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A garota do quarto ao lado por Tammy

Summary:

Na tentativa de evitar a dor de um amor perdido, Alexandra se


afunda num poço de atitudes impensadas, até que em uma de suas
aventuras despretensiosas, seu caminho cruza com alguém que
poderá tira-la dos trilhos.

Categoria: Romances Characters: Original


Challenges:
Series: Nenhum
Capítulos: 23 Completa: Não Palavras: 77788 Leituras: 34233
Publicada: 26/09/2016 Atualizada: 12/07/2017

Notas:

https://open.spotify.com/user/gaspar.ttamiris/playlist/61vJ9OL7XNrcD5n3ny4gAU

Este é o link de uma playlist no spotify que me ajuda na inspiração


para escrever essa história. Ta aí para quem quiser dar uma
espiada.

;*

1. Capitulo 1 - Move on por Tammy

2. Capitulo 2 - Poltrona número 12 por Tammy

3. Capitulo 3 - Motivo para se preocupar por Tammy

4. Capitulo 4 - Coincidências existem por Tammy

5. Capitulo 5 - Como não me apaixonar? por Tammy

6. Capitulo 6 - Sonhando alto por Tammy

7. Capitulo 7- Me perdi ao te encontrar por Tammy


8. Capitulo 8 - Que comecem os jogos por Tammy

9. Capitulo 9 - Meu doce pecado por Tammy

10. Capitulo 10 - Minha única exceção por Tammy

11. Capitulo 11 - Quando só resta esquecer e sonhar por Tammy

12. Capitulo 12 - Me esqueci de te esquecer por Tammy

13. Capitulo 13 - Perdendo a direção por Tammy

14. Capitulo 14 - Fique comigo por Tammy

15. Capitulo 15-Flashes do passado por Tammy

16. Capitulo 16 - Amarga realidade por Tammy

17. Capitulo 17 - O gosto bom do proibido por Tammy

18. Capitulo 18 - Colecionando erros por Tammy

19. Capitulo 19 - Coro particular de demônios por Tammy

20. Capitulo 20 - A mente confusa que ela tem por Tammy

21. Capitulo 21 - Entre felicidade e decepção por Tammy

22. Capitulo 22 - Ciúmes por Tammy

23. Capitulo 23 - Descobertas por Tammy


Capitulo 1 - Move on por Tammy

PRÓLOGO

E mais uma vez aquele som ecoava em seu feitio gradual, carregado por distinta amabilidade. Só
medo me habitava agora. Esse eco remete a volta ao tempo ou talvez sequer tenha saído dele. Por isso, só por
isso eu novamente evito abrir os olhos. E ao observar através da superfície, você soube, que em mim os
sentimentos mais intrínsecos e bonitos eram sempre mais perigosos. Contudo, te perder não foi um ato etéreo.
Eu poderia perder tudo, perder do simples ao mais belo. Além disso, tudo nunca pareceu ser sério. Mas no
fundo, bem no fundo eu até saiba... Não convém fazer escândalo no começo, quando a brisa quente ainda não
se transformou num pequeno inferno. Porque no fim, quando eu acordar, pode ser possível te encontrar e ter
aquele olhar tão singular que eu sempre vou amar.

POV Alexandra

23:59 de um domingo qualquer, o bip do relógio de pulso que estava dentro do armário me
incomodava. Há tempos queria mudar esse despertador e não conseguia. Estava deitada de costas na cama do
meu antigo quarto, olhando os adesivos fluorescentes colados no teto, um silêncio ensurdecedor preenchia a
casa e de novo essa insônia, talvez fosse de tanto questionar o sentido da minha vida. Estava pensando em
quanto tempo poderia levar da Estrada das palmeiras (onde ficava o haras) até a vila Olímpia, acho que cerca
de uma hora se não tiver trânsito, mas pretendo fazer o percurso em apenas 40 minutos. “Se ao menos estivesse
no meu apartamento...” pensei. Depois do último acontecido tinha prometido aos meus pais que mudaria, mas
já tinham se passado alguns dias desde a última vez que sai para me divertir, e não era como se eu não fosse
voltar mais.

Desci as escadas de meia, carregava o par de botas de couro preto nas mãos. Não tem ninguém na
sala, acho que também não há ninguém na cozinha, esse é o lado bom desta casa ser tão grande. Lembrei que
meu pai costuma fumar charutos escondido no escritório por volta das 23h30m, minha mãe odiava o cheiro,
então provavelmente ele ainda estivesse por lá. A sala tinha apenas uma iluminação fraca e difusa, fui em
passos lentos e silenciosos para a saída dos fundos que era ligada a lavanderia. A hylux preta estava fora da
garagem, o que significa que ele ainda não tinha ido dormir.

Parei recostada na parede da entrada de serviço para calçar os sapatos. A parte de fora do haras
estava em quase completa penumbra, exceto pelo caminho de coqueiros que levava até a porteira. A cada
árvore havia um refletor de luz verde até o final do caminho, era possível ver qualquer carro que entrasse por
ali. Quando Guto, Luiza e eu éramos pequenos, apostávamos corrida por todo esse trecho, eu sempre ganhava,
até que Júlia chegou. Às vezes ela me vencia, às vezes eu a deixava vencer. O mesmo acontecia no riacho ao
fundo do terreno, antes de colocarem a piscina. Quem chegasse por último era eleito “mulher do padre”, quase
sempre esse título sobrava para Guto. Eu poderia ficar horas apenas contando os milhares de episódios que
tenho nesse lugar. Como quando levei um coice do cavalo que ainda não era domado; o lugar onde Luiza e eu
tentamos atear fogo em um vespeiro que acabou por queimar a árvore inteira; ou quando seu José, o caseiro
contava histórias de terror em frente a fogueira e eu fingia não sentir medo, só para proteger Júlia,
principalmente quando ela dormia na minha casa.

Ao ouvir apenas o som dos grilos no meio da escuridão, confirmei que estava sozinha. Fui até a
garagem pegar a Diavel (era como chamava minha moto). Assim que abri o portão elevado percebi que havia
alguém por ali, saquei uma chave inglesa que estava sobre a bancada, só então vi que na verdade era Guto,
meu irmão. Assim que me viu, ele desligou o telefone e me perguntei há quanto tempo deveria estar ali.

-Resolveu sair da jaula? – Disse assim que desceu do carro.

-Sim. – Peguei o capacete preto fosco com viseira fumê que estava na prateleira mais alta do armário,
quase o derrubei.

-Até que estava demorando.

-Pois é...

-Desta vez foram o que, 10 dias?

-Acho que por aí...

Vesti o capacete e dei partida na moto, fiz o motor roncar, 1-2-3-4 vezes. Não queria ser percebida por
ninguém, mas agora acho que já era tarde demais.

-Tenta voltar inteira dessa vez, tá? – Ele coçava a cabeça, fazia isso sempre que estava preocupado ou
pensativo.
Imaginei que fosse dar sermão, tentar me convencer a ficar em casa. Dizer que meus pais fossem ter
um ataque cardíaco ou algo do tipo por preocupação com a querida Alex. Mas não, Guto expressou nenhum
drama.

-O importante é que eu volto – Respondi com meio sorriso.

Arranquei com a moto, parei logo a frente para abrir a cancela de madeira tratada e observei Guto
pelo retrovisor.. Fui de zero a 100 km em poucos segundos, atingi 200 e já estava me arriscando entre os carros,
passava tão rápido por entre os obstáculos que pareciam meros borrões. A sensação de risco me deixava
vidrada, era o raro momento em que me sentia viva. Era bom, me mantinha longe de algo mais forte, talvez
mais perigoso. Acho que na verdade eu apenas fiz uma escolha, me arriscar em algo que pode matar em
segundos ao invés de algo que possa me matar aos poucos...

Cheguei ao Royal em 40 minutos, tempo record. Já estava lotado, mas não enfrentei fila porque já
conhecia Marcão o segurança de 2 metros. Passei por entre a multidão até encontrar uma banqueta livre no
bar e aproveitei para me sentar. Do outro lado do balcão Gregório, cara de camiseta preta colada e braço direito
tomado por tatuagens que também era um dos barmen, me viu e acenou com a mão livre, acho que ele quis
dizer para esperar. Costumava frequentar o bar com tanta frequência que Greg e eu nos tornamos bons amigos
ou talvez ele fosse até meu terapeuta de tanto que me ouvia reclamar da vida.

-Heei! Você sumiu, pensei que já tivesse viajado. – Elevou a mão para que eu tocasse de volta. Era
como nos cumprimentávamos.

-Ainda não fui Greg. Só amanhã...

-Aposto que vai te fazer bem. – Disse enquanto girava uma bebida num daqueles copos de alumínio
que quase sempre me deixavam tonta.

-É... Talvez até faça. – Concordei.

-Claro que faz, afinal, quem não gostaria de passar um mês na Europa.

Apenas sorri.

-O que vai beber hoje? – Ele perguntou.

-Faça algum que eu ainda não tenha provado.

Greg serviu uma mistura estranha que levava até pimenta. Por algum momento questionei se teria
coragem de virar aquele projeto de secreção do inferno. Virei de uma vez. Era horrível.

-Uísque, vodka, absinto, me dê qualquer coisa que tire esse gosto horrível da boca.

Greg riu do meu desespero e me deu um copo d’água.

Passei alguns minutos olhando para o celular, mas não havia nenhuma notificação importante, me
arrependi assim que vi uma foto antiga de Júlia em algum lugar bonito. Pensei nas confusões em que me meti
desde que tudo aconteceu, acho que lidei da pior maneira possível. Depois de tudo que eu já havia feito para
fugir dos problemas, era normal a preocupação dos meus pais e por um lado não os posso culpar, não tornei os
últimos meses fáceis, ao contrário, só havia tomado decisões que fossem autodestrutíveis. A lista de números
para se ligar em caso de Alex sumir eram longos. Iam desde necrotérios, hospitais a delegacias ou pessoas
procuradas pela policia.

-Alex, olha a morena da mesa 33 – direcionou o olhar para a mesa. Era uma daquelas próximas a
parede, estilo lanchonete americana. – Finalmente está sozinha... Olhei disfarçadamente, sem virar o rosto.

-Não é aquela que nós apostamos outro dia se era hétero ou gay?

-A própria.

Era uma morena de cabelos lisos e olhos negros. Estava acompanhada com mais duas moças quando
entrei.

-Então acho que o mínimo que eu posso fazer é ir até lá falar com ela, certo?

-É, bem no mínimo.

-O quarto negro está aberto?

Quarto negro era uma sala de paredes escuras no andar de cima, aonde os casais iam para se agarrar.
A maioria não ficava apenas no amasso.

-O que? Você vai levar ela para lá? - Greg pareceu incrédulo.

-O que você acha?


-A gente nem sabe se ela é hétero, bi, ou lésbica. Aposto que você não consegue levar essa para lá.

-Quanto?

Ele sorriu em um tom jocoso, mas demorou em responder.

-Em troca do chivas 18 anos que você sempre quer tomar durante as sociais na minha casa.

-Pobre Greg... – balancei a cabeça em negativa - Tem certeza?

Greg apenas piscou, confirmando.

-Não vai conseguir, nem com esses olhos azuis. Você sabe que de todas as vezes que a vimos aqui, ela
nunca saiu com ninguém. Sempre vem e volta com as amigas.

Alcancei o uísque por detrás do balcão de Greg e servi duas doses em dois copos. Respirei fundo como
se incorporasse um personagem, me virei, e fui em direção à mesa 33, olhando diretamente para ela. Primeira
informação: Não era tímida, não desviou do meu olhar em nenhum instante¹. Aproximei-me dela, passei a mão
entre os cabelos, jogando-os para trás. Ela apenas analisou. Lancei um sorriso que normalmente era infalível,
ela correspondeu².

-Olá!

-Oi.

-Posso? - Indiquei para o sofá.

-Claro.

Me sentei de frente para ela, não tão perto, mas também não muito longe. Ofereci a ela o copo com
uísque, aceitou. Virei o meu, mas sem quebrar o contato visual.

-Sempre venho aqui... Sempre vejo você... Mas sempre está acompanhada...

-Minhas amigas foram para a área aberta fumar... - Passeava meus dedos ao redor da boca do copo. – E
eu preferi ficar.

-E te deixaram aqui sozinha? - Tentei parecer não acreditar.

-Na verdade eu quis ficar. Estava observando uma pessoa.

-Sério...? Então talvez seja melhor eu ir, estou atrapalhando você. – Ameacei levantar. Ela segurou meu
braço³.

-Estou te esperando lá em cima. – Olhou para a escada que dava acesso para o tal quarto.

Mordi os lábios e segurei o sorriso mais sem vergonha que teimava em surgir. Ela saiu na minha
frente, antes de levantar olhei para Greg que assistia a tudo boquiaberto.

A música no andar de cima tinha uma batida mais envolvente e alta, acho que fazia parte do cenário.
Logo senti suas mãos em mim. A morena anônima até que beijava bem. Coloquei-a contra parede, afinal essa
ainda era minha caçada. Beijei seu pescoço, ela colocou sua perna ao meu redor, colando meu corpo ao dela.
Minhas mãos percorriam e apertavam suas coxas. Abri o botão do seu jeans colado, ela pareceu não se
importar, continuava mordendo e beijando meu pescoço. Aprofundei, ela desfaleceu, mas eu a segurava.

-Vamos para outro lugar? – Sua voz quase não saiu.

Normalmente eu não faria isso, mas abri uma exceção.

-Me espera lá fora, ao lado de uma moto ducati preta.

Ela desceu as escadas em direção à saída, eu fui falar com Greg.

-Você ainda tem aquele meu capacete reserva aí?

- Só entrego se você me passar o segredo.

-Algum dia eu falo. – Tomei o capacete das mãos dele, estava contrariado.

Acenei para Greg e saí do bar. Lá fora a moça me esperava como o combinado, estava encostada sobre
a moto. Passei o capacete para ela e montei.

-Vamos?
Notas finais:

Este é o primeiro capítulo da minha primeira história. Espero que


gostem.

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Capitulo 2 - Poltrona número 12 por Tammy
POV Alexandra

Abri os olhos lentamente. Procurava meu celular que tocava de forma frenética, deveria estar em
algum lugar no meio daquela bagunça. Apenas segui o som. O cenário mais parecia um pós-guerra, tinha
garrafa e roupa esparramada por todo o lado. “Onde estou?” pensei. Ao meu lado dormia uma morena com
curvas bem definidas. Tentei lembrar o nome dela, mas mal conseguia me levantar da cama, acho que a
conheci no bar da noite passada. Eram 06h15min da manhã, me sentia cansada como se tivesse participado de
uma maratona. Vesti-me rapidamente assim que lembrei que tinha que ir para o aeroporto, meu pai devia estar
querendo me matar. Tentei acordar Luciana, Luana... Algo assim não lembrava nem o nome dela. Desisti, a
mulher dormia como uma pedra... Optei por deixar apenas um bilhete: “Você é linda, ótima noite”. Sem
telefone, sem nome, sem rastreio. Da última vez que deixei de fazer isso tive que lidar com a Louca da Amanda.

Caminhei para o elevador ainda me arrumando, lembrei que tinha esquecido a chave e o capacete.
Voltei para o quarto, a moça ainda dormia “uffa”, suspirei. Peguei a chave, o capacete e sai correndo. Fui para o
haras, desliguei a moto longe da sede, se eu estivesse com sorte não seria percebida por ninguém, entraria no
quarto e fingiria que tinha passado a noite em casa. Assim que pisei na cozinha pude ouvir a conversa:

-Alexandre, acho que Alex não voltou até agora.

-Ela saiu ontem?

-Acho que sim. Você não ouviu o barulho da moto?

Meu pai abaixou o jornal para olhar para minha mãe. Se ele confirmasse que sim, ela saberia que ele
tinha voltado a fumar escondido no escritório.

-Talvez ela esteja no apartamento.

-E por que não atende o telefone?

Olhei para meu celular e tinha umas 100 chamadas dela.

-Guto não sabe de nada?

-Disse que não.

Sabia que Guto jamais iria me trair.

-Luiza?

-Também não... Nada.

Meu pai apenas ficou quieto, como se estivesse em busca de uma resposta que convencesse minha
mãe de que eu não tinha desaparecido de novo.

-Ela vai viajar hoje, logo esta aqui.

Mamãe puxou uma cadeira para se sentar, encostou os cotovelos na mesa e apoiou a cabeça sobre as
mãos.

-Você não devia ter apoiado essa viagem. E se ela não voltar mais, e se acontecer alguma coisa lá? É
outro país Alexandre.

-Clara, ela já é adulta, não vai acontecer nada.

-Você disse isso da última vez, e eu fiquei sem notícias da minha filha por mais de uma semana.

-Ela estava sofrendo... Agora já está melhor. Além do mais, acho que essa viagem vai fazer bem a ela.

Cansei de ver a preocupação exagerada de minha mãe e resolvi entrar na cozinha.

-Bom dia família.

-Onde você estava garota? – Minha mãe falou, com tom de quem está brava, porém aliviada.

-Só sai para dar uma caminhada...

-De bota? – Meu pai questionou, olhando para as botas em minhas mãos.

-O que tem?
-Você não deveria estar indo para o aeroporto?

Já tinha me esquecido desse detalhe.

-Vou tomar um banho e já desço com a mala.

-Anda logo.

POV Ravely

A luz do sol da manhã já atravessa pelo vidro da janela. Tinha o costume de deixar a veneziana aberta
justamente para acordar assim que o sol nascesse. Levantei muito antes do necessário, gostava de me preparar
com tempo. Coloquei todas as malas próximas à porta e chamei por Fred que tinha combinado de me levar até
o aeroporto, mas ainda dormia.

-Já está na hora? – Logo abriu a porta, tinha o cabelo todo amassado do lado direito, lembrava um
zumbi.

-Sim! Temos que sair com tempo por prevenção. Sabe como é o transito.

-Tá... tá... Vou me arrumar, espere um pouco. Não sei porque mantenho essa amizade inglória até hoje.
– Saiu reclamando como um velho amargurado.

Fui para a cozinha fazer um café forte assim como ele gostava. Fred e eu éramos amigos desde a
última coisa que eu consiga recordar, então eu sabia bem como agradar. Logo ele apareceu na porta da
cozinha, mas agora já estava de bom humor e mais apresentável, com os cabelos castanhos claros, lisos em
cima e levemente raspados ao lado. Esticou a mão esperando que eu lhe entregasse a caneca com café.

-Dá para ser menos dramático?

-Aí! O-d-e-i-o acordar cedo! – Fez um movimento com a cabeça para jogar a franja para trás.

-Você é muito fresco, não vou pedir mais nada.

-Por que o Augusto não vai te levar mesmo?

-Acho que ele está ocupado com algum problema familiar.

-A Irma doida que sumiu de novo?

-Não sei... Mas deve ser. Essa garota está sempre se metendo em problemas.

-Você ainda não a conhece?

-Não, ainda bem.

-Vamos, antes que eu me atrase. – Saí em direção à porta. Fred finalizou a xícara de café e colocou-a na
pia. Descemos o prédio enquanto ele argumentava:

-Ravely, eu não consigo acreditar que você vai viajar agora e deixar Augusto aqui. - Disse Fred
enquanto me ajudava a puxar a mala.

-E por que não? Não nasci atrelada a ele... - Respondi sem olhar para ele. Certamente estaria revirando
os olhos.

-Um médico gato daquele sozinho tanto tempo... Ó céus... – Suspirou.

-Fred... Mal começamos o namoro, e além do mais minha viagem já está marcada há muito tempo.

-Justamente, começaram a namorar agora e você já vai deixar o boy.

- Um mês Fred... O que pode acontecer em apenas um mês?

-Muita coisa Ravely... Muita coisa. – Falou em um tom um tanto quanto profético. Fiquei apreensiva,
mas não tanto.

Passei pela porta do elevador e deixei pegar nele de propósito.

-GROSSA! – Gritou
Entramos no carro e fomos o caminho inteiro cantando, Ed Sheeran e James Bay como era de costume.
Logo chegamos ao aeroporto.

-Queria que você fosse comigo. – Falei com desanimo.

-Eu também queria, mas o curso não foi oferecido a mim, pobre publicitário.

Aguardamos por 1h30min até ouvir chamarem o voo 874. Despedi-me de Fred, que chorou como se eu
não fosse voltar mais.

Assim que entrei no avião fui em busca do meu assento. Era o número 11 na janela. Pedi licença para
o homem que estava no 12. Levantou-se com dificuldade, o espaço era pequeno e tive que passar quase
beijando ele. Situação desagradável, pior ainda era pensar que teria que aguentá-lo ao meu lado por 9 horas no
mínimo. Tentei ser positiva, ao menos se o avião caísse eu morreria rápido, assim que ele caísse sobre mim.
Não iria sofrer. Consegui me ajeitar, coloquei meu fone de ouvido. Vi que a viagem não seria fácil, já que o
senhor ao meu lado, além de grande, tinha as pernas abertas, roubando um pouco do pequeno espaço que era
meu. Imaginei que não deveria beber muita água, pois a cada vez que quisesse ir ao banheiro, teria que
praticamente me esfregar nele, senti náuseas. Desisti de pensar nos problemas e me concentrei nas coisas boas.
Coloquei o fone de ouvido, e aguardei. Parecia faltar um passageiro, ainda ficamos 20 minutos em espera.
Percebi que o homem ao lado levantou-se, assim que me virei para ver o que acontecia, fui de encontro com
um par de olhos azuis. “Acho que são os mais azuis que já vi” pensei. Encaravam-me de forma intensa. Uma
energia estranha percorreu meu corpo, ela ainda continuava ali, com o par de topázios azuis a me encarar.
Sorriu para mim, senti meu rosto queimar e desviei os olhos... Assim que o homem se levantou ela se sentou ao
meu lado. “Não faço ideia de quem você seja, mas obrigada por sentar no lugar dele”. O homem realmente era de
dar arrepios.

Sem demora o avião iniciou decolagem e agora o meu problema era outro. Tremia... Esta era primeira
vez que entrava em um avião e definitivamente eu pude concluir: morro de medo. Queria descer de lá o mais
rápido possível. Olhava para os rostos das pessoas ao meu redor e elas pareciam não se importar. Minhas mãos
suavam, mas não era de calor. Fechei os olhos quando percebi que as rodas não estavam mais no chão. O
coração parecia subir ao mesmo tempo em que o monte de lata com asas. Agarrei o encosto da poltrona como
se existisse a possibilidade de ser salva por ela, mantive os olhos fechados até que senti um toque sobre minha
mão, logo ficou mais firme, segurava-se em mim como se eu fosse a poltrona. Era a moça ao lado, fiquei ainda
mais feliz por ser ela e não o senhor asqueroso. Não sei porquê, mas retribui o gesto. Ficamos de mãos atadas
até perceber que o avião talvez não fosse cair. Acho que ela estava de olhos fechados também. Nossas mãos
suavam juntas agora. Normalmente eu acharia isso estranho, no entanto, com ela não foi. Notei que o avião
parecia estável, afrouxei a mão, ela me soltou.

-Desculpe – Minha voz era tão baixa que mal pude ouvir.

-Alexandra... – Ela disse e estendeu a mão.

-Como?-

-Me chamo Alexandra. – Sorriu de novo... Era tão branco e simétrico.

-Desculpe... É que tenho medo, muito medo. Nunca estive dentro de um avião antes e não sabia que
me... ficaria assim. Senti que meu coração fosse saltar para fora... e...-Não pude terminar, ela me interrompeu
ainda com sorriso no rosto.

-Como se chama? – Percebi que ela estava há algum tempo com a mão estendida, correspondi.

-Quem eu?

Quis me enterrar, me jogar do avião. É claro que era comigo que ela falava, quem mais seria? Ridículo.

– Ravely, me chamo Ravely. – Respondi ainda envergonhada.

-Prazer, Ravely. Não precisa se desculpar. Fui eu quem pegou na sua mão.

-Então ajudamos uma à outra. Na verdade... Acho que você me ajudou primeiro quando requisitou seu
lugar.

-Te salvei do outro passageiro não é?- Ela riu.

-Vou ficar te devendo essa... – Tentei analisa-la com discrição. Estava bem vestida, aparentava ter 23
anos, mesma idade que eu. Seus cabelos escuros tinham um ótimo contraste com os olhos azuis, chegavam a
ser hipnotizantes. E quando ela sorria? Era a combinação perfeita. Deve ser modelo, tem altura para isso.

-Não podia deixa-lo aqui. Vai que o avião cai e eu acabo sendo identificada como um homem de meia
idade, obeso e folgado.
-Acha que o avião pode cair? – O medo se apossou de mim novamente.

-Não! Não! Estava brincando, calma. Ninguém vai morrer aqui. – Ela falou de forma enfática tentando
me acalmar enquanto eu já estava paralisada pensando em como seria trágica a minha morte.

-Que bom Alexandra... Que bom... Afinal somos muito novas para morrer.

-E bonita. – Ela falou tão baixo que mal pude ouvir e distinguir entre singular e plural.

Ninguém falou mais... Logo ela começou a assistir a um filme na mini TV acoplada ao banco da frente
e eu voltei com meus fones de ouvido. Tentava me manter desligada do voo que ainda levaria horas, ansiedade
não era minha aliada, nunca foi. Ainda assim, com muita coisa para pensar, não conseguia deixar de examiná-
la, mesmo que com discrição. Enquanto ouvia música calma e pensava na vida acabei cochilando, ainda
sonolenta, vi que já havia passado apenas uma hora, o mapa que estava entre alguns dos canais na pequena
tela indicava que a distância ainda era longa. Olhei para o lado e vi que Alexandra tinha os olhos fechados. O
que mais se faz numa viagem tão longa, não é mesmo? Senta, fecha os olhos e espera o tempo passar... Procurei
por algum dos filmes que passavam, queria o mais chato, a intenção era de que o sono vencesse meu tédio.
Ajeitei o pequeno travesseiro que a companhia aérea nos dá, posicionei-o na parede ao meu lado esquerdo. Deu
certo.

Dormi por algumas horas, sem abrir os olhos me ajeitei na poltrona, percebi que não sentia frio, uma
pequena manta estava sobre mim. “Que estranho, não me lembro de manta nenhuma”. Olhei para a tela sem
levantar, desta vez o avanço era grande, já estávamos sobre o atlântico. Só então notei que dormia sobre
Alexandra.

E agora, levanto ou não levanto? Vai ficar estranho. Mas será que mais estranho que já estar deitada
sobre ela? Que vergonha! O que ela vai pensar de mim? Mas não quero sair, a posição está tão boa, e... Que
perfume é esse?

Em meio a questionamento eu adormeci de novo. Era confuso, não sabia afirmar se foi sonho ou se
estava acordada. Acho que tenho sono pesado.

-Deseja algo senhora?

-Um chá, por favor.

-E para sua companheira?

Só despertei de novo quando ouvi a aeromoça falando com Alexandra. Levantei a cabeça de seu
ombro, completamente alheia ao que estava acontecendo.

-Ravely, quer beber alguma coisa? – Perguntou Alexandra, enquanto a aeromoça nos observava com
um olhar intrigante.

-Pode ser um suco. Por favor.

“Será que pedir desculpas por dormir sobre ela vai ajudar ou seria melhor fingir que nada aconteceu?”

Alexandra me passou o copo, nossos olhares se cruzaram novamente, desta vez por apenas alguns
milésimos de segundos, ela não parecia ter se incomodado pelo meu excesso de capricho. Agradeceu a
aeromoça que deixou de nos assistir, foi atender aos próximos passageiros.

-Dormiu bem? – Olhei para ela com um sorriso amarelo de culpa.

-Acho que dormi até demais.

-Algumas horas apenas. – Disse com muita simpatia. E eu? Eu apenas sorri, mas na verdade queria
rasgar meu rosto em mil pedaços.

O restante da viagem correu como o esperado, sem dormir no colo das pessoas, sem passageiros
desagradáveis, sem vergonha desnecessária e o melhor, sem turbulência ou pressagio de morte. Pude
confirmar que realmente a comida de avião é péssima. Cheguei em Portugal meia noite. Depois da conexão em
Madri não vi mais Alexandra. Devia ter ficado por lá. Foi estranho dizer apenas um “tchau” a ela, por alguns
momentos parecia que seguiríamos viagem juntas. E eu nem sequer perguntei qual era seu destino... Um
estranho sentimento de solidão me assombrava. Estava em um país completamente estranho e não conhecia
ninguém. Por sorte a empresa havia pagado uma pessoa que fosse me levar até Coimbra, cidade que ficava a 2
horas de Lisboa.

Logo encontrei uma pessoa com a placa Ravely. Era uma mulher de meia idade muito simpática,
chamava-se Alice. Fomos de carro para Coimbra, embora estivesse escuro eu pude ver um pouco da paisagem e
das estradas. Senti falta do transito louco no Brasil, as estradas portuguesas pareciam ser mais calmas.
Chegamos ao hotel de madrugada. Era um hotel pequeno de aparência rústica por fora, mas muito confortável
por dentro. Estava um pouco mais frio do que eu esperava, em Portugal era inicio do outono. Finalmente
peguei a chave do meu quarto, joguei a mala pesada em um canto do pequeno quarto, tentei tomar uma ducha
para relaxar, estranhei o chuveiro a gás, que na verdade parecia mais uma mangueira. Quase queimei todos os
pelos do corpo tentando controlar a temperatura da água. Por sorte saí ilesa. Despenquei sobre a cama cheia de
cobertores e edredons, me enfiei embaixo deles e finalmente apaguei depois de um dia muito cansativo.

POV Alexandra

Depois de tanto tempo, finalmente desci daquele avião. Mariana já estava a minha espera. A viagem
fora horrível, exceto pela minha companheira, que era muito... Digamos... Apetecível?

É, essa palavra define bem. Quando meu pai disse que eu teria que viajar na classe econômica porque
não havia mais voos livres, pensei que fosse algo tranquilo. Não imaginava que fosse passar por esse
transtorno, cansaço... Fazer conexão? Argh! Meu humor está péssimo, minha cara deve estar péssima.

-Alexandra!!!!! – Gritou Mariana a me ver. Corria em minha direção, fazia tempo que não nos víamos
o que justificava a recepção tão calorosa. – Achei que teria de buscar-te no Brasil.

Depois de tantos beijos e abraços consegui responder.

-Desta vez eu vim, na próxima vais tu.

-Senti sua falta. – Beijou-me novamente. – Fiz reserva em um hotel... Aquele que sempre ficávamos.

-Que ótimo, meu corpo precisa de uma cama urgente.

Saímos do aeroporto, estava frio, e chovia...

Logo chegamos ao hotel, sentei na recepção e deixei que Mariana tomasse conta de tudo.

-Mari, você pegou um quarto de casal? – Percebi assim que ela abriu a porta.

-Achastes que eu deixaria minha brazuca preferida dormir sozinha? – Disse enquanto me puxava para
cima da cama.

-Só dormir mesmo, porque é a única coisa que consigo fazer agora. – Um bocejo involuntário
confirmou o que eu dizia.

Mariana virou-se de frente para mim.

-Como foi o voo?

-Bem ruim... Voar na classe econômica é péssimo, voo estava cheio. - Me coloquei de frente para ela -
Acredita que quando entrei havia um gajo espaçoso em meu assento e ainda por cima se recusou sair do sítio?

-Que horror. Ao menos as comissárias de bordo eram giras?

-Não notei. – Levantei para fechar a porta que ela tinha deixado aberta.

-Não? Lembras-te da vez em que fomos a Grécia e tu fostes para o fundo do avião com a comissária?

-Bons tempos... Mas desta vez não fiz nada parecido.

-Já perdeste o jeito... – Balançou a cabeça em negação.

-Tinha uma rapariga ao meu lado... Chegou a dormir em meu ombro por algumas horas...

-Hm... E...? – Me olhava com entusiasmo à espera da continuação.

-E... O que?

Fingi procurar por uma roupa na mala bagunçada.

-Só isto? Dormiu em teu ombro?

-Sim... O que tem? Ela nem sequer percebeu, só acordou quando uma comissária estraga prazeres
chegou.

-Depois desse relato tão emocionante, até eu quero dormir. Amanhã temos uma longa viagem até
Coimbra. Prepara-te.
Não demorou muito até que eu apagasse.

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Capitulo 3 - Motivo para se preocupar por Tammy
POV Alexandra

No dia seguinte acordei mais estressada que o de costume, motivos: Era cedo demais¹, Mariana acorda
ouvindo How long Will I Love you² e teríamos uma pequena viagem de 5 horas até Coimbra³. Eu ainda não
tinha aberto os olhos, quem sabe ela me deixasse quietinha na cama curtindo o outono Espanhol... Meus
pensamentos foram interrompidos pela puxada brusca do blackout. Aquela claridade de dias levemente
nublados penetrou minha retina com violência. Enfiei a cara no travesseiro antes que ficasse cega.

–Bom dia, flor do dia! – Ela puxava meu travesseiro.

–É tarde demais para voltar para casa? - Murmurei.

–Claro que é. E tu não queres isto... Temos muito a fazer.

–Temos sim, passar o dia na cama a descansar ou ir para Ibiza. – Sorri e me cobri de volta.

–Levanta–te, Alex! O curso começa amanhã, temos que ir a Coimbra hoje.

– Que curso? Eu vim para cá a passeio, achas que fiquei em Madri só para não ter que ir de classe
econômica para Portugal? Vamos para Ibiza! – Tapei os ouvidos.

–Ficastes em Madri para ir comigo de carro até Coimbra. Disseste a mim e ao teu pai que a intenção de
vir era única e exclusiva ao curso de técnica cirúrgica. Além do mais Ibiza está mais longe que Coimbra.

Revirei os olhos, Mariana não parava de argumentar.

–Mentir para meu pai é quase minha segunda profissão, sou melhor nisso do que como veterinária. –
Tentei dizer e ela sequer ouviu, continuava:

– Há tempos que espero esse professor em Coimbra, tu também. Ele é o especialista na área.

–Esperava... Nos dias atuais eu não espero mais nada. – Levantei e ela continuava me olhando de
soslaio.

–Chega. Já está na hora de parar com esse drama porque tua voz fica até chata.

Lancei–lhe o travesseiro, ela correu e acertou a porta.

–Espero–te na recepção. – Gritou antes que a porta batesse.

Arrastei–me até o banheiro. Só um bom banho poderia tirar a preguiça de mim ou eu dela. Dei uma
organizada na mala, pois não queria fechar. Na verdade sentei sobre ela e puxei o zíper mesmo.
Mariana me esperava enquanto comia algumas frutas. Estava em uma mesa ao lado da enorme
vidraça que separava a calçada do interior do restaurante. Enquanto servia o café observava a chuva leve que
começava a cair. Batia no vidro e escorria lentamente, não pude evitar algumas lembranças que insistiam em
emergir. De início eram boas, mas logo em seguida tornavam–se ruins, um incômodo que iniciava no peito e
subia para a garganta. Estar nesse hotel lembrava–me de momentos que eu gostaria de esquecer. Mas como
esquecer algo que esteve e está comigo aonde quer que eu vá?

Mariana acenou assim que me viu, tirando–me do transe. Ela tinha um jeito espalhafatoso, era
engraçado às vezes.

–Onde estava?

–Me servindo... – Apontei para o prato em minha frente.

–Me refiro em pensamento. – Resmungou.

Balancei a cabeça como se não tivesse entendido a pergunta.

–Chamei, acenei e tu continuavas vidrada no além.

Não respondi, na verdade mal ouvi a pergunta.

–Tu vais esquecê–la... Cedo ou tarde. Logo aparecerá outra.

–Não sei do que falas. Não quero encontrar alguém, ao contrário, estou em busca de me perder. –
Pisquei para ela com malícia.

–Ta bem, como quiser... Mas eu bem sei o que se passa por detrás desses olhos azuis tristes. Eu estava
lá quando aconteceu.

Não respondi, apenas continuei comendo.

Engoli o pão e o café tão rápido, como se fosse fazer aquele assunto acabar. Olhei para o relógio em
meu pulso, mas nem sequer vi as horas.

–Já está tarde, melhor irmos agora para chegar antes do almoço. – Ela notou minha fuga. Levantou–se
concordando, tinha um sorriso sarcástico de quem diz “te conheço mais do que imaginas”. Não poderia
discordar, ela realmente conhecia.

Passei o resto da viagem observando a bela paisagem e suportando as músicas mais melosas que
existiam. “Como uma pessoa tão romântica como Mariana, permanece tanto tempo solteira”. Quanto mais eu
queria esquecer, mais esse romance imposto no ar me obrigava a lembrar. Entre todos os argumentos que eu
usava para praguejar o amor e todas as pessoas apaixonadas da face da terra, um me fez sorrir ao lembrar
Ravely. “Engraçado, normalmente eu não consigo lembrar o nome das moças que dormem comigo”. Ela não tinha
dormido comigo de fato, mas sim dormido sobre mim. Deve ser por isso que me lembro. Nunca vi uma pessoa
ficar exageradamente ruborizada tão rápido. Ela deve ter ficado feliz por eu tomar o lugar daquele brutamonte,
folgado.
Enquanto o homem completamente desajeitado procurava a passagem para confirmar que o assento
não era de fato aquele, minha paciência – que é bem pequena – estava prestes a esgotar, eu quis jogá–lo para
fora no mesmo instante. Até que notei a presença de uma moça ao lado do asqueroso. Estava completamente
alheia ao que acontecia ao seu redor. Tinha a cabeça recostada na janela, o fone de ouvido não permitia ouvir o
mundo afora. Por um momento esqueci–me do homem, desisti de descontar minha irritação sobre ele. Meu
foco era ela, seus cabelos claros e ondulados, senti curiosidade sobre o que pensava... Assim que o estranho se
levantou ela notou que algo estava acontecendo, seus olhos vieram de encontro ao meu, sorri tentando ser
simpática, e desta vez meu sorriso não estava carregado de segundas intenções. Ainda assim ela não retribuiu.
Ao menos não de forma direta.

Talvez tenha sido por medo. Logo o avião decolou, eu a analisava, ela fechou os olhos, apertou a
poltrona com tanta força... Eu quis ajudar, não sabia como, mas não gostei de vê–la daquela forma. Eu estava
ali e ela aparentava se sentir insegura. Acho que meu lado protetor – inclusive eu sequer sabia que existia um –
falou mais alto. Fingi que também estava com medo e segurei sua mão. Normalmente sou imprevisível e
impulsiva, mas só quando sei o que estou fazendo, desde que isso me traga benefícios. Porém, desta vez fiz sem
pensar, sem calcular. Assim que ela abriu os olhos, encarou nossas mãos e eu a soltei. Seu olhar era
indecifrável. Cheguei a sentir–me vulnerável, até que ela disparou a falar e gaguejar aleatoriamente. Mas nada
superou sua expressão quando percebeu que havia dormido em meu ombro por um longo tempo. Achei que
fosse pedir um paraquedas para comissária de bordo e saltar do avião. Ela nem ao menos conseguiu dizer uma
palavra, enquanto eu ria internamente. Esse gesto de carinho me garantiu apenas um bom torcicolo, mas acho
que faria de novo, claro, não admito isso nem sob ameaça de morte.

–Posso saber o motivo do sorriso?

–Que sorriso?

–Este aí – Apertou minhas bochechas.

–Isso dói. Preste atenção na condução! Ai meu Deus! – Já estávamos saindo da pista.

–Essa foi por pouco – Ela achou graça.

–Maluca! Quase nos mata. – Franzi o cenho fingindo irritação.

–Não mude de assunto Srtª Alexandra Muller.

–Não estava a pensar nada, louca.

Mariana, não disse nada, apenas me olhou pelo canto do olho.

–Tá... Não era nada. Só lembrei o episódio cômico na viagem. Apenas isso.

–Desta forma não há conversa. Que episódio? Quero informações importantes. Tu falas como homem.
Quero detalhes!

–Ó, céus. Apenas lembrei–me da rapariga que dormiu em meu ombro. Quando notou o que tinha feito
ficou tão envergonhada que sequer conseguia falar. Foi cômico, devias ter visto.
–Hm... Ela ficou na Espanha? – Parecia desconfiada.

–Não sei. Não perguntei para onde ia.

Mariana sorriu com a minha resposta, mas não disse nada. Se ela estivesse no voo, poderia jurar que
falou com a moça e sabia exatamente para onde ela ia. Mas como isso não aconteceu, acho que ela apenas
sorria sem motivo, como sempre.

Chegamos a Coimbra por volta das 13 horas. Mal tiramos as malas do carro e já saímos novamente
para almoçar.

Bem no fundo, eu tinha decidido fazer a viagem apenas para sair de São Paulo, passar algum tempo
fora, conhecer pessoas diferentes e o curso era apenas uma desculpa a fim de evitar maiores perguntas por
parte dos meus pais. Mas agora... Estar aqui de novo, vendo a movimentação dos universitários, parecia ter
voltado a época em que eu era feliz e não sabia. Morei cinco anos nesta cidade, era como uma segunda casa.
Toda a movimentação dos estudantes que passavam de um lado para outro, lembrei–me de quando estudava
nesses mesmos locais, quando passava nestas mesmas praças. E viver tudo de novo, por apenas um mês seria
revigorante.

***

POV Ravely

Acordei perturbada, já passava das nove da manhã, olhei ao redor e levei um tempo para entender
onde estava. Continuei por alguns minutos debaixo das cobertas. Essa cama é realmente muito confortável, por
isso é tão difícil abandona–la. Talvez a cama do Fred fosse assim, por isso ele se atrasava sempre. Nos meus dias
normais eu teria pulado da cama assim que notasse o atraso. Sou uma pessoa matinal, odeio acordar tarde e
ainda mais me atrasar. Interfere diretamente no meu humor, variando de simpática e gentil para grossa e
amargurada. É como se ficar na cama, sem estar dormindo, fosse perda de tempo e vida. Mas desta vez, algo
não estava como o de costume, eu estava incomodada. Permaneci por um tempo, apenas parada olhando para
o teto, precisava refletir sobre o sonho – mais do que estranho – que tive.

Estava no avião, precisei levantar para ir até o banheiro. Pedi licença para Alexandra, a moça que
sentava ao meu lado, mas na verdade eu não queria ir a lugar algum, precisava apenas passar por ela, induzir
algum contato. Lembro–me de estar muito feliz por ser ela ali ao meu lado, não entendia por quê.

Quando fui passar, Alexandra se levantou impedindo minha passagem, simplesmente não saiu do
caminho. Insisti em passar mesmo que nossos corpos quase não coubessem no pequeno espaço. Acabei caindo
sobre ela. Sentada sobre suas pernas, olhei–a nos olhos, era como mergulhar em alto mar. Senti–me presa a ela,
presa no tempo e não podia sair, não queria.

Levantei num impulso, quebrei a ligação. Alexandra segurou–me pelo braço. Aquele olhar suplicava
para que eu não fosse e eu não entendia o que ela queria. Até que então tudo mudou. Ela sorriu o sorriso mais
ardil que eu já tinha visto. Sorriso que pertence apenas a quem sabe que não vai perder. Ela sabia o que tinha
que fazer, estava completamente segura. E eu? Eu fiquei mais confusa ainda. Meus joelhos vacilaram, mas
insisti em ir mesmo que não quisesse, mesmo que meu corpo pedisse para ficar.

Entrei no minúsculo banheiro da aeronave, fechei a porta completamente atordoada, mas antes que
pudesse me controlar, ouço batidas frenéticas na porta. Abri de imediato, era ela e parte de mim queria que
fosse. Entrou dentro da pequena cabine, fechou a porta rapidamente, foi tão rápido que não pude impedir.
Estávamos frente a frente. Eu estava ofegante, o ar parecia faltar e a temperatura subia. Mas então suas mãos
me puxaram pela cintura, nossos corpos estavam colados, eu podia sentir sua respiração. Suspirei e finalmente
me rendi. Seu rosto se aproximou ainda mais do meu, sentia seu hálito mentolado e a vontade de beijá–la
tomou conta de mim... Meu corpo reagia a todos esses estímulos, era muito mais intenso que qualquer
experiência que um dia tive.

Senti uma leve carícia nos lábios, que logo ficou intensa. Seu toque era embriagante e eu jamais
pretendi parar. Mas então tudo acabou e eu descobri um novo paradoxo assim que aquele vazio me preencheu.
Nunca me vi tão perdida. E agora pensar sobre isso parecia estranho, gerava dúvidas para as quais eu não
tinha resposta.

“Será que eu, Ravely, senti... Atração por uma mulher?”. Isso nunca aconteceu.

Eu gostei? Não... Claro que não. E não faz sentido debater isso agora. Não é como se nós fossemos no
encontrar novamente. Foi apenas uma viagem simples, como qualquer outra.

Diante dessa discussão interna, optei por sair correndo da cama e apreciar a manhã coimbrense,
afinal de contas, não vou vê–la ou sonhar com ela de novo. Tinha certeza disso.

O hotel onde eu estava hospedada era muito próximo da universidade de Coimbra. Sai para dar umas
voltas e espairecer a cabeça até a hora marcada para encontrar Jorge, o representante da agência de turismo
que estava de parceria com a revista em que eu trabalhava. Achei ótimo porque eu não conhecia nada na
cidade, além do mais, vim para fazer uma matéria sobre os principais pontos de Coimbra, visitar esses locais
era exatamente o que eu queria.

Encontrei Jorge num café em frente à praça. Era um rapaz jovem, alto, bem diferente do que eu
esperava.

–Bom dia!

Levantou–se para me cumprimentar.

–Bom dia, como está?– Ele tinha um sotaque diferente do que eu imaginava, parecia ser brasileiro e
certamente morava aqui por muito tempo. – Ravely, certo?

–Isso mesmo.

–Se importa de almoçarmos por aqui enquanto te explico algumas coisas? Depois vamos visitar alguns
lugares, tudo bem?

–Sim, claro! – Puxei a cadeira e me sentei.

Logo após o almoço Jorge me levou a praça oito de maio. O lugar era muito lindo, um marco histórico
na cidade, aquela arquitetura barroca encantadora unida à movimentação das pessoas. Prato cheio para
qualquer fotógrafo.

–És fotografa há muito tempo? – Perguntou Jorge impressionado com minha agitação.
–Na verdade sou fotojornalista, mas tenho uma paixão pelo turismo. – Sorri.

–Notei que gostas muito de fotografia. Amanhã vamos ao jardim botânico da universidade de Coimbra,
creio que você possa gostar.

Entregou–me um panfleto com informações sobre o campus e um workshop que aconteceria na


universidade.

–Eu estou fazendo curso de fotografia também, amanhã começa este workshop. Vão abordar assuntos
como fotografia de paisagens e também retratos. Se quiser posso conseguir um bilhete para que participe.

–Nossa! Seria ótimo... Com certeza eu quero.

– Como vês, amanhã pela manhã começam as palestras. Posso leva-la até o local. –Concordei apenas
acenando com a cabeça. – Podemos marcar no mesmo café em que nos encontramos hoje. O que acha?

–Por mim está ótimo, Jorge.

Nesta tarde andamos até não aguentar mais, após a praça ainda fomos à Prisão Acadêmica, mas só
percebi o quanto era sedentária quando chegou a hora de subir a escadaria que dava acesso a universidade.
Um mês fazendo isso e sem dúvidas eu teria as pernas torneadas que sempre quis.

Assim que cheguei ao hotel estava feliz por finalmente poder descansar. Pedi o jantar no quarto,
acabara de me preparar para dormir, mas antes Augusto me ligou:

–Que saudade de você, amor. Como foi o primeiro dia?

–Também estou com saudade. Foi cansativo e adorável ao mesmo tempo. Conheci ótimos lugares, fiz
algumas fotos.

–Queria estar com você... – Deu para ouvi–lo suspirar. – Essa vida de plantão não tá fácil.

– Ócios do ofício...

–Pois é... Vou deixá–la descansar, ainda tenho que ligar para doida da minha irmã, ela também está
viajando.

–Está?

–Sim... Na verdade ela viajou a trabalho. Acho que dessa vez ela cria juízo. Quando retornarem, quero
que se conheçam. Na verdade quero que conheça toda a família. – Ele disse com tanto entusiasmo que me
deixou sem reação. Na verdade eu tinha medo, não sei se por achar que esse era um passo muito grande,
principalmente no começo do relacionamento, ou se por considerar isso um problema. De qualquer maneira
não existia uma formula mágica para dizer que achava muito precipitado, sem magoa–lo. Optei por adiar a
situação. Afinal de contas, isso um dia teria que acontecer.
–Sem problemas, assim que chegar marcamos essa visita. – Respondi com uma animação forçada,
torcendo para que ele não notasse. No fundo eu ainda tinha sorte, a conversa era por telefone, do contrário o
sorriso amarelo estampado em meu rosto teria me entregado.

Assim que a ligação terminou mandei um e–mail para Fred, mesmo sabendo que talvez ele não
pudesse ver, queria desabafar sobre o possível encontro com a família de Augusto. Queria ouvir que estava
certa em ser muito cedo, mas dormi esperando pela resposta.

No dia seguinte consegui acordar na hora certa. Nada de sonhos quase eróticos e suspeitos. Corri para
encontrar Jorge no café há duas quadras da li, mas cheguei adiantada demais.

Estava pensando no que gostaria de comer, parecia que as coisas tinham nomes diferentes aqui. Senti
meu telefone vibrar. Fred tinha respondido meu e-mail com o carinho de sempre “Ravely querida, vou te matar!
Você se esqueceu de pagar a internet e cortaram, só vi seu e–mail quando cheguei ao escritório. Só por isso desejo
que você conheça até a terceira geração da família do Augusto. Te amo amiga, aproveite a viagem por mim, estou
morrendo de saudades. xxx”. Li exatamente como ele diria e ri sozinha.

Por sorte a moça que trabalhava no café era brasileira, ela me sugeriu uma meia de leite e uma tosta.
Não discuti. O café era pequeno e aconchegante, ótimo para sentar, ler um jornal ou escrever um bom artigo.
Escolhi uma mesa pequena próxima à janela que dava vista para rua, do outro lado havia uma praça, pensei
que poderia ser um local privilegiado para algumas fotos.

Enquanto aguardava por Jorge que vinha do outro lado da praça, notei duas moças que atravessavam
a rua, uma delas falava e gesticulava animadamente. A loira parou para atender ao telefone enquanto a outra
esperava ao lado, esta me chamou a atenção. Usei o zoom da câmera para poder visualizar melhor. Por um
momento senti meu coração dar um salto. Parecia Alexandra. Acho que talvez Fred estivesse certo, eu
realmente estou ficando louca.

Com certeza se trata de uma alucinação. É o cansaço, associado aquele sonho perturbador. Alexandra
ficou na Espanha, como ela estaria em Portugal, na mesma cidade que eu? Dentre tantas outras, logo aqui? -
Impossível! - Eu repetia para mim várias vezes.

Minha mão vacilou, deixei a câmera escorregar, quase espatifou sobre a mesa. Olhei mais uma vez,
pensei estar fantasiando. Mas de fato parecia-se com ela, cabelos escuros, boca rosada, pele clara... “Será que
tem os mesmos olhos azuis? Eram inconfundíveis”... Ainda assim seria muita coincidência e coincidências não
existem...

Já estava prestes a ir até elas, queria confirmar minhas suspeitas... Mas o que iria dizer? E se não fosse
ela? Mal cheguei e já quero passar vergonha. Balancei a cabeça como se tentasse afastar todos os pensamentos,
até que meus devaneios foram interrompidos assim que percebi ter virado a xícara repleta de leite com café
sobre a mesa. “Droga, Ravely, droga!”. Tentei secar o que pude. Olhei para fora em busca das duas novamente.
Infelizmente elas não estavam mais lá.

–Ravely? Ravely?!

–Sim? – Olhei para Jorge como se visse um fantasma.

–Está tudo bem consigo? – Sentou-se na cadeira a minha frente.


–S–sim... – Ele olhou na mesma direção que eu, mas não notou nada. Já não existia ninguém lá.

–Então... Animada? – Jorge tinha mantinha o sorriso educado no rosto.

- Você não imagina quanto, Jorge... – Respondi no automático, ainda estava presa nos últimos
acontecimentos. Acho que esse foi o primeiro sinal de que talvez eu devesse me preocupar.

***

Notas finais:

E aí? Era ou não era Alexandra? Será que coincidências existem? ;)

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Capitulo 4 - Coincidências existem por Tammy

POV Alexandra.

Ouvi dizer em algum lugar entre minhas idas e vindas, que a tristeza pode se tornar algum tipo de
vício e talvez esse fosse o meu caso. Mas não hoje. Por mais incrível que pareça, nesta manhã eu me via
contente e não havia motivos especiais para isso, ao menos não que eu soubesse neste momento.

Subíamos as Escadas Monumentais. Mariana, como sempre animada, escalava os 125 degraus
cantando Just be sob a coreografia de “Singing in the rain” – muito mal feita, diga-se de passagem.

Já estávamos atrasadas e desta vez a culpa não foi minha. Não fui eu quem insistiu em tomar café da
manhã fora de casa. Conseguimos localizar a sala onde acontecia a primeira aula que, inclusive, já tinha
iniciado. Abri a porta com muito cuidado e entramos sorrateiramente. Fui à frente para evitar que a desastrada
Mariana esbarrasse em algo, o que não foi de muita valia, já que ela derrubou o celular no chão de taco
fazendo um ruído grotesco, todos olharam para nós. Por sorte estava escuro e não fomos identificadas.

Passei os próximos 120 minutos fazendo rabiscos de caras e bocas. Como uma boa aluna que sou,
comemorei quando finalizaram. Hoje teria sido mais rápido por se tratar apenas de uma apresentação. Nos
dias seguintes teríamos demonstrações práticas e era aí que a emoção começava.

Estava próxima a porta, prestes a sair até que senti alguém me tocar.

-Alexandra!! Não esperava vê-la por aqui. Voltaste quando?

-Olá, Professor Sérgio! Quanto tempo... Vim apenas para o curso.

-Ah! Fico muito feliz que esteja cá. E não pretende ficar?

Fomos caminhando pelo corredor que dava acesso a sala enquanto conversávamos.

-Pois é professor, até gostaria...

Um grupo de pessoas passou por nós, me impedindo de falar.

- Tenho o haras no Brasil e embora tenha estado um pouco distante nos últimos tempos, quando
retornar tenho muito trabalho a minha espera.

-Não diga não agora. Tenho uma boa proposta a fazer.


Pensando por algum momento, essa proposta viria a calhar. Sair do Brasil poderia ser bom, afinal,
poucos dias que estou aqui já me sinto melhor.

Enquanto conversava com professor Sergio, vi passar uma pessoa por nós, parecia alguém que talvez
eu pudesse conhecer... Fiquei em silêncio alguns segundos, até que ele me chamou a atenção.

-Não precisa responder agora, podemos marcar uma reunião pela semana. – Completou.

-Hm... Talvez essa proposta seja boa. – Respondi ainda observando a moça que dobrava o corredor.

-Lhe garanto que é.

-Gostaria de ouvir mais sobre. Vamos marcar um café?

-Combinado.

-Preciso ir agora, nos vemos depois. – Respondi tentando fugir da conversa neste momento.

-Tudo bem, até logo.

-Até.

Sai correndo atrás da moça que já deveria estar longe.

O corredor terminou e não a vi. Continuei até sair do prédio. Olhei de um lado para o outro e nada.

-Está a minha procura?

Mariana sussurrou, bem próxima ao meu ouvido.

-Com certeza. É por isso que estou desesperada assim, saudades tua. – Falei com ironia.

Ela estava acompanhada de um rapaz, encarei-o até que me apresentou.

-Este aqui é o Jorge, um amigo de longa data...

-Prazer. – Nos cumprimentamos com dois beijos no rosto, como era de costume.

-Alexzinha...
Disse Mariana, tentando imitar meu sotaque brasileiro.

-Lá vem. O que tu queres?

-Sabe o que é...

-Desembucha, Mariana.

-O que é desembucha?

Me olhou curiosa, segurei o riso e Jorge também.

-Nada. O que queres?

-Jorge participa de um workshop sobre fotografia e precisa de uma modelo...

-Que bom para o Jorge... – Continuei a caminhada.

-E, bom... É... Sugeri que fosses tu.

- Fizestes o que? – Neste momento acho que meus olhos quase saltaram da órbita.

-Tu és bonita, leva jeito. O que há de mal nisso?

Já estávamos cochichando a esta altura.

-O que há de mal... O que há de mal é que eu não sei fazer isso.

-Vá lá, Alex... Por mim.

-Espera, tem algo errado. Qual sua intenção nisso tudo? Não vá me dizer que... – Apontei para Jorge
que estava logo atrás leigo acerca do que falávamos. – Aí meu Deus, tu tens uma queda por ele.

-Sou a favor do amor por pessoas, não tenho problema com gênero, tu sabes.

Ela cruzou os braços demonstrando indignação com minha surpresa.

- A vá... E eu que não sou a favor de amor nenhum tenho que sofrer?
-Por favor, Alexandra...Fico a dever-te, juro que pago.

-Por que não és tu, a modelo?

-Porque sou muito tímida para isto, as fotos ficarão horríveis. Vou estragar o avanço que tive com ele.
Ajuda-me, Alex!

Seu olhar suplicava mais que filhotes em feira de adoção.

-Eu vou cobrar caro, senhorita... Muito caro.

-Não importa. Então... aceitas?

-E tenho escolha? Se não aceito corro o risco de ser despejada de casa.

Ela sorriu vitoriosa. Abraçou-me, do jeito caloroso de sempre, mesmo que isso me tirasse do sério.

Era só o que me faltava nesta vida, ser aspirante a modelo. Só poderia vir de Mariana uma proposta
desta. Nem sequer sei como me portar em frente a uma câmera. Azar o dele, as fotos ficarão péssimas.

-Então... Jorge, não é?

-Sim.

Respondeu com um sorriso simpático.

-Pois bem... Quando é que temos que fazer o tal ensaio?

Jorge olhou para Mariana com cara de paisagem e eu temi o que parecia não saber.

-A é. Esqueci-me de dizer que era para agora.

Disse com a maior cara de pau que eu já tinha visto.

-É brincadeira, não é? Diga que sim! - Lancei um olhar fulminante em direção a Mariana, que se
escondeu atrás de Jorge. – Tu me pagas. – Sussurrei em seu ouvido.
Tudo bem que a timidez passa longe de mim, mas também não precisava ser assim, forçado.

Fomos em direção ao jardim botânico, onde aconteceria a sessão. Segundo Jorge, não tinha com o que
me preocupar, afinal, não seria a única. Mesmo assim eu caminhava como se estivesse no corredor da morte.

O lugar estava repleto de aspirantes a fotógrafos, câmeras e equipamentos espalhados por toda
parte. “Aí meu Deus, o que estou fazendo aqui?”. Era a única coisa que conseguia pensar. Explicaram
rapidamente algumas posições que eu poderia fazer, e que era só pensar que não tinha ninguém lá. Agir
naturalmente. De que jeito? Com tantas câmeras apontadas para mim. Olhava para Mariana e ela fazia sinal de
positivo com as mãos, como se isso fosse me ajudar.

No momento em que disseram que as primeiras fotos seriam em grupo com mais quatro meninas, me
senti um pouco tranquila. Sofrer em grupo é melhor do que sozinha. Minha teoria foi por água abaixo assim
que todas elas pareciam saber o que faziam, enquanto eu... Bem, eu apenas estava lá.

Quando pensamos que as coisas não podem piorar, elas sempre pioram.

Chegou o momento de fazer as fotos sozinha, porém, desta vez somente Jorge iria fotografar.
Afastamos-nos da multidão de psudo paparazzi e em menos de uma hora estávamos terminando. Fiquei feliz
porque já estava faminta e não suportava mais tantas fotos.

-Alexandra, se não for pedir muito, tenho uma amiga que está sem modelo, ela não conhece ninguém
por aqui. Só mais duas fotos e prometo que acabamos.

“Era pedir muito sim, mas o que é uma garoa para quem está completamente encharcado?”. Pensei.

-Tudo bem Jorge! Onde ela está? – Falei demonstrando impaciância.

-Vou chamá-la.

Assenti com a cabeça.

Mariana e eu continuamos negociando a forma de pagamento que ela iria preferir, já que me fez
passar por todo esse vexame. Entre as opções estavam: Um harém, fechar uma casa de striper ou me doar seu
fígado, porque com tanta bebida, algum dia eu precisaria de um.

-Não vou doar meu fígado, Alex. Escolha a casa que vamos fechar.

Parecíamos duas crianças idiotas. Ela se debatia tentando justificar o injustificável e eu gargalhava.

-Alexandra, essa é Ravely, a fotógrafa de quem falei. - Estava de costas para Jorge, apenas o ouvi falar.

Quase caí dura no chão, meus joelhos tremeram e a gargalhada se desfez.


Virei-me devagar, aqueles milésimos de segundos que parecem ser transformados em horas. Assim
que meus olhos cruzaram com os dela, um sorriso espontâneo se formou em meu rosto. Mas desta vez ela
correspondeu e eu me derreti. Neste momento eu não saberia descrever tal contentamento, apenas soube que
queria aquele sorriso para mim.

Ravely não sustentou o olhar por muito tempo. Pude notar por seu rosto completamente ruborizado a
timidez transbordando, e para mim tudo só ficava cada vez mais interessante.

-Podemos começar?

Aproximei-me dela, meu estômago parecia se revirar.

-Onde prefere que eu fique? – Não conseguia anular o sorriso persistente que me denunciava.

-Pode ser próxima aquela árvore mais a frente?

Ela indicou com a cabeça.

-Claro. – Respondi cheia de confiança.

Começamos a fotografar e de repente eu poderia ficar naquela posição o resto do dia . Pele clara,
bochechas rosadas... Gostei de ter sua atenção toda em mim. Ela se parecia tanto com meu próximo erro. Em
uma situação favorável as coisas poderiam ser diferentes. Porque se é errando que se aprende, eu não me
canso de saber mais.

-Desculpe, será que poderia amarrar a camisa na cintura?

Eu usava regata branca bem fininha por debaixo. Tirei a camisa bem devagar e amarrei-a de forma
errada de propósito.

-Assim?

Ravely se aproximou tentando ajeitar. Deixei que ela prendesse como queria e lutei contra a vontade
de mantê-la por mais tempo próxima a mim. Embora a tenha acabado de conhecer, era como se nós já
tivéssemos uma conexão e todos os sentidos fossem ampliados.

- Agora está melhor.

Me analisou com o rosto de lado, sorriu meiga e voltou para sua posição.

Passaram alguns minutos e logo vieram nos chamar. Segunda vez no dia que eu quis matar Mariana.

-Terminaram, meninas?
Jorge perguntou.

-Sim

Ravely respondeu enquanto guardava a câmera.

-Que bom que deu tudo certo. Muito obrigada, Alexandra. Não sabe como nos ajudou.

-Que isso, Jorge. Quando precisar pode contar comigo. – Eu soei mais simpática do que imaginava e
Mariana me olhou confusa, acho que nem ela esperava tanta simpatia vinda de mim.

Assisti enquanto eles se afastavam. Aquele tipo de cena que se observa com fixação para que jamais
fuja da memória. Já me preparava para juntar os pedaços que restaram da minha coragem. Até que tive a
brilhante ideia de ligar o automático e dizer qualquer coisa que visse a cabeça. Só não podia deixar que ela se
fosse mais uma vez sem sequer saber como encontrá-la novamente.

-O que acham de sairmos hoje à noite? – Quase gritei para que me escutassem. Não podia perder a
chance de vê-la de novo. Jorge olhou para Ravely que concordou, enquanto eu quase quebrava os dedos,
cruzando-os para que desse sorte e ela respondesse sim.

-Sim, claro. – Ela sorriu educada.

-Então nos vemos a noite, no Broadway. Conhecem?

-Sim, até lá.

Jorge respondeu.

Voltei para casa em silêncio, ainda não conseguia acreditar no que acabará de acontecer. E de certa
forma sentia-me caminhar sob as nuvens.

Passei o resto do dia ansiosa, olhava a cada dez minutos para o relógio, como se isso pudesse fazer
com que o tempo se fosse depressa.

Me joguei no sofá, minha mente não parava de girar, quais as chances de isso acontecer?

-Muito gira a tal de Ravely. Não achou, Alex?

Mariana disse da cozinha.


-Sim, bastante...

-Foi por isso que a chamaste para sair?

Ela disse sobre risos.

-Chamei a todos.

-Ah sim... Tive que implorar para fazer as fotos para Jorge, quando ela chegou, tu incorporaste a
modelo.

Eu podia ouvir suas gargalhadas mesmo estando na sala.

-Não tens ideia de quem é ela...

-E tu tens? Acabaram de se conhecer.

-Na verdade não. – Respirei fundo buscando força para acreditar no que iria dizer - Ravely é a moça
do avião.

Ela apareceu espantada na porta, com as mãos recostadas no batente, balançava a cabeça em negação.

-Já vejo tudo... Vê se não vai te meter em problemas. Estas sempre a complicar as coisas.

-Quem te escuta pensa que sou um monstro.

-És um anjo, quando queres. Não vá engana-la e depois voltas ao Brasil, a pobre fica cá a chorar por ti.
Se bem que acho que ela seja hétero...

As palavras de Mariana tinham fundamento. Ravely não parecia ser como as moças que eu costumava
me relacionar. Tinha um rosto tão calmo, às vezes parecia até inocente, não conseguiria agir de forma fria com
ela.
Notas finais:

Gente, neste capítulo fiz menção a uma música: Just be da Paloma


Faith, para quem se interessar em ouvir, segue o link.

https://www.youtube.com/watch?v=oGtfcbwQ9ZE

Ps: Gosto muito da versão do Calum Scott.

Espero que gostem.

E finalmente o tão esperado encontro...

Será que agora Alexandra vai querer insistir em algo ou


simplesmente aproveitar a situação?

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Capitulo 5 - Como não me apaixonar? por Tammy
POV Alexandra

Depois daquela tarde lenta e ansiosa, levantei do sofá num suspiro de entusiasmo, abri a gaveta onde
estavam algumas das roupas que eu guardei desordenadamente. Escolhi um vestido preto, lindo, queria
impressioná-la e nada como um preto fatal para fazer isso. Tinha reservado uma mesa para quatro pessoas no
melhor lugar do Brodway, haveria uma apresentação de tango nesta noite, portanto, o ambiente estaria
exalando romance e sedução. Perfeito! Era exatamente o que eu queria. O plano estava montado, como
conhecia bem Mariana, eu podia ter a certeza de que em certa hora ela iria chamar Jorge para dar uma “volta”
e então eu ficaria sozinha com Ravely.

Fazia tempo que não ficava empolgada assim, para encontrar alguém. Depois de Julia eu tentei me
restringir a encontros casuais, sem compromisso, e se fosse possível não precisava saber sequer o nome. Não
queria envolver sentimento e não estava em busca de romance, na verdade ainda não estou. Mas Ravely
despertou uma curiosidade que eu pensava ter morrido, era algo que há tempos não sentia. Uma sensação que
Julia levou consigo e depois disso eu passei a desacreditar no amor, descobri que relacionamentos não são para
sempre.

Pouco mais de uma hora eu já estava pronta, andando de um lado para outro enquanto Mariana não
saia do quarto, sorte que meu humor não era dos piores, já estava prestes bater naquela porta até cair, mas
então ela saiu. Descemos o elevador sem dizer uma palavra, acho que ela estava com a impressão de que eu
queria brincar com Ravely, como fiz com outras, e ela odiava isso. Não neguei que essa não era minha real
intenção, e mesmo que tivesse feito isso, Mariana não acreditaria. Por sorte o taxi não demorou a chegar,
dispersando o clima tenso entre nós.

Assim que chegamos, eu já não era capaz de controlar a inquietação que teimava em me consumir. Há
tempos não ficava assim e era bom da mesma forma que dava medo. Mas então tudo se desmanchou assim que
bati os olhos na mesa e vi que Jorge estava sozinho. Fiquei séria. Tentei manter o sorriso que agora era amarelo
e sem graça, tentei ser positiva (talvez ela estivesse no banheiro), ou “talvez ela não se interessou.” Pensei.

-Boa noite meninas!

Disse Jorge com sorriso de orelha a orelha por ver Mariana tão bonita. Que inveja de Jorge...

-Boa noite, Jorge. Seremos só nós três por hoje? – Perguntei tentando transparecer uma mera
curiosidade, quando na verdade quis perguntar: Por que Ravely não está aqui?

-Creio que sim... Ravely desmarcou comigo um pouco antes de virmos.

-Que pena, espero que esteja tudo bem. – Seria estranho perguntar o motivo?

Mariana me olhou tentando decifrar como me sentia. E claro, depois de tanto praticar, eu
demonstrava frieza e indiferença. Mas na verdade queria saber por que ela desmarcou. Será que eu fui muito
precipitada? Ou talvez ela não tenha se interessado mesmo. Não estava acostumada a ser dispensada. É fácil
quando você sabe onde está pisando e este não era o caso, afinal, eu sequer a tinha visto mais de duas vezes.

Meu bom humor foi derrubado como um castelo de areia em meio à ventania. Além de levar o fora,
tive que segurar vela. Era muito azar para uma noite só. Não sustentei a situação por muito tempo, porque não
há nada pior do que você querer dar uns amassos e ter uma amiga chata assistindo, ainda mais se for durante
uma apresentação de tango onde o ambiente transborda tentação.

Pedi licença para Jorge e Mariana, peguei uma dose de uísque no bar e saí para dar uma volta. Pensar
na vida, espairecer. Aquele céu negro e estrelado sobre minha cabeça, unido ao sentimento de perda,
aumentava cada vez mais minha vontade de voltar no tempo. Acho que ser rejeitada por hoje, fez retornar a
lembrança da maior decepção da minha vida e depois daquele uísque tive que lutar contra a vontade de ligar
para Julia, mas consegui resistir. Fazer isso seria o mesmo que assinar meu atestado de trouxa. Ao invés disso,
fui para uma casa de stripers onde algumas conhecidas dançavam, gastei alguns euros por lá e depois fui para
casa.

-Alex, és tu?

Mariana perguntou assim que me ouviu abrir a porta.

-Não! É um tarado que está arrombando a porta com a chave. – Rimos juntas – O que você está fazendo
aqui a esta hora?

Mariana estava na cozinha atracada a um pote de sorvete de chocolate e me passou uma colher.
-Ah! Meu encontro foi ruim, resolvi voltar e fazer-te companhia. Mas pelo visto saíste melhor que eu,
afinal, chegastes ainda mais tarde.

-Não reclame, pelo menos você teve um encontro. Eu terminei a noite no zero a zero.

-E onde estava?

-Num clube de striper.

Recebi um tapa leve nas costas assim que fechei a boca.

-Não imaginava que depois de tanto tempo tu estivesse realmente com boas intenções com alguém.

-Qual parte de “club de stripers” você não entendeu?

-Por isso mesmo, esses lugares são apenas suas distrações.

-Quem disse? – Olhei para ela contrariada.

-Não precisa alguém dizer. Eu sei que são. - Mariana elevou os ombros, falava como se eu fosse a
pessoa mais transparente do mundo para ela. - Pena que decidiu fazer isso com uma hétero.

-É sempre assim, as coisas mais interessantes são aquelas que não podemos ter. – Sorri.

-Eu avisei. Um dia ias te interessar por alguém que não poderia ter, ou seja, uma hétero, talvez ela até
seja noiva. Desgraça pouca é bobagem. – Mariana concluiu, rindo do meu azar.

- Foi só uma atração, não estou apaixonada por ela. E que bom que não deu em nada, ao menos assim
posso continuar aproveitando a vida e os clubes de stripers. – Conclui com um ensaio de sorriso, fingindo não
me importar. Mas nesse dia fui dormir pensando em como Mariana estava certa.

***

Alguns dias se passaram desde minha chegada. Tinha acabado de sair do encerramento do curso.
Pretendia aproveitar os próximos dias para turismo, antes que chegasse a data para voltar para casa. Estava no
café, discutindo a proposta feita pelo professor Sérgio, que por sinal parecia ser boa, mas eu não pude aceitar
de imediato, precisaria estudar melhor a situação e ele também não exigiu que eu tivesse pressa. Após
discutirmos todos os aspectos, convidei professor Sérgio para almoçar, mas ele precisou sair para resolver um
problema com um dos alunos na faculdade. Odiava comer sozinha, mas acho que desta vez não teria
escapatória.

Olhava para o cardápio tentando me decidir entre um prato e outro. Senti que estava sendo observada
e quando levantei o olhar me deparo com Ravely, parada em minha frente. Acho que notei sua presença antes
mesmo que ela pudesse dizer “olá”. Estava linda, para variar. Seu cabelo estava trançado para o lado,
evidenciando ainda mais suas luzes. Tentei ao máximo que pude não deixar transparecer nenhuma reação de
surpresa por vê-la ali, mas não sei se consegui.

-Tem alguém aqui?

Sorriu com a afeição apontando para a cadeira vazia em minha frente.

-Está vaga, pode sentar. – Também sorri tentando ser simpática, mas não entendi porque ela resolveu
me abordar, logo depois de me dar um tremendo toco. – Eu já estava de saída.

Menti.

-Ah! Pensei que tivesse acabado de chegar, odeio comer sozinha.

Sua voz pareceu desapontada.

-Tudo bem, se quiser posso fazer companhia, ainda não almocei.

Ela concordou sorrindo.

-Estamos sempre nos encontrando ao acaso.

Ravely parecia tentar puxar assunto, mas eu me mantinha distante, como se estivesse ocupada no
celular. Só não sei quanto tempo iria aguentar.

-Eu sempre venho neste café, fica perto de tudo.


-Eu também, só que na maioria das vezes venho de manhã. Estou hospedada no hotel há duas
quadras. Gosto daqui, o ambiente ajuda na concentração, é tão calmo...

Ela pegou o cardápio na tentativa de escolher um prato. Volta e meia passava a mão na testa, parecia
meio perdida. Enquanto eu tentava me concentrar em responder alguns e-mails, buscava aparentar ser o mais
neutra possível, mas podia notar que Ravely volta e meia me analisava.

-Desculpe ter desmarcado no outro dia... Tive um contratempo e não pude ir.

E lá se ia minha resistência...

-Tudo bem... Você não perdeu nada de mais. - “Só minha companhia”. Pensei, mas disse: Quer uma
sugestão para pedido?

-Aí! Por favor... Sou muito indecisa e não conheço esses pratos.

Ela estava me desarmando, aos poucos eu desistia de fingir indiferença, e o pior é que mal percebia. A
verdade era que eu estava contente em estar almoçando com ela. Odiava comer sozinha, e substituir a solidão
por uma companhia como essa era privilégio. Não podia desperdiçar tanto tempo com orgulho bobo. Larguei o
celular de lado e voltei toda a minha atenção a ela.

-Então, senhorita Ravely, o que a trouxe até aqui?

-Trabalho... E você?

-De certa forma o mesmo. O que você faz?

-Sou fotojornalista, vim passar um mês para fazer uma matéria sobre lugares turísticos na cidade.

-Muito interessante. E já visitou muitos lugares?

-Muitos. Acho que talvez termine antes do tempo, estou pensando em aproveitar para conhecer outras
cidades.

-Tenho certeza que vai adorar, há muitos lugares interessantes aqui.

-O problema é que não conheço outro guia. Jorge me ajudou por aqui, mas ele não pode sair de
Coimbra.

Quase sugeri ajuda-la, mas seria estranho. Tive medo de que ela interpretasse de maneira errada,
então desisti da proposta e ao invés disso apenas respondi:

-Realmente é bem mais fácil com alguém que conheça.

-Pois é... Mas acho que vou acabar encarando sozinha.

-Falando nisso, você não é muito nova para estar se aventurando assim?

Ela arqueou uma sobrancelha e, por mais que eu tentasse, não consegui não achar sexy.

-Provavelmente temos a mesma idade.

-Discordo... Você com essa carinha... Deve ter 19 anos.

Ela sorriu, e todas as vezes que ela sorria assim eu me sentia em plena queda livre.

-Engano o seu... Tenho 23. E você?

Antes que eu pudesse responder fomos interrompidas pela garçonete com os pedidos em mãos. Eu
havia escolhido massa enquanto ela queria provar bacalhau e eu sugeri um prato típico chamado bacalhau a
braz. Pela cara que fez deve ter gostado e eu fiquei feliz em acertar.

-O que achou? – Perguntei curiosa.

-Hmmm... Muitíssimo bom. Você tem ótimo gosto.

-Imaginei que fosse gostar. É um dos meus pratos preferidos.

Assim que terminamos a refeição, continuamos algum tempo batendo papo, as horas pareceram voar
mais depressa do que deveriam e do que eu queria. Enquanto conversávamos, Ravely moldava um pequeno
pedaço de guardanapo de papel, de inicio eu não entendia o que era, mas logo foi tomando forma e pude ver
que se tratava de um cisne de papel. Era lindo e extremamente complexo.

-Não consigo fazer sequer um aviãozinho de papel.

Ela riu.
É
-É só um passa tempo bobo que tenho, ajuda a distrair a cabeça, dissipar a ansiedade.

Notei seu rosto ruborizar.

-Você é boa nisso. – Disse enquanto analisava a pequena imagem em minha frente.

-Fica pra você.

Sorri contente. Pelo menos desse encontro eu iria levar algo.

Quanto mais conversávamos mais minha ideia sobre Ravely se mantinha a mesma. A cada palavra eu
a achava mais gentil, doce e linda. Até a forma como ela gesticulava para explicar alguma coisa, mantinha-me
presa a ela. E eu não conseguia entender por que. Por que logo ela despertou isso em mim? Logo a pessoa que
eu menos achava que teria chances. Devo estar pagando por algum pecado. “É, sem dúvidas era isso, pagando
por tudo que já aprontei”.

Nunca me vi numa situação em que me interessei por alguém que sabia que não tinha a menor
chance, até que Ravely surgiu do nada, estragando minhas estatísticas. Ela me bagunçava, tanto por dentro
como por fora, e o pior de tudo era gostar dessa sensação. Mas o que eu poderia fazer? Se a cada minuto
passado com ela, meus problemas pareciam desaparecer.

Saímos do café juntas, só então notamos como o céu estava nublado, iria cair uma tempestade logo.
Ela se aproximou de mim, parecia querer dizer algo, mas não disse. Abraçou-me apenas, um abraço de
despedida entre colegas.

-Adorei o almoço. Espero te encontrar por aqui de novo.

-Também espero. – Disse isso, mas não tinha tanta certeza de que pudesse acontecer de novo.

E de novo a vi caminhar de costas para mim, porém, desta vez eu nada fiz. Apenas a deixei ir. Segui
em direção oposta, em poucos passos pude sentir o impacto da água da chuva despencando sobre mim. Era
forte, vinha acompanhada de relâmpagos que clareavam tudo. Olhei em volta em busca de algum abrigo, teria
de esperar diminuir para poder voltar para casa. Escondi-me debaixo de um toldo da loja de roupas ao lado.
Quando menos espero, vejo Ravely correndo em minha direção com a pequena bolsa de couro protegendo a
cabeça.

-Que chuva!

-Achei que você já estivesse próxima ao hotel.

-Estava, mas me pensei que você deveria estar debaixo d'água. Voltei para te salvar.

-E como você pretende fazer isso? Agora estamos as duas ensopadas. - Rimos juntas.

-É... Essa não foi a minha melhor ideia. Mas já que estamos molhadas, vamos correr até o hotel. Te
empresto uma roupa e você fica por lá até passar a chuva.

-Ah... Acho melhor não. Não quero te atrapalhar. – Na verdade eu quis dizer que precisava fugir dela.

-Não atrapalha. Além do mais, eu te devo, lembra? Se não fosse por você eu teria viajado 10 horas ao
lado daquele espaçoso.

Gargalhei na hora que ela disse “espaçoso”. Ravely realmente era uma alma boa, porque aquele
homem era no mínimo tenebroso.

-Tudo bem então.

-Vamos no três?

-Não, agora! – A puxei enquanto corria para debaixo da chuva. Estava frio, bem frio para dizer a
verdade, mas eu estava me divertindo.

Entramos no hotel molhando tudo com nossas roupas ensopadas. A recepcionista, uma senhora de no
mínimo uns setenta anos, nos lançou um olhar de dar medo. Era um hotel simples, deveria ser familiar, bem
diferente dos hotéis cinco estrelas que eu costumava ficar. Apesar disso, aparentava ser acolhedor. Talvez meu
estado de espírito estivesse mudando a forma de ver as coisas, porque em dias normais eu iria maldizer tudo
isto. Mas quando olhava para Ravely e ela sorria daquele jeito, parecendo um anjo, eu simplesmente não
conseguia pensar em coisas ruins, não conseguia ser a Alexandra mal humorada de sempre.

Subimos as escadas correndo. Os lábios rosados de Ravely agora estavam azuis de frio. Paramos em
frente à porta do quarto enquanto ela procurava a chave, não conseguíamos ficar paradas tentando aumentar
o calor no corpo, que agora tremia de frio. Assim que entramos, Ravely correu para pegar toalhas no banheiro,
me passou uma, e foi como abraçar um cobertor quentinho. Ela ligou o aquecedor, mas como era daqueles
antigos a óleo, iria demorar uma eternidade para aquecer o quarto.
-Alexandra, se você quiser pode tomar um banho. Sinta-se a vontade para usar o que estiver no
banheiro.

Disse enquanto me passava algumas peças de roupas que estavam tão bem dobradas que pareciam ter
sido engomadas. Tive receio de tomar banho, mas eu precisava me aquecer o quanto antes.

Para minha tristeza ela era do tipo extremamente organizada e não tinha nenhuma calcinha
pendurada no banheiro. Vi vários cremes, perfumes e produtos para cabelo sob a pia, todos estavam
restritamente alinhados. Se Ravely fizesse uma visita ao meu apartamento iria se assustar, quem sabe até
entrar em pânico.

Saí do banheiro e o quarto estava muito quente, não sei se era por causa do aquecedor arcaico ou por
estarmos sozinhas num cômodo tão pequeno. “Tão perto e ao mesmo tempo tão longe...” pensei. Ela foi para o
banheiro e fiquei a sua espera, olhando para as paredes. Minhas mãos suavam, acho que meu corpo todo
suava. Estava nervosa, inquieta, tanto que não conseguia ficar sentada. Parei de frente a um espelho preso à
parede, me vi dentro das suas roupas. Eram tão cheirosas, tinham o cheiro dela, uma mistura suave de lavanda
com frutas vermelhas. Quase fui pega enquanto suspirava, quando ela saiu do banheiro secando os cabelos.

-Tudo bem por aqui?

-S-sim... Tudo ótimo. – Gaguejei nervosa por quase ser surpreendida, cheirando a camiseta que ela me
emprestou.

-Acho que exagerei no aquecedor, está muito quente aqui, não acha?

-Sim... Sim. Muito. – “Para de dar bandeira, Alexandra!”.

Ravely terminou de pentear os cabelos e sentou na cama que era de casal. Neste momento eu já
comecei a ter muitas ideias inapropriadas para utilizar essa cama. Até que ela me chamou atenção.

-A chuva ainda está forte, o que acha de assistir um filme enquanto isso? Não tenho mais nada para
resolver hoje. Você tem?

-Não, não tenho. Filme está ótimo. – Continuei de pé em sua frente.

-Pode sentar aqui, você não vai crescer mais que isso.

Ela sorriu e deu dois tapinhas no espaço vago na cama, ao seu lado. Me sentei, estava exageradamente
tensa, nunca fiquei tão apreensiva assim perto de uma mulher. Alguma coisa de muito errada estava
acontecendo comigo, disso não tenho mais dúvidas.

***

Notas finais:

Olá queridas leitoras!

E lá se vai mais um capítulo...

Espero que estejam gostando e aguardo comentários.

;*

att
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Capitulo 6 - Sonhando alto por Tammy

POV Alexandra

Ravely passou por todos os canais que eram possíveis de se assistir naquela televisão, nenhum era
interessante o suficiente. Acabamos parando num documentário sobre a segunda guerra mundial que eu
inclusive já tinha assistido, mas não me importava o que nós íamos ver, eu só conseguia pensar que a única
coisa que me separava dela eram algumas camadas de roupas. E, infelizmente, eu sei que não posso fazer nada,
a Alexandra impulsiva não pode existir aqui. Bem capaz de eu levar uma boa bofetada na cara, caso tente algo
e aí pronto, não a veria jamais.

O silêncio se instalou, mas não me senti desconfortável. Inacreditavelmente, até o silêncio mais
desconfortável do mundo se transformava em tranquilidade quando eu estava com ela. Aos poucos fui sentindo
meus olhos pesarem, a chuva não dava trégua, estava tão confortável naquela cama com o barulho da água
batendo na janela, um cenário maravilhoso para fazer muitas coisas com alguém especial, mas minha única
opção era dormir e foi o que aconteceu. Caí no sono como uma pedra. Acordei as 18h30m, olhei de um lado
para o outro tentando identificar onde estava. Era sempre assim quando acordava em algum lugar diferente.

Não acreditei quando olhei para o lado e vi Ravely dormindo como um anjo ao meu lado. Ela estava
encolhida, puxei um cobertor do armário e a cobri. Fiquei por um tempo velando seu sono, podia parecer
estranho fazer isso, mas não pude evitar. Queria tanto continuar naquela cama, mas para quê? Qual a
necessidade de alimentar algo que sei que não vai acontecer.

Deveria ir embora, mas não queria ir sem ao menos falar com ela, ou deixar um recado. Não consegui
encontrar nenhuma caneta. Vi que seu telefone estava sobre uma escrivaninha, por sorte não tinha senha. Dei
um toque no meu celular para salvar seu número e em seguida enviei uma mensagem para o dela.

“Obrigada pela companhia e hospitalidade. Assim que puder devolvo suas roupas. Beijos e até logo.
Alexandra.”

Que ironia. Sempre preferi deixar recados para qualquer uma das mulheres com quem eu passava a
noite, mas desta vez odiei fazer isso. Queria poder dar-lhe um beijo, dizer que voltava logo. Infelizmente isso
não iria acontecer e eu estava começando a viver uma utopia toda vez que se tratava de Ravely.

Preferi voltar para casa caminhando para poder refletir, cheguei à conclusão de que talvez a vida
fosse uma piada. O tempo voa sem que a gente perceba e em um dia medíocre, como qualquer outro, onde não
se espera nada de especial, uma pessoa chega sem pretensões, sem pedir licença. E como quem não quer nada
estaciona em sua frente e rouba o controle de seus pensamentos. Altera todas as suas expectativas, sua atenção
e todo o seu modo de enxergar o mundo. Eu queria com todas as minhas forças fugir antes que se tornasse algo
mais forte, porque esse sentimento é como aquela onda traiçoeira que te empurra, mas logo em seguida te suga
de volta para o mar.

Cheguei em casa e não encontrei Mariana, comi qualquer coisa que tinha na geladeira. Não estava
afim de jantar, então não valia a pena pedir comida.

Guto me ligou e contei a ele que tinha conhecido uma pessoa, mas que não valia a pena comentar muito sobre
ela, não daria em nada. Ele, como sempre, me incentivou a tentar. Guto era muito diferente de mim:
compreensivo, bondoso e paciente. Logo em seguida fui para a cama, queria ficar sozinha. Não escutei quando
Mariana chegou, provavelmente estava dormindo e ela não quis me acordar.

***

No manhã seguinte não consegui levantar da cama, todas as minhas articulações doíam, mal
conseguia abrir os olhos. Quando passava das dez da manhã, Mariana suspeitou que houvesse algo de errado e
foi até o quarto.

-Alexandra? Estás viva?

Falou em um tom preocupado.

- Estou com muita dor no corpo, não aguento sair da cama hoje – Minha voz rouca quase não saiu.

Logo ela voltou com um termômetro para aferir minha temperatura.


-Tu estás a pegar fogo. O que fizeste ontem? Não posso tirar os olhos de ti que aprontas.

-Não fiz nada, acho que foi a chuva...

-Tomaste chuva?

-Sim, um pouco... – Claro que preferi não comentar que o motivo por eu tomar chuva foi ter
encontrado uma bela garota, com o sorriso mais lindo de todos.

-Deve ter sido isso então... Vou comprar-te uma canja e alguns remédios.

Meu telefone tocava insistentemente, pedi para Mariana atender. Provavelmente seria minha mãe ou
Guto, ligavam quase todos os dias. Continuei deitada, sentia muito frio e só queria ficar debaixo das cobertas.

POV Ravely

Assim que acordei, vi que Alexandra já tinha ido embora. Senti uma dor no peito. Notei que havia um
cobertor sobre mim e sorri, só poderia ter sido ela. Aos poucos, mesmo sem querer, mesmo que eu tentasse
evitar e esconder, esse sorriso ia sendo justificado.

A primeira vez que nos vimos não dei importância àquela sensação estranha que percorria meu corpo
sempre que notava sua avaliação disfarçada. Afinal, não passávamos de duas estranhas que não iriam se
encontrar novamente. Mas então todo o meu mundo parou quando a encontrei na sessão fotográfica.

Estava concentrada nas dicas que os palestrantes davam sobre fotos retratos em ambientes com luz
natural. Fizemos uma breve pausa para a preparação das modelos que iriam posar para um ensaio teste. Senti
os joelhos estremecerem. Alexandra estava entre elas? E desta vez não era minha imaginação. Sabia que ela
tinha cara de modelo quando a vi pela primeira vez, mas nunca passou pela minha cabeça que nos
encontraríamos assim.

“Como pode ser tão linda?” pensei, assim que identifiquei seu rosto naquele lugar lotado. Considerei
acenar, mas e se ela não se lembrasse de mim? Seria mais uma idiota.

Assim que a sessão em grupo terminou eu comecei a andar de um lado para o outro. Queria ir até ela,
mas ficava nervosa e quando estou nervosa, me torno em uma pessoa patética e muda. Tive raiva de mim
mesma por ser assim. Qual o problema comigo?

Sentei numa pequena mureta, apoiei a cabeça nas mãos. Eu não esperava por esse encontro, tentava
desesperadamente me concentrar, mas não conseguia. Minha aflição era palpável e ainda assim eu não
entendia o motivo dessa necessidade descabida de falar com ela.

Ouvi Jorge me chamar e dizer um monte de coisas sobre uma modelo, mas eu sequer ouvi, meu
pensamento estava distante. Apenas o segui e só parei de pensar quando meus olhos bateram em Alexandra.
Ela era a modelo a quem Jorge se referia.

Usava óculos escuros wayfarer que me impediam de ver o tom de seus olhos, deveriam estar escuros
como consequência da camisa xadrez azul, que ela vestia. Fitou-me da mesma forma que no avião e aquela
sensação de calor e frio percorreu meu corpo.

Eu não estava pronta para encarar aqueles olhos azuis, assim, tão de perto e logo tão cedo. A sensação
que a presença dela me causava era das melhores e isso me preocupou muito. Como nunca senti isso antes? E
de repente por uma desconhecida todo o meu corpo parece ter sido reanimado. Deve ser essa cidade, estar aqui
é como viver em um filme de romance. Só não entendo porque esse filme tem como protagonista uma morena
de olhos azuis, maravilhosos.

O sorriso estampado em seu rosto – e que sorriso - Denunciava que talvez pudesse se lembrar de mim.
Sorri de volta, mas não sorri apenas para correspondê-la, e sim daquele jeito de menina que deve ter dado
trabalho para os pais.

Nunca foi tão difícil fazer uma foto e quanto mais eu investigava o que aparentava ser uma atração,
mais encontrava um total vazio em resposta que, por sinal, me deixava muito irritada. Sentia meu rosto
queimar, as cenas do sonho que tive vieram à tona, eram tão reais que eu quase não conseguia distinguir o que
tinha sido realidade.
Quando nos despedimos após a sessão de fotos, eu quis dizer alguma coisa, pedir seu contato, mas isso
seria muito estranho. Eu não tinha desculpas ou motivo para pedir tal informação. Até que a ouvi fazendo o
convite, era tudo o que eu queria e naquele momento aceitei de imediato, porém, parte de mim – aquela
movida a razão– falou mais alto. Minutos antes de sair eu mudei de ideia e liguei para Jorge desmarcando.

Onde estava com a cabeça, queria flertar com ela? Eu tenho namorado! Fazer isso ia contra tudo o
que planejei. Pela primeira vez passei a questionar o que queria para minha vida. Mas não poderia mudar
meus planos por algo que não sei o que é, e que talvez só exista em minha cabeça. Augusto não merecia isso.

Imaginei que não a veria novamente e só assim conseguir pregar os olhos aquela noite. E assim foi
por alguns dias, mas eu não contava que essa cidade fosse pequena demais para nós, essa era a única
explicação aceitável. E quando finalmente tinha esquecido toda essa insensatez, a vida me mostra quem
realmente manda.

Numa terça-feira comum, daquelas em que nunca esperamos que nada extraordinário aconteça, eis
que entro no mesmo café de sempre e noto que a mesa que eu sempre escolho - aquela sempre desocupada,
próxima à janela - não estava livre. Havia uma mulher sozinha. Aqueles cabelos lisos, castanho escuro, alta e
com uma postura altiva, o arrepio subiu dos meus pés a cabeça. Num ímpeto eu já estava parada em sua frente
sem abrir a boca, porque novamente as palavras sumiam quando eu encontrava aquela íris azul.

Pude notar sua pupila dilatar quando me viu, mas ela não sorriu como das outras vezes. Aquele
sorriso lascivo que certamente convencia muitas pessoas a fazer suas vontades. Pelo contrário, ela parecia
querer fugir, ficou inquieta, mantinha as mãos ocupadas como se não soubesse o que fazer. Quando ela disse
que estava de saída eu pude confirmar que realmente algo a deixava desconfortável.

Antes que meu chão começasse a desabar, insisti para que ela ficasse. Não sei de onde veio todo esse
encorajamento, completamente incomum, talvez eu estivesse conhecendo um novo lado meu. Ela aceitou e eu
não segurei o riso. Aos poucos a conversa fluiu, pude conhecer um pouco sobre Alexandra e, para meu
desespero, eu queria saber cada vez mais. Aquilo era pouco, queria passar mais tempo com ela, mesmo que a
razão gritasse para que eu corresse do que parecia ser um grande problema.

Após o almoço conversamos por tanto tempo que não notei a tempestade que se aproximava.
Despedimos-nos e a sensação de reencontro morreu. Mais uma vez não tive coragem de pedir seu telefone. No
final a razão falava mais alto. Fui embora com um peso no peito.

Pouco antes de entrar no hotel, uma chuva torrencial despencou, só pensei que Alexandra poderia
estar debaixo d’água. Num impulso voltei atrás dela. Meu coração estava a mil quando a encontrei e não era
por causa da corrida. Chamei-a para ir comigo, não podia deixa-la. Alexandra pegou em minha mão e corremos
para debaixo da chuva, senti meu estomago formigar. Era como se o mundo fosse sempre cinza, e a partir de
agora tudo ganhou cor. Nunca uma chuva foi tão boa.

Dentro daquele quarto de hotel, o que eu mais temia foi confirmado, sentia uma atração gigantesca
por ela e quis fugir. Fugir enquanto o limite não era ultrapassado, enquanto ainda havia controle da situação.
Mas minhas ações eram totalmente contrárias ao que minha razão pedia.

A realidade me confrontou assim que lembrei que não era uma pessoa completamente livre para
viver um affair pela Europa. Eu tenho namorado e Augusto é uma ótima pessoa, era bom para mim, jamais
deveria fazer algo assim a ele.

Era o que eu pensava, até ver a mensagem que Alexandra havia deixado. O medo do que ela me
causava era grande, só não sei se era maior que a vontade de descobrir até onde poderia ir, se é que poderia ir
a algum lugar.

Passei a noite praticamente toda em claro escrevendo um artigo. Aproveitei para falar com Fred. Não
contei nada do que estava acontecendo para ele. Como iria dizer que sua amiga, Ravely, a certinha, que sempre
andou na linha, de repente muda de ideia, esquece que tem um namorado (talvez o melhor de todos) e o trai
com uma mulher que mal conhece. (Mesmo que ela seja linda). Além do mais, essa história, quando dita em voz
alta, parece ser uma grande loucura.

Acho que no fundo eu jamais contaria isso para alguém. E também não teria coragem de fazer alguma
coisa. Iria passar alguns dias aqui e não veria mais Alexandra, no máximo lembraria tudo como momentos de
insanidade. Este seria meu segredo. Daqueles que não contamos nem durante jogos de “eu nunca” onde todos
estão bêbados.

Só consegui dormir de madrugada e antes que eu notasse já era manhã novamente, afinal a noite não
dura para sempre. Acordei tarde, não tinha olhado o celular desde o dia anterior e não notei que tinha uma
chamada perdida de Alexandra.

“Droga! Agora eu tenho motivo para ligar.” Eu já não sabia diferenciar qual dos meus atos era
sabotagem. “Buscar motivos para evitá-la ou procurar motivos para vê-la?”.

Sem pensar retornei a chamada.


-Oi, Alexandra?

-Oi, é a Mariana.

Achei estranho Mariana atender ao telefone dela.

-Tudo bem? É a Ravely, a Alexandra está por aí? – Mariana pareceu surpresa quando eu disse quem
era.

-Está sim, mas não está muito bem hoje.

Fiquei preocupada, o que será que tinha acontecido? Ela estava tão bem ontem. Precisava ir até lá.

-O que houve?

-Pode ser uma gripe, está com muita febre.

Não pensei duas vezes, precisava do endereço, queria vê-la.

-Será que posso visitá-la?

-Sim...Sim. Até é melhor, porque preciso sair por um tempo e não queria deixa-la sozinha.

-Qual o endereço daí?

Enquanto ela ditava eu anotei.

-Até logo então.

Fiquei pronta o mais rápido possível. Desci até o ponto de taxi do outro lado da rua. Mostrei o
endereço ao taxista e em menos de 15 minutos estava em frente ao prédio. Era o apartamento 74. Pressionei o
interfone duas vezes e logo o portão se abriu. O prédio era grande, então subi pelo elevador. A porta ficava no
final do corredor, estava tão determinada que sequer analisei meus atos antes de bater. Mariana foi quem
abriu.

-Bom dia, Ravely!

-Bom dia. – Meus olhos percorreram o cômodo em busca de Alexandra. Mas só pude ver a bela
mobília vintage.

-Alexandra está no quarto, com 39º de febre. Vou à farmácia e volto logo. Podes ficar com ela até que
eu retorne?

-Claro. Pode ir tranquila...

Ela sorriu de um jeito que me deixou desconfiada e fomos até o quarto de Alexandra.

-Alex, espero que esteja com roupas, tens visita.

Mariana disse ao abrir parte da porta e eu olhei para o chão, não sabia se era brincadeira ou não a
parte da roupa.

Ela estava na cama, tentou se sentar assim que me viu. Meu sorriso espontâneo se manifestou
imediatamente, não podia mais negar que me sentia incrivelmente bem quando estava perto dela.

-Acho que não tive muito sucesso no seu salvamento.

-Ah! Isso? Não é nada, estou ótima.

Como eu gostava de ouvir sua voz, mesmo se ela estivesse rouca. Sentei na beirada da cama. Pus a
mão em suas pernas que estavam debaixo do edredom. Seus olhos correram para o contato, ela enrubesceu e
eu disfarcei, levantei e afundei as mãos no bolso da calça.

-Vi a sua ligação no meu celular, retornei e Mariana atendeu. Ela me disse que você estava doente e
resolvi fazer uma visita, mas não deu tempo de comprar flores e balões.

Ela sorriu.

-Só a visita já está de bom tamanho. Desculpe não estar mais apresentável. Mal aguento sair da cama.

-Mais apresentável? Você não precisa de muito esforço para isso.

Seu sorriso só ficou ainda mais pronunciado com meu comentário.


-Claro que preciso, olha para você.

Corei e mudei de assunto.

-Você quer um chá? Posso fazer... É só me dizer onde está tudo.

-Acho que consigo ir até a cozinha com você.

Ela tentou se levantar e eu me aproximei para ajudá-la. Ela estava queimando em febre, fiquei mais
preocupada.

-Não acha melhor irmos ao hospital?

-Não há necessidade. Mariana já volta com os remédios e estou com uma ótima enfermeira formada
em jornalismo. – Disse e riu até ser interrompida por uma tosse seca.

Fomos até a cozinha, praticamente tive que carregar Alexandra. Será que importei? Não, nenhum
pouco. Eu não conseguia tirar meus olhos dela e a cada minuto eu estava mais fundo nisso. Fiz o chá e ficamos
no sofá, ela estava enrolada no cobertor, parecíamos amigas de muitos anos, me sentia livre com ela, a
afinidade era evidente. Riamos de qualquer coisa, gostávamos dos mesmos filmes, livros e o assunto não
acabava.

Logo Mariana chegou com o almoço e os remédios. Só assim eu fiquei mais tranquila.

-Você não deveria se automedicar, pode fazer mal.

Elas se entreolharam e riram, era como se isso fosse algo completamente normal para ambas.

-Não sabia que vocês tinham se encontrado depois daquele dia das fotos.

Mariana disse, aparentemente sem pretensão, mas pelo olhar que Alexandra lançou para ela,
certamente tinha algo que eu desconhecia.

-Nos vimos ontem no café. – Respondi.

-Você também tomou chuva?

-Sim, quando saímos do café começou a chover. Alexandra e eu fomos para o hotel até passar e mesmo
assim ela ficou doente. – Sorri, ingênua.

-A é?

Mariana falou e olhou para cara de Alexandra que já estava vermelha.

-Ravely, já decidiu quais cidades vai conhecer quando terminar aqui em Coimbra?

Pude notar sua mudança brusca de assunto. Mas ouvi-la pronunciar meu nome me causava tremores.

-Penso em ir para Lisboa... Como estarei sozinha é melhor ir para lugares mais conhecidos.

-Por que vai sozinha?

Dessa vez Mariana foi quem perguntou.

-Jorge é meu guia aqui e ele não pode sair de Coimbra. Minha ida para Lisboa não estava prevista. Eu
terminei o trabalho antes do que imaginava e quero aproveitar a viagem para conhecer outras cidades.

-Alexandra!

Mariana a empurrou.

-Aí! O que eu fiz agora?

Alexandra reclamou.

-Que amiga és tu? Ravely não tem companhia para viajar e tu conheces Portugal melhor que eu que
nasci aqui. Por que não vai com ela?

Alexandra quase cuspiu o chá que bebia.

-É... E-eu não quis ser...

-A gripe afetou sua dicção? Tu disseste que queria ir a Lisboa. Aproveite para mostrar a cidade a
Ravely.

-Verdade, se quiser podemos ir na próxima semana, Ravely.


-Sexta-feira já estarei livre. – “Não! O que penso estar fazendo?”

-Ravely, vais viajar com a melhor guia que poderia ter. Alex conhece cada canto de Lisboa.

Percebi o olhar fulminante de Alexandra em direção a Mariana.

-Bom... Já vejo que está tudo bem por aqui, então melhor eu ir. – Senti-me desconfortável com o jogo
de olhares entre as duas. Começava a me arrepender de ter aceitado essa viagem e agora não poderia mais
negar. Ir embora era a melhor opção. A expressão de Alexandra mudou quando eu disse que precisava ir, mas
não sei o significado disso. – Depois conversamos sobre a viagem.

Sorri sem jeito.

-Tem certeza? Ainda é cedo... - Alexandra falou.

-Sim... Ainda tenho uns relatórios para enviar ao meu chefe.

-Tudo bem então. Nos falamos mais tarde?

-Claro.

Gostei de saber que ela queria falar comigo novamente. Só por isso fui embora satisfeita.

POV Alexandra

Ravely havia acabado de sair. Eu queria esganar Mariana. Como ela me oferece para ser guia? Depois
do martírio que me fez passar eu só queria fugir e ela me empurrava ao abismo.

-Mariana! Vou matar-te.

-Fiz-te um favor.

-Favor, Mariana, sério? Tens ideia de quanto tempo vou passar perto dela? Devias arrancar-me os
olhos de uma vez. Isso sim seria favor.

-Era exatamente o que tu querias. Não se faça de desentendida.

-Claro que eu quero, mas se fosse uma situação diferente. Ravely não me vê dessa forma.

-Por isso... Terás a chance de ter certeza disso. Além do mais, até hoje não vi uma mulher que tu não
conseguiste conquistar. Para onde foi a Alex que eu conhecia?

Ela me fez ficar pensativa. Realmente eu não tinha certeza de que Ravely não estava interessada. E
também não podia desistir assim tão fácil. Tinha que tentar.

-Não sei... Vais me arrumar um problema.

-Problema é teu segundo nome. O que tem um a mais, outro a menos?

Antes que eu pudesse responder tive que atender ao telefone. Fiz sinal para que ela fizesse silêncio,
era minha mãe.

-Oi mãe. Tudo bem?

-Oi meu amor, tudo bem e você?

-Estou bem, só um pouco resfriada.

-Foi ao médico?

-Sim, já estou sendo medicada. Não te preocupe. – Menti descaradamente.

-Que bom, estou com saudade. Esse mês não acaba logo.

-Mãe, só mais alguns dias e já estarei em casa.

-Está tudo bem, não é? Me preocupo contigo, Alexandra.

-Claro que está. Vou para Lisboa com uma amiga – Olhei para Mariana e mostrei o dedo médio – E
depois volto para casa.

-Ok, aproveite bem. Seu pai e seus irmãos estão mandando um beijo. Luiza disse que se você não voltar
para a festa, vão cortar laços.
-Diga que eu não perderia de maneira alguma. Mãe, eu preciso ir... Não se preocupe que estou ótima.

-Ta bem, meu bebê. Te amo.

-Para de me chamar de bebê. Beijo, mãe.

Desliguei o telefone e Mariana só sabia rir. Quanto mais eu tento evitar problemas, em mais
problemas eu me meto. Por outro lado à ansiedade de ter que viajar ao lado de Ravely era gigantesca. Era
evidente o meu nervosismo quando ela estava por perto. E talvez minhas chances não eram assim tão nulas,
afinal, ela veio me ver. Isso poderia significar alguma coisa.

Talvez Mariana e Guto estivessem certos. Eu deveria ter me oferecido antes para viajar com Ravely.
Onde estava com a cabeça quando desisti na primeira dificuldade. Eu não sou assim, gosto de arriscar, gosto do
que é difícil.

Notas finais:

Boa noite galera. Mais um capítulo.

Espero que gostem e como sempre, aguardo os comentários. Saiam


das sombras!

Beijão.
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Capitulo 7- Me perdi ao te encontrar por Tammy
Capitulo 7 – Me perdi quando te encontrei

POV Ravely

Me vejo aborrecida no espelho. Esse cabelo que insiste em não se comportar, meus olhos fundos fazem
referência à noite muito mal dormida. Mas também pudera... Estive muito inquieta, não conseguia me
acomodar, dando voltas e voltas na cama. Despertei algumas vezes com o coração acelerado, respiração
ofegante e, claro, sonhando com um par de olhos azuis e o mesmo sorriso desafiador. Olho para o meu reflexo
novamente e vejo uma garota exageradamente organizada que agora apenas retrata uma grande indistinguível
confusão. Desisto desse cabelo e hoje minha única opção é o bom e velho rabo de cavalo, talvez assim eu
consiga me manter apresentável.

Saio do banheiro em direção ao quarto, preciso me arrumar para o último encontro com Jorge. Hoje
vamos ao Mosteiro de Santa Cruz, única visita que faltava para a conclusão de meu artigo. Sofro de novo, mas
desta vez é em busca de uma roupa que se adeque. Acho que devo estar de TPM, parece que hoje nada pode
me agradar.

Nunca pensei que fosse sentir tanta falta daquele apartamento minúsculo e do meu – ainda menor –
escritório com divisórias de PVC, no quinto andar do prédio da viagem e turismo. Minha estadia aqui parece ter
passado mais rápido do que eu imaginei e agora faltando poucos dias para ir embora eu quero aproveitar os
últimos minutos.

Para minha infelicidade, Alexandra não entrou em contato durante dias. Eu já não sabia mais se a ida
para Lisboa iria acontecer e também não me dispus a ligar para ela. Na verdade me obriguei a não ligar para
ela, porque talvez tenha sido uma daquelas experiências – muito interessantes – mas eu não deveria insistir
nisso. “Deixe isso para trás” meu inconsciente sussurra.

Esperava por Jorge em frente ao hotel andando de um lado para outro, ele já estava atrasado e se
demorasse mais um pouco eu seria capaz de fazer um buraco no chão. Logo um carro preto parou ao lado da
calçada, ele. Finalmente. Cumprimentamos-nos rapidamente. O movimento na rua era fraco, talvez fosse devido
ao frio inesperado que açoitou o continente durante a noite. Jorge tenta iniciar uma conversa e para tudo que
ele me perguntava eu tinha uma resposta pronta e automática, sequer lembro algum detalhe do que dizia. Não
saberia dizer se falamos da família, do trabalho ou de como estava frio.

Eu batia os dedos no apoio da porta do carro numa impaciente sincronia, meu desassossego era
explícito, chegava a chamar a atenção de Jorge.

-Tudo bem?

-Tudo ótimo, Jorge. – Disse rapidamente tentando evitar mais perguntas.

-Tem certeza? Você me parece incomodada hoje.

Respirei fundo e sorri sem graça para ele.

-Está tudo bem sim, Jorge. Acho que é saudade de casa.

-Será apenas de casa?

Ele dá um pequeno sorriso.

-Do que mais seria?

-Não sei... De alguém que sinta falta.

Eu não entendo minha reação irracional. Assim que ouvi suas palavras, um arrepio involuntário
percorre minha espinha, aquele maravilhoso par de olhos incrivelmente azuis preenchem minha mente. “Não
deveria pensar em Augusto?” me questiono. Agito minha cabeça numa tentativa falha de afastar a imagem dela
do meu pensamento. Continuo absolutamente confusa sobre isso, mas apenas engulo essa conclusão em seco.

-Só de casa mesmo, Jorge.

Para minha sorte chegamos ao mosteiro. Detestaria que Jorge fizesse mais alguma pergunta que me
levasse a pensar em coisas que eu não queria. Esqueça isso Ravely - eu discuto comigo mesma.

Assim que nos aproximamos da grande e linda fachada barroca, pedi para que Jorge fizesse uma foto
minha. Adentramos a estrutura e ele foi me contando um pouco sobre a história fascinante do lugar que era
realmente grande.

Faço mais algumas fotos e envio para Fred que não parava de me importunar com tantos e-mails. Já
posso até imaginar a quantidade de perguntas – que devo responder com a maior quantidade de detalhes
possível – que ele fará assim que nos vermos. Maldito Frederico... Não quero nem supor a quantidade de
pretendentes que ele deve estar levando para nosso minúsculo apartamento. Com certeza está aproveitando
minha ausência para fazer suas orgias em todos os cantos da casa. O pior é que eu não tranquei a porta do meu
quarto, espero que ele seja misericordioso e não faça suas sacanagens lá. Por via das dúvidas vou trocar todos
os lençóis e cobertores antes de pensar em sentar naquela cama.

Entre as fotos que seleciono para enviar a Fred, vejo uma que tirei de Alexandra na segunda vez que
nos vimos. Ela é realmente muito, muito linda, basta ter seu olhar em mim e desconcerto-me toda. Por que raios
ela não me liga? Argh! Nunca fiquei assim por pessoa alguma. Sempre achei que esse tipo de coisa existisse
somente em filmes e livros e que fossem idioticamente inventadas pelos autores a fim de aumentar a imersão e
ilusão dos telespectadores e leitores. Embora eu gostasse de ler histórias que envolvessem tais emoções, nunca
acreditei de fato que ocorressem assim. É claro, eu nunca havia experimentado até Alexandra aparecer, mas eu
não posso entender por que.

Olho para o céu e sinto algumas gotículas refrescantes e leves de chuva tocar meu rosto. Logo Jorge me
tira do transe.

-Ravely, já terminou? É melhor irmos almoçar antes que a chuva aumente.

-Terminei sim, já podemos ir. – Corro em direção ao carro.

Jorge está no banco do motorista, coloco meu celular e a câmera sobre o banco do passageiro. Não
notei que o ecrã da câmera estava ligado (mostrando as últimas imagens que eu tinha acessado). Mas ele viu.
Arqueia uma sobrancelha que eu finjo não notar. Pego a câmera, disfarço como se tivesse sido um acidente a
foto de Alexandra estar no visor.

-Essa foto ficou muito bonita.

Esboço um sorriso de agradecimento educado, sento e fecho a porta do carro com mais força do que
deveria.

-Ficou mesmo...

-Também, com uma modelo dessas. – Seu comentário lépido fez meu sangue esquentar, posso afirmar
que a minha jugular estava aparente no meu pescoço. Jorge apenas ficou observando minha expressão de raiva
silenciosa.

-É uma pena que seja do jeito que é...

Ele falou num sussurro que mal pude ouvir, parecia mais estar pensando alto.

-Como assim? –Perguntei confusa.

-É... Tenho comigo que ela prefere mulheres.

-Qual o problema? – Ainda continuava sem entender onde Jorge queria chegar com tantos rodeios.

-Lésbica, Ravely. Acho que ela é lésbica... Temos amigos em comum, sei do que falo.

Movimentei a cabeça buscando esclarecer a mente, tento esconder minha indignação, mas acho que
não pude. Ele não para por aí:

-Acho que você não deveria se aproximar dela, sabe como são... Pode acabar complicando você.

Fico em silêncio, ainda não consegui absorver essa informação. Minha mente grita por saber que uma
pequena – talvez não tão pequena assim - parte de mim possa ter gostado um pouco dessa novidade. Por outro
lado, Jorge não tinha direito de sair falando da vida de Alexandra por aí, ele não a conhece e isso me enfurece.
Minha vontade de voar em seu rosto com os punhos fechados só cresce.

Permaneci em silêncio, minha face continuava carrancuda. Jorge estacionou em frente a um


restaurante que, segundo ele, era muito bom “O melhor polvo à lagareiro de todos”. Dane-se o polvo! Ainda
estou presa no assunto anterior.

-Não vejo como o fato de ela ser lésbica implica em seu caráter, na verdade, nas poucas vezes que a vi,
foi sempre muito educada e cortês. Aliás, não acho que eu deva me afastar dela por isso. – Disse sem poder
esconder a indignação em minha voz.

Ele franze a testa, parecia não acreditar que eu tive a audácia de responder de tal forma.

-E-é... Desculpe, não quis ofender. Não sabia que eram próximas.

-Tudo bem. – Respondi séria, quando na verdade eu queria dizer mais um monte de desaforos para
esse preconceituoso intrometido. Só não o fiz porque ele era minha carona de volta.- Não somos...

Eu só queria ir embora. Mal toquei na comida, assim como o meu humor, parecia estar amarga. Jorge
ainda tentou puxar assuntos aleatórios durante a refeição, mas eu não respondia com a devida atenção. O
caminho de volta passou em silêncio e meia hora mais tarde estamos em frente ao meu hotel. Agradeço
brevemente e me preparo para descer do carro, até que Jorge segura meu braço com firmeza, me impedindo de
sair. Dirijo meu olhar frio e histérico para ele.

-Ravely... Sei que é nosso último encontro e que você estará aqui por poucos dias, mas queria poder vê-
la outras vezes, quem sabe ter seu contato no Brasil.

Desvencilhei meu braço de sua mão. Era só o que me faltava hoje.

-Desculpe se dei a entender algo, Sr Jorge. Eu não tenho interesse. – Recolhi minha câmera e fechei a
porta aliviada por finalmente me livrar desse louco. Onde foi que eu errei? Quando aparentei ter algum
interesse nele? Realmente não enxergamos o interior das pessoas só de olhar para o rosto.

Entro na recepção do hotel sem olhar para trás, não queria correr o risco de ter outra conversa com
este desagradável. Faço meu caminho para o quarto, esgotada desse dia exaustivo. Ainda precisava arrumar
minha mala, pretendia ir para Lisboa com ou sem Alexandra. Se bem que com ela seria muito melhor. Aquela
voz oriunda da minúscula parte do meu cérebro, ocupada pelo subconsciente insiste em dizer o que eu não
quero ouvir.

Passo o restante da tarde compenetrada na finalização do meu artigo, edito algumas fotos e as envio
para Fred. Quando me dou conta já está escurecendo e eu não fiz metade do que deveria. A fome me assombra
e a pior parte de se estar em hotel é que a maioria das vezes que queremos lanchar é necessário pagar uma
fortuna. Abro o pequeno frigobar que tem no quarto, acho que essa era a segunda vez que olhava no interior
desse refrigerador. Não pretendia consumir nada, mas estava com fome e muito cansada para ir até o café.

Escolho um refrigerante e uma barra de chocolate, nada saudável eu sei, mas era o que tinha para o
momento. Contente-se com isto, Ravely - falo comigo mesma.

Fui para a janela observar o movimento na rua enquanto comia aquela barra de chocolate que
deveria estar ali desde 2001. Distraio-me mais do que deveria e derrubo a lata de coca-cola que praticamente
explode ao entrar em contato com a calçada. “Merda, merda, merda!”. Saio do quarto igual uma louca. Desço do
terceiro andar mais rápido do que imaginava conseguir. Retiro a lata do chão aborrecida. Para quem não
queria ir ao café do outro lado da rua, isso foi ultrajante. Definitivamente este não é o meu dia.

Volto para minha caverna (vulgo quarto) arrastando os pés o mais devagar possível, com a finada lata
de coca-cola em mãos. Então, por alguma razão, eu olho para trás... E encontro-me paralisada no olhar azulado
e intrépido de Alexandra que está encostada em um Audi esportivo preto, encarando-me atentamente.

-Olá, Ravely. – Seu olhar intenso causa-me arrepios.

Droga, mil vezes droga!

O que ela está fazendo aqui à essa hora e sem avisar? Eu pareço uma gata borralheira como diria
minha avó. Enquanto ela vestia uma calça jeans justa escura, jaqueta de couro preta e botas. Naturalmente
fiquei de boca aberta sem conseguir emitir som algum.

-Alexandra... – Eu suspiro e posso ver a sombra de um sorriso crescer em seus lábios. Ela parecia
desfrutar de algo engraçado, pois seus olhos tinham um brilho diferente. – Tudo bem? – É o máximo que
consigo dizer.

-Melhor agora e você?

Meu coração parece iniciar taquicardia todas as vezes que ouço sua voz pausada e morna. Agito a
cabeça tentando agregar meu juízo que mais parecia um quebra cabeças espalhado em um quarto escuro. Seu
olhar firme me desestrutura. Era como se minhas lembranças não fizessem jus a sua imagem, porque ela não
apenas portava uma beleza singular, era também de tirar o fôlego.

-Estou bem... – Respondo assim que volto a possuir controle da minha consciência. Queria saber o
motivo da visita, depois de alguns dias sem dar notícias. –Desistiu de Lisboa? – Fico admirada com minha
audácia em perguntar.

-Pelo contrário – Ela se aproxima de mim, meus joelhos estremecem – Vim buscá-la.

Me buscar?

Ela sorri e novamente é como se escondesse um segredo.

-Para ir aonde? – Pergunto pávida.

-Para ir a Lisboa.

Ela ri divertida, achando graça da minha surpresa.


-Agora? Eu não arrumei nada. – Minhas pernas de repente perdem a força. Não aguento mais
surpresas hoje.

-Não há problema, eu te ajudo.

Ela diz me guiando em direção à recepção do hotel. Eu tento parecer despreocupada e tranquila nesse
momento, mas na verdade estou tentando não esbarrar uma perna na outra.

-Você sabia que existe um aparelho chamado celular? É muito útil para entrar em contato com as
pessoas. – Eu falo com ironia.

– Vejo um sorriso satisfeito brotar em seus lábios. Seus lindos olhos variam entre um tom azul e cinza.
Droga, você é muito linda! E que perfume é esse? Acho que consigo sentir o sangue correr em minhas veias.

-Gosto de surpreender. – Ela disse e riu sarcástica.

Subimos até o quarto em silêncio, mas por dentro eu gritava comigo mesma. O que diabos ela está
fazendo aqui?. Eu sem dúvidas adoraria um aviso prévio para poder me programar melhor.

Assim que abro a porta do quarto, percebo o olhar analisador de Alexandra correr sob o cômodo. Era
como se ela tentasse trazer na memória alguma lembrança.

-Pode se sentar aqui. – Apontei para a cama - Eu vou começar a fazer as malas.

Ela se sentou sem tirar os olhos de mim, a imagem de satisfação continuava estampada em seu rosto.
Comecei a dobrar peça por peça e colocar na mala, quando me dou conta ela está ao lado passando o restante
das coisas que estão no armário. Em alguns momentos nossos olhares se encontravam e era como se eu
esquecesse o que estava fazendo. Tentei não deixá-la perceber o quanto sua presença mexia comigo, mas no
fundo eu sentia coisas irreveláveis só de olhar para ela.

Logo após fazer check out do hotel, vou atrás de Alexandra que estava na entrada colocando as malas
Audi preto.

-De quem é esse carro? – Indago preocupada.

-Eu aluguei.

Ela responde com o mesmo tom suave e calmo de sempre. Abre a porta do passageiro para mim, só
então começo a notar que talvez o que Jorge dissera fosse verdade. Porque uma mulher seria tão gentil com
outra?

O carro era lindo, o painel era todo digital e tinha mais luzes que uma boate. O teto solar possibilitava
vislumbrar o céu que estava especialmente estrelado essa noite. Imagina quão caro é o aluguel desse carro?
Pelos vistos ela deve ser uma modelo famosa.

-Você ficará por aqui quanto tempo?

Ela me olha rapidamente e volta o olhar para a estrada que era muito sinalizada.

-Só mais essa semana e depois volto para o Brasil.

-Vai de férias?

-Não – Ela acha graça – Voltar para casa, voltar para o trabalho.

Ela responde reservada.

-Achei que trabalhasse por aqui. Você deve viajar muito né.

-Não tanto quanto eu queria.

Ela sorri.

-Como não? Vocês modelos vivem pelo mundo. Devem viajar mais que as aeromoças.

-Modelos? - Sua testa enruga em uma expressão confusa.

-É... Faz tempo que você é modelo?

-Eu não sou modelo, Rav.

Sinto minhas bochechas esquentarem. Como assim não é modelo?

-Não? M-Mas você leva tanto jeito. Aquele dia no jardim botânico... Achei que você fosse modelo.

Ela gargalha enquanto eu sinto o chão se abrir sob meus pés.


-Eu nunca fui modelo. Sou veterinária.

-Ai minha nossa! Podia jurar que você fosse modelo, ainda mais quando me disse que veio para cá a
trabalho. Julguei que fosse algum tipo de desfile, sei lá. – Limpo minha garganta tentando entender o que está
acontecendo.

-Não. Eu vim fazer um curso. Trabalho em um haras.

Ela responde educada e divertida.

-Quer dizer então que você mora no Brasil? – Digo completamente arrebatada. Volto meu olhar para
baixo, para meus dedos atados.

-Sim, em São Paulo.

Eu estou lutando para manter uma expressão que não entregue como eu realmente me sinto. Afinal,
ao contrário do que eu pensava nós poderíamos nos encontrar muito mais vezes. Olho para a paisagem afora
sentindo meu rosto ruborizar. Olho disfarçadamente para ela e sua face esconde um pequeno sorriso.

Em duas horas de viagem chegamos a essa cidade maravilhosa, do lado de fora está uma noite fria,
porém deslumbrante. Paramos em frente a um hotel enorme, daqueles onde o prédio se perde de vista, era
localizado em uma rua muito movimentada. Um homem com roupa muito formal se aproxima e Alexandra
passa a chave do carro para ele. Deve ser um chofer. Eu penso. O quão rica ela é? Todo esse luxo me espanta. As
portas se abrem e eu olho atenta por todo aquele Hal tão iluminado, com várias pessoas indo e vindo.

Eu não posso pagar por isso. Esse é meu primeiro pensamento quando volto para a realidade.

-Alex... - Ela me olha rapidamente com as sobrancelhas levantadas, acho que esta era a primeira vez
que a chamava assim – Nós vamos ficar aqui?

-Sim.

Respondeu com sua voz aveludada como o de costume.

-Eu creio que não posso pagar por isso. Parece ser bem caro.

-Você não vai, é minha convidada.

Ela afirmou como se não pudesse argumentar.

-Não! Isso não está certo.

-Claro que está.

-M-Mas...

-Eu insisto.

Antes que eu possa responder o recepcionista me interrompe.

-Senhorita Müller, infelizmente estamos esgotados devido ao festival que acontece este final de
semana.

Pela expressão que Alexandra fez, posso dizer que o rapaz atrás do balcão está com problemas.

-Sr...?

-Tiago.

-Sr Tiago, eu suponho que tenha feito uma reserva quando liguei esta tarde.

Ela soou séria sem dar alternativas para o pobre rapaz.

-Desculpe senhorita, acho que a nova recepcionista não sabia da situação, ainda está em treinamento.

A voz do rapaz era passiva e instável, assim como sua expressão.

-Não creio que esse problema seja meu. Chame o gerente.

Alexandra repreendeu firmemente. Fiquei com pena dele.

-Alex, podemos ir para outro lugar...

-Acho que a cidade inteira está assim. Mas não se preocupe, eu conheço o gerente.
Ela disse calmamente com um sorriso que não ia muito longe.

Logo um homem jovem, vestido em um terno preto chegou. Quando viu Alexandra deu a volta pelo
balcão para abraça-la. Pareciam ser bem amigos.

-Müller! Quanto tempo.

-Pois é, e ainda tu me deixas sem quarto.

Alex lança um tapa no ombro do gerente.

-Espere um momento, vou ver o que posso fazer.

Ele volta para detrás do balcão e passa cerca de dez minutos discutindo com o recepcionista.

-Alex, consegui resolver esse problema e quase despedi o funcionário.

-Não era para tanto, Roberto.

Eles riem e Roberto sai.

A observo de longe, ela passa os dedos delicados e longos por entre os cabelos. Eu gostaria de fazer
isso. Diz aquela vozinha irritante em minha cabeça. Acho que poderia fazer isso o dia inteiro.

Logo o recepcionista entrega a chave para ela com uma cara de poucos amigos. Alex pisca para ele e o
rapaz fica ainda mais vermelho de raiva.

Percebo certa preocupação em seu olhar. Entramos no elevador e subimos até o décimo segundo
andar em silêncio, ela ainda detém aquele olhar franzino. Paramos em frente à porta do quarto, ela coloca a
mão sobre a maçaneta, mas nada diz. Me olha diretamente nos olhos e eu achei por alguns segundos que ela
fosse... Sei lá... Me beijar, talvez. Mas ao invés disso, ela respira fundo e abre a porta. Eu balanço a cabeça
procurando por equilíbrio. Mantenha o controle Ravely, segura a onda.

O quarto era enorme e, como a entrada do hotel, surpreendente. As janelas eram grandes e davam
vistas para a rua movimentada. Dessa altura eu conseguia ver o shopping Center do outro lado, uma
arquitetura extraordinária e atual que contrastava com a da igreja do lado oposto que deveria ser do século
XVIII. Havia uma sala com um sofá de couro também muito grande de frente para um televisor de 49
polegadas. O quarto era separado, a cama aparentava ser king size.

Enquanto estou perdida analisando o quarto maior que meu apartamento inteiro, sinto a mão de
Alexandra me tocar. Uma corrente elétrica corre meu corpo e meus batimentos já rápidos aceleram ainda mais.
Viro-me de frente para ela. Cinza. Esse é o novo tom em seus olhos e eles pareciam transbordar desejo quando
encontraram os meus. Acho que meu mundo acabou de ser bagunçado de dentro para fora. Tudo é considerado
impossível até acontecer e existe um momento em que fui tocada, então, neste instante algo aconteceu. Algo é
acionado e eu soube que tudo poderia mudar. Tudo mudou. E talvez agora, nada jamais será o mesmo.

***

Notas finais:

Olá gente, ótima madrugada!!!!

EEEEE finalmente tive tempo para postar o capitulo 7.

Desculpem a demora, tive alguns contra tempos.

Espero que gostem!

Saiam da moita e digam o que estão achando.

Beijão.
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Capitulo 8 - Que comecem os jogos por Tammy
Capítulo 8

POV Alexandra

Vendo Ravely ali, parada em minha frente com sua atenção toda voltada para mim. Eu só queria fazer uma
loucura. Em qualquer ocasião eu a consideraria presa fácil. Ela tirava meu fôlego, mas eu não podia ser
impulsiva, não ainda. Busquei todo o ar que podia preencher meus pulmões e oxigenar o cérebro. Essa era a
tática para evitar desastres. Contei até três. Eu ainda tinha minhas mãos sobre ela, que continuava a sustentar
meu olhar. Seus olhos pareciam duas chamas vivas. Será que ela pensa o mesmo que eu?

-Não me olhe assim. – Eu disse tentando deixa-la envergonhada. Geralmente sou boa em ler as pessoas e pude
notar que sempre que ela se sentia intimidada fugia. Intimidar é o que eu faço melhor. Vejo sua face ruborizar
automaticamente. Deu certo.

-Assim como?

Ela parece confusa e logo lança seu olhar para minha mão que a mantinha por perto, como quem diz “Você é
quem está me segurando”. Acho que foi uma tentativa falha de me inibir. Ouço duas batidas, soltei seu braço e
me voltei para a porta.

-Senhorita, trouxe suas malas.

-Pode deixa-las próximas ao sofá. – Respondi levemente irritada por ser interrompida.

O rapaz sai e Ravely continua paralisada encarando a parede.

-A cidade está lotada de turistas, só conseguiremos esse quarto. Você pode ficar na cama de casal e eu durmo no
sofá. – Disse tentando quebrar seu transe.

-Não é justo. Você pode ficar na cama.

-Imagina, me sentirei melhor se você ficar lá.

-Você é sempre assim?

Ela pergunta inesperadamente. Seus olhos se estreitam como se ela pensasse sobre o que iria dizer a seguir.

-Assim como? – Digo com um sorriso cheio de provocação.

-Mandona!

Responde-me bruscamente e sua resposta faz meu sorriso se estender. Mal sabia ela que isso me excitava ainda
mais. Ela também sorri e arrasta sua mala para o quarto. Talvez eu não seja a única a gostar dessas situações.

-Não sempre... Só quando... –Preferi não continuar.

-Quando?

Ela insiste. Parece que não tinha intenção de fugir tanto assim de mim. Vamos ver quem aguenta mais.

-Só quando é com alguém que me interessa muito. – A expressão de Ravely muda completamente. Acho que ela
não esperava por essa. O que será que ela está pensando agora?

Talvez eu não deva olhar tão diretamente para seus lábios. Era inquietante e a cada momento eu corria mais
risco de não aguentar.

Ela não me respondeu, ficou em silêncio, um silêncio ambiente. Mexia em sua mala e eu desconfio que fosse
apenas para disfarçar os pensamentos que deveriam gritar em sua cabeça agora. O que eu posso fazer, ela
mexeu com o quem não devia.

-Vou tomar banho, se você não quiser ir primeiro... – Ela disse tentando dispersar a tensão.

-Tudo bem, pode ir na frente. – Eu respondi.

Eu não sabia o quanto Ravely estava consciente sobre o que acontecia, mas assim que a vi passar do quarto
para o banheiro enrolada em uma toalha branca, senti meus olhos corroerem, torcendo para que aquele tecido
felpudo escorregasse por seu corpo. Com certeza isso foi uma declaração de guerra.

Logo em seguida a ouço me chamar, vou desesperada até a porta. Será que ela decidiu me convidar para o
banho? Por que eu aceitaria sem questionar.
-Oi, tudo bem aí? – Perguntei pela porta.

-Eu esqueci o shampoo. Você pode pegar tudo na minha mala, por favor?

-Sim, claro. – Corri até sua mala e procurei entre as roupas que tinham o melhor perfume do mundo. Bati na
porta e ela pediu que eu entrasse.

Entrei e soltei o ar que estava segurando. Porque ela tinha que me desestruturar tanto assim. Ela inclina a
cabeça para fora do vidro, sorrindo como um anjo caído do céu. Meu coração da pulos, sinto meu sangue ser
inundado por adrenalina. Entrego-lhe o shampoo e o condicionador sem descolar meus olhos do seu corpo
escondido pela cortina de vapor. Garota, você não sabe com quem está mexendo. Eu digo em pensamento.

Seguro meu instinto e saio do banheiro, acho que desta vez ela ganhou.

POV Ravely

Entrei no chuveiro e queria que água apagasse tudo o que eu sentia, mas não havia acordo, a essa altura eu já
não tinha mais controle do meu corpo. Fiquei fantasiando como seria se ela entrasse por aquela porta. Ai meu
Deus, o que eu estou fazendo? Onde aperto para parar? Eu queria muito tomar esse banho com Alexandra. Ela
ativou meus hormônios como ninguém, na verdade eu nunca na vida tinha me sentido assim. Passo as mãos
onde ela havia me tocado e é como se tivesse sido marcada, quase podia sentir arder. Eu só conseguia pensar
em como queria me afogar naqueles olhos, naquele corpo inteiro.

Entro debaixo d’água e só então noto que me esqueci de levar shampoo e condicionador. Saio toda encharcada
e vejo que não havia nenhum no armário da pia. Como pode um hotel tão chique e luxuoso não disponibilizar
coisas mínimas? E agora?

Só me restava pedir para Alexandra, não podia sair com o cabelo molhado e sem lavar.

Destranquei a porta e me escondi no box do banheiro. Sorte a minha, estava embaçado com o vapor do
chuveiro

-Alex! Alex! – Gritei seu nome com a boca cheia.

-Oi, tudo bem aí?

Ela respondeu sem abrir a porta.

-Eu esqueci o shampoo. Você pode pegar tudo na minha mala, por favor?

-Sim, claro.

Não sei se foi impressão minha, mas eu pude notar um tom sádico em sua voz, era difícil de ter certeza. Logo
ouço outra batida na porta.

-Pode abrir. – Ela abriu com urgência, agora ficou evidente que ela queria estar ali tanto quanto eu queria que
ela estivesse. – Puxei um pouquinho da porta e nossos olhos se encontraram. Ela me passou o pequeno frasco e
notei seus olhos buscando pelas brechas ver o restante do meu corpo escondido pelo vidro opaco. – Obrigada -
eu disse.

Ela umedeceu os lábios e por segundos eu só podia pensar em como seria bom beijar aquela boca. Meu cérebro
não é capaz de realizar as sinapses para que eu respire. Só volto a recuperar o ar quando ela se afasta,
fechando-se para fora do banheiro. Coloco o rosto debaixo d’água. Eu desejo Alexandra, a desejo com todas as
minhas forças. Admitir isso me causa uma incomoda e dolorosa sensação. De repente estou confusa e zangada.
Saio da ducha e envolvo meu corpo com a toalha. Suspiro tentando diminuir a taquicardia.

Tranquilizo-me, crente que a sessão tortura acabou, mas me engano. Assim que saio do banheiro vejo
Alexandra de costas, vestia um sutiã preto a ainda estava de calça jeans. Mas o que mais me chamou a atenção
não foi a sua cintura perfeitamente delineada e sim a tatuagem de um lobo que apanhava metade de suas
costas e provavelmente transcorria glúteo e perna abaixo. Era enorme e magnífica. Eu queria ver toda a
imagem que se escondia debaixo do seu jeans justo. Meus olhos insistiram em percorrer todo o seu corpo em
silêncio, pois ela não sabia que eu estava ali. Até que seu telefone tocou e ela se vira antes que eu pudesse fugir.
Puta que pariu! Fui pega no flagra secando o corpo dela. Ok, parece que agora não há como negar. Acho que já
está ficando obvio que eu estou tão, tão afim dela que mal consigo respirar. Seu sorriso de orelha a orelha
esboçou o quanto ela se deliciou assim que notou que eu estava parada fitando suas costas em segredo.

-Fala, Guto! – Ela atende ao telefone com a voz suave, parecia estar saboreando em sua mente a cena que
acabara de acontecer. Eu fui para o quarto vestir uma roupa, indignada com minha falta de discrição.
-Sim, estou em Lisboa.

-Idiota! Não estou sozinha.

Ela gargalha. Quem será esse tal de Guto?

-Quando eu chegar aí nós conversamos melhor.

-Pode deixar, eu te conto tudo.

-Beijo para todos.

Pela tranquilidade com que falou deveria ser algum amigo muito próximo ou parente. Ainda assim fiquei
curiosa, será que ela não tinha ninguém especial?

-Rav!

Ela aparece na fresta entre a porta e o batente com um sorriso amável no rosto

– Banheiro já está livre?

Eu cubro meu corpo semi vestido e enrubesço.

-Está sim. – Sorrio sem graça.

Ela segue para o banheiro e eu espio mais uma vez sua tatuagem pela fresta. Pergunto-me como passei tanto
tempo perto dela sem enlouquecer. A cada vez que pronuncia meu nome eu estremeço, quando me toca perco
o fôlego. O que aconteceria se ela ousasse me beijar? Isso você só vai descobrir fazendo. De novo aquela voz em
minha cabeça, tentando me jogar no precipício.

Logo estamos prontas para sair, e eu continuo nervosa em sua presença. Será que nunca vou me acostumar?
Chega o elevador e entramos, naquele ambiente fechado o seu perfume me impregna. Quantos segundos eu
levo para perder o controle? Bem... Isso depende se ela vai sorrir e me inundar com esses olhos azuis
maravilhosos. Sinto até medo de olhar para ela porque sei que, encontrar aquele olhar e me segurar seria
muito difícil.

-Eu... É... –Engulo nervosamente e ela me encara esperando curiosa sobre o que tenho a dizer – Adoro seu
perfume.

Pronto, a junção perfeita e destruidora acontece: Sorriso enigmático e um par de olhos azuis brilhantes. Chega,
chega, chega! Mexo a cabeça tentando espantar a tentação.

-É mesmo? Vou usa-lo mais vezes então.

Emudeço. Escondo-me atrás de uma pequena onda de cabelo que esta em meu rosto. Ela me analisa com seus
olhos completamente impenetráveis, desliza seu dedo delicado pelo cacho pendido em minha face, colocando-o
atrás de minha orelha.

-Eu adoro seu cabelo.

Nesse instante meus músculos abdominais contraem e sinto meu estômago borbulhar.

Chegamos ao térreo e as portas do elevador deslizam. Algumas pessoas estão à espera para entrar e nos olham
como se percebessem que tipo de atmosfera existia entre nós.

Passamos pelas grandes portas de correr e o Audi preto estava a nossa espera. O rapaz bem vestido passou a
chave para Alexandra que abriu a porta do passageiro para mim.

Seguimos pelas ruas agitadas, eu não sabia qual era o nosso destino, mas isso pouco me importava desde que
eu estivesse com ela.

Meus devaneios são interrompidos quando meu celular toca, era Augusto. Fiquei paralisada analisando a tela
do aparelho que insistia em vibrar. Recusei. Eu não poderia falar com ele, sem dúvidas seria capaz de notar
alguma diferença em meu tom. Isso me entristeceu, eu não sabia mais o que fazer.

Alexandra apertava alguns botões no painel do carro e começou a tocar uma música que eu adorava. Será que
ela sabe ler mentes?

-Adoro essa banda.

-Muse? Eu também.

Sorrimos contentes e fomos o caminho todo cantando: madness.

-Acho que temos mais em comum do que pensávamos.


Eu concordo com a cabeça.

O que me assombrava agora é que tudo que Alexandra provocava em mim era novo, infelizmente eu nunca
senti nada parecido com Augusto, mesmo ele sendo uma ótima pessoa. Augusto era a calmaria, o dia
ensolarado depois da chuva, mas a cada minuto passado ao lado dela, eu via que Alexandra era o precipício,
era andar sob a tempestade e o que eu poderia fazer? Eu queria muito cair em queda livre.

***

Pov Alexandra

Escolhi um restaurante a beira mar para levá-la. Até agora a noite tinha corrido maravilhosamente bem, e pelo
que eu podia ver Ravely sentia-se no mínimo nervosa em minha presença. Pegamos uma mesa pequena para
duas, bem próxima da água. Aquela sensação de ondas quebrando nas rochas abaixo de nós me trazia calma.

Ravely encarava a água como se nelas pudesse encontrar todas as respostas de suas dúvidas.

-Um milhão por seus pensamentos.

Ela me olha sorrindo. - Muito bonito esse lugar.

-De fato, por isso o escolhi, imaginei que fosse gostar.

O garçom chegou com uma garrafa de vinho e nos serviu. Na mesa ao lado, bem próxima a nossa, duas
mulheres se sentaram logo após a nossa chegada. De inicio não me dei conta, mas depois pareciam ser um
casal. Esse restaurante tinha um ambiente bastante romântico e era uma ótima opção para recém-casados.
Discretamente elas também nos olhavam.

-Você ainda não me disse sobre o que pensava. - Ela não me responde apenas fica vermelha.

-Você é sempre tão tímida assim? – Pergunto enquanto bebo um pouco do vinho em minha frente.

-Bom... Não sempre, mas depois dessas perguntas...

Ela desvia seu olhar de mim, direcionando-o para a mesa ao lado e logo percebe que as moças estão nos
olhando.

-Acho que chamamos a atenção da mesa ao lado.

-Devem estar olhando para você.

-Para mim?

Ela indaga com seus olhos acesos de curiosidade.

-É... Eu olharia para você. – Acho que agora ela ficará escarlate.

-Parecem ser um casal.

Ravely foge do assunto.

-Isso te incomoda?

-Não, de forma alguma. Meu melhor amigo é gay, bem gay mesmo.

Uma das moças alonga o corpo para falar conosco.

-Hey! Vocês são brasileiras também?

Fala com um sorriso aberto e simpático.

-Sim, de São Paulo e vocês?

Ravely responde com a mesma afinidade.

-Do Rio...Sou Emily e ela é a Márcia.

Esticou a mão para Ravely e logo em seguida para mim.

-Alexandra e Ravely – Eu respondi.

-Juntem-se a nós. – A tal Márcia convidou. Olhei para a Ravely esperando por sua resposta.
-Por que não? – Respondeu com ombros levantados.

Juntamos as mesas, Ravely sentou ao meu lado, fiquei feliz com a proximidade. Emily era morena, de pele
bronzeada típica carioca com cabelos lisos e pretos, parecia ser extrovertida e conversava bastante. Já Márcia
aparentava ter uns 37 anos, cabelo castanho até os ombros, era mais calada, não tanto quanto eu, mas não
falava muito. Fizemos nossos pedidos e logo se foi à primeira garrafa de vinho.

-Estão em lua de mel?

Ravely perguntou para Emily enquanto Márcia e eu comíamos e observávamos a conversa.

-Sim! – Emily colocou a sua mão sobre a de Márcia que sorriu em cumplicidade. – E vocês, há quanto tempo
estão juntas?

Eu olhei para o prato, fingindo que a conversa não era comigo.

-Quase um mês.

Por pouco não cuspi a comida. Eu havia notado que Ravely tinha bebido algumas taças de vinho, só não pensei
que fosse o suficiente para alterar a realidade. Mas não posso negar, adorei o efeito do álcool sobre ela. Olhei-a
com uma sobrancelha em pé e ela sorriu de uma forma que eu ainda não tinha visto. – Nos conhecemos há um
mês – Completou com uma expressão insondável e tomou mais um gole do vinho.

-Vamos para uma baladinha agora, o que acham de nos acompanhar?

-Pode ser bom. – Respondi com segundas intenções olhando bem no fundo dos olhos castanhos de Ravely.

Pagamos a conta e seguimos para a tal boate. Para minha surpresa – ou nem tão surpresa assim – Era uma
balada gay com algumas pessoas seminus dançando em gaiolas, com seus corpos cobertor por óleo corporal e
gliter.

-Acho que você não esperava por essa... – Sussurrei em seu ouvido, meus lábios roçaram levemente na pele de
sua orelha.

-Não vejo problema nenhum. Você nunca foi a uma balada gls? São as melhores.

Embora sua voz fosse rouca o seu tom foi provocativo.

-Já sim, em muitas. Minha antiga namorada adorava. – Eu cuspo as palavras e pronto, se era isso o que ela
queria saber, conseguiu o que queria.

Continua...
Notas finais:

Corri para postar esse capítulo porque estava devendo, atrasei


muito semana passada.

Para as ansiosas pelo beijo, só posso dizer uma coisa: Esperem só


mais um pouco, está logo ali... kkkkkkk

Espero que gostem!

Aguardando os comentários, são sempre bons em estímular o autor


a continuar escrevendo e também nos ajudam saber o que os
leitores pensam sobre a história.

Beijãoo

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Capitulo 9 - Meu doce pecado por Tammy

POV Alexandra

Seguimos Emily e Márcia até o bar. Resisti ao meu velho e bom uísque já que estava dirigindo e Ravely estava
comigo. Com certeza quem me conhecia ao menos um pouco não acreditaria que eu estou sóbria em uma
boate. Já Ravely, depois da terceira ou quarta taça de vinho estava bastante alegre. Decidi ficar bem de olho
nela. Pedi um Long Sland sem álcool, praticamente um chá puro. Ninguém precisava saber. Quando me dou
conta ela me aparece com uma taça de margarita em mãos. Não precisei lhe dizer nada, o meu olhar
desaprovador disse tudo por si só.

-O que foi? Quer um pouco?

Ela me respondeu com ousadia, olhando para a taça.

-Não, obrigada! – Levantei o copo em minhas mãos.

-Você está muito séria, cadê aquele seu olhar enigmático? – Olha-me com expressão cálida e apreciativa.

-Você fica sempre tão animada assim quando bebe?

-Eu não sei, não costumo beber. E pare de me responder com outra pergunta.

Eu não aguentei e me deixei rir.

-Está rindo de mim, senhorita Muller? – Fiquei séria – É, eu me lembro do seu sobrenome.

-Eu? Jamais. E o que tem para me dizer sobre estarmos a quase um mês juntas?

Nada me disse além de um sorriso terrivelmente tentador. Sou mais forte do que pensei. Ela virou garganta
abaixo todo o restante da taça e a colocou na mesa, com mais um pouco de força a teria quebrado em vários
pedaços, a essa altura sua noção de profundidade estava afetada. Bomba relógio. Pensei enquanto balançava a
cabeça negativamente.

-Vou dançar com as meninas.

Ela disse em um tom severo e desinteressado. Eu me mantive impassível, exatamente onde estava, queria ver
até onde ela iria, queria descobrir precisamente o que ela queria. No fundo eu sabia que qualquer atitude
tomada nessas condições poderia ser mal interpretada no dia seguinte, ela poderia acordar e simplesmente
dizer que se arrependeu. E eu não queria isso, não queria ouvi-la dizer isso.

Enquanto estava sentada tentando enxergar Ravely no meio da multidão, sinto uma mão fria tocar meu braço,
elevo meu olhar que se impacta com uma morena de olhos negros impetuosos. Não pude conter o riso
introverso que cresceu em meus lábios.

-Posso fazer-te companhia?

Ela diz educadamente.

-Tudo bem... – Respondo da mesma forma.

-Aceitas uma bebida? – Antes que eu pudesse responder ela me interrompe – Desculpe, sou Débora.

-Alexandra. – Mostro-lhe o copo quase cheio em minhas mãos – Obrigada, mas já tenho algo.

Meus olhos aflitos continuavam a buscar por Ravely. Eu tinha medo do que ela poderia fazer, mas eu já não
conseguia vê-la entre tantas pessoas. As luzes constantes que piscavam em verde, azul e vermelho infernal
dificultavam minha visão, como também a pista giratória no centro. Ela provavelmente já estaria do outro
lado.

-É... Débora, certo?- Ela confirmou com a cabeça e um sorriso malicioso – Hmm... Sinto muito, mas preciso ir.

- Hey! Espere mais um pouco. – Ela tenta segurar-me pelo braço.

-Olha, és muito bonita e em outro momento nós não estaríamos aqui conversando, só que hoje eu estou
acompanhada, então... Desculpe.

Ela me solta e eu saio em busca da louca de nome incomum: Ravely. Que agora deveria estar pior que antes.
Álcool, luzes psicodélicas e pista giratória. Isso pode ser mais entorpecente que qualquer outro tipo de droga.
Minha preocupação aumenta ainda mais quando percebo que começaram a distribuir vodka em pistolas
d’água diretamente na boca das pessoas. Que porra de lugar é esse? Dou mais alguns passos, peço desculpas às
pessoas que acabaram levando alguns pisões e a encontro. Dançava entre duas outras mulheres. Talvez eu
realmente consiga transformar boas meninas em garotas más.

Uma música extremamente sexual começou a tocar e eu não soube dizer se isso teve culpa na leve taquicardia
que senti. Aquela não era a Ravely ingênua e tímida que eu conheci há poucos dias. Observo seus traços com
todo o cuidado, ela agora é toda curva e sedução. Guiava a dança com as outras duas que eu não saberia
descrever. Neste instante eu só queria estar no lugar delas, almejava estar onde aquelas mãos deslizavam.
Agora eu já não sei distinguir o sentimento que me inunda, ora ciúmes e inveja, ora tentação e desejo. Eu não
devia tê-la deixado sozinha porque... Droga! Você está ainda mais linda do que a primeira vez que te encontrei.

Eu estava lá, inerente a ela, vislumbrando a vista até que me notou. Posso jurar que vi um mínimo sorriso
sacana crescer em seus lábios rosados. De repente uma das moças a cercou por detrás. Corpo colado. Pensei
que Ravely fosse encerrar o contato, podia apostar que ela iria. Enganei-me. Ela só fez insinuar ainda mais,
chamando atenção de quem estivesse ao redor. Minha mandíbula travou, tinha os punhos fechados. Eu
gostaria que acabassem com isso imediatamente. Talvez o ciúme e a inveja tenham vencido.

Puta que pariu! Aonde ela pensa que vai com isso?

Num sobressalto voltei em si. Não iria ficar assim. Fui até o bar, torcendo que a tal Débora ainda estivesse por
lá.

-Dois shots, por favor. – Pedi ao rapaz do bar.

Assim que ele me passou virei os dois com os olhos trincados.

Avistei Débora conversando com um homem bastante musculoso e sem camisa que não me intimidava.

-Quer dançar comigo? – Suspirei próxima a sua orelha.

-Olha só quem voltou...

-Mudei de ideia. – Respondi com um sorriso quente e toquei de leve em sua mão.

Ela diz algo para o pseudo The Rock e me segue. Fui o mais próximo de Ravely que fosse possível. Começamos a
dançar e constatei que não poderia ter feito escolha melhor que a tal Débora, ela provavelmente sabia dançar
kizomba, nunca vi alguém rebolar tanto assim em mim.

Eu dançava com outra e fitava Ravely com suas “amiguinhas”. Débora começou a resvalar os lábios em meu
pescoço e minha pele reagia ao seu estímulo. Retribui o ato sem subtrair meu olhar de Rav, aquele sorriso
mordaz que ela tinha no rosto, desapareceu. Débora alcança meus lábios e sinto sua língua pedir entrada em
minha boca. Ravely assiste a tudo surpresa, seu olhar é firme, intenso e depois que vê Débora se apossar de
mim, ela fica catatônica, poderia dizer que aquele foi o fim da festa. Ela deixou a pista a passos largos e duros.
Desvencilhei-me de Débora, ela já tinha cumprido com o planejado.

Voltei ao bar, embora tivesse conseguido o que queria, eu não me sentia bem. O arrependimento bateu, eu não
queria fazer mal a ela e foi justamente o que fiz. Eu fiz merda de novo.

Pov Ravely

Eu cambaleio para fora da multidão, sem me despedir de quem quer que fossem aquelas duas. Na verdade eu
queria saber quem era aquela mulher engolindo a cabeça de Alexandra. Tudo bem que ter o sangue diluído em
álcool altera completamente todos os meus sentidos, mas eu sei que pelo menos meus olhos não estava
mentindo. Em um momento ela estava me olhando e no outro aparece com uma desconhecida.

Talvez tenha sido retaliação. Com certeza foi. Era claro que se isso fosse um jogo, eu estava caindo direitinho.
Tudo o que eu queria fazer parecia completamente errado, algo despertou em mim uma necessidade de
aventura e inconsequência.

Pego o celular e minha cabeça gira ainda mais. Quantas margaritas eu tomei? Abri o Google maps para saber o
quão longe do hotel eu estava, mas só serviu para deixar-me ainda mais irritada, a internet não funcionava
dentro do estabelecimento. Estava prestes a pegar um táxi qualquer e terminar com isso.

Agarrei-me ao balcão ao lado, minha cabeça girava e estava mais instável que o de costume. Eu devia imaginar
que não era uma boa ideia misturar vinho e tequila. As horas passaram sem que eu percebesse, assim como
minhas atitudes. Eu queria Alex, mesmo que não a pudesse ter. Por que tenho que me sentir tão algemada a
ela? Pedir para que minha vidinha medíocre voltasse a ser o que sempre foi era muito?
-Perdida?

Senti uma voz aveludada perturbadora sussurrar ao pé do meu ouvido.

-Não... Eu acho. E você? – Respondi no tom mais seco que eu poderia.

-Já encontrei o que procurava.

Sem responder continuei olhando para a tela do celular.

-O que acha de irmos embora?

Eu não podia olha-la nos olhos quando falava nesse tom, não me era seguro.

-Não acho que sua amiga irá gostar – Apontei para a multidão, onde elas estavam se agarrando. Será que ela
conseguia ver o que eu escondia? É claro, eu não poderia julgar a moça, eu também teria beijado Alexandra.

Ela sorriu e desviou-se de mim só para tornar a penetrar-me aquele olhar que me tirava o ar.

-Aquilo não foi nada... E, eu já me despedi dela.

Seus olhos sorriam divertidos.

-Nossa! Se aquilo não foi nada, imagina o que seria TUDO. – Falei de uma vez e só depois me dei conta do que
dizia. Ainda bem que bêbada eu não sinto tanta vergonha. Isso acontecerá amanhã.

-Se a conhecesse melhor poderia dizer que está com ciúmes, Rav. – Continuou com seu tom provocativo.

-Vamos embora, Alex. Eu não me sinto bem. – Seu olhar mudou do sedutor natural, para estranhamente
preocupado. Pegou-me pela mão, sem dizer nada e seguiu em direção à saída. O ar frio da noite inundou meus
pulmões e a sensação aliviou o mal estar. Alex continuava me olhar preocupada.

-O que você está sentindo?

-Embriaguez? Eu acho.

Ela gargalhou.

– O que é tão engraçado?

-Isso é o que acontece quando se bebe tudo o que tem pela frente. Por que você bebeu tanto assim? Parecia
querer fugir da realidade.

Você não sabe o quanto eu queria fugir.

-Não sei, eu nunca fiquei bêbada.

-Vamos embora, eu vou cuidar de você.

Era difícil continuar zangada quando ela se comportava assim, com tanto carinho. Afinal, tinha o direito de
beijar quem quisesse, não temos nada e nem poderemos ter. Lembrar disso fazia meu coração torcer.

Ao entrar no carro, Alex percebeu meu desequilíbrio aproximou-se para ajudar. Colocou o cinto de segurança
no fecho. Seu rosto estava tão próximo do meu, se mantinha concentrada e até mesmo levemente preocupada
com meu bem estar. Se ela inclinasse um pouco mais poderia tocar meu rosto. Ainda assim pude sentir seus
cabelos escuros tocarem minha pele. O mais singelo toque vindo de Alexandra era o suficiente para me fazer
vibrar. Minhas forças para mentê-la longe não existiam mais, pelo contrário, agora eu tinha que lutar contra a
vontade insana de mantê-la por perto. Elevou seu olhar para mim e sorriu, parecia saber exatamente o que
sondava meus pensamentos. Seus olhos azuis me instigavam cada vez mais ao erro. Estávamos perigosamente
próximas. Tranquei a respiração, não queria mais sentir aquele perfume, ele me deixava louca.

-Rav?

-Sim...

-Pode voltar a respirar. –Disse com ternura, colocou uma mecha do cabelo atrás da orelha. Eu me contorci
naquele banco de couro preto.

Deu a volta pela frente do carro e se acomodou no banco do motorista. Durante alguns minutos atravessamos
as ruas escuras e pouco movimentadas.

-O que você viu nela?

-Em quem? - Respondeu-me sem desviar os olhos da pista.

-Ninguém... Deixa para lá. - Bufei


Estávamos em frente ao hotel, Alexandra entrega a chave para o rapaz bem vestido. Agora já deveria ser outro,
mas eu estava bêbada demais para reparar. Esperamos o elevador descer e entramos.

-Eu não vi nada nela, não fui eu quem a beijou, eu fui beijada. – Disse-me educadamente.

-Mas você gostou, não gostou?

A lembrança do beijo parecia me incomodar mais do que eu gostaria. Ela demorou em responder, esfregou a
testa como se estivesse formulando bem a resposta em sua mente. Talvez ela tenha gostado... Esse pensamento
me entristeceu, minha decepção era palpável. Ela me olhava com um misto de culpa e desejo. Todo o meu corpo
tremeu, tentei respirar fundo, lembrando onde estava e que isso não era o certo a fazer. Alexandra aproximou-
se de mim, tinha os olhos brilhando. Droga, como eu amo esses olhos.

-Alex... – Minha voz quase não poderia ser ouvida.

-Hmm? – Ela sussurrou.

Estávamos tão próximas que eu conseguia sentir seu calor. À medida que ela se aproximava eu dava um passo
atrás, até que me choquei com a parede fria e metálica do elevador. Ela detinha o poder de me bagunçar tanto
por dentro quanto por fora. Percebendo que eu estava encurralada o sorriso maléfico estampou em sua face.
Suas mãos apanharam meu rosto e seus lábios tocaram os meus com urgência. Eu me entreguei. Eram os lábios
mais macios que já tinha beijado. Sua mão prendia meu cabelo, senti seu corpo pressionar o meu contra a
parede. Uau! Ela conseguia ser ainda mais incrível. Eu não sabia que iria me sentir assim, não sabia que a
sensação de ter seus lábios nos meus seria tão maravilhosa. Tento acalmar meu coração que pulava
desenfreado. Só nos separamos quando o ar faltou. Chegamos ao décimo segundo andar e a porta de correr se
abriu.

Assim que entramos, deixei-me cair sobre o sofá. O que foi isso? Meu corpo está em choque, não consigo
processar pensamento algum. Agora parece que o prédio inteiro girava. Meu estomago se manifesta e eu corro
para o banheiro. Alex que ainda estava na porta, só teve tempo de me ver correr. Dobro meu corpo e apoio as
mãos sobre a cerâmica do vaso. Ela entra logo atrás de mim, apanha todo o meu cabelo mantendo-o distante do
rosto. Tentei afasta-la, mas logo o vômito vem de novo. Parecia que todos os meus órgãos quisessem saltar para
fora. Que horror! Meu abdômen parecia contrair involuntariamente. Eu me sentia horrível. Tento colocar-me
de pé, mal me aguento. Todo esse esforço me deixou esgotada. Alex me ajuda a chegar até a pia, abre a torneira
com água fria, molha-me o rosto algumas vezes. Morrendo de vergonha e nojo de mim mesma, eu mal
conseguia olhar para ela. Ao menos agora a cabeça finalmente para de girar.

-Você precisa de um banho, acho que pode ajudar.

Ela começa a encher a banheira ao lado. Apanha um elástico num dos estojos que estavam sobre o armário e
prende meu cabelo todo para o alto. Eu a encaro e não consigo dizer nada. Seus olhos estavam compenetrados
em mim.

-Você é sempre assim tão atenciosa com suas fotógrafas?

-Sim. Mas só se forem muito bonitas. – Aquele tom sarcástico e sedutor aparece de novo. Eu não aguento isso!

-Desculpe... – Eu murmuro.

-Pelo que?

-Pelo transtorno e pelo trabalho.

-Não me importo. Se quiser conversar sobre isso outra hora, estarei aqui. – Ela afasta-se de mim e testa a
temperatura da água.

-Você não deveria ser tão boa comigo. Eu poderia me apaixonar e te pedir em casamento. – Brinco com alguns
tons ocultos de verdade.

Alexandra gargalha.

-Nestas condições eu não poderia aceitar. Provavelmente você não recordará de nada pela manhã.

-Eu juro. Nunca mais vou beber.

-Todos os bêbados dizem isso. Eu mesma já o fiz. – Disse divertida.

-Mas você não bebeu hoje.

-Alguém tinha que cuidar de você, não é? Imagine! Nós duas agora, bêbadas? – Houve uma pausa e eu notei o
tom de duplo sentido em suas palavras - Não chegaríamos neste hotel.
-Tenho certeza que seria muito mais divertido. – Parece que meu sistema límbico não tem mais barreiras.

-A é? Por que acha isso? – Voltou os olhos para mim, estavam bem azuis e vermelhos, acho que pelo cansaço.

-Porque talvez você seja do tipo que conta tudo quando bebe. - Acho que soei mais interessada do que deveria.

-Eu creio que esse seja o seu caso, não é mesmo?

Ela parecia estar se divertindo ainda mais do que eu.

-Talvez...

Pelo amor de Deus, cale a boca, Ravely.

Escovei os dentes varias e varias vezes seguidas. Lutei para tirar a jaqueta que vestia, comecei a desabotoar a
camisa sem me importar com a presença de Alex. Quando fui arrancar a calça ela se manifestou.

-Vou esperar por você na sala. Qualquer coisa é só gritar.

Assenti com a cabeça e ela saiu. Entrei na banheira que tinha uma água quente deliciosa. Devo ter ficado
imersa por trinta minutos, tentando me certificar dos fatos. Eu precisava ser parada enquanto ainda havia
tempo. Nada disso parecia real.

Sentia-me um pouco melhor, pelo menos agora estava limpa e o nível de álcool circulante parecia ter baixado.
Alex me esperava com duas garrafas de água e barra de chocolate. Sua beleza é desconcertante. Será que nunca
vou me acostumar a olhar para ela sem suspirar? Só eu sei o quanto estou ferrada.

-Não é muito tarde para você comer doce? – Disse.

-São para você e não quero ouvir “não”. – Diz autoritária, apontando-me o pacote com o doce.

- Mas eu não quero chocolate agora.

Ela não proferiu sequer uma palavra, apenas me olhou pelo canto dos olhos e isso foi o suficiente para que eu
abrisse o pacote.

-Amanhã você vai me agradecer por diminuir sua ressaca.

-Você é muito chata - Mostrei-lhe a língua. – Senhorita Müller.

-Você gostou do meu nome, não é mesmo?

Mal sabia ela que se fosse apenas do seu nome a minha vida seria muito mais fácil...

***

POV Alexandra

A luz que inundava a sala tirou-me do sono profundo. Parecia que eu acabara de fechar os olhos, sentia-me
exausta e mal consegui me esticar. Dormir no sofá não é nada fácil. Olhei pela janela e embora fosse época de
dias chuvosos, o sol raiava como uma manhã alegre de primavera. Ao caminhar em direção ao banheiro, vejo
que a porta do quarto está aberta. Ravely dormia tranquilamente encantadora. Fiquei alguns instantes
assistindo-a. Acho que era um daqueles momentos que eu poderia observa-la sem que pudesse ver através dos
meus olhos e enxergar como eu realmente me sentia. Minha única vontade era ir até lá, entrar debaixo
daqueles cobertores e deitar junto a ela. Será que se lembrará do nosso beijo? Toco meus lábios tentando
recordar, mas logo estalo a língua em desaprovação a minha atitude. Ela esteve muito mal ontem, quase não
consegui pô-la na cama.

Tomo banho, evito usar o secador para que os ruídos não a despertem, mas foi tudo em vão. Meu celular toca
desesperadamente e claro, era alguém da minha família. Luiza, para ser mais exata. Sorte que não tenho mais
irmãos, do contrário passaria o tempo todo no telefone. Não atendi a chamada, deixei para retornar depois.
Viro-me e vejo Ravely escorada a parede, com as mãos pressionando a cabeça.

-Bom dia! Dormiu bem?


Ela ficava ainda mais linda vestindo minha camiseta.

Pergunto-me se havia algo a mais por debaixo. Creio que seja apenas isso e me desconcentrava muito. Queria
ser uma camiseta agora. Acho que esse dia será longo e tortuoso.

-Bom dia... Eu entrei em coma alcoólico? – Tinha a voz chorosa.

-Não, mas deve ter beirado. – Respondi achando graça de sua cara de ressaca.

-De quem é essa roupa?

Olhou para si estendendo a camiseta.

-Minha. Não sabia que roupa pegar para você, então escolhi uma minha.

E lá estava a Ravely de sempre, ruborizando pelos motivos mais simples.

-Óh céus. O que eu fiz ontem? - Ela suspira preocupada.

-Muito do que não devia... – Seus olhos quase saltaram.

-Ai minha nossa! Minha cabeça está latejando. – Seus olhos estavam semicerrados por causa da claridade.

-Fique pronta, pois saímos em alguns minutos.

Apanhei um analgésico e lhe entreguei.

-Nossa! Meu cabelo deve estar péssimo. Provavelmente semelhante a um leão, estou sendo medicada por você.

-Há Há Há ! Muito engraçado. Anda logo ou ficará para trás.

-Você é minha guia, esqueceu-se? Não tem sentido que saia sem mim. – Diz e me da às costas. Seria pedir muito,
desejar que essa camiseta suba um pouquinho mais?

Sigo com o que estava fazendo tentando esconder meu sorriso por tê-la por perto todo esse tempo. Não quero
mais voltar para casa, quero ficar neste quarto de hotel o resto da vida, tendo Ravely como minha prisioneira.
Ela consegue ficar ainda mais linda quando está atrapalhada. Não posso evitar me encantar. Principalmente
quando ela insiste em morder o lábio.

Já era tarde quando deixamos o hotel. Ainda sim consegui encontrar um restaurante para almoçarmos. Ravely
estava tagarela, mesmo com a ressaca. Em nenhum momento mencionou o beijo.

-Alex... Você está muito calada, eu fiz algo ontem à noite?

-Depende... Refere-se ao pedido de casamento? Ou ao strip-tease sobre a mesa?

Ela ficou boquiaberta gaguejando, não dizia coisa com coisa.

-Estou brincando, Rav. Você não fez nada que não devia. Acho que estou cansada, apenas isso.

-Me desculpe. Eu realmente não consigo lembrar muitas coisas de ontem. Não devia ter exagerado. Que
vergonha!

-Deixe isso para lá. Venha, vou te levar a um lugar muito especial, aproveitar que hoje não faz muito frio.

Eu estava inquieta ao ponto de ela perceber que havia algo errado. Como não estar? Como você não se recorda
de ontem? Era por este único motivo que eu não queria fazer nada precipitado. Mas foi inevitável, ela estava
tão perto me fazendo tantas perguntas. Eu não pude me conter. Sempre que pensava em sua boca, no seu
cheiro, em como estava tão frágil a mim... Minha pele fervia.

Não consigo explicar como isso foi acontecer. Quando pedi Júlia em casamento, pensei que somente ela pudesse
despertar tais sentimentos em mim. No momento em que me deixou, eu me fechei. Num mundo tão cheio de
pessoas, eu não repetia uma noite com a mesma mulher, não me apegava a ninguém. Eram todas colecionáveis
apenas nomes para completar minha agenda. Acho que nunca a esqueci de fato. Ninguém chegou a significar o
que ela foi para mim. E depois que me deixou ninguém jamais se tornou bom o suficiente para merecer minha
confiança. Como Ravely conseguiu? O que ela tem? Mesmo assim, eu sabia que não era a pessoa certa para ela.
Eu só a machucaria, assim como aconteceu com outras que se permitiram gostar de mim. Então, talvez fosse
bom ela não conseguir se lembrar, ainda que a única coisa em que eu consiga pensar fossem essas memórias
que pareciam nunca mais ir embora, o sabor de seus lábios ainda estava presente em minha boca.
Nós corríamos de carro através das curvas da longa e assustadora estrada de Sintra, o bosque de pinheiros que
circundava o caminho parecia um borrão verde. A adrenalina sempre me ajudou a afastar os pensamentos
perturbadores mesmo quando tinha tanta coisa acontecendo em minha cabeça. Ravely parecia um anjo
sentada ao meu lado, mas a essa altura ela era como um demônio que afastava a sensatez. Olha-me tentando
decifrar meus pensamentos. Eu conseguia notar a frustração em seus olhos ao perceber que não iria descobrir
nada assim.

-Alex, eu não sei o que aconteceu ontem, mas não quero que as coisas mudem entre nós.

-Nada aconteceu, Ravely... Está tudo bem – Sorri forçado tentando convencê-la.

-Eu não consigo acreditar em você. Se preferir eu posso ir para outro quarto, falta pouco para voltar ao Brasil.

Embora eu soubesse que o certo fosse me afastar dela antes que tudo viesse a ruir, não pude me calar. A ideia
de não tê-la por perto era frustrante, talvez eu não fosse forte o suficiente para isso.

-Não! Está tudo bem, acredite em mim. – Peguei em sua mão e ela corou.

-Não sei se devo. Você esconde algo, eu posso notar.

Como vou resolver isso? Eu respirei fundo. Ravely não iria desistir até saber. Ela conseguia ver em meu rosto
que tinha algo errado. Droga! Com você eu não consigo ser uma boa mentirosa.

-Como pode ter tanta certeza?

Ergueu a cabeça e parecia que ia mover os lábios a falar, mas não respondeu; a certa altura acho que mudou de
ideia. Ficamos em silêncio, era melhor assim porque eu já sabia o rumo em que essa história iria se findar.

Chegamos a tal praia paradisíaca, de água azul cristalina onde o céu encontrava o mar. Eu conhecia o local e
imaginei que continuasse pouco movimentado. Eu precisava estar aqui e acho que ela também. Percebi sua
admiração a paisagem de rochas no horizonte, contrastando com a fúria do mar chocando-se violentamente
nas pedras.

-Lindo, não acha? – Perguntei.

-Muito... – Ela sussurrou.

Retirou os tênis, dobrou a calça e eu a adorei enquanto corria da areia ao mar para molhar os pés. Chutava a
água divertindo-se como uma criança que vai a praia pela primeira vez.

-Você não vem?- Gritou de onde estava.

-Não! A água esta fria, não está?

-Sim, bastante e eu vou mergulhar.

-Ta louca? É perigoso. Volte!

Quando fecho a boca ela já esta tirando algumas roupas mais pesadas do corpo.

-Ravely!!! Não ouse. – Gritei, correndo em sua direção.

-Me impeça se puder. – Ela responde com um sorriso zombador. Pois é, ela também tinha um desses.

Tirei a jaqueta, tênis e meias que ficaram espalhados pela areia. A água trincava os ossos de tão fria. Gritei seu
nome, mas Ravely não aparecia e já tinha se passado quase um minuto desde que ela imergiu. Eu já estava
preocupada. “Onde essa garota se meteu?” Mergulhei uma vez e não a vi. O desespero me tomou quando de
repente ela salta em minhas costas, colocando os braços ao redor.

-Bú! – Sorriu amavelmente, preenchendo-me de um grande e confortável alívio.

-Ravely! Eu achei que algo tinha te acontecido. Quer matar-me do coração? – Falo por entre os dentes que
batiam. Eu estava apavorada. – Você acha isso engraçado? – Agora tenho a face franzida e contrariada.

-Sabia que você fica ainda mais linda assim... – Sussurrou e eu tremi por dentro, não conseguia ser indiferente a
ela. Eu não esperava por essa resposta. Ela estava muito perto, ao ponto que eu sentia seu hálito quente em
meu pescoço. Pus-me de frente, seus braços continuavam ao meu redor. A água era glacial, mas seu corpo
quente tão próximo mantinha-me aquecida. Seus olhos encaravam os meus então eu soube que ela não
pretendia me soltar. Nesta distância eu perdia o controle, meu coração acelera descompassado. Eu poderia
beijá-la todos os dias se ela permitisse e não seria minha culpa, porque ela me deixa totalmente fora de órbita.
-Seus olhos estão mais azuis que o mar; E... E-eu os acho tão lindo.

Não digo nada, ela conseguiu me deixar sem palavras. Toca meu rosto, deslizando seus dedos gentilmente pela
minha bochecha até meus lábios. Eu suspiro. Costumava achar que conseguia me manter de pé, mas depois
disso, enquanto ela se aproxima eu sei que posso desabar. Ela me tinha em suas mãos, subestimei seus efeitos.
Acho que estou perdendo minha cabeça agora.

Dane-se!

Aproximei ainda mais sua cintura a mim, fechei os olhos, continuava a sentir sua respiração cada vez mais
próxima. Não me impedi, nos beijamos. Primeira vez para ela e segunda vez para mim. Talvez Ravely tivesse
algo diferente, algo que me prendesse a ela, porque agora eu me sinto como um viciado que não suporta
abstinência. Eu não conhecia o que era vontade até prova-la. Ela faz coisas com meu corpo que eu não sabia
que poderia sentir. Cruzei a linha que jamais deve ser ultrapassada. Talvez eu possa mudar a estratégia daqui
para frente, eu preciso... Porque Ravely era meu mais novo, doce pecado e eu sequer sabia. Agora não há mais
volta.

Notas finais:

Finalmente o tão esperado momento...

Depois me digam o que acharam.

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Capitulo 10 - Minha única exceção por Tammy
POV Ravely

Tinha meus lábios completamente colados aos de Alexandra. Afinal, o que aconteceu ontem não tinha sido
um sonho ou um devaneio causado pela bebedeira. Eu precisava saber e tinha a completa certeza de que ela
não iria me dizer. Agora seus lábios estavam salgados com a água do mar. O coração queria saltar para fora do
peito. Por quê? Como ela me causa tantas sensações estranhas? Eu não posso me deixar levar... Augusto! Gritou
meu inconsciente.

Nos interrompemos, o sorriso alegre e satisfeito no rosto de Alexandra me fazia ter vontade de voltar a
beijá-la, mas não podia, não era certo. De repente sinto-me emotiva, meu rosto devia demonstrar minha
frustração. Porque não nos conhecemos um ou dois meses antes? Seria tudo tão mais fácil. Estou
completamente desolada e ela pôde notar. Sua feição mudou e isso me dá um nó na garganta. Eu não queria
que me visse assim, não queria que se afastasse de mim. Forço um sorriso e me desloco milimetricamente.

-Alex... É-Eu... Desculpe.

O sorriso aberto e contente se desfez em um amarelo e sem graça. Odiei isso.

-Não... Tudo bem. Eu não devia...

Ela tentava se explicar e só então eu me dei conta de quão gelada a água estava, acho que a quebra de
sintonia me trouxe de volta a superfície cálida.

-Vem, vamos sair, aqui está muito frio, você pode ficar doente de novo. – A peguei pela mão e fomos até a areia.
Alex não disse mais nada, apenas caminhou pensativa até o carro, recolhendo nossas roupas espalhadas pela
areia da praia.

Assim que entramos, ela se sentou no lado do motorista, deu partida e ligou o ar quente. Olhou-me de cima a
baixo, o que me causou um arrepio na espinha. Esse beijo pode ter significado algo, e isso me atormentava,
teríamos de passar muito tempo juntas entre quatro paredes. Mais uma vez sou dispersa de meus pensamentos
pelo toque do celular. E de novo nas horas indevidas. Argh! Observo a tela sem que ela veja e recuso a
chamada. Era Augusto, eu sabia que cedo ou tarde teria que encara-lo, mas não queria, muito menos agora.

Escondo-me atrás dos ombros retraídos e ancorados no banco frio de couro. Cadê a aparência de mulher que
sabe lidar com as situações adversas da vida? Eu me repreendo. Elevo o queixo, eu tenho que olhar para ela de
uma vez por todas.

-Alex... Precisamos conversar sobre... – Era tão perturbador lembrar que eu mal conseguia dizer.

Ela ergue uma sobrancelha, como se esperasse pelo que eu tinha a dizer.

-Tudo bem... Você vai dizer que foi uma curiosidade, que você não tem interesse em mulheres. Eu entendo.

Disse sem direcionar o olhar para mim, essa deve ser uma das poucas vezes que seus olhos pareciam confusos,
certamente por isso ela me evita.

-Não é isso... Digo, eu gostei. Mas...

-Gostou... – Ouço-a sussurrar, quase imperceptível, então não tenho certeza. - Mas o que Rav? Pode dizer, eu não
mordo. – Sua expressão mudou, voltou a ter o sorriso sarcástico nos lábios.

-Eu tenho namorado. – Murmurei. Por pouco as palavras não me escapam.

-Ah! Entendi... Pois não há com o que se preocupar. Eu não vou contar a ninguém, se esse é o seu medo. E
também não temos amigos em comum, sabemos quase nada uma da outra. Posso te garantir que não
represento ameaças. - Seus olhos transpareciam frieza camuflada por sinceridade.

Claro que suas palavras sempre me atingiam em cheio. Eu não queria ver essa indiferença diante do que
aconteceu, não queria que fôssemos duas estranhas e muito menos tive o medo de que alguém descobrisse.
Quer dizer, eu sabia que corria riscos quando estava com ela, mas apenas risco de gostar muito, tanto ao ponto
de não conseguir mais parar.

Seguimos o caminho de volta em silêncio, as duas concentradas apenas em seus pensamentos, às vezes
aconteciam troca de olhares que pareciam ser discretos. Só pareciam, porque volta e meia eu sentia os olhos
azuis de Alex a me fitar. Como ela consegue esconder tão bem o que sentia. Seu olhar era surpreendentemente
manipulador e isso me deixava louca. Como farei para continuar resistindo?

Havia pouco tráfego e por isso não demoramos a chegar. Depois dessa conversa não tocamos mais no
assunto “beijo”. Embora isso fosse o que eu queria, meu corpo se negava esquecer o que ocorrera naquela praia
e todas as vezes que nós nos esbarrávamos eu sentia que tudo não podia ficar só por isso...
***

Dois dias se passaram desde então, e minha adorável estadia estava chegando ao fim. Logo agora que eu
começara a me sentir mais relaxada, desde que bati meus olhos em Alexandra Muller isso não acontecia.
Infelizmente, em menos de 24 horas eu já estaria embarcando de volta a minha medíocre calmaria cujo nome
chama-se rotina.

Dentre esses dois dias tudo ocorrera tranquilamente. Alexandra comportara-se como uma ótima amiga,
irresistivelmente encantadora. Eu não conhecia muito dela, mas reparei que esteve mais leve do que quando a
conheci. Visitamos castelos, algumas cidades próximas a Lisboa e vários outros pontos turísticos com ótimos
restaurantes. A maior parte do tempo nos divertíamos com conversas simples e descontraídas. Mesmo com
tanta tranquilidade eu me mantinha a uma distância confortável, não queria correr o risco de cair em tentação
novamente.

Durante todo esse tempo evitei falar ao telefone com Augusto. Eu ainda me sentia perturbada e confusa, não
queria que ele notasse minha mudança, pois então um inquérito se iniciaria. Trocamos apenas alguns e-mails e
ainda assim ele percebera que algo de estranho acontecia. Disse a Alex que iria dar uma volta pelo hotel, na
verdade eu queria aproveitar para fazer a tal ligação longe dela, sem correr o risco de gaguejar enquanto
estava no telefone, simplesmente por vê-la em minha frente. Acho que seria até capaz de trocar os nomes. Isso
poderia ser cômico se não fosse trágico.

Cansei de tanto andar, todo o meu plano foi por água abaixo. Tentei ligar várias vezes e só caía na caixa de
mensagens. Voltei cabisbaixa para o quarto, tinha esquecido o cartão magnético que servia de chave. Bati na
porta a espera de que Alex não estivesse no banho ou saído e me deixado trancada para fora. Logo a porta se
abre, ela estava enrolada em uma toalha. Que ótimo! Quanto mais eu tento fugir, mais os pensamentos
pecaminosos me perseguem, pensei. Ela falava ao telefone. Aquele seu cheiro de pós-banho maravilhoso
perturbou-me mais do que o esperado. Aspirei ao máximo que pude, fechei a porta entre suspiros e sem querer
ouvi sua conversa.

-Não, maninho... Não é assim que as coisas funcionam dessa vez. – Ela sorria, indo de um lado para o outro e eu
fingia não dar atenção.

-Sim... Amizade.

-Claro, eu não sirvo para isso, não dá certo.

-Cala boca, Guto. Quem sabe algum dia eu te apresente, mas só se você se comportar e não me fizer passar
vergonha.

-Claro que não vou desistir. Seu idiota.

-Tá bom. Domingo nos vemos. Beijo.

Será que ela falava de mim? Claro que não! Não seja tola, Ravely. Meu pensamento gritou. É óbvio que
Alexandra deve ser muito disputada e cheia de pretendentes. Afinal, até eu gostaria de fazer parte da
concorrência, quem dirá as moças livres, desimpedidas e assumidamente lésbicas. Balanço a cabeça tentando
afastar esses pensamentos que tanto lutei para evitar.

Me afundei no sofá macio. Fechei os olhos para poder fugir para um lugar de emoções neutras. Acho que
depois de conhecer Alexandra, isso já não seria mais tão possível.

-Vais passar a noite inteira aí? Hoje é seu último dia, se eu não me engano... – Ela murmurou bem próximo ao
meu ouvido, sua voz era sugestiva. Todos os pelos do meu corpo se arrepiaram, ao sentir seus cabelos molhados
sobre minha pele. Abro os olhos e vejo a imensidão azul dos seus se afastar com um sorriso enigmático que eu
adorava, estampado no rosto. Não, você não deve beija-la de novo. Eu dizia a mim mesma, tentando crer que
seria possível. Ela parecia não estar mais mantendo a postura amigável, sua mudança era clara. Como ela podia
mudar tão rápido? Eu jamais seria capaz de acompanhar.

-Alex, que roupa devo vestir? Aonde vamos esta noite?

-O que quiser. O que lhe deixar confortável. – Disse amavelmente.

Levantei num pulo, e fui até a mala buscar por uma roupa.Não saberia dizer o motivo, mas eu estava
especialmente inspirada em me arrumar. Coloquei um sobretudo bege que havia comprado no dia anterior,
meia calça preta, botas de cano alto e salto. Desta vez os cabelos estavam ondulados abaixo do ombro e soltos,
mais uma maquiagem leve e estava pronta para sair. Alex me esperava na pequena sacada que tinha na sala.
Coloquei a cabeça pela brecha da porta de correr que se encontrava entreaberta. Ela estava de costas
observando o movimento na rua e não se deu conta da minha presença. Pigarreei para chamar-lhe a atenção.

-Uau! – Notei sua pupila dilatar quando seus olhos se chocaram em mim.
-O que? Algo errado comigo? – Pergunto-lhe já me autoavaliando em busca do defeito. Etiqueta! Será que eu
tinha esquecido a etiqueta na blusa?

-Não! – Ela sorriu como se dissesse “não é nada disso, sua boba” – Você está linda!– Completa. Eu corei
instantaneamente. - E consegue ficar ainda mais quando ruboriza. – Continua. Pisca para mim de forma sexy
com o olho direito.

Ela se aproxima pega em minha mão indo em direção à saída. Fomos de mãos atadas até o carro. Isso era
novo para mim. Ela só me solta assim que abre a porta e eu me sento. Seu perfume amadeirado inebriava o
carro, me torturando aos poucos.

-Então, aonde vamos? – Resolvi quebrar o silêncio.

- Logo, logo você vera. – Sorriu misteriosa.

Estávamos estacionando o carro em um cais, mais adiante havia um iate ancorado.

-Ainda não entendi. – Disse.

Alex aprontou para o Iate, e eu continuei confusa.

-Vamos dar uma voltinha de Iate. – Sorriu como uma criança divertida que acaba de ganhar um presente.

Caminhamos pela marina até alcançar a pequena escada que dava acesso ao Iate. Um homem de meia idade,
vestido com um desses uniformes brancos de marinheiro nos esperava. Apresentou-se como João, parecia
muito simpático e atencioso, nos disse que seria o capitão e que não iria sair da direção, que apreciássemos ao
máximo o passeio e qualquer coisa poderíamos chama-lo.

Subimos, o iate era completamente luxuoso e estava muito bem decorado, de uma forma bem romântica eu
diria. Nunca estive em um desses, mas poderia afirmar que era dos caros. Enorme, com quartos, cozinha e sala,
muito maior e mais confortável que meu pequeno apartamento. Ela realmente era cheia de surpresas e a cada
passo dado eu sentia minhas convicções irem embora, deixando uma Ravely completamente desprotegida, sem
nenhuma barreira a prova de Alexandra Muller.

Minhas mãos estavam escondidas no bolso do casaco, observava atentamente a cada detalhe do lugar,
afinal, não eram todos os dias que isso me ocorria. Quem leva uma pessoa qualquer para jantar num iate
luxuoso no sudoeste europeu? Parecia-me um conto de fadas bem criativo.

Alex me chamou para a parte externa do barco. Esperava-me com uma garrafa de vinho tinto em mãos sob a
luz da lua que era imensa. As coisas conseguiam se superar cada vez mais. Como ela faz isso? Até a lua essa
garota é capaz de manipular? O cenário inteiro era de tirar o fôlego. Alguém me diga, por favor, como eu vou
suportar a esse jantar?

-Sente frio? Prefere que fiquemos no interior do barco? – Ela disse fazendo menção ao fato de eu estar com as
mãos nos bolsos.

-Não, imagine. Está ótimo aqui, não está tão frio assim... – Sorrio ainda encantada com tudo.

-Espera um momento. Já volto.

Ela correu para dentro do iate e logo pude ouvir um som de guitarra soar. Parecia ser uma música do John
Mayer, mais precisamente “Slow Dancing in a burning room”. Muito oportuno, eu pensei e sorri.

"Parece que não consigo abraçá-la como quero

Para senti-la nos meus braços

Ninguém vai vir salvar você

Já demos alarmes falsos demais"

-Aceita dançar comigo?

A intensidade de seus olhos faz meu estomago revirar.

-Eu não sei dançar, Alex... – Tento fugir.

-Eu te ensino.

Não há como dizer não a esse rosto lindo.

Não respondi, apenas coloquei minha mão sobre a dela que estava estendida. Fuck! Ela está pegando pesado.

Nossos corpos colados mais uma vez, dançando, lentamente enquanto meu corpo entrava em combustão
instantânea. Não era o que você queria? Meu inconsciente caçoa de mim.
-Para quem não sabia dançar você dança muito bem. – Ela diz baixinho e minhas pernas amolecem. Sorte que
eu estava em seus braços, não poderia cair.

-O que nós estamos fazendo? – Pergunto-lhe.

-Dançando...

Ela responde como se não soubesse a que eu me referia. Mas eu sei que ela sabia muito bem.

-Não, além disso. – Alex me faz girar em um movimento tão rápido que eu não sou capaz de evitar. Agora estou
de costas para ela que tem o queixo encostado em meu ombro. Oh Deus!

-Você não acha que pensa demais?

-Sim, eu acho. Mas só porque não quero que ninguém saia machucado disso. – Digo-lhe em tom paciente.

-Já disse que não corre risco comigo.

-Por que você faz isso? Por que eu? – Insisto em descobrir o máximo de respostas que eu puder, desta vez ela
não vai fugir.

-Eu não sei... Há algo em você que não me deixa ficar longe.

Quando me dou por mim já estamos frente a frente novamente. Alex me solta, mas eu continuo presa a ela,
às vezes parece que sempre estarei. Empurra-me até a borda de segurança, que estava logo atrás. Segurou
minha cintura, cheirou meu pescoço.

-Você não deveria morder tanto esse lábio, se já é difícil resistir quando mantenho distância, imagina aqui,
quando estamos sozinhas em alto mar.

Meu cérebro congela, fico totalmente atordoada com essa confissão. Alexandra toca meus lábios levemente,
só então me dei conta de como sentira falta de sua boca adocicada. Antes que eu perdesse completamente o
juízo e a agarrasse ela se afasta e volta a me olhar nos olhos. Eu engulo ainda nervosa.

-Eu não vou forçar nada, apenas quero ter a oportunidade de nos conhecermos melhor. E tudo bem se amanhã
você se for e não quiser me ver novamente. Eu vou entender. Mas peço que hoje seja o nosso segredo, apenas
isso.

Assenti concordando e Alex sorriu me puxando para dentro do iate enquanto eu pedia aos céus para que
minha escolha estivesse sendo certas para o momento.

***

Durante o jantar descobri entre nossas conversas que Alex era apaixonada por hipismo e inclusive já havia
ganhado várias medalhas. Isso só mostrava o quão misteriosa ela era, pois eu jamais imaginaria. Contei sobre
minha família, minha vida com Fred e meu trabalho. Aos poucos íamos nos conhecendo e eu estava adorando
cada vez mais. Esse jeito intrigante e sua capacidade de se revelar apenas quando queria me fascinava. Durante
a volta ela me explicou um pouco da história local e então entendi o porquê de conhecer tanto sobre o país. Ela
viveu toda a graduação aqui.

Ainda assim, enquanto a ouvia contar tudo entusiasmada, minha mente voava sobre a confusão em que eu
estava. Uma luta constante entre desejo e incerteza.

Quando ancoramos de volta, somente a luz do iate iluminava o local. O silêncio era acolhedor e pacifico. Alex
entrelaçou nossas mãos, parecíamos um casal em aniversário de namoro, até mesmo durante o caminho de
volta para o hotel ela não deixava de me tocar e eu estava adorando toda essa atenção mesmo que tivesse que
lidar com o nervosismo de estar tão ligada a ela.

-Rav... – Olhei-a atentamente– Eu adorei essa noite, obrigada por tudo. – Disse-me enquanto abríamos a porta do
apartamento.

-Eu também adorei, foi especial... – Eu lutava tentando tirar o casaco e ela me ajudou, mas acho que este era
apenas mais um pretexto para se aproximar de mim novamente. Confirmo minhas suspeitas assim que sinto
suas mãos percorrerem a extensão de meus braços.

- Alex... Não faz isso.

-Eu... Eu não consigo evitar Rav, você exerce um efeito tão devastador em mim.

-Mas... Mas e se nós nos magoarmos?


-Não vamos.

Antes que eu fosse capaz de argumentar, nossos rostos se encontraram novamente, seus lábios aveludados
tocaram minha boca, e eu não resisti. Abracei-a como se fosse a primeira e última vez. Meu coração latejava
depressa. Eu poderia não encontra-la nunca mais, mas jamais iria esquecer. Nossas bocas se entreabriram
cuidadosamente e as línguas roçavam em sincronia. Eu ouvia seus suspiros abafados pelos meus lábios, acho
que era tão intenso para ela como era para mim. Meu corpo estava em chamas, deixando transparecer todo
esse sentimento que ainda me era desconhecido. Desta vez eu tomei a iniciativa, pressionei seu corpo ainda
mais ao meu. Caminhamos até o sofá, eu cai sobre Alex. Ela sorriu aquele sorriso lancinantemente sexy. Eu
mordi o lábio em tentação a vontade de beijá-la mais uma vez. Mergulhei naquela imensidão anil de novo e de
novo, eu não pretendia parar, estava fora de controle e talvez nesse exato momento eu tivesse perdido a
cabeça. Até que o celular vibrando em meu bolso quebrou todo o meu encanto.

-Não... Não atende não... – Ela suplicou.

-Pode ser importante. Será rápido, eu já volto. – Sorri.

-Promete? – Ela suplicou.

-Prometo.

Alex relutou para soltar meus braços e eu saio contente. Estava nas nuvens na verdade. É claro que minha
alegria tinha que durar pouco. A ligação era de Augusto. Meu sorriso ruiu como um prédio que desaba.

-Oi.

-Oi? Eu esperava mais, afinal você está há dias sem atender as minhas ligações. O que há de errado, Ravely?

-Não há nada de errado Augusto, apenas estive sem tempo.

-Você está mentindo para mim. Está muito estranha.

-Eu estou mentindo? Olha aqui, eu tenho direito de atender ao telefone quando eu quiser e bem entender. – Me
exaltei mais do que deveria e não sabia se era pelo seu comentário desnecessário ou apenas por ter
interrompido meu momento.

-Calma, não precisa ficar tão nervosa, afinal não sou eu quem está te ignorando. – Ele diz com voz queixosa.

-Augusto! Eu não estou te ignorando, apenas não tive tempo, logo estarei aí. Não há necessidade para uma crise
de ciúmes.

-Ciúmes? – Pude ouvi-lo bufar do outro lado.

-Nos vemos logo, ok? – Digo-lhe em tom conciliador, mas a verdade é que eu não estava disposta a ter essa
discussão.

-Ta bem... Não esqueça que te amo.

-Tudo bem, eu também. – Dizer isso me cortou o peito, eu já não tinha tanta certeza de como me sentia em
relação a ele.

Voltei para o quarto me sentindo péssima. Alex me esperava com os olhos radiantes, e não consegui conter
as lágrimas que inundaram meus olhos assim que ela se aproximou. Toda a minha frustração e receio veio à
tona. Agarrei-me em seu corpo, ela me abraçou tentando me consolar. Beijava-me a testa e ficamos assim por
um tempo.

-O que houve? – Estava preocupada.

-Nada demais.

-Então porque choras? – Sua testa estava franzida, queria entender o que ocorria em minha cabeça confusa.

-Está tudo bem, eu juro. – Sorri com os olhos ainda inchados do choro.

-Tudo bem... Você precisa descansar, amanhã vai passar horas dentro de um avião. – Disse-me com a voz doce e
melancólica, secando meu rosto. Concordei, mesmo sabendo que seria difícil dormir essa noite.

***

POV Alexandra
Ainda de olhos fechados sinto meu braço esquerdo formigar de uma forma estranha, como se eu não tivesse
mais controle. Abro os olhos e me dou conta de que dormi com Ravely, sorrio pensando “de novo”. Ela já tinha
batido os recordes de dormir na mesma cama que eu e acordar com roupas. Algo não está certo, isso não
acontecia há muito tempo. Vejo que ainda dormia como um anjo sereno. Minha mente translada para a noite
de ontem, de repente todas as angustias desapareciam só por recordar aquele beijo... Pergunto-me porque ela
chorava, ou melhor: quem a fez chorar?

Tento sair sem fazer movimentos bruscos. O relógio marcava oito e meia da manhã. Corro para o banheiro
sem poder tirar o sorriso de orelha a orelha. Sou uma pessoa extremamente racional e sabia onde estava me
metendo. Em qualquer outra situação eu iria anular essa possibilidade a partir do momento que soube. Porém,
com ela eu não conseguia. Estava obstinada a descobrir a fundo sobre essas sensações que Ravely me
provocava.

Decido tomar café no hotel enquanto ela dormia, não queria acorda-la e estava morrendo de fome. Antes de
retornar para o quarto faço uma bandeja e eu mesmo levo café da manhã para ela. Assim que entro não a vejo
na sala, acredito que esteja ao telefone em seu quarto. Temo que o assunto tenha o mesmo teor da noite
passada. Não queria ver aqueles lindos olhos castanhos entristecidos. Caminho até a pequena mesa para
colocar a bandeja. Lembro que logo tenho que leva-la para o aeroporto e então de repente meus sentimentos
mudam da água para o vinho. Sinto-me estranhamente angustiada. Não quero que parta. Pela primeira vez
depois de muito tempo eu desejo ter uma relação. Deve ser praga da Mariana, ela disse que isso poderia
acontecer que eu poderia me apaixonar por uma hétero comprometida. Apaixonar? Até parece.

Ravely mostra-se na porta, estava contente. Julgo que desta vez a conversa tenha sido melhor.

-Já está de pé, Bela adormecida?

-Não sei o que há de errado comigo, eu nunca consigo acordar cedo aqui.

-Dias agitados... – Sorri para ela que retribuiu me deixando com vontade de agarrá-la logo cedo. – Trouxe café
para você.

-Obrigada! Você é muito gentil. – Ela parece surpresa com o gesto, coloca o cabelo delicadamente atrás da
orelha e eu me seguro.

-Sente-se melhor? – Pergunto-lhe olhando para o celular em sua mão.

-Sim... Foi meu amigo Fred que ligou para saber que horas chego.

-Hm... Gostaria de conhecer esse tal Fred.

-Quem sabe um dia? Vocês até são parecidos em algumas coisas. Ele é sempre muito direto.

Sorri com sua constatação.

-Quando você retorna? – Pergunta-me enquanto beberica um pouco do café que lhe trouxe.

-Domingo. – Respondo séria, pois lembro que talvez não a veja mais. – Sua mala já está pronta? – Digo, tentando
retirar o foco de mim.

-Está sim, deixei apenas para fora a roupa que vou por.

-Hmmm – Balanço a cabeça concordando, mas por dentro suspiro contrariada.

Respiro fundo, tentando não meter os pés pelas mãos ou “alexandrizar” as coisas, como Guto dizia quando
eu fazia algo errado. Retiro-me da mesa. Ficar perto de uma pessoa que não se pode ter é torturante demais.

Abro a porta de correr da sacada e deixo o ar puro inundar meus pulmões. É libertador. Sento-me na cadeira
com o notebook sobre as penas. Passo um tempo respondendo e-mails de alguns compradores numa tentativa
muito falha de manter minha mente distante daquele lugar. Será que ela não via? Eu poderia fazer muito
melhor do que esse cara com quem ela namora. Mesmo sem conhecê-lo, tenho plena certeza de que deve se
tratar de um babaca.

O tempo parecia andar mais rápido do que eu gostaria. Mas fazer o que não é mesmo? Vamos acabar com
esse transtorno o mais rápido possível, como tirar um curativo, talvez arrancá-lo de uma vez por todas seja o
melhor caminho para evitar a dor eminente.

Volto para o interior do apartamento e Ravely estava ligando para um táxi. Tomo o telefone de suas mãos e
ela me lança um olhar assustado e atônito.

-O que foi? - Olha para mim concisa.

-Eu mesma vou leva-la ao aeroporto. – Digo autoritária.

-Sim, senhora! – Ela faz continência tentando me provocar e consegue.


-Muito engraçadinha, senhorita. – Cerro a testa em afronta.

Ela ria engraçada, seu riso era contagiante.

-Aí Alex... Estou feliz de tê-la conhecido.

De novo a angustia retorna com força total.

-Eu também... – Saio de perto tentando manter o controle sobre minhas emoções.

Um cigarro seria bom agora.

O caminho até o aeroporto foi em silêncio. Esperamos até ouvir o voo ser chamado e meu coração parecia
estar preso em uma caixa que diminuía o tamanho a cada segundo passado.

Eu não sou emotiva, eu não sou emotiva, eu não sou emotiva. Repetia mentalmente.

Ravely olha para mim, já não podíamos mais evitar, ela deveria partir.

-Alex... Obrigada por tudo... Eu realmente adorei esse tempo que passamos juntas. – Ela para e a angustia em
sua voz merece minha atenção, balança a cabeça lentamente e vejo o rubor crescer em seu rosto.

Meu coração está disparado, ela mordia os lábios de novo, mas dessa vez parecia apreensiva. Sinto uma
tensão tomar conta de mim, essa energia maravilhosa que senti quando vi aquela garota frágil e distante
sentada na poltrona de número doze. Abraço-a, com toda a força, tentando manter o controle, como se ela não
pudesse me escapar. Era a única coisa que eu poderia fazer, ela não era minha para impedir que se fosse.

Finalmente a liberto, é hora de me mover, mas estou paralisada. Ela se afasta de mim escondendo o rosto e
eu não entendo o motivo. Continuo parada, implorando que Ravely olhe uma vez sequer para trás. A cada
passo ela esta me matando. Por que eu ainda estou aqui? Minha vontade era correr até não aguentar mais, até
que todas essas memórias desaparecessem.

Cedo aos meus desejos. Vou até Ravely sem pensar, sem deixar que minha razão tome controle novamente.
Seguro em seus braços e ela se volta para mim com os olhos brilhantes e encharcados.

-Alex...

-Não diga nada. – Coloco a mão em seus lábios impedindo-a de emitir qualquer som.

Em seguida tomo sua boca em desespero no meio do aeroporto, entre tantas pessoas que iam e vinham.
Talvez esse fosse o último beijo e eu não perderia a oportunidade. Alexandra Muller não perde oportunidades.

-Alex... Eu não posso, você sabe que eu...

-Não tem problema, eu não tenho ciúmes – Digo provocativa entre seus lábios.

Finalmente a solto. Seus lábios estavam vermelhos da pressão exercida pelos meus. Ela toca a boca como se
tentasse se certificar de que estavam intactos.

-Eu vou te encontrar, Ravey... – Tomo o ticket da passagem de suas mãos para olhar seu nome completo –
Ravely...Mancini – Sorri... - Uma Ragazza.

Ela sorriu em resposta, me deu mais um beijo no rosto e se foi. Desta vez não a impedi porque eu sabia que a
primeira coisa que faria quando pisasse em solo brasileiro seria ir em busca dela. Pobre namorado...Essa já era
uma causa perdida para ele.

***

Notas finais:

Boa tarde!!

Mais um capítulo, espero que gostem!

Beijinhos ;***
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Capitulo 11 - Quando só resta esquecer e sonhar por Tammy
Saí sem chão do aeroporto, acompanhada apenas de uma triste e solitária melancolia que dilacerava
meu coração. Sinto uma incontrolável vontade de chorar, mas não o faço. Queria muito estar naquele avião.
Passo a Avenida Berlim a toda velocidade sem me importar com as possíveis multas que eu estaria levando,
minha raiva era tanta que eu amaldiçoava até ao vento. Será que estou fazendo tudo outra vez, cometendo o
mesmo erro? Soco o volante do carro, percebo que há poucos momentos estava no topo e agora me sentia
beijando o chão.

Paro em frente ao hotel, freio bruscamente, queimando os pneus. O chofer se aproxima para que lhe
entregue a chave. Afundo-a em suas mãos, e ele me olha com espanto. Não lhe dou as horas, sigo meu caminho
a passos fundos e sem olhar para trás. Que merda, olha em que eu me tornei, pensava enfurecida, enquanto
seguia para o elevador.

-Senhora Muller – O recepcionista me chama a atenção – Tem alguém a sua espera – Ele aponta para
os sofás disposto ao lado direito.

Aproximo-me dela.

-Mari? – Ela estava sentada, quando ouviu minha voz se voltou para mim.

-Demorastes uma década, onde estavas? E a musa grega, Ravely? - Veio em minha direção de braços
abertos, sua recepção sempre calorosa e eu não conseguia me acostumar.

-O que faz aqui? – Pergunto confusa.

-Vim vê-la antes que voltasse para o Brasil e me deixasse aqui abandonada.

-Mas você não ia trabalhar por esses dias... ? Foi o que me disse quando saí.

-Eu ia... Eu estava na verdade. Mas fui demitida. – Ela diz revirando os olhos.

-Aí Mariana, não acredito! Sem duvidas, tu és uma comédia. Vamos subir e eu quero saber o que
aconteceu.

Fomos de braços atados até o andar do apartamento onde eu estava. Abro a porta e sinto o perfume
que me lembra de Ravely. Que ódio, que ódio! Meus olhos enchem d’água. Mas eu seguro, mais uma vez. Eu não
vou chorar!

-O que houve? – Mariana questiona por eu estar paralisada na porta.

-Nada, esta tudo bem. – Chacoalho a cabeça dispersando a tristeza.

-Ravely já voltou para o Brasil, não é?

Assenti, sem dizer nada.

-Entendi... – Ela saca uma garrafa de Jack Daniels da bolsa. – Por isso eu já vim preparada. – Balançou
a garrafa alegre.

-És a melhor, sabia?

-Claro que sim. – Responde cheia de si.

Conto tudo o que aconteceu para Mariana, ela fica chocada.

-Tu não és a Alex que eu conheço, definitivamente não é!

-Ela é diferente, é doce, uma menina... Eu não posso ser como sempre.

-Nossa... Mas e esse gajo, o namorado? Vais entrar na competição?

-Se eu vou entrar? Eu posso estar diferente, mas não é para tanto, Mariana. É claro que vou entrar, ele
não perde por esperar. – Sorri maquiavélica.
-E lá está ela... A Alexandra de sempre. – Mari bate palmas e nós rimos juntas.

-E tu? Pensa em fazer o que da vida?

-Não sei... Estou à deriva. – Virou o copo com uísque. Permaneci em silêncio por um tempo, apenas
degustando minha bebida.

-Tive uma ideia! – Mariana olha para mim com uma grande interrogação estampada em seu rosto.

-Fala!

-Vamos para o Brasil, pode trabalhar comigo, estava pensando em contratar mais uma pessoa.

Ela ficou pensativa por um tempo, analisando a possibilidade de essa ideia ser coerente. Mas eu tinha
completa certeza que aceitaria. Mariana adorava uma aventura, principalmente aquelas que parecessem
infundadas aos olhos de qualquer pessoa que possui domínio pleno de suas faculdades mentais. Ou seja, era
uma louca varrida.

-És demais! Como não pensei isso antes? Carnaval, calor, brasileiros e brasileiras por todos os lados.
Isso será maravilhoso.

-Pare antes que eu me arrependa. – Olhei-a com olhos semicerrados.

-Mas tenho muito para preparar. Não posso ir contigo no domingo.

-Vais depois, fico a tua espera. Dona Clara vai amar.

-Amar vou eu! Adoro tua família, lembras-te do verão que passei lá?

Agora ela não iria mais parar de falar com o entusiasmo de sobra. Onde foi que eu errei? Queria que
houvesse um botão para desligar Mariana.

A noite durou o mesmo que o uísque dentro da garrafa. Apagamos sobre o tapete da sala.

***

POV Ravely

Cheguei ao aeroporto no final da tarde, como previsto o voo estava cheio, só não mais que minha
cabeça. O que foi aquela despedida? Como eu iria enfrentar tudo daqui para frente sem que essas memórias me
atormentassem. Eu tenho pretensões de esquecer tudo, mas será que isso será possível?

Minha mala demorou uma década para chegar pela esteira. Normalmente eu sou uma pessoa pacifica
e muito calma, mas só de saber o que esperava do lado de fora dessa sala, meu estomago começava a gruir.
Assim que as portas de vidro correram, dando a visão para as pessoas do outro lado, avistei Augusto com seus
cabelos negros e lisos bagunçados, a barba estava por fazer e o sorriso que já era radiante tornou-se ainda mais
alegre ao me encontrar. Forcei meus lábios, se eu nunca tive a oportunidade de ser atriz a hora era agora.
Assim que me aproximei fui recebida com um abraço apertado.

-Como senti sua falta! – Ele disse ainda me apertando.

-Também senti a sua. – Assim que termino de proferir as palavras, sinto seus lábios colados nos meus.
Engoli seco e correspondi.

-Como você está? – Ele sussurra. Tinha os braços sob meus ombros, mantendo-me próxima ao seu
corpo, procura por meus olhos, tentando descobrir através das minhas reações se a resposta seria condizente.
Eu esquivo, mas eventualmente eu não vou poder fugir.

-Estou muito bem sim. – Finjo um sorriso carismático.

Saímos em direção ao estacionamento de mãos dadas. As lembranças dos últimos dias fatiavam meu
coração.
-Achei que o Fred viria me buscar.

-Sim, mas eu consegui sair do hospital antes e insisti para que ele deixasse o trabalho árduo para mim.
– Ele sorri afetuosamente para mim. - Parece tão cansada. – Beija-me a testa.

-Pois é... Muitas horas de viagem.

-E como foi tudo? Gostou? Tenho certeza que acrescentará muito na sua profissão.

-Amei! – Ele jamais poderia imaginar o quanto.

-Quero ver fotos. – Sorri, voltando toda a atenção para mim.

– Depois te mostro todas que pretendo mandar para o concurso de fotografia. – Exceto a da Alexandra,
que poderia entregar tudo o que aconteceu. Penso.

-Que maravilha! Tenho certeza que você vai ganhar – Disse acariciando minha mão.

Assim que chegamos em frente ao meu prédio vi Fred a minha espera pela janela do quarto andar.
Subi as escadas depressa enquanto Augusto trazia a mala. Fred estava na porta, pulei em seus braços como se
ele tivesse as respostas para todos os meus problemas. Normalmente era assim, mas desta vez não seria. Eu não
poderia contar sobre a minha aventura. Faz parte do primeiro passo para esquecermos algo: Fingir que nunca
aconteceu.

-O que é isso garota? Quer me matar? – Disse Fred rindo.

-O seu abraço foi mais caloroso que o meu, Fred. Sinta-se feliz. – Disse Augusto e eu respondi
mostrando-lhe a língua.

-Quero saber tudo, senhorita Ravely! E espero que tenha bastante presente nesta mala, viu? – Dizia
enquanto eu tirava meu tênis e arrastava a mala para o meu quarto.

Ah! Meu quarto... Como era bom estar novamente em casa, senti falta do meu cubículo.

-Amor, preciso ir agora, volto amanhã para almoçarmos. – Beija-me novamente e me sinto
desconfortável. – Descanse – Disse em tom de advertência.

-Tudo bem, espero você amanhã. – Senti o alivio voltar a reinar em mim, só por saber que não teria
que receber beijos surpresas por enquanto.

Assim que a porta se fecha com Augusto do lado de fora, Fred me lança o olhar inquisidor.

-Conta tudo!

-Não há muito que contar, viagem a trabalho, sabe como é... – Você pode fazer melhor que isso, Ravely.
Meu inconsciente delata.

- Vou desfazer a mala e já te conto, ok? – Saio pela tangente, mas ele me segue de volta ao quarto.

-Dá para ser menos maníaca por arrumação? Acabou de chegar e já vai desfazer mala.

-Nunca deixe para depois o que se pode fazer agora, Fred. – Disse rindo e ele rolou os olhos com
desprezo.

-Se eu fosse você não sentaria nessa cama.

Pensei por uns instantes, tentando entender o que ele queria dizer com isso.

-Você não faria... – O fuzilo com meus olhos.

-Tem certeza? Era um moreno de olhos verdes, lindo!

-Aí Fred! Que nojo.

-Estou brincando. Precisava ver sua cara.


Começo a retirar algumas roupas da mala enquanto Fred se diverte as minhas custas. Encontrei uma
camiseta de Alexandra. Paralisei. O perfume impregnado era inconfundível. Acho que estava marcado em
mim. A ideia de não voltar a vê-la parecia insuportável. Como ela se tornou importante, assim, tão fácil? Me
assustava só de começar a pensar.

-Ravely?Ravely?

-ãhn?

-Terra chamando Ravely.

-Pode falar, sou toda ouvidos.

-Onde você estava. De quem é essa camiseta e porque você estava com o rosto socado nela? – Ele tinha
o cenho franzido e curioso me encarando.

-É minha, Fred, de quem mais seria? – Eu coaxo tentando limpar a garganta da mentira enunciada. Ele
movimenta a cabeça, eu ainda estava no limbo onde Alexandra existia. – Cada pergunta, hein?

-Eu te conheço... Tem algo estranho. – Me encarava com os olhos semicerrados.

Aparentemente eu não o convenci. Ainda bem que não sou atriz, definitivamente sou péssima nisso.

- Você é louco. Pronto.

Ele continuava a me olhar avaliativo. Retiro uma caixa com embrulho vermelho e lhe entrego. Melhor
forma de dissipar sua curiosidade, colocando-a em outro objeto.

-Que linda! Amei. – Abraça-me em agradecimento. – Adoro pulseiras, mas essa aqui será especial, vou
esfregá-la na cara das meninas do escritório.

-Sabia que iria gostar.

-Vou fazer um lanche para nós enquanto você termina o quer que seja que está fazendo. – Seu sorriso
irônico mostra que ele percebeu a minha tentativa falha de mudar o assunto.

Assim que Fred deixa o quarto me volto para a camiseta, a lembrança concreta de que não foi um
sonho. As imagens me acertam com força total. Coloco a cabeça entre os joelhos e sinto uma pequena gota fugir
dos meus olhos. Por que eu não peguei seu e-mail? O endereço de onde trabalha... Qualquer informação
possibilitaria que a encontrasse. Mas agora eu não tenho nada, além de expectativas despedaçadas. Para onde
foi o plano de esquecer tudo?

Penso por mais alguns segundos e percebo que não adianta chorar pelo que não se pode ter. Levante a
cabeça, Ravely. Me repreendo, respiro fundo, levanto e continuo com o que preciso fazer.

Logo a noite chega, passei o tempo todo conversando com Fred sobre os acontecimentos no trabalho e
sobre os lugares lindos que conheci. Então, apenas quando vou para a cama que deixo os pensamentos
perturbadores me consumirem. Volto algumas vezes seguidas para aquela praia de água fria, quando vi sua
pele clara, sempre com alguns fios de cabelo em seus olhos cativos que me cortavam a respiração. Viro para o
outro lado, quero interromper os argumentos que me trazem a razão.

Facebook. É isso! Posso encontra-la no facebook. Sento-me depressa sob a cama procurando pelo
celular que deveria estar na mesa de cabeceira. Busco por Alexandra Muller. Nada. Aparecem algumas pessoas,
mas nenhuma é ela. Volto a me deitar, sentindo-me golpeada pela frustração. Talvez dormindo eu sonhe com
seus olhos azuis.

***

POV Alexandra
Eu acordei essa manhã com um rancor indescritível, me sentia completamente para baixo. Tudo
estava em silêncio à cortina fechada impedia que a luz do sol entrasse. Levantei lentamente, como se a cada
passo eu pudesse sentir o sino da Igreja da Sé badalar em minha cabeça. “Acho que vai explodir”. Estava com os
nervos a flor da pele. Já tinham se passado cinco dias desde a última vez que vi Ravely. Eu ainda conseguia
lembrar o olhar em seu rosto quando a beijei. O jeito de acomodar o cabelo atrás da orelha. Suspiro. Pressiono
meus olhos como se fosse tornar a imagem mais forte. Pelo contrário, ela escapa como cinzas ao vento. Ainda
não entendo o que eu pretendia. Queria que fosse algo que não me fizesse tanta falta, mas eu não consigo
esquecer como foi estarmos juntas naquele hotel. Acho que poderia ter gostado muito dela, deve ser por isso
que não consigo tirá-la de minha cabeça. E ainda assim hesitava em procura-la, na verdade eu não queria
fazer-lhe mal, as chances de isso acontecer eram gigantescas.

Ouço o telefone tocar descontroladamente, eram 7h10min, quem iria me importunar logo tão cedo?
Atendi com a voz sonolenta e era meu pai, segundo ele uma das éguas estava com dificuldade em parir e eu
precisava correr para lá. Pedi que deixassem tudo pronto, tomei um banho correndo e fui pra o rancho.
Cheguei com urgência, passei correndo pelo caminho entre os coqueiros, deixando uma nuvem de poeira como
rastro. Certamente alguém já teria avisado que um carro vermelho estava chegando. A equipe estava
preparada a minha espera e começamos o procedimento o mais rápido possível. Foi preciso realizar uma
cesárea, coisa que eu já estava acostumada. Sempre que era necessário algum procedimento de urgência na
região os proprietários me procuravam. Além de meu pai fazer parte da associação de criadores, o que nos
fazia populares, eu adorava os casos mais arriscados, os que eram rejeitados, e assim meu nome logo ficou
conhecido. Passei a ter a agenda cheia, precisando às vezes até recusar trabalho. O dinheiro também era
sempre bom, afinal, esses procedimentos eram recusados por serem arriscados e ninguém queria ser
responsável pela morte de um animal de cem mil reais. Por isso o pagamento deveria ser a altura. Mas acho
que não era isso o que me atraia, e sim o risco. Só que desta vez a cirurgia não apresentava ser arriscada, pelo
contrário, era bem simples, algo que eu já tinha feito várias e várias vezes. Porém, hoje eu estava
exageradamente distraída.

-Alexandra?

Ouvia meu pai chamar, assim que percebi parei o que estava fazendo.

-Sim?

-Está tudo bem? Parece distraída.

-Não, está tudo bem. Por que pergunta? – Ele me olhava confuso.

Só então percebi que estava prestes fazer incisão com uma pinça. Chacoalhei a cabeça, tentava
dispersar o que me distraia, mas nem o bip do monitor me impedia de ouvir meus pensamentos. Eu não era o
tipo de pessoa com quem estas coisas aconteciam. Pelo menos pensava que não era.

-Porque você parece distraída.

Assim que terminamos já estava passando do horário de almoço. Mamãe esta preparando algo na
cozinha quando eu chego cabisbaixa, me sento à mesa, de frente para ela. Continuava incomodada, mas não
sabia o que fazer.

-Que ansiedade é essa? – Disse olhando para minha perna que mexia incessantemente.

-Ansiedade nenhuma, está tudo perfeitamente bem. – Eu evito seus olhos penetrantes.

-Você dormiu bem? – Ela franziu a testa.

-Sim.

-Não sei... Desde que chegou está agindo estranho, quero dizer, mais estranha que o de costume, meio
aérea.

Levantei-me em direção a geladeira, abri apenas para continuar a pensar, pois não sentia fome.
Apanhei a garrafa d’água e voltei para a mesa.
-Você conheceu alguém?

E lá vamos nós...

-Não mãe, já disse que estou bem. – Bebo um gole d’água.

Logo Gabriel, filho do caseiro e amigo da família, entra na cozinha. “Salva pelo gongo.” Pensei.

-Chefinha! Que bom te ver por aqui.

Ergueu a mão para que eu tocasse de volta.

-Ah moleque, era contigo mesmo que eu queria conversar. Vamos ao escritório.

Deixamos a cozinha e minha mãe ficou observando. Aposto que ela daria uma boiada para descobrir
sobre o que falávamos. Entrei no escritório e fechei bem a porta e as cortinas.

-Senta aí – Apontei para a cadeira em frente à grande escrivaninha de madeira. – Preciso de um favor.

-Pode dizer.

-Quero que encontre uma pessoa neste endereço. – Passei um papel pra ele.

-Não é onde a dona Luiza trabalha?

-E você acha que eu faça ideia de onde Luiza trabalha? - Pressiono os lábios frente a sua falta de foco.

Ele deu de ombros.

-E quem é Ravely?

-Não faça perguntas!

-Ok-ok. Mas o que eu ganho em troca? Isso me cheira a rolo e não quero problemas com a senhora
Clara. Da última vez sobrou até para mim.

-Cala boca! – Pensei por uns instantes. – Eu deixo você ir com minha moto.

-Sério? – Ele arregala os olhos, surpreso. – Nesse caso as coisas mudam.

-Com quem você aprendeu a ser assim?

-Com a melhor professora de todas.

-Hmmm... Precisamos passar menos tempo juntos.

Gargalhamos.

-Mas se minha moto voltar com qualquer coisa diferente de quando saiu... Você sabe o que eu vou te
fazer, não sabe?

-Vai fazer comigo o mesmo que faz com os cavalos que não são reprodutores?

-Exatamente! Que é...?

-Castração. – Disse em tom de voz amedrontado.

-Bom garoto! Vá o mais rápido possível e não conte a ninguém. Combinado?

-Sim, senhora.

***
POV RAVELY

O dia de hoje tinha tudo para ser dos piores. A noite anterior tinha sido difícil para dormir, um calor
infernal. Minha cabeça zumbia logo pela manhã. Saímos atrasados para o trabalho, o carro velho de Fred
estragou no meio do caminho, tivemos que ir de táxi, mas escolhemos logo o que cheirava mal. Chegamos à
redação com mais de uma hora de atraso. Eu faço meu caminho para minha pequena e bagunçada mesa,
repleta de papéis. Carlinha, a estagiária que se senta em minha frente, sorria sempre que olhava para mim, eu
sorria de volta, mas nunca entendi o porquê disso. Talvez hoje fosse por causa da minha calça jeans nova, acho
que ela realmente ficava bem em mim. Do outro lado estava Fred, parecia que tinha acabado de levantar da
cama.

Eu estava com tanto trabalho acumulado que sabia que não daria tempo de sair para o almoço. Um
mês fora... É claro que teria um milhão de coisas acumuladas. Levanto para tomar um café na cozinha, queria
enganar o estomago que já me incomodava. Perdi noção do tempo ao encontrar Fred por lá, fizemos uma pausa
de alguns minutos discutindo sobre como iríamos para casa e qual seria a programação para o final de semana,
até que alguém abriu a porta de uma só vez, Fred estava encostado nela e seu café veio diretamente para
minha calça. Pois é... Minha calça nova. Ninguém disse que seria fácil terminar esse dia. Vou para o banheiro
numa tentativa de me limpar, mas acho que só piorou, porque agora tenho uma mancha ainda maior. Conto
até dez e sento de volta na minha cadeira, de frente para a pilha de papéis que eu precisava revisar.

-Ravely...

Levanto meu olhar em sua direção, ela esta de frente para mim, ajeitando os óculos.

-Desculpe, uma pessoa acabou de vir aqui atrás de você, pensei que tivesse saído para almoçar. Disse-
lhe que não estava.

No mesmo instante somente uma pessoa me veio à cabeça. Quem eu havia tentado esquecer durante
todos esses dias. Mas será que teria sido ela? Como me encontrou aqui? Não fazia sentido. Eu me mexo
desconfortavelmente na cadeira, é claro que a essa altura meu coração já estava em saltos.

-Quem era?

-Um rapaz... Perguntou se tinha alguma Ravely aqui.

Ao mesmo tempo que me senti aliviada, também senti angústia. No fundo havia esperança de que
fosse Alexandra...

-Disse o nome ou o que queria?

-Não... Só perguntou se tinha e eu disse que você estava no almoço, então ele saiu sem dizer nada.

-Que estranho... Não deixou número para contato?

-Não, nada.

-Bom, se fosse importante teria esperado.

Volto para o meu trabalho e resolvo deixar isso para lá, afinal não tinha sido quem eu queria, portanto
não tinha importância. O dia passa rápido, acabo comendo apenas um sanduíche.

Augusto saiu do hospital no mesmo horário que Fred e eu saíamos do trabalho, por sorte pegamos
carona com ele. À noite fiz o jantar para três, Augusto me ajudou a limpar a cozinha e depois fomos ver a um
filme na sala, foi aí que comecei a me preocupar, tudo dava a entender que ele tinha sérias pretensões de
passar a noite comigo. Fred estava sentado em uma poltrona, enrolado a uma manta, enquanto nós dividíamos
o pequeno sofá de dois lugares.

-Aí gente... Estou com tanto sono, o dia hoje não foi fácil. Acho que vou para os meus aposentos.
Minha vontade foi gritar “NÃO”. Mas acho que seria muito óbvio. Tentei fazer sinais com os olhos, mas
foi em vão, ele não percebeu nada.

-Boa noite, Fred. – Augusto diz, com certo entusiasmo.

Continuei sentada, sem dizer nada, apenas assistindo ao filme, torcendo que ele durasse mais algumas
horas e Augusto dormisse antes do fim. Volta e meia me esquivava disfarçadamente de suas investidas.

Meia hora mais tarde o filme acaba e ele continuava bem acordado. Me levanto bocejando e vou em
direção ao banheiro, antes que ele decida tomar alguma iniciativa. Encosto a porta e começo a escovar meus
dentes, acho que isso indicaria que está na hora de dormir. Augusto entra, abraça-me por trás e beija meu
pescoço. Encosta o queixo em meu ombro e nos olha pelo espelho. Eu evito seus olhos escuros, fingindo estar
concentrada apenas na minha higiene.

-Não tem plantão hoje?

-Finalmente uma noite tranquila. Essa semana foi complicada. Não conseguia sair daquele hospital,
nem pude passar tempo com você. – Beija meu pescoço mais uma vez e eu sinto o seu calor em minha pele, fico
tão tensa que mal consigo mexer os pés do lugar.

Termino de enxaguar a boca.

-Verdade... Eu também tenho andado muito ocupada, muito trabalho acumulado.

-Por isso hoje você vai descansar. – Sorri com segundas intenções.

-É... Você trouxe roupa, algum pijama?

-Tenho uma mala, está no carro, vou buscar.

Droga! Eu ainda esperava que ele dissesse: “Não, não vou dormir aqui hoje”.

-Ta bem, eu vou terminar de revisar algumas matérias e logo vou para cama.

Embora eu quisesse muito dormir continuei no computador revisando textos e mais textos, vi Augusto
ir, voltar, se arrumar, andar de um lado para o outro. Ele estava bastante inquieto. Assim que noto sua
ausência vou à ponta dos pés até o quarto para ver se ele já dormia. Encontrei-o no chão, dormia no colchão de
solteiro reserva. E essa foi a primeira vez que agradeci por nunca ter comprado uma cama de casal. Deitei em
minha cama tomando muito cuidado para que ele não acordasse. Embora eu estivesse com muito sono, minha
noite não foi tranquila, depois de muito tempo voltei a ter aquele sonho túrbido com destaque para olhos azuis
penetrantes.

Notas finais:

Boa noite queridas leitoras!!

Devo imensas desculpas pelo atraso gigantesco. Estava em semana


de provas, aliás, ainda estou. Estão quase acabando e creio que logo
as postagens tornem a ser muito mais frequêntes, pois é quando
entro de férias.

O capítulo 12 deve sair este final de semana, está sob revisão.

Espero que continuem gostando.

Ah! antes que eu me esqueça, segue este link com uma playlist que
criei sobre a história. Para quem quiser tá
aí: https://open.spotify.com/user/gaspar.ttamiris/playlist/61vJ9OL7XNrcD5n3ny4gAU

Sugestões e críticas sempre bem vindas!

Beijo e até o próximo.

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Capitulo 12 - Me esqueci de te esquecer por Tammy
Capítulo 12

POV Ravely

Era quarta-feira, véspera de feriado, estou esperando Fred terminar de coar o café enquanto passo
manteiga numa torrada. Tinha se tornado um hábito ele falar comigo e eu responder no automático.
Provavelmente estaria reclamando de alguma coisa. Minha concentração estava no sonho que tive na noite
passada e nem me dei conta de que mordia os lábios até que Fred grita e me dar um leve susto, fico
boquiaberta com minha falta de atenção.

-Garota, acorda! Você anda viajando muito. – Ele tinha os braços elevados, parecia indignado.

-Estou acordada, deve ser apenas o cansaço da semana.

-A é? E do que eu estava falando então? – Desce os braços e os coloca em sua cintura.

-É... – Mordo a torrada para ocupar a boca. – Ok, eu não ouvi uma palavra do que você disse.

-É exatamente disso que eu estava falando. Sua noite com Augusto deve ter sido ótima. Diz aí, era nisso
que você estava pensando, não é? Com essa cara, certamente era. – Um sorriso sacana surge no canto dos seus
lábios.

-Não faço ideia do que você esteja falando, Frederico. Eu dormi como uma pedra. – Eu digo o mais seco
que consigo.

-Credo, amiga. Com um lindo daquele sozinho em seu quarto, você não fez nada?

Rolei os olhos.

-Não me enche.

-Eu hein.... Acordou com o pé esquerdo. – Ele coloca uma xícara com café em minha frente.

-Você só pensa nisso. – Dou de ombros.

-Tá, não está mais aqui quem falou, senhorita nervosinha. Afinal, você vai me emprestar a câmera?

-Ãhn? Que câmera ?

-Aí Ravely, acorda. Era isso que eu estava falando antes. Vou fazer um passeio especial com aquele
rapaz que te falei. Me empresta a câmera para tirar umas fotos, sabe que roubaram a minha aquela vez.

-Ah sim... Pode pegar, use quanto quiser.

Ele corre até o quarto e de lá grita perguntando onde estava. Eu grito de volta dizendo que dentro do
guarda-roupa. Continuo tomando meu café, pensando no que iria fazer amanhã. Augusto estaria ocupado em
uma pescaria com seu pai o final de semana inteiro. Mas não achei ruim. Na verdade, ultimamente eu não
andava achando muita coisa. Meu amigo tinha razão, eu ando muito distraída.

Já que Fred também iria sair, só me restava passar o dia em casa, no sofá, vendo filmes.

-Amiga, que fotos lindas você tem nesse cartão de memória. – Fred caminhava até a pia olhando para
o visor da câmera.

-Gostou? – Olho para ele sorrindo. Senta-se a mesa de frente para mim.

-Quem é essa?

Sinto uma corrente fria subir dos meus pés a cabeça. Esqueci completamente que as fotos que tirei de
Alexandra e com ela estavam neste cartão de memória. Pego a câmera de sua mão, torcendo para que ele
estivesse perguntando de outra foto qualquer. Mas é claro que não seria. Quem mais iria chamar tanto a
atenção dele assim?

-Éé... – Aliso um cacho pendido sobre meu rosto, colocando-o atrás da orelha, respirei fundo, olhei
para Fred, os olhos castanhos claros me encaravam com serenidade, acho que somente eu estava nervosa,
somente eu me afetava. – É uma amiga que conheci por lá.

Eu coloco um sorriso no rosto, como se fosse mágica, olho para a foto e entendo o porquê era tão difícil
deixar de pensar nela. Talvez fosse bom não ter como encontrá-la, nós éramos de mundos completamente
diferentes, isso nunca daria certo, mesmo que eu não tivesse alguém. Pensando assim, parecia ser mais fácil
aceitar. Quase...

-Hm... Muito bonita. – Ele diz, olhando para a câmera.

-É sim, simpática também. – Completei, agindo naturalmente - Vamos trabalhar, já está passando da
hora.

-Ui! É verdade, vamos logo.

Saímos apressados, torcendo para que hoje o carro funcionasse como deveria.

POV Alexandra

A movimentação começou muito cedo hoje. As vozes e risadas me acordaram antes do que eu
planejava. Olho para fora da janela e vejo Guto e meu pai colocando algumas tralhas sob a carroceria da
camionete. De certo vão acampar. Desço as escadas ainda de pijama. Luiza estava no sofá da sala com mamãe,
enquanto meu sobrinho Miguel vem me recepcionar. Assim que me vê, corre até a varanda, como se estivesse
olhando para o céu.

-Gente, o que está acontecendo? Alexandra acordada a esta hora e nem está chovendo.

-Nossa! Como você é engraçada, Maria Luiza. – Ela odiava que a chamasse pelo nome composto, e
claro que fiz de propósito. – O que está fazendo aqui tão cedo? Brigou com o Mário de novo?

-Alexandra! – Minha mãe interviu.

-Pode deixar, Clara. Sei que ela me ama, mesmo assim. É apenas o mau humor falando.

Deixo que um sorriso irônico responda por mim, pego uma xícara de café e sento próxima a elas.

Não demora muito, Luiza se levanta e se despede de minha mãe, beija minha testa e faz menção em
sair.

-Hey! – Eu grito e ela me olha da porta. – E o pirralho? – Apontei para Miguel que já estava no meu
colo.

-A baba está doente, então ele vai ficar com a titia Alex e a vovó Clara. – Ela sorriu sarcástica. – Saiu
acenando com a mão e eu fiquei olhando pasma para o garoto enquanto minha mãe sorria contente.

- Sua mãe é muito folgada, Miguel.

-Vai ser bom, passaremos o dia juntos. – Mamãe disse.

-Tudo bem, vou trabalhar porque meu pai saiu e largou um monte de coisa para resolver. – Coloquei
Miguel no chão com os brinquedos e fui atender ao chamado do João, um dos funcionários.

Ao contrário do que pensei, ficamos enrolados por longas horas, um problema atrás do outro. Volto
para casa no meio da tarde com a roupa toda suja. Só queria um banho e descansar. Doce ilusão. Assim que
piso os pés em casa, minha mãe estava quase louca com Miguel nos braços chorando.

-O que houve?

-Ele quer a Luiza, não para de chorar e não sei mais o que fazer. Deve ser sono.

-Eu sabia que ele iria chorar, não está acostumado a ficar aqui. – Resmunguei.

Ela continuava com ele no colo, andando de um lado para o outro, exasperada.

-Acho que você já pode leva-lo.

Parei no meio da escada.

-Eu?

-Sim senhora, Alexandra. – Ela amavelmente sorri.

-Mas olha minha situação, mãe. – Puxei minha camisa, expondo a cor em que se encontrava.
-Vá tomar banho que eu espero. – Me ordenou em um tom de voz tão pacifico que chegava a ser
assustador.

Argh! Eu atirei pedra na cruz, só pode. Saí resmungando e pisando fundo. Era por isso que não gostava
de ficar na casa deles, sempre tinha que fazer alguma coisa.

Tomei o banho o mais rápido que poderia, quando voltei Miguel ainda chorava. Minha mãe já estava
transtornada, mesmo sendo a pessoa mais paciente que eu conhecia na face da terra. Coloquei o garoto no
carro e ele foi chorando por dez minutos, até que o sono tomou conta. Liguei para Luiza perguntando o
endereço. Em uma hora estava na frente do prédio. Coloquei a bolsa de bebê no ombro, mesmo sem jeito
consegui pegar Miguel sem acordá-lo. Definitivamente, hoje eu não passo sem matar Luiza.

Assim que entro no prédio me dirijo à secretária.

- Gostaria de falar com Maria Luiza Hernandes.

Ela disca alguns números no telefone.

-Quem gostaria?

-Diga que é a irmã dela, Alexandra. – Olhei-a sem paciência.

-Pode subir, terceiro andar, a sala no final.

-Obrigada. – Respondi sem a menor vontade.

Por já passar das cinco, não havia mais tantas pessoas. Encontrei a sala de Luiza, ela estava no
telefone e levantou a mão para que eu aguardasse cinco minutos, movimento a cabeça em sinal de acordo.
Miguel se movimentou, como se fosse acordar, continuei balançando o bebe conforto tentando evitar que
despertasse. Ela desliga o celular, beija a criança e depois a mim.

-Ele deu muito trabalho? – Sua voz é morna e controlada para não acordá-lo.

-O que você acha? – Eu murmuro. – Chorou a maior parte do tempo pedindo por você.

-Obrigada por trazê-lo.

Lanço-lhe um olhar impetuoso.

-O que faz aqui?

Parei para observar ao redor, era um escritório bonito e grande, só então me dei conta que não sabia
nada da vida de minha irmã. Isso era muito triste, sempre fomos muito próximas, exceto por esse último ano.

-Sou chefe de recursos humanos.

-Faz tempo que trabalha aqui?

-Sim... Oito meses. Mário é o diretor da redação e conseguiu esse emprego para mim. Saberia se não
tivesse bancado a rebelde todo esse tempo.

-Vai começar?

-Não... Mas tem uma coisa que você precisa saber e não será muito agradável. Temo que volte a fazer a
mesma coisa que antes.

-Eu não vou mais sumir sem dar notícias, viver bêbada ou drogada. Pode ficar tranquila, eu já superei
tudo.

-Promete?

-Prometo... – Rolei os olhos impaciente.

-Veremos... Júlia está de volta.

-Ainda com o Fernando?

-Não sei. – Ela me analisava com um semblante carregado de preocupação. Sabia que essa informação
tinha o poder de mexer comigo. De fato senti o estômago revirar, só que agora em um misto de raiva e mágoa.
Respirei fundo tentando acalmar meus ânimos, precisava me livrar do passado chamado Julia de uma vez por
todas.

-Que bom para ela. Espero que estejam felizes.

Esperei um tempo para ver se Luiza diria alguma coisa, mas ela apenas me observava com seu olhar
apreensivo.
-Bom, o seu anjinho está entregue, vou embora.

-Nos vemos amanhã maninha. Te amo. – Abraçou-me apertado e eu apenas fui capaz de sorrir.

Sai com pressa do escritório. Minha raiva tinha tomado proporções indesejadas. Não era possível que
Julia teria a cara de pau de aparecer em minha frente novamente. Tudo bem que seu pai ainda vivia no haras,
mas ela sabia que a probabilidade de me encontrar ali era gigantesca. Eu não me sentia pronta para encara-la,
não sabia dizer se neste momento eu sentia apenas raiva ou talvez um pouco de saudade e ciúmes. Não,
saudade jamais. Sacudo a cabeça querendo me convencer de que ela era uma safada, vagabunda.

Depois de todo esse tempo os dois continuaram juntos, devia ser um amor arrebatador mesmo. Essa
desgraçada acabou com a minha vida. Meus pensamentos borbulhavam em minha cabeça, eu já estava quase
correndo, com os punhos fechados. Não conseguia olhar para frente, apenas encarava o chão, o caminho até o
carro parecia ser muito maior e agora eu discutia mentalmente sobre correr para o bar e beber tudo o que
pudesse para esquecer.

No meio do tormento, sinto meu corpo se chocar com outro. Foi um impacto doloroso, meu ombro
voltou para trás com força, me desequilibrei e por sorte consegui manter-me de pé. A outra pessoa estava
prestes a cair sentada, segurei-a pelo braço, foi tão rápido que até me impressionei.

-Você está bem? –Pergunto-lhe. Ela tinha a cabeça abaixada com os cabelos claros jogados no rosto. –
Desculpe, eu não a vi.

-Tudo bem. – Ela diz e eu sinto meu coração parar. Passa as mãos pelo cabelo, tirando os fios em seu
rosto. Essa voz... – Alexandra?

Quando nossos olhares se encontraram foi como se meu coração voltasse a bater desesperadamente.
Sem pensar a puxo para um abraço forte, como se uma pequena parte de mim tivesse sido reencontrada.
Inspiro o máximo que posso, tentando memorizar seu perfume. Ravely levanta os olhos para mim e vejo um
sorriso abrir em seus lábios. Apesar de momentos antes eu estar irada, meu rosto involuntariamente puxava
um sorriso em resposta.

- O que você esta fazendo aqui? – Pergunta-me confusa.

De repente foi como se meu corpo recuperasse a vida, como se estivéssemos sozinhas naquele quarto
de hotel novamente.

-Estava de saída, mas não lembro onde deixei meu carro. Para onde você vai?

-Eu ia para casa.

-Está com alguém? Posso leva-la. – Embora eu tentasse conter meu entusiasmo, não estava
conseguindo.

-Eu ia com meu amigo, o Fred, mas acho que o carro dele quebrou de novo. – Ela esfregava a nuca
parecendo tensa.

-Então eu vou te levar! Só precisamos encontrar o carro.

Ela riu e meu coração inundou felicidade.

-Qual é a cor?

-Ãnh?

-É... A cor do carro.

-Ah! É um Evoque vermelho.

-Difícil não encontrar um carro vermelho. – Ela diz, divertida.

Eu concordo também rindo e logo o encontramos, estava um pouco mais a frente. Enquanto ela me
explicava como chegar em sua casa, eu me sentia derreter, como se cada terminação nervosa do meu corpo
estivesse emitindo uma carga elétrica poderosa.

-É aqui?

-Sim, pode estacionar logo ali na frente.

Assim que parei o carro, ficamos algum tempo em silêncio. Senti que ela não queria se despedir, ou
talvez isso fosse coisa da minha cabeça.

-Rav... Não pode imaginar como fiquei feliz em te encontrar agora.

Ela sorriu tímida e mais uma vez pude ver aquele rosto ficar rosado. Deus, como eu amo isso nela.
-Pensei que não a veria mais. – Murmurou sem olhar diretamente para mim.

-É claro que veria, eu ia procurar você, só estive presa em alguns problemas. – Desta vez ela opta por
me encarar. Talvez quisesse ver em meus olhos se o que dizia era verdade.

-Obrigada pela carona. Eu, como sempre, te dando trabalho. – Vejo sua mão tocar a maçaneta para
abrir a porta do carro. Agarro seu punho, impedindo-a que saia.

-Eu quero te ver de novo. O que fará amanhã?

Seu rosto queima, mas um sorriso insiste em surgir, revelando seu possível contentamento.

-Não tenho compromissos para amanhã.

-Pois agora tem, comigo. – Ela tinha o poder de me deixar nervosa, até minha boca estava seca.

Apanho uma caneta que sempre ficava no porta-luvas do carro, puxo sua mão anoto um número na
palma.

-Esse é o número do meu telefone pessoal... Agora não é mais possível não me encontrar.

-Então nos vemos amanhã. – Ela diz e se aproxima para me beijar o rosto em despedida. Viro
rapidamente e o beijo acerta minha boca em cheio. Dura alguns segundos e logo nos separamos. Os olhos de
Ravely pareciam querer saltar da cara. Ela nada diz, apenas pula para fora do carro o mais rápido que pode.
Provavelmente deveria estar da cor de um tomate. Assisto até que ela adentre o prédio e só depois saio em
arrancada.

Chego em casa aos pulos. Não posso negar, a felicidade que agora me preenche, há muito tempo não
sentia. Como ver aquele par de olhos marrons calorosos me fazia bem. Neste momento tive a certeza de que
agora eu não a deixaria escapar de forma alguma. Ravely seria minha.

Atravesso a casa inteira, mamãe estava à beira da piscina conversando com Gabriel. Agarrei-a por trás
e girei várias vezes enquanto ela gritava “Me solta, Alex, me solta!”. Só a deixei depois de alguns beliscões.

-Qual o motivo de tanta alegria?

-Coisas, mãe, apenas coisas... – Disse enquanto sorria e a beijava o rosto.

-Hm... Pelo jeito coisa boa.

-A senhora não poderia imaginar.

-Deve ser mulher, tia. – Respondeu Gabriel.

-Perdeu o juízo, garoto? – Dei um tapa leve na aba de seu boné.

Deixei os dois por um instante e fui colocar o telefone para carregar. A última coisa que poderia
acontecer agora era Ravely me ligar e o maldito celular estar descarregado. Deixei o volume de toque no
máximo, queria ouvir mesmo que estivesse longe.

POV Ravely

Subi as escadas correndo. Sentia-me em pleno êxtase. Ela me beijou de novo... E ainda parecia como se
fosse à primeira vez. As borboletas no estômago que eu pensava terem desaparecido, vieram à tona. O sorriso
em meu rosto era insolúvel, mesmo que ainda sentisse minha cabeça dar voltas. Finalmente consigo encontrar
a chave em minha bolsa, abro a porta entre suspiros. Suspiros esses que foram interrompidos pela voz aguda
de Frederico.

-Onde você estava? Não entendi sua mensagem.

-Eu consegui uma carona, por isso disse que você poderia vir direto para casa.

-Hm... Entendi. Posso saber quem te deu carona?

-Uma amiga, Fred. Você anda muito curioso a meu respeito.

-Não estou mais curioso que o de costume, apenas acho que você anda misteriosa e está me
escondendo algo. Uma hora está emburrada pelos cantos da casa e no outro momento aparece sorrindo para as
paredes em casa.

-É tudo coisa da tua cabeça.

É
-É, deve ser sim. – Ele sacode a cabeça com desaprovação.

Desmancho sobre o sofá, logo ao lado de Fred que lixava as unhas. Começo a passar o número de Alex
para o celular, não queria correr o risco de perder esse telefone por nada.

-Você está com um cheiro de perfume importado.

Com certeza ele tem um dom muito bom para investigação.

-Não viaja Fred, não viaja! – Me mudo do sofá para a poltrona. Não iria me espantar se ele dissesse
“Você está com cara de quem beijou uma mulher”.

Eu não iria contar do meu encontro secreto com a bela Alexandra. Pelo menos não agora, enquanto
ainda não tinha uma boa desculpa.

Fui deitar com uma vontade gigantesca de mandar alguma mensagem para ela, mas o peso na
consciência me atrapalhava. O medo de não obter resposta também era um limitante. No fundo, bem no fundo
eu já sabia que isso representava uma traição e o pior, eu começava a achar que estava disposta a ver até onde
poderia chegar, talvez quem sabe o melhor caminho fosse terminar com Augusto. Antes de qualquer atitude, eu
precisava descobrir como me sentia de verdade em relação a Alex. Agora não era mais uma pessoa estranha
que conheci em uma viagem aleatória. Ela era real, sabia onde eu morava e aparentemente onde trabalhava.
Por outro lado, eu não sabia muito sobre ela, sempre tão enigmática e misteriosa. Eu não conseguia traçar seu
perfil, “Ela é tão imprevisível”, pensei. Além de tudo, nossos caminhos pareciam estranhamente se cruzar de
uma maneira muito insistente. Talvez isso fosse algum sinal, só não sei dizer que tipo de sinal.

Fechei os olhos, queria dormir o mais rápido possível para que a manhã chegasse logo. Estava ansiosa.
O simples fato de saber que a veria no dia seguinte me deixava ansiosa. Me virei de um lado para o outro
durante algumas vezes, nada que eu fizesse traria o sono. Desisto de resistir, pego o celular e envio-lhe uma
mensagem.

“Agora você também tem meu número. Ravely.”

Assim que aparece “mensagem enviada 00:13” em meu visor, o arrependimento bate. Não tinha uma
coisa mais criativa para mandar? Como eu sou patética, ela vai me achar estranha. Olha a hora que resolvo
fazer isso. Queria ter um botão de voltar no tempo.

É claro que depois disso a ansiedade triplicou, apenas consegui pregar os olhos quando imaginei que a
resposta não fosse chegar, ela já deveria estar dormindo.

Notas finais:

;*

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Capitulo 13 - Perdendo a direção por Tammy

No dia seguinte despertei com meu telefone vibrando sob a mesa de cabeceira. Ainda sonolenta,
desbloqueei a tela sem dar atenção do que se tratava.

“Isso é ótimo! Aceita almoçar comigo? Há algumas coisas que gostaria de falar com você.”

Li mais algumas vezes tentando processar a informação. Me peguei sorrindo assim que notei que a
mensagem era de Alex. É claro que eu queria almoçar com ela.

“Claro que aceito.”

Não esperei muito e outra mensagem chegou quase instantaneamente.

“Ótimo, estou chegando aí.”

Como assim “Estou chegando aí”, Que horas são? O relógio marcava 10h45min. Caramba! Ela está
vindo. Eu preciso me arrumar e não vou conseguir fazer tudo em tão pouco tempo. Arrumei a cama e corri para
o banho. Á água morna que caía sobre meus ombros me fez questionar sobre o que ela poderia querer
conversar comigo e como ela sabia que eu iria aceitar o almoço, afinal, já estava chegando em minha casa, isso
indica que ela não aceitaria “não” como resposta.

Saí do banheiro com várias questões e nenhuma resposta, só então é que me dei conta de que não
estava sozinha em casa. Fred estava sentado na sala, tomando café da manhã e assistindo ao jornal, como se
não houvesse mais nada para fazer da vida. Tinha a leve impressão de que ele tivesse dito algo sobre sair, não
deveria estar em casa essa hora.

Sequei meus cabelos o mais rápido que pude, parei de frente ao guarda-roupa tentando decidir sobre
o que vestir. Eu queria impressioná-la e isso não seria fácil. Fred nota minha movimentação e então espeta a
cabeça entre a porta e o interior do quarto.

-Você não tinha um encontro marcado para hoje? – Pergunto incomodada com sua presença.

-Eu tinha, mas o boy desmarcou. – Ele fez uma pausa e observou enquanto eu passava uma
maquiagem leve no rosto. – Você vai sair?

-Vou.

-Não acredito que vai me deixar sozinho.

-Você me abandonou primeiro.

-Aonde você vai?

-Vou almoçar com... Uma amiga.

-E precisa de toda essa produção?

-Iiii vai começar com seu interrogatório de novo.

-Eu às vezes tenho a leve impressão de que você esta se esquivando de mim. Sempre contamos tudo
um ao outro, - Faz uma pausa e senta na cama, - até mesmo coisas que não deveriam ser ditas e agora você
anda escondendo algo. Eu consigo sentir.

Realmente eu estava me esquivando, isso já era mais do que óbvio, mas infelizmente eu não poderia
contar para ele antes de ter certeza do que estava fazendo. Único problema agora era evitar que Alex subisse
até aqui, pois então Fred teria certeza, descobriria tudo no momento que visse como ela me encarava.

Suspiro exasperada e dou-lhe um beijo no rosto.

-Eu não estou escondendo nada. Apenas vou sair com uma amiga que você não conhece. Qualquer
hora eu te apresento. Tudo bem?

-Ok... Não tenho outra escolha. A menos que eu descubra tudo sozinho. – Olhei-o feio, ele nunca iria se
dar por vencido. – Tudo bem, tudo bem! Já entendi, vou caçar o que fazer e deixar você se arrumar para sair
com “sua amiga”.

Disse, fazendo questão de dar muita ênfase no “sua amiga”. Não conseguia imaginar como ele iria
reagir quando soubesse que eu estava gostando de uma mulher? Logo eu que, segundo ele, era a única pessoa
que arriscaria por a mão no fogo.

O toque da campainha me tirou dos pensamentos. Meu coração acelera no mesmo instante.
Larguei o lápis de olho e sai gritando:

-Fred! Deixa que eu abro...

Tarde demais, ele já estava lá, olhando-a. Alex estava do lado de fora, encostada casualmente no
batente da porta, com o queixo elevado, encarava o interior do apartamento. Seus olhos tom lápiz-lázuli
estavam ainda mais acesos hoje. Assim que me ve, um sorriso aumenta em seu rosto. Fico alguns segundos
paralisada admirando a vista. Ela pestaneja algumas vezes em minha direção e depois esboça um sorriso sexy
que me deixa sem saber o que dizer. Ainda me sentia nervosa quando ela aparecia, as malditas borboletas me
assombravam de novo e de novo.

-Entra! – Fred diz para ela.

Eu já sentia o calor tomar conta do meu rosto, enquanto meu sangue era bombeado com força.

-Prazer, me chamo Frederico, mas pode me chamar de Fred, por favor.

-O famoso Fred. Ouvi coisas boas a seu respeito. Sou Alexandra.

-A é? – Ele olha para mim. – Você não me é estranha... Hmm já sei! A famosa moça das fotos? – Olha
para ela e novamente para mim, como quem dizia “Te peguei!”.

-Moça das fotos? – Ela me olha confusa.

Eu limpo a garganta, como se tivesse engasgada.

-Não dê ideia ao Fred, ele se confunde às vezes. Vamos?

-Assim que você quiser. – Ela sorri daquele jeito que me fazia encantar.

Balancei a cabeça em positivo. Saímos e assim que ouço a porta bater em minhas costas sinto-me
menos tensa. Quando pisamos no primeiro degrau da escada, Fred volta a me chamar. Corro até ele.

-Você esqueceu a bolsa com celular e todo o resto.

-Nossa! Onde estou com a cabeça. – Olho-o com um sorriso sem graça.

-Eu já sei.

-Oi?

-Nada. Quis dizer: Descobri de onde vem o perfume importado.

Não sei como responder. Por um lado queria tirar esse peso dos ombros e ter seu consolo, mas por
outro queria entender o que acontecia antes de ser precipitada. Como eu temia, ele ficou mais do que
desconfiado e o cerco estava se fechando para mim. Precisava descobrir o que era isso, porque me sentia tão
nervosa quando estava próxima dela. Coloco minha bolsa no ombro e saio rápido de lá.

Alex me esperava no corredor.

-Você está linda. – Ela me diz, inclinando-se para beijar meu rosto.

-Não mais que você.

Entramos no carro e seguimos rumo para um restaurante que eu não conhecia. Ela estava inquieta e
batucava os dedos no volante.

-Você está nervosa? – Perguntei.

-Sim... – Murmura.

Eu pisco algumas vezes tentando entender o que isso significava. A vejo sorrindo de lado, não parecia
uma pessoa nervosa. Na verdade, não conseguia imaginar Alexandra nervosa, ela era sempre tão altiva e
segura de si ou talvez conseguisse mascarar bem suas emoções. Eu podia olhar em seus olhos. Ela ia devagar,
mas ainda não tinha me dito o teor de nossa conversa. Eu não estava segura em perguntar, embora a
curiosidade me corroesse por dentro.

Chegamos ao restaurante e logo fomos atendidas. Sentamos em uma mesa mais ao canto, onde havia
menos movimento. Alex sentou-se de frente para mim, com seus cotovelos sobre a mesa e queixo encostado em
suas mãos. Seus olhos azuis brilhavam enquanto olhava para mim. Mexo-me na cadeira, de novo a corrente
elétrica percorria todo meu corpo, esse seu olhar penetrante me deixava incomodada. Eu tento insistentemente
manter a calma.

-O que quer beber?


-Pode ser um suco...

-Você está com fome?

-Sim. – Eu minto. Na verdade estava tão nervosa que a fome tinha passado.

-Então quer dizer que eu sou a moça das fotos. – Ela me olhou séria.

Começo a tossir engasgada com o comentário.

-Isso é ruim? – Pergunto desconfiada, com medo da resposta.

-Não... Eu acho. – Ela sorri enigmática e eu me lembro do nosso beijo no sofá do quarto de hotel. O
pensamento impróprio me faz sentir vergonha.

Somos interrompidas quando o garçom chega. Para mim foi um alívio, não estava gostando do rumo
que essa conversa poderia tomar e muito menos das lembranças que a acompanhava, eu ainda não sabia lidar
com isso.

-Parece que seu amigo ficou um pouco desconfiado.

-Desconfiado... Com o que?

-Sobre nós.

-Hm...Acho que não, ele não tem motivos para isso, tem? – É só o que consigo dizer. – O que você foi
fazer na redação aquele dia? – Prefiro mudar o assunto.

-Fui levar meu sobrinho, minha irmã trabalha lá.

Tomo um gole de água, quem seria a irmã? Não conhecia alguém com esse sobrenome por lá. Muller...
Faço um grande esforço tentando lembrar-me de alguém com a fisionomia semelhante, com certeza eu me
lembraria, era muito marcante.

-Quem é? Não conheço outra pessoa com seu sobrenome... – Antes que eu pudesse terminar ouço uma
voz pausada logo atrás de mim, interrompendo meu breve interrogatório.

-Alexandra? Eu não acredito que te encontrei aqui.

Viro-me para ver de quem se tratava. Olhei-a dos pés a cabeça assim como fez comigo, só que com um
pouco de desdenho a mais em seu olhar.

-Olá, Amanda! – Alex se levanta para cumprimenta-la.

Amanda era morena, alta e de aparência rígida. Devia passar horas na academia a menos que aquele
bumbum fosse siliconado. Não poderia descartar essa opção.

Enquanto trocavam beijos observo que a tal moça mantém seu corpo próximo demais ao de Alex. O
contato era bem mais íntimo do que eu gostaria que fosse.

-Como vai?

-Bem e você? – Alex me olha rapidamente tentando interpretar minha expressão de paisagem. – Essa é
Ravely. – Me levanto para cumprimentá-la como se deve, mas é pura perda de tempo. A garota estende a mão
direita impedindo que eu vá adiante. Volto a me sentar e seguro sua mão com um sorriso sem graça. Ela mal
olha em meu rosto.

-Continuo esperando sua ligação.

Pisca para Alex, que agora abaixa a cabeça e balança de um lado para o outro em negativa. O único
problema foi o sorriso que delatava: Elas já dormiram juntas.

-Tenho que ir, alguns amigos me esperam.

Aproxima-se do ouvido de Alexandra e sussurra, mas não tão baixo, de forma que eu ainda possa
ouvir.

– Você tem meu número, eu sei disso. Pode me ligar assim que se cansar. Vou esperar.

Alex não diz nada, apenas a acompanha com os seus olhos azuis frios. Acho que ainda não tinha visto
essa frieza dela. À medida que Amanda se afastava colocando seus óculos escuros no rosto, meu
desapontamento aumentava e talvez ela pudesse ter enxergado isso em mim. Os belos cabelos escuros que
balançavam enquanto ela nos dava as costas, aumentava ainda mais minha insatisfação. Alex volta a sentar-se
à mesa como se nada tivesse acontecido, mas tinha, e para mim não seria tão fácil de esquecer que sem dúvidas
aquele rosto esculpido com maçãs altas, nariz empinado e boca carnuda eram o pacote perfeito para manter
qualquer um acordado pela noite toda.

Esses pensamentos reviraram minha cabeça durante todo o almoço. Alexandra não dizia muita coisa,
ela estava tão séria. Agora eu me sentia ainda menos corajosa que antes.

-Quero te levar em um lugar quando sairmos daqui. – Lança-me seu olhar intenso, às vezes era como
uma sentença.

-Tudo bem. – Respondi, mas minha mente só conseguia pensar no que tinha acabado de acontecer ali.
Será que Amanda também conhece esse lugar? Era o que eu queria perguntar ao invés de dizer “tudo bem”. Ela
continuava me olhando bem no fundo dos olhos e o meu estado de ânimo não era o melhor para a situação.
Voltei a fugir.

Depois de algum tempo na estrada, o carro diminui e alcança uma entrada a nossa direita. A porteira
branca de madeira dava a sensação de estar entrando em um daqueles ranchos de filmes americanos. Embora
não estivéssemos muito longe da cidade grande, o ar parecia ser puro. O vento fresco era gostoso de sentir na
pele. Alex desce para abrir a tramela, eu paro o que estou fazendo apenas para observar seu andar, analisar
suas curvas. Enquanto ela empurra a cancela eu sinto minha boca salivar acompanhada de uma pressão em
meu abdômen. Ela retorna para o carro com ar de contentamento, eu estava desorientada, talvez ela soubesse
que agora habitava meus pensamentos. Tudo o que fazia, até mesmo nos gestos mais simples, era capaz de me
afetar e de alguma forma penso que isso pudesse ser muito bem planejado.

Passamos por uma entrada maravilhosa, com um corredor de coqueiros de alguns metros. O lugar
realmente era lindo e digno de algumas fotografias. Olhei através do retrovisor a grande nuvem de poeira
deixada atrás de nós. Eu estava adorando o prazer sensorial que era estar ao ar livre, à sensação de liberdade e
o cheiro de terra. Ela estaciona o carro debaixo de uma grande árvore florida. Dá a volta e espera até que eu
saia.

-Vem – Me estende a mão. – Vou te mostrar algumas coisas.

Caminhamos de mãos dadas até um lugar que parecia uma arena, era grande forrada com areia
úmida. Nunca vi um lugar tão pacífico de se estar. Nos sentamos no cercado de madeira ao redor do redondel.

-Então aqui é seu lugar preferido?

-Um deles... – Ela me sorri carinhosamente, o olhar frio não está mais lá, é como se nunca tivesse
existido.

E agora eu só consigo pensar no quanto gostaria de beijar-lhe a boca. Estava tão rosada e desejável
que me era difícil pensar em outra coisa.

-Seus patrões não vão achar ruim de estar trazendo visitas?

Ela gargalhou divertida e eu não entendi o motivo da graça. Possivelmente meu senso de humor é
péssimo.

-Não se preocupe, eles não estão aqui.

-O que você queria conversar comigo?

-Calma, já chegamos lá, ainda vamos dar um passeio. – Ela desce de cima da cerca e aponta para o
curral onde os animais estavam. – Vamos montar.

-Eu nunca montei antes, acho que não sei fazer isso.

-Eu te ensino. – Ela para em minha frente, esperando que eu pule em seus braços. A ideia de fazer isso
era torturante, e claro, eu aceito de imediato.

Enquanto caminhávamos para uma espécie de galpão, meus pensamentos retornam na moça morena
que nos abordou no restaurante. Senti raiva só por saber o quanto era bonita. Se ela tivesse interesse em Alex,
assim como eu tinha, certamente minhas chances estavam aniquiladas. Quem sou eu perto da maravilhosa
Amanda? Enquanto ela tinha belas curvas e esbanjava sedução sob seus lindos saltos, eu me preocupava em
não tropeçar com meu all star. Deixa disso, Ravely. Brigo comigo mesma, desde quando sou ciumenta? Mas ela
foi tão cortês com Amanda, era extremamente sufocante pensar nelas se tocando.

-Quando você vai começar a me contar sobre o que tanto pensa? – Ela me lança um olhar fugaz e
brincalhão.

- Quando você começar a fazer o mesmo comigo.


-Hmm... Interessante, o que mais você pensa sobre mim? - Droga! Ela é curiosa e hoje está
incrivelmente disposta a conversar coisas constrangedoras. Por que não pode simplesmente deixar isso para lá
e ir ao que interessa?

Respiro fundo e uma onda forte de coragem me atinge.

-Que você é mandona e controladora de uma maneira completamente irresistível. Esse olhar triste que
você tenta incontrolavelmente esconder, guarda alguma mágoa e isso te da um mistério especial, deve
conseguir qualquer coisa, principalmente quando olha alguém assim. – Eu digo sinceramente e ela me olha
completamente surpresa.

-Nossa! Quanta sinceridade, mas você está errada.

-Estou?

-Sim, porque nem sempre eu consigo o que quero, infelizmente.

-Não? Difícil acreditar.

-Bom, talvez eu descubra isso hoje. – O sorriso safado surgiu de novo, seus olhos estavam acesos e com
um humor estampado, como se aproveitasse alguma piada interna.

Minha frequência cardíaca sobe inexplicavelmente, eu acho que ruborizo. O que será que ela quis
dizer com isso?

Atravessamos a arena, e fomos até onde os animais estavam. Alex tirou um cavalo da baia, era negro,
e seu pelo brilhava mais que meus cabelos. Eu jamais iria conseguir subir em um animal tão grande. Talvez
seja agora que irei completar mais uma queda desastrosa a minha grande lista de micos.

Alex retirou uma sela que estava pendurada e a encaixou sob o lombo do animal. Ela manejava com
destreza, parecia ter muita prática no que estava fazendo. Mas mesmo com tantas distrações o nome “Amanda”
ainda ecoava em minha cabeça. Eu precisava perguntar de uma vez por todas.

-Aquela moça do restaurante... – Sua atenção volta para mim e quando ela me olhava tornava muito
mais difícil ser capaz de concluir minha pergunta.

-O que tem?

Respiro fundo.

O sorriso de canto surge e ela desvia o olhar. Provavelmente não faz ideia de como isso me deixava
desconfortável.

-Vocês namoram ou namoraram? – Eu agito minha cabeça para reunir meu juízo. Seu olhar minucioso
me ataca e sinto meu rosto se aquecer.

-Não...O que te fez pensar isso?

-O modo como ela te olhava e você sorriu para ela, parecia te conhecer bem. – Eu retruco no mesmo
instante.

-Ela me conhece um pouco. – Ela volta a ficar séria.

Sinto o amargo subir pela minha garganta, parecia ser desgosto. Como eu poderia competir com
Amanda e seus requisitos?

-Ela é muito bonita... – Embora eu não quisesse demonstrar, minha voz era baixa e melancólica.

-É sim.

-Pretende sair com ela mais vezes? – Quase não consegui falar, mas eu precisava saber, queria
entender quais eram as intenções de Alexandra.

-Não. Eu estou interessada em outra pessoa.

Respiro fundo, recuando como sempre fazia, mas continuo olhando-a com calma, à medida que
assimilava suas palavras a satisfação me tomava.

-Vem, vou te ajudar a subir. Eu te garanto que não vai cair, esse animal é o mais calmo que temos aqui.

-Não subestime minha capacidade para o desastre, Alexandra Muller.


-Eu não subestimo nada em você, Ravely Mancini. – Estava tão próxima a mim, podia sentir seu cheiro
e de novo a pressão em meu abdômen aparece. Ela limpa as mãos em seu jeans surrado, e enrola as mangas da
camisa que vestia. Agarra minha cintura para ajudar a montar ao cavalo. Se controla Ravely, se controla.
Respiro fundo tentando acalmar meus hormônios. Temo que ela monte logo atrás de mim, isso seria demais.

É claro que eu estava em desvantagem, uma desvantagem completamente desleal, jamais conseguiria
escapar desses contatos e quanto mais frequentes eles se tornavam, mais difícil ficava para mim.

Alex preparou o outro animal e saímos. Entre galopes fomos para debaixo de um arvoredo, próximo a
um riacho.

-Que lugar lindo.

-É... Eu adoro aqui.

O sol desapareceu, olhamos para o céu e estava escuro, uma tempestade se aproximava.

– Poderíamos entrar na água se não estivesse tão nublado.

Decepcionante, eu adoraria entrar na água com ela ou em qualquer outro lugar. Meus pensamentos
cada vez mais se tornavam tentadores. Meu coração bate dolorosamente no peito, ela realmente quis dar um
passeio. Que reviravolta. Em alguns momentos não sustento seu olhar e no outro quero tomar banho de rio
com ela.

-É... Talvez na próxima vez. – Concordo.

-Sim, haverá uma próxima. – Ela diz com segundas intenções, eu quase tenho certeza, mas é difícil
afirmar, afinal estou falando da mestra em esconder emoções.

-É melhor voltarmos antes que a chuva chegue.

Assim que chegamos ao curral, a chuva despenca com força. Alex tira toda a tralha e solta os animais
em um piquete. Apanha uma manta que havia por ali, coloca sobre nossas cabeças e corremos até a casa que
não estava muito longe. A água e a correria me impediam de ver os detalhes, mas parecia uma casa
característica de fazenda, com vários detalhes em madeira, pintado em marrom e alguns pormenores em
branco. Entramos por uma porta ao fundo.

-Foi por pouco, parece que a chuva nos persegue.

-Ou nos une, prefiro pensar assim. – Diz, enquanto pega uma toalha e começa a secar meus braços.
Meu coração quase me estrangulava com esse contato, estava preso em minha garganta, como se fosse escapar
pela boca.

Ela me puxa para uma porta que da entrada a uma cozinha muito grande de acabamentos rústicos e
naturais. Os móveis são de madeira maciça, havia uma ilha no centro com pedra em pedra bruta e polida. As
luzes acendem assim que entramos, o charme se torna ainda maior com a iluminação âmbar, que aliada à
madeira rústica dava um ar sofisticado e muito característico de fazenda. Fico pensando o quão ricos essas
pessoas eram e que talvez não devêssemos estar ali. Enquanto eu estava tensa com medo de sermos pegas, Alex
age naturalmente, como se estivesse em casa. Insiste que eu me sente, ela abre a geladeira a procura de alguma
coisa.

-Quer algo para beber? Temos suco, água, café... O que você quiser.

-Pode ser um copo de água apenas.

Ela volta com água e uma caixa de bombons. Senta-se ao meu lado, sob a bancada. Parecia sentir-se
tão confortável, tão à vontade ali, eu a invejo, não me sinto assim agora.

-Não quer comer nada?

-Estou bem, só a água mesmo. – Sorrio um pouco envergonhada.

-Você está tensa. – Agarra minha mão. – Suas mãos estão frias.

Ela dobra sua cabeça, olhando para mim interrogativamente.

-Você esta preocupada com alguma coisa?

- Não! O que te faz pensar isso?

-Bem, suas mãos estão suando, você não consegue me olhar nos olhos como faz quando finjo não notar
e suas pernas não param quietas. - coloca um bombom na boca, e sem perceber eu já estava mordendo o lábio
enquanto a assistia.

-Estou curiosa para saber sobre o que iríamos conversar.


-Eu estou com um problema.

-Qual? Eu posso ajudar?

Ela ri de novo e eu não entendo de onde vem a graça. Franzo a testa e olho para baixo, para minhas
mãos. Eu tenho certeza que ela fazia de propósito, só para me deixar envergonhada.

-Eu não consigo parar de pensar em você, mas você é de outra pessoa. Esse é o problema.

Continuo encarando minhas mãos e ouço seu longo suspiro. Ainda não tinha caído minha ficha do que
acabara de ouvir.

-Não fuja de mim agora, você quem insistiu para que eu dissesse. Eu estou acostumada a fazer as
coisas de outro jeito, do meu jeito, mas com você tudo é diferente.

-Por que comigo é diferente?

-Porque... Porque eu acho que gosto de você. Você é diferente de todas que eu conheci. Faz eu me
sentir feliz novamente, me faz esquecer de algumas coisas do passado.

A conversa agora era séria, eu não sei como chegou a esse ponto, mas pude perceber que ela estava
sendo realmente sincera e eu estava em êxtase. Nunca pensei que eu pudesse afetá-la assim como ela me afeta.

-E talvez eu seja melhor para você, assim como você é para mim. Afinal, você está comigo hoje e não
com ele.

Eu sinto uma pontada de dor quando ela me diz isso. Alex estava certa, eu estava com ela e gostaria de
continuar.

Ela pula de cima da bancada, está de frente para mim, muito próxima e eu mal consigo respirar sem
sentir seu perfume penetrar em mim. Ela respira mais rápido que o normal e eu não sei dizer se continuo
respirando. A adrenalina corre por meu corpo, eu arrisco olha-la nos olhos, estavam intensos e abrasadores.
Ela umedece os lábios e isso me ataca como um golpe em cheio. Sei que estou brincando com fogo, com algo
que não deveria, mas é muito forte, vai além do que eu posso sonhar controlar. Era como se seus olhos
pudessem falar com uma parte de mim que estava muito abaixo da superfície. Ela fazia comigo tudo o que
Augusto nunca fizera. Como eu posso resistir?

-Diz alguma coisa, seu silêncio me mata.

Isso é o suficiente para que eu perca o controle e agarre-a pelo pescoço. Ela pareceu surpresa de
inicio, mas logo corresponde com muita urgência. Suas palavras me soaram como um ótimo catalisador,
fazendo meu sangue arder em chamas. Ela me pega no colo, coloca sobre a bancada e fica entre minhas
pernas. Morde-me o lábio inferior.

-Eu quis tanto fazer isso. – Diz entre suspiros, sem se separar da minha boca. Eu gemo e ela sorri.
Retribuo chupando seus lábios. Sinto meu corpo trêmulo, mas dessa vez era de desejo. Seu beijo era exigente.
Sua língua e seus lábios percorrem os meus com vontade. Aproxima seu corpo e me aperta forte. O calor se
expandia entre nós. Ela afasta meus cabelos e beija meu pescoço, o arrepio sobe por minha coluna, uma
pressão toma conta de meu corpo e eu só consigo pensar em tirar-lhe a roupa. Não consigo resistir às
desenfreadas sensações que me percorrem. Minhas mãos acariciam seu corpo, com um gesto indeciso
resultante da intensidade em que ela me beijava, coloco minhas mãos por debaixo de sua roupa. Ela tem pele
macia, mais do que em meus sonhos. Suas mãos descem para minhas pernas, começando pelo joelho e subindo
lentamente até o quadril. A cada centímetro percorrido eu sentia minha força se esvair. Estava entregue e
persuadida. Ela encosta sua testa a minha, nossos olhares se encontram, ela sorri.

-Assim torna difícil eu não me apaixonar por você.

Volta a me beijar, eu não queria que parasse nunca mais. Seus lábios formavam um encaixe perfeito
sob os meus. Sinto meus dedos deslizarem por seu abdômen, queria poder vê-lo por debaixo da roupa. Era só
isso que nos separava agora, algumas camadas de roupas.

Ouvimos como se fosse um molho de chaves balançar e em seguida uma porta bater, Alex se afasta um
pouco, mas continua entre minhas pernas. Eu estava assustada, quis descer imediatamente da bancada, mas
ela me prendia. Olhou para trás, em direção à entrada entre cozinha e sala, não havia porta, então qualquer
pessoa que tivesse chegado poderia nos pegar ali. Ela me olha de novo e me beija rapidamente. Não parecia
estar sequer um pouco preocupada, enquanto eu já morria de vergonha, pensando em milhões de motivos
aceitáveis para estar sob a bancada da cozinha de alguém.

-Deve ser minha mãe, não se preocupe. – Como assim sua mãe? Ela morava ali?

Desço de cima da bancada, arrumo o cabelo que devia estar todo bagunçado depois do que aconteceu.

-Vamos, vou te levar para casa antes que dona Clara te assuste e você nunca mais queira me ver.
Atravessamos a sala de mãos dadas, uma mulher estava lá com algumas sacolas de lojas em mãos.
Assim que nos viu o sorriso se abriu. Ela tinha os olhos azuis como os de Alexandra, mas o cabelo era bastante
claro, ela parecia ser bem jovem para ter uma filha na casa dos vinte.

-Olá! Já estão de saída, logo agora que eu acabo de chegar.

-Oi, mãe. Já estamos indo, você demorou...

-Sabe como é quando vou às compras...

-Sei, por isso evito acompanha-la. – Elas riram.

-Prazer, sou Clara, mãe da Alexandra.

-O-olá! Sou Ravely. – Ela se aproxima para me beijar o rosto. Fico estática e surpresa.

Ela tinha um olhar amável, com uma felicidade a mais, eu não entendia o que significava, mas que
bom que não achou ruim.

-Bom, espero que venha aqui mais vezes, gostaria de conhecê-la. – Ela pisca para mim.

-Mãe! – Alex reclama.

-O que? Não disse nada de mais... Só quero conhecer melhor Ravely. O que há de mal nisso.

-Vamos embora, antes que ela faça mais perguntas.

-Tchau, senhora Clara.

-Até mais Ravely, volte mais vezes.

Assenti com a cabeça e saímos.

-Por que não me disse que você mora aqui?

-Mas eu não moro aqui, meus pais moram.

-Da no mesmo.

Alex pega minha mão e cruza nossos dedos.

-Você consegue ficar ainda mais linda assim, bravinha. – Beija-me a mão.

-Alex! Olha a estrada. – Ela sorri e continua concentrada na direção.

Eu me sentia nas nuvens, como se estivesse apaixonada. Precisava conversar com Fred, eu sabia como
me sentia, não tinha como negar. Ela mexia comigo, se eu ainda não estivesse apaixonada, em breve estaria e
não há como fugir. Eu quero estar perto, quero vê-la todos os dias.

Em pouco tempo estamos em frente a minha casa, e eu não queria sair de dentro daquele carro.

-Você quer subir? Podemos assistir a um filme, jantar...

-Eu gostaria muito, mas acho que você precisa de um tempo para pensar. Não quero forçar as coisas e
tenho medo do que posso acabar fazendo se passar muito tempo tão perto de você.

-Entendo. – Respondi um pouco triste.

-Mas não quer dizer que eu não queira te ver novamente. Podemos nos encontrar de novo.

-Não posso te convencer a ficar?

-Se tem alguém que pode é você, mas é melhor ter esse tempo para pensar. Não quero te causar
problemas.

-Você esta certa.

Ela se aproxima e beija-me o rosto carinhosamente. Mantém-se colada a mim, fecha os olhos, respira
fundo tentando se controlar.

-Vá, antes que eu me arrependa.

Eu não digo nada, prefiro sair antes que eu também mude de ideia. Era o certo a se fazer, ela tinha
razão mesmo que eu não quisesse aceitar. Subo as escadas lentamente, sento-me inconsolável. Uma parte de
mim faltava e pela primeira vez me sinto incompleta.
Fred não estava em casa, o que era bom, poderia chorar debaixo do chuveiro a vontade. Retiro minhas
roupas, quem me dera o banho também pudesse lavar a alma, ou então mudar minha realidade. Precisava
descobrir como acabar tudo com Augusto e isso não seria fácil. Mesmo que eu dissesse estar apaixonada por
Alexandra.

Antes de entrar debaixo do chuveiro, ouço algumas batidas na porta. Deveria ser Fred, ele sempre
batia insistentemente. Me enrolo na toalha e vou até lá, não olho para ver quem é, apenas abro e dou as costas.

-Isso é jeito de receber as visitas?

-Alex?

Notas finais:

Boa noite! Finalmente mais um capítulo, demorou mais chegou.


hahah

Este ficou um pouco mais longo, mas espero que gostem.

Beijos!

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Capitulo 14 - Fique comigo por Tammy
Antes de entrar debaixo do chuveiro, ouço algumas batidas na porta. Deveria ser Fred, ele sempre
batia insistentemente. Me enrolo na toalha e vou até lá, não olho para ver quem é, apenas abro e dou as costas.

-Isso é jeito de receber as visitas?

-Alex?

Seu rosto estava pálido, como se tivesse visto um fantasma.

-Esperava mais alguém? – Ela me diz, tentando disfarçar. Ainda olhava ao redor, pelo corredor e
dentro do apartamento, como se esperasse ver alguém.

-Não! Apenas me surpreendi, não achei que você fosse voltar. Aconteceu alguma coisa?

Ela estava mais tensa que o de costume.

-Não aconteceu nada. Está tudo bem. Você está sozinha, Fred está aqui?

-Entra. Estou sozinha sim.

Ela bate a porta e gira a chave. Estava muito estranha.

-É... Eu estava indo para o banho... – Passo as mãos por meu cabelo, colocando uma mecha atrás da
minha orelha, enquanto finjo que ela não me intimida.

-Não quero atrapalhar. Tudo bem se eu esperar por você aqui? – Por alguma razão, olho para cima e
encontro seus olhos, escuros e preocupados.

-Sim, eu não demoro.

Corro para o banheiro com um turbilhão de sentimentos me atordoando. Onde será que ela pensa
estar indo com isso? Primeiro diz para que eu pense, mas logo em seguida volta ao meu apartamento. Estou
absolutamente confusa sobre o que significa isso.

Sigo para meu quarto, coloco o primeiro short jeans e camiseta que encontro pela frente. Quando
volto noto que ela olhava insistentemente para fora da janela, como se esperasse algo de estranho acontecer na
rua.

-Pronto. O que aconteceu, por que mudou de ideia?

Ela sorri ligeiramente. Seus olhos percorrem todo meu corpo. Me fitou por algum tempo, até perceber
meu desconforto. Aos poucos foi voltando ao normal.

- Apenas mudei de ideia.

-Não quer mais que eu pense?

-Não é isso...

- O que é então?

Aproxima-se de mim, envolve-me em um abraço apertado, como se fosse o primeiro ou talvez o


último. A sombra preocupante já não estava mais lá, tinha dado lugar à suavidade. Eu sorri timidamente de
volta para ela.

-Eu mereço a chance de te persuadir...

Dou-me por vencida quando sinto seus lábios colados aos meus mesmo que por alguns milésimos de
segundo.

-Vamos, vou preparar algo para nós.


-Hm... Além de linda, também sabe cozinhar?

- A linda é por sua conta. O cozinhar... Talvez.

-Que maravilha, porque eu só sei comer.

-Você não cozinha, nada ?

Ela nega com a cabeça.

-Nunca? – Pergunto novamente.

-Não.

-Entendo... – É claro que ela não saberia o que é cozinhar, com uma casa luxuosa daquela, deve ter
crescido com centenas de empregados. Sinto-me envergonhada com a simplicidade da minha cozinha ao
lembrar-me do rancho.

Começo a preparar um molho, enquanto ela me assiste.

-Deixe-me provar.

Apanho uma colher com um pouco e levo até sua boca. Ela abocanha olhando em meus olhos. O canto
de seus lábios fica marcado de vermelho. Eu estava no automático e sem me dar conta limpo com o polegar. Ela
segura meu pulso com força, suas pupilas estavam dilatadas me encarando fixamente. Alex leva meu dedo em
sua boca e o suga. Eu engulo isso em seco, ela conseguia ser irresistível enquanto me mantinha presa em seu
olhar. Nesse momento eu era um cordeiro encurralado pelo lobo e mal sabia. Não sei se consigo mais evitar
deixa-la perceber o quanto me afeta, ela sabe o que faz, como sempre.

-Você não devia me provocar assim. – Me repreende.

-E-eu... Eu não estou fazendo nada. – Respondo ingênua sobre o que estava acontecendo. Eu não estou
habituada com esses jogos.

Ela continuava segurando meu pulso com força era impossível escapar. O sorriso maquiavélico surge.

-Ainda está em tempo de me mandar embora. - Sua hesitação era quase palpável, tive medo de que
desistisse.

-Mas eu não quero que vá.

Levanta suas sobrancelhas surpresa. Parecia estar avaliando minhas palavras.

-Você não sabe o risco que corre. E acho que agora ninguém vai aparecer para te salvar. – Sua voz é
doce e sedutora.

Enquanto ainda me mantém, apaga o fogo que estava prestes a queimar o molho, volta a me olhar,
seus olhos azuis e impenetráveis lampejavam excitação e desejo.

-Como você faz isso, como me faz perder o fôlego?- Sussurro, já sentindo meus joelhos fraquejarem.

Ela aproxima meu corpo do seu com a mão em minha cintura. Desliza seus dedos por meu pescoço,
puxa meu cabelo, abrindo caminho para seus beijos que começavam leves. Passo meus braços por cima de seus
ombros. Sou forçada a olhar para ela.
- Você... Você me afeta de um jeito inexplicável. Eu simplesmente não consigo evitar.

Meu sangue queima nas veias. Alex inclina-se e me beija. Sua língua quente deslizava sobre meus
lábios, minhas mãos apertavam seus cabelos com certo desespero.

- Eu tenho que me segurar para não mordê-la, - Sussurra em meu ouvido.

Delicadamente, ela puxa-me com os dentes, deixo escapar um leve gemido fazendo-a sorrir
maliciosamente.
Ela tira a jaqueta de couro que vestia. Sem pensar, começo a desabotoar sua camisa. A cada botão o
calor que eu sentia tornava-se mais voraz.

Por que nunca senti isso antes?

A roupa desliza por seu corpo. Minha respiração fica presa, quando observo o sutiã preto que ela usa,
apesar de lindo, era um mero adereço aquele corpo. Escorrega seu dedo por meus lábios. Seus olhos
hipnotizantes me excitavam ainda mais. Mordo meu lábio ao sentir o calor de sua pele tão próximo a mim. Ela
parecia ter sido esculpida. Deslizo minha mão por seu abdômen completamente definido. Apanho um de seus
seios fartos por cima da taça do sutiã. Preenche-me a mão por completo. Nunca me imaginei nessa situação,
que agora estava descobrindo ser a melhor que tivera sentido.

Volto a beija-la com veracidade. Num movimento rápido e ao mesmo tempo delicado me vira, fico de
costas. Ela é mais alta que eu. Com a mão direita por debaixo da minha roupa, passeia meu corpo. Sinto sua
respiração em minha nuca. Meu corpo reage, os pelos se arrepiam todos. Tira minha camiseta. Volto-me de
frente para ela. Sem cessar a beijo. Ela me puxa para cima, envolvo minhas pernas em sua cintura, ela me
carrega até o quarto.
-Amo seu cheiro. – Diz já ofegante.

Sinto-me encontrar o colchão. Alexandra esta sobre mim. Tomo sua boca com vontade. Seus lábios são
doces, firmes e macios. Desabotoo sua calça e vejo o restante de seu lingerie. Ela esboça seu sorriso, mais safado
que o de costume. Minha pele arde, estou ruborizada. Ela beija-me de novo e de novo. Percorro suas curvas
com minhas mãos. Chego até suas nádegas, aperto-as por dentro da peça intima. Ela desata meu sutiã e logo
em seguida abocanha meu seio. Minhas mãos buscam por ela, encontram sua virilha. Chupo seu lábio ao sentir
sua umidade. Foi como uma descoberta, como encontrar um precioso tesouro escondido. Parecia um sonho
intenso e apaixonado. Deus, eu devo ter sido assim a vida toda e só notei agora. Por um momento ela se afasta,
sem tirar os olhos de mim. Por algum motivo, noto seu olhar diferente e ela apaixonadamente me beija,
forçando meus lábios a se separarem com sua língua.

Alex retira o jeans. Seus lábios descem por meu corpo em beijos e leves mordiscadas. Eu gemo, meu
corpo era tomado por um desejo primitivo que eu desconhecia. E agora parte de mim rezava para que quando
acordasse isso ainda fosse real e não mais uma fantasia do meu inconsciente.

Cravo minhas unhas em suas costas, ela gosta. A necessidade de senti-la tornava muito forte. Exponho
seus seios, os mamilos rosados e rígidos revelavam que ela se sentia exatamente como eu. Coloca-se sobre mim,
me apoio sobre os cotovelos e abocanho-lhe os seios, a sensação de provoca-la com minha língua era
maravilhosa. Eu sorrio ao vê-la tão surpresa, assistindo a tudo que faço. Continuo apertando-os com vontade,
oscilando entre mordidas intensas. Ela por sua vez coloca a mão por detrás, em minha cabeça, puxando-me
para perto de si. Esse jogo era cada vez mais excitante. Não aguento mais essa espera, ela estava me levando à
loucura.

Alcanço seu sexo, mesmo por cima do fino tecido posso sentir sua umidade, me embriagando.
Escorrego para a borda, a fim de sentir tudo por completo. Ela permite até certo ponto. Quando estou quase lá,
puxa minhas mãos, colocando-as cruzadas acima da minha cabeça, como se quisesse demonstrar quem manda.
Sou sua refém agora. Reluto, mas é em vão. Ela me olha e faz sinal de silêncio, mordo os lábios em resposta,
meus batimentos cardíacos estão a mil. Porque ela tem tal efeito sobre mim? Sua beleza absoluta talvez. A
forma como seus olhos brilham quando nos encontramos ou talvez o modo como ela me mantém em seu
campo magnético. Sou como um imã que por mais que resista, é atraído para o centro.

Beija-me o pescoço, o colo, desce até o abdômen. Ela me olha mais uma vez, puxa minha calcinha.
Encontra minha intimidade. Sinto-a me inundar. Antes que chegue ao pico, interrompo-a. Coloco-me sobre ela,
suas mãos percorrem minha cintura e descem para minha coxa. Seus olhos lampejam. Debruço-me sobre ela, é
minha vez de ver o que Alexandra esconde. Ela fecha os olhos, sabendo qual seria meu próximo passo.
Escorrego minha mão até lá. Ela se move em vai e vem quando sente meu dedo a preencher. Alex queria me
mostrar como era, queria ver como eu iria me sentir. Minha pele queima, arde. Eu gemo e a beijo. Volta a
inverter a posição, coloca-me deitada sobre a cama, seus olhos estão maliciosos. Chupo seus lábios. Meu corpo
treme, arqueio-me. Nossos corpos estão suados e unidos. Meus pensamentos desaparecem, não há mais nada,
apenas eu e ela. Sinto sua respiração quente em meu intimo, ela toca a língua em um ponto frágil. Lambe. Meus
gemidos tímidos oscilam entre respiração descompassada. Volta a me chupar com maior intensidade. Eu não
possuo controle sobre minhas pernas que se contraem. Involuntariamente tremo quando ela aumenta a
intensidade.

-Shhhh... Ainda não. – Ela diz, enquanto me beija. Eu posso sentir meu gosto em sua boca.

Alex retira a última peça que faltava. Coloca-se entre minhas pernas. Seu sexo completamente
molhado toca o meu. Suas mãos estão acima dos meus ombros, ela me encarava enquanto iniciava o
movimento de vai e vem. A vejo ficar com a respiração pesada e as estocadas aumentam. Cada vez com mais
força. Parecia que minha alma deixava meu corpo e voltava, uma vez atrás da outra. Cravo minhas unhas em
suas costas, mantendo o atrito e então sinto uma explosão intensa. O que era isso? Uma sensação maravilhosa e
involuntária, como se estivesse caindo em queda livre sem me preocupar em chegar ao chão. Acho que ela
experimentara o mesmo que eu. Parece não aguentar mais o peso do seu corpo e deposita a cabeça em meu
peito.

Jamais pude imaginar que minha primeira vez seria assim. Respiro fundo, o seu perfume estava por
todo o quarto e só agora percebo que nunca quis que fosse com outro alguém. Estava apaixonada por ela,
sempre estive desde o primeiro momento que a vi. E ela nem sequer fazia ideia. Ficamos um tempo abraçadas,
esperando a respiração voltar ao normal, mas sem perceber acabamos pegando no sono.

POV Alexandra

Acordei confusa. O quarto estava sob uma penumbra, acho que ainda não amanheceu. Sinto o peso do
corpo de Ravely me envolvendo. Sorri contente por vê-la dormir tão aconchegada a mim. Achei que nunca mais
fosse me sentir assim com alguém, e agora acho que estou completamente apaixonada. Me viro de modo que
nossos corpos fiquem ainda mais colados. Suas madeixas loiras tocavam meu rosto, “como pode cheirar tão
bem.” Ela era uma droga para uma viciada. Beijo seu pescoço, respirando fundo tentando manter esse
momento para sempre em minha mente. Fecho os olhos e uma paz que eu já não conhecia há muito tempo me
assola.

Palmas altas e pausadas rompem o silêncio. Sento-me rapidamente, olho para a mesa de cabeceira e
não havia nenhuma arma lá. Ao meu lado Ravely está deitada, seu corpo parece sem vida, como se estivesse
anestesiada. O que está acontecendo?

-Não, não, não. – Olho para seu rosto, não há reação, ela não responde. O desespero cresce e sinto
meus olhos cheios.

-Que pena, logo agora que as coisas pareciam voltar ao normal, não é mesmo?

-Você é doente!

-Não mais que você! – Explana.

Uma lentura se espalha pelo lençol abaixo de mim. Puxo os cobertores desesperadamente, uma
mancha escura crescia no tecido branco. Me toco em busca de alguma perfuração. Eu me sentia bem, não era
meu. Minha cabeça está girando ao redor de novo. O sangue era dela, do corte em sua coxa. Colo minhas mãos
sobre o ferimento desesperadamente, mas não parava. Estava minando como se fosse água.

-Não, não! Por favor, não. Volta, volta. – Gritava sobre seu corpo.

Algo me puxa, estou presa, me debatendo descontroladamente.

-Alex! Alex!

Abro os olhos, temendo ainda estar naquela cena de terror. Lembrei-me do motivo que me levou a
voltar ali e sinto meu peito doer sabendo que precisava sair. Eu não queria soltá-la. Isso não deveria acontecer,
não com ela.

-O que não deve acontecer comigo?


Abro os olhos e Ravely esta me encarando. Sorri ao ver que eu acordei, era apenas um pesadelo. A
beijo repetidas vezes. Ela segura meu rosto, retirando os fios colados a minha testa. Descubro sua perna, queria
ver se era real, se estava tudo bem. Deparo-me com sua nudez. Seu rosto enrubesceu e ela se cobre logo em
seguida.

-Estou bem. Com o que você estava sonhando?

-Achei que algo tinha te acontecido, foi apenas um pesadelo.

-Hm... Então quer dizer que você também sonha comigo?

Sorrio e me aproximo dela, estava encostada à cabeceira da cama com o lençol escondendo os seios.
Me coloco de joelhos para ficar mais alta.

-Quer dizer que... Estar. Com. Você. Já é. Viver um sonho. – Digo distribuindo beijos por seu rosto,
fazendo-a rir. Ela me cala com um beijo nos lábios, de inicio leve e logo tomando proporções gigantescas. Sinto
seu sorriso contra meus lábios.

-Eu preciso ir trabalhar.

-Tem certeza, que horas são? – Continuo beijando-lhe o colo.

-Hora de sair da cama.

Droga de tempo que nunca pode parar.

Foge por debaixo de mim, arrastando o lençol consigo. Eu o seguro, impedindo-a que vá. Ravely me
olha desafiadoramente. Agita sua cabeça sorrindo astutamente para mim. Puxo o lençol revelando todo seu
corpo. Ela era linda. Enrola-se em uma toalha, sem tirar os olhos de mim. Ela também sabia provocar. Puxo a
respiração e desabo na cama, essa garota ainda iria me matar.

Assim que ela deixa o quarto, coloco minhas roupas rapidamente. Em poucos minutos está de volta, só
que agora vestida, uma camisa social branca, cabelos presos em um coque alto. Vai até a cômoda e coloca um
óculos de grau. Quanto mais séria ficava, mais meu coração batia forte por ela. Sinto vontade de dizer tudo,
coisas que quis dizer no primeiro dia que nos encontramos. A garota da poltrona número 12 estava de volta,
séria, perdida em seus pensamentos. Ela era encantadora.

Seu telefone toca sobre a cama, ela corre para atender, acho que não queria que eu notasse de quem
se tratava, eu também não quis, mas infelizmente pude ver “amor” escrito na tela. Lentamente o mundo
exterior invadiu meus sentidos. Ela sequer me olha. Fecho as mãos com força, até que minhas unhas afundem
na pele. Estava determinada a ficar com ela, sei que estou pagando todas minhas dívidas com isso. Eu pretendia
nunca deixa-la, mas agora me vejo pronta para ir.

Não sei o que devo dizer nesse momento, a raiva era maior do que eu gostaria que fosse. Bato a porta
em minhas costas, Ravely me assiste, ainda com o telefone em mãos. Me vê sair e tenta dizer alguma coisa que
eu não ouvi. O sabor seco de náusea sobe minha garganta, a gravidade me trouxe para baixo. É claro que
estava tudo muito fácil. Por que seria assim?

Dirijo para o rancho torcendo para que não tenha absolutamente ninguém lá. Desço do carro e passo
direto por seu José e Augusto que conversavam em frente à casa.

-Menina, ainda não me disse quais animais vão para o leilão. – Ele diz enquanto passo.

-Agora não, seu José. – Bufo e passo por eles maneando a cabeça enquanto os ouço dizer:

-Mas que bicho mordeu ela agora?

Augusto levanta e me segue, posso sentir seu olhar em minhas costas.

-Dia ruim? – Pergunta arredio.

-Você não imagina o quanto. – Sorrio sarcástica.


Ele pisca para mim, também sorrindo. Talvez não houvesse no mundo alguém como meu irmão.
Sempre conseguia tudo o que queria, era bondoso e paciente. Segundo minha mãe, ele era o oposto de mim.
Teimosa e intempestiva.

-É bom melhorar, temos um leilão beneficente para organizar.

-Aí que saco. – Reviro os olhos. – Todo ano a mesma coisa.

-Vai ser legal, quem sabe você não conhece alguém? – Ele me empurra o ombro.

-Já conheci e ela tem namorado. – Retruco mal humorada.

-Agora sei que bicho te mordeu. – Suas sobrancelhas apertam.

-O que foi? Tem algo a me dizer?

-Acho que o seu dia está prestes a ficar ainda pior quando vir quem está aqui. – Ele olha para mim
cautelosamente, esperando por uma reação.

-Eu não acredito que ela teve coragem de vir até aqui.

-Claro que ela teve, os pais moram aqui. Aonde pensou que ela fosse?

-Pois então os mandamos embora.

-Até parece que você teria coragem de mandar Seu José e Gabriel embora só por causa de Júlia.

-Eu preciso de uma bebida.

Augusto maneia a cabeça negativamente.

-Está tomando o remédio?

-Sim! – Elevei o copo e pisquei para ele.

- E quanto aos pesadelos, ainda continuam?

-Não! Nunca mais tive. – Minto antes que o interrogatório médico prossiga.

-Uísque não é calmante. – Ele retruca, olhando para a forma como eu bebia.

-Eu não preciso de calmante, estou calma o suficiente.

Ele suspira contrariado com minha teimosia.

- A propósito, vou trazer minha namorada na noite do leilão. Não vá caçar briga caso Júlia apareça. -
Ele brinca. - O remédio, não se esqueça!
Notas finais:

Boa noite!!!

Ta aí, mais um capítulo. Me antecipei um pouquinho.

Algumas coisas começam a se revelar.

Espero que gostem.

Beijão e até o próximo!

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Capitulo 15-Flashes do passado por Tammy

Ravely

Vi meu celular tocar sobre o colchão e no mesmo momento os olhos de Alex acompanharam. Tentei
impedir que ela visse, não era uma boa hora para isso, talvez nunca fosse uma boa hora para a pessoa com
quem você acaba de passar a noite veja outra com nome “amor” te ligar. E claro, ela ficou aborrecida, a pele
branca estava vermelha, pude notar o serrar dos dentes, trincando sua mandíbula. Ela saiu enfurecida, tentei ir
atrás, mas ela continuou sem ao menos olhar para trás. Jamais tive a intenção de magoá-la. Maldita hora em
que isso foi acontecer.

O medo de não nos falarmos outra vez me assombrava. Voltei para meu quarto, me jogando na cama
tentando racionalizar sobre esse tumulto de problemas, mas não era possível, não conseguia organizar meus
pensamentos. Cobri meu rosto com as mãos e as lágrimas insistiram em cair. Estava estragando tudo, precisava
resolver isso o mais rápido possível. Mas como?

– Ravely? – Diz Fred ao empurrar a porta o mais devagar possível. Não respondi e muito menos me
levantei para olha-lo. Não queria que visse meus olhos inchados, mesmo sabendo que seria inevitável esconder
que havia chorado.

– O que houve, porque está chorando? Você raramente chora. – Se aproximou, deitando-se na cama, de
frente para mim.

– Eu preciso terminar com Augusto. – Ele puxa uma das minhas mãos do rosto, queria olhar nos meus
olhos.

– Esta tudo bem. Você não gosta mais dele?

– Não é isso... Ele é ótimo, mas eu não estou sendo honesta com ele.

– Alexandra?

Me mantive em silêncio por um tempo, degustando o nome que ecoava no ar.

Como ele sabia? Estava tão óbvio assim?

– É tão visível?

– Oras... Eu não sou cego. Ela passou a noite aqui com você, não é mesmo?

– Sim...

– Eu desconfiei. Vi Land Rover vermelho estacionado aqui na frente, não costumamos ter carros assim
por aqui. Além da jaqueta Armani jogada no chão da cozinha, panelas abertas e batidas de porta misteriosas
logo pela manhã. – Ele sorri e passa a mão por entre meus cabelos carinhosamente.

Mesmo estando aflita sorrio de volta. Não havia mais porque negar. Então conto tudo o que tinha
acontecido.

– É simples, diga para Augusto. Ele ficará triste, mas aceitará, eventualmente. – Diz, como se fosse a
coisa mais corriqueira do mundo.

Balanço a cabeça concordando com ele, mesmo sabendo que essa conversa não seria nada fácil. Como
dizer a alguém que quer terminar porque está apaixonada por outra pessoa, assim, de forma tão direta e crua.
É mais fácil enfiar-lhe uma faca no peito.

– Espera aí um segundo... Se você concordou que ela passou a noite aqui, então quer dizer que vocês
duas...?

Afundei o rosto entre os joelhos me sentindo envergonhada.

– OMG! Conta tudo. Você pretendia esconder de mim? – Ele me estapeia.

– Foi ótimo, foi maravilhoso na verdade. Quero fazer de novo, quero ver ela de novo.

Fred gargalha profundamente.

– Quem diria... Quem diria. Srta Ravely Manccini, a certinha, aquela que achamos que fosse se casar
de branco e virgem, se perdendo nos braços de uma mulher intrigante.

É
Tapo os ouvidos, não quero mais ouvir. É muito constrangedor.

– Não sei como não desconfiei disso antes, ela parece estar completamente apaixonada por você.

Será? Sinto meu coração pular só de imaginar isso.

– Não sei, Fred. Ela parece tão inalcançável.

–Só sendo cega para não ver o jeito que ela te olha, parece um lobo mirando à presa.

Nós rimos, eu desisto de achar argumentos contra ele, na real eu gostava de ouvir tudo isso. Porém, de
alguma forma eu me mantinha temerosa. Como se isso tudo fosse fácil demais para ser verdade. Por outro lado
estava contente por ter me livrado desse fardo. Talvez no fundo, bem no fundo, ele já soubesse.

–Por que demorou tanto para me contar?

–Eu tive medo da sua reação, achei que não fosse entender. Você sempre foi tão a favor de Augusto,
desde o dia que Luiza me apresentou a ele.

–Sim, mas não há nada para se entender. Você escolhe com quem se relacionar e quem te faz feliz.
Pensei que você o amasse e por isso sempre apoiei.

–Eu pensei que amava e talvez eu até ame, mas não chega perto do que sinto quando estou com Ela...
Com Augusto é mais um amor fraternal.

Fred me abraça carinhosamente, finalmente me senti consolada depois de tanta agonia.

–Nada disso muda quem você é, continuará sendo minha menina, independente de quem namore.
Sempre tem muito medo de magoar os outros, pense mais em você. E eu acho que posso me acostumar com o
papo lésbico. – Ele torceu o nariz fingindo nojo e se levantou. – Tire essa cara de tristeza, porque não combina
contigo e vá atrás dela.

Talvez eu estivesse fazendo uma tempestade em copo d’água.

Terminei de me arrumar e fomos para o trabalho, desta vez de metrô, a lata velha de Fred já era.

Alexandra

Deito-me sobre o deck com os pés na água. Este lugar era sempre tão vazio enquanto meus
pensamentos eram tão desafiadores. Queria chorar, mas minhas lágrimas já tinham se esgotado de outros
tempos. Não sei como tudo ficou tão ruim. Só gostaria de esquecer o que eu vi, mesmo que fosse por um
minuto. Talvez eu seja uma daquelas pessoas fadadas a viver a vida toda sozinha, e isso não era totalmente
ruim. Eu poderia ser alguém de uma noite só, tenho sido assim já há algum tempo. Mas como esquecer aquele
toque, o sorriso, seu corpo. O jeito que ela fica vermelha quando sabe que pensando em beijá-la.

–O tempo passa e as pessoas não mudam.

Estava com olhos fechados e não percebi que havia alguém logo atrás de mim. Essa voz me fez voltar
ao tempo, para o passado e suas péssimas memórias. Continuava a mesma, soava pretensiosa e manhosa. Não
quis abrir os olhos, estava torcendo para que esse fosse mais um dos meus pesadelos, até que percebi que o
calor do sol não aquecia mais meu rosto. Abro os olhos e vejo Júlia em pé, muito próxima a mim, mais próxima
do que deveria jamais estar.

Levantei-me rapidamente. E então meu mundo começa a girar, sinto o ar faltar em meus pulmões e a
voz desapareceu. Olhei-a dos pés a cabeça, tentando materializar a visão, mas não era necessário, ela
realmente estava ali, carne e osso em minha frente.

–Parece que meu dia acaba de ficar ainda pior. – Respondo sarcástica.

Ela sorri de canto, debochada. Agora eu passava a odiar esse riso. Depois de um ano nada mudou. Ela
continuava esbanjando aquele olhar de menina com seus cabelos negros ao vento.

–Nossa... Espinhosa, como sempre.

Agarro-a pelo braço apertando, queria ter força o suficiente para quebra-lo. Meu peito parecia inchar
de raiva ao vê-la. Agora eu não podia fugir, era obrigada a lembrar de tudo o que me fez passar.
– O que está fazendo? Você não devia estar aqui. – Me esforço para controlar as emoções, mesmo que o
choro não seja mais presente. Ao contrário do que pensei, realmente havia me cansado de chorar por ela. Agora
seu lugar em minha vida foi preenchido por uma grande e completa mágoa que talvez nunca pudesse se curar.

–Vim te ver. Não a encontrei em lugar nenhum e então imaginei que estivesse aqui.

–Você não tem um pingo de vergonha na cara mesmo, garota. Quem disse que eu quero te ver?

–Bom... Até que eu esperava uma recepção um pouco pior. – Puxa seu braço da minha mão, ajeita a
roupa e retorna a sua postura atrevida. –Não precisa disso tudo, eu não vou morder você, apenas queria
conversar.

–Que inferno! Eu não tenho nada para falar. Eu odeio você. Isso não ficou claro até hoje? – Começo a
me exaltar, Julia sempre soube como me tirar do sério. Percebo seu suspiro pesado, indicando que ela já
esperava por isso.

–Deixa disso, Alex. Você não me odeia e nem nunca vai odiar. – Diz sorrindo e minha ira sobre.

–Você acabou com minha vida. Eu não suporto olhar para sua cara. Voltamos à pergunta inicial. O que
faz aqui? Sei que sua família não deve ser tão importante assim... Do contrário não teria deixado a nós todos.

–Você ainda está magoada, eu entendo... No seu lugar também estaria. Eu vim aqui para dizer que me
arrependi. – Ela sentou encarando o rio enquanto falava. – Lembra quando costumávamos vir aqui... A sós?

– Deve ser brincadeira mesmo, daquelas de péssimo gosto. Eu não quero saber o que você tem a dizer,
não quero saber seus motivos e muito menos que você esta arrependida. Você é o passado que eu quero apagar,
a memória que se eu gostaria de queimar, é a lembrança que eu levanto todos os dias para enterrar. É preciso
desenhar que não quero te ver nem pintada de ouro?

–Não precisa ficar vermelha de raiva. Eu sei de tudo isso... Você está certa, ok? Mas saiba que sou
paciente e pretendo me redimir.

Ainda não conseguia acreditar que estava na minha frente depois de tanto tempo.

–Pois então, morra tentando. – Parti correndo para casa.

Como ela conseguia ser tão petulante? Embora isso não devesse me surpreende, sempre fora assim,
inconsequente, impulsiva, fazendo o que diabos viesse a cabeça. Começo a pensar que talvez Augusto estivesse
certo sobre os remédios, eu iria precisar. Porque assim que todos soubessem da intenção que Julia tinha de
voltar, iriam dar o total apoio. Posso até ver. Primeiro minha mãe comentando como ela voltou bonita. “As
pessoas erram e ninguém é perfeito, ainda mais quando se é jovem” ela diria. Depois meu pai a tratando como
se fosse sua filha.

Tudo bem que eles praticamente a criaram e não sabiam exatamente o que tinha acontecido, com
exceção de Augusto. Mas isso tudo seria demais. Argh! Ela me traiu, descaradamente e para isso não tem
perdão, principalmente depois do que essa traição me levou a fazer.

Entro na sala e fecho a porta em minhas costas, com medo de que Julia estivesse logo atrás de mim.

Augusto estava sentado no grande sofá de couro marrom. Tirou os olhos do livro que lia para me fitar
espantado com o choque da porta.

–O que foi agora? – Pergunta.

–Digamos que meu pesadelo se tornou realidade. – Sorri irônica.

–Tenho uma ideia... Você precisa sair daqui e eu preciso da sua ajuda, me acompanhe até o shopping.

– Eu odeio shoppings. – Reclamei.

Ele não argumenta, apenas me arrasta pelo braço e quando menos imagino já estamos entrando em
uma loja de vestidos.

– Quero comprar um vestido para sua cunhada usar na noite do leilão. – Ele sorri apaixonado. Era
estranho vê-lo assim ou no mínimo incomum, nunca tinha notado essa áurea em meu irmão.

Guto começou a descrevê-la e tudo o que ele dizia estranhamente me fazia pensar em Ravely, mesmo
que eu tentasse afastar esse pensamento. Já estava prestes a enlouquecer.

–Alex! Alex!

–Oi?
–O encontro com a Júlia realmente te deixou mal, pior do que eu pensei. – Percebi um sorriso sapeca
surgir no canto de seus lábios e então entendi a segunda intenção por detrás de suas palavras.

– Ela não presta e você sabe. – Adverti.

–Sim... Mas as pessoas mudam, não é mesmo?

–Você fala como se não soubesse o que aconteceu.

–Eu sei... Mas talvez possam ao menos reatar a amizade. Nossos pais nunca a deixarão sair da sua
vida, é como se fosse nossa irmã.

–Augusto, por favor. Ela era minha noiva, nós iríamos nos casar e enquanto eu decorava o
apartamento ela estava nos braços de Fernando.

–Braços esses que você quase arrancou, não é mesmo?

– Que tal esse ? – Mudei o assunto mostrando-lhe um vestido.

–Muito bonito. Mas não entendo disso, então você escolhe. – Ele coça a cabeça parecendo perdido
diante da decisão.

Seu telefone toca e ele se afasta para atender enquanto eu permaneço perdida em meus pensamentos.

–Senhorita? O que achou deste modelo? – Uma moça ruiva com undercut estava em minha frente,
olhava-me como se buscasse entender em que terras eu andava. Assim que a percebo esboço um sorriso e ela
me responde com outro simpático.

–Vou leva-lo.

–Aposto que ficará lindíssima nele, seu noivo também pareceu gostar.

–Meu noivo? – Pergunto confusa. – Não!!! Ele é meu irmão.

–Oh! Desculpe.

Ela se encaminha envergonhada para o caixa, a observo enquanto embala a peça, aparentemente
mais nervosa do que provavelmente gostaria. Estranhamente eu gostava dessa reação que algumas mulheres
tinham quando me notavam a observá-las, tornando mais fácil lê-las.

– É presente?

–É sim. – Olho em seus olhos e ela foge sem esconder o sorriso.

–Esse cartão... Pode escrever algo para por junto à embalagem.

Encaro por alguns instantes o pequeno pedaço de papel em branco sem entender, não tinha o que
escrever, até porque essa função era de Augusto, afinal, a namorada era dele. Ela toca em minha mão com a
ponta dos longos dedos e vira o cartão. Em sua outra face há um número, olho para ela confusa, continuava
sem entender a mensagem. Até que seu olhar delatou que aquele só poderia ser seu número de telefone.

–Finalmente você chegou. – Digo tocando-lhe o braço, assim que sinto uma presença ao meu lado.

–Olá, que coincidência você aqui.

Inesperadamente aquela voz aguda não era de Augusto.

–Fred... – Me surpreendi com seu olhar tenso sobre mim. –Desculpe. Pensei que fosse outra pessoa.
Você está sozinho?

Olhava ao redor para ver se ele talvez estivesse acompanhado com Ravely, para minha tristeza
aparentemente não.

–Estou sozinho e você?

Ele me olhava crítico e julgador.

–Estou com meu irmão. – Seus olhos pareceram saltar para fora da órbita, as sobrancelhas franzidas
denunciavam sua ansiedade.

–Foi um prazer rever você, Alex. Eu preciso ir agora. – Ele tosse nervoso. – Até mais.

O vejo sair exasperado tentando tirar o telefone do bolso. Mal tive tempo de perguntar sobre sua
amiga, que era realmente o que mais me interessava no momento. Será que ele sabia do que houve? Será que
ela contou a ele o que aconteceu entre nós?
Saí da loja e logo encontrei Guto. Percorremos o caminho até o carro em silêncio. Durante todo o
caminho de volta ao rancho eu só pensava em como fora estranho o encontro com Frederico.

Ravely

Passei o dia inquieta e agitada, planejando meu discurso para quando encontrasse com a senhorita
mandona. Estive a espera que ela me ligasse, mas isso não aconteceu. Provavelmente Alex estaria magoada.
Porque ela me ligaria? Afinal, eu quem tinha errado. Esse pensamento me deixa ainda pior. Odiava magoar
alguém, ainda mais quando se tratava de uma pessoa tão importante para mim.

Não vi Fred durante todo o dia e também não falei com ele. Na verdade evitei ligar o telefone, estava
fugindo de todas as formas de comunicação com Augusto. Mas como sempre, eu não posso fugir dos problemas.
Pelo menos não desse.

-Ravely, - Luiza estava parada em frente a minha mesa, como sempre bem vestida. De repente começo
a encontrar traços de Alexandra em seu rosto, até mesmo no andar. Chacoalho a cabeça afastando tal
comparação, estava enlouquecendo, só pode.

– Chegou essa entrega para você, – Ela colocou uma caixa em minha frente.

– O que é? – Ajeitei os óculos em meu rosto, encarando-a.

– Não sei. – Sua expressão mostrava que ela sabia exatamente do que se tratava, mas não insisti. – Meu
irmão pediu para avisá-la que passará as 19 para te buscar.

– Ah sim. – Fingi que sabia do que ela falava, mas não tinha a menor ideia. Olho para a mulher em
minha frente, éramos amigas há algum tempo, ela tinha me arranjado este emprego e às vezes desconfiava que
minha viagem só aconteceu por seu intermédio.

– Ele não te disse nada? – Seu rosto sereno continuava me observando, parecia esperar por alguma
resposta.

– Ele deve ter dito sim, é que ando muito ocupada e acabo esquecendo as coisas. – Sorri tentando
tranquiliza-la.

– Imagino. Mal posso esperar, nosso final de semana será ótimo.

“Nosso final de semana será ótimo”. Será que entendi direito?

– O que terá no final de semana?

– Sempre estendemos a festa. Você vai gostar, é um ótimo lugar para passar o final de semana. Não se
esqueça do biquíni. – Ela piscou com seus longos e belos cílios. Além disso você vai conhecer nossa irmã mais
nova, certamente a festa será ainda mais animada com ela.

Sinto um comixar em minha cabeça. Como eu pretendia terminar com Augusto e passar o final de
semana com ele, e a família? Isso não daria certo nunca. Irrito-me ao concluir que essa era uma oportunidade
que ele criara para me apresentar a todos. Sinto-me de certa forma traída.

Para piorar, não poderia causar problemas, pois se sua irmã mais nova estaria por lá, certamente
teríamos confusão. Pelo menos foi sempre isso que ouvi sobre ela. Seu nome para mim era problema e o
sobrenome bebedeira.

– Aposto que sim. – Dei-lhe um sorriso amarelo e Luiza finalmente se foi deixando uma pergunta no
ar:

Como sairia dessa sinuca de bico?


Notas finais:

Olá Meninas, ainda estão por aí?

Espero que sim... Bom, vamos a alguns esclarecimentos.

Me ausentei durante um tempo por alguns motivos.

Passei uns dias na zona rural, visintando a família e lá não tem um


bom acesso à internet. Depois quando retornei tive aquele tal
bloqueio criativo. Acho que pode acontecer, né? kkkk Logo em
seguida tive alguns problemas de saúde que agora já estão
resolvidos e estou bem melhor. Enfim, continuando de onde parei.

Espero que continuem gostando. ;*

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Capitulo 16 - Amarga realidade por Tammy
Ravely

Fiquei surpresa quando cheguei em casa e não havia sinal de Fred. Não havia nenhum recado dele
pregado na geladeira, então conclui que ainda não havia passado por aqui. Olhei para o relógio e faltava pouco
para Augusto chegar. Fui tomar meu banho e me arrumar enquanto o telefone carregava, talvez tivesse alguma
ligação de Fred que eu não recebi, afinal, estive ignorando o aparelho para não ter que falar com meu quase ex
namorado.

Passei vinte minutos debaixo do chuveiro ensaiando respostas prontas para esse final de semana,
evitaria ao máximo qualquer tipo de contato e então quando chegasse domingo à tarde, no momento em que
ele fosse me deixar em casa, eu diria o que era preciso. É, estava decidido, seria exatamente assim. Eu iria
tentar não me abalar com lágrimas e tristeza. Talvez nós ainda continuássemos amigos.

Fazer isso não aliviava a pressão que eu estava. Na verdade me sentia mais idiota que o de costume.
Ensaiando diálogos infundados diante da maré de caos em que eu me meti. Mas não havia meios de dizer
silenciosamente que eu estou tão apaixonada por uma mulher arrogante que encontrei durante minha viagem
e que mesmo sem conhecê-la tão bem, eu sou incapaz de seguir em frente sem que ela esteja em minha vida.

Abri a caixa onde estava o vestido. Era lindo. Senti uma pontada no peito, Augusto conseguia ser
sensível e amável ao extremo. Eu sei que poderia mentir, mas não conseguiria mentir para ele.

Augusto chegou antes que eu me encontrasse com Fred. Alguma coisa parecia estar muito estranha no
decorrer desse dia, um leve pressentimento de que algo ruim estivesse prestes a acontecer. Talvez fosse apenas
impressão, eu estava muito nervosa por ainda não ter conseguido falar com Alexandra. Mas queria resolver
tudo antes de conversar com ela.

– Você está linda, mais linda que o de costume.

Augusto me beijou a boca, tentei encurtar ao máximo possível nosso contato, mas não foi curto o
suficiente. Às vezes parecia que estava traindo Alex, sendo que na verdade o traído era ele.

Caminhamos até o carro em silêncio.

–Você trocou de carro? – Perguntei surpresa ao notar que o carro que estava em minha frente era um
Land Rover vermelho.

–Não, peguei emprestado de última hora.

Engoli em seco, mas é claro que se tratava de uma coincidência. O mundo todo estava conspirando, me
fazendo pensar nela.

As portas bateram em um baque surdo e abafado e então o silêncio se fez presente. O cheiro de couro
no interior do carro era o único presente entre nós. Passaram alguns minutos até atingirmos a estrada, em
alguns momentos Augusto tocava minha perna na altura do joelho. Eu não conseguia mais me sentir bem com
algo que antes fora tão normal. O peso da culpa me assolava quando estava ao seu redor.

Notei que já havia passado por aquela estrada no dia em que Alexandra me levou para conhecer o
haras, não dei importância, afinal, era apenas coincidência.

– Do que está sorrindo? – Ele me questionou com os olhos iluminados, não fazia ideia do que se
tratava, por isso parecia tão feliz.

– Nada demais... Apenas me recordei de um lugar próximo.

–Amor, pode pegar meus óculos? – Ele aponta para o porta luvas do carro. – Eu não deveria estar
dirigindo sem.

Assim que abro, uma caderneta cai aberta sobre minhas pernas. A reação correta a se fazer seria
fechar e guardá-la de volta ao lugar, mas não pude me conter e li a primeira página.
“Palace Hotel, uma e cinquenta da madrugada. Eu estou na metade do caminho para beijá-la. Minhas
pernas mal me mantinham sobre os pés e seus olhos cintilavam mais que a luz do por do sol. Saboreei seu perfume
enquanto sentia sua pele tocar a minha. Me leve de volta para lá, onde meu espírito pobre encontrou um novo
motivo para ficar. Foi onde eu tentei ser perfeita, dizendo tudo o que podia para não te convencer a ficar. O lugar
mais vazio onde meus pensamentos foram os mais tentadores. Onde nada era ruim, e você se tornou tudo o que
me restava, parque lá jamais houve algo entre nós, muito menos, motivos para eu me convencer a te deixar.”

Senti os olhos marejados, mesmo sabendo que não era destinado a mim. Estranhamente parecia me
significar algo, talvez uma memória, mas não podia afirmar com certeza.

–O que é isso? – Ele me perguntou ao perceber meu interesse no pequeno caderno de capa preta.

Li lentamente para ele, saboreando cada palavra, até que me lembrei de uma coisa. “Hotel Palace”
parecia ser o nome do hotel em que estive em Lisboa. Isso só aumentou minha curiosidade. Era muito estranho.

–Ah! Deve ser da minha irmã, o carro é dela. – Disse sorrindo.

Fiquei catatônica por alguns instantes, tudo parecia um monte de informações querendo me dizer
algo e eu não conseguia juntar os pontos. Permaneci calada, fechei os olhos tentando relaxar até que tudo
fizesse sentido. Esse pressentimento estava cada vez mais incômodo.

Alexandra

Chego em casa e mamãe está admirando a decoração no jardim. Eu ainda estava atordoada e não pude ouvir
quando falou comigo até que a vi sob meu campo de visão.

–Acho que este ano vamos fazer uma boa arrecadação. O que acha das mesas por aqui?

– Está tudo lindo, mãe.

–Julia esteve aqui, nos ajudou na decoração. – Ela forçou um sorriso para mim.

Fechei as mãos com raiva.

–Era só o que faltava agora. Você é minha mãe, não deveria ser tão amiga dela.

–Vocês vão ter que se entender, ela é como se fosse da família, assim como Gabriel.

Quando vi já tinha socado a mesa. Ela me olha assustada por essa explosão.

–Eu não sei o que houve entre vocês, mas relacionamentos são assim e além do mais, agora você está com outra
pessoa, não é? A garota de nome difícil. Muito bonita por acaso.

–Não estou com ela. Vamos esquecer essa conversa, minha cabeça está doendo.

–Tudo bem. Vá se arrumar, pois logo Augusto chega. Parece que vai apresentar a namorada. Acho que dessa vez
ele casa, é a primeira vez que nos apresenta alguma namorada.

–É... Augusto merece, ele é um cara bom.

–Você também, meu anjo – Beija minha cabeça.

Demoro cerca de duas horas para me arrumar completamente. Odeio essas festas de gala onde todos
devem estar vestidos socialmente, eram sempre uma tortura.

Ravely

O carro parou e eu acordei para um possível pesadelo.

–Chegamos. – Augusto diz entusiasmado.


“Estância Hernandes” estava escrito na placa acima da imensa porteira de madeira tratada. Eu já
estive aqui antes, pertencia à família de Alexandra.

–O que estamos fazendo aqui mesmo? – Minha voz saiu baixa, quase não se podia ouvir.

–O leilão beneficente que minha família promove todo ano. Lembra? Falei-te sobre isso esses dias...

–Uhum... – Engoli em seco.

–Augusto...

–Sim?

Quis lhe perguntar sobre o nome da sua irmã mais nova. Por algum momento temi que talvez se
tratasse de Alexandra. Mais uma vez: Seria coincidência demais. Eu provavelmente estou perdendo a cabeça.
Era o estresse ou alguém estava mentindo para mim, Augusto ou Alexandra?

Ainda assim, como poderiam ser irmãos? Seus sobrenomes eram diferentes, ela chamava-se Muller e
ele Hernandes, como a propriedade.

– Nada não. – Sorri nervosa.

Augusto estacionou em frente a grande casa de fazenda. Toda a decoração deixou o lugar um pouco
irreconhecível, mas não totalmente, mesmo que eu quisesse usar isso para justificar. Saímos do automóvel e eu
me sentia em um déjà vu.

À medida que subia a pequena escada na entrada da frente, minhas pernas crepitavam. A imagem de
Luiza se concretizou em minha frente, ela sorria e falava algo que eu não conseguia entender. Não estava sob
controle do meu corpo no momento e tudo parecia passar em câmera lenta. Apenas era capaz de sorrir
falsamente e assentir com a cabeça.

Não havia como escapar, o quebra cabeça estava sendo formado.

–Onde está a Alex? – Augusto perguntou alto para Luiza. – Você vai adorar ela. – Disse a mim.

Era tudo o que eu precisava e não queria ouvir.

O oxigênio faltou, pude sentir as batidas aceleradas do meu coração prestes a saltar pela boca.

–Estou aqui.

Sua voz rouca ecoou no ambiente, era música para meus ouvidos. Segui o som até me encontrar com
aquele azul intenso. Seu sorriso desmanchou aos poucos quando percebeu que eu estava em sua frente, de
mãos dadas com seu irmão.

–Vai ficar parada na escada a vida toda? – Luiza disse, chamando sua atenção.

Ela começa a descer lentamente, caminhando em nossa direção. Era claro em sua expressão, ela
estava mais surpresa que eu. Era difícil traçar emoções com uma mente perturbada, mas o olhar carinhoso que
sempre me constrangia, agora dava lugar ao mais frio e indiferente, atravessando meu corpo como um raio.

– Prazer, cunhada. – Sorriu.

Meus olhos se encheram, eu sequer pisquei para poder segurar, tentando fazer com que as lágrimas
ao invés de caírem, secassem. Ela sabia exatamente como fazer meu coração bater rápido, desencadeando uma
avalanche de sensações. Quanto mais a olhava, mais linda ela se tornava. Estava ainda mais indômita com um
vestido preto a rigor, porém não muito longo. O salto pareceu deixá-la ainda mais altiva. Os cabelos castanhos
escuros caiam sobre o ombro, balançando num movimento harmônico enquanto caminhava.

A cada passo estava mais próxima a mim, por alguns milésimos de segundo eu tive a alusão de que
tudo fosse apenas um sonho.

E então Alex me abraçou, como se tivesse acabado de me conhecer. Senti seu sorriso acima do meu
ombro, fiquei completamente perdida.
–Não diga nada. – Sua voz tinha se tornado áspera. Olhei para baixo e notei que minhas mãos
tremiam.

Meu coração acelerou tanto que pude afirmar que ela também sentia. Não fui capaz de dizer uma
palavra sequer. Provavelmente estava pálida como uma folha de papel branca. Augusto me puxou para outro
cômodo da casa e eu só vi Alex se afastar. Só assim notei o quão inalcançável ela estava e parecia não haver
nada que eu pudesse fazer sobre isso.

Alexandra

Vejo o carro de Augusto chegando. Queria contar as novidades para ele, talvez tivesse um bom conselho sobre
como não matar Júlia. Ainda na escada posso ouvir as conversas, pude destacar a voz estridente de Luiza no
meio. Desço devagar para não tropeçar com os saltos.

–Onde está Alex?

–Estou aqui! – Grito animada.

O chão pareceu se transformar em água e afundei. Ravely estava de mãos dadas com ele, com meu
irmão. Foi apenas um dia, mas pareceu uma década desde que eu a vi, cara a cara. Agora tudo mudou, ela não
parecia mais a mesma para mim. Essa dor crescia devastando tudo que já tínhamos passado. Eu deveria ter
gastado mais tempo tentando tirá-la da minha cabeça. No primeiro momento em que a vi, soube que se tratava
de problema.

Um filme passou por minha cabeça enquanto todos me olhavam com um sorriso, esperando por algum
comentário sarcástico. Estava tão ansiosa para encontrá-la e agora a única coisa que eu queria é que ela não
estivesse em minha frente. Não sou capaz de olhar em seus olhos. O ácido subia pelo meu esôfago, trancando
minha respiração a cada segundo. O desespero cresceu em mim, isso era demais. Eu nunca imaginei que fosse
ele. Meu irmão.

“NÃO, NÃO, NÃO, POR FAVOR, NÃO.” Eu pensava.

Ravely estava pálida, como se fosse ter uma síncope. Ela ia chorar, dava para ver seus olhos encherem. Seria
catastrófico se ela piscasse neste instante.

–Prazer, cunhada. – Encostei meu corpo ao dela em um simples abraço, estava fria como uma pedra de gelo. –
Não diga nada. – Disse, antes de me afastar.

Ela permaneceu como estava, calada, apenas maneou a cabeça. Pobre Augusto não fazia ideia de nada,
continuava sorrindo assim como Luiza.

Eu preciso de uma bebida, muita bebida.

–Cadê nossa mãe? – Ele pergunta.

–Deve estar por aí... – Forcei o sorriso, ainda olhando para ela, mas em momento algum conseguiu olhar de
volta para mim.

–Vamos, amor, você vai adorar minha mãe. – Ele disse enquanto a puxava pelas mãos, seus dedos entrelaçados.

Ravely

Luiza se aproximou me entregando uma das taças que tinha em mãos. Fiz o que ela ordenou.
Angustiada e culpada. Quis engolir todo o conteúdo de uma só vez, mesmo sabendo que ficar bêbada não seria
a melhor ideia.

–Vamos nos divertir muito hoje, você vai provar o lado animado dos Hernandes.

Ela virou a taça e agarrou a garrafa de champanhe do garçom que passava ao nosso lado.

–Vejo que sim.

–Está tudo bem? Você parece um pouco pálida.


Sim, estou ótima. Apenas meu mundo que esta de pernas para o ar.

–S-sim... Tudo bem. Deve ser minha glicose. – Me lanço para frente tentando recuperar o fôlego.

Augusto se aproxima ao ver que Luiza me olhava aflita.

–Traga algo para ela comer. – Luiza diz a ele.

–Está tudo bem, logo passa.

De longe percebo Alexandra nos observando com uma garrafa repleta de um líquido amarelo escuro
em mãos, ela bebia como se fosse água. A forma como me fitava causava uma certa tortura interior.

Augusto retorna, entrega-me um copo com água gelada e beija-me a testa. Neste momento ela vira o
rosto.

Eu só queria ir embora, todas as minha esperanças articuladas foram esmagadas. Não me restava
nada. Queria ficar sozinha e chorar até não aguentar mais.

Suas palavras ainda ecoavam em minha cabeça: Não diga nada.

O que ela quis dizer com isso? Queria esconder que me conhecia ou manter um relacionamento
secreto pelas costas do irmão? Era óbvio que nada disso daria certo.

Alexandra

Peguei a primeira garrafa de uísque que vi pela frente, eu queria beber até não sentir sequer as pontas
dos dedos. Sai em meio às pessoas, atordoada. Eu dormi com a namorada do meu irmão. O quão grave era?

–Não acha que é cedo demais para começar a beber assim? – Perguntou Luiza, pedindo para receber
uma resposta bem grosseira.

A olhei com o olhar mais carrancudo que eu tinha.

–Eita, o que foi agora?

–Nada. Apenas quis beber.

–Viu como Ravely é bonita?

Fechei os olhos, apertei o copo e respirei fundo.

–Sim... Linda.

Aqui estou eu, no canto, assistindo toda a cena de horror, tentando não dizer demais ou apenas não
dizer o suficiente. Eu a olhava como em um filme, onde meu querido irmão era o ator principal, tentando
aproveitar ao máximo a cena que, claro, era esperada por todos. Quanto mais olhava, mais cega eu ficava. De
onde estávamos era possível ver todos elogiando o casal maravilha. Meu ódio só aumentava. O amargo subia
pela minha boca, trancando minha respiração a cada segundo. A angústia se apossou de mim, isso era demais.
Eu nunca imaginei que fosse ele. Meu irmão, beijando minha Rav... Mas ela não era minha, ela nunca foi
minha. Estou sofrendo pelo que nunca tive. Minhas mãos não respondiam aos comandos. Quando olho para
elas, enxergo o vermelho do meu sangue escorrer, o copo se quebrara e eu sequer senti os feixes de vidro
rasgar pele adentro.

A primeira lágrima despencou de meus olhos agora cheios, e com ela minha ficha caiu. Eu não devia
estar aqui, não queria vê-la. Estava tudo acontecendo de novo, exatamente como eu temia.
Corri para o meu quarto, sim, como uma criança assustada.Ela foi a única que me tocou, a única que deixei
entrar e era a única que eu jamais poderia ter. Em minha mente eu podia vê-los se beijando, podia ver Augusto
com as mãos sob sua pele. NÃO- NÃO- NÃÃÃOOOOO. Eu grito sozinha entre paredes. Lanço um soco no espelho
em que me vejo. Minha imagem se reflete em mil cacos, era exatamente assim que me sentia.

A porta se abre.

Que merda, eu não lembrei de tranca-la


Estou com os braços apoiados nos joelhos de frente para os pequenos pedaços de espelho espalhados
pelo chão.
–Alexandra, o que houve? O que aconteceu com sua mão?
–Nada, Júlia. Me deixe em paz. – Me afasto dela, vou para o banheiro em busca do que pode me ajudar.

Abro as gavetas, retiro alguns fundos falsos, mas não havia nada lá. Olhei de volta para Júlia, ela
estava assustada com minha explosão, ainda não tinha presenciado algo assim.

– Cadê aquele seu namoradinho, vagabundo e traficante? – Apertei seu braço com força, exigindo que
me respondesse.

–Eu não sei, não falo mais com ele.

Enrolo uma toalha na mão ensanguentada e jogo uma água no rosto. Saio do quarto, desço a escada
mais rápido do que imaginava poder. Passei pela multidão sem ser percebida. Pelo menos era o que eu achava.
Segui em direção ao ambulatório do haras, Julia continuava colada em minha sombra.

–Alexandra, – Ela bate a porta forte após entrar. – Desde quando você é viciada?

–Ah Júlia, faça-me o favor. Vá vê se estou na esquina, me esquece.

Comecei a tratar meu ferimento, ela me olhava estática para o sangue que encharcava a toalha de
rosto branca.

–Deixe-me ajudá-la.

Revirei os olhos e desisti de expulsá-la, era teimosa demais.

Ravely

Logo a família foi se aproximando e sentando-se à mesa em que estávamos. Dona Clara
cumprimentou-me normalmente, sem citar que nos conhecíamos. O sorriso amável manteve-se como a
primeira vez. Não sei se Alexandra chegou a lhe dizer o que estava acontecendo, mas seus olhos azuis como os
da filha, não refletiam-se críticos ao meu respeito.

Augusto e Luiza eram diferentes de Clara e Alex, cabelos pretos ondulados, olhos escuros, pareciam
um pouco com Sr. Alexandre, o pai. Porém nenhum deles carregava o humor sarcástico que Alex tinha. Ela era
claramente uma mistura entre Alexandre e Alice, cabelo escuro do pai, porém liso como o da mãe e, claro, os
olhos inesquecíveis e penetrantes.

–Onde será que se meteram Alexandra e Julia? – Alexandre perguntou.

–Devem estar reatando por algum lugar do rancho. – Luiza disse e Augusto riu.

O que... Reatando?

–Quem é Julia? – Murmurei próximo ao ouvido de Augusto.

–Ex noiva de Alexandra que voltou a pouco tempo. – Respondeu enquanto brincava com meus dedos.

Eu coaxo, quase engasgando com a bebida.

Uma noiva?

Para minha surpresa as duas sentam-se a mesa e agora o circo estava completo.

A tal Julia era deslumbrante, ainda mais linda que Amanda, a garota do restaurante. Ela tinha um jeito
mix entre menina e mulher. O vestido vermelho realçava o bronzeado em sua pele. Cabelo negro preso ao lado
e olhos verdes levemente puxados. Ao dizer “Olá” pude notar seu ar ostensivo. Par perfeito para Alexandra, não
havia duvidas.

Sentaram-se uma ao lado da outra, eu percebia pelo olhar de Julia que ainda havia algo entre elas. Isso
me corroeu.
Não conseguia olhar em momento algum para Alexandra, faltava-me o ar.

Fico sentada desconfortavelmente me contorcendo sob seu olhar penetrante. Ela me deixava confusa
com essa atitude.

–Então Ravely, há quanto tempo você e Augusto namoram? – Sr Alexandre me perguntou.

–Poucos meses. – Me limito a dizer, enquanto minha face enrubesce.

–Muito bom. Já estava na hora de meu filho tomar jeito na vida. – Ele sorri para mim.

Olho de relance para Alex, esperando que não se ofenda. Ela respira profundamente e eu me encolho
mortificada.

–Óh papai, talvez desta vez Guto se case. – Disse, cheia de ironia diluída em mágoa.

Ela larga o copo com força sob a mesa e me olha fixamente, a Iris azul parecia arder em chamas.

Passei a maior parte do jantar calada, respondendo apenas o que me perguntavam, na verdade eu não
estava com vontade ou espírito para ser a namorada simpática que acaba de conhecer os sogros. Apenas torcia
para que em momento algum ficasse sozinha com Alexandra naquela mesa, esperei tanto tempo para poder
falar com ela e agora tudo o que sentia era medo do que ela tinha para me dizer.

–Preciso ir até o hospital.

Augusto levantou, pronto para sair.

–Vou com você.

–Não há necessidade, meu amor. Creio que não vou demorar, é apenas um paciente idoso que sempre
tem problemas esse período da noite. – Beijou-me os lábios. – Alex vai cuidar muito bem de você enquanto eu
estiver ausente. – Piscou para a irmã que permaneceu inalterável.

Como eu poderia olhar para ela agora?

O restante da noite transcorreu mais calmo que o começo. A maioria dos investidores já tinham ido
embora, apenas o pessoal da organização passava de um lado para o outro no imenso gramado ao redor da
mansão. Já haviam se passado algumas horas que eu não via Alexandra, aparentemente minha presença havia
se tornado insuportável para ela.

–Joana, faça-me um favor, mostre onde fica o quarto de Augusto para Ravely. Pode ficar com ele,
querida?

–Não há problemas, dona Clara. – Respondi.

Segui Joana até o andar de cima. O quarto era espaçoso e com alguns móveis em madeira e a enorme
cama próxima a janela que dava vista para o jardim e piscina.

–Fique a vontade, senhorita Ravely, sua mala já está aqui no quarto. Qualquer problema é só chamar,
creio que senhor Augusto não demore, mas de qualquer forma o quarto ao lado é da garota Alexandra. Essa
menina passa noites em claro, então não se assuste se a ouvir perambulando por ai. – Brincou.

Me joguei na cama e fiquei encarando o teto, tentando encontrar respostas para todas as minhas
perguntas. Eram muitas. Depois de muito tempo não consegui dormir. Fui até a cozinha, precisava de um copo
d’água. Aquele lugar me trouxe muitas lembranças. Beijo sobre a bancada, fechei os olhos tentando enxergar
de novo aquele momento.

–Sem sono?

Me virei assustada, Alexandra estava parada na entrada da cozinha.

–Sim...Alex... –Respirei fundo.

–Não diga nada, Ravely. É tarde demais agora, não precisa dizer mais nada. Apenas seja feliz e o faça
feliz.
–O que? Como pode me pedir isso... Eu não sabia que ele era seu irmão.

–E se soubesse? O que iria mudar? A verdade é que nunca mais poderemos ter alguma coisa. Acabou.

–Desculpe, mas.... Eu não posso mais continuar com Augusto. Não é justo com ele.

–Por quê? Finja que nada aconteceu.

–Eu não consigo! – Gritei, estava prestes a chorar, sentindo uma contradição tomar conta de mim.

Nossos olhares se cruzaram, ela se aproximou de mim, respiração ofegante. Seus olhos escuros e
tristes me diziam o contrário do que ela falava.

–Deus! Você não vê como essa situação é a mais desgraçada que poderia acontecer? Ele é meu irmão,
jamais poderei ficar contigo.

Toquei-lhe o rosto, ela fechou os olhos e nossos lábios se encontraram, lentamente. Senti sua língua
aos poucos invadir minha boca, cada vez mais intenso. Puxei sua cintura e colei meu corpo ao dela. Eu não
conseguia evitar. Suas mãos prenderam meu pescoço e as minhas desceram por seu corpo. Eu queria sentir sua
pele mais uma vez. Ela se afastou, sem interromper o beijo. Segurou meus braços e continuou me beijando, até
faltar o ar. Ela colocou a mão em meu peito.

–Não podemos. Não faça mais isso.

Me afastei, não respondi. Eu podia ver a dúvida em seus olhos. Antes que pudesse dizer alguma coisa
ela já tinha partido. Fiquei apenas com o sabor de sua boca em meus lábios.

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Capitulo 17 - O gosto bom do proibido por Tammy
Alexandra

Sai de perto dela fechando a porta da sala com toda a força que eu tinha. Tive que sair, embora o que
eu mais quisesse fosse prolongar aquele beijo. Toquei em meus lábios e fechei os olhos. Era como se pudesse
sentir sua presença ainda ali, tão próxima e ao mesmo tempo tão distante de mim. Mas não podia, não devia.

Caminhei sem direção e quando me dei conta estava no estábulo, perto dos cavalos, levei certo tempo
para me acostumar com a escuridão lá fora. Aquele nó em minha garganta incomodava, eu queria um refúgio,
mas o único refúgio possível seria nos braços dela, e isso certamente não poderia ter. Um vazio imenso
preencheu meu peito enquanto sentia uma garoa fina cair. Eu queria que isso já estivesse acabado, mas no
fundo eu sei que ainda a quero aqui. O mais irônico de tudo é que se fosse qualquer um, qualquer outro, eu não
hesitaria nenhum segundo. Mas nessas condições não posso sequer encontrá-la escondido, não posso continuar
alimentando essa vontade de pensar em Ravely, ela tinha que ser apagada. Preciso te esquecer.

–Preciso te esquecer!

Joguei uma garrafa com toda força que se estilhaçou ao tocar a parede de madeira, os cavalos se
agitaram com o barulho.

–Xiiii, calma, calma. – Logo eles ficaram em silêncio, com exceção do animal da última baia que se
agitou novamente fazendo com que os outros também se manifestassem.

Ouvi alguns passos, me afastei de perto dos cavalos para ver quem era.

–Quem está aí? – Me surpreendi ao ver Ravely parada na entrada, parecia assustada com o cavalo
agitado.

–Ele não vai te machucar. – Ao contrário de você, estando aqui sozinha comigo. – O que faz aqui?

Ela tinha os cabelos úmidos colados ao rosto. Não dizia nada, apenas sustentava aquele olhar
revoltado em seu rosto.

–Quem você pensa que é para me dar às costas, me deixar falando sozinha?

Ouvi atentamente enquanto se aproximava de mim, aparentemente furiosa. Deus, ela fica ainda mais
sexy assim. Continuei onde estava, observando temendo onde aquilo poderia chegar, tentando lutar contra
minhas vontades e desejos. Meu corpo se lembrava de cada sensação, cada toque que a pele dela me causava.

–Eu não pedi para você entrar na minha vida. Eu estava muito bem sozinha.

Empurrou-me com força contra a cerca de madeira. Fiquei perplexa, ela era ousada e embora eu não
admitisse, queria muito sua proximidade. Continuei sem responder, ela se aproximou e ia me empurrar mais
uma vez. Segurei seus pulsos.

–Eu te pedi para parar. – Olhei dentro de seus olhos, não sei dizer quanto tempo ficamos nos
encarando. Puxei seu corpo para mim. – Você quer me ver sofrer, é isso o que quer?

–Pare primeiro você de me olhar assim, Alex, então talvez eu tenha chances de desistir. – Ela diz
baixinho e sua resposta me deixa fora de equilíbrio porque eu esperava por sua raiva, mas mais que qualquer
coisa ela parecia gostar.

Ela tinha o corpo completamente colado ao meu, apenas a cabeça se afastava, impedindo o contato
dos nossos lábios. A mantive presa com uma mão e com a outra segurei seus cabelos com força. Aproximei meu
rosto, inspirei fundo.

–Eu tento fazer o certo, mas você não está me ajudando, Ravely.

Puxei com um pouco mais de firmeza, sua expressão de dor e prazer me fez perder o resto do juízo
que sobrava.

–Então me solte. – Ela disse, mordendo o lábio logo em seguida.

Sorri, não é que a garota sabia jogar?

Virei seu corpo, fazendo-a ficar presa entre meu corpo e a cerca, porém, agora de costas para mim.
Puxei seu cabelo para trás, deixando o pescoço livre...Deslizei minha língua por toda sua extensão, enquanto
minha mão buscava por seus seios. Pressionei meu corpo sobre o seu. Ela gemeu e o desejo tomou total
controle sobre mim. Ela tentou me empurrar, dei espaço para que ficasse de frente para mim, mas não saiu do
lugar. Me aproximei novamente. Respiração ofegante e ela percebeu o que suas ações me causavam.

-Você não vai sair daqui! – Falei baixinho em seu ouvido.


Tomei seus lábios, e ela correspondeu exigente, com vontade. Deslizou a mão pelo meu cabelo,
prendendo meu pescoço sob seu controle, totalmente entregue. Mordeu meu lábio, forte, cheia de intenção.
Gemi. Sem pensar um segundo tirei sua camiseta, expus seu seio descoberto. Agarrei-o com força, esfregando o
dedo sobre o mamilo rosado, degustando a mistura de dor e prazer. Desci a boca e o suguei com vontade, com
força, ela arqueou o corpo... Subi a boca até seu pescoço. Puxei seu corpo e a levei para uma baia vazia, onde
ficavam os fenos. A deitei num canto enquanto desabotoava meu jeans. Ela assistia atenta, como se não
quisesse perder sequer um instante.

-Você deveria desistir de mim. – Me deitei sobre ela.

Puxei seu pequeno short, ela não usava calcinha, isso me fez morder a excitação que só crescia.
Posicionei minha perna entre as suas, ela não disse nada. Segurei seus braços acima da sua cabeça, ela
continuava em silêncio. A chuva aumentou lá fora, mas não nos importamos. Deslizei minha mão por seu corpo
até tocar seu sexo, estava úmido, muito úmido. Ela abriu um pouco as pernas, dando passagem para o que eu
estava prestes a fazer.

-É assim que eu gosto. – Sussurrei em seu ouvido.

Me segurei para não gozar só por senti-la tão úmida. Ela deslizou as mãos por minhas costas, alcançou
meus lábios, o beijo mais doce que já senti, apenas provou que eu jamais deixaria de querer beijá-la. Sua
respiração estava fora do ritmo e eu só estava adorando vê-la assim tão entregue, do jeito que sempre quis.
Percorri seu corpo com os lábios e a língua, saboreando seu gosto. Ela se ofereceu... Enlouqueci várias vezes
seguidas quando senti seu sexo, era como se eu realmente precisasse disso para viver. Aos poucos deixou-me
penetra-la. Gemeu baixinho entre meus lábios, senti resistência de inicio, mas então passou a fluir, indo e vindo
lentamente até que os movimentos de Ravely aceleraram. Eu quis prolongar ao máximo aquele contato, mas
não demorou muito até sentir seu corpo contraindo seguido por um grito abafado em mim. Não aguentei e
gozei também, apenas por ter esse contato com ela. Deitei ao seu lado, sentindo seu corpo me envolvendo.

“Eu não posso me apaixonar”- Disse ou pensei...

Ela me beijou, reiniciando outra vez as carícias. Todas as dúvidas que me assombravam não estavam
ali naquele momento, apenas a imensa vontade de senti-la outra vez em mim. Os toques foram se
intensificando, agora suas mãos me percorriam incessantemente, iniciando tudo outra vez.

Ficamos assim por algum tempo até pegar no sono.

***

Sabe qual o maior problema de agir por impulso? Sempre depois você corre o risco de repensar sobre
o que fez e então vem o arrependimento e a prova disso era a forma como doía.

Acordei ao sentir seu corpo relaxado sobre o meu. Estava ainda um pouco confusa e não soube dizer
quanto tempo exatamente havia passado, mas sabia que já era tarde.

-Ravely! Ravely! Acorda... – Cada vez que chamava seu nome, uma pontada de dor me consumia.

Ela abriu os olhos e sorriu, o sorriso mais lindo de todos. Quis beijá-la no mesmo instante.

-Que hora são? – Perguntou com a voz manhosa.

-Não sei, não faço ideia de quanto tempo ficamos aqui, mas precisamos ir, precisamos ir agora!

Comecei a me vestir o mais rápido que pude, com medo de que alguém nos encontrasse por ali.
Augusto. Ela apenas ficou me olhando, desapontada. Suspirou e também começou a recolher as roupas ainda
espalhadas pelo chão.

-Não devíamos ter feito isso...

-Não devíamos ter feito muitas coisas, Alex. – Ela me olhou de forma estranha, revoltada. Terminou de
se vestir e saiu em minha frente.

Fiquei pensando no que dizer para meu irmão, ou quem quer que nos visse saindo do estábulo a essa
hora, mas então notei que seu carro ainda não havia chegado ali, do contrário nos teria pego no flagra. O
caminho até a casa foi em silêncio, apenas se ouvia os passos fundos de Ravely espirrando água empoçada no
gramado. Agora ela parecia estar muito brava.

Ravely

Em um momento estava nas nuvens e logo em seguida fui jogada ao chão. Como ela conseguia ser tão
carinhosa em um momento e no outro instante me tratar tanta frieza? Apenas fiquei em silêncio, eu já devia
esperar que isso aconteceria. Na verdade foi a confirmação, era exatamente o que ela queria: ficar comigo às
escondidas. Eu já devia saber que para ela apenas tinha sido uma forma de saciar o desejo.
Entramos em casa e Julia estava passando pela sala. Não disse nada, apenas olhei para Alexandra que
continuou em direção à escada.

Chegamos no corredor para o quarto, Alex parou em frente a porta, hesitou por alguns instantes,
pensei que fosse dizer alguma coisa. Ela abriu um pouco e ponderou. Pude ver uma pequena parte do interior,
havia muitas coisas jogadas no chão, como se uma ventania houvesse passado por lá. “O que aconteceu aqui?”
pensei.

-Alex...

-Boa noite, Rav... – Bateu a porta logo em seguida, me deixou mais uma vez esperando. Mesmo tendo
medo do que ela poderia dizer ou do que estava pensando, eu continuei esperando, esperando por um pedido
de desculpas, que não veio, talvez nunca viesse. Consegui ficar ainda mais nervosa. Como, como ela podia reagir
assim?

Entrei debaixo do chuveiro tentando arrancar seu cheiro do meu corpo, ao mesmo tempo em que
torcia para que não saísse. Ainda bem que estava sozinha e a visita médica de Augusto na verdade havia se
tornado um plantão. Deitei na cama tentando dormir, mas praticamente passei a noite em claro pensando em
Alexandra.

***

Alexandra

Entrei no quarto desviando de todos os cacos dispostos no chão. Eu realmente tinha feito um bom
estrago. E ainda assim, consegui meter os pés pelas mãos de novo. Como eu pude? Dormi com a namorada do
meu irmão de novo. E foi bom, foi muito bom. A vontade de quebrar as coisas surgiu de novo, porque agora eu
pude imaginar: Será que ela se deitava com ele assim como foi comigo? Não! Não! Não pode ser. Não quero
pensar nisso. Dói demais. Eu precisava ir embora daqui, não aguentaria mais um passo para perto dela. Era
como viver toda a história de novo.

Percebi que não iria conseguir dormir essa noite, sempre esperando ouvir Augusto chegar e entrar
naquele quarto. Tomei dois comprimidos dos calmantes que ele sempre recomendava. Odiava esses remédios,
sempre me faziam ficar confusa, me perder dentro da minha própria mente, mas eu não tinha escolha, tinha?
Já estava perdida pela garota do quarto ao lado, no quarto do meu irmão.

No dia seguinte acordei com uma dor de cabeça do tamanho do mundo. Eram quase 10 da manhã e
perdi minha chance de sair logo cedo, antes que me vissem. Desço para o café da manhã e minha casa se
encontrava mais agitada que o de costume.

Por incrível que pareça Augusto e Ravely não estavam com os outros, isso significa que estavam
dormindo ou... Não, não quero pensar. Não quero vê-la em minha frente de novo. Encho-me de raiva
novamente só de lembrar, pressiono as mãos e o sangue volta a minar. Merda.
Estava absorta em meus pensamentos quando ouço os passos dela. Viro-me imediatamente, ela estava de
biquíni preto. Eu nunca a vi de biquíni. O cabelo molhado indicou que já estava há horas de pé. Suspirei
lembrando da noite passada, corpos colados no chão do celeiro. Meu único pensamento foi: Esse dia vai ser
difícil.

Continuei... Continue controlando a vontade insana de tê-la nos braços mais uma vez, só mais uma
vez. Apenas a observei, torcendo para que não fosse à última vez, mesmo sabendo que isso só tornava as coisas
ainda mais difíceis para mim, alimentando um desejo que jamais seria saciado. Mas como não olhar, como
evitar? Pensei que fosse passar por mim sem dizer uma palavra sequer, mas antes de chegar na saída ela se
vira:
–O que houve com sua mão? – Diferente de ontem, agora estava preocupada.
–Nada. Só um acidente ontem à noite. – Cobri o corte.
– Que acidente? Isso esta feio, precisa de cuidados.
– Hey. O que acha que esta fazendo? –Olhei-a dos pés a cabeça, tentando controlar a gana que sentia em agarra-
la, eu estava ardendo de vontade dela.
– Agora? Tentando ver seu ferimento. Por quê? Acha q estou tentando dar em cima da minha cunhada? Não se
preocupe, você deixou tudo muito claro ontem à noite.
–Então pare de me tocar desse jeito.

Só então ela se deu conta de como estava, fechou o cenho, voltou a ficar irritada. Sorri. Ela ficava
ainda mais linda quando era contrariada.

–Cadê seu namorado, ou melhor dizendo... Meu irmão?

–Está dormindo. Devia estar mais preocupada com sua noiva. – Apontou para a janela que dava visão a Júlia na
piscina.
–Ela não é nada minha.

–A é? Então porque será que a vi sair do seu quarto ontem à noite?

–O quê?

Não me lembrava de ter visto Júlia no meu quarto, provavelmente ela deve ter entrado depois que eu
estive dopada com os remédios. Maldita seja. Não basta atrapalhar minha vida uma vez, não. Ela tem que
voltar para se certificar de que o trabalho havia sido bem feito.

Ravely continuou me olhando com os olhos transbordando raiva, ciúmes...? Ainda não a tinha visto
assim. Luiza gritou quebrando o contato. Tornou sua atenção para fora e se afastou sem olhar novamente para
mim.

Deus, como poderia ser tão linda? Eu queria evitá-la assim como também não queria magoar meu
irmão, mas como conseguiria viver com essa tentação passando de um lado para outro tão perto de mim?

Segui para o escritório tentando me esconder. Fiz algumas ligações, assinei alguns contratos e depois
fiquei de pernas para cima ouvindo os gritos de animação da parte de fora, até que uma voz masculina
confirmou que meu irmão estava entre elas. Agora que eu não saio deste escritório mesmo.

***

Ravely

Passei o dia sem ver Alex, me perguntando por onde será que ela andava e o que fazia. Estamos em período
de férias, ela é filhinha de papai, não era possível que fosse a única a trabalhar. Sempre depois de algum dos
nossos contatos os minutos passavam lentos como uma tortura a espera de vê-la de novo e de novo, porque
mesmo sem admitir ou dizer, vê-la era como fazer meu coração cantar, mesmo sabendo que depois de mim,
sempre poderia haver outra ou outras.

Augusto me encontrou ao redor da piscina, só de ver sua aproximação senti medo de receber um possível
beijo.

–Olha o que encontrei no carro. – Entregou meu celular. – Milhares de ligações de Fred, você não avisou ele que
viria para cá?

Oh céus, Fred! Não tinha falado com ele desde o dia anterior.

–Não consegui falar com ele, vou ligar agora mesmo.

Olhei para a tela do aparelho e abri algumas mensagens.

"Não saia com Augusto, precisamos conversar"

“ATENDE ESSE TELEFONE! É URGENTE!”

“DROGA, Você não está lendo nada do que eu envio, não é mesmo?”

“A essa altura já descobriu tudo por si mesma. Merda!”

Desisti de fazer a ligação, pois não poderia responder a tudo o que ele fosse perguntar estando ali, cercada por
tantas pessoas,então apenas mandei uma mensagem para confirmar que estava bem.

A noite já dava os primeiros sinais, e a lua estava especialmente deslumbrante hoje, me fazendo sentir um
gosto de saudade estranho. Seguimos para a sala de jantar e mais uma vez Alexandra não estava por lá, assim
como durante o almoço. Segurei a vontade de perguntar do seu paradeiro, mas não foi preciso, Augusto o fez
por mim e logo em seguida ela apareceu. Sentou-se na extremidade, o mais distante possível de mim ou talvez o
mais próximo possível de Julia. Droga, não consigo ver a cor. Sem perceber, eu não conseguia tirar os olhos dela
e dona Clara me observava.

–Filha, poderia ter levado Ravely para conhecer os animais do Haras.

–Tenho certeza que ela já fez isso, Madrinha. – Disse Julia. De momento eu não entendi, mas assim que me
olhou esnobe eu pude perceber que ela se referia a noite passada. Olhei para dona Clara tentando ler seu olhar
que provavelmente era inquisidor. Meu rosto corou no mesmo instante.

–Você não sabe o momento de ficar calada, não é garota? – Respondeu exaltada e todos olharam imediatamente
para Alexandra.

–Alex!

–Cheia de insinuações... Porque não fica quieta? Não, para começo de conversa, não devia sequer estar aqui. –
Ela solta os talheres sobre a mesa bruscamente.
–Alex, se acalme. Você tomou os calmantes hoje?

–Chega disso, Augusto, eu não preciso de calmante algum, preciso de paz. Chega desse circo, estou saindo daqui.
– Se levantou empurrando a cadeira que caiu atrás de si.

Clara insinuou ir atrás dela e Julia não deixou:

–Deixa madrinha, deixa que eu falo com ela...

Dona Clara assentiu e Julia saiu correndo atrás de Alexandra. Em menos de cinco minutos foi possível ouvir
uma sucessão de gritos vindos do andar de cima.

–Saí de perto de mim, Julia, me deixe em paz!

Portas batiam.

–Não! Não há conversa, tarde demais para isso, você já acabou com minha vida o suficiente para a vida toda, não
acha?

–Só pode ser brincadeira. Vá atrás do seu namorado, não foi para isso que me traiu com ele?

Objetos eram jogados.

–Saí de perto de mim! Já disse!

–Não, você não sabe do que sou capaz.

Augusto se levantou para separar a briga:

–Elas vão se matar.

–Deixa que elas se resolvam, sempre foi assim e ninguém morreu. – Luiza disse.

Mas ele foi mesmo assim e logo o silêncio constrangedor se instaurou. Fiquei me perguntando que tipo de coisa
obscura aconteceu com essas duas? Nunca tinha visto Alexandra tão exaltada assim.

–Acho melhor te levar para casa agora.

–Tudo bem. – Eu disse.

Peguei minhas poucas coisas e fomos em direção ao carro - de mãos dadas. Olhei para trás, e lá estava ela, nos
assistindo, desviou o olhar assim que percebeu que eu estava olhando, correu para a garagem com uma
mochila nas costas. Para onde será que ela estava indo?

–Alexandra sempre estragando as festas. Viu... Eu te disse que ela era assim.

–Não acho que tenha sido culpa dela. Na verdade parece que a tal Julia a provoca bastante.

Entramos e ele saiu cantando o pneu do carro.

–Alexandra é desequilibrada, ela sempre teve problema para se relacionar com as pessoas. Sempre foi muito
isolada até conhecer Julia ainda quando eram crianças. Ela foi sua única amiga durante anos. Por um tempo
pensei que fosse por ser muito mimada pelo meu pai e sua mãe, mas depois comecei a pensar que tinha algo
mais.

–Espera aí... Dona Clara não é sua mãe?

–Não, ela apenas é mãe de Alexandra... Luiza e eu fomos criados por ela como seus filhos, nossa mãe foi embora
com um empresário chefe do meu pai e nos deixou para trás.

–Isso explica porque são tão diferentes fisicamente.

–Não só fisicamente. Alexandra... Ela é aquela que é leal e faz o que puder por você, mas ao mesmo tempo
também é explosiva, descontrolada, inconsequente... Eu não sei, não sei mesmo... Acho que ela não tem mais
conserto.

–Mas o que realmente aconteceu entre elas?

–Alexandra descobriu um teste de gravidez positivo dentro da bolsa de Julia enquanto ainda eram noivas. Isso
a destruiu e os episódios de explosão começaram desde então. Já fui até na delegacia atrás dela, várias
acusações de agressão que meus pais sequer sonham. Acho que ela ainda só não foi presa por termos dinheiro,
sempre consigo livrá-la.

Fiquei em silêncio tentando processar todas as informações, embora eu já soubesse que não conhecia a metade
de quem Alexandra Muller era. Comigo sempre tinha sido aquela pessoa oposta do que diziam, deve ser por
isso que nunca a associei como irmã problemática de Augusto. Jamais poderia, ela era toda gentileza,
inconsequente sim, mas de um jeito bom, pelo menos para mim. Acho que mesmo que fosse diferente, eu
continuaria querendo me perder nela, com ela. Sinto raiva em saber que não consigo controlar, porque a razão
diz para não querer esses sentimentos destrutíveis, e ainda assim, inevitavelmente eles resistem.

–Cada um lida diferente com a dor que sente. Talvez para ela tenha sido demais essa traição.

Ele me olhou com carinho, puxando minhas mãos para um beijo.

–E você é linda.

Quando percebi já estávamos em frente ao meu prédio. Recordei de todos os meus planos, que agora já tinham
ido por água abaixo. O beijei rapidamente nos lábios, mesmo sem querer, sabia que com isso evitaria milhões
de perguntas. Abri a porta e pisei na calçada – praticamente fugindo da circunstância.

–Hey! Fiquei pensando em passar a noite... Com você.

Engoli seco.

–Seria ótimo, mas sabe que Fred está doente? Acho que vou ter que cuidar dele.

–Entendo... – Seu telefone toca e consigo soltar o fôlego.

– Preciso ir, o trabalho me chama. – Jogou um beijo e partiu, não poderia me sentir mais aliviada.

Continua...

Notas finais:

Mais um capítulo!

Só quero agradecer pelos comentários, é sempre muito bom ver


esse feedback, dá aquela vontade de continuar escrevendo sempre
mais e mais.

Beijão, moças lindas.

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Capitulo 18 - Colecionando erros por Tammy
Alexandra

Havia saído do escritório para tomar um ar. Sabia onde ela estava e apostei que ele estaria junto.
Ainda assim quis insistir. Sim, eu sei que é estúpido. Só que de alguma forma é como se eu precisasse de uma
vez por todas ver com meus próprios olhos. E infelizmente foi o que aconteceu... Naquele átimo de insensatez,
permaneci escondida em um canto e me deparei com os dois aos beijos à beira da piscina. Um céu negro cobriu
meu mundo enquanto Augusto tocava-lhe o rosto, deslizando os dedos por seus cabelos, poucas horas depois de
eu ter feito o mesmo. Senti a cabeça rodar. Era demais, me fez perder toda a noção. Voltei para dentro
desorientada e, claro, precisava beber algo. Alguma coisa que descesse queimando. Pensei que não pudesse me
sentir assim novamente, mas parece que estava errada.

–Filha, o que há? Sente-se mal?

Não respondi, apenas neguei com a cabeça, tentando controlar a respiração que parecia suspensa
enquanto procurava desesperadamente por um copo.

–Você está tremula e pálida. Vou chamar seu irmão!

–Não!! Mãe, não! – Segurei-a pelo braço.

–Parece que você viu um fantasma.

–É... Quase isso. – Sorri. – Eu preciso voltar para minha casa, não consigo ficar mais o dia todo aqui.

–O que está acontecendo? Não acho que seja por causa de Júlia.

–É... A senhora não está errada.

–Imaginei que não. Como isso foi acontecer?

––Não quero falar sobre isso. Não há o que dizer.

–Fugir não vai resolver nada.

–Não estou fazendo isso. – Levantei e caminhei em direção a porta. Ela me segurou.

–Você não pode ficar sozinha, sabe disso.

–Eu não me importo.

–Por favor, – Ela me abraçou pelas costas. – Só não vá se meter de novo em confusão com aquelas
pessoas perigosas. Não seja autodestrutível.

Saí rapidamente sem olhar novamente para trás, tentei acalmar o barulho dos pensamentos
turbulentos em minha cabeça. Fumei um cigarro até que me chamaram para jantar. Sentei-me e permaneci
assim, do mesmo jeito que cheguei. Calada. Uma mistura confusa de raiva e angústia. Praticamente não ouvia o
que as pessoas ao meu redor diziam. Não era importante. Só conseguia prestar atenção nela, em como ele a
tocava, torcendo para que não sentisse a mesma vontade que eu sentia de beijá-la. Então os dois sentaram-se a
mesa, ele parecia dizer algo que a fazia sorrir. Eu já não sabia mais confiar em meus olhos, confirmar o que via
e o que imaginava. Apenas sabia que custava muito ter que processar tudo isso. E não, não era justo, ficar
assistindo, porque no fundo eu sei que tudo isto jamais daria certo. Eu estava prestes a perder o controle.
Ravely continuava sorrindo, pulando as palavras, respondendo de forma desconexa, desviando seu olhar de
mim, enquanto eu estava bem em sua frente. Por que ela tem tal efeito sobre mim? Seu jeito inocente talvez? O
modo como seus olhos brilham para mim? O modo como ela acaricia o lábio inferior com a língua? Mas por
que ainda assim parecia tão feliz ao lado dele? Eu só gostaria que ela parasse de fazer isso.

Meu coração começou a bater rápido, e passei a ficar sufocada por toda a mentira que me cercava. Eu
sabia que ela não tinha culpa. Será que não? Porque eu pensei o mesmo de Julia, pensei que Fernando tinha
dopado e abusado dela durante a festa, pensei que fosse inocente. Porque isso pode acontecer; às vezes
preferimos acreditar no que for mais fácil de aceitar. Que merda! O pensamento me empurra, pesado como
concreto, estava na borda, prestes a cair no precipício. Foi quando Julia resolveu abrir a boca. É claro que ela
não ficaria quieta, porque ela não sabia me deixar em paz. Era tudo o que eu precisava agora. Aproveitei...
Juntei o útil ao agradável, usando a oportunidade para por para fora toda minha raiva e vontade de quebrar a
cara de Augusto. E eu sei que isso não pareceu bom para meu autocontrole, mas seria melhor do que dizer na
cara dele que morder a boca gostosa de sua namorada era tudo o que eu queria.

Subi a escada furiosa e sabia que ela certamente viria atrás. Foi exatamente o que aconteceu. Cheia de
pedidos de desculpas. Será que ela tinha ideia do que eu tinha feito aquela noite com Fernando? Embora a
verdade talvez não o tivesse livrado da minha ira.

–Alex! Alex, espera!


–Saí de perto de mim Julia, me deixe em paz.

–Você precisa me ouvir de uma vez por todas.

–Não! Não há conversa, tarde demais para isso, você já acabou com minha vida o suficiente para a
vida toda, não acha? Por que você tem que se meter no que não é da sua conta?

–Foi uma brincadeira.

–Com você é sempre assim, não é? Apenas uma brincadeira. To cansada de brincadeiras. – Soquei a
porta retrado do meu irmão na parede. - Vá atrás do seu namorado, não foi para isso que me traiu com ele?

–Para! Você não era assim, você era tão calma, e agora está completamente transtornada.

–Pois é, você me aconteceu, tá vendo agora?

–Eu me arrependi, o que preciso fazer para que você acredite?

–Desaparecer e calar a boca. – Abri a porta a ponta pé, bantendo-a várias vezes seguidas.

–Alex! Eu errei, quantas vezes quer que eu admita isso? Eu me arrependo amargamente disso. Deus!
Se eu pudesse voltar atrás, eu voltaria.

–Você não presta, nunca prestou e eu? Eu fui idiota de cair de quatro por você.

Eu andava de um lado para o outro descontrolada. Júlia tentava me segurar e não conseguia. E eu só
queria descontar nela toda raiva do mundo. Durante o calor da discussão, entre ofensas e xingamentos onde eu
só não a chamei de santa... Perdi a cabeça, literalmente. A joguei sobre a cama, ela caiu sem chances de revidar,
continuei batendo e quebrando o que estava a frente, ela levantou e tentou me segurar mais uma vez e foi
quando acertei um tapa em cheio no seu rosto. Seus olhos verdes me encararam surpresos e amedrontados. No
mesmo instante me senti péssima. Segurei seu rosto entre minhas mãos, olhando dentro de seus olhos, ela não
dizia nada. Então a abracei forte, arrependida. Ela parecia tão frágil, me lembrou da menina de alguns anos
atrás. Seus olhos cheios escorreram, molhando minha camisa. Ela desabou. A afastei um pouco, precisava olhar
em seus olhos, pedir perdão, eu jamais quis fazer isso com ela.

-Ju... Me perdoe. E-eu não quis... – Chorei.

E foi quando me beijou. Um beijo molhado, com vontade e desespero e eu correspondi. Correspondi
sem pensar, em um misto de culpa, carência, revolta e saudade. Talvez ela tenha se aproveitado do meu
momento frágil? Talvez sim, com certeza sim. Suspendi o contato temporariamente... Separei meus lábios do
dela, quando notei Augusto parado logo atrás de nós, mas ele deu as costas sem dizer nada.

–O que está fazendo? – Perguntei, ainda confusa. – O que quer que esteja fazendo, você precisa parar.

–Eu tive vontade, eu quis muito te beijar de novo. Alex... Eu sinto sua falta... Sempre senti sua falta.

–Não! Isso não devia ter acontecido.

–Por que não? Você foi minha noiva.

–Não interessa, não vamos mais falar sobre isso.

– Por quê? Qual seu problema, o que te impede?

–Não importa. Não se trata de você.

–De quem então?

–Não interessa. Ninguém.

–Tem outra pessoa?

–Você não entende. Só de te olhar eu lembro de tudo, o descontrole em que vivíamos, a traição... Eu
quase o matei, você sabia disso? Eu o espanquei de madrugada, não sei como ele não morreu aquele dia, o pior
de tudo é que eu gostei, gostei de ver o sangue daquele desgraçado manchando toda minha roupa. Depois disso
tudo eu não sei mais o que eu sou, do que sou capaz. – Cuspi todas as palavras, ela continuava me olhando,
parecia surpresa, mas não espantada

–Então foi realmente você? Eu... Eu achei que os boatos fossem mentira.

–Agora você sabe que não.

A soltei dos meus braços. Peguei a primeira mochila que encontrei na frente e coloquei algumas coisas
que pareciam ser importantes. Eu não estava raciocinando direito. Julia ficou assistindo, sem reação, acho que
ela também não esperava me beijar assim, tão cedo. Desci as escadas em choque, sem olhar para ela. Eu
precisava me distanciar, estava acabando comigo. Mas então, quando pisei os pés para fora daquela casa, vi
mais uma vez, Augusto e Ravely juntos, caminhavam de mãos dadas pelo gramado. Eu já estava cheia de me
manter nos trilhos, pensando em não magoar ninguém, não é quem eu sou. Voltei no mesmo instante para o
quarto, Julia estava descendo as escadas. Me aproximei dela, tirei o cabelo que tampava seu rosto. Ela me
encarou, sem sequer piscar. Mais que tudo sua reação me surpreendeu, pensei que fosse estar com raiva,
furiosa, mas ela parecia triste e resignada. Nossos lábios se tocaram mais uma vez. Estranhamente há alguns
meses esse beijo foi tudo o que eu quis, tudo o que me moveu para várias atitudes impensadas, mas agora...
Agora não passava de um toque de lábios. Sentia seu corpo colado ao meu e, infelizmente, com esse contato não
pude evitar comparar que no final não era tão doce. Lembrei de outros lábios percorrendo minha boca... Meu
corpo. A forma como sua pele arrepiava quando eu deslizava sobre ela. Ravely tinha um gosto inesquecível,
incomparável, completamente distinto do que eu provava agora. Parecia impossível esquecê-la, mesmo
beijando outra. Mas qual a melhor forma de me manter distante? Essa era a única saída, foi o que me
impulsionou. Peguei sua nuca e pressionei minha boca contra a sua. Mal deixei que respirasse. Me ame como
ela, me toque como ela.

– Acho que você deveria vir comigo... – Disse.

Ela apenas assentiu, sem ao menos questionar.

***

Eu acordo não tão cedo em uma manhã escura e fria. Eu não estava em meu quarto de infância no
haras e estranhamente minha cama estava mais revirada que o de costume. Fiz um esforço e recordei a
bagunça da noite anterior. Talvez hoje seja um ótimo dia para repensar minhas atitudes. Meu estomago ronca
indicando que já tinha passado muito tempo do café da manhã, mas antes que eu pudesse levantar a cabeça do
travesseiro o interfone toca, estridente. Já tinha me esquecido que deveria arrumar isso. Tentei fingir que não
ouvi na primeira, depois na segunda e então não teve jeito, fui obrigada a levantar. Ela deve ter esquecido a
senha outra vez. Peguei o telefone impaciente.

-Fala!

-Senhorita Alexandra, tem uma moça aqui embaixo.

Não deixei o porteiro terminar de falar e respondi impaciente antes mesmo que ele fechasse a boca:

–Deixa subir.

Voltei para o quarto, ou melhor, me arrastei até o quarto coloquei o primeiro short e camiseta que
estavam na frente, até que duas batidas soaram na porta.

Abri a porta e ela pulou em mim, só reconheci quem era pelo cheiro de perfume doce exalado no ar.
Mariana.

–Minha nossa! Tua aparência está péssima. – Ela entreabriu os lábios e arqueou as sobrancelhas,
espantada.

–Estou feliz em te ver também, Mari. – Mostrei os dentes. – Pensei que fosse vir apenas depois do ano
novo.

Ela entrou arrastando suas imensas malas vermelhas atrás.

–Meu Deus! Ainda pior está esse apartamento. O que você anda fazendo aqui? – Disse, enquanto ia da
cozinha para a sala, da sala para a cozinha. Pegou algumas embalagens de pizzas vazias sobre a mesa de
centro, sentiu o odor, torceu o nariz e jogou no mesmo lugar. – Quando a mocinha da limpeza vem?

–Não tenho uma mocinha da limpeza, mas você me deu uma ótima ideia.

–É, está precisando começar a tê-las. – Ela me da um olhar aguçado, – Tu não devias estar sozinha,
porque não está na casa dos teus pais?

Mostrei o dedo do médio para ela e me joguei no sofá. Mari atirou as roupas de cima da poltrona e
sentou-se de frente para mim.

–Não preciso de babás, já tenho 26 anos.

–Hmm... Não me parece que não precisa... Mas então, me conte sobre o que aconteceu todo esse tempo,
pelo que vejo não foi muito...

–Quer que eu comece pelo lado ruim ou pelo péssimo?

–Só comece, Alex... Só comece.

Um barulho de água caindo surge do interior do apartamento. Com essa agitação esqueci
completamente que não estava sozinha.
–Tem mais alguém aqui? – Ela franze a testa.

As palavras travam pesado em minha língua em busca por uma boa explicação para o que estava
prestes a acontecer aqui.

–É... Mari, o que acha de irmos tomar um café? – Disse sentindo um leve coçar em meu pescoço subir.

A testa de Mariana franze mais ainda.

–Alexandra Muller – Ela me olhou de soslaio. – Se não me engano é meio dia agora, e é claro que não
quero café. O que diabos está acontecendo, porque quer me tirar daqui logo agora que cheguei?

–Veja bem... Para tudo na vida há uma explicação, certo? – Disse me levantando, indo para trás do
sofá.

Mariana não diz nada, apenas começa olhar ao redor em busca de algum indicio. Este era um dos
raros momentos em que ela passava de agitada para muda e pavimentada. Eu adorava isso, não posso negar.

–Só tem uma pessoa que você esconderia de mim... Mas essa jamais pisaria aqui novamente. –Mari
olha acusadoramente para mim, mas continua sorrindo, balançando a cabeça descrente. – Te descobriste
heterossexual?

–O que? Esta louca ou o que?

–Bom, é a única opção mais aceitável ao invés de ser sua ex: Ana Julia Nogueira, que está nua em seu
banheiro neste instante, então sim, só me resta pensar que tem um homem peludo lá...

–Você sabe que não conseguiria por as mãos em um homem nem se meu pai estivesse na forca, não
sabe?

–Então... – Ela pausou por alguns instantes, ponderando sobre o que iria dizer. – Não... Você não faria
isso.

Engoli seco, uma, duas vezes e a garganta coçou.

–Veja bem, Mari...

–Eu estou vendo, vendo claramente, Alex. Melhor que isso só se tivesse um terceiro olho. – Começou a
se aproximar de mim ameaçadoramente.

–Foi uma escorregada...

–Não! Você não está com essa vagabunda de novo. Eu me recuso a acreditar.

–Foi um acidente... – Disse me afastando enquanto Mariana me apontava um controle remoto.

–Acidente é o que vai acontecer com você agora... Alexandra, Alexandra, eu sabia que tu tens sérios
problemas psicológicos, mas isso ultrapassou todos os limites imagináveis.

–Não Mari, por favor, espera.

–Pare de rir, sua vaca! – Ela jogou o controle e eu me abaixei.

–Mariana! Vai quebrar meu apartamento novinho.

-Ah! Sim... Como se essas paredes nunca tivessem presenciado um quebra-quebra antes. É a tua casa
Alex, faça-me o favor, quebrar pouca coisa aqui é ofensa.

A porta do banheiro foi destrancada e ela correu para o corredor a espera de confirmar quem iria sair.
Então Julia aparece enrolada num roupão branco, cantarolando e secando seus longos cabelos negros. Ela
podia ser uma traidora, mas não dava para negar que era gostosa demais. Ficamos as duas vislumbrando a
imagem por quase um minuto e Julia sequer reparou que estava sendo assistida. Dei um tapa na cabeça de
Mariana.

–Quer um babador?

Ela começou a me bater.

–Aí Mari, para! Para! Para!

–Alexandra! Por quê? O que essa mulher tem? Deve ser mel, só pode... Vou pedir a receita para ela.

–A história é mais longa do que você pode imaginar...

–Pois trate de me explicar muito bem isso tudo quando ela for embora. – Mariana parou apoiada com
as mãos nos joelhos, ainda ofegante de me perseguir pela sala. – Por favor, diga-me que ela não ficará aqui
conosco.

–Não! Claro que não. – Ela me olhou desafiadoramente, me fazendo ser mais categórica. – Não vai
Mari, relaxa.

–Hm... Menos mal, quase passou minha vontade de matar-te.

Julia apareceu na sala, vestida com uma calça jeans justa, demarcando lindamente suas belas curvas e
um suéter em cor clara. Os olhos verdes brilham maliciosamente para mim. Ela caminha em minha direção
com um sorriso divertido nos lábios. Eu estou no canto da sala, escorada no sofá quando ela me beija o rosto,
bem próximo à boca. Permaneço paralisada degustando a antecipação da tempestade que esta para cair.

–Mariana, que surpresa agradável vê-la por aqui. Continuam se amando do mesmo jeito de sempre,
pelo que vejo. – Seu sorriso esfria ao avaliar Mariana.

Mariana a mimetiza enquanto está de costas para si. Tento segurar o riso quando Julia se volta para
ela, interrompendo sua animação.

–Sim, e o sentimento que tenho por ti também não mudou nada. – Ela sorriu irônica em resposta.

–Julinha, o que acha de eu te levar de volta para o Haras?

–Não precisa se incomodar, eu já chamei um táxi.

–Viu Mari, ela já chamou um táxi. – Eu recolho os ombros incomodada e envergonhada.

Saí recolhendo um pouco da bagunça que estava espalhada pela sala, tentando evitar estar no meio do
fogo cruzado. Passaram-se alguns minutos de silêncio constrangedor e o bendito táxi chegou. Acompanhei Julia
até a porta, ela me agarra pela cintura, puxando meu corpo para perto do seu.

–Quero te ver de novo. – Diz e sorri. Olha para Mariana que ainda estava no canto para logo em
seguida me beijar duro.

Despeço-me e fecho a porta com Julia do lado de fora. Só então pude respirar, soltando toda aquela
tensão para fora. Assim que abro os olhos dou de cara com Mariana de braços cruzados em minha frente.

– Pode começar!

-Jesus Cristo! Quer me matar do coração?

Ela bate os pés impacientemente.

–Tá, tá, tá. Senta aí que a história é longa.

Passei quase uma hora tentando explicar claramente que Ravely era minha cunhada antes mesmo de que eu a
conhecesse...

–Deixa ver se eu entendi... Tu estás louca pela Ravely, a mesma que conheceu durante a viagem, mas
descobriu que ela na verdade é namorada do seu irmão. E mesmo assim tu não deixou de dormir com ela? E
agora, para resolver a situação, passou a noite com Júlia?

–Senti um tom de julgamento...

–Julgamento? Imagina. De alguma maneira, na verdade eu não fico surpresa.

–Só não me importo mais com o que possa acontecer.

–Que bom, porque vai dar merda.

–Você quer dizer uma merda maior que a Ravely ser namorada do meu irmão?

–Isso realmente é ruim. Mas já parou para pensar que a Julia pode não facilitar sua vida? E se o
Fernando quiser se vingar?

–Fernando não é problema, provavelmente deve estar preso.

–Eu não sei, Alex... Não te esqueça do que a Julia fez. Ela apareceu grávida e claro que o filho não era
teu. No final tu acabaste na casa dele quebrando tudo, inclusive o próprio Fernando. Ele pode não ter esquecido
isso.

–Traficantezinho maldito. Ele não ousaria aparecer de novo em minha frente, sabe do que somos
capazes, o recado foi bem dado. – Sorri. – Chega de falar disso, vamos almoçar, vou te levar em um restaurante
novo.
Continua...

Notas finais:

Olá meninas!

Finalmente mais um capítulo :D

O próximo capítulo (19) já foi postado, espero que gostem.

;*

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Capitulo 19 - Coro particular de demônios por Tammy
Ravely

Alguns dias se passaram rapidamente, mas nada de importante aconteceu, pelo contrário, poderiam
ser resumidos em rotina. Quer dizer... Minhas fotos foram selecionadas para a grande exposição que
aconteceria no próximo mês. Isso era motivo para se comemorar, ainda mais por ter esperado ansiosamente
por isso, porém, não estava no clima para comemorações. Na verdade esses últimos dias foram baseados em
puro relativismo, que é basicamente quando não sabemos o que realmente é certo e errado, então assim, existe
uma dificuldade para dizer com certeza se estamos indo na direção moral correta. Eu li isso em um livro e
agora faz todo sentido, porque eu não sei o que fazer, o que pensar. E inevitavelmente tudo o que desejo parece
muito errado. Talvez todo esse tempo tenha sido perdido na tentativa falha de injetar significado na minha
vida. Mas tudo bem, porque no fim todo ser humano é uma contradição e aqueles que não são, apenas
escondem muito bem. Só que no fundo não era todo esse questionamento interno que me incomodava. Eu
estava vivendo meu coro particular de demônios, o que na verdade não passa de uma metáfora para falar sobre
coisas que nos atormentam há muito tempo. Era o que eu fazia, mesmo não conversando com ninguém, quer
dizer, acho que a conversa interna é sempre a mais torturante. Então era isso! Eu estava me torturando todo
esse tempo, em busca de perguntas sem respostas como: Por que ela até hoje não me ligou? Nenhuma ligação.
Quanto a mim? Apenas cabia esquecer, mesmo tendo conteúdo para escrever dezenas de cartas que eu jamais
fosse enviar. Mas como esquecer algo que não sai da sua cabeça, está ali da hora que eu acordo até a hora que
volto a dormir? É como um parasita de pensamentos, de razão. Eu só não conseguia aceitar, passar os dias
trancada tentando desaprender como sentir sua falta. Não acho que eu consiga.

Conformada, continuo colocando alguns papéis dentro das pastas e recolhendo meu material de cima
da mesa, algumas pessoas já tinham saído do escritório enquanto algumas outras passavam por ali.

–Qual a programação para hoje? – Carla se aproximou me ajudando com a organização da mesa.

–Ficar em casa apenas. – Respondi com pouco entusiasmo.

–Poderíamos sair qualquer hora dessas, o que acha?

Como dizer ‘ NÃO’ sem ser grosseira?

–Acho que seria boa ideia, mas...

–Ah não! Sempre há um ‘mas’, e eu odeio “mas”.

Eu sorri, era a primeira vez que sorria naquela semana.

– É que hoje estou com muita dor de cabeça, acho que preciso descansar um pouco...

Entramos no elevador e ela segurou a porta para mim.

–Tudo bem, teremos outras oportunidades. Ainda vou te convencer. – Piscou.

Concordei com um sorriso. Carla era uma moça bonita, me lembrava uma adolescente, usando aquela
bolsa de couro cruzando seu corpo, permanecendo bem ao lado, união que combinava com os óculos de
armação preta e olhos quase negros. Ela era bonita, muito bonita na verdade, estranhamente só agora me dei
conta de que nunca havia reparado nisso. Chegamos na saída do prédio, uma chuva torrencial caía.

–Droga, não trouxe sequer um guarda-chuva. – Algumas gotas molhavam a lente dos nossos óculos,
rimos juntas quando tiramos para limpar ao mesmo tempo.

–Não se preocupe, eu posso te deixar em casa.

–Não, não precisa se incomodar... Eu chamo um táxi.

Do outro lado da rua um carro vermelho acabava de estacionar, claro, agora todos os carros
vermelhos me chamavam a atenção. E não, não era apenas por sua cor. Fiquei parada observando. Os vidros
estavam fechados, mas eu queria muito ver o seu interior. O pior era perceber toda a reação que me causava
apenas por imaginar que ela estava ali. Era isso, de novo atormentada por esses demônios. Eu estava mal, ela
realmente me deixou mal e o seu silêncio estava me matando lentamente.

–Sua casa fica no caminho para a minha, Ravely. Não será incomodo. – Carla continuava falando e eu
mal conseguia ouvir, era como uma vozinha no fundo da mente.

Luiza passa apressada por nós, mas para e volta um pouco quando percebe que estou na entrada do
prédio.

–Meninas, precisam de carona?


–Obrigada, dona Luiza. Estou de carro hoje. – Carla respondeu.

–Ravely? – Ela acenou em frente ao meu rosto.

O vidro do carro desceu e pude confirmar que era ela, Alexandra e não estava sozinha. Droga! Os
cabelos castanhos escuros estavam presos em um rabo de cavalo, as mãos dispostas sobre o volante,
martelando com o dedo. Acho que se eu fechasse os olhos poderia até sentir o cheiro do seu perfume. Esperei
que ao menos acenasse, mas não... Sequer um oi distante. Assim que me viu voltou-se para frente e não olhou
mais. Arrumei meu óculos e me voltei para Luiza, ela me encarava tentando entender o que eu fazia secando as
duas no carro. Quem era a outra? Só conseguia ver parte dos braços, isso não me dava muita ideia. Será que era
a Júlia? Talvez tivessem voltado depois daquela briga. Senti um amargo subir pela garganta, eu precisava
descobrir isso. Mas como?

–Obrigada Luiza, eu vou com a Carla. – Disse um pouco contrariada.

–Tudo bem então. Boas festas para vocês.

Quando eu decidi de última hora que iria com Carla, ela não conseguiu esconder sua reação de
surpresa e talvez alegria, então apenas fingiu que já sabia. Não faria sentido aceitar a carona de Luiza sendo
que acabara de negar a dela, seria rude. Mas não posso mentir para mim mesma, pelo menos não quanto a isso.
Eu queria muito entrar naquele carro, mesmo que tivesse sido a pior tortura. Peguei o celular na esperança de
que tivesse alguma mensagem, mas não, nada.

Seguimos para o estacionamento, continuei em silêncio, enquanto meu coração parecia querer
explodir. Como ela poderia ser tão indiferente assim? Pretendia me ignorar o resto da vida?

–Você está bem? Parece meio decepcionada. – Carla perguntou assim que entramos no carro.

–Estou ótima, é apenas o cansaço.

Eu estava apenas mentindo para escapar de perguntas que eu não fazia menor questão de responder.
Até porque eu nem sequer sabia quais eram as respostas. Não conversamos muito durante o percurso, apenas
quando eu dizia a ela onde deveria virar.

–Ale... Carla, pode virar na próxima e já estamos lá.

Ela arqueou uma sobrancelha, ajeitou os óculos e voltou a mirar a rua, creio que vi um leve surgir de
sorriso no canto. Minutos depois estava estacionando em frente a minha casa.

–Você não devia sofrer por quem não te merece.

–Ãhn? Do que você está falando?

–O jeito que você olhou de longe para a irmã da Luiza...

–Não... Apenas pensei que fosse outra pessoa.

–Por isso quase me chamou de Alexandra agora a pouco?

Droga! Dessa eu não poderia escapar. Porque eu realmente não deixei de pensar em Alexandra
durante essa semana. Muito menos pude deixar de lembrar daquela última noite em que estive com ela.

–Não, eu não fiz isso. – Balanço a cabeça tentando dar ênfase na resposta.

–Olha, não importa. – Ela é concisa e minha bochechas coram. – Você é especial, bonita demais para se
envolver com alguém como Alexandra, principalmente em um relacionamento onde há uma terceira pessoa,
alguém sempre sai perdendo.

Fiquei ainda mais confusa, pois quem tinha uma outra pessoa nessa história toda era eu, não
Alexandra, pelo menos que eu soubesse ainda. Parecia que todos sempre estavam tentando criticá-la e eu
nunca conseguia entender o motivo. Para mim ela não parecia nada com o que sempre diziam.

–Vocês se conhecem?

–Bom...Digamos que eu já tenha visto o lobo.

–Já entendi tudo... – Acho que fiquei boquiaberta e não conseguia localizar meu cérebro ou minha voz.

Droga! Até com a Carla ela esteve? Afinal, quantas versões dessa mulher existiam? Porque para cada
pessoa que eu conversava uma nova Alexandra surgia.

–Não significou nada. – Sua voz tenta soar reconfortante, mas não me sinto nenhum pouco
confortável, na verdade era como se estivesse sentada em uma cadeira de espinhos.

– De onde se conhecem?
–Nós frequentamos as mesmas baladas, eu acho. Não é difícil conhecer ela quando se vai a muitas
festas. Tem um mês que não a vejo, mas antes... Ela frequentava bastante os bares e boates.

–Fiquei sem palavras...

–Tudo bem, eu não deveria ter dito nada a você. Desculpe.

–Acho que... – Respiro fundo tentando colocar as ideias no lugar. – Acho que vou aceitar o convite para
bebermos alguma coisa. É... Acho que preciso beber alguma coisa.

Carla sorriu satisfeita, não esperou que eu pedisse para esperar trocar de roupa, apenas colocou o
carro para funcionar.

O bar estava barulhento, agitado e cheio de futuros bêbados, e eu pretendia desesperadamente fazer
parte deles. Nós sentamos, Carla vai até o bar e pega as bebidas, eu não fiz questão de escolher, pois não
conhecia nenhum daqueles drinks, então pedi que ela pegasse o que quisesse, desde que fosse forte.

–Prove isso, veja se é forte o bastante.

Ela colocou alguns pequenos copos cheios de uma bebida amarela ou dourada, em minha frente.
Peguei o pequeno copo e provei, desceu amargo e queimando, não muito diferente de como eu me sentia.

–Nossa! É horrível.

Ela gargalhou.

–Você está fazendo errado.

Ela lambeu a mão, achei estranho e continuei assistindo sem entender. Depois colocou sal no mesmo
lugar, pegou uma fatia de limão, voltou a lamber onde estava o sal, tomou a bebida toda de uma vez, em apenas
um gole, franziu o rosto e logo em seguida chupou o limão.

–Eu achei que fazer isso certo fosse para melhorar e não piorar. – Disse, relutante sobre tomar esse
veneno.

–Não se preocupe, Rav... Depois da terceira provavelmente você não sentirá mais nada.

Rav... Era assim que Alexandra costumava me chamar, só ela me chamava assim. Será que ela sentia
minha falta assim como eu sentia a dela? Não precisei de motivos maiores e fiz exatamente como Carla
ensinou, virei todo o copo. Tomamos todos os seis. Continuava horrível, mas eu já conseguia sentir certa leveza
seguida de vontades repentinas de rir, dizer o que viesse a cabeça.

–E aí? O que achou? – Ela sussurra em minha orelha.

–Continua horrível. – Eu sorrio e ela coloca seus braços em meus ombros, arrastando sua cadeira para
mais perto.

–Acho melhor escolhermos outra bebida então, se você quiser vamos provar todas que tiver aqui.

– Você está tentando me embebedar, senhorita Carla? Por que se estiver eu digo que está funcionando.

Ela beija-me o rosto, fico surpresa, mas continuo gostando da atenção, há tempos não me sentia assim,
despreocupada. Eu a observo ir mais uma vez até o bar. Ela estava usando um jeans justo, só agora notava
como ele definia suas curvas. Deus! Onde estavam meus olhos esse tempo todo? Os cabelos lisos desfiados
balançavam enquanto ela se distanciava, rebolando. Rebolando? Acho que ela estava rebolando. Olho para
mim e me sinto muito organizada, para não dizer chata. Jeans preto, camisa social branca, praticamente toda
abotoada. Cabelo preso com a caneta e óculos. Resolvo mudar, abro alguns botões, expondo levemente o colo,
retiro os óculos e coloco entre os seios, pendurado na blusa, por fim, solto os cabelos levemente
ondulados.Passo a mão para que tenham caída e quando me dou conta Carla já estava ao meu lado.

–Nossa! Se soubesse que tequila tinha esse efeito, teria pegado uma garrafa inteira.

Sorrio.

– O que você trouxe agora?

–Margaritas!

Bebemos todo o drink e eu já podia sentir a cabeça levemente rodar. Precisava ir ao banheiro, parece
que é o que acontece quando bebemos muito álcool. Carla diz que também vai. Me levanto da mesa e confirmo
que já estava bêbada, cambaleio para trás. Vamos com dificuldade atravessando por meio da multidão. Não sei
por que o banheiro ficava tão longe do local onde estavam as bebidas. Isso estava errado. Como se não bastasse
à fila para o banheiro era enorme, talvez isso justificasse a distancia que ficava do bar. Só então me dou conta
de que não havia separação de homem e mulher.
–Carla, porque estão todos na mesma fila?

– É um pub LGBT, Ravely... Não tem diferença de banheiro.

–Sério?

–Muito sério.

Carla encontra uma amiga e se afasta um pouco para conversar com ela. O show de luzes e o som alto
eram intensos, não sei o que me deixava mais fora do normal, álcool, fumaça de vários tipos de cigarros, as
luzes psicodélicas piscando freneticamente ou a batida intensa da música. Cambaleio e me encosto na parede
para não cair. Era só o que me faltava, cair no meio da multidão. Lembro que não avisei Fred que não iria para
casa, pego o celular para ver se havia alguma mensagem, ele sempre ficava desesperado quando eu não
chegava em casa, era raro isso acontecer. Eu não fazia ideia de que horas eram. Abro a caixa de mensagens e as
últimas são de Fred, rolo mais um pouco e encontro a mensagem de Alexandra. Talvez eu devesse questioná-la
porque nem sequer me cumprimentou hoje, ou porque ela é sempre tão desgraçadamente linda. Eu sorrio e
sem pensar estou chamando seu número. Desligo logo em seguida. O que estou fazendo? Queria tanto ouvir
aquela voz, saber o que ela estaria fazendo... De repente o celular começa a vibrar em minha mão. Era ela,
retornando... Não pensei duas vezes e atendi.

–Alô!?

–Ravely? – Não consigo conter o riso, era bom demais ouvir a voz dela, ainda mais quando dizia meu
nome. Parecia surpresa pela minha ligação e eu também estaria se não estivesse bêbada.

–Claro que sou eu, esperava outra pessoa com meu telefone?

A ouço rindo do outro lado, certamente seria aquele riso irônico de sempre, que mesmo odiando eu
sabia que me deixava louca.

–Você está bem? Onde você está?

–Estou com uma de suas amigas, amante... Não sei bem o que ela é. Estamos... Não sei onde estamos.

–Como assim você não sabe onde está? Você bebeu? Me diga que não bebeu. – Sua voz muda do
costumeiro sarcasmo para preocupada.

–Eu simplesmente não sei onde estou, assim como também não sei o que diabos você fez comigo. É
claro que eu bebi. O que mais faria na minha situação? – Cuspo todas as palavras que estavam entaladas.

–Com quem você está?

–Com a Carla, lembra-se dela? Acho que não... Aparentemente são tantas. Talvez até eu seja mais uma,
só que de mim você lembra não é, afinal, sou sua cunhada. – Definitivamente eu fico muito corajosa sob efeito
do álcool.

–Me diga o nome do bar, eu vou te buscar.

–Não!

–Rav...

–Eu não sei o nome do bar, Alex. E mesmo que soubesse, você não tem direito nenhum, nós não temos
nada.

–Me diga logo! Onde você está? – Pela primeira vez a vejo fugindo do controle.

–Eu não sei, a Carla não está aqui para que eu possa perguntar a ela.

–Você está bêbada e sozinha? Merda, Ravely! Eu vou para aí.

–Eu não acho uma boa ideia você chegar perto de mim agora, logo agora que eu estava aceitando de
bom grado que não devo mais pensar em você. Quem sabe eu até consiga uma substituta, me empresta uma?
Você tem tantas...

–Peça pra alguém te dizer o nome do bar. – Só ela parecia conseguir soar calma e ameaçadora na
mesma frase.

–Não, Alex... Eu preciso ir, boa noite.

–Ravely!

Eu desligo. Ela deve ter ficado louca, finalmente quem ficou louca dessa vez não fui eu. Ela não
respondeu nenhuma de minhas perguntas, mas ao menos pude desabafar. Talvez nem ela tivesse essas
repostas. Após refletir o que acabara de acontecer eu concluo que realmente estou bêbada. Talvez amanhã eu
me arrependa amargamente de tudo isso. Com certeza vou me arrepender. Finalmente consigo ir ao banheiro.
Inacreditavelmente não estava tão sujo. Tomo cuidado para não me molhar com a própria urina, eu não sou
muito boa em ficar bêbada. Talvez para piorar tudo eu devesse completar a noite mandando uma mensagem
para Augusto. Já estava cheia disso, estava claro que eu não era muito afim dele, talvez dos homens em geral.
Danem-se. Saio do banheiro, lavo as mãos e arrumo minha roupa em frente ao espelho, estava me achando
bonita, mesmo que os olhos não conseguissem focar muito bem em meu reflexo, deve ser efeito de tanta
tequila. Passo cerca de meia hora tentando atravessar toda aquela multidão de pessoas, a fumaça me sufoca. Eu
precisava respirar, toda aquela gente havia se tornado sufocante.

Passei pela porta, contrariando o olhar do enorme segurança que a esta altura estava mais
preocupado com quem entrava do que com quem saía. Fui para um local mais calmo, onde não havia muito
fluxo de pessoas, queria ficar sozinha, praguejar a vida sem ser notada. O beco era um pouco escuro. Como
pude ser idiota ao ponto de querer largar tudo para fica com alguém que eu sequer conhecia? Certamente ela
estava em alguma festa, acompanhada, eu pude ouvir o som de pessoas rindo do outro lado do telefone. Fico
um tempo ali com os olhos fechados, respirando, sentindo a cabeça rodar e o estomago ficar enjoado.

Olho para os dois lados e vejo que não havia ninguém mais por perto.

–Garotas bonitas não deviam estar sozinhas num lugar como esse. – Uma voz masculina me faz
arrepiar de medo.

Dei um passo atrás. O final do beco dava acesso para uma rua pequena, provavelmente sem saída. Eu
quis voltar para perto da multidão, não havia me dado conta de que estava tão isolada assim. Não iria
conseguir passar por ele. Estava me sentindo acuada, torcendo para que ele parasse onde estivesse.

–Qual seu nome, gatinha? Aposto que vai adorar minha companhia.

Seus olhos escuros e frios me olham intensamente.

–Estou de saída. –Eu digo e ele se aproxima, colocando seus braços em mim. Forcei passagem e suas
mãos sujas me detiveram.

–Por favor, me deixe ir.

–Porque a pressa? Acabei de chegar...

Aproximou seu rosto de mim, inspirou fundo. Eu tento me afastar dele inutilmente.

–Adorei o perfume. Porque fechou os olhos, está com medo? – Ele sussurra e me coloca contra seu
corpo, apertando e puxando ainda mais para perto.

O cheiro de álcool me embrulhava ainda mais o estomago. A essa altura eu já estava implorando a
Deus que me ajudasse.

–Não tente fugir, você vai gostar. – Ele coloca uma das mãos apertando meu rosto, com a outra
empurra meu tórax contra o muro.

Meu coração batia freneticamente, estava com medo do que ele iria fazer.

Riu sadicamente.

–Que branquinha... Vou me divertir muito. – Tenta me beijar, eu viro o rosto inutilmente.

Com uma das mãos tocou minha coxa e foi subindo aos poucos. Seu sorriso sádico já mostrava o que
ele queria. Comecei a chorar, me debatendo, mas ele era forte e eu não conseguia fazer muito. Continua
espalhando beijos por meu rosto e pescoço, seu odor me causava repulsa, a barba grossa em minha pele
causava desespero.

–Não! Não! Me solta! – Grito em pânico.

–Tire as mãos dela!

Uma voz ainda mais sombria, porém suave soa atrás dele. Alexandra?

Não! O que ela estava fazendo aqui, agora ele iria ataca-la.

O homem tira uma de suas mãos de mim, ri alto e maneia a cabeça para ela.

–Mais uma para brincar com a gente.

Alexandra estava sob a penumbra, eu não conseguia ver seu rosto, apenas que estava com um taco em
mãos. Um taco de baisebol?

– Droga, cara! Tanta gente para você mexer nesse lugar e você tinha que escolher logo ela? – Sua voz
soava estranhamente calma e desafiadora.
O homem a ignora rindo, volta-se para mim. Aproxima-se novamente, me tocando com o quadril.
Antes que pudesse tocar-me com a boca o taco o atinge nas pernas. Seu joelho sede e ele perde o equilíbrio.

–Agora não diga que eu não avisei. Você vai se arrepender de ter escolhido errado.

Ela levanta o taco mais uma vez, antes que ele possa revidar e desce com muita força, pude ouvir o
abafar da bancada nas costas do sujeito que cai em meus pés mais uma vez.

Uma série de pancadas se sucede. Alex o atingia freneticamente, sem parar, sem respirar, eu não
conseguia sequer contar. No rosto, nos membros, nas costas, no estomago. O sangue mancha o pedaço de
madeira. Ela ia matá-lo.

Eu nunca a vi assim, fora de controle, era uma pessoa completamente diferente do que eu imaginava.

–Alex! Alex! Você vai matá-lo.

Só então ela pausa, levanta o rosto para me encarar, os cabelos colados em seu rosto suado. Ela joga o
taco sobre o corpo do homem desacordado no chão, como se fosse nada. Começa a chutá-lo.

–Maldito! Gosta...De...Assediar... Bater? Agora... Verá... Como é bom!

O sujeito tentava se defender, protegendo o rosto com as mãos. Alex sobe sobre ele e defere vários
socos no rosto. Não me parecia que era a primeira vez que isso acontecia. Ela estava completamente
transtornada.

–Alex! Chega, ele já apagou.

Só então ela para, olha para as próprias mãos, estava tremula. Saí de cima do homem desmaiado e
corre para mim, eu estava em prantos.

– Você está bem? Ele te machucou? – Me abraça gentilmente.

–Não, não deu tempo. – Segura meu rosto, olhando em meus olhos. Ela estava perturbada. Encosta a
testa na minha. – Eu não sei o que faria se tivesse chegado um pouco depois. – Beija meus lábios. – Me perdoe,
eu nunca vou deixar nada de mal te acontecer. Me perdoe.

Continua...

Notas finais:

E aí, o que acharam de postagem dupla?

Espero que estejam gostando dessa pitada de ação.

Beijão e até o próximo.

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Capitulo 20 - A mente confusa que ela tem por Tammy

Alexandra

Era final do dia e estava mais uma vez voltando de um atendimento com Mariana. Parei em um
semáforo e por algum motivo sentia que certo carro preto não saia da minha cola, poderia ser mais uma das
minhas paranoias, a chuva estava forte e dificultava a visão. Provavelmente fosse impressão minha, estou
sempre tão nervosa, desconfiada... Tentei continuar sem dar atenção para meus pressentimentos errôneos.
Mariana continuava cantando dentro do carro, sem se dar conta de nada. Dobrei mais algumas esquinas e
inevitavelmente o tal carro preto continuava por lá. A adrenalina insistia em tomar controle do meu corpo,
passei a mão na testa tentando secar o suor do nervosismo insistente, minhas mãos apertavam o volante e os
olhos não saiam do retrovisor interno. Eles estavam nos seguindo há 30 minutos sempre mantendo pequena
distância, sem se dar ao trabalho de disfarçar. A vontade insana de partir para cima e descobrir o que queriam
era irresistível. Antes que eu cedesse aos impulsos o telefone toca me distraindo. Era Luiza pedindo por uma
carona. Droga! Não queria ter que ir até lá, não queria ver Ravely. Era tudo o que eu precisava para piorar o
quadro. Eu estava indo bem até então, mesmo tendo mais episódios de paranoia e pesadelos, ainda assim era
tudo muito melhor do que lembrar o terror de ver ela e Augusto juntos. Qualquer coisa era melhor que isso. E
se eu fosse azarada o suficiente, teria chances de vê-los juntos agora.

Tentei inventar alguma desculpa, mas Luiza sabe ser insuportavelmente insistente. Esfreguei meu
rosto tentando encontrar paciência por ter acabado aceitando o seu pedido. Em poucos minutos estávamos em
frente ao grande prédio, torcendo, rezando para que não a visse. Mas como sempre, parecia que o destino
insistia em cruzar nossos caminhos. Porque lá estava ela, parada em frente à grande porta de vidro
acompanhada de outra moça que eu parecia conhecer, mas no momento não recordava o nome. Os cabelos
claros estavam presos com apenas alguns fios desgrenhados. Eu adorava as pequenas coisas, o jeito tímido e
pausado que ela tinha ao dizer algo, a forma como ajeitava os óculos em seu rosto me fazia suspirar. Ela
conversava, estava gesticulando até que baixei o vidro do carro, queria poder vê-la melhor, era sempre assim.
Eu fugia, mas quando a encontrava todos os instintos protetores caiam. Não existiam mais barreiras, apenas
queria rever repetidamente aquele sorriso bobo que ela tinha.

A decepção flui livremente e de forma inesperada por minhas veias assim que a expressão dela muda
quando me vê. Ficou séria, me encarando por alguns instantes e eu fugi, não consegui sustentar seu olhar
inquiridor. Volto-me para frente, encarando o negro do asfalto, degustando a doce antecipação do que está por
vir. Aquela chama que existia entre nós, novamente presente, queimando tudo o que existe dentro de mim, me
obrigando a manter o contato com ela. Mas não me atrevi a olhar novamente. Permaneci sentada segurando a
respiração até que Luiza bateu a porta do carro. Sair dali foi um suspiro de alivio. E agora todo o esforço que eu
insisti em fazer para esquecê-la durante a semana tinha ido embora. Não haveria Julia no mundo que pudesse
me fazer esquecer Ravely. Esqueci que não estava sozinha, soquei o volante e isso chamou a atenção das
meninas.

– Eita, está tudo bem? – Mariana questionou.

Assenti com a cabeça.

–Hey, Alex, Ravely estava ali, você a cumprimentou? A convidei para vir conosco, mas ela já tinha
carona. – Luiza falou despretensiosa enquanto Mariana voltou seus olhos para mim imediatamente.

–Bom para ela... – Sorri irônica.

Mariana não disse nada, apenas se encolheu no banco do carro.

–Eu hein, o que foi que mordeu ela, Mari?

–Acho que a pergunta certa seria “Quem foi que não mordeu ela”. – Riu me obrigando a fuzila-la
mentalmente. É claro que Mariana jamais perderia a chance de me provocar.

–Hm... Coração quebrado, irmãzinha?


–Ninguém quebra meu coração, Luiza.

– Eu sei como é isso... Mas acho que você só precisa de alguém que cuide de você eventualmente,
quando se perder...

–O problema é quando esse alguém pertence a outro... – Mariana sussurrou, quase imperceptível ao
meu lado e eu engoli seco.

Durante o caminho não percebi a presença do carro preto. Talvez fosse coisa da minha cabeça, de
novo. Talvez eu realmente estivesse ficando louca.

A noite morna pós-chuva chegou logo. Convidei Mariana para sair, ir a algum bar, um bar específico
na verdade. Precisava por assuntos em dia com Gregório, ele saberia me dizer se Fernando estava de volta à
cidade. Depois de tudo o que aconteceu, certamente ele viria atrás de mim, eu precisava estar preparada. Tentei
esquecer isso, tentei ficar distante dos problemas, mas é incrível como eles voltam. Não é possível fugir das
dívidas do passado. A única coisa que me restava era esperar pelo primeiro sinal.

Dois anos atrás.

Marcava 03h15min em meu relógio. Greg e mais dois encarregados estavam comigo dentro do carro. A
casa tinha todas as luzes apagadas e sabíamos que ele estava lá dentro. Ficamos esperando durante horas para
ter certeza que estaria sozinho. Meu ódio era maior que qualquer coisa no mundo. Como pode? Era Julia... Ela
não merecia isso. Passar por toda essa dor. Agora ela estava grávida dele, por causa de um ato cruel. Passar por
tudo isso sozinha enquanto eu não tinha a menor ideia. Mas isso não ficaria assim. Fernando iria pagar, e eu
iria cobrar com minhas próprias mãos.

Peguei o pequeno saquinho com pó branco de um dos rapazes que estavam conosco. Eu não
costumava fazer uso dessas coisas, mas não me importava nada agora. Queria apenas alimentar ainda mais
esse ódio que crescia em mim.

-Alexandra, tem certeza que quer prosseguir? – Gregório perguntava enquanto me via encarar a arma
em minhas mãos.

Coço a cabeça com o cano frio da arma.

-É a única certeza que eu tenho agora. – Abro a porta do carro e sigo para a casa, todos eles fazem o
mesmo.

Abro a porta sem maiores problemas, se alguém me contasse eu não acreditaria no quão fácil é
arrombar uma porta dessas comuns. Fernando estava deitado, dormia como um anjo. Sentei-me em uma
cadeira de frente para sua cama, acendi um cigarro e fiquei encarando-o. Ele acordou num sobre salto com o
odor da fumaça, assustado tentando se orientar.

-Meu Deus, Alex. O que você está fazendo aqui no meio da noite? – Tossiu.

-Se eu fosse você não me preocuparia com isso, Fernando. Você tem problemas muito piores agora. -
Soprei a fumaça do cigarro em sua direção de novo.

-Do que você está falando? – Riu preocupado.

-Você sabe muito bem do que estou falando, desgraçado.

-Ela te contou, não foi?

Ele sorri sarcástico, já entendendo aonde eu queria chegar com o meu tom de voz irado.

-Não... Ela não foi capaz, mas eu descobri.

O sangue fugiu de sua boca quando me viu segurando uma faca.

-O que você pretende fazer?

-Cala boca! Quem pergunta aqui sou eu. – Seus olhos não saiam da lâmina brilhante que agora eu
girava sadicamente. – Está com medo não é?
-Você quem deveria me temer. – Ameaçou levantar da cama – Sou homem, mais forte que você, acha
que pode fazer alguma coisa com isso aí? Você não passa de uma garotinha mimada, filhinha de papai que acha
que pode passar por cima de todos e quem quer que esteja em seu caminho.

Fechei a porta do quarto lentamente nos trancando por dentro.

-Aí Fernando... Tanto tempo tentando manter sua amizade, para isso? Qual é... Você acha que ainda
tem chances? Você me conhece tão bem... Vamos lá... Já devia estar implorando minha misericórdia, porque eu
não estou num dia muito bom.

Atirei a faca que ficou na cabeceira da cama de madeira, muito próxima a cabeça dele.

-Isso é o que eu quero fazer com sua cabeça e posso te garantir, aquela farinha que você vende ajudou
muito nesse estado paranoico, então digamos que eu não esteja muito no... Controle.

-Alex... Você está fora de si. Olha... Não foi o que você está pensando, eu me apaixonei por ela.

Balanço a cabeça, rindo. Puxo a arma que estava na minha cintura.

-Olha aqui! – Ele se exalta, tentando me intimidar.

-CALA BOCA! – Coloquei a ponta da arma na boca dele. – Senão eu enterro essa merda em você agora.
–Tem certeza que quer fazer isso, seu filho da puta? Eu vou acabar com você, vou te mostrar como dói colocar
algo em uma pessoa quando ela não quer.

Ele levanta as mãos.

–Essa belezinha faz mágica não é? – Beijo a arma e a coloco nas costas novamente. – Voltando a nossa
conversa... Então me diga, Fernando. Foi bom, você gostou? Porque agora, eu pretendo me vingar da pior
maneira possível.

-É... E-eu não pude evitar. – Ele se levanta da cama.

Com muita força atinjo a lateral de seu joelho, ele cai gritando de dor no mesmo instante em que vejo
que algo com certeza tinha saído do lugar. Eu gargalho alto. Estava completamente fora de mim.

–Esperava mais, viu?

-Para! Por favor, Alexandra... Eu me arrependo, não queria ter feito isso.

-Own, que peninha. Estou realmente comovida, querido amigo. Também não queria ter feito isso. –
Atinjo um chute no rosto, vejo o sangue escorrer e manchar meu coturno.

-Olha o que você fez, desgraçado, sujou todo meu sapato.

Assobio chamando os capangas que eu mandei ficar para fora do quarto. Aparecem imediatamente,
olhando o estrago que já tinha iniciado.

-Deem um jeito nele, mas não matem.

Aproximo-me de Fernando, puxando seu cabelo com força.

-Olha para mim. – Dou dois tapas no seu rosto. – Olha, desgraçado!

Ele abre os olhos, refletiam ódio, mas não tanto como os meus, disso eu tinha certeza.

-Eu não vou mandar te matar e nem farei com minhas próprias mãos. Isso será apenas um corretivo,
agora, se você voltar a botar os pés aqui, ou sequer nesse estado... Se eu souber que você chegou perto de
alguém da minha família ou de mim... Eu juro, você não vai escapar vivo dessa.

Sai da casa lentamente, apenas quando pude ouvir os socos e pedidos de ajuda abafados de Fernando.
Fui caminhando para casa, desejando sentir paz, mas acho que isso nunca mais seria possível.

***
Entramos no Royal, precisava falar com Gregório o mais rápido possível e não poderia ser por
telefone. Encontro-o no bar, como sempre, lavando alguns copos. O lugar estava cheio embora fosse ainda
muito cedo.

–Quem é vivo sempre aparece, não é mesmo? – Ele reclama.

–Que isso, Greg. Sabe que eu sou assim, sumo na mesma facilidade que apareço. –Ele me passa um
copo com uma dose de uísque, como sempre.

–Quem é sua nova amiga?

–Mariana, Gregório, Gregório, Mariana. Pronto! Estão apresentados.

–Eu já posso imaginar o que te traz aqui, mas antes vamos conversar em outro lugar.

O seguimos até o escritório que ficava na parte superior da boate.

– Vou logo adiantando que ela não deu as caras. – Rapidamente advertiu.

–Se engana. Já sei que Julia esta de volta a cidade.

–E como sabe... – Mari completou.

–Continuando... – Disse interrompendo-a. – Isso pouco me importa. Meu problema é com Fernando.

–Ele ainda não apareceu por aqui, meus contatos não me disseram nada por enquanto. Ele costumava
traficar, se voltar, provavelmente eles saberiam.

–Hm... Tem certeza que eles avisariam?

–Tenho. Por quê? Tem notado alguma movimentação estranha? A última vez que fomos atrás dele,
estava bem longe daqui.

–Não. Tive a impressão de ter sido seguida hoje.

–Por que não me contou? A que horas foi isso? – Mariana perguntou surpresa.

–Depois daquele aviso, acho que ele não ousaria...

–Eu também não, pelo bem dele, afinal, já sabe muito bem do que eu sou capaz.

–Alex, - Greg segura meu braço por cima do balcão. – Só tome cuidado, ele ainda pode querer se
vingar.

–Eu sei... Estou de olho, talvez seja melhor vocês também ficarem.

Ele assentiu.

Ficamos mais algum tempo por ali, bebendo e jogando sinuca.

–Alex, seu telefone está tocando aqui na mesa.

–Deixa tocar.

–É uma tal de Ra-vely.

–O que?! – Sai empurrando Mariana que estava na frente.

–Parou de tocar. – Greg disse.

–Merda!

–Nossa! Essa deve ser importante...


–Você não imagina o quanto! – Mari respondeu rindo.

Não precisou chamar muito e logo ela atendeu. Eu mal podia ouvir o que dizia, parecia estar num
lugar movimentado, o som estava muito alto.

–Você está bem? Onde você está?

–Estou com uma de suas amigas, amante... Não sei bem o que ela é. Estamos... Não sei onde estamos. –
Sua voz estava alterada e parecia se enrolar no meio das palavras, dizendo coisas desconexas.

–Como assim você não sabe onde está? Você bebeu? Me diga que não bebeu. – A preocupação tomou
conta de mim, ela não podia ficar por aí assim, tão vulnerável.

–Eu simplesmente não sei onde estou, assim como também não sei o que diabos você fez comigo. É claro que eu
bebi. O que mais faria na minha situação?

Como assim, o que eu fiz com ela?

–Com quem você está?

Tentei me concentrar na música de fundo, mas era difícil enquanto ela falava. O desespero aumentava
a medida que ela se negava a me dar informações.

–Com a Carla, lembra-se dela? Acho que não... Aparentemente são tantas. Talvez até eu seja mais uma,
só que de mim você lembra não é, afinal, sou sua cunhada.

Carla...Quem diabos é Carla? Droga, Ravely. Maldita hora que não coloquei um rastreador em seu
celular. Mal sabia ela que mesmo que eu quisesse jamais conseguiria esquecê-la.

–Me diga o nome do bar, eu vou te buscar.

–Não!

–Rav...

–Eu não sei o nome do bar, Alex. E mesmo que soubesse, você não tem direito nenhum, nós não temos
nada.

–Me diga logo! Onde você está?

–Eu não sei, a Carla não está aqui para que eu possa perguntar a ela.

Eu vou matar essa maldita tal de Carla.

–Você está bêbada e sozinha? Merda, Ravely! Eu vou para aí.

–Eu não acho uma boa ideia você chegar perto de mim agora, logo agora que eu estava aceitando de
bom grado que não devo mais pensar em você. Quem sabe eu até consiga uma substituta, me empresta uma?
Você tem tantas...

Suas palavras me pegaram em cheio, então era isso... Ela também se sentia assim.

–Peça pra alguém te dizer o nome do bar.

–Não, Alex... Eu preciso ir, boa noite.

–Ravely!

Merda! Ela desligou, desligou na minha cara.

–Aaaah!

Eu quis atirar o telefone na parede, mas não podia, como entraria em contato com ela?

– O que foi, o que houve?

–Ravely... Ela me ligou, dizendo coisas desconexas, parece ter bebido e não sabe onde esta, eu preciso
encontrá-la.

–Quem é Ravely?

–Namorada do meu irmão... É uma longa história, Greg, você não vai querer saber.

–Eu duvido muito disso. – Ele gargalhou.


–Eu preciso ir, cuida da Mariana ai por mim.

Assim que sai da sala percebi que a música que estava tocando era a mesma que ouvi enquanto falava
com Ravely. Seria muita coincidência, não era possível. Olhei para o andar de baixo e estava cheio, como um
formigueiro. Mas de alguma maneira inexplicável alguém me chamou a atenção entre as luzes coloridas que
piscavam. Será que era ela? Aqueles cabelos loiros balançando me eram inconfundíveis. Sai disparada, pulando
os degraus da escada de metal. Sua ligação me deixou tão desesperada que sequer notei que estava com o taco
de beisebol de Greg em mãos. A vi saindo de dentro do pub, tentei passar por entre todas as pessoas que
estavam dançando bêbadas. Esse lugar não era adequado para ela.

Procurei na entrada do bar e nada, fui até o estacionamento e também não havia sinal. Droga! Eu
preciso te encontrar, Ravely, onde você está. Coloquei as mãos nos joelhos, estava cansada de correr como louca
de uma lado para o outro. Tentei ligar novamente em seu telefone, mas ninguém atendia. Um pressentimento
ruim me inundava, assim como nos pesadelos que vinha tendo. Não, não pode acontecer nada com ela. Ela está
bem... Está bem.

Foi quando ouvi gritos vindos do beco que ficava mais a frente de onde eu estava. Corri até lá.

Não acreditei no que estava vendo. Fiquei cega, descontrolada.

–Tire as mãos dela!

Ele infelizmente ignorou meu aviso. Olhei para Ravely, era realmente ela, custei a acreditar. Isso não
podia estar acontecendo, não com ela. Eu jamais permitiria.

– Droga, cara! Tanta gente para você mexer nesse lugar e você tinha que escolher logo ela?

O maldito continuou com suas mãos sob ela. Mordi os lábios tentando controlar minha vontade de
esmagar a cabeça dele.

–Agora não diga que eu não avisei. Você vai se arrepender de ter escolhido errado.

Não hesitei, comecei a golpea-lo com vontade, freneticamente, sem parar, sem respirar, no rosto, nos
membros, nas costas, no estomago, até ver o sangue escorrer. Só consegui voltar a mim quando escutei Ravely
gritando que ia mata-lo. Ela ainda estava ali, não era para ela continuar ali.

Ravely

Eu mantinha meu rosto estocado em seu corpo, como se dependesse dela para respirar... Talvez
dependesse. Tentava ver por cima dos ombros se o homem estava vivo, se respirava, mas não parecia estar.
Não depois de tantas pancadas. De onde ela tirou toda aquela força? Aqueles socos não pareciam ser de
principiantes, não foram aleatórios. Ela sabia o que estava fazendo, mesmo parecendo fora de si. Em outras
circunstâncias eu estaria desesperada ou em choque, mas agora eu apenas estava calma, não tinha acontecido
nada, não comigo. Mas ao contrário de mim, aparentemente bêbada demais para diferir entre certo e errado,
Alexandra respirava mais rápido que o habitual, sem fazer barulho, mas o coração estava muito acelerado,
prestes a deixar a cavidade, eu podia sentir pelo movimento em seu peito, como se fosse explodir a qualquer
instante.

-Alex, está tudo bem, não aconteceu nada, você chegou a tempo.

Ela segura-me pelos ombros e afasta meu corpo abruptamente.

-Eu não vou dizer nada agora, mas você vem comigo. – Exclamou autoritária, deixando evidente que
não tinha escolha.

Alex entrelaçou seus dedos aos meus e saiu na frente, me arrastando para dentro do bar novamente.
Passamos pela fila de pessoas que esperava para entrar, o segurança sequer olhou para nossa cara em busca de
identificação, pelo contrário, abriu passagem para que entrássemos. Claro, certamente ela conhecia o
segurança melhor que os donos do lugar. Talvez ela fosse a dona do lugar. Minha cabeça continuava a mesma
de minutos atrás, intoxicada pelo álcool. Cortamos a pub mais uma vez, e continuava cada vez mais lotado. Ela
sequer pedia licença, apenas empurrava quem quer que estivesse em seu caminho, o mais estranho é que as
pessoas não reclamavam, apenas se afastavam como se também a conhecessem.

Quem era Alexandra Muller?

Ela segurava minha mão com toda a força, eu mal conseguia sentir meus dedos. Chegamos até o bar e
um homem veio imediatamente.
–O que aconteceu? – Perguntou assim que Alex passou o taco de beisebol sujo de sangue, em seguida
olhou para mim, avaliativo e confuso.

–Da um fim nisso para mim e passa os dois capacetes que deixei aí.

Ele o fez sem questionar, mas em seu rosto era evidente que queria algumas respostas.

–O que aconteceu? Isto é sangue?

–Tinta vermelha que não é, Gregório.

–De quem?

–Um vagabundo que acertei no beco de trás.

–Era gente do Fernando, estavam te seguindo?

–Não, se fosse gente do Fernando já teria matado há essa hora. Falando nisso, talvez seja melhor
chamar a ambulância. Eu não o matei, ele ainda continua lá no chão, só não se esqueça de dizer para ele se
manter bem calado, porque não haverá uma segunda chance.

O rapaz não disse nada, apenas acenou para Alex e em seguida fez sinal para um dos seguranças que
seguiu em sua direção.

Sentia-me ainda mais confusa. Meu Deus, o que esta acontecendo? Será que era a bebida ou eu estava
com uma mafiosa, pseudo-homicida? Porque era isso que estava parecendo agora, Alex tinha mais um lado que
eu não conhecia, e esse não era tão doce quanto eu imaginei.

Atravessamos o bar mais uma vez, e ela não soltou minha mão em nenhum segundo. Chegamos ao
estacionamento, ela me deu um capacete e pediu para coloca-lo, logo em seguida subiu em uma moto preta, e
como tudo o que ela usava, isso também parecia ser muito caro.

–Suba! – Disse, mais autoritária que o de costume.

Será que ela está em condições de pilotar isso?

–Para onde vamos?

–Sem respostas para você agora.

–Eu não acho que seja boa ideia ir com você.

– Ravely... Sério? Isso não é contestável.

Sem insistir eu subi, ela segurou meus braços e os depositou ao redor do seu corpo, nos mantendo
colada uma a outra.

Cruzamos a cidade, ela corria entre os carros em alta velocidade sem o menor medo.

-Segure firme! – Falou com as mãos prendendo-me ao seu corpo.

Na maior parte do percurso eu mantive os olhos fechados e quando insistia em abrir, só conseguia
enxergar as luzes em forma de borrões. Paramos em frente a um prédio enorme, o portão se levantou e
descemos uma rampa para a garagem. Alex guarda a moto ao lado do carro vermelho de sempre. Tento descer,
mas sinto muita dificuldade, o nível de álcool estava alto e como um bom bêbado eu ria sem parar só por me
dar conta de onde estava. Mal parecia que algo terrível acabara de acontecer.

-Você realmente fica alegre quando bebe. – Ela me coloca os óculos e fecha um botão da camisa,
sempre séria, sem um sorriso sequer.

Por que só eu achava tudo engraçado?

Subimos de elevador e demorou uma eternidade, aquele silêncio de segundos que insistia em deixar o
clima tenso. Alex não dizia nada, apenas percorria as duas mãos por entre seus cabelos o que eu acho que quer
dizer que ela está zangada, muito zangada.
Entramos no apartamento e eu não conseguia enxergar nada, não conseguia tirar os olhos dela
tentando prever quais seriam os próximos passos, porque como sempre ela era imprevisível.

-Sente-se no sofá, eu vou buscar água para você.

-Eu não quero água.

Ela não respondeu, apenas fuzilou-me com os olhos, eu não tinha escolha a fazer.

-Quem mora aqui, de quem é esse apartamento?

-É meu, eu moro aqui.

-Eu não deveria estar aqui... Sozinha com você...

-Tem muitas coisas que você não deveria ter feito. - Seus olhos cinza ficaram perfuro cortantes. –Como,
por exemplo... sair com qualquer pessoa e beber até não saber onde está. – Seu tom de voz áspero e me fez ter
um choque de realidade.

–Eu não estava com qualquer pessoa. – Sorri para ela, – Você não tem direito de falar assim comigo,
não temos nada, não somos nada uma da outra.

–Não temos nada... Em partes você tem razão. – Ela balança a cabeça contrariada. – Mas por que será
que não temos nada? Hein? Me responda!

–Você fala como se de alguma forma se importasse. – Fui em direção à porta.

–É claro que eu me importo. – Encolheu os ombros no que pareceu um gesto de desculpa.

–Se importa? Você mal olha para minha cara, me ignora, é como se eu não existisse.

–O que mais eu poderia fazer? – Ela pausa e a angustia em sua voz requer minha atenção, – Se quando
te vejo o meu coração para, meu mundo inteiro para e só existe você. Mas então a realidade me puxa de volta, e
você está lá, com ele... Nos braços dele. – Ela fechou os olhos, como se finalmente tivesse colocado para fora o
que a sufocava.

–Não Alex, não! Isso não é justo. Você me tem, do jeito que quer e quando quer, só para que depois
possa me afastar. Porque você sabe, você sabe que nunca terá nada comigo. Então porque continua vindo atrás
de mim?

–Eu não sei! Tem algo em você, algo que não me deixa ficar longe, não me deixa te esquecer, por mais
que eu tente.

–Eu vou embora, não deveria estar aqui. Isso tudo está errado, eu não deveria estar ouvindo essas
coisas e você não deveria me dizer essas coisas.

–Só nos teus sonhos que vou permitir que saia tão tarde e desse jeito. Você mal se mantém de pé.

Ela corre até a porta, a tranca, vira de frente para mim e sorri, com puro sarcasmo, do jeito que só ela
fazia.

-Aqui ninguém entra e ninguém saí.

O que tinha sido essa noite? Se soubesse que seria assim jamais teria colocado os pés para fora de
casa.

-Me deixe ir, Alex!

-Se insistir eu atiro a chave para fora.

Fui para cima dela.

-Me dá essa chave!


Ela sacode a cabeça com um sorriso indulgente nos lábios, agarra-me forte pelos pulsos, impedindo
que alcançasse a chave. Ela definitivamente sabia como me tirar do sério. Quando finalmente me dou conta
estou olhando para ela de boca aberta, e seus dedos se movem por alguns fios dos meus cabelos. Droga! Mais
uma vez seus olhos me distraiam.

-Não precisa fingir.

-F-fingir o que?

Ela deita a cabeça para o lado, com um sorriso brincalhão. Seus olhos azuis brilham para mim, há um
desafio intrínseco em seu olhar dizendo que ela está pronta para atacar.

–Você é tão transparente.

Sinto o calor da vergonha tomar meu corpo a medida que os batimentos cardíacos iam acelerando. Ela
está muito perto de mim e inevitavelmente fico hipnotizada com seu jeito.

–Não sei do que está falando.

–Seu corpo revela que você me quer do mesmo jeito que eu te quero.

Aproximou os lábios da minha orelha, ela sabia que isso me tirava do sério.

–Seu rosto está completamente corado, sua respiração é entrecortada acompanhando a minha, e
digamos que eu não estou mais te segurando, quem me segura é você. – Diz enquanto beija-me o pescoço. Sinto
meu interior contorcendo. –Tem certeza que ainda deseja ir?

Eu já me encontro ofegante diante de um toque tão simples, porque não havia mais controle da
situação, meus sentidos foram todos desligados e a atenção completamente voltada para ela.

–Não me olhe desse jeito.

Sem conseguir me aguentar mais algum segundo, elevo meus lábios que deslizam sobre ela. Alex me
segura pela nuca e o beijo fica intenso. Eu respondo com a mesma vontade louca que sentia dela.

Continua...

Notas finais:

Eu sei, eu sei... Vocês estão querendo me matar pela demora.


kkkkkkkk

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Capitulo 21 - Entre felicidade e decepção por Tammy
Ravely

A boca quente percorrendo minha pele, roubando suspiros abafados com a sincronia em que nossos
lábios voltavam a se tocar. Puxou minha cintura ainda mais para perto do seu corpo e fomos caminhando a
passos largos e pausados para o sofá. Nossos olhos se encontraram, ela estava corada? Isso era algo raro de se
ver. Retirou a jaqueta que vestia, mordi os lábios ao recordar o que estava por debaixo de suas roupas. Não me
detive, coloquei a mão por debaixo do fino tecido que ela ainda usava, senti seu sutiã, era de renda. Qual cor ela
estaria usando hoje?

–No fundo você gosta do perigo, não é?

–Gosto de você... Então acho que sim. – Respondi sem nenhuma trava na língua.

Peguei sua mão que estava sob meu abdômen e levei para debaixo da minha blusa até que alcançasse
meus seios. Ela sorriu com os lábios colados aos meus, demonstrando que tinha gostado. Nossas línguas se
devoravam diluídas em um desejo louco e insaciável. Alex se sentou e puxou meu corpo para cima do seu. Eu
não conseguia tirar os lábios daquela pele quente que ela tinha. Seu cheiro me entorpecia. Que sentimento era
esse que me fazia perder total controle da razão? Que fazia todo o resto parecer irrelevante? Todo meu corpo
era dela, meus pensamentos pertenciam a ela.

Alexandra

Estávamos sentadas entre beijos roubados, eu tinha meus braços ao seu redor, ela abriu minha camisa
de uma só vez e deslizou meu corpo apenas com o dedo indicador. Eu estava mergulhada naqueles olhos
castanhos abrasadores, perdida em perguntas que jamais deveriam ser feitas. Ela era linda, tão linda que fazia
meus pelos arrepiarem por sentir seu corpo sobre o meu. Ela se afastou por um momento, me analisando,
tentando decifrar o que meus olhos escondiam. E eu não podia negar, estavam diferentes, porque com ela eu
me sentia diferente. Era novo. Mas neste instante tive medo, medo de que ela estivesse arrependida, que tivesse
pensando em meu irmão ou apenas se deixado levar pelo efeito da bebida.

–O que foi? Se arrependeu? – Perguntou ao perceber meu receio.

–Não! Não... – A abracei e depositei um beijo no peito.

– Tudo bem, você pode me dizer o que pensa. – Cruzou seus dedos aos meus.

–Estou tentando, – Sorri envergonhada, eu realmente odiava dizer qualquer coisa que se tratasse de
sentimentos. – Eu apenas não sou boa em falar sobre isso e me preocupo com você.

–Por quê? Eu acho que estou muito bem agora. – Disse enquanto olhava para si mesma sobre minhas
pernas.

–Eu sou problema declarado, Rav...

–Eu sei.

–Não sabe.

–Desconfio.

–Desconfia do que?

–Que você seja uma sociopata impaciente, com disfunção social e muito boa em artes marciais.

–Está se esquecendo de narcisista, com complexo de Deus diagnosticada.

–Eu não me importo.

–Mas deveria... Você viu do que sou capaz, viu o que fiz hoje e essa não foi a primeira vez. Eu
realmente tenho sérios problemas de conduta.

–E o que quer que eu faça?


–Eu sei o que você deveria fazer, mas não é o mesmo que eu quero que faça.

Ela permaneceu em silêncio, e isso me angustiava, pois significava que ela já tinha pensado no
assunto, do contrário estaria com a testa franzida, ela sempre fazia isso quando estava tentando entender
alguma coisa, mas agora ela não estava assim. Minha cabeça fervilhava enquanto observava seus olhos
confusos.

–Eu não sei, Alex, mas não consigo parar de pensar em você, de querer você. Não importa o que me
diga ou faça, nada muda como eu me sinto.

Qualquer pensamento foi para o espaço, não consegui resistir aquele olhar, ao seu jeito de falar. Mal a
deixei terminar e beijei sua boca com toda a emoção que me preenchia. A tomei nos braços sem separar nossas
línguas. Fomos para o quarto. Os lábios rosados de Ravely não deixavam de me tocar. Soltei o feixe do seu sutiã,
expondo seus seios. Ela me tirava o fôlego.

–Você é minha! Só minha.

Suguei seus seios enquanto ela arqueava gemendo baixinho. Entre beijos e mordidas desci por seu
abdômen, até alcançar a linha do quadril. Sinto seu coração palpitar, os lábios vermelhos e inchados, seus olhos
brilhavam para mim. Foi quando descobri que estava completa e perdidamente apaixonada por ela. Como não
percebi antes? Tantas noites perdidas com pessoas aleatórias, enquanto o que eu mais queria era ter isso, ter
Ravely e não sabia.

Ela apertava as coxas tentando controlar o desejo que crescia. Num ato de coragem ela inclina para
me olhar, e descruza as pernas, como se me desse permissão. Todas as minhas terminações nervosas reagem
em um curto-circuito.

–Você não devia ter me olhado desse jeito. – Digo, deslizando minhas mãos por suas coxas. Sua pele
estava toda arrepiada e ela sorri diante da minha tortura.

Meu corpo respondia a qualquer prazer que pensava em dar a ela. Sem perder tempo mergulho no
seu íntimo, deslizando, degustando o sabor que sem perceber me viciei. Ela arqueia sem conter o gemido que é
absorvido pelas paredes do meu quarto.

Meu corpo suava enquanto eu chupava o dela, mergulhando fundo até a superfície. Nenhuma se
comparava a ela.

Eu já a conhecia, sabia que estava chegando perto do ápice. Coração acelerado, respiração ofegante e
pernas leves. A puxo para cima de mim, colocando nossos sexos em contato. Ela estava quente, muito quente.

– Não tem ideia do que eu desejo fazer com você. – Falei pausadamente com a voz rouca, ela estava
entregue à medida que eu movimentava o quadril, num movimento de vai e vem.

–Eu adoraria descobrir.

Apertei-a com ainda mais força, Ravely cravava as unhas em minhas costas, a dor se misturava ao
prazer dilacerante que eu mantive guardado por tanto tempo. Nosso movimento foi ficando cada vez mais
rápido, agarrei seu cabelo expondo seu pescoço. Ela estava entregue, completamente minha. Beijei, mordi,
suguei seu pescoço até sentir a contração gostosa que anunciava o que estava por vir. Continuei beijando-a,
satisfeita com o que fizemos. Poderia devora-la noite afora. Logo seu corpo ficou mole, apoiado sobre mim. Ela
cai ao meu lado ainda ofegante e puxa meu corpo para cima do seu, enterrando o rosto em meu cabelo,
segurando-me apertado. Ficamos deitadas ali por algum tempo esperando para que a respiração voltasse ao
normal.

Mantive-me acariciando seu cabelo, sem forças para dizer qualquer coisa. Suas pernas enrolam ao
meu redor, o corpo descoberto nossos cheiros misturados. Ela era linda, uma menina linda. Eu me esforço para
olhar em seus olhos. São bonitos, cativantes, inteligentes, ingênuos e transparentes, transparentes assim como
ela. Quando o faço noto que ela me encarava com admiração. Não consigo sustentar seu olhar. Eu sorrio sem
graça e desvio meu olhar para seu colo.

–Estou deixando Alexandra Muller envergonhada? Essa é nova.


–Não estou envergonhada. – Roubo-lhe um beijo. – Apenas estou evitando pensar no que farei sem
você.

Ela sorri, mas não diz nada. Vira o corpo de costas para mim e me encaixo nela, sentindo o perfume
que emana de suas madeixas loiras. Deus, estou perdidamente apaixonada por ela.

***

Ravely

Eu abro meus olhos e eu estou envolta em Alex. Ela está profundamente adormecida com sua cabeça
em meu peito, seu braço sobre mim, segurando-me perto, uma de suas pernas está jogada e enroscada em
torno das minhas.

Olho bem ao redor tentando me situar, sinto a cabeça latejar um pouco. Parecia ser o quarto de
Alexandra, era a cara dela. Paredes cinza claro, seu perfume espalhado por todo canto. Escrivaninha apenas
com uma luminária e um computador. Mas o que mais me chamava a atenção era o quadro de uma floresta
negra de coníferas de frente ao espelho, dando ainda mais intensidade a solidão que intencionava provocar.
Era exatamente como ela. Solitário e belo, mesmo que fosse escuro e causasse medo.

Já havia luz lá fora, é de manhã e ela passou a noite inteira comigo. Creio que ainda seja cedo, e
mesmo que a luz do sol fosse impedida de entrar no quarto com vigor, meu relógio biológico mantinha-se o
mesmo. Movo-me com cuidado tentando não acordá-la, ouço um gemido fraco, angustiado e ela se mexe
tentando se aninhar em mim novamente, inalando profundamente, mas sem despertar. Mesmo sem querer me
levanto, vou para o banho e só depois me dei conta de que não encontrava minhas roupas. Tomei a liberdade e
vesti uma dela. Não era como se eu nunca tivesse feito isso antes. Voltei meus olhos para a cama e vi que ainda
dormia profundamente. O lençol apenas cobria pequena parte do seu corpo. As costas despidas, a tatuagem do
lobo... Lembrei-me de Carla e quando me dei conta afundava as unhas na palma da mão. Ciúmes? Minha mente
se translada para a noite de ontem e a esta manhã. Se não o tivesse conhecido, seguiria tão infeliz, alheia a tudo
isto.

Não consegui me segurar, sentei-me a beirada da cama. Era muito para suportar. Era tão bom vê-la
assim, tão desprotegida. Porque normalmente eu estava vulnerável perto dela, mas não agora. Deslizei com a
mão por suas costas, a pele macia, a imagem era linda. Os cabelos espalhados por sua pele, eu podia sentir seu
cheiro. Ela suspirou, eu não movi sequer um músculo. Ficou de frente para mim, mas ainda dormia como um
anjo.

Afastei-me no instante que percebi o que estava fazendo. Meu corpo não me obedecia quando estava
perto dela. Era como uma droga na qual eu estava perdidamente viciada. Fiquei de longe assustada até que
vejo um sorriso divertido desenrolar em seus lábios e sorri timidamente de volta para ela. Seus olhos estavam
mornos e suaves, ela estava acordada, esteve o tempo todo acordada.

–Pensei que você estava dormindo...

–E aí resolveu tirar vantagem de mim... Que garota má.

–Não... Você estava tão quieta, fui checar se estava bem... Se estava viva.

–De fato, existem muitas coisas nesse apartamento que poderiam me matar durante o sono. – Sorriu
divertida – Uma loira que dormiu no meu quarto, por exemplo. –Você dormiu bem?

–Melhor do que eu merecia... – Sorri timidamente para ela. –É... Eu estava indo fazer café... – Gesticulei
mais do que queria, sempre acontecia isso quando estava com vergonha, droga! – Quer?

Ela assentiu, ainda sorrindo. Corri sem sentir minhas pernas para onde eu achava que era a cozinha.
Encostei-me ao balcão da pia tentando recuperar o fôlego. Essas coisas estavam se tornando mais comuns do
que eu gostaria. Comecei a procurar por algo em que fosse possível fazer café. Havia uma máquina,
semelhante a uma cafeteira chique no canto. Eram tantos botões e nenhum manual por perto. Pressionei “on” e
começou a ruir. Droga! Primeira vez aqui e já começo destruindo a casa. Água começou a vazar, e eu não
conseguia fazer parar. Porque essas coisas sempre acontecem comigo?
–Meu Deus! Se queria destruir alguma coisa era só me dizer, tenho um saco de pancadas logo ali. –
Alex desligou a máquina com apenas um clique.

–Desculpe, eu tenho o dom para deixar as coisas fora do controle.

–Hey! Estou brincando contigo, está tudo bem. Você pode quebrar o que quiser aqui. – Beijou-me no
rosto, bem, bem próximo aos lábios. – Eu compro outro.

Sorri. Como ela conseguia? Desestruturava-me apenas com o olhar.

–Deixa que dessa vez eu faça o café, ok? Mais seguro para a cafeteira.

Observei enquanto ela passeava pela cozinha, usava camiseta e um short bem curto. Seria de
propósito? Talvez ela tivesse ideia de como isso me afetava. Como podia a mesma pessoa variar tanto? Uma
hora era apenas uma garota, descalça pelo apartamento, no outro instante parecia uma lutadora, mafiosa
profissional. Não dava para entender.

–Alex, como você chegou tão rápido, como conseguiu me encontrar ontem?

–Eu já estava lá, descobri que você também por causa da música que tocava.

–Ainda bem que você chegou...

–Eu sempre vou chegar. – Ela segurou minha mão, aproximou-se de mim. – Eu não vou mais me
distanciar de você, é óbvio que não tem dado certo. – Olha-me de soslaio e deixa escapar um ligeiro suspiro.

Eu movi a cabeça, incapaz de o olhar nos seus olhos e drenei a minha xícara novamente.

–Eu não sei o quanto você lembra de ontem, mas eu não posso mais evitar, não tem sentido. Você está
com meu irmão e eu... Eu não consigo te esquecer, desde o dia que te encontrei naquele avião. Posso numerar
cada detalhe de todos os dias que passamos juntas, então eu preciso saber...

–Saber o que?

–Se você o ama... – Pergunta em um murmuro, com voz intensa e cálida. Pegou-me desprevenida, mas
eu sabia a resposta. Sabia que não amava ele, porque não era nem um pouco perto do que sentia por ela.

Levanto a cabeça e a encaro. Um vislumbre de esperança brilha em seus olhos azul turquesa. Naquele
momento eu vi novamente aquele lado que ela tinha e raramente demonstrava.

– Não... Você sabe que não.

–Não o que? Eu preciso ouvir, Rav.

–Eu não amo Augusto!

Ela se aproxima, coloca uma mecha solta do meu cabelo atrás da orelha. Antes de nossos lábios se
tocarem ela eleva seus olhos à procura dos meus, como se pedisse permissão. Eu queria muito beijá-la. Toco
seus lábios com os meus, em instantes a língua quente deslizava sobre a minha. Esse beijo significava mais que
um simples encontro, era a confirmação que eu esperava, por mais que parecesse errado, estar aqui com ela
soava muito certo. Eu não queria mais fugir, porque não há mais volta depois que você decide se jogar.

– Desculpe... É que você fica muito mais irresistível quando cora, sabia?

–Acho que já me disseram isso.

–A é? Já disseram? Hm...

–Ciúmes?

–Quem, eu? Imagina... – Ela franze o cenho com indignação, me fazendo rir.

–Vou anotar mais essa característica a sua pequena lista.

–O que mais você tem anotado nesta lista?


– Convencida, linda, cheirosa, irresistível...

–Faltou fria, excêntrica e prepotente. Tem certeza que ainda quer me beijar?

–Eu pensei bastante sobre isso, mas não é como se eu tivesse uma escolha, ainda estou aqui, não
estou?

–E vai continuar.

Puxou-me para seus braços, detive meu rosto escondido no pescoço dela, me encaixava perfeitamente
ali.

–Sou sua refém ou sua hospede? – Perguntei, enquanto abraçava forte.

–Se você tentar fugir será considerada minha refém, se quiser ficar será hospede.

–Viu... Eu nunca realmente tenho escolha.

Ela gargalhou divertida e eu adorei vê-la tão solta, porque eram raros os momentos assim, quando ela
estava sem aquela sombra constante de tristeza e preocupação.

–Hm... Eu adoro te manter aqui comigo em cárcere privado, mas acho que vamos ter que ir ao
mercado, não há nada para minha prisioneira comer.

–É... Eu não queria dizer, mas estou com muita fome.

–Tudo bem então, – Ela disse, inclinando o corpo me beijando delicadamente, quando abri os olhos
encontrei o azul, acompanhado de um sorriso iluminado.

– Vou trocar de roupa e nós vamos. – Completou.

Ela sumiu dentro do apartamento, me deixando sozinha com meus pensamentos. Só então me dei
conta de que era difícil até para respirar durante sua ausência, era uma luta perdida insistir contra o que eu
sentia por Alexandra.

Comecei a arrumar algumas coisas que estavam espalhadas pela grande sala daquele apartamento.
Ela realmente era bagunceira. Parei o que fazia no momento em que ouvir a porta bater. Corri para o hall de
entrada, Júlia entrou e trancou a porta como se a casa também fosse dela. Fiquei confusa.

O que ela estaria fazendo aqui?

Estava de costas, fiquei congelada pensando, observando os gestos enquanto ela vasculhava algo
dentro da bolsa. Finalmente ela virou o rosto e olhou para mim, pareceu ainda mais surpresa que eu.

–Olá! – Sorriu simpática, mas não consegui fazer o mesmo. – Ravely, correto?

Estendeu a mão em comprimento. Respondi com a cabeça e segurei sua mão.

–Augusto está aqui? – Passou por mim, olhando para o interior do apartamento aparentemente
procurando por algo, alguém.

–Não...

Soltou a bolsa sobre a poltrona e voltou seus olhos para mim mais uma vez, porém agora ainda mais
confusa.

–Alex não está aqui? – Sua testa enruga.

Eu não conseguia definir exatamente o que sentia neste momento. Não queria imaginar o motivo que
traria Júlia até aqui com tanta intimidade. Elas não tinham terminado há tanto tempo? Será que...? Não, não!
Alex não faria isso comigo.

–Ela foi trocar de roupa, está vindo.


Júlia levantou indo em direção ao corredor. Senti todo meu corpo contorcer, o que ela estava fazendo?
Segurei minha respiração, contei até dez e finalmente Alexandra apareceu, mas sem poder dizer nada Júlia se
atira nos braços dela.

–Estava com saudades tuas.

Alex nota minha reação ao assistir tudo. Retira os braços de Júlia de cima de si.

–O que, o que faz aqui? – Ela disse tentando afastá-la, olhando para mim, para o que eu faria.

–Eu disse que viria te ver.

Não precisei ouvir mais nada, a cena que vi me deixou sem ação. Aos poucos minha expressão foi
mudando, meus olhos estavam repletos de água. Ela parecia querer dizer algo, mas não havia o que ser dito,
estava tudo muito claro.

–Ravely...

Peguei minhas coisas, calcei o primeiro chinelo que vi na frente e saí correndo de lá, batendo a porta
com força em minhas costas, ainda assim pude ouvir quando ela disse:

–Espera!

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Capitulo 22 - Ciúmes por Tammy
Ravely

Não consegui conter as lágrimas que insistiam em derramar. Entrei no elevador, apertando freneticamente o
botão para fechar a porta. Caminhei algumas quadras sem perceber, estava transtornada. Não queria voltar
para casa, não conseguia organizar meus pensamentos, a mistura de raiva e angustia era intensa.

Eu só queria correr, me afastar de lá, me afastar dela e das memórias do que tivemos juntas. Estava com raiva
de mim, dela e, principalmente de Júlia que talvez fosse a pessoa que menos tivesse culpa em toda essa maldita
história. Mas ainda assim eu não podia deixar de pensar o óbvio! Ela esteve com nós duas todo esse tempo,
provavelmente ficava comigo pensando nela.

Respire fundo, respire fundo!

Eu caminhava e dizia a mim mesma, numa tentativa falha de me acalmar, afundando as unhas no centro das
minhas mãos.

Seria ciúmes? Não! Eu não era assim, não queria ser assim.

Mas ver aquela cena... Ela se atirando nos braços de Alexandra, sabendo de tudo o que Julia significou... “Não!”

A raiva só crescia me fazendo correr de lá, correr para tirar meus pensamentos daqueles olhos perturbadores.
Eu não queria mais vê-la em minha frente, não podia.

Continuo sem destino por algum tempo, não fazia ideia de quanto. Meu telefone tocava incessantemente, eu
queria me negar a atender, poderia ser Alex, não queria ouvir sua voz, sabia o quanto ela poderia ser
persuasiva.

-Alô! – Tento disfarçar o choro entalado na garganta.

-Oi, amor! Finalmente resolveu me atender.

Amor... Amor... Fiquei algum tempo processando essa palavra e só então me veio a imagem de Augusto. No
mesmo instante tive que descobrir uma forma de engolir o choro, o que eu iria dizer para ele? Era só o que me
faltava ter que lidar com isso agora.

-Ravely, está tudo bem? Você me mandou uma mensagem de madrugada, eu não entendi. Onde está? Vou te
encontrar para o almoço.

-É... E-estou bem sim. Eu mandei uma mensagem? – Minha nossa! Levei a mão à boca. O que será que eu disse?

-Você está em casa? Estou indo para aí.

-Não estou, mas já vou para lá.

Desliguei o telefone sem me despedir dele, e corri para ver que tipo de conteúdo tinha na minha mensagem da
noite passada. Certamente não teria algo bom...

“Precisamos conversar!”

No mesmo instante eu recordei: Fila do banheiro, álcool, Alex, celular e uma coragem imensa de terminar
aquele relacionamento sem sentido algum.

Alexandra

Empurrei Júlia para o lado, estava furiosa com ela. Quando vi que Ravely assistia a tudo, meu mundo veio ao
chão. Em seu rosto era clara a decepção, aqueles olhos que sempre brilhavam ao me ver, agora estavam frios e
magoados. Sim, ela estava nitidamente consternada e isso me doeu profundamente. Ela saiu porta afora, tentei
dizer para que não fosse, mas foi em vão. Fui atrás dela, o maldito elevador estava no térreo, então desci as
escadas, o mais rápido que pude, torcendo para que desse tempo de alcança-la, mas não deu. Não foi o
suficiente, quando sai em frente à rua do prédio ela já não estava mais por lá, nem por lugar algum.

-Merda! Merda! – praguejei alto sem me importar com as pessoas que estavam por ali passando.

Voltei desolada para meu apartamento, nem me lembrava que Júlia ainda pudesse estar por lá.

-Você não deveria estar aqui ainda! – Disse com a voz mais áspera que existia em mim.
- O que houve, eu não entendi nada do que esta acontecendo aqui. Por que a sua cunhada saiu correndo?

-Ela não é minha cunhada! – Gritei!

-Como não? – Júlia questionou, sem entender o porquê de eu estar tão nervosa.

-Não te interessa Júlia, vá embora, eu quero ficar sozinha. – Me jogo no sofá aborrecida, destruída, apoiando a
cabeça entre os joelhos.

Ela se ajoelha de frente para mim.

-Mas meu amor... Eu senti sua falta, o que esta acontecendo, porque não me ligou mais? Estava tudo bem entre
nós desde a última vez que estive aqui.

Levantei o rosto para ficar exatamente de frente para ela. Olhei no fundo dos seus olhos, seus lindos olhos
verdes e perdidos.

-Eu não sou seu amor, Júlia. Nós não temos nada, absolutamente nada.

-O que você está dizendo?

-Você não é ela, embora eu tenha tentado te ver de uma forma diferente, você jamais foi ou seria boa para mim
como ela é... Ou Foi. – Suspirei decepcionada.

Balançou a cabeça tentando ajeitar toda a enxurrada de informação que eu transbordei sobre ela.

-Você está me deixando? Logo agora que reatamos e estava tudo bem? – Ela diz impassível.

Sorri amarga.

-Nós não reatamos, nós sequer conversamos. Foi apenas sexo, que a propósito, jamais deveria ter acontecido.

-Não! Isso não tá certo.

- Não é você quem eu amo, Júlia, coloca isso de uma vez por todas nessa cabeça. Você me marcou, foi doloroso e
eu aprendi a superar sua falta. Acabou. Eu tenho outros problemas para resolver, como você pode ver e, eu não
gosto da forma como a minha cabeça está agora, não quero ter que me preocupar com problemas
desnecessários.

-Mas... Não está certo, você está me dizendo que tem sentimentos pela namorada do seu irmão? Isso é muito
errado, Alexandra.

Ela se coloca de pé em minha frente, encarando com uma expressão confusa, talvez estivesse pensando que eu
mentia apenas para me livrar dela. Me levanto, seguro em seu braço e falo o mais categórica possível.

-Você me deixa louca pensando que tudo é sobre você. Agora pode ir, por favor, antes que eu mesma te coloque
para fora, você sabe que meu temperamento não é dos melhores, afinal, você me conhece tão bem. – Concluí
com um sorriso irônico e apontei em direção à porta.

Ela recolheu sua bolsa e me deu as costas, estava irada. Não a vi deixar o apartamento, apenas notei o bater da
porta acompanhada da solidão que aquelas paredes ofereciam. Como era possível? Ravely estivera por
pouquíssimo tempo aqui e o ambiente inteiro tinha se tornado outro para mim. Mas assim como chegou, ela
também se foi e eu não tenho nada para manter minha mente nos trilhos.

Ando de um lado para o outro, correndo os dedos por entre meus cabelos. Onde será que ela poderia estar?
Ligo para seu celular inúmeras vezes, mas nenhuma resposta. A cada segundo passado sem notícia eu me
tornava mais desnorteada e insana.

Saio desesperada em direção a sua casa, talvez a encontrasse por lá. Assim que chego subo as escadas o mais
rápido possível, que quando me dei conta já estava esmurrando a porta. Frederico abre um pouco assustado.

-Alexandra? O que faz aqui?

-Ravely está aí? Preciso falar com ela agora!

Ele se mantinha com a porta fechada, e eu não conseguia olhar o interior do apartamento.

-Ela está... Ela não está aqui. – Sua expressão se torna ainda mais preocupada.

Alguma coisa estava estranha.

-Fred, eu preciso falar com ela, preciso me desculpar.

-Se desculpar? Está tudo bem, Alex. Depois vocês conversam. – Fred vem para fora e fecha a porta levemente
por suas costas. Parecia querer esconder alguma coisa. Decido ignorar o que ele me diz, passo empurrando ele,
a porta e tudo o que estivesse em minha frente, mas estava vazio. Esfrego o rosto, atordoada, tentando me
concentrar sobre o que poderia estar acontecendo.

-Ela está no quarto?

Fred continuava estranhamente inquieto e eu não tinha paciência para isso. Antes mesmo de dar mais de dois
passos em direção ao quarto, vejo meu irmão no corredor, ela estava logo atrás dele.

-Alex? – Ele me olhou com seu sorriso confuso. – O que faz aqui?

Ravely não me encarava, parecia aproximar seu corpo ainda mais do dele. Ela estava... Agarrada a ele?

Pela segunda vez na vida eu faço esse papel. Sinto o corpo todo enrijecer involuntário. Quis voltar
imediatamente para trás e exigir sexo de vingança com Júlia. O que eu devo fazer? A verdade é que não tenho a
menor ideia. Para frear a angústia que subia por meu esôfago, finjo a frieza de sempre.

-Eu... Eu. – Olhei rapidamente para ela, tinha certeza que seu rosto ficaria corado. – Vim falar com Fred, nos
conhecemos de outro lugar. – Olhei para ele, esperando sua confirmação imediata.

– Isso mesmo. – Fred confirmou com a voz instável.

Alguns segundos de loucura me fizeram ficar em silêncio apenas observando a cena, meu coração estava
disparado, mas eu não conseguiria vê-los assim, tão próximos por tanto tempo sem imaginar a cara do meu
irmão toda amassada. Mas a quem quero enganar? Eu não tenho nenhum direito aqui. Solto a respiração e
consigo finalmente me movimentar.

-Eu já estou de saída, obrigada pelo favor, Fred. – Minha voz soou mais embargada do que eu realmente
gostaria.

Saí o mais rápido possível de lá, deixando Augusto sem entender nada. Eu estava com raiva. Não, com raiva
não, eu estava irada! Como ela foi capaz de nem sequer esperar para conversarmos e me entender. Eu poderia
explicar que não tinha nada com Júlia, e que foi tudo um grande engano. Poderia dizer que quem eu queria era
ela.

Eu assistia de novo a tudo aquilo. Os beijos, os toques. Será que eu estava deixando o ciúme inventar tudo isso?
Não era possível. A expressão de leveza no olhar dela era a mesma que tinha quando estava comigo. Mas eu
não posso aceitar, eu não quero aceitar, não consigo evitar a vontade que tenho de voltar lá, esperar que ele
saísse e ela finalmente ficasse livre para mim. O que eu estou fazendo? Eu não acho que saiba.

Subo na moto, e saio o mais rápido possível, cantando pneus. Maldita hora que fui me deixar levar por ela.
Logo eu, Alexandra Muller, que não me apaixono fácil. Merda, Ravely! Eu só queria odiar cada parte sua em
mim.

Talvez eu tivesse perdido a oportunidade. Talvez devesse contar tudo o que já tinha acontecido entre nós, ali
mesmo, na frente de Augusto. Acabar com o que eles tinham de uma vez por todas. Era o que eu faria em
outras situações, mas porque com ela é tão difícil? Eu não queria me importar com seus sentimentos, não
queria pensar naqueles olhos nunca mais.

Eu tinha que me decidir, acabar com tudo isso de uma vez por todas. Era claro que eles jamais terminariam,
que a sua história jamais acabaria, e mesmo que isso não acontecesse, como eu ficaria com Ravely? Como
teríamos paz? Ninguém iria aceitar.

É isso! Não tem jeito, tem que acabar aqui.

Eu me sentia forte o suficiente para isso, até chegar a casa. Meu quarto ainda estava desarrumado, o lençol do
mesmo jeito que ela havia deixado. Tocá-los era como imaginar que Ravely estivesse ali, prestes a aparecer
sorrindo na porta do banheiro, com os cabelos molhados... O cheiro, o seu perfume, era tudo tão vivo e pela
primeira vez eu não me contive. Senti meu rosto pingar. Envolvo-me nos lençóis, encarando o teto. Eu
realmente desejava muito não tê-la conhecido. Era tudo apenas uma lembrança, seu cabelo sobre minha pele, o
corpo quente colado ao meu, aquela fala mansa, me mata saber que não posso ter nada além da distância. Eu
queria negar que sentiria falta, mas aquele perfume preso no ar do meu quarto ardia a cada vez que eu tentava
inspirar.

Fico algumas horas ali, até que finalmente caio em sono profundo, sem sonhos, sem pesadelos. Acordo no outro
dia, como se tivesse levado uma surra. Olhos inchados, rosto amassado e o cabelo, melhor nem comentar.

Mariana chega em casa e me apanha ainda com a roupa do dia anterior e o cigarro na sacada, tento espantar a
fumaça antes que ela possa sentir, apago o cigarro e guardo na palma da mão, permaneço quieta, esperando
que ela não me note em nenhum local do apartamento, o que provavelmente seria impossível.

–Que cheiro de cigarro desgraçado é esse?

Permaneci em silêncio, a filha da mãe tinha um olfato muito apurado.


–O que você está fazendo aqui?

–Bom... Considerando que esta é a minha casa, acho que estou apenas apreciando a vista.

–O que aconteceu? Por que você está fumando? Você só se dispõe a isso quando está preocupada.

– Será que dá para parar com a avaliação da minha personalidade?

Ela sorriu e passou o dedo nos lábios, como se fosse um zíper.

–Problemas com a loirinha, com certeza.

–Essa aí já é passado.

–Hmm... Se falas assim, só posso concordar contigo. Passado, presente e futuro. – Ela diz sugestivamente,
tentando conter um sorriso.

Apenas a fitei com muita raiva no olhar, foi o suficiente para entender o recado.

–Alex...

–Eu não quero mais falar sobre isso. Assunto encerrado.

–Tudo bem, Alex... Só saiba que quem te faz feliz pode nem sempre ser quem você espera, mas se você sabe que
é feliz com ela, tenha certeza de que irá mantê-la por perto.

Mariana apenas suspira fundo e segue contrariada para o quarto.

***

Na parte da tarde precisei ir até o rancho, já tinha alguns dias que eu não voltava lá. Temia encontrar com meu
irmão, a situação havia chegado a um nível que eu não conseguiria mais olhar diretamente para ele. Não
depois daquela noite em que passei com minha cunhada. Isso, continue dizendo que ela é sua cunhada e talvez
assim você entenda de uma vez por todas! Mesmo assim eu ainda continuava olhando o celular
desesperadamente, sentindo um leve palpitar a cada bip, na esperança de que fosse Ravely. Merda! Aumento o
som do carro como se pudesse abafar o barulho dos meus pensamentos.

Por sorte não havia uma alma viva naquela casa, faço tudo o que preciso o mais rápido possível e resolvo
aproveitar o ar daquele lugar que não tinha aquele perfume. Quem diria, EU fugindo da minha própria casa
por conta de algo tão banal. É por isso que nunca levei ninguém para lá, era para ser meu santuário e agora
estava completamente comprometido. Pego uma bebida e vou para a varanda, eu realmente precisava de uma
fórmula secreta para esquecer tudo. Tinha que ter um jeito de fugir disso.

Ravely

Eu não sabia como essa situação poderia ficar ainda pior. Estava perdida no meio dessa confusão. Raiva,
tristeza, ciúmes, paixão. Eu não sabia mais o que me dominava. Não foi preciso explicar nada para Fred, ele
assistiu a tudo de camarote, disse baixinho que tentou evitar.

Talvez fosse decepção... É eu estava completamente decepcionada, não com ela, mas comigo mesma. A tristeza
naqueles lindos olhos azuis mostrou o quanto doeu nela. Foi a primeira vez que vi toda aquela afronta ir por
água abaixo e isso também me machucou.

Meia hora depois e eu ainda me sentia enjoada com aquele dia péssimo. Eu queria mesmo era estar com ela,
mandar uma mensagem, resolver essa situação. Não podia mais negar e fugir, não era o que eu queria. E
embora Augusto fosse uma boa pessoa, eu não sentia o mesmo por ele, não passava de um conforto, enquanto
ela era temporal.

A casa estava vazia por mais inacreditável que possa parecer. Alex está encostada na pequena cerca que divide
a varanda do gramado, bebendo uísque, pelo menos eu acho que seja isso. Olhava para o potro que corria a
alguns metros a sua frente. Acho que seu pensamento deve estar bem longe daqui. Ela veste uma camiseta
preta maior que seu número e um short jeans curto que me possibilita ver suas pernas longas. Sinto o coração
palpitar descompassado, só por observa-la. Fico alguns segundos parada, paralisada para dizer a verdade. Ela
se vira como se sentisse o peso do meu olhar em suas costas. Lança-me um olhar, acredito que surpreso, talvez
até um pouco nervoso, mesmo que fosse muito difícil destacar essas emoções nela. Esboça um sorriso triste que
me deixa sem ar. Quero muito abraça-la, sentir seu calor e seu cheiro... Seus olhos parecem querer dizer
alguma coisa, brilham de um jeito incompreensível e lá esta... A descarga elétrica que atinge meu corpo em
cheio. Tento desviar, mas vejo-a se aproximar. Tenho que me manter calma. Neste instante eu já não sabia mais
o que estava fazendo nesse lugar, nada tinha sentido, além da vontade que eu sentia de estar com Alex.

-Pensei que eu estivesse sozinha em casa, você é a última pessoa que eu esperava encontrar por aqui.
-Eu precisei... – Gesticulo atrapalhada, sem saber o que dizer. Eu também não sabia o que estava fazendo, acho
que no fundo eu realmente esperava encontrá-la por aqui.

Os olhos dela brilhavam para mim, pareciam expressar um desafio intrínseco que apenas Alexandra possuía.
Os lábios rosados me pediam para não demorar muito e tomar uma atitude digna, mas eu não sabia
exatamente como fazer isso. Eu nunca fui boa em “atacar” alguém. O silêncio é ensurdecedor, minha boca seca
e a tensão é perceptível. Eu tinha tanta coisa para dizer na cara dela, mas não conseguia pronunciar nada.

Alex dá alguns passos em minha direção, eu não entendo o que ela pretende fazer, mas permaneço no mesmo
local, imóvel.

-O que você está fazendo?

Eu pisco os olhos e umedeço os lábios, meu coração dispara ainda mais. Ela está muito perto, me encarando
com seu olhar implacável.

-Eu? Eu não estou fazendo nada, estou?

Eu tento com todas as forças não precisar respirar, porque eu sabia que sentiria seu perfume e aí tudo estaria
perdido novamente, se é que ainda há alguma coisa para se perder. Alex inclina-se, coloca uma mecha do meu
cabelo atrás da orelha, me sinto presa, não consigo me mover, apenas observo hipnotizada com o jeito que ela
me olha.

-Você não devia estar fazendo isso na sua namorada? – O ciúmes ganha voz e eu consigo expressar um pouco
da raiva que senti ao vê-las juntas. Pensei que isso a faria se afastar, mas pelo contrário, ela sorri e eu me
apaixono ainda mais.

-Você não devia ter saído daquela forma, eu podia ter explicado. – Diz com a voz suave e calma perto do meu
ouvido. Suas intenções não eram nada boas, na verdade acho que nunca foram.

-Eu precisava... Precisava respirar, pensar, me livrar.

-Se livrar do que?

-De você, desse seu jeito, do que eu senti ao ver Júlia te beijando desesperadamente.

Ela tenta aproximar seu lábio do meu e eu desvio. Admiravelmente eu consegui recusar seu beijo. Mas isso não
a afeta, pelo contrário, parece tornar tudo ainda mais interessante. Cacete!

-Então eu devia desistir? – Beija meu queixo levemente. Merda, minhas pernas estão fraquejando. Sinto seus
lábios esboçarem um leve sorriso e inevitavelmente dirijo meu olhar para ela. – Por que insiste em não
querer?

Junto toda a força que tenho e saio de perto dela.

-Você não tem esse direito, Alex! O que pensa que eu sou? Acha que pode ficar comigo em um dia e no mesmo
minuto ficar se amassando com a sua ex por aí? – Eu estava falando mais alto do que queria, mas era mais forte
que eu, toda aquela raiva do dia anterior veio a tona. – Você não precisa de mim, você não quer nada além de
se divertir ou.., Talvez quem sabe provocar ciúmes em Júlia. Chega! – Digo com o dedo hasteado em sua
direção, ela pareceu surpresa.

Dei um passo para trás e fiquei olhando para ela por um tempo, até que o silêncio evidenciasse o quão
magoada eu estava.

-Engraçado, você me falar isso agora, porque quando eu fui até a sua casa, minutos depois para me desculpar,
explicar toda a situação, você estava lá, nos braços do Augusto. Sequer me deu a chance de dizer que a Júlia é
louca e pulou em mim, eu não esperava que ela fosse surgir do além.

-E por que ela tinha sua chave? Me diz! Como ela entrou na sua casa sem ao menos bater a porta?

-Ela morava lá, Ravely, ela sempre teve a chave, eu não mudei a fechadura, deve ter sido assim...

Eu não aceitava, continuava andando de um lado para o outro, inconformada.

-Eu também não tive escolha, ele simplesmente apareceu lá e eu não esperava que você fosse. Eu realmente
não queria te ver.

Ela me encarava com raiva, sobrancelhas semicerradas, finalmente consegui ver por detrás da muralha. Ela
estava com ciúmes.

-Eu acho que já vou... Já disse o que precisava e isso não vai levar a lugar algum.

-É assim? Simplesmente esquece tudo e vai embora? Você acha o que? Acha que não vamos mais nos ver? Não
mesmo!
Ela se adianta e me prende forte em seus braços, fecho os olhos, não tenho nem ideia de como, mas só sinto
seus lábios contra a minha boca.

***

Notas finais:

Aeeeeeee o//// Voltei!

Calma, gente! Sem ameças kkkkkk

Muita água passou debaixo dessa ponte, mas agora finalmente está
tudo calmo. Eu poderia contar tudo o que ocorreu, mas aí teria que
criar uma outra história...

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Capitulo 23 - Descobertas por Tammy

Notas do autor:

https://www.youtube.com/watch?v=Ipg4qwGgkpI - Música do
capitulo

Ravely

E então como se fosse uma paródia do destino, eu começava a me sentir leve e nervosa ao mesmo tempo.
Jamais poderia imaginar que esse dia acabaria dessa forma. Ainda consigo sentir sua respiração sobre mim,
esperando que ela demore a notar o quanto isso tudo poderia acabar muito mal. Por outro lado, eu não quero
que acabe porque só agora aquela sensação de dia ruim e amargo desaparecia.

Mas eu não podia ceder. Era isso o que ela queria... Queria me manter por perto, mesmo sabendo que não
poderíamos ter algo. Interrompo o beijo. Então a razão volta a ter o controle da situação novamente.

É isso, seja racional, Ravely.

-Eu preciso ir embora...

Lá fora já estava escuro, quando foi que eu perdi noção do tempo assim?

-Ir embora? Com quem?

Droga, eu me esqueci que tinha vindo com Luiza.

-Vou esperar sua irmã voltar...

-Ok... Como quiser. – Ela deu com os ombros, como se não se importasse.

Do lado de fora estava tudo muito escuro, exceto quando um clarão tomava conta. Aproximei-me da grande
porta de madeira e abri uma fresta, uma tempestade parecia se formar.

-Que irônico, sempre que estamos juntas uma tempestade se forma, não é mesmo? – Ela sacode a cabeça com
um sorriso indulgente.

-Por que será? – Respondo com a mesma ironia, porque claro, era sempre culpa dela, ela era a tempestade.

Nossa conversa é interrompida por meu celular tocando. Era Luiza e para minha surpresa ela dizia que o
mundo estava caindo em chuva e não conseguiria ir até o rancho agora, aparentemente a estrada não estava
segura.

-Merda! Eu sabia que deveria ter ido junto.

Alex aparece outra vez no recinto, ainda com um copo em mãos. Como ela não fica bêbada? Está sempre com
um copo.

-Você não devia beber tanto assim... – Adverti.

-Quem disse que não? – Ela pergunta elevando apenas uma sobrancelha. Isso me faz rir internamente, acho
que ela não está acostumada a ser questionada.

-Eu estou dizendo.


-Pois eu acho que você deveria beber um pouco mais. Está sempre tensa, sempre certinha... – Ela revira os olhos
e da outra bebericada no copo de uísque.

-Prefiro me manter sóbria. – Digo isso tentando transparecer completa e absoluta certeza.

-Por quê? Tem medo de ficar bêbada comigo? – Ela anda de um lado para o outro majestosamente imponente e
o mais engraçado era como isso me irritava e me despertava o interesse da mesma forma.

Balanço a cabeça tentando afastar esses pensamentos tentadores para longe. Empenho-me em manter o tom de
voz desinteressado, eu tenho que resistir.

-Não! Apenas não tenho como ir embora, preciso esperar Luiza e não seria legal ela chegar aqui e me encontrar
embriagada – Engoli seco e, completei – Com você.

-Hmm... Ok, vamos dizer que seja por isso. – Ela tenta ocultar seu sorriso, mas não consegue.

O silêncio pressionou o clima, só então eu parei para analisar aquela sala... Um traço de antigo e sofisticado
impregnava o ambiente, forrada com painéis de madeira, um bar ao canto e uma mesa de sinuca. O tempo todo
teve uma mesa de sinuca ali e eu não notei. Deus! Realmente estou muito distraída. Só me disperso dos
pensamentos quando vejo que ela está me alcançando um taco. Olho para ele e depois para ela sem entender.

-Vamos jogar, melhor forma de passar o tempo.

-Eu não sei jogar...

-Sério? Vai aprender agora então. - Estende-me a mão, eu demoro um tempo até responder a esse contato,
ponderando nas consequências que esse toque poderia acarretar.

Liga o som e um rock soa, parecia The Pretty Reckless, ela começa a dançar, mexendo os cabelos e continua a
beber, enquanto eu só consigo pensar em como isso pode não acabar bem. Ajeito meus óculos, tentando me
concentrar apenas na mesa de sinuca. Vai Ravely, você consegue. Eu sei que consegue.

“And every time I look inside your eyes

You make me wanna die”

Tocava bem alto, tão alto que eu quase não podia ouvi-la.

Aceito o convite, afinal eu não tinha muita escolha. Presto atenção em cada um de seus movimentos tentando
me explicar como funcionava. Camiseta preta quase cobrindo o short destroyed, dava a impressão de que ela
pudesse estar só de calcinha. Deus! Volta, Ravely, foco.

É o jogo... Parecia simples, eu apenas precisava colocar a bola na caçapa. Mas não era tão simples quando se
tinha uma professora dessas. Eu respirava fundo a cada vez que ela se inclinava sobre a mesa. A sala parecia
cada vez mais ficar pequena, o ar faltava e o calor aumentava. O short curto parecia ter sido proposital, apenas
para me fazer desejar estar morta a ter que suportar isso.

O tempo foi passando e eu me envolvendo, estava divertido, leve e eu torcia para que nada interrompesse.
Apenas me dou conta de que estou tão envolvida quando me pego com o copo de uísque em mãos.

-Nossa! É muito forte. – Franzo a testa e ela gargalha.

-Toma mais um pouco e você vai deixar de perceber isso.

-Você está me embebedando para me vencer na sinuca...

-Eu? O jogo já está ganho, olha só a diferença. –Apontou para a mesa onde eu tinha cinco bolas restantes e ela
apenas uma. – É a sua vez, vamos lá, me faça orgulhosa.

Posicionei-me preparada para acertar a bola de número três, medi a distância, ameacei a tacada, olhei para
Alex, sentada na outra ponta da mesa e ela me olhava de volta, incentivando, ruborizo e sinto minhas mãos
suarem. Mordo os lábios e a sua expressão muda drasticamente. Ela me olha séria. Foco,Ravely, foco. A voz boa
do meu inconsciente chama minha atenção. Mas claro, minha atenção não estava lá, ela focava em uma
morena sob a mesa de sinuca.

Conto até dez mentalmente, era sempre assim quando eu queria muito me acalmar, me volto para o jogo,
finalmente faço a jogada e eu erro, erro feio, como jamais errei em alguma coisa na vida. Alexandra ri e desce
de cima da mesa, vindo para perto de mim. Ela se posiciona por detrás, corpo colado, segura minha mão com o
taco, apoiando o queixo sob meu ombro. “Deus, esse perfume, eu não vou resistir, eu não vou resistir. É demais
para minha cabeça, ela joga pesado, joga sujo”. Foi então que percebi, era tudo intencional. O som alto, a roupa,
o jogo, a bebida... Eu não resisti. Me voltei de frente para ela, que me mantinha presa entre a mesa e seu corpo.
Minha respiração estava alterada, assim como minha frequência cardíaca. Ela tira meus óculos e sorri olhando
dentro dos meus olhos. Sinto toda aquela corrente elétrica me percorrer, como todas às outras vezes, de novo
isso acontecia. Como, como pode ser?

-Eu quero você, Ravely. Só você. Consegue entender isso? – Beija-me os lábios e volta a me olhar.

-Alex...

-Quanto tempo você vai demorar em notar que eu também odeio tudo isso? Odeio essa insegurança, odeio
saber que você não pode ficar comigo, que eu não tenho controle dessa situação, controle do meu próprio
corpo e pensamento.

Não quero mais lutar e mesmo tendo medo de que o resultado me destrua, não aguento ver aqueles olhos
perdidos e confusos, seguro seu rosto e a beijo como se fosse o primeiro e último beijo. É isso... Eu estou
completamente, perdidamente apaixonada por Alexandra, e eu soube disso porque quando ela me beijava eu
podia sentir o chão se afastar, e era bom, era a melhor coisa que eu tinha sentido em todo esse tempo. E eu não
queria que ela ficasse com outra pessoa, não conseguia sequer imaginar isso.

Quando me dou conta, as coisas já estavam evoluindo, estou beijando seu pescoço, com as mãos debaixo da sua
roupa. De repente foi como se nós estivéssemos sozinhas no quarto. Só nós duas, e eu sentia meu corpo
correspondendo a todos os estímulos que ela me provocava.

-Eu sei que faço tudo errado, sei que você não pode ficar comigo e eu não deveria te querer tanto. Droga! Por
que eu te quero tanto assim? Me diz? Por favor, me diz como te esquecer... – Ela dizia entre beijos.

Droga, ela era linda! Os cabelos pretos, aqueles olhos e os lábios vermelhos por causa dos beijos que acabaram
de ocorrer. A forma como ela pressiona os lábios, completamente consternada, era demais para mim, eu não
conseguia, não tinha chances contra isso.

-Eu não quero que você me esqueça, a verdade é essa. – Dizer isso foi como tirar um peso das minhas costas,
era libertador. – Eu tenho tentado fugir esse tempo todo, mas não consigo, não tem escapatória.

E agora tudo voltava a ter cor, os pássaros apareciam do nada, ou talvez só agora eu estivesse apta a percebê-
los. Alguém por favor me diga que eu sou louca, que isso é errado. Mas eu me pergunto: Será que adiantaria?
Porque no fundo eu sempre vou estar aqui quando ela me chamar.

-Eu vim aqui na esperança de encontrar Augusto... Para... Para terminar tudo.

-O que? Você tem certeza, é realmente o que você quer?

-Eu não o amo, Alex. Não há sentido em continuar com esse relacionamento.

Em um movimento rápido e impensado, Alex volta a me beijar com desejo e desespero. Eu retribuo, é a única
coisa que eu quero fazer, continuar ali com ela, sem parar, sem interrupções.

Alexandra

A porta da frente bate e nos separamos por um momento, tentando entender o que estava acontecendo.

-Cheguei! – Era a voz de Luiza.

Droga, bem agora, Luiza? Fecho os olhos praguejando mentalmente, tentando me acalmar, afinal, ela
atrapalhou minha chance de reconciliação com Ravely.

Olhei para ela. Seu rosto corado, suéter amassado e o cabelo de fios claros despenteado a denunciavam. Dei
alguns passos para trás, agarrei um taco e continuei naturalmente como se estivesse jogando. Ravely não se
moveu, continuou estática no mesmo lugar, até que Luiza apareceu na porta, só então ela começou a passar as
mãos nos cabelos, ajeitar a roupa e eu quis rir sem parar.

-Atrapalho?

-Quem? Você? Atrapalhar o que? Estávamos aqui é... Apenas conversando sobre como o... o... Tempo está
péssimo, não é, Alexandra?

-Sim, claro. – Será que ela não poderia ser menos óbvia?

-Que bom... Ainda bem que Alex estava aqui para te fazer companhia, vim correndo por pensar que estivesse
aqui sozinha com essa tempestade... Se soubesse teria esperado mais um pouco.

Nossa! Devia ter esperado muito mais, irmãzinha... Quem sabe até o dia seguinte... Reviro os olhos
internamente.

-Bom, vamos então?


-Vamos sim...

Fiquei observando-as até o carro, imaginando quando eu teria tudo isso de novo, porque sempre parecia a
última vez e eu nunca imaginava quando poderia se repetir. Não queria continuar assim, queria certezas e isso
era novo para mim, por muito tempo eu corri de certezas e principalmente de segundos encontros. Talvez seja
isso, talvez eu seja uma daquelas pessoas atraídas pelo impossível.

Voltei para a sala e notei que a jaqueta de Ravely estava sobre a poltrona. Sorri, contente por ter uma parte tão
pequena dela ali comigo, porque as vezes parecia que eu não tinha nada. Cubro meu rosto com a peça de roupa
em minhas mãos.

-Hey, estranha. – Aquela voz soou logo atrás de mim, senti as pernas congelarem. Eu achei que estivesse
sozinha. – Parece que estou atrapalhando seu momento... – Ela disse, sorrindo amavelmente.

Só então me dei conta do que fazia. Acho que foi a primeira vez que fiquei corada na frente dela.

-Desculpe, acho que você esqueceu...

-Na verdade eu voltei por outro motivo.

Continuei parada, olhando para ela sem entender.

-Qual?

Ela se aproxima de mim, fica levemente nas pontas dos pés e me beija.

-Isso!

Seguro em sua cintura antes que se afaste e pressiono ainda mais nossos lábios. Sinto seu sorriso se formar
entre nosso beijo e sorrio também.

-Até logo...

-Hey, não se esqueça da jaqueta...

-Me entrega amanhã... – Diz enquanto me olha por cima do ombro, piscando no final. Ok! Isso foi muita
sacanagem, quando foi que ela aprendeu a fazer isso?

Ravely

Voltei saltitante para o carro. Acho que pela primeira vez eu consegui agir por impulso. Deixei Luiza me
esperando no carro e disse que tinha esquecido o celular na casa. Na verdade era apenas um pretexto para
poder me despedir direito de Alex.

Luiza não perguntou nada e também não falou muito durante o caminho. Isso estava me parecendo estranho,
ela parecia mais pensativa que o de costume. Assim que estacionou em frente ao prédio, seus olhos
transpareciam a necessidade que ela tinha de dizer algo, mas eu não fazia ideia do que fosse, ou talvez temesse
o que pudesse vir.

Ela olha fixamente para o volante, batendo o dedo de forma ritmada, isso me lembrava de Alexandra, primeira
vez que noto algo semelhante entre elas. Torce os lábios como se medisse as palavras antes de dizer.

-Está tudo bem? – Então pergunto querendo acabar de uma vez por todas com essa aflição.

-Desde quando vocês se conhecem?

-Como assim, do que você está falando? – Essa pergunta foi como sentir uma torção intestinal.

-Alexandra e você... – Ela sorriu. – Eu vi vocês juntas.

Fiquei paralisada. Como assim? Como ela tinha nos visto? Não! Não podia ser... Minhas mãos ficaram frias no
exato momento, eu tremia e também suava ao mesmo tempo.

-Está tudo bem, Ravely. A verdade é que eu sempre achei que você daria certo com Alexandra... Quando você
conheceu Augusto, eu tinha planejado te apresentar minha irmã, mas ela estava passando por sua fase de
eterna inconsequência, e não foi à confraternização, então aconteceu tudo errado.

-Como assim?

-Ah! Eu sempre desconfiei que você pudesse gostar de meninas, nunca te vi falar de homem e muito menos com
algum namorado. Me surpreendi de ter aceitado namorar Augusto.

Continuo olhando para ela boquiaberta.


-Nós nos conhecemos durante a viagem...

-Sério? Não se conheceram no encontro que eu marquei e sim durante um voo qualquer? Inacreditável.

-Eu não sei o que te dizer... Eu tentei evitar, as coisas aconteceram de uma forma que eu não consegui
controlar.

-Hey, está tudo bem... Eu conheço minha irmã, sei do que ela é capaz e sei principalmente como as coisas
tendem a sair do controle com ela. Mas também sei que se isso aconteceu é porque algo mexeu com Alex. – Ela
sorriu parecendo recordar de alguma coisa. – Só isso explica o aparecimento daquele sorriso.

-Que sorriso?

-Você deve ter percebido. É o sorriso da Alex... Aquele que quer dizer que você não a conhece e talvez jamais
conheça. Mas eu sei, sei bem. Ela tem um bom coração, apenas tem dificuldade de demonstrar isso
abertamente, acho que de alguma forma tudo isso a assuste. Perder o controle... Ela quer sempre estar no
controle.

Sorri. Era verdade, Alexandra realmente tinha esse sorriso que tentava esconder o que ela pensava e
principalmente, sentia.

-Isso está errado de várias formas imagináveis. Mal sei por onde começar. Eu odeio mentiras e agora estou
totalmente enrolada em uma.

-Olha, todos nós vivemos uma mentira e como diziam os sofistas, a realidade é relativa, então não se preocupe
com isso, apenas tente resolver, antes que alguém se machuque.

Eu sorri incrédula do que estava acontecendo. Minha amiga/cunhada estava do meu lado, mesmo sabendo de
tudo. A situação havia fugido totalmente do controle, mas não parecia ser ruim, pelo contrário, era como se
tudo finalmente estivesse se encaixando, mesmo que da sua forma estranha e aparentemente errônea.

Despeço-me de Luiza e vou para meu quarto pensando em tudo o que aconteceu, essa situação se resolveria
amanhã de uma vez por todas.

***

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