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UM CAFAJESTE

IRRESISTÍVEL

Liliane Borges
1ª Edição
2017
Copyright © 2017 Liliane Borges
Capa: Murilo Magalhães
Diagramação Digital: Denilia Carneiro

Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos


descritos são produtos da imaginação da autora. Qualquer semelhança
com nomes, datas e acontecimentos reais é mera coincidência.
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Um Cafajeste Irresistível
Liliane Borges
1ª Edição

Janeiro-2017
Rio de Janeiro / Brasil
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Todos os direitos reservados.


São proibidos o armazenamento e / ou a reprodução de qualquer parte
dessa obra, através de quaisquer meios ─ tangível ou intangível ─ sem o
consentimento escrito da autora.

A violação dos direitos autorais é crime estabelecido na lei nº. 9.610/98 e


punido pelo artigo 184 do Código Penal.
Sumário
Agradecimento.
Um – À Primeira Vista.
Dois – Um Típico Cafajeste.
Três – Primeiro Encontro?
Quatro – Foi o seu Sorriso.
Cinco – Privacidade? Conheço Não...
Seis – A Culpa é Dos ETs.
Sete – Minha Ninja.
Oito – Dor de Consciência.
Nove – Massagem Vip.
Dez – Ataque de Uma Ninja.
Onze – Chantagem.
Doze – Ciúmes? Eu?
Treze – Pausa Para um Café.
Quatorze – Eu NÃO Estou Apaixonado.
Quinze – Sobre Duas Rodas.
Dezesseis – Baixando a Guarda.
Dezessete – E Eu Gosto de Você.
Dezoito – Enrolado até o Pescoço.
Dezenove – Tic, Tac, Tic, Tac...
Vinte — O Começo do Fim.
Vinte e um – Golpe de Mestre.
Vinte e dois – 03 de Agosto (Dia Nacional dos Cafajestes)
Vinte e três – Não Corra, Esperança, Volte Aqui!
Vinte e Quatro – Aceitação é o Primeiro Passo.
Vinte Cinco – Quando a Forma de Revidar Vem em Forma de Dani.
Vinte e Seis – Cerveja + Karaokê = Dor de Cotovelo.
Vinte e Sete – Amigo ou Inimigo?
Vinte e Oito – Gravidez Indesejada?
Vinte e Nove – Assumir é o Segundo Passo.
Trinta – Curtindo um Oriental.
Trinta e Um – Correr Atrás é o Terceiro Passo.
Trinta e Dois – Belo Adormecido de Bêbado.
Trinta e três – Perdendo as Estribeiras.
Trinta e Quatro – Filho de Cafajeste, Cafajestinho é?
Trinta e cinco – Expressar é o Último Passo.
Trinta e seis – Você é a Minha Cura, é a Minha Redenção.
Trinta e Sete – Foi a Melhor Coisa que Já Fiz.
Trinta e Oito – Um Cantor na Madrugada.
Trinta e Nove – Perdoar é uma arte.
Epílogo – Para Sempre.
Agradecimento.

Agradeço ao meu esposo por me incentivar a escrever e me apoiar em


todo o processo, a minha mãe e irmã por me apoiarem e por fazerem
propaganda das minhas histórias. Agradeço especialmente aos meus leitores
que me incentivaram desde que publiquei as primeiras palavras. Sem vocês,
nada disso seria possível. Vocês são os melhores leitores do mundo.

Obrigada!
Um – À Primeira Vista.

Shizune.

Eu nunca pensei que conheceria o homem da minha vida em uma


festinha de aniversário de criança. Muito menos que ele seria um cafajeste.
Um cafajeste irresistível.
Meu afilhado Ian estava fazendo um aninho, e foi na festinha dele que
conheci o Clis.
Eu não pronunciei errado. É Clis mesmo. De Cliscristofferson,
acreditam?
Pois é, nem eu. Mas agora já acostumei e, pelo menos para mim, esse é
o nome mais lindo no mundo inteiro. Principalmente por causa do dono.
Ele era loiro, tinha olhos mais azuis que o céu. Era alto e gostoso.
Qualquer mulher o notaria. Até uma velhinha centenária o notaria.
Ele também era magro. Quando eu digo magro, não é que ele fosse
magrelo, não. Ele só fugia daqueles estereótipos de homens saradões e
bombadões. O Clis tinha os músculos definidos na medida certa e, claro, um
abdômen sarado, no qual as vezes me perdia contando os gominhos da sua
barriga.
Para completar, ele tinha lábios vermelhos de dar inveja a qualquer
mulher, um sorriso meigo e uma carinha de anjo.
No entanto, quando ele me olhava com desejo, seu olhar era de um
predador, pronto para atacar sua presa. Mas não se enganem. De anjo, aquilo
não tinha nada. Ele era um lobo em pele de cordeiro. É como se esse ditado
fosse feito para ele.
Minha amiga Adele, mãe do meu afilhado, tentou me alertar contra o
Clis, mas eu fiquei totalmente surda no momento em que o vi. Fui atraída
como um inseto em direção à luz e não dei ouvidos a ela.
Ela me contou que ele era um mulherengo incorrigível e infiel, um
típico cafajeste que nunca ficava com uma mulher só mais de uma vez.
Mesmo assim, eu não dei ouvidos.
No começo, eu só queria experimentar mesmo. Poxa, um cara lindo
daquele me dando mole, é claro que eu iria aproveitar. Só que esse foi o meu
primeiro erro.
Quem bebe daquela água, vicia, é pior que heroína. Você fica
totalmente dependente. E foda-se o resto.
As semanas que passamos juntos foram as semanas mais incríveis da
minha vida.
Conforme já disse, fui alertada de que ele nunca ficava com uma
mulher mais de uma vez. Mas, milagrosamente, ele quis me ver de novo e de
novo. E é claro que eu aproveitei. Bom, esse foi meu segundo erro, pois,
depois de um tempo, eu já estava caindo de amores por ele.
Vou contar como nos conhecemos e como era estar com o Clis. Vocês
entenderão porque eu fiquei tão dependente daquele homem até hoje.
Vão entender porque não consegui resistir aos seus encantos mesmo
após ter sido tão alertada. Quando digo "tão" alertada, me refiro ao fato de ter
recebido olhares assassinos da mãe do aniversariante, além de cutucões e
sacudidas de cabeça reprovadoras.
Não só eu, o coitado do Stênio, marido da maluca da Adele, foi
praticamente ameaçado de morte por ter me apresentado ao Clis. Eu pensei
até que rolaria um desquite. Quase fui o pivô de uma separação sem ao
menos ter alguma coisa com o cara.
Mas vamos lá. Tudo começou assim:
Já estava quase na hora do parabéns quando o Clis entrou no salão de
festas. Não apenas eu, mas o restante das garotas solteiras (e algumas não tão
solteiras assim) ali presentes o notaram.
Até aí, tudo bem. Passado o efeito da sua entrada triunfal, eu voltei para
minha realidade, afinal, um Deus lindo daquele jamais olharia para mim,
ainda mais tendo uma coleção de mulheres-frutas no local.
A Adele, minha amiga, é personal trainer, dona de uma academia muito
badalada aqui da cidade. Pessoas importantes malham lá. Mas voltando às
mulheres-frutas, havia várias delas. Algumas davam aula na academia, outras
eram alunas.
Com tanta variedade de frutas e panicats, nunca que ele olharia para
mim.
Eu não estou dizendo que era feia. Eu era e ainda sou uma japinha até
danada de bonita, como o meu amigo Daniel sempre dizia. O Dani é o
melhor best friend hétero de todos os tempos.
Acontece que, como a maioria das japonesas, eu sou magra e sem
muitos atributos. "Comissão de frente", se é que vocês me entendem... Mas o
meu cabelo é liso e longo, ele vai até o meio das minhas costas. Se bem que
na onda dos cachos de baby liss, ter cabelo liso já não é um diferencial.
Apesar disso, amo meu cabelo. Posso dizer que é a parte de mim que mais
gosto. Ai, espera, estou desviando o foco!
Voltando ao assunto, continuei na minha conversa com o Dani, que é o
padrinho do Ian, quando nossos olhares se cruzaram.
O Clis estava falando com o Stênio. Logo em seguida, ele cochichou
algo e o Stênio olhou para mim.
Não precisava ser expert para saber que eles falavam de mim. O Dani,
esperto como sempre, logo notou minha agitação. Porque se tem uma coisa
que eu não aprendi, foi disfarçar quando percebo alguém olhando para mim.
É um troço esquisito. Se percebo alguém me olhando, não consigo parar de
olhar de volta.
Meu amigo levantou uma sobrancelha, acompanhada de um sorriso
maroto.
— O que foi? — Perguntou com um olhar acusador.
— Não foi nada — Tentei disfarçar.
— Não mente. Eu vi o amigo do Stênio te olhando. E você bem que
estava gostando.
— Eu não! Estava gostando nada, nunca vi esse cara antes.
Ele continuou olhando com uma cara de "me engana que eu gosto":
— É o amigo do Stênio que morava nos States, aquele que ele sempre
menciona nas conversas dos tempos de faculdade.
As histórias dos tempos de faculdade do Stênio eram na maior parte:
mulheres, sexo, mulheres, festas, sexo, baseado e pouco estudo... E em suas
histórias mais picantes, o tal Clis sempre aparecia.
Eu ainda não sei como a minha amiga foi se casar com aquele tarado.
Brincadeira, o Stênio mudou muito. Hoje, ele é um cara sério, fiel e muito
apaixonado por ela.
— Você ouviu? — Dani perguntou, mas eu não sei o que ele disse,
porque eu estava perdida em meus pensamentos.
— Ouvi o que?
— Fica esperta com esse cara.
— Até parece que essa delícia vai querer alguma coisa comigo. Com
uma salada de frutas dessas... — Disse, apontando para as
garotas marombadas.
— Alguns homens ainda preferem as mulheres femininas, Shizune —
Dei um beijo na bochecha dele e, quando me virei, lá estava o "garanhão dos
tempos da faculdade do Stênio" olhando para mim.
Alguns minutos depois, uma mãe de um aniversariante muito afobada
foi falar comigo:
— Você viu um cara loiro que estava falando com o Stênio?
— Não — Menti.
— Ela viu, sim. Ele a estava secando agora há pouco — Cutuquei o
Dani e o fuzilei com o olhar.
— Pois é. Fica longe dele, é um cretino galinha! Lembre-se das
histórias...
— Dos tempos da faculdade do Stênio. Lembro, sim. Eu já sei que o
loiro delícia é o amigo do seu marido — Disse, interrompendo-a — Eu não
entendo porque você está tão preocupada, eu não sou nenhuma idiota. E
mais: com tanta garota linda aqui, você acha que ele iria querer alguma coisa
logo comigo?
— Amiga, acredite, ele quer. Estava perguntando de você para o Stênio
— Meu coração disparou no meu peito com a informação. Fiquei “me
sentindo” com um gato daquele de olho logo em mim.
— Deixa de neurose, Adele, eu não sou uma adolescente ingênua. O
que te faz pensar que eu vou querer alguma coisa com ele?
— Não sei. Talvez o fato de ele ser lindo de morrer — Ela respondeu,
sarcástica — E o fato de a gente saber algumas histórias picantes sobre ele. E
o fato de você estar na seca...
— Ei! Também não é assim! E além do mais, lindo de morrer ou não,
ele ainda é o amigo galinha do Stênio.
— Amor, está na hora de cantar parabéns — Meu compadre apareceu,
mostrando o relógio.
— Fica longe dele — Ela disse, se afastando e fazendo aquele gesto
com os dedos, insinuando que estava de olho.
— Quantos anos ela acha que eu tenho? — Perguntei ao meu amigo,
que passou a me ignorar depois que uma das mulheres-frutas começou a dar
mole para ele.
— Você é nossa princesa, ninguém vai bulir com você — Ele disse, se
afastando.
— Alguns homens ainda preferem as mulheres femininas! — Eu gritei,
vendo-o se afastar e ir atrás do alvo – fruta – da vez.
Mais tarde, depois dos parabéns, eu estava com meu afilhado no colo
quando o Stênio se aproximou com o Clis.
— Shizune, esse aqui é o Clis, meu amigo dos tempos da faculdade.
Clis, essa é a Shizune, melhor amiga, comadre e protegida da Adele — Disse
o meu amigo com uma cara de "tô ferrado".
— Muito prazer, Shizune — Uau! Eu fiquei sem reação apenas em
ouvir a voz dele.
— Igualmente — Falei, apertando sua mão.
— E esse garotinho lindo é o Ian — Stênio falou.
— Que era para ser meu afilhado por direito, seu traíra. Eu ainda não te
perdoei por isso.
— Cara, você nem morava aqui. E a Adele queria muito batizá-lo ainda
bebê.
E porque a Adele nunca aceitaria o amigo pervertido do Stênio como
padrinho do filho dela.
— Eu só te perdoo porque você soube escolher bem a madrinha — E o
ar fugiu dos meus pulmões.
Eu já tinha ficado abalada só de poder dar um rosto para o tal amigo da
faculdade. Agora, ouvindo falar bem na minha frente, estava fazendo minha
mente vagar para as várias histórias que já ouvi a seu respeito.
— Posso pegar? — Me perguntou. Mas antes que eu pudesse
responder, o Stênio falou por mim.
— E você lá sabe pegar uma criança? — Perguntou, visivelmente
preocupado.
Coitado, ele ficava olhando para os lados para ver se via a esposa.
— É tão difícil assim que precisa de um manual de instruções?
Antes que o Stênio pudesse responder, eu já estava entregando o Ian
para o Clis.
— Ele é lindo, não é? — Ele balançou a cabeça, concordando. Sem
perceber, começamos a ignorar o pai da criança.
— É, nem parece que é filho do Stênio. Ele é bonito, sorte dele ter
puxado a mãe — Caímos na risada.
— Ei! Eu ouvi isso — Stênio protestou, mas já saindo em direção a sua
esposa, que gesticulava nervosamente para ele.
— Eu tenho uma irmãzinha. Bom, ela já não é mais um bebê. Quando
ela nasceu, eu tinha dezesseis anos. É o meu xodó!
Ele falou da irmã com tanto carinho enquanto brincava com o Ian, que
eu fiquei ainda mais encantada.
— Então, com certeza, você sabe segurar uma criança — Ele assentiu,
sorrindo. E, meu Deus, que sorriso!
Não dava pra acreditar que aquele cara ali na minha frente, lindo, com
aquela carinha de anjo, fosse mesmo o cafajeste cretino de que a Adele tanto
falava.
— Você e a Adele são amigas há muito tempo? Nunca ouvi falar de
você — É claro que não, minha amiga devia ter feito das tripas coração para
impedir que nos conhecêssemos.
— Desde sempre. Soube que você mora fora. Voltou para ficar ou está
apenas passeando? — Perguntei, mudando de assunto.
— Eu voltei já faz alguns meses. Não pretendo voltar, já ralei muito lá.
— Mas valeu a pena? — De repente, eu estava muito curiosa sobre a
vida dele.
— Em termos financeiros, sim. Consegui fazer meu pezinho de meia.
Mas em questões emocionais, foi um pouco barra ficar longe da minha mãe,
da minha irmã e do meu padrasto.
— Bom, agora você pode recuperar o tempo perdido.
— É o que tenho feito desde então.
— Além de comprar imóveis... — O Stênio apareceu de novo, pegando
o Ian no colo do Clis — Esse cara vai acabar virando o dono de Jacarepaguá.
— Menos, Stênio, bem menos — Ele sorriu para o amigo e voltou o
seu olhar para mim.
— Se juntar com os imóveis da sua mãe, sim. A mãe dele tem quase o
mesmo tanto de imóveis que a sua idade, Japa — Stênio continuou falando.
— Como você disse, são dela, junto com o meu padrasto. Então não
contam — Sorriu e voltou sua atenção para mim — E você, Shizune, o que
você faz da vida? — Perguntou, ignorando o amigo.
— Eu trabalho com a minha mãe na clínica de dermatologia e estética
dela.
— Hum... Interessante. Qualquer dia eu apareço por lá para fazer uma
limpeza de pele.
— Como se você precisasse... — Como? Eu falei mesmo aquilo?
Minha cara ficou mais vermelha do que um tomate maduro, mas ele
sorriu de um jeito encantador. Não tive outra opção a não ser sorrir de volta.
— Shizune, eu preciso da sua ajuda — A Adele apareceu do nada, me
puxando para dentro do fraldário.
— Eu te falei pra ficar longe desse cara, mulher!
— Foi ele que veio falar comigo — Me defendi.
— E você estava odiando, não é? — Minha amiga suspirou e me olhou
com carinho, como se fosse minha mãe. Alguém poderia dizer para aquela
louca que eu era adulta, por favor! — Escuta, Shizune, ele é um gato, sim, eu
concordo. Mas nós sabemos que ele não presta. Você não precisa de mais
confusão na sua vida.
Ela falou isso porque o meu último relacionamento não acabou lá muito
bem. Eu sofri bastante com dor de cotovelo.
Uma vez, tinha bebido um pouquinho demais e fui parar na frente na
casa dele com meu violão. É, eu ia fazer uma serenata. O que eu posso fazer?
Sou romântica!
A minha sorte foi que o meu best friend me salvou de pagar o maior
king Kong da face da terra. Eu amo aquele homem!
— Você não está dizendo isso por causa do Fred, está? — Ela ficou
calada — Meu Deus, Adele, vocês precisam me dar um pouco de crédito. Eu
amadureci desde aquilo, foi há dois anos. E quem te disse que o Clis está
interessado em mim? Ele só estava sendo gentil. E quer saber? Ele até que é
legal.
— É legal e lindo também, eu sei — Suspirou e resolveu mudar o
discurso — Tá bom, amiga, desculpa. Eu só não quero que você seja o
próximo casinho de uma noite dele. Só toma cuidado. Eu preciso ir, a festa já
está quase acabando. São quatro horas cronometradas. Ou saímos a tempo, ou
seremos enxotados daqui.
Coitada da minha amiga... Pagou uma fortuna naquele salão para ter
quatros horas corridas de festa. E o pobre do Ian nem aproveitou. E muito
menos ia se lembrar desse dia.
Como a Adele e o Stênio estavam atarefados para devolver o salão no
horário e o meu amigo traíra e carona me abandonou por causa da “mulher
melancia”, eu teria que ir embora de táxi. Se não tivesse aparecido um
cafajeste tão irresistível disposto a me dar carona...
E eu aceitei. E esse foi mais um erro para a minha coleção de erros.
Dois – Um Típico Cafajeste.

“Não havíamos marcado hora, não havíamos marcado


lugar. E, na infinita possibilidade de lugares, na infinita
possibilidade de tempos, nossos tempos e nossos lugares
coincidiram. E deu-se o encontro.”
Rubem Alves.

Clis

Quando conheci a Shizune, logo de cara eu quis levá-la para cama. O


que eu não esperava era que eu fosse querer fazer isso de novo e de novo.
Logo eu, que tinha alergia a compromisso e a mesma mulher por mais
de uma noite.
Com a Shizune, no entanto, foi diferente.
No momento em que coloquei meus olhos naqueles olhinhos puxados,
fiquei doido. Eu tinha uma queda pelas orientais, e a Shizune era
simplesmente linda, perfeita com aquele corpo esguio e aquele cabelão longo
e brilhante.
Nunca tinha visto cabelos tão sedosos como os dela. Só de olhar, dava
uma vontade incontrolável de tocar. Ela era toda pequenininha, embora
magra e alta. Tinha um bumbum pequeno, mas redondinho e durinho, seios
pequenos, mas que cabiam perfeitamente nas minhas mãos.
Eu a achava incrivelmente apaixonante. E foi por isso que eu tomei a
decisão de me afastar, já que não devia nem ter me aproximado.
Aquela japa foi a única mulher em anos capaz de romper as muralhas
que ergui ao redor do meu coração. Só que, da mesma forma que ela podia
domá-lo, ela também podia quebra-lo. E isso eu não permitiria que
acontecesse de novo.
Eu poderia não aguentar passar por tudo aquilo novamente e, antes que
eu não conseguisse mais sair da cilada em que eu mesmo havia me colocado,
eu quebrei o coração dela antes que ela quebrasse o meu.
Quando ofereci carona a ela no dia do aniversário do Ian, eu nem
sonhava que, depois de mais de um mês, nós ainda estaríamos juntos. E pior:
que eu gostaria tanto de estar com ela.
Infelizmente para ela, já fazia um tempinho que eu não valia nada, e a
Shizune só deu o azar de atravessar o meu caminho na hora errada. Talvez se
a gente tivesse se conhecido antes daquilo, houvesse um futuro para nós. Pelo
menos era o que eu pensava.
No entanto, naquela época, a única coisa que eu queria era poder deitar
a cabeça no travesseiro à noite — é claro, depois de ter feito sexo com
alguma gostosa — e não precisar me preocupar se eu estava sendo enganado
ou sendo passado para trás.
O meu lema era "Para romance é off, para balada é disponível."
Isso mesmo. Eu era "terrível".
Antes que vocês comecem a me odiar, mulheres, eu nem sempre fui
esse cafajeste cretino. Houve um tempo em que eu também só queria ser
amado por uma mulher e, em troca, poder fazê-la feliz. Essa mulher existiu.
Infelizmente, ela existiu.
Apesar de eu ser bem mais jovem na época, eu acreditava ter
encontrado a "garota certa", a garota com quem eu queria passar o resto dos
meus dias. A garota que eu queria que fosse a mãe dos meus filhos.
Sim, eu encontrei essa garota, mas eu nem de longe eu era o "cara
certo" para ela. O cara certo era chamado pelos amigos de "Jonny Paraguai",
não me perguntem o porquê. Eu sabia que ele era mineiro, e não paraguaio.
Estávamos no terceiro período da faculdade e juntos há um ano e meio.
Cursávamos o mesmo curso, gostávamos dos mesmos filmes, dos mesmos
livros, das mesmas músicas. Éramos almas gêmeas, até aquele filho da puta
cruzar o nosso caminho.
Ele foi se infiltrando, se infiltrando, parecia uma aranha. Foi enrolando
a presa até dar o golpe mortal.
O camarada se fez de meu amigo, frequentava a minha casa e tudo.
Conhecem aquele ditado "mineiro come quieto", né? Pois é, o babaca
comprovou que isso realmente é verdade. Foi comendo pelas beiradas e,
quando dei por mim, ele estava comendo a minha mulher.
Uma bela noite, saí sozinho com uns amigos depois da faculdade. Era
aniversário do Stênio, meu melhor amigo, que já não era mais tão melhor
amigo assim, já que ele escolheu outro cara para batizar o seu filho. Enfim...
O Jonny e o Stênio não eram chegados, portanto o idiota não estava neste dia.
Depois de muitas biritas e de ouvir o Stênio bêbado declarando amor
eterno por uma periguete que conheceu no bar, deixei-o no alojamento e
segui de táxi para o nosso apartamento, porque, é claro, já estávamos
morando juntos.
Juntos e apaixonados! Que babaca que eu era!
Sim, eu peguei os dois na cama. Eu vi aquela bunda branca dele
chacoalhando em cima da minha mulher assim que abri a porta do meu
quarto.
Senti o chão sumir debaixo dos meus pés. Tive ânsia de vômito e tive
que me segurar para não chorar. Que babaca!
Quando eles me viram, ele levantou e, como se não bastasse eu ter visto
sua bunda branca, ainda fui obrigado a ver seu pinto pequeno. Fala sério! Ela
tinha me trocado por um pinto pequeno!
Eles ainda tentaram se justificar. Agora, me respondam: como se
justifica que você está comendo a mulher de alguém?
Parti para cima dele. Dei vários socos naquela cara de pau — acho que
até quebrei o seu maxilar — e saí sem ao menos olhar para ela. Se eu olhasse,
era bem capaz de quebrar a cara dela também.
Joguei o par de alianças que tinha comprado na primeira lata de lixo
que achei na rua. Mas, é claro, eu me arrependi e peguei de volta. Eu podia
ser corno, mas não era idiota. Aquele par de alianças tinha me custado uma
nota. Tinha passado as últimas semanas criando coragem para dar aquele
passo.
O bocoió estava andando com as alianças no bolso há mais de uma
semana. Tenho vontade de me socar quando me lembro do quão retardado eu
era.
Estava mais do que convencido de que era aquilo que eu queria. Me
casar com ela, afinal, eu a amava. Que otário!
Sofri igual a um burro de carga, passei semanas no alojamento. Me
instalei no quarto do Stênio, porque nem para onde ir eu tinha. Só bebendo e
fumando, e eu nem fumava. Nem banho eu tomava.
Acordava de manhã e enxaguava os dentes com cerveja, quando eu
escovava os dentes.
Faltei às aulas da faculdade, não recebia visitas. Até que, em um belo
dia, eu despertei para a vida. É claro, com a ajuda de algumas garotas que o
Stênio tinha levado para o quarto.
Eu soube depois de um tempo que a minha ex e o tal paraguaio
chegaram a morar juntos, mas depois de um tempo ele a traiu e ela o deixou.
Bem feito, eu estaria mentindo se dissesse que não gostei.
Ela teve o que mereceu.
Depois que ele a abandonou, ela me ligou algumas vezes, até apareceu
na porta da casa dos meus pais. Mas eu já estava morando nos Estados
Unidos.
Mas antes de ir tentar a vida em outro país, eu fiquei um bom tempo na
farra com a mulherada, eu e o Stênio. Tocamos o terror naquela faculdade.
Ainda não consigo acreditar que o Stênio se casou.
Era uma mulher por noite e todas as noites. Teve uma vez que foram
duas. Calma, o Stênio com uma, e eu com outra. Não, também teve aquela
vez das gêmeas, mas isso é outra história.
Quer saber? Vou contar o lance com as gêmeas, porque que cara em sã
consciência nunca desejou, nunca fantasiou estar na cama com duas mulheres
a sua mercê?
Se seu marido ou namorado disser que nunca fantasiou isso, ele está
mentindo. Acredite, eu sei.
Estávamos eu e o Stênio numa boate, e um conhecido nosso apareceu
por lá com as primas do interior — as gêmeas. Elas estavam visitando a
cidade, e ele as levou para a boate. Duas morenas gostosas.
Para resumir, as duas ficaram a fim de mim. Eu estava com o Stênio,
pô... Mas elas disseram que queriam ficar comigo, as duas! Como resistir a
um pedido desse?
Fiquei um pouco preocupado com o primo delas, mas o cara arrumou
um rabo de saia e pediu para a gente tomar conta delas. Pensa: logo a gente?!
Então topei na hora. Levei as duas para o quarto do Stênio e confesso
que fiquei nervoso. Mas, porra, para minha sorte, aquelas garotas pareciam
que já estavam acostumadas àquele tipo de situação.
Então eu relaxei e aproveitei. Cara, nunca vou me esquecer daquela
noite. Foi uma metelança do caralho até amanhecer.
Aquelas duas não eram fracas, não. O Stênio ficou meio virado comigo
uns dias, mas o que eu poderia fazer? As garotas me escolheram. Era uma
chance única.
Mas voltando ao assunto, depois de um tempo, larguei a faculdade e
fiquei só na gandaia mesmo. E acho que só por isso o Stênio conseguiu se
formar. E foi nessa época que ele conheceu a Adele.
As farras eram maneiras e muito loucas, e o sexo passou ser a minha
prioridade. Eu deixava muito claro para as mulheres que aceitavam transar
comigo que seria apenas uma vez. Tanto que, depois de um tempo, fiquei
com uma má fama do caralho. Não que eu não me importasse.
As menininhas de família, embora em seus sonhos mais picantes
quisessem ser meu caso de uma noite, não ousavam se aproximar de mim. E
embora superficialmente eu gostasse daquela vida, de alguma forma, lá no
fundo, principalmente no final da noite, a dor de cotovelo ainda me corroía.
Então tomei a decisão de começar uma vida nova num lugar distante,
distante das lembranças de quem eu era antes de virar um cafajeste e distante
daquela mulher maldita.
Também aprontei muito nos States. Comi muita brasileirinha por lá,
trabalhei para cacete também. Não tinha medo dos desafios, pois eu tinha um
objetivo: juntar uma boa grana antes de voltar para o Brasil. Trabalhei em
tudo o que você pensar. Minha mãe ficava doida comigo, que, ao invés de
estudar e ter um futuro como qualquer graduado, eu estava nos States
peitando tudo quanto era tipo de emprego. Eu não tinha saco para estudar, e
todo o dinheiro que eu ganhava era guardado. Gastei o necessário para voltar
ao Brasil com uma boa grana e comprar imóveis, como a minha mãe fazia.
Agora, veja a grande ironia. Quando tudo estava caminhando, quando
finalmente eu estava de volta ao Brasil para aproveitar a minha vida, quando
eu finalmente podia relaxar, aproveitar e gozar um pouco da grana que eu
tinha conquistado, conheci a Shizune, a minha ninja, a mulher que tirou a
minha paz.
E aí foi tudo muito rápido. Em um curto espaço de tempo, ela havia se
infiltrado na minha vida e despertado sentimentos até então adormecidos.
Fiquei perturbado. Eu não queria mais sentir as coisas que ela me fazia
sentir, eu não queria mais sentir aquela inquietação na boca do estômago e
aquela necessidade de estar junto dela.
Foi então que eu decretei oficialmente no dia três de agosto o "Dia
nacional dos cafajestes". Vocês vão saber o porquê.
Três – Primeiro Encontro?

Shizune

Eu hesitei em aceitar a carona do Clis. Mas, gente, eu não era de ferro!


Jamais daria em cima do cara, lançando olhares e flertando, mas ele
estava ali na minha frente me oferecendo uma carona aparentemente
inocente. Que mal havia em aceitar?
Além do mais, quando um não quer, dois não brigam. Ou não fazem?
Alguma coisa assim.
Não tenho culpa se a minha carona me deixou na mão. O bom é que eu
podia colocar a culpa no Dani depois.
Entrei no carro um pouco sem graça. Ele me perguntou para onde eu ia,
mas, antes que eu pudesse responder, ele me fez uma proposta. E foi aí que
começou a minha ruína.
— Eu preciso passar na casa dos meus pais antes para resolver um
probleminha com a minha mãe. Você se importa em passar lá comigo?
— Não, claro que não — Até aí tudo bem.
— Depois a gente podia jantar em algum lugar. Eu não comi nada no
aniversário, estou com fome.
Juro que pensei em negar, mas não consegui. Eu estava atraída demais
pela forma como aqueles lábios vermelhos se moviam enquanto ele falava.
Eu ficava olhando suas expressões faciais e achando uma graça quando
algumas linhas de expressão surgiam nos cantos da sua boca enquanto ele
sorria.
— Shizune?
— O quê? — Respondi, saindo do meu transe.
— Você aceita jantar comigo depois de passarmos na casa dos meus
pais?
— É... Eu não sei...
— Vamos lá. Vai ser divertido.
— Tudo bem — Eu respondi. Credo! Ele nem precisou insistir muito.
— Ótimo — Sorriu aquele sorriso mais lindo, e lá estavam as linhas de
expressão de novo. Eu devia ser maluca mesmo por achar linhas de expressão
uma coisa sexy.
Enquanto seguimos para sei lá onde os pais dele moravam, meu celular
começou a tocar sem parar. Mas eu não ousei atender, ainda mais depois de
ver quem era: Adele.
Não queria nem pensar quando ela descobrisse que eu tinha saído da
festinha com o Clis.
— Clis?
— Oi.
— Seu nome é diferente — Disse, puxando assunto.
— Se você acha Clis diferente, é porque ainda não ouviu meu nome
certo. Clis é apelido. Meu nome é Cliscristofferson.
— Uau! É... Uau! — Não consegui completar a frase.
— Eu sei, é horrível...
— Não, não é horrível. É diferente ao extremo, mas não chega a ser
horrível — Que diacho de nome era aquele? — Com certeza tem uma história
por trás desse nome, não é?
— Uma história e uma grande confusão — Ele sorriu — Você não vai
querer ouvir.
— Ah, quero sim...
— Bom, a intenção da minha mãe era homenagear um cantor da década
de 70. O nome correto era Kris, com "k" e "r", e Kristofferson, também
com "k" e "r". Nomes compostos, ou seja, separados. Mas, na hora de me
registrarem, ninguém sabia direito como escrever, e muito menos como
pronunciar. Resultado: Clis, com "c" e "l", e Cristofferson, com "c", e tudo
emendado. E ainda tem dois "f", para piorar. Moral da história: eu sofri muito
bullyng por causa do meu nome até a adolescência.
Não pude deixar de sorrir.
— E o seu?
— O meu?
— É, seu nome também é diferente.
— Diferente aqui, mas acredito que seja comum no Japão.
— É bonito... Bonito como a dona — Ele completou com uma
piscadinha sexy.
— Obrigada — Respondi toda sem jeito.
— Ei! Você tem o mesmo nome da personagem do anime "Naruto",
aquela que era uma ninja médica — Ele falou, empolgado.
Ai meu Deus, ele assistia Naruto? Sorri sem graça. Não era a primeira
vez que as pessoas falavam isso, os fãs do anime sempre me sacaneavam. E
se ele conhecia o anime, devia ser porque gostava, não é? Eu adorava tudo
quanto era desenho japonês.
— Shizune de quê? — Perguntou, notando que eu estava sem graça.
— Shizune Young.
— Shizune Young — Ele repetiu. — Chegamos, Shizune Young —
Apontou para uma casa no final da última rua do condomínio.
— Eu espero você aqui.
— Não seja tímida, Shizune. Vem! — Ele disse, saindo do carro.
Respirei fundo e fui atrás dele.
A mãe do Clis era um amor de pessoa. Apesar de visivelmente surpresa
em me ver ali, me tratou muito bem e foi discreta na medida do possível.
O seu padrasto e sua irmãzinha não estavam em casa, portanto a visita
foi rápida.
— De onde vocês se conhecem? — A mãe dele me perguntou quando o
Clis se afastou.
— Nós temos um amigo em comum, o Stênio — Tive impressão que
ela fez uma careta quando mencionei o nome do Stênio — Hoje foi
aniversário do Ian, o filho dele e meu afilhado. O Clis está me dando uma
carona.
— Ele é um bom rapaz. Se você der uma oportunidade de conhece-lo
melhor — Hã? — Talvez ele tenha uma fama de mulherengo, mas acredite,
não é quem ele é de verdade. Às vezes, um coração partido...
— Mãe, não encha a cabeça da Shizune de caraminholas. — O Clis
apareceu, impedindo-a de continuar a falar e me impedindo de saciar minha
curiosidade repentina.
Eu fiquei muito sem graça. Não sabia se ele tinha ouvido a mãe dele
confidenciando — ou quase — a sua vida para mim.
Coração partido? Que história era aquela?
— Não estávamos falando nada demais, filho — Ela levantou com o
sorriso mais ingênuo do mundo.
— Vamos? — Clis me perguntou.
— Claro. Foi um prazer conhecê-la, Shizune. Espero ver você em
breve.
— Obrigada! O prazer foi meu — Retribuí o abraço caloroso da mãe
dele e partimos.
O clima ficou meio estranho dentro do carro. Eu já estava quase
desistindo do jantar quando ele resolveu falar.
— Desculpe pela minha mãe. Ela fica meio preocupada por eu nunca
aparecer com alguém, e talvez ela tenha ficado um pouquinho empolgada.
— Tudo bem, eu gostei dela — Era verdade, eu gostei mesmo da mãe
dele, afinal, foi aquela mulher que o colocou no mundo. Ela merecia um
prêmio.
— Eu conheço um restaurante novo que abriu aqui perto, podemos ir
até lá. Você gosta de comida japonesa?
— Nem todo nissei gosta de comida japonesa, sabia?
— Isso quer dizer que você não gosta?
— Eu gosto — Dei um sorriso.
— Ótimo.
O restaurante era realmente maravilhoso, e a comida era excelente.
Pedimos uma barca e alguns saquês. O Clis nunca tinha experimentado saquê
antes. É claro que ele não gostou, então decidiu por suco de laranja.
Conversamos sobre tudo. Sobre os tempos da faculdade, sem as partes
picantes. Ele quis saber sobre minha origem asiática, sobre os meus pais, se
eu conhecia o Japão.
Falamos sobre vinhos e sobre os chilenos serem os melhores, na
opinião dele. Falamos sobre o tempo em que ele viveu nos Estados Unidos.
Compartilhamos o nosso medo de voar de avião, saltar de asa delta e voar de
balão, ou seja, tudo que envolvia altura.
— Deve ter sido difícil voar para os States tendo tanto medo de avião
— Eu falei.
— Às vezes, fazemos escolhas e precisamos enfrentar os nossos medos
para seguir adiante, não concorda? — Perguntou com um olhar perdido.
— Concordo. Espero que suas escolhas tenham realmente feito você
seguir adiante — Ele me olhou com uma expressão indecifrável e depois
abriu um sorriso.
— É, funcionou para mim. Quer mais saquê? — Perguntou, mudando o
assunto.
— Não, obrigado.
— E você já teve que fazer alguma viagem longa de avião?
— Quando eu era pequena, viajamos para o sul. Foi onde o meu medo
de voar começou. Eu tinha onze anos. O tempo estava feio e, do nada,
passamos por uma turbulência. Eu juro que pensei que iríamos cair, gritei
como uma louca. Algumas pessoas se machucaram, algumas malas
despencaram. Foi tenso, me arrepio só de lembrar.
— Eu também já passei por isso — Disse, fingindo um arrepio.
Como aquele cara na minha frente, rindo e se divertindo comigo,
poderia ser o mesmo cara dos tempos da faculdade do Stênio? Tirando a parte
em que ele disse que eu fui uma boa escolha para madrinha do Ian e que meu
nome era bonito como a dona, ele sequer flertou ou se insinuou para mim.
Será que eu não fazia o tipo dele? Parecia que ele estava me dando
mole na festa, senão a Adele não teria ficado tão brava com o Stênio. Então
por que ainda não tinha partido para o ataque? Por que não estava jogando
seu charme de cafajeste para cima de mim? E por que não estava tentando me
levar para a cama?
Talvez ele tivesse se arrependido por não ter investido em alguma
mulher fruta.
Não que eu estivesse desesperada para ele me beijar com aqueles lábios
vermelhos. Ou desesperada para passar os dedos naqueles cabelos loiros meio
espetados. Ou desesperada para descobrir se havia um tanquinho ali debaixo
da sua camiseta preta que o deixava ainda mais loiro. Tá, talvez eu estivesse
desesperada, mas só um pouquinho.
— Que tal pedirmos a conta e caminharmos um pouco na praia?
— Claro — Queria não ter soado tão entusiasmada com o convite, mas
não consegui.
De repente, uma vontade louca de confirmar se ele merecia mesmo
toda aquela fama de cafajeste gostoso tomou conta de mim.
Afinal, eu já sabia que o cara era um galinha, que só usava as mulheres.
Então não tinha chance de eu me apaixonar, certo?
Errado. E esse foi mais um erro para minha coleção.
Quatro – Foi o seu Sorriso.

"Não sou sempre flor. Às vezes espinho me define tão


melhor. Mas só espeto os dedos de quem acha que me tem
nas mãos."
Clarice Lispector

Clis

Eu tinha prometido a mim mesmo que nunca mais na minha vida


mulher alguma me passaria para trás, me faria de idiota. Graças a Deus e à
quantidade de mulher disponível por aí, — por favor, não me odeiem, vocês
sabem que tem muita mulher fácil por aí — eu estava conseguindo cumprir
essa promessa.
Mas tudo mudou quando a Shizune apareceu. A minha preocupação já
nem era mais só ser traído ou enganado, era sofrer por ela, até porque ela
também poderia perceber o quanto eu era um babaca idiota e cair fora. Eu é
que não ficaria esperando sentado esse dia chegar.
Mas antes de contar como eu consegui ferrar com tudo, porque eu ferrei
mesmo e não me orgulho disso, eu vou contar como foi estar com a Shizune,
a minha ninja. Sem sombra de dúvidas, foram os melhores momentos da
minha vida desde que descobri a traição da Larissa.
É isso mesmo, mulheres, nem as farras ou a mulherada se comparavam
ao que era estar aquela japa.
Eu fiquei muito afim da Shizune na festa. Tinha umas garotas gostosas
lá com as quais eu ficaria muito feliz em me divertir, mas quando a vi,
descartei o restante sem pestanejar.
O que mais chamou a minha atenção foi o seu sorriso meigo e olhar
inocente. Quando abordei o Stênio, perguntando por ela, ele quase teve um
troço. E o fato de ele ter dito que aquela garota era a única que eu jamais
poderia tocar, foi o suficiente para eu querer ainda mais.
Então eu jogaria todo o meu charme e a levaria para a cama, e fodam-se
o Stênio e a neurótica da mulher dele. No entanto, enquanto caminhávamos
na praia após o jantar, o meu foco já tinha sido totalmente desviado.
Eu não costumava ficar batendo papo, muito menos tinha interesse em
saber da vida de uma garota. Mas aquela menina me encantou.
Eu queria ficar ouvindo-a falar e sorrir, só para ficar admirando o
sorriso dela. Pela primeira vez em anos, eu tive uma necessidade urgente de
conhecer uma mulher.
Ela era inteligente, delicada e não estava se jogando em cima de mim
como as garotas costumavam fazer. Mas embora ela estivesse na dela, eu
sabia que ela estava afim. A gente percebe essas coisas.
Então, caminhando com ela sob a luz da lua e das estrelas, eu
finalmente — pois já estava até preocupado com a minha atitude — a beijei.
A princípio, apenas toquei de leve os lábios dela. Segurei sua cabeça
por trás e lhe dei um beijo inocente. Quando me afastei, vi um brilho
diferente em seus olhos. Fiquei totalmente enfeitiçado.
Seus olhos me pediam mais, e eu não neguei, beijei-a com paixão. O
beijo começou delicado, mas a urgência de explorarmos as bocas um do outro
foi crescendo, e nossas línguas se enroscaram com vontade. Quando dei por
mim, já estava apertando o corpo dela contra ao meu, e ela, prendendo os
dedos nos meus cabelos.
Quase a deitei ali mesmo na areia, fiquei louco por causa de um beijo.
Quando nos separamos, com muita dificuldade, não foi preciso
palavras, nem consentimento. Só foi preciso olhar naqueles olhinhos puxados
para saber o que aconteceria em seguida.
E o que aconteceu foi uma novidade até para mim. Eu a levei para o
meu apartamento.
Eu nunca levava mulheres para o meu apartamento. Preferia ir para os
apartamentos delas, assim eu podia ir embora quando quisesse. O que
geralmente era logo após o sexo.
Na hora, não me preocupei com isso. Se eu tivesse prestado mais
atenção aos sinais, jamais a teria levado para lá.
Começou aí. Se eu nunca levava mulher nenhuma para minha casa, por
que a levei? Porque aquela garota já estava exercendo o seu poder sobre mim.
Assim que entramos, já fui direto para o aparelho de som colocar uma
música romântica. Romântica! Eu não era romântico, mais um sinal de que
alguma coisa estava errada. Mas eu, mais uma vez, preferi ignorar.
— Quer beber alguma coisa? — Perguntei, indo em direção à cozinha.
— Vinho?
— Boa escolha — Disse, pegando uma garrafa de vinho chileno que
comprei na minha última viagem ao Chile.
Eu não sou um bom entendedor de vinhos, entendo mesmo é de beber,
apesar de achar os chilenos os melhores.
Portanto, para mim, um Reservado Concha Y Toro é mais do que
suficiente para eu ter na minha casa. É claro que já experimentei os mais
variados e, na viagem ao Chile, eu pude degustar ótimos vinhos e trazer
alguns para casa. Então, para a ocasião, resolvi abrir um dos que eu trouxe, já
que gostei muito.
Servi duas taças e a puxei para o sofá, como se fôssemos dois
namorados. Eu não namorava no sofá, caramba! Aquela mulher era uma
feiticeira, só que, mais uma vez, preferi pensar sobre aquilo depois.
— Gostou? — Perguntei, me referindo ao vinho.
— Sim, não é docinho! — Ela falou, sorrindo.
— Eu não consigo beber vinho doce — Falei.
— Eu também prefiro os secos — Ela concordou.
Então eu peguei a taça das mãos delas e a coloquei na mesinha de
canto. Puxei-a para mim e a sentei no meu colo.
— Você é muito bonita, Shizune — Falei, passando os dedos entre os
seus cabelos — Nunca vi cabelos tão sedosos e tão cheirosos — Dizia,
cheirando os cabelos dela.
Ela sorriu sem graça, mas sustentou o meu olhar, e eu fiquei por um
bom tempo apenas admirando os traços do rosto dela. Seus olhinhos puxados,
suas sobrancelhas bem feitas, seus lábios sensuais... Caralho!
Ela realmente era muito linda.
Tracei o contorno dos lábios dela com o meu polegar e prendi o queixo
dela, puxando-a para mais perto. Nossas respirações estavam tão próximas,
que pareciam duelar entre si. Baixei o olhar em direção a sua boca e plantei
um beijo casto nela.
Eu a ouvi respirar fundo e a vi fechar os olhos. E antes que ela pudesse
abri-los, segurei o seu rosto entre as mãos e a beijei.
Ficamos ali não sei por quanto tempo, apenas nos beijando. Eu
explorava suas costas, seus cabelos com as mãos, enquanto ela me segurava
nos ombros.
Sem pensar muito, encostei no sofá e a fiz sentar sobre mim com uma
perna de cada lado do meu corpo. Continuamos nos beijamos, e só
quebramos o contato quando eu me afastei para tirar a blusa dela e levantar os
braços para que ela tirasse a minha camiseta.
Ela explorava o meu abdômen com as mãos lentamente, me deixando
maluco. Segurei a bunda dela, encaixando-a sobre mim. A playlist romântica
que eu havia escolhido continuou tocando enquanto nos beijávamos com
paixão. Fala sério! Com paixão?
As mãozinhas pequenas dela seguravam minha nuca, enquanto as
minhas, nada inocentes, acariciavam os seios dela por cima do sutiã.
Abaixei as alças, uma por uma, antes de desabotoá-lo e jogá-lo no chão.
Com acesso livre, eu coloquei minhas mãos sobre cada seio e a ouvi gemer
em resposta.
Enquanto os acariciava, ia plantando beijos sobre seus ombros, seu
pescoço, até chegar a eles. Beijei um por um, dando uma leve mordidinha nos
bicos rosados.
Eles eram incrivelmente durinhos. Pequenos, mas perfeitos. Em um
impulso, eu me levantei e a levei para o meu quarto, presa a mim com as
pernas em volta da minha cintura.
Chutei a porta para não precisar tirá-la dos meus braços e a deitei na
minha cama. Aquela imagem vai ficar para sempre na minha memória. Ela
ali, seminua, na minha cama, com aqueles cabelos negros esparramados sobre
o meu travesseiro.
Eu me apaixonaria ali mesmo se os tempos fossem outros.
Aproximei-me e comecei a tirar a saia dela devagar, aproveitando cada
momento. Acho que fiz cócegas nela, pois ela começou a rir. Achei
engraçadinho o jeito como ela sorria, e comecei a fazer cócegas de verdade
na barriga dela, que gargalhava sem parar.
Patético, eu sei, mas eu achei fofo. Droga, eu não tinha momentos
fofos, mas decidi ignorar esse sinal também. Quanto ela parou de sorrir, me
olhou com aquele olhar que já tinha o poder de me desarmar, e eu parti para
cima dela, literalmente.
Deslizei meus dedos sobre sua calcinha muito sexy, preta com lacinho
vermelho, e a tirei lentamente, admirando a visão.
Deitei-me sobre ela, levantando seus braços acima da cabeça. Beijei
sua testa, suas bochechas, seu nariz e, finalmente, sua boca.
Quando a beijei, liberei os seus braços, que foram direto para as minhas
costas. Fui descendo e plantando beijos no seu pescoço, nos seus seios, na
sua barriga, até chegar ao meio das suas pernas.
Com um sorriso malicioso, toquei aquela região quente e molhada com
os dedos e alguns beijos. Ela arqueava o corpo em direção a mim enquanto eu
a torturava. Sem aguentar mais, eu me despi rapidamente. Peguei um
preservativo na gaveta da cômoda e me enterrei nela.
Com movimentos a princípio lentos, que foram ficando cada vez mais
fortes e mais intensos, guiamos um ao outro a uma explosão de sensações,
enquanto ela chamava o meu nome e cravava as unhas nas minhas costas.
Depois que nossas respirações se normalizaram, eu apenas retirei o
preservativo e voltei para a cama. Ainda não estava pronto para quebrar o
contato. Cobri a gente com o meu edredom e a puxei para os meus braços.
Enterrei a cabeça nos seus cabelos e adormecemos. Foi assim que eu
dormi com uma mulher na minha cama depois de anos, e de conchinha. De
CONCHINHA!
Eu soube naquele momento que eu estava perdido.
Cinco – Privacidade? Conheço Não...

Shizune.

Eu soube, no momento em que coloquei os pés no apartamento do Clis,


que não teria volta. Iria acontecer, mas tudo bem, porque era exatamente o
que eu queria: Descobrir se o cafajeste delícia era realmente tudo aquilo que a
sua fama dizia.
Eu confirmei isso. O que eu não esperava era que ele fosse ser tão
carinhoso. O jeito com que ele me olhou, a forma gentil como ele beijou cada
pedacinho do meu rosto me deixou atordoada, juntamente com o que
aconteceu depois.
Eu pensei que ele me dispensaria em seguida. Já estava preparada. Mas,
de maneira alguma, eu estava preparada para dormir com ele abraçadinha
depois. E o pior foi que eu dormi mesmo, como um bebê. Acho que nunca
tive uma noite de sono tão tranquila como aquela.
No entanto, no dia seguinte, antes que as coisas ficassem estranhas
entre a gente e antes que ele me enxotasse da sua casa, eu saí de lá
praticamente correndo. Ainda me lembro da sua expressão confusa ao
acordar e dar de cara comigo me vestindo.
Ele ainda insistiu para que eu tomasse café da manhã com ele antes, e
que depois me levaria pra casa, mas eu não esperei. Disse que não podia, que
precisava trabalhar. O que era verdade. Minha mãe devia estar preocupada
com meu sumiço, então meti o pé.
Confesso que fiquei um pouco confusa com a reação dele. O Clis não
me dispensou depois que transamos na noite anterior, e ainda não estava me
dispensando. Estava querendo tomar café comigo.
Ele assentiu, um pouco decepcionado. Eu notei. Ele ainda me deu um
selinho antes que eu saísse correndo.
Por mais que ele tivesse sido um fofo, carinhoso e muito gentil, eu é
que não ia me iludir, afinal, ele ainda era o amigo dos tempos da faculdade do
Stênio.
Naquele mesmo dia, depois de enfrentar o interrogatório da minha mãe,
ainda tive que aguentar os meus amigos me enchendo por causa da minha
aventura.
Quando cheguei ao bar, os três já estavam me esperando na mesa. A
Adele estava com uma cara de que iria dar bronca numa criança levada. No
caso, eu.
É isso que dá dar liberdade demais para os amigos. Eles se sentem no
direito de se intrometerem na sua vida.
Eu costumo dizer que nós somos a versão brasileira daquela série “How
I Meet Your Mother”, onde os cinco amigos — no nosso caso, quatro —
frequentam mais o bar do que suas próprias casas.
A Adele e o Stênio se encaixam perfeitamente nos papéis do Marshall e
da Lily. O Dani, com certeza, era o Barney, e eu não era a Robin, porque
jamais me casaria com o Dani e jamais deixaria o Ted escapar. E o Ted? É,
não um tínhamos um Ted, o que era uma pena, porque eu, com certeza, me
casaria com ele.
Quando me sentei à mesa, já recebi os olhares mortíferos da Adele.
Ainda bem que eu os estava dividindo com o Stênio. Coitado do meu amigo!
— A bonita pode nos contar onde esteve até agora e o porquê não
atendeu as minhas ligações? — Ela perguntou, quase espumando os cantos da
boca.
— Trabalhei o dia todo — Respondi sem olhar para ela — Cadê a
minha cerveja? —Perguntei ao Diogo, o garçom.
— Conta logo que você passou a noite com o amigo do Stênio e acaba
logo com isso — Dani disse, entediado.
Olhei para o Stênio e quase pude ouvir um "negue" saindo dos seus
lábios.
— Okay, eu passei a noite com o amigo do Stênio — Confessei.
— Sai de perto de mim! — Ela esbravejou, batendo no marido — Vai
sentar perto dela, vai! — Ele obedeceu igual a um cachorrinho e sentou ao
meu lado.
— Não o trata mal! – Disse, passando os braços por sobre os ombros
dele e beijando a sua bochecha.
— É culpa dele, eu falei para não deixar aquele galinha chegar perto de
você.
— Ele queria conhecer o Ian — Stênio se defendeu.
— É... E você tinha que levá-lo para conhecer o Ian bem na hora que a
Shizune estava com ele nos braços?
— A Shizune não é nenhuma ingênua, Adele.
— Muito obrigada, Stênio — Disse, sorrindo para ele.
— Vamos ao que realmente interessa — Interrompeu o Dani — Vocês
fizeram sexo? Você gostou? — Depois disso, o alvo dos olhares mortíferos
com certeza passou a ser o Dani — Qual é, Adele? A Japa sabe se defender
sozinha, ela não precisa da gente lavando a honra dela com sangue. Até
mesmo porque a honra dela já foi para o espaço há muito tempo, não é? —
Dei beliscão nele, fingindo que fiquei ofendida.
— Tá bom, desculpa, Japa, eu sei que você não é idiota. Eu só não
quero te ver por aí jogada pelos cantos bêbada com um violão na mão.
— Vocês transaram ou não, Japa? Satisfaça a curiosidade desse seu
amigo.
— Você é retardado, Daniel? Ela acabou de dizer que passou a noite
com ele. É óbvio que eles transaram, não é? — Ela disse, olhando para mim.
— É... — Eu disse, afinal, contávamos tudo um para os outros.
Desconhecíamos as palavras “segredo” e “privacidade”.
— Que safada, hein, Shizune? Já deu logo no primeiro encontro! —
Adele falou com um ar de reprovação, e automaticamente o meu dedo do
meio criou vida e se levantou na direção dela.
— Amor, é o Clis. Ele não teria toda aquela fama se não conseguisse
levar a Japa para a cama logo no primeiro encontro.
— Muito obrigada! – Falei, dando um soquinho no braço dele.
— Como foi? Vocês foram para sua casa ou ele te levou para um
motel? — Dani estava realmente interessado naquela parte da história.
— Para a casa dele, eu dormi lá — Stênio arregalou os olhos como se
eu tivesse dito o maior absurdo de todos nos tempos.
— Ele te levou para a casa dele?
— Levou.
— E você dormiu lá?
— Dormi, e de conchinha, se você quer mesmo saber.
— Eu não acredito — Falou na minha cara.
— Por que ela iria inventar uma coisa dessa idiota? — Adele
esbravejou.
— Desculpa, Japa, eu sei que você não ia inventar. Só é muito estranho.
— Estranho por quê? — Ela insistiu, mas eu resolvi dar um basta
naquela conversa. Era de mim que eles estavam falando.
— Isso não tem importância, Adele. Eu dormi lá, foi uma noite
incrível, mas eu não vou me iludir, afinal, ele é...
— O amigo dos tempos da faculdade do Stênio! — Eu, o Dani e a
Adele dissemos juntos.
— Eu não entendi o porquê do coro — Stênio disse.
Adele o ignorou e continuamos a conversar mudando o foco para o
Dani que tinha saído do aniversário com uma garota.
— Eu não posso deixar de dizer que a culpa é do Dani por eu ter saído
da festa com o Clis. Se ele tivesse me dado carona, eu teria ido direto para
casa.
— Ei! Não coloca a culpa das suas safadezas em mim não, Japa! —
Enquanto sorríamos da carinha de ofendido dele, o meu celular tocou.
— Não vai atender? — Adele perguntou.
— Eu não conheço esse número — Falei — Alô? — Do outro lado da
linha, estava a última pessoa no mundo inteiro que eu esperaria me ligar.
— Shizune? É o Clis, atrapalho? — Eu fiquei sem fala na hora.
A Adele ficou me olhando com aqueles olhos interrogativos, mas eu a
ignorei.
— Não, claro que não. Tudo bem?
— Tudo, e você?
— Eu estou bem, obrigada.
— Você tá ocupada agora?
— Eu estou num bar com uns amigos — Eu só conseguia me perguntar
o que ele queria.
— Entendo, então... Posso te ver amanhã? — Ele queria me ver? O
cafajeste delícia estava querendo um segundo round?
Eu deveria ter inventado qualquer desculpa, mas...
— Claro! Onde?
— Posso passar para te pegar na sua casa?
— Pode, eu te mando o endereço.
— Combinado, vou esperar ansioso para ter ver amanhã. Um beijo,
ninja! — Ninja?
— Ah... Outro. Até amanhã — Desliguei.
— Não me diga que era o Clis? — Ela perguntou, mas não foi para
mim, foi para um Stênio que, provavelmente, estava muito, mas muito
ferrado — Stênio! Eu. Vou. Te. Matar! — Ela falou pausadamente e com
uma calma que deu medo.
— Amor, eu...
— Chega! Os dois, parem já com isso! Adele, pare de atormentar o seu
marido, não foi ele que abriu as pernas para o Clis — Ela me olhou como se
eu tivesse chifres enquanto Dani gargalhava de chorar — Eu estou cansada,
vou para casa — Me levantei e saí sem ao menos me despedir, e os deixei lá
com umas caras de taxo, me olhando abismados. Exceto o Dani, que ainda
gargalhava. Parecia que ele estava assistindo a um show do Nilton Pinto e
Tom Carvalho. É um bobão mesmo esse meu amigo. Bobão e muito gato, só
para vocês saberem.
No dia seguinte, o Clis me mostrou como um segundo encontro podia
ser ainda melhor do que o primeiro. Sim, aquele homem sabia como agradar
uma mulher. Ele me levou ao teatro e, pasmem, era uma peça que eu estava
super afim de ver. Eu podia jurar que tinha o dedo de um certo amigo ali.
Nota mental: Agradecer ao Stênio.
Depois do teatro, fomos a um restaurante muito chique, e o Clis era
amigo do dono. Lá, ele me apresentou a mais um vinho chileno, do qual eu
também gostei muito.
A conversa entre a gente fluía tão naturalmente, era como se fôssemos
conhecidos há anos. Naquele momento, o meu sinal de alerta apitou. Tarde,
mas apitou.
Eu sabia que, se depois daquele encontro ele ainda quisesse continuar
me vendo, eu cairia de amores por ele facilmente, pois, para mim, ele não
tinha nada de galinha, de cafajeste.
Já começava a duvidar de que o amigo cafajeste do Stênio e o Clis
eram a mesma pessoa. Tinha alguma coisa muito errada ali.
Um típico galinha, de quem o objetivo é quantidade, não estaria
totalmente à vontade num segundo encontro todo romântico, sendo tão legal
e gentil.
Eu precisava me afastar, mas quem disse que eu consegui?
A noite terminou com um beijo na porta do meu apartamento, e ele
partiu sem ao menos se convidar para entrar.
— Tem alguma coisa muito errada nessa história. Ele foi embora sem
sexo? — Adele refletiu quando eu contei como tinha sido o encontro,
enquanto ela passava a minha série.
É, eu malhava na academia dela. Mas não para virar uma panicat,
apenas para "endurecer as coisas". A gravidade é cruel até mesmo com as
magras.
— Por que ele não pode ter mudado? Talvez ele tenha se cansado da
galinhagem e queira sossegar.
— E aí você caiu da cama e viu que era um sonho. Acorda! — Ela
falou, jogando um balde de gelo nas minhas esperanças — É do Clis que
estamos falando, amiga.
— Eu sei.
— Vamos relembrar algumas histórias do tempo na faculdade do
Stênio.
— Ah, não! — Ela sabia mesmo como enforcar a esperança de uma
pessoa.
— Ah, sim, nem precisa ser uma muito cabeluda. Você se lembra
daquela em que estavam os dois bêbados numa festa da república, e que eles
foram cada um com uma garota para o mesmo quarto? — Ela praticamente
gritou nessa parte — O que aconteceu depois?
— Não me lembro.
— Lembra, sim! Fala logo!
— Hum... Eles trocaram as garotas?
— Isso, eles trocaram as garotas. Olha que nojento!
— Eles usaram camisinha — Tentei de alguma forma defende-los.
— Meu Deus, Shizune! Eles se lembraram na camisinha, então tá tudo
certo?
Vocês devem estar se perguntando como a Adele e o Stênio acabaram
juntos. É uma longa história, mas para resumir: Quando eles se conheceram,
o Clis já não fazia mais parte da vida do Stênio, e o coitado estava muito
centrado tentando recuperar o tempo desperdiçado na farra.
O pai dele também havia falecido na mesma época, deixando sua
família cheia de dívidas. Enfim, era hora do garoto crescer.
A Adele, no começo, não quis saber dele. Claro que ela conhecia sua
fama de pervertido, mas meu amigo conseguiu vencê-la no cansaço. Porém,
ele foi obrigado a contar todas as aventuras pervertidas dele, e isso incluía as
farras com o Clis.
Resultado, a Adele o detestava.
— Shizune, olha... Eu não sei, mas desconfio que alguma coisa
aconteceu com o Clis no passado para transformá-lo no que ele é hoje. Mas
eu sei, de acordo com o Stênio, que foi essa vida de galinha que ele escolheu.
Ele não vai mudar, porque ele não quer.
Eu comecei a pensar se o que ela estava falando tinha alguma coisa a
ver com o que a mãe dele queria me dizer. "Coração partido", foram essas as
palavras dela.
— Pergunta para o Stênio — Eu pedi, até meio desesperada.
— Sem chance. Esse assunto é tabu.
— Okay. Ai! Tá muito pesado isso! — Reclamei. Enquanto
conversávamos, ela tinha colocado o dobro do peso que eu estava
acostumada a levantar.
— Isso é para você se concentrar no exercício e parar de pensar naquele
idiota um pouco.
Ignorei, eu só conseguia pensar numa coisa: Se o Stênio era tão
cafajeste quanto o Clis e tinha mudado, por que ele também não?
Seis – A Culpa é Dos ETs.

"Somos donos dos nossos atos, mas não donos dos nossos
sentimentos.
Somos culpados pelo que fazemos, mas não pelo que
sentimos.
Podemos prometer atos, mas não podemos prometer
sentimentos.
Atos são pássaros engaiolados. Sentimentos são pássaros
em voo."
Rubem Alves

Clis

Quando a Shizune saiu do meu apartamento, parecendo um diabo


fugindo da cruz, ela feriu meu ego. Poxa, era eu, o Clis, eu sabia que eu era
gostoso, ainda sou. Será que ela não tinha comprovado isso?
Eu estava acostumado a ter garotas correndo atrás de mim, e não de
mim.
Passei o dia todo de burro amarrado, pensando naquela japa. Não
conseguia entender porque ela estava tão decidida a ir embora, sem ao menos
ter uma segunda dose de mim.
Então, à noite, fui abduzido, porque só isso para explicar a minha
atitude. Eu liguei para o Stênio e praticamente o obriguei a me dar o número
do celular dela.
— O quê? Sem chance, meu amigo. Eu preciso desligar, estou indo
encontrar com o pessoal — Ele falou.
— Ah, tá, naquele bar que vocês frequentam, não é? Eu posso apostar
que a Shizune vai estar lá. Ou você me passa o número, ou eu vou aparecer
dizendo que você me convidou. A sua digníssima esposa também vai estar
lá? — Eu sabia ser persuasivo quando queria.
— Caralho, Clis, não fode com a minha vida!
— Eu só quero o número — Ele ficou em silêncio um tempo,
provavelmente pesando suas opções — Tá bom, cara. Mas, pelo amor de
Deus, liga amanhã. Vou te passar o número por mensagem, seu idiota.
Adeus!
É claro que eu liguei no mesmo dia, só esperei dar um tempo para ele
estar junto. Ele ia perceber que era melhor ser meu aliado do que ficar contra
mim.
Confesso que fiquei um pouco ansioso quando liguei para ela.
Estava surpreso com a minha ansiedade. Eu não era ansioso, eu era
tranquilo e direto. Meus tiros eram certeiros, mas com a Shizune parecia que
eu estava sempre pisando em ovos.
Enfim, nos encontramos no dia seguinte, e foi aí que as coisas
começaram a ficar realmente estranhas. Quando eu digo estranhas, estou
dizendo, fora do meu controle.
Antes de levá-la para sair, obriguei o Stênio a me dizer do que ela
gostava, como tipos de filmes, músicas, peças de teatro.
Ele me contou — depois de me passar o maior sermão por eu ter ligado
para ela quando todo mundo estava perto — que ela estava muito afim de
assistir uma peça que estava em cartaz no teatro do shopping, e eu fiz das
tripas coração, DAS TRIPAS CORAÇÃO, para conseguir os ingressos na
última hora. E o pior de tudo foi que eu me diverti, e muito.
Eu não costumava levar mulheres para outro lugar que não fosse para
uma cama. Estava ficando claro que alguma coisa estava muito errada, e a
coisa foi ficando ainda mais absurda.
Por quê? Pensem comigo. Um cara que só está afim de transar não leva
a garota em um encontro e depois a deixa em casa, e vai embora parecendo
um namoradinho do caralho. Foi exatamente o que eu fiz.
Quando a deixei em casa, ela não me convidou para entrar. E o que eu
fiz a esse respeito? NADA!
Eu não me ofereci para entrar, eu não a empurrei junto com a porta para
dentro do apartamento. Eu não a joguei no sofá, e muito menos arranquei as
suas roupas e a fiz gozar. Eu simplesmente me despedi e saí. Que idiota!
Na manhã seguinte, acordei no meu melhor estilo “hoje eu tô terrível”.
Fiquei mais do que satisfeito e agradeci aos céus por sentir vontade de
sair para uma balada. Mas ainda era meio da semana, então um barzinho com
música ao vivo já estava de bom tamanho.
Assim que cheguei ao bar, uma gata loira veio falar comigo. Eu já tinha
ficado com ela, então já estava no papo. Eu não costumo repetir, mas, como
precisava me exorcizar, foi com aquela mesmo.
Cinco minutos de conversa, uma cafungada no cangote e pronto, motel
mais próximo.
A Amália, Amélia... Alguma coisa assim, era muito quente. A mulher
era decidida. Assim que entramos no quarto, já foi me jogando na cama. Sem
nenhum pudor, foi abrindo minha calça e me pagou um boquete profissa.
Eu ficava olhando a cara de safada que ela fazia enquanto me engolia
com vontade.
Quando eu estava pronto para explodir, ela montou em mim, enrolou
um preservativo com habilidade na minha ereção e já foi me colocando para
dentro. Estava sem calcinha a safada.
Gritou feito uma louca.
No segundo tempo, dominei a situação, arranquei suas roupas, a
coloquei de quatro e me fartei naquele rabão.
A danada gostou. E eu? Bom, na hora foi uma delícia. Foi bem
divertido, mas, assim que coloquei meus pés dentro de casa, isso lá para as
cinco da matina, a imagem da Shizune nua na minha cama me acertou como
um nocaute. Que droga!
No outro dia, estava almoçando com a minha mãe e minha irmã no
shopping, quando minha mãe lembrou o que eu queria tanto esquecer.
— Sábado vamos comemorar o aniversário da Maya. Eu convidei
alguns amiguinhos. Você vai, né? — Minha mãe perguntou.
— É claro que vou — Falei, piscando para minha princesa.
— Leva a sua namorada — Maya disse. Meu Deus, eu tinha namorada
e nem sabia!
— Quem te falou que eu tenho namorada?
— Ficante? — Ela insistiu.
— Ela está falando da Shizune — Minha mãe esclareceu entediada.
— Mãe, quem te disse que a Shizune é minha namorada?
— Eu sei que ela não é, mas eu sei que está rolando alguma coisa —
Ela disse com toda a sua certeza.
— É, sua espertalhona? E quem foi que te disse isso?
— Ninguém, foi meu sentido aranha.
— Ah, tá bom, Peter Parker. Eu vou ver se ela está afim de ir.
E foi assim que minha tentativa de voltar para a gandaia foi totalmente
deixada de lado. Pelo menos por enquanto, pois, quando dei por mim, eu já
estava convidando a ninja para o aniversário da minha irmã.
Que porra! Eu tinha decidido a largar a Japa para lá. Aquele com
certeza não seria o caminho.
Sete – Minha Ninja.

Shizune.

Depois do nosso segundo, e ao que tudo indicava, último encontro, não


tinha mais visto ou falado com o Clis, e já fazia três dias. Já estava me
conformando que ele não me procuraria, afinal, ele desapareceu.
Provavelmente, tinha se cansado de mim, ainda mais depois de me levar para
sair, pagar teatro, comida, gastar com gasolina, e ir embora sem a sobremesa.
Poxa, se ele tivesse dado ao menos indícios de que queria entrar no
meu apartamento, eu teria o atacado e o empurrado para dentro. Mas
perguntar se ele queria entrar? Essa coragem, eu não tive.
Mas aí veio a surpresa: ele ligou me convidando para o aniversário da
irmãzinha dele. Íntimo demais para quem não queria compromisso, não é?
Topei na hora.
Eu precisava recuperar o tempo perdido, se é que vocês me entendem.
Quase caí de costas quando abri a porta para ele naquele dia. Ele estava
irresistível. Como ele podia ficar mais lindo a cada vez que nos
encontrávamos?
Clis tinha feito a barba, o que me dava uma visão privilegiada das
linhas de expressão ao redor da sua boca. Seus cabelos estavam bagunçados e
ainda molhados. Ele usava um blazer de cor mostarda por cima de uma
camiseta branca, um jeans surrado e um allstar branco. Estava delicioso!
Eu o convidei para entrar, mas, antes que eu pudesse me afastar para
terminar de me arrumar, ele agarrou o meu pulso e me puxou para si.
— Senti saudade — Falou, me abraçando. Depois ele me beijou e foi...
Uau! Um senhor beijo.
Nem preciso contar o que aconteceu depois, não é? Ai, preciso, sim!
Eu o puxei pelo blazer e o guiei em direção ao meu quarto. Mandei a
timidez para o espaço e, pela primeira vez em muito tempo, eu tomei as
rédeas da situação.
Comecei tirando o blazer dele, que me olhava com uma expressão
divertida. Depois, desafivelei o cinto da calça, tirei a camiseta... Claro que eu
dei uma pausa para admirar e alisar seu peitoral.
As mãos dele vieram para minha cintura, e ele me levantou e me sentou
na minha penteadeira. Nos beijamos por mais um tempo, enquanto as suas
mãos passeavam pelo meu corpo por dentro da minha camiseta.
Sem cerimônia, ele a arrancou e me deixou só de calcinha, depois me
pegou e me colocou delicadamente na cama.
— Você é a japa mais linda que eu já vi em toda minha vida — Dizia
enquanto me beijava dos pés a cabeça — Ninja! — Falou quando alcançou o
meu rosto.
— Ninguém nunca me chamou assim antes — Disse, toda dengosa,
porque, de verdade, tinha amado o apelido.
— Ótimo — Ele sorriu e mordeu o meu lábio inferior — Minha Ninja!
— Repetiu.
Então, sem mais delongas, ele mesmo tirou a sua calça e sua cueca
boxer, e eu tenho que dizer que eu gostei muito do que eu vi, já que da outra
vez eu não tinha olhado direito.
Gostei de ver, e ele, com certeza, adorou mostrar, pois colocou o
preservativo lentamente. Dava para ver escrito na sua testa a frase: "é, eu sei
que eu tenho presença".
Depois de se exibir mais um pouquinho, ele deitou na cama e me
colocou por cima dele. E nossa! Foi incrível.
O modo como nos beijávamos, o jeito como ele acariciava meus seios,
como enroscava os dedos nos meus cabelos, me puxando para ele, e a forma
como ele segurou meu quadril me ajudando a cavalgar sobre ele. Foi
demais...
Era tão excitante ouvi-lo gemer e me chamar de “minha Ninja”. Ai, eu
disse que aquele homem era viciante, não disse?
Enquanto ele empurrava provocantemente dentro de mim, sorria de
forma tão sexy, que eu não conseguia tirar os olhos das suas linhas de
expressão.
A cada olhar que ele me dava, a cada carinho, eu ficava ainda mais
dependente. Mais presa em sua teia.
— Deliciosa! — Falou com a voz embargada de prazer — Quer que eu
pare?
— Não para! — Respondi depressa demais. Desesperada demais.
Ele sorriu e se levantou, de modo que ficamos sentados. Clis começou
a lamber e a mordiscar meu pescoço, e foi como se um vulcão dentro de mim
entrasse em erupção. Nos entregamos praticamente juntos às sensações
daquele orgasmo intenso.
Ainda ficamos um tempinho abraçados, curtindo o momento. Ele
brincava com meus cabelos enquanto me pedia pra falar em japonês.
Resultado? O inevitável aconteceu. Me apaixonei.
O aniversário da Maya foi divertido. Assim que chegamos, a mãe dele
nos recebeu com um sorriso de orelha a orelha.
— Shizune, que bom que você veio!
— Como vai a senhora? — Ela fez uma careta.
— Senhora tá no céu, querida, deixe-a quietinha lá. Filho! — Ela
abraçou o Clis com carinho.
A garota loira, mas não tão loira como o Clis, se aproximou.
— Ninja, essa é a Maya — Ele me apresentou.
— Prazer em te conhecer, Maya, e é Shizune — Falei, olhando de cara
feia para ele.
— Eu sou a Maya — Ela disse com um sorriso de dentes abertos.
Entreguei o presente que havia comprado para ela. O Clis falou para eu
não me preocupar com isso, mas eu é que não ia aparecer no aniversário de
uma pré-adolescente de mãos abanando.
Ainda mais se essa pré-adolescente fosse irmã do cara por quem eu
estava muito afim. Eu precisava de uma aliada, e dar maquiagem de presente
sempre funcionava.
Simplesmente adorei a garota. Ela era fã de animes e conhecia
praticamente todos. Mais uma coisa que tínhamos em comum, além de
sermos apaixonadas pelo Clis. Eu amo animes. Gente, eu não tive infância!
Brincadeirinha, eu sei que muitos adultos gostam, para falar a verdade,
em minha opinião, a maioria deles não são para crianças.
Bom, ela me levou ao seu quarto e me mostrou sua coleção de mangás
e CDs do Super Júnior. Eu sabia que eles eram coreanos, mas eu não ia dizer
isso para ela.
Quando ela finalmente me liberou, eu fui procurar pelo Clis. Encontrei-
o no jardim conversando com o seu padrasto. Um coroa muito simpático e
charmoso no qual eu havia batido o maior papo mais cedo.
— Finalmente, ela te liberou — Falou, me puxando para um abraço.
— Ela é um amor. E toda aquela coleção de mangá?
— É fase, ano passado era revistinha da Mônica Jovem, não era, pai?
— A culpa é dele, Shizune, que alimenta as manias dessa garota. Ele
faz tudo que ela quer. Esse bobão parece uma marionete nas mãos dela.
— Eu fiquei fora tempo demais, estou tentando recompensar — Clis
disse.
— Mimando-a? Tá bom! Eu vou deixar vocês à vontade. Shizune, foi
um prazer te conhecer. Com licença.
— O prazer foi todo meu, Seu Flávio.
— Que isso, me chame de Flávio — Ele falou e se afastou.
— Ele é um galanteador, mas é o cara — Disse, todo orgulhoso do
padrasto.
— Você o chama de pai? — Perguntei, curiosa.
— Sim. Quando ele foi morar com a minha mãe, eu tinha dez anos. Eu
já não era tão criança, mas ele era a minha única figura de pai, então foi fácil.
Até porque ele desempenhou bem esse papel.
— Hum... E o seu pai? — Eu não queria parecer enxerida, mas estava
muito curiosa para saber tudo sobre ele. E já que ele estava se abrindo...
— O meu pai deixou a minha mãe quando eu tinha dois meses. Não o
conheço.
— Desculpe. Não quis soar intrometida.
— Não se preocupe — Ele disse, beijando meus cabelos — Eu não
tenho problemas com isso, tive sorte de ter o seu Flávio na minha vida.
Tinha como não ficar mais apaixonada? Porque, àquela altura, eu já
estava apaixonada. Naquele momento, eu comecei a acreditar fielmente que
ele poderia ter mudado.
Que inocência a minha!
Oito – Dor de Consciência.

Acho que sou bastante forte para sair de todas as


situações em que entrei, embora tenha sido suficientemente
fraco para entrar.
Caio Fernando Abreu

Clis.

Levar a Shizune na casa dos meus pais não tinha sido uma boa ideia.
Não por ela, eu adorava a sua companhia, até demais, mas pelas coisas que
ouvi do meu pai.
Enquanto a Shizune estava ocupada com a Maya, ele me chamou para
ir até o jardim.
— Você finalmente derrubou as barreiras, filho? — Perguntou.
— Barreiras? — Já não gostei do início daquela conversa.
— Sim, as barreiras do seu coração. Você está deixando a Shizune
entrar. Ela é uma boa garota, você soube escolher bem. Estou orgulhoso de
você.
A coisa toda parecia ainda pior com ele falando daquele jeito. Eu não
estava deixando a Shizune entrar, eu estava só me aproveitando. Mais do que
o necessário, admito, mas, ainda assim, eu acreditava fielmente nisso. Então,
não, eu não estava deixando a Shizune entrar. Nem ela, nem ninguém. No
entanto, as palavras dele caíram como facas afiadas sobre mim. A Shizune
era mesmo uma boa garota. Ela não merecia ser enganada, nem usada por um
cara como eu.
Eu precisava me afastar, mas quem disse que eu fiz isso?
— Pai, eu não tenho nada com a Shizune — Falei, envergonhado —
Ela é... É...
— Só mais uma? — Ele me interrompeu. Meu pai me conhecia bem.
Sabia como eu levava a vida.
— Mais ou menos — Foi o que eu consegui responder.
— Filho, essa menina parece ser legal. Se você não quer nada sério
com ela, seja homem e a deixe em paz. Porque está na cara que ela está muito
interessada em você.
Eu sei que estava isso era fato, mas o que ele disse em seguida foi uma
apunhalada no meu coração.
— Eu conheço um rostinho apaixonado quando eu vejo, e o dela, com
certeza, é de uma garota apaixonada.
— Isso não é possível, pai, só estamos ficando há uma semana.
— E para se apaixonar tem data ou tempo definido, Clis? — Não
respondi, apenas abaixei a cabeça, me sentindo frustrado.
— Pensa nisso, ela está vindo aí.
Depois que eu a deixei em casa, depois de ter entrado dessa vez e
transado de novo com ela, as palavras do meu pai pairavam na minha mente.
Ela não podia estar apaixonada, podia?
Bom, sem querer ser convencido, eu teria me apaixonado por mim no
primeiro dia. Então, se ela tinha se apaixonado, eu entendia, mas
eu não estava apaixonado.
Ela, sim, podia estar o tanto que ela quisesse, o perigo era se eu me
apaixonasse, e, por enquanto, eu estava seguro, e a crise de consciência que
eu tive mais cedo sobre ser melhor para ela eu me afastar foi para o ralo.
Mais tarde, naquela mesma noite, depois de desistir de tentar dormir, eu
cheguei a uma conclusão: eu ia levar a situação adiante e, se a coisa
começasse a ficar séria, eu sairia fora. Plano de mestre!
Já estávamos na segunda semana de "relacionamento". Eu disse
relacionamento só porque não consegui pensar numa palavra que se
encaixasse melhor para definir o nós tínhamos até aquele momento.
Estávamos na casa dela, e essa foi a primeira noite que eu dormi lá. Se
eu não deixava as garotas dormirem na minha casa, eu muito menos dormia
na casa delas. Mas eu estava muito cansado, e estava tarde, e... Bom, já
esgotei o meu estoque de desculpas.
Voltando ao assunto, eu estava passeando pelos canais da TV, enquanto
ela estourava pipocas de micro-ondas.
Ela usava um shortinho de pijama com estampas da Minnie e uma
camiseta daquela campanha do câncer de mama. Ela estava perfeita.
O que me encantava na Shizune era que ela não ficava tentando me
seduzir ou parecer sexy, porque, para mim, ela era sexy para caralho apenas
com aquele pijama da Minnie.
Claro que ela tinha lingeries sensuais que me deixavam doido, mas a
garota de pijama ali na cozinha concentrada em ouvir os primeiros estouros
das pipocas era a que realmente eu queria. Eu não disse isso!
Ela se aproximou e me entregou a bacia de pipoca, enquanto colocava
os copos com coca na mesinha de centro.
— O que vamos assistir? — Perguntou, sentando ao meu lado.
— Eu não sei. Desisti da TV a cabo. Vamos assistir Netflix? — Ela
balançou a cabeça, concordando, enquanto enchia a boca de pipoca. Tão fina!
— Vamos assistir animes?
— Clis, nem todo nissei gosta de desenho japonês.
— Isso quer dizer que você não...
— Adoro! — Gritou, tomando o controle da minha mão — Vamos
assistir Death Note.
— Credo! Um cara mata pessoas escrevendo o nome delas num livro
demoníaco?
— Tá bom, mocinha, vamos procurar um anime de menininha para
você — Ela disse, rindo da minha cara enquanto eu revirava os olhos —
Vamos assistir Sailon Moon.
— Sailon o que?
— Ah, que pena, não tem a Sailon Moon no Netflix.
— Eu procuro! — Tomei o controle — Eu quero ver os Cavaleiros do
Zodíaco.
— Não, eu procuro! — Ela tomou de volta e saiu correndo.
— Eu procuro! — Saí correndo atrás dela.
Fui atrás dela, que ficava se esquivando de mim atrás do balcão da
cozinha, balançando o controle na mão. Aquilo era tão infantil e tão divertido
ao mesmo tempo...
Consegui me aproximar e a encurralei entre a pia e o balcão, e, quando
nossos olhares se cruzaram, ficou claro que não importava mais quem iria
escolher o anime, porque nós não iríamos mais assistir.
Aquela foi a primeira noite em que ela me mostrou o quanto era
habilidosa com a boca e com as mãos, se é que vocês me entendem.
Eu sei que vocês me entendem, mas também sei que vocês querem me
ouvir dizendo. Okay. Aquela foi a primeira vez que ela me chupou, ali
mesmo na cozinha, e ela fez direitinho.
Fiquei louco. Enquanto ela fazia seu trabalho de mestre, me olhava com
aqueles olhinhos puxados e meio envergonhada. Porra, tão sexy!
Enrolei aquele cabelão na minha mão e ajudei, empurrando-a para
me abocanhar gostoso. Tinha fantasiado essa cena não sei quantas vezes.
Ela, de joelhos na minha frente, e eu, com os cabelos dela enrolados do meu
pulso.
Quando estava quase lá, a afastei gentilmente, peguei sua mão e a levei
até meu pau para que continuasse.
Ela sorriu, o fez, e eu gozei na mão dela.
A Shizune era uma palhaça, ficou brincando com a minha porra na
mão. Depois de tentar passar a mão suja em mim, se levantou e lavou a mão
na pia da cozinha.
Aproveitei. Me encaixei atrás dela e falei no pé do seu ouvido:
— Minha vez.
Peguei-a nos braços e a deitei na mesa da cozinha. Tirei seu shortinho
da Minnie, sua calcinha de renda, e caí de boca literalmente.
Não fui suave, chupei forte, mas alternava com beijos e mordidinhas de
leve. Ela gemia com os dedos envoltos nos meus cabelos. Penetrei dois dedos
nela, que arqueou o corpo totalmente entregue.
Enquanto a fodia com os dedos, circulava seu clitóris com a língua. Ela
não demorou, se entregou rápido ao prazer que a consumia.
Depois disso, a televisão foi desligada, as luzes apagadas, mas nós
continuamos muito acesos no quarto dela.
Naquela mesma semana, continuamos nos encontrando quase todos os
dias. Fomos ao cinema assistir um filme de mulherzinha e passeamos de
mãos dadas no parque.
Fui até o trabalho dela e marquei uma massagem, ela quase caiu de
costas quando me viu. A minha massagem teve um bônus especial, era como
se eu tivesse numa daquelas casas de "massagens" coreanas, mas com uma
japonesa.
No domingo à noite, não tínhamos feito planos juntos e eu precisava
reafirmar para mim mesmo a minha canalhice. Então fui a uma boate na
Barra com meu outro amigo de farra, já que o Stênio casou.
Eu já disse que ainda não acredito que o Stênio se casou? Pois é.
Chegando lá, vocês já sabem, não? Bebidas + mulheres = sexo
selvagem dentro de um carro. Carro dela...
Nove – Massagem Vip.

Shizune.

Na segunda semana, a gente estava ficando. Eu já não estava mais


preocupada e com receio de o Clis ser o Clis.
Eu estava mais do que esperançosa de que as coisas ficassem sérias
entre nós, mesmo com todos os avisos e conselhos da Adele. Estava disposta
a laçar aquele cafajeste.
Não dei ouvidos a ela. Poxa! Já tinha se passado uma semana, e ele
ainda estava comigo. Ou a fama de que ele não ficava com uma mulher só
mais de uma noite era mentira, ou ele tinha aberto uma exceção para mim.
Eu não me importava em saber qual das duas opções era a correta, pois
qualquer uma delas estava ótima para mim.
Na quinta-feira à tarde, eu estava me despedindo da senhora Mei
quando a recepcionista me avisou que um cliente de última hora tinha
aparecido.
Eu não fazia massagem em homens, mas, como eu estava disponível,
resolvi abrir uma exceção.
Quando a porta se abriu, quase morri — de novo — por ele estar lindo
e por ele estar ali.
— Como você sabe onde eu trabalho? — Perguntei, mas ele já foi me
agarrando, me beijando e me sentando na maca — Você não veio fazer
massagem!
— Eu vim, mas eu é que vou ser o massagista — Ele falou,
desabotoando meu jaleco.
— Você é maluco! — Falei, quando a minha última peça de roupa foi
para o chão.
— Vai, deita aí, eu vou te fazer relaxar, você está muito tensa — Falou,
massageando os meus ombros.
Então eu deitei de bruços e ele começou a me fazer "massagem".
Só que eu não distribuía beijos nas costas das minhas clientes, e muito
menos tocava as partes íntimas delas. Com certeza, a massagem dele era
muito melhor que a minha, e muito mais demorada também.
Quando ele finalmente resolveu ir embora, isso depois de várias
batidinhas na porta da Laura, nossa recepcionista, eu o acompanhei até a
porta da clínica e ganhei um beijão daqueles de cinema.
Quando voltei, a Laura estava boquiaberta:
— Shizune, quem era aquele gostoso?
— É o Clis — Falei, rindo enquanto ela se abanava.
— Eu não quero nem imaginar o que vocês andaram fazendo lá dentro.
— É bom não tentar, você não vai nem chegar perto.
— Uau! Ele chegou aqui dizendo que queria fazer uma massagem, mas
que só faria se fosse com você, e ele soube ser bem convincente.
— Como assim?
— Ele disse que queria te fazer uma surpresa e, é claro, trouxe isso —
Ela mostrou uma caixa linda com chocolates importados.
— E eu não ganho nada?
— Ah, minha querida, com certeza o que você ganhou foi muito
melhor do que chocolate — Ela sorriu e pegou debaixo do balcão uma
segunda caixa — Essa é sua.
Os chocolates eram de comer rezando. Agradeci a Laura e pedi para ela
não comentar nada com a mamãe, senão ela iria me bombardear de perguntas.
Fui lá para dentro me empanturrar de chocolate.
Mais tarde, lá estávamos eu, a Adele e o Stênio no bar, tomando
cerveja enquanto eu contava minhas últimas aventuras com o Clis.
Só para vocês saberem, minha amiga marombeira não bebia, mas nós
bebíamos por ela. Quer dizer, eu fingia que bebia.
— Espera, vamos recapitular isso aí, porque eu sinceramente acho que
não estamos falando da mesma pessoa — Stênio dizia — Quer dizer que o
Clis te levou para assistir uma peça de teatro e depois foi embora sem sexo?
— Isso mesmo.
— E depois te levou de novo na casa dos pais dele no dia do
aniversário da Maya?
— Uhum.
— E dormiu na sua casa? — Concordei com a cabeça — E apareceu no
seu trabalho com caixa de bombom?
— É isso aí — Confirmei.
— Bom, eu vou ter que admitir, Shizune, parece que você está
conseguindo domar o cafajeste. Ele parece interessado.
— Não dá esperança para ela, Stênio! — Minha amiga esbravejou.
— Mas, amor, o Clis não faz esse tipo de coisa.
— Shizune, me escuta, quanto maior a ilusão, maior a desilusão.
— Credo, Adele, você não pode apenas ficar feliz por mim ao invés de
ficar me agourando?
— Eu não estou te agourando!
— Stênio, você o conhece melhor do que ninguém. Você acha mesmo
que ele vai me dispensar? — Supliquei.
— Eu não sei, Japa. O que eu posso dizer é que ele está agindo
diferente com você.
— Stênio, não foi isso que combinamos de você dizer! — Adele
fuzilou o marido com o olhar.
— Shizune, você é uma garota incrível, merece muito mais do que
aquele cretino cafajeste pode te oferecer — Ele mudou o discurso,
pronunciando a frase como se estivesse lendo.
— Quem merece o quê? — Dani chegou com uma garota a tiracolo.
— Quem é essa? — Adele perguntou, sem ao menos olhar para a cara
da menina. Ela conseguia ser bem megera quando queria.
— Oi para você também, Adele. Essa aqui é a Anne. Anne, esses são a
Japa e o Stênio.
— É Shizune, Anne — Eu sorri e o Stênio acenou.
— Muito prazer. Onde fica o banheiro? — Apontei a direção do
banheiro e, quando ela saiu, a Adele puxou o Dani para sentar perto dela.
— Você não pode trazer mulheres para o grupo sem a gente aprovar
primeiro.
— Relaxa, Adele, não é nada sério — Ele afirmou.
— Piorou! Eu não quero saber de rotatividade de periguetes na nossa
mesa.
— Não precisa sentir ciúmes, gata. Tem pra todas.
— Oh, me respeita! — Stênio ralhou. Dani jogou beijinhos para ele.
— Do que vocês estavam falando? — Meu amigo perguntou,
colocando cerveja no copo.
— A Japa estava nos contando que o Clis a levou para assistir uma
peça. Depois a deixou em casa e foi embora sem sexo.
— Sério? — Ele perguntou, surpreso.
— Sério. E ele também a levou no aniversário da irmã na casa dos pais
dele, dormiu na casa dela e apareceu na clínica com caixinha de bombom
importado.
— Caramba, Japa, o galinha está comendo na sua mão!
— É o que acho... — Stênio começou a falar, mas desistiu quando
olhou para Adele.
— Eu não acredito nessa mudança dele, Dani.
— Adele, vamos dar um voto de confiança para o cara, afinal, já tem
duas semanas que eles estão juntos. É compreensível que ele esteja gamado
na Japa, olha só para ela. Eu sei do que eu tô falando — Falou, piscando para
mim.
Eu não mencionei antes, mas o Dani disse aquilo porque nós fomos
namorados um tempo atrás. Foi coisa rápida, logo percebemos que éramos
melhores como amigos.
— Eu sei, Dani — Ela bufou — Tudo bem. Desculpa, amiga. Trégua?
— Trégua! — Eu respondi.
— Voltei... — Anne falou, sentando ao lado do Dani. E pelo resto da
noite, assistimos à sessão de amassos e mãos bobas dos dois.
Dez – Ataque de Uma Ninja.

"São os pequenos brilhos que encantam, os holofotes cegam."


Clarice Lispector

Clis.

Depois da minha última aventura com a morena do carro preto, eu


ainda não tinha visto a Shizune. Ela estava fora da cidade fazendo um curso
não sei de quê, e isso já fazia três dias.
Eu estava sentindo saudade. Claro que eu dizia para mim mesmo que
não era isso, mas, na realidade, aquela garota já estava fazendo parte da
minha vida. Eu estava sentindo falta daquele sorriso meigo, daquele jeitinho
espevitado dela, e isso era sinal de que as coisas estavam fugindo do meu
controle.
Naquela noite, tinha combinado com o Tadeu, meu amigo, de ir a uma
boate de swing nova que tinha aberto na cidade. Eu não curto essas coisas de
troca de casais. Tá, aconteceu uma vez, eu e o Stênio trocamos umas
meninas, mas, sério, aquela foi a única vez e, para ser sincero, eu não faria
aquilo de novo.
Eu ia mesmo só para acompanhar o cara e, quem sabe eu encontraria
uma maluca que quisesse fazer umas loucuras, mas só comigo. Já estava
arrumado para sair quando a minha ninja ligou.
Eu poderia simplesmente ignorar, afinal, já era tarde. Eu poderia fingir
que não vi, porque já estava dormindo. Mas, quando o nome dela iluminou a
tela do celular, meu coração começou a disparar. Mais um motivo para eu
ignorar e ir para à tal boate extravasar, mas é claro que não fiz isso. Ainda
bem, a minha ninja estava ligando porque tinha acabado de chegar em casa e
queria me ver.
Resultado? O Tadeu foi sozinho para a boate, pois eu não pensei duas
vezes. Graças a Deus, porque o que eu vi quando ela abriu a porta, boate
nenhuma se compararia.
Ela estava vestida de ninja, literalmente, mas uma ninja sexy para
caralho. Caramba, que fantasia era aquela?
— Shizune, Shizune, assim eu não aguento — Foi o que consegui
dizer.
Sorriu e foi em direção ao quarto, e eu fui, igualzinho a um cachorrinho
obediente, atrás dela.
Ela tinha decorado o quarto com uns leques, algumas velas e pétalas
vermelhas. No criado-mudo, estava um balde com espumante e morangos.
Tudo romântico demais, mas eu ignorei, estava muito mais interessado
naquela fantasia, e, cara, ela tinha preparado tudo aquilo pensando em mim,
cada detalhe.
Puta merda! Era hora de colocar ponto final naquilo, mas quem disse
que eu fiz isso? Não fiz antes, nem depois.
Antes, eu estava interessado demais em tirar aquela fantasia dela, e
depois, bom, o depois que ficasse para depois.
Aquela noite marcou o começo do fim. Foi diferente, foi especial. Não
que das outras vezes não tivesse sido, mas, de alguma forma, o fato de ela
estar demonstrando sem reservas seus sentimentos tornou a noite especial.
Mais tarde, ela descobriria que aquilo tinha sido um erro.
O fato de ela ter chegado de uma viagem cansativa de carro e, mesmo
assim, ter preparado tudo aquilo para mim, me deixou meio bobo na hora.
Fiquei me sentindo por ter uma japa linda daquela caidinha por mim.
Nenhuma garota jamais tinha feito algo parecido. Claro que eu nunca tinha
dado chance antes.
Ela estava de joelhos em cima da cama quando me juntei a ela. Eu não
conseguia beijá-la na boca por causa da máscara, então fui beijando seu
pescoço, seus seios. Afastei o top dela para ter acesso livre àqueles seios
pequeninos. Dei atenção especial a eles. Lambi, beijei e chupei com vontade.
Depois, a deitei e tirei a máscara, porque, por mais que eu estivesse
adorando olhar para ela mascarada, eu precisava com urgência beijá-la.
Beijei seus lábios com delicadeza, com suavidade. Depois fui
aprofundando o beijo, enlaçando a língua dela na minha, enquanto ela
explorava minhas costas com as unhas.
Deixei que ela tirasse a minha camiseta e fui tirando a sua fantasia,
peça por peça, bem devagar.
Quando estava totalmente nua, peguei os morangos e me sentei por
cima dela. Ela levantou o corpo, apoiando os cotovelos na cama. Então,
coloquei o morango na boca e me aproximei pra mordê-lo.
Dividimos alguns morangos antes de eu derramar o espumante nela e
lamber o seu corpo inteiro.
Minutos depois, o restante das minhas roupas já estava no chão, e eu já
estava inteiro enterrado dentro dela. E, caralho, era cada vez melhor.
A gente se movia de forma sincronizada, se empurrando um para o
outro. Eu beijava seus lábios e os puxava os com dentes. Ela sorria
sedutoramente para mim. Nossos olhares estavam fixos um no outro, e eu
também sorria para ela, totalmente enfeitiçado — pelo momento, só pelo
momento, eu me forçava a lembrar.
Enquanto eu deslizava para dentro e para fora com as suas unhas
cravadas nas minhas costas, eu sentia um aperto no peito. Meu coração estava
acelerado, e eu sabia que não era por causa do esforço que eu estava fazendo.
Era por causa dela, daquela bruxinha. Mas eu não estava me apaixonando,
não estava apaixonado, eu repetia para mim mesmo.
Era só sexo, incrivelmente gostoso, mas só sexo. Eu só fui perceber o
quanto eu estava errado mais tarde.
Depois que a gente fez amor, quer dizer sexo, tomamos banho juntos,
um banho bem demorado. Comemos comida chinesa, que ela tinha pedido
antes de eu chegar, e trocamos os lençóis da cama, pois estava todo molhado
de espumante.
Minha ninja estava deitada na cama, gargalhando, enquanto eu, com a
máscara de ninja, fazia golpes de caratê. Eu sei, patético. Mas, com ela, eu
podia ser eu mesmo.
— Iah! — Eu gritava enquanto dava chutes no ar. Ridículo, né? Mas eu
podia ser o mais ridículo e idiota dos homens, que ela sempre achava graça
das minhas palhaçadas.
— Onde você comprou isso? – Perguntei, deitando ao lado dela na
cama.
— De uma prima minha lá de São Paulo. Ela vende produtos de sex
shop — Opa! Eu gostei de ouvir aquilo!
— E tem mais de onde veio essa?
— Talvez — Ela sorriu, mordendo o lábio inferior.
— Tem alguma chance de você me mostrar isso hoje? — Falei,
puxando o lábio dela.
— Você tem que merecer.
— Eu sou um bom garoto, sei que eu mereço — Agarrei o pescoço dela
e a beijei.
E foi o suficiente para aquela chama dentro de mim se incendiar
novamente.
Onze – Chantagem.

Shizune.

Quando minha mãe avisou de última hora que não poderia comparecer
ao 6° encontro de Dermatologia e Estética, que aconteceria em São Paulo, e
que me mandaria em seu lugar, eu fiquei entre a euforia e a decepção, pois
isso significava alguns dias longe do Clis.
Exatos três dias.
Mas, apesar disso, foram três dias maravilhosos, e seriam perfeitos se
não fosse a saudade que eu sentia dele.
A gente se falava por telefone toda noite, ficávamos mais de horas
conversando, e, na hora de desligar, sempre rolava aquela coisa boba de
quem desliga primeiro. No final, desligávamos juntos no três.
Aproveitei que estava em São Paulo para visitar alguns parentes. Fiquei
na casa da tia Miya, irmã da minha mãe. A filha dela, Minoko, tinha uma loja
online de sex shop, e eu aproveitei para comprar umas coisinhas. Se eu estava
disposta a conquistar de vez o meu cafajeste, eu precisava usar todas as armas
disponíveis.
Ela estava me mostrando uns produtos que, para falar a verdade, eu
nem imaginava como usar, quando vi a fantasia de ninja. "Minha ninja", o
Clis havia me chamado assim várias vezes.
Não pensei duas vezes e a comprei, dentre outras coisinhas. Ah, e ele ia
ter uma surpresinha!
No último dia do encontro, eu tinha combinado de passar a última noite
com a minha tia e ir embora bem cedinho no outro dia, mas eu não fiz isso.
Assim que saí do evento, peguei a estrada. Saí de São Paulo às quatro
da tarde. Eu dirigi quase cinco horas e, no caminho, liguei para Adele. Eu
precisava de ajuda para executar o meu planinho.
— Oi, flor, como estão as coisas por aí? Amanhã você está de volta,
né? — Ela perguntou.
— Amanhã, não, daqui a pouco. Adele, eu preciso da sua ajuda.
— Fala, japa, conta comigo.
— Eu preciso que você providencie morangos, champanhe e pétalas de
rosas.
— O quê? — Ela perguntou, confusa.
Então eu contei a ela sobre o meu plano. Eu sabia que ele poderia se
assustar e sair correndo, mas era um risco que eu tinha correr.
— Japa, eu te adoro, mas eu não vou te ajudar nisso, não. Ajudando
você, eu estarei ajudando-o também. E outra: acorda! Esse cara não te
merece.
— Adele, você prometeu trégua, lembra?
— Isso não significa que eu não continuo pensando o que eu penso
sobre ele.
— Adele, eu não queria ter que partir para a chantagem emocional... —
Eu precisava lembra-la de como as amigas se ajudam independente de suas
opiniões? — Você se lembra de quando o Stênio disse que ia embora? Você
apareceu às três da madrugada, batendo como louca na minha porta. Você
lembra? Você se lembra de quem te ajudou? Quem te aconselhou a ir atrás
dele? Quem foi com você atrás dele?
— Isso é golpe baixo, Shizune!
— Lembra ou não? — Eu insisti.
— É claro que eu me lembro.
— Diz. Eu quero ouvir você dizer.
— Foi você, Shizune, você me ajudou a recuperar o amor da minha
vida. Satisfeita?
— Ainda não.
— Okay — Ela bufou — Eu vou fazer o que você está me pedindo.
Mas, japa, é do Clis que estamos falando. Você pode assustar o cara com
todo esse romantismo. Pensa nisso. Não que eu ache isso ruim, mas ele pode
sair correndo.
— É só uma noite romântica! Eu não vou pedi-lo em casamento.
— Tá. E você quer isso para agora, estou certa?
— Sim, amiga!
— Tudo bem, eu vou providenciar — Ela disse com desgosto.
— Obrigada, obrigada, obrigada! — Falei toda feliz — Agora, deixa eu
desligar, estou dirigindo.
— Shizune, olha a imprudência!
— Calma, mamãe! Eu tô usando a função do carro. Beijos, te amo —
Desliguei.
Quando entrei no meu quarto, tive uma surpresa. As pétalas de rosas já
estavam espalhadas pelo quarto, e, pela cama, a Adele havia trocado a minha
roupa de cama por um lençol branco de cetim, espalhado algumas velas
coloridas e deixado um bilhete em cima do travesseiro.
"Japa, imaginei que você chegaria tarde e cansada, por isso deixei as
coisas mais ou menos preparadas para vocês. Eu não comprei champanhe,
peguei espumante, que tinha em casa. Os morangos já estão lavados, estão
na geladeira. Aproveite!"
Completei a decoração, espalhando alguns leques com escritas em
japonês, e acendi alguns incensos. Então liguei para ele. Fiquei apreensiva,
mas ele logo atendeu, graças a Deus.
Sorri aliviada quando ele logo concordou em vir para cá.
Quando desliguei, corri para tomar banho com óleo perfumado que
comprei da Minoko, sequei o meu cabelo e coloquei a fantasia.
Um terror atravessou meus pensamentos enquanto olhava para minha
imagem no espelho. E se ele achasse ridículo e se realmente corresse?
O bom é que eu não tinha tempo para ficar remoendo os "e se", pois ele
chegaria a qualquer momento.
Corri na cozinha, coloquei o espumante no gelo, peguei os morangos,
coloquei no criado-mudo e acendi as velas. Cerca de dez minutos depois, a
campainha tocou. Ele era pontual.
Eu fiquei em pânico na hora, tive vontade de desistir, chamá-lo para
sair e não deixá-lo se aproximar do meu quarto. Mas, ao contrário disso, eu
respirei fundo, coloquei a máscara e atendi a porta.
E quando ele olhou para mim, vi uma mistura de desejo, excitação e
surpresa em seu rosto. E pela forma como ele praticamente salivava pela
minha fantasia, pude constatar o início de muitas aventuras eróticas que
faríamos juntos. Ou não.
Doze – Ciúmes? Eu?

Ter ciúmes é reconhecer a liberdade do amor!


Rubem Alves.

Clis.

Depois da noite quente e romântica que eu e a Shizune tivemos, eu


meio que entrei em pânico.
Pânico pelo fato de eu ter gostado tanto, e pânico pelo fato de querer
que noites como aquelas se repetissem. No entanto, foi só nos encontrarmos
novamente para eu me iludir que conseguiria continuar levando a situação e
que eu tinha tudo sob controle.
Uma noite, fomos juntos ao bar que ela frequentava sempre com os
amigos. É, eu finalmente tinha sido convidado para participar do clubinho
fechado deles. Eu só não sabia se o restante do grupo estava de acordo com
isso. Tive a resposta para essa pergunta assim que entramos no bar.
Eles estavam sentados, conversando animadamente. Mas, assim que me
viram com ela, a cara deles mudou na hora.
O Stênio olhou surpreso, e a Adele parecia que iria pular na minha
jugular a qualquer momento. O outro cara apenas olhou sem expressão.
— Tem certeza de que foi uma boa ideia? — Perguntei antes de nos
aproximarmos.
— Certeza absoluta — Ela falou, me dando um beijo no rosto e me
puxando.
— Ora, ora. Olha quem está aqui — A Adele foi a primeira a falar, mas
eu preferia que ela tivesse ficado calada, a julgar pelo cinismo na voz dela.
— Boa noite, pessoal! — Falei, enquanto o Stênio encarava sem
disfarçar nossas mãos entrelaçadas.
— Boa noite, cara! Não faz cerimônia, senta aí — O carinha que estava
com eles falou, quebrando o clima chato.
Eu e a ninja sentamos de frente para o Stênio e a Adele. Finalmente, o
Stênio saiu do seu transe e começou a falar:
— Você bebê o que, Clis?
— Cerveja.
— E você, japa?
— Cerveja também.
— Duas cervejas, amigo! — Stênio pediu para o garçom.
— Os dois vão beber? Quem vai dirigir? — Adele perguntou.
— Nós viemos de táxi — Shizune respondeu.
Ela me deu um beijo leve nos lábios, e eu podia sentir os olhares
assassinos da Adele perfurando meu corpo. O que é aquela doida tinha contra
mim?
— Shizune, querida, vem comigo ao toalete? — Ela perguntou. Vi
quando a minha ninja revirou os olhos, mas concordou.
— Já volto! — Assenti com a cabeça, ela me olhou com carinho e saiu
atrás da psicopata.
— É eu acho que a sua esposa não gostou muito de me ver aqui, Stênio.
— Bobagem... — Stênio disse, sem me convencer.
— Relaxa, cara, não é pessoal. Semana passada, ela ficou brava porque
eu trouxe uma garota que ninguém conhecia. Você ainda está no lucro, já que
você não é nenhum estranho — Eu não tinha tanta certeza daquilo — A
propósito, muito prazer, eu sou o Daniel.
Apertei a mão dele. O cara parecia legal. Isso antes de eu saber que ele
e a ninja já namoraram. Mas isso eu conto depois.
Elas voltaram rindo do banheiro, e eu finamente consegui relaxar. Até a
megera abrir a boca:
— E então, vocês estão namorando? — Ela perguntou, olhando para
mim.
Caralho, meu coração disparou. É claro que nós não estávamos
namorando, mas eu não sabia como responder. Shizune olhou para mim,
esperando a minha resposta, e parecia, no olhar dela, que ela queria que eu
dissesse que sim.
— É... Bem...
— Ainda estamos nos conhecendo, Adele — Ela resolveu responder
por mim.
— Mas já faz um tempo que vocês estão saindo. Já não está na hora de
oficializar a relação? — Puta que pariu!
Tinha sido uma péssima ideia ir àquele bar.
— Em que século você vive, Adele? — Daniel perguntou — Vocês
vêm com a gente para a boate? – Perguntou, se virando na nossa direção.
— Se a Shizune quiser, nós vamos sim — Lá, pelo menos, a música
atrapalharia ouvir as perguntas indiscretas da Adele.
Foi assim que fui parar em uma boate com uma garota depois de muito
tempo. Eu não levava garotas a festas, eu as tirava de lá. Mas lá estava eu,
dançando agarradinho, e a música nem era lenta.
Nossos corpos estavam tão unidos, que parecia que iam se fundir a
qualquer momento. Ela se virava de costas, esfregava o corpo no meu, e ia se
abaixando na minha frente. Eu tinha a impressão de que ejacularia nas calças
ali mesmo.
Eu só pensava em tirá-la dali e jogá-la na cama mais próxima.
Mais tarde, estávamos sentados todos no bar da boate, quando o Dani a
chamou para dançar. Ela aceitou sem pestanejar, e, puta merda, aquilo me
incomodou.
Do meu campo de visão, eu conseguia ver os dois na pista. A música
era eletrônica, ou seja, eles nem se encostavam. Mesmo assim, eu continuava
não gostando e não conseguia disfarçar.
O Stênio estava me contando sobre alguma coisa do trabalho dele, mas
eu não conseguia prestar atenção.
Só conseguia observar a minha Ninja com outro cara. Como se
percebendo o meu desconforto, a megera da Adele decidiu que aquela era
uma boa hora para voltar a me alfinetar:
— Não fique preocupado, eles são apenas amigos. Grandes amigos...
— O quê? — Fingi que não tinha entendido.
— O Dani e a Shizune... Hoje, eles são apenas bons amigos.
— Hoje? — Ela conseguiu minha atenção.
— Você não sabia? Eles já foram namorados. Não precisa ficar
preocupado, não vai rolar mais nada ali — Ela sorriu e saiu triunfante em
direção à pista de dança.
— Eles já foram namorados? — Perguntei ao Stênio.
— Já faz um bom tempo. Relaxa.
— Eu só fiquei surpreso – Disse, ignorando o que aquela informação
estava fazendo com a minha cabeça.
Tentei deixar isso para lá e me concentrar na conversa com o Stênio,
tirando as piadinhas ridículas sobre eu estar com ciúmes do Dani.
Mais tarde, o cara arrumou uma peguete e sumiu. Não o vimos mais, e
eu pude relaxar um pouco. Só que, quando eu pensei que tinha deixado para
lá, algo inacreditável aconteceu.
A Shinuze queria ir ao banheiro, e eu, como cavalheiro que sou, a
acompanhei. Estava encostado na parede, no corredor que dava para o
banheiro com meu celular na mão quando ela saiu. Sorri para ela e continuei
trocando mensagens com a Maya — aquela garota dormia tarde para
caramba. Quando voltei meu olhar para ela, um cara estava segurando o seu
braço com uma mão e alisando o cabelo dela com a outra.
Ela tentou empurrá-lo, mas ele insistia. Uma raiva fulminante tomou
conta de mim. Mais tarde, eu descobriria que aquilo era ciúme.
Fui até eles. Falei para ele a deixar em paz, que ela estava
acompanhada, mas ele me ignorou.
— Você devia tomar conta melhor dessa sua gostosa — O idiota falou
passando a mão nela.
Nessa hora, eu fiquei cego. Empurrei o cara, e ele me empurrou de
volta.
Partimos um para cima do outro com socos e pontapés. Ele me acertou
no olho, mas eu consegui chutar suas bolas. Caímos no chão e rolamos igual
a dois moleques de rua. Eu não parei, mesmo com os gritos apavorados da
japa, me pedindo pra parar. Isso até o segurança da boate aparecer e nos
expulsar.
Ali começou a minha ruína...
A volta para casa foi estranha e silenciosa. Minha cabeça estava a mil,
na tentativa de entender o que tinha acontecido comigo. Tinha me atracado
com um cara na boate por causa de uma garota. Claro que ele a estava
assediando, mas, mesmo assim, aquele não era eu.
Eu não ficava com ciúmes de ex, e muito menos saía na porrada por
causa de mulher. O que estava acontecendo comigo?
Ela segurou meu rosto entre as mãos e beijou por cima do meu olho,
que, àquela altura, já devia estar roxo. Depois, apoiou a cabeça em meu
ombro e ficou me fazendo carinho, enquanto eu cheirava os cabelos dela.
Que loucura!
Quando chegamos à casa dela, despi-me e fui direto para cama. Minha
ninja trouxe uma carne congelada num saco plástico para colocar sobre o
meu olho. Ela se sentou ao meu lado na cama, me empurrou para que eu me
deitasse e colocou o saco de carne no meu olho.
— Eu não sou violento — Tentei explicar — Não sei o que deu em
mim, ninja.
Desculpe por ter estragado sua noite.
— Você só estava me protegendo — Ela falou, fazendo carinho no meu
rosto.
— Exagerou um pouquinho, mas tudo bem. Aquele cara nojento estava
me assediando!
— Mesmo assim, não é desse jeito que se resolvem os problemas. Me
desculpe...
— Ei! Está tudo bem. Vamos esquecer isso, está bem? — Concordei
com a cabeça.
— Você e o Daniel... Vocês já foram namorados? — Ela me olhou com
uma expressão confusa.
— Nossa, isso faz tanto tempo! Ele te disse isso?
— A Adele me disse.
— A Adele?
— Sim. Como terminou? — Ela não entendeu a pergunta, deu para ver
pelo olhar dela — O relacionamento de vocês, como terminou?
— Ah... — Ela refletiu por alguns instantes — Éramos amigos,
primeiro de tudo, por isso não deu certo. Confundidos as coisas. Mas ainda
bem que percebemos a tempo de não estragar nossa amizade.
— Quer dizer que ele não tem sentimentos por você?
— Não dessa forma. É só amizade, Clis. Pura e verdadeira.
— Eu sei, é... Eu só fiquei curioso — Ela sorriu e beijou a minha testa.
— Vou tirar essa roupa. Continue segurando assim — Colocou a minha
mão em cima do saco de carne — Já volto.
Minutos depois, ela estava de volta com o seu pijama da Minnie. Tirou
a carne da minha mão e levou de volta para o congelador.
— Amanhã vai estar melhor — Disse, deitando ao meu lado e puxando
o edredom.
Abri o braço para ela se aconchegar no meu ombro. Foi aí que eu perdi
completamente o restinho de juízo que eu tinha.
— Boa noite, amor.
Sim, eu a chamei de amor. Que merda!
Treze – Pausa Para um Café.

Shizune.

Estávamos completando um mês de "namoro". Sim, porque, para mim,


ele era meu namorado. Ele só não sabia disso.
Bom, se em quatro semanas, ele ainda não tinha sumido, eu podia me
permitir sonhar. Foi quando decidi convidá-lo para ir comigo ao bar que a
nossa turma frequentava. A Adele ia ter um filho. Duas vezes.
Primeiro, por levar alguém sem avisar. Segundo, por esse alguém ser o
Clis. Mas eu estava disposta a incluí-lo, e ela teria que aceitar.
Passada a surpresa de todos, e não só da Adele, ao me verem chegar
com o Clis, e depois das perguntas indiscretas da minha ex melhor amiga, até
que as coisas estavam indo bem. Bom, até irmos parar naquela maldita boate.
Até a hora que estávamos dançando tão coladinhos, quando eu
conseguia sentir a ereção dele na minha bunda, estava tudo às mil maravilhas.
Eu só pensava em empurrá-lo para algum cantinho escuro daquela
boate e cair de boca nele, mas ele poderia assustar, me achar uma vadia e sair
correndo. Então eu me contentava apenas em me esfregar nele e deixá-lo
maluco, para quando chegássemos em casa.
Mas aí, quando voltei da pista de dança com o Dani, que havia me
convidado para dançar, percebi que o Clis estava estranho. Quando falei que
ia ao banheiro, ele quis ir comigo e, quando eu saí, aconteceu a coisa mais
inacreditavelmente louca de todos os tempos.
O Clis trocou socos com alguém por minha causa. Meu Deus! Eu senti
uma mistura de pânico e excitação. Ele partiu para cima do cara, defendendo
a minha honra, e, é claro, a mulher que ele estava comendo, mas tudo bem.
Apesar de ele estar errado de se engalfinhar com alguém no chão sujo
de uma boate, eu estava mais do que me "sentindo" com aquela atitude, pois
só poderia significar uma coisa: Ciúmes, ele estava com ciúmes. De mim!
Quando chegamos ao meu apartamento, ele ainda perguntou sobre o
Dani, quis saber como terminamos e se o Dani poderia sentir algo por mim.
Gente, eu queria matar a Adele. O que ela estava pensando? Ficar
provocando o Clis parecia ser o esporte preferido dela. Caramba!
Na manhã seguinte, eu acordei e o deixei dormindo. Fui até a cozinha,
preparei um café preto e forte como ele gostava. Assei uns pãezinhos de
queijos desses que a gente compra congelados, peguei algumas fatias de pão
integral, requeijão, e fiz um suco de laranja.
Coloquei tudo numa bandeja e levei para ele no quarto.
Quando entrei, ele já estava acordado, falando com alguém no celular.
Quando desligou, me olhou de cima embaixo:
— Você trouxe café na cama para mim?
— Uhum. Preciso agradar o meu herói — Ele deu aquele sorrisinho
lerdo de canto de boca, o que era raro, pois o sorriso dele na maioria das
vezes era meigo, assim como a carinha de anjo falsa que ele tinha.
Os seus sorrisos safados eram reservados apenas para mim. Como eu
era sortuda! E ingênua...
— Tem um jeito melhor de você me agradar — Disse, bebendo um
gole do café.
— Diga e eu o farei — Clis sorriu, colocou a bandeja de lado e me
puxou para cama.
Ele deitou por cima de mim e passeou os dedos pelo meu rosto, me
olhando com aquele olhar indecifrável dele.
— Ah, minha Ninja, o que você está fazendo comigo? Me deixou louco
de ciúmes a ponto de agredir alguém.
— Você está colocando a culpa em mim? — Perguntei, mas o meu
coração estava disparado. Ele tinha acabado de assumir que tinha ficado com
ciúmes.
— Sim, a culpa é toda sua. Quem manda você ser gostosa desse jeito,
gostosa e sexy – Dizia, enquanto levantava a minha camiseta e beijava o
espaço entre os meus seios.
— Eu? Gostosa? Sexy? Você acha isso mesmo? — Perguntei só para
ouvi-lo dizer.
— Você não tem noção do quanto você é irresistível, não é, japa? Você
deveria saber — Ele beijou a minha barriga e foi descendo em direção ao
meio das minhas pernas — Tão doce, tão suave... — Pronunciava enquanto
deslizava o meu short e minha calcinha para fora do meu corpo.
Clis continuou plantando beijos na parte interna das minhas coxas,
enquanto pressionava um das mãos naquela parte quente e muito úmida do
meu corpo.
Eu arqueei o quadril quando senti sua língua deslizar para dentro de
mim. A sensação era incrível.
— Deliciosa! — Falou enquanto tirava e enfiava a língua dentro de
mim.
Ele deu algumas mordidinhas e voltou a introduzir a língua, dessa vez
pressionando o polegar no meu clitóris. Gemi, segurando os seus cabelos.
Meu Deus! Ele sabia como fazer aquilo. É claro que ele sabia, e estava
tão gostoso que eu não demorei a alcançar o clímax. Meu corpo se contraiu
de prazer, e explodi num clímax intenso.
Quando abri os olhos, ele estava parado, olhando para mim, nossos
narizes quase se tocando.
Apesar de um pouco envergonhada, eu sustentei o seu olhar. Ele sorriu
e beijou a ponta do meu nariz, antes de atacar a minha boca. Me beijou com
sofreguidão. Seu beijo era possessivo, mas, ao mesmo tempo, quente e
delicioso.
— Quero você de quatro, ninja. Quero puxar esse seu cabelão — Uau!
Ele não precisou pedir de novo.
Me posicionei de quatro com a sua ajuda. Ouvi quando ele rasgou a
embalagem do preservativo e se enfiou dentro de mim, me preenchendo, me
reivindicando.
Ele fez o que disse. Puxava o meu cabelo enquanto entrava fundo e saía
de mim.
Eu me empurrei ao seu encontro, e nosso ritmo foi ficando cada vez
mais frenético. Depois de um tempo, ele largou meu cabelo e segurou o meu
quadril com as duas mãos. Conseguia ouvir seus gemidos, enquanto ele me
chamava de ninja, de delícia, de gostosa. Fiquei esperando ele me chamar de
amor, como na noite anterior, mas ele não o fez. No entanto, o que ele estava
me fazendo sentir era mais do que suficiente naquele momento.
Eu comecei a sentir aquela excitação crescendo novamente dentro de
mim, as paredes internas do meu corpo começaram a se contrair, e eu fui
novamente levada ao clímax, seguida por ele.
Seus gemidos ficaram mais altos quando ele finalmente se libertou.
Devagar, saiu de dentro de mim e me abraçou. Ficamos abraçados em
silêncio. O único som que ouvíamos eram das nossas respirações alteradas.
Então adormecemos novamente, um nos braços do outro.
Quatorze – Eu NÃO Estou Apaixonado.

São demais os perigos desta vida. Para quem tem


paixão.... Principalmente.
Vinicius de Morais

Clis.

A viagem a Cabo Frio veio na hora certa. Eu precisava dar um tempo


de toda aquela intensidade, e ficar uns dias longe daquela ninja ia me fazer
bem.
O sobrinho do meu padrasto era corretor de imóveis e tinha me ajudado
a comprar dois imóveis. Estava na casa da minha mãe, escondendo minhas
emoções do restante do mundo, quando ele apareceu por lá:
— E aí, Clis? — Ele disse, me cumprimentando — Ia mesmo ligar para
você.
— O que você tem para mim? — Perguntei.
— Então... É uma casa de praia em Cabo Frio. O casal está se
divorciando e estão vendendo tudo.
— Não sei não, cara... Casa de praia?
— Cara, a casa é de frente para o mar num condomínio fechado. Três
quartos com suíte, sala, cozinha, piscina. Recém-reformada. Eles estão
vendendo barato, é uma oportunidade única.
— Claro que é corretor... — Brinquei.
— Estou te dizendo como amigo, é um ótimo negócio. Você pode
alugar definitivo ou por temporada, sei lá.
— Não sei não, estamos falando de quanto?
— Quatrocentos e cinquenta mil.
— Cara, eu não estou nadando em dinheiro! Não vim milionário
dos States, e não sei se compensa comprar casa de praia para alugar.
— Vai lá e vê a casa. Se você gostar, a gente pode tentar negociar. O
cara tá desesperado. Eu soube que a esposa número um descobriu a esposa
número dois, e as duas têm filhos com ele. O cara tá na merda... — Disse,
ignorando o que falei.
— Caramba!
— Pois é.
Eu não estava a fim de comprar nada naquele momento, mas poder sair
da cidade ia me dar tempo para colocar minha cabeça em ordem.
— Okay, eu vou dar uma olhada primeiro. Se eu gostar, eu vejo se dá
para comprar.
— É isso aí! Vou ligar para o proprietário.
— Valeu!
— Mudando de assunto... Eu soube que você finamente resolveu se
amarrar — O que ele queria dizer com aquilo?
— Me amarrar?
— É, arrumou uma namorada — Namorada? — A Maya estava
comentando outro dia. Soube que é uma japonesa linda. Lembra daquele
amigo meu lá do escritório? Ele te viu na boate com ela.
Puta que pariu! Eu estava me enrolando na minha própria corda. Ela
não era minha namorada, mas todo mundo estava agindo como se fosse. Será
que ela também pensava assim?
— Cara, ela não é minha namorada. Eu lembrei que tenho uma coisa
importante para resolver. Me liga quando eu puder ir. Se for hoje, melhor
ainda.
— Tá legal, te mantendo informado — Assenti e saí de lá quase
correndo, nem me despedi da minha mãe.
Mais tarde, naquele mesmo dia, encontrei o Stênio numa lanchonete.
Ele me ligou, disse que era para botar o papo em dia, mas eu sabia que ele
estava querendo falar sobre o meu show na boate.
— E aí, Vítor Belfort — Ele mal esperou eu chegar para começar a
pegar no meu pé.
— Não enche, Stênio — Falei sem ânimo. Pedi um café e esperei ele
continuar com as piadinhas.
— Cara, o que foi aquilo?
— Ele passou a mão nela na minha frente. O que você faria se fosse a
Adele?
— Bom, a Adele é minha esposa e mãe do meu filho, então eu acho que
talvez eu peitaria se ele tivesse começado.
— Você tá querendo me dizer que eu não deveria tê-la defendido já que
ela não é minha esposa? — Perguntei com desdém.
— Não, eu estou dizendo que estou surpreso com suas atitudes
ultimamente.
— Que atitudes?
— Sei lá, ainda estar com a Shizune depois de quatro semanas, ficar
com ciúmes do Dani e se atracar com alguém por causa dela. Essas coisas...
— Ah, essas coisas. Fala logo o que você está pensando, Stênio.
— Meu amigo, você está apaixonado — Ele soltou como se aquilo
fosse a coisa mais natural do mundo.
Apaixonado? Aquela simples palavrinha fez o meu estômago
embrulhar. Eu não estava apaixonado, eu não queria estar apaixonado. Eu era
Cliscristofferson, o solteirão convicto, o galinha, o cafajeste mulherengo, o
cretino, e o que mais quisessem me chamar.
Eu não podia estar apaixonado. Isso ia contra os meus princípios
básicos e contra o meu maior objetivo: não ter meu coração quebrado
novamente.
— Você está falando bobagem.
— Ah, é? Então me explica: por que você ainda está com a Shizune?
— Sei lá, ela é legal.
— Legal? — Perguntou, sem se convencer.
— É divertida, linda, simpática, gostosa...
— Caramba, Clis! Desde quando ser legal e simpática são requisitos
para você ficar com uma mulher?
— Eu fiquei mais exigente.
— Sei.
— Stênio, eu não estou apaixonado, eu só me sinto bem com ela, porra!
— Mas você ficou com ciúmes do Dani, cara. Você nem conseguiu
disfarçar. Tanto que a Adele percebeu e ficou te zoando.
— Eu não fiquei com ciúmes, eu só fiquei curioso. Caramba, o que eu
fiz pra sua mulher? Parece que ela me odeia.
— Ela só é muito seletiva.
— Eu acho que ela só é mal comida.
— Ei! Eu ainda sou o mesmo cara da época da faculdade. Eu
sei comer alguém. Só resolvi ficar com uma única mulher, e você devia fazer
o mesmo. A japa é uma garota muito legal. Você tem sorte. Não desperdice
essa oportunidade.
— Você sabe que eu não posso — Falei de cabeça baixa.
— Não pode ou não quer? Meu amigo, você precisa sair de cima do
muro. Olha, eu não devia estar te contando isso, mas a Shizune está
apaixonada por você.
Ai, não. Droga! Eu já imaginava aquilo. Só que ouvir em voz alta foi
como levar um tapa na cara.
— Ela disse isso? — Perguntei, aflito.
— Não precisa. Basta ver como ela fala de você.
— Ela fala de mim?
— Cara, ela só fala de você. Tudo que ela faz é pensando em você. A
Adele é contra, mas eu dou a maior força.
— Puta merda, Stênio, você fica jogando a sua própria amiga na toca
do lobo.
— Eu não faria isso se não soubesse que você também está apaixonado
por ela. Eu te conheço, cara. A Shizune é a primeira mulher com que você se
relaciona depois da Larissa.
— Eu não estou apaixonado por ela — Falei sem me convencer.
— Okay, continua negando para si mesmo. Eu preciso voltar ao
trabalho. A gente se vê, Romeu! — Falou, dando um tapinha em meu ombro.
Quando ele saiu, fiquei sentado lá na lanchonete com uma cara de taxo,
processando as últimas informações.
A ninja estava apaixonada por mim. É claro que estava, ela não teria
preparado aquela noite tão especial se não estivesse apaixonada. E eu era um
filho da puta por ter deixado aquilo acontecer, e mais filho da puta ainda por
estar nutrindo sentimentos por ela.
Não queria assumir que estava apaixonado, porque, naquele momento,
eu não acreditava ou não queria acreditar. Mas já era hora de assumir que eu
estava desenvolvendo sentimentos por ela. Que droga!
Peguei o telefone e liguei para meu primo:
— Guilherme... — Falei quando ele atendeu — Arruma essa visita para
hoje, no máximo amanhã. Estou saindo do Rio agora.
Quinze – Sobre Duas Rodas.

Shizune.

Eu estava colocando minhas roupas na máquina de lavar quando meu


telefone tocou. Meu coração já ficava apreensivo sempre que meu celular
tocava. Era o Clis. Milhões de borboletas acordaram e fizeram festa no meu
estômago. Não esperava que ele fosse ligar tão cedo. As coisas ficaram um
pouco estranhas entre nós depois do que aconteceu na boate.
Apesar de ele ter passado a noite comigo na minha casa e ainda ter me
presenteado com um sexo de café da manhã incrível, depois disso, o Clis
ficou distante.
Adormecemos logo após, e, quando acordamos, ele estava diferente. Eu
quis perguntar o que havia de errado, mas tive medo da resposta. Então, ele
foi embora, e já faz dois dias. Trocamos algumas mensagens idiotas nesse
meio tempo, mas foi só.
— Alô! — Falei um pouco apreensiva.
— Oi, ninja — Ele não me chamou de Shizune. Isso era bom, né?
— Oi, tudo bem com você?
— Tenho uma proposta — Disse, ignorando minha pergunta.
— Proposta?
— Sim. Eu estou indo a Cabo Frio amanhã de manhã para visitar um
imóvel lá. Está afim de ir comigo? Ficar uns dois dias?
Se eu estava afim? Eu tinha nascido afim de ir a Cabo Frio com ele!
Uma viagem? Só nós dois? Nem quis processar o resto, só aceitei.
Combinamos de ele passar às sete da manhã para me pegar e nos
despedimos.
— Combinado, até amanhã! — Disse, incapaz de esconder a euforia
que se apoderava de mim.
— Até amanhã, japa gostosa! — Ele desligou.
Eu fiquei muito feliz com seu convite, mas muito perdida também. Até
quando eu iria resistir a aqueles sumiços dele? Até quando eu iria aceitar ser
apenas uma ficante. Até quando eu me contentaria em ser só um casinho pra
ele?
Procurei deixar essas incertezas de lado e fui arrumar minha mala. Eu
iria a Cabo Frio com o gostoso do Clis! Deixaria para pensar sobre tudo
quando voltássemos.
Na manhã seguinte, o despertador soou e acordei sobressaltada. Peguei
o celular para desligá-lo. Havia uma mensagem do Clis:
Bom dia, minha Ninja, daqui a pouco chego aí. Leva o mínimo de
coisas possíveis. Ah, veste uma calça e sapatos fechados. ;')
Calça? Sapatos fechados? Não estávamos indo a Cabo Frio, que de frio
não tinha nada?
E eu havia feito “a mala” para passar esses dias com ele, e ele pedia
para levar o mínimo possível? Quis enviar uma mensagem de volta, mas,
devido à exigência do traje, eu não tive tempo. Tinha que procurar uma calça
que ficasse bem em mim, já que quase nunca usava.
Ainda tinha que selecionar o mínimo de coisas para levar.
Meia hora mais tarde, já estava pronta. Vesti uma camisa lilás meio
transparente, a calça, calcei meu coturno, que fazia anos que eu não usava.
Não fiz maquiagem, passei apenas um rímel e um batom nude.
O porteiro avisou que ele estava me esperando lá embaixo. Peguei
minha mala, que agora era só uma bolsa de tecido grande, e desci.
Quando o avistei, quase caí de costas. Ele estava em uma moto que
mais parecia uma espaçonave. Sabe aquelas motos de motoqueiros malvados
que vemos nos filmes? Então...
Eu iria até Cabo Frio em cima daquilo?
O sorriso do Clis se iluminou quando ele me viu, e eu esqueci
rapidinho da moto. Ele desceu da moto e veio ao meu encontro, beijou meus
lábios e me abraçou.
— Vamos?
— Ah, Clis... — Falei, olhando para a moto.
— Relaxa, japa, a gente vai devagar — Disse, me puxando — Antes,
tenho um presente para você — Meu sorriso automaticamente se alargou.
Ele retirou de dentro do compartimento, que ficava ao lado da moto,
uma jaqueta e me entregou. Sorri e a vesti. Devia ter custado uma grana, dava
para sentir o cheirinho do couro. Clis sorriu satisfeito, aprovando o resultado.
Foi aí que reparei nele, que também usava uma jaqueta preta, um jeans
surrado e um coturno que o deixava com um ar de motoqueiro sexy e barra
pesada.
Me lembrei daquela série “Sons of Anarchy” na hora, e, é claro, do
gostoso do Charlie Human. Naquele momento, eu tinha motoqueiro gostoso
só para mim.
Adorei!
Até que a moto não era tão desconfortável assim. Na verdade, ela não
era nada desconfortável. O assento do passeio tinha até encosto! Ele ajeitou o
capacete na minha cabeça e seguimos viagem. Eu, é claro, curti bastante ficar
agarradinha com ele o caminho inteiro.
Paramos algumas vezes para esticar as pernas e fazer um lanche.
Chegamos a Cabo Frio um pouco depois de onze da manhã, e eu estava
exausta. Fomos para o hotel em que ele havia feito reserva, em frente à praia
do Forte.
Entramos no quarto e coloquei minhas coisas no sofá, desabando nele
em seguida. Clis sorriu, divertido:
— Minha bunda está dormente! — Me queixei.
Ele gargalhou, sentando ao me lado e me puxando para o colo dele.
— Você ficou muito gostosa com essa jaqueta, ninja — Falou,
deslizando os dedos pela jaqueta.
Sorri com malícia.
— Eu amei a jaqueta. Não sabia que você era um motoqueiro.
— Eu sou muitas outras coisas, afinal, o que eu mais tenho é tempo.
Então ele me contou sobre fazer parte de um grupo de motoqueiro, com
o qual ele costumava sair por aí para encontros e eventos. Eu achei excitante.
Depois de ele relatar sua última aventura sobre duas rodas, me puxou
para mais perto e depositou um beijo casto em meus lábios.
Automaticamente, eu quis mais, pois eu sempre queria mais com o Clis. Na
verdade, eu queria tudo com ele.
Passei os braços em torno do seu pescoço e o puxei para mim para
aprofundar o beijo. Ele desfez o coque que eu havia feito pouco depois de
chegarmos e enrolou suas mãos em meus cabelos. Ele tinha fetiche pelos
meus cabelos, não tinha outra explicação.
Nos beijamos por mais um tempo e, quando ele se afastou, encostou a
testa na minha. Senti uma inquietação repentina. Não gostei daquele silêncio,
fiquei com medo de que, se ele abrisse a boca, sairia algo que me
entristeceria.
Clis abriu os olhos e me fitou intensamente. Eu meio que desviei o
olhar, pela intensidade dele, mas ele ergueu o meu queixo para que eu o
olhasse:
— Obrigada por ter me trazido com você — Disparei a falar com medo
de ouvir o que não queria — Eu amo vir para cá, mas fazia tempo que não
vinha.
— Obrigado por aceitar vir comigo — Dizia, enquanto deslizava o
polegar sobre os meus lábios — Você é a melhor companhia que um homem
poderia ter — Falou antes de atacar meus lábios novamente.
Eu o beijei de volta, mas com o pensamento em suas palavras. O Clis
era divertido, sexy, safado... Mas fofo? Aquilo era novidade.
Antes que eu pudesse me iludir ainda mais sobre ele estar se
apaixonando por mim, meu telefone começou a tocar insistentemente em meu
bolso.
Tentamos ignorar no início, mas a pessoa inconveniente que estava
ligando não desistiu.
— Atende — Falou quando deixou meus lábios.
A vontade de atender era nenhuma, ainda mais depois de ver o nome
Adele escrito na tela. Mostrei para ele, que fez careta.
— Oi... — Atendi, desinteressada.
— Oi é o escambal, japa! — Ela bufou do outro lado — Que história é
essa de viajar para Cabo Frio com o cafajeste?
— Eu não sei porque esse alarde todo – Suspirei, entediada.
Clis se segurava para não rir, mas eu estava muito envergonhada por
ele estar ouvindo, já que ela gritava.
— Shizune, esse cara é possessivo e inconsequente! Ele agrediu uma
pessoa na boate, você se esqueceu?
— Ele estava me defendendo! — Falei, irritada — Quer saber, Adele?
Obrigada por ligar para saber se eu cheguei bem. Quando eu voltar,
conversamos — E desliguei.
Eu ainda estava com ela entalada na minha garganta pelas gracinhas
para cima do Clis, no bar e na boate.
— Ela me odeia — Ele disse com um sorriso fraco.
— Ela só é seletiva — A turma costumava dizer isso quando alguém a
achava antipática, o que era, na verdade, frequente.
— Eu acho que ela é mal comida — Falou, sorrindo.
Balancei a cabeça, recriminando-o.
— Vamos almoçar? Estou faminto — Concordei.
— Posso só trocar de roupa?
— Claro, quer que eu troque para você?
— Se você quiser... — Levantei na frente dele.
Clis deslizou as duas mãos pelas minhas pernas, parando na minha
cintura. Então bufou:
— Infelizmente, eu tenho horário marcado para visitar a casa. Posso
deixar para trocar sua roupa à noite, antes de a gente sair?
— Vamos sair à noite? — Perguntei, animada.
— Claro. Primeiro, os negócios, depois, o prazer. Vamos ver o que essa
cidade tem para nos oferecer — Piscou com uma cara lerda.
— Então combinado! — Concordei, empolgada.
— Ótimo! — Ele levantou e beijou minha testa — Almoçamos e
depois seguimos para o condomínio.
Dezesseis – Baixando a Guarda.

(...) Porque uma parte de mim pesa, pondera:


Outra parte delira(...)
Ferreira Gullar

Clis.

Quando encerrei a ligação com a Shizune, fiquei um bom tempo


olhando aquele aparelho em minhas mãos. Que tipo de idiota eu era? Como
uma pessoa que queria sair da cidade para dar um tempo de toda a
intensidade que estava vivendo, levava a intensidade toda com ela?
Ainda não estava acreditando que tinha convidado a ninja para ir
comigo.
Quando o Stênio e eu conversamos mais cedo, entrei em pânico. Ele
disse com todas as letras que ela estava apaixonada por mim. Pior: disse que
eu também estava por ela. Aquilo não tinha cabimento!
Naquele momento, eu havia decidido dar um basta no nosso, nosso...
Rolo, caso, sei lá o que a gente tinha na época. Sairia para uma balada,
pegaria uma mulher qualquer e, antes de viajar, acabaria tudo com a
Shizune.
Acabaria, meu Deus! Nós nem tínhamos nada, e eu estava querendo
acabar.
A verdade é que a ficha estava realmente começando a cair, eu tinha
que me afastar da Shizune antes que fosse tarde demais para nós dois. Mas,
ao invés disso, o que eu fiz?
Ao invés de me arrumar para sair e pegar alguma gostosa fácil, eu
estava era com o telefone na mão há mais de meia hora com essa ideia
desvairada de chamá-la para ir comigo. Quando me dei conta, já estava
ligando para ela.
Depois que desliguei o telefone, vi que não teria mais como voltar
atrás, então me decidi. Aquela viagem a Cabo Frio seria nossa despedida. Eu
me entregaria a mais um momento com ela. E depois, fim.
Me senti mais seguro de mim, mesmo com essa doce ilusão, e respirei
mais aliviado. Mas isso foi só até a ansiedade de chegar logo o dia seguinte
para estar novamente com ela começar a me assombrar.
Saí de casa para espairecer a cabeça e acabei numa loja de roupa
feminina, comprando uma jaqueta de couro — caríssima, por sinal — para
Shizune.
Eu não dava presentes, eu recebia, porra! Presentes em forma de corpos
com os quais eu me divertia e pronto.
Ignorei esse fato, alegando que ela precisaria de uma jaqueta, já que
viajaríamos de moto. Outra novidade...
Eu não carregava mulheres na minha menina, muito menos em viagens.
Eu era muito ciumento com a minha Harley Davidson modelo Touring, a
minha Rainha do Asfalto. Embora fosse perfeita para viagens longas com
acompanhante, eu raramente carregava alguém que não fosse minha mãe ou
minha irmã.
Minha moto custava bem mais do que um bom carro modelo nacional
— tinha um carro popular por conta disso, Sem perceber, me vi tirando-a da
garagem da minha mãe, levando-a para lavar e enchendo o tanque, tudo para
viajar com a Japa. Simples assim.
E ali estava eu, de frente para ela num restaurante qualquer de Cabo
Frio, feliz e satisfeito por sua companhia.
— Por que você largou a faculdade, Clis? — Ela me perguntou
enquanto saboreávamos nosso almoço.
Putz, intimidade. Isso não era bom sinal. Claro que, àquela altura, já
nos conhecíamos razoavelmente bem e já tínhamos falado sobre quase tudo,
mas eu estava com o pé atrás devido a minha decisão de me afastar. E essa
pergunta acarretaria contar sobre a Larissa e todo o resto. Quanto menos
informação, melhor.
— Sei lá, naquela época, eu só não sabia ainda o que queria fazer da
vida — Foi o que respondi.
Ela sorriu, entendendo o recado, e mudou de assunto. Eu me senti mal,
mas jamais falaria da Larissa com ela.
Terminamos de almoçar e seguimos para a visita ao condomínio de
casas de praia que o meu primo torto tinha me arranjado.
Estacionei a moto em frente à casa que estava à venda e desci da moto,
ajudando a minha ninja em seguida.
Shizune havia trocado a calça jeans por um shortinho curto e estava
sexy para caralho. Ela usava um ray-ban de lentes degradê, uma blusa
esvoaçante e tinha prendido os cabelos num rabo de cavalo depois que desceu
da moto.
Eu adorava aquele corpo esguio e sexy. Mesmo a Shizune não tendo
um corpão, eu o idolatrava, pois ele se encaixava perfeitamente ao meu, e sua
pele era tão macia, como veludo...
Mas era só carne, eu tentava sempre me convencer disso quando me
perdia em pensamentos que a envolviam.
Uma coroa muito simpática e, por sinal, muito atraente nos atendeu:
— Olá! — Ela disse, mostrando um sorriso com dentes muito brancos
— Eu sou a Hanna, dona da casa.
Fiquei me perguntando se ela seria a esposa número um ou a esposa
número dois.
— Muito prazer, Hanna, eu sou o Clis, e essa é a Shizune.
— Muito prazer, Shizune — Elas se cumprimentaram — Você é muito
bonita.
— Obrigada! — Minha ninja respondeu, tímida.
— Vocês formam um casal tão lindo... Tenho certeza de que serão
muito felizes nesta casa — A coroa sorriu docemente, puxando a Shizune
com ela.
Ela estava achando que nós éramos um casal à procura de uma casa
para morar ou coisa parecida?
Eu quis corrigi-la, eu quis muito, mas fiquei travado vendo-as entrar na
casa tagarelando.
A japa olhou para trás e deu os ombros, envergonhada. Me recompus e
segui atrás delas.
A casa era realmente como meu primo havia falado, e a área externa
era, com certeza, a melhor parte. Tinha uma piscina imensa, churrasqueira, o
quintal era todo gramado e tinha um belo jardim.
— Vem, Shizune, deixa eu te mostrar a suíte do casal.
A suíte era realmente incrível. Uma parede de vidro separava o quarto
do banheiro. No quarto, também havia um closet e um pequeno escritório
conjugado.
— É realmente linda — Shizune disse, admirada.
— Não é? — Hanna falou, empolgada — Vocês vão se casar, ou algo
assim?
Arregalei os olhos com a pergunta. Não consegui responder.
— Nós... É... Não vamos nos casar, não somos um casal. O Clis está
pensando em comprar para alugar — A japa disse em meu socorro.
— Ah, claro — Instantaneamente, o olhar da coroa atraente caiu sobre
mim. Mas eu estava um pouco atordoado com a resposta da ninja.
Nós não somos um casal.
Eu devia ter ficado aliviado, não é? Sinal que ela não estava nutrindo
esperanças em relação a nós dois, sinal que o Stênio poderia estar exagerando
ao dizer que ela estaria apaixonada por mim. Então por que sua resposta me
incomodou?
A Hanna, ao contrário, pareceu ter adorado a notícia, pois passou a me
olhar — quer dizer, me devorar — depois disso.
Terminada a visita da casa, Hanna nos levou até a praia, que ficava a
poucos metros da casa.
— E então? Gostou? — Perguntou, agora só pra mim.
— Sim, a casa é realmente muito boa. E essa praia... — Apontei para o
mar — É incrível.
Ela sorriu, satisfeita.
— Aqui está o meu telefone — Hanna falou, me entregando seu cartão
— Espero finalizarmos o negócio — Disse de forma sugestiva.
Olhei sem graça para minha ninja, que olhava de volta, desconfortável.
— Eu vou pensar sobre isso. Até mais — Agarrei a mão da Shizune e a
puxei em direção à moto.
Não sei explicar o que aconteceu, mas fiquei irritado pela forma que
Hanna ficou dando em cima de mim descaradamente na frente da Shizune.
Saímos do condomínio e fomos em direção ao Forte São Matheus,
lugar ao qual sempre gostei de ir quando ia a Cabo Frio.
— Ela gostou de você — Shizune comentou quando caminhávamos na
ponte de madeira em direção ao Forte.
Neste momento, eu a puxei para mim e abracei.
— E eu gosto de você.
É sério, eu disse mesmo isso, com toda a convicção que eu tinha. Puta
merda!
Dezessete – E Eu Gosto de Você.

Shizune.

Eu ainda podia ouvir a voz do Clis dizendo que gostava de mim,


enquanto me maquiava para a gente sair na noite cabo-friense.
E eu gosto de você.
Um sorriso bobo aparecia toda vez que me lembrava das suas palavras,
o que me levava a pensar:
1 - Será que ele estava finalmente baixando a guarda?
2 - Será que ele estaria assumindo que estava apaixonado?
3 - Será que era só uma forma cafajeste de ser? Dizer o que a garota
queria ouvir?
Eu não sabia bem o que pensar sobre aquela declaração, mas gostava de
acreditar na segunda opção.
Terminei minha maquiagem — que era leve, exceto pelos olhos pretos
esfumados — e dei uma boa olhada no resultado.
Para aquela noite, optei por um vestido roxo de cintura alta com a saia
rodada. Eu não tinha muitos atributos para exibir num vestido justo sem ficar
parecendo uma tripa, então optava sempre pelas saias rodadas. A parte de
cima do vestido era em renda, e o modelo era mula manca com a única
manga cumprida. Um cinto fino e delicado completava o vestido.
Calcei meus sapatos peep toe e estava pronta. Soltei meus cabelos que,
até então, estavam num coque alto, e saí do quarto.
O Clis me esperava do lado de fora do quarto, mais precisamente na
pequena salinha que fazia parte da nossa acomodação.
Ele me encarou um tanto admirado e sorriu. Acredito eu que estava
aprovando o resultado — mais tarde, eu tive a certeza de que ele realmente
tinha aprovado.
Ele também estava maravilhoso. Usava uma camisa social de cor lilás
com as mangas dobradas e uma calça jeans bem surrada, e os tênis Allstar
completavam seu look.
Seus cabelos ainda estavam molhados, deixando o tom de loiro mais
escuro. Sua barba cerrada e loira o deixava com aquele ar de anjo, e de anjo
ele não tinha nada.
— Você está linda, japa! — Falou, se aproximando e beijando o meu
rosto.
— Você também não está nada mal — Devolvi o elogio, passando os
braços em volta do seu pescoço.
Suas mãos caíram para minha cintura, e ele me puxou para um beijo.
A princípio, ele começou lento. Passou a língua sobre os meus lábios e
ela logo pediu passagem. Entreabri meus lábios, acomodando sua língua e a
envolvendo com a minha. Nosso beijo era pura sedução, e, para mim, era
puro sentimento.
Clis continuou me beijando pacientemente, dando pausa para mordiscar
meus lábios antes de atacá-los novamente. Já estava quase me desmontando
com tamanha intensidade do beijo quando ele se afastou, quebrando aquele
momento mágico.
— Eu soube que vai ter um show do Kid Abelha na praia — Disse,
sorrindo.
Eu já tinha me perguntado mentalmente quem cantaria naquele palco
que estava sendo montado.
— Hum, legal! — Disse, ainda mexida demais por conta daquele beijo
tão envolvente.
— Eu nem sabia que eles ainda cantavam. A gente pode ir se você
quiser.
— Eu adoraria.
Ele assentiu, me olhando nos olhos por alguns instantes antes de
murmurar um okay e me conduzir para fora do quarto.
Já no restaurante, o clima ficou um pouco estranho. O Clis parecia
perdido em pensamentos, e eu não sabia como reverter a situação.
Estava claro para mim que ele sempre ficava distante quando me
demonstrava um pouco mais de afeto do que queria, mas, por mais que a
situação me deixasse inquieta, eu sentia uma pontinha de alegria, pois eu
sabia que ele sentia.
Sim, ele sentia. Embora eu não sabia o porquê de não querer
demonstrar, ele sentia algo.
Pedimos algumas cervejas e, lá para a quarta garrafa, aquele climão
desapareceu, graças a Deus.
Falamos sobre a nossa infância. Eu falei como era ser filha única, e ele
contou como foi ganhar uma irmãzinha aos dezesseis anos. Falava da Maya
com tanto amor, com tanta admiração, que me vi sentindo uma
pequena invejinha — branca — da relação deles.
Se quando eu o conheci, já tinha sido difícil acreditar que aquele cara
era mesmo o amigo dos tempos da faculdade do Stênio, imagina depois de
um mês convivendo com ele. Eu me recusava a acreditar.
Terminamos a nossa refeição, que, àquela altura, já era regada a beijos
e mãos bobas, e seguimos caminhando pela orla, já que o restaurante ficava
no calçadão, perto de onde aconteceria o show.
Caminhamos de braços dados ao som de algum artista que já se
apresentava no palco.
— Japa, você está incrível com esse vestido! — Ele disse no meu
ouvido, antes de esfregar sua barba no meu pescoço.
Aquele pequeno toque era o suficiente para me incendiar e me deitar
totalmente molhada. Se bem que, naquele momento, minha calcinha já estava
ensopada pelas brincadeiras no restaurante.
Senti minha pele arder ao lembrar-me dos seus dedos ágeis me
invadindo enquanto comia um pedaço de peixe frito — quase engasguei.
Fiquei surpresa e em chamas, e ele, sacana toda vida, continuou me
provocando durante todo o jantar.
— Tenho vontade de te levar para o hotel agora mesmo e tirá-lo de
você.
— Se quiser, podemos ir — Falei um pouco ansiosa.
— Temos tempo. Vamos assistir ao show, quero dançar agarradinho
com você.
Meu sorriso se alargou, eu estava começando a depender, como uma
viciada, dessas demonstrações de afeto dele.
Quando chegamos ao local do show, já estava lotado. Conseguimos nos
esgueirar entre a multidão — eu, com muita dificuldade por causa do meu
salto — e ficamos bem próximos ao palco.
O pessoal do Kid Abelha subiu ao palco ao som dos gritos e palmas
eufóricas da multidão.
Clis me puxou para ficar na sua frente e empurrou meus quadris ao seu
encontro para que eu ficasse ciente do quanto ele havia gostado da minha
roupa — palavras dele.
Depois, ele abraçou, e apoiei meus braços sobre os dele.
A primeira música que foi tocada foi “Pintura Íntima”. Clis
cantarolava junto com a Paula Toller no meu ouvido, mas eu estava longe
dali. Minha cabeça viajava para suas mais recentes demonstrações de afeto.
Eu queria muito acreditar que ele estava tão envolvido quanto eu. Eu
desejava arduamente que ele desse aquele passo e assumisse a nossa relação.
Já estava considerando abordá-lo em uma conversa, mas o medo de afugentá-
lo me fazia desistir, afinal, ele era um cafajeste, e eu não sabia se ele estava
afim de abandonar o posto.
Quando a música “Na Rua, na Chuva ou na Fazenda” invadiu meus
ouvidos, Clis me virou de frente para ele e me beijou — mal sabia eu que
aquela seria uma das minhas músicas de sofrência por causa dele.
Nos beijamos ao mesmo tempo que tentávamos dançar, já que eu
afundava a cada movimento que eu fazia. Por fim, tirei os meus sapatos, que
estavam cheios de areia, e continuamos dançando as próximas músicas.
Lá para a décima música, Clis me chamou para irmos para o hotel.
Concordei na hora. Queria muito apagar aquele fogo todo que estava me
consumindo.
Dezoito – Enrolado até o Pescoço.

Se a gente cresce com os golpes duros da vida,


também podemos crescer com os toques suaves na alma.
Cora Coralina.

Clis.

Quando estávamos no show do Kid Abelha, minha mente, às vezes, me


traía, formando imagens futuras da minha ninja e eu. Nós dois num típico
almoço de domingo com a minha família, nós dois no bar cercado pelos
amigos dela, — eu já fazendo parte do grupo — nós dois em outras viagens
juntos iguais àquela.
Minha mente fervilhava de imagens, todas envolvendo a Shizune.
Aquilo estava começando a me apavorar. Quando a Paula Toller começou a
cantar a música Nada Sei, foi a gota d’água.
Foi aquela parte:
“Nesse mar, os segundos
Insistem em naufragar
Esse mar me seduz
Mas é só pra me afogar...”
Despertei do meu transe e chamei a japa para irmos. Já no quarto do
hotel, eu a observava tirar suas bijuterias, hipnotizado. Quando ela levou as
mãos para começar a tirar o vestido, fui até ela.
— Deixa eu tirar para você. Combinamos que eu iria te ajudar a trocar
de roupa.
É claro que tudo o que eu não queria é que ela vestisse qualquer roupa
depois. Ela sorriu e virou de costas para que eu abrisse o zíper do vestido. Eu
o fiz e, logo em seguida, ela se virou para mim. Agarrei seu rosto entre as
mãos e analisei suas feições. Ela era realmente linda.
— Você parece ter sido desenhada, japa. Tão linda... — Ela sorriu e me
puxou para um beijo.
Um beijo lento e delicioso. De repente, tudo dela pareceu ser melhor do
que tudo o que eu já havia experimentado.
Seus beijos pareciam ser os melhores que eu já tinha ganhado, seus
sorrisos pareciam ser os mais lindos que eu já tinha visto, e o sexo então...
Parecia que ela tinha sido feita para mim, o que era absurdamente absurdo.
Eu era Cliscristofferson, eu amava sexo, independente da mulher,
caramba!
Seus beijos e mãos maliciosas percorrendo todo o meu corpo me
fizeram interromper aqueles pensamentos malucos, e me concentrei apenas
em dar prazer a ela.
Tive um pouco de dificuldade em livrar o braço dela da manga do
vestido. Quando consegui, o corpo do vestido caiu, me privilegiando com a
visão dos seios perfeitos dela. Suas mãozinhas pequenas desabotoaram os
botões da minha camisa com pressa.
Livre da camisa, foi a minha vez de livrá-la de vez do vestido.
Deitei-a na cama apenas de lingerie e me posicionei sobre ela ainda de
calça. Eu ainda estava de tênis, e com certeza meus pés estavam cheios de
areia, os dela também estavam. Mas não ligamos muito.
Elevei suas mãos acima da cabeça e invadi sua boca. Ela abraçou meu
corpo com as pernas, intensificando o atrito dos nossos sexos.
Minha ninja gemia baixinho, enquanto eu, ainda segurando seus braços,
beijava seu pescoço, seu queixo e mordiscava sua orelha.
Enquanto me concentrava em dar prazer a ela, aquela inquietação no
meu peito estava me deixando atordoado, confuso para caralho. Meu coração
estava apertado e batendo descompassado. Que porra era aquela?
— Não aguento mais, Clis — Ela disse, pesarosa — Preciso de você
dentro de mim.
Aquilo soou como música para os meus ouvidos. Tê-la ali, entregue
daquele jeito, implorando para eu possuí-la, me afetou de uma maneira
absurda.
Me levantei, tirei o restante das minhas roupas rapidamente e coloquei
o preservativo que eu já tinha deixado propositalmente ao meu alcance, tudo
sob o seu olhar repleto de desejo.
Deitei-me novamente sobre ela e a invadi, profundo e lento. Eu entrava
e saía quase em câmera lenta, deixando-a louca por mais. Era esse o plano.
Ela cravou as unhas nas minhas costas e começou a se mover comigo
na ânsia por mais, mas eu continuei a torturá-la. Sabia que minha calma e
paciência não durariam muito, mas precisava ouvi-la implorar, E não
demorou.
Ela pediu por favor, me pediu para eu ir mais rápido, e eu obedeci.
Comecei a estocar com força dentro dela, ao mesmo tempo que a beijava com
paixão.
Ela não demorou, logo estava repetindo meu nome como se fosse um
mantra, enquanto o orgasmo a atingia. Eu não fiquei para trás e me libertei
logo em seguida, sendo atingido em cheio por emoções totalmente novas,
ainda maiores do que o clímax que me consumia.
Lá para depois da terceira ou quarta vez que fizemos amor — quer
dizer, que a gente transou — estávamos deitados, ainda respirando com
dificuldade. Ela estava com a cabeça apoiada em meu peito, enquanto eu
fazia carinho nos seus cabelos. Foi quando aconteceu. Quando eu achei que
ela já estaria dormindo, ela levantou a cabeça e sorriu:
— Eu estou curtindo muito ficar com você — Falou, me olhando com
intensidade.
E o que eu fiz? Respondi. Porra, eu respondi!
— Não mais do que eu estou curtindo ficar contigo, Shizune.
Tudo bem que eu já não conseguia mais negar para mim mesmo, mas
precisava anunciar? Vi os olhinhos dela ficarem ainda menores com o sorriso
que ela me deu, e eu estupidamente sorri de volta.
*****
Na manhã seguinte, acordei bem cedo. Na verdade, eu madruguei e saí
para correr na praia. Antes de sair, escrevi um bilhete para a japa avisando
que estaria na praia.
Eu precisava colocar meus pensamentos em ordem. O que estava
acontecendo comigo? Por que eu simplesmente não a deixava ir? Por que eu
estava permitindo que ela entrasse?
A resposta era clara como água, mas eu me recusava a acreditar, muito
menos dizê-la em voz alta. No entanto, as palavras do Stênio ecoavam na
minha mente:
“Meu amigo, você está apaixonado”.
Suspirei indignado e, mesmo depois de quase uma hora correndo na
areia, eu não sabia o que fazer. Eu tinha duas opções. Fala sério, eu já estava
considerando opções!
Enfim... Ou eu assumia para mim e para o resto do mundo que eu
estava apaixonado e assumia a Shizune de uma vez, ou eu metia o pé de
verdade e rápido.
A primeira opção me aterrorizava. A segunda opção, deixa eu ver...
Também me aterrorizava.
Estava me sentindo totalmente perdido quando meu telefone tocou. Era
um número desconhecido, mas o código de área era da região.
— Alô? — Atendi.
— Oi... — Uma voz forçadamente sexy falou do outro lado — Sou eu,
a Hanna.
— Hanna? — Não me lembrava de nenhuma Hanna.
— A proprietária da casa que você visitou ontem.
— Ah sim! Oi, Hanna, em que posso te ajudar?
— Eu queria saber se a gente pode fechar o negócio.
— Depende de que negócio você está falando — Respondi com
malícia. Aquele era eu. O Clis cafajeste, o mulherengo e galinha — O da
casa, eu ainda não tenho uma resposta para te dar.
— Entendo... — Ela disse, ficando em silêncio por alguns segundos —
Mas e se tiver outra coisa que a gente possa negociar?
Foi aí que eu fui parar no banheiro de uma lanchonete com a tal Hanna,
abaixada na minha frente, enquanto me pagava um boquete muito caprichado
por sinal.
Quando voltei à praia, me sentia pior do que antes. Pela primeira vez
desde que iniciei a minha vida na cafajestagem, eu senti culpa. Me senti
culpado. E o pior de tudo: eu senti o que jamais poderia ter sentido sendo o
cafajeste que eu sou.
Senti arrependimento.
A Shizune me mandou uma mensagem minutos depois que parei no
quiosque, avisando que estava na praia e me dando as coordenadas para
encontrá-la. Avistei-a de longe, sentada debaixo de um guarda sol da
Brahma. Linda...
A culpa me atingia como um tapa na cara a cada passo que eu dava e,
como se não bastasse já estar sentindo arrependimento e culpa, eu também
senti vergonha e me senti sujo. Eu não estava sujo, não literalmente. Lavei
minha mercadoria na pia do banheiro antes de sair da lanchonete. Eu me
sentia sujo por dentro, sujo até a alma, sujo como pau de galinheiro.
Quando ela me avistou, me presenteou com aquele sorriso mais lindo.
Então eu esqueci de todo o resto e aproveitei o restinho do tempo que nos
restava, pois, depois da minha atitude, a segunda opção era a única que eu
merecia.
Dezenove – Tic, Tac, Tic, Tac...

Shizune.

Como eu já esperava que fosse acontecer, depois de nossa viagem


incrível à Cabo Frio, o Clis tomou chá de sumiço, como ele já havia feito nas
últimas vezes em que ficávamos juntos.
Às vezes, eu pensava que seu sumiço era pra me dar um toque do tipo:
“Olha, não se iluda comigo, não”.
Ou: “Olha, não espere nada sério de mim”.
Ou pior ainda: “Olha, eu não namoro”.
E era o que eu acabava fazendo. Tentava não me iludir que ele daria
algum passo para oficializar a nossa relação. No entanto, isso já estava
ficando impossível.
Eu sabia que o Clis não prestava quando me envolvi com ele. Sabia que
ele não levava ninguém a sério. Então, como a adulta que eu fingia ser e
sabendo onde eu estava me metendo, eu fingia ter uma maturidade que eu
não tinha e encarava numa boa. Mas, por dentro, meu coração implorava por
ele.
Só que, às vezes, eu sentia que o sentimento era recíproco. Ou então ele
era um ótimo ator, porque, às vezes, parecia que ele correspondia. Mas
quando isso ficava nítido demais, ele se esquivava, como havia feito há
alguns dias. Essa confusão toda em torno dos sentimentos que ele pudesse ter
ou não por mim me deixava maluca. Eu tinha certeza de que eu estava
loucamente apaixonada, mas ele... Eu não tinha ideia do que se passava
naquela cabecinha loira e cafajeste, mas imaginava que havia uma luta
constante dentro dela, para decidir se ele ia embora ou ficava de vez.
Enquanto eu pensava em todas as teorias possíveis para desvendar
aquela cabecinha indecisa, ouvia “Te amo à Beça”, do Matheus e Kauan:
“Ainda não sei dizer o que me completa
Ainda não sei porque eu te amo à beça.
Mas de uma coisa, eu sei
O que me faz falta é o seu amor.

Ainda não decidiu se você vai ou fica.


Mesmo assim, te incluí de vez da minha vida.
De uma coisa, eu sei
O que me faz falta é o seu amor”.
Meu amigo Dani chegou para a gente caminhar no calçadão. Mas meu
objetivo não era bem me exercitar, e, sim, pedir conselhos, já que, com a
Adele, eu nem ousava mencionar o que estava acontecendo.
Para ela, eu sempre me mostrava indiferente,
afirmando veementemente que era só sexo, que eu já tinha caído na real e
percebido que daquele mato não sairia coelho.
— Esse cara não quer nada contigo, Japa — Meu amigo disse, depois
de eu lhe contar o que tanto me intrigava — Pelo menos, nada sério.
Sabia que aquilo poderia ser verdade, já estava perdendo minhas
esperanças sozinha. Não precisava de ninguém me dizendo o óbvio.
— É... — Falei sem emoção.
— Ele é um otário! Como alguém pode não querer ficar contigo?
— Você não quis — Disse para ele.
— Você não quis primeiro — Ele retrucou.
— Mas você concordou...
— Tá. Isso não vem ao caso — Ele me interrompeu — O fato é que,
por mais que doa, a melhor coisa a se fazer, Japa, é tirar seu time de campo e
sair com dignidade, antes que não lhe sobre nem isso.
— Eu não posso tirar meu time de campo se ele nem entrou em campo,
Dani — Falei, entediada.
— Ótimo, melhor ainda... Só fica na sua então.
Concordei, ele estava certo. Não dava pra ficar esperando sempre o Clis
me procurar. Era angustiante demais.
Estávamos passando perto de um pessoal que jogava vôlei, quando o
avistamos. Clis fazia dupla com uma morena corpulenta, enquanto que a
outra dupla era composta por homens.
Eu quis morrer. Ele não estava fazendo nada demais, nem estava
próximo da garota. Mas meu alarme soou, afinal, era o Clis.
Quando tentei puxar o Dani para sair à francesa, ele nos avistou e
acenou.
— Agora não dá mais para correr — Meu amigo falou antes que o Clis
se aproximasse.
— Oi! — Ele disse empolgado, apertando a mão do Dani e me beijando
na boca!
Eu podia sentir o olhar de reprovação do meu amigo em cima de mim,
mas o que eu podia fazer? Eu estava com saudade e ele estava me beijando,
então simplesmente correspondi.
Foi um beijo rápido. No entanto, o suficiente para rolar língua, e o
suficiente para me deixar acesa. Ele estava lindo, com uma sunga de praia
preta, óculos escuros e um boné virado para trás. Uma delícia. Irresistível.
Notei que a morena corpulenta nos encarava de onde ela estava, e
fiquei feliz em saber que ele não estava com ela. Bom, a não ser que ela fosse
liberal assim, né?
— Oi, ninja — Disse depois que me soltou.
— Oi — Respondi sem graça.
— Vocês querem jogar com a gente? — Clis perguntou.
Eu já estava pronta para negar quando o Dani aceitou. Sinceramente, eu
não entendi a razão, mas acreditei que tivesse sido por causa da morena. Mais
tarde, eu descobri o verdadeiro motivo de o Dani ter aceitado jogar.
Os dois amigos que estavam jogando com ele se despediram e foram
embora. Então, formei dupla com o Clis, e o Dani, com a
morena corpulenta, que, na verdade, se chamava Vivi.
Jogamos umas três partidas antes de Clis e eu entregarmos os pontos.
Perdemos feio. É claro que foi por minha causa, era e ainda sou péssima
nesses esportes.
A morena corp... Quer dizer, a Vivi também se despediu, mas não antes
de trocar o número de telefone com o Dani. Enquanto eles conversavam, o
Clis se virou para mim:
— Vai fazer o que agora, Ninja? — Perguntou, puxando-me para ele.
Eu juro que eu quis inventar alguma coisa, mas ele estava com aquele
sorriso em que as linhas de expressão que eu tanto amava apareciam. Não
resisti.
Combinamos de ele me pegar na minha casa, pois queria tomar um
banho antes. Na verdade, eu quis correr para casa pra dar um up no visual
antes de ele me buscar, mas o meu amigo parecia não ter pressa.
— Vamos, Dani? — Perguntei a ele, que negou com a cabeça.
— Pode ir, Japa, daqui eu vou direto para a academia — Me despedi
dele com a pulga atrás da orelha, mas corri para casa, deixando-o lá na praia
com o Clis.
Quarenta minutos depois, meu cafajeste apareceu. Estava usando uma
bermuda e uma camiseta sem mangas, e continuava com o boné e os óculos
escuros. Lindo de morrer!
— Pensei que você iria para casa tomar um banho antes — Falei,
depois da nossa sessão inicial de amassos.
— Eu fiquei conversando com seu amigo. Quando eu vi, já estava em
cima da hora.
Putz! Eu podia imaginar o sermão do Dani para cima do Clis.
— Desculpa por qualquer coisa que ele possa ter dito. O Dani é meio
que muito protetor — Falei sem graça.
— E ex-namorado... — Completou com um mau humor repentino.
— Isso faz tempo! — Falei, dando os ombros.
— Tive a impressão de que ele ainda gosta de você — Ele disse com
um ar sério, mas me abraçando.
Ele estava com ciúme do Dani de novo? Ciúme é sinal de sentimento,
não concordam?
— Claro que ele gosta, ele é meu amigo — Falei, tentando amenizar o
climão. Mas ficou pior, pois ele fechou a cara de vez.
— Você entendeu, ninja.
— O Dani não gosta de mim desse jeito, Clis. Isso já ficou claro muito
tempo antes de você aparecer.
Ele suavizou a expressão e desculpou-se.
— Foi mal, Shizune, não tenho o direito de te bombardear de perguntas
assim. Não tenho nada com a sua vida.
Não. Tenho. Nada. Com. A. Sua. Vida.
Vocês podem imaginar como eu me senti depois de ouvir aquela frase?
Foi como fazer o desafio do balde de gelo. Não consegui esconder a
decepção. Tanto que ele percebeu.
— Eu quis dizer que eu não tenho o direito de me intrometer nas suas
amizades — Tentou consertar, mas a sua frase de efeito já tinha me
causado efeito.
Sorri, assentindo, e resolvi mudar de assunto. O que fosse acontecer
dali em diante iria depender exclusivamente da minha pessoa. Se eu quisesse
continuar apenas como sua ficante, isso ainda se estenderia por mais alguns
encontros. Mas se eu quisesse algo mais, poderia realmente tirar o meu time
de campo, pois não iria rolar. Isso era fato.
— Vamos? — Perguntei, pegando minha bolsa.
— Vamos — Ele falou, antes de me puxar novamente para os seus
braços.
Apesar de ele estar carinhoso como sempre, eu sentia a tensão que
emanava dele. Aquele encontro soava como uma despedida na minha cabeça.
Conseguia ouvir o “tique-taque” do relógio, marcando nosso último momento
juntos. Aquilo doeu.
Eu tinha duas opções: aproveitava ou aproveitava. Ficar remoendo o
fim não iria adiantar. Então foi o que eu fiz: eu aproveitei cada momento.
Vinte — O Começo do Fim.

(...) Me recordei rapidamente de todas as pessoas e


coisas que perdi por ainda não estar preparada para elas, ou
por ainda ter muita curiosidade de mundo e dificuldade em
ser permanente...
Tati Bernardi.

Clis.

Quando deixei a Shizune em casa naquela manhã, eu já sabia que


estava acabado. Eu havia decidido que não dava mais para continuarmos.
Mesmo eu querendo muito, não rolaria mais nada entre nós. Tanto isso era
verdade, que o nosso último encontro tinha sido um tanto estranho.
Eu estava tenso, confuso, envergonhado e levemente irritado por causa
daquele idiota do amigo dela. Quem ele pensava que era para me dar
conselhos e lição de moral? E quem ele pensava que era para minha ninja?
Pai? Irmão? Namorado?
Fala sério!
No entanto, o motivo de tanta irritação era porque as palavras dele
conseguiram atingir em cheio. E eu era o alvo.
— Precisamos conversar — O babaca disse assim que a Japa virou as
costas. Assenti a contragosto, incapaz de esconder minha insatisfação.
— Olha, se é sobre a Shizune... — Comecei, porque se fosse mesmo
sobre ela, e é claro que era, eu não o deixaria continuar, porque ele nada tinha
a ver com nossas vidas.
— É sobre ela, sim — Ele disse, estufando o peito. Parecia um pavão
— O negócio é o seguinte, cara. Se você não tem a intenção de ter um
relacionamento sério com a Shizune, eu o aconselho a se afastar. A Japa é
uma mulher incrível e não merece ser enganada...
— Eu não estou enganando ninguém! — Interrompi — Nunca prometi
nada a ela — Falei, tentando esconder a vergonha que me invadiu, sem falar
na irritação por ele ter me deixado naquela situação. E sem falar no fato de
que ele tinha conseguido ativar a culpa já instalada em mim.
— Nunca prometeu, mas não sai de cima do muro, deixando—a ter
esperança de que vocês possam vir a ser um casal — Ele respirou fundo e me
encarou — Você não é idiota, cara! Você sabe que ela está louca por você,
que está apaixonada. Ela não merece ser cozinhada em banho-maria. Ela
merece um cara que lhe dê valor, que esteja sempre lá por ela, que seja fiel...
— Como você? — Eu o interrompi, já cego de raiva.
— Não, mas, com certeza, não como você. Conheço a sua fama, sei que
tá com ela e saindo com outras mulheres. Sei que vocês não tem nada sério,
mas ela merece respeito. E se você não é capaz de respeitá-la, se afaste.
— A Shizune é bem grandinha para saber onde ela amarra o burro dela.
— Vou ter que discordar, já que, mesmo conhecendo a sua fama de
cafajeste e sabendo das suas histórias mais podres, ela ainda quis ficar
contigo. Ela pode até saber onde amarra o burro dela, mas não sabe que é no
lugar errado.
A Shizune conhecia as minhas histórias? Eu iria ter uma conversinha
muito séria com o Stênio.
— Você não me engana — Parti para a agressão verbal, aquele cara já
tinha falado merda demais — Se faz de amiguinho, mas, na verdade, está
louco pra dar o bote.
— Não me importo com o que você pensa. Não dou a mínima, porque
não é verdade. Está avisado. Magoe a Japa, e eu quebro a sua cara.
Depois de cuspir suas lições de moral, o babaca virou as costas e me
deixou lá com a maior cara de tacho e com meu nível de culpa elevado ao
máximo.
Me arrependi na mesma hora de ter combinado de passar na casa dela.
Eu devia ter deixado quieto. Já fazia alguns dias que a gente não se via e ela
sequer foi atrás. Por que eu simplesmente não deixei para lá?
A resposta era simples. Primeiro, porque eu não resisti com ela ali tão
perto. E outra: o ciúme tomou conta de mim ao ver os dois juntos.
Só pensar na minha ninja nos braços de um marmanjo qualquer já me
enchia de fúria, e, junto com esse sentimento, vinham outros. E o principal
era o medo.
Àquela altura da partida decisiva do campeonato brasileiro, eu não
pensava mais que ela pudesse quebrar meu coração, me enganando, como
a outra fez. Eu tinha era medo. Medo de perdê-la, medo de ela descobrir que
eu saía com outras mulheres mesmo estando com ela. E medo de ela
simplesmente resolver me deixar quando descobrisse o babaca que eu era.
A minha ninja não me merecia. Eu estava fodido, estava quebrado. Ela
merecia um cara bacana, como o amigo idiota dela mesmo tinha dito.
Eu não nunca seria esse cara, já estava naquela vida bandida há tempo
demais para simplesmente abandonar. Ela não merecia ser enganada e traída,
e eu, naquele momento, não tinha nada a lhe oferecer.
Fiquei com a cabeça cheia o tempo todo em que estivemos juntos, e,
ainda por cima, minha consciência, que pesava umas dez mil toneladas, não
me deixava.
Levei-a para minha casa mesmo, já que nem banho eu tinha tomado,
estava sujo de areia. Fui para o banho, enquanto ela ficou na sala,
encomendando o nosso jantar. Comemos comida japonesa naquela noite, e eu
ainda tive japonesa de sobremesa também.
Para piorar ainda mais a minha situação, o sexo com a Shizune ficava
cada vez melhor, e isso também me perturbava. Nunca tinha sentido tão
intensamente com outras mulheres como sentia com ela. Exceto com a
Larissa, mas isso era porque eu a amava.
Eu não amava a Japa, eu não podia amar a Japa. Jurei que não amaria
mais mulher alguma, mas já era inútil ficar me enganando e dizendo que eu
não estava envolvido. Eu estava e assumi. E foi depois de assumir para mim
meus sentimentos por ela, que cheguei àquela decisão. Aquela maldita
decisão...
Depois que lhe proporcionei o prazer que ela merecia, ficamos na sala,
assistindo vídeos de documentários sobre desastres aéreos. Até
nas bizarrices a gente combinava. Até que ela dormiu nos meus braços.
Peguei-a gentilmente nos braços e a levei para minha cama, tomando
cuidado pra não acordá-la.
Não queria sexo. Já tínhamos feito e isso já não era prioridade entre a
gente. Claro que a gente gostava e fazia muito isso, mas já tínhamos passado
dessa fase. A companhia do outro, o carinho: tudo isso já era mais
importante. O sexo era consequência. Esse foi o alerta final para eu decidir
deixá-la.
Como já disse antes, eu não namorava no sofá, não ficava agarradinho
me contentando só com carinhos. Eu partia logo para o abate. Não consegui
mais ignorar os sinais. Encarei seu rosto por, sei lá, uns dez minutos,
memorizando cada detalhe. Ela era tão linda... Senti um aperto no peito e
deixei o quarto.
Minha mente martelava um ultimato na minha cabeça. Minha
consciência era uma voz maldita me dizendo: “Ou assume você o que sente,
ou se afasta agora”.
E eu, como o covarde que era, escolhi a segunda opção.
Quando fui para o quarto, já era madrugada. Tirei minhas roupas e me
deitei com cuidado ao lado dela. Minha ninja me abraçou, se aconchegando
mais em mim. Começou a beijar o meu rosto, o meu pescoço. Suas mãos
invadiram minha cueca, estimulando meu membro e, sem pensar em mais
nada, subi em cima dela e a beijei na boca, enquanto minhas mãos
exploravam seu corpo.
Ela me ajudou a tirar a sua blusa e a sua saia. Tirou o sutiã, enquanto eu
tirava a sua calcinha.
Arranquei minha cueca do meu corpo um tanto ansioso, e voltei a me
posicionar sobre ela. Beijei seus lábios, suguei seus seios, mordisquei seus
mamilos e, assim, sem esperar mais, a penetrei, sem nem pensar em
preservativo.
E a sensação foi incrível! Ficamos um tempo parados, olhando um para
o outro, até que fiz menção de sair dela. Mas ela cruzou as pernas em volta
do meu corpo, me impedindo de sair.
Começamos a nos mover lentamente, meus olhos nunca deixavam os
seus.
Suas mãos envolveram meus cabelos, e ela me puxou para beijá-la. E
eu a beijei, enquanto intensificava meus movimentos. O rangido da cama se
misturava aos seus gemidos nada contidos, me deixando louco.
Quando ela chegou ao ápice do seu prazer, voltou a me olhar nos olhos,
e eles estavam tão cheios de paixão, tão cheios de ternura, que meu coração
quase saiu do peito tamanha a intensidade daquele olhar.
— Porra, Ninja! — Foi o que falei, quando meu prazer explodiu,
intenso.
Caí sobre ela, exausto, saciado, completo. Há tempos não transava sem
camisinha. Mas algo me dizia que não tinha a ver com isso, e, sim, com a
pessoa com a qual eu estava compartilhando aquilo.
Não foram necessárias palavras. Naquele momento, eu entreguei de vez
meu coração a ela. E a decisão que tomei depois de constatar tal fato foi a
pior decisão da minha vida.
No dia seguinte, a deixei em casa cedo. Ela já estava atrasada para a
clínica. Antes de sair do carro, me beijou, carinhosa. Ela estava feliz, mesmo
eu não tendo sido uma boa companhia, pois que meus fantasmas não me
deixaram relaxar um só minuto. Mesmo assim, ela estava feliz por ter
passado a noite comigo.
— Nos vemos depois? — Perguntou antes de sair do carro.
Não. Era essa resposta que eu teria quer ter dado a ela. Tinha ensaiado
aquele momento, o momento que eu dizia para ela: "Foi bom enquanto
durou, gata, mas seu prazo de validade venceu".
— Shizune — Falei, pigarreando — Eu... Eu não namoro — Foi o que
saiu.
Sorriso dela murchou, e eu tive vontade de me socar.
— Tudo bem. Eu sei, Clis, não precisa me dizer isso — Não foi a
resposta que eu esperava. Estava esperando ela mandar eu ir me foder e sair
do carro, batendo a porta.
— É sério, Japa — Tentei insistir, mas os olhinhos dela brilharam,
me acovardando. Podia jurar que ela choraria e eu não aguentaria ver aquilo
— Não crie expectativas em relação a mim.
— Não se preocupe com isso, não estou procurando um namorado —
Falou e beijou meu rosto, saindo do carro logo em seguida. Mas eu vi quando
ela levou as mãos aos olhos enquanto entrava no seu prédio.
Droga!
Vinte um – Golpe de Mestre.

Shizune.

As palavras do Clis ainda pairavam na minha mente uma semana


depois do nosso último encontro. Eu sabia que, depois do que ele me falou, as
coisas entre nós mudariam — se não acabassem. E eu estava certa. Ele não
me procurou, e o desespero passou a me dominar. Na semana seguinte, na
ansiedade e na saudade de estar com ele, eu passei por cima do meu orgulho
e liguei, chamando-o para sair.
Convidei-o para jantar, senti que ele queria recusar. Mas, de alguma
forma, ele aceitou. Doeu perceber sua resistência, mas, mais uma vez, engoli
meu orgulho, pois a saudade era imensa.
Fomos ao nosso restaurante preferido e terminamos a noite transando
dentro do carro estacionado na praia. Bem inusitado, comparado a outras
vezes, mas eu gostei da experiência. Eu estava com ele.
Só o fato de haver a possibilidade de a gente não se ver mais me
deixava doente. Àquela altura, eu estava tão louca de paixão por ele, que não
me imaginava sem o Clis na minha vida, e não aceitava que ele pudesse me
deixar.
Ele sentia algo, eu sabia, só não sabia o porquê de ele não querer se
entregar àquele sentimento. Isso me corroía, Me apegando a isso, — fantasiar
que ele poderia sentir — eu não podia desistir sem lutar, não era verdade?
Tanto que continuei fingindo indiferença nos dois encontros seguintes
que tivemos. Fingi estar bem com a nossa situação, fingi não estar afim de
compromisso sério — encontros esses por insistência minha. Das últimas
vezes, era eu quem o procurava, convidando-o para sair ou para ir a minha
casa. Vergonhoso, eu sei, ficar correndo atrás de homem assim. Mas quem
nunca fez isso que atire a primeira pedra. Eu simplesmente não conseguia
deixar para lá, e ele parecia não conseguir dizer não. Então eu esperava
o fora, mas ele não vinha. Até aquela noite.
Naquela noite, naquela maldita noite, tudo mudou. A minha ruína era
certa como a lua cheia que brilhava lá fora.
Estava terminando de me arrumar para o nosso encontro — mais uma
vez, eu tinha o convidado — quando eu comecei a ligar para ele. Ainda não
estava no horário, mas eu queria avisar que eu já estava pronta.
Como ele não atendeu, eu resolvi trocar a minha saia de cintura alta
estampada por uma calça Capri de linho bege. Eu não era muito de usar
calças, mas combinava mais com os meus sapatos.
Mas ele não apareceu. Simples assim.
Esperei quinze, vinte minutos, meia hora, até que não aguentei mais e
voltei a ligar. Ele não atendia, o celular tocava até cair na caixa postal. Deixei
uma mensagem de voz e esperei. Duas horas mais tarde, eu já estava
desesperada. Pensei seriamente em ligar para os seus pais para saber se
alguma coisa tinha acontecido com ele, mas eu não podia fazer isso por dois
motivos:
Primeiro: Eu poderia preocupá-los sem motivo.
Segundo: Eu não tinha o número deles.
Cogitei até ligar para o Stênio. Desisti no momento em que imaginei a
Adele me dando sermões, eu não daria esse gostinho a ela.
O gosto amargo da decepção pairava na minha boca. Já tinha ligado
milhões de vezes, eu estava entre preocupada e desconfiada.
Não queria duvidar dele, eu dizia a mim mesma que havia uma
explicação. Passei a noite repetindo isso como um mantra. Quando os
primeiros raios do sol adentraram meu quarto, eu despertei sobressaltada. Me
levantei e fui direto para o banheiro. Lavei o rosto, escovei os dentes e parti
em direção a sua casa.
Quando eu cheguei lá, toquei sua campainha. Meu coração batia tanto,
que parecia que ia pular da minha boca a qualquer momento, minhas mãos
suavam e tremiam. Ouvi um barulho do lado de dentro e suspirei aliviada,
mas o meu alívio morreu no momento em que ele abriu a porta, dando lugar a
uma dor que eu jamais sonharia sentir de novo.
Ele estava parado na minha frente apenas de cueca boxer preta — a que
eu amava. Seus olhos pairaram sobre os meus, e tudo o que eu pude ver no
seu olhar foi nada. Não havia nada. Nem vergonha, nem culpa ou
constrangimento. Apenas indiferença.
Foi quando eu a vi, parada no meio da sala só de calcinha, segurando
um pedaço de pano que eu deduzi ser um vestido. Ela sorriu para mim e,
quando os meus olhos voltaram para os dele, já marejados de lágrimas, eu
apenas corri. Como uma covarde, eu desci as escadas sem aos menos ouvir o
som do meu nome atrás de mim. Ele sequer me chamou. Havia apenas
silêncio misturado aos barulhos dos meus saltos. E para completar a minha
humilhação, eu ainda caí no último degrau aos pés de um senhor com um
cachorro.
Ele tentou me ajudar, perguntou se eu estava bem, mas eu o ignorei.
Fugi dele como fugi da cena que tinha presenciado. O Clis e uma
mulher praticamente nus. Meu Deus, eles deviam ter passado a noite inteira
transando pela cara de satisfação dela.
Por isso, ele não atendeu. Por isso, ele não retornou. Ele estava
ocupado com ela ontem, e ainda estava. Imagens dos dois na cama
assombravam até a minha alma enquanto eu entrava no meu carro.
Encostei a cabeça no banco e chorei. Muito. Chorei tanto, mas parecia
que nunca seria o bastante. Eu poderia chorar um mar inteiro, um mar azul
como o azul dos olhos dele. Não seria o suficiente.
Dei partida no carro e saí dali dirigindo como uma louca. Estacionei de
qualquer jeito na porta da academia dos meus amigos. Precisava falar com
eles, precisava de apoio, precisava que eles me ajudassem a entender porque
o Clis tinha feito aquilo comigo.
Passei pela recepção como um foguete. Quando entrei no escritório da
Adele, ela estava brincando com o filhinho no cercadinho, e o Stênio
trabalhava no computador.
Minha amiga olhou para mim, confusa, e foi então que eu explodi
novamente em lágrimas.
— Meu Deus, o que aconteceu? — Ela perguntou, aflita.
— T-tinha uma um-mulher p-p... — As minhas palavras não saíam
coerentes por causa dos meus soluços.
— “P” o que? – Stênio, perguntou confuso.
— P-pelada. Ai! Eu q-quero morrer! — Eu dizia entre soluços.
Ele continuava confuso, mas, pelo olhar mortífero da minha amiga para
o marido, dava para perceber que ela já tinha entendido.
— Explica isso direito, docinho, que mulher que estava pelada? — Ela
perguntou com seus olhos cravados no Stênio.
Mas eu só conseguia chorar arrasada. Eu estava fazendo uma cena na
academia, mas não estava ligando. Só queria que aquela dor desaparece.
Eu só queria acordar e descobrir que tinha sido um pesadelo. Só queria
esquecer da indiferença naqueles olhos azuis escurecidos e sem expressão ao
me ver parada ali na sua frente. Eu só queria poder esquecer a imagem
daquela mulher nua, mas, cada vez que eu fechava os olhos, lá estava ela
sorrindo para mim.
— Stênio, pega um copo de água com açúcar para ela — Adele
ordenou. Ele saiu e retornou rapidamente com o copo na mão.
— Bebe e tenta se acalmar — Eu fiz o que ela pediu e bebi toda a água,
como se precisasse dela pra viver — Devagar!
Entreguei o copo ao Stênio e respirei fundo.
— Isso, respira fundo e fala devagar — Continuei o exercício de
respiração até que me senti segura pra falar.
— Eu fui ao apartamento do Clis — Disse, e as lágrimas já estavam
saltando dos meus olhos novamente — E eu vi. Eu vi, Adele, u-uma mulher
nua na casa dele — Consegui dizer.
O Stênio olhou em estado de choque, ele parecia não acreditar. Bom,
nem eu acreditava.
— O quê? — Adele perguntou, ela ficou possessa. Seus olhos foram de
mim para o Stênio, e, antes que eu pudesse dizer algo em defesa do meu
amigo, porque, coitado, não tinha culpa de nada, ela o expulsou — Some
daqui agora! Me deixa sozinha com ela.
— Amor, você não pode me culpar por isso.
— Você não pode — Concordei — Ele não tem culpa.
— Me deixa sozinha com ela! — Continuava esbravejando com ele —
Leve o Ian com você.
— Ele não tem culpa, Adele.
— Vamos falar sobre o que aconteceu. Me conta exatamente como
aconteceu.
Eu não queria ter que descrever em palavras aquela cena. Presenciar já
tinha sido demais para mim.
— Nós tínhamos ingressos para o cinema ontem, era noite de estreia.
Queríamos muito ver esse filme.
— Tá, e depois?
— Ele não apareceu no horário combinado. Então eu liguei e liguei e
liguei, não sei quantas vezes, mas ele não atendeu. Mandei mensagens, mas
ele não retornou. Depois de umas trocentas ligações e chamadas não
atendidas, o celular dele deu desligado. Eu fiquei preocupada, quase fui à
casa dele ontem à noite mesmo. Mas consegui me conter. Então, hoje eu fui e
eu continuei ligando no caminho, mas nada de ele atender — Dei uma pausa
para respirar e segurar as novas lágrimas, já prontas para sair — Então eu a
vi.
— Você tem a chave? Você entrou e pegou os dois no flagra?
— Não, eu não tenho a chave. Eu toquei a campainha e ele abriu. Então
eu a vi na sala, só de calcinha. Ela sorriu para mim! Ela sorriu para mim,
Adele! — Gritei.
— Espera aí um pouquinho, você está querendo me dizer que você nem
entrou, mas a viu? Pela porta? — Perguntou, confusa.
— Sim, de onde eu estava. Ele escancarou a porta quando abriu.
Provavelmente, não imaginava que fosse eu.
— Que filho da puta! É claro que ele sabia que era você Shizune, para
que existe olho mágico? Ele queria que você a visse, japa. Que cretino!
— O quê? Por quê? — Aquilo não fazia sentido.
— Eu não sei o porquê, eu não sei o que se passa na mente de um
cafajeste. Mas está claro como o dia que ele queria ser pego.
— Eu não acredito...
— Ele tentou se explicar? — Ela me interrompeu.
— Não, eu saí correndo de lá.
— E ele foi atrás de você? — Não, ele não tinha ido atrás de mim, ele
simplesmente ficou lá, parado e mudo.
— Não.
— Ô, amiga... Desculpa ter que te dizer isso, mas a gente sabia que esse
dia chegaria. Você pode estar brava, triste, mas não surpresa, pois é isso o
que ele faz. Ele usa as mulheres e as descarta.
— Não! Por que você não acredita que ele pudesse mudar? — Não me
conformava por ter me enganado tanto.
— Exatamente pelo que ele acabou de fazer, Shizune. Meu Deus! Não
tenta defender, ele acabou de esfregar uma vadia pelada na sua cara!
— Para!
Como ela podia ser tão cruel? Eu estava sofrendo, e ela continuava a
lembrar o que eu mais queria esquecer. Mas como esquecer? Nessa hora, o
Stênio já estava de volta. Ele ouvira a nossa discussão.
— O salafrário do seu amigo nem se deu ao trabalho de esconder
a periguete, praticamente a esfregou na cara da Shizune e nem tentou se
desculpar. Ele fez de propósito, Stênio!
— Chega, Adele, que droga! — Me virei para o Stênio — Por que ele
faria uma coisa dessas? — Tinha esperanças que ele pudesse me dizer que
tinha uma explicação, mas ele apenas balançou a cabeça.
Peguei a minha bolsa e saí, sem dar ouvido aos gritos desesperados da
Adele sobre estar certa e de que tinha sido melhor assim. Eu queria enforcá-la
pela possibilidade de ela estar certa. Se ele tivesse feito de propósito, qual
seria o objetivo? O que ele queria provar?
Talvez ele realmente fosse o cafajeste de sempre e só tinha resolvido se
divertir um pouco mais com uma única mulher. Mas, depois de um tempo, se
cansou de ficar com uma só, se é que ele ficou só comigo.
Imagens dele com outras mulheres surgiam na minha mente, e meu
coração se apertou tanto, que eu pensei que ele fosse quebrar.
Pensamentos de que ele poderia estar comigo e com elas me acertaram
como flechas. Eu queria sumir, desaparecer, mas eu só conseguia chorar com
a cabeça apoiada no volante do meu carro.
O que eu tinha feito de errado? O que eu tinha feito para ele
desencantar de mim?
Fiquei não sei quanto tempo trancada dentro do meu carro chorando,
chorei até esgotar todo o meu estoque de lágrimas. Então fui pra casa.
Eu só precisava da minha cama e de uma boa dose de um sonífero que
me fizesse dormir por uns, sei lá... Cem anos.
Vinte e dois – 03 de Agosto (Dia Nacional dos
Cafajestes)

...Que a música que ouço ao longe, seja linda ainda que


tristeza. Que a mulher que amo seja pra sempre amada,
mesmo que distante, pois metade de mim é partida, a outra
metade é saudade...
Oswaldo Montenegro

Clis.

Eu disse que ferraria com tudo, não disse? Pois é, o grande dia havia
chegado. Naquela manhã, eu acordei decidido a dar um basta na situação.
Eu já estava envolvido demais, tinha transpassado todos os limites,
estava preso até o último fio de cabelo.
Àquela altura do campeonato, eu já não sabia mais se o que eu sentia
era medo de ter meu coração quebrado ou receio de não ser o suficiente para
ela. Na verdade eu sabia sim.
A Shizune era uma garota decente, não acreditava que ela fosse capaz
de fazer o que a Larissa fez. A realidade era que eu não a merecia.
Eu precisava protegê-la de mim mesmo, do cafajeste idiota que eu era,
pois eu sabia que, mais cedo ou mais tarde, a nossa realidade se chocaria, e o
meu passado não me deixaria seguir em frente, como nunca deixou.
Ela merecia mais, merecia um cara bacana, que quisesse um futuro, que
quisesse estar ao seu lado e envelhecer com ela. Eu não era esse cara.
O arrependimento e a culpa vinham caminhando comigo desde as
palavras do meu pai, as palavras do Stênio e as palavras do Dani
De lá para cá, eu continuei tapando o sol com a peneira, deixando-a se
envolver cada vez mais e me envolvendo também, assumo. Eu estava muito
envolvido com a Shizune, minha vida saíra totalmente dos eixos com ela.
Mas, por um pequeno momento, eu tinha esquecido o quanto eu estava
fodido. Mas então eu me lembrei, e, junto com a lembrança, veio o remorso
por ter sido tão babaca.
Mesmo gostando dela, porque eu gostava muito, mesmo assim eu saí
com outras mulheres. Mas aquele era eu, não era?
Planejei tudo. A convidei para ir ao cinema e a deixei esperando
enquanto eu estava em um bar, apenas observando e esperando o momento
certo para abordar qualquer garota.
Eu sairia dali acompanhado e saí. Segui com a minha acompanhante
para a boate, dançamos, nos esfregamos um no outro, nos agarramos num
canto escuro qualquer e, depois de ter circulado bastante pela boate, — a
mesma que fui com a japa — fui para casa. Acompanhado.
E lá rolou de tudo, porque eu precisava ser o cafajeste que eu sempre
fui para que a Shizune entendesse de uma vez por todas que eu não prestava e
desaparecesse para sempre. Ela continuou me ligando até as quatro da manhã.
Foi quando as ligações cessaram. Eu esperava que ela fosse aparecer durante
a noite. Já tinha perdido a esperança de que ela me pegaria no flagra, quando
a minha campainha tocou de manhã.
Eu não tinha porteiro, e ela não interfonou, devia ter aproveitado a
saída ou entrada de alguém. Quando a vi pelo olho mágico, meu coração
disparou no meu peito. E quando abri a porta, o arrependimento foi como um
tapa na minha cara. A carinha aflita dela de preocupação, se misturando à
confusão e mágoa no momento em que ela colocou seus olhinhos puxados
sobre a garota, partiram meu coração em mil pedaços.
Eu sei que ela devia estar sofrendo, mas, porra, eu também estava. E
em mim estava doendo duas vezes. Eu estava sofrendo e eu era a razão do
sofrimento dela.
Quando ela saiu correndo, eu tive que me segurar para não sair
correndo atrás dela, e isso foi a coisa mais difícil que eu já fiz. No entanto,
me mantive firme, pois, mesmo se eu fosse atrás dela, eu sei que ela jamais
me perdoaria, porque a burrada que eu fiz tinha sido perfeita, digna de um
mestre.
Nem fechei a porta, já me virei para a garota e a pedi para ir embora.
— Problemas no paraíso? — Ela perguntou. Me lembro do sarcasmo na
sua voz.
— Não. O meu único problema no momento é você. Eu preciso que
você vá embora — Sabia que estava sendo rude, afinal, eu tinha fodido a
garota a noite inteira e a estava tratando como lixo. Mas eu era um babaca,
lembram?
Eu pensava que meu coração já tinha sido quebrado antes, que a Larissa
o tinha quebrado, mas depois é que eu fui perceber que ele estivera o tempo
todo inteiro e só se desfez ali, quando eu abri aquela porta. Ninguém havia
quebrado meu coração antes como eu afirmava, eu o tinha o feito. Por
idiotice, eu acabei fazendo com ela a mesma coisa que a Larissa fez comigo.
Mas estava feito, era preciso. Ela, com certeza, ficaria melhor sem
mim.
— Tem certeza que não quer repetir a dose antes? — A garota ainda
disse com uma voz exageradamente sexy alisando meu peitoral.
— Fecha a porta quando sair — Falei, passando por ela em direção ao
meu quarto.
Ainda pude ouvi-la me chamando de babaca antes de bater à porta.
— Me conta uma novidade... — Disse para mim mesmo, me jogando
na cama.
Foi inevitável a sensação de vazio e de arrependimento. Caralho, o que
tinha feito? Tinha expulsado a mulher mais incrível que já conheci da minha
vida, sem dó nem piedade. Um desespero inédito começou a tomar conta de
mim, e cheguei a considerar ir atrás dela.
Não, eu não podia. Ao mesmo tempo que o arrependimento me invadia,
o pânico me aterrorizava. Eu estava refém dos sentimentos que estava
nutrindo por aquela ninja, e eu não queria me sentir assim. Queria minha
liberdade de volta, e a tinha conquistado novamente. Era correr atrás do
tempo perdido e cair na gandaia de vez. Aquele era eu, o cafajeste. Eu faria
isso — pensei, sem o menor ânimo.
Cansado de me martirizar por horas esperando o sono vir, levantei e fui
até a cozinha. Ainda era de manhã, nem café eu tinha tomado, e lá estava eu
abrindo uma garrafa de cerveja. Já estava na minha sexta garrafa quando a
campainha soou.
Levantei sem ânimo para atender, era o Stênio. Do olho mágico, dava
para ver a fúria nos olhos dele:
— O que você fez, seu idiota? — Stênio falou assim que abri a porta
para ele.
— Nada que fosse te deixar surpreso — Falei, ignorando a sua cara
feia. Dei as costas para ele e sentei no sofá, pegando minha companheira
Budweiser.
— Você é um filho da puta. Levanta essa sua bunda inútil desse sofá e
vai consertar a merda que você fez! — Ele disse, esbravejando em pé na
minha frente.
— O que te faz pensar que eu quero consertar alguma coisa? E o que te
faz pensar que tem conserto? Senta aí e pega uma cerveja.
— Eu te defendi, que droga! Eu te apoiei, e você me dá uma facada
dessas nas costas dela. Ela não merece isso, cara!
Eu ia expulsar o cara dali se ele não calasse aquela boca grande dele.
Eu já estava me sentindo culpado o suficiente, não precisava de incentivo.
— Vai embora, Stênio.
— Eu vou dormir no sofá por sua culpa. Desde que você apareceu,
minha vida tá uma merda. Eu discuti várias vezes com a Adele por sua causa!
— Quem mandou você ser idiota e contar nossas farras para sua
mulher. Que idiota faz isso? — Sem contar que ele ainda tinha contado das
minhas farras para a Shizune, mas aquilo já não importava mais.
— Sabe, a culpa é minha — Disse, me ignorando — Eu te conhecia,
era para eu ter sido o primeiro a alertar a Shizune sobre você. Eu deveria tê-la
protegido, pois eu sabia que você não a merecia. Você não merece a japa.
Você tem essa sua vida de merda e acha que está feliz nela, mas você está se
enganando, meu amigo. A Adele foi a melhor coisa que aconteceu na minha
vida, e você está desperdiçando a sua chance de ser feliz por causa de uma
safada que te traiu no passado. A Shizune não é ela, porra!
— Eu já deixei você falar merda suficiente, Stênio — Falei, me
levantando e indo em direção à porta — Sai da minha casa.
— Quem você está querendo enganar? Olha para você! Tá aí se
afogando em bebida — Ele apontou para as garrafas vazias no chão ao lado
do sofá — Você está apaixonado por ela, mas é covarde demais para assumir.
— Sai — Falei com toda a calma que eu podia. Se ele demorasse mais
um segundo ali dentro, eu iria partir para a agressão.
Ele me olhou alguns instantes antes de passar por mim e sair.
— Você é um idiota, Clis! — Gritou do corredor.
Ainda não eram nem onze da manhã, e eu já tinha sido xingado de
babaca e idiota por duas pessoas diferentes. É, eu já estava progredindo —
pensei com sarcasmo.
Mas estava feito. Mesmo que eu quisesse ir atrás dela, a Adele e o
Stênio nunca me deixariam chegar perto. Como eu disse, golpe de mestre.
Eu sei que vocês devem estar se perguntando, além de estarem me
odiando:
Por que ele simplesmente não a dispensou? Precisava fazer
essa canalhice toda?
Eu respondo. Fiz por dois motivos:
Primeiro: Eu não seria o cafajeste que alegava ser se tivesse agido certo
e simplesmente a dispensado, e;
Segundo: Eu tinha que ter a certeza de que ela não me procuraria, ou eu
cederia.
Estava livre, eu poderia voltar para minha vida... Vazia e sem sentido.
Vinte e três – Não Corra, Esperança, Volte Aqui!

Shizune.

Eu nunca fui uma garota que se deixa magoar facilmente. Tirando


aquela vez que desci ao fundo do poço e fui parar na porta da casa do meu ex
com um violão debaixo do braço, jamais fui de me humilhar por homem.
Por isso, saí correndo lá do apartamento do Clis, não quis dar a ele o
gostinho de me ver desmoronar. E, acreditem, eu iria, se não fugisse dali o
mais rápido possível. Só que, depois de dois dias em estágio de depressão
profunda, sem comer ou dormir direito, eu estava a um passo de sair correndo
e bater na sua porta para implorar que ele nos desse uma chance.
Àquela altura, eu nem estava mais sofrendo por ter o visto com uma
garota, mas por não tê-lo mais comigo.
A Adele havia dito que ele me deixou ver a garota de propósito, pois,
se ele quisesse, podia muito bem tê-la escondido, o que me levava a pensar
no porquê daquela atitude.
Ele queria me ferir? Queria afirmar que era um cafajeste convicto ou
queria me afastar dele? Eu estava esperançosamente acreditando na última
opção, pois, se fosse só para me afastar, talvez por não se considerar bom o
suficiente para mim, não sei, eu iria provar para ele o contrário.
O Clis era exatamente TUDO o que eu queria e precisava, e eu também
era algo para ele. Eu sabia. Então por que simplesmente não estávamos
juntos? A gente se gostava, ele gostava de mim, não adiantava negar. Eu
sentia!
Que droga! O que poderia ter acontecido a ele no passado para o fechar
daquele jeito? Eu só pensava naquilo, no motivo que o transformara no
cafajeste delícia que ele era. O motivo, com certeza, era o que estava o
levando a se afastar de mim, mas ainda havia esperança para nós! Eu não
poderia simplesmente desistir sem tentar, não é?
Enquanto eu tentava assimilar meus pensamentos, a campainha tocou.
Não queria ver ou falar com ninguém, estava ocupada demais pensando numa
maneira de confrontá-lo, mas a pessoa na porta era insistente demais.
E se fosse ele? E se ele tivesse se arrependido e estivesse ali na minha
porta pronto para me pedir perdão?
Levantei num pulo da cama e, antes que eu pudesse chegar até a porta
do meu quarto, ela se abriu. Era a Adele. Minha amiga tinha a chave do meu
apartamento.
Eu não consegui, aliás, nem tentei disfarçar a decepção de vê-la ali na
minha frente. Tudo o que eu não precisava era da Adele jogando baldes e
mais baldes de água fria nas minhas esperanças.
Ignorei-a e me joguei na cama, me cobrindo até o pescoço com o meu
edredom.
— Japa? — Ela se sentou na beira da cama — Olha para mim, Shizune!
— Não olhei — Eu não vou deixar você ficar deprê por causa daquele
galinha, Shizune!
Sentei na cama cega de ódio:
— Qual é o seu problema, Adele? — Esbravejei — Como você
consegue ser tão insensível?! Eu estou sofrendo, caramba!
— Amiga... — Ela tentou falar, mas não deixei.
— Não quero ouvir, não preciso de você me crucificando, me dizendo
que me avisou e que foi melhor assim. Eu gosto dele! Ouviu? E sei que ele
gosta de mim também. Não vou desistir.
— Shizune, o cara já deixou claro que não quer nada contigo.
Praticamente esfregou...
— Sai da minha casa, Adele! Por favor, só... Vai embora... — Sei que a
estava magoando, mas ela não entendia que nada do que ela dissesse ia me
fazer mudar de ideia. Eu estava decidida a ir atrás do Clis, e ela estava me
atrasando.
— Me procura quando quiser conversar — Não respondi.
Ela saiu do meu quarto, e eu não me permiti ficar arrependida pela
forma com a qual eu a havia tratado. Estava magoada com ela. Poxa, amigas
eram para essas coisas, não eram? Ficar do lado da outra até nas piores
escolhas.
Levantei e corri para o banheiro. Tomei um banho, me arrumei
rapidamente e saí. Destino? Casa do Clis. Eu iria confrontá-lo, ele teria que
me dizer porque tinha esfregado aquela periguete na minha cara.
Fui no caminho ensaiando o que eu iria dizer, como iria argumentar e
como o faria entender de devíamos ficar juntos. Quinze minutos depois, parei
na porta do prédio do Clis, apanhei minha bolsa e desci do meu carro.
Fiquei parada perto do portão, disfarçando no meu celular, aguardando
alguém entrar ou sair. Não ia tocar o interfone, ele poderia ignorar. Doía
pensar naquilo, pensar no quanto já tínhamos nos divertimos juntos naquele
mesmo lugar, com tanta intimidade, agora, eu esperava para entrar
na surdina, como uma estranha.
Por sorte, uma vizinha do mesmo andar do Clis chegou cheia de
sacolas. Cumprimentei-a e me ofereci para ajudar. Subimos conversando
sobre a falta que faz um porteiro em um prédio como aquele.
Quando o elevador parou no andar deles, segui com ela até a porta do
apartamento dela. Entreguei as sacolas a ela, que me agradeceu e me
convidou para entrar. Recusei, alegando estar com pressa.
De frente para o apartamento dele, respirei fundo e toquei a campainha.
Esperei alguns minutos, nada. Toquei novamente e o desespero começou a
me invadir. Será que ele estava lá dentro e não queria abrir? Era cedo, não
passava das nove da manhã. Ele poderia ter saído, não é?
Toquei novamente e ele não abriu a porta. “Ele não está, ele não
está”, eu repetia para mim mesma. Já estava preferindo que ele não estivesse
a ter que aceitar que ele estava me ignorando.
As lágrimas começaram a escapar dos meus olhos. Deprimente. A cena
era, no mínimo, deprimente. Encostei a cabeça na porta para ver se conseguia
ouvir algum barulho vindo de dentro.
— Clis? — Chamei — Por favor! Abre... — Nenhum som. Virei de
costas e me encostei na porta. Estava com pena de mim mesmo, ali chorando
como uma idiota sem saber se ele estava em casa me ignorando ou se tinha
saído.
Enxuguei as lágrimas teimosas e me recompus.
— Idiota! Clis, você é um idiota! E você... — Falava para mim mesmo
— É ainda mais idiota do que ele, sua pamonha!
Meu Deus, a que ponto eu tinha chegado!
— Tudo bem, Clis — Falei novamente, encostando-me a porta — Eu
vou embora.
Ergui minha cabeça e respirei fundo, tentando achar o restinho da
minha dignidade. Mentira, respirei fundo apenas para não desabar
novamente. Apertei a alça da minha bolsa, me preparando para ir embora,
quando eu o ouvi:
— Shizune?!
Virei em direção da voz e me deparei com o Clis, todo suado na minha
frente. Ele estava de bermuda, camiseta e tênis. Me encarava com uma
expressão que eu não conseguia identificar enquanto tirava os fones do
ouvido.
Engoli seco, ele estava bonito demais e... Não estava em casa, ele não
estava me ignorando! Tinha saído para correr. Minha esperança voltou com
força total, aquecendo meu coração. Dei meu melhor sorriso, que morreu no
momento em que ele tirou os óculos.
Seus olhos demostravam uma frieza assustadora, mesma frieza de dois
dias atrás, quando ele abriu aquela mesma porta na qual eu estava encostada.
E, quando ele abriu a boca, foi que eu realmente me dei conta da burrada que
estava fazendo indo até ali rastejar por ele:
— O que você quer aqui? — Adeus, esperança. Coitada, fugiu
correndo para as Bahamas. Eu a entendo, pois o homem de gelo em pé na
minha frente a afugentara do mesmo jeito que estava fazendo com a minha
pessoa.
Minha vontade era de sair correndo dali. Correndo, não, eu queria
desaparecer.
Queria que existisse um pozinho mágico, ou uma varinha de condão de
prontidão na minha bolsa, esperando para serem usados em momentos como
aquele. Mas a realidade era cruel e, a menos que eu passasse correndo por ele
como a mais idiota das idiotas das garotas afugentadas, eu precisava
enfrentar. Afinal, era para isso que eu estava ali, não é mesmo?
Vinte e Quatro – Aceitação é o Primeiro Passo.

Toda separação é triste. Ela guarda memória de


tempos felizes (ou de tempos que poderiam ter sido
felizes...) e nela mora a saudade.
Rubem Alves

Clis.

Ver a Shizune parada na porta do meu apartamento, limpando as


lágrimas, reduziu a minha resistência a quase zero. Que porra ela estava
fazendo ali? Será que tinha aparecido para me xingar e me estapear, coisa
que ela deveria ter feito quando eu abri a porta para ela dois dias atrás?
Ela estava chorando. Não parecia estar com raiva, apenas triste, e sua
tristeza era como um punhal cravado no meu peito. Cogitei acionar o botão
do elevador novamente e fugir o mais rápido possível dali. Meu apartamento
era no final do corredor, talvez ela não me visse. Não, eu não podia fazer
aquilo, tinha feito a escolha de mantê-la longe. Pelo visto, tinha fracassado.
Respirei fundo e caminhei decidido até ela. Decidido por fora. Por
dentro, meu coração gritava descompassado. Que merda!
Por que eu não conseguia simplesmente me desligar dela? Por que ela
me deixava daquele jeito? Por que eu estava curtindo fossa há dois dias,
bebendo e assistindo animes por causa dela? E por que, logo no dia em que
eu resolvi sair do meu casulo, dou de cara com ela na minha porta?
Me aproximei, mas ela ainda não tinha me visto, perdida em sua
própria dor.
— Shizune? — Chamei. Ela engoliu seco ao olhar para mim, mas
depois me encarou com um sorriso lindo nos lábios. Que porra! Por que ela
estava sorrindo para mim? Deveria era estar me odiando, não feliz em me
ver.
— O que você está fazendo aqui? — Perguntei friamente.
Ela me encarou, visivelmente constrangida pelo tom da minha voz.
— Posso entrar um instante? — Perguntou, hesitante.
— Tenho um compromisso agora, só vim tomar um banho rápido. Já
estou atrasado.
— Não vou demorar — Respondeu rápido.
Respirei fundo e abri a porta, dando passagem para ela entrar. Segui
logo atrás, fechando a porta em seguida. Não a convidei para sentar, não
ofereci um refresco como um bom anfitrião faria. Apenas a encarei de forma
intimidante, esperando que falasse. Como ele continuou muda, resolvi
perguntar:
— O que a traz aqui? — Shizune me encarou por alguns segundos
antes de responder.
— Quero conversar sobre o que aconteceu... — Ela começou, mas logo
a interrompi.
— Não tem o que conversar, você viu o que viu.
— Quero uma explicação, mereço — Ela me encarou com uma
expressão triste — Mereço saber o porquê você esfregou aquela vadia na
minha cara. Quero saber porque me deixou esperando em casa para se deitar
com qualquer uma...
— Shizune... — Suspirei, tentando parecer entediado — Não te devo
explicações. Não sou seu namorado. Sou livre para ficar com quem eu quiser
e, naquela noite, era aquela garota. Em outra noite, outra qualquer, e, de vez
em quando... — Vacilei — De vez em quando, você — Ela me encarou,
estupefata e com lágrimas nos olhos, mas eu continuei antes que ela dissesse
algo que pudesse me fazer fraquejar — Qual é? Não me olha assim, você já
devia saber. Seu amigo, Stênio, deve ter lhe falado sobre a minha maneira de
viver, que não me relaciono, que sequer repito mulheres. Você foi uma
exceção, uma deliciosa exceção. Nos divertimos juntos, você tem que
concordar. Mas tenho que seguir em frente — Sorri forçadamente.
O desprezo com qual ela me olhou me deixou desconcertado. Shizune
me encarou em silêncio, antes de me presentear com um sorriso tímido,
porém sarcástico. Limpando as lágrimas, ela se aproximou:
— Sabe, Clis... — Disse, me encarando — Tenho pena de você. Você
fica aí com essa pose de homem impenetrável, mas tudo o que você quer é
disfarçar o quanto você é medroso e covarde, o quanto você tem medo de
amar e não ser amado de volta, o quanto você tem medo de se entregar e se
magoar não é isso?
Do que ela estava falando? Será que sabia da Larissa? O Stênio teria
contado? Ele teria me traído daquela forma, revelando meu pior pesadelo?
— Isso é o que você pensa. Não posso e não quero mudar sua
concepção sobre mim porque é indiferente. Eu sou assim, é o meu jeito de ser
— Apontei para mim — E não é você, nem ninguém, quem vai mudar isso.
— Você é um idiota, Clis — Disse, me olhando de cabeça erguida.
— É o que dizem, me conta uma novidade — Caralho, doía ter que
falar com ela daquela maneira, mas eu tinha que fazê-la entender de uma vez
por todas o babaca que eu era.
— A novidade é que você é o maior de todos os idiotas que eu já
conheci. Sabe por quê? Porque você sente, eu sei. Você sente algo, mas é
covarde demais para se envolver, para se arriscar. Você é um covarde, Clis!
Olha, torça para que você esteja certo, torça para que ninguém nunca apareça
e te faça querer mudar. Pois se isso acontecer, você vai sentir na pele tudo o
que está me fazendo sentir. Pode parecer uma frase clichê o que vou dizer,
mas aqui se faz, aqui se paga. Não faça com os outros aquilo que você não
quer que façam com você. E eu te agradeço muitíssimo — Falou,
caminhando até a porta — Agradeço a sua bondade de me mostrar o
verdadeiro cafajeste que você é. E eu que pensei que você poderia me amar
um dia. Obrigada por se mostrar verdadeiramente. Eu não quero e não
preciso de uma pessoa como você ao meu lado, e olha que cogitei isso. Eu
vim até aqui, Clis, para implorar, se fosse preciso, para que você desse uma
chance para nós, porque eu acreditei que estávamos apaixonados. Quase
cometi essa loucura. Mais uma vez, obrigada por sair da minha vida.
Ela me deu uma última olhada e bateu a porta com força. Sentei no
sofá, me sentindo estranho. Eu estava tremendo, meu coração batia
descompassado em meu peito.
Apoiei os cotovelos nas minhas pernas e, sorrateiramente, elas vieram,
as lágrimas. Aquelas lágrimas que eu jurei nunca mais derramar por mulher
alguma.
A porra das lágrimas da porra do sofrimento por causa de mulher! Mas,
daquela vez, era diferente. Embora eu estivesse chorando pela Shizune, não
fora ela quem tinha me feito chorar, ela não disse nenhuma mentira. Eu
estava chorando pelo que eu mesmo estava fazendo comigo, não ela.
Ao contrário, ela tinha deixado claro que via um futuro para nós, que
acreditava na possibilidade de eu poder amá-la. Falou em acreditar sobre
estarmos apaixonados, praticamente disse que estava apaixonada por mim.
Ah, Ninja, se soubesse!
Eu não poderia vir a amá-la um dia, porque já a amava. Amava!
Simples assim.
Aceitação. Dizem que esse é o primeiro passo para o desapego, não é?
Mas a minha aceitação era diferente. Eu não estava ali aceitando o fim, eu
estava finalmente aceitando e admitindo o fato que eu a amava.
Deitei no sofá em posição fetal e deixei que as lágrimas saíssem
livremente. O desespero pelo que eu tinha acabado de fazer me dominou
brutalmente. Ela nunca mais olharia para mim, era fato. Mas era o que eu
queria, não era?
Eu a queria longe de mim, longe do meu coração quebrado, longe dos
meus fantasmas. Finalmente, tinha conseguido, depois de humilhá-la daquele
jeito, é claro.
Levantei e fui até o armário da cozinha. Precisava de algo forte, e
cerveja não iria resolver a minha situação. Eu queria anestesiar aquela dor
que estava me consumindo.
Peguei minha garrafa de uísque e enchi o copo. Bebi de uma vez só.
Enchi de novo e bebi. Encostei na parede e fui descendo até sentar ao chão.
Chorei igual a um menino patético, estirado no chão da cozinha. Eu só
queria sumir. Cheguei a cogitar a voltar para os States, fugir igual a um
covarde, como ela mesma havia dito que eu era.
Sim, eu era uma porra de um moleque covarde, que merda de vida era
aquela minha? Para quê? Por que não me permitia ser feliz? Porque o amor
doía, eu lembrava a mim mesmo. Você entrega o seu coração a alguém e só
deseja que a pessoa cuide bem, e ela vai e o esmaga com as mãos, como se
fosse papel.
Chorei muito naquela manhã e, quase ao final da garrafa, quando eu já
esperava o coma alcoólico tomar conta de mim, eu só conseguia pensar numa
coisa. Eu a amava, amava demais. Amava, e estava doendo estar longe. Puta
que pariu!
Vinte Cinco – Quando a Forma de Revidar Vem
em Forma de Dani.

Shizune.

Depois que saí do apartamento do Clis, não consegui derramar uma


lágrima sequer. Eu estava estupefata demais para expressar qualquer emoção.
Idiota, que idiota ele era! Tão determinado a me ferir, tão determinado
a me afastar. Bom, ele tinha conseguido.
O Clis estava quebrado demais para que eu ainda tivesse esperanças,
ele deixou muito claro. Algo me dizia que tinha ver com algum amor mal
resolvido o fato de ele ter se tornado o grande cafajeste que era. Lembro-me
da mãe dele dizer algo sobre coração partido, coração quebrado, algo assim.
Mas já não me importava mais, não é mesmo?
Eu o deixaria com todos os seus demônios para trás, pois tinha ficado
claro que eu não era páreo para eles. Entretanto, não conseguiria arrancar o
amor que sentia por ele de mim assim, da noite para o dia. Só que eu não
queria um amor doente, cheio de falhas. Por um momento, eu acreditei que
pudesse ser perfeito com ele, que pudéssemos sim viver esse sentimento
intensamente, contradizendo tudo e todos. Que inocência a minha! Me
enforquei na minha própria corda, me joguei do precipício cultivando
esperanças. Mas estava acabado. Finish.
Eu choraria, sofreria, mas superaria... Como eu havia superado meu ex.
Claro que o que sentia por ele não era um décimo do que sentia pelo Clis,
mas eu tinha meus amigos para me ajudar. Por saber que podia sempre contar
com eles, eu estava parada na porta do apartamento da Adele, tocando a
campainha.
Minha amiga abriu a porta e me encarou com um sorriso acolhedor
antes de me puxar para um abraço. Então, ali, nos braços protetores dela, eu
chorei. Sim, eu chorei, mas não foi pelo Clis. Foi de arrependimento por ter
sido uma vaca com ela.
— Me desculpe! — Eu pedi enquanto a apertava contra mim.
— Shiiii! Não chora, japa. Vem aqui — Ela fechou a porta e me puxou
para o sofá.
Sentei no sofá, e ela sentou de frente para mim na mesinha de centro,
segurando minhas mãos:
— O que aconteceu?
— Eu o procurei — Disse, respirando fundo e limpando as lágrimas —
Mas foi bom, acho que agora aprendi.
— Oh, amiga, eu sinto muito!
— Não sinta — Funguei — Ele... Está quebrado, e o que quebra
raramente tem conserto. Não tenho estrutura para tentar resgatar o Clis das
profundezas da alma obscura dele — Filosofei.
— Então nós vamos te ajudar a esquecer — Ela disse, pegando o
celular.
— Nós? — Perguntei, confusa.
— Sim, nós. Seus amigos, quem mais?
Enquanto ela falava com o Dani, eu a observava. Tão determinada e
decidida, praticamente obrigou o Dani a largar o que quer que ele estivesse
fazendo para nos encontrar no apartamento dela, como se estivesse em uma
Super Operação. E estava, na cabeça dela estava.
Operação “acordar a Shizune para a vida”.
Operação “desintoxicar o Clis da alma da Shizune ”.
Sorria da minha própria desgraça enquanto ela intimava o Dani a trazer
cervejas com ele. Como se ela bebesse... Trinta minutos depois, o Dani batia
na porta dela como um garoto obediente.
Sem perguntar nada, ele me abraçou e beijou minha testa. Sorriu o seu
melhor sorriso reconfortante antes de ir até a cozinha e pegar bebidas para a
gente.
Sentados no tapete da sala da Adele, com o Ian dormindo no bercinho
que ela deixava na sala. Eu contava nos mínimos detalhes a minha conversa
com o Clis.
— Eu avisei que, se ele te magoasse, ia se ver comigo. Tô sedento de
vontade de quebrar alguns dentes dele — Meu amigo vociferou.
— Você não vai fazer nada — Eu disse firme — No fim das contas, ele
acredita estar me fazendo um favor. Na verdade, até está. Melhor agora, não é
mesmo?
— Não é melhor agora, japa. Você já está envolvida, está sofrendo, ele
devia ter se mantido longe de você...
— Dani... — Interrompi — Obrigada pela força. Obrigada, você
também, Adele — Olhei com carinho para ela — Vocês dois, o Stênio e o
Ian, fora os meus pais, são tudo o que me importa. Adele... — Peguei sua
mão — Quando você saiu lá de casa hoje, eu questionei sua amizade. Eu
achava que as amigas deviam ficar ao lado das outras até nas piores decisões.
Eu estava errada. Uma amiga de verdade aponta o erro da outra, critica e não
apoia as loucuras, tenta fazer a outra enxergar a verdade. É isso que você vem
tentando fazer desde que me envolvi com o Clis, você só estava tentando
ajudar...
— Japa, se houvesse a mínima chance daquele cafajeste galinha te
fazer feliz, eu seria a primeira a apoiá-lo.
— Eu sei, eu sei, hoje eu sei — Abracei-a.
— Também quero abraço — Dani se jogou sobre nós.
Ficamos os três ali, rindo, conversando e bebendo — eu e o Dani — até
o Stênio chegar e se juntar a nós.
Pouco depois das dez, anunciei que precisava ir. Eu estava levemente
embriagada e rindo sem parar, era a minha deixa.
— Fica aqui, Shizune, amanhã você vai — Minha amiga tentou me
fazer ficar.
— Preciso ir — Respirei fundo – Amiga, por favor, faça as pazes com
seu marido. Eu fui a culpada de tudo e estou me sentindo péssima por estar
fazendo vocês dois brigarem. Por favor, não deixe eu me sentir pior do que já
estou — Chantageei.
— Tudo bem, japa. Eu vou desculpá-lo, okay? – Assenti, satisfeita.
— Vamos, japa — Dani se aproximou, me abraçando de lado.
— Tem certeza que você está bem para levá-la para casa, Dani?
— Relaxa, Adele, estou bem — Ele disse, sorrindo – Preciso de mais
do que algumas garrafas de cerveja para me derrubar.
Ela concordou. Entreguei a chave do meu carro para ela e desci com
meu amigo até o carro dele. Pouco tempo depois, ele estacionou na frente do
meu prédio:
— Entregue, japa — Assenti, beijando seu rosto. Me atrapalhei para
descer da caminhonete dele, que logo já estava ao meu lado, me ajudando a
descer.
— Vou te levar até lá em cima — Disse, rindo do meu leve estado de
embriaguez.
— Você está se divertindo, não é?
— Ninguém me diverte tanto estando bêbada quanto você — Falou e
gargalhou. Fechei a cara e entrelacei meu braço no braço dele.
Subimos rindo de alguma besteira que ele havia falado, não me lembro
direito. A cerveja realmente tinha começado a fazer efeito. Eu não tinha
comido nada o dia todo, o que ajudou.
A culpa do que aconteceu em seguida foi toda da bebida.
Assim que as portas do elevador se fecharam, eu senti um clima, a
tensão entre nós era quase palpável. É, eu devia estar muito bêbada mesmo
para estar percebendo clima entre meu amigo e eu. Ele sorria sorrateiramente
para mim, não demonstrando nada.
Quando as portas se abriram, paramos em frente ao meu apartamento,
que era quase de frente para o elevador. Abri, dando passagem para ele
entrar, mas ele só encostou no batente.
— Tá entregue, eu volto daqui — Só que eu não queria ficar sozinha.
— Você não quer entrar? — Olhei para ele com malícia. Traduzindo:
Com cara de safada mesmo.
— Para — Ele me alertou.
— Qual é, Dani, somos amigos. Você pode entrar só um pouquinho,
por favor?
Ele sorriu, assentindo. Em um ápice de loucura, eu o puxei para dentro.
— O que você está fazendo? — Perguntou, assustado, quando eu o
encurralei na porta — Shizune!
Ele segurou meus ombros numa tentativa falha de me afastar, mas eu
agarrei seu pescoço e o puxei, colando nossos lábios.
Dani hesitou no início, mas logo suas mãos seguravam minha cintura
com força, enquanto nossos lábios se chocavam desesperados.
Sem desgrudar nossas bocas, ele passou o braço ao redor de mim, me
levantando e me jogando com ele no sofá. Sua mão desceu na lateral do meu
corpo, se embrenhando debaixo na minha saia.
Meu Deus, aquilo era loucura, mas eu desejava me marcar com outro
homem, mesmo que o outro homem fosse o gostoso do meu melhor amigo.
Quando eu me preparei para sentir seu toque lá embaixo, ele infelizmente
recuperou a sanidade e se afastou bruscamente.
— Isso não tá certo, não podemos fazer isso! — Falou, passando as
mãos no cabelo.
Levantei e o puxei para o sofá, sentando no seu colo. Dani me olhava,
incrédulo, sem saber onde colocar as mãos.
— Você não me deseja? Não sou gostosa o suficiente para você? —
Perguntei, querendo chorar.
— Isso não tem nada a ver com desejo — Disse, segurando meu rosto
— Somos amigos. Não podemos colocar nossa amizade em risco por causa
de sexo. É claro que eu te desejo, porra! Você é linda, e eu sei, sei que você é
gostosa. Já me perdi em você para saber disso, mas... Não quero ser sua
válvula de escape, e você também não quer isso. Já tentamos uma vez. Como
ficaríamos depois? Não quero perder você, e sei que é justamente o que vai
acontecer amanhã se a gente fizer isso hoje.
Abaixei a cabeça envergonhada. Ele tinha razão, não valia a pena
arriscar nossa amizade por causa da minha ânsia louca de tirar o Clis de mim.
Eu não era como ele, eu não me entregava sem sentido, mesmo que fosse
para meu melhor amigo e ex-namorado.
— Estou envergonhada — Falei bem baixinho.
— Não fique — Dani disse, levantando meu rosto — Merecemos mais
do que isso. Não quero te perder. Sei que você vai se afastar arrependida
amanhã. Não podemos estragar o que temos, japa. Construímos nossa
amizade em cima de um relacionamento. Conseguimos isso, não dá para
arriscar — Assenti, concordando.
Foi a minha vez de envolver seu rosto com minhas mãos. Encarei seus
olhos por alguns instantes. Ele me encarou de volta sério, sedutor como era.
— Não me olha assim — Falou, fechando os olhos.
Desci minhas mãos para seus ombros largos, alisando a camisa de
manga longa jeans. Gato, muito gato, meu amigo...
— Acho melhor eu ir agora, antes que eu mude de ideia — Sorri,
aproximando nossos rostos.
Dani deslizou os dedos sobre os meus lábios e segurou meu queixo, me
puxando para perto.
Ele plantou um beijo na minha boca. Ficou ali de olhos fechados com a
boca na minha, a respiração pesada. Abri meus olhos e o encarei. Tão bonito,
não merecia ser usado por mim, e nem por ninguém.
— Preciso ir — Disse quando abriu os olhos. Assenti, saindo de cima
dele.
Dani levantou, alisando a camisa sem jeito. Estava excitado, dava para
ver.
— Se te serve de consolo, vou tocar uma hoje pensando em você — Me
deu seu sorriso mais sexy antes de beijar minha testa e partir, me deixando
ali, embasbacada. Cheia de tesão e culpa...
Que loucura eu estava prestes a fazer para apagar aquele maldito
cafajeste de mim! Meu Deus, quase transei com meu melhor amigo. E ele iria
se masturbar pensando em mim. Caramba!
Aquilo não era certo. Eu não iria me corromper, corromper minha
amizade com o Dani, por causa de um corrompido.
Droga! Com que cara eu olharia para o Dani? Burra, burra, burra —
Eu dizia a mim mesma, me jogando na minha cama. Já previa mais dois dias
de fossa, agora por causa do que eu fiz com o Dani. Parabéns, Shizune!
Vinte e Seis – Cerveja + Karaokê = Dor de
Cotovelo.

Shizune.

A dor de consciência, somada ao arrependimento, é mesmo um troço


aterrorizante, te transforma em uma criança acuada com medo de encarar a
realidade. Assim estava eu há uma semana por ter me jogado em cima do
Dani, fugindo dele como o diabo da cruz, e olha que nem transamos. Meu
amigo me conhecia bem, melhor do que eu, estava muito arrependida.
Quanto ao Clis, nem notícia. É claro que eu não esperava que ele fosse
aparecer na minha porta, mas, ainda assim, doía.
Me doía, e eu sentia raiva de mim por ter me iludido tanto. Ele nunca
disse nada que me fizesse ter esperanças. Eu é que estava empenhada demais
em ler nas entrelinhas. Pelo visto, não levava muito jeito para aquilo. Naquela
vez em que ele veio com aquele papo de que não namorava, aquela era a
minha deixa para sair com dignidade. Mas, não, fui me contentando com
migalhas, até que deu no que deu.
Bem feito para mim!
Na sexta-feira à noite, sem avisar, minha amiga apareceu linda e loira
na minha porta, me intimando a sair. Como vocês já devem ter percebido,
não era fácil dizer não a ela.
— Não quero nem saber, japa. Já faz uma semana que você está
curtindo fossa. Quer curtir fossa? Curte na balada. Paguei babá para ficar com
o Ian hoje, não quero nem saber. Quero dançar até o dia amanhecer.
— Você não tem seu marido para isso? — Falei, desinteressada, me
jogando no sofá.
Eu já estava me preparando para dormir. Estava de pijama e pantufas, e
ela, em um salto alto de 15 cm, exalando sensualidade.
— Vamos logo, o Dani vai também.
— Agora é que eu não vou mesmo — Falei rápido demais.
— Por que? — Sentou ao meu lado — Shizune, o que vocês fizeram?
— Por que acha que fizemos alguma coisa?
— Porque ele quis dar para trás também, não queria sair. O que vocês
fizeram? — Insistiu.
— Não fizemos nada, relaxa. Quer dizer, na verdade, não fizemos
porque ele não quis... — Resolvi e contei tudo para ela, que me olhava
horrorizada. Eu sei, não era bonito o que eu tinha feito.
— Não acredito nisso, vocês perderam a cabeça de vez? — Minha
amiga levantou e me puxou com ela — Shizune, você vai entrar naquele
quarto, vai se arrumar e vai agir como se isso nunca tivesse acontecido,
ouviu? Meu Deus! Você não tem mesmo um pingo de ideia, e o Dani também
não fica atrás!
— Ele não tem culpa, eu o coagi — Ela balançou a cabeça, me
recriminando.
— Que bom que meu amigo ainda tem um pouquinho de sanidade
naquela cabeça desmiolada... Vocês dois não percebem o risco que correram?
Poderiam ter estragado uma amizade forte e sólida por causa de alguns
minutos de prazer. Caramba! Shizune, olha, eu não sou tão certinha assim. Se
é sexo que você quer fazer, eu super apoio você achar um gostosão para te
ajudar com isso. Mas o Dani, não!
— Por que ele não? Ele já me conhece, sabe como me agradar — Ah,
ele sabia, sim... Sorri me lembrando das nossas aventuras.
— Para de ficar fantasiando com o Dani, não quero nossa turma
dividida por causa de vocês, dois descabeçados.
— Você tá certa, Adele, como sempre. Eu fiz essa idiotice, mas foi
num momento de fraqueza. Não vai mais acontecer. Sei lá, eu... Só queria
tirar o Clis do meu organismo, marcar meu corpo com o cheiro de outro, o
corpo de outro. É muito louco, mas...
— Tudo bem, eu até te entendo — Ela me interrompeu — Mas não
com o Daniel.
Assenti.
Minha amiga me ajudou a escolher minha roupa. Uma blusa cinza de
manga comprida, uma saia de cintura alta rodada e um scarpin preto. Apenas
penteei meus cabelos, finalizando meu look com um cachecol de tricô. Nem
maquiagem passei.
Fomos a um barzinho com karaokê de um amigo do Dani.
— Ué, você não queria dançar? — Perguntei, notando que mal havia
lugar para se locomover ali.
— Os meninos preferiram vir para cá.
Assim que entramos, já demos de cara com o Dani e o Stênio na mesa
bem de frente ao lugar, onde uma garota tentava sem sucesso cantar uma
música da Rihanna.
— Não tenho cara para olhar para o Dani — Falei, empacando no
lugar.
— Vai olhar com a mesma cara deslavada de quando o beijou, japa.
Vem!
Nos aproximamos dos rapazes e os cumprimentamos. Falei com o
Stênio primeiro, que me abraçou, afagando meus cabelos.
A Adele se aproximou do marido, monopolizando sua atenção, e só me
restou encarar o Dani.
— Vem aqui, japa — Ele me puxou para um abraço. Depois, segurou
meu rosto entre as mãos e me encarou — Relaxa, está tudo bem entre a gente.
Apenas balancei a cabeça, concordando, mas não estava tudo bem se eu
estava o achando tão gato e tão cheiroso dentro daquela camiseta preta.
Meu Deus, o que o despeito faz com uma pessoa! Eu estava desejando
meu amigo por pura dor de cotovelo... Sorri sem graça e beijei sua bochecha.
Duas horas depois, já estávamos bastante alegrinhos e relaxados,
quando a Adele soltou a bomba:
— Vocês o quê? — Stênio olhava embasbacado para mim e para o
Daniel ao meu lado.
— Muito obrigada, Adele! — Fuzilei-a com o olhar — O Dani não teve
culpa, tá? Dá licença...
Saí em direção ao banheiro puta da vida com a Adele. Sabia que ela
não ia esconder para sempre do marido, mas contar ali, na nossa frente?!
Constrangimento era pouco.
Senti uma mão forte envolver meu braço.
— Japa... — Meu amigo me encarou tão sem graça quanto eu — Não
liga para eles, aqueles dois não tem filtro, por isso estão casados até hoje.
— Desculpa te causar esse transtorno, Dani — Ele me olhou, cauteloso.
— Vamos esquecer isso, está bem? — Não respondi. Encarei seus
lábios carnudos, e ele recuou — Não faz isso.
— Isso o quê? — Fingi inocência.
— Isso! — Dani me puxou e me prendeu na parede.
E lá estávamos nós, nos agarrando no corredor de um bar, espremidos
entre as pessoas que passavam. Dani me beijava com urgência, mas sem
ultrapassar qualquer limite. Suas mãos ficaram intactas na minha cintura.
— Não quero ser sua válvula de escape — Disse quando separou seus
lábios dos meus.
— Então para de ficar me beijando — Me beijou de novo.
— Se fosse qualquer outra, eu não me importaria de ser usado, mas
você é diferente. Se eu tivesse um mínimo de certeza de que seria só uma
aventura entre a gente, te levaria daqui agora e transaria contigo até
amanhecer. Mas sei que com você vai ter sentimento. Não quero isso para
mim, tu tá com a cabeça em outro.
Me senti culpada com suas palavras. É claro que ele estava certo, eu
tinha o quê? Virado uma vadia? Querendo usar meu amigo para tentar
esquecer por alguns momentos do Clis? Prometi a mim mesma que não me
corromperia. Não era dando para meu amigo que eu iria conseguir isso.
— Desculpe, Dani — Falei com lágrimas nos olhos. Ele sorriu amável
e segurou meu queixo.
— Esquece esse cara, ele não te merece, olha o que está fazendo com
você.
Apenas assenti, envergonhada demais para dizer algo.
— Vamos voltar para a mesa? — Perguntou, se afastando.
— Me dá só um minuto — Falei. Ele concordou e virou as costas, me
deixando sozinha com minha culpa.
Entrei no banheiro e chorei baixinho, escondida. Que droga de vida! Eu
odiava o Clis, com todas as minhas forças. Mesmo longe de mim, ele estava
me causando mal, acabando com a minha sanidade, tirando minha capacidade
de raciocínio. Deus do céu, eu me entregaria para o meu melhor amigo só
para tirá-lo por alguns momentos da minha cabeça!
Estava ali no banheiro de um bar, sentada na tampa do vaso sanitário,
chorando, enquanto ele poderia estar em qualquer lugar, quem sabe fazendo
um ménage à trois, enquanto a idiota aqui não trabalhava direito, mal dormia
e tentava dar para o melhor amigo. O Clis devia estar pulando de cama em
cama, como sempre fez, segundo as histórias dos tempos de faculdade do
Stênio.
— Shizune? — Minha cão de guarda apareceu no banheiro.
— Já estou saindo — Falei, dando descarga.
Enxuguei meus olhos na esperança de que ela não percebesse que eu
estava chorando. O que era meio impossível, já tinha os olhos pequenos de
natureza. Quando eu chorava, eles praticamente sumiam. Ela percebeu, mas
preferiu ficar calada. Milagre.
Voltamos para a mesa, e comecei a ignorar meu amigo com sucesso.
Depois de algum tempo e algumas cervejas, eu já estava mais para lá
do que para cá. Meus amigos conversavam animados. Dani me olhava de vez
em quando com cautela, mas eu simplesmente ignorava. O karaokê tinha
ganhado minha atenção.
Respirei fundo e levantei, indo em direção ao pequeno palco
improvisado.
— Japa, o que você está fazendo? Volta aqui! — Adele me chamou.
Ignorei. Peguei o microfone e encarei a galera, que já me encarava de
volta:
— Hora do Show!
Vinte e Sete – Amigo ou Inimigo?

Já era amor, antes de ser...


Clarice Lispector

Clis.

Estava eu numa baladinha sertaneja com alguns amigos quando aquele


maldito vídeo chegou. Estava eu rodeado de mulher bonita, tentando parecer
interessado em todas elas, quando meu ex-melhor amigo Stênio me mandou
um vídeo da ninja.
Assim que identifiquei que era ela, pausei o vídeo e coloquei o celular
de volta do meu bolso.
Eu não vou olhar, não vou olhar — Dizia a mim mesmo.
— Tá tudo bem, gatinho? — A morena jambo com cara de devassa ao
meu lado perguntou. Gatinho? Fala sério, sou homem, porra! Pensei,
encarando os peitos dela.
Mas não ia rolar. O Stênio tinha conseguido acabar com a minha
chance de tentar tirar aquela ninja da minha mente. Pedi licença à morena
devassa e saí da boate, indo em direção ao meu carro.
Já dentro do meu carro, peguei meu celular. Eu estava nervoso. O que
aquele filho da puta estava aprontando? Que vídeo era aquele? Será que ela
estava se pegando com alguém e ele filmou só para esfregar na minha cara?
Muito maduro, Stênio, muito maduro.
Respirei fundo, me munindo de coragem, e cliquei novamente no
vídeo.
Ela não estava se pegando com ninguém, mas mesmo assim o que vi
me destroçou. A minha ninja, visivelmente bêbada, cantava em um karaokê.
Ela tinha lágrimas nos olhos, uma garrafa de cerveja em uma mão, e o
microfone na outra. Mesmo triste e chorando, ela continuava perfeita. E,
nossa, como ela cantava bem! E a música parecia que tinha sido escolhida a
dedo.

Te vejo errando e isso não é pecado, exceto quando faz outra pessoa
sangrar.
Te vejo sonhando e isso dá medo perdido num mundo que não dá pra
entrar.
Você está saindo da minha vida e parece que vai demorar.
Se não souber voltar ao menos mande notícia.
Cê acha que eu sou louca, mas tudo vai se encaixar.
To aproveitando cada segundo antes que isso aqui vire uma tragédia.
E não adianta nem me procurar em outros timbres, outros risos.
Eu estava aqui o tempo todo só você não viu...
Pitty – Na sua Estante.

Não consegui assistir até o final. Pausei o vídeo e fiquei sei lá, uns
cinco minutos, encarando a imagem dela na tela.
Puta que pariu! Se o idiota do Stênio estava querendo fazer eu me sentir
culpado, um merda, ele tinha conseguido. Não consegui voltar para a festa,
estava dividido entre ir para algum bar beber até morrer, ou ir atrás dela e
arrancar aquele microfone das suas mãos e beijá-la até que não houvesse mais
ar em seus pulmões.
Liguei o carro e meti o pé dali até o boteco mais próximo.
Já fazia uma semana que a minha ninja tinha aparecido na minha porta.
Uma semana que eu tinha sido um escroto com ela, que parecia ter enfim
entendido o recado. Não me procurou mais, sequer a vi.
Melhor assim, não era? NÃO! Não era, estavam muito ruins meus dias
sem ela.
Meus dias apenas passavam na minha frente. Eu estava me
transformando em um espectador dos meus próprios dias, bebendo em bares
até extasiar a dor, até adormecer meu coração quebrado.
Mulheres? Sequer beijei alguma desde que ela se foi. Transar então?
Muito menos. Só pensava nela, só a queria, só a desejava na minha cama.
Saí do bar meio calambeando e fui dirigindo para a casa. Imprudente,
eu sei, mas aquele era eu. Um cafajeste sem escrúpulos e inconsequente.
No dia seguinte, minha mãe me ligou cedo. O barulho do celular
tocando quase explodiu meu cérebro. Eu pensei em ignorar, mas já estava
fazendo isso a uma semana. Logo ela bateria na minha porta e veria o estado
lastimável em que me encontrava.
Como eu já previa, fui intimado a comparecer à casa dela para almoçar.
Não tive como negar, então coloquei minha máscara de cafajeste e segui para
lá.
Assim que cheguei, ela me olhou com aquele jeito de mãe, que sabe das
coisas. Aquele jeito que sabe que o filho não está bem. Mas, a princípio, ela
ignorou.
Só que, na hora em que estávamos os quatro na mesa, minha mãe, meu
padrasto, minha irmã e eu, o assunto Shizune — meu mais novo tabu — veio
à mesa.
— Filho... — Minha mãe começou — O aniversário do seu pai está
chegando. Vamos fazer uma recepção íntima aqui em casa, somente alguns
clientes e alguns amigos. Traga a Shizune também.
— Mãe, eu acho que não vai rolar — Engoli seco com o olhar mortal
que ela me deu.
— Por quê? Vocês não estão mais juntos?
— Nunca estivemos juntos, mãe.
Ela suspirou, visivelmente irritada:
— Escritório, agora! — Minha mãe se levantou. Olhei para o meu pai,
que apenas deu de ombros, e não tive outra opção a não ser segui-la.
Fechei a porta atrás de mim e encarei seus olhos acusatórios:
— Você a dispensou?
— Mãe, eu já disse....
— Você está querendo me dizer que foi ela quem saiu fora? — Me
olhou determinada.
— Não — Eu disse, desabando no sofá.
Minha mãe suavizou a expressão e sentou-se ao meu lado:
— Filho, essa garota é a primeira depois da Larissa que conseguiu
penetrar aqui — Ela disse, tocando meu peito.
— Você está exagerando — Falei de cabeça baixa.
— Não estou, eu te conheço, filho. Tá na sua cara que você gosta dessa
garota. Olha para você! Tentando parecer indiferente, mas sei que aqui dentro
tá uma bagunça. Por que não dá a ela uma chance? Por que não se dá uma
chance? Você está sofrendo!
— Não posso! — Falei, me levantando — Mãe, a Shizune tem o dom
de me quebrar. Se ela fizer, não me levanto mais.
— Não conheço essa garota direito, mas ela parece gostar de você de
verdade. Mesmo sabendo que você não se envolve, ela preferiu arriscar,
porque te ama, porque ela acreditava poder fazer você amá-la de volta.
Olhei para ela, embasbacado
— Como você sabe essas coisas?
— Me encontrei com o Stênio por acaso — Stênio! Aquele idiota
estava disposto a atrapalhar minha vida — Ele me contou tudo. Contou que
você a dispensou, contou a cafajestagem que fez com a garota. E me contou
ainda que, depois de tudo, ela ainda o procurou. Quer prova maior do que
esta que ela te ama, filho?
— Esse almoço não era para falar da festa, não é? — Perguntei,
ignorando o que ela disse. Ela concordou com a cabeça.
— Na verdade, eu queria que você se abrisse comigo, sem precisar ser
coagido. Mas não deu muito certo.
— Eu a amo — Disparei.
— Admitir isso em voz alta já é um grande passo, filho...
— Não, não é — Interrompi — Isso não muda nada. Não a procurarei,
independente de amá-la, independente de ela me amar de volta.
— Por quê?
— Porque não sou bom o suficiente para ela! — Gritei, e lá estavam as
lágrimas novamente — Tô quebrado, mãe, ela merece alguém melhor do que
eu.
— Não diga que filho meu não é suficiente para alguém! Criei vocês
para o mundo, mas não quero que o mundo os corrompa. A essência de vocês
deve permanecer, e sei que a sua está aí perdida em algum lugar — Apontou
para mim — Eu sei que você é um homem bom e sei que você tem a
capacidade de fazer qualquer mulher feliz, inclusive a Shizune. Então seja o
homem que eu te eduquei para ser e corra atrás do prejuízo!
— Ela não quer saber de mim. Eu a magoei, a humilhei, não tenho nem
cara de chegar nela.
— Se ela te ama de verdade, vai te perdoar. No máximo, vai te dar uma
joelhada no meio das pernas. Merecido, mas vai te perdoar.
Sorri fraco. Eu duvidava muito, mas apenas concordei com a cabeça
para encerrar o assunto.
Saí da casa dos meus pais de cabeça quente, estava com raiva de mim.
Mas tinha direcionado um pouco da minha raiva para o Stênio. Quem ele
pensava que era para se intrometer desse jeito na minha vida? Para envolver a
minha mãe?
Dirigi até a academia cego de raiva, ele iria ouvir umas verdades. Sabia
que a Adele estava lá, já que ela era a dona, mas eu estava muito puto para
deixar para depois.
Entrei na academia pulando a catraca, sem ao menos falar com a
recepcionista. Ela me olhou, incrédula, e pegou o telefone, mas eu já estava
subindo as escadas em direção ao escritório.
Entrei sem bater. A Adele me encarou com o telefone na orelha.
— Tudo bem, Monique — Ela falou para a pessoa do outro lado —
Conheço essa pessoa — Adele desligou e me encarou. O Stênio entrou na
sala na mesma hora e também me encarou, surpreso.
— Clis? O que você faz aqui?
— É com você mesmo que eu quero falar — Disse para o Stênio,
ignorando o olhar mortal da mulher dele — Vim te dar um aviso, cara. Para
de se intrometer na minha vida, você não tem nada que ficar fofocando com a
minha mãe e não tem nada que ficar me mandando vídeos, porra!
— Acho melhor você sair do meu escritório, antes que eu chame o
segurança — Adele me encarou, ficando na frente do marido — Some do
meu estabelecimento, cretino!
Vou te que concordar que a mulher dava medo.
— Clis, me escuta cara — Stênio começou a falar — Não fiz por mal,
só queria te fazer entender...
— Não preciso que você me faça entender nada, porra! Que tipo de
amigo você é? Fica aí empurrando sua amiga para mim, mesmo sabendo que
eu não valho nada! — Respirei fundo, tentando me acalmar — O recado tá
dado — Disse.
Quando comecei a andar em direção a porta, o tal Dani apareceu do
nada.
Não tive nem tempo, o babaca já chegou chegando. Me deu um soco
certeiro no meu olho direito.
— Dani! — Stênio gritou, segurando-o.
— Eu te disse que se você a magoasse...
— Você deve estar é muito satisfeito, babaca! O caminho está livre
para você. Aproveita!
Sem olhar para trás, saí dali. Aquele filho da puta não me enganava.
Todo aquele papinho de melhor amigo para mim não passava de fachada, o
cara gostava dela.
E constatar aquilo doeu, a Ninja estava livre para se envolver com
quem ela quisesse. Não era da minha conta, mas, mesmo assim, doeu.
Vinte e Oito – Gravidez Indesejada?

Shizune.

Dizem que o tempo cura tudo, não é verdade? Só que, naquele


momento, sentada no sofá da minha sala, com uma panela de brigadeiro e um
copo de coca cola, eu só pensava que o tempo não curava nada. Ele só era um
cretino.
O cretino do tempo era o culpado de toda dor de amor. Ele iludia as
pessoas, dizendo que curava as feridas. Mas, na verdade, só as deixava reféns
dele, como eu estava nas últimas semanas.
Desde o fiasco que foi a minha última saída para tentar me distrair com
algum gostosão, — que, de fato, não aconteceu, já que eu preferi pagar mico
no karaokê — eu só trabalhava.
Parei de ir à academia, parei de ir ao bar com a galera. Era da casa para
o trabalho, do trabalho para casa. À noite, eu me perdia nas páginas dos meus
inúmeros livros de romances recém adquiridos.
Na noite em questão, eu estava desejando arduamente um Christian
Grey — personagem do livro que eu estava lendo. Ele era tudo o que eu
precisava, um homem que me virasse do avesso — para compensar os dias de
seca — e que não me desse esperanças de relacionamento, e sim um contrato.
Eu tinha aceitado o fato de que o Clis não havia me dado esperanças,
mas resolvi que não carregaria o fardo sozinha. Ele tinha me dado esperanças,
SIM!
Me deu esperança quando resolveu sair comigo de novo — já que não
repetia mulheres. Me deu esperança quando passou a dormir na minha casa,
me deu esperança quando me chamou de amor, quando disse que estava
curtindo muito ficar comigo... Enfim, foram várias atitudes que me levaram a
ter esperanças.
Meu telefone tocou, me interrompendo de terminar de listar os vários
motivos que me levaram a ter esperança de que o Clis estivesse se
apaixonando por mim.
Era minha amiga, Adele.
— Japa, eu, você e o Stênio, fim de semana em Angra: o que me diz?
— Era sério aquilo? Aquela mulher não tinha desconfiômetro, não?
— Estou de luto — Falei em um tom melodramático.
— Tenha dó! Enquanto você está de luto, o cafajeste deve estar
galinhando por aí — Pisa na minha ferida, Adele!
— Problema dele — Fingi indiferença.
— O problema vai ser seu, se eu chegar aí amanhã e você não estiver
preparada.
— Adele, eu não vou, eu ... — Pensei numa desculpa e me lembrei de
um fato — Eu vou ficar menstruada, já devia até ter descido... — Ai, meu
Deus! Engoli seco.
— O que foi?
— Ai, meu Deus, meu Deus! — Eu falava sem parar, enquanto minha
amiga desesperada gritava do outro lado.
— Shizune, pelo amor de Deus, o que aconteceu?
Nada, eu só tinha me lembrado de que havia transado com o Clis sem
preservativo e que, coincidentemente, minha menstruação estava dois dias
atrasada.
— Shizune, você está aí? Responde, ou vou até a sua casa! — Minha
amiga gritava, já podia imaginá-la ajeitando as coisas pra sair enquanto
falava.
— Estou aqui — Suspirei.
— O que aconteceu?
Respirei fundo e soltei:
— Eu me lembrei de algo.
— De quê?
— Minha menstruação está dois dias atrasada — O pânico então me
invadiu — Adele, eu transei com o Clis sem camisinha! Tô ferrada, ferrada!
Minha amiga ficou em silêncio, ou talvez ela até tenha dito algo, mas
eu só conseguia ouvir as batidas descompassadas do meu coração.
— Japa... Caramba!
Caramba? Merda, bosta, minha cabeça fervilhava de xingamentos. Não
acreditava que tinha dado aquele mole.
— Shizune, estou indo para sua casa agora — Minha amiga desligou
sem me dar a chance de responder.
O que vai ser de mim se eu estiver grávida daquele cafajeste?
Essa pergunta ficava se repetindo na minha mente, enquanto eu,
psicologicamente, já começava a sentir sintomas de gravidez.
Meu Deus, como a cabeça do ser humano é louca! Já estava me
sentindo grávida, entretanto, jamais faria algo para interromper uma gravidez.
Quando a Adele chegou com uma sacola cheia de testes de gravidez, eu
já estava imaginando como seria a decoração do quarto do bebê.
— Toma, vai para o banheiro e faz todos eles — Peguei a sacola,
obediente, e segui para o banheiro.
Eram aqueles testes digitais. Depois que fiz todos, os deixei na bancada
da pia e voltei para a sala.
— Agora é esperar — Falei, me sentando.
Minhas mãos estavam tremendo, e meu coração, batendo acelerado.
Minha amiga me encarava muda, ela não era assim. O que significava que
estava tão assustada quanto eu.
— Vamos conversar — Ela disse, sentando-se ao meu lado — Não vou
te dar nenhum sermão por ter transado sem proteção. Você é adulta, sabe os
riscos que correu. Temos que conversar sobre a possibilidade de você estar
grávida, japa. O que pretende fazer se isso acontecer?
— Criar, ora! — Ela respirou aliviada — O que? Você estava achando
que eu ia querer tirar? Não me conhece, não é?
— Conheço, sim, mas em se tratando do pai, né? Pensei que poderia ter
passado isso pelo sua cabeça.
— Fica tranquila, Adele, jamais faria uma coisa dessas. Sequer pensei.
— Saiba que estou aqui, para o que der e vier — Ela disse, com um
sorriso reconfortante.
— Eu sei. Obrigada — Respirei fundo — Será que já podemos olhar?
— Acho que sim.
Fomos até o banheiro, e eu me sentei na tampa do vaso, incapaz de
olhar para os resultados.
— E aí? — Perguntei curiosa e ansiosa.
— Negativo, japa — Fechei os olhos e agradeci a Deus em silêncio —
Dessa você se livrou.
— Foi melhor assim. Embora eu fosse amar ser mãe, não dá com um
pai daqueles — Minha amiga assentiu.
— Então, vamos para Angra? Você precisa distrair, amiga.
— Preciso mesmo, Adele, agora mais do que nunca. Vou com vocês.
Acabei indo com a Adele e o Stênio para a casa de praia deles — sem o
Dani. Ele inventou para a Adele que não ia dar para ir por causa do trabalho,
mas eu sabia que não era verdade. Meu amigo estava me evitando, e eu
estava era muito agradecida. Ainda não estava preparada para encará-lo,
ainda mais depois que descobri que o Dani e o Clis se atracaram.
Não entendi muito bem, mas parece que o Clis procurou o Stênio na
academia, e o Dani o viu lá e partiu, igual a um touro quando vê o manto
vermelho, para cima dele.
Mas voltando ao assunto, até que eu consegui relaxar e me divertir um
pouquinho em Angra, depois do susto que passei. E, claro, consegui camuflar
um pouco a dor e a saudade de um certo cafajeste.
Minha amiga, Adele, insistiu que, quando eu voltasse, procurasse um
médico para fazer um exame de sangue, só por desencargo de consciência.
Então marquei uma consulta com a minha ginecologista.
Quando estava saindo do laboratório, minha mãe ligou, me chamando
para almoçar com ela. Fui até a sua casa e matei a saudade da sua comidinha
deliciosa.
Minha até mãe tentou arrancar alguma coisa sobre o Clis de mim, mas
eu não estava afim de falar sobre ele. Mas mãe é mãe, e, vocês sabem, elas
têm sexto sentido. Apesar de ela ter respeitado meu silêncio, sei que tinha
ficado preocupada.
Depois do almoço, fomos ao shopping e à manicure juntas, como há
muito tempo não fazíamos. E foi quando eu estava escolhendo a cor do
esmalte que eu iria passar, que minha mãe contou a novidade:
— Filha, se lembra da minha prima, Emi? — Não me lembrava de
quase nenhum parente da minha mãe, dos que estavam no Japão é claro.
— Não me lembro, mãe.
— A Emi é uma prima de segundo grau, esteve aqui no Brasil uma vez
e... Bem, o Kioshi, filho dela, está vindo passar uma temporada aqui, e
ofereci para ele ficar lá em casa.
— Essa prima é aquela que engravidou aqui no Brasil de um brasileiro?
— Ela mesma, o Kioshi vem conhecer o pai.
— Legal, mãe — Respondi, desinteressada.
— Ele chega amanhã. Será que tem jeito de você buscá-lo no
aeroporto? Amanhã, vou estar lotada de clientes, já que não fui na clínica
hoje.
— Eu também tenho minhas clientes, sabia? E também faltei hoje.
— Mas eu sou sua patroa — Mamãe disse, dando uma piscadinha.
— Okay, mamãe, eu busco seu primo no aeroporto. Algo mais?
— Sim, quero que mostre a cidade a ele e o ajude a se enturmar.
E foi assim que eu fui parar no aeroporto do Galeão com uma
plaquinha com o nome “Kioshi” nas mãos.
Tédio definia bem minha situação naquele momento. Eu teria que ser
babá de japonês pelo tempo que o cara estivesse no Brasil. Minha vida já não
estava tumultuada o bastante?
No entanto, o meu tédio sumiu rapidinho, no momento em que coloquei
os olhos nos japonês LINDO que acenava todo sorridente para mim.
Vinte e Nove – Assumir é o Segundo Passo.

"Nada em mim foi covarde, nem mesmo as desistências:


desistir, ainda que não pareça, foi meu grande gesto de
coragem"
Caio Fernando Abreu

Clis.

Correndo na areia da praia da Barra, eu refletia pela milésima vez sobre


a minha vida medíocre. Era isso o que eu vinha fazendo desde que afastei a
Shizune de mim.
A certeza de que eu havia feito a maior burrada da minha medíocre
vida inteira ficava cada vez mais clara.
Eu a deixei para proteger meu coração e, claro, para não perder a
liberdade que o novo Clis — o Clis depois da Larissa — sem querer havia
conquistado. Só que, desde que a afastei, não tinha conseguido aproveitar
nada dessa tal liberdade. Caramba, ficou parecendo música isso aqui!
O Clis depois da Larissa era um verdadeiro babaca. Ele vinha usando as
mulheres para seu bel prazer há muito tempo, sem se importar com os
sentimentos delas, sem se importar se ia ou não quebrar seus corações. Foi
esse Clis, covarde e idiota, que deixou a japa mais linda desse mundo ir
embora para sempre.
Quando eu digo para sempre, é porque o meu ex melhor amigo, Stênio,
mesmo eu não querendo saber sobre ela — eu preferia não saber para não
sofrer mais — fazia questão de me atualizar sobre todos os seus passos. Na
última vez que nos encontramos, ele soltou uma bomba na minha mão.
Eu estava esperando aquele idiota na lanchonete onde sempre nos
encontrávamos quando eu estava ali por perto da academia. Mas o trouxa
aqui mal sabia que o imbecil tinha me chamado ali só para esfregar um
japonês de merda na minha cara.
— Você ouviu o que eu disse, Clis? — Ele insistia em cutucar a ferida
— A sua ninja tá beijando outro cara.
— Ela não é mais a minha ninja, e não é da minha conta, Stênio. Não
tenho nada com ela. A garota é livre, deixa ela se divertir — Se não consegui
convencer nem a mim com meu discurso indiferente, imagina ele.
A minha ninja estava trocando saliva com outro cara. Caralho!
Senti o estalo do último pedacinho que ainda estava inteiro do meu
coração se quebrar, se espatifar de vez enquanto o Stênio me encarava
minuciosamente, tentando decifrar minha expressão.
— Não vai fazer nada?
— Que porra você quer que eu faça, cacete?! — Explodi.
— Pode começar assumindo que a ama e que está sofrendo, por
exemplo.
— Mas que merda, Stênio! Ok, você venceu. Eu a amo, porra! Amo
aquela ninja, estou sofrendo igual burro de carga por estar longe dela. Tá
satisfeito? Eu não durmo, eu não como direito, eu não pego mulher. Eu só
penso nela o dia todo, no quanto a minha vida está medíocre e vazia sem
aquela ninja. E eu estou me segurando aqui para não chorar na sua frente por
causa dessa sua notícia de que ela está com um japonês de merda de pinto
pequeno! Era isso que você queria ouvir? Tá satisfeito, caralho?!
— Vou ficar satisfeito quando você for atrás dela e consertar a merda
que tu fez, se é que ainda tem conserto.
— Cara, uma coisa é eu assumir que a amo e que estou sofrendo, mas
isso não significa que quero consertar.
— Clis, você é um filho da puta do caralho! — Foi a vez de ele gritar
comigo — Não sei porque eu ainda insisto!
As pessoas a nossa volta começaram a nos encarar, já esperando a
gente sair na porrada, e eu estava me segurando muito para não partir para
cima dele.
— Ela andou desconfiada de que estava grávida, sabe? — Stênio disse
na maior naturalidade.
E como eu reagi? Praticamente cuspi o gole do café que tinha tomado
na cara dele.
Grávida? De mim ou do japonês de merda? Não, não podia ser dele.
Ele havia chegado há apenas uma semana, de acordo com Stênio.
Foi então que me lembrei de que transamos sem camisinha.
— Espera aí... Você está dizendo que ela não tá grávida?
— Para sorte dela, não, foi alarme falso. Ainda bem né? Seria muito
azar da minha amiga ainda ficar grávida do cafajeste aí — Apontou para
minha pessoa — Agora, me admira você, hein, Clis? Se diz o esperto, mas foi
transar com a garota sem camisinha. Para quem corre de responsabilidade,
você deveria saber que filho é uma responsabilidade do caralho.
Ainda tive que ouvir aquilo... Mas a minha cabeça estava dando tanta
volta, que não me dei ao trabalho de responder.
Não sei definir em palavras o que aquela informação sobre uma suposta
gravidez me fez sentir.
Eu tinha ficado aliviado por ela não estar grávida, e, ao mesmo tempo,
triste. Eu sei que filho não segura ninguém, mas liga duas pessoas para
sempre. E se ela estivesse mesmo grávida, estaríamos ligados.
Se eu gostei daquilo? Caralho, sim e não. E também não gostei da
forma de como o Stênio parecia aliviado por ela não estar grávida de mim.
— Quem é esse japonês?
— É um primo distante. Veio do Japão para conhecer o pai brasileiro.
— Então ele não vive aqui?
— Não vivia, cara. Não posso dizer se ele vai ficar ou não, mas devido
às circunstâncias...
— Que circunstâncias?
— Que você é um covarde. É melhor mesmo que ele fique e consiga
fazer a nossa japa feliz. Ela merece. Vou nessa.
E o idiota metido a cupido fracassado de merda saiu logo em seguida,
me deixando ali sozinho, com a cabeça fervilhando. Desde aquele encontro
com ele no café, nunca mais soube dela.
Já sentado na areia, encarando o mar a minha frente depois de mais de
quarenta minutos correndo para extravasar, minha cabeça doente projetava
imagens da minha ninja com o tal japonês de merda que eu sequer havia
visto.
As mulheres da minha vida tinham problemas com pinto pequeno?
Primeiro, foi a Larissa. Me traiu com aquele paraguaio mineiro de pinto
pequeno. Depois, a Shizune. Não que ela tivesse me traído ou me trocado,
visto que fui eu que a tinha rejeitado. O fato era que ela também estava com
um cara de pinto pequeno.
Não me julguem, não fui eu quem espalhou pelo mundo que japonês
tem pinto pequeno. Só estou vendendo o que eu comprei.
Tudo isso me levava a crer que, na verdade, as mulheres da minha vida
medíocre — eu já disse que a minha vida era medíocre? — Bom, elas
deveriam ter problemas era com pau grande. No caso, o meu. Que merda!
A coerência já não me era mais companheira, e eu passava meu tempo
pensando em cada besteira... Como, por exemplo, minha ninja usando
aquelas fantasias com o tal japonês, ou minha ninja pagando um boquete dos
deuses para o tal japonês.
É sério, já não estava no meu juízo perfeito. Eu estava virando um
maluco paranoico. Era nessas horas que eu sentia falta de ter um emprego
fixo, de carteira assinada e com um chefe pé no saco para me chamar a
atenção quando eu divagasse.
Cara, eu precisava transar e rápido. Respirei fundo e me levantei. A
ideia era ir para casa, tomar um banho e ligar para alguma gostosa, para ir lá
para eu me acabar com ela. Pô, já ia fazer um mês... Não era possível que a
falta de sexo não me ajudaria a levantar meu amiguinho, não é?
Só que quando eu cheguei em casa, eu não tomei o meu banho. Eu não
liguei para nenhuma gostosa e eu não descabelei o palhaço, pois eu não
contava que um fantasma do passado bateria à minha porta.
Trinta – Curtindo um Oriental.

Shizune.

A primeira vez que meu primo gato me beijou, confesso que ainda não
estava preparada. Estávamos voltando de São Paulo, — de carro — cidade
em que o pai dele morava, e paramos num daqueles postos da rede Graal na
Dutra para almoçar.
Desde que Kioshi tinha chegado ao Brasil, não nos desgrudamos mais.
Ele era uma cara muito alto astral, além de lindo, é claro. Não tão lindo
quanto o Clis e nem tão alto quanto ele também, mas não ficava muito atrás,
não.
Eu o levei para conhecer a cidade e para conhecer meus amigos
que, propositalmente, o adoraram. Minha amiga, Adele, já estava até
prevendo sobrinhos de olhinhos puxados — palavras da louca. Mas eu ainda
estava saudosa do bebê que não ia ter com o Clis.
Até para falar da minha nova paquera, aqui estou eu falando do Clis.
Não falei que quem bebe daquela água vicia? Foco, Shizune!
Na noite em que saímos para beber, — sim, meu primo de país de
primeiro mundo também gostava de entornar os canecos — ele me convidou
para ir com ele conhecer o pai.
Eu fiquei lisonjeada e sem graça com o pedido, afinal, mal nos
conhecíamos. Mas aceitei, claro. Meu primo estava uma pilha de nervos por
causa daquele encontro, e ele também precisava de uma tradutora, já que não
falava português e não sabia se o pai ou os irmãos falavam inglês.
Meu primo, como vocês já sabem, foi concebido aqui no Brasil. A mãe
dele veio passear. Aproveitou e muito o Brasil, e os brasileiros também.
Tanto que foi embora grávida e só depois de vinte e sete anos foi que ela
contou para o coitado quem era o pai dele. E detalhe: o dito cujo também
nem sonhava com a existência de um filho asiático.
Foi um chororô só. O pai do Kioshi, seu Hamilton, era um coroa muito
bacana, a esposa dele também. E o Kioshi, de quebra, ainda ganhou mais dois
irmãos. Foi emocionante de ver.
Não nos beijamos quando passeamos pelo Rio, não nos beijamos
quando saímos para beber, e não nos beijamos na grande e tumultuada São
Paulo. Fomos nos beijar no Graal de Guaratinguetá na volta para casa.
Depois que almoçamos, saímos do restaurante para dar mais
uma esticadinha nas pernas antes de prosseguir viagem. Mas acabamos nos
sentando em um banco do lado de fora do restaurante.
É incrível como viajamos por horas sentados, mas, assim que saímos do
carro, sentamos no primeiro banco que avistamos. Não é verdade?
Caralho, estou divagando de novo... Deixa eu voltar para o que
interessa.
Sentados no banco do lado de fora do restaurante, meu primo segurou a
minha mão de repente. Eu, que chupava um picolé de fruta, me assustei com
seu toque:
— Obrigado por ter aceitado vir comigo, Shizune — Ele disse em
japonês, todo formal.
— Que isso! Não precisa me agradecer — Respondi, sorrindo — Eu
fico feliz por ter ajudado.
Ainda estava com um sorriso idiota na cara quando ele se aproximou de
repente e arriscou um selinho.
Fiquei totalmente sem graça. Seus olhinhos não tão puxados quanto os
meus me fitaram tão intensamente. Me deixou tão desconcertada, que desviei
o olhar para a rodovia a nossa frente.
— Desculpe — Kioshi pronunciou em português. Sim, eu havia
ensinado algumas palavras a ele.
— Não peça — Disse, recuperando a minha razão.
Por que eu estava recuando? O cara era um gato e era solteiro, — bom,
ele não tinha aliança — e ia embora daqui a algumas semanas. Então, por que
não aproveitar, não é? Eu não queria marcar o meu corpo com outro cara?
Não queria tirar o Clis de mim? Esse cara estava bem ali na minha frente. Ele
não ia me dar um contrato, mas pelo menos não ia me dar esperança. Meu
primo iria embora e a vida iria voltar ao normal? Por que não?
Agarrei o pescoço dele e o beijei de volta, de um jeito bem
brasileirinho de ser. E olha que ele correspondeu à altura, o japinha tinha
pegada. Foi um senhor beijão. Só nos separamos quando um ônibus de
viagem estacionou bem na nossa frente. Meu primo ainda me deu um beijo
na bochecha e sorriu um sorriso lindo de morrer.
Apesar de ser oriental, eu não me empolgava tanto com caras orientais.
Mas meu primo era tudão. Depois daquele beijo, eu estava mais do que
curiosa para experimentar todo o resto.
O caminho de volta foi bem agradável. Não teve climão por causo do
beijo. Na verdade, teve até umas mãozinhas bobas do meu primo nas minhas
pernas, além de beijos quando parávamos nos sinais de trânsito, já chegando
ao Rio. Mas eu me segurei, deixei-o na casa da minha mãe e fui para a minha,
pois mais tarde iríamos sair para dançar. É claro que, antes de ele descer do
carro, rolaram uns pegas dos bons, que me deixaram ainda mais determinada
a mostrar para o meu primo o porquê da sua mãe ter gostado tanto do
"Brazil".
Mais tarde, depois de quase uma hora me aprontando para sair,
estacionei na frente do prédio da minha mãe e liguei para ele descer. Já estava
tarde, e meus pais já deveriam estar dormindo mesmo. Não valia a pena
subir.
Eu caprichei no visual. Vesti um cropped decotado preto com detalhes
em pedrarias, uma saia bege de cintura alta cheia de babados e muito curta, e
o salto mais alto que eu tinha. Fiz uma maquiagem leve, mas realcei com um
batom vermelho e prendi meu cabelo em um rabo de cavalo com um leve
topete.
“É hoje que eu arranco o Clis de vez de mim”, eu pensava enquanto
esperava o Kioshi descer.
— Uau! — Meu primo gato disse quando entrou no carro, em
português. Que gracinha! — Você está linda!
— Obrigada! Você também está um gato! — Estava mesmo. Todo
engomadinho com uma camisa de mangas longas dobradas até os cotovelos
por dentro da calça, e com uns sapatos bem diferentes dos que a gente
costuma ver no Brasil. Mas estava lindo.
Quando chegamos à boate, fomos direto para a pista de dança. Meus
amigos já estavam por lá. Até o Dani. E, sim, ele estava acompanhado.
Dancei muito, me acabei mesmo, e o meu primo não ficou para trás,
não. O danado dançava muito bem. Minha amiga me puxou para o banheiro
um tempo depois, morta de curiosidade para saber se tinha rolado algo entre a
gente na viagem.
— Nos beijamos, okay, foi só isso... Por enquanto — Os olhos delas
quase saltaram do seu rosto de tanta empolgação — Hoje a noite promete,
Adele. Hoje eu vou dar para aquele oriental. E muito, ou não me chamo
Shizune Yong — Caímos na risada.
Voltamos para a pista de dança empolgadas. Dancei com o Stênio, com
o Dani, e, graças a Deus, parecia que o clima tenso entre a gente havia
passado. Finalmente, eu tinha meu melhor amigo de volta.
Lá pelas tantas da madrugada, começaram a rolar aquelas músicas mais
lentas, e eu e o Kioshi engatamos numa dança quente e sensual que, nossa,
estava sentindo falta daquilo. De sentir aquele incômodo no ventre, sentir a
calcinha ficando molhada, sabe?
Meu priminho gostoso me apertava toda enquanto dançávamos. Teve
uma hora em que ele me virou de costas e começou a beijar meu pescoço, e a
esfregar sutilmente sua ereção na minha bunda. Pela primeira vez desde o
chute certeiro que o Clis havia me dado, eu não pensei nele.
Eu só pensava em tirar o meu atraso com aquele oriental lindo de
morrer.
Ah, por favor, não me julguem! Foi o Clis quem me dispensou. E eu
sofri igual a um presidiário inocente na cadeia por duas semanas. Eu merecia
ter um pouco de adrenalina correndo nas minhas veias, merecia me sentir
sexy e desejada por um homem lindo e gostoso. E eu precisava demais de
sexo.
O quê? Sou mulher, mas também tenho minhas necessidades. Não
sejam machistas!
Depois de, sei lá, três músicas dançando daquele jeito, eu já não
aguentava mais ficar só esfregando naquilo tudo que o meu primo parecia ter
entre as pernas. Eu precisava ter aquilo tudo dentro de mim. E parece que foi
transmissão de pensamento, porque, na mesma hora, Kioshi me chamou para
ir embora. E justamente quando eu estava me sentindo pronta para avançar
para os finalmente, eu vejo o Clis se materializar em carne, osso
e loirisse bem ali na minha frente.
Minha reação foi não ter reação. Pedi licença ao meu primo e fugi,
deixando-o sozinho e um tanto atordoado na pista de dança. Corri mesmo, ou
pelo menos tentei correr. Aqueles saltos não estavam me ajudando. E quando
eu pensei que tinha conseguido escapar daquele olhar incrédulo do Clis a
pouco metros de mim, senti alguém segurar o meu braço com força.
Eu não precisei olhar para saber quem era.
Trinta e Um – Correr Atrás é o Terceiro Passo.

Mesmo quando tudo parece desabar, cabe a mim


decidir entre rir ou chorar, ir ou ficar. Desistir ou lutar;
porque descobri, no caminho incerto da vida, que o mais
importante é o decidir.
Cora Coralina

Clis.

Eu estava deitado no meu sofá, assistindo Death Note no Netflix e me


sentindo totalmente miserável, quando a minha campainha tocou.
Eu tinha saído da praia, cheio de disposição, e, quando cheguei em
casa, a depressão me esperava lá. Tomei meu banho, mas foi só. Depois
disso, apenas me joguei no sofá.
Tentei ignorar a campainha, que insistia em me atormentar, mas foi
impossível. Levantei e fui me arrastando até a porta. Quando abri, fiquei em
choque.
— Oi, Clis.
— Larissa? — O que ela estava fazendo na minha porta? Como ele
sabia onde eu morava? E o principal, o que ela queria? — O que você quer?
— Posso entrar? — Fiquei entre a vontade de mandá-la pastar e a
curiosidade de saber o que a trazia até a minha casa.
Passada a surpresa de vê-la de pé ali na minha porta, percebi que eu não
senti nada, nem raiva ou alegria, e muito menos desejo. Eu imaginei todo o
tipo de reação que eu poderia ter ao revê-la, mas nunca imaginei que não
sentiria nada.
Abri espaço para ela entrar e fechei a porta.
— Pode falar — Cruzei os braços e a encarei sem emoção.
— Eu... Queria saber como você est...
— Eu estou bem, obrigado. Mais alguma coisa? — Sei que estava
soando grosso, mas ela estava fazendo rodeios ao invés de dizer logo o que
queria.
— Clis, eu queria me desculpar por tudo o que eu te fiz — Disse, dando
uma pausa para encarar minha reação, que foi nenhuma — Mas, se te serve
de consolo, eu comi o pão que o diabo amassou depois que eu te deixei, e
nunca me perdoarei por isso.
— Não serve de consolo, porque eu não preciso de consolo. Eu estou
bem, já disse. Já faz seis anos.
— Eu sei, mas eu tentei conversar com você na época, só que você
tinha ido morar nos Estados Unidos. Fiquei feliz por você, eu juro. Lembro-
me que você sempre dizia que queria morar um tempo fora, que seria uma
ótima experiência.
— E foi... — Larissa sorriu e se aproximou timidamente de mim.
— Clis, se houver alguma chance de a gente esquecer o passado, eu
gostaria muito que você me deixasse tentar a consertar a burrada que eu fiz.
Eu nunca te esqueci.
Ah, não, só no momento que o idiota paraguaio de Minas estava em
cima dela.
Eu não estava ouvindo aquilo, ela estava mesmo dizendo queria voltar
para mim? Era muita petulância ou muito desespero, e ainda muita burrice se
ela achava que tinha alguma chance.
— Não tem a menor chance, Larissa — Sorri com sarcasmo. Aquilo só
podia ser um pesadelo. Caralho!
— Clis, por favor — Ela disse, me tocando. Me afastei
instantaneamente, desviando do seu contato.
— Larissa, eu não vou voltar para você indiferente com o que você
tenha feito. Você tem titica de galinha na cabeça? Eu não te amo mais — E
mais forte que um raio, aquelas palavras atingiram meu peito.
Eu não a amava mais, porque eu amava outra pessoa. Porque eu amava
a Shizune, a minha ninja, a japa mais linda do mundo, a mulher que me
libertou daquela prisão sem grades em que eu mesmo havia me colocado por
causa da vadia da Larissa.
E o pior era que, olhando para ela ali na minha frente, eu não conseguia
sentir um pingo de raiva. Eu senti gratidão. Sim, eu estava grato a ela por ter
me colocado aquele par de chifres paraguaios. Se ela não tivesse feito o que
fez, eu não teria conhecido a mulher da minha vida. A Shizune era a mulher
da minha vida, porra!
— O que existiu entre a gente ficou lá atrás, Larissa. Eu amo outra
mulher.
— Clis, você não pode ter esquecido assim tudo o que a gente viveu!
Ela estava drogada? Que merda era aquela?
— Ah, mas você esqueceu rapidinho quando estava fodendo com outro
cara na nossa cama, não é? Na boa, Larissa, se é perdão que você quer, eu te
absolvo de todos os seus pecados. Os que você cometeu contra mim, é claro.
Agora, se é um otário que você está procurando, vai ter que procurar em
outra freguesia, mulher! — Virei as costas e a deixei ali — É só encostar a
porta quando você sair. Sem ressentimentos — Gritei de longe.
— Você não pode me tratar assim, Clis, eu sei que você ainda me ama!
Eu sei que você nunca mais se envolveu com alguém porque você ainda me
ama! — Ela não tinha ouvido o que eu tinha acabado de dizer?
A maluca começou a gritar, e eu, muito calmamente, voltei e me
aproximei dela. Agarrei o seu braço e a empurrei porta afora.
— Clis, seu idiota! Foi por isso que eu te traí! — Ela gritava,
esmurrando a porta — Idiota!
Sei lá quanto tempo ela ficou fazendo escândalo na minha porta antes
de resolver ir embora. Que mulher mais maluca! De que porra eu tinha me
livrado, viu?
Ainda estava meio embasbacado com a visita surpresa da Larissa
quando o Stênio resolveu aprontar de novo.
Caralho, ele estava pior do que puta fofoqueira!
Dessa vez, foram fotos, várias delas. Nelas, a minha ninja dançava
colada com um idiota, de quem não dava para ver a cara. Aliás, mal dava para
enxergar direito quem eram as pessoas das fotos. Mas eu sabia que era ela, e
sabia também que o cara deveria ser o japa do pinto pequeno.
Tudo bem, eu vou parar de falar que ele tem o pinto pequeno, porque
isso é bullyng.
Eles estavam tão juntos, que pareciam um só. Tinha uma foto em que o
cara segurava a cintura dela e parecia estar beijando seu pescoço.
Meu mundo parou. Senti como se tivesse levado um pancada no
estômago, e isso antes do idiota metido a cupido fracassado do Stênio mandar
a porra daquelas mensagens:
"É hoje que tu perde a japa de vez, babaca".
Ele podia ter parado aí, mas não seria o Stênio, não é?
"Eles vão transar hoje, meu amigo, a Adele me disse".
Eu fiquei dividido entre chorar feito um bebê, ou correr atrás do
prejuízo.
Que merda eu tive feito enxotando a Shizune da minha vida?! Que tipo
de babaca doente esfregava mulher na cara do amor da sua vida? Que tipo de
idiota abria mão da felicidade ao lado de uma garota tão incrível por causa de
uma porra de trauma de chifre?
O tipo Clis.
Chifre! Quem nunca levou que atire a primeira pedra porra!
Olhando para aquelas fotos ruins para cacete, vendo aquele cara cheio
de mãos em cima da MINHA mulher, entendi de uma vez por todas que eu
estava jogando fora a minha única chance de ser feliz.
Olhando para aquelas fotos, eu cheguei à conclusão de que eu queria a
Shizune de volta. Queria ser o homem da vida dela e o pai dos seus filhos.
Cheguei a lamentar ali o fato de ela não estar grávida. E quando dei por mim,
já estava entrando naquela merda de boate, parecendo um touro bravo
sedento, para chifrar um rabo oriental — o dele, não o dela, que fique claro.
Eu a encontrei na pista de dança e preferia ter morrido atropelado antes
de chegar ali para não ter presenciar aquela cena. A minha Ninja se
esfregando para quem quisesse ver com outro cara. Fiquei petrificado.
Ela também ficou atônita ao me ver e saiu apressadamente de perto do
cara — sorte dele, pois eu iria quebrá-lo em quatro pedaços.
Shizune fugiu de mim, e aquilo doeu quase tanto quanto vê-la nos
braços de outro.
Não esperava que ela fosse correr para os meus braços assim que me
visse, mas não imaginava que fosse correr de mim. As mulheres não corriam
de mim, e sim para mim, porra!
Me recuperei do ego ferido e fui atrás dela, encontrando-a próxima ao
banheiro. Sem pensar, segurei o seu braço com força e a puxei até a saída
mais próxima.
— O que você pensa que está fazendo? Me solta! — Esbravejou,
puxando o braço.
— O que VOCÊ pensa que está fazendo?! — Gritei ainda mais alto que
ela — Mais um pouco, você ia acabar transando com o cara ali mesmo! —
Gritei, cego de raiva, de ciúmes e do diabo a quatro.
— O que eu faço ou deixo de fazer não é da sua conta, idiota! — Disse
isso e começou a se afastar, mas eu não podia deixá-la sair assim.
Segurei-a pelo braço, impedindo-a de fugir novamente.
— Desculpe — Foi a única coisa que consegui dizer.
Mas eu estava me desculpando por tudo. Por tê-la arrastado até aquele
estacionamento, por ter gritado com ela, e por ter sido o filho da puta sem
escrúpulos que fui.
Ela me encarou, surpresa, mas foi só por alguns segundos.
— Não aceito merda de desculpa nenhuma. E solta o meu braço! —
Soltei e me afastei um pouco.
— Só quero conversar um instante — Caralho, eu não sabia como
começar a falar qualquer coisa com ela me encarando com aquele olhar cheio
de ódio.
Ela me odiava, a mulher da minha vida me odiava. E a culpa era toda
minha.
— Não quero conversar, Clis. Não quero mais qualquer tipo de contato
com você. O que é? Agora que me viu com outro resolveu que quer
conversar. Não vou te dar outra chance para me humilhar.
Estava machucada, e me senti um bosta por isso.
Olhei no fundo dos olhos dela e vi tanta raiva, tanta mágoa, que aquilo
me enfraqueceu. Tudo bem que dizem que é melhor a pessoa estar te odiando
do que ser simplesmente indiferente, pois, se ela for indiferente, significa que
não sente mais nada por você. Ainda assim, aquilo doeu demais.
Eu queria acreditar firmemente que, por trás daquela raiva toda, existia
um sentimento ainda mais forte. Estava ali, eu sentia, só precisava descobrir
como resgatar isso dela.
— Ninja...
— Não me chama assim! — Ela gritou.
— Desculpe, Shizune, eu...
Quando abri a boca para falar, a Adele, o Stênio e o tal japonês
apareceram do nada.
— Shizune! — Adele a chamou — Tudo bem aí?
— Tudo bem — Minha ninja disse, me encarando — Fica longe de
mim, Clis... — Falou e se afastou, indo ao encontro dos seus amigos.
Como se não bastasse, o japonês de araque ainda a abraçou, e os dois
saíram como se fossem dois namoradinhos.
Engoli seco, vendo-a partir com o japonês a tiracolo. Fiquei lá, parado
no meio do estacionamento, sem conseguir me mover. Até um imbecil
avançar o carro para cima de mim.
— Sai da frente, idiota! — Subi na calçada meio atordoado, o coração
doendo, o peito apertado, e as lágrimas, a porra das lágrimas descendo.
Encostei em um dos carros e fiquei lá inerte, botando toda aquela porra
para fora. Toda a dor que eu estava sentindo estava transbordando dos meus
olhos.
Mas eu poderia chorar o Rio Negro inteiro, até o Solimões e, de quebra,
o Rio Guandu, que aquela dor não iria embora. Ela nunca me deixaria se a
Shizune não me perdoasse. Eu sabia.
Trinta e Dois – Belo Adormecido de Bêbado.

Shizune.

Depois que o Clis apareceu na boate, eu perdi toda e qualquer vontade


ou coragem com que eu estava para transar com meu primo lindo.
Ver o Clis ali na minha frente com aquele olhar acusatório, como se ele
tivesse o direito de me julgar, me fez sentir ódio dele.
Quem ele pensava que era para me olhar daquele jeito? Logo ele? Eu
estava possessa. Como se não bastasse jogar um balde de água fria na minha
empolgação, ainda saiu me arrastando pela boate como se fosse um
namorado ciumento e traído. Fala sério! Dar piti àquela altura do
campeonato?
Ainda estava tentando assimilar o que tinha acontecido quando meu
primo Kioshi chamou minha atenção.
— Shizune? Está se sentindo melhor?
Quando saímos da boate, pedi a ele para pararmos na praia. Eu
precisava caminhar um pouco para tentar digerir aquela atitude inusitada do
Clis.
— Não sei, Kioshi, me desculpe por tê-lo deixado sozinho na pista.
Eu...
— Não precisa explicar nada, prima, sua amiga me contou que o cara é
seu ex-namorado — Ele disse.
"Ex-namorado", pensei comigo. O Clis nunca foi meu namorado, e
sempre deixou muito claro que não estava a fim de ser.
— Ele não é meu ex-namorado. É, no máximo, um ex-rolo — Falei
com desânimo.
— Mas ele agiu com um ex-namorado. E muito ciumento, por sinal.
— É... — Ainda não tinha conseguido entender a atitude sem noção do
Clis.
— Me desculpe por ele ter nos atrapalhado, estávamos nos divertindo
tanto. — Eu disse, sem graça.
— Tudo bem. Você gosta dele? — Uau, meu primo foi direto ao
ponto...
— É complicado.
— Eu tenho uma noiva no Japão — Acho que meu queixo quase caiu
no chão depois daquela informação. Noiva? Como assim, gente? Que japonês
safado!
— Noiva?
— Ex-noiva, melhor dizendo — Menos mal.
— O que aconteceu?
— É complicado. Para resumir: nossas famílias são rivais nos negócios,
e isso acabou interferindo na nossa relação.
— Nossa, que chato... — Falei sem saber o que mais eu poderia dizer.
— É, muito chato... — Meu primo suspirou, desanimado.
Eu estava tão decidida a dar o troco no Clis, que sequer me preocupei
em conhecer meu primo direito. Vendo-o suspirar cansado ao meu lado,
podia jurar que ele estava sofrendo do mesmo mal que eu. Dor de amor. Sem
falar em como fiquei maluca, atacando meu melhor amigo só para tirar o Clis
de mim. Aquela não era eu. Gostava de sexo, claro, mas o estava buscando
por motivos errados.
— Tem alguma chance de vocês se acertarem? — Perguntei. Pela
próxima hora, ele me contou sua vida e toda confusão que envolvia seu
relacionamento.
Fiquei com pena. Eu pensei que o que era necessário para uma relação
dar certo eram as duas partes se amarem.
Cheguei à conclusão de que o amor por si só não basta. Ele é só a
cereja do bolo. Se não houver respeito, troca, confiança e persistência, de
nada adianta só amar. Foi o que aconteceu com Kioshi. Ele e a noiva se
amavam, mas, por falta de respeito, confiança e persistência, o amor deles foi
minguando e dando espaço para outros problemas, como interferência da
família.
— Se vocês se amam de verdade, não podem desistir assim tão fácil —
Falei, tentando incentivá-lo.
— Às vezes, tenho minhas dúvidas se ela realmente me ama. Não dá
para amar sozinho, prima.
— Eu sei, sei bem até demais — Sorrimos desanimados um para o
outro.
— Vem aqui — Meu primo me puxou e me abraçou — Somos duas
almas machucadas. Não acredito que você vá conseguir curar a minha dor, e
nem eu a sua, mas a gente podia...
— Kioshi... — Eu o interrompi.
— Vamos com calma. Aceita?
Apenas sorri.
Meu primo levantou meu queixo e plantou um beijo em meus lábios.
Eu o beijei de volta. Mas se algo mais íntimo acontecesse entre a gente dali
pra frente, seria pelos motivos certos.
Nos beijamos por mais um tempo antes de resolvermos ir embora.
Como já estava muito tarde e minha mãe morava mais longe da boate
do que eu, levei meu priminho fofo para minha casa.
Não fiquem animadinhas. Não rolou nada além de mais alguns
beijinhos. Eu o instalei no quarto de hóspedes, depois que a gente fez um
lanche na cozinha. Fui para o meu quarto.
Na manhã seguinte, acordei com uma dor de cabeça horrível e com
alguém tocando a minha campainha insistentemente.
Me arrastei até a porta vestida como estava mesmo, só com meu pijama
da Minnie. Do lado de fora, estava um Clis muito bêbado e totalmente
apático.
Seus olhos sem vida me encararam por alguns instantes. Seu olhar foi
descendo pelo meu corpo, parando bem na estampa da Minnie no meu
pijama.
— Shizune, eu... — Ele começou a dizer quando seus olhos voltaram a
encarar os meus. Mas, no momento em que ele ia falar, meu primo apareceu e
me cumprimentou em japonês. Kioshi usava apenas sua calça, estava sem
camisa e sem sapatos.
Não dava para o Clis vê-lo, mas ele o ouviu e, por mais que eu quisesse
escancarar a porta e fazer exatamente o que ele havia feito comigo há
algumas semanas, eu não o fiz. Aliás, não precisei. Quando o Clis ouviu a
voz do meu primo, ele mesmo escancarou a porta e entrou abruptamente no
meu apartamento.
— Eu vou partir esse japa de araque em quatro! — Clis gritou e
partiu para cima do meu primo quase caindo no chão de tão bêbado.
Corri e postei-me na frente deles.
— O que você pensa que está fazendo? — Gritei, impedindo-o de
chegar perto do meu primo. O que não foi difícil, já que ele parecia mais
bêbado do que um gambá — Kioshi, por favor, vá lá para dentro! — Falei em
português, para só depois me lembrar que meu primo não entendia, e repeti
em japonês.
— Tem certeza? — Meu primo ainda perguntou antes de se retirar.
— Fique tranquilo. Eu resolvo com ele.
— Volta aqui, seu japonês de araque! Seu oriental de merda do pinto
pequeno! — O Clis gritava para o meu primo. Ainda bem que o Kioshi não
entendia, senão a briga estava feita.
— Chega, Clis! — Ele encolheu com meu grito e começou a me
abraçar com tanta força, que estava até difícil de respirar.
— Diz que você não transou com esse idiota, ninja — Ele falava com
uma voz embargada — Diz para mim, por favor!
— Me solta, Clis — Tentei empurrá-lo, mas era impossível.
— Diz para mim, por favor — Ele ficava repetindo isso, ao mesmo
tempo que me espremia contra ele.
— Clis, você está me sufocando! — Ele me soltou de forma brusca e
caiu no sofá.
— Você não podia ter transado com ele, ninja — Falava mais pra si do
que para mim mesmo.
Aquilo me deu uma raiva. Quem ele pensava que era? Não quis nada
comigo, mas se achava no direito de se intrometer na minha vida? Ah, vá
para a puta que pariu!
— Vai embora, Clis — Pedi, mas ele continuou inerte lá no meu sofá
— Clis?!
— Hum!
Não acreditei na cena a minha frente. O babaca tinha apagado do meu
sofá!
— Levanta! — Gritei, puxando-o pelo braço — Idiota! — Estapeei-o
de raiva, mas nem assim o imbecil acordou.
Fala sério!
Meu primo saiu do quarto e se aproximou de mim, enquanto eu tentava
em vão arrancar o Clis do meu sofá.
— Calma, Shizune — Ele disse, me puxando para longe do Clis.
— Esse idiota dormiu! Dormiu! Que raiva!
— Calma! Vamos ligar para o seu amigo, Stênio, ele me disse ontem
que era amigo desse cara aí — Apontou para o Clis, que, juro por Deus,
começou a roncar no meu sofá! Arrrgh!
Liguei para o Stênio, que apareceu meia hora depois. Ele também
tentou de todas as formas acordar o belo adormecido de bêbado. E também
não conseguiu.
Eu, que já estava de saco cheio daquilo, fui até a geladeira, peguei uma
garrafa de água gelada e despejei em cima da cabeça dele.
Foi batata! Ele acordou na hora, e parecia que estava tentando respirar,
devia estar pensando que estava se afogando. Caí na risada. O idiota apareceu
na minha casa para fazer sei lá o quê. Só ficava repetindo que eu não devia
ter transado com meu primo. Ainda o chamou de pau pequeno e japonês de
araque, para depois desmaiar de bêbado no meu sofá? Merecido.
— Que porra é essa?! — Ele gritou quando recuperou a sanidade. Ficou
olhando para os lados até encontrar o meu primo.
— Seu japonês de araque! — E já estava ele partindo para cima do meu
primo outra vez. Que saco! Aquilo já estava me cansando.
O Stênio o segurou, impedindo-o de agredir o Kioshi.
— Chega de espetáculo, Clis, vou te levar para casa — Meu amigo foi
o empurrando até a porta.
— Muito bonito, dona Shizune! — Ele gritou já dá porta — Já botou
outro na sua cama!
Meu sangue ferveu em uma temperatura de 1800 °C no mínimo, e eu
quis voar no pescoço dele.
— Eu coloco quem eu quiser na minha cama! — Olhei para o meu
primo, que me encarava mais perdido do que cego em tiroteio. Ainda bem
que ele não estava entendo nada — E posso te garantir que ele não tem pau
pequeno! — Gritei essa parte bem alto.
— Foda-se! Eu vou castrar esse babaca de qualquer forma. Não
interessa se é grande ou pequeno. Deixa só eu encontrar esse idiota na rua!
Espero que você tenha aproveitado bastante, ninja, porque vai ser a única
vez! — Ele gritava no corredor.
— Chega, Clis! — Ainda ouvi o Stênio dizer antes de bater com a
porta.
Encostei-me na porta e desabei no chão. Me deu uma crise de riso na
hora que, sério, não era de Deus. Que merda tinha sido tudo aquilo?
Meu priminho gato me encarava embasbacado, com certeza pensando
que eu era doida. Mas eu estava descontrolada. Só rindo mesmo e muito
depois daquela cena...
Só que depois que a crise de riso, que não era de Deus, eu comecei a
chorar. Sério, patético...
Muito patético, dona Shizune Young!
Em relação ao meu primo, só me restou me despedir e despachá-lo
também. Eu precisava ficar sozinha para colocar meus pensamentos em
ordem.
Não queria acreditar que o Clis estava se corroendo de ciúmes. Eu não
podia me iludir achando que ele estava arrependido e estava querendo voltar
atrás, não depois de toda a humilhação, depois de todas as palavras duras que
ele me proferiu.
Eu não podia me deixar levar por um ego ferido, porque era exatamente
por isso que o Clis estava agindo daquela forma. Eu havia ferido o seu ego, e
ele não estava conseguindo lidar com aquilo.
Mas não era amor, não da parte dele. Não podia ser.
Trinta e três – Perdendo as Estribeiras.

Não, meu bem, não adianta bancar o distante:


Lá vem o amor nos dilacerar de novo...
Caio Fernando Abreu

Clis.

— A culpa é toda sua caralho! — Eu dizia ao Stênio, enquanto ele me


empurrava com roupa e tudo para dentro do box do banheiro — Toda sua!
Você ficou me atormentando com vídeos e fotos, me tirando a razão. Você,
caralho, é um amigo de merda!
— Corrigindo... — Ele disse, ignorando tudo o que eu falei — A culpa
é toda sua, meu amigo. Agora, aguenta. Eu te avisei.
— Não deu tempo, cara, não deu tempo — Mudei meu discurso — Ela
transou com ele, e eu não pude fazer nada, cacete! E ele não tem pinto
pequeno. Ela disse, você ouviu? Eu não pude fazer nada, cara. A minha
mulher, a minha ninja, com outro. Eu quero morrer! — Pronto, lá estava eu
novamente me debulhando em lágrimas.
— Você não conseguiu fazer nada para evitar, mas fez muito para ela
fazer o que fez, Clis! — Que porra de amigo era o Stênio que ficava enfiando
o dedo na minha ferida?
Nem me dei o trabalho de responder, estava ocupado demais chorando
debaixo do chuveiro. A Shizune tinha conseguido me transformar no cara
mais patético que já conheci. Até eu já estava de saco cheio de mim mesmo.
— Olha no que eu me transformei, Stênio! Em um maricas chorão.
Maldita hora em que a ninja entrou na minha vida, eu estava muito bem antes
de ela aparecer. Por que ela foi aparecer?! A culpa é sua. Por que você me
chamou para aquele aniversário?
Ele caiu na risada. Se eu não estivesse tão bêbado, eu teria partido para
porrada.
— Cara, se eu não fosse tão seu amigo, eu ia filmar sua dor de corno e
botar na internet. Essa é uma cena épica...
— Caralho, Stênio, que tipo de amigo é esse que fica rindo da desgraça
do outro?
— O tipo de amigo que te deu vários conselhos antes de você fazer
merda. Você não escutou. Agora, para de ficar se lamentando feito um
moleque chorão e vai correr atrás do prejuízo, cara! Que droga, Clis, pela
primeira vez em anos eu vejo que você ainda tem um coração. Não deixa essa
chance passar!
— Pare de dizer asneiras, Stênio, isso aqui é vida real, não é conto de
fadas. Tô fodido, você sabe. Não tenho conserto, e ela acabou de foder com o
resto.
— Então o que você foi fazer atrás dela na boate, seu idiota?! — Meu
amigo perguntou, irritado — Se você não tem conserto, para de ir atrás da
minha amiga!
— Então para de me mandar mensagens, vídeos e fotos dela com outro
cara!
— Vá se foder, Clis! — O babaca ainda me empurrou — Quando você
quiser ajuda para consertar toda essa merda, me procura. Até que isso
aconteça, fica longe da Shizune, ou eu serei o primeiro a te cobrir de porrada!
— Stênio saiu, pisando duro e me deixando largado a minha própria
vergonha, sentado no chão do banheiro.
Depois que ele saiu, eu fiquei remoendo os últimos acontecimentos, até
ficar com raiva, muita raiva. Raiva da ninja, raiva de mim, raiva da Larissa, e
até do box do banheiro. Em um momento de fúria, desferi um soco no vidro,
espatifando-o em milhões de pedacinhos quadradinhos. Olha que, para
quebrar um vidro temperado, não é lá tão fácil assim.
Para completar minha desgraça, ganhei um corte feio na mão.
Resultado? Fui parar ainda meio bêbado na emergência do Barra D'Or. Que
merda! Ainda bem que não precisou de pontos.
Lá do hospital mesmo, eu fui para a casa da minha mãe. Meu estado era
deplorável, e acabei assustando-a aparecendo daquele jeito. Mas eu precisava
de alguém que só me ouvisse, que não me julgasse e não ficasse me dizendo
o que eu devia ou não fazer. E minha mãe era a pessoa certa.
— Filho, o que você fez não foi bonito — Ela dizia, enquanto fazia
carinho na minha cabeça repousada em seu colo.
Contei tudo o que tinha acontecido para ela. Desde o primeiro encontro,
das minhas escapadas, até a merda que aprontei no final. Para concluir, contei
da minha ceninha na boate e na casa dela
— Mas se ela realmente te ama, tem conserto, sim. Você só precisa
mostrar a ela que está arrependido e que a ama.
Pela primeira vez, eu pensei sobre aquilo que minha mãe havia dito,
sobre a parte de ela me amar.
A Shizune nunca havia dito que me amava. Ela disse algo como
acreditar que a gente pudesse estar apaixonado e que eu pudesse amá-la, mas
em nenhum momento ela assumiu que me amava. Ela nunca disse.
Será que a Shizune não me amava, e eu estava criando toda aquela
confusão baseado apenas no amor que eu descobri sentir por ela? Teria sido
por não me amar que ela foi se entregar para o japonês de merda? Caralho!
Eu estava bancando o otário correndo atrás dela?
— Mãe, será que ela não me ama? Por isso, foi abrir as pernas para o
japonês?
— Me poupe desses detalhes, Clis! — Minha mãe me reprimiu.
Ignorei:
— Mãe, ela nunca disse que me amava. Será que não me ama? É isso?
— Meu filho, só você pode descobrir se a garota te ama ou não.
— Se ela me ama, eu sou capaz de passar uma borracha por cima disso.
Eu esqueço que ela transou com o japonês de — eu não podia mais falar que
ele tinha o pinto pequeno — araque. Eu faço o que for preciso, mas eu
preciso saber se ela me ama.
— Então você precisa perguntar para ela.
— Eu vou.
E eu tentei. Eu a procurei novamente no seu apartamento, fui à clínica,
ao bar que ela frequentava com os amigos, até à academia. Só não tive
coragem de ir à casa do Stênio.
O fato é que eu não a encontrei em lugar algum. Em um momento de
desespero, eu liguei para o Stênio, que me informou depois de eu quase
implorar que ela havia tirado umas férias e viajado. Não, ele não me disse
para onde.
— Pelo amor de Deus, Stênio, me diz que não foi com o japonês de
araque? — Supliquei, pouco me fodendo para o quanto aquilo soava patético.
Foi então que a jabiraca mau comida da mulher dele pegou o telefone e
disse com todas as letras que a minha ninja havia viajado com o babaca
oriental.
— Esquece a minha amiga, seu galinha, você já a fez sofrer demais! —
Ela ainda disse, antes de desligar o telefone na minha cara.
Filho da puta! Tinha deixado a esposa ouvir meu desespero. O Stênio
era o pior amigo que um homem poderia ter.
Senti a esperança de que ela pudesse assumir que me amava quando eu
a confrontasse se esvair do meu corpo.
Se ela tinha mesmo viajado com o idiota, não havia nada que eu
pudesse fazer. A minha batalha estava perdida antes mesmo que eu tivesse a
chance de começar a lutá-la.
É, Cliscristofferson, você cagou tão bem cagado no pau, que nem em
mil anos a merda toda vai ser limpa — Meu subconsciente traíra ria da
minha cara.
Nunca senti uma dor como aquela. Nem quando peguei a Larissa na
cama com outro aquilo doeu tanto quanto doeu perder a ninja, pois, atrelada à
dor por toda merda que eu havia feito, estava a certeza de que a culpa dela
não estar comigo era minha. Ficou meio confuso, não? Mas deu para
entender.
A Shizune me devolveu a vida. Só que ela a tinha em suas mãos, e eu
precisava encarar a realidade de que ela não me devolveria.
Depois de chorar mais um pouco, — se continuasse assim, eu poderia
até considerar me associar à CEDAE, já que só o Rio Guandu já não estava
dando conta de abastecer todo o Rio de Janeiro — de novo eu senti raiva.
Depois de sentir raiva, eu me senti traído. E depois de me sentir traído, a
ficha realmente caiu.
A ninja não me amava, ou ela não teria ido viajar com o primo — já
tinha até me cansado de xingá-lo. E o meu último sentimento antes de
desabar derrotado na minha cama era que a melhor coisa a se fazer era tentar
seguir em frente.
Trinta e Quatro – Filho de Cafajeste, Cafajestinho é?

Shizune.

Um mês havia se passado desde o dia em que o Clis aparecera bêbado à


minha porta. Mais uma vez, ele tinha conseguido me irritar e, de certa forma,
me humilhar, quando disse que eu já havia colocado outro na minha cama.
O que ele tinha com isso? Não foi ele que tinha me dispensado? Quem
eu levava ou não para minha cama depois disso era problema meu.
E olha que nem isso consegui fazer. Mal sabia ele que tinha acabado
com toda a minha coragem de levar meu priminho gato para a cama.
Então, seguindo o conselho da minha amiga, Adele, eu tirei umas férias
e fiquei longe dele. Aproveitei para descansar, para pensar mais em mim, nos
projetos que eu tinha para a minha vida e que ficaram de lado depois da
minha obsessão pelo Clis.
Eu estava pensando em fazer uma pós-graduação na minha área.
Precisava focar em alguma coisa que não fosse um certo cara de barba loira.
Minha amiga ofereceu a casa dela em Angra e, como eu amava aquele
lugar, não hesitei em aceitar.
Meu primo iria embora na semana seguinte mesmo, e eu não teria mais
sua companhia. Então parti feroz para a casa de praia dos meus amigos.
E foi muito bom poder acordar sem me preocupar com nada nem com
ninguém, poder tomar sol numa praia particular, poder caminhar na areia e
comer porcarias o dia todo, sem ninguém para me importunar. E o melhor de
tudo: ali eu não correria o risco de ser arrastada boate afora, nem de ser
taxada de fácil no corredor do meu próprio andar.
Eu acordava e dormia a hora que eu queria. Peguei um bronze bacana e
turistei muito. Passei dois dias em Parati, só comprando bugigangas e
fazendo passeios de escuna pelas praias maravilhosas do meu Rio de Janeiro.
Aí eu me pergunto: Para que ir para a Europa? Ásia? Voar um oceano
inteiro dentro de um avião se no meu próprio estado existiam belezas e
paisagens tão exuberantes. Eu hein?! Isso tudo é só para eu não falar do meu
medo de voar. Vocês sabem, não é?
Mas voltando ao que interessa, estava tudo indo às mil maravilhas.
Tudo bem, nem tão mil maravilhas assim, já que o coitadinho do meu
coração já estava preferindo sentir a falta do Clis do que continuar o odiando.
Mas enfim, estava tudo indo bem quando eu descobri algo que mudaria para
sempre a minha vida.
Eu estava em um restaurante no centro de Angra sozinha e feliz da
vida. Nem tão feliz assim. Comia meu yakisoba, quando meu estômago
começou a revirar.
Foi praticamente uma cena de filme de terror. Mal deu tempo de sair
correndo para o banheiro, e eu já estava botando todo o yakisoba pra fora.
Começou com um leve enjoo e, de repente, lá estava eu vomitando no
chão do banheiro, porque não tinha dado tempo de chegar ao vaso.
Uma das mulheres que estavam dentro do banheiro saiu berrando puta
da vida, porque eu tinha espirrado alguns macarrõezinhos inocentes no sapato
dela. Como se eu tivesse alguma culpa...
A outra mulher, que estava com ela, ao contrário, foi bastante solidária
e me ajudou, ficou lá comigo até eu me recuperar. Agradeci e me despedi
dela. Estava muito envergonhada quando aguardava minha vez de acertar a
conta no caixa. Os funcionários ainda ficaram me perguntando se eu estava
bem. Foi o mico do ano. E a Adele achando que o meu maior mico tinha sido
tentar fazer aquela serenata para o meu ex... Graças a Deus, ela não estava
comigo.
Já de volta à casa dos amigos, o motivo de eu ter passado mal daquele
jeito não me saía da cabeça. Aliás, o motivo de eu não saber o motivo de ter
passado mal daquele jeito não saía da minha cabeça. Até que uma luz
imaginária igual àquela dos desenhos animados se acendeu.
Não! Eu pensei comigo mesma. Não era possível, eu tinha feito quatro
testes, um atrás do outro. Eu não estava grávida.
Só que aquilo não saiu mais do meu pensamento. Lá para tantas da
madrugada, eu me lembrei do exame de sangue que eu fiz e que não tinha ido
buscar o resultado. E que minha menstruação ainda não tinha descido.
Como eu podia ter sido tão desatenta?! A falta da menstruação é o
primeiro sintoma de gravidez!
Me deixei levar por testes de farmácia, me deixei entreter com meu
primo gato, e ocupei o restante do meu tempo tentando odiar o Clis. Em vão.
Okay, era possível, refleti após um tempo. Acendi a luz do abajur e
peguei a minha bolsa.
— Tem que estar aqui! — Falei sozinha, procurando aquele papelzinho
que eles dão lá no laboratório para você pegar os exames.
— Achei!
Peguei o papel e fui até a mesinha do computador que ficava na sala.
Liguei e esperei — o danado era mais lento do que uma tartaruga. Assim que
a foto do meu afilhado lindo surgiu na tela, digitei o nome do laboratório e
acessei o site.
Digitei o usuário e senha, e lá estava o exame. Engoli seco, criando
coragem para olhar. Encarei a tela por pelo menos uns dez minutos, antes de
respirar fundo e clicar em abrir.
O resultado era um número gigante, que eu só fui entender quando li
mais abaixo os valores de referência.
Fiquei atônita, eu estava grávida. Grávida do Clis! Do cafajeste galinha
dos tempos da faculdade do Stênio.
Os próximos dez minutos foram de total embasbaquismo — essa
palavra existe?
Era para eu ter me descabelado inteira e chorado até o raiar do dia.
Mas, quando a ficha finalmente caiu, ao contrário disso tudo, eu... Sorri. Eu
fiquei feliz. Não porque ele era o pai, mas porque eu iria me tornar mãe.
Deslizei minhas mãos suavemente pela minha barriga e falei com ela.
Coisa de grávida...
— A mamãe tá aqui com você, meu bebê, vai ficar tudo bem.
No dia seguinte, acordei com um sorriso pregado na cara, já me
sentindo a mãe do ano. Claro, antes de começar a enjoar e colocar o que eu
não havia comido para fora.
Passados os enjoos matinais, — sim, eu tinha aproveitado que o
notebook ainda estava ligado e fiquei navegando nos sites de gravidez, já
sabia praticamente tudo na teoria — me aprontei para voltar ao Rio. No
caminho, liguei para a minha amiga e combinamos de ela me encontrar em
casa.
— Shizune, eu estava preocupada. O que você tem para me dizer que
não poderia esperar o expediente acabar? — Minha amiga perguntou quando
cheguei.
Ela ficava toda gostosona vestida naqueles macacões de academia.
— Estou grávida!
— O quê? — Ela me encarou, boquiaberta — Mas como?
— Adele, você já se esqueceu como é que as mulheres engravidam? —
Perguntei, divertida.
Ela abriu a boca, mas não disse nada. Sentou-se ao meu lado com os
olhos esbugalhados
— Ai, meu Deus, é do Clis? Como você soube? E os testes de
farmácia? Deram negativos!
— Calma, amiga, respira — Disse, fazendo massagem nos seus
ombros. Ela parecia que iria ter um treco — Respondendo às suas perguntas,
é claro que é do Clis. Tá pensando que eu sou o quê?
— Desculpa, japa, é que eu pensei que...
— Pensou errado — Já cortei — Continuando... Eu fiz o exame de
sangue, lembra?
— Claro, mas isso foi há semanas. Por que você só está me dizendo
isso agora, Shizune?
— Porque só soube ontem. Eu acabei esquecendo de pegar o resultado
com tudo o que aconteceu e com Kioshi para me distrair. Enfim, acontece
que ontem passei mal — nem morta descreveria a cena para ela. Fiquei
enjoada e acabei vomitando. Então me lembrei do exame e olhei o resultado
na Internet.
— Caramba, Shizune, você vai ser mãe!
— Pois é!
Nos abraçamos emocionadas.
— Desculpa, amiga, mas vou ter que perguntar — Adele disse quando
se afastou — Você vai contar para ele, não vai?
— Claro que sim, não fiz sozinha! — Ela concordou com a cabeça —
Mas se ele não quiser assumir, não vou ficar grilada, até porque é do Clis que
estamos falando. Vou pensar apenas no meu bebê, amiga. Não vou mentir
que cheguei a fantasiar com uma família linda e feliz. Eu, o Clis e o bebê
juntos. Mas isso não é prioridade, a minha prioridade é somente ele — Alisei
minha barriga.
Minha amiga concordou com a cabeça:
— O Clis ligou para o Stênio desesperado para saber de você. Eu... Eu
acabei dizendo que você tinha viajado com seu primo.
— Por que você fez isso, Adele?
— Para ele sentir na pele tudo o que fez você passar! — Ela respondeu,
alterada — Mas agora que você está grávida...
— Esquece isso, Adele. Não é porque estou grávida que vamos ficar
juntos. Filho não segura ninguém já não é de hoje, e eu nem eu quero que ele
fique comigo por causa de filho.
— Tem razão.
— Sim, eu tenho, apesar de estar sofrendo por ele, porque eu estou.
Não consigo perdoar o que ele fez, mesmo se ele me quisesse. Só eu sei o que
senti quando vi aquela mulher seminua no apartamento dele, só eu sei o que
eu senti quando ele disse que ficava com várias mulheres e, de vez em
quando, comigo também. E por mais que às vezes eu queira jogar tudo para o
alto e ir atrás dele, o jeito cruel com o qual ele me tratou me faz desistir.
— Entendo e concordo com você, amiga. O Clis não te merece. Foca
agora no seu bebê — Ela disse, fazendo carinho na minha barriga — E
esquece o resto, você não precisa dele. Você tem a nós, seus amigos e sua
família.
Apenas assenti. O que a Adele disse me fez pensar em meus pais. Eu
precisava contar a eles.
— Fiquei curiosa com uma coisa, Shizune. Como será que vai ser o seu
bebê?
— Como será? — Perguntei, confusa.
— É... Será que vai ser japonês loiro do olho azul?
— É claro que não, sua boba! — Respondi, sorrindo.
Ela sorriu também e, pelas próximas horas, ficamos conversando
apenas sobre bebês. Nada de Clis, apenas sobre trocar fralda, dar banhos,
curar o umbiguinho... E eu estava mais do que feliz em ouvir todas as dicas
da minha amiga, afinal, eu iria precisar de toda ajuda possível.
E um mês depois do acontecimento mais lindo da minha vida, eu estava
pronta para contar ao Clis que ele seria pai.
Trinta e cinco – Expressar é o Último Passo.

Amo como ama o amor. Não conheço nenhuma


outra razão para amar senão amar. Que queres que te
diga, além de que te amo, se o que quero dizer-te é que
te amo?
Fernando Pessoa

Clis.

Depois que a Shizune viajou, eu meio que aceitei que a nossa história
tinha acabado. Eu só não tinha conseguido seguir em frente ainda como havia
planejado.
Eu tinha passado as últimas semanas depressivo demais, bêbado
demais, irritado demais. Estava na hora de parar de ser um idiota e colocar a
cabeça no lugar.
Acabei comprando a casa de praia em Cabo Frio, aquela da coroa
gostosa. E não, eu não transei com ela. Nem cheguei perto, na verdade. Sexo
já era uma palavra quase extinta do meu vocabulário e, por incrível que
pareça, estava bem com aquilo.
Aproveitei o tempo que fiquei recluso em Cabo Frio para pensar na
minha vida.
Surfei, saí para jantar, nadei na piscina da casa, mas não comi ninguém.
Não por falta de pretendentes dispostas a fazer o Clis aqui feliz por alguns
momentos, mas porque eu não quis.
Tinha decidido que aquele babaca que usava as mulheres apenas para o
sexo, não existiria mais. Combinei comigo mesmo de frente para o espelho
que, dali para frente, se aparecesse alguma mulher, eu só pegaria se ela fosse
interessante o bastante para me fazer querer conhecê-la melhor. Não que eu
fosse virar um virjão ou só transar se fosse com uma namorada, mas, pelo
menos, tentaria mudar as minhas prioridades.
Ao invés de comer e dispensar, eu iria pelo menos considerar outros
encontros para conhecer a garota e, quem sabe, começar algo. E, quem sabe...
Esquecer a Shizune.
Espera aí, eu estaria usando a garota do mesmo jeito. Ou não? Cara, é
complicado ser correto.
Enfim, todo o meu discurso de bom moço que quer recomeçar e seguir
em frente foi para o ralo no momento em que eu vi a Shizune novamente.
Quando a vi, esqueci na hora de todas as promessas que havia feito a
mim mesmo. Eu só pensava no que mais eu poderia fazer para que ela me
perdoasse.
Minha ninja estava linda. Eu a vi na praia, caminhando com o idiota do
Dani. Quer dizer, com o Dani. Ser um cara melhor também incluía parar de
xingar as pessoas.
Ela parecia bem, estava corada e tinha uma áurea boa ao redor dela. E
eu sentia tanta falta daquela bondade e simplicidade que emanava da minha
ninja. Ela era pura luz.
Eu, ao contrário, era apenas a sombra do que fui. Mas isso era bom, não
era? Pelo menos eu já não era mais o babaca galinha e cafajeste que
costumava ser.
Minha ninja também me viu. Nossos olhares se cruzaram por segundos
apenas, mas foi o suficiente para derreter meu coração, que, teoricamente —
só teoricamente — estava cicatrizando. Eu só estava me enganando. Meu
coração nunca cicatrizaria se a Shizune não fosse o remédio.
Eu amava aquela japa. No fundo, eu era muito grato a ela por ter me
livrado da minha obsessão. Por ela, eu estava tentando ser um novo homem,
e, graças a Deus, estava conseguindo. Os traumas do passado já não me
assombravam mais. A única coisa que me assombrava era a certeza de que
não iria conseguir esquecê-la, a certeza de que ela ficaria para sempre no meu
coração.
Naquele mesmo dia, mais tardar no comecinho da noite, lá estava eu
parado a alguns metros da clínica de estética, esperando a Shinuze sair.
Exatamente às seis quinze da noite, eu a vi. Shizune se despediu da
garota da recepção e caminhou em direção ao seu carro, estacionado um
pouco à frente.
— Shizune... — Chamei antes que ela abrisse a porta do carro.
O olhar, primeiramente incrédulo e depois gelado, que ela me
direcionou, fez meu peito doer.
— O que você quer, Clis? — Falou com desânimo. Bom, pelo menos já
não era mais raiva.
— Eu quero conversar com você.
— Se é para falar sobre o que você me fez, não estou interessada — Ela
disse, abrindo a porta.
Passei por ela e me encostei na porta do carro, impedindo-a de entrar
— Ei! Desencosta daí!
— Ninja, por favor, me escuta! Estou te implorando... — Falei,
colocando minha mão no rosto dela, que o virou e se afastou.
— Então diz logo, estou esperando!
— Eu te amo — Falei. Simples assim.
Ela arregalou os olhos totalmente surpresa, o que era compreensível,
pois aquilo ainda era inesperado até para mim. Entre aceitar e confessar,
havia uma ponte estreita, muito longa e cheia de obstáculos, mas que
finalmente eu tinha conseguido atravessar. E para minha grande surpresa, foi
como tirar um uma família inteira de elefantes das minhas costas.
Shizune ficou me encarando com uma expressão embasbacada por
tanto tempo, que eu achei que havia conseguido penetrar na
armadura anti Clis que ela havia vestido.
— Uau! Então é isso? — Pigarreou — Você diz que me ama e fica tudo
bem? Eu esqueço que você me traiu, que me humilhou, que esfregou uma
panicat na minha cara, e tudo bem, viveremos felizes para sempre?!
— Por favor, não seja sarcástica. Não é isso. Eu só quero que você
saiba que eu estou apaixonado por você, tô louco de saudade e tô sofrendo
com a sua ausência...
Ela engoliu seco, e sua expressão mudou um pouco. De indiferente, ela
pareceu... nervosa?
— E você descobriu que me ama antes ou depois de me humilhar, de
jogar na minha cara que esteve com outras mulheres enquanto estava
comigo?
— Eu descobri quando te deixei. Por isso, me afastei. Eu tive medo,
medo de quebrar meu coração novamente...
— Aí com medo de quebrar o seu, você resolve quebrar o meu?
— Isso... — Disse, envergonhado. Mas era a verdade. Se eu queria o
seu perdão, precisava ser sincero — Quando eu te conheci, eu só pensava em
manter meu coração seguro.
— É um jeito muito estranho de demonstrar que ama alguém, Clis —
Disse sem me olhar nos olhos.
— Eu sinto muito, ninja.
— Você descobriu que me amava, e o que você fez em relação a isso?
Me magoou, me fez sofrer, me fez de idiota e me afastou de você! Isso é
muito doente, Clis! Você é um filho da puta doente!
— Eu sei que não tem desculpa, mas você não sabe pelo que eu já
passei para ser esse idiota que eu sou hoje.
— Não interessa! Eu não quero saber. O que quer que tenha acontecido
a você, não te dá o direito de passar como trator em cima dos sentimentos dos
outros. Pelo amor de Deus! Eu vi uma mulher nua passeando pelo seu
apartamento. Mesmo assim, eu ainda fui atrás de você. E o que você fez? Me
humilhou!
— Shizune, eu sei que eu não mereço seu perdão, mas eu estou
arrependido para cacete. Você tem que acreditar em mim! — Falei, tentando
abraçá-la, mas ela me empurrou.
— Não! — Ela se afastou ainda mais e limpou as lágrimas.
— Shizune, você me ama?
Eu estava ali para ouvir aquela resposta. Eu precisava saber e eu
desejava mais do que qualquer coisa que ela me dissesse que sim.
— O quê? — Perguntou, engolindo seco.
— Você me ama? — Diz que sim, por favor... Eu repetia em
pensamento.
— Sai da frente do meu carro, Clis! — Mas eu não saí. Ela teria que me
responder primeiro.
— Responde a pergunta.
— Não tenho que te responder nada! — Esbravejou — Tenho coisas
mais importantes acontecendo na minha vida agora, e isso envolve...
— Só te deixo partir se me responder — Interrompi.
— Tô grávida! — Ela soltou de repente.
Uau... Não era a resposta que eu estava esperando.
Grávida? Grávida? Caralho. Grávida?
Do japonês? Eu soube que o idiota, quer dizer, que o primo dela havia
voltado para o Japão. Será que o desgraçado tinha ido embora e a deixado
grávida? Filho da puta!
Engoli seco sem saber o que dizer. A mulher da minha vida estava
grávida de outro cara, e ele não estava mais com ela. O que eu poderia fazer
naquela situação? Pasmem...
— Eu assumo — Eu disse.
— O que? – Perguntou, confusa.
— Eu assumo o seu filho, Shizune. Você só está grávida de outro
porque eu fui idiota demais te afastando de mim. Se você carrega um filho
que não é meu, a culpa é minha. Então eu assumo, não quero nem saber de
quem é — vai que não era do japa, né? Melhor não saber — Eu crio e dou
amor e carinho de pai como o meu padrasto fez comigo.
Minha ninja me olhava catatônica, e o seu silêncio estava me
apavorando.
Eu tinha acabado de dizer a ela que assumiria o filho de outro cara só
para estar com ela. Não só assumiria, eu o amaria. E ela não dizia nada além
de me encarar com aqueles olhinhos estreitos e incrédulos.
— Shizune... — Disse, me aproximando — Diz que aceita, eu vou
amá-lo como se fosse meu.
— Ele é seu, idiota! — Ela gritou, me empurrando.
Me afastei, atordoado, e ela aproveitou o impacto que aquela
informação me causou e entrou no carro.
Meu?
Mulheres, não me culpem por ter pensado que o filho era do primo
dela, afinal, ela viajou com ele. Mas se ela estava dizendo que estava grávida
de mim, e não dele, eu acreditava. O que me levava a crer que, quando ela
desconfiou daquela vez, ela realmente estava.
A ninja estava grávida. Não era do japonês, o filho era meu. Eu,
Cliscristofferson, é que era o pai do filho dela. Eu, caralho!
Minha cabeça deu um giro de 360 graus com aquela informação.
Quando saí do meu estado de choque, — e ultimamente estava sendo
frequente eu ficar sem reação nas calçadas da cidade — corri literalmente
atrás do carro dela.
— Shizune! — Gritei, mas ela saiu em disparada sem olhar para trás.
Respirei fundo, tentando me acalmar, ou acabaria tendo um troço ali
mesmo no meio da rua. Fui caminhando lentamente até o meu carro.
Meu coração estava apertadinho dentro do meu peito quando entrei no
meu carro. Continuei respirando fundo, tentando me acalmar. Fechei meus
olhos tentando refletir sobre aquela notícia.
Eu ia ser pai. Eu queria isso? Ainda não sabia, mas, para quem estava
disposto a assumir filho de outro, eu acho já tinha minha resposta.
Eu iria ser pai, pai do filho da mulher da minha vida, então... Ainda
havia uma chance!
E ela também não havia respondido se me amava. Pelo menos não disse
que não. Sim, eu ainda tinha esperanças e faria de tudo para trazer aquela
mulher para junto de mim. Ela e o nosso filho.
Caramba, eu ia ter um filho!
Fui para casa, dirigindo desatento e sendo invadido por imagens da
minha ninja grávida, por imagens dela de barrigão, e por imagens de nós três
juntos e... Felizes.
Não sei a que horas consegui dormir, mas foi o tempo de raiar o dia
para eu partir para a casa dela. Eu montaria acampamento de frente para o
apartamento dela e só sairia de lá quando ela me ouvisse, quando eu dissesse
a ela que eu queria aquele filho e que não a deixaria desamparada. Eu diria a
ela que eu queria os dois, que eu amava os dois.
Aquela ninja nunca mais se afastaria de mim, ou eu não me chamava
Cliscristofferson.
Eu ia ser pai, caralho! Eu seria o pai!
E antes de sair de casa, eu me fiz uma promessa. A promessa de que
seria o melhor pai do mundo, faria pelo meu filho tudo o que meu padrasto
fez por mim e tudo que o meu verdadeiro pai nunca fez.
Trinta e seis – Você é a Minha Cura, é a Minha
Redenção.

Shizune.

Eu havia planejado contar ao Clis que ele ia ser pai. Claro que sim, era
direito dele. Mas eu não imaginei que eu fosse fazer isso no meio da rua do
jeito que fiz. No entanto, eu jamais poderia imaginar que fosse passar pela
aquela cabeça de vento dele que eu estava grávida de outro.
Pelo amor, ele pensava que eu era como ele por acaso? Não estive com
ninguém depois do pé na bunda traumático que ele havia me dado. Tudo bem
que eu até tentei, mas o importante é que o filho era dele, e ponto.
Ele confessou que amava, e isso foi tão inesperado que, por um
segundo, eu quase esqueci tudo o que ele me fez e pulei no colo dele, me
declarando também. Foi por muito pouco que não fiz isso. Não fiz porque
minha prioridade não era mais o Clis, e sim o meu filho... O nosso filho.
Fiquei tão atordoada de ele pensar que o filho era de outro, que acabei
cuspindo a verdade em cima dele. Só que fui covarde demais para ficar e
encarar sua reação.
Se eu já estava surpresa só por ele ter aparecido sem avisar, imagina
depois de ele se declarar?
Esperei tanto para ouvir aquelas palavras saindo daquela boca vermelha
de fazer inveja a qualquer mulher que, quando ele finalmente as pronunciou,
meus sentimentos já estavam tão massacrados, que a única coisa que eu
consegui pensar foi no quanto ele era hipócrita em achar que eu poderia ter
estado com outros, e no plural!
Nem quero saber quem é o pai!
Que isso! Foi demais para mim.
— A culpa foi sua de ele ter pensado isso, Adele — Reclamei.
Quando saí, atordoada demais para ir a qualquer lugar, acabei parando
na academia, afinal, era para os meus amigos mesmo que eu sempre corria.
— Minha nada! Foi você que disse para ele que havia transado com seu
primo, e isso foi antes de você viajar — Ela se defendeu.
— Tá, tudo bem! Isso também não importa agora, não é? — Falei,
desanimada.
— Me desculpe, japa, eu só pensei em fazê-lo provar um pouquinho do
próprio veneno — Ela disse, arrependida.
— Tá tudo bem, Adele. Só não se mete mais desse jeito na minha vida
— Já estava ficando cansada daquela proteção exagerada da minha amiga,
como se eu fosse uma adolescente imatura e inocente — Eu sou uma mulher
adulta e, por mais que possa não parecer, eu sei lidar com meus problemas.
— Você tem razão. A forma como você está conseguindo lidar com
tudo o que o Clis te fez, eu sinceramente não sei se teria esse sangue frio e
esse orgulho todo.
O que ela disse acabou me deixando surpresa. Logo a Adele? Toda
durona na queda, ficaria dividida se tivesse ganhado uma dúzia de chifres?
— Estou grávida, Adele, não posso me deixar inebriar por algumas
palavrinhas de amor.
— Japa?
— Oi.
— O Clis te ama — Hã? Tinha escutado direito? — Shizune, esse
idiota te ama! Que outro cara iria propor assumir filho de outro assim? Essa é
a maior prova de amor que ele poderia te dar. Olha, eu continuo não gostando
dele, mas não dá mais para negar que ele realmente ama você.
— Adele, você está do lado de quem? — Perguntei, abismada.
— Do seu, é claro, mas, japa, o cara nem quis saber, já foi logo dizendo
que assume. Isso foi... Fofo, você tem que admitir!
— Pelo amor de Deus, não me deixa pior do que eu já estou!
— Tá bom, não falo mais.
— Ótimo.
No fundo, eu tinha que admitir que a atitude do Clis tinha me tocado
profundamente. Claro, depois que a raiva de ele ter achado que o filho era de
outro passou.
Reconheço que a culpa foi minha em parte. Eu não devia ter sugerido
que tinha ido para a cama com o Kioshi. Mas, depois de ele gritar aquelas
barbaridades em pleno corredor do meu andar, não consegui.
Só que, mesmo reconhecendo que errei em parte, eu não podia me dar
ao luxo de me iludir com palavras. Ele tinha me feito sofrer, tinha me feito de
idiota, tinha transado com outras mulheres estando comigo. Não dava para
confiar.
Eu estava com medo. Medo de me iludir novamente com o Clis e ele
me massacrar mais uma vez, ainda mais depois que eu soube que estava
grávida. Não queria passar minha gravidez infeliz e sofrendo por ele. Tinha
que pensar no bebê.
Me despedi da Adele e fui para casa. O dia tinha sido cansativo, e eu
ainda tinha que lidar com os enjoos e com as cólicas. Mas a minha
ginecologista me tranquilizou, dizendo ser normal. Tudo o que eu precisava
era de um banho demorado e uma boa noite de sono.
Quando cheguei em casa, já estava mais calma. Fiz um lanche
saudável. Doutora Adelaide, que é minha ginecologista desde que entrei na
adolescência e amiga íntima da minha mãe, havia me proibido de comer
besteiras. Depois de alimentada, tomei meu banho e fui para a cama.
Meus sonhos foram recheados por um certo cara de olhos azuis e barba
loira segurando uma criança japonesa de cabelos loiros nos braços, e eu tive
dúvidas se eram realmente sonhos ou delírios da minha mente insana.
Acordei bem cedo no outro dia, escovei os dentes, o que era um
martírio. Mas eu não me queixava, todo incômodo só me lembrava que havia
uma vida crescendo dentro de mim.
Já pronta, tomei apenas um copo de leite com achocolatado e comi
alguns biscoitos de água e sal. Esperei um tempo no sofá, para ter certeza de
que meu café da manhã não iria voltar. Quando constatei que não iria colocar
para fora o que comi, peguei minha bolsa, minha chave e meu livro sobre
nomes de bebê. Mas, ao abrir a porta, dei de cara com o Clis, encostado na
parede da frente.
Ele parecia cansado. Suas mãos descansavam nos bolsos da calça jeans,
suas pernas estavam levemente cruzadas, e seu olhar, me desnudando, tirando
tudo de mim. Tirando toda a certeza de que eu não precisava dele na minha
vida.
— Oi.
— Oi.
Eu queria ter revirado os olhos, fechado a cara e mandado ele ir plantar
batata ou catar coquinho, mas a única coisa que fiz foi responder seu
cumprimento.
Nos encaramos em silêncio, e toda vez que aqueles dois oceanos me
aprisionavam, mais de mim ele tirava.
— Podemos conversar?
OK, por mais que eu não quisesse nada com ele, o Clis era o pai do
meu filho. E se ele queria conversar sobre a criança, eu ouviria, né?
— Não posso demorar.
— Eu vou ser rápido — Respondeu rapidamente.
Assenti, dando espaço pra ele entrar.
— Desculpe ter pensado que, bem... Que você estava grávida de
outro... — Já começou indo direto ao ponto.
— Tudo bem, Clis, você teve motivos para pensar assim — Interrompi.
Ele assentiu com a cabeça. Ficamos em silêncio, e era tão
desconfortável aquela situação... Clis me olhava tão profundamente, seu olhar
caía de vez em quando para a minha barriga, já com um pouco mais de dois
meses.
Ainda era impossível saber se eu estava grávida só olhando para mim,
mas seu olhar me deixou constrangida. Era como se ele enxergasse nosso
bebê.
— Você está bem? Está se sentindo bem? Já foi ao médico? — Fez
uma pergunta atrás da outra.
Eu não queria ter achado fofa a preocupação dele, mas foi inevitável.
— Já fui, sim, estamos bem — Respondi, alisando minha barriga. Clis
acompanhou meu movimento com o olhar.
— Shizune, eu vim aqui para te dizer que eu vou assumir a
responsabilidade. Você sabe que o meu pai não fez isso, então eu jamais faria
com você o que ele fez com a minha mãe. Não vou te deixar desamparada.
Eu não estava pronta para aceitar o Clis de volta, mas vendo-o ali na
minha frente falando apenas da paternidade, me excluindo de todo o resto,
fez meu coração doer. Eu estava esperando ele dizer novamente que me
amava, estava esperando que ele insistisse, que implorasse até.
Não queria perdoá-lo, mas esperava que ele tentasse mais. Meio louco,
não é? Coisa de gente biruta que não sabe se quer, mas também não quer
largar. O que eu podia fazer se ele tinha o poder de me confundir daquele
jeito?
— Shizune... — Ele se aproximou, espantando meus pensamentos —
Eu quero criar esse filho junto contigo. Quero que ele tenha uma família.
Junto comigo?
— Clis, eu jamais aceitaria ficar com você só porque estou grávida.
Filho não segura ninguém, não muda nada o fato de que a gente acabou.
— Muda o fato, sim, muda o fato porque eu te amo! — Ele se
aproximou mais um pouco, me encurralando no encosto do sofá — Não estou
querendo voltar por causa de filho. Ontem, quando te procurei, nem sabia da
existência dele. Quero voltar porque não sei mais viver longe de você, não
consigo ficar longe.
Fiquei totalmente sem ação diante daquela declaração.
— Clis...
— Shizune... — Ele segurou meu rosto, e cadê a força pra me esquivar?
Fiquei paralisada, perdida na imensidão daqueles olhos azuis — Me deixa
cuidar de você? De vocês — Disse, colocando a mão na minha barriga.
E lá se foi o restinho de mágoa ou raiva que eu ainda insistia em
guardar. As lágrimas brotaram dos meus olhos, descendo desobedientes pelo
meu rosto. Ele as limpou com os dois polegares e segurou o meu rosto.
— N-não, Clis — Me esquivei — Não posso me deixar levar por
palavras. Os seus atos me machucaram demais. Eu não posso passar por isso
de novo, ainda mais grávida, preciso passar tranquilidade ao bebê. Eles
sentem as coisas. Não quero sofrer, não posso...
— Jamais faria você sofrer...
— Você já fez, Clis! Eu preciso ir — Falei, me afastando dele.
— Ninja, não faz isso! Eu sei que eu mereço seu desprezo, mas acredite
quando eu digo que te amo! Não posso viver sem você — Ele respirou fundo
antes de continuar — Shizune, você é a minha cura, a minha redenção. Eu
sou um outro homem depois de você, e vou ser grato pelo resto da minha
vida. Te quero ao meu lado, iluminando os meus dias, trazendo paz para toda
bagunça que é a minha vida. Fica comigo?
— Clis, por favor, não dificulte as coisas — Eu já estava me
debulhando em lágrimas. — Vai embora.
— Não, por favor. Deixa eu te provar que eu mudei?
— Ninguém muda assim de uma hora para outra, Clis. Não posso me
dar ao luxo de acreditar e amanhã você me apunhalar pelas costas — Ele
balançou a cabeça, assentindo.
O que significa essa balançada de cabeça? Ele desistiu tão fácil assim?
— É sua última palavra? — Perguntou, me encarando com um olhar
carregado de tristeza.
— É. Não... Ai, não sei! Estou muito confusa.
Clis se aproximou novamente e entrelaçou nossos dedos.
— Clis, por favor! — supliquei.
— Você vai me deixar pelo menos participar da vida do meu filho?
— Claro que sim, mas ele ainda nem nasceu...
— Quero estar presente na sua gestação também, por favor, não me
prive disso. Já quer me privar da sua companhia, não me priva de ver meu
filho crescer mesmo no ventre.
— Tá bom — Como proceder depois daquele pedido, senão concordar?
— Amanhã tenho consulta. Vou fazer uma ultra para ver o bebê, ver se está
tudo bem. Você pode ir comigo se quiser.
— Claro que eu quero! — Aquele sorriso, aquele com as linhas de
expressão que eu tanto amava, brotou na face dele.
— Combinado. É amanhã às nove da manhã. Te mando uma mensagem
com o endereço da clínica. Agora você precisa ir, tenho que trabalhar.
— Tá — Ele concordou.
Clis me encarou por mais alguns instantes. Um olhar triste substituiu
seu sorriso perfeito, me deixando destruída, mas eu não estava pronta para
perdoar e não queria. Queria?
Ele sorriu de novo, mas, dessa vez, seu sorriso não alcançou os olhos.
Clis caminhou até a porta e a abriu. Antes de partir, se virou na minha
direção:
— Shizune, você me ama?
— Sim — Minha boca, que, de repente, começou a ter vida própria,
respondeu sem pestanejar.
Com mais um meio sorriso, ele saiu, me deixando paralisada na minha
sala. E os enjoos, que tanto tentei evitar antes de sair de casa, vieram com
força total. E lá está eu abraçada com o vaso novamente.
Trinta e Sete – Foi a Melhor Coisa que Já Fiz.

Será possível, então, um triunfo no amor? Sim.


Mas ele não se encontra no final do caminho: não na
partida, não na chegada, mas na travessia.
Rubem Alves

Clis.

Esperar o dia seguinte para acompanhar a minha ninja até a consulta foi
uma provação. A ansiedade não me deixou dormir. Passei a
noite ligadão, assistindo seriados. Vi a segunda temporada inteira de Bates
Motel e, quando acabou, eu ainda não estava com sono.
Fui tentar dormir, já passava das quatro. Só conseguia pensar que, em
algumas horas, eu veria meu filho, ou filha, sei lá. Não importava. Está bem,
lá no fundo, eu esperava que fosse um menino, só para não correr o risco de
um cara feito eu cruzar o caminho dela.
Eu o mataria, arrancaria os olhos e daria aos corvos, ou eu arrancaria
suas bolas e as jogariam para os cachorros, ou... Ah, esquece, vai, vamos
voltar para o que interessa.
Depois que os pensamentos assassinos de como eu mataria cada um
que magoasse minha princesa cessaram, consegui cochilar um pouquinho,
por duas horinhas apenas.
Quando a ninja me encontrou na recepção da clínica às nove em ponto,
eu parecia um zumbi, ao contrário dela, que estava linda como sempre.
— Oi, Clis — Me cumprimentou timidamente. Mas eu, sem vergonha e
descarado, me aproximei e beijei sua testa.
A recepcionista, que antes me encarava com olhares insinuantes,
fechou a cara para mim e sorriu para Shizune.
— Bom dia, japa — A garota devia ser conhecida dela, os amigos a
chamavam assim.
— Bom dia, Carol — Minha ninja a cumprimentou, entregando o
cartão do plano de saúde.
— A doutora ainda não chegou, parto de emergência. Mas já já ela
estará aqui.
— Tudo bem — Shizune sorriu e sentou-se ao meu lado.
— Você está de quanto tempo? — Perguntei.
Era estranho não saber nada sobre a gravidez. A própria Carol olhou
com curiosidade para a gente, com certeza imaginando que tipo de pai ou até
mesmo que tipo namorado eu era, que não sabia de quanto tempo a
mulher/namorada estava grávida.
— Oito semanas.
— Sente-se bem? Quer dizer, você tem enjoado, ou... Essas coisas de
grávida.
Ela sorriu.
— Tenho tido alguns enjoos matinais e uma leve cólica, nada fora do
normal — Respondeu, olhando para a rua, apertando a alça da bolsa
visivelmente sem graça — Vou pegar um café, você aceita?
— Você pode tomar café?
— Bom, eu acho que sim — Respondeu, sorrindo.
— Vou com você — Levantei e a segui até a pequena copa.
Já estava ficando incomodado de como a recepcionista nos assistia,
como se fôssemos atores encenando em uma peça de teatro.
Quando voltamos à recepção, algumas pacientes já haviam chegado.
Uma, com um barrigão que, nossa, parecia que ia explodir a qualquer
momento. Shizune olhou na direção em que eu olhava e sorriu.
— Será que você vai ficar assim? — Perguntei.
Ela se aproximou do meu ouvido e cochichou — Acho que ela ganhou
peso demais.
— É... — Concordei.
Ficamos nos encarando em silêncio.
Queria dizer tanta coisa, mas, pela primeira vez na vida, eu estava
intimidado. Fora que eu estava em um ambiente totalmente estranho para
mim, rodeado de mulheres grávidas tagarelando sobre fraldas, partos e
estrias.
Shizune desviou o olhar e começou a prestar atenção ao que a mulher
de aparentemente quarenta anos — a que tinha a barriga a um passo de
explodir — dizia.
Ela falava alguma coisa sobre o plano de saúde não cobrir a anestesia, o
que me lembrou de que eu como pai deveria ajudar em qualquer despesa que
a Shizune pudesse ter.
Involuntariamente, toquei a mão dela, que descansava sobre sua
barriga, chamando sua atenção.
Ela se assustou com o meu toque e me encarou, mas não afastou minha
mão dali. Eu meio que paralisei, perdi o que ia falar e fiquei olhando para a
barriga dela.
Tirei a mão de cima da dela e toquei na barriga mesmo. Esperei que ela
me afastasse, mas ela não o fez. Encarei seus olhinhos estreitos, que me
olhavam, tentando decifrar meu próximo passo. Já tinha feito isso no dia
anterior, mas aquele simples gesto enchia meu peito de sentimento tão forte.
Seria a paternidade?
Sorri. Um sorriso que mais parecia uma bufada, mas ela sorriu de volta.
Me aproximei, ficando a centímetros de distância do rosto dela.
Shizune encarou meus lábios, umedecendo os seus. Eu estava pronto para
beijá-la, e parecia que ela também. Só que, infelizmente, a doutora chegou,
quebrando todo o clima e fazendo com que minha ninja escorregasse para
longe de mim.
— Bom dia, meninas — A médica as cumprimentou, sorridente.
Olhou para mim com certa curiosidade, antes de seguir para o
consultório de número dois.
Foi aí que percebi que eu era o alvo dos olhares de praticamente todas
as mulheres que estavam ali, grávidas ou não. Os olhos delas não tinham
cerca e, modestamente ou nem tanto, vocês sabem que eu não era e não sou
de jogar fora. O engraçado é que só tinha mais um cara acompanhando uma
grávida. As demais estavam sozinhas, ou acompanhadas por outras mulheres,
o que me levava a pensar nas várias hipóteses para justificar elas estarem
desacompanhadas dos seus respectivos parceiros.
1 - O marido/namorado estava no trabalho.
2 - Elas fizeram inseminação.
3 - Optaram por produção independente (só usaram o cara mesmo para
engravidar)
4 - Os caras que as engravidaram eram todos filhos da puta.
5 - Eram lésbicas, por isso não tinham um macho (o que levava a
segunda e terceira hipóteses).
— Você pode entrar, Shizune — A secretária falou para minha ninja,
me chamando de volta à realidade.
— Vamos? – A japa me perguntou. Assenti e a acompanhei. Meu
coração foi parar na minha boca, e eu podia jurar que eu estava tremendo.
Entramos e nos sentamos nas cadeiras de frente para a doutora
Adelaide. Ela nos recebeu com um sorriso e estendeu a mão para me
cumprimentar.
— Prazer, eu sou a Adelaide.
— Prazer, Clis.
— Muito bem – Voltou sua atenção para a japa – Shizune, como se
sente, querida?
— Ainda estou sentindo enjoos e cólicas. Tirando isso, estou bem.
— Ok — A médica disse, fazendo anotações na ficha dela — Cadê o
cartão?
— Aqui — Minha ninja entregou um cartão com o desenho de uma
mulher grávida a ela.
— Bom, hoje faremos uma transvaginal, como eu já havia lhe
explicado, e vou te passar alguns exames. Tá tomando o ácido fólico
direitinho?
— Sim.
— Desculpa — Interrompi — Por que ela tem que tomar isso?
Shizune arregalou os olhos, surpresa, enquanto a doutora apenas sorriu.
— O uso do ácido fólico na gravidez serve para diminuir o risco de
lesões no tubo neural do bebê, prevenindo várias doenças, além de diminuir o
risco de parto prematuro.
— Entendi.
— OK. Nós vamos medir a sua pressão, e depois podemos fazer a ultra
— A doutora disse para a minha ninja.
Acompanhamos a médica até outra sala. Uma enfermeira veio,
conduziu a Shizune até uma cadeira e mediu a pressão dela.
— Onze por sete — A moça disse, anotando no cartão de gestante da
ninja.
Onze por sete? Eu não entendia nada de pressão arterial, muito menos
de grávidas, mas onze por sete não estava baixa demais?
— Não está muito baixa? — Perguntei, preocupado.
— É normal a pressão cair no primeiro trimestre da gravidez — Ela me
explicou.
Shizune me encarava, surpresa demais por eu estar perguntando todas
aquelas coisas. Ela ainda não tinha entendido? Quando eu disse que queria
participar, estava falando sério. Queria estar por dentro de tudo, saber de tudo
para saber como ajudá-la a ter uma gravidez saudável e tranquila. Eu só
precisava que ela me aceitasse por perto.
— Shizune, você pode ir até aquele banheiro e tirar a roupa — Agora
era a secretária de antes que falava, entregando o que parecia uma daquelas
roupas de hospital.
Minha ninja assentiu, pegou o saco plástico e foi em direção ao
banheiro.
— Conheço a Shizune desde que ela nasceu, sou amiga da mãe dela —
Doutora Adelaide que já havia retornado a sala e mexia no aparelho próximo
a cama falou — Sempre soube que ela seria uma excelente mãe.
— Ela parece que foi feita para isso — Concordei.
— Sim, mas e você? Sente-se pronto? — Fiquei tentado a não
responder, não era da conta dela, mas me vi assentindo firmemente.
— Farei o impossível para ficar — Ela sorriu, satisfeita.
Minha ninja voltou do banheiro vestindo aquela roupa verde, tentando
esconder o corpo de mim. De mim?
E eu, cafajeste toda vida, não queria ter olhado suas curvas expostas
pela transparência do negócio, mas não consegui. Deu pra ver tudo, caralho!
Se eu não estivesse tão nervoso, teria ficado de pau duro com certeza.
— Deite-se aqui, querida, e abra bem as pernas.
Abra as pernas? Olhei para aquele troço comprido na mão da médica e
meus olhos praticamente saltaram do meu rosto quando ela vestiu uma
camisinha naquilo.
Que porra de exame era aquele?
— Vamos lá. Relaxa o abdômen. Isso, fique bem relaxada.
Encostei-me na parede, vendo aquele troço sumir para dentro da japa.
Puta que pariu! Coitada da criança!
Olhei para ela e vi que ela me encarava. Engoli seco e forcei um
sorriso.
— Sente-se aqui perto dela, Clis, para você poder ver o seu bebê.
O meu bebê!
Vocês não imaginam o impacto que aquela simples frase fez com a
minha pessoa.
Sentei-me na cadeira ao lado da Shizune, toda constrangida, e encarei o
monitor com o coração na mão.
Imagens começaram a aparecer na tela. A médica ia explicando cada
uma, mas eu não conseguia prestar atenção em nada. Fiquei hipnotizado por
aquela imagem preta e desfocada. Era meu filho, meu filho ali. Sem pensar
muito, segurei a mão da ninja e a apertei com força. Ela apertou a minha de
volta e, quando o barulho de um coraçãozinho batendo acelerado começou a
ecoar pela sala, eu pensei que ia desmaiar.
Foi indescritível a sensação que senti. Alegria, euforia, felicidade,
amor: tudo enrolado num mesmo pacotinho.
Chorei, claro que eu chorei, não seria eu se não tivesse chorado. Chorei
contido, segurando a mão dela, que também chorava, não tão contida.
— Nosso filho... — Falei pertinho do ouvido dela, que só balançou a
cabeça, emocionada demais pra falar.
Tempo depois, saímos os dois do consultório, totalmente absortos em
nossos pensamentos.
— Bem, eu já vou... — Ela disse, sem me encarar.
— Shizune... — Pigarreei — Quero te ajudar nas despesas. Sei que
você tem plano de saúde, mas ouvi aquela grávida dizer algo sobre o plano
não cobrir a anestesia se não for parto normal.
— Eu ainda não vi isso, se o meu plano cobre ou não cobre. De
qualquer forma, se eles cobrirem, vão me reembolsar depois. Não se
preocupe. E ainda não sei se quero fazer cesárea.
— Você quer parto normal?
— Não sei, eu ainda não pensei direito sobre isso.
— Entendo. Mas e os remédios?
— Clis, não se preocupe com isso. É sério.
Segurei a mão dela:
— Não me pede para não me preocupar, ninja. O que eu vi ali dentro, o
que eu presenciei foi a melhor coisa que eu já fiz. Eu nunca tive tanta certeza
de ter feito algo bom na minha vida até olhar para aquele monitor. Então não
me diga para não me preocupar. Me preocupo, com você e com ele.
— Tudo bem. Se eu precisar comprar alguma coisa, eu te aviso. Está
bem?
— Obrigado — Ela sorriu e soltou a minha mão.
— Preciso ir.
— OK — Respondi. Shizune me encarou meio confusa, mas não disse
nada. Eu tive uma leve impressão de que ela esperava que eu dissesse algo
mais.
— Tchau, Clis.
— Até mais... — Ela partiu em direção a sei lá onde estava o carro
dela. E eu? Eu fui atrás de ajuda, já estava passando da hora.
Entendam uma coisa, eu não tinha desistido da ninja. Já não tinha
desistido antes de saber que ela estava grávida, ainda mais depois de ouvir o
coração do meu filho. Aí que eu não desistiria mesmo. Eu só percebi que não
adiantaria forçá-la a me aceitar de volta, nem ficar insistindo, ou a cercando
por aí. Eu precisava fazer algo que conseguisse quebrar aquela resistência
dela de uma vez por todas.
Foi por isso que, às quatro da tarde, no mesmo café de sempre, eu
aguardava meu melhor amigo Stênio. É, àquela altura do campeonato, ele já
tinha voltado ao posto de melhor amigo.
— Não posso te ajudar — Ele disse, enquanto mordia um pedaço de
pão de queijo.
— Que porra! Então por que você disse para eu te procurar quando eu
quisesse consertar a merda?
— Isso foi antes, cara, antes de eu saber da gravidez. Agora não faço
ideia de como te ajudar. Mas eu sei quem pode.
Primeiro, eu o chamei de louco, depois, eu o chamei de filho da mãe.
Por último, antes de bater na porta do apartamento dele atrás da sua esposa
megera, eu o chamei de melhor amigo da onça.
— O que você quer aqui? O Stênio não está — Adele disse quando me
atendeu, e já ia batendo a porta na minha cara. Mas fui rápido e coloquei o
pé, impedindo.
— Eu sei com você que eu quero falar. Preciso da sua ajuda — Pronto,
eu tinha sua atenção.
— E o que te faz pensar que eu te ajudaria em alguma coisa?
Eu disse que eu tinha a sua atenção, não que ela ia concordar em me
ajudar.
— Adele... Eu sei que eu não mereço sua ajuda e nada do que eu disser
vai redimir toda a merda que eu fiz, mas eu amo a Shizune e eu a quero de
volta.
A megera arregalou os olhos e, por um momento, eu pensei que ela
tinha se solidarizado com a minha situação.
— Tarde demais. Problema seu. Se manca. Cai fora! — Falou,
prensando a porta no meu pé.
— Ai! — Tive que tirar o meu pé, ou a louca ia me amputar — Adele!
Adele, por favor, eu sou um homem desesperado!
— Não me interessa — Ela gritou do outro lado.
— Se você não falar comigo, eu vou ficar aqui no corredor, gritando e
importunando os seus vizinhos. Olha, já tem um aqui me olhando de cara feia
— Era verdade.
— Mentira! — Então eu perguntei o nome do senhorzinho que
realmente estava me olhando de cara feia, parado na porta do apartamento da
frente.
— O seu Alfredo falou para você respeitar o seu marido — Essa parte
foi mentira, mas funcionou, ela abriu a porta na hora.
— Esse idiota tem problemas mentais, seu Alfredo! Me desculpe por
isso — Tive que me segurar para não rir da cara dela, tentando se explicar
para o vizinho.
— Vê logo o que ele quer e acaba logo com isso! — O velhinho
ranzinza disse, antes de bater com a porta na nossa cara.
— Faz o que ele disse — Falei com cara de menor abandonado.
— Que merda! — Ela rosnou, abrindo a porta — Você tem cinco
minutos!
— Obrigado.
— Estou contando.
— OK, é...
— Desembucha!
— Calma, não me pressiona. É difícil falar sobre essas coisas, eu não
esperava sentir o que estou sentindo de novo por alguém, e...
— Sentir o que? — Me interrompeu.
— Amor.
— Você realmente ama a Shizune, Clis? Porque quem ama não faz as
coisas que você fez, quem ama não magoa o outro. Pelo contrário, faz o outro
feliz. Porque a felicidade do outro é a nossa felicidade!
— Eu sei, Adele, eu sei! Agora eu sei! — Falei quase em um suplício
— Não tem desculpa para o que eu fiz com ela, a não ser o fato de eu ter sido
um covarde. Mas eu amo a sua amiga, amo o nosso filho, e quero ficar ao
lado deles.
— Eu acredito em você — Falou, e eu quase peguei meu celular e pedi
para ela repetir para eu poder gravar.
— Acredita?
— Acredito. Hoje em dia, ninguém assume filho de outro só por causa
de mulher a não ser que ame. Tem que amar demais para fazer isso.
Mas o filho era meu, entendi que ela estava se referindo ao fato de eu
ter dito à ninja que assumia o filho dela, que, na ocasião, eu não sabia que era
meu.
— Eu a amo, com todas as minhas forças. Eu posso fazer a ninja feliz,
Adele. Você pode não acreditar, mas tudo o que eu mais quero é fazê-la feliz
e ser feliz ao lado dela.
— O que você seria capaz de fazer para provar isso? — Perguntou,
olhando bem no fundo dos meus olhos.
— Caso com ela amanhã se ela aceitar, e não é por causa de filho. É
porque não consigo mais ficar longe. Por favor, acredite em mim.
— Tudo bem!
— Tudo bem? Tudo bem você acredita, ou tudo bem você vai me
ajudar.
— As duas coisas. Mas não é por você. Ainda te acho um filho da puta
egoísta e narcisista. No entanto, a minha amiga te ama, e sei que, no fundo,
ela ainda quer você. Vou te ajudar, e acho que sei como amolecer aquela japa
— Sorri aliviado — Mas vai ser do meu jeito!
Tudo bem, não tão aliviado assim.
Trinta e Oito – Um Cantor na Madrugada.

Shizune.

Quase uma hora da manhã e eu ainda rolava de um lado para o outro na


cama. Os pensamentos a mil, o coração a mil, e a certeza de que eu não tinha
certeza de merda alguma. E o Clis não ajudava em nada sendo fofo e
atencioso daquele jeito.
Eu fechava os olhos e as imagens dele todo preocupado, perguntando
coisas da gravidez, e, principalmente, a imagem dele emocionado ao ver
nosso bebê, me faziam querer pular da cama e bater na porta dele de
madrugada.
Só que eu não podia me deixar levar por meias dúzias de gestos e
palavras bonitas. Podia?
“Não me pede para não me preocupar, ninja. O que eu vi ali dentro, o
que eu presenciei foi a melhor coisa que eu já fiz. Eu nunca tive tanta certeza
de ter feito algo bom na minha vida até olhar para aquele monitor. Então
não me diga para não me preocupar. Me preocupo. Com você e com ele".
Como não ficar tentada e dividida com tais palavras? Jamais iria
imaginar um Clis tão dedicado a ser pai, tão preocupado com o bem estar de
alguém que não fosse ele.
Quando saí da clínica, fiquei decepcionada por ele não ter insistido para
conversar sobre a gente. Quase nos beijamos no consultório e, depois de ver
nosso bebê juntos, tudo o que eu queria era que ele tentasse me beijar de
novo, ali mesmo na saída da clínica. Eu queria que ele me puxasse pelo braço
e me levasse até o carro mais próximo — o meu ou o dele — e me jogasse lá
dentro. Que me despisse e me beijasse toda, beijasse minha barriga de
grávida, — que ainda não dá para saber que estou grávida — que sugasse
meus mamilos doloridos, meus seios inchados. Eu só queria que ele tirasse
todo aquele tesão louco e aquela saudade toda que eu estava sentindo dele.
Mas ele só soube falar de anestesia e remédios.
Fui até a casa da minha mãe depois para mostrar as imagens para ela,
dizer que estava tudo bem com o bebe. Mas só fiz chorar.
— Filha, você diz que tem medo de voltar para ele e sofrer novamente,
que tem medo de ele aprontar. Mas olha só para você, está sofrendo do
mesmo jeito. Você o ama. Por que não dá uma chance? Não a ele, mas a
você.
— Dar uma chance a mim? Não entendi, mãe.
— Dar uma chance a você de confiar na sua capacidade de segurar um
homem, filha! Você é linda, é inteligente, independente, divertida, irradia
alegria... Deixe-o se contagiar com a sua luz, filha.
E foi aí que eu abri o berreiro mesmo, andava emotiva ao extremo.
Minha mãe tinha razão, eu precisava confiar no meu taco. Só que eu não
estava lidando com um cara qualquer, eu estava lidando com um cafajeste de
marca maior, machucado sei lá por qual motivo ou por quem, que me enfiou
uma periguete goela abaixo, que me humilhou...
“Ah, mas eu estava grávida”, eu pensava, ao mesmo tempo em que me
recriminava. “Filho não segura homem”...
— Você tem que colocar na sua cabeça que sua felicidade depende
exclusivamente de você — Minha mãe continuava filosofando, na esperança
de colocar um pouco de confiança na minha pessoa.
— Não depende só de mim, mãe, depende dele também — Ainda tentei
argumentar.
— E ele está querendo consertar a merda! Deixa de ser medrosa,
menina! Se joga!
Nossa! Fiquei até surpresa com minha mãe, tão reservada e correta, me
empurrando para a toca do lobo.
— A senhora acredita mesmo que ele possa ter mudado?
— Não acredito e nem desacredito. O que sei é que você está infeliz
longe dele e que ele está querendo se redimir.
— É... — Falei sem saber mais o que dizer — Talvez a senhora tenha
razão.
— Bem, vou para casa. Preciso pensar, preciso descansar. Foi um dia
intenso. Estou eufórica e muito acelerada por causa do exame e tudo que vem
acontecendo.
Fui para casa, tomei um banho e fiz meu chá japonês preferido. Tentei
ler um livro, o que foi impossível. Eu só conseguia pensar no Clis, na atitude
fofa dele na consulta. Só conseguia pensar naqueles lábios vermelhos se
aproximando dos meus, das linhas de expressão ao redor do seu sorriso lindo.
Acabei desistindo do livro e indo para a cama. Só que, claro, não consegui
pregar o olho.
Meu celular vibrou no criado-mudo, me tirando dos meus devaneios.
Era minha amiga, Adele.
O que ela queria àquela hora? Será que tinha acontecido alguma
coisa com o Ian?
Já atendi perguntando pelo meu afilhado:
— Fica calma, japa, o Ian está bem.
— Então o que aconteceu para você ligar a essa hora, mulher? Brigou
com o Stênio?
— Não é nada disso. Você se lembra de quando te falei que, se
houvesse alguma chance do idiota do Clis fazer você feliz, eu seria a primeira
a apoiar?
Não respondi. Não entendi o motivo daquela ligação no meio da
madrugada para falar do Clis. Já estava difícil o suficiente eu tentar não
pensar nele sem ajuda. Piorava ainda mais a minha situação minha amiga
ligar na madrugada para falar dele.
— Adele, você me ligou a essa hora para falar do Clis?
— Responde: lembra ou não lembra?
— Lembro, claro...
— Então sai na sacada — Ela me interrompeu e depois desligou o
telefone na minha cara.
Sai na sacada? O que aquela maluca estava aprontando?
Demorei ainda alguns minutos sentada na minha cama com o telefone
na mão, sem ânimo para me levantar. Algo me dizia que aquilo envolvia um
certo Cliscristofferson.
Eu queria sair na sacada? Não.
Por quê? Porque fosse o que fosse, eu já sabia que não seria forte o
suficiente pra afastá-lo.
Eu queria afastá-lo? NÃO! Não mais.
Levantei e abri à porta de correr que dava acesso a pequena sacada do
meu quarto.
Congelei com a imagem que vi lá embaixo. Juro que senti uma leve
vertigem e tive que me encostar na grade.
Clis estava parado lá, olhando para cima, acompanhado pela Adele, que
segurava um violão nas mãos.
Serenata? Foi a primeira coisa que me veio à mente. Ele ia fazer uma
serenata? Engoli seco. Meu Deus!
Desde quando aqueles dois conspiravam contra mim, ou por mim?
— Essa é para você, Shizune! — Ele gritou.
A mulher que estava ao lado dele — porque aquela não podia ser a
Adele — começou a tocar seu violão, enquanto um Clis muito concentrado
aguardava a hora de começar a cantar. E ele cantou.
Céus, ele cantou!
Minha Nossa Senhora Protetora das Grávidas, Carentes e na Seca,
quase tive um orgasmo acompanhado de um infarto quando ouvi a voz dele
dando vida à letra daquela música:
A caminho de casa, em plena madrugada e eu pensando em
você. Trovejando sem chuva, noite sem a lua. Só escuridão pra ver.
De repente em minha frente, surge um clarão. Um raio incidente, tocou
o meu coração, coração, senti sua mão
Eu só sei que o mundo parou outra vez. Em sonho, você me salvou, me
fez entender. Que estou cego perante o amor. Já não sei viver mais sem o seu
calor, pra me aquecer...
(Henrique e Juliano – O Mundo Parou)
Nunca vou me esquecer daquela música. Enquanto ele cantava, eu
chorava escondida no escuro da sacada, tentando entender o que ele queria
dizer através daquela letra.
Ele queria dizer que o meu amor tinha o salvado finalmente do que
quer que tinha acontecido com ele?
Minha cabeça fervilhava de hipóteses e meu coração batia
descompassado a cada estrofe da música.
Sorri vendo-o lá todo empenhado, cantando a plenos pulmões.
Desafinando em algumas partes, mas que nunca desafinou na vida, não é
verdade?
Minha amiga tocava, sorrindo e o encorajando, e aquilo, para mim,
significou mais até do que a própria serenata. Minha melhor amiga e o
homem da minha vida, unidos por mim.
Ele estava me ganhando com aquela canção, derrubando minhas
barreiras, derrubando toda a minha resistência. A Adele sabia o que uma
serenata significava para mim, aquilo com certeza tinha sido ideia dela.
O finalzinho da música foi só para me desmanchar de vez:
A noite clarear e a lua brilhar. Isso somente quando a gente se acertar
Sonhos e fantasias, e todos os dias.
Sem você, não consigo escapar...

"A gente se acertar, a gente se acertar". Ainda não sabia se queria me


acertar com ele. Eu estava em uma confusão de sentimentos, dividida entre a
razão e o coração. Minha cabeça me dizia para ter calma, mas meu coração
quase chutava a minha bunda até onde ele estava. Poxa, a gente ia ter um
filho junto, não é? Ao mesmo tempo em que eu pensava isso, eu pensava que
filho não segurava homem, muito menos homens tipo Clis, cafajestes e
galinhas, gostosos e cretinos.
— Shizune? — Ele gritou o meu nome — Eu te amo! Volta para mim!
Gritou tão alto que pude ver algumas luzes de outros apartamentos se
acenderem.
— Volta, Shizune! — Olhei na direção da voz e avistei minhas duas
vizinhas que moravam no apartamento ao lado penduradas no parapeito,
babando pelo Clis. Elas não eram lésbicas, caramba?!
– Se você não quiser, a gente quer.
Ainda tive que ouvir isso!
Fugi para dentro do meu apartamento e fechei a porta, sem saber o que
fazer.
— Shizune! — Ouvi quando ele me gritou de novo.
Droga!
Trinta e Nove – Perdoar é uma arte.

"Decifra-me, mas não me conclua, eu posso te surpreender..."


Clarice Lispector.

Clis.

Quando a Adele falou que eu teria que cantar para a Shizune, tipo
cantar mesmo, fazer uma serenata debaixo da sacada dela, eu ri. Continuei
rindo até que encarei a carranca de vadia megera que ela tinha. Então engoli
seco e parei de rir:
— Tá falando sério?
— Muito sério, idiota! É a única maneira de balançar o coração da
minha amiga. Acredite, eu sei. Aceita, ou mete o pé — Falou com firmeza,
apontando para a porta.
— Mas eu não sei cantar!
— Sabe falar e fazer merda, então vai servir.
Bufei indignado.
— Tá... E eu vou cantar no gogó? — Perguntei por curiosidade, ainda
não estava considerando.
— Eu vou tocar para você. Tem alguma música em mente?
— Claro que não! — Respondi exasperado. Que louca!
— Então trate de descobrir uma música que expresse todo o seu
sentimento — Ela saiu da sala e voltou com um notebook e fones de ouvido
— Toma — Disse, despejando o notebook e os fones em minhas mãos —
Procura!
Eu quis questionar, quis mandar ela se ferrar, porque eu jamais pagaria
um mico daqueles. Mas a única coisa que fiz foi me sentar no sofá e fazer
exatamente o que ela disse.
A maluca saiu de casa, sem olhar para trás.
Duas horas mais tarde, depois de ouvir centenas de músicas, eu
encontrei uma que expressava justamente o que eu estava sentindo.
Expressava a minha redenção.
Adele entrou no apartamento no exato momento em que eu ouvia a
letra. Trazia seu filhinho nos braços e algumas sacolas de compras.
— E aí? — Perguntou, colocando a criança no chão e indo em direção à
cozinha.
— Acho que encontrei — Falei, brincando com o Ian, que tentava
puxar os fones de ouvido da minha mão.
— Sério? Me mostre.
Ela ouviu a música em silêncio, me deixando bastante ansioso. Fazia
algumas expressões que eu tentava decifrar no processo, mas era impossível.
— Não gostou?
— Até que gostei, mas tenho que aprender a tocá-la. Então desinfeta
daqui e me deixe trabalhar. Me encontre à meia noite em frente ao prédio da
Shizune.
— Sem ensaiar? — Ela gargalhou.
— Já está se sentindo "o" cantor famoso, é? — Dei os ombros — Tá
bom. Passa aqui meia hora antes para eu tentar te ajudar a minimizar um
pouco o seu mico eterno.
Mico. Seria mesmo um mico eterno. E se os vizinhos me tacassem
ovos? E se ela nem aparecesse na janela?
Já estava saindo perdido em meus pensamentos, quando a Adele me
chamou.
— Clis... Eu amo minha amiga, e, só por amá-la, eu vou te ajudar a
consertar essa cagada que você fez. Pisa de novo na bola, e eu vou garantir
que você nunca mais engravide ninguém.
Ignorei a parte da ameaça, me aproximei dela e a abracei. É claro que
ela me empurrou.
— Sai fora, idiota!
— Me desculpe, me empolguei! — Disse, envergonhado. O quê? Até
os cafajestes tem seus momentos de constrangimento!
— Tudo bem. O Stênio me contou o que você passou com a Larissa, eu
conheci aquela cadela — Confesso que senti um desconforto por ela saber,
mas estava na hora de exorcizar de vez aquele demônio da minha vida.
— É passado, e o que eu me transformei depois disso é passado
também.
— É bom mesmo! Olha, até entendo pelo que você passou, mas isso
não justifica sair por aí ferindo o coração das pessoas.
— Com certeza, sei disso agora. E, no final das contas, acabei com meu
coração ferido também.
— Faça minha amiga feliz.
— Eu vou fazer.
Saí de lá até mais tranquilo depois da nossa conversa. A Adele era uma
boa amiga. Apesar de ser uma megera. Minha ninja tinha sorte.
Embora apavorado, ansioso e me sentindo particularmente ridículo, a
uma da manhã parei meu carro de frente para o prédio da ninja. A Adele e o
Stênio pararam logo atrás de mim. Respirei fundo e saí do carro decidido: se
pagar o mico do ano faria a Shizune voltar para mim, eu cantaria não só uma,
mas um repertório inteiro.
— Pronto, Luan Santana? Ou seria Gustavo Lima? — Adele me
alfinetou quando se aproximou.
Ela parecia bem com aquilo. Violão debaixo do braço, sorriso no rosto.
Não dava para saber se ela estava feliz por estar me ajudando com a amiga,
ou só se divertindo as minhas custas.
— Estou pronto.
— OK, eu vou ligar para ela — Adele se afastou e o Stênio se
aproximou, sorrindo. Mas não era um sorriso de zombaria, era um sorriso de
incentivo.
— Estou orgulhoso de você, meu amigo — Ele disse, segurando meu
ombro — Você finalmente se tornou o homem que deve ser. O homem que a
minha amiga merece.
— Devo isso a ela, a minha ninja. Vou ao inferno por ela, Stênio.
— Vamos — Ele concordou, apontando com a cabeça para a esposa.
— Se prepara, Clis, vamos fazer conforme ensaiamos!
Me posicionei debaixo da sacada dela, que ficava no segundo andar do
prédio de frente para a rua, junto com a Adele, e fiquei olhando para cima,
esperando minha ninja aparecer.
Nada.
— Será que ela vem? — Perguntei à Adele, que também encarava a
sacada com o cenho franzido.
Um desespero ameaçou me invadir. Se a minha ninja não saísse na
sacada, era por que ela não me queria mais? Já estava preparado para invadir
o apartamento dela ou começar a gritar implorando por perdão, quando ela
finalmente saiu.
Adele sorriu e começou a tocar seu violão. Respirei puxando todo o ar
possível para os meus pulmões e cantei. Cantei com todo sentimento, com
toda a emoção que explodia em meu peito. Cantei decidido e muito
concentrado, e, graças a Deus, não errei, só desafinei um pouquinho. Não
dava para ver a expressão dela por causa da escuridão, mas eu pedia a Deus
que ela estivesse gostando.
Algumas luzes se acenderam no prédio, e duas vizinhas da Shizune
saíram na sacada e se penduraram no parapeito para me ouvirem cantar. Ouvi
ao longe alguém me mandar calar a boca, mas ignorei. Cantei a plenos
pulmões.
Quando terminei de cantar, me senti bem, me senti leve, mas minha
ninja não esboçou qualquer reação.
— Shizune, eu te amo! Volta para mim! — Gritei tão alto, que mais
luzes se acenderam.
Ela, no entanto, continuou muda.
— Volta, Shizune. Se você não quiser, a gente quer! — Uma das
vizinhas dela gritou. Eu sorri sem graça com aquilo, até minha ninja entrar
correndo para o apartamento. Depois daquela atitude, eu me desesperei.
— Shizune! — Gritei — Droga! Não deu certo, Adele, essa sua ideia
de jerico não deu certo! — Esbravejei.
Adele encarou a sacada com uma expressão confusa, e, depois, me
olhou sem saber o que dizer.
— O que eu faço? — Perguntei. Comecei a andar de um lado para o
outro desesperado — Vou invadir o apartamento dela. Ela tem que me
perdoar Adele!
— Calma, Clis! Dá um tempo para ela.
— Isso, cara! Não vai adiantar pressionar a japa agora — Stênio disse.
— Caralho, Stênio! O que vai ser de mim se ela não me aceitar de
volta?
— Acho que você vai ficar bem — Adele respondeu com um sorriso e
apontou com a cabeça para a portaria do prédio — Vem, Stênio.
— Boa sorte, meu amigo — Os dois se afastaram, e eu acelerei meu
passo na direção da japa. O coração quase saindo pela boca...
— Shizune... Eu... — Ela estava ali na minha frente, me encarando com
aqueles olhinhos puxados e inchados, sinal que havia chorado.
Eu queria pular a parte da conversa e partir logo para cima dela e atacá-
la com beijos e abraços, enchê-la de carinho, mas eu precisava dizer,
precisava expressar tudo o que estava sentindo. E, principalmente, fazê-la
entender que era verdadeiro e que era forte o amor que eu sentia por ela.
Segurei suas mãos, entrelaçando nossos dedos, e olhei bem no fundo
dos seus olhos. Ela encarou nossas mãos, visivelmente abalada, e eu rezava
para que fosse de um jeito bom.
— Não vou te pedir perdão, porque eu sei que não tem perdão para o
que eu fiz. Eu estou te pedindo para me dar uma chance de te mostrar que eu
sou cara certo para você. A gente pode dar certo junto. Você é a mulher da
minha vida, ninja, e eu quero fazer parte da sua — Respirei fundo, encarando
suas lágrimas que desciam desinibidas pelo seu rosto — Você fez meu
mundo mais feliz no pouco tempo que habitou nele. Eu quero você comigo, e
não estou falando de deixar as coisas rolarem para ver o que acontece, eu
estou falando de um futuro. Juntos. Eu te amo, Shizune. Eu te amei desde o
momento em que botei meus olhos em você na festa de aniversário do Ian.
Quando olhei para você, eu já sabia, sabia que era caminho sem volta. Ninja,
você me libertou, você me fez amar novamente, e eu quero demais viver esse
amor contigo. Eu faço o que você quiser, estou te implorando. Fica comigo
para sempre...
— Fala devagar — Sorriu tímida — Respira!
— Preciso botar para fora tudo que está aqui dentro — Bati no peito.
Minha ninja não me deixou concluir a última frase, me calando com
seus lábios. Não dá pra definir a emoção que senti ao tê-la de novo em meus
braços, o seu lugar, a sua morada.
Nos beijamos com tanto sentimento, que parecia que eles
transbordavam de nós. Era quase palpável o amor que sentíamos. Agradeci a
Deus em silêncio, e prometi a ele e a mim mesmo fazer por merecer cada dia
mais aquele amor tão puro. Nada nem ninguém nos tiraria aquilo.
— Uhulll! — As duas garotas gritaram e bateram palmas, antes de
entrarem no apartamento. Sorrimos da situação.
Minha ninja me puxou novamente pela nuca e me deu outro beijo,
longo, suave, molhado, carregado de sentimento.
Como senti falta daqueles lábios!
— Isso é um sim? — Perguntei, segurando seu rosto. Não vi nem um
tiquinho de indecisão naquela face perfeita. Finalmente, eu a tinha de volta —
Olha, eu caso com você amanhã se disser sim.
— Você vai ter que comer muito feijão com arroz ainda para conseguir
me levar para o altar, seu cafajeste! – Ela, disse sorrindo — Mas é um sim.
Sim para tudo o que você disse. Estou te entregando meu coração,
Cliscristofferson, ele é seu. Cuida bem dele, por favor!
E sabe a porra das lágrimas? Pois é, elas caíram novamente assim que
ouvi suas palavras. E, pela primeira vez, eu não estava nem aí. Pela primeira
vez, elas caíam de alegria e eram muito bem-vindas.
— Eu vou cuidar, prometo. Quero cuidar de você e do nosso bebê,
ninja! — Fiz carinho no rosto dela — Quero estar presente, serei o melhor pai
desse mundo.
— Eu sei — Disse, fungando — Nunca duvidei.
Sorri e a abracei, levantando-a no ar, rodopiei com ela em meus braços
e gritei:
— Eu te amo, Shizune Young!
— Ela já te perdoou, babaca! Agora cala essa boca, trabalho amanhã!
— Alguém gritou.
Minha ninja gargalhou.
— Para de escândalo! — Ela falou quando a coloquei de volta no chão
— Vem, vamos subir!
Me puxou com pressa, praticamente corremos em direção ao prédio.
Saudade, ela também sentia. Sorri feito um idiota apaixonado. Mas eu era,
não é?

***

Shizune.

Vocês podem achar a coisa mais brega do mundo esse lance de


serenata, mas eu particularmente acho lindo. Fofo!
Quer maior prova de amor uma pessoa pagar o maior mico só para te
agradar? É claro que o Clis já tinha me dado a maior das maiores provas de
amor quando disse que assumiria meu filho que ele não sabia que era dele,
mas a serenata fechou com chave de ouro. Enfim, o Clis tinha me
surpreendido de todas as formas possíveis.
O que ele não sabia é que eu já o tinha perdoado, mesmo antes dele
aparecer de madrugada cantando debaixo da minha sacada.
Perdoei, porque não conseguia mais fingir que não me importava.
Perdoei, porque estava cansada de fingir que não estava doendo, de
fingir que ele não estava me fazendo falta.
Perdoei, porque eu o amava como nunca havia amado antes.
Perdoei, porque me doía só de pensar que não veria mais aquele sorriso
de lábios vermelhos contornados por aquelas linhas de expressão.
E perdoei, porque ele era o pai do meu filho. Não vou mentir dizendo
que isso não pesou na minha decisão. Sabia que filho não segurava homem,
mas, mesmo assim, eu desejava que o meu crescesse numa família linda e
feliz. Quem não ia querer isso, afinal?
Quando entramos no meu apartamento naquela madrugada, roupas e
sapatos foram atirados para os lados. Beijos e gemidos embalavam nossos
movimentos. Declarações e juras de amor eram ditas ao pé do ouvido.
— Como senti falta disso, ninja! — Ele dizia enquanto tecia uma trilha
de beijos sobre minha barriga — Amo vocês, amo vocês! — Dizia
repetidamente.
— Eu também te amo, Clis — Falei, segurando seu rosto entre as mãos.
Ele sorriu e me beijou na boca.
Que saudade do seu gosto! Que saudade de fazer carinho na sua barba
loira, que saudade de me perder na imensidão azul daqueles olhos.
— Senti saudade dos nossos momentos — Confessei quando seus
lábios deixaram os meus — A gente fazia uma boa dupla.
— Fazemos, ninja, nós fazemos! — Clis me corrigiu.
Voltou a me beijar, começando pelo meu pescoço, descendo para o
colo até chegar aos meus seios. Beijou e sugou um de cada vez. Chupou o
biquinho de leve, quase me levando à loucura.
— Delícia! Estão maiores! — Concordei com a cabeça — Ninja você
ficou gostosa demais grávida! Mais gostosa ainda! — Sorri toda boba.
Clis me puxou para que eu sentasse sobre ele no sofá.
— Te amo — Disse quando se encaixou na minha entrada. Sorriu ao
constatar o quanto eu já estava receptiva — Molhadinha, minha gostosa!
— E você vai ter que suar muito para apagar esse meu fogo. Já estava
ficando louca sem sexo. Ah! — Gemi, sentindo-o me preencher por inteira.
— Desde quando você virou uma tarada? — Perguntou antes de morder
meu ombro e começar a estocar suavemente dentro de mim.
— Desde que fiquei grávida, estou com a libido aflorada!
— Eu dou conta — Sorriu aquele meu sorriso preferido, perfeito.
Ele me deitou no sofá e intensificou um pouco seus movimentos, mas
eu queria mais, precisava desesperadamente de mais, que ele empurrasse
mais fundo e mais forte. Estava sedenta por ele.
— Mais... Forte! — Pedi, mas ele continuou no seu ritmo — Mais
forte, Clis, mais...
— Não! Vou te machucar. Machucar o bebê!
Meu Deus, ele estava preocupado com o bebê? Segurei para não rir.
— Não vai me machucar — Disse e me movimentei de encontro a ele.
— Tem certeza? — Perguntou, quase parando. Eu ia mata-lo se ele
parasse.
— Tenho! Por favor, não para!
Meu cafajeste lindo sorriu e fez o que eu pedi. Começou a se investir
rápido e profundo, me levando à loucura. Apoiei uma das pernas na sua
cintura e a outra no encosto do sofá. Clis me beijava o pescoço e a orelha, e
gemia gostoso no meu ouvido. Não demorei a atingir o clímax. Veio, forte,
intenso e carregado de sentimento. Meu peito quase explodindo junto com o
êxtase que estava me consumindo. Ele não demorou e gozou logo depois de
mim com os olhos cravados nos meus.
— Não vamos fazer assim quando a barriga tiver maior, ninja, é sério!
Tem certeza que não te machuquei? — Perguntou quando saiu de mim.
Ficou de joelhos na minha frente e encarando a minha vagina.
— O que você está fazendo?
— Vendo se não tem sangue, líquido, sei lá... — Revirei os olhos.
— Fala sério! — Falei, puxando-o para cima de mim — Você não vai
ficar paranoico com isso, né?
— Na próxima consulta, eu vou, quero perguntar sobre isso para a
médica. Aliás, quero perguntar sobre tudo, quero estar por dentro de tudo,
ninja.
— Eu vou adorar! — Falei, beijando sua testa.
— Deixa eu deitar aí — Dei espaço para ele deitar e me virei de costas.
Ele me abraçou e beijou minha bochecha com carinho.
— Ninja, eu preciso te contar uma coisa.
Foi então que ele finalmente me contou o motivo de ter se
transformado naquele cafajeste cretino que ele era. Eu particularmente achei
o motivo bem idiota, mas quem era eu para julgar a atitude de um cara
marcado por uma decepção amorosa? Nem todo mundo consegue lidar bem
com um coração quebrado, e o Clis parecia ser um desses.
Ele ainda me contou que a vadia o procurou, querendo voltar, e do
alívio que ele sentiu ao constatar que não a amava mais, pois amava a mim.
— Também preciso te contar uma coisa — Disse, me virando de frente
para ele — Eu não transei com o Kioshi.
— Sério? — Perguntou com um sorrisão bobo na cara.
— Sério, eu fiquei com muita raiva de você naquele dia que você
apareceu bêbado falando aquele monte de merda. Então falei aquilo — Ele
assentiu com a cabeça.
— Mas vocês viajaram juntos, não rolou nada na viagem?
— Não viajamos juntos, a Adele mentiu.
— Cara, sua amiga me odeia!
— Com certeza, ela não te odeia, ou ela não teria o ajudado hoje.
Falando nisso, como foi que você conseguiu convencê-la a te ajudar?
— Essa história eu te conto depois — Ele disse, se erguendo e me
pegando no colo. — Agora eu quero te amar novamente, mas, dessa vez, bem
devagar.
Sorri e pousei minha cabeça em seu ombro, enquanto ele caminhava
comigo em seus braços em direção ao meu quarto.

★★★

— E essa foi a nossa história de amor.


— Essa é a nossa história de amor, ninja!
— A história de como me apaixonei perdidamente por um cafajeste de
marca maior.
— Pega leve comigo, amor!
— Tá bom, desculpe. Foi assim que, depois de muitos erros e acertos,
eu e o Clis finalmente começamos a escrever a nossa história. Melhorou?
— Ficou ótimo. E que, a cada dia, um novo capítulo dessa história
possa ser escrito, carregado de sentimento e de momentos felizes, minha
ninja!
— Ai, que lindo, amor! Quem diria que você se mostraria um cara tão
romântico!
— Você despertou isso em mim, amor.
— Que fofo!
— Eu sou fofo, mas sou muito gostoso também.
— Ah, acreditem, eu sei!
— Gostaria de aproveitar o espaço e me desculpar com vocês. Em
minha defesa, mulheres, eu fiz o que fiz não porque eu era má pessoa, eu só
estava perdido, mas a Shizune me encontrou e me mostrou o verdadeiro valor
do amor. Fui um cretino, um filho da puta no processo, mas aprendi minha
lição.
— Espero mesmo, hein, seu Clis, ou eu corto suas bolas!
— Ih, acho melhor encerramos por aqui. Obrigado por terem nos
acompanhado, por terem sorrido e chorado conosco, por terem torcido por
nós e...
— Odiado o Clis...
— Eu ia dizer nos apoiado.
— Claro, nos apoiado!
— Engraçadinha! É isso aí. Fim!
— Fim, nada, ainda tem o epílogo.
— Ah, claro, o epílogo. Mas antes vem aqui, amor, que eu tô querendo
te mostrar uma coisa.
— Que coisa é essa, hein, seu Clis?
— Uma coisa grande.
— Grande, é?
— Uhum.
— Já te disse que você é um cafajeste de marca maior?
— Serei sempre um cafajeste, mas o seu cafajeste. Só seu.
— Bom, pessoal vou ter que ir ver essa coisa grande agora. É isso aí,
mais uma vez obrigada por nos acompanharem...
— Vem logo, ninja, que a coisa tá ficando grande e grossa!
— Fim e tchau!!!
Epílogo – Para Sempre.

Era o dia do aniversário de um ano do nosso filhinho, Itachi, nome que


eu escolhi. Vocês sabem que eu adoro animes. É claro que eu dei um nome
de um dos personagens mais fodas do mundo dos desenhos japoneses para
ele.
A minha ninja não queria, apesar de ela também gostar. Mas, como
decidimos que, se fosse menina, ela escolheria, e se fosse menino, eu, ela não
pôde dar pitaco.
Então ficou Itachi. Toda vez que eu chamo o moleque pelo nome, me
lembro daquele poder foda que o cara tinha. A Japa fica me recriminando,
mas, pô, sou fã para caralho!
Teve amigo meu que deu nome de heróis de quadrinhos para o filho.
Conheço um cara que batizou o filho de Peter e a filha de Diana. Eu sempre
gostei de animes, então dei nome de personagem de anime, e foda-se. O filho
era meu, e eu dava o nome que eu quisesse.
Mas falando sério agora, eu só posso dizer que, depois que a minha
ninja apareceu na minha vida, tudo em mim virou brisa fresca e calmaria,
nada de tempestade.
Aqueles dois são os maiores presentes que a vida poderia ter me dado.
Na verdade, eu tinha ganhado dois presentes que dinheiro nenhum compra: o
meu filho e a minha ninja.
Organizamos uma super festa para comemorar o primeiro aninho dele.
Contratamos aqueles animadores de festa e tudo mais que uma festinha de
criança tinha direito. Deixamos a festinha do Ian, filho do Stênio — aquela
festinha em que eu conheci a ninja, lembram? — no chinelo.
Convidamos a família inteira e alugamos o melhor lugar da Zona
Oeste. Meu filho merecia tudo o que eu pudesse lhe dar. Eu o mimava muito
— palavras da Shizune. Mas o que eu podia fazer? Aquele moleque era e é
tudo para mim, os dois são.
Então ela ficava com a parte mais difícil, que era a de corrigir, e eu, a
de estragar. Que ela não me ouça!
Mas antes de contar como foi esse dia, deixa eu contar para vocês o que
aconteceu com a gente depois que a minha ninja, minha deusa asiática, me
perdoou.
Naquele mesmo dia, ela me fez contar todas as minhas cafajestagens.
Todas, todinhas, sem exceção. Fui obrigado a contar todas as vezes que a traí,
com quem e o porquê. Mas eu contei tudo, para não haver segredos entre nós.
Contei das vezes que a deixava em casa e buscava outras mulheres,
contei até sobre a Hanna, a dona da casa lá de Cabo Frio. Tudo mesmo.
Todas as vezes que usei outras mulheres como escudo para não a deixar
penetrar no meu peito.
Agora eu entendo o Stênio, ele também foi obrigado a contar as farras
dele para Adele. E, com certeza, deve ter sido coagido como eu fui.
Depois que eu e a Shizune finalmente nos acertamos, não demorou
muito para a gente juntar nossas escovas de dente. Na verdade, não demorou
nada. Um mês depois, eu já estava enfiado no apartamento dela de mala e
cuia.
Por mim, já teria saído do apartamento dela na manhã seguinte de a
gente ter se acertado direto para o cartório. Mas como casar no papel ainda é
uma coisa burocrática, eu me enfiei na casa dela mesmo.
Fui ficando, ficando e, quando ela deu por si, já tinha roupas minhas no
armário dela, cuecas minhas na gaveta, e minha escova de dente do ladinho
da dela. O bom foi que ela gostou.
A gente não conseguia se desgrudar. Quando eu digo desgrudar, na
verdade quero dizer desacoplar, porque a saudade não tinha fim. Eu queria
recuperar todo aquele tempo perdido longe dela. Tanto que, no primeiro mês,
cheguei a emagrecer. Isso foi o meu pai que disse.
No terceiro mês da gente juntos, meti uma aliança no dedo dela, sem
hesitar. E não, eu não fiquei rodando uma semana com a caixinha no meu
bolso, pois eu não tinha a menor dúvida de que era aquilo que eu queria.
Fiz o pedido no Forte de São Mateus, em Cabo Frio.
Fomos passar o feriado lá na casa de praia que eu havia comprado.
Quando estávamos visitando pela segunda vez o monumento, me ajoelhei ali
mesmo, sem me importar se tinha ou não gente olhando, e a pedi para casar
comigo.
Quando o Itachi completou dois meses, oficializamos nossa união ao
lado dos nossos pais e amigos íntimos.
Ver aquela ninja, a mulher da minha vida, tornar-se mãe. Vê-la cuidar
tão bem do nosso pequeno, me dava um puta orgulho. Ela não foi aquelas
mães de primeira viagem cheias de medos, não.
Não teve frescura. Deu banho, cuidou do umbiguinho. Teve uma vez
que o bebê engasgou com o leite materno e, enquanto eu gritava desesperado,
já ligando para o bombeiro, minha ninja foi lá e fez um procedimento, que sei
lá onde ela tinha aprendido, e desengasgou o moleque.
Quase tive um treco naquele dia, mas ela, não. Foi firme e fez o que
precisava fazer. Então me respondam: como não amá-la mais e mais a cada
dia que passa?
Os primeiros meses do Itachi foram bastantes agitados. Ele teve muita
cólica. A gente quase não dormia à noite, foi uma luta se adaptar à nova
rotina, totalmente em prol daquele serzinho minúsculo. Mas valeu a pena
cada momento. E o danadinho era a coisinha mais linda desse mundo,
loirinho dos olhos puxados. A cada descoberta dele, a cada sorriso, a gente se
desmanchava junto. Um anjo lindo, meu filho.
Quando minha ninja voltou a trabalhar, eu, como o desocupado que
sou, é que tomava conta do nosso filhote. Até hoje, sou eu quem fica com ele
para ela ir trabalhar.
Levo lá para a casa da minha mãe, que adora. Minha irmã, então, fica
toda boba de ter um sobrinho japonês.
Elas ficaram radiantes quando eu contei que ia ser pai e que eu e a
Shizune estávamos bem. Minha mãe trata a japa como se fosse rainha, tem
devoção por ela. Claro, a Japa tinha conseguido me devolver a capacidade de
amar.
Minha sogra também caiu de amores por mim, ao contrário do meu
sogro, que precisei conquistar. Mas hoje nos damos super bem, e ele e o meu
pai se tornaram grandes amigos. Saem para pescar juntos e tomar uma
cachacinha também, é claro.
Mas voltando ao aniversário do Itachi, nunca tinha visto tanta criança
junta na minha vida. Era criança na piscina, criança correndo nos gramados,
criança nos brinquedos, era criança para todo lado.
Desconfiava que muitos ali a gente nem conhecia. Até meu pequeno se
divertia em um pula-pula, sendo segurado pela tia adolescente babona.
Avistei o Dani com a minha ninja, rindo de alguma coisa. Embora eu
soubesse que ele não me oferecia perigo, eu morria de ciúmes, ainda mais
depois que ela me contou que queria se vingar de mim com ele. Graças a
Deus, isso não aconteceu.
Ela sorriu para mim e veio na minha direção. Quando ela me olhava
daquele jeito, minhas inseguranças e meu ciúme besta caíam por terra.
Sim, eu sou ciumento e chato também. Até hoje, mas minha ninja me
leva na esportiva.
— Fizemos um bom trabalho, não? — Ela apontou com a cabeça para a
direção do nosso filho, enquanto se enroscava no meu abraço.
— Quero fazer pelo menos mais um trabalho bem feito desse contigo,
ninja — Ela gargalhou — É sério, ninja, quero outro.
— Eu também, amor, mas vamos esperar um pouco. O Itachi acabou de
completar um ano — Ela virou-se de frente para mim e me beijou na boca.
— Tudo bem. Mas daqui a um ano a gente fala de novo sobre isso.
Quero uma japinha loira para chamar de minha filha também.
— E se vier outro menino?
— A gente tenta de novo.
— Tá bom, seu Clis. Agora vem que está na hora de entreter a
criançada — Ela falou, olhando para a moça, que parecia bem atrapalhada
terminando de montar o que seria um mini teatro de papelão.
Peguei o Itachi no colo e sentamos na grama mesmo, de frente para o
palco improvisado. Minha ninja sentou-se ao meu lado, e a Adele e o Stênio,
com o Ian no colo, sentaram-se ao lado dela.
A garota pediu um voluntário para ajudá-la com os fantoches, e a ninja
intimou o Dani.
Alguns convidados também se aglomeraram por ali, e outros nem tanto,
preferiram ficar na área coberta enchendo o pote.
Até que foi divertido o teatrinho de fantoche da garota. No final, todo
mundo aplaudiu e a criançada ganhou brindes — claro que o brinde era do
meu bolso, mas não fui eu quem ganhou os louros.
Pouco tempo depois, era chegada a hora de cantar parabéns. E lá estava
eu, todo felizão e babão ao lado daqueles dois.
E contrariando Clarisse Lispector, que diz: “Liberdade é pouco, o que
eu desejo ainda não tem nome”, eu, Cliscristofferson, não quero liberdade, e
o que eu desejo tem nome, sim: família!
***
Acompanhar o crescimento do Clis como pai e marido foi algo
maravilhoso. Vê-lo planejar nosso futuro, sonhar os mesmos sonhos que os
meus, me fazia amá-lo cada dia mais.
Meu cafajeste se tornou um homem incrível, um pai amoroso e um
amante ainda mais intenso que antes, porque ele não mais escondia o se
sentia. Ao contrário, ele buscava demonstrar em cada gesto, em cada ação.
Não tinha vergonha de expressar o quanto me amava, o quanto me ama.
Quando ele se ajoelhou diante de mim em pleno Forte São Mateus, eu
achei que fosse ter um treco de tanta emoção. Nunca ia imaginar que ele teria
coragem de fazer algo do tipo, e, daquela vez, a ideia tinha sido só dele.
Então, de vez em sempre, ele ainda me surpreende com chocolates no
trabalho, flores e cartões com declarações apaixonadas.
Durante a minha gravidez, ele adorava me encher de mimos. Chegava
em casa trazendo uma comida que eu gostava, ou roupinhas para o bebê, e até
para mim. Era isso que dava ter marido à toa. Enquanto eu trabalhava, o Clis
ficava bundiando nos shoppings, quase todo dia chegava com uma coisa
nova.
Faltando dois meses para o bebê nascer, mudamos para um de suas seus
imóveis que ficava no mesmo condomínio dos pais dele em Jacarepaguá.
O Clis organizou o quartinho de bebê sozinho. Montou os móveis,
pintou as paredes, colou os adesivos e os papéis de parede. Mas tudo do meu
jeito. Eu dizia e ele fazia, afinal, o que o meu marido tinha e tem é tempo.
Mas ele fez tudo com prazer, se divertiu em cada etapa.
Até hoje, ele é quem cuida do Itachi para eu ir trabalhar. Ele dá banho,
dá comida, leva para brincar no parquinho, até na praia ele leva o menino.
Meu filhote mal tinha acabado de completar um ano e já era um rato de
praia.
No dia do aniversário de um aninho do nosso filhote, o Clis me pediu
mais um filho. Fiquei surpresa, pensei que ele não fosse querer outro filho tão
cedo, mas também fiquei feliz. Sinal de que o meu cafajeste não tinha
intenção nenhuma de estar em outro lugar que não fosse ao meu lado.
Quando cantamos os parabéns para o Itachi, ele era, sem dúvida, o mais
animado, até mais do que a criança, que já estava esgotada.
Olhando para aquela cena, meu coração se encheu de uma paz que não
dá para explicar em palavras. Eu agradeci aos céus por não me ter permitido
desistir do Clis, o homem da minha vida.
Euzinha, finalmente, tinha encontrado o meu Ted Mosby, eu me sentia
a própria moça do guarda-chuva amarelo.
O Clis finalmente tinha sido incluso no nosso clubinho, embora a Adele
ainda implicasse com ele. Mas Adele não seria Adele se ela não o fizesse.
Ainda faltava meu amigo, Dani, encontrar sua Robin, mas algo me
dizia, olhando para ele, perdido em pensamentos encarando a moça da
animação, que ele já havia encontrado.
Naquele mesmo dia, mais precisamente no comecinho da noite, depois
que a festa tinha acabado e nós já estávamos de volta, colocamos juntos
nosso príncipe no bercinho. Clis me puxou pelas mãos e me levou até a sala.
Ligou a TV e colocou num anime qualquer, só para não perder o costume.
Sentamos abraçadinhos no sofá. Enquanto eu me segurava para não cair
no sono, ele alisava meus cabelos como ele sempre fazia.
— Eu te amo, ninja — Falou mansinho, no pé do meu ouvido.
Virei-me para ele e encarei seu rosto perfeito.
— Eu também te amo, Clis. Muito.
— Formamos uma boa dupla — Ele sorriu, colocando uma mecha do
meu cabelo atrás da minha orelha — Obrigado por não ter desistido de mim.
Sou o homem mais feliz desse mundo e devo isso a você. Sou mais feliz
ainda por saber que você está feliz do meu lado, por saber que basto para
você.
— Sim, você me basta.
— De todas as vezes que eu tentei te afastar, eu me afastava um pouco
de mim também, do cara melhor que eu conseguia ser quando estava contigo.
Obrigado por persistir.
— Eu não tinha outra opção. Era você e ponto. Tinha que ser você,
tanto que olha só para nós dois...
Beijei sua boca vermelha com carinho. Beijei suas bochechas, a ponta
do seu nariz e sua testa
— Meu.
— Seu. Para sempre.
— Para sempre.

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