à habitação, eles permanecem na atualidade, cuja
agenda está na pauta dos debates dos diversos movimentos que dialogam
com essas questões.
É sob essa perspectiva que surge a necessidade da organização social,
entre eles o movimento da Reforma Urbana. A autora segue apontando
outros programas provenientes de lutas urbanas sociais, como os pro-
gramas Água para todos com a transposição do Rio São Francisco; Luz
para Todos; políticas públicas do Sistema Único de Saúde (Sus); Sistema
Único de Assistência Social (Suas); Previdência Instituto Nacional de
Seguridade Social (INSS); Programa Bolsa família; Programa Brasil sem
miséria. Além disso, houve a criação de aparatos em forma de leis, esta-
tutos e os conselhos de amparo à mulher, aos negros/as, aos quilombolas,
às religiões de matrizes africanas, indígenas, às crianças, aos idosos/as, à
pessoa com deficiência e aos LGBTQIA+.
Diante desse contexto, compreendemos que as conquistas, mencio-
nadas anteriormente, confirmam as contribuições dos movimentos sociais
populares, sob a perspectiva de ações organizadas para a conformação e
a consolidação de todas essas políticas de responsabilidade do governo.
Além disso, destaca-se a implementação de todas essas políticas públicas
72
Sociedade civil no contexto de grupos organizados sem vínculo com o Estado.

257
ARLETE RAMOS DOS SANTOS • CLÁUDIO PINTO NUNES
JÚLIA MARIA DA SILVA OLIVEIRA • RICARDO ALEXANDRE CASTRO (ORG.)

mais a participação popular pelo do Controle Social, específico para tratar


das questões urbanas, o que garantiu aproximação com os movimentos
sociais populares nos espaços governamentais, além de contribuir para que
essa mesma sociedade se mantenha organizada para os enfrentamentos
contínuos na arena de lutas pela desigualdade social.
O Decreto n°. 8.243, de 23 de maio de 2014, tem a finalidade
de instituir a PNPS e o Sistema Nacional de Participação
Social (SNPS). O objetivo da primeira é fortalecer e articular
os espaços de diálogo entre Estado e sociedade, (listados
e conceituados no segundo artigo do decreto: conselhos
de políticas públicas, comissão, conferência, ouvidoria,
mesa de diálogo, fórum inter conselhos, audiência pública,
consulta pública e ambiente virtual de participação). O
segundo consiste na integração destes espaços. (ALENCAR;
RIBEIRO, 2014, p. 23).
Mesmo no contexto marcado pelo retrocesso, inferimos que as
ações e articulações dos movimentos sociais urbanos, no Brasil, não
foram em vão, do ponto de vista da luta e da resistência. Maricato (2016)
enfatiza que foram os movimentos sociais urbanos que deram visibili-
dade às questões urbanas para a política nacional, confirmando que os
movimentos sociais tiveram atuação de grande relevância na história
da sociedade brasileira. Percebemos que todos esses aspectos referidos
pela autora fazem nos construir um entendimento de que a organização
de ações coletivas é um instrumento de suma importância nas lutas de
classes e por igualdade de direitos.

Considerações finais
O levantamento bibliográfico, bem como a pesquisa documen-
tal nos permitiram realizar as seguintes considerações: nem a história,
nem os tempos contemporâneos têm como negar as contribuições dos
movimentos sociais populares na conquista dos direitos no contexto das
políticas urbanas na sociedade brasileira. Nessa perspectiva, compreen-
demos que as ações dos movimentos sociais, as lutas reivindicatórias de
interesse coletivo e os enfrentamentos corroboram a consolidação das
políticas públicas de responsabilidade do Estado no país, principalmente
as políticas públicas habitacionais, a exemplo do Programa Minha Casa
Minha Vida.
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Ao analisar a legislação e buscar informações sobre constituição de


direitos no contexto das lutas urbanas, comparada a ordem cronológica das
lutas sociais no Brasil, constatamos que os governos do Luiz Inácio Lula
da Silva e da Dilma Rousseff, ambos do Partido dos Trabalhadores (PT),
em termos qualitativos (pois não estava entre nosso objetivo mensurar
questão) foi a gestão mais democrática da história do Brasil, do ponto de
vista do diálogo com os movimentos sociais, dada a implementação de
políticas pública para a classe trabalhadora. Outro ponto forte do governo
do PT foi a consolidação de equipamentos de participação popular com a
finalidade de promover o diálogo dos movimentos sociais com a gestão,
a exemplo do Controle Social, Conselho de Direitos e as Conferências.
Nessa conjuntura, é preciso evidenciar que governo Lula constituiu
Estatuto das Cidades, o Ministério das Cidades, uma Secretaria Nacional
de Habitação, mais uma Secretaria de mobilidade urbana e saneamento
ambiental. Nesse sentido, compreendemos que tanto o Ministério das
Cidades, como suas respectivas secretarias são autarquia do governo
federal, cujo objetivo específico foi atender as demandas de interesse
urbano social no país. A pressão dos movimentos sociais fez com que o
governo tomasse um posicionamento frente às demandas da população,
criando programa de políticas habitacionais assim como melhorias nas
condições de infraestrutura da população. A gestão do PT deu conti-
nuidade ao incentivo à participação popular com a criação do Conselho
Nacional das Cidades, Controle Social de natureza deliberativa que toma
decisões junto à gestão, em que participação sociedade civil é tão impor-
tante quanto as representações governamentais.
Outro aspecto que precisamos ressaltar no governo do PT é que
houve a implementação das Conferências Nacional das Cidades, do espaço
de debates, das lutas, das reivindicações e dos enfretamentos com o pro-
tagonismo e a participação popular em seus diversos segmentos sociais.
Até então, não temos conhecimento de outras gestões que tenham se
aproximado, por meio do diálogo, das organizações sociais urbanas no
Brasil como as referidas.
Nessa perspectiva, compreendemos que os movimentos sociais tiveram
imensas contribuições na consolidação e implementação de políticas públicas
urbanas do Estado brasileiro, o que se configura como participação popular
democrática. Nesse panorama, compreendemos que o fortalecimento da
democracia é uma das características indispensáveis para desenvolvimento

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do país e para as pautas das questões urbanas, sustentada na luta de classes,


contra a exploração e a dominação e pela busca de qualidade de vida para
todos, trabalhadores e trabalhadoras. Desse modo, é possível inferir que
os movimentos sociais em seus diversos segmentos e representatividades
estiveram presentes na materialização das políticas sociais no país.

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