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Jerusalém e Atenas: duas cosmovisões, duas escolas

de pensamento
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Fernando Aranda Fraga

Entre a compreensão teocêntrica ou antropocêntrica do Universo, qual deve ser nossa


escolha? Para um cristão, a resposta precisa ser clara.

Jerusalém versus Atenas. Por que devemos considerar um tema que nos obrigue a
escolher entre uma das duas cidades? Que diferenças significativas há em relação à
concepção da realidade e às bases de pensamento apresentadas por essas duas cidades?
Como é possível que duas escolas de pensamento, tão diferentes uma da outra, tenham
conseguido se unir a ponto de dar origem a uma nova concepção de mundo? Como
aconteceu esse choque de ideias tão poderoso, capaz de criar uma cultura totalmente
nova, chamada de “cultura ocidental cristã”?

O paradigma de Jerusalém
Inicialmente, vamos rever alguns fatos históricos e geográficos relacionados ao
pensamento representado por Jerusalém.

Pouco depois de 1500 a.C., o povo de Israel, deliberadamente escolhido pelo Senhor, fez
sua aparição no cenário mundial. Este povo foi escolhido para manifestar ao mundo o
caráter de Yahweh. Anos mais tarde, ele se estabeleceu na terra da promessa, na
Palestina. Jerusalém se tornou a capital política e religiosa, com o Templo Sagrado no
centro. Ao mesmo tempo em que se foi materializando a Jerusalém geográfica, foram se
definindo séculos de fé e crenças, moral e costumes, bem como um estilo de adoração e
serviço, em um sistema cujo centro era o Senhor Deus. A cidade escolhida pelo Senhor
para seu povo se tornou não somente a capital de Israel, mas também a personificação de
uma grandiosa e importante manifestação cultural.

Não foi apenas a localização geográfica da cidade que transformou essa escola de
pensamento em um símbolo. A fim de analisarmos essa questão de maneira precisa,
devemos nos voltar para os fatos relevantes que determinaram a identidade da nação
judaica. Esses eventos significativos são claramente identificáveis através das décadas de
aprendizagem do povo judeu. A longa peregrinação pelo deserto faz parte dessa
experiência. Tais fatos são ainda mais importantes na memória coletiva desse povo, pois
ocorreram no contexto de uma estreita relação que mantiveram com Deus. Somente a
título de um resumo sinóptico, podemos identificar alguns eventos significativos
específicos. Por exemplo, as bênçãos e riquezas materiais que Abraão recebeu; a educação
adquirida por Moisés na escola dos faraós; as dez pragas do Egito, resultando na
libertação final do povo escolhido; a tortuosa viagem de peregrinação pelo deserto; a

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entrega da Lei de Deus a Moisés; a organização do povo de Israel; a nuvem que os guiava
através do deserto; a Arca da Aliança, o Tabernáculo e o simbolismo salvífico do
Santuário. A lista é longa.

O paradigma grego
As origens do paradigma grego estão em uma região remota, embora não muito distante
do que pouco mais tarde se tornaria o lugar de instalação de Atenas e sua cultura. Essa
região é a Ásia Menor, mais precisamente um grupo de pequenas ilhas situadas em frente
à costa turca do continente asiático.

Por volta do século VI a.C., em Mileto, emergiu uma filosofia que se opunha ao que
comumente constituía o pensamento da época, uma compreensão mitológica do mundo.
Thales fundou a escola de Mileto. Sua filosofia deu início a uma tradição racional, embora
no início também incluísse muitos elementos mitológicos. Transcorridos quase dois
séculos desde seu início, essa filosofia já havia eliminado a grande maioria de seus
vestígios mitológicos. O que ocorreu em Mileto, e em toda a área que recebeu sua
influência, na Ásia Menor, foi o nascimento de uma interpretação fundamental básica da
realidade (physis). Essa explicação, por ser racional, pertence ao nível da ciência
(episteme), e não mais ao nível da opinião (doxa), forma típica da mitologia. Isso marca
uma mudança de paradigma fundamental.

O que foi realmente alterado, o método ou o conteúdo? Na realidade, ambos sofreram


transformação. Uma mudança metodológica sempre envolve uma alteração radical de
pensamento, que não acontece ao acaso, mas afeta o ponto crucial. Vamos rever
brevemente como essa mudança paradigmática ocorreu na compreensão dos princípios
da filosofia grega – a passagem do mito ao logos – destacando, por sua vez, como os
remanescentes do pensamento mitológico persistiram no novo paradigma filosófico
durante os seus primeiros séculos de existência e posteriormente ao seu desenvolvimento.

O mito é uma explicação não científica da realidade, da natureza: a physis grega. Esse
conceito refere-se a uma visão dotada de uma força divina vital, uma espécie de
respiração da divindade, sem princípio nem fim, mas com um propósito. Essa é uma
concepção grega conceitual semelhante à concepção de destino (dike), ideia padrão da
qual a filosofia e a teologia protestante, especialmente desde o século XIX, tornaram-se
dependentes. Embora a physis estivesse em constante mudança, negando a essência de
todas as coisas sujeitas ao tempo, essas mudanças, de acordo com os filósofos pré-
socráticos, eram mera aparência. O que se mantinha constante na physis era sua própria
essência, aquilo que não era afetado pelo tempo (chronos). Dessa forma, o que não era
temporário, em última análise chegava a ser eterno e imutável.

O debate entre Heráclito e Parmênides (530 a.C.) ilustra claramente essa visão grega
ambivalente em relação à essência da natureza. No entanto, ambos pensadores
concordaram com a ideia de que, além do movimento perpétuo e da mudança
generalizada, existe uma substância que não muda. Portanto, sua essência perdura. Isso é
o que Heráclito, conhecido como o “filósofo do movimento”, chamou de logos. Para

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ambos os filósofos pré-socráticos, qualquer interpretação deve ser colocada sobre a razão,
o logos. A razão não estaria sujeita a chronos, substância final que governa o eterno
processo de mudança do mundo material e tangível.

O desenvolvimento da filosofia pré-

socrática se tornou a base de todas as tentativas subsequentes para propor uma solução
para a ambivalência do Ser, como “o um e os muitos”, “o eterno e o temporal”, “o imutável
e o mutável”, “o estático e o móvel”, “o inteligível e o sensível” e, finalmente, “o espiritual
e o material”, o que resume a essência de tal oposição.

A contínua influência da filosofia grega


Essa oposição descrita anteriormente não se limitou à antiga filosofia grega. Prevaleceu
durante toda a Idade Média. Nesse período, estudiosos católicos, e também alguns
filósofos islâmicos, reformularam o dualismo fundamental, a partir dos escritos de
Aristóteles, propondo alguns pequenos ajustes. Revestiram-no com uma vestimenta
religiosa, mas sem grandes mudanças em sua essência ou natureza substancial. Assim,
durante a Escolástica, o intelectual se encontrava em oposição ao físico e ao material.
Nessa oposição, o intelecto tinha primazia sobre o corpo, como pode ser visto claramente
na versão aristotélico-tomista do relacionamento que o corpo e a alma mantinham entre
si, o que a partir de então passou a ocupar o centro da cosmovisão cristã.

Entre o dualismo platônico de Agostinho (350-430) e o dualismo aristotélico-tomista


(Tomás de Aquino, 1225-1274), a Igreja Católica adotou uma posição central e
equidistante, absorvendo e fundindo o pensamento de ambos os clássicos gregos,
matizando algumas de suas diferenças, embora o essencial permanecesse inalterado. O
dualismo platônico foi formalizado e canonizado pela Igreja ao adotar a filosofia
agostiniana, uma versão cristianizada do platonismo original. Tal posição foi
posteriormente reformulada por Tomás de Aquino, recriando a visão aristotélica do
mundo e do homem, limitando assim a imortalidade da alma ao intelecto agente
(intellectus agens). O intelecto agente é, de acordo com Tomás de Aquino, a parte racional
da alma que desfruta da imortalidade e, portanto, da eternidade em um sentido futuro
(porque foi criado, teve uma origem, segundo a cosmovisão criacionista cristã, um
elemento que não foi alterado). É também imaterial e espiritual. Portanto, atemporal.

Notavelmente, esse dualismo é repetido no pensamento de Hegel1, no século XIX, em um


ambiente panteísta, muito apropriado a uma época que começava a se afastar do deísmo
predominante durante a Modernidade rumo ao neopanteísmo que dominaria o cenário
religioso nos séculos XX e XXI. Só que o dualismo de Hegel não é dado em função de
indivíduos, de entidades particulares, mas em termos de uma substância primordial que é
a soma de toda a história e de suas manifestações dialéticas. Trata-se da vida própria do
Espírito Absoluto que assim se constitui após uma série de movimentos e
contramovimentos que ocorreram em um mundo material-espiritual, no qual este irá
gradualmente se distinguindo até adquirir sua forma perfeita e alcançar o absoluto. Aqui

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está a expressão máxima de um dualismo em que o espiritual, seguindo o roteiro definido
pela filosofia e mitologia gregas, substancialmente prevalece sobre o material, que serviu
como um veículo para o seu desenvolvimento.

Pouco depois, ocorreu uma ruptura epistemológica ou mudança paradigmática na história


do pensamento. Isso aconteceu com o surgimento do materialismo dialético, que teve
forte influência hegeliana quanto ao método, mas foi dotado de uma metafísica mais
realista, com fortes conotações políticas e econômicas.

Essa compreensão tornou-se realidade com Karl Marx (1818-1883), cujo trabalho tem a
marca de um discípulo de Hegel, Feuerbach, o pai do materialismo e do ateísmo moderno.
Marx pretende colocar a razão em terra firme, rejeitando o espiritual como mero
fenômeno supérfluo. A realidade espiritual não tem lugar no mundo puramente material
de Karl Marx.

Ainda no século XIX, o pensamento metafísico de Nietzsche contribui com a mudança de


paradigma que iria ocorrer com maior intensidade a partir do início do século XX.
Embora não seja possível, neste artigo, apresentar a filosofia de Nietzsche de forma
aprofundada, pode-se mencionar que a crítica nietzscheana ao conceito de Ser concebido
pela filosofia anterior influenciou grandemente os existencialistas do novo século.2

Foi Heidegger (1889-1976), talvez o mais famoso existencialista do século XX, que
devolveu ao Ser seu caráter esquecido de temporalidade essencial, ou seja, o tempo
constitui a essência do Ser.

Em certo aspecto, tal revolução significou o abandono do conceito de que a temporalidade


era exterior ao Ser em sua realidade essencial mais íntima. Desde Heidegger, esses
aspectos são considerados propriedades constitutivas do ser.

A ruptura paradigmática operada por Heidegger3 e por todo o existencialismo ateísta dali
em diante teve fortes implicações no que diz respeito aos tipos de seres e ao Ser em geral,
interpretado como ontos – o Ser em sua totalidade, o substrato último da realidade e dos
fenômenos puros a que é restrito.

Não haveria nenhuma realidade noumênica, como afirmara Kant, um século e meio antes,
ao tentar explicar o Ser. Aquela realidade foi aniquilada pela consciência temporal. Não
há imortalidade da alma. Não há espaço para qualquer tipo de dualismo. O Ser é tempo.
Este é o componente essencial.

Onde fica Deus em um esquema como este? O próprio Heidegger explicou isso. Sem
chegar a negá-Lo, ele assumiu uma posição agnóstica. Na medida em que nossa
compreensão depende da experiência, e sendo que não poderíamos ter qualquer
experiência de Deus dentro da realidade espaço-tempo, somos incapazes de afirmar a
existência divina. Jean-Paul Sartre (1905-1980),4 existencialista ateu, manteve um
pensamento semelhante ao de Heidegger, embora mais relacionado à descrição da
consciência.

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O desenvolvimento dos paradigmas materialista e existencialista teve profundas
implicações para a teologia e inclusive para a compreensão leiga, não erudita, das
Sagradas Escrituras. Até Heidegger e até o auge do existencialismo, pode-se dizer que
toda a teologia era dogmática. E nisto não podemos distinguir nem mesmo a teologia
católica da teologia protestante. Ambas eram produzidas em um mesmo padrão
paradigmático. Isso ocorreu até o século XX, quando Rudolf Bultmann5 (1884-1976)
reestruturou toda a exegese bíblica a partir da nova metafísica introduzida por Heidegger.
Bultmann trouxe destaque ao movimento da nova teologia, iniciado com teólogos como
Strauss, Weisse, Wilke, Wrede, Schmidt e Kähler.

O propósito da teologia de Bultmann era desmistificar a narrativa bíblica, em que grande


parte da mesma ficou reduzida à mera alegoria. Desse modo, a fé manifestada pelo crente
seria um ato não necessariamente dotado de um fenômeno correlato existente e real, tal
como o do Jesus histórico, por exemplo. A teologia erudita, então, encaminhou-

se para os meandros acidentados do método crítico-histórico, um caminho do qual é


muito difícil escapar.

De volta a Jerusalém
Durante o período de desenvolvimento das ideias anteriormente citadas, o que estava
acontecendo com o conceito filosófico simbolizado por Jerusalém? Tentemos descrever
seu paradigma fundamental, por meio do qual abordaremos sua metafísica, seu conceito
de Ser.

A Bíblia nos proporciona a luz fundamental sobre os contornos do paradigma


representado pela antiga Jerusalém. Como? As Escrituras Sagradas são uma narrativa
histórica real, na qual Deus se revela em suas múltiplas teofanias. A partir do momento da
criação do mundo e da humanidade, Deus invadiu o tempo humano, sem perder Sua
essência constitutiva. De acordo com o relato bíblico, Deus é. Portanto não está limitado
pela sentença de Heidegger quando se referiu ao “silêncio de Deus”. Isso significa que a
divindade não precisa permanecer ligada a esta dimensão temporal – dimensão humana
– para que ambas as realidades (humana e divina) possam se comunicar entre si. Nisto
consiste o erro fundamental do paradigma ateniense. Desde o início da filosofia, na Grécia
antiga, o pensamento filosófico estabeleceu a ideia básica e princípio epistemológico de
que “somente o igual conhece o igual”.

Mas quem disse que deveria ser assim? Por que toda metafísica e epistemologia deveriam
estar subordinadas a esse princípio? No relato de Moisés, há uma passagem que ilustra
esse ponto.

Vamos analisar o capítulo três de Êxodo, com especial ênfase no versículo 14. Ali, Deus
aparece em uma epifania espaço-temporal: “Disse Deus a Moisés: ‘Eu Sou o que Sou. É
isto que você dirá aos israelitas: Eu Sou me enviou a vocês’” (NVI). Não estamos diante de
uma expressão meramente retórica. Na verdade, trata-se de uma sentença importante por
meio da qual a Divindade se dirigiu a Moisés, seu interlocutor, com a finalidade de

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confiar-lhe uma mensagem ao povo da aliança. Essa era uma mensagem destinada ao
povo de Israel, vinda da maior autoridade da existência. Assim, a Divindade se manifesta
em Seu caráter ao mesmo tempo temporal e atemporal (uma sarça ardente que
paradoxalmente nunca é consumida). Revela-se em Seu discurso a constituição essencial
de Seu caráter. O Deus Yahweh, durante o contato com Moisés, esteve no tempo e ocupou
um lugar no espaço. A Divindade que se apresentou a Moisés para dar-lhe uma
mensagem realizou Sua fenomenológica aparição na realidade espaço-

temporal e Se comunicou “face a face” com o homem, Seu porta-voz para o povo da
aliança. Eis aqui a supratemporalidade divina. Deus não permaneceu na sarça, embora
Ele tenha se fenomenalizado nela. Ao se fenomenalizar, Ele irrompe no tempo humano,
embora ainda o transcenda.

Esse é o modo como Deus se manifesta. Ele está na história humana e também está acima
e além dela. Caso contrário, há apenas duas opções plausíveis:

1. Deus estaria reduzido ao tempo e à matéria, o que beira uma visão panteísta, pois a
Divindade já não é imaterial, visto que ficaria presa à própria matéria. Ao reduzir a
divindade a algo tão igual ao homem e ao resto da realidade material, confunde-se o
divino com a matéria e a consciência. A partir dessa compreensão, surgem as
religiões da Nova Era, construídas a partir de seu fundamental neopanteísmo, o qual
estabelece que divindade é formada e existe apenas na consciência individual.
2. A alternativa à concepção panteísta da divindade é o deus que está localizado nos
pantanosos contornos do deísmo.6 De fato, o teísmo clássico da teologia católica de
base tomista, quando levado ao limite de sua lógica interna, chega a uma concepção
deísta. Desse modo, somos reconduzidos ao deus aristotélico, aquele primeiro
“motor-imóvel”, que move todas as coisas sem ser movido por nada. Mas não
precisamos ir tão longe como faz a teologia aristotélica. Basta pensarmos nas
dificuldades da teologia católica tomista e de grande parte da teologia protestante
para explicar a comunicação entre Deus e o ser humano.7

A partir das considerações estabelecidas, qual é a implicação dessas duas opções para a
religião? Além disso, de que modo a teologia adventista e seu corpo de doutrinas são
afetados por essas opções colocadas, especialmente considerando que nossas posições
sobre saúde e educação derivam de nossa teologia?8

Epílogo
1. Nosso pensamento teológico nem sempre tem sido coerente e estruturalmente
integrado ao conceito de Ser evidenciado na Bíblia. Isso acontece em relação ao ser
de Deus e, consequentemente, também em relação ao conceito de existência dos
demais seres, os quais não podem ser compreendidos se não estiverem situados
historicamente.

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2. A nossa filosofia de educação também não tem sido consistente com os
fundamentos bíblicos de uma abordagem educacional integral e holística. Muitas
vezes essa ideia de educação integral prevalece na área do “dizer”, mas geralmente
esse conceito não passa de mero discurso. Não avança para o nível do “fazer”. Essa
ideia não é totalmente compreendida porque as bases sobre as quais ela está
edificada não são conhecidas. Inúmeras vezes, tomamos ideias emprestadas de
outros sistemas, sem dedicarmos tempo para peneirá-las com base nos
fundamentos de nosso próprio sistema de crenças, em que não há lugar para
dualismos de qualquer tipo, nem para conceitos mecanicistas, evolutivos ou
antiteológicos. Por exemplo, quanta importância damos em nosso sistema
educacional à “educação harmoniosa de todas as faculdades humanas”, colocando
no mesmo nível de importância o desenvolvimento físico, intelectual e espiritual? É
claro, temos propósitos bem redigidos, mas realmente cumprimos isso? Esses
propósitos se manifestam claramente no currículo de formação de nossos alunos?
3. Esta não é uma questão insignificante, visto que tem um forte impacto no currículo
de cada programa de estudo, bem como em cada um dos temas que lhe dão forma,
não apenas nas ciências físicas e naturais, em que é relativamente fácil identificar os
conteú-
dos que estão em conflito com a nossa visão de mundo, mas especialmente nas
ciências humanas e sociais, manifestando-se em determinados conjuntos de valores
e afetando a disciplina em sua totalidade (o evolucionismo biológico e social, o
behaviorismo, antifinalismo, historicismo etc).

4. O mesmo ocorre na área da saúde. Na verdade, em nossos hospitais e clínicas,


interpretamos a saúde como uma unidade psico-físico-mental-espiritual? Será que
não temos dualismos irredutíveis que permanecem em nossas práticas médicas? Por
exemplo, temos bem claro o conceito de interconexão entre o físico e o mental na
grande maioria das doenças e distúrbios que muitas vezes são tratados como
questões puramente patológicas em sua aparência física? Em que medida
enfatizamos o conceito integral de saúde ao planejar tratamentos, cirurgias e ao
receitar e aplicar fármacos? Esse conceito de saúde e as práticas dele derivadas não
deveriam resultar de uma teologia do Ser histórica, real e concreta, começando com
o Ser de Deus, o nosso Criador?
5. A teologia judaico-cristã fornece fundamentos suficientes para não termos de
depender de teologias estrangeiras, fundamentadas na filosofia grega. Tudo o que
devemos fazer é basear nossa interpretação teológica no relato histórico que Deus,
através de seus profetas e mensageiros, deu-nos a conhecer em situações históricas
específicas através de Sua Palavra.

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6. Devemos estar cientes de que a nossa teologia e filosofia da educação e da saúde
podem ser encontradas nos fundamentos sólidos das Sagradas Escrituras. Isso
implica na necessidade de redefinir o conceito de Ser em geral e a Sua relação com
todos os seres. Tais conceitos não têm nada a dever às filosofias com princípios
gregos, como, por exemplo, o axioma básico ocidental de que “somente o igual
conhece o igual”, princípio fundamental que constitui o paradigma interpretativo de
toda a metafísica dualista por uma parte, bem como também a nova metafísica
fenomenológica existencialista do século XX.
7. Na base de todo pensamento e de toda a lógica da entidade do Ser podemos
encontrar o fato real e concreto do “Eu Sou o que Sou” expressado por Deus em
Êxodo 3:14. Essa visão do ser é manifestada em dois aspectos: como uma sarça
ardente naquele momento histórico particular, bem como transcendendo o espaço e
o tempo de toda a história da humanidade e do universo criado por Deus.

Para concluir, todo este debate entre as duas escolas pode ser resumido com a seguinte
pergunta: devemos ser guiados pelos interesses e preocupações das pessoas de Jerusalém
ou de Atenas? A resposta adventista não deveria deixar espaço para dúvidas ou
interpretações dúbias.

Fernando Aranda Fraga (Ph.D., Universidade Católica de Santa Fe, Argentina), quando
escreveu este artigo, era professor de pós-gradu-ação e diretor do Departamento de
Pesquisa e Publicações da Universidade de Montemorelos, Nuevo Leon, México.
Atualmente, aceitou o convite para retornar a sua universidade de origem, a Universidade
Adventista del Plata, na Argentina.

Uma versão preliminar deste artigo foi apresentada pelo seu autor no Simpósio da
Sociedade de Filósofos Adventistas, na cidade de Atlanta, Georgia, EUA, em novembro de
2010.

Nota
Eu quero agradecer ao meu mentor filósofo e teólogo, Dr. Fernando L. Canale, da
Universidade Andrews, que há alguns anos, na época do Colégio Adventista del Plata
(atualmente Universidade Adventista del Plata) me inspirou em minhas indagações sobre
as analogias, semelhanças e diferenças entre as duas escolas de pensamento.

Citação Recomendada
Fernando Aranda Fraga, "Jerusalém e Atenas: duas cosmovisões, duas escolas de
pensamento," Diálogo 23:1 (2011): 5-9

REFERÊNCIAS

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1. Veja suas obras principais: Phänomenologie des Geists, 1807 (Fenomenologia do
Espírito); Grundlinien der Philosophie des Rechts, 1821 (Fundamentos da Filosofia
do Direito); Lectures on the Philosophy of History, 1837, (Lições de filosofia da
História).
2. Sem esquecermos de Herder, Dilthey (1833-1911), e da corrente historicista fundada
por este último, que devolveu a história ao âmbito da filosofia especialmente furtada
pelos medievais em seu anelo estritamente dualista. Hegel foi um dos grandes
precursores do historicismo, em seu caso, espiritualista. Marx representa o
historicismo materialista.
3. Sein und Zeit, 1927 (Ser e tempo).
4. L´être et le néant, 1943 (O ser e o nada).
5. Die Geschichte der synoptischen Tradition, 1921 (História da tradição sinóptica);
Religion without Myth, co-autor, junto com Karl Jaspers, 1954 (Religião sem mito).
6. Postura teológico-filosófica com respeito ao problema da existência de Deus e da sua
relação com o mundo, que teve forte vigência e predomínio durante a Modernidade
(especialmente do século XVII ao XIX). Seus máximos expoentes foram os
pensadores franceses e britânicos da Ilustração e da Enciclopédia. Foram deístas,
entre outros, Descartes, Leibniz, Voltaire, Rousseau, Locke, Berkeley, Hume, Smith.
O deísmo interpreta a Deus como uma espécie de grande relojoeiro que criou o
mundo e logo o deixou livre de suas leis internas, isto é, deu-lhe suficiente corda
como para não ter que estar intervindo a cada momento e para que continuasse a
sua marcha inexorável dali em diante.
7. Veja: Fernando L. Canale. A Criticism of Theological Reason: Time and
Timelessness as Primordial Presuppositions. Andrews University Seminary
Doctoral Dissertation Series, 10 vol. Berrien Springs, MI: Imprensa da Universidade
Andrews, 1987.
8. Canale. “The Emerging Church. What does it mean? And why shoud we care?. In:
Revista Adventista, Junho 10, 2010. Disponível em:
<http://www.adventistreview.org/article.php?id=3383>. Acesso em: <30 set.
2010>.

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