Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
O Berço do Cristianismo
A Palestina, lugar onde o cristianismo se iniciou, foi muito disputada durante a história, sendo
dominada pelos assírios, depois a Babilônia (onde ocorreu o primeiro exílio dos judeus), depois
a Pérsia (segundo exílio), depois os macedônios com Alexandre Magno (356 AC – 323 AC).
Com a morte de Alexandre em 323 AC, os generais que formaram duas das dinastias
decendentes do império de Alexandre, os ptolomeus e os selêucidas, combateram pela Palestina,
sendo que os selêucidas ganharam esse embate.
Porém, quando um rei selêucida, Antíoco Epifánio (215 AC – 165 AC), tentou forçar o povo a
adorar o deus Baal-Shamin, o povo judeu se rebelou, liderados pelos macabeus.
1
Figura 3 – Imperador Pompeu
O povo judeu sempre foi muito difícil de governar, pois tinham uma política muito forte contra a
idolatria a outro deus senão o Deus Yaweh.
O Antigo Testamento é a compilação feita por líderes religiosos para juntar toda a tradição
judaica, ou seja, o que todos já confirmavam como “autoridade canônica” (não nesses termos,
mas com significado semelhante).
A Torah (Lei) tornou-se mais simbólica patrioticamente durante o tempo, principalmente com o
fim dos profetas e com a destruição do templo em 70 DC.
Devido às dificuldades de aplicar a Lei em todas as situações, foi necessário o nascimento de
outra classe no meio judeu, os escribas ou mestres da Lei.
Os escribas eram responsáveis tanto pela preservação da Lei quanto pela sua interpretação.
Os fariseus, mesmo que muito criticados no Novo Testamento, não eram uma classe, em
essência, ruim. Eram uma classe que se preocupava com a religião pessoal. Eles se preocupavam
em interpretar a Lei de um modo que sua prática pudesse ser possível para todos, que ela
pudesse, de fato, ser u guia religioso para o povo.
A literatura que nos restou do farisaísmo não forçava todos a obedecer a Lei, mas buscava a
obediência voluntária.
Os saduceus eram os conservadores da época. Eles não buscavam a tradição e os ensinos, pois
apenas o que estava escrito na Lei os importava. Resumindo, buscavam apenas os ritos, mas não
os ensinos.
Há muitas outras classe religiosas, mas a grande maioria se conhece muito pouco ou quase nada.
Uma classe que é possível se conhecer suficientemente é a classe dos essênios, que são os
responsáveis pelos “Rolos do Mar Morto”.
Os essênios acreditavam que eram o povo da Nova Aliança, e estavam na expectativa da
restauração de Israel ao redor de uma Nova Jerusalém, e essa restauração iria ser contribuída por
três figuras principais: O Mestre da Justiça; O Messias de Israel e; O Messias de Arão. O Mestre
da Justiça já tinha vindo e continuava entre os essênios, até que o Messias de Israel viria e
começaria uma nova guerra, destruindo o mal, e, depois disso, o Messias de Arão reinaria sobre
a Nova Jerusalém.
Eles, por terem sido muito preocupados com a pureza cerimonial, eram instruídos a se afastar de
grandes pólos, pois neles havia grande quantidade de pessoas e objetos imundos.
Uma característica predominante entre os essênios é o apocalipsismo.
Apocalipsismo tinha como principal fundamento o fato de haver um dualismo cósmico (bem e
mal), e no presente começa-se a luta final entre o bem e o mal, sendo que no mundo atual, o
2
governo é do mal, mas no fim, depois de uma imensa luta marcada por eventos cataclísmicos,
Deus vencerá o mal, estabelecendo uma nova era e governando sobre os eleitos.
O Apocalipsismo foi, provavelmente, originada do Zoroastrianismo (uma religião da Antiga
Pérsia, com mais de 3000 anos), e foi introduzido durante e depois do exílio persa.
Mesmo tendo esses variados grupos religiosos no povo israelita, duas principais doutrinas os
uniam: o monoteísmo ético (Um só Deus cobrando justiça) e a esperança messiânica e
escatológica.
Essa esperança messiânica dividia-se entre os que achavam que o Messias reinaria sobre Israel e
restauraria o reino de Davi, e os que achavam que o Messias estabeleceria uma nova era, não
apenas para os judeus. Mesmo com essas divergências, todos esperança a ressurreição do mortos
e o Julgamento Final.
O judaísmo não estava apenas na Palestina, mas havia comunidades em muitos lugares como:
Mesopotâmia, Egito, Síria, Ásia Menor e Roma. Esse fato foi importante para a Segunda
Diáspora.
A Segunda Diáspora foi uma um evento em que, após a destruição de Jerusalém em 70 DC,
muitos judeus saíram da Palestina.
Nos centros da Diáspora, como no Egito, havia leis civis do governo, porém, eles tinham
autonomia em muitos aspectos (governo próprio, estabelecimento de sinagogas, estudo da Lei).
Algumas coisas foram prejudiciais por causa da Diáspora, como por exemplo, o declínio do uso
da língua hebraica pelos judeus da diáspora, sendo que foi sendo cada vez mais difícil o
entendimento das Escrituras.
O entendimento das Escrituras voltou a ser melhor, não por causa dos judeus na Palestina, mas
dos da Diáspora, pois estavam traduzindo as Escrituras para a sua língua, como por exemplo, a
Septuaginta, primeira tradução do Antigo Testamento para o grego, em Alexandria do Egito.
Sobre a Septuaginta, há uma lenda (exposta na obra “A Carta de Aristeas” do século 2° AC) que
diz que ela foi produzida no Egito, durante a época de Ptolomeu II Filadelfo (285 – 247 AC),
que trouxe 72 anciãos da Palestina (seis de cada tribo). Mais tarde, a lenda foi aprimorada, para
dar mais autoridade à Septuaginta, dizendo que todos os anciãos traduziram independentemente,
e quando compararam as traduções, todas estavam iguais.
A Septuaginta, ou LXX, foi de importância ímpar, pois foi a Bíblia que a maioria dos autores do
Novo Testamento leram, e a linguagem grega dela foi a linguagem usada nos escritos
neotestamentários.
O espírito helenístico (a cultura judaica não se limitar apenas aos judeus, mas ser universal)
tomou conta dos judeus da diáspora, sendo que surgiram escritos que falavam que Moisés
inventou o alfabeto e os fenícios roubaram dele; que os filósofos gregos tiraram tudo da Bíblia;
que Moisés institui os cultos egípcios de Apis e Isis; que Abraão ensinou astrologia para o Faraó.
De acordo com Filo de Alexandria (25 AC – 50 DC) (contemporâneo de Jesus Cristo), Platão e
o Antigo Testamento ensinavam a mesma coisa, porém, o Antigo Testamento usava de alegorias.
Nos escritos de Filo, porém, fica nítido que o que ele diz não é uma exegese bíblica, mas sim
uma exposição forçada para tentar entender o texto bíblico com uma mente helenística.
3
Figura 4 - Filo de Alexandria
Para Filo, não há relação entre o Criador e a criatura. O tempo e espaço não são habitados por
Deus, mas habitam em Deus.
Pelo fato de Deus ser inacessível, é necessário que haja um ser intermediário para um
relacionamento. O Logos é o principal destes intermediários, criado antes da criação, sendo a
imagem do Divino, o instrumento de Deus na criação. Todas as ideias estão no Logos. O Logos é
a razão, que constitui todas as coisas, e suas funções são distinguidas entre Palavra interna
(palavra em pensamento) e palavra expressa (palavra falada).
Esse Logos de Filo não é o Logos do Evangelho de João, sendo separado e inferior a Deus.
A visão de Deus, para Filo, é a criatura humana, pois não podemos entender a Deus, visto que,
entendendo o entendimento como uma possão, o homem não pode possuir o infinito. Mesmo
assim, tem-se a possibilidade de transcendermos a nós mesmos, e nesse caso, entramos em
êxtase.
Esse êxtase é um processo pela qual a alma é purificada. Essa purificação consiste em libertar-se
das paixões sensuais do corpo que escravizam a alma. A ausência de paixão ou apatia é o
objetivo de cada ser humano.
Essa visão de Filo teve muita influência do estoicismo. “O estoicismo ensina o desenvolvimento
do autocontrole e da firmeza como um meio de superar emoções destrutivas. Defende que
tornar-se um pensador claro e imparcial perite compreender a razão universal (Logos). Um
aspecto fundamental de estoicismo envolve a melhoria da ética do indivíduo e de seu bem-estar
moral.
Vemos, porém, que essa visão de Filo não tem a ver com a visão bíblica.
Outra ideologia que existia muite fortemente entre os judeus é o gnosticismo.
Gnosticismo: o mundo é uma falha, porém, benévolo na medida do limite da criação. Há um
Deus criador, o demiurgo, e Jesus, para os gnósticos, é a encarnação do Ser Supremo pra
introduzir a gnosis, o conhecimento, ao mundo. O conhecimento não é a busca da salvação, mas
a salvação em si. Há um desejo especial para o conhecimento especial do Universo. Algumas
linhas de gnosticismo vêem Maniqueu e Sete como figuras da salvação.
Esse “Judaísmo especulativo e místico mostra, mais uma vez, que essa religião não era uma
relíquia petrificada de uma época antiga, mas um movimento vigoroso com várias ramificações
muito interessantes”.
O mundo greco-romano:
As conquistas de Alexandre Magno formaram uma espécie de cultura “ecumênica”,
dominante, que pegou um pouco de todas as culturas as quais foram dominadas pelo
império macedônio.
4
O pensamento grego foi, desde Homero, aristocrático (ligado às classes) e racista (os
gregos eram superiores aos bárbaros). Isso mudou com Alexandre e a cultura
helenística.
A superioridade grega deixou de ser racial para apenas cultural, e a filosofia deixou de
se preocupar com a participação na vida da cidade, mas com a participação deste num
ambiente cosmopolita, universal.
A cultura grega em si foi obscurecida, e culturas antigas, como as do Egito, Síria,
Mesopotâmia e Pérsia foram destacadas por Alexandre.
A cultura grega foi reavivada no século 1°.
Quando o cristianismo primitivo é estudado, deve ser levada conta tanto a cultura
helenística quanto as religiões orientais que tentavam invadir o Ocidente. E além dos
aspectos religioso e cultural, tem os fatores políticos e administrativos (Império
Romano).
A filosofia grega mudou essencialmente depois de Alexandre. Inclusive Aristóteles, que
foi o mestre do próprio Alexandre, entrou em desuso.
O espírito platônico foi uma das influências que permaneceram firmes e destacadas.
Platão e Sócrates (Mesmo de Platão) foram os principais influenciadores da moldagem
da filosofia no período helenístico.
A filosofia de Platão e Aristóteles se assemelhavam no modo de tratar cidades-estado,
no fato do bem-comum ser o objetivo de todos os cidadãos e a inferioridade dos
bárbaros, porém, esses fundamentos não tinham validade num império cosmopolita
como o de Alexandre Magno.
Alguns filósofos gregos tiveram importância ímpar na formação do pensamento cristão.
Figura 5 - Platão
5
Conhecimento como reminiscência: O conhecimento tinha como base a
desconfiança dos sentidos como meios de se alcançar sabedoria. Isso acontece
porque os sentidos só podem transmitir conhecimento do mundo sensível. O
conhecimento do mundo das formas só vêm por meio da recordação ou
reminiscência. Isso não era plausível, de acordo com princípios bíblicos.
Inclusive Agostinho de Hipona caiu nesse engano de um modo sutil em sua
epistemologia (filosofia do conhecimento), sem, porém, condenar sua estrutura
doutrinária.
Forma do Bem: A origem do mundo foi trabalho de um artesão divino
(demiurgo), tornando a matéria disforme e lhe dando forma, imitando a beleza
da forma do Bem. Essa ideia do demiurgo acabou criando uma certa
dicotomia, divisão entre o Ser Supremo e o Criador.
6
Além de entender o contexto filosófico do contexto do nascimento do cristianismo,
também é importante entendermos o contexto religioso.
A religião dos deuses do Olimpo não era a única. Ao lado dela, temos as chamadas
religiões de mistério, como os mistérios eleusínios (se refere à cidade de Elêusis, onde
eram realizados os rituais às deusas Deméter e Perséfone).
As religiões nacionais, junto com a identidade nacional, foram perdendo sua força.
As religiões de mistério, supostamente, foram originadas nos ritos de fertilidade. Elas
tinham ligação com os deuses agrícolas da fertilidade.
O culto a Dionísio, que tinha ligação com Baco, era frequente também.
Para se iniciar nessas tais religiões, eles tinham que passar por um processo de
iniciação, onde eles se uniam com a divindade.
Essas religiões se disseminaram bastante, sendo que o culto a Ísis (deusa protetora da
natureza e da magia) e Osiris (deus relacionado à vegetação e à vida no além) tem
registros na Espanha, e aos deuses Atis (deusa frígia, moderna turquia, da vegetação) e
Cibele (deusa frígia que simbolizava a fertilidade da natureza) tem registros em Roma.
Os cultos eram populares por terem a refeição onde era comido o deus e, assim,
tornando-se participante do deus em questão. O culto também envolvia caçadas e
reuniões orgiásticas, comendo e dilacerando a carne do animal ainda vivo, sendo que a
vida do animal se tornava a do participante. Os cultos a Baco eram marcados por
ingestão de vinho para participar da imortalidade dele.
Mesmo parecendo ser absurdos para nós, essas religiões de mistério foram muito
populares na época, sendo que o culto a Mitra foi um grande rival da expansão
missionária do Cristianismo.
Nas primeiras décadas do século 20 surgiu uma crítica contra o cristianismo que dizia
que o cristianismo era uma das religiões de mistério, sofrendo influência fortíssimo das
outras religiões de mistério.
Porém, os estudiosos entraram num consenso de que não havia uma teologia bem
formada nas religiões de mistério, e o cristianismo influenciou, não foi influenciado.
Há, porém, algumas coisas que foram adotadas, como por exemplo, a data de 25 de
dezembro era uma festa pagã relacionada ao culto a Mitra, e começou a ser observada
pelo cristianismo a partir dos séculos 3° e 4°.
A religião helenística também sofreu essencial influência no culto ao Imperador e na
tendência sincretista (ser influenciado por outras religiões) da época.
A adoração aos Imperadores em Roma foi influenciada pela adoração ao Faraó no
Egito, aos heróis na Grécia e aos soberanos na Pérsia.
O sincretismo religioso foi demonstrado pela equivalência entre deuses, como por
exemplo, Isís com Afrodite, Zeus e Demeter com Serapis.
Mesmo com a perseguição do Estado, Roma, com sua estrutura e facilidade de seus
meios de comunicação, facilitou a expansão do Cristianismo.
O código legal Romano serviu como modelo às leis canônicas e foi um tipo de molde,
dando forma ao vocabulário teológico latino..
A organização administrativa de Roma ajudou na organização da Igreja.
A grande contribuição do Império Romano foi o interesse no prático, no moral e no
humano, dando ao cristianismo um caráter prático e ético, além de fundamentar obras
de profunda percepção psicológica, como Confissões, de Agostinho de Hipona.
7
A Teologia dos Pais Apostólicos
Os escritos cristãos mais antigos além dos que fazem parte do cânon do Novo Testamento são os
escritos dos chamados pais apostólicos.
Esse nome foi dado pois acredita-se que eles conheceram os apóstolos.
Os escritos dos pais apostólicos são: Clemente de Roma; Didaquê; Inácio de Antioquia;
Policarpo de Esmirna; Papias de Hierápolis; epístola de Barnabé; Pastor de Hermas; e a epístola
a Diogneto.
Além da epístola a Diogneto, todos os escritos foram destinados a outros cristãos.
O estudo e leitura dos pais apostólicos transmitem o contexto no começo da Igreja Cristã, como
as divisões produzidas, perseguição, conflitos, etc.
8
que ele tinha. Esta carta é a Segunda Epístola de Clemente aos Coríntios. Acredita-se
que ela foi produzida em 150 DC.
Esta epístola trata do fato de os cristãos buscarem arrependimento nessa vida, pois será
impossível na vida futura. Esse tema foi tratado também em Pastor, de Hermas.
Ela contrasta com a filosofia platônica e com o pensamento de muitos cristãos daquela
época, dizendo que a carne de um cristão não é ruim, mas é templo de Deus.
Nessa obra, porém, a doutrina da Trindade se confunde, devido às comparações de
Cristo com o Espírito. Porém, a doutrina da encarnação está bem nítida.
Didaquê (a data não é certa, mas presume-se que seja em 60 – 90 DC):
O Didaquê ou Doutrina dos doze apóstolos foi uma obra que estava esquecida até ser
novamente descoberta em Istambul, em 1875.
O documento é dividido em três partes.
A primeira chama-se “Documento dos dois caminhos”, e trata do fato de haver um
caminho de vida e outro de morte. O caminho de vida é seguido pelos que amam a
Deus e ao seu próximo, e o de morte é amaldiçoado.
A segunda parte trata de assuntos litúrgicos, como por exemplo, a forma de batismo,
que era feito em imersão em água corrente, porém, em caso de falta de água corrente,
podia ser realizado a aspersão, despejando três vezes.
A terceira parte é um manual de disciplina. O interessante é que o que começa a ser
criticado é os que pedem dinheiro, em comparação com o mundo contemporâneo. Estes
eram chamados “mercadores de Cristo”.
O último capítulo trata do fim do mundo e de como devemos estar preparados para ele.
O livro transmite uma mensagem legalista, que influenciou parte do cristianismo da
época. Tem um teor tão fortemente legalista que o livro diz que o que faz orações e
jejum nos dias que não eram determinados por este era hipócrita.
O Didaquê é importante também para o entendimento do contexto litúrgico da época.
Inclusive, é comentada a influência que celebrações judaicas exerceram.
O governo de Igreja também é mostrado, expondo uma espécie de pensamento cru
sobre isso, com o fim de determinados dons carismáticos e a migração da autoridade.
9
Inácio era discípulo de João.
As sete obras de Inácio trazem uma luz extremamente importante sobre uma escura
época do Cristianismo, o começo do Século II.
Ele escreveu todas as sete obras quando foi condenado a morrer entregue aos animais.
Ele demonstrou preocupação com as igrejas de Roma, Antioquia e da Ásia Menor.
Uma das preocupações expostas por ele contra Roma é o fato de alguns membros da
igreja romana quererem livrá-lo do martírio. Essa ideia foi fortemente repreendida por
Inácio, que desejava imitar a paixão de Deus, de acordo com ele.
Em sua prisão em Trôade, Inácio escreveu cartas para a Igreja em Esmirna, para seu
bispo, Policarpo, e para a Igreja em Filadélfia. Todas elas têm caráter otimista e de
congratulações.
O ponto principal das cartas de Inácio era criticar as falsas doutrinas e reafirmar a
autoridade dos bispos.
Duas das principais doutrinas criticadas foram: a negação da vida física de Cristo,
usando como desculpa para não participar da comunhão; tendência judaizante a
transformar Jesus em um mero mestre nos moldes judaicos, não porém do tipo
farisaico, e sim essênio.
Essa doutrina judaizante era de suma importância para Inácio, pois negavam a essência
do cristianismo, o fato de que Cristo é Deus encarnado. Esse foi também o motivo de
Inácio ser tão violentamente contra os docetistas (o corpo de Jesus Cristo era apenas
uma ilusão).
Inácio deixava bem claro tanto a humanidade de Cristo quanto a divindade de Cristo.
Jesus Cristo “está acima de cada momento do tempo – eterno, invisível, por nossa causa
visível, intangível, impassível, por nossa causa passível” (Inácio de Antioquia).
“Deus não pode ser conhecido à parte da revelação em Cristo. Deus é silêncio, e Jesus
Cristo é a palavra que vem do silêncio” (Justo González).
A maior obra de Cristo não foi apenas nos salvar do pecado, mas fazer Deus conhecido,
diferindo em parte do enfoque de Paulo.
A figura do diabo tem parte importante na obra de Inácio, que dizia que a obra de Cristo
consiste em parte em subjugar o diabo e tornar o crente participante dessa vitória.
Por serem a morte e divisão principais instrumentos dos poderes do mal, a imortalidade
e unidade são os principais resultados da obra de Cristo, chegando até nós por meio da
Igreja e sacramentos.
Inácio foi o primeiro a se referir a uma Igreja Católica.
A unidade se deve por meio da presença de Cristo na Igreja.
O governo da Igreja é comparado com Deus Pai (se referindo ao bispo), Deus Filho (se
referindo aos diáconos) e os apóstolos (presbíteros).
Qualquer um que não está sujeito ao bispo não está sujeito a Deus.
A eucaristia (santa ceia) era de suma importância em relação à unidade da Igreja, de
acordo com Inácio.
Ele dizia que o pão era a carne de Cristo, não, porém, que ele se tornava literalmente
carne de Cristo, pois ele falava dessa forma também em relação à fé e ao evangelho,
dando a entender que é um alimento para o cristão.
A unidade representada na eucaristia não era meramente a comunhão da Igreja, mas
sim, a união com Cristo, e mais: na eucaristia “os poderes de Satanás são destruídos e
sua força destrutiva é aniquilada pela concórdia da vossa fé”.
Talvez Inácio tivesse sido influenciado pelas religiões de mistério, pelo modo como ele
via a eucaristia, no fato de se unir a Cristo.
Mesmo tendo uma afirmação concreta de ele ser discípulo de João, há controvérsias.
Uma das principais controvérsias foi o fato de Inácio dizer nas cartas que tinha
conhecido Policarpo (discípulo de João) há pouco tempo.
10
Figura 9 - Policarpo de Esmirna
11
Figura 10 - Papias de Hierápolis
12
Figura 11 - Hermas
13
Testamento dos Doze Patriarcas: Escrito por essênios em Antioquia por volta do fim do século
I°.
Segundo Livro de Enoque: Mesma situação autoral, temporal e de localização do Testamento dos
Doze Patriarcas.
Outro livro interessante para ser estudado é “Oráculos Sibilinos”.
Outros livros, os apócrifos do Novo Testamento, são interessantes, porém, não serão discutidos
(Evangelho de Pedro, Revelação de Pedro, Evangelho segundo os Hebreus, Epístola dos Doze
Apóstolos, etc.).
Podemos perceber que há, nessa época, três regiões que se diferenciavam por suas “escolas
teológicas”: Ásia Menor e Síria (mesmo, depois, passando a divergir também); Roma; e
Alexandria.
Os ensinos da Ásia Menor, marcados fortemente pela literatura joanina (Papias, Policarpo e
Inácio), nos transmitem fortemente a ideia da união com o Salvador, alcançando, assim, a
imortalidade. O mais importante, além da moral, é estar unido com Cristo.
A região da Ásia Menor e Síria têm em seu contexto ideológico e religioso uma forte influência
das religiões de mistério, do gnosticismo e do judaísmo essênio.
Em Roma, o cristianismo assume uma direção mais prática. Os escritos transmitem que a
salvação não era um dom de Deus, mas uma recompensa que Ele dá aos que obedecem os
mandamentos, dando indícios de um embrionário espírito pelagiano.
O contexto ideológico de Roma nessa época é marcado pelo estoicismo e do espírito prático do
povo de Roma.
A escola de Alexandria é marcada fortemente pela influência alegorista que começou a ser
expressa pelas publicações de Filo e pelo neoplatonismo.
Mesmo com essas divergências aparentes, a conclusão indiscutível é que as Igrejas dá época
tinham um certo consenso doutrinário, no tocante, a assuntos essenciais do Cristianismo, a saber,
a doutrina da Trindade e as duas naturezas de Cristo. A ideia do governo de Igreja ainda não
tinha sido muito amadurecido.
A ideia de eucaristia tem um caráter central na adoração cristã.
A doutrina do batismo começa a se distanciar do Cristianismo do Novo Testamento.
Os autores que tiveram, de fato, alguma influência na história do Pensamento Cristão são
Clemente e Inácio, pois alguns escritos nem eram conhecidos na época.
14
Os apologistas gregos
Por volta da metade do século II°, a forma predominante que o Império Romano tratava os
cristãos era a forma que o Imperador Trajano expôs em sua carta à Plínio, o moço, dizendo que
os cristãos não podiam ser perseguidos, porém, deveriam ser punidos se alguém os acusasse.
Essa política fez com que os cristãos se preocupassem com a opinião pública acerca da Igreja.
A preocupação mais nítida dos autores cristãos dessa época era defender a fé contra as falsas
acusações que os levavam à condenação pública.
Outra preocupação era atacar o paganismo.
Algumas acusações eram boatos populares, como a acusação que a Igreja praticava incesto, que
comiam crianças, que adoravam os órgãos sexuais de seus sacerdotes, que o deus deles era um
asno crucificado, etc.
As acusações que eram menos absurdas eram de que a Igreja era das camadas baixas da
sociedade, que tratava de questões insignificantes e era cheia de contradições, o absurdo da
doutrina da ressurreição, e que os cristãos se opunham ao Estado por não aceitar a divindade de
César, sem, assim, cumprir as responsabilidades civis e militares (mesmo os cristãos alegando
que oravam pelo imperador).
15
Os cristãos são o povo que encontrou a verdade. São reconhecidos pelos seus costumes e
amor.
Há um caráter escatológico na obra também, citando que o mundo sofrerá o julgamento que
será sobre toda a humanidade por meio de Jesus.
O mundo só continua existindo por meio das orações dos cristãos.
Aristides afirma que as crianças não têm pecado.
Há rumores de que Aristides é o autor da Epístola a Diogneto.
16
Em relação à cultura clássica, Justino adota a ideia de Logos citada por Filo e pela
filosofia grega, citando que Cristo é o Logos, e o conceito de Logos (muito semelhante
com a ideia helenística) não é apenas o princípio racional do Universo, mas é o próprio
Cristo.
Os homens que viveram marcados pela razão, como filósofos, eram considerados
cristãos por Justino, porém, os que viveram antes de Cristo tiveram uma contemplação
parcial da Palavra, do Logos.
Uma diferenciação usada por Justino é: logos seminal (razão universal desenvolvida
sobre as bases fundadas pelas sementes do logos); e sementes do logos (são dados
universalmente conhecidos acerca da moralidade e religião, com outras palavras, é uma
espécie de “lei natural”) (termos usados na filofia estóica).
Por causa do fato de os cristãos conhecerem a Verdade encarnada, eles podem
diferenciar o que é certo e o que é errado acerca dos homens racionais da Antiguidade.
A relação do Antigo Testamento em relação ao Novo Testamento são expostos de duas
formas: tipos ou figuras (eventos que apontam para eventos neotestamentários); e
declarações (profecias acerca de eventos neotestamentários).
Um exemplo de tipo para Justino é o cordeiro pascal, que tipificava Cristo.
Esse método usado por Justino não deve ser confundido com as alegorias, pois o uso de
tipos é algo com fundamento histórico e também descrito em passagens do Novo
Testamento.
Além da forte influência estóica no conceito de Logos, também existe essencial
influência médio-platônica na ideia da concepção do Logos.
O médio-platonismo é expresso na transcendência de Deus, que, pelo fato de não ter
nome, só pode ser chamado de Pai.
O Logos foi gerado com o propósito de mediar a relação entre Deus e a criação.
As manifestações de Deus no Antigo Testamento são teofanias (revelações de Deus) do
Deus Filho, do Logos, por ser mediador e revelador de Deus.
Há uma confusão por parte de Justino em relação ao relacionamento entre o Deus Pai e
o Logos.
Dá a entender que o Filho é até um “outro Deus”, mutável e imanente (permanente e
impossível de se separar do Deus Pai).
Esse entendimento não nega o monoteísmo cristão, pois Justino vê a relação de Deus e
o Logos como a relação do Sol e a Lua. Esse exposição de Justino tem influência da
angelologia judaica (unidade de Deus) e do médio-platonismo (transcendência de Deus,
sendo que o Logos é um deus subordinado, mediando o mundo com o Deus Supremo).
Essas influências não estavam apenas em Justino, mas em todo pensamento cristão da
época.
Justino também relata os conceitos e práticas da eucaristia e do batimo daquela época.
Na eucaristia, o alimento é a carne e o sangue de Cristo, mesmo que continuem a ser
alimento sólido.
A doutrina da encarnação e da ressurreição dos mortos mostra que Justino não deixou
de lado a distância entre a fé cristã e a filosofia.
Para os pagãos, o conceito de vida após a morte era algo ridículo, e para se defender, os
cristãos usavam o conceito platônico de imortalidade.
Porém, não devemos esquecer que há essenciais diferenças entre o conceito de
imortalidade grego e a doutrina cristã da ressurreição dos mortos (a natureza do homem
é mortal, mas colocamos a esperança da ressurreição dos mortos em Cristo).
A escatologia de Justino inclui também o retorno glorioso de Cristo e o reinado de mil
anos na Nova Jerusalém.
Justino foi decapitado no ano 165 DC.
17
Figura 14 - Tatiano
18
Figura 15 - Atenágoras
19
Figura 16 - Teófilo de Antioquia
20
Figura 17 - Melito de Sardes
21
As primeiras heresias: Desafio e resposta
Observa-se que o problema com heresias e más interpretações foi um problema desde o começo
da história da Igreja.
Muitos convertidos dessa época eram provenientes de outras religiões e culturas, influenciando
assim algumas interpretações.
Cristianismo judaizante:
É o primeiro problema enfrentado pelo cristianismo primitivo.
Podemos ver em praticamente todo o Novo Testamento esse problema.
A primeira questão levantada é se o cristão deve seguir a Lei do Antigo Testamento ou
não.
Nem todos os judaizantes obrigavam outros a ser igual eles.
Uma posição mais extremada é a posição dos ebionitas, que dizia que Paulo era um
apóstata. As informações sobre eles é retirada tanto dos escritos anti-heréticos quanto
de uma tradução do Antigo Testamento feita pelo ebionita Símaco (Há também outras
literaturas, como “pregações de Pedro”).
Os ebionitas parecem ter sido originados do judaísmo essênio (acreditavam na rejeição
de animais e na existência de um princípio do bem e do mal, ambos vindo de Deus).
O mal governa nesse temo, mas o mal governará na era porvir.
O bem é revelado no mundo por meio de seu profeta, vindo em várias encarnações
(Adão, Abel, Isaque, Jesus, etc.).
Sempre quando há a encarnação do bem, também há a encarnação do mal (Caim,
Ismael, João Batista, etc.).
Jesus é um homem que Deus escolheu pra proclamar Sua vontade.
Ele não nasceu de uma virgem, e recebeu o poder pra realizar Sua missão no batismo.
Ele não veio para trazer salvação, mas para levar a humanidade à obediência à Lei.
De acordo com Epifânio, os ebionitas não aceitavam todo o Pentateuco.
O principal representante é Elcasai (era ebionita, porém, com forte influência do
gnosticismo).
Ele se baseava numa revelação que ele havia recebido de um anjo com mais de 150 km
de altura, e perto deste tinha outro, do sexo feminino, que era o Espírito Santo.
Ele muito provavelmente foi, talvez, uma influência essencial de Maomé.
Gnosticismo:
A principal característica das doutrinas gnósticas é o sincretismo (uma religião receber
influência de outra).
A abrangência das influências que o gnosticismo sofreu é enorme (dualismo persa,
mistérios orientais, astrologia babilônica, filosofia helenística, etc).
O gnosticismo é interpretado como uma doutrina de salvação.
A salvação é a libertação do espírito, pois esta está escravizada pela união com coisas
materiais.
A libertação só pode ser adquirida por meio do conhecimento (gnosis).
Esse conhecimento é adquirido por iluminação mística, não por informação.
Como o homem é incapaz de conhecer a verdade eterna por iniciativa própria, um
mensageiro é enviado ao mundo para transmití-la (no caso do gnosticismo cristão,
Cristo é esse mensageiro).
A razão pela qual o homem entrou nessa condição de impossibilidade de compreensão
da verdade eterna tem várias especulações, sendo características principais delas o
dualismo derivado e a numerologia.
Há um princípio eterno, e outros princípios (aeons) são produzidos declinadamente até
que ocorreu um erro e o mundo material foi produzido.
22
A ética gnóstica é baseada em antropologia e cosmologia (estudo da origem, formação e
evolução do Universo).
Baseado no fato de que a matéria é má, e que só há bem no espírito, o corpo deve estar
sujeito à disciplina rigorosa e vida ascética (lado ascético do gnosticismo). Porém, há
aqueles que, pelo fato de o que o corpo fazer não influencia a pureza do espírito, eram
libertinos.
Os princípios cristãos que eram: Doutrina da criação e governo divino sobre o mundo
(mundo não ser obra de Deus); doutrina da salvação (salvação por libertação espiritual);
e Cristologia (era impossível Deus encarnar-se).
O docetismo sofreu influência do gnosticismo no fato de Deus não poder se manifestar
encarnado, mas apenas na aparência de homem.
De acordo com uma tradição antiga (Justino Mártir foi expoente dessa tradição), Simão,
o mago, foi o fundador do gnosticismo.
De acordo com Justino, Simão tinha muitos seguidores, e se considerava o próprio
Deus, e tinha o poder de Deus, e sua companheira Helena era o Espírito Santo.
Há registros de um discípulo de Simão, Menandro, uma pessoa obscura que parece ter
sido um judeu gnóstico. Ele acreditava ser o salvador enviado pelos seres celestiais,
para ensinar procedientos mágicos que subvertiam os anjos criadores do mundo e
mantinham a escravidão da humanidade.
Outro gnóstico importante foi Cerinto (fim do século I°). Ele defendia o dualismo
derivado e diferenciava Jesus de Cristo. Jesus era o homem, e Cristo desceu sobre Jesus
no batismo.
Quando Cristo completou o trabalho de transmitir a mensagem, abandonou Jesus e
deixou ele sofrer a morte.
Satornilo (ou Saturnino) foi discípulo de Menandro. Ele cria que o mundo havia sido
criado por sete anjos, sendo que um deles era o Deus dos judeus. Eles tentaram fazer
algo à imagem do Deus Supremo, porém, erraram e criaram a humanidade. Os meios
para ser salvo incluem a abstenção sexual e observâncias especiais da dieta.
23
recordação estão fadados à reencarnações. Jesus era um homem perfeito, que lembrou
com clareza a preexistência e proclamou-a.
Figura 18 - Basílides
Basílides foi outro gnóstico de Alexandria, lugar onde prosperou entre 120 DC e 140
DC, e dizia ser discípulo de Matias.
O Pai é a origem de todas as realidades celestiais, que são 365 céus.
Os anjos que criaram este mundo estão no último céu. Um destes anjos é o Deus do
Antigo Testamento. Pela distância deles com o Pai (364 céus), eles não tinham
conhecimento da Natureza do Pai, e criaram algo imperfeito.
O Deus do Antigo Testamento escolheu um povo para tentar dominar todo o mundo, e
os outros anjos o impediram.
Mesmo na imperfeição do mundo, há espírito divino aprisionado em corpos humanos.
O Filho Unigênito foi enviado para libertar esse espírito divino.
Esse Filho não se tornou um homem, mas parecia ser um.
De acordo com Basílides, não foi necessário sofrer para libertar os espíritos, então,
quem sofreu e morreu foi Simão de Cirene, não Jesus.
Figura 19 - Valentim
24
Outro pensador gnóstico foi Valentim (100 DC – 160 DC), que viveu um pouco em
Alexandria, mas há registros de que ele morou em Roma na metade do século II°, e foi
expulso da igreja de lá em 155 DC.
Seus escritos são importantes não apenas pelas doutrinas expostas, mas também pela
semelhanças com escritos da igreja ortodoxa que testemunhavam sobre a escola de
Valentim.
A exposição doutrinária a seguir tem base nos escritos dos heresiologistas da igreja
ortodoxa.
O princípio eterno é o Abismo (Bythos), sendo incompreensível e insondável, e nele é
encontrado o Silêncio (Sigê).
O Abismo gerou Mente (Nous) e Verdade (Alêtheia).
Essa é a primeira tétrade (Abismo, Silêncio, Mente e Verdade).
A Mente (masculino) uniu-se à Verdade (feminino) e deu origem à Palavra (Logos) e à
Vida (Zoê). Desses, gerou-se o Humano (Anthrôpos) e a Igreja (Ekklêsia).
Com isso, é completado o “ogdoad” (representação do número oito, que representa o
movimento eterno de círculos numa espiral.
Mesmo assim, os dois casais, por querer honrar o Abismo, geraram mais 22 seres, dez
da Palavra e Vida, e 12 do Humano e Igreja.
Assim, a Plenitude (Pleroma) foi concluída com 30 aeons, separados em 15 casais,
sendo que o último aeon é a Sabedoria (Sophia), e a partir dela que o mundo material se
origina.
A origem do mundo material se deu no fato de Sabedoria ir longe demais ao tentar
conhecer Abismo (coisa que só a Mente faz). Ela produziu um novo ser sem a
participação do companheiro, sendo assim, considerado um aborto.
Isso criou desordem na Plenitude, e por isso, Abismo criou dois novos aeons, Cristo e o
Espírito Santo, com o objetivo de restabelecer a ordem.
Isso ocorre, porém, a paixão da Sabedoria sempre gera o Achamoth, uma espécie de
diabo. Achamoth é expulso da Plenitude e mantido fora pela Cruz (limite).
Os aeons, querendo ajudar o aborto da Sabedoria, geram Jesus.
Jesus liberta Achamoth das suas paixões, e essas viram matéria. Jesus leva a matéria ao
arrependimento, e ela gera a Alma. Por fim, Jesus concede a gnosis do alto para
Achamoth, sendo a origem do espírito. Assim, matéria, alma e espírito habitam neste
mundo, porém, o criador da matéria, Sabedoria, não sabe da existência do espírito.
O criador deste mundo é Demiurgo formado pela Sabedoria.
Cristo esperou que as sementes do espírito se desenvolvessem, e veio resgatá-las,
apresentando-se no homem Jesus (não o aeon), descendo no batismo e o abandonando
antes da paixão.
Cristo tinha como missão trazer a gnosis para que os espíritos retornassem à Plenitude.
Um documento deValentim chamado Evangelium Veritatis também expõe as doutrinas
valentinianas.
Há divergências entre as exposições das doutrinas de Valentim, porém, há teorias para
se entender essas divergências: Evangelho da Verdade foi escrito antes de Valentim ser
expulso da Igreja de Roma; a exposição dos escritos dos heresiologistas ortodoxos não
é confiável; e que todos são dignos de confiança, mas divergem por causa dos
propósitos diferentes.
25
Marcião de Sínope (85 DC – 160 DC):
De acordo com Jerônimo, “o primogênito de Satanás”.
Ele nasceu em Sínope, viajou para a Ásia Menor e mais tarde foi pra Roma, onde foi
expulso da igreja em 144 DC, provavelmente.
Foi fundada, então, a igreja marcionita, e esta começou a ser bem sucedidade naquele
contexto. Essa igreja só foi sumir depois do século 3°.
Mesmo tendo pontos que se relacionam intimamente com o gnosticismo (como por
exemplo a presença do dualismo), a teologia de Marcião não era cem por cento
gnóstica.
A Lei e Justiça reinam no mundo material.
A Graça é o centro do evangelho cristão, porém, o evangelho é a palavra de um deus
“outro”, ou “deus distante”, muito diferente do deus que governa o mundo.
O deus que governa o mundo é o mesmo dos judeus, que ordenava sacrifícios, leva seu
povo a batalhas, ordena massacres, etc.
Acima desse deus há outro deus, “o deus desconhecido” que é amor. Esse deus é um
“deus distante”. Ele é amoroso, pacífico e infinitamente bom.
Mais tarde, porém, por influência do gnóstico Cerdo, Marcião deixou de chamar o
criador de deus mau, e passou a chamá-lo de deus justo.
Essa relação dos deuses não é diferenciada por bem e mal, mas sim, amor e justiça.
Influenciado pelo gnosticismo, Marcião tinha um conceito negativo em relação à
matéria, especialmente quando diz respeito ao sexo.
O Antigo Testamento, mesmo que pouco considerado, foi desvalorizado por ele.
O conceito de deus superior ao criador foi retirado das doutrinas de Cerdo, Cerinto e
Basílides.
Consequentemente, o Deus Supremo não governa este mundo.
Os pontos de Marcião que se opunham ao gnosticismo são: negação de algum
conhecimento secreto salvífico; dizia ele que os ensinos são todos embasados no Novo
Testamento; numerologia, cosmologia e interesses especulativos não têm nenhuma
importância.
26
O Antigo Testamento não era a Palavra do Deus revelado em Jesus Cristo, por isso, as
citações do Antigo Testamento encontradas no Novo Testamento são adições
posteriores.
Por fundar uma igreja, Marcião dizia que a mensagem havia sido corrompida, e que a
mensagem dele era a verdade.
O estopim para a “demonização” de Marcião foi o seu docetismo, ou seja, ele não cria
na humanidade de Cristo. Ele dizia isso, pois era impossível o salvador ter nascido
criança e se colocado sob o governo do Criador.
Há duas opiniões entre os estudiosos sobre Marcião: Cristo era feito de uma substância
etérea (formado por substância superior à matéria); Cristo parecia homem.
Ele formou seu próprio cânon do Novo Testamento, apenas com escritos de Paulo e de
Lucas, seu companheiro.
Mesmo com o fato de ele pregar muitas heresias, Marcião cutucou (com seus ensinos
sobre graça imerecida) um problema que estava florescendo muito rapidamente: a
tentativa de tornar o cristianismo em uma doutrina moral.
Figura 20 - Montano
Montanismo:
Montano, o fundador do montanismo, se converteu ao cristianismo e foi batizado em
155 DC.
Depois de um tempo, se considerou possesso pelo Espírito Santo, e passou a profetizar
com base nisso. Pouco tempo depois, duas mulheres se uniram a ele, Priscila e
Maximila, que passaram a profetizar também.
Montano dizia que uma nova dispensação se iniciava com a revelação concedida pelo
Espírito através dele. Essa revelação era superior ao Novo Testamento.
A ética montanista é muito rigorosa, isso pelo fato de Marcião achar que a Igreja Cristã
da época estava facilitando demais o perdão de pecados.
O martírio não deve ser buscado, mas evitado.
Viúvos (a) não podiam se casar mais, e casamento não era visto como uma dádiva.
Esse rigor ético e moral dá-se por causa da esperança escatológica de Montano e suas
profetisas, que dizia que, logo após o fim dessas profecias, viria o fim do mundo.
A Nova Jerusalém seria em Pepuza, na Frígia.
Monarquismo:
27
Esse termo tem uma provável origem na tentativa de se opor à diversidade de aeons do
gnosticismo e à dualidade de Marcião, defendendo a “monarquia” ou unidade de Deus.
Alguns dos antigos monarquianos (chamados “alogoi”) rejeitavam o quarto evangelho,
pois achavam que Cerinto que o havia escrito.
De acordo com os alogoi, a divindade de Cristo não pode ser distinguida da do Pai, pois
isso destruiria a monarquia divina.
Depois de um tempo, o monarquianismo se dividiu: monarquianismo dinâmico; e
monarquianismo modalista.
O monarquianismo dinâmico se baseava na tentativa de preservar a unidade divina
mediante o fato de a divindade que estava em Cristo era um poder impessoal divino,
não o próprio Deus, pelo fato de Deus não ser mais de uma pessoa.
O mais antigo monarquiano dinâmico conhecido é Teódoto de Bizâncio, e isso
popularizou os monarquianos dinâmicos de “teodocianos”.
Essa seita foi condenada pela igreja em 195 DC, porém, foi continuada por Artemão.
O maior expoente do monarquianismo dinâmico foi Paulo de Samósata (viveu entre
200 DC e 275 DC).
Houve seguidores dessa seita até os séculos 3° e 4°, porém, não criou uma ameaça
muito grande contra a Igreja.
O monarquianismo modalista defendia a unidade de Deus e não condenava a plena
divindade de Cristo. É também chamada de patripassianismo, sabelianismo ou
modalismo.
Seus mais antigo mestres são Noeto de Esmrina e Praxeas (alguns dizem que é o Papa
Calixto).
O nome “sabelianismo” se deu no século 3° por causa de Sabélio. Este negava
totalmente a distinção dentro da divindade. O Filho e o Espírito são modos pelos quais
Deus se manifestava (redenção e inspiração).
Essa consciência modalista do fato de o Filho e o Espírito não serem pessoas foi um
desafio para a Igreja Cristã.
A defesa contra heresias dessa época era baseada na regra de fé (resumo da fé dos apóstolos),
livros dos apóstolos e livros com autoridade de conteúdo dos companheiros dos apóstolos.
Também haviam os credos (por exemplo, o Didaquê).
A Igreja do século 2° se desenvolveu justamente pela necessidade de combater heresias, se
organizando tanto ideologicamente quanto em seu governo. Daí se originou a “Velha Igreja
Católica”.
A sucessão apostólica foi algo importante para a unidade da Igreja. Isso era transmitido da
seguinte forma: a autoridade máxima de transmissão de fé era a mensagem dos apóstolos, e essa
autoridade é delegada aos discípulos dos apóstolos. Mesmo assim, observa-se que a autoridade
está na mensagem pregada, não na pessoa em si, ou seja, a Bíblia não pode ser negada ou
contradita por palavras de autoridades episcopais.
Escritos de Clemente de Roma, Inácio de Antioquia, Tertuliano e Irineu transmitem essa
autoridade apostólica.
As igrejas, determinado tempo depois, passaram a ser chamadas apostólicas pela fé que elas
seguiam, não por haver sucessão apostólica direta.
A autoridade máxima da fé cristã é a Bíblia. O cânon do Novo Testamento passou a ser discutido
mais intensivamente nesta época, não em forma de embates, mas comparando compilações de
autoridades da Igreja de seu pequena história.
Como foi dito, Marcião formou seu próprio cânon, e isso impulsionou a formação de um cânon
definitivo do Novo Testamento.
Os evangelhos e os escritos dos apóstolos foram rapidamente anexados ao Antigo Testamento
como Revelação Divina. Livros como as epístolas pastorais, Hebreus e Apocalipse ainda tiveram
28
certa dificuldade de aceitação, mesmo que, dentro da Igreja Cristã, esses livros eram aceitos com
autoridade.
Em algumas épocas e em alguns lugares, literaturas apócrifas foram consideradas canônicas,
como: Primeira Epístola aos Coríntios de Clemente; 2 Clemente; Epístola de Barnabé;
Didaquê; Pastor de Hermas; Atos de Paulo; etc.
Não há uma lista idêntica ao cânon atual até 367 DC. Porém, todos os livros hoje reconhecidos
como cânon estavam presentes em listas.
As regras de fé foram produtos da necessidade de expôr corretamente as doutrinas cristãs, de um
modo sistemático e acessível.
A Igreja Romana desenvolveu cedo um credo (regra de fé), que era uma espécie de série de
perguntas ao candidato ao batismo, para provar se sua fé condiz com a fé cristã.
Hipólito cita algo que devia ser semelhante ao credo de Roma: “Crés tu em Deus Pai Todo-
Poderoso? Crês tu em Cristo Jesus, o Filho de Deus, que foi gerado pelo Espírito Santo da
Virgem Maria, que foi crucificado sob Pôncio Pilatos, e morreu, e ressurgiu dos mortos para
vida ao terceiro dia, e subiu aos céus, e sentou-se à mão direita do Pai, e virá para julgar os vivos
e os mortos? Crês tu no Espírito Santo, na Santa Igreja, e na ressurreição da carne?”.
Essa fórmula que a Igreja de Roma criou é conhecido como “Antigo Símbolo Romano”, também
conhecido como “R”.
O R passou a expressar, não apenas a série tripartida do batismo, mas também a intensidade que
a Igreja procurou refutar os ideais marcionitas e gnósticas contra a Cristologia Bíblica.
Quando há a junção Deus Pai com Deus Todo-Poderoso, não quer dizer apenas cheio de poder,
mas também, todo-governante, de acordo com o grego (a língua original o R). Isso refuta a ideia
de que o Deus Pai, que controla o mundo espiritual, não pode governar o material.
O termo “Pai”, que se une com o pronome “seu” ao termo “Filho”, nega a ideia herética de que
um homem não pode ser Filho do próprio Deus Supremo.
A citação de que Jesus nasceu de uma virgem refuta os ideais ebionitas e docetistas.
Pôncio Pilatos é colocado para confirmar a historicidade da crucificação e sepultamento de
Cristo.
O julgamento final citado no texto também refuta o dualismo de Marcião, que cria em um deus
justo do Antigo Testamento e outro Deus amoroso do Novo Testamento.
A ressurreição de mortos também é uma doutrina citada no R que refuta Marcião e os gnósticos
também.
Mesmo sendo esse R uma regra de fé para todo o império, havia especificações doutrinárias em
cada região, com detalhes adicionados por pensadores locais, como Irineu de Leão (doutrina de
recapitulação), Tertuliano (doutrina da nova lei) e Orígenes (vários significados na Escritura).
Além da resposta apologética que as heresias haviam incentivado, também houve a atividade
teológica. Houve uma necessidade de expor sistematicamente a teologia (Como Irineu de Leão,
Tertuliano, Clemente e Orígenes).
29
Irineu
O mais antigo anti-herético que tiveram suas obras contra heresia preservadas foi Irineu de
Leão (130 DC – 202 DC). Nascido em Esmirna, provavelmente deve ter conhecido Policarpo.
Ele mudou-se para a Gália, se estabelecendo em Lyon, por volta de 170 DC.
Depois, já presbítero, quando voltou de uma entrega de carta a Roma, soube que o bispo de
Lyon, Potino, tinha sido martirizado, e ele havia se tornado bispo de lá.
Ele, como bispo, defendeu seu rebanho contra heresias, evangelizou os celtas e buscou a paz e
unidade na igreja.
Tanto ele buscou a unidade na igreja que interviu na controvérsia Pascal, quando Vítor, bispo de
Roma, ameaçou quebrar a comunhão com as igrejas da Ásia Menor por causa da data de
celebração da Páscoa.
O que é mais marcante na herança de Irineu é a luta contra heresias e o fortalecimento da fé dos
cristãos.
Somente duas obras de Irineu sobreviveram: A Detecção e Refutação da Falsamente Chamada
Gnose (Famosa “Adversus Haereses” ou “Contra Heresias”, e consiste em cinco livros); e
Demonstração da Pregação Apostólica.
No primeiro livro da Contra Heresias, Irineu simplesmente expõe as doutrinas gnósticas e
especialmente as dos discípulos de Ptolemeu, discípulo de Valentim. Irineu tinha como
pressuposição que essas doutrinas são absurdas.
Irineu focou suas críticas a Ptolemeu por causa de motivos pessoais, pois, um amigo seu havia
sido seduzido por suas doutrinas falsas.
No segundo livro, usando a lógica e o bom senso, Irineu refuta o gnosticismo, em especial, as
doutrinas do Pleroma (Plenitude) e dos aeons. O foco continua no gnosticismo de Valentim, e
não economiza senso de humor para alvejar seus adversários.
Os outros livros usam a Bíblia para refutar o gnosticismo.
O uso do Antigo Testamento feito por Irineu lembra muito o estilo de Justino, que usava a
doutrina de profecias e tipos.
Ele usa o que os modernos chamam de exegese tipológica, tentando expôr de foma clara a
continuidade entre o Antigo e Novo Testamentos.
30
O livro “Demonstração da Pregação Apostólica” (Epideixis) é uma obra catequética, com
alguns tons de apologética, e tem como objetivo o fortalecimento dos que já eram crentes.
O livro começa com uma confissão de fé, depois, sua exposição sistemática, e sua exposição
histórica. Por fim, Irineu tenta provar, com base nas Escrituras, a fé exposta, terminando com
uma conclusão, que reinterava o propósito de fugir dos incrédulos e defender a doutrina correta,
a fim de alcançar a salvação.
Deus existe desde a eternidade e criou tudo do nada. Esse conceito de Irineu elimina o âmago
das doutrinas de Marcião. Não é o diabo que governa o mundo, mas Deus. Mesmo se o diabo se
rebelar e tentar perturbar a ordem, Deus continua governando sobre tudo.
Deus governa o mundo por meio de duas “mãos” (Filho e Espírito Santo). Irineu não se
aprofunda muito na doutrina da Trindade, apenas afirma a fé em Deus Pai, Filho e Espírito, sem
refletir sobre o relacionamento deles.
Irineu enfatiza a união entre a Palavra e Deus.
O Deus Triuno criou a humanidade conforme Sua imagem. Mas o homem não é a imagem de
Deus, mas sim, conforme a imagem de Deus.
A imagem de Deus não algo que nós temos, mas a direção que nós devemos seguir e crescer.
Adão e Eva não foram criados perfeitos, mas tinham o propósito de aprender também.
Adão e Eva tinham liberdade, não em termos idealísticos, mas em relação à possibilidade em
cumprir o propósito de Deus.
A criação foi seguida pela queda de Satanás e da humanidade.
Os anjos foram criados por Deus, porém, não eram com o propósito de crescimento, mas sim,
em sua plena maturidade. Isso provocou inveja de Satanás, que tentou Adão e Eva. Isso não foi
feito porque Satanás queria destruir a humanidade, mas sim, para acelerar o propósito de Deus.
Satanás tentou acelerar a maturidade do homem, porém, este caiu na tentação, e interrompeu o
plano divino e colocou o homem em posição de escravidão e morte pelo pecado.
O diabo se opõe a Deus, mas num é capaz de cancelar os propósitos dEle. Deus controla
inclusive os instrumentos que o diabo usa. Essa oposição faz com que o homem só possa servir
um deles.
A humanidade se tornou serva do diabo.
Os instrumentos que o diabo usa (pecado e morte), mesmo que ruins em sua essência, são usados
para que o plano divino seja alcançado.
Se o homem não tivesse caído no pecado, o conhecimento da bondade e graça de Deus não seria
tão claro.
Mesmo com a Queda, Deus nos ama.
O plano divino é manifestado em uma série de alianças, que culminam em Cristo.
As alianças são quatro: Adão; Noé; Moisés; e Cristo (esta aliança é eterna).
Irineu desenvolveu o seu pensamento em relação de duas: a da Lei (Moisés); e a de Cristo.
A Lei foi uma demonstração de amor de Deus para restringir nossa pecaminosidade.
A Lei não é a plenitude do propósito da criação, porque nos deixa numa forma de servidão, não
maléfica. Essa Lei prediz uma nova Aliança, superior. A Lei não é apenas uma lista de regras,
mas uma promessa.
A Lei tem data de validade, mesmo que, por ser dada por Deus, não poder ser abolida
totalmente. A parte moral da Lei deve ser cumprida pra sempre, porém, a parte cerimonial se
cumpriu em Cristo.
Esses conceitos acerca do Antigo Testamento de Irineu proporcionaram uma maior convicção
acerca da unidade do Antigo e Novo Testamentos.
A teologia de Irineu é cristocêntrica.
A obra de Cristo consiste nisso: continuidade entre a criação e a redenção.
O mesmo Deus que nos criou nos oferece salvação em Cristo.
Um fator importante para a compreensão da teologia de Irineu é a correta compreensão da
doutrina da recapitulação.
31
O termo “recapitulação” significa, para Irineu, “colocar-se sob uma nova (o) cabeça”. O início
dessa recapitulação ocorreu na encarnação.
Adão é o velho cabeça, e Cristo se tornou o cabeça de uma nova humanidade.
Em Adão, fomos criados para ser como o Filho, e em Cristo, Ele nos toma sobre si.
Em Irineu, o paralelismo entre Adão e Cristo está muito presente. Desobediência de Eva e
obediência de Maria; Tentação no Paraíso de Adão e tentação no deserto de Cristo; A morte veio
pela árvore do conhecimento do bem e do mal e a vida veio pela árvore da cruz; etc.
Outro aspecto da recapitulação de Cristo é a vitória sobre Satanás. A história da salvação é a luta
entre Deus e o diabo que terminará com a vitória de Deus.
Adão tornou a humanidade escrava de Satanás, e a nossa libertação em Cristo faz parte da vitória
de Deus sobre Satanás. A na encarnação que a vitória inicial de Cristo, pois Deus se une a
humanidade.
A humanidade e a divindade de Cristo são confirmadas por Irineu. A humanidade, por ser criada
para desfrutar da união com Deus, alcança seu propósito na humanidade de Cristo, onde Deus se
torna homem.
Irineu não diferenciava a divindade com a humanidade de Cristo, dizendo que a divindade se
uniu à humanidade, dando lugar à muitas controvérsias cristológicas posteriormente.
Essa vitória de Cristo que começou na encarnação continuará até a consumação final.
A Igreja tem papel fundamental em Irineu, pois, por Cristo ter vencido o diabo, em Cristo, a
Igreja vence o diabo também.
A humanidade ganhou a possibilidade de crescer à plenitude da Imagem de Deus, porém, só os
homens que têm Cristo como cabeça têm essa possibilidade, ou seja, só a Igreja. O batismo e a
eucaristia são os meios pelos quais o corpo de Cristo prossegue na união com Cristo.
O batismo é o selo da vida eterna e o renascer para Deus. Por meio do batismo nos tornamos
parte do corpo de Cristo.
Por meio da eucaristia, o corpo é nutrido por Deus e unido a Cristo, participando de Sua vida e
sangue.
Para evitar o fato de compartilhar eucaristia e batismo para homens que não fazem parte do
corpo, Irineu dava valor ímpar pela unidade da Igreja e o ensino da doutrina verdadeira.
32
Tertuliano (160 DC – 220 DC)
O centro das origens do pensamento cristão latino não foi em Roma, mas sim, no norte da
África. Foi lá que os maiores escritores da cristãos latinos prosperaram (Tertuliano, Cipriano,
Agostinho, etc.).
Tertuliano de Cartago se converteu quando ele tinha por volta de 40 anos em Roma, e voltou
para Cartago, seu lugar de nascimento.
Ele produziu muitos textos defendendo a fé cristã, porém, provavelmente em 207 DC, se tornou
montanista. Ele foi atraído porque a Igreja Africana demonstrava fraqueza na disciplina contra
determinados pecados (montanismo é rigorosamente dedicada à moralidade) e pelo poder
hierárquico que estava crescente.
Tertuliano demonstra enorme rigor moral, sendo fácil para ele voltar os olhos, atraío, para a
heresia montanista.
A principal obra dele é sua Apologia – Apologeticus adversus gentes pro christianis, escrita em
197 DC. Ele defende o cristianismo com teor similar ao de um advogado.
As obras de Tertuliano nos mostram claramente o contexto de perseguição da época e a atitude
dos cristãos em meio a este contexto. Entre as obras relevantes sobre isso, têm-se: Aos Gentios;
O Testemunho da Alma; e Aos Mártires. Todas estas obras foram produzidas antes de sua
conversão ao montanismo.
Outras obras importantes são: Prescrições contra os hereges – Liber de Parescriptionibus
adversus haereticos; Contra Praxeas – Adversus Praxeam; e Contra Marcião. Além de outras
obras contra valentinianos, gnósticos, Hermógenes e contra o docetismo.
Foram escritas outras obras de caráter moral antes de ele se converter ao montanismo, a saber:
Sobre a penitência; Sobre a paciência; Para sua Esposa. Outras com o mesmo caráter, mas
depois que ele se tornou montanista, são: Sobre a monogamia; Sobre o jejum; Sobre a modéstia;
Exortação à castidade.
Sua teologia foi influenciada por Irineu, pelos apologistas gregos e Hermas, incluindo a bagagem
filosófica que ele tinha, por causa da sua formação legal. Mesmo com toda a boa influência,
observa-se que Tertuliano sofreu influência do estoicismo e de Sêneca (que, por coincidência,
era estóico), e isso incomoda pelo fato de ele rejeitar tanto a filosofia pagã.
33
A obra Liber de paescriptionibus abversu haereticos, chamaa e Praescriptio, tem caráter
semelhante a um documento que prova que a parte oposta está irregular, isso em linguagem
jurídica, pois um praescriptio tinha esse papel na prática processual romana. Com outras
palavras, Tertuliano visava, com esta obra, provar que as doutrinas heréticas não tinham o direito
nem de argumentar contra a fé cristã.
As heresias são preditas no Novo Testamento, e por isso, elas servem para fortalecer a fé dos
cristãos, por cumprirem as Escrituras.
As heresias não nascem da fé, mas a filosofia, são fruto de uma compreensão da filosofia no
plano da fé.
Ele crê que a fé eve ser baseada na impossibilidade racional (irracionalismo), ou seja, que é
totalmente absurdo de ser inventado, por isso é real.
Ele não distingue o Filho do Pai, afirmando: “... era necessário também que o Pai fose
crucificado”.
Uma excessiva curiosidade acerca da Verdade acaba levando ao erro.
As discussões contra os hereges com base nas Escrituras são inúteis, pois estes não reivindicam
nada delas.
A Igreja é a única que pode fazer uso das Escrituras e interpretá-las. Isso tem valor legal, que
Tertuliano baseou usando a praescriptio longi temporis (quando uma propriedade é usada muito
tempo por um usuário, este tem direito legal sobre ela).
Uma das obras de Tertuliano foi Contra Praxeas. Praxeas parece ter vindo da Ásia Menor para
Roma, e se dedicou em combater o montanismo e expandir o monarquianismo. Como Tertuliano
já era montanista na época, ele disse que Praxeas “afugentou a profecia, e introduziu a heresia”.
Mesmo na época montanista de Tertuliano, Contra Praxeas expõe algumas afirmações
importantes pro desenvolvimento da doutrina trinitariana.
Com base em terminologias legais (“substância” e “pessoa”), ele prova que a divindade
compartilha de uma mesma substância, e as três pessoas partilham da mesma substância.
“Três, no entanto, não em condição, mas em grau; não em substância, mas em forma; não em
poder, mas em aspecto; todavia de uma substância, e de uma condição, e de um poder, porque
Ele é um Deus, de quem três graus e formas e aspectos são contados, sob o nome de Pai, de
Filho e de Espírito Santo” (Tertuliano).
Mesmo com uma definição nova virtualmente mais clara, observa-se uma ambiguidade nas
possibilidades de interpretação. Pode se dizer que é uma unidade essencial com distinções
secundárias, ou separar em três deuses com a semelhança de eles serem divinos.
Ele citava afirmações que pareciam diminuir Cristo, não apenas em Contra Praxeas, mas
também em Contra Hermógenes. Mesmo com esse subordinacionismo tendencioso de
Tertuliano, a sua geniosidade nas afirmações sobre a Trindade são essenciais para a história da
Igreja.
A Trindade é entendida, por Tertuliano, pela economia divina, que dizia que Deus se manifesta
nessa dispensação pela Trindade.
A realidade anti-docética (defesa no corpo físico de Cristo) é encontrada em toda a cristologia de
Tertuliano.
Para Tertuliano, a realidade do corpo de Cristo não é apenas uma doutrina, mas é algo essencial
para toda a soteriologia cristã.
Assim, Tertuliano desenvolve uma doutrina importantíssima na cristologia, que é a total
divindade e humanidade de Cristo.
Outra doutrina importante no pensamento de Tertuliano é a transmissão da alma e do pecado
original (sofrendo influência estóica).
A alma de uma pessoa deriva de seus pais (traducionismo), e por isso, o pecado original foi
transmitido à toda humanidade.
Agostinho de Hipona foi influenciado pelo traducionismo de Tertuliano.
34
O tratado Sobre o Batismo de Tertuliano é importante pois mostra como o batismo era
administrado na África Setentrional de seu tempo.
A eucaristia de Tertuliano é um pouco obscurecida.
35
A Escola de Alexandria: Clemente e Orígenes
Figura 23 - Plotino
36
Figura 24 - Clemente de Alexandria
37
A fé dos hereges não é verdadeira, pois eles tem base em suas próprias afeições, não no
conhecimento da Escritura.
Clemente coloca extrema confiança e suficiência na Escritura, porém, ele continua
crendo na interpretação alegórica como um dos principais instrumentos da
hermenèutica, mesmo sem tirar a importância histórica dos textos.
Para estar de acordo tanto com a interpretação alegórica quanto a interpretação
histórica, Clemente defende a doutrina dos vários sentidos das Escrituras.
Todo texto tem pelo menos dois sentidos: um literal; e outro espiritual.
O primeiro, que é chamado de o “primeiro sentido”, não é profundo, mas deve ser
crido, pois é o ponto de partido obrigatório.
Depois desse “primeiro sentido”, há vários “sentidos adicionais”, espirituais, que Deus,
por Seu amor, proporciona aos que buscam a revelação da Verdade.
Mesmo tendo esses fundamentos, vemos que Clemente geralmente não ultrapassa os
limites que o sentido histórico e os princípios exegéticos impõem.
Os princípios exegéticos são os seguintes: a interpretação alegórica não deve anular o
“primeiro sentido”; o texto deve ser interpretado à luz do restante da Escritura, ou seja,
de acordo com o contexto imediato e próprio.
Ele diferencia os cristãos simples e os “verdadeiros gnósticos” (os que buscam um
entendimento mais profundo da Verdade eterna, uma gnosis superior). Essa gnosis nada
tem a ver a gnosis do gnosticismo pagão, porém, não se sabe exatamente os meios que
Clemente expõe de como adquirí-la (inspiração pessoal, exegese alegórica, dialética
platônica, tradição secreta citada por ele).
Clemente detêm uma característica extremamente aristocrática (ou seja, salvação dada
somente a alguns) e esotérica, e ele não representa a teologia da igreja de Alexandria,
mas sim, de um grupo de cristãos dotados.
Deus não tem atributos, e é muito além do que alguma substância. Nada pode ser dito
sobre Deus, pois Ele não pode ser definido.
Deus é triúno. Ele concorda com a união entre Deus e o Verbo, e este encarnou-se em
Jesus Cristo.
O Verbo, por ser a fonte de conhecimento, influenciou a filosofia dos gregos e a Lei dos
judeus.
Mesmo confiando na encarnação, Clemente deixa esta doutrina confusa, fazendo Cristo
perder alguns atributos da humanidade, se aproximando intimamente com o docetismo.
Mesmo não tendo uma posição clara das funções do Espírito, apenas dizendo que Ele é
o princípio de coesão que nos atrai a Deus, Clemente afirma a Trindade.
A criação não é uma emanação nem feito de algo preexistente. O Deus Triúno é o
Criador. Ela foi realizada fora do tempo.
Mesmo crendo na criação por Deus, Clemente cria que a preservação do Universo se dá
por meio da ordem natural estabelecida desde o princípio.
A criação envolve os anjos e seres celestiais.
Pelo fato de Deus realizar a criação em sete dias, Clemente acreditava que tudo na
criação tinha o número sete (sete membros na primeira ordem angélica; há sete
planetas; sete estrelas na Plêiade; etc.).
A antropologia de Clemente é semelhante a de Irineu. O homem foi criado como uma
criança inocente, e o propósito da criação do homem é que ele cresça até a perfeição.
Contudo, em relação à Adão, Clemente é totalmente diferente de Irineu, dizendo que ele
não era o cabeça da humanidade, mas sim, um símbolo do que aconteceria conosco
individualmente.
A criança não nasce com a maldição de Adão.
Deus, por meio do Verbo, oferece a fé, e nós devemos decidir se aceitamos ou não.
Essa fé é seguida pelo amor, esperança e pela verdadeira gnosis. O fato de nós
38
continuarmos buscando a perfeição após esta vida é algo que não é claramente exposto
em Clemente.
A Igreja detém papel importante na teologia de Clemente, pois ela é a Mãe dos Fiéis, e
por meio dela é que a iluminação e divinização do crente é ocorrida, levando-o a viver a
“verdadeira gnosis”.
O batismo é o meio de adentrar-se na Igreja, e a eucaristia alimenta a fé do cristão.
A iluminação e participação do Verbo é a base para a vida superior do “verdadeiro
gnóstico”.
O conceito do Verbo, de Clemente, tem influência platônica e, lado a lado,
escriturística.
39
Há registros também de uma disputa entre Orígenes e o bispo Heráclides, suspeito de
ser modalista. Este documento mostra a incrível habilidade de Orígenes de refutar e
convencer.
Orígenes foi submetido à mais organizada e sistemática perseguição do império
Romano, a do imperador Décio (todos eram obrigados a oferecer sacrifícios aos deuses
e recebiam um documento, quem não tinha esse documento era submetido a um longo
cárcere e tortura). Isso foi relatado em sua Exortação ao Martírio e nas obras de
Eusébio.
A produção bibliográfica de Orígenes é extremamente grande, dizendo ser mais ou
menos seis mil obras. Uma parcela pequena sobreviveu, mas mesmo essa pequena
parcela é mais que suficiente para entender Orígenes.
Um dos tipos de obra que Orígenes se destacou foi as interpretações do texto sagrado
(Hexapla; Scholia; Homilias; e os Comentários).
A Hexapla é uma compilação de todas as versões do Antigo Testamento eu circulavam
na época, incluindo comparações com a LXX (Septuaginta).
Scholia é alguns textos de explicação de algumas passagens bíblicas.
Homilias são os sermões de Orígenes, naturalmente, escrito depois de sua briga com
Demétrio. Elas apresentam uma natureza moral, diferentemente de suas especulações
em seus comentários bíblicos.
Sobreviveram muitas pares dos comentários de Orígenes, e esses são extremamente
importantes para extrair, não apenas seus métodos exegéticos, mas também sua
teologia.
Outra das obras que sobreviveram foi sua apologia, Contra Celsum. Celso era um
filósofo pagão que tinha escrito uma obra contra o cristianismo, “O Verdadeiro Verbo”.
Essa apologia foi feita à pedido de Ambrósio, pois Orígenes nem mesmo conhecia a
obra.
A principal obra sistemática de Orígenes é conhecida como Sobre os Primeiros
Princípios (“De principiis”). Esta obra tem uma tradução para o latim feita por Rufino
de Aquileia (340 DC – 420 DC), mesmo sendo mais marcante em Orígenes o aspecto
exegético, não o sistemático. Isso é refletido no fato de ele dedicar quase que sua vida
inteira em escrever Hexapla.
Orígenes cria que o fato de alguns textos serem muitos absurdos mostra que o meio de
se interpretar a Bíblia deve ser espiritualmente.
Observa-se a partir disso que a Bíblia tem pelo menos três interpretações: literal; moral;
e espiritual.
Ele não apoiava o entendimento apenas literal do texto.
A interpretação moral também tem papel importante na exegese de Orígenes. Mesmo,
às vezes, baseando-se em alegorias, a interpretação moral tinha um objetivo te conduzir
as igrejas à ética e moralidade cada vez mais superior.
A interpretação espiritual tinha um caráter geralmente alegórica e de abandono do
sentido histórico, porém, também na maioria das vezes, Orígenes sustém a tipologia das
passagens.
Orígenes “transforma a Bíblia em um jogo divino de palavras cruzadas cujos segredos
para a solução estão trancados no seio de Orígenes” (Richard Hanson).
Mesmo com essa afirmação exagerada mas justificável, Orígenes em algo que o dirige
que é muito louvável, a regra de fé da igreja.
Para Orígenes, Deus é invísivel não somente se tratando dos sentidos, também
intelectual.
O modo antropomórfico como Deus é explicado na Bíblia pede uma interpretação
alegórica.
40
Podemos, porém, dizer que Deus é Um, sendo este o principal atributo dEle. Este
também é triúno.
Orígenes defendia a doutrina da Trindade, tanto que suas afirmações vieram mais tarde
a ajudar nos debates trinitarianos um século depois.
Deus é Pai, Filho e Espírito Santo.
Orígenes explica o relacionamento entre o Pai e o Filho de duas formas que, mesmo ele
conseguindo harmonizá-las, criou uma divisão violenta entre os seus seguidores.
A primeira forma é de salientar a divindade e eternidade do Filho, tornando-o igua ao
Pai. O Filho é gerado do Pai, porém, sem começo. Ele é divino não por participação
com o Pai, mas é eterno por ser a essência do Pai.
A segunda forma é salientar a distinção entre o Pai e o Filho. O Filho é a imagem de
Deus. O Pai é Unidade Absoluta, o Filho é multiplicidade, e por isso pode se relacionar
com o mundo. Deus Pai é transcendente e o Filho é acessível. De acordo com
pensadores com Daniélou (um pensador católico do século XX), isso faz com que a
divindade do Filho seja colocada em xeque. Isso é ua característica do médio e
neoplatonismo.
No debate contra o bispo Heráclides, Orígenes chegou ao extremo, dizendo que o Pai e
o Filho eram dois deuses, embora sendo um em poder.
Um grupo dos seguidores de Orígenes buscou sustentar a unidade do Filho e do Pai,
enquanto o outro grupo buscou sustentar que o Filho é subordinado ao Pai.
O Espírito Santo procede do Pai, e é eterno, juntamente com Ele. As considerações que
Orígenes tirou sobre o Espírito Santo são semelhantes as que ele tirou sobre o Filho.
Pelo fato de Deus sempre ser o Criador, essa ideia dele força Orígenes a afirmar que a
criação é eterna.
A criação corpórea, porém, não é eterna.
Nenhum ser é mal por causa da sua essência, mas sim, pelo escolha que ele fez de sua
liberdade.
Orígenes acredita que as duas narrativas de criação em Gênesis citam as duas criações,
a primeira é a eterna com a criação dos intelectos, e a segunda é a temporária, com a
criação corpórea.
Nesse processo de nós retornarmos à unidade e harmonia, talvez será necessário por
uma série de encarnações. Inclusive o diabo e os demônios estão nesse processo de cada
vez mais contemplar o Verbo.
O inferno e a condenação não são eternos, são apenas um processo de purificação.
Nós estamos em situação pior que o diabo, pois nós caímos de tal modo que não
podemos usar de nossa liberdade para voltarmos para o nosso estado interior intelectual.
Por isso Cristo se encarnou, para destruir o diabo e iluminar o homem novamente.
Cristo se uniu com um corpo humano e com um intelecto humano.
Tanto a natureza divina como a humana estavam presentes em Cristo, e isso é uma
realidade humanamente impossível de se explicar.
A obra de Cristo tem o objetivo nos livrar do diabo e mostrar o caminho da salvação.
A escatologia de Orígenes é espiritualista e sofreu influência do platonismo. Os
intelectos voltarão ao seu estado original de harmonia e comunhão com Deus. Isso seria
um final pra esse mundo, mas não necessariamente o fim de tudo.
Fora da igreja ninguém pode ser salvo, e os sacramentos também são essenciais para
esse processo. Na eucaristia, Jesus está espiritual e fisicamente presente.
41
A Teologia Ocidental no século III°
Hipólito de Roma:
Um dos fatos importantes da vida de Hipólito (vida com muitos poucos registros, diga-
se de passagem) é o atrito entre ele e os bispos Zeferino e Calixto. Além de
divergências em relação à Trindade e à perdão de pecados, há também as questões
pessoais.
O seu caráter cismático foi exposto nesse atrito, onde Hipólito não aceitou o bispado de
Calixto, e depois, de Zeferino, criano assim um cisma na Igreja Romana. Esse arito
durou até a deportação de Hipólito e Pontiano à Sardenha.
Grande parte das obras de Hipólito se perderam, porém, as que restaram foram
suficientes para descrever sua teologia.
Hipólito teve influência essencial em Irineu (doutrina da recapitulação; interpretação
tipológica do Antigo Testamento; heresias provinham da filosofia; escatologia
quiliástica, ou seja, crença nos mil anos após o julgamento final).
Dois aspectos de importante observação na teologia de Hipólito são: o rigorismo moral;
e a doutrina da Trindade.
O consenso na igreja de Roma em relação ao perdão de pecados pós-batismais era que o
pecador era obrigado à confessar publicamente o pecado, seguido de penitência e
excomunhão, para que depois possa ser admitido novamente. Para pecados menores,
porém, bastava a oração pessoal e o arrependimento.
A opinião de Hipólito (compartilhando a de Tertuliano e Orígenes) é de que o
homicídio, fornicação e apostasia eram pecados que a Igreja não deveria perdoar.
Essa dualidade de opiniões (Igreja perdoadora ou Igreja defensora da moral) foi o ponto
principal da rivalidade entre Hipólito (Igreja defensora da moral) e Calixto (Igreja
perdoadora). Calixto usava da história da arca de Nóe, onde havia animais tanto
imundos quanto puros para defender sua teoria.
Deve-se entender, porém, que Hipólito não queria debater sobre a autoridade dos bispos
perdoarem pecados, mas sua abrangência e aplicação.
Sua doutrina da Trindade foi outro foco do atrito com Calixto, porém, havia também
um certo Praxeas em Roma que pregava uma forma de monarquianismo modalista.
42
Sua oposição ao modalismo se desenvolveu com sua oposição à Noeto de Esmirna e
Sabélio. Parece também que Calixto era modalista. Calixto dizia que o termo “Filho”
era apenas para se referir à humanidade de Cristo.
Ao se opor ao modalismo, Hipólito foi um pouco descuidado, transformando (assim
como Tertuliano) o Verbo em um Deus secundário, dando brexa para que Calixto o
acusasse de diteísmo.
Hipólito começa a ficar confuso, afirmando a divindade do Verbo, porém, negando sua
eternidade.
A união das duas naturezas em Cristo foi algo que Hipólito recebeu quase que
inteiramente de Tertuliano, dizendo que as duas se uniram, sem que nenhuma delas
perdesse suas propriedades.
Novaciano:
A história de Novaciano mostra com mais veemência a importância que o problema da
restauração dos caídos teve na Igreja Ocidental no século III°.
Novaciano era contra o perdão dos que apostataram durante a perseguição, e em
contrapartida, o bispo Cornélio defendia o perdão deles. Isso causou um novo cisma na
Igreja.
Sua obra Sobre a Trindade tem enorme importância em sua doutrina. Ela defende a
divindade do Filho e Sua distinção com o Pai, sendo Jesus Cristo tanto divino quanto
humano.
É necessário que Cristo seja Deus, pois um dos Seus objetivos era trazer imortalidade, e
esse era um fruto apenas da divindade.
O Pai e o Filho têm uma “comunhão de substância”.
Mesmo com todas essas informações, o principal objetivo era distinguir o Filho do Pai,
em oposição ao sabelianismo. Esse objetivo desvirtua um pouco o corpo doutrinário de
Novaciano, afirmando coisas (como a subordinação do Filho) que levaram a alguns o
considerarem o precursor do arianismo.
O Pai não pode se relacionar com a criação caída, ou seja, toda a revelação de Deus,
tanto no Novo quanto no Antigo Testamento é o Filho.
Novaciano toma cuidado para não defender o diteísmo, e fala do princípio do Filho em
Deus Pai. Ele parece não afirmar a geração eterna do Filho, nem Sua existência eterna
como segunda pessoa de Deus.
Todas essas afirmações de Novaciano fizeram com que ele confirmasse a ideia de o
Filho ser inferior ao Pai. Essa afirmação vale para o Espírito Santo, que inclusive é
menor que o Filho. “Cristo é maior que o Parácleto (Espírito Santo), porque o Parácleto
nada receberia de Cristo exceto se fosse menor que Cristo” (Novaciano).
43
Ele mostra a abrangência da influência que Tertuliano teve na cristologia da Igreja
Romana.
Isso é interessante pelo ponto de vista do catolicismo, pois, a Igreja que retém a ela
mesma a autoridade apostólica é a igreja que mais tentou disseminar a ideia da
subordinação de Cristo ao Pai.
Cipriano de Cartago:
Entre Tertuliano e Agostinho, o mais notável teólogo da Igreja Africana foi Cipriano de
Cartago.
Ele era membro de uma rica família pagã, e foi convertido aos 40 anos
aproximadamente.
Após a conversão, viveu de forma ascética. Abandonou a retórica (que por acaso, ele
era um especialista), vendeu todas as propriedades e seguiu a castidade. Foi eleito bispo
de Cartago em 248 DC pela população (mesmo querendo fugir da cidade).
Sofreu profunda influência de Tertuliano, sendo que algumas obras de Cipriano foram
revisões das obras de Tertuliano (Sobre o vestuário das virgens; Sobre a Oração do
Senhor; Sobre a vaidade dos ídolos; Sobre as vantages da paciência).
Seus escritos foram relacionados mais a assuntos morais, práticos e disciplinares.
Durante a perseguição do imperador Décio a partir do início de 250 DC, Cipriano fugiu
de Cartago e se escondeu. Ele foi questionado pelos líderes da Igreja o porquê dessa
decisão, e ele respondeu que sua permanência em Cartago apenas traria mais
sofrimento.
Voltando a Cartago em 251 DC, ele teve que enfrentar o problema da restauração dos
caídos. Cipriano via que eles mereciam outra chance, mesmo que com a devida
disciplina e ordem.
Um grupo de confessores que não sucumbiram à perseguição era contra a ideia de
disciplina de Cipriano, dizendo que deveriam ser aceitos imediatamente após
demonstrar arrependimento. Esse problema levou a Igreja de Cartago a um cisma.
Cipriano convocou um sínodo (atendido por 70 bispos) por causa desse cisma. Para
deixar os bispos a par da situação, Cipriano escreveu Sobre a unidade da Igreja e Sobre
os caídos.
Cipriano defende a ideia de que os caídos devem pagar penitência e somente voltar à
comunhão da Igreja no leito de morte ou se provassem a verdadeira natureza do
arrependimento por meio de outra perseguição.
Dois outros fatos fizeram com que Cipriano produzisse obras importantes: a praga de
250 DC e a controvérsia com relação ao batismo.
44
Quando essa praga se disseminou, um pagão chamado Demetrianus culpou os cristãos
por isso, e em resposta, Cipriano escreveu “A Demetrianus”. Nessa situação, ele
escreveu também Sobre a mortalidade e Sobre obras e esmolas.
A questão batismal chegou a tal ponto que Estêvão, bispo de Roma, anunciou a
separação da Igreja de Roma com a Igreja Africana. Essa questão tinha como foco
principal o fato de aceitarem o batismo que hereges tinham realizado antes de
apostatarem (Estêvão) ou não aceitarem e ser necessário um novo batismo (Cipriano).
Mesmo não sendo o foco principal de Cipriano, ele desenvolveu uma doutrina da igreja
mais bem explorada da história da Igreja até então.
A Igreja é essencial para a salvação. Como ninguém poderia ser salvo fora da arca de
Noé, assim também é a Igreja em relação ao mundo. “Ninguém pode ter Deus por Pai,
se não tem a Igreja por mãe” (Cipriano).
Ele também defende que a Igreja é detentora da verdade, e ela deve estar unidaem sua
verdade.
A unidade da verdade da igreja está no episcopado, sendo estes os sucessores dos
apóstolos.
Cipriano não defende uma certa hierarquia episcopal, mas toda a autoridade apostólica
está presente em cada bispo. Nenhum bispo tem o direito de dar ordens a outros bispos.
Cipriano é o primeiro a salientar a importância maior que a Igreja Romana tinha por ser
o lugar último de habitação do apóstolo Pedro, o primeiro a receber o chamado
apostólico de Cristo.
Mesmo com essa posição sobre Roma, Cipriano deixa bem claro que isso não concede
nenhuma autoridade superior ao bispo de Roma. Pedro foi submetido à disputa contra
Paulo por ter, de fato, errado quanto a práticas judaizantes. “Pois nenhum de nós
coloca-se como um bispo de bispos, nem por terror tirânico alguém força seu colega à
obediência obrigatória” (Cipriano).
Cada bispo tem autonomia de autoridade.
45
A Teologia Oriental após Orígenes
No século III°, a preponderância teológica na igreja oriental era marcada pela influência de
Orígenes. Os teólogos que marcaram essa época foram justamente os que se opuseram ao
origenismo.
Paulo de Samosata:
Eleito bispo de Antioquia em 260 DC. Foi acusado de abusode poder e de ser ostentoso.
Ele também tinha um grupo de mulheres com ele, e permitia que estas cantassem na
Igreja. A pior acusação é de que ele não permitia que nada fosse cantado para Cristo.
Juntamente com a acusação de ele ser herege.
Mesmo chamado de monarquianista dinâmico, ele misturou monarquianismo com o
adocionismo (Cristo só se tornou divino depois do batismo). Esse fato foi devido à
preocupação de Paulo em defender a unidade de Deus.
De acordo com ele, somente o Pai é Deus. O Verbo só passou a existir apenas após a
encarnação. Devido a este fato de que o Espírito Santo gerou o Verbo no ventre de
Maria, a acusação de adocionismo é sem-fundamento. Mas a gente deve entender que
há uma tendência adocionista, pois, a filiação de Cristo com Deus não é baseada na
preexistência do Verbo, mas na predestinação de Deus.
Para o modalismo, Jesus Cristo é Deus; para o monarquianismo dinâmico, Deus estava
em Jesus Cristo.
Paulo afirmava que Cristo é menor que o Pai, porém, não afirmar que o primeiro podia
subsistir sem o segundo.
Em 264 DC, o bispo Heleno de Tarso convocou um concílio em Antioquia por causa
dos ensinos de Paulo, porém, este deixou os bispos do concílio sem palavras, mas
prometeu modificar sua posição. Ele mentiu, e continuou a ensinar suas doutrinas.
Um outro concílio foi organizado, e o origenista Malquion provou seus erros e o
concílio decidiu deportar Paulo, porém este não aceitou a decisão, só sendo, de fato,
deportado em 272 DC, quando o imperador Aureliano aplicou a decisão do concílio.
A defesa de Paulo em defender que o Verbo é consubstancial com o Pai foi condenada,
porém, o intuito dele não era defender que Cristo tinha a mesma substância do Pai, mas
para provar que Deus se encarnou em Cristo, e os condenadores resolveram por bem
condenar pois, na visão deles, dava “brexa” para que sua doutrina não-eternidade do
Verbo fosse aceita.
46
Metódio de Olimpo (Final do Século III° - 311 DC):
Ele defendia veemente o celibato e o ascetismo.
Ele se opunha aos ideais origenistas, mesmo que deixando claro que não está totalmente
livre de ser influenciado por eles.
Metódio se igualou a Orígenes na exposição sobre Deus (de um modo platônico) e
explicar a Trindade por meio do subordinacionismo, porém, sem negar a eternidade do
Filho.
A oposição de Metódio a Orígenes fica claro em quatro pontos que ele era contra:
eternidade do mundo; preexistência da alma; escatologia espiritualista (os intelectos
voltarão ao seu estado original de harmonia e comunhão com Deus); e exegese
alegórica.
Ele defendia a interpretação tipológica do Antigo Testamento, escatologia quiliástica ou
milenista e uma interpretação da história da salvação em termos de “recapitulação”
(paralelismo entre as obras de Adão e as de Cristo).
Mesmo com essa oposição, Metódio usa ainda de poucas interpretações alegóricas.
Ele se opõe a ideia que Orígenes construiu sobre o fato de que, por Deus ser
eternamente Criador, Sua criação deve ser eterna. Metódio se defende dizendo que
Deus não depende de alguma criação para ser Criador, pois isto nega a independência
divina.
Metódio defende uma ordem subordinacionista na Trindade, porém, afirma a eternidade
das três Pessoas.
Teologia origenista:
Muito pouco se sabe da evolução do origenismo logo após a morte de Orígenes, pois os
escritos de Eusébio de Cesaréia (263 DC – 339 DC) são meramente biográficos.
Mesmo a atividade teológica sendo muito intensa nessa época, deve-se focar na
doutrina da Trindade, pois estamos no período pré-concílio de nicéia.
Para expôr o pensamento origenista, será exposto o pensamento de três dos mais
importantes origenistas da época: Gregório de Neocesaréia; Dionísio de Alexandria; e
Luciano de Antioquia.
Gregório de Neocesaréia (213 DC – 270 DC) (Gregório Taumaturgo) se converteu em
Cesaréia da Palestina por meio de Orígenes, e aprendeu com ele também. Quando ele
retornou a sua cidade natal, se tornou bispo de lá.
47
Muitos milagres foram atribuídos a ele, sendo conhecido como “o fazerdor de
milagres”. Há uma lenda que dizia que quando Gregório se tornara bispo, havia apenas
17 cristãos em Neocesaréia, e quando ele morreu, havia apenas 17 pagãos. Ele
compareceu também ao concílio contra Paulo de Samosata em Antioquia.
A obra mais extensa de Gregório de Neocesaréia é “Panegírico a Orígenes”. Ela é
importante para expressar os métodos de ensino de Orígenes.
A obra mais importante sobre a doutrina da Trindade de Gregório de Neocesaréia é um
credo dele que está incluído em sua biografia escrita por Gregório de Nissa.
Ele deixa bem clara a divindade eterna do Filho, e diz muito pouco sobre a distinção
dEle com o Pai.
Ele deixa de lado a subordinação do Filho ao Pai e enfatiza a eternidade do Filho. Os
que enfatizavam essa perspectiva eram chamados de origenistas de direita.
Dionísio de Alexandria e Luciano de Antioquia eram origenistas de esquerda, ou seja,
enfatizavam a subordinação do Filho ao Pai.
48
Figura 28 - Dionísio de Roma
49
A controvérsia ariana e o Concílio de Nicéia
No século IV°, com a conversão do imperador Constantino (272 DC – 337 DC), e com a
Igreja passando a viver uma paz que, de fato, era certa e duradoura, a Igreja viu um despertar de
uma nova era.
Com o perigo de perseguições ter cessado, a Igreja passou a focar suas energias em outras
atividades, como por exemplo, a produção teológica. Alguns ainda escolheram uma forma
alternativa de martírio, o monasticismo.
A partir desse momento, a liturgia adotara a corte imperial, simbolizando o paralelismo entre
Cristo e o imperador. A arte cristã passou a ser triunfal e cristocêntrica, e a arquitetura era
marcada por construções a par de suas necessidades litúrgicas (proporções dignas de um
imperador).
Mais problemas nasceram: Os fortes usarem do poder eclesiástico; conversões em massa,
depreciando a união moral e doutrinária; condenação imperial a heresias contra a Igreja Cristã,
unindo Igreja e Estado.
Ário (256 DC – 336 DC) era um presbítero de Alexandria, e este entrou em conflito contra o
bispo Alexandre de Alexandria ( Século III° - 326 DC) acerca da divindade do Filho. Ário
defendia o monoteísmo absoluto, onde o Filho nada tem a ver com o Pai, nem em substância
nem em emanação, o Filho é apenas uma criação do Pai.
50
Figura 31 – Ário
Aceitar a possibilidade do Filho ter esses tipos de ligações negaria a unidade ou a natureza
imaterial de Deus.
O Verbo, a razão imanente de Deus, são coisas diferentes do Filho. A divindade do Filho não é
em termos de substância, mas em termos suscetíveis de imitação e repetição pelos fiéis.
Por Ário defender que a divindade foi dada ao Filho por adoção, ou seja, após o batismo,
Alexandre foi totalmente contra Ário. Ário foi deposto, porém, recebeu o apoio de Eusébio de
Nicomédia (Século III° DC - 341 DC).
51
Figura 33 - Eusébio de Nicomédia
Isso provocou um cisma, sendo que os seguidores de Ário passaram até a usar a violência para
defender suas convicções.
O imperador Constantino, quando soube dessa notícia, viu ser necessária a intervenção. Tendo
em mente sua incapacidade teológica (observada por ele mesmo em sua falácia contra o cisma
donatista), mandou Ósio de Córdoba (257 DC – 359 DC), seu conselheiro.
Ósio informou os pareceres sobre o cisma entre Ário e Alexandre para Constantino, e este viu-se
na obrigação de organizar um concílio.
Esse concílio é conhecido como Primeiro Concílio de Nicéia, realizado em 325 DC, na cidade
de Nicéia, tendo presentes mais de 300 bispos.
52
Figura 35 - Primeiro Concílio de Nicéia
A causa ariana caiu por terra quando tentou defender o subordinacionismo do Filho. O
imperador acusou o arianismo, e comissionou os oponentes de Ário a escrever uma declaração
de fé. Nessa declaração, o que é destacado são os termos anti-arianos, como “substância do Pai”
e “Deus verdadeiro do Deus verdadeiro, gerado, não-feito, de uma substância com o Pai”.
No fim da declaração, há uma condenação aos que são contra o que ela prega, isso para que a
Igreja Católica permanecesse imune ao arianismo.
Alguns teólogos interpretaram o credo como que defendendo a não-diferenciação do Pai com o
Filho, como Eustátio de Antioquia e Marcelo de Ancira.
Marcelo ainda adiciona o fato de que Deus é um, revelado em três modos de ação, como se fosse
dessa forma: Na redenção, Filho; na regeneração, Espírito.
Todos os que se recusaram a assinar a declaração de fé foram banidos do Império, e os livros de
Ário foram queimados.
Mesmo após o Concílio de Nicéia, o arianismo permaneceu por mais 50 anos.
53
A controvérsia ariana após Nicéia
A decisão do Concílio de Nicéia de 325 DC não foi satisfatório, pois, em muitos lugares, o
arianismo nem mesmo era uma ameaça, porém, o sabelianismo (Deus é um, expresso de três
modos) estava se mostrando cada vez mais ameaçador.
E com esse clima de insatisfação misturado com o clima de incerteza política com a morte de
Constantino, os arianos desenvolveram facilmente suas críticas e sua defesa.
Mesmo que por pouco tempo o anti-arianismo predominar, os arianos conseguiram convencer
inclusive o próprio imperador Constantino e muitos bispos conservadores que os errados eram os
anti-arianos e que o credo de Nicéia continha uma concessão injustificada do sabelianismo,
plantando uma desconfiança generalizada quanto à declaração de fé nicena.
Até Ário conseguiu ganhar a aprovação de Constantino, sendo que este ordenou Alexandre de
Constantinopla (237 DC – 337 DC) a o aceitar de volta na comunhão. Alexandre exitou, e a
morte de Ário resolveu seu problema.
Alexandre de Alexandria, que morreu em 328 DC, foi sucedido por Atanásio, seu maior
companheiro (o acompanhando, inclusive, em Nicéia) e o maior defensor da fé nicena.
Os arianos acusaram disciplina e moralmente alguns anti-arianos e defensores da fé nicena,
como Eustátio de Antioquia, Marcelo de Ancira e Atanásio de Alexandria.
Eustátio caiu na acusação dos arianos, sendo acusado de adultério e heresia, se referindo ao
sabelianismo. Eusébio de Nicomédia o acusou com sucesso, principalmente depois que citou que
Eustátio tinha falado de modo desrespeitoso acerca da mãe de Constantino. Posteriormente, após
a morte de Eustátio, a mulher que estava incluída na acusação de adultério afirmou que seu
testemunho não era real, que tinha sido comprada.
Um fiel defensor da fé nicena caiu, mas isso fez com que o maior defensor e um dos maiores
teólogos de todos os tempos surgisse, Atanásio (um capítulo será reservado para ele). Atanásio
sofreu diversos exílios, porém, sua obra e sua coragem e sabedoria em atacar o arianismo foram
registrados e fundamentais. Ele foi para o ocidente, em Roma, onde criou relações importantes e
muito úteis.
Marcelo de Ancira, tendencioso ao monarquianismo, foi facilmente acusado pelo arianos e
condenado pelo Imperador por ensinar os ensinos de Paulo Samosata. No seu exílio, foi a Roma
54
e se encontrou com Atanásio e Júlio de Roma, porém, Atanásio não quis defender Marcelo por
ser, de fato, muito tendencioso ao monarquianismo.
A derrota simbólica dos defensores da fé nicena foi quando Constantino foi batizado por Eusébio
de Nicomédia em seu leito de morte. Vê-se, porém, que Constantino tava mais interessado na
política do que na Verdade, e Eusébio, tendo uma evoluída habilidade política, o convencera.
Após a morte de Constantino, o império foi dividido em três: Constante I (320 DC – 350 DC)
(Itália e Ilíria); Constâncio II (317 DC – 361 DC) (Oriente); e Constantino II (316 DC – 340
DC) (Da Gália até o norte da África).
55
Figura 39 - Imperador Constantino II
A princípio, esse contexto pareceu ser favorável, principalmente pelo fato de Constantino II
ordenar que Atanásio fosse restaurado a diocese em Alexandria, entre outros exilados, como
Marcelo de Ancira.
Mesmo assim, Constâncio, o imperador do Oriente, era defensor do arianismo e de Eusébio de
Nicomédia, se tornando bispo de Constantinopla.
No Ocidente, porém, a fórmula “uma substância e três pessoas” fora algo quase que
universalmente aceito, mesmo que, no âmbito político, essa união fosse inexistente, tanto que os
irmãos Constante e Constantino II ficaram em guerra até a morte e Constantino II e 340 DC.
Esse contexto aumentou a independência do Oriente, sendo que Constâncio generalizou o
arianismo ao império com muita facilidade.
Em 339, Atanásio foi exilado de Alexandria, e foi para Roma.
Com a morte de Constantino, Constante governou no Ocidente e fez com que Constâncio
moderasse a política contra os opositores do arianismo. Assim, em 346, Atanásio volta a
Alexandria.
Os esforços arianos foram intensos, inclusive resultando num concílio em 345, em Antioquia,
chamado de “concílio da dedicação”, produzindo quatro credos diferentes.
Três bispos anti-sabelianos arianos eram conselheiros pessoais de Constâncio (Ursácio, Valens e
Germínio).
Em 350, após a morte de Constante, Constâncio passou a ser o imperador soberano de todo o
império.
Em 355, os conselheiros arianos produziram uma fórmula de fé nova, chamada “blasfêmia de
Sirmium”. Esta fórmula, imposta como decreto por Constâncio, foi assinada obrigatoriamente
inclusive por nicenos como Ósio de Córdoba e o Papa Libério, sendo Ósio bem idoso.
A fórmula “homoousios” (substância) foi um dos principais alvos do arianismo. Esses oponentes
da homoousios se separam em três: anomoeana (Filho é totalmente diferente do Pai em todos os
aspectos, só o Pai é Deus) (Teve como principais oponentes Aeto e Eunômio); homoeanos (tem
a ver com o Pai ser apenas similar ao Filho, mesmo isso não sendo bem explicado; é mais uma
doutrina política); e homoiousianos.
Os homoiousianos são os que se opuseram tanto ao sabelianismo quanto ao arianismo exposto na
“fórmula de Sirmium”. Eles tiveram como líder Basílio de Ancira (X DC – 362 DC).
56
Figura 40 - Basílio de Ancira
Outros líderes importantes dos homoiousianos são Cirilo de Jerusalém e Melétio de Antioquia.
Os homoiousianos foram fundados em 358 com a produção da sua fórmula, que dizia que o
FIlho pertence a uma substância similar a do Pai, diferenciando o Filho da criação. Esse grupo
conquistou a vitória quando Constâncio, procurando algo que fosse aceito em todo o império,
apoiou-os.
No Ocidente, já havia, mesmo com todo esse movimento no Oriente, uma fórmula aceita
universalmente. Essa fórmula chamda de “substância” a divindade única e comum, e as
individualidades do Pai, Filho e Espírito Santo eram expressas pelo termo “pessoas”.
O problema das linguagens voltou a ser uma ameaça. Por exemplo, o termo “pessoa”, no
Oriente, introduziu possibilidades sabelianas de interpretação.
Esse era o contexto presente quando Constâncio morreu em 361 DC e deu lugar ao imperador
Juliano, o Apóstata (332 – 363).
Juliano foi o último imperador pagão de Roma, e não estava muito interessado em misturar a
política com embates teológicos.
Foi nesse período, em 362, que Atanásio conseguiu uma vitória pela fé nicena, provando no
sínodo de Alexandria que as diferenças verbais não eram importantes, mas sim, o significado
fosse de todo o império. Ou seja, se um grupo afirmar três hipóstases e outro grupo em uma
57
hipóstase, ambos estão corretos, se o primeiro não defender o triteísmo e o segundo o
sabelianismo. A partir disso, os defensores da fé nicena passaram a ter uma vitória atrás da outra,
conceituando termos que outrora eram motivos de atrito entre os extremos teológicos do
império.
O tema da divindade do Espírito Santo foi algo debatido a partir do sínodo de Alexandria de 362.
Esse sínodo condenou os macedonianos ou pneumatomacianos (Espírito Santo é uma criação do
Filho), entre eles estvam Eustátio de Sebaste e Maraton de Nicomédia.
A partir desse sínodo de 362, a causa ariana estava perdida. Mesmo Atanásio sendo exilado
ainda duas vezes por pouco tempo, a fé nicena se saiu vencedora, tanto que, em 363, o sínodo de
Antioquia esclareceu o significado de homoousios, deixando claro que ele não defendia o
sabelianismo. Os bispos do sínodo enviaram uma carta ao então imperador Joviano (331 –
364), expondo tudo acerca do termo homoousios.
A partir de Joviano, todos os imperadores foram apoiadores da fé nicena, menos Valentiniano II
(371 – 392), aderindo ao arianismo, mesmo este já sendo uma causa perdida.
58
Figura 44 - Concílio de Constantinopla
A geração, porém, que deu o ponto final ao arianismo não foi a geração marcado pelo gênio de
Atanásio, mas sim, os famosos três capadócios (Basílio de Cesaréia, Gregório de Nissa e
Gregório de Nazianzo).
Os três capadócios concluíram que o termo “hipóstase” era a subsistência individual de cada
pessoa, e ousia era a essência comum da divindade.
Essa fórmula ficou meio confusa para os ocidentais, que estavam acostumados a adotar a
fórmula de Tertuliano, que usava os termos “substância” e “pessoa”. Isso, porém, não foi um
grande problema.
O concílio de Constantinopla, também chamado de Segundo concílio ecumênico, acabou com o
arianismo e toda a forma de modalidade deste, inclusive o apolinarismo, que pregava que Jesus
tinha o corpo humano e a mente divina, negando assim, a totalidade da humanidade e divindade
de Cristo.
.O arianismo, mesmo vendo um fim no império romano, alguns dos bárbaros o aceitaram como
doutrina, como os vândalos, os visigodos e os lombardos.
59
A Teologia de Atanásio (296 – 373)
60
O conceito de que o próprio Deus não é atingível pelo homem, proposto pelo arianismo, também
não resolve nada, mas aumenta cada vez mais o problema, pois, com base nos próprios conceitos
deles, deve-se existir um intermediário entre o Verbo e Deus, e entre os homens e o Verbo, e etc.
Se o Filho revela o Pai, este tem que ser o Pai, pois, por Deus ser transcendente, como Ele se
revelaria a uma criatura que não seja sua substância.
Deus é transcendente, porém, Ele continua em contato com a criação, mantendo sua existência.
Esse conceito é importante pois, se coceituarmos o Filho apenas como intermediário, presume-se
que Ele é subordinado ao Pai.
Posteriormente, com o surgimento dos macedonianos, Atanásio começou a produzir um corpo
doutrinário mais denso sobre o Espírito Santo, porém, a maior parte de sua vida foi dedicada
especialmente para o conceito do Filho.
Alguns pontos vazios de Atanásio foram preenchidos pelos capadócios. “Sem ele, o trabalho dos
capadócios teria sido impossível. Sem os capadócios sua obra não teria chegado a sua
consecução final” (Justo González).
Para Atanásio, o conceito acerca da relação entre as naturezas de Jesus era semelhante ao do
apolinarismo, desenvolvida por Apolinário de Laodicéia (300 – 390). Ele cria que Jesus não
tinha alma humana, esta foi ocupada pelo Verbo, sendo corpo humano e alma divina.
Os capadócios, mais tarde, provaram que Atanásio se contradizera nesse conceito, pois a alma
humana também é envolvida pelo pecado, e esta tinha que estar envolvida na encarnação.
Ourta afirmação de Atanásio é em relação à comunicação das propriedades das duas naturezas,
sendo que a carne se torna um instrumento do Verbo.
Afirmar que Maria é mãe de Deus é algo que não se deve ignorar, para Atanásio.
61
Os grandes capadócios
Os três grandes capadócios são: Basílio de Cesaréia (330 – 379); Gregório de Nissa (335 – 394); e
Gregório de Nazianzo (329 – 389).
Outra personagem que tem extrema importância nesse grupo de capadócios, mesmo que não sendo
muito citada, é Macrina (330 – 379), também conhecida como “Macrina, a Jovem”, irmã de Basílio
e Gregório de Nissa. Ela influenciou e ensinou os jovens durante o desenvolvimento deles.
Basílio de Cesaréia:
Suas obras não tiveram outro objetivo, senão refutar os erros de sua época (arianismo e
os macedonianos ou pneumatomacianos). Estas heresias foram os alvos de suas obras
Contra Eunômio e Sobre o Espírito Santo. Eunômio era um ariano anomoeano.
Eunômio dizia que, por Deus ser um não-gerado, e o Filho gerado, ambos não podiam
participar da mesma essência.
Basílio refuta Eunômio dizendo que a geração do Filho por Deus não se limita a partes,
divisões e tempo, afirmando que o Filho é eternamente gerado, e concluindo que essa
doutrina, mesmo que mais logicamente explicada, é indescritível e incompreensível
para a mente humana.
62
Ele defendia que Deus é uma ousia e três hipóstases. A Divindade do Pai é comum à
Divindade do Filho, porém, a paternidade é particular.
O Espírito Santo era Deus. Esta afirmação foi algo importante no conceito de Basílio,
pois o pneumatomacianismo estava presente como principal problema do cristianismo.
Ele afirmou essa verdade com cuidado, com o intuito de não escandalizar os que não
tinham um conceito formado da divindade do Espírito Santo.
Ele afirma categoricamente que o Espírito não pode ser uma criatura, e é digno de ser
adorado.
Sua preocupação com a divindade do Espírito Santo foi um marco pra esse tema, pois,
foi a partir de Basílio que o conceito sobre isso passou a ser aprofundado.
Gregório de Nazianzo:
63
Figura 49 - Gregório de Nissa
64
A doutrina trinitariana no Ocidente
No ocidente, mesmo que o arianismo sendo um perigo notavel, não foi tão destacado quanto no
oriente.
As principais preocupações do ocidente eram o estoicismo e assuntos práticos, pois a tradição
latina continha uma forte convicção sobre a Trindade.
A imanência divina, herdade pela influência estóica, foi um fato que ajudou o Ocidente a não
receber o arianismo. Além disso, eles tinham uma convicção bem formada sobre um
subordinacionismo que não acarretava numa doutrina semelhante ao arianismo.
Além de toda proteção conceitual e doutrinária, havia a comoção popular em oposição ao
arianismo, demonstrada também na reação popular liderada por Ambrósio de Milão (337 – 397)
contra a tentativa do Imperador Valentino II de impor o arianismo.
65
Figura 51 - Agostinho de Hipona
Agostinho sofre certa influência dos capadócios na sua doutrina trinitariana, porém, ele se
aprofunda genialmente, dizendo que não seria errado afirmar que a distinção das pessoas se dá,
também, por uma ação particular, mas a verdade central é que é humanamente impossível
expressar totalmente essa distinção de fato.
Os capadócios começam a exposição falando sobre a diversidade das pessoas, Agostinho porém,
parte da doutrina da unidade essencial de Deus, tornando a compreensão mais clara.
Agostinho expôs o seu conceito com um cuidado especial quanto ao perigo de afirmar em um
Deus triplo.
Agostinho, mesmo aceitando o termo “pessoa”, conclui: “Portanto, o que nos resta, exceto
confessarmos que esses termos nascem da necessidade de falar, quando abundante raciocínio é
requerido contra os artifícios e erros dos hereges?” (Agostinho de Hipona).
Outros dois princípios criados por Agostinho são importantes: procedência do Espírito Santo; e
doutrina dos vestígios da Trindade nas criaturas.
Agostinho afirmava que o Espírito Santo é o laço de amor que existe entre o Pai e o Filho.
Ele também afirmava que toda a criação tinha a marca da Trindade, simplesmente pelo fato de a
Trindade criar, por exemplo, o homem “à sua imagem e semelhança”, ou seja, o homem é feito à
imagem da Trindade. Ele dinstingue o homem em memória, entendimento e vontade.
Ele usou isso, não de um modo conclusivo, mas com o fim de tentar expôr de uma perspectiva
nova a doutrina da Trindade.
Resumindo, Agostinho influenciou o Ocidente em destacar em sua teologia: insistência na
unidade divina; procedência do Espírito; e a doutrina dos vestígios da Trindade na criação
(vestigia Trinitatis).
O próximo problema que o Oriente estava prestes a enfrentar é a questão da relação das
naturezas de Cristo.
66
O início das controvérsias cristológicas
Depois de criarem um conceito bem formado sobre as relações do Filho com o Pai, algo ficou
vago: A relação das naturezas de Cristo.
O docetismo era algo crescente. Ele pregava a divindade de Cristo, porém, negava a humanidade
dEle.
O outro extremo teológico é o ebionismo, que pregava a humanidade de Cristo e negava o fato
de Ele ser divino. Deus era revelado na superioridade moral de Cristo, mas não estava presente.
Havia três principais centros teológicos: Ocidente, Antioquia e Alexandria.
O autor que mais produziu suficientemente sobre o tema das naturezas de Cristo no século IV°
foi Tertuliano, pois ele via a necessidade de afirmar tanto a humanidade quanto a divindade de
Cristo, inclusive a humanidade em Sua alma racional.
Alexandria tinha uma cristologia helenística, e Antioquia tinha uma influência síria, com
enfoque nos Evangelhos e na humanidade de Jesus.
Eustátio de Alexandria (X – 370) formou uma cristologia interessante de se examinar.
Ele cria que a humanidade de Cristo não era pessoal, salvaguardando a humanidade de Cristo.
Eustátio procurou enfatizar a distinção das naturezas, porém, custando a verdadeira união destas.
De acordo com ele, em Cristo estava a Sabedoria de Deus, mas a personalidade era humana.
Esta doutrina persistiu com os seguidores de Eustátio, Diodoro de Tarso (X – 394) e Teodoro
de Mopsuéstia.
67
Nenhuma obra dele restou, apenas fragmentos, porém, sabemos que ele era muio dedicado à
exegese, usando o método histórico-gramatical (implantado anteriormente por Lucano de
Antioquia).
Ele tinha uma doutrina que basicamente fazia com que Jesus fosse chamado de “Filho de Deus”
e “Filho de Davi”, sendo por isso que suas obras foram destruídas posteriormente.
Ele também negou a comunicação de propriedades das naturezas.
Teodoro de Mopsuéstia (350 – 428) construiu sua teologia baseando-se quase que inteiramente
em Diodoro e Eustátio.
Teodoro afirmava as duas naturezas de Cristo, porém, não chegava ao ponto que chegou
Diodoro (que afirmou que Jesus era Filho de Davi e Filho de Deus).
Teodoro pôde afirmar de modo muito coeso o que Tertuliano afirmara, que Jesus apresentada a
união de duas natureza em uma pessoa.
Deus está presente em Cristo, como Diodoro e Eustátio afirmaram, como habitação. A presença
de Deus em Cristo não é por causa de Sua natureza e poder (como na criação), mas por Sua
graciosa vontade.
Teodoro tambérm afirmava que Cristo continuava sujeito aos atributos humanos, sendo que a
communicatio idiomatum acontece só em uma direção: os atributos do Verbo são estendidos ao
homem, mas não o contrário.
Ele, porém, expõe uma doutrina um pouco perigosa, dizendo que Jesus não tinha
necessariamente uma aparência externa, colocando a doutrina da encarnação em xeque.
Podemos concluir o seguinte: Alexandria focava na união do Verbo com a carne, mas insistiam
na preservação e enfoque na unidade da pessoa de Cristo; Antioquia focava na união do Verbo
com o homem completo, mas abriam mão da unidade da pessoa de Cristo.
Durante essa época (século IV°) surgiu Apolinário de Laodicéia, que, mesmo sendo amigo de
Atanásio e Basílio, formulou uma doutrina que eles foram obrigados a rejeitar.
Apolinário cria que, se o Verbo está unido a um corpo humano que, por natureza, é mutável,
presume-se que o Verbo deve ser mutável, portanto, ele concluiu que o corpo é humano, mas o
espírito é divino.
Mesmo com esse problema, Apolinário foi um grande teólogo e defensor da fé nicena. Ele opôs-
se aos antioquianos (ao enfatizar a integridade da pessoa de Cristo) e aos arianos (ao enfatizar a
divindade do Verbo).
Apolinário fundamentou sua cristologia na doutrina tricotomista, na qual o homem é formado de
três partes essencial: corpo, alma e espírito. O Verbo ocupou o lugar do espírito, enquanto as
partes carnais se uniam à razão divina.
O Verbo sempre é o agente ativo, não o passivo.
Provavelmente, Apolinário afirmava que havia só uma natureza, a qual era chamada por ele de
“Verbo encarnado”.
68
Entre os inimigos de Apolinário, estavam os três capadócios e o Papa Dâmaso I (300 – 384).
O argumento principal se dá no fato de o homem inteiro estar coberto pela culpa do pecado, e se
uma parte do homem estiver fora do Salvador, este não está todo salvo, e quase salvo é a mesma
coisa que estar condenado.
69
A controvérsia nestoriana e o Concílio de Éfeso
Figura 56 - Nestório
O conflito estourou quando Nestório afirmou que Maria não pode denominada “genitora de
Deus”, mas sim “genitora de Cristo”.
Cirilo de Alexandria (378 – 444), quando soube de Nestório, reuniu todas as forças que
estavam a seu alcance para condená-lo, como o ouro da Igreja de Alexandria e a Igreja Romana.
O apoio da Igreja Romana a Cirilo ficou mais acentuado depois que Nestório abrigou pelagianos
condenados no Ocidente.
70
Nestório foi condenado em um sínodo em Roma, em 430, sob a liderança do Papa Celestino.
Após isso, os monges egípcios passaram a apoiar Cirilo. A Igreja Romana mandou Cirilo como
representante para tentar convencer Nestório a se retratar. Em sua terceira tentativa, Cirilo
mandou uma lista de doze heresias para que Nestório assinasse e comprovasse que ele tava
errado, porém, este respondeu mandando outros doze anátemas a Cirilo.
Isso causou um problema tão grande que os imperadores Valentiniano III (Ocidente) (419 -
455) e Teodósio II (Oriente) (401 – 450) a convocarem um concílio em Éfeso, em 7 de junho
de 431.
71
Figura 60 - Concílio de Éfeso
Pelo fato de o concílio, mesmo tendo a data pré-publicada, não ter todos os defensores de
Nestório (pois estes não tinham chegado ainda na cidade), o grupo que chegou (que tinha João
de Antioquia como líder) depois condenou Cirilo, considerando eles mesmos o verdadeiro
concílio.
Depois, chegou emissários papais em Éfeso, e reafirmaram a condenação de Nestório,
juntamente com o povo que veio depois.
Depois, pelo fato de Roma ter apoiado Cirilo, em troca, Cirilo ajudou na condenação do
pelagianismo posteriormente.
Com medo de que esse problema resultasse num cisma, o imperador Teodósio II mandou Cirilo,
Nestório e João presos. Cirilo, com muita habilidade política, conseguiu favor do imperador.
O cisma ficou mais evidente quando João de Antioquia rompeu com a comunhão com o restante
da Igreja.
Visto isso, o imperador novamente envolveu-se, enviando Aristolau, fazendo com que Cirilo
repusesse suas posições acerca dos anátemas mandados para Nestório, e que João de Alexandria
se retrate e concordasse com a condenação de Nestório, e consequentemente, de alguns
apoiadores de João que se negaram a concordar.
Nestório entende por “natureza” o que pode ser chamado de composição natural. O corpo e a
alma são naturezas incompletas, e as duas juntas forma a natureza humana completa. Essa
natureza completa se chama “hipóstase”.
O termpo “prosopon” é usado para distinguir as pessoas da Trindade. Cada um na Trindade é um
“prosopa”. Ele afirma as duas “prosopas” naturais em Cristo, ou seja, duas naturezas. Porém,
numa outra pespectiva, Nestório também afirma que há uma “prosopa” de união, sendo esta do
Filho de Deus, a união do homem com o Verbo.
Cristo não é uma união, mas o resultado de uma união em si. Não pode se unir as duas naturezas
em Cristo, pois se isso ocorresse, presupõe-se que as naturezas são incompletas.
Nestório defende uma união dinâmica, em outras palavras, mutável. A união também é
voluntária, como um trato entre o divino e o humano.
Ele nega totalmente a doutrina da communicatio idiomatum.
Cirilo, no começo, adotou alguns princípios de Apolinário, mas depois, ele foi obrigado a
aperfeiçoar seu corpo doutrinário, e ajustou esses erros.
Cirilo cria numa única natureza, o Verbo encarnado. Essa doutrina se chama “união hipostática”.
Maria é mãe de Deus porque ela é mãe de uma humanidade que subsiste por causa da sua união
com o Verbo.
Cirilo não tentou, de fato, compreender Nestório, mas fez uma caricatura de pensamento dele e
criticou-a.
72
O Concílio da Calcedônia
Em 433, houve uma tentativa de paz entre a cristologia alexandrina e antioquiana, expressada
numa fórmula conciliatória.
Mesmo assim, muitos seguidores, tanto de Cirilo como de João de Antioquia, não aceitaram a
paz.
O conflito entre as cristologias voltou a eclodir em 444, com Dióscoro (X – 454) sucedendo
Cirilo como patriarca em Alexandria.
Figura 61 - Dióscoro
Dióscoro dizia que a fórmula conciliatória foi uma vitória da heresia sobre a verdadeira fé.
Ele tinha o apoio quase que generalizado no Império, sendo que o contexto dizia que estava
quase certa a vitória sobre os antioquianos.
O bispo de Antioquia era Teodoreto de Ciro.
Por causa das ações de Teodoreto, Dióscoro fez com que Crisáfio, um alto-oficial, fosse ao
imperador e o convencesse a assinar um édito antinestoriano, contra a cristologia antioquiana.
Essa não foi uma vitória completa para Dióscoro, então, ocorreu uma acusação em Antioquia
contra um tal de Êutico.
Um sínodo de Constantinopla, liderado por Flaviano de Constantinopla (X – 449), condenou
Êutico, porém, este recorreu, contando com a ajuda de Dióscoro e Crisáfio.
73
Quando Êutico recorreu, acabou pedindo ajuda ao bispo de Roma, o Papa Leão (400 – 461),
porém, Flaviano também pediu.
74
Figura 64 - Imperador Marciano
O Tomo de Leão, a carta que ele havia enviado a Flaviano apoiando a condenação de Êutico, foi
sancionada juntamente com a fórmula produzida no concílio e as epístolas doutrinais de Cirilo.
75
A Teologia de Agostinho
Esse capítulo vai voltar um pouco no tempo, para o final do século IV° e começo do século V°,
com o objetivo de expôr a teologia de Agostinho de Hipona.
Dele, veio as raízes do Escolasticismo Medieval e da Reforma no século XVI. Nele, marca-se o
fim da teologia clássica e o começo da teologia medieval.
Sua juventude:
A principal fonte biográfica da vida de Agostinho é sua obra Confissões.
Agostinho nasceu em Tagaste, na África, filho de uma mãe cristã e um pai pagão, em
354.
Ele foi pra Madaura, e posteriormente, para Cartago. Viveu uma vida desregrada, que o
levou a tomar para si uma amante, tendo um filho com ela, Adeodato.
Ele continuou seus estudos em retórica, onde, quando começou a estudar Hortensius de
Cícero, passou a buscar incessantemente a verdade, busca essa que o levou ao
Maniqueísmo.
Maniqueísmo:
Religião fundada por Mani ou Maniqueu (216 – 276). Ele nasceu na Babilônia.
Figura 66 - Maniqueu
Seu pai era de uma seita gnóstica e ascética. Maniqueu, quando tinha 12 anos, recebeu
uma revelação para que ele saísse da seita, e quando tinha 24, recebeu outra revelação
que o tornou profeta e apóstolo de uma nova “religião da luz”.
Ele pregou em muitos lugares, até ser aprisionado e morrer um mês depois.
Seus discípulos foram espalhados, mas em 282, seu grupo já estava reunido com a
liderança de Sisinius.
O maniqueísmo é baseado no gnosticismo, onde ele tenta expôr os mistérios da
condição humana por meio de revelações que nos lembra de nossa origem divina e nos
liberta da matéria.
O espírito humano é parte da substância divina, e está sujeito à angústia como resultado
de sua união com o princípio do mal. O espírito humano deve retornar à substância
divina, completando assim o seu destino.
O princípio do bem foi revelado por homens como Buda, Zoroastro, Jesus e Maniqueu.
Maniqueu revelou a verdade final, concluindo a mensagem que os citados acima
queriam passar.
76
De acordo com o maniqueísmo, Maniqueu é a encarnação do Espírito Santo, e esse
expõe não só a verdade religiosa, mas também a ciência perfeita, que inclui a origem e
o funcionamento do mundo (exposto com muitos temas mitológicos).
O maniqueísmo prega a ética de renúncia, quase impossível de ser cumprida. Para quem
consegue, esses são chamados “perfeitos”, para quem não consegue, “ouvintes”.
A igreja maniqueísta era a “igreja da Luz”.
Estava em seu corpo doutrinário a convicção da necessidade de reencarnação de alguns.
Agostinho era maniqueísta ouvinte, e continuou sendo por nove anos.
Parece que o que o atraiu foi a promessa de explicação racional do Universo.
Agostinho tinha muita dificuldade em aceitar o fato de a bondade e o amor de Deus
coexistir com o mal.
O ponto final da história maniqueísta de Agostinho foi sua decepção com as exposições
de um dos mais famosos professores maniqueístas da época, Faustus de Milevis.
Depois disso, mudou-se pra Roma. Lá, ele ficou muito tendencioso ao ceticismo da
Academia.
A experiência não foi muito boa, e de lá, foi para Milão ocupar uma vaga como
professor de retórica. Lá, ele se tornou neoplatônico, e posteriormente, cristão pela
influência do bispo Ambrósio e de seu professor Simplício.
Neoplatonismo:
O neoplatonismo foi uma solução fácil para Agostinho, pois nele Agostinho encontrou
os conceitos da natureza incorpórea de Dus e da existência do mal (sem o basear no
dualismo, como o maniqueísmo fazia). O neoplatonismo foi influente em Agostinho,
até após sua conversão.
Sua conversão:
O bispo de Milão, quando Agostinho chegou lá, era Ambrósio.
Agostinho foi ver a pregação de Ambrósio como profissional, buscando melhorar seu
modo de falar.
Quando Agostinho menos percebeu, ele estava atentando para o que Ambrósio dizia, e
percebendo que as interpretações alegóricas de Ambrósio esclareciam muitas dúvidas
que ele tinha.
Ele conhecia um cristianismo ascético em casa, por isso, evitou o cristianismo por
muito tempo, e tinha medo de se aproximar muito. Sua mente, porém, havia se abrido
para o cristianismo de uma forma apenas intelectual, não prática, como diz sua famosa
frase: “concede-me castidade e continência, mas não agora”.
Não devemos esquecer que sua mãe, Mônica (331 – 387), teve uma influência essencial
na conversão de Agostinho.
Figura 67 - Mônica
77
Duas histórias em especial levaram Agostinho à vergonha, desespero, e posteriormente,
sua conversão. As histórias das conversões de Marius Victorinus, um grande tradutor
do Latim de diversas obras neoplatônicas, e a conversão de outros dois homens que se
converteram logo após lerem A vida de Santo Antônio.
Estas histórias tocaram demais Agostinho. “Por quanto tempo, por quanto tempo?
Amanhã, e amanhã? Por que não existe agora um fim para minha impureza?”
(Agostinho de Hipona).
Foi então que Agostinho tem uma visão, e nela ele está sentado aos pés de uma árvore e
uma voz de um menino clama “Toma e lê, toma e lê”. Este, quando abriu, leu Romanos
13.13,14.
Mesmo que suas obras depois desse fato tenham um teor neoplatônico (Contra os
acadêmicos; Acerca da vida feliz; Acerca da ordem; Diaologos; Acerca da
imortalidade da alma), o fato no jardim de Milão teve fundamental importância para a
história de Agostinho, pois foi um ponto de partida para sua vida cristã. Isso pelo fato
de, depois desse momento, ele passar à prática dos ensinamentos cristãos, e cada vez
que o tempo passava, mais ele abandonava os princípios neoplatônicos.
Depois de passar um tempo em Cassiciacum (atual Cassago Brianza, no norte da Itália),
Agostinho e seu filho retornara a Milão, onde eles foram batizados por Ambrósio.
Partiram, então, para Tagaste, mas logo que chegaram, a mãe de Agostinho faleceu, no
Porto de Óstia.
Agostinho vendeu tudo o que tinha e deu aos pobres, e levou uma vida retirada junto do
filho com alguns amigos, sempre com disciplina, estudo, meditação e discussão.
Em 391, Agostinho visitou a cidade de Hipona, onde Valerius, o bispo de lá, o ordenou
sacerdote.
Quatro anos mais tarde, Agostinho se torna bispo de Hipona pela insistência de
Valerius, já muito idoso.
A controvérsia dos donatistas:
A vida de Agostinho pode ser dividida em três partes: Controvérsia maniqueísta;
controvérsia donatista; e controvérsia pelagiana.
O seu último trabalho sobre o maniqueísmo foi Sobre a natureza do bem, a partir disso,
ele passou a se preocupar mais com os donatistas.
O donatismo teve sua origem na perseguição de Dioclesiano (303 – 305).
78
Agostinho tentou acabar com o donatismo, mas esse subsistiu até o século VI DC.
O que importa aqui não é a doutrina donatista, mas sim, como Agostinho construiu três
assuntos principais contrapondo o donatismo, a saber: natureza da Igreja; relação entre
Igreja e Estado; e os sacramentos.
A eclesiologia donatista tinha base na santidade empírica, baseada na experiência.
Os que não são santos em termos práticos (principalmente em relação à perseguição)
não podem participar da Igreja.
Agostinho, baseando-se nesse embate, construiu o conceito de igreja visível e Igreja
Invisível.
Sobre Igreja e Estado, isso começou a ser debatido devido à violência usada pelos
donatistas extremados (circumcellones) para forçar os outros a crerem neles, e forçando
também a os que estavam dentro não sair.
Mesmo Agostinho não apoiando a resposta da força bruta, ele foi obrigado a aceitar a
ajuda do Estado para intervir nesse embate.
Baseando-se nesse contexto, Agostinho formulou a teoria de guerra justa, onde é
justificável as ações quando o propósito é justo, como a preservação da paz a
subsistência do amor.
Quanto aos sacramentos, os donatistas defendiam que eles não podiam ser
administrados pelos traditores, e só pode participar dos sacramentos quem for santo
A partir disso, Agostinho formulou a diferenciação entre sacramentos regulares e
válidos, sendo que nem todo sacramento regular é válido. A validade não depende da
regularidade.
Pelagianismo:
Essa controvérsia deu a Agostinho a oportunidade de formular as doutrinas da graça e
predestinação.
Essa doutrina começou com Pelágio da Bretanha (354 – 420).
79
Figura 70 – Jerônimo
Pelágio e sua doutrina sofreu muitas acusações e fugiu de muitas, a ponto de o caso
chegar a Roma, com o bispo Inocêncio (350 – 417). Este apoiou as condenações contra
Pelágio.
O sucessor de Inocêncio, Zósimo (370 – 418), mesmo apoiando por um tempo Pelágio,
acabou por condená-lo.
As doutrinas de Pelãgio são conhecidas pelas suas próprias obras, como Exposição das
epístolas paulinas e Livro da fé.
Pelágio produziu sua teologia para confrontar a doutrinas maniqueísta da origem do
bem e do mal, sendo que, o que é mal não consegue fazer nada de bom, e vice-versa.
Agostinho também contrapôs os maniqueístas com a sua obra Sobre o Livre-arbítrio.
Agostinho não abandona por nada a necessidade da graça para a salvação,
diferentemente de Pelágio, que achava a doutrina da graça de Agostinho uma afronta
para a responsabilidade e liberdade humanas.
De acordo com Pelágio, Deus nos fez livres, e é através do exercício dessa liberdade
que nós fazemos o bem.
80
O poder para não pecar está na natureza humana desde a criação. Nem o pecado de
Adão nem o demônio pode destruir essa liberdade de realizar o bem.
Pelágio também cria na graça de três formas: graça natural (por exemplo, existência e
inteligência fazem parte; graça do ensino (Deus mostrando o caminho que devemos
seguir); graça do perdão (consequência de arrependimento voluntário movido pelo
livre-arbítrio).
Pelágio cria também que as crianças não tinham, e por isso não tinham necessidade de
se batizar, pois o batismo resulta em mudar algumas ações.
O ponto fundamental de Pelágio é “praesdestinare est idem quo praescire” (predestinar
é o mesmo que predizer”.
Agostinho combateu essa heresia duramente, com obras como Acerca do Espírito e da
letra, Acerca da natureza e da graça e Acerca do pecado original. Ele escreveu obras
combatendo Celéstio e Julian de Eclanum, da segunda geração pelagiana.
Houve outra oposição contra Agostinho também, que eram aqueles que eram contra
Pelágio, porém, não quiseram ir tão longe quanto Agostinho foi. Eles foram
denominados semipelagianos, e tinham seu centro no sul da França, com João
Cassiano (360 – 435).
81
Agostinho adotou a ideia platônica de mundo inteligível, não aceitando, porém, o
conceito de que esse mundo inteligível está acima do Criador, mas é a mente divina e
suas ideias eternas.
Por não aceitar a doutrina da preexistência da alma, Agostinho rejeitou a solução
platônica de explicar o conhecimento como uma memória da alma.
Sua teoria final sobre conhecimento é a doutrina da iluminação, onde o homem recebe o
conhecimento pela iluminação divina.
Deus:
Agostinho dizia que nós acreditamos na existência de Deus pelo fato de crermos na
existência da verdade, de verdades imutáveis.
A verdade absoluta é Deus.
Agostinho não quer dizer que Deus existe a partir disso, mas que isso é uma visão
possível da certeza da existência de Deus. A realidade de Deus é manifesta.
Criação:
O Deus triúno é criador de tudo o que existe.
O Universo foi criado ex nihilo (do nada).
Deus criou a matéria e sua forma simultaneamente.
A criação foi um ato livre de Deus, e este sabia de antemão como toda a criação iria ser.
Isso porque tudo estava anteriormente e eternamente na mente divina.
Sobre a ordem da criação, Agostinho cria interpretações simbólicos, como o fato de os
dias não poderem ser contados literalmente, e também pela manifestação das espécies
não ser plena nos sete dias da criação.
O Tempo:
O tempo, para Agostinho, faz parte da criação. Este foi criado na eternidade.
O passado não existe mais, mas nos é concedido no “presente do passado”, que é a
memória.
O futuro não existe ainda, mas nos é concedido no “presente do futuro”, que é a
expectativa.
O presente nos é oferecido diretamente à visão, e os outros tempos se tornam presentes
pelos seus respectivos meios (memória e expectativa).
Agostinho acredita que Deus criou o mundo, de outra forma, o tempo teria uma
característica divina, a saber, a eternidade.
O mal:
Sobre o mal, Agostinho construiu uma convicção sobre isso pelo fato de os
maniqueístas crerem num dualismo, botando em xeque o monoteísmo cristão. Tirando o
fato de que ele considerava essa ideia totalmente irracional.
Agostinho construiu uma ideia totalmente lógica sobre o mal, dizendo que este não é
uma criatuura ou uma natureza, mas sim, a negação do bem. Tudo é bom.
O mal corrompe a natureza, pois, ele nega a pureza natural.
Agostinho, aproximando-se de um ideal neoplatônico, (porém com muita lucidez) cria
que o mal consistia em afastar-se do Deus Único, não de uma realidade a parte do Deus
Único.
A origem do mal, então, cai consequentemente no mau uso do livre-arbítrio das
criaturas (anjos e homens).
Livre-arbítrio:
O livre-arbítrio é uma dádiva de Deus dada à criação para que ela fizesse bom uso do
bem recebido, movido por sua vontade.
Este livre-arbítrio incluía não apenas o poder de não pecar (posse non peccare), mas
também de pecar (posse peccare). Ele não tinha, porém, o poder de não poder pecar
(non posse peccare).
Este livre-arbítrio, porém, só é realidade, para Agostinho, antes da queda.
82
O homem, após a queda, perdeu a total liberdade.
O pecado original e a natureza humana:
O pecado original é uma herança de Adão aos seus descendentes.
Depois da queda, o homem perdeu a graça do poder de não pecar, ou seja, o homem só
é livre para pecar.
Agostinho rejeitava o conceito estóico de transmissão da alma pelos pais, mas não
desvinculava essa possibilidade, pois não encontrou uma explicação plausível sobre a
transmissão do pecado sem citar isso.
O pecado original é a raiz de todo o pecado.
“... nós temos verdadeira liberdade para escolher entre várias alternativas, embora, dada
a nossa condição de pecadores sujeitos à concupiscência, e como membros dessa
‘massa de maldição’, todas as alternativas que estão realmente abertas para nós são
pecado. A opção de não pecar não existe” (Justo González comentando sobre
Agostinho).
Graça e predestinação:
Partindo dessa lógica, não há possibilidade, por nós mesmos, alcançarmos redenção.
Não podemos fazer nenhum bem verdadeiro sem a ajuda total da graça.
Todos os descendentes de Adão estão sujeitos à escravidão do pecado, sendo incapazes
de fazer o bem.
O bem só é realizado por intermédio da graça, e isso inclui nossa conversão.
Sem a graça, é impossível nos aproximarmos de Deus. É ela que nos capacita a fazer
boas obras após a conversão.
“Ele opera, portanto, sem nós, de forma que nós possamos querer; mas quando nós
queremos, e queremos a ponto de poder agir, Ele coopera conosco. Não podemos,
entretanto, fazer nada por nós mesmos para efetuar boas obras de piedade sem Ele
trabalhar para que nós possamos querer, ou trabalhar conosco, quando nós desejamos”
(Agostinho).
A graça é totalmente irresistível ao homem, não o forçando, mas ativando a vontade do
homem e a estimulando, sendo que ela passa a desejar apenas o bem.
Nós não podemos nos salvar sozinhos, e também não somos salvos contra nossa
vontade.
De acordo com Agostinho, essa motivação que a graça impõe à vontade humana é uma
“violência suave”.
Não é devido à primeira graça (batismo) que recebemos a salvação, mas sim,
perseverando em Cristo a vida toda, e esta só pode ocorrer se a graça agir no homem.
“Assim, a salvação é do princípio ao fim, um trabalho da graça” (Justo González).
Essa ideia leva à convicção da predestinação, onde é Deus quem decide quem vai ser
salvo ou não. A salvação é o resultado imerecido do amor de Deus.
Agostinho não tentou conciliar a onisciência de Deus com a liberdade humana, mas
testemunhou a primazia de Deus na salvação.
Deus predestina os salvos, e os que continuam no pecado simplesmente lá permanecem,
não sendo, necessariamente, predestinados para perdição ativamente por Deus.
Ele valorizava as obras também, ao ponto de dizer que sem obras, de fato, não há fé.
Esse conceito de predestinação resultou em muitas dificuldades na história da Igreja.
A igreja:
Sobre Igreja, Agostinho cria na apostolicidade (sucessão apostólica) e na catolicidade
(universalidade, estar presente em todos os lugares) da Igreja.
A unidade da Igreja é essencial, sendo representada pela Igreja de Roma, a qual é, de
acordo com Agostinho, tipo de toda a igreja”, comparando com a doutrina de
representação de Adão para todo o homem.
83
Na Igreja, não podemos hoje separar o joio do trigo, porém, ela continua santa, pois ela
está destinada a uma santificação final.
Agostinho tinha um conceito semelhante a diferenciação de igrejas visível (igreja
comunidade) e invisível (igreja de fato, corpo de Cristo, salvos).
Sacramentos:
Mesmo Agostinho se referindo a sacramentos como um monte de práticas e ritos, os
que ele focava era no batismo e na eucaristia.
O conceito agostiniano de batismo foi formado num contexto de donatismo e
pelagianismo, nos quais o primeiro cria no batismo como sem poder ser fora da igreja
donatista (se não, não tinha validade), e o segundo cria no batismo como sendo proibido
para crianças.
Agostinho seguiu as ideias de Optato de Milevis (Século IV – Século IV) e sua obra
Sete Livros sobre o Cisma Donatista, no que se refere a eclesiologia e sacramentos.
Optato afirmava que o batismo tem validade em si mesmo, sendo ação da Trindade, não
do homem que está realizando o batismo.
Porém, de acordo com Optatus, se o batismo é feito numa igreja que nasceu com o
intuito de se denominar igreja única (consequentemente, as outras sendo anátemas), o
batismo realizado nela é condenação, não salvação.
Agostinho porém, com um espírito pacífico, não condenou o batismo dos donatistas,
mas sim, condenou os donatistas em si, dizendo que eles não usufruíam dos
sacramentos com amor e justiça.
Portanto, ao voltarem à Igreja, não devem batizar de novo, mas receber imposição de
mãos, para receber de volta o vínculo.
O consenso mas lógico sobre a doutrina agostiniana da presença de Cristo nos
sacramentos é que o participante da eucaristia recebe realmente o sangue e o corpo de
Cristo, não no sentido de se tornaram de fato corpo e sangue, mas de se tornarem meios
para os participantes participassem do corpo de Cristo.
O significado da História:
A queda de Roma em 410 DC fez com que Agostinho escrevesse sobre o significado da
história, resultando em seu trabalho A Cidade de Deus.
Nessa obra, Agostinho distingue duas cidades, cada uma dirigida por um impulso
diferente.
Ele distingue as cidades como uma terrena (movida pelo amor ao ego e desprezo a
Deus) e outra celeste (movida pelo amor a Deus e desprezo ao ego).
84
As duas cidades convivem mutuamente, sendo que uma se confunde com a outra,
porém, o resultado final será a condenação da cidade terrana e a salvação da celestial.
Muitos diziam que a queda de Roma fora devido ao cristianismo, porém, Agostinho
respondeu que todo o império sucumbe, e se um dia este se tornou poderoso, se tornou
porque Deus quis. Roma, portanto, caiu por seu próprio pecado e idolatria.
Sobre escatologia, Agostinho tinha apenas opiniões, não convicções. Uma delas é o
futuramente conhecido como purgatório, porém, só os salvos iriam a ele.
Isso mostra as marcas de um gênio, o fato de ele deixa claro a limitação que ele tinha.
85
A Teologia Ocidental após Agostinho
Embora muitos dos povos bárbaros se considerassem súditos de Roma, o império antigo virou
passado, e o presente foi tomado pelos bárbaros.
Isso mudou totalmente a perspectiva da Igreja Cristã, tendo uma nova responsabilidade, a
missionária, de evangelizar os povos bárbaros.
Além de povos pagãos, haviam povos arianos, e essa questão voltou à tona.
Controvérsias sobre a teologia de Agostinho: Graça e Predestinação.
Agostinho sofreu críticas nessa época devido à dois temas: Graça e Predestinação; e
natureza da alma humana.
Os oponentes das doutrinas da graça e predestinação eram chamados semi-pelagianos
ou semi-agostinianos.
Uma das teorias semi-pelagianas foi a de Vitalis de Cartago, que dizia que todo o bem é
graça de Deus, porém, o primeiro ato da salvação, o ato de aceitar a Cristo (initium
fide), vem da gente, sem a ajuda da graça. Essa doutrina era compartilhada pelos bipos
de Hadrumentum também.
Agostinho respondeu a estas respostas com muita lógica, usando os argumentos que
embasaram as suas doutrinas da graça e predestinação. Essa contra-resposta foi seu
trabalho Sobre graça e livre-arbítrio e Sobre correção e graça.
No sul da Gália foi onde os críticos a Agostinho foram mais notados, como João
Cassiano. Ele foi um monge monástico, fundando dois monatérios. Neles, João
escreveu Sobre a instituição do monasticismo, Sobre a encarnação do Senhor, contra
Nestor e Discursos Espirituais. Ele condena claramente Pelágio, mas não aceita os
extremos de Agostinho.
João Cassiano e outros escritores foram aspectos importantes para que a teologia futura
da Igreja Católica distorcesse os escritos de Agostinho.
Outro autor que, e seu contexto, foi muito mais longe em questão territorial do que
Cassiano, foi Vincent de Lérins (? – 445).
Vincent não teve muita influência na Idade Média, porém, sua clareza e autoridade ao
combater as novas doutrinas de Agostinho e seus discípulos foi louvável, distorcendo os
ensinos agostinianos e diceminando as doutrinas semi-pelagianas.
Ele não citava Agostinho diretamente, mas via suas doutrinas como opostas ao que a
Igreja Católica havia crido desde o princípio.
86
Outro autor que lutou ferozmente contra os ideais agostinianos foi Faustus de Riez
(410 - 490).
Em sua obra Sobre a Graça de Deus e Livre-arbítrio, Faustus defende que o initium
fide (primeiro passo da fé) depende da liberdade humana.
“A Deus, a liberalidade de recompensar; e ao ser humano, a devoção de buscar”
(Faustus de Riez).
Ele dizia que os que afirmavam que o homem tem liberdade apenas para pecar estavam
enganados, pois Cristo morreu por todos. Ele também afirmava que a predestinação era
o pré-conhecimento divino.
O principal argumento dos agostinianos contra esses ataques era que a initium fide
dependia inteiramente da graça de Deus.
O principal defensor agostiniano contra o semipelagianismo foi Próspero de
Aquitânia (390 – 455). Seus ensinos são expostos em suas obras: Epístola para Refinus
sobre graça e livre-arbítrio; Hino sobre o ingrato; e Sobre a vocação de todas as
pessoas.
87
Um ponto que bateu de frente com Faustus foi o fato de Claudiano apoiar a
incorporiedade da alma como imagem divina na criatura humana.
Outro opositor de Agostinho foi Gennadius de Marseilles (X – 496).
Essa controvérsia acabou logo, muito devido à influência neoplatônica trazida por
Agostinho e Gregório de Nissa.
Orosius e priscilianismo.
O priscilianismo foi uma corpo doutrinário herético que começou com Prisciliano de
Ávila (340 – 385), mesmo que parte dessas doutrinas não sejam, de fato, atribuídas a
ele.
Essa heresia foi discutida no concílio de Toledo em 400, mas foi definitivamente
condenado no concílio de Braga em 563.
O priscilianismo tinha influência do gnosticismo, maniqueísmo e sabelianismo, com
forte teor ascético.
É nesse contexto que surge um nome que teve destaque como opositor do
priscilianismo, Paulo Orosius (375 – 418).
88
Mesmo sendo famoso por sua luta contra o priscilianismo (como sua obra Coletânea de
erros dos priscilianistas e origenistas), Orosius é citado aqui como o autor de uma obra
riquíssimo em conteúdo cronológico e de história do pensamento cristão, Sobre a
história contra os pagãos, que foi adicionada à Cidade de Deus de Agostinho. Essas
duas obras mais populares de Orosius foram feitas a pedido de Agostinho.
Orosius vê Cristo como o centro, o almo de toda a história.
Boethius e a questão dos universais.
Manlius Torcuatus Severinus Boethius (480 – 525) tomou para si a tarefa de fazer
conhecida a antiga filosofia grega no mundo latino.
Figura 79 - Boethius
89
Figura 80 - Cassiodoro
Flavius Magus Aurelius Cassiodorus Senator (485 – 585), mais conhecido como
Cassiodoro, ocupou altas posições na corte do rei Teodorico (454 – 526), e subitamente
largou tudo e passou a viver em Vivarium (comuna da França), sendo líder de uma
comunidade monástica. Depois de um tempo, abandonou essa vida também, e passou a
viver como um simples monge.
Escreveu obras como Sobre a alma (expondo e apoiando a visão agostiniana de alma),
comentários sobre livros da Bíblia (mostrando ser adepto da hermenêutica alegórica),
História em três partes (tirou dados históricos das obroas de Sócrates e Teodoreto).
Suas obras mais marcantes, porém, foram os dois livros Instituições das letras divinas e
seculares. Essa obra foi um resumo de todo o conhecimento secular e religioso da
época, e foi usada como base na educação medieval.
Gregório, o Grande.
A figura mais marcante dessa ponte entre Antiguidade e Idade Média foi o papa
Gregório, o Grande (540 – 604), sendo destaque na liturgia (canto gregoriano), na
evolução das leis canônicas (retiradas de suas epístolas), na história das missões, na
história da pregação, na história do monasticismo, etc.
90
Figura 82 - Papa Gregório I
91
Sua influência nas áreas prática e ascética são sempre presentes em toda a história
medieval, porém, a sua teologia não foi muito visível.
Outro autor influente no monasticismo foi Martin de Braga (520 – 580). Ele foi
missionário entre os Suevi (povo germânico).
92
A Teologia Oriental entre o Quarto e o Sexto Concílios Ecumênicos
A Teologia Oriental após o concílio da Calcedônia começou como principal questão a oposição
que o concílio teve nessa região.
A principal visão oposta à doutrina de duas naturezas era a de que Cristo tinha uma natureza que
fundia as naturezas humana e divina. Essa visão foi chamada “monofisismo verbal” ou
“severianismo”, devido a seu expoente Severo de Antioquia (465 – 538), que teve como sua
principal obr acristológica O amante da verdade.
93
Figura 86 - Severo de Antioquia
Severo defende a humanidade e a divindade de Cristo, porém, estas estão em uma só natureza.
Imperadores da Roma Oriental como Zeno e Basilisco tentaram criar certa paz entre os
monofisistas e os defensores da Calcedônia, mas não tiveram sucesso.
Isso resultou no cisma entre as igrejas oriental e ocidental, onde o papa Félix III (440 – 491)
excomungou o patriarca Acácio de Constantinopla.
O cisma só terminou em 519, depois de muitas negociações entre o Imperador Justino I (450 –
527) do Oriente e o papa Hormisdas (475 – 523). Essa negociação foi uma vitória para Roma,
pois todas as rejeições à Calcedônia foram retiradas, e todos os opositores foram condenados.
94
Figura 88 - Papa Hormisdas
Uma das tentativas fracassadas de repacificação foi a chamada “conferência contraditória”, onde
defensores e opositores do concílio da Calcedônia se reuniram para discutir. Isso, porém, só
reacendeu a questão teopasquita e teve como consequência a “controvérsia dos Três Capítulos”.
Nessa controvérsia, foram condenadas as obras de três grandes teólogos de Antioquia (Teodoro
de Mopsuéstia, Teodoreto de Ciro e Ibas de Edessa). Justiniano publicou dois editos condenando
esses autores.
O papa Vigílius (500 – 555) acabou cedendo à decisão de Justiniano em 548, com sua obra
Iudicatum.
95
Figura 90 - Papa Vigílius
Depois de grande oposição ocidental, Vigílius retirou sua Iudicatum. Essa oposição foi tal que
fez com que Justiniano abandonasse a possibilidade de discussão sobre o tema, reafirmou a
condenação dos três autores.
A oposição a seus éditos fez que com Justiniano convocasse um concílio em Constantinopla em
maio de 553.
O papa Vigílius retomou suas forças e orgulho, e reafirmou sua posição, publicando a
Constitutum, onde ele recusa a decisão da autoridade civil em um assunto teológico. Ele não
condena nenhum dos teólogos citados nos Três Capítulos, e discute cuidadosamente sobre os
temas.
O Concílio, porém, condenou Teodoro de Mopsuéstia, absolveu a pessoa de Teodoreto
(condenando seus ensinos) e heretizando Ibas. Além disso, condenou também Orígenes.
Vigílius, a princípio, não aceitou a decisão do concílio, mas acabou cedendo, e essa rendição de
Vigílius provocou vários cismas no Ocidente, demorando para serem curados.
A próxima controvérsia cristológica aconteceu no século 7°, chamada de controvérsia
“monotelista”, tendo como início o tema “monergismo”.
O patriarca Sérgio de Constantinopla (X DC – 638 DC) (proponente do monotelismo) tinha
como objetivo ganhar a aliança dos monofisistas, que ganharam força devido à situação política.
Sérgio propôs a fórmula de “uma energia” (monergismo), tentando, assim, unir a cristologia da
Calcedônia com os monofisistas.
A oposição nasceu, tendo como porta-voz Sofrônio de Jerusalém. Essa oposição foi tão efetiva
que fez Sérgio retirar a proposta e proibir o uso dessa fórmula em 634.
Sérgio, então, substituiu o termo “energia” por “vontade” (monotelismo), e esta foi aceita pelo
papa Honório e pelo imperador Heráclius.
Novamente, a oposição nasceu, e essa teve como porta-voz Maximus de Crisópolis (Maximus, o
confessor). Essa oposição foi recebendo muitos adeptos, inclusive papas. Como consequência, o
imperador Constante II proibiu essa discussão.
Essa questão foi resolvida no Concílio de Calcedônia de 681 (Sexto Concílio Ecumênico), onde
a doutrina da Calcedônia foi reafirmada, e todas as outras heresias condenadas, incluindo o
monotelismo. Esse concílio defendeu também a doutrina de duas vontades naturais, uma para
cada natureza.
Pelo fato de o Oriente ser o berço da filosofia e, lá, ser usada a língua original dos maiores
pensadores da Antiguidade, e também pelo contexto pré invasões árabes, que transmitia muita
paz, a teologia e filosofia foram muito presentes.
Essa relação entre a filosofia e teologia levantou questões que envolviam a compatibilidade de
dogmas cristãos com a lógica grega. Os dois principais temas debatidos foram a criação e a
ressurreição do corpo. Os pensadores que se destacaram nessa questão foram os chamados “três
de Gaza” (Aeneas de Gaza; Zacarias de Mitilene; e Procópio de Gaza; além do filósofo João
Philoponus).
Outra questão levantada foi como seria possível a relação entre o misticismo neoplatônico e as
doutrinas cristãs. Foi destaque nessa questão o chamado Pseudo-Dionísio.
96
A questão que mostra maior relevância é de que maneira a filosofia grega podia ser usada para
resolver problemas de caráter teológico. Destacaram-se nessa questão Leôncio de Bizâncio e
Maximus, o Confessor.
Aeneas de Gaza (X – 518), Procópio de Gaza (465 – 528), Zacarias de Mitilene (465 – 536) e
João Philoponus (490 – 570) afirmavam com veemência que a criação não era eterna.
Aenes foi mais longe, discutindo sobre a imortalidade da alma e a ressurreição dos corpos. Ele
dizia que a alma, mesmo sendo criada, é imortal, sendo que o livre-arbítrio é o indício principal
disso. Esse fator, para ele, torna capaz a divinização da alma. Na ressurreição dos corpos, estes
se unirão â alma, e se tornarão imortais.
João Philoponus se opôs à ideia de ressurreição do mortos, sendo ferozmente criticado por isso.
Pseudo-Dionísio (Século V° - VI°):
97
Figura 93 - Pseudo-Dionísio
98
Para os nestorianos, há uma “união moral”, ou seja, duas realidades serem unidas,
sendo duas naturezas e duas hipóstases.
Para os eutiquianos, duas realidades são unidas de tal forma que é formada uma terceira
natureza.
Pode-se, porém, haver o fato de duas realidades serem unidas de tal forma que duas
naturezas distintas subsistam em uma hipóstase apenas.
Baseado nesses argumentos, Leôncio afirmava que a pessoa de Cristo não perdeu
nenhuma propriedade de ambas naturezas, opondo-se assim, ao aphthartodocetismo,
que cria que a carne de Cristo não era suscetível ao sofrimento.
Para Leôncio, o aphthartodocetismo nega a verdadeira união das duas naturezas.
As bases ideológicas de Leôncio eram: a lógica aristotélica; antropologia platônica; e
doutrinas dos capadócios sobre os termos ousia e hipóstase.
Maximus, o Confessor (580 – 662):
Maximus foi um forte defensor da fé da Calcedônia durante o século VII°, além de ter
influência pelos seus trabalhos ascéticos.
Ele defendeu-se do monergismo alegando que “a energia” se referia à natureza, não à
hipóstase. Isso é realidade, pois, na Trindade, há apenas uma essência. Porém, em
Cristo, há duas naturezas, portanto, há dois tipos de energia, não apenas um (como
defendia o monergismo).
O desenvolvimento da teologia nestoriana:
Nestório foi um bispo de Constantinopla no século V°.
Ele cria que as duas naturezas de Cristo não se uniram, crendo assim, em duas pessoas
na pessoa de Cristo.
A Igreja condenou o nestorianismo no concílio de Éfeso em 433, mas essa heresia
permaneceu forte, principalmente na igreja da Pérsia.
A separação dos nestorianos com a Igreja Romana foi confirmada cada vez mais
conforme o tempo ia passando. Outro fato que fortaleceu essa separação foi o concílio
de Calcedônia em 533.
O nestorianismo girou em torno de Ibas de Ebessa, amigo de Nestório. Este foi
condenado nos Três Capítulos.
Em 489, quando a controvérsia nestoriana estava no seu auge, o Imperador Zeno fechou
a escola de Edessa, e os seguidores de Edessa se instalaram em uma escola teológica
em Nisibis, fundada por um ex-discípulo de Ibas, Bispo Barsumas.
A cristologia persa mostrou querer se separar cada vez mais da cristologia ocidental, e
isso culminou em dois sínodos propostos pelo patriarca Babai (498 e 499), que
declararam o cristianismo persa independente do resto da Igreja.
99
O primeiro expoente da teologia nestoriana foi Narsai (410 – 502).
Foi o sucessor do Bispo Barsumas na liderança da escola em Nisibis.
As principais obras de Narsai que ainda existem são hinos e homilias.
O melhor modo de expôr a cristologia de Narsai é sua fórmula “duas naturezas, duas
hipóstases e uma aparência ou presença”.
O termo “parsufa” (prosopon), no grego, significa pessoa ou aparência, mas para
Narsai, siginifica apenas “aparição”.
Ele confirma a ideia nestoriana de que Maria concebeu o homem Jesus, não o Verbo.
Outro notável escritor foi outro Babai, o Grande (551 – 628), e teve como suas
principais obras Livro sobre a união e Opúsculo teológico.
Seu maior objetivo foi se opor ao cisma de Henana (tentativa de aproximar a cristologia
persa à da Calcedônia) e rejeitar o monofisismo que estava ficando muito popular.
Babai cria que o Verbo habitou no homem como em um templo. Ele nega totalmente a
possibilidade de união entre corpo e alma em Cristo.
Ele, porém, nega a possibilidade de “dois Filhos”, apoiada por Diodoro de Tarso.
Depois de Babai, a invasão árabe mudou a perspectiva da igreja persa.
A expansão do monofisismo:
O monofisismo crê que a pessoa de Cristo é resultado da união de suas duas naturezas.
Essa heresia se espalhou principalmente pela Pérsia e Armênia.
O avanço do Islamismo:
No século VII°, ocorre o fenômeno religioso e político mais extraordinário que pode-se
citar, o nascimento do islamismo.
Eles tomaram conta de todo território asiático ocidental conhecido, do norte da África, a
Península Ibérica.
Os embates cristãos dos lugares conquistados, por enfraquecerem o fervor e a fé,
facilitaram para que o Islamismo tomasse conta.
Durante a Idade Média, o povo islâmico foi muito mais avançado e refinado do que o
Cristianismo Ocidental.
100
A Renascença Carolíngia
As vitórias dos imperados Carlos Martel e Pepino, o Breve (714 – 768), consolidadas por
Carlos Magno (742 – 814), criaram estabilidade na Europa Ocidental, e criaram uma faísca na
escuridão da Idade de Trevas.
Carlos Magno era um estudioso, e ansiava pelo desenvolvimento intelectual e espiritual do reino,
atraindo os principais e mais veneráveis sábios da época, sendo que a origem principal destes
sábios eram as Ilhas Britânicas.
Um dos mais veneráveis estudiosos das Ilhas Britânicas, que existiu antes de Carlos Magno, foi
Beda, o venerável (672 – 735).
101
Figura 98 - Beda, o venerável
Beda escreveu várias obras sobre gramática, comentários bíblicos, homilias e poemas, incluindo
sua principal obra História Eclesiástica dos povos ingleses.
Beda e seus companheiros foi o elo da Antiguidade com o despertar teológico e filosófico do
império carolíngio.
As controvérsias começaram a nascer no império carolíngio, e, como em praticamente todas as
épocas, questões políticas tiveram importância.
A primeira controvérsia teve um caráter cristológico, e foi contralizada na Espanha, que estava
sob o domínio dos mouros, e a guerra de reconquista estava aflorando.
Além do problema do domínio árabe, havia cristãos que viviam nessas áreas dominadas e que
não aceitavam o controle político franco. Estes cristão era chamados “mozarabes”.
O primeiro proponente do adocionismo foi Elipandus de Toledo (717 – 808), que viveu sob
domínio muçulmano. Outro proponente que buscou continuamente refúgio nos domínios
muçulmanos foi Félix de Urgel (X - 818).
Elipandus propôs uma cristologia que diferenciava a relação do Pai com as duas naturezas de
Cristo. Com a humanidade, a relação era própria e natural; com a divindade, tinha uma relação
de adoção e graça.
O adocionismo foi defendido por Félix que, por ser mais capaz que Elipandus, teve uma
“reconhecimento” maior. Tanto que o adocionismo foi reconhecido como “a heresia de Félix”.
A oposição ferrenha a Elipandus e Félix foi liderada por Beatus de Liebana (730 - 800), além
de outros líderes importantes como Alcuíno de York (735 – 804), Paulinus de Aquileia, o
próprio Carlos Magno e os papas Adriano I e Leão III, além de alguns sínodos como o de
Frankfurt em 794 e o de Roma em 798.
102
Figura 100 - Alcuíno de York
Essa participação de ícones da Igreja, além de interesses políticos, tinha também como
motivação a preocupação deles de presenciarem o nascimento de um novo tipo de nestorianismo,
que, resumindo, pregava a desunião das naturezas de Cristo.
Beatus enfatiza a unidade do Salvador e a comunicação das propriedades das duas naturezas para
refutar o adocionismo.
Essencialmente, o adocionismo e o nestorianismo pregam a mesma coisa, porém, os grandes
adocionistas condenavam o nestorianismo, defendendo a ideia de que Maria era a mãe de Deus.
Essa controvérsia não teve continuidade, e, depois das mortes de Félix e Elipandus, a heresia
adocionista praticamente sumiu.
Outra controvérsia que teve destaque no período carolíngio foi sobre a predestinação.
Nessa controvérsia, tinha Gottschalk de Orbais (808 – 867) de um lado, e Rabanus Maurus
(780 – 856) e Hincmar de Reims (806 – 882) de outro.
103
Figura 102 - Hincmar de Reims
104
Erígena apoiava suas posições na Lógica e Filosofia, assuntos nos quais estava mais
familiarizado. Ele defendia que a dupla predestinação é impossível, porém, sua defesa, exposta
na obra Sobre a predestinação, não é muito convincente.
Percebendo o erro que fez, Hincmar rejeitou o apoio de Erígena.
Mesmo assim, João Escoto atraiu a atenção de teólogos, e fez com que Prudentius de Troyes
(X - 861) escrevesse Sobre a predestinação contra João Scotus, onde ele rejeita a ideia de que
métodos filosóficos podem ser usados para resolver questões teológicas, mas a questão deve ser
resolvida apenas na Escritura.
Houve um concílio convocado por Carlos, porém, Hincmar não ousou colocar em pauta suas
opiniões. Depois de fugir do concílio, Carlos convocou um grupo de bispos que cediam à
influência do imperador e compuseram a obra Quatro capítulos de Quierzy, onde a posição de
Hincmar foi afirmada como a única correta.
O fim dessa controvérsia foi um concílio em Thuzey em 860, convocado por Carlos, o Calvo e
Lotário II (835 – 869). Esse concílio não propôs a verdade, mas sim uma posição intermediária
das opiniões, mostrando que não estavam interessados em defender a verdade, mas sim criar um
ambiente de paz, demonstrando que o império estava cansado desse insistente embate teológico.
105
Figura 106 - Lotário II
Resumidamente, a posição de Paschasius era de que o nacimento de Jesus foi miraculoso e não
destruiu a virgindade de Maria. O nascimento (parto) é fruto do pecado, baseando-se em
Genêsis.
Ainda tendo Ratramnus como figura importante, iniciou-se outra controvérsia, esta sobre a
eucaristia. Ela começou quando Carlos, o Calvo propôs para Ratramnus duas posições
eucarísticas: se a presença do corpo e do sangue de Cristo na eucaristia é vista pela fé (in
mysterio) ou se esta é real (in veritate); e se o corpo de Cristo da eucaristia é o mesmo que
nasceu, sofreu, morreu e foi sepultado.
106
Carlos, o Calvo teve essas dúvidas depois de ler Sobre o corpo e o sangue do Senhor de
Paschasius Radbertus.
Paschasius defendia que, após a consagração, os elementos da eucaristia são a carne e o sangue
literalmente, o mesmo sangue e a mesma carne que sofreu, morreu, etc.
A carne e o sangue são vistos pela fé, porém, a alguns é concedida a graça de ver os aspectos
realistas da carne e do sangue.
Paschasius também vê a comunhão (missa) como uma repetição do sacrifício de Cristo, onde o
Salvador sofre e morre novamente.
Suas ideias, defendidas por muitos, tiveram a oposição de Ratamnus, que tinha a origem
intelectual na tradição agostiniana.
Ratramnus escreveu um tratado com o mesmo nome do tratado de Paschasius, Sobre o corpo e o
sangue do Senhor. Ele responde às duas perguntas do imperador.
Sobre a primeira questão, Ratramnus defende que Cristo não está presente literalmente na
eucaristia, mas apenas figuradamente. Isso não significa que Cristo não está presente, mas que a
presença dEle só pode ser percebida pela fé, não externamente.
Resumindo, Cristo está verdadeiramente no sacramento, embora não de tal forma que seja
visível aos olhos do corpo.
Sobre a segunda questão, Ratramnus cria que o corpo da eucaristia não é o mesmo corpo que
sofreu, pois este corpo que sofreu está a direita do Pai e é visível, e o da eucaristia não é visível e
sua presença é apenas espiritual.
Paschasius não mudou sua opinião, registrando que era contrário à ideia de que, na eucaristia,
existe “o poder da carne e não a carne; o poder do sangue, mas não o sangue; a figura e não a
verdade; a sombra e não o corpo”.
Gottschalk também interviu nessa controvérsia se opondo a Paschasius, diferindo o corpo
eucarístico de Cristo com Seu corpo histórico e negando a ideia de que a comunhão é um
sacrifício e sofrimento repetido de Cristo. A eucaristia é uma presença misteriosa que Radbertus
não conseguiu expôr de forma correta, cujo o cerne é o “poder do Verbo” ativo no crente.
Erígena e Rabanus apoiaram a posição de Ratramnus e Gottschalk.
Mesmo com esse contexto, a Igreja Católica, posteriormente, adotou a interpretação realista da
presença de Cristo na eucaristia como regra, seguindo a ideia de transformação substancial do
pão e do vinho no corpo e sangue de Cristo expostas por Haymo de Halberstadt (X - 853).
Sobre a alma, houve duas controvérsias: uma sobre sua incorporiedade; e outra sobre a sua
individualidade.
A questão da incorporiedade girou em torno de Ratramnus de Corbie e um escritor anônimo de
Reims.
107
Ratramnus escreveu um tratado dizendo que a alma é incorpórea e não está limitada nem unida
ao corpo.
Carlos, o Calvo, ao ler essa obra, endereçou uma série de questões a um anônimo de Reims, que
respondeu criticando a posição de Ratramnus. Ele dizia que a alma é unida ao corpo, porém, não
é limitada por ele.
O debate sobre a individualidade da alma tem mais relevância, pois girou em torno da
possibilidade de uma vida individual e consciente após a morte.
Um certo Macarius (não há muitas informações sobre este, além do fato de ser irlandês) e um
dos seus discípulos (este era de Beauvais) defendeu a ideia de que a alma é uma e múltipla,
dizendo que há uma alma universal, na qual estão inclusas todas as almas individuais. Eles
usaram erroneamente um texto de Agostinho para propôr essa tese.
Essa controvérsia resgatou uma questão antiga, a questão dos universais. Ratramnus
simplesmente defendeu a posição que foi vencedora nessa antiga questão, a posição de que os
universais não são entidades reais, mas genéricas, um conceito, apenas nominais.
É dessa forma que Ratramnus interpreta o escrito de Agostinho. Agostinho concebeu a ideia do
conceito de alma, não como real, mas meramente um conceito.
A Trindade foi um assunto que não foi esquecido durante o império carolíngio.
Hincmar propôs a ideia de que a divindade é uma, e negar isto é estabelecer uma distinção
exagerada da Trindade, semelhante à heresia de Ário. Ele queria que a fórmula trina deitas
(divindade trina) fosse eliminada.
Gottschalk e Ratramnus se opuseram à essa proposta de Hincmar citando pais da Igreja e
acusando Hincmar de sabelianismo (há apenas um Deus que aparece de três modos).
Mesmo Hincmar sendo intenso nessa controvérsia, não foi bem sucedido.
Outra controvérsia que houve durante o reinado de Luís, o Piedoso (778 – 840) foi sobre o estilo
da Escritura.
Agobard de Lião (779 – 840) alegou que os escritores do cânon usaram linguagem simples e
gramática incorreta. Fredegisus de Tours (X – 833) abominou essa afirmação de Agobard.
Outra controvérsia, proposta por um certo Candidus, foi de como o redimido veria a Deus.
Candidus defendeu que Deus é invisível a corpos e espíritos impuros, porém, os espíritos puros
podem vê-lO.
Gottschalk expôs sua opinião sobre o assunto, dizendo que o corpo ressurreto, feito espiritual,
será capaz de ver Deus.
Servatus Lupus (805 – 862) propôs que o debate não fosse tão longe, pois esse assunto é algo
que Deus não desejou revelar a nós nessa vida. Mesmo assim, expôs sua opinião, de que Deus é
invisível, e que a visão de Deus aconteceria com os olhos da mente.
108
Erígena defendeu que ninguém pode ver a substância de Deus, porém, quando nos tornarmos
espíritos, poderemos ter acesso à imagem divina, que não é a totalidade de Deus.
Uma controvérsia que teve destaque ímpar durante a dinastia carolíngia foi a chamada Filioque,
onde colocou-se em pauta se o Espírito Santo procedia do Pai e do Filho (anterior visão
ocidental) ou do Pai por meio do Filho (anterior visão oriental).
Essa questão veio à tona pois, no credo niceno-constantinopolitano, não estava claro se o
Espírito procedia ou não do Filho. A única sentença que o credo tem sobre isso é “... que procede
do Pai”.
Essa controvérsia foi uma desculpa para intensificar a tensão entre o império carolíngio e o
bizantino, pois Carlos Magno, nos Livros carolíngios de 794, fala que a fórmula oriental que
afirma que o Espírito procede do Pai por meio do Filho não é ortodoxa.
A questão se tornou, de fato, uma controvérsia teológica quando monges latinos de Jerusalém
visitaram a capela real e voltaram à Jerusalém trazendo a nova fórmula com a adição do Filioque
(procede do Pai e do Filho).
Esses monges foram acusados, no oriente, de heresia.
Em 809, reuniu-se um sínodo em Aachen, que declarou que a fórmula oriental era herética, e a
adição do Filioque era obrigatória.
A questão foi motivo de tensão entre o Igreja Oriental e Ocidental, até que a separação foi
efetivada.
Outros escritores da época escreveram sobre o assunto, a saber, Alcuíno de York, Ratramnus de
Corbie, Aeneas de Paris (X - 870) e Theodulf de Orleans (X - 821).
Essa interpolação de opiniões foi questionada, além do fato se concílios posteriores podem
anular ou mudar o que os concílios de Nicéia e de Calcedônia produziram.
O oriente que o Pai é a fonte última do Ser Divino, e o ocidente cria que o Espírito Santo é como
se fosse o amor que une o Pai com o Filho.
Essa controvérsia não teve um ponto final, e isso criou uma separação insistente entre as igrejas
oriental e ocidental.
João Escoto Erígena:
Erígena foi de tal modo notável que é necessário ter uma parte falando sobre ele
exclusivamente.
Ele era irlandês, e fazia parte da corte de Carlos, o Calvo.
Era muito respeitado por sua erudição, porém, tratado com suspeita devido à seu amor
incondicional pela filosofia grega.
A importância de Erígena se deve, em grande parte, por suas traduções dos primeiros
teólogos orientais (como Pseudo-Dionísio e Gregório de Nissa).
Seu pensamento é marcado por um profundo entendimento da dialética e da arte de
definições precisas, ou seja, seus escritos tendem a ser de fácil compreensão.
109
Para Erígena, a natureza inclui tudo o que é e o que não é (não ser significa tudo o que
está além da capacidade da mente).
O homem não pode vislumbrar a essência, apenas os acidentes. Por isso, as essências
não são.
Quanto ao nível hierárquico universal, um membro é para o ser superior, mas não é
para o inferior, pois o ser inferior não tem a capacidade de saber o que está acima dele.
O que existe potencialmente não é.
O que é sujeito ao tempo e espaço não é. Portanto, o homem como pecador, na medida
que estamos separados de Deus, não é (um sujeito pode não ser num sentido, mas ser
em outro ponto de vista).
A natureza pode, também, ser dividida de quatro formas: a natureza que cria e não é
criada; que é criada e cria; que é criada e não cria; e que não cria nem é criada.
A primeira e última formas são Deus. Na primeira, como a fonte de todas as coisas, e na
última, o fim de todas as coisas. A segunda é a causa de tudo, e a terceira inclui tudo
que está sujeito ao tempo.
Erígena dizia que Deus, a natureza criadora e não criada, pode ser definido
positivamente (de uma maneira figurada) e negativamente (de uma maneira literal), por
exemplo, Deus é essência; Deus não é essência, mas muito mais. Resumindo, é
impossível conhecer Deus.
Deus é incognoscível, não somente para as criaturas, mas para Deus também, pois,
conhecimento implica definição, e definição implica limitação.
Esse fato de Deus não conhecer Deus é chamado por Erígena de ignorância divina,
onde essa “super-ignorância” é muito superior ao mais alto conhecimento.
A única afirmação que é possível fazer sobre Deus, para Erígena, é que Ele é trino.
Quanto à inclusão do Filioque (já discutido), Erígena é inclinado a afirmação “Espírito
procede do Pai por meio do Filho”, negando assim, a tendência ocidental da fórmula.
A natureza criadora e não-criada é a fonte das causas primoridiais, que é a natureza
criada e criadora. Esta é a criação.
A criação é eterna, pois, se não o fosse, seria acidental (pelo fato de Deus ser imutável e
eterno), e não há acidentes em Deus.
“O Pai é a fonte do ser de todas as coisas, o Filho é a Sabedoria em quem todas as
coisas foram feitas, e o Espírito é a fonte da ordem universal” (Justo González).
A criação foi ex nihilo, do nada, mas isso não quer dizer que veio a partir do vácuo
total, creatio ex Deo (criação a partir de Deus).
Essas causas primordiais são encontradas no Verbo. Elas são os protótipos de todas as
criaturas temporais. Elas são eternas, diferentemente das criaturas individuais.
A terceira divisão, a natureza criada que não cria, é criação propriamente dita, que exite
dentro do tempo e do espaço.
Erígena cria que a narração da criação do livro do Gênesis foi separada por dias para
tornar não-confuso para o leitor, mas a criação aconteceu toda de uma vez só.
Seres corpóreos são formados por constelações de seres incorpóreos.
Todos os corpos são formados por diversas combinações dos quatro elementos (fogo,
ar, água e terra).
A terceira divisão inclui os espíritos.
As criaturas criadas que manifestam a natureza não-criada são chamadas por Erígena de
“teofanias”, dedicando maior atenção aos humanos.
O homem foi designado para ter um corpo espiritual, porém, por meio da queda de
Adão, a corrupção entrou no Universo.
Como a vontade de toda a humanidade estava em Adão, a punição nossa é justa. O
corpo humano, inclusive a existência de dois sexos distintos, são frutos da criação
caída.
110
A imagem de Deus é encontrada nos seres humanos, acima de tudo, na alma. A alma
existe por meio do corpo, porém, não está limitada a este.
A alma sabe que existe, mas não conhece a sua própria essência, da mesma forma que
Deus.
A alma reflete a Trindade, incluindo intelecto, razão e sentido interno.
A quarta divisão de natureza é Deus sendo o fim de todas as coisas, simbolizando a
restauração de tudo, que teve início na ressurreição de Cristo, onde a corrupção gerada
pelo pecado passou a ser destruída.
O corpo ressurreto de Cristo não tinha sexo, porém, foi necessário aparecer aos
discípulos na forma masculina para ser reconhecido.
Erígena criou muitos problemas em seu pensamento, como: não diferenciação de
emanação e criação; tendência ao docetismo e secundarização da pessoa de Cristo; crer
no inferno como uma metáfora.
Outro assunto que foi debatido durante o império carolíngio foi sobre o problema dos pecados
pós-batismais. Esse problema foi fruto de uma interpretação errônea sobre o objetivo do batismo.
O resultado desse problema foi que havia apenas três formas de prevenir uma futura perda da
salvação: adiando o batismo o maior tempo possível; passando pelo “segundo batismo”, o
martírio; o arrependimento e penitência.
Como a primeira medida reflete uma falta de sinceridade quanto ao candidato ao batismo, e a
segunda só é possível em períodos de perseguição, a penitência passou a ser mais explorada.
Essa foi a origem do sistema penitencial da Igreja.
As primeiras medidas acerca da penitência, concordadas ainda na época patrística foram: ela
tinha que ser pública (o pecador tinha que ser excomungado publicamente e reconciliado
publicamente) e não podia ser repetida. Todos os pecados podiam ser perdoados por meio da
penitência.
No período carolíngio, porém, se tornou cada vez mais frequente a possibilidade de outras
penitências, e também o monasticismo, onde a reclusão a um monastério era um ato aceitável de
penitência.
O poder papal foi algo que cresceu repentinamente nesse período.
O império romano passou a ter como centro imperial Constantinopla (dando destaque à Igreja de
Constantinopla), e esse fato gerou uma reação da Igreja de Roma, que reivindicavam maior
importância que a Igreja de Constantinopla.
As autoridades eclesiásticas de Roma alegaram que a Igreja de Roma se desenvolvera com base
nas palavras de Cristo a Pedro, de quem o papa era vigário.
Outro fator contextual colaborou para que a supremacia papal se consolidasse: o oriente estava
subordinado à autoridade imperial como superior à tudo, e o ocidente, que havia passado pelo
caos bárbaro e um império submisso à Igreja, viu a Igreja como superiora a tudo.
Houve três episódios que ilustram o desenvolvimento desse tema. O primeiro foi o conflito do
secretário papal e posterior papa Gelasius (X - 496) com a autoridade imperial e dos patriarcas,
onde ele reivindica que, mesmo o imperador sendo designado por Deus, ele não é superior a
Igreja, mas submisso a esta. “O poder é dele (do imperador); mas a autoridade pertence àqueles a
quem Deus designou, isto é, Pedro e seu sucessor” (Justo González).
111
Figura 111 - Papa Gelasius
Outro episódio foi quando o papa Gregório I, o Grande, repudiou Constantinopla e seu patriarca,
pois este reivindicava o título de “patriarca ecumênico”. Gregório foi incisivo nessa intriga, pois
esse título contradizia a primazia universal do papado. Gregório, além de ser firme em sua
posição sobre a supremacia papal, foi inteligente, pois agiu, em meio ao desmoronamento da pax
romana, de forma que a Igreja Romana se transformasse na preservadora dos valores da
Antiguidade e a guardiã da ordem. No Oriente, a Igreja permaneceu pertencente a um império.
No Ocidente, a Igreja se tornou o Império.
O último episódio, e mais significativo, foi a coroação de Carlos Magno, onde o papa Leão III
(750 - 816) coroa o imperador. Esse fato culminou no início da consolidação da autoridade
papal.
112
A Idade das Trevas
Depois da morte de Carlos, o Calvo, o império carolíngio declinou repentinamente, com guerras
entre os herdeiros do império e as invasóes de normandos, sarracenos e húngaros.
A Igreja também estava passando por momentos difíceis, sendo que papas eram escolhidos por
soberanos, sendo marionetes de movimentos políticos.
Houve um pequeno momento de ordem e tentativa de reforma quando o imperador do sacro
império romano-germânico Otto III (980 – 1002), que tinha como papa Silvestre II (946 –
1003).
Houve, porém, uma reforma monástica na Igreja, comandada pelo monasticismo de Cluny, que
culminou no pontificado de Leão IX (1002 – 1054).
113
Figura 115 - Papa Leão IX
A teologia na Idade Média não foi trevas por completo. Houve moastérios e catedrais que
continuaram as atividades teológicas, como o monastério de Saint Germain, lugar onde surgiu
Heiric de Auxerre (841 - 876). Outro pensador desta escola, e talvez o principal, foi um
discípulo de Heiric, Remigius de Auxerre (841 - 908).
Heiric seguia as ideias de Agostinho (no ponto de vista comum em sua época, totalmente
distorcido) e as ideias semelhantes a Erígena, e Remigius seguia o que Heiric ensinara sobre
Agostinho, negando porém, Erígena.
Remigius foi além, diferenciando imagem de Deus e semelhança de Deus. A primeira consiste
na racionalidade e imortalidade, e a segunda, na santidade e justiça. O homem perdeu a
semelhança, não a imagem.
No século X°, três trabalhos teológicos são destacados: Tratado sobre o corpo e o sangue do
Senhor de Gezo de Tortona (X – 984); Tratado sobre o anticristo de Adso de Luxeuil (X -
992); e Comentários sobre São Paulo de Atto de Vercelli (885 - 961).
A obra de Gezo somente repetiu os que os antigos (em especial Paschasius) haviam dito sobre a
eucaristia, e também citou supostos milagres que forma ligados à prática da eucaristia.
Adso escreveu sua obra para que a viúva de Luís IV permanecesse na justiça e bondade, sendo
que, se ela cedesse ao anticristo, ela teria ainda os quarenta dias no fim dos tempos garantidos
por Deus para que realizar a penitência.
Atto foi um erudito do seu tempo, e uma informação importante sobre suas obras é que ele cria
que a presença de Criso na eucaristia era espiritual, não física.
Uma freira chamada Hrosvitha (935 – 975) compôs dramas religiosos.
114
Figura 117 - Hrosvitha
No século XI, o futuro papa Silvestre II, Gerbert de Aurillac, é posto em destaque devido à sua
erudição, demonstradas principalmente em sua obra Sobre o racional e o uso da razão.
Um dos seus discípulos, Fulbert de Chartres (952 – 1028), se destacou também,
principalmente por tornar Chartres em um centro intelectual importantíssimo no século XII, e
também por ter como maior inimigo um dos seus discípulos, Berengar de Tours (999 - 1088).
Os dois temas que fizeram esse embate vir à tona foram o relacionamento entre fé e razão e a
natureza da presença de Cristo na eucaristia.
Fulbert cria que a fé e a razão são dons de Deus, sendo ambos bons e úteis. Os altos mistérios de
Deus são objetos, não do conhecimento racional, mas da fé. “As profundezas dos mistérios de
Deus não são revelados para o esforço intelectual humano [humanae disputationi], mas para os
olhos da fé” (Fulbert de Chartres).
Os mistérios são três: Trindade; batismo; e eucaristia.
Fulbert cria que Cristo está, verdadeiramente, presente na eucaristia, porém, no pão e vinho
(acidentes) como “substância exterior”, e corpo o sangue de Cristo como “substância interior”.
115
Ele via a sensibilidade a estes elementos como objeto do “paladar da fé”, do “esôfago da
esperança” e da “víscera da caridade”.
Berengar dava muito valor à razão, dizendo que esta era a imagem de Deus nos humanos, e seria
tolo não fazer uso dela.
Ele foi visto como tendo um ideal muito aproximado do nominalismo.
A controvérsia eucarística veio à tona mais intensamente na segunda metade do século XI, mais
precisamente em 1048, quando Hugh de Langres (X – 1050) se comunicou com Berengar por
cartas acerca de sua doutrina sobre a presença de Cristo na eucaristia.
Dois aspectos na doutrina eucarística de Berengar preocuparam: negação da transformação do
pão e vinho; e que Cristo estava presente na eucaristia apenas espiritualmente.
Hugh negou a visão de Berengar, respondendo que, se o pão não se transformasse no corpo de
Cristo, este não teria poder nenhum, e a eucaristia seria sem valor.
Berengar foi condenado em 1059, e, como resposta, publicou um breve tratado, reafirmando suas
doutrinas.
Esse tratado resultou no surgimento de outro personagem importante nessa controvérsia,
Lanfranc (1005 – 1089), que respondeu ao tratado com sua obra Sobra o corpo e o sangue do
Senhor contra Berengar. Berengar respondeu com outra obra, Sobre a ceia sagrada.
Berengar achava absurdo dois pontos de seus oponentes: que o pão e o vinho deixam de existir
na eucaristia; e que o corpo de Cristo, que nasceu de Maria, estivesse presente fisicamente no
altar.
Berengar que seus oponentes acabam por afirmar o que eles diziam negar, pois, se o corpo e o
sangue de Cristo são o pão e o vinho, quer dizer, o pão e o vinho não deixam de existir, só
representam algo além do que eles mesmos.
Sobre o segundo ponto, Berengar cria que Cristo havia sido sacrificado de uma vez por todas, e
seria absurdo fazer a missa como um sacrifício e sofrimento repetitivos do Salvador. A eucaristia
é um memorial de Seu sacrifício. O corpo de Cristo nascido de Maria está no céu. Concluindo, o
pão continua sendo, e o vinho, vinho.
Outro fator importante da divergência entre Berengar e Lanfranc foi o fato de Lanfranc acusar
Berengar de dar valor excessivo à dialética, e não dar o valor devido aos pais da Igreja.
Como consequência, Berengar passou a incluir diversas referências bíblicas e patrísticas na obra
Sobre a ceia sagrada.
Lanfranc não negava o uso da lógica e dialética, porém, cria na superioridade da fé e ortodoxia.
Lanfranc cria na transformação real dos elementos eucarísticos consagrados, deixando de ser pão
e vinho, e se escritores anteriores citaram os elementos como pão e vinho, eles citaram de um
modo figurado, simbólico.
116
Ele acabou por se contradizer em alguns pontos, colocando em dúvida sua credibilidade
intelectual.
Mesmo com a morte de Berengar, a controvérsia eucarística não terminou.
Um teólogo que teve sucesso contra as ideias de Berengar foi Guitmund de Aversa (X - 1095).
Em sua obra Sobre a verdade do corpo e do sangue de Cristo, Guitmund toma a onipotência
divina como ponto de partida de sua refutação dos argumentos de Berengar, dizendo que Deus
tem o poder de mudar facilmente os elementos eucarísticos. Outro fator importante foi a inclusão
do termo “substancial” ao invés de “essencial” ao se referir à mudança que acontece quando os
elementos são consagrados.
Mesmo a transubstanciação sendo considerada ortodoxa apenas em 1251, essa doutrina foi
afirmada nessa controvérsia, preparando o caminho.
Houve outras controvérsias importantes nesse período, como a crescente tensão com a igreja
oriental, a seita dos cátaros e um autor chamado Samuel de Moroccan, que usou o Alcorão e o
Antigo Testamento para provar a divindade de Cristo.
117
A renascença no século XII
Depois do caos pós queda do império carolíngia, a Europa Ocidental passava por um período de
paz, desenvolvimento no comércio e crescimento das cidades. Nesta época, aflorou as escolas
catedrais urbanas, antecipando as grandes universidades do século XIII.
O último ano do século XI, 1099, foi marcado por fatos importantes: a morte de El Cid (1043 -
1099); a morte do papa Urbano II (1042 - 1099); e a vitória dos primeiros cruzados sobre
Jerusalém.
O século foi marcado por um autor que viveu maior parte de sua vida no século anterior,
Anselmo de Cantuária (1033 - 1109).
Algumas de suas principais obras são: Monologion; Proslogion; Sobre o gramático; Epístola
sobre a encarnação do Verbo; Por que Deus se tornou homem; Sobre a concepção virginal e o
118
pecado original; Sobre a procedência do Espírito Santo; e Sobre a concordância do pré-
conhecimento, predestinação e graça com livre-arbítrio.
O método típico de Anselmo era propôr um problema, e resolvê-lo com o uso da razão. Os
problemas que ele propunha não eram questões especulativas, mas posições erradas de heréticos
que precisavam ser refutadas.
O propósito das obras de Anselmo eram simplesmente mostrar o erro do incrédulo e enriquecer e
aprofundar a fé do próprio Anselmo.
O argumento usado por Anselmo para provar a existência de Deus é que, se há níveis de
bondade, ser e valor, então obrigatoriamente existe uma existência acima e independente das
coisas visíveis.
As coisas visíveis necessariamente subsistem em um outro ser, e este tem que ser um.
Esse argumento foi insuficiente para Anselmo, e propôs em seu Prosologion o chamado
argumento ontológico. Esse argumento, em termos gerais, defende que, se sabemos que há uma
definição de perfeição, então, de algum modo, essa perfeição existe, e esta é Deus.
A oposição ao argumento ontológico de Anselmo veio com Gaunilo de Marmoutiers, com sua
obra Defesa do tolo, onde ele levou em conta muitas coisas sobre Anselmo, mas questionou o
argumento ontológico.
Gaunilo colocou em dúvida essa ideia universal, inclusive entre os ateístas, de que há um ser
superior. Depois disso, ele questiona a forma como Anselmo transforma essa ideia em um ser de
fato.
Anselmo respondeu aos argumentos de Gaunilo com a obra Defesa contra Gaunilo. Ele disse
que o próprio fato de inclusive os ateístas crerem que há uma plenitude de virtude prova a
existência de Deus, e essa ideia vem de uma pré-concepção de um ser supremo, pois a perfeição
inclui a existência, senão, seria uma perfeição imperfeita. Gaunilo usou argumentos vagos, por
exemplo, dizendo que Anselmo fala que a ideia criada gera Deus.
Anselmo cria também que o fato de Deus ser trino pode ser provado por meios racionais. Dois
argumentos de Anselmo são importantes sobre isso: o primeiro está na refutação que ele
produziu contra Roscelin de Compiégne (1050 - 1125) na obra Epístola sobre a encarnação do
Verbo; e a outra está na sua defesa sobre o Filioque na sua obra Sobre a procedência do Espírito
Santo.
Roscelin foi um defensor do uso da dialética na resolução de questões teológicas.
Roscelin usou no nominalismo extremo para recusar os argumentos de Anselmo acerca de tudo.
A ideia de haver uma noção de “bem perfeito” ou “santidade perfeita” não tem necessariamente
como consequência a concepção do ser.
Roscelin também defendeu a fórmula grega ao invés da latina, recusando adotar a ideia de uma
substância na Trindade, mas três substâncias.
Ele acusou o triteísmo no Concílio de Soissons, em 1092, para não ser condenado pela Igreja
Ocidental, mas continuou firme em sua doutrina, sendo alvo de ataques de Anselmo e de outros
autores ilustres, como Pedro Abelardo.
Na verdade, esse embate entre Anselmo e Roscelin pode ser ilustrado como realismo moderado
(Anselmo) contra nominalismo extremo (Roscelin).
Anselmo defendeu a fórmula “Espírito procede do Pai e do Filho” (Filioque) em sua obra Sobre
a procedência do Espírito Santo. Nessa obra, ele usa muito mais a Escritura e a ortodoxia do que
lhe era comum.
O melhor meio de conhecermos os argumentos de Anselmo em prol da existência de Deus está
registrado com muita maestria em sua obra Por que Deus se tornou homem. Nela, ele tenta
mostrar a necessidade da encarnação, usando a razão e doutrinas, como o pecado original e os
atributos de Deus.
Ele nega que a Encarnação foi devido a um débito com o diabo. O débito era nosso para com o
próprio Deus. “Qualquer que peca precisa devolver a Deus a honra que foi retirada dele, e essa é
a compensação que todo pecador deve a Deus” (Anselmo de Cantuária).
119
Nós não podemos fazer nada para pagar essa compensação. O ato de vivermos justamente é
meramente nosso dever. “Eu não tenho nada em mim com o que oferecer compensação pelo
pecado” (Anselmo de Cantuária).
Seguindo a lógica, o homem natural não pode oferecer compensação pelo seu pecado, porém,
apenas o homem pode justamente oferecer compensação pelo pecado humano, assim, conclui-se
que o Salvador precisava ser divino e humano. A compensação “... que não pode ser dada por
ninguém senão Deus, e deve ser dada por ninguém senão um homem, deve ser dada por um
Deus-homem” (Anselmo de Cantuária).
Pedro Abelardo (1079 - 1142):
Ele é uma figura ilustre da Idade Média. Estudou sob Roscelin e foi discípulo de
William de Champeaux (1070 – 1121), ou seja, aprendeu do nominalismo e do
realismo.
Ele sofreu muito durante sua vida. Uma das cenas que marcaram sua vida foi seu
casamento secreto com Heloísa. A família de Heloísa, vendo que ela tinha manxado
a imagem da família, castrou Abelardo à força.
Teve sua obra Sobre a unidade divina e a Trindade condenada ao fogo em 1121,
isso o levou a se retirar ao deserto.
Sua fama o seguiu até o deserto, e Abelardo acabou por fundar uma escola. Muitos
o seguiram, como sua ex-amante Heloísa, e um famoso místico e pregador
Bernardo de Clairvaux (1090 – 1153), que foi o começo de um outro problema na
vida de Abelardo.
120
Bernardo ficou escandalizado com os ensinos de Abelardo, e o fez ser convocado a
um sínodo em 1141 para se retratar. Mesmo Abelardo tentando apelar ao Papa
Inocêncio II (1081 - 1143), este já estava convencido de que Abelardo estava
errado.
Pedro Abelardo acabou se retirando para Cluny, sendo bem recebido por Pedro, o
venerável (1092 – 1156). Lá, Abelardo compôs sua obra Profissão de fé.
121
Abelardo, para resolver o problema, disse que o termo “universal” é apenas “o
significado do nome”. Universais não são coisas, mas uma abstração. É um
conceito retirado da coisa, que outras coisas têm em comum. Esse conceito de
Abelardo foi denominada “conceitualismo”.
Outros três temas foram importantes nas discussões teológicas de Abelardo: o
método teológico de seu livro Sic et non; sua doutrina acerca da obra de Cristo; sua
ética.
A obra Sic et non foi uma série de 158 perguntas que a Igreja respondeu, por alguns
autores, sim, e outros, não, sem, porém, resolver as questões. O objetivo de
Abelardo não foi negar a autoridade da Tradição, mas afirmar a dificuldade quanto
a alguns temas e chamar a atenção quanto a esses temas, para que eles sejam
melhor analisados.
O método de Abelardo nessa obra foi adotado pela escolástica posteriormente,
sendo que eram apresentados argumentos de todos os posicionamentos dos temas, e
depois, tentavam resolver o problema.
Sobre a doutrina sobre a obra de Cristo, estudiosos posteriores chamaram a de
Abelardo “subjetiva” ou “moral”, em oposição à de Anselmo, que era “objetiva” e
“jurídica”.
Abelardo negou tanto a ideia de que um débito fosse pago ao diabo quanto a que
um débito fosse pago a Deus. Ele defendia a doutrina de que a obra de Cristo fosse
prover um exemplo e ensino verbal e real do amor de Deus. Esse ensino nos leva a
amar a Deus, que, em contrapartida, nos perdoa por esse amor e pela intercessão de
Cristo.
Abelardo cria também que a bondade ou maldade de uma ação está em sua
intenção. Isso levou à negação do pecado original, ou da culpa pelo pecado de
Adão (mesmo confirmando a corrupção da vontade humana).
A corrupção não é o pecado em si, mas concordar com essa inclinação corrupta.
A satisfação do pecado não é um assunto entre o pecador e Deus, e, portanto, a
confissão de pecados tem o objetivo apenas de dar direção do que fazer para que a
expiação seja possível.
Bernardo de Clairvaux foi o principal opositor de Abelardo. Foi um místico
diferente dos seguidores de Pseudo-Dionísio, sem o caráter platônico e
especulativo, voltando as atenções para a humanidade de Cristo e para os
sofrimentos de Maria.
Bernardo foi um ativo católico da época, sendo caçador de heréticos, provocador de
reis, pregador da Segunda Cruzada e amigo de papas.
Ele foi ativo contra Abelardo, pois ele ficou abismado com as doutrinas errôneas
sobre a culpa original de Adão e sobre a obra de Cristo, além de Abelardo já ter
sido condenado em 1121 por suas ideias trinitarianas.
Bernardo citou os erros de Abelardo no sínodo em 1141, que mostrou que inclusive
o poder papal estava dominado pelo seu intelecto.
Mesmo sendo condenado, Pedro Abelardo teve uma influência incontestável
durante a Idade Média.
A escola de Santo Vitor:
É uma escola fundada por William de Champeaux, depois do seu debate com
Abelardo, perto da capela de Santo Vitor.
William estudara com Roscelin, rejeitando seu nominalismo e adotando o extremo
realismo. A evolução de seu pensamento acerca dos universais já foi exposta.
122
Ele seguiu os pensamentos de um de seus mestres, Anselmo de Laon (X - 1117).
Continuou a ser ortodoxo e moderado, sem muitas especulação, e sem medo de usar
a razão lógica em questões teológicas.
O aluno que deu mais popularidade para a escola foi Hugo de Santo Vitor (1096 –
1141).
Como é visto em sua principal obra Sobre os sacramentos da fé cristã, Hugo cria
que as ciências têm o propósito de levar-nos para uma vida mais elevada, não
meramente satisfazer a curiosidade.
Todo o tipo de conhecimento é parte do caminho que leva para o conhecimento de
Deus.
Os sacramentos foram os temas mais populares de Hugo. Eles representam,
significam e contêm uma graça certa, invisível e espiritual.
Mesmo dando o nome “sacramento” a vários ritos e fórmulas, Hugo se concentrou
em sete: batismo; confirmação; comunhão; penitência; extrema unção; casamento;
e ordenação. A comunhão, por sua vez, foi o mais destacado.
Ele expõe uma doutrina que se assemelha muito da doutrina da transubstanciação,
para não dizer que é ela literalmente.
Algo importante de se observar também é que, em meio a uma série de embates
entre dialéticos e místicos (Berengar e Lanfranc; Abelardo e Bernardo), Hugo
levantou-se como dialético e místico, ao mesmo tempo.
O sucessor de Hugo foi Ricardo de Santo Vitor (X - 1173), que seguiu as ideias
de seu mestre.
Ricardo cria que havia três níveis de conhecimento: cogitatio (cogitação, ligado à
imaginação); meditatio (meditação, ligado à razão); e contemplatio (contemplação,
ligado ao intelecto).
O último nível, contemplatio, é quando a mente chega a Deus, na compreensão
“impossível” da essência divina, contemplada por um “excesso” (forma intuitiva de
conhecimento em que a alma pode receber aquilo que é maior do que sua própria
capacidade).
A obra Sobre a Trindade mostra como a razão foi usada por Ricardo. Ele,
escrevendo para Gilberto de la Porrée (1075 – 1144), tenta mostrar coerência na
doutrina trinitariana baseando-se na natureza do amor, que requer comunicação (daí
a pluralidade das pessoas).
123
Figura 129 - Gilberto de la Porrée
Sua principal obra foi Quatro livros de sentenças (ou simplesmente Sentenças).
O livro Sentenças não é original. Grande parte da obra é retirada de uma obra
anônima, Suma de sentenças. A importância dessa obra esta no fato de Lombardo
evitar os extremos dialético e anti-dialético.
Ele expunha as questões em todos os seus extremos, e mostrava sua opinião.
Lombardo, porém, acaba mostrando, às vezes, muita fidelidade à ortodoxia, e
outras, total rebelião contra ela.
No primeiro livro do Sentenças, é exposta a teontologia (Trindade e atributos
divinos). Nesse livro, a única opinião de Lombardo que gerou polêmica foi a
afirmação de que o número “um” e “três”, quando aplicados a Deus, são relativos, e
o Espírito Santo para Deus é semelhante à caridade para a humanidade.
O segundo livro expôe a criação, angeologia, antropologia, doutrinas de graça e
pecado.
O terceiro livro expôe a Cristologia, redenção, virtudes e dons do Espírito Santo e
os Mandamentos. Nesse livro, Lombardo cai no niilismo cristológico, dizendo que
Cristo não era homem num sentido concreto.
Essa visão é meio escandalosa, porém, ele só seguia a visão de Abelardo e do papa
Alexandre III (1100 - 1181).
124
Figura 131 - Papa Alexandre III
Lombardo afirma também coisas contraditórias: Jesus morreu e não morreu; sofreu
e não sofreu; etc.
O quarto livro fala sobre Sacramentos e Escatologia. Mesmo as opiniões
sacramentais dele sendo muito debatidas, Lombardo foi decisivo para a fixação do
número de sacramentos em sete.
Sentenças foi, inclusive, mais importante que a Suma de Tomás de Aquino até o
século XVII.
O realismo extremo teve como melhor representante Odo de Tournai (1060 – 1113).
Odo usava o realismo como meio para se compreender o pecado original. Toda a forma de
nominalismo é considerada heresia.
A essência da humanidade estava em Adão. Para ele, literalmente, em Adão todos temos pecado.
Dois autores foram importantes também da escola de Chartres: Bernardo de Chartres (X –
1125); e Gilberto de la Porrée.
Bernardo foi importante por tentar conciliar Aristóteles com Platão e Timaeus com Gênesis.
Gilberto ficou popular com sua obra Comentário do livro de Boethius sobre a Trindade, onde ele
distinguiu essência divina de atributos divinos, alegando que os atributos não eram eternos.
A conciliação de Timaeus com Gênesis foi tentativa também de Thierry de Chartres (X –
1150), William de Conches (1090 – 1154) e Bernardo Silvester (que usou de versos e
alegorias).
Clarembaud de Arras tentou combinar o realismo de Chartres com a ortodoxiada escola de Santo
Vitor, refutando as ideias trinitarianas de Gilberto de la Porrée.
Outro teólogo notável ligado à escola de Chartres foi João de Salisbury (1120 – 1180), que cria
que a questão dos universais era um tema que o intelecto humano não pode conhecê-lo por causa
de sua limitação.
Um tema que veio à tona, mais especificamente, à partir da segunda metade do século XI até o
fim do século XII foi a relação entre o poder civil e o poder eclesiástica.
Esse debate se tornou um problema maior quando ele levou ao conflito aberto entre o papa
Gregório VII e o imperador Henrique IV (1050 – 1106).
125
Figura 132 - Imperador Henrique IV
Esse embate já existia desde muito tempo. Um documento anterior importante sobre esse tema
foi Decretals do Pseudo-Isidoro, entabelecendo independência entre Igreja e Estado, limitando o
poder dos arcebispos e aumentao a do papa.
Outro tema que envolveu esse embate histórico foi a investidura dos papas e bispos (se essa
investidura deveria ser feita por bispos ou por senhores feudais).
Gregório VII aumentou o poder papal e diminuiu o poder estatal a tal ponto de dizer que o
Estado só existe para o fim de controlar o pecado humano. Com isso, o papa tinha o poder, não
só de estabelecer bispos, mas também príncipes e imperadores.
Esse embate criou três linhas: os que defendiam a autoridade papal sobre o imperador; os que
negavam a autoridade papal de despojar o imperador; e os que criam que o imperador é o cabeça
da Igreja.
Bernardo de Chartres, Hugo de Santo Vitor e João de Salisbury desenvolveram a teoria segundo
a qual a “espada temporal” pertence ao príncipe, e a “espada espiritual” à Igreja. A Igreja entrega
a espada temporal ao príncipe. A Igreja constitui o estado e sempre tem a autoridade final.
O século XII, além de acontecer tal renascimento teológico, gerou também muitas heresias,
como a de Pedro Bruys (X - 1131), que negava a transubstanciação, o batismo infantil e o culto
aos mortos.
Os ensinos de Pedro e seus seguidores (chamados petrobrussianos) foram condenados no
Segundo Concílio de Latrão, em 1139.
O mais importante e duradouro dos movimentos considerados heréticos foi o iniciado por Pedro
Valdo (1140 – 1205).
126
Figura 134 - Pedro Valdo
Valdo devotou sua vida à pobreza e pregação. Com a intervenção de Guichard de Lyon (X –
1181) e Walter Map (1140 – 1209), os valdenses foram proibidos de pregar.
Os valdenses persistiram com a pregação (missão dada por Deus), e por isso, foram condenados
em 1184 pelo Conselho de Verona.
Por isso, os valdenses adquiriram um sentimento anti-romano, e acabaram por se refugiarem nos
Alpes.
Posteriormente, vieram a apoiar as doutrinas chamadas calvinistas.
Outro tema gerou ideias que incomodaram a Igreja Romana. Essas ideias foram fruto de
pensadores como: Amalric de Bena (X – 1207); Davi de Dinant (1160 – 1217); e Joaquim de
Fiore (1135 – 1202).
Amalric tinha influência de Erígena. Foi um monista panteísta (a união de tudo é o próprio Deus,
ou seja, tudo faz parte de Deus, e esse Deus é um), baseado no realismo absoluto. Ele também
cria que diferenciações sexuais não existiam antes da Queda e não vão existir após a restauração
final.
127
Figura 136 - Amalric de Bena
Davi de Dinant seguiu as ideias de Amalric, mas levou o panteísmo mais adiante, dizendo que
Deus é matéria-prima do Universo. Ele provavelmente teve influência de Aristóteles também.
O concílio de Paris, em 1210, condenou Davi, Amalric e Aristóteles.
Mais do que essas exposições superficiais, as consequências dessas crenças são enormes. Por
exemplo, na eucaristia, os elementos não mudam nada (Deus já está presente, pois tudo é Deus).
Eles também afirmavam que o Pai encarnou-se em Abraão e nos patriarcas, o Filho em Cristo, e
o Espírito nos espirituais.
Eles foram condenados também no Quarto Concílio de Latrão em 1215.
O papa Honório III (1150 – 1227), em 1225, condenou-os, atacando a origem de seus
ensinamentos, Erígena, na obra Sobre a divisão da natureza.
Joaquim de Fiore, condenado no Quarto Concílio de Latrão, foi um incansável estudioso das
Escrituras. O aspecto teológico dele que teve mais implicações foi sua opinião sobre a relação
das três pessoas da Trindade com três estágios na história.
128
Figura 138 - Joaquim de Fiore
Joaquim separa a história em três estágios: Adão até Cristo (Era do Pai); Cristo até 1260 (Era do
Filho); 1260 até o final dos tempos (Era do Espírito).
O ano 1260 foi adotado pelo seguinte argumento: se houve 42 gerações entre Adão e Cristo,
deve se esperar o mesmo para a próxima era. No fim de cada era, acontecem sinais e presságios.
A heresia mais significativa do século XII foi a dos cátaros, ou albigenses.
Nos séculos XII e XIII, começando no Terceiro Concílio de Latrão em 1179, houve uma cruzada
contra os cátaros, tendo como personagem importante o papa Inocêncio III (1160 - 1216).
Essa heresia foi importante porque marcou pelo fato de, se opondo à forma da Inquisição de
eliminar as heresias (crendo que era melhor pela persuasão), Domingos de Gusmão (1170 –
1221) funda a Escola dos Pregadores, a origem dos dominicanos.
129
Figura 140 - Domingos de Gusmão
Os cátaros têm a base de suas crenças na existência de dois princípios eternos opostos (bem e
mal). A criação é devida não a Deus (bem), mas ao princípio do mal. Os espíritos são o bem,
mas estão aprisionados na matéria deste mundo mal. O espírito só pode ser liberto por uma série
de reencarnações até que o crente se torne perfeito (ascetismo).
130
A Teologia Oriental das conquistas islâmicas até a Quarta Cruzada
Durante o mesmo período do capítulo anterior, a Igreja Oriental Grega mantinha seu poder no
Império Bizantino. Mesmo com as criações de ramos dentro da Igreja Oriental, como a igreja
russa e a igreja búlgara, e também com a insistente presença da Igreja Nestoriana e de outros
grupos que rejeitavam Calcedônia, A Igreja Oriental Grega continuou única em poder e
autoridade.
A Igreja Ortodoxa, ou Bizantina, estava sob a autoridade e os caprichos do imperador bizantino.
Depois dos acontecimentos dos século VII°e VIII°, o Império Bizantino estava condenada à
ruína, porém, como Império de Leão III (685 – 741), que começou a dinastia “isauriana”, deu
nova vida ao falecido império.
Algo marcante do império de Leão III foi sua política religiosa contra qualquer tipo de imagem.
Essa política iconoclasta teve início, mais especificamente, em 725, quando Leão III ordenou a
destruição de uma imagem de Cristo a qual eram atribuídos poderes miraculosos.
A autoridade imperial foi demonstrada quando um patriarca, Germano de Constantinopla (634
– 733), se mostrou oposto à política iconoclasta de Leão III. Leão o depôs e o substituiu por
Anastácio. Isso levou a excomunhão, pela Igreja Romana Ocidental, do Imperador.
131
Figura 143 - João de Damasco
O filho de Leão III, Constantino V (718 – 775), convocou um concílio em 754, ratificando a
iconoclastia e anatemizando João de Damasco e Germano de Constantinopla.
Durante o império do filho de Constantino, Leão IV (750 - 780), que, submisso à sua regente e
mãe, Irene, convocou um concílio ecumênico em Nicéia, em 787, juntamente com o papa
Adriano I (700 – 795), e este concílio resultou na restauração dos ícones.
Porém, não muito depois, em 815, o imperador Leão V (775 – 820) retornou à política
iconoclasta, além de depôr o patriarca Nicephorus (758 – 828).
132
Figura 146 - Nicephorus
O seguinte imperador, Miguel II (770 – 829), seguiu com o apoio à iconoclastia. Seu opositor
mais assíduo foi Teodoro Estudita (759 – 826).
O retorno dos ícones veio definitivamente com o governo oriental de Teodora (815 – 867) mãe
do imperador menor-de-idade Miguel III (840 - 867), no dia 11 de março de 842.
A obra que resume suficientemente a opinião iconoclasta dessa época foi a Definição, do
Concílio iconoclasta de 754, o mesmo que condenou João de Damasco.
Como é normal dessa época, a maioria das obras dos derrotados foram destruídas. A obra
Definição só persistiu porque foi citada no Sétimo Concílio Ecumênico (Segundo Concílio de
Nicéia).
133
O princípio básico para a iconoclastia é a proibição da idolatria em toda a Escritura.
Outro princípio foi a fé de Calcedônia, que reafirma a proibição da idolatria.
Eles criam que, ao representar as duas naturezas de Cristo em uma só imagem, isso levariam ao
monofisismo.
O primeiro defensor de imagens foi Germano de Constantinopla.
Germano foi condenado em 754, mas sua opinião foi revista no segundo concílio de Nicéia.
Germano cria que a adoração que era exercida pela Igreja Romana era um mero sinal de respeito
e veneração, não a adoração que só era devida a Deus.
Mesmo essa iniciativa de Germano tendo imensa importância, foi João de Damasco que
demonstrou maior intensidade.
João cria que os mandamentos, por estarem no Antigo Testamento, não são mais válidos. Deus
se encarnou, tornando, assim, capaz de ser revelado por meios visíveis.
Não deve-se confundir a crítica contra imagens com a crítica contra a matéria.
O propósito final das imagens é ensinar e lembrar o fiel dos grandes eventos da salvação, e o que
nos move a fazer o bem. Esse propósito foi tão destacado por João que ele afirmou que as
imagens são formas de graça.
João também distinguiu formas de culto, dizendo que a reverência absoluta é devida somente a
Deus. Porém, reverência, respeito e honra podem e devem ser dados a objetos e pessoas.
Teodoro Estudita começou a defender as imagens no século IX°. Também se destacou pela
inflexibilidade quanto à independência da Igreja contra a autoridade civil.
Teodoro cria que, ao reverenciarmos a imagem como sendo protótipo de alguém, reverenciamos
esse alguém, justificando, assim, a adoração às imagens.
Depois da restauração às imagens, a Igreja Bizantina ficou dividida em três partidos: os
iconoclastas convencidos (criam na proibição das imagens); os piedosos extremos, que
defendiam a adoração das imagens rigorosamente; os moderados, que evitaram um rigor
religioso que traria obstáculos em meio a uma sociedade submissa ao imperador.
O primeiro partido teve como principal membro João VII de Constantinopla, o Gramático (X
– 867).
O terceiro partido teve como um dos líderes Photius (810 – 893).
Photius foi envolvido a uma controvérsia política da época, onde Teodora (mãe de Miguel III)
foi forçada a passar o poder imperial para seu irmão Bardas (X - 866) (sem sucesso), e este
depôs o patriarca Inácio I (797 – 877) (adepto do primeiro partido), colocando Photius em seu
lugar.
O papa Nicolau I (820 – 867), pressionado por todos os lados, ordenou que a situação fosse
julgada novamente, mas esse julgamento só confirmou a condenação de Inácio.
134
Figura 150 - Papa Nicolau I
Outro fator que fez Photius se destacar foi sua oposição à Filioque.
Photius ainda fez o papa Nicolau I ser deposto, porém, posteriormente, ele mesmo foi deposto
pelo Oitavo Concílio Ecumênico em 869-870, convocado pelo papa Adriano II (792 – 872),
sendo substituído por Inácio.
135
Nessa época a reforma liderada por Hildebrando (futuro papa Gregório VII) e Humberto de
Silva Candida (1015 – 1061) chegava ao poder, tendo como ênfases o celibato clerical e a
restauração do papado. Esses pontos, inclusive a opinião do uso do pão sem fermento na
comunhão, foram o centro do conflito das Igrejas Oriental e Ocidental nessa época.
O estopim foi quando o papa Leão IX escolheu como representante em Constantinopla
Humberto. Este, após muitos embates, excomungou Miguel Cerularius, e vice-versa.
Esse episódio, ocorrido em 1054, foi chamado “O grande cisma do Oriente”, que se arrastou
durante praticamente toda a história até o século XX.
Houve uma teoria, formulado pelo patriarca Pedro III de Antioquia (X – 1051), que dizia a
Igreja era o corpo de Cristo, e as cinco grandes Sés (Roma, Constantinopla, Alexandria,
Antioquia e Jerusalém) são os cinco sentidos do corpo. Essa tese foi chamada de “pentarquia”.
Esta foi recusada por Humberto.
A teologia oriental também tinha um grande interesse na teologia mística, na Filosofia e
Antiguidade clássica.
O principal expoente da teologia mística nos séculos X e XI foi Simão, o Novo Teólogo (949 –
1022).
Simão era convencido de que o homem não pode agir livremente. A única coisa que restou da
glória perdida foi o desejo de ser livre. Por isso, nós podemos ser salvos apenas pela iluminação
do alto (encontro com a luz divina).
Essa iluminação transforma de tal forma, que nós somos renovados e vivificados em um estado
de direta comunhão com Deus, estado esse chamado por Simão de “deificação”.
Esse estado não é alcançado por um processo de ascensão ou por um êxtase.
Um pensador importante do Oriente foi Miguel Psellus (1018 – 1070). Ele tinha um espírito
enciclopédico, reunindo todo o conhecimento possível, inclusive lendas e contos. Ele foi acusado
por se opor ao misticismo anti-intelectual.
Ele declarava que último tribunal que toda opinião deve passar é a Escritura.
136
Foi contra superstições e a astrologia.
Ele defendia que a filosofia clássica era uma preparação para o recebimento do Evangelho, e
portanto, vem de Deus, que é a fonte de toda a verdade.
Em relação aos universais, Miguel se refere a eles de dois modos: os da mente de Deus são,
como se fosse, o “molde” pelo qual os seres individuais são feitos; os da mente do homem, são
meramente ideias humanas.
Pode se referir a Psellus como um dos precursores da renascença.
Alguns escritores incitaram a suspeita de muitos defendendo o uso da razão em questões mais
elevadas. Escritores como João Ítalo (Século XI – Século XII) e Eustratius de Nicéia (1050 –
1120).
137
Figura 157 - Rei Simeon I da Bulgária
O maniqueísmo sempre foi presente neste país. Ele veio à tona com o bogomilismo, durante o
reinado de Pedro (X – 970).
Essa heresia, mesmo que condenada e perseguida ferozmente, persistiu na Bulgária até o século
XVII.
A Rússia se converteu ao cristianismo pouco depois da Bulgária, e passou a produzir teólogos e
estudiosos significantes, como Cirilo de Turov (1130 – 1182), Clemente de Smolensk (Século
XI) e Hilarion de Kiev (Século XI).
Cirilo foi profundamente místico, e um dos seus temas favoritos foi a tolice dos judeus em negar
Cristo como o Messias. Ele usava uma hermenêutica alegórica, e conhecia mais o Antigo
Testamento do que o Novo (usando este erroneamente).
Clemente ficou conhecido por, em uma de suas cartas, criticar o uso da sabedoria pagã na
interpretação bíblica. Ele usava tanto a hermenèutica alegórica quanto literal.
Hilarion foi também alegórico em suas interpretações, e atacou os judeus. Ele foca a conversão
russa em sua estrutura da história, citada em seu sermão Sobre a lei e a graça.
Hilarion cria que tudo terminaria, não em um mundo espiritual, mas num novo mundo e na
ressurreição final.
138
Figura 160 - Hilarion de Kiev
Outro autor importante foi Yahya ben Adi (893 – 974), que tentou fazer a filosofia clássica
sustentar questões teológicas.
139
Introdução geral ao Século XIII
O Século XIII foi quando a Inquisição foi instituída, quando as universidades se desenvolveram,
a influência de Aristóteles invadiu o Ocidente, e os clérigos que viviam da caridade invadiram o
mundo.
A extrema complexidade das obras artísticas e bibliográficas deste século é demonstrada nas
catedrais construídas e, por exemplo, na obra Divina Comédia de Dante Alighieri (1265 –
1321).
Mesmo com a complexidade do pensamento escolástico, o místico de seus autores é que fazia
possível cada reflexão exposta.
Quando o Século XIII teve início, Inocêncio III estava no pontificado. Ele fortaleceu a
autoridade papal, reformou toda a Igreja, e também foi importante em causas políticas em toda a
Europa. Essa sua influência política é bem ilustrada na humilhação que Inocêncio III fez John
Lackland (1166 – 1216) passar, forçando-o a transformar seu país em um feudo papal.
Sob seu pontificado, desviou os objetivos da Quarta Cruzada, tomando Constantinopla
(estabelecendo nela um império latino), forçando os imperadores bizantinos a recuarem para
Nicéia. Isso uniu a Igreja Oriental à Ocidental, culminando na escolha de um patriarca latino
para Constantinopla.
Inocêncio III também instituiu uma feroz cruzada contra os albigenses.
Ele também, poucos meses antes de sua morte, convocou o Quarto Concílio de Latrão, que
moldou toda a teologia e prática da Igreja Católica Romana todo o restante da Idade Média até a
Reforma Protestante.
Ele também abriu mão do título “vigário de Pedro”, e chamou a si mesmo “vigário de Cristo”.
Ele usava a metáfora das “duas espadas” (poder espiritual e poder temporal) citada anteriormente
para justificar seu poder total sobre toda a Cristandade e sobre toda a autoridade civil.
Dois teólogos que reivindicaram este poder papal sobre autoridade civis foi Tomás Becket
(1118 – 1170) e João de Salisbury
140
Figura 163 - Tomás Becket
É meio estranho vermos Bonifácio ter tal importância, pois, seis anos após sua morte (1309), o
papado começou a ruir em corrupção, sendo transferido para Avignon, além dos ataques ao papa
Bonifácio VIII pela Universidade de Paris e por Filipe IV da França (1268 – 1314), também
chamado de Filipe, o Justo.
141
Figura 165 - Filipe IV da França
O enforcamento e morte pela fogueira passaram a ser comuns apenas à partir do século XI. As
mortes foram legalizadas com a instituição da inquisição pontifical em 1231, pelo papa
Gregório IX (1145 – 1241). A Inquisição foi um dos principais fatores que obstruíram a
liberdade e a originalidade.
142
Figura 167 - Francisco de Assis
Domingos apareceu na história da Igreja enviado, juntamente com seu bispo Diego de Azevedo
(X – 1207) (que posteriormente retornou à sua diocese), pelo rei de Castela Afonso VIII (1155 –
1214) ao sul da França numa missão diplomática.
Mesmo com muitos teólogos em destaque, os grandes dominicanos são Alberto, o Grande
(1193 – 1280) e Tomás de Aquino (1225 – 1274).
143
Figura 170 - Alberto, o Grande
144
Figura 172 - Papa Inocêncio IV
145
Figura 174 - Bonaventura
146
Figura 177 - Papa Alexandre IV
William foi sucedido em sua convicção por Geraldo de Abbeville (X – 1272), mas não teve
muito sucesso.
O florescimento da filosofia de Aristóteles (384 AC – 322 AC) foi um problema essencial para
a teologia medieval, pois esta estava fundamentada no neoplatonismo agostiniano.
Seu tratado Sobre o intelecto e o inteligível expôs muito satisfatoriamente ideias aristotélicas e
alguns resquícios de Plotino. Ele cria que o intelecto ativo (que produz objetos inteligíveis) é um
ser espiritual único, e não deve ser confundido com as almas individuais.
147
Outro autor importante foi Al-Farabi (872 – 950), que misturou a Lógica e Metafísica
aristotélicas com as tendências místicas do neoplatonismo. Ele indentificou o intelecto ativo de
Aristóteles com um dos “intelectos” das esferas celestiais.
Essa ideia sobre o intelecto ativo de Al-Farabi foi adotada por Avicena (980 – 1037), e por ele,
essa ideia se tornou conhecida no Ocidente.
O mais importante pensador árabe foi Averroës (1126 – 1198). Ele cria ter encontrada em
Aristóteles a “verdade suprema”.
148
Figura 183 - Averroës
Averroës insistia em três pontos que rivalizavam contra não apenas o islamismo, mas o
cristianismo: relação entre fé e razão; eternidade do mundo; e a unidade do intelecto ativo.
Ele cria que havia níveis de inteligência: fé (para os satisfeitos com retórica e autoridade);
teologia (para os que desejam um entendimento razoável); e filosofia (intelectos privilegiados
desejosos de prova estrita e inegável). Essa visão parece meio contraditória, pois, em alguns
pontos, Averroës crê que, se o intelecto tiver dúvida, a fé deve se sobrepôr.
O mundo é eterno, pois ele decorre necessariamente da natureza de Deus.
Averroës defendeu a ideia de intelecto ativo e foi um realista.
Houve dois judeus que habitaram junto com os árabes e que foram influentes autores também:
Solomon ibn Gabirol (1021 – 1058); e Maimonides (1135 – 1204).
Solomon sofreu influência do judaísmo, platonismo e neoplatonismo. Produziu muito sobre
cosmologia. Uma de suas principais,
Quando Solomon passou a falar sobre a criação do mundo, ele abandonou o platonismo, e disse
que o mundo foi criado pela vontade de Deus, não por uma série de emanações.
Ele relaciona a Vontade de Deus com o conceito de Logos de Filo.
O que difere o Deus criador do homem criado é o fato de o homem ser formado por forma e
matéria. Outra tese de Solomon é que o homem é criado por uma pluralidade de formas, tema
muito debatido no século XIII.
Maimonides difere de Solomon pela maior influência de Aritóteles.
149
Figura 185 - Maimonides
A obra mais famosa de Maimonides é o Guia para o perplexo, feito para os que acham difícil
conciliar a Bíblia com a razão filosófica. As verdades bíblicas não são opostas â razão, mas
superiores a ela.
Ele fala nesses termos: ao aceitar algo pela fé, a razão não é ofendida, mas aceitar, por exemplo,
a eternidade do mundo, que não tem prova definitiva na razão, ofende a razão pois não pode ser
aceita pela fé.
Os escritos aristotélicos demoraram para entrar definitivamente no Ocidente. Os primeiros meios
da entrada da filosofia aristotélica foram os escritores citados anteriormente, como por exemplo,
em 1230, os escritos de Averroës passaram a ser lidos no Ocidente.
150
A tradição agostiniana no século XIII
O século XIII (com a introdução de Aristóteles) obrigou a teologia tradicional a tomar a posição
de combate, e usaram Agostinho como seu símbolo.
A teologia tradicional teve dois principais representantes: Alexandre de Hales; e Bonaventura.
Essa teologia cria que todo o conhecimento é iluminação de Deus, semelhantemente às ideias de
Agostinho.
Os que sustentavam Aristóteles diziam que havia também a razão sem iluminação divina.
Outros pontos da teologia tradicional são: focada na prática e moral; idnividualidade e
independência da alma; multiplicidade das formas substanciais; composição hilomórfica de seres
espirituais.
O pensamento tradicional e agostiniano, porém, não foi rígido, tendo vários pontos de vista
divergentes.
O ensino teológico antes da entrada do monasticismo esta nas mãos dos seculares. O mais
notável entre estes foi William de Auvergne (1180 – 1249).
Os teólogos dominicanos, quase todos, seguiram a linha agostiniana, porém, os franciscanos que
se identificaram mais.
Alexandre de Hales, mesmo conhecendo bem Aristótelses, permaneceu firme no neoplatonismo
agostiniano, influenciado por Anselmo, Agostinho e Hugo de Santo Vitor.
Alexandre acreditava que a teologia tem o objetivo de “aperfeiçoar a alma de acordo com as
afeições, movendo-a na direção do bem por meio dos princípios de temor e amor” (Alexandre de
Hales).
Bonaventura foi superior a Alexandre em influência.
A teologia de Bonaventura tinha três pilares básicos: autoridade da igreja, sua tradição e Bíblia;
piedade franciscana; estrutura filosófica baseada em Agostinho, Hugo de Santo Vitor e
Alexandre de Hales.
Bonaventura nega que a filosofia é uma ciência autônoma. Todas as ciências estão submissas à
Teologia, que, por suas próprias palavras, não é uma ciências, é uma sabedoria (sapientia).
Ele não dá muita ênfase em argumentar a existência de Deus, porque achava algo lógico, se
satisfazendo em simplesmente defender o argumento ontológico de Anselmo.
Para ele, exposto em seu Breviloquium, a doutrina trinitariana é o ponto inicial da Teologia. A
Trindade é refletida na criatura em vários graus.
O mundo foi criado do nada. Os seres criados têm matéria e forma.
Todas as ideias e coisas criadas são eternas na mente de Deus. Todo o conhecimento tem como
fonte oVerbo.
Em sua obra O Itinerário da mente rumo a Deus, Bonaventura foca em como o Universo conduz
a Deus e na contemplação da humanidade de Cristo.
Mesmo tendo maior clareza em algumas criaturas, os vestígios da Trindade são vistos nas
criaturas pois todas elas tem ser, verdade e bondade. Os vestígios são vistos apenas nas criaturas
que têm fé, esperança e amor.
Ele defende a ideia de êxtase para alcançar uma contemplação maior de Deus.
A cristologia de Bonaventura é exposta e sua obra Comentário sobre o terceiro livro das
sentenças e no Breviloquium.
Ele negou a concepção imaculada de Maria.
Ele viu a humanidade de Cristo (sofrimento, humilhação e crucificação), não como objeto de
investigação científica, mas uma contemplação que leva para o amor e o arrependimento.
151
A Escola Dominicana
Mesmo os tradicionais sendo chamados de agostinianos, os opostos a eles não deixaram de ser
agostinianos, mas tentaram compreender Agostinho juntamente com a estrutura filosófica de
Aristóteles.
Alberto, o Grande:
Alberto foi um autor com uma amplitude enorme de temas. De teologia â botânica.
A sua maior contribuição para a teologia (devido à falta de originalidade) foi a distinção
que ele propôs entre Filosofia e Teologia.
Ele diz que a Teologia prova princípios revelados, não autônomos. Ele difere Teologia
e Filosofia nos mesmos termos que a relação “fé X razão”.
Ele “divorciou” definitivamente a Filosofia da Teologia, dando liberdade às outras
ciências.
Por exemplo, sobre a criação, ele defende a não-eternidade desta usando argumentos de
probabilidade.
Ele tenta “fundir” o conceito de intelecto ativo aristotélico com o princípio de
iluminação divina agostiniano. O intelecto ativo que recebe a iluminação, abstrai o
conhecimento dos dados revelados no intelecto passivo.
Tomás de Aquino:
Tomás de Aquino foi o mais importante professor da Escola Dominicana.
Seus principais trabalhos foram: Livro sobre causas; Sobre ser e essência; Sobre os
princípios da natureza; Comentários sobre as sentenças; Suma contra os gentios; e sua
principal obra, Suma Teológica.
Segundo o próprio Alberto, o Grande, Tomás foi capaz de distinguir as verdades
capazes de compreender com a razão, e as que estão além dela.
O conhecimento da Teologia, para Tomás, é superior ao conhecimento adquirido.
A Filosofia revela verdades que podem ser postas em dúvida pela razão. A Teologia,
por sua vez, estuda verdades que não podem ser duvidadas.
A razão tem um papel de provar que as verdades reveladas pela Teologia não são
contrárias à verdade em geral.
A metafísica de Tomás é essencial para a compreensão de sua teologia. Ela é melhor
compreendida por pares de termos básicos.
Ela é basicamente aristotélica. O ser é não é uma ideia eterna, é algo concreto,
individual.
O primeiro par de termos básicos de sua metafísica é “substância” (existe em si mesmo)
e “acidente” (existe submetido à uma substância, ou “em uma substância”).
A substância, por sua vez, contém uma essência que é diferente de sua existência. Nessa
substância, temos vários acidentes.
Os acidentes são características essenciais da substância. Por exemplo, na sentença
“homem feio”, o homem é substância, e o feio é o acidente.
O outro par de termos é “natureza” (modo como a substância age) e “essência” (é o que
define a substância).
As substâncias matérias contém “matéria” e “forma”. Matéria-prima é a indeterminação
absoluta, a partir da qual todas as coisas derivam.
Forma é a determinação que torna a substância concreta e individual.
Outra distinção é “ato” e “potência”. “Aquilo que pode ser, mas que não é, existe
potencialmente; aquilo que já é, existe em ato” (Tomás de Aquino). Por exemplo, uma
criança que vai se tornar adulto é uma criança em ato e um adulto em potencialidade.
Outra distinção é “existência” (aquilo que é real) e “essência” (aquilo que é definível).
152
Tomás de Aquino era um realista moderada, acreditando que os universais são ideias
eternas na mente de Deus, e ideias concebíveis na mente humana, mas não subsistem
em si mesmos.
Tomás de Aquino rejeitou as teses de Anselvo quanto a existência de Deus ser auto-
evidente, porém, propôs cinco caminhos, ou provas.
A primeira prova era a que havia coisas que se movem, ou vão da potência para o ato
(ex parte motus). Esse não pode ser movido por vontade própria, mas algo além, o ser
primeiro, dele deve movê-lo.
A segunda prova é o da causalidade (ex ratione causae efficientis). Nada é a causa da
própria existência, e deve-se existir a causa primeira. Essa causa é Deus.
A terceira prova é a distinção entre o contignente e o necessário (ex possibili et
necessario). Toda a criação vista nesse mundo é contingente, ou seja, recebera sua
existência de outro ser. Esse outro ser é necessário em si mesmo, Deus.
A quarta prova são os vários graus de perfeição nos seres (ex gradibus). Alguns são
mais bons, outros menos, e isso só é medida pela existência do mais alto grau de
bondade.
A quinta prova é a ordem do Universo (ex gubernatione rerum). Todas as coisas no
universo têm um fim próprio. O que determina esse fim e as leva a ele é Deus.
“Deus é absolutamente simples, pois não existe em Deus corpo ou composição
hilomórfica. Deus é puro ato em quem essência e existência são idênticos; a perfeição
de todo ser; e o mais alto bem.” (Justo González).
Deus é infinito e onipresente, não num sentido panteísta, mas como criador e
sustentador de tudo.
Deus é eterno, e esse fato fez com que Tomás distinguisse tempo (movimento) de
eternidade (permanência).
Deus é um, e este fato é provado pela simplicidade e perfeição de Deus, além da
unidade do mundo (se houvesse mais de um deus, a ordem do mundo seria impossível).
Deus é único, não é divisível.
O conhecimento de Deus é inatingível nessa vida. Mesmo assim, alguns bem-
aventurados verão a essência, não em sua totalidade. Esse conhecimento da essência é
recebido pela iluminação divina (lumen gloriae).
As características boas são similaridades da imagem de Deus impressas na criatura.
Essa referenciação de características humanas a Deus, mesmo este as tendo em sua
totalidade, é denominada “doutrina da analogia”.
Sobre a predestinação e providência, “apesar dessa distinção, tudo o que acontece está
sujeito à vontade divina, que é sempre cumprida, não sempre como uma ‘operação’
direta, mas às vezes, também como uma mera ‘permissão’. Deus ordena que certas
coisas aconteçam, enquanto que meramente permite outras. Portanto, tudo está sujeito à
providência divina, da qual a predestinação é um aspecto.” (Justo González).
A predestinação é necessária. Sem a ajuda de Deus não podemos obter vida eterna.
Os que não são predestinados são réprobos, ou seja, o dom imerecido da eleição não se
estende a eles.
Para Tomás, predestinação não é um mero pré-conhecimento.
Tomás não nega o livre-arbítrio, pois o arbítrio humano é um meio usado por Deus para
ter o resultado pretendido.
Tomás negou que a matéria fosse eterna. Deus criou tudo, inclusive a matéria-prima.
Ele afirma que os anjos não podiam ter matéria. Por ele afirmar que a distinção dos
indivíduos dependiam da matéria e forma, a única afirmação possível de Tomás foi que
os anjos eram, cada um, de uma espécie.
O homem não é uma alma unida ao corpo, é uma composição de alma e corpo, sendo
que nenhum dos dois é uma pessoa. Alma é a forma do corpo (matéria da alma).
153
Em relação ao conhecimento, Tomás fala que há um processo, que começa nos dados
sensoriais recebidos, que se transformam em conhecimento de essências. Esses dados
são concebidos como uma imaginação, sendo fiéis ao objeto real. Para se entender a
essência de tal objeto, é necessário um processo de abstração.
A abstração é uma atividade (iluminação) do intelecto ativo. Não é a iluminação
agostiniana, mas iluminação no sentido de clarear uma imagem.
Na imaginação, então, descobre-se a “espécie inteligível”, impressa no intelecto
passivo, e este produz “espécies expressadas”, que são conceitos universais.
A Teologia moral, para Tomás, era o fim último da natureza humana. A ética leva a
felicidade final, semelhantemente ao pensamento de Aristóteles.
Além da ética, o conhecimento de Deus é essencial para tal fim.
O ponto inicial da teologia moral é a doutrina da lei. Essa doutrina parte da lei eterna,
que está em Deus. Dela, decorre a lei natural, que é a maneira pela qual as criaturas
participam nas leis eternas. O ponto alto da lei é o Novo Testamento, que tem como
principal lei o amor.
Em sua cristologia, Tomás dizia que a pessoa humana de Cristo subsiste no Verbo.
Em sua mariologia, Tomás demontrou respeito por Maria, sua virgindade eterna e sua
concepção imaculada. Porém, ele cria que ela participava do pecado original, e só foi
possível entrar no Paraíso pelo sacrifício de Cristo.
O sacramento é um sinal de uma realidade sagrada santificadora.
Os elementos do sacramento devem ser os que Deus instituiu. Toda vez que um
sacramento é realizado, graça é dada aos participantes.
Tomás aceitou o número de sacramentos instituído por Lombardo (sete).
Siger de Brabant (1240 – 1280) condenou ele por se afastar do sentido original do
aristotelismo, e os agostinianos o acusaram de seguir o aristotelismo extremo.
Os mais perigosos inimigos de Tomás de Aquino foram um grupo formado por franciscanos,
seculares e alguns dominicanos, liderados por João Peckham (1230 – 1292).
A batalha alcançou o clímax com os ataques feitos por Estêvão Tempier (X – 1279), Roberto
Kilwardby (1215 – 1279) e William de La Mare (X – 1285), em 1277.
A influência de Tomás, muito conturbada, foi perpetuada em 1323, quando o papa João XXII
(1240 – 1334) canonizou Tomás de Aquino.
154
Aristotelismo radical
Houve uma nova onda de partidos teológicos divididos por causa da nova filosofia em ascensão
(Aristóteles).
O partido que seguia a liberdade de buscar conhecimento dessa nova fonte foi representada por
Siger de Brabant.
Ele se aprofundou tanto em Aristóteles que passou a criar uma oposição entre Agostinho e
Aristóteles.
Ele cria que, se tivesse alguma contradição entre a razão e a fé, a fé tem que se sobrepor.
As verdades que a razão não consegue explicar não são contrárias a razão, mas superiores a ela.
Mesmo ela sendo incapaz de explicar, também é incapaz de contradizer.
Siger defendia também a eternidade do undo, pois o efeito do Deus eterno deve ser eterno.
Ele cria que a história é algo cíclico, e que a Era Cristã é apenas mais um ciclo.
A alma racional é uma, eterna e universal. A alma não pode ser múltipla, pois algo imaterial é
incapaz de individualização. Conclui-se, portanto, que é um universal, geralmente chamado de
alma intelectual.
A alma é única, e sua individualização é apenas aparente e transitória. Ela só está única à pessoa
acidentalmente, não substancialmente.
Quando alguém morre, a alma racional retorna à original, e Siger identificou essa alma como
Deus.
O seguidor mais conhecido de Siger foi Boethius de Dacia (1240 – 1290).
Boethius trata a vida filosófica como o mais alto bem que alguém pode alcançar.
Sobre a eternidade do mundo, Boethius conclui que o intelecto humano não pode pronunciar um
julgamento definitivo, tendo, assim, que confiar na fé, que dizia que o mundo não é eterno.
Siger e Boethius, junto com todo o ideal aristotélico radical, foi condenado definitivamente em
1277.
O Aristotelismo radical persistiu em Paris até a morte de João de Jandum (1285 – 1328), em
1328.
155
A Teologia Oriental até a queda de Constantinopla
A teologia do Império Romano Oriental girou em torno do seu relacionamento com Igreja
Romana.
Nas afirmações escritas da época, demonstra-se por parte do Oriente um temor por causa dos
turcos, dizendo que estes temiam que o Oriente se una com o Ocidente.
Esse temor se tornou realidade após o Concílio de Florença, que declarou a união das Igrejas.
Quatorze anos depois, Constantinopla foi tomada pelos turcos.
Um dos defensores da união com Roma foi o patriarca João Veccus (1225 – 1297).
João estava intimamente aliado com as políticas do imperador bizantino Miguel VIII
Palaeologus (1223 – 1282).
Mesmo com esses unificadores, grande parte da população era contra a união.
Do outro lado, os contra a unificação estão representados pelo patriarca Germano II de
Constantinopla (X – 1240) e o imperador Teodoro II Lascaris (1221 – 1258).
156
Figura 190 - Imperador Teodoro II Lascaris
Mesmo estes tentando usar novos argumentos, os anteriormente usados foram os mais incisivos
(Filioque, uso do pão levedado e a primazia de Roma).
A união foi possível em duas situações: Concílio de Lião (1274); e Concílio de Ferrara-Florença
(1439).
O concílio de Lião não deu certo pois o papa Nicolau III (1225 – 1280) exigiu mais concessões
da Igreja Oriental.
Já o Concílio de Florença não deu certo pois, no meio dos debates, os turcos tomaram
Constantinopla.
Em 1443, os patriarcas orientais rejeitaram os concílios que a Igreja Ocidental tinha participado.
Uma situação que mostrou o contraste do Oriente com o Ocidente foi a controvérsia hesicasta
(hesicasmo é o êxtase espiritual, algo normal no monasticismo).
Essa controvérsia irrompeu quando dominicanos passaram a ridicularizar certas práticas
ascéticas.
Uma pessoa que se levantou em defesa do hesicasmo foi Gregório de Sinai (1260 – 1346).
157
O êxtase de Gregório era sentar-se com o queixo descansando em seu peito, olhando para seu
umbigo, e segurando sua respiração tanto quanto possível, enquanto repetia constantemente
“Senhor Jesus Cristo, tem misericórdia de mim”. Essa revelação é chamada luz taborita, e é
visível.
Esses ensinos de Gregório atraíram a ridicularização de um escolástico e aristotélico chamado
Barlaam de Seminara (1290 – 1348).
Barlaam era a favor da união, e, por isso, dizia que a questão da Filioque era uma questão que
não podia ser resolvida por intelecto humano. Por causa dessa afirmação, levantou-se contra ele
Gregório Palamas (1296 – 1359).
Gregório vai contra a acusação de Barlaam (que negava a possibilidade da luz taborita, por Deus
ser invisível). Ele estabeleceu uma distinção entre a essência e as operações divinas (não criadas,
pois são manifestações da substância divina). Se não houvesse as operações divinas, seria
impossível conhecer a Deus.
A posição de Barlaam foi muito bem representada por seu sucessor Gregório Acindynus (1300
– 1348).
Essa controvérsia teve seu fim em 1351, e Palamas saiu vitorioso.
Quando se trata da Rússia, observa-se um período conturbado que a conquista mongol
proporcionou.
A Igreja, em meio a esse período, fortaleceu seu controle sobre o povo russo, porém, a teologia
não produziu nada, o houve uma decadência intelectual.
Um autor que se destacou por incluir textos de autor ateniense entre os canônicos foi Gennadius
de Novgorod (X – 1505).
158
Figura 195 - Gennadius de Novgorod
Houve duas seitas que se destacaram na Rússia medieval: os strigolniks (Século XIV); e os
judaizantes (Século XV).
Os strigolniks criticaram as taxas cobradas pela Igreja, indignaram-se contra o clero, rejeitaram
os sacramentos, enfatizaram o estudo da Bíblia e colocaram piedade pessoal sobre a piedade
eclesiástica estabelecida.
Os judaizantes negavam a divindade de Cristo e a Trindade, além de observar o sábado ao invés
do domingo.
O nestorianismo continuava sem produzir muito, destacando-se apenas Ebedjesu bar Berika (X
– 1318).
Sua obra Livro da pérola sobre a verdade da doutrina cristã é uma teologia sistemática notável
(divide-se em Deus, criação, cristologia, sacramentos e Escatologia).
Ebedjesu afirmou que o humano era como o templo do Verbo.
Ele também afirmou que Roma tinha um lugar de honra.
As igrejas monofisistas foram marcadas por debates sobre: observância do Sábado; presença
corpórea de Cristo na eucaristia; criação do homem à imagem de Deus; culto devido a Maria e a
cruz.
Um teólogo monofisista que se destacou foi Gregório bar Hebraeus (1226 – 1286).
Na Igreja Armênia, houve uma aproximação com Roma. Seu principal teólogo foi Gregório de
Datev (1346 – 1410), que dedicou-se a refutar os que apoiavam essa aproximação.
159
A Teologia no final da Idade Média
Após o auge da Idade Média com Inocêncio III, Tomás de Aquino e Bonaventura, a vida
eclesiástica medieval entrou em declínio.
Por quase três quartos do século XIV o papa residiu em Avignon (1309 – 1379). Pelos altos
gastos com essa residência, o papado instituiu uma alta taxação eclesiástica. Essas taxas
deixaram a Igreja vulnerável à acusação de simonia (cobrança por favores relacionados à
religião).
Devido ao crescente sentimento nacionalista, a autoridade eclesiástica universal passou a ficar
ameaçada.
Os franciscanos radicais se referiam à residência francesa do Papa como sendo o “cativeiro
babilônico da Igreja”.
Outra situação vergonhosa foi, devido à volta do papa a Roma, a eleição de outro papa de
Avignon. Esse cisma durou de 1378 até 1417.
Houve um movimento que começou no Concílio de Constance (1414 – 1418). Esse concílio
curou o cisma, porém, em 1431, com o Concílio de Basiléia, esse movimento dividiu-se, devido
à vontade do papa de se mudar para Ferrara.
Os papas desse período não estavam mais interessados no posto espiritual, mas apenas no poder
que eles ganhariam ao se tornar autoridade papal.
Mesmo com as descobertas do Novo Mundo, o papa Alexandre VI (1431 – 1503) não se
preocupou com as missões, apenas em se esbaldar nos prazeres proporcionados pelo poder papal
adquirido.
160
Scotus foi o auge da tradição agostiniana-franciscana.
Foi conhecido por sua sutileza nas distinções, sutileza tal que foi achado nele muita
dificuldade.
Scotus foi basicamente franciscano. Ele cria que o fim da Teologia era o entendimento
da finalidade pela qual o homem foi criado.
Um dos temas debatidos por Scotus foi o problema do objeto próprio do intelecto
humano.
Henrique de Ghent (1217 – 1293) concluiu que Deus é o objeto próprio do intelecto
humano. Essa posição envolve a aceitação de que o homem é capaz de ter o
conhecimento de Deus. Para ir contra essa posição, Scotus declarou que o objeto
primeiro e próprio do intelecto é ser. O que quer que seja, se objeto simplesmente pode
“ser”, então ele é inteligível.
Scotus, vendo uma dificuldade nas teorias de Aquino sobre ser e sobre a apologia à
existência de Deus, formulou a doutrina da predicação unívoca do ser. Essa tese é
semelhante à de Aquino (ser contingente e ser necessário), dizendo que, pelo ser ser
sempre univocamente predicado, ele deve ser predicado de Deus.
Scotus valorizava mais a vontade de Deus do que a “razão” (pode-se dizer que é
semelhante à “justiça”) de Deus (amor sobre o conhecimento).
Scotus também defendia que a encarnação é o ponto central de todo o propósito de
Deus, independentemente do pecado humano.
Scotus cria na união hipostática de Cristo (uma natureza, o Verbo encarnado). Cada
natureza tem sua própria existência, mas sempre colocou a humanidade de Cristo sob a
divindade.
Ele via o ato de redenção tanto como um ato de amor superando nossa alienação de
Deus, quanto um ato de satisfação pelos pecados da humanidade.
Porém, Scotus rejeita a necessidade desse ato para que a condenação pelo pecado fosse
satisfeita. Deus poderia perdoar sem qualquer satisfação. Negando assim, a tese de
Anselmo na necessidade racional da redenção.
Se Deus aceitou os méritos de Cristo como infinitos, não foi por necessidade em si, mas
pela vontade livre de Deus.
Outro ponto da cristologia de Scotus que causou polêmica foi sua defesa à imaculada
concepção de Maria, rejeitando a herança do pecado original dela. Essa doutrina foi
definida como doutrina oficial da Igreja Católica Romana em 1854.
Scotus cria que o homem é uma combinação de corpo e alma, sendo que o corpo tem
sua própria forma, mas a alma é a forma do ser humano. A alma separada do corpo não
é uma pessoa. Nela, a vontade tem primazia sobre o intelecto.
Ele não quis defender a irracionalidade da alma, mas a liberdade.
A vontade, por ser livre, não necessariamente deseja o que é bom.
161
Tomás de Aquino defendia que, se conhecêssemos claramente o supremo bem, o
escolheríamos. Scotus negou a subordinação da vontade ao entendimento.
Scotus chegou a afirmar que, no céu, o homem continua com a liberdade de pecar,
porém, não podendo.
Scotus afirma que, mesmo havendo provas, a alma não pode ser definitivamente
afirmada como imortal.
Scotus aumentou a lista de verdades reveladas que um cristão tem o dever de acreditar,
mas não pode provar.
Nominalismo e o movimento conciliar:
O “cativeiro babilônico da Igreja” teve início com o papa Clemente V (1264 – 1314),
em 1309.
O mais notável teólogo dessa época pós-1309 foi Guilherme de Ockham (1288 –
1347).
162
Figura 202 - Imperador Luís IV
163
Ockham sustentou que todos podem errar, mas esse concílio (congregatio fidelium) tem
mais chance de sustentar uma doutrina verdadeira.
Pierre d’Ailly (1351 – 1420) afirma também que isso é essencial para a unidade da
Igreja.
Esse ideal não teve nenhum período vitorioso, tanto que culminou em seu último
representante, Gabriel Biel (1420 – 1495), que, mesmo defendendo o ideal
conciliarista, via isso como uma impossibilidade.
Misticismo do fim do período medieval:
O misticismo teve um amplo reavivamento nesse período, tendo como principal
representante João Eckhart (1260 – 1328), também conhecido como Mestre Eckhart.
Eckhart teve como discípulos João Tauler (1300 – 1361) e Henrique Suso (1300 –
1366).
164
Figura 207 - João Tauler
Outro pensador importante para a história do pensamento cristão foi João Ruysbroeck
(1293 – 1381), que influenciou Gerard Groote (1340 – 1384), o fundador dos Irmãos
da Vida Comum.
O autor mais influente dos Irmãos da Vida Comum foi Tomás de Kempis (1380 –
1471), que escreveu A imitação de Cristo.
165
Figura 210 - Tomás de Kempis
Esse novo misticismo foi muito polemizado. O papa João XXII condenou Eckhart. A
prática da confissão mútua de pecados sobrepujava a penitência. Há a possibilidade da
comunicação direta com Deus na eucaristia.
Além de tudo isso, colaborou para o declínio do escolasticismo.
Eles afirmavam a bondade da limitação da razão, mesmo afirmando que o
conhecimento racional é bom. Porém, afirmava-se que a atitude cristã básica é de
“ignorância erudita” ou docta ignorantia, como Nícolas de Cusa (1401 – 1464)
chamava.
166
Ele foi, principalmente no final de sua vida, crítico da Igreja institucional.
Ele era apoiado polisticamente por João de Gaunt (1340 – 1399), um duque influente
da Inglaterra e filho do rei.
Depois da revolta dos camponeses (1381), (mesmo ele não apoiando) Wycliff perdeu
muito apoio, e se retirou à sua paroquia até sua morte.
Suas doutrinas foram condenadas em 1415, no Concílio de Constance. Seus seguidores,
os Lolardos, foram perseguidos, e muitos, queimados. Em 1428, seus restos mortais
foram atirados para longe do solo consagrado.
Em relação a questão dos universais, Wycliff adotou uma posição realista, sendo
influenciado por Agostinho e seu neoplatonismo.
Um dos argumentos de Wycliff em seguir o realismo é o de condenar os nominalistas
por criar uma desordem, pois falavam que Deus poderia agir contra a razão.
Deus estabeleceu a ordem universal, e Deus não pode agir contra Sua própria ordem.
A razão e a revelação não podem se contradizer, pois ambos devem levar à verdade
universal.
A princípio, Wycliff defendia a autoridade da tradição católica, porém, com o passar do
tempo, ele viu que esta contradizia a Bíblia.
A autoridade da Bíblia está sobre a tradição, e daí, a necessidade de traduzir a Bíblia
para o inglês.
Um ponto importante do pensamento de Wycliff foi seus pontos de vista sobre
“domínio” (expostos em suas obras Sobre o senhorio divino e Sobre o senhorio civil).
Deus obtém todo o dominio, e os outros domínios só são possíveis porque Deus confiou
a tais senhores. Quando este domínio é usado de forma inadequada de acordo com os
princípios bíblicos, este domínio deixa de ser evangélico e ássa a ser coercivo, ou
“humano”. Essa tese atacou diretamente o papado da época.
A eclesiologia de Wycliff tem base na distinção agostiniana entre as igrejas visível e
invisível. Essa distinção prova que o papa é um réprobo, e não participa da igreja
invisível, que é o corpo dos eleitos.
Wycliff também atacou a doutrina da transubstanciação. Ele dizia que essa doutrina se
aproxima perigosamente do docetismo, pois, do mesmo modo que o docetismo nega a
verdadeira encarnação de Deus em um verdadeiro ser humano, esta doutrina nega a
presença do Senhor no pão e vinho verdadeiros, físicos. É algo meramente ilustrativo.
O corpo de Cristo se faz presente apenas espiritualmente no participante, mas seu corpo
físico está no céu.
Outro reformador notável da época foi João Huss (1370 – 1415).
167
Figura 214 - João Huss
Seus seguidores, unindo-se com alguns valdenses, formaram os Irmãos Boêmios, que
posteriormente abraçaram os ideais da Reforma Protestante.
Uma das diferenças (raras) de Huss em relação à Wycliff foi sua ênfase maior na
questão das indulgências.
Sobre Girolamo Savonarola (1452 – 1498), ele foi um dominicano com ideais
apocalípticos joaquimitas (Joaquim de Fiore).
168
O fim de uma era
Algo que marcou o fim da Idade Média e o início da Renascença foi o crescimento do
sentimento nacional. Isso foi marcado pela transição de feudos medievais para monarquias
centralizadas.
A Igreja, após a descoberta do Novo Mundo, fez dos reis de Portugal e Espanha autoridades
eclesiásticas no Novo Mundo.
O controle dos reinos da península ibérica aumentou consideravelmente, tanto que muitos papas
foram instrumentos da política espanhola, mesmo que involuntariamente.
A França foi a monarquia mais centralizada da Europa. O sentimento nacional foi fortalecido
pela Guerra dos 100 anos (1337 – 1453), contra a Inglaterra.
A retomada da península ibérica na sua totalidade pela Espanha também fortaleceu o sentimento
nacional espanhol.
Devido à residência do papa em Avignon, a França ganhou uma influência sobre a Igreja que
persistiu por muitos anos.
Na Inglaterra, com o fim da Guerra das Rosas com o rei Henrique VII (1457 – 1509) e a vitória
da dinastia Tudor, houve uma centralização e estabilidade política.
Outro fator importante em relação à Inglaterra foi a independência eclesiástica que ações como
os Atos de Annates (taxa para à autoridade eclesiástica), appeals (apelos) e supremacy
(supremacia) proporcionaram, contendo a influência papal nos negócios do reino.
Em relação ao Sacro Império Romano, houve uma descentralização crescente de poder. Os
estados ficaram cada vez mais independentes.
O nacionalismo na Alemanha, mesmo com essa descentralização, cresceu cada vez mais,
principalmente após a criação de nações independentes que saíram do Sacro Impéro (Holanda,
Suíça e Boemia).
Outros fatores que colaboraram para o florescimento desse crescentimento sentimento nacional
foram o desenvolvimento do comércio e da economia monetária. Com o fluxo de metais
aumentando exacerbadamente (por causa do Novo Mundo), a inflação aumentou muito.
Em relação aos papas, sua autoridade diminuiu, principalmente devido à três situações: mudança
para Avignon; Grande Cisma proveniente da residência em Avignon; espírito renascentista
italiano influenciando papas. Essa perda de poder veio junto com a crescente demanda de fundos
que os exageros papais pediam.
Papas como Alexandre VI e Leão X (1475 – 1521) tornaram comuns a prática da simonia. A
prática da venda de indulgências foi excessivamente usada para recolher fundos.
169
Figura 218 - Papa Leão X
Um dos membros da Igreja Romana que permaneceram firmes e lutaram pela ética foi
Francisco Ximenes de Cisneros (1436 – 1517), que, sem sucesso, tentou defender os ideais
ascéticos, outrora defendidos pela Igreja.
Devido à toda a corrupção a qual a Igreja havia mergulhado, um modo de ser cristão na época
era buscar o misticismo.
O misticismo foi uma alternativa que algumas pessoas acharam para seguir um cristianismo que,
de fato, era coeso com o que era pregado.
O misticismo, porém, não tentou converter a Igreja. Foi um movimento quieto e erudito, com o
foco no estudo, meditação e contemplação.
Uma consequência boa do misticismo foi a criação da Irmandade da Vida Comum.
Como consequência, um dos alunos dessa irmandade, Erasmo de Roterdã (1466 – 1536) foi um
teólogo importante e dedicado, e participou (mesmo que opondo-se) na Reforma Protestante
como influência, elogiador e inimigo de Lutero.
170
A soberania do pensamento nominalista foi uma representação do desmoronamento da
autoridade eclesiástica. Os Universais eram reais; a Igreja como o universal que representa todos
os cristãos estavam submetidos à uma hierarquia lógica que culmina na submissão do papa.
Com a elevação ideológica do nominalismo, essa ideia de hierarquia lógica se dissolveu.
O fortalecimento do nominalismo representou também a re-introdução de Aristóteles no
Ocidente. Isso também semeou a destruição do pensamento tomista.
O que foi negado, porém, não foi o realismo, mas a ideia de que a mente humana tem uma
percepção definida da natureza última da realidade.
Com a criação de complicados e sutis sistemas teológicas e de lógica, ficou muito difícil aplicar
o pensamento teológico à prática, e isso levou à uma desconfiança generalizada entre os
teólogos, culminando no humanismo de Erasmo de Roterdã.
O humanismo floresceu na Itália, principalmente devido aos numerosos estudiosos bizantinos
que fugiram de Constantinopla após sua queda.
A obra mais importante, não só para o humanismo como para a história da imprensa, foi o Novo
Testamento Grego de Erasmo, de 1516.
Quatro anos mais tarde, um grupo liderado por Francisco Ximenes de Cisneros publicou a Bíblia
Poliglota Complutense, que incluía textou em Hebraico, Grego, Aramaico e Latim.
Na Itália, Marsíglio Ficino (1433 – 1499) e Pico della Mirandola (1463 – 1494) tentaram
desenvolver um sistema que combinasse o cristianismo com o neoplatonismo e a cabala judaica.
Erasmo foi o mais notável humanista, pois propôs um retorno às fontes do Cristianismo.
Também requeria um espírito de moderação que ele não via nem no cristianismo romano, nem
no protestantismo.
Erasmo não se tornou protestante porque via a possibilidade de uma verdadeira reforma do
Cristianismo apenas na Igreja Católica Romana.
Outra diferença de Erasmo para o protestantismo era que ele defendia uma reforma mais ética do
que dogmática.
Ele ridicularizou a escolástica por tratar de assuntos minuciosos demais.
171
Erasmo, mesmo que usando de meios estóicos e platônicos, defendeu o uso da “filosofia de
Cristo”, que consistia numa maneira de viver racional, moderada e ordeira.
“... o Escolasticismo tinha inserido tanta teologia nela (na verdadeira doutrina cristã) que a
tornara quase irreconhecível” (Justo González).
Em sua obra Colloquia, Erasmo satiriza os monges e suas práticas. Sua base era sua rejeição em
crer que alguém pudesse servir melhor a Deus retirando-se do mundo e devotando seu tempo a
exercícios religiosos.
Erasmo satiriza explicitamente a atração mundana do papa Júlio II (1443 – 1413).
Erasmo cria que o Logos que encarnou em Cristo é o mesmo que falou nos filósofos. Essa
crença era tão convicta que Erasmo chou a pedir a “Santo Sócrates” para orar por ele.
Como consequência disso, Erasmo cria que a ética cristã era semelhante à dos estóicos e
platonistas.
Seguindo os estóicos, Erasmo diz: “Esse, então, é o único caminho para a felicidade: primeiro,
conheça a si mesmo; segundo, não submeta nada às paixões, mas todas as coisas ao julgamento
da razão”. Isso ele afirmou comparando o ideal estóico com a guerra entre espírito e carne
expostos por Paulo.
Os recursos que Erasmo propôs para derrotarmos as paixões são a oração e o conhecimento.
Sobre a oração, o importante é ela ser sincera, não importa sua extensão.
A maior fonte de conhecimento é a Bíblia. “Não existe... tentação tão difícil, que um ávido
estudo da Escritura não vença facilmente” (Erasmo de Roterdã).
Erasmo defendeu a interpretação alegórica da Bíblia, mesmo não chegando ao ponto que
Orígenes havia chegado. Erasmo afirmava que, quanto mais nos afastamos do sentido literal,
mais nos aproximamos da sabedoria. Mesmo assim, Erasmo via Agostinho como um intérprete
alegórico, fato que num era verdade.
O movimento reformador de Erasmo estava quase se concretizando, mas então, Lutero surge na
Alemanha e derruba toda a possibilidade dessa reforma católica se consolidar.
Erasmo não aprovou a reforma protestante em momento nenhum. Mesmo assim, seus escritos
estavam sendo usados pelos luteranos para defender a causa protestante.
Sendo exortado para definir sua posição, Erasmo escreve um tratado Sobre o livre-arbítrio,
atacando Lutero.
A resposta de Lutero foi a obra Sobre a Escravidão da Vontade.
Os protestantes, depois desse fato, passaram a tratar Erasmo como um homem fraco e covarde.
172
A Teologia de Martinho Lutero (1483 – 1546)
Como Agostinho de Hipona, a teologia de Lutero está intimamente ligada à sua vida, que será
exposta.
A peregrinação espiritual:
Lutero era um jovem inconstante emocionalmente e inclinado notavelmente à religião.
Ele entrou no monastério após ter feito uma promessa à Santa Ana durante uma
tempestade. Como foi registrado em seus escritos, a promessa foi feita por causa da
perspectiva de morrer sem estar preparado para isso (ou seja, ele entrou no monastério
para se preparar para a morte).
Depois de pouco tempo, recebeu a ordenação, tendo sido um monge exemplar.
Mesmo com intensos exercícios espirituais, Lutero continuava sempre atemorizado pela
santidade e justiça de Deus.
Quando foi à sua peregrinação para Roma, foi cheio de esperança e fé. Depois de ver
toda a corrupção e abuso quanto às indulgências, voltou para o seu monastério com
dolorosas dúvidas de que a salvação oferecida pela Igreja Romana era válida.
Depois disso, foi transferido para Wittenberg, onde encontrou seu companheiro e
superior agostiniano Johann von Staupitz (1460 – 1524).
Mesmo crendo que as confissões feitas a Staupitz eram válidas, Lutero cria que havia
muito mais pecados os quais ele não conseguia confessar.
Nesse contexto, Staupitz apresenta Lutero a místicos alemães, que apresentam a Lutero
uma forma de perdão diferente, não baseado no perdão de pecados individuais, mas na
total entrega a Deus. Confiar em Deus, deixando de lado o seu orgulho.
173
Mesmo Lutero achando certo descanso nesse forma de perdão, não foi suficiente, pois o
próprio ato de deixar de lado o orgulho é um ato de orgulho.
Outro fator que fez Lutero se afastar dos místicos é que eles criam na entrega ao amor
de Deus, quando o único atributo que via na resposta de Deus aos pecadores era o ódio.
Vendo esse contexto, Staupitz enviou Lutero para a Universidade de Wittenberg para
estudar as Escrituras.
Resumindo, o problema de Lutero era a relação entre o pecado e a graça, entre a justiça
e o amor.
Ao estudar os Salmos e chegar ao Salmo 22 (“Deus meu, Deus meu, por que me
desamparaste?”), Lutero vislumbrou que Deus é, além de justo juiz, aquele que dispõe a
sentar como acusado. Isso se confirmou quando ele passou a estudar Romanos.
“... a justiça de Deus é revelada pelo evangelho, a saber, a justiça passiva com a qual o
Deus misericordioso nos justifica pela fé... Aqui, eu senti que nasci totalmente de novo
e entrei no próprio paraíso através dos portões abertos. Lá, uma face totalmente nova de
toda a Escritura se mostrou para mim” (Martinho Lutero).
Vendo isso, Lutero não ousou guardar essa descoberta para si, e divulgou seus ensinos,
principalmente sobre a pecaminosidade humana, em 97 teses.
“Deve-se conceder que a vontade não é livre para se esforçar na direção de qualquer
coisa que seja declarada boa... O ser humano é, por natureza, incapaz de querer que
Deus seja Deus. De fato, ele próprio que ser Deus, e não quer que Deus seja Deus... Da
parte do homem, entretanto, nada precede a graça, exceto a vontade doentia e até a
rebelião contra a graça” (Martinho Lutero).
Lutero queria, nesse período, atrair a atenção para sua descoberta, focando num
possível debate que faria a Igreja ver essas verdades. Nada aconteceu.
Depois dessa derrota, e juntamente com a decepção de sua peregrinação para Roma,
Lutero focou suas críticas às indulgências. O príncipe de Wittenberg, Frederico, o
Sábio (1463 – 1525), tinha muitas relíquias consagradas pela Igreja, e esse tema lhe
incomodava muito, porém, este não silenciava Lutero, e se agradava muito do jovem
monge.
Junto com esse alvoroçar ideológico de Lutero, houve uma venda de indulgências
ordenada pelo papa Leão X e realizada por Alberto de Brandenburg (1490 – 1545),
posteriormente Alberto de Mainz.
Essas vendas ocorreram por causa da construção da basílica de São Pedro.
174
Figura 227 - Alberto de Brandenburg
Frederico não autorizou a venda em seu território por causa que ia afetar seus lucros,
porém, alguns moradores da Saxônia foram aos locais onde Alberto estava realizando
as vendas.
Depois que ficou sabendo disso, Lutero compôs suas famosas 95 teses, cujo título é
Controvérsia sobre o Poder e a Eficácia das Indulgências.
As teses foram compostas em latim, pois Lutero não queria uma comoção, mas criar
uma disputa intelectual.
As consequências foram tais que proporcionaram a chance de um leigo se perguntar o
porquê do papa não pagar com seu próprio dinheiro a reconstrução da basílica, sendo
ele o ser mais rico de todo o mundo conhecido.
Sem Lutero saber, suas teses foram traduzidas e espalhadas por todo o país.
Aconteceu, então, um debate em Heidelberg. Lutero não foi capaz de convencer os
teólogos presentes, porém, ele deixa claro em sua obra feita durante o debate
(Explanações das Noventa e Cinco Teses) que tentava de coração seguir a autoridade
papal.
Essa obra foi feita para ser como um pedido de desculpas ao papa, mas nessa altura, o
papa já estava decidido a condenar e excomungar Lutero.
Com problemas políticos na Alemanha, a Igreja não conseguiu condenar Lutero,
mesmo após diversas tentativas de negociação de Frederico com o cardeal Cajetano
(1469 – 1534).
Em 1519, em um debate em Leipzig, João Eck (1486 – 1543) levou Lutero a afirmar
que a autoridade da Bíblia é superior à dos papas e concílios. Eck o acusou de ser
seguidor de Huss.
175
Figura 229 - João Eck
176
Esse conhecimento natural ou geral de Deus é o motivo pelo qual as raças têm seus
deuses. Eles crêem que há uma divindade, mas não sabem o que é ela.
Lutero rejeita a teologia da glória porque esta não vê o conhecimento particular como
diferente do conhecimento geral, vendo como modo de alcançar esse conhecimento
algo semelhante à alcançar um pombo no telhado com uma escada. Outro argumento é
que a teologia da glória busca ver Deus face a face, esquecendo do fato de que nenhum
homem que ver a Deus viverá. “A fraqueza humana não pode deixar de ser esmagada
por tal majestade, como a Escritura nos recorda repetidamente” (Martinho Lutero).
Lutero, ao rejeitar as obras humanas como válidas para a salvação, rejeita o moralismo.
Ao rejeitar a obra de Deus como um meio de conhecer o Divino especialmente, ele
rejeita o racionalismo.
Lutero negava a epistemologia tomista e nominalista, dizendo que a Filosofia não pode
ser vista como uma introdução à Teologia, pois a razão é fraca, e também porque a
primeira está procurando um Deus “absoluto”, diferente do Deus “oculto” revelado nas
Escrituras.
A razão só é útil quando, de fato, somos redimidos. A razão está submissa ao diabo.
Ela sempre procura desculpar-se, tirando a possibilidade de ouvirmos a palavra de
condenação que Deus pronuncia no conhecimento natural.
A razão não pode afirmar a verdade da presença do mal até nas nossas virtudes.
Lutero usa a Filosofia apenas dentro da esfera da Teologia. “De fato, ninguém pode
tornar-se um teólogo, a menos que rejeite Aristóteles” (Martinho Lutero).
A relação entre Teologia e Filosofia é a mesma que existe entre conhecimento
particular e conhecimento geral.
Sobre os místicos, Lutero, mesmo respeitando-os, disse que eles faziam parte da
teologia da glória, pois, eles praticam o sofrimento e a humilhação por causa do seu
conceito de Deus Absoluto (revelado no conhecimento geral), não da convicção da
redenção.
Mesmo assim, a ênfase em que Deus seja favorável a nós, apesar de conhecê-lO,
ganhou a simpatia de Lutero, mesmo não aceitando totalmente essa ênfase.
O ponto de partida da teologia é a ação e Palavra de Deus.
A Palavra de Deus:
A Palavra de Deus, mais do que as Escrituras, é a eterna Segunda Pessoa da Trindade. É
o poder de Deus manifesto na criação, é o Deus encarnado, é a Escritura, é a
proclamação da Escritura.
Do mesmo modo pelo qual pensamos palavras antes de pronunciá-las, esse modo pode
ser aplicado à Deus. “Deus também, em sua majestade e natureza, está impregnado com
uma Palavra ou uma conversação na qual Ele se envolve consigo mesmo em sua
essência divina, e que reflete os pensamentos do Seu coração” (Martinho Lutero).
Para Lutero, toda a Escritura aponta para Cristo.
A tradição deve ser rejeitado, em favor da Escritura. Essa adição “em favor da
Escritura” foi feita para salientar a posição de Lutero de que a tradição só pode ser
rejeitada se esta contradizer a Palavra de Deus.
“O papa, Lutero, Agostinho, Paulo, e um anjo do céu – estes não deveriam ser mestres,
juízes, ou árbitros, mas somente testemunhas, discípulos e confessores da Escritura”
(Martinho Lutero).
A Igreja respondia a Lutero que foi ela que havia criado o cânon e a Escritura.
Lutero respondia que não, que o evangelho que havia instituído a Igreja. O registro dos
evangelhos feito pelos santos foi feito para preservar a sã doutrina de distorções –
distorções as quais a tradição católica havia introduzido.
177
Sobre o cânon, Lutero questiona a canonicidade da Epístola de Tiago, devido à sua
insistência nas obras em oposição à fé. “Em primeiro lugar, é diretamente contra São
Paulo e todo o resto da Escritura, em atribuir justificação às obras” (Martinho Lutero).
“Ele [Tiago] menciona Cristo diversas vezes; embora, não ensine nada sobre Ele, mas
somente fala de fé genérica e Deus” (Martinho Lutero).
Lutero colocava a autoridade primária não necessariamente no cânon das Escrituras em
si, mas nos evangelhos.
Ele afirmava que a interpretação correta de um texto deveria ver este em seu contexto,
descobrindo assim a real intenção do autor.
A única chave para a interpretação bíblica é o Evangelho. Este só pode ser recebido por
intervenção do Espírito Santo. Consequentemente, a Bíblia só pode ser interpretada
com a iluminação do Espírito Santo.
Lutero diferencia palavra interior de exterior. A palavra exterior é a Escritura em si, e a
interior é o Espírito Santo. Ele, com essa tese, vai contra os católicos-romanos (criam
na interpretação somente à luz da tradição) e contra os reformadores radicais (revelação
do Espírito vai além da Escritura).
Lutero foi obrigado a ir contra os chamados teonomistas (ambiguação dos reformadores
radicais), que levavam os mandamentos do Antigo Testamento literalmente. Ele
produziu Como cristãos deveriam considerar Moisés, dizendo claramanente que a Lei
de Moisés é a lei civil dos judeus, e, portanto, não é obrigatória.
Se há alguma lei de Moisés que nós devemos seguir, estas são consideradas através da
lei natural, não através de alguma autoridade de Moisés.
Mesmo assim, Lutero vê um valor ímpar em Moisés e no Antigo Testamento. “... eu
encontro algo em Moisés que eu não tenho por meio da natureza: as promessass e
garantias de Deus acerca de Cristo” (Martinho Lutero).
Moisés e o Antigo Testamento profetizam tudo acerca de Cristo, tanto que o Novo
Testamento não acrescenta nada, a não ser o cumprimento do que fora anteriormente
prometido, e a revelação do pleno significado da promessa.
A Lei e o Evangelho:
O contraste visto por Lutero na Bíblia não é a conhecida divisão entre dois testamentos,
mas entre a Lei e o Evangelho. O Antigo Testamento não deve ser resumido apenas à
Lei, não o Novo Testamento à Evangelho, porque ambos contém uma parcela de Lei e
Evangelho em seus conteúdos.
A Lei é a vontade de Deus, conhecida pela lei natural e também por instituições civis,
tendo como alvo restringir o perverso e prover ordem para a vida social, além de
testificar para nós a enormidade do nosso pecado.
A Lei de Deus, que contrasta com a vontade humana, torna-se condenação e desperta a
ira de Deus.
O homem, depois da queda, tornou-se incapaz de cumprir a vontade de Deus, fazendo
com que a Lei se torne condenação para o homem.
Pela queda e desobediência da Lei, corrompemos a nossa natureza e fazemos com que
Deus inflinja a nós ira, morte e maldição.
Mesmo tendo esse fim desesperador, a Lei é o único meio de Deus de nos levar a
Cristo, pois, sem o “não” de Deus sobre nós e nossos esforços, não podemos ouvir o
“sim” amoroso e gracioso de Deus, que é o Evangelho. Sem recebermos esse “sim”, as
Palavras de Cristo continuam nos torturando como sendo uma justiça inalcançável.
O Evangelho não anula ou contradiz a Lei, mas pronuncia o “sim” de Cristo a nós. “O
evangelho não proclama nada além da salvação pela graça, dada ao homem sem
quaisquer obra ou mérito” (Martinho Lutero).
Mesmo permanecendo pecador perante a Lei, o pecador redimido por Cristo não se
desespera, pois ele sabe que é aceito por Deus.
178
A condição humana:
Todo o homem é pecador. Isso não significa literalmente que cometemos algum
pecado, mas, que toda a nossa natureza está comprometida pelo pecado.
“Daí a grande sabedoria reconhecer que nós não somos nada além de pecado, de forma
que não consideremos o pecado tão levianamente como o fazem os teólogos do papa,
que definem pecado como ‘qualquer coisa dita, feita, ou pensada contra a lei de Deus’.
Definamos pecado, ao contrário, com base nesse salmo [Salmo 51], como tudo o que é
nascido de pai e mãe, antes mesmo que um homem seja suficientemente velho para
dizer, fazer, ou pensar algum coisa. De tal raiz, nada bom pode se apresentar diante de
Deus” (Martinho Lutero).
“Não saberemos o que significa ser um pecador. Não saberemos a extensão de nosso
próprio mal e corrupção, pois nossa natureza, pecaminosa como é, esconderá nossa
pecaminosidade de nós. O pecado é uma realidade humana perspicaz” (Justo González).
Lutero não vê o termo “carne” da Bíblia como a parte material do ser humano, mas sim,
a totalidade do homem que pede por auto-justificação.
“Nossa desagradãvel situação não é que nós sejamos tentados pela carne, mas que nós
somos carne” (Justo González).
Lutero foi contra Erasmo nesse ponto. Erasmo defendia o livre-arbítrio como sendo o
cerne de seu pensamento sobre uma vida de virtude e retidão.
A afirmação do livre-arbítrio, para Lutero, é a mesma coisa que negar a pecaminosidade
humana. Também, ao afirmá-la, prova-se que este não ouviu a Palavra de Deus, nem na
Lei, nem no Evangelho.
“Nós podemos desejar somente o mal... Nada resta em nós pelo que possamos
ativamente agradar a Deus ou mesmo movermos da direção do divino” (Justo
González).
A nova criação:
Em Jesus Cristo, ouvimos a palavra que nos liberta da escravidão do pecado, da morte e
do diabo. Esta é a palavra da justificação (que não é merecida ou alcançada, não
premeditada).
“Justificação é, antes de tudo, o decreto de absolvição que Deus pronuncia sobre nós,
declarando-nos justificados a despeito de nossa pecaminosidade” (Justo González).
Essa citação expõe a doutrina luterana da justificação imputada.
Comentando sobre o texto de Atos que Deus declara para Pedro que alguns animais
impuros se tornaram puros, Lutero diz que “... como Ele pronunciou aqueles animais
puros, que de acordo com a su própria lei eram impuros, assim Ele pronuncia os gentios
e todos nós justos, embora de fato, nós sejamos tão pecadores quanto aqueles animais
eram impuros”.
“A natureza humana, corrompida e cegada pela mancha do pecado original, não é capaz
de imaginar ou conceber qualquer justificação acima e além das obras” (Martinho
Lutero). Ou seja, o homem não aceita facilmente essa doutrina.
A doutrina da justificação também é chamada “justificação pela fé”.
A justificação vem somente pela fé. A fé não é uma obra, não é um esforço da parte do
intelecto para crer ou para confiar. Ela é a obra do Espírito Santo em nós. A fé é obra de
Deus, não do homem.
Obras fazem parte do contexto da Lei, fé e justificação, porém, do contexto do
Evangelho. A Lei consiste em alcançar algo por nossas obras, e Evangelho consiste em
Deus nos alcançar, sermos alcançados pela obra de Deus, mostrando a incapacidade do
homem.
Justificação imputada implicada na afirmação de que um cristão é justificado e, ao
mesmo tempo, pecador (simul justus et peccator).
179
Não deixamos de pecar enquanto estamos na Terra, porém, o deixamos de ser malditos
pela Lei. Mesmo assim, pela justificação, inicia-se um processo de conformidade com a
Lei, nos conduzindo à justiça. “Um homem que é justificado, ainda não é um homem
justo, mas está no próprio movimento ou jornada rumo à justiça” (Martinho Lutero).
As obras não são o meio para um fim, mas sim, as consequências da justificação. “Nós
deveríamos confirmar nossa posse da fé e o perdão de pecados mostrando nossas
obras... Não deveríamos ser parte da igreja somente em número, como os hipócritas,
mas também por nossas obras, de forma que nosso Pai celeste seja glorificado”
(Martinho Lutero).
Sobre a mudança da relação com a Lei, Lutero diz: “Mas agora eu descubro que a lei é
preciosa e boa, que ela me foi dada para minha vida; e ela é agora agradável para mim.
Anteriormente, ela me dizia o que fazer; agora eu estou começando a me moldar às suas
exigências, de forma que agora eu louvo, enalteço e sirvo a Deus. Isso eu faço por meio
de Cristo, porque eu creio nEle. O Espírito Santo vem ao meu coração e produz em
mim um espírito que se deleita em Suas palavras e obras mesmo quando Ele me castiga
e sujeita à cruz e à tentação”.
A igreja:
Por sua posição contrária à Igreja Romana, Lutero foi visto como o proponente da
doutrina da comunicação direta e pessoal com Deus, separada da igreja.
Essa afirmação acima esta totalmente equivocada, pois Lutero via a Igreja com muito
amor e devoção. “Deus providenciou e determinou as coisas mui sabiamente, e instituiu
o santo sacramento para ser administrado à congregação num lugar onde nós podemos
nos reunir, orar e dar graças a Deus” (Martinho Lutero).
Lutero também afirmava que não havia salvação fora da Igreja, semelhantemente a
Cipriano.
Mesmo assim, Lutero foi diferente, não em relação à importância, mas sobre a definição
da natureza e a autoridade da Igreja.
Lutero dizia que a autoridade da Igreja está baseada, não na sucessão apostólica, mas
nas Escrituras. A Igreja nasce da Palavra, é nutrida pela Palavra, e, sem ela, morre.
Mesmo criticando todos os membros que detinham autoridade na Igreja, Lutero
defendia que a tradição e os papas durante a história que sustentaram a Palavra de Deus
ao longo das eras.
“Eu sustento que no papado há verdadeiro Cristianismo, até mesmo o gênero correto de
Cristianismo, e muitos grandes e devotados santos” (Martinho Lutero).
O “não” que Lutero pronunciou contra o papado e a tradição não foi um “não”
definitivo e universal, mas sim, um “não” direcionado a uma situação específica.
A principal característica da eclesiologia de Lutero é o sacerdócio universal dos crentes.
Essa característica não quer dizer que todo o cristão é sacerdote no sentido episcopal.
“... pois como sacerdotes nós somos dignos de nos apresentar perante Deus para
orarmos pelo outros e ensinarmos uns aos outros as coisas divinas” (Martinho Lutero).
Ou seja, nenhum cristão pode reinvindicar ser cristão sem aceitar a responsabilidade (e
honra) do sacerdócio pelos outros.
A pregação, porém, não deve ser confiada a qualquer um. Dentro do sacerdócio
universal, Deus chama alguns para esse ministério.
Os sacramentos:
Além da Palavra de Deus vim para nós através de Jesus Cristo, ela também vem através
da Escritura, da pregação e dos sacramentos.
Os sacramentos são atos físicos instituídos por Deus para serem sinais da promessa.
Eles são a Palavra sendo ouvida em fé.
180
Para uma ação ser definida como um sacramento, tem que instituída pelo próprio Cristo
e tem que ser vinculada com a promessa do Evangelho. Por isso, há somente dois
sacramentos: o batismo e a eucaristia.
O batismo significa justificação. “Batismo, então, significa duas coisas – morte e
ressurreição, ou seja, plena e completa justificação” (Martinho Lutero).
O batismo é vinculado à fé, ou seja, não pode haver sacramento sem fé. O batismo não
precede a fé. “Verdade, a fé deveria ser acrescentada ao batismo. Mas nós não devemos
basear o batismo na fé. Existe uma grande diferença entre ter fé, por um lado, e
depender na fé de alguém e fazer o batismo depender da fé, por outro lado. Quem quer
que se permite batizar na força de sua fé, não é somente incerto, mas também um
idólatra que nega a Cristo. Pois ele confia e edifica sobre algo de si próprio” (Martinho
Lutero).
A afirmação citada acima foi a base usada por Lutero para reafirmar o batismo infantil.
O batismo não depende da fé, nem produz fé. Esta é presente de Deus.
A crítica contra a eucaristia da Igreja Romana foi baseada em três pontos: privação da
participação do cálice aos leigos; doutrina da transubstanciação; sacrifício da missa.
Lutero negou a transubstanciação católica e também negou a proposta dos reformadores
radicais (a presença de Cristo na Ceia é simbólica ou espiritual).
O corpo de Cristo não está apenas no céu, mas é onipresente.
O entendimento de Lutero sobre as duas naturezas de Cristo é unificador, não chegando
a ser docetista, mas tinha uma forte ênfase sobre o communicatio idiomatum.
Por causa da comunicação de propriedades, o corpo humano de Cristo está presente em
todo o lugar.
A presença corporal de Cristo transmite a fé, pois o corpo vem acompanhado do
espírito divino.
O corpo de Cristo estava presente na eucaristia, usando como veículo o pão e vinho.
Toda vez que lhe foi questionado como essa presença corpórea ocorria, Lutero falava
que não sabia.
Os dois reinos:
Deus estabeleceu dois reinos (Igreja e Estado), e Ele é o governador de ambos. O
Estado está sob a Lei civil, e a Igreja, sob o Evangelho.
A Lei que rege o Estado não é autoridade somente sobre os cristãos, pois esta é
discernida pela razão natural.
Os cristãos pertencem a outro reino: A Igreja. Nela, o cristão está submetido ao
Evangelho. Pelo fato de todo justificado permanecer pecador, todo o cristão permanece
submetido ao governo civil.
A Igreja não deve esperar apoio do Estado, e o Estado não deve usar a Igreja como um
instrumento de governo civil.
Lutero insistia que o Estado não deveria usar seu poder para perseguir hereges, pois os
assuntos de fé não deveriam ser resolvidos pela espada.
Lutero condenou tentativas de teocracia.
181
Ulrico Zuínglio (1484 – 1531) e o começo da tradição reformada
Zuínglio incluía em seu ideal de reformaa aplicação da lei do evangelho, não apenas aos cristãos,
mas também ao Estado.
Sobre suas considerações intelectuais, Zuínglio acompanhou o humanismo de Erasmo.
Na Basiléia, Zuínglio estudou com Tomás Wyttenbach (1472 – 1526), que tinha condenava as
indulgências, mesmo antes de Lutero. A este, Zuínglio atribui o ensino da suficiência de Cristo
para a salvação.
182
Figura 233 - Tomás Wyttenbach
183
Sobre a criação, só podemos aceitá-la do modo como é descrita, pois a infinita
sabedoria de Deus não desejou nos revelar.
Negar a predestinação é negar a própria natureza de Deus.
Com base nessas doutrinas, Zuínglio refutava totalmente a salvação por obras.
As boas obras são necessárias, não para produzir salvação, mas a para mostrar seus
frutos.
Os eleitos salvos necessariamente praticam boas obras. Os que não praticam, ou são
réprobos, ou são eleitos não-salvos ainda.
Zuínglio cria que os pagãos da Antiguidade que não ouviram o Evangelho (Sócrates,
Sêneca, etc.) iriam ser julgados em um tribunal distinto, podendo estar entre os eleitos.
Um dos focos de Zuínglio em sua teologia é a comunicação de Deus. A criação foi feita
pela “necessidade” (ou vontade) de Deus em se comunicar.
O conhecimento é possível somente pela direção divina, mas isso não é relacionado
apenas ao conhecimento de Deus. Inclui o conhecimento próprio.
O amor egocêntrico é a raiz de todo o pecado, pois Adão pecou por buscar ser como
Deus.
O que é transmitido do pecado original não é o pecado em si, mas o resultado, que
Zuínglio chama de “doença” (mesmo afirmando que a natureza de Deus exclui a
possibilidade de um livre-arbítrio).
“Em resumo, a predestinação e a negação da liberdade de escolha derivam da natureza
de Deus, bem como de nosso estado presente” (Justo González).
Lei e evangelho:
Zuínglio distingue a Lei em três: Lei eterna de Deus (expressa pelos mandamentos
morais); leis cerimoniais (dadas especificamente para o tempo antes de Cristo); e leis
civis (questões humanas particulares e contextuais).
As Leis cerimoniais e civis, por serem relacionadas à pessoa exterior, não têm relação
com esse tema.
A Lei eterna de Deus expressa a vontade eterna de Deus, e não pode ser abolida. Esta,
porém, no Novo Testamento, foi resumida no mandamento do amor.
A Lei e o evangelho, em essência, são os mesmos. O evangelho nunca contradiz a Lei.
Zuínglio não aceitou o conceito de Lutero sobre a Lei, que dizia que esta era terrível, e
sua função era pronunciar a palavra de julgamento de Deus sobre nós. A Lei estabelecer
a vontade e a natureza da Deidade.
Zuínglio cria que o evangelho é as boas-novas de que os pecados são pagos no nome de
Cristo (conceito semelhante ao de Lutero).
O perdão só pode ser recebido mediante a consciência da própria miserabilidade,
mesmo essa consciência sendo dada somente pelo Espírito.
Na salvação, o homem passa a ser capaz de cumprir a Lei.
A Igreja e o Estado:
A Igreja é a assembléia dos eleitos. Essa Igreja é invisível aos olhos humanos.
Essa Igreja é chamada “a Noiva de Cristo”, “sem mancha”. Essa Igreja não pode errar,
pois é predestinada a ser obediente a Cristo.
Porém, há outra igreja de membros que mostram sinais de obediência à Lei Moral. Essa
é a igreja visível, que é falha.
Essa igreja tem o dever de proclamar o evangelho e aplicar a disciplina sobre os
membros.
Sobre Igreja e Estado, Zuínglio não diferenciava as duas, pois, em tese, o Estado tem a
mesma função da igreja visível.
O governo de Zurique, sob a forte influência de Zuínglio, ficou perto de ser uma
teocracia.
Os sacramentos:
184
Como descrito no tratado Sobre a Religião Verdadeira e a Falsa, Zuínglio expõe seu
conceito sobre sacramentos se opondo à outros pontos de vista: luterano; católico; e
anabatista.
Contra os católicos, Zuínglio fala que ele não têm poder para libertar a consciência.
Contra Lutero, ele diz que os sacramentos não podem ser considerados sinais exteriores
de tal natureza que, em sua prática, algo interior acontece.
Contra os anabatistas, ele diz que, se os sacramentos são meramente sinais de algo já
ocorrido, então são inúteis.
“Os sacramentos são, então, sinais ou cerimonias... pelos quais um homem prova para a
igreja que ele almeja ser ou é um soldade de Cristo, e que informam toda a igreja, antes
que a si mesmo, de sua fé. Pois se sua fé é tão perfeitoa que não necessita de um sinal
cerimonial para confirmá-la, ela não é fé... Pois fé é aquilo pelo qual nós confiamos na
misericórdia de Deus de forma inabalável, firmemente e com um coração íntegro”
(Ulrico Zuínglio).
Só há dois sacramentos: o batismo (para os cristãos iniciados); e a Ceia do Senhor
(mostra que os cristãos mantêm em mente a paixão e a vitória de Cristo, e que são
membros da Igreja de Cristo).
Por causa dessa convicção, o batismo não pode ser considerado purificador.
Zuínglio apoiava o pedobatismo, contrariando os anabatistas. Ele baseava isso também
na analogia do batismo com a circuncisão como sinais de pacto.
Os israelitas eram circuncidados para incorporarem no povo de Israel, os cristãos são
batizados para incorporaram na Igreja.
“O batismo de um infante é uma recordação para a Igreja do fundamento de sua própria
salvação” (Justo González).
A eucaristia foi um tema que causou muita intriga entre Zuínglio e Lutero, e seus
posteriores seguidores.
Zuínglio não dava atenção excessiva ao entendimento devido sobre eucaristia, ao ponto
de causar divisão na Igreja.
A eucaristia é “a ação de graças e regozijo comum daqueles que declaram a morte de
Cristo” (Ulrico Zuínglio).
Zuínglio foi contra o conceito da presença corpórea de Cristo, pois cria que, às “coisas
do sentido” não poderia ser atribuída a obtenção da salvação.
Zuínglio nega o ideal de Lutero de que a communicatio idiomatum torna a natureza
humana de Cristo onipresente. Se ela está ao lado do Pai, ela está apenas lá.
185
O anabatismo e a Reforma Radical
A busca escriturística, influenciada pela reivindicação de uma separação cada vez maior da
Igreja com o governo, motivou a criação de vários movimentos protestantes.
Um dos movimentos foi o extremismo de Andreas Bodenstein von Carlstadt (1486 – 1541),
um amigo de Lutero que quis levar os ideais deste ao extremo, aproveitando o exílio de Lutero e
radicalizando a reforma em Wittenberg.
Outro movimento, nesse mesmo contexto, foi “os profetas de Zwickau”, um grupo anabatista.
Estes reivindicavam que a Bíblia não era necessária, pois eles próprios tinham o Espírito. Tinha
como um de seus líderes Nicholas Storch (X – 1525).
Um dos notáveis protestantes que participaram desse movimento foi Thomas Müntzer (1488 –
1525).
Lutero encorajou os príncipes a usar extrema violência contra os profetas de Zwickau. Depois,
Lutero os convocou a demonstar misericórdia em relação aos camponeses subjulgados.
O movimento anabatista primitivo:
Mesmo alguns dizendo que os anabatistas incluíam os profetas de Zwickau, a verdade é
que os anabatistas tiveram sua origem, principalmente, em Zurique, pois alguns adeptos
da Reforma achavam que Zuínglio tinha que ir mais fundo do que ele estava indo,
principalmente no que se referia aos relacionamentos sociais e políticos.
A Igreja não podia ser apoiada pelo Estado ou por dízimos e ofertas.
Os batizados não podiam ser infantes, pois o cristianismo se baseia na convicção
individual.
O movimento que começou a não aceitar os batismos anteriores (marca das igrejas que
têm origem nos anabatistas) teve início em 1525, quando George Blaurock (1491 –
1529) rebatizou um anabatista, Conrad Grebel (1498 – 1526). Centenas de adeptos
desse movimento foram mortos por causa desse ideal.
186
Figura 237 - George Blaurock
Outros dois grupos anabatistas (nenhum grupo teve a ver com o outro) floresceram: um
em Augsburgo; outro em Po Valley.
Em Augsburgo, o grupo foi liderado por Hans Hut (1490 – 1527). Esse teve influência
de Lutero e dos místicos do Reno.
Em Po Valley, o líder foi Camilo Renato (1500 – 1575). Este grupo, influenciado por
Miguel de Serveto (1509 – 1553), negava o batismo infantil, a Trindade e a
imortalidade de alma.
Além de Grebel, outro líder anabatista se destacou: Hans Denck (1495 – 1527).
187
Figura 240 - Hans Denck
O alvo de Grebel era a restauração total do Cristianismo, não apenas teológica, mas
também litúrgica e do governo eclesiástico.
A igreja é uma comunidade retirada do mundo, consistindo somente daqueles que
decidiram pessoalmente ser incorporados no corpo de Cristo.
Denck propôs até que mudassem o termo “igreja” para “comunidade” e “congregação”.
Para se filiar à comunidade, deve-se se arrepender dos pecados e morrer para eles,
apegando-se em Cristo e levando uma nova vida.
Essa comunidade não deve ter ajuda secular, sustentando-se apenas com a doação
voluntária dos membros.
O Estado deve ser obedecido, mas só deve se “meter” em assuntos seculares.
Denck acreditava que cristãos poderiam escolher um cristão para o governo do Estado.
O ato de se armar é uma impossibilidade para os anabatistas. O ato de brigar é rejeitado,
seja qual for o motivo ou objetivo.
Os anabatistas rejeitavam a ideia da predestinação, pois ela afirma que Deus é a origem
do mal. Deus é bom.
Deus se rende à vontade humana, não violando-a.
Cristo é a demonstração da disposição divina em render-se.
Nós devemos nos render a Deus, em resposta ao rendimento de Deus.
A fé tem início no ouvir da Palavra.
A conversão é logo depois, e é por meio dela (proporcionada pelo sangue de Cristo) que
os pecados são lavados e o convertido entra numa vida nova e santa.
Não somos livres do pecado, mas devemos resistí-lo.
Todas as cerimônias não devem ter rituais excessivos, sem canto litúrgico.
O culto envolve a adoração e a leitura da Palavra, seguida de sua exposição. A Ceia e a
eucaristia são símbolos de realidades interiores (concersão e comunhão entre os
membros do corpo entre si e com Cristo). O indigno não pode participar.
Os anabatistas revolucionários:
A história do anabatismo, devido à rejeição tanto do catolicismo quanto do
protestantismo, foi marcada por martírios, como o de Baltasar Hübmaier (1480 –
1528), que morreu na estaca.
188
Figura 241 - Baltasar Hübmaier
Logo após a morte dos líderes anabatistas mais moderados, o anabatismo extremo
achou campo para prosperar. Os moderados que sobraram acharam refúgio na Morávia.
Melquior Hoffman (1495 – 1543) foi um anabatista revolucionário notável. Ele
sustentava que a carne de Cristo descera do céu. Suas pregações eram marcados por
temas apocalípticos. Esse movimento ganhou forças em Strasbourg.
Ele pregava que tinha recebido uma revelação, em que ele ficaria preso por seis meses,
e aí, viria o fim.
Hoffman era contra o pacifismo, requerendo de seus discípulos o uso da espada para
destruir os inimigos.
Dois de seus seguidores foram João Matthys (1500 – 1534) e João de Leiden (1509 –
1536), que expandiram o anabatismo revolucionário para Münster, pois, em Strasbourg,
a situação ficou difícil devido à perseguição.
189
Figura 244 - João de Leiden
Lá, foi instituída uma espécie de teocracia, chegando ao ponto de liberar a poligamia, a
exemplo dos patriarcas do Antigo Testamento.
João de Leiden, se tornando o líder da cidade que eles renomearam como a Nova
Jerusalém após a morte de João Matthys, proclamou-se o rei da Nova Sião. A Nova
Jerusalém sofreu sua queda.
Desenvolvimentos posteriores no movimento anabatista:
A queda da Nova Jerusalém foi um duro goflpe para os anabatistas revolucionários.
Após essa queda, os anabatistas moderados reapareceram.
Um dos, senão o mais influente dos líderes anabatistas pós-queda foi Menno Simons
(1496 – 1561).
190
Menno se afastou da doutrina tradicional no que se trata da encarnação, pois ele cria
que a carne de Cristo desceu do céu e Maria contribuiu na nutrição daquela carne.
Os espirituais e os racionalistas:
Os espirituais são aqueles que colocavam muita ênfase na vida espiritual, e cria que a
palavra escrita deveria ser colocada de lado em favor da Palavra de Deus falada
diretamente ao espírito humano.
Os racionalistas colocar a razão sobre a Bíblia, levando à negação da Trindade e da
encarnação.
Um dos espirituais famosos desse período foi Caspar Schwenckfeld (1489 – 1561).
Ele começava seu pensamento com base numa dicotomia entre o interior e o exterior
(espiritual e material).
O Espírito Santo não é preso à Bíblia, portanto, o importante não é estudar a Bíblia, mas
receber a inspiração do Espírito.
Há tambpem a igreja interior e exterior. A participação na igreja exterior não garante a
salvação.
A única ação possível de um ministro é apontar para Cristo, esperando que as pessoas
ouçam a palavra interior.
Os elementos do sacramento têm o papel de levar apenas a pessoa exterior a Cristo.
Baseado nisso, Caspar não explica claramente esses lados espiritual e material da
eucaristia.
Caspar seguiu uma doutrina da encarnação semelhante à de Menno, afirmando que a
carne de Cristo não fora criada.
Outro reformador espiritual foi Sebastião Franck (1499 – 1542).
191
Ele basicamente seguiu Schwenckfeld, sofrendo influência de Erasmo. Seu legado foi
levar os pontos de vista de Schwenckfeld às suas conclusões lógicas.
A palavra divina escrita só pode ser entendida se tiver uma revelação da Palavra Eterna,
chamada por Sebastião de “Cristo”, não o identificando com Jesus.
Em cada um, há uma “centelha do divino”.
Tudo que é exterior é desnecessário.
A igreja primitiva precisava dos sacramentos porque era imatura, pois, maturidade não
requer meios exteriores.
Outro espiritual foi Juan de Valdés (1500 – 1541), que sofreu influência de Erasmo e
do misticismo de um grupo místico condenado pela inquisição espanhola chamado
“alumbrados”.
192
Após gastar um bom tempo numa busca espiritual, Fox descobriu a “luz interior”, que é
a Cristo vivendo no crente.
Ele negava a Igreja e os sacramentos, levando-o a criar a Sociedade dos Amigos da
Verdade em 1650, conhecida como os “Quakers”.
Esse movimento tinha uma forte inclinação para os problemas sociais.
Miguel de Serveto e Fausto Socinus (1539 – 1604) foram os principais representantes
do antitrinitarismo nesse período. Eles alegavam que a Trindade e a geração eterna do
Filho são racionalmente indefensáveis.
193
A Teologia luterana até a fórmula de Concórdia
A teologia luterana sofreu muitos embates até chegar à Fórmula de Concórdia em 1577.
A teologia de Filipe Melanchthon (1497 – 1560):
194
Diferentemente de Lutero, a ênfase que Filipe deu em relação à eucaristia não foi à
presença de Cristo, mas na negação do poder do sacramento para justificar, e do
sacrifício repetido de Cristo.
Suas doutrinas sobre a eucaristia se aproximaram tanto da posição reformada que Filipe
foi acusado de calvinista disfarçado.
Essa aproximação causou grandes embates dentro da igreja luterana.
Filipe enfraqueceu-se mais ainda após o chamado Ínterum de Leipzig em 1548.
O imperador Carlos V derrotou os protestantes no campo de batalha, e impôs sobre eles
esse documento, escrito por dois católicos e um luterano chamado João Agrícola (1494
– 1566).
Esse Ínterim foi aceito por Melanchthon, dizendo que eram adiaphora, ou seja, as
pessoas eram livres para aceitar ou rejeitar esse documento sem ser infiel à Escritura.
Essa situação deu início à controvérsia adiaphorista, servindo somente para enfraquecer
ainda mais a autoridade de Filipe entre os luteranos.
Controvérsias dentro do campo luterano:
As primeiras controvérsias expostas serão as controvérsias antinomianas e a de
Andreas Osiander (1498 – 1552).
195
Na obra, Filipe instrui que deve-se ensinar sobre a vida moral, recomendando
insistantemente o Decálogo.
Devido a essa intriga, Lutero reuniu eles em Torgau em 1528, alcançando uma
reconciliação. A questão principal desse estágio era se a fé seguia o arrependimento ou
o contrário. Agrícola sustentou o arrendimento como primeiro, e Melanchthon, a fé
como o primeiro.
A conclusão foi uma espécie de afirmar que tudo parte da fé, e que essa afirmação deve
ser omitida aos crentes iniciantes.
Agrícola, porém, não se contentou com essa “paz” instituída, e publicou, em
Wittenberg, no ano de 1537, uma série de teses criticando Filipe e Lutero.
Agrícola era totalmente oposto à Lei, afirmando que Moisés deveria ser enviado para a
forca.
Agrícola, mesmo se retratando posteriormente, não foi mais bem recebido por Lutero.
O terceiro estágio dessas controvérsias girou em torno do ideal antinomiano de Nícolas
von Amsdorf (1483 – 1565) e André Poach (1516 – 1585). Este último, levando esse
ideal além do que o próprio Agrícola tinha ido.
Poach e seus seguidores negaram qualquer utilidade que a Lei poderia ter.
A posição antinomiana foi finalmente rejeitada em 1577, com a Fórmula de Concórdia.
Mesmo assim, essa ideia persistiu por muito tempo.
A controvérsia de Osiander girou em torno de sua obra Disputa sobre a Justificação,
seguida da Sobre o Único Mediador Jesus Cristo e a Justificação pela Fé.
Osiander era um místico, e tinha como foco a união mística com Cristo. Essa visão foi
vista como perigoso entre os reformadores, pois ela tendia a obscurecer a distância entre
Deus e nós.
Osiander via a imagem de Deus em Adão como sendo o próprio Filho.
A encarnação fazia parte do propósito eterno de Deus, não uma resposta necessária para
o pecado.
Antes de Sua encarnação, o Filho habitou no homem, como por exemplo, em Adão.
Adão, todavia, perde a habitação do Filho pelo pecado.
A necessidade para a salvação é a habitação renovada do Filho. O fim da encarnação se
tornou, então, além do propósito eterno de Deus, a redenção e a justificação.
Além de se sujeitar inocentemente à ira de Deus, Cristo cumpriu a Lei em nosso nome,
de forma que a obediência não é mais requerida para ser justo.
A justificação, porém, é feita quando Cristo habita na pessoa.
A justificação é algo que Deus encontra em nós porque Cristo habita em nós.
A justificação acontece por meio da “palavra exterior” (proclamação da Escritura),
porém, é a “palavra interior” (Verbo) que é importante neste contexto.
196
A humanidade de Cristo é o veículo para sua divindade, porém, é a divindade dEle que
pode ser chamada propriamente de Mediador.
Osiander tinha como inimigos Calvino e Melanchthon.
Uma das críticas que se sobressaíram foi a de Francisco Stancaro (1501 – 1574). Ele
dizia que o Mediador está presente apenas na humanidade de Cristo.
A crítica talvez mais consistente contra Osiander foi a de Matias Flácio (1520 – 1575).
Melanchthon recusara, dizendo que não iria aceitar se o Ínterim de Augsburgo estivesse
em vigor ainda.
197
Depois de muitas negociações, Melanchthon decidiu aceitar o Ínterim se este fosse
refeito. Esse Ínterim refeito foi chamado de Ínterim de Leipzig.
Foi por esse Ínterim que a controvérsia foi chamada de adiaphora, pois, nos pontos que
não são essenciais, às vezes deve-se abrir a possibilidade de distinções para a
manutenção da paz na igreja.
Flácio foi extremamente anti-ético nessa controvérsia, difamando Filipe e mudando
supostas cartas dele.
Um dos argumentos de Flácio é que nenhum tema é secundário.
Filipe respondeu falando que o que Flácio estava propondo era uma nova forma de
papismo, dizendo que só o Ínterim tinha a autoridade doutrinária, destruindo assim a
liberdade que a reforma lutou tanto para ter.
Em 1555, o Imperador Carlos V instituiu a Paz de Augsburgo, anulando o Ínterim.
Mesmo com a Paz de Augsburgo, a tensão entre os Filipistas e os Luteranos continuou
intensa.
A Fórmula da Concórdia resolveu esse problema dizendo que Filipe tinha razão, porém,
há situações em que questões secundárias deixam de ser secundárias. De fato, essa
resolução da Fórmula apenas foi uma tentativa de manter a paz no luteranismo.
Houve uma controvérsia subsequente à disputa adiaphorista: a controvérsia de Major.
Essa controvérsia girou em torno de George Major (1502 – 1574).
Ele era seguidor de Melanchthon, porém, defendia que as boas obras são necessárias
para a salvação.
Contra Major, o teólogo mais assíduo foi Amsdorf, usando afirmações de Lutero sobre
a justificação pela fé longe demais, levando-o a afirmar que as boas obras destroem a
salvação.
A Fórmula de Concórdia afirmou a justificação pela fé, e reinterou a necessidade das
obras como resultado da salvação.
A controvérsia sinergista foi outro episódio que envolveu a tensão entre os filipistas e
os luteranos.
O Ínterim de Leipzig defendia que a vontade humana colaborava com Deus no processo
de salvação.
Melanchthon defendia a liberdade da vontade (que distingue o homem de uma pedra).
Em 1555, o filipista João Peffinger (1493 – 1573) publicou Proposições sobre o Livre-
Arbítrio, repetindo as causas co-participantes na conversão (Verbo, Espírito e vontade)
de Melanchthon.
198
Figura 259 - João Pfeffinger
Outro filipista envolvido nessa controvérisa foi Victorin Strigel (1524 – 1569).
No lado luterano, os líderes foram Amsdorf e Flácio.
Flácio, conforme a controvérsia se desenrolava, afirmou que o pecado original não é um
acidente, mas é a substância da existência humana decaída.
Depois da Queda, Adão perdeu a justiça original, o livre-arbítrio e a imagem de Deus,
sendo que o que o homem tem é a imagem de Satanás.
A substância do homem é o pecado.
Até para os luteranos mais rígidos, Strigel foi longe demais, e teve o mesmo fim que
Flácio (que também foi longe demais), em exílio.
A Fórmula da Concórdia diz que a natureza humana é boa, pois foi criada por Deus,
porém, a queda causou um dano indescritível que só pode ser reconhecida pela Palavra
de Deus. Conclui-se, então, que só Deus pode separar nossa natureza da corrupção
causada pelo pecado.
Mesmo negando o determinismo (as coisas acontecem independente das nossas
escolhas), a Fórmula afirma que a vontade não é uma causa eficiente da conversão, pois
a natureza humana decaída se tornou, além de afastada de Deus, inimiga de Deus.
Outra controvérsia foi a chamada controvérsia eucarística. Esta envolveu luteranos e
calvinistas.
Um dos notáveis teólogos envolvidos nessa controvérsia foi Martin Bucer (1491 –
1551), o reformador de Strasbourg.
Ele propôs o que foi chamado de Concórdia de Wittenberg, porém, não foi aceita.
Outra tentativa de paz em relação ao tema eucarístico foi o Consenso de Zurique, onde
líderes (incluindo Calvino e Bucer) tentaram propôr um documento intermediário dos
pontos de vista zuinglianos e luteranos.
Os luteranos rejeitaram novamente.
199
Essa controvérsia ganhou força (pelo menos entre os luteranos) quando Joaquim
Westphal (1510 – 1574) publicou uma obra salientando as diferenças eucarísticas da
teologia de Calvino e de Lutero, em 1552.
O próprio Melanchthon defendia a paz entre as duas posições, pois esse embate
comprometeria a paz na igreja.
Mesmo assim, disputas se incendiaram por toda a Alemanha.
Uma dessas disputas foi entre Tilmann Hesshusen (1527 – 1588) (luterano rigoroso) e
Wilhelm Klebitz (1533 – 1568) (calvinista) na cidade de Heidelberg. A conclusão foi a
aceitação da doutrina calvinista na cidade.
Outra disputa foi entre Alberto Hardenberg (1510 – 1574) (calvinista) e João Timann
(1500 – 1557) (luterano) na cidade de Bremen. Teve o mesmo resultado que o outro
embate.
Em Heidelberg, o resultado do embate foi positivo para o calvinismo justamente por
causa das tendências doutrinárias do príncipe daquela região, Frederico III (1515 –
1576).
O resultado em Heidelberg foi muito mais abrangente, tanto que resultou no famoso
Catecismo de Heidelberg, em 1563, escrita por Zacarias Ursinus (1534 – 1583) e
Gaspar Olevianus (1536 – 1587).
200
Figura 263 - Gaspar Olevianus
Na Saxônia, porém, o embate não foi tão simples. Os luteranos assumiram a batalha
contra os Filipistas.
Um teólogo filipista, Joaquim Curaeus (1532 – 1573), publicou um tratado em que ele
declarou que os incrédulos não participam verdadeiramente de Cristo na comunhão, e
que o communicatio idiomatum não deve ser entendida como Lutero defendia (o corpo
glorificado de Cristo pudesse ser onipresente).
O ataque de Curaeus foi visto pelos luteranos como uma chance de condenar o
calvinismo, em 1574.
A Fórmula de Concórdia reafirmou a doutrina eucarística luterana e condenou os ideais
calvinistas e zuinglistas. Ela também confirmou a ideia da onipresença do corpo de
Cristo.
Os calvinistas reinteraram que, se o corpo de Cristo está no céu, ele não pode estar em
outro lugar, confirmando que o sacramento é simbólico.
A contribuição mais significativa nessa controvérsia foi a obra Sobre as Duas
Naturezas de Cristo, de Martin Chemnitz (1522 – 1586), de 1571.
Nessa obra, Martin afirma que a communicatio idiomatum foi plena, e isso ocorreu na
encarnação, não apenas depois da ressurreição.
As limitações na vida histórica de Cristo são reais apenas porque a natureza divina se
restringe.
As limitações não são impostas pela natureza, mas pela vontade.
O corpo de Cristo não é onipresente, mas pode estar em qualquer lugar, e o lugar
escolhido foi a eucaristia.
Houve também uma breve controvérsia sobre a predestinação, envolvendo luteranos e
reformados.
Esta foi resolvida amigavelmente em 1563, na cidade de Estrasburgo.
201
A Fórmula de Concórdia foi cuidadosa em se tratando desse embate, dizendo que a
dupla predestinação deve ser observada com muito cuidado, pois pode ser pedra de
tropeço.
A Fórmula teve como principais formulador Chemnitz e Jacó Andreae (1528 – 1590).
202
A Teologia Reformada de João Calvino (1509 – 1564)
A divergência entre as visões eucarísticas de Zuínglio e Lutero foi o motivo de muitos embates.
Martin Bucer, mesmo tentando neutralizar esse embate, não teve sucesso.
Por isso, houve separações regionais em se tratando dessa crença: a influência de Lutero estava
no norte da Alemanha; de Zuínglio, na Suíça e sul da Alemanha; e a de Bucer, na bacia do Reno.
O Consenso de Zurique, proposto por líderes como Bucer, Calvino e Heinrich Bullinger (1504
– 1575) (sucessor de Zuínglio em Zurique), foi aceito por todos, exceto os luteranos.
203
Figura 268 - Guilherme Budé
Posteriormente, Calvino passa por Genebra, e, “forçado” por Farel, continua lá por certo tempo.
A forma final das Institutas foi publicada em 1559.
O conhecimento de Deus:
O conhecimento que o homem pode alcançar consiste de duas partes: conhecimento de
Deus; e o conhecimento de nós mesmos.
No conhecimento de nós mesmos, descobrimos a miséria e insuficiência, levando-nos a
compreender a necessidade da busca do conhecimento de Deus.
Mesmo assim, devido à nossa condição, a probabilidade de nos auto-enganarmos é
enorme. Ou seja, a verdadeira sabedoria começa com o conhecimento de Deus sempre.
O mero conhecimento da existência de Deus não é suficiente (concordando com
Lutero).
O conhecimento natural de Deus serve para nos fazer culpados.
Resumindo, o homem não pode conhecer a Deus, pois, somos tão escravizados pelo
pecado que esse conhecimento é impossível.
Outro motivo pelo qual não podemos conhecer plenamente a Deus é por causa da
distância entre o Criador e a criatura.
Calvino conclui, portanto, que o conhecimento de Deus deve ser buscado apenas na
forma como ele é revelado (nas Escrituras).
A Bíblia pode ser chamada de Palavra de Deus também, pois, o seu conteúdo é Cristo.
A Bíblia não recebeu sua autoridade da Igreja, porém, o que ocorreu foi o contrário.
204
Qualquer ensino, supostamente vindo do Espírito, que não conduz à Escritura, deve ser
rejeitado.
A sentença “a letra mata” de Paulo significa que o entendimento literal da Lei mata, não
necessariamente que as palavras matam.
A Bíblia condena todo o tipo de idolatria, inclusive as superstições papistas e imagens.
Calvino condena a distinção de dulia e latria, pois a veneração também é idolatria.
Mesmo o termo “Trindade” não ser citado na Bíblia, ele deve ser usado para expôr o
Deus revelado nas Escrituras.
Deus, o mundo e a humanidade:
Mesmo afirmando a existência de anjos e demônios, Calvino rejeitou essa preocupação
crescente (que começou com Pseudo-Dionísio) sobre os anjos.
Demônios não são maus por natureza, mas por causa da sua corrupção pecaminosa.
Eles não são simplesmente nossas inclinações pecaminosas.
A criação foi feita com Deus tendo a humanidade em mente.
O homem é formado por corpo e alma.
A alma é imortal e não participa da essência divina.
Sobre a citação “imagem e semelhança de Deus”, Calvino cria que era simplesmente
uma mostra do costume hebraico de usar expressões paralelas para se referir a uma
única coisa.
A imagem de Deus não é apenas a alma, mas é efetivamente da alma (mesmo o corpo a
mostrando também).
A imagem de Deus foi totalmente corrompida pela queda, e o homem ficou totalmente
alienado de Deus.
Mesmo com a queda e a consequente alienação, Deus é o regente da criação e a
esperança do homem.
Além de ser a causa primária de tudo, Deus também intervém em todas as coisas
(como, por exemplo, a ordem da natureza).
Essa doutrina não deve ser motivo para a liberdade para pecar, pois, isso mostraria a
própria rebelião.
Mesmo assim, a glória é de Deus tanto nos eleitos quanto nos réprobos.
Essa doutrina não pode ser expressa de um modo tolerável, pois isso diminuiria a glória
de Deus.
A doutrina da predestinação é um meio para glorificar a Deus.
A condição humana:
A diferença da busca pelo conhecimento humano dos filósofos e de Calvino é que os
primeiros buscavam dignidade e virtude (por não saberem da queda), e o segundo,
indignidade e depravação.
Mesmo a compreensão de como éramos antes da queda ser importante, a compreensão
de qual foi a consequência da queda no homem é mais importante.
Além da desobediência, Adão também foi incrédulo, pois não acreditou nas palavras de
Deus.
A queda resultou na corrupção, não apenas de si mesmo, mas de toda a sua
posteridade.
O pecado original não é algo aprendido por imitação, nem a corrupção do corpo
herdada de pai para filho, é “uma depravação hereditária e uma corrupção de nossa
natureza, difundida por todas as partes da alma, que, a princípio nos torna suscetíveis à
ira de Deus, e então também produz em nós aquelas obras que a Escritura chama de
‘obras da carne’” (João Calvino).
Resumindo, a pecaminosidade é herdada simplesmente por sermos filhos de Adão.
205
O resultado da queda incluía a perda dos dons sobrenaturais (fé e integridade
necessárias para a bem-aventurança eterna) de Adão e a corrupção dos dons naturais
(intelecto e vontade).
A busca pela verdade que o intelecto preservou leva ao orgulho e vaidade.
Também podemos aprender sobre ordem social e funcionamento das coisas.
Isso é resultado da graça de Deus abençoando a humanidade.
Sobre o conhecimento das “coisas celestes”, porém, o homem mostra completa
cegueira.
Os filósofos receberam uma pequena porção de verdade de Deus.
A única forma de ouvirmos e compreendermos qualquer coisa sobre Deus é por meio
de ouvidos e mente que só o Espírito pode dar.
Há o conhecimento natural de Deus, porém, este só expõe a nossa situação de sermos
indesculpáveis.
A vontade está presa ao pecado, e não há quem busque verdadeiramente a Deus.
“Por causa da escravidão do pecado, pela qual a vontade está presa, ela não pode se
mover para o bem, muito menos aplicar-se a ele; pois esse tipo de movimento é o
começo da conversão a Deus, que na Escritura é atribuída totalmente à graça de Deus”
(João Calvino).
Satanás é o nosso “cavalheiro”, e somos (em nosso estado decaído) seu cavalo.
Satanás é instrumento para o cumprimento da vontade divina.
A função da lei:
A Lei, para Calvino (e diferentemente de Lutero), era todo o Antigo Testamento.
O relacimento entre a Lei e o Evangelho é marcado pela continuidade.
Mesmo havendo diferenças, a Lei e o Evangelho têm como conteúdo Jesus Cristo.
A lei cerimonial tem como conteúdo e fim Jesus Cristo.
Qualquer sacrifício ofertado por nós é inaceitável.
A continuidade entre o Antigo e Novo Testamentos é vista mais claramente na lei
moral. Esta tem um tríplice propósito: mostrar nosso pecado, miséria e depravação;
restringir o perverso; e revelar a vontade de Deus.
Quando vemos as exigências de Deus, somos confrontados pelas nossas limitações. Isso
não nos capacita para fazer a vontade de Deus, mas nos faz para de confiar em nós
mesmos, nos levando à dependência da graça e ajuda de Deus.
A restrinção dos perversos proporcionada pela lei é necessária pra a ordem social.
Cristo aboliu a maldição da Lei, não sua validade (contrariando os antinomianos).
A lei não pode ser abolida porque expressa a vontade de Deus, que é imutável.
Além da maldição da lei, a lei cerimonial também foi abolida, pois esta apontava para
Cristo, e foi consumada nEle.
Essa ideia leva o cristão a estudar a lei, não só como palavra de condenação, mas como
direcionamento para suas ações.
Por Deus ser espírito, os mandamentos da Lei tèm a ver com os sentimentos do coração
também.
A religião e a justiça devem andar de mãos dadas.
A base da justiça é o serviço a Deus.
Há diferenças entre os dois Testamentos: o Novo fala claramente da vida futura e o
Antigo promete a vida futura por meio de sinais terrenos; o Antigo mostra apenas a
sombra do que é plenamente revelado no Novo; a essência do Antigo é a lei (servidão)
e a do Novo é o Evangelho da liberdade; o Antigo é direcionado ao povo judeu, e o
Novo para todos os povos.
Jesus Cristo:
Calvino segue a ortodoxia tradicional quando se trata de Jesus Cristo (uma pessoa e
duas naturezas).
206
Controvérsias contemporâneas levaram Calvino a desenvolver sua cristologia tendo
como um dos focos a exposição racional para a encarnação.
Para se defender de Osiander, Calvino afirmou que o propósito da encarnação foi a
redenção (Osiander cria que era o cumprimento do propósito divino).
Calvino também foi forçado a insistir na humanidade de Cristo e sua descendência
física de Adão (para defender-se de Menno e outros).
Serveto foi uma figura importante na história da cristologia de Calvino.
Ele cria que Jesus não podia ser chamado “Filho de Deus” antes da encarnação, mas
sim, de “Verbo”.
Serveto também negava a separação entre o Criador e a criatura (defendida por
Calvino), dizendo que havia um pouco do Espírito de Deus em cada ser humano.
Serveto levou Calvino a enfatizar a distinção das naturezas em Cristo ao invés de
enfatizar a unidade da pessoa e o communicatio idiomatum.
Outro oponente que acabou moldando a forma que Calvino moldou sua teologia foi
Stancaro. Este sustentava que Cristo é Mediador apenas por meio da natureza humana.
Calvino defendeu que a redenção e tudo relacionado a ela foi e é atribuído à unidade da
pessoa, e não à uma determinada natureza.
Calvino discute a obra de Cristo em termos de três ofícios (rei, profeta e sacerdote).
O nome “Cristo”, que significa ungido, representa isso, pois somente os responsáveis
por estes três ofícios eram ungidos.
Cristo é profeta, porque, nEle, as profecias se cumpriram e se cumprem. Ele é o
conteúdo de todas as profecias.
Cristo é rei da Igreja e dos crentes individuais. Como rei, Cristo compartilha com seus
súditos tudo o que Ele recebeu.
Como sacerdote, Cristo apresenta diante de Deus Seu sacrifício, cumprindo, assim, os
sacrifícios antigos.
Cristo também capacitou seus seguidores para serem sacerdotes (se aproximar de Deus
como sacrifício vivo).
Calvino enfatizou também a distinção entre a humanidade e divindade de Cristo.
A unidade da pessoa está acima da distinção das naturezas.
Ele rejeitava o communicatio idiomatum como argumento para defender a onipresença
do corpo de Cristo.
Mesmo plenamente presente em Jesus, a divindade não estava circunscrita por Sua
humanidade. Sua divindade continuava presente no céu e em todo o Universo.
Redenção e justificação:
Calvino entende a obra de Cristo em termos de satisfação.
Pela obediência de Cristo, Ele mereceu por nós o perdão, satisfazendo a justiça e o
amor de Deus.
A obra de Cristo não faz com que a salvação fosse efetiva para todos. Esta é
“dependente” da operação interior e secreta do Espírito Santo, que nos leva a Cristo.
“A principal obra do Espírito não é outra senão a fé em Cristo” (Justo González).
A fé é uma dádiva de Deus, não uma conquista humana.
O termo “fé” é simplesmente a fé em Cristo.
A partir dessa convicção, Calvino formula sua doutrina da justificação pela fé.
“A justiça de Cristo é como um manto que um pecador coloca pela fé, e revestido dele é
declarado justo” (Justo González).
Justificação pelas obras se baseia na afirmação da justiça própria, usando disso para
satisfazer as exigências de Deus.
“Ao contrário, justificado pela é é aquele que, excluído da justiça das obras, obtém a
justiça de Cristo por meio da fé, e revestido dela, aparece à vista de Deus não como um
pecador, mas como um homem justo” (João Calvino).
207
Crenças em coisas que são expostas nas Escrituras não demonstram necessariamente a
fé verdadeira.
A fé une o crente com Cristo.
Calvino combateu Osiander, que cria que o homem era justificado simplesmente porque
Deus via “justiça divina” em nós por estarmos unidos com Cristo. A justificação é a
presença da divindade em nós.
Calvino se defendia dizendo que essa posição tende a fazer esquecer da distância entre
Deus e nós.
Mesmo Calvino defendendo a união do crente com Cristo, ele não podia defender a
posição de Osiander que defendia uma espécie de “mistura de substâncias” entre Deus e
o crente.
Outro motivo dessa recusa de Calvino é que a jutificação crida por Osiander acabava
com a necessidade da encarnação e do sofrimentos de Cristo.
A negação da doutrina da justificação pela fé leva-nos para o orgulho.
A justificação pela fé não é motivo para legalizar os pecados, mas o justificado, mesmo
sendo pecador, procura mostrar os frutos da justificação.
“O objeto da regeneração... é manifestar na vida dos crentes uma harmonia e
concordância entre a justiça de Deus e a obediência deles, e assim confirmar a adoção
que eles receberam como filhos” (João Calvino).
A justificação também envolve a regeneração, que cria no eleito amor pela justiça.
A regeneração é a obra de Deus que cria novamente a imagem divina que fora
deformada pelo pecado.
O resultado da regeneração é boas obras.
Os cristãos não pertencem a si mesmos, mas ao Senhor.
Esse comportamento nos leva a carregarmos a nossa cruz, não sendo um sinal aos
cristãos desafortunados, mas sim, um sinal necessário na vida cristã.
O carregar a cruz cristão (simplesmente confia em Deus e admite fraqueza) é diferente
da atitude estóica (busca auto-controle e firmeza).
Calvino condena tanto o foco na vida presente como o asceticismo, dizendo que as
coisas devem ser usadas para o propósito pelo qual foram criadas.
O cristão deve: ver Deus em todas as coisas e ser agradecido; usar as coisas como se
não necessitássemos delas, preparados para suportar a falta delas; as coisas nossas
devem ser vistas como algo confiado a nós por Deus, que vai pedir contas; levar em
conta o propósito de Deus para nós.
Predestinação:
A predestinação não é, como muitos acham, o centro da Teologia de Calvino. É
simplesmente uma consequência lógica de seu pensamento.
Esta doutrina, mesmo sendo difícil e perigosa, deve ser ensinada e pregada.
“Nós chamamos de predestinação o eterno decreto de Deus, pelo qual Ele determinou
consigo mesmo o que desejou que cada homem se tornasse” (João Calvino).
O Antigo Testamento testemunha sobre a predestinação, principalmente no fato de
Deus ter escolhido um povo, não devido a alguma ação ou decisão da parte de Israel,
mas pelo soberano decreto dEle mesmo.
A eleição não depende meramente do pré-conhecimento, mas é um decreto
independente de nenhuma ação humana passada, presente ou futura.
O eleito pode estar certo da salvação, porém, o eleito também olhará para Escritura,
para o Cristo revelado nela.
Calvino defende que a dupla predestinação é uma lógica consequente da convicção
sobre a eleição.
Sobre as críticas de que Deus seria injusto é defendida por Calvino com a ideia de que a
vontade de Deus é a Lei, e portanto, não é injusta.
208
Por fim, a vontade de Deus é incompreensível e misteriosa.
A igreja:
Calvino dinstingui igreja visível da invisível.
Apenas a igreja invisível é a Igreja Universal e o corpo de Cristo.
Ele defende que, enquanto estamos vivos, a igreja visível deve ser nossa igreja, pois
esta é uma expressão necessária e útil da igreja invisível.
A igreja visível é um sinal da comunhao invisível dos eleitos.
A igreja visível também é o “meio exterior” para a proclamação da Palavra e
santificação dos crentes.
Somente aqueles que têm a igreja como mão podem ter vida eterna, não no sentido
romano de interpretação, mas num sentido geral.
Os sinais que eram necessários para se transmitir que, de fato, este fora eleito, são:
confessar Cristo e Deus; participar dos sacramentos; e levar uma vida correta.
As marcas que uma igreja deve transmitir para mostrar ser verdadeira são a
proclamação da Palavra e a administração dos sacramentos. Conclui-se, portanto, que a
Igreja Católica não é verdadeira, pois esta se afastou da pregação verdadeira da Palavra.
“Onde a Palavra de Deus não é honrada, não há igreja” (Justo González).
Calvino foi além de Lutero, pois teve como objetivo a completa restauração do
Cristianismo primitivo segundo os padrões do Novo Testamento.
Dois pontos importantes na eclesiologia de Calvino são: Eleição de pastores; e
administração da disciplina.
Os pastores devem ser eleitos pela congregação local e por pastores que pastoreavam
nas redondezas. Essa forma eclesiológica foi o fundamento para o posterior
presbiterianismo.
A disciplina é necessária na igreja, não necessariamente para preservar a santidade
pessoal, mas preservar a honra de Cristo.
Os meios disciplinares eram as admoestações privadas e públicas, e, em casos
extremos, excomunhão.
Há um tríplice objetivo na disciplina: evitar a profanação do corpo de Cristo e da Ceia;
prevenir a corrupção de outros; chamar o pecador ao arrependimento.
A disciplina, porém, deve ser exercida em amor.
Os sacramentos:
O sacramento é “... um sinal exterior pelo qual o Senhor sela, em nossas consciências,
as promessas da Sua boa vontade a nosso respeito de modo a sustentar a fraquezza da
nossa fé; e nós, por outro lado, atestamos nossa piedade em relação a Ele, na presença
do Senhor e de Seus anjos e diante dos homens” (João Calvino).
Sobre sacramentos, Calvino contraria Zuinglio e os anabatistas (dizendo que os
sacramentos são eficazes), e também os luteranos (dizendo que confundem a “figura”
do sacramento com a “verdade” contida nele”).
A eficácia dos sacramentos deve-se somente por causa do Espírito Santo.
“Pois a distinção [entre ‘figura’ e ‘verdade’] significa não somente que a figura e a
verdade estão contidas no sacramento, mas que elas não estão ligadas que não possam
ser separadas; e que, mesmo na própria união, a matéria deve ser sempre distinguida do
sinal, que nós não podemos transferir para uma o que pertence a outra” (João Calvino).
Essa confusão leva à superstição, colocando a fé no que não é Deus e negando qualquer
reinvindicação à justificação, e também o foco na fé em Cristo.
Os elementos oferecem a Cristo, porém, é o próprio Cristo que é a fonte da força do
sacramento.
Os sacramentos veterotestamentários e neotestamentários tèm o mesmo significado e
substância, Cristo, porém, os primeiros mostram o que há de vir, e os segundos
mostram o que foi dado e manifesto.
209
Os sacramentos são dois (Batismo e Ceia do Senhor).
O batismo tem como objetivo servir a fé e confessar diante de todos.
O batismo limpa os pecados, porém, não o batismo em si, mas o que ele representa, a
saber, a união com Cristo.
O batismo infantil é um sinal da justificação pela graça e do amor cuidadoso de Deus
(cuidando de nossa posteridade).
A forma do batismo (aspersão ou imersão) é um tema inútil, pois não há ensino direto
sobre esta nas Escrituras.
A eucaristia foi dada por Deus para nutrir a fé, porém, Satanás obscureceu o
entendimento desse sacramento, não apenas devido à Igreja Católica, mas também por
debates protestantes.
A eucaristia tem por objetivo nutrir a fé dos fiéis, unindo-nos com Cristo.
A união com Cristo não realizada pela eucaristia, pois ela é proporcionada apenas como
resultado da fé, dada pelo Espírito.
A Santa Ceia não apenas simboliza, mas mostra que o o corpo e o Sangue de Cristo
estão disponíveis pela ação do Espírito.
O ato de comer não é fé, mas sim, seguir a fé.
O significado da Ceia está nas promessas. A matéria é o próprio Cristo. O efeito é o
recebimento da redenção, justiça, santificação e vida eterna.
A Ceia gira em torno do ofício sacerdotal.
A posição romana de eucaristia é, de acordo com Calvino, um “encantamento mágico”.
Ele também rejeita a adoração do sacramento e a privação do cálice ao leigo.
Calvino também interpreta a ascensão do corpo glorificado de Cristo de um modo
literal, dizendo que Ele está agora no céu, à mão direita de Deus.
Ele rejeita o entendimento luterano de communicatio idiomatum, pois este fere a
humanidade de Cristo.
A união com Cristo é um assunto que Calvino entende como um mistério muito grande
para ser compreendido pela mente humana.
Igreja e Estado:
Um fato importante que envolveu a reforma de Genebra foi, em 1538, quando o
concílio da cidade ordenou que os sacramentos deviam ser oferecidos a todos, levando
Calvino e Farel (que rejeitaram isso) para o exílio.
Para Calvino, o Estado tem o direito de impor pena de morte, recolher taxas e travar
guerras justas e necessárias.
Os cristãos podem ser magistrados.
Mesmo tendo que ser submissos a autoridade civil, a autoridade divina é superior, e se a
primeira contradizer a segunda, devemos seguir a segunda.
210
A Reforma na Grã-Bretanha
A Reforma na Grã-Bretanha começou com o rei Henrique VIII (1491 – 1547), culminando no
reinado de Elizabete (1533 – 1603).
Mesmo a reforma anglicana tendo a maioria das motivações como meramente políticas, houve
também as tentativas anteriores, como a de João Wycliff.
A reforma anglicana:
No século XVI, o movimento iniciado por Wycliff, nomeado como “os lolardos”,
continuava bem vivo, buscando reforma na igreja, porém, de uma forma diferente a dos
seguidores do humanismo de Erasmo, liderados por João Colet (1467 – 1519).
211
Outro humanista notável da Inglaterra nesse período foi Thomas More (1478 – 1535).
Além de Tyndale, houve outros defensores da reforma, como: João Frith (1503 –
1533); Roberto Barnes (1495 – 1540); e George Joye (1495 – 1553).
Todas essas tentativas de reforma, porém, seriam inúteis, se Henrique VIII não
rompesse com a Igreja Católica para poder anular seu casamento com Catarina de
Aragão (1485 – 1536).
212
A conclusão de intensas intrigas entre Henrique VIII e as monarquias européias, sem
esquecer do embate entre ele e a autoridade papal, foi o rompimento definitivo, fazendo
Henrique voltar sua atenção para a diocese de Cantuária, apontando Thomas Cranmer
(1489 – 1556) como bispo.
Cranmer era um reformador moderado, tendo sido fortemente influenciado por Lutero.
O motivo da escolha de Cranmer foi justamente a anulação do casamento com Catarina
e o casamento com Ana Bolena (1501 – 1536).
Devido a esse ato, o papa declarou que, se Henrique não voltasse com Catarina, ele iria
ser excomungado. Henrique respondeu ousadamente, se proclamando praticamente o
cabeça da Igreja da Inglaterra.
O casamento com Ana Bolena foi feito legítimo, e Elizabete passou a ser reconhecida
como sucessora, a não ser se Henrique tivesse um filho homem.
Mesmo assim, os protestantes não apoiaram a ação de Henrique (mesmo após intensas
tentativas de negociação deste).
Cranmer, clamando por reforma na Inglaterra, levou a Igreja da Inglaterra a produzi os
Dez Artigos de 1536, afirmando a autoridade da Bíblia, dos credos antigos e dos
quatros primeiros concílios ecumênicos.
Foram afirmados três sacramentos: batismo; santa ceia; e penitência.
A salvação é pela fé e pelas obras.
Era proibido negar a adoração às imagens.
Cranmer ordenou que houvesse em toda Igreja uma bíblia inglesa aberta para que os
leigos pudessem ler.
213
Outro ato importante de Henrique foi a dissolução dos monastérios, pois este desejava
possuir os tesouros que eles adquiriam.
Conforme o tempo passava, Henrique foi “convertendo” a Igreja da Inglaterra para uma
forma cada vez mais romana (defendendo inclusive a transubstanciação com a
publicação dos Seis Artigos), contrariando Cranmer.
O sucessor de Henrique, Eduardo VI (1537 – 1553)¸ governou apoiando os
protestantes. Teve como medidas a leitura da bíblia em inglês durante o culto, a
publicação das Doze Homilias, a abolição dos Seis Artigos, permissão ao clérigo de
casar, etc. Sua conquista mais significativa, porém, foi a publicação do Livro Comum de
Oração.
Essa obra levou, inclusive, Cranmer a recusar a transubstanciação e aderir aos ideias
calvinistas.
Vários reformadores influenciaram nessa fase da reforma anglicana: Bucer; Nícolas
Ridley (1500 – 1555); João Hooper (1495 – 1555); etc.
214
Figura 280 - João Hooper
Além destes, outro reformador importante foi Hugo Latimer (1487 – 1555).
Ela se casou com o rei da Espanha, Filipe (1527 – 1598), e matou inúmeros
protestantes, dando-a o nome de “Maria, a sangrenta”.
215
Figura 283 - Rei Filipe II
Ela forçou Cranmer a assinar uma “retratação”, e, quando este foi levado para ser
queimado, insistiu em queimar primeiro a mão a qual ele tinha assinado a retratação.
Após a morte de Maria, em 1558, Elizabete sobe ao trono, permitindo a liberdade de
expressão e insistindo na uniformidade da adoração, restaurando o Livro Comum de
Oração.
Um ato que deu forma à igreja inglesa na época de Elizabete foi os Trinta e Nove
Artigos da Religião (uma revisão dos Quarenta e Dois Artigos de Eduardo).
Uma obra importante para essa época foi a Apologia da Igreja da Inglaterra de João
Jewel (1522 – 1571), que mostrou argumentos, tanto escriturísticos quanto da tradição,
defendendo a Igreja da Inglaterra. Mesmo assim, a autoridade final é sempre da Bíblia.
Uma das mudanças radicais dessa época foi a celebração das cerimônias santas no
vernáculo.
Thomas Cranmer salientou a temporariedade e a contextualidade das tradições e modos
de cerimônia.
Nesse contexto, a ideia litúrgica florescente na época de Elizabete foi fortemente
criticada por reformados zuinglianos e calvinistas, originando o movimento puritano.
A fé é necessária para a salvação, e as obras, frutos necessários da fé.
A doutrina da penitência e do purgatório foram rejeitadas (refletindo a justificação pela
fé).
As indulgências também foram rejeitadas.
Os ingleses tinham uma aproximação notável com a distinção das igrejas visível e
invisível de Agostinho.
A igreja visível é uma mistura de joio e trigo, porém, é a única forma na qual a igreja
invisível assume na terra, sendo assim, impossível de um salvo retirar-se da igreja
visível.
Em relação aos sacramentos, Cranmer mostra uma doutrina igual à de Calvino.
216
Em relação à sucessão apostólica, Jewel disse: “Sucessão, você diz, é a principal orma
para qualquer homem cristão evitar o anticristo. Eu concordo, se você quer dizer
sucessão de doutrina!”.
O maior expoente na Teologia expressa do acordo de Elizabete foi Richard Hooker
(1554 – 1600), que publicou Das Leis do Sistema Eclesiástico para fundamentar este
acordo.
217
A Teologia na Reforma Católica
A reforma também atingiu a Igreja Católica Romana. Esta foi chamada de “Contra-Reforma”.
Esse termo não expressa, de fato, o que foi a Reforma Católica, pois a refutação dos protestantes
não foi o objetivo primário, e esta começou a acontecer com Erasmo, no mesmo período no qual
Lutero começou a reforma, e até antes.
Na Espanha, Ximenes de Cisneros já havia proposta essa reforma, propondo a volta às
Escrituras.
As consequências da reforma de Cisneros foram: a expulsão dos judeus em 1492;
desenvolvimento da inquisição; e expulsão dos mouros.
Polêmicas antiprotestantes:
O principal oponente da Reforma Protestante no seu início foi João Eck.
Eck cria na predestinação condicional, baseando-se nos ensinos de Bonaventura.
Ele também defendia o empréstimo com juros de até 5%. Por isso, foi chamado de “o
teólogo de Fuggers” (Fuggers era uma das principais casas bancárias da Alemanha, e
que estava envolvida nas indulgências).
Eck publicou contra Lutero, Melanchthon, Zuínglio e Bucer.
Eck, mesmo mostrando ser um assíduo opositor contra os protestantes, se revelou um
bom pastor e um acadêmico capaz.
Outro teólogo notável na Contra-Reforma foi James Hochstraten (1460 – 1527).
Hochstraten se envolveu em uma controvérsia que envolvia o apoio aos livros judaico
exercido por Johann Reuchlin (1455 – 1522).
218
Ele tentou provar que liberar a Bíblia ao povo é errado usando o argumento de que
doutrinas ortodoxas podem ser erroneamente interpretadas, como a divindade de Deus,
a virgindade de Maria, etc.
Pedro Canisius (1521 – 1597) foi um reformador da Igreja Católica que tinha como
“combustível” a vontade de erradicar a “falsa” reforma protestante e implantar a
“verdadeira reforma”. Entre seu legado, está uma reforma universitária firme.
O escrito que teve maior importância dele foi sua crítica aos “centuriators” de
Magdeburgo. Estes eram luteranos que produziram uma obra sobre a História da Igreja
de um ponto de vista protestante.
Outro líder antiluterano, desta vez da Universidade de Louvain, foi James Latomus
(1475 – 1544).
219
Sua obra Panoplia insistiu na doutrina de uma Palavra de Deus escrita (Escritura) e oral
(tradição).
Ele defendeu o celibato, a primazia de Pedro, a missa, etc.
Mesmo com tantas críticas, Van der Linden desejava uma conciliação entre os luteranos
e os católicos, exortando os bispos a reformarem as igrejas locais, sem a qual a unidade
é impossível.
Outro reformador católico foi Alberto Pighius (1490 – 1542). Este foi notável por
defender ardentemente a autoridade papal.
Ele também tentou uma resolução mais conciliatório. Ele propôs, na dieta de Wörms,
uma “dupla predestinação” (uma sendo inerente do justo, e outra justiça imputada de
Cristo).
Os maiores “contra-reformadores”, porém, vieram na geração seguinte. Os dois maiores
foram Roberto Bellarmine (1542 – 1621) e César Baronius (1538 – 1607).
220
Bellarmine foi importante por, praticamente, sistematizar todas as divergências entre o
catolicismo e o protestantismo.
Além disso, o papa Sixtus V (1521 – 1590) quase condenou as obras de Bellarmine,
pois ele não cria que o papa tinha poder temporal decisivo sobre todo o mundo.
Baronius foi influente na área da História. Isso foi devido à sua intensa luta contra os
mesmos centuriators de Magdeburgo que Canisius criticara.
A teologia dominicana:
A teologia dominicana passou a dominar o pensamento católico dessa época,
principalmente devido à crescente influência da obra Suma Teológica do dominicano
Tomás de Aquino.
A influência de Tomás chegou ao ápice quando o papa Pio V (1504 – 1572) o
considerou “doutor da Igreja”.
Um dos líderes ativos na Igreja foi Cajetano. Ele escreveu diversos comentários
bíblicos, da Suma Teológica e filosóficos.
221
Ele cria que o método alegórico de interpretação devia ser evitado, a não ser que não
contrarie o restante da Escrituras.
Mesmo influenciando muitas gerações, teve um pouco de resistência com o papa Pio V
e a Universidade de Sorbonne (baluarte da ortodoxia contra o protestantismo, na
época).
Um ponto importante no pensamento de Cajetano foi a distinção entre três realidades: a
essência de uma coisa; sua subsistência; e sua existência.
Outro ponto foi sua convicção (demonstrada no debate contra os averroístas de Pádua)
de que a imortalidade da alma não pode ser provada pela razão, podendo apenas ser
crida com base na Revelação. Ele também condenou o uso da Filosofia para provar essa
doutrina.
Cajetano negou que a forma eucarítica católica possa ser provada pela Escritura, mas
sim, pela tradição.
Cajetano também teve opositores católicos, como Ambrósio Catharinus (1483 – 1553)
e João Crisóstomo Javelli (1470 – 1538).
Mesmo com esse destaque, o brilho da Escola de Salamanca simplesmente obscureceu
Cajetano.
A série de teólogos notáveis de Salamanca começou com Francisco de Vitória (1492 –
1546).
222
Figura 299 - Melchior Cano
Sua principal obra foi Sobre Temas Teológicos, onde ele cita dez fontes da verdade
cristã: Escritura; tradição oral; Igreja universal; concílios; igreja romana; os “Pais”; os
escolásticos; a razão natural; os filósofos; e a História.
Esse método foi revolucionário, pois propôs uma nova forma metodológica, baseada em
hierarquias.
Outro pensador notável de Salamanca foi Domingo de Soto (1494 – 1560), colega de
Vitória e Cano.
223
Figura 302 - Papa Inocêncio XI
O último grande autor da escola dominicana de Salamanca foi Domingo Báñez (1528 –
1604).
224
A teologia jesuíta:
Um dos eventos mais importantes e discretos do século XVI na Igreja Católica foi a
fundação da Sociedade de Jesus por Inácio de Loiola (1491 – 1556).
Entre os jesuítas que originaram a ordem estava Francisco Xavier (1506 – 1552),
futuro missionário para o Oriente.
225
Inácio fez a ordem com uma fundamentação fortemente erudita, e seguidora da filosofia
aristotélica. Ele também deu importância às obras Suma Teológica de Tomás de Aquino
e Sentenças de Lombardo.
O mais notável jesuíta dos séculos XVI e XVII foi Francisco Suárez (1548 – 1617).
226
Mesmo se submetendo ao decreto papal, Baius continuou ensinando doutrinas
contrárias à ortodoxia católica, sendo condenado novamente pelo papa Gregório XIII
(1502 – 1585).
O refúgio de Baius foi sua universidade, que o defendeu sempre, inclusive quando
recebeu ataques do jesuíta Leonardo Lessius (1554 – 1623).
227
É como se Deus iluminasse uma “ajuda à vontade natural do homem”, que o leva a
capacidade de escolher ou não o mal.
O ato sobrenatural, mesmo dependente da graça precedente de Deus, é uma resposta da
crença do homem seguida da fé imputada por Deus.
Molina também diferencia a vontade absoluta da vontade condicional, falando que a
condicional depende das causas livres. Deus sabe as coisas escolhidas pelos homens.
Molina, portanto, defendia que a vontade condicional reflete a soberania de Deus no
pré-conhecimento, e na vontade absoluta, na predestinação.
Imediatamente, a oposição à soteriologia de Molina apareceu duramente, com teólogos
como Báñez.
Os dominicanos argumentavam que Molina havia rejeitado o princípio agostiniano de
que a graça é eficaz por si mesma.
O papa Clemente VIII (1536 – 1605) tentou resolver a questão, porém, não foi bem
sucedido.
228
Nossa vontade se tornou escrava do pecado, e portanto, é incapaz de fazer o bem.
A motivação para a obediência das leis de Deus não é simplesmente o amor por Ele,
mas sim, o orgulho, medo, etc.
O homem necessita da graça curadora de Deus, que é irresistível e infalível.
A diferença entre os salvos e os perdidos dependem inteiramente dos eternos decretos
de Deus, pelos quais Ele decidiu conceder graça a alguns.
Outro autor, Antoine Arnauld (1612 – 1694), defendeu os ideais de Jansen, aplicando-
os à piedade prática e disciplina eclesiástica.
A obra Augustinus causou muito alvoroço, sendo condenado pelo papa Urbano VIII
(1568 – 1644) e pelo papa Inocente X (1574 – 1655).
Depois dessa bagunça, Arnauld foi forçado a ir ao exílio. A tocha, então, foi passada
para Blaise Pascal (1623 – 1662), que publicou a obra Provinciales, obscurecendo a
popularidade e genialidade de Augustinus.
229
Figura 317 - Blaise Pascal
Com excessão de Júlio III (1487 – 1555), os papas seguintes aderiram intensamente ao
espírito reformador católico, até Clemente VIII.
A reforma católica teve como um dos focos o poder papal, pois este tema ajudava a
evitar a dissensão proposta pelo protestantismo.
A reforma tinha o enfoque também na vida moral e religiosa da Igreja, pois a ortodoxia
não podia ser mudada.
Um papa notável foi Paulo IV (1476 – 1559), que fortaleceu a Inquisição e
desenvolveu o Index Librorum Prohibitorum, uma lista de livros que passaram a ser
proibidos.
230
Uma característica politicamente interessante do concílio foi que o papa e o imperador
lutaram constantemente para ter o controle deste.
Na Teologia, houve aqueles que simpatizavam com os protestantes, e aqueles que
simplesmente queriam condená-los.
O resultado do Concílio de Trento foi, basicamente, o formato de Igreja Católica na Era
Moderna.
Resumindo, o concílio agiu na reforme de costumes e leis eclesiásticas e na clara
definição dogmática contra os protestantes.
As doutrinas que foram questionadas no concílio foram: autoridade das Escrituras;
natureza e consequência do pecado original; jutificação; sacramentos; purgatório; e
veneração dos santos e suas relíquias. Praticamente em todas elas o concílio tomou uma
posição totalmente contrária a do protestantismo.
O Concílio não só afirmou a autoridade da tradição, mas colocou-a ao lado da Escritura,
como iguais.
Nenhuma doutrina podia ser interpretada diferentemente da Igreja Católica Romana, e
nenhum livro poderia ser publicada sem a aprovação desta.
Também defendeu a total eficiência do batismo infantil por si só.
Mesmo a salvação começando com a necessária graça precedente dada por Deus, o
livre-arbítrio do homem deve responder com aceitação ou rejeição. Resumindo, a graça
é resistível.
Os adultos, para receber a justificação, precisam de fé (recebida pelo ouvir), esperança
(em Deus, levado pela fé) e amor (consequência da esperança).
A confiança e amor por Deus nos leva a odiar o pecado, que nos leva ao
arrependimento.
A justificação é santificação, renovaçõ e remissão de pecados dados por meio de uma
recepção voluntária.
A fé não serve para nada, sem que haja a esperança e caridade (obras).
A rejeição sobre a predestinação foi argumentada pelo fato de não conseguirmos saber
exatamente sobre ela.
O sacramento da penitência serve para a remissão da punição eterna do pecado.
Há o pecado mortal, que tira a graça da salvação da pessoa.
O justificado satisfaz plenamente a lei divina por meio de boas obras.
Os sacramentos foram reafirmados no Concílio do mesmo jeito que eram
tradicionalmente praticados.
Mesmo tendo essas posições, a ideologia moral do Concílio foi notavelmente
purificadora.
O mestre do Concílio e o último papa durante ele foi Pio IV (1499 – 1565), o qual
declarou o concílio como ecumênico e obrigatório para todos.
231
A Teologia da ortodoxia luterana
Durante o período entre os séculos XVII e XIX, a Teologia se desviou do foco ortodoxo e
passou a ter uma preocupação mais racionalista.
Principais teólogos:
O grande precursor da ortodoxia luterana foi Martin Chemnitz.
Outro teólogo importante foi um membro do corpo docente de Wittenberg, Aegidius
Hunnius (1550 – 1603).
Hütter separou a Teologia da Filosofia, expondo sua teologia usando apenas a Escritura
e as confissões.
Sua influência estava mais em Lutero do que em Melanchthon, porém, não era extremo
para nenhum dos lados.
Sua principal obra polemista foi sua defesa da Fórmula da Concórdia contra os ataques
do teólogo de Zurique Rudolph Hospinian (1547 – 1626).
232
Figura 325 - João Gerhard
Sua principal obra foi Harmonia dos Evangelistas, além de Loci theologici, a
tradicional teologia sistemática da ortodoxia luterana.
Gerhard defendeu o uso da metafísica aristotélica, principalmente do modo como fora
interpretada pela Escola de Salamanca.
O seguinte teólogo exposto é filho de Aegidius Hunnius, Nicolau Hunnius (1585 –
1643).
Este contribuiu tanto para o desenvolvimento da ortodoxia luterana quanto para sua
divulgação entre os leigos.
Uma de suas contribuições teológicas é a distinção que ele criou entre as questões
primárias e secundárias da fé.
A divulgação da ortodoxia luterana foi impulsionada por sua obra Resumo das coisas
que devem ser cridas.
O mais popular pregador da ortodoxia luterana foi João Conrado Dannhauer (1603 –
1666).
Ele foi um exemplo de profunda piedade e preocupação com a vida da Igreja, em meio
a um oceano de frieza ortodoxa.
233
Posteriormente, o teólogo que mais se destacou foi Abraão Calov (1612 – 1686).
234
Figura 331 - George Calixtus
Calov deixou bem claro sua posição (de que tudo o que é extraído da Escritura é
fundamental).
Mesmo assim, até mesmo o extremismo demonstrado em escritos de Calov futuramente
foram condenados pelos luteranos, pois ele chegou a afirmar que, tanto católicos quanto
calvinistas, estes não tinham esperança de salvação.
Musäus, por sua vez, criticou Calixtus e , porém, não condenou as outras posição, e não
adotou o extremismo de Calov.
235
Um dos seguidores de Musäus foi Johann Wilhelm Baier (1647 – 1695), o autor de
Compêndio de Teologia Positiva.
236
A Teologia Reformada após Calvino
A Teologia Reformada já estava bem delineada por teólogos como Calvino, Zuínglio, Bucer e
Johannes Oecolampadius (1482 – 1531).
Mesmo assim, a teologia, mesmo já tendo uma base forte (e permanecendo geralmente firme a
esta), foi se desenvolvendo durante o tempo.
A teologia reformada durante o Século XVI:
Oecolampadius foi o reformador na Basiléia, e apoiou Zuínglio. Este produziu uma
contribuição importante para o desenvolvimento dos ideais de Calvino.
Wolfgang Fabricius Capito (1478 – 1541) foi um defensor de Bucer em Estrasburgo e
um teólogo ativo no sul da Alemanha.
Outro reformador importante neste século foi Pedro Martire Vermigli (1499 – 1562).
237
Após muitas tentativas de reformar a Itália, Pedro mudou para Zurique, onde se tornou
professor de Teologia.
A pedidos de Cranmer, Pedro foi dar aulas em Oxford em 1547.
Ele voltou a Estrasburgo em 1553, e voltou a ser professor em Zurique.
Sua importância na Teologia Reformada foi seu uso do Aristotelismo na sua
metodologia.
Outro teólogo importante foi Jerome Zanchi (1516 – 1590), outro italiano, e discípulo
de Vermigli.
Ele se aproximou da teologia de Zanchi, além de levar a distinção entre Igreja e Estado
a um nível perigoso, chegando a incitar os súditos de tiranos à rebelião.
Ele foi, de acordo com Justo González, um irresponsável seguidor de Calvino, levando
sua ideologia a ideais que nem mesmo Calvino tinha levado.
238
Mesmo assim, foi um teólogo notável, e não chegou a conclusões controvérsias e
erradas. Suas posições só foram consequências óbvias da teologia calvinista.
Outro teólogo importante, este na Alemanha, foi Zacarias Ursinus, um discípulo de
Melanchthon, porém, um reformado assíduo.
Foi, juntamente com Gaspar Olevianus, o compositor do Catecismo de Heidelberg de
1563.
Ursinus vê a predestinação, não como consequência da natureza de Deus, mas como
uma expressão da experiência da salvação.
Calvinismo na Suíça e Alemanha:
Depois de Calvino, o documento mais importante produzido na Suíça foi a Segunda
Confissão Helvética.
Mesmo não sendo produzida por um calvinista (Bullinger), a Segunda Confissão
Helvética sobrepujou o Consenso de Zurique de 1549 (em relação ao objetivo de
unificar a doutrina reformada).
Ela foi aceita e assinada pelo Eleitor Frederico III em 1566.
Em pontos como a predestinação e a inspiração daEscritura, a Confissão foi uma ponte
entre Calvino e a ortodoxia calvinista.
Teodoro de Beza, o sucessor de Calvino em Genebra, influenciou muito outros teólogos
na Suíça. Entre eles, estavam Samuel Huber (1547 – 1624) e Claude Aubery (1545 –
1596).
Samuel Huber acusou Abraão Musculus (1497 – 1563) de pregar a doutrina
supralapsariana, indo aquém de Calvino.
239
Benedito foi um predestinacionista extremado, e esteve presente no sínodo de Dort, este
que condenou o arminianismo.
Francisco foi, provavelmente, o mais importante teólogo da ortodoxia calvinista, tendo
como obra principal a Institutiones Theologiae elenchticae.
Essa obra é, possivelmente, a obra mais importante do calvinismo, depois das Institutas
de Calvino.
Francisco, após o prolegômena da obra, expõe o que é o fundamento principal da obra:
a autoridade, inerrância e suficiência das Escrituras.
O ápice da bibliologia deTurretini foi o Consenso Helvético de 1675, composto por ele,
que alegara que todos os pontos e vogais do texto hebraico foram divinamente
inspirados, e portanto, inerrantes.
Outro ponto importante no pensamento de Turretini foi o fato de ele ser um dos
expoentes do infralapsarianismo (a doutrina que crê que os decretos divinos foram
feitos progressivamente, não de uma vez só).
Além dessa posição infralapsariana, Turretini foi um típico e fiel calvinista.
Mesmo com essa rigidez calvinista sendo cada vez mais uniforme na Europa
protestante, o próprio filho de Francisco, Jean-Alphonse Turretini (1671 – 1737),
liderou um revolução liberal na toda poderosa Genebra, abolindo os decretos de Dort e
os da Segunda Confissão Helvética.
Ele foi popular por crer no ponto de vista de que o Estado deve ser soberano sobre a
igreja, crença essa que recebeu o nome de “erastianismo”.
Calvinismo na Holanda:
A Holanda, durante o século XVI, foi o palco de um dos mais importantes
desenvolvimentos da ortodoxia calvinista, tendo como motivação os ensinos de Jacó
Armínio (1560 – 1609) e o consequente Sínodo de Dort.
240
Figura 344 - Jacó Armínio
241
Devido a várias tentativas de Gomarus em fazer pressão para remover os arminianos do
meio acadêmico, João Uytenbogaert (1557 – 1644) compôs o Remonstrance (1610),
mostrando os cinco pontos que negavam tanto o supra quanto o infralapsarianismo,
negando também a perseverança dos santos e a expiação limitada.
Por ter sido Maurício o “convocador do concílio de Dort”, já estava prevista a derrota
dos remonstrantes.
No primeiro artigo da Remonstrance, a predestinação é expressa como sendo
infralapsariana e nada mais do que um pré-conhecimento divino.
242
O sínodo respondeu que a eleição era incondicional, e baseada na soberana decisão
eterna de Deus, portanto, supralapsariana.
O segundo artigo da Remonstrance expõe que Cristo morreu por todos, porém, a
salvação só é aplicada aos crentes.
A resposta do sínodo foi que, mesmo a redenção de Cristo sendo potencivelmente
universal, a vontade de Deus foi que a redenção fosse aplicada somente aos
predestinados a salvação.
Sobre a depravação total, o sínodo e os remonstrantes não discordaram totalmente,
porém, uma diferença sutil foi suficiente para contrastar suas opiniões. Remonstrance
não conectava a graça irresistível com a depravação, propondo uma espécie de
depravação total com livre-arbítrio. Dort, em contrapartida, negou essa possibilidade,
reafirmando a necessidade da irresistibilidade da graça salvadora.
A perseverança dos santos, na verdade, não foi algo que a Remonstrance negasse
explicitamente (mesmo sendo uma consequência óbvia). Porém, o sínodo viu que havia
uma necessidade lógica de confirmar esta doutrina.
Outro teólogo importante da Holanda foi Hugo Grotius (1583 – 1645).
Grotius, um arminiano pacifista, foi importante por propôr a doutrina que expunha a
expiação, não como efetiva em si, mas como uma demonstração de Deus para nós,
mostrando que a transgressão da Lei divina continua sendo uma ofensa séria que não
pode ficar sem consequência.
Outro teólogo foi João Cocceius (1603 – 1669).
Ele foi importante por propôr a teologia do pacto, ou “teologia federal”. Ela expõe o
princípio hermenêutico de que Deus se relaciona com homem de uma maneira pactual.
Este relacionamento é baseado no pacto pré-existente entre o Pai e o Filho. Depois da
243
criação, houve o pacto das obras, estabelecido com Adão. Depois da queda, houve o
pacto da graça, tendo duas dispensações (Antigo e Novo Testamentos).
Calvinismo na França:
Os protestantes na França sempre tiveram uma “vida difícil”.
Mesmo com a tentativa do rei Henrique IV (1553 – 1610) de proporcionar liberdade de
culto aos reformados franceses (denominados “huguenotes”) com o Édito de Nantes de
1598, a subsistência protestante francesa culminou no enorme êxodo ocorrido em 1685,
depois da revogação do Édito de Nantes por Luís XIV (1638 – 1715).
244
Resumidamente, a Escócia teve um contexto político e religioso, nesse período, muito
conturbado. Esse período teve um ponto final com a influência dos “Senhores da
Congregação” e do mau exemplo da representante da coroa e do catolicismo, Maria
Stuart (1542 – 1587).
Mesmo com essas influências, a maior influência religiosa da Escócia foi a liderança
firme, zelosa e inflexível de John Knox (1513 – 1572).
245
Figura 358 - Robert Browne
Guilherme também defendia uma aproximação com Roma, mesmo não sendo católico.
Quando a Escócia decidiu declarar guerra contra a Inglaterra devido à tentativa de
uniformizar a adoração, Carlos tentou pedir ajuda, em 1640, ao parlamento (que era
quase que totalmente puritano).
Esse contexto possibilitou o Parlamento a expôr sua posição puritana, que teve seu
ápice na Assembléia de Westminster, ocorrido entre 1643 e 1649. Esta produziu as
confissões de Westminster e os catecismos.
246
Westminster foi mais uma tentativa de jurisprudência (defender doutrinas com a
Escritura) do que uma exposição a Calvino (mostrar a condição humana e o alvo da
existência humana).
Ela também diferencia-se de Calvino em sua ênfase na pessoalização da Escritura, onde
o fato de ela ser um guia para o cristão sobrepõe o fato de ela agir, através do Espírito
Santo, pela pregação.
Ela também expõe uma espécie de regra de oração, ensinando como orar.
Calvino cria no Sábado judaico como algo consumado por Cristo, já Westminster cria
no domingo como dia de descanso, não como necessidade teológica, mas como um
meio de fazer a comunidade adorar em união e descansar do trabalho.
247
Novos despertamento na piedade pessoal
Após esse contexto reformado na Europa, começou-se a florescer ideais para confrontar a
doutrina e a forma como ela era praticada.
Dois principais movimentos precursores foram o pietismo e o racionalismo.
Esses dois movimentos originaram os principais objetos de estudo desse capítulo: Pietismo;
Moravianos; Metodismo; Grande Avivamento nas Colônias Inglesas na América do Norte.
Pietismo:
O fundador do pietismo alemão foi Filipe Jacó Spener (1635 – 1705).
O início de sua busca espiritual pessoal foi o contraste que ele via entre a vida cristã
ensinada pela sua família, e a teologia ensinada nas universidades.
Sofreu influência de um ex-jesuíta místico chamado Jean de Labadie (1610 – 1674),
que cria na necessidade da inspiração imediata do Espírito Santo para a compreensão
correta da Bíblia.
O inicio desse movimento pietista se deu com pequenos grupos iniciados por Spener, e
também por sua obra Pia Desideria, de 1675.
Um dos seguidores ilustres de Spener foi Augusto Hermann Francke (1663 – 1727).
248
Logo Francke e Spener se envolveram em uma controvérsia contra os luteranos
ortodoxos de Leipzig, Wittenberg, etc., onde Johann Deutschmann (1625 – 1706) os
acusou de 283 heresias.
249
A influência que os moravianos exerceram na história cristã não se deu pelo seus
números, mas sim, pela sua paixão, principalmente, no âmbito missionário.
Wesley e o metodismo:
O anglicanismo se acomodou numa forma insípida de religiosidade, fato que deixou
desconfortável muitos na Inglaterra.
Isso resultou na fundação de várias sociedades religiosas.
Um dos membros dessas sociedades religiosas organizadas em grupos pequenos foi
Samuel Wesley (1662 – 1735).
Seus filhos, John Wesley (1703 – 1791) e Charles Wesley (1707 – 1788), fizeram
parte de um grupo pequeno nos moldes dos collegia pietatis de Spener, denominados
“clube santo”, e posteriormente, “metodistas”.
250
Uma cena marcante na vida de John foi quando ele estava indo numa viagem
missionária para a colônia de Geórgia, onde ele vislumbrou a confiança tranquila de um
grupo de movarianos em meio a uma tempestade incansável durante sua viagem.
John fora convertido quando, depois de voltar a Inglaterra, visitou uma reunião onde
estava sendo recitado o prefácio de Lutero à Epístola aos Romanos.
John foi contestado, como é até hoje, por crer somente na predestinação quando se trata
de tarefas especiais, mas em se tratando de salvação, a predestinação é condicional (por
mais controverso que isso pareça). Consequentemente, a graça é resistível.
Para apoiar essa sua posição, Wesley nunca foi teologicamente conciso.
Ele acreditava que havia uma graça universal que nos capacitava a escolher o que é
certo e errado.
Ele cria numa santificação progressiva que começa logo após a justificação.
Ele cria no perdão dos pecados com base na perseverança, porém, não negava a
possibilidade de cair na graça.
Mesmo Wesley não considerando os metodistas como uma igreja, dizendo que todos os
membros eram submissos à igreja anglicana, a consequente separação era inevitável.
Outro membro notável do “clube santo”, este sendo uma influência essencial do John
Wesley, foi George Whitefield (1714 – 1770), um calvinista convicto e o “patriarca”
da Igreja Metodista Calvinista do País de Gales.
O grande avivamento:
George Whitefield foi um dos mais influentes missionários do Novo Mundo,
acompanhado de Francis Asbury (1745 – 1816), entre outros.
251
Figura 370 - Jonathan Edwards
252
O contexto filosófico sob mudança
Mesmo essas inovações teológicas tendo certa importância, o que, de fato, mudou o mundo
foram as inovações quanto à descoberta do mundo natural e das inovações da mente.
A filosofia dessa época passou a andar desvinculado com a teologia.
A filosofia foi dividida em duas grandes correntes: a primeira, que tinha o interesse no mundo; e
a segunda, na mente humana.
Galileu Galilei e Francis Bacon (1561 – 1626) foram alguns dos mais influentes pensadores da
primeira corrente.
Galileu tinha como um dos seus principais pensamentos a “máxima” “o livro da natureza está
escrito em linguagem matemática”.
Ele cria que não havia outra fonte de conhecimento além da experiência.
Francis Bacon não somente entendeu a Ciência como um meio para entender o Universo, mas
também como um meio de governar a natureza.
Ele foi além Galileu, dizendo que a experiência não é suficiente, tem que haver uma
experimentação.
Nessa busca pelo conhecimento, de acordo com Bacon, existem vários obstáculos, e os
principais são os chamados “ídolos” (ídolos da tribo, da caverna, do mercado, e do teatro).
Os ídolos da tribo são comuns a toda a raça humana, como por exemplo, a tendência de pular de
umas poucas instâncias particulares para conclusões gerais.
Os ídolos da caverna são os particulares de cada personalidade, ou sja, cada um tem sua
propensão a um modo particular de ver as coisas.
Os ídolos do mercado são aqueles que surgem por causa da imposição da comunicação sobre a
realidade.
Os ídolos do teatro são os criados pelos antigos sistemas filosóficos e suas argumentações
errôneas.
Bacon também critica abertamente o ato de aceitar opiniões. Isso culminou na afirmação de que,
se o conhecimento da Antiguidade fosse abandonado, a humanidade iria seguir confiantemente a
uma sociedade que se beneficiaria dos princípios que regem a natureza.
René Descartes (1596 – 1650) e a tradição racionalista:
253
Descartes foi o maior representante da segunda corrente de pensamento, interessado
profundamente pela mente humana.
Ele teve uma educação escolástica e jesuíta e participou do exército de Maurício de
Nassau.
Ele produziu um método de pensamento que, ele mesmo dizia, era semelhante ao da
conversão de Agostinho ou de John Wesley. Esse método foi exposto nas suas obras
Discurso do Método (1637) e Meditações sobre Filosofia (1641).
Ele se surpreendeu ao ver que os teólogos de Utrecht se opuseram a seu método.
Seu método tinha quatro pontos principais: não aceitar como verdade aquilo que não
tenha sido claramente provado como tal; analisar e dividir cada dificuldade, de forma a
resolver cada uma em várias partes; classificar os pensamentos de cada um do mais
simples ao mais complexo; e certificar-se da listagem e enumeração de tudo, sem que
nada tenha sido omitido.
Para Descartes, o conhecimento mais exato é o matemático. O conhecimento empírico
(baseado nos sentidos) era falho.
O método cartesiano (Descartes, em latim, era Cartesius) se baseava na dúvida de tudo
o que era derivado dos sentidos.
Isso não significa que o cartesianismo se resume a isso. O cartesianismo resolve
duvidar pois crê que a certeza é uma possibilidade, porém, esta só pode ser alcançada
na distinção entre o provável e o indubitável.
A busca pela filosofia deve começar com a própria mente (daí, veio máxima cartesiana
cogito, ergo sum, que significa penso, logo existo).
Se a dúvida fosse o princípio essencial do cartesianismo, seria uma contradição em
termos, pois deve-se ter a dúvida da certeza de ter que se duvidar de tudo.
Descartes, antes de provar a existência da realidade empírica, teve que provar a
existência de Deus.
Pelo fato de os “cinco caminhos” de Tomás de Aquino tomar como ponto de partida a
existência, Descartes não pode usar esse método para provar a existência de Deus, por
isso, usou um método semelhante a Anselmo de Cantuária, provando a existência de
Deus com base em ideias que são certas.
Descartes, diferentemente de Anselmo, não usa como base o fato de que a ideia de Deus
logicamente inclui Sua existência. Ele busca provar a existência de Deus tentando
descobrir qual a origem para a ideia de Deus.
Usando desse princípio, Descartes passa a ser um pouco semelhante a Aquino. O
método cartesiano, portanto, se posiciona exatamente entre Aquino e Anselmo.
“O que ele diz é, em essência, que ele descobre dentro de sua mente a ideia de um ser
infinito e perfeito. Ele tenta duvidar desta ideia; mas ele descobra que não pode, pois
ele precisa explicar sua existência de alguma forma, e o único modo pelo qual a ideia de
um ser perfeito pode ter sido colocada em sua mente é por meio de tal ser” (Justo
González).
Outro meio de provar a existência de Deus é que todos classificam suas ideias de
acordo com seu grau de perfeição, e se há graus, consequentemente deve-se ter um
padrão de perfeição, a saber, Deus.
Descartes prova a existência do corpo e do mundo usando a existência da alma e de
Deus como base. Deus não poderia nos induzir a crer no corpo se este não fosse uma
realidade.
A relação entre alma e corpo é, como Descartes chama, a “comunicação das
substâncias”.
Descartes foi cuidadoso com a Igreja, se recusando a publicar sua própria obra.
Um dos teólogos notáveis que usaram o método cartesiano foi Christopher Wittich
(1625 – 1687).
254
Figura 373 - Christopher Wittich
Nícolas focou toda a sua filosofia em Deus. Suas bases foram: todas as ideias são
conhecidas em Deus; e que Deus é a única causa eficiente de todas as coisas.
Deus é tanto a garantia quanto o objeto de todo o conhecimento.
A alma e o corpo se comunicam por meio de Deus, ou seja, quando a alma quer que o
corpo faça algo, Deus faz com que o corpo pratique tal ação.
Outra pergunta que Nícolas responde é “por que a causa de dois objetos, ao se
colidirem e tomarem determinadas direções, é o outro objeto?”. Ele responde que Deus
estabeleceu a ordem no Universo (neste caso, a lei de que dois corpos não ocupam o
mesmo espaço), sendo denominada ordem ocasional.
Outro filósofo notável da época de Descartes foi Thomas Hobbes (1588 – 1679).
255
Sua principal obra foi Leviatã de 1651.
Hobbes desenvolveu um sistema totalmente diferente de Descartes, tendo como ponto
de partida a percepção sensitiva (coisa que Descartes negava ser a base de qualquer
conhecimento).
Ele foi o precursor do Empirismo inglês.
A base principal de Hobbes é que nada pode ser percebido pelos sentidos, a não ser que
haja a “mudança de movimento”, que se baseia nas respectivas leis: inércia; causa; e na
conservação da matéria.
Esse sistema fez com que Hobbes seja considerado precursor, também, da psicologia
moderna, da sociologia e da ciência política.
A importância dele na Teologia foi o obstáculo que ele criou ao dizer que, por não
haver mudança de movimento, Deus não existe.
Outro filósofia importante foi Baruch Spinoza (1632 – 1677).
Sua filosofia foi profundamente influenciada por suas convicções místicas e sua origem
judia.
Sua principal obra foi A ética demonstrada pela orde da geometria de 1677 (póstumo),
que mostra sua influência cartesiana em mostrar vários teoremas usando princípios da
geometria e matemática.
Ele, diferentemente de Descartes, foi panteísta em sua visão de realidade (fato pelo qual
ele é famoso).
Ele cria que toda a realidade é uma única substância divina. Isso deve-se do fato de
Deus ser a única substância da realidade.
Outro filósofo importante foi Gottfried Wilhelm Leibniz (1646 – 1716).
256
Baseado nisso, Leibniz distinguiu “verdades da razão” (verdades necessárias, como por
exemplo, dizer que a soma dos ângulos de um triângulo é 180°) de “verdades de fato”
(verdades contingentes, que não encontram uma necessidade intrínseca e inegável).
Leibniz nega o método cartesiano, dizendo que a comunicação de substâncias é
impossível, pois não há duas substâncias. Tudo que existe é espiritual. A matéria é um
conglomerada de seres individuais espirituais.
Deus é uma verdade necessária, sendo um ser individual espiritual.
Não havendo a possibilidade de comunicação entre estes seres, segue-se que esse
conglomerado subxiste sob uma harmonia universal pré-estabelecida.
Resumindo, a alma age e o corpo age como se não soubessem da existência um do
outro. As ações destes, porém, são necessárias para a subxistência de ambos.
Leibniz cria que a mente não aprende nada por meio da experiência, pois esta não pode
aprender nada fora dela mesma, portanto, a percepção do mundo exterior não é nada
mais que um desdobramento da própria mente criado por Deus.
A tradição empirista britânica:
Algo revolucionário nessa época foi o florescimento da ideia de que o conhecimento da
mente é a base para o conhecimento do mundo.
Outro ponto foi o crescente cuidado em observar fenômenos para aceitar verdades.
O precursou mais significativo do empirismo britânico foi John Locke (1632 – 1704).
Ele, em sua obra Ensaio a respeito do entendimento humano, de 1690, nega a existência
de ideias inatas.
Outro autor importante foi Ralph Cudworth (1617 – 1688). Ele, em sua obra O
verdadeiro sistema intelectual do Universo, de 1678, diz que ideias como Deus,
princípios morais básicos, noções de liberdade e responsabilidade, são inatos.
Mesmo afirmando que o princípio de que há ideias inatas está fadado ao fracasso,
Cudworth dizia que há conhecimento fundado em experiências interiores, sem que haja
a participação dos sentidos.
257
Mesmo com essas convicções, Locke confirmava as doutrinas cristãs essenciais sem
afirmar que são ideias inatas. Isso também foi feito com a existência de Deus.
Em se tratando da existência de Deus, Locke usou uma forma do argumento
cosmológico, dizendo que tudo tem uma causa, e isso “desenboca” numa causa original
pra tudo.
A revelação, para Locke, também concede conhecimento, pois pode ser considerada
como uma experiência também.
Locke, portanto, afirma que o Cristianismo é a forma mais racional de religião.
Um dos objetivos de Locke em tentar exemplificar o Cristianismo foi o de colaborar
com a paz na Inglaterra, pois estava em pauta muitas controvérsias acerca de assuntos
que Locke considerava inúteis.
Locke e Hobbes foram adeptos teologicamente no que fora chamado de deísmo. Não o
deísmo que existe hoje, mas um deísmo que consiste em resumir a religião a princípios
simples e fundamentais.
O principal precursor desse deísmo foi Herbert de Cherbury (1538 – 1648).
Herbert negou a noção de revelação especial (Espírito Santo) e afirmou que todas as
religiões têm cinco pontos em comum: existência de Deus; obrigação de adorar o
Divino; o caráter moral desta adoração; necessidade de se arrepender dos pecados; e
uma vida após a morte de recompensa ou punição.
O deísmo foi, na verdade, uma tentativa de razoabilizar, não necessariamente o
Cristianismo, mas uma religião natural. Se o Cristianismo concorda com a religião
natural, esta é razoável, porém, se passa a adicionar pontos específicos, ele cai em
superstição. Esse ponto de vista foi mais especificamente expresso por John Toland
(1670 – 1722), em seu livro Cristianismo não misterioso.
Mateus Tindal (1655 – 1733) foi um pouco mais afundo, dizendo em sua obra
Cristianismo tão antigo quanto a Criação que o evangelho tinha como objetivo, não
trazer uma redenção objetiva, mas sim, mostrar uma lei natural universal, e que a
convicção dessa lei liberta a humanidade da superstição.
258
Figura 382 - Mateus Tindal
O deísmo também dizia mostrar que a alma é imortal, e também afirmava que há provas
de que há a retribuição pelo pecado e pela virtude.
Um dos ataques contra o deísmo foi o uso da revelação bíblica de Joseph Butler (1692
– 1752).
Em sua obra Analogia da Religião, Butler diz que o deísmo estava certo em seus
pontos, porém, estava errado em negar os dados da revelação especial.
Butler não disse simplesmente que deve-se aceitar a revelação especial, porém, ele
entende que hádificuldades racionais na correta compreensão dela.
Mesmo assim, Butler disse que os deístas negaram pontos essenciais para o
Cristianismo. Sua oposição ao deísmo passou a ser denominada “supranaturalismo
racional”.
Um dos expoentes importantes do supranaturalismo racional foi William Paley (1743 –
1805). Ele formulou o argumento da existência de Deus por meio da correta
compreensão da complexidade da criação, que aponta necessariamente para um
Criador.
O pior golpe contra o deísmo, porém, veio do filósofo David Hume (1711 – 1776).
259
Figura 385 - David Hume
Mesmo negando o ceticismo de Hume, Kant afirmava que a experiência não pode
conhecer a causalidade ou a substância.
Kant passou a listar vários outros elementos de conhecimento que não podiam ser
julgados pela experiência. Essa listagem resultou nas obras Crítica da razão pura
(1781) e Prolegômena para qualquer metafísica futura (1783).
O conhecimento é obtido pela experiência, que é obtida pela percepção sensorial de
uma série de fenômenos, porém eles não vêm de modo organizado.
Para entender esses fenômenos, há dentro de nós dois padrões inatos que organizam os
fenômenos, estes são o tempo e o espaço.
Os fenômenos que não se adequam a esses padrões não podem ser conhecidos pela
mente.
Há outras estruturas além do tempo e do espaço que nos possibilitam a cognocibilidade
dos fenômenos. Estas são doze, separadas em quatro grupos: de quantidade (unidade,
pluralidade e totalidade); de qualidade (realidade, negação e limitação); de relação
(substância, causa e comunidade); e de modalidade (possibilidade, existência e
necessidade).
Essas estruturas são universais e inalteráveis, presentes em cada mente humana.
A percepção sensorial não é “experiência” necessariamente, pois ela proporciona uma
mistura de percepções sem relacionamento nenhum entre elas.
Para Kant, a experiência é o processo de a mente organizar os dados da percepção.
260
Em se tratando de Teologia, Kant via a religião como tendo a única função de assistir a
vida moral. Isso não quer dizer que a moral só é conhecida pela religião (pois esta é
naturalmente conhecida), mas que a religião tem o papel de colaborar no cumprimento
das obrigações morais.
Kant via o Cristianismo, não como uma religião, mas como uma igreja. Isso porque a
religião natural é conhecida naturalmente.
Assim, Kant reduziu a religião a uma mera ferramenta moral. Ele deu certa importância
lógica para doutrinas básicas do Cristianismo, mas isso só para tornar a religião
racionalmente inteligível, não necessariamente tratando estas como essenciais.
Como a religião não pode ser conhecida pela razão pura, Kant buscou bases para ela em
alguma outra faculdade da mente, e esta é a ética. A moral achada no homem prova a
existência de Deus, a imortalidade da alma e a liberdade do ser.
As principais escolas filosóficas posteriores tiveram Kant como fundamental base.
261
A Teologia Protestante do Século XIX
Esse século foi tomado por eventos e contextos transformadores. Alguns exemplos são:
Revolução industrial; revoluções em todo o mundo; despertamento religioso; cristãos se
envolvendo em questões sociais, como a escravidão.
A teologia de Schleiermacher:
Friedrich Daniel Ernst Schleiermacher (1768 – 1834) foi um filho de capelão
fortemente influenciado pelos moravianos, desenvolvendo assim, um forte senso de
pecado e da necessidade e disponibilidade da graça.
262
A primeira categoria é “a categoria animal”. Todos começamos nesse nível. Nele,
passamos a distingüir o ser e o mundo. Depois, desenvolve-se nosso senso de liberdade
e habilidade de afetar o mundo e de depender do mundo.
A segunda categoria é baseada na percepção sensorial, onde o julgamento de valores
são medidos simplesmente pela antítese de prazer e dor.
A terceira categoria é a consciência de Deus. Este não tem a ver com a liberdade, mas
sim, com a dependência de Deus.
Só Deus tem a liberdade plena, e nós, diante dEle, somos totalmente passivos.
De acordo com Schleiermacher, a Teologia sistemática trata de três assuntos principais:
o ser; o mundo; e Deus.
Ele também expõe o ideal de que a segunda categoria de consciência humana resume-se
na existência prévia e continuidade do pecado.
Sendo assim, o Cristianismo gira em torno da terceira categoria, fato mostrado pelo
enfoque na experiência da redenção.
Toda a sua formulação teológica gira em torno da dependência que temos de Deus e da
interdependência da natureza.
A segunda categoria tem a sua base na relação passiva e ativa entre o ser e o mundo
(dependência e liberdade).
O que ele entende por “doutrina da perfeição original” significa que o mundo sempre
está proporcionando estímulos para desenvolver a consciência de Deus.
A consequência dessa convicção (de que o mundo proporciona estímulos suficientes
para criarmos a consciência de Deus) é que o homem caiu no pecado por não criar tal
consciência de Deus e por não conseguir moldar o mundo conforme o reino de Deus.
Schleiermacher considera as histórias de Gênesis como não-históricas, e devem ser
vistas como expressões válidas da consciência de Deus, devendo assim, ser ignoradas.
Schleiermacher, então, coloca seu método numa estrutura fundamentada nas
consciências de pecado e graça.
A resistência ao desenvolvimento da consciência de Deus é o que consiste o pecado.
O mais alto grau de consciência de pecado é diretamente proporcional à nossa visão de
Jesus.
Os elementos negativos do mundo (que causam a dor) são considerados como a punição
de Deus por causa da nossa culpa. Isso não significa que o mundo é mal em essência,
mas que nossa pecaminosidade faz com que nós respondamos como pecaminoso.
Os dois atributos de Deus que baseiam a consciência de pecado são: santidade; e
justiça.
Schleiermacher nega a utilidade do termo “misericórdia” na Dogmática, pois presume
que Deus usa dela para aumentar nosso prazer e limitar nossa dor.
A visão do ser sob a perspectiva da consciência da graça leva à discussão de dois
assuntos principais: A pessoa e obra de Cristo como causa da graça; e a transformação
do ser por meio da graça.
A redenção proporcionada por Jesus só foi possível pelo fato de Ele ser perfeito, sem
pecado. Isso quer dizer que sua consciência de Deus nunca foi atrapalhada pelo segundo
nível de consciência.
O homem é essencialmente pecador, portanto, o único modo de explicar a perfeição de
Jesus é Sua essência divina. Jesus é tanto divino quanto humano, sendo a parte humana
totalmente passiva, e a divina, ativa.
Resumindo, Schleiermacher defende a veracidade da doutrina tradicional da união das
duas naturezas.
Porém, ele nega a doutrina do nascimento virginal, da ressurreição, da ascensão e do
retorno em julgamento.
263
Aspectos do racionalismo são vistos, não só em Schleiermacher, mas em toda a
Teologia do século XIX.
A obra da redenção se resume na comunicação da consciência absoluta de Deus que
Jesus tinha para os outros seres humanos.
Nossa ação quanto a redenção é sermos passivos, do mesmo modo que Jesus foi passivo
ao divino.
Schleiermacher explica a obra de Cristo com base na teologia reformada, ou seja, que
Cristo tem três ofícios: profeta (anuncia o reino de Deus, porém, Ele mesmo é o fim
desta profecia); sacerdote (carregou o fardo dos pecados de todo o mundo por sua
perfeição sem pecado ser um julgamento sobre nós, sofrendo a hostilidade de todos); e
rei (Ele cria e rege seu povo com ordenanças estabelecidas).
Por meio da transformação do ser, nós nos tornamos instrumentos ativos no mundo,
proporcionando o acesso da ação redentora de Cristo a outros.
A transformação do ser só pode ser proporcionada se o contexto no qual esse ser existe
for transformado também.
O contexto que deve ser alcançado é uma comunidade ligada historicamente com o
Cristianismo, a saber, a Igreja.
Todos na comunidade são parte necessária do corpo e imagem de Cristo.
Existem elementos mutáveis (efeitos do mundo e da natureza humana) e imutáveis
(resultado da constante atividade de Cristo) na igreja.
Há seis características constantes divididas em três grupos: testemunhas de Cristo na
comunidade (Escritura e ministério da Palavra de Deus); meios que proporcionam a
comunhão com Cristo e a atividade sacerdotal deste (Ceia e batismo); meios de a
atividade real de Cristo ser sempre ativa (poder das chaves ou disciplina e oração no
nome de Jesus).
Os elementos mutáveis são: divisões; erros; e pecado.
Mesmo usando a divisão entre igreja visível e invisível, Schleiermacher afirma que os
verdadeiros cristãos são os mais visíveis em sua ação no mundo.
A consumação da Igreja é marcada por quatro doutrinas: volta de Cristo; ressurreição
da carne; último julgamento; bem-aventurança eterna. Elas apontam para um alvo além
da história, onde os elementos mutáveis desaparecerão e a consciência de Deus será
completa.
Os atributos de Deus, sob a perspectiva da graça, são dois: amor (desejo de Deus de ser
unido conosco); e sabedoria (todas as coisas são ordenadas de tal modo que isto será
consumado).
A filosofia de Hegel:
Georg Wilhelm Friedrich Hegel (1770 – 1831) teve seu início na carreira acadêmica
como estudante de Teologia em Tübingen, onde tratou de duas questões: a natureza
histórica do Cristianismo e como uma religião relacionada com eventos particulares
pode reivindicar uma validade universal; e o papel do amor como ensinado por Jesus.
Hegel partiu da ideia de oposição vencida pelo amor de Deus entre o pecado e a virtude.
264
Hegel se considerava teólogo, porém, considerava a teologia como uma abrangente
compreensão da realidade, incluindo o lugar do Cristianismo nela.
Ele explicou a relidade como sendo um desdobramento do princípio da racionalidade
no Universo (que ele chamou de Espírito).
A realidade é a lógica, e a lógica é a realidade. Essa lógica é uma lógica diferente de
todas as ensinadas anteriormente. Ela é dinâmica, se movendo por meio de uma
dialética, buscando uma verdade nova e plena constantemente.
Essa ideia fez com que Hegel desenvolvesse uma impressionante Filosofia da História.
Resumindo, “tudo na história é o desdobramento do Espírito por meio do processo
lógico em que uma tese é postulada, somente para encontrar uma antítese dentro de si
mesma, e resolver as duas em uma síntese” (Justo González).
Essa síntese, porém, não é final, pois ela também é uma tese que produz suas próprias
antíteses.
Para Hegel, a história era a verdade (verdade dinâmica e dialética).
Seu legado foi posterizado pelos líderes hegelianos F. C. Baur (1792 – 1860) e D. F.
Strauss (1808 – 1874).
O Cristianismo é visto por Hegel como religião que revela a natureza última da
realidade, cujos dogmas são representações da própria natureza da realidade.
A teologia de Kierkegaard:
Soren Aabye Kierkegaard (1813 – 1855) referiu-se com características totalmente
depreciativas e depressivas, porém, sempre se considerou um gênio.
265
Kierkegaard nunca se viu como filósofo, mas como um cavaleiro da fé que tinha como
destino tornar o Cristianismo difícil.
Uma das marcas dele é sua constante tentativa de mostrar o hiato entre a decência
humana e a vida cristã.
Existem três “estágios no caminho da vida”: estético; ético; e religioso.
Para Kierkegaard, Hegel estava totalmente errado em seu sistema baseado na resolução
lógica, porque dá a entender que tudo na realidade faz sentido. O problema da
existência, porém, não é resolvido por Hegel.
Qualquer tentativa de sistematizar a realidade deve necessariamente lançar fora a
existência.
A existência não pode ser definida por algum ser vivente pois envolve características
que a lógica não pode abranger, como alguns paradoxos, e a compaixão divina.
Não há alguma forma definida para a evolução nesses níveis propostos por
Kierkegaard.
O objetivo essencial das obras de Kierkegaard é buscar influenciar os leitores a saltar
para níveis superiores.
O primeiro estágio do caminho da vida é o estético. O único objetivo dos seres que
estão nesse estágio é o prazer. O prazer não é apenas algo relacionado à sensualidade,
mas por exemplo, ao ato dos filósofos de brincar com as ideias.
O resultado final desse estágio é o desespero, pois o conceito necessariamente
culminado é que o momento em si é sem significado. Isso acaba criando o desespero,
que é o único fim possível da vida movida por esse estágio.
Os que vivem num estágio estético e não estão consciente do desespero presente, estão
numa situação pior, pois ninguém pode ser salvo de um desespero desconhecido.
O desespero, porém, não é algo ruim, pois influencia no salto para o estágio ético.
O estágio ético é positivo em certo ponto, pois ele segue princípios que são
universalmente verdadeiros. “Assim, na vida ética segue-se o padrão normal do que é
considerado decente e bom na comunidade. É a vida de dever e responsabilidade”
(Justo González).
Mesmo assim, o fim desse estágio também é o desespero, pois nele não se acha resposta
para a questão: O que alguém faz quando fracassa em aplicar os princípios éticos em
uma situação concreta?
Essa questão leva a pessoa ao estágio religioso. Nisso, Kierkegaard rejeita a ideia
racionalista de que a religião só serve como um guia de moralidade.
O ponto principal desse salto do ético pro religioso é o espanto em perceber que o ético
não é apenas um guia para a ação, mas uma tentação em confiar em sua própria retidão,
ao invés de Deus.
A fé é o instrumento essencial em casos que a religião parece ser totalmente antiética,
como por exemplo, o caso do quase-sacrifício de Isaque por Abraão.
O estágio de fé só pode ser alcançado mediante uma correta compreensão da
consciência de pecado que o estágio ético produz. Mesmo assim, a fé passa a ser
extremamente necessária.
O estágio de fé parece ser expresso por Kierkegaard como consequência da uniao do
estágio ético com a fé, mudando o nosso modo de ver sobre as ordenanças. Vendo, não
apenas que Deus manda, mas também que Deus perdoa.
Essa adição da fé muda o desespero do estado ético para a tranquilidade da confiança
no perdão divino.
A virtude não salva do pecado, mas a fé sim.
A teologia de Ritschl:
Albrecht Ritschl (1822 – 1889) foi outro teólogo importante.
266
Figura 392 - Albrecht Ritschl
267
Um dos autores que seguiram a incitação de Reimarus foi Johann Salomo Semler
(1725 – 1791), um dos pioneiros do método histórico-crítico no estudo bíblico.
Outro autor foi Johann August Ernesti (1707 – 1781). Seus focos foram Filosofia e
Gramática.
Gotthold Ephraim Lessing (1729 – 1781) afirmou que a história do homem se move
rumo a um entendimento religioso superior, dizendo que, com o tempo, a Bíblia e os
credos não serão mais necessários.
268
Figura 397 - Philip Schaff
D. F. Strauss, ao publicar A Vida de Jesus, ele critica veemente todos os que aceitaram
ou defenderam a literalidade dos milagres e referências ao sobrenatural.
Para ele, o Novo Testamento é narrado com o uso de mitos.
Strauss afirma que o importante no Novo Testamento não é o próprio Jesus, mas a
unidade suprema de Deus com a humanidade.
Outro autor importante, já posterior a essa época, foi Alberto Schweitzer (1875 –
1965), com sua obra A Busca pelo Jesus Histórico, onde ele salienta as visões de Jesus
durante a história.
Outro autor notável nessa linha de pensamento foi Ernest Renan (1823 – 1892), com
sua obra Vida de Jesus.
A culminação dos estudos sobre o Jesus histórico foi a obra A Pregação de Jesus sobre
o Reino de Deus, de Johannes Weiss (1863 – 1914).
269
Este dizia que os evangelhos omitiram o que era central na vida e pregação de Jesus: o
caráter apocalíptico.
O Jesus amigável exposto nunca existiu, foi apenas uma projeção dos desejos dos
biógrafos.
Schweitzer defendeu esse conceito de Weiss, enfatizando sempre a importância de
buscar o que ele chamava de o “espírito de Jesus”.
Outro autor notável foi Adolf von Harnack (1851 – 1930). Sua principal obra foi
Religionsgeschichtliche Schule.
Ele dizia que os ensinos de Jesus tinham três pontos principais: Reino de Deus e Sua
vinda; Deus o Pai e o valor infinito da alma humana; a justiça mais elevada e o
mandamento do amor.
A história do pensamento cristão evoluiu na cristologia, passando a ter como foco, não
mais os ensinos de Jesus, mas a Sua Pessoa.
Outro autor marcado pelas pesquisas históricas na religião foi Wilhelm Bousset (1865
– 1920), com sua obra Cristo o Senhor. Nela, Bousset tenta descobrir a evolução
histórica do título “kyrios” (Senhor) que Jesus era considerado.
Ele se preocupara principalmente com a relação que a religião tem com a cultura e a
sociedade.
270
Ele negou a ideia de Karl Marx (1818 – 1883) de que a religião é uma expressão dos
interesses sociais e econômicos.
O Evangelho Social foi uma das mais importantes contribuições dos Estados Unidos
para o desenvolvimento do pensamento cristão.
Ele surgiu num contexto favorável, pois a pobreza crescia devido ao desenvolvimento
industrial e econômico.
O ponto mais alto do Evangelho Social foi Walter Rauschenbusch e suas duas obras
principais: O Cristianismo e a crise social; e Uma Teologia para o Evangelho Social.
Ele dizia que a filantropia não era suficiente para transformar o contexto, mas sim,
afetar a própria ordem da sociedade, com novas leis e instituições, provendo um
ambiente mais justo para a vida humana.
Isso é o objetivo do reino de Deus, pois o verdadeiro evangelho é um reino de justiça.
O crescimento do neo-confessionalismo:
Esse movimento veio em oposição, principalmente nos Estados Unidos, ao
racionalismo impulsionado pelo evolucionismo de Charles Darwin (1809 – 1882) e
pelo individualismo que o pietismo pregava.
271
Foi um movimento que cresceu no século XIX.
Outro movimento importante foi o fundamentalismo, assim denominado por causa dos
cinco fundamentos pregados numa conferência em Niagara Falls, em 1895 (inerrância
das Escrituras, nascimento virginal, a morte substitutiva, a ressurreição física e a Volta
iminente).
Além desses movimentos, houve também o confessionalismo.
O movimento de Oxford, cujos membros eram denominados “tractarianos”, focava
sempre na autoridade da Bíblia, porém, buscava resgatar a tradição, como demonstrado,
por exemplo, em suas interpretações sobre a liturgia.
Esse movimento veio à tona em 1833, com a pregação de John Keble (1792 – 1866)
em Oxford contra a redução pelo parlamento dos bispados anglicanos na Irlanda.
O líder mais conhecido do movimento foi John Henry Newman (1801 – 1890), o
outro dos Tratados para os Tempos.
272
Teologia católico-romana até a Primeira Guerra Mundial
Dentro da Igreja Católica pós-reforma, houve uma centralização de poder maior, com isso, os
monarcas passaram a apoiar membros da Igreja que tivessem teorias que restringissem esse
poder centralizado.
O resultado disso foi que, no período entre o século XVII e XIX, o principal tema da teologia
romana foi a autoridade papal. Essa preocupação produziu doutrinas como o galicanismo
(tentativa de separar a Igreja da França da de Roma), o febronianismo (movimento relacionado à
nacionalização do catolicismo e à restrinção do poder do papado em favor ao do episcopado), o
josefismo (movimento austríaco que restringia a ação da Igreja a assuntos morais relacionados a
fé, e nada mais), e o ultramontanismo (enfatiza e defende o poder do papa sobre temas
relacionados a fé).
Outro tema importante foi o modo como a Igreja responderia às novas tendências no mundo.
A questão da autoridade papal:
Essa questão teve seu centro na França. Um fato que mostra isso foi a intriga entre o rei
Henrique III (1551 – 1589) e o papa Gregório XIII acerca de um documento sobre
disciplina na Igreja.
273
Figura 410 - Guy Coquille
Ele defendia que o papa tinha direito à honra, não à autoridade, que era pertencente aos
bispos. O papa não tinha autoridade sobre reis, e os reis tinham autoridade financeira e
jurídica sobre todo o clero.
Outro líder foi Pierre Pithou (1539 – 1596). Publicou As Liberdades da Igreja
Galicana.
De acordo com Pithou, o papa não tem autoridade temporal sobre os territórios de
maioria cristã, e a autoridade espiritual se limita aos cânones dos antigos concílios.
O líder seguinte foi Edmond Richer (1559 – 1631). Foi o autor do livro mais influente
do período galicano, Sobre o Poder Eclesiástico e Político.
274
Figura 413 - Santo Cyran
Pierre tentou reconciliar a Igreja Galicana com o papado, sem, portanto, restituir a
autoridade que lhe era comum na Igreja da França. Essa autoridade era do Estado.
A teoria de Pierre pode ser vista como uma tentativa de submeter a Igreja Galicana aos
ditames do Estado.
Essa controvérsia galicana levou ultramontanistas a afirmar a infalibilidade do papa.
O documento mais importe da época foi os Seis Artigos. Estes defendiam a
independência do rei ao papado, mas que o Estado não tem autoridade para depôr
bispos.
O rei Luís XIV usou os galicanos como ferramenta para submeter a Igreja a sua
vontade.
Outra obra, composta por Jacques Bossuet (1627 – 1704) como resultado de uma
assembléia de cleros convocada pelo rei Luís XIV em 1682, chamada de Quatro
Artigos, foi importante, pois reinterou o poder do rei e a negação à infalibilidade papal.
275
O papa da época, Inocêncio XI, não aceitou essa situação e a Inquisição condenou o
galicanismo. Mesmo assim, o galicanismo veio a alcançar seu auge no século XVIII.
Além do galicanismo, houve outros movimentos importantes no catolicismo dessa
época.
Um deles foi o febronismo, nome derivado de Justin Febronius, cujo nome real era
Johann Nikolaus von Hontheim (1701 – 1790).
Ele dizia que os reis não estavam submissos ao papa, e que a Igreja não é submissa a
ele, mas ele é submisso a Igreja. Ele também não tem autoridade sobre bispos e outras
dioceses que não a dele.
A autoridade papal consiste na defesa da fé e na aplicação dos ditames da Igreja.
O febronismo resultou em outro movimento chamado josefismo, criado pelo Sacro
Imperado Romano Joseph II (1741 – 1790), que via nas teorias do febronismo um
instrumento para controlar a Igreja.
276
Mesmo parecendo que o josefismo estava crescendo, ele desapareceu após a morte de
Joseph. Foi condenado pela Inquisição em 1764 e pelo papa Pio VI (1717 – 1799) em
1794.
Ele via a ordem como o principal valor da sociedade, e esta fora estabelecida por Deus.
Há duas realidades, a espiritual e a física, portanto, há duas hierarquias, a temporal
(tendo como cabeça o rei) e a espiritual (tendo como cabeça o papa).
Como o espiritual é superior ao material, o papa é a autoridade última até sobre o rei.
Não há nada sobre o papa.
Outro autor importante foi Félicité Robert de Lamennais (1782 – 1854). Ele começou
a carreira literária atacando os planos de Napoleão Bonaparte (1769 – 1821).
277
Figura 421 - Félicité Robert de Lamennais
Ele via a autoridade como o princípio sem a qual a ordem e a fé não podem existir. Para
ele, o galicanismo e o protestantismo se conectam diretamente com a indiferença
religiosa e o ateísmo.
Condenou o cartesianismo por confiar na mente do indivíduo.
Para Lamennais, o catolicismo e a democracia não podem subsistir juntos.
A infalibilidade do papa foi fortemente defendida.
A melhor ordem possível é a Teocracia, com o papa como cabeça.
Lamennais foi tão longe com suas doutrinas, que incitava o povo a se rebelar contra as
autoridades civis e se submeter somente ao papa.
Suas teorias foram defendidas pelo papa Leão XII (1760 – 1829).
278
Figura 424 - Papa Gregório XVI
Após a segunda condenação pela encíclica Singulari vos de 1834, Lamennais se retirou
da Igreja.
Em relação ao desenvolvimento da autoridade papal, é importante citar a bula
Ineffabilis Deus de 1854, do papa Pio IX (1792 – 1878).
O tema “concepção imaculada de Maria” foi muito debatido durante a história da Igreja
(Anselmo sendo contrário à mariolatria, Aquino e os Domincanos criam que Maria
havia sido santificada antes do seu nascimento, e os franciscanos criam na concepção
imaculada, sendo apoiados pelos jesuítas). Sobre esse tema, o papa Pio IX reafirmou a
concepção imaculada de Maria, reafirmando também a autoridade papal (pois houve
pouca resistência).
Com Pio IX também ocorreu o Primeiro Concílio do Vaticano (1868 – 1870). O
principal tema desse concílio foi a infalibilidade papal.
Houve uma certa divisão de opiniões, porém, a maioria ainda foi a favor de a doutrina
da infalibilidade papal se tornar doutrina da Igreja. “quando egli medita, è Dio Che
pensa in lui” (quando ele pensa, é Deus que pensa nele).
A definição desse concílio foi genial (em se tratando de infalibilidade papal), pois, além
de evitar problemas por causa de papas heréticos, reafirmou a autoridade papal sobre
toda a Igreja, não somente em se tratando de fé e moral, mas também de disciplina e
administração.
Houve muita oposição contra essa definição. Um dos líderes da oposição foi João
Joseph I. Döllinger (1799 – 1890), que acabou por ser excomungado.
279
Figura 426 - João Joseph I. Döllinger
Mesmo Fénelon sendo condenado por Roma em 1699, a influência na França persistiu.
280
A controvérsia sobre as missões jesuítas na China começou com as políticas adotadas
por Matteo Ricci (1552 – 1610) em 1601, que estabeleceu uma missão católica em
Pequim.
Isso ocorreu porque Newman praticamente ignorava a Lista de Erros. Ele só não foi
condenado porque o papa Leão XIII (1810 – 1903) o absolveu em 1879.
281
Após esse período, surgiu uma nova lema de teólogos preocupados com a
modernização da igreja católica. Estes foram chamadas de modernistas.
Entre estes estava Antônio Fogazzaro (1842 – 1911), Baron Friedrich von Hügel
(1852 – 1925) e George Tyrrell (1861 – 1909).
O mais notável autor desse modernismo, porém, foi Alfred Firmin Loisy (1857 –
1940), que tinha como objetivo, não se desfazer da tradição, mas livrar a Igreja da
vulnerabilidade aos estudos históricos.
282
O papa Leão XIII foi visto com enorme esperança pelo modernismo católico, porém,
ele não tão incisivo.
O próximo papa, Pio X (1836 – 1914), seguiu o tradicionalismo de Pio IX, condenando
veemente o modernismo.
283
A Teologia oriental após a queda de Constantinopla
A única igreja oriental que subsistiu ao contexto de constante ameaça muçulmana foi a Igreja
Ortodoxa Russa.
A teologia na Igreja Ortodoxa Grega:
O primeiro personagem importante foi Cyril Lucar (1572 – 1638), que viveu sob um
contexto conturbado, palco de ataques muçulmanos e revoluções ideológicas.
O contexto no qual ele estava inserido estava tomado pelas ameaças da Igreja Romana.
Um dos nobres que tentava segurar essa onda de ameaças foi Constantino de Ostrog
(1526 – 1608).
284
Figura 442 - Eugenios Bulgaris
A questão sobre a relação entre teologia e filosofia veio à tona no século XIX, com o
conflito entre Constantino Economos (1780 – 1857) e Teócleto Pharmakides (1784 –
1860).
285
Figura 446 - Teócleto Pharmakides
Economos cria que todo o ensino da tradição deve ser mantido, para que o edifício da fé
não seja subvertido.
Pharmakides se opôs a Economos em todos os sentidos. Ele distinguiu a tradição
autêntica da tradição adicionada posteriormente, sem base nenhuma. O principal meio
de se chegar a essa distinção é por meio de uma profunda pesquisa histórica e científica.
Pharmakides defendeu todos os tipos de traduções das Escrituras, e apoiou também o
resumo da liturgia.
A teologia russa:
O Concílio de Florença de 1439 foi fundamental para a Igreja Russa, pois marcou sua
união com Roma.
Esse fator também fez com que a Igreja Russa se sentisse a “guardiã da ortodoxia”, se
convencendo do fracasso da Igreja Grega.
Esse sentimento foi fortalecido principalmente pela queda das duas “Romas”, Roma e
Constantinopla, não militarmente apenas, mas moralmente.
Isso fez que a cidade de Moscou, a terceira “Roma”, fosse supervalorizada.
Essa tese foi formulada no século XVI, pelo monge Philotheus de Pskov (1465 –
1542).
286
Esses acontecimentos culminaram no prelado da Rússia se tornando patriarcado.
A diferença principal entre a Igreja Ortodoxa e a Igreja Romana, porém, não deve ser
esquecida: o principal suporte da Igreja Ortodoxa é um Imperador. Isso culmina numa
enorme importância que o Estado teve em tudo que ocorreu na Igreja Russa.
É importante entender que a Rússia passou um período difícil entre 1598 e 1613, com a
disputa entre os Rurikide e os Romanov para a sucessão.
Os poloneses acabaram se intrometendo na sucessão, e tomaram Moscou, porém, em
1613, monges russos tomaram de volta Moscou e elegeram Miguel I (1596 – 1645)
(Miguel Romanov) como czar.
287
Symeon tinha certa influência do escolaticismo católico, e via a Igreja Romana com
bons olhos. Esse fato foi motivo para ser acusado, porém, não foi, de fato, acusado.
Outro acontecimento importante foi o planejamento do casamento entre Tsarevna
Irina Mikhailovna (1627 – 1679), filha do czar Miguel I da Rússia, com o príncipe da
Dinamarca, Valdemar (1622 – 1656).
Os russos tentaram fazer Valdemar se tornar ortodoxo, tendo assim, que abandonar o
protestantismo, até então, dominante na Dinamarca. Ele se recusou. Isso causou muitos
conflitos entre as duas crenças.
O contexto a seguir foi importante para a história da Igreja Russa, pois o patriarca
Nikon de Moscou (1605 – 1681) negou a ideia de que Moscou só era a atual Roma por
causa da queda das outras “Romas”.
Isso dava ao czar Aléxis I (1629 – 1676) motivação para tentar dominar novamente
Constantinopla sem tirar o poder de Moscou.
288
Os opositores de Nikon nas reformas foram denominados “Staroveri” ou “Raskolniks”.
Seu líder era o monge Avvakum (1620 – 1682).
Pedro achava que a Rússia era uma terra bárbara, e que o ocidente era mais civilizado.
Por influência de seu reinado, passaram a se fortalecer duas principais linhas de
pensamento na Igreja Russa: o lado influenciado pelo catolicismo, tendo Pedro Mogila
(1596 – 1646) como mentor; e o lado influenciado pelo protestantismo, liderado por
Theophanes Prokopovic (1681 – 1736).
289
Figura 459 - Theophanes Prokopovic
Ele dizia que os católicos têm unidade, mas não liberdade, e que os protestantes têm
liberdade, mas não unidade.
A ortodoxia deveria ter os dois, pois ela inclui o melhor de ambos.
O mais popular representante dos Slavophile foi Fiódor Dostoiévski (1821 – 1881).
290
A Teologia nestoriana e monofisista:
No nestorianismo, a tomada de Bagdá pelos mongóis em 1258 foi o começo do
declínio, e nunca se recuperou.
O principal autor nestoriano foi Joseph II (1667 – 1713), que estava entre os que se
submeteram ao papa (católicos caldeus). Ele compôs uma defesa ao Catolicismo
Romano.
Em relação às igrejas monofisistas, a única que subsistiu foi a da Armênia, com autores
como Arakel de Tauriz (1590 – 1670).
291
A Teologia do Século XX
Por influência do contexto de guerra em que ele estava inserido e de conversas com seu
amigo Eduard Thurneysen (1888 – 1977), Barth se convenceu a revisar suas crenças.
Dois dos focos da primeira grande obra de Barth (Comentário sobre Romanos) é a
descontinuidade do homem e do divino, e a transcendência de Deus, afirmando que Ele
é “o Inteiramente Outro”.
Mesmo ele tendo denominado sua teologia “Teologia Dialética”, ficou mais
popularizada como “Teologia da Crise”, pois expõe a crise do homem quando está
perante Deus.
Sua Teologia também foi chamada de “neo-ortodoxia”.
Logo, teólogos comoThurneysen e Friedrich Gogarten (1887 – 1967) fundaram em
1922 o jornal teológico Zwischen den Zeiten.
Dois dos seus notáveis colaboradores foram Emil Brunner (1889 – 1966) e Rudolf
Bultmann (1884 – 1976).
292
Figura 465 - Emil Brunner
293
Influenciado por Martin Heidegger (1889 – 1976), Bultmann acreditava que Deus é
existência.
Essa influência também resultou numa distinção entre dois tipos de ser: o Dasein (ser
existindo no significado de mundo proposto por Kierkegaard); e Vorhandenheit (ser no
sentido tradicional e estático).
Deus é Dasein, um ser pessoal.
O tema da revelação e da ação de Deus é simplesmente Deus.
A revelação e ação de Deus não são objetos de observação.
Bultmann também negou os sacramentos, o “Espírito”, a punição de pecados, a
ressurreição física de Cristo, etc.
O mundo é uma entidada “fechada”, ou seja, não está sujeita à ação sobrenatural, pelo
contrário, ele funciona por meio de uma cadeia de causa e efeito sem fim.
A mitologização é uma aceitação forçada pela vontade do que não é racionalmente
aceitável.
Ele criticava os outros pensadores que buscavam a demitologização, pois eles não só
queriam demitologizar a mensagem bíblica, mas também abandonar o evento salvador.
Bultmann foi insistantemente existencialista. Inclusive, esse foi um dos motivos de sua
separação do jornal de Barth.
Bultmann cria que três temas principais não podiam estar entre os temas
desacreditados: a vida sem fé (viver pensando em nós mesmos); a vida com fé (vivendo
com base em realidades invisíveis); Jesus como único caminho para passar de uma para
a outra.
Outras correntes na teologia protestante européia:
Outros focos de desenvolvimento teológico estavam acontecendo na Europa na época
de Barth, como por exemplo, a “escola lundensiana” na Suécia.
Essa escola teve um interesse especial na história do dogma, como demonstrado na obra
de Gustaf Aulén (1879 – 1977), “história do dogma”.
294
O método que eles usavam era a “pesquisa do motivo”, no qual eles buscavam conhecer
os motivos-chave e características de cada tema usando diversas formulações, cruzando
os resultados e entendendo a relação entre as ciências.
Duas das principais obra dessa escola foram Agape e Eros de Anders Nygren (1890 –
1978) e Christus Victor de Aulén.
Na obra de Nygrens, os termos gregos Agape e Eros (os dois são traduzidos como
“amor”) são estudados, e, de acordo com Nygrens, cada um significa uma perspectiva
da vida e da salvação.
A Reforma foi uma tentativa de resgatar a singularidade do ágape.
A obra de Aulén é uma exposição sobre as obras de Cristo. Nesse tema, havia duas
distinções estabelecidas desde Ritschl (a objetiva de Anselmo e a subjetivo de
Abelardo), mas Aulén viu que havia outra perspectiva a ser observada, chamada de
teoria “dramática” ou “clássica”.
Diferentemente da visão de Anselmo (Jesus oferecendo um pagamento substitutivo) e
da de Abelardo (Jesus sendo um exemplo para nós), a teoria clássica enfoca nos
elementos de conflito e vitória na obra de Cristo.
Nessa visão, há uma luta entre forças opostas. A escravidão humana só pode ser
desfeita pela derrota sobre os poderes do mal.
Observa-se aí que a escola lundensiana tem como característica um “dualismo limitado”
(baseado em uma luta entre o bem e o mal).
O teólogo mais influente dessa geração, depois de Barth, foi Dietrich Bonhoeffer
(1906 – 1945).
Ele ficou muito popular posteriormente, passando a ser visto como mártir por morrer
muito cedo, assassinado pela GESTAPO, a polícia secreta nazista.
De acordo com ele, só o que crê é obediente, e só o obediente pode crer.
Também escreveu sobre a importância de a igreja viver como uma comunidade.
Bonhoeffer também desenvolveu a ideia de Cristianismo secular, ou sem religião (no
bom sentido).
O pensamento de Bonhoeffer foi seguido por pensadores como Wolfhart Pannenberg
(1928 – 2014). Este rejeitou a distinção entre “história mundial” e “história da
salvação”, pois uma completa a outra.
295
Figura 471 - Wolfhart Pannenberg
Ele cria que um crente não deve se contentar apenas em crer em Cristo, mas, ao crer em
Cristo, devemos nos envolver imediatamente no mundo para o qual Deus veio em
Jesus.
A busca do reino é o propósito do mundo, ou seja, os crentes devem sempre buscar a
paz e a justiça.
A igreja tem como missão a reconciliação dos humanos entre si.
Hromádka vê no comunismo uma forma de tentar reconciliar os homens. A única coisa
que ele rejeita no marxista é a superficialidade quanto à religião.
Ele argumenta que o ateísmo marxista não é contra o Deus cristão, mas contra um deus
como os ídolos bíblicos que os profetas atacaram.
Hromádka sentia que sua teologia era intimamente próxima à de Barth.
Essa aproximação passou a ser mais evidente nas obras de Jan M. Lochman (1922 –
2004). Como Hromádka, Lochmann buscou conciliar o marxismo como o cristianismo,
e como Barth, focou sempre na Palavra de Deus.
Outro autor importante dessa linha de pensamento foi Jürgen Moltmann (1926 - ).
296
Este foi fortemente influenciado pelo filósofo marxista Ernst Bloch (1885 – 1977).
297
Um teólogo influente nos Estados Unidos (mesmo não sendo americano, pois foi
trazido por Helmut Richard a América por causa do nazismo), foi Paul Tillich (1886 –
1965).
Tillich acabou decepcionando Neibuhr, pois ele não tinha o enfoque na vida social e
econômica, mas sim, no existencialismo, psicologia moderna e religiões orientais.
Tillich cria que um dos papéis principais da Teologia não é escatológico, mas sim,
apologético. Por isso, ele era um defensor assíduo da filosofia.
Ele argumentava em favor do “método de correlação”, que consistia em analisar as
questões existenciais da vida humana, respondendo-as em termos do Evangelho.
A existência humana está incompleta, pois, em sua busca por autonomia e segurança,
sempre há uma preocupação última inalcançável, que é o próprio Deus.
Deus é o fundamento de todo ser e existência.
A autonomia (auto-suficiência) e heteronomia (precisar de outras pessoas) são
imperfeitas. Só a teonomia (suficiência em Deus) é a perfeita.
Tillich reduz Cristo a um mero símbolo do Novo Ser resultante da morte da alienação
existencial.
Depois de Tillich, tentaram desenvolver uma forma de teologia baseada na filosofia do
processo (identifica a realidade em meio a mudança e dinamismo), liderado
anteriormente por Charles Hartshorne (1897 – 2000). A consequência foi a teologia
do processo, que teve como um dos formuladores também Alfred North Whitehead
(1861 – 1947), um proeminente adepto à filosofia do processo.
298
A teologia do processo tem como bases a não-onipotência de Deus e o livre-arbítrio.
Outro autor importante da teologia do processo é John B. Cobb (1925 - ).
Ele crê que uma fé ativa na vida contemporânea tem como consequência necessária
uma forma de teologia natural.
Outras “teologias” passaram a ser populares no século XX, como a teologia feminista, a
teologia negra, e o movimento da “Evangélicos pró Ação Social”.
Novas direções na teologia católica:
Com excessão dos modernistas e do papa Leão XIII, a Igreja Católica no século XIX
foi tomado pelo conservadorismo.
Um evento importante foi a influência de Mussolini sobre o papado de Pio XI (1857 –
1939), um apoiador do fascismo.
Seu sucessor, Pio XII (1876 – 1958), mesmo rompendo com o fascismo, disse que este
é um mal menor do que o comunismo.
299
Ele foi silenciado, do mesmo modo que seus seguidores Henri de Lubac (1896 – 1991)
e Yves Congar (1904 – 1995).
Além destes, Jean Daniélou (1905 – 1974) também foi um participante da chamada
“nova teologia”.
300
Figura 489 - Etienne Gilson
301
Em sua cristologia, Rahner concordava com a definição de Calcedônia, dizendo que
esta tem sido interpretada de um modo monofisista e quase docetista, como se a
encarnação diminuísse a real humanidade de Jesus.
A encarnação é o objetivo da criação, a verdadeira razão para a existência humana. A
existência humana só é possível pelo fato de Deus se dispôr a ser humano.
Isso não significa que o homem é um nada, mas que a existência deste é um ato de
graça.
Todo ato humano bom é um ato de graça.
Rahner via nas línguas vernáculas o maior sinal de catolicidade da Igreja, que está
presente em todo lugar.
A autoridade episcopal da Igreja Romana também é um sinal desta catolicidade.
O Segundo Concílio do Vaticano foi o mais importante evento da Igreja Católica na era
moderna.
Teologias do Terceiro Mundo:
Um dos exemplos mais populares da Teologia do Terceiro Mundo é a “teologia negra”
de Martin Luther King Jr. (1929 – 1968), que sempre foi envolvido no Movimento
dos Direitos Civis.
Sua teologia tem como foco o Êxodo e a esperança escatológica, consequente de sua
influência das Igrejas Negras.
Além da teologia negra, a teologia feminista ganhava cada vez mais força no Atlântico
Norte.
Na Ásia e África, a maior preocupação teológica foi o relacionamento do Cristianismo
com as tradições culturais locais.
Na África do Sul, a preocupação teológica girou em torno do apartheid (formando uma
espécie de teologia negra).
Na América Latina, a justiça social e econômica foi o assunto principal, geralmente
usando uma análise marxista para entender as situações vigentes.
As características comuns no Terceiro Mundo são: base na Palavra de Deus; forte
elemento escatológico; teologia radicalmente encarnacional (o entendimento da
natureza da ação de Deus no mundo é extraída da doutrina da encarnação); ênfase
ecumênica; justiça social; provincianismo.
302