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INTRODUÇÃO
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Doutorando em Teologia na PUCPR, Mestre em Filosofia e Bacharel em Teologia; Psicólogo e Especialista em
Sexologia, pesquisa sobre o tema da Individuação; professor e coordenador do Curso de Especialização em
Sexualidade Humana, na Universidade Positivo. E-mail: ocirandreta@gmail.com.
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Quando Sócrates (Séc. V aC) surge na praça (ágora) fazendo o povo refletir, sua
ética se apoia em sabedorias populares: “Conhece-te a ti mesmo!”; e, “Nada em
excesso!”. A reflexão moral volta-se para a interioridade e a educação do ser (paidéia).
A proposta da reflexão ética, então, é levar o homem a uma “interioridade moral”, e a
própria filosofia deve ser um “modo de viver”, uma “vida segundo o espírito” (theoría):
“A dignidade do comportamento tem uma significação institucional; exterioriza uma
atitude moral, uma forma psicológica, que se impõem como obrigações; o futuro
cidadão deve ser exercitado em dominar suas paixões, suas emoções e seus instintos”.
(VERNANT, 2003, p.96).
A concepção da interioridade do princípio moral sob a forma da consciência
foi abundantemente comentada na tradição cristã. Ela foi preparada pelo
pensamento grego, e particularmente pela predicação estóica, na qual a
primazia da consciência revela a orientação primordial do homem para o
bem. (CANTO-SPERBER, 2005, p.47).
(vida boa) para alguns estará no estado de aponía (ausência de dor), para outros, na
ataraxia (imperturbabilidade, tranquilidade), ou ainda na apathéia (ausência de
perturbação) das paixões.
A moralidade torna-se, assim, no télos (alvo) da felicidade e do sentido da vida.
E isto, necessariamente, significa renúncia aos prazeres inferiores dos apetites carnais e
busca pelos superiores prazeres racionais. Aristóteles e Epicuro defendem o uso
moderado dos prazeres naturais e necessários à vida humana, exceto os sexuais!
Uma terceira ideia, também, é a da “virtude tornada em prazer”; ou seja: a vida
feliz é a vida de prazer, porém a eudaimonia não significa hedonismo carnal. Quando
Platão contradiz o prazer da vida feliz como “a vida fácil, a intemperança, a
licenciosidade” (Górgias, 492c), na verdade está atacando os prazeres que são
“insaciáveis e sem freios, como água num vaso furado” (494 b-c). E no Filebo, Sócrates
propõe a substituição da felicidade da satisfação do “gozo, prazer, contentamento de
todos os afetos”, pelos “prazeres da virtude” (19 c).2
Tal proposta suscita a questão da subjetivação da idéia do gozo do prazer. Para
Platão o impulso do prazer é da ordem do ilimitado (ápeiron); logo, o gozo antecipa o
desejo de repetição de um novo gozo e, assim, a dor da incompletude, “perturbação da
ordem e espiritualidade da alma” (Filebo, 54c-55a).
Chegamos, assim, à evolução da construção da ideia do “bem moral” como
sendo o “bem máximo” (sumum bonun) que o indivíduo deve desenvolver em si como
“espiritualidade”. Esta associação do “bem e mal” à relação entre “alma e corpo”; ou
seja: a alma é que governa o corpo, em resistência e abstinência aos prazeres será
doravante o padrão da educação do homem grego como também paradigma da religião
subjetiva, pragmática e comunitária que o cristianismo desenvolverá posteriormente.
O “bem moral” é concebido como tendência natural da alma do homem, pois sua
natureza transcendente deseja o bem. Platão tem uma visão positiva da natureza da
alma; ela é divina, imortal e superior ao corpo (Fédon, 79a-80b). “Toda a psyché é
imortal” (Fedro, 245c). O corpo é prisão, túmulo e corrupção da alma (Crátilo, 400c). É
o “mal peculiar” a cada coisa o que destrói (Rep, 61ac-611a). O mal que está no corpo
manifesta a tendência aos “vícios”, por “alguma disposição maligna do corpo ou de uma
educação mal regulada” (Timeu, 86 d-e). A vida está na alma e esta vivifica o corpo.
Então, é esta qualificação do “prazer corporal como mal”, o mal que tem
origem na deficiência que a alma sofre ao entrar no corpo mortal e que se manifesta
2
As referências aqui seguem o modelo universal de uso da filosofia na leitura direta dos clássicos.
5
como perturbação pela busca incessante do desejo por saciedade, que se torna o
paradigma ético de negatividade ao prazer que o cristianismo herdará.
Devemos pensar que este pano-de-fundo cultural grego que floresce no mundo
antigo desde a era áurea da Grécia clássica do Séc. VI aC até os dias de Paulo influencia
todo o desenvolvimento cultural dos povos ao redor, especialmente depois da expansão
helênica após as conquistas de Alexandre Magno (323 aC). Portanto, este “ideal” de
vida ética da filosofia grega encontra correspondência na moralidade bíblica.
Como podemos mostrar em nosso outro estudo sobre a sexualidade no âmbito do
Novo Testamento, Paulo, o grande doutrinador da fé cristã, tanto dá continuidade ao
rigor da moralidade bíblica desde os profetas como também segue coerentemente este
padrão ético da filosofia grega, quando em diversas Cartas propõe a virtude moral como
“frutos do espírito” contra as “obras da carne” (Gálatas 5; Efésios 4).
Wayne A. Meeks, em As origens da moralidade cristã (1997), mostra como a
doutrina cristã pré-patrística nos dois primeiros séculos se formou a partir de um
crescente rigorismo ascético que exaltava a “vida no espírito” e exigia a abstinência de
todos os prazeres, como o exemplo dos escritos do Pastor de Hermas. Também o
historiador Peter Brown, em sua obra Corpo e Sociedade: o homem, a mulher e a
renúncia sexual no inicio do cristianismo (1990), diz que a partir de 150 AD a
abstinência sexual e a renúncia não só ao prazer mas ao próprio corpo tornou-se a
obsessiva pregação moral por todo a primitiva Patrística cristã até Agostinho (354-430).
E Joyce E. Salisbury, em Pais da Igreja, Virgens Independentes (1995, p.67) diz que
Agostinho causou uma “revolução sexual” ao propor uma “doutrina geral à
sexualidade” cristã. Todavia, “Mas a revolucionária transformação das concepções
patrísticas em torno da sexualidade processada por Agostinho não redimiu o intercurso
sexual da condenação nem libertou as mulheres do fardo da vergonha sexual”.
É conhecida a influência do platonismo nos primórdios do pensamento de
Agostinho, o primeiro grande pensador cristão: “Porém, o amor da sabedoria, pelo qual
aqueles estudos literários me apaixonavam, tem o nome grego de Filosofia”.
(Confissões, III,4,8). Em seguida, diz que conheceu também textos platônicos e
aristotélicos (De Beata Vita, 1,4; Confissões. IV,16,28). Mas, sobretudo, são textos
também com certa influência da filosofia neoplatônica de Plotino e Porfírio com que
certamente mais Agostinho se depara (Confissões. VII,9,13).
2. A ÉTICA DO PRAZER NA MORALIDADE DO ETHOS BÍBLICO
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3
A expressão vem do grego hierogamós, no sentido de “casamento sagrado”, a mitologia baseada no
casamento (gamos) entre os heróis deuses e deusas (hieros), crença presente em todas as antigas religiões.
4
COLE, William G. Sexo e Amor na Bíblia. Trad. Aydano Arruda. SP, Ibrasa, 1967.
5
Os ritos de fertilidade, tão condenados pelos autores bíblicos, são a celebração dos bens da vida através
de cultos e festividades religiosas sob a representação da sexualidade vivida por um casal de deuses. Este
é o sentido da “hierogamia”, um panteão organizado como família por casais de deuses e deusas e filhos.
7
O baalismo celebrava a renovação dos ciclos vitais das estações do ano no culto
do casamento hierogâmico entre El e Ashera, e Baal e Astarte, de cuja relação sexual
surgia toda a criação do cosmos, terra, vegetação, animais e o modelo do casal humano.
Era através do prazer que as religiões orientais faziam sua transcendência,
partindo dos ciclos da natureza física pela fertilidade (benção terrena), para a imortalidade
(benção eterna).
Estes cultos orientais de fertilidade, na visão de Benetti (1998, p.61-67), incluíam
danças, ritmos musicais frenéticos, bebidas, às vezes alucinógenos, e terminavam
geralmente em cópulas entre sacerdotes, sacerdotisas e ofertantes. Como imitação da
cópula dos deuses, homens e mulheres passavam à cópula ritual, comungando a vida com
os deuses. Algumas destas festas incluíam também holocaustos humanos de virgens ou
crianças e automutilações, onde sacerdotes em transe se autocastravam oferecendo seus
genitais ao deus ou deusa local.
Esta informação é corroborada por Cole (1967, p.112), de que estes rituais
comemoravam a vida, pois a vida era a essência dos deuses, que se expressava através do
prazer sexual como "sacramento" e desejo de imortalidade, diferentemente dos bacanais
romanos que não tinham caráter sagrado. Fontes, bosques, árvores frondosas ou montes
podia tornava-se um lugar de culto. Havia santuários espalhados por toda a Palestina,
totens fálicos eram comuns em todo lugar, que a Bíblia chama de postes-ídolos (Dt 7,5-6).
Os templos mais organizados, como os da Fenícia, Líbano e Babilônia, mantinham
inúmeros sacerdotes, sacerdotisas e eunucos. O calendário litúrgico anual previa a
obrigatoriedade de cada mulher participar dos ritos de fertilidade no templo de seu
deus/deusa, quando deveria copular com qualquer homem por três dias, para fertilizar a
vida do casal. Qualquer forasteiro podia pagar relações sexuais com sacerdotisas sagradas.
Este fato é retratado por Heródoto, o historiador grego, em seus Anais da História,
onde relata com riqueza de detalhes o ritual anual de comemoração do ano novo num
templo da Babilônia, durante sua viagem ao mundo oriental, como também era feito
anualmente na Palestina, onde as mulheres, durante os três dias da celebração, desde as
aristocratas até as mais pobres, pagavam voto à Deusa-Mãe, através da cópula com
qualquer homem que as escolhesse, pelo menos uma vez na vida.7
7
William COLE, em sua obra Sexo e Amor na Bíblia, Op. Cit., p.109-110, transcreve grande parte do
fragmento deste relato, como um relevante documento histórico a respeito da idéia apresentada.
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O etnocentrismo é um conceito da antropologia para designar a visão que avalia a cultura de outro povo
centrado na visão de sua própria cultura, sem fazer suficiente e isenta critica cultural e histórica.
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patriarca Abraão (Gn 12, 1-3; c.1870 aC). Estudiosos dos costumes sumérios 9 têm
descoberto correlação entre os hábitos dos patriarcas bíblicos com padrões de
comportamento dos habitantes de cidades como Nuzi e Ur, no sul da Mesopotâmia.
Não há um estereótipo único do modo de vida da sociedade judaica, e que
havia grande pluralidade cultural, pois o povo israelita foi uma sociedade aberta a
influências externas e sensivelmente afetada pela cultura de outras nações, suas formas
de governo e religião. Teólogos historiadores como Sellin & Fohrer (1997) confirmam as
influências que o ethos judaico sofreu da cultura fenício-cananeia interna, para a formação
e consolidação de sua moralidade sexual.
No curso do seu processo de sedentarização, os israelitas não somente levaram
para a Palestina os elementos de sua própria cultura, juntamente com as
influências mais ou menos de origem mesopotâmica e egípcia, mas penetraram,
por sua vez, na esfera de influência da alta cultura cananeia... que não se
caracterizava somente pelo culto sexual e mágico da fecundidade, tanto mais
clara vai aparecendo a herança vigorosa de formas e conteúdos materiais e
espirituais que os israelitas assumiram. (SELLIN & FOHRER, 1997, p.18)
Este aspecto está por trás do fato sociológico, observado por teólogos como
Benetti (1998, p.61), de um “choque cultural” sofrido pelos israelitas, principalmente
na entrada e conquista da Palestina, através do confronto com a cultura das tribos
nativas há muito já assentadas na Palestina, com um desenvolvimento social e religioso
muito mais sólido, donde foram possíveis outras influências como: aprendizado da
manipulação agrícola do solo, vida urbanizada, a alfabetização pela escrita fenícia, a
arte do comércio e a sexualidade da religião do baalismo.
Este aspecto manifesta-se também no cerne da motivação de outro aspecto social
relevante que é a guerra de extermínio, como mostram os livros de Josué e Juízes, na
luta pela terra através da implantação da “guerra santa” (herem)10, pelo menos no
período inicial da implantação social e fixação abrupta do povo israelita entre os nativos
e formação de uma identidade nacional.
No princípio da formação da sociedade hebraica, como no período dos Juízes
(c. 1225-1020 aC), o valor da moralidade da vida social está vinculada à harmonia
religiosa. A idéia de “benção” e “maldição”, prescrita por Moisés (Dt 11-28), é o
critério de avaliação social pelo favor de Javé. O pecado é essencialmente o sexual, que
9
Ver evidências históricas ligando a Suméria aos patriarcas bíblicos e outras questões de historicidade
com farta documentação em: MILLARD, Alan. Descobertas dos Tempos Bíblicos, SP, Vida, 1999.
10
A herem já era prática semítica de longo tempo. Ela pressupõe varrer os povos politeístas como
“incircuncisos, infiéis, indignos” (Gn 15,16; Js 6-8). Era ensinada na Lei de Moisés (Nm 21), como
castigo pela “religião abominável”. O livro de Josué traz um relato idealizado desta “varredura”, mas o
Juízes trás um relato mais realista deste “choque cultural”, com alianças e sincretismo cultural e religioso.
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império assírio, consequente derrota total para Sargão II e exílio na Assíria, em 722 aC.
Israel do Norte desapareceu, suas terras e a capital Samaria foram repovoadas por um
povo misto trazido por Sargão II, os “samaritanos”; o orgulho e opulência social que
levaram à decadência, foi atribuído pelos profetas à religião e sexualidade promíscua.
Já a sociedade judaica sulista era vista pelos nortistas como legalista e elitista,
quanto à vida moral e religiosa, por se manterem mais fiéis aos preceitos da Lei e ao
culto de Moisés, em torno do grande Templo de Salomão, em Jerusalém. Mas também
não ficou isenta do baalismo, nas raízes da sua identidade teocrática.
Os sulistas judeus também viveram intensa instabilidade política e religiosa,
com muita pobreza e injustiça social. Por volta do século 6º aC, o povo gozou de breve
otimismo sob o impacto de uma reforma social, política e religiosa promovida pelo rei
Josias (640-609 aC). Mas, em seguida a decadência se acentuou e o reino culminou na
derrota a Nabucodonosor e exílio sob o império Babilônico, em 586 aC.
Neste longo período histórico, do nono ao quinto século aC, a vida social e
cultural do povo hebreu é vista através da mensagem dos profetas, combatendo os
desmandos políticos, as injustiças sociais e a libertinagem sexual, e cobrando ética,
virtude e moralidade do povo.
Após o exílio babilônico, abre-se um longo e fértil período cultural de
quatrocentos anos da história judaica pré-cristã. Neste pós-exílio reflorescem os
movimentos e literaturas humanístico-sapiencial, sacerdotal-rabínica e escatológica,
além da renovada luta política dos Macabeus contra a dominação selêucida Síria.
A teologia do judaísmo é propriamente formada neste período, sob forte
impacto da religião “monoteísta” persa do Zaratustrianismo. Neste período, a Bíblia
registra ainda a luta do príncipe Zorobabel (538 aC) e dos sacerdotes Esdras e Neemias
(c.445 aC), para reinstalar o centro religioso e político em Jerusalém e retomar a vida
urbana e rural. Ainda os profetas Ageu, Zacarias e Malaquias pregam restauração com
ênfase na vinculação da moralidade à fé religiosa.
Entretanto, como mostra Rowley (1977, 133), a experiência de exílio trouxe
progresso à religião judaica: individualidade e interioridade. A perda da capital e do
lugar central de culto (Monte Sião) levou-os a uma subjetivação da religião, buscando o
tipo de vida moral proclamada pelos profetas ainda no exílio da Babilônia, onde surge a
sinagoga, que se tornará mais tarde centro religioso e educativo. Lendo-se os autores
sapienciais, vê-se mais ênfase à vida prática do cotidiano, do trabalho, riqueza, pobreza,
saúde e das diversões, incluindo a vida sexual. Estimula-se a busca das virtudes. A
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mulher ganha destaque, como “mulher virtuosa” (Pv 31) e no modelo do “casal de
amantes do Cântico dos Cânticos”, cuja relação de amor permeia todo texto.
O embate cultural, de fundo religioso, por este período de mais de mil anos,
parece ter gerado uma atração de opostos, pois o monoteísmo preconizava uma
concepção bastante diferente das outras culturas sobre um Deus único, imaginado sem
sexo, não representável por nenhuma forma e que responde sozinho a todos os aspectos da
vida cotidiana, como declarado no Decálogo (Êx 20,1-6). Tal imagem de um Deus
transcendente, todo-poderoso, mas também imanente na visão de Moisés (Êx 6,3), exige
resposta de vida moral contida à base do sentimento de “temor ao Senhor” (Dt, 11).
Assim, o prazer, no monoteísmo do ethos judaico, não pode ser visto somente
através de uma visão negativa de sua luta contra o politeísmo, pois a sexualidade não é
considerada má em si, nem é condenada na moralidade do Antigo Testamento. O prazer
sexual não é condenado nas relações amorosas, é até incentivado pelo uso de haréns e
concubinatos, e exclusivamente na erótica do Cântico dos Cânticos de Salomão!
O prazer só é veementemente condenado como pecado grave, quando associado
à fé politeísta, aí são idolatria e luxúria, “adultério espiritual”, pois a religião judaica é
uma religião ética na sua essência. E é só por causa da satisfação sexual buscada no
baalismo, que a literatura profética e a sapiencial restringirão cada vez mais a liberdade
da satisfação sexual à alcova do casamento monogâmico.
Todavia, parece que a própria fé carece lançar mão da simbologia sexual para
alcançar sua racionalidade, como é o caso da circuncisão, uma marca na corporeidade, no
órgão sexual masculino, representando de forma definitiva a aliança do homem com Deus.
Este prazer também se mostra na forma de prazer intelectual pela busca da
sabedoria. A beleza da poesia aparece já nas formas mais antigas de cânticos, como o
Cântico de Miriam (Êx 15), o Cântico de Débora (Jz 5), o Cântico de Moisés (Dt 32-
33), em todos os Salmos e na maioria dos textos dos profetas. No movimento sapiencial
judaico a figura do hakam (sábio) é o que organiza o saber popular, juntando suas
parábolas, contos e enigmas, em livros como Jó, Provérbios, Eclesiástico e Sabedoria.
A sabedoria destes “pensadores hebreus” não era sistemática como a filosofia
grega, era antes reflexão prática das experiências da vida cotidiana, e era usada como
didática para a vida virtuosa. Esta literatura fala do gozo da vida, com liberdade e
responsabilidade, da consciência do sentido e valor das pequenas coisas que fazem do
cotidiano um modo de vida agradável, no limite do possível! O grande exemplo deste
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tipo oriental de pensamento é o livro bíblico de Eclesiastes, cujo teor de reflexão sobre a
natureza da vida se assemelha à filosofia grega.
Nele, o tema em torno do qual giram os conselhos do Qohelet (mestre orador),
são: “Come, bebe e goza!” (Ecl 2,24-26; 3,12 e 22; 5,17-19). A felicidade é estimulada
a ser vivida aqui e agora: “Eis a felicidade do homem...” (Ecl 2,24), comer e beber com
os amigos, gozar do lucro do trabalho, o bom sono e a tranquilidade vividos com bom-
senso. Convites à alegria se repetem como estribilho: “em tempo de felicidade, sê feliz;
mas, no dia da angústia, reflete...” (Ecl 7,24). “Alegra-te, jovem, em tua juventude...
segue o desejo de teu coração” (Ecl 8,15; 11,8-11).
Estímulos à vida virtuosa se vê desde o Salmo 1: “Feliz o homem que não vai ao
conselho dos ímpios, não pára no caminho dos pecadores, nem se assenta na roda dos
zombadores” (Sl 1,1). É o cerne dos Provérbios: “Adquire a sabedoria... com tudo que
tens adquire o entendimento!” (Pv 4,5-7). É ofício pedagógico público do sábio em
Eclesiastes: “O orador, além de sábio, ainda ensinou ao povo o conhecimento; atentando
e esquadrinhando, compôs muitos provérbios” (Ecl 12,9).
O prazer sexual também está incrustado nesta literatura sapiencial, no meio de
Salmos, poemas de amor, provérbios, reflexões e cânticos. O Salmo 45 é um exemplo de
poesia de amor (sîr yedîdôt), especialmente dedicado ao amor romântico do rei no harém,
e transportado para a liturgia religiosa: “Vestida de brocados, a filha do rei é levada para
dentro, até o rei, com séquito de virgens, introduzem-na em sua presença..” (Sl 45,13-14).
Em Provérbios vemos máximas de instrução (mashal) a um adolescente, num
estilo familiar do discurso de um pai ao filho, estimulando à sexualidade e gozo pleno, e à
fidelidade monogâmica: “Bebe somente a água da tua própria cisterna, e das correntes do
teu poço... seja bendito o teu próprio manancial, e alegra-te com a mulher da tua juventude,
corça de amores, gazela graciosa! Saciem-te seus seios em todo o tempo, embriaga-te
sempre com suas carícias!” (Pv 5,15-20).
Eclesiastes fala da sexualidade no sentido de gozo e companheirismo: “Melhor é
serem dois do que um, pois se dormirem juntos se aquentarão” (Ecl 4,9); “Goza a vida
com a mulher que amas todos os dias da tua vida fugaz na terra, pois esta é a tua porção
nesta vida, por todo o teu trabalho!” (Ecl 9,10).
Mas o livro por excelência da sexualidade no ethos judaico é o Cântico dos
Cânticos, onde o amor se expressa na alegria dos apaixonados, em diálogos e
solilóquios poéticos, como desejo de encontrar-se (Ct 4,9), de ouvir a voz um do outro
(2,8), tocar-se (26), beijar-se (1,2), cheirar-se (7,8), conduzindo à cópula. O genital
15
11
TANNAHILL, Reay. O Sexo na História. RJ, Francisco Alves Editora, 1983, p.90-113, é um clássico
da história da sexualidade; faz boa apresentação histórica sobre os costumes sexuais greco-romanos.
17
12
MOSSÉ, Claude, Safo de Lesbos, In: Revista L’Historie/Seuil, RS, L&PM, 1992, p.39-45, fala da
origem da homossexualidade feminina ser modernamente designada como “safismo” ou “lesbianismo”.
18
ativo é ser másculo, e ser passivo é ser servil. Daí ser comum, nobres, tribunos e
aristocratas escolherem e comprarem escravos, meninos e meninas, para serem
penetrados como sexo passivo.
Conclusão: negação de virtude á corporeidade e ao prazer
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