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Mesmo muito difundida, a autoficção ainda é elemento de desconfiança para críticos, leitores e
escritores
Desentendimentos teóricos
O termo no original, autofiction, rende na língua portuguesa a
tradução diretaautoficção, mantendo toda a carga semântica incubada
na junção das palavras. Há décadas usada coloquialmente, passará
enfim ao léxico oficial no Brasil, com direito ao seguinte verbete na
próxima edição do prestigioso Dicionário Houaiss:
autoficção s.f. (déc. 1980) lit tipo de prosa em que uma versão autobiográfica
ficcional se mescla com a história real, freq. tendo nela a mesma identidade
nominal o seu autor, o narrador e o protagonista ◉ETIM
fr. autofiction (1977), termo cunhado pelo escritor e crítico literário francês Serge
Doubrovsky (1928-) na quarta capa do seu livro Fils; ver aut(o)- e fing-
Libertação do eu
Ao se refletir sobre a autoficção na literatura brasileira a partir de
estudos teóricos franceses, portanto, a primeira questão que se
impõe é óbvia: por que ler autores nacionais sob a perspectiva de
um termo importado da França que sequer tem um consenso em
seu país de origem? Justamente porque é nesse terreno movediço de
definições e indefinições que a autoficção mais germina, inclusive no
Brasil. Desde o lançamento de Vida e morte de M. J. Gonzaga de
Sá, de Lima Barreto, em 1919, até a publicação de Divórcio, de
Ricardo Lísias, em pleno 2013, uma linhagem de autores brasileiros
às voltas com mitologias íntimas se estabelece, com um eu real-
fictício cada vez mais impositivo.
Nome e sobrenome
Para quem olha de fora, sob um viés crítico, entretanto, é cada vez
maior o número de romancistas flertando com o fenômeno. Outras
pistas se destacam nesse labirinto de teorias escorregadias: Capão
pecado (Objetiva), de Ferréz;Diário da queda (Companhia das
Letras), de Michel Laub; e Procura do romance (Record), de Julián
Fuks. Esses três romances, por exemplo, deixam entrever temas
autoficcionais embora os protagonistas sejam anônimos ou tragam
outros nomes. E apontam para o que o escritor francês Philippe
Vilain sugere em relação a seus próprios livros: uma autoficção a-
nominal ou nominalmente indeterminada, ainda assim uma autoficção.
Vilain se interessou tanto pelo assunto, do ponto de vista do
romancista, que escreveu o ensaio crítico Défense de Narcisse para
defender e desmistificar o narcisismo na autoficção.
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