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A Noiva Inconveniente

do Barão

Escândalos de Scarcliffe Hall IV

Gemma Blackwood
SINOPSE

Na pressa de encontrar um casamento por conveniência,


um arrogante barão faz uma proposta a sua inimiga
jurada...

Lady Jemima Stanhope tem um segredo que não pode


compartilhar, nem mesmo com o seu marido. Principalmente
com o seu marido. Pois o seu marido é o incorrigível libertino,
Lorde Northmere.
Northmere é o último homem na face da terra que
Jemima queria se casar, o que era perfeito. Pelo menos ela
sabe que ele a deixará investigar a morte de seu irmão em
paz.
Agora, se apenas ela conseguisse parar de pensar nele.
Como podia um homem ser tão insuportável e, ainda assim,
encantador, generoso e perigosamente romântico?
Ralph Morton, Barão de Northmere, tem seus próprios
segredos. Um dos cuidadosamente escondidos é que Lady
Jemima sempre o fascinou. Agora ela é dele – apenas no
nome. Como alimentar o casamento que ele quer quando ela
está determinada a mantê-lo a um braço de distância?
E se ela descobrir a verdade sobre a sua família? Ela
retornará ao lado dele?
1

Lady Jemima Stanhope estava parada na porta da


biblioteca particular do Duque de Loxwell, apertando a carta
em sua mão com tanta força que arriscava rasgar o papel.
Ergueu seu punho, engoliu em seco e bateu. O barulho
cortou o ar, mas alto do que ela pretendera.
Jemima se orgulhava de seu temperamento frio, mas
hoje, ficar calma seria impossível. Enquanto esperava a
resposta do duque, deu a si mesma um momento para
respirar profundamente e acalmar as batidas de seu coração.
O duque, seu guardião, era um homem caprichoso que
ficava mais excêntrico a cada dia. Jemima conhecia os
hábitos peculiares dele muito bem para envolvê-lo ao redor de
seu pequeno dedo quando queria alguma coisa sem
importância, tal como um vestido novo ou permissão para
ficar uma hora a mais em um baile.
Sua missão hoje era diferente. Era um assunto de vida
ou morte. Se falhasse em convencer o duque...
Não. Ela não contemplaria falhar.
— Serei bem-sucedida. — Ela disse a si mesma
observando seu reflexo na janela. Do lado de fora, a noite
caía, o luar iluminava os amados canteiros de flores
ordenados da velha duquesa. No vidro escuro estava refletida
uma garota alta com cabelos loiros puxados para trás com
uma severidade diligente. Sua expressão era resoluta. Apenas
seus olhos traíam com uma pitada de desespero.
— Pelo bem de Bernard. — Ela disse a seu reflexo. —
Serei bem-sucedida.
— Entre! — respondeu o duque.
Jemima entrou na biblioteca. O duque estava sentado
em seu lugar favorito, uma poltrona de costas altas de couro
com entalhes nas pontas dos braços de madeira. Combinado
às suas sobrancelhas grossas e bagunçadas, olhos
avaliadores e sua voz profunda, o fazia parecer muito mais
imponente do que ele realmente era.
Aquele rosto intimidante se abriu em um sorriso paternal
ao vê-la.
— Ah, minha querida Jemima! Veio me ajudar a
responder estas cartas? — Ele ergueu um punhado de
correspondência da mesa baixa ao seu lado. — Você sabe
como são estas coisas hoje em dia. Não faço mais ideia de
quem é o atual Marquês de Kirkwall e quem foi o pai deste ou
daquele lorde.
— Ficarei feliz em esboçar algumas repostas, Vossa
Graça. — Disse Jemima. O duque um dia ostentara a mente
diplomática mais afiada da Inglaterra, mas estes dias eram
passados. Ela o vinha ajudando a manter sua
correspondência social desde que chegara a Loxwell Park. —
Porém desejo falar com você sobre um assunto mais
importante.
— Claro! — O duque arrumou os óculos e inclinou-se
para frente. — Como posso servi-la?
Jemima levou suas mãos para as costas, assim ele não
poderia ver quão frenética elas agarravam a carta.
— Desejo ir a Londres.
— Londres! — Repetiu o duque, atônito. — Mas a
temporada londrina não começará em meses. Além do mais,
Cecily a espera para o casamento dela.
— Ficarei para o casamento, óbvio. — Disse Jemima.
Nem mesmo seu assunto urgente a afastaria do lado de
Cecily. A filha do duque sempre a tratara como uma irmã e
sua bondade certamente seria retribuída. — Mas depois
disso, devo ter sua permissão para ir.
O duque abaixou as sobrancelhas.
— Está infeliz aqui, minha querida? O que a faz nos
deixar?
— Não sou infeliz. — Respondeu Jemima, embora não
fosse totalmente verdade. — Porém tenho assuntos urgentes
em Londres. Se a duquesa não puder me acompanhar,
escreverei a uma de minhas amigas casadas e lhes pedirei
para fazer isso. Não desejo parecer ingrata, Vossa Graça, e
retornarei no momento que meus assuntos forem concluídos,
mas, de verdade, devo ir.
— Que assunto é esse? — Perguntou o duque, coçando
seu queixo pensativamente. Quando Jemima hesitou, o olhar
dele ficou severo. — Sou seu guardião, Jemima. Qualquer
assunto seu é assunto meu.
Era precisamente isso o que Jemima esperava evitar. Ela
estava agindo baseada em não mais do que sonhos tolos –
mas devia agir, e o duque nunca entenderia.
— Recebi uma carta do um colega de exército do meu
falecido irmão. — Ela falou. — Ele diz ter alguma informação
para mim. Ele acredita… — Para seu horror, um soluço
sacudiu sua voz. — Ele acredita que Bernard possa estar vivo.
O rosto do duque se suavizou.
— Minha pobre menina. — Ele respirou. Dê-me sua mão.
Jemima obedeceu. Havia conforto naquele aperto quente,
mas não era o bastante.
Ela sabia o quanto o duque e a duquesa tentaram torná-
la parte da família deles, mas nunca era o bastante. Culpada
como se sentia, nunca poderia deixar o amor deles preencher
o vazio em seu coração.
Após a morte dos pais deles, Jemima e Bernard haviam
sido tão próximos quanto irmãos podiam ser. Ele era o
cúmplice dela nas travessuras, seu confidente, o pior
tormento e o melhor amigo.
Quando ele partiu para fazer nome como oficial entre as
forças que ocupavam a França, seu coração se partiu em
pedaços. Quando ele morreu, aqueles pedaços viraram pó.
Toda a bondade a carinho do Duque e da Duquesa de Loxwell
e da filha deles, Cecily, não podiam convencer Jemima a
seguir em frente com a perda de Bernard.
Exteriormente, ela tinha vivido completamente. Jogou
fora as roupas de luto no segundo que pode, sabendo que ele
não quereria que ela usasse preto por ele. Mas, por dentro, a
chama da memória dele estavas sempre acesa em seu
coração. Ela vivia apenas porque ele quereria que ela
seguisse.
E agora, tinha uma carta de um Tenente Worston
apregoando que a morte de Bernard não era o que parecia.
Ela tinha que respondê-la – mesmo se isso significasse
enganar o duque.
— Deixe-me ver esta carta. — Disse o duque, ajustando
os óculos. Jemima a passou relutante.
O rosto do duque ficou cinza e tenso a medida que lia.
Para o horror de Jemima a fúria brilhou em seus olhos
remelentos.
— Este é um trabalho desprezível! Minha criança, sinto
muito que tenha sido exposta a isso. Este Worston está
certamente atrás de sua fortuna. Eu mesmo recebi uma carta
similar há algumas semanas, esperava que minha resposta
tivesse sido afiada o bastante para afastá-lo.
— Ele não mencionou nada sobre recompensa. — Disse
Jemima. — Ele simplesmente precisa da minha ajuda…
— Para garantir o retorno seguro de Lorde Arden de
terras desconhecidas, por meios desconhecidos, após estar
morto por dois anos – e tudo a um custo elevado! — O duque
dobrou a carta e a atirou na mesa como se o infeliz tenente
pudesse sentir o golpe. — Jemima, escute-me. Você é uma
jovem rica que sofreu uma perda trágica. Há homens neste
undo que pensarão que você é vulnerável, e este Worston é
um deles. Fique tranquila, pois ele quer o seu dinheiro e nada
mais. — O duque tirou os óculos e os limpou com um lenço,
balançou a cabeça e murmurou para si mesmo. — A
crueldade disso! Dar esperança onde não há nenhuma! Bem,
fico feliz em dizer que você não é uma jovenzinha
desprotegida. Você tem um Loxwell ao seu lado, minha
querida, e eu não a verei ser enganada por uma charlatão!
— Mas Vossa Graça! — Jemima protestou. —
Certamente eu devo isso a meu irmão, descobrir a verdade
sobre a morte dele. Mesmo se o que o Tenente Worston diga
seja falso – o que admito que é bastante possível, pois se
Bernard estivesse vivo todos estes anos, o que o teria tirado
ele do meu lado? — mesmo então, devo conversar com o
homem e ouvir o que ele tem a dizer.
— Você não fará tal coisa. — Disse o duque. Seu olhar se
suavizou. — Você é jovem, minha criança, e não entende as
formas do mundo. Não há necessidade de se sentir
envergonhada por ter sido enganada. — Ele suspirou e pôs a
mão sobre a carta. Jemima acompanhou o movimento com os
olhos, receosa de que ele rasgasse a sua última esperança em
pedaços. Mas as palavras seguintes do duque foram mais do
que suficientes para distraí-la.
— O fato é que de fato há mais sobre a morte de seu
irmão do que nos foi dito. Este Worston deve conhecer um
pedaço da verdade e está esperando isso para tirar um pedaço
de sua fortuna.
— Mais? — Jemima repetiu. — O que mais? — Quando
Loxwell não respondeu, ela arrastou a cadeira e se sentou em
frente a ele, lutando contra a vontade de levar o joelho ao
peito como uma criança. — Vossa Graça, por favor! Não
esconda isso de mim por mais tempo!
Loxwell suspirou, cada vinco em seu rosto ficou mais
profundo.
— Você pode suportar ouvir isso, Jemima?
— Pelo bem de Bernard eu suporto qualquer coisa. — Ela
respondeu, o queixo erguido orgulhosamente.
Os dedos do duque apertaram a carta do Tenente
Worston, amassando o papel.
— A história que você conhece – que seu irmão morreu
em um acidente com um barril de pólvora – é a história
oficial, mas não a verdadeira. Naquele tempo, você foi
considerada muito jovem para ouvir o que realmente
aconteceu. Não concordei em esconder isso de você, mas era
um assunto de segurança nacional. Às vezes, até mesmo um
duque pode ser posto de lado. O fato é que Bernard Stanhope,
Lorde Arden, era um agente da coroa.
— Um espião? — Jemima engasgou. O duque assentiu
seriamente.
— Ele foi encarregado de uma missão importante para
recolher evidências de um nobre francês que era suspeito de
trabalhar contra as forças inglesas que ocupavam a França
após a derrota de Napoleão. Lorde Arden entrou no castelo do
nobre uma noite para encontrar um informante, mas foi
traído.
As mãos de Jemima fecharam-se em punhos agarrando
um bocado de suas saias.
— Que nobre? Traído como? E por que…
O duque levantou uma mão.
— Não deveria ter lhe contado tanto. A informação é
altamente sensível. Nunca foi me dado quaisquer nomes ou
detalhes. Acredite em mim quando é dito a um duque que ele
não pode saber a história completa, um jovem criado não tem
esperança de descobrir nada!
— Mas o Tenente Worston disse…
— Chega desse Tenente Worston! — Gritou o duque. —
Jemima, sua dor por seu irmão é natural, mas você não deve
deixar que isso a leve a loucura! Você acha que Worston pode
lhe dizer mais do que qualquer superior do seu irmão me
disse? Se ele realmente sabe algo – o que duvido – não será
mais do que você sabe agora.
— Mas eu devo tentar. — Jemima implorou. — Bernard
tentaria por mim, eu sei disso. Vossa Graça, não sou tão
ingênua quanto pensa. Posso tomar conta de mim mesma em
Londres. Sinto muito em lhe dizer isso, mas se não me der
sua permissão, irei a Londres de qualquer forma. Tenho
amigas e posso ficar com elas, e tenho dinheiro…
— Amigas, talvez. — Disse o duque. — Dinheiro, com
certeza não. Você esqueceu que eu controlo sua fortuna até o
seu aniversário de vinte e um anos. Agora, se ainda se sentir
do mesmo jeito daqui a dois anos quando seu aniversário
chegar, não a impedirei. Até lá, você é minha
responsabilidade. — Ele se inclinou para frente para acariciar
sua mão. — Você teve um choque. Não sustentarei sua
imprudência contra você. Um caráter tão apaixonado é
admirável, mas deves ser temperado com bom-senso. Vá,
descanse e pensei sobre o que eu lhe disse. Você poder ficar
até mais orgulhosa do seu irmão agora que sabe que sua
morte foi tão corajosa!
— Ao contrário, Vossa Graça. — Disse Jemima. — O que
me disse apenas dá ao clamor do Tenente Worston mais peso.
Se Bernard meramente desapareceu em um castelo francês,
parece haver chance de que ele não tenha morrido, afinal.
O duque recostou-se em sua cadeira com um suspiro
profundo.
— Se Lorde Arden estivesse vivo, porque nunca lhe
escreveu diretamente? Acha que ele a teria deixado sofrer pela
perda dele por todos esses anos? Não. Ele a amava e nunca a
abandonaria. Você está sofrendo, minha criança, e não está
pensando direito. Vá agora. Um pouco de contemplação
silenciosa deixará as coisas mais claras. — Ele estendeu a
carta em sua direção. — Eu a aconselho a levar isso e jogá-la
no fogo. Não pense mais no Tenente Worston. Não fara bem a
você residir em fantasias.
Jemima fez uma mesura. Ela era inteligente para saber
que não adiantava mais discutir. Ela saiu da sala
humildemente, como se tivesse aceitado os argumentos do
duque.
Nada, entretanto, podia ser menos verdadeiro. Jemima já
estava vendo as coisas com mais clareza do que em anos.
Não havia como esperar até seu aniversário de vinte e
um anos. Se Bernard estivesse vivo, e de alguma forma,
incapaz de contactá-la, a situação deia ser urgente. Mesmo se
ele estivesse morto, ela devia à memória dele, descobrir a
verdade.
Entretanto, enquanto o duque controlasse o seu
dinheiro, Jemima estava presa à Loxwell Park.
Havia apenas uma forma de conseguir independência
antes de chegar à idade, e isso significava algo que Jemima
sempre jurou que nunca faria.
Ela tinha que se casar. E logo.
2

— Cavalheiros, meu destino é claro. — Disse Ralph


Morton, Barão de Northmere, enquanto seus três amigos mais
próximos ouviam com expressões de horror e pesar. — Devo
me casar antes que o mês termine.
— Claro que não! — Disse Robert, o Conde de Scarcliffe,
cujo casamento com Lady Cecily Balfour aconteceria na
manhã seguinte – e era um enlace por amor do tipo mais
escandaloso. — Deve haver outra forma. Northmere, não
quero vê-lo atado por mera conveniência. Um casamento
baseado na afeição é muito mais desejável…
— Sim, Scarcliffe. — Interrompeu o Duque de Beaumont
com um sorriso torto. — Todos nos estamos cientes do quão
feliz você está com Lady Cecily. Acredite em mim, meu próprio
compromisso com Anna é fonte da maior alegria. Mas insistir
nos prazeres do amor não ajudará nosso querido Northmere.
— Está tudo bem para vocês, rapazes. — Disse Ralph. —
E eu estou feliz por vocês, embora nunca tenha visto o apelo
do amor. Mas nunca imaginei que me casaria por algo além
do dever. Pouco importa que o dever tenha se apresentado
antes do esperado. — Ele folheou as duas cartas que acabara
de receber, uma de sua mãe e outra de sua irmã mais nova, e
grunhiu. — Mas o momento poderia ser melhor, admito! Não
tenho ninguém em mente. E parece que ela deve ser uma
herdeira ou tudo está perdido. — Ele virou a carta da irmã
como se pudesse encontrar a sua salvação no verso. — Um
mês para encontrar uma herdeira! Até mesmo a nossa luta
contra os salteadores de estrada tinha melhores chances.
— Deixe-me ver essas cartas. — Disse Lorde Jonathan
Hartley, o quarto membro do grupo restrito. — Talvez haja
alguma solução que sua irmã tenha perdido. Daisy é uma
moça inteligente, mas se deixa levar facilmente.
— Se você não fosse um homem casado, questionaria
esse seu toma familiar ao falar de minha irmã. — Grunhiu
Ralph, mas lhe estendeu as cartas. Hart tinha acabado de se
casar com o seu amor de infância depois de muitos anos de
separação, e nenhuma mulher substituía a chama de Isabella
aos olhos dele. Além do mais, os três melhores amigos de
Ralph pensavam em Daisy com tanto carinho quanto uma
irmã para eles.
Hart examinou as duas cartas com seus olhos rápidos e
inteligentes.
— Então. Seus problemas são dois. — Ele ergueu um
dedo. — Um: sua mão abandonou o seu padrasto, Lorde
Peyton, em favor do bastante indesejável Sir. Everard
Ramsay.
Ralph levou a mão aos olhos.
— Este foi o prego final. E quero dizer isso! Nenhum
homem já foi amaldiçoado com tal mãe.
— Pelo contrário, muitos homens apreciariam ser
amaldiçoados com a sua mãe, Northmere. — Disse
Beaumont, para divertimento de todos. Ralph não se juntou
às risadas.
— Se há uma alma da Inglaterra que não tinha alguma
ligeira dúvida sobre a minha legitimidade, agora serão
esclarecidos. — Ele resmungou. — No momento em que esta
notícia se espalhar, não serei mais apropriado ao casamento.
Quem confiará em minha mãe quando ela disser que sou filho
do meu pai?
— Nós todos iremos. — Disse Robert apertando o seu
ombro. — Além do mais, segundo todos os relatos, sua mãe
era obcecada pelo seu pai. Ele pode ter sido o único homem
que ela realmente amou. Ninguém seriamente dirá que você
não é o barão por direito.
— Mas as pessoas suspeitarão disso. — Contrapôs
Ralph. — O que é tão ruim quanto.
— Eu não terminei. — Disse Hart, levantando um
segundo dedo. — O próximo problema é, claro, o dinheiro de
Lorde Peyton. Agora, Northmere, nunca me meti em sua
situação financeira, mas a julgar pela carta de Daisy…
Ralph sentou-se com um baque pesado.
— É verdade. — Ele disse. Ele mal suportava a
preocupação no rosto de seus amigos, então ele entrelaçou os
dedos atrás da cabeça e olhou para o teto. Desejou que ele
caísse sobre si. — Meu pai morreu com a propriedade atolada
em dívidas. A dívida se foi agora, tenho orgulho de dizer, mas
não há dinheiro para o dote de Daisy. Ela dependia
totalmente da generosidade de Lorde Peyton – e da
capacidade de minha mãe se retorcer nos braços dele.
— Você é mais do que capaz de lucrar com sua
propriedade. — Disse Beaumont, servindo um copo de
conhaque para ele. — Em alguns anos…
— Em alguns anos! Daisy já tem dezenove anos! Ela
deveria ter feito a apresentação dela anos atrás. Como posso
pedir para ela esperar mais? — Ralph aceitou o conhaque e o
bebeu em um único gole. Beaumont ergueu uma sobrancelha,
mas não fez comentários.
— Parece-me, — aventurou-se Hart – que o rumor de um
dote é tudo o que é necessário para Daisy ter uma temporada
bem-sucedida em Londres. Se nós três sussurrarmos em
orelhas suficientes que ela herdará uma grande soma…
— E o que acontecerá quando ela quiser se casar? —
Perguntou Ralph. — Eu teria que arriscar a felicidade dela ao
confessar a verdade ao seu pretendente, e isso pode arruiná-
la. Não. E antes que ofereça, — ele disse balançando a cabeça
enquanto Beaumont abria a boca – não aceitarei nenhuma
caridade de nenhum de vocês. Posso solucionar este problema
sozinho. — Assim como tinha resolvido todos os outros
problemas que seus pais criaram para ele. — Casar-me-ei
com uma herdeira antes que as notícias sobre o escândalo da
minha mãe se espalhem.
Um silêncio caiu entre os cavalheiros, quebrado apenas
pelo som de Beaumont enchendo o copo de conhaque. Ralph
acenou recusando.
— Todos nós precisamos estar de cabeça limpa pela
manhã. — Ele disse. — Eu. Acima de todos. Cada moça
elegível da Inglaterra foi convidada ao casamento. Suponho
que devo encontrar uma e fazer uma proposta.
— Fazer uma proposta! — Engasgou Hart. — Eu lhe
digo, Northmere, você não tem a intenção de se enforcar!
— Sir Everard é o último homem que poderia confiar
para manter o comportamento de minha mãe em segredo. —
Disse Ralph com severidade. — Não posso perder tempo. —
Ele olhou entre os três rostos chocados acima dele. — Bem,
vocês todos conseguiram suas mulheres ultimamente. Quais
são os ingredientes de uma proposta bem-sucedida? Nunca
pensei no assunto.
— Acho que está se precipitando. — Disse Beaumont,
abaixando-se elegantemente em um sofá e girando o
conhaque em seu copo. — É extremamente improvável que
qualquer jovem o aceite amanhã. Você deve escolher a sua
vítima, – cof cof — sua futura esposa cuidadosamente e
passar algum tempo a cortejando antes.
— Preferencialmente não muito tempo. — Exclamou
Hart. Ralph suspeitava que eles estavam se divertindo às
suas custas.
— Deixe-me fazer uma sugestão. — Disse Beaumont,
inclinando-se para frente com uma faísca suspeita no olhar.
— Prossiga. — Disse Ralph. Nem mesmo tentou esconder
suas dúvidas.
— O que precisa, Northmere, é de um teste prático. —
Disse Beaumont. — Um ensaio, vamos assim dizer. Deve se
preparar para a sua proposta real ao pedir a mão de alguma
mulher que certamente nunca aceitará.
Ralph não esperava muito, mas essa ideia fracassada
ficou aquém até mesmo de suas baixas expectativas.
— Fico feliz de saber que a minha situação é tão
divertida.
Robert, entendendo o que Beaumont estava realmente
sugerindo, deu um leve soco no braço dele.
— Não, Northmere, há mérito nisso. Você pratica esgrima
infinitamente e continua a ser um espadachim mediano.
— Desculpem-me! — Ralph objetou.
— Não faz sentindo gastar alguma energia na arte do
amor?
— Além do mais, — disse Beaumont – a ideia é intrigante
o bastante a ponto de me preparar para torná-la mais
interessante.
— interessante, — Ralph repetiu sem entusiasmo. Então
era esse o objetivo Beaumont. Ralph não era tolo. Ele
conhecia as formas de Beaumont lhe oferecer o dinheiro que
ele era muito orgulhoso para aceitar.
— Eu aposto a soma de quinhentas libras, — disse
Beaumont, falando com grande deliberação e apenas um leve
indício de alegria – que o Barão de Northmere não é homem o
bastante para propor a Lady Jemima Stanhope na festa de
casamento amanhã a tarde.
— Lady Jemima! — Ralph exclamou. Ele quase saltou da
sua cadeira. — Beaumont, não pode estar falando sério!
— Acrescentarei duzentas libras à aposta. — Disse
Robert, mal segurando a risada.
— Cinquenta meus! — Acrescentou Hart.
— Cavalheiros, minha situação financeira não é uma
piada!
— Não. — Disse Hart, passando um braço amigo ao
redor dos ombros de Ralph. — Mas nem a primeira
temporada londrina de Daisy é. Não sou especialista, mas a
soma deve ser suficiente para comprar alguns vestidos da
última moda para ela. Pelo menos, poderá ajudá-lo até que
outros arranjos possam ser feitos.
— Não posso e não irei propor a Lady Jemima. — Disse
Ralph. — Não posso pensar em alguém menos adequada. Nós
não conseguimos passar menos de dois minutos na
companhia um do outro sem entrar em uma discussão.
— Não seja estúpido, Northmere. — Provocou Beaumont.
— É exatamente o que torna isso tão divertido! Além do mais,
não há chance de ela aceitar.
— Não gosto de fazer piadas às custas de uma dama. —
Disse Ralph. — Mesmo sendo ela.
— Oh, Jemima não se importará. — Disse Hart. — Pense
na diversão que ela terá ao contar às amigas como ela rejeitou
a sua proposta!
— Então vocês querem me humilhar, é isso? — Ralph
exigiu saber.
— Longe disso, velho amigo. — Disse Beaumont. — Nós
queremos ajudá-lo. E nós podemos ter um pouco de diversão
ao longo do caminho.
Ralph se virou para Robert, esperando encontrar uma
pitada de sentido em um mar de escracho.
— Certamente você não tolerará este comportamento,
Scarcliffe? Não no dia do seu casamento.
— Estarei muito ocupado me casando para notar
qualquer outra coisa. — Robert deu de ombros. — E se
acontecer o pior e ela o aceitar, terá a sua herdeira.
Ralph abaixou a cabeça entre as mãos.
— Vim até vocês em busca de ajuda, não para ser
zombado.
— Ah, não, Northmere. -Disse Hart. — Você pode se
divertir enquanto ainda é solteiro. Não haverá mais propostas
de brincadeira para jovens e belas damas uma vez que estiver
casado com sua Lady Rica e Insípida.
Ralph ergueu os olhos lentamente.
Havia algum mérito no que eles diziam. Era ridículo, sim,
mas quantas vezes ele fizera algo ridículo por pura ousadia?
Seu orgulho já formigava. Seus amigos sabiam exatamente
como tirá-lo do bom caminho.
E o dinheiro faria toda a diferença do mundo para Daisy.
Poderia lhe dar algum tempo para fazer outros planos: talvez
até mesmo abafar as notícias da última transgressão de sua
mãe.
Ele sabia que seus amigos imediatamente lhe dariam
dinheiro se ele pedisse, mas ele não tinha estômago para
pensar nisso. Ralph havia lutado para consertar a sua
herança arruinada com muito esforço e por muito tempo para
aceitar a ajuda de outro homem sem uma forma de devolver o
dinheiro. Era questão de honra. Era questão de orgulho.
— Muito bem. — Suspirou. — Se todos insistem.
Aceitarei a aposta. — Ele os olhou fixa e severamente. — E
deixe-me assegurar-lhes, não sou covarde. A língua afiada de
Lady Jemima não me amedronta. Eu farei a proposta a ela tão
brilhantemente que as mulheres suspirarão por anos!
— Tenha cuidado, Northmere. — Disse Hart. — Você não
vai querer arriscar que ela realmente diga sim.
Ralph pensou no verão que ele passara em Scarcliffe Hall
e das muitas visitas que ele fizera a Loxwell Park, a
propriedade vizinha. Recordou-se das farpas intermináveis
que trocou com Jemima. A forma orgulhosa como ela jogava a
cabeça sempre que ele entrava na sala. Ela era bonita, sim, e
propor a ela não seria uma tarefa árdua. Ela sempre deixara
claro que achava os homens criaturas vaidosas e enfadonhas,
que não tinha intenção de se casar de modo algum. Na
opinião dela, Ralph era o homem mais vaidoso, enfadonho e
mais detestável de todos.
O que provavelmente não ajudou foi a vez em que ele a
empurrou no Rio Lox.
— Não se preocupe, Hart. — Falou com confiança. — Não
há a menos chance de ela aceitar se casar comigo.
3

O casamento de Robert Hartley , o Conde de Scarcliffe, e


Lady Cecily Balfour aconteceu na manhã seguinte com toda a
pompa, cerimônia, alegria e lágrimas que a ocasião pedia.
Cecily brilhava de felicidade. Robert parecia bonito, impetuoso
e levemente atordoado. Seu irmão, Hart, fizera um discurso
que o envergonhou enormemente e até extraiu uma
gargalhada ruidosa do ameaçador e idoso Duque de Loxwell.
A comida era abundante e deliciosa. Ralph nunca tinha visto
Loxwell Park melhor. O salão de baile foi decorado com fitas,
sinos, peônias rosas e as orquídeas da estufa em todos os
tons de branco e rosa. A Duquesa de Loxwell e a Marquesa de
Lilistone, mães da noiva e do noivo respectivamente,
navegaram de braços dados em um mar de cumprimentos e
felicitações.
O champanhe estava fluindo, mas Ralph se conteve com
alguns pequenos goles. Ele apertou a taça de cristal em sua
mão ate que o líquido dourado borbulhante ficasse quente.
No centro de tudo, ofuscando até mesmo a noive, Lady
Jemima dançava com o herdeiro do duque, Alexander
Balfour. Jemima usava um vestido de cetim azul que
balançava de um lado ao outro enquanto os pés dela
elegantemente moviam-se pela pista de dança. Seu cabelo
dourado estava preso no topo da cabeça com algumas mechas
tentadoras caindo sobre seus ombros. O decote, apesar dos
maiores esforços da duquesa, era cortado perigosamente
baixo.
Ralph deu outro gole no champanhe quente enquanto a
observava de um canto quieto. O som do riso dela flutuou no
ar perfumado. Ela nunca ria das piadas dele daquele jeito.
Por que seus amigos podiam inspirar tais prazeres nela,
quando tudo o que ele conseguia era desdém?
Ele engoliu com dificuldade. Não seria tarefa fácil ficar
sozinho com ela. Principalmente porque ela não tinha motivo
para concordar em ter uma conversa particular com ele.
— Olhos no prêmio, Northmere. — Disse uma voz baixa
em seu ouvido. As mãos quentes de Hart agarraram seus
ombros e ele deu uma sacudida provocadora. — Vejo que já
está fazendo pontaria.
— Ela não é um faisão em campo de caça. — Disse Ralph
afastando as mãos de Hart. A voz dele soou estranhamente
rouca conforme sua garganta ficava seca. — Estou
começando a pensar que essa foi uma má ideia.
— Sério, é apenas um pouco de diversão. — Hart o olhou
com preocupação. — Não precisa continuar com isso se não
quiser. — Beaumont nunca reivindicará a aposta.
Ralph rolou os ombros para trás como se ele estivesse
pronto para entrar em um ringue de boxe.
— Você me conhece, Hart. Sou muito orgulhoso para
desistir. Além do mais, vocês tem um ponto. Se estou nervoso
sobre fazer a proposta a uma mulher que nem ao menos
quero, precisarei de toda a prática que possa ter para aquela
que eu quiser. — Ele puxou a cravat. A multidão tinha
deixado o ar surpreendentemente quente. — Ainda assim,
desejaria que tivesse escolhido alguém um pouco menos… —
Suas palavras morreram em sua garganta quando Jemima
girou na pista de dança. Suas saias se alargando ao redor
dela.
— Perspicaz? Língua afiada? Indiferente a você? — Hart
supôs.
— Ela está tão acima de mim que torna isso risível. —
Disse Ralph. — Parecerei ridículo.
— Bobagem! Você é um barão e ela a filha de um conde.
— Um barão sem um centavo. — Ralph o corrigiu. Mas o
dinheiro não era a sua maior preocupação.
Tudo sobre Jemima o deixava no escuro. A garota podia
atirar com uma pistola, tirava qualquer homem de seu juízo e
recitava poesia em quatro línguas diferentes. Ela era
inteligente, confiante e não se importava com a opinião de
ninguém além da dela.
Ralph havia levado anos para cultivar exatamente
mesma imagem. Ele podia ter Jemima como exemplo, se eles
fossem amigos. Mas eles não eram amigos. Ele era muito
mais culpado disso do que ela.
Os cavalheiros estavam certos. Não havia chances de ela
o aceitar. Ela era a candidata perfeita para um teste.
— Dê-me licença por um momento. — Disse Hart, sua
atenção presa em outro lugar. — Isabella parece mal. Não
siga com isso, Northmere. É uma aposta tola. Nós
encontraremos outra forma de ajudá-lo.
Ele avançou em direção à esposa, que estava sentada em
um canto parecendo pálida. Ralph ficou feliz que havia mais
alguém no salão que não suportava o calor. Uma pequena
multidão se reuniu em torno de Isabella quando Hart pediu
um médico, mas Ralph estava tenso demais para ser útil.
Jemima parou de dançar e se moveu até Isabella com
preocupação. Todos os olhos se afastaram dela. Seu momento
chegara.
— Não se amontoe sobre ela, minha dama; — Ele disse,
avançando e pegando o braço de Jemima. — Vamos dar um
passo atrás e dá-los espaço.
Jemima estava muito aturdida para perceber o que
estava acontecendo até que ele a afastando para o lado.
— Northmere! Solte-me imediatamente! — Ela puxou o
braço com uma exclamação de desgosto. — Quem é para me
dizer quando devo ou não ajudar a minha amiga?
— Lady Isabella está sendo atendida pelo Dr. Hawkins.
— Disse Ralph. — Sem mencionar seu atencioso marido. Você
e eu, por outro lado, temos algo a conversar.
— Conversar? — Jemima repetiu. Sua boca delicada se
curvou um sorriso sarcástico. — Espero que não esteja
prestes a me convidar para dançar, Northmere. Odeio ser
rude e nada é mais rude do que recusar um cavalheiro em
favor de… bem, absolutamente ninguém mais.
— Acredite em mim quando digo que nada no mundo me
persuadiria a convidá-la para dançar. — Disse Ralph. Ele
lamentou suas palavras no momento em que ele as
pronunciou. Jemima tinha uma forma particular de entrar
sob a sua pele e fazê-lo dizer e fazer coisas que nunca faria.
Para seu alívio – e irritação – ela não ficou muito
perturbada.
— Vá! Isso é um alívio. Bem, se insiste em brincar de
intrigas, sou sua por um momento.
Ralph raramente ficava perto dela. Havia um perfume
atraente na pele dela que o intrigou e o deixou tonto ao
mesmo tempo. Ele nunca pensava direito quando estava perto
dela. Isso era irritante.
— Tenho algo a lhe pedir. — Ele disse, dolorosamente
ciente de sua proposta não estava saindo como planejado. —
Algo importante e particular.
— Tocante. — Jemima arqueou uma sobrancelha. —
Devo simplesmente dizer não e uma vez e poupar o seu
esforço?
— Você está extremamente certa de que não há nada de
valor que eu possa oferecer. — Rebateu Ralph. Ele
amaldiçoou mil vezes o seu valete por seguir suas instruções
e arranjar a sua cravat tão alta. Não havia ninguém mais
elegante, ele sabia, mas o ar estava sufocante.
— Se possui algo de valor, Northmere, ainda estou por
descobrir. — Jemima alfinetou e abriu seu leque e começou a
balançá-lo levemente. Uma insinuação de brisa fria passou
pelo rosto de Northmere. Ele quase suspirou. — Realmente
deve falar comigo a sós?
— Se puder aguentar.
Ela lhe lançou um olhar mais perceptivo do que ele
gostaria.
— A perguntar é se pode me aguentar. Muito bem. — Ela
estendeu a mão em direção ao braço dele. — Dar-lhe-ei cinco
minutos. Apenas porque você, pela primeira vez, consegui
despertar o meu interesse.
Ralph ignorou a mão estendida e marchou em direção às
largas portas duplas.
— Na varanda, então. Certifique-se de sair sem ser
notada.
Seu tom autoritário provocou uma fungada de protesto,
mas ele não ousou olhar para trás e ver a expressão dela.
Sentia-se como se as paredes da sala estivessem se fechando
ao redor dele. O único pensamento era escapar.
Apenas quando ele se recostou contra o parapeito da
espaçosa varanda, olhando pelo gramado bem cuidado em
direção à Floresta Scarcliffe, ele recuperou a compostura.
— Droga de garota. — Ele murmurou. Ele devia ter
flertado com a maioria das damas do casamento uma vez ou
outra, e nenhum dos sorrisos afetados delas foi o bastante
para arruinar sua compostura. Apenas uma que não flertava,
nunca suspirava e nem uma vez mostrava uma pitada de
sentimento amigável, deixava os seus nervos em frangalhos.
— Espero que não esteja falando de mim. — Jemima
disse suavemente. Uma bolha do ruído do salão subiu atrás
dela e foi cuidadosamente estourada pelo fechamento da
porta.
— Você? — Disse Ralph, virando-se para ela e
imediatamente se esquecendo do que ia dizer.
Ela podia ser uma harpia, mas também era uma visão. O
pôr do sol suave em suas mechas loiras era o bastante para
derreter o coração de qualquer homem. As bochechas eram
cremosas com uma pitada da doçura de um morango, os
olhos eram inteligentes e rápidos.
Que jogo o destino brincava ao envolver um coração tão
gelado em um pacote tão adorável?
Jemima suspirou o olhou por cima do ombro dele.
— Não seja obtuso, Northmere. Não quero perder nada
da festa. Qual é o assunto?
— Você. — Ele repetiu. Ele deu um passo em direção a
ela, deixando a vibrante luz do sol pela sombra fria da
varanda. — Você é o assunto. Não consegue ver isso? Por que
sempre está tão furiosa? Agrada-lhe me atormentar?
Um olhar estranho e vazio apagou a centelha nos olhos
de Jemima.
— Nada mais me dá prazer, Northmere. Não ouviu isso?
Sou sozinha no mundo. Tenho apenas a dor alheia para
minha diversão.
— Nunca vi ninguém menos solitária. — Ele disse. —
Cada vez que a vejo, está cercada de amigos e admiradores.
Hart a acha maravilhosa. Lady Cecily a considera como uma
irmã.
— Sim, sim, e tenho certeza de que não pode imaginar o
porquê. — Ela cruzou os braços e suspirou como uma tutora
com uma criança indisciplinada. — Posso ir? Ou vai me
acusar de pecados maiores do que simplesmente ter amigos e
não contar com você entre eles?
— Não pode ir. — Disse Ralph. — Ainda não terminei.
Para sua surpresa, ela ficou. Ela não parecia exatamente
curiosa. A cabeça dela estava inclinada em um ângulo
peculiarmente zombeteiro. Ele se sentiu como um inseto que
uma criança prendeu dentro de um copo. Não queria nada
além de tirar aquela expressão de superioridade do rosto dela.
Felizmente, ele sabia exatamente como fazer isso.
— Desejo lhe fazer uma oferta. — Ele disse. Jemima deu
de ombros elegantemente.
— Você não tem nada que eu deseje.
— Uma oferta de casamento.
Os lábios dela formaram um círculo de surpresa
silenciosa.
Como a ocasião pedia por isso, Ralph apoiou-se em um
joelho. Ele estremeceu um pouco diante do pensamento do
pavimento de pedras empoeiradas mancharem suas melhores
calças, mas sacrifícios tinham que ser feitos.
— Lady Jemima, quer se casar comigo?
Jemima não se moveu por longos dez segundos,
enquanto o sol baixava, o pós fazia seu trabalho no joelho de
Ralph e a festa seguia atrás dela.
Ela ergueu uma mão e a pôs delicadamente em seu peito
como se quisesse sentir o ritmo de seu coração antes de
responder. Ralph ficou tenso pela renuncia mais brusca que
ele já recebera.
Pelo menos ele sentia que realmente ganhara suas
setecentas e cinquenta libras.
Então Jemima disse as últimas palavras que Ralph
esperava.
— Sim, Northmere. Aceito me casar com você.

***

Não havia nada que Jemima odiasse mais do que ser


surpreendida. Felizmente, não havia nada que gostasse mais
do que jogar aquele patife incorrigível, o Barão Northmere, em
um estado de confusão.
Por um delicioso momento, pensou que ele fosse desabar
nas preciosas roseiras da duquesa. Ela estendeu a mão e
permitiu que ele a segurasse com o desespero de um homem
se afogando.
— Você… Você aceita? — Ele perguntou com voz rouca.
— Ora, Northmere, — ela disse jocosamente – posso
enxergá-lo claramente.
Ralph lutou para permanecer de pé, puxando a mão dela
um pouco mais do que o necessário.
— Tem certeza? — Ele perguntou.
De fato, Jemima estava totalmente certa. Poucos dias
atrás, encarara um problema intransponível. Como arrumar
um marido que ficasse feliz em dizer os votos, aceitasse os
termos do duque para receber o dote e depois a deixasse com
seus planos pelo resto do tempo?
Escolhendo um homem que era conhecido por desprezá-
la, claro. Jemima se surpreendeu por não ter pensado nisso
sozinha.
Quaisquer que fossem as razões para Ralph lhe fazer
essa proposta, – e ela tinha certeza de que havia um motivo
oculto – possivelmente não envolvia dita onde ela ia ou como
passava seu tempo.
Eles se casariam com uma licença especial. Ela insistira
nisso. E estaria em Londres antes de o mês terminar.
Minha querida!
Jemima deu meia volta a mão de Ralph ainda segurando
a dela. Para seu horror, a Marquesa de Lilistone estava
parada no vão da porta aberta, as mãos pressionadas no
rosto.
— Lady Lilistone…
— Que maravilha! Uma proposta de casamento! Oh,
Ralph, seu travesso! Não fazia ideia! — Lady Lilistone deslizou
em direção a eles e os abraçou, puxando-os para perto. Era o
mais perto que Jemima já esteve do rosto de Ralph. Os olhos
dele se encontraram desajeitadamente por cima dos ombros
de Lady Lilistone.
Ele era bastante bonito de perto, de um jeito meio dândi.
O cabelo loiro-areia e o estilo impecável seriam úteis se
Jemima precisasse se mover entre os altos círculos da
sociedade.
— Há quanto tempo isso vem acontecendo? — Lady
Lilistone demandou, olhando de Jemima para Ralph com
deleite.
— Apenas há dois minutos, minha senhora. — Disse
Jemima. Ela notou Ralph puxando a cravat. Era culpa dele
mesmo estar desconfortável, todos sabiam como ele testava a
habilidade de seu valete todas as manhãs.
— Que engraçada é! Vocês jovens passaram todo o verão
juntos. Não me espanta que o amor tenha florescido. —
Jorrou a marquesa. — Venham comigo imediatamente, meus
queridos! Ralph, deve falar com o duque sem mais delongas!
— O duque. — Ralph repetiu asperamente.
— Meu guardião. — Jemima o recordou. — Ou já se
esqueceu?
— Não podemos anunciar tudo hoje. — Disse Ralph,
recobrando sua confiança usual. Pela primeira vez, isso
divertiu Jemima mais do que a irritou. Ela podia pensar em
milhões de coisas que ele queria dizer, a profunda frustração
que o atormentava por causa da presença de Lady Lilistone
ali e ele não podia dizê-las.
— Não seja ridículo! Robert e Cecily não se importarão.
— Sorriu Lady Lilistone. Ela os puxou para dentro do salão,
cada um em um braço. — Que melhor hora do que agora,
quando está cercado por amigos? — Ela transmitiu e deu
uma palmadinha no rosto de Ralph. — Você sempre é tão
modesto, querido Ralph!
Ela finalmente os deixou e se afastou para localizar o
duque.
— Modesto? — Jemima repetiu, olhando duvidosamente
para Ralph. — Você?
Ralph tocou sua bochecha onde Lady Lilistone dera a
palmadinha.
— Sempre fui o favorito dela. Quando era menino, ela
pensava que eu precisava de uma mãe.
— E sua própria mãe? — Perguntou Jemima.
Ralph estremeceu.
— Entenderá quando conhecer Lady Peyton, mas
acredite, houve momentos que preferi ser órfão.
Jemima levantou o leque para cobrir a boca, um pouco
tarde demais para esconder a formas com que seus lábios se
apertaram. Ralph arregalou os olhos.
— Senhorita, não quis dizer…
— Eu sei o que quis dizer, Northmere. — Ela disse
suavemente. — Você foi descuidado. Como sempre é.
Ela se afastou, pretendendo deixá-lo com seus próprios
esquemas, mas descobriu seu caminho obstruído por Cecily
em seu imaculado vestido branco.
— Jemima! — Cecily ofegou, apertando suas mãos. — É
verdade? — Ela ficou nas pontas dos pés para lançar um
olhar suspeito por cima do ombro de Jemima para Ralph. —
Não pode estar noiva?
— Eu posso e estou. — Disse Jemima baixando a voz. —
Espero que não se importe.
— Importar-me? — Cecily balançou a cabeça,
descartando o pensamento em favor de uma preocupação
mais profunda, pegou o braço de Jemima, puxando-a com
firmeza para se afastarem. — Vamos deixar Northmere falar
com o meu pai, se isso é o que realmente ele deseja. — A
alguma distância, Lady Lilistone estava avançando em direção
a eles com o duque a reboque. Para o crédito de Ralph, ele
não parecia nervoso. Ele endireitou os ombros, deu um aceno
vigoroso para Jemima e se moveu para encontrar o duque
com sua mão estendida em cumprimento.
— Jemima! — Cecily falou entre os dentes, assim que
estavam longe o bastante para que Ralph as ouvisse. — O que
está pensando? Northmere nunca deu uma pista de que gosta
de você e eu sei que não o suporta!
— O que isso importa? — perguntou Jemima. — Nem
todos tem sorte o bastante de se casar por amor.
— Que coisa a se dizer! — Os olhos de Cecily estavam
arregalados de preocupação. Jemima se amaldiçoou por
causa tal angustia no que deveria ser o dia mais feliz da vida
de Cecily. — Você não tem razão para se casar sem afeição. —
Cecily continuou. — Você é uma herdeira! Além do mais,
sempre falou tão depreciativamente sobre casamento. Não
tinha ideia de o considerava!
— Não estava, até muito recentemente. — Disse Jemima.
— Acredite, eu tenho um bom motivo.
— Mas Northmere! — Cecily protestou. — De todas as
pessoas que poderia escolher! Se deve se casar, Jemima, não
se amarre a alguém que nem mesmo gosta!
— Mas isso é precisamente o que o torna tão atraente.
Northmere não tem interesse em minha companhia, nem eu
na dele. Nos casaremos e termos nossas vidas separadas. Eu
serei livre para viver sem qualquer necessidade de
acompanhante ou guardião.
O rosto de Cecily enrugou-se.
— Tem sido tão infeliz aqui? — Ela perguntou. — Tem
discutido com os meus pais? Falarei com ele sobre o seu
comportamento se ajudar. Se sente falta de liberdade, venha e
more comigo! Estou casada agora! — Ela parou para sorriso
com a estranheza disso. — Sim, sou casada ! Posso ser a sua
acompanhante.
— Mas você irá para Scarcliffe Hall e eu devo ir a
Londres. — Disse Jemima. — Ceci, prometo que lhe contarei o
que está acontecendo assim que tudo isso acabar. Não há
nada que possa fazer para me ajudar. Devo agir sozinha. É
assunto de vida ou morte.
Cecily pousou solenemente uma mão sobre o ombro de
Jemima.
— Eu sei que não jogaria seu futuro fora por nada.
Jemima, se é o que verdadeiramente quer, não tentarei
impedi-la. Mas… — O olhar dela pousou em seu marido,
Robert, que conversa com os convidados do outro lado da
sala. — Agora que encontrei a felicidade, não suporto pensar
em você atirando a sua em Northmere.
— Não sou como você. — Suspirou Jemima. — Sou fria
por dentro, Cecily, onde você é carinhosa e amável. Nunca
sonhei em um compromisso por amor. Northmere se encaixa
perfeitamente. Melhor, de fato, do que se ele fosse incomodo o
bastante para se apaixonar por mim. Isso não suportaria.
O Duque de Loxwell estava se aproximando delas,
Northmere ao seu lado. O rosto do duque estava envolto em
sorriso, enquanto o de Northmere estava duro como uma
pedra.
— Ali vem o seu pai. — Murmurou Jemima. — Devo
encenar a parte da apaixonada agora ou ele nunca
concordará com o compromisso. — Ela colocou um sorriso
feliz sobre suas feições. Parecia errado enganar o duque que
se importava tanto com ela, mas ele a deixara sem outra
escolha.
Pelo bem de Bernard, deveria se casar com Ralph. Ela
sorriria afetadamente de agora até o dia do casamento.
Nada importava mais do que seu irmão.
— Ralph, meu querido. — Ela atirou assustando-o tanto
que ele quase derrubou a champanhe. — Conte-me as
notícias! Enfim encontramos a felicidade?
Ralph não era nem de perto o ator que ela era. Ou talvez,
ele não via necessidade de mentir. Qualquer que fosse a razão
para ele se casar, não podia ser tão urgente quanto a dela.
— Nossas orações foram ouvidas. — Ele disse
monotonamente. — Sua Graça disse que podemos nos casar.
4

Os dias antes do casamento passaram-se em um borrão.


Ralph foi a Londres para obter uma licença especial,
abençoadamente aliviando Jemima do dever de passar algum
tempo com ele. Cecily e Robert partiram em lua de mel. Hart e
Isabella faziam planos para mudar-se de Scarcliffe para
Londres.
O sol nasceu na manhã do casamento de Jemima tão
quente e brilhante como no de Cecily, como se zombasse da
união sem amor que ele testemunharia lá embaixo. Jemima
virou o rosto para ele enquanto esperava o duque e a duquesa
no pátio de Loxwell Park, tentando apreciar o calor. Isabella
parou ao seu lado, arrumando a macia peliça vermelha que
cobria os ombros de Jemima.
— Foi bem que tenha vindo. — Disse Jemima. — Mas
não era necessário. Sou capaz de me casar sem ninguém para
me empurrar pela igreja!
— Vermelho no dia de seu casamento. — Disse Isabella.
Embora sorrisse, os olhos dela estavam tristes. — Você
realmente sabe o que está fazendo, Jemima?
Jemima pegou as mãos de Isabella e as segurou com
força.
— Está preocupada que eu esteja tomando a decisão
errada. — Ela afirmou. — Minha amiga querida, acredite em
mim. Eu sei o que estou fazendo.
— Como posso assistir você se casar com aquele homem
com alegria no coração um dia depois de me despedir de
Cecily e Robert que partiram em sua lua de mel? — Isabella
lamentou. — E apenas algumas semanas desde que me casei
com Jonathan, depois de tantos anos separados? Eu sei como
um casamento sem amor é, Jemima, e também sei quão
doloroso é encontrar alguém que lhe ama e ser incapaz de tê-
lo. O que fará se se apaixonar por outro? — A ansiedade
retorceu os lábios dela enquanto mordia a parte interna da
bochecha. — Ou espera que a afeição surja entre você e
Northmere? — Ela perguntou, tão esperançosa que Jemima
se sentiu cruel em desiludi-la. Mas não mentiria à sua amiga.
— Espero apreciar todos os benefícios que o casamento
me trará. — Ela disse. — O amor não é tudo. Ora, seu
primeiro casamento a deixou feliz o bastante naquele tempo.
Seu marido permitia que você levasse uma vida independente.
E eu afirmarei sobre Northmere: ele não cortará a minha
independência.
Isabela suspirou.
— Desejo que confiasse a mim os seus segredos,
Jemima. Tenho certeza de que Jonathan e eu seríamos
capazes de ajudar.
Nós dois a consideramos muito.
— Eu sei e fico feliz por isso. — Disse Jemima. Ela beijou
a bochecha de Isabella movendo-se com cuidado para não
bagunçar as flores em seus cabelos. — Obrigada por estar
aqui.
— Onde está a noiva corada? — Veio a voz estrondosa do
duque. Ele descia os degraus de Loxwell Park, resplandecente
em suas mais elegantes casaca e calças. A duquesa estava a
seu lado, graciosa e elegante em seu vestido azul claro.
Jemima sabia que eles não esperavam que ela os
deixasse tão cedo após o casamento de Cecily. Dizer adeus a
filha deles e a amada pupila em questão de semanas devia ter
sido um golpe duro para o amado casal. Mas eles não
mostravam nenhum traço de tristeza em seus rostos
radiantes.
— pronta e esperando! — Exclamou o duque, segurando
Jemima com o braço estendido para avaliá-la. — Você está
ansiosa para o casamento!
— Você está simplesmente perfeita. — Disse a duquesa,
embora Jemima soubesse que ela realmente queria outra
festa de casamento extravagante e completa, com um vestido
branco e rendas de Bruxelas. — Lorde Northmere será
subjugado. — Ela tomou o braço de Isabella e piscou. — Se
tivermos sorte, até mesmo vejamos ele derramar uma lágrima!
Se Ralph chorasse no altar, não teria nenhuma relação
com a aparência de Jemima. Ela forçou uma risada para o
bem da duquesa e permitiu que o duque a levasse até a
carruagem. Logo, eles estavam chocalhando pela estrada em
direção à igreja em Loxton onde Cecily havia se casado uma
semana antes.
Isabella estava observando o rosto de Jemima
cuidadosamente para consolar, então Jemima virou-se para a
janela. Estava começando a ficar nervosa e não queria
preocupar a amiga ao demonstrar isso. Havia todas as
chances para que isso fosse uma brincadeira elaborada, e
Ralph podia nem ao menos estar na igreja.
Esse pensamento lhe resultava em alívio ou decepção?
Isabella se inclinou para frente e pôs uma confortante
mão sobre o joelho de Jemima.
— Northmere é um bom homem. — Ela sussurrou. —
Deve me deixar ter esperança que encontre felicidade,
Jemima, mesmo que não a deseje você mesmo.
— O que foi isso, minha querida? — perguntou a
duquesa. Isabella se recostou com um sorriso tranquilo.
— estava simplesmente lhe desejando felicidade,Vossa
Graça!
Jemima deixou sua cabela cair contra a janela,
cuidadosamente para nenhuma das flores brancas fossem
amassadas pelo vidro. Ela ainda não se permitira avaliar o
homem com quem estava se casando.
— O que ela realmente sabia sobre Ralph?
Ele era terrivelmente vaidoso e chegava atrasado em
todas as festas após deixar seu valete sofredor irritado com
suas exigências. Era desagradavelmente arrogante e
provavelmente morreria se houvesse um dano a seu orgulho.
Era bonito, mas isso subira à cabeça. Entre os quatro
cavalheiros que passaram o verão em Scarcliffe Hall, ele era o
mais espalhafatoso, mais impetuoso, menos cuidadoso e o
mais irritante. Não havia jogo que ele não levasse longe
demais, nenhuma aposta que ele não aceitasse.
Uma vez ele a empurrara no Rio Lox em um dia de verão.
Oh, e ele tinha uma irmã. Mas ela apenas sabia disso
porque Isabella e Hart lhe disseram.
Ele deve ter algumas boas qualidades. Robert, Hart e
Beaumont eram todos homens bons, e não admitiriam um
tolo ou um fanfarrão em seu grupo fechado Jemima admitia
que ele podia não ser o diabo que pensou que ele era.
Simplesmente o caráter deles eram completamente
inadequados. Cada um foi projetado precisamente para irritar
o outro.
E esse era o homem com quem estava se casando.
Isabella estava certa? Ela estava cometendo um erro terrível?
O rosto de Bernard surgiu em sua memória, o nariz
empinado, o espelho exato do dela, enrugando-se quando ria,
os dentes exibindo um sorriso, os cabelos arrepiados sob seu
chapéu shako com pena.
Jemima pousou uma mão sobre a outra e as apertou até
ter certeza que os nós estavam brancos embaixo das luvas.
Erro ou não, ela devia e iria se casar com o Barão Northmere.

***

— Que final de verão! — Disse Lorde Jonathan Hartley,


andando de um lado para o outro no corredor da igreja vazia.
Depois da agitação do casamento de Cecily e Robert, o lugar
parecia estranhamente vazio. — Em pensar que viemos a
Scarcliffe Hall como quatro solteirões convictos e agora
partimos como homens casados!
— Beaumont não se casou ainda. — Disse Ralph. Ele
estava parado em frente ao altar como se suas botas tivessem
sido pregadas no chão. Aquele era o lugar designado a ele.
Era onde ele entregaria sua vida e seu coração a uma mulher
que o odiava.
— Beaumont e a Srta. Hawkins terão outro casamento
social. — Suspirou Hart, parando sob um dos feixes de sol
que se infiltrava das janelas altas. — Suponho que será a
próxima vez que estaremos todos juntos, agora que Robert
viajou em lua de mel e Beaumont voltou a seu castelo. Penso
que você e eu temos a ideia certa, Northmere. Casamentos
rápidos, com o mínimo de ruído e gastos. Os dias que virão
depois são o que importa.
Ralph deslizou um dedos ao longo da borda superior de
sua cravat com cuidado para não amassá-la.
— estes dias são os que me preocupam. — Ele admitiu.
Hart andou e parou ao seu lado.
— Sinto-me horrível por ter participado dessa questão,
Northmere. Não é muito tarde para voltar atrás, você sabe.
Jemima não terá o coração quebrado. Ela deve ter um motivo
oculto para ter concordado em se casar com você, um que
nenhum de nos pode prever. Mas você só danificará o orgulho
dela se cancelar.
— Não posso fazer tal coisa. — Disse Ralph com firmeza.
— Uma dama rejeitada nunca se recupera de uma mancha
em sua reputação. As pessoas falarão. Nunca sujeitaria a
moça a isso. Além do mais, há o meu próprio futuro a pensar.
O duque estabeleceu algumas restrições ao dinheiro de
Jemima, mas se reverterá em melhor proveito para a minha
propriedade e para Daisy. — De alguma forma, por mais que
ele odiasse admitir, Jemima o salvara. Os anos de trabalho
duro que seriam necessários para tornar as suas
propriedades lucrativas novamente foram apagados em um
instante. Ele poderia ser o proprietário que sempre quis ser –
generoso e atencioso, ajudando os pobres e necessitados. Se
seus investimentos fossem pagos, seria capaz de pagar as
contas de Jemima com juros.
E Daisy teria o baile de debutante que sempre sonhara.
— Percebo que não posso dissuadi-lo. — Disse Hart,
batendo os dedos irreverentemente no altar. Ele segurou os
ombros de Ralph com uma súbita seriedade. — Escute,
Northmere, você sabe que eu o amo como um irmão. Sua
felicidade e a de Daisy significa o mundo para mim. Mas eu
também admiro Jemima, embora eu saiba que você não. Ela
tem um bom coração, embora tente esconder isso, uma mente
aguçada e um espírito independente. Deve ser bondoso com
ela.
— Se achasse que bondade suavizasse o rancor dela. —
Ralph começou, mas os dedos de Hart enfiaram-se em seu
ombro e o parou.
— Deixe que este seja o fim da guerra entre vocês. Tente
ser amigos. Talvez, com o tempo, vocês possam ser mais que
isso.
— Está pedindo demais, Hart. — Suspirou Ralph,
afastando sua mão.
Ele teria dito mais, mas a porta alta abriu-se no final da
igreja. Isabella entrou, fazendo o rosto de Hart iluminar-se
com prazer. Ralph ficou de lado enquanto Hart recebia sua
esposa com um beijo vigoroso em seu rosto e a fez rir.
Os dois estavam tão felizes, quando há duas semanas
eles estavam separados e miseráveis. Hart podia estar certo?
Ralph poderia esperar algo daquela doçura de seu
relacionamento com Jemima?
A porta da igreja se abriu mais uma vez e ele se virou
para ver sua noiva caminhando pelo corredor com o duque
em um braço e a duquesa no outro.
Ela estava vestindo uma peliça vermelha de sarja sobre
um vestido simples de musselina branca. O cabelo estava
amarrado no topo em um intrigado estilo com flores brancas
entre as mechas. Seu elegante nariz estava empinado e os
olhos fixos no altar. Ela não olhou para Ralph nenhuma vez
durante todo o percurso pelo corredor.
Ralph sabia que deveria encenar a parte do noivo
apaixonado para o duque e a duquesa, mas nunca foi bom em
dissimular. Ele os agradeceu com um aceno, mantendo o
rosto severo, já que não conseguia esboçar um sorriso.
Jemima tinha, felizmente, desistido de sua farsa de alegria.
Ele temera que ela pudesse tanto estar em falsos êxtases de
deleite ou tão pálida quando uma dama francesa em seu
caminho à guilhotina.
Ela não era nenhum dos dois. O queixo dela estava
erguido e os olhos secos. Havia um foco perfeito nela, como
se, ao casar-se com ele, alcançasse algum objetivo desejado.
Se Ralph tivesse prestado mais atenção nela durante o
verão. Ele zombara e a irritara em todas as oportunidades,
mas não descobrira nada do que ia em seu coração. Que
segredos a dama escondia?
Eles eram tão desesperadores quanto os dele?
Enquanto Jemima tomava lugar a seu lado, ela
encontrou seus olhos por um instante. Ele viu além do verniz
de calma, a turbulência de emoções internas, sentimentos
que espelhavam exatamente os dele. Foi como se um raio
tivesse cruzado o ar entre eles. Os olhos de Ralph se
arregalaram e os lábios de Jemima se separara para falar.
Mas ela pensou melhor e virou-se para o clérigo.
— Estou pronta. Vamos começar.
5

A cerimônia acabou. Ela não era mais Lady Jemima


Stanhope, mas Jemima Morton, Baronesa Northmere.
A perda do nome de seu pai foi um golpe maior do que
ela antecipara, mas Jemima estava determinada a não deixar
que nenhum de seus conflitos internos fossem mostrados.
Houve um momento, parada diante do altar, quando ela
encontrou os olhos de Ralph e pensou por um segundo ter
visto um brilho de compreensão.
Mas ele estivera tão sisudo, tão diferente de seu jeito
normalmente exasperante, então Jemima não quis arriscar
revelar mais de si mesma do que pretendia, principalmente
com ele em um humor que nunca vira antes. Ela não confiava
em Ralph. Até que os votos finais fossem falados, havia uma
chance de ele mudar de ideia e cancelar tudo. Assim,
nenhuma palavra foi dita entre eles diante do altar, exceto os
votos de casamento. Jemima quase sentiu saudade da
impertinência que normalmente a irritava. Em seu desespero
para salvar Bernard, não lhe ocorreu considerar os
sentimentos de Ralph.
Ela só podia esperar que as razões dele para se casar
fossem tão urgentes quanto os dela.
O duque e a duquesa prepararam um maravilhoso café
da manhã de casamento para o pequeno grupo em Loxwell
Park. Jemima observou Ralph cuidadosamente sempre que
tinha certeza de que ele não notaria. Ele comeu fartamente,
como sempre. Isso era bom. Pelo menos a experiência de se
casar com ela não era desagradável o bastante para afastá-lo
da comida.
— Quais são seus planos agora, Northmere? — Hart
perguntou. — Pretende levar sua noiva para Shipwood Hall?
Ou há uma lua de mel à caminho?
— Tenho alguns negócios para cuidar em casa. — Disse
Ralph. — Depois disso…
Ele olhou para Jemima no exato momento em que ela,
ouvindo para planejar quando podia ir a Londres, olhou para
ele. Rapidamente eles afastaram os olhares.
— Depois disso, iremos onde a dama escolher. — Ele
disse. Jemima apertou os lábios. Ela não podia esperar que
ele concluísse seus negócios em Shipwood hall. A carta do
Tenente Worston já ficara sem resposta por muito tempo. E se
Bernard estivesse ferido,, morrendo por causa das feridas,
incapaz de escrever por si mesmo? E se ele estivesse
perecendo em uma prisão, acusado pelo crime de outro
homem?
— Espero não demorar a vê-los em Londres. — Disse
Isabella. — Jonathan e eu estaremos estabelecidos há mais
tempo. — Ela trocou um olhar cheio de esperanças e
promessas com o marido. — Temos tantos planos! — Como se
recordasse que ele não eram os únicos recém-casados na
sala, Isabella deu um sorriso melancólico para Jemima. —
Como tenho certeza que vocês fazem.
— Certamente. — Disse Jemima, sorrindo de volta em
benefício do duque e da duquesa. — Estamos ansiosos por
nossas vidas juntos!
Os olhos de Isabella estavam cheio de tristeza. Jemima
não suportou olhar para ela. Em vez disso, ela espetou a
batata com o garfo e o usou para apontar indelicadamente
para seu novo marido.
— Não é verdade, Ralph?
Os olhos de Ralph brilharam com sua zombaria usual.
— Você sabe como me sinto, Lady Northmere. Não
pretendo nunca sair do seu lado.

***

— Bem, graças a Deus, isso acabou. — Disse Jemima


enquanto as portas de suas salas privativas eram fechadas.
— Pobre alma. — disse Ralph a observando
intrigadamente. — Fingir gostar de mim por um dia inteiro
deve ter sido muito cansativo para você.
Jemima se recusou a morder a isca. Em vez disso, ela
abriu a porta de seu dormitório e começou a puxar os
vestidos de seu guarda-roupa. As criadas haviam deixado ela
e Ralph sozinhos. Teria que empacotar ela mesma.
Ralph a seguiu, abaixando-se pelo vão baixo da porta.
Ele era um homem inconvenientemente alto.
— Já vamos para o quarto? Não pretende perder tempo.
Jemima interrompeu seu trabalho e pôs as mãos nos
quadris.
— Você. Fora.
Ralph ficou onde estava e ergueu uma sobrancelha.
— Sou o seu marido, Lady Northmere.
— E não me chame assim. Já é ruim o bastante que
todos o façam. — Jemima avançou em sua direção e colocou
um dedo em seu peito lago. Ela lhe deu um empurrão forte e
ficou desapontada ao notar que ele não se moveu. — Eu disse
fora.
— De que mais posso chamá-la?- Perguntou Ralph
caminhando de volta a sala de estar. — Doçura? Rolinha?
Pudim?
— Pode me chamar… — Jemima parou. Ela não podia
lhe pedir para chamá-la de Lady Jemima. Ela era Lady
Northmere agora, além do mais, ele era seu marido. — Não
me importo como me chama. — Ela disse exasperada. —
Contanto que não insista em me lembrar que me casei com
você. E contanto que fique do lado certo desta porta! — Ela a
fechou nacara dele antes que ele fizesse outra tentativa de ser
espirituoso.
Ela tinha enchido meia maleta com uma seleção
aleatória de vestidos quando foi interrompida por uma batida
gentil.
— Com licença, meu glacê. — Disse Ralph. Jemima abriu
a porta novamente.
— Sim?
Ele enfiou os polegares nos bolsos de sua casaca.
— Você realmente não quer conversar sobre… sobre…
— Qualquer coisa? Com você? Não.
Ele olhou por cima do ombro dela, em direção à cama
cheia de roupas.
— Perdoe-me minha tolice, mas na noite de casamento
acredito que as roupas normalmente são tiradas e não
colocadas sobre a cama.
Vendo que não teria paz de outra forma, Jemima deixou
a porta aberta e resumiu o seu trabalho.
— Estou empacotando. — Disse, dobrando uma
camisola.
— Tão ansiosa para conhecer Shipwood Hall?
— Nem um pouco. Você pode ir a Shipwood Hall, se
quiser. Eu vou a Londres.
Ralph deu um passo longo para o outro lado da porta.
Uma expressão de surpresa cruzou seu rosto.
— Londres? O que quer fazer lá?
Jemima que enchera uma valise satisfatoriamente a
fechou com um estalo.
— Não me intrometi em seus assuntos privados,
Northmere. Agradeceria se estendesse a mim a mesma
cortesia.
Ralph deu alguns outros passos para trás e sentou-se
em uma cadeira, uma perna cruzada sobra a outra, franzindo
a testa.
— Ah. Então não se casou comigo por causa do meu
inegável charme.
— Chocantemente, não. — Ela abriu a gaveta e começou
a transferir suas meias e roupas de baixo para a segunda
valise. Para sua diversão, Ralph realmente virou o olhar para
a janela.
— Não posso permitir que vá a Londres. — Ele disse, os
olhos avaliadores fixos em algum ponto, exceto em suas
roupas de baixo. — É a minha esposa agora, não pode viajar
pelo país como quiser.
— Ao contrário. Sou sua esposa e farei exatamente o que
me agradar.
— Mas somos recém-casados. O que as pessoas
pensarão?
— O que elas quiserem. — Respondeu Jemima. — Já
acabei com minhas intimidades, se já acabou de contemplar a
vista.
Ralph se virou em sua direção. Um vinco de insatisfação
enrugava sua bela testa. Era mais que isso. Jemima estava
acostumada que seus encontros terminassem com ele
franzindo a testa e ela em um estado de frustração.
— Meu delicioso pudinzinho de ameixa. — Ele disse sem
rodeios. — Tenho assuntos urgentes em Shipwood Hall.
Assuntos que não podem esperar.
— E é muito bom que os atenda. Enquanto isso, estarei
em Londres.
Ralph suspirou e se recostou, batendo só dedos no
queixo.
— Seu assunto também é muito urgente.
— Inescapavelmente assim.
— Muito bem. — Ele falou. — Iremos a Londres.
Jemima derrubou o bonnet que segurava.
— Nós?
— Alguém precisará a apresentar à criadagem de minha
casa na cidade. Não pode simplesmente chegar e apregoar ser
Lady Northmere. Nenhum deles sabe que me casei.
— Sua casa na cidade?
— De fato, querubim, onde pretendia ficar?
Jemima pegou o bonnet e começou a esfregá-lo
vigorosamente para tirar pó imaginário.
— Pare com esses incessantes apelidos!
— Só quando me permitir que eu a chame de Jemima.
Ela respirou profundamente. Quase disse a ele, em
termos incertos, que seu primeiro nome era reservado a
amigos e familiares. Para as pessoas de quem ela gostava.
Para pessoas que importavam.
Mas alguma coisa em sua súbita expressão séria segurou
suas palavras em sua língua.
Ela realmente queria começar seu casamento com uma
guerra?
— Muito bem. — Ela disse. — Suponho que quer que eu
o chame de Ralph?
Ele deu de ombros cuidadosamente.
— Se lhe agradar.
Tão pouco no dia de seu casamento lhe dera prazer. Uma
terrível tristeza tomou conta dela diante do pensamento.
Jemima começou a ver um pouco de seu próprio vazio
refletido no rosto de Ralph.
Eles tinham começado o dia com tão poucas expectativas
e ainda conseguiram desapontar um ao outro.
— Sim, Ralph. — Disse, notando a surpresa iluminar os
olhos escuros dele. — Gostaria.
Ele abriu a boca para falar, apenas para fechá-la
novamente com a intenção de olhá-la por um longo momento
com o queixo apoiado em uma mão.
— Enviarei uma nota a Scarcliffe Hall para que meu
valete faça os arranjos para a nossa viagem. — Ele disse. —
Pedirei a carruagem para depois do café da manhã, pode ser?
— Obrigada. — Disse Jemima. Ela nunca o agradecera
por nada antes. Parecia estranho e revelador. Ela meio que
esperava que ele fizesse algum comentário jocoso, como
normalmente fazia.
Em vez disso, ele se levantou, esfregando as mãos
distraidamente e caminhou para colocar as almofadas no
pequeno sofá.
— O que está fazendo? — Ela perguntou. Ele lançou um
olhar para ela com sua velha expressão malandra, uma com a
sobrancelha erguida e os lábios curvados em um sorriso
atrevido.
— Pensei em lhe dar uma noite para se acostumar com a
nova situação antes de começarmos com o assunto de gerar
um herdeiro.
Jemima quase atirou a almofada nele.
— Não pode estar falando sério.
— Não posso? Nós somos marido e mulher. — Ele deitou-
se no sofá, as pernas abertas e ergueu as sobrancelhas
sugestivamente.
Isso era demais. Jemima pegou um travesseiro da cama
e o jogou na cabeça dele.
— Se acha que pretendo…
Ralph pegou o travesseiro com facilidade e o pôs embaixo
da cabeça.
— Pretensão? Minha querida Jemima, quando eu
terminar, baterá à porta do meu quarto para cumprir os seus
deveres de esposa.
Ela bateu a porta novamente. Sua risada baixa
atravessou a porta. Ela desejou ter batido com mais força.
— Um cobertor seria muito apreciado! — Ele gritou.
Jemima cerrou os dentes. Preferia deixá-lo passar a noite
se virando no frio.
Sem saber o porquê, ela puxou o cobertor de cima de sua
cama, abriu a porta com um ruído e a estendeu sem olhar.
Houve uma pausa e depois uma mão gentil a puxou de
seu aperto.
— Boa noite, Jemima. — Disse Ralph.
Ela o sentiu esperando na porta, esperando uma
resposta. Por que ele se importava se ela respondia ou não,
não tinha ideia.
Mas ela não era como ele. Não ria das infelicidades dos
outros. Se ele era desagradável o bastante para esperar que
sua esposa descontente lhe desse boa noite, ela não zombaria
dele.
— Boa noite, Ralph.
A porta se fechou entre eles. Jemima avaliou o restante
de suas coisas meio empacotadas com um suspiro.
Fora um longo dia e ela já suspeitava que o pensamento
de Ralph estar na sala vizinha não a permitira uma piscada
de sono por toda a noite.
6

A viagem a Londres passou em um estado de trégua


desconfortável. Se algum dos estalajadeiros acho estranho
que os recém-casados Lorde e Lady Northmere pedissem
quartos separados, acharam melhor não tocar no assunto.
Jemima passou seu tempo olhando pela janela, os olhos
focando nos campos que passavam ao mesmo ritmo de seus
pensamentos indescritíveis. E Ralph…
Ralph passou seu tempo observando Jemima.
Ao chegarem em Londres ele havia memorizado cada
linha e curva do rosto dela. Ele conhecia a forma com que o
nariz dela enrugava quando um cheiro de fazenda estava no
ar, a forma com que os lábios pressionavam-se quando ficava
ansiosa. Conhecia a linha que formava entre suas
sobrancelhas quando ela estava pensando profundamente.
Ele conhecia o brilho dos olhos quando ela se continha de
dizer alguma coisa muito afiada para a paz recém-criada
entre eles.
Ele não sabia porque ela se casara com ele. Pior ainda,
ele não sabia como parar a coceira em seus dedos que
desejavam acariciar uma única mecha loira que
continuamente caía sobre o olho direito dela.
— É esta a casa? — Perguntou Jemima espiando pela
janela com interesse renovado enquanto a carruagem parava.
Ralph umedeceu os lábios, sua garganta estava seca após
longas horas sem falar.
— Morton House. Gostou?
Ela lhe lançou um olhar estranho.
— Importa?
— Acredito que não. — Ele roçou nela ao descer da
carruagem e se viu de frente a uma fileira de seus criados
londrinos, todos bem vestidos e em posição de sentido,
encabeçado por Tyler, o mordomo.
Pelas aparências, ele se virou para oferecer sua mão a
Jemima. Ela hesitou por um momento antes de tomá-la.
— Não a jogarei na lama na frente de sua nova
criadagem. — Ele disse impacientemente. Jemima mordeu as
bochechas como se fosse um limão, mas permitiu que ele a
ajudasse a descer da carruagem.
— Boa tarde, Tyler. — Disse Ralph, enquanto o mordomo
se inclinava. — Jemima, deixe-me apresentar o Sr. Tyler, o
mordomo de Morton House. Tyler, esta é a sua nova senhora,
Lady Northmere.
O idoso deixou escapar uma exclamação de choque.
— Desculpe-me, meu senhor. Você disse…?
— Receio que seja verdade. — Disse Ralph, permitindo-
se um pequeno sorriso. — Encontrei uma mulher tola o
bastante para se casar comigo.
— Minha senhora, é uma honra! — Disse Tyler,
inclinando-se tanto que sua peruca, já precária, corresse o
risco de cair. — Permita-me cumprimentá-la por casamento!
Você fez um casamento muito bom, se permitir que um
homem velho fale o que pensa!
— Obrigada, Tyler. — Disse Jemima. Ela deu aquele
sorriso ensolarada que nunca aparecia quando olhava para
Ralph. — Tenho certeza que nos daremos bem.
Ralph não conseguiu evitar a diversão diante das feições
de surpresa e murmurinhos de choque que correram por sua
equipe enquanto o Sr. Tyler apresentava Jemima a sua nova
criadagem. Ralph sempre gostou de ser o centro das atenções.
A excitação que normalmente cercava o par de recém-casados
fora negada a ele. Talvez ele aproveitasse o seu tempo em
Londres afinal… Desde, claro, ele partisse a tempo de evitar
que o nome de sua mãe fosse espalhado pelos jornais diários.
Aquele tipo de atenção não era apreciada.
Ele parou em frente a porta da frente, passando um
braço para interromper a caminhada de Jemima.
— Devo jogá-la sobre o meu ombro ou carregá-la no meu
colo. — Ele disse.
— É bem-vindo a tentar. — Disse Jemima
sarcasticamente. — Mas devo alertá-lo que estou usando
minhas botas de couro e posso chutar como uma mula.
Ralph fez uma vênia elaborada e manteve a porta aberta
para ela.
Ele ouviu Jemima conter a respiração em deleite
enquanto caminhava pelo vestíbulo.
Morton House era uma residência urbana bonita e
moderna a qual Ralph reformara de acordo com seu próprio
gosto. Ele a herdara empoeirada e abandonada, quase
demolida e a transformara em um santuário glamoroso da
cidade, trocando móveis antigos e contando cada centavo. O
vestíbulo espaçoso com o teto alto, os ladrilhos de mosaico no
piso, a escadaria de mogno, eram para impressionar. Um dia
sediaria o primeiro baile de Daisy na temporada londrina e ele
se certificou que tudo estivesse perfeito ao prever esse dia.
Nem mesmo Jemima podia esconder sua admiração. Era
tão raro que ela se impressionasse com algo que ele fizera que
ele ficou surpreso em apreciar a experiência. Ela se virou para
ele com olhos brilhantes.
— É uma casa magnífica.
— Obrigado. Eu mesmo supervisionei a decoração.
Jemima correu os olhos pela vestimenta dele, um quase
dolorosamente elegante sobretudo cinza e calças de camurça
tão justas que eram praticamente indecentes.
— Nunca pensei que fosse um homem de bom gosto. —
Ela disse.
Ralph passou por ela, atirou seu chapéu no suporte com
habilidade consumada.
— Besteira. Meu gosto é impecável, e nem mesmo você
pode negar isso.
Jemima apertou os lábios, disfarçando tanto a diversão
quando o desdém. Ele esperava pelo primeiro, talvez em vão.
Ele teria gostado muito do poder de lhe arrancar uma risada.
Em vez disso, sua próxima declaração foi um ofego de
deleite.
— Que belo conjunto de armas. — Ela disse, parando
nas pontas dos pés para olhar mais de perto para o par de
pistolas de duelo em um mostruário na parede. — Pistolas
Rainha Anne, não são? Prateada. Que belas gravuras. — Ela
deslizou a mão apreciativamente pelas laterais de prata,
encantada com o rosto de gárgula gravado. — Bernard me
prometeu que quando voltasse da França compraria uma
dessas para mim, mas menor. Uma pistola pequena para uma
dama, ele disse. Embora eu tenha discordado do termo.
Qualquer um pode atirar uma pistola, independente do
gênero.
— Elas eram do meu avô. — Disse Ralph. — Meu pai
sempre dizia que as havia usado para duelar com o segundo
Visconde Wembury, embora não saiba qual a verdade dessa
história.
— Eu teria escolhido uma Rainha Anne para um duelo.
— Jemima divertiu-se. — Mas apenas se o cano fosse
estriado. — Ela olhou por cima do ombro, o desafio em seus
olhos tão potente quanto qualquer luva lançada. — A precisão
é mais importante do que a decoração quando alguém atira.
Um arrepio de apreensão desceu pela espinha de Ralph.
Ele podia apenas esperar que ele e Jemima nunca tivessem
motivos para mirar um no outro. A dama conhecia
armamento.
— Venha. — Ele disse, abrindo a porta para uma
espaçosa sala de estar. Deixe-me mostrar ao redor.
A medida que entravam em cada sala equipada e Jemima
lutava para esconder sua apreciação, Ralph se perguntava
quanto tempo eles passariam juntos naquela casa. Seus
deveres na Casa do Lordes exigia sua presença em Londres a
cada temporada, mas ele não conseguia imaginar Jemima
desejando se juntar a ele. Havia Shipwood Hall em Surrey,
claro, onde ele ficaria confortável o bastante. Em vez de se
juntar a ela lá, ele podia passar os meses fora da temporada
visitando seus amigos como fizera naquele ano.
Ele dificilmente precisariam ver um ao outro afinal. Uma
vez que ela lhe desse um filho, eles não precisariam mais se
encontrarem.
Essa era uma ideia surpreendentemente triste.
— Esse deve ser o dormitório principal. — Disse Jemima.
Sem esperar por uma resposta, ela foi até a janela e pegou a
ponta de uma das cortinas de veludo com franjas para
deslizar entre os dedos. — Tão pesadas. — Ela comentou.
Ralph olhou ao redor para o quarto majestoso, com a
mobília de madeira escura e uma imponente lareira.
— Este era o quarto do meu pai. Não o toquei. — Ele
levou as mãos às costas enquanto olhava para a tapeçaria
que representava um cenário da mitologia grega. Quando
criança, ele nunca teve permissão para perguntar o
significado. Já um homem, parecia apenas mais evidências
dos vícios de seu falecido pai. E ainda assim ele não fora
capaz de arrancá-la.
— Agrada-lhe dormir em meio a … — Pela primeira vez
Jemima não conseguiu encontrar palavras. Ela gesticulou
para os roxos e pretos pesados que faziam as paredes se
fecharem em torno deles. — Tanta pompa e esplendor? — Ela
terminou, embora não fosse certo, e julgando pelo vinco entre
as sobrancelhas, ela sabia.
— Não. Durmo nos quartos que me pertenceram quando
jovem.
— Vejo. — Jemima pressionou os lábios por um
momento, depois caminhou em direção à janela. Ela puxou as
cortinas para revelar uma visão do pequeno jardim abaixo e
os telhados de Londres. — Então serão essas as primeiras a
irem-se.
— Para quê?
Ela olhou cuidadosamente por cima do ombro.
— Estou casada com Lorde Northmere e não com o filho
do antigo Lorde Northmere. Onde mais você dormiria além do
dormitório principal? — Ela se moveu até o enfeite de parede
que Ralph acabara de contemplar e lhe deu um puxão
especulativo. — Algumas cortinas de papéis com imagens
alegres e um conjunto de novos móveis darão a este quarto
uma nova imagem. — Ela encontrou seus olhos com uma
alarmante perspicácia. — Não há necessidade de viver sob a
sombra de seu pai.
— Eu não faço isso. — Ralph começou, mas ela já voltara
ao corredor.
— Isso conclui nosso passeio pelos dormitórios? Você
negligenciou em me dizer quais são os favoritos de sua mãe e
de sua irmã. Não quero pisar no pé de ninguém.
— Pensei que ficaria com o azul. — Ele disse, correndo
para acompanhá-la. Jemima fez uma parada brusca.
— Oh. Você realmente quer me manter a um braço de
distância.
— Não totalmente. Aquele quarto possui a maior janela e
um agradável balcão onde pode tomar seu desjejum nos dias
quentes. Há uma porta adjacente ao meu quarto – não o
dormitório principal, mas o local onde eu gosto de dormir.
Quando redesenhei a casa, sempre pensei naquele quarto
como o da minha futura esposa.
Houve um silêncio desconfortável.
— Não sou a mulher de seus sonhos. — Disse Jemima.
— Bobagem. Nunca sonhei com qualquer esposa.
Simplesmente sabia que um dia teria que me casar. — Ralph
suspirou. Ele não quis ofendê-la. De verdade, ele não queria.
Ainda assim, parecia que qualquer coisa que ele dizia era
errado. — Quando conhecer minha mãe e meu padrasto
tenho certeza que entenderá.
Embora quanto mais tempo sua mãe passasse
passeando pelo interior com Sir. Everard, menos provável a
chance desse encontro acontecer. Ainda assim, seu ponto
seria compreendido de qualquer forma.
A família Morton não fazia casamentos de sucesso.
— O quarto azul, então. — Disse Jemima. — Pedirei que
os criados tragam as minhas coisas.
Ele pensou que ver uma pitada de arrependimento nos
olhos dela enquanto ela seguia a seu novo quarto e
firmemente fechava a porta Mas talvez ele apenas estivesse se
iludindo.
Tinha passado toda a vida determinado a evitar os
mesmos erros que seu pai fizera e agora ele tropeçara de
cabeça no mais penoso.
Escolhera a esposa errada.
Uma comoção vinda de baixo o despertou abruptamente
de seu humor sombrio, seguido por um lacaio que subia as
escadas a um ritmo indecoroso.
— Meu senhor! — Ele engasgou ao ver Ralph. — O Sr.
Tyler me enviou para buscá-lo imediatamente! Sua mãe e
irmã acabaram de chegar.
7

— Elas o quê? — Ralph não esperou a resposta. Ele


empurrou o lacaio de lado e desceu correndo as escadas, dois
degraus por vez.
Era rui o suficiente ter se casado com Jemima sem
revelar o iminente escândalo de sua família, mas empurrar
Sua mãe sobre ela sem qualquer alerta era simplesmente
demais. Ele havia esperado que Jemima fugisse desde o
momento em que eles disseram seus votos de casamento e
isso certamente a faria correr.
Ralph não tinha tempo para contemplar o motivo pelo
qual subitamente se tornara tão importante que Jemima
ficasse ao seu lado. Afinal, ele tinha terminado sua tarefa de
apresentá-la à criadagem. Concordara com ela, pela primeira
vez, que não importava nem um pouco o que a sociedade fazia
com um casal recém-casado que não suportava ficar na
mesma casa.
E ainda assim, ele não queria que sua mãe a assustasse
a ponto de afastá-la. O encontro delas tinha que ser
cuidadosamente planejado.
— Ralph! — Gritou a mulher fabulosamente vestida para
em uma pose bastante estudada no corredor. Ela esticou os
braços como uma águia levantando voo, as penas balançando
em seu turbante e fitas brilhando nas pontas de suas
mangas. — Beije-me, meu querido! Essa é uma surpresa tão
agradável!
— Lady Peyton. — Ele respondeu friamente, parando a
uns bons passos de distância do abraço dela. — Não a
esperava.
— Nem eu a você! Mas que maravilha. Agora podemos
ficar todos juntos em Londres. — Ignorando sua recepção fria,
sua mãe passou por ele e abriu a porta da sala de estar. —
Chá! — Ela declarou. — Chá e bolo para minhas queridas
crianças!
— Ela não comerá o bolo. — Disse uma voz irônica por
trás da pilha de caixas de chapéus e valises. — Faz mal para
a figura dela.
— Daisy. — Disse Ralph, desta vez com um carinho real.
Sua irmã mal se livrou da bagagem que estivera carregando
antes de ser envolvido em um abraço.
— Não bagunce o cabelo dela! — gritou a mãe dele do
sofá. — A criada levou horas para acertá-lo.
Daisy puxou cansadamente uma trança pendurada. O
cabelo dela havia sido levantado, emplumado, enfeitado e
preso com alfinete como se estivesse indo a um baile.
— Aparentemente está em voga em Paris. — Ele
murmurou.
— Exagerado para uma longa viagem de carruagem. —
Disse Ralph. Ele pegou o braço de Daisy e a levou para fora
da vista da mãe deles. — Daisy, há algo que eu devo lhe…
— Não compartilhem segredos! — Gritou a mãe deles
fazendo Daisy estremecer. A viagem de Shipwood Hall era
longa, e Ralph não invejava a companhia que sua irmã tivera
pelo caminho. — Venham aqui, meus queridos. Quero ouvi as
novidades de Ralph em primeira mão!
— Mais tarde. — Daisy lhe prometeu ficando nas pontas
dos pés para lhe beijar. — Quero ouvir tudo sobre o seu verão
em Scarcliffe Hall. Foi bom? Nunca o perdoarei por não ter me
convidado.
Ela estava falando com leveza, mas Ralph não perdeu o
tom de censura. Daisy o amava demais para culpá-lo por
qualquer coisa, porém ele a deixara para sofrer um escândalo
familiar sozinha.
— Devia ter ido para o casamento. — Disse Ralph
entrelaçando os braços nos dela enquanto atendiam à mãe e
entravam na sala de estar. — Você foi convidada, não foi?
— Mamãe não estava bem para viajar. — Disse Daisy
franzindo o nariz. Diante daquela breve menção, Lady Peyton
deixou escapar um grito de dor e levou a mão à cabeça.
— Oh! Fiquei terrivelmente sentido por perder o
casamento do querido Lorde Scarcliffe! Mas estava em um
estado assustador de confusão. As coisas têm sido tão difíceis
para mim Ralph, você não faz ideia.
— Acho que tenho alguma ideia, mãe. — Disse Ralph
tomando assento o lado de Daisy. — Suas cartas não veem
com frequência, mas sempre contém muitos detalhes. — Ele
percebeu que acabara de perder a perfeita oportunidade para
contar-lhes sobre o casamento dele, mas sua mãe estava em
um humor para ser ouvida e ele não ansiava chateá-la logo
após a sua chegada.
— Tenho sofrido como nem imagina. — Sua mãe
continuou, exatamente como se ele não tivesse dito nada. —
Uma coisa é ser tratada abominavelmente por seu próprio
marido – como sabem, estou bem-acostumada a isso! Mas ter
outro cavalheiro se unindo a este tratamento é simplesmente
demais!
Tyler, pairando na porta com a bandeja de chá, deu uma
tossida gentil para alertar Ralph de sua presença. Ralph não
viu mal algum em deixá-lo entrar. As novidades de sua mãe
se espalhariam em breve por toda Londres. Seu fiel mordomo
era a última de suas preocupações.
— Estou entendendo que se separou de Sir Everard? —
Ralph perguntou enquanto Daisy servia o chá. Sua mãe
falhou em responder, sua volátil atenção presa a um item
inesperado na bandeja de chá.
— Ora, Tyler! Como nos estraga. Champanhe a esta
hora! — Ela uniu as mãos. — Suponho que estamos
celebrando.
— Sim, minha senhora. — Disse Tyler lançando a Ralph
um olhar confuso. — Devo… Devo abrir a garrafa ou gostaria
de esperar?
— Esperar? Para quê? — Lady Peyton pegou uma taça e
a estendeu com expectativa. — Estou de volta à minha
confortável cada de Londres, com meus filhos aqui para
cuidar de mim e não há nada mais que eu deseje neste
mundo!
Ralph levantou uma mão.
— Certamente devemos esperar. — Ele disse.
— Estamos esperando companhia, Ralph? — Perguntou
Daisy, cujos olhos aguçados notaram a quarta taça na
bandeja.
— Estamos esperando a minha esposa. — Ele
respondeu.
Daisy quase derrubou o bule de chá. Os olhos de sua
mãe se arregalaram e as mãos apertaram a beira do sofá.
Então, dramaticamente, as pálpebras fecharam-se e ela
mergulhou de costas em uma aproximação razoável de um
desmaio.
— Sua esposa? — Daisy repetiu fixando o olhar em
Ralph com seriedade. Nenhum deles deu nem mesmo um
vislumbre no teatro da mãe deles.
— Tyler, suba e diga à Lady Northmere que é para ela
descer assim que estiver pronta para conhecer a sua nova
mãe e irmã. — Disse Ralph. — Ah. Talvez não seja bom usar
esta frase. Ela vai conhecer a minha mãe e irmã. E a
esperaremos.
— Isto é uma de suas brincadeiras. — Disse Daisy. Ela
começou a servir o chá novamente, um leve tremor em sua
mãos traia sua confusão. — Você arrastou o pobre Tyler em
seus esquemas.
— Garanto, não é brincadeira.
— as não pode estar casado, Ralph. — Disse Daisy
categoricamente. — Teria me contado.
— Não houve tempo – Ralph começou e inclinou-se para
frente para murmurar nos ouvidos dela. — Uma herdeira,
Daisy. Você terá a sua temporada em Londres.
Daisy abaixou o bule com um tilintar. Ergueu sua mão
direita e a pressionou contra a boca.
— Você pensou… — Ela começou. A emoção a tomou.
Ela era o oposto da mãe deles em todas as formas e apenas
sua coluna rígida e o silêncio traíam o que ela sentia em seu
coração. — Você acha que quero que se jogue em um
casamento de conveniência simplesmente para prover minha
apresentação?
— Apresentação de Daisy? — interrompeu a mãe deles,
esquecendo o desmaio. — Oh, Ralph! Que maravilha! Quão
rica a garota é? Podemos ir a Paris? Uma costureira
parisiense para os vestidos de Daisy! Oh, devemos prover o
baile para você, minha querida menina! Quanto podemos
esperar, Ralph? Vinte mil? Trinta mil?
— Você não terá um centavo. — Disse Ralph. Ele estava
feliz por Jemima não estar ali para testemunhar a avareza de
sua mãe. — Nem mesmo mencione dinheiro a minha esposa.
Nós viveremos como sempre vivemos. Haverá um pouco para
gastar com Daisy até que ela se case, e investiremos nas
propriedades até elas começarem a dar lucro, mas a fortuna
de Jemima será preservada para ela mesma e para que
nossos filhos herdem.
Lady Peyton abriu a boca para soltar um lamento de
consternação. Ralph inclinou-se para a frente e conseguiu,
pela primeira vez, silenciá-la com um olhar.
— Nem mais uma palavra! Não tenho receio em jogá-la
na rua. Se envergonhar Jemima, mais do que já fez com seu
comportamento egoísta, não a perdoarei.
— Céus. — murmurou Daisy. — Deve sentir algo muito
forte por ela, Ralph. — Ela tocou o braço dele. Ralph deixou a
raiva por sua mãe dissipar.
— Não importa como eu me sinta em relação a ela. — Ele
disse. — Ela é minha esposa e merece respeito.
Tyler retornou, franzindo a testa e tamborilando os
dedos.
— Como Lady Northmere está se acomodando? —
Perguntou Ralph. Tyler tossiu e gaguejou um pouco para
limpar a gargante.
— Receio que ela não está, meu senhor.
— Não o quê? Não está feliz com o quarto? Não está
satisfeita com os criados?
— Não, não. — Tyler torceu as mãos. — Receio que a
nova Lady Northmere não esteja aqui.
— O quê? — Ralph saltou em pé, ignorando a reprovação
de sua mãe. — onde ela foi? Quem a acompanhou? Por que
não fui informado?
— Ninguém foi informado, meu lorde. — Disse Tyler
embaraçado. — Tenho criadas procurando pelas salas, mas
parece que Lady Northmere simplesmente deixou a
residência.
8

Jemima checou o endereço na carta uma última vez


antes de bater à porta.
Tenente Worston. Rua Maypole, número dezoito.
Cheapside. Londres.
Ela ergueu a aldrava e a deixou cair com um baque
afiado e confiante.
Se seu coração batesse com o mesmo ritmo confiante.
Levou alguns momentos para a porta abrir. Uma mulher
baixa, rechonchuda e com aparência maternal em um vestido
para um dia de trabalho piscou para ela.
— Bom dia, Senhorita. Como posso ajudá-la?
Jemima puxou o manto pesado que pusera apesar do
tempo quente com mais força ao seu redor, sabendo que
naquela vizinhança, a elegância que o duque lhe
providenciara seria mais do que notado.
— Estou aqui para ver o Tenente Worston. É um assunto
de grande urgência. Meu nome… — O tenente não conhecia o
seu nome de casada e ela odiava usá-lo. — Meu nome é Lady
Jemima Stanhope
— Oh! Senhorita! Peço-lhe perdão. — A mulher se
inclinou em uma cortesia. — Entre, entre!
Jemima teve que abaixar a cabeça para atravessar a
porta baixa. As casas ali eram todas apertadas, com pouco
espaço entre elas. O interior, entretanto, estava bem limpo,
com as paredes agradavelmente brancas e janelas abertas
para aproveitar o restante do bom tempo. Um cheiro de flores
frescas estava no ar.
— Sou a Sra. Goode. — Disse a mulher rechonchuda,
fazendo outra cortesia. — Cuido do tenente.
— Que prazer conhecê-la. — Jemima sorriu, o que
pareceu deixar a Sra. Goode relaxada. Ela mostrou a Jemima
uma pequena sala de estar com uma lareira aconchegante,
um pequeno sofá encostado na parede dos fundos e uma
pequena escrivaninha com uma enorme poltrona em vez de
uma cadeira própria para trabalhar.
— Sente-se, minha senhora! Avisarei ao tenente que está
aqui.
Jemima sentou-se na poltrona perto da escrivaninha e
esperou por algum tempo. Passos soaram acima dela e, em
seguida, a inconfundível batida de uma bengala. Eles
progrediam lentamente no teto, ainda mais lentamente pelas
escadas, até contornarem a esquina e entrar em sua visão.
O Tenente Worston era um homem alto, cabelos claros,
olhos afiados e um sorriso ansioso. Sua postura ereta fez
Jemima recordar a forma como o irmão mudara depois de se
unir ao exército. Não havia como confundir um soldado.
A postura de Worston foi alterada de alguma forma pela
bengala com ponta de latão na qual se apoiava. Uma cicatriz
levemente rosa embaixo de sua cravat até sua orelha
esquerda. Jemima estremeceu ao ver a evidência do tempo
dele no exército. Ele era outro agente da coroa? Era isso o que
eles sofriam, no fim , ou o destino de Bernard foi pior?
— Lady Jemima. — Disse Worston com um sorriso
caloroso. — Eu havia desistido de esperá-la.
— Tive que lidar com um grande problema para chegar
aqui. — Disse Jemima. Agora que ela chegara até aquela casa
de aparência comum, e estava conversando com este homem
ferido e comum, todas as suas expectativas e certezas de que
algum grande segredo cercava a morte de Bernard se
esvaíram.
Ela havia perdido o controle de sua vida pela chance de
se encontrar com o Tenente Worston. Tinha sido um terrível
engano?
— Não fique em pé por minha causa. — Disse Jemima.
Worston assentiu em gratidão, mas não se sentou.
— Tenho algo para você. — Ele disse enfiando a mão em
seu bolso. Quando ele a retirou, revelou um medalhão de
bronze manchado, Jemima deixou escapar um grito de
choque. Sua mão voou à sua boca, sufocando o soluço.
O rosto de Worston ficou sério em reconhecimento à dor
dela. Ele pressionou o medalhão em sua mão.
— Isto era do meu pai. — Disse Jemima apertando o frio
metal oval com tanta fora que quase rasou sua luva. Ela o
levantou para a luz, atônita por encontrar o retrato do senhor
de rosto sério tão nítido como sempre, o bronze limpo e
brilhante. Em um impulso. Ela o levou aos lábios e o beijou.
Os olhos se fecharam com força. — Bernard sempre disse que
nunca se separaria disso. A menos que… a menos…
— Pensei que fosse melhor lhe entregar isso agora, assim
saberia que estou falando a verdade. — Disse Worston,
sentando-se no sofá. — Não esperarei mais para lhe dizer o
que veio ouvir. Seu irmão está vivo.
Jemima engoliu um soluço. Ela ficou um longo tempo
com o medalhão pressionado contra os lábios, o mundo
girando ao seu redor. Worston esperou pacientemente que ela
se recompusesse.
— Você deve ter muitas perguntas. — Ele disse. —
Prometo que todas elas serão respondidas em seu devido
tempo. Esperei que o Duque de Loxwell ajudasse no retorno
de Bernard para a sua posição de direito, mas o duque me
desprezou como um charlatão. Fui deixado sem outra opção
do que financiar eu mesmo o retorno dele à Inglaterra. — Ele
levantou uma mão. — Asseguro-lhe, não quero recompensa!
Isso é o mínimo que faço por um velho amigo.
— Retorno à Inglaterra? — Jemima ecoou. — Onde ele
esteve?
— Isso, não posso lhe dizer. Não ainda. Alguns assuntos
ainda são delicados e, perdoe-me, você é uma jovem a quem
não conheço. Bernard sempre falou bem de você, mas não
posso confiar a vida dele em uma opinião antiga de uma
menina de dezesseis anos. — Worston olhou ao redor, para as
paredes próximas da pequena sala. — Além do mais, A Sra.
Goode tem o hábito de ouvir atrás da porta. Ela é muito
querida, mas não para se confiar segredos. Queria que tivesse
me dito para lhe esperar! Teria feito arranjos melhores. — Ele
bateu sua bengala no chão. Não importa. Dê-me alguns dias e
lhe darei uma prova de que falo a verdade.
Jemima murchou por dentro diante do pensamento de
ter que esperar ainda mais pela prova da salvação de
Bernard, mas ela conseguiu sorrir mesmo assim.
— Estou a seu dispor. Não tenho assunto mais
importante do que esse.
— Muito bem. Encontre-me na Pousada Cat and Bells na
Rua Henbury daqui a três dias, ao meio-dia. Diga ao
estalajadeiro que tem negócios comigo e ele lhe mostrará o
quarto certo. Não diga a ninguém onde vai ou o porquê. —
Quando a impaciência fez Jemima enrugar a testa, Worston
inclinou-se a abaixou a voz simpaticamente. — Valerá seu
tempo. Prometo. Não terá mais que esperar até rever seu
irmão.
Jemima deixou os olhos fecharem-se. Ela imaginou
Bernard como no dia em que ele partira para a França: Tão
mais alto do que ela, tão mais feliz, com mais vida, brilhante
de todas as formas. Ela sentia falta dele como as flores do sol.
Ela o abraçaria novamente?
— Obrigada, Tenente. — Ela disse ficando de pé. —
Estarei lá.
A Sra. Goode entrou apressada como se fosse sua deixa,
provando que a afirmação do tenente Worston sobre as
tendências dela de escutar escondido eram verdadeiras.
Jemima se perguntou que tipo de vida Worston levava agora
que ele havia sacrificado sua força por seu país. Ele não tinha
fortuna, família, esperança de encontrar uma companheira
que o devolvesse à sociedade? Seus modos e comportamento
deixavam claro que ele era um cavalheiro, mas essa não era a
casa de um. Os homens que lutavam pela Inglaterra
mereciam mais.
Quando a Sra. Goode fechou a porta da frente, Jemima
estava tão profundamente ocupada com seus pensamentos
que ela teria passado direto por seu marido se ele não a
tivesse interrompido com uma significativa tosse.
Ralph estava encostado em um poste de iluminação, os
braços cruzados, os olhos a avaliando calmamente. Jemima
pulou como se tivesse sido pega com a mão na bolsa de outra
mulher.
Mas por que ele deveria se envergonhar? Ela era uma
mulher casada agora, com direito a cuidar dos próprios
interesses. Podia visitar um cavalheiro à negócios se quisesse.
Ela ergueu o queixo desafiante.
— Boa tarde. — Ela disse.
— Boa tarde. — Disse Ralph e, para sua surpresa,
ofereceu-lhe o braço.
Jemima o tomou cautelosamente, como se estivesse
envolvido por pólvora.
— Está um dia bem agradável. — Ele continuou
brandamente. — Pensei em acompanhá-la até em casa.
— Como me achou aqui? — Perguntou Jemima.
— Os lacaios viram você chamar uma carruagem apenas
momentos antes de Tyler reportar que se fora. Enviei homens
em todas as direções para encontrá-la. A carroça de frutas
virado que a atrasou no cruzamento foi a sua ruína. Depois
disso, meu homem simplesmente a seguiu e voltou para me
dizer.
As profundezas de seu peito formigaram diante da
descrição cuidadosa da distância que ele percorrera. Podia ser
irritação o que sentia, ou podia ser prazer. De preferência o
primeiro. O prazer induzido por Ralph podia ser um obstáculo
para ela.
— Você estava muito ansioso para me encontrar.
— Pensei que havia fugido. — Ralph manteve seu olhar
fixo a sua frente. — Mas agora eu vejo que esteve meramente
visitando um homem estranho. Ousei perguntar a um
transeunte quem vivia naquela casa. Um Tenente Worston,
acredito.
— Ele não é um estranho. É um amigo do meu irmão. —
A mão livre de Jemima ainda envolvia o medalhão. Ela o
apertou com mais força. — Não que eu lhe deva explicação.
Um músculo tremeu na ponta da mandíbula de Ralph.
— Ele é seu amante?
— Meu o quê? — Jemima soltou uma gargalhada. Ralph
não apreciou a piada. — Não, claro que não! Que vida
glamorosa que imagina que eu leve, com amantes a cada ruda
de Londres!
— Então por que veio encontrá-lo? — Ralph pressionou
sem achar graça. — Por que não me disse aonde estava indo?
— Nós teremos o habito de dizer tudo um ao outro? —
Ela questionou.
Ralph não respondeu. Não porque ele não tivesse nada a
dizer, ela podia ver ele queimar com a necessidade de dar
uma resposta afiada. Ela não conseguia adivinhar o motivo de
ele a engolir, mas quando ele falou, foi com total calma.
— Preferia que não desaparecesse sem me dizer onde
estará. Você e minha esposa, Jemima, por mais
inconvencional que seja o nosso acordo, e eu sou responsável
por seu bem-estar. Eu nunca lhe dei motivos para pensar
bem de mim, mas pense nisso: eu não me esquivo de minhas
responsabilidades.
Jemima ficou subitamente ciente de quão perto o braço
dela estava do de Ralph. O braço forte e musculoso estava
pressionando sua mão contra o peito largo dele. Ela não
conseguiria se soltar nem se quisesse.
Se ela puxasse, sabia que ele a soltaria. Mas sem saber o
porquê, ela não o fez.
— Algumas semanas atrás, recebi uma carta do Tenente
Worston. — Ela disse. — Pedi ao duque permissão para visitá-
lo. Ele se recusou. Mas agora que estou casada, acreditei que
poderia visitar quem quer que quisesse.
— O que a carta dizia? — Perguntou Ralph.
Jemima ficou com a garganta apertada. Ela tentou
responder com calma, mas não conseguiu manter a tensão
longe de sua voz.
— Que o meu irmão ainda está vivo.
Ralph parou de andar.
— Jemima…
— Não me diga que sou uma tola. — Ela disse. — Não
suportarei. Não de você. O duque me alertou que o Tenente
Worston pode ser um charlatão. Mas não consigo desistir.
Não de Bernardo. — Ela ergueu o medalhão, como se isso
significasse alguma coisa para Ralph. — Isso era dele. O meu
pai levava para todos os cantos, assim como ele. O tenente me
deu isso hoje.
Ralph pegou com gentileza o medalhão dela e o ergueu
contra a luz.
— Uma herança de família? — Ele perguntou.
— É a gravura do primeiro Lorde Arden. — Disse
Jemima. — Tem em torno de cento e cinquenta anos. Todos
os meus ancestrais o usaram nos campos de batalha e
nenhum Stanhope morreu em um.
Ralph o pressionou contra as mãos dela. Para um
homem com dedos tão fortes, ele a tocou com surpreende
leveza.
— Pedirei para fazerem uma corrente, assim poderá usá-
lo em torno de seu pescoço. — Ele disse.
Jemima franziu a testa.
— por que está sendo tão bondoso?
— Porque você se casou comigo por causa de um
medalhão. — Disse Ralph. — Seu futuro em troca da herança
de seu pai. Pode ser antigo e adorável, mas me parece uma
troca ruim.
— Você não entendeu. — Disse Jemima. O Tenente
Worston diz que me dará provas de que Bernard ainda está
vivo.
Ralph baixou as sobrancelhas.
— Ele quer se encontrar novamente com você? Que
provas ele pode ter que ainda não as mostrou?
— Eu não sei. — Jemima admitiu. — Mas ele foi tão
bondoso, Ralph, tão cavalheiro e um pouco triste, tudo ao
mesmo tempo, que não consegui evitar, apenas confiei nele.
Ralph lanou um olhar em direção a casa de Worston.
— Você pode confiar nele. Eu não. Oque ele lhe pediu?
Dinheiro? Influência?
— Ele mencionou dinheiro. — Ela falou. — Apenas para
me dizer que não quer o meu! Ele diz que gastou uma vasta
quantia para trazer Bernard de volta ao país. Ele diz…
A mandíbula de Ralph estava cerrada e os olhos sérios. A
recém- encontrada expectativa de Jemima se esvaiu.
— você não acredita nele, não é? — Ela disse.
— Acredito que está mais vulnerável do que pensa. —
Disse Ralph. — Não se encontrará com ele novamente,
Jemima.
— Como se pudesse e impedir! — Ela o desafiou. — Pode
me amarrar ao poste da cama se quiser e eu encontrarei um
jeito de escapar. Já sacrifiquei demais…
Ele levantou uma mão para silenciá-la.
— Não sozinha. Não se encontrará com ele sozinha. Irei
com você.
Jemima se viu encarando os olhos escuros de Ralph sem
conseguir formar uma resposta. Todas as palavras afiadas
que ela preparou fugiram de sua mente.
Ele a olhava com tanta sinceridade, tanta simpatia que
ela se esqueceu por um momento que o odiava. O Ralph
Morton libertino, canalha, provocador e paquerador, sumiu
totalmente.
Este homem tranquilo e compreensivo estivera escondido
por trás daquelas piadas e truques durante todo o verão? Por
que ele não se mostrou antes? Ou isso tudo era parte de um
grande jogo que Jemima era lenta demais para compreender?
— Worston me pediu para não dizer a ninguém do nosso
próximo encontro. — Ela disse. A cara feia de Ralph deixou
claro o que ele pensava sobre isso.
— Ele não quis dizer para manter tal segredo de seu
marido.
— Oh. — Disse Jemima sem pensar. — Ele não faz ideia
de que estou casada!
Ralph a encarou por um longo tempo antes de, para sua
diversão, deixar escapar uma gargalhada. Jemima não tinha
certeza se ele ria com ela ou dela. Não era a primeira vez que
ela notava como ele irritantemente bonito quando ria. Havia
algo na forma como todo o rosto dela se enrugava com alegria
desenfreada, como se ele nãos e importasse com o decoro ou
a restrição social exigida dele.
Isso havia feito ela odiá-lo antes. Aquela risada sempre
parecia ser diretamente para ela, calculada para acertá-la,
fazer piada com tudo o que ela achava que era sério. E
Jemima não suportava não ser levada a sério.
— Você é espinhosa. — Disse Ralph. — Tolice minha
presumir que um casamento de conveniência para você seria
algo como conveniente. Você não omitirá os detalhes de nosso
casamento novamente, entendeu? Especialmente para
homens estranhos com modos cavalheirescos e olhos tristes.
— Ele lhe ofereceu o braço novamente. — Agora, quero levá-la
de volta a Morton House a tempo do almoço. Minha mãe e
irmã chegaram inesperadamente em casa e elas estão
ansiosas para conhecê-la.
— Eu gosto de ser provocada ainda menos do que gosto
que me digam o que fazer. — Jemima o alertou, mantendo o
braço esticado ao lado do corpo. Ralph mordeu o lábio ,
impedindo um sorriso.
— Terei isso em mente. Venha, minha esposa. Vamos
embainhar nossas armas e fazer uma trégua. Devemos nos
apresentar como uma frente unida para sobrevivermos ao
encontro com a minha mãe.
Lentamente, com um olhar desconfiado que podia deixá-
lo em dúvida se ela havia decidido ou não se isso era uma má
ideia, Jemima tomou o braço de Ralph.
— Conte-me sobre sua mãe. — Ela disse. — Odeio
encontrar qualquer situação inesperada.
9

A última coisa que alguém poderia acusar Ralph era de


negar a si mesmo um romance. Ele tinha uma bela coleção de
flertes, namoricos e até mesmo um ou dois encontros ilícitos.
Às vezes um coração ou dois eram feridos, mas ele se
orgulhava de nunca ter causado um dano real. Em resumo,
ele criara a reputação de um conquistador notório sem nunca
levar uma mulher a um perigo real.
Sua grande conquista, entre tantas, foi que nenhuma
dama interessante foi apresentada por sua mãe.
Quando Lady Peyton apareceu com sua silhueta
dramática no vão da porta de Morton House, ele
imediatamente se lembrou do motivo.
— Meu filho querido. — Lady Peyton anunciou,
rebolando pelas escadas para cumprimentar Jemima, penas
de avestruz balançando e mangas largas esvoaçando. —
Estou tão encantada…
Ela parou abruptamente, engasgou, levou uma mão à
boca enquanto arregalava os olhos em direção a Jemima.
— Mas que bela é! — Ela gritou. — Uma esposa bonita é
uma maldição, Ralph! Qualquer um dos meus maridos lhe
diria isso!
Ralph não ousou olhar para Jemima. Ele tinha tentado
explicar sua mãe enquanto eles voltavam para casa, mas suas
descrições estavam longe da realidade.
A realidade era que Lady Peyton era viciada em atenção,
enamorada por escândalos e pouco se importava com os
sentimentos dos outros, só os dela. Ela amava seus filhos
queridos, mas nunca se incomodou em amar seu segundo e
terceiro maridos. Ralph a amava também, mesmo quando
ressentido por ela o forçar a cuidar de toda a família desde a
tenra idade de catorze anos. Ela era difícil, rebelde e
inconstante e nem mesmo Jemima a merecia como sogra.
— Muito prazer em conhecê-la, Lady Peyton. — Disse
Jemima, acenando educadamente. — Ouvir falar tanto de
você. — Ela falou com tanta candura que quase pareceu
coincidência ela ter falado exatamente a última coisa que a
mãe de Ralph queria ouvir.
Lady Peyton hesitou um momento, uma rachadura em
sua máscara de glamour.
— Sei que foram coisas boas. — Ela disse, finalmente. —
Ralph é um filho amoroso.
— Então ficará feliz em ouvir que ele é um marido
simplesmente maravilhoso. — Disse Jemima, tão
sinceramente que Ralph quase acreditou. — Tão cuidadoso.
Tão atencioso. Seriamente, não podia ter pedido um melhor.
E Morton House e encantadora.
— Bem, você é bem-vinda aqui. — Disse lady Peyton. Ela
desceu os degraus finais e beijou o ar ao lado da bochecha de
Jemima. — Que malandro, Ralph não me contou sobre sua
adorável esposa! Não escreveu uma única palavra sobre você
em nenhuma de suas cartas.
— Espero mesmo que não! — Sorriu Jemima. — Nós
pesamos que seria divertido surpreendê-la.
Lady Peyton mordeu as bochechas como se fosse um
limão.
— E que surpresa! — Ela disse. Ela pegou o queixo de
Jemima em sua mãe e o ergueu.
— Aí está, minha querida moça. Dignidade é importante.
É uma Morton agora.
— Mas você não, Mamãe. — Disse Daisy atraindo a
atenção para a porta. Ralph suspirou aliviado. Assim como
sempre podia contar com sua mãe para envergonhá-lo, podia
confiar em Daisy para encantar todos que a conheciam. Ela
estava apoiada no vão da porta com um livro apertado contra
o peito, observando Jemima com uma curiosidade fria.
— Jemima, deixe-me apresentá-la a minha irmã, Srta.
Daisy Morton. — Disse Ralph, tomando o braço de Jemima,
levando-a além de sua mãe e subindo os degraus.
Os olhos penetrantes de Daisy brilharam sobre Jemima,
avaliando cada detalhe. Seu rosto rompeu em um sorriso.
— Por favor, chame-me de Daisy. — Ela disse. — Sempre
desejei uma irmã. — Ela lançou um olhar rápido em Ralph. —
Principalmente depois que Ralph cortou os cabelos curtos o
bastante para eu os trançar com fitas.
— Deve me chamar de Jemima. — Disse Jemima. — E
seu quiser, ordenarei a Ralph que deixe o cabelo crescer
novamente.
As duas moças entraram lado a lado na sala de estar,
imediatamente entrando em uma conversa conspiradora.
Ralph não sabia se ficava nervoso ou aliviado.
— Ela é muito segura de si. — Destacou sua mãe,
segurando suas amplas saias delicadamente em uma mão
enquanto e voltava a casa. Receio que tenha se casado com
uma criadora de problemas, meu menino.
— Oh, acredito que sim. — Disse Ralph. — Acredito que
sim.

***

Durante o curso da tarde, Lady Peyton constatou que


Jemima falava Francês, Alemão e Italiano com um grau
invejável de fluência, que tocava harpa tão bem quanto o
pianoforte, que cantava passavelmente bem, embora clamasse
que não era seu talento principal, que preferia a gavota à
valsa e que lia quase tanto quanto Daisy. Jemima suportou o
interrogatório maravilhosamente bem, respondendo todas as
perguntas com uma sinceridade doce e demonstrando a
aparência de uma nora amável.
Ralph quase sentia que sua mãe perdia seu ponto. A
maioria das moças era talentosa. A maior parte delas podiam
pintar aquarelas ou bordar almofadas. Desde o dia em que
herdara o título, mal foi capaz de se mover pelas hordas de
jovens damas bem-educadas, elegantemente vestidas e belas
que eram jogadas em seu caminho por suas esperançosas
mães. O encanto de Jemima era diferente. Ela era atrevida,
orgulhosa, inteligente, com uma resposta para tudo e com o
espírito que se recusava a ser derrubado.
Não era de se admirar que ele sempre a enervou. Em
Scarcliffe Hall ele fora indolente e atrevido no meio de umas
férias prolongadas de suas responsabilidades diárias. Ele não
tinha a intenção de conquistar uma noiva naquele verão. Ele
queria apenas alguns meses de diversão.
Ele estivera trabalhando dura e longamente por aquela
oportunidade, mas Jemima não sabia disso. Horas
intermináveis de trabalho para tirar as suas propriedades da
lama foram mantidas em segredo até mesmo de seus
melhores amigos. Nem Daisy adivinhava o quão perto eles
estiveram da ruína.
Ele não tinha direito a um pouco de diversão vazia?
Ralph se lembrou de que ainda não havia conversado
sobre o dote de Daisy com Jemima e a culpa o pinicou. Era
tarde demais para corrigir isso agora. Qualquer esperança de
trazer o assunto á tona em particular fora desperdiçada,
assim como previra, por causa de indiscrição de sua mãe.
— E certamente, agora que você se juntou a nós, Daisy
debutará em um baile que será falado em toda Londres! —
Lady Peyton atirou. Ralph estremeceu, mas Jemima ficou
imperturbável.
— Estou surpresa em ouvir que ainda não foi
apresentada à sociedade. — Ela disse se virando para Daisy.
— Quantos anos você tem?
Daisy lançou um olhar cauteloso a Ralph e ele acenou
para ela continuar.
— Tenho dezenove anos. — Ela disse.
— A mesma idade que eu! Ralph lhe manteve escondida?
— Jemima enrugou o nariz. — Não posso concordar com isso.
Tinha dezesseis anos e não me fez nenhum estrago em mim.
— Mas você tinha o benefício dessa enorme fortuna. —
Disse Lady Peyton. — A pobre Daisy foi tristemente privada.
— Mãe. — Disse Ralph afiadamente. — Está sendo
indelicada.
— Bobagem! Somos uma família agora. O fato é, Jemima,
que pensei que o meu casamento com Lorde Peyton pudesse
finalmente solucionar nossos problemas nesse assunto. —
Lady Peyton apertou uma mão contra o coração, os olhos
marejados. — Mas recentemente tem agido de modo tão frio e
imperdoável que eu temo que nossas esperanças estejam
perdidas.
Daisy se levantou tão rápido que quando caiu sobre as
coisas do chá.
— Por favor, deem-me licença. — Ela disse. — Mamãe,
acompanha-me? Desejo conversar em privado.
— Qual diabos é o assunto? — Perguntou Lady Peyton
bastante calma. — Não seu porque insiste em se comportar
desta forma, Daisy. Eu certamente não fiz nada para chateá-
la.
As mãos de Daisy se fecharam. Para horror de Ralph,
lágrimas começaram a cair de seus olhos. Ele se levantou
para confortá-la, mas Jemima foi mais rápida.
— Deixe-me acompanhá-la lá para cima. — Disse
tranquilamente. — Nós fizemos uma longa viagem hoje e a
temperatura ainda está muito quente. Um descanso irá deixar
tudo bem, tenho certeza. — Ela pôs um braço ao redor do
obro de Daisy e a levou antes que Ralph pudesse fazer algo.
Ele permaneceu parado, observando sua mãe com
crescente decepção enquanto ela dava de ombros e bebia seu
chá.
— Não me culpe pelo mau humor de Daisy. — Disse
Lady Peyton. — O comportamento ultimamente tem sido
chocante. Ela parece pensar que está acima de todos e tudo.
— O mau humor dela pode melhorar bastante se ela não
tivesse uma mãe malditamente inclinada a arruinar a família.
— Disse Ralph. — Que bem uma fortuna trará ao futuro de
Daisy se descobrirem que você traiu Lorde Peyton? Quem se
casará com um filho de tal família?
— Oh, as pessoas falarão. — Disse Lady Peyton com
desdém. Os olhos focando em Ralph e voltando para sua
xícara de chá, como uma criatura minúscula em uma floresta
se aventurando a ver se era seguro emergir. Ela queria o
perdão dele, o queria desesperadamente, e era muito
orgulhosa para pedir. — Dê uma semana às fofocas e eles se
moverão a outro escândalo.
— Entretanto, a mancha em nossa reputação ficará. —
Ralph afundou-se na poltrona. — Não peço que se desculpe
comigo. Já fiz meus arranjos, como pode ver. Mas Daisy
merece mais. Você sabe disso, mãe.
Lady Peyton. Abaixou a xícara. Os lábios tremiam, mas,
pela primeira vez, ela não chorou ou lamentar. Simplesmente
encarou suas próprias mãos por um longo momento antes de
dizer:
— Eu sei. Mas não tem mais. Tem apenas a mim.
Ela se levantou, ainda evitando os olhos de Ralph.
— Devo me banhar. A estrada estava tão empoeirada! E á
noite devemos ir à ópera. Não esconderei meu rosto enquanto
espero Sir Everard me arruinar.
Ela abandonou a sala. Mesmo subjugada, ela não
conseguia evitar girar suas saias teatralmente.
Ralph grunhiu e apoiou o queixo na mão. A verdade era
que ele sentia pena de sua mãe. Sentia pena dela, a amava e
desejava que ela fosse uma mulher melhor, e isso era uma
decepção contínua.
E agora ele arrastara Jemima para o meio de sua família
problemática, sem pensar em como isso podia afetá-la.
Jemima apareceu de volta na sala como se tivesse sido
invocada por seus pensamentos, assustando Ralph e fazendo
com que se endireitasse. A visão dela enviou uma onda de
calor por seu peito como o sol atravessando as nuvens.
Com razão, devia temer a próxima conversa deles. O
tempo de contar a verdade chegou.
Ainda assim, agora que ela estava ali, ele estava
estranhamente feliz.
— Daisy está dormindo. — Ela disse. — Receio que tenha
feito uma viagem bastante cansativa. — Ela se sentou ao seu
lado, arrumando as saias elegantemente ao seu redor e lhe
encarou com um olhar perspicaz. — Sem mencionar os
infortúnios das últimas semanas.
— O que ela lhe disse?
— Mais do que você. Mas não a história completa, acho.
— Jemima se recostou na poltrona e ergueu os olhos para o
teto. — Suspeitava que você se casou comigo por causa do
meu dinheiro.
— Não. — Ele não soube porquê ele negou isso. Era
verdade, afinal. Mas ouvi-la dizer as palavras o fez
estremecer.
— Bem, não foi por causa do meu... como chamou?
Meus encantos inegáveis. — Ela sorriu ironicamente. — Eu
estava com pressa demais para me importar dos motivos para
você correr. O que aconteceu entre a sua mãe e o marido
dela?
— Não deveria ter escondido isso de você. — Disse Ralph,
lamentando pesar cada palavra. — Você se casou em meio a
um escândalo.
—Prossigua. — Ela disse tranquilamente.
Ralph lhe contou em poucas palavras tudo o que ele
sabia que havia se passado em a mãe dele, Lorde Peyton e o
infeliz Sir Everard. Jemima ouviu sem tecer comentários.
— Isso não fará bem a Daisy quando vier à tona. — Ela
disse. — Você pretendia compensar o escândalo usando o
meu dinheiro como o dote dela?
— Essa ideia me ocorreu. Porém eu queria garantir o
meu próprio futuro antes que fosse tarde demais. Eu pensei...
— Ele tirou a mão do queixo e tamborilou rapidamente no
braço da cadeira. — Pensei em gastar um pouco na primeira
temporada dela em Londres. Ele desejou tanto.
— Seu pai não deixou nada para ela?
— Nada além de dívidas. — Ele disse. — Dívidas e uma
jovem mão magoada que nunca se recuperou.
Jemima inclinou-se para a frente e colocou sua própria
mão sobre os dedos incansavelmente tamborilantes dele.
Ralph ficou tão surpreso que puxou a mão. Ela se recostou
com os lábios apertados.
— Você me enlouquecerá se continuar com essa batida
incessante. — Ela disse. Ralph praguejou silenciosamente.
Ele sabia que isso deve ter custado algo para ela fazer aquele
gesto e ele rejeitou sem pensar.
— Quão em dívida está? — Jemima perguntou.
— Nada. Não mais. Certifiquei-me disso. — Ele se
perguntou como ela reagiria se ele esticasse a mão e pegasse
a dela. — Tenho pouco para gastar, mas em alguns anos isso
mudará totalmente. Seu dinheiro permanecerá sob seu
controle. Sempre pretendi devolver o que pegasse para Daisy.
— Além do mais, agora ele tinha setecentos e cinquenta libras
a seu dispor. Setecentos e cinquenta libras em troca de ter
Jemima como sua noiva.
— Não tem que fazer isso. — Disse Jemima. — Sou sua
esposa. A minha fortuna é sua, nem mesmo tenho que saber
como a gastou. — Ela suspirou. — Admito que esse
pensamento sempre me horrorizou. Nunca pretendi me casar.
Queria manter a minha independência. Teria sido uma
solteirona maravilhosa.
— Tenho certeza de que seria. — Disse Ralph arriscando
um sorriso. Jemima o encarou.
— Está rindo de mim?
— Eu estou a admirando. Pensei que fugiria de raiva
quando descobrisse a verdade.
Ela enrugou o nariz.
— Deus. Rir deveria ser mais fácil do que engolir. Agora,
não podemos deixar que a situação fuja de nossas mãos.
Tornarei a minha missão conhecer a sua mãe. Talvez ainda
haja uma forma de convencê-la a voltar para Lorde Peyton.
Ele é um homem bondoso?
— Mais bondoso do que ela merece. — Disse Ralph
pesarosamente. Jemima balançou a cabeça.
— Não julgue a sua mãe tão severamente, Ralph. Nunca
conheci uma mulher tão fútil por insegurança. Apenas
imagino a dor interna que a faz se comportar desse modo!
Devemos tentar ajudá-la e ao fazer isso, ajudaremos Daisy
também. — Ela olhou para o teto, como se pudesse ver sua
irmã dormindo através das paredes. — Neste meio tempo,
deve escrever a Lorde Peyton e convencê-lo a manter a
separação em segredo.
— Sobra Sir. Everard. — Disse Ralph. — Um homem que
não tem um lado bom para apelar.
— Acha que ele vai se vangloriar de seu mau
comportamento? — Perguntou Jemima.
— Só posso esperar que ele se vanglorie no fim disso
tudo.
— Então temos que encontrar outra forma de lidar com
ele. Um homem assim deve ter o orgulho inflado. Tudo o que
precisamos é uma forma de estourá-lo -ou ameaçá-lo — e ele
ficará calado, tenho certeza disso.
Ralph não conseguiu evitar o sorriso.
— Você é boa em lidar com homens orgulhosos.
Ela lançou um olhar compreensivo na direção dele.
— Estou aprendendo.
Em um impulso, Ralph pegou a mão dela e a pressionou
em seus lábios. Inicialmente, Jemima puxou com fora, mas
percebeu o que fizera e a pousou novamente na mão dele.
Ralph deslizou o polegar sobre a luva de seda macia.
Parecia perigoso tocá-la daquela forma. A qualquer
momento, ela podia desaprovar e chicoteá-lo com palavras
destinadas a ferir. Ralph sabia que cada momento que
passava na companhia dela o deixava vulnerável às farpas
dela.
Perigoso, certamente. Delicioso, também. E totalmente
viciante.
— Acompanhe-me ao Vauxhall Gardens hoje à noite. —
Ele disse meio inebriado pelo simples prazer de segurar as
mãos dela. — Devemos fazer nossa primeira aparição como
marido e mulher.
— Sua mãe mencionou a ópera mais cedo.
— Deixe-a fazer o que a agrada. Quero ser visto com
você.
Jemima puxou sua mão.
— Mas se temos que ter esperanças de salvar o
casamento de sua mãe, devo ser amiga dela. Não fique
chateado, Ralph. — Ela abaixou o olhar e flexionou os dedos
como se ainda pudesse sentir seu toque. — Esta é uma boa
ideia.
Enquanto ela se levantava, Ralph segurou a língua.
Era tão tentador fazer uma piada à custa dela. Dizer algo
para amenizar a ferroada da rejeição. Mas ela lhe pedira para
que ele não zombasse dela e ele não o faria novamente.
Ele não sabia dizer se eram inimigos. Ele não tinha ideia
se eles podiam ser amigos.
Entretanto, pela primeira vez, estava determinado a
tentar.
10

Jemima estava contente por ter tanta coisa para distraí-


la nos dias antes de seu segundo encontro com o Tenente
Worston. Tinha Lady Peyton com seu temperamento selvagem
e suas declarações de que poderia nunca, jamais, voltar para
o marido. Daisy, que era firme e inteligente, mas estava
inegavelmente desmoronando sob a pressão das indiscrições
de sua mãe. Havia os assuntos sobre se estabelecer em
Morton House, conhecer os criados, cuidar da casa diante das
indisposições de Lady Peyton e abrir seu caminho como a
nova baronesa. Houve um convite inesperado, mas muito
bem-vindo, para jantar com Hart e Isabella, que chegaram a
Londres para Hart começar o seu treinamento como
advogado.
E Ralph, esperando por ela a cada esquina, com seu
sorriso zombeteiro e olhos simpáticos. Mas Jemima não
conseguia pensar nele. Não tinha tempo.
Ela não tinha coragem.
— Daisy. — Falou enquanto a criada dava os toques
finais em seu cabelo ante que saísse para o jantar na cada de
Isabella e Hart. — Sua mão e eu acabamos de escrever a lista
de convidados de seu baile de apresentação. Acho que
deveríamos agendar para o meio de outubro. A temporada
estará começando e você terá tempo para ir à maioria dos
eventos. O que diz?
Daisy estava sentada na cama de Jemima, as pernas
elevadas até seu peito. Era a posição que Jemima ficava
quando se sentia vulnerável.
— Não vejo qual o benefício de enviar convites. — Disse
Daisy. Ela estava tentado ser corajosa, mas sua voz estava
ameaçando chorar. — Assim que a notícia que minha mão
deixou Lorde Peyton se espalhar, todos convites que enviei
provavelmente serão recusados.
— Não pelas pessoas que importam. — Jemima lhe
garantiu. — Providenciarei para que o Conde e a Condessa de
Scarcliffe venham. Não são muitas moças que tem um duque
em seu primeiro baile, Daisy! E tenho certeza de que tem
muitas amigas que não se importarão com o que a sociedade
pensa sobre a sua família. Você tem mais do que o suficiente
por mérito próprio para sair da sombra de sua mãe.
— Gostaria de acreditar nisso. — Suspirou Daisy. —
Temo que tenha passado muito tempo sendo escrava das
vontades dela que mal sei quem sou sem ela. — Ela mordeu o
lado interno da bochecha. — Se mamãe apenas mostrasse
algum remorso...
— Ela irá. — Jemima prometeu. — No tempo dela. Tenho
certeza de que a culpa dela é insuportável. Por isso que ela
não fala.
Daisy balançou a cabeça com pesar.
— Será muito tarde. Estou cansada de esperar.
A criada ajustou o espelho para que Jemima
inspecionasse seu cabelo.
— Assim está bom, minha senhora?
Jemima inclinou a cabeça de um lado e para o outro. Ela
nunca se preocupara tanto com a aparência, mas isso
importava muito a Ralph. Ela não o envergonharia ao se
recusar a se esforçar.
Daisy se pôs de pé.
— Está linda. — Ela disse. Um brilho estranho surgiu
nos olhos dela. -Jemima, sinto muito. Tem sido tão bondosa
comigo e eu...
— Sente muito pelo quê? — Perguntou Jemima. Daisy
balançou a cabeça, deu o sorriso mais genuíno que Jemima já
vira e saiu do quarto.
Isso não diminuiu as duvidas que Jemima tinha sobre
deixar Lady Peyton. e Daisy sozinhas durante a noite, mas ela
estava ansiosa para rever seus amigos. Hart e Isabella
estavam na casa do Conde de Streatham, o sobrinho de
Isabella do primeiro casamento, que a deixara a disposição
enquanto ele estava ocupado no interior. Isabella fora a
senhora da casa durante os anos que fora casada com o
conde anterior, e Jemima tinha centenas de coias para lhe
perguntar sobre como instruir a criadagem e que tipo de
refeições pedir para cada ocasião. Agora, mais do que nunca,
a perda de sua mãe doía profundamente. A Duquesa de
Loxwell lhe dera uma excelente educação, mas Jemima sentia
falta da confiança que vinha apenas da benção de uma mãe.
A fria tranquilidade da casa da Grovesnor Place era um
alívio bem acolhido em comparação à tensão que eles
deixaram em casa. Isabella e Hart estavam mais apaixonados
do que nunca, A preocupação terna que eles mostravam um
pelo outro não pode deixar de tocar o coração de Jemima. Era
alguma coisa na forma como Hart aproveitava cada
oportunidade para tocar sua esposa, fosse roçando sua mão
sobre a dela, colocando uma mecha de cabelo atrás do
ouvido. A forma como Isabella continuamente lançava olhares
na direção dele quando pensava que ninguém estava olhando.
O ar em torno deles era mais doce, a luz mais brilhante.
Jemima nunca se sentiu desesperadamente tão solitária.
— Nós já escolhemos a localização do orfanato que eu
quero criar. — Isabella estava dizendo. — Adoraria ouvir suas
opiniões, se tiver tempo para visitar o local. É uma casa
antiga enorme com algumas necessidades de renovação, mas
tenho certeza de que será um local maravilhoso quando
estiver pronta.
— Deveria pedir conselho a Ralph neste assunto. —
Disse Jemima cortando sua carne sem ousar olhar no rosto
do marido. Elogiá-lo era um risco. — Morton House é
simplesmente perfeita e tudo feito por ele.
— Nem posso dizer a surpresa dela ao descobrir que eu
não morava em um casebre. — Disse Ralph ironicamente. Ele
se inclinou para encher a taça de vinho de Jemima e ela
encontrou os olhos dele. Doeu perceber que ele estava muito
mais feliz ali, entre os amigos deles. Ele não ficara realmente
relaxado desde o dia em que se casaram.
— Esperava uma extensão de um dos clubes de vocês. —
Ela atirou de volta. — Com chifres em cada porta e fumaça de
tabaco manchando o teto.
— E em vez disso, descobriu que Northmere é tão
fastidioso sobre sua moradia do que ele é com suas roupas. —
Disse Hart, olhando entre os dois com um enervante
interessante. — Não a invejo na tarefa de administrar a casa.
Mesmo na escola. Ele sempre teve os mesmos padrões. Seus
cadernos eram obras de arte.
—Você mal seria capaz de administrar a minha casa,
tenho certeza. — Disse Ralph. — Para Jemima é natural.
Hart e Isabella compartilharam um sorriso de
reconhecimento.
— Já começou o seu treinamento? — Jemima perguntou
a Hart, desejando evitar qualquer presunção sobre a natureza
da trégua que concordara em fazer com Ralph. — Devo dizer,
invejo-lhe. Sempre pensei que era uma pena que as mulheres
não pudessem ter uma profissão.
— Você se sairia melhor do que eu argumentando diante
de um juiz. — Disse Hart. — Não tenho a sua habilidade para
réplicas incisivas. Mas os estudos são muito interessantes, se
permitir que um grupo de anciões seja considerado
interessante.
—Você será o mais fascinante deles, tenho certeza. —
Disse Jemima erguendo sua taça. Hart bateu a dele contra a
dela ironicamente.
— Aos nossos novos empreendimentos! — Que possamos
sempre ser tão fascinantes como somos agora. — Ele olhou
apaixonadamente para Isabella. — Mesmo quando formos
velhos, lentos e cercados por centenas de crianças.
— Com licença, meu senhor. — Disse o mordomo
abaixando-se em direção ao ouvido de Hart, — Chegou uma
mensagem para Lorde Northmere.
Ralph se levantou.
— Por favor, com licença. — Ele disse, suas maneiras
totalmente casuais. Jemima estava começando a entender
melhor os sentimentos abaixo da superfície do charme
preguiçoso de Ralph do que imaginara previamente. Ela sabia
que o coração dele, assim como o dela, ficara pesado diante
do pensamente de uma mensagem urgente que, sem dúvidas,
chegara de Morton House. Todos os seus esforços para fazer
Lady Peyton se desculpar com Daisy, ou para persuadir Daisy
a perdoar Lady Peyton, resultaram em nada. Mãe e filha eram
tão diferentes quanto giz e queixo e o melhor que podia
esperar era manter as duas ocupadas separadamente.
— Que mudança uma semana fez. — Disse Isabella
assim que Ralph deixou a sala. Jemima puxou seus
pensamentos de volta ao jantar com dificuldade.
— Perdão?
— Nunca pensei que a ouviria dizer uma palavra
bondosa sobre Northmere. — Disse Isabella. — Ousar esperar
que se tornassem amigos ?
— Fizemos uma trégua. — Disse Jemima. — Não mais,
nem menos do que isso. Seria indelicado criticar um ao outro
na frente de Lady Peyton e Daisy.
— Isso é tudo? — Perguntou Ralph pensativo. Ele passou
os dedos pelo bigode que estava cultivando. Jemima
suspeitava que Isabella gostava dele. Ela sabia que precisaria
apenas de uma dica de sua esposa para Hart mudar sua
aparência toda. — Pergunto-me se Northmere quem sugeriu a
rendição, ou você?
—Foi ele. — Disse Jemima. — Não me olhe dessa forma
avaliadora, Hart. Isso me deixa nervosa.
Ele riu e baixou os olhos obedientemente.
— Não estou surpreso que tenha sido Northmere a pedir
paz. — Ele disse, pegando sua faca e garfo. — Agora que não
estão mais um pendurado na garganta do outro, posso dizer
que ele sempre a admirou.
— A mim? — Jemima estreitou os olhos em alerta para
uma brincadeira. — Que forma peculiar ele tinha para
demonstrar isso! Deve estar enganado, Hart!
— Uma vez ele disse que você era a única dama que valia
a pena olhar. — Hart sorriu diante da descrença dela. — É
verdade!
— Jonathan, estou certa de que ele lhe disse em segredo.
— Falou Isabella com uma reprovação carinhosa.
— Eles estão casados agora, não estão? Não devem ter
nenhum segredo.
Jemima pensou em todos os segredos que ela falhara em
esconder de Ralph, e todas as coisas mais profundas e mais
pessoais que ela pensava e sentia e rezava para ele nuca as
descobrisse. O pensamente de se expor para totalmente para
ele era aterrorizante e intrigante ao mesmo tempo.
Ela nunca conseguiria abrir seu coração para ele. Disso
tinha certeza. Ele já sabia demais sobre ela, tinha
compreendido coisas sobre ela que ela mal entendia, e isso a
fazia se sentir nua e em carne viva, como se alguém tivesse
arrancando uma camada de sua pele. Ela tocou a fita ao
redor do pescoço onde estava o medalhão, encoberto por sua
camisa e vestido. Ralph era o último homem que ela queria
contar sobre as suas esperanças sobre Bernard, e de alguma
forma, ele foi o primeiro homem a entendê-las.
— Tipico dele. — Ela fungou, fingindo que a revelação de
Hart não a afetara. — Claro que Ralph apenas se importaria
com quem valesse a pena olhar.
Era injusto. Ela sabia disso, assim como que Hart e
Isabella ficaram desapontados. Mas era melhor do que revelar
o que realmente pensava.
Antes que pudesse dizer mais alguma coisa, Ralph
irrompeu na sala . Jemima soube que havia algo errado antes
de ele falar uma palavra. Seu cabelo normalmente prefeito
estava despenteado, sua cravat impecável estava torta, como
se seus dedos a tivesse puxado nervosamente. Os olhos dele,
que ultimamente os achava calmos e confortantes,
demonstravam medo.
— É Daisy. — Ele disse. — Ela sumiu.
Hart levantou-se um segundo depois de Jemima.
— Sumiu? — Hart repetiu, tomando seu lugar ao lado de
Ralph. — Há quanto tempo? De onde? — Ele fez um gesto
agudo para o mordomo. — Reúna um grupo de lacaios.
Devemos começar a procurar.
— Voltarei imediatamente a casa. — Disse Ralph,
batendo no ombro de Hart. — Minha mãe notou que ela não
estava em seu quarto uma hora atrás, mas quem sabe quanto
tempo realmente faz. Eu nunca deveria ter as deixado
sozinhas. — Ela acenou para que Jemima tomasse seu
assento. — Fique aqui. Pode apreciar o resto da noite. Hart e
eu a buscaremos.
— Bobagem. — Disse Jemima. — Como posso me divertir
ate Daisy ser encontrada? Irei com você a Morton House e me
sentarei com sua mãe. Serei o centro das operações enquanto
você a procura.
Ralph franziu a testa como se quisesse discutir, então
Jemima avançou e tomou o braço dele antes que ele pudesse
dizer algo.
— Sinto muito por partir tão repentinamente, Isabella. —
Ela disse. — Foi uma noite adorável.
— Não se desculpe. É claro que deve ir! — Respondeu
Isabella. Hart os acompanhou até o vestíbulo, onde Ralph
pegou seu casaco e luvas com pressa.
— Leve seus homens a Morton House. — Jemima disse a
Hart. — Ralph e eu elaboraremos uma lista de amizades dela
na carruagem de volta a casa e despacharemos mensagens
para a casa de cada uma delas. — Ela se virou para Ralph,
suavizando o tom. — Daisy é muito inteligente para
desaparecer sem saber que tem um lugar seguro para ir.
— Você está certa. — Ralph falou rispidamente. Ele lhe
lançou um olhar com tanta gratidão que a agora familiar
sensação de formigamento se espalhou pelo estômago de
Jemima. Quando ele lhe estendeu a mão, ela a tomou. —
Vamos.
11

Ralph não dormiu aquela noite. A alvorada o encontrara


sem barbear, despenteado, entrecerrando os olhos por causa
da luz do dia, desanimado e cansado. Ele batera nas portas
do que parecera todas as casas de Mayfair e Kensington, tudo
para nada. As amigas de Daisy — aquelas que ele conhecia —
estava todas no campo ou no exterior. Nenhum dos criados
confusos que estavam na casa haviam visto sua irmã. A única
evidência de que ela não sumira no ar era a note que ele
encontrou na escrivaninha de seu quarto.
Ralph, perdoe-me. Não consigo ficar sob o mesmo teto
que a nossa mãe. Ficarei com algumas amigas queridas. Por
favor, não procure por mim.
Sua,
Daisy
Apenas as palavras de Jemima evitaram que ele
adoecesse de preocupação. Ela estava certa. Daisy era
inteligente demais para se colocar em risco. Não havia
dúvidas de uma fuga tola ou uma conexão indesejável. E,
onde quer que ela estivesse, pelo menos ele sabia que ela fora
por vontade própria.
Lady Peyton sofreu um ataque de nervos quando ficou
claro que Daisy sumira e foi levada a cama. Jemima que
passara seu tempo coordenando as buscas e atendendo a
sogra, finalmente colapsara no sofá da sala de estar por
exaustão antes do amanhecer.
Agora Ralph estava sentado observando a luz brincar
com o rosto da esposa mudando de cinza para rosa e para
dourado. Ela parecia tão diferente quando estava dormindo. A
fisionomia cautelosa que escondia seus pensamentos quando
acordada haviam sumido, deixando-a suave, aberta e
vulnerável. Os lábios abertos, o peito subindo e descendo com
sua respiração suave. Ralph se viu respirando junto com ela,
acalmando seu coração ansioso com o ritmo da respiração
dela.
Ele não queria acordá-la, mas a luz estava ficando mais
forte e as criadas em breve começariam a limpar a lareira e
deixar a sala pronta para o dia.
Ralph se abaixou e levantou Jemima gentilmente em
seus braços, deixando a cabeça dela apoiar contra seu ombro.
Dedos sonolentos rapidamente se agarraram a sua camisa. As
batidas de seu coração aceleraram.
— Aonde vamos? — Ela murmurou.
— Estou levando-a para a cama. — Ele disse
caminhando cuidadosamente para não dar encontrões com
ela.
— Mas e Daisy? — Jemima protestou pestanejando para
abrir os olhos.
— Não há nada mais que possamos fazer agora. Você vai
dormir até as dez. — A cabeça dela estava perto o bastante do
rosto dele, assim ele pegou um leve aroma de lavanda do
cabelo dela. Isso o lembrava dos dias de verão, a luz do sol
batendo e campos abertos.
Mais do que nada, desejou não ter desperdiçado seu
verão dissolvendo-se na liberdade de solteira, abandonando
sua mãe aos seus próprios vícios e Daisy aos caprichos da
mãe. Ele se apresentara da pior maneira possível para
Jemima e achou que era uma boa piada.
Nada parecia mais sério agora do que o peso dela em
seus braços e a mão dela agarrada á sua camisa.
— Enviarei a sua criada a tempo de acordá-la para o
encontro ao meio-dia. — Ele falou ao chegarem a porta do
quarto dela. Jemima se ergueu diante da recordação, os
dedos soltando a camisa dele e sacudindo as pernas.
— Ralph, ponha-me no chão. Há muito a ser feito...
— Não há nada mais que precise se preocupar. — Ele
disse ainda a segurando. Ele empurrou a porta com o cotovelo
e caminhou rapidamente até a cama, onde ele a deitou
cuidadosamente. Jemima piscou, o cabelo despenteado e
olhos sonolentos.
Ralph sentiu algo se agitar dentro dele diante da visão.
Ela era a esposa dele, afinal. Há muito ele a achava a mulher
mais atraente entre suas conhecidas. E agora ela estava ali,
estendida diante dele na cama, encarando-o e cheirando a
flores...
Ele virou o rosto para não revelar seus pensamentos.
— Durma. — Ele ordenou. Pela primeira vez, Jemima
não discutiu.
Ralph se cercou de café e os jornais da manhã. O agra
familiar suspense enquanto virava as páginas de fofoca eram
mais do que suficiente para afastar o sono.
Nenhuma menção à sua mãe e Sir Everard. Por
enquanto. Ele suspirou aliviado e tentou se convencer que
podia relaxar.
Lorde Jonathan Hartley passou rapidamente após o
desjejum para reportar que seus homens não descobriram
nada sobre Daisy. Isso deixava ambos aliviados e
perturbados. Ralph conhecia sua irmã muito bem para
perceber que se ela não quisesse ser encontrada, fiaria
escondida. Qualquer ameaça á reputação dela provavelmente
não era párea ao escândalo à infidelidade de sua mãe. Daisy
era quase tão teimosa quanto ele.
Ele pestanejou em direção ao teto enquanto seus
pensamentos voltavam à visão de Jemima deitada na cama.
Talvez ele estivesse sendo punido por algum delito já
esquecido. Ele parecia cercado por mulheres teimosas.

***

Quando o relógio bateu onze horas, Jemima desceu a


escadaria parecendo irritantemente renovada e descansada.
Ralph sabia que sua própria aparência estava tristemente
falha. Nem todas as lapelas imaculadas e alfaiataria elegante
do mundo poderiam desviar a atenção das bolsas escuras sob
seus olhos. Ele empregava o valete mais talentoso da
Inglaterra, e sua apresentação naquela manhã estava aquém
de seu padrão usual. Ralph encarou Jemima enquanto ela se
arrumava seu bonnet, desafiando-a a mencionar isso.
— Falei com a sua mãe. — Jemima disse, imperturbável
diante da expressão ameaçadora dele. — Ela diz que pode
ficar sem nós por algumas horas. Estou fazendo o melhor por
ela. Penso que ela realmente está realmente arrependida. —
Ela pousou a mão no braço dele em um gesto que
rapidamente tornou-se natural entre eles. — Eu não dei
pistas a ela do local aonde realmente vamos. Ralph, eu...
Por um momento, o rosto dela se suavizou na mesma
vulnerabilidade que demonstrava ao dormir. O coração de
Ralph doeu. Ele só podia imaginar quanta esperança e medo
pairava sobre o encontro que estava por vir.
Se o Tenente Worston estivesse mentindo para ela, Ralph
o estrangularia com suas próprias mãos.
— Eu entendo. — Ele disse. Jemima engoliu com
dificuldade. O véu de indiferença caiu sobre o rosto dela.
— Não podemos nos atrasar. — Ela disse bruscamente e
eixou cair a mão do braço dele enquanto saía.
O tráfico usual de Londres os atrapalhou nas estradas
naquela manhã. Ralph sabia que fora extremamente
cauteloso ao sair mais cedo, mas essa era uma circunstância
que pedia cautela. Embora os currículos elegantes e faetons
que eram vistos durante a temporada estivessem ausentes,
ainda havia inúmeras carruagens de aluguel, carroças de
fazendeiros carregadas de produtos e pedestres para atrasá-
los.
Mesmo assim eles chegaram ao Cat and Bells bem antes
do meio-dia. Ralph ficou aliviado em ver que era uma
pousada grande e bem equipada e não uma taverna sombria
que tanto temera. Ele levou Jemima para dentro e lançou um
rápido olhar sobre ela, admirando seu autodomínio.
Um dia sem Daisy o deixara destruído e sem sono. Agora
Jemima encarava a vida ou a morte de seu amado irmão e
parecia tão calma quanto estivesse visitando uma costureira.
Ralph desejou poder lhe perguntar o que ela estava
pensando, mas estava começando a entender o porquê isso
seria a pior coisa que poderia fazer. Jemima já perdera tanto.
Um dia, talvez, ela pudesse ter sido amorosa e que confiava
facilmente. A perda da mãe, do pai e do irmão a transformara
na mulher afiada e desconfiada que conhecera.
Ele não se intrometeria nos sentimentos dela até ela
estar pronta para compartilhá-los.
O estalajadeiro lhes levou até um quartinho no andar
superior, com móveis esparsos e uma minúscula janela. A luz
era fraca e o ar um pouco gelado.
Ralph sentou-se em uma das cadeiras puídas enquanto
Jemima começou a andar de um lado para o outro do quarto.
De vez em quando, os olhos dela se lançavam em direção à
janela suja ou a lareira vazia, mas a maior parte do tempo seu
olhar era reto, como se pudesse ver o passado distante.
— Venha aqui. — Disse Ralph. Jemima parou, saltou de
seu devaneio, porém não se aproximou.
Ralph se levantou e avançou na direção dela, pegando
suas mãos flácidas.
— O que posso dizer? — Ele perguntou. — Como posso
acalmá-la? — Ele levantou as mãos dela e beijou uma, depois
a outra. — Eu tenho estado doente de preocupação por causa
de Daisy e você soube exatamente o que dizer. Mas isso é algo
muito pior, muito mais doloroso. Eu sei que não confia em
mim ainda, mas estou aqui do mesmo jeito. Apoie-se em mim.
Descarregue a sua ira em mim.
Jemima encontrou os olhos dele, lenta e temerosamente.
— Não consigo.
— Então esperarei até que consiga.
— Ralph, eu... Sinto como se cada respiração fosse
veneno. — Os olhos dela brilharam com a ameaça de
lágrimas. — E se o duque estiver certo? E se ele estiver certo?
Bernard se foi há tanto tempo. Sou tola em ter esperança?
— Não. — Ele disse fervorosamente. — Nunca. Você é
uma santa em manter a esperança viva sob tal dor. E como
posso condenar esse raio de esperança quando isso a trouxe
para o meu lado?
Ela baixou o olhar.
— Por favor, não flerte comigo. Não agora.
— Estou falando sério. Acha que brincaria com você em
tal momento?
As mãos de Jemima ficaram tensas nas dele, prontas
para serem puxadas.
— Não sei o que faria.
Ralph ergueu o queixo dela, assim ela foi forçada a olhar
nos olhos. A guarda dela estava baixa, total e completamente,
e ele viu um mundo indescritível de dor no rosto dela. Se
beijá-la pudesse varrer os anos de luto, as paredes de
autoproteção e cada palavra afiada que já falara para outra
pessoa, ele faria sem hesitação.
Mas ele não tinha esse poder, então ele esperou um
último momento.
— Eu a beijaria, se me deixasse. — Ele murmurou, sua
respiração se misturando no ar com a dela.
Um pouco daquele fogo antigo reacendeu nos olhos de
Jemima quando ela percebeu que ele falava sério.
— Não ousaria. — Ela sussurrou. Foi um desafio que ele
não ignorou.
A boca de Ralph colou à dela. Ela estacou por um
momento, o corpo todo tenso e os lábios meio abertos para
receber os dele, então relaxou contra ele. Ele podia dizer que
ele não fora beijada antes. Pobre moça, com tantos anos de
luto, quando teria tempo para romance?
Então ele se esforçou para ensiná-la tudo que sabia
sobre rendição, sobre paixão, sobre o gosto do lábios de um
amante e sobre agarrar os cabelos entre os dedos.
Pelo menos era o que ele pretendia até Jemima beijá-lo
de volta com tal urgência que ele esqueceu toda a
responsabilidade e controle.
Ralph se perdeu, Os braços a envolveram, a pele pegava
fogo em todos os lugares que a mão dela o tocava e sua mente
foi soterrada.
Ele deveria saber que ela o superaria. Olhar para ela era
ruim o bastante. Uma conversa às vezes era mais do ele
conseguia administrar. O beijo dela apenas cumpriu a
promessa das semanas de despeito. Eles haviam sondado um
ao outro como lobos espreitando, e agora se encontraram com
uma intenção fatal. Se beijos pudessem matar, o coração dele
teria parado de bater agora.
Eles se separaram, a respiração pesada, Ralph apenas
ficou surpreso em encontrar seus braços ao redor da cintura
de Jemima enquanto os dela estavam ao redor de seu
pescoço.
— Jemima. — Ele suspirou. O nome dela parecia uma
canção.
— Ralph. — Ela respondeu, olhos arregalados e atônitos.
Ele abaixou os lábios no pescoço dela.
— Diga meu nome novamente. — Ele ordenou e
mordiscou a pele pálida com os dentes.
— Tire suas mãos de cima dela!
Um par de mãos fortes puxou Ralph pelo pescoço e o
jogou de costas, quase fazendo-o se esmagar no chão. Os
instintos de Ralph se agitaram antes que pudesse entender o
que estava acontecendo. Ele segurou o braço que o sufocava e
lhe deu um puxão, livrando-se e arrancando um gemido de
dor de seu oponente. Ele manteve o aperto no braço enquanto
virava o rosto para encarar seu atacante, torcendo e girando
até o homem dobrar-se com os braços atrás das costas a
ponto de quebrá-los. O homem chutou, acertando Ralph no
joelho. Ralph baixou o braço e cambaleou. Seu atacante se
virou, esticando o braço para segurar Ralph novamente pelo
pescoço, Ralph se viu forçado a se abaixar para evitá-lo. Ele
se recuperou apenas uns segundos mais rápido que o homem
reagiu, puxando os punhos para acertar o rosto do atacante.
— Não! — Gritou Jemima.
Ralph desviou a mão no último instante e o dirigiu a
parede. Ele teve uma visão do rosto do estranho pela primeira
vez.
Era surpreendentemente jovem e com um pequeno sulco
nas bochechas, como se não tivesse comido uma refeição
completa há algum tempo. O cabelo era loiro, as feições
atrevidas e bem delineadas. Havia uma familiaridade
inconfundível no formato do nariz, a inclinação orgulhosa da
boca...
Enquanto Ralph sacudia a mão para amenizar o impacto
da parede, Jemima se jogou entre os dois homens e os
afastou.
— é o meu irmão. — Ela disse, sua voz se partindo em
soluços. — Ele é o meu irmão!
12

— Você pode me soltar agora. — Disse Bernard em voz


baixa, acariciando a mão de Jemima que acariciava o braço
dele. — Não vou a lugar nenhum. Nunca mais irei a lugar
nenhum.
Ela não o escutou. Alguns poucos minutos na
companhia dele não eram suficientes para compensar os dois
anos que ela passou pensando que ele estava morto. Cada
movimento que ele fazia era uma maravilha para ela. A
risada, tão amável como sempre. O rosto dolorosamente
magro, ainda com todas as velhas expressões peculiares que
uma vez temera esquecer. A forma como ele se sentava, com a
pose de um soldado com as costas eretas, a forma como
esfregava as mãos quando estava pensativo, a forma como
conseguia erguer uma sobrancelha sem mover a outra, e
ainda tentava... Ele havia voltado para ela, contra todas as
esperanças, contra todas as razões, e tudo estava completo e
perfeito e muito melhor do que se lembrava.
Ela tinha um irmão novamente. Tinha uma família de
novo. Não conseguia evitar o sorriso em seu rosto e as
lágrimas nos olhos.
A única coisa que faltava era Ralph ao seu lado. Ele
havia se retirado para o canto do quarto, ostensivamente para
lhe dar espaço para se reunir com o irmão, mas ficara
estranhamente calado desde que Bernard aparecera.
O Tenente Worston, por outro lado, subiu as escadas
logo após Bernard, anunciando a chegada de uma boa
travessa de carnes frias, queijos e pão fresco. Ele parecia
quase tão feliz quanto Bernard com o efeito da reconciliação.
— Deve comer mais. — Jemima pressionou o irmão. —
Está terrivelmente magro! Tenho medo de pensar no que deve
ter comido todo este tempo!
Uma sombra cruzou o rosto de Bernard, mas
rapidamente foi substituída por seu familiar sorriso radiante.
— Como posso comer e contar a minha história ao
mesmo tempo?
— fale com a boca cheia, se conseguir. — Disse Jemima,
cortando outra fatia generosa de pão e a colocando no prato
dele. Quando ela se inclinou para a frente, o medalhão ao
redor do pescoço flutuou, recordando-a de que não era dela.
Levou a mão à fita.
— Isso é seu. — Ela disse passando-o a Bernard. Os
olhos dele brilharam.
— Ah! Pensei que nunca mais o veria novamente! — Ele
segurou o medalhão contra a luz, piscando para Worston. —
Sabia que era a única forma de provar que ainda estava vivo
era enviá-lo a você, mas parecia arriscado. Sonhei todas as
noites que alguém o jogara pela lateral de um barco no Canal
da Mancha.
— Ele chegou. — Disse Worston sorrindo. — E não pode
imaginar os meus sentimentos a primeira vez que o segurei.
— Nem os meus quando o tenente Worston me deu. —
Disse Jemima. O pescoço dela pareceu estranhamente nu
sem ele.
Mas Bernard estava ali, de carne e osso, sentado ao seu
lado. Ela não tinha mais necessidade de uma mera bugiganga
para a recordar do quanto ela acreditava nele.
Finalmente Ralph se juntou a ele, sentando-se em frente
a Bernard.
— Estou muito curioso para ouvir o que tem a dizer. —
Ela falou. Os olhos escuros focando sobre o rosto de Bernard,
procurando algo que Jemima não sabia supor o que era. —
Você deve ter estado perto da morte por algum tempo.
— Um momento. — Disse Worston. Ele pegou a bengala
e foi até a porta a qual abriu para checar se o corredor estava
vazio. Satisfeito, ele a fechou e trancou, acenando a Bernard.
— Acho que podemos conversar livremente.
— Bom! — Disse Bernard. — Faz tanto tempo que não
tenho uma conversa apropriada em inglês que estava
começando a pensar que havia esquecido a língua! — Ele
olhou para Ralph. — Jemima, presumo que podemos confiar
neste homem.
— Sou o marido dela. — Disse Ralph asperamente. As
sobrancelhas de Bernard se ergueram em surpresa, mas ele
não fez nenhum comentário.
— Sim, confio nele. — Disse Jemima. Ela não perdeu o
olhar de gratidão que Ralph dirigiu a ela.
Se lhe tivessem perguntado uma semana atrás se Ralph
Morton podia ser confiável com segredos perigosos, ela teria
rido. Mas alguma coisa mudara nos últimos dias. Ralph era
um homem com seus próprios segredos — segredos que ele
lhe confiara. Onde antes ela via apenas um patife enfadonho,,
agora estava tentada a ver um homem honrado.
Desencaminhado, sim. Enfurecedor. Orgulhoso. Mas
honrado, tudo ao mesmo tempo.
Por que mais ela o tinha deixado beijá-la?
Bernard pigarreou algumas vezes, pegou os talheres e os
abaixou novamente, como se debatesse consigo mesmo por
onde começar.
— Nos últimos dois anos, — Ele falou — estive em uma
prisão francesa.
— Bernard! — Jemima ofegou, agarrando o braço dele
novamente. Visões das masmorras cheias de ratos, paredes
gotejantes e lamentos de prisioneiros a alcançaram.
Bernard acariciou a mão dela.
— Não foi tão ruim assim. O homem que me prendeu, o
Conde de Ventoux, não era tolo. Ele sabia que eu era um
nobre e esperava extrair alguma informação de mim, sem
mencionar os segredos que sabia sobre nosso país. Mas eu
aguentei firme. Não revelei a minha identidade — nem mesmo
após o conde morrer e eu escapar. — Ele se virou para
Jemima, a comida esquecida, os olhos cheios de dor pelos
anos de separação. — Eu quis escrever para você. Eu quis
mais do que qualquer coisa neste mundo. Mas era muito
perigoso enviar uma carta. Se o conde descobrisse que eu era,
ele teria a forçado a desistir de sua fortuna para me ter de
volta. — Ele gesticulou para Worston. — E se meus colegas
oficiais não achassem que estava morto, tenho certeza que
iriam atrás de mim. Um grande custo. Minha honra me
obrigou a permanecer em silêncio.
— Poso explicar o que aconteceu de fora. — Exclamou
Worston. — Nosso comandante, o general Danvers, enviou
dois de nós em uma missão particularmente perigosa para
encontrar um informante no castelo do conde. Quando fomos
pegos, mal escapei com vida. — Ele apontou para a sua perna
ferida. — Não pensei que houvesse chance de que Bernard
pudesse ter sobrevivido. Reportei a morte dele a Danvers e
juntos escrevemos um relatório falso sobre a morte de
Bernard em um acidente com pólvora, para cobrir todos os
traços de nossa atividade secreta.
— Por que o conde não disse ao general sobre o
prisioneiro? — Perguntou Ralph. — Provavelmente ele podia
ter obtido um resgate ou a troca de prisioneiros indo
diretamente ao exército?
— Ele suspeitou — corretamente — que eu sabia demais
sobre as conspirações dele contra as forças de ocupações. —
Disse Bernard. — A última coisa que o conde queria era levar
a ira do Exército Britânico sobre sua cabeça. Acredito que ele
tomaria o dinheiro da minha família como resgate e me
mataria por seus problemas. Não, nós esperamos, ele pela
confissão de meu nome e eu, pela chance de escapar. Fui o
vitorioso.
Worston ergueu seu copo em direção a Bernard, um
profundo respeito em seu rosto. — Nunca me esquecerei de
mim mesmo escapando enquanto você definhava na prisão,
meu amigo.
— Não há nada a perdoar, Worston. — Disse Bernard
calorosamente. — você me tirou de lá no fim das contas e isso
é o que importa.
— Como exatamente escapou? — Perguntou Ralph.
Bernard hesitou.
— Ralph, está fazendo muitas perguntas. — Disse
Jemima. — Bernard passou por uma provação. Deixe-o nos
contar em seu próprio tempo.
Bernard levantou uma mão.
— Eu contarei tudo, quando meu último cúmplice estiver
em solo inglês. Não antes. Sinto muito, Jemima, mas não
posso arriscar ser descoberto. Há a vida de uma dama em
risco. — Os olhos dele se suavizaram. — Uma dama que
significa muito mais do que posso contar.
A cabeça de Worston ergueu-se bruscamente diante da
confissão, mas a atenção de Bernard estava voltada para
Ralph. O ar entre os dois homens quase zumbia com a
tensão.
— Mas parece que você tem uma história para me
contar, Jemima. — Disse Bernard afastando o olhar de seu
marido. — Não achei que fosse encontrá-la casada quando
retornasse.
— Não tive escolha. — Disse Jemima. Ela não conseguiu
evitar e olhou para Ralph para ver como ele reagiria. A
expressão dele estava cuidadosamente encoberta. Ficou
surpresa em descobrir o quanto sentia falta do habitual
sorriso que nunca falhava em irritá-la.
— Recebi a carta do tenente Worston, mas o duque o
dispensou como um charlatão e me proibiu de me encontrar
com ele. — Ela disse. — A única maneira possível de escapar
para vê-lo seria encontrar um marido que me permitisse
viajar a Londres. E Ralph...
As palavras falharam. Ela se casara com Ralph
exatamente porque não se importava com ele, mas admitir
isso ao irmão parecia errado.
— Pobre dama! — Suspirou Worston. — Culpo-me por
isso! Quando lhe escrevi não achei que encontraria recursos
para ajudar Bernard a voltar a Inglaterra. O General Danvers
está na Índia, e ninguém mais sabia da missão ou do relatório
falso que a seguiu. Tudo ao mesmo tempo, nunca deveria ter
lhe pedido ajuda. Você sacrificou tudo apenas para encontrar
seu irmão em segurança em seu caminho para casa!
— Jemima. — Disse Bernard dando as costas a Ralph e
tomando suas mãos. — Você sempre disse que nunca se
casaria. Este é o caso?
Ralph contornou a mesa até parar ao lado de Jemima.
Ele pousou uma mão no ombro dela. Era uma declaração
inconfundível de posse que emocionou Jemima, apesar do
olhar do irmão.
— Goste ou não, Lorde Arden, não vejo o que pode fazer
agora. Jemima e eu estamos casados, e se foi um erro, ela
deve aprender a viver com ele. — Os dedos dele se apertaram
em seu ombro. Jemima sentiu um perigo nele que sabia que
nem Bernard e Worston perceberam. Ela pôs a mão na dele,
desafiando-o a parar com a zombaria e fosse honesto.
— Vocês estão casados. — Disse Bernard levantando-se
para olhar no olho de Ralph. — Mas eu sou o guardião de
Jemima e não dei a minha permissão. Se estavam com
pressa, usaram uma licença especial? Esperou que os
proclamas fossem lidos? Na falta dos proclamas, a permissão
de um guardião legal é exigida. O casamento pode ser
anulado.
— o Duque de Loxwell deu sua permissão. — Disse
Ralph ainda com aquele tom leve e espontâneo. Jemima
apertou a mão dele com um pouco mais de força.
— Mas eu não. A pergunta tem valor. E o casamento
pode ser declarado nulo por outros motivos. Parte da fortuna
que Jemima herdou é minha. Agora que esteja de volta e
reclamarei o meu dinheiro, você pode declarar que foi vítima
de fraude. Não receberá a soma total que imaginou.
— Deve ter uma opinião muito baixa de mim se acha que
arruinarei Jemima por tal tecnismo.
— Você não deve conhecer bem minha irmã afinal, meu
lorde, se acha que ela deseja permanecer em um casamento
que nunca quis. — Bernard se ajoelhou diante de Jemima,
pegando sua mão livre e a pressionando. — Jemima, sua
reputação não significa nada para mim, nem para nossos
amigos, tenho certeza. Se desejar contestar a validade do
casamento, farei isso. Não posso fazer promessas, mas uma
certa chance. Estará livre desse homem se assim desejar.
— Nunca quis me casar. — Jemima admitiu lentamente.
— Ralph, não pareça surpreso. Nós dois sabemos os motivos
pelos quais eu o aceitei.
Ele sacudiu a mão dela e soltou o seu ombro.
— Não estou surpreso. — Ele disse tenso.
— Você ainda é uma herdeira. — Bernard apressou-se.
— Não tem necessidade de um marido para sustentá-la.
Jemima nunca se sentiu tão dividida.
Ela não amava Ralph. Não ainda. Mas também não o
odiava mais. Na verdade, não sabia o que sentia. Apenas que
havia algo começando entre eles e que ela nunca buscou.
— Deseja dissolver nosso casamento? — Perguntou
Ralph. — Se é isso o que quer, não a impedirei. — Ele
enganchou os polegares nos bolsos de seu casaco evitando os
olhos de Jemima. — E se não conseguir desfazer o que já está
feito, não tem mais a necessidade de que eu cuide de você.
Pode voltar a Loxwell Park ou à propriedade de Lorde Arde se
desejar.
— Ralph, não abandonarei Daisy. — Disse Jemima. — O
que quer que ocorra entre nós, haverá dinheiro para a
apresentação dela. Eu prometi isso.
A mandíbula de Ralph se apertou, sua máscara de
indiferença se estilhaçou. Ele abriu a boca para responder,
mas Bernard falou antes.
— Então se casou pelo dinheiro dela. — Disse Bernard
com desagrado. — Como pensei.
— Pelo contrário, casei-me com ela por causa de uma
aposta. — Disse Ralph. — Uma aposta que achei que havia
vencido.
— Que aposta? — Jemima exigiu.
Ralph estava olhando para ela, um sorriso afetado, olhos
tristes.
— Você realmente está fazendo uma oferta generosa para
o futuro de Daisy? — Ele perguntou. — Ou sabia que não
poderia ter me dito algo mais cruel?
— Seja realista, Ralph! Prefere que eu arruíne todas as
esperanças dela?
— Oh, minha irmã é capaz de arruinar as esperanças
dela sozinha, Lady Northmere, mas obrigado por sua
preocupação. — Ralph pegou seu chapéu e o pôs sob a
cabeça, parando para ajustar o ângulo no espelho. — Deixarei
Morton House para você enquanto toma a sua decisão. Lorde
Arden é bem-vindo a ficar lá, já que duvido que sua
propriedade esteja pronta para recebê-lo. — Ele parou na
porta. — Se precisar de mim, estarei com Lorde Jonathan
Hartley. Avise-me quando descobrir se quer ou não ficar
casada. Seria interessante saber.
— Ralph. — Disse Jemima se levantando. — Não é bom
fazer piada com isso...
— Mas estou totalmente sério. — Ele disse. — Pode
procurar a anulação do casamento se quiser. Pode continuar
como minha esposa se quiser. Pelo bem de sua reputação,
deveria escolher a liberdade, enquanto decide, ficarei em
outro lugar. — Ele tocou a ponta do chapéu para Worston e
Bernard. — Bom dia tenente. Lorde Arden, sinto muito que
tenhamos nos conhecidos em tais circunstâncias. Desejo
felicidade. — Um vislumbre de um sorriso verdadeiro ergueu o
canto de sua boca. — De verdade, desejo felicidade. — E saiu.
— Que homem desagradável. — Disse Bernard pondo a
mão nos ombros de Jemima. — Você se separará dele,
Jemima. E ficará livre dele. Este casamento não pode ser
legal. Deixe-me cuidar disso.
— Você não o compreende. — Disse Jemima,
dolorosamente ciente de que o Tenente Worston estava
tentando educadamente ouvir cada palavra. — Ele é um bom
homem. Nem sempre pensei assim, mas agora eu sei.
— Se você diz. — Bernard deu de ombros. — Achei que
ele não a levou muito a sério. Foi generoso da parte dele me
oferecer sua casa, entretanto, acho que ficarei com Worston
enquanto coloco os meus assuntos em ordem.
— Devo voltar a Morton House. — Disse Jemima. — Não
posso abandonar a mãe de Ralph. Ela... ela não está bem.

***

Bernard a abraçou.
— Esta é a minha doce irmã! Mal posso suportar ficar
longe de você, mas deve ir aonde é necessária. Tenho uma
quantidade terrível de coisas a fazer em um curto espaço de
tempo. Devo ver o meu advogado para tentar resolver o
problema da minha morte! Receio que o atual Lorde Arden
não aprovará o meu retorno do túmulo.
Ele e Worston riram e Jemima se esforçou para sorrir
com eles.
Ela sabia que deveria estar feliz. Mais feliz do que
estivera por anos. Bernard estava vivo, sua fortuna seria dela
novamente e sua aposta imprudente de casamento seria
anulada assim que se decidisse.
Mas sempre que pensava na forma que os olhos de Ralph
pousaram em seu rosto enquanto ele dizia que a escolha era
dela, ficava cheia de arrependimentos.
13

Lorde Jonathan Hartley atingiu a ponta do taco de bilhar


na bola branca arremessando-a diretamente no objetivo.
Bateu na preta e foi encaçapada cuidadosamente.
Hart se endireitou, franziu a testa diante da mesa de
bilhar meio vazia enquanto passava o giz na ponta do taco.
— Está me deixando ganhar. — Disse em tom
acusatório.
Ralph havia abandonado o seu taco com suas
esperanças de vencer o jogo. Ele mal tirou os olhos das gotas
de chuva que escorriam pela janela enquanto Hart falava.
— Nunca. — Disse, por hábito. — E me ressinto com a
acusação.
Hart colocou seu taco de lado e se juntou a Ralph para
olhar a chuva.
— Dia sombrio. — Ele destacou. — Um dia sombrio para
pensamentos sombrios.
— Oh, nunca penso, se posso evitar. — Disse Ralph
casualmente. — Você sabe disso. — Ele percebeu a fisionomia
compreensiva de Hart e desistiu. — Tenho esse cuidado
particular em nunca pensar em Jemima.
— Ah.
— Apenas loucura resulta disso. — Ele levantou seu
taco, balançando vigorosamente no ar. — Uma revanche?
— Sem ofensa, Northmere, mas não é divertido jogar com
um homem ferido. — Hart voltou para a mesa e rolou uma
bola por ela acertando a caçapa. — Devia tentar conversar
com ela.
— Eu devia, se não tivesse mais uso para o meu orgulho.
Hart franziu a testa.
— O orgulho não tem lugar em um casamento.
Ralph afundou-se em uma poltrona e olhou para a
lareira vazia. Era um daqueles dias de outonos estranhos e
abafados de início de outono, quando o céu fica cinza,, mas o
ar não está frio.
— Bem, quando eu souber se continuarei casado ou não,
reavaliarei minha posição.
— Não pode culpar a moça por considerar as opções. —
Disse Hart sendo racional. Ralph nunca odiou tanto a
racionalidade quanto agora. — O que estava pensando ao
contar a ela sobre a aposta?
— Se prestar um pouco de atenção, saberia que pensar
não resulta em nada. — Ralph puxava esporadicamente sua
cravat. — Ela tem todas as cartas, Hart. Não tenho dinheiro a
lhe oferecer. Ela é a filha de um conde, então o meu título não
a impressiona. Meu humor nunca a tentou a querer me
conhecer melhor. Estou simplesmente esperando que o irmão
dela encontre uma forma de anular o casamento. E depois
Jemima e eu não teremos que nos aturar mais.
— Isso o deixará feliz? — perguntou Hart. Ralph
tamborilou os dedos no braço entalhado da poltrona.
— Desisti da felicidade. Tentei no verão passado e veja
onde isso me levou.
O mordomo, um homem de modos impecáveis que
deslizava em vez de andar e sempre carregava consigo lenços
com cheiros de água de rosas, apareceu no vão da porta.
— Há visita para Lorde Northmere. — Ele anunciou. — O
Sr. Alexander Balfour.
— Balfour? — Ralph repetiu. — O herdeiro do Duque de
Loxwell? — Ele trocou um olhar apreensivo com Hart. —
Temo em pensar no que ele quer.
— Devo lhe dizer que não está em casa, meu lorde?
— Não, não. Encararei o que quer que o duque deseje
atirar em mim. Traga-o até aqui.
Ralph não conhecia Alexander Balfour bem. Até o
casamento de Robert e Cecily, os Hartleys e os Balfours eram
inimigos mortais. Como amigo fiel dos irmãos Hartley, Ralph
sempre evitou o herdeiro Loxwell. Ele sabia que Alexander era
um homem quieto, reservado e precavido, um defensor das
regras. Se as fofocas de Daisy estivessem certas, ele fora
amaldiçoado com um bando de irmãs indomáveis. O Duque
de Loxwell recentemente o convocara a Loxwell Park para ele
começar a ser educado na administração do ducado. Apenas
negócios importantes poderiam levar Alexander a Londres.
Ralph suspeitava que tinha alguma relação com os seus
assuntos com Jemima. O duque não concordaria que o
prometido com sua benção abandonasse sua noiva.
— Sr. Balfour. — Disse Hart quando Alexander chegou,
parecendo tão elegante e tão sem humor como fora no
casamento de Robert e Cecily. — Que surpresa agradável!
Posso oferecer uma bebida?
— Obrigado, mas devo recusar. — Disse o herdeiro do
duque, as mãos formalmente atrás das costas. — Estou aqui
para ver Lorde Northmere com um assunto importante.
— Devo sair? — perguntou Hart, suas mão ainda na
garrafa de conhaque. Ralph implorou com os olhos para Hart
ficar. O que quer que o duque tivesse lhe reservado, seria
melhor encarar com um amigo ao seu lado.
— Isso fica por conta de Lorde Northmere decidir. —
Disse Alexander — Não tenho objeções. Meu Lorde. — ele se
virou para Ralph. — Tenho notícias de sua irmã.
— Daisy! — Ralph gritou pego totalmente de surpresa. —
Como soube que ela está desaparecida? — Ele balançou a
cabeça. — Nós não devíamos ter confiado nos criados para
manter um segredo!
— Ninguém quebrou a confiança, garanto-lhes. — Disse
Alexander rapidamente. — Tenho vergonha de dizer que sei
que ela fugiu porque minhas próprias irmãs a estão
escondendo. Aparentemente a Srta. Morton tem trocado
cartas com Edith, minha irmã mais nova, desde que se
conheceram em uma costureira anos atrás. Ele se hospedou
com elas sob um nome falso que finalmente foi descoberto por
minha tia anciã. Tia Ursula foi encarregada de manter as
minhas irmãs fora de problemas enquanto estou fora, mas
receio... — Ele suspirou e endireitou os ombros. — Não, não
me deixem enterrá-los nos meus problemas. Deve estar
ansioso para ver a sua irmã. Minha carruagem está na porta
e eu devo voltar a minha casa imediatamente. — Ele se
inclinou para frente com voz conspiratória. — Não contei a
ninguém que a Srta. Morton escapou. Nem mesmo ao duque.
Eu sei como é ter irmãs indisciplinadas. Seu segredo está
seguro comigo.
— Não posso lhe agradecer o bastante. — Disse Ralph
pondo-se de pé e esticando a mão para Alexander com um
calor que arrancou um sorriso de um homem estritamente
formal. — irei com você imediatamente. — Um pensamento
lhe ocorreu. — Isso é, se conseguir convencê-lo a fazer uma
parada no meio do caminho.
— Estou a seu dispor. — Disse Alexander. — Considere
minha inteira responsabilidade pelo sofrimento que enfrentou
com o desaparecimento da Srta. Morton.
— Nem um pouco! Não há ninguém a culpar, além de
Daisy. — Ralph fez uma careta. — Na realidade eu nem a
culpo, principalmente depois de tudo o que ela enfrentou.
Alexander levantou uma mão.
— Não há necessidade de me contar nada! — Disse. —
Não desejo bisbilhotar. Deus sabe que tenho segredos o
suficiente entre os meus parentes para ser desencorajado de
qualquer fofoca pelo resto da vida.
— Então, com sua permissão, pararei em Morton House
no meio do caminho. — Disse Ralph. Alexander assentiu
aprovando.
— Você deseja levar sua mãe para encontrá-la? Isso é
muito inteligente.
— Minha mãe! — Ralph não conseguiu segurar o riso.
Agora que ele sabia que Daisy estava segura, o mundo parecia
um lugar amigável. — Nunca mais infligirei Lady Peyton sobre
Daisy novamente, nem como resgate de um rei. Não. Devemos
buscar minha esposa.

***

Quando o Sr. Tyler anunciou que Lorde Northmere havia


retornado a Morton House, Jemima ficou atônita.
Quando Tyler acrescentou que Ralph estava à porta,
esperando que ela o recebesse, ela ficou silenciosamente
tocada.
Quando Ralph apareceu, tão perfeitamente apresentável,
elegantemente vestido, e com seu sorriso irônico de sempre,
ela não pode negar que a visão dele agitou seu coração. Um
calor estranho se formou em seu estômago quando os olhos
deles se encontraram e a lembrança do beijo faiscou entre
eles. Ela lutou para manter seu comportamento frio. A última
coisa que queria era que Ralph descobrisse que começara a
afetá-la.
— Trago boas notícias sobre Daisy. — Ele disse,
abaixando-se para beijar sua mão. — Ela foi encontrada.
Jemima apertou a mão contra o peito.
— Fico tão aliviada. — Ela suspirou. Nos dias que se
passaram desde que Daisy desapareceu, Jemima começara a
temer o pior.
Se ficou um pouco desapontada por Ralph não ter ido
visitá-la apenas por causa dela, seria grosseiro admitir. Então
Jemima reprimiu a pontada egoísta de ciúme e permitiu que
Ralph continuasse.
— Virá comigo para buscá-la? — Ele pediu. — Daisy não
ficará feliz em me ver, mas você é um assunto diferente.
— Não vejo porquê. Ela mal me conhece!
— Mas ela sabe que você não é uma inimiga. — Ralph
passou a mão pelo queixo, refletindo. — Temo que seja minha
culpa que Daisy tenha fugido. Não a apoiei como devia.
Mamãe errou com ela e eu poderia ter feito mais para apoiá-
la. — Ele suspirou. — Nunca devia ter deixado as duas
sozinhas durante todo o verão. Scarcliffe Hall foi um erro.
— Não sei nada sobre isso. — Disse Jemima tomando o
braço dele. — Certamente teve alguns benefícios, não?
Ele a olhou de soslaio.
— Está me provocando Lady Northmere?
— Nunca provoco, Ralph. Falo sério sobre isso. —
Jemima permitiu a si mesma sorrir enquanto pegava sua
sombrinha do suporte. — Tyler, Lorde Northmere e eu
sairemos por um momento. Por favor, diga ao cozinheiro para
cancelar os planos para o jantar de hoje e prepare o prato
favorito da Srta. Morton.
A peruca de Tyler desequilibrou-se com o entusiasmo
com que ele acenou com a cabeça.
— A Srta. Morton estará em casa para ao jantar? Sim,
minha senhora! Direi imediatamente ao cozinheiro!
Ele saiu esfregando as mãos e cantando alegremente.
— Ele gosta muito de Daisy. — Disse Ralph.
— Ele gosta de você também. — Disse Jemima. — Receio
que ele tenha ficado muito desapontado porque... porque os
negócios o afastaram.
Ela percebeu enquanto falava que dissera a coisa errada.
Uma lembrança da posição estranha entre eles, ambos
casados e ao mesmo tempo não, era demais até mesmo ara a
descoberta alegre de Daisy. Um silêncio constrangedor desceu
entre eles enquanto caminhavam até a carruagem. Dentro
dela, pelo menos, havia Alexander Balfour para distraí-los.
Jemima o conhecera durante sua curta estadia em Loxwell
Park. Ela não conseguiu evitar pensar o quanto era peculiar
estar em uma carruagem com o homem mais sério que já
conhecera sentado ao lado do ridiculamente menos sério.
Ralph logo recuperou sua alegria diante da ideia de rever
Daisy. Passou a maior parte da viagem jogando conversa fora
com um Alexander educadamente interessado sobre todas as
situações embaraçosas das quais teve que resgatar Daisy no
passado. Aparentemente, quando mais nova, a Srta. Morton
podia ser encontrada em qualquer lugar, desde o galinheiro
de um vizinho ou no galho mais alto da árvore mais alta de
Shipwood Hall.
— Não deve parecer tão feliz ao vê-la. — Jemima o
recordou. — O comportamento dela foi muito ruim. Lady
Peyton não se levantou da cama nestes dias!
— Lady Peyton fica de cama frequentemente. — Disse
Ralph. — Receio que ela tenha perdido este poder sobre mim
embora, tenho certeza, ela tenha ficado feliz com a sua
atenção.
Em silêncio, Jemima pensou que Ralph era muito duro
com a mãe. Lady Peyton era uma mulher tola e volúvel, que
deixava sua cabeça virar a cada oportunidade, mas ela amava
os filhos. O desaparecimento de Daisy foi um golpe pesado em
sua saúde.
Mas haveria tempo para dizer isso a ele depois. A casa de
Alexander em Londres era na mesma vizinhança de Morton
House, assim eles chegaram em questão de minutos.
— Irei na frente. — falou Alexander colocando o chapéu
na cabeça com uma determinação sombria. Parecia mais um
homem que ia a guerra do que para se reunir com a sua
amada família. — Pedirei ao mordomo que os leve à
biblioteca. Não desejo alertar as minhas irmãs de sua
presença e dar-lhes a chance de esconder a Srta. Morton ou
contrabandeá-la para fora da casa.
— Acha que elas ousariam? — perguntou Jemima. Ela
conhecera as irmãs Balfour no casamento de Cecily e não
pareciam as criaturas demoníacas que Alexander descrevia.
Alexander suspirou e apertou a ponte do nariz.
— O livro sobre o que as minhas irmãs não ousariam
fazer seria o volume mais fino já escrito, Lady Northmere.
Ralph e Jemima foram levados até uma pequena e
escura biblioteca por um mordomo que parecia totalmente
imperturbável pela intriga. Través da porta meio aberta, eles
puderam ouvir quatro gritos de puro deleite enquanto as
irmãs Balfour cumprimentavam seu irmão.
— Alex! — Ofegou uma voz que Jemima reconheceu
como de Edith, a irmã mais nova. — Que surpresa! Como
ousa nos visitar sem escrever antes!
— Não chame isso de visita. — Implorou Isobel, um ano
mais velha que Edith. Jemima mal conhecia Isobel, embora já
tenham se visto várias vezes. Ela era calada e extremamente
tímida, mas muito doce. — Diga que veio para ficar, Alex! Nós
sentimos tanto a sua falta.
— Nosso irmão é muito ocupado e importante para
pessoas como nós. — Soou uma voz lânguida que certamente
era da mais velha, Selina. — Devíamos nos resignar em vê-lo
apenas quando o duque permite.
— Bobagem.- Disse Alexander, muito mais feliz do que
quando estava na carruagem. — Vocês podem ficar comigo
em Loxwell Park sempre que quiserem.
— Maravilha! — Selina bocejou. — O interior! Nunca
poderia.
— E você, Anthea? — perguntou Alexander, dirigindo-se
á quarta irmã. — Conseguiu separar-se dos estudos tempo o
bastante para notar que eu me fui?
— Uma coisa boa para se dizer à única de nós que lhe
escreveu algo! — Retrucou Anthea. — Mas concordo com
Edith. É realmente muito irritante que tenha vindo sem
nenhum alerta! Deus sabe o que nós poderíamos ter feito.
— Onde está tia Ursula? — perguntou Alexander. — Ela
deve saber em que travessuras se meteram.
— Travessuras? Realmente, Alex. Nós não somos mais
garotinhas. — Suspirou Selina. — Tia Ursula está
descansando.
— Ela está sempre descansando! — Exclamou Edith.
— Alex,, deve conhecer nossa amiga. — Disse Isobel
suavemente. As outras moças grunhiram um alerta, mas ela
continuou mesmo assim. — Espero que não se importe, mas
nossa boa amiga, Srta. Leighton, tem estado conosco há
alguns dias. A mãe dela não está bem e tia Ursula disse que
podíamos convidá-la.
Jemima encontrou os olhos de Ralph. Ele ouvia com
atenção e êxtase, uma sobrancelha erguida.
— A mãe dela está doente, verdade. — Ele murmurou.
— Srta. Leighton! — Alexander falou. — Muito prazer em
conhecê-la. Claro que é bem-vinda aqui. Fique o quanto
desejar. Sinto muito em ouvir sobre a indisposição de sua
mão. Talvez eu devesse visitá-la?
Houve uma pausa.
— Oh, não, obrigada, Sr. Balfour. — Veio a voz de Daisy,
gaguejando um pouco. — Ela está gripada e não pode receber
visitas.
— Então é assim? — Perguntou Alexander. — Bem,
espero que não esteja tão avessa a receber visitas, Srta.
Leighton. Acontece que trouxe alguns amigos comigo.
Ralph deu um aceno rápido a Jemima, endireitou os
punhos e saiu da biblioteca. Jemima o seguiu, um pouco
tarde para ver os olhos de Daisy arregalarem-se com horror
diante do aparecimento de seu irmão.
O grito de choque, entretanto, foi inconfundível.
— Ralph! O que está fazendo aqui?
Jemima entrou na sala atrás de Ralph que caminhava
para pegar Daisy pelo braço enquanto ela recuava.
— Boa tarde, senhoritas. — Ele disse, perscrutando
divertidamente as expressões de choque inocentes nos rostos
das irmãs Balfour. — Receio que o pequeno ardil de vocês foi
descoberto.
— Srta. Leighton. — Começou Edith, levando uma mão à
boca em horror fingido. — Quem é este homem...?
— Oh, desista, Edith. — Suspirou Selina. — Não
consegue ver que não vai adiantar nada? — Ela se levantou
elegantemente de sua cadeira, alisando suavemente com as
mãos o seu já perfeito vestido de seda verde. — Peço
desculpas, Lorde Northmere. Não tenho nenhuma relação
com isso, além da minha lealdade às minhas tolas irmãs.
— Selina. — Disse Alexander severamente. — Você, entre
todas, deveria ter me contado.
— Não seja amargo, Alex. Mantenho os seus segredos
também, não é? — Os olhos grandes dela brilharam
sabiamente. Jemima estava quase intimidada por ela. Selina
era alguns anos mais velha que ela — quase da idade em que
as moças desistiam de se casar. Ela usava a idade e a
experiência como armadura, deslizando entre as catapultas e
flechas da sociedade com um ar de enfado elegante. As outras
irmãs Balfours era lindas, mas Selina era alta e
extremamente bela. Havia rumores de homens de que suas
ofertas rejeitadas eram seguidas pelo ar do aroma do perfume
de jasmim dela.
— Lady Jemima. — Ela disse arqueando uma
sobrancelha enquanto olhava entre Jemima e Ralph. — Estou
surpresa em ver que o duque a deixou sair de Loxwell Park.
— Lady Northmere é livre para ir aonde quiser. — Ralph
disse, destacando o novo título de Jemima. A mão dele ainda
firmemente fechado no braço de Daisy.
Um lampejo de surpresa mexeu o rosto impassível de
Selina.
— Está casada? Que inesperado. — Ela pegou um olhar
de reprovação do irmão. — Desejo-lhe felicidade. —
Acrescentou inclinando a cabeça elegantemente.
— Obrigado. — Disse Ralph rigidamente olhando para
Jemima. Daisy tomou vantagem do momento de distração
para puxar o braço e se afastar dele. Ralph a deixou ir com
um facilidade que sugeria que não queria mantê-la contra a
vontade.
— Sinto muito pela farsa, Ralph, mas não voltarei a casa
com você. — Disse Daisy. — Enquanto nossa mãe se recusar
a se desculpar por tudo o que tem feito, não posso viver sob o
mesmo teto que ela.
— Lady Peyton está profundamente sentida. — Disse
Jemima. Ela estendeu a mão para Daisy. — Sei que ela a
feriu. Sei que tem medo do escândalo que se aproxima. Mas
não deve desistir de ter esperança. Esconder-se não resolverá
seus problemas.
Daisy piscou rapidamente, secando as lágrimas raivosas
com as costas de sua mão.
— Como posso debutar agora? Todos falarão sobre a
minha mãe e a infidelidade dela! As pessoas dirão que sou
ilegítima. Serei evitada.
— Nós nunca a evitaremos! — Exclamou Edith, correndo
para o lado dela. Daisy deslizou sua mão na da amiga.
— Esperei tanto anos. — Ela disse em voz baixa. —
Assisti as minhas amigas indo a bailes, festas, ao teatro.
Observei todas elas ganharem um prometido e propostas.
Sentei-me com elas enquanto abriam cartas secretas de amor.
Eu não me importava em ser paciente. Eu sabia que minha
hora chegaria, Realmente não me importava com vestidos e
festas. Apenas queria começar a minha vida. — Os lábios dela
tremiam violentamente. — Mas agora mamãe destruiu todas
as minhas chances antes que eu tivesse oportunidade de tê-
las.
— Srta. Morton, está perdendo o controle. —
interrompeu Alexander, duas manchas vermelhas de decoro
indignado apareceram em suas bochechas. — Não desejo
ouvir os assuntos privados de sua família.
— Não adiante esconder, Sr. Balfour. — Disse Daisy. —
É um milagre que isso já não tenha chegado às páginas de
escândalos.
Alexander acenou rigidamente para as suas irmãs. Ele
parecia como se preferisse enfiar os dedos em seus ouvidos do
que ouvir algo mais.
— Saiam imediatamente, todas vocês! — Ele gritou. As
quatro moças Balfour ficaram atentas, olhos arregalados
diante da inconfundível autoridade na voz dele. — Devemos
dar alguma privacidade a Lorde Northmere!
Ele caminhou até a porta e a segurou aberta, encarando
até que as quatro moças obedecessem a sua ordem. Isobel foi
a primeira a correr, não ousando encontrar os olhos do irmão.
Selina saiu em segundo lugar suspirando como se estivesse
entediada com todo o assunto. Anthea pegou o livo que
estivera lendo e saiu com a cabeça erguida. Edith
permaneceu ao lado de Daisy, segurando sua mão até
Alexander grunhir:
— Fora! — A mandando correr.
— Leve o tempo que precisar. — Ele disse, inclinando a
cabeça rapidamente para Ralph e fechando a porta atrás dele.
Daisy caiu em uma poltrona, as mãos cobrindo o rosto.
— Daisy. — Chamou Ralph gentilmente. Jemima piscou.
Ela esperava que ele explodisse de raiva, ou possivelmente
fizesse uma de suas piadas amargas. Mas o tom dele era
cheio de arrependimento. Ele foi até o lado do irmão e esticou
a mão em direção a o ombro dela. No último momento pensou
melhor sobre tocá-la e, em vez disso, segurou o braço do sofá.
— Eu nunca deveria tê-la deixado sozinha neste verão.
— Como posso culpá-lo? — Daisy perguntou com o rosto
ainda enterrado nas mãos. — Vocês se apaixonaram.
Ralph pulou como se tivesse sido picado. Jemima não
ousou olhar para ele. Ela nunca sentira tanta culpa.
Daisy seriamente acreditava que o casamento deles foi
por amor?
— Daisy. — Ela falou quando o silêncio se prolongou por
muito tempo. — Estamos aqui agora. Iremos ajudá-la a
passar por isso. Nem tudo está perdido, prometo. — Ela roçou
em Ralph ao passar por ele para se aproximar de Daisy, mas
ainda sem ousar encontrar seu olhar. Ela se ajoelhou ao lado
da garota chorosa e pôs os braços ao redor dela. — Sua mãe a
ama. Ela é muito orgulhosa para demonstrar isso, mas está
devastada por ter colocado o seu futuro em risco. Passei os
últimos três dias segurando a mão dela enquanto ela me dizia
o quanto lamentava seus erros. Ela não quer nada mais do
que implorar o seu perdão.
— Você não conhece a minha mãe. — Disse Daisy,
abaixando as mãos o bastante para que Jemima pudesse ver
os olhos vermelhos. — Ela nunca se desculpou em sua vida.
— Mas ela está pronta para fazer isso agora. — Jemima
pegou seu lenço e enxugou as bochechas de Daisy. — Daisy,
vou contar algo que nunca contei a ninguém. — Ela engoliu o
nó duro que subiu em sua garganta. — Vou lhe contar as
últimas palavras que disse a minha mão antes que ela
morresse.
As lágrimas de Daisy pararam de cair, sua atenção fixa
em Jemima.
— Não precisa me contar algo tão pessoal.
— Sim, eu tenho. Se isso lhe ajudar, não há motivo para
manter para mim mesma. — Jemima mordeu seu lábio e
olhou para baixo, para os botões redondos de suas luvas. Os
olhos começaram a arder, mas estava determinada a
continuar. Ela ergueu a cabeça novamente e continuou. — Eu
disse que ela nunca me entenderia. Disse que nunca mais
queria vê-la novamente.
Um suspiro silencioso veio de cima, dizendo-lhe que
Ralph estava escutando. Jemima não tinha tempo para parar
e se preocupar sobre como sua história o faria pensar dela.
Ela prosseguiu.
— Eu tinha quinze anos e um garoto da aldeia me
escrevera alguns poemas de amor. Minha mãe me pegou
lendo e me proibiu de responder. Ela disse que eu era muito
nova para pensar em casamento. Ela queria que eu tomasse
aquela decisão quando estivesse amadurecida o bastante para
saber o que realmente eu queria. Eu... Eu fiquei irritada com
ela. Pensei que ela estava fazendo aquilo para me ferir. Assim
eu bati a porta na cara dela e me recusei a me despedir na
manhã seguinte quando ela viajaria para Londres com meu
pai. Nunca mais a vi novamente.
Ela sentiu uma mão forte, porém leve como uma pena,
nas costas de seu pescoço, uma carícia gentil lhe deu forças
para terminar o que tinha que dizer.
— Daria qualquer coisa para fazer as pazes com a minha
mãe. Nunca terei esta chance. Mas não permitirei que você
faça algo da qual se lamentará depois. Lady Peyton deseja se
desculpar e você deve deixar que ela faça. Deve voltar a casa.
Daisy segurou seu olhar por um momento, depois
assentiu.
Ralph soltou um suspiro de alívio. Sua mão com luvas de
couro descansaram pesadamente sobre os ombros de
Jemima. Para sua surpresa, ele se abaixou para pegar as
mãos dela e a levantar. Ele era forte o bastante, não seria
capaz de resistir mesmo se quisesse. Antes que percebesse,
ela estava em pé diante dele, o corpo tão perto do dele que, se
ousasse, era apenas se inclinar para frente um centímetro
para pressionar-se contra ele.
Ralph segurou seu rosto por um momento, encarando-a
sem palavras. Um mundo de gratidão e tristeza brilhavam em
seus olhos tristes. Jemima nunca o vira tão magnífico quanto
agora, cada emoção desnudada diante dela.
Ralph fechou os olhos e plantou um único e terno beijo
em sua testa. Seus braços a envolveram, puxando-a com
tanta força que ela mal conseguiu respirar, ela descansou a
cabeça contra o peito dele e sentiu hálito quente dele em seu
cabelo.
Daisy se levantou também, observando-os quase
timidamente, e Ralph e Jemima esticaram as mãos ao mesmo
tempo, puxando-a para o abraço deles.
— Sinto muito, Ralph. — Ela disse, suas palavras
abafadas.
— Sua peste. — Ele riu soltando-a. — Farei com que
esfregue o piso da cozinha por um mês, verá se não faço! —
Ele bagunçou o cabelo dela até que ela guinchar um protesto.
— Virá realmente a casa?
Daisy mordeu o lábio e olhou para Jemima.
— Irei.
Ralph a puxou para perto novamente, os olhos felizes
para Jemima sobre o topo da cabeça de Daisy. A felicidade
floresceu no peito de Jemima diante desta visão.
Vê-lo feliz a deixava feliz. Ela se perguntou porque eles
passaram tantos meses brigando, quando um mero sorriso
compartilhado entre eles trazia tanta alegria.
Em seguida percebeu a emoção profunda que causava
tais pensamentos tolos, manteve o sorriso fixo no rosto
mesmo quando sua mente se afastava.
Ela sabia que isso queria dizer quando seu coração
reagia à alegria alheia. Agora tinha um nome para os pedaços
de calor que a perfuravam sempre que Ralph a tocava, para a
sensação de vidro quebrado em seu estômago nos três dias
que ele estivera afastado.
Ela estava se apaixonando por ele. Realmente se
apaixonando. Algo que ela jurar nunca fazer.
Enquanto Ralph tomava seu braço e Jemima não via
nada em seu rosto bonito além de prazer, uma amargura
terrível ocupou sua garganta.
O amor não era possível. Para os outros, sim, mas não
para ela. Ela já amara profundamente e conhecia o fim
inevitável. O amor significava perdas. Anos de luto. Noites
insones de dor. Quanto mais se ama, pior é quando o objeto
de seu amor se vai.
Ela não permitiria a si mesma se apaixonar por Ralph. E
se tivesse a menor chance de que ele pudesse vir a amá-la, ela
nunca se perdoaria por deixar isso acontecer.
— Vamos a casa. — Ele disse piscando para Daisy.
Jemima largou o braço dele e ficou para trás, seguindo
silenciosamente enquanto ele levava Daisy de volta ao
vestíbulo para se despedir de suas amigas.
Ela se sentiu mais sozinha do que em anos.
14

Ralph hesitou no vão da porta de sua própria casa,


protegendo os olhos do sol para poder ver melhor a expressão
de Jemima no interior frio.
— É sua casa. — Ela disse. — Não precisa de permissão
para entrar.
— Não? — Ele perguntou abaixando a cabeça para
atravessar a porta. Jemima apertou os lábios e gesticulou em
direção a Daisy que estava trocando cumprimentos
entusiasmados com Tyler enquanto ele a ajudava a tirar o
casaco. O mordomo estava extasiado em ver sua jovem
senhora de volta.
Ralph entendeu a dica. Jemima não queria que Daisy
percebesse que eles estavam prestes a se separar. Cedeu à
culpa por um momento enquanto desabotoava o casaco.
Daisy o acusara de estar apaixonado. Ele nunca pensou que
sua irmã fosse sentimental, mas aquela era a prova, além de
qualquer coisa, de que ela era falha naquele assunto como
qualquer outra moça.
Ele tinha feito tudo, mas se apaixonou por Jemima em
Scarcliffe Hall. Ele zombou dela, riu dela e a deixou irritada e
desconfortável em resposta.
Sim, ele a admirara desde o momento em que a vira,
usando uma fantasia pesada no baile de máscara. Verdade,
ele sempre admitira que ela adorável de ser observada.
Certamente, não houve um único momento desde que
pousara os olhos nela sem que os batimentos de seu coração
acelerarem.
Mas ele também a empurrara em um rio, fizera a
proposta de casamento por causa de uma aposta e se casou
com ela por dinheiro, e se isso não era prova suficiente de que
não a amava, não sabia o que era.
— Daisy, sua mãe está no quarto. — Disse Jemima.
Daisy hesitou. A incerteza brilhando em seus olhos. Então
Jemima foi até ela, apertou a mão dela, e acariciou o cabelo
dela para confortá-la. Daisy assentiu com firme resolução e
subiu as escadas.
E o coração de Ralph se lembrou exatamente do porquê
ele batia mais rápido quando Jemima estava por perto.
— Tem um momento? — Ele perguntou, gesticulando em
direção à sala de estar. — Temos muito o que conversar.
Jemima o olhou fixamente em silêncio. A fisionomia
reservada estava de volta, sem lábios curvados, nem piscadas
de olhos que entregassem o que ela pensava.
— Claro. — Ela disse soando como se preferisse recusar.
Ralph segurou a porta aberta enquanto entrava.
— Tyler. — Ele falou. — Não desejamos se perturbados.
Jemima olhou para trás enquanto ele fechava a porta,
cuidadosamente permitindo que sua sobrancelha se
levantasse em uma negligente surpresa.
— Estou aguardando o meu irmão. — Ela disse.
O pensamento de Bernard chegando para interrompê-los
novamente fez Ralph cerrar os dentes. Sem pensar nisso, ele
avançou e pegou Jemima pelos braços. Ela ofegou de
surpresa, mas deixou que ele a pressionasse contra ele. Os
lábios dele caíram sobre o pescoço dela, o ponto pálido que
ele quis morder na pousada e, desta vez, ele beijou
suavemente.
Ela era perfeita. Cada curva suave dela combinava
exatamente com ele. Ralph estava louco para dançar com ela.
Eles não dançavam juntos desde o baile de máscara em
Scarcliffe Hall. Ele queria sentir o corpo dela mover contra o
dele. Valsar. Admirar aquela máscara de indiferença dos
olhos dela.
—Meu pai morreu quando eu tinha catorze anos. — Ele
disse. — Eu era uma decepção para ele de todos modos. Ele
era um homem bruto, um campeão de boxe, rápido com os
punhos e gastava dinheiro fácil. Era um rapaz estudioso com
a língua afiada. Frequentemente penso que ele nos deixou
cheio de dívidas apenas porque ele não gostava de mim.
Jemima empurrou o peito dele, criando um espaço entre
eles.
— Você não me deve uma confidência apenas porque eu
contei a Daisy a minha.
— Sim, devo. Você contou a Daisy algo de grande valor.
E me deu ainda mais. — Ele levou a mão à boca e puxou sua
luva com os dentes, a guardou em seu bolso e deixou seus
dedos nus traçarem o delicado decote de Jemima. Ela fechou
os olhos. — Minha mãe tinha quinze anos quando se casou
com ele. — Ele continuou. — Muito nova, mas o amava. Meu
pai pensou que poderia manter o coração dela estragando-a
com mimos. Mesmo quando era criança, podia ver que isso
apenas alimentava o egoísmo dela. Porém isso funcionou, pois
ela ficou quebrada quando ele morreu. Nossa casa nunca
mais foi feliz. — Os dedos dele para o lóbulo da orelha dela e o
puxou gentilmente. Isso arrancou um sorriso dela, que
inclinou a cabeça contra a mão dele. — Nunca fui paciente o
bastante para amenizar os pecados de minha mãe. Fazer ela e
Daisy fazer as pazes está totalmente além dos meus talentos.
Jemima abriu os olhos. O rosto dele estava mais perto do
dela do que estava antes, e ele a sentiu ficar tensa em seus
braços.
— Não acho que tenha tentado.
Ele levou a mão para a curva da coluna dela e a deslizou
pelo braço, entrelaçando os dedos deles como se estivessem
prestes a dançar. Ele esperou naquele exato momento ser
afastado por ela, mas ela não o fez. Ele a ouviu respirar mais
rápido.
— Talvez não. Passei anos trabalhando para reparar o
dano que meu pai fez. Investi toda a minha energia em
esconder a dor de nossa família do mundo. Nunca me ocorreu
que havia uma forma de cura. Suponho que tenha achado
que se gerasse lucro em nossas propriedades onde ele falhou,
podia finalmente escapar das lembranças dele. E talvez minha
mãe também.
— Não funciona dessa forma. — Disse Jemima
suavemente. — Você realmente nunca escapa.
— Acho que não acredita nisso. — Ralph respondeu. Ele
começou a balançar, a movendo com ele, como se alguma
música estivesse tocando e apenas eles podiam ouvir. — Acho
que você não tentou.
Jemima parou totalmente rígida.
— Fiz tudo o que pude para ser feliz depois que a morte
de Bernard foi anunciada. — Ela disse séria. — Tirei as
minhas roupas de luto no momento que pude. Dancei. Cantei.
Entrei sorrateiramente em bailes sem um convite.
— Transformou em inimigo o homem em Scarcliffe Hall
que mais lhe admirava. — Disse Ralph soltando a mão dela e
levou a sua para virar o queixo dela em sua direção. — Você
jogou fora a sua chance de felicidade pela menor e mais tola
esperança de poder rever seu irmão.
— E estava certa ao fazê-lo!
— Não. Worston trouxe seu irmão de volta sem a sua
ajuda. E tem inúmeros amigos que poderiam ter investigado
para você, o duque aprovando ou não. O fato é que não se
importava com seu próprio futuro. Parou de esperar que sua
vida pudesse lhe dar alegria. Casar-se comigo não significou
nada para você.
Ela devolveu o olhar desafiantemente.
— Está certo sobre isso.
Ralph a beijou.
A paixão que ele sentiu naquele breve momento na
pousada voltou à vida. Jemima era tudo o que ele precisava.
Os seus lábios encontraram os dela com algo além do
desespero, e ele experimentou a mesma ânsia como retorno.
Ele havia passado cada momento desde que deixara a
Pousada Cat and Bells ansiando por beijá-la novamente.
— Ralph, isso não pode acontecer. — Engasgou Jemima
enquanto eles se afastavam apenas o bastante para respirar.
Ele segurou o rosto dela em suas mãos e mordeu o lábio
inferior.
— Deixe acontecer. — Ele murmurou contra a boca dela.
— Deixe acontecer.
Ela soltou um som curto e delicioso de prazer enquanto
ele a beijava novamente. Ele se embebedou. Estava
perigosamente perto para perder o controle, sabendo que
arriscava a afastá-la, incapaz de conter sua paixão.
— Eu perdoei o jovem que fui, os erros que cometi. — Ele
disse acariciando o rosto dela com as costas de seus dedos. —
Seguirei seu conselho e perdoarei a minha mãe. Mas deve se
perdoar também. Deve se despedir da garota assustada e
aflita e deixá-la ir.
— Você se perdoou? — Jemima perguntou, os olhos
semiabertos e a voz baixa.
— Sim.
Ela o pegou de guarda baixa com um de seus olhares
aguçados e perceptivos. Aqueles que alfinetavam suas defesas
como uma bala atravessa uma camisa de linho.
— Então por que as cortinas de veludo ainda estão
penduradas no quarto principal?
Ralph afrouxou o aperto em torno dela.
— O quê?
— A casa inteira é belamente montada na última moda,
mas aquele quarto não é tocado há uma década. Por quê? A
menos que ainda esteja sob a sombra de seu pai.
Ele passou uma mão entre os cabelos despenteados,
encarando-a. Ela devolveu o olhar com um brilho de desafio.
— Vê: — Disse provocantemente. — Não é fácil esquecer
o passado. A menos que finja, apenas para roubar um beijo.
Ralph tomou uma decisão.
— Muito bem. — Ele disse. Antes que ela pudesse ter a
chance de exasperá-lo novamente, ele agarrou o braço dela e
a levou pelo corredor.
— O que está fazendo? — Ela exigiu, desequilibrando-se
um pouco enquanto ele a puxava. Ralph diminuiu o bastante
para ela acompanhar o passo.
— Seguindo o seu conselho.
Ele subiu as escadas e marchou diretamente para o
dormitório principal, Jemima meio correndo atrás dele. A
familiar luz difusa, o ar parado e o aroma seco de tecido velho
deu a ele um momento de pausa. Ele passou os dedos por
baixo de sua cravat.
— Como alguém consegue respirar neste quarto está
além de minha compreensão. — Ele falou e andou até a
janela. Ele segurou a pesada cortina roxa e deu um puxão
contundente. O tecido se esticou e ondulou em torno do
mastro da cortina.
— Ralph… — Jemima começou, mas ele a ignorou,
segurou a cortina com ambas as mãos e a puxou com toda
força.
O mastro da cortina caiu de suas bases. Ralph recuou
enquanto ele caía no chão, o veludo roxo sacudindo o ar ao
redor atingindo o parapeito da janela com um ruído alto. A
madeira partiu-se no meio. Ele se inclinou para a frente
enquanto a cortina arruinada caía em torno dele e ele tocava
com o dedo a rachadura na barra de madeira pintada de
preto.
A luz entrou no quarto. A mobília que parecia tão antiga
e inibidora sob a luz parecia empoeirada, indesejada e for a de
moda. As tapeçarias da parede estavam se desfazendo. Ralph
passou por uma atônita Jemima e deu um puxão na que
ficava pendurada ao lado da cama e que particularmente
detestava. A arrancou da parede e deu um passo para o lado.
Jemima deixou sair um som que era meio um ofego,
meio uma risada. Ele se virou para encontrá-la o observando
com a mão sobre o rosto e os olhos cheios de diversão.
— Aquelas cortinas da cama devem desaparecer. — Ela
falou.
— A cama em si desaparecerá. — Ele decidiu e pulou
sobre ela em um único salto, agarrando-se as cortinas para se
equilibrar. Ele segurou o tecido jacquard de seda damasco
entre as mãos e tentou rasgá-lo, mas falhou miseravelmente.
— Nunca conseguirá dessa forma. — Disse Jemima. Ela
subiu na cama ao lado dele. Ralph estendeu a mão para
ampará-la quando o colchão balançou. Manteve a mão ali,
segurando a cintura, enquanto ela ficava nas pontas dos pés
e brincava com as fixações dos postes da cama.
— Espere! — Disse Ralph. Ele pulou da cama fazendo
Jemima oscilar e se agarrar ao poste em busca de equilíbrio,
foi até a escrivaninha de seu pai onde uma havia uma adaga
ainda intocada. Ele pegou a adaga e, por capricho, passou o
braço por cima da mesa, derrubando os materiais de escrita
que ainda estavam imaculados após tantos anos. O pote de
tinta seco caiu no chão e quicou. Os papéis voaram no ar.
— Você é louco! — Jemima gritou. Ralph alcançou a
cabeceira da cama e lhe passou a adaga.
— Corte-as. — Ele ordenou.
— Não posso. — Ela gargalhou, perdendo o equilíbrio
enquanto tentava se apoiar no tecido escorregadio.
— Pode! — Ele passou os braços em torno da cintura
dela para sustentá-la. A risada a sacudia, atingia um ponto
fundo em seu estômago e ele deixou as mesmas vibrações
preencherem seu peito. Faixas roxas começaram a ondular
em torno dele, caindo sobre seus ombros, cobrindo seu rosto.
Jemima jogou a adaga de lado e Ralph se jogou de lado com
ela sobre a cama. Ele abriu caminho entre as faixas caídas,
seu peito doendo de alegria. Jemima arrancou grandes
pedaços do material, libertando o rosto e braços dele.
Estavam deitados de lado na cama com seda pesada enrolada
em suas pernas, deixando as risadas diminuírem.
Ralph nunca se sentiu tão livre. Ele tocou sua testa na
de Jemima.
— Não acredito nisso. — Ele disse. — O poste da cortina
podia ser vendido. Estas cortinas sozinhas poderiam ter
gerado quatro ou cinco libras.
— Você foi tão meticuloso com o resto da casa? — Ela
perguntou apoiando a cabeça na mão.
— Fui tão mesquinho quanto o Rei Midas. Fiz com que
as renovações fossem pagas por si mesmas. — A tarefa durou
anos. Mobília vendida, dinheiro investido, a velha casa em
ruínas lentamente avançando até 1820.
Jemima afastou o cabelo despenteado da testa dele.
— Meu marido é sábio com o dinheiro.
Ele pegou a mão dela e a pressionou rapidamente contra
a boca.
— E ainda sou o seu marido?
A pergunta ficou pendente no ar por um momento. Ele
devia conhecê-la melhor, ou talvez ela simplesmente tivesse
baixado a guarda. O que quer que fosse, ele não perdeu o
brilho de medo que cruzou o rosto dela.
— Bernard parecia muto certo de que poderia anular o
casamento. — Disse Ralph em voz baixa. Ele não queria
pressioná-la naquele caminho. Uma vez ela o escolhera
simplesmente para salvar o irmão. Ele queria que a escolha
que ela fizesse agora fosse inteiramente dela.
Jemima baixou os olhos.
— Não vejo que bem uma anulação fará.
— Então, pedirei uma audiência com o arcebispo para
confirmar que nosso casamento é real, com ou sem a
permissão de Bernard. — A decepção azedou sua alegria
como um limão espremido no leite fresco. Ele esperara um
pouco mais de certeza dela. Até mesmo entusiasmo. Espere,
ela não sentia o mundo girar sob seus pés toda vez que eles
se beijavam?
Mas com Jemima nada era fácil. Se ele precisasse levar
mais tempo, levaria.
Percebia agora que ela valia a pena.
— Talvez possamos usar um pouco de seu ganho da
aposta para comprar cortinas novas. — Ela sugeriu
levemente. Ralph puxou a mão da cabeça, protegendo os
olhos da luz que entrava.
— Cortinas de musselina branca. — Ele sugeriu,
evitando que o assunto real fosse destacado. — Com cortinas
de tafetá azuis e amarradores prateados.
— Acho que lilás ficará melhor.
— Então será lilás. Mas terá que esperar até que Daisy
debute. O dinheiro é para isso.
— Quanto foi? — Perguntou Jemima. Ela falou tão baixo
que Ralph podia ter ignorado a acidez implícita, se quisesse.
Ele se virou para ela, apoiando a cabeça sobre o braço,
imitando a pose dela e a olhou dentro dos olhos.
— Setecentos e cinquenta libras de Beaumont, Scarcliffe
e Hart.
Jemima levantou uma sobrancelha. As bochechas
ficaram vermelhas.
— Estou desapontada. Pensei que valia muito mais.
— Não era previsto que me aceitasse. O ponto da aposta
era me fazer sofrer a vergonha da rejeição.
— Cavalheiros brincam com jogos duros.
— Nunca teria aceitado a aposta se pensasse que a
magoaria.
— Não o magoaria? — Ela perguntou. — Eu teria sido
cruel, sabe, se o tivesse rejeitado.
— Eu teria merecido. — Ele respondeu. — Sempre houve
orgulho demais em mim, Jemima. Estava precisando
desesperadamente de alguém me derrubasse com um golpe
ou dois.
— O orgulho não tem lugar em um casamento. — Ela
disse para surpresa dele.
— Ouviu isso de Hart?
Jemima ergueu uma sobrancelha.
— Fui eu quem disse isso a ela. Meu pai costumava falar
isso e eu achei que era bastante adequado para a situação
dele tempos atrás. Por quê? Ele tem citado os meus sábios
conselhos? — Os lábios dela se puxaram em um sorriso,
atraindo a atenção de Ralph como nada mais podia. — Que
gratificante!
Uma vez que os olhos dele caíram sobre os lábios dela, o
próximo passo foi inevitável. Frequentemente ele realmente
era a criatura viva mais abominável. Ele deveria ter implorado
o perdão dela por causa da aposta e tudo o que conseguia
fazer ela na proximidade dos corpos deles, a forma como a luz
do sol iluminava os cabelos dourados e a curva orgulhosa de
seu lábio superior.
Ele esticou sua mão.
Alguém bateu à porta.
Jemima se sentou, puxando as cortinas para o peito
como se eles tivessem sido pegos sem roupas.
— Sim? — Ela respondeu.
Uma tossida nervosa soou do outro lado da porta. Tyler.
— Perdoe-me, minha senhora… Sei que não desejam ser
perturbados…
— É lorde Arden? — Perguntou Jemima jogando as
cortinas de lado e correndo para passar as mãos pelos cabelos
que estavam soltos sobre seus ombros. — Descerei em um
momento.
— Sim, minha senhora, é Lorde Arden… — A voz de Tyler
ficou agonizante. Ralph se levantou, contornou a cama e
abriu a porta. Os olhos de Tyler se arregalaram enquanto
olhava o estado do quarto e a luz atravessando as janelas.
— Não precisa ficar nervoso, homem. Estamos
renovando, é isso.
Tyler fechou sua boca e pigarreou. Por alguma razão, ele
não conseguia olhar nos olhos de Ralph.
— Lorde Arden não é o único visitante na sala de estar.
Sir Everard Ramsay está aqui também.
15

Jemima não podia negar que estava curiosa sobre o


infame Sir Everard. Ela meio que esperava um libertino de
bigodes em calças apertadas e um chapéu tricórnio, ou um
dândi com modos cortantes e fisionomia arrogante.
O homem discutindo com o seu irmão na sala de estar
não era o que imaginou. Sir Everard era baixo, com um
conjunto de bigodes laterais que ultrapassavam a quantidade
de cabelos no topo de sua cabeça. As bochechas eram
vermelhas com uma combinação de muita bebida e muita
indignação. Seu sobretudo fora feito para um homem
ligeiramente mais delgado. Ele carregava uma bengala com o
topo prateado, não para propósitos práticos, como o Tenente
Worston fazia, mas simplesmente para agitar no ar enquanto
fazia uma série de exclamações pomposas.
Lady Peyton devia estar faminta por aventura se aquele
homem a tentara a abandonar uma confortável vida de
casada.
— Ah, Northmere. — Disse Sir Everard em um tom
irritantemente familiar. — Quem é esse jovem impostor? Ele
insiste que eu o chame de Lorde Arden que não é o nome
dele. O Conde de Arden é um amigo particular e não é nem
metade boca suja e nem tão mal educado.
— Henry Stanhope é mais Conde de Arden do que eu sou
uma princesa! — Bernard alardeou. — Não aguentei dois anos
em uma prisão francesa para ser condescendente com um
mero cavalheiro!
— Bernard, basta. — Disse Jemima empurrando-o para
o lado. Ela abaixou a voz a um sussurro urgente. — A
situação com Sir Everard é delicada o bastante como está.
Implore que não torne tudo pior.
Ralph passou uma mão sobre os cabelos com a
aparência de total calma. Ele olhava Sir Everard como se ele
fosse uma bagunça particularmente desagradável que ele
pisara.
— Esse homem é Bernard Stanhope, o verdadeiro Conde
de Arden, e meu cunhado. — Disse friamente. — Agradeceria
se não insultasse um membro de minha família sob o meu
teto, Sir Everard. De fato, agradeceria se fosse embora
imediatamente. Não é bem-vindo aqui.
— A senhora da casa me receberá, se souber o que é
melhor para ela. — Sir Everard olhou de soslaio. Jemima
estava surpresa com a compostura de Ralph. Se ela estivesse
em seu lugar, já teria golpeado o homem. Ainda assim,
alguma coisa no olhar gélido de Ralph era mais potente do
que qualquer violência física. Ele deu um único passo em
direção a Sri Everard e Jemima quase vibrou ao ver o homem
encolher-se.
— Minha mãe não está em casa para você. — Disse
Ralph, com uma ameaça lenta e penetrante. — Nem nunca
mais estará.
Sir Everard recuperou a compostura, embora tenha
erguido a bangala a frente de seu peito para proteger a si
mesmo da ira de Ralph.
— Não há necessidade de sermos inimigos. — Ele disse.
— Tenho Lady Peyton em alta estima. E por essa razão, exijo
que ela volte para mim. — Ele virou a bengala para cutucar
Ralph como uma espada de ponta cega. — Ele deve voltar
para mim ou eu a farei se arrepender!
As mãos de Ralph se fecharam em punhos.
— Você ousa ameaçar a minha mãe?
Sir Everard se elevou atrás da segurança de sua bengala.
— Está fazendo um belo discurso, garoto. — Ele disse. —
Mas você não é o homem que seu pai era.
Ralph avançou em direção a ele, atirando a bengala para
fora do caminho com apenas um golpe.
— O verei ao amanhecer! — Ele grunhiu.
— Você não fará tal coisa! — Gritou Jemima.
Ela não esperava falar com tanta autoridade. Os três
homens na sala se viraram para encará-la estupefatos.
— Ralph, eu o proíbo de duelar com este homem. — Ela
disse. — Há maneiras melhores de lidar como os tipos como
ele. Não me enterrarei em luto por outro ano simplesmente
porque perdeu o controle e levou um tiro em um duelo.
— Jemima…
— Proíbo!
Sir Everard estava rindo. Ralph encarou Jemima em
agonia, congelado no lugar com os punhos cerrados e a raiva
fazendo suas pernas tremerem. Ela não podia imaginar o
quanto de orgulho custava-lhe não desafiar Sir Everard
naquele ponto.
Porém, ele reuniu forças para obedecê-la mesmo assim.
— Muito bem. — Disse Ralph, seu peito pesado por
causa da violência reprimida.
— Não o desafiarei, Sir Everard. Mas alerto, não me
queira como seu inimigo.
— E eu repetirei. — Disse Sir Everard baixando
lentamente a voz de um guincho assustado a uma ordem
severa de um professor. — Não há necessidade de sermos
inimigos. Apenas permita que eu veja Lady Peyton e nós
resolveremos nossos assuntos amigavelmente. — Ele abaixou
as sobrancelhas. — Não deixarei esta casa até vê-la.
— Qual exatamente é a sua conexão com Lady Peyton?
— Perguntou Bernard. Jemima não aguentou ouvir a
resposta. Ergueu as saias e correu da sala, ignorando o olhar
de traição que cruzou o rosto de Ralph.
Ela atravessou o corredor até a prateleira que continha
as duas pistolas que pertencera ao avô de Ralph e ficou nas
pontas dos pés para pegá-las.
Quando voltou à sala de estar, o rosto de Bernard estava
vermelho de raiva, a frente da camisa de Sir Everard estava
nos punhos de Ralph e seu marido estava se preparando para
socá-lo no rosto.
— Chega! — Ela espetou. Apontou a pistola na direção de
Sir Everard. — Ralph, solte-o.
Ralph obedeceu com grande relutância. Jemima se
aproximou dele mantendo a pistola apontada em Sir Everard,
que parecia ter parado de respirar.
— Minha senhora. — Ele guinchou, as mãos agitadas
inutilmente à sua frente. — Minha senhora, por favor...
— Calado. — Ela ordenou. — Ela tocou o flanco de Ralph
e lhe passou a segunda pistola. Ele a olhou
interrogativamente, mas a pegou e mirou em Sir Everard.
— Sairá desta casa agora. — Ele falou. — E nunca mais
verá a minha mãe. Está claro?
Sir Everard balançou a cabeça para cima e para baixo
como se seu pescoço tivesse virado um manjar branco.
— Bastante claro, Lorde Northmere! Evidentemente!
Ralph apontou a pistola em direção à porte.
— Fora. — Ele disse. Cada músculo do pescoço dele se
esticou com a tensão.
Sir Everard derrubou o chapéu, abaixou-se para pegá-lo,
tropeçou na ponta do tapete, olhou para trás horrorizado para
ver as pistolas ainda apontadas firmemente para ele e saiu
com uma corridinha, revelando que a bengala era uma
verdadeira afetação.
Ralph abaixou a pistola e passou as costas da mão na
testa.
— Você será a minha morte. — Ele disse. — Estas nem
ao menos estão carregadas!
— Sir Everard não sabia. — Disse Jemima, incapaz de
parar de rir. Ela pegou o olhar de Bernard. Ele não estava se
divertindo. — Esqueceu-se quão bem manejo uma pistola,
irmão? Você me ensinou muito bem.
— Não me esqueci. — Disse Bernard. — Mas não a
ensinei a atirar para que pudesse se defender de amantes de
mulheres depravadas.
Um músculo se moveu na mandíbula de Ralph. Jemima
prudentemente tirou a pistola dele.
— Você passou muito tempo longe da sociedade
civilizada para que eu possa jogar suas palavras contra você,
Lorde Arden. — Disse Ralph. — Mas me escute agora: se
ouvir outra frase dessa de seus lábios, ver-se-á com olhos
pretos.
— Seu canalha! — Bernard grunhiu parando em frente
de Ralph. — Não o temo! Se pensa que deixarei minha irmã
ficar mais um momento neste covil de libertinagem...
A náusea subia pela garganta de Jemima ao mesmo
tempo que a cor das bochechas de Bernard se aprofundavam
de uma raiva brilhante a uma fúria roxa. Ela sabia que tinha
pouca esperança em acalmá-lo quando ele ficava assim. Ele
achava que a protegia — talvez até mesmo a protegendo dela
mesma — e ele nunca deixaria nada ficar no caminho dele
quando se tratava do seu bem-estar.
Este era o irmão de quem sentira falta nos últimos dois
anos, e agora que ele retornara, ela se lembrou de todas as
formas que ele costumava enfurecê-la.
— Bernard, sente-se. Está envergonhando a si mesmo.
O seu irmão não tinha intenção de obedecer as
instruções de ninguém, muito menos as dela, mas seu olhar
mais afiado o forçou a parar, pelo monos, de cerrar os
punhos.
—Jemima, seja sensata. — Disse Bernard. — Se quiser
qualquer esperança de desassociar-se desta família, deve
partir comigo imediatamente.
— Mas eu sou parte desta família, Bernard. — Disse
Jemima. — Não sou mais Jemima Stanhope. Sou Jemima
Morton, Lady Northmere. Não há outro lugar onde queira
estar.
Ela sentiu o olhar de Ralph queimá-la enquanto falava.
Esperava que ele estivesse feliz ao ouvir o que ela dizia.
Mesmo tendo dito a si mesma que estavas endo apenas
prática, não podia ignorar o seu interior que começara a
ansiar pela aprovação de Ralph.
— Mas se seu casamento puder se anulado...
— Eu não desejo uma anulação. — Disse Jemima. Ralph
cruzou lentamente a sala e parou ao se lado, sua mão
acariciou sua nuca e ele não disse uma palavra.
— Está cometendo um erro. — Disse Bernard.
— Garanto-lhe, minha esposa sabe o que faz. — Disse
Ralph com frieza. Jemima estremeceu. Nada podia ter sido
melhor calculado do que cutucar o humor de Bernard.
Ela tinha certeza de que Ralph fez de propósito.
— Se me desculpar, meu lorde. — Disse Bernard
friamente. — Devo apontar que se casou com a minha irmã
há algumas semanas. Eu sou o irmão a vida inteira dela. Não
pode alegar que a conhece melhor...
— Se me desculpar, Lorde Arden, devo destacar que
Jemima tem se virado extremamente bem sem a sua
orientação nos últimos dois anos. Não vejo motivos pelos
quais ela deva escutá-lo agora.
O rosto de Bernard ficou ainda mais vermelho.
— Eu era prisioneiro de guerra!
— E eu o cumprimento por seu serviço. A realidade é que
Jemima é minha esposa. Ela permanecerá sob meu teto. Os
problemas de minha família, lamentavelmente, são delas.
Bernard começou a andar pela sala agitado. Ele cerrava
os dentes com tanta força que Jemima temeu que pudesse
quebrá-los.
— E então, diga-me, — ele disse, virando-se para eles
com ar de desespero — eles se tornarão de Camille?
— Camille? — Jemima repetiu. Ela levantou os olhos
para encontrar Ralph piscando surpreso. — Quem é Camille?
— Camille du Ventoux! — Bernard gritou. A filha do
conde, a moça que arriscou a vida para me ajudar a fugir, a
moça com quem quero me casar! O navio dela está prestes a
chegar a Londres e o que lhe direi quando ela descobrir que
ancorou em meio a um escândalo? Onde ela ficará até que
casemos? Não posso trazê-la para cá!
— Bem, queria que tivesse me dito antes. — Disse
Jemima maliciosamente. — tenho certeza de que Lady Peyton
teria reconsiderado o comportamento dela se soubesse que
Camille du Ventoux ficaria aqui.
— Não me provoque! — Grunhiu Bernard. A vontade de
brigar o abandonava. O seu peito inflado murchou
visivelmente e ele se afundou em uma cadeira. — Prometi as
estrelas e a lua à Camille. Se não fosse por ela, não estaria
aqui hoje! Ela é a moça mais bondosa e doce deste mundo.
Não posso fazê-la sofrer mais depois de ela trair a família por
minha causa! Esperava que você pudesse apresentá-la à
sociedade, Jemima. A vida dela tem sido muito solitária. —
Ele abaixou a cabeça entre as mãos e pegou um punhado de
cabelos. — Oh, Camille. — Ele murmurou. — O que vou
fazer?
Ele parecia tão jovem, tão vulnerável e receoso sob
aquele ódio exagerado que Jemima se esqueceu por um
momento que ele era o mesmo homem, seu irmão mais velho,
que tanto idolatrava.
Quando Bernard deixou a Inglaterra, ele era um homem
adulto e ela uma criança. O admirava. Seguia cada uma das
ordens dele sem questionar. O adorava tanto que não havia
espaço para ninguém mais em seu coração.
Ela mudara nos anos de ausência dele e ele não.
Percebeu osso com uma onda de choque que agora eles eram
iguais. A opinião dela tinha o mesmo peso da de Bernard. Era
possível que ele estivesse errado e ela certa.
— Não se desespere. — Disse Ralph gentilmente, no
mesmo tom bondoso que usou para convencer Daisy a voltar
a casa. — Nós temos amigos em Londres aos quais podemos
pedir ajuda. Penso que se acostumou demais à solidão, Lorde
Arden. Esqueceu-se de que está entre amigos. Pedirei a Lady
Isabella Hartley que hóspede Mademoiselle de Ventoux até o
escândalo sobre o nome de minha família seja esquecido, ou
até que se casem.
— Isso será esquecido? — Perguntou Bernard levantando
a cabeça. — Não posso suportar ver Jemima ser rejeitada pela
sociedade, Lorde Northmere. Não posso permitir isso.
— Passei muito tempo longe da sociedade, Bernard. —
Disse Jemima. — Não vejo diferença entre passar minha
juventude de luto de passar anos de minha vida de casada
reparando uma reputação manchada, Pelo menos desta vez
não terei que usar preto.
Levou um momento para o significado das palavras
penetrarem, mas quando fizeram. Bernard ficou pálido.
— Você me culpa por abandoná-la. — Ele disse com voz
rouca. — Jemima, isso é injusto...
— Injusto? — Repetiu elevando a voz. Bernard não era o
único Stanhope que podia perder o controle de seu
temperamento. — Não, Bernard, foi injusto você deixar uma
menina de dezesseis anos para criar um nome no exército.
Você tinha dinheiro, um título, bons amigos e perspectivas
perfeitas — o que precisava ter era honra ou glória? Eu
precisava de você. E ainda assim escolheu se colocar no pior
tipo de perigo. Entendo que sofreu estes últimos anos, mas eu
também sofri, e estive sozinha em cada momento! Eu não
tinha mais a perspectiva de seu conforto. Eu só conseguia
pensar em você caído no frio. — Ela levou a mão à boca. Sua
voz começou a tremer e soube que se continuasse, choraria.
Bernard a encarava boquiaberto.
Ralph tocou seu braço, o calor das mãos dele parou suas
lágrimas.
— Jemima, iria lá em cima para ver a minha mãe? — Ele
disse. — Nós devemos contar a ela e Daisy o que está
acontecendo imediatamente, assim nós poderemos começar a
planejar o futuro.
Ela tropeçou em seus pés, as lágrimas a cegando. Ralph
a pegou pelo ombro e a sustentou antes que saísse da sala.
— Tudo ficará bem. — Murmurou, pressionado um beijo
rápido na testa dela. Jemima encontrou forças para reter as
lágrimas.
— Sim. — Ela respondeu enxugando os olhos com a
palma da mão. — Sim, acredito em você.
Uma vez que alcançara o corredor, temeu que pudesse
chorar novamente. Mas ainda sentia a pressão do beijo de
Ralph em sua testa e aquilo a reequilibrou.
Ela ergueu as saias e subiu as escadas correndo para ver
Daisy e Lady Peyton.

***

Os dias que seguiram a visita desagradável d Sir Everard


foram bastante ocupadas o bastante para manter Jemima
longe da inimizade entre Ralph e Bernard. Daisy e Lady
Peyton firmaram uma frágil paz, selada com muitas lágrimas
e votos de nunca mais se magoarem. Jemima estava feliz em
notar que o perdão que ela forçara Lady Peyton a ensaiar foi
entregue com toda a aparência de ser de coração, e a
aceitação verdadeira.
Fora bom para Daisy escapar da influência de sua mãe.
As irmãs Balfour ficaram fora da sociedade por muitos anos e
ela voltou ansiosa para planejar sua própria apresentação á
sociedade. Os convites estavam sendo despachados para
todas as famílias que tivessem a mínima conexão com os
Mortons. Jemima e Lady Peyton compartilhavam a mesma
determinação de que o baile de Daisy deveria ser
incandescente.
Quando a sociedade retornasse a Londres para a
temporada, as respostas começariam a chegar. As ameaças de
Sir Everard, até então, não foram cumpridas. Lady Peyton,
embora abalada com a visita, estava suficientemente animada
com sua reconciliação com Daisy para declarar que seus
ataques de nervos acabaram.
— Não permitirei que aquele homem venenoso destrua
meu espírito. — Anunciou.
O próximo passo foi planejar uma reconciliação entre
Lady e lorde Peyton, algo mais fácil de desejar do que
alcançar. Ralph escreveu para Lorde Peyton por insistência de
Jemima, todos eles lendo a carta várias vezes e esboçando
alternativas para cada linha antes de finalmente enviá-la.
— Imploro para que se lembre que não há lugar para o
orgulho em um casamento. — Ralph leu avaliando o esboço
final. Ele lançou um sorriso perverso a Jemima. — Embora
espere que possa encontrar espaço para a vaidade. Não
desistirei de meus sobretudos e camisas de pontos altos por
ninguém.
— Não escreva isso para Lorde Peyton. — Jemima
suspirou. — A última coisa que quer é lembrá-lo do quanto de
frivolidade que herdou de sua mãe.
— Em que está tão ocupada? — Ralph perguntou,
derrubando cera de vela sobre a carta para selá-la. Jemima
rapidamente escondeu o que estava escrevendo com o braço.
— Estou escrevendo para Cecily. — ela disse. —
Ultimamente tenho sido muito negligente com as minhas
correspondências. Nem mesmo lhe contei sobre Bernard!
Ralph abaixou sua carta selada e parou ao lado de
Jemima. Ela cobriu seu trabalho com uma pilha de papéis.
— Não tenho intenção de ler sua correspondência
particular. — Ele disse, segurando- pelos ombros. Ele se
abaixou para sussurrar em seu ouvido. — Embora espere que
faça um bom relatório sobre o seu marido.
— O que de bom tenho a relatar? — Perguntou Jemima
sendo ácida por instinto. Ralph levou uma mão ao coração.
— Um golpe fatal! — Ele choramingou, cambaleando
dramaticamente. Jemima cobriu a boca com a mão para
esconder seu sorriso.
Camille du Ventoux chegou no dia seguinte, pálida por
causa do enjoo, mas terrivelmente bela mesmo assim, e se
estabeleceu adoravelmente em Grovesnor Place. Jemima
apenas olhou para ela para entender como havia entrado na
vida de Bernard. Camille era uma moça quieta com uma
expressão rígida e um par de olhos grandes e expressivos que
nunca abandonavam a exploração do rosto de Bernard. Ela
falava um pouco de inglês e Jemima foi capaz, pela primeira
vez, de por seus estudos de idiomas em prática.
— Estou muito feliz em conhecê-la. — Camille lhe disse,
sua mão entrelaçada a de Bernard. — Desde o momento que
ouvi que meu querido Bernard tinha uma irmã, soube que
encontraria algum dia a família que sempre sonhei!
Ela apertou um lenço sobre seus olhos azuis marejados.
Bernard levou a mão dela aos lábios e a beijou.
— Calma, amor. — Ele disse. — Nós dois estamos livres
do seu pai agora. Tudo ficará bem.
Jemima era a moça mais egoísta do mundo. O coração
de qualquer pessoa teria se aquecido diante da visão do amor
entre Camille e seu irmão. Ela estava feliz — estava — mas
como podia negar que, bem lá no fundo, estava um
pouquinho ciumenta?
A pura adoração que brilhava no rosto de Bernard
enquanto ele olhava para Camille era milhares de vezes mais
potente do que a afeição de irmão que sentia por Jemima.
Talvez fosse assim que devesse ser. Eles já eram uma
família, os dois desesperadamente devotados à felicidade um
do outro. Camille atravessa o oceano por Bernard.
— Estou tão feliz em ter uma nova irmã, assim como
meu irmão. — Disse Jemima e ela quis dizer isso, apesar de
toda a tristeza. Não era realmente Camille que invejava. Seria
cruel e egoísta exigir a atenção de Bernard para si mesma.
Aquela certeza era o que realmente desejava. Um amor que
pudesse em que se pudesse confiar, um amor todo dela, uma
paixão que fazia a separação inevitável valer a pena.
Um amor que ela sabia que nunca seria corajosa o
bastante para reivindicar para si mesma.
Henry Stanhope, o atual Lorde Arden e parente distante,
não ficou muito feliz com a ressurreição de Bernard. Bernard
dividia seu tempo entre discutir com seus advogados e olhar
para Camille. Cada obstáculo legal que podia ser posto em
seu caminho foi devidamente arremessado.
E Jemima assistia seu amado irmão ficar mais distante
dela a cada dia que se passava. Camille preenchia o coração
dele. A recuperação de suas propriedades ocupava a sua
mente. A renovação de suas amizades em Londres o divertia.
Ele estava começando uma nova vida no exato sentido da
palavra: uma vida com, bastante verdade, menos Jemima do
que ela imaginou.

***

Quando outro dia se passou sem gerar respostas de


Lorde Peyton, Ralph formou uma nova resolução.
— Não posso simplesmente ficar aqui sentado e esperar
que os rumores se espalhem e todos os nossos velhos
conhecidos nos abandone. — ELe declarou, atirando os
jornais que lia religiosamente com força o bastante para
assustar Daisy e fazê-la abandonar o bordado. — A única
forma de seguir em frente é convencer Lorde Peyton a negar o
conhecimento da história e se reconciliar com mamãe. Uma
frente unida mostrará ao mundo que nada do que Sir Everard
diz é verdade. Trarei Lorde Peyton a Londres e nós sairemos e
público, como uma família até que os rumores sejam
totalmente desacreditados.
— Isso não será suficiente para convencer todo mundo.
— Disse Daisy. — Ralph mordeu o interior da bochecha.
Jemima sabia que ele estava escondendo um sorriso
malicioso.
— Mesmo se tivéssemos começado anos atrás, seria
tarde demais para convencer toda a sociedade que mamãe
nunca fez nada errado. Mas não ficarei sentado enquanto Sir
Everard ameaça a reputação dela. Ele não pecou tanto quanto
ela? — Ele tamborilou os dedos sobre o jornal, preenchendo o
ar com o ruído do papel que aumentava até sua mão
finalmente golpeá-lo. — Ah! Desejava mais do que nunca que
você tivesse me deixado pousar meu punho no rosto dele,
Jemima!
— Ralph. — Daisy interrompeu. — Está se esquecendo
que tudo o que Sir Everard diz é verdade.
— Pois importa se é verdade ou não? — Perguntou
Ralph. — A única coisa que conta é no que as pessoas
acreditam. — Seus olhos fixaram-se em Jemima. — Você uma
vez disse que um homem como ele deve ostentar seu orgulho.
Que precisaríamos apenas encontrar uma forma de ameaçar
esse orgulho para derrotá-lo.
— Não me esqueci disso. — Disse Jemima. Ela
considerou suas próximas palavras cuidadosamente. A
melhor defesa contra a indiscrição de Sir Evereard lhe
ocorrera há algum tempo, mas era uma que não apelaria a
natureza orgulhosa de Ralph. De qualquer forma, tinha que
tentar. Ela tinha trabalhado demais nisso para abandonar o
esquema agora. — Acho que encontrei uma forma de ameaçar
Sir Everard. Embora não tenha certeza de que vá gostar.
— Não gosto de tudo o que diz. — Ralph admitiu. — Mas
isso não quer dizer que suas palavras não sejam verdadeiras.
— Um sorriso triste cruzou o rosto dele. — Aqui está um
exemplo: lembra-se do que me disse no dia em que descobriu
que Bernard estava vivo?
Jemima vasculhou em sua mente. Tinha dito uma
grande quantidade de coisas a Ralph desde casamento deles,
nem todos inteligentes. Ralph riu diante da hesitação dela.
— Ofereceu-se a custear a apresentação de Daisy. — Ele
a recordou. — Independente se nosso casamento fosse válido
ou não. E eu nunca odiei tanto isso.
Daisy pulou em seu assento.
— Acho que não deveria ouvir isto. — Ela disse de olhos
arregalados.
— Isso me atingiu rapidamente. — Ralph prosseguiu,
ignorando o fato de Daisy ter enfiado os dedos nos ouvidos. —
Passei anos escondendo o fato de não ter dinheiro para
gastar. Apenas as circunstâncias mais terríveis me levaram a
admitir isso aos meus amigos mais próximos. Mas sua oferta
foi generosa além das palavras e eu deveria ter agradecido por
isso, não explodido de raiva.
—Sinto muito tê-lo magoado. — Disse Jemima. — Meu
único pensamento era em Daisy... Daisy, não há necessidade
de cantarolar tão alto! Nós não estamos falando de nada que
já não tenha escutado.
Daisy se levantou, recolheu seu material de costura com
movimentos agudos e ofendidos.
— Vocês dois me surpreendem. — Ela disse rolando os
olhos para o teto. — em um momento estão nas gargantas um
do outro, no seguinte estão inseparáveis. Em um momento
estão casados, no outro não estão mais. Se estar apaixonado
fez isso ao meu irmão racional, não desejo nunca encontrar
um pretendente! — Ela abandonou a sala com a exata
dramaticidade que a mão deles teria feito.
Ralph olhou para Jemima e riu.
— Acho que ela está suportando bem. — Ele falou.
Mas a atenção de Jemima foi atraída por algo além do
teatro de Daisy.
— Ralph, Daisy realmente acredita que fizemos um
casamento por amor?
O sorriso dele se apertou desajeitadamente nos cantos.
— Ela tem... uma imaginação selvagem.
Ela notou que ele não olhou em seus olhos.
Ela não conseguiu evitar o pensamento sobre o que isso
queria dizer.
— Acho que é uma ótima ideia que vá ver Lorde Peyton.
— Ela disse movendo-se até o pianoforte e folheando a música
que Daisy deixara no suorte naquela manhã. Seu coração
estava acelerado, mas era vital que ela parecesse
despreocupada.
— Tão ansiosa para se livrar de mim? — Perguntou
Ralph.
Jemima sabia que ele estava provocando, mas isso não
ajudou em nada para conter os batimentos acelerados de seu
coração.
A verdade era que ela não queria que ele fosse. Ficara
muito acostumada a vê-lo na mesa do café da manhã todas as
manhãs. Começara a rir das piadas dele, alegrar-se com os
sorrisos deles, apreciar a forma com que ele esticava a mão
para ela sempre que estavam sozinhos.
Pior, ele começou a contar com ela em troca. A luz que
surgia nos olhos dele quando ela entrava em uma sala não
tinha relação com a amizade que esperava.
Ralph a queria. Ela o queria. Até mesmo Daisy podia ver
o quanto eles haviam evoluído da inimizade na qual começara
o casamento deles.
E era precisamente o motivo pelo qual ela precisava que
ele partisse. Amor era a última coisa que Jemima queria.
Algum tempo longe de Ralph, tinha certeza, era exatamente o
tônico que precisava para reconstruir as paredes que ela
mantivera por tanto tempo em torno de seu coração.
— Entretanto, não quero que visite Sir Everard. — Ela
continuou, como se ele não tivesse falado. — Lembre-se de
que deu a sua palavra de que não o desafiaria a um duelo.
— Bem, o que sugere que façamos? — Perguntou Ralph.
Ele caminhou em direção a ela e afastou as mechas de cabelo
que caíam sobre seu pescoço.
— Ralph. — Ela disse, meio em protesto, meio em
expectativa.
— Você tem uma ideia. — Ele disse, o hálito dele em seu
pescoço enviando calor por todas as partes do corpo dela. —
Minha esposa inteligente derrotará o diabólico Sir Everard e
nós viveremos felizes para sempre.
— Ralph. — Ela disse com firmeza desta vez e se afastou.
A decepção queimou nos olhos dele, mas ele escondeu
rapidamente. — Tenho uma arma particular para usar contra
ele. — Ela disse. — Se puder convencer Lorde Peyton a vir a
Londres, lutarei contra Sir Everard. Quando chegar o dia da
apresentação de Daisy, nenhum escândalo que ele tente
espalhar será descrito como um rumor malicioso espalhado
por um homem desapontado.
—Conte-me no que está planejando. — Disse Ralph.
Jemima hesitou por um momento, depois foi até a
escrivanhia e pegou o papel no qual estivera trabalho nos
últimos dias.
— Leia isso. — Ela disse, ignorando a agitação
consciente em seu estômago.
Ralph franziu as sobrancelhas, mas não fez nenhum
comentário até os olhos lerem a primeira linha da página.
— O suposto amante de Lady P. — Ele leu. Ele
rapidamente passou os olhos pelas linhas da poesia,
erguendo a sobrancelha mais de uma vez. Uma passagem em
particular o fez tossir.
— O que acha? — perguntou Jemima. Ela levou as mãos
às costas para esconder a forma como torcia os dedos em nós.
Ela odiava como aumentara seu desejo pela aprovação de
Ralph, porém não havia como negar que ela desejava.
— Isto é... você escreveu isso? — Ele abaixou as folhas.
Jemima assentiu, sua boca estava seca.
—É bastante divertido. — Disse Ralph. — Ou... — Ele
puxou sem perceber a cravat. — Bem, seria mais divertido se
não fosse sobre a minha mãe.
—Ninguém saberá que é sobre ela. Não com certeza. Será
um rumor, um rumor que Sir Everard terá que fazer um
grande esforço para superar. — Jemima pegou o poema de
volta e o apertou contra o peito. — É uma ideia tola. Esqueça.
— Não até eu entender completamente. — Ele disse. — O
que pretende fazer?
Jemima olhou para baixo, para as palavras que
apareciam entre os seus dedos. Ela relaxou o aperto, não
querendo rasgar o papel.
— Pensei que a melhor forma de defesa contra Sir
Everard seria ata´ca-lo. Lady Peyton me disse detalhes o
suficiente sobre o encontro deles para dar ao poema um toque
de realidade.
— Isso o faz parecer ridículo. — Ralph riu.
— Sim! E se nós pedíssemos aos nossos amigos em
Londres para passar isso para frente, anonimamente, claro,
qualquer coisa que Sir Everard proclamar sobre a sua mão
parecerá uma mentira por ciúmes!
— Mas isso fará com que o comportamento de minha
mãe seja questionado também.
— Com uma extensão muito menor. — Jemima
protestou. — Deixei fora de qualquer sugestão que sua mãe
de fato se envolveu em atos impróprios. O poema faz parecer
que Sir Everard a cortejou, mas não teve sucesso, e se retirou
com o orgulho em frangalhos.
Ralph se permitiu dar um pequeno sorriso.
— Devo admitir que aquela linha sobre – o que era
mesmo? — a habilidade decepcionante dele com a espada foi
muito boa.
Jemima se entusiasmou.
— Pensei que podíamos começar compartilhando isso
com as senhoritas Balfour. Elas tem um círculo enorme de
amizades e eu sei que apreciariam dividir isso…
— Não. — Disse Ralph levantando uma mão. — Não. É
um ótima ideia, Jemima, e você tem um talento maravilhoso
com as palavras, mas não faremos isso.
— Ralph. — Ela protestou. — Acho que não entendeu o
efeito que tal poema terá. As damas que leem frequentemente
são rejeitadas como intelectuais, mas…
— Não tenho problemas com damas que leem ou que
escrevem poemas mordazes. — Disse Ralph. — Mas trabelhei
muito duro e por muito tempo para esconder do mundo os
vergonhosos segredos de minha família para desistir de
qualquer esperança de respeitabilidade. Este poema é muita
coisa, mas não é respeitável.
— Sempre está tão preocupado com as aparências. —
Suspirou Jemima. — Ela jogou o poema de lado como se não
se importasse muito. Na realidade, algo muito mais profundo
em seu orgulho fora ferido.
Ralph pegou o rosto dela em suas mãos, sentindo a
decepção dela.
— As aparências importam. — Ele disse. — Este é o
mundo em que vivemos. Não posso mudar isso e nem você
pode. Venha, Jemima. Partirei a Peyton Manor esta tarde e
quero ir como amigos.
— É isso o que amigos fazem? — Perguntou Jemima
sabendo exatamente o que ele queria.
Ralph não tentou argumentar. Ele apenas sorriu, sua
boca perigosamente perto da dela.
— Você deve me beijar. Para dar sorte.
Ela não o tinha deixado beijá-la desde o dia em que
Daisy retornara a casa. Parecia tanto cruel como estimulante
negar-se a ele. Cada olhar sombrio que ele lançava, cada
palavra que dizia, era anulado pela vibração do desejo dele
por ela.
Talvez não fizesse mal ceder novamente. Era possível
viciar-se em um prazer que ela só experimentara duas vezes?
Ela deixou os olhos se fecharem enquanto os lábios de
Ralph desciam sobre os dela.
Foi bom ter cedido a ele. Muito bom. Era como comer
muitas guloseimas ou passar bastante tempo perdida em um
livro. Quando ela voltou à terra, viu-se encontrando o resto do
mundo descolorido. Apenas outro beijo, e outro, poderia
trazer isso de volta à vida.
— Oh, por Deus. — Suspirou Daisy abruptamente os
interrompendo. — Eu os deixo discutindo sobre Sir Everard,
entre outras pessoas, e volta para isso? Não prestem atenção
em mim. — Acrescentou entrando despreocupadamente na
sala. — Esqueci minha almofada de alfinetes, mas a
recolherei de olhos fechados.
Ralph riu sem jeito, as mãos levadas às costas.
— Você pode voltar à sala, Daisy. Devo falar com o meu
valete. Estou partindo para Peyton Manor assim que tiver
minhas coisas empacotadas.
Os olhos de Daisy rapidamente foram dele para Jemima.
— Acha que pode consertar isso. — Ela afirmou, que
acusadoramente.
— Sei que posso. — Disse Ralph, como cada pedaço de
arrogância que Jemima uma vez odiara.
Ela ficou horrorizada, embora não surpresa, em
descobrir que agora achava isso charmoso.
Era algo bom Ralph estar de partida.
Só depois que todos acenaram para Ralph que partia em
sua carruagem, quando a luz do entardecer cessou e as velas
foram acesas e ela voltou para a escrivaninha, percebeu quão
efetivamente ela fora enganada.
Ficara tão distraída pelo beijo que não percebeu que
Ralph pegou o seu poema.
16

Peyton Manor ficava a dois dias de viagem de Londres.


Isso significava, pelo menos, quatro dias para Jemima
dominar seus sentimentos por Ralph. O homem a roubava, a
protegia, a enfurecia, a acalmava e a beijava até ela esquecer
a diferença entre terra e céu.
A tarefa deveria ter sido fácil. Ela o odiava até pouco
tempo atrás. A indiferença era a progressão lógica, não amor.
Escorregar de inimizade para intimidade em um espaço tão
curto de tempo parecia loucura.
Em ainda que não conseguisse ignorar o aperto em seu
coração ao se levantar na manhã seguinte e encontrar Lady
Payton e Daisy conversando no café da manhã sem Ralph
para interromper e provocá-las. Não haveria toques casuais,
as mãos dele sobre as dela enquanto passava por ela. Sem
beijos insistentemente roubados em momentos tranquilos.
Nenhum vislumbre de alegria nos olhos dele enquanto ele
discordava dela apenas para ver suas bochechas ficarem
vermelhas de frustração.
Sentia saudade dele. Mal podia admitir isso para si
mesma, mas sentia a falta dele.
— Quais são os seus planos para o dia Daisy? — Lady
Payton estava perguntando enquanto passava manteiga em
sua torrada. A conversa entre mãe e filha ainda não retomara
o fluxo natural. Ambas estavam sendo cuidadosas, ansiosas
para agradar e ainda tímidas, dolorosamente ciente de quão
fácil poderiam se ferir. Jemima estava feliz em vê-las tendo
tanta consideração uma com a outra. O tempo certamente
acalmaria qualquer constrangimento que restasse.
— Pensei em testar algumas peças de música que
Jemima trouxe com ela de Loxwell Park. — Disse Daisy
bebendo café. — Há muitas peças que gostaria de aprender.
Jemima olhou para Lady Peyton, desejando que ela
fizesse algum comentário encorajador.
— Você é muito estudiosa, minha querida. — Ela se
aventurou. — Nunca consegui ficar sentada e praticar por
tempo o bastante para me tornar uma boca musicista.
Sempre achei tão chato! — Ela pegou o olhar de Jemima. —
Mas você toca adoravelmente.
Daisy sorriu. Jemima pode ver que ela estava
acostumada a receber elogios de sua mãe. Lady Peyton
respirou profundamente, aliviada e voltou sua atenção ao seu
ovo cozido.
— Damas. — Disse Jemima repentinamente. — Isso não
funcionará.
Lady Peyton e Daisy se viraram para olhar para ela com
os mesmos olhos arregalados e atônitos. — Era notável como
as duas mulheres tão diferente podiam ser tão parecidas.
— O que mais podemos fazer além de ficarmos quietas?
— perguntou lady Peyton. — Quem sabe onde o esterco de Sir
Everard já atirou o meu nome? O que os olhos não veem, o
coração não sente. Não pretendo me colocar na vista de
ninguém até a apresentação de Daisy estar segura.
— Nós temos que ser corajosas. — Disse Jemima.
Devemos ser vistas. Por que a ameaça de Sir Everard nos
forçaria a nos esconder?
Os lábios de Lady Peyton tremeram violentamente para
indicar que ela estava em um de seus muitos ataques de
histeria, mas o olhar implorador de Daise a fez voltar à terra.
— Com respeito, Jemima. — Disse Lady Peyton. — É
muito fácil — não, é admirável – que você e Daisy sejam vistas
na sociedade. Vocês não fizeram nada de errado. Eu, por
outro lado… — Ela soltou um suspiro longo. — Percebi o erro
de meu comportamento tarde demais. A minha situação não
tem remédio. Se já não sou uma pária, logo serei.
Jemima aprendera várias formas de lidar com a
autopiedade de Lady Peyton neste tempo em Morton House.
Ignorá-la era a mais efetiva.
— Eu tenho aqui, — Ela passou uma nota escrita em um
papel elegante com as bordas douradas – um convite da Srta.
Selina Balfour. Ela e as irmãs estarão em casa esta tarde e
desejam a nossa companhia.
— Tenho um pouco de medo de Selina. — Daisy admitiu
– Mas certamente ela é bondosa. — Ela lançou um olhar
tímido à mãe. — O que dia, mamãe? Devo ir?
— Ir? — Lady Peyton repetiu. Ela pegou a nota e a
avaliou várias vezes. — Mas claro que deve ir! — Finalmente
anunciou. — E não apenas isso, mas deve ter um novo
bonnet! — Ela piscou para Jemima. — O Sr. Balfour será um
duque algum dia, afinal. Seria uma vergonha desperdiçar
uma oportunidade de atrair atenção dele.
— Mamãe, mesmo que estivesse inclinada a atrair a
atenção de um marido tão enfadonho e rígido como o Sr.
Balfour, não o faria com um bonnet. — Daisy protestou. —
Duvido que ele tenha qualquer opinião sobre qualquer
indumentária de cabeça.
— Bobagem! Algumas fitas brilhantes deixarão o seu
rosto perfeito. Em um adorável tom de rosa, talvez, ou
vermelhos com algumas rosas alegres na aba…
— Mãe. — Daisy falou entre os dentes e lançando um
olhar significativo. — Ralph não quer que gastemos com
frivolidades. Já gastamos demais nos meus vestidos novos
para a temporada.
— Você não ouviu? — Perguntou Jemima. — Ralph se
casou com uma herdeira. Você pode gastar com tanta
frivolidade que quiser. — Ela olhou para a sogra. — Embora
não tão frívolo como você quer, Lady Peyton.
Para o alívio de Jemima, a piada foi recebida com uma
risada calorosa.
— Então está resolvido! — Disse Lady Peyton. —
Alimentem-se, meninas, pois teremos um dia ocupado pela
frente! A modista e as moças Balfour nos esperam!
***

Não foi nenhuma surpresa a Jemima que a Srta. Selina


Balfour fosse uma anfitriã perfeita. A sala de estar lindamente
arrumada estava cheia de vasos outonais de dalilas e
anêmomas, uma música bem escolhida preenchia o ar com as
cordas da harpa de Isobel e uma mesa repleta de pequenas
tortas de carne, queijos deliciosos, pães de ló e um elegante
arranjo de frutas. Até mesmo Lady Peyton, que prezava sua
figura esguia acima de qualquer coisa, foi vista se entregando
a um biscoito.
Daisy foi imediatamente levada pela mais nova das irmãs
Balfour, que parecia ter acumulado um impressionante
número de segredos para compartilhar desde a última vez que
se viram. Alexander Balfour agradou Lady Peyton com a sua
companhia, talvez até admirando o novo bonnet de Daisy.
Jemima ficou feliz em ver o verdadeiro carinho que a família
Balfour demonstrava por elas. Se fossem desprezados pela
sociedade, pelos menos eles continuariam seus amigos.
— A vida em Morton House deve estar sendo difícil para
você. — Disse Selina, servindo uma xícara de chá para
Jemima de um bule elegante com delicadas flores azuis
pintadas nele. — Não vejo motivos para ficarmos rodeando o
assunto. — Acrescentou, já que Jemima a olhou com
surpresa. — Todos nós sabemos porque Daisy queria fugir de
casa. Se houver algo mais que possamos fazer para ajudar
Lady Peyton, nós faremos.
— Foi muita bondade sua nos convidar hoje. — Disse
Jemima. — Mas você pode realmente arriscar-se a fazer mais?
— Ela não conseguia pensar em uma forma delicada de
recordar a Selina que ela e as irmãs ainda não estavam
casadas e que o futuro inteiro delas dependia de uma
reputação sem manchas. — Eu entenderei se quiser manter
distância. — Ela concluiu timidamente.
Selina jogou uma mecha de cabelos descuidadamente
por cima do ombro.
— Alexander é o futuro Duque de Loxwell. — Ela disse
sem um traço de orgulho ou apreensão. — A companhia que
administramos não é comparável ao título. Além do mais, não
gosto de receber ordens, seja das fofoqueiras da sociedade ou
qualquer outra pessoa. Serei amiga de quem quiser. — Ela se
inclinou para gente. — Falando em amigas, há alguém
esperando por você no jardim. Ela quer ter uma conversa a
sós com você – longe de seus novos parentes. Se expressar
um súbito desejo de olhar os canteiros de flores, a levarei até
ela.
O último verão passado em Loxwell Park havia
acostumado Jemima a intriga. Ela não perdeu tempo
seguindo as instruções de Selina, exclamando em voz alta
sobre a beleza dos crisântemos florescendo e deixando a sala
de estar de braços dados a Selina.
Ela não sabia quem esperava encontrar no jardim, mas
quando viu que era Cecily soltou um grito de alegria.
Após tanto tempo juntas em Loxwell Park, era natural
que as das damas sentissem falta uma da outra. Ainda assim,
Jemima percebeu, com uma pitada de culpa, que não ansiara
rever Cecily tão profundamente quanto devia. Seus
pensamentos estiveram ocupados com a novidade de seu
casamento, com Morton House, com Daisy e Lady Peyton e
com Ralph. Havia escrito para Cecily, claro, embora não com
a frequência que prometera. E Cecily respondera, claro,
embora não tão rápido como jurara que faria.
Cecily também era recém-casada e tinha a própria vida
para ocupar-se.
Jemima estava feliz e triste ao mesmo tempo.
Sua tristeza não ficou evidente no calor no qual ela
abraçara sua irmã adotiva. Selina, acenando satisfeita pelo
trabalho bem feito, afastou-se para deixá-las conversar a sós.
— Minha querida Jemima! — gritou Cecily, apertando-as
com força. — Parece como se tivesse passado uma vida
inteira!
— O que está fazendo aqui?- Jemima perguntou, os
braços ainda envolvidos ao redor dos ombros de Cecily. —
Deveria estar na sua lua de mel.
— Você deve ter se distraído! — Cecily riu. — A lua de
mel acabou dois dias atrás! Vim direto a Londres para vê-la.
Oh,Jemima, as notícias sobre Bernard são tão maravilhosas
que mal posso pensar nisso sem chorar. Eu sei que meus pais
estariam aqui se papai aguentasse a viagem.
Jemima sentiu as lágrimas se derramarem de seus
próprios olhos para lembrar da feroz alegria – e da perda
desconcertante – que ela enfrentara nas últimas semanas.
— Não posso esperar para que o conheça. — Ela disse. —
Você foi minha irmã na ausência dele. Sei que serão grandes
amigos.
— Quero ouvir sobre tudo. — Disse Cecily. — Cada
detalhe! — Ela pegou a mão de Jemima e a levou até um
pequeno caramanchão no meio das flores murchas. Havia um
vento leve, trazendo com ele um aroma de outono e não
estava tão quente para se sentar do lado de fora sem
desconforto. — Mas antes de entrarmos, tenho algo a lhe
dizer. Algo que não queria que ouvisse e frente á sua nova
família. — Ela mordeu o lábio inferior, os olhos cheios de
ansiedade. — Jemima, tem relação com o seu casamento.
— Meu casamento? — Jemima repetiu. Ela se perguntou
se podia contar a Cecily dos seus mil e um sentimentos
conflituosos que o casamento lhe trouxera. Como poderia
explicar o brilho nos olhos de Ralph quando a provocava?
Como podia expressar o buraco de desejo que se abria em seu
peito sempre que se lembrava que ele a deixara em Londres?
Se ele admitisse qualquer um desses, Cecily imaginaria
que ela se apaixonara. Talvez fosse cruel esconder uma
confissão tão prazerosa da amiga que desejava sua felicidade.
Cecily sempre desejou um casamento por amor para ela,
mesmo quando estava muito quebrada para desejar algo para
si mesma.
Mas a expressão de Cecily estava muito severa enquanto
segurava a sua mão. Se chegasse o momento em que Jemima
poderia admitir seu mor por Ralph, não era aquele.
— Sinto lhe dizer isso. — Cecily começou, hesitante. —
Mas Robert me confessou algo em nossa lua de mel que achei
extremamente chocante. Não podia contar isso em uma carta.
Tinha que lhe dizer pessoalmente.
— Por Deus. — Disse Jemima levemente. — Se está
tentando me assustar, teve o maior sucesso.
Cecily aperou a mão dela.
— Robert me disse o verdadeiro motivo pelo qual
Northmere lhe propôs. O fato é, Jemima, tenho receio em
dizer…
— Deve ser sobre a aposta. — Jemima interrompeu.
— Você sabe sobre a aposta? — Cecily ofegou.
Para a surpresa de sua amiga, Jemima começou a rir.
— Claro que eu sei! Ralph me contou – Oh, há dias!
A julgar pela fisionomia de Cecily, o que ela disse ou
havia sido muito chocante ou começara a crescer chifres em
sua cabeça. Jemima não conseguiu evitar rir novamente.
Tudo isso parecia tão ridículo e ela passara a apreciar o
ridículo nas últimas semanas em Londres.
— Você… Você não se importa? — Cecily perguntou
cautelosamente.
— Importar-me? Bem, suponho que fiquei bastante
ofendida por eles terem apostado tão pouco. Certamente uma
tentativa se pedir a minha mãe em casamento deveria valer,
pelo menos, umas mil libras!
— Mas Jemima. — Disse Cecily falando bem lentamente,
como se falasse com uma inválida. — Você não apenas
recebeu uma proposta. Você realmente casou-se com
Northmere. Por causa de uma aposta cruel!
— Eu casei e consegui exatamente o que queria do meu
lado do acordo. — Ela respondeu. Havia um perverso grau de
diversão em deixar Cecily chocada, que fizera o possível para
chocar da melhor forma possível a nobreza de Loxton e
Scarcliffe hall co seu próprio romance com o Conde de
Scarcliffe. — Casei-me com Ralph porque seu pai não
permitira que eu viesse a Londres e procurasse por meu
irmão e aqui estou: em Londres, com Bernard por perto.
Ela esperou que Cecily risse com ela. Isso tudo parecia
tão divertido agora que estava feito e terminado. Mas, para
seu horror, lágrimas encheram os olhos de Cecily.
— Jemima, pare! Não posso evitar! — Cecily puxou um
lenço e secou rapidamente as lágrimas. Os ombros dela
tremeram com os soluços reprimidos. — Estou tão feliz com
Robert. Sinto como se estivesse vivendo um sonho. Ele é tão
maravilhoso e a vida de casada é tão maravilhosa que.. Oh, o
pensamento de que que nunca terá o que tenho! Estou tão
desesperadamente triste por você!
— Shhh. — Disse Jemima esfregando os braos dela com
ternura. — Não e tão mal assim. Ralph e eu…
Ela não podia verbalizar as palavras.
— Ralph e eu estamos nos dando melhor do que
esperava.
Cecily ficou perturbada.
— Deve vir a Scarcliffe Hall. — Ela disse. — Nunca
perdoarei Northmere por se casar com você diante de tais
circunstâncias, mesmo com você querendo. Não há
necessidade de ficar aqui e ser infeliz.
— Não sou infeliz, Cecily. — Jemima insistiu.
— Jemima, não precisa mentir para mim! Você sempre
deixou perfeitamente claro que o desprezava, e agora que sei
sobre a aposta, vejo que ele não a respeita. — Cecily balançou
a cabeça com tristeza. — Deveria ter impedido isso. Deveria
saber que não havia um bom motivo para você se casar com o
homem que… a empurrou no Lox!
Os pensamentos de Jemima voltaram para aquele dia
ensolarado.
Quatro casais entraram na água do rio que atravessava a
Floresta Scarcliffe e ela e Ralph eram os únicos que não
estavam meio apaixonados.
Ela se lembrou da beleza alegre que, mesmo então,
atraíra a sua atenção. A forma encantadora que ele se
esforçava para fazê-la rir. A confiança dele, sua conversa fácil,
o traje perfeitamente escolhido.
O puro atrevimento com o qual ele se inclinara pra beijá-
la e o tapa que ela lhe deu quando chegou muito perto.
— Você se considera demais, meu senhor. — Ela disse
afiadamente, enquanto Ralph esfregava sua bochecha
dolorida.
— Eu penso exatamente o suficiente de mim mesmo,
minha senhora. — Ele respondeu com o orgulho nem um
pouco ferido. — Eu sei como uma mulher parece quando
deseja ser beijada e foi isso o que vi em seus olhos nesta
tarde. Mas talvez seja um de meus companheiros que a tente?
— Ele olhou rio acima, onde Robert e Lorde Jonathan
seguiam a frente. — Eles não conseguem ostentar a minha
aparência e nem meu bom caráter, mas suponho que sejam
bastante encantadores.
— Eles podem agradecer às suas estrelas da sorte por
não terem sido amaldiçoados com a sua arrogância, meu
senhor. — Jemima espetou. — Por favor, devolva-me à costa
imediatamente.
Ele ergueu uma sobrancelha sugestivamente.
— Imediatamente.
— Obrigada.
— Assim que me beijar.
Jemima se levantou abruptamente fazendo o barco
balançar. Ralph lutou para manter os remos.
— Preferiria nada. — Ela anunciou. Os olhos escuros de
Ralph brilharam.
— Se é assim que se sente, não discutirei.
Jemima havia esperado que ele recuasse. Permaneceu de
pé, a corrente batendo no barco e evitando que ela
encontrasse equilíbrio, enquanto Ralph caía em uma risada.
Ele estava zombando dela.
Como ele ousava zombar dela.
— Muito bem. — Ela disse erguendo as saias. Ela apoiou
um pé na beira no barco. Os olhos de Ralph brilharam em
pânico.
— Tenha cuidado! — Ele gritou inclinando-se para a
frente para pegar a mão dela.
O barco balançou.
Jemima tropeçou.
Enquanto Ralph esticava a mão para agarrá-la, ela usou
toda a sua força para afastar a mão dele.
E tropeçou para dentro do abraço gelado do Rio Lox.
De volta ao presente, no adorável jardim dos Balfours,
com cecily ainda derramando lágrimas de tristeza, Jemima
não conseguiu evitar o riso diante da memória.
— Eu o odiava, não é? — Ela disse tristemente. —
Deveria ter deixado que ele me beijasse. Isso teria salvado nós
dois de muitos problemas.
Cecily piscou, deixando uma nova lágrima cair sobre sua
bochecha. Ela a secou rapidamente.
— Quer dizer… — Ela começou, mordeu o lábio e parou.
— Jemima. — Ela tentou novamente. — Pode realmente me
dizer que você e Northmere são felizes?
Repentinamente, Jemima não conseguia mais olhar nos
olhos dela. Ela sabia que se deixasse Cecily ver seu rosto, ela
entregaria demais.
Os sentimentos que tinha por Ralph eram como mudas
em uma estifa, frescas e delicadas, apenas emergindo da terra
fria de inverno. Exposta aos elementos que podiam destruí-
los.
Talvez ela quisesse destruí-los. Este desconforto
insuportável, este desejo sem fim que Ralph inspirava nela,
deixava com nada mais do que depender dele.
Que horrível descobrir que todas as cores da vida
empalideciam comparada à nuance brilhante do beijo dele.
Que vergonhoso descobrir que ficar acordada a noite
recordando como ele a segurara no dia em que saiu de
Londres. Que frustrante ver todos os seus segredos, todas as
esperanças, toda a felicidade, depositadas nas palmas da mão
de um homem que um dia odiara.
Não era mais Jemima Stanhope, mas ainda era Jemima.
Independente, confiante, indiferente ao amor. Seu coração
habitava em segurança o seu próprio castelo, as paredes eram
impenetráveis. Não eram?
— Ralph é muito mais do que imaginei. — Ela disse,
aparentemente falando com seus dedos retorcidos. — Ele é
bondoso onde pensei que era insensível. É diligente onde
achei que era preguiçoso. É doce, atencioso e está disposto
alutar por mim. E isso me faz…
Isso me faz amá-lo.
— Isso me faz ter medo. — Ela desabafou. — Oh, Cecily,
tenho medo de sentir algo mais!
Cecily a puxou para perto e a segurou com força.
— É natural ter medo. — Ela disse. — Você teve que
aguentar coisas demais, Jemima. Mas merece ser feliz. Acima
de todas as coisas, merece ser feliz.
Uma tosse leve as interrompeu antes que Jemima
pudesse formar uma resposta. Ela levantou a cabeça do
ombro de Cecily para ver Selina Balfour esperando na beira
do jardim, sua postura normalmente perfeita distintamente
desfeita.
— A garota francesa, a noiva de Lorde Arden, acabou de
chegar. — Ela disse, um tom estranho na voz dela. — Lady
Northmere, sinto muito… Lorde Arden foi preso.
17

O padrasto de Ralph, Lorde Peyton, não era um grande


conservador. Nem era um pensador profundo, um conhecedor
de vinhos ou boa culinária, um esportista ou, a julgar pelo
comportamento de Lady Peyton, um amante notável.
Ele era um homem confortavelmente rechonchudo de
meia-idade, sem opiniões fortes sobre qualquer coisa e era ao
mesmo tempo a melhor e a pior escolha para companheiro de
sua esposa desgarrada e opinativa.
A viagem de volta a Peyton Manor passou-se em uma
série de silêncios que variavam entre incômodos e
desconfortáveis para meramente sonolência.
Ralph não se importou. Pela primeira vez ele não
precisava de uma conversa vívida.
Sua mente estava muito consumida por Jemima.
Isso estava se tornando claro para ele, nestes dias
separados, Jemima se tornara importante para ele. Onde ele
costumava se levantar pelas manhãs e instruir seu valete
para vestido para impressionar os olhos mais perspicazes da
ton, ele agora escolhia as cores que sabia que agradavam a
Jemima. Quando ele fez seu apelo a Lorde Peyton, implorando
por bondade e tolerância as manerias selvagens de sua mãe,
foi a sabedoria de Jemima que o guiou para as palavras
certas. Quando comia, quando dormia, quando respirava, a
ausência de Jemima enchia seus sentidos com algo tanto
doce quanto amargo.
Era mais do que beleza. Ele conhecera grandes belezas e
nunca perdeu a cabeça. Era mais do que esperteza,
sabedoria, um nariz petulante ou um sedutor conjunto de
lábios. Algo mais profundo, mais selvagem e elemental que,
agora, jogava com a sua alma.
Se ele escolhesse duelar com Sir Everard e o homem o
partisse ao meio, encontrariam o nome Jemima gravado no
coração de Ralph.
Talvez ele a amasse desde o momento que a viu, uma
beleza de cabelos dourados dançando com uma graça sem
esforço no baile de máscara enquanto penas de pavão
balançavam em sua cabeça. Talvez esse amor, enraizado e
enterrado profundamente, fosse o motivo pelo qual ele a
atormentava.
Ele tinha uma esperança remanescente: que a mesma
afeição a fizesse atormentá-lo em retorno. Mas Jemima tinha
mais motivos para enterrar seu coração do que ele.
Comparado ao passado sofrido dela, os seus problemas eram
facilmente solucionáveis como um enigma infantil.
Se ele quisesse extrair uma declaração de amor dos
lábios dela, teria que agir com cuidado com mais delicadeza
do que já empregara antes.
— Penso que encontrará a minha mãe muito mudada,
meu lorde. — Ele disse a Lorde Peyton enquanto a carruagem
se aproximava de Morton House. — Ela não tem falado em
nada além de desejo de ter o seu perdão…
— Duvido. — Grunhiu Lorde Peyton. Ele ajustou sua
faixa estreita sobre sua cintura ampla. — A mulher não
reconheceria o remorso nem se ele a atingisse no rosto. Mas…
Ah, talvez entenda quando envelhecer, meu rapaz. — Ele
olhou para fora da janela, para Morton House com algo que se
aproximava a desejo. — Quando se é velho como eu e os
prazeres da juventude estão além de você, começa a apreciar
o valor da companhia.
Ralph se inclinou para a frente e segurou a mão de Lorde
Peyton enquanto este a esticava para abrir a porta da
carruagem.
— Não tenho como agradecer o suficiente, meu lorde, por
sua generosidade em perdoá-la. — Ele disse. Ele estava
mortalmente sério, de uma forma que não teria conseguido
um mês antes. Lorde Peyton o olhou com curiosidade.
— Talvez entenda, afinal. — Ele completou e abriu a
porta.
Lady Peyton estava parada no vão da porta. Tinha
abandonado sua usual pose marcante que a mostrava em sua
melhor forma. Até mesmo as brilhantes miçangas vermelhas
penduradas em seu turbante dava uma nota de luto.
Ela desceu os degraus em direção a Lorde Peyton que se
apoiava em sua bengala e a deixou se aproximar. Depois, com
um grito de agonia, ela se jogou de joelhos diante dele.
— Meu lorde, eu lhe imploro…
— Basta, mulher! Você quer que todos os vizinhos
saibam o que se passou entre nós? — Lorde Peyton se
abaixou e a levantou pelo cotovelo, deixando-a de pé com uma
pressa nada elegante. — Estou faminto, Lady Peyton. Acredito
que ainda se lembre que aprecio uma galinha d’angola bem
tostada após longas viagens.
— Com bastante molho. — Disse uma atônita Lady
Peyton, tomando o braço dele. — O cozinheiro o colocará na
mesa dentro de uma hora! Mas, meu querido… Após nosso
último encontro, confesso…
— Não pensava em me ver novamente, tenho certeza. —
Retumbou Lorde Peyton. — Bem, você tem que agradecer o
seu filho por isso.
— Tenho?
— Meu orgulho foi ferido, minha velha, admito. Mas seu
menino me recordou que o orgulho não tem lugar em um
casamento. O que as cartas falharam em fazer, as súplicas
dele foram alcançadas. Não pensei que qualquer um de seus
filhos tivesse neles o direito apresentar-se com tal humildade
e indulgência.
Lady Peyton soltou um guincho de surpresa quando
Lorde Peyton plantou um beijo em seus lábios. Ralph evitou
os olhos dele, embora sorrisse.
— Você é tão bom para mim! — Lady Peyton ofegou
passando seus braços em torno do pescoço de Lorde Peyton.
— Claro, prometo, — juro pelo meu filho e minha filha! — que
nunca o deixarei novamente.
— Mãe. — Ralph protestou. — Se os vizinhos não se
escandalizaram ao vê-la de joelhos, certamente será a fofoca
de Londres se insistir em abraçar o seu marido em público.
Ela soltou Lorde Peyton, um rubor genuíno cobriu as
bochechas dela sob a camada de pó.
— Ralph, você é tão esperto por nos reunir! — Ela disse
enquanto os três entravam. — O orgulho não tem lugar no
casamento – quanta verdade e que importante!
— Tem que agradecer ao Lorde Jonathan Hartley por me
ensinar isso. — Disse Ralph. Ele coçou o queixo
pensativamente. — De fato, deve agradecer a Jemima.
— Sabia que tinha uma mão dela nisso! Peyton, ficará
encantado ao conhecer a esposa de Ralph. Ela é uma moça
tão inteligente! Na verdade… — Lady Peyton parou no meio da
frase, ofegando dramaticamente e se virando para Ralph com
uma mão no rosto. — Mas você não sabe!
— Saber o quê? — Ralph perguntou, tentado sem
sucesso disfarçar o fato de que estava procurando por
Jemima desde o momento em que chegaram. — Jemima está
doente? O que aconteceu?
— Oh, não, é pior do que isso, muito, muito pior!
Ralph cerrou os dentes e conseguiu sorris apesar dos
teatros de sua mãe. Daisy estava descendo as escadas para
cumprimentar o seu padrasto e sobrou para ela dar uma
explicação.
— Daisy, poderia decifrar as declarações de nossa mãe
para mim? — Ele pediu pacientemente. — Onde está a minha
mulher?
Daisy arregalou os olhos.
— Sabia que nossas cartas não o alcançariam a tempo.
— Ela murmurou. — Jemima está segura, Ralph, embora não
muito feliz. Ela está com Lorde Jonathan Hartley e o
advogado dele, trabalhando juntos na defesa legal de Lorde
Arden. Ele foi preso sob a suspeita de deserção. O General
Danvers está fora do país, o Tenente Worston não foi
encontrado. Não há ninguém que possa corroborar a história
da missão secreta de Lorde Arden. Ele é acusado de causar a
explosão e encenar a própria morte para desertar de seu
posto e viver sob uma identidade falsa na França.
18

Se havia uma pessoa que Ralph poderia deixar


alegremente definhar na prisão pelo resto da vida era aquele
que tentou acabar com o seu casamento com Jemima.
A ironia era que se ele não encontrasse uma forma de
salvar este homem, Jemima nunca seria feliz novamente.
Seu instinto imediato foi saltar na carruagem e seguir até
Grovesnor Place. Ele tinha certeza de que ela a única pessoa
que conhecia toda extensão do tormento que provavelmente
corroía Jemima. Na frente dos amigos ela era fria, recolhida,
até mesmo afiada, mas por baixo de tudo ainda era, em
muitas maneiras, a menina cujo irmão a abandonara por
sonhos de glória.
Algo o impediu enquanto dava ordens ao cocheiro. Uma
suspeita estranha em sua mente.
O General Danvers estava for a do país, certamente, mas
havia outro homem que poderia apoiar a história de Bernard.
Onde estava o Tenente Worston e por que não interviera?
— Rua Maypole. — Ordenou ao cocheiro. — Em
Cheapside. Imediatamente!
A pequena rua estava tão silenciosamente decadente
como sempre. Ralph anulou o ruído distante das multidões de
Londres ao bater à porta.
— Abra! Peço-lhe que abra!
Uma mulher com aparência assustada, baixa e
rechonchuda com seu gorro redondo e torto, abriu uma fresta
da porta.
— Vá embora, seu patife! — Ela disse com a voz trêmula.
— Não há nada de valor nesta casa!
— Não estou atrás de seu dinheiro. — Alfinetou Ralph. —
Onde está o tenente? Onde está Worston?
A mulher cruzou os braços parecendo como se preferisse
recuar e se esconder.
— Direi o que disse ao outro lorde elegante. — Ela disse.
— Ele foi ficar com a tia no campo.
— Uma história aceitável. — Ralph empurrou a porta,
forçando-a gentilmente, porém com firmeza para dentro da
casa. — Worston! — Ele chamou, avançando. — Aqui é Lorde
Northmere e não estou com humor para brincadeiras! Onde
está se escondendo?
O silêncio o respondeu. A pequena casa ficou imóvel,
exceto pela respiração pesada da governanta que lutava para
evitar que ele invadisse ainda mais.
— Não sei o que mais lhe dizer, meu lorde! O tenente não
está aqui!
Ralph girou fixando toda a força de seu olhar nela. Ela
cambaleou muito gratificantemente.
— Irá me dizer aonde ele foi. — Disse Ralph com a
ameaça pingando em cada palavra. — Acredite em mim, se eu
não tiver Worston de volta a Londres até amanhã a noite, será
pior para ele.
A cabeça da governanta pendeu.
— Ele está com a tia dele, meu lorde, mas ela não está
longe. — Ela murmurou. — Oh, não diga que ele tem
problemas! Não sei o que fazer se… se...
— Suspeito que ele tenha feito algo muito tolo. — Disse
Ralph. — Ele pôs um velho amigo em grande risco, sem
mencionar a ele mesmo. A verdade sairá, madame. Será
melhor para ele me contar tudo o que sabe.
A governanta assustada não perdeu tempo em lhe dar o
endereço de uma pequena propriedade nas cercanias de
Londres. Muito longe para Ralph viajar antes do sol se por.
Ele olhou para as massivas nuvens escuras no céu.
— Grosvenor Place. — ordenou ao cocheiro. O tenente
Worston ficaria para amanhã. Pelo menos ele não voltaria
para Jemima de mãos vazias.

***

Jemima estava parada em um pequeno jardim no pátio


da casa em Grovesnor Place e deixando a chuva escorrer por
seu rosto.
Pelo menos ali, os sons dos soluços de Camille eram
mais fracos. Ali ela tinha espaço para pensar. Algo perto o
bastante do silêncio para deixá-la respirar.
Não era como se não sentisse simpatia por Camille.
Qualquer um que amasse Bernard era um amigo para
Jemima.
Havia algo simplesmente indiscreto sobre uma moa que
se entregava ao choro apenas porque seu prometido sofrera
um contratempo.
Claro, Jemima estremecia só em pensar em Bernard
preso na Prisão Newgate, mas tinha se certificado de que
fosse dado o melhor quarto que o lugar tinham a oferecer.
O dinheiro circulara para garantir conforto, mesmo entre
criminosos. E a mesmo dinheiro em breve atrairia o General
Danvers de volta a Inglaterra ou arrastaria o Tenente Worston
para fora de onde quer que estivesse se escondendo. O caso
contra Bernard poderia ser facilmente refutado.
Os deploráveis choros de Camille alcançaram uma nova
altura e Jemima teve que focar em parar de cerrar os dentes.
Seu comportamento desapaixonado era tanto uma
maldição quanto uma benção. Ela não conseguia evitar
comparar o seu comportamento agora com a forma que havia
reagido quando a Duquesa de Loxwell trouxe a notícia da
morte de Bernard. Uma garota de dezessete anos, pálida, mas
composta, silenciosa e fria. Talvez uma única lágria tivesse
escorrido pelo rosto dela. Talvez não.
Ela sabia que assustara a duquesa com a sua falta de
lágrimas, mas foi melhor do que a alternativa. Quando
Bernard morreu, Jemima trancara seu coração e jogara a
chave fora, Era questão de autopreservação.
Assim, ela tinha pena de Camille com sua lamentável
dor, embora não pudesse perdoá-la pela ingenuidade e, ao
mesmo tempo, condenasse a si mesma pela própria frieza.
Uma irmã melhor estaria lá dentro com Isabella, confortando
a prometida do irmão.
Jemima virou o rosto quente para o céu até ela não
soubesse se o rosto estava molhado com chuva de lágrimas.
— Jemima?
Ralph estava apoiado no batente da porta, seu sobretudo
cinza pingando por causa da chuva, observando-a com
aqueles olhos escuros que podiam ser tão zombeteiros e tão
sérios ao mesmo tempo. Até ele a chamar, não sabia o quanto
sentiu falta dele. Fez tudo o que pode para não se jogar nos
braços dele.
Foi quase o suficiente para ela esquecer que ele a tinha
beijado apenas para roubar o seu poema.
— Pensei em caminhar. Ela disse esticando as mãos em
conchas para pegar um pouco de chuva.
— Ora, ora. — Disse Ralph tirando o sobretudo de cima
dos ombros. — Como pensa em resgatar o seu irmão da
prisão se morrer gripada?
Ele avançou na chuva. Ela não protestou quando ele
depositou o casaco ao redor dela. A chuva aumentara
grudando o cabelo cor de areia dele na testa.
— Deixe-me levá-la a casa. — Ele disse. A voz dele era
baixa e reconfortante, como se falasse com um animal ferido.
Jemima esperava não parecer tão delicada para requerer tal
tratamento.
A piscada malandra de Ralph a desiludiu de qualquer
ideia de que estava sendo mimada.
— Nós podemos pegar as pistolas do meu avô e invadir a
Prisão Newgate. — Ele sugeriu.
— Como se você fosse se colocar em perigo simplesmente
para ajudar Bernard. — Ela o desafiou. Ralph continuou
imperturbável. Ele limpou a chuva do rosto dele e beijou a
sua testa, levantou as lapelas do casaco em torno de seus
ombros e a puxou para perto dele.
— Já comecei a agir para libertar seu irmão. Tenho o
novo endereço do Tenente Worston e o buscarei amanhã
pessoalmente para testemunhar contra as acusações. Mas
antes, gostaria de levá-la a casa para que possa tirar essas
roupas molhadas.
Ela arregalou os olhos, chocada.
— Não se esquece de nada? — Ela exigiu saber para
disfarçar a sua falta de compostura.
— Esquecer o quê?
— Meu poema, Ralph.
Ele teve a decência de parecer culpado.
— Ah. Sim, foi errado pegá-la.
— Você não confiou em mim para não prosseguir com o
plano. — Jemima o acusou. Ela não mencionou que ele
estava certo em desconfiar dela. Ela tinha toda a intenção de
distribuir o poema exatamente como planejara. Com a
permissão de Lady Peyton, claro. Que importância tinha para
Ralph a leitura de um material lascivo sobre as escolhas da
mãe dele entre os amigos dela?
Um duelo não serviria em nada para abafar os rumores
de Sir Everard, uma dose de ridicularização poderia.
— Northmere! Jemima! — Isabella estava parada no vão
da porta, chamando-os com urgência. — Vocês dois estão
loucos? Está chovendo! Entrem imediatamente!
— Sim, mãe. — Disse Ralph piscando para Isabella tão
escandalosamente que ela resmungou e corou. Jemima o
deixou levá-la para dentro. O tamborilar da chuva aumentou
a medida que eles entravam na casa. Ela mal notara até ficar
forte o bastante para martelar ferozmente o telhado.
— Mademoiselle du Ventoux. — disse Ralph, fazendo
uma reverência encantadoramente profunda para Camille,
que estava sentada com as pernas cuzadas em baixo dela sob
o sofá, nariz vermelho e tão molhada pelas lágrimas quanto
Jemima pela chuva. — Espero que possa me acompanhar ao
teatro amanhã à noite.
— Le théâtre? — Camille repetiu virando-se para Jemima
em busca de uma explicação. — “Est-il fou, votre mari?”
— Não, não enlouqueci. — Disse Ralph, deslizando
facilmente para o francês. — Tive uma excelente informação
que o Secretário da Guerra, Lorde Palmerston, estará no
Teatro Royal amanhã à noite. Se eu conseguir trazer o
Tenente Worston para pleitear no caso de Lorde Arden e se
concordar em bater suas pestanas para Palmerston, que tem
seu ponto fraco em donzelas em perigo, tenho certeza de que
faremos com que este assunto chegue a uma conclusão
satisfatória.
— E as minhas pestanas? — Perguntou Jemima tirando
o sobretudo e o devolvendo. — Elas não piscam como encanto
feminino suficiente?
— Suas pestanas são as mais fascinantes que já
encontrei. — Ralph lhe assegurou. — E conto com elas para
impressioná-lo também. Se falhar, sempre pode brandir uma
pistola.
— Pistolas ou pestanas, não podemos esperar encontrar
Lorde Palmerston amanhã à noite. A temporada está
começando e todos os camarotes devem ter sido reservados.
Dificilmente conseguiremos pleitear nosso caso da plateia.
Você é quem dá tanta importância às aparências. Certamente
percebe a impossibilidade disso?
— O Sr. Balfour tem um camarote no Teatro Royal. —
Sugeriu Isabella. — A Srta. Anthea Balfour adora teatro, ouvi
que eles o reservaram para a temporada inteira. Tenho
certeza de que ele permitira que o usasse, especialmente por
uma casa tão valiosa.
— Pode ser? — Ofegou Camille. — Pode a salvação de
Bernard está tão próxima?
Jemima se perguntou se ela também devia levar as mãos
ao coração de modo tão dramático. Sem dúvida Camilla
pensava que a resignação de Jemima era um desserviço à
causa de Bernard.
Quando ela lançou um olhar a Ralph, o encontrou a
observando com uma apreciação atenta.
Talvez não importasse que ela nunca desmaiasse ou
fungasse se Ralph continuasse a olhar para ela daquela
forma.
— Enviarei uma mensagem à Srta. Balfour hoje à noite e
combinarei tudo. — Ela disse.
— Farei melhor. — Disse Ralph. — Visitarei o Sr. Balfour
pessoalmente e explicarei tudo. Ele é um homem honrado. Sei
que ficará feliz em nos ajudar. — Ele ofereceu seu braço a
Jemima. — Mas antes, Lorde e Lady payton estão nos
esperando para jantar.
Ele falou com tanta casualidade que apenas Jemima
notou o quão orgulhoso ele estava, pela primeira vez, por uma
boa causa. Ela teria aplaudido em deleite se isso não
revelasse demais a Isabella e Camille.
— Não posso esperar para conhecer Lorde Payton. — Ela
disse tomando o braço de Ralph e apertando-o para mostrar-
lhe que estava orgulhosa dele. — Será muito agradável ter um
jantar en famille.
Eles se afastaram de Isabella e Camille, deixando Camille
um pouco mais alegre do que quando a encontrara, e
ignorando o brilho compreensivo no olar de Isabella quando
eles se despediram.
Parecia que mais e mais amigos estavam começando a
imaginar que havia mais no casamento de Ralph e Jemima do
que conveniência. Alguma coisa tinha que ser feita sobre isso.
Não ajudou em nada que no momento em que eles
ficaram a sós na carruagem, as mãos dele foram para os
fechos de sua peliça.
— Com licença! — Jemima exclamou batendo na mão
dele instintivamente. Ralph parou, os dedos imóveis sobre um
fecho.
— Pensei que podia estar com frio. — Ele disse. — Isto
está ensopado.
Jemima lentamente entrelaçou seus dedos com os dele.
— Afaste-os. — Ela disse.
A peliça molhada deslizou pelos ombros dela. Ralph
abriu os lábios, os olhos traçaram por seu colo. Jemima levou
sua mão ali, sem graça.
— Há algo errado? — Ela perguntou.
— Não. — Ele disse abruptamente e tirou o casaco dele
para por sobre os ombros dela. — Pronto. Está mais quente?
Alguma coisa nela não conseguiu provocá-lo.
— Pensei que ia me beijar. — Havia uma vulnerabilidade
em sua voz que ela não conseguiu esconder e odiou isso.
— Eu queria. — Disse Ralph. — Queria mais do que
posso dizer. Mas há algo que devo falar antes. — Ele puxou
uma carta de dentro do bolso. — A Arcebispo de Canterbury
respondeu minha carta. Parece que a posição de nosso
casamento é, de fato, questionável.
Jemima sentiu uma dor familiar, bem funda em seu
estômago. Ela reconhecia a sensação e, assim como inúmeras
vezes antes, ela manteve o rosto impassível enquanto o
coração começava a partir-se com a perda.
— Não estamos casados?
— Há uma abertura a contestar. O duque nos deu
permissão, mas Ardem era o seu guardião verdadeiro. — A
mão de Ralph foi inconscientemente para sua cravat
impecável e a puxou-a, deixando-a torta, antes de continuar.
— Sei que haverá rumores a respeito de minha legitimidade.
Se tivermos filhos, falharíamos com ele ao deixar o assunto
sem solução. O arcebispo sugere uma segunda cerimônia de
casamento, desta vez com a leitura dos proclamas e com a
permissão de seu irmão, para evitar qualquer possibilidade de
contestação.
— Você quer se casar comigo… duas vezes?
A cravat dele agora estava uma bagunça amassada.
— Parece-me que há pouco motivo para nos colocarmos
nisso, a menos que haja um motivo pressionando. Lorde
Peyton concordou em financiar a primeira temporada de
Daisy. Seu irmão retornou em segurança à Inglaterra e, em
breve, será um homem livre novamente. Se desejar se livrar
deste casamente, a deixarei ir. — Ele pigarreou. — Mas eu...
— Não diga.
— Ficarei infeliz se quiser.
A respiração de Jemima parou em sua garganta.
— Você…? — Ela começou. Você me ama?
Não conseguiu terminar. Ela se refugiou no familiar.
— Você não acha que continuará infeliz se eu continuar
como sua esposa?- Ela perguntou levemente, até mesmo suas
mãos apertavam o casaco em torno dela.
Ralph nunca pareceu mais sério, mais solene, mas cheio
de uma paixão irrefletida e uma esperança desesperada.
— Se puder falar sério por tempo suficiente para que me
ouça, dir-lhe-ei o quanto ficarei infeliz. — Disse. — Estou
apaixonado por você. A amo por algum tempo já.
Provavelmente riria de mim se ouvisse há quanto tempo. Eu a
admiro. A aprecio. E pretendo ser miseravelmente feliz com
você até o dia da minha morte, se houver a mínima
possibilidade de convencê-la a me amar também. — Ele
levantou o queixo dela com um dedo. — Sei que está com
medo. Sei que já amou antes, sofreu por isso, mas juro,
Jemima, estarei a seu lado até que enjoe de mim.
— Nunca poderia me enjoar de você. — Ela sussurrou.
— Mas poderia me amar?
Ela hesitou.
Ela nunca tivera tanto medo antes.
Ela nunca tinha se odiado tanto antes.
O momento foi esboçado, quebrado e passou. Ralph
abaixou a mão do rosto dela. Ele suspirou pesadamente e se
jogou contra o assento.
— Bem, — ele disse – isso me ensinará a não me
entusiasmar.
— Ralph…
— Por favor, não. Não há necessidade. — Ele se virou
observando a chuva escorrer pelo vidro como se suas últimas
esperanças tivessem sendo lavadas por ela.
Eles passaram o resto da viagem em silêncio.
19

A tia do Tenente Worston vivia em um pequeno e


pitoresco chalé com galinhas cacarejando na porta.
Ralph pulou uma poça de lama com cuidado para não
sujar suas botas. Ele estava vestido para o teatro, uma visão
incongruente naquele pequeno vilarejo, um ponto de campos
planos além de Londres.
A porta foi aberta antes que ele a alcançasse. O Tenente
Worston estava apoiado nela, os dedos com os nós branco
agarrado à bengala. Ele estava horrível. O rosto pálido e
abatido, como se não comece em dias, e manchas roxas
embaixo dos olhos falavam de muitas noites sem dormir.
— Espero que não tenha ameaçado a minha governanta.
— Ele disse. — Ela é uma boa pessoa.
— Eu disse a ela que você tinha feito uma tolice. — Disse
Ralph cruzando os braços. Worston piscou. — Eu começarei
dizendo que não tenho medo de golpear um homem ferido.
— Asseguro-lhe, meu lorde, não há necessidade de
chegar aos golpes. — Worston passou uma mão trêmula pela
testa. — Então, está aqui por causa de Lorde Arden?
— Quanto o falso Conde de Arden lhe pagou. —
Perguntou Ralph, o nojo pingando de cada palavra. — Para
trair o seu companheiro de exército?
Worston grunhiu e se apoiou contra a parede.
— Não o traí. — Ele falou. — Simplesmente… não o
salvei. — Ele agarrou a bengala. — Deixe-me sentar e
explicarei tudo a você.
Ralph lhe ofereceu o braço, o qual Worston segurou
gratamente.
— Você virá comigo. — Ele disse conduzindo o homem
surpreso pelo jardim enlameado. — Minha carruagem nos
levará direto ao Teatro Royal, onde nos encontraremos com
Lorde Palmerston. Você contará a ele tudo o que fez e lhe dará
sua palavra de cavalheiro de que Lorde Arden não é um
desertor. Em seguida, visitaremos a Prisão Newgate, pagará
os custos da permanência de Lorde Arden e esperaremos até
que ele seja solto. Está claro?
— Como cristal. — Engasgou Worston arrastando sua
perna ferida. Ralph diminuiu o passo para o homem
recuperar o equilíbrio. Ele não era um monstro.
Quando Worston se acomodou em segurança na
carruagem, parecendo tão cinza que Ralph se perguntou se
ele tinha mais probabilidade de desmaiar do que contar a
história, ele começou a falar sem qualquer provocação, como
se as palavras estivessem amaldiçoadas dentro dele por dias
em conseguirem sair.
— Recebi uma carta alguns dias atrás de um homem se
referindo a si mesmo como Lorde Arden – o primo que herdou
o condado de Stanhope, sabemos. Nada o impediria de tentar
evitar que Stanhope reclamasse sua posição. Primeiro ele
tentou me convencer a negar a história de Stanhope e dizer
que não sabia nada sobre a missão secreta no Chateau
Ventoux. — Worston puxou um lenço e secou o suor do
pescoço. — Eu me recusei naturalmente. Mas então o homem
me fez outra oferta…
— Continue. — Disse Ralph enquanto a garganta de
Worston trabalhava nervosamente subindo e descendo.
— Sinto-me tão envergonhado. — Gemeu Worston. — Ele
se ofereceu a me devolver em dobro o dinheiro que gastei para
trazer Stanhope para a Inglaterra se apenas me escondesse e
não falasse nada contra as alegações.
Ralph cerrou os dentes.
— Se era dinheiro que procurava, sabe que o verdadeiro
Lorde Arden lhe devolveria mil vezes mais o que gastou!
— Mas não foi por dinheiro. — Disse Worston fechando
os olhos. — Foi por Camille.
— Ah. — Ralph se recostou apoiando uma perna sobre a
outra.
Parecia que ele tinha mais em comum dom o tenente
traidor do que gostava de pensar. Ambos aceitaram dinheiro
de ponto de partidas desagradáveis. Ambos tinham motivos
para lamentar o retorno de Bernard do túmulo.
Os dois amavam mulheres que não correspondiam o
amor deles.
Ele gesticulou para que Worston continuasse e soltasse
sua torrente de agonia.
— Fui eu quem a viu primeiro! — O tenente gritou, os
olhos selvagens. — Fui eu quem a convenceu a nos passar
informações sobre o pai dela! Era em mim que ela ela
confiava… Era a mim que ela amava! A na noite que Stanhope
foi capturado, eu… realmente pensei que não havia
esperança. — Ele puxou o colarinho da camisa que cobria o
seu pescoço, revelando mais de uma cicatriz rosa. — Fiquei
severamente ferido e não conseguia imaginar que Stanhope
havia escapado. Quando me recuperei, estava na Inglaterra e
Camille estava perdida para mim. Meus nervos estavam em
frangalhos e levou anos para que eu voltasse à razão. A pobre
Sra. Goode foi a minha única companhia durante este período
sombrio. Eu eu um homem quebrado.
— Então, um dia recebei uma carta de Camille. Uma
carta em nosso antigo código. Ela arriscou tudo para me
enviá-la. O pai dela estava morto, mas seus tios a teriam
matado por traí-los. A carta me contava de um homem que
esteve na prisão do pai dela por dois anos. Havia um pacote
junto. O medalhão. Eu reconheci imediatamente – Stanhope o
carregava para qualquer lugar. Soube então que eu havia
abandonado o meu amigo em nosso pior momento. Danvers e
eu o deixamos apodrecer por anos como prisioneiro no castelo
do inimigo. — Worston recuperou um pouco de sua
compostura. Ele passou uma mão trêmula pela testa. — Com
Danvers fora, eu tive que agir sozinho. Sabia que ninguém no
exército acreditaria que Stanhope estava vivo sem uma prova
melhor. Então escrevi para o duque e, quando isso falho,
escrevi para Lady Jemima, e quando ela não respondeu, vendi
tudo o que tinha e enviei dinheiro para Camille para pela fuga
dela e de Stanhope.
— E quando eles chegaram na Inglaterra, estavam
comprometidos. — Ralph completou. Worston soltou um
gemido de derrota.
— Eu acho que enlouqueci de ciúmes.
— Evidentemente. — Disse Ralph friamente. — Seu
amigo Bernard Stanhope meramente trocou uma prisão
francesa por uma inglesa.
— Errei em não falar antes. — Disse Worston. — Não me
importo com o dinheiro. Apenas pensei que se talvez eles
ficassem separados por um tempinho, não para sempre,
entende, mas até Danver retornar à Inglaterra, Camille
pudesse se lembrar de mim. Recordar como um dia se
importou comigo. Pensei que pudéssemos… — Ele fechou os
olhos. — Mas estava errado.
— Esse foi um pensamento egoísta. — Disse Ralph. —
Você me enoja.
Worston estremeceu.
— Sou um homem egoísta.
Ralph tamborilou os dedos em seus joelhos.
— Mas não, penso eu, um sem redenção.
— O que quer dizer? — Perguntou Worston levantando a
cabeça.
Ralph considerou a sabedora de suas próximas palavras.
Ele nunca tinha sido acusado de ser sentimental antes.
Porém, estava desenvolvendo uma certa simpatia por homens
que faziam coisas tolas por amor.
— Não vejo necessidade sobre a verdade de sua falta de
iniciativa se estender além desta carruagem. — Ele disse. —
Vamos imaginar que você estava visitando a sua tia por
motivos inocentes. Sua primeira indicação de que algo não
estava bem quando recebeu uma carta de Henry Stanhope,
tentando suborná-lo como cúmplice de suas falsas alegações
contra o primo dele. Você retornou a Londres com pressa
quando eu aparecei. Ofereci levá-lo a Lorde Palmerston e
então… Bem, você verá quão fácil poderemos arranjar todo o
problema. — Ele ergueu uma sobrancelha. — A única coisa
que lhe resta é arrumar a carta na qual Henry Stanhope
revela seu plano para falsificar alegações contra o primo. Ele é
o verdadeiro culpado e ele deve ser levado à justiça.
A boca de Worston estava aberta.
— Eu a tenho aqui. — Ele disse batendo no bolso da
calça com uma mão trêmulo. — realmente me protegerá? Por
quê?
Ralph deu de ombros.
— Não consigo ver que qual o benefício de meu cunhado
descobrir que seu amigo mais próximo é um traidor. E eu
admito… Em sua posição, teria me comportado igualmente
mal. — Ele olhou para os lados, para as gotas de chuvas
escorrendo pelas janelas. — Estou cansado de escândalos
inevitáveis e enganos que sempre acompanham o amor. Por
que as coisas não podem se simples, só para mudar? — Ele
deu um aceno pesaroso a Worston. — Deixe seu coração
quebrar e remendar em privado, onde ele deve estar, deixe
Arden casar coma garota francesa dele, deixe a minha mãe e
Lorde Peyton… — Ele parou bem a tempo. — Bem, chega
deles. Dê a todos a prerrogativa da mudança e considere as
fraquezas humanas.
O Tenente Worston se inclinou para frente e apertou a
mão dele.
— Meu lorde, esta é uma generosidade a qual não
mereço.
— Eu sei. — Disse Ralph. — mas ofereço do mesmo
modo.

***

Eles chegaram a Convent Garden com alguns poucos


momentos de sobre. A rua do lado de fora já estava alinhada
com carruagens elegantes de todos os tamanhos e formatos
enquanto damas e cavalheiros da ton lutavam entre si para
fazer a primeira e maior aparição da temporada.
Pela primeira vez, Ralph desejou não ser admirado. Ele e
Worston desceram algumas ruas mais afastados e
caminharam o espaço restante. Mesmo com a perna de
Worston, eles se moveram mais rápido do que a confusão de
carruagens. O tempo era essencial se quisesse alcançar Lorde
Palmerston antes que as cortinas subissem.
— Ora, ora. — Veio uma voz sarcástica de algum lugar
acima dele. Ralph olhou para cima para ver Sir Everard
Ramsay empoleirado em cima de um faeton o encarando. —
Você mantém companheiros interessantes, Lorde Northmere.
O Tenente Worston puxou nervosamente suas roupas
simples do campo. Ralph parou em frente e ele para protegê-
lo do esnobismo de Sir Everard.
— Não trouxe minha pistola, Sir Everard, mas se fosse
você, ficaria n faeton onde não posso alcançá-lo com os meus
punhos.
— Como está a senhora sua mãe?
— Ela está muito bem, sir! Obrigado por perguntar! Você
a verá junto com Lorde Peyton juntos no teatro. — Disse
Ralph triunfantemente. Ele considerava a reconciliação entre
Lorde e Lady Peyton um trabalho inteiramente dele – talvez
um pouquinho do bom conselho de Jemima – ele não
conseguiu evitar esfregá-lo no nariz de Sir Everard.
Os bigodes de Sir Everard se retorceram.
— Que encantador. — ele falou. — Veremos se Lorde
Peyton ainda manterá sua esposa à mão após eu falar tudo o
que tenho sobre ela. — Ele açoitou os cavalos com o chicote,
guiando o faeton habilmente, assim, os cavalos empinados
arrastaram uma roda pela poça de lama em frente ao pés de
Ralph. Uma combinação de água, lama e estrume de cavalo
respingou nele dos pés à cabeça.
— Aproveite a peça! — Riu Sir Everard manobrando sua
carruagem pequena em meio a uma brecha na multidão.
Ralph ficou parado em choque enquanto um monte de
esterco de cavalo caía da aba de seu chapéu.
— Meu lorde! — O Tenente Worston ofegou enxugando-o
ineficazmente com um lenço. — Que homem desagradável!
Aqui, deixe-me ajudá-lo. O dano não foi tão grande.
Ralph olhou para baixo, para as suas roupas sujas de
lama. Sua camisa branca engomada lambuzada de lama. Seu
colete manchado de esterco. Suas botas e calças totalmente
encharcadas de água.
— O dano foi completo. — Ele disse. Ele tirou o chapéu e
tentou retirar a pior parte, o efeito foi decepcionante.
— Deve voltar a casa, meu lorde. — Disse. Worston. —
Não há nenhuma esperança de encontrar Lorde Palmerston
em outra hora?
— Prometi à minha esposa que soltaria o irmão dela esta
noite. — Disse Ralph. Worston o olhou atônito.
— Provalmente não quer dizer que vai ao teatro neste
estado?
— Tenho certeza que Lorde Palmerston já viu um
pouquinho de lama antes. — Ele recolocou seu chapéu sobre
a cabeça. — Vamos entrar.
Ele ignorou os murmúrios de consternação de Worston e
marchou deraus a cima em direção ao teatro.
A súbita aparição de um homem cujo recente casamento
foi tão repentino quanto misterioso não evitou atrair a
atenção dos espectadores do teatro. Enquanto Ralph entrava
no saguão ricamente decorado, ficou dolorosamente ciente
que sua aparência arruinada caía sob o escrutínio dos mais
notórios fofoqueiros que a sociedade tinha a oferecer.
Entretanto ele não tinha tempo para os olhares chocados e
murmurinhos que o seguiam. Seu fofo estava firme na figura
alta e elegante de Lorde Palmerston que estava engajado em
uma conversa profunda em um canto do saguão.
Quando o primeiro dos acompanhantes de Lorde
Palmerston riu de uma das piadas dele, virou o rosto o
bastante para Ralph notasse o inconfundível nariz empinado
e o cabelo dourado dos Stanhopes. Por um único momento de
confusão, ele imaginou que Palmerston o antecipara e já
havia soltado Bernard da prisão.
Então os dois homens de moveram para a luz para
cumprimentar o terceiro amigo e o coração de Ralph afundou-
se.
O homem ao lado de Lorde Palmerston era henry
Stanhope, o homem que ainda se autodenominava Conde de
Arden.
E o homem cuja mão Lorde Palmerston segurava com
entusiamo ao recebê-lo ao teatro era nada mais, nada menos
que Sir Everard Ramsay.
20

— Ralph. -Jemima falou entre os dentes correndo para o


lado dele e agarrou seu braço. — Afaste-se. Isso não acabará
bem.
Ralph se virou revelando um belo conjunto de roupas de
noite completamente manchadas de lama. Jemima levou uma
mão à boca para abafar um grito.
— O que aconteceu?
— Sir Everard aconteceu. Disse Ralph. — Ele olhou
melancolicamente para o seu colete arruinado. — Espero que,
finalmente, deixe-me duelar com ele.
— Não permitirei nada desse tipo! Rápido, venha comigo.
As pessoas estão olhando. — Ela acenou para o tenente. —
Oh, Tenente! Estou tão feliz em vê-lo, não tem ideia. Embora
tema que agora nem mesmo você possa resultar em algo bom.
— Ela puxou o braço de Ralph ignorando a forma com que o
esmagava e os levou para trás de uma coluna. — Meu primo
Henry já veio falar comigo. Ele uma criatura tão desagradável!
Mas parece que ele e Sir Everard são velhos amigos de Lorde
Palmerston, e concordaram em trabalhar juntos para nos
ofender. Palmerston não aceitará a palavra de estranhos
contra a deles! Nós temos que pensar em alguma forma de
seguir em frente.
— Minha senhora. — Começou Worston. — Eu recebi
uma carta do Sr. Stanhope que o implica em suborno e na
criação de acusações falsas contra o seu irmão. Mesmo que
não possamos apelar a Lorde Palmerston, a carta em si
provavelmente soltará Lorde Arden em tempo. Nem tudo está
perdido!
— Mas isso deixa Sir Everard ileso. — Disse Ralph
severamente. — Como sempre.

***

Jemima odiava decepcioná-lo. Cada vez que ele a olhava


ela via o lampejo de dor que ela infligira nele no dia anterior.
E agora, aquela dor era agravada pela frustração em não
conseguir se vingar do cavalheiro perverso que ameaçava
arruinar sua mãe.
Ele desejou ter alguma forma de confortá-lo, mas sabia
que não havia nenhuma.
— Lorde e Lady Peyton estão esperando camarote do Sr.
Balfour. — Ela falou. — Estão sentados à frente, onde todos
poderão vê-los. O que quer que Sir Everard diga, o mundo
verá que eles estão juntos novamente. — Ela enrugou o nariz
diante do odor que emanava de Ralph. — Talvez devêssemos
sentá-lo no fundo. — Ela sugeriu.
A mais leve pitada de um sorriso puxou o canto da boca
de Ralph. Ela tinha certeza de que ele estava lutando contra
isso, mas estava lá mesmo assim.
— As aparências contam para tudo. — Ele acrescentou.
Então arregalou os olhos.
— Com licença, Jemima, Worston. — Ele falou. — Devo
ir e conversar com minha mãe.
Ele abriu caminho pela multidão no saguão com tanta
pressa que as penas altas de vários chapéus ficaram
freneticamente balançando atrás dele.
Worston olhou para Jemima confuso.
— O que deu nele para tanta pressa?
Jemima estava igualmente perdida.
— A família de meu marido compartilha um traço. — Ela
disse, apoiando a mão no braço de Worston. — E é o gosto
pela dramaticidade. Aqui, deixe-me mostrá-lo nosso
camarote. Podemos muito bem apreciar a peça enquanto
estamos aqui.
O Tenente Worston não foi capaz de se mover
rapidamente em meio a opulenta multidão. Ao chegarem ao
camarote, os expectadores estavam tomando seus assentos e
a orquestra estava tocando a abertura. Jemima olhou ao
redor em busca de Ralph, mas ele estava longe de vista.
Camille se virou em seu assento, felizmente alheia à
alteração que fizera voar os planos deles e ofereceu a mão ao
tenente.
— Querido Worston! — Ela disse. — Fico muito feliz em
revê-lo. Como está a sua tia?
Worston abaixou-se para beijar a mão dela e murmurou
algo incompreensível. O rosto dele ficou estranhamente
pálido. Sentou-se em uma cadeira bem no fundo do camarote
onde as suas roupas cotidianas ficariam escondidas nas
sombras.
Jemima tomou o seu lugar ao lado de Lorde Peyton.
— Ah. — Ele disse batendo na mão dela. — Aqui está
nossa moça esperta.
— Oh, Jemima! — Lady Peyton exclamou, inclinando-se
sobre o colo do marido para acenar para ela. — Que plano
divertido! Realmente, você é maravilhosa…
— Silêncio, minha querida. — Disse Lorde Peyton
colocando sua mão no cotovelo de Lady Peyton para levá-la de
volta ao assento dela. — Recorde-se do que o seu filho disse.
Nem uma palavra sobre isso!
Lady Peyton levantou as sobrancelhas e levou um dedo
aos lábios. Jemima franziu o cenho e teria pedido por uma
explicação se não tivesse sido interrompida pela cortina
levantando e a aparição de um ator vestido em tecidos
elegantes para a performance de Cymbeline.
O ator caminhou até a frente do palco exigindo a atenção
de todos no teatro lotado e esperando até que o silêncio
caísse.
— Damas e cavalheiros. — Ele começou elevando o tom.
— Devo anunciar uma inesperada mudança em nossa
programação! Nossa performance esta noite iniciar-se-á com a
leitura de um poema inédito escrito por uma das mulheres
mais ilustres de nosso tempo! O nome dele permanecerá
anônimo, mas suas palavras, com certeza, os cativarão. — Ele
levantou um papel com um floreio. — Eu apresento a vocês O
suposto amante de Lady P.
Jemima ficou absolutamente atônita. Ela não sabia se
atirava a si mesma em direção ao palco e implorava ao ator
para parar ou se virava e fugia do teatro.
A medida em que os murmurinhos de intriga corriam
pela multidão, Lady Peyton inclinou-se sobre o camarote
mostrando o brilho de seu misterioso sorriso. Lorde Peyton
dobrou os braços sobre seu ventre, recostou-se na cadeira e
deixou seus olhos se fecharem.
— Perdoe-me, minha querida. — Ele disse a Jemima. —
Eu nunca gostei muito de poesia. Acorde-me quando acabar.
O ator começou a ler.

***

Nem mesmo a maior performance de Cymbeline teria


vencido a luta contra as revelações escandalosas da poesia
lida. O intervalo chegou com toda a audiência entrando na
sala de refrescos, alvoroçada com a fofoca e especulações.
Quem era a misteriosa Lady P? Podia ser… Não,
certamente não! Mas então…
E quem era o infeliz Sir E? Provavelmente havia apenas
uma opção! Mas quem ousaria fazer tal provocação àquele
homem tão respeitado?
O poema era verdade ou ficão? Como poderia um
cavalheiro se comportar assim? E olhem para Lorde Peyton,
tão calmo e seguro, como se o irritante Sir E fosse uma mosca
que finalmente ele matara!
Jemima se movia entre a multidão como se em um
sonho. Em todos os lados as pessoas estavam citando as
linhas mais inflamantes do seu poema e explodindo em
gargalhadas. Lady Peyton se encontrava no centro da
multidão crescente de damas e manteve a pose majestosa.
— Não posso dizer nada sobre isso. — Ela falou
apreciando o mistério. — Seria indelicado de minha parte
comentar!
— você está bem, Jemima? — Perguntou Camille que
tinha compreendido muito pouco do poema e não entendia o
porquê de tanto burburinho no ar. — Está bastante distraída.
O Tenente Worston está lhe oferecendo um copo de limonada.
— Oh, obrigada, Tenente. — Disse Jemima pegando o
copo que o tenente estava estendendo já há algum tempo. —
Sim, estou perfeitamente bem. De fato, eu…
Sua voz se apagou quando teve um vislumbre de um
homem de cabelos cor de areia e olhos escuros encostado no
pilar diante dela.
Ralph tinha feito mais do que subornar os atores para
lerem o poema. Ele conseguiu convencê-los a lhe emprestar
um conjunto de roupas limpas. O fraque que ele usava já
havia saído de moda há muitos anos e era bordado com linha
dourada de teatro, entretanto, de alguma forma, apenas o
deixava mais elegante.
Ele tirou o chapéu tricórnio com penas que pegara
emprestado e fez uma reverência profunda.
— Espero que possa me perdoar. — Ele disse. — Pensei
que a oportunidade era boa demais para desperdiçar.
Jemima devolveu a limonada a Worston e cruzou os
braos.
— O que aconteceu com as aparências? — Ele exigiu
saber.
Ralph começou a enrolar os punhos frouxos de seu
fraque um-pouco-grande-demais.
— Eu decidi que há coisas piores na vida do que um
bocado de rumor obsceno. — Ele respondeu. — Além do mais,
quem pode dizer a verdadeira identidade de Lady P ou do
desafortunado Sir E? Realmente é um poema muito
inteligente.
Jemima marchou até ele e sacudiu um dedo diante do
seu nariz.
— Eu devia bater em você. — Ela disse.
Ralph levantou uma sobrancelha, pegou a mão
ameaçadora dela e a beijou.
— Agora isso realmente causaria uma cena. — Ele
murmurou. — Estou meio que pensando em deixar acontecer.
— Lady Northmere! Lady Northmere!
A multidão se abriu, um murmurinho de curiosidade e
surpresa, a medida em que Sir Everard avançava até eles.
Se ele queria esconder sua identidade como o malfadado
Sir E do poema, estava fazendo um péssimo trabalho. O rosto
dele estava vermelho-cereja e sua boca espirrava saliva
enquanto se dirigia a Jemima.
— Não acredito nem por um momento que Lady Peyton
tenha inteligência para escrever tal poema! — Ele esbravejou.
— Há o toque feminino nisso, mas não é ela! Você, sua harpia
empunhadora de pistola, sua peste incorrigível, sua
intelectual amaldiçoada, se acha que seu irmão não vai
apodrecer na cadeia pelo resto da vida, deixe-me dizer que…
— Ah, Sir Everard. — Disse Ralph alegremente. Ele
bateu no ombro dele. Sir Everard foi interrompido no meio do
fluxo de palavras, deu meia-volta, pronto para cuspir mais
veneno.
O punho de Ralph conectou-se com o nariz de Sir
Everard com um audível crack.
Ralph se virou para Jemima, piscou e sacudiu o punho.
— Sinto muito. — Ele disse. — Isso não foi cavalheiresco.
Mas, percebe, eu não podia desafiá-lo a um duelo. Fiz uma
promessa a uma dama e pretendo cumpri-la.
— Não precisa se desculpar. — Jemima respondeu
entrelaçando o braço no dele. — Não me casei com você por
seu comportamento cavalheiresco.
Um homem excepcionalmente elegante estava abrindo
caminho na multidão em direção a eles.
— Minhha senhora! — Ele disse tirando o chapéu para
fazer uma reverência para Jemima. — Devo oferecer minhas
mais sinceras desculpas! Este homem é meu convidado e
tenho total responsabilidade pelo comportamento dele. — Ele
levou a mão ao coração. Por favor, permita que me desculpe
da forma que puder.
— Lorde Palmerston, creio eu? — Perguntou Jemima
— Ao seu serviço, minha senhora!
— Não fale com ela, meu lorde! — Henry Stanhope
chegou apressado e se abaixou para ajudar Sir Everard a se
levantar. — Esta moça é a minha prima, Lady Jemima
Stanhope, e ela faz parte da conspiração…
— Esta dama é a minha esposa, a Baronesa Northmere.
— Alfinetou Ralph. — E ela é a irmão do homem que atirou
na prisão sob falas alegações.
— Lorde Palmerston. — Disse Jemima. — Se
verdadeiramente deseja se desculpar, devo implorar que
escute a minha história. Meu irmão, Bernard Stanhope, foi
preso sob suspeita de deserção após sacrificar dois anos de
sua vida em uma prisão francesa pelo bem do nosso país. Seu
companheiro, o Tentente Worston, está aqui hoje a noite para
oferecer a prova de que Bernard nunca deixou o posto
intencionalmente. Ouvirá, meu lorde?
Lorde Palmerston olhou para Sir Everard, que estava
estancando o sangue de seu nariz com o leno de Henry
Stanhope. Henry olhava para Jemima com fúria.
O Secretário de Guerra voltou-se para Jemima e inclinou
a cabeça.
— Estou a seu dispor, minha senhora. Deixe-me
convidar você, seu marido e o tenente a meu camarote. Desejo
ouvir tudo o que tem a dizer.
21

— Você fez o quê? — Daisy engasgou. Ela pulou do seu


assento pela terceira vez naquela noite, correu em direão a
Ralph e tirou a luva da mão direita dele, segurando os nós
machucados contra a luz da lamparina. — Ralph! Brigar em
público! Como pôde?
Ralph deixou a irmã cuidar da mão machucada dele,
bastante consternado com a preocupação dela.
— Espero não ter dado a impressão de que cada passeio
ao teatro são tão agitadas, Daisy. — Ele disse. — Sua
primeira temporada pode parecer monótona em comparação.
— Deveria preferir um pouco de tédio depois dos eventos
dos últimos meses! — Daisy declarou. O relógio na parede
começou a bater uma hora da manhã.
Daisy, Ralph e Jemima ficaram sentados por quatro
horas após retornarem do teatro. Lorde e Lady Peyton logo
tinha ido para a cama. Daisy estava bocejando a algum
tempo.
Mas Ralph sabia que Jemima não seria capaz de dormir
até certa mensagem chegar e ele não a deixaria esperando
sozinho.
— Vá para a cama, Daisy. — Ele disse apertando a mão
da irmã apesar da dor nos nós. — Conversaremos mais pela
manhã.
Daisy lançou um olhar ansioso para Jemima.
— Você se importa? — Ela perguntou. — Não me importo
em esperar…
Todos eles ficaram imóveis ao som de uma batida na
porta da frente.
Os passos do Sr. Tyler no corredor eram dolorosamente
lentos. O velho mordomo tinha insidtido em não ir deitar-se
até que eles fossem, normalmente Ralph teria protestado. Mas
ele não poderia culpar Tyler por sua preocupação paternal
naquela noite.
Ralph esticou sua mão em direão a Jemima enquanto o
Sr. Tyler se despedia do mensageiro e lentamente entrava na
sala de estar. Jemima tinha toda a aparência de calma, mas
segurava a mão de Ralph com tanta força que o sangue
parecia não fluir pelos dedos dele.
— Uma mensagem para você, minha senhora. — o Sr.
Tyler disse entregando a nota a Jemima.
— Obrigada, Tyler. — Ela disse com a voz trêmula. —
Pode esperar enquanto a leio.
Ela soltou a mão de Ralph e abriu a nota. Os olhos
passaram pelo papel três vezes antes de finalmente se
fecharem e ela se recostar na cadeira.
— É de Bernard. — Ela disse. — Ele foi solto e está indo
para Grovesnor Place ficar com Camille.
Daisy bateu palmas e gritou de felicidade. Ralph soltou
um suspiro. Jemima apertou a nota contra o peito e fechou os
olhos bem apertados. Ele suspeitava que, se os abrisse,
lágrimas cairiam.
— Pronto, Daisy. — Ele disse. — Hora de todos irmos
descansar. Você também, Tyler. Obrigado por esperar
levantado conosco.
— Não por isso, meu lorde. — Tyler fez uma vênia e
segurou a porta aberta para Daisy enquanto ela subia para a
cama lançando beijos.
Ralph se ajoelhou ao lado de Jemima.
— Acabou. — Ele disse com gentileza, — Bernard está
em segurança.
— Eu sei. — Ela disse. — Eu sei. — Ela abriu o olho e
lhe deu a carta. — Ele diz que você é um bom sujeito e eu
posso continuar casado com você, se quiser.
— Bem, generoso da parte dele. — Ralph ironizou. Ele
desejava que ela não brincasse com o casamento deles. A
questão ainda estava pendente e a resposta que ela lhe dera
ainda estava aberta para dar conforto. — Deixe-me levá-la a
cama, Jemima.
— Não ainda. — Ela pegou o braço dele. — Ralph…
Enquanto a luz das velas iluminava o rosto dela, ele
percebeu com surpresa que estava ajoelhado diante dela.
— Pergunte-me novamente. — Ela disse.
Ralph engoliu em seco.
— Perguntar o quê?
Ela não respondeu. Apenas olhou para ele, esperança,
medo e desejo, todos refletidos em um alívio nítidos no rosto
dela pela luz dourada da lamparina. Ela nunca parecera tão
bela. Ela nunca parecera tão vulnerável.
— Está com medo. — Disse Ralph levantando a mão
para tocar em uma das mechas douradas.
— Estou aterrorizada. — Ela levantou a mão para
entrelaçar os dedos com os dele. — Estou aterrorizada por
que eu o amo.
Ele a beijou. Um beijo lento, reverente e delicado, que
terminou logo para os dois. Jemima suspirou e pôs os braços
ao redor dele, deixando a cabeça cair em seu ombro.
— Não deveria ter medo. — Ele disse acariciando o
cabelo dela. — A ensinarei a esquecer seus medos, um por
vez. Você aprenderá que é seguro amar. Não vou a lugar
nenhum.
— Pergunte-me novamente. — Ela repetiu. Ele não
suportou a oscilaão na voz dela. Ele não queria deixá-la
esperando mais.
— Quer ser minha esposa? Não apenas no nome, nem
por conveniência, mas em todos os sentidos, em todas as
formas? Ficara ao meu lado, como prometo ficar ao seu?
Você…?
— Sim. — Ela interrompeu, descendo da cadeira para o
chão, ao lado dele. Ralph a levou contra ele, respirando o
cheiro de lavanda do cabelo dela, apertando cada curva
contra ele.
Ele desejava que houvesse uma forma de segurá-la ainda
mais perto, moldar os corpos deles em um, interligá-los mais
unidos do que o casamento tinha feito.
Amá-la o mudou. O futuro conheceria um novo e
diferente Barão Northmere. Um homem menos preocupado
consigo mesmo, com sua reputação, com seu orgulho. Um
homem que não se escondia em palavras zombeteiras, mas
que encontrava o mundo de peito aberto.
Um homem que aprendera o segredo do que realmente
importava no mundo brilhante e indiferente deles.
— Deixar-me-á terminar? — Ele perguntou sorrindo
contra os cabelos dela. — Eu tenho um belíssimo discurso
planejado.
Jemima levantou os olhos para os dele.
— Você sabia que eu lhe pediria. — Ela o acusou. —
Você sabia que eu o amava antes de dizer uma única palavra.
— Sabia. — Admitiu. — E eu a amo até mais por ser
corajosa o bastante para me dizer. Quase chegou o ponto em
que pensei que nunca arrancaria isso de você.
— Você é terrível. — Ela riu passando os dedos ente os
cabelos dele. — Nunca o perdoarei por me fazer me apaixonar
por você, sabe. Foi um golpe fatal em todos meus bons
planos.
— Faremos novos planos. — Ele lhe prometeu. —
Melhores. Juntos.
— Gosto de como isso soa. — Disse Jemima. — De fato,
gosto muitíssimo.
Epílogo

A segunda viagem de Jemima fazia de Loxwell Park a


Morton House não poderia ser mais diferente da primeira. O
mês de separação que ela e Ralph tiveram que suportar
enquanto os proclamas eram lidos para a segunda cerimônia
legal de casamento deles a havia deixando ansiosa para estar
a sós com ele. As longas milhas foram acompanhadas por
risadas, conversa animada e carícias que teriam feito uma
prostituta corar.
Mesmo assim ela conseguiu ficar afastada dele enquanto
sacolejavam pelas ruas de Londres para ter a primeira visão
de Morton House.
Ralph se recostou no fundo da carruagem, os dedos se
enrolando preguiçosamente nas mechas da nuca de Jemima,
agradavelmente amarrotado e observando a impaciência dela
com um brilho suave nos olhos.
— Está excitada para rever a casa velha?
— É meu lar agora. — Disse Jemima. Ela olhou para ele
deixando que seus olhos se demorassem na bela linha da
mandíbula dele e no triângulo visível no peito largo dele,
embaixo da camisa amassada.
Ralph se inclinou e passou o polegar gentilmente pelos
lábios dela. Ela ficou tentada a mordê-lo.
— Espere até ver Shipwood Hall. — Ele disse.
Os lábios de Jemima se abriram, todos os pensamentos
sobre Morton House esquecidos. Mas em vez de beijá-la,
Ralph apontou e direção à janela.
— Aqui estamos.
Ela se virou e o seu coração se elevou diante da visão das
familiares grades de ferro forjado e do pátio pavimentado.
— Lar. — Ela murmurou.
Ralph estava ocupado endireitando sua cravat e
arrumando sua camisa em uma composição menos
desrespeitável. Jemima lhe estendeu seu sobretudo,
colocando-o sobre os ombros dele.
— Pronto. Ninguém jamais saberá que eu fui atacado por
minha esposa rebelde em todas etapas do caminho desde
Loxton. — Ele disse piscando.
— Rebelde? — Jemima franziu o nariz. Ralph ergueu
uma sobrancelha.
— Não faz objeção ao termo atacar?
— Ao contrário de você, fui criada em uma sociedade
educada. Tenho certeza de que não sei o que atacar significa.
— Uma pena. — ele disse enquanto o lacaio abria a porta
da carruagem. — Terei que lhe mostrar mais tarde.
Ele pôs o chapéu na cabeça e desceu para cumprimentar
a criadagem. Jemima o seguiu, mordendo o lábio para
esconder um sorriso impróprio. Tyler estava esperando na
frente da fila de criados, o peito tão estufado de orgulho que
lembrava um pombo londrino.
— Bem-vinda ao lar, minha senhora! — Ele sorriu.
— Obrigada, Tyler. — Disse Jemima com um sorriso
gracioso que se transformou em um verdadeiro raio de prazer
pela bala de canhão que foi sua cunhada ao se jogar em seu
peito.
— Jemima! — Exclamou Daisy, a apertando com tanta
força que ela mal conseguia respirar. — Estava preocupada
que nunca voltasse a tempo!
— E perder o seu baile? Nem pensei nisso! — Disse
Jemima a beijando em ambas bochechas. — Alguém deve
defendê-la dos esforços casamenteiros de sua mãe.
— Não tema, não tema. — Disse Lorde Peyton
aproximando-se por trás de Daisy com as mãos cruzadas
acima de seu ventre amplo. — Minha esposa prometeu o
melhor comportamento. — Ele beijou a mão de Jemima com
um audível som de estalo. — O almoço está esperando. — Ele
disse no mesmo tom que alguém anunciava a localização de
um pote de ouro. — Carne assada! Uma coisinha depois de
uma longa viagem.
— Sério, Peyton. — Reclamou Lady Peyton beijando o ar
ao lado da bochecha de Jemima. — Jemima não vai querer
estragar sua adorável figura simplesmente porque está
casada. — Ela deu a Jemima uma piscadela conspiratória. —
Também tem uma salada leve.
— Que amável. — Disse Jemima ignorando o ruído
estranho que Ralph fazia tentando não rir. Ela pegou o braço
de Lady Peyton enquanto entravam na casa. — Agora me
conte em que posso ser útil. Está tudo pronto para hoje à
noite? Adorei o que me contou em suas cartas sobre a
decoração para o baile. — Ela lançou um sorriso a Daisy, que
havia se pendurado no braço de Ralph e olhava como se ele
tivesse ficado no mar por um ano. — Será o mais elegante
baile de debutante que Londres já viu!

***

Londres, é claro, era sede de muitos bailes brilhantes,


cada um mais grandioso e mais opulento que o anterior. As
famílias ricas anfitriãs da sociedade eram competitivas. Então
Jemima não podia seriamente afirmar que o baile de Daisy
estava entre os mais elegantes em termos de quantidade de
velas, de doçura das músicas, beleza de decoração ou de
refrescos deliciosos.
Entretanto, os convidados eram tudo o que se podia
desejar e muito mais.
Daisy dançou com Lorde Palmerston, o Conde de Arden,
o Conde de Scarcliffe, o Duque de Beaumont e até mesmo –
depois de uma leve persuasão – o velho e imponente Duque
de Loxwell. Alexander Balfour decepcionou a mão dela ao
convidar Daisy para dançar apenas uma vez, mas as irmãs
dele compensaram pelas brincadeiras animadas, entusiasmo
sem limites e pela evidente afeição por Daisy.
Camille, agora a recém-casada Condessa de Arden,
flutuava pelo salão conversando com todos em seu francês
suave, independente se a compreendiam. Bernard, exceto
pelas danças com Daisy e Jemima, estava sempre ao lado
dela, o olhar fixo no rosado das bochechas de sua esposa.
Jemima se perguntava se ela também era traída pelo evidente
brilho interior que o casamento lhe dera.
Lady Peyton era o centro de um cada vez mais expansivo
cerco de senhoras barulhentas, todas desesperadas para
saber a verdade sobre o poema lascivo de Jemima, e todas
totalmente desapontadas. Ela não se esquecera das
promessas ao marido: o melhor comportamento era
assiduamente exibido, sem poses dramáticas ou desmaios
durante a noite.
Ao mesmo tempo, Jemima se certificava em manter um
olho em Daisy. Afeiçoada como era em lady Payton, ela não
podia fingir que sua sogra era uma acompanhante habilidosa.
Enquanto observava Daisy e Edith Balfour zombavam
escandalosamente de um grupo de homens enquanto
combinavam quem acompanharia quem no jantar, Ralph
apareceu a seu lado com duas taças de champanhe na mão e
um brilho perverso nos olhos.
— Encontre-me na varanda em dois minutos. — Ele
disse aproximando-se do ouvido dela, assim o hálito quente
dele enviou arrepios de prazer por seu pescoço.
— Ralph, estamos casados. — El o recordou. — Não há
dúvidas dessa vez. Não há necessidade de se esgueirar como
um casal de um romance proibido.
— Mas nós perdemos todo um estágio de encontros
clandestinos e cartas de amor secreto. — Ela disse lhe
passando o champanhe. — Merecemos nossa cota de
romance misterioso. — Ele tocou sua taça na dela, um brinde
ao arrepio que a atravessou quando aqueles olhos escuros
traçaram seu decote. — Além do mais, não posso beijá-la da
forma que eu quero na frente dos convidados. Isso realmente
causaria um escândalo.
Ele se afastou, deixando Jemima beber seu champanhe e
esperar, ansiosa, até que um tempo discreto se passasse.
Ela pediu desculpas às damas que a envolveram em uma
conversa e deslizou pela porta dos fundos, indo em direção à
varanda onde o brilho das velas combinavam com o das
estrelas. Era uma noite fria de outono. Seus braços nus se
arrepiaram quando o calor do salão de baile foi substituído
pela brisa leve.
Ralph estava encostado na grade, encarando-a, os lábios
se abrindo à medida que ela se aproximava. Ele deixou seu
copo meio vazio na balaustrada e a pegou em seus braços, os
lábios descendo para traçar uma linha de delicados beijos por
seu pescoço. Jemima suspirou e se aproximou dele.
Ela nunca se sentira tão segura, tão certa, tão destemida
como nos braços de Ralph.
Os dedos dele roçaram sua nuca e amarraram uma fita
ao redor do pescoço.
— Pronto. — Ele disse, afastando-se. Jemima levou a
mão ao objeto que agora pendia contra seu coração. Era
redondo, canelado e metálico.
— O medalhão Stanhope? — Perguntou perplexa. — Por
que Bernanrd se separaria dele novamente?
Ralph a aproximou de um candeeiro.
— O medalhão Morton. — Ele disse. — Um de um par.
Jemima ergueu o medalhão em direção à luz. Era
moldado exatamente como o de Bernard, uma peça oval com
bordas onduladas com um peso surpreendente, exceto por
um detalhe. O rosto no centro era, sem dúvidas, o de Ralph.
— Pensei que poderia gostar de ter um seu. — Ele disse.
— Para usar nas batalhas.
— É perfeito. — Jemima suspirou. Quando ela se
inclinou para beijá-lo, Ralph levantou uma mão. Ele puxou
uma fita que estava escondida em seu colarinho.
— No caso que eu ter as minhas próprias batalhas para
enfrentar. — Ele disse levantando seu medalhão para a
inspeção dela.
Jemima levou um tempo, franziu a testa. Ela o levantou,
assim a luz do candeeiro iluminou o bronze.
— Ralph! — Ela exclamou.
O medalhão dele tinha a imagem dela. Uma mulher com
um sorriso malicioso, o cabelo preso em um estilo prático e
com uma pistola apontada.
— O que poderia me proteger melhor? — Ele disse
piscando. — Penso que é uma nova herança familiar. Nossos
descendentes saberão que Jemima Morton era uma mulher a
se considerar.
— você é malvado! — Ela disse enquanto as mãos dele
encontravam um lugar em sua cintura. — O que os Mortons
do futuro pensarão de mim?
— Oh, nossos dezessete filhos terão histórias o bastante
para manter a verdade viva. — Ele disse a puxando para mais
perto.
— Dezessete!
— Eles dirão que você era devastadoramente bela, em
detrimento a cada mulher no baile de apresentação da tia
Daisy. Eles dirão que era destemida, corajosa e se importava
apenas com a própria opinião. Eles dirão que tinha uma boca
esperta que o pai deles amava beijar. — Ele parou brevemente
para prová-la. — O que provavelmente os envergonhará
enormemente. E eles dirão que você era amada, Jemima.
Apaixonadamente adorada. Desejada a ponto de ser
criminoso.
O coração dela acelerou.
— Isto é muito bom, Ralph, mas… dezessete?
— Bem, vamos começar com um e veremos como
seguimos deste ponto. Ele tocou o medalhão pendente em seu
peito. — Gostou?
— Amei. Nunca o tirarei. — Ela passou os braços ao
redor do pescoço dele. — Agora, houve alguma menção a
beijos.
— Houve?
— Um beijo que aparentemente escandalizaria nossos
convidados. Um beijo tão alarmantemente apaixonado que
poderia ser apenas substituído pelo encontro secreto de dois
amantes.
Os olhos de Ralph brilharam enquanto ele pegava o rosto
dela en suas mãos.
— Sempre cumpro as minhas promessas. — Ele falou.

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