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Batistas e as
Doutrinas
da
Graça
Um estudo histórico-teológico
da herança batista reformada
Thomas
Nettles
Este livro de Tom Nettles é um estudo pioneiro. Reunindo disciplinas acadêmicas,
cuidados pastorais e coração cristão, Nettles leva a nossa memória às convicções dos
pioneiros batistas e aquilo em que eles criam ser o evangelho.
Dr. Mark Dever,
pastor da Capitol Hill Baptist Church, Washington, D.C.
Vinte anos depois de sua primeira edição, o livro de Tom Nettles permanece como
uma importante obra para os batistas modernos. Sua principal tese histórica — de
que as doutrinas da graça formaram um consenso teológico entre os batistas dos
estados do Sul dos EUA desde meados do século 19 até o primeiro quarto do século
20 — não foi abordada, muito menos refutada, por opositores e outros que não se
sentem impactados por essa herança doutrinária. Este livro é de leitura essencial
para qualquer um que deseje ser honesto no exame histórico da teologia dos batistas
do Sul dos EUA.
Dr. Tom Ascol,
pastor da Grace Baptist Church, Cape Coral, FL
Esta obra clássica é referência para uma história do ensino das doutrinas da graça
entre os primeiros pregadores e teólogos batistas, sobretudo nos Estados Unidos.
Ela também inclui duas primorosas partes abordando o que a Escritura ensina e
explicando suas implicações práticas para os cristãos. Finalmente, temos em português
um excelente e denso recurso para os batistas que desejam conhecer sua história e
que procuram uma introdução teológica robusta para o estudo da salvação oferecida
por Deus por meio de Jesus, e que por ação do seu Espírito suscita fé mesmo no
coração do pior dos pecadores, para sua maior glória.
Franklin Ferreira,
reitor e professor no Seminário Martin Bucer, em São José dos Campos (SP), e
professor adjunto no Puritan Reformed Theological Seminary,
em Grand Rapids (MI), nos Estados Unidos
Nos últimos anos, o calvinismo tem sido foco de intenso debate entre os batistas.
É sabido, por exemplo, que há figuras influentes dentro da denominação que
combatem fervorosamente esta doutrina. Este debate é em parte geracional, em
parte teológico e, em tempos mais recentes, intensamente pessoal. A leitura séria e
honesta deste livro poderá corrigir esta tragédia. Nettles não é impulsionado pelo
calvinismo, mas pela esperança de que os batistas abracem, confessem, preguem e
ensinem as verdades da Palavra de Deus — e anunciem o evangelho de Jesus Cristo
até os confins da terra. Pela graça e para glória de Deus, o que se deseja aqui é ver
uma reforma genuína e um tempo de refrigério em nossas igrejas — e a chama da
Grande Comissão ardendo em nossos corações.
Leandro B. Peixoto,
pastor da Segunda Igreja Batista em Goiânia, GO
Nettles, Thomas
Os Batistas e as doutrinas da graça: um estudo histórico-teológico da herança Batista
reformada/Thomas Nettles; [tradução Shirley Lima, Renan Lima]. – Rio de Janeiro: Pro Nobis
Editora, 2024.
Título original: By his grace and for his glory.
ISBN 978-65-81489-51-9
1. Batistas - Brasil - História 2. Batistas - Doutrinas - História 3. Doutrina cristã - Ensino
bíblico 4. Graça (Teologia) - Ensino bíblico 5. Igreja Reformada - Doutrinas 6. Teologia cristã
I. Título.
24-191111 CDD-263.041
Índices para catálogo sistemático:
1. Batistas : História 286
Aline Graziele Benitez - Bibliotecária - CRB-1/3129
Prelúdio editorial...................................................................... 13
Apresentação da edição em português..................................... 15
Prefácio original........................................................................ 21
Introdução................................................................................ 25
Conclusão................................................................................. 589
Índice onomástico.................................................................... 595
Índice de referências bíblicas.................................................... 601
Os batistas e as doutrinas da graça
Lista de retratos
Benjamin Keach 78
John Bunyan 82
John Gill 92
Andrew Fuller 130
Isaac Backus 157
John Leland 165
Adoniram Judson 173
Francis Wayland 181
John L. Dagg 195
P. H. Mell 210
Basil Manly, Sr. 219
J. P. Boyce 228
Basil Manly, Jr. 231
John A. Broadus 231
B. H. Carroll 264
A. H. Strong 276
E. Y. Mullins 289
Ernest C. Reisinger 352
Albert Mohler 360
11
Os batistas e as doutrinas da graça
Prelúdio editorial
— Philip Schaff
13
Prelúdio editorial
Judiclay Santos,
pastor da Igreja Batista do Jardim Botânico,
fundador e diretor da Pro Nobis Editora
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Os batistas e as doutrinas da graça
Meu primeiro contato com o autor deste livro foi em outubro de 1991.
Logo percebi tratar-se de um estudioso apaixonado pela história batista, para
a qual buscava oferecer um tratamento honesto, acadêmico e imensamente
relevante. Estabelecemos correspondência entre agosto de 1992 e janeiro
de 1993. À época, doutor Nettles era professor na Trinity Evangelical Divinity
School, no estado americano de Illinois. Na correspondência que me enviou
em 20 de janeiro de 1993, apresentou-me algum bom material de doutor W.
A. Criswell (1909—2002), conhecido líder batista e pastor da Primeira Igreja
Batista de Dallas. Um sermão de Criswell que ele sugeriu veio a ser publicado
em português. “Fiquei afligido pela deficiência da perspectiva teológica que
alguns líderes batistas têm”, opinou ele em relação as convicções correntes
de alguns líderes à época, inclusive no Brasil. Foi pela mesma época que
adquiri este livro que agora o leitor tem em mãos. A obra exerceu um grande
impacto em minha leitura pessoal da história batista. Mais de trinta anos
são passados! De lá para cá muita água passou debaixo da ponte, e o cenário
batista assistiu a algumas significativas mudanças.
Doutor Nettles tem sido bastante proficiente em demonstrar que, no
século vinte, a abordagem de importantes segmentos denominacionais para as
chamadas Doutrinas da Graça experimentou mudanças. F. H. Kerfoot (1847—
1901), em um texto amplamente usado pelos batistas no Brasil, escrevera
que, “em comum com um grande corpo de cristãos evangélicos, quase todos
os batistas creem no que são geralmente chamadas as doutrinas da graça”.
A soberania absoluta e presciência de Deus; Seus motivos e decretos
eternos e imutáveis; Que a salvação em seu começo, continuação e
15
Apresentação da edição em português
1 B. W. Spilman et al. Manual Normal da Escola Dominical. 2. ed. Rio de Janeiro: Casa
Publicadora Batista, 1921, pp. 5-6, 291-292. A primeira tradução deste livro, publicada
em português, é datada de 1918. Cf. ainda DARGAN, E. C. As Doutrinas de Nossa
Fé. Trad. W. E. Entzminger. Rio de Janeiro: Casa Publicadora Batista, 1918, 115 p.
As seguintes passagens bíblicas são remetidas pelo autor: Romanos 8.9, 10, 11; Atos
13.48; Efésios 1.4, 5; Efésios 2.1-10; I Pedro 1.2-5, Judas 24; II Timóteo 1.9; Tito 3.5.
2 Em 1986 a CBB aprovou a sua própria “Declaração Doutrinária”, redigida por uma
comissão de teólogos batistas brasileiros, tendo como corpo principal a declaração de
fé que fora aprovada pelo Seminário Batista do Sul, no Rio de Janeiro.
16
Os batistas e as doutrinas da graça
17
Apresentação da edição em português
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Os batistas e as doutrinas da graça
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Apresentação da edição em português
Gilson Santos
São José dos Campos, SP
20
Os batistas e as doutrinas da graça
Prefácio
21
Prefácio
23
Prefácio
Por fim, às milhares de testemunhas batistas que foram fiéis até à morte
e encontraram grandes consolo e confiança no Senhor Jesus Cristo da forma
que a Bíblia o apresenta a nós, por meio do sangue da eterna aliança. Eles
não depositaram sua confiança na carne, pois entenderam que não tinham
bondade nem idoneidade moral capazes de recomendá-los ou levá-los a se
voltar a Deus; eles sabiam que nada poderia separá-los do amor de Deus,
pois Deus o colocara, incondicionalmente, sobre eles, antes da fundação
do mundo; eles adoraram segundo o Espírito de Deus, pois sabiam que ele
havia aberto seus corações para crer; eles não temeram condenação alguma,
pois confiaram na eficácia da morte sacrificial de Cristo; eles lutaram, cora-
josamente, contra os inimigos temíveis, que são o mundo, a carne e o diabo,
pois foram fortalecidos de acordo com seu glorioso poder, em cujas mãos
estavam seguros. “Ora, àquele que é poderoso para vos guardar de tropeços
e para vos apresentar com exultação, imaculados diante da sua glória, ao
único Deus, nosso Salvador, mediante Jesus Cristo, Senhor nosso, glória,
majestade, império e soberania, antes de todas as eras, e agora, e por todos
os séculos. Amém!” (Jd 24-25).
Thomas J. Nettles
24
Os batistas e as doutrinas da graça
Introdução
25
Introdução
Ortodoxia
Em primeiro lugar, os batistas são ortodoxos, embora esse termo tenha
vários significados: a ortodoxia católica medieval, a ortodoxia luterana e a
ortodoxia reformada. O significado mais amplo e mais largamente aceito
desse termo diz respeito às afirmações trinitárias e cristológicas da igreja
1 The Baptist Faith and Message (Nashville, TN: Sunday School Board of the Southern
Baptist Convention, 1963), p. 6.
26
Os batistas e as doutrinas da graça
2 Philip Schaff, The Creeds of Christendom, 3 vols. (Grand Rapids, MI: Baker Book House,
1983 reprint), 2:62.
27
Introdução
28
Os batistas e as doutrinas da graça
29
Introdução
9 Ibid., p. 300.
10 Ibid., p. 300-1.
11 Ibid., p. 326.
12 Lélio Socino [Laelius Socinus] foi o fundador da seita herética unitarista conhecida
como socianismo, que surgiu durante o século 16. [N. T.]
13 Ibid., p. 326.
30
Os batistas e as doutrinas da graça
31
Introdução
21 E.Y. Mullins, The Christian Religion in its Doctrinal Expression (Valley Forge, PA: Judson
Press, 1917), p. 178.
22 W.T. Conner, Revelation and God (Nashville, TN: Broadman Press, 1936), p. 187-89.
23 Dale Moody, The Word of Truth (Grand Rapids, MI: Wm. B. Eerdmans Pub. Co., 1981),
vol. 8, p. 413-26.
24 O leitor não deve confundir Dale Moody (1915-1992), professor de Teologia no
Seminário Teológico Batista do Sul, de 1948 a 1984, com o evangelista D. L. Moody
do século 19. [N. T.]
32
Os batistas e as doutrinas da graça
Evangelicalismo
Em segundo lugar, os batistas são evangélicos. Daqui vem o material
para o conteúdo maior deste livro. Embora o autor argumente que a mais
pura e consistente expressão do evangelicalismo reside no interior dos
salões do calvinismo, reconhece a grande amplitude dentro dos evangelica-
lismos histórico e moderno. É preciso comparecer apenas a um encontro
da Sociedade Teológica Evangélica (composta por batistas, presbiterianos,
metodistas, congregacionais, anglicanos e outros) para ver que discordâncias
em certas construções teológicas são feitas com vigor, abertura à verdade e
amor. Portanto, o observador cuidadoso não identifica de maneira simplista
o evangelicalismo com o hiperfundamentalismo, o neofundamentalismo
ou o calvinismo “decisionista”, “ganhador de almas”, agressivo e estrito.
Embora uma grande abertura caracterize o evangelicalismo, é preciso
haver alguns parâmetros definidos. Algumas vezes, a nomenclatura tem
sido usada para esconder deslizes lamentáveis à heterodoxia e até mesmo
à heresia. Embora isso, literalmente, tenha tornado a palavra inútil em
alguns contextos, os evangélicos históricos devem esforçar-se para restaurar
a credibilidade de uma palavra à sua nobre herança. A ortodoxia, como já
discutido, certamente é uma parte da teologia evangélica. Tanto essa abertura
como essa exclusividade manifestaram-se na formação, em 1867, da Aliança
Evangélica pelos Estados Unidos. Além da afirmação dos nove pontos
doutrinários, adotados, em 1846, pelo ramo inglês da Aliança Evangélica,
o grupo americano recepcionou a seguinte declaração:
Resolvemos que, no mesmo espírito, não propomos nenhum credo novo,
mas assumimos o fundamento amplo, histórico e católico-evangélico,
reafirmando solenemente e professando nossa fé em todas as doutrinas
da inspirada palavra de Deus, e no consenso das doutrinas sustentadas
por todos os verdadeiros cristãos desde o começo. E afirmamos mais
especificamente nossa crença na pessoa divino-humana e na obra expia-
tória de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo como a única e suficiente
33
Introdução
34
Os batistas e as doutrinas da graça
28 Ibid., p. 245.
35
Introdução
36
Os batistas e as doutrinas da graça
31 John Ryland, Life and Death of the Rev. Andrew Fuller (London: Button & Son,
1816), p. 9, 10.
37
Introdução
Elementos distintivos
Além do que é essencial na ortodoxia e no evangelicalismo, os batistas
têm ainda outro elemento de influência que jorra até sua forma final. Esse
ingrediente distingue os batistas de outros evangélicos, como os presbiterianos,
os congregacionais e assim por diante, e pode ser descrito pelo termo distin-
tivo. Esse fator cresce de antigas associações com o Movimento Separatista da
Inglaterra e o Movimento Anabatista no continente. Os batistas são herdeiros
da tradição particular, inicialmente enunciada pelos independentes e congre-
gacionais, mas confundida por eles por causa de sua prática do pedobatismo.
Os batistas insistem na seguinte questão: “Como a igreja pode ser uma comu-
nidade reunida de crentes quando a realidade do renascimento espiritual é
confundida pela prática do batismo apenas com base no nascimento natural?”.
A mudança mais revolucionária ocorrida na congregação separatista,
que migrou para Amsterdã sob a liderança de John Smyth, em 1608, e
retornou para a igreja sob a liderança de Thomas Helwys, em 1612, foi a
reorientação do batismo infantil para o batismo daquele que crê. Isso foi
parte de uma mudança ainda maior, segundo a qual os métodos magistrais
da reforma foram revogados e substituídos pelos princípios das igrejas livres.
A declaração de doutrinas intitulada A True Confession [Uma verdadeira
confissão] representa a teologia separatista da igreja em seus primeiros dias.
Sobre o batismo, afirma:
[...] assim como aqueles da semente, por estarem sob o governo de qual-
quer Igreja, e serem recebidos na infância pelo Batismo, sendo feitos
coparticipantes dos sinais da Aliança de Deus, que é realizada com os
fiéis e com a descendência deles ao longo de todas as gerações.32
38
Os batistas e as doutrinas da graça
34 Ibid., p. 167.
39
Introdução
35 John L. Dagg, A Treatise on Church Order (Charleston, SC: Southern Baptits Publication
Society, 1858), p. 165.
36 Ibid., p. 183.
37 Thomas Helwys, A Short Declaration of the Mistery of Iniquity (1612, n.p.).
40
Os batistas e as doutrinas da graça
para todos os homens, a fim de que sejam livres para ouvir e livremente
submeter-se à mensagem evangélica de Cristo.
Tanto John Murton como Leonard Busher, que seguiram Helwys
enquanto era pastor de uma pequena igreja batista geral, escreveram grandes
obras sobre a liberdade de consciência. Os batistas gerais e os particulares,
juntos, uniram-se na luta por liberdade de consciência até que ela, finalmente,
foi obtida, sob o reinado de William e Mary, por meio do Ato de Tolerância.
No entanto, embora a Inglaterra tenha obtido liberdade de consciência e
religião, seu povo nunca foi capaz de alcançar a extinção da Igreja Anglicana.
Contudo, os batistas na América, ajudados pela existência de uma grande
pluralidade de denominações, ao lado do ímpeto do libertarianismo jeffer-
soniano, obtiveram a separação entre Igreja e Estado, assim como as outras
duas liberdades. A luta foi travada na América principalmente por batistas
como Roger Williams, John Clarke, Isaac Backus e John Leland, até ser
garantida por escrito na Carta de Direitos da Constituição adotada em 1789.
Embora a afirmação dessas três liberdades seja um princípio basilar da
vida batista, os batistas podem muito bem estar presentes onde nenhuma
dessas três liberdades foi alcançada. De fato, no passado, os batistas pros-
peraram e continuam a prosperar em áreas em que não contam nem com
liberdade de consciência nem com liberdade de religião, tampouco com a
separação entre Igreja e Estado. Porém, uma igreja batista não pode existir
onde não exista uma membresia eclesiástica regenerada e a afirmação do
batismo do crente. Esses são os elementos eclesiológicos imprescindíveis.
Em resumo, ser batista significa ser ortodoxo em seu entendimento sobre
a Trindade e a pessoa de Cristo. Ser batista também significa ser evangélico
em sua soteriologia. Finalmente, ser batista significa ser consistentemente
distinto na eclesiologia e procurar a criação de condições em que todos
possam ouvir o evangelho.
Este trabalho detalha o evangelicalismo batista e declara, juntamente
com Spurgeon, que a representação bíblica mais autêntica do evangelho
brilha sobre as águas das doutrinas da graça. De fato, qualquer rejeição
dessas doutrinas carrega em si sementes que brotam como posições não
evangélicas. Nas palavras de Spurgeon, sua completa aceitação prepara um
homem para a batalha contra todos os inimigos de Deus:
Não se pode vencer um calvinista. Você pode achar que consegue, mas
não consegue. As pedras das grandes doutrinas encaixam-se de tal maneira
41
Introdução
42
Os batistas e as doutrinas da graça
abundantes, e ele é citado tantas vezes em outras seções deste livro, que sua
inclusão pareceu desnecessária. Também o livro de Ian Murray, The Forgotten
Spurgeon [O Spurgeon esquecido],39 que contém uma notável discussão sobre
o calvinismo de Spurgeon, oferecendo grande contribuição, encontra-se
prontamente disponível. Vamos ao panorama.
Ortodoxia do século 17
Hanserd Knollys (1599-1691), William Kiffin [ou Kiffen] (1616-1701),
Benjamin Keach (1640-1704), John Spilsbury (1593-1668), Henry Jessey
(1601-1663) e John Bunyan (1628-1688), entre outros, permanecem como
representantes da firme convicção, da piedade fervorosa, da pregação pode-
rosa e da ortodoxia teológica dos batistas particulares do século 17. Embora
houvesse algumas divergências acerca da comunhão e da membresia da igreja
naqueles dias em que brotava o separatismo, havia unidade na soteriologia.
As duas Confissões de Londres, na verdade, representam o comprometi-
mento teológico dos batistas particulares na nação durante esse período,
com a Confissão de 1689 tendo sido assinada pelos representantes de mais
de 107 igrejas por toda a Inglaterra e o País de Gales.40 Algumas igrejas
no Ocidente que seguiram as mudanças teológicas de Thomas Collier
gradualmente foram saindo desse calvinismo acentuado para uma posição
39 Publicado no Brasil com o título O Spurgeon que foi esquecido, pela editora PES (2004). (N.E.)
40 Joseph Ivimey, A History of the English Baptists, 4 vols. (London: impresso pelo autor e
vendido por Burditt, Buxton, Hamilton, Baynes etc., 1811-1830), 1:503-511.
43
Introdução
Declínio no século 18
O século 18 tem sido definido como de declínio por muitos histo-
riadores. Deísmo, socinianismo [ou socianismo] e a teologia latitudinária
causaram danos severos às igrejas presbiterianas, anglicanas, congregacionais
e batistas gerais. Os batistas particulares, por outro lado, não incorreram
em tal erro teológico. Ao contrário, em 1777, John C. Ryland declarou:
“Não há apostasia aparente em nossos ministros e nas pessoas em relação
aos gloriosos princípios que professamos”. Embora se tenha assistido a um
declínio no número das igrejas batistas particulares em meados do século,
em 1798 eram, ao todo, 361 na Inglaterra, e 320 delas tinham pastores.
Outras 84 encontravam-se no País de Gales. Muito crescimento aconteceu
nos últimos quinze anos desse século.
O que causou consternação na comunhão veio na forma de “questão
moderna”. As consequências de longo alcance estavam na resposta à seguinte
pergunta: É possível um não regenerado ser chamado a exercer arrependimento
e fé salvíficos? John Brine (1703-1765) era o líder daqueles que escreviam
negativamente sobre a questão. Mas John Gill (1697-1771), amigo de Brine
e conhecido líder dos batistas por cinquenta anos durante esse século, nunca
escreveu a esse respeito. Isso, em si mesmo, é um fenômeno estranho, tendo
em vista que Gill se caracteriza como um conhecido hipercalvinista, mas não
é menos estranho do que o fato de Gill haver rejeitado o principal argumento
de Brine contra a questão. Por essa razão, um capítulo inteiro é concedido a
Gill, com uma nova investigação das acusações contra sua reputação.
Apesar de a maior parte do século ter sido abafada por uma lamentável
recessão no crescimento dos batistas particulares, um julgamento bastante
severo sobre a época falharia em reconhecer as incríveis contribuições feitas
por homens como Joseph Stennett (1692-1758), John Collett Ryland (1723-
1792), Benjamin Beddome (1718-1795), Samuel Medley (1738-1799) e John
Hirst (1736-1865). Alguns parecem sentir que uma adesão muito próxima ao
44
Os batistas e as doutrinas da graça
calvinismo seria o fator principal para esse declínio, mas cometem o erro fatal
em falhar na distinção entre calvinismo e hipercalvinismo. Assim, falham
em apreciar o zelo evangélico inerente ao primeiro. Uma visão mais ampla
de todo o cenário religioso pode conduzir a uma opinião contrária, e ver
o calvinismo como o fator que conservou a força dos batistas particulares,
tornando possível a propagação em todo o mundo do evangelho no século
seguinte. Esse parece ser o entendimento de Joseph Ivimey em suas conclusões
de um episódio contado sobre o presbítero Joseph Stennett (1663-1713):
Tivessem nossos ministros em geral manifestado sua adesão estrita às
doutrinas calvinistas, como fez o Sr. Stennett, em vez daquela candura
espúria e moderação expressas por alguns outros, não há dúvida de que
muitas igrejas teriam sido preservadas do turbilhão do socinianismo, o
qual tem engolido algumas sociedades batistas particulares, e quase todas,
ao fim do século 17, pertenciam aos batistas gerais.41
41 Ibid., p. 2:503-511.
42 Publicado pela Pro Nobis Editora sob o título Mobilização missionária: o clamor de
William Carey. [N.T.]
43 Publicado pela Pro Nobis Editora sob o título O evangelho digno de toda aceitação. [N.T.]
45
Introdução
ao contrário, figuraram como sua expressão necessária. Isso não pode ser
demasiadamente afirmado ou enfatizado no momento contemporâneo, em
que, em geral, acredita-se que as doutrinas da graça são inimigas da evan-
gelização. De fato, elas são inimigas dos sistemas e métodos que prosperam
em perversões reducionistas do evangelho; pois, a rigor, o verdadeiro evan-
gelismo não tem amigos mais próximos que tais doutrinas.
Além disso, o primeiro encontro oficial da União foi marcado para os dias
25 e 26 de junho de 1813.
É digno de nota que, nessa reunião de 1813, uma Confissão de Fé enca-
beçou os tópicos que foram discutidos e aprovados. O parágrafo primeiro dessa
constituição original é redigido nos termos segundo os quais “o calvinismo
das igrejas batistas particulares era costumeiramente definido”.
Que esta sociedade de ministros e igrejas seja designada “A União Geral
de Ministros e Igrejas Batistas”, mantendo as importantes doutrinas
das “três pessoas iguais na Divindade; eleição eterna e pessoal; pecado
original; redenção particular; justificação gratuita pela justiça imputada de
Cristo; graça eficaz na regeneração; a perseverança final dos verdadeiros
crentes; a ressurreição dos mortos; o julgamento futuro; a alegria eterna
dos justos; e a miséria eterna de todos que morrem na impenitência, com
a inviolabilidade da ordem congregacional das igrejas”.44
44 E. A. Payne, The Baptist Union (London: The Carey Kingsgate Press Limited, 1959), p. 26.
45 Ivimey, English Baptists, 4:382.
47
Introdução
48
Os batistas e as doutrinas da graça
49
Introdução
51 John Clifford, em A.C. Underwood, A History of the English Baptists (London: Kingsgate
Press, 1947), p. 215.
52 Ian Murray, The Forgotten Spurgeon (Edinburgh: The Banner of Truth Trust, 1966), ver
espec. p. 45-114.
50
Os batistas e as doutrinas da graça
51
Introdução
Creio que Deus estava ativo em Jesus, mas não é o suficiente para dizer
categoricamente que Jesus é Deus. Jesus é único, mas sua peculiaridade não
o faz diferente em tipo de nós. [...] A diferença está no que Deus fez em e
através deste homem e o grau em que ele respondeu e cooperou com Deus.56
52
Os batistas e as doutrinas da graça
Mais devastadoras do que essas (porque são a base delas) são as visões
de Robinson acerca da revelação e do método de discernimento do erro.
A Revelação vem da interação entre a experiência cristã e o movimento
providencial da história. A Escritura não pode ser compreendida em sentido
literal ou proposicional, mas deve ser vista como um registro de encontros
divinos sobre consciências individuais. A Bíblia é “o registro suficientemente
preciso de uma experiência religiosa que é normativa e autoritativa”.63
Portanto, não temos o direito, afirma Robinson, “de assumir que a ética de
Amós ou mesmo a de Jesus são diretamente aplicáveis, da forma como se
apresentam, a qualquer geração”.64
No mesmo sentido, aparentemente, seria possível concluir que não
temos o direito de assumir as crenças proposicionais dos apóstolos como
normativas para os dias de hoje. Em sua abordagem ao “ministério do
erro”, Robinson abre caminho para essa posição ao afirmar: “Obviamente,
qualquer assertiva dogmática do que é a verdade e do que é erro na religião
contemporânea estaria fora de lugar nessa matéria”.65 Quando tais pequenas
plataformas são dadas para estabelecer a verdade e resistir ao erro, não causa
admiração que a negação da deidade de Cristo encontraria uma defesa dos
direitos por parte de quem fala.
Os anos que se passaram desde Clifford até Robinson, e para além desses,
parecem ter acomodado os membros da União Batista tão completamente
que não houve surpresa alguma em relação aos ventos frios da infidelidade.
Mas essa exposição contínua à doença e à morte também pode surtir o efeito
de baixar a imunidade, a ponto de a mínima infecção poder matar. Em todo
o mundo, os cristãos deveriam orar para que a denominação que produziu
Keach, Gill, Booth, Fuller, Carey e Spurgeon possa, mais uma vez, descobrir
o fundamento sobre o qual eles se encontravam. Seria trágico se o calvinismo
se juntasse a outras verdades vistas simplesmente como arcaísmos teológicos
na União Batista, pois, dessa maneira, não apenas a pureza evangélica estaria
comprometida, mas também a própria fé cristã estaria perdida.
Os batistas particulares [ou estritos]: A teologia calvinista, contudo,
ainda não havia sumido por completo da vida batista na Inglaterra. Nos anos
63 Ibid., p. 179.
64 Ibid., p. 171.
65 Ibid., p. 22.
53
Introdução
66 Annual Report and Bulletin of the Strict Baptist Historical Society, n. 13 (1973), 5.7.
54
Os batistas e as doutrinas da graça
55
Introdução
68 Thomas Armitage, A History of the Baptists (New York: Bryan, Taylor & Co.,
1887), p. 671, 673.
56
Os batistas e as doutrinas da graça
deixou sua confissão por escrito, e uma porção foi inserida nos registros da
igreja. Isaac Backus, em seu notável A History of New England [Uma história
da Nova Inglaterra], publicou a principal porção do texto:
O decreto especial de Deus concernente a anjos e homens é chamado de
predestinação em Romanos 8:30 [...] deste último mais é revelado não
sem proveito para ser conhecido. Pode ser definido como uma sábia, livre,
justa, eterna e imutável sentença ou um decreto de Deus, determinando
a criação e o governo do homem para sua glória especial. [...] A eleição é
o decreto de Deus, de seu livre amor, graça e misericórdia, escolhendo
alguns homens para a fé, a santidade e a vida eterna, para o louvor de sua
gloriosa misericórdia. [...] A causa que moveu o Senhor a eleger aqueles
que são escolhidos foi nenhuma outra além de sua mera boa vontade
e seu prazer. [...] Um homem nesta vida pode ter certeza de sua eleição
[...] mas não de sua eterna reprovação, pois aquele que agora é profano
pode ser chamado posteriormente.69
69 John Clarke, “Confession of Faith”, em Isaac Backus, A History of New England, with
Particular Reference to the Denomination of Christians Called Baptists, 2 vols. (Boston, MA:
Edward Draper, 1777), 1:255, 256.
70 Ibid., p. 208-12, 256-60.
71 Ibid., p. 256, 258, 259.
57
Introdução
igreja de William Kiffen [ou Kiffin]— entrou em uma relação com uma igreja.
Essa igreja também era calvinista.72
Não se pode levar a sério a sugestão de que esses homens simplesmente
adotaram a soteriologia de seu meio teológico sem um exame crítico. Pelo
menos dois fatores devem dissuadir qualquer um de aceitar um argumento
desse tipo. Primeiro, o abandono radical da eclesiologia de seus contemporâ-
neos e vizinhos, ao lado de sua disposição de sofrer por causa dessa separação,
mostra que eles não eram desprovidos de iniciativa pessoal a respeito da
construção doutrinária. Sua abertura para debater o caso com os homens que
traziam credenciais de uma educação intimidadora os caracteriza não como
arrogantes (pois eram homens mansos), mas como pessoas que confiavam
nas conclusões obtidas em um questionamento honesto e independente.
Segundo, sua insistência de que toda crença e toda prática devem contar
com uma garantia plena e clara fala muito sobre sua retenção do calvinismo
enquanto iam mudando sua visão acerca do batismo. Outras opções soterio-
lógicas estavam disponíveis e eram conhecidas deles. Concluímos, portanto,
que eles, consciente e fundamentadamente, aderiram ao calvinismo como
bíblico em suas conexões soteriológicas.
Nos séculos 18 e 19
As Colônias Centrais, especialmente a Pensilvânia, beneficiaram-se da
influência da família de Keach quase na mesma medida dos batistas ingleses
do século 17. O filho de Benjamin Keach, Elias, chegou ao Novo Mundo
como um homem não convertido. Por um período muito breve, ele consi-
derou bem divertido enganar os cristãos dissidentes da Pensilvânia ao pregar
a eles alguns dos sermões de seu pai. Grandes multidões vinham para ouvir
o jovem teólogo de Londres, e seu experimento jocoso parecia andar bem.
Porém, em certa ocasião, bem no meio de sua pregação, ele foi tomado pelo
terror e, por algum tempo, viu-se impedido de continuar falando. Na mise-
ricórdia de Deus, o jovem Keach foi convertido sob sua própria pregação,
revelando-se um verdadeiro instrumento para a fundação da Primeira Igreja
Batista da Pensilvânia — em Pennepack, agora cidade da Filadélfia.
Keach, ao lado de Thomas Killingsworth, fundou outras igrejas. Outras
vieram, intactas, do País de Gales. Em 1707, essas igrejas, agora cinco,
72 Ibid., p. 355-415.
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Os batistas e as doutrinas da graça
73 Minutes of the Philadelphia Baptist Association from 1707 to 1807 (Philadelphia, PA:
American Baptist Publication Society, 1851), p. 69.
74 Ibid., p. 136.
59
Introdução
75 William L. Lumpkin, Baptist Confessions of Faith, 1. ed. (Philadelphia, PA: The Judson
Press, 1959), p. 355, 356.
60
Os batistas e as doutrinas da graça
76 Ibid., p. 358.
61
Introdução
algo mais palatável, ao gosto das igrejas do século 18. É verdade que essa
Confissão não é tão detalhada ou longa quanto a Confissão da Filadélfia, mas
também é verdade que a essência de sua doutrina permanece intocada. Uma
de suas preocupações era a brevidade. Mas seus feitos desejaram mostrar, em
acréscimo, que as questões levantadas pela presença dos batistas do livre-ar-
bítrio não eram, certamente, estranhas ao conhecimento ou à preocupação
do calvinismo histórico. Uma ênfase recorrente no enquadramento teológico
do livre-arbítrio era a culpabilidade do homem. A culpabilidade estende-se
até a liberdade da vontade do homem e/ou as provisões da graça de Deus.
O “poder da livre escolha é a exata medida da responsabilidade do homem”,
declarou Benjamin Randall.77 E, se a queda tem afetado negativamente a
vontade, a redenção promovida pelo Deus Trino tem colocado todos os
homens no mesmo lugar — nenhum deles é excluído, mas a salvação não é
adquirida por qualquer um:
Eles são todos dependentes para salvação da redenção efetivada através
do sangue de Cristo, e para serem criados novos em obediência através
da operação do Espírito; ambos são livremente providos para cada
descendente de Adão.78
77 Ibid., p. 370.
78 Ibid., p. 371.
79 Ibid., p. 373.
62
Os batistas e as doutrinas da graça
80 Ibid., p. 362.
81 Ibid., p. 363.
82 Ibid., p. 365.
83 Ibid., p. 364.
84 Ibid.
63
Introdução
85 Ibid.
86 Ibid., p. 374.
87 Ibid.
88 Ibid., p. 365.
64
Os batistas e as doutrinas da graça
Tendências do século 20
Na primeira década do século 20, os batistas do livre-arbítrio — de quem
os batistas do norte permaneceram, confessional e organizacionalmente,
distintos ao longo do século 19 — viram poucas diferenças entre si e seus
contemporâneos do norte. Em 1907, os batistas do norte haviam adotado
uma estrutura convencional para suas várias associações, denominando-se
oficialmente de Convenção Batista do Norte. Em 1911, os batistas do
livre-arbítrio surgiram com o grupo maior de batistas do norte, dando
uma demonstração visual e organizacional do desaparecimento daquele
65
Introdução
outrora calvinismo forte da denominação. Tal fusão não foi possível com
os batistas do livre-arbítrio do sul, já que o calvinismo dos batistas do sul
ainda era vigoroso.
A entrada do liberalismo provocou diversas divisões no grupo do
norte. O surgimento temporário da Comunhão Fundamental, em 1921,
conduziu, por fim, à formação da Associação Batista Conservadora, em 1947.
A Associação Geral dos Batistas Regulares foi formada por igrejas conserva-
doras que se retiraram da Convenção Batista do Norte em 1933. Eles adotaram
a Confissão de Fé de New Hampshire, com uma interpretação pré-milenista
do último artigo. Em 1923, a União Batista Bíblica da América, liderada
por T. T. Shields, foi formada. Alcançou seu ápice em 1928 e, por fim, se
dissolveu. A Confissão desse grupo era bem similar àquela da Confissão de
New Hampshire, com expressões adicionadas para se comunicar diretamente
com as doutrinas afetadas pelo liberalismo daqueles dias. Outros grupos
registraram protestos contra o liberalismo da Convenção Batista do Norte.
É significativo o fato de nenhum desses grupos ter sido formado para
proteger doutrinas estritamente calvinistas, embora a Confissão de New
Hampshire tenha exercido grande influência sobre todas elas. As principais
fontes de divisão diziam respeito à inerrância da Escritura, à deidade de
Cristo, ao nascimento virginal, à eternidade da punição do ímpio e, em
alguma medida, à natureza da segunda vinda de Cristo. Os calvinistas
individuais e as igrejas calvinistas surgiram desses grupos. Algumas igrejas,
sob a influência de T. T. Shields, sustentaram esses princípios. O Seminário
Batista da Liberdade, o presente eixo do fundamentalismo batista, havia
sido criticado pela Sword of the Lord [Espada do Senhor], por permitir que os
calvinistas ocupassem uma posição de influência em sua equipe. Ninguém
era, de forma consciente, calvinista em suas origens, mas eles se preocupavam
intensamente com a pureza da separação e o conservadorismo fundamental.
Entretanto, seus predecessores haviam sido estrita e entusiasticamente calvi-
nistas, já que sua origem repousava na vida batista do norte e, em certos
momentos, ao longo do caminho, receberam algum apoio dos fundamen-
talistas, separando-se dos batistas do sul.
Quando os complexos fatores seccionais de meados do século 19
incitaram a formação da Convenção Batista do Sul, em 1845, o desejo
por um envolvimento irrestrito nas missões ao redor do mundo cons-
tituiu o cerne da separação. A teologia calvinista formou a base para
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Os batistas e as doutrinas da graça
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Introdução
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