Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
G. C. Jimenéz
Copyright © 2019 G. C. Jimenéz
Título: O Destino da Cigana
Série: Encontros Marcantes
Volume: 01
Autora: G. C. Jimenéz
Revisão gramatical: Gabriel Marcos
Capa: L. A. Design de Capas
Diagramação (eBook): Will Nascimento
Edição: Will Nascimento
Sinopse
No ano em que os reis católicos conquistaram Granada, a população das
terras Andaluzas acreditava que a paz finalmente reinaria. No entanto, tudo
não passou de um grave equívoco, pois com a ascensão do Reino de Castela
e Leão, veio também o governo da Igreja Católica e a severa perseguição
religiosa na região, expulsando judeus e pagãos de seus lares. Agora, um
século depois, a Coroa Espanhola precisa combater a Revolta dos
Mouriscos e, para isso, convoca o valente capitão Fernando Lozano. Por
sua vez, ele se valerá de sua missão para fugir da dor em seu coração
machucado, deixando para trás uma jovem cigana com um bastardo em seu
ventre.
Entregue à própria sorte, Dandara sofrerá nas mãos daqueles que
destruíram seu grande amor. Mas o destino se encarregará de trazer Lozano
de volta, para correr contra o tempo e salvar a única mulher que amou em
sua vida.
Em meio a preconceitos, presságios e armações, o amor será posto à
prova e o destino da cigana estará traçado nas rodas do tempo.
Prólogo
Ele ainda sonhava com a bela morena de cabelos negros e olhos brilhantes,
ainda sentia a leveza de sua pele na ponta de seus dedos e, por inúmeras
vezes, acreditava ser possível ouvir a doce voz sussurrando ao seu ouvido.
Fernando Lozano era um dos principais capitães do exército espanhol.
Conhecido por seu caráter forte e discreto, era muito bem-conceituado no
meio dos generais devido à sua astucia e à sua frieza em batalha; o homem
que comandava batalhões, no entanto, encontrava-se derrotado diante de
seus sentimentos.
Fernando já havia travado diversas batalhas, ferira-se tantas vezes
que já não conseguia mais contar as marcas dos embates em sua pele; ainda
assim, nada seria tão doloroso quanto a cicatriz deixada em seu coração,
causada pela mulher que outrora o abraçara, fazendo juras de amor e
promessas de lealdade — mulher essa que fora capaz de apunhalá-lo pelas
costas, aplicando-lhe a mais vil das traições.
“Todas as manhãs são tranquilas antes de batalhas e notícias
terríveis, é uma maneira de o destino nos enganar”, costumava dizer para
sua tropa, e daquela vez não poderia estar mais correto. Foi numa dessas
tranquilas manhãs de sol ameno, enquanto aguardava ordens de seus
superiores, que o estado contemplativo de Fernando foi interrompido por
um mensageiro.
O rapaz magricela trazia consigo um envelope pardacento, selado a
sinete com o brasão de sua família em uma cera avermelhada. Sua primeira
reação fora estremecer, temendo notícias assombrosas. Tempos de guerra
despertavam preocupações a partir até dos gestos mais simples. Fernando
tomou a entrega da mão do jovem mensageiro e entregou-lhe uns trocados,
dispensando-o em seguida. O envelope era estufado, carregava em seu
interior algo de dimensões retangulares e de consistência dura; pesava mais
do que aparentava, mas talvez fosse sua apreensão pregando-lhe peça.
Reconheceu a caligrafia primorosa no verso do envelope, mesmo que o
nome de sua irmã não estivesse escrito em canto algum do papel.
Fernando forçou o lacre com uma delicadeza que não lhe era
habitual; postergava o momento mais do que o necessário, como se a
demora para ler o que quer que estivesse ali bastasse para amenizar
qualquer agrura contida na mensagem. Puxou o conteúdo do embrulho,
revelando algumas folhas de papel avulsas e um caderno de capa dura,
desgastado e de páginas amareladas pelo tempo. O jovem capitão respirou
fundo, desdobrou as folhas e leu seu conteúdo com um aperto no peito.
O homem não esperava ler aquelas palavras, não em um dia como
aquele. Vinha se preparando para mais uma batalha contra os mouriscos,
mas nada na Terra ou nos céus o deixariam pronto para o que estava em
suas mãos. Sentia-se como se o tivessem levado à força até o inferno! Se
bem que, de certa forma, dadas as informações que recebia, era lá mesmo
que estava.
— Fernando? — chamou Diego, seu cunhado, ao aproximar-se. Sua
expressão era preocupada, contrastando com o habitual sorriso largo que o
homem costumava ostentar. —As notícias não são boas?
— Piores não poderiam ser. — Havia um misto de pesar e raiva em
sua voz. — Preciso regressar à Écija urgentemente.
— Impossível, meu amigo! Estamos no meio de uma guerra, o
general jamais lhe daria permissão para abandonar o acampamento.
Fernando levou as mãos à cabeça e suspirou, frustrado.
— Tem razão… — lamentou. Decidido, pediu: — Por isso vou
precisar de sua ajuda.
O cunhado retribuiu o olhar de assombro.
— O que está dizendo? O que pode ser tão grave para que você,
logo você, queira abandonar o campo de batalha tão abruptamente?
— Por favor, leia! Talvez assim você compreenda minha urgência
— disse, estendendo ao homem o pedaço de papel.
Diego a tomou nas mãos e reconheceu o selo e caligrafia de
Lucrécia, sua esposa. Havia uma expressão de confusão em seu rosto,
dúvidas começaram a se formar em sua mente, mas antes que pudesse
elencá-las, Fernando o incentivou a ler o conteúdo.
Querido irmão.
Espero que esta carta chegue em suas mãos o quanto antes. Peço
que me perdoe por ser portadora de tais notícias, mas acredite: o que faço
neste momento, faço com a intenção de reparar uma grande injustiça. Por
favor, meu irmão, creia-me, não tive nada a ver com tais eventos. Tanto
você, quanto eu, fomos apenas peças de um jogo sujo e cruel. Rogo a Deus
por seu perdão, pois minh’alma encontra-se sem paz.
Após sua partida, descobri que Dandara jamais o traíra com
Alfredo, e que o filho que cresce em seu ventre é meu sobrinho, seu filho.
Sim, meu irmão, você será pai em poucos meses.
Fernando, tudo o que você viu naquela noite não passou de um
plano para separá-lo de sua amada. Infelizmente, nossa mãe orquestrou
tudo e conseguiu lograr sucesso com a ajuda de sua noiva, Letícia, e seu
cunhado. Assim que você partiu para a guerra, Letícia chamou uma
parteira para realizar o aborto em Dandara, mas graças a Deus consegui
escondê-la em meu palácio. Entretanto um dos criados traiu minha
confiança e fez conhecida a notícia à nossa mãe, que, ao descobrir minha
intervenção, levou-a de volta para seu palácio e obrigou-me a jurar que
jamais lhe contaria nada.
Mas eu não podia esconder-lhe a verdade, irmão meu.
Nesse momento, Dandara encontra-se aprisionada no calabouço.
Recusa-se a comer qualquer coisa, pois teme por sua vida e pela de seu
filho. Por isso eu a tenho visitado às escondidas, levando-lhe algum
alimento.
Ainda assim, seu estado é delicado. Encontra-se muito debilitada.
Nossa mãe está disposta a tudo para mantê-los separados. Por enquanto,
mamãe e eu temos um acordo: em troca de meu suposto silêncio, ela
permitirá que a criança nasça. Contudo, depois de seu nascimento, somente
Deus sabe o que tem planejado para a pobre criatura.
Por isso, preciso que volte para casa, não poderei proteger
Dandara por muito tempo. Caso tenha dúvidas de minhas palavras, envio-
lhe a confissão da criada que as ajudou, bem como o diário de sua amada;
nele encontrará tudo o que necessita para comprovar minhas palavras.
Seus inimigos têm buscado sua família, e eu não tenho tantos aliados para
mantê-los em segurança.
Com amor, de sua irmã,
Lucrécia Sanchez.
— Madre de Dios! — exclamou Diego, estarrecido com o conteúdo
da carta.
— Agora você compreende.
— Sim — Sua voz era baixa, quase inaudível. — Fernando, não
acredito que farei o que farei, mas deve partir o quanto antes! Direi ao
comando que sua mãe está muito enferma, isso será suficiente para lhe
darem uma semana de licença, espero. Dou-lhe cobertura por aqui, querido
amigo.
— Obrigado, meu amigo. — Pousou as mãos sobre os ombros de
Diego, apertando-os em um gesto de cumplicidade. — Jamais me
esquecerei do que fez por mim.
— Fernando… sempre fomos amigos e a sinceridade tem sido a
base de nossa amizade durante esses anos, por isso serei franco com você:
mantenha-se longe da influência de sua mãe, eu sei o quanto ela pode ser
impiedosa para alcançar seus objetivos.
— Infelizmente, é duro ter que admitir, mas tem razão. Minha mãe
faria qualquer coisa para manter o poder e a fortuna da família.
Naquela mesma tarde, o capitão Fernando Lozano partiu para Écija,
acompanhado somente por seu fiel cavalo. Não tinha tempo a perder e
precisaria cavalgar intensamente, pois seu coração estava apertado. Ele não
esperara receber tal mensagem, já havia desistido de seus sonhos e se
acomodado em um noivado fajuto, mas agora sua dor estava perto do fim, e
todos aqueles que foram responsáveis por causá-la seriam castigados.
Fernando seria capaz de ir de fato até o inferno quantas vezes fossem
necessárias para salvar sua amada e, mesmo que ela não o perdoasse, não se
importaria de pagar tal preço, bastava apenas reparar seu erro e salvar
Dandara de seus algozes.
— Estou chegando, minha amada — bradou enquanto cavalgava,
numa promessa que ele cumpriria a todo custo.
Capítulo Dois
Fernando segurava o pequeno diário em suas mãos, não havia tido tempo
para ler sequer uma única página. Desde que recebera a carta de sua irmã,
empenhava-se em deixar o acampamento e seguir para Écija. Porém, agora
que estava sentado diante de uma fogueira — idêntica às que por diversas
vezes o aqueceram durante as noites ardentes de amor que compartilhara
com sua amada —, tomou a coragem necessária para ler as linhas que
gravariam ainda mais em seu coração o mais profundo amor que um
homem poderia sentir por uma mulher.
“Minha avó sempre disse que o dia em que nasci foi o mais alegre e
o mais triste de sua vida. Alegre, porque eu nasci; triste, porque minha mãe
morreu ao dar à luz.
Segundo minha avó, mamãe não queria que eu nascesse naquela
noite e, tentando retardar o parto, acabou falecendo nos braços da
parteira. Tudo porque, na noite de meu nascimento, a lua estava vermelha
como o sangue; um mal presságio para meu povo.
Vovó sempre disse que o destino pode ser implacável com seus
desejos, e nada nesse mundo pode impedi-lo de cumprir suas vontades.
Hoje eu entendo o motivo de suas palavras, pois, pela primeira vez, senti-
me viva, como se eu tivesse nascido para esse dia. Hoje foi a primeira vez
que eu o vi. Fernando Lozano é o seu nome. Sei que sou apenas uma
cigana, e ele um homem importante para a Coroa Espanhola, mas isso não
me importa, porque eu o quero e o terei, não vou deixar que nada se
interponha entre mim e meu caminho…
Fernando. Fernando…”
“As chamas da fogueira eram suficientes para ver que ele também
olhava para mim. Não resisti e dancei para ele. Querendo ter seus olhos
sobre meu corpo, decidi que brincaria com fogo, pois não tinha medo de
queimar-me. Fernando Lozano era o tipo de homem pelo qual valia a pena
se arriscar.
Pude ver em seus olhos que sentira o mesmo, pois sua expressão
luxuriosa era convidativa, de uma forma que eu jamais havia visto antes.
Sentia-me como se chamas ardessem em minhas entranhas, parecia que
Fernando tinha poder sobre meu corpo. Sentia que o ritmo nos conectava
de alguma maneira, e não estava enganada.
Mas nosso elo se quebrou no momento em que ele ousou sair de seu
lugar e tentar se aproximar de mim. Meu povo jamais permitiria que um
paio se aproximasse de um de nós, somos distintos em muitos aspectos e
costumes…”
“Passamos a noite juntos, e sinto que já não posso viver sem Fernando.
Ele é como o sol iluminando os dias escuros de minha miserável vida.
Todas as vezes que me beija, sinto-me queimar de paixão, perdendo o
controle sobre meu corpo, como se pertencesse somente a ele. Parece
loucura, eu sei, mas, em tão pouco tempo, posso afirmar que Fernando é o
homem da minha vida e que não quero nenhum outro. Jamais amarei outra
pessoa como o amo.”
A cada linha lida, o coração de Fernando crescia dentro do peito, na
expectativa de reencontrar Dandara e pedir-lhe perdão, mas ele a conhecia
muito bem e tinha consciência de que a havia magoado demais. Quiçá ela
nem lhe permitisse se aproximar novamente, porém ele não desistiria.
Lutaria por esse amor, pois sabia que não poderia viver sem ela e o fruto do
amor que compartilhavam. Ele planejava chegar à Écija nas primeiras horas
da tarde, e isso estava lhe roubando a paz, pois tinha apenas uma semana de
folga e já estava há dois dias na estrada. Isso significava que quando
chegasse em casa, não teria muito tempo ao lado de sua amada após
precisar tomar todas as precauções para deixá-la em segurança. Agora que
sabia das verdadeiras intenções da marquesa, não vacilaria em resguardar
sua família de seus planos.
∞∞∞
Palácio do Magistrado
O médico confirmou os temores de Lucrécia ao afirmar que Dandara
precisaria de muitos cuidados, pois encontrava-se profundamente
desnutrida, o que era um risco para seu estado atual. O desenvolvimento do
bebê, no entanto, prosseguia apesar de sua condição. Era necessário reforçar
a alimentação da mãe para que o feto não sofresse as consequências de suas
privações. Assegurou ainda que, segundo seus cálculos, a criança nasceria
dentro de dois meses, o que assustou muito a Lucrécia, que rezou para que
Fernando estivesse chegando.
— Senhora Lucrécia? — chamou o médico em um canto, querendo
privacidade. — Sei que não é da minha conta, mas essa jovem não pode
permanecer aqui. O lugar é úmido demais, e a ausência de luz e circulação
de ar não farão bem ao bebê. Se ela continuar aqui, e caso a tosse e a febre
não sejam debeladas, temo pelo pior.
— Eu estou de acordo com o senhor, mas isso logo será arranjado,
eu lhe asseguro.
— Caso precise de meus serviços, mande me chamar — despediu-se
o homem, com uma rápida reverência, e se afastou, indo em direção à saída.
— Doutor? — chamou Lucrécia uma última vez. — Preciso que
este assunto seja um segredo nosso, entendeu?
—Claro, senhora… — anuiu, pesaroso. — Compreendo bem, mas
quando o marquês tomar conhecimento deste fato, espero que me defenda.
— Não se preocupe, tem minha palavra.
Dandara dormia profundamente, estava tão fraca e castigada pela
febre que mal conseguia manter-se desperta por mais que alguns minutos,
por isso Lucrécia a deixou descansando e marchou para comunicar a mãe
das recomendações médicas, na tentativa de, assim, colocar um pouco de
juízo em sua cabeça. Ela mesma já havia sido alvo dos planos
maquiavélicos da mãe; seu próprio casamento, que tinha tudo para dar
errado, por sorte acabou sendo a melhor coisa que lhe acontecera, pois
Diego Sanchez a libertara da influência maligna e dos jogos de poder que a
marquesa sempre exercia em prol de seus próprios interesses. Lucrécia
amava sua mãe, mas não era cega para suas atitudes. Sabia muito bem que
Carmem Lozano seria capaz de qualquer atrocidade para permanecer no
poder; o que jamais imaginara era que sua mãe fosse capaz de ir tão longe.
Já estava próximo ao salão de entrada quando ouviu vozes e uma
grande comoção se formar no pátio. Apressou-se para averiguar o que
ocorria e quase caiu para trás ao ver Fernando desmontando de seu cavalo e
marchando em sua direção. Um sorriso aliviado surgiu em sua face, e ela
correu para os braços do irmão, que a enlaçou em um abraço demorado e
cheio de saudade.
— Meu irmão!
— Irmã!
— Recebeu minha carta? — perguntou ansiosa.
— Sim! Vim o mais rápido que pude. Onde está Dandara?
A pergunta já era esperada, mas Lucrécia não sabia como dizer ao
irmão que ela ainda se encontrava no calabouço e que seu estado de saúde
era delicado.
— O que se passa, irmã? Onde está Dandara? — questionou, com a
voz aflita.
— Sinto muito, Fernando, mas ela ainda está no calabouço…
— O que diz? — Sua voz saiu mais aguda que o normal, os olhos
arregalados em uma expressão horrorizada.
— Consegui que o médico viesse vê-la, acaba de sair, porém não
logrei convencer nossa mãe a transferi-la para um quarto. — Lucrécia
tomou o irmão pelos braços, num aperto desesperado. — Fernando,
Dandara está muito fraca, temo pelo pior…
— Mande preparar meus aposentos, ela ficará comigo. Depois terei
uma conversa séria com nossa mãe! Por último, quero ver Letícia e Alberto
—entabulou com ódio.
— Letícia e Alberto partiram ontem para Granada, devem retornar
no próximo mês.
— Não me importo, esperarei o tempo que for necessário.
— Agora vamos! Dandara não pode permanecer no calabouço por
muito mais tempo.
Enquanto Lucrécia ordenava que os criados organizassem os
aposentos de Fernando, ele desceu as escadas que levavam ao inferno que
era a prisão de Dandara e seu filho. Assim que os guardas o viram, ficaram
confusos com sua presença e, rapidamente, colocaram-se ao seu dispor,
guiando-o à cela reservada para castigar a mulher, cujo único pecado fora
amar um homem da nobreza.
Quando as portas foram abertas e Fernando adentrou o ambiente
fétido, seu coração esmagou-se com a visão do frágil corpo sobre a cama de
palha. Pôde perceber que o ventre já estava evidente e culpou-se por ter
sido tão cego e estúpido, pois se tivesse confiado na palavra dela, isso
jamais teria ocorrido.
— Dandara? — Chamou-a com a voz embargada, mas não obteve
resposta. — Dandara? — insistiu.
Ouviu-a balbuciar algo incompreensível e marchou em sua direção,
tomando-a nos braços e tirando-a daquele lugar. Podia sentir que ela ardia
em febre e que a pele, que um dia fora bronzeada pelo sol, encontrava-se
pálida e sem brilho. Apertou-a nos braços, jurando que a vingaria e que
nada lhe aconteceria, porque agora ele estava ali.
Capítulo Seis
Assim que Fernando deixou Dandara aos cuidados de sua irmã, saiu em
busca da responsável por aquela crueldade. Sabia que o confronto não seria
fácil, mas, apesar de não se esquecer de que Carmem Lozano era sua mãe, o
ódio corria em sua alma. Quando a encontrou em seus aposentos, soube
pelo seu semblante que ela já o esperava.
— Fernando! — exclamou, correndo em sua direção, mas ele a
impediu, segurando-a pelos braços.
— Precisamos conversar — decretou.
— É dessa forma que trata sua mãe após todos esses meses? —
repreendeu-o, pondo as mãos na cintura.
— E como eu deveria tratar a responsável por aprisionar a mulher
que eu amo e que carrega em seu ventre um filho meu? — Fernando
explodiu em fúria.
— Fernando?! Não sei do que…
— Chega! — bradou. Estava determinado a não se deixar manipular
por suas mentiras. — Como foi capaz de maquinar algo tão infame? Não
posso crer que minha própria mãe tramou pelas minhas costas!
— Fernando, meu querido, juro que não sei do que está…
— Eu sei da verdade, madre! — gritou, exasperado. — A criada de
quarto de Letícia confessou tudo.
A mente de Carmem trabalhava loucamente buscando por uma
saída. Parecia que a lealdade dos criados de Letícia não era semelhante à de
seus serviçais.
— Fernando — começou, tentando amenizar os ânimos —, não sei
o que essa criada lhe disse, mas tenho certeza de que mentiu em troca de
dinheiro ou…
— Dios mío! Não posso crer que você vai tentar jogar a culpa numa
pobre coitada — bramiu, dando passos firmes em sua direção. — Pelo
menos uma vez na vida assuma responsabilidade pelos seus atos. Você e
Letícia planejaram me separar de Dandara assim que descobriram sobre
nosso romance.
— Dandara é apenas uma cigana, sem classe, sem nome. E você
será, em breve, o próximo magistrado desta província. Tudo o que fiz foi
pensando no seu bem-estar e no seu futuro. Não podia permitir que se
casasse com uma rameira que carrega um filho de outro homem…
— Cale a boca!
Carmem deu um passo para trás quando percebeu a fúria nos olhos
de seu filho. Jamais o tinha visto daquela forma antes.
— Eu li o diário de Dandara! — declarou.
O rosto de sua mãe ficou lívido.
— O quê?
— É exatamente isso que ouviu. Lucrécia encontrou inocentemente
o diário de Dandara sobre sua cabeceira e, assim que leu as informações
contidas em suas páginas, foi atrás da criada de Letícia e a obrigou a contar
toda a verdade. Depois enviou-me o diário junto com a confissão, contando
exatamente tudo que aconteceu aqui em minha ausência. Agora, olhe para
mim! — exigiu. — Diga olhando em meus olhos que você é inocente e que
tudo isso é uma grande mentira.
Carmem engoliu em seco, não adiantaria negar o obvio.
— Fiz pensando em você…
— Em mim? Como tem coragem de dizer isso?
— Fernando! O futuro de nossa família está em jogo, eu não podia
permitir que você se casasse com uma cigana! Esse matrimônio não nos
traria nenhum benefício, meu filho. Pense bem, Letícia é jovem, instruída,
vem de uma família tradicional e…
— Não quero mais ouvir nenhuma palavra sua…
— Fer…
— Mesmo diante de tamanha crueldade, você só consegue pensar
em títulos e riquezas. Tenho vergonha de ser seu filho, vergonha de ter sido
criado por alguém sem coração…
— Não diga isso!
— Sabe o que mais me impressionou? Não foi o fato de ter armado
para me separar de Dandara, mas de tê-la aprisionado em um calabouço
durante quatro meses. Quatro meses, madre! Você a tratou como um
animal, isso… isso é… monstruoso!
— Meu filho…
— Não sou mais seu filho, esqueça que um dia eu a chamei de mãe.
Carmem ficou sem palavras diante do ódio e da frieza de suas
palavras, não poderia perder seu único filho, mas apenas o assistiu deixar
seus aposentos, abandonando-a para trás com seus próprios pecados.
Capítulo Sete