Você está na página 1de 259

1 O HOMEM DOS MEUS LIVROS

https://amzn.to/2Db62Ij

1.5 O HOMEM DA MINHA VIDA

https://amzn.to/2QPK4lZ

2 ESSE HOMEM É MEU

https://amzn.to/2qK51UG

2.5 ESSE HOMEM SEMPRE SERÁ MEU

https://amzn.to/2QNGKrM

3 O HOMEM DE SANTORINI

https://amzn.to/2Cji8P9

3.5 O HOMEM DE SEATTLE

https://amzn.to/2DaRdW1
Ele não era o tipo de homem que acreditava no destino. Não até seu
caminho cruzar o de Jules Clarkson. Desde que a viu pela primeira vez, algo
dizia que ela seria a mulher de sua vida.
O grande obstáculo, contudo, é que a garota não fazia ideia de sua
existência, por mais que ele tentasse se fazer notar.
Determinado a ter sua chance, um dos solteiros mais cobiçados de
Nova Iorque saiu completamente de sua zona de conforto e traçou um plano
para conquistar a garota apaixonada por romances literários.
Se Jules Clarkson queria encontrar um homem como os personagens
dos livros que tanto amava, ele estava mais do que disposto a ser quem ela
desejava. Mesmo que para isso precisasse mergulhar no universo dos
romances eróticos e incorporar o mocinho dos sonhos mais quentes de uma
mulher viciada em livros picantes.
O Homem Dos Seus Sonhos é o ponto de vista do “Sr. Engravatado do
Elevador” para sua história com Jules e uma sequência de O Homem dos
Meus Livros.
É necessário ter lido os livros anteriores para compreender o desfecho
desta história.
Olá! Eu sou a Evy Maciel.
Escrevo romances contemporâneos para mulheres apaixonadas por
histórias de amor, intensas e de tirar o fôlego! E sobre mulheres que buscam
encontrar o caminho para a verdadeira felicidade!
Minha missão como escritora é proporcionar o lazer através da leitura,
incentivando o amor próprio, motivando a autoestima e evidenciando a
importância da independência emocional.
Acredito que não devemos ter medo de nos reinventar, aprendendo com
os erros e persistindo em nossos ideais sempre!
Nasci em 5 de abril de 1989. Sou gaúcha de Osório-RS, mas moro
quase a vida toda em um município de Santa Catarina, chamado Içara!
Comecei a escrever romances em 2012, por hobby, publicando no site
Nyah Fanfiction.
Em 2014, lancei meu primeiro livro na Amazon: O HOMEM DOS
MEUS LIVROS! Ele é o primeiro de uma série que intitulei de HOMENS
QUE AMAMOS!
Em 2015, decidi me arriscar a viver exclusivamente da escrita e
abandonei minha profissão de fotógrafa, fechando meu estúdio. E desde
então tenho me dedicado a escrever livros e interagir com meus leitores!
Em 2016, lancei meu primeiro livro por editora: O QUE ACONTECE
EM VEGAS FICA EM VEGAS, lançado na Bienal de São Paulo, com o selo
da Editora Qualis.
Ainda assim, continuei lançando meus e-books na Amazon de forma
independente.
Em 2018, lancei meu segundo livro com a Qualis, na Bienal de São
Paulo: VLAD – SEDUZIDA POR UM IMORTAL! Além dele, lancei no
mesmo evento outro romance, através da Editora Pandorga: RUDE –
Encontros & Confrontos.
Atualmente, tenho mais de 15 títulos publicados, entre contos, novelas
e romances, seja por editora ou de forma independente. Também atingi a
marca de 26 milhões de páginas lidas pelo sistema Kindle Unlimited da
Amazon, e o número cresce a cada dia.
Ao final deste livro, vou te recomendar algumas de minhas histórias,
caso você goste do meu estilo de escrita e queira conhecer mais do meu
trabalho! Espero de coração que essa seja uma boa leitura e se você quiser
entrar em contato comigo, basta acessar meu site e deixar um recado.
Respondo com frequência, não se preocupe!
Obrigada pela oportunidade!
Um grande abraço!

Viste o site:
www.evymaciel.com.br
SINOPSE
NOTA DA AUTORA
INTRODUÇÃO
PRÓLOGO
CAPÍTULO UM
CAPÍTULO DOIS
CAPÍTULO TRÊS
CAPÍTULO QUATRO
CAPÍTULO CINCO
CAPÍTULO SEIS
CAPÍTULO SETE
CAPÍTULO OITO
CAPÍTULO NOVE
CAPÍTULO DEZ
CAPÍTULO ONZE
CAPÍTULO DOZE
CAPÍTULO TREZE
CAPÍTULO CATORZE
CAPÍTULO QUINZE
EPÍLOGO
BÔNUS
RECADINHO DA AUTORA
Se você leu a primeira ou segunda edição de O Homem Dos Meus
Livros há algum tempo, desconsidere o capítulo bônus no final, narrado
por Javier Stanton (a versão atualizada do e-book já não contém este
bônus).
No intuito de presentear minhas leitoras com o ponto de vista do
mocinho, escrevi um breve resumo de como Javier decidiu se tornar a
aventura que Jules tanto sonhava viver, para que tivesse a chance de
conquistá-la. Contudo, havia algumas discrepâncias no capítulo bônus que
não condiziam com o andamento da série.
Este livro é a versão oficial narrada por Javier e todos os fatos contidos
nele estão de acordo com os outros livros já publicados.
Por se tratar do mesmo enredo do livro 1 da série, haverá alguns
trechos repetidos na versão narrada por Jules Clarkson, mas apenas o
extremamente necessário, da mesma forma que pulei alguns acontecimentos,
justamente por já tê-los contado com mais detalhes no primeiro livro.
A intenção é proporcionar ao leitor uma nova experiência, apesar de
estar lendo uma história já conhecida. Por fim, você vai perceber que elas se
complementam.
Espero que se apaixone ainda mais pelo casal J&J!
Com amor, Evy.
Engraçado como essa coisa de destino pode te pegar de jeito, mesmo
que você não acredite. Então, acontece de repente, a vida te surpreende e
você conhece alguém que pode virar o seu mundo de pernas para o ar, apenas
com um sorriso. Ela pode nem saber da sua existência, mas tudo o que você
mais deseja é que ela, de alguma forma, te note no meio da multidão e decida
que você é o cara certo.
Comigo foi assim, de um jeito torto e engraçado, mas real, tão real que
jamais a deixaria passar despercebida.
Sabe aquela pessoa que tem luz própria? Que só de olhar te passa uma
energia positiva e contagia todo o ambiente?
Jules Clarkson é esse tipo de pessoa.
Não sei dizer ao certo se foi amor à primeira vista, mas depois de
algum tempo eu percebi que havia conhecido a mulher da minha vida antes
do que imaginei ter sido a primeira vez que a vi. E quando me dei conta
disso, comecei a desconfiar seriamente das coincidências da vida e de como
tudo parece conspirar para que algo aconteça simplesmente porque tem
mesmo que acontecer.
Parece loucura, mas comigo foi tão real que não há como duvidar de
uma força maior pairando sobre este vasto Universo.
Jules Clarkson aconteceu para mim e eu aconteci para ela,
simplesmente porque tinha que ser.
Acontecemos.
“Tudo o que você quer
Está bem na sua frente
Tudo que você precisa
É de amor…”
PASSENGER – ONEREPUBLIC
Correr pelo Central Park em uma manhã de sábado, em pleno verão,
era algo a que eu não estava acostumado. Não pelo clima em si, visto que
por residir em Sydney o calor era algo com o qual eu já sentia familiaridade.
O sedentarismo é que me pegou desprevenido e tive real percepção de que
precisava mudar isso. Viver enclausurado em um escritório, sob à
temperatura agradável do ar-condicionado, atrás de uma mesa e em frente ao
laptop me tornou um viciado em trabalho e completamente alheio a qualquer
tipo de exercício físico. Minha alimentação errada também não ajudou em
nada.
Estar um pouco acima do peso pode ter sido o que me motivou a
acordar cedo, sem ainda ter me adaptado ao fuso-horário. Mas depois de
meses sendo relapso com minha própria saúde e aparência, percebendo o
quanto meu corpo havia mudado porque me descuidei, o desejo de recuperar
a boa forma em um curto espaço de tempo fez com que eu deixasse o sono de
lado e iniciasse uma nova rotina.
— Você está sempre calculando nossa diferença de horários, presumo
eu. — Atendi a ligação de Hani enquanto caminhava de volta ao hotel.
Ouvi sua risada jovial do outro lado da linha.
— De fato, isso é verdade — confessou. — Prefiro conversar com você
ao invés de trocarmos mensagens, isso torna a distância menos chata. Como
você está, Javier?
Era o segundo ano que ela fazia aquilo.
Por que não esquecia ou simplesmente deixava de lado?
Porque ela era teimosa e quando metia uma coisa na cabeça, ninguém a
fazia mudar de ideia. Nem mesmo seu noivo, Zayn, um homem tão teimoso
quanto Hani.
— Levando a vida, seguindo em frente. Como tem que ser, estou
errado?
— Nem um pouco. Mas como me preocupo com você, estou ligando
para dar aquela importunada e dizer que mesmo sem tê-la conhecido, admiro
a mulher que ela foi e sou grata por sua mãe ter deixado no mundo um filho
tão maravilhoso como você.
— Obrigado, você é uma boa amiga.
— A recíproca é verdadeira.
Em uma de nossas muitas conversas, contei a Hani como havia sido
difícil lidar com a morte de minha mãe. Ela que tinha os pais sempre tão
preocupados com seu bem-estar, considerando um pouco sufocante
demasiada proteção, não fazia ideia que eu seria capaz de abrir mão da minha
fortuna para ter a chance de sentir os braços de minha mãe em torno de mim
outra vez. Depois daquela conversa, quando chegou o dia em que completava
mais um ano desde que a perdi, Hani me ligou para saber como eu estava, e
pelo visto ela manteria a tradição.
Não que eu estivesse reclamando. Mas era difícil, sempre foi.
Aceitar a perda e lidar com a saudade.
Só que a vida é assim mesmo, termina para alguns e continua para
outros.
— Como ficou sabendo que estou em Nova Iorque?
— Dedução. No ano passado você também estava.
Dentro de alguns meses eu retornaria a Nova Iorque e fixaria
residência em minha cidade natal, após anos vivendo na Terra do Canguru.
Atualmente estava de passagem, cuidando dos últimos detalhes da aquisição
de um apartamento na Quinta Avenida, onde escolhi morar quando chegasse
a hora. Não queria que Emma, minha representante na cidade, fosse
responsável por decidir onde eu moraria. Queria algo pessoal, que
considerasse um lar, onde após uma rotina de trabalho eu me sentisse
confortável para me desligar um pouco de toda a loucura da Wall Street. Ela
era uma boa secretária e eu acreditava em sua eficiência e bom gosto, mas
preferi eu mesmo fazer a escolha.
Por mais que confiasse em Hani e soubesse da sua discrição em relação
aos assuntos que conversávamos, ainda não estava pronto para revelar sobre
minha mudança. Levaria alguns meses até que tudo estivesse resolvido para
que finalmente me mudasse, talvez houvesse alguns imprevistos e eu preferia
que Thomas, meu sócio, fosse o primeiro, depois de meu avô, a saber de
minha decisão.
— Tirei alguns dias de férias e aproveitei para visitar meu avô. Nós
vamos jantar mais tarde, ele fica bastante melancólico nesta data.
Hospedado no Mitchell Royal Palace, próximo ao edifício no qual
estava interessado, eu permaneceria na cidade por quinze dias antes de voltar
para a Austrália. Por mais que meu avô insistisse que eu morasse com ele na
casa onde fui criado, não cedi. As boas lembranças que permeavam minha
memória seriam substituídas pela tristeza em relação à ausência de minha
mãe, desde que ela nos deixou após ser vítima de uma doença fatal. Por esse
motivo minhas visitas eram ocasionalmente rápidas, restringindo-se ao baile
anual que meu avô realizava com o intuito de arrecadar doações destinadas às
instituições não governamentais que prestavam serviços voluntários a
pacientes terminais.
Jonathan Stanton, além de um grande empresário, era um grande
homem. Seu trabalho filantrópico era digno de admiração. Ele não fazia
apenas como uma forma de manter viva a lembrança de sua única filha, mas
porque tinha verdadeira preocupação com o próximo.
Eu gostaria de ser um terço do homem que ele é.
Encontrá-lo na sede das Indústrias Stanton era minha zona de conforto.
Como seu único herdeiro, sabia que mais cedo ou mais tarde eu teria que
tomar a frente dos negócios da família. Não era algo que me desagradava,
porque nunca me foi imposto contra vontade. Cresci sabendo que daria
continuidade ao nosso legado e fiz questão de me preparar para isso.
— Vai ser bom para vocês a companhia um do outro. — A voz de Hani
era calma e compassiva.
— Sempre é.
Meu avô e eu nos dávamos muito bem, apesar da distância.
Os negócios na Austrália aconteceram de forma despretensiosa. Com o
falecimento de minha mãe, voltar para casa era uma ideia bastante dolorosa.
Meu avô entendia a minha relutância e me deu o tempo que eu precisava para
me reerguer.
A Stanhardton se tornou muito maior do que Thomas e eu prevíamos
quando começamos nossa sociedade. Pensei que vovô ficaria chateado ou até
mesmo furioso comigo quando decidi fixar moradia em Sydney após me
formar, mas o seu apoio foi imprescindível para que eu continuasse meus
projetos independentes. Embora soubesse que meu futuro seria as Indústrias
Stanton, fazer a Stanhardton prosperar se tornou meu objetivo de vida, um
feito que realizei antes dos trinta anos.
— Como está o curso? Falta pouco para se formar, hum? — mudei o
rumo de nossa conversa.
— Estou amando, como sempre amei — respondeu animada. —
Depois que me transferi para Londres, me sinto menos cansada. Zayn e eu
estamos mais perto e isso me deixa tranquila. Em Milão eu ficava o tempo
todo pensando nele, a ponto de achar que ia enlouquecer.
Soltei uma gargalhada enquanto me desviava de algumas pessoas.
Ainda era cedo, mas a cidade nunca dormia.
— Não só você, aposto! — provoquei. — Se Zayn já não fosse careca,
ele certamente teria ficado por sua culpa.
Ela gargalhou tão alto que precisei afastar o celular do ouvido, me
controlando para não me contagiar com o súbito ataque de riso.
— Ele raspa o cabelo! — defendeu ainda rindo. — Se Zayn te ouvisse
falar assim, certamente ficaria de péssimo humor. Sabe que ele detesta a
nossa diferença de idade, e se ouvir uma insinuação de que é velho demais
para mim, terei que lidar com uma crise de insegurança.
— Ou seja, ele ficará mais irritante que o habitual.
— Exatamente!
— Foi muito bom ouvir sua voz e principalmente a sua risada, querida.
Mas preciso desligar agora, tenho um compromisso.
— É sempre um prazer conversar contigo, Javi. Cuide-se, sim? E
mande um abraço para o Sr. Stanton.
— Mandarei.
Combinei com Emma de pegar as chaves do apartamento, ela
provavelmente já estava me esperando na entrada do edifício. Pontualidade
era o meu sobrenome e precisava acelerar o passo para não me atrasar.
O apartamento pelo qual me interessei ficava na cobertura. O imenso
armário rústico no hall de entrada foi uma característica bastante atraente e eu
soube logo de cara que aquela seria a minha escolha final. Não cogitei visitar
outros imóveis após ele. Depois de uma viagem relâmpago a Manhattan,
apenas para verificar o imóvel pessoalmente e me certificar de que ele era
ainda melhor do que as fotos retratavam, Emma cuidou dos documentos
necessários para efetuar a transação de compra. Com tudo acertado, eu era
oficialmente o proprietário e nos dias que me restavam da viagem,
providenciaria com uma arquiteta os projetos para reforma e mobília. Muita
coisa seria resolvida à distância, mas era certo que eu voltaria a Nova Iorque
mais uma ou duas vezes antes de me mudar definitivamente.
Guardei o celular no bolso e me preparei para fazer uma corrida até
meu futuro lar.
Porra, preciso mesmo tornar as corridas matinais um hábito!
Após dobrar a última esquina, desacelerei e retomei o ritmo de
caminhada. E foi por pouco! Se estivesse correndo naquele instante, era certo
que eu seria o responsável por um desastre de maiores proporções. A garota
que carregava uma caixa de papelão com mais peso do que poderia dar conta
não foi capaz de evitar que a caixa se desmanchasse, derrubando os livros no
chão.
Eu estava perto o bastante para pisoteá-la, se não tivesse parado de
correr.
Observei-a praguejar em voz alta um arsenal de palavras de baixo
calão, talvez sem se dar conta de estar na rua ou até mesmo diante de outra
pessoa. Segurei o riso, não por me divertir com sua falta de sorte, mas porque
ela ficava bonita e ao mesmo tempo engraçada enquanto reprimia a si mesma
pela falta de coordenação.
— Meus bebês! Ah, que porra! Tanta coisa inútil eu poderia deixar cair
no chão e foram logo os meus livrinhos preciosos… — Ajoelhou-se,
começando a empilhar os livros espalhados e verificando se algum deles
estava danificado.
Abaixei-me ao seu lado e comecei a ajudá-la a recolhê-los. Não sei
como ela faria para levá-los aonde quer que estivesse indo, pois a caixa
estava destruída.
Segurei dois livros em minha mão e, sem saber o porquê, me concentrei
nos títulos.
As crônicas de Nárnia – C.S.Lewis.
O verão e a cidade – Candace Bushnell.
Seu gosto era bastante eclético.
— Ei, moço. Muita gentileza sua me ajudar, obrigada!
Minha atenção se desviou dos livros para a garota ainda ajoelhada,
abraçando alguns exemplares contra o peito. Ela vestia jeans e camiseta preta
e calçava um par de All Star desbotado, meio acinzentado. Seus cabelos
castanhos combinavam com os olhos da mesma cor e sua pela clara era
levemente bronzeada.
Ela era linda, sem a exuberância de uma mulher produzida
esteticamente para esconder qualquer imperfeição. De forma natural, sem
nenhum artifício a não ser o próprio sorriso. Quando dei por mim, estava
sorrindo também.
Eu não estava nos meus melhores dias. Além de bastante desleixado
nos últimos meses, o peso não era a única coisa que me incomodava. Minha
barba estava bastante espessa e meu cabelo precisava ser aparado. O suor da
corrida não somava de forma positiva junto ao meu conjunto de calça e
jaqueta de moletom. Senti-me constrangido, o que era bem estranho, visto
que nunca me preocupei com o que as mulheres pensavam sobre minha
aparência. Talvez porque sempre fui um homem bem-apessoado e que atraía
o sexo oposto sem me esforçar além do habitual. Nada que um banho,
desodorante, colônia amadeirada, cabelo e barba feitos, combinados com meu
traje executivo, não resolvesse.
O fato era que eu não estava bem comigo mesmo. Sabia que precisava
me reerguer emocionalmente, diminuir o ritmo estressante do trabalho e
buscar um equilíbrio saudável entre minha vida pessoal e profissional.
Há quanto tempo eu não saía com uma mulher?
Já nem me lembrava mais.
Sexo? Sem comentários!
Algo estava errado, eu não era mais o mesmo Javier Stanton que
costumava ser. Nada grave havia acontecido, simplesmente caí no
ostracismo. Contudo, no instante em que meu olhar encontrou o dela, foi
como se um estalo tivesse me feito entender tudo.
“Acorda, cara! Você tem vinte e sete anos e está se esquecendo de
viver sua vida como ela merece ser vivida”, alertou minha consciência.
— Ei, filha! Está tudo bem aí? — Uma voz masculina soou
preocupada, se aproximando de mim e da garota.
— Querida, se machucou?
Virei-me para encarar o casal, certamente os pais da moça. Logo ambos
se abaixaram e começaram a recolher os livros.
— A caixa se desmanchou, pai — explicou ela, ainda me encarando.
Então me dei conta de que eu não havia falado nada ainda.
— Aqui, seus livros. — Estendi os dois exemplares que tinha segurado
em mãos e ela os pegou.
Quando sua mão roçou levemente a minha, a sensação terna que me
invadiu fez com que eu me assustasse. Claro que internamente, por fora
continuava o homem solícito e normal. Por dentro estava confuso com a
batalha que travei comigo mesmo.
— Muito obrigada por parar e ajudar minha menina. — Foi a senhora,
muito parecida com a garota, quem se dirigiu a mim.
— Não foi nada.
— Foi tudo — disse o homem, terminando de empilhar os últimos
livros. — Não é todo mundo que sabe ser gentil hoje em dia.
Levantei-me, acompanhando os três. Sem saber o que dizer, devido à
forma como me senti afetado, me afastei enquanto acenava com uma das
mãos.
— Tenham um bom dia.
O casal agradeceu mais uma vez e começou a caminhar em direção ao
prédio, carregando as pilhas de livros.
— Ei, moço, valeu mesmo! — A garota piscou um dos olhos e abriu
novamente o seu sorriso, iluminando meu sábado.
— Não tem de quê.
Dei-lhe as costas e voltei a correr, pois lembrei que estava atrasado para
meu compromisso. Por sorte o edifício onde eu moraria era a poucos passos
dali.
Sem saber, aquela garota fez parte de um momento importante em
minha existência. Quando eu finalmente acordei da vidinha programada à
qual estava habituado sem perceber o quanto me prejudicava.
Sem que soubéssemos, nossos destinos voltariam a se encontrar no ano
seguinte. Desta vez para sempre.
“Você é meu fogo
Meu único desejo
Acredite quando eu digo
Eu quero assim
Mas somos de dois mundos separados
Não consigo alcançar seu coração
Quando você diz
Eu quero assim…”
I WANT IT THAT WAY - BACK STREET BOYS
— Não acredito que está me deixando.
Pestanejei ao encarar a expressão chorosa de Rachel. Ela parecia
mesmo arrasada por eu estar indo embora.
— Querida, você sabia que isso ia acontecer. Já conversamos há alguns
meses. Sabe que poderá me visitar sempre que quiser.
Ela deu de ombros e me virou as costas, caminhando até as janelas de
vidro do arranha-céu.
Estávamos em meu escritório, na sede da Stanhardton, em Sydney. Era
meu último dia na empresa e fui apenas para me despedir da equipe de
colaboradores e verificar se não havia esquecido nada por lá. Thomas
cuidaria de tudo após minha partida e tão logo eu estivesse na América,
avaliaríamos como proceder dali em diante. Eu ainda era o sócio majoritário
e presidente da empresa, mas estava ciente de que tinha uma escolha a fazer.
Teoricamente era muito mais fácil, contudo, quando o momento chegou eu
protelei mais um pouco.
Rachel Hard era minha afilhada. A garota loira de olhos azuis
profundos tinha dezessete anos, mas se comportava como gente grande. Ao
menos era o que ela pensava. Mimada desde sempre por seu pai e por mim,
que tentamos compensá-la pelo abandono da mãe após o complicado
divórcio, Rachel era bastante apegada a mim desde criança. Assim que
revelei minha intenção de voltar a Nova Iorque, ela fez questão de ficar por
perto e tentar me fazer mudar de ideia.
— Sabe que logo eu entro na faculdade e não poderei te visitar. Por que
precisa ir embora? — Ela continuava fitando os prédios à sua frente, mas
reparei na tristeza em sua voz.
— Meu avô precisa de mim.
— Eu também preciso.
Caminhei até ela e me coloquei ao seu lado. Rachel sabia ser dramática
quando queria e eu a conhecia muito bem para não me deixar levar por seus
rompantes. Ela era uma adolescente de personalidade forte e acostumada a ter
suas vontades realizadas.
— Você tem seu pai. Thom faz tudo para te ver feliz, Rachel, sabe
disso. Não é como se nós nunca mais fôssemos nos ver. Pensei que fosse
madura o bastante para lidar com isso já que faz tanta questão de se
posicionar como uma adulta.
Eu sabia que estava sendo um pouco duro com ela, mas a garota
precisava se dar conta de que tentar me manipular com sua tristeza não ia
surtir efeito algum em minha decisão. Talvez a distância entre nós fosse o
melhor, assim Rachel entenderia que eu era apenas o seu tio de criação e não
alguém que ela pudesse controlar com seu charme.
Ficar longe de mim a faria bem. Logo ela ingressaria na universidade e
se apaixonaria por um garoto da sua idade.
— Só não se esqueça de mim, tá legal? Eu aprendi a lidar com a
rejeição da minha mãe, mas se você me rejeitar, Javier, não vou superar.
Daquela vez suas palavras não foram dissimuladas. Eu sabia o quanto
era difícil para Rachel, embora ela tentasse demonstrar indiferença. Puxei-a
para um abraço e beijei o topo de sua cabeça enquanto ela apertava seus
braços em volta da minha cintura e recostava o rosto em meu peito.
— Sou seu padrinho, Rachel. Nunca vou te esquecer ou abandonar.

— Ela vai superar, não se preocupe — disse Thomas, antes de esvaziar


sua long neck. — Você sabe que Rachel adora fazer drama.
— Eu sei. Mas ela vai ficar bem.
Há seis meses, quando retornei de Nova Iorque após comprar meu
apartamento, tinha em mente mudar alguns hábitos e não ser mais o tipo de
homem que mergulhava no trabalho e esquecia do mundo à sua volta.
Embora tivesse minhas responsabilidades, sabia que era possível diminuir o
ritmo e dedicar um pouco do meu tempo a outras coisas. Chamei Thom para
conversar após o fim do expediente e acabamos entrando num pub que se
tornou a válvula de escape em nossas sextas-feiras seguintes. Foi lá que lhe
contei sobre minha mudança para a América e ali estávamos outra vez, para
encerrar o ciclo.
— Você é meu melhor amigo… — murmurou, acenando para que o
bartender lhe servisse mais uma cerveja.
— Ora, Thomas, por favor!
— Deixe-me falar, porra! — Revirou os olhos e fez um gesto obsceno
com o dedo. — Devo muito a você, Stanton. Não digo financeiramente
porque já estamos quites há tempos, mas você sabe. Foi bem difícil no
começo, a faculdade e cuidar da Rachel sozinho. Cara, você também é um pai
pra ela. Tirando a parte onde nossos colegas da faculdade achavam que você
e eu formávamos um casal gay muito fofo, foram os melhores anos da minha
vida. Eu sabia que chegaria o momento em que você partiria e confesso que
vai fazer muita falta, amigo.
Acenei para o bartender e pedi outra cerveja. Eu não queria me sentir
tão melancólico, mas com Thomas sendo sincero daquele jeito foi difícil.
— Você e Rachel são minha família, Thom. Quando perdi minha
mãe… — Soltei uma lufada de ar. — Você sabe.
— É, eu sei. Foi uma merda, mas passamos por todas as dificuldades e
demos a volta por cima. Olhe só pra gente? Somos os donos da porra toda.
Rimos e esvaziamos mais algumas garrafas. Relembrar os velhos
tempos só reforçou o quanto aquela amizade era forte e o quanto crescemos
como pessoa e profissionais.
Em algum momento daquela noite, três mulheres se aproximaram do
balcão onde estávamos e tudo se tornou mais divertido. Não lembrava o
nome de nenhuma delas, mas era bem provável que tivessem inventado. De
toda forma, meu amigo não se importava com detalhes. Para Thomas, dormir
com estranhas era excitante. E lá foi ele, muito bem acompanhado de duas
morenas sexy e cheias de más intenções, no melhor sentido da palavra.
— E você, bonitão? — A morena número três preferiu continuar no
pub, sentada ao meu lado. — Não quis se juntar a eles?
Abri um sorriso e a encarei. Ela era linda, mas enfeitada demais para o
meu gosto. Certamente mais velha que eu, na casa dos quarenta. Talvez
divorciada. Verifiquei as mãos em busca de uma aliança de noivado ou
casamento, mas não encontrei nada. Ela usava pulseiras e nenhum tipo de
anel.
Percorri meu olhar pelo seu corpo e em um gesto involuntário molhei
meus lábios com a língua. Não foi proposital, eu geralmente era bem discreto
quanto ao meu desejo por uma mulher. Nunca fui o tipo de homem que
comparava o corpo feminino a um pedaço de bife suculento pronto para ser
devorado. Era mais do tipo apreciador da beleza in natura e me atraía
inicialmente pelo olhar, sorriso e uma boa conversa.
Ah, sim. Que bobão, não é mesmo?
Não me importo.
— Sou do tipo que dá o melhor de si para uma única mulher —
respondi após terminar minha última cerveja daquela noite. — E não divido.
Pode me chamar de egoísta, se quiser.
Ela se aproximou e roçou seu corpo no meu com sutileza, mas ousada o
suficiente para eu entender o recado.
— Egoísta do tipo que só se importa com a própria satisfação? —
Arqueou uma das sobrancelhas.
Seu perfume era doce e talvez um pouco forte demais para o meu
gosto, mas eu estava começando a ficar excitado com aquela conversa.
— Egoísta do tipo que quero só pra mim, mas dou o melhor de mim,
esqueceu o que falei anteriormente?
— Você bem que poderia me mostrar como isso funciona, tenho
certeza que eu jamais esqueceria.
Por que não?
Meu voo para Londres era no final da tarde, a viagem seria bem
cansativa e já fazia algum tempo que eu não me envolvia com ninguém. A
oportunidade se apresentava diante de mim, e mesmo que não fosse do meu
feitio me envolver com uma mulher apenas por sexo, principalmente uma
única vez, eu me senti tentado a sucumbir apenas pelo prazer.
Não que eu fosse um “Sr. Certinho”, mas gostava de flertar, sair para
jantar, conversar, conhecer a pessoa com quem estava disposto a me
envolver.
Para algumas mulheres esse era o tipo ideal de homem, não era?
Aquela fase do sexo desenfreado e sem compromisso passou rápido
demais para mim. Quando estava na universidade, aproveitei bastante no
começo. Mas depois que Thomas precisou de mais ajuda com Rachel e com a
perda de minha mãe, acabei me tornando mais reservado, e minhas
prioridades mudaram.
“Às vezes é bom sair da rotina, Javier. Desprenda-se um pouco dos
seus princípios. Ela está te dando mole, não foi você quem a seduziu.”
Porra, o que é isso? Tem um gênio do mal dentro da minha cabeça
agora?
— Então? — Seu sorriso se alargou e a mão dela foi escorregando do
meu tórax até o cinto da minha calça. — Na minha casa ou na sua?
Decidido a aproveitar minha última noite em Sydney antes de viajar
para Londres e participar da formatura de Hani, onde somente então eu iria
para Nova Iorque, a fim do meu novo começo, minha resposta foi clara e
objetiva.
— Na sua.
— Hani ficou muito feliz por você ter vindo, Javier.
— Eu não perderia a formatura dela.
Hospedado na casa de Zayn El Safy desde que cheguei a Londres para
a formatura de minha melhor amiga, tomávamos o desjejum para somente
então irmos ao encontro de Hani e seus pais, no Mitchell Royal Palace.
Quando Ibahim e Zahara não estavam na cidade, a garota costumava dormir
na casa de Zayn, mas como ainda não eram casados, mantinham certa
distância para não desrespeitarem os costumes conservadores dos pais.
Eu não entendia por que eles não se casavam logo, mas sabia que era
escolha de Hani adiar o matrimônio. Ela passou praticamente a vida inteira
noiva de Zayn, sem ter escolha, que depois que seu pai a livrou do
compromisso, mesmo estando apaixonada por ele, Hani se recusou ao
casamento. Bem, mais cedo ou mais tarde eles se uniriam oficialmente, a
garota só precisava sentir que quando isso acontecesse seria porque ela estava
pronta, e não porque seus familiares faziam questão daquela união.
Minha amizade com Zayn El Safy se fortaleceu gradativamente.
Quando o conheci não foi exatamente simpatia à primeira vista. O homem era
extremamente possessivo em relação à namorada e enquanto não entendeu
que eu não era um rival, nossa interação não foi das melhores. Depois que
Hani e ele finalmente se entenderam, os ânimos se acalmaram e sempre que
eu visitava Londres frequentava a Oásis, uma de suas casas noturnas,
especificamente a área VIP onde Zayn mantinha um camarote exclusivo para
seus convidados.
— Estou muito orgulhoso dela. — Seu sorriso comprovava as palavras.
— Depois de todo esse tempo se dedicando aos estudos, Hani finalmente
conseguiu o que tanto desejava.
— Você sabe que esse é apenas o fim de um ciclo para o começo de
outro, não é? — Meu tom era de provocação, mas ele sabia que eu falava
algo muito sério. — Hani é ambiciosa e vai buscar seu lugar ao sol.
— Já me conformei com isso, caro amigo. — Soltou uma lufada de ar.
— Mas estou realmente feliz pela conquista da minha mulher, o que eu puder
fazer para vê-la realizando seus sonhos, farei.
— Sei que sim, mas é fato que aquela garota teimosa vai querer mostrar
que consegue se virar sozinha.
Zayn começou a rir e eu o acompanhei. Ele conhecia a noiva muito
melhor do que eu, sabia que eu estava certo e nem se deu ao trabalho de dizer
algo em sua defesa.
Hani Mitchell era muito perspicaz.
— Quando se muda para Nova Iorque? — mudou de assunto enquanto
saíamos da mesa na varanda e nos dirigíamos à sala de TV.
Comentei brevemente com o casal sobre minha mudança para a
América, quando fui cumprimentar Hani em seu camarim, na noite da sua
formatura. Zayn tinha negócios em Manhattan e certamente nos veríamos
com mais frequência do que quando eu estava na Austrália.
— Não mencionei isso ontem, para Hani não achar que me atrapalhou
em algo. Meu voo é amanhã cedo, já está tudo encaminhado e só vim a
Londres para a formatura. Daqui parto para Manhattan.
— Tão repentinamente?
Sentamo-nos em poltronas individuais e somente então dei
continuidade à conversa.
— Tenho organizado essa transição há alguns meses, mas mantive
sigilo até que tudo estivesse acertado.
— Compreendo. Hani e eu tiraremos alguns dias de férias e viajaremos
para Santorini. Alexios a presenteou com hospedagem em um resort do
Grupo Kallias, em sua terra natal, e decidi que precisava de um tempo longe
do trabalho. Felizmente tenho Omar para cuidar de tudo por aqui e Kallias
tem feito um ótimo trabalho nas casas americanas. Precisa conhecê-lo, visite
a Oásis no Uper West Side — reforçou o convite que já havia me feito na
noite anterior.
— Conheço o Grupo Kallias, mas não me recordo de ter sido
apresentado a Alexios. Quando eu estiver por lá, será um prazer conhecê-lo.
Não tenho muitos amigos em Nova Iorque, desde que me mudei para a
Austrália não fiz questão de manter laços, somente alguns contatos por conta
do trabalho.
— Desejo boa sorte, Stanton. E falei sério quando sugeri que arrumasse
uma namorada por lá — provocou, levantando-se. — Vamos para o hotel?
Concordei com um gesto de cabeça, ficando de pé.
— Não estou à procura de romance, El Safy. Mas também não estou
fugindo das possibilidades.
— Não há como fugir, amigo. Quando chegar a hora vai simplesmente
acontecer e não tem jeito, estará fodido. — Pigarreou, controlando o riso. —
Eu quis dizer apaixonado!

— Por favor, mantenha contato, sim?


Hani me deu um forte abraço, ignorando completamente o ciúme
desnecessário de Zayn. Retribuí porque eu já não me importava e até me
divertia com a forma com que meu amigo me fuzilava com os olhos.
— Tenho certeza de que se eu estiver ocupado demais, você vai se
lembrar de me ligar, não é mesmo?
— De fato. — Ela riu e depositou um beijo amistoso em minha face, se
afastando em seguida.
— Controle-se, El Safy, eu já estou de partida e ela será todinha sua.
— Sempre foi e sempre será, Stanton. — Aproximou-se e nos
abraçamos como era de seu costume. — Boa viagem.
Pouco mais de sete horas em um voo de Londres até Nova Iorque me
deixaram exausto, isso porque eu já havia enfrentado mais de vinte horas de
viagem quando saí de Sydney sem tempo de descanso quando cheguei para a
formatura de Hani.
Não avisei meu avô sobre minha chegada. Eu não pretendia
surpreendê-lo, mas tinha em mente tirar alguns dias de folga antes de iniciar
minha rotina nas Indústrias Stanton. Precisava me habituar ao fuso-horário
além de me familiarizar com o novo apartamento. Não era uma grande
justificativa, mas após muito tempo sem tirar férias, me desligar um pouco
para recomeçar parecia uma boa ideia. Pretendia estabelecer uma rotina
diferente de quando vivia em Sydney e queria me adaptar um pouco antes de
mergulhar na Wall Street.
Enviei uma mensagem para Thomas comunicando minha chegada.
Desde que saí de Sydney, Rachel esteve em contato, mas optei por não
respondê-la. Eu sabia que se falasse com ela frequentemente, daria algum
tipo de esperança que não existia. Gostava muito de minha afilhada, mas
estava ciente de que não devia alimentar nenhum tipo de expectativa
romântica, pois não era dessa forma que eu a estimava. Poderia estar
magoando a menina, contudo, ela teria que enxergar a realidade: entre nós
dois não havia nada além de um laço fraterno.

Dormi por mais de quinze horas e quando finalmente me senti


descansado, liguei para meu avô a fim de avisá-lo de minha chegada. Eu
precisava desfazer as malas e abastecer a geladeira, mas antes de qualquer
coisa fui até a propriedade onde vivi até o dia em que saí do país para
ingressar na universidade.
Não me senti tão tenso daquela vez e estranhei, porque sempre relutava
em ir até lá. Mas não poderia negar o convite de meu avô para almoçar com
ele naquele domingo. Eu só não esperava aquela sensação tão familiar me
invadindo. Não foi nostálgico de um jeito melancólico como costumava ser,
mas uma sensação de boas-vindas e alegria por ter finalmente voltado para
casa.
— Bem-vindo de volta, meu jovem. Pensei que tivesse se perdido no
caminho. — Riu, se aproximando da entrada no jardim assim que estacionei
o carro.
Eu sabia que logo teria um motorista à minha disposição, assim como
uma pessoa responsável pela organização do meu apartamento e o preparo de
comida. Esse tipo de cuidado seria providenciado por Emma e ela ficaria
chateada por eu não tê-la comunicado com antecedência da minha chegada. A
verdade é que eu não tinha o hábito de dirigir, principalmente em Nova
Iorque, portanto precisei da ajuda do GPS e, tão logo entrei no trânsito, decidi
que não enfrentaria isso todos os dias.
Desci do carro e fui até meu avô, o cumprimentando com um abraço.
Sempre fomos afetuosos um com o outro, e mesmo que eu fosse um adulto de
quase trinta anos, não me envergonhava de demonstrar afeto àqueles a quem
tinha em alta estima, principalmente ele, que eu não via há meses.
— Demorei, mas cheguei vivo. Então tudo certo.
O almoço foi tranquilo e meu avô aproveitou para me atualizar um
pouco sobre a empresa, na verdade, sobre pessoas com quem eu teria contato
frequente no trabalho. Emma estaria lá para me orientar nesse processo de
adaptação, mas fiquei satisfeito por ter mais informações. Gostava de
conhecer o terreno, por assim dizer.
— Pretende começar amanhã ou prefere tirar mais alguns dias para se
organizar?
Franzi o cenho, pensativo.
— Tenho que resolver algumas questões, mas passarei na empresa a
fim de me apresentar e ir me ambientando. Na próxima semana eu começo
definitivamente, tudo bem para o senhor?
— Perfeito. Estou muito feliz que esteja de volta, filho. Agora
poderemos ser uma família outra vez, uma família de dois, mas ainda assim
uma família.
— Estou feliz por ter voltado, vovô. — Sorri para ele, demonstrando
que a recíproca era verdadeira.

Conforme o esperado, Emma me repreendeu por eu não ter avisado


sobre minha chegada. Quando liguei informando e mencionei a contratação
de uma governanta e um motorista, foram bons minutos de sermão, e se não
fosse a sua eficiência e o fato de que ela estava certa, eu teria desligado o
telefone na cara dela.
Passei o restante da semana organizando as coisas em meu apartamento
e quando a governanta contratada chegou, se surpreendeu com a organização.
Seu nome era Alriet Fapp, uma senhora de cinquenta e poucos anos, viúva e
sem filhos. Mudou-se apara Nova Iorque vinda de Kansas City. Nós nos
demos muito bem e fiquei satisfeito pela escolha de Emma, assim como
Phillip, o motorista. Achei engraçada a coincidência de o nome dele ser o
mesmo que o do pai de Hani.
Por falar em Hani, ela esteve bastante comunicativa nos meus primeiros
dias de volta à Grande Maçã.
HANI>>> Já foi à Oásis? Diga que sim!
JAVIER>>> Ainda não, estive muito ocupado desde que cheguei.
HANI>>> Alexios está na cidade, ficaria muito feliz que vocês se
conhecessem.
Franzi o cenho e dei uma risadinha.
JAVIER>>> Você e Zayn estão tentando nos transformar em um
casal? Desde que mencionei minha vinda para cá os dois insistem que devo
conhecê-lo.
HANI>>> Não diga bobagens. Alexios tem namorada. Lauren é uma
mulher maravilhosa. Eles vivem em Seattle, mas quem sabe ela tem alguma
amiga em Manhattan para te apresentar?
JAVIER>>> Vocês precisam parar com isso. Não estou procurando
uma namorada.
HANI>>> Desculpe, querido. Não queremos forçar a barra, só
desejamos o seu bem. Quero que seja feliz, Javi.
JAVIER>>> Sou uma pessoa feliz, Hani. Não preciso de uma
namorada para que isso seja verdade.
HANI>>> Tudo bem, eu já pedi desculpas. Mas vá à Oásis e conheça
Alexios. Ele é um bom amigo, você verá.
JAVIER>>> Ok, mandona. Você venceu.

Confesso que não estava muito animado para sair naquele sábado à
noite, mas de tanto Hani insistir, acabei cedendo. A Oásis, no Uper West
Side, era idêntica à de Londres. Fiquei ligeiramente impressionado. Era como
se eu estivesse lá a cada passo que dava dentro da casa noturna.
Subi até o andar dos camarotes, pois Zayn havia providenciado meu
livre acesso. Sentei-me em uma das banquetas do bar e pedi uma cerveja para
descontrair. Olhando em volta, observei homens e mulheres rindo,
conversando, dançando. Amigos ou casais.
Nenhuma mulher atraiu minha atenção e não me senti mal por isso,
afinal, não saí de casa com o intuito de ficar com alguém. Meu último
encontro havia sido com a morena no pub em Sydney, e por mais que eu
curtisse sexo, não estava desesperado para tê-lo.
A noite é uma criança e o que tiver que ser será. Agora, se Hani
perguntar se eu já estive na Oásis, posso afirmar e ela não vai mais pegar no
meu pé por causa disso.
— Boa noite, você é Javier Stanton, neto de Jonathan Stanton, das
Indústrias Stanton?
— Quanto Stanton em uma única frase. O sobrenome é tão importante
assim? Ou é pelo meu avô e o que ele tem? — Sorri para a ruiva à minha
frente, mas não foi um sorriso genuíno.
Ela não se intimidou pelo comentário sarcástico, embora não fosse
minha intenção soar de tal forma. Sentando-se na banqueta ao meu lado, se
virou para manter contato visual. Seus cabelos encaracolados iam até pouco
abaixo da orelha, mas não chegavam a alcançar os ombros. Aquela cor
ferrugem parecia natural, mas eu não era nenhum expert no assunto. Muito
bem maquiada e com um batom vermelho que deixava seus lábios carnudos
em evidência, a mulher aparentava vinte e poucos anos e o decote do vestido
preto era bastante ousado, o que mostrava o quanto ela era segura de si para
mostrar seus atributos, por assim dizer. Prestei atenção quando ela cruzou as
pernas e o tecido subiu, deixando as coxas à mostra de forma intencional.
— Perdão pela abordagem direta. — Estendeu-me a mão. — Sou
Brittany Carlton. Jornalista.
A música alta não me permitia ouvir muito bem e sequer prestei
atenção quando ela mencionou o nome da revista na qual trabalhava. Aceitei
seu cumprimento com educação e fingi não ter reparado na forma como ela
manteve a firmeza no aperto de mão e o tempo que levou para me soltar.
— Prazer em conhecê-la, Srta. Carlton. Sou Javier Stanton, mas isso a
senhorita já sabe.
— Pode me chamar de Brittany. — Alargou ainda mais o sorriso. —
Sua reputação o precede, Sr. Stanton. Fiquei curiosa por vê-lo em Nova
Iorque nessa época do ano, alguma novidade no mundo dos negócios?
— Por acaso essa conversa é algum tipo de entrevista? — Arqueei a
sobrancelha, intrigado pela forma como ela decidiu me abordar, em plena
noite de sábado em uma casa noturna. Momento de lazer.
Ela desviou o olhar, se intimidando um pouco com minha forma direta,
mas logo recuperou a compostura.
— Pode se dizer que sim. — Juntou as duas mãos, como se fosse uma
súplica. — Poderia me conceder algumas respostas? Juro que não vou ser
muito invasiva.
Soltei uma lufada de ar e tentei sorrir com simpatia. Juro que tentei.
Eu não era exatamente o tipo de pessoa habituada a estar na mídia. Em
Sydney, vez ou outra Thomas e eu éramos mencionados em jornais ou
revistas locais, visto que nossa empresa era bastante popular e havia o fato de
sermos solteiros, o que eu não conseguia entender era por que isso era tão
importante para outras pessoas. Afinal, se tratava de um assunto particular,
mas aprendi a lidar com a curiosidade alheia.
Pelo visto isso vai continuar aqui em Nova Iorque.
“Por que não pede licença e dá o fora daí? Está na cara que essa
mulher só está pensando na matéria que irá escrever a seu respeito!”
Aquela voz no meu inconsciente disse exatamente o que eu gostaria de
fazer, mas meu lado gentleman impedia que eu ouvisse aquele conselho e
acabei respondendo algumas perguntas, revelando minha volta aos Estados
Unidos e minha posição nas Indústrias Stanton, entre outras coisas que a ela
parecia significativo para sua matéria.
Não havia problema nenhum dar uma entrevista, mas a forma como fui
abordado e o local geraram desconforto. Ela poderia ter me pedido um cartão
para entrar em contato e agendar um horário com minha secretária, seria
muito mais profissional. Além disso, a maneira com que se insinuou me
incomodou, como se apenas pela sua aparência e charme eu fosse responder a
qualquer coisa. Talvez desse certo com outros homens, mas para mim deixou
uma impressão nada positiva. Podia ser que eu estivesse equivocado, mas foi
estranho.
— Stanton, finalmente achei você! — Um homem se aproximou,
sorrindo como se fôssemos velhos amigos, me deixando levemente intrigado.
Assim que meu olhar encontrou o dele, tive a impressão de já tê-lo
visto em algum lugar, mas não me recordava. Aquele sotaque não era
americano.
— Zayn avisou que viria, fiquei aguardando sua chegada. — Estendeu-
me a mão e aceitei o cumprimento de imediato, mesmo sem saber de quem se
tratava. — Alexios Kallias, muito prazer. Aquela reunião ainda está de pé?
Não tenho muito tempo disponível, volto para Seattle ainda hoje.
Ele ignorou a mulher ao meu lado deliberadamente e ela não pareceu se
importar.
Então aquele era o tão falado Alexios, amigo de Zayn e Hani.
— Prazer em conhecê-lo, Kallias. É claro que a reunião está de pé, vim
apenas para isso. — Não demorei a entender o que ele estava fazendo.
Voltei minha atenção para a jornalista e levantei-me da banqueta.
— Foi um prazer conhecê-la, Srta. Carlton. Espero que tenha
conseguido o suficiente para escrever sua matéria.
— O prazer foi todo meu, Javier. — Tirou um cartão de sua bolsa de
mão e me ofereceu. — Obrigada por ser tão atencioso. Se quiser pode me
ligar qualquer dia desses. Ou noite. Você escolhe.
— Obrigado. — Aceitei o cartão e sem olhá-lo guardei no bolso de
minha calça. Alriet certamente o acharia quando fosse enviar minhas roupas
para a lavanderia.
— Vamos? — chamou-me Alexios. — Meu escritório é no andar de
cima.
Acenei para a ruiva e segui o homem.
— Perdoe-me se eu estiver equivocado, mas achei que estava
precisando de uma forcinha para se livrar da inconveniência da Srta. Carlton.
Acessamos o elevador e logo chegamos ao outro andar da casa. Era
como estar em Londres, seguindo rumo ao escritório de Zayn.
— Ela me pegou desprevenido. — Ri.
— É o que ela faz com todos. Playboys e socialites, empresários,
celebridades e qualquer pessoa que ela considere interessante para escrever
sobre em sua coluna. — Abriu a porta e logo entramos.
— Pelo visto Brittany é bastante conhecida na casa.
Ele riu e deu de ombros, se sentando na poltrona atrás da imponente
mesa de mogno. A decoração ali não era em nada semelhante à do escritório
de Zayn.
Sentei-me na poltrona à sua frente, me sentindo bastante à vontade. O
fato de estar longe da música alta já era um grande alívio.
Acho que estou velho demais para baladas noturnas.
— De fato, ela é, mas não posso evitar sua presença na casa. A moça
paga a entrada e consome. Ela está proibida de fotografar dentro da Oásis,
mas tudo o que faz apenas é conversar. Não há reclamações sobre sua
inconveniência, eu é que tenho certa alergia à mídia.
— Entendo. Obrigado por intervir, eu não queria ser deselegante com
ela.
— Por sorte o reconheci e foi justamente por ter visto uma foto sua no
jornal em algum momento.
— Vai mesmo voltar para Seattle ainda hoje?
Ele negou com um gesto de cabeça.
— Lauren tem pavor que eu viaje à noite, então parto amanhã cedo.
Quase cinco horas de voo e estarei com minha garota.
Alexios foi até o frigobar e pegou duas long necks, me oferecendo uma
antes de voltar a se sentar.
— Deve ser cansativo. Vem com que frequência a Nova Iorque?
— A cada duas ou três semanas. Mas às vezes ela vem comigo. Desta
vez não foi possível.
Alexios e Lauren não eram casados, mas moravam juntos. Passamos
algumas horas conversando e ele me contou sua história com a garota de
Seattle. A forma como falava deixava evidente o quanto estava apaixonado e
realizado. Eu já havia testemunhado algo parecido, pois sempre que Zayn
falava de Hani ou vice-versa, era aquela melação toda. Embora eu achasse
engraçada a forma como eles falavam sobre suas amadas, admirava-os por
serem tão espontâneos ao se expressarem em relação ao amor que sentiam
por suas mulheres. Era sincero, sem medo e simplesmente feliz.
Eu queria isso para mim algum dia. Talvez não complicasse tanto as
coisas como Zayn e Alexios, ao menos era o que eu esperava.
— Está tarde, vou indo nessa. — Levantei-me. — Foi um prazer
conhecê-lo, Kallias.
Apertamos as mãos e ele me acompanhou até a porta do escritório.
— Não esqueça de avisar Hani que finalmente nos conhecemos,
Stanton. Ela parecia fazer tanta questão deste encontro.
— Avisarei. Hani quis fazer as vezes de cupido da amizade, eu acho.
Garota astuta. — Não contive uma risada.
Ele também riu.
— Isso porque você ainda não encontrou a sua garota dos sonhos.
Quando isso acontecer, se prepare. Aí sim ela vai atacar de cupido insana.
— Que Deus meu ajude!
Mal sabia eu que o grande dia estava cada vez mais próximo.
“Não te conheço há muito tempo
Mas agora consigo ver por que
Você está sempre na minha cabeça
Ninguém nunca me fez abrir os olhos
Você foi aquela que me fez perceber… perceber
Que eu estava incompleto
Faltando uma parte de mim
Cego pelo medo de algo novo
Mas agora vejo
O tempo todo o que faltava era você…”
INCOMPLETE – HOOBASTANK
Comecei a semana acordando cedo e indo correr no Central Park.
A verdade é que me bastou um fim de semana sozinho em meu
apartamento e eu já havia mudado de ideia quanto ao fato de tirar mais alguns
dias para me organizar. Eu estava instalado, Alriet e Emma trabalhavam em
sintonia e não demorei a me habituar ao fuso-horário. Ficar na inércia não era
algo que me agradava. Assisti a alguns filmes, li um livro e estive com meu
avô para um jantar no domingo.
Eu já estava me sentindo um nova-iorquino outra vez e pronto para
respirar os ares da Wall Street.
Organizei minha agenda com a programação semanal e fiz questão de
manter as corridas matinais como um hábito diário. Phillip e Alriet foram
informados e meu avô e Emma também.
Retornei ao apartamento e fui direto para o banho. Vesti-me com o traje
executivo ao qual já estava acostumado e fui para a cozinha preparar meu
café. Alriet só chegaria mais tarde, conforme o combinado, pois eu prezava
por meu momento sozinho antes de ir para a agitação do trabalho. Às sete em
ponto Phillip me aguardava, segurando em mãos as edições diárias do New
York Times e The Wall Street Journal para que eu os lesse durante o trajeto
até a Stanton Tower.
Aprendi com meu avô que a pontualidade era um requisito importante
para a boa reputação de um empresário. Antecipar-se aos imprevistos e evitar
atrasos mostrava o quão responsável com seus compromissos um homem de
negócios era.
Cheguei cedo ao edifício que sediava o escritório das Indústrias
Stanton. Em um prédio de trinta andares, não havia elevador privativo, e estar
ali antes da maioria era vital para evitar tumulto. Os elevadores disponíveis
ficavam bastante cheios nas primeiras horas da manhã.
— Bom dia, senhorita — cumprimentei a recepcionista assim que
cheguei à cobertura e ela sorriu ao me reconhecer.
Eu havia estado ali em outras ocasiões, mas reparei que não era a
mesma funcionária de antes e fiz questão de verificar o nome em seu crachá
para que da próxima vez eu o mencionasse. Fazia questão de saber o nome de
todos os colaboradores, tanto quanto fosse possível. A Srta. Hudson seria
uma presença constante, portanto era minha obrigação chamá-la pelo nome.
Mais um dos aprendizados que meu avô ensinou antes mesmo de eu
frequentar a high school.
— Bom dia, Sr. Stanton. Emma já está à sua espera, segunda porta à
direita.
— Obrigado.
Eu assumiria a presidência da empresa em alguns meses, após estar
totalmente a par dos negócios e ganhar a confiança do Conselho
Administrativo. Enquanto isso, ocuparia um escritório provisório e Emma me
atualizaria do que fosse preciso. Não era como se eu fosse inexperiente e não
fizesse ideia de como começar, só precisava pegar o ritmo e me familiarizar
com as pessoas.
Cumprimentei minha secretária e tentei não demonstrar surpresa com
sua mudança física. Emma era uma mulher elegante e bonita, não do tipo que
me atraía, até porque eu sempre soube separar o pessoal do profissional e
nunca abri exceções, nem permitia que alguém do meu quadro de
colaboradoras tivesse qualquer tipo de liberdade ou fizesse qualquer tipo de
insinuação em relação a mim. Ela era praticamente o meu braço direito em
Nova Iorque e nosso relacionamento profissional era de mútuo respeito e
cumplicidade. Eu confiava plenamente nela. Mas, voltando ao assunto da
mudança física, era impossível não reparar que minha colaboradora passou
por procedimentos estéticos desde a última vez que a vi. Aqueles lábios
estavam maiores do que podia me lembrar, assim como os seios, se é que
algum dia eu tivesse reparado neles, porque nunca me chamaram a atenção
como naquele instante e, aquela bunda! Tinha certeza que era inexistente até
algum tempo atrás.
— Bem-vindo, Sr. Stanton. — Estendeu-me a mão em cumprimento, a
qual aceitei prontamente.
— Obrigado, Emma. Mas vamos cortar as formalidades, você sabe que
pode me chamar pelo primeiro nome.
— Como preferir, Javier.
Ela devia estar na casa dos quarenta e poucos anos e já trabalhava para
meu avô antes de ser designada para ser minha representante. Sempre muito
cordial e profissional, eu sabia pouco a seu respeito. Mas não era casada nem
tinha filhos, pois esse tipo de informação não era difícil de ficar sabendo. De
resto, ela era muito reservada, e devido ao fato de eu ter morado em outro
país, não tínhamos contato frequente a ponto de eu saber mais detalhes. Não
que me interessasse, de fato.
— Meu avô já chegou?
— Sim, ele pediu que fosse até a sala dele assim que chegasse.

Se aquela segunda-feira era uma amostra de como a semana seria


corrida, eu estava ferrado. Mesmo assim, mantive o despertador programado
para a caminhada matinal e tentaria não sabotar minha nova rotina.
Meu avô estava mesmo feliz por eu ter voltado e começado antes do
previsto a participar dos assuntos da empresa. Estive em reuniões, almoços,
jantares e happy hours durante os três primeiros dias e quando cheguei ao
meu apartamento na quarta-feira, quase à meia-noite, não consegui sequer
entrar no chuveiro para tomar um banho e escovar os dentes. Tirei os sapatos,
a gravata e o cinto e me joguei na cama, caindo em um sono profundo.
Talvez eu não devesse ter bebido aquelas doses extras de uísque
escocês. Três eram suficientes, cinco foi exagero para um dia útil.
“Fica o aprendizado, garotão.”
Registrado, voz do meu subconsciente.
O toque do meu celular não parava de ressoar pelo quarto e senti o
aparelho vibrando no bolso lateral da calça. Sequer me lembrei dele na noite
passada. Abri meus olhos sem pressa e, ao me movimentar no colchão, senti
a dor em meu pescoço. Gemi, incomodado com o desconforto, e me sentei
lentamente enquanto o celular continuava tocando.
Era meu motorista.
— Bom dia, Phillip. — Passei a mão livre pelo rosto e me levantei da
cama.
— Bom dia, Sr. Stanton. Já estou aqui embaixo e como não desceu
ainda, quis checar se está tudo bem. São sete e cinco agora.
— Puta merda! — resmunguei, acordando de vez. — Perdão, Phillip!
Esqueci de avisá-lo que hoje sairíamos um pouco mais tarde. Aguarde-me
para as sete e meia, sim?
— Tudo bem, senhor.
— Obrigado.
Como pude ser tão irresponsável e perder a hora?
Joguei o celular na cama e tratei de fazer minha higiene matinal e tomar
um banho rápido. Em dez minutos estava pronto e verifiquei minha maleta
para constatar se não havia esquecido algum documento importante em meu
home office.
Eu detestava ter que fazer alguma coisa às pressas e começar meu dia
saindo do planejado. Perdi a corrida matinal e não consegui sair de casa no
horário estabelecido, contudo, ainda não estava atrasado, apenas não chegaria
adiantado à empresa como fiz nos dias anteriores. Acabei não tomando café,
o que deixou meu humor instável.
Enquanto Phillip tentava ser o mais ágil possível no trânsito caótico,
comecei a checar meus e-mails no iPad para me antecipar no trabalho. Meu
ciclo diário havia se quebrado logo no início e eu não gostava nem um pouco
de ser o responsável pelo desequilíbrio.
Assim que cheguei à Stanton Tower, entrei no elevador quase lotado.
Sorri por dentro, achando graça do fato de estarmos todos uniformizados:
terno e gravata, pasta de couro e no rosto uma expressão sisuda. Só então me
dei conta de que eu também me revestia daquela máscara. Em Sydney, meu
sócio e eu éramos mais informais, já em Nova Iorque as coisas eram um
pouco diferentes e eu me encaixei naquele padrão rápido demais.
Era só mais um dia qualquer da minha rotina super organizada, e
quando as portas estavam prestes a fechar, ela apareceu, linda e atrapalhada,
fisgando minha atenção.
— Com licença, senhores! — pediu ofegante ao entrar no elevador.
Parecia ter corrido para chegar a tempo, sua voz era agitada, mas
deliciosa aos meus ouvidos. Tentei me mover para vê-la melhor, porém o
elevador estava consideravelmente lotado. Havia apenas ela de mulher e seu
desconforto ficou evidente quando percebeu o fato.
Notei que alguns homens encaravam a bunda dela, sorrindo com
malícia em um diálogo mudo. Fiquei puto, me sentindo impotente, sem poder
me manifestar. Ela estava alheia ao ocorrido e até fiquei feliz por isso.
Nenhum deles a tocava, mas a devoravam com os olhos e isso me irritou
sobremaneira, como se eu tivesse despertado um sentimento de posse, coisa
de macho alfa querendo marcar território.
Todos nós estávamos em silêncio e me senti inquieto. Queria estar
sozinho com ela. Foram poucos segundos em que a vi de frente para mim,
mas o suficiente para sentir curiosidade a seu respeito.
O elevador parou no décimo sétimo andar e as portas se abriram. Ela
saiu, e assim que colocou os pés no corredor, virou em nossa direção e
acenou sutilmente com uma das mãos.
— Tenham um ótimo dia, senhores. — Sorriu de maneira cativante.
Percebi que os outros homens continham um sorriso no rosto, e assim
que as portas se fecharam outra vez, um deles murmurou:
— Depois de uma visão deslumbrante como essa, com certeza o dia
será memorável.
Porra! O que eu deveria esperar? Que nenhum deles reparasse nela? A
mulher era linda, de um jeito diferente. Sua melhor maquiagem com certeza
era o sorriso e aquele brilho no olhar, um tanto sonhador, talvez ingênuo. Ela
não devia ter mais que vinte e cinco anos, tinha uma aura jovem pairando
sobre si, exalava uma espontaneidade que serviu de ímã, prendendo meu
olhar em sua direção enquanto fosse possível.
Nunca senti algo parecido em toda a minha vida.
No fim das contas, as palavras daquele homem fizeram muito sentido.
Com a lembrança dela em minha mente, tive um dia memorável. Só não foi
melhor porque eu não tornei a vê-la.
Preciso descobrir quem é ela.

Acordei na sexta-feira com um bom pressentimento. Não era dado a


superstições, mas senti uma euforia fora do comum. Fiz minha corrida no
Central Park e me preparei para o trabalho com calma, pois estava com
tempo. Já havia comunicado Phillip que nosso horário de saída seria o mesmo
do dia anterior.
Reorganizei minha agenda somente para tentar a sorte. Queria que
alguma artimanha do destino, ou fosse lá qual fosse a força que regia o futuro
de cada ser humano, me desse a oportunidade de encontrar a mulher do dia
anterior. Não costumava ser um homem religioso, mas para vê-la novamente,
qualquer intervenção divina seria muito bem-vinda.
Quais as probabilidades de pegarmos o mesmo elevador outra vez?
Ainda mais considerando o quanto estava lotado? Eu era metódico o
suficiente para calcular as chances, mas, se pudesse escolher, queria que
aquele raio atingisse o mesmo lugar duas vezes.
Não a vi de imediato, mas reconheci a voz ofegante de quem chegava
às pressas, conseguindo entrar no elevador graças à outra moça que impediu
as portas de se fecharem para ela entrar. Eu estava escorado no metal gelado,
observando sem ser notado, por mais que desejasse ter sua atenção voltada
para mim.
— Bom dia, bom dia — cumprimentou os senhores ao seu lado,
parecendo aliviada por desta vez não ser a única mulher entre nós.
Ela não conseguiria me ver de onde estava, e não havia eu como me
aproximar sem parecer inconveniente. As conversas eram baixas e me
concentrei para prestar atenção ao que elas sussurravam entre si.
— Aposto que ficou lendo até tarde, não foi, Jules? — perguntou a
outra moça.
Peguei-me sorrindo com satisfação ao descobrir seu nome.
Jules.
Começava com a mesma letra do meu e soou idiota quando imaginei
nossos nomes gravados em um convite de casamento. Eu não era o tipo de
homem que imaginava construir uma família tão cedo e jamais tive esse
pensamento com qualquer outra mulher.
Jules e Javier… Fechei os olhos com força e tornei a abri-los
rapidamente, afastando os pensamentos tolos.
O que está acontecendo comigo?
— Culpa sua, que me deu de presente. Preciso terminar de ler sobre
Bennett e Chloe[1], eles estão cada vez mais próximos, ultrapassando a
barreira de um relacionamento puramente sexual — disse Jules, sem nenhum
constrangimento aparente.
Ela era tão espontânea! O jeito como falava, despreocupado e cheio de
vivacidade. Fiquei completamente vidrado, fascinado.
O elevador parou e os que entraram preencheram a lotação máxima
permitida. Mantive meu olhar na direção de Jules e vi quando alguém
esbarrou nela, derrubando algo que ela segurava, deixando-a nervosa e
desconfortável pelo ocorrido. Com discrição, Jules se abaixou e conseguiu
juntar o que havia caído, mas pela expressão do seu rosto, algo mais se
perdera.
Desviei minha atenção para o chão, tentando encontrar o que ela
procurava. Quase não contive minha empolgação ao achar, próximo aos meus
pés, o livro que ela estava lendo. Estiquei os braços, me abaixando um pouco
para conseguir pegá-lo. Olhei discretamente para a capa, ninguém prestava
atenção em mim.
Cretino Irresistível, que porra de livro é esse?
Abrindo o livro, vi a etiqueta na folha de rosto com os dizeres:
“Este livro tem dona e ela
ama seus exemplares.
Portanto, serei grata se o
devolver.”
Além do recado, havia um e-mail e número de celular, o que considerei
descuido da parte dela.
Tudo isso por um livro?
Rapidamente, saquei o celular do bolso e digitei seu número e e-mail,
salvando o contato como “maluquinha”. Eu sabia seu nome, mas não resisti
ao impulso de apelidá-la. Assim que reparei Jules cochichando com a amiga,
rapidamente coloquei o livro no chão e o arrastei com o pé em sua direção.
Fiz “cara de paisagem”, como costumava dizer Rachel. Mas Jules sequer
olhou para mim e logo em seguida encontrou seu precioso livro.
As portas se abriram no décimo sétimo andar e mais uma vez eu a perdi
de vista.
Como me aproximar dela?
Era estranho me sentir tão encantado por uma mulher que não fazia
ideia da minha existência. Eu tinha consciência da atração que exercia no
sexo oposto, sempre usei isso ao meu favor, quando interessado, mas,
estranhamente, com Jules não conseguia me fazer ser notado.
Certo, eu bem que podia ter chegado mais perto, talvez um esbarrão
sutil ou um “bom dia” educado. Nunca flertei em meu ambiente de trabalho e
talvez esse fosse um dos fatores que me fez reprimir o desejo de
aproximação. Mas eu precisava mudar aquela situação, tinha ao menos que
saber se existia alguma chance de ela se interessar por mim.
“Não passou pela sua cabeça que poderia ter simplesmente saído do
elevador, também no décimo sétimo andar e entregado o livro para ela
pessoalmente?”
Puta merda! Como não pensei nisso?
“Bundão!”
Ótimo, meu subconsciente é o babaca que eu não sou!

A manhã passou rápido em meio a negociações e contratos firmados.


Não percebi que o horário de almoço havia chegado. Emma interfonou para
perguntar se eu queria algo para comer, mas optei por sair do escritório.
Meu avô estava em uma viagem de negócios, portanto, apreciei minha
própria companhia em uma delicatessen que ficava a duas quadras da Stanton
Tower.
Ouvi meu celular tocando e verifiquei o visor, onde o nome de Hani
apareceu.
— Ei, estive pensando em você esta manhã. — Fui diretamente ao
ponto.
Pude ouvir sua risada divertida do outro lado da linha.
— Meu homem não gostará de saber disso, amigo — respondeu
provocativa.
— Então não conte a ele. — Entrei no seu jogo, mas decidi não levar a
brincadeira adiante. — Falando sério, Hani. Preciso de conselhos femininos.
— Tem mulher na jogada, não tem? — perguntou curiosa.
— Conheci uma mulher ontem — comecei a contar. — Tecnicamente,
ainda não nos conhecemos. Eu a vi e fiquei interessado, mas ela ainda não me
notou.
— Como assim, ela não notou você? — Hani não parava de rir do outro
lado da linha. — Que mulher, em perfeito estado de sanidade mental, não
notaria você?
— Acho que seu homem não gostaria de ouvi-la dizendo isso —
debochei.
— Tudo bem, ele sabe que não estou flertando contigo!
— Ela se chama Jules Clarkson — voltei ao assunto inicial. —
Trabalha em alguma empresa no décimo sétimo andar da Stanton Tower e
gosta de ler romances. Isso é tudo o que sei até agora.
— Certo, e por que você acha que eu posso ajudá-lo?
— Preciso descobrir mais algumas informações sobre ela e então você
entrará com seus conselhos.
— Tudo bem! Não vejo a hora! — Sua animação era incontestável. —
Eu te liguei para avisar que depois de Santorini, Zayn e eu estamos
planejando uma viagem para Nova Iorque. Vou passar um tempo
pesquisando algumas casas de moda americanas, e Zayn quer aproveitar a
ocasião para verificar pessoalmente a Oásis do Uper West Side. Ou melhor,
ele arrumou a desculpa perfeita para estar por perto e saber de cada passo
meu, quando Alexios poderia cuidar de tudo.
Não evitei o sorriso.
Zayn e Hani eram um casal explosivo. Eles se amavam, mas tinham
temperamentos fortes e se confrontavam o tempo todo. Zayn era ciumento,
Hani era possessiva. Mas, juntos, formavam o casal mais forte que eu já
havia conhecido. O amor deles era algo diferente e verdadeiro, e somente os
dois poderiam fazer dar tão certo.
— Posso preparar o jantar em meu apartamento — sugeri.
Ainda não havia recebido nenhuma visita desde que me mudei, com
exceção de Emma, mas ela era uma colaboradora e esteve lá a trabalho.
— Ótimo! — comemorou Hani. — Vou falar com Zayn e te envio
mensagem informando a data de nossa chegada.
— Tudo bem.
— Foi um prazer falar com você, Javi.
Assim que retornei à Stanton Tower e entrei no elevador sempre
tumultuado, ouvi vozes femininas, animadas. Sorri por dentro, satisfeito ao
ver Jules novamente. Ela estava tagarelando com suas amigas, alheia aos
homens que ouviam a conversa. Era algo sobre livros e uma delas falava do
tal Cinquenta Tons de Cinza.
Segurei uma risada ao perceber como os homens em volta ficaram
constrangidos com o assunto abordado pelas mulheres, mas elas não se
importavam, principalmente Jules, quando a ouvi dizer em alto e bom som:
— Deixem de ser caretas. Trata-se de livros com conteúdo adulto e não
há nenhuma criança aqui. Além disso, não me envergonho de dizer que li
todos os romances do gênero que foram lançados recentemente. Uma pena
morar em Nova Iorque e não viver uma história como a desses livros. Isso é o
que me deixa frustrada. Onde já se viu? Tantos homens engravatados neste
edifício e nenhum deles é Gideon Cross[2]? Fala sério! São todos tão mal-
humorados e intimidadores.
As três amigas começaram a rir do desabafo de Jules e precisei morder
meu lábio inferior para me impedir de fazer o mesmo.
Eu bem que gostaria de ser esse tal de Gideon Cross, embora não faça
ideia de quem ele seja, pensei comigo, intrigado. Ela defendeu com tanto
afinco os romances e parecia falar sério quando mencionou a falta de homens
que se parecessem com os personagens de tais livros.
De repente, um senhor a abordou, deixando-a evidentemente
constrangida, o que foi mesmo engraçado. Tive que fazer um esforço
tremendo para não começar a rir. Queria chamar a atenção daquela mulher,
mas não de uma maneira debochada, que possivelmente a faria me odiar.
— Se eu fosse trinta anos mais jovem, bem que aceitaria ser o tal
homem dos seus livros, senhorita. Mas acredito que seja tarde demais,
considerando minha idade avançada e por estar comprometido com uma linda
senhora de cabelos grisalhos — concluiu e apontou a aliança dourada na mão
esquerda.
— Que pena! — Jules fez beicinho. — Os bons partidos estão nos
livros ou então casados, que azar o meu!
Ela sorriu e me deixou admirado com sua maneira descontraída de sair
de uma situação constrangedora. Confesso que fiquei excitado. Ela abordava
assuntos polêmicos sem medo de defender o que pensava, era inteligente e
sensual de uma maneira tão natural que nem chegava a perceber.
O elevador parou e elas saíram juntas em direção ao corredor.
Provavelmente, além de amigas, eram colegas de trabalho.
Os homens em volta ficaram tão curiosos quanto eu sobre o conteúdo
dos livros que ela adorava ler, um deles chegou a comentar com o amigo.
Naquele momento, tive certeza de que eles estavam pensando no que esses
homens dos livros tinham de tão especial e que eles próprios não possuíam.
Saquei o celular do bolso e digitei rapidamente uma mensagem para
Hani.
JAVIER>>> Quem é Gideon Cross?
“Como posso olhar nos seus olhos
E contar-lhe tamanhas mentiras?
O melhor que posso fazer é tentar lhe mostrar
Como amar sem medo
Minha garotinha
Você foi e roubou o meu coração
E tomou posse dele…”
MY LITTLE GIRL - JACK JOHNSON
— Você não precisava fazer uma chamada de vídeo, Hani. Devia estar
aproveitando suas férias em Santorini.
Encarei a garota pela tela do meu laptop, sentada numa imensa cama de
hotel.
— Claro que precisava! Você mencionou Gideon Cross e me intrigou.
Além disso, Zayn está participando de uma videoconferência com Omar e
Alexios, eu estava me sentindo entediada. Não se preocupe comigo. Vamos
focar na sua garota! — Bateu palmas, animada.
Sorri, gostando de como aquilo soava.
Minha garota… Eu bem que gostaria que fosse verdade!
Franzi o cenho, percebendo o quão descabido era o meu
comportamento. Nem parecia um homem de vinte e oito anos, estava mais
para um adolescente.
Eu nem deveria estar falando com Hani naquele momento, pois ainda
estava no escritório e precisava continuar meu trabalho. Entretanto, uma força
maior direcionou meus pensamentos para Jules Clarkson e não consegui
focar em outra coisa que não fosse encontrar uma maneira de chamar sua
atenção para mim.
Hani era a pessoa certa para me ajudar, disso eu tinha certeza.
— Eu te contei o que ouvi no elevador — retomei o assunto principal.
— Certo. — Sua expressão pensativa deixava claro que ela estava
maquinando alguma coisa. Fiquei preocupado. Hani tinha ideias
mirabolantes, mas nem todas eram sensatas. — Temos então uma mulher
apaixonada por romances eróticos, que gostaria de encontrar na vida real um
cara que seja parecido com os mocinhos dos livros que ela ama ler. Entendi
certo?
Parecia meio tolo, ouvindo alguém dizer em voz alta, mas foi o que
entendi com o pouco que sabia a respeito de Jules Clarkson.
— Sim, é isso mesmo.
O sorriso da minha amiga fez com que meu estômago se revirasse de
nervosismo.
Péssima ideia ter pedido conselhos a ela! Eu devia ter falado com
Zayn.
— Então não perca mais tempo, Javier Stanton! Seja o homem que ela
está procurando.
Como se fosse assim tão fácil!
— Não entendi seu raciocínio, Hani.
— Ela quer um mocinho dos livros. Seja um!
— Tá… — Gesticulei com as mãos, ainda sem saber o que argumentar.
Hani revirou os olhos e soltou uma lufada de ar.
— Pelo visto, terei que ser a mente brilhante por trás do plano —
murmurou, me ignorando por um tempo, parecendo pensar em algo. — Já
sei! Você tem o e-mail e o número do celular dela, vamos partir daí!

— Não acredito que estou realmente fazendo isso! — resmunguei


sozinho, sentado no chão da sala do meu apartamento, com o laptop apoiado
nas pernas dobradas.
Tinha acabado de enviar um e-mail para Jules Clarkson e estava me
sentindo o idiota do século.
Pelo amor de Deus! O que deu em mim?
Depois de ter anotado todas as instruções que Hani me passou, com
dicas de livros que eu deveria ler para entender um pouco do universo pelo
qual Jules era tão apaixonada, segui o plano descabido de minha amiga,
acreditando que desta forma conseguiria chegar a Jules Clarkson de uma
forma diferente e muito próxima do que ela esperava.
Eu seria o homem dos seus livros.
Com isso, não deveria me envergonhar pelo e-mail obsceno que enviei.
Eu tinha anotado em minha agenda vários títulos de romances em alta
na atualidade, alguns trechos e frases de impacto ditas por personagens e tudo
o que Hani conseguiu me passar para que eu começasse minha jornada na
literatura erótica.
Acabei comprando um Kindle e baixando uma porção de e-books que
precisaria ler o quanto antes para levar o plano adiante.
— Só espero que funcione.
Enquanto eu repensava se valia a pena ou não continuar levando
adiante a ideia maluca de Hani, um e-mail chegou à minha caixa de entrada.
— Puta merda, é dela!

“Eu não faço amor, eu fodo com força.”[3]


Foi com essa maldita frase na cabeça desde que acordei na manhã de
sábado.
— Eu realmente fiz o que fiz? — murmurei, ainda de olhos fechados,
quando ouvi o despertador no celular.
Sentei-me na cama, ainda sonolento. Tinha ido dormir mais tarde que
de costume, e só consegui depois de um banho gelado, onde precisei me
aliviar com masturbação.
— Maluquinha atrevida. — Sorri, indo até o banheiro para aliviar
minha bexiga e fazer a higiene matinal.
Jules tinha não apenas respondido o e-mail, como também entrou no
jogo. Ela era ousada, embora no fundo eu me preocupasse com sua falta de
precaução. Afinal, se tratava de um estranho lhe enviando e-mails atrevidos e
com um linguajar bem vulgar. Estávamos em uma época onde crimes virtuais
eram tão graves quanto a própria violência física.
Confesso que me decepcionei um pouco com a fácil aceitação dela a
um anônimo.
Talvez, se eu tivesse me feito notar em algum dos momentos que
estivemos no mesmo lugar, as coisas pudessem ter sido diferentes.
Enquanto escovava os dentes, tentava lidar com minha crise de
consciência.
Uma corrida no parque ia me ajudar a distrair os pensamentos.

Quando finalmente concluí que estava indo longe demais por causa do
meu interesse inexplicável por aquela mulher e cheguei à decisão final de que
não continuaria com aquele jogo de sedução arriscado pela internet, o destino
parecia estar tramando um novo jeito de me unir a Jules sem que eu tivesse
planejado.
O Central Park era um verdadeiro oásis em meio aos arranha-céus
novaiorquinos, com mais de quatro quilômetros de comprimento e oitocentos
metros de largura. Eu tinha o privilégio de tê-lo como vista do meu
apartamento, e era em uma de suas trilhas para caminhada que seguia a minha
rotina de corrida matinal. Foi também ali que reencontrei a garota que não
saía dos meus pensamentos desde que a vi entrando no elevador da Stanton
Tower.
Vestindo legging e camiseta, Jules corria pela trilha um pouco mais à
minha frente. Com fones de ouvido, acho que ela nem percebia que cantava
em voz alta enquanto se exercitava, o que era engraçado, pois a respiração
pesada não a tornava a melhor cantora, embora sua voz fosse agradável de se
ouvir.
Mantive uma certa distância tão logo a reconheci, o que foi realmente
uma grande coincidência.
Eu não tinha o hábito de ouvir música enquanto corria, apenas durante
meus exercícios na pequena academia que montei num dos quartos vagos em
meu apartamento. Mas ela parecia distraída e acabei por segui-la, tomando o
cuidado de não a ultrapassar, pois queria continuar observando sua
espontaneidade.
Talvez eu deva me aproximar, aproveitar a oportunidade e…
Foi tudo tão rápido que não consegui evitar minha queda, mas tentei
não a machucar com o peso do meu corpo, sentindo minhas mãos sofrerem
escoriações do atrito com o chão.
Num segundo eu observava hipnotizado o quadril de Jules se
movimentar durante sua corrida, no instante seguinte eu caía por cima dela no
chão e nem me dei conta de como aquilo aconteceu.
Ouvi o gemido em agonia, ela tinha se machucado também.
Apoiando os braços no chão em uma flexão forçada, eu ainda pairava
sobre ela, sentindo meu corpo enfraquecer quando inspirei o ar e senti seu
cheiro feminino misturado a um pouco de suor, o que foi suficiente para
despertar meu pau.
Isso não é hora de ficar excitado, caralho!
Afastei-me para evitar um constrangimento maior e também para que
ela pudesse se levantar. Quando Jules se virou para mim, ainda sentada no
chão, vi seus joelhos ralados e o tecido da calça rasgado. Isso foi suficiente
para controlar meu tesão, pois fui invadido pela preocupação repentina.
— Você está bem? — Estendi minha mão para ajudá-la a se levantar,
ignorando que estava machucada.
Tudo o que eu conseguia fazer era observar cada detalhe daquela
mulher e me esforçar para não fazer papel de idiota.
Ela terminou de amarrar o cadarço do tênis antes de me responder, com
um sorriso envergonhado:
— S-sim. Apenas uma legging rasgada, dois joelhos ralados, um iPod
danificado e o ego ferido.
Eu nem sei por que comecei a rir, talvez fosse o nervosismo. Não
estava debochando dela, obviamente, e quando pensei que ela pudesse pensar
algo assim a meu respeito, tratei de mostrar minhas mãos e disse a primeira
coisa que me veio à mente:
— Acho que me machuquei também. Estava distraído e você caiu de
repente, não consegui evitar minha queda e quase te machuquei.
Tivemos um diálogo curto e um pouco esquisito. Ambos não sabíamos
bem o que dizer, mas tive a impressão de que, assim como eu, Jules também
não queria que nossa interação acabasse logo.
Eu não conseguia parar de sorrir para ela e tentava a todo custo
disfarçar a animação do meu amigo entre as pernas, com receio de que ela
percebesse o quanto eu estava começando a ficar excitado apenas de ouvi-la
falar.
Quando Jules sugeriu que eu fosse até seu apartamento para tratar dos
meus ferimentos, um alarme se acendeu em minha mente e senti a
necessidade de recuar.
— Eu também moro aqui perto, vou passar em uma farmácia para
limpar o ferimento e fazer um curativo. Talvez você queira me acompanhar e
cuidar do seu joelho… — falei, tentando de alguma forma mantê-la por
perto.
Era a minha chance de conhecê-la melhor, mas não achava certo ir até
o seu apartamento. Eu ainda era um estranho, ela devia ser mais cautelosa.
Além disso, não sabia como me comportar estando tão perto dela num
ambiente fechado. Provavelmente acabaria abrindo o jogo e lhe contando
sobre tê-la visto dias antes e toda aquela conversinha do elevador. Soaria
como um stalker.
Nunca foi tão difícil me aproximar de uma mulher que me interessava
quanto estava sendo com Jules Clarkson.
Ah, sim, ainda havia esse detalhe: ela não tinha me dito seu nome e eu
quase a chamei de Jules, o que certamente acabaria por assustá-la.
— Como você se chama?
Estava tão hipnotizado por ela que nem percebi que repeti seu nome em
voz alta, assim que ela finalmente o revelou. Com isso, e somado ao fato de
que Jules não se deu ao trabalho de perguntar o meu, acabei por nem me
apresentar.
Ali estava eu, desperdiçando todas as possibilidades que a casualidade
ou o destino jogava bem na minha cara. Poderia ser mais imbecil da minha
parte?
— Tudo bem então, moço. Preciso tratar dos meus ferimentos e você,
dos seus. Mais uma vez, me desculpe. Agora eu preciso ir!
Eu certamente passei a impressão errada, pois a postura de Jules
tornou-se defensiva e então, sem mais nem menos, a garota simplesmente
saiu correndo, me deixando ali sem entender porra nenhuma.
Passei as mãos pelo cabelo, frustrado e sem ação, observando-a se
afastar enquanto tentava não mancar. Seria engraçado se ela não estivesse
machucada.
Se eu for atrás dela, vou acabar assustando-a, pensei, odiando minha
lentidão em tomar uma atitude em relação a Jules.
— Droga! — Só me lembrei das escoriações quando senti a dor do
contado da ferida aberta com meu cabelo.
Eu tinha perdido todo o pique da corrida, e ainda precisava passar na
farmácia antes de voltar para casa. Acabei pisoteando algo quando me virei
para ir embora e não demorei para descobrir o que era. O iPod dela… Sorte
ou azar?
Já estava próximo do meu apartamento quando reconheci Jules,
entrando num dos prédios vizinhos.
Uau, que mundo pequeno. Tão perto e, ainda assim, tão longe.
“Hoje vai ser o dia
Que eles vão devolver isso para você
E neste momento você devia, de algum modo
Ter percebido o que tem de fazer
Eu não acredito que alguém
Se sinta do modo como me sinto
A seu respeito neste momento…”
WONDERWAL - OASIS
— Javier está apaixonado — disse Hani, batendo palminhas, animada.
— Como assim? Você mal chegou a Nova Iorque e já encontrou a
metade da sua laranja? — perguntou Zayn, mais curioso do que aparentava.
Eles ainda estavam de férias, em Santorini, mas minha amiga mandona
insistiu em outra chamada de vídeo.
— Não estou apaixonado, só muito interessado em uma pessoa —
confessei, um tanto sem graça.
Eu não costumava falar sobre minha vida sentimental na frente de
Zayn, mas Hani não conseguiu se conter.
— E o que te impede de tê-la? — ele quis saber.
Já que eu estava na chuva…
— Aparentemente, Jules acredita que os homens engravatados da
Stanton Tower são mais frios que iceberg. Ela adora ler aqueles livros onde
os grandes empresários são cheios de manias extravagantes e exalam uma
autoridade e possessividade aparentemente sensual.
Hani começou a rir sem parar.
Zayn franziu a testa, mas não conteve o sorriso.
— É, esses livros acabam com a gente — comentou meu amigo,
olhando enigmaticamente para sua noiva.
— Alto lá, campeões — protestou Hani. — Esses livros são ótimos
estimulantes para a imaginação feminina! Nós, mulheres, gostamos do
romance, mas não acreditamos em contos de fadas. Sabemos que não existe o
príncipe encantado, só queremos uma história que nos deixe com frio na
barriga e coração acelerado. E por que não uma calcinha molhada?
— Hani!
Foi minha vez de rir com a expressão de espanto no rosto de Zayn.
— Não me olha com essa cara, Habib! — Ela se fez de desentendida.
— Você não deve nada para os mocinhos literários!
O sorriso cínico brotou nos lábios do homem, e ele voltou a assumir a
postura confiante como de costume.
— Talvez seja o que a sua garota esteja procurando, Javier —
argumentou Zayn. — Se ela gosta tanto desses livros, o mais provável é que
deseje encontrar um homem à altura dos personagens, e não me refiro ao
dinheiro ou ao fato de serem executivos.
— Ainda não entendi aonde você está querendo chegar.
Hani interveio:
— Você me enviou mensagem no outro dia perguntando sobre Gideon
Cross. Ele é um personagem de livro que tem mania de controle, é lindo de
morrer e faz de tudo para obter a mulher que deseja.
— Eu sou lindo de morrer? — provoquei.
— Não responda — interferiu Zayn, mal-humorado.
— Parem com isso, rapazes — ralhou. Olhando para mim, ela
continuou: — Já te dei a ideia de criar algum tipo de jogo erótico para
envolver Jules e despertar o interesse dela. Sua garota quer se aventurar em
algo diferente. Proporcione isso. Ter um admirador secreto é sempre
interessante e acontece muito em livros de romance.
— O que mais posso fazer além de continuar a trocar e-mails? —
perguntei confuso.
Já havia passado um relatório completo a Hani sobre minha troca de e-
mails com Jules, mas não tive coragem de contar sobre o encontro no Central
Park. Eu sabia que tinha perdido uma ótima chance de me aproximar da Srta.
Atrevida e não precisava ter Hani me repreendendo pela minha falta de
iniciativa.
Estava sendo um covarde, não podia negar.
— Esses e-mails foram o pontapé para deixá-la curiosa a seu
respeito, querido. Assim que criarem uma conexão maior, tenho certeza de
que você pensará em algo. Terão de ultrapassar a barreira imposta pela
internet e se conhecerem pessoalmente, certo?
— É o que quero. — Só não fazia a menor ideia de quanto tempo
levaria.
Eu já havia me arrependido por ter começado a me corresponder com
Jules daquela forma atrevida e estava quase certo de que não continuaria com
aquele jogo. Mas depois do desastroso encontro no parque, e ouvindo Hani
dizer aquilo diante de um Zayn complacente, novamente eu me pegava
pensando em manter a estratégia.
Era o que parecia surtir algum efeito sobre Jules, no momento.
— Use os livros a seu favor — Hani continuou. — Você pode aprender
algumas coisas bem legais com esses personagens. Eles são sempre tão
intensos e dispostos a fazerem tudo para verem suas mulheres felizes! Aí está
o ponto principal, nós gostamos de ser prioridade na vida de nossos amados.
Então, Javi, torne-se uma junção de todos esses mocinhos e Jules ficará
caidinha por você, com certeza!
— Isso soa tão diabólico vindo de você — Zayn acusou sua namorada,
estranhamente bem-humorado.
— Eu me surpreendo com a minha capacidade incrível para ideias
inteligentes — disse Hani, nada modesta.
— Vocês, definitivamente, são o casal mais estranho que já conheci!
Aquela ideia era pura loucura, não havia a menor dúvida. Contudo,
acabei gostando do desafio. Não porque conquistar Jules era um jogo para
mim, mas justamente pelo empenho que eu precisaria dedicar para ter sua
atenção. Jamais faria algo assim por qualquer mulher. Entretanto, por Jules
Clarkson eu estava disposto.
— Assim que você conquistar essa mulher, preciso conhecê-la —
comentou Hani, me tirando dos devaneios.
— Por que, Hani? — foi Zayn quem perguntou.
A garota deu de ombros, mas encarou seu homem com um sorriso
diabólico.
— Ora, porque ela será uma das madrinhas do nosso casamento, Habib.
— Segurou o rosto de Zayn entre suas mãos. — Portanto, trate de torcer para
Javier!
Olhando para mim com uma expressão ameaçadora, Zayn falou:
— Você a ouviu, homem. Ganhe a mulher. Ela está no seu futuro!

Minha cabeça parecia que ia explodir de tanta informação recém-


absorvida sobre o mundo BDSM.
Algo que aprendi lendo 50 Tons De Cinza foi que eu não tinha
nenhuma tendência ao fetiche, e muito menos um perfil dominador. Se era
isso que Jules Clarkson estava procurando, então o melhor que eu tinha a
fazer era desistir da ideia de ser o homem dos seus livros. Jamais conseguiria
fazer aquelas coisas com ela, por mais excitante que pudessem parecer. Tudo
o que eu queria era levá-la para jantar, ou ao cinema, ou ao teatro, não para
um quarto cheio de chicotes e apetrechos sexuais que eu não fazia a menor
ideia de como usar. Mas era óbvio que eu queria transar com ela. E muito! Só
de pensar nisso meu pau já se animava. Entretanto, a gente bem que poderia
seguir uma linha menos hardcore…
Jules era exatamente o tipo de mulher que me atraía: bonita em sua
simplicidade. Talvez essa fosse minha única semelhança com os personagens
masculinos dos romances eróticos. Não na parte em que eles eram avessos a
relacionamentos sérios e com isso tratavam as mulheres como objetos
descartáveis, optando até mesmo por prostitutas, evitando qualquer ligação
emocional. Mas na parte em que eles encontravam uma mulher diferente,
aquela por quem valeria a pena se empenhar em ser um homem melhor. Uma
mulher que não se preocupasse o tempo todo em manter a aparência
impecável, ou que só se importasse com futilidades e status social. Alguém
que não olhasse para mim e enxergasse apenas o meu sobrenome ou tentasse
adivinhar quantos milhões de dólares eu tinha na conta.
Eu gostava de sexo, e companhia feminina nunca foi um problema. O
fato de não ter uma namorada era porque nenhuma das mulheres que conheci
era diferente a ponto de me fazer desejar mais que algumas horas numa cama.
Manter o interesse era difícil.
Quando finalmente conheci Gideon Cross, o personagem que Jules
parecia ter certa adoração, foi que comecei a entender um pouco sobre o que
tanto seduzia as mulheres ao lerem esses romances.
O cara era foda, eu tinha que admitir. Foda até demais, e isso era um
tanto injusto com os homens da vida real, muito injusto, para ser sincero.
Com certeza havia uma porção de traumas que fizeram parte da construção de
personalidade do personagem, e eu podia compreender que na vida real
havia, sim, pessoas que passavam por muita merda quando criança e tais
acontecimentos os definiam na vida adulta. Acabei percebendo que essa era
uma característica bastante comum nesses romances e abri minha mente para
entender esses pontos.
Não achava que Jules estava à procura de um cara traumatizado e com
tendências sadomasoquistas, e isso de certa forma me deixou aliviado, pois
eu não era esse cara.
Ao ler Cretino Irresistível, o livro que me fez conseguir o e-mail e
número de celular de Jules, comecei a desvendar um pouco mais daquele
universo literário erótico e confesso que me deixei seduzir pela ideia de tentar
ousar um pouco mais.
Do meu ponto de vista, esses caras eram poderosos. Tinham grana, e
tudo bem, o pacote principal não era o fato de serem ricos, mas serem o tipo
de homem que se empenhava para conquistar seus objetivos e por conta disso
alcançavam o sucesso em determinadas áreas de sua vida.
Eu era assim. Meu avô era assim. Thomas também. E Zayn. E
Alexios… Porra! Eu conhecia uma dezena de homens assim! Fazia parte do
meu cenário. Então Jules estava certa quando falava dos engravatados da
Wall Street.
Outra característica marcante em homens como nós é que a grande
maioria, ao conquistar tudo o que almejava, acabava se tornando arrogante e
acreditando que bastava desejar e poderia obter. Isso não se limitava apenas a
negócios, mas também pessoas. E no mundo em que eu vivia, certamente
havia muita gente que podia ser comprada, inclusive mulheres. Eu não era
ingênuo a ponto de acreditar que esse tipo de coisa existia só em livros. Podia
não ser a minha realidade, porque dentro dos meus princípios, não era algo
que me satisfazia. Mas existia. E daí vinham os enredos em que caras
arrogantes caíam de quatro por garotas que os faziam enxergar um outro lado
da vida.
Conhecendo a história de Zayn e Hani, eu podia dizer que meu amigo
era um exemplo vivo de que podia sim existir na vida real histórias que
dariam um bom romance literário. E o pouco que sabia sobre Alexios e
Lauren, a mesma coisa.
O próprio Thomas era esse tipo de cara. Apaixonou-se jovem demais,
teve uma filha e foi abandonado quando o amor acabou. Por causa de todas as
complicações em sua vida, tornou-se um homem avesso a relacionamentos
sérios, mas quase nunca passava as noites sozinho. Talvez um dia ele
encontrasse uma mulher que o fizesse repensar seu comportamento leviano e
desacreditado. Eu torcia por isso, pois queria o melhor para meu melhor
amigo.
Quanto a mim? Eu era um homem de vinte e oito anos, solteiro e que
nunca tinha namorado sério em toda a minha vida. Durante a fase
universitária, aproveitei o quanto pude, mas depois perdi minha mãe e isso
me deixou deprimido por muito tempo. Então acabei por me envolver na
criação de Rachel para ajudar Thomas e mais tarde começamos a galgar o
sucesso de nossa própria empresa.
Os anos se passaram e me tornei bem-sucedido no mundo corporativo,
e essa era minha maior conquista até então. Agora eu estava de volta a Nova
Iorque, pronto para assumir uma nova responsabilidade com os negócios da
família, que embora fosse um desafio e tanto, não era algo que eu
considerasse difícil.
Para falar a verdade, minha vida andava meio morna. Sem sal.
Aí eu conheci Jules Clarkson, a garota apaixonada por romances
eróticos.
Ela era a mulher diferente que eu nem sabia estar procurando. Uma
mocinha como aquelas dos livros, que buscava seu próprio protagonista para
viver um romance.
Eu queria ser esse homem.
Eu seria!
“Tentar não te amar, só é possível até certo ponto
Tentar não precisar de você, está acabando comigo
Não é possível ver o lado bom, aqui no chão
E eu continuo tentando, mas eu não sei para quê
Porque tentar não te amar
Apenas me faz te amar mais…”
TRYING NOT TO LOVE YOU - NICKELBACK
Depois de um fim de semana mergulhado em pesquisas sobre romances
eróticos, para tentar entender melhor o fascínio das mulheres pelos famosos
personagens masculinos, optei por mudar de estratégia, sem deixar de apelar
para a fantasia de Jules em viver um romance como os dos livros.
Desde nosso encontro no Central Park, eu não havia enviado nenhum
outro e-mail como Sr. Engravatado. Estava disposto a ser eu mesmo, apenas
procurando conhecer o seu mundo e me adaptando dentro do que poderia me
encaixar sem perder minha verdadeira essência.
Afinal, de que valeria tanto esforço, se quando descobrisse que eu era
eu, Jules não gostasse de mim ao constatar que não passava de uma farsa?
Tinha que ser verdadeiro de alguma forma.
Comprar um novo iPod e deixar meu nome e telefone nele foi uma
maneira diferente de abordagem. Sinceramente? Achei que tinha sido uma
grande jogada. Até coloquei uma música que tinha ouvido uma vez e achava
que a letra poderia ter algum significado para Jules. As mulheres eram muito
ligadas nessas coisas, sobre mensagens subliminares através dos trechos de
música. Ao menos eu pensava que sim, então o fato de os dias se passarem e
ela não ter me ligado dizia muito.
Jules Clarkson não estava interessada em mim.
A constatação deste fato mexeu comigo mais do que deveria.
Não era a primeira vez que eu levava um fora de uma mulher, mas a
primeira que me sentia arrasado. Talvez o fato de ela nem mesmo ter me
dado uma oportunidade fosse o que tivesse mais peso nesse incômodo que
senti.
Será que ela estava tão desesperada por encontrar seu homem dos livros
que não prestava atenção na realidade à sua volta? Quais seriam as suas
expectativas?
— Hora de tirar seu time de campo, cara! — disse a mim mesmo,
assumindo que não devia mais insistir.

Eu deveria ter parado, mas uma parte de mim ainda insistia em


continuar. Por isso, mais uma vez, mudei de estratégia. Talvez eu tivesse ido
com muita sede ao pote, então retrocedi e voltei a focar no Sr. Engravatado.
Usaria este personagem a meu favor, para buscar conhecer Jules um pouco
mais, antes de finalmente dar um passo adiante e tentar uma nova
aproximação como Javier.
Além dos e-mails, providenciei um celular para que pudéssemos estar
em contato com mais frequência. Foi um gesto extravagante, mas
completamente inspirado nos livros que Jules adorava. Um admirador secreto
já era algo fora do convencional, ainda mais considerando a forma
despudorada com que nos comunicávamos. Então, acrescentar um presente
inesperado me pareceu certo.
Era incrível, de uma forma boa e ao mesmo tempo ruim. Foi difícil
assimilar como eu conseguia obter algum nível de sucesso em se tratando do
Sr. Engravatado, mas fui um fracasso total como o “moço do Central Park”.
Podia jurar que Jules tinha se sentido atraída por mim, naquele nosso
rápido encontro. Tive a sensação de que assim como eu, ela também queria
estender nosso tempo juntos.
— Estou ficando obcecado, isso não é nada bom.
Mergulhei no trabalho, buscando me distrair de pensar em Jules. Até
retomei minha rotina anterior, para chegar mais cedo à Stanton Tower,
sabendo que assim eu não correria o risco de encontrá-la no elevador. Mudei
a trilha com a qual costumava correr pelo Central Park e até comecei a me
exercitar por mais tempo em minha academia no apartamento.
Não podia permitir que meu interesse em uma mulher bagunçasse a
minha vida.
ALEXIOS>>> Estou em NY esta noite, com Lauren. Quer nos
encontrar na Oásis?
Era sexta-feira e eu tinha acabado de encerrar uma conversa com Jules
que me pareceu bastante promissora. Talvez não demorasse muito para
darmos um próximo passo no nosso jogo de conquista. Aos poucos eu ia me
soltando mais, e confesso que os livros me ajudaram muito nisso. Eu,
inclusive, continuava lendo durante meus intervalos no trabalho, e precisava
dar o braço a torcer e reconhecer que Hani estava certa, eles eram
estimulantes, e podiam ser usados para apimentar um relacionamento com
certeza.
Pretendia passar o resto da noite lendo alguma coisa no Kindle, mas a
mensagem de Alexios me fez despertar o interesse por sair de casa algumas
horas.
Como era minha intenção estreitar laços de amizade, aceitei o convite.
Seria bacana conhecer a mulher que conquistou meu novo amigo. Eu gostaria
de observar a interação do casal, já que minha atual referência era Zayn e
Hani e, bem, eles não eram exatamente muito tradicionais.
JAVIER>>> Convite aceito. Nos vemos em breve.

Embora não fosse muito fã de dirigir, eu não faria Phillip voltar ao


trabalho. Portanto, optei por ir de táxi, já que pretendia beber um pouco. Pedi
ao porteiro do meu prédio que solicitasse o serviço e, quando o interfone
tocou, acreditei que fosse o aviso de que o motorista já estivesse me
aguardando.
— Sim, Mason — atendi ao interfone. — Já estou descendo.
— Não é o seu táxi ainda — avisou ele, parecendo nervoso. — Tem
uma moça aqui embaixo que quer falar com o senhor.
Uma moça? Será que é ela?
— Que moça, Mason? Ela não disse o nome?
Ele hesitou um pouco antes de responder.
— Ela disse que é uma surpresa, pediu que eu o chamasse, mas não
quer dizer o nome, senhor…
— Tudo bem, Mason. Estou descendo. Obrigado. — Desliguei antes
mesmo de ele dizer qualquer coisa.
Fiquei ligeiramente tenso e ansioso.
Como Jules saberia onde moro?

— Rachel, o que está fazendo aqui? — perguntei confuso.


Assim que saí do elevador, ao chegar ao térreo, fui surpreendido por
minha afilhada, que correu até mim e jogou-se em meus braços.
Eu não fazia a menor ideia de que ela estava vindo para os Estados
Unidos. Nem ela nem Thomas me avisaram.
— Ah, senti tanto a sua falta. — Seu aperto à minha volta era um tanto
exagerado, mas eu retribuí o abraço, pois também sentia saudades dela.
Rachel era parte importante da minha vida.
— Também senti a sua, querida. — Beijei o topo de sua cabeça antes
de nos afastarmos. — Por que não me avisaram que você viria? Eu teria te
buscado no aeroporto.
— Implorei ao papai para guardar segredo, queria mesmo fazer uma
surpresa! — Ela não parecia nem um pouco envergonhada por isso, e acabei
deixando para lá.
— Cadê sua mala? — perguntei e ela apontou na direção, então fui até
lá e a peguei. — Vamos subir, você deve estar exausta.
— Devo cancelar o táxi, Sr. Stanton? — Mason me abordou.
Dei um aceno de cabeça para ele, negando.
— Peça que me espere com o taxímetro ligado, Mason, eu desço logo.
— Fiz um gesto para Rachel me seguir, indo para o elevador. — Venha,
querida. Tenho que sair daqui a pouco.
— Aonde você vai? — Ela parecia chateada, embora tentasse disfarçar.
— Acabei de chegar!
As portas do elevador se fecharam e ignorei Rachel até que
chegássemos à cobertura.
— Bem-vinda ao meu lar, querida. Sinta-se em casa. — Voltei-me para
ela e segurei seu rosto entre minhas mãos, sorrindo para confortá-la. — Sinto
muito por ter que deixá-la sozinha, mas fiquei de me encontrar com um
amigo e não posso desmarcar, pois ele vive em Seattle e só está de passagem.
— Eu também só estou de passagem, Javi… — Fez beicinho,
encarando-me com os olhos azuis especialistas em manipular
emocionalmente.
Só que eu não caía no seu jogo com facilidade.
— Sim, eu sei. Mas acredito que ficará alguns dias por aqui, certo? Nós
teremos a oportunidade de ficar um bom tempo juntos. Agora preciso ir,
Alexios está me esperando. — Depositei um beijo em sua testa e me afastei,
voltando para o elevador.
— Posso ir junto?
— Não — fui categórico. — Devia ter me avisado que viria, Rachel.
Agora descanse, amanhã eu te levo para um passeio.
— Está mentindo pra mim? — Rachel alterou a voz, demonstrando
irritação. — Não tem Alexios nenhum, não é mesmo? Está indo se encontrar
com uma mulher…
Soltei o ar dos pulmões, gradativamente, tentando manter minha
tranquilidade.
Eu odiava quando Rachel ultrapassava aquela linha, sendo que não
tinha o menor direito. Nunca dei a ela abertura para o fazer.
— Se eu estivesse indo me encontrar com uma mulher, não teria
nenhum motivo para esconder o fato, Rachel. — Virei-me para que ela
percebesse a severidade em minha expressão. — Alexios é um dos donos da
Oásis, você certamente já ouviu falar. Ele é sócio do meu amigo Zayn. É para
lá que estou indo. Você é menor de idade e não vou te levar a uma casa
noturna, então é isso. Fique aqui e descanse. Se tivesse avisado com
antecedência da sua chegada, eu certamente não teria marcado nenhum
compromisso.
— Desculpe-me, eu…
— Tenho que ir, Rachel. Você pode escolher qualquer quarto do lado
direito do corredor. Boa noite, querida.

— Você por aqui outra vez, acho que estou com sorte. — O tom de
flerte era evidente na voz de Brittany Carlton. — Esqueceu de me ligar,
Javier?
A jornalista que conheci da primeira vez que estive na Oásis havia
escrito uma matéria sobre mim, numa revista de fofocas. Nem me dei ao
trabalho de ler, mas Emma sempre me informava desses assuntos.
Ela estava muito bonita em um vestido de paetês, preto, que deixava
quase nada para a imaginação. O cabelo ruivo estava preso em um coque
elegante e ela usava um par de brincos enormes. Mas Brittany
definitivamente não era o tipo de mulher que me atraía, além disso, seu
comportamento invasivo me irritava.
— Na verdade, eu não tinha motivo algum para entrar em contato, Srta.
Carlton — Usei um tom polido, tentando não soar grosseiro.
Eu não queria passar o resto da noite sendo entrevistado.
O sorriso de Brittany vacilou, mas logo ela recuperou a postura
confiante.
Eu estava sentado em uma banqueta, no bar da área VIP, aguardando
Alexios e sua namorada. Brittany havia se sentado ao meu lado, e não parecia
disposta a me deixar em paz.
— Vocês se acham os superiores, não é? — perguntou com desdém,
enquanto bebericava um coquetel de frutas.
Não respondi, pois considerei algum tipo de provocação e não era do
meu feitio entrar em discussões desnecessárias. Ela podia dizer o que bem
entendesse, eu não dava a mínima.
— Alexios Kallias é mais arredio — Brittany continuou seu monólogo.
— Mas o seu silêncio deliberado é realmente ofensivo, Sr. Stanton.
Virei-me para encará-la. Seu tom amargo não passou despercebido.
— Estou quieto porque você parece gostar de falar bastante, Srta.
Carlton. Além disso, está sempre um passo à frente, sabendo de tudo. Não é
verdade? Como a sua matéria a meu respeito naquela revista.
Ocupei-me com uma long neck, me esforçando para não a deixar ali
falando sozinha. Eu era esperto o bastante para entender que ter uma inimiga
como Brittany seria tão incômodo quanto ter pregos dentro da cueca.
— Ah, então é isso. Você acha que quero escrever outra matéria a seu
respeito…
Dei de ombros.
— Só não me sinto confortável conversando com alguém que pode usar
qualquer assunto para arrancar informações a meu respeito e usá-las da
melhor forma que convier.
— Entendo. — Seu tom era complacente agora. — Acho que minha
abordagem é um tanto intimidante, ao que parece. É esse o meu problema?
— Pensei que soubesse, não foi intencional? — provoquei.
Ela franziu o cenho, ligeiramente incomodada.
— Na verdade, não. Eu sou uma pessoa direta, apenas isso.
Assenti em silêncio, voltando a me concentrar em minha cerveja
enquanto ela terminava sua bebida.
— Obrigada pelo feedback, Sr. Stanton — disse Brittany, algum tempo
depois. — Tenha uma excelente noite.
Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, a jornalista intrometida se
retirou, me deixando um tanto confuso. Eu não gostei da sensação incômoda
de tê-la ofendido ou chateado, mesmo que ela não fosse uma pessoa que eu
considerasse agradável como companhia.
Mal tive tempo de pensar a respeito, pois logo em seguida Alexios se
aproximou, acompanhado de uma mulher simplesmente deslumbrante.
— Stanton, é bom revê-lo!
— Digo o mesmo, Kallias. — Levantei-me para cumprimentá-lo.
— Deixe-me te apresentar minha namorada, Lauren.
Alexios e Lauren formavam um casal bonito e eram muito mais tranquilos
que os furacões Zayn e Hani. Passamos um bom tempo juntos, bebendo e
conversando. Eles eram obviamente felizes e loucamente apaixonados um
pelo outro, bastava observar a forma com que se olhavam.
Acabei me dando conta de que sentia certa inveja do casal.
Eu queria ter alguém que me olhasse da mesma forma que Lauren
encarava Alexios e queria olhar para uma mulher da mesma forma que
Alexios olhava para sua namorada. Desejava a cumplicidade, a intimidade, a
certeza de ter encontrado alguém que simplesmente me completasse. E com
isso eu também invejava Zayn e Hani.
Acabei me sentindo constrangido pela constatação do fato, e um pouco
incomodado. Pensei em Jules e em nossa interação totalmente fora do
convencional, deixando vir à tona uma onda de insegurança e despeito que
estragou meu humor.
Antes que o casal reparasse, tratei de me despedir, usando a chegada de
Rachel como desculpa para me retirar.
— Foi um prazer conhecê-lo, Javier — disse Lauren, num tom gentil.
— Até a próxima, amigo! — Acenou Alexios assim que me levantei.
— Ah, não! Você não pode ir embora agora, acabamos de chegar!
Virei-me na direção da voz conhecida, me deparando com Hani e Zayn.
Encarei Alexios em uma pergunta silenciosa e, pela expressão dele, estava
tão surpreso quanto eu.
— Hani quis fazer uma surpresa — explicou Zayn, ao me cumprimentar
com um abraço. — Ela sabia que Lauren e Alexios estariam por aqui, mas
você foi um bônus, Stanton.
Por insistência do casal recém-chegado, acabei ficando mais um pouco.

Quando Alexios e Lauren se retiraram para a ala privativa da Oásis, Hani


sugeriu que fôssemos para a pista de dança na área comum, o que deixou
Zayn um tanto incomodado, mas ainda assim ele não se recusou.
Eu sabia que meu amigo árabe não gostava que Hani dançasse em público,
nem na área privativa, mesmo que fosse um grupo muito seleto e houvesse
todo um esquema de segurança por trás, como acontecia nas dependências de
todas as casas noturnas de sua rede. A questão era sua possessividade em
relação à minha amiga, entretanto, por mais que Zayn sentisse ciúmes e a
quisesse apenas para si, ele entendia e respeitava a necessidade que Hani
tinha de ser uma garota livre.
Eu o admirava por isso.
Descemos as escadas para a pista do primeiro andar, e nos misturamos
entre as pessoas que dançavam animadamente ao som do DJ residente. Havia
dançarinas performáticas em minipalcos estratégicos, espalhados pelos cantos
da casa, e as luzes coloridas piscavam e se misturavam umas nas outras,
agitando ainda mais os ânimos do público que se divertia.
Acabei optando por ficar mais um pouco na companhia do casal árabe,
sem a menor vontade de voltar para casa, onde sabia que Rachel estaria me
esperando acordada. A garota era teimosa o bastante para ignorar o cansaço
da viagem até que eu finalmente chegasse. Aquele estranho sentimento de
posse não podia continuar. Eu teria que ser franco com Rachel e fazê-la
entender de uma vez por todas que ela não tinha nenhum direito sobre mim.
Eu era livre para fazer o que bem entendesse sem ter que me justificar com
qualquer um. Nem mesmo o meu avô exigia saber cada um de meus passos,
certamente uma adolescente de dezessete anos não teria essa influência.
— Venha, Habib! Dance comigo. — Hani envolveu os braços em torno de
Zayn, que logo a enlaçou pela cintura.
Os dois chamavam a atenção, mesmo que esta não fosse a intenção.
Confesso que fiquei meio sem jeito de ficar por perto, ainda mais por estar
sozinho.
— Vou até o bar — comuniquei Zayn, que assentiu com um gesto de
cabeça, antes de concentrar sua atenção totalmente em Hani.
Consegui um espaço no balcão lotado e pedi uma cerveja. Eu nem
lembrava quando tinha sido a última vez que saí para dançar, talvez na época
da faculdade. Com uma agenda sempre lotada de compromissos de trabalho,
aquele não era o ambiente que costumava frequentar. Na verdade, preferia
algo mais tranquilo ao invés de toda a agitação. Sair da rotina por uma noite
não ia me matar, no entanto.
De repente, um pequeno grupo de mulheres atraiu minha atenção no
balcão do bar. Mesmo com a música alta, achei ter reconhecido as vozes
animadas, ao menos o suficiente para que me virasse naquela direção.
— Jules está empolgada esta noite! — disse uma delas, soando meio
bêbada.
Minha mente ficou em alerta no mesmo instante em que a ouvi citar o
nome da mulher que não saía dos meus pensamentos ultimamente.
— E o Derek não sai do pé dela desde que chegamos — reclamou a outra.
Eu as reconheci daquele dia no elevador, conversando com Jules.
Manhattan não é tão pequena assim para essas coincidências, pensei,
divertido.
Olhei na direção em que elas observavam e senti meu corpo tensionar
quando vi Jules Clarkson acompanhada de um homem. Eles estavam
próximos demais e isso me incomodou sobremaneira.
O sentimento de posse foi inevitável, assim como o ciúme.
Eu não tinha o direito de exigir que ela se afastasse dele, nem poderia ir
até lá e bancar o possessivo. Certamente a assustaria e, considerando a falta
de interesse de Jules em relação à minha pessoa, eu corria o risco de estragar
o pouco avanço que tive como Sr. Engravatado.
Ainda assim, eu estava muito puto.
Queria ir até lá e empurrar o homem para longe dela!
Já sei!
Rapidamente saquei o celular do bolso e digitei uma mensagem.
SR. ENGRAVATADO>>> Estou de olho em você. Comporte-se.
Não, porra! Isso não é suficientemente claro.
SR. ENGRAVATADO>>> Afaste-se desse cara!
Por um momento eu alimentei a ilusão de que ela fosse verificar o celular
e entender meu recado, perceber que eu estava ali, observando-a. Mas apesar
da coincidência de tê-la encontrado numa sexta-feira à noite, no meio de uma
casa noturna lotada, Jules não leu minhas mensagens.
A frustração tomou conta outra vez.
O que será que ela faria se eu simplesmente fosse até lá e a tomasse em
meus braços, roubando-lhe um beijo desesperado, fazendo-a enxergar o
homem interessado em conquistá-la?
Para minha tranquilidade, Jules se livrou do cara e foi ao encontro das
amigas no bar.
Ajeitei-me para disfarçar meu interesse no grupo de mulheres. Não
queria dar bandeira, nem parecer desesperado. Também não estava me
escondendo, pois a chance de ela me ver e reconhecer era um dos meus
desejos secretos.
Alguma força no universo zombava com a minha cara, colocando Jules
Clarkson tão perto de mim em diversas ocasiões, mas ao mesmo tempo tão
distante, sem que ela percebesse a minha presença.
— Puxa vida! Esse cara não sai do seu pé — uma das amigas disse a
ela, fazendo-a rir.
Porra, ela é tão linda!
Eu não conseguia parar de observá-la, fascinado.
— Derek é legal. Eu só não quero mais me envolver com ele.
Olhe pra mim, Jules! O moço do Central Park, se lembra? Estou bem
aqui, porra!
— Vamos beber! — comemorou uma delas, quando o bartender as
serviu de alguns shots, do que concluí ser tequila, devido ao pratinho com
limão e sal.
— ¡Arriba, abajo, al centro y adentro! — elas gritaram ao mesmo
tempo, superanimadas.
Enquanto elas se divertiam, digitei uma nova mensagem.
SR. ENGRAVATADO>>> Você está bebendo demais.
Não era como se eu quisesse controlar suas ações, estava mais para tentar
fazê-la perceber que eu estava por perto. Mesmo que Jules não lesse as
mensagens enquanto estava na Oásis, ela saberia que eu estive lá naquela
noite. Talvez nosso jogo tomasse um novo rumo em breve.
No fundo, tinha receio de que ela exagerasse na bebida, e aquele cara que
ela dispensou voltasse a perturbá-la. Por mais segura que fosse a danceteria
de Zayn, não havia como controlar cem por cento os homens mal-
intencionados.
Para meu alívio, não demorou muito tempo até Jules finalmente decidir ir
embora. Sua expressão não era nada boa, parecia que ela estava doente, sei lá.
O que poderia ter acontecido e eu perdi?
Preocupado, segui as garotas de longe e fiquei aliviado quando Jules
entrou num táxi.
SR. ENGRAVATADO>>> Boa garota. Agora posso dormir tranquilo.

— Você não é um cara da noite — comentou Hani, assim que ela e


Zayn me encontraram no balcão do bar, ainda na área comum. — Por sorte, a
sua garota frequenta o mesmo ambiente que o seu ou seria complicado
encontrar uma boa oportunidade…
Comecei a rir, deixando Hani e Zayn intrigados.
— Pois acredite se quiser: não tem muito tempo que eu a vi, aqui
mesmo.
— Jura? Onde ela está? — Hani olhou em volta, sendo nem um pouco
discreta.
— Já foi embora. — Levantei-me da banqueta e me afastei do balcão.
— E eu também estou indo nessa. Rachel chegou hoje, de surpresa, e vou ter
que bancar o anfitrião amanhã.
Hani fez uma careta.
— Você falou com ela? Com a sua maluquinha? — insistiu, curiosa,
ignorando deliberadamente minha menção a Rachel, por quem Hani não tinha
muita estima.
Dei de ombros.
— Não era o momento certo, Hani. Ainda não.
“E por que não podemos rir
Quando é tudo que temos?
Nós nos livramos dessas coisas infantis?
Perdemos a magia que tivemos um dia?
No final, no final
Não há nada mais importante na vida do que o amor, não é?…”
IN THE END - SNOW PATROL
— Javi, desculpe por ontem. Meu comportamento foi inadequado e
infantil — murmurou Rachel, assim que eu a encontrei na cozinha do meu
apartamento, preparando alguma coisa no fogão.
Já passava do meio-dia e não havia a menor possibilidade de eu acordar
cedo para minha corrida matinal naquele sábado. Não depois da noite
anterior. Eu estava exausto e com uma leve ressaca.
A mensagem de Jules mandando que eu me ferrasse foi o ponto alto da
minha noite, antes de eu cair no sono pesadamente. Acordei com uma puta
ereção e tive que me aliviar debaixo do chuveiro, num banho frio.
Eu não tinha o hábito de me masturbar com frequência, mas desde que
conheci a maluquinha, os sonhos tórridos que alimentavam minhas fantasias
sexuais despertavam a libido a ponto de eu ter que sucumbir e me
proporcionar prazer sozinho. Ao menos enquanto não conseguisse conquistar
Jules.
Não queria nenhuma outra, nem mesmo para sexo casual.
— Desde que não faça de novo, está desculpada — respondi num tom
gentil, mas sério.
Sentei-me em uma das banquetas em frente à bancada da cozinha.
Rachel havia colocado um par de pratos, copos e talheres, e concluí que ela
também acordou tarde.
— O que está preparando? — Achei melhor não estender a conversa
anterior, para evitar tocar em um assunto delicado.
Enquanto Rachel não cruzasse o limite do aceitável, eu poderia ir
levando numa boa os seus rompantes momentâneos. Com a distância
imposta, agora que eu vivia nos Estados Unidos, e ela, na Austrália, não
levaria muito tempo para a garota deixar de lado qualquer que fosse o
sentimento que pensava sentir por mim, além do laço padrinho/afilhada.
Como ela mesma percebeu seu erro, tudo o que eu queria era evitar um
confronto que poderia abalar nossa relação.
— Ovos mexidos e brócolis, é tudo o que sei preparar de comida
saudável.
— Está ótimo pra mim. Obrigado.
— Ah, me agradeça cumprindo a promessa de me levar para um
passeio! — A empolgação em sua voz acabou me animando também.
Eu precisava de um pouco de distração, longe de romances eróticos e
trocas de e-mails sob um pseudônimo anônimo.

Eu sei que deveria estar focando minha atenção exclusivamente em


Rachel, assim que saímos do meu apartamento para explorar Manhattan. Mas
não consegui resistir ao impulso de trocar mensagens com Jules sempre que
tinha a oportunidade.
Felizmente, Rachel estava animada demais para perceber minha
distração.
Embora gostasse do jogo no qual me envolvi com Jules, eu não via a
hora de revelar minha identidade para que finalmente pudéssemos nos
conhecer melhor, sem artifícios. Depois da noite anterior, tal desejo havia se
intensificado. Queria ser eu dançando com ela na Oásis, me divertindo em
sua companhia e a fazendo rir.
Porra! Eu desejava fazer muitas coisas com aquela mulher.
— Ah, Javi! Obrigada por pagar pra mim! — Rachel se pendurou em
meu pescoço, extasiada, assim que saímos da Gucci. — Fiquei tão empolgada
para o nosso passeio que nem me lembrei de verificar se a carteira estava
dentro da bolsa. Obrigada, obrigada, obrigada! Aqueles óculos são a minha
cara! Eu amei muito!
Seu rompante de animação me fez rir, e ela se aproveitou do meu
humor para me beijar no rosto. Eu estava acostumado com Rachel e suas
demonstrações de afeto exageradas, mas aquele beijo me incomodou, mesmo
que não tivesse sido a intenção da garota.
— Quais lugares você quer conhecer enquanto estiver por aqui? —
Para não a fazer se sentir rejeitada, ignorei meu incômodo e agi com
naturalidade, mantendo-a sob um abraço enquanto continuamos a caminhar
observando as vitrines.
— O estádio dos Yankees, é tudo o que tenho certeza até agora, os
outros lugares você pode me fazer uma surpresa. Tenho certeza que vou
adorar.
A estranha sensação de estar sendo observado se concretizou quando
me deparei com o mesmo grupo de mulheres da noite passada, todas me
encarando como se estivessem diante do pior inimigo.
Lugar errado, hora errada, pensei, chateado, enquanto meu olhar
cruzava com o de Jules e ignorava suas amigas.
De todas as ocasiões oportunas, nós tínhamos que nos reencontrar
justamente quando eu estava na companhia de Rachel?
Ah, essa porra de destino estava claramente querendo me foder com
força, sem nem ao menos uma preliminar decente!
— Rachel, me espere aqui que eu já volto.
Não esperei que ela me questionasse e fui em direção a Jules, cheio de
coragem.
Elas estavam claramente me encarando, então isso tinha que significar
alguma coisa. Considerando que apenas Jules me conhecia, se aquelas
mulheres me olhavam com cara de poucos amigos, é porque ela deve ter
contado alguma coisa a meu respeito.
— Jules Clarkson. — Tentei um sorriso, querendo amenizar o clima
entre a gente.
Para minha sorte, ou não, as amigas de Jules saíram de fininho, dando
um tempo e espaço para nós. Fiquei grato pelo gesto, embora eu não
acreditasse que elas tenham feito isso por mim.
— Oi.
Oi? Como assim, oi? Essa mulher só pode estar brincando comigo!
— Você não me ligou, Jules — mencionei o óbvio, não conseguindo
esconder o tom chateado.
Ela hesitou antes de dizer qualquer coisa, estava sem ação, parecia
confusa e ao mesmo tempo envergonhada. Tão diferente da Jules espontânea
e divertida que era quando estava com suas amigas.
— E-eu… Eu preciso ir embora agora!
O quê? Pestanejei, sem entender sua reação, até me dar conta de que
Jules não conseguia disfarçar o olhar curioso na direção de Rachel.
Só me faltava essa agora!
— Vai lá, ela está te esperando.
Será que Jules está com ciúmes de mim?
— Jules, não é o que está pensando. — Eu não conseguia interpretar
sua reação, já que ela não tinha me ligado e preferido os avanços do Sr.
Engravatado.
— Está tudo bem. Preciso ir agora. — O sorriso que Jules me deu foi
tão falso que acho que nem mesmo ela acreditou nele.
Fiquei ali, parado que nem um poste, observando-a se afastar de mim,
quando deveria ter ido atrás dela e aproveitado a chance.
Simplesmente travei.
Ela estava fugindo porque ia começar a chorar na minha frente, pude
ver seus olhos contendo as lágrimas.
Eu a magoei e nem sabia ao certo como consegui a façanha.
— Javi, está tudo bem? — Ouvi Rachel se aproximar. — Estou
morrendo de fome, vamos logo!
Virei-me para ela, mas não disse nada.
Como Rachel conseguia ser tão dissimulada?
Ela com certeza me viu com Jules, mas fingiu que não tinha
acontecido, mesmo quando eu sabia que devia estar morrendo de curiosidade
para saber quem era a mulher que me fez deixá-la esperando.
Forcei um sorriso, entrando no seu jogo.
— Vamos, querida.

Sr. Engravatado: Você está bem?


Quando li a mensagem de Jules, perguntando qual era a minha cor
favorita, fiquei puto da vida. Num instante ela parecia arrasada, mas logo
depois de fugir de mim, enviou uma mensagem ao Sr. Engravatado.
Enquanto eu me sentia péssimo pelo que houve, ela agia como se não tivesse
sido nada de mais.
Porra de mulher confusa!
Precisei me esforçar para continuar sendo um bom anfitrião com
Rachel, mesmo que por dentro estivesse corroído de frustração e até mesmo
raiva. Eu a levei ao Bronx para conhecer o Yankee Stadium, e talvez por isso
ela tenha se mantido complacente ao meu humor.
Sr. Engravatado: Quer se encontrar comigo hoje?
Se Jules finalmente me desse a chance de me revelar, nós poderíamos
resolver qualquer mal-entendido. Mas algo a impedia de dar o próximo passo
em nosso jogo e isso estava começando a me desanimar.
“Esqueça essa mulher, Javier Stanton! Ela é tão especial assim para
você não abrir mão de tentar conquistá-la?” A voz do meu subconsciente
plantou a sementinha da discórdia, me fazendo concordar com seu
argumento.
Eu mesmo tinha argumentado com Zayn e Hani sobre não estar
procurando uma namorada. Até Jules Clarkson aparecer em minha vida,
realmente não era o que eu pretendia. Agora estava me tornando um
obcecado, e esse tipo de sentimento não podia resultar em algo bom,
principalmente se a pessoa envolvida não correspondia ao meu interesse por
ela.
Maluquinha: Seu prazo está acabando, tarado misterioso.
Ela está brincando comigo e sou idiota o bastante para permitir!,
percebi, não gostando desta constatação.
Sr. Engravatado: De que prazo você está falando?
Maluquinha: Tenha um excelente domingo!
— Quer saber? Já chega dessa merda!

— Estou tão feliz, Javi!


Não me passou despercebido o momento em que Rachel entrelaçou
nossas mãos enquanto caminhávamos pelo Central Park na tarde de domingo,
mas não quis fazer uma cena e mantive o toque até encontrar um momento
oportuno de me afastar.
Estava cada vez mais complicado, para mim, relevar as atitudes de
Rachel, mesmo que não fosse minha intenção magoar a menina ou causar
algum tipo de constrangimento entre nós.
Gostava muito dela. Eu a amava, como um membro da família. Da
mesma forma que amava Thomas como um irmão, da mesma forma que
amava meu avô.
Será que ela não enxergava isso?
— Como estão as coisas em casa, Rachel?
— O mesmo de sempre. — Ela deu de ombros. — Papai tem
trabalhado muito, então acabo passando bastante tempo sozinha.
— E os estudos? — Parei de repente, me dando conta de um detalhe
importante. — O ano letivo mal começou, Rachel…
Ao vê-la morder o lábio inferior, reconhecendo ser uma mania que
revelava seu nervosismo, comecei a perceber que havia algo errado.
— Javi… — Ela se calou assim que fiz um gesto para silenciá-la.
Saquei o celular do bolso traseiro do moletom e apertei o número da
discagem rápida que correspondia a Thomas e aguardei que chamasse.
Eram quase quatro da tarde em Manhattan, o que significava que já era
segunda-feira em Sydney, que estava dezesseis horas à frente, e Thomas
estaria pronto para sair de casa rumo ao trabalho.
— Ah, não me diga que ela está aí — resmungou meu amigo e sócio,
puto da vida, ao atender a ligação.
Soltei uma lufada de ar e encarei Rachel com toda a severidade que eu
poderia transparecer naquele momento. Ela tinha ido longe demais,
literalmente.
— Pode me explicar como a sua filha conseguiu pegar um avião para
outro país sem a porra do seu consentimento? E por que você não me avisou
que ela estava sumida, Thomas?
Ignorei os xingamentos dele e aguardei que me respondesse.
— Coloque a porra dessa garota num avião para Sydney o quanto antes,
Javier! Puta que pariu!
“Eu estou aqui sem você, baby
Mas você ainda está em minha mente solitária
Eu penso em você, baby
E eu sonho com você o tempo todo
Eu estou aqui sem você, baby
Mas você ainda está comigo em meus sonhos
E hoje à noite, somos só você e eu…”
HERE WITHOUT YOU - 3 DOORS DOWN
Depois de descobrir que Rachel havia falsificado a assinatura do pai em
uma autorização para viajar sozinha, tive que recorrer a um advogado que me
ajudasse nos trâmites necessários para colocar minha afilhada em um avião
rumo a Sydney. Quase fretei um jatinho, mas não foi necessário chegar a
tanto.
Antes de me despedir dela, lhe dei um longo sermão sobre suas
atitudes, deixando claro o quanto estava decepcionado por ela ter mentido e
feito o que fez.
Rachel tentou me convencer com seu choro, mas não conseguiu.
Aproveitei para deixar bem claro que eu a considerava uma menina mimada e
imatura, sabendo que minhas palavras teriam forte impacto em seu ego frágil,
mas talvez servissem de aprendizado para que ela repensasse suas ações.
Thomas era o pai, cabia a ele a responsabilidade de ensinar à filha
sobre limites impostos e as consequências de ultrapassá-los.
Para piorar, cometi o erro de tentar me comunicar com Jules outra vez,
enviando um e-mail e, ao ser ignorado, três mensagens seguidas pelo celular.
Assim que cheguei ao meu escritório na segunda-feira, atrasado e de
mau humor, tudo o que eu não esperava era receber uma provocação
deliberada da mulher que estava me tirando dos eixos.
Maluquinha: Vá se foder! Ou melhor, venha me foder! Se não for
hoje, esqueça que eu existo. Cansei de palavras, quero ação. Hoje vou sair
pelas escadas. Estou só de lingerie por baixo de um sobretudo. A decisão
final é sua.
— Que porra ela acha que está fazendo? — murmurei, me sentando na
cadeira presidente, lendo e relendo a maldita mensagem.
Eu a surpreendi quando envolvi meus braços em torno dela, cobrindo
sua boca com uma das mãos. Usava luvas de couro, providenciadas
especialmente para aquela ocasião. Mantive-a pressionada contra meu corpo
com firmeza, mas não o suficiente para machucá-la, embora Jules já estivesse
evidentemente assustada.
Ela quem pediu por isso, não foi ideia minha.
— Eu não gosto de ser pressionado, mas confesso que apreciei seu
ultimato — sussurrei, me esforçando para que minha voz saísse baixa e
diferente, mas no fundo, uma parte de mim desejava que ela me
reconhecesse. — Você confia em mim?
Minha raiva aumentou quando ela assentiu com um gesto de cabeça.
— Não vou te machucar. Apesar do que estamos fazendo não ser
convencional, só quero realizar os seus desejos mais secretos. Soltarei a mão
de sua boca e você não deve gritar. Usarei uma venda em seus olhos, mas
deixarei sua boca livre para gemer bem gostoso cada vez que meu pau entrar
duro e fundo em você.
Da mesma forma que estava puto da vida com a falta de bom senso e
responsabilidade de Jules, também estava morrendo de tesão. Acabei
adotando a personalidade do Sr. Engravatado, inspirado em todos os
protagonistas dos romances que li desde que me interessei por ela.
Era estranho e ao mesmo tempo excitante.
Sexo sempre foi divertido e prazeroso para mim, mas também envolvia
algum sentimento. Ali, naquela escadaria, agindo sorrateiramente, eu estava
experimentando algo novo e desafiador, saindo completamente da minha
zona de conforto.
Jules não queria um cara legal que a seduzisse para fazer amor com ela,
mas alguém que a pegasse de jeito e a fodesse por puro desejo carnal. Ela
estava brincando com o perigo, e eu não entendia o motivo. Ainda assim,
aceitei levar nosso jogo para o próximo nível e acabei me desligando do
sentimento que tinha começado a nutrir por ela.
Ali eu não seria Javier Stanton, não seria o moço do Central Park.
Seria apenas o homem dos seus livros.
— Você é um anjo de boca suja, Srta. Atrevida. Lembra-se do que eu
disse que faria quando estivesse com você? — Meu tom sussurrado era frio e
exigente.
— Sim.
— O que eu disse que faria? — Pressionei meu pau duro contra ela.
— Disse que me faria gozar na sua boca.
Cada vez que ela falava, meu tesão se intensificava, mas apesar disso, a
raiva que eu sentia ainda permanecia.
— E é o que deseja? — Puxei seus cabelos, inclinando sua cabeça
levemente para trás.
Jules vestia um sobretudo preto, e até onde eu sabia, apenas um
conjunto de lingerie por baixo.
Maldita provocadora!
— Sim — gemeu, arfante.
— Implore por isso, anjo de boca suja. — Beijei sua nuca, gostando de
ver o seu corpo reagir ao meu toque.
Ela estava tão excitada quanto eu. Nisso parecíamos ser compatíveis.
— Preciso saber se são apenas palavras ou se sua língua sabe mesmo
fazer o que tanto promete. — Seu tom irritado quase me fez rir, mas consegui
me conter.
Eu certamente acabaria denunciando minha identidade se o fizesse. Ela
já tinha me ouvido rir antes.
— Shhhh… — Tirei seu sobretudo e comecei a distribuir beijos pelo
seu pescoço.
Jules apoiou as mãos na parede, ainda de costas para mim. Eu já havia
vendado os seus olhos e ela estava completamente à minha mercê. Quando a
levei até os degraus para fazê-la se deitar sobre o próprio casaco, me deliciei
com a visão do seu corpo e a sensualidade da lingerie que ela havia escolhido
para aquela ocasião.
— Agora entendi por que perguntou qual minha cor favorita. Você fica
ainda mais sexy de vermelho. Essa calcinha ficou linda em você, Srta.
Atrevida, mas vou rasgá-la todinha e te foder aqui mesmo.
Estava embriagado pela luxúria. A adrenalina por estarmos fazendo
algo arriscado, embora eu tivesse passado horas providenciando tudo para
que não fôssemos pegos e houvesse segurança enquanto estivéssemos ali,
deixava tudo mais intenso.
Eu sabia que era seguro, mas ela não. E, ainda assim, Jules não parecia
se preocupar com os riscos. Eram contraditórios, os meus sentimentos em
relação às atitudes dela, mas ainda assim procurei me concentrar em dar à
Srta. Atrevida exatamente o que pediu.
— Não sabe o quanto desejei esse momento — murmurei, começando
a beijar a parte interna de suas coxas, subindo lentamente até sua boceta.
Porra! Jules estava tão encharcada e eu não me contive mais. Depois de
provocar e constatar o quanto o seu corpo estava entregue, abri suas pernas e
sorri, mesmo que ela não pudesse ver, satisfeito por tê-la erguendo o quadril,
buscando por mais, por mim. Um gemido alto escapou de sua boca e as mãos
de Jules puxaram o meu cabelo, guiando meu rosto em direção à sua boceta,
totalmente receptiva.
Naquele instante, eu sabia que estava perdido. Não tinha mais volta.
Nós começamos aquilo e teríamos que ir até o fim, deixando as
consequências para depois.
Ainda assim, eu a torturei mais um pouco, saboreando devagar,
provocando com beijos suaves, trabalhando minha língua sem pressa e me
deliciando com seu corpo se contorcendo por minha causa. Quando enterrei
um dedo dentro dela, sabia que não demoraria muito tempo até que Jules
gozasse.
— Você não tem permissão para gozar ainda. — Embora fosse uma das
muitas falas que eu decorei dos livros, saiu tão naturalmente que até me
espantou.
— Por favor, não pare…
Segurei o riso e fiz justamente o oposto do que ela pediu. Parei,
subindo até minha visão se deleitar com os seios arfantes pela respiração
pesada de Jules, e os apertei, mal podendo acreditar que finalmente estava
tocando a mulher que eu tanto desejava, ignorando qualquer alarme do meu
subconsciente que poderia me dissuadir da ideia de seguir adiante.
Meti dois dedos em sua boceta, um pouco mais áspero do que
pretendia, mas Jules não reclamou, então me entreguei de vez ao momento.
— Por favor, mais… — implorou, quando minhas mãos já estavam
apertando-lhe os seios enquanto eu chupava sua boceta gostosa, como se
nossas vidas dependessem daquilo.
— Shhh… Eu sei o que estou fazendo, em breve você terá o que quer.
— Dei um tapa em sua coxa, me arrependendo em seguida.
Eu não queria ser bruto demais com ela.
Deixei de lado a culpa quando percebi que Jules continuava no clima,
voltando a me concentrar em chupá-la até sentir que ela estava a ponto de
sucumbir ao orgasmo.
— Goza pra mim, Jules — resmunguei num tom imperativo, por puro
instinto.
Eu sabia que era mais uma das frases que os caras que ela tanto amava
nos livros falavam para as mulheres. Mas não foi de propósito. Eu estava
focado demais em chupar sua boceta e tê-la gozando em minha boca, que
quase esqueci que precisava tomar cuidado para não revelar minha
identidade.
Quase gozei nas calças, observando-a se entregar ao ápice do prazer.
Foi tão intenso.
Jules Clarkson conseguia ficar ainda mais linda gozando para mim.
Porra de mulher gostosa!
— Ainda não acabei com você — sussurrei, cheio de tesão.
Ajudei Jules a se levantar e a guiei até o corrimão das escadas, minha
ereção pressionada contra sua bunda, apreciando o contato com o corpo
completamente despido. Seus cabelos castanhos estavam soltos e eram tão
cheirosos quanto a pele macia. Eu poderia beijá-la da cabeça aos pés, sem
pressa, caso estivéssemos em um local mais adequado.
Talvez em outro momento…
— Agora vou prendê-la.
Por um segundo, a senti vacilar.
Pensei que Jules recobraria a razão e desistiria de seguir com nosso
jogo. Ela tinha a sorte de estar comigo, porque bastava um pedido seu para
que eu parasse e sua vontade seria feita. Não poderia dizer o mesmo, se fosse
outro homem, e era justamente por isso, por Jules não pensar nos
pormenores, que minha raiva ainda estava ali, mesclando-se com a luxúria.
— Se alguém nos flagrar… — Tentou se soltar.
Ela tinha medo de sermos pegos no flagra, mas não tinha medo de se
entregar a um desconhecido.
— Acalme-se — Beijei suas costas, tentando passar tranquilidade. —
Eu cuidei de tudo, ninguém vai entrar aqui. Somos apenas você e eu.
Depois de um rápido diálogo sobre camisinha, não demorei muito para
revestir meu pau com a proteção de látex. Eu ainda estava vestido, tendo
abaixado minha calça e cueca somente. Colei meu corpo ao de Jules,
metendo aos poucos meu pau em sua boceta, sentindo seus nervos se
acostumarem comigo, me recebendo…
Puta que pariu!
Jules soltou um gemido tão alto que pensei tê-la machucado, mas logo
entendi que não foi o caso. Ela era apertada, mas ainda assim nossos corpos
se encaixavam tão bem.
Eu queria que ela estivesse de frente para mim, debaixo de mim,
deitados em uma cama confortável. Queria suas mãos entrelaçadas com as
minhas, seus olhos castanhos e sonhadores conectados aos meus, para que
pudesse vislumbrar o brilho apaixonado em suas íris e me sentir um homem
de sorte, por ter meus sentimentos correspondidos. E então fazer amor com a
mulher que tinha ganhado meu coração sem fazer grandes esforços, até que
ambos atingíssemos o ápice do prazer.
Mas não era o caso.
Não era o que ela queria.
Quando me lembrei de por que ambos estávamos ali, voltei a assumir o
personagem. Deixei-me levar pelo Sr. Engravatado e esqueci completamente
o que Javier Stanton gostaria de ter feito.
— A boceta mais gostosa que eu já fodi!
Acelerei o ritmo, estocando com força, dominando o corpo feminino e
o usando para obter prazer, da mesma forma que ela me usava.
Bastou que eu lhe desse a ordem e a boceta de Jules se contraiu em meu
pau, assim que atingiu o orgasmo. Gozei tão forte, ao mesmo tempo em que
ela também se entregava.
— Porra, o que foi isso? — deixei escapar um tempo depois,
embasbacado, enquanto distribuía beijos suaves em suas costas.
Eu não conseguia encontrar palavras para descrever o quanto foi
intenso. Nunca na minha vida tinha sentindo um prazer tão sublime.
— Isso foi o melhor sexo da sua vida.

Mal podia acreditar que havia realmente feito o que fiz. Foi excitante
pra caralho, mas minha consciência se contorcia em culpa.
Não foi certo… Porra! Não foi certo!
Cometi um grande erro ao ceder à sua provocação. Sabia que Jules
estava reagindo motivada pela mágoa que lhe causei no dia anterior, e de
certa forma foi isso que me convenceu a ir até ela. Mas perdi o controle, me
deixei levar pelo desejo e nosso jogo secreto.
Fui fraco! Ela estava vulnerável e se arriscou em um encontro às cegas
com um desconhecido.
Meu Deus, onde eu estava com a cabeça?
Onde ela estava com a cabeça?
Cada segundo foi o céu e ao mesmo tempo o inferno. Seu gosto em
minha boca, o aroma inebriante, o corpo se moldando ao meu. Nenhuma
mulher mexeu comigo como aquela mulher sexy e maluquinha.
Eu soube, ali mesmo, que estava ferrado. Não se tratava apenas de uma
atração louca e alucinante… eu não correria tantos riscos por qualquer outra
mulher. Mas quando Jules Clarkson estava na jogada, o desejo de ser tudo o
que ela tanto precisava praticamente corria pelas minhas veias e eu nem sabia
ao certo o motivo.
Então por que estou me sentindo um merda de homem?
Assim que saí da Stanton Tower, avistei Phillip me aguardando na
calçada. Caminhei até ele, inquieto e irritado comigo mesmo.
Eu não a beijei. Não queria fazer isso sem que Jules soubesse quem eu
era.
Um beijo significava muito, ao menos para mim. Envolvia mais do que
apenas desejo e, embora já tivesse beijado outras mulheres sem me sentir
emocionalmente envolvido, era uma forma mais íntima de explorar a outra
pessoa e descobrir se a conexão entre os corpos seria intensa de uma forma
diferente da apenas carnal.
Beijar era uma preliminar preciosa.
No fundo, eu sabia que se a tivesse beijado, teria arrancado sua venda e
me revelado de uma vez por todas. Porém, algo em meu íntimo tinha receio
de que Jules me rejeitasse outra vez.
Assim que tranquei a porta da saída de incêndio, no andar superior ao
que estive com ela, fiz uma chamada para o chefe de segurança do edifício,
pedindo que monitorasse a saída de Jules a fim de liberar o acesso às escadas
quando ela finalmente fosse embora. Foi uma manobra ousada, digna
daqueles personagens controladores e obsessivos que conheci lendo os
romances eróticos.
As mulheres realmente se apaixonam por caras assim?
Antes de entrar no carro, rumo ao meu apartamento, parei
abruptamente, simplesmente não conseguindo seguir adiante.
Como será que Jules está se sentindo agora?
— Senhor… — ouvi Phillip me chamar e apenas acenei um gesto
negativo.
“Siga o seu coração, cara! Vá atrás dela e conte a porra da verdade!”
Maldito subconsciente atrasado!
— Já volto, Phil. — Virei-me na direção da Stanton Tower e, decidido,
dei passos largos para dentro.
Jules ainda estava lá, e talvez eu tivesse a oportunidade de colocar tudo
em pratos limpos. Podíamos encerrar aquele jogo insano, nos acertando de
uma vez por todas ou terminando tudo definitivamente.
Assim que passei pela porta giratória, engoli em seco quando meu olhar
encontrou o seu através do vidro. Enquanto eu entrava, Jules estava de saída.
Sua expressão desolada causou um aperto em meu peito, algo que só
senti quando descobri que minha mãe havia falecido. Nunca pensei que
sentiria aquela dor outra vez, não tão cedo. Não sem ter perdido alguém que
muito me importasse.
Já dentro do edifício, não olhei para trás. Simplesmente não consegui,
porque havia entendido o que tanto me incomodava: algo dentro de mim
sabia que a havia perdido.
Estraguei tudo!

— Eu não devia ter feito aquilo! Porra! Eu não devia mesmo!


Andando de um lado para o outro, em meu escritório, eu passava as
mãos pelos cabelos nervosamente, puxando-os com força.
Depois que Jules foi embora, não tive coragem de sair do prédio,
sentindo um medo irrefreável de fazer besteira se decidisse que o melhor
seria ir atrás dela, mesmo sabendo que fui eu quem a deixou mal.
— Javi, pare… — Hani tentava me acalmar, mesmo por telefone.
Acabei ligando para ela quando o desespero começou a tomar conta de
mim. Não podia contar o que houve para mais ninguém, apenas Hani e Zayn
sabiam sobre Jules e nosso jogo idiota.
Eu tinha acionado o viva-voz, pois minhas mãos trêmulas eram
incapazes de segurar o smartphone.
— Você não entende, Hani! Fui longe demais… ultrapassei uma
barreira que… fui contra meus princípios, porra! O que eu fiz foi insano,
irresponsável e…
— Ela também queria!
— Foda-se! — Sabia que estava gritando, mas não havia outra pessoa
na empresa. — Jules estava com raiva de mim, agiu sem pensar. E acabou
transando comigo sem saber. Que tipo de cara eu sou por brincar assim com
uma mulher? Não quero ser essa porra de homem escroto!
Meus olhos ardiam, minha cabeça doía, e acho que estava chorando,
mas nem isso eu conseguia saber com certeza.
— Javi…
— Hani, ele está certo — intercedeu Zayn. — A garota pode até ter
gostado e o pressionado a agir, mas se nosso amigo está dizendo que foi
contra o que ele acredita ser o correto, então não será você ou eu que dirá o
contrário. Deixe-o se sentir culpado, faz parte do processo de redenção.
— Não gosto de vê-lo assim, Habib… — Eu me odiei por ter afetado
Hani com meu drama pessoal.
— Também não gosto, mas é algo pelo qual Javier precisa passar
sozinho.
Zayn tinha razão. Eu nem deveria ter ligado, só deixei Hani aflita.
— Obrigado aos dois, eu só… — Soltei o ar pesadamente. — Preciso
de um tempo. Pensar, sei lá! Estraguei tudo. Tenho certeza de que estraguei
tudo.
Conforme inspirava e expirava, fui me acalmando aos poucos.
— O que tiver que ser, será, meu amigo. Se essa mulher está destinada
a ser sua, cedo ou tarde isso vai acontecer — filosofou El Safy.
Minha risada saiu num tom amargo, mas foi inevitável, embora não
proposital.
— Acho bonito o quanto vocês dois acreditam nessa coisa de maktub,
mas não estou tão certo disso — argumentei com ceticismo. — Eu fiz uma
escolha e agora preciso lidar com as consequências.
— Não se martirize por isso, Javi — pediu Hani, com verdadeiro pesar.
— Você é um bom homem. Bons homens também cometem erros, não
significa que se tornou um cafajeste. Sei que não é assim. Dê tempo ao
tempo.
— Não há mais nada que eu possa fazer além disso, de toda forma. —
Peguei o celular na mão enquanto me sentava na cadeira presidente. — Sabe
o que é engraçado? Uma vez me peguei pensando sobre como seria estar
apaixonado e disse a mim mesmo que não complicaria as coisas como Zayn e
Alexios fizeram. Acho que superei os dois.
— Que amigo do caralho é você, Stanton — resmungou El Safy.
Hani riu.
— Ele está certo, Habib. Você quase estragou tudo, mas eu também
tive minha parcela de culpa. Assim como Jules não é completamente inocente
nessa confusão.
— Sabe, Hani, meio que odeio como você quase sempre tem razão. Eu
me sinto um idiota quando você demonstra tanta maturidade. — Mais uma
lufada de ar, desta vez me dando por vencido.
— Agora você sabe como me sinto em setenta por cento do meu tempo,
Stanton — foi Zayn que respondeu, me fazendo rir.
— Estou me sentindo menos bosta agora.
— Você quer nos encontrar? Podemos ir até seu apartamento e
conversarmos pessoalmente…
— Não, eu quero ficar sozinho. De qualquer forma, obrigado aos dois.
— É o que os amigos fazem, querido.
Depois de me despedir dos meus amigos, abri o laptop e segui o que
meu coração mandava. Pedir para que nos encontrássemos, a fim de revelar
minha identidade a ela, era o mínimo que eu poderia fazer para começar a
compensá-la pelos erros que cometi.

Ela não leu meu e-mail, mas eu li o dela.


Jules Clarkson, a garota linda, divertida, espontânea e apaixonada por
livros estava sofrendo por minha culpa. Tornei sua fantasia um pesadelo,
quando minhas intenções sempre foram a de ser o homem que ela tanto
sonhava.
Uma parte de mim ainda acreditava que poderia convencê-la a se
encontrar comigo uma última vez, e mesmo tendo excluído a conta de e-mail
que criei para o Sr. Engravatado, tentei através de mensagens pelo celular, na
manhã de terça-feira.
Mal dormi durante a noite, e não tive nenhuma disposição de correr no
parque logo cedo. Apenas me dei por vencido e tomei um banho demorado,
me preparando para encarar outro dia de trabalho.
Ela tinha avisado que devolveria o celular, mas quando meu aparelho
apitou uma mensagem em resposta à que eu tinha lhe enviado, ao mesmo
tempo que senti uma pontada de esperança, também fiquei um pouco
decepcionado. No fundo, torcia para que Jules não se arrependesse de ter
terminado tudo entre nós.
Quão contraditório eu conseguia ser?
Meu lado passional desejava que Jules se apaixonasse por mim, Javier
Stanton, e não pelo Sr. Engravatado.
Entretanto, Jules usou o celular apenas para deixar claro que nosso
envolvimento realmente havia chegado ao fim.
Saber que finalmente a minha maluquinha estava se dando conta do
jogo perigoso que iniciamos, explanando sua verdadeira necessidade
emocional de encontrar alguém que a amasse antes de qualquer outra coisa,
fez com que eu a admirasse.
O Sr. Engravatado estava no passado! Finalmente!
“E eu não posso esperar outro minuto
Não posso suportar o olhar que ela está dando
Seu corpo se move toda a noite
Uma em um milhão
Minha jogada de sorte…”
LUCKY STRIKE - MAROON 5
Com os anos de experiência, nunca permiti que minha vida pessoal
interferisse na concentração e desempenho profissional. Contudo,
considerando que também nunca me senti tão envolvido por uma mulher
antes, lidar com o término do meu “não relacionamento” com Jules estava
sendo mais difícil do que pensei.
Era para ser uma coisa boa, afinal, eu estava livre do Sr. Engravatado.
Mas sentia falta das conversas instigantes e provocativas. Sentia falta dela.
Ser o homem que habitava as fantasias eróticas de Jules Clarkson me
tornou mais confiante. Apesar de não ter problemas em me relacionar com
mulheres, eu não era o tipo de cara que saía à procura de alguém para seduzir
a fim de terminar a noite rolando entre os lençóis de uma cama, nem me
encaixava no perfil do homem em busca de sua alma gêmea. Eu só vivia um
dia de cada vez.
Entretanto, desde que conheci Jules no elevador, foi como se uma
chama se acendesse dentro do meu peito. Era incômodo e ao mesmo tempo
confortável, me aquecia e causava calafrios nas mesmas proporções.
Estranho.
Inédito.
Assustadoramente interessante.
Eu queria provar, precisava me arriscar e descobrir o que de bom
poderia vir de tal sentimento. Contudo, acho que enveredei pelo caminho
errado. Não foi daquela forma que imaginei o final.
Nos primeiros dias, entre almoços e jantares de negócios e reuniões
importantes, me peguei verificando o celular diversas vezes, conferindo se
Jules não havia voltado atrás em sua decisão quanto ao Sr. Engravatado.
Somente quando Phillip me informou que havia buscado o iPhone na portaria
do prédio onde ela morava é que a certeza de que realmente terminamos se
enraizou de vez.
Foi inquietante entrar num elevador e tentar não procurar por ela,
mesmo que não fosse na Stanton Tower. Porém, me esforcei para não
transparecer a bagunça que estava por dentro. Eu era um homem adulto e
tinha responsabilidades, não podia simplesmente me afundar em um drama
pessoal e deixar de lado os compromissos que assumi.
Precisava ser maduro e encarar o fato de que nem sempre se pode ter
tudo o que deseja, pois a vida é cheia de perdas e ganhos, altos e baixos e
obstáculos a serem vencidos. Depende de cada um de nós saber como seguir
em frente e tornar cada derrota um impulso para continuarmos no caminho
rumo a qualquer conquista.
Da minha parte, eu optei por focar no trabalho.

— Como Rachel tem se comportado? — perguntei a Thomas, assim


que encerramos os assuntos de trabalho.
— Teimosa como sempre, mas dentro dos limites. Ainda não consigo
acreditar em como fui idiota de cair na lábia da minha própria filha. A garota
é tão esperta que não usou o cartão de crédito para não ser rastreada. Acho
que Rachel anda vendo séries policiais demais…
Foi impossível controlar a risada.
— Se serve de consolo, eu também demorei algum tempo para me dar
conta de que algo estava fora do lugar.
Ele acabou rindo comigo.
— Como está sua vida de solteiro em Nova Iorque? — mudou de
assunto repentinamente, o tom de malícia não me passou despercebido.
Soltei a respiração antes de responder, com certo pesar:
— Prosperando. Continuo solteiro e não acho que isso vá mudar tão
cedo.
— Por que estou sentindo certo tom de decepção? Você levou um pé na
bunda ou algo assim?
— Algo assim. — Acabei contando tudo a ele.
Ter Hani e Zayn como meus confidentes era algo que eu valorizava
muito, mas o casal me conhecia há menos tempo que Thomas.
Meu amigo e sócio sabia como funcionava a minha mente.
— Porra! Acho que você se apaixonou rápido demais e nem se deu
conta — disse Thomas, assim que terminei de contar minha história com
Jules Clarkson.
— Não estou apaixonado — fiz questão de enfatizar.
— Meu amigo, se isso não é estar apaixonado, então eu desconheço a
nomenclatura — debochou. — Acha mesmo que iria tão longe nessa coisa de
personagem dos romances só por uma foda casual? Você teve a foda, no fim
das contas, e no que isso resultou? Está se sentindo um merda por ter
magoado a garota. Confie em mim quando digo: você está apaixonado por
essa Jules.
Será?
— Não quero mais falar sobre isso.
— Tudo bem, Javier. Mas não muda a verdade do fato.
Soltei um longo suspiro.
— Realmente, não muda. Ela não quer nada comigo, então preciso
aceitar logo essa realidade e seguir em frente — falei mais para mim mesmo
do que para o próprio Thomas.
Era sábado à noite e eu estava agitado demais.
Zayn enviou mensagem, me convidando para jantar com ele e Hani,
mas inventei uma desculpa qualquer e me desviei do convite. Sabia que
minha amiga insistiria em falar sobre Jules e, no momento, eu precisava me
distanciar de qualquer coisa me recordasse daquela mulher. Por mais que as
intenções de Hani fossem as melhores, algumas vezes ela se preocupava
demais, como se fosse sua responsabilidade resolver o problema de todos à
sua volta.
Jules Clarkson era problema meu. Ou melhor, não era nada minha.
Passei duas horas dentro da academia, em meu apartamento, envolvido
com os aparelhos de musculação. Implementar os exercícios físicos dentro da
minha rotina foi uma boa maneira de passar o tempo e me distrair. Contratei
um personal trainer para me instruir, e mesmo quando estava sozinho
costumava seguir a sequência de exercícios que ele me passava. As corridas
matinais no Central Park continuavam, mas eu precisava de algo para ocupar
meu tempo à noite, quando ficava sozinho.
Não levava trabalho para casa, era uma das minhas regras, desde
Sydney, quando comecei a mudar a rotina workaholic que levava. E mesmo
recebendo inúmeros convites para festas particulares e eventos sociais, eu não
sentia vontade alguma de me vestir em um terno sob medida e me revestir
com a máscara de empresário de sucesso, a fim de impressionar quem quer
que fosse.
Queria o sossego. No entanto, me sentia inquieto.
Thomas tinha me recomendado um pub que costumava frequentar
quando vinha a Manhattan. Havia um palco com karaokê onde os clientes se
divertiam cantando bêbados, sem se importarem em serem afinados ou não.
A princípio achei meio bobo, mas acabei dando o braço a torcer e decidi dar
uma chance.
Foi uma boa distração, até. O lugar estava cheio, e as pessoas,
animadas. Fiquei escorado no balcão. Pedi uma long neck enquanto tentava
não me concentrar na cantoria desafinada, mas foi impossível não me
contagiar com a animação do ambiente.
Depois de duas horas e algumas cervejas, eu me sentia melhor. O
suficiente para voltar ao meu apartamento e ferrar no sono. Sozinho,
obviamente, pois mesmo que algumas mulheres tivessem tentado se
aproximar, eu não me sentia atraído o bastante para me deixar envolver.
Sempre faltava alguma coisa, ou melhor, alguém.
Nenhuma daquelas mulheres era Jules Clarkson.
Será que Thomas tem razão? Será que estou mesmo apaixonado?
Este foi o meu último pensamento antes de dormir.

Encontrar meu avô para o desjejum naquela sexta-feira foi o que me


levou mais cedo que de costume à Stanton Tower. Depois de atualizá-lo
sobre algumas negociações, enquanto degustávamos de um legítimo english
breakfast na sua delicatessen favorita, fomos juntos para o escritório.
O lado bom de chegar mais cedo era o privilégio de não enfrentar um
elevador lotado.
— Pelo visto seremos só nós dois esta manhã — comentou vovô,
olhando para ambos os lados antes de entramos na caixa metálica.
— O senhor está esperando alguém? — O tom malicioso foi proposital.
Era divertido provocá-lo com insinuações.
Estaria Jonathan Stanton interessado em alguma mulher do mundo
corporativo? Aquilo sim seria uma novidade.
Meu avô permaneceu sozinho desde que ficou viúvo. Nem mesmo uma
namorada. Ele costumava dizer que já havia vivenciado o amor em sua
plenitude e nada do que viria depois lhe apetecia, pois jamais seria suficiente.
Preferia guardar em sua memória os bons momentos que viveu ao lado da
esposa, até que chegasse o dia em que finalmente se juntaria a ela em outro
plano.
Da minha parte, não entendia como ele conseguia manter tal propósito,
mas admirava a forma como honrava a memória de minha falecida avó.
Talvez um dia eu entendesse como era se sentir assim, tão ligado a alguém ao
ponto de sua ausência no mundo se equiparar a um pedaço da alma faltando.
— A menina dos olhos sonhadores e sorriso cativante — murmurou
ele, em um tom enigmático.
De quem ele está falando?
— Ei, Big John! Espere, por favor!
As portas estavam prestes a se fechar quando eu a ouvi e, mesmo de
costas, sabia de quem se tratava: Jules Clarkson. A mulher que não saía dos
meus pensamentos.
Fazia duas semanas desde que a vi pela última vez.
— Ela apareceu — murmurou meu avô, com satisfação.
Eles se conhecem? Como isso é possível?
Retesei a postura, ligeiramente tenso.
Não consegui me virar, até queria, mas era como se meu corpo se
recusasse a obedecer a qualquer comando.
Levou um tempo até que consegui recuperar meu autocontrole, me
virando ao perceber que meu avô conversava com ela. Seria grosseiro de
minha parte continuar ignorando sua presença.
Jules me reconheceu, embora tentasse disfarçar, e a dúvida sobre quem
ela enxergava diante de si me deixou nauseado.
Sr. Engravatado ou o moço do Central Park?
Quando vovô nos apresentou, me dando a abertura que precisava para
um recomeço, eu praticamente peguei aquela chance e a joguei no lixo.
— Olá, Jules. — Estendi minha mão para cumprimentá-la. — É um
prazer conhecê-la.
Vi confusão, mágoa e raiva nos olhos de Jules quando agi como se
tivesse sido nosso primeiro encontro. O porquê de eu ter agido assim era a
pergunta de um milhão de dólares, cuja resposta nem eu mesmo sabia.
“Imbecil, Stanton! Você é um imbecil!”, acusou meu gênio do mal.
— É um prazer conhecê-lo, moço. — Ela ignorou minha mão estendida
e em seguida voltou sua atenção para meu avô, sorrindo como não havia feito
para mim. — Tenha um excelente dia, Big John!
Como se já não me sentisse mal o suficiente pela gafe que cometi, ter
Jules recusando meu cumprimento, disfarçadamente, sendo salva pela parada
do elevador em seu andar, foi como se ela tivesse acertado um chute com seu
sapato de bico fino bem nas minhas bolas.
Merecidamente, é claro!
— Mas que porra! Estraguei tudo de novo! — resmunguei, assim que
as portas do elevador se fecharam.
— Isso foi estranho — ponderou meu avô, me encarando, intrigado. —
Pode me explicar o que aconteceu aqui, sem que eu precise bancar o velho
fofoqueiro e especulador?
— Caramba, o senhor não perde uma! — Eu sabia que nada o faria
desistir de arrancar a verdade dos meus lábios.
Ele deu de ombros.
— Não cheguei aonde estou hoje sem meu poder de percepção, jovem
Stanton. Você é quase tão transparente quanto sua mãe era. Tudo o que
precisa fazer é me contar logo a história por trás desse olhar perdido. Eu
quase posso torcer sua tensão com as mãos, assim como as da menina Jules.
Algo me diz que hoje não foi a primeira vez que se viram. Estou errado?
— Não, vô. O senhor está certo. Como sempre.
Não tive coragem de contar ao meu avô a história completa. Ocultei
grande parte das informações, pois me envergonhava de minhas próprias
ações.
Para ele, Jules e eu nos conhecemos no Central Park, quando caí por
cima dela. Acabei por acrescentar uma pequena mentira ao dizer que a vi na
Stanton Tower dias depois. Confessei meu interesse por ela e a tentativa de
galanteio com o iPod, inclusive a espera ansiosa por uma ligação que nunca
aconteceu. Falei sobre tê-la visto na Oásis e minha falta de coragem em me
aproximar, e finalmente, mencionei o clima tenso no dia em que Jules me viu
com Rachel.
— Por que agiu como se não a conhecesse? — foi tudo o que ele quis
saber.
— Porque sou um idiota, vô.

O autojulgamento me corroeu durante todo o dia.


Não consegui parar de reviver em minha mente o encontro com Jules
no elevador e meu comportamento ridículo quando meu avô nos apresentou.
Assim que saí da Stanton Tower, fui direto para o Mitchell Royal
Palace, onde combinei de encontrar Hani e Zayn para jantarmos. O
restaurante do hotel era um dos meus preferidos em Nova Iorque, pois a
comida era excelente.
Eu não os via desde a noite na Oásis, e não falava com eles desde meu
surto após o desastroso encontro com Jules na escadaria. Sim, por mais
erótico e prazeroso que tenha sido aquele momento, eu o considerava como
um marco ruim.
Hani e Zayn estavam sentados em uma pequena mesa redonda, posta
para três pessoas, de modo que nenhum de nós ficasse distante do outro. Era
uma mesa bem localizada, onde poderíamos ter privacidade para
conversarmos.
Zayn se levantou assim que me viu e Hani fez o mesmo. Cumprimentei
meu amigo com um abraço e dois beijos no rosto, conforme sua tradição. Em
seguida, cumprimentei Hani apenas com um aceno de cabeça e beijei sua
mão rapidamente, pois meu amigo desaprovaria o gesto de qualquer maneira.
— Tudo bem, já chega — resmungou Zayn, demonstrando
impaciência.
Sentei-me e sorri para os dois.
— Boa noite para você também, amigo — debochei. Olhando para
Hani, provoquei: — Você, mais linda do que nunca.
— Obrigada, Javier — respondeu sedutora. — Você sempre tão
educado e gentil.
Zayn se moveu desconfortável na cadeira.
— Hani, meu amor — sussurrou. — Não vamos fazer uma cena aqui,
por favor.
— Então controle-se e não aja como um cavalo selvagem, Habib.
Peguei o cardápio que estava no centro da mesa.
— Tudo bem, vamos parar com as alfinetadas. — Sorri descontraído.
— Zayn, eu adoro te provocar, mas você precisa levar na esportiva. Não
tenho interesse algum, além de amizade, por sua namorada. Deixe de ser
Neandertal.
Hani tentava disfarçar a risada, mas não obteve sucesso.
— Não sei por que ainda caio nessa — confessou exasperado.
O jantar transcorreu de forma agradável. Fiquei grato por Hani e Zayn
não mencionarem Jules. A conversa girou em torno da viagem que fizeram
para Santorini e o tempo que passariam em Nova Iorque, para que Hani
pudesse fazer suas pesquisas nas casas de moda local. Ela estava empenhada
em criar sua própria marca. Zayn mencionou a ideia de expandir os negócios
na América, ele e Alexios estavam estudando possíveis cidades para novas
casas noturnas.
— Como está sua adaptação aos negócios da família? — perguntou
Zayn.
— Muito trabalho, de fato, mas nada com que eu não consiga lidar.
— E os negócios na Austrália? — Hani quis saber.
— Terei que viajar em breve para Sydney — revelei. — Thomas está
providenciando toda a papelada. Ainda somos sócios, mas estou vendendo
boa parte das minhas ações. Vou me desligando aos poucos. Por isso faço
questão de viajar, pois sei que depois de tudo resolvido, não terei como me
deslocar para o outro continente com frequência.
— Sua afilhada deve estar inconformada — comentou Hani, com certo
tom de desdém.
Fiz uma careta para ela, com desagrado evidente.
— Sim, Rachel é muito apegada a mim. — Pigarrei, me sentindo
incomodado com sua cara de poucos amigos. — Hani, você não conhece a
Rachel. Essa antipatia que sente pela menina não me agrada nem um pouco.
Ela deu de ombros.
— Tudo bem, desculpe. Sei que estou julgando, mas só de te ouvir falar
sobre ela, o comportamento dela… Não sei. Eu simplesmente não consigo ter
empatia por essa garota. É quase como um sexto sentido.
Meu avô pensava da mesma maneira, mas eu não disse isso a Hani.
— E quanto a vocês, quando irão finalmente se casar? — mudei de
assunto abruptamente, provocando o casal.
— Eu já a pedi em casamento três vezes, e ela se recusa a se tornar
minha esposa — resmungou Zayn, com falsa mágoa.
— Fazer o quê? Eu sou difícil. — Hani começou a rir, amenizando o
clima entre nós.
Casamento era um assunto delicado quando se tratava dos dois.
— Eu nunca vou dobrar essa mulher, mas levá-la ao altar será minha
maior conquista na vida — sentenciou Zayn, num tom orgulhoso.
— Relaxe, Habib — Hani falou docemente, olhando diretamente nos
olhos dele: — Sou eu quem vai pedi-lo em casamento e você não irá recusar
um pedido meu. Então seremos felizes para sempre.
Eu tinha certeza de que meu amigo não via a hora do grande momento
chegar.

Assim que voltei ao meu apartamento, após o jantar com meus amigos,
dispensei Phillip e fui tomar banho. Ainda me sentia inquieto e sabia que
seria uma noite de merda se eu tentasse dormir àquela hora.
Não estava com ânimo para me distrair na academia e até tentei pegar
um livro para ler, mas minha mente não se concentrava. Irritado, me levantei
e fui até o closet me vestir, decidido a sair de casa a fim de um pouco de
distração.
Fui dirigindo, mesmo sabendo que pretendia beber pelo menos uma
cerveja. Não era o correto, mas eu não estava dando muita importância às
regras naquela noite.
Acabei optando pelo mesmo pub que frequentei na semana anterior, e
foi a melhor escolha que eu poderia ter feito.
Quando ouvi aquela música sendo cantada por uma mulher no karaokê,
meu corpo reagiu instantaneamente e eu soube de quem se tratava.
— I threw a wish in the well, don't ask me, I'll never tell, I looked to
you as it fell, and now you're in my way…
Call Me Maybe, de Carly Rae Jepsen. A música que coloquei no iPod
de Jules, como uma mensagem subliminar.
Jules estava simplesmente maravilhosa em cima daquele palco.
Percebi sua insegurança diminuindo conforme as pessoas começaram a
levantar de suas mesas para dançar. Ela tinha uma voz bonita, embora tímida
pela exposição.
Eu não consegui desviar meu olhar, completamente hipnotizado. Em
um jeans justo, que realçava suas curvas perfeitas, ela dançava ao som da
música, até que seu olhar encontrou o meu. Por alguns segundos, senti que
vacilou, mas Jules não demorou para recuperar a compostura e continuou o
show, ignorando minha presença.
Não, maluquinha. Desta vez você não vai fugir. Eu vou agarrar essa
segunda chance com todas as minhas forças!
Mesmo nervosa, Jules irradiava uma energia vibrante que dava a
sensação de ter o mundo ao meu redor parando de se movimentar para que a
atenção fosse fixada nela com exclusividade.
É ela. A mulher que vai se tornar meu mundo. O pedaço da alma que
faltava se encaixar na minha. Caralho! É ela sim!
Foi naquela noite que eu me descobri completamente apaixonado por
Jules Clarkson.
“Não desistirei de nós
Mesmo que os céus fiquem violentos
Estou lhe dando todo meu amor
Ainda olho para cima
E quando precisar de seu espaço
Para navegar um pouco
Esperarei pacientemente
Para ver o que você descobrirá…”
I WON'T GIVE UP - JASON MRAZ
— Quando me virei para ver quem era a dona da voz no karaokê,
jamais cogitei que pudesse ser você. Então pensei: não posso desperdiçar essa
nova chance. E aqui estamos nós. — Na verdade, eu pressenti que era ela no
instante em que ouvi sua voz, mas achei que a assustaria com essa revelação.
— Aqui estamos! — O sorriso cativante e os olhos sonhadores, como
diria meu avô, estavam direcionados exclusivamente para mim.
Saber que Jules não me era indiferente, embora tenhamos tido alguns
desencontros, me deixou esperançoso. Nossa conversa começou um pouco
confusa e até mesmo eufórica, ambos tentando dizer as coisas certas e
esclarecer qualquer mal-entendido anterior. Por fim, recomeçamos e tivemos
um bom momento juntos.
Minhas mãos seguravam as suas e ela não se desvencilhou do meu
toque, pelo contrário, parecia apreciar o gesto.
Algumas informações a seu respeito eu já conhecia, pois verifiquei seu
perfil nas redes sociais logo que descobri seu nome, e-mail e telefone. Mas
não quis bancar o stalker, então recebi cada revelação dela com verdadeira
empolgação, pois vê-la disposta a falar de si era um bom sinal.
Jules tinha vinte e três anos, nascida em San Francisco, na Califórnia.
Era filha única, assim como eu. Formou-se em jornalismo, em Yale, e seu
emprego na Revista Glow ainda era um estágio remunerado, mas ela tinha
acabado de receber uma proposta para um contrato de dois anos, e pude ver o
brilho da alegria em seus olhos, era um sonho se realizando.
— Seus pais devem estar muito orgulhosos de você.
— Ainda não contei a eles, mas sei o quanto ficarão animados. — Ela
sorriu. — Estou feliz e um pouco aliviada também. Eles sempre foram
protetores comigo e eu queria mostrar que posso me virar bem sozinha.
— Acho que está trilhando um bom caminho, tem menos de um ano
que veio para Nova Iorque e tudo parece muito bem.
— Eu tive alguns privilégios — confessou, parecendo envergonhada
em admitir. — Donna já trabalhava na revista e foi quem nos contou sobre o
estágio, Sarah e eu nos candidatamos e tivemos a sorte de sermos
selecionadas na mesma época. Então meus pais me presentearam com um
apartamento na Quinta Avenida e insistiram em manter um fundo fiduciário
para mim, embora eu não mexa em nenhum centavo. O fato é: sei que se a
coisa apertar para o meu lado, tenho a quem recorrer. Mas também é
justamente por isso, por ter recebido apoio e incentivo, que quero ter certeza
de que sou capaz de conseguir por mim mesma. Eles acreditam em mim, no
meu potencial, e isso é muito encorajador.
Eu gostava da sua percepção. Não se tratava de algum tipo de
orgulho besta ou teimosia. Jules vinha de uma família que tinha ótimas
condições financeiras e ela não renegava os privilégios, embora valorizasse a
importância de não depender exclusivamente deles.
— Sarah é a amiga que também se formou em jornalismo, na sua turma
de Yale — mencionei, apenas para ter certeza de que havia decorado a
informação corretamente.
— Isso!
— E Donna é a prima de Sarah, que se tornou sua amiga tão logo você
começou o estágio na revista.
— Exatamente! — Seu sorriso se expandiu. Jules parecia satisfeita por
eu ter me lembrado do que ela disse.
— Donna e Sarah dividem um apartamento, por isso você acabou
ficando sozinha — continuei.
— Uhum.
— E Violet era uma ex-estagiária, que foi efetivada no ano anterior.
Então agora vocês quatro são melhores amigas inseparáveis.
Jules afastou suas mãos das minhas, para bater palmas, me fazendo rir.
— Você prestou mesmo atenção em tudo o que eu disse, Javier! Estou
impressionada! Eu sei que quando me empolgo acabo falando demais…
— Eu disse que queria te conhecer melhor — interrompi, não
permitindo que ela se autodepreciasse. — Adorei que você tenha se sentido à
vontade para contar tudo o que considera pertinente.
— Que tal retribuir me falando mais sobre você?
Antes de continuar nossa conversa, fiz questão de segurar suas mãos
entre as minhas novamente.
O tempo pareceu voar enquanto conversávamos sobre todos os assuntos
possíveis. Descobrir seus gostos e desgostos e, inevitavelmente, fazer uma
lista mental de tudo o que tínhamos em comum fez as duas horas seguintes
não serem suficientes para aplacar minha sede de conhecê-la melhor,
tratando-se apenas um aperitivo. Ainda assim, eu já estava me entregando a
Jules numa bandeja de ouro, se assim fosse a sua vontade.
Enquanto alguns homens considerariam Jules Clarkson uma conquista
complexa demais para seus esforços, eu adorava cada camada desvendada. A
beleza jovial e sua personalidade ímpar pareciam ter nascido da alquimia
entre a oxitocina, serotonina e dopamina, com a sensualidade, espontaneidade
e sagacidade, acrescentando uma boa dose de malícia e uma pitadinha de
ingenuidade.
A mulher era um fenômeno da natureza!
Quanto a mim? Um homem sortudo da porra!
— Acho que fui abandonada por minhas amigas.
Estivemos tão entretidos um com o outro que me esqueci de dizer a
Jules que adoraria ser apresentado às três mulheres que nos observavam de
uma forma nada discreta. Quando finalmente me lembrei de mencioná-las,
elas sumiram.
— Eu posso te dar uma carona, somos vizinhos de prédio.
Eu podia tê-la beijado. Ansiava por isso.
Entretanto, uma coisa levaria à outra.
Não queria apressar nada.
Se eu tivesse beijado Jules, certamente acabaríamos na cama. E apesar
de ser algo que eu desejava muito, também temia.
Será que ela me associaria ao Sr. Engravatado?
Não achava que poderia guardar esse segredo dela, principalmente se
minha principal intenção era fazê-la se apaixonar por mim. Queria Jules na
minha vida por tempo indeterminado, pretendia ter um relacionamento sério
com ela, com grandes expectativas de um futuro juntos. Manter um segredo
como esse seria viver uma mentira, e não era assim que eu pretendia tê-la
comigo.
Precisava contar a verdade para Jules.
Como eu faria isso? Ainda não tinha essa resposta.

Ela estava tão bonita naquela manhã de sábado, apesar do mau humor
matinal quando falamos ao telefone.
Eu gostava da sua simplicidade. Jules vestia legging e camiseta e
calçava um par de tênis de corrida que, não pude deixar de notar, não tinham
cadarços como os que usava na manhã em que caímos. Seu cabelo estava
preso em um rabo de cavalo, alguns fios soltos, deixando-a com uma
aparência jovial. Ela havia pintado um quadro totalmente diferente da
realidade quando disse que estava cheia de olheiras, porque para mim sua
aparência estava perfeita, mas entendi que o exagero fazia parte de um típico
comportamento feminino.
— Abra, é um presente pra você. — Estendi a sacola de papel para ela.
Querendo de alguma forma agradar Jules, acabei tendo a ideia de
surpreendê-la com uma brincadeira em relação a ela ter tentado me fazer
recuar usando como argumento sua aparência nada atraente.
Espero que ela não torça para o Red Sox!, pensei, observando-a tirar o
boné dos Yankees e os óculos de dentro do pacote. Rachel o havia deixado
em meu apartamento quando a mandei de volta para Sydney e considerei que
foi por ter ficado chateada, querendo de alguma forma me afetar —
inutilmente — rejeitando o presente. A garota era consumista a ponto de não
usar a maioria das coisas que comprava, por isso eu sabia que ela nem
sentiria falta dos óculos. Quanto ao boné, eu o comprei no dia em que
visitamos o Yankee Stadium e embora ela tivesse pegado emprestado, ele era
meu.
Agora seria de Jules.
— Ei, o que você está fazendo? — perguntou desconfiada, assim que
tirei o boné de sua mão e o coloquei em minha cabeça, temporariamente,
puxando o elástico que prendia seu cabelo logo em seguida.
— Estou fazendo uma trança pra você usar o boné — expliquei
enquanto me posicionava atrás dela, começando a pentear seus cabelos com
meus dedos.
Eu tinha que tocá-la de alguma forma e trançar seu cabelo me pareceu
uma desculpa perfeita. Ajudar Thomas com Rachel me fez bom naquilo.
Senti o aroma doce e frutado de sua pele quando cheguei mais perto, me
deliciando com a suavidade do perfume que considerei ser de algum
hidratante corporal.
Afastei-me assim que percebi minha excitação dominar meu corpo, não
querendo tornar o momento constrangedor para nós. Era difícil controlar o
desejo por Jules, ainda mais estando assim, tão perto. Mas não queria assustá-
la, nós estávamos recomeçando e eu precisava fazê-la enxergar que queria
mais do que sexo.
O que mais me surpreendia ao estar com Jules era o clima descontraído,
como se a gente já se conhecesse há muito tempo e estivéssemos
acostumados à companhia um do outro.
— Vamos? — convidou, caminhando à minha frente.
Alcançando-a, peguei sua mão e entrelacei nossos dedos sem dizer
nada. Jules aceitou meu toque em silêncio e fomos em direção ao Central
Park, assim que me livrei do saco de papel em que trouxe os seus presentes,
jogando-o em uma lixeira.
Caminhamos em silêncio, apreciando a companhia um do outro.
Jules parecia pensativa e não quis interromper seu momento.
Foi difícil conter meu sorriso. Estava me sentindo um adolescente,
envaidecido por ter conseguido um encontro com a garota mais bonita do
colégio. Mal podia acreditar que, depois de todos os percalços, eu finalmente
tive minha chance com Jules e ela também sentia algo por mim, mesmo que
fosse só atração física.
Se déssemos uma chance, poderíamos descobrir até onde chegaríamos
juntos.
Se dependesse de mim, iríamos longe o bastante para não conseguirmos
mais trilhar qualquer caminho que não fosse acompanhado um do outro.
— Aqui — quebrei o silêncio assim que chegamos aonde eu queria.
— O que tem aqui? — Pareceu confusa, fazendo com que eu sorrisse
ainda mais, completamente deslumbrado.
— Tire os óculos e olhe à nossa volta.
— Foi aqui que nos conhecemos…
Ela se lembrava!
— Foi aqui que deveríamos ter começado. — Cheguei mais perto, mas
não tanto quanto eu gostaria. — Eu aceitando ir até o seu apartamento,
deixando você limpar e cuidar dos ferimentos na minha mão. Então eu a
convidaria para almoçar, como agradecimento. Você aceitaria e eu me
sentiria um cara sortudo. A partir dali, iria fazer o impossível para você
aceitar um jantar, depois outro jantar, e talvez até outro, para mostrar que eu
não era só um brutamonte que caiu em cima de você no parque, mas que
também poderia ser uma ótima companhia.
— Então o que aconteceria depois de tudo isso? — Ela umedeceu os
lábios com a língua e eu quase não resisti ao impulso de tomá-la em meus
braços.
— Você ficaria louca para me beijar. — Sorri, satisfeito com sua
reação surpresa.
Dei mais um passo à frente, observando-a fechar os olhos quando
toquei seu rosto, acariciando-a com suavidade. Minha respiração falhou, meu
coração parecia que ia sair pela boca.
“Um adolescente apaixonado, que tocante!”, debochou o gênio do mal
que habitava meu subconsciente.
— E o que você faria a respeito? — Sua voz falhou, mas eu sabia que
Jules estava tão envolvida quanto eu, numa bolha de encantamento e desejo.
— O que você acha que eu faria? — desafiei, meu polegar roçando seu
lábio inferior, quase cedendo ao descontrole.
Jules era consideravelmente mais baixa que eu, mas meu corpo estava
inclinado para ela e, quando a vi levantar-se na ponta dos pés, me inclinei um
pouco mais. Ela segurou meu rosto entre suas mãos e nossas respirações se
misturaram.
— Eu não sei o que você faria — disse ela, sorrindo de um jeito que me
hipnotizava. — Mas sei o que eu vou fazer agora.
Foi Jules quem me beijou, e eu não demorei nem um segundo para
corresponder, aproximando nossos corpos e aprofundando o beijo, mantendo
a calma, mas não a intensidade.
Ignorei o boné caindo no chão e qualquer outro movimento que não
fosse o de nossas línguas se encontrando. Mantive uma das mãos em seu
rosto e a outra desceu até sua cintura, trazendo-a para mais perto de mim,
colando nossos corpos. Jules se apoiou em meus braços e a mão que tocava
seu rosto agora escorregava sem pressa até suas costas, movimentando-se
devagar, subindo e descendo, num toque sutil.
Havia tantas palavras não ditas naquele beijo e uma saudade
inexplicável. Era como se eu estivesse esperando por ela há muito mais
tempo do que apenas algumas semanas. Foi tão sublime… tão surreal que me
acertou em cheio.
Nunca um beijo foi tão perfeito quanto aquele.
Nunca uma mulher mexeu tanto comigo quanto ela.
Podia soar piegas, mas que se foda! Eu estava me sentindo nas nuvens.
O desejo latente misturado a uma onda de emoções conflitantes me fez
recuar, mas consegui manter a calma. Ambos estávamos sem fôlego e
acabamos rindo, nem sei por quê.
Tudo entre nós era diferente.
Leve e intenso ao mesmo tempo.
Eu precisava manter a calma. Não podia apressar as coisas ou poderia
colocar tudo a perder.
— Eu sou um cara de sorte — falei adotando um tom mais debochado.
— Seu cabelo pode estar desgrenhado, seu rosto inchado de tanto dormir,
mas ao menos você não tem mau hálito e beija muito bem.
Eu sabia que não era algo romântico de se dizer, mas precisava
descontrair um pouco. Quebrar o clima erótico e apaixonado, antes que
acabasse metendo os pés pelas mãos.
No fundo, eu sabia que estava sendo um covarde, mas precisava de um
pouco mais de tempo.
— Você sabe estragar o clima, hein? — Ela deu um tapinha em meu
braço, fazendo-se de irritada, e eu não podia a achar mais linda.

— Então vocês estão juntos? Tipo, namorando oficialmente? — A


empolgação de Hani me fez rir.
Liguei para ela assim que voltei ao meu apartamento, depois de passar
um bom tempo com Jules, e a atualizei sobre meu reencontro com a Srta.
Atrevida.
Não.
Para Javier Stanton, Jules Clarkson era a “maluquinha”.
A Srta. Atrevida pertencia ao Sr. Engravatado e os dois já não tinham
mais nada um com o outro. Estava no passado.
— Não é bem assim que as coisas funcionam no ocidente, Hani —
brinquei. — Achei que estivesse familiarizada com nossos costumes. Você
não é tão árabe quanto aparenta.
Ela riu, entendendo perfeitamente o que eu estava insinuando.
— Ah, mas sou a fã número um do casal! Já quero Jules como
madrinha do meu casamento — ela entrou no clima descontraído.
— Para isso, você tem que aceitar o pedido de Zayn.
Ela riu.
— Zayn sabe que vou me casar com ele, eu só não disse quando, mas a
resposta sempre será sim. Ele só precisa ter um pouco mais de paciência.
Foi minha vez de rir.
— Mais fácil o inferno congelar, querida.
— Não mude de assunto, Javier Stanton! Eu sei que vocês não
começaram a namorar do dia pra noite, mas quero saber… — Não soube
concluir.
— Estamos indo devagar, Hani. Eu tenho medo, sabe? — confessei.
Precisava externar aquele sentimento, e Hani era a melhor ouvinte.
— Medo do que, Javi? — Seu tom tornou-se preocupado.
— De perdê-la sem ter a chance de mostrar a ela quem eu sou de
verdade.
Sim, eu estava apavorado com a possibilidade.
— O que aconteceu antes foi você sendo um homem disposto a dar seu
melhor para proporcionar a Jules algo que ela desejava — argumentou Hani,
pausadamente. — Era você o tempo todo, Javier. Mesmo que fosse uma
fantasia, um jogo. Era você. O Sr. Engravatado podia até ser um personagem,
mas Javier Stanton mergulhou nesse mundo de romance erótico, não foi? E
aprendeu algumas coisinhas com ele. Foi uma experiência, uma vivência.
Então Jules conheceu uma das suas inúmeras facetas, meu amigo. Agora você
vai apresentando a ela as outras.
— Meu Deus, garota… — Soltei a respiração, tocado com suas
palavras. — Essa alma sábia que habita em você é mesmo surpreendente,
sabia?
Ela riu, sem graça, e eu sorri. Era difícil ver Hani perdendo a pose de
mulher super centrada e dona de si. Ela era a versão feminina de Zayn El
Safy, por isso era a única capaz de ter o homem aos seus pés.
— Quando vou finalmente conhecê-la, hum?
— Logo, querida. Eu quero mais um tempo com Jules, antes de assustá-
la!
— Às vezes você é meio babaca, sabia? — Seu tom irritadiço era puro
fingimento. — Essa é a sua faceta que eu menos gosto.
— Hani, Hani, Hani… — Soltei um suspiro exasperado. — Eu sei que
você não vai assustar Jules, quer dizer, espero que não!
— Pare com isso, Stanton! Sou uma ótima amiga, pergunte a Samira e
Lauren!
Eu ri do seu tom defensivo.
— É claro que sim, querida. Não preciso da confirmação delas, eu sei
por mim mesmo. Você é minha melhor amiga, esqueceu?
— Verdade, sou sim. — O tom era confiante agora. — Mas eu entendo
a sua preocupação, Javi. Tudo bem. Vou esperar a melhor oportunidade. Sei
que sou um pouco invasiva quando se trata de quem eu amo, gosto de
proteger minha gente.
— Não preciso que me proteja de Jules, ela não vai me magoar. Sou eu
que não quero magoá-la.
Ela soltou uma lufada de ar, e eu podia jurar que estava revirando os
olhos.
— Você é um príncipe, Javier. Se essa Jules Clarkson realmente sonha
com um mocinho como o dos livros, ela vai saber enxergar em você o cara
mais incrível que poderia encontrar. E olha que sorte, você é de carne e osso!
E uma quantidade considerável de músculos.

Quando Jules sugeriu que eu fosse até seu apartamento, meio que entrei
em pânico. Eu sabia que se ficássemos a sós o clima entre a gente não
demoraria a esquentar.
Mesmo que a desejasse loucamente, ainda tinha medo de que ela me
deixasse.
Nós fizemos sexo uma vez, embora não tenha sido algo convencional.
Sequer nos beijamos durante o ato. Mas, ainda assim, foi íntimo e intenso.
Se ela percebesse durante uma segunda transa que aquela não era nossa
primeira vez, eu não sabia o que poderia acontecer.
Precisava que Jules me conhecesse melhor, para quando eu lhe contasse
a verdade, ela acreditasse que minhas intenções foram as melhores e não um
jogo onde minha intenção foi apenas usá-la para meu próprio prazer.
Eu estava apaixonado e desejava ardentemente que ela também se
apaixonasse por mim, assim haveria uma chance de ser perdoado.
Não queria tê-la chateado, mas sabia que tinha feito mesmo sem
intenção.
Por mais que Jules negasse, eu podia sentir.
Precisava fazê-la entender meu receio, mesmo que ainda não
conseguisse confessar o verdadeiro motivo de tanto medo.
Quando liguei para ela, fui sincero em cada palavra, ainda que omitisse
muitas outras.
Ela me desejava, ansiava por mim.
Saber que eu exercia essa atração sobre ela me deixava excitado e
esperançoso.
— Ah, maluquinha. Será que você vai me perdoar quando souber a
verdade?
“Estou pensando em como
As pessoas se apaixonam de maneiras misteriosas
Talvez apenas o toque de uma mão
Eu, me apaixono por você a cada dia
Eu só quero te dizer que eu estou…

Então, querida, agora


Me abrace com seus braços de amor
Beije-me sob a luz de mil estrelas
Apoie sua cabeça sobre meu coração palpitante
Estou pensando alto
Talvez tenhamos achado o amor bem aqui, onde estamos…”
THINKING OUT LOUD – ED SHEERAN
— Rachel não parou de me torrar a paciência, então vou levá-la comigo
— revelou Thomas.
Meu amigo viria a Nova Iorque dentro de alguns dias, a negócios. Eu já
havia agendado minha viagem para Sydney, pois mesmo que ele trouxesse
consigo a papelada, eu ainda tinha compromissos na Austrália, em nome das
Indústrias Stanton. Tinha aproveitado para agendar algumas reuniões com
investidores interessados em parceria de negócios e não podia simplesmente
desmarcar.
Não queria ficar muito tempo longe, principalmente agora que havia
conseguido me aproximar de Jules, mas antes de qualquer coisa, eu ainda era
um CEO, mesmo que recém empossado, e precisava honrar meus
compromissos e responsabilidades profissionais.
— E a escola? — indaguei, contrariado. — Esse é o último ano de
Rachel antes de ir pra faculdade, Thom. Ela não pode simplesmente sair
faltando sempre que bem entender. Você não acha que está dando muita
liberdade a ela?
Embora Thomas fosse o pai de Rachel, eu também tive grande
participação na criação dela, por isso não me reprimia ao opinar em relação
as atitudes dele quando se tratava de ceder aos apelos manipuladores da
garota.
Pude ouvi-lo bufar do outro lado da linha.
— Não estou conseguindo dar conta, cara — lamentou, parecendo
cansado. — Rachel está se comportando com tanta rebeldia, desde que você
foi embora. Tenho tentado ser paciente e compreensivo, sendo o amigo que
sempre fui, mas ela está se distanciando cada vez mais da garotinha que era.
Está se tornando uma mulher, amigo, e eu acho que a falta da mãe está
começando a cobrar seu preço, sabe? Tô me sentindo perdido.
Rachel não tinha contato algum com a mãe desde que ela abriu mão da
guarda e a entregou aos cuidados de Thomas. A mulher simplesmente
esqueceu que tinha uma filha e, considerando o quanto meu amigo tinha
saído machucado daquele relacionamento, eu conseguia compreender o
porquê de ele não ter insistido em uma aproximação de mãe e filha. Com o
passar do tempo, nem mesmo Rachel demonstrava interesse em conviver com
a mãe, mas nunca escondeu a mágoa que sentia pelo abandono.
— Tudo bem, Thom. Eu vou tentar falar com ela, mas se Rachel
continuar agindo de forma inconsequente, acho que devia procurar ajuda
psicológica.
— Sim, eu tenho pensado sobre isso. Vai fazer bem a ela te ver. Rachel
é consciente de que ter ido a Nova Iorque escondida foi errado e se sente mal
por ter decepcionado você. — Ele riu. — Às vezes eu acho que ela te vê mais
como pai do que a mim…
Cerrei os punhos, observando o celular em cima da mesa de centro, na
sala do meu apartamento. Estava no viva-voz.
A forma como Rachel me enxergava nada tinha a ver com paternidade.
Eu não gostei nem um pouco de chegar a essa conclusão, mas não
podia negar o que estava cada vez mais obvio.
Preciso conversar com ela, ser franco e deixar tudo às claras. Rachel
não pode ter esse tipo de sentimento por mim, é errado!
— Procure um psicólogo para ela, Thom. Vou falar com Rachel aqui,
mas seria bom que ela tivesse com quem conversar a respeito. Ela não vai se
abrir comigo ou contigo, não totalmente.
— Tem razão.
— Quero que venham jantar aqui em casa — mudei de assunto. — Vou
apresentá-los à minha garota.
— Ei, espere aí, campeão! É melhor me contar isso com mais detalhes.
Foi o que eu fiz.
— Não sentem a sua falta lá no Olimpo? Você deve ter um cargo bem
importante entre os deuses gregos — Jules gracejou ao me encontrar na porta
do seu prédio.
Dei folga a Phillip, querendo um tempo a sós com ela. Fomos juntos
para o trabalho e eu adorei a naturalidade com que estávamos nos inserindo
na rotina um do outro. Ela já não estava mais chateada comigo, não depois da
nossa conversa esclarecedora, e isso me deixou aliviado.
Entretanto, algo que me deixava intrigado era a insegurança de Jules
em relação aos meus sentimentos. Era como se não acreditasse que eu
pudesse estar realmente interessado nela. Como se quisesse me fazer
enxergar que não era a pessoa certa para mim, ao mesmo tempo em que
estava claramente envolvida comigo.
Por que as mulheres são tão complexas?
Será que ela não percebe o quanto estou apaixonado?
Se já não fosse o suficiente para me deixar em alerta, meu avô acabou
contribuindo quando deixou clara a sua antipatia por Rachel assim que nos
encontramos no elevador da Stanton Tower.
Às vezes eu achava que ele ficava esperando Jules chegar, para
somente então subir para a cobertura. Os horários deles sempre coincidiam.
— Não foi só por Nova Iorque que a garota se apaixonou — murmurou
vovô, com desdém, quando confirmei que minha afilhada também viria a
Nova Iorque.
— Vô, por favor — repreendi.
Eu sabia que Rachel ainda era um assunto delicado para Jules, afinal,
foi por ter concluído que a garota era minha namorada que ela fugiu de mim
pela segunda vez, e isso resultou em escolhas erradas, tanto da sua parte
quanto da minha.
Queria ter tido a oportunidade de tocar no assunto com Jules sobre a
chegada de Thomas e a vinda de minha afilhada, mas Jonathan Stanton se
adiantou e eu não soube como contornar a situação.
Velhinho intrometido!
— Bom trabalho, senhores. — Para meu azar, o elevador parou no
décimo sétimo andar e Jules encontrou o momento perfeito para sua fuga.
— Tenha um bom dia, pequena criança.
— Subo daqui a pouco — avisei meu avô, saindo do elevador e indo
atrás da fujona, que me ignorava deliberadamente. — Jules, pare com isso.
Eu não queria soar autoritário, mas foi inevitável. Ela estava a poucos
passos de entrar na recepção da revista e eu não queria fazer uma cena no seu
ambiente de trabalho.
— Parar com o quê? — Parou no corredor, virando-se para me encarar.
Ela estava chateada e tentava disfarçar, mas de alguma forma eu
conseguia ler sua postura.
— Pare de fugir, porra! — implorei, frustrado, alterando o tom de voz,
me arrependendo logo em seguida.
Passei as mãos pelos cabelos e soltei o ar dos pulmões, tentando
recuperar meu autocontrole.
Para quem não queria fazer uma cena, eu quase dei um show.
Fui até ela a passos largos e a puxei para um abraço, apoiando meu
queixo no topo de sua cabeça e inspirando o seu perfume, que já era meu
aroma preferido no mundo. Sentir seus braços em torno da minha cintura me
trouxe um pouco de paz.
Ela sente algo por mim também… Tem que sentir!
— Desculpe — falei ao pé do seu ouvido, para que somente ela
ouvisse. Desfiz o abraço e segurei seu rosto entre minhas mãos. — Só pare de
fugir de mim, por favor.
Jules apertou o toque em minha cintura e me puxou para perto, me
pegando de surpresa quando depositou um beijo rápido em meus lábios. Foi
tão suave, mas intenso o bastante para me deixar louco de desejo.
— Eu sei ser babaca às vezes, me desculpe.
O jeito com que ela me olhava, arrependida, fazia com que eu
esquecesse o mundo à nossa volta.
Como ela consegue exercer tanto poder sobre mim, sem qualquer
esforço?
Como foi que eu me tornei tão suscetível a essa mulher?
— Mais uma verdade sobre você? — Acariciei seu rosto, observando-a
apreciar meu toque.
Como um gatinho quando ronrona ao receber carinho do dono.
— Mais um defeito, eu diria.
— Você é perfeita, Jules.
— Estou longe de ser perfeita, Javier. Mas quero ser a melhor pra você.
Beijei a ponta do seu nariz, tocado com suas palavras.
Eu tinha dito aquilo para ela mais cedo.
— Está se saindo muito bem, maluquinha.
O barulho de palmas assustou a nós dois.
— Vocês são tão fofos!
— Estou quase vomitando arco-íris.
— Sinto borboletas no estômago!
Recuei um passo, me sentindo um adolescente pego em flagrante.
Tentei sorrir para as amigas de Jules, mas me lembrei do que ela tinha dito
sobre elas me acharem sexy e acho que fiquei vermelho, denunciando meu
constrangimento.
— Preciso trabalhar — ela disse, parecendo relutante em ter que ir.
— Estou adorando cada minuto ao seu lado. — Achei que ela deveria
saber. — Também preciso ir agora. Posso te ligar mais tarde?
Esperei sua confirmação e lhe entreguei a bolsa, me despedindo em
seguida e voltando para o elevador.

— Por que o senhor achou pertinente fazer aquela insinuação sobre


Rachel na frente de Jules? — perguntei ao meu avô, assim que tive um tempo
livre para me encontrar com ele em seu escritório.
— Eu não sei se você é ingênuo ou se finge que não percebe, garoto
Stanton. Mas aquela menina é apaixonada por você.
Revirei os olhos.
— Rachel é uma criança, vô! É jovem demais pra saber o que é estar
apaixonada.
— Não estou falando dessa menina. — Ele riu, acenando com a mão,
num gesto de desdém. — A garota Clarkson. Ela é apaixonada por você.
— Como é que o senhor pode saber? Ela disse alguma coisa? — Não
fui bom o bastante para disfarçar meu interesse na resposta.
Meu avô e Jules se tornaram amigos há pouco tempo, mas eu sabia o
quanto ele gostava dela. Praticamente a considerava sua neta.
— Nem precisou me dizer nada, filho. — Abriu um sorriso, me
deixando intrigado. — Bastou tocar no nome de Rachel e observar a reação
dela. Não sei para você, mas ficou muito óbvio para mim.
Jonathan Stanton não dava ponto sem nó.
— Velho, eu não sei como ainda me surpreendo! — Tive que rir da
sua audácia.
— Olha o respeito, rapaz! Sou seu avô — resmungou, mas não
conseguiu disfarçar o sorriso. — Eu me lembrei do que você falou sobre a
reação de Jules ao te ver com Rachel. Só quis testar minha teoria e consegui.
— E sua teoria é que ela está apaixonada por mim? — Eu continuava
de pé, enquanto ele revirava alguns papéis em cima de sua mesa.
Eu era o novo CEO das Indústrias Stanton, mas meu avô ainda era o
Diretor de Operações, isso até eu finalmente convencê-lo a se aposentar.
Segundo ele, aquele seria seu último ano e depois sossegaria.
— Tanto quanto você é apaixonado por ela, confie em mim. Eu sempre
tenho razão, não é mesmo?
Eu adoraria que fosse verdade, tornaria tudo mais fácil. Ao menos eu
achava que sim. Se Jules me amasse, eu teria maiores chances de ser
perdoado quando lhe contasse que fui o Sr. Engravatado.

Quando Jules olhou para o Audi R8 Spyder branco que eu havia recém-
adquirido, tive certeza de quais eram os seus pensamentos. O sorrisinho
malicioso não me passou despercebido.
Eu sabia que aquele era um dos carros de Christian Grey, citado em 50
Tons de Cinza. Foi justamente por isso que o havia comprado. Isso foi logo
depois de eu ter decidido levar adiante aquele jogo de Sr. Engravatado, mas o
modelo precisou ser encomendado e tinha sido entregue naquele dia.
Fiquei receoso no começo, mas depois pensei melhor e achei que seria
interessante que ela me associasse a um dos seus mocinhos literários, sem
que eu precisasse voltar a ser o Sr. Engravatado.
Será que contaria pontos a meu favor?
Eu sabia que para Jules não era o dinheiro ou meu status social que
importava. Ela, mesmo tendo condições financeiras de viver no luxo,
mantinha uma simplicidade que nem toda garota na idade dela, com os meios
disponíveis, teria.
Nova Iorque era uma cidade cara e cheia de tentações, mas apesar de
um dos maiores sonhos de Jules fosse viver na Big Apple e ter seu
apartamento na Quinta Avenida, para ela era muito mais importante
desperdiçar uma hora do seu horário de almoço só para se deslocar da Wall
Street até o Central Park apenas para se sentar no gramado e comer um
cachorro-quente na companhia das melhores amigas.
Ela não queria o glamour, mas a liberdade de viver um sonho.
— Jules, querida. Chegamos.
Ela acabou adormecendo durante o trajeto até seu apartamento. Eu
demorei um pouco mais que o considerado normal, por cautela e também por
detestar o trânsito novaiorquino.
— Oi. Acho que peguei no sono.
Seu sorriso preguiçoso me fez querer beijá-la, mas me contive.
Nosso diálogo foi curto até que o silêncio prevaleceu outra vez, mas
ficamos ali, parados, encarando um ao outro sem que precisássemos dizer
qualquer coisa.
Será que meu avô está certo? Será que ela já se apaixonou por mim?
Se comigo aconteceu tão rápido, por que com ela não pode ter sido
igual?
“Quem é que está inseguro agora, Stanton?”
Ignorei meu subconsciente e me lembrei de que tinha um convite a
fazer.
— Meu sócio está vindo para Nova Iorque, mas isso você já sabe. O
que você ainda não sabe é que darei um jantar de boas-vindas, em meu
apartamento, para Thomas e Rachel. Eles chegam na quarta, mas nos
reuniremos na quinta-feira. Quero muito que você me faça companhia.
Aceita?
Jules levou algum tempo para responder e eu soube que seus
pensamentos deviam estar a mil por hora, em um pequeno conflito interno.
Aos poucos eu ia aprendendo a entendê-la.
A mente da minha garota era uma pequena caixa de Pandora, tornando-
a imprevisível.
— Vou adorar conhecer o seu apartamento. Seu sócio e sua afilhada
também, é claro.
Sorri, satisfeito com a resposta, embora soubesse de sua relutância
quanto a se encontrar com Rachel oficialmente.
— Não se preocupe com Rachel, ela é apenas minha afilhada.
— Eu sei.
Embora demonstrasse estar confiante, o leve tremor em seus lábios
quando me deu um sorriso tímido, denunciou sua insegurança.
Eu tinha que dizer a Jules como me sentia, o quanto antes, para fazê-la
entender de uma vez por todas que não havia nenhuma outra mulher capaz de
despertar em mim o que somente ela conseguia.
“Talvez a redenção tenha histórias a contar
Talvez o perdão esteja onde você sentiu
Pra onde você pode fugir para escapar de si própria?
Pra onde você quer ir?
Pra onde você quer ir?
A salvação está aqui…”
DARE YOU TO MOVE - SWITCHFOOT
— Javi! — Rachel se jogou nos meus braços assim que as portas do
elevador se abriram.
Eu os aguardava em minha cobertura.
Thomas apareceu logo atrás dela e fez uma careta, rindo em seguida.
Ele já estava acostumado à forma como Rachel se comportava comigo,
porque desde pequena ela era assim, efusiva. Acho que o fato de a garota se
comportar da mesma maneira com ele não dava margem para nenhuma má
interpretação.
Talvez por isso eu relutasse em achar que Rachel pudesse sentir algo
por mim além de um amor fraternal.
Apesar de nunca ter dito em alto e bom tom, eu percebia nas
entrelinhas e frases de duplo sentido o que ela tentava me transmitir. Rachel
era esperta, jamais se colocaria em uma situação que lhe fosse constrangedora
e eu nunca lhe dei qualquer abertura. Sendo assim, continuávamos a agir
como tio e sobrinha, mesmo sem nenhum grau de parentesco sanguíneo.
Ela estava crescendo e com os sentimentos confusos, era nisso que eu
preferia acreditar. Por ser mimada e acostumada a ter tudo o que sempre
desejou, justamente por Thomas e eu sempre satisfazermos seus caprichos,
tentando compensar a falta de uma mãe, ela havia se tornado possessiva em
relação a nós dois.
— Olá, moleca! — brinquei, deixando claro que eu ainda me lembrava
da sua travessura.
Rachel se afastou do abraço, fazendo uma careta de óbvio desagrado. O
nariz arrebitado e a postura imponente, que eu conhecia muito bem, era a
maneira de ela tentar se mostrar a adulta que ainda não era. Ajeitando os
longos cabelos loiros para trás do ombro, a garota me deu um sorriso forçado.
— Pare de me tratar como uma criança, Javier.
— Tente não se comportar mais como uma, querida — suavizei o tom
de voz, ignorando-a em seguida para cumprimentar meu sócio e melhor
amigo. — Você parece mais velho, Thom. Seu cabelo está ficando grisalho
ou é impressão minha?
Ele riu, retribuindo o abraço.
— Culpa da nossa garotinha, que está me dando mais trabalho do que
quando tinha sete anos e nós nos revezávamos para cuidar dela e estudar para
as provas na faculdade.
— Certo, vocês armaram algum tipo de complô contra mim? —
reclamou Rachel, com os braços cruzados e uma expressão irritadiça. — Foi
pra isso que viemos a Nova Iorque, papai? Uma bronca em dose dupla?
— Você sabe que cometeu um grande erro, querida — intervi num tom
gentil, me aproximando dela, colocando um dos braços por sobre seu ombro,
puxando-a para perto de mim. — E nós, como seus protetores, não vamos
simplesmente fingir que não aconteceu. Mas conversaremos sobre isso outra
hora, hoje você está livre de um sermão em dose dupla.
— Sua garota já chegou, Stanton? — perguntou Thom enquanto eu os
acompanhava até a sala de estar.
Thomas e Rachel estavam hospedados no Mitchell Royal Palace, por
insistência do meu amigo, pois eu havia lhes convidado para ficarem em meu
apartamento. Ele estava na cidade a negócios e o hotel oferecia algumas
regalias como sala de reuniões. Realmente era mais cômodo, já que os
empresários com quem se encontraria também se hospedariam no hotel.
— Ainda não, mas não deve demorar.
— Que garota? — perguntou Rachel, sentando-se em um dos sofás
enquanto Thom e eu íamos ao frigobar preparar nossos drinques.
— Seu padrinho tem uma namorada, filha.
Jules estava com o olhar fixo no grande armário do hall, quando me
aproximei para recebê-la.
— Boa noite, maluquinha. — Beijei seu rosto, me deliciando com o
perfume dela que havia se tornado meu novo vício.
— Estou impressionada. — Virou-se para me encarar e pude ver seus
olhos brilhando de encantamento. — Você tem o portal para Nárnia no hall
do seu apartamento. Quando podemos nos casar?
Soltei uma risada, sem conseguir me conter.
Como ela conseguia ser tão divertida e espontânea, num piscar de
olhos?
— É só um armário para guardar os casacos. — Dei de ombros.
— Se você está dizendo… mas eu moraria dentro desse armário sem
pestanejar.
Não podia negar que aquele armário fazia toda a diferença no ambiente.
Ele foi um dos pontos altos que me fizeram decidir pela compra do imóvel.
— Eu não duvido disso. — Ri outra vez.
Ela mal havia chegado e meu humor aumentou consideravelmente.
Sentia-me tão vivo em sua presença.
— Seus convidados já chegaram?
— Sim, mas a convidada de honra acabou de chegar.
Jules se aproximou de mim, pousando as mãos em meu tórax. Prendi a
respiração, tentando me controlar para que ela não percebesse o meu coração
batendo descompassado.
— Você é um fofo. Minhas amigas dizem isso o tempo todo, estou
começando a acreditar!
— Você é uma fofa — falei, tentando não soar abobalhado.
— Seus amigos dizem isso?
— Meu avô é quem diz.
Ela se afastou antes que eu pudesse beijá-la e começou a desabotoar o
sobretudo preto. Engoli em seco, tentando não deixar transparecer meu
desconforto.
Era o mesmo casaco que ela usou no dia em que cometemos aquela
loucura na escadaria da Stanton Tower. Também reparei que os sapatos eram
os mesmos.
Tenho que contar a ela logo…
Eu sabia que não podia protelar aquela conversa por muito mais tempo,
mas entre o saber e ter a coragem para agir havia um enorme abismo: o medo.
— O que houve?
— Acho que prefiro você sem o casaco — justifiquei, tentando não
parecer tenso.
Ajudei Jules a tirá-lo e abri o armário, ajeitando a peça de roupa em um
cabide.
Era um armário em madeira de demolição, com flores e borboletas
talhadas nas portas. Mas não era um simples móvel. Na verdade, a peça fazia
parte da construção, pois apesar de parecer que havia sido colocado ali, ele
foi feito exclusivamente para encobrir a entrada secreta de um quarto do
pânico.
Voltei-me para ela, ficando embasbacado.
Jules usava um vestido preto que a deixava sexy e elegante. Eu estava
me acostumando a vê-la em legging e camiseta, quando saía para caminhar
no parque, ou em jeans que deixavam suas curvas sensuais, quando saía para
curtir com as amigas. Até seus trajes executivos a tornavam uma mulher
sofisticada, embora a aparência jovial e sua espontaneidade lhe dessem um ar
de garota crescida. Mas a mulher que eu via à minha frente, me encarando
com expectativa e sorrindo como se eu fosse alguém especial, era uma
mistura das três e eu estava completamente fascinado.
Ela era jovem, sonhadora e tinha um senso de humor apurado e
desinibido. Era sexy, tímida, ousada e de bem com a vida.
— Você está linda, Jules.
Queria ter dito muito mais, porque não era de beleza física que eu
estava falando. Ia além da aparência, porque desde o primeiro momento em
que a vi, entrando naquele elevador cheio de homens sisudos, foi a aura em
torno de Jules que me conquistou logo de cara. Eu podia sentir que ela era
diferente de alguma forma, que parecia ser uma pessoa especial.
Bem, ao menos para mim ela era tudo isso.
— Venha, deixe-me apresentá-la aos meus convidados.

Percebi de imediato que Rachel não estava nem um pouco contente


com a presença de Jules, embora ela fosse esperta o bastante para dissimular
e agir educadamente. Tudo o que eu não precisava naquela noite era ter
minha afilhada surtando por causa de um ciúme descabido.
Também não deixei escapar o desconforto de Jules, mas, ao contrário
de minha afilhada, ela estava mais nervosa do que qualquer outra coisa.
Ciente de que a minha garota tinha problemas com insegurança, tratei de dar
a ela toda a atenção merecida.
Eu sabia que Jules ainda estava um pouco atordoada e surpresa com o
fato de eu tê-la apresentado como minha namorada. Nós não havíamos
definido em que ponto estávamos naquele relacionamento recente, mas
pensei que seria uma maneira de fazê-la entender de uma vez por todas que
minhas intenções eram sérias e assim deixá-la mais confiante para encarar o
restante da noite, sem se deixar intimidar por Rachel.
Quanto a Thomas, estava mais do que evidente que meu amigo e sócio
havia simpatizado com ela, o que me deixava bastante contente, pois eu sabia
o quanto ele era reticente a relacionamentos, mas, ainda assim, não era o tipo
de cara que tentaria me dissuadir a fugir de um compromisso amoroso só
porque ele não acreditava mais em finais felizes.
Alriet havia cuidado de tudo para o jantar e, embora tivesse se
oferecido para ficar e nos servir, não achei necessário. Eu podia
perfeitamente atender meus convidados.
O jantar ocorreu num clima descontraído, com Thomas e eu contando a
Jules algumas de nossas histórias da época de faculdade.
— Uau! Isso poderia dar um livro. Dois solteirões e um bebê.
Não deixei passar despercebido a pequena troca de farpas entre Jules e
Rachel, mesmo que de forma sutil. Para que a coisa toda não tomasse maiores
proporções, optei por distrair Jules, passando minha mão em sua perna, sem
soar atrevido demais. Eu não queria dar ao gesto uma conotação sexual, pois
nós estávamos indo devagar, então num gesto impulsivo, acabei por lhe dar
um beliscão suave, nada que pudesse machucá-la, mas ela obviamente ficou
surpresa com minha ousadia.
Tive que segurar uma risada, pois seus olhos pareciam querer saltar das
órbitas.

Para não deixar Rachel constrangida diante de Jules e piorar a situação,


não a corrigi quando ela mencionou sua vinda anterior como uma pequena
viagem de férias. Ela me pediu permissão para ir até o quarto onde ficou
hospedada e imaginei que estivesse cansada de manter as aparências diante
de nós. Se queria se retirar, ótimo. Eu não tinha nenhuma objeção.
Estávamos na sala de estar, e eu me orgulhava daquele ambiente
aconchegante. Apesar de trabalhar muito e passar a maior parte do tempo
livre ali sozinho, meu apartamento foi decorado para ser confortável, além de
bonito, e, principalmente, receptivo a visitas.
Como eu não era um homem de muita badalação e priorizava o sossego
e conforto, meu lar era o meu refúgio naquela selva de pedras chamada
Manhattan.
Jules estava sentada ao meu lado e não consegui me manter afastado.
Eu a puxei para o mais perto possível, mantendo meu braço em seus ombros,
abraçando-a de um jeito que não a deixasse desconfortável.
Apesar de apreciar a companhia de Thomas, eu estava ansioso por ficar
um tempo a sós com Jules. Era a primeira vez que ela visitava meu
apartamento e eu queria que se sentisse em casa, como se ali também pudesse
ser seu lar.
Podia até parecer precipitado, mas de alguma forma eu sabia que minha
história com Jules não seria passageira. Era difícil de explicar e os mais
céticos até poderiam achar uma completa bobagem, mas cada vez que
pensava nela, a sensação de completude transbordava.
— Vocês são lindos juntos — comentou Thomas, me pegando de
surpresa. — Cuide bem do meu garoto, Srta. Clarkson.
Jules me encarou com um sorriso tímido e eu beijei a ponta do seu
nariz.
— Deixa comigo, Sr. Hard.
Tive que rir quando ela apertou minhas bochechas, como se eu
realmente fosse um garotinho.
— Talvez da próxima vez que eu vier a Nova Iorque, sua garota possa
me apresentar algumas amigas, Stanton — comentou Thom, num tom
malicioso.
— Guarde suas garrinhas, amigo!
Ele começou a rir e Jules o acompanhou, mas seu riso morreu assim
que Rachel, que eu nem tinha reparado se aproximar, sentou-se no braço do
sofá, quase se arrastando para o meu colo. Fiquei tenso assim que seus braços
envolveram meu pescoço.
O seu semblante sereno, somado a um sorriso quase angelical, mas que
na verdade era puramente diabólico, veio acompanhado de uma voz
calculadamente suave.
— Não encontrei o boné dos Yankees e os óculos da Gucci que você
me deu. Eu podia jurar que os tinha esquecido aqui.
Não levei um segundo para calcular o desastre.
Rachel não tinha como saber que eu havia dado o boné e os óculos a
Jules, em contrapartida, eu soube pelo seu comportamento que a intenção ao
se aproximar de mim daquela maneira era uma demarcação de território,
como se ela tivesse algum direito sobre mim.
Acho que nunca antes eu tinha ficado tão puto da vida com minha
afilhada.
Tudo bem, foi um erro meu ter dado a Jules algo que pertencia a outra
pessoa. Mas não considerei que Rachel fosse se lembrar, justamente por ela
tê-lo rejeitado como uma forma de mostrar que estava chateada comigo. Não
era a primeira vez que me devolvia um presente, justamente por isso eu não
me importei em dá-lo a Jules.
Eu nunca imaginei que minha atitude pudesse gerar outro mal-
entendido, mas a culpa foi toda minha!
Além disso, já estava mais do que na hora de impor a Rachel alguns
limites.
Como ela teve a audácia de agir assim comigo, e na frente do próprio
pai?
Essa garota está perdendo o controle, só pode!
— Com licença. — Jules se levantou e eu soube o que pretendia fazer.
— Lembrei que preciso fazer uma ligação importante, de trabalho.
Se havia algo em Jules que eu realmente não gostava era a forma como
ela se sentia acuada e fugia na primeira oportunidade, diante de uma situação
que lhe gerava desconforto.
Eu a fitei com certo desespero, não querendo soar dramático ou dando a
entender que havia feito algo errado, embora soubesse que de certa forma eu
tinha sim cometido um erro, mas nós podíamos conversar e resolver as
coisas. Bastasse que ela ficasse e lidasse com a situação.
Porra, Jules! Eu quis gritar, assim que a vi se retirar da sala, mas em
vez de ir atrás dela, saquei o celular do bolso e digitei uma mensagem em
tempo recorde.
Javier: Não fuja, Jules, por favor!
Ela teria que chamar o elevador para descer, e isso me dava um pouco
de tempo, contudo, quis que ela voltasse sem que eu precisasse ir até lá e
implorar. Queria vê-la enfrentar sua insegurança e me dar uma oportunidade
de conversarmos.
Encarei Thomas, desolado, mas seu olhar inquisidor estava direcionado
à filha.
Saí da sala a passos largos, rumo ao hall, mas ao chegar lá não vi Jules.
Entretanto, o elevador estava parado, sem nenhum sinal de que ela havia
descido.
Encarei a porta do armário e um sorriso se formou em meus lábios,
embora eu estivesse tenso e chateado.
Ela não tinha ido embora, aquele era um bom sinal.
Se Jules precisava de um tempo antes de conversarmos, eu daria esse
tempo a ela.
Afinal, aquele era realmente um armário e não o portal para Nárnia,
mais cedo ou mais tarde ela teria que sair dali.

— O que está acontecendo com você, garota? — Thomas questionava


Rachel, num sussurro irritado, segurando-a pelos ombros.
Meu amigo nunca agrediu a filha, e não era o que estava fazendo agora,
embora eu pudesse ver a severidade com que a encarava. Ele a segurava para
que ela não lhe desse as costas, apenas isso.
— Não fiz nada de mais, pai! Tá vendo coisa onde não tem! —
retrucou ela com um tom de afronta.
— Já chega dessa merda, Rachel — sentenciei com frieza, encarando-a
como se ela não fosse uma adolescente, e sim alguém que não merecia
nenhuma compaixão da minha parte.
Eu não costumava ter discussões ou brigas. Nunca fui o tipo de homem
que usa de violência para impor qualquer coisa e, principalmente: eu não era
o cara que tratava uma mulher com grosseria. Mas estava cansado dos
rompantes de minha afilhada e, ao que parecia, ela precisava entender qual
era o seu lugar em minha vida, mesmo que me odiasse depois.
— Javi…
— Calada — cortei, mantendo o tom impassível. — Vou deixar uma
coisa bem clara, Rachel, e espero que não seja preciso repetir, pois sei que
você é uma garota muito esperta.
Ela assentiu, os olhos lacrimejantes, mas não me deixei tocar. Eu sabia
que ela era perfeitamente capaz de atuar.
Thomas não disse nada, e sabia que tinha seu total apoio. Eu exercia
tanta autoridade sobre Rachel quanto ele.
— Jules é minha namorada e estou completamente apaixonado por ela
— falei com convicção, mesmo que me sentisse incomodado de assumir essa
verdade para outra pessoa antes da própria Jules. Mas era necessário. —
Você precisa respeitar meu espaço, não pode se pendurar em mim daquele
jeito.
— Mas eu…
— Não interrompa o seu padrinho, Rachel Emily Hard — resmungou
Thomas, fazendo com que a filha se calasse.
— Precisa entender que por mais que eu te ame, também tenho uma
vida e quero seguir em frente com ela — continuei em um tom mais sereno,
embora ainda me mantivesse convicto. — Sei que estive presente por anos, e
não pretendo me afastar, mas o meu mundo não gira em torno de você,
Rachel. Tem razão, não é mais uma criança. Você está se tornando uma
mulher e sabia a impressão que passaria a Jules, quando se aproximou de
mim. Eu jamais olharia para você de outra forma que não fosse como um pai
olha para sua filha.
Ela estava chorando e vi a mágoa genuína em seus olhos. Ali eu
acreditava que não era uma atuação.
Thomas se aproximou de Rachel e a amparou, acenando para mim com
um gesto de cabeça. Nós nos comunicamos apenas com uma troca de olhares
e eu sabia que tinha dito o suficiente.
— Vamos pro hotel, eu te ligo amanhã — disse ele, saindo com Rachel
em completo silêncio, embora ainda chorasse.
Eu me sentia péssimo por ter que dizer aquilo a ela, mas era necessário,
e sabia que ter feito na presença de Thomas dava às minhas palavras uma
proporção maior.
Ele me apoiava, conhecia a filha melhor que qualquer pessoa.
Esperei que se retirassem e me sentei no sofá, soltando o ar dos
pulmões, completamente exaurido. Passei as mãos pelos cabelos, mesmo que
estivessem num corte baixo, e esfreguei meu rosto, tentando controlar as
emoções.
Porra! A noite tinha começado tão bem!
Levantei-me, sacando o celular do bolso e discando o número de Jules.
Não fazia ideia de quanto tempo tinha se passado e ela provavelmente
já tinha ido embora, mas eu não queria ir dormir sem antes conversarmos.
Quando ouvi o refrão de Call Me Maybe soando baixo, vindo da
direção do hall, abri um sorriso bobo.
— Nárnia, aí vou eu.
“Te tocar, te sentir
Sempre
Te beijar, te provar a noite inteira
Sempre…”
ALWAYS - BLINK 182
“Eu preciso fazer xixi” com certeza não é o que um homem espera
ouvir depois de dizer para uma mulher que está completamente apaixonado
por ela.
Quando Jules começou a falar sem parar, eu não consegui controlar
minha risada. Primeiro porque estava nervoso pra caralho, pensando em
como conseguiria me justificar com ela sobre ter lhe dado um presente que
havia sido de outra pessoa, além de ter que explicar com mais detalhes a
respeito do comportamento de Rachel e o que ela achava que sentia por mim.
Não queria que Jules se preocupasse com minha afilhada, e sabia que
sua insegurança falaria mais alto caso eu assumisse em voz alta que a garota
me enxergava como homem, e não como um segundo pai. Era difícil até
mesmo para mim, porque me sentia sujo, embora nunca tivesse dado a
Rachel qualquer tipo de insinuação.
Abri meu coração. Expus meus sentimentos e disse a Jules o que estava
me consumindo desde que a conheci. Deixei claro que se precisasse fazer
qualquer tipo de escolha entre ela e Rachel, ela certamente seria a minha
escolha.
Então ela fugiu, mais uma vez, embora ainda estivesse em meu
apartamento.
Com a desculpa de que precisava fazer xixi, Jules entrou no meu
banheiro social e eu estava completamente perdido, sem saber como
proceder.
Porra! Por que o amor tem que ser tão complicado?
— Ei, Javi! — Hani atendeu a ligação, sonolenta. — Está tudo bem
com você? Sir Jonathan?
Ela e Zayn ainda estavam em Nova Iorque.
— Não o chame de Sir, pelo amor de Deus! — Revirei os olhos.
Ela ainda não havia esquecido aquela velha história que meu avô havia
lhe contado sobre a Ordem do Império Britânico.
— Por que está cochichando? — perguntou num tom conspiratório.
— Porque não quero que Jules nos ouça — mantive o tom baixo. —
Ela está aqui, no meu apartamento.
— Sim, me lembro. O jantar.
— É, aconteceu uma coisa chata com a Rachel e…
— O que foi que aquela naja aprontou? — Bufou, obviamente irritada.
— Não vem ao caso agora, depois te conto isso direito. — Estava
nervoso pra caralho, precisava de um conselho urgente ou poderia fazer
alguma besteira e estragar tudo. — Eu disse a Jules que estou apaixonado por
ela!
— Oh, isso é maravilhoso! Espere, vou colocar no viva-voz. Zayn quer
ouvir a conversa.
— Que ótimo. Interrompi alguma coisa? — debochei para provocar
Zayn.
— O ronco da Hani, apenas. Boa noite, amigo. — Ao que parecia, ele
também tinha acabado de acordar.
— Eu não ronco, Zayn!
— Boa noite, Zayn. Acho melhor eu desligar, daqui a pouco ela volta
e…
— Volta de onde? — Hani me interrompeu, afoita. — Você disse a ela
que está apaixonado e ela saiu, mas continua no seu apartamento? Não estou
entendendo, Javi.
— Jules disse que precisava fazer xixi. — Não consegui evitar a risada,
mesmo que ainda estivesse cochichando. — Mas eu acho que ela entrou em
pânico e deu essa desculpa para ganhar um pouco de tempo.
— Essa garota é estranha — comentou Zayn. — Tem certeza de que
ela é a mulher certa pra você? Essa história é muito enrolada, Javier.
— Não semeie a discórdia, Habib! — Ouvi o que pareceu ser o som de
um tapa e prendi o riso. Hani voltou a falar comigo: — Tenho certeza de que
Jules não esperava a sua declaração, querido, mas vai dar tudo certo.
— O que eu faço? — Não consegui esconder o desespero em minha
voz. — Acha que devo contar a verdade a ela sobre… — Espiei para ver se
ela estava voltando. — Você sabe sobre o quê.
— Se acha que é o momento, conte.
Comecei a entrar em pânico.
— Mas e se ela não me perdoar? Eu a magoei e…
— Se Jules entender os motivos pelos quais você fez o que fez, ela vai
te perdoar.
— Estou com medo. Como posso estar me sentindo assim? Não sou um
garotinho!
— É um homem apaixonado — foi Zayn quem respondeu. — E um
homem quando ama uma mulher se borra de medo de perdê-la. Vai por mim,
amigo. É uma grande merda, mas você não está sozinho. Se Jules é a sua
garota, siga o seu coração.
— Habib… — A voz de Hani toda derretida para cima de Zayn me fez
sentir um intruso.
Era quase como se eu estivesse deitado no meio deles, empatando a
foda.
— Vocês não vão começar a transar comigo na linha, vão?
— Boa noite, Javier. Vá curtir a sua garota, porque já que você me
acordou, eu vou curtir a minha. Boa sorte, amigo.
— Zayn! — Ouvi o protesto de Hani antes de a chamada ser finalizada.
Que ótimo! O que eu faço agora?
“Respire fundo e relaxe. Ela vai voltar e logo vocês esclarecem tudo”.
Certo, gênio do mal. Dessa vez você está com a razão. Obrigado.

“Como eu não me apaixonaria por você?”, a voz de Jules não parava


de ecoar em minha mente, relembrando o momento em que ela confessou que
era recíproco.
Apesar de estar sozinho agora, deitado em minha cama, encarando o
lustre no teto, eu me sentia feliz.
Quando Jules retornou à sala, pensei que tudo estaria acabado, que a
tinha assustado com minha declaração, fazendo-a se dar conta de que tudo
aconteceu rápido demais e que ela não estava no mesmo ritmo que eu.
Não queria apressar as coisas entre a gente, mas não conseguia mais
disfarçar o quanto ela mexia comigo. Nunca estive em uma situação dessas
antes e ficar reprimindo emoções não fazia parte da minha personalidade.
Eu não tinha o menor problema em assumir que estava apaixonado,
depois que tive certeza do meu sentimento.
Sorri feito um bobo ao me lembrar do nosso beijo, quando pensei que
finalmente estávamos na mesma sintonia, ambos dispostos a fazer aquele
relacionamento dar certo. Até ela me dar um beliscão no braço!
Meu sorriso se transformou numa gargalhada alta.
Foi muita idiotice da minha parte ter dado a ela os óculos que eram de
Rachel, mas eu havia aprendido a lição. Jamais cometeria um erro tão bobo.
“Agora só falta contar a verdade sobre o Sr. Engravatado”, alertou
meu subconsciente, cessando meu bom humor, transformando-o em medo.
Era inevitável, precisava contar logo a Jules. Ela tinha o direito de
saber e eu não podia construir um relacionamento em cima de uma mentira.
Cedo ou tarde ela poderia vir à tona e estragar toda a parte boa da nossa
história.
— Só preciso descobrir como fazer isso causando o menor dano
possível.

Quis fazer uma surpresa a Jules na manhã de sexta-feira, mas quando o


zelador do prédio me disse que ela já havia saído, eu soube que devia lhe dar
um pouco de tempo e espaço.
Phillip estava trabalhando temporariamente com meu avô, cobrindo as
férias do seu motorista. Eu o havia emprestado desde que comecei a dar
carona para Jules na ida e volta do trabalho. Mas a verdade é que não via a
hora de retomar a rotina anterior. Dirigir não era um dos meus esportes
favoritos e eu podia continuar dando carona para a minha garota sem
necessariamente ter que ser o motorista.
— Bom dia, Emma — cumprimentei minha assistente assim que
cheguei ao escritório. — Hoje eu não estou disponível para ninguém.
Desmarque qualquer compromisso. Como sabe, tenho viagem marcada para
Sydney amanhã e quero deixar algumas pendências resolvidas.
O dia foi cheio. Nem mesmo tirei um tempo para sair e almoçar,
fazendo um lanche rápido no próprio escritório. Thomas havia ligado para me
avisar que estava tudo certo para a reunião com o conselho administrativo da
Stanhardton. Eu havia solicitado uma alteração na data, pois tinha esquecido
que o baile de máscaras que meu avô oferecia anualmente estava próximo.
Por sorte, havia Emma para me ajudar a lembrar e tivemos que remanejar
toda a agenda.
Foi falha minha, confesso. Acabei deixando minha vida pessoal afetar a
profissional. Não era algo grave, mas eu não podia me dar ao luxo de cometer
esse tipo de deslize. O ponto principal não era o meu relacionamento com
Jules, mas o fardo que carregava ao esconder dela o fato de ter sido o Sr.
Engravatado.
Cada vez que pensava nisso, eu ficava mais apavorado.
— Nossa! Que dor de cabeça, acho que vou à farmácia comprar um
remédio — disse Jules, num tom teatral, me fazendo rir.
Ela me ligou na parte da tarde e me dei conta de que não tinha sequer
lhe enviado uma mensagem durante todo o dia. De toda forma, foi bom vê-la
tomando a iniciativa de me procurar, afinal, era sempre eu que dava o
primeiro passo, e, embora não me incomodasse de ser assim, apreciei o gesto.
Significava que também sentia a minha falta.
— Acho que tenho uma caixa de primeiros socorros aqui, em algum
lugar.

— Esse seu tom de voz não está me cheirando bem — comentei, assim
que atendi a ligação de Jules e percebi o excesso de serenidade ao me chamar
de querido.
— A senhora aqui da recepção acabou de dizer que você não se
encontra em seu escritório. Pensei que fosse me esperar em sua sala…
Como as mulheres conseguem dar um jeitinho de mostrar que estão
putas da vida usando um tom de voz tão delicado?
Eu tinha esquecido completamente de avisar a Emma sobre Jules.
Estou mais disperso do que imaginava!

— Sra. Stone, eu sempre estarei disponível para minha namorada —


avisei Emma, assim que ela acompanhou Jules até meu escritório.
— Entendido, Sr. Stanton. Com licença. — Saiu logo em seguida, e
percebi a confusão em seu olhar.
Jules aceitou minha mão estendida e eu a puxei para perto, colando nossos corpos.
Ela estava linda no traje executivo, a curva do quadril acentuada na saia lápis. Eu gostava
de como ela alternava entre a mulher sexy e a garota sem papas na língua.
— Não pode ser natural… — murmurou assim que Emma saiu, e eu
tinha certeza de que nem se deu conta que estava pensando em voz alta sobre
a bunda da minha assistente.
O diálogo sobre os atributos físicos de Emma e possíveis
procedimentos estéticos não durou muito. Quando Jules me fez sentar no
sofá, segurando minha gravata e me encarando cheia de desejo, eu quase
esqueci meu próprio nome.
— Você desperta meu lado perverso, Sr. Stanton — ela disse, num tom
de voz tão sensual que me deixou duro na hora.
— Eu gosto disso, maluquinha.
Bastou beijá-la para eu esquecer onde estávamos. O clima esquentou,
minhas mãos ganharam vida própria e fui mais ousado do que pretendia. Eu
queria tanto estar dentro dela outra vez, principalmente sabendo que agora
Jules me desejava por quem eu era de verdade, não por quem poderia ser para
agradá-la.
Assim que minhas mãos deslizaram para suas pernas e começaram a
subir por debaixo da saia, Jules não conseguiu permanecer afastada e se
rendeu, sentando-se em meu colo, suas mãos mantendo meu rosto colado ao
dela em um beijo intenso enquanto eu testava os seus limites, apertando a
pele macia de suas coxas, tentando não sucumbir de vez quando ela deixou
escapar um gemido que fez meu pau ficar ainda mais duro do que já estava.
— A sua pele é tão macia…
Nunca estive numa situação semelhante, em meu ambiente de trabalho,
mas estava adorando ter Jules ali. Acontecia de forma natural, mesmo sendo
uma cena clichê nos romances que ela costumava ler. Não planejei nada
daquilo, mas me deliciei com sua entrega.
Estava cada vez mais difícil manter as mãos longe de Jules e me
controlar para não a deixar nua e finalmente fazer amor com ela.
Felizmente, ou não, uma batida na porta nos sobressaltou, fazendo com
que ela se afastasse de mim.
— Acalme-se, Jules — tentei tranquilizá-la. — Não estamos fazendo
nada de errado.
Era meu avô, o que a deixou ainda mais constrangida.
Quem diria que a Srta. Atrevida ficava mais linda quando
envergonhada?
Queria ter tido a oportunidade de convidar Jules para o baile, mas vovô
se adiantou. Parecia, inclusive, que ele veio ao meu escritório exclusivamente
para este propósito, entretanto, não tirei a dúvida a limpo.
— Onde estávamos? — Voltei minha atenção para minha garota, assim
que meu avô saiu.
Estava mais do que disposto a retomar o que havíamos começado,
embora soubesse que não seria a escolha mais prudente.
Aos poucos, eu ia me deixando levar cada vez mais pelos sentimentos
que Jules despertava em mim.
— Javier, preciso voltar pra revista. Subi até aqui para te ver e contar
que hoje à noite sairei com as garotas.
Tentei não demonstrar que não me agradei com a notícia, pois ela tinha
toda a liberdade para estar com as amigas. Jamais seria o tipo de cara que
acha que pode mandar e desmandar na vida da namorada.
Eu respeitava sua individualidade, mas viajaria no dia seguinte e queria
passar um tempo a sós com ela.
— Posso ir junto? — tentei, mas me arrependi em seguida.
De nada adiantava não me opor à sua noite de garotas e impor a minha
presença.
Saber que suas amigas estavam sentindo ciúmes da nossa proximidade
inflou um pouco o meu ego. Eu ainda não tinha sido apresentado a elas
formalmente, mas já gostava de todas apenas pelo que Jules contava. Eram
unidas, mesmo que tivessem se agrupado há menos de um ano. Se
preocupavam umas com as outras e era visível o protecionismo que
cultivavam entre si.
Além disso, iriam para a Oásis, e como Zayn e Hani estavam em Nova
Iorque, poderia ser a noite perfeita para que se conhecessem.
Acompanhei Jules até o elevador após garantir a ela que conseguiria
entradas VIP para sua noite de garotas.
— Amanhã sou toda sua. — Despediu-se com um beijo estalado em
meus lábios, antes que as portas do elevador se fechassem.
Acabei me esquecendo de dizer a ela sobre minha viagem a Sydney,
mas daria um jeito nisso depois.
Retornando ao meu escritório, parei diante da mesa de Emma.
— Desculpe não tê-la avisado sobre Jules, eu ando com a cabeça no
mundo da lua — brinquei, tentando descontrair um pouco.
Ela sorriu, assentindo com um gesto de cabeça.
— Não tem problema, Sr. Stanton — disse num tom gentil. — Ela
parece ser uma boa garota, é bom vê-lo feliz.
— Obrigado, Emma. Vou voltar ao trabalho.

— Stanton, a que devo a honra da sua ligação? — O bom humor de


Zayn era quase palpável. — Se for mais um conselho amoroso, vamos ter que
conversar sobre meus honorários.
— Hani é quem deveria cobrar, ela é minha consultora oficial. Você é
um intrometido, El Safy!
Ele gargalhou e eu acabei o acompanhando.
— Quero te pedir algumas cortesias para a área VIP da Oásis. Jules terá
uma noite de garotas com as amigas, e eu gostaria que você e Hani a
conhecessem, num encontro casual sabe? Não quero deixar minha garota
nervosa e, convenhamos, você e Hani são um show à parte.
— Eu deveria te cobrar pelas entradas, depois deste comentário —
resmungou com sarcasmo. — Mas gosto da ideia de tê-lo me devendo algum
favor.
— Tá parecendo um mafioso, falando assim — provoquei. — Mas
você sabe que, se, e quando precisar de mim para qualquer coisa, é só falar.
Pode contar comigo sempre.
— Bom saber disso, amigo. Hani vai surtar quando eu disser a ela que
finalmente irá conhecer a maluquinha dos romances eróticos.
“Porque eu tenho você para me fazer me sentir mais forte
Quando os dias são difíceis e uma hora parece muito mais longa
Sim, quando eu tenho você
Para me fazer sentir melhor
Quando as noites são longas, elas serão mais fáceis juntos…”
I’VE GOT YOU - MCFLY
ZAYN>>> Sua garota tem o selo El Safy de aprovação, Stanton.
— Por que o sorriso bobo, meu neto? — Meu Avô me flagrou
verificando a mensagem no celular.
Acabei aceitando o convite para jantar em sua casa, já que eu ficaria a
semana fora e ele teria que assumir alguns compromissos em meu lugar.
Estávamos em seu escritório agora, eu não demoraria muito mais por ali,
queria acordar cedo para poder passar um tempo com Jules antes de pegar o
voo para Sydney.
— Jules foi com as amigas à Oásis e Zayn a conheceu. Acabou de
enviar uma mensagem me dizendo que gostou dela.
— Impossível não gostar da menina Clarkson, ela é especial. Você é
um homem de sorte por tê-la em sua vida, valorize-a.
Encarei meu avô, sentado na cadeira presidente, atrás da mesa de
carvalho, bebericando uma xícara de chá inglês.
O peso em minha consciência por esconder dele a verdade sobre o
começo da minha história com Jules provavelmente estava estampado em
minha cara, pois ele franziu o cenho e me encarou com aquele par de olhos
especuladores, perfeitamente capazes de arrancar a verdade sem muito
esforço.
Por isso eu tratei logo de desviar o olhar.
— O que há de errado?
Neguei com um gesto de cabeça.
— Não me sinto confortável de falar sobre isso com o senhor, me
desculpe.
Levantou-se, deixando a xícara em cima da mesa, dando a volta e se
aproximando da poltrona onde eu estava sentado.
— Sabe, filho, você é muito mais parecido com sua mãe do que
imagina. Samantha também não conseguia mentir pra mim, e quando me
contou que estava grávida e perguntei quem era o pai, ela me disse as
mesmas palavras que você acabou de dizer. E sabe o que eu fiz?
Assenti.
— Respeitou o desejo dela.
— E farei o mesmo com você, mas estou aqui, e se em algum momento
decidir me contar qualquer coisa, saiba que eu não vou te julgar. Da mesma
forma que jamais julguei sua mãe.
— Obrigado, vô. — Levantei-me para poder abraçá-lo.

Enquanto dirigia de volta para casa, pensei no que meu avô disse sobre
não julgar minha mãe e respeitar a decisão dela de não revelar quem era meu
pai. Dificilmente outro homem na situação dele faria o mesmo, ainda mais
quando a sociedade era hipócrita demais para ditar suas regras de como
deveria ser o comportamento adequado.
Minha mãe tinha dezenove anos quando ficou grávida. Estava na
faculdade e largou os estudos para se dedicar à gestação e depois a mim. No
fundo acho que ela optou por desistir por causa de meu pai, para que ele não
soubesse que estava grávida.
Quando era criança, eu tinha certa curiosidade sobre a identidade do
homem que contribuiu com a minha gestação. Mamãe sempre foi do tipo
amiga e costumava ser franca comigo, mas nunca me revelou quem ele era.
Dizia que não haveria ninguém no mundo capaz de me amar tanto quanto ela
e meu avô, e eu não precisava de um pai biológico para me tornar um homem
de bem, pois tinha um pai de coração, que, neste caso, também era o meu
avô.
Aprendi muito cedo que laços de sangue não determinam o amor
incondicional. Aos poucos fui percebendo que a escolha de minha mãe foi a
melhor para o meu bem, nosso bem. Quem quer que fosse o meu pai
biológico, essa ligação não era suficiente para fazê-lo me amar
incondicionalmente, e foi por isso que mamãe escolheu seguir sozinha com a
gravidez. Ela tinha seus motivos e eu confiava nela o bastante para acreditar
que tinha feito a melhor das escolhas. Nunca senti falta de ter um pai, porque
meu avô cumpriu esse papel. Além disso, nós tínhamos um laço de sangue
também e para mim sempre foi suficiente.
Quando conheci Thomas em todo o seu drama com a ex-esposa e o
abandono afetivo de Stella, mãe de Rachel, ignorando completamente a
própria filha, constatei que algumas pessoas, mesmo com a obrigação de
cumprir seu papel, não nasceram para ser pais. Stella não merecia ser mãe de
Rachel, assim como o homem que engravidou Samantha Stanton não merecia
ser meu pai.
Após a morte de mamãe, vovô perguntou se eu tinha o desejo de tentar
descobrir quem era o homem que havia me gerado. Eu disse que não. Estava
sofrendo com a perda prematura da mulher que eu mais amava, além de estar
em outro continente e começando minha vida adulta.
Só queria seguir em frente, do jeito que ela sempre me ensinou: cabeça
erguida e um coração honesto.
Um dia eu teria minha própria família e daria o meu melhor, tanto para
minha esposa quanto para os filhos que viríamos a ter. Honraria tudo o que
aprendi com mamãe e vovô e passaria adiante seus ensinamentos, além dos
meus aprendizados ao longo da vida.
Algo em mim apontava na direção de Jules quanto a esse sonho e foi
justamente por isso que não desisti no primeiro obstáculo.
Sentia em meu coração que ela era a pessoa certa para mim.

— Pensei que você fosse contar a Jules sobre… — Hani não concluiu,
pois ambos sabíamos exatamente sobre o que ela estava se referindo. —
Quase deixei escapar!
Eu já estava deitado em minha cama e caindo de sono quando ela me
ligou para contar que havia finalmente conhecido Jules. Zayn estava com
Alexios, tratando de negócios, e quando ela teve um momento a sós com a
minha garota, acabou se colocando numa saia justa.
— Era a minha intenção, mas depois que Jules voltou do banheiro
nossa conversa tomou um outro rumo — expliquei, não querendo entrar em
mais detalhes. — Eu sei que você se preocupa comigo, Hani. Sou grato a
todos os conselhos que tem me dado desde que conheci Jules e estive
tentando conquistá-la.
— Mas?
— Não tem um “mas”. — Soltei um longo suspiro. — Você está certa,
tenho que contar a verdade o quanto antes. Eu sei que estou me acovardando,
porra!
— Aproveite esses dias longe dela para colocar os pensamentos em
ordem, Javi. Talvez, quando voltar, já tenha tomado a coragem necessária.
— Não é mais uma questão de coragem, Hani. É sobre fazer o que é
certo e não posso mais continuar escondendo isso de Jules. Ela tem o direito
de saber.
— Se precisar de ajuda, qualquer coisa, sabe que pode contar comigo.
— Sim, eu sei. Obrigado.
— Boa noite, querido. E uma boa viagem também.

— Você está horrível — foi a primeira coisa que eu disse a ela assim
que Jules abriu a porta do seu apartamento, na manhã de sábado, parecendo
um completo desastre.
Fui forte o bastante para não rir, mas meu sorriso foi impossível de
esconder. A cena era engraçada e vê-la irritada por ter sido pega naquelas
condições enquanto eu estava impecável tornou tudo ainda mais divertido.
— Desculpe, Sr. Stanton, não saí de um conto de fadas — resmungou.
Peter, o zelador do prédio em que Jules morava, me deixou subir sem
comunicar minha presença. Ele já me conhecia das vezes em que esperei por
Jules na portaria, além disso, sabia quem eu era e isso contou pontos a meu
favor.
Era a primeira vez que eu ia ao apartamento dela, mas acho que Jules
estava com tanta ressaca da noite anterior que nem se deu conta disso.
Desencostei-me da parede do corredor para finalmente abraçá-la, mas
seu mau humor me alertou de que o melhor era ficar longe até que ela se
recompusesse.
— Não é um bom momento para você me abraçar. Eu bem que tentei
esconder minhas tendências homicidas, mas se você tocar em mim é capaz de
perder um braço. Então não se aproxime.
Eu me divertia com esse lado de Jules, porque ela não se importava em
posar de garota perfeita. Estava de ressaca, cabelos desgrenhados, olhos e
boca manchados por ter dormido com maquiagem, e uma meia fina rasgada
por não ter trocado de roupa quando chegou da Oásis. Ela não era exatamente
o tipo de pessoa que acordava feliz da vida e, desde que começamos a nos
ver, eu meio que aparecia ou ligava sempre nos momentos em que ela não
estava em sua melhor versão.
De todo jeito, Jules ainda era a mulher mais linda aos meus olhos.
— Desculpe-me, maluquinha. Mas foi inevitável. — Não fiz nenhuma
cerimônia ao entrar e me sentar no sofá, como se já tivesse estado ali várias
vezes.
— Fala sério, Javier. Estou me sentindo péssima e você aparece todo
lindo, dizendo que estou horrível. Além disso, essa dor de cabeça está
acabando comigo, se eu não estivesse apaixonada por você, seria um homem
gravemente ferido.
Era difícil me manter sério diante da sua indignação. Em pensar que há
dois dias eu não fazia ideia do que ela sentia por mim, agora Jules falava
abertamente sobre estar apaixonada, mesmo num contexto irritado.
Isso me deixava feliz e nem me dei ao trabalho de disfarçar.
E daí se não estava com o melhor humor? Ela continuava apaixonada
por mim!
— Sou um babaca insensível. — Segurei o riso, observando-a de pé em
minha frente, mantendo alguma distância.
Se ela estivesse um pouquinho mais perto, eu a puxaria para meu colo.
— Ah, sim! — Revirou os olhos, fazendo uma careta, mas estava se
segurando para não rir também. — Você é um babaca insensível.
Extremamente lindo, mas insensível.
Seu mau humor estava indo embora aos poucos, no fundo, Jules só
estava constrangida por eu ter aparecido em um dos seus momentos
vulneráveis.
— E o que eu posso fazer para me redimir com você?

Jules havia se retirado para tomar um banho depois de me pedir que


preparasse o café. Nós estávamos cada vez mais confortáveis na presença um
do outro e nos tornávamos um casal da maneira mais natural possível, mesmo
que ainda existisse a tensão sexual.
Sabia que Jules queria ser minha, tanto quanto eu desejava tê-la e me
entregar a ela. Cada vez que nos beijávamos ficava mais difícil controlar a
vontade de avançarmos para o sexo e eu nem mesmo me arriscava tocá-la
com mais intimidade, justamente pelo medo de que ela reconhecesse o meu
toque. Havia uma química sexual forte entre a gente, e Jules se esforçava
tanto quanto eu para não avançar demais. Ela queria me tocar, conhecer meu
corpo, explorar, mas se continha. Aquele dia, em meu escritório, foi o mais
longe que chegamos.
O apartamento de Jules era menor que o meu, mas muito aconchegante.
Tudo ali, até onde consegui observar, tinha o toque dela, o estilo dela. Era o
seu lar. Havia uma enorme estante na sala, cheia de livros, a maioria deles
romance.
Explorei a cozinha, pequena e organizada, e não demorei muito para
me situar ali. Vesti o avental para não sujar meu traje executivo, pois dali eu
seguiria direto para o aeroporto e comecei a preparar a omelete logo depois
de acionar a cafeteira. Queria ter tudo pronto para quando ela retornasse do
banho.
Enquanto mexia os ovos, me peguei sorrindo, pensando em como seria
acordar todos os dias ao lado dela e ter essa rotina de preparar o café da
manhã. Sinceramente? Não me importava nem um pouco de cozinhar para
Jules, poderia fazer parte do meu dia a dia e me faria um homem mais feliz.
Tudo o que eu mais desejava era fazer feliz a mulher que eu amava.
Mal tive tempo para pensar no que tinha acabado de me dar conta,
quando a ouvi se aproximar.
Eu a amo!
Jules vestia apenas uma camiseta do AC/DC. Tinha uma toalha de
banho enrolada no cabelo e calçava um par de pantufas de joaninhas
enormes. As pernas nuas e a certeza de que ela não usava um sutiã me fez
engolir em seco e umedecer os lábios com a língua.
— Minha Nossa! Você quer me matar? — Quase deixei a espátula cair
e apaguei o fogo para não queimar os ovos na frigideira.
Ela me fazia perder o fôlego e nem se esforçava para isso!
Não era preciso uma camisola transparente nem a lingerie mais sensual
para que Jules Clarkson despertasse o meu tesão. Ela estava sexy pra caralho
em uma camiseta desbotada e de cara limpa, já sem nenhum resquício da
maquiagem. As olheiras embaixo dos olhos eram a prova do seu cansaço,
mas não diminuíam a beleza que tanto me encantava. Ela era uma mulher
real.
— Eu queria, quando você chegou. Mas já passou a vontade. — Seu
sorriso dava a entender que ela acreditou ter me assustado e achava isso
engraçado.
— Então não apareça assim, extremamente sexy na minha frente! —
Apontei a espátula em sua direção.
— Extremamente sexy? — perguntou num tom de deboche. — Javier,
estou usando uma camiseta velha que bate no meu joelho e uma toalha
enrolada na cabeça. Isso porque você não viu a minha calcinha do Mickey.
Não tem nada de sexy nisso!
O jeito com que ela falava… era como se fosse o maior dos absurdos
que eu a considerasse sexy naquelas condições.
Bem, eu não precisava vê-la em uma lingerie sensual, mas com certeza
adoraria ver sua calcinha do Mickey.
Num instante eu preparava o seu café da manhã, no seguinte, nós
estávamos brincando de gato e rato em sua cozinha e eu certamente era o
gato, pois queria ver o ratinho da Disney com meus próprios olhos, ignorando
todo o meu esforço para não avançar o sinal.
Se fosse em outra circunstância, uma em que eu não escondia um
segredo que poderia fazê-la me abandonar, nós com certeza já estaríamos
transando naquela cozinha.
Havia me decidido que contaria tudo a Jules assim que retornasse de
viagem, mais precisamente na noite do baile de máscaras. Prepararia o
cenário e, no momento certo, revelaria que Javier Stanton e o Sr. Engravatado
eram um só.

Achei melhor não contar a Jules que pegaria o mesmo voo que Rachel e
Thomas.
Eu precisava parar de omitir informações, mas a tendência de Jules a
fugir de algumas situações me fazia recuar em certos momentos. Nós
teríamos que trabalhar isso, se quiséssemos que aquele relacionamento desse
certo, porém eu teria que dar o primeiro passo e ser mais sincero com ela.
Por uma infeliz coincidência, encontrei minha afilhada e seu pai assim
que descemos do táxi. Havia passado em meu apartamento para pegar a mala
e Jules me acompanhou até ali. A ideia era passarmos mais um tempo juntos
antes de eu embarcar, mas assim que Rachel se aproximou, eu soube, pela
expressão de Jules, que isso não ia acontecer.
— Javier! Nossos assentos são um do lado do outro, poderemos
conversar daqui até em casa. Não é o máximo? — Rachel se aproximou,
agindo de forma dissimulada, como se não tivéssemos tido aquela conversa
na outra noite.
Thomas observava em silêncio e eu estava puto, embora estivesse
conseguindo disfarçar. Eu teria que conversar com ele sobre o seu
comportamento passivo diante de momentos como aquele, onde Rachel
tomava as rédeas da situação.
— Estou cansado, Rachel. Não sei se terei energia o suficiente para ir
conversando com você por todo esse tempo. Mas é claro que teremos a
oportunidade de colocar os assuntos em dia. — Mantive um tom polido, sem
ser grosseiro, mas também não lhe dando espaço para ser mais invasiva.
— Cada minuto ao seu lado é precioso.
— Vamos fazer o check-in, Rachel — chamou Thomas, finalmente
tomando a porra de uma iniciativa.
— Tchau, Jules — disse Rachel, e eu sabia que era uma provocação
velada.
Puta que pariu! Essa garota está conseguindo me fazer detestá-la!

— Cadê sua filha, Hard? — Sentei-me ao lado de Thomas no portão de


embarque, após ter me despedido de Jules e me assegurado de que tudo
estava bem entre a gente.
— Foi ao banheiro.
— Que porra aconteceu com você, Thom? — Franzi o cenho,
encarando meu amigo e percebendo que ele parecia tenso.
— Não é nada. — Ele deu de ombros, mas eu sabia que estava me
escondendo alguma coisa. — Desculpe por não ter repreendido Rachel lá,
com Jules. Mas assim que voltarmos pra casa, essa garota vai ter que tomar
jeito na vida. Tô cansado desse comportamento da Rachel. Cansado de tentar
ser o pai amigo e resolver tudo na conversa.
— Ei, espera! O que isso significa?
Ele riu, num tom amargo, assim que entendeu minha expressão
preocupada.
— Não vou bater na garota, Stanton! — Deu um tapinha em meu braço
e soltou uma lufada de ar. — Jamais levantaria a mão contra minha filha, não
é assim que vou ensiná-la sobre caráter.
— Então como?
— Está na hora de Rachel perder algumas regalias e entender que nem
tudo vem de mão beijada. Já a mimei demais, ela precisa ver a vida por um
ângulo menos privilegiado.
Assenti.
— Não vou me sentar ao lado dela durante a viagem, Thom — avisei,
sabendo que havia chegado o momento de impor limites. — Vou gastar um
bom dinheiro se for preciso, mas trocarei de lugar. E ficarei num hotel
durante minha estadia em Sydney. Acho que é melhor me afastar da garota
até ela entender que nunca vou vê-la de outra forma que não seja como
sobrinha.
Ele concordou com um gesto de cabeça.
— Lamento que tenha chegado a esse ponto, mas acho que é o melhor a
fazer.

A semana foi cheia o suficiente para que eu não precisasse inventar


qualquer desculpa a fim de não me encontrar com Rachel. Já havia deixado
tudo muito claro na noite em que ela fez cena na frente de Jules e ignorá-la
durante horas de voo teria que ser suficiente para a garota entender de uma
vez por todas que da minha parte não havia nenhum interesse amoroso. Eu já
estava cansado daquela merda toda e não queria mais vê-la, nem falar com
ela. Ao menos por um tempo.
Thomas e eu nos vimos durante a reunião do conselho administrativo e
em dois dias toda a parte burocrática estava resolvida. Ele havia se tornado
oficialmente o dono da maior parte das ações da Stanhardton e também o
CEO.
— Um brinde, Stanton. A um novo ciclo de nossas vidas.
Estávamos em nosso pub favorito, revivendo os tempos de happy hour.
— A um novo ciclo! — Bati minha long neck na dele e não dissemos
mais nada até esvaziarmos nossas garrafas.
— Então… — Ele parecia reticente quanto ao que ia dizer, mas
continuou: — Está mesmo apaixonado pela Jules? Quero dizer… acha que
ela é a pessoa certa? A sua metade?
Encarei meu amigo por um tempo, ponderando sua pergunta. Não
porque eu tinha alguma dúvida sobre o que responder, mas porque não sabia
o verdadeiro motivo de ele ter me perguntado.
Thomas tornou-se cético em relação aos assuntos do coração, para ele
as mulheres não passavam de um passatempo divertido e sexo garantido. Ele
as usava e se permitia ser usado por elas, mas apenas se tratando do
superficial. Não se envolvia emocionalmente, havia desligado aquela parte do
seu coração. A única mulher em sua vida era Rachel.
— Eu amo Jules Clarkson — falei em voz alta pela primeira vez. —
Sim, é ela a minha metade. Não tenho dúvidas.
Meu amigo sorriu e deu um tapinha em minhas costas.
— Viu só? Eu estava certo. Posso não ser mais capaz de amar outra
vez, mas ainda reconheço o sentimento.
— Por que pensa assim, Thom? Por que acha que não é mais capaz?
— Você sabe exatamente o porquê — resmungou a contragosto,
pedindo mais uma bebida ao bartender.
— Stella não era a sua metade, cara — argumentei, mesmo sabendo
que seria em vão. — Se você abrir seu coração outra vez, é capaz de
encontrar a pessoa certa. Só tem que se permitir.
Ele negou com um gesto de cabeça e bebericou a cerveja antes de
rebater:
— Tô blindado pra essa merda chamada amor, sabe? Comigo ele não
brinca mais. Tô fora! Mas fico satisfeito em ver que você encontrou a sua
garota, Stanton. É um bom homem, merece ser feliz.
Bati meu ombro contra o dele e pedi mais uma cerveja.
— Você também é um bom homem, Thom. Merece ser feliz tanto
quanto eu.

Nos dias seguintes estive ocupado em reuniões representando as


Indústrias Stanton e a possibilidade de novas parcerias de negócios eram
muito promissoras. Meu avô ficaria satisfeito e eu estava feliz por realizar um
bom trabalho e manter nosso legado com níveis de sucesso em um patamar
consideravelmente alto.
Mantive contato com Jules através de e-mails e mensagens, e já estava
ansioso para retornar aos Estados Unidos. Meu tempo estava acabando, eu
finalmente contaria tudo a ela e o nervosismo em relação ao que Jules faria
quando soubesse a verdade não me deixava dormir direito. Era um misto de
euforia, expectativa e um pavor incontrolável.

Cheguei a Nova Iorque na tarde de sexta-feira e Phillip já me


aguardava no desembarque para me levar à casa do vovô, onde eu passaria a
noite. Jules não sabia do meu retorno, pois queria fazer uma surpresa a ela.
Após algumas horas de descanso, estava pronto para iniciar os
preparativos.
Claro que eu pedi ajuda.
— Uau! Ficou incrível — murmurei, ainda surpreso com o trabalho de
Hani.
A tenda no centro do minilabirinto no jardim da mansão Stanton era um
cenário praticamente saído das páginas de um livro, perfeito para um
encontro de amantes apaixonados.
Minha amiga havia idealizado tudo, inspirada em sua própria história
com Zayn.
— Tenho certeza de que ela vai amar. — Apertou meu braço, como um
incentivo velado para que eu me mantivesse confiante. — Você tem se
esforçado tanto para proporcionar a essa garota um romance digno de livro.
Se Jules não enxergar o quanto isso é especial, que não é qualquer homem
que se entrega a um relacionamento da forma como você fez logo de cara,
então ela não te merece. Mas apesar de ainda não tê-los visto juntos, posso
sentir que foram feitos um para o outro.
Suas palavras me tocaram profundamente. Hani era muito jovem e
tinha uma sabedoria que me pegava de surpresa sempre que a ouvia. Mesmo
que em alguns momentos agisse com impulsividade e tivesse o gênio tão
forte quanto o de seu namorado, ela também era doce e sonhadora. Havia se
tornado adulta, mas a aura de menina ainda pairava sobre si.
— Nunca pensei que a garota que me usou para se esconder da prima
durante um café da manhã acabaria se tornando a melhor amiga que jamais
eu poderia sonhar em ter. Obrigado por isso. Por tudo o que já fez e sei que
ainda fará por mim.
Ela me encarou com os olhos embargados e bateu seu ombro de leve
em meu braço, tentando não sucumbir à emoção. Soltou a respiração
gradativamente enquanto voltava seu olhar para a tenda em voal e seda
vermelha.
— Eu te amo, Javi — disse num tom sussurrado, cheio de emoção. —
Da mesma forma que Samira é minha irmã de coração, eu tenho esse mesmo
sentimento por você. Não sei como explicar, mas sempre soube, desde o
momento que me aproximei e pedi para me sentar à sua mesa naquele dia,
que poderia confiar em você.
Puxei Hani para um abraço e ela envolveu os braços em torno de minha
cintura, recostando o rosto em meu peito. Eu também a amava como uma
irmã e saber que ela me via desta forma me trouxe certa paz.
Ali estava, mais uma vez, a prova de que não era necessário um laço de
sangue para que duas pessoas fossem família.
— Também te amo. Você sempre será minha irmãzinha.

Depois de uma noite mal dormida, devido à ansiedade, acabei


levantando mais tarde durante a manhã de sábado enquanto a equipe de
organização da festa já estava a postos ajeitando os últimos detalhes.
Hani e Zayn partiram para Dubai na noite passada e eu não sabia dizer
quando seria a próxima vez que nos encontraríamos, mas fiquei de entrar em
contato para atualizá-los sobre minha situação com Jules.
Cacete. Nunca estive tão nervoso.
O conselho de Hani foi o pontapé inicial para que eu tomasse a
coragem necessária e iniciasse um jogo erótico com Jules Clarkson. Uma
brincadeira que tomou proporções maiores e foi se tornando séria a cada
passo dado. Mas não pensei que poderia me apaixonar tão rápido por aquela
mulher.
Tudo o que fiz foi pensando em realizar as fantasias de Jules, tentando
ser o cara que ela desejava ter ao seu lado. Nunca foi um desejo egoísta.
Bem, de certa forma sim, pois meu desejo era tê-la comigo, mas acima de
tudo sempre foi para a satisfação dela antes da minha própria.
Agora só me restava seguir em frente e fazer o que era certo: dizer a
verdade de uma vez por todas. Ela ainda não fazia ideia do quanto eu a
amava, mas pretendia revelar isso em breve.

Assim que coloquei meus pés no salão de festas, eu já sabia que Jules
havia chegado. Enquanto perambulava à sua procura, fui parado algumas
vezes para ser cumprimentado e precisei esconder a impaciência, pois apesar
de meu avô ser o anfitrião da noite, eu era seu herdeiro e precisava cumprir
meu papel.
Talvez eu tenha bebido três ou quatro taças de champanhe,
distraidamente, enquanto socializava com os convidados e senti que aos
poucos o meu nervosismo diminuía.
Quando finalmente consegui me desvencilhar de um grupo de
empresários, eu a vi. Mesmo que estivesse usando uma máscara e alguns
metros distante, não foi difícil reconhecer Jules. Ela observava o cenário à
sua volta, e pelo seu sorriso eu sabia que estava encantada com tudo, como se
estivesse dentro de um dos seus livros favoritos.
Mantive-me à distância por um tempo, perscrutando-a sem que fosse
pego em flagrante. Ela segurava outra máscara em uma das mãos e eu sabia
que era para mim. Deslumbrante em um vestido longo, seus cabelos estavam
soltos e penteados para trás e um par de compridas luvas negras compunha o
visual elegante.
Simplesmente perfeita.
Soltei o ar dos pulmões e, adotando uma postura confiante, fui em sua
direção quando percebi que ela se refugiava em uma das varandas da mansão.
— Vai dar tudo certo — murmurei para mim mesmo enquanto me
aproximava.
Jules estava de costas para mim e aproveitando que ela não havia
percebido minha presença, eu me posicionei atrás dela e toquei sua cintura.
Assim que me inclinei para sussurrar ao pé do seu ouvido, fui nocauteado
pelo perfume de Jules e precisei de todo o meu esforço para não gemer e me
entregar à minha excitação.
— Eu disse que teria uma surpresa para você…
“Você não vai me salvar?
Pois a salvação é o que eu preciso
Eu apenas quero estar ao seu lado
Você não vai me salvar?
Eu não quero ficar
Apenas vagando através desse mar da vida…”
SAVE ME - HANSON
Assim que despertei na manhã de domingo, senti o vazio deixado por
Jules e soube que havia cometido outro erro. Talvez o maior de todos, maior
até que o sexo na escadaria da Stanton Tower. Então abri os olhos apenas
para constatar sua ausência, mas quando me sentei e puxei o lençol de seda
para cobrir minha nudez, identifiquei o vestido púrpura e uma ponta de
esperança surgiu. Levantei-me apressadamente e busquei por minhas roupas,
vestindo a boxer e a calça amarrotada, ignorando a camisa e percebendo a
ausência do meu smoking e da lingerie antes deixada no chão.
Merda, merda, merda!

Ela se foi.
Jules Clarkson fugiu de mim, mais uma vez.
O desespero começou a tomar conta, porque o fio de esperança que tive
ao ver seu vestido foi deixado de lado quando entendi que Jules tinha, sim,
ido embora e isso só podia significar que ela não aceitou a verdade de que o
Sr. Engravatado e eu éramos a mesma pessoa.
Obviamente, a culpa era toda minha. Foi minha decisão não dizer a
verdade com todas as letras, deixando para que ela descobrisse por si mesma.
Passei as mãos pelo cabelo, aflito, magoado e me corroendo com o
autojulgamento.
Senti os olhos arderem e sabia que estava prestes a chorar, engolindo
um gemido de agonia ao perceber a dor lancinante se instalando em meu
peito. Era uma dor profundamente emocional, como se o meu coração
estivesse se partindo.
A respiração acelerada fez com que eu amparasse minhas mãos na
mesa de frutas, intocada, fechando os olhos com força e sentindo as lágrimas
caírem, tendo a sensação incômoda e apavorante de que estava prestes a
sufocar.
Eu tinha inventando a desculpa de que meu voo havia atrasado, apenas
porque quis me esquivar de buscá-la em seu apartamento. Era como se algo
dentro de mim temesse que, ao vê-la, eu desistiria de levá-la ao baile, e se
isso acontecesse, certamente me esquivaria mais outra vez de dizer a verdade,
sempre inventando uma desculpa de que ainda não era o momento certo.
E o que fiz? Deixei que Jules descobrisse sozinha, ao me entregar a ela
de corpo e alma, acreditando que não haveria melhor maneira de fazê-la
entender que eu era o homem dos seus livros e que queria ser o homem de
sua vida.
Idiota! Estúpido!
Revivi em minha mente a expressão tensa de Jules se transformando
em genuíno alívio quando se virou para encontrar meu olhar com o seu,
assim que a abordei na varanda da mansão. Ali eu soube que ela havia me
associado ao Sr. Engravatado, mesmo que de forma inconsciente. E foi
naquele instante que decidi mostrar a verdade a ela sem que palavras
precisassem ser ditas. Um grande equívoco da minha parte, claro.
Um equívoco que fez com que Jules me abandonasse sem ao menos me
deixar explicar as razões pelas quais fiz o que fiz. Eu nem podia culpá-la de
fato, pois tive a oportunidade perfeita de ser sincero com ela e lhe dar a
chance de escolha, mas a desperdicei cedendo ao medo e me deixando levar
por um ideal romântico, onde todos os erros seriam esquecidos e perdoados e
um recomeço sem mentiras e segredos começaria a partir de então.
Como pude ser tão ingênuo ao pensar desta forma?
Eu não era mais um adolescente. Não podia justificar minhas atitudes
com atos impulsivos movidos pelo calor do momento, quando tudo o que fiz,
desde o início, foi de forma consciente.
Sempre soube dos riscos e os assumi.
Agora estava sofrendo as consequências.
Tão nítida, como um filme em full HD, a lembrança de Jules,
deslumbrante em seu vestido púrpura, com o corpo colado ao meu durante a
dança no salão do baile, tendo a máscara em seu rosto dando a ela um ar de
misteriosa sensualidade, era quase tão real que eu podia até mesmo sentir o
aroma do seu perfume adocicado.
“Há muitas coisas que você ainda não sabe, mas rezo todos os dias
para que me aceite com todos os meus defeitos. Eu juro, tudo o que mais
quero é ser o melhor para você, maluquinha”, ouvi minha própria voz
ecoando, dizendo a ela, de forma velada, todo o medo que eu sentia de perdê-
la.
O caminho até o minilabirinto foi percorrido cheio de expectativas,
ambos inebriados pela tensão sexual que nos cercava desde que nossos
olhares se cruzaram naquela noite.
Jules estava tão ansiosa quanto eu.
Assim que entramos na tenda fomos transportados para uma bolha
particular, onde ninguém além de nós dois importava. Jules amou cada
detalhe da surpresa que preparei para ela com ajuda de Hani, pude ver em
seus olhos e sorriso, até mesmo na respiração ofegante. Não foi preciso
colocar em palavras.
Quando ela me beijou, eu soube que não pararíamos até nos
entregarmos por inteiro e ignorei todos os sinais que meu subconsciente
enviava, tentando me fazer enxergar a razão. Como poderia parar de beijá-la,
se tudo o que mais desejava era me perder naquela mulher?
Agora eu a havia perdido. Que ironia do caralho!
Eu não seria indulgente comigo mesmo, usando o fato de ter bebido
como desculpa para amenizar meu erro. Não deveria tê-la deixado dormir
quando percebi que Jules havia finalmente ligado os pontos entre mim e o Sr.
Engravatado.
“Boa noite, anjo de boca suja”, foram minhas últimas palavras para
Jules, desperdiçando a oportunidade de abrir o jogo. Acreditei que na manhã
seguinte teríamos mais tempo para conversar e esclarecer tudo, sem tensão
sexual ou o efeito do álcool permeando nossos sentidos. Ledo engano.
No mundo dos negócios eu sempre me julguei esperto, mas se tratando
dos assuntos do coração, eu estava me saindo um perfeito fracassado.
Inventei todas as desculpas mais esfarrapadas possíveis, cegando a mim
mesmo, tentando justificar o injustificável, fazendo de um copo d’água uma
tempestade, por pura insegurança.
Estava colhendo o que eu mesmo plantei, tinha que reconhecer o fato.
Magoar Jules como o Sr. Engravatado podia ter sido bem doloroso para
nós dois. Entretanto, magoá-la como Javier… eu não conseguia descrever o
quanto estava me sentindo o pior dos homens.
Nossa noite tinha sido perfeita.
Até eu transformá-la num pesadelo.
Eu fui o vilão da minha própria história de amor.

— Alô? — Não reconheci a voz feminina que atendeu a ligação, mas


decidi me apresentar e ver no que dava.
— Oi, aqui é o Javier.
Talvez não fizesse sentido ligar para aquele número, mas considerando
que Jules não havia levado o celular e tinha vindo à mansão Stanton sendo
trazida por Phillip, e aquela última chamada em meu smartphone não ter sido
feita por mim, pois eu estava dormindo, só podia ser uma pista de como a
minha garota fujona se desvencilhou de mim outra vez.
— Aqui é a Donna, amiga da Jules.
Respirei fundo, um misto de alívio e receio.
Até onde Donna sabe sobre mim e Jules?
— Ela está com você? Ela está bem? — Tentei conter o desespero em
minha voz, mas acho que não tive muito sucesso.
— Sim, ela está comigo. — Fez uma pausa e pude ouvi-la soltar a
respiração pesadamente antes de responder a segunda e mais importante
pergunta. — Não, ela não está nada bem, Javier.
Senti os olhos arderem outra vez, um aviso conhecido, sabendo que
minhas emoções ainda estavam à flor da pele. Eu não me importava em
chorar de novo, porque não podia evitar que tudo o que estava sentindo
transbordasse através de lágrimas. Então que se foda soar como um frouxo ao
chorar por causa de uma mulher. No fundo, chorava pela minha própria
estupidez, porque o único culpado de toda aquela merda era eu.
— E-eu… eu sinto muito — murmurei desolado, sem fazer questão de
disfarçar o quanto me sentia péssimo. De nada adiantaria manter a pose de
homem inabalável. — Não queria machucá-la e…
Não sabia o que podia dizer a Donna e também precisava levar em
conta que a mulher era uma das melhores amigas de Jules, e não minha
advogada de defesa.
— Dê um tempo a ela, Javier — interrompeu-me Donna, me pegando
de surpresa o tom conciliador. — Jules está muito magoada e ainda tentando
lidar com a própria avalanche de sentimentos. Quer um conselho?
— Claro. — Só esperava que ela não dissesse para eu deixar tudo para
trás e esquecer Jules, porque não havia a menor possibilidade de fazer isso.
— Não a procure, nem ligue para ela. — Eu já estava pronto para
discordar quando ela acrescentou: — Ao menos por uns dias. Será tempo o
suficiente para toda a raiva que Jules está sentindo agora diminuir e então
ela poderá pensar com clareza e desta forma vocês poderão conversar e
esclarecer tudo. De nada vai adiantar você a sufocar com ligações ou impor
sua presença agora. Acredite em mim, conheço a amiga que tenho.
Ela não estava errada, porque foi exatamente o que fiz como Sr.
Engravatado, quando Jules terminou tudo. Tentei reverter a situação com e-
mails e mensagens, mesmo sabendo que o melhor era realmente encerrar
aquele jogo que só serviu para nos afastar, e Jules não quis me “ouvir”,
apenas me virou as costas e seguiu em frente.
— Mas ela vai achar que pulei fora e…
— Deixe que ela pense — contra-argumentou. — Isso vai fazê-la
refletir, ponderar os próprios sentimentos. Se o que Jules sente por você é
verdadeiro, como eu acredito que seja, ela vai te dar a chance de se explicar.
Jules era apaixonada por mim, ela mesmo me disse isso. Esse
sentimento não poderia se apagar da noite para o dia e tal constatação aplacou
um pouco a minha desesperança. Dar um tempo para ela colocar os
pensamentos em ordem e deixar a raiva passar poderia contar pontos a meu
favor, afinal.
— Você sabe? — Não fui explícito, mas algo me dizia que Donna
sabia, e se de fato soubesse, entenderia a pergunta.
— Sou a única para quem ela contou.
Se Donna sabia de tudo e ainda assim me deu o benefício da dúvida,
talvez Jules também o fizesse, depois que a raiva diminuísse. Não havia
muito o que eu pudesse fazer por agora, enquanto Jules tivesse uma muralha
erguida para se proteger do que sentia por mim.
— Tudo bem, Donna. Vou seguir seu conselho e dar um tempo a Jules.
— Soltei uma lufada de ar. — Mas não vou desistir dela, não antes de tentar
mais uma vez.
— Conto com isso.
— Obrigado pelo voto de confiança.
— Para todos os efeitos, essa conversa nunca aconteceu.

— Vocês, jovens, têm um talento nato para complicar as coisas —


comentou meu avô, assim que terminei de lhe contar toda a minha história
com Jules, desta vez sem esconder qualquer detalhe.
Chega de meias verdades!, decidi assim que saí da tenda e comecei a
trilhar pelo minilabirinto, indo à procura do meu avô.
Somente desta forma eu saberia que qualquer um dos conselhos de
Jonathan Stanton me seriam úteis. De nada adiantava lhe ocultar informações.
Eu devia ter sido honesto com ele desde o princípio.
Eu devia ter sido honesto com Jules desde o princípio!
Estávamos em seu escritório enquanto a equipe de limpeza desmontava
toda a estrutura preparada para recepcionar os convidados do baile. Já
passava das duas e eu queria ter aquela conversa com vovô antes de voltar
para a casa e ter um tempo sozinho.
Ele me ouviu em silêncio, sem nenhuma interrupção, nenhum
julgamento em seu olhar, nenhuma reprimenda.
— E então? — Pestanejei.
Aquilo era tudo o que ele ia me dizer?
— Quer me ouvir apontar todos os seus erros e lhe dar soluções para
cada um deles? — indagou vovô, com complacência. — Não acho que seja
preciso. Você sabe exatamente o que fez e também sabe o que precisa fazer.
— Sei?
Seu sorriso terno trazia implícito toda a sabedoria adquirida pelos anos
de vida e as experiências que teve.
— Ouça o seu coração, Javier. E dê ouvidos à razão também. Eles
podem trabalhar bem juntos, embora ambos queiram provar um ao outro
quem é que manda. A decisão final sempre será sua.

Na teoria parecia fácil dar tempo ao tempo, mas a cada hora que
passava, sozinho em meu apartamento, tentando me distrair com exercícios
físicos para não sucumbir à fraqueza de esvaziar algumas garrafas de bebida
no meu frigobar, eu não conseguia parar de relembrar como era ter o corpo de
Jules junto ao meu, em como nos encaixávamos com perfeição e nos
entregamos ao prazer de forma tão visceral.
Quando chegamos à tenda, iluminada por velas espalhadas de forma
estratégica, eu cheguei a repensar por um instante a decisão de fazê-la
descobrir sozinha. Toda a minha insegurança e pensamentos controversos, no
entanto, se calaram no momento exato em que Jules colou sua boca na minha,
ativando um gatilho capaz de anular qualquer pensamento que não fosse
direcionado a fazer Jules minha outra vez, da maneira que sempre deveria ter
sido.
Fiquei puto da vida comigo mesmo ao sentir meu pau ganhando vida
com aquelas lembranças. Não era hora de me excitar revivendo as memórias
de como o sexo com Jules era incrível. Isso soava tão errado!
Saí da minha academia particular, despindo a bermuda e cueca pelo
caminho, deixando-as espalhadas pelo chão do corredor, e ignorando a ereção
pulsante, recusando a me tocar e obter qualquer tipo de prazer. Eu não
mancharia minha última lembrança com Jules em meus braços com algo tão
fugaz.
Durante o banho frio, ponderei sobre algumas coisas e cheguei a um
denominador comum entre mim e o personagem que criei: Javier usou o sexo
como forma de redenção, da mesma forma que o Sr. Engravatado usou o sexo
como forma de punição.
Nós estávamos indo muito bem enquanto eu contive meus impulsos e
optei por nos conhecermos melhor antes de qualquer envolvimento íntimo.
Mas estraguei tudo quando me precipitei e sucumbi ao desejo, jogando fora
toda a evolução que tínhamos conquistado até aquela noite.
Não foi certo resumir minha história com Jules a sexo quando havia
tantos sentimentos dentro de mim que ela havia despertado.
“Porque tudo de mim
Ama tudo em você
Ama suas curvas e todos os seus limites
Todas as suas perfeitas imperfeições
Dê tudo de você para mim
Eu te darei meu tudo
Você é o meu fim e meu começo
Mesmo quando perco estou ganhando
Porque te dou tudo de mim
E você me dá tudo de você…”
ALL OF ME - JOHN LEGEND
Quando vi Jules, na segunda-feira pela manhã, tudo o que eu mais
queria era ir até ela e levá-la para um lugar onde pudéssemos conversar a sós
e só sair de lá quando resolvêssemos tudo entre nós, definitivamente. De
preferência, voltando a ser namorados.
Ela parecia tão segura de si em seu traje executivo, mesmo que sua
expressão estivesse abatida e o sorriso radiante que sempre pairava em seus
lábios não estivesse lá. Os cabelos presos em um coque, deixando o rosto
delicado em evidência, fazendo com que eu desejasse segurá-la em meus
braços para sussurrar em seu ouvido o quanto estava me matando tê-la
afastada de mim. O quanto eu já sentia sua falta, desde o instante em que
acordei sozinho naquela tenda e percebi que a havia perdido.
— Aqui não é o lugar para resolver questões pessoais, jovem Stanton
— disse meu avô, me segurando pelo braço ao perceber que eu estava a um
passo de ir atrás de Jules.
As portas do elevador se fecharam e eu a perdi outra vez.
“Seu cretino idiota”, foram as últimas palavras que ouvi de Jules
naquela noite e tudo o que eu queria agora era ouvi-la dizer que, apesar de
tudo, ela me perdoava.

Eu sabia que não deveria misturar minha vida pessoal com a vida
profissional, mas foi impossível me manter concentrado no trabalho. Ainda
assim, me esforcei para resolver algumas pendências e pedi que Emma
reagendasse outros compromissos. Podia ficar enclausurado no meu
escritório, mas não estava apto a lidar com outras pessoas, principalmente
reuniões de negócios que demandavam minha total atenção.
De quanto tempo será que Jules precisa para aplacar sua raiva? O
jeito com que me olhou hoje cedo não demonstrava agressividade, mas
pesar…
Meus pensamentos foram interrompidos pelo toque do meu celular.
Donna! Eu havia salvado o número da amiga de Jules em meus
contatos, para o caso de precisar recorrer a ela mais uma vez. Nunca pensei
que fosse ela a me ligar, no entanto.
— Aconteceu alguma coisa com Jules? Ela está bem? — fui logo
perguntando, sentindo vir à tona toda a ansiedade que tentei controlar.
— Boa tarde pra você também. — Ela riu, e pensei que talvez aquilo
pudesse ser um bom sinal. — Acho que deveria entrar em contato com Jules.
Ela está mais calma, embora ainda magoada. Mas creio que, se passar mais
tempo, como sugeri antes, a insegurança da minha amiga vai começar a
alimentar todo tipo de teoria e acho que isso só pioraria as coisas, então…
meio que, quanto antes você explicar tudo a ela, melhor.
Levantei-me abruptamente, começando a andar de um lado ao outro,
tentando pensar em uma forma de resolver minha situação com Jules sem
afugentá-la.
— Alguma sugestão? — Não vi alternativa melhor do que pedir um
conselho a alguém que conhecia Jules melhor do que eu.
— Estamos no horário de trabalho, talvez um e-mail seja um bom
primeiro passo.
— Não sei por que está me ajudando, Donna, mas muito obrigado!
Considere-me em dívida com você.
— Pode me compensar colando os pedaços do coração da minha
amiga, que você mesmo partiu.

“Estou subindo.”
Nunca pensei que poderia ser torturado psicologicamente com apenas
duas palavras.
Eu sabia que precisava fazer melhor do que quando lhe enviei um iPod
com o número do meu telefone e uma música como mensagem subliminar.
Embora um e-mail não me desse nenhuma certeza de que Jules se abriria à
possibilidade de meu ouvir, eu segui a dica de Donna e escrevi para ela.
Não queria dizer que a amava através de e-mail, mas senti que
precisava dar a Jules um pouco das verdades que lhe escondi. Talvez assim
conseguisse uma chance de poder dizer em voz alta, frente a frente, tudo o
que eu sentia em meu coração quando se tratava dela.
Ao receber sua resposta, não consegui me concentrar em mais nada, a
não ser no relógio, onde a cada minuto que se passava e ela não aparecia
minha esperança se apagava um pouco.
Talvez ela tenha se arrependido de vir até aqui. Talvez tenha mentido,
só para me fazer esperar em vão… Não, ela não seria capaz de algo assim! A
minha Jules, não!
A batida na porta, leve e quase inaudível, fez com que eu me
sobressaltasse na cadeira presidente. Mas assim que o rosto de Emma
apareceu entre a fresta, minhas expectativas murcharam de vez.
— Sr. Stanton, se não precisar mais de mim por hoje, estou de saída.
— Pode ir. Até amanhã, Emma.
Soltei o ar dos pulmões, frustrado, cansado, sem um pingo de ânimo.
Esperei mais uns dez minutos e finalmente me dei por vencido.
Ela não vai aparecer…
Levantei-me, disposto a ir embora, até que uma outra batida na porta
reacendeu minhas expectativas.
Fiquei estático, observando Jules e memorizando cada traço do seu
rosto bonito e triste e me odiei por ter sido o responsável.
Se ela fosse capaz de me perdoar, eu jamais a faria sofrer outra vez.
— Não sei por onde começar… — falei assim que ela entrou no
escritório, passando por mim sem dizer nada. — Por que você fugiu de mim,
Jules?
Ela não respondeu e eu não a pressionei até que se sentisse à vontade
para começarmos aquela conversa.
— Eu precisava de um tempo pra pensar.
Eu sabia que não estava em condições de fazer nenhum tipo de
cobrança, mas não pude evitar.
— Precisa parar de fugir de mim — pedi num tom de súplica, pois seu
gesto de autodefesa favorito com certeza era um problema para mim.
— Você me enganou! — Acusou num tom raivoso, me pegando de
surpresa.
O tom que ela usou me intimidou, pois fez com que eu me sentisse um
canalha. Como se tudo o que fiz tivesse sido com a intenção de brincar com
seus sentimentos, o que não era verdade.
— Eu só estava tentando ser quem você queria, Jules! Você queria a
porra de um personagem de livro!
— Eu não queria um personagem!
Que merda! Se continuássemos assim, só pioraríamos tudo.
Não estávamos ali para competir e provar quem era o certo ou errado
daquela história.
Soltei uma lufada de ar, ponderando o meu comportamento. Eu sabia
das minhas responsabilidades e era humilde o suficiente para reconhecer cada
um dos meus erros, mas também queria que ela soubesse o que me motivou a
cometer cada um deles.
Para que Jules me ouvisse, eu não podia despejar tudo em cima dela
com gritos, como se quisesse lhe impor qualquer coisa. Então comecei a abrir
meu coração para ela, sem ressalvas, finalmente lhe contando toda a verdade.
Só esperava que não fosse tarde demais.

— Eu me senti tão usada, tão suja!


Ver Jules chorar acabava comigo e não consegui evitar tentar me
aproximar dela, mas respeitei seu desejo de manter distância. Entretanto,
quando a ouvi dizer como se sentiu naquele dia em que transamos na
escadaria, principalmente porque havia pensado em mim como Javier, e não
como Sr. Engravatado, não pude mais me manter distante.
Bastou tê-la em meus braços outra vez, num abraço que foi retribuído,
e voltei a sentir o chão sob os meus pés, como se estivesse outra vez no lugar
certo, como se o mundo voltasse a girar em seu perfeito equilíbrio.
Não lembro quem de nós iniciou o beijo, pois ambos estávamos
completamente entregues um ao outro. O desespero tomou conta de mim,
misturado a um desejo incontrolável de apagar nosso recente passado cheio
de desencontros e erros idiotas que nos impediam de fazer dar certo.
— O que foi? Fiz alguma coisa errada? — perguntou ela num tom
confuso, quando interrompi o beijo e a segurei por uma das mãos,
caminhando para fora do meu escritório.
— Confie em mim — pedi, dando a ela um sorriso incerto.
Eu não queria desistir de Jules Clarkson, porque sabia que o que
tínhamos era especial. Não nos arriscaríamos tanto se não acreditássemos que
valeria a pena, por mais inconsequentes que tivéssemos sido.

Quando a levei para o acesso às escadas, eu sabia que estava sendo


movido pela adrenalina do momento, mas Jules parecia entender minha
necessidade.
Eu a pressionei contra a parede e pedi mais uma vez que confiasse em
mim.
— Vamos nos entender, bem aqui, onde eu devia ter me revelado pra
você. Promete que não vai gritar? Você sabe que eu jamais te machucaria,
maluquinha.
Talvez cobrir sua boca não tivesse sido uma atitude muito inteligente
da minha parte, pois poderia acabar assustando-a, mas Jules despertava em
mim o desejo de fazê-la viver sua própria aventura. Não podia negar que ler
todos aqueles romances eróticos me inspirava a ousar com ela, e ver seus
olhos brilhando de desejo e expectativa apenas ampliava tudo.
Será que éramos loucos por gostarmos de agir assim?
“Você está fazendo de novo, usando o sexo como redenção”, acusou
meu subconsciente, mas tratei logo de ignorá-lo.
Ele até podia estar certo, mas a motivação agora era outra. Não havia
mais mentiras entre mim e Jules. Nós dois precisávamos apagar da memória
o dia em que ambos nos machucamos mutuamente, e nada melhor do que
uma nova lembrança para substituir a antiga.
— Deixe-me te mostrar como um homem da vida real come a mulher
dos seus sonhos em uma escadaria. Deixe-me te mostrar como podemos ser
perfeitos juntos, e que eu posso ser quem você quiser que eu seja. Que eu
posso te fazer feliz como você merece. — Meus dedos trabalhavam em sua
boceta molhada e tudo o que eu precisava era ouvi-la dizer que me queria
dentro dela.
Jules estava entregue ao seu desejo por mim, sem nenhum sinal de
raiva ou mágoa, embora eu soubesse que não seria uma transa que resolveria
tudo. Mas ambos estávamos cansados de nos restringir ao que realmente
sentíamos. Fosse amor ou tesão, ou uma mistura muito intensa dos dois…
nós só queríamos desfrutar daquele momento juntos.
Não a despi completamente, tampouco fiquei nu. Ao contrário da outra
vez, eu não tinha premeditado nada, então não podia me arriscar a nos expor
demais, embora fazer sexo num local como aquele, mesmo que ainda
vestidos, já extrapolava o socialmente correto.
Ainda assim, ali estávamos, trepando como dois desesperados.
— Estou quase!
— Vamos, maluquinha. Goza pra mim, vai…
Ambos estávamos ofegantes e desgrenhados, cheirando a suor e sexo.
Mas quem estava reclamando?
Ver Jules atingindo o clímax foi o estopim para que eu alcançasse o
meu próprio.
— Eu amo você, Jules Clarkson — disse a ela, ainda ofegante,
tomando-a em meus braços, embora minhas próprias pernas se esforçassem
para me manter de pé. — Amo cada pedacinho de você. Odeio ter te tratado
daquele jeito, naquele dia. Queria poder apagar da sua memória, mas espero
ter te proporcionado uma lembrança melhor agora. Me perdoa, Jules. Por
favor.
No fundo eu sabia que tinha sido perdoado no momento em que nossas
bocas se fundiram naquele beijo de reconciliação. Jules não teria me
permitido tocá-la se ainda houvesse rancor em seu coração, mesmo que ainda
levasse um tempo para deixar toda a mágoa para trás.
Ainda assim, eu não estava preparado para o que ela disse:
— Eu te amo, Javier Stanton. Não por você ser quem eu queria que
fosse, mas por você ser quem é.
Encarei minha garota, me sentindo o cara mais sortudo de todos.
— Minha maluquinha. — Sorri feito um idiota, beijando a ponta do seu
nariz.
Nunca, em toda a minha vida, eu esqueceria aquele momento. O brilho
nos olhos castanhos sonhadores, que depositavam em mim toda a sua
confiança e entregava aos meus cuidados o coração que eu tinha partido, mas
passaria todos os dias trabalhando para remendá-lo até que ele estivesse
inteiro e completamente feliz.

— Eu não acredito que você escreveu uma carta para o caso de ser
assassinada por mim! — Não consegui conter a risada, nem mesmo com
Jules me encarando com toda a sua falsa indignação.
Ao contrário do que sugeri quando saímos da Stanton Tower, não levei
Jules para o meu apartamento com o intuito de transar num armário, mas,
ainda assim, a convidei para passar a noite comigo.
Sabia que precisaria respeitar o seu espaço, mas tínhamos acabado de
acertar as arestas do nosso relacionamento, que ainda era um embrião em
desenvolvimento. Só queria ter certeza de que não corríamos nenhum risco.
Além disso, em nenhuma das vezes que estivemos juntos intimamente eu tive
a oportunidade de passar um tempo com ela e sentia que precisava disso.
Jules Clarkson, inteiramente minha. Podia soar meio possessivo, mas não me
importava. Só queria o meu coração sossegado.
— Ei, não me julgue. — Rolou seu corpo para cima de mim, os seios
desnudos roçando em meu tórax enquanto ela bagunçava meu cabelo com as
mãos, sem sequer se dar conta do ato que iniciou despretensiosamente. — Eu
não sabia que era você, esqueceu? Além disso, mal te conhecia, e pela forma
que arquitetou tudo, não negue que foi um tipo fofo de perseguição, mas
ainda assim uma perseguição. Então podia sim ser um serial killer, sei lá!
Assim que chegamos à minha cobertura, tomamos banho juntos e foi a
primeira vez que compartilhei o chuveiro com alguém. Era um ato tão íntimo
e me senti tão confortável em sua companhia que era como se estivéssemos
acostumados a fazê-lo constantemente. Jantamos uma lasanha vegetariana
que Alriet deixou preparada e até tentamos jogar conversa fora, mas bastou
um beijo para irmos parar na cama, onde não demoramos a nos perder um no
outro.
Quem poderia dizer que estivemos a um passo do rompimento
definitivo? Estávamos longe de parecer as duas pessoas arrasadas que éramos
algumas horas atrás.
— Ah, Jules, você não existe. — Acariciei seu rosto, mal acreditando
que ela estava ali, nua, em minha cama.
— Ah, eu existo, sim! — Ajeitou-se para que nossas bocas quase se
tocassem, parando de brincar com meus cabelos e segurando meu rosto entre
suas mãos. — E você me ama exatamente como eu sou. Estou enganada,
moço?
Havia uma boa dose de emoção em sua voz, e eu tinha certeza de que
não se tratava de insegurança. Ela sabia que eu a amava, mesmo que ainda
estivesse aprendendo a lidar com esse sentimento.
— Não, você não está enganada, Jules. Eu realmente amo você.
Seu semblante se tornou sério, e os lábios trêmulos denunciavam a
emoção contida.
— Sei que o que houve entre a gente naquela escadaria, na primeira
vez, foi uma completa inconsequência minha, mas eu tive sorte, porque era
você lá comigo.
Eu não iria julgá-la. Não depois de tudo o que eu fiz. Além disso, foram
nossos erros que nos levaram até ali. Talvez, se agíssemos de outra forma,
não estivéssemos juntos agora.
— Posso te pedir uma coisa? — Ela assentiu, então fui em frente: —
Promete que vai parar de fugir de mim? Que de agora em diante a gente vai
conversar e esclarecer qualquer mal-entendido?
— Eu prometo. Não vou mais fugir. Está mais do que na hora de
aprender a enfrentar os problemas de frente.
— Você pode me dizer qualquer coisa, Jules. Se eu fizer ou disser algo
que te incomoda, preciso que seja honesta comigo e se abra.
— Tudo bem, vou me esforçar. Prometo. Você vai fazer o mesmo,
certo?
— Mas é claro, maluquinha! — Inclinei-me para lhe dar um beijo,
selando nosso acordo.
— Não sei se gosto de você me chamando de maluquinha. — Fez uma
careta, mais cômica do que intimidadora. — Não pega bem para a imagem de
mulher adulta que estou tentando passar.
Peguei-a de surpresa ao nos mudar de posição na cama, deixando-a
debaixo de mim e aconchegando minhas pernas entre as dela, minha ereção
começando a dar sinal de vida outra vez.
Era verdade que eu não queria resumir meu relacionamento com Jules a
sexo, mas também era inegável que nossos corpos se atraíam sem que
precisássemos fazer grandes esforços. Até o cheirinho dela me dava tesão, e o
fato de Jules ser tão receptiva tornava ainda mais impossível me manter
longe.
— Passar para quem, posso saber? — Entrelacei nossas mãos,
posicionadas lado a lado, acima da sua cabeça.
— Sou jornalista, trabalho em uma revista importante. Minha chefe
acredita muito no meu trabalho e vê potencial em mim — argumentou com
um sorriso orgulhoso.
— E o que seu apelido tem a ver com isso?
— Não pareço uma doida varrida? — Ela deu de ombros. —
Irresponsável, sei lá!
Sim, Jules era uma mulher adulta. Mas possuía um quê de menina que
era o seu diferencial. Enquanto muitas outras eram céticas em se tratando do
amor, por exemplo, tudo o que Jules desejava era viver seu próprio conto de
fadas… com uma pitada de erotismo, mas não menos romântico que qualquer
outra história de amor. Ela era divertida e gostava de ver o lado bom da vida.
Tinha alguns objetivos na bagagem e eu sabia que alcançaria todos eles, pois
sua força de vontade e perspicácia eram apenas uma das muitas qualidades
que ela possuía e eu admirava.
— Deixe de bobagem, Srta. Clarkson. Você não é uma doida varrida, e
maluquinha é um apelido carinhoso.
Seu sorriso expandiu.
— Gosto dele somente quando você fala, mas tenho certeza de que
minhas amigas vão adotar o apelido também.
Mordisquei seu lábio inferior e movimentei meu quadril, fazendo com
que a ponta do meu pau se posicionasse em sua entrada, já molhada e
receptiva. Jules abriu um pouco mais as pernas e meu corpo estremeceu, mas
eu ainda não queria encerrar nossa conversa, embora já fosse tarde e eu
quisesse me enterrar nela uma última vez antes de sucumbir ao sono.
— Quando vai me apresentar às suas amigas, oficialmente?
— Humm… me deixa pensar. — Semicerrou os olhos e ficou em
silêncio por alguns segundos, soltando um gemido assim que me empurrei
um pouco para dentro dela.
Eu não conseguiria me segurar por muito mais tempo.
— Que tal amanhã?
— Perfeito. — Colei minha boca na sua e enterrei meu pau em sua
boceta.
Os gemidos de Jules estavam longe de ser um protesto pelo fim da
conversa.

— Eu tenho uma demônia interior.


— Como é isso? — Franzi o cenho, tentando segurar uma risada.
Já estava tarde e teríamos que trabalhar na manhã seguinte, mas agora
que não havia mais segredos entre nós, era como se quiséssemos atualizar um
ao outro no menor espaço de tempo possível.
— Ah, não sei explicar direito. Mas é como se fosse uma entidade
sobrenatural que insiste em ser a minha voz da razão, dentro da minha
cabeça.
— Não pode estar falando sério!
Não podia debochar dela quando eu mesmo tinha apelidado meu
subconsciente de “gênio do mal”.
— E se eu estiver? — Deu de ombros. — Você já me chama de
maluquinha mesmo, eu tenho licença poética!
Estávamos deitados lado a lado agora, mantendo certa distância, nossos
corpos cobertos pelos lençóis emaranhados.
Eu gostava da sensação de estar com ela, jogando conversa fora, rindo
despretensiosamente, compartilhando um pouco da minha vida, dos assuntos
mais bobos aos meus sonhos mais secretos. Sem máscaras. Sem personagens.
Apenas um casal desejando conhecer mais um do outro.
— E o que essa demônia faz, exatamente?
Jules fez beicinho e ponderou por algum tempo antes de revelar.
— Ela me dá uns conselhos muito bons e me repreende quando estou
sendo insegura ou me saboto e coloco pra baixo. Sempre que fico criando mil
teorias na minha cabeça, ela aparece do nada e me dá um tapa na cara mental,
me mandando parar de ser infantil e essas coisas que os pais e avós e
melhores amigos adoram ficar falando porque acham que a gente precisa
amadurecer.
— Interessante. E por que você acha que ela é uma demônia? Não
poderia ser a sua anja interior?
— Ah, não mesmo! — desdenhou. — Ela é grosseira, brigona e do mal.
Não pode ser uma anja. É uma demônia mesmo!
Eu tive que rir, porque ela era hilária. Acho que nunca conheci alguém
com um senso de humor tão apurado quando Jules Clarkson.
— Garota, você realmente existe? — Eu já tinha dito aquilo em outro
momento, mas não pude evitar repetir.
Ela riu, estendendo sua mão para acariciar meu rosto, entretanto, fui
rápido o bastante para capturar sua mão e levar aos meus lábios.
— Lamento informar, moço, mas você está namorando um peculiar
espécime feminino.
— Tudo bem. Eu posso amar você e sua demônia interior.
— Javier Stanton! Nunca mais diga isso em voz alta. Ela não pode
saber que exerce algum poder sobre você. Existem algumas informações
importantes que precisa saber, já que assumiu o risco de me namorar.
Ela se remexeu na cama, apertando-se contra mim, a respiração suave e
tranquila, satisfeita.
— Eu bem que adoraria um manual de instruções — murmurei,
fechando os olhos em seguida, entrelaçando nossas pernas e a abraçando pela
cintura.
— Posso providenciar — murmurou num tom preguiçoso. — Espero
que amanhã eu consiga andar, Sr. Stanton. Nunca fiz tanto sexo num dia só.
Mas se nos romances eróticos as mocinhas aguentam o tranco, acho que
também consigo.

Ao acordar de manhã e me dar conta de que estava sozinho na cama,


cogitei a possibilidade de que a noite anterior tivesse sido fruto da minha
imaginação, mas o perfume de Jules estava impregnado na roupa de cama e
em minha própria pele.
— Jules? — Levantei-me às pressas, indo até o banheiro para me
deparar com ele vazio. — Porra, o que foi que eu fiz de errado desta vez?
Passei as mãos pelo cabelo, nervosamente, e corri até a cômoda de
cabeceira para pegar meu celular.
Não queria bancar o perseguidor, mas ela tinha prometido que não ia
mais fugir.
Havia uma mensagem.
JULES>>> Ei, moço! Não fica chateado comigo, ok? Eu não fugi, só tive que
acordar mais cedo para ir ao meu apartamento me arrumar para o trabalho. Não esqueça
que hoje vou te apresentar às minhas amigas. Almoça com a gente?
Para compensar minha ausência, providenciei aquele manual de instruções que você
queria.
* Seja compreensivo. Sua garota tem um jeito próprio de ver o mundo.
* Seja um bom ouvinte. Sua garota ama conversar sobre tudo e muda de assunto tão
rápido quanto fica enlouquecida sempre que você sorri para ela.
* Viaje com ela em suas esquisitices. Se não estiver entendendo nada, faça como os
Pinguins de Madagascar: sorria e acene.
* Não a presenteie com nada que tenha pertencido a outra mulher. Principalmente se
ela for australiana.
* Lembre-se: ela sempre está linda para você, não importa se as olheiras estão
profundas e o cabelo desarrumado.
* Tente não a acordar cedo nos fins de semana, a não ser em casos de extrema
urgência, como por exemplo: incêndio, inundação, pragas egípcias e sexo, este último, no
entanto, depois das 10AM.
* Verdade verdadeira sempre.
* Não exalte a demônia interior. Acredite, ela não merece.
* Continue sendo o cara maravilhoso por quem ela se apaixonou.
* Se ela esquecer, lembre-a de por que você se apaixonou por ela.
* Ela é insegura às vezes, mas te ama e dará o melhor de si para te fazer feliz. Não se
esqueça disso quando ela estiver mal-humorada.

O sentimento de paz que invadiu meu coração era uma das sensações
mais reconfortantes que já senti na vida.
Depois de todo o medo que me assolou, alimentado pelas decisões
erradas que tomei, ela finalmente estava em meus braços, por livre e
espontânea vontade, e sabendo exatamente quem eu era: Javier Stanton, vinte
e oito anos, CEO das Indústrias Stanton, sem fetiches BDSM, sem traumas
que me impediam de me abrir emocionalmente e sem nenhum medo de
entregar o meu coração a uma mulher, desde que ela estivesse disposta a
cuidar bem dele.
Jules era essa mulher, eu sabia disso agora.
“Muitas pessoas dizem
Que tudo tem seu tempo e o seu lugar
Até o dia tem que dar lugar à noite
Mas eu não acredito
Porque em seus olhos
Eu vejo um amor que queima eternamente
E se você visse o quão linda é para mim
Você saberia que eu não estou mentindo…”
SWEAR IT AGAIN - WESTLIFE
— Eu sempre soube, desde o início, que vocês voltariam — disse
Donna, me fazendo lembrar do empurrãozinho que ela me deu com seus
conselhos.
— As pessoas do Central Park não me conhecem, Donna — provocou
Jules. — Você não precisa sair gritando aos quatro cantos para me fazer
passar vergonha.
Sarah e Violet caíram na risada e eu precisei me segurar para não fazer
o mesmo.
— Isso é verdade! — Sarah complementou. — Nós sabíamos que
vocês se acertariam. A história de vocês é linda demais. Vocês são uns fofos,
merecem ser felizes.
Eu nem sabia o motivo de elas estarem falando sobre mim e Jules
termos voltado, já que alguns meses haviam se passado desde a nossa
reconciliação. Desde então, não nos largamos mais. Contudo, quando cheguei
ali, peguei o assunto pela metade.
— Vocês são impossíveis! — resmungou minha namorada, mas seu
sorriso denunciava o quanto ela estava feliz.
— Somos suas melhores amigas, Jules — argumentou Violet, revirando
os olhos em seguida. — Uma pena aquele amigo do Javier ter noiva…
Ela estava se referindo ao Zayn, mas não falava sério.
— Ah, mas ele com certeza deve ter outros amigos lindos. — Jules
entrou na brincadeira e acabei me lembrando do que Thomas disse a ela
quando esteve em Nova Iorque. — Vou perguntar a ele, quem sabe
marcamos alguma coisa, hein? Minhas amigas também precisam
desencalhar!
Elas caíram na gargalhada e Donna se aproximou de Jules, derrubando-
a na grama, fazendo Violet e Sarah aderirem à brincadeira. Jules estava sendo
praticamente esmagada pelas amigas quando eu finalmente decidi me fazer
presente, já que nenhuma delas tinha prestado atenção em mim até aquele
momento.
Elas já não almoçavam por ali todos os dias, nem mesmo eu tinha o
hábito de aparecer com frequência. Aquele era um momento entre amigas e
eu respeitava o espaço de Jules, assim como ela também respeitava o meu,
considerando minhas viagens a trabalho e as reuniões em horários não
comerciais.
A vida estava bastante corrida desde que assumi o posto de CEO nas
Indústrias Stanton, mas sempre soube que seria assim. Com isso, Jules e eu
aproveitávamos qualquer espaço de tempo para nos vermos e passar um bom
momento juntos.
— Posso saber por que estão maltratando minha namorada? —
perguntei, não me saindo muito bem em controlar o riso, observando uma
Jules com cabelos desgrenhados.
Fui até ela e estendi o braço, ajudando-a se levantar do gramado e a
tirar os pedaços de grama do seu cabelo.
— Você fica linda de qualquer jeito, maluquinha — elogiei, dando-lhe
um selinho nos lábios e ignorando os murmurinhos de suas amigas.
Jules havia me apresentado oficialmente a Donna, Sarah e Violet no dia
seguinte à nossa reconciliação. Eu realmente gostava daquelas garotas e do
quanto se preocupavam umas com as outras.
— Gostei de te ver por aqui. Está tudo bem? — O tom preocupado não
me passou despercebido.
Eu já imaginava que ela iria estranhar minha presença por ali, mas quis
aproveitar o intervalo para conversar a respeito de um assunto delicado. Pegar
Jules em um momento descontraído com suas amigas não foi aleatório.
Conhecendo-a melhor agora, sabia o quanto ela se desarmava de suas
barreiras emocionais quando estava com as garotas.
Nós ainda estávamos trabalhando em nossos pontos fracos. Eu, por
exemplo, me sentia mais confiante em relação a nós dois, sem todo aquele
medo de dar algum passo em falso e estragar tudo. Já Jules, se distanciava
cada vez mais de sua insegurança, entendendo de uma vez por todas que era a
mulher que eu amava e que ambos éramos merecedores de estarmos juntos
como um casal. Ainda tínhamos nossos tropeços, mas nada que uma conversa
franca não resolvesse.
Apesar de ter desejado encontrar o homem dos seus livros e brincar a
respeito dos CEOs engravatados de Nova Iorque, Jules não se sentia
absolutamente confortável com o status de namorada de Javier Stanton, o
herdeiro das Indústrias Stanton. Para ela, eu sempre seria o seu moço do
Central Park, e eu respeitava sua individualidade.
Desde que nossa primeira foto juntos saiu na mídia, na noite do baile de
máscaras, anunciando-a como minha namorada, combinamos de comum
acordo que tentaríamos deixar nosso relacionamento o mais longe possível
dos holofotes. Entretanto, recentemente, sugeri que Jules compartilhasse
nossa história em seu novo blog, e ela acabou aceitando a ideia, com a
condição de não mencionar meu sobrenome. Ainda assim, era inevitável que
nos associassem um ao outro, já que apesar de discretos, não mantínhamos
segredo quanto ao nosso namoro. Era apenas uma questão de se acostumar e
ignorar o irrelevante. Claro que Jules não entrou em detalhes, preservando as
partes mais íntimas, contudo, sendo uma boa escritora, seu público, grande
parte constituído por mulheres, estava se tornando fã do casal J&J, e vez ou
outra nós ganhávamos algum destaque na mídia online novaiorquina.
Eu já estava acostumado e achava até engraçado o interesse alheio em
nosso relacionamento, visto que nem éramos celebridades. Já Jules, mesmo
trabalhando em uma revista, ainda lidava com estranheza. Por isso, não foi
difícil deduzir que sua preocupação se dava ao receio de que alguma notícia a
nosso respeito tivesse sido publicada em um site de fofocas.
— Recebemos um convite de aniversário — tratei logo de informá-la,
para observar sua expressão cautelosa dar lugar à curiosidade.
— Pelo que sei, o aniversário do Big John foi em fevereiro. Quem
poderia ser?
Dei um meio sorriso, tentando disfarçar o nervosismo.
— Rachel.
Ainda era um assunto delicado. Embora Jules confiasse em mim e já
não fosse tão insegura em se tratando do nosso relacionamento, eu sabia que
ela não iria adquirir simpatia pela minha afilhada de uma hora para outra.
Talvez nunca acontecesse e, honestamente, não me achava no direito de
exigir isso dela.
Quando Thomas me ligou para fazer o convite, estendendo-o a Jules,
garantiu que Rachel havia mudado após iniciar o acompanhamento
psicológico e, inclusive, estava namorando o filho de um dos diretores da
Stanhardton, Scott Denvers. Foi em nome dela que Thomas entrou em
contato, mencionando o constrangimento de Rachel pela forma como se
comportou comigo. Ela se sentia envergonhada, mas também triste por ter me
afastado com suas atitudes.
No começo, me senti compelido a recusar de pronto. Mas ponderei,
sabendo que Thomas não teria convidado a mim e Jules se Rachel ainda
estivesse com pensamentos distorcidos a meu respeito. Rachel estava
completando a maioridade e logo entraria para a universidade, dando início a
uma nova fase da sua vida. Ainda assim, não confirmei nada com Thomas,
alegando que precisava conversar com minha namorada e verificar se nossas
agendas estariam disponíveis.
— Que ótimo! — O tom de desdém em sua voz deixava muito claro
que Jules ainda não havia se desfeito da impressão ruim que Rachel lhe
passara, e eu nem podia culpá-la, pois nada havia sido feito para que isso
acontecesse.
Desde que Rachel esteve em Nova Iorque com seu pai, nem eu nem
Jules tínhamos notícias dela. Thomas e eu combinamos que me manteria
afastado e foi o que fiz.
— Estamos juntos, Jules. — Fiz questão de lembrá-la, segurando seu
rosto entre minhas mãos. — Nada do que ela fizer vai me fazer desistir de
você. Rachel sempre será como uma filha. Enquanto você é a mulher que eu
amo e quero ao meu lado. Inclusive nessa festa de aniversário.
Os olhos castanhos me fitavam com tanta atenção, e ela levou um
tempo para se manifestar.
— Você quer me levar para a Austrália? — Ela parecia surpresa com
aquela constatação.
— Está com seu passaporte em dia? — Dei a Jules o meu melhor
sorriso, aquele que eu sabia ter um efeito sedutor sobre ela.
Então foi sua vez de me pegar de surpresa, sorrindo abertamente, se
mostrando receptiva ao convite.
— Mas é claro que sim, estou mesmo precisando pegar um bronzeado.
— Ótimo! — Puxei-a para um abraço. — Agora, que tal uma carona de
volta ao trabalho?
Jules se desfez do abraço e olhou para trás, onde suas amigas estiveram
antes, mas sorrateiramente haviam nos deixado a sós.
— Preciso ter uma conversinha com essas garotas — murmurou com
bom humor. — Convite aceito, moço!

— Não posso ir com você — revelou Jules, naquela mesma noite,


durante o jantar em seu apartamento, quando mencionei nossa viagem para
Sydney. — Laila não autorizou. Está muito recente minha promoção e isso
pode gerar burburinho entre minhas colegas, eu entendo o lado dela. Martha
poderia repreendê-la. Sei que algumas acham que eu tenho costas quentes,
então prefiro não dar motivos para especulações.
Desde que Jules sugeriu as mudanças no site da revista Glow, ela vinha
ganhando mais reconhecimento de suas chefes. Talvez nem percebesse que
sua carreira estava começando a decolar, mas eu sim, e me sentia orgulhoso
de suas conquistas.
— Tudo bem, também não vou. — Meu tom decidido não deixava
dúvidas de que eu acreditava em seus argumentos, sequer considerando que
talvez Jules pudesse estar inventando uma desculpa apenas para declinar da
viagem.
Eu a conhecia bem o suficiente para saber que não usaria esse tipo de
artifício comigo.
— Javi, não faça isso. — Soltou um suspiro exasperado, seu olhar fixo
no meu. — Ela é sua afilhada! Vai ficar chateada se você não for. Eu sei que
agi como uma adolescente ciumenta muitas vezes, mas confio em você. Sei
que não irá acontecer nada do que minha cabeça desmiolada já imaginou
outras vezes. Você não a vê como mulher e já entendi isso. Mesmo que ela
seja uma minicascavel, sei que você não faria nada para me magoar. Por
favor, vá. Juro que não ficarei chateada, apenas com saudades.
Estendi minha mão para ela por cima da bancada, que aceitou o gesto e
entrelaçou seus dedos com os meus. Vê-la assim, tão confiante, só me fez
amá-la ainda mais.
— Eu te disse uma vez e repito: se tiver que escolher entre ela e você,
minha escolha sempre será você, Jules. Se não pode ir, também não vou.
Espero que minha ausência em seu aniversário mostre para Rachel que não
há chance alguma comigo, se é realmente verdade que ela me enxerga de
forma romântica.
No fundo, sempre acreditei que Rachel só estava confusa. Antes de vir
morar em Nova Iorque, prometi a ela que nunca a abandonaria, e não tinha a
intenção de fazer. Mas foi necessário impor certa distância, para que ela
enxergasse a realidade e superasse suas ilusões.
Considerei o fato de Jules não poder viajar como um sinal de que ainda
não era o momento de rever Rachel.
Sem a mínima vontade de nos estendermos naquele assunto, o demos
por encerrado.
Após o jantar, fui até a sala enquanto Jules ajeitava as louças na
máquina de lavar, para escolher um filme no aplicativo de streaming. Para
mim, aquelas eram as noites mais perfeitas, sem jantares de negócios ou
coquetéis aos quais eu precisava comparecer, apenas nós dois, jogados no
sofá, desfrutando da companhia um do outro.
Ao me inclinar sobre a mesa de centro para pegar o controle remoto da
televisão, reparei nas fotografias espalhadas sobre ela e me agachei para me
sentar no tapete.
— Por que essas fotos estão aqui? — perguntei curioso.
— Minha mãe me enviou pelo correio — explicou, se aproximando e
se sentando ao meu lado. — Ela fez cópias porque queria que eu guardasse de
recordação. Vou selecionar algumas para colocar em porta-retratos, me
ajuda?
— Claro!
Eu ainda não conhecia os pais de Jules, mas eles viriam visitá-la no
Natal e combinamos que seria a oportunidade perfeita.
Deixei que ela escolhesse as fotografias que queria me mostrar, e
conforme me entregava cada uma delas, ia compartilhando comigo as
histórias por trás do momento registrado.
Havia fotos de quando Jules era criança, adolescente e na época da
faculdade. Mas uma em questão se destacou entre as demais, e não precisei
que ela me contasse a história, pois eu acabei me recordando por conta
própria.
— São meus pais — revelou o que eu já sabia, apontando para o casal
na fotografia, ambos abraçando-a em frente ao prédio em que morava. — No
dia em que me mudei para esse apartamento.
Jules vestia legging e uma camiseta do AC/DC, calçava um par de All
Star desbotados e seus cabelos estavam presos num rabo de cavalo.
Como não me lembrei disso antes? Como não me lembrei dela?
“Meus bebês! Ah, que porra! Tanta coisa inútil eu poderia deixar cair
no chão e foram logo os meus livrinhos preciosos…”
Comecei a rir, do nada, deixando Jules sem entender o motivo.
Era ela! Meu anjo de boca suja!
— Qual é a graça, posso saber, moço?
A graça era que o destino tinha seu próprio meio de agir na vida das
pessoas, e descobrir que o meu caminho e o de Jules havia se cruzado um ano
atrás e não no elevador da Stanton Tower, só me fez ter certeza do quanto
fomos feitos um para o outro.
Quem diria que um cara como eu pudesse acreditar em toda aquela
coisa de destino e almas gêmeas… Mas se até Zayn El Safy acreditava na
filosofia de Maktub, eu também podia ter minhas crenças românticas.
Queria contar minha descoberta a Jules, mas não agora.
Eu a guardaria para um momento mais especial.
Devolvi a fotografia a ela e, com os olhos semicerrados, dei-lhe um
sorrisinho malicioso.
— Quantas camisetas do AC/DC você tem?
“Eu não sei sobre vocês, mas eu sei sobre nós
E esse é o único jeito que sabemos dançar…”
MY BOO – USHER FT. ALICIA KEYS
Meses depois…
— Eu estive ensaiando e planejando mil maneiras diferentes de te
surpreender e fazer desse momento algo muito especial, porque sei o quanto
você é sonhadora e, mesmo que tente dizer o contrário, uma romântica de
carteirinha. A nossa história começou como um romance saído das páginas
dos livros e, como você costuma dizer, sou seu príncipe sacana…
— Javi…
— Eu sei, eu sei, divaguei um pouco. É o nervosismo, porra! O que
estou tentando dizer é que você não é uma princesa de contos de fadas, mas
eu nunca estive procurando por uma. Entretanto, numa manhã de sábado,
quando uma garota deixou cair seus livros no chão, em frente ao prédio
vizinho do meu, e eu me agachei para ajudá-la a recolher os exemplares, algo
dentro de mim tentava alertar que uma mudança estava para acontecer. Na
hora pensei que fosse outra coisa, mas meses depois, num elevador lotado, lá
estávamos nós dois outra vez, tendo os caminhos cruzados por causa de outro
livro. E não demorei muito tempo para perceber que você seria a mulher da
minha vida, Jules Clarkson. Foi uma aventura e tanto, não foi?
Assenti com um gesto de cabeça, pois minha voz estava embargada
pelo choro contido. Meus olhos ardiam pelas lágrimas que logo cederiam, e
precisei prender com os dentes os meus lábios trêmulos, para manter a
compostura. Estávamos em uma parte movimentada do Central Park e eu não
queria dar um show, porém a intensidade com que Javier me fitava e o tom
emocionado de sua voz ao relembrar nossa trajetória tornava impossível
resistir à vontade de chorar. Era um misto de nostalgia e amor.
Ao perceber a movimentação de Javier, minha boca se abriu em
perplexidade, surpresa pelo que ele estava prestes a fazer. Eu podia não ser
uma princesa, mas ele me tratava como uma. Diante de mim, o homem dos
meus livros, ou melhor, o homem da minha vida, ajoelhou-se como nas
muitas cenas de filmes clichês, retirando do bolso da calça aquela caixinha
azul Tiffany que tirava o fôlego de qualquer mulher apaixonada, e meu
coração parou por um segundo para, no instante seguinte, parecer que ia
saltar pela boca.
“Ele vai pedir! Ele vai pedir! Ele vai pedir! Ele vai pedir!”, surtou
minha demônia interior, ressurgindo das profundezas do abismo no meu
subconsciente depois de muito tempo em silêncio. Mas ela merecia fazer
parte daquele momento.
— Acho que estamos prontos para o próximo capítulo da nossa vida,
juntos, não acha? — Seu sorriso torto mal disfarçava o nervosismo.
— Javier Stanton, peça logo! — implorei, cedendo às lágrimas.
Ele começou a rir daquele jeito descontraído e sexy que me deixava
louca para me jogar em seus braços, mas no segundo seguinte abriu a
caixinha, exibindo o anel mais perfeito que já vi na vida.
— Aceita se casar comigo, maluquinha?
Ao ouvir em pano de fundo algumas risadinhas e suspiros
emocionados, me dei conta de que estávamos sendo observados por alguns
transeuntes, fossem novaiorquinos em sua rotina ou turistas passeando pelo
parque, todos pareciam tão ansiosos quanto Javier para ouvirem qual seria a
minha resposta, como se ela não fosse previsível.
Logo eu, uma apaixonada por romances clichês!
— Sim, sim, sim! Mil vezes sim! É claro que eu aceito!

— Vai me contar me contar o que é que você aceita com tanta


empolgação? — perguntou Javier, assim que abri meus olhos e constatei que
toda aquela cena perfeita não tinha passado de um sonho.
Encarei o homem ao meu lado na cama, fitando-me com curiosidade e
me dando o sorriso que sempre conseguia balançar minhas estruturas.
Nós estávamos juntos há quase um ano. Meses estes que passaram
voando, pois estávamos nos dedicando às nossas carreiras enquanto
tentávamos encaixar nossas agendas para passar um tempo juntos e fazer
valer a pena.
Por mais que eu o amasse, sabia que ainda não havia chegado o
momento de darmos o próximo passo. Sim, eu queria me casar com Javier
Stanton! Mas não precisava ser imediatamente. Teríamos tempo.
Lembrei-me do encontro com Hani e Lauren, em uma das ocasiões
onde elas estiveram em meu apartamento, quando conversamos a respeito
daquele assunto.
Lauren e Alexios haviam se casado em segredo, numa viagem a
Santorini, após mais de dois anos morando juntos. Eles se apaixonaram um
pelo outro em questão de dias e mantiveram um relacionamento à distância
até o grego finalmente se mudar para Seattle, seguindo o seu coração e
ignorando o ceticismo de qualquer um que considerasse uma besteira ele
deixar tudo para trás para se arriscar com uma mulher que mal conhecia.
Ambos não poderiam estar mais felizes com as escolhas que fizeram.
Hani cresceu sabendo com quem iria se casar, por causa de um acordo
entre seu pai e o de Zayn, que era quinze anos mais velho que ela. Embora os
dois tenham se apaixonado anos mais tarde e fossem loucos um pelo outro,
casamento era uma palavra que minha amiga abominava. Mesmo tendo a
certeza de que Zayn era o homem com quem queria passar o resto de sua
vida, Hani ainda não se sentia pronta para se tornar legalmente uma esposa, o
que não a impediu de querer dividir o mesmo teto com seu amado. Para o
casal, o amor que cultivavam era mais importante que qualquer convenção
social ou cultural. No dia em que se tornassem marido e mulher, teriam a
certeza de que foi uma escolha deles e de ninguém mais.
Eu adorava a história dos meus amigos. Elas eram a prova de que o
amor verdadeiro não precisava seguir padrões, nem havia um roteiro pré-
escrito.
Minha história com Javier estava apenas começando, e nós já tínhamos
passado por tanta coisa juntos para estarmos exatamente onde estávamos. Eu
não poderia dizer que me arrependia de algumas das minhas atitudes porque,
honestamente, foram elas que levaram o meu caminho a cruzar o de Javier,
como ele mesmo costumava dizer.
Não queria pressionar Javier a me pedir em casamento, apenas sabia
que mais cedo ou mais tarde iria acontecer. E assim como Lauren disse sim a
Alexios, e Hani disse que sempre diria sim a Zayn, eu também tinha a certeza
de qual seria a minha resposta para Javier no momento oportuno.
— Sonhei que minha chefe tinha feito uma proposta irrecusável —
achei melhor sair pela tangente.
— Vai que tenha sido uma premonição, hum? — brincou ele,
remexendo-se na cama e se posicionando sobre mim, apoiando os cotovelos
no colchão.
— Bem que eu gostaria que fosse.
“Eu também gostaria que fosse uma premonição!”, cutucou aquela voz
do meu subconsciente que um dia eu apelidei de demônia interior.
Não se preocupe, querida! Quando a hora certa finalmente chegar, eu
estarei pronta para o próximo capítulo da minha história com o homem que
eu amo.
Eu juro que minha real intenção era finalizar a série Homens Que
Amamos no livro 4. Estava mais do que certo para mim. Entretanto, planos
podem sofrer alterações.
Quando decidi que Javier merecia ter sua própria voz dentro da série e
não apenas ser conhecido através de como Jules o enxergava, ou do
vislumbre que dei a ele em sua participação nos outros livros, eu não
imaginava que poderia ser capaz de me apaixonar ainda mais por esse
mocinho. Meu primeiro mocinho!
O Homem Dos Meus Livros foi o primeiro romance que escrevi, e
depois dele não parei mais. Quando escrevi Esse Homem É Meu e O Homem
De Santorini, dando voz aos personagens masculinos, me senti em dívida
com Javier. Com isso, soube que precisava apresentar o seu lado da história.
O Homem Dos Seus Sonhos seria dividido em duas partes, dentro do
mesmo livro, a primeira foi essa que vocês leram, e a segunda traria a voz de
Jules para narrar o desfecho final. Mas conforme me aproximava do fim deste
livro, senti que seria injusto com Javier eu tirar o seu momento. Isso, somado
ao fato de que todos os volumes da série são constituídos de um par (os
volumes .5). A partir destas ponderações, decidi que traria o desfecho final da
série em um livro separado, deixando O Homem Dos Seus Sonhos
exclusivamente para Javier, o que me permitiu antecipar seu lançamento.
Desta forma, O HOMEM QUE EU AMO, título do volume 4.5, será o
último livro da série Homens Que Amamos. Alternando a narrativa entre
Jules e Javier, haverá a participação dos outros dois casais da série, além dos
personagens secundários aos quais sei que vocês se apegaram tanto quanto
eu.
Bem, por enquanto é isso!
Obrigada por abraçarem essa turma com tanto carinho.
Até a próxima!
- Evy.
Para encontrar meus outros livros, acesse:
https://linktr.ee/autora.evymaciel

[1]
Bennett e Chloe: referência aos personagens do romance Cretino Irresistível, escrito
por duas autoras sob o pseudônimo Christina Lauren.
[2]
Gideon Cross é personagem fictício da série Crossfire, romances eróticos de autoria de
Sylvia Day.
[3]
“Eu não faço amor, eu fodo com força” é uma citação de Christian Grey, personagem
fictício do romance erótico 50 Tons De Cinza. A frase tornou-se famosa devido ao sucesso
de repercussão do livro.

Você também pode gostar