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Mary Balogh
Jane e Jocelyn
O manuscrito original do Mais que uma Amante era mais longo
do que o livro é agora. Ele tinha um final muito mais completo. No
entanto, o meu editor na época sugeriu que o final seria mais eficaz e
mais divertido se cortássemos pedaços inteiros do material original, e
com algumas dúvidas eu concordei. Gosto do final do livro do jeito
que está, mas secretamente sempre quis fornecer aos leitores as
cenas que foram cortadas. E um número de leitores protestaram
pelas cenas “faltantes”, mesmo sem saber que elas estavam
originalmente lá.
Finalmente, aqui estão elas – três delas.
Quando, no penúltimo capítulo, Jocelyn está tentando convencer
Jane a se casar com ele, porque a comprometeu, eles têm uma
discussão feia até que, finalmente, parece para Jocelyn que Jane
está prestes a render-se por todas as razões certas. Então ele pode
se dar ao luxo de ser generoso.
– Diga-me. – disse ele. – E você, Jane? O que você quer? Você
quer que eu vá embora? A sério? Diga-me se quer, mas calma e
seriamente, não acaloradamente, de modo que saberei que você quer
dizer o que diz. Diga-me para ir embora e eu irei.
Ele se sente confiante da resposta dela, mas na verdade a
resposta que ela dá o abala até o núcleo de seu ser.
– Estou grávida. – Ela gritou. – Não tenho mais nenhuma
escolha.
Ele recua e ela o encara. E ele fala as palavras finais da cena:
– Ah, então. – Ele disse suavemente. – Bem, isso muda tudo,
Jane.
E é aí que o capítulo termina no livro, embora não no manuscrito
original. Os acontecimentos do capítulo seguinte ocorrem uma
semana depois no baile de apresentação que foi organizado para
Jane por sua madrinha. Durante o jantar os convidados – e leitores –
são providos com um anúncio surpresa. Um antigo admirador de Jane
acaba de fazer uma declaração pública e unilateral de seu noivado
com ela. Mas Jocelyn tem algo a dizer sobre o assunto:
– Devo protestar fortemente contra o seu noivado imaginário
com ela, meu caro. Veja, tanto quanto eu o elogio pela preocupação
que têm demonstrado pelo bem-estar dela, eu realmente não posso
permitir que você se case com a minha esposa.
Se nada tivesse sido cortado do manuscrito original, este
anúncio não seria nenhuma surpresa para o leitor, porque havia uma
cena do casamento precedendo aquela do baile de apresentação.
E então a história em sua forma original terminou com um
capítulo que mostrou o retorno de Jocelyn e Jane para Acton Park,
sua casa no interior. Ele não tinha estado lá desde a idade de
dezesseis anos, exceto por dois funerais – o de seu pai e então o de
sua mãe – e ele tinha jurado nunca ir lá novamente. Continha muitas
lembranças dolorosas do incidente que colocou um fim abrupto a
ambos, sua infância e sua inocência. Mas sob a influência de Jane,
ele reconheceu que deveria voltar, e que ele realmente quer voltar.
Ele diz isso durante essa discussão quando estava tentando
convencê-la a se casar com ele:
– Jane, eu anseio ir para casa. Voltar a Acton, com você.
Começar a criar as nossas próprias memórias e as nossas próprias
tradições lá. Você achava que conhecia os meus sonhos. Mas este é
o meu sonho. Você não vai compartilhá-lo comigo?
Parecia apropriado terminar o livro com o retorno deles. Mas a
decisão foi tomada para acabar o livro, em vez disso, com Jocelyn e
Jane valsando no baile de apresentação dela, após o anúncio de seu
casamento, enquanto a alta sociedade observava.
Quão bom é agora ser capaz de ter o meu bolo e comê-lo. Aqui
estão as três cenas que foram cortadas quando o Mais que uma
Amante foi publicado em 2000.
A Proposta de Casamento
Jane o olhou no silêncio que se seguiu as palavras dela.
– Ah, então. – Ele finalmente disse suavemente. – Bem, isso
muda tudo, Jane.
Ela não foi enganada pela tranquilidade da voz dele. Apesar de
todo o dissabor de sua discussão, ele tinha, pelos últimos minutos,
sido Jocelyn novamente, o vulnerável e sensível homem que ela veio
a conhecer e amar durante a última semana que passaram no ninho
de amor dele. E ela sentiu toda a força da sua ansiedade, sua
necessidade, seu amor. Ele realmente a amava. Ela soube então, e
sentia agora. Ele até mesmo disse isso. Mas a decepcionou quando
mais precisava dele. Ele descobrira sua real identidade e do que lhe
acusavam, e a atacou verbalmente, recusando-se a acreditar que ela
teria se aberto com ele, que ela teria confiado nele. Mas porque ela
era Lady Sara Illingsworth ao invés da simples Jane Ingleby, é claro,
ele devia lhe oferecer casamento e insistir que ela aceitasse. Era
perfeitamente aceitável para Jane ser sua amante, mas apenas o
casamento serviria para Lady Sara. Ela teria lutado com unhas e
dentes sobre a questão se pudesse. Mas não podia, é claro. Não
indefinidamente, de qualquer maneira, pois estava grávida. Ela
suspeitou disso logo depois que o deixou. Agora estava tão certa
como poderia estar, sem realmente consultar um médico.
Ele falara calmamente quando ela lhe contou, mas não se
enganou. Porque de repente ele já não era Jocelyn, era o Duque de
Tresham, aquele desagradável, arrogante, autoritário aristocrata que
acreditava que poderia fazer as coisas do seu jeito em qualquer
assunto sobre a terra. E o problema era que ele podia. Embora não
com ela. Nunca com ela. Até agora.
– Sim –, ela disse amargamente em resposta a suas palavras. –
Suponho que sim. Porque já não tenho essa escolha que você me
ofereceu, diga-me para ir e eu irei. Agora você vai insistir em casar
comigo, não só porque eu sou Lady Sara Illingsworth, mas porque
estou grávida.
– Dane-se tudo, Jane –, disse ele – é claro que eu vou insistir.
– Eu ainda poderia dizer não –, disse ela. – Você não pode me
forçar.
Eram palavras tolas, é claro. O Duque de Tresham em qualquer
estado mental normal não teria sequer se dignado a responder. Teria
apenas levantado uma sobrancelha eloquente, mas ele não estava
em um estado mental normal. Suas mãos se estenderam e fecharam
ao redor do braço dela e a puxaram alguns centímetros mais para
perto de seu rosto frio, e olhos calorosos em contraste.
Se Jane estivesse em seu juízo perfeito, ela poderia realmente
ter ficado com medo dele por uma vez, especialmente quando ele
falou com uma voz ainda mais calma que antes.
– Me tente, Jane –, disse ele. – Me tente. Você tem um filho meu
dentro de seu ventre, e terá o meu anel em seu dedo antes que
muitos dias se passem.
Ela apoiou as mãos sobre o peito dele, a fim de manter uma
certa distância entre eles.
– Então diga-me, Vossa Graça –, ela falou – se este anel teria
sido visto como necessário se eu tivesse permanecido meramente
como Jane Ingleby? Claro que não. Eu era sua amante, e no contrato
concordamos em fazer uma cláusula para qualquer criança nascida
da nossa ligação. Não incluía qualquer menção de casamento entre
os pais de qualquer criança. Não precisa ser tão honrado agora, me
culpando por esconder isso de você por quase um mês, pois posso
ver que está me culpando. Foi um homem e sua amante que
conceberam esta criança, não o Duque de Tresham e Lady Sara
Illingsworth.
– Você voltaria, então, a ser minha amante, Jane? – Perguntou
ele.
E de alguma forma seus olhos não estavam mais calorosos e
seu rosto não estava mais frio, sua voz, embora ainda tranquila, não
era mais ameaçadora. Ele era Jocelyn novamente. Oh, ele não
jogava limpo. Ele não o fazia.
Ela já tinha aberto a boca e tomado fôlego, e o soltou em um
suspiro. Ela piscou furiosamente para que seus olhos não se
enchessem de lágrimas novamente. Oh, como o odiava.
– Nós erámos felizes. – disse ele. – Durante uma semana inteira
eu nunca fui mais feliz na minha vida, Jane, ou mesmo perto de estar
tão feliz. E você estava feliz também. Diga-me que você estava.
– Sim –, ela disse e suspirou novamente. – Eu estava feliz. Mais
feliz do que jamais estive antes.
– E desesperadamente infeliz também –, ele disse – porque
você era uma fugitiva acusada de assassinato e estava assustada e
solitária, e ainda não tinha reunido muita coragem para confiar em
mim.
– Sim.
– Eu a teria acolhido bem no meu coração –, disse ele. – A teria
deixado a salvo, Jane. Teria esclarecido toda a confusão
desagradável para você. Eu a teria mantido no meu coração para o
resto de nossas vidas.
Oh, sim, sim, o poderoso, corajoso homem e a tímida, indefesa
mulher – seu eterno modo de ver o mundo. O fato de que ele tinha
acertado tudo para ela quando esteve fazendo um mau trabalho nisso
por si mesma, não a deixou menos indignada.
– E, ainda assim –, ela disse – quando você descobriu a
verdade sobre mim por meio daquele horrível Agente de Bow Street,
você me rejeitou.
– Eu o fiz –, admitiu. – Você já reparou, Jane, a desagradável
forma que o tempo tem de apenas seguir para frente e nunca para
trás? Se apenas ocasionalmente ele se movesse para trás teríamos
uma chance de reviver aquelas cenas em nossas vidas, as quais
estamos profundamente envergonhados. Eu estou profundamente
envergonhado, Jane, de como reagi ao que aquele sebento
homenzinho me disse. Duvido que eu alguma vez me perdoe
completamente. Mas eu não posso voltar atrás.
– Não –, disse ela.
– Perdoe-me, Jane –, disse ele. – Por favor, me perdoe.
Ela abaixou a cabeça e a balançou, os olhos fechados.
– Não posso jurar –, disse ele – que eu teria me casado com
você sob qualquer hipótese, Jane. Nossas vidas juntas foram idílicas
por aquela única semana. Aquela casa era o paraíso para mim. Eu
poderia ter desejado que minha amante e a minha família estivessem
lá para sempre, para que eu pudesse entrar no paraíso sempre que
quisesse. Não sei. Agora parece inconcebível para mim que eu não
tivesse querido me casar com você de uma maneira ou de outra,
quando soubesse sobre a criança, ou mesmo se não houvesse
nenhuma criança. Agora eu só posso pensar na impossibilidade de
viver minha vida sem você no centro dela cada momento de cada dia.
E isto é tudo sobre mim, Jane, e o que eu quero. Sou tão egoísta?
Você não me quer?
Havia tanta atípica incerteza, tanta humildade na questão, que
Jane abriu os olhos e levantou a cabeça.
– Pelo motivo de eu ser Jane –, ela disse – e você Jocelyn.
Realmente não me importo com essas outras duas pessoas com seus
títulos arrogantes. Porque é eu e é você. Porque eu te amo e isso é a
única coisa que realmente importa. Minha mãe amava meu pai e ele a
ela, e não quero menos para mim. Não quero menos para os meus
filhos do que eu tive com os meus pais. Esta criança não é um
acidente ou um incômodo, Jocelyn. Esta criança é preciosa para além
das palavras, e eu prefiro desafiar todos os poderes que existem, e
permanecer uma mãe solteira do que prendê-lo a uma vida familiar
respeitável que não pode lhe oferecer nenhuma alegria.
Ele deixou cair as mãos dos braços dela, e ela abaixou a sua do
peito dele. Ele olhou em seus olhos por alguns instantes e, então
pegou-a completamente de surpresa ao cair de joelhos a sua frente.
Estendeu as duas mãos sobre o abdômen dela e, em seguida,
aninhou a testa nas mãos. Ela o ouviu inalar profundamente e exalar
novamente.
– Eu nunca irei desencorajar nosso filho de tocar piano ou pintar
–, disse ele. – Ele pode até aprender a bordar se assim o desejar, ou
tricotar, que os céus me ajudem.
Jane sorriu.
– E você permitirá a ela lutar em duelos e correr de carruagem?
– Ela perguntou-lhe.
Ele inclinou a cabeça para trás e franziu a testa para ela.
– Não teste minha paciência num momento tão comovente,
Jane. – Disse ele.
Ela riu dele e segurou seu rosto com as mãos. Então se inclinou
e beijou-o nos lábios.
– E já que estou aqui embaixo de qualquer maneira. – Disse ele
quando ela terminou – Eu poderia muito bem me fazer de completo
idiota para que você possa informar os nossos netos que seu avô fez
um gesto extravagantemente romântico ao se ajoelhar em ambos os
joelhos, antes que eles ficassem com artrite por causa da idade.
Minha querida, mais amada Jane, vai se casar comigo? E notará que
eu não estou pedindo Lady Sara Illingsworth, ela nem sequer soa
como você. Estou pedindo Jane Ingleby, minha uma vez enfermeira e
amante e meu amor para sempre. Vai se casar comigo?
– Oh, Jocelyn. – Ela se inclinou sobre ele e colocou as mãos em
seus ombros. – Oh, meu amor. Oh, meu amor, sim.
Ela piscou furiosamente novamente, mas desta vez as lágrimas
não seriam contidas. Isso não importava. Ele ficou de pé, pegou-a em
um abraço apertado, e baixou os lábios nos dela em um beijo de boca
aberta que a deixou sem fôlego.
– Dentro de uma semana –, disse ele. – Com licença especial.
– Só depois do final da semana –, disse ela. – Há o meu baile de
apresentação em uma semana, e tia Harriet tem sido tão boa para
mim. Ela está trabalhando extremamente duro para tornar tudo um
grande sucesso.
– Pode ser um baile de casamento em vez disto –, disse ele.
– Não. Isso seria descortês de nossa parte. E é tão importante
para ela que tudo seja feito corretamente agora, depois de tudo, e o
quase escândalo das últimas semanas. Não, Jocelyn, o casamento
vai ter que esperar.
– Alguém pode me desafiar novamente nesse meio tempo e
colocar uma bala na minha cabeça –, disse ele. – E eu não vou deixar
para trás um filho bastardo, Jane. Você não pode pedir isso de mim.
Ela respirou fundo, mas ele levantou a mão para pará-la.
– Vamos entrar num consenso. Você vê como me mudou, Jane?
Quando o Duque de Tresham alguma vez chegou a um consenso?
Estou surpreso ao descobrir que esta palavra até mesmo faz parte do
meu vocabulário. Vamos entrar num meio termo e casar no dia do
seu baile de apresentação.
– Jocelyn! – Ela disse, exasperada.
– E esta –, ele lhe disse – é minha palavra final sobre o assunto.
– Que bom contemporizador você é – disse ela.
– Me dê tempo, Jane. – Ele disse humildemente, e sorriu para
ela.
O Casamento
– Você planeja se aprontar em breve? – Jocelyn perguntou com
uma doçura enganosa.
Michael Quincy, seu secretário, não se iludiu. Ele ficou de pé
atrás de sua mesa no Dudley House, onde esteve ordenando o
correio matinal.
– Eu estou pronto, Sua Graça. – Ele disse, e Jocelyn, olhando-o
da cabeça aos pés viu que de fato estava, então lhe foi negada a
oportunidade de ladrar e exibir um pouco de seu claro mau
temperamento.
Seu valete o barbeara com velocidade extra, bem como com
toda a cautela habitual nesta manhã, ele notou, e arrumou cada item
de sua vestimenta com pressa quase deselegante, mesmo Jocelyn
tendo mal dirigido uma palavra a ele depois de um breve
cumprimento matinal. Seu mordomo e o lacaio de plantão, na sala do
café da manhã tinham lhe servido com um cuidado meticuloso,
enquanto pareciam se esforçar ao máximo para se misturar com as
portas e janelas, apesar de Jocelyn não ter feito nenhuma queixa.
Deve ter se espalhado pela casa que ele estava em um de seus
humores irritadiços. O que era estranho, realmente, já que ninguém
lhe dera ainda uma chance de ser irritadiço.
Ele não tinha nenhuma dúvida, mesmo que não tivesse dito uma
palavra a ninguém, exceto Quincy, que normalmente poderia se
contar em manter os lábios firmemente fechados, que cada servo em
sua casa, até o mais humilde engraxate, sabia que esse era o dia do
seu casamento.
Ele era um homem comprometido, um homem secretamente
comprometido, por quase uma semana, e tinha posto os olhos sobre
sua noiva precisamente uma vez em todo esse tempo. Eles se
encontraram conversaram por quase dois minutos, talvez dois
minutos completos, no meio da sala de estar no sarau da Sra. Trevor.
– St. George, Hanover Square, às onze horas na manhã do seu
baile de apresentação –, ele murmurara. – Traga sua criada.
– Mas eu vou estar tão ocupada nesse dia –, ela protestou.
– Sim, de fato, Jane –, ele dissera. – Casando-se, entre outras
coisas.
Ela suspirara.
– Bem –, ela disse. – Tia Harriet não deve saber absolutamente
nada sobre isto até o dia seguinte. Sua noite, e tudo o que está
fazendo para garantir o êxito do baile, seria arruinado.
– Então não irei passar minha noite de núpcias na cama com a
minha noiva, Jane? – Ele perguntou, seus olhos se estreitando.
Ela tomara fôlego para responder, mas seus dois minutos, ou
seja, lá o quão longo o diabo tinha sido, havia acabado. Outra pessoa
escolheu se juntar a eles e começou a tagarelar sem parar sobre um
gatinho que ficara preso em uma árvore e os dois homens que
subiram para resgatá-lo, e um terceiro homem que subira para
resgatar o segundo, que tinha medo de altura, e...
Jocelyn parara de ouvir antes da árvore ser arrancada pela raiz
sob o peso de uma dúzia de resgatadores e resgatados, isso pelo
menos, ele supunha, parecia ser a direção que a história seguiria.
Então havia se afastado. Se mais tarde descobrisse que a
curiosidade lhe roubaria o sono, ele poderia perguntar para Jane, em
alguma outra hora, se o gatinho tinha sobrevivido a provação.
E ali estava ele, no dia de casamento, sentindo-se irritado,
nervoso, culpado, apavorado e frustrado. Seria bem típico de Jane se
recusar a se esgueirar para fora da casa da Lady Webb, depois que o
baile tivesse acabado, para passar o que restava de sua noite de
núpcias com ele.
Quem já ouvira falar de uma noiva e um noivo passarem sua
noite de núpcias separados?
Ele seria motivo de chacota para o resto da vida.
Quem diabos se importava?
Ele não deveria ter insistido neste compromisso. Este era o pior
dia possível para eles se casarem. Jane estaria querendo se
concentrar em sua infernal apresentação, e ele insistira em distraí-la.
E o fizera um tanto deliberadamente porque, como sempre, ele tinha
que ter a última palavra, e ter a última palavra era diabolicamente
difícil quando se tratava de Jane Ingleby.
Não deveria ter feito isso. Ele deveria simplesmente amá-la.
Angeline teria mil quedas de pressão quando descobrisse que
eles tinham escapado furtivamente para se casar, sem qualquer
pompa em circunstância alguma. Ela teria, sem dúvida, desejado
organizar um casamento e um café da manhã para superar todos os
outros que tinham acontecido antes desse, incluindo o dela mesma.
Para ao diabo com Angeline.
Ele deveria ter insistido em se casar com Jane ontem ou no dia
anterior ou no dia antes desse. Mesmo agora, o teto poderia cair
sobre a sua cabeça ou alguém poderia bater em sua carruagem antes
de ele chegar a Hanover Square. Mesmo agora, poderia morrer antes
que conseguisse torná-la uma mulher honesta e garantir um futuro
legítimo para seu filho, ou filha.
– Você está com o anel? – Perguntou Jocelyn.
– Estou, Sua Graça. – Quincy bateu em seu coração e Jocelyn
assumiu que o anel estava em um bolso interno lá.
– Não há motivo para ficar parado aí, então – disse Jocelyn,
franzindo a testa de novo –, como se tivesse esperança criar raízes.
Seu secretário se recusou a ser ferroado, como sempre
acontecia, maldito. Jocelyn virou-se e saiu da sala pelo corredor até a
porta da frente, a qual seu mordomo estava segurando aberta para
ele. E que o diabo o levasse, pensou Jocelyn, ele esquecera de pedir
que sua carruagem fosse trazida. No entanto estava lá de qualquer
maneira diante da escada, brilhando devido a limpeza e o polimento.
Seu cavalariço chefe permanecia de pé perto das cabeças dos
cavalos, e eles também brilhavam com uma escovação recente.
Meu Deus, ele teve sorte por seus lacaios não terem trançado
fitas brancas nas crinas dos cavalos. Jocelyn sentiu uma onda
completamente desconfortável, e totalmente desconhecida de
constrangimento. Ele não teria ficado surpreendido de olhar ao redor
para descobrir todas as janelas em Grosvenor Square cheias de
pessoas prontas para acenar para ele em seu caminho para o
casamento. Não olhou para ver. Ao invés disto subiu para o assento
da carruagem e tomou as rédeas das mãos de seu lacaio. Michael
Quincy subiu ao lado dele.
Talvez Jane teria gostado de um casamento apropriado, pensou
enquanto deixavam a praça atrás deles. Eles tinham que se casar
rápido, é claro, mas era todo esse segredo, e privacidade quase total,
necessário? Talvez ela teria gostado de ter alguns convidados na
igreja e em um café da manhã tardio. Talvez gostaria de ter
encomendado algumas roupas elegantes de noiva.
Talvez ele a tivesse privado do sonho de toda noiva.
Ele não lhe perguntara, perguntara?
Maldição!
Ele não estava acostumado a introspecção, a questionar suas
próprias decisões, a ter que considerar os desejos e sentimentos de
outra pessoa em cada escolha que fazia.
– É uma pena –, disse ele em voz alta – que alguém não pôde
inventar uma maneira de se casar sem ter que haver um casamento.
Seu secretário não tentou responder.
– Alguma vez você já pensou em se casar, Michael? –
Perguntou Jocelyn.
– Sim, Sua Graça –, o secretário disse – e o farei em um ano.
Quincy estava noivo e Jocelyn nem mesmo sabia.
– Suponho –, disse ele – que você está esperando tirar uma
semana de folga quando o fizer.
– Duas semanas seria melhor, Sua Graça. – Disse Quincy.
– Humm. – Disse Jocelyn. – Eu te pago para se casar e ter luas
de mel, Michael? Bem, é melhor tirar três semanas, e essa é a minha
palavra final sobre o assunto.
– Sim, Sua Graça. – Disse o secretário.
E ali estava St. George, Hanover Square, grande e imponente, e
bastante deserta. Deveria estar brilhante e festiva e cheia de
atividades para a preparação para o casamento de Jane.
Jocelyn suspirou.
Ele se perguntou se seu casamento ia ser mais um dos grandes
arrependimentos de sua vida.
E então viu duas figuras femininas se aproximando a pé, Jane e
uma criada caminhando a dois passos atrás dela.
Ela estava usando um vestido de passeio azul pálido com uma
jaquetinha de um azul um pouco mais escuro e um chapéu de palha
1
enfeitado com centáureas-azuis sobre seu lustroso cabelo dourado.
Ela parecia bem e saudável.
Seu coração deu uma cambalhota, o que não era uma sensação
totalmente confortável, uma vez que o seu coração não estava
acostumado a se envolver em oscilações emocionais.
Jane!
Sua noiva.
E então ocorreu-lhe, como se fosse a primeira vez, que este era
o seu dia de casamento.
Ele jogou as rédeas para Michael Quincy sem sequer olhar para
ele e pulou para a estrada.
Viola e Ferdinand
Quando escrevi Amante de Ninguém, eu fiz como uma espécie
de par combinado com o Mais que uma Amante – à medida que os
finais seguiam. Lorde Ferdinand Dudley, irmão mais novo de Jocelyn,
Duque de Tresham, casa-se com Viola Thornhill em silêncio e em
privado no final do livro, em vez de esperar pelo grande e pomposo
casamento que sabe que sua família vai querer para ele. Como no
outro livro, não há nenhuma cena real do casamento, mas apenas um
anúncio surpresa em um evento da alta sociedade que segue a este.
E, como em Mais que uma Amante, não há nenhuma cena de
regresso a casa no final do livro, embora o retorno de Viola e
Ferdinand para Pinewood Manor em Somersetshire será um evento
significativo. Eles discutem sobre isso durante boa parte do livro,
afinal de contas, já que ambos reivindicam a posse da propriedade. E
saíram dela às pressas e angustiados, com seus sonhos e o amor
crescente um pelo outro em pedaços.
Aqui estão as duas cenas que poderiam ter aparecido no livro se
eu as tivesse incluído.
O Casamento
A Condessa de Heyward gostaria de organizar um casamento
grandioso, Lorde Ferdinand dissera a Viola. A própria Viola teria
gostado de um casamento tranquilo em Trellick, a aldeia perto de
Pinewood. Eles tinham concordado em um casamento tranquilo em
Londres – bem tranquilo. Ele não contaria a sua família por razões
óbvias, e, portanto, ela não diria a dela também. Não pareceria justo.
Além disso, o tio Wesley de Viola certamente teria tentado persuadi-
los a esperar por um casamento um pouco mais grandioso, seguido
de um café da manhã na pousada que possuía.
Apenas Hannah, antiga empregada de Viola, agora sua criada
particular, e o valete de Ferdinand participariam do casamento deles.
Precisavam de duas testemunhas, afinal.
Tranquilo estava bem.
Tranquilo era maravilhoso.
Ela estava se casando, Viola pensou enquanto saía da Pousada
White Horse com Hannah, e este era milagre suficiente. Seis anos
atrás, ela tinha perdido qualquer esperança ou expectativa de ser
alguma vez capaz de viver a vida normal de uma mulher casada e
mãe.
Ela estava se casando, e o verdadeiro milagre era que estava se
casando com Ferdinand. Ela o amava tanto que realmente não havia
palavras para descrever seus sentimentos de forma adequada. E o
mais verdadeiro de todos os milagres – oh, Deus, milagre após
milagre – era que ele a amava. Tanto, de fato, que estava disposto a
assumir o maior risco de sua vida. Porque ele ainda poderia enfrentar
o ridículo e o ostracismo por se casar com ela. Era verdade que
ninguém menos do que o Duque e a Duquesa de Tresham tinham a
tomado sob suas asas e dariam uma exuberante recepção em Dudley
House esta noite para apresenta-la a alta sociedade. E era verdade
que o Conde e a Condessa de Heyward, com seu poder próprio e
nenhum pouco menor, também estavam determinados a trazê-la para
a sociedade. Mas não era de todo certo que qualquer uma dessas
coisas funcionariam. Era uma jogada ousada que poderia falhar
totalmente. Como, afinal, poderia se esperar da alta sociedade que
aceitassem em seu meio uma mulher que uma vez esteve entre uma
das mais celebres cortesãs em Londres?
Ferdinand tinha muita fé em sua família. Mas isso não importava
de qualquer maneira, ele havia lhe dito. Com ou sem o apoio da alta
sociedade, tudo o que ele realmente queria fazer com o resto da
própria vida era viver com ela, e os filhos de sua união, em Pinewood
Manor na distante Somersetshire.
Era tudo o que ela queria da vida também.
Ela ainda não ousava acreditar em tal felicidade.
– Querida –, disse Hannah do lado dela – se eu for forçada a me
mover a uma distância maior nesse ritmo, vou morrer por falta de ar e
com uma pontada na lateral, por causa dessas pernas que são muito
curtas.
– Oh, Hannah. – Viola parou abruptamente na calçada. – Eu
sinto muitíssimo. Estive andando muito rápido?
– Sim –, disse Hannah. – E, além do meu desconforto, querida,
não seria bom para você chegar à igreja antes de Lorde Ferdinand.
Uma noiva jamais deve parecer muito ansiosa.
– Oh –, Viola perguntou, desanimada – é assim que eu estou?
Hannah deu um tapinha em seu braço.
– Você está ansiosa. – Disse ela. – É assim que deve estar no
dia do seu casamento. Mas não é o que deveria parecer estar em
excesso. Pelo menos, isso é o que a sabedoria do casamento diz. Eu
mesma acho que é um monte de besteiras. Que noivo quer chegar ao
seu casamento e encontrar uma noiva que parece relutante e
francamente entediada com a vida?
As duas riram. E Viola mordeu o lábio.
– Eu estou fazendo a coisa certa, Hannah? – Ela perguntou.
– Em se esgueirar para se casar sem dizer a ninguém além de
mim? – Disse ela. – Eu sempre fui uma alma romântica, Senhorita Vi,
como você sabe. Há algo muito esplêndido em um grande casamento
com quinhentos convidados. Não que eu já tenha visto um, é
verdade. Mas a ideia é esplêndida. No entanto, para o puro romance
não há nada como um casamento tranquilo, e eles não parecem mais
tranquilos do que esse. Tal casamento não é para o esplendor do
evento em si, mas para a união real de duas pessoas que não podem
viver um sem o outro. Eu não poderia ter desejado um casamento
mais romântico para você do que esse, querida, e sabe que eu
sempre tive um fraquinho pelo cavalheiro patife com quem está
casando. Na verdade, ele não é apenas um patife. Ele também é o
mais determinado, corajoso, nobre homem que eu já tive o privilégio
de conhecer. Você está fazendo absolutamente a coisa certa, em se
casar desta forma e em se casar com ele. Porque está arranjando
uma esposa que combina perfeitamente com ele em determinação,
coragem e nobreza. E aí está! Nós poderíamos muito bem ter nós
mantido só caminhando. Agora estou duas vezes mais ofegante do
que estava.
– Oh, Hannah. – Viola lutou contra as lágrimas, enquanto olhava
para ambos os lados. Felizmente não havia ninguém à vista na rua,
nem a uma certa distância e nem em qualquer direção. Ela prendeu
sua criada em um abraço apertado. – Estou tão apaixonada e tão
feliz. Posso me atrever a ter esperança?
– Bem –, disse Hannah, sua voz normal novamente, enquanto
alisava o vestido. – Eu acho que você deve se atrever a ter esperança
de chegar à igreja antes que Lorde Ferdinand vá embora de novo, e
caso começarmos a andar, é claro. E uma vez que a tem na mira, ele
não vai deixar você ir, mesmo se quisessem tal coisa. A qual você
não quer.
Viola alisou as dobras do próprio vestido, com mãos que
tremiam ligeiramente. O vestido era o mesmo de musselina que usara
nas celebrações de Primeiro de Maio em Trellick, a primeira vez que
pôs os olhos em Ferdinand, e seu chapéu de palha era o mesmo que
aquele que ficara em um banco na igreja da aldeia durante a maior
parte do dia. Seu cabelo estava enrolado em uma trança pesada na
nuca abaixo do chapéu.
Não era uma roupa de casamento especialmente moderna ou
elegante. Sua mãe e irmãs teriam suspeitado se ela tivesse saído da
pousada vestida mais festivamente. Mas era o jeito que ela gostava
de se vestir, a maneira como pretendia se vestir quando estivesse de
volta a Pinewood. Além disso, as roupas não importavam. Ferdinand
a amava.
Quão maravilhoso é ser capaz de pensar nessas palavras e
saber que eram verdadeiras. Ele tinha procurado Daniel Kirby e em
um ambiente deliberadamente público, havia se pronunciado o
campeão dela, e punira o homem que chegara muito, muito perto de
arruinar sua vida para sempre.
Ferdinand era seu campeão público e seu amante privado.
O que mais ela poderia pedir da vida?
– Venha, então. Eu não o deixaria esperando, Hannah. Mas ele
esperaria, você sabe, assim como eu, como farei se chegarmos lá
antes dele.
A igreja não estava nem perto de ser tão grandioso como a St.
George em Hanover Square, o local habitual para casamentos
elegantes, ou tão grandiosos. Não era nem mesmo um edifício
atraente. Isso não importava. Viola mal notou, pois havia uma
carruagem do lado de fora da igreja, um jovem lacaio segurando as
rédeas dos cavalos, e Ferdinand estava em pé na calçada com outro
homem, presumivelmente seu valete.
Ele não estava vestido como estivera no Primeiro de Maio. Ele
estava em um casaco negro de cauda com calções prateados até o
joelho, meias brancas e camisa com renda no pescoço e pulsos. Ele
deve ter dado um espetáculo enquanto dirigia pelas ruas de Londres
nas rédeas de um cabriolé, no meio da manhã.
Ele parecia absolutamente lindo, e mais ainda enquanto
caminhava em direção a ela, com uma mão estendida, e sorriu.
Ele parecia tão feliz como Viola se sentia.