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2
polaroides
Adelaide Ivánova

POLAROIDES
e negativos de outras imagens

2ª edição

A
macondo
Para Jacó
“my favorite thing is to go where I've never been.”

diane arbus
43,5º

um poema pra Drake

todo poema tem destinatário


o nome disso é personismo
foi frank o'hara quem deu o
nome mas não foi ele quem
inventou o ato o poema tem
vontade própria o salafrário
às vezes não aparece na
maioria das vezes a gente
só senta e escreve não é
muito além disso a gente escreve
pra humilhar deus ou
venerar um homem enfim
todo poema é uma indireta
é passação de recibo

11
polaroides
enquanto eu não sei pra onde vou, deixo aqui
umas fotos das coisas que fotografei quando não
estava pensando em fotografar

15
tarkovsky

esses dias meu professor de design me pergun-


tou porque eu estava de batom vermelho às 9h da
manhã. respondi: “porque a vida tem sido dura e
essa é minha vingança”. ele, que é fã de tarkovsky,
adorou minha resposta fatalista e foi embora
bem satisfeito, e, como esse mundo gira em tor-
no de imagens mesmo — as verbais e as visíveis
—, ele nem se deu ao trabalho de perguntar os
motivos da minha dureza de vida. o batom lhe
bastou, e a vida riu da minha vingança.

16
Quando vi essa cena, fiquei me perguntando o
que leva uma andorinha a catar lixo em vez de
caçar peixes e, na sua esquizofrenia pública, pas-
sar mais tempo com pombos do que com os seus.
Depois lembrei que eu mesma já fiz muito isso.

17
(nico tem um disco chamado drama of exile)

somos chegados a exageros


aumentos
superações
mas o exílio é apenas uma coisa
drama
e sua questão central não
é para onde se vai
é o que se deixa para trás.

mas haverá drama


quando aquilo que se deixa pra trás
lhe é indiferente?

é assim: desde quando ciganos sentem saudade?

18
1.
nunca vi lisboa nublada.

2.
nunca vi uma vaca antipática.

19
a câmara clara

não é moleza se interessar por um corpo que se


conhece cada centímetro sendo que, por outro
lado, a arqueologia traz tantos mistérios novos.

como eu faço pra transformar


aquela obsessão do começo em
inspiração e sede,
agora que tudo está calmo
e eu sei
que és meu? meu deus
que sorte
mas como faz para ver
charme na perfeição?

20
sim, eu fiquei nervosa
esperava mais, outra reação, sei lá
passei a manhã pensando,
cancelei compromissos,
raspei as pernas e pus o vestido no sol
para poder usar
mas a tragédia maior
é tua pergunta:
por que eu choro tanto e tantas vezes.
é porque eu sei que não te amo
é tão injusto
eu vou ficando porque aprecio
que finalmente a balança pesa pro meu lado.
vou me aproveitando
e dando aos poucos o que posso

21
primeira lição de geografia

eu tinha seis anos e tinha acabado de ganhar


minha primeira bicicleta,
e andava em círculos na rua sem saída que eu
morava, no recife,
porque não tinha sido autorizada, pelas 300
mulheres que me criavam, a sair da rua.
o mais importante era o voo,
porque destino não havia.

22
sem móvel
sem luz
sem cortina
sem medo

23
uma aprendizagem

em tudo sobre minha mãe, uma das personagens


mais generosas de almodóvar, agrado, ensina o
beabá da vida:

una es más auténtica cuanto más se parece a lo


que ha soñado de si misma.

nem clarice pra dizer uma verdade dessa.

24
heroína

não contei a ninguém das sombras


das árvores no teto do quarto que eu
só vi porque estava deitada no escuro que eu
só vi porque apaguei a luz pra ficar triste em paz
como se
acender a luz revelasse o que tem por dentro
o que eu queria esconder

e não contei a ninguém do homem


injetando heroína na estação de metrô que eu
só vi porque a menina que estava na minha frente
saiu e eu
só vi que ele procurava no pé esquerdo a veia, com
a seringa na boca
como se
só pudesse injetar heroína naquela veia e em
nenhuma outra no mundo.

não sei fazer um poema sobre isso porque


não contei a ninguém.

allen ginsberg tem razão


quando diz que poemas nascem de
conversas.

25
apócrifo

se eu jogar vinho no vaso de tulipas


ficaremos todas bêbadas?
ou é apenas minha esperança
de me sentir menos sozinha
pensando em jesus
transformando não somente água
mas tudo em vinho?
ia ser bom.
ninguém ia mais me julgar
nem me fazer mal
sem eu perceber.

26
o dia a dia das coisas #1

eu acordo e fico me perguntando se não


poderia dormir mais. aí volto a dormir e quando
acordo me pergunto por que dormi tanto. fico
mal porque dormi demais e volto a deitar para
esquecer que dormi muito. e quando acordo já é
hora de dormir de novo. mas às vezes eu saio.

27
conversa com o artista renomado

estou a caminho de um mestrado na Bélgica


e tu, o que tens feito? faço residência artística
em rodoviárias e gasto um monte de crédito
no skype fazendo interurbano prum menino
que mora longe. interessante. certamente mais
interessante que a Bélgica, penso.

28
minha música preferida de Astor Piazzola se
chama Fuga y misterio.
não ligo a mínima para o mistério, mas a fuga,
dessa sim,
gosto bastante.

29
poesia reunida

grete hoje me ensinou, entre outras coisas,


a guardar meus esmaltes na geladeira.

30
terça-feira, 1° de junho

teu quarto tem um sofá vermelho, uma


cama, um toca-discos, não tem muito lugar
pra mais coisas, mas tem espaço suficiente
pra dançar

nunca imaginei que alguém faria poesia


nos classificados.

31
segunda lição de geografia

— (...) andei muito e nunca achei o cemitério,


nunca achei os fantasmas, nunca achei os mor-
tos. mas dei de cara com um pato.
— por que não fosse com jacó?
— porque essas coisas se faz sozinha.

32
deitei na cama exausta
e pedi desculpa a Jacó
por chorar tanto
toda vez eu choro
parece drama
mas juro que não
chorar é uma forma de descanso.

33
entre meus dedos
anelar e do meio
tem um foco de alergia a não
sei o quê

existem outros mistérios maiores no


mundo que me incomodam menos
por exemplo
a vaca saber que tem que lamber o bezerro
recém-parido
no sentido contrário de seus pelos
para que ele sobreviva

mas o que mais me preocupa agora


é
quanto tempo o tempo precisa pra passar
pra amanhã já ser 18h e você
chegar finalmente.

34
fale com a sarna

pereba é “uma ferida de mau caráter”,


diz o dicionário, como se ferida
tivesse intenção e como se
um mau caráter
causasse apenas danos
cutâneos.
mais que isso,
não consigo entender ainda
onde habita e do que se constitui a antítese da pereba
nem o dilema da pele,
nem esse corpo em expansão sobre o qual perdi
todo o controle.

35
dia da criação

oh darling,

(pausa, gole)

if you’re not gonna marry me,

(pausa, gole, gole)

don’t even start the flirting.

36
sigo apegada a datas, bilhetes de amor, anotações
em canto de livro.

sigo obcecada por questões relacionadas ao fun-


cionamento do corpo e aos mecanismos de so-
brevivência adotados por ele depois de grandes
tragédias.

37
o sol
o sol

ah o sol, esse homem

38
com a neve aprendi
que um sapato velho aguenta mais
do que pensamos.
é como a vida:
basta um sapato velho
quando se tem coragem.

39
stadt sapatão

eu tenho uma namorada


e ela se chama a cidade
a gente se vê todo dia
ela nunca me ignora
ela está sempre disposta
ela sempre sai comigo
e gosta de andar de mãos dadas

eu tenho uma namorada


e ela está tão triste.

40
domingo, 25 de julho de 2010

é aquela velha coisa:


a gente termina um namoro
e passa um batom pra encobrir o incobrível
e vai pra boate crente que já vai conseguir se divertir
e passa a noite inteira
sentada no bar
sentindo saudade
e pensando (enquanto os outros suam)
em como tudo era mais divertido com ele.

agora a cena:
saí da festa sem dizer tchau
andei 20 minutos até a estação
era bem de manhã
(insisti tanto, tá claro, num nada irreversível)
fazia um vento gelado
esperei o trem mais 20
ventava gelo
andei três estações entre Kreuzberg e Alexanderplatz
atravessei a rua pra pegar o bonde
esperei mais 13 minutos
agora além de ventar chovia
desci na porta de casa

41
subi as escadas
abri a porta
deitei
e foi só isso.
um silêncio de morte.

nem chorar chorei.

42
quarta-feira, 29 de setembro

Meu Deus, nada acontece.

43
é que toda essa secura
essa vida real
esse comprovar tudo
não me deixa ver as coisas
que outrora via
como outrora via
desculpa
és tu
querido
quem paga o pato
o aluguel
e o café
e ainda levanta
no frio
de noite
pra me buscar lenço de papel.

44
pisar na neve.

45
o telefone toca, eu saio correndo em fúria assas-
sina como fazia em 1998. e me alegro com tua
chegada e ajeito os cabelos e aliso com as mãos o
tecido do vestido, como se não te conhecesse há
milênios, como se tu nunca antes tivesse vindo.

46
e a beleza disso tudo reside em mesmo sabendo
disso tudo não desistir antes.

47
se sobrevivemos, é porque dá.

48
um sofá-cama
é um horror.

49
jerusalém, seis de junho de 1983

gostaria de um dia te
mostrar todos os buracos
que conheci (tudo que vejo
me dá vontade de comprar pra
te dar de presente... mas fica só
na vontade...)

estou aproveitando ao máximo


meus últimos momentos aqui.

50
como eu faço pra transformar
aquela obsessão do começo em
inspiração e sede,
agora que tudo está calmo
e eu sei
que és meu? meu deus
que sorte
mas como faz para ver
charme na perfeição?

51
aí parei de inventar motivos e foi tão bom
(foi o vinho)

na pista de dança,
o único hétero da festa veio puxar assunto comigo
e eu
pedi num alemão bêbado pra conversar auf Deutsch
ele bem intencionado perguntou:
por que tu estuda alemão?
e eu, sincera muito mais comigo do que com ele
(pela primeira vez na vida), não falei de mestrado,
de filologia, de nenhuma dessas porra.
respondi mesmo sabendo que perderia o paquera:
por causa de Armin.
o boy saiu correndo,

não transei nem com ele nem com Armin


nem com ninguém,
mas a cena foi boa.

52
jacó esqueceu a camiseta cinza
com cheiro de rexona for men
no chão e eu fiquei cheirando ela com
preguiça de levantar mas
levantei e fui pra polônia
já que ela está aqui do lado
e ele foi ver um jogo de basquete
com os amigos de 20 anos dele e
não me convidou
então peguei o trem e fui

além disso na polônia


o marlboro vermelho
custa apenas dois euros.

53
eu acho lindo tu sentado
de pernas cruzadas e meia furada
e em pé também és lindo
com essas coxas que ai meu deus

54
acordei com uma folha
vermelha
caindo na minha cara
que esqueci a janela aberta

ainda bem
que esqueci a janela aberta
apesar do frio e ainda
bem
que a folha
caiu
porque assim te vi
de manhã cedo
sentado na minha janela
fumando.

55
ricardo foi tomar banho
e me deixou usar um pouco
o computador dele

graças a deus
assim posso passar a limpo
as coisas que escrevi
nos últimos dias

comecei a revirar bolsas


de cabeça-pra-baixo
no chão
caçando como esmeraldas
os poemas que escrevi
sobre tu
em papel de croissant
e verso de entradas de museu.

e ainda achei cinco euros.

pra tu ver
menino:
quantas alegrias tu me dá!

56
to-do list

1. vou ficar mais em silêncio.


2. fim.

57
para quê preciso de mapa se já estou
perdida anyways?

58
abc

there’s something about the boys do subúrbio.


tem alguma coisa em São Fetiche do Campo.

59
tão reformando a fachada
do meu prédio
da minha janela fico olhando os pintores,
tão bonitinhos,
com o uniforme salpicado de tudo quanto é cor,
de manhã tomo café olhando pra eles,
tenho tirado muitas fotos
já não me sinto tão sozinha.

60
tu és minha beatriz.

tu és tão lindo.

61
cheguei ao meu primeiro date
correndo.
eu tinha 15 anos.
íamos assistir a titanic.
eu vi o menino de longe na fila do cinema e saí,
correndo,
na direção dele.

eu era demais.

62
as letras que o descrevem
o som que elas fazem
o gosto que tem
a textura impossível
o cheiro

é isso:
um gengibre é uma coisa perfeita

63
hoje eu me pendurei para fora da janela de Ulri-
ke, não sei por quê, pra ver como é que se sente.
curvei o tronco para frente e ergui uma perna, aí
senti a gravidade agindo e pareceu que a morte é
bem descomplicada.

me senti uma doida, fiquei com vergonha e me


endireitei, torcendo para que ninguém me tives-
se visto.

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descasquei
cebolas com a metade de uma
cebola
na cabeça
para não arderem os olhos
Jacó achou graça
e me disse:
“o mais importante é acreditar que funciona”

achei bonito,
parece a vida.

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das coisas que mexem comigo:
vovó passando batom.

66
dezenove de outubro de 2013

exercitando a nova resolução de escrever onde


quer que seja, quando eu tenha algo pra dizer.

não que eu tenha algo pra dizer agora.

67
odeio quando quero economizar caderno e es-
crevo até o texto quase não caber mais na mesma
página, e as letras das últimas linhas saem tão
feias porque não há apoio para o antebraço. que
horror matar a beleza em nome da economia.

68
sentada num banco de praça
ouvindo wild horses
ouvi o telefone tocar
e soube
do casamento dele:
será numa sexta-feira

estava como o de costume sozinha


enrolando um tabaco chamado “pueblo”
que custa 3,30 na loja de conveniência
da estação de trem de neukölln

achei bonita a coincidência


mas a culpa é minha mesmo
sempre inventando romance pra vida
pra que ela tenha graça
e eu sofra menos
(não que funcione).

continuei sentada em silêncio


que grata surpresa
para quem, oficialmente destrambelhada,
se viu entrando
nos eixos
e cabendo.

69
copiões
legenda 1

1.

Minha mãe me levou ao cinema pela primeira


vez para ver O último imperador, de Bertolucci,
no cine São Luiz. Eu tinha cinco anos. Na época,
meus amiguinhos se estapeavam na fila do cine-
ma pra ver Os trapalhões, comer pipoca murcha
e Coca-Cola sem gás naqueles copos de papelão
fino, no Cine Recife 3. E eu me deparava com os
dramas de um príncipe suicida da dinastia Qing.

Minha mãe também me punha pra assistir, na


mais tenra idade, O céu que nos protege, A insus-
tentável leveza do ser e um monte de outros títu-
los pouco apropriados para pessoas com menos
de (sei lá) 26 anos.

E aí, quando eu fiz 19 anos (em 2001), ela me


deu um exemplar de Os irmãos Karamazov. Dos-
toiévski. Mesmo eu, com toda a prepotência de
quem já tinha lido Kafka aos 16 (e entendido
nada, mas ninguém precisava saber), achei aqui-
lo demais para minhas ambições literárias. Eu
precisava mesmo ler algo escrito 121 anos antes e
que tinha 743 páginas?

73
Mas é que foi dele que saiu meu nome. E foi em
2001 que eu entrei na faculdade. Então pareceu
adequado, para minha mãe feminista e intelec-
tual, que sua filha entendesse pelo que ela pró-
pria passou enquanto estava grávida. De certo,
ler Dostoiévski durante uma gravidez deve me-
xer com os miolos dos envolvidos (tanto gestante
quanto feto haha).

A personagem que me deu meu nome é uma per-


sonagem-chave no enredo. Chave de cadeia.

É assim que ela é descrita, na página 2: “(...) Ade-


laide Ivânovna, mulher arrebatada, atrevida, mo-
rena irascível, dotada de estupendo vigor”.

Eu me apaixonei um pouco por mim mesma


quando li isso, mesmo sendo difícil, com minha
autoestima esquizofrênica, acreditar nos elogios.
Essa dicotomia a Adelaide Ivânovna do livro
também traz.

Ela só aparece no primeiro capítulo. Abandona


marido e filho e foge com o amante. Nunca mais
será citada de novo, mas aparece nas entrelinhas
até a última página, como sendo a raiz de todo o
destrambelhamento dos Karamazov.

A relação que Dostoiévski constrói com ela é a


mesma que eu venho levando comigo mesma há

74
infernais 27 anos. Adelaide é a musa da coragem
e da paixão (ao largar um marido suado e gor-
do e uma vida morgada numa cidadezinha da
Rússia pra ir atrás do bofe que ela gostava). Por
outro lado, ela magoou algumas pessoas ao fazer
sua escolha. Dostoiévski, que certamente não era
feminista e para influenciar a gente a tirar uma
conclusão sobre ela, decidiu que não bastava que
ela abandonasse o marido — ela tinha que deixar
pra lá também o filho.

É engraçado: pai que abandona a família tem as-


sim no mundo, ó, e ninguém se importa muito.
Mas basta uma mulher decidir que não vai criar
um filho, para todo mundo apontá-la como a
bruxa do 71.

Mas o que eu tenho a ver com isso, além do nome


igual? Nada que não é.

2.

Dostoiévski apareceu na minha vida na mesma


época que Pedro*. Eu lia pra ele pedaços d’Os
irmãos Karamazov e ele citava esses cantores sa-
bidos tipo Jorge Mautner. E eu fingia que gosta-
va, porque ele era tão bonito! Um dia a paixão
passou, sei lá eu por quê (a minha, porque a dele

75
nunca houve hahaha). E eu continuei acompa-
nhada do meu russo e nem sofri (muito).

Em todos os namoros que eu tive, Dostoiévski


deu um pitaco, dizendo coisas como “Ela esta-
va sentada no chão, a cabeça reclinada sobre a
cama, e provavelmente chorava. Mas não ia em-
bora, e justamente por isso é que me irritava”.
Muitas vezes, ele me lembrou que tem horas que
o romance deve ser entregue ao editor sem final
feliz, mesmo. E aí é hora de começar a escrever
um novo.

No fundo, eu sempre quis me igualar a Sonia,


a mocinha de Crime e castigo que representa a
redenção do frouxo Ródia. Também, né, leitora,
contando a quantidade de geminianos malucos,
cancerianos com distúrbios de ambição e piscia-
nos bígamos que eu aguentei na minha vida, eu
bem que merecia uma estátua na Praça Verme-
lha. Santa Adelaide da Paciência Sem Fim.

3.

Armin* me disse que uma das primeiras coisas


que ele fez, quando voltou a Colônia depois de
me conhecer em Lisboa, foi ir a uma livraria, ler
a descrição de Adelaide Ivánova em Os irmãos
Karamazov.

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A metáfora triste desse paralelismo é que eu,
como minha xará, também tive que ir embora.
Não que Armin fosse suado e gordo. Não que eu
não quisesse ficar. Mas, confesso, nunca entendi
muito bem por que peguei aquele avião.

Dostoiévski não deixa claro que fim Adelaide le-


vou. Mas às vezes eu sinto que sou eu quem paga
pelos pecados cometidos por ela.

4.

Esses dias, depois de uma longa troca de e-mails


sobre as decisões que tomei na vida, ele me man-
dou uma letra de música de uma cantora indie
que não vou dizer o nome porque tenho vergo-
nha:

“Se o tempo tivesse lugar e espaço para seu pas-


sado, como uma pequena novela que eu ia querer
ler de novo e de novo, estaria eu na sua novela?
Eu ia aparecer nela do começo ao fim?”.

5.

Não. Quem diria que meu namorado mais lon-


go ia ser um russo velho, epilético, antissemita e

77
viciado em jogo. É que o amor é cego e eu tenho
talento pra cão-guia.

*e estes nomes não foram modificados.

78
legenda 2

Estava em Bahía Blanca, uma cidade a 11 horas


de busão de Buenos Aires, há alguns dias, mo-
rando numa hospedaria fajuta, na companhia de
colombianos e argentinos — todos nós sem eira-
-nem-beira. Do jeito que eu me coçava, já fazia
alguns minutos que tinha refutado a teoria ante-
rior (intoxicação alimentar pós-paella-fajuta) e a
de antes dela, dermatite de contato. Eu sabia: era
sarna.

A expertise na doença me foi dada como tudo


que aprendi nessa vida: na pele. Mamãe é vete-
rinária, e dela eu peguei escabiose várias vezes.

A primeira foi punk e eu ainda era bem peque-


na: um dermatologista não diagnosticou sarna,
receitou uma pomada cicatrizante qualquer e aí
os ácaros foram dar um rolê nos meus pulmões.
Eu não me lembro direito, mas mamãe diz que
foi horrível.

79
A segunda foi ainda pior: eu tinha 12 para 13
anos, e a sarna inofensiva, tratada como alergia
por semanas, virou uma espetacular infecção
bacteriana. Ela me deixou com os dedos e pele
deformados e uma dermatite eczematosa (vulgo
“pereba gigantesca sangrenta”) no tornozelo di-
reito — e longe da escola por meses. Eu cheirava
a uma pessoa morta.

Ninguém sabe como é brutal ser uma menina de


13 anos a não ser uma menina de 13 anos. O meu
corpo era meu pior inimigo e eu tinha medo de
acordar e estar mais monstruosa do que estava
no dia anterior.

Mas o que eu podia fazer? Trocar de pele feito


cobra? Eu estou fadada a isso aqui, essa morada
cheia de falhas. Ser Adelaide é ser esse corpo.

Na volta da Argentina, fui de Guarulhos direto


para uma dermatologista. E, por isso tudo, quan-
do ela falou que eu estava com sarna, comecei a
chorar. “Mas é só sarna, filha!”. E eu pensei em
Naomi Watts naquele filme, naquela cena do res-
taurante, quando ela grita:

“Você não faz ideia do que eu já passei”.

80
§

Como sou uma véia, e fiquei de licença médi-


ca, não tinha mais nada o que fazer além de me
coçar e pensar nas coisas. Fiquei bem obcecada
com minha própria teoria delirante, sobre tudo
que a experiência de “existir em forma de corpo”
proporciona.

Primeiro: o ritual de ter que desinfetar tudo em


que eu tocava me fez ter noção do espaço sim-
bólico ocupado por um corpo: meus rastros (ou
melhor, os ácaros que colaram em mim) estavam
por todo lado. A entediante tarefa de passar ál-
cool nas coisas que eu tocava me fez perceber
que a minha casa tem portas e trincos; que há
puxadores na geladeira, nas gavetas, armários e
janelas; têm teclas o controle remoto, o micro-
ondas, o computador, o cd-player, o celular; e
que toco em canetas, cabides, talheres, livros e
toda sorte de badulaques que existe... Eu estava
na casa inteira. Um corpo em expansão.

Fiquei bem obcecada com Clarice Lispector,


nesses dias. Minha metáfora pessoal — a expe-
riência de ter nojo da própria existência e pen-
sar obsessivamente sobre isso — chegou a uma
teoria insana sobre a necessidade (e o direito!)
de mudar de personagem dentro do seu seriado
particular. Eu estava me sentindo a barata, g.h.,

81
Clarice — e o Baygon. Todos ao mesmo tempo.

(Pausa: eu sou obcecada com donas-de-casa que


enlouquecem: Clarice. Diane Arbus. Madonna.
Mentira, Madonna fez o caminho inverso).

Mas comofas para mudar de personagem sem


perder a própria figura? Porque eu tenho apego
com a minha!

O único jeito que encontrei de não endoidar,


quando a vida testou minha persistência, foi cui-
dar dele com um apego bem pouco cabalístico.
Eu maximizei o narcisismo para não desistir de
viver. Eu cuidei com todo esmero dele que foi
fonte e causa de um monte de sofrimento. E sabe
o quê: olho para a obra e fico com orgulho dela:
eu tenho 27 anos e me sinto com 100, como diria
aquela música de Bon Jovi — mas o tríceps, esse,
benzinho, é de um menino de 18.

Esses dias, eu estava almoçando com Schneider


ali na Augusta e ele falou: “Eu aposto que tu fica
se olhando no espelho”. E eu pensei: “Então todo
mundo faz isso?”. Eu olho para esse corpo que
construí e fico feliz que ele é meu e que, apesar
de eu tê-lo odiado tantas vezes, e de ele ter sido
tantas vezes violado, eu peguei ele de volta para
mim.

82
A última coisa que venho pensando também é
uma teoria meio Hilda Hilst-zal, nascida na mi-
nha mente destrambelhada, na época que eu mo-
rei numa comunidade hippie no interior do Rio,
em 2002: a relação entre corpo de inevitabilida-
de. Coisas vão acontecer com esse corpo. Pegar
sarna no interior da Argentina, sentir a catinga
dos carros na Marginal, chorar com a cebola
maldita e fazer exame de corpo de delito, ser fu-
rada por um alfinete enquanto vovó faz as mar-
cações pra bainha que tem que ser feita, escutar o
disco novo de Christina. Subir num avião. Sentir
o cheiro dos cabelos de Armin.

83
legenda 3

1. do amor, do ordinário

Certa noite na maravilhosa Grécia Antiga, dis-


cípulos de Heráclito chegaram e o encontraram
aquecendo as mãos no forno a lenha. Meu Deus,
perguntaram-se os visitantes, como pode um ser
iluminado como o senhor dedicar-se a tarefas
tão banais? O filósofo explicou que os deuses es-
tão presentes exatamente nesses lugares, no coti-
diano. Ao lado do forno.

Heráclito criou então uma falácia repetida há


séculos, que nos força a nós, seres inquietos, a
nos contentarmos com o mundano. Criou-se a
mística do cotidiano. Heráclito, gato, deixa eu te
dar um toque: você nunca foi uma mulher num
namoro longo. Não me venha com essa de que o
divino está nas pequenas coisas da vida. Só quem
disse isso foram homens — você, Heidegger,
Tolstói, Tomás de Aquino — ou Adélia Prado,
para quem o tanque é na verdade um totem.

84
Meus deuses não esquentam o bucho na beira do
forno.

Uma mulher num relacionamento estável está


em constante batalha com aquilo que não tem
significado — na verdade, o conflito está exata-
mente em se dar conta que as pequenas coisas, ao
contrário do que nos disseram, não querem dizer
nada. Nunca quiseram.

Claro que o suflê murcho pode ter sua poética


— mas ele não a possui em si, ela lhe é aplicada,
assim como a rosa não é em si um mistério, só
passa a ser no momento em que Gertrude Stein
a problematiza.

Jacó e eu vimos o tédio chegando como quem vê


o trem se aproximar da estação. Aprendemos que
sexo num namoro longo é como ter uma piscina
em casa: você sabe que gosta, e diz para si mesmo
“hum eu devia ir dar um mergulho hoje”, mas de
novo negocia consigo próprio e pensa “amanhã
eu vou”, você vai pouco e quando vai é muito
bom, aí você se lembra porque seguem juntos,
ops, porque mandou construir a piscina. E de
novo pensa: devia nadar todo dia. Mas a piscina
está ali, e não vai a lugar nenhum, então por que
me exasperar?

85
É aí que devia entrar o extraordinário. Acho que
ele é um direito. Não quero ter que passar minha
vida procurando a metafísica de limpar os peixes
que meu marido pescou (desculpa, Adélia). Na
minha mente doentia, eu só posso acreditar que
tentam nos convencer que há mística na cozinha,
para nos prenderem lá. Para que a vida social
como a entendemos, dividida em núcleos fami-
liares, tribos, cidades, etc., consiga ser mantida.

Eu, no entanto, sou do time que acha que o mís-


tico se apresenta no insólito das coisas. Hilda
Hilst era taurina (vocês deviam saber o que isso
quer dizer), tão taurina que construiu uma casa
onde pudesse escrever. Mesmo assim, ela passa-
va suas noites à caça de fantasmas presos entre
duas estações de rádio. Procurava o excepcional
no cotidiano, em vez de apenas atribuir-lhe a ele
a excepcionalidade.

E quando eu falo extraordinário, queridas, não


é o de Raskolnikov, e sim o de Hollywood. En-
cantamento, cintilâncias, frio na barriga, con-
fusão. Eu busco aquele encantamento repetido,
como tinha Marilyn Monroe toda vez que punha
os óculos em Como agarrar um milionário e era
pega de surpresa por um mundo novo, que ela
só via de vez em quando. Eu quero os óculos de
Marilyn.

86
Eu quero ser Carmela Soprano vendo Paris pela
primeira vez.

2. da cidade, do extraordinário

Tenho andado obcecada com a questão da cida-


de enquanto metáfora para nossas relações, por-
que esse é o tema do meu trabalho de conclusão
de curso: a urbe é a tradução arquitetônica do
vínculo entre duas pessoas.

No meu tcc eu tentei criar um paralelo entre


minha cidade natal e meu pai — dois lugares
simbólicos de perda. De um lado, meu pai, que é
uma cidade ainda por conhecer, um lugar que eu
nunca fui, só vi as fotos. O que uso como alegoria
para isso é Recife, que é um espaço de estranha-
mento: sim, eu a conheço, mas é impossível re-
conhecê-la, devido às violações na sua paisagem
urbana.

Partindo do princípio de olhar a cidade como su-


jeito, eu queria fazer um livro de fotografia tipo
Virginia Woolf fez Mrs Dalloway: um livro em
que Londres é a protagonista impessoal do ro-
mance, sem que o livro precise ser sobre Lon-

87
dres. Assim sendo, em dezembro de 2013 cheguei
em Recife e foi um espanto. Primeiro, porque não
reconheci as coisas que me eram mais íntimas —
a Chora Menino da minha primeira infância e o
Torreão/Espinheiro da segunda (obrigada, Mou-
ra Dubeux, ficou ó, uma bosta).

Segundo, por causa do método de trabalho que


fui forçada a adotar: eu só podia fotografar das
5h às 7h da manhã — que era quando ainda não
tinha carro na rua, nas calçadas e dentro do meu
sutiã (haha). Ou seja, não era somente a questão
da arquitetura, mas também da imobilidade ur-
bana, violando meu contato com esse lugar.

No decorrer do processo, veio outro elemento


fundamental, realmente divisor de águas no con-
ceito do tcc: descobrir os álbuns que meu pai,
Caesar Sobreira, produz, com fotos e mais fotos
dele mesmo, desde os anos 70. Minha tese inicial
— a da perda simbólica através do estranhamen-
to — foi reiterada quando dei de cara com aque-
les álbuns, que também testemunhavam uma
outra perda: a do referencial paterno, através das
mudanças orgânicas na visualidade do homem.

Recife se torna uma espécie de nome-do-pai (leia


Lacan) para falar sobre o pai, e vice-versa. Essas
duas entidades camaleônicas são a alegoria que

88
eu uso para falar disso, de perda. Por isso andei
tão obcecada com Elizabeth Bishop e seu livro
geography iii, no qual ela trabalha constantemen-
te com a ideia de pertencimento. É neste livro
que está incluído o poema “one art”, talvez a peça
central na minha bibliografia.

A epígrafe de geography iii é uma citação de um


livro didático de geografia, e esta epígrafe serviu
de inspiração para o título do meu tcc, que será
erste Lektionen in Hydrologie (und andere Bemer-
kungen) — em português “primeiras lições em
hidrologia (e outras anotações)”.

Isso dito, e para não perder o fio da meada desse


texto, vou seguir problematizando o relaciona-
mento amoroso.

Italo Calvino pode até ter escrito um livro sobre


cidades invisíveis, mas para mim parece estar
falando sobre o amor, quando diz: “Cada cidade
recebe a forma do deserto a que se opõe” (cada
história de amor recebe a forma do deserto a que
se opõe).

No momento em que usamos as urbes para falar


de pessoas, entramos num terreno meio lacania-
no (vôte). Transferimos relações (sempre confli-
tuosas, mesmo quando pacíficas), traumas, nos-
talgia da infância, a ligação com a mãe ou o pai

89
(ou os dois!) para o espaço urbano. Pobre cidade.

Será que era disso que o projeto moderno nos


queria libertar? Porque, ao criar uma concepção
de cidade em que a forma segue a função, na qual
não haja ornamento e a referência à história seja
apagada, podemos pensar que os arquitetos mo-
dernos queriam livrar a cidade dos nossos recal-
ques!

Ontem, para me inspirar a escrever esse texto,


eu fui buscar o extraordinário: fui olhar o Olym-
piastadion, que é uma das últimas construções
nazistas ainda de pé na Alemanha. O estádio é
o resumo do conceito arquitetônico do período
nacional-socialista: confirmar, através de suas
construções, o poder do Führer. Forma a serviço
de discurso, de simbologia.

A poucos metros de distância, fica a Le Corbusier


Haus — edifício residencial modernista, projeta-
do pelo arquiteto francês. Nele, forma não tem
propaganda, nem firula — segue a função.

De determinado ponto da Alameda Flatow, se eu


girar meu corpo para a direita, vejo a propaganda
nazista, o simbólico. Se me virar para a esquerda,
vejo exatamente o seu contrário.

Ali, queridinha, é que você entende o que busca-


va Hilda entre as duas estações de rádio.

90
3. do amor, da cidade

A cidade abraça essas contradições sem pestane-


jar, mas nós não aceitamos contradições de seu
ninguém. A cidade e o amor (mas só aquele que
chamam de “verdadeiro”) são ambos um lugar de
compromisso, naquilo que a palavra tem de mais
anglo-saxão: “abrir mão”.

É impossível viver no espaço urbano – como


num relacionamento – sem estar o tempo inteiro
fazendo concessões. Dividimos com estranhos as
ruas, o lado da calçada que está banhado de som-
bra na volta do trabalho, o assento no busão. Es-
tamos o tempo inteiro aceitando do espaço urba-
no (do outro) maus tratos, mordidas e assopros,
esperando aquele momento de harmonia que às
vezes vem e nos faz lembrar porque vivemos jun-
tos. E ela, por seu lado, aceitando de nós o fato
de que a deixamos, e voltamos, e a tratamos mal
e pedimos perdão. E violamos sua paisagem, seu
caráter.

Georg Simmel era um arquiteto alemôo. Em conferên-


cia de 1903, “As grandes cidades e a vida do espírito”,
ao falar das metrópoles, Simmel resume bem o estado
de abandono no qual somos jogados ao viver numa
metrópole (aka entrar numa história de amor): “O in-

91
divíduo submetido a esta forma de existência tem de
chegar a termos com ela inteiramente por si mesmo”.

4. não há mística no cotidiano, adélia, i’m


sorry ter de lhe informar

Assim, eu tive que dar um upgrade no meu eu-lí-


rico para poder voltar a escrever e precisamente
escrever este texto. Não é o que a cidade é, ou ela
que se tornou outra; eu é que mudei, e a arrasto
para dentro dos meus conceitos, como arrasto
minha vida pra dentro de um namoro.

Não sou mais a menina que costura paralelos en-


tre o urbano e um pé-na-bunda. Não há mais o
abandono, e eu ainda não sei escrever sob essa
perspectiva. Ainda é duro entender que eu sou
aquela que compara a paisagem urbana ao fixo,
ao companheiro, ao prato na mesa, à escova de
dente elétrica.

De novo, não posso deixar de citar Calvino: “(...)


a surpresa daquilo que você deixou de ser ou de
possuir revela-se nos lugares estranhos, não nos
conhecidos”.

92
Considerando que Calvino estava falando não de
cidades, mas de cidades invisíveis, arrisco dizer
que quando ele usa a palavra “lugares”, não se
refere a lugares concretos, mas sim emocionais.
Com isso, me pergunto se não é exatamente o
extraordinário, o grandioso que, ao deslocar os
relacionamentos do seu “lugar” de costume, os
salva.

Ninguém consegue viver encantado com as pe-


quenezas para sempre. Há que deixar entrar o
inesperado, o grandioso. Por isso é que, no que
diz respeito ao amor (e à cidade), sou muito mais
os peixes de Adília que os de Adélia: é preciso
lutar, “apanhar o peixe com as mãos”.

Como num namoro longo é preciso lembrar de


ver o outro, nas nossas relações com o espaço ur-
bano também é necessário prestar atenção na ci-
dade, fazer o esforço e a escolha de olhá-la. Para
que elas se tornem surpreendentes. Para que se-
jam invisíveis apenas nos relatos de Marco Polo
para Kublai Khan.

93
processo cruzado
a arte do recibo, transcrição cancerígena
de elizabeth bishop para o recibês

The art of recibo isn’t hard to master;


so many recibos are sent to the wrong
referente that the indiferença is no disaster.

Passe one recibo every day. Accept a mensagem


visualizada e não respondida, the recibo badly spent.
The art of recibo isn’t hard to master.

Then practice passar recibo farther, faster:


cite motéis, o nome da outra, and where it was you meant
to travel. None of these will bring disaster.

I lost my mother’s vergonha na cara. And look! my last, or


next-to-last, of three loved maridos went.
The art of recibo isn’t hard to master.

Perdi duas cidades que amava. And, pior,


some paisagens tão minhas, dois rios, um continente.
I miss them, mas não é nenhuma tragédia.

—Even losing you (taurino e novinho as


I love) I shan’t have lied. It’s evident

97
the art of recibo is not too hard to master
ainda que pareça (passe o recibo!) uma tragédia.

98
uma releitura de
“madeira que cupim não rói”, de capiba

concretos do rosarinho
vem ostentar o seu queiroz galvão
com security pessoal
e a guarita espanta o marginal
bem alto é o pilotis
pois ninguém quer
mais um prédio-caixão

queira ou não queira o recife


as construtoras são de fatos campeãs

e se aqui estamos
erguendo esse espigão
é para afirmar a nossa condição
mais um prédio alto
e tão feio que dói
nós somos concreto
que nem belize destrói.

99
prólogo
Havia a um canto da sala um álbum de fotografias intoleráveis,
Alto de muitos metros e velho de infinitos minutos,
Em que todos se debruçavam
Na alegria de zombar dos mortos de sobrecasaca.

Um verme principiou a roer as sobrecasacas indiferentes


E roeu as páginas, as dedicatórias e mesmo a poeira dos retratos
Só não roeu o imortal soluço da vida que rebentava
Que rebentava naquelas páginas.

(c. d. a.)

103
Polaroides foi publicado pela primeira vez em 2014,
pela Cesárea Editora, e trazia como subtítulo “e ne-
gativos das mesmas imagens”. A primeira edição das
Edições Macondo, com o subtítulo “e negativos de ou-
tras imagens”, foi reestruturada e ampliada pela autora
e publicada em 2019 na coleção Casa de Barro.
Sobre a autora

Adelaide Ivánova nasceu em Recife em 1982 . É po-


eta e organizadora comunitária. Publicou os livros au-
totomy (...) (Pingado-Prés, 2014), O martelo (Douda
Correira, 2016; Garupa, 2017), Polaroides (Cesárea,
2014; Edições Macondo, 2019), 13 nudes (Edições
Macondo, 2019) e Chifre (Edições Macondo, 2021).
Venceu o Prêmio Rio de Literatura em 2018. Vive e
trabalha em Berlim, na Alemanha.
Sumário

43,5º 11

polaroides

enquanto eu não sei pra onde vou... 15


Tarkovsky 16
Quando vi essa cena... 17
(Nico tem um disco chamado Drama of exile) 18
1. nunca vi lisboa nublada 19
A câmara clara 20
sim, eu fiquei nervosa 21
Primeira lição de geografia 22
sem móvel 23
Uma aprendizagem 24
Heroína 25
Apócrifo 26
O dia a dia das coisas #1 27
Conversa com o artista renomado 28
minha música preferida de Astor Piazzola 29
Poesia reunida 30
Terça-feira, 1º de junho 31
Segunda lição de geografia 32
deitei na cama exausta 33
entre meus dedos 34
Fale com a sarna 35
Dia da criação 36
sigo apegada a datas... 37
o sol 38
com a neve aprendi 39
Stadt sapatão 40
Domingo, 25 de julho de 2010 41
Quarta-feira, 29 de setembro 43
é que toda essa secura 44
pisar na neve 45
o telefone toca... 46
e a beleza disso tudo... 47
se sobrevivemos, é porque dá. 48
um sofá-cama 49
Jerusalém, seis de junho de 1983 50
como eu faço pra transformar 51
Aí parei de inventar motivos e foi tão bom
(foi o vinho) 52
jacó esqueceu a camiseta cinza 53
eu acho lindo tu sentado 54
acordei com uma folha 55
ricardo foi tomar banho 56
To-do list 57
pra quê preciso de mapa... 58
abc 59
tão reformando a fachada 60
tu és minha beatriz 61
cheguei ao meu primeiro date 62
as letras que o descrevem 63
hoje me pendurei para fora... 64
descasquei 65
das coisas que mexem comigo 66
Dezenove de outubro de 2013 67
odeio quando quero economizar... 68
sentada num banco de praça 69
copiões

Legenda 1 73
Legenda 2 79
Legenda 3 84

processo cruzado

A arte do recibo, transcrição cancerígena


de Elizabeth Bishop para o recifês 97
Uma releitura de “Madeira que cupim
não rói”, de Capiba 99

prólogo

Havia a um canto da sala... 103

sobre a autora 106


© Adelaide Ivánova, 2019
2ª edição, 2021

Este livro segue as normas do Acordo Ortográfico da Língua Portu-


guesa de 1990, que entrou em vigor no Brasil em 2009.

conselho editorial
André Capilé
Patrícia Lino
Prisca Agustoni

coordenação editorial
Otávio Campos

projeto gráfico
Otávio Campos

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (cip)

i93p Ivánova, Adelaide.


Polaroides: e negativos de outras imagens / Adelaide
Ivánova — Juiz de Fora, MG: Edições Macondo, 2019.

isbn 978-85-93715-16-7

1. Poesia Brasileira I. Título


cdd: b869.1

Índice para catálogo sistemático:


1. Poesia: Literatura brasileira 869.1

[2021]
edições macondo
Rua Dom Silvério, 302/ 302a
Alto dos Passos – Juiz de Fora – mg
36026-450
www.edicoesmacondo.com.br
contato@edicoesmacondo.com.br
[2ª edição]

Foram impressos 500 exemplares de


Polaroides, de Adelaide Ivánova,
com miolo em Pólen Bold 90 g/m²
e capa em Cartão Supremo 250 g/m²
pela Gráfica Paulinelli para as
Edições Macondo em Dezembro de 2021

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