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Índice

Capa
Representações e Avisos de Conteúdo
Sinopse
Dedicatória
1: Ruby
2: Morgan
3: Ruby
4: Morgan
5: Ruby
6: Morgan
7: Ruby
8: Morgan
9: Ruby
10: Morgan
11: Ruby
12: Morgan
13: Ruby
14: Morgan
15: Ruby
16: Morgan
17: Ruby
18: Morgan
19: Ruby
20: Morgan
21: Ruby
22: Morgan
23: Ruby
24: Morgan
25: Ruby
26: Morgan
27: Ruby
28: Morgan
29: Ruby
30: Morgan
31: Ruby
32: Morgan
33: Ruby
34: Morgan
35: Ruby
36: Morgan
37: Ruby
38: Morgan
39: Ruby
40: Morgan
41: Ruby
Agradecimentos
Representações

Protagonista lésbica;
Protagonista panssexual;
Romance sáfico.

Avisos de Conteúdo

Homofobia;
Abuso emocional;
Consumo de álcool;
Agressão parental;
Bullying;
Insinuações de sexo.
Sinopse
Morgan, uma corredora de elite, é forçada a se transferir de escola no
final do seu úl mo ano, depois de descobrir que ser queer vai contra o
código de conduta de sua escola par cular católica. Lá, ela conhece Ruby,
que tem dois hobbies: mexer na sua Ford Torino azul bebê de 1970 e
compe r em concursos de beleza locais, sendo esse úl mo para realizar os
sonhos de sua mãe autoritária. As duas se atraem uma pela outra e não
conseguem resis r aos seus sen mentos crescentes. Mas enquanto
Morgan — assumida e com orgulho, determinada a ter um novo começo —
não quer manter seu recente relacionamento em segredo, Ruby ainda não
está pronta para se assumir. Com cada garota em um caminho diferente
para viver sua verdade, será que conseguirão percorrer a distância juntas?
Para qualquer pessoa que teve sua vida virada de cabeça para baixo por
causa do amor.
1
RUBY

A extração é uma arte. Primeiro, eu pego o braço do Tyler — pesado em


cima do meu estômago — e deslizo os meus dedos por baixo. Eu o levanto
ligeiramente e me movo, cen metro após cen metro, para o lado direito
da cama. E quando eu estou quase livre, pego um dos travesseiros dele —
aquecido por minha cabeça com pensamentos excessivos — e o coloco
debaixo do braço. Se eu ver sorte, ele vai fungar levemente a luz do luar
que entra no seu quarto bagunçado, abraçará o travesseiro e con nuará
dormindo. Se eu não ver sorte, ele vai acordar e me perguntar onde estou
indo: Ruby, só fique. Ruby, por favor. Ruby, você não vai morrer por ficar
abraçada comigo. Eu não tenho ânimo pra isso.
O cabelo castanho bagunçado do Tyler repousa sobre seu rosto
enquanto ele sorri em seu sono e abraça meu travesseiro subs tuto um
pouco mais forte. Eu ve sorte hoje — em todos os sen dos possíveis. Eu
pego minhas botas, lembranças de um dos dez milhões de concursos com
temá ca faroeste dos quais par cipei ao longo dos anos, e saio
fur vamente pela porta da frente, descalça, com cuidado para não deixar a
porta bater e acordar seus pais.
A luz com sensor de movimento acende enquanto enfio os pés nas
botas e vou direto para meu carro, minha alma, minha salvação: meu Ford
Torino 1970 azul bebê. Sim, ele é velho para caramba, mas é a única coisa
nesse mundo que é completamente minha. Eu o comprei, enferrujado e
podre, da minha a avó Maeve por trezentos dólares. Eu cuidadosamente
o consertei, removendo as partes velhas e amassadas. Eu o restaurei ao
seu estado atual de esplendor. Eu. Eu fiz isso.
Ok, talvez eu tenha do uma ajudinha do Billy Jackson, o mecânico
menos desonesto da cidade, mas ainda assim.
Eu entro e o coloco em ponto morto, puxando o freio de mão e
deixando o carro descer a garagem da longa colina onde Tyler mora até a
rua, onde eu finalmente ligo a ignição. O motor do carro ronca, o som dele
sendo mais próximo de um rosnado do que de um ronronar. Eu resisto ao
impulso de ligar o motor — deus, como eu amo esse barulho — e aponto
meu carro em direção a minha casa, me sen ndo solta e leve, relaxada e
feliz, contente de uma maneira que só é possível quando se consegue
aquela fração de liberdade entre tarefas de casa e obrigações.
Não que Tyler seja uma obrigação — ou uma tarefa de casa, para falar a
verdade. Ele é legal, o tempo que passamos juntos é diver do e
consensual. Em um outro universo, provavelmente estaríamos namorando.
Mas nós vivemos nesse, e nesse universo, eu amo só duas coisas: dormir e
meu carro.
Tyler é um ó mo analgésico, uma distração, um passatempo. Nada mais.
Nós temos um acordo, um negócio po amigos com bene cios. Sem
compromissos. Se ele me ligasse amanhã e dissesse que queria chamar
uma garota pra sair, eu diria: “Vá em frente, contato que não seja eu” — e
eu falo sério. Eu espero o mesmo dele. É por isso que estou voltando da
casa dele duas horas depois de receber uma mensagem que dizia: grande
jogo amanhã, você está por perto?
Fique quieto, coração.
Mas então, poucas semanas atrás, eu mandei pra ele: concurso
amanhã, vem me distrair? E lá estava ele rastejando pela minha janela
poucos minutos depois.
Viram, não é algo frequente; é algo determinado pela necessidade.
Algumas pessoas bebem; Tyler e eu fazemos sexo seguro e consensual de
vinte minutos — usem camisinha, pessoal! — e uma conversa desajeitada
depois sobre o fato de eu ir embora logo depois o faz sen r-se estranho.
Desse modo, eu saio depois que ele adormece: o po de compromisso
ideal, pelo menos da minha parte.
Eu estaciono na garagem de terra em frente ao meu trailer. Pode não
parecer muito para algumas pessoas, mas é nosso e é um lar. Só minha
mãe e eu. Bem, às vezes, enfim. Nos melhores momentos.
Mas as luzes na cozinha ainda estão acesas, a TV está está ca na sala e
meu coração se aperta. Mamãe trabalha limpando escritórios no turno da
noite, e o carro dela não está aqui, o que significa que não será um
daqueles melhores momentos. Nada, literalmente, pode acabar meu bom
humor mais rápido do que ter que estar no mesmo ambiente que seu
namorado, Chuck Rathbone.
Chuck e minha mãe estão juntos, de maneira casual, há alguns anos — e
para mim, infelizmente, ul mamente tem sido muito mais que casual.
— Estamos ficando sério. — eu a ouvi dizer para uma amiga. Isso explica
o porquê do acesso ilimitado que ele está tendo em casa. Além dos
bene cios de comer nossa comida e gastar a nossa energia, embora não
tenhamos dinheiro para isso.
Eu entendo porque Chuck não consegue deixar minha mãe em paz —
minha mãe tem o po de beleza que se vê em concursos, e que mesmo
com trabalhos pesados e a falta de sorte, essa beleza não vai embora; ela
era Miss Teen USA até seu teste de gravidez dar posi vo dezoito anos atrás.
(Foi mal, mãe!)
Mas eu realmente não consigo entender porque minha mãe sempre
aceita ele de volta. Chuck é, obviamente, um escroto.
Eu iria para a casa da minha melhor amiga, Everly, se eu não vesse
tanta certeza de que Chuck ouviu meu carro — meu motor não é muito
discreto e eu normalmente gosto disso. Mas se eu sair agora, ele vai contar
para mamãe, e isso é algo que eu não estou disposta a enfrentar. Em uma
escala de “precisa trocar o óleo do carro”, até “o motor está emperrado”,
ser rude com o namorado da minha mãe está para algo como “a junta do
cabeçote estourou” — não é algo fatal, mas, como a maioria das coisas são
quando se trata de minha mãe, é algo caro e di cil de consertar.
Eu desligo meu carro, ouvindo o que-taque do motor enquanto ele
esfria no ar da primavera. As cor nas da sala se movem, sem dúvida Chuck
tropeçando, tentando ver o que estou fazendo e por que não estou lá
dentro. Me viro para o banco de trás para pegar a bolsa de maquiagem que
mamãe me fez pegar mais cedo e saio do carro.
Nossa porta range quando a abro e ignoro o reves mento caindo ao
lado dela, em seguida, passo por cima de uma mancha par cularmente
suspeita no tapete. Cinco cachorros terriers Jack Russell vêm correndo pelo
corredor, la ndo. O outro orgulho e alegria da mamãe. Por favor, Deus, que
eles não tenham entrado no meu quarto; eles mal são treinados para ficar
dentro de casa — e com "mal", quero dizer que não são de forma alguma.
— Mande esses vira-latas calarem a boca! — Chuck grita da cozinha
enquanto abre a geladeira, como se eu vesse algum controle sobre eles.
Como se alguém vesse controle sobre eles. Mamãe gosta deles um pouco
selvagens; ela diz que é mais natural assim. Eu par cularmente, preferiria
que sua "selvageria" pudesse ser limitada às salas com piso de vinil.
Eu me abaixo e os acaricio o máximo que posso, o mais rápido que
posso, enquanto sou abordada pelos outros. Patas minúsculas se fixam em
minha barriga e pernas enquanto lutam por atenção.
— Shh, shh, shh… — Insisto, acalmando-os tanto quanto é possível
acalmar cinco terriers sedentários que raramente vêem o mundo exterior.
— Cachorros malditos. — Chuck diz, trazendo duas latas de cerveja para
a poltrona em frente à TV barulhenta. Fox News. Como sempre. Ele se joga
na poltrona reclinável, pingos de cerveja caem em sua camiseta preta
desbotada, cujas letras garrafais dizem DON’T TREAD ON ME1. Ele parece
não fazer a barba há dias, sua barba marrom tem manchas cinzas. — Você
chegou tarde em casa.
— É, foi mal. Estava estudando na casa de uma amiga — digo, ficando
em pé agora que os cachorros decidem que farejar uns aos outros é mais
interessante do que me atacar. Eu me pergunto se eles conseguem sen r o
cheiro do gato de Tyler.
Chuck levanta as sobrancelhas, os úl mos fios de cabelo de uma cabeça
careca.
— Sua mãe pode até cair nessa história, mas eu sei o que garotas como
você fazem à noite, e não é estudar.
— E o que você sabe sobre estudar? — Eu digo, odiando o fato dele
estar certo, mas disposta a não dar a ele essa sa sfação.
— Eu sei que chupões não são algo que você pega estudando
matemá ca. — Ele ri, e seus olhos se voltam para a televisão.
p
Merda, Tyler, sem marcas significa sem marcas. Minha mão para no
meu pescoço enquanto minhas bochechas se esquentam.
— Ei, ei, tá tranquilo, eu não vou contar pra sua mãe. — Eu olho para
ele, esperando ele jogar a armadilha.
— Venha cá, querida. — Ele diz, mas eu con nuo onde estou, pronta
para uma fuga rápida. Ele se inclina para frente, com um olhar
conspiratório em seu rosto. — Então, o que você realmente fez essa noite?
— Que horas mamãe vai chegar em casa? — Mudo de assunto com um
sorriso que deixa à mostra muitos dentes.
— Eu não sei. Ela disse que essa semana está devagar, eles perderam
outro cliente — Ele franze a testa ligeiramente.
— A qualquer hora, então? — Eu pergunto, e ele olha de volta para a TV.
— Vou dormir, boa noite.
— Tem certeza que não quer uma? — Ele pergunta ges culando em
direção à lata de cerveja na bandeja ao seu lado. Ele achou o quê? Que eu
ficaria bêbada e passaria a noite assis ndo merdas conservadoras na TV a
cabo? Não, obrigada.
— Tenho aula amanhã.
— Você realmente se importa com isso? — Na TV atrás de mim, o
apresentador está falando sem parar. Eu fico olhando para a parede,
respirando fundo.
Não vou morder a isca.
— Essa merda vai apodrecer o seu cérebro, Chuck. — Eu digo, pegando
o controle remoto e desligando a TV.
Porque não vou ser in midada na minha própria casa. Eu não vou ficar
ouvindo merda de um homem escroto sentado na poltrona reclinável que
eu comprei para a mamãe com o meu prêmio do Li le Miss Sun Bonnet
anos atrás. Não vou ter medo dos Chuck's Rathbone desse mundo.
— Vai se foder! — Ele ri, bebendo sua cerveja e ligando a TV de novo.
Eu corro para o meu quarto e tranco a porta atrás de mim, rezando para
que qualquer deus me escute: Por favor, não deixe que esse seja meu
futuro também.
2
MORGAN

— Pegou tudo?
— Sim!
— Pegou o dinheiro do lanche?
— Sim, peguei o dinheiro do lanche.
— A lista de horários? Eles disseram que a prá ca vai até pelo menos
cinco e meia na maioria dos dias.
— Sim, então eu vou correr ou caminhar até o apartamento.
— Ok. Normalmente eu fico na loja até às seis e meia, então não se
preocupe caso não me encontrar em casa.
— Meu Deus, eu tô de boa. Eu consigo fazer as coisas sozinha.
— Eu só quero que seja bom para você. Você merece isso depois de...
— Podemos não falar sobre isso agora? Um novo começo e tudo mais?
— Ok, bem, o que a mamãe diria?
— Eu não sei. Eu te amo? Tenha um bom dia?
— Eu te amo. Tenha um bom dia. — Dylan sorri, mas seus olhos são
sérios.
— Puta merda, Dyl. Primeiro: você precisa melhorar sua imitação da
mamãe. E segundo: você está levando esse negócio de subs tuto um
pouco a sério demais.
— Eu só não quero estragar tudo. — ele diz. — Mamãe e papai vão me
matar se você se machucar, se perder ou seja lá o que pode acontecer com
crianças.
— Mano, eu tenho dezessete anos! — Eu resmungo ao amarrar o meu
cabelo castanho e longo em um rabo de cavalo.
O carro atrás buzina e alguém grita:
— O estacionamento é para desembarque. Dê o fora ou saia do
caminho.
— Caramba. — Dylan diz olhando para o espelho retrovisor.
— É, nada se compara a fúria de uma mãe de subúrbio atrasada para o
café. — eu digo. — Mas não se preocupe, vou ficar bem. E você precisa ir.
— O abraço rapidamente e saio correndo do carro antes que ele me
impeça.
Mas apesar do que eu falei para Dylan, eu não faço ideia do que eu
estou fazendo. Um bando de jovens agitados passam por mim, rindo com
seus amigos, completamente alheios ao fato de eu ser nova por ali. Eu
coloco a minha maior mochila no ombro — ou pelo menos tento, que é
quando eu percebo o que está faltando. Merda.
— Dyl! — Eu o chamo, mas claro que ele não consegue me ouvir do
outro lado do estacionamento. Então eu faço o que sei fazer de melhor: eu
corro, rápido. Eu voo pelo estacionamento, ziguezagueando entre as
fileiras de carros, na esperança de conseguir chegar até Dylan, enquanto
ele se move lentamente através do engarrafamento que se formou à frente
da entrada da escola. Eu estou quase lá, só mais uma fileira, quando uma
buzina e barulho de freios me fazem congelar.
E ali, a trinta cen metros do meu quadril vejo o parachoque de um carro
azul brilhante. Sério? Eu olho de volta para o carro do Dylan a tempo de vê-
lo desaparecer na estrada.
— Droga! — se não fosse por esse carro estúpido, eu teria conseguido.
Eu não estaria parada no meio do estacionamento da nova escola sem
meus horários, meu caderno ou um maldito lápis. — Qual é o seu
problema? — eu me viro colocando as mãos no capô do carro. — Olha por
onde anda.
Eu olho para a cabine para encarar o idiota machista, sem dúvida,
dirigindo esse carro gigante estúpido e me deparo com o par de olhos azuis
mais brilhantes que já vi — que imediatamente se estreitam e me encaram
de volta.
— É você quem está correndo no meio do estacionamento. — ela diz
saltando do carro e me empurrando para longe a fim de inspecionar o capô
do carro. — Se você fez um arranhão neste…
— Você poderia ter me matado!
— Teria sido culpa sua se isso vesse acontecido. — ela diz, se
endireitando de um jeito que faz com que estejamos nariz com nariz —
Onde você estava indo? A escola é do outro lado, caso não tenha
percebido…
E, ai não. Ah, não. Ela é… muito… fofa. E antes que eu consiga perceber,
meu cérebro está fazendo uma lista inú l de tudo que eu não deveria estar
pensando. Tipo como a sua mão perfeitamente bronzeada ficaria perfeita
ao lado da minha mais clara e rosada. E se há marcas de bronzeado
debaixo do seu moletom cinza com capuz e seu jeans apertado. Ah, Deus,
eu sou uma perver da.
Seria muito mais fácil ficar com raiva dela se ela realmente fosse um
cara idiota, mas é complicado. Primeiro que iria requerer uma
reinicialização total do sistema se eu quiser sair dessa sem me constranger.
Primeiro passo: calar a boca que está aberta como se eu es vesse
testemunhando um milagre. Segundo passo: se recompor rapidamente.
Tipo, a parte racional do meu cérebro reconhece que ela é um saco. Mas
a parte não racional quer saber o seu nome, número de telefone, se é
solteira e como ela se sen ria namorando uma estrela do atle smo com
quase nada de persuasão feminina.
— Oi! Eu te fiz uma pergunta. — Ela balança as mãos na frente do meu
rosto. E sim, isso foi de grande ajuda. Por favor, con nue sendo uma idiota,
garota do carro.
— Esqueci a minha mochila no carro. — respondo assim que meu
cérebro volta a funcionar. — Eu estava tentando alcançar meu irmão antes
dele ir embora.
— Por que você não ligou para ele? — Ela aponta para o celular saindo
do meu bolso. É, ok, boa pergunta.
— Ins nto? — eu digo. — Eu sou uma corredora. Eu corro. É isso que eu
faço.
— É, então, não corra por aqui. Isso é um estacionamento. Para
estacionar. Foi para isso que foi feito. — Ela diz, zombando do meu tom de
voz.
— Era uma emergência.
A garota bufa e prende seu cabelo — longo, com fios loiros escuros que
parecem ter sido clareados desde que surgiram — em um coque
bagunçado no topo de sua cabeça — Você tem sorte de não ter um
arranhão seu de quando você socou meu…
— Eu não soquei o seu carro. Eu o pressionei levemente com as minhas
mãos em sinal de frustração.
— Claro. Bem, a boa no cia é que isso vai te custar uma lavagem de
carro para rar as marcas sujas do seus dedos do meu capô. — Ela sorri de
uma maneira maldosa que não deveria deixar borboletas no meu
estômago, mas que realmente acontece. E po, sério? Sério? Será que eu
poderia pelo menos uma vez não sen r atração por alguém que parece
que vai me bater sem pestanejar?
— Eu não vou pagar uma lavagem no seu carro só porque eu o toquei.
Ela dá de ombros e vai até a porta aberta do carro.
— Valeu a pena tentar. Ele está precisando de uma, de qualquer
maneira.
E agora, quando a minha boca se abre, é de aborrecimento em vez de
admiração.
— Valeu a pena tentar? Você… Você quase me matou! Você quase me
matou, e então tentou me enganar me fazendo pagar para lavar seu carro
que já vai ser lavado? Que po de monstro você é?
— O po que não esquece a mochila e que não vai se atrasar para a
aula. — Ela diz antes de entrar no carro e inverter o jogo.
— Idiota! — Eu grito, mostrando o dedo do meio para ela, mas ela revira
os olhos e ri.
Eu tenho o bom senso de esperar até que ela esteja fora de vista antes
de admi r a derrota e pegar meu telefone. Dylan atende no primeiro
toque, parecendo totalmente em pânico. Depois de assegurar a ele de que
sim, estou bem, de que o mundo não acabou e de que nada terrivelmente
ruim aconteceu nos cinco minutos desde que ele me deixou — exceto
quase ser atropelada pela garota mais rude dessa cidade, coisa que eu,
defini vamente, não menciono — ele se acalma o suficiente para prometer
me trazer a mochila.
Encontro um banco perto da pista atlé ca, com uma boa visão do
estacionamento e espero. Tanto trabalho para chegar mais cedo para
encontrar minhas salas. Há algumas garotas correndo na pista, sem dúvida,
devem fazer parte do me da escola, eu me pergunto se elas estão
treinando ou se estão correndo voltas como penalidade. Minha an ga
treinadora, na St. Mary’s, era muito boa nisso. Ela costumava dizer que
chegar cedo fazia bem para a alma, embora meu corpo discordasse
veemente.
Eu reconheço umas das garotas correndo: Allie Marce — nós
compe mos uma contra a outra algumas vezes, e eu meio que conheço
ela. Ela é rápida, mas não tão rápida quanto eu e, defini vamente, não
consegue correr por muito tempo. Ninguém consegue. Bem, ninguém por
aqui, pelo menos. Eu ouvi dizer que ela ia mudar de categoria em sua
úl ma temporada.
Elas passam por mim, seus rabos de cavalo balançando atrás delas. Eu
balanço minha perna, querendo estar correndo também. Mal posso
esperar até mais tarde, quando meus pés finalmente estarão tocando a
pista, forçando meu corpo até meus músculos queimarem, meu estômago
tremer e… eu paro, me lembrando que ainda não sou tecnicamente
membro da equipe, não até minha dispensa sair.
Se isso acontecer. Com a minha classificação anterior, a treinadora não
pensou duas vezes antes de me deixar pra car com elas nos úl mos meses
de aula. Até assinei uma carta de intenção antecipada para poder
concorrer à escola dos meus sonhos — embora no momento esteja “em
espera” enquanto eles “avaliam o incidente”.
Eu passei muito tempo tentando me convencer de que está tudo bem e
que nada disso dói. Que ir de uma atleta famosa a um escândalo é uma
evolução totalmente normal para a qual eu estava totalmente ciente e
preparada. Eu desvio o olhar da linha de chegada enquanto as garotas a
cruzam, tentando não pensar em como deveria ser eu, na minha an ga
escola, com minhas velhas amigas.
Minha mãe vive me dizendo que é apenas uma questão de tempo até
que eu seja liberada para compe r de novo e tudo seja resolvido com a
minha faculdade. Aparentemente, ter como opção se re rar ou ser expulsa
de sua escola — uma escola que seus pais estão processando por um
número de mo vos, incluindo discriminação e assédio — torna muito
menos provável que sua nova escola esteja buscando atletas de elite.
Vamos apenas esperar que a Associação Atlé ca do Ensino Médio
concorde quando finalmente decidirem o meu caso.
A Treinadora não recrutou ninguém. Nós vemos sorte, porque meu
irmão tem um apartamento em um distrito escolar com um programa de
corrida decente na mesma associação, e aconteceu que a escola nha uma
vaga para corredor de longa distância. Se dependesse de mim, eu ainda
estaria correndo com minha an ga equipe do St. Mary, mas não depende.
É o que acontece quando você perde a cabeça com uma professora que
te diz que é contra o estupido código de conduta da escola par cular ser
gay. E então resolve transformar a sua vida em um inferno por causa disso.
Nós tentamos a educação domiciliar quando tudo começou a piorar.
Pensamos ingenuamente que poderíamos esquecer aquela parte da minha
vida e que todo o resto seria como antes. Mas então a escola saiu no
no ciário local e comecei a sen r que todos estavam me observando ou
algo do po. Talvez no início fosse coisa da minha cabeça, mas depois
minhas amigas pararam de me ligar e os pais delas pararam de mandar
mensagem para os meus. A única coisa que me restava era sair de lá.
Tanto faz. Sem problemas. Um novo começo. Uma nova eu. Orgulhosa,
por dentro e por fora. Me posicionando. Tão diver do! É melhor que essa
permissão saia antes do campeonato estadual ou terão que me acorrentar
ao banco para me impedir de compe r. Eu não vou perder a úl ma
temporada de atle smo da minha carreira no ensino médio, então que
Deus me ajude.
O primeiro sinal toca, e todo mundo sai correndo para dentro, o
estacionamento e o terreno da escola se tornam uma cidade fantasma em
questão de segundos. E eu fico sentada, esperando por Dylan. Já atrasada
para meu novo começo.
3
RUBY

Dou risada quando ela me mostra o dedo do meio, porque eu? Eu sou a
idiota da história? Ela é quem sai correndo entre as fileiras de carros
estacionados como um esquilo em alta velocidade. Se tem alguém errado
aqui, é ela. Com certeza. E daí que eu tentei fazer com que ela pagasse pela
lavagem do carro? A garota bateu com as mãos no meu bebê. Ela teve
sorte de eu não as ter cortado.
Eu paro em uma vaga de estacionamento, longe o suficiente para que
ela não possa me ver, mas de onde estou, ainda posso vê-la e, também
vejo, seus grandes olhos castanhos muito zangados. Houve um segundo,
quando o sol passou por eles que pareciam âmbar. Não que eu esteja
interessada nela ou nos seus olhos cor de mel, majoritariamente
castanhos. Mas estou ligeiramente curiosa. É uma escola bem pequena, e
eu conheço a maioria dessas pessoas desde que eu era mais nova. Não é
comum termos novos alunos, especialmente tão tarde no ano le vo —
deve ter algo aí.
Uma ba da na janela chama minha atenção, e me viro para ver Everly —
literalmente a única pessoa na terra autorizada a tocar no meu carro além
de mim — me olhando de maneira engraçada. Eu abro a porta e ela dá um
passo pra trás, passando seus dedos pelas tranças. Um dos caras da equipe
de lacrosse assobia, enquanto passa com seus companheiros, abrindo um
sorriso para ela e acrescentando um:
— Vocês estão bonitas, garotas. — Everly estala a língua.
— Queria poder dizer o mesmo de você, Marcus.
Marcus coloca a mão no peito de maneira dramá ca, recuando,
enquanto o resto da equipe diz em coro:
— Ooooooh! Ai!
Isso sempre acontece com a Everly. Quer dizer, quando você se parece
com a Amandla Stenberg em Harrington Falls, é muito di cil isso não
acontecer, mas mesmo assim. Eu vou aceitar “vocês estão bonitas, garotas”
qualquer dia que as pessoas disserem, desde que ela não esteja por perto.
Eu acho que é isso que você ganha quando quase todo mundo te considera
uma bomba-relógio inú l. Como se fosse só uma questão de tempo antes
de eu começar a cuspir crianças, arruinar a vida dos outros ou algo assim.
Eu puxo meu banco para frente, rando do caminho um par de saltos,
meus sapatos de sapateado e algumas sacolas de roupa para pegar minha
mochila.
— Você sabe que ele gosta de você.
— Eu sei. — ela sorri.
— Mas?
— Mas nada. Ele não me convidou para sair e eu não vou convidá-lo.
— Uau. — eu digo enquanto começamos a caminhar em direção à
entrada do prédio. — Uma bela maneira de retroceder os direitos das
mulheres em uns dez bilhões de anos. Se você gosta dele, vá em frente.
— Falou a garota que sai se esgueirando por aí toda vez que Tyler
Portman manda mensagem pedindo uma foda.
— Ei! — eu levanto um dedo. — Não há nada de errado em ser um ser
sexual. Tanto ele quanto eu mandamos mensagens de maneira frequente.
É casual. Sem queixas, sem sen mentos…
— O cara gosta de você.
— Ele não gosta!
— Esse chupão no seu pescoço diz o contrário. — Coloco minha mão
sobre ele, para cobri-lo.
— Eu passei maquiagem!
— Então, não passou tão bem. — ela ri. — Dê crédito ao Tyler, é
impressionante como ainda dá pra ver mesmo com todo esse bronzeado
em spray que você usou.
— Isso foi coisa da minha mãe. — Eu digo jogando as mãos para cima e
franzindo a testa quando noto uma pequena falha.
— Então, diga para sua mãe que se ela fizer sua bunda branca parecer a
de uma Kardashian, eu não vou parar de reclamar até que você volte ao
tom de pele que Deus te deu.
Eu bufo. Nem me lembro qual é o meu tom de pele mais. Minha pele,
unhas e cabelo têm sido bronzeados, pintados e descoloridos desde que eu
era uma criança. Às vezes — o tempo todo — eu gostaria de poder
remover tudo isso, só para ver como sou por baixo.
— Você acha que eu estou brincando? — Everly sorri. — Se sua mãe
ver que pagar por todas aquelas fotos que tem no Instagram, talvez ela
finalmente te deixe em paz.
Everly é obcecada por fotografia, seu trabalho demonstra sua
excelência. Ela é fantás ca. Ela tem feito meus ensaios nos úl mos dois
anos e fornecido conteúdo para a conta do Instagram que minha mãe
gerencia. Ela acha que posso chamar a atenção de agências de modelo,
mas tudo que conseguimos até agora foram mensagens de uns caras
bizarros.
Mas se esqueçam das fotos com poses e das postagens promovidas.
Everly é a rainha da fotografia espontânea. Ela está sempre com sua
câmera no pescoço, nos fotografando quando menos esperamos. Seu
projeto final de artes é baseado na ideia de que as fotos podem mostrar
quem uma pessoa realmente é, sem baixar a guarda.
Eu não sei; nunca baixei a guarda.
Eu solto meu cabelo do coque bagunçado e o jogo ao redor dos ombros,
cobrindo meu pescoço o melhor que posso.
— Melhorou?
Ela volta para onde Tyler se juntou a Marcus e o resto da equipe de
lacrosse.
— Acho que depende para quem você pergunta.
— Meu Deus, Everly. Um chupão é um sinal de uma noite descuidada,
não de uma declaração de amor!
— Uhum, tá bom, e quando você combinar isso com o senhor “Por
favor, não me deixe, Ruby, por que você não pode passar a noite aqui?" —
Ela une as mãos como se es vesse implorando.
— Nunca vai rolar. — Empurro ela, mas estou rindo.
— Vish — Everly engole seco.
— O quê? — Eu olho em volta, tentando descobrir o que a assustou,
mas a única coisa remotamente fora do comum é a garota nova fazendo
beicinho sozinha em um banco.
— Ah, nada. Só seus traumas paternos aparecendo.
— Ah, me erra! — eu digo, mas no fundo eu não quis dizer isso. Se há
uma pessoa neste mundo que pode e realmente me responsabiliza por
todas as merdas que eu faço, essa pessoa é a Everly. — Não são traumas
paternos. É só trauma de não querer me amarrar a um cara burro do
colégio e acabar que nem minha mãe.
Everly abre a boca para dizer mais alguma coisa, mas não consigo ouvir
devido ao som do sino, sinalizando que é melhor todos nos arrastarmos
para dentro antes que recebamos uma falta.
— Salva pelo gongo. — Everly diz enquanto alcançamos Marcus e o
resto dos caras. Ele pousa o braço no ombro dela e sussurra algo em seu
ouvido que a faz rir.
Tyler está no lado oposto, observando tudo. Ele se afasta um pouco da
mul dão, diminuindo a velocidade para acompanhar o meu ritmo. Ele é
um cara padrão — um metro e noventa, com músculos magros do po
perfeito para lacrosse, com cabelo bagunçado e um rosto gen l que se
ilumina quando ele sorri.
Eu faria, honestamente, qualquer coisa para evitar essa conversa
estranha do dia seguinte… mas não posso porque ele e eu temos a mesma
aula no primeiro período.
— Você foi embora de novo. — Tyler diz, quando os outros não podem
nos ouvir.
— Eu sempre vou. — ainda não entendo por que ele con nua surpreso
com isso. — E você deixou algo em mim. — acrescento, mudando o meu
cabelo de lugar apenas o suficiente para que ele veja. O sorriso malicioso
em seu rosto não me passa despercebido antes que ele volte ao normal. —
Você fez de propósito? — a pergunta sai alto o suficiente para que Everly
vire a cabeça e olhe para mim.
— Relaxa, não foi nada. Eu só exagerei na dose.
— Bem, seria ó mo se você pudesse não exagerar no meu corpo. — Ele
se inclina em minha direção.
— Isso não anularia o propósito de todo o nosso acordo? — Eu o
empurro com meu ombro.
— Só não faça isso de novo. Ok?
— Foi sem querer, Ruby. — ele diz, seu tom de voz se tornando menos
brincalhão. — Você não vai me fazer sen r como um idiota só porque você
quis sexo e eu te dei.
— Jesus, Tyler. Não seja um babaca.
— Eu não sou a pessoa babaca aqui.
— O que você quer dizer com isso? — Eu largo minha bolsa em cima da
minha mesa. E, ok então, eu acho que esse vai ser o assunto do dia.
Primeiro sou a idiota e agora, aparentemente, também sou uma babaca.
Perfeito.
— Você sabe exatamente o que eu quero dizer com isso — Ele diz, e
atravessa a sala até sua cadeira.
Mas eu não sei o que isso quer dizer. Eu realmente não sei.
A menos que ele esteja se referindo ao negócio de eu sempre ir embora,
o que não vai rolar.
Eu olho pela janela, uma dor de cabeça já se formando atrás dos meus
olhos. Observo a garota nova sair do banco e caminhar até um Honda Civic
de merda — cinza, com pequenas manchas de ferrugem no pára-choque.
Eu vejo um vislumbre do motorista quando ele se inclina para fora da
janela para dar a ela uma mochila. Defini vamente não era o pai dela —
muito jovem — mas a maneira como ele bagunça o cabelo dela quando
pega a bolsa significa que ele também não é o namorado. Uma pequena
parte de mim relaxa com essa percepção. Tento não pensar muito sobre o
que isso quer dizer.
Procuro um lápis em minha mochila, qualquer coisa que desvie os meus
olhos da garota do lado de fora, grata quando meu telefone vibra no bolso.
Pego-o e encontro cerca de uma dúzia de mensagens de texto da minha
mãe, lembrando-me que tenho aula de sapateado esta noite às seis e
meia, e para usar sapatos bons, sorrir e ter certeza de fazer o cheque para
uma semana depois da data, e… e… e… sempre há mais instruções. Mamãe
gosta de dizer:
"A única coisa melhor do que ser uma rainha do concurso é: ser a mãe
de uma rainha do concurso". Exceto que eu acho muito di cil acreditar
nisso.
Mas há algumas coisas que não são para serem ditas em voz alta: po
como o sonho dela não é mais o meu sonho, não é há um tempo, não
importa o quanto eu tente forçar. Tipo, como eu gostaria que aquele
cheque pré-datado fosse para contas e man mentos, e não para aulas de
sapateado que odeio, que spray bronzeador não vai fazer bem a ninguém.
Tipo, como eu estou fingindo sorrisos há tanto tempo que estou com medo
de não saber mais como é um sorriso verdadeiro.
4
MORGAN

Eu gostaria de poder dizer que o resto da manhã foi melhor, que depois
de esquecer minha mochila e quase ser atropelada por um carro, foi tudo
tranquilo. Mas não foi. A inspetora me fez uma enxurrada de perguntas por
estar atrasada e depois me mandou para a diretoria, aparentemente não
convencida de que eu era uma aluna nova, porque "novos alunos não
começam no final do ano le vo." O que faz sen do, mas é o que eu sou e o
que estou fazendo.
Depois que tudo foi esclarecido, fui para o meu armário, onde a
combinação que me deram defini vamente não funcionou, e então o
período de planejamento acabou e o primeiro período começou. Acho que
a inspetora sen u mais pena do que aborrecimento enquanto me
acompanhava de volta ao escritório, onde o diretor disse:
— Já sen u nossa falta? — Uma jus fica va de atraso e uma nova
combinação depois, eu estava a caminho. Mais ou menos.
Porque eu também já estava atrasada para o terceiro período. Foi tolice
a minha pensar que todas as 200 salas de aula ficavam no segundo andar,
mas descobri que a sala 215 fica na nova ala do primeiro andar. Qual o
sen do disso?
Por um milagre, chego à minha aula do quarto período, Ciências
Polí cas — o úl mo período antes do almoço — mais cedo. A professora se
apresenta como a Sra. Morrison, me entrega um livro didá co e diz para
sentar em qualquer lugar. É quando eu percebo que as carteiras estão
alinhadas em um semicírculo ao redor da sala, em vez de filas, como todas
as salas da minha an ga escola. Claramente, não há ordem por aqui.
— Os assentos não têm os nomes das pessoas? — Eu pergunto, olhando
em volta enquanto todos os alunos entram.
— Não, Srta. Ma hews, não na minha sala de aula. Você é livre para
escolher qualquer carteira.
Eu examino a sala, selecionando um assento à direita e na parte de trás,
com uma boa visão da professora e de todos os outros. Não que haja muita
escolha; a forma como as coisas estão configuradas faz com que todos
estejam visíveis o tempo todo. Muito esperta. Vai ser quase impossível
enviar uma mensagem de texto ou parar de prestar atenção na aula sem
que ela perceba.
Allie entra, me dando um sorriso encorajador enquanto caminha alguns
passos para dentro da sala. Ela ocupa um lugar vazio ao lado de uma
pessoa que só posso presumir que seja sua amiga, pela maneira como elas
imediatamente começam a conversar. Tudo bem. Ou vai ficar, depois da
escola, quando eu encontrar o me, espero ser mais bem recebida do que
o meu an go me — elas se afastavam de mim como se eu fosse uma
batata quente. Ou talvez isso tenha acontecido depois que chamei a
treinadora de homófobica e misógina. Enfim.
Eu abaixo minha cabeça e folheio o livro, examinando as páginas e
desejando estar em qualquer lugar, menos aqui, até que alguém chuta
minha cadeira. Eu olho para cima e dou de cara com a garota do carro. O
coque bagunçado se foi, seu cabelo está caindo como uma cascata em
volta de seu rosto, que eu defini vamente fico olhando por muito tempo.
Ela limpa a garganta.
— Você está sentada no meu lugar. — ela diz, não de uma maneira rude,
mas com extrema firmeza… Sem ceder espaço para discussão.
— Achei que as carteiras não nham donos. — Digo, embora meu
ins nto me diga para minhas coisas e correr. Mas eu cansei de recuar. Esta
é uma nova versão minha.
Ela range os dentes.
— É algo implícito.
— Como?
— Olha, eu entendo que você seja nova e tudo mais, mas este é o meu
lugar e tem sido desde setembro, então se você pudesse passar por cima…
— Engraçado você dizer ‘passar por cima’ — eu sorrio. — Isso é meio
que uma coisa sua, né? Passar por cima dos outros?
Eu posso jurar que suas narinas dilataram. Seria fofo, se ela não fosse
tão irritante. Ah, que se dane, ainda é defini vamente fofo, mas estou
tentando ignorar. A menos que expandir as narinas num momento de raiva
conte como flerte, se for assim…
— Você quase bateu no meu carro, não o contrário.
— Algum problema, senhoritas? — A Sra. Morrison pergunta, virando-se
do quadro branco e levantando uma sobrancelha ques onadora.
Abro a boca para dizer que sim, há um problema, um problema muito
grande, na verdade, mas não maior do que o meu nível de atração por essa
pessoa, que é claramente a rainha de todos os idiotas do mundo, mas sou
interrompida por uma voz do outro lado da sala.
— Seu nome é Morgan, certo? — Allie diz, e eu me viro em sua direção.
— Senta com a gente. — Ela bate o lápis na mesa vazia ao lado dela.
Eu me viro para a garota pairando sobre mim, hesitante em deixá-la
vencer, mas ela parece mais entediada do que irritada agora, então não
parece que vale a pena retomar a discussão. Pelo menos não por hoje.
Pego meus livros e deslizo para fora da cadeira.
— Primeiro dia di cil? — Allie pergunta quando eu me jogo no assento
ao lado dela. Ela rou suas roupas de corrida e colocou um suéter de
aparência macia, com as mangas puxadas para baixo sobre as mãos. Suas
unhas vermelhas e brilhantes aparecem, em contraste com a brancura de
sua pele.
— É, po isso. — Eu respondo enquanto a Sra. Morrison anuncia que ela
esqueceu uma apos la no escritório e que já volta. Ela nos diz para abrir o
livro na página 106 e então desaparece pela porta.
— Então, esta é a Lydia. Ela também está na equipe de atle smo. — Allie
aponta para a garota ao lado dela.
— Ei, a treinadora está animada por você estar aqui. — Diz Lydia,
empurrando para trás o cabelo preto ondulado que cai ao redor de seu
rosto. O corte da gola de seu moletom é muito grande e um dos lados cai
por ombro, expondo ainda mais sua pele marrom clara. Os professores da
minha an ga escola teriam um ataque cardíaco se vissem isso.
— É? E como todo mundo se sente? — Só porque a treinadora está
"empolgada", não significa que o resto da equipe esteja. Eu sou uma atleta
um pouco controversa.
Allie e Lydia trocam um olhar que já me diz tudo.
— Isso é ó mo, né? — Lydia enrola uma mecha no dedo.
— A maioria do me está de boa. E o resto, você não precisa se
preocupar. Você recebe sua permissão e nos leva às estaduais, e as pessoas
vão ignorar todo o resto.
Certo. Todo o resto. Tipo essa coisa sobre ser super gay, toda essa coisa
de ser transferida ou ser expulsa, toda essa coisa de "ter uma das minhas
candidaturas a faculdades de elite revogada e a outra colocada em
“espera” logo depois de os no ciários falarem a meu respeito.” Mas, ei,
qualquer faculdade que não me aceite — como eu sou — não é uma
faculdade que eu gostaria de estudar de qualquer maneira, certo? Pelo
menos é o que digo a mim mesma quando acordo todos os dias.
— Só não querem se envolver. — Allie interrompe. — Tipo, nós não nos
importamos se você é gay ou algo assim… — Ela sussurra a palavra "gay"
como se fosse algum po de segredo horrível. O que não é.
— Legal, então, eu realmente me importo com isso. — Eu digo, o que faz
um silêncio constrangedor crescer entre nós, mas eu acho que é melhor
deixar isso esclarecido, em vez ser empurrada para dentro do armário de
novo.
Allie parece chocada.
— Ai meu Deus, isso foi tão errado. Claro que você se importa. Claro que
eu me importo! Está tudo bem! É…
— Cala a boca, Allie. — Lydia sorri, se inclinando ainda mais para frente,
para me encarar. — Olha, já que tornamos isso estranho, eu vou ser direta
e dizer que, nº 1: Allie mete os pés pelas mãos com bastante frequência e
nº 2: eu sou pan, então você não é a única garota queer do me. Quando
eu disse que as pessoas vão ignorar todo o resto, eu quis dizer, po, sobre
as coisas de ser expulsa da outra escola. Ninguém na equipe se importa
com quem você, eu, Allie ou qualquer outra pessoa está namorando,
contanto que não interfira no nosso desempenho. Neste ponto, estamos
todos apenas procurando fazer o suficiente e sobreviver estes úl mos
meses. E eu acho muito legal que você se impôs na sua velha escola por
isso. Foi uma merda o que tentaram fazer com você.
Eu não nha percebido o quão grande é o peso que sen a no meu peito,
até agora, quando tudo foi liberado. Eu sorrio pela primeira vez durante
todo o dia quando a professora retorna, acenando com um monte de
papéis na mão.
— Quem está pronto para aprender sobre as emendas? — Ela pergunta
cantarolando.

•••

— Então, qual é o problema dela? — Eu pergunto no final da tarde, após


a sala de estudos espor vos, quando estamos caminhando na pista nos
aquecendo.
Allie vira a cabeça na direção que estou olhando, onde a garota desta
manhã está sentada cercada por um grupo de outras pessoas nas
arquibancadas.
— Quem?
Eu dou de ombros.
— Sei lá. A garota da aula de ciências polí cas, aquela que disse que eu
sentei no lugar dela.
— Ah, sim, Ruby Thompson. Eu recomendo que você fique longe dela.
— Por quê?
— Porque ela é problema? — Allie diz ao mesmo tempo que Lydia diz:
— Porque ela é confusão.
Eu olho para Ruby mais uma vez.
— O que vocês querem dizer com isso?
— Hum, por onde devo começar? — Allie diz. — Além dela, po, ter
aquela aura de “eu vou te matar se você me olhar errado”? Vamos ver, ela
é desagradável, está sempre em detenção, ela meio que dorme com todo
mundo, mal fala com ninguém, exceto, com a Everly Jones, e eu juro por
Deus que ela jogou algum po de fei ço no Tyler. Ele está, po, apaixonado
por ela…
— Espera, quem é Tyler? — Eu pergunto.
Lydia balança a cabeça.
— Tyler Portman. Ele é jogador de lacrosse e a paixão de Allie desde a
sexta série.
Eu inclino minha cabeça.
— Então isso é po Garotas Malvadas? Vocês duas não gostam dela por
causa de quem ela está namorando?
— Não. — diz Lydia. — Ignore essa parte. Sua reputação de ser
encrenqueira vem muito antes de Tyler, acredite em mim.
— Sério. — Allie diz, pegando minha mão e me puxando para mais perto
da pista. — Evite-a. E defini vamente não faça mais nada para irritá-la.
— Ela quase me atropelou com o carro hoje de manhã. — eu estremeço.
— E daí eu meio que ba com minhas mãos no capô, então tenho certeza
de que ela já não gosta de mim.
Os olhos de Lydia se arregalaram.
— Você tocou no carro dela?
— Ela quase me atropelou!
— É, no seu lugar eu teria deixado. — diz Lydia.
Allie acena com a cabeça.
— Pelo menos acabaria mais rápido.
Antes que eu possa responder, a treinadora apita.
O treino começou.
5
RUBY

Eu vejo a garota nova, com Lydia Ramírez e a maldita da Allie Marce ,


olhando para mim enquanto elas começam a se aquecer. Tenho certeza
que elas se acham su s, mas não são. Eu me pergunto o que as duas estão
dizendo a ela — provavelmente algo parecido com Ruby é um problema,
fique longe dela, o que é algo bom. Não me importo que as pessoas falem
sobre mim; eu só queria que elas fossem um pouco menos óbvias ao fazer
isso.
— E aí, Ruby. — diz Marcus. Ele dá um leve empurrão no meu ombro
enquanto se joga na arquibancada ao meu lado, passando as mãos no seu
cabelo antes de pegar seus AirPods. — Você poderia dar uma olhada no
carro da minha mãe neste fim de semana? Ele está fazendo um barulho tão
alto que ela fica estressada.
— Posso sim, sem problemas. — eu digo, enquanto as garotas do me
do colégio começam a dar voltas lentas ao redor da grama em frente à
arquibancada. — Mas você já sabe qual é o pagamento.
Marcus concorda com a cabeça.
— Ela já está com os ingredientes.
Eu sorrio. Conheço Marcus Williams desde que éramos crianças, ele e
sua mãe vivem do outro lado do parque de trailers onde eu moro. Sua mãe
costumava ser minha babá às vezes, quando eu era pequena, e minha mãe
nha que trabalhar dois turnos. Eu não me lembro muito daqueles anos —
é uma espécie de borrão de desfiles e babás aleatórias —, mas lembro que
a Sra. Williams fazia o melhor macarrão com queijo que já provei na vida.
Uma vez, criei coragem para perguntar a ela se era Velveeta, porque
com certeza não era o queijo em pó e a massa de marca comercial com a
qual eu estava acostumada. Com o preço de U$3,99 a caixa, o Velveeta
sempre pareceu algo glorioso e inalcançável. A Sra. Williams apenas riu e
disse:
— Não, querida, eu mesma o fiz do zero.
Acho que nunca nha comido uma refeição feita do zero antes disso.
Não que a minha mãe nunca tenha tentado. Quer dizer, ela consegue usar
um batom de cor forte, sorrir como uma modelo e falar sobre como quer a
paz mundial, mas seu treinamento em concursos não abrangeu habilidades
do po "como criar um bebê aos dezesseis anos quando sua mãe a expulsa
e seu namorado te abandona” ou “sua filha e você: como fazer refeições
caseiras nutri vas com um orçamento de dois dólares depois de trabalhar
um turno duplo quando você mal tem idade para votar”.
E ainda hoje, as únicas vezes que comi uma boa refeição foi quando a
Sra. Williams precisou que eu consertasse seu carro. Ela e Marcus dizem
que posso aparecer a qualquer hora para comer, mas nunca aceito o
convite. Comer da comida dos outros não parece certo, mas fazer uma
troca por ela parece ser justo.
Everly aparece ao nosso lado, dando um empurrão, de um jeito bem-
humorado, em Marcus antes de se sentar ao meu lado. Ele a encara de
forma apaixonada enquanto ela pega a câmera e tenta não sorrir. Eles
estão nessa há muitos meses, e por mais que me mate dizer isso, acho que
seriam um casal perfeito. Um segundo depois, as namoradas de alguns
caras do lacrosse e outros retardatários se juntam a nós.
A equipe de lacrosse tem uma par da "amigável" com outra escola hoje,
e normalmente Marcus estaria jogando, mas ele "não está progredindo
rápido o suficiente" de uma concussão, então vai ficar de fora.
Tecnicamente, é um amistoso, mas eu sei que Tyler vai dar tudo de si. Ele
faria a mesma coisa se o cara que acertou Marcus na cabeça com uma bola
— custando a eles seu melhor defensor — não es vesse no me
adversário.
E talvez atrapalhe um pouco o nosso acordo eu estar aqui para torcer
por ele, junto com o resto da equipe e o monte de namoradas dos outros
caras do me, mas não tenho nada melhor para fazer esta tarde, e Deus
sabe que não não estou afim de voltar para casa logo agora que Chuck
fixou residência permanente em nossa sala de estar.
— A gente perdeu alguma coisa? — Uma das garotas atrás de mim
pergunta, e eu reviro os olhos porque claramente os caras acabaram de
entrar em campo.
— Só os corredores iniciando seus exercícios. — Diz Everly, parecendo
entediada. Ela levanta a câmera e começa a rar fotos, enquanto a equipe
de lacrosse sai do ves ário e entra para o campo. Tyler está no centro,
sorriso no rosto, capacete na mão, e o resto da equipe se espalha ao redor
dele como se fossem versões gigantescas e suadas dos cães da minha mãe.
Eu não sei como ele aguenta.
Eu olho para a pista a tempo de ver a nova garota terminar primeiro.
Lydia, que é a mais rápida da escola desde o dia de atle smo na quarta
série, termina vários segundos depois. Uau, acho que a garota nova é
realmente boa. Ela cruza as mãos sobre a cabeça enquanto caminha, suas
bochechas coradas devido ao esforço, seu peito arfando, e então ela olha
diretamente para mim. Juro por Deus que todo o universo desmorona ao
meu redor, e tudo que consigo sen r é desejo.
Clique.
Eu viro minha cabeça em direção ao som. Everly abaixa sua câmera e
estuda sua tela.
— Uau, essa ficou linda. Eu nunca pensei que algum dia fosse conseguir
rar uma foto sua sem aquela cara de cu que você faz o tempo todo.
— Deleta isso, por favor. — Eu imploro, e ela franze a testa.
— Por quê? Olhe para isso. — Ela segura a câmera na minha direção,
mas eu desvio o olhar. Não quero ver a foto. Não quero saber como fico no
único momento solitário em que eu me deixei ser fotografada. Reprima
isso, Ruby. Digo a mim mesma, empurrando todos os pensamentos da
nova garota, suada e respirando com dificuldade, para o maior cofre da
minha cabeça com um grande não.
— Uau, ela é muito rápida. — Disse uma das namoradas dos jogadores.
Eu não me incomodo em aprender seus nomes; os caras nunca ficam com
elas por tempo suficiente… E ainda assim, de alguma forma, sou eu que
tenho uma reputação.
— Acho que o nome dela é Morgan. — diz Marcus.
Everly se vira para ele.
— É estranho o fato dela ter se transferido no final do ano.
— Ouvi dizer que ela veio de uma puta escola par cular rica em
Connec cut — Diz outra garota.
— Ouvi dizer que era uma escola católica e que ela socou uma freira, ou
algo do po. — Diz a primeira garota.
Marcus balança a cabeça.
— Não, eu ouvi a Allie falando sobre ela na semana passada, na aula de
pré-cálculo. Ela é uma grande estrela da corrida ou algo assim. Ela está
aqui apenas para terminar a temporada e nos levar às estaduais. Allie falou
como se ela pudesse ir para uma D12.
— O que é isso? — Eu pergunto, porque o único D1 que eu conheço é: a
marca e o número do modelo das velas de ignição que eu ve que
encomendar para um dos clientes de Billy outro dia.
Everly agarra meu ombro e franze o rosto em descrença.
— Como você pode assis r tanto o seu brinquedinho jogar lacrosse e
nem mesmo saber o que é uma faculdade da Divisão 1?
— Ele não é meu brinquedo. — Afasto a mão dela. Ela sabe que não
deve fazer isso, especialmente na frente de Marcus. E me desculpe por não
saber, mas garanto que se eu pedisse para ela para explicar a diferença
entre um ves do cupcake e um ves do de corte A, ela estaria tão perdida
quanto eu.
— Você fica com ele, não é? — Marcus pergunta, me rando dos meus
pensamentos. — E você está aqui para vê-lo jogar. Não culpe ninguém por
pensar essas coisas.
Eu olho para Everly, implorando — mas em vez de encontrar consolo no
rosto da minha melhor amiga, ela apenas toca na tela de sua câmera.
— Quer dizer, ele tem razão. As fotos não mentem.
E, ah, merda, eu penso, olhando para a foto. Parece que estou pronta
para pular a divisória do campo e pedir alguém em casamento.
— Apague isso. — Eu digo, e Everly responde:
— Nananina-não. — Claramente pensando que isso é algum po de
piada.
Mas não é uma piada; não é. Mesmo que Everly pense que eu estava
olhando para Tyler quando ela rou isso, eu sei a verdade. E não preciso
dessa verdade.
De repente, me sinto claustrofóbica, as arquibancadas ficam lotadas
com os pais vindo assis r a par da, e eu… não consigo estar aqui. Pego
minha bolsa no degrau ao meu lado e desço as escadas, lutando contra a
mul dão de mães ansiosas com bebês amarrados ao peito, e quase
tropeço em uma bolsa de fraldas no processo.
— Ruby, espere! — Everly diz, saltando atrás de mim. — Eu estava
brincando. Todo mundo sabe que vocês estão apenas ficando.
— Meu Deus. — eu falo com voz con da, porque gritar não torna as
coisas melhores. — Dá para esquecer isso?
Everly franze o rosto daquela maneira que diz: eu fui longe demais? Por
favor, não fique brava.
— A gente se encontra depois do jogo, no restaurante? Ou você tem que
trabalhar hoje à noite?
— Não, mas tenho uma aula de sapateado às seis e meia.
— E depois disso? — Eu não deixo de notar o tom esperançoso em sua
voz.
— Vou ver. — Eu digo. Me despeço enquanto ando para trás, dando um
sorriso que minha mãe chama de meu sorriso “realista”. Aquele sorriso
que não pode ser confundido com o meu: por favor, juízes, vejam quanto
tempo eu passei clareando meus dentes ou o meu sorriso o que, eu? O qual
reservo para os juízes mais perver dos, que preferem compe doras mais
midas.
Everly ri e responde da mesma forma, confirmando que ainda estamos
de boa. Mas ela não vê como meu sorriso desmorona logo em seguida, ou
como meus olhos se enchem de lágrimas quando chego ao meu carro,
pesquiso “divisão um” e percebo que é apenas outra coisa fora do meu
alcance, como o Velveeta no macarrão com queijo ou uma mãe que
realmente te escuta.

•••

A garagem do Billy fica a apenas dez minutos de carro da escola. É um


prédio an go e enferrujado com dois espaços que abrigam elevadores
automo vos barulhentos, e vidros nas portas tão sujos que você não
conseguiria ver nem se tentasse. Na parte de trás, encontram-se um monte
de carros velhos que vasculhamos em busca de peças, na frente estão duas
picapes de dez anos que ele está tentando vender e alguns carros clássicos
dos quais ele não se separaria nem mesmo em seu leito de morte. Juro por
Deus, ele vai pedir para ser enterrado em um. Se eu puder cumprir seu
desejo, ele será enterrado assim.
Billy é basicamente meu pai. Bem, padrasto. Ex-padrasto, tecnicamente.
Meu pai real é mais um doador de esperma do que um pai, então Billy é a
coisa mais próxima que eu tenho. Ele e a mamãe foram casados por quase
seis anos antes que as brigas se tornassem algo demais para ele suportar e
eles se separassem. Eu não o culpo; minha mãe é uma pessoa di cil de se
conviver. Ele tentou bastante.
Billy é quem me ensinou a trabalhar em carros e ele deixa eu me
esconder aqui sempre que preciso. Se mamãe soubesse quanto tempo eu
passo aqui, ela provavelmente tentaria incendiar o lugar. Ela nunca
superou Billy — acho que ela pensou que ele seria o que ficaria. E ele ficou,
mais ou menos, mas não exatamente por ela. Adicione isso à lista de coisas
pelas quais me sinto culpada.
Eu estaciono no meu lugar habitual, fora da oficina, sen ndo o peso do
dia — e os comentários de Marcus — recaindo sobre mim. Sim, este lugar
é uma merda, mas posso trabalhar e sen r que estou fazendo algo ú l com
meu tempo. Consertar algo quebrado é bom.
Bato a porta do carro enquanto Billy sai, enxugando o suor do rosto com
um pano engordurado e cuspindo em uma garrafa vazia de Gatorade. Billy
não fuma — ele diz que sua oficina é muito inflamável —, mas ele masca
tabaco, o que é igualmente nojento. Ele tem uma boa aparência para um
cara na casa dos quarenta e, ao contrário de mim, a sua pele é bronzeada
naturalmente. Não é incomum para ele pegar trabalhos estranhos —
paisagismo, colocar telhados, o que quer que seja — quando a loja não
está com muito movimento. Billy e eu somos muito parecidos nesse
aspecto. Ambos preferimos trabalhar com carros, mas nenhum de nós
realmente se importa com o que estamos fazendo, contanto que estejamos
trabalhando com nossas mãos.
Minha mãe, por outro lado, passa o tempo tentando me manter quieta
e reclamando sobre as minhas unhas.
— Ruby. — ele diz, com um sorriso nos lábios. — Não esperava ver você
aqui hoje!
— Sim, bem, ela está pendendo um pouco para a direita. — minto. —
Pensei que talvez você pudesse dar uma olhada comigo.
Ele me olha de cima a baixo, estreitando os olhos antes de concordar.
Nós dois sabemos que fiz alinhamentos suficientes para consertar isso de
olhos fechados, caso necessário.
— Vamos colocá-la no elevador, então. — ele diz, sem se intrometer ou
insis r no assunto. Ele sempre entende. — só porque uma pessoa não quer
ficar sozinha, não significa que ela queira falar sobre isso.
6
MORGAN

— Ei! — Allie salta atrás de mim, sacudindo meu ombro. Estou


estudando a lista de clubes pregada no quadro de avisos no saguão
principal da escola. O sinal final acabou de tocar, e enquanto a maioria das
pessoas está indo para seus ônibus, devemos estar a caminho da sala de
estudos espor vos antes que o treino comece.
Caímos na ro na facilmente, mesmo fazendo apenas uma semana que
estou aqui. Achei que alguns dos meus companheiros de equipe ficariam
chateados por eu ter aparecido do nada, mas têm sido muito legais. Eu me
pergunto discretamente se o processo que meus pais estão movendo
contra minha an ga escola tem algo a ver com isso, mas tento não pensar
muito a respeito.
— Oi. — eu digo, puxando um folheto do Clube do Orgulho LGBT e
empurrando o alfinete de volta no quadro de cor ça.
— Você está indo para a sala?
— Eu meio que queria dar uma olhada nisso. — Digo, porque além de
Lydia, eu realmente não conheci ninguém que seja queer como eu. Não
que seja exatamente fácil quando você é nova na escola; não dá para
simplesmente aproximar-se de alguém e dizer: Oi, sou super gay. Você
também é? Apesar do que minha mãe parecia pensar quando fizemos uma
vídeo chamada na noite passada.
— Ohh, bem sua cara. — Allie diz, olhando o folheto.
— Você quer vir?
Sua expressão muda, por apenas um segundo. Apenas tempo suficiente
para eu perceber.
— Esse não é o meu po de coisa. — Diz ela, seu desconforto me
cortando como uma faca.
— Aqui diz: ‘aliados são bem-vindos’ — eu pressiono. — Você é uma,
então…
— Eu sei, e é legal e tudo mais. Não tenho problemas com quem vai.
Mas não é a minha praia.
— Lydia vai?
Allie balança a cabeça.
— Ah, não, os pais dela são do po que ignoram o fato e fazem de conta
que nada está acontecendo quando o assunto é quem ela está namorando,
e ela é muito discreta na escola. Além disso, não sei como a equipe reagiria
se ela realmente falasse sobre. — Ela diz isso sem rodeios, como se
es vesse falando com outra pessoa. — Não com alguém queer e que faz
parte do me.
— O que quer dizer com isso?
— Ah! — ela diz, seus olhos ficando arregalados. — Eu não me referi a
você. Ninguém se sente estranho com você, nem nada! Juro! É só que a
Lydia é… Lydia. Nós crescemos com ela. É diferente.
— Ok. — Não tenho certeza de como seria diferente, mas também não
quero perder metade dos amigos que fiz desde que me mudei para cá por
causa disso também.
— Nós nos orgulhamos do seu orgulho, mas eu não tenho orgulho.
Eu estreito meus olhos.
— Quer dizer, eu me orgulho de você! Obviamente! Mas eu não tenho,
você sabe, orgulho. — Ela sussurra a úl ma palavra e, ah, tudo bem, eu
entendi.
— Eu sei que você é hétero. É por isso que falei sobre aliados serem
bem-vindos.
Ela parece aliviada, como se talvez eu fosse dar em cima dela ou trazê-la
para o vale, algo assim. E embora eu esteja sorrindo, meu estômago dói.
Por que isso sempre tem que ser tão estranho? Só porque gosto de
meninas, não significa que me sinto atraída por todas elas.
Eu suspiro e me viro para colocar o folheto no lugar quando — como a
cereja no topo de um bolo — Ruby Thompson empurra a mul dão de
pessoas ao nosso redor, e eu a a njo de maneira espetacular com minha
bolsa de corrida.
— Jesus, Ma hews, presta atenção no que você está fazendo. — Diz ela
enquanto passa por mim. Eu a observo se afastar, tentando ficar irritada e
não me impressionar com o fato dela saber meu nome. Bem, meu
sobrenome, pelo menos. Não me importo. Nem um pouco. Quem se
importa com isso? Eu não.
Droga. Por que ela tem que ser tão fofa?
— Foi mal. — Allie grita atrás dela, como se ela pudesse se desculpar
por outra pessoa.
Eu empurro o alfinete um pouco mais forte, desejando que eu pudesse
enfiar um alfinete em toda a minha estúpida paixão.
— É só eu ou a Ruby está sempre irritada?
— Tentamos avisar você. — Allie pega meu braço. — Evite-a, evite-a,
evite-a.
— Mas seria bom se ela não me odiasse sem mo vo.
— Você tocou no carro dela! — Allie ri. — Mas, falando sério, não leve
para o lado pessoal. As únicas coisas que Ruby não odeia abertamente são
aquele carro e o pau de Tyler Portman.
Eu fui tão pega de surpresa que literalmente engasguei com minha
saliva.
— O que você fez agora? — Lydia pergunta, caminhando e olhando feio
para Allie.
— Nada, eu juro. — Ela levanta as mãos em sinal de rendição. — Acho
que o corpo dela rejeita totalmente qualquer menção a pau.
Lydia bate no braço de Allie.
— O quê? É verdade! Tudo que eu disse foi que Ruby gostava de Tyler
Portman…
— Eeeenfiiiim… — Eu digo, desesperada para mudar de assunto.
Lydia levanta seu livro de ciências polí cas, me jogando uma isca.
— Está pronta?
— Hum, na verdade, — digo, um pouco curvada. — acho que vou à
reunião do Clube do Orgulho LGBT, mas encontro vocês na pista para os
aquecimentos… A menos que você queira vir? — Eu me concentro em
Lydia, tentando implorar telepa camente.
Ela hesita por meio segundo, olhando para Allie antes de balançar a
cabeça.
— Não, eu tenho uma tonelada de dever de casa para fazer. Então, vejo
você no treino?
— Sim. — Eu as vejo ir embora. — Encontro vocês no treino.

•••

Não tenho ideia do que vou encontrar quando entro na reunião do


Clube do Orgulho LGBT. Não nhamos nada parecido com isso na minha
an ga escola. Apenas o pensamento de um clube como este exis ndo em
qualquer lugar provavelmente deve deixar a diretora acordada à noite,
suando frio.
Minha boca fica seca quando entro na sala. Estou desesperada pela
sensação de ter uma trilha de tartan sob meus pés ou asfalto sob meus
tênis ou, literalmente, qualquer coisa confortável e esperada. Correndo —
de corrida eu entendo, mas isso… eu nem sei o que é isso. O que se faz em
um clube do orgulho LGBT? É um ponto de encontro? Ou é como terapia
em grupo? Eu deveria estar aqui?
Na minha an ga escola, orgulho não era algo permi do — até mesmo a
aceitação, aparentemente, era demais. Eu respiro fundo, e depois de novo.
Este é o seu novo começo, eu me lembro. Você prometeu isso a si mesma.
Chega de se esconder. Chega de se misturar. Chega de fugir das conversas
di ceis.
Mas isso não significa que estou pronta para sentar em frente ou no
meio deles também.
Vou direto para o fundo da sala e deslizo em uma cadeira da úl ma
fileira, tentando permanecer impercep vel enquanto dou uma olhada. Há
cerca de uma dúzia de adolescentes sentados na frente, alguns de pernas
cruzadas em cima das carteiras, alguns comendo lanches, mas além de
alguns olhares curiosos, a maioria me ignora. Eu não sei o que estava
esperando — não um abraço em grupo ou um banner gigante de boas-
vindas, mas talvez, po, pelo menos um solitário "Ei" ou "Oi".
Pego meu telefone e começo a verificar minhas mensagens, não que eu
tenha alguma. A maioria dos meus velhos amigos cortou contato comigo,
por escolha ou porque seus pais os obrigaram. É como se pensassem que
poderiam pegar a doença gay — ou a expulsão — de mim. Pelo menos
existem umas mil mensagens de texto no bate-papo em grupo entre eu,
meus pais e Dylan para me atualizar. Entro apenas o tempo suficiente para
dizer: Oi, estou viva, sim, estou tendo um bom dia e não, não preciso que
ninguém saia de carro e dê uma olhada só porque demorei para
responder hoje. Eu os encontrarei em nosso jantar de família em alguns
dias — foi uma das condições dos meus pais para que eu me mudasse para
cá.
Meus pais estão meio que enlouquecendo por eu estar morando fora. O
que eu entendo. Eu ve que me mudar; eles não conseguiram — ou não
podiam, não com seus empregos. Mas com a faculdade se aproximando de
qualquer forma, isso é pra camente um teste de um semestre a distância…
pelo menos é assim que estou tentando associar isso. E, olha, as pessoas
perdem seus amigos an gos e fazem novos na faculdade o tempo todo. É
normal. Isto é normal. Eu fico olhando para a minha caixa de mensagens,
agora vazia. O que aconteceu no St. Mary’s foi apenas uma aceleração do
inevitável, só isso. Amigos mudam depois do colégio.
— Ah! Temos um novo rosto hoje! — a professora diz enquanto entra. É
a Srta. Ming, minha professora de inglês. Eu não estava esperando por isso.
— Fico feliz em ver você aqui, Morgan. Eu esperava que você aparecesse.
— Obrigada. — eu digo.
— Por que você não vem para cá para a frente e se junta a nós?
Hesito por um segundo, porque isso parece importante. Isso parece
muito importante. Tipo um primeiro passo, mal consigo assimilar e…
— Nós não mordemos. — Diz uma das garotas com um sorriso de
amigável. Ela tem uma covinha perfeita e pele bronzeada profunda que se
destaca contra o branco do seu moletom do Harry Styles. Acho que a
reconheço da minha aula do segundo período. Anika, talvez?
— Fale por si só. — Diz outro garoto, jogando um papel de bala nela e
rangendo os dentes. Ele é do Leste Asiá co, eu acho, e quando ele se vira
para mim, com uma piscadela, percebo que ele está ves ndo uma camisa
do Hamilton. Eu já gostei dele.
— Chega, Drew. — A Srta. Ming diz com um sorriso impaciente,
enquanto eu me sento perto da frente. — Brennan, você vai nos liderar
hoje?
O menino sentado ao meu lado — Brennan, eu acho — me abre um
sorriso tranquilo sob uma montanha de cabelos ruivos brilhantes e sardas
e, em seguida, pega um caderno de sua mesa para se juntar à Srta. Ming,
na frente.
Ele começa a repassar o que ele chama de "negócios an gos".
Aparentemente, está revisando as despesas do clube e o orçamento
restante depois de uma recente viagem de campo para ver a turnê do The
Prom. As palavras entram por um ouvido e saem pelo outro; estou ouvindo
pela metade enquanto olho ao redor da sala, absorvendo a ideia de que
todos esses adolescentes, cada um de um grupo social do ensino médio,
estão aqui se esforçando em prol de um obje vo em comum: aceitação e
união. É tudo que eu sempre quis, talvez até precisei.
Mas não posso deixar de sen r como se algo não es vesse certo. Tem
algo faltando e levo um minuto para descobrir o que. Cada grupo na escola
parece estar aqui, sendo representado nesta sala, exceto um. Exceto o
meu. Eu espero que eles concluam as atualizações e, em seguida, levanto
minha mão, sem ter certeza de qual é o procedimento, mas querendo
chamar a atenção da Srta. Ming.
— Você não precisa levantar a mão, Morgan. Isso não é uma aula; é um
clube.
— Me desculpe. — eu digo, abaixando meu braço. — Eu estava
pensando, hum, se algum atleta da escola vem a essas reuniões?
Uma garota se vira e me encara.
— O quê, não somos bons o suficiente para você?
— Não, não foi por isso que perguntei.
— Uhum. — Ela diz, e se vira para o outro lado.
— Esportes e o Clube do Orgulho LGBT nem sempre se misturam nesta
escola. — Diz um menino, quase se desculpando.
— Bem, eu faço esportes. Esporte, na verdade. Eu corro. Bem, esportes
plurais se você contar atle smo e cross-country como duas coisas
diferentes. — murmuro. — Mas sim, eu pra co esportes e eu gosto de me
misturar. — Algumas pessoas riem e eu coro.
— Deixem ela falar! — Drew diz, calando-os.
— Não nhamos nada parecido com isso na minha an ga escola. E ainda
estou tentando descobrir onde me encaixo nesta nova. Mas se estão
dizendo que esportes e o Clube do Orgulho LGBT não combinam, então…
— Minhas palavras morrem, meu rosto queima enquanto eu me esforço
para decidir o que dizer a seguir.
Um garoto branco baixo com cabelo ngido de preto e com os olhos
verdes mais escuros que eu já vi se levanta e se move para a cadeira vazia
do meu outro lado.
— Oi, meu nome é Aaron. — ele diz, estendendo a mão. — Gay, trans,
meus pronomes são ele/dele e eu posso não ser um garoto dos esportes,
mas com certeza consigo chutar o seu traseiro no kickball.
Eu aperto sua mão por muito tempo, pega totalmente desprevenida. E
então a garota de moletom branco levanta a mão com um pequeno aceno.
— Oi, sou Anika, queer, ela/dela, e odeio a maioria dos esportes, mas sei
nadar cachorrinho que é uma maravilha. E você se mistura conosco,
mistura sim.
Eu fico olhando para ela por um segundo, meio chocada com a
gen leza, antes que ela acrescente:
— Agora, você vai nos dizer quem é você?
E quem sou eu? É uma pergunta importante. Uma do qual eu tenho me
afastado, tanto quanto tenho me segurado. Mas, neste momento, parece
certo. Neste momento, quero reivindicar quem eu sou. Estrondosamente.
E espero que eu nunca pare.
Neste momento, eu tenho orgulho.
— Olá, meu nome é Morgan. — Minha voz falha enquanto engulo
algumas lágrimas, porque, pela primeira vez, talvez eu esteja exatamente
onde preciso estar, exatamente onde me encaixo. — Eu sou lésbica.
Ela/dela. E eu gosto de correr.
7
RUBY

— Merda, merda, merda! — Eu bato a porta do meu carro e puxo o freio


de mão. Eu estou tão atrasada. Mamãe provavelmente já está esperando
no camarim do concurso, tendo corrido para lá direto de seu turno
noturno para garan r que eu não estragasse tudo. E eu já fiz. Eu preciso
chegar lá. Preciso…
Eu olho para o relógio. São oito e quarenta e cinco da manhã, porque eu
dormi demais, porque meu celular ficou sem bateria, porque não consegui
carregar noite passada porque minha mãe não pagou a conta de luz — de
novo — e já que acabaram os meses mais frios, a companhia elétrica pode
legalmente nos cortar agora. O que é simplesmente fantás co.
Eu sabia que eu não deveria ter pegado aquele collant de dança que ela
nha parcelado. Eu sabia que a eletricidade estava vencida… Mas como
você diz isso para sua mãe? Como você sequer começa a sugerir que talvez
você saiba melhor do que ela onde alocar os poucos dólares que você tem
em seu nome? Como você diz para ela que essa fantasia de Miss América
que ela tem é delirante na melhor das hipóteses, considerando que você
não passou do terceiro lugar num concurso desde os dez anos?
Simples: você não fala.
Você engole isso, mesmo que você engasgue em cada palavra. Você
empresta a ela o seu corpo para perseguir os sonhos dela. E você parece
grata por isso, porque se não ela vai lembrá-la que ela abriu mão por você
a cada chance que ela ver.
Eu conecto meu telefone no carregador USB que instalei no meu
isqueiro e espero que ele inicialize rapidamente. Há uma música boa na
rádio e eu aumento o volume, tentando não notar que o relógio marcou
08:46. Eu tomo uma esquerda aguda na Main Street, meus pneus
guinchando um pouco no ar fresco da manhã. Os check-ins terminam às
09:15 da manhã e Parkside Hall3 — a casa do Concurso de Beleza de
Parkside — é a meia hora de distância mesmo nas melhores condições de
tráfego. Se eu perder o Check-in, serei desqualificada apesar do fato de nós
já termos registrado e pagado.
Ok, respira. Eu posso recuperar o tempo na rodovia.
Eu tomo outra curva fechada e movimento meus olhos para o ves do
balançando precariamente em seu cabide na parte de trás, rezando para
que não caia. Não tenho tempo para parar o carro e pegá-lo, e Deus sabe
que as rugas por passar trinta minutos amassado no chão seria o suficiente
para me fazer perder a compe ção.
Eu estou desacelerando no sinal de trânsito quando o cabide finalmente
perde a aderência sobre o pequeno gancho. O ves do desliza para baixo e
eu estou alcançando atrás de mim, uma inú l tenta va de impedir o
desastre, quando percebo um movimento com o canto do meu olho.
Eu aperto meus freios, drama camente mesmo a 5km por hora e sinto
uma pequena ba da no meu parachoque. Meus olhos se arregalam.
Ultrapassei o sinal de trânsito. Há algo no chão em frente ao meu carro.
Por favor, que não seja um cachorro. Por favor, que seja um daqueles sacos
de folhas de gramado ou lixo ou algo que apenas… aconteceu de estar no
meio da estrada. Sem mo vo. Merda.
Eu abro a porta do meu carro e corro pela frente quando uma Morgan
Ma hews muito irritada se levanta do chão.
— Ah, Graças a Deus! — eu uivo. — Eu achei que você era um cachorro.
— Que inferno, Ruby! — Uma pequena gota de sangue escorre pelo
lado de sua perna. Que é quando me a nge, quando realmente me a nge,
a gravidade do que acabou de acontecer. Eu acabei de atropelar uma
pessoa com meu carro. Morgan Ma hews, para ser exata.
— Você está bem? — Eu dou um passo adiante, mas ela se afasta
estremecendo.
— Fique longe de mim. — Ela manca até a calçada e cai na grama. Eu
juro por Deus que parece que ela vai chorar, e, ai Deus. Ah, merda. Eu não
consigo lidar com isso.
— Eu não vi você. Eu juro.
— Eu estava na faixa de pedestres! Como você não me viu? — Ela diz,
seus dedos voando para fazer aspas no ar.
— Meu ves do estava caindo! — Ok, essa provavelmente não é a
melhor desculpa. Ela me encara e esfrega o quadril.
Eu olho para meu carro e então para ela. Eu tenho mesmo, mesmo,
mesmo que ir, mas eu não posso deixar ela assim.
— Ah, não me deixe atrasá-la só porque você me atropelou com seu
carro estúpido.
Minha irritação com a palavra “estúpido” se inflama, mas eu deixo ir.
Não é a hora, cérebro de lagar xa.
— Espera aí. — Eu corro e ro uma mão cheia de guardanapos do porta-
luvas e levo eles para ela. — Você está sangrando.
— Obrigada, eu percebi. — Ela os arranca de minhas mãos e enxuga as
escoriações subindo por toda a sua coxa direita.
— Você está bem? — Eu pergunto novamente, apenas para ser recebida
com outro olhar penetrante. Sim, eu provavelmente mereço isso.
— Apenas vá. — A voz dela falha, e caramba, eu nunca fui boa com
emoções. É muito desconfortável. É demais. Estou tentada a ir. Na verdade,
todos os meus ins ntos me dizem para fazer isso, até ela está me dizendo
para fazer isso. Além disso, ainda há uma chance de eu chegar ao concurso,
por mais pequeno e fugaz que seja.
Mas então ela funga, e é como se meu coração inteiro se apertasse por
um segundo. Eu caio na grama ao lado dela, me sen ndo um pouco como
se fosse vomitar. — Olha, eu realmente sinto muito, Ma hews. Você está…
Posso levar você ao hospital ou algo assim?
— Desculpa se eu não confio na sua direção. — Ela se irrita, mexendo
um pouco mais na perna. E eu fiz isso com ela. É minha culpa. Essa garota
totalmente legal está sentada aqui sangrando por minha causa, porque eu
estraguei tudo. E agora eu vou perder meu concurso, e minha mãe vai
enlouquecer e…
E agora sou eu que sinto vontade de chorar, o que absolutamente 100%
não pode acontecer. Mas enterro minha testa em minhas mãos e dou uma
profunda e trêmula respiração, esperando que a ardência atrás de meus
olhos pare.
— Ei. — Morgan diz, sua mão em meu braço. — Eu não vou, po,
processar você ou chamar a polícia ou seja o que for, se é por isso que você
está surtando.
Eu zombo e olho para ela — só o fato de ela pensar que minha família
tem algo que valha a pena vir atrás prova o quão pouco ela me conhece.
Mas então eu me lembro dos rumores, que ela está processando sua
an ga escola, sua an ga treinadora. Talvez seja isso o que ela faz. Uma vez,
uma empresa de cartão de crédito processou minha mãe e levou metade
de seu salário. Metade de pouco ainda parecia muito de tudo.
Eu abaixo minha cabeça entre minhas pernas e sinto como se eu fosse
desmaiar porque eu não vou te processar parece muito com o que alguém
diz quando vão te processar. Eu preciso achar um jeito de consertar isso.
— Sinto muito. — eu digo, olhando para ela com tanta sinceridade
quanto eu consigo reunir. Porque eu sinto muito. Eu sinto. — Mas você
deveria saber que se nos processar, não vai chegar muito longe.
Morgan ergue uma sobrancelha, como se fosse um desafio ou uma
ameaça, e posso dizer que ela entendeu errado.
— Eu não tenho nada para você pegar. Isso é tudo o que eu quis dizer.
Nós nem temos eletricidade agora. — Eu não sei porque eu acabei de
contar isso a ela, e merda, aqui vem a choradeira. Esfrego meus olhos, e
ela é educada o suficiente para fingir que não percebe.
— Vai ficar tudo bem. — Ela aperta meu ombro, e eu não estou certa se
deveria me inclinar ou afastar, mas tudo o que eu trancafiei naquela
pequena caixa em meu cérebro rotulada MORGAN MATTHEWS está, de
repente, tentando sair arranhando tudo pelo caminho.
Morgan deixa seu braço cair, e eu coloco minha mão na grama o mais
próximo da dela que eu ouso. Tento forçar um sorriso perfeito de Miss
Simpa a, mas vacila no meu rosto quando nossos olhares se encontram.
Ela está olhando para mim como se ela realmente se importasse. Como se
ela verdadeiramente quisesse melhorar as coisas de algum modo.
— Na verdade, não vai. Eu deveria estar em um concurso em 10
minutos. Minha mãe vai me matar e nós precisávamos mesmo pagar
algumas contas com o dinheiro que ela gastou na taxa de inscrição. Mesmo
se eu pegar os turnos extras no estúdio da minha treinadora, ainda não vai
ser o suficiente e… Jesus, porra, por que eu estou te dizendo isso? — eu
sugo um pouco de meleca. — Eu nem sequer conto essas coisas para
pessoas de quem gosto.
Ela solta uma risada. — Vou fingir que você não acabou de dizer isso.
— Eu não quis dizer… Eu só não te conheço de verdade, sabe? — E você
me confunde muito, eu quase acrescento. Eu respiro fundo e me
recomponho o máximo que eu consigo. — Olha, tem certeza que não quer
que eu chame os policiais ou algo assim? A prisão pode ser melhor que
encarar minha mãe.
— Você… Posso te abraçar?
— O quê?
— Você está surtando. E quando eu estou surtando, eu sempre quero
um a…
Morgan foi cortada quando o carro de polícia parou ao lado do meu
carro, acendeu os faróis, soltando um pequeno whoop whoop da sirene
enquanto o motorista estacionava. E, claro, é o policial Davis. O Oficial
D.A.R.E.4 da minha escola primária… E também o cara que foi chamado à
nossa casa em mais de uma ocasião por brigas domés cas entre minha
mãe e Chuck. Às vezes ele a leva; às vezes ele o leva. Eu acho que hoje é
finalmente minha vez.
— Como eu sabia que era você, Ruby? — ele pergunta enquanto
caminha, inflando seu peito. — Nós recebemos uma ligação sobre um
acidente envolvendo um pedestre e um “carro espor vo velho e azul”.
— Não é um carro espor vo, é um…
— Senhorita. — ele diz, me cortando e virando-se para Morgan. — Pode
me falar seu nome? Eu vou chamar alguns médicos para você, e então
podemos descobrir se isso vai ser uma multa ou acusação para nossa
amiga aqui.
Ah, Deus. Eu estava brincando sobre a coisa toda de prisão. Eu não…
Não posso… Eu pego a mão de Morgan sem pensar, apertando-a um pouco
enquanto eu tento reprimir o medo. Ela congela ao meu lado, mas depois
gen lmente aperta de volta.
— Sinto muito, policial, mas você entendeu errado. — Morgan diz, sua
voz cortando o meu pânico. — Eu estava correndo e pisei errado no meio-
fio… Ruby parou para me ajudar. Tive sorte por ela ter aparecido. Por favor,
não chame uma ambulância. É apenas um arranhão, eu juro, e você vai
deixar meus pais preocupados por nada.
O policial Davis olha dela para mim, suspeita ainda clara em seus olhos.
— Tem certeza que você não quer pelo menos ser examinada?
q q p
— Só se você cobrir meu plano de saúde. — ela diz com um sorriso
amigável. — Agradeço a sua ajuda, senhor, mas isso exige apenas um
pouco de Neosporin e um BandAid.
— Você precisa de uma carona para casa? — ele pergunta, e minha
mandíbula quase a nge o chão. Eu sabia, teoricamente, que algumas
pessoas realmente recebem o dom do “servir”; parte do “proteger e
servir”. Eu só nunca nha visto isso antes.
— Eu darei uma a ela. — eu digo, me sen ndo subitamente protetora.
— Eu a conheço, nós fazemos uma aula juntas.
Ele dá uma longa olhada para nós duas e então assente, voltando para
seu carro. Eu não ouso respirar até ele ir embora.
— Você não nha que fazer isso. — eu digo, discretamente. — Mas
obrigada.
Ela dá de ombros, como se não fosse grande coisa. Exceto que é grande
coisa. É uma coisa muito grande. Agora eu devo a ela. E nós estamos…
ainda de mãos dadas.
Eu puxo minha mão, observando o rosto dela. — Por que você fez isso?
— Eu não sei. — ela diz, suas bochechas ficando um pouco vermelhas, e
então estamos ambas quietas.
— Vamos lá, vou levar você para casa. — Eu levanto e estendo minha
mão.
Ela hesita, mas então me deixa ajudá-la a levantar. — Está tudo bem. Eu
consigo andar. Se você se apressar, ainda consegue par cipar do concurso?
— Não, eu vou te dar uma carona. Eu resolvo essa coisa do concurso
mais tarde. — Eu digo, mesmo que não tenha nada para resolver. É muito
tarde para chegar a tempo, o dinheiro gasto agora duplamente perdido.
Meu estômago se revira com a ideia de pedir outro emprés mo à Billy, mas
eu o empurro para baixo. Isso é um problema para a Ruby do futuro. A
Ruby do presente precisa levar Morgan para casa.
Abro a porta lateral, percebendo como ela treme quando se senta
enquanto eu atravesso para o meu lado do carro.
— Eu moro nos Apartamentos Melbourne. — Ela diz e eu aceno. Esse é
um complexo de apartamentos realmente decente, bem no centro da
cidade. Imaginei que ela viveria lá. Ela muda de posição em seu banco,
claramente desconfortável.
— Tem certeza que não quer ao menos ir em um atendimento de
emergência? — eu entrego a ela outro guardanapo para sua perna. — O
plano de saúde é realmente tão ruim?
— Eu não posso arriscar que meu irmão descubra e conte para meus
pais.
— Seu irmão?
— Sim, ele tem tentado agir como um super pai ou algo assim desde
que eu comecei a morar com ele. Se eu terminar em um atendimento de
emergência, ele vai surtar, então meus pais vão surtar, e provavelmente
minha nova treinadora também. E se um médico disser que eu não posso
correr… Não posso arriscar isso. Não tão perto do final da temporada. Não
quando nós ainda estamos lutando pela permissão.
— Que permissão?
Ela franze a testa. — Longa história.
— Mas você mal consegue andar…
Morgan vira a cabeça. — Mas isso não significa que não posso correr.
— Sim, isso meio que significa.
— Já passei por coisas piores. — ela murmura, alcançando o rádio,
provavelmente para indicar que a conversa terminou. Normalmente, eu
perderia o controle com alguém que ousasse tocar meu rádio, mas por
alguma razão… deixo ela fazer isso. Eu digo a mim mesma que é uma
penitência por quase matá-la.
Quando finalmente chegamos a Melbourne, ela me direciona ao seu
apartamento. É mais uma casa na cidade, na verdade — tem até uma
garagem. Não consigo imaginar. Se eu vesse espaço na garagem para
mexer no meu carro em casa, acho que nunca iria embora.
— É muito legal.
— Obrigada. — Morgan diz de uma forma casual que me diz que a casa
dos pais dela é provavelmente ainda melhor. — Você quer entrar? Meu
irmão está no trabalho.
Defini vamente não, eu penso, mas a caixa de sen mentos dentro do
meu cérebro estremece. Eu mordo meu lábio antes de responder. — Sim,
claro. — e desligar meu carro. Ela sai com um pequeno grunhido,
colocando um pouco mais de peso na porta do carro. Eu odeio ter causado
isso, mas também estranhamente respeito o fato de que ela está
determinada a fingir que nada aconteceu.
Sua casa é escassamente decorada, mas limpa. Dá para dizer que um
cara organizou tudo, mas também que o cara não é um canalha total. Tipo,
tem uma garrafa de cerveja no final da mesa, mas está em um porta-copos.
Há um sofá de couro de um lado e uma TV enorme com alguns sistemas de
jogos do outro, ao lado de uma foto autografada gigante de Gigi Hadid. Eu
luto contra a vontade de perguntar a ela se a foto pertence a ela ou ao
irmão. Existem rumores sobre ela na escola, mas realmente não é da
minha conta. Deus sabe que metade dos rumores sobre mim não são
verdadeiros.
Morgan ra os sapatos perto da porta e entra mancando no cômodo,
caindo no sofá com um suspiro. Fico sem jeito na porta de entrada, sem
saber exatamente o que fazer agora que estou aqui. Eu quero ser ú l,
mas…
— Quer que eu pegue um pouco de gelo para você? — Pergunto, e ela
sorri, como se eu não fosse aquela que acabou de atropelar ela com a
porra de um carro.
— Isso seria ó mo. Está no freezer.
Eu deixo escapar uma pequena risada. — Imaginei.
Ela abaixa a cabeça — Certo, claro.
Tiro os sapatos e vou para a cozinha. É maior e mais legal do que a
minha, com uma torneira de prata cin lante e nem uma única migalha
perdida no balcão. A geladeira é uma daquelas com portas duplas e um
freezer deslizante gigante embaixo. Eu abro, apenas para dar uma olhada,
e encontro mais produtos frescos do que eu já vi em toda a minha vida. Há
po, um mês de man mentos aqui.
— Tudo certo? — ela chama da sala de estar e eu a ouço ligar a TV.
— Sim, sim, ó mo. — Abro o freezer e pego um saco AGORA
TOTALMENTE ORGÂNICO! de ervilhas congeladas rapidamente do topo e,
em seguida, uma LaCroix5 da porta do refrigerador por precaução. Um
pouco de emoção me percorre enquanto caminho de volta para a sala,
porque pela primeira vez, eu não estou estragando tudo.
Morgan arqueia uma sobrancelha quando me sento na mesa de café e
entrego a ela as ervilhas.
— Para o seu quadril. — Eu digo, como se fosse óbvio. Não tenho
certeza se é ou não.
Ela o pega de mim e se inclina para colocá-lo ao lado do corpo.
— Obrigada.
Abro a água com gás e passo para ela. — Achei que você poderia estar
com sede depois de sua corrida.
Ela sorri um pouco mais e estende a mão, o que faz o saco de ervilhas
escorregar. Eu o agarro rápido e o coloco ao redor dela. Minha mão
acidentalmente pega na barra de sua camisa, meus dedos roçando sua
pele macia e quente. Eu fico sem perceber até que o som de sua respiração
me ra de lá.
— Desculpa, eu só… Desculpa.
Morgan limpa a garganta enquanto coloco minhas mãos nos bolsos. —
Tem uma nova comédia român ca que acabou de lançar na Ne lix. Quer
assis r? Eu acho que é sobre essa garota que…
Eu olho para a TV. — Eu sei do que se trata — digo, grata pela mudança
de assunto. — Everly está obcecada. Ela tem uma queda enorme por Noah
Cen neo.
— Escolha válida, mas devo dizer que Madelaine Petsch é mais meu
es lo.
Seus olhos encontram os meus quando ela diz isso, mas olho para longe,
porque por mais que eu queira ficar nesta pequena bolha estranha onde
acidentalmente atropelá-la com meu carro nos leva a sorrir e assis r
Ne lix, eu não quero dar corda para ela. Eu sei que não posso ter isso. Seja
lá o que isso for.
Apesar de ter escapado do policial Davis, eu defini vamente não escapei
da minha mãe.
— Eu tenho que ir. — eu digo, parecendo mais triste do que eu
pretendia. — Posso pegar mais alguma coisa para você primeiro?
— Tem certeza que não pode ficar?
— Outra hora. — minto.
— Vou cobrar isso de você.
Você pode tentar.
8
MORGAN

Estou na minha terceira comédia român ca da Ne lix — e ainda


tentando decidir se Ruby me atropelar com seu carro e me entregar um
saco de ervilhas congeladas esta manhã cons tui um encontro fofo ou não
— quando meus pais chegam aqui. Dylan ainda não chegou em casa — ele
teve que pegar as pizzas para o jantar em família hoje à noite —, então eu
tenho a honra de escancarar a porta e ser sufocada por seus abraços
primeiro.
Mamãe está ves ndo seu casaco de lã, embora seja quase primavera, e
eu respiro fundo, tentando sen r o cheiro de casa.
— Sen mos sua falta, criança. — papai diz, soltando seu abraço de um
braço só e carregando uma sacola até o balcão. — Tem sido muito quieto
por lá.
Eu me desvencilho de minha mãe e o sigo. — O que tem na bolsa?
Ele o abre para me mostrar um enorme recipiente de seus famosos
biscoitos caseiros de manteiga de amendoim. Papai abre um canto da
tampa com um sorriso. — Acabou de sair do forno! Ainda está quente. Ou
melhor, estavam há uma hora e meia, quando entramos na rodovia.
Eu nem me importo. Sen tanta falta da comida do meu pai que não
aguentava mais. Dylan é pra camente inú l, o que significa que tenho
sobrevivido principalmente com comida congelada e delivery desde que
cheguei aqui. Estendo minha mão, pra camente babando, mas papai fecha
a tampa e empurra o recipiente para trás dele.
— Não antes de você jantar. — Diz ele, apontando o dedo para mim com
firmeza.
Ele demora cerca de dois segundos antes de nós dois cairmos na
gargalhada.
— Uau, pai, tão convincente.
— Não é culpa dele, querida. Ele está sem prá ca.
— Sim, não há ninguém em casa para roubar biscoitos, exceto sua mãe.
— Diz ele, beijando-a na bochecha.
Dylan entra na hora, uma grande caixa de pizza com vários recipientes
para viagem equilibrados em suas mãos e dois litros de refrigerante de
laranja enfiados precariamente debaixo de seu braço.
— Uma ajudinha? — Dylan chama, e todos nós corremos enquanto ele
fecha a porta com o pé.
Papai e eu levamos a comida para a cozinha, e começamos a arrumar a
mesa enquanto mamãe e Dylan dão um longo abraço.
Não demora muito, uma vez que estamos todos sentados ao redor da
mesa, para que a conversa mude do dia-a-dia para o verdadeiro elefante
na sala. Principalmente porque não posso deixar de trazer isso à tona. Já se
passaram duas semanas desde que me mudei para a casa do Dylan, e as
atualizações sobre o processo são quase inexistentes. Dylan diz que eles
provavelmente estão apenas tentando me proteger, mas eu não quero
proteção. Eu quero fazer parte.
— Entããão… — eu arrasto a palavra até que todos olhem para cima. —
Alguma atualização do Brian?
Brian Masterson, sócio da Masterson & Wilcox A orneys at Law, é o
líder do nosso caso. Ele é quem me envia perguntas e pedidos de
declarações e outras coisas — bem, seu assistente, de qualquer maneira.
Mas todas as atualizações verdadeiras são filtradas pelos meus pais
primeiro, como se só lembrasse de mim bem depois, embora este caso
seja para mim e sobre mim.
— Nada importante. — Mamãe diz alegremente, pegando outro
pãozinho trançado de alho.
— O que tem as coisas sem importância? — Eu pergunto.
Papai suspira. — Essas coisas levam tempo, Morgan. Você não pode
esperar resultados da noite para o dia.
— Não espero resultados da noite para o dia, mas gostaria de ser
man da atualizada da maneira como estava quando eu ainda estava em
casa. Eu…
— O propósito de você vir para cá era lhe dar um novo começo. —
mamãe interrompe. — Se você só vai se preocupar com isso o tempo todo,
então poderia muito bem ter con nuado a estudar em casa conosco. — ela
aperta minha mão — Estamos há apenas alguns meses e Brian disse que
essas coisas andam incrivelmente devagar. Eu quero que você aproveite o
que resta do seu úl mo ano.
— Eu estou bem. Eu te disse. Estou me acomodando. Estou fazendo
amigos. Estou fazendo o máximo possível de coisas normais que uma
adolescente faz quando se é uma atleta proibida de correr e a decisão
sobre a faculdade ainda está no ar. Sei o que vocês estão tentando fazer,
mas não saber o que está acontecendo me deixa muito assustada.
Eu olho para o papai. Seus cotovelos estão sobre a mesa, as mãos
cruzadas na frente da boca do jeito que ele faz sempre que está pensando
muito sobre algo.
— Pai?
Ele limpa a garganta e se endireita. — St. Mary nos ofereceu um acordo
na semana passada.
Sei pelo quão forte mamãe exala que ele não deveria ter mencionado
isso.
— Um acordo? — Dylan pergunta, seus olhos mudando de papai para
mim e vice-versa. — Que po de acordo?
— Eles apoiarão a troca de equipe e darão uma "referência posi va" a
qualquer uma ou todas as suas faculdades ofertantes.
— Em troca de? — Eu paro, meu joelho começando a quicar.
— Abandonar todos os processos.
Soltei uma risada nervosa e esfreguei minha mão na testa. — Vocês
disseram não, certo?
— Ainda estamos considerando todas as nossas opções, mas…
— O que o Brian disse?
— Brian acha que é uma oferta justa. — diz o papai. — Você iria receber
de volta tudo o que tentaram rar de você. Você estaria em uma boa
situação novamente. Você poderia correr…
— Uma oferta justa? Depois do que passei?
— Talvez você deva considerar isso. — Dylan fala, mas eu o olho de um
modo que o faz imediatamente mergulhar na caixa de pizza para evitar
meu olhar.
— Eu quero que isso signifique algo. Preciso que algo bom saia disso,
não apenas “Morgan vai poder correr de novo”. O que eles fizeram comigo,
como me fizeram sen r… ninguém deveria ter que passar por isso. E há
outras crianças queer6 naquela escola…
— Eu sei, querida. — Mamãe diz, e meus olhos começam a lacrimejar.
— Brian acha que temos que aceitar o acordo? Temos que desis r? —
Eu pergunto, minha voz vacilando.
E, Deus, eu realmente pensei que ser atropelada por um carro seria a
pior coisa que me aconteceria hoje.
— Não, não. — mamãe diz, esfregando meu braço de forma
tranquilizadora. — Não vamos desis r.
— Beth. — meu pai diz.
— Não vamos desis r. — diz minha mãe novamente, olhando-o nos
olhos. — Existem apenas alguns contratempos com os quais temos que
lidar.
— Como?
— Por exemplo, Brian diz que a alegação de assédio não vai levar a lugar
nenhum porque você causou tanto quanto recebeu no início, e precisamos
fazer você parecer o mais simpá ca possível…
— Esse não é o maior problema. — Papai interrompe.
Eu olho entre eles. — Então o que é?
Papai franze os lábios, como se es vesse decidindo o que dizer. — Como
a St. Mary’s é uma escola par cular, todas as leis picas de liberdade de
expressão e discriminação não se aplicam.
— Você está falando sério? — a raiva brota dentro de mim. — Então,
isso tudo foi para nada?
— Não. — papai diz. — Não. A publicidade desse processo colocou uma
pressão tremenda sobre eles. Estão dispostos a desis r do processo da
p p p
troca de equipe agora, e antes nem mesmo consideravam isso! Eu chamo
isso de vitória. Você teria sua vida de volta.
— É só isso? — eu grito. — Eles simplesmente escapam impunes, então?
Papai suspira. — Morgan…
— Há precedentes na Califórnia. — mamãe o interrompe. — O estado
decidiu que alunos de escolas par culares não perdem seus direitos
cons tucionais. Podemos con nuar tentando e ver o que acontece. Brian
diz que é uma chance pequena, mas é possível.
— Ok. — respiro fundo e tento me acalmar. — Ok, então con nuaremos
lutando, certo? Uma chance mínima é melhor do que nenhuma.
— Podemos tentar, coelhinha. — Mamãe diz, com um sorriso suave.
Papai se levanta, colocando com força seu prato na pia. Ele fica lá por
um momento, a cabeça baixa, os dedos apertando o balcão, mas quando
ele se vira, um sorriso familiar está fixo em seu rosto. — Está passando
algum jogo, Dyl?
— Hm, sim. — diz meu irmão, levando seu próprio prato para a pia e,
em seguida, puxando algumas cervejas da geladeira. — Yankees contra Red
Sox começou cerca de quinze minutos atrás.
Papai abre uma cerveja e engole metade dela em um só gole. — Vai,
Yankees!
9
RUBY

Minha mãe passou o sábado inteiro chorando.


Sento-me no escuro com ela e peço desculpas repe damente por
perder o desfile. Prometo conseguir o dinheiro para cobrir a taxa de
inscrição e a conta de luz, até que ela finalmente cai em um sono
profundo. Esta noite é sua folga do trabalho. Ela só se permite uma por
semana, e agora eu estraguei sua programação de sono com todo o meu
drama.
Pelo menos Chuck não está aqui. Ele disse à mamãe que estava indo em
alguma viagem de caça com amigos. Ela acreditou nele, embora eu não
ache que seja temporada de caça para nada neste estado. Tanto faz. Não é
problema meu.
Eu a coloco na cama e vou para o meu quarto, com vergonha de ligar
para Everly para dizer a ela que a eletricidade acabou de novo, e não quero
correr o risco de desperdiçar a bateria do meu telefone de qualquer
maneira. Está muito escuro para ler agora, não há mais nada para fazer e
nenhum lugar para ir, então eu deito na minha cama me afogando em
meus pensamentos enquanto o luar reflete em todos os troféus que ganhei
quando era pequena.
Mamãe os mantém em exibição, em uma prateleira no meu quarto. Ela
não me deixa rá-los, apesar do fato de que o úl mo que ganhei foi há
quase seis anos. Não sei por que ela gosta tanto deles. Talvez seja porque é
uma prova de que já fomos felizes. Éramos boas. Fomos vencedoras. Ou
talvez ela apenas goste de olhar para coisas brilhantes.
O maior troféu paira sobre todos eles, alto e imponente de uma forma
que supostamente invoca o orgulho, mas na verdade causa medo. Exceto
que não o odeio do jeito que odeio os outros. Porque aquele… aquele era
de quando ainda era diver do calçar sapa lhas e sorrir para os jurados. Eu
nha apenas oito anos e, quando mamãe me disse que um dia eu seria a
Miss América, ainda acreditava. Eu ainda queria.
Quando eles colocaram aquela coroa na minha cabeça e me entregaram
o troféu, tudo que me importava era o quão abertamente minha mãe
sorria e quão raro era aquilo. Mas não parou por aí. Houve cortes de fita e
arrecadação de fundos, e uma vez até lancei o primeiro arremesso em um
jogo da liga secundária. Eu fiquei tão orgulhosa. Mamãe ficou tão
orgulhosa.
Não importava que vivêssemos de miojo e panquecas. Eu ainda não
nha percebido que algumas pessoas sempre nham água quente,
telefones que funcionavam e TVs com muitos canais para contar. Eu ainda
não nha descoberto que éramos menores, não iguais.
Mas então as coisas mudaram.
Não imediatamente, ou de uma só vez, mas de maneira silenciosa e sú l
que de alguma forma foi igualmente chocante. Foi como se minha vitória
na Li le Miss Holloran incendiasse minha mãe. No início, eram desfiles
extras nos shoppings, os sem sen do — Só para pra car, minha doce
menina — ela dizia. E então vieram os treinadores de concurso e
instrutores de dança que pensavam que o amor bruto era a única forma de
amar.
Então, eu fiquei mais alta e mais velha, e a maquiagem não era
suficiente. Tinha bronzeamento, clareamento e depilação. Tinha cílios
pos ços, extensões de cabelo e sapatos que apertavam e machucavam.
Tinha aulas de dança até minhas pernas queimarem e preparações para a
entrevista até que eu memorizasse a resposta de todas as perguntas, de:
"O que a diferencia das outras concorrentes?" Até: "Qual é o maior
problema que nosso sistema educacional enfrenta neste país?"
E o tempo todo o fogo cresceu dentro da minha mãe, até que queimou
nós duas. A doce garota se foi e em seu lugar ficou: pare de reclamar e
você sabe o quanto isso me custou?
Mesmo quando os troféus pararam, os concursos con nuaram vindo.
Agora eu tenho dezoito anos, sou mais velha do que minha mãe quando
ela me teve, e ainda estou tentando compensá-la. No fundo, estou com
medo de que nunca conseguirei. Que cada respiração que eu der pelo
resto da minha vida pertencerá a ela. Que eu nunca serei nada mais do que
um cérebro preso dentro de um corpo mais da minha mãe do que do meu.
Forçada a viver a vida que roubei dela para sempre.

Eu acordo cedo e vou para o Billy. Ele ainda não chegou, então sento na
varanda e espero. Eu nem deveria estar aqui hoje, tenho que estar no
estúdio em breve para ajudar minha treinadora de concurso com suas
aulas — uma tenta va fú l de pagar minha própria conta cada vez maior
— então toda vez que ele me vê, ele sabe que algo está errado. E mesmo
que eu tente contornar isso, pedindo horas extras ou penhorando algumas
peças do meu carro, ele descobre e me manda para casa com o sanduíche
do café da manhã que ele pegou no caminho e dinheiro suficiente para
cobrir todas as despesas.
Ele chama de adiantamento sobre o pagamento futuro, mas nós dois
sabemos que não é.
Dirijo bem devagar todo o caminho para casa, olhando para os dois
lados, indo abaixo do limite de velocidade. Chego na mesma placa de PARE
onde atropelei a Morgan e não posso deixar de pensar em como seus
lábios se curvaram quando lhe entreguei a bebida. A maneira como ela
apertou minha mão de volta quando eu estava com medo.
Mas então, quando eu paro na minha garagem, ouço minha mãe e
Chuck discu ndo, e me lembro de todos os dez mil mo vos pelos quais eu
nunca deveria falar com ela novamente.
10
MORGAN

Ruby Thompson está me evitando.


No início, pensei que era coisa da minha cabeça. Mas depois de quase
uma semana com ela evitando contato visual e eu tentando não ser pega
olhando para ela na aula com olhos de cachorrinho, não há dúvida. É de
propósito.
Deus, por que eu sempre escolho garotas assim?
Eu deveria ter aprendido minha lição na minha an ga escola. Aprendi
minha lição na minha an ga escola. Mas aqui estou eu de qualquer
maneira, olhando fur vamente para as arquibancadas enquanto dou voltas
ao redor da pista com Lydia, esperando que ela apareça novamente. O que
ela não faz, nem uma vez a semana toda, embora seus amigos tenham
estado aqui e aquele cara, Tyler, esteja sempre pra cando no centro do
campo.
Conversa séria, Ruby poderia ser hétero. Quer dizer, eu sei que
logicamente é uma possibilidade. Uma forte possibilidade. A mais forte das
possibilidades, se contarmos com o capitão da equipe de lacrosse. Talvez
eu esteja vendo coisas demais em tudo o que aconteceu. Talvez ela só
tenha se sen do culpada por quase me atropelar e estava tentando ser
educada… mas, novamente, talvez eu esteja vendo as coisas exatamente
certo, e esse é o problema. Talvez ela esteja com medo.
Eu olho para as arquibancadas sem Ruby novamente, assim que Lydia ri
e arranca à frente no úl mo segundo. Nós duas cruzamos a linha e nos
inclinamos, as mãos nos quadris enquanto tentamos recuperar o fôlego.
— Você está onze segundos atrasada, Ma hews. — a treinadora late
enquanto se aproxima. Eu esfrego meu quadril sem pensar sobre isso, e ela
levanta as sobrancelhas. — Você ainda está dolorida?
— Não, treinadora. — minto, me endireitando. — Eu estou bem.
Ela rabisca algo nas páginas de sua prancheta. — Eu quero que você
descanse. Tire o fim de semana de folga.
— Não preciso.
— Eu não estou perguntando. Estou dizendo. — A treinadora me olha
nos olhos antes de voltar sua atenção para Lydia. — Bom trabalho hoje,
Ramírez.
— Ugh. — Lydia geme depois que a treinadora se afasta. — Correr sem
você neste fim de semana vai ser tão chato. Allie nunca consegue me
acompanhar.
— Pelo menos você pode ir. — Eu suspiro. Perder até mesmo nossas
corridas não oficiais me faz querer rastejar para fora da minha pele.
— Ei, um ou dois dias sem correr não é o fim do mundo. Todos nós
vemos o quanto você está tentando não mancar na nossa frente.
— Não estou.
Lydia arqueou uma sobrancelha. — Eu ainda não estou acreditando
naquela desculpa esquisita de ter pisado errado no meio-fio que você deu
à treinadora.
Eu encolho os ombros porque esta é a quinta vez que ela tentou e
falhou em descobrir a verdade. — Acho que só me machuco com
facilidade? — Eu digo enquanto dou outra olhada nas arquibancadas.
— Quem é que você está procurando? — Allie pergunta, trotando para
se juntar a nós. — Seu irmão está vindo? — Ela abre um sorriso
esperançoso. Ela está semi-apaixonada por Dylan desde de que ele veio
depois do treino alguns dias atrás para passar o tempo. Provavelmente
seria perturbador se Dylan realmente notasse. Felizmente, ele está
completamente alheio. E tenho quase certeza que ele está super
interessado nessa mulher que leva seu filho de três anos à loja dele para
cortar o cabelo, mesmo que ele ainda não admita.
— Desculpe desapontar, mas ele está trabalhando até as sete hoje.
— Então quem? — Ela pergunta, uma expressão confusa em seu rosto
enquanto segue minha linha de visão.
— Não sei do que você está falando. Eu estava apenas distraída. —
Porcaria. Eu não achei que estava sendo tão óbvia.
— Talvez ela esteja procurando o mo vo pelo qual ganhou onze
segundos nos oitocentos de hoje. — diz Lydia.
— Não, ela defini vamente está procurando por alguém. — Allie bate
no queixo. — Se não for o seu arrojado irmão mais velho… Oh! É alguém
do Clube do Orgulho? — Ela estuda meu rosto. — Oh meu Deus, você
conheceu alguém, não é? Ela deveria vir assis r hoje?
— Eu não conheci. — Eu balancei minha cabeça. — Bem, tecnicamente,
eu conheci, mas não do jeito que você quer dizer. Acredite em mim, não
estou saindo com ninguém. E ninguém veio aqui para me ver.
— Bem, obviamente, ou não teria vencido você de maneira épica. — diz
Lydia. — Eu já vi você se exibir antes, e não era assim.
— Eu estava me segurando! Foi apenas um treino.
— Espere, você realmente venceu a Morgan? — Allie mudou
completamente para corridas de curta distância agora, o que significa que
ela pra ca do outro lado da pista. Acho que ela não viu a Lydia ter me
passado por pouco enquanto cruzávamos a linha ao mesmo tempo, uma
vitória supostamente épica.
— Eu fiz e foi incrível. — diz Lydia.
Eu jogo minhas mãos para o alto.
— Eu estava me segurando!
— Aham. Tudo bem, guarde seus segredos por enquanto, mas eu vou
descobrir. Eu conheço, po, todas as garotas da escola. Oooh, mas e se ela
não es ver fora do armário? — Allie sussurra para Lydia
conspiratoriamente: — E se ela for como você? A maioria das pessoas nem
sabe sobre você.
Lydia revira os olhos.
— Só porque não estou fora do armário, não significa que não estou fora
do armário.
Allie e eu apenas piscamos para ela.
— Você sabe o que eu quero dizer. — Lydia geme.
— Só estou dizendo, talvez a garota misteriosa de Morgan “não saiu”,
mas “não saiu” também.
— Não há nenhuma garota misteriosa. — eu insisto, minhas bochechas
ficando quentes, porque não só Ruby Thompson não saiu, mas segundo os
relatos e indicações, ela pode nem ter nada para assumir. Mas a maneira
como sua mão escorregou contra minha pele…
— Uhum. — Allie ri.
— Olha, apenas esqueça isso, ok?
Elas parecem sen r minha mudança de humor, e Allie imediatamente
volta a reclamar sobre como deve ser de alguma forma uma violação de
seus direitos cons tucionais a treinadora forçar corredores de curta
distância a fazer corridas de longa distância semanais. Ela está há cinco
minutos divagando sobre a diferença no comprimento das passadas
quando meu telefone toca.
É uma mensagem de Aaron me dizendo que ele e alguns outros jovens
vão se encontrar na lanchonete mais tarde e se oferecendo para me
buscar, se eu quiser ir. Respondo dizendo que sim, mas preferiria apenas
andar de bicicleta até lá. Não é como se esta cidade fosse tão grande, e por
pior que seja dizer, eu quero sair se as coisas ficarem estranhas. Além de
algumas mensagens aleatórias esta semana, eu mal falei com ele, e se há
uma coisa que aprendi depois do desastre de St. Mary, é sempre ter um
plano de fuga. Melhor trazer uma bicicleta e desejar não ter trazido do que
ficar sentada durante duas viagens de carro constrangedoras com um
estranho.
Lydia se inclina sobre meu ombro, lendo minhas mensagens. — Oh,
diver do, eu amo aquela lanchonete. E Aaron é muito legal. Acho que
vocês vão se dar bem com certeza.
Eu olho para ela. — Você e Allie querem vir comigo? Quer dizer, eu sei
que é apenas a galera do Clube do Orgulho, mas não acho que eles se
importariam. E não é como se você não se encaixasse bem.
Seu rosto cai. — Não, não posso esta noite. Mas obrigada?
— Ok. — eu digo, mais do que um pouco desapontada. — Acho que te
vejo amanhã, então.
— Não, você não vai. — brinca Lydia. — Porque você foi proibida de
correr e espero que passe o fim de semana inteiro no sofá descansando.
— Nem me lembre.

Aaron e Anika chegaram antes de mim na lanchonete, junto com outras


duas pessoas que reconheço do Clube do Orgulho, mas que não ve a
chance de conversar. Anika está em uma de minhas aulas, mas eu apaguei
todas as minhas redes sociais quando me mudei e ainda não trocamos os
números. Os outros eu realmente só vi nos corredores.
Eles se movem para abrir espaço para mim enquanto Aaron ges cula
em nossa direção com sua batata frita, como um maestro conduzindo uma
banda. — Morgan, você se lembra de Brennan e Drew, certo?
— Sim, ei, pessoal. — eu digo, e sou recebida com sorrisos calorosos e
meios acenos enquanto deslizo em meu assento.
— Como vai a vida? — Aaron pergunta.
— Tudo bem, eu acho. — eu digo enquanto a garçonete traz pratos de
frango empanado e quesadillas para acompanhar nossas batatas fritas
aparentemente sem fundo. Eu me viro para pedir ketchup, e é quando
noto Ruby sentada com alguns de seus amigos no balcão. Nós fazemos
contato visual e eu sorrio, mas ela lentamente vira seu banquinho.
— Normalmente dividimos os aperi vos. — diz Drew, evitando que eu
passe mais tempo olhando para o lado da cabeça de Ruby. — Mas se isso
te assustar, fique à vontade para pedir o seu ou passar.
Pego um frango e arranco um pedaço, calculando qual será minha parte
na conta e rezando para ter trazido dinheiro suficiente. Mamãe e papai
têm mandado dinheiro para Dylan por cuidar de mim, e ele tem me dado
um pouco, mas me sinto mal por gastá-lo sabendo quanto eles estão
pagando aos advogados. Eu sinto que eu deveria estar pagando eles,
honestamente.
Aaron ainda está olhando para mim, no entanto, e eu percebi
tardiamente que ele provavelmente quer uma resposta melhor do que
“tudo bem, eu acho”, para sua pergunta: “como vai a vida?”.
— Sinto falta dos meus velhos amigos, da escola e da vida. — Eu suspiro.
— Mas eu realmente gosto da equipe de atle smo aqui, especialmente
Allie e Lydia. Tentei fazer com que elas viessem aqui esta noite, mas… — Eu
não perco o olhar compar lhado entre Aaron e Anika.
— O que?
— Nada.
— Não, sério. O que eu perdi? — Todos na mesa de repente ficam
extremamente interessados em sua comida e telefones.
— Nada importante. — diz Anika.
Eu me mexo na cadeira, claramente desconfortável.
Anika olha para Brennan, que apenas dá de ombros.
— É que você estava certa na reunião. Os atletas da escola realmente
não andam conosco. Então, eu não levaria para o lado pessoal se eles não
quiserem vir. Você é mais a exceção do que a regra.
Eu rolo meus olhos. — Eles não são assim. Allie e Lydia são, po, a coisa
mais distante de ser arrogante que eu já vi, e eu lidei muito com isso na
minha an ga escola.
— Espere, quem disse alguma coisa sobre ser arrogante? — Aaron
pergunta, franzindo o rosto.
Minhas orelhas esquentam porque eu simplesmente presumi… — Achei
que você quisesse dizer que não viriam por causa de alguma coisa
arrogante sobre popularidade nos esportes?
Brennan coloca a mão no meu braço. — Eu não sei como a hierarquia
social era na sua an ga escola, mas as equipes não estão necessariamente
no topo da cadeia alimentar aqui.
— Oh, tudo bem. Desculpa. — eu murmuro em meu copo de água.
— Você está meio certa, no entanto. — Drew diz.
— Eu não…
— Elas não são assim. Mas elas também não são como você. — con nua
ele. — Allie é doce, mas esse não é o es lo dela. E Lydia, bem, ela é a
rainha do “Eu não posso confirmar nem negar…” então não espere que ela
vá às reuniões do Clube do Orgulho e saia depois da escola usando um
broche que diz LÉSBICA ZANGADA.
Pego a lapela da minha jaqueta jeans, tocando meu broche com uma
risada. — Sim, acho que não sou muito sú l. — Não mais, pelo menos. Na
verdade, este broche passou da gaveta da mesa para a jaqueta favorita
logo depois que meus pais foram embora no úl mo fim de semana.
— Você já veio para cá fora do armário também. — diz Drew. — É claro
que vão te dar mais liberdade ou algo assim. Mas só porque a maioria da
população estudan l gosta do fato de um novo aluno ser assumido, não
significa que ficarão de boa quando for alguém com quem compar lham
giz de cera desde o jardim de infância. Confie em mim, eu sei.
— Pessoas trocaram seus armários no ginásio depois que eu me assumi
porque elas pensaram que eram, po, um presente de deus para garotas
queer ou algo assim e eu não resis ria olhar para elas. — Anika bufa. — E
são apenas as perdedoras da aula de educação sica. Provavelmente é
vinte vezes pior quando é uma colega de equipe.
— Mas sua escola... nossa escola — me corrijo — tem um Clube do
Orgulho a vo! É até anunciado abertamente! Há muito mais apoio aqui do
que em St. Mary. Achei que fosse diferente aqui.
Drew balança a cabeça, girando sua quesadilla em um monte de molho.
— Bem, é, provavelmente, pelo menos para você. Mas a realidade é que
este lugar é uma espécie de zona morta quando se trata de ideais liberais.
Tipo a cidade faz um bom espetáculo, mas ainda é muito conservadora por
trás dos adesivos da bandeira do arco-íris que eles colocaram em alguns
dos negócios. Muitos dos adultos aqui ainda estão presos na idade da
pedra, e esse po de coisa chega aos seus filhos. Se seus pais são idiotas,
você se sen rá muito mais livre para ser um idiota. E se seus pais são
idiotas e por acaso você é gay, eu prometo que você vai falar muito menos
sobre isso.
— Bem, isso é um lixo. — eu digo, talvez um pouco alto demais
enquanto rasgo meu frango empanado em pedaços. Eu não me assumi na
minha an ga escola apenas para ser empurrada de volta para o armário
nesta aqui. — É realmente tão radical pensar que as pessoas deveriam ser
capazes de namorar quem elas querem sem ter que esconder, se transferir
ou processar alguém?
— Ei, ei, você está pregando para o coro aqui. — diz Anika.
Dou uma espiada atrás de mim só para ver se Ruby me ouviu e ia, não
sei, pular da cadeira concordando. Eu olho para longe rapidamente quando
encontro um olhar penetrante.
— Você deveria ir ao centro. — diz Aaron.
— O centro?
— Sim, há um centro de recursos para LGBTQ+ fora da cidade, perto da
faculdade. Uma das coisas que fazemos lá é aconselhamento, e há alguns
atletas que provavelmente se iden ficariam muito com sua história. Você
devia falar com a Srta. Ming… ela é quem coordena os voluntários. Isso
conta para as horas da Sociedade de Honra também, se você precisar.
— Viu, a cidade não é só lixo. — Anika encabeça, bebendo o resto de
seu refrigerante por um canudo. — Só a maior parte que é.
— O centro parece legal. — eu digo. — Eu adoraria sen r que estou
fazendo algo para ajudar. Neste momento, é como se os meus pais e os
advogados es vessem fazendo tudo e eu apenas acompanhasse.
— Incrível. — diz Aaron. — Eu acho que você se encaixaria muito bem.
Eu estarei lá no domingo, se você quiser vir.
— Sim, parece ó mo. — Eu sorrio e pego outra batata frita, deixando a
conversa seguir para outras coisas. Estou raspando o úl mo pedaço de
ketchup quando Ruby passa, indo em direção ao banheiro.
Eu me levanto para segui-la sem pensar. Quer dizer, eu deveria lavar
minhas mãos depois de tocar toda aquela comida gordurosa, certo? Certo.
— Você está me perseguindo agora? — Ruby pergunta, estreitando os
olhos pelo espelho quando entro no banheiro feminino. Ela está corrigindo
a maquiagem, deslizando uma linha de nta preta na pálpebra com uma
precisão quase cirúrgica.
— Não. — Um pouco.
— Certo. — Ela não parece convencida.
Corro para uma das cabines e fecho a porta atrás de mim. Eu realmente
não pensei bem além de vir aqui. Acho que só queria ver se ela me olharia
do jeito que olhou na minha casa outro dia — como se eu fosse alguém de
quem ela meio que gostava, em vez de alguém que ela não suportava.
Exceto que ela não olhou para mim desse jeito, e agora estamos
rodeadas por vasos sanitários com descarga automá ca e o cheiro de
toalhas de papel molhadas e purificador de ar ruim. Não é assim que eu
imaginei. Talvez o fato de eu ter imaginado que isso iria para qualquer
lugar foi um grande erro de minha parte.
— Você sabe que posso ver seus sapatos perto da porta, certo? — ela
pergunta. — Eu sei que você está apenas parada aí. Se veio aqui para dizer
algo, é só dizer. Caso contrário, pare de ser assustadora.
— Ah. — eu digo, porque não é nem um pouco constrangedor. Por que
isso é tão di cil?
Talvez porque quando eu finalmente coloquei meu coração na linha por
Sonia Delecourte — depois do nosso terceiro encontro, veja bem — ela me
disse que beijar era apenas uma experiência, só para ver se ela gostava, o
que ela não gostou.
E então, no dia seguinte, ela correu e disse ao diretor que eu fui atrás
dela.
E então fui convocada para uma reunião de conduta.
Tem sido uma série longa e dolorosa de "e depois" desde então, o que
de alguma forma me levou a este momento, parada em uma cabine de
banheiro, possivelmente cometendo o mesmo erro novamente.
— Olha, se você está se preparando para me processar ou o que quer
que seja por atropelar você, é só me dizer. Não tenho mais tempo para me
estressar com isso. — Eu a ouço fechar a bolsa. — Eu tenho o evento Miss
Tulip amanhã, e perder aquele úl mo concurso estragou tudo seriamente.
Eu tenho que me concentrar nisso, e não em por que Ma hews está
escondida em um banheiro?
Espere, ela ainda acha mesmo que eu vou processá-la? É por isso que
ela está me evitando? Não porque ela está estranha, mas porque ela está
preocupada? A esperança sobe na minha garganta enquanto abro a tranca
e pra camente caio para fora da cabine.
— Eu não vou processar você. Eu só quero…
Mas eu perdi minha chance. A porta se fecha atrás dela enquanto o
sorriso desaparece do meu rosto.
Então eu vejo: seu delineador esquecido ao lado da pia. É um
fluorescente, o selvagem sen mento de esperança surge, porque amanhã
é um novo dia, um dia que tenho folga… um dia que eu sei exatamente
onde ela estará.
E eu tenho um delineador para devolver.
11
RUBY

A úl ma coisa que espero ver ao dar um passo à frente para ser coroada
como a terceira colocada no evento Miss Tulip é a maldita Morgan
Ma hews sentada na terceira fileira dessa barraca temporária
rapidamente superaquecida que a cidade desenterrou de algum lugar. Ela
me dá um pequeno sorriso e acena, e eu quase tropeço enquanto pego
minhas rosas e a faixa, porque, que diabos, Morgan?
Foi estranho o suficiente que ela tenha me seguido até o banheiro na
noite passada, mas isso é um outro nível. O que ela está fazendo? É algum
po de vingança pelo fim de semana passado? Ela vai me entregar os
papéis do processo na frente de todo esse público? Quer dizer, eu
pesquisei ela no Google. Eu sei que seus pais estão dispostos a processar
qualquer coisa que se mova.
Merda, pensei que já era ruim o suficiente ela estar saindo com meu
vizinho Aaron, o que significa que eu inevitavelmente irei topar com ela
indo até a casa ao lado algum dia. Eu nunca pensei que teria que me
preocupar com ela aparecendo aqui também.
Meu sorriso falso vacila por meio segundo, e luto contra a vontade de
lamber a vaselina dos meus dentes até sair. Em vez disso, viro meus olhos
para mamãe, tentando me firmar na presença dela. Ela está de pé agora,
com os dedos presos nos cantos da boca, puxando os lábios para cima
como uma versão extravagante do Coringa. Eu sorrio ainda mais, deixando
meus dentes perfeitamente clareados terem seu momento sob os
holofotes, meu batom vermelho es cado enquanto seguro minhas rosas.
O anfitrião con nua, considerando Lily Carter vice-campeã e coroando
Melanie Cho como a nova Miss Tulip, e eu fico paralisada, olhando
fixamente para o fundo da tenda, deixando minha mãe orgulhosa. Ao meu
lado, Lily pega minha mão e a aperta. Comunicação de concurso para me
ajude a não enlouquecer.
Eu me permi , por um segundo, lembrar quando era a mão de Morgan
na minha, e então volto a engolir a lembrança. Ela não está aqui por
nenhum bom mo vo. Não haverá mais mãos dadas. Não pode haver.
— Droga. — diz Lily, no segundo em que deixamos o palco. — Eu pensei
que ganharia esse.
Lily e eu fazemos concursos de beleza desde que éramos bebês. Em
outra vida, uma em que minha mãe não suspeitasse de tudo e de todos,
provavelmente seríamos melhores amigas.
Do jeito que está agora, somos mais como colegas de trabalho muito
educadas.
— Desculpe, Lil. — eu digo enquanto nos dirigimos para a área de ves r.
— Achei que você ganharia também.
Ela dá de ombros e desaparece em um borrão de tafetá e garotas
chorando, e vou direto para o canto onde escondi minhas coisas antes. Se
eu puder sair do ves ário e entrar no meu carro o mais rápido possível,
minimizarei o risco de minha mãe entrar nos bas dores e desmoronar
(uma ocorrência frequente e embaraçosa) e ter que descobrir qual mo vo
horrível que Morgan tem para estar aqui. (O que deve ser ruim. Porque,
por que mais ela estaria?)
Eu me troco o mais rápido possível e pego meu kit, passando por uma
dúzia ou mais de garotas. Dou um rápido abraço de parabéns em Melanie,
enxugando suas lágrimas de felicidade obrigatórias da minha bochecha e
abro a cor na que nos separa do resto da tenda. Então eu levanto a aba de
emergência e saio pela parte de trás.
— Ei. — Morgan diz no segundo que estou do lado de fora. E merda,
estamos sozinhas aqui. Atrás da tenda. Onde ninguém vai. Como ela…?
— Apenas acabe com isso logo. — eu digo, estendendo minha mão. Na
verdade, nunca recebi documentos de processo antes, mas imagino que
sozinha atrás de uma barraca funciona tão bem quanto parada na minha
garagem.
Morgan franze o rosto. — Ok.
Ela coloca algo na minha mão, mas defini vamente não é um papel. É o
meu delineador da sorte, o único verdadeiro luxo que é só meu. Eles nem
mesmo vendem no Walmart. Tenho que fazer o pedido direto da Sephora.
Passei a manhã toda surtando procurando por ele.
— Onde você encontrou isso?
— Você deixou na lanchonete ontem.
— E você veio até aqui só para devolvê-lo? — Eu inclino minha cabeça.
— Por quê?
Morgan olha para o chão, pegando um pedaço de grama morta. — Eu
queria te agradecer pelo outro dia. Por cuidar de mim quando estava
machucada. Sei que você perdeu um concurso, e eles parecem muito
importantes para você. Eu esperava que isso nos deixasse quites?
E isso é tão despropositadamente doce que meu estômago dá uma
cambalhota.
— Obrigada. — eu digo, virando-me para ir embora. — Pelo meu
delineador e por não me processar.
— Ainda com o processo? Por que eu deveria?
Eu olho para ela, as sobrancelhas levantadas. — Eu te atropelei com
meu carro.
— Eu caí, lembra? — ela diz com um pequeno sorriso. — Você
simplesmente estava lá.
Eu balancei minha cabeça. — Qual é a sua, Ma hews?
— Nada.
— Você realmente dirigiu até aqui só para me dar isso? — Eu pergunto,
segurando a caneta delineadora.
Ela encolhe os ombros. — Talvez eu também quisesse ver quem seria a
nova Princesa das Flores. Parece uma informação crucial para se ter agora
que moro aqui.
Eu sorrio. Não consigo evitar. — Miss Tulip. — eu a corrijo. — E é a
Melanie Cho.
Seus olhos enrugam um pouco quando ela se inclina para frente, perto o
suficiente para que eu possa sen r o calor de sua pele contra minha
bochecha. Sua respiração em meu ouvido. Meu coração bate tão forte que
juro que o mundo inteiro pode ouvi-lo.
— Você deveria ter vencido. — diz ela.
Eu engulo em seco. — Eu…
— Ruby, eu estava lá esperando por você. O que você está fazendo? —
Eu me afasto para encontrar minha mãe caminhando ao nosso lado, com o
rosto contraído.
Quase deixo cair meu ves do. — Nada!
— Quem é a sua amiga?
— Só alguém da escola. — Eu me desloco ligeiramente entre elas.
— Eu sou a Morgan. — diz ela, estendendo a mão em volta de mim e
claramente não entendendo o ponto.
Minha mãe a sacode, um olhar cé co em seu rosto. — Ruby nunca
convidou nenhuma amiga da escola para seus desfiles antes.
— Oh, bem, eu não fui convidada, por si só. Eu…
— Estamos quase terminando. — eu digo, interrompendo Morgan. — Te
encontro no carro, mãe?
Minha mãe me encara por um segundo antes de puxar o ves do das
minhas mãos e se virar em direção ao estacionamento. — Não demore.
— Sua mãe parece legal. — Morgan diz assim que ela está fora do
alcance da voz.
E, merda, aquela falsa cortesia — aquela tenta va de fingir que minha
mãe foi tudo menos rude — é mor ficante. Eu deixo cair meu queixo. —
Por que você está realmente aqui, Ma hews?
— Eu só queria devolver o seu…
— Bem, você já fez. Então, acho que é isso? — Tento fazer minha voz
soar dura.
A surpresa — e dor — no rosto de Morgan fez minha cabeça zumbir. Eu
odeio isso. Muito.
Mas não tanto quanto odeio a conversa que sei que vou ouvir da minha
mãe no caminho para casa.
— Sim, acho que é. — Ela parece brava. E, oh Deus, eu mereço isso.

— Com quem você estava falando? — Minha mãe pergunta quando


estamos na metade do caminho para casa. — Vocês duas pareciam
amigáveis. — A acusação em sua voz não me passa despercebida.
— Apenas alguém da escola, como eu disse. — murmuro, porque se há
uma coisa que eu defini vamente não quero falar com ela, é sobre Morgan
Ma hews.
— O que ela estava fazendo lá?
Eu suspiro. — Ela estava devolvendo algo que esqueci na lanchonete
ontem à noite. Meu delineador.
— Vocês duas estavam terrivelmente próximas.
— Eu não conseguia ouvir o que ela estava dizendo. Estava muito
barulhento lá atrás.
Mamãe cantarola um pouco para si mesma e olha pela janela. — Só não
quero que ninguém tenha ideias sobre você, Ruby. Eu sei como você fica.
Como eu fico.
Eu aperto minhas mãos um pouco mais forte no volante, lembrando
quando eu nha treze anos e minha mãe decidiu que eu estava ficando um
pouco perto demais de Ka e Seawell, uma figura frequente no cenário do
concurso como eu. Ka e era diferente das outras meninas, pelo menos
para mim. Seus sorrisos pareciam reais, e ela ria alto e frequentemente. Eu
não conseguia decidir se queria ser a melhor amiga dela ou se apenas
queria ser ela. Encontrava desculpas para ter certeza de que sempre nos
arrumássemos juntas. Nós consertávamos a maquiagem uma do outra e
zombávamos dos jurados, e era… legal.
Depois de uma perda par cularmente di cil, minha mãe voltou aos
bas dores e a pegou enxugando minhas lágrimas e me dizendo
repe damente que eu era linda e que tudo ficaria bem. E talvez vesse
ficado se minha mãe vesse dormido o suficiente, ou se Billy não vesse
acabado de ir embora, ou se eu não vesse deixado minha úl ma “queda”
por uma famosa escapar no café da manhã. Mas ela não dormiu, e ele foi
embora, e eu ainda não nha aprendido a importância de manter minha
boca totalmente fechada.
Isso foi quando decidiu-se que eu não nha mais permissão para me
arrumar com as outras meninas. Ou falar com Ka e novamente. Depois
disso, eu meio que me fechei, e todas as outras garotas do concurso
aprenderam a ficar longe.
Mamãe bate a unha contra o apoio de braço e depois fixa o olhar em
mim. — Mas já chega disso. Adoraria ter visto você ganhar hoje.
— Desculpa. — Eu mantenho meus olhos fixos na estrada, apertando
minha mandíbula levemente.
— Você hesitou durante a sua entrevista.
— Eu não hesitei. Estava sendo atenciosa.
— Parecia mais que você não sabia o que dizer.
Eu mordo minha língua até doer e, em seguida, forço um sorriso. — Eu
sabia, no entanto. Fiz uma pausa, mãe. Eu não hesitei.
— Você precisa de mais sessões com Charlene se quisermos levar isso
para o próximo nível. — diz ela. — E você foi descuidada durante a prova
de talentos também. Talvez possamos ter algumas aulas par culares de
sapateado, porque essas aulas em grupo não parecem estar funcionando.
Eu balanço minha cabeça, engolindo a verdade de que não são as aulas
de sapateado, sou eu. Eu mal aguento pra car. Cada ba da do meu sapato
no chão me faz sen r como um daqueles fantoches de marionete, com
minha mãe segurando todas as cordas.
— Eu nunca gostei de aulas em grupo. — mamãe con nua. — Se você
quiser se destacar…
— Não podemos pagar aulas par culares agora e, além disso, me
disseram da úl ma vez que não aceitariam mais cheques pré-datados. —
Eu suspiro. — Talvez não haja um próximo nível para mim.
— Não vou jogar fora o seu futuro só porque estamos falidas. Vou pegar
turnos extras se for preciso. Nós duas sabemos que estou sentada ao lado
da futura Miss América agora.
Eu esfrego minha mão na minha testa e a deixo cair. Porque toda vez
que ela diz “jogando fora seu futuro”, está implícito como ve que fazer
quando te ve. Nada como passar mais uma tarde de sábado se sen ndo
culpada por ter nascido.
— Ei, — diz ela, mexendo na alça da bolsa. — só quero mais para você.
— Não há como eu chegar até…
— Você merece ter o que eu não ve.
E o que ela não teve foi uma carreira lucra va como rainha da beleza,
aparentemente. Mamãe estava ganhando todos os concursos em que
par cipou no ano em que engravidou de mim, e ela estava de olho no Miss
Teen USA. Ela era de alguma forma ainda mais bonita na época, antes que
sua mãe a expulsasse e a afastasse, antes que meu pai a deixasse grávida
de seis meses e sozinha, antes que o peso do mundo lutasse com o Pai do
Tempo para causar rugas em sua pele.
Talvez eu deva a ela meu futuro por roubar o dela, não importa o quanto
eu deseje me perder dentro de um velho carro despor vo e nunca olhar
para trás.
— E se eu não for uma Miss América? — pergunto como uma prisioneira
implorando por uma chave. — Eu não ganho nada há anos. Nem mesmo os
desfiles do shopping, que não contam. Nem mesmo acho que me
classificaria para uma compe ção estadual.
— Oh, Ruby. — ela diz, dando tapinhas na minha perna. — Nunca
duvide de si mesma, querida.
— Eu… — eu paro, deixando o mal-entendido ir. Nunca adianta falar
com ela sobre isso. Mas como ela não vê isso? Como?
— Eu sei que não temos tanto quanto algumas das outras garotas, mas
você tem uma mãe que te ama e fará de tudo para te levar onde você
precisa. — diz ela, prendendo um pouco do meu cabelo atrás da minha
orelha. — E isso é metade da batalha.
Eu aceno e ligo o rádio, esperando que um pouco de música afogue todo
o caos na minha cabeça. Eu estarei trabalhando para pagar essa dívida
enquanto eu viver.
— Por falar nisso, tenho boas no cias! — ela diz, girando em seu
assento tão rápido que quase piso no freio.
— Que boa no cia?
— Eu consegui inscrevê-la para o concurso do condado, afinal.
— Você o quê? — O prazo era ontem, e sei que não podemos pagar. É
um dos mais caros.
— Sobrou dinheiro da semana passada.
— Isso era para a conta de luz. — Eu gemo. — Como você fez com que
eles ligassem de novo, então?
— Chuck colocou em seu nome, disse que está sublocando o lugar. Eu
coloquei um pouco na nossa conta fechada e o resto na taxa de registro.
— Esse dinheiro poderia ter nos colocado em dia!
— Isso não é algo para você se preocupar. — diz ela, como se fosse tão
simples. — Você quer algo que a qualifique para o estadual. Bem, aqui
está.
— Não foi isso que eu quis dizer. — digo com os dentes cerrados.
— Isso pode abrir muitas portas para nós, Ruby. Muitas. Você já tem a
idade certa para a Miss América, querida. Agora só temos que conseguir
esses tulos, e este é um grande primeiro passo.

— Este aqui não parece tão ruim. — diz Everly, deslizando o laptop pela
cama. Ela está com o site do concurso do condado aberto.
— Não importa, Ev.
— Mas este tem um prêmio que sua mãe não pode arruinar para você.
— A vergonha aquece minha barriga. Não importa o quanto eu tente
mantê-la fora disso, Everly sempre enxerga através da conversa fiada direto
para como as coisas estão ruins.
— Improvável. — eu digo.
— Bem, se ela conseguisse, seria realmente impressionante, porque é
uma bolsa de estudos para a Universidade Comunitária Hudson para as
seis primeiras colocadas, e inclui uma bolsa para os dormitórios. Isso pode
rar você da casa da sua mãe para sempre. — Ela bate na tela. — Esta
pode ser a sua saída.
— Eu não posso deixar minha mãe.
— Ela ficaria bem, Ruby.
— Ok, nesse caso, deixe-me começar a destruir seus sonhos e
abandoná-la como todo mundo fez porque Everly Jones disse que ela
ficaria bem. — Estou sendo dramá ca, mas não consigo evitar.
— E quanto aos seus sonhos?
— Eu não tenho nenhum. — Eu sorrio, fechando seu laptop.
Ela revira os olhos e se joga ao meu lado, olhando para mim com o canto
do olho. — Você é uma men rosa.
— Vamos lá, tenho tanta probabilidade de ir para a faculdade quanto de
ganhar a Miss América. Você e eu não somos iguais.
— Ruby, eu te amo, mas pare com isso. Eu ro fotos de pessoas quando
elas não estão olhando. Você restaura carros e os mantém funcionando. Se
uma de nós está mais preparada para ter uma carreira, não sou eu.
— Você realmente acha isso? — Eu pergunto porque nunca pensei nisso
dessa forma.
Ela cruza os braços e me encara até que eu relutantemente concordo
que ela talvez tenha razão, e então abro seu laptop para distraí-la com
filmes da Ne lix.
Mais tarde, no entanto, depois que Marcus chega com uma pizza e
todos estão dormindo, menos eu, eu clico novamente para ler sobre a
bolsa. Porque meu orientador mencionou uma vez que Hudson nha um
programa de tecnologia automo va dos bons. E se eu vesse um sonho,
provavelmente seria isso.
Sempre achei que acabaria trabalhando em um posto de gasolina ou
algo assim, desmantelando peças para Billy entre os concursos com a
mamãe. Não parecia que "mais" era realmente uma opção. Mas Everly está
certa. O prêmio cobre a mensalidade, mais hospedagem e alimentação no
novo prédio de habitação estudan l que eles construíram no ano passado.
Terminar até mesmo entre as seis primeiras pode ser di cil em um
concurso em todo o condado, mas pode ser viável se eu realmente tentar.
Clico no site, tentando encontrar uma lacuna ou as letras pequenas, mas
tudo parece legí mo.
Diz até que posso solicitar bolsas para cobrir meus livros e refeições,
mas não preciso de tudo isso. Livros, talvez, mas tenho vivido de ramen e
vitaminas desde que me lembro. Tenho certeza de que conseguiria
trabalhos paralelos o suficiente no Billy para, pelo menos, cobrir isso. E eu
estaria perto o suficiente para ficar de olho na minha mãe. Talvez
pudéssemos até mesmo chegar a um acordo, como ainda fazer alguns
concursos locais ou algo assim. Talvez este pudesse ser o primeiro passo,
mas não da maneira que ela queria dizer.
Everly funga e rola, e eu desligo seu laptop, desligando meus sonhos
junto com ele. É estúpido até pensar nisso. Eu tenho responsabilidades. Eu
tenho uma obrigação. Eu tenho… muita energia agora e nenhum lugar para
colocá-la.
Pego meu telefone e digito uma mensagem. Tyler responde
imediatamente.
12
MORGAN

Aaron está parado perto de uma mulher branca que parece ter cerca de
trinta anos, mediante ao que parece ser uma estante de livros arrumada às
pressas, quando eu entro no centro.
Dylan entusiasmadamente me deixou no seu caminho para o trabalho,
me chamando de “bastante sociável” e me dizendo que estava “orgulhoso
de mim” e para “entrar lá e mudar vidas” até que ficasse constrangedor. Eu
basicamente ve que expulsá-lo do estacionamento agora pouco. Para ser
honesta, no entanto, talvez não tenha me importado totalmente. Acho que
precisava de algum reforço posi vo depois da maneira como Ruby jogou
pingue-pongue com minhas emoções ontem.
— Morgan! — o rosto de Aaron se ilumina. Ele guarda uma pilha de
livros e se aproxima para me dar um abraço de boas-vindas. — Você veio!
— Não perderia. — eu digo. — Obrigada por me convidar.
— Claro! Hm, esta é Izzie. — ele aponta para a mulher, que parece
ligeiramente exasperada quando alguns livros caem ao lado dela. — E,
Izzie, esta é Morgan.
— Oi, Morgan. Desculpa a bagunça. Recebemos uma pilha de novas
doações este mês e estou tentando organizar tudo. — ela ra uma mecha
de seu cabelo castanho-escuro dos olhos. — É tão bom finalmente
conhecê-la. Aaron falou muito bem de você.
— Adoraria ajudar aqui no que puder. — eu olho um livro em par cular
que tem um menino e um cachorro na frente coberto com o que parece
ser… Post-its? — Todos esses livros foram doados? Isso é fantás co.
— Sim, temos alguns patronos muito generosos. Cada livro apresenta
um personagem principal que se enquadra no guarda-chuva LGBTQ+. Você
é sempre bem-vinda para pegar os livros emprestados, caso algo chame
sua atenção.
— Legal. — eu digo, pegando. — Eu defini vamente irei.
— Perfeito. Eu sei que o final do ano pode ser estressante para os
alunos. É sempre bom pra car um pouco de autocuidado. — diz ela. — A
biblioteca está disponível sempre que estamos abertos e é um sistema de
honra, então não há necessidade de assiná-los nem nada. Nós confiamos
em você. — ela se inclina para mais perto. — E, honestamente, se alguns
não forem devolvidos, não nos importamos, contanto que encontrem um
bom lar.
Eu sorrio porque isso é ridiculamente legal. Eu sou o po de pessoa que
defini vamente devolveria cada livro que pegasse emprestado — eu nem
mesmo racho as lombadas ou dobro as orelhas —, mas eu estou meio
obcecada com a ideia de que se alguém realmente se apaixonasse por um,
estaria tudo bem se ficasse para sempre.
— Então, o que exatamente vocês fazem aqui? — Eu pergunto.
— O que não fazemos? — Aaron diz.
— Ele tem razão. Fazemos um pouco de tudo. — Izzie encolhe os
ombros. — Aconselhamento, apoio, visitas escolares. Nós ajudamos com o
estabelecimento de Clubes do Orgulho e Alianças Homossexuais-
Heterossexuais em lugares que não os têm. Aaron e eu, na verdade,
montamos aquele em sua escola com a Srta. Ming. Ajudamos a colocar os
adolescentes em contato com os recursos de que precisam, caso estejam
em uma situação de risco. Mas também fazemos Bailes do Orgulho e
outros eventos diver dos…
— É uma espécie de serviço centralizado quando se trata de gays. —
Aaron faz um gesto de arminha com os dedos e tento não rir. — Vamos,
iremos mostrar a você.
Eu olho em cada sala obedientemente enquanto apontam para o
escritório da diretora, a sala, a área da cozinha, as salas principais, o
espaço de aconselhamento e o playground no quintal, como se es vessem
tentando me convencer de como é bom, ou algo assim. Mas eu já sabia
antes de chegar aqui que, defini vamente, estava dentro.
— Então, o que exatamente eu faria como uma conselheira?
— Os conselheiros são alunos que se voluntariam aqui, seja por horas na
Sociedade Nacional de Honra7 ou simplesmente porque querem. — diz
Izzie. — Nós os combinamos com outros adolescentes que achamos que se
beneficiariam com suas experiências, e muitas vezes isso se transforma em
uma combinação mutuamente benéfica. Nossos conselheiros tendem a
rar tanto disso quanto dão.
— Se es ver interessada, pedimos que estude nosso manual online e
faremos uma verificação de antecedentes, é claro. Vamos fazer com que
você assista a algumas sessões com Aaron, ou comigo, até que se sinta
confortável. Aaron é nosso conselheiro sênior, então ele está sempre aqui
para ajudar a responder às suas perguntas, ou ser seu parceiro em uma
sessão di cil.
— Então nós apenas… conversamos?
— Mais ou menos isso. — diz Aaron. — Às vezes as pessoas vêm e só
querem alguém para ouvi-las. Outras vezes, querem conselhos. Você
sen rá isso conforme você avança.
Izzie inclina a cabeça. — Na verdade, já tenho alguém em mente com
quem gostaria de colocar você. Acho que seria uma combinação excelente,
considerando suas duas histórias.
— O jogador de futebol? — Aaron pergunta.
Ela assente. — Temos um menino que vem aqui de vez em quando, um
atleta como você.
— Ele nos dá um nome falso toda vez, mas parece que não se lembra
dele, então nunca é o mesmo. — diz Aaron. — Defini vamente não
frequenta a nossa escola, então, vai saber quão longe ele viaja. Algumas
pessoas percorrem um longo caminho para chegar aqui, tem menos risco
que alguém que você conheça veja você entrar.
— Entendo. Eu odeio isso, mas eu entendo. — Eu digo.
— Acho que você estaria em uma posição única para lhe dar conselhos.
— Sim. — eu digo. — Eu realmente quero encontrar uma maneira de
trabalhar com atletas estudantes. É complicado. As pessoas não entendem
os desafios que enfrentamos se não os viveram.
— Bem, acho que você vai descobrir que trabalhar no centro é um
grande primeiro passo em sua defesa. Você será capaz de pôr a mão na
massa ajudando as pessoas individualmente.
— Isso parece ó mo.
— Bem-vinda a bordo, então. — ela diz. — Aaron pode configurar um
login online para revisar todo o material. Ele tem uma consulta no final da
tarde também, se você ver tempo para ficar.
— Sim. — Digo, querendo começar com essas coisas o mais rápido
possível, para sen r que estou fazendo algo que importa pela primeira vez,
ao invés de me esconder atrás de meus pais e advogados.

Mais tarde, depois de assis r uma reunião com Aaron e essa garota,
Caroline, preencher uma grande quan dade de papelada e responder a
alguns testes online, sou oficialmente uma conselheira. Ainda tenho que
assis r mais algumas sessões enquanto esperamos minha verificação de
antecedentes ser esclarecida, e Izzie vai me visitar assim que eu começar a
aconselhar por conta própria, mas parece um grande passo.
No final do dia, quando meu irmão chega em casa com um bolo
comemora vo, ele me dá o maior abraço.
— Para que é isso? — Eu pergunto quando ele finalmente me solta.
— Nada. — ele diz. — Eu só estou feliz que você seja minha irmã.
13
RUBY

Charlene sorri quando entro no estúdio que ela divide com sua irmã
gêmea, June. Ela é alta, quase 1,80 e dentes brancos brilhantes, o cabelo
pintado de preto para esconder o cinza. Mais de trinta anos longe de seu
tulo de Miss EUA, um pouco mais velha e mais suave do que costumava
ser, ela ainda é uma força a ser reconhecida no circuito de concurso.
— Olá, Ruby. — ela diz. — Você está um pouco adiantada.
— Eu sei. — eu abaixo minha cabeça. — Eu esperava que pudéssemos
conversar.
— Mas é claro. Por que não conversamos no meu escritório antes que
seus alunos cheguem? — Ela coloca os papéis que está segurando na
recepção e segue em direção ao fundo.
Charlene não é apenas minha tutora de concurso; ela também é meio
que a minha chefe. Ela e a irmã dirigem um pequeno, mas respeitado,
negócio. Charlene dirige o lado técnico do concurso, June oferece balé e
dança moderna. Havia tantas coincidências entre os clientes que fazia
sen do abrirem uma loja juntas.
Sigo Charlene até o menor dos dois escritórios, ela diz que é sua
maldição por ser três minutos mais jovem, e me sento em frente a ela.
— O que posso fazer por você, querida?
— Eu quero ganhar o concurso do condado. — as palavras me cortam,
parecendo mais uma admissão de culpa do que uma declaração de
intenções. — Queria saber se você estaria disposta a fazer algumas aulas
extras comigo, caso eu pegasse mais aulas em troca. Sei que mal estou
cobrindo o que já devemos a você, mas eu preciso disso.
— Posso perguntar o por quê?
— Eu preciso ser elegível para um estadual, e preciso ganhar um
estadual para chegar ao Miss América. — Odeio men r para Charlene, mas
não posso arriscar que ela conte a verdade para minha mãe, que, embora
ela veja isso como um primeiro passo importante, eu enxergo isso como
uma saída de emergência em um navio que de outra forma está
afundando.
Charlene se move para frente em sua cadeira, estudando meu rosto. Eu
luto contra a vontade de encolher, evocando minha melhor postura para o
desfile.
— Não dá para men r para uma men rosa. — Diz ela, juntando as
mãos.
— Não estou. — eu forço. — Eu preciso da sua ajuda. — Pelo menos
essa parte é verdade.
— Nós duas sabemos que esse é o sonho da sua mãe, não o seu.
— Por favor. — Eu posso sen r tudo escapando. A porta batendo na
minha cara. Nada de programa automo vo. Sem saída. Serão desfiles de
shopping de terceira categoria e feiras do condado para o resto da minha
vida.
Charlene suspira.
— A assistente de June está de licença maternidade. Eu ia contratar um
estagiário, mas se você puder ser um segundo par de olhos nas aulas de
"Passos para Desfiles", além de dar suas aulas de maquiagem habituais,
podemos dar um jeito. Uma aula par cular por semana, mais dever de
casa. Porém você tem que ser sincera, Ruby, você tem enrolado há anos.
Se a sua mãe não fosse uma das minhas melhores alunas, eu já teria
largado você. Sei do que você é capaz. Eu sei o que está em seu DNA. Tudo
poderia ser seu se você quisesse de verdade.
— É… — Eu olho para baixo, esfregando uma mancha de graxa na ponta
do meu polegar. Como é que todo mundo parece saber o que está em meu
DNA, exceto eu?
— Agora vá se preparar. As meninas estarão aqui em breve para a sua
aula, e nós temos as crianças de seis a oito anos vindo para o "Passos para
Desfiles" depois. Você fica para os dois, e podemos começar suas aulas
extras na próxima semana.
— Combinado. — Digo, apertando a mão dela. Eu estava planejando ir
para a casa de Billy depois, mas vou mandar uma mensagem avisando que
não posso. Uma perda de curto prazo, para um ganho de longo prazo.
14
MORGAN

Estou caída sobre uma cadeira de barbeiro vermelha brilhante na loja do


meu irmão, observando-o varrer o chão xadrez preto e branco. Ele acabou
de cortar todo o meu cabelo, bem, ele deixou um pouco no topo, o
suficiente para dizer que é um corte pixie ou o que quer que seja quando a
mamãe ligar mais tarde. O fato de que ele também ngiu de rosa é algo
que talvez eu precise... convencer meus pais. Deus sabe que isso nunca
teria sido permi do na minha an ga escola. Até Dylan hesitou no início,
mas quando eu disse que faria em casa com um pouco de descolorante e
Kool-Aid8, seu coraçãozinho amante de cabelos subiu a bordo bem rápido.
Eu poderia dizer pelo seu sorriso quando ele rou a poeira de todos os
cabelos perdidos e me girou para encarar o espelho que ele amou tanto
quanto eu.
Mesmo assim, embora cortar meu cabelo e ngi-lo de uma cor que eu
só poderia sonhar acordada antes, parecesse emocionante, como uma
mudança real, real, no fundo eu sei que não é. Ou, pelo menos, não é o
suficiente.
Eu giro minha cadeira em círculos preguiçosos. Ao meu lado, o melhor
amigo de Dylan, Owen, está raspando uma parte di cil do cabelo de um
garoto de 12 anos, enquanto a mãe e a irmã da criança assistem de uma
fileira de assentos de metrô ao longo da parede. Owen e Dylan se
conheceram na escola de barbeiros e se tornaram “melhores amigos
acelerados”, como diz Dylan. Eles podem não se conhecer desde sempre,
mas aparentemente a intensidade da escola de barbeiro cria um vínculo.
Eles seguiram caminhos separados logo depois, mas no segundo que
puderam abrir um salão juntos, eles o fizeram.
Eu giro a cadeira mais algumas vezes com um suspiro. Dylan levanta
uma sobrancelha e empurra meu pé para fora do caminho enquanto ele
desliza a vassoura debaixo da minha cadeira.
— Sabe, se você está tão entediada, pode varrer o próprio cabelo.
— Não estou tão entediada assim.
— Então o que foi? — Owen pergunta, rando o avental do garoto e
afastando o cabelo de seu pescoço. — Porque os seus suspiros estão
assustando os clientes.
O menino olha para Owen quando ele diz isso, e a mãe ri e lhe entrega o
dinheiro antes de desaparecer porta afora.
— Viu, olha só como eles correram para fora daqui. — diz Dylan,
apoiando o braço e o queixo na vassoura. — Ok, eu ajudo. O que rolou?
— Não seja todo paternal comigo. — Eu bufo.
— Em primeiro lugar, quando papai já disse O que rolou? Em segundo
lugar, não estou sendo paternal, estou sendo fraternal, o que se tornou
meu direito quando você ocupou meu quarto de hóspedes com todas as
suas coisas.
— Oh, como se você não gostasse de me ter aqui. — eu provoco.
— Eu não disse isso. Disse que ter você aqui me dá o direito de
bisbilhotar.
— É verdade. — Owen adiciona — Está no estatuto do irmão.
— Hmm. — eu digo — Eu não vi nenhum estatuto.
— Bem, você não tem, porque você é uma irmã.
Eu chupo meus lábios e os deixo sair com um pop.
— Sabe, às vezes eu sinto que poderia procurar pelo mundo inteiro e
ainda nunca encontraria dois bobões maiores do que os que estão bem na
minha frente.
— Morgan, — meu irmão diz — chega de mudar de assunto. O que faz
você suspirar e se jogar nas minhas cadeiras como uma princesa da
Disney?
Eu não quero dizer, de verdade. Meio que quero deixar este momento
de leviandade afundar em meus ossos até que eu não me importe mais.
Mas é o Dylan, e eu conto tudo a ele, independentemente do "estatuto
fraterno".
— Honestamente?
— Honestamente. — ele diz.
— Acontece que muitos dos jovens aqui não se sentem mais seguros em
se assumir do que na St. Mary's. Principalmente aqueles que pra cam
esportes. Acho que assim que terminar meu treinamento, vou fazer
aconselhamento para algum jogador de futebol que dirige, po, uma
eternidade para chegar ao centro. E há Lydia, que nem mesmo vai a uma
reunião do Clube do Orgulho, embora haja aliados heterossexuais lá. Ela
está presa nesta área em cima do muro, e é uma merda.
Owen inclina a cabeça.
— Ela te disse que é uma merda?
— Bem, não. — eu digo, girando em direção a ele. — Mas eu já es ve lá
e sei que sim.
Dylan estreita os olhos.
— Se ela não parece incomodada com isso, eu me preocuparia menos
com ela e mais com os jovens que querem se assumir, mas sentem que não
podem.
— E eu vou encontrar todos eles como?
— Parece que você já encontrou um no centro e mal começou.
Eu suspiro. É um ponto justo, mas…
— Não parece o suficiente, no entanto. Fiz uma grande defesa na minha
an ga escola, e agora estou aqui e parece que nada está realmente
diferente. É a mesma coisa, apenas uma configuração diferente.
— Bem, está mudando para St. Mary's, graças ao seu processo.
— Pode ser. E, novamente, essa é uma escola.
— Isso pode ajudar um monte de crianças no futuro, talvez estabeleça
um precedente em todo o estado.
— Algo me diz que, mesmo que publiquem uma polí ca oficial de que
toleramos gays na St. Mary's, ninguém vai se sen r super confortável
vindo para uma escola católica par cular ultraconservadora. Quero fazer
mais do que apenas mudar as coisas no papel.
— Eu sei. — Dylan diz. — E é por isso que acho que ajudar no centro vai
ser muito bom para você.
— É. Provavelmente.
— Espere. — Owen diz — Isso não soou convincente.
Dylan franze a testa.
— Realmente não soou.
— Acho que temos que dobrar o papel de papai até que ela sorria. —
Owen vem em minha direção.
— Ai meu deus, para. — eu rio.
Dylan se move ao lado dele, e os dois levam as mãos ao queixo em uma
expressão falsa pensa va.
Eu reviro meus olhos.
— Estou bem. Eu prometo.
— Me desculpe, Morgie. Isso não é bom o suficiente.
— Pois é. — Owen diz — Estamos aqui para ajudá-la. Você tem um
problema, seus irmãos pais vão resolvê-lo.
Eu pisco para eles.
— Não, não fazendo isso. — Mas eles con nuam olhando para mim com
rostos cheios de expecta va, como dois filhotes de retriever dourado que,
de alguma forma, se manifestaram como pessoas bem diante dos meus
olhos. — Vocês genuinamente acham que vou vomitar meus sen mentos
sobre a escola e a permissão de troca de equipe e a Ruby e outras coisas só
porque con nuam me olhando desse jeito?
— Ruby? — Dylan olha para Owen. — Quem é a Ruby?
— Sim, defini vamente nunca ouvimos falar da Ruby.
Droga. Não acredito que deixei escapar.
— Ela não é ninguém. Apenas uma garota da escola.
Owen geme.
— Como assim, você já tem namorada? Estou aqui há dois anos e não
tenho nenhuma.
— Isso é porque você é irritante, Owen. — diz Dylan, colocando a mão
em seu ombro. Eu ri; não posso evitar. — Você tem namorada, Morgan?
— É… não. Tenho uma pessoa que não consegue decidir se gosta de
mim ou me odeia, mas que também pode ser heterossexual ou estar tão
fundo no armário que ainda não percebeu que não é.
— Ohhh, alguém tem uma paixonite. — Owen cantarola, segurando seu
coração. Eu resisto à vontade de bater nele. Ter um irmão introme do já
era ruim o suficiente. Como eu acabei com dois?
— Morgan. — Dylan diz, sua voz ficando séria. — Me prometa que você
não vai aceitar qualquer coisa, ok? Encontre alguém que respeite seus
sen mentos e seu tempo.
Diferente da úl ma garota que você gostou está implícito, mas eu ouço
alto e em bom som.
Eu engulo em seco.
— Vocês dois não têm cabelo para varrer?
Porque não importa o quão grande seja minha paixonite, eu sei que ele
está certo. Não vou cometer aquele erro novamente. Nunca mais. Eu
mereço ser conquistada. Mereço saber que a pessoa por quem estou me
apaixonando também está se apaixonando por mim. Eu mereço grandes
gestos e romance e todas essas outras coisas boas.
Se Ruby Thompson, ou qualquer outra pessoa, por falar nisso, es ver
interessada em alguma coisa comigo, então terá que dar o primeiro passo,
e terá que ser grande.
15
RUBY

Eu não queria ouvir escondida.


Não era nem para eu estar passando por aqui agora, embaixo dessas
nuvens sinistras ameaçando chover a qualquer segundo, se eu não vesse
detenção por ter chegado atrasada. Pelo menos foi por um bom mo vo —
o carro da minha mãe não queria dar par da depois do seu turno noturno
e precisei ir buscá-la. Não podia simplesmente deixá-la esperando lá o dia
inteiro. Deus sabe que Chuck nunca gastaria gasolina para isso.
Quando finalmente lembrei que precisava de um aviso, eu já estava
atrasada e na metade do caminho para a escola. Voltar iria me atrasar
ainda mais, e eu precisaria acordar mamãe para que ela escrevesse. Eu não
conseguiria fazer isso. Sei que ela realmente precisa dormir.
Então, eu me atrasei. De novo. Detenção automá ca. Nada como ficar
sentada em uma salinha escrevendo uma redação sobre o impacto do
atraso no corpo discente no geral para fazer o sangue correr.
Depois precisei ver a Sra. Morrison para conversar sobre minhas notas.
Não estou reprovando, graças a deus, mas também não estou muito longe
disso. É só que Ciências Polí cas me dá sono. Assim como Inglês e, ok, a
maioria das aulas, para ser honesta, exceto pelas oficinas. Eu gosto
bastante do almoço e de Educação Física também, para ser justa. Só
preciso estar em movimento, fazendo coisas com minhas mãos. Não
consigo me concentrar quando estou parada.
Mas não que isso importe mais. Preciso levar as coisas a sério. Preciso
rar nota boa em todas as tarefas. Preciso me formar a tempo e não pegar
aulas no verão. Porque estou me segurando na pergunta da Everly como se
fosse um colete salva vidas agora: E quanto aos seus sonhos? E se eu
conseguir me dar bem o suficiente no concurso de beleza para ganhar
aquela bolsa de estudos, não quero perder por causa de um pequeno
detalhe como não ter conseguido me formar no ensino médio.
Em outra vida, eu já estaria na oficina do Billy resolvendo o problema do
carro da minha mãe, ou saindo com Everly e Marcus, ou fazendo qualquer
outra coisa que não fosse encontrar Morgan Ma hews e uns babacas da
equipe de lacrosse, Chad e Clayton Miller. Eu não teria ouvido-os xingá-la,
ou ter visto ela e aquele novo corte de cabelo que faz suas maçãs do rosto
parecerem capazes de cortar vidro da melhor forma possível.
Mas não sou tão sortuda assim. Então eu paro e espero para ver o que
vai acontecer em seguida, me escondendo perto da entrada do campo
apenas o suficiente para ficar longe da visão deles.
Torço para ela se afastar, porque então poderei fazer isso também.
Posso seguir direto para meu carro como se nada vesse acontecido. Mas
isso não faz o es lo dela. Isso não tem nada a ver com a Morgan Ma hews.
Nem preciso do Google para saber disso.
— O que foi que você falou para mim? — ela pergunta, suas mãos já
fechadas.
— Não é isso que você é? — Chad pergunta, estufando o peito.
— Talvez. — Clayton diz. — Ou talvez ela só precise de um pau.
Reviro meus olhos. Os dois gêmeos são um saco, mas sempre odiei o
Clayton um pouco mais. Pelo menos agora não vou me sen r mal por isso.
Ela dá um passo a frente, e não, não, Morgan, vá embora. Eles não são o
po de pessoa que você retruca. Eles não são o po de pessoa com quem
você deixa suas amigas em festas.
— Bem, não tenho certeza se você tem um pau, — Morgan diz,
tentando passar por eles. — mas não tenho interesse.
— Vai se foder. — Clayton empurra ela.
— Não encoste em mim! — Ela empurra de volta. Ele mal se mexe, uma
pequena corredora não é párea para um meio-campista grande.
— Clayton! — Grito, correndo até eles antes que as coisas piorem. — O
que diabos você está fazendo?
— Por que se importa, Ruby? Ela te levou para o vale do arco-íris
também?
Eu aperto meus dentes e, por um segundo, entro em pânico por ele
realmente ter entendido o que estou me esforçando tanto para ignorar. O
que me esforcei para caralho para esconder.
Mas esse é o Clayton. Ele não é esperto; só é um idiota.
— Engraçadinho. — falo. — Não. Mas se ela te denunciar e você for
suspenso por isso, vou ter que ouvir o Tyler choramingando pelo resto da
temporada por ter perdido dois dos seus melhores jogadores. — Lanço um
olhar para ele torcendo para ter sido convincente. — Agora deem o fora
daqui antes que eu estrague seu alternador9 para você ter um mo vo para
reclamar.
— Você não precisa ser uma vaca sempre, sabia? — Ele esbarra no meu
ombro quando passa com o Chad atrás. Sigo-os com os olhos, primeiro
para me cer ficar de que realmente estão indo embora, mas
principalmente para dar a Morgan uma chance de se recuperar. Quando
finalmente olho para ela, com um pequeno sorriso de alívio no rosto,
encontro uma coisinha de 1.60 cm de puro ódio.
— Não preciso da sua ajuda. — ela pra camente rosna.
— Claramente. — falo, a irritação subindo para minha cabeça ao
perceber que ela acha que estraguei tudo de novo. — Você estava a dois
segundos de entrar em uma briga com um meio-campista de lacrosse. Com
certeza nha tudo sob controle. Claro.
— Eu nha. — Ela se agacha para amarrar o sapato. — Já lidei com
coisas piores do que ele.
p q
— É, mas não sem advogados.
Ela olha para mim, seus olhos brilhando. — O quê?
E, droga, esse foi meio que um golpe baixo. Recuo um pouco,
esfregando o pescoço. — Eu só queria encontrar seu instagram. Não é
minha culpa que um monte de no cias apareceram.
— Maravilha. — ela diz. — Então todo mundo sabe?
— Bom, provavelmente. Duvido que eu seja a única pessoa que decidiu
pesquisar sobre a novata no google.
Ela abre a boca para dizer algo — no exato momento em que as nuvens
pesadas acima de nós finalmente reagem, a chuva caindo com tudo. Que
perfeito. Em um piscar de olhos, já estamos ensopadas, correndo para
baixo do toldo da velha barraquinha de comida para escapar do aguaceiro.
— Que ó mo. — Ela resmunga, enxugando a água de seu rosto. Aperto
meu moletom um pouco mais, fazendo o possível para ignorar a forma
com a chuva cai e se acumula sobre sua pele. Pele demais. Céus, essa
escola não tem um código de ves menta? Como esse uniforme minúsculo
de corrida é permi do?
Morgan limpa a garganta e, merda, vai saber quanto tempo es ve
encarando suas pernas, seu pescoço, seus braços, seus…
— Quer uma carona para casa? — solto, mesmo sabendo que é uma
ideia ruim, uma ideia colossalmente ruim, uma ideia epicamente pior
agora que o frio está deixando-a…
— Não, valeu. — ela diz e corre para a chuva. Fico lá por um segundo,
confusa pela sua saída do nada, antes de voltar ao normal.
Então tá. Ela que corra para casa. Até parece que me importo. Porque
não me importo. Não me importo.
Vou para meu carro, batendo a porta quando entro e nem sequer me
importo em estar molhando o banco. Coloco a chave na ignição, e ele ruge
com vida conforme sai da escola.
Está tudo bem. Morgan Ma hews não é um problema meu. Ela não é
nada para mim. Nem aquele corte de cabelo novo pode mudar isso. Ela é
só mais uma nova distração no meio de uma grande pilha de distrações
que defini vamente não importam. Eu não estou nem aí.
Saio do estacionamento, tentando não pensar em como está di cil de
enxergar ou como a Morgan tem costume de correr para cima dos carros.
— Droga. — falo, puxando o freio.
Eu devia con nuar. Se ela quer correr para casa nessa tempestade
estúpida, eu deveria deixar. Então por que estou parando o carro? Por que
estou abrindo a porta do passageiro bem do lado dela?
— Não preciso da sua pena. — Morgan diz, parando só para gritar pela
minha porta aberta.
— Não é pena.
— Então o que é? — Seus olhos encontram os meus, e por um segundo
parece que ela consegue enxergar através de mim.
— É… — eu hesito porque não faço ideia, e não consigo pensar direito
com ela me encarando, ensopada e tremendo. Como ela ainda está
bonita? Isso não é justo.
— É… — ela diz, balançando as mãos como se dissesse vai logo.
— Meu dever cívico?
Um lado da sua boca sobre.
— Seu dever cívico. — ela diz impassível.
— Eu…
Mas ela já está deslizando para o assento ao meu lado, colocando o
cinto de segurança. — Parece verdadeiro.
Espero ela fechar a porta, e então aperto o acelerador, meu carro
balança para frente quando aperto o pedal rápido demais.
— Então stalkear, meu instragram é seu dever cívico também? — ela
pergunta.
Merda.
— Eu estava… curiosa? — Olho rapidamente para notar sua reação, mas
ela só está encarando a rua, indiferente.
— Eu apaguei antes de vir para cá.
— Claramente, caso contrário eu não teria que passar pelo horror que é
a página três dos resultados do Google.
Ela ri, e é bem pouquinho, e eu provavelmente não devia me sen r bem
com isso, mas me sinto. Aperto o volante um pouco mais forte, tentando
focar na rua, no som dos meus limpadores de pára-brisas, em qualquer
outra coisa que não seja a garota sentada ao meu lado e o jeito que os
minúsculos pelos do seu braço estão arrepiados…
— Sobre o que você estava tão curiosa? — ela pergunta, o que parece
carregado demais para responder a verdade.
— Nada demais. — finalmente digo.
Ela murmura e olha pela janela, e sinto como se vesse falhado em um
teste.
— Estava curiosa para saber como você era na sua an ga escola. — eu
deixo escapar quando o silêncio se estende por muito tempo.
— Por quê?
— Estava curiosa para saber se você sempre foi assim.
— O que isso quer dizer?
— Você sabe o que quero dizer. — Suspiro. — Você está sempre, po,
andando por aí com o Aaron e o resto do Clube do Orgulho… — Tento não
soar muito ciumenta quando digo o nome do Aaron. Teve uma época em
que ele era um dos meus melhores amigos — até minha mãe se envolver.
— Por que não posso andar com o Clube do Orgulho?
— Você pode. — falo. — Mas, po, você está sempre com eles, ou, po,
até aquela camiseta que você ves u antes…
Ela me encara.
— O que tem de errado com a minha camiseta?
— Estava escrito EU NÃO CONSIGO NEM PENSAR DIREITO10 em letras
gigantes com lantejoulas arco-íris.
— E?
— Eu só estava me perguntando… você sempre precisa anunciar?
Porque a gente sabe. Você gosta de meninas. Já tentou ser um pouco mais
como…
— Como o quê? — ela retruca.
— Sei lá, como a Lydia?
— Você diz, dentro do armário?
— Não, é só que… por que precisa ser algo que você tem que esfregar
na cara de todo mundo? Os gêmeos Miller provavelmente não teriam feito
aquela merda de hoje se… Quero dizer, eu não entendo por que…
— Não, você claramente não entende. Pare o carro. Eu vou andando
daqui. — Ela abre a porta antes mesmo que eu consiga estacionar.
— Jesus. Feche a porta. Você está molhando tudo aqui dentro.
— Não!
Eu aperto a ponta do meu nariz.
— Não é seguro andar nessa situação.
— Por que você se importa? — Morgan grita.
— Só… por favor. Eu te deixo em casa. Você não precisa falar comigo
pelo resto do caminho.
— Tanto faz. — ela diz, fechando a porta quando um estrondo baixo de
trovão e um flash de relâmpago rasga o céu.
— Obrigada. — Dirigimos em silêncio por um tempo, mas consigo sen -
la me observando. Talvez tentando me entender.
Finalmente, quando chegamos em seu apartamento, ela suspira.
— Qual é o seu problema? De verdade. É como se você levasse tudo que
faço para o pessoal ou algo assim. Um segundo eu acho que estamos nos
dando bem, e no próximo você está cri cando meus amigos e minhas
roupas.
— Eu não estava. Eu… — Olho para frente, tentando decidir o quanto
estou disposta a admi r ou se sequer quero responder isso. — Não acha
que sua vida seria mais fácil se você… Você não consegue ficar quieta sobre
as coisas de vez em quando? Pelo menos até você sair daqui, e ir para sua
faculdade chique, onde caras como o Chad e o Clayton não podem te
a ngir?
— Sempre exis rá caras como o Chad e o Clayton. — Ela sai do carro,
levando sua mochila. — Não vou passar minha vida fingindo que sou algo
que não sou, ou ficando quie nha e escondida, só porque alguém acha
que eu deveria.
Fecho meus olhos, engolindo com força, suas palavras girando dentro da
minha cabeça de forma que me inspira e me confunde ao mesmo tempo.
Olho para ela, palavras que eu nem sequer reconheço na ponta da minha
língua, no mesmo instante em que ela fecha a porta.
Morgan sobe as escadas, me lançando um aceno que não retorno. E
está tudo bem. Tudo bem. Empurro as palavras para bem longe, onde não
podem machucar ninguém, muito menos eu, e ergo meu queixo. É melhor
assim.
Não posso deixar essa menina e seu estúpido corte de cabelo perfeito e
sua estúpida cara perfeita e seu estúpido cérebro perfeito prejudicar a
única chance que tenho de fazer algo. As pessoas podem estar dispostas a
ignorar uma estrela do atle smo de outra cidade, mas coroar uma rainha
da beleza queer nunca acontecerá por aqui.
Não se souberem que farão isso, na verdade.
16
MORGAN

Não consegui dormir noite passada.


Minha mãe ligou depois do jantar para dizer que houve outra
complicação com a “coisa da St. Mary”, como ela passou a chamar
ul mamente, e que minha equipe precisava de outra declaração sobre o
que houve e o impacto que teve no meu “bem-estar emocional”.
Entre isso e minha conversa com a Ruby mais certo, fiquei tão irritada
que passei as seguintes duas horas escrevendo rascunhos incontáveis, e o
que era uma declaração curta e profissional virou uma longa carta de dez
páginas escritas na força do ódio sobre tudo de errado que tem na St. Mary
e como a cultura do conservadorismo e a homofobia em uma atmosfera
acadêmica de elite impactou, não somente eu, mas também outros jovens
que não citarei nomes por medo pela segurança deles. Jovens que viraram
suas costas para mim tão rapidamente quando as coisas deram errado.
Jovens como Molly Valen ne, meu primeiro beijo e minha amiga mais
an ga que ve, cujos pais a fizeram bloquear meu número antes mesmo
da nta da minha transferência secar.
Ao que parece, raiva é uma mo vadora poderosa.
Mas quando finalmente fecho meu laptop e recupero um pouco de
calma, ainda não consigo parar de pensar na minha conversa com Ruby.
Deito na cama, me virando para lá e para cá, tentando juntar todas as
peças de quebra-cabeças das nossas interações — mesmo que, a esse
ponto, nem tenho certeza de que são do mesmo conjunto.
Quando deu meia noite, decido perguntar diretamente para ela. Mas às
duas da manhã, a dúvida voltou. E se você for uma tola de novo?, ela
sussurrou. Ou pior?
Mesmo assim, essa manhã, ainda estou olhando pelos corredores entre
as classes, esperando vê-la de relance — como se vê-la novamente fosse,
de alguma forma, botar sen do em tudo. Ou talvez a verdade seja que não
me importo se tudo faz sen do. Só quero ver ela. Tento ignorar a animação
quando entro para Ciências Polí cas, nossa única aula juntas e o único
lugar onde ela não pode me evitar, porque sei que Dylan está certo. Eu
mereço mais. Mas…
Allie está sentada ao meu lado, e eu só estou meio ouvindo conforme
ela passa pelas logís cas da nossa próxima corrida, da qual eu ainda não
posso compe r. Não houve nenhuma atualização sobre minha expulsão —
é como se a St. Mary vesse pausado meu futuro inteiro —, mas eu
realmente não consigo pensar nisso agora.
Tento manter a conversa, assen ndo e dizendo “aham” com intervalos
apropriados, enquanto mantenho meu olhar fixado na cadeira vazia de
Ruby, meu coração acelerando na velocidade dois enquanto espero ela
aparecer.
Ela eventualmente entra com seus fones de ouvido, sua mochila
esbarrando no meu cotovelo quando passa ao meu lado, sem sequer pedir
desculpas. Quero saber o que ela está ouvindo. Quero saber do que ela
gosta.
Minha mente vagueia, nos imaginando deitadas uma ao lado da outra,
dividindo seu AirPods falsificado. Ruby com seu cabelo espalhado embaixo
dela. Eu deitada de lado, apoiada no cotovelo para observá-la melhor,
esperando pelo momento certo da música para me inclinar e…
O quê? Ruby murmura de sua cadeira, sua testa franzindo. Droga, eu
estava encarando esse tempo todo. Desvio o olhar, me encolhendo na
minha cadeira e voltando minha atenção para Allie.
— Então, hm, a treinadora vai colocar a Lydia no mil e seiscentos de
novo já que estou fora?
— Olá, Morgan, bem vinda a conversa. — Ela ergue as sobrancelhas. —
Bom saber que es ve falando sozinha pelos úl mos cinco minutos.
— Desculpa, eu estava distraída.
— É, eu notei isso. — ela diz com um olhar afiado na direção de Ruby.
Meu rosto deve ter deixado transparecer o quanto fiquei assustada,
porque ela rapidamente acrescenta. — Ou sei lá. — e pega seu livro. Lydia
se senta na cadeira ao nosso lado assim que o sinal toca.
— Ok, turma, vamos começar. — a Sra. Morrison diz com um grande
sorriso. — Sabem que dia é hoje, certo?
Alguns estudantes, incluindo Ruby, resmungam em seus assentos. Me
inclino para Allie e sussurro. — O que tem hoje?
— Projeto em grupo. — Allie sussurra de volta. — Ela tem falado disso o
ano inteiro. Que sorte a sua de ter se transferido bem a tempo.
— Projeto em grupo de quê? — pergunto, tentando entender o que
poderíamos fazer em uma aula fácil que me disseram ser necessário, po,
no máximo uma redação.
— Isso mesmo! É a melhor hora do ano, trabalho em equipe! — Sra.
Morrison con nua, passando alguns folhetos. — Por enquanto, vou deixar
vocês escolherem seus próprios grupos de dois ou três, mas se não
conseguirem, colocarei vocês em um. Agora, rufem os tambores, por favor.
— Ela faz uma pausa, como se realmente fossemos fazer som de tambores,
antes de con nuar.
— Ok, então, já que es vemos estudando as diferentes formas na qual o
governo Americano funciona o semestre inteiro, vou pedir que vocês
escolham um importante ato legisla vo que foi aprovado com sucesso na
nossa história e o explore mais profundamente. Vocês verão uma lista de
opções no panfleto, junto com datas importantes. Agora, lembrem-se,
enquanto es verem fazendo: não estou só esperando informações sobre a
lei em si. Quero que usem suas habilidades de pensamento crí co, o que
significa entender o contexto. Quero ver os mo vos pelo qual ele surgiu e
as reações da sociedade. Quero saber tudo. Estaremos em fase de
pesquisa pelas próximas duas semanas, o que culminará em uma redação
escrita por cada aluno — então se você for o preguiçoso do trabalho em
grupo, eu vou descobrir — e também em uma apresentação para a turma.
Olho rapidamente para Ruby, que parece bastante desconfortável na sua
cadeira, e então para Allie, que já está circulando avidamente os atos e
fazendo anotações na margem. Olho para o papel na minha frente, vendo
tudo desde o Ato Judiciário de 1789 até a legalização do casamento gay.
— A apresentação deve ter entre oito a dez minutos de duração. — Sra.
Morrison diz. — Usem complementos visuais como o powerpoint, ou
escrevam uma música, recitem poesia, encenem momentos chaves! O céu
é o limite!
Dou uma olhada pela sala. A maioria das pessoas já está ges culando
frene camente umas para as outras para completar seus grupos nesse
exercício de maneira ridícula. Quem recitaria poesia voluntariamente na
frente de toda a classe?
— Ok, vou dar um momento para se separarem em grupos. — Sra.
Morrison diz. — Também tenho alguns livros aqui para ajudá-los a
escolher, apesar de confiar que todos tem celular no bolso e acesso ao
Google. Vocês terão o resto da aula para escolher parceiros e tópicos e
então, quero que um membro de cada grupo venha aqui registrar. Se outra
pessoa já ver escolhido seu tópico, terão que escolher outro, então
decidam logo.
Allie pega meu braço, junto com o de Lydia. — Já temos um grupo. —
ela diz, e Lydia assente. — Então o que vamos fazer? Estou pensando na Lei
da Idade Mínima para Beber ou a Lei do Bem-Estar Animal, mas estou
defini vamente aberta para qualquer outra. Essas duas só me pareceram
as mais diver das.
Lanço um olhar para Ruby, ainda sentada sozinha, conforme Lydia olha a
lista. — Eu gosto da Lei das Espécies Ameaçadas. — ela diz.
— Ooh, — Allie diz. — essa é outra boa. O que acha, Morgan?
— Hmm? — pergunto, ainda observando a Ruby. Mas ela não se levanta,
nem sequer tenta se juntar a um grupo, e isso é tão frustrante. Apenas se
levante, Ruby. Levanta. Vá atrás do que você quer. Isso é realmente tão
di cil?
— Turma, temos algum grupo de dois disposto a aceitar uma terceira
pessoa ou um grupo de três que pode se separar? — Sra. Morrison
pergunta depois de alguns minutos. Quando ninguém responde, ela
suspira. — Por favor, não me façam designar os grupos.
Talvez eu devesse seguir meus próprios conselhos.
Ergo minha mão. — Eu posso mudar, Sra. Morrison. — Pego minhas
coisas com um rápido pedido de desculpas para as meninas e então sento
perto de Ruby. É, talvez trabalhar em uma apresentação juntas não seja
exatamente o mesmo que perguntar se ela gosta gosta de mim, mas é um
começo. Ou seria, se Ruby não parecesse tão irritada agora.
— Não preciso de uma parceira por pena. — ela resmunga. — Posso
fazer sozinha.
— Não é pena. — digo, lembrando de suas palavras de ontem. — É meu
dever cívico.
Seus lábios se mexem por um segundo, como um sorriso que escapou
antes que ela pudesse pensar melhor.
— Então, qual você vai querer?
— Estava pensando sobre a Lei do Casamento Homoafe vo.
— Mas é claro que estava. — Ela revira os olhos. — E não.
— Deixe-me adivinhar, você quer a Não Pergunte, Não Conte11? — Falei
como brincadeira, mas seu rosto ficou sério.
— O que isso quer dizer?
— Eu estava… Você sabe, o que falou ontem no carro.
Ela estreita os olhos.
— Sobre eu ser assumida e seria mais fácil se fosse quieta. Era uma
piada. Desculpa. É que eu escolhi uma super-gay, e ontem você estava me
dizendo para não ser super gay, então a piada era…
— Por favor, pare de falar. — Ela suspira. — Vamos fazer a Lei das
Espécies Ameaçadas. — ela diz com tanta convicção que eu quase
concordo na hora. Ênfase no “quase”.
— Acho que a Allie e a Lydia querem essa. Talvez a gente pode fazer…
— Então é melhor eu pegar antes. — Ruby se levanta, e eu juro por
deus, ela não está marchando para a mesa da Sra. Morrison, mas é bem
próximo disso.
A Sra. Morrison olha para mim e então anota algo com um sorriso antes
de entregá-la um pacote. Ruby carrega de volta, parecendo presunçosa.
— O quê?
— Conseguimos. — ela diz. — A Lei das Espécies Ameaçadas. Toda
nossa. — E ela está absolutamente orgulhosa por ter vencido a Allie e a
Lydia. Eu devia me sen r culpada por isso, provavelmente. Especialmente
quando eu as vejo caminhar até a mesa da Sra. Morrison alguns minutos
depois e ela balança a cabeça nega vamente. Mas eu meio que não sinto.
Gosto de ver Ruby assim.
— Então, o que é isso tudo? — pergunto, ges culando para a pilha
gigantesca de papéis na nossa frente.
— Temos que preencher tudo isso para a parte da pesquisa. Tem um
monte de perguntas diferentes para nos guiar ou sei lá.
— Entendi. — Dou uma olhada nelas rapidamente. Parecem bem
diretas, mas também trabalhosas. No início diz claramente que por mais
que horas de aula sejam dadas para completar as tarefas, os alunos
precisarão se reunir fora da escola ou durante o período de a vidade para
completar o que não conseguirmos terminar na sala. — Quer se reunir na
biblioteca no sábado? Tem uma corrida nesse dia e não posso par cipar.
Seria boa a distração.
— Estou… ocupada no sábado.
Fico pensando se é outro concurso de beleza, mas não pergunto. Ela não
foi exatamente recep va quando apareci em um daquela primeira. —
Então outro dia?
— É, talvez.
E, oh. Oh. Agoooora eu entendo por que mais ninguém queria fazer o
trabalho com ela. Bem, não é minha primeira vez fazendo todo o trabalho
sozinha em um grupo, e provavelmente não será a úl ma. Mas a Sra.
Morrison vai ter que descobrir sozinha na redação, porque não vou deixar
a Ruby acabar com a minha nota na parte da pesquisa.
— Quer saber? Vou dar uma adiantada nas coisas. Está tudo bem. —
falo. — Podemos pensar juntas durante o período de a vidade ou algo
assim. Preciso das informações para minha redação, de qualquer forma.
Não importa.
— Obviamente importa.
— Olha, eu sei como funciona. Não me importo de fazer toda a parte da
pesquisa, mas não vou escrever a redação para você. E você vai ter que dar
um jeito na apresentação para não ferrar com a minha nota. Combinado?
— Eu vou ajudar com a pesquisa. Eu só… — Ela para, balançando a
cabeça.
— Eu falei que está tudo bem.
— Dá para parar? — Ela bufa. — Eu vou estar lá, ok? Só precisa ser mais
tarde, po, às quatro. Tem como você esperar até às quatro para “dar uma
adiantada nas coisas”?
— Sim, posso esperar até as quatro. — falo lentamente. Porque eu achei
que nha pelo menos entendido essa parte dela. Mas não, Ruby
Thompson permanece sendo um enigma.
— Ok, maravilha. — ela resmunga. Mas não parece que ela realmente
acha uma maravilha.
— Encontro marcado. — falo animada, por costume e ins nto e nada
mais, eu juro. Ela faz uma careta mesmo assim. — Quero dizer, não um
encontro encontro, obviamente. Só um encontro, po, onde a gente vai se
encontrar. Mais para um compromisso, na verdade. Um compromisso para
completar uma tarefa designada.
— Pare de falar. — ela diz novamente
E, certo, é. Essa é provavelmente uma boa ideia.
17
RUBY

— Oh! — Morgan diz quando sento sem cerimônias na cadeira a sua


frente na biblioteca. — Estava começando a pensar que ia levar um bolo.
— Ela me olha por meio segundo, suas bochechas corando quando nossos
olhos se encontram, e então rapidamente desvia o olhar.
Franzo a testa e me lembro da maquiagem. Estou falando da tonelada
de maquiagem para concursos de beleza que está atualmente cobrindo
meu rosto. Ainda estou pegando aulas extras, e hoje fiquei presa
trabalhando com as alunas mais novas de Charlene. Eu as subornei,
prometendo que as deixava me ver maquiando o rosto inteiro no final da
aula caso elas se comportassem. Para elas, não é um fardo. Para elas, é
mágica. Infelizmente, acabou me atrasando também.
— É, foi mal. Sei que pareço uma palhaça. — falo, rando um lápis da
minha mochila e tentando ignorar a vergonha. — Demoraria mais uma
hora para eu poder…
— Eu gosto. — ela diz, toda quieta, e por um segundo a vergonha se
mistura com algo a mais. — Então você par cipa de concursos de beleza
todo final de semana?
— Não. — rabisco meu nome no topo do pacote e deslizo de volta para
ela. — Isso na verdade foi para uma aula que estou dando. Estou meio que
fazendo uma troca com a minha treinadora de concursos por aulas extras.
Eu ajudo com aulas e demonstrações de técnicas de maquiagem, e em
troca ela me ajuda a não falhar nas entrevistas das compe ções.
— Uau, isso que é dedicação.
— Dificilmente. — murmuro.
— O que isso quer dizer?
— Esquece.
Ela escreve seu nome perfeitamente, bem embaixo do meu.
— Se você não ama isso, por que faz?
Sua pergunta me assusta, tanto a suposição de que eu tenho uma voz no
assunto e a sugestão de que se eu vesse, não escolheria isso.
— Quem disse que eu não amo?
— A expressão no seu rosto.
Suspiro. — Certo. Minha mãe era uma rainha antes de eu nascer.
Significa bastante para ela que eu siga seus passos. — Acrescento a úl ma
parte, como se resumisse tudo. Como se fôssemos passar por todas as
merdas complicadas que vêm junto com morar e amar minha mãe e,
depois, deixar por isso mesmo.
— Você sempre faz o que as pessoas querem que você faça? — Sua
expressão é tão sincera, tão honesta. Ela não está só jogando conversa
fora; ela quer, realmente, de verdade saber.
— Só quando se trata da minha mãe. A vida é muito mais fácil desse
jeito. — E eu fico muito grata que minha maquiagem endurecida cobre a
vergonha que vem ao admi r algo assim. Principalmente para alguém
como a Morgan. Alguém que vive tão verdadeiramente e assumidamente,
de formas que eu nunca me atreveria.
— Sinto muito. — Morgan diz, se virando para o livro a sua frente.
— Não sinta; está tudo bem.
— Ok, então não sinto. — ela diz, e vira uma das páginas.
Aposto que ela está me dando uma chance de mudar de assunto,
desafiá-la sobre isso ou algo assim. E por algum mo vo — que eu não sei
qual — eu desesperadamente quero que ela saiba que eu tento, mas
preciso trabalhar com o que tenho, lutar pelas batalhas que realmente
posso ganhar.
— Mas eu vou entrar no concurso do condado. — falo, e ela olha para
mim. — Esse eu quero ganhar. Por mim.
— Mesmo? — Ela bate a caneta contra seus lábios como se es vesse
tentando me entender. Eu quase penso em permi r.
— É. As seis finalistas ganham uma bolsa de estudos na universidade
comunitária. Tem um programa automo vo lá, e se eu for aceita e
conseguir pagar… — eu paro, perdendo a coragem. Nunca falei isso em voz
alta antes, nem mesmo para Everly. O que tem na Morgan que me faz abrir
a boca assim? — Esquece, é estúpido.
— Não parece estúpido. — Ela se encosta na cadeira, ainda estudando
meu rosto. Percebo quando seus olhos param em meus lábios, cheios de
gloss e brilhantemente coloridos, ficando ali só um pouco mais do que o
necessário e enviando um choque de eletricidade para meus dedos do pé.
A expressão dela agora… não sei. É como se ela es vesse fascinada, como
se es vesse descobrindo uma nova espécie ou algo do po e está muito,
muito animada. Como se eu fosse uma grande achado.
Desvio o olhar antes de fazer algo que ambas irão se arrepender.
— O que há de estúpido nisso? — ela pressiona.
— Você provavelmente vai estudar em uma faculdade muito boa,
então…
— Parece que você também vai.
Eu levanto minhas sobrancelhas perfeitamente pintadas. — Estou
sentada aqui te contando que vou tentar dar um jeito de usar meu prêmio
do concurso para o programa automo vo na universidade comunitária e
você é, po, uma atleta que veio de uma escola de elite ou sei lá.
— Ainda não. E talvez nunca, se eu não for boazinha com a minha an ga
escola.
Olho para ela com uma pergunta em meus lábios, mas ela dispensa.
Tudo bem, deixe ela. Deveríamos manter essa conversa sobre a tarefa, de
qualquer forma.
— Acho que o programa automo vo parece maravilhoso. — ela diz de
repente, seu rosto abrindo um sorriso tão quente e genuíno que dá nó no
meu estômago. — Imagino pelo seu carro que você tem as habilidades
necessárias. Estou, po, completamente admirada por você agora.
— Por quê?
— Porque você faz algo que importa! Você conserta coisas e as torna
inteiras de novo. Isso é importante! É meio que incrível. — ela cora e
morde o lábio. — Tudo que eu faço é correr bem rápido.
Limpo a garganta e desvio o olhar, a atenção dela parecendo muito
pesada repen namente. Não quero que isso pare, mas preciso.
— Ok, a Lei das Espécies Ameaçadas. — Morgan diz, virando para a
primeira página do pacote. Como se nada es vesse acontecendo. Como se
fôssemos só duas alunas trabalhando em um projeto de novo em vez de…
o que quer que tenha sido.
Ou talvez não tenha sido nada.
Talvez o calor não se acumule em sua barriga quando ela me olha, da
forma que acontece comigo toda vez que olho para ela. Talvez ela não
pense em mim de noite, quando está um silêncio. Talvez tudo isso seja
coisa da minha cabeça.
Honestamente, seria melhor assim. Porque a alterna va é que ela só é
perfeita assim mesmo. Que ela já consegue me ler, sabe quando fico
perdida em pensamentos, e sabe exatamente como me rar deles. Que ela
sabe quando pressionar e quando me dar espaço.
Pego meu celular, não disposta a cair ainda mais nesse poço sem fundo.
— Aqui — falo, olhando alguns sites que salvei noite passada e falando
alguns fatos que aprendi. Ela sorri novamente, olhando para mim de vez
em quando conforme anota as respostas que encontrei.
— O quê? — Finalmente pergunto, quando ela, seus sorrisos e olhares
tornam-se demais para ignorar.
Ela con nua escrevendo, sem sequer hesitar. — Nada.
— Não, sério. O que foi? — pergunto novamente, o sen mento bom
mudando para constrangimento.
Ela ainda não levanta o olhar.
— Você só é cheia de surpresas.
E é…
Eu meio que gosto de como isso soa.
18
MORGAN

— Trabalhar com a Ruby é a pior coisa do mundo ou o quê? — Lydia


pergunta. Ela está andando comigo até a reunião do Clube do Orgulho que
fica no caminho do salão de esportes.
— Na verdade, a gente já fez bastante coisa. — Falo, me sen ndo um
pouco defensiva.
Ela ri.
— Quer dizer que você fez bastante coisa.
— Não, ela ajudou muito.
— Ruby Thompson ajudou? Tipo, ela ajudou mesmo? No sen do de que
ela realmente apareceu na biblioteca e não ficou só sentada lá reclamando
enquanto você encontrava as respostas?
— Isso. — Falo, parando na porta. Ainda queria que Lydia entrasse, mas
estou me esforçando bastante para superar o fato de que ela não pode.
— Mesmo?
— Mesmo. — falo em um tom ligeiramente exasperado. — Nós
terminamos grande parte do pacote e ela, provavelmente, fez mais do que
eu. Na verdade, foi até que diver do. Ela foi super legal o tempo inteiro.
E isso fez as sobrancelhas de Lydia subirem ao céu.
— Ruby Thompson não é super legal. Espera, será que viemos parar em
outro universo? Isso é algum efeito borboleta? Você está se sen ndo bem?
— ela coloca a mão na minha testa. — Hmm, sem febre.
Abaixo a mão dela.
— Ai, meu Deus. Sem febre, nada de universo paralelo, é sério. Acho
que você tem uma impressão errada dela. Eu até me ofereci para fazer
tudo sozinha, e ela foi bem firme sobre ajudar. — me encosto na porta,
saindo do caminho quando Anika e Aaron entram juntos rindo. — Acho
que você não conhece ela tão bem quanto pensa.
Lydia ri. — Eu conheço a Ruby desde a quarta série. Talvez ela consiga
fingir para você por um tempo, mas…
— Mas o quê?
— Só tome cuidado, ok? Não quero te ver presa no drama dela.
A Srta. Ming passa do meu lado e entra na sala, sua presença me
interrompendo antes que eu pudesse responder.
— Certeza que não quer entrar? — pergunto a Lydia, que balança a
cabeça nega vamente. — Mesmo se você não quiser se assumir, ainda
pode…
— Não. — Lydia diz, enquanto se afasta. — Divirta-se no seu clube. Te
vejo na pista.
O jeito que ela diz “seu clube” não me passa despercebido.
— É, te vejo na pista.

•••

Brennan começa a reunião com o mesmo de sempre — aprovar as atas


da úl ma reunião e revisar os assuntos an gos, com isso me refiro a fazer o
design de novos quadros de avisos e pôsteres do clube para a escola — e
então passa a palavra para a Srta. Ming discu r os novos assuntos.
Ela senta na mesa e bate palmas. — Ok, está na hora de pensarmos
seriamente no nosso projeto de serviço de fim de ano. Sugestões?
Todos ficam em silêncio.
— Não precisa ser algo grande ou totalmente planejado. Só falem o que
es verem pensando, e então con nuaremos daí. Acho que, no geral,
vemos um excelente ano, mas perdemos alguma oportunidade? Existe
alguma maneira de expandirmos nosso alcance ou foco para ajudar outras
pessoas?
Aaron limpa a garganta.
— Eu não sei bem como ou o que ainda, mas adoraria fazer algo que
aborda os problemas enfrentados pelos jovens trans. Meus pais têm sido
bem de boa sobre isso, mas não é assim como todo mundo.
Anika se endireita na cadeira.
— E o clube com certeza poderia fazer mais para abordar o impacto da
raça nas coisas também. Como toda a centralização de brancos em espaços
queer e coisas assim.
Srta. Ming assente.
— São duas sugestões excelentes. Como podemos transformá-las em
um projeto aproveitável? O que podemos fazer para adicionarmos à
conversa e sermos parte da solução?
Olhamos um para o rosto do outro, como se fôssemos encontrar as
respostas ali, e aquele sen mento ruim volta, aquele sen mento de total
impotência por não estar fazendo o suficiente que nunca consigo superar.
— Não tenho ideia. — Drew geme, quebrando o silêncio e fazendo
algumas pessoas rirem.
— Ok. — Srta. Ming diz, descendo da mesa e escrevendo Qual é o
problema e como podemos ajudar? na lousa. — Nosso clube escolar
consegue resolver todos os problemas complicados sobre transsexualidade
ou desigualdade racial na comunidade queer durante uma tarde? É claro
que não. Então, em vez disso, vamos tentar dividir em algo mais possível.
Alguém consegue pensar em um problema específico relacionado a esses
tópicos? Uma vez que iden ficarmos isso, deverá ser mais fácil pensar em
soluções.
Anika tamborila os dedos na mesa enquanto pensa em algo. — Falta de
moradia. — ela finalmente diz. — Isso tem um grande impacto nos jovens
LGBTQ+ em geral, mas estava lendo algo outro dia que dizia que: afeta
ainda mais as comunidades trans e pessoas negras LGBTQ+.
Srta. Ming escreve falta de moradia na lousa.
— É, isso é verdade. — Aaron diz. — Várias pessoas passam no centro
procurando recursos para isso. Jovens que são expulsos por seus pais ou
que fogem de casa porque ficam com medo da reação deles.
Me remexo na cadeira, pensando em todos os livros que Izzie disse ser
de vários doadores e, então, tenho uma ideia. — E se a gente fizer, po,
uma campanha de roupas e comidas?
Srta. Ming parece pensa va. — E como isso soluciona o problema dos
jovens queer sem moradia?
— Podemos pedir doações de comida, roupa, pasta de dente, cartões de
presente, qualquer coisa. — falo. — E então Aaron e eu podemos levar
para entregar aos adolescentes que aparecem no centro precisando de
ajuda.
— Seria muito legal. — Anika diz. — Talvez a gente consiga doações de
mochilas velhas também. Podemos fazer mochilas para adolescentes com
itens essenciais, po casos de despejo.
— Tenho certeza que Izzie iria adorar, e ela não tem um programa assim
ainda. — Aaron acrescenta. — Ela provavelmente nos deixaria colocar na
área principal para pessoas que só querem entrar e pegar as coisas. Tipo,
mesmo que você não queira formalmente dizer que precisa de ajuda, pode
ter acesso.
— Isso não levaria as pessoas a roubarem as coisas? — Brennan
pergunta.
Aaron dá de ombros.
— Se alguém realmente quiser roubar pasta de dente de um centro
comunitário queer na nossa cidade mixuruca, que roubem. Provavelmente
precisam. E mesmo se não precisarem, é um risco que estou disposto a
correr.
— Podemos colocar caixas de doação no refeitório? — Anika pergunta.
Srta. Ming assente. — Acho que a escola permi ria isso. E também
posso falar com a Sra. Hall para conseguir alguns alunos da Sociedade de
Honra Nacional para par ciparem, pro caso de precisarmos de ajuda para
organizar as coisas. Estão sempre precisando de horas voluntárias extras
durante essa época do ano. O que me dizem? Vamos votar?
— Manda ver! — Drew diz. E eu sorrio, porque isso finalmente parece
fazer a diferença.
— Todos a favor? — Srta. Ming pergunta.
Todos levantaram a mão.
19
RUBY

Olho para o meu telefone, franzindo a testa ao ver a mensagem de


Tyler: você está ocupada hoje?
Eu sei que ele tem outro grande jogo chegando, que é nosso arranjo
habitual, mas ouvi um rumor de que ele anda "aliviado a tensão" com Allie
Marce desde que eu comecei a deixar ele de lado. Gostaria que ele
simplesmente mandasse uma mensagem para ela e me deixasse de fora
disso.
— Algo importante? — pergunta Morgan, e eu viro meu telefone antes
que ela veja.
— Não. — Eu sorrio.
Estamos deitadas em um tapete felpudo gigante no chão do quarto dela,
cara a cara com nossos livros e notebooks — bem, o notebook dela; na
verdade não tenho um — espalhados entre nós, junto com alguns papéis e
o resto do nosso pacote, que está quase pronto.
Tenho outro desfile daqui a pouco, um daqueles ruins de shopping onde
você só se veste e fica de pé em uma fila. Devemos parecer gostosas e
esperar que talvez haja um contrato de modelagem para algumas de nós
— mas nunca há. Minha mãe diz que é bom "para experiência." Se eu
pudesse revirar meus olhos com mais força, eu o faria.
Quando Morgan soube que eu nha um hoje, ela se ofereceu para vir à
minha casa estudar. Ela achou que seria mais fácil do que eu carregar todas
as minhas coisas para cá, mas eu disse que não. Ela pode viver em um
pequeno apartamento, mas é um pequeno apartamento agradável. Quieto
e me culosamente limpo. E minha casa raramente é a primeira coisa e
nunca a segunda. Especialmente não com Chuck e minha mãe por perto.
— Ok, então acho que temos tudo o que precisamos para escrever
nossas redações. — diz Morgan, preenchendo a úl ma resposta. — O que
significa que oficialmente precisamos decidir o que queremos fazer na
apresentação.
Eu suspiro.
— Não estou ansiosa para essa parte.
— Sério? — Ela morde a borracha do lápis com um olhar incrédulo.
— Espera, você acha que eu realmente gosto de apresentações
escolares? — Eu franzo a minha testa. — Ninguém gosta disso.
— Bem, não pessoas normais, mas eu pensei... Quer dizer, você não é...
— Eu não sou o quê? — A implicação de que não sou normal
imediatamente me irrita.
— Não é como todo mundo. — diz ela.
— Como? — pergunto, meu coração mergulhando nos pensamentos
ruins. Todo mundo aqui sabe que sou um lixo; acho que era só uma
questão de tempo até que Morgan descobrisse isso também.
— Ah, qual é. — Ela se senta e acena com as mãos na minha frente
como se eu soubesse que isso significa. — Você... Você par cipa de
concursos e coisas assim. Eu te vi no palco; você é uma ar sta nata! Foi...
Você foi incrível.
Desvio o olhar, corando ao longo do meu pescoço, minhas orelhas,
minhas bochechas, e até os dedos dos pés pelo som de sua voz. Porque
"incrível" não é uma palavra usada para me descrever, e ela con nua
usando como se não fosse nada demais.
— Obrigada. — murmuro, sentando rapidamente. De repente parece
um pouco quente aqui, um pouco perto demais, com seus olhos suaves e
seu sorriso a apenas alguns cen metros de mim. Eu recuo até bater na
mesinha de cabeceira dela, agarrando meu caderno depois e tentando
fazer parecer deliberado.
Ela solta uma risadinha enquanto arranca uma folha de papel limpa.
— Então, acho que para a apresentação... — O alarme no meu telefone
a corta.
— Merda.
— O quê?
— Eu tenho que me preparar. Desculpa. — Não sei dizer se ela fica
desapontada ou aliviada quando eu levanto e pego minha bolsa. Também
não sei dizer qual deles estou.
— Posso te ver? — Morgan pergunta, se arrastando atrás de mim em
direção ao banheiro, e sua pergunta soa tão inocente, mas parece tão
pesada.
— Claro. — eu digo, como se meu coração não es vesse batendo nos
meus ouvidos ao pensar nisso. Ela se empoleira na borda da banheira, me
observando atentamente enquanto re ro meu arsenal: meus utensílios de
contorno, sombras, sprays definidores, primers, blushes, batons,
delineadores labiais, glosses, e tudo mais que é preciso para me
transformar da Ruby normal para a Ruby de Concurso™.
— Uau. — diz Morgan, lendo a parte de trás de um frasco de spray
definidor. — Parece intenso.
— Sim, acho que leva muita coisa para deixar uma garota como eu
apresentável. — Digo isso como uma brincadeira, mas claramente não
funciona.
— Não. — Ela franze a testa e solta o frasco de spray definidor. Sua
resposta paira no ar, e não tenho certeza de como responder.
Em vez disso, começo a trabalhar colocando a base e me contornando
até minhas maçãs do rosto parecerem afiadas e meu nariz parecer
perfeito, e então eu preencho minhas sobrancelhas, mudo a cor de minhas
pálpebras, e colo os cílios falsos para finalizar.
Morgan fica quieta no começo — me observando como um falcão —,
mas logo começa a tagarelar, me contando o quão doida ela está ficando
tendo que ficar de fora das corridas, e finalmente me deixando a par de
toda essa coisa de permissão para trocar de equipe.
Eu odeio sua an ga escola.
Na metade, crio a coragem de perguntar a Morgan por que ela gosta
tanto de correr. Minha pergunta é respondida com um longo silêncio.
— Eu meio que caí nisso depois que minha avó morreu quando eu nha
onze anos. — ela diz finalmente.
Meu pincel para.
— Parece ser um jeito estranho de começar a correr.
— Nós éramos muito próximas. — Morgan dá de ombros. — Ela vivia no
limite dessa reserva incrível. Costumava jurar que havia lobos, mas eu
nunca vi nenhum. A gente nha o costume de fazer pequenas casas de
fadas juntas e depois vagueávamos pelas trilhas dos cervos, escondendo-
as. Eu nha certeza de que a reserva era mágica.
— Fofo. — eu digo, inclinando minha cabeça para frente e para trás no
espelho para ter certeza de que ficou bem misturada de todos os ângulos.
— Era, até minha vó morrer.
— Certo. — Tinha esquecido aonde queríamos chegar.
— Depois do funeral, eu corri de volta para a reserva. Dylan me seguiu o
mais longe que conseguiu até que a mata "me engoliu." Palavras dele, mas
foi o que pareceu. Ele nunca vinha com a vovó e eu em nossas caminhadas,
então não conhecia as trilhas como eu. Fiquei feliz em me perder lá dentro.
Eu podia fingir que a vovó estava logo na esquina ou depois da próxima
bifurcação. Mas, claro, ela não estava. Eu corri até não poder mais. E então
saí exausta, com minhas roupas do funeral todas cheias de lama e suadas.
Dyl estava deitado na grama esperando. Ele não ficou bravo nem nada. Ele
só disse, "Venha, Usain, vamos para casa." E foi aí que percebi que eu era
rápida.
— Você defini vamente é. — eu digo. Nossos olhos se encontram no
espelho, e ela sorri como se fosse a coisa mais natural do mundo, e eu
sorrio de volta. Como se es vesse tudo bem. Como se eu também vesse
permissão. Desvio o olhar, mexendo nos meus frascos e recipientes. —
Você ainda corre na floresta?
— Para corrida corta a mato, sim. Caso contrário, fico nas estradas, a
menos que esteja chateada. Me perder nas árvores ainda me acalma, eu
acho.
Meus olhos permanecem nos dela por tempo demais. Em algum nível,
sei que só estou aqui para fazer o trabalho escolar, e que estou fazendo
minha maquiagem da mesma forma que fiz dez mil vezes em volta de dez
mil outras meninas —, mas não consigo me livrar da sensação de que isso
é diferente de alguma forma.
Eu me inclino para mais perto do espelho e coloco o menor toque de
iluminador sobre o batom no meu lábio inferior, fazendo com que ele
pareça mais volumoso e beijável. Estou dando ênfase a ele; estou, mas não
tenho conseguido parar de pensar em como ela estava na biblioteca, não
importa o quanto eu tente. Eu dirijo meus olhos para os dela, e sua boca se
abre com um bufinho, telegrafando seus sen mentos em alto e bom som.
Ela é sempre, sempre tão sonora, mesmo quando não tem a intenção de
ser. Especialmente quando ela não tem a intenção de ser.
Eu me deleito na expressão dela, só um pouco, antes de enfiar meu
iluminador no meu kit.
O que eu estou fazendo?
É apenas um projeto em grupo, eu me lembro. Para a escola. Isso é tudo
o que pode ser. Ela pode fingir que não importa que ela seja uma garota
que gosta de garotas. Ela pode agir como se fosse ok e normal. Mas não é
assim que todos vêem as coisas. Não é assim que minha mãe vê. Não é
assim que os juízes vêem. E mesmo assim, olhando para Morgan Ma hews
nesse momento, e a maneira como ela acabou de lamber os lábios, eu
quase quero...
— Em que você está pensando? — pergunta ela, e eu tento
desesperadamente rar cada pensamento de beijá-la da minha cabeça.
— Só... — Tento me livrar da confusão que está tecendo teias de aranha
na minha cabeça. E se eu ver sido a mosca e não a aranha o tempo todo?
— Só...?
Eu olho para baixo, fingindo fazer um inventário da bagunça que fiz no
banheiro dela. E ainda nem sequer fiz meu cabelo.
— Só que esqueci os grampos que uso para enrolar meu cabelo. Você
não teria, né?
— Eu tenho, po, prendedores bob, se isso ajudar. Mas eu não tenho
mais cabelo, sabe? — Ela inclina sua cabeça e aponta para seu corte pixie
rosa, o que só serve para fazer seu pescoço parecer extremamente
delicado e tocável.
Estou tão ferrada.
Eu esfrego meus olhos e expiro, cortando essa linha de raciocínio.
— Não, po, grampos grandes. — eu digo quando finalmente estou de
volta ao assento do motorista do meu cérebro. — Aqueles que usam em
salões de cabeleireiro e coisas assim para cortar seu cabelo.
— As pessoas realmente tem essas coisas? — pergunta Morgan,
parecendo um pouco escandalizada. — Eu pensei que isso era estritamente
uma coisa de salão. Eu nem sei se Dyl tem no salão dele. Está dizendo que
isso é, po, um bem domés co comum?
— Talvez não seja comum comum, mas sim, as pessoas têm. Muita
gente. — Eu rio. — Torna cem vezes mais fácil enrolar o cabelo com uma
parte fora do caminho.
— Se você só precisa dele fora do caminho, então eu posso segurar,
certo? Fico feliz por ser seu grampo de cabelo vivo e respirante.
— Claro. — eu digo, mesmo que tudo dentro de mim esteja gritando
que isso é uma má idéia. Eu ligo meu modelador, esperando que ele
aqueça, e seguro parte do meu cabelo. Ela chega perto, tão perto que
posso sen r o cheiro do amaciante floral em suas roupas.
— Permita-me. — Ela levanta o cabelo do meu pescoço, e eu tremo com
seu toque — não posso evitar. No espelho, eu observo seus dedos
passarem pelo meu cabelo, seus olhos fixos na pequena cicatriz no meu
ombro que adquiri ao tropeçar em um concurso quando nha seis anos e
ainda não nha entendido completamente o quão escorregadios eram os
novos sapatos de sapateado.
Morgan levanta os olhos, e eu desvio o olhar, pegando meu modelador.
Levamos um tempinho para acertar o ritmo, mas no final, ela está
antecipando meu próximo cacho antes de mim.
— Uau. — ela suspira quando eu finalmente termino. E acho que quero
viver aqui, no espaço desse "uau," nessa pequena palavra que ela
conseguiu encher de tanta adoração e alegria.
Mas meu alarme de agora é sério, você tem que ir berra do meu celular,
estourando a pequena bolha que fizemos. Eu peço licença e pego meu
ves do do cabide no quarto dela. Ela me segue para fora, sentando-se em
sua cama enquanto eu desapareço atrás de portas fechadas. Me enfio para
dentro do meu modelador de corpo antes de me colar com fita e me torcer
o máximo possível em uma aproximação da "forma feminina ideal" dessa
indústria.
— Morgan. — eu chamo, abrindo a porta do banheiro. — Pode? — Eu
faço um gesto para minhas costas, onde o zíper ainda está desfeito, como
se fechar meu ves do não fosse algo que poderia fazer de olhos vendados
e de cabeça para baixo desde os meus cinco anos.
Estou brincando com o fogo aqui, e suas mãos são como gasolina.
Eu me viro quando ela se aproxima, segurando minha respiração
enquanto ela puxa lentamente o zíper para cima, um segundo agonizante
de cada vez. Um choque ondula pela minha coluna, arrepiando os
pequenos pêlos no meu pescoço enquanto imagino o que aconteceria se
eu pedisse a ela para puxá-lo para o outro lado em vez disso.
Uma respiração pesada pincela contra meu pescoço quando ela termina,
e eu me inclino para trás, apenas um pouco, em seu toque.
— As pessoas con nuam me dizendo para me afastar de você. — ela diz
suavemente, e um pouco da sensação calorosa e difusa em minha cabeça
se dissipa.
— Certo. — eu digo, colocando espaço entre nós.
Ela puxa minha mão suavemente, virando-me até ficarmos cara a cara.
— Você acha que eu deveria? Porque eu realmente não quero.
Eu também não quero, mas que direito tenho eu de dizer isso?
Eu puxo minha mão para trás lentamente, sem saber como responder.
— Vou chegar atrasada.
20
MORGAN

Meus pais nos surpreenderam e vieram almoçar ao invés de jantar, o


que na verdade me deixou feliz. Com minhas horas de trabalho voluntário
no centro mais tarde, teria deixado de vê-los de outra forma, e eu
realmente preciso de um abraço da minha mãe após minha tarde
extremamente confusa de estudos com a Ruby. Não há nada de novo para
contar do nosso caso, então, para variar, podemos apenas relaxar e rir
entre as mordidas da caçarola de torradas francesas da minha mãe e os
ovos mexidos do meu pai. É meio que perfeito.
Quando eles saem para sua longa viagem de volta para casa, eu me a ro
na minha cama e volto a ficar obcecada com minha úl ma interação com
Ruby. Está se tornando um hábito indesejado, e é por isso que decido
abandonar minha bicicleta em favor de uma boa longa corrida até o
centro. Nada limpa melhor minha cabeça do que correr.
Aumento o volume dos meus fones de ouvido e acelero o ritmo, fazendo
o melhor que posso para esquecer a Ruby com cada estalo dos meus tênis
no asfalto. Mas, novamente, vê-la, essencialmente, colocar pontos
diferentes de nta em seu rosto para transformá-lo em, bem, um outro
rosto, foi bastante impressionante. E a maneira como ela prendeu o fôlego
enquanto eu puxava aquele zíper...
Eu balanço minha cabeça e con nuo correndo porque tudo depois — a
maneira como ela recuou, a maneira como ela não respondeu quando
perguntei se eu deveria ficar longe — foi horrível. E Deus, eu preciso parar.
Preciso me concentrar. Não pode haver mais essa merda de amores
improváveis se encarando em um espelho do banheiro, chega de procurar
por ela no corredor. Ela está sendo rebaixada de namorada em potencial
para estudante aleatória que é agradável de se ver. Porque não há como
negar que ela é realmente agradável de se olhar. E de conversar. E...
Eu corro ainda mais rápido — em ritmo de corrida agora — tentando
superar qualquer pensamento do lábio inferior completamente
deslumbrante de Ruby. Preciso me controlar. Isso é apenas uma reação
química ridícula do meu cérebro. É só isso. É tudo o que estou deixando
que seja.
Exceto que estou tão completamente perdida em meus pensamentos,
tentando me convencer de que isso é verdade, que quase passei pelo
centro. Eu me inclino para a esquerda e corto pelo estacionamento no
úl mo segundo.
— Ei. — Aaron diz, quando eu entro toda suada e sem fôlego. Correr
aqui, embora eficaz, possivelmente não foi minha melhor ideia.
— Oi. — Eu me inclino com as mãos sobre as coxas. Defini vamente
deveria ter pulado toda aquela parte de correr em ritmo de corrida no
final.
— Você está pronta, ou precisa de um minuto? — pergunta ele. — Seu
compromisso já está aqui.
Eu me levanto, reforçada pela no cia. Hoje, vou encontrar "Danny," o
estudante atleta de quem me falaram antes. Embora Aaron vá entrar e sair
algumas vezes, estarei dirigindo o espetáculo principalmente por conta
própria pela primeira vez.
— Estou defini vamente pronta. — Eu sorrio.
Aaron me leva para a sala de aconselhamento, onde um menino da
minha idade está sentado. Ele acena com a cabeça sob uma espessa
cabeleira castanha quando eu entro, e depois fixa os olhos dele
diretamente nos meus. Seu corpo está tenso, seu joelho saltando um
quilômetro por minuto, como se todo seu psicológico es vesse decidindo
entre lutar ou fugir.
— Danny, essa é a Morgan. Morgan, esse é o Danny. Vou deixar vocês
dois começarem, mas estarei aqui fora caso algum de vocês precisar de
algo. — Aaron sai com um pequeno aceno, e eu caio na cadeira confortável
em frente a Danny.
A sala é pequena, mas não tanto, as luzes fluorescentes suspensas se
apagaram em favor de abajures calorosos. Tem uma mesa e uma cadeira
no centro, mas eu tenho me sentado nessas reclináveis com excesso de
enchimento quando observo as reuniões de Aaron e Izzie, e gosto mais
delas. Estar ao lado da pessoa com quem estou falando é muito mais
natural do que sentar em lados opostos de uma mesa.
Danny se mexe em seu assento, e eu sorrio.
— Então, o que você joga?
Ele olha para mim com desconfiança.
— Isso importa?
— Acho que não. — não me preocupo em dizer a ele que já sei que é
futebol e que seu nome — embora não tenha certeza de qual seja —
defini vamente não é Danny. Também defini vamente não lhe digo que já
o vi jogar contra minha an ga escola, mais de uma vez. — Sobre o que
você gostaria de falar, então?
— Por que seu cabelo é rosa? — Pergunta ele.
— Você quer falar sobre meu cabelo? — De alguma forma, não foi nessa
direção que imaginei isso indo.
Ele sorri convencido.
— As pessoas não pintam seus cabelos de cores estranhas se não
querem que ninguém note.
— Justo. — eu cruzo os braços. Ele tem um ponto. — Eu me transferi de
uma escola privada muito restrita que não permi a "cores de cabelo não
naturais." Infelizmente, também não permi a que meninas beijassem
outras meninas… Coisa que, sabe, eu gosto muito de fazer. Então agora
estou aqui, vivendo com meu irmão, que por acaso é dono de uma
barbearia cheia de nta de cabelo, tentando agarrar meu recomeço como
eu puder.
Danny levanta uma sobrancelha.
— E o cabelo rosa ajuda nisso?
— Mais ou menos. É algo completamente novo para mim. Além disso...
— torço meu rosto em uma expressão falsa de confusão. — Está vendo
como ficou bonito? Todo mundo deveria pintar de rosa. Na verdade, eu
posso mandar uma mensagem pro meu irmão e ver se ele tem um horário
se você...
Danny ri e balança a cabeça.
— Não, tô de boa.
— Tá bem. — eu digo. — Bem, se você não está aqui para uma mudança
de visual, talvez devêssemos falar sobre o que você veio fazer aqui.
Ele aspira um fôlego profundo e se prepara enquanto acena com a
cabeça. E então as palavras se derramam dele. Ele é gay, diz. E está com
medo de que caso se assuma, seus colegas de equipe vão ficar estranhos.
Eu resisto ao impulso de tranquilizá-lo com banalidades como: eles não
vão, ou vai ficar tudo bem. Eu sei que isso pode não ser verdade. As
pessoas podem ficar estranhas. Provavelmente vão ficar esquisitas.
Ficaram estranhas comigo.
Então, em vez disso, eu lhe digo o que minha mãe sempre diz:
— Se alguém acha que não merecemos amar e ser amados do jeito que
queremos, com a pessoa que quisermos, então não merece nosso tempo
ou atenção de qualquer maneira. — Ele não parece convencido.
Eu não embelezo. Digo que provavelmente será di cil e desconfortável
no início, mas que todos deveriam viver sua verdade. E que se ele se sente
pronto para se assumir, ele deveria. Aaron sorri da porta — uma de suas
rápidas aparições — e me dá uma joinha antes de desaparecer novamente.
— E se eu me assumir e eles me expulsarem da equipe?
— Eles podem tentar — eu digo —, mas com sorte não irão muito longe.
— Ele olha para mim confuso, e então eu conto minha história. Ele diz ter
ouvido falar de mim e visto minha família nas no cias. Finjo estar surpresa
quando ele me diz que frequenta uma escola privada não muito longe de
onde eu costumava morar.
E então digo que com sorte, um dia, uma vez que esse processo for
resolvido, as escolas não se atreverão a fazer essa merda — nem mesmo
escolas par culares caríssimas e superfaturadas como as nossas. Ele diz
que gostaria que esse dia fosse hoje.
E, sim, eu também.
•••

Dylan chega tarde em casa com uma pizza. Ele me diz com entusiasmo
que finalmente convidou aquela mulher que gostava para sair, e que ela
disse sim. Tento não pensar muito sobre o quanto gostaria que fosse eu e
Ruby. Ele vai para a cama cedo, mas fico acordada vendo Ne lix a noite
toda com aquele sen mento de obsessão.
E então, por volta da meia-noite, jogando a vergonha fora, pego meu
telefone e envio uma mensagem: espero que o desfile tenha ido bem! ☺
21
RUBY

Li sua mensagem cerca de dez mil vezes, pensei em uma centena de


maneiras diferentes de responder, mas no final, não mando nada. Nem
mesmo um discreto "obrigada." Eu simplesmente a deixo no vácuo. Como
uma babaca.
Na segunda-feira, temos a aula inteira para trabalhar em nossa
apresentação. Meu estômago se contorce esperando para ver o que ela
diz. Mas ela não diz nada. Morgan age como se não houvesse nada entre
nós. Como se eu fosse apenas mais uma colega de classe ou colega de
trabalho ou algo assim. Ela não fica brava. Ou faz uma piada sobre. Ou
reconhece de forma alguma. Ela simplesmente... está completamente de
boa, e eu odeio isso.
Eu sei que não tenho o direito de odiar, que mereço pior do que isso
tanto por ter fugido, quando não respondi sua mensagem, mas aceitaria
irritação ou raiva ao invés dessa indiferença a qualquer momento.
Na terça-feira, ela descaradamente me ignora, seu olhar passando
através de mim nos corredores, e eu não aguento isso. Me perco no
caminho para o meu carro depois das aulas e acidentalmente acabo na
pista assis ndo seu treino. Everly está lá rando fotos dos caras e ra outra
foto espontânea do que ela chama de minha cara "sonhando-com-o-Tyler."
Ó mo. Deixe ela pensar isso.
Infelizmente, isso confunde Tyler pra caralho, que parece pensar que eu
realmente estava lá para vê-lo pra car. Naquela noite, respondi sua
mensagem com uma foto de um hidratante e alguns lenços.
Ah, e Morgan? Ela não olhou para as bancadas uma única vez o tempo
todo.
Na quarta-feira à noite, depois de mais um longo dia sendo ignorada, eu
surto um pouco. Envio um ar go que desenterrei sobre uma corredora que
fez uma ultramaratona. Nem sei o que é uma ultramaratona, mas acho que
ela vai gostar.
Ela não responde, por causa do carma.
Enquanto isso, Everly me enche o saco perguntando por que estou tão
triste, e até Billy me ligou para ver como estou já que eu não nha passado
na loja a semana toda. Não admito para nenhum deles que, além dos
deveres de casa, de trabalhar para a Charlene, e de me preparar para
desfiles, eu só fiquei em casa sofrendo.
Na aula quinta-feira, eu pergunto à Morgan se ela recebeu minha
mensagem. Ela diz que sim e que era interessante, mas parece estranha
quando fala. Tipo, não hos l, mas educadamente indiferente. Como se eu
vesse dito, Belo dia, hein? ao invés de pesquisar cinquenta ar gos de
corrida diferentes para tentar impressioná-la. Ela nem pergunta como ou
por que eu achei.
É di cil focar em um discurso sobre a Lei de Espécies Ameaçadas
quando me sinto como uma bomba relógio prestes a explodir.
Naquela noite, eu tento novamente a estratégia da mensagem: Pronta
para nossa apresentação amanhã?
Dessa vez ela responde, apenas uma simples resposta de uma palavra,
mas eu aceito: Sim.
Na manhã seguinte, estou ansiosa. Como se eu vesse acabado de
beber uma dúzia de cafés pretos e completado com um Monster. Eu não
sei por quê. Esquece, sei exatamente por quê. Porque Morgan respondeu.
Mas foi apenas uma palavra, e não consigo entender o tom. Um sim
tranquilizador? Ou um sim irritado? O ponto no final não transmite
confiança.
Posso não saber o que ela está pensando, mas sei o que quero que ela
esteja pensando, que ela defini vamente não deveria ficar longe de mim,
mesmo que seja para o melhor. Eu flutuo entre desejar ter dito isso na cara
dela... e desejar ter deixado ela correr para casa na chuva aquele dia.
Mas suas mãos, Jesus, suas mãos nas minhas costas. E a maneira como o
hálito dela bateu na minha orelha tão levemente. E agora temos que falar
sobre a proteção de espécies ameaçadas de ex nção enquanto eu estou
frustrada e confusa e amarrada em nós.
— Você está bem? — ela sussurra para mim enquanto Lydia e Allie se
levantam para apresentar a Lei de Bem-Estar Animal.
Eu encolho os ombros como se não fosse nada demais, mesmo que seja.
Porque percebi ontem à noite que ela talvez nunca mais fale comigo depois
que esse projeto terminar. Quem vai a um desfile por escolha e também
não quer que um projeto em grupo idiota termine? A nova eu.
Aparentemente. Mas só por mo vos nefastos, então ainda faz sen do.
Estou tão perdida na minha cabeça que não percebo de primeira, a mão
da Morgan deslizando levemente sobre a minha e apertando, como ela fez
quando eu fiquei com medo do policial. Meus olhos saltam para os dela,
procurando. Porque colegas de classe indiferentes não dão as mãos. Nem
mesmo debaixo da mesa. Um pequeno sorriso cruza seus lábios, e ela
sussurra:
— Relaxa, a gente consegue lidar com isso.
Eu aperto de volta, assen ndo mesmo sabendo que ela está falando
sobre a apresentação e não... nós. O calor da mão dela se espalha pelo
meu pulso, rodopiando pelas minhas veias até que se acumula dentro de
mim, no lugar onde todas minhas "paixonites femininas" se acumulam,
aquele pequeno canto de mim que fica um pouco sonhador e talvez algo
mais também.
Eu fico muito quieta. Não consigo decidir se nossas mãos devem se
separar ou con nuar juntas, mas não quero ser eu a tomar essa decisão.
Morgan aperta mais uma vez e depois se afasta, organizando os cartões
de notas em duas pilhas separadas na sua frente. Uma para eu ler e outra
para ela. Como se duas garotas pudessem simplesmente dar as mãos e
depois seguir em frente com suas vidas ou algo assim.
E é aí que a vergonha aparece. Aquele horrível sen mento de que eu não
deveria querer isso, minha mãe vai me matar, que diabos estou fazendo, as
pessoas vão pensar coisas vergonhosas sobre o quanto eu gosto...
— Ruby? Morgan? É a vez de vocês. — diz a senhora Morrison, e puta
merda, eu fiquei obcecada por toda a apresentação de Lydia e Allie.
Morgan olha para mim meio à espera, então eu recolho os cartões de
notas e marcho até a frente. A senhora Morrison já carregou nossa
apresentação na tela e segura o negocinho para mudar os slides. Eu seguro
com as mãos ligeiramente trêmulas enquanto Morgan vem ficar ao meu
lado.
Mas ela está um pouco perto demais, po tão perto que eu consigo
sen r seu xampu, e todo pensamento racional deixa minha cabeça quando
eu inalo um pouco mais profundamente. Eu me movo para o lado apenas
um pouquinho. Só o suficiente para lembrar que deveríamos estar falando
de animais em ex nção e não escrevendo canções de amor para xampus
de fruta e sabonete de lavanda. Mas então ela me segue, sorrindo como se
eu es vesse abrindo espaço e não tentando escapar do cheiro de... O que
sequer é isso? Pêssegos? O cabelo das pessoas pode realmente cheirar a
pêssego?
— Ruby? — ela sussurra pelo lado da boca, sorrindo para a turma.
Certo. Eu tenho o primeiro cartão.
Tento virar o cartão do tulo e ler o próximo, mas, em vez disso, deixo
todos cair. Eles se derramam na minha frente, e eu chuto alguns na minha
pressa para pegá-los. Algumas pessoas na turma riem. Minhas bochechas
ardem.
É por isso que eu não faço apresentações.
É por isso que eu não faço projetos em grupo.
É por isso que eu mal tenho uma média de aprovação.
Eu sou uma piada aqui. Um pedaço de lixo levemente diver do que faz
com que todos se sintam melhor com suas vidas.
É diferente em palcos de desfiles. Eu sou boa nisso. Um interruptor vira,
e eu me torno outra pessoa. Confiante. Inteligente. Perspicaz, até. Mas isso
é insegurança e indignidade e todas as coisas que não sei fazer, tudo de
uma vez.
A senhora Morrison silencia a turma enquanto Morgan se abaixa ao
meu lado e me ajuda a organizar os cartões. Ela prende seu dedo mindinho
no meu só por um segundo, tão rápido que quase acho que imaginei, e
sussurra:
— Você consegue fazer isso, Ruby.
E acho que não consigo, mas também não quero desapontá-la.
Eu respiro fundo e me levanto um pouco mais alta, um pouco mais reta,
fingindo que estou no palco. Sorrio e me concentro em um lugar na parede
de trás depois de olhar para meus cartões de notas. E eu me apresento.

•••

Não a vejo de novo até depois do úl mo sinal, quando estou correndo


para o meu carro para chegar a uma aula que estou cobrindo para
Charlene e ela indo em direção a pista, seus tênis de corrida pendurados
frouxamente sobre seu ombro. Lydia e Allie estão andando à frente, mas
Morgan diminui seu ritmo, ficando para trás para igualar ao meu assim que
ela me vê.
— Você foi incrível hoje. — diz ela, inclinando a cabeça para mim
enquanto caminhamos.
E lá está aquela palavra novamente. Incrível.
— Você fez as partes di ceis. — eu digo, porque é verdade. Ela montou
o PowerPoint e me impediu de perder a cabeça.
— Não, você não pode fazer isso.
— Fazer o que?
— Diminuir o quanto você trabalhou duro e o quanto você arrasou lá em
cima. Eu estava um caco, e você brilhou.
— Você estava nervosa? — eu pergunto, arqueando minhas
sobrancelhas. — Não percebi nem um pouco.
— Bem, que bom, então talvez realmente ramos uma nota decente.
Você entregou sua redação, né?
— Sim. — Deixo de fora o fato de que ve que ficar duas vezes essa
semana depois da aula para conseguir ajuda da senhora Morrison com
isso.
Ela para de andar e ges cula sobre o ombro em direção à pista.
— Bem, eu tenho que...
— Sim, eu também tenho. Tenho que cobrir uma aula para minha
treinadora de desfile, e depois, tenho outra sessão própria.
— Parece intenso.
Jogo meu cabelo para trás com um suspiro exagerado.
— É preciso muito trabalho para ser tão incrível, sabe.
— Não. — diz ela, e quando a encaro, seus olhos parecem tão sérios. —
Duvido muito disso.
— Ma hews! — a treinadora chama, soprando o apito dela. — Traga
seu traseiro até aqui.
Qual seja o fei ço sob o qual es vemos, é quebrado. Novamente. Todas
as vezes.
— É melhor eu... — diz ela.
— Certo.
— Ei, você vai estar por aqui esse fim de semana? — A pergunta dela me
pega desprevenida.
— P-Por quê...? O projeto acabou. — eu gaguejo, e o rosto dela cai. Não
era isso que eu queria dizer. Não era. Só fiquei surpresa que ela ainda...
— Sim, é verdade. — diz Morgan, andando para trás em direção à pista.
— Eu só estava pensando em estudar ou algo assim. — Ela está agindo
toda indiferente, mas consigo dizer que ela está envergonhada.
— Tem uma festa do me de lacrosse hoje à noite. — eu solto.
— Ah, é?
— Você deveria vir. — eu digo, o que me faz ganhar uma inclinação de
cabeça. — Quero dizer, é aberta ao público em geral, então não precisa
realmente do meu convite. Mas é melhor do que estudar. Quero dizer, se
você ficar entediada.
— Sim, se eu ficar entediada. — diz Morgan, e morde o lábio, o que só...
— Ma hews! — a treinadora grita novamente.
— É melhor você ir.
Ela sorri tanto que seus olhos enrugam.
— É, é melhor.
22
MORGAN

— Por que estamos indo na festa do me de lacrosse mesmo? — Lydia


resmunga, passando outra camada de rímel em seus cílios.
— Vamos, é um rito de passagem, e Morgan nunca foi. — diz Allie. —
Todo mundo deveria experimentar o esplendor de sair com um bando de
caras do lacrosse bêbados pelo menos uma vez no ensino médio, né?
— Mas por que eu tenho que sofrer com vocês?
— Uau, vocês não estão exatamente vendendo a ideia. — eu digo,
tentando parecer de boa mesmo que eu realmente, realmente queira ir. Só
a ideia de ver Ruby novamente, especialmente a Ruby em Ambiente
Natural e não a Ruby Surtando por um Projeto em Grupo ou a Ruby Rainha
da Beleza, me deixa ridiculamente intrigada. Tão ridiculamente intrigada,
de fato, que estou disposta a correr o risco de me encontrar novamente
com os gêmeos Miller.
— Lydia só está sendo dramá ca. — diz Allie, brilhando em um cropped
dourado apertado. — É sempre diver do, além de bebida grá s para as
garotas. Só os caras são cobrados.
— Essa parte é legal. — Lydia admite. — Apesar de auto-indulgente e
entre um pouco e moderadamente perigoso ao mesmo tempo.
— Então... o que você vai usar hoje? — Allie me pergunta,
descaradamente mudando de assunto.
— Ahn, isso? — Eu faço um gesto para as roupas que estou usando.
— Ahn, não. — ela diz, me provocando. — Você não pode ir pra uma
festa com shorts de corrida e uma camisa de banda. Desculpa.
— Eu gosto de shorts de corrida e camisas de banda. — eu digo. Só que
depois penso na Ruby e em como ela pode querer me ver fora do meu
uniforme, da mesma forma que eu quero vê-la fora do dela. Espere, isso
saiu errado... Ou talvez não. Eu já nem sei mais.
— Eu tenho algo melhor. — diz Lydia, desaparecendo em seu armário e
saindo com calças jeans jus ssimas pretas e um cropped que mal existe.
— Acho que é pequeno demais. — eu digo, e depois percebo que
amarra toda a parte de trás. — Não é nem uma blusa. É po meia blusa.
Isso...
— É o ponto. — diz Lydia, me empurrando para o banheiro para me
trocar.
Vinte minutos depois, estamos todas empilhadas no carro da Allie.
— Onde é essa festa, afinal? — pergunto.
— Ah, não muito longe. — diz ela. — Poderíamos caminhar até lá se eu
não vesse usando esses sapatos.
— Sim, é na casa do Tyler Portman. — diz Lydia. — O pai dele viaja
muito a trabalho, e a mãe geralmente vai com ele, então é só ele. Ele dá
festas monstruosas desde que nós nhamos quatorze anos.
— Tyler Portman? — pergunto, meu estômago torcendo. O mesmo Tyler
Portman que Ruby estava, e possivelmente ainda está, ficando?
Eu mexo nas minhas roupas, de repente me sen ndo ainda mais exposta
e fora do meu jogo. Pelo menos se eu ainda es vesse usando a coisa de
sempre eu poderia pular fora e fugir. Usando isso, estou efe vamente
presa. Mas falando sério, o que Ruby está tentando fazer?
— Ele é um hétero top total, mas o que se pode fazer? — diz Allie. — Ele
dá as melhores festas, e na verdade ele é muito gen l quando você fala
com ele.
— Desde quando você realmente fala com ele? — Lydia zomba.
— Desde às vezes. — diz ela com um sorriso de lado.
— Ai meu Deus, você está ficando com o Tyler agora? — Lydia geme e
balança a cabeça, mas Allie apenas ri.
— Eu não posso confirmar, nem negar. Mas se eu vesse, seria só algo
super-casual, sem compromisso. Tipo, não somos exclusivos, nem nada.
Pelo menos, ainda não.
— Sua merdinha. — diz Lydia, socando seu braço. — Não acredito que
você não me disse!
— É coisa nova. Muito nova.
E eu me encosto no banco com um sorriso. Talvez seja uma coincidência
que o primeiro convite real de Ruby para mim tenha sido para a casa dele.
Talvez ela tenha terminado com Tyler, e essa é sua maneira de dizer isso a
ele. Talvez, talvez, talvez.

•••

É verdade que eu nunca nha ido a uma festa assim antes, mas achei
que nha uma expecta va bem baixa para ficar impressionada. Agora que
estou aqui, percebo que deveria ter sido ainda mais baixo, po no nível de
um porão. Está super lotado enquanto atravessamos a casa até a cozinha,
Allie liderando o caminho, rindo e gritando:
— Hora da cerveja, vadias!
A música bate forte o suficiente para fazer as paredes chacoalharem, e
tudo está pegajoso e cheira a suor e cerveja velha. Eu nunca quis menos
estar em algum lugar — e isso foi antes de notar a Ruby se esfregando
contra um monte de caras do me de lacrosse.
Certo, apague tudo que eu pensei no carro. Estou fora.
Eu me viro para sair, mas Allie me para, duas cervejas em suas mãos. Ela
me dá uma e levanta a outra no ar, dançando no meio da sala de estar para
um coro de fiu-fiu. Um lugar encantador, realmente, essa casa cheia de
meninos burros.
Lydia surge ao meu lado com seu próprio copo, levantando uma
sobrancelha para nossa amiga dançarina.
— Allie ama essa merda. — ela diz, tomando um grande gole de cerveja.
Eu sigo o exemplo, tentando não tossir quando o líquido quente e
espumoso a nge a parte de trás da minha garganta.
— É sempre tão nojento assim? — Desloco meu peso para descolar
meus pés do chão, sem ter certeza absoluta de que estou falando da
cerveja ou literalmente de todo o resto.
Lydia assente, bebendo o resto da cerveja em um gole enquanto
observa Allie na mul dão, sua mandíbula ligeiramente tensa, cabeça
inclinada... e um desejo nos olhos que quase parece com o meu.
— Puta merda, Lydia, você gosta...
— Vou buscar mais cerveja. — Ela me corta com um olhar que diz
Esquece antes de desaparecer no meio da mul dão.
Interessante. Talvez eu não seja a única garota queer com uma paixão
impossível hoje à noite.
Anika e Drew estão no canto, e assim que nos percebemos, eles
começam acenar para eu me aproximar. Estou me movendo através da
mul dão, sendo empurrada aqui e ali. Quando estou quase chegando
neles, faço uma meia ondinha para cumprimentá-los no exato momento
em que algum garoto dá um passo para trás, fazendo com que o que
sobrou da minha cerveja caia sobre nós dois.
— Que caralhos! — ele grita, virando-se como se pretendesse me
agredir... no exato segundo em que uma mão envolve a minha cintura e me
puxa para trás.
— Desculpa, Travis. — Ruby grita por cima do ombro, nos levando para
longe. — Foi sem querer.
O garoto, Travis, aparentemente, balança a cabeça, puxando camisa
ensopada de cerveja e a arrancando.
— Você veio! — Ruby grita sobre o barulho da música, puxando-me para
o canto oposto da pista de dança. Posso dizer imediatamente que ela está
bêbada, mas tento ignorar porque ela parece tão legi mamente feliz em
me ver. Olho para Anika e Drew, que fazem expressões confusas iguais, e
eu peço desculpas rapidamente com a boca.
— Acho que eu fiquei entediada. — eu grito de volta, e a música muda,
a ba da pulsando contra a pista de dança. Ruby dá um sorriso tão grande e
largo que quase me afogo nele. Estou tão ferrada, tão absolutamente
perdida nessa garota na minha frente, essa garota que está sorrindo como
se me ver fosse a melhor coisa que aconteceu com ela o dia todo.
Ruby segura seu cabelo comprido nas mãos, puxando-o até o topo da
cabeça e deixando-o cair em cascata sobre seus ombros enquanto ela
começa a dançar. Obrigada por isso, universo. Defini vamente nunca vou
esquecer esse momento enquanto eu viver.
— Amo essa música! — ela grita, aproximando-se ainda mais até que se
encosta em mim a cada movimento. Eu fico parada e desajeitada, sem
saber quais são as regras nessa situação, se essa performance é para
mim... ou para todos os outros.
— Dança comigo. — ela sussurra no meu ouvido, me girando para estar
atrás de mim, e meu corpo inteiro cora a rando fogo na minha pele.
Ela coloca suas mãos sobre meus quadris, me empurrando e me
puxando até eu encontrar o ritmo, seu corpo pressionado contra minhas
costas, sua respiração no meu ombro enquanto ela canta. Ela desliza seus
dedos do meu quadril para minha mão sem avisar, entrelaçando nossos
dedos e depois os passando pela minha barriga. Minha respiração prende
quando ela os trás um pouco mais para baixo, logo abaixo da cintura das
calças justas demais da Lydia, antes de me rodar para encará-la. Perco a
ba da nisso, rindo enquanto ela morde o lábio. Ela solta a minha mão,
passando os dedos pelos meus lados e depois pelo meu pescoço, as mãos
dela por toda parte e em lugar nenhum até que somos só nós na pista de
dança, a perna dela se encaixando entre as minhas enquanto o mundo
inteiro se desfaz.
— Eu sei que você gosta de mim. — ela sussurra no meu ouvido. E eu...
Eu não sei o que fazer. Ela puxa minhas mãos ao redor de seu pescoço e
abaixa sua cabeça no meu ombro, um toque de sua língua contra minha
pele antes de recuar, limpando seu lábio como se fosse apenas uma gota
de cerveja. Estou perdida, completamente, na sensação do corpo dela sob
a ponta dos meus dedos...
E então as pessoas começam a fazer barulho e gritar, e eu percebo
quantos dos meninos do lacrosse estão observando, incen vando e
aplaudindo nosso espetáculo. Eu odeio isso.
Ruby ainda está dançando, se diver ndo com a atenção e não
percebendo que eu perdi o ritmo. E então Tyler aparece atrás dela,
transformando nosso par em um trio, e eu paro de dançar por completo. A
cerveja bate no meu estômago, afogando todas as borboletas enquanto as
mãos dele tocam a pele dela.
Tyler agarra os quadris de Ruby e a puxa na direção dele. Ela ri, nunca
perdendo uma ba da, e eu fujo da pista de dança e subo as escadas, como
uma garota em um filme de terror, sem saber para onde estou indo só
precisando escapar. Adequado para esse cenário de pesadelo. Encontro um
cômodo vazio e corro para a janela, abrindo-a e engolindo o ar fresco da
noite.
Uma mão aparece e esfrega minhas costas, e eu salto, meu estúpido
cérebro sem esperança rezando para que seja Ruby. Mas não é. É a Anika
parada ali, com Drew atrás dela me dando um olhar compreensivo.
— Tá tudo bem, tá tudo bem. — diz Anika, e eu nem percebo que estou
chorando até que ela me puxa para um abraço.
— Eu só… não sei. — Eu fungo no ombro dela. — Eu não entendo.
Pensei que ela gostasse de mim.
— Ela é uma bagunça, Morgan. — diz Drew, apertando meu ombro com
um olhar solidário.
— Mas o que ela quer? — Eu choro, como se eles fossem saber. Acho
que nem ela sabe. — Eu disse que nunca mais faria isso, me apaixonar pela
garota que mais vai mexer com a minha cabeça. E eu fiz, po, seguindo o
manual. Qual é o meu problema?
— Ei, ei, para. — diz Anika. — Não tem nada de errado com você. Por
que não saímos daqui? Vamos nos encontrar com o resto da gangue no
restaurante. Vem com a gente.
— Eu arrastei Allie e Lydia até aqui só para poder ver a Ruby. — Eu ri,
curta e amarga. — Não posso deixá-las de lado.
— Mesmo? — Drew pergunta, parecendo hesitante em me deixar. —
Tenho certeza de que elas vão entender.
— Não posso. — Não quero admi r que uma pequena parte de mim
ainda está esperando que Ruby apareça magicamente e peça desculpas.
Anika e Drew trocam um olhar.
— Eu sei que não somos melhores amigas nem nada, — diz ela — mas
até eu consigo ver o quanto isso está te deixando mal. Só vem com a gente,
por favor? Vamos conversar com comida ruim e luz pior. Aaron também
está vindo. Ele pode entrar em modo conselheiro completo com você.
Eu balanço a cabeça.
— Eu só preciso de um minuto para me recompor. Mas vão, se divirtam.
Eu estou bem, juro.
Anika me puxa para um abraço desajeitado.
— Ok, bem, manda uma mensagem se precisar da gente.
— Farei isso. — eu digo, e forço um sorriso.
Acontece que "um minuto" foi uma péssima es ma va. Eu levo mais
para quinze, na verdade, sentada no chão, acalmando meu estômago,
tratando minha libido abalada, e tentando muito não chorar pelo fato de
que a experiência român ca mais intensa da minha vida pode ter sido
apenas um show que Ruby estava fazendo para seu ficante, Tyler, e seus
amigos.
A parte irremediavelmente ingênua de mim ainda espera que eu esteja
errada e que Ruby não tenha subido porque ela ainda está lá embaixo
procurando por mim. Talvez ela já tenha mandado Tyler embora, mas não
tenho ideia porque não consegue me encontrar enquanto estou aqui em
cima amuada em vez de lutando pela garota que eu quero.
Eu junto meu ego do chão e desço de cabeça baixa, respirando fundo
enquanto viro o corredor, só para bater imediatamente na Lydia.
— Aí está você! — Ela parece irritada. — Estava te procurado em todos
os lugares!
— O que foi?
Ela une seu braço ao meu e me puxa.
— Estamos indo. Agora. Allie está no carro chorando a alma inteira.
— Por quê? O que aconteceu? — Juro por Deus, se algum desses
meninos lhe tocou ou a machucou de alguma forma, eu...
— Aquilo aconteceu. — diz ela, apontando para trás de nós.
Viro minha cabeça bem a tempo de ver Tyler mergulhar a Ruby na pista
de dança, acariciando seu pescoço e beijando atrás de sua orelha. Sua
cabeça vira quando ele a puxa para cima, seus olhos sonolentos
encontrando os meus, arregalando um pouco antes de se fecharem
quando ele beija o canto da boca dela.
— Aquele desgraçado do caralho. — diz Lydia, encarando Tyler
enquanto me puxa para fora. — Iludindo a Allie assim, deixando ela pensar
que era mais do que realmente era.
— Sim. — eu sussurro. — Aquele desgraçado.
23
RUBY

Acordo no dia seguinte na cama do Tyler, minha cabeça latejando,


minhas roupas de ontem grudando de forma desconfortável. Merda.
Escaneio o quarto com olhos preguiçosos e faço as contas para saber se
consigo escapar pela janela sem que ele perceba, que é quando percebo
que ele nem está aqui.
E então tudo vem de volta, a dança, Morgan, o olhar em seu rosto
quando viu Tyler e eu. Merda, merda, merda dupla.
Passos na porta me fazem fechar os olhos e fingir estar dormindo, mas
abro um ao ouvir um copo sendo colocado na mesa de cabeceira e o cheiro
de café entrando no meu nariz.
— Eu sei que você está acordada. — diz Tyler, agachado perto da cama e
empurrando meu cabelo para longe do meu rosto com um nível de afeto
que não costumamos compar lhar.
— Bom dia. — eu digo me encolhendo um pouco.
— Você passou a noite aqui. — ele me entrega a caneca. — Deve ser
algum recorde. Devemos alertar a mídia?
Eu bebo meu café, de olho nele.
— Sim, desculpa por isso. Não queria quebrar o protocolo.
— Não, foi bom para variar. — ele diz, se levantando para pegar um
frasco de Advil na mesa e jogá-lo na cama ao meu lado. — Ou teria sido
bom se você não vesse chorado metade da noite.
— Ahn… — eu digo, meu estômago afundando, porque não me lembro
dessa parte. — Eu bebi demais ontem.
— Eu notei.
Eu me mexo desconfortável, enrolando o cobertor um pouco mais
apertado ao meu redor.
— A gente, você sabe?
Ele parece absolutamente horrorizado.
— Jesus, Ruby. Você realmente acha que eu tentaria ficar com você
quando estava bêbada daquele jeito?
Eu desvio o olhar, porque a verdade é que eu não conheço ele tão bem
assim. Não nos falamos muito fora do combinado de alívio rápido que
vemos durante o úl mo ano ou das mensagens esporádicas ou dos
cumprimentos na sala de aula.
— Nossa. — Tyler coloca um short por cima da cueca boxer. — Com isso,
eu vou pra academia. Por que você não escapa como de costume antes de
eu voltar? Vamos fingir que ontem nunca aconteceu. — Ele parece
realmente magoado agora, e eu odeio isso. Odeio estar ferindo todos que
parecem ter um mínimo de preocupação por mim.
Eu sou a porra da pior.
— Desculpa, — eu digo, — mas nha que perguntar. Nem todo mundo
é...
— Eu nunca faria nada sem seu consen mento. — Ele parece sério. — E
ontem, você não nha condição nenhuma de dar isso.
Eu olho para baixo novamente.
— Você não se lembra de nada, né? — pergunta ele. — Cristo, quanto
você bebeu?
— Muito. — eu digo. O suficiente para afogar cada pensamento
conflituoso que eu nha na cabeça, ou pelo menos tentar. — Me conta?
Por favor?
Ele suspira, me encarando por um segundo antes de sentar na cama.
— Bem, você basicamente se esfregou naquela garota Morgan no meio
da minha sala.
— Eu me lembro dessa parte. — eu digo, porque não é algo que eu
jamais, jamais esquecerei.
— E então começamos a dançar, o que irritou a Allie e me confundiu pra
caralho.
— Allie Marce ? Ela estava aqui?
— É, eu nem sabia. Temos ficado desde que você me deixou de lado.
Gosto dela e tudo mais, mas ela não é você. Quando dançou comigo
ontem, achei que estávamos de volta ao jogo ou sei lá. Até que percebi o
quanto você estava bêbada quando começou a chorar na pista de dança
depois que eu te beijei.
Eu me encolho.
— Desculpa por isso.
— É, não foi muito bom para meu ego ou minha reputação. — diz ele,
mas com zombaria suficiente em sua voz para eu saber que não está com
raiva. Pelo menos não sobre essa parte.
— Eu te trouxe aqui e tentei te colocar na cama, mas você estava muito
chateada. Acabei ficando com você até você finalmente dormir, mas nessa
altura todos estavam muito bêbados, e fiquei preocupado que alguém
pudesse entrar aqui enquanto você estava desmaiada, então... — ele
ges cula para um saco de dormir e um travesseiro no chão. — Decidi ficar
por perto.
Eu desvio o olhar. Mostrar fraqueza a Tyler e ele realmente ser legal
sobre isso de alguma forma me faz sen r ainda mais vulnerável, como se
talvez eu vesse perdido um pouco de pele quando ele estava descascando
as camadas.
— Olha, Ruby, nós defini vamente não precisamos mais ser ficantes ou
seja lá como você queira chamar, mas também não precisa me deixar de
fora. Eu não me importo de ser seu amigo. Na verdade, eu gostaria disso.
Meus olhos assustados se encontram com os dele, certos de que é
apenas uma estratégia para me manter por perto, mas eu só encontro
sinceridade neles.
— Sério?
— Sério. É um pouco ruim, porque você é bem gostosa e nos diver mos
muito juntos, mas ontem... Olha, não acho que eu seja o que você quer, e
sermos amigos não seria a pior coisa. Só tô dizendo. Se quiser falar sobre o
que te fez chorar ontem, eu estou aqui.
Eu coço a nuca.
— Obrigada, vou pensar sobre isso. — digo, porque tenho uma ideia
muito boa sobre o mo vo de eu chorar ontem, mas ainda não estou pronta
para compar lhar isso com ninguém.
Exceto talvez com ela.

•••

Meu cabelo ainda está molhado quando chego ao apartamento dela e


toco a campainha. Tentei puxá-lo em um coque bagunçado, mas só deixou
a parte de trás da minha camisa — uma do Tyler que peguei emprestado e
amarrei acima do quadril depois do meu banho — ensopada sem
nenhuma razão.
Everly me enviou uma dúzia de mensagens de manhã, e eu deveria me
encontrar com ela em uma hora e meia para ajudá-la a escolher algumas
fotos para seu projeto do úl mo ano. Mas não consigo me livrar desse
sen mento de desgraça em meu peito toda vez que penso em Morgan,
como se eu vesse arruinado tudo antes mesmo de sequer descobrir o que
era. E é essa sensação que me faz estar na varanda dela agora.
Eu toco sua campainha uma segunda vez, e finalmente há passos do
outro lado da porta. Aceno para o buraco da porta, imaginando que
alguém está me encarando. Não sei se é ela ou Dylan, mas a julgar pela
quan dade de tempo que passa sem que a porta se abra, suponho que
seja ela.
— Ei. — eu digo para a porta ainda fechada. — Podemos conversar?
Uma fechadura clica, e a porta se abre. Ela não desfaz a corrente.
— Ei, Ruby. — ela diz devagar, me olhando cautelosamente. — O que
você está fazendo aqui?
— Posso entrar?
— Por quê? O projeto acabou. — ela diz, repe ndo minhas palavras de
ontem.
— Pensei que talvez pudéssemos estudar. — eu digo, ecoando as dela
com um sorriso esperançoso. Ela só me encara. — Ou não?
— O que você quer, Ruby? — A voz dela está dura.
Eu mordo meu lábio.
— Eu só quero conversar.
Ela fecha a porta apenas o suficiente para deslizar a corrente, e
vergonha arrepia minha espinha — não por gostar dela, dessa vez, mas por
decepcioná-la. De novo.
— O que tem a dizer?
— Nada aconteceu entre mim e Tyler ontem, eu prometo.
Ela abre mais a porta, mas ainda não me deixa entrar.
— Por que eu me importaria com o que acontece entre você e Tyler?
— Você sabe o mo vo.
Ela estreita os olhos.
— Sei?
— Eu posso ir embora, se quiser. — eu digo, virando para sair, presa
entre o pânico repen no de que entendi tudo errado e o pânico repen no
de que não entendi tudo errado.
De qualquer forma, isso não está funcionando.
— Acho que você pode entrar, já que dirigiu até aqui. — ela diz, como se
seu apartamento não fosse bem no meio da cidade.
Estou a quatro passos da segurança do meu carro, quatro passos de
manter o status quo, quatro passos de sair na surdina e deixar passar... mas
nunca girei tão rápido em minha vida.
Morgan mantém a porta aberta por meio segundo, dando-lhe um bom
empurrão para que eu tenha tempo de pegá-la depois que desaparece pra
dentro. Eu a encontro sentada na sala, a TV no mudo. Ela tem uma visão
perfeita do estacionamento através de suas cor nas, o que significa que
ela defini vamente me viu estacionar. Isso é melhor ou pior? Tipo, ela
hesitou, mas também, no fim destrancou a porta.
Morgan olha para mim com expecta va, e eu não sei o que dizer. Não
sei porque estou aqui, além do fato de que me sinto totalmente culpada
pela noite passada, mesmo que tecnicamente não tenha razão para isso.
Mas também tenho muitas razões. Meu coração pula na minha garganta.
— Então, sem desfiles hoje? — pergunta ela, passando os canais da TV
ainda no mudo.
— Não, hoje não. — Eu mal posso acreditar que ela sequer esteja
falando comigo. — Mas tenho que me encontrar com a Everly daqui a
pouco.
— Ah. — ela diz despreocupadamente, não rando os olhos da TV. —
Acho que isso não deixa muito tempo para estudar, então. Deveríamos
começar.
— Eu não vim para estudar de verdade. — Eu me movo para a mesa de
centro, bloqueando a visão dela da TV. — Mas você sabe disso. — Eu
preciso que ela olhe para mim, preciso que ela veja o quanto lamento por
ontem. Preciso que ela sinta o que eu não posso dizer.
Morgan apenas suspira e olha para o lado.
— O que você quer, Ruby?
— Eu não sei. — eu digo, respondendo honestamente. O que as outras
pessoas dizem em momentos como esse? Eu não tenho paixões. Não lido
com relacionamentos. Especialmente não com garotas. Esse é um território
inexplorado por mais de um mo vo.
Morgan se levanta.
— Legal, bem, obrigada por passar por aqui, então.
Eu avanço pela mesa, pegando sua mão e prendendo suas pernas entre
as minhas. Morgan hesita, examinando meus olhos, e depois suspira.
— Eu não posso mais jogar esses jogos com você. Não depois de ontem.
— Sinto muito. — eu digo. — Sinto muito mesmo. Eu nunca deveria ter...
— Me sen nojenta.
— Ah. — eu digo. Deixo sua mão cair e volto para trás... porque
"nojenta" era o oposto de como me sen . Eu gostei de dançar com ela.
Mais do que gostei, até.
— Como você pôde fazer isso comigo? Você obviamente sabe o que eu
sinto por você. Você até disse! — Ela balança a cabeça e cai de volta no
sofá com os braços cruzados. — E então você ainda me usou para chamar
a atenção do Tyler? Isso é zoado, Ruby!
— Espera, o quê? — Porque não fiz isso. Não fiz. Posso não ter sabido o
que estava fazendo, mas defini vamente não foi isso.
— Esse tempo todo, você só estava... Ah, olha essa garota paté ca que
tem quedinha por mim. Aposto que posso usar isso como uma vanta...
Eu corto suas palavras com um beijo, tentando mostrar a ela o que sinto,
tentando derramar tudo o que não posso dizer em seus lábios sobre os
meus, para que ela possa finalmente entender. Mas eu mal comecei
quando suas mãos encontram meus ombros, me empurrando para longe.
— O que você está fazendo? — ela grita.
— Eu pensei... — Eu me perco. Não sei o que pensei. Eu não pensei, na
verdade. E, ah não, ah não. Seus olhos estão cheios de lágrimas antes dela
correr pelo corredor e bater a porta.
Eu fico ali por um segundo, tentando descobrir o que fazer e como li
tudo isso tão errado, e depois a sigo, batendo suavemente na porta dela.
— Vai embora, Ruby. — ela diz, e eu consigo perceber que ela ainda está
chorando.
Merda.
Eu alcanço a maçaneta, mas me paro, lembrando da minha conversa
com Tyler mais cedo sobre consen mento. Eu me viro ao invés disso,
deslizando pela porta com minhas costas contra ela. Es co minhas pernas
e brinco com o esmalte das unhas. Eu sou péssima com sen mentos. Ainda
pior em falar deles. Por que ela não me deixa apenas mostrar?
— Morgan...
— Por que você ainda está aqui? Vai!
Eu inclino minha cabeça para trás contra a madeira.
— Eu vou, se você quiser. Mas eu realmente não quero.
— O que você quer? — pergunta ela, sua voz mais frustrada do que eu já
ouvi.
Eu respiro fundo e abro aquela caixinha de sen mentos dentro de mim.
Se ela precisar que eu sangre por ela, sangrarei.
— Eu nunca... Tyler e eu costumávamos ficar ou sei lá, mas eu não... —
Eu suspiro, já frustrada comigo mesma. — Quero dizer, não me preocupo
com ele quando ele não está por perto, nem nada. Mas você? O tempo
todo quero saber o que você está pensando. O tempo todo quero estar
perto de você. Cada pensamento na minha cabeça é sobre você agora! E às
vezes eu odeio isso. E outras vezes eu gosto. Demais. E eu não sei o que
quero, não sei, mas sei que não quero ser a pessoa que te machucou. Não
fiz o que você acha que fiz ontem. Eu não faria isso. Eu...
A porta se abre, e eu caio para trás no chão do quarto dela.
Ela solta uma bufada que pode se transformar em uma risada se eu
jogar bem minhas cartas. Mas ela desaparece antes mesmo que eu saia do
chão.
— Explique essa úl ma parte. — ela diz, subindo na cama dela e
limpando os olhos.
— Juro que não te usei. E peço desculpas por fazer você se sen r assim.
Não era minha intenção, eu prometo. Eu bebi demais, e você tava lá tão...
— Eu balanço a cabeça.
Morgan franze a testa, esperando.
— Tão linda. — Eu desvio o olhar, meu pescoço e minhas orelhas ficando
carmesim.
— Então por que você dançou com Tyler?
— Eu não sei! Tudo ficou tão confuso!
— Por que você me beijou agora?
— Eu queria te mostrar! — eu digo. — Eu mal consigo falar perto de
você. Você mexe tanto com a minha cabeça.
— Eu mexo com a sua cabeça?
— Não como... Isso saiu errado. Me deixa te mostrar. — suplico, dando
um passo mais perto. Talvez outro beijo, um beijo melhor, conserte isso. Eu
dou outro passo, e outro, até estar bem na frente dela. — Posso te beijar
de novo? — Me inclino para baixo para que nossos rostos estejam apenas
a cen metros de distância.
— Por quê? — ela pergunta, e eu sinto a palavra em meus cílios
enquanto meu coração bate contra minhas costelas querendo dizer Eu não
sei, mas eu quero.
Eu inclino seu rosto para cima até nossos narizes se tocarem, sorrindo
com seu suspiro trêmulo, e digo:
— Eu só quero testar uma coisa.
Morgan lança a cabeça para trás com minhas palavras, seu corpo inteiro
seguindo enquanto ela se afasta e sai da cama.
— Você precisa ir. Agora. — ela diz, sua voz fria.
Meu sorriso preguiçoso é subs tuído por um olhar de confusão.
— O quê? Por quê? Morgan...
Mas ela já está marchando para fora de seu quarto e para a porta da
frente, mantendo-a bem aberta quando eu chego lá. E dessa vez, dessa vez
posso dizer que ela está falando sério.
— Morgan...
— Não sou algo para testar. Eu não sou sua pequena experiência. Fica
longe de mim, Ruby. Tá bom? Isso foi um erro.
Eu nem tenho a chance de responder antes que ela bata a porta na
minha cara.
24
MORGAN

— Ela te chamou de experimento? — Anika quase grita, enquanto


morde seu frango frito.
Estamos todos no restaurante — nesse ponto, poderíamos muito bem
chamar de reunião não oficial do Clube do Orgulho — Drew e Anika foram
simpá cos o suficiente para não se intrometerem no porquê de eu ter
aparecido fungando e com cara de choro, embora eu tenha certeza de que
conseguem adivinhar depois da noite passada.
Levei uma hora para ganhar coragem para contar a todos os outros.
— Sério? — pergunta Drew. — Parece ridículo até mesmo para ela.
— Ela não usou a palavra, mas essa foi a intenção. Ela disse que queria
"experimentar uma coisa" e depois foi me beijar. — peguei uma batata
frita encharcada. — Depois de ver ela e o Tyler ontem, mesmo que ela diga
que não aconteceu nada...
— É, ela pode ir "experimentar uma coisa" com outra pessoa. — diz
Anika.
— Cara, e se só saiu errado? — pergunta Aaron, e eu viro na direção
dele.
— Você está defendendo ela?
— O que? Só porque ela é sua vizinha, vai tomar o par do dela agora?
— Drew bufa.
— Você é vizinho dela? — eu pra camente grito. Claro, eu nunca fui na
casa de Aaron, mas mesmo assim, isso parece ser uma informação crucial.
— Aham. — ele diz, estalando o m como se não fosse nada demais. — E
olha, se eu es ver defendendo ela, é só um pouquinho. Só estou dizendo
que fiz muitas coisas complicadas quando estava entendendo minha
iden dade também. Fui atrapalhado pra caralho. Não estou falando que
ela não é super otária ou que você tem que aguentar isso, mas parece que
ela está legi mamente perdida. E a mãe dela é...
— O quê? — Eu pergunto. A mãe da Ruby sempre foi um ponto de
interrogação para mim.
Aaron parece desconfortável.
— Não quero parecer que estou falando merda, mas dá para ouvir muita
coisa quando se vive tão perto como nós. Digamos apenas que nossa
criação não poderia ser mais diferente. Na verdade, já fomos muito
próximos, mas quando eu me assumi trans, a mãe dela parou de me deixar
ir visitar. Ela não queria "essas coisas" ao redor da filha dela.
— Nossa… — Brennan diz.
— Elas têm uma relação estranha. A mãe dela é super controladora e
mente fechada. Não sei o que a Ruby está fazendo, mas se ela faz parte do
nosso " me", não pode ser fácil naquela casa. Tenho certeza de que isso
está constantemente na cabeça dela.
— Caralho. — diz Drew.
Aaron desliza o frango frito para mais perto de mim.
— Nem toda a viagem de A a B pode ser tão clara quanto a sua, Morgan.
— Clara? — eu retruco. — Eu ve que trocar de escola no meio do meu
úl mo ano! Nenhum dos meus amigos an gos falam comigo! Não posso
nem mesmo correr agora! Arrisquei em assumir quem eu sou, e poderia
perder tudo por isso. Como você pode dizer que foi fácil?
— Eu não disse que foi fácil. — Aaron diz. — Eu disse que foi claro. E foi,
porque você sabe quem você é e o que quer. Você tem pais que te apoiam,
um irmão que te deixa ficar com ele, e… — ele ges cula para a mesa. —
novos amigos que sempre te apoiarão. Eu também ve muita sorte; meus
pais são as pessoas mais acolhedoras e mente aberta do universo! Quando
disse que estava mudando meu nome para Aaron com um A, minha mãe
comprou literalmente um monte de cobertores e decorações e tudo que
ela conseguiu encontrar com a nova grafia. Ela até queria uma dessas
festas estúpidas de revelação de gênero para contar pro resto da família…
sabe, aquelas que soltam balões azuis? Felizmente, eu impedi.
— Deus, eu amo sua mãe! — Diz Brennan.
— Eu também. — diz ele. — Mas precisamos lembrar que nem todo
mundo tem isso, especialmente não desde o começo. Quero dizer, nosso
projeto de fim de ano do Clube do Orgulho é literalmente uma arrecadação
de comida e roupa, porque tantos adolescentes são expulsos de casa por
causa dessa merda.
Eu cruzo meus braços.
— Por que de repente sinto que sou eu quem está sendo julgada aqui?
— Você não está. — diz Aaron. — Só tô dizendo que, se você se importa
com ela, e ela vale a pena para você, dá um desconto para ela. Essa é a
primeira vez que ouço dizer que ela tem interesse em alguém que não seja
um garoto, e estou bastante ligado ao moinho de rumores no parque.
— Sim, e ela com certeza teve muito interesse em garotos. — Anika
retruca. — Não precisa de rumores sobre isso.
Aaron levanta uma sobrancelha.
— O que não vamos fazer é julgar a vida sexual dela.
— Você é o protetor dela agora? — Anika bufa. — Ela está mexendo com
a cabeça da Morgan!
Eu franzo a testa, meu coração afundando um pouco mais. Porque
embora eu esteja realmente irritada com a Ruby, ouvir Anika falar mal dela
não está ajudando.
— Vocês conhecem ela há quanto tempo? — Pergunto, tentando mudar
de assunto.
— Desde o jardim de infância. — diz Brennan.
Drew inclina a cabeça.
— Mesma coisa, eu acho.
— Uh, basicamente desde o nascimento. — diz Aaron. — Nossos pais se
mudaram para o parque ao mesmo tempo.
— Desde a terceira série. — diz Anika.
— E ela realmente nunca demonstrou nenhum interesse por uma garota
antes?
Aaron dá de ombros.
— Não que eu saiba. Mas por outro lado, ela também não namora caras
de verdade.
— Sim, ela só fica com eles. — Anika faz uma careta. — Muito.
— Você quer parar? — pergunta Aaron. — Por favor?
— Desculpa. — ela diz, parecendo devidamente repreendida. — Você
está certo. Estou sendo babaca. Só fiquei irritada pela Morgan.
— Esse deveria ser meu recomeço. — eu suspiro, deixando cair a cabeça
nas mãos. — E ao invés disso é exatamente a mesma coisa de novo. Se
apaixonando por mais uma garota que não sabe o que quer. Bom trabalho,
Morgan.
— Espera, se apaixonando por ela? Tipo se apaixonando, se
apaixonando mesmo por ela? — pergunta Brennan, suas sobrancelhas se
unindo.
Eu espreito por cima das minhas mãos.
— Por que essa é a minha vida?
— Porque você é super linda. — Drew diz com um sorrisinho quando eu
olho para ele. — Ah, pobre Morgan. Todas as garotas querem te beijar,
mesmo as que achávamos ser heterossexuais. Você provavelmente vai
encontrar Anika na sua varanda depois, batendo na sua porta.
Anika lhe dá um soco no braço e, então, todos começam a rir. Até eu,
por um segundo, antes do pavor de Como vai ser ver ela na escola
segunda-feira? voltar. Pelo menos o projeto acabou, então eu posso voltar
para meu lugar do lado de Allie e Lydia. Mas agora que os lábios dela
es veram nos meus...
— Terra para Morgan! — diz Anika, a rando uma batata em mim.
— Desculpa. — eu finjo um sorriso. — Acho que vou correr, na verdade.
— A ro algum dinheiro na mesa e deslizo para fora da cadeira. Grata por
meu traje diário consis r em equipamento de corrida e pouco mais.
— Mas ainda tem comida! — diz Drew.
— Preciso rar isso do meu sistema, sabe? Vou me sen r melhor depois.
— Você tem certeza? — pergunta Aaron. — Não te irritei com minhas
bombas de realidade, né? Sei que às vezes elas não caem bem.
— Não, a gente tá de boa. Você tem um bom ponto. Eu só ainda não sei
como lidar com isso. — Ele me dá uma cotovelada e um sorriso
tranquilizador.
— Com sorte, você vai entender isso na sua corrida.
— É. — Também espero que sim.
•••
Meus pés batem no pavimento, seu ritmo constante contra o asfalto tão
familiar quanto meu próprio ba mento cardíaco. Começo devagar,
aquecendo meu quadril até que as endorfinas espremam a dor, então
corro com mais força e rapidez pela cidade, tentando esquecer o
formigamento de seus lábios nos meus, e como me deixei os sen r, só por
um segundo, antes de empurrá-la para longe.
Corro até as lojas se tornarem casas, que se tornam árvores e entro na
floresta, cortando pelo que parece ser uma trilha. Não sei dizer se foi feita
por um veado ou por um corredor ou talvez, esperançosamente, por
ambos.
Eu me desempenho melhor na pista — muitos de nós o fazemos — mas
tem algo sobre correr através das árvores, galhos passando, esquilos
pulando e cobras se afastando do meu caminho. Nada mais importa além
dos meus pés, meu corpo e a sujeira que me segura. Enquanto me lanço e
empurro, meu ritmo se acelerando até que finalmente o mundo se
desvanece, um borrão de nada além de adrenalina, endorfinas, e paz. Eu
me mantenho ali, todos os pensamentos expulsos, apenas um corpo em
movimento, nadando nos agentes químicos do meu cérebro.
Mas então meu pé esquerdo prende em uma raiz, o que me manda para
o chão. Meus fones de ouvido voam enquanto tento evitar minha queda
para salvar meu tornozelo, esmagando minha bochecha em uma pedra
quando paro em uma grande pilha de folhas.
— Ai.— Eu resmungo, sentando lentamente para avaliar os danos.
Minha cabeça dói e tenho quase certeza que minha bochecha está
sangrando, mas estou mais preocupada com meu tornozelo. Deslizo meu
pé para cima e o toco com cuidado. Vai ficar machucado, defini vamente,
mas nada parece estar quebrado. Uma leve distensão, na pior das
hipóteses. Eu me ajoelho no chão, sorrindo. Já corri com muito pior. Foi
por isso que o universo inventou fita, bandagem, gelo e ibuprofeno.
Finalmente, algo que eu realmente sei como lidar.
Já está quase escuro quando termino de mancar o caminho inteiro de
casa, meu tornozelo gritando enquanto o sangue seca no meu rosto.
Encontro um bilhete de Dylan dizendo que ele foi a um show em um bar
chamado Doninha Gritante na cidade vizinha, e que deixou dinheiro para
pizza no lugar de sempre.
O lugar de sempre é debaixo do pão em cima do fogão, porque "pão
esconde a massa"12, aparentemente. Mas o mo vo dele achar que precisa
deixar notas enigmá cas e esconder dinheiro, eu não sei dizer. Se um
assaltante entrasse, provavelmente seriam muito mais propensos a roubar
a TV gigante e seus sistemas de jogos, do que tentar descobrir as pistas
para caçar vinte dólares.
Eu abro o congelador e paro, minhas mãos parando no saco de ervilhas
congeladas.
Não. Não vou entrar nessa.
Eu as ro do caminho e pego meu saco de gelo favorito, antes de ir para
o banheiro. Preciso de um banho rápido, an -sép co para minha bochecha
e dormir.
Amanhã será melhor. Tem que ser.
25
Ruby
Estou bêbada de novo. Não queria ficar bêbada. Especialmente por duas
noites seguidas. Mas estou. Muito bêbada. Mais que bêbada.
Completamente bêbada. Perversamente bêbada.
— Você sabe que está falando isso em voz alta, né? — Everly diz, me
cutucando com o pé. Passamos as úl mas horas rando fotos para o nosso
por ólio do projeto sênior, que ela vai chamar de Olhar Apaixonado. Ela
está rando fotos das pessoas quando não estão prestando atenção,
especificamente quando estão olhando para alguém que ela acha que se
importam com. Aparentemente, não é invasão de privacidade, contanto
que ela o faça em público. Ó mo. Ela tem, principalmente, uma boa
mistura de pais olhando para seus filhos, pessoas olhando para quem estão
namorando ou são casadas... E eu. A porra de olhar apaixonado por dias
para Morgan Ma hews. Não que Everly saiba disso.
Ela está enrolada atrás do seu namorado não-oficial, Marcus, o queixo
apoiado em seu ombro, enquanto ele joga Xbox com headsets e
ocasionalmente toma um gole de uísque. Vivendo a retrospec va de um
sonho hétero, acho, enquanto estou sentada aqui, sozinha e bêbada.
Bêbada. Embebida. Alcoolizada. Embriagada.
Deito de costas e encaro o céu. O teto. Como queira chamar. Eu não sei.
Apenas olho para cima e tento pensar em outras coisas. Porque, de alguma
forma, por volta da segunda hora, Everly me convenceu a deixá-la colocar
minha foto em seu mostruário. Ela ainda acha que eu estava olhando para
o Tyler. Eu riria, se não es vesse com muita vontade de chorar.
Então, aqui estou eu. No chão dela. Tentando esquecer os lábios macios
da Morgan, e sua cara de brava. E o fato de exis rem evidências
fotográficas de como ela me faz sen r.
— Espera, os lábios de quem? — Everly pergunta.
Merda, eu ainda estou falando em voz alta? Estendo minha mão,
pegando a garrafa que descansa no quadril de Marcus, bebendo um pouco
mais, desejando que o álcool queime os úl mos pensamentos do meu
crânio.
— Morgan quem? Morgan Ma hews? — Everly pergunta, sentando-se
mais ereta, empurrando Marcus.
— Poxa, amor. — ele diz. — Você me fez errar o ro. — Mas sorri
quando ela beija sua têmpora antes de rastejar e se postar ao meu lado.
Viro a cabeça para longe, mas ela a trouxe de volta.
— Morgan Ma hews? Sério? Essa é quem te fez aparecer na minha
varanda com duas garrafas de uísque? Achei que fosse o Tyler! Ruby,
Morgan é uma garota.
Tomo outro gole. — E eu não sei disso, porra? — digo, rolando para
longe dela, porque não vou ficar emo va por isso. Não posso.
— Ai, meu Deus... — ela diz, suavemente. — Essa foto... — Everly tenta
me puxar para perto de novo, mas me recuso, empurrando meu ombro
para longe e cambaleando. — Você estava olhando para ela?
— Não, isso... Esquece. — resmungo.
— Ruby, tá tranquilo. Só estou surpresa. Não...
— Tenho que dar o fora. — digo, pegando a segunda garrafa de bebida
ainda fechada e minhas chaves de cima da mesa.
— Uh, não. — ela diz, arrebatando as chaves da minha mão. — Você
defini vamente não vai dirigir para lugar nenhum.
— Eu tô bem. — Alcanço as chaves outra vez, mas ela as empurra para o
bolso.
— Para. Você não está pensando direito13 agora.
Rio, e como ela me olha confusa, acrescento: — O trocadilho foi de
propósito?
— Ai meu Deus. — ela bufa, mas não ouço o resto. Subo as escadas e
saio pela porta da frente de seu rancho de dois andares. Infelizmente, ela
está logo atrás de mim.
— Ruby, para. — Ela se lança para frente e me intercepta, espelhando-
me quando tento evitá-la. Droga de reflexos sóbrios. Everly não bebe. Isso
costumava me irritar pra caralho até ela me contar que ambos os seus pais
estão em reabilitação. Ela tem medo de começar e nunca mais parar. Que
responsável, penso, desenroscando a tampa da garrafa.
— O que você quer de mim, Ev?
— Eu sou sua melhor amiga há sete anos. Não acha que está na hora de
me deixar entrar?
— Você está dentro. — grito, erguendo as mãos e então as batendo dos
lados do meu corpo. — Você sabe tudo o que tem pra saber da merda da
minha vida. O que mais você quer?
— Ah, não sei. Vamos dizer, hipote camente, que você tem uma
quedinha pela garota nova. Seria legal se a gente pudesse falar sobre isso.
Sabe, como melhores amigas? Em vez de você vir e ficar toda angus ada e
com essa cara de bunda no meu porão. Se está com medo de eu ficar
estranha ou coisa assim, não vou.
— Eu não tenho uma queda por ela. — digo, o que, tecnicamente, não é
men ra. Ela é mais que uma quedinha, é uma maldita... Eu não sei. Uma
arruinadora de vidas barulhenta, que rouba cadeiras e atropela carros.
Tomo outro gole.
— Tudo bem. — Everly diz. — Mas se você vesse ou ver no futuro,
estou aqui.
— Tá tudo bem. Eu estou bem. Não preciso que você esteja aqui ou sei
lá. Você e o Tyler e todo mundo pode pegar essa pena e preocupação e
y p p g p p p ç
jogar direto no lixo, porque eu não preciso disso! — Pontuo cada palavra
com uma inclinação da garrafa. — Você está me ouvindo? Eu não preciso
de nada disso!
Everly se aproxima e me envolve com os braços, tão apertado que perco
o equilíbrio. Eu não vou chorar. Eu. Não. Vou. Chorar.
— Shh, tá tudo bem. — ela diz.
Enterro minha cabeça em seu ombro enquanto Marcus abre a porta da
frente. As luzes do interior da casa se derramam na calçada, nos engolindo
inteiras. — Você está bem? — ele pergunta.
Recuo para as sombras e limpo meus olhos. — Vou ficar. — digo
baixinho. — Mas obrigada.
— Vem pra dentro. — Everly diz.
Balanço a cabeça, mas estendo a garrafa de uísque para ela. — Leva isso,
e me deixe ir. Vou a pé.
— Deixa eu dirigir pra você até sua casa, pelo menos. São, po, três
quilômetros.
— A gente se fala amanhã ou algo assim, ok? Eu só quero caminhar.
Ela pareceu insegura, mas não se mexeu para me impedir. E eu me
pergunto, é essa a sensação de sair do armário? É sempre assim, ruim,
bêbado e confuso? Ainda conta se você tentar voltar atrás?
Mal chego ao fim da rua de Everly quando começo a ficar com raiva.
Com raiva de Morgan que me faz sen r essas coisas. Com raiva dela me
fazer ques onar coisas que eu pensava saber com cada osso. Coisas como
só tenho quedinhas por garotas famosas que nunca vou conhecer e nunca
quero ser a namorada de alguém. Nunca. Dane-se ela por mexer com isso
e depois fechar a porta na minha cara. Ela. Fechou. A. Porta.
Eu não preciso dela. Não preciso dessa merda. Essa maldita...
Tem outras pessoas gostosas no mundo, é isso. E se vou acabar no chão,
bêbada, confessando que gosto de garotas, então vou acabar com alguém
que jus fique isso. E Morgan Ma hews não jus fica. Eu mereço, po, a
Kristen Stewart, ou a Tessa Thompson, ou, po, qualquer garota do elenco
de Riverdale. É tudo ou nada, certo? Isso é tudo, não a Morgan. Morgan é
pequena. Um pon nho. Um espinho minúsculo no meu lado que con nua
cavando e cavando e... Eu deveria dizer isso a ela. Agora mesmo. Apenas ir
direto até ela e dizer: ah, você não quer me beijar? Bem, adivinhe só. Eu
também não quero te beijar nunca mais.
Uma parte bem pequenininha do meu cérebro grita que essa é uma má
ideia, mas eu viro à direita de qualquer maneira e sigo meu caminho para a
varanda de Morgan. Porque tem uma parte muito maior do meu cérebro
que quer que ela saiba que para mim já chega. Que eu tentei. Que ela é
uma bagunça da qual eu não quero par cipar, e não o contrário.
Eu bato. E como ela não veio à porta, bato de novo, mais forte. E então
aperto a campainha até a porta ser aberta por uma Morgan muito
sonolenta dizendo: — Jesus, Dylan, você esqueceu as chaves ou... — Ela
fica sem palavras quando me vê.
Ergo-me um pouco mais. — Oi.
— O que está fazendo aqui?
Coço o pescoço, considerando a vozinha na minha cabeça que, sim,
aparecer bêbada na porta da Morgan, no meio da noite, foi mesmo um
plano terrível. Mas fazer o quê?
— Ruby? — Morgan cruza os braços. Ela está com uma camiseta
anunciando um convite de corrida e o menor short de dormir que eu já vi.
Dá para ver que ela não está usando su ã, e eu sei que absolutamente não
deveria estar notando isso, então olho para longe rápido antes de encarar
por muito tempo.
Tento dizer a ela que não quero beijá-la. Que ela não é a KStew. Mas
tudo se confunde, e o que sai é: — Eu quero beijar a KStew.
Ela franze a testa. — Tá booooom? Legal?
Respiro fundo e deixo a cabeça cair. — Não. Bem, sim, mas não. O que
eu quero dizer é que está tudo bem se você bateu a porta na minha cara.
Porque tem outras dez mil pessoas gostosas no mundo, e você é só um
pon nho, ou... ou... uma lombada, sabe, por causa de todo...
Ela ergue uma sobrancelha. — O negócio de me atropelar com seu
carro?
— Exatamente. Você lembrou! — Um sorriso bobo se espalha pelo meu
rosto. — Enfim, estou oficialmente melhorando meu padrão. Então, é.
Você — cutuco seu peito — está fora.
— Ok, obrigada por avisar. — Ela começa a fechar a porta.
— De nada, pon nho. — respondo, conforme me viro para descer os
degraus. Mas calculo mal a distância e acabo derrapando os três de bunda.
Tento me levantar, arranhando o braço no processo, que é quando
Morgan aparece ao meu lado, descalça no cascalho afiado, e não, não, não,
ela não deveria estar aqui por minha causa. Ela deveria estar lá dentro, em
seu minúsculo shorts de dormir, dormindo.
— Quieta. Você está muito bêbada. — ela diz. Não é uma pergunta, e
sim, uma declaração. Ela passa o braço ao meu redor e me levanta.
— E daí? — resmungo, e tento dar de ombros.
Morgan firma o aperto, me conduzindo para dentro de seu
apartamento. Há um pequeno arranhão em sua bochecha que não estava
lá antes, e eu estendo minha mão, roçando suavemente, até que ela sem
cerimônia me deixa cair no sofá e sai.
Não estou certa do que deveria fazer, então me sento, bem onde ela me
deixou, torcendo para que nós duas não estejamos nos odiando pela
manhã se eu me comportar. Eu me arrependo de ter deixado a garrafa.
Não que eu esteja perto de ficar sóbria, queria é estar mais bêbada. Muito
bêbada. Bêbada a nível de não vou me lembrar de nada amanhã.
Ela retorna um segundo, um minuto, uma hora mais tarde — o que é o
tempo quando você está bêbada de uísque no sofá da sua paixonite? —
com uma toalha de rosto e um kit de primeiros socorros. Ela enxuga o
arranhão no meu braço e enfia um Band-Aid na minha mão com um: —
Aqui.
— Valeu. — digo, engasgando com um sorriso. Porque eu
defini vamente não deveria achar a Morgan bancando a enfermeira,
gostosa.
— Mais alguma coisa? Ou terminamos? — ela pergunta, pondo distância
entre nós.
Abaixo a cabeça. — Acho que não.
Ela suspira e segue pelo corredor, desaparecendo em um dos quartos.
Não estou certa se devo ficar ou ir. Provavelmente ir, né?
Estou quase na porta da frente quando ela volta.
— O que está fazendo?
— Indo embora. — digo, me virando para vê-la segurando um
travesseiro e cobertores.
— Não desse jeito. — Ela joga as coisas no sofá. — Por favor, me fala que
você não dirigiu pra cá.
— Everly tomou minhas chaves.
— Everly deveria ter tomado tudo de você e te colocado na cama. — Ela
estende o cobertor e afofa o travesseiro.
— Ela tentou, mas eu sou teimosa.
— Percebi.
— Você não tem que fazer isso.
Ele coloca uma mão no quadril.
— Não vou deixar você andar sozinha para casa, e meu irmão foi a um
show de carro. É isso ou eu me visto e te levo de bicicleta para casa, e eu
realmente, realmente não estou com vontade de fazer isso, ok? Você pode,
por favor, só deitar e dormir, e aí eu posso voltar para a cama? Estou
implorando.
— Ok. — digo em um meio sussurro, enquanto vou até o sofá. —
Desculpa ter te acordado. — Procuro os olhos dela quando digo isso,
esperando que ela veja o quão séria estou. Deve ver algo, porque seu rosto
suaviza, só um pouco.
Acho que ouço um sussurro de boa noite enquanto a porta de seu
quarto fecha com um clique.
26
Morgan
Primeiro, penso que estou em meu an go quarto, na minha casa de
verdade, com meu gigantesco cão amarelo, Dusty, esparramado sobre
mim. Ele sempre entrava de fininho quando minha mãe se esquecia de
fechar a porta depois de espiar antes do trabalho.
Mas então ouço Dylan gritar: — Estou saindo —, como ele sempre faz
antes de sair, e tudo volta de uma vez: onde estou, o que aconteceu noite
passada. Um peso se mexe contra mim com um pequeno zumbido, um
braço serpenteando ao longo da minha lateral. Não é o Dusty,
defini vamente.
Abro os olhos e encontro Ruby enroscada ao meu redor. Estou presa
debaixo dos cobertores com ela em cima deles. Observo sua forma ainda
adormecida, dividida entre estar furiosa por ela estar na minha cama e
maravilhada com o quão pacífica parece agora, com o rosto relaxado e o
cabelo espalhado em volta.
Mas não posso deixar isso acontecer.
Respiro fundo e me inclino para ela com uma espécie de gesto meio
puxão, meio empurrão que bate apenas o suficiente para acordá-la. Noto o
momento em que ela realmente registra o que está acontecendo, a
confusão sonolenta dando lugar a um grande arregalar de olhos. Seu corpo
inteiro fica tenso conforme ela se embaralha para trás até a ponta da
minha cama.
Eu me empurro com os cotovelos. É… — digo, olhando para baixo em
direção a ela.
— Desculpa.
— Por vir aqui noite passada me dizer que não precisa de mim, ou por
acabar na minha cama depois de eu te colocar no sofá?
— Ambos? — Ela passa a mão no rosto. — Eu entrei em pânico quando
ouvi seu irmão chegar de carro ontem à noite. Eu planejava dormir no
chão, juro. Não sei o que aconteceu.
— Por que você entrou em pânico?
— Não queria que você vesse problemas por eu estar aqui. — diz,
envolvendo um braço em volta do ombro.
Inclino a cabeça. — Eu mandei mensagem de texto para avisá-lo. Estava
tudo totalmente bem.
— Ah. — ela diz, e nós duas caímos em um silêncio desconfortável.
— Vou entrar no banho. — digo quando fica claro que ela não tem mais
nada a acrescentar. — Você ainda vai estar aqui quando eu sair?
— Provavelmente não.
Concordo com a cabeça. Não é como se eu esperasse outra resposta.
Levo meu tempo no chuveiro, tentando muito não pensar no fato de
que, nas úl mas trinta e seis horas ou quase, a garota que eu gosto beijou
outra pessoa, me beijou, apareceu bêbada na minha porta para me dizer
que há outras garotas gostosas no mundo — que é a parte a que realmente
estou tentando não me apegar, porque para ela dizer "outras" significa que
ela pode realmente estar me incluindo na categoria "garotas gostosas" — e
então dormiu a noite inteira na minha cama, no qual meu sono é pesado
demais para apreciar.
A água fria me força a sair do banho antes de eu estar pronta para
encarar a verdade: Ruby já terá ido embora quando eu voltar ao meu
quarto e a úl ma noite será apenas uma lembrança para jogar em cima da
pilha de sinais confusos das meninas que eu gosto.
Eu me envolvo em uma toalha e vou para meu quarto, hesitando antes
de entrar. Tudo bem se ela já ver ido, lembro a mim mesma... exceto que
Ruby ainda não foi embora.
— Você ainda está aqui. — digo, apertando mais a toalha enquanto
escorre água do meu cabelo para as laterais do meu rosto.
Ela engole em seco, os olhos se arregalando antes de ela os desviar. —
Vou deixar você se ves r. — ela resmunga. — Posso usar seu banheiro?
— Claro? — digo, ainda meio chocada.
Eu me visto o mais rápido que já fiz em toda a vida e então saio voando
para arrumar tudo antes que ela volte. Como se eu não a vesse deixado
sozinha por quinze minutos na bagunça do meu quarto. Estou sentada na
cama, tentando parecer indiferente, quando ela abre a porta, o cabelo em
um coque bagunçado no topo da cabeça.
— Eu, uh, usei um pouco de pasta de dente também. — ela diz
midamente.
— Tudo bem. — digo, como uma idiota de grau absoluto.
Um pequeno sorriso rasteja pelo rosto dela. Ela começa a se aproximar,
mas então parece pensar melhor, cruzando os braços atrás de si e
encostando na parede perto da minha porta.
— Bom dia. — ela diz.
— Você não foi embora.
— Queria que eu fosse?
— Não sei. Quero dizer, com certeza você e a KStew serão muito felizes
juntas, então.
Ruby abaixa a cabeça, mordendo o lábio por um segundo.
— Sinto muito por tudo isso. — Quando não digo nada, ela me olha, os
olhos selvagens. — Você constantemente me faz sen r... — Ela balança a
cabeça nega vamente. — Morgan, às vezes você é a pessoa mais
frustrante que já conheci.
— Uau, obrigada. — Franzo a testa.
— Só estou sendo honesta. — Ela dá de ombros. — O que houve com a
sua bochecha?
— Eu caí.
— Quando? Onde?
— Ontem, no bosque.
— Pensei que você só corria em trilha quando estava realmente
chateada? — Ela bufa um pequeno som assustado. — Espera, você foi
correr no bosque por minha causa?
Eu cruzo os braços e desvio o olhar.
— Morgan...
— O que quer que eu diga? Que eu gosto de você? Você já sabe disso.
Que doeu quando me fez sen r como se eu fosse uma espécie de
experimento? Bem, você ganhou. Doeu. Mais alguma coisa?
— Não, não é isso...
— No entanto, nada disso importa. Não muda nada entre nós.
— Pra mim importa. — Ruby diz, empurrando a parede.
— Por quê?
— Porque isso não acontece comigo!
— O quê? Beijar garotas?
— Não, relacionamentos! — Ruby pra camente grita. — Eu não tenho
relacionamentos. Ponto final. Com ninguém. Mas você me deixou tão
confusa. Eu não... O que eu devo fazer?
— Nada. — estalo, ficando de pé para, não sei, chutá-la para fora de
novo ou algo assim. — Meus dias como experimento de alguém estão
muito, muito acabados.
— Eu não estou experimentando. Eu realmente gosto de você, ok,
porra? — Ruby grita, dando um passo em minha direção. — Por que você
não entende isso?
Reviro os olhos.
— Talvez porque você apareceu na minha casa bêbada noite passada,
chorando e dizendo o quanto você não gosta.
— Eu não estava chorando.
— Bem, você esteve. — digo, apenas para rebater.
Ela balança a cabeça nega vamente.
— Tanto faz. Eu disse que sinto muito.
— Sen r muito não jus fica ter acontecido, em primeiro lugar!
Ruby entrelaça os dedos na testa, nunca quebrando o contato visual.
— Eu tentei te beijar, mas você fechou a porta na minha cara.
— Porque eu não vou jogar os seus jogos! — eu grito. — Você não pode
simplesmente me querer quando está bêbada.
— Eu não estava bêbada ontem à tarde!
E eu não tenho uma resposta para isso. Mas sei: nós não vamos
funcionar. Não estamos em sincronia.
— Não posso fazer isso com você, Ruby.
Sua expressão cai, toda a raiva escoando.
— Por que não?
E a sinceridade dessa pergunta me ra o ar. Tudo o que sei e sinto sobre
esse tornado absoluto em forma de pessoa em pé no meu quarto agora
começa a girar em torno da minha cabeça junto com tudo que Aaron disse
ontem, pontuado por seus grandes olhos de cachorrinho e a triste
curvatura de seus ombros. E daí se ela é uma bagunça? Talvez todos nós
sejamos. Mas e se ela fosse minha bagunça e eu fosse a dela?
— Você gosta mesmo de mim? — pergunto, a voz tão pequena e
insegura, mal soando como minha.
— Eu não tenho permissão para gostar de você. — ela diz, mordendo o
lábio. — Mas eu realmente não me importo com isso agora.
— O que quer dizer com isso?
Ela dá outro passo em minha direção, tão perto que estamos quase cara
a cara.
— Significa que não me importo com nada, exceto o quanto eu quero te
beijar agora e que tudo esteja bem entre nós.
— Só agora? — pergunto quando ela se aproxima ainda mais, seu nariz
roçando minha bochecha.
— Temos que começar por algum lugar, não temos?
Ela faz uma pausa antes dos nossos lábios se tocarem, deixando-me ser
quem fecha a distância desta vez, quem faz a escolha. E eu faço.
É o nosso primeiro beijo, o primeiro que conta realmente,
verdadeiramente, e meus dedos do pé ondulam.
Ela cutuca meus lábios abertos, sua mão emaranhada em meu cabelo,
enquanto nos dissolvemos em uma confusão de sorrisos e dentes e
línguas. E foi como se mais nada exis sse além de onde nossos corpos se
encontram. Porque Ruby Thompson tem o melhor beijo, e este beijo é para
séculos, e eu quero que dure para sempre.
Ruby me conduz para trás até a cama, risinhos escapando de nós duas
quando caímos no colchão. Suas mãos e cabelos, lábios e unhas, estão em
todos os lugares ao mesmo tempo. Ela beija como se fosse morrer, como
se esse fosse o nosso úl mo momento na Terra. Ela empurra minha camisa
para cima e esfrega os lábios nas minhas laterais e estômago tão
desesperadamente, e então ela está de volta na minha frente, tão perto
que posso contar suas sardas antes que ela desapareça contra meu
pescoço, meu corpo inteiro tremendo enquanto sua mão serpenteia,
passando pela faixa do meu short, e então...
— Espera. — digo, a mão em seu pulso antes que ela vá mais longe. Ela
fica imóvel, olhando para mim com uma mistura de preocupação e luxúria
que rapidamente se transforma em medo e rejeição quando se afasta.
— Desculpa, desculpa. — ela diz, tentando sair da cama, mas eu a puxo
para perto até ela enterrar o rosto em meu pescoço e finalmente respirar.
— Eu não deveria.
— Está tudo bem. — digo, passando a mão para cima e para baixo em
suas costas.
Ruby se ergue nos cotovelos.
— Não estava bom?
Franzo a testa com o medo em seu rosto e toco sua bochecha. — Não,
estava ó mo. Você é ó ma. Só não estou pronta para isso ainda. Você
está?
— Sim. — ela insiste, parecendo que tem algo a provar quando se
inclina para outro beijo.
— Ruby… — digo, prendendo um pouco de seu cabelo atrás da orelha
com um sorriso suave. — Sei o que você está fazendo.
— Estou ficando com a pessoa que eu gosto. — ela diz, e mostra a
língua.
— Eu não quero assim.— digo, e ela me olha confusa. — Não quero que
você esconda seus sen mentos com sexo.
— Não estou. — ela diz, me distraindo com outro beijo atrás da minha
orelha.
— Então o quê? — pergunto quando recobro os sen dos.
Ela olha para baixo, onde seus dedos estão traçando símbolos infinitos
preguiçosamente em meu braço e respira fundo. — Quero te mostrar o
quanto gosto de você. — Então ergue o olhar para mim, os olhos um pouco
vidrados, os lábios um pouco vacilante. Abro a boca para dizer algo, mas
ela apenas balança a cabeça, deixando escapar uma risada
autodeprecia va, conforme se empurra para fora da cama.
— Ruby, não temos que fazer sexo pra eu saber...
Ela se vira, dando de ombros enquanto ergue as mãos e as deixa cair. —
O que você espera? Porque essa sou eu. Eu par cipo de concursos,
conserto carros, e eu... Se você procura por outra Ruby, mais profunda ou
coisa assim, ela não existe. Então eu não sei, Morgan. Isso é simplesmente
inú l?
— Ruby. — digo mais severamente.
Ela se volta para mim, parecendo totalmente perdida.
— Sim?
— Eu estou interessada.
— Em quê?
— Nos carros, nos concursos, no... resto. — digo. — Estou muito
interessada.
— Mas...
— Mas eu quero saber mais além do fato de você gostar de carros e ter
sido vice-campeã como Miss Tulip ou o que for antes de irmos mais longe
que, po... beijar. Quero saber o que essas coisas significam para você. Não
é que eu não esteja interessada; eu não estou pronta. Eu quero ir devagar,
e eu realmente, realmente espero que você entenda.
Ela hesita antes de responder, como se es vesse realmente pensando
sobre isso, e então acena em concordância.
— Está certo, Ma hews. Nós podemos tentar. Mas eu vou querer mais
dicas do que você está procurando, ok?
Eu sorrio. — Não tenho outro lugar para estar agora, você tem?
Ela balança a cabeça nega vamente.
— Me leve para um lugar então.
— Onde?
— Algum lugar que seja importante para você. — digo, e seu rosto
simplesmente se acende.
— Eu defini vamente posso fazer isso. — ela diz, se inclinando para
mais perto. — Mas posso ganhar outro beijo primeiro?
— Um. — digo, erguendo meu dedo com uma risada quando ela me
ataca na cama. — Um beijo.
— Um beijo. — Ela sorri. — Por agora.
27
Ruby
Eu esqueci que deixei meu carro na Everly até sair do apartamento de
Morgan. E com o tornozelo dolorido de Morgan — não importa que ela
esteja tentando esconder; percebi imediatamente quando ela saiu do
chuveiro — de jeito nenhum vou deixá-la andar todo o caminho até a casa
de Everly comigo. Em vez disso, a convenci de me deixar pegar sua bicicleta
e a sentei no sofá com um pacote de ervilhas congeladas — apesar de seus
protestos —, pedalei à todo vapor.
Everly não está em casa quando chego, mas uma mensagem de texto
curta diz que ela deixou minhas chaves debaixo do banco da frente do meu
carro. Escrevo de volta um breve obrigada junto com uma carinha de beijo,
antes de empurrar o celular para dentro do bolso e ir atrás das chaves.
Há outra coisa aqui embaixo, e quando pego, vejo que é a foto que
Everly rou de mim, a ngida pela luxúria nas arquibancadas. Deve ter
imprimido antes de sair. Há uma nota adesiva rosa-choque que diz:
Precisamos conversar. Te amo. E eu sei. Eu sei. Passo a mão no rosto e vou
para atrás do carro, depositando com segurança a foto no porta-malas.
Não quero que Morgan saiba que ela existe, que ela saiba quão afetada
es ve por ela desde o início. É mais seguro assim, penso enquanto fecho o
porta-malas.
Reclino o assento do passageiro e ajusto o pneu dianteiro da bicicleta de
Morgan antes de deslizá-la para dentro. Preciso respirar fundo algumas
vezes quando um pouco de lama toca meu lindo assento de couro, mas
Morgan vale a pena.
Quando chego ao apartamento dela, porém, pergunto se ela está ok em
esperar um pouco para que eu possa limpá-lo, usando um pouco do
limpador de interior de carro que mantenho escondido embaixo do banco
do passageiro — ok, muito limpador de interior de carro. Ela ri e diz sim
antes de voltar para dentro e desaparecer.
Quando tudo está dito e feito e eu finalmente entro, um pouco suada,
mas me sen ndo mil vezes melhor, Morgan está trazendo pratos para a
mesa, pizza e salada postas nela.
— Você não deveria ter feito tudo isso. — digo dividida entre me
maravilhar e entrar em pânico com a domes cidade absoluta de tudo isso.
— Não tem problema. — Ela pega alguns guardanapos do balcão e
desliza para um dos assentos à mesa. — Eu só esquentei um pouco de
pizza velha e abri um saco de alface.
— Eu sei, mas...
— Come. — Morgan diz. — Isso é mais uma precaução do que uma boa
ação.
Ergo minhas sobrancelhas.
— Eu fico muito, muito, muito irritada quando não como. E pulei o café
da manhã.
Eu rio.
— Acho que posso lidar com você um pouco irritada.
— Ah, não é um pouco. É como o DEFCON 114. Corra para se proteger,
terra arrasada, todos os nove. Você vai se encolher diante de uma Morgan
faminta.
— Bom saber. — digo, passando a salada para ela. — Então come. Eu
não deixei nenhum tempo na programação para me encolher.

•••

— Então, para onde exatamente estamos indo? — Morgan pergunta


minutos depois de estarmos na estrada.
— Você vai ver. — digo, tentando desesperadamente ignorar o barulho
constante de E se essa for uma ideia terrível? espiralando na minha cabeça.
— Mal posso esperar. — Ela coloca sua mão sobre a minha enquanto eu
mudo de marcha, dando um pequeno aperto, e por um segundo meu
medo voa para fora da janela, desaparecendo no ar quente da primavera.
Estou sozinha neste carro com a pessoa que eu gosto. E ela também
gosta de mim. E por enquanto, isso basta. Eu flexiono minha mão, pegando
seus dedos entre os meus, e os lábios dela se curvam em um sorriso.
Cerca de dez minutos depois, estamos parando na frente da garagem de
Billy, o cheiro reconfortante de graxa e gasolina flutuando pelas minhas
janelas abertas. Olho para Morgan, que encara o prédio inquisi vamente.
— Vamos. — eu digo. — Quero que você conheça alguém.
Billy está curvado sobre a mesa, lutando com um grampeador
emperrado e soltando uma sequência impressionante de palavrões,
quando entramos em seu escritório.
— Aqui, deixa que eu faço. — digo, pegando dele e usando uma das
minhas longas unhas para arrancar a pilha de grampos de quando ele
obviamente con nuava apertando e esperando um resultado diferente.
— O que está fazendo aqui, criança? — ele pergunta. — Ele limpa as
mãos em um pano e se recosta na cadeira. — Achei que não te veria até...
— Para no meio da frase, finalmente percebendo Morgan pairando na
porta. Ela acena para ele enquanto eu coloco o grampeador agora
consertado em sua frente. — E quem é essa? — ele pergunta, parecendo
completamente diver do.
— Essa é a minha... — Hesito. Minha o quê, exatamente? “Amiga” não
parece certo, mas também não posso dizer “namorada” defini vamente.
Billy me olha, a curiosidade dançando em seu rosto. Morgan dá um
passo à frente com a mão estendida. — Eu sou a Morgan. — diz. — Lugar
legal.
— Sua amiga é uma men rosa, Ruby. — ele diz. —Uma men rosa
educada, mas ainda assim men rosa.
— Em defesa dela, ela nunca teve um carro. Ela provavelmente pensa
genuinamente que sua espelunca é como as garagens devem ser. — Eu
sorrio.
— Você precisa ensiná-la melhor, então. — Billy diz, estreitando um
olho. — Não posso mandá-la para o mundo pensando assim.
— Eu vou. — Eu rio. E este seria o momento perfeito para agarrar a mão
dela, para mostrar a Billy exatamente quem ela é para mim, mas não estou
pronta. Morgan enfia as dela nos bolsos, quase como se também soubesse
disso.
— O que posso fazer por vocês hoje, garotas? — Billy pergunta.
— Morgan queria ver por onde eu ando. Achei que ela podia te
conhecer e eu mostrá-la um pouco disso.
— Bem, é um prazer te conhecer, Morgan. E, Ruby, você sabe que não
precisa da minha permissão para sair bisbilhotando por aqui. — diz ele. —
Eu tenho umas cinquenta faturas pra grampear agora, então acredito que
pode lidar com a grande tour por conta própria?
— Sim. — eu digo, alívio me lavando.
Não sei se ele entende, se percebe que é o mais perto que cheguei de
levar alguém em casa para conhecer minha família, mas se entende,
parece estar a bordo — e até mesmo descobriu uma maneira de nos dar
privacidade para começar. Billy não recebeu cinquenta faturas este mês,
muito menos esta semana.
Entro na baia principal, fechando a porta do escritório para garan r. A
garagem está estranhamente silenciosa — nem mesmo o CD favorito de
Melhores Músicas do Johnny Cash de Billy está tocando, uma raridade para
este lugar. Levo Morgan ao canto mais afastado da garagem, longe dos
elevadores, onde tenho um pequeno espaço de trabalho.
— Esta é a minha área. — digo. Ela para no quadro de avisos que enchi
de fotos de modelos posando com carros. Todos eles têm mulheres.
Ela me olha, um sorriso no rosto. — Fotos legais.
— Eu só gosto muito dos carros? — digo com um estremecimento falso.
— Aham, sim, todas essas mulheres são carros muito, muito legais. —
ela diz, e então começa a rir tanto que bufa, e, ah meu Deus, eu a amo.
Quer dizer, não realmente, mas ainda assim.
Abro uma das gavetas depois de puxar as rédeas. — Aqui estão as
minhas ferramentas, e aqui estão algumas coisas que estou trabalhando.
Billy me deixa trabalhar nas coisas do meu carro. Ele tem um trabalho
paralelo, além da oficina. Traz esses carros péssimos do ferro velho, e
então eu trabalho neles com ele até que possam passar na inspeção e
serem vendidos. Foi assim que consertei meu carro, na verdade.
— Sem chance daquele carro ter vindo do ferro velho. — ela diz,
ges culando em direção ao estacionamento, onde meu bebê está
estacionado, com a pintura recente brilhando à luz do sol.
— Sim, ela veio. — Abro outra gaveta e re ro o que Billy chama de
"antes e depois" —, fotos que ramos quando trazemos um carro pela
primeira vez e, em seguida, no dia em que é vendido. Folheio a pilha até
encontrar a foto “antes” do meu carro, todo enferrujado e arruinado, e a
jogo na mesa na frente dela. Ela o pega e o segura à vista do meu bebê,
apertando os olhos enquanto olha para frente e para trás.
— Sem chance de ser o mesmo carro.
— É incrível o que dá para fazer com um moedor e muito tempo livre. —
digo enquanto caminhamos para olhar mais de perto.
— Não acredito em você.
— Olha. — digo apontando para um pequeno amassado na lateral do
para-lamas na foto e então no meu carro. — O mesmo amassado.
Ela franze as sobrancelhas. — Se você pôde consertar este balde de
ferrugem nesse carro incrível, por que não consertou o amassado? Você
consertou tudo.
— Eu quis deixar. — digo, um rubor nas bochechas.
— Por quê? — Ela está tão perto que seu dedo mindinho roça o meu.
— É idiota.
— Que bom que eu gosto de coisas idiotas, então.
Reviro os olhos com um suspiro bem-humorado. — Tudo bem, eu deixei
como um lembrete de seus tempos di ceis ou algo assim. Você pode
lustrá-los e pintá-los, mas ainda estão aqui. Ainda é uma parte nossa, e
está tudo bem, certo? Temos que conviver com isso, mas não é o fim do
mundo. — Mordo meu lábio. — Como eu disse, é idiota.
— Não. — ela diz, me olhando com tanta seriedade que dói. — Não é
mesmo. É... — Ela para.
— O quê?
— É só que você faz toda a coisa do concurso e depois tudo isso. Não
conheço muitas garotas que conseguiriam fazer os dois ao mesmo tempo.
Eu ficaria um pouco ofendida se ela não soasse tão sinceramente
admirada. — Bem, algumas garotas fazem.
— Sim. — ela diz, batendo o ombro contra o meu. — Acho que fazem.
E juro por Deus que poderia explodir se não a beijar neste segundo, mas
sei que não posso. Não em público, não em lugares que não são nossos,
que não são seguros. Não ainda. Eu a olho, e ela sorri. Espero que ela
entenda. Espero que ela possa sen r o quanto eu quero.
Mesmo que não possa.
28
Morgan
Não sei o que vai acontecer nessa segunda-feira.
Eu meio que espero que Ruby esteja esperando para nos levar de carro
para a escola quando saio do banho, e meio que espero que ela nunca
mais fale comigo de novo. Nenhum dos dois é muito preciso, ao que
parece — a verdade está em algum lugar no meio.
Ela sorri para mim nos corredores em vez de ficar carrancuda e até diz oi
quando passa por mim no caminho para a academia. Pego sua amiga,
Everly, me encarando mais de uma vez ao longo do dia. Ruby contou a ela
sobre nós? Há um nós? Mas quando sorrio para Everly e ela não reage,
decido que está tudo em minha cabeça.
E quando finalmente, finalmente está na hora de Ciências Polí cas,
estou pra camente explodindo de nervosismo e ansiedade. Vou poder
sentar ao lado dela, com uma desculpa totalmente discreta e socialmente
aceitável... ou poderia, se Allie e Lydia não vessem me agarrado assim
que entrei.
— Ah, eu ia... — digo ges culando para o outro lado da sala, mas suas
caras tristes exageradas me fazem sentar em meu an go lugar.
Ruby entra alguns minutos depois, e juro que ela parece um pouco
magoada, ou pelo menos tão decepcionada quanto eu, quando vê onde
estou sentada. Aponto para minhas amigas como se dissesse: fazer o que,
né? e espero que ela entenda. Pelo menos assim, estamos em frente uma
da outra, o que deve tornar mais fácil observá-la nas aulas sem ser pega. O
que é o que mais faço ao longo do período.
Há muitas coisas que nunca percebi sobre ela. Como o jeito que ela
mas ga a caneta, o que normalmente acho super irritante, mas de repente
acho meio ca vante. Ou a maneira como ela franze a testa quando está
fazendo anotações. Ou a maneira como ela morde o lábio e me olha por
entre os cílios toda vez que me pega olhando...
— Você está encarando. — Lydia sussurra em meu ouvido, me
assustando o suficiente para lançar minha caneta para o meio do chão.
Ruby dá um sorriso afetado e coloca a ponta da tampa da caneta entre os
dentes, uma sobrancelha levantada, ambos os olhos no papel à sua frente.
Eu abaixo minha cabeça tão rápido que a bato contra a mesa.
— Há algo de errado, srta. Ma hews? — Sra. Morrison pergunta.
— Não. — murmuro, esfregando a testa.
— Nesse caso, há algo que gostaria de dividir com a classe? — Nego com
a cabeça vigorosamente. Ruby ri, e Lydia me estende outra caneta com um
olhar confuso.
Pulo no segundo em que o sinal toca, perdida em algum lugar no meio
confuso entre estar excitada e mor ficada. Corro para a minha próxima
aula, escorregando para minha cadeira e levando um minuto para me
recompor antes que o resto da classe chegue aqui. Meu telefone vibra e eu
o puxo para fora. É de Ruby... Um emoji de sorriso malicioso e nada mais.
Eu deixo cair minha cabeça e sufoco um gemido antes de puxar meu
livro de pré-cálculo.
O resto do dia volta à normalidade, o que sou pelo menos
temporariamente grata. Além de um aceno de cabeça ocasional ou sorriso
no corredor, nada está visivelmente diferente.
É apenas quando estou no ves ário antes da corrida, ves ndo minha
blusa com gli er arco-íris ARMÁRIOS SÃO PARA ROUPAS, que começo a me
preocupar mais uma vez que este úl mo fim de semana foi apenas uma
vez. E se vermos virado amigas sorridentes na aula que se beijam de vez
em quando?
— Depressa. — lamenta Allie, batendo o pé perto da porta. — Não
quero chegar atrasada de novo e ficar presa fazendo flexões.
Abro a boca para dizer estou indo, mas então vejo algo — ou ela, na
verdade. Ruby, me espiando dos chuveiros no fundo do ves ário. Ninguém
os usa aqui. Nem sei se sequer funcionam. Ela encosta um dedo nos lábios
e então desaparece.
Olho para Allie. — Vá em frente. Eu ainda tenho que ajustar meus
sapatos.
— Ai meu Deus. — ela diz. — Você é um desastre.
Mostro a ela um sorriso exagerado quando ela desaparece pela porta.
Escuto por um segundo para ter certeza de que estamos sozinhas e então
vou na ponta dos pés em direção aos chuveiros. Eu me arrasto por trás da
borda da parede da cabine e pulo em volta dela, rosnando com minhas
mãos para cima... mas ela não está lá. — Ru...
Minha voz é cortada enquanto mãos serpenteiam em volta da minha
boca e cintura. Eu chuto e mordo e tento gritar, meus ins ntos expulsando
todo pensamento racional enquanto sou arrastada para o canto mais
escuro do ves ário.
As mãos se vão e Ruby solta um "Jesus" junto com uma pequena risada
dolorida. Eu me viro para vê-la dobrada.
— Ruby!
— Puta merda, você chuta forte. — ela bufa, as mãos nos joelhos.
— Você está bem? — Minhas mãos voam, mexendo em cada cen metro
dela até que ela se levanta, de alguma forma sorrindo. — No que estava
pensando?
— Você tentou me assustar primeiro! Só retornei o favor. Ou então
pensei que faria isso. Exceto que você deu uma de Ronda Rousey para cima
de mim.
— Desculpa, ai meu Deus, sinto muito. — eu digo. Ela me puxa para
mais perto e levanta meu queixo para que fiquemos cara a cara.
— Não sinta. — diz ela, e então se inclina para me beijar. E aí está,
aquele sen mento meio eufórico, meio aterrorizante do formigamento da
cabeça para baixo que tenho sempre que estou perto dessa garota. Nem
mesmo um dia chato na escola consegue fazê-lo desaparecer. — Estava
morrendo de vontade de fazer isso o dia todo.
— Idem. — digo, sorrindo porque Ruby Thompson está me beijando no
ves ário do ginásio e isso é absurdo e perfeito ao mesmo tempo.
Ela gen lmente toca o arranhão na minha bochecha, estudando meu
rosto atentamente. — Tem certeza que você está bem para correr?
— Sim, mãe. — eu rosno.
— Você estava mancando ontem.
— Sim, mas eu me lembro claramente de alguém me obrigando a
colocar os pés pra cima e colocar gelo depois de me deixar em casa. Então
agora está melhor.
Ruby me olha com suspeita. — Então por que está tudo coberto com
fita?
— Medida preven va.
Ela franze a testa, mas então se inclina para outro beijo rápido.
— E por que isso?
— Medida preven va. — Ela ri e sai andando.

•••

Depois da corrida, corro para casa para um banho rápido e um FaceTime


com meu pai — que decididamente não quer falar sobre o processo e
rapidamente coloca minha mãe na linha — e depois vou de bicicleta até o
centro. Tenho outra reunião com Danny mais tarde hoje, e realmente
espero que este seja o momento em que ele realmente se abre para mim.
Eu adorei conhecê-lo; só não tenho certeza se estou realmente o
ajudando.
— Tudo bem? — Izzie me pergunta quando eu entro. Ela está de pé na
sala comunal, mexendo nos móveis. Ela e Aaron estão trabalhando na
criação do espaço para as bolsas que estamos preparando com as doações
do Clube do Orgulho. Anika e eu colocamos as latas e penduramos os
pôsteres outro dia, mas já estamos recebendo algumas coisas legais. Mal
posso esperar para ver tudo aqui, onde pode realmente ajudar as pessoas.
— Sim. — digo finalmente, porque está. Eu acho. Majoritariamente.
Ela estuda meu rosto. — Sabe, Morgan, você sempre pode conversar
comigo se algo es ver te incomodando. Você tem feito um ó mo trabalho
como conselheira, mas isso não significa que não sejamos um recurso para
você também.
Eu suspiro. — Eu sou tão óbvia?
Izzie sorri. — Não, mas eu faço isso há tempo o suficiente para dizer
quando alguém tem algo em mente.
— É... — digo, sem saber por onde começar, exatamente. Eu olho para o
espaço vazio que ela acabou de criar e percebo o que está realmente
errado. — É só que eu não tenho certeza se estou fazendo o bastante.
— Morgan — ela diz —, você se tornou um recurso incrível para nosso
centro! Lamento se não deixei claro o quanto estamos felizes com você.
— Obrigada, isso significa muito. Mas não estou falando só daqui. —
Ergo o olhar para ela. — Aqui eu sinto que estou fazendo a diferença, mas
depois vou para casa e o processo está indo muito devagar. Às vezes,
parece que mudar para cá é o equivalente a fugir. Tipo, sim, minha
mudança de equipe está no ar e todas essas coisas são uma bagunça, mas
não consigo parar de pensar nas pessoas da minha an ga escola ou até
mesmo o Danny. O que estou realmente fazendo para mudar as coisas para
pessoas como eu? Eu não deveria estar lá fora, fazendo barulho, como os
jovens de Parkland ou Nupol Kiazolu ou Greta Thunberg ou algo assim?
— Eu consigo entender esse sen mento. — Izzie encosta o ombro em
uma das prateleiras e me dá outro sorriso suave. — Mas você está fazendo
muito: você está muito envolvida no Clube do Orgulho, é voluntária aqui,
está no meio de uma batalha jurídica, mesmo que não pareça no dia a dia,
e você é uma inspiração incrível. Você arriscou tudo para se posicionar e
está apenas começando. Não tenho dúvidas de que você fará coisas
grandes por nossa comunidade, mas eu preciso que você me faça um favor.
— Qualquer coisa. — eu digo.
— Não pense pouco do trabalho que você já está fazendo e das coisas
que você já realizou. Você não é a Greta, mas é a Morgan Ma hews, e isso
também significa algo. Prometo que vou ajudá-la a encontrar mais
oportunidades, mas a vismo não é algo que acontece de apenas uma
maneira ou em apenas um lugar. Sempre haverá mais batalhas, e se punir
por não ser capaz de fazer tudo de uma vez não faz bem a ninguém. Por
favor, dedique um tempo para honrar o que você já está fazendo, porque
isso também é importante.
A porta se abre atrás de nós, e Danny entra, acenando com a cabeça
como um irmão patenteado enquanto ra o chapéu.
— E tenho certeza de que Danny é o primeiro a concordar. — Izzie diz.
— Sobre o quê? — ele pergunta.
— Basicamente, que a Morgan é ó ma. — ela diz. — Diga a ela. Ela não
acredita em mim.
— Ai meu Deus. — Eu gemo, minhas bochechas esquentando. Isso é
quase um constrangimento materno. — Vocês não têm que me dizer isso.
Ele me lança um olhar confuso enquanto nos dirigimos para a sala de
aconselhamento.
— É verdade! — Izzie chama atrás de nós.
— Desculpa por isso. — digo enquanto fecho a porta atrás de nós.
— Tá tudo bem. Eu não sei se eu diria “incrível”... — Ele para de falar
quando eu caio na cadeira ao lado dele. — Mas posso concordar que você
não é um grande saco.
Eu rio. — Justo.
E isso parece uma vitória.
29
Ruby
Hoje, Morgan Ma hews terá um encontro adequado. Ela não sabe
ainda, mas eu sei, e estou pra camente subindo pelas paredes.
É quase o aniversário de uma semana de, bem, o que quer que seja que
temos, e eu quero marcar a ocasião. Há muito pelo que ser grata: foi uma
semana de beijos roubados em portas escondidas, de beijos em salas de
aula vazias e ves ários, de chamadas no Face me a noite toda, todas as
noites depois que Chuck adormecia, de mãos dadas sob as carteiras.
Também foi uma semana evitando as perguntas de Everly: "O que vocês
duas são exatamente?". Eu ainda não sei direito. Mas seja o que for e seja
o que venha, estamos uma semana mais perto disso.
O que significa que esta noite será um grande passo. Esta noite será um
encontro real, em um restaurante real. Vamos dar as mãos. Flertar. Beijar.
Fazer todas as coisas que outros casais fazem. Coisas que fazem meu
estômago revirar de maneiras boas e ruins, mas sei o quanto isso vai
significar para Morgan, então vale a pena.
Eu es ve contando os segundos o dia todo enquanto estava presa no
estúdio trabalhando para Charlene. Quando as aulas terminam e é hora da
minha aula par cular, estou muito distraída para realmente focar nas
perguntas prá cas da entrevista.
— Qual momento da sua vida você gostaria de reviver e por quê? —
Charlene pergunta.
Preciso de toda a minha força de vontade para não responder: quando
Morgan finalmente retribuiu meu beijo. Em vez disso, murmuro algo sobre
as obrigações anteriores do concurso, e ela franze a testa e me diz para
falar mais alto.
Por fim, ela fica com pena de mim e se oferece para verificar minhas
caminhadas e ro na de talentos. Sapateado não é tecnicamente sua
jurisdição — tenho uma instrutora totalmente diferente para isso —, mas
ela diz que quer ter certeza de que tudo "flua". Acho que nós duas
sabemos que sou inú l até queimar parte dessa energia instável.
Eu pra camente corro para o meu carro depois e mal consigo ligá-lo
antes de enviar uma mensagem de texto para Morgan. Eu a lembro que
vou pegá-la e digo a ela para usar algo casual, mas bonito. Ela brinca: acho
que isso significa nada de camisetas gráficas, então? E eu não sei o que
dizer, porque camisetas gráficas são totalmente boas para onde vamos. Eu
me preocupo com a possibilidade de manter suas expecta vas muito altas.
Estou debatendo sobre cancelar a coisa toda. Ao invés disso, corro para
casa para me ves r contra o estresse.
— Para onde você pensa que está indo? — minha mãe pergunta quando
estou com os cotovelos enfiados no armário procurando roupas que dizem
que estou tentando, mas não muito.
— Sair com amigos. — digo, escolhendo um top fofo e jeans tão
apertados que mal posso respirar. Espero que Morgan aprecie a maneira
como eles me exibem meus... atributos.
— Você tem um concurso amanhã. — minha mãe diz, encostando-se no
batente da porta. E Deus, eu odeio quando ela encontra algum concurso
estúpido de domingo para me inscrever. Quase sempre são os modelos de
shopping que nem valem o custo de entrar. Mamãe me observa,
esperando que eu diga algo nega vo, ousando, talvez. Ela está segurando
uma caneca de café, mas sinto o cheiro forte de álcool vindo dela.
— Jesus, mãe, você não tem que trabalhar? — Puxo a caneca da mão
dela, colocando-a na cômoda antes de voltar para minhas roupas.
— Que inferno, Ruby!
— Não deixe Chuck... — Eu paro, porque não importa. Chuck vai afundar
mamãe se ela permi r e, por alguma razão, ela está apaixonada demais
para fazer qualquer coisa a respeito.
— Cuide da sua vida. — ela estala.
— É meio di cil cuidar da minha vida quando seus problemas estão
morando na nossa casa, te embebedando antes do seu turno.
— Olha a boca. — E há fogo suficiente nos olhos da mamãe para me
dizer para deixar isso quieto.
— Desculpa. — eu digo, suavizando meu tom. — Só estou preocupada.
Parte da dureza escapa de seu rosto enquanto ela dá um tapinha no
meu braço. — Você não tem que se preocupar comigo, querida. Só se
concentre em nos conseguir a vitória amanhã. — Ela sorri quando diz isso,
como se fosse uma conversa es mulante e não uma coleira em volta do
meu pescoço.
— Eu vou. — digo. — Mas agora tenho que ir.
— Espere. — Ela me para quando eu ando, minha roupa de encontro
enrolada nos braços.
— O quê?
— Diga para aquele garoto que sem chupões dessa vez.

•••

Estou sentada do lado de fora do apartamento de Morgan, tentando não


surtar, vinte minutos antes da hora em que disse que estaria aqui.
Encontrei um posto de gasolina no meio do caminho entre a casa dela e
a minha e terminei de me arrumar lá, sob as luzes sombrias do banheiro
velho. O cheiro de limpador de banheiro barato e purificador de ar químico
ainda se apega à minha pele. Vale a pena, porém, sair de casa sem ter que
responder a mais perguntas.
Então parei no supermercado e comprei uma flor para Morgan — um
único cravo roxo — para matar o tempo. Eu teria dirigido por mais tempo,
mas estava preocupada em não gastar muita gasolina. Tentei calcular se
poderia colocar mais dinheiro e ainda cobrir o jantar, mas parecia mais
seguro estacionar aqui e esperar.
Mas a cor na con nua se movendo na sala de estar de Morgan, e tenho
quase certeza de que alguém fica checando para ter certeza de que ainda
estou aqui.
Eu debato esperando ela sair. Tenho certeza que ela virá quando es ver
pronta. Mas não quero ser o po de pessoa que espera no carro ou, pior,
buzina. Quero ser... respeitável, na medida do possível. Porque eu nunca fiz
isso antes, mas aposto que ela já. E aposto que foi elegante e com alguém
que podia pagar mais do que um cravo idiota de supermercado.
A cor na se move novamente, forçando minha mão. Abro a porta do
carro com um suspiro relutante e me arrasto escada acima para o
apartamento dela cedo demais. A porta se abre antes mesmo que eu possa
bater, e Dylan está lá, esperando.
— Uh, oi. — digo, desajeitadamente abaixando os braços e indo para a
sala de estar. Percebi tarde demais que deveria esperar para ser convidada,
mas tudo bem. Aqui estamos.
— Você deve ser a Ruby. — Ele fecha a porta. — Eu sou o Dylan. Sente-
se. — Fico de pé até que ele cruze os braços e arqueie uma sobrancelha
grande e peluda para mim, e então minha bunda a nge o sofá
rapidamente. — Obrigado. Ouvi dizer que você quer levar minha irmãzinha
para um encontro.
Balanço a cabeça nega vamente por ins nto, porque não sei o que é
seguro compar lhar ou o que ele sabe.
Dylan inclina a cabeça. — Você não quer levá-la em um encontro?
Porque ela está no quarto se arrumando com a impressão de que este é,
de fato, um encontro. Se não for...
— Não disse que não é um encontro. — interrompi, preocupada que ela
pudesse ouvir.
Ele estufa o peito. — Você balançou a cabeça nega vamente quando
perguntei se ia levá-la em um encontro.
Eu estremeço. — Eu não quis dizer não não. Eu quis dizer não... Eu não...
não quero levar sua irmã a um encontro.
— Você negou com a cabeça porque não não quer levá-la em um
encontro? — Dylan pergunta, e eu juro que ele está tentando conter um
sorriso quando esfrega a testa. — Vamos tentar de novo: você quer levar
minha irmã para um encontro?
Eu aceno lentamente, percebendo com alívio que não parece estranho
dizer isso — ou, pelo menos, insinuar com um aceno de cabeça — para
outra pessoa. É uma sensação boa — muito boa, na verdade. Boa demais
para ser relegado a apenas um aceno de cabeça.
— Sim, eu quero levá-la para um encontro. — digo, e então sugo os
lábios sobre os dentes porque dizer isso em voz alta parece maior do que
eu esperava.
— Bom. E quais são, exatamente, suas intenções com ela?
— Minhas o quê?
— Suas intenções. O que você espera receber disso?
— Hm. — Engulo em seco. — Comida?
Eu nunca fui interrogada assim antes. Mas, novamente, primeiro
encontro. Primeiro aniversário de quase uma semana. Talvez seja assim
que funcione.
Dylan se mexe um pouco e pigarreia. — Eu quis dizer mais como, onde
você vê esse relacionamento indo?
— Oh, — digo — uh...
Ele está me perguntando se vamos fazer sexo? Eu não...
— O que está fazendo? — Morgan pergunta, correndo para dentro da
sala. Ela está incrível com leggings pretas e um top rosa de seda que
combina com seu cabelo e mostra seus ombros. E merda, esses ombros
são perfeitos. Tento — e falho — não encarar.
Morgan sorri para mim e depois volta sua atenção para o irmão, os
olhos ficando frios. — Sério, Dyl, o que está fazendo?
— Eu não sei! Estou improvisando! — ele diz. — O pai de Keisha fez isso
comigo antes do nosso primeiro encontro oficial, e eu estava apenas
tentando compensar, já que papai não está aqui.
Ela geme. — Por que você é tão irritante e como posso fazer isso parar?
— Está tudo bem, sério. — digo, preocupada que ela esteja realmente
brava.
— Te irritar é parte do meu trabalho como seu irmão. — Dylan bagunça
o cabelo dela e ganha outra carranca. — E te irritar faz parte do meu
trabalho como seu guardião temporário. — Ele aponta para mim por cima
do ombro de Morgan. — Você parece legal, Ruby. Não bagunce tudo e não
quebre o coração da minha irmã, ou vou quebrar a sua...
— Dylan! — Morgan grita.
— Longe demais?
— Longe demais.
Ele dá de ombros. — Bom. Divirtam-se em seu encontro, sejam
boazinhas, e Ruby, traga-a para casa às oito e quinze.
— Oito e quinze? — Morgan grita. — Em primeiro lugar, não tenho
toque de recolher e, em segundo lugar, se vesse, não seria às oito e
quinze! Isso é em duas horas!
— Tudo bem, desisto. — ele diz. — Ser pai é muito di cil. Apenas volte
para casa segura antes de amanhã de manhã, ok?
— Obrigada. — Morgan suspira antes de dar um passo à frente para
abraçá-lo. — Eu prometo ficar segura e estar em casa antes da meia-noite.
— Ó mo. — ele diz alegremente. — Ah, e vou levar Keisha para sair de
novo esta noite, então não estarei aqui quando você chegar em casa de
qualquer forma.
Ela soca o braço dele. — Você é péssimo.
— Também te amo, Morgie. — ele diz com voz de bebê enquanto ela
me puxa para fora da porta.

•••

Morgan não descruzou os braços até estarmos na estrada e, mesmo


assim, foi apenas para ajustar as aberturas do ar-condicionado. Ela segurou
com força o cravo desde que par mos. — Desculpe por aquilo. — ela me
olha nervosamente. — Espero que não tenha te feito surtar.
— Achei fofo, na verdade. — minto, bem, meio minto. Foi um pouco
fofo, apesar de totalmente traumá co. Sorrio para ela mesmo assim, o
melhor que posso. Sei que ela está realmente perguntando: Você vai me
abandonar por causa disso? e eu não vou.
— Nada sobre Dylan é fofo. — ela bufa, cruzando os braços novamente,
mas eu agarro sua mão, puxando-a para meu colo e entrelaçando nossos
dedos. Eu corro para a pista rápida, acelerando apenas o suficiente para
que sua cabeça bata no encosto do banco. Eu me sinto como uma total
estrela do rock, voando pela estrada no melhor carro com a garota
perfeita.
Poderia me acostumar com isso.
Morgan levanta uma sobrancelha no restaurante cafona quando
chegamos 45 minutos depois, e não posso deixar de pensar em seu irmão
fazendo a mesma cara quando perguntou sobre minhas intenções. Espero
que ela não esteja se perguntando sobre isso também. Espero que ela não
esteja chateada ou desapontada por nosso primeiro encontro de verdade
ser três cidades adiante, onde tenho certeza de que não encontraremos
ninguém da escola.
— Parece... legal. — Morgan diz, a voz aumentando.
Sim, então talvez pedir a ela para se ves r bem foi principalmente para o
meu bene cio, mas ainda assim.
— Digo com autoridade que a comida daqui é incrível.
— Autoridade de quem?
— Daquele super chef da TV. Ele veio aqui uma vez para filmar alguns
anos atrás. Veja, eles até têm uma placa sobre isso bem ali. — Aponto para
uma placa ao lado da rampa para cadeiras de rodas ostentando o status do
restaurante como um "Lanchonete Divina Dedicada", assim como o nome
do show.
— Bem, se há uma placa. — diz ela com um brilho diver do nos olhos.
— Vamos lá, vamos dar uma olhada. Na verdade, espere. Não se mexa.
— Morgan me observa correr pela frente do carro. Eu quase tropeço
quando uma pedra se encaixa no meu chinelo, mas eu a puxo no úl mo
segundo. Abro a porta com uma reverência exagerada e estendo a mão.
— Ai meu Deus, o que está fazendo? — Ela ri, colocando sua mão na
minha.
— Não faço ideia, literalmente. — Eu sorrio. — Mas é o que fazem nos
filmes.
— Você ra todas as suas ideias de encontros da TV e dos filmes?
— Bastante. — eu coro. — Nunca fiz isso antes.
— Nunca fez o quê? — Morgan pergunta, me seguindo para dentro.
— Ter um encontro real com qualquer pessoa.
Nosso garçom aparece antes que ela possa responder, pegando dois
menus e nos levando para uma pequena mesa na parte de trás do
restaurante. Eu tomo o assento de frente para a porta, só por segurança.
Odeio não poder desligar isso, a preocupação constante de ser vista.
Morgan dá uma olhada no cardápio e o coloca de lado. — Quer pedir
por mim? — pergunta. — Fazem isso nos filmes também.
— Uh, eu posso? — digo, sen ndo a pressão. As únicas coisas que já a vi
comer foram pizza e salada.
— Ai meu Deus, você nha que ver sua cara agora. — ela cutuca meu pé
por debaixo da mesa.
— Foi tão ruim assim?
— Puro pânico!
— Uau, eu sou péssima nisso.
— Não é. — diz Morgan, batendo no meu cardápio para me fazer erguer
o olhar. — Mas este é mesmo seu primeiro encontro?
Concordo com a cabeça, ainda olhando para o menu, determinada a
fazer isso direito.
— Ruby. — ela diz, e espera que eu olhe para cima. — Eu não preciso de
encontros de filmes. Só quero que você seja você.
Se minhas bochechas não estavam vermelhas antes, estão agora,
porque isso é o mais legal. Por que ela é a mais legal? E como?
O garçom vem anotar nosso pedido antes que eu tenha a chance de me
afastar demais. Morgan pede frango com batatas fritas, e eu fico com um
hambúrguer que acaba sendo do tamanho da minha cabeça.
Nós duas rimos quando eu mordo e metade dos condimentos esguicha.
Morgan faz com que rir seja fácil, como se a felicidade fosse o padrão
em vez de algo sempre fora de alcance. Pela primeira vez na minha vida,
minhas bochechas doem não por forçar um sorriso no palco, mas porque
não consigo parar de sorrir para a pessoa na minha frente. É bem legal.
No meio da sobremesa, um sundae de brownie que decidimos dividir,
pergunto a Morgan sobre sua carta de compromisso para a faculdade e
tentar entrar em uma faculdade da Divisão I no próximo ano. Ela parece
surpresa, e eu admito que tenho pesquisado muito sobre corrida e
faculdade e como tudo funciona — e talvez mais sobre ela também. Não
posso evitar.
Ela fica quieta e mexe com o guardanapo.
— O que há de errado?
— Nada. — ela diz.
— Alguma coisa. — Os nervos sobem dentro de mim enquanto tento
descobrir o que fiz para nos desviar do caminho rápido para a cidade feliz.
Morgan encolhe os ombros, enfiando a colher no sorvete que derrete
rapidamente. — É só que tudo está meio no ar.
— Mas você assinou uma carta de intenção. A foto surgiu quando eu...
— É, eu assinei.
— Estou perdida.
— Então, uma carta de intenção é como eu prometendo ir para a escola
deles e eles me prometendo dinheiro, certo?
Concordo com a cabeça.
— Bem, aparentemente, colocaram brechas no monte de pequenas
letras no final, que, na minha empolgação, não me dei ao trabalho de ler.
Então, passou de uma coisa certa para "pendente com base no resultado
da minha permissão para troca de equipe". Basicamente, estou ferrada até
novo aviso, tudo está em espera e estou muito cansada disso. Só quero
correr. — Ela balança a cabeça nega vamente. — Desculpa, estou
despejando meus problemas por todo o nosso bom encontro.
— Não se desculpe. — digo, estendendo a mão para segurar a dela. —
Entendo esse sen mento.
— Entende?
— Com os concursos e tal. Eu amo maquiagem e ves dos e toda essa
porcaria, não me entenda mal, mas odeio os concursos em si. E odeio
quanto dinheiro minha mãe gasta com eles.
— Você não poderia só parar de par cipar deles, então?
— Não se eu quiser um lugar para morar. — Eu rio até ver seu rosto
horrorizado. — Tô brincando. Provavelmente. É complicado, e sim, minha
mãe e eu temos muitos problemas. Mas ela poderia ter sido Miss Teen
USA, se eu não vesse nascido. Toda a vida dela teria sido diferente. Ela fez
muitos sacri cios para me ter, sabe? Estou trabalhando em uma maneira
de sair do circuito, mas não sei se conseguiria rar completamente os
concursos dela. Devo muito a ela.
— Você não deve seu futuro à sua mãe só porque acha que ela desis u
do dela por você.
Puxo minha mão de volta. — Eu não acho. É a verdade.
Morgan franze a testa. — Eu sei, mas é a sua vida! E como você fala
sobre isso em comparação com como você se iluminou na garagem?
Parecem duas pessoas diferentes. Você não tem que viver assim. Há
opções.
— Por que você se importa tanto com as minhas "opções"? — pergunto,
fazendo aspas no ar. Como uma idiota.
— Eu quero que você seja feliz.
— Você está feliz? — Porque não parece, e ela tem muitas opções.
— Agora, neste exato momento? — Ela inclina a cabeça.
— Claro. — digo, embora eu queira dizer em geral. Mas agora realmente
quero ouvir a resposta.
— Sim, de verdade. Estou me diver ndo muito com você.
— Bom, eu também. — digo, lutando contra sua colher pelo úl mo
pedaço de sorvete até que ela sorri e me deixa vencer. — Então vamos ser
felizes. Podemos nos preocupar com o resto outro dia.
Morgan fica quieta por um segundo e então pega minha mão. — Me
conta mais sobre consertar carros?
Então eu conto. E ela ouve o tempo todo, acrescentando pequenos
comentários aqui e ali para que eu saiba que ela está prestando atenção.
E desta vez, eu não solto a mão dela em nenhum momento.
30
Morgan
Esse encontro.
Nem sei.
Esse encontro ficará na história como um dos melhores encontros da
história de todos os encontros do mundo, mesmo que eu deseje que ela
levasse toda a minha coisa de está tudo bem não par cipar de concursos
mais a sério.
Mas então a segunda-feira chega, e estamos na escola, de volta aos
ocasionais beijos secretos roubados por trás de portas escuras, e não
importa o quanto eu tente ignorar, começa a parecer absolutamente a
melhor e a pior coisa ao mesmo tempo. Porque não temos nem duas
semanas e Ruby é tudo em que penso. Ela parece tão obcecada por mim...
mas já estou morrendo de vontade de segurar a mão dela nos corredores e
não apenas no carro dela. Quero chamá-la de minha namorada. Quero que
as pessoas saibam.
Eu faço isso durante uma outra semana inteira antes de reunir coragem
para perguntá-la se ela está no mesmo lugar. Nós duas estamos
caminhando em direção à pista depois da escola, ela fingindo que está lá
para assis r lacrosse com seus amigos, eu para realmente malhar. Lydia e
Allie já se acostumaram a ela estar por perto, mas falo baixo para que
ninguém possa ouvir de qualquer maneira. — O que estamos fazendo? O
que somos? — E a maneira como ela congela não é exatamente
tranquilizadora.
— Precisamos de um rótulo?
Eu a olho bem nos olhos e digo provavelmente a coisa mais honesta que
já disse a alguém. — Não precisamos de um rótulo, mas eu realmente
gostaria de um.
Ela franze a testa. — Eu gosto de você. Você sabe disso, certo?
Dou de ombros.
— Nós gostamos uma da outra, certo? — ela pergunta, confusão na voz
desta vez.
— Sim, mas...
Ela pega minha mão e me leva para trás das arquibancadas, longe dos
olhares indiscretos de qualquer pessoa. — O que está acontecendo? Achei
que estávamos bem.
— Estávamos. — eu digo. — Estamos. Eu só... — Balanço a cabeça.
Talvez eu esteja sendo egoísta. Talvez esteja sendo irracional por querer
mais. Se esgueirar pela escola e fazer festas do pijama depois que Dylan vai
para a cama deveria ser o suficiente?
Ruby se inclina para frente, afastando as palavras com um beijo, e então
descansa sua testa contra a minha. — Enquanto es vermos bem, não
vamos nos preocupar com o resto, ok?
— Sim. — eu digo, deslizando sob seu braço e correndo para a pista.
E eu gostaria de ter falado sério.

•••

Ruby fica para o treino e até me dá uma carona para o centro depois.
Nós duas tentamos corajosamente fingir que não falei nada. Ruby
provavelmente está esperando evitar a conversa por completo, e eu estou
desejando nunca ter começado em primeiro lugar.
Eu deveria estar feliz com o que tenho. Pelo menos é o que digo a mim
mesma mais e mais vezes. Nós duas sorrimos quando nos despedimos com
um beijo, mas parece vazio de alguma forma.
Meu irmão me pega no caminho para casa depois do meu turno e me
diz que há algo esperando por mim em casa. Quando tento bisbilhotar, ele
apenas sorri e diz: — É uma surpresa. — Espero que seja Ruby, mas sei que
ela tem que dar algumas aulas hoje à noite e depois tem outra sessão de
treinos com sua treinadora. Tenho certeza de que ela estará exausta
quando terminar.
O que quer que eu pensasse que pudesse ser, não esperava que a
surpresa fosse meus pais na cozinha, quatro dias antes da próxima visita.
Estão desfazendo as sacolas de comida para viagem como se fosse um
negócio normal, mas as malas na sala de estar sugerem que este não é
apenas um dos nossos jantares habituais.
— Surpresa! — minha mãe grita, correndo para me puxar para um
abraço. Ela me aperta com força, e quando o cheiro de seu perfume chega
ao meu nariz, percebo o quanto realmente sen falta dela. Ela cheira a
segurança, casa e mãe, e mesmo chamadas diárias pelo Face me não são
suficientes.
Nós duas enxugamos os olhos com risadas aguadas enquanto ela se
inclina para trás para olhar para mim. — Ah, eu precisava disso. — ela diz.
Meu pai solta um alegre — Ei, atleta. — enquanto coloca alguns pratos
na mesa, educadamente ignorando o fato de que eu estou uma bagunça
chorosa. Estava tão focada em tudo que acontecia com Ruby, o centro e o
processo que esqueci como era estar apenas em família por um minuto.
O som de unhas no piso de madeira me alerta para a presença de outra
pessoa, e me viro bem a tempo de ver meu cachorro, Dusty, saindo
correndo do banheiro, água pingando do rosto. Ele provavelmente acabou
de beber metade do vaso sanitário, mas estou tão feliz em vê-lo que nem
me importo. Ele me ataca com suas patas gigantes de retriever, e caímos
de costas no sofá.
— Desce, garoto. — minha mãe diz. Papai agarra a coleira de Dusty,
tentando e não conseguindo puxá-lo de cima de mim enquanto ele cheira
e bufa por todo o meu pescoço e rosto, seu rabo abanando a mil por hora.
— Não, ele está ok. É um bom garoto. — Eu rio, coçando com meus
dedos em seu pelo e fazendo sua perna de trás bater descontroladamente
enquanto eu empurro nós dois para cima. E, tudo bem, meus braços e
pernas estão um pouco arranhados, mas vale a pena para um abraço de
cachorro tão épico de Dusty, o melhor garoto.
— Ele sen u sua falta. — Meu pai diz.
— Todos nós sen mos. — Mamãe acrescenta.
— Levem ela, então. — Dylan bufa. — Ela deixa seu maldito cabelo em
todos os lugares, acaba com o leite sem dizer nada e acha que cada copo
de manteiga de amendoim da casa pertence a ela.
Eu mostro minha língua para seus resmungos, e meu pai finge estar
irritado.
— Malditas crianças, sempre brigando. — diz ele, o que lhe rende uma
pancada na nuca da minha mãe.
— Por que essas malas? — pergunto assim que Dusty me abandona por
um Kong de brinquedo que meu irmão encheu de manteiga de amendoim.
— Precisamos de uma desculpa para visitar nossos filhos por alguns
dias? — Mamãe pergunta, e eu pareço chocada porque não era isso que
estava insinuando.
— Não, isso soa realmente incrível. A Ne lix lançou três novas comédias
român cas desde que cheguei aqui, então temos muito tempo de TV para
acompanhar. — Eu puxo a cadeira em frente a ela e começo a colocar
comida no meu prato. — Vocês não mencionaram isso no grupo.
— Devo ter mencionado no outro grupo. — Ela pisca.
— Que outro grupo? — pergunto, soando totalmente escandalizada.
— O que estamos só nós e seu irmão. — papai diz. — No que ele nos
avisa que ngiu o cabelo de rosa e fazemos planos secretos de vir visitá-los
por uma semana, sem dúvida frustrando a tenta va desta noite de deixar
sua namorada entrar de fininho, o que você acha que Dylan não sabe, mas
ele sabe, e nós também.
— Ai meu Deus, Dyl! — eu grito.
Ele apenas dá de ombros e pega um prato. — Eu nunca criei uma
criança! Eu não sei se você tem permissão para ter festas do pijama
secretas com namoradas! O que eu deveria fazer? Adivinhar?
— Você não deveria perguntar a mamãe e papai!
— Bem, eu não poderia te perguntar!
Eu gemo. — Há quanto tempo você sabe?
— É um apartamento de 800 pés quadrados, Morgan, e você é tão su l
quanto um elefante quando abre a porta da frente no meio da noite.
— Mas que...
— Crianças. — papai diz em sua voz severa de sem brigas.
— Agora comam. — mamãe diz, pegando seu garfo. Nós dois calamos a
boca e fazemos o que nos foi mandado, mas faço questão de dar duas
cotoveladas em Dylan enquanto pego um guardanapo.
— Vocês estão aqui pra me cas gar ou algo assim? — pergunto assim
que todos veram a chance de comer.
— Não. — papai diz. — Isso nem faz sen do, já que você estará indo
para a faculdade em breve, de qualquer jeito. Mas queremos conhecer
essa garota, e vamos ter uma conversa séria sobre limites e
comportamento apropriado quando você está morando na casa de outra
pessoa.
— Você não quer que Ruby venha? — perguntei a Dylan. — Achei que
você gostasse dela.
— Não, ela é ok. — diz ele, esfregando a testa. — Eu não me importo se
vocês transam aqui ou qualquer outra coisa, mas não quero ouvir, e não
quero acordar com a porta da frente batendo quando ela sai às cinco todas
as manhãs. Isso é tudo.
Meu pai engasga com um pouco de arroz, e minha mãe dá um tapinha
nas costas dele. — Braços acima da cabeça, querido. — ela diz, e então se
vira para mim. — Talvez eu possa colocar isso de forma um pouco mais
eloquente do que Dylan, mas sim, seu pai e eu reconhecemos que você
tem quase dezoito anos e confiamos em você para tomar boas decisões. Se
você quer que sua namorada passe a noite, precisa perguntar a Dylan
primeiro e ser respeitosa com isso. E seu pai e eu esperamos que você
esteja pra cando sexo seguro. Se ver perguntas...
E, ai meu Deus. Ai meu Deus. Por favor, deixe-me desaparecer nesta
pilha de carne lo mein15. Por favor, Deus. Por favor. É tudo que peço. — Só
para deixar claro, não estamos. — murmuro.
— Não estão pra cando sexo seguro? — mamãe diz. — Só porque vocês
duas são mulheres...
E, ai meu Deus. Ai meu Deus. Faça isso parar.
— Não, quero dizer que não estamos... — digo um pouco mais alto. —
Não estamos... Não fazemos isso quando ela dorme aqui. Só conversamos.
— três conjuntos de sobrancelhas se erguem em uníssono. — Tudo bem,
tudo bem, nós nos beijamos! É o que querem que eu diga? Mas não fomos
além disso. A mãe dela trabalha à noite, e o namorado da mãe dela é um
esquisito, e é por isso que ela dorme aqui o tempo todo. Nós não estamos,
po, constantemente... sabe? — Enfio o garfo na minha comida, minhas
bochechas ficam vermelhas enquanto o resto da mesa explode em
gargalhadas.
— Uau, informação demais. — diz meu irmão.
— Cala a boca, Dylan! — Ele uiva quando eu o chuto por baixo da mesa.
— Olha, se Ruby precisa de um lugar para dormir, não me importo se ela
vier. Mas quero saber que ela está aqui, para não andar com minha cueca
surrada quando há uma garota aleatória à espreita pelo apartamento, ok?
Eu bufo. — Eu pessoalmente gostaria que você nunca andasse por aí de
cueca.
— E eu gostaria de não saber o som quando minha irmãzinha...
— Ok! — papai se anima. — Mudando de assunto antes que eu tenha
que enfiar esses pauzinhos nos meus ouvidos para não ouvir o que quer
que seja o final dessa frase.
Mamãe e papai trocam um olhar. Ele lhe dá um pequeno aceno de
cabeça, e ela suspira. — Há outros mo vos para estarmos aqui, Morgan. —
ela diz.
— Além de me trauma zar pelo resto da vida?
— Sim. — ela diz, e seu olhar sombrio ra o sorriso do meu rosto.
— Ok? O que foi? — Olho para meu irmão, mas ele está encarando o
prato. Ele nem olha para cima quando eu cutuco seu tornozelo.
— Bem, por um lado, a razão pela qual trouxemos malas é porque
vamos ficar direto para a sua corrida neste fim de semana. — diz ela.
— Minha corrida? — pergunto e ela sorri.
— Sim, sua primeira com a nova equipe.
— Ai meu Deus! A troca foi aprovada? — Eu quase derrubo meu copo
com pressa para abraçá-la. — Eu posso mesmo compe r?
— Sim. — minha mãe diz, nossos olhos lacrimejando.
— Não acredito! Nós conseguimos! St. Mary caiu!
— Beth. — meu pai diz, estendendo a mão e apertando a da minha
mãe. — Conte a ela o resto.
Eu mudo meu olhar entre eles, o clima da mesa ficando sério
novamente quando volto a me sentar.
— E além disso... — ela respira fundo. — Seu pai e eu decidimos
arquivar o caso contra St. Mary.
— O quê? Por quê?
— Nossos advogados estão nos dizendo que seria extremamente di cil
vencer neste momento. É uma escola par cular, uma escola religiosa...
Podem levar até a Suprema Corte. E com a forma como este país está
agora... — Ela para.
— Está nos custando muito dinheiro manter isso, Espor sta. — diz
papai. — Nós pegamos um pouco de força por um tempo após as
entrevistas, mas as pessoas seguiram em frente, e os patrocinadores que
nhamos antes não podem se comprometer com tudo empilhado contra
nós assim. É dinheiro melhor gasto no seu futuro.
— E a St. Mary tem muitos doadores influentes que os apoiam. Não
temos realmente escolha. — mamãe acrescenta. — Mas a boa no cia é
que, em troca de desis rmos do processo, eles desis ram da pe ção para
te banir por conduta an despor va e re raram a alegação com o conselho
de atle smo de que você estava envolvida em qualquer po de esquema
de recrutamento. Estão até enviando um relatório favorável à sua nova
treinadora, e ela pode enviar para as faculdades para que possamos deixar
tudo isso para trás. Eu sei que você está desapontada, querida, mas
fizemos a coisa mais importante para você...
— E os jovens que vierem depois de mim? — pergunto, e então olho
para baixo. — E os jovens queer que estão na escola agora? Vocês sabem
que estão lá. Até sabem quem são alguns deles! Como podem
simplesmente desis r?
Papai respira fundo, como se es vesse decidindo o que dizer.
— O quê? — eu pergunto. — O que mais vocês não estão me contando?
— Nós pensamos nas outras crianças. — papai diz. — Até entramos em
contato com os pais para tentar transformar isso em uma ação cole va
quando as coisas começaram a ficar muito caras, mas eles não quiseram. A
triste verdade disso é que todo mundo só quer manter a cabeça baixa até a
formatura. Ninguém mais queria arriscar o pescoço. Sinto muito. Eu sei
que esse não é o resultado que esperávamos, mas...
— Não estou mais com fome. — Empurro meu prato para longe e saio
correndo pelo corredor.
Bato a porta do meu quarto e me jogo na cama, empurrando um
travesseiro sobre a cabeça e esperando que a penugem pelo menos abafe
meu grito.
Minha porta se abre, e eu arrasto o travesseiro para baixo, pronta para
gritar para meus pais saírem. Exceto que é Dylan, e ele tem Dusty com ele.
— Ei. — ele diz, fechando a porta atrás dele enquanto meu cachorro
pula na minha cama. — Sinto muito. Eu sei o quanto isso é um saco.
Abraço Dusty com força, enterrando meu rosto em seu pelo. — Não,
você realmente não sabe.
Dylan passa a mão pelo cabelo e se senta ao meu lado na cama. —
Talvez você esteja certa. Foi tudo compara vamente fácil para mim, cara
branco, hétero e tudo. — Ele suspira. — Mas tenho que te dizer uma coisa,
e você tem que jurar não contar a mamãe e papai que eu contei.
— O quê? — pergunto, a preocupação entorpecendo um pouco as
bordas da minha raiva.
— Eu sei que fizeram parecer que essa foi uma escolha que eles fizeram,
mas na verdade não foi.
— Mas eles...
— Eles quase perderam a casa por causa disso. Eles a hipotecaram de
novo para conseguir mais dinheiro para os honorários do advogado e
outras coisas. A prá ca do papai também. Na verdade, cobri o pagamento
da casa no mês passado, quando estava muito ruim. Eu sei que é
ridiculamente injusto que eles tenham que fazer isso, e que você tenha
que passar por isso, mas você saiu da situação rela vamente ilesa,
enquanto eles ainda estavam afundando rápido.
Balanço a cabeça. — Mas não tem outro jeito? Nenhum mesmo?
— Eles até tentaram envolver a ACLU16. Confie em mim, exploraram
todos os caminhos.
Eu suspiro. — Ó mo, nem mesmo a ACLU ajudaria?
— Quem sabe? — Dylan passa as mãos pelo cabelo. — Duvido que
sequer estejam cientes disso. Aparentemente, pode levar uma eternidade
para que os pedidos sejam revisados, porque recebem muitos todos os
dias. Mamãe e papai não podiam esperar mais. Morgan, você tem que
deixá-los fora disso. A culpa os está matando, mas vão perder tudo se
con nuarem lutando. E você também. Se você perder essa bolsa, com o
estado financeiro deles agora...
Engulo em seco. Não sei o que fazer com essa informação. Sempre
pensei nos meus pais como invencíveis. A ideia de que mergulharam tanto
nisso que veram que pedir dinheiro emprestado ao meu irmão me deixa
um pouco doente.
— Eu acho... — digo, acariciando Dusty gen lmente. — Acho que
poderia con nuar pressionando por mudanças de outras maneiras. Já falei
com Izzie sobre querer fazer mais. Dessa forma, não acabou de verdade.
Está meio que pausado enquanto eu encontro um novo ângulo.
— Sim. — Ele sorri, aliviado. — Soa como uma ó ma ideia. E enquanto
isso, podemos ficar felizes por você ter uma nova escola segura e uma
namorada que parece legal demais para você?
— Ei!
Ele sorri. — Mas, falando sério, isso pode ser suficiente, só por
enquanto?
— Eu me sinto vendida.
— Você não foi.
— Dylan... — Meu telefone vibra, interrompendo o momento, e Dusty
pula da minha cama e arranha a porta.
— É a Ruby? — ele pergunta, levantando-se e abrindo a porta para
Dusty.
— Sim.
— Convida ela pra vir aqui. — ele diz. — E, por favor, converse com
mamãe e papai.
— Eu vou. — digo, sem saber com o que estou concordando. Talvez
ambos.

•••
Ruby de repente e misteriosamente não pode vir para minha casa ao
longo de toda a semana que meus pais estão lá. Ela dá desculpas, culpando
o dever de casa e as sessões de treinamento tarde da noite, e tento não
deixar isso me incomodar.
Ela aparece na minha corrida sexta à noite, no entanto. Minha primeira
corrida oficial na nova escola, onde finalmente não sou uma voluntária,
mas uma par cipante real.
Ela me pega debaixo das arquibancadas e me dá um beijo de boa sorte
perfeitamente incrível antes da minha corrida. Se meus pais ficam confusos
por que meus lábios estão, de repente, do mesmo tom do batom rosa da
garota sentada na fileira atrás deles, não perguntam. Se ficam confusos por
que ela grita mais alto quando ganho o 800 e quando ganhamos o 4x4,
também não perguntam.
Ruby me manda uma mensagem depois, sen mental e orgulhosa, da
tranquila segurança de seu carro no estacionamento. Ela me diz que
adorou me ver correr e que eu sou o “melhor segredo” que ela já teve. E
me convenço de que ser o “melhor segredo” dela é bom, que a dor no meu
peito não significa nada. Que estamos bem, ó mas até. Que estamos
apenas descansando para a próxima batalha.
31
RUBY

— Onde você estava? — A voz de minha mãe corta a minha névoa feliz
antes mesmo de eu ter entrado pela porta da frente.
Vendo Morgan correr? Porra, incrível. Voltando para casa depois? Mate-
me agora.
— Bem? — Diz ela, com as mãos nos quadris.
— Você me assustou. — Os cachorros gritam e põem as patas em mim
enquanto coloco as chaves do carro no balcão. — O que você está fazendo
em casa? Não tem trabalho?
— Eu lhe fiz uma pergunta primeiro. Onde você estava, Ruby Gold? —
Eu odeio quando ela usa meu nome do meio. Odeio com força. Ela afirma
que me deu esse nome porque eu era tão preciosa para ela. Certo. — E
não diga que você estava com aquele garoto do lacrosse, porque eu o vi no
caminho com Marcus esta noite, e você não estava lá.
— Em nenhum lugar. — Respondo, os cabelos do meu pescoço
arrepiando sobre o fato de que ela andava me observando. — Por aí. Mas
por que você ainda está aqui?
Ela se acomoda na borda de sua poltrona reclinável, onde Chuck está
dormindo, a TV ainda está transmi ndo o Fox News. Tem um cigarro aceso
na mão dele, e ela o agarra e o apaga toda indiferente. Como se não fosse
grande coisa ele poder ter incendiado o lugar todo.
— Estou rando um tempinho de folga. — Diz mamãe, levantando o
queixo, me desafiando a ques oná-la. Não perco meu tempo. Estou nesta
terra há tempo suficiente para saber que " rar um tempinho de folga"
significa que ela foi demi da ou dispensada de novo.
Eu suspiro e vou para o meu quarto, seguida pelos cães. O la do
incessante deles aumenta minha frustração. A mãe me segue, o pé dela
prende minha porta quando eu tento fechá-la.
— Não vire as costas para mim, menina.
— O que foi desta vez? Faltou muito ao trabalho para sair com o caso
perdido do seu namorado? — Eu me arrependo imediatamente de dizer
isso. Raramente é culpa dela quando isso acontece. Ela trabalhará até
morrer, se for preciso. É apenas a natureza do negócio. Há poucos
contratos de limpeza a serem cumpridos, o que significa que ela tem que
con nuar trocando de empresas por horas. E quando acabam, o úl mo a
entrar é o primeiro a sair. Mamãe é sempre a úl ma nestes dias.
— Qual é o seu problema? — Pergunta ela, levantando a voz o suficiente
para me dizer que está falando sério.
— Por onde devo começar? — Eu surtei. — Não temos dinheiro e agora
você nem sequer tem emprego! — E não sei por que não consigo parar.
Hoje à noite, estou passando dos limites, mas algo sobre sentar uma fila
atrás da perfeita família Morgan me irritou.
Encontrei seus olhos bem a tempo da palma da sua mão bater contra
minha bochecha. — Não se atreva a falar comigo dessa maneira.
Eu ponho minha mão na bochecha, minhas narinas flamejando de raiva.
— Isso doeu.
— Assim como as palavras. — Ela caminha até meu armário, passa
através dos ves dos e depois me a ra um. Ele cai com um baque e um
barulho na minha cama. — Sabe o que eu passo só para que você possa ter
o po de chance que eu nunca ve? Quanto eu sacrifico?
— Eu nunca te pedi…
— Eu sou sua mãe. É o meu trabalho. — Todo o seu comportamento
muda então, enquanto ela se transforma de novo em minha doce e
cansada mãe, seu sorriso de rainha-de-beleza enfeitando seu rosto. —
Veste isso, querida, quero te ver andar.
E eu odeio isso. Odeio que ela me esbofeteie num segundo e me chame
de "querida" no outro. Odeio o quanto eu gostaria de poder fazê-la feliz,
como cada palavra zangada parece ser minha culpa.
— Está bem. — eu digo suavemente, mesmo estando exausta. Esta é a
maneira mais rápida de terminar a discussão, a única maneira realmente.
Minha mãe me ajuda a ves r meu ves do — o ves do de noite sempre
foi sua parte favorita — e depois puxa meu rabo de cavalo. Ela pega uma
das minhas escovas da cômoda e a passa lentamente pelo meu cabelo. —
O que você realmente estava fazendo esta noite? — Ela me pergunta
novamente, sua mão aperta apenas um pouco.
— Eu estava consertando o carro da Sra. Williams. — Não é uma men ra
completa. Eu parei lá depois do encontro.
— Fui até lá às seis procurar por você depois que vi os garotos
passarem. Ela disse que você ainda não nha ido lá porque estava vendo
alguma corrida.
— Ah, sim, parei na pista de corrida no meu caminho para a casa dela.
Eu esqueci.
— Everly não corre, corre? Eu sei que o Tyler joga lacrosse.
Eu engulo com força. — Não, eles não estavam lá. — Eu me viro para
olhar para ela. — Pensei que seria legal dar uma olhada. Nunca es ve em
uma. Você já foi? Poderíamos ir nós duas um dia destes. Vai ser diver do.
Mamãe me olha diretamente nos olhos, um leve cenho franzido
puxando seus lábios. — Ouvi um rumor sobre você hoje, menina, e é
melhor que não seja verdade.
Isto é ruim. Isto é muito ruim.
— O que você ouviu?
Ela pousou a escova, demorando um pouco antes de responder. — Acho
que você sabe, e acho que tem algo a ver com o porquê de você estar
naquela pista hoje. — Ela olha em meus olhos como se es vesse
procurando uma resposta ou esperando que eu quebrasse.
Milagrosamente, não faço nada disso. — Não vou aceitar outra situação
como a que vemos com sua amiguinha do concurso. Você entendeu? —
Eu aceno. — Agora calce seus sapatos e saia. — Diz ela, e sai
intempes vamente para o final do corredor.
Merda.
Merda! Se alguém sabe sobre mim e Morgan, se alguém disse alguma
coisa e chegou até minha mãe... Mas não posso me preocupar com isso
agora. Não há tempo. Não quando ela está assim.
Meus sapatos esperam por mim no armário, dois lembretes perfeitos e
brilhantes de como não estou correspondendo às expecta vas de minha
mãe. Eu calço meus pés, a memória das vitórias de Morgan hoje se
transformando em cinzas na minha boca. Foi um risco. Um risco estúpido.
Por que eu fui?
Eu me permito um minuto rápido para choramingar, depois fico de pé,
em posição e pronta para o concurso. A ardência da mão da minha mãe
ainda está fresca na minha bochecha.
32
MORGAN

Ruby e Everly estão discu ndo quando eu entro na escola. Faço uma
nota mental para perguntar a ela sobre isso mais tarde, dando-lhes um
amplo espaço enquanto me dirijo ao meu armário. Ruby deu a entender
que Everly sabe sobre nós, mas como ainda não fomos formalmente
apresentadas, não sinto que seja meu lugar ir acalmar as coisas entre elas.
Ruby esteve estranha durante todo o fim de semana, distante. Ela ainda
não apareceu, nem mesmo depois que meus pais par ram. Es ve surtando
pensando que foi algo que eu fiz. Mas ver Ruby e Everly brigando... Talvez
não tenha nada a ver comigo, ou conosco, de maneira alguma. Talvez a
ansiedade do resto de sua vida esteja temporariamente afetando nosso…
bem, o que quer que tenhamos. Eu coloco um rosto feliz e finjo não me
incomoda o quanto ela compar menta todas as suas relações.
A Ruby me ignora no quarto período. Mas então ela me arrasta para o
armário do zelador quando estou passando durante o sexto período. O
sexto período é meu período livre, mas ela tem inglês e eu sei que não
pode se dar ao luxo de faltar.
— O que você está fazendo? — Eu meio rio, esperando que ela me
beijasse ou dissesse algo parecido com eu estava ansiosa para te ver. Mas
seu rosto está triste, comprimido de alguma forma, como se ela vesse um
gosto ruim na boca e não conseguisse rar.
— Precisamos conversar. — Diz ela, e meu estômago cai. Sei por
experiência própria que precisamos conversar com frequência precede
diretamente para isso foi um erro, que é então rapidamente seguido por
acho que não gosto de garotas.
Eu me abraço, me preparando para o pior.
— Sobre?
— Há rumores. Sobre nós. — Diz ela, parecendo absolutamente em
pânico agora.
— Que po de rumores?
— Você sabe que po de rumores. — Diz Ruby, arrancando seu rabo de
cavalo só para voltar a prendê-lo. — Você já contou a alguém? Não contou,
certo?
— Não? —Meu cérebro ainda está tentando processar o fato de que
posso não estar levando um pé na bunda afinal, mas isso também não soa
bem.
— Você contou a alguém sobre nós? Qualquer um? Porque Everly é a
única pessoa que sabia de mim, e ela jura por sua vida que não contou a
ninguém. — A Ruby respira com tremor. Será que ela vai chorar? — Mas
Everly disse que também ouviu algumas coisas e fez o melhor que pôde
para abafá-las para eu não entrar em pânico. Se não foi ela, foi você? Você
não faria isso, certo? Eu sei que você sabe como isso é importante. Sou
uma idiota por até perguntar, mas preciso ouvir isso. Não contou a
ninguém, certo? Ninguém além de seu irmão sabe?
Eu me desloco sob o peso do seu olhar suplicante. — Quero dizer, não
exatamente..
A Ruby parece tão chocada, tão machucada, que minha cabeça gira. —
Não . . . exatamente? Não exatamente?!
— Alguns amigos, mas eles não...
— Jesus Cristo. — Diz ela, se afastando de mim. — Jesus Cristo. Quem?
— Alguns amigos do Clube do Orgulho. E só. E eles nunca diriam nada.
Eu prometo.
— Por que você faria isso? Você sabia! Você sabia que eu… — Ela está
pra camente vibrando. Com raiva? Ansiedade? Eu dou um passo em
direção a ela, pretendendo envolvê-la em um abraço, mas ela se afasta. —
Para quem você contou, Morgan? Especificamente. Eu preciso saber.
— Ninguém, na verdade. Só, po, Aaron...
— Aaron? Meu vizinho, Aaron? Porra. Quem mais?
Eu olho para o lado. — Não sei. Anika, Drew e Brennan também estavam
lá, mas eles nunca contariam a ninguém sobre nós.
— O que você disse a eles sobre mim? Que direito você nha?
— Eu não disse a eles sobre você; eu disse a eles sobre nós. Não é a
mesma coisa! Não é como se eu vesse te rado do armário ou algo assim!
— Sim, você fez isso! — Diz ela, lágrimas escorrendo nos seus olhos.
— Eu não fiz. Juro. Só contei o quanto você me fez feliz, e... Você tem
que entender. Eles são meus amigos. Devo apenas fingir que a melhor
coisa da minha vida não está acontecendo? Isso não é justo.
— Eu não sou sua melhor coisa! — Ruby grita, colocando suas mãos na
cabeça com um gemido.
— Eu não entendo qual é o problema...
— O problema é que as pessoas estão começando a falar de nós como
se es véssemos namorando ou algo assim!
— Oh. — Eu exalo com força, as palavras dela me sugando o ar. Eu
pensei que estávamos namorando.
— Sim, “oh”. — Diz ela, desentendida. — Você sabia que era um
segredo. Era entre nós e não para mais ninguém.
— Não, certo. Entendi. — eu digo, segurando as lágrimas. — Claro como
água. Mensagem recebida.
Ruby me alcança, e agora é minha vez de me afastar. — Não seja assim.
Eu engulo um fôlego de raiva. — Não quero que você me toque agora,
está bem?
— Tudo bem. — Ela deixa cair a mão. — Pensei que estávamos na
mesma página com tudo isto.
Passo a mão nas minhas bochechas, desejando que não es vessem
molhadas. — Sim, acho que entendi mal.
— O que você acha que “segredo” significa, Morgan? Porque é não
contar nossos assuntos para ninguém.
— Minha vida não é um segredo. — Eu digo, um pouco mais alto, nem
mesmo me importando com quem ouve do outro lado da porta. — E
lamento ter ficado com a ideia errada de namorarmos por causa das flores
e dos constantes beijos e, sabe, do encontro. E por falar em beijos, já
pensou que talvez eu não queira mais fazer isso só quando estamos
sozinhas? Que talvez eu queira beijar minha namorada depois de ganhar
uma corrida como todo mundo beija quem quer que esteja namorando,
sabe, sem se esconder debaixo da arquibancada como se es véssemos
cometendo um crime?
— Você sabe que nós não podemos...
— Sim, agora eu sei. Não podemos fazer nada disso. Nunca. — Eu a
empurro para a porta. — Porque acontece que não tenho uma namorada.
Eu só tenho um segredo.
•••
Aaron aparece enquanto eu estou sentada na sala de aconselhamento,
minha cabeça sobre a mesa e meu coração no chão. Porque a Ruby não me
enviou nenhuma mensagem ou tentou falar comigo desde nossa briga, e
honestamente, eu nem sei se ela vai fazer isso.
Dói muito mais do que eu esperava.
— Ei. — Diz ele, batendo no batente da porta. — Você está bem?
— Sim, estou bem. — eu minto. Mas quando ele fica ali parado, eu
acrescento: — Não quero falar sobre isso.
— Está bem. —Diz ele. — Só queria ter certeza de que você ainda estava
de pé para sua consulta.
— O Danny já está aqui? — Eu olho para o relógio. Todo este transtorno
me fez perder a noção do tempo.
— Se for uma noite ruim, posso fazer. Só precisamos do espaço.
— Não, eu estou bem. Mande-o entrar. — Eu me sento um pouco mais
direito e conserto minha camiseta. Talvez ajudá-lo com suas coisas me faça
sen r melhor, ou pelo menos me ajude a passar o tempo entre agora e, eu
não sei, a eternidade?
Danny aparece na porta alguns segundos depois. Ele está com um
moletom enorme, com o capuz todo puxado para cima. Há óculos de sol na
mão dele. Seria cômico como ele estava tentando ser incógnito, se não
parecesse tão miserável.
— Ei. — Digo eu, e enfio a bandeja de biscoitos que Izzie sempre deixa
na direção dele. Ele pega um biscoito doce e me olha com cuidado.
— Você parece horrível.
— Obrigada, você também.
Uau, estou realmente mandando bem nessa coisa de conselheira hoje.
Dou a ele um minuto para terminar seu biscoito, mas quando ele não diz
mais nada, eu o cutuco um pouco. — Queria falar sobre alguma coisa em
par cular? Ou isso é só um encontro casual?
— Eu não sei. — Diz ele, limpando os lábios, o joelho já balançando. Já
faz um tempo que estamos parados nisso, falando de medos superficiais
quando posso dizer que há algo muito maior agitando por baixo de tudo
isso.
— Em que posição você joga mesmo?
— Por quê? — Ele arregala seus olhos para os meus. — Você, de
repente, gosta de futebol?
— Um pouco. Eu gosto dos Patriots e tudo isso.
— Os Patriots não prestam. — Diz ele.
— A gente odeia o que não podemos ser, certo?
— Não, a gente odeia porque eles são maus e horríveis.
— E suponho que as outras equipes são todos anjos?
Danny se encolhe e pega outro biscoito. Eu espero que ele diga mais,
mexendo no meu lugar.
— Eu sou um recebedor. — Ele finalmente diz.
— Deixe-me adivinhar. Você está apaixonado por quem? O zagueiro?
— Não. — Ele parece ofendido.
— Outro recebedor?
Ele olha para baixo, resmungando para si mesmo, e pega outro biscoito.
— Outro recebedor então. — Eu lhe ofereço um sorriso simpá co.
— Como você sabia?
— Porque você parece tão miserável quanto eu hoje, e acho que só o
amor pode fazer isso com a gente.
— Puta merda, isso é sombrio.
— Você vai me contar o que houve ou vai me fazer con nuar
adivinhando?
Ele suspira. — Você é muito chata.
— Eu me orgulho disso. — Eu digo. — Namoro dentro da equipe pode
ser um pesadelo.
— Sim, acho que você fala por experiência própria. Sabe, eu realmente
pensava que você era uma lenda urbana gay até que a vi no no ciário.
— Não. — Eu rio. — Mas, você está dois terços certo.
Ele levanta as sobrancelhas.
— As partes “gay” e “lenda”, obviamente. — Eu digo, me gabando.
Ele murmura e tenta esconder um pequeno sorriso. — Credo.
— Chega de falar de mim, afinal. Qual é o seu problema? Vocês dois
estão juntos? Ou é, po, uma paixão platônica?
— Você também é insistente. — Diz ele. — Irritante e insistente.
— É por isso que me pagam uns bons trocados.
— Te pagam por isto? — Ele parece cé co.
— Quero dizer, não, sou uma voluntária. — Eu pego um biscoito. — Mas
você vai responder à pergunta agora?
Danny inclina-se de volta em sua cadeira. — Con nue adivinhando. É
engraçado.
— Vocês estão juntos?
Ele acena com a cabeça.
— E alguém encontrou vocês dois e está causando problemas?
Ele abana a cabeça.
— Vocês dois se assumiram, e vivem na cidade mais amigavelmente gay
da terra, e tudo é rosas desde nossa úl ma conversa?
Ele abana a cabeça novamente.
— Você foi o único que saiu do armário?
Outro abano de cabeça.
— Ele é um namorado de merda?
Ele ri e abana a cabeça com força com essa.
— Você é o namorado de merda?
— Não. — Ele sorri. — Nós dois somos bons um para o outro.
— Eu desisto. Estou perdida. O que o levou a dirigir noventa minutos até
este centro para ver uma conselheira?
Ele bate com os dedos na mesa e solta um longo suspiro. — Eu ainda
não me assumi. Mas falei para ele que quero e ele disse que não quer. E
desde então, tem sido como… — Ele faz uma pausa. — Sinto que estou
sufocando ou algo assim. Estou nisso com ele, realmente estou, mas
ninguém pode saber. É uma bagunça.
E, uau, essas palavras caem no meu colo como uma pilha de jolos. Toda
a dor e frustração que sinto de Ruby e nossa discussão se reacende dentro
de mim. — É mais do que confuso. É um lixo puro e completo.
— Perdão?
— Se ambos estão apaixonados um pelo outro e têm um bom
relacionamento, então por que não deveriam gritar para o mundo? Na
minha opinião, ela não está realmente levando seus sen mentos em conta.
Ela está manipulando você. Não é justo.
— Ele. — Diz ele.
— O quê?
— Você disse “ela”.
Eu abano a cabeça. — Você sabe o que eu quis dizer. Seu namorado
deveria querer que as pessoas soubessem que vocês estão apaixonados.
Faz parte de estar apaixonado.
— Ele diz que não é assim tão simples.
— Então, ele que se foda. Não deixe alguém te prender em um armário,
literalmente ou figura vamente. Porque é uma droga e não melhora
depois de um tempo. Confie em mim, também sei bastante sobre isso.
Ele sopra um suspiro, suas bochechas incham enquanto ele considera o
que eu disse. — Mas é complicado. Nós dois temos mais um ano de escola;
estamos no segundo ano. Não me importa o que vai acontecer comigo;
não sou uma superestrela do futebol. Mas ele poderia ser. Já está sendo
procurado pelas faculdades. Ele poderia conseguir uma bolsa de estudos,
tornar-se profissional, até.
— E então o quê? Daí você será o segredo dele na faculdade também?
Isso é, se vocês dois chegarem tão longe com todas as escapadas e
men ras.
— Ei!
— Seu namorado perfeito precisa ganhar esse rótulo. E você precisa ter
algumas conversas di ceis com ele. Se vocês fazem um ao outro feliz, por
que o que os outros pensam é importante? Não vão expulsá-lo da equipe
por ser gay.
— Isso não literalmente aconteceu com você? Estaríamos arriscando
tudo se saíssemos do armário. Eu estou pronto, mas...
— Então, vamos processá-los. E vamos processar as faculdades. E
processaremos toda a porra da NFL, se for preciso. Mas você vai sair do
armário. E seu relacionamento não será um segredo por mais um segundo!
Uma ba da na moldura da porta chama minha atenção, e vejo Izzie ali
parada com um sorriso apertado. — Morgan, posso falar com você por um
momento?
— Eu estou no meio de...
— Não, eu sei. — Diz ela. — Vou pedir ao Aaron que entre para
terminar. Só preciso de você emprestada por um minuto.
— Está bem. — Levanto-me devagar e olho para Danny. — Voltarei
assim que puder.
— Melhor não. — Ele parece bravo.
Abro minha boca e depois fecho-a antes de seguir Izzie até o escritório
dela.
— Sente-se. — Diz ela quando está atrás de sua mesa.
— O que está acontecendo? — Eu me sento devagar. — Nunca a vi
interromper uma sessão de aconselhamento antes.
— Está tudo bem, Morgan?
— Sim.
— Parece que hoje você está um pouco nervosa.
— Eu estou bem.
Ela respira fundo. — Morgan, você sugeriu processar a NFL como uma
opção viável para ajudar Danny no seu relacionamento.
Esse é um ponto justo. — Está bem, talvez eu não esteja completamente
bem.
— Quer conversar sobre isso?
— Não. — Digo eu. — Posso simplesmente voltar ao trabalho?
— Infelizmente, tenho algumas preocupações reais sobre sua
capacidade de aconselhamento neste momento. Está tudo bem se você
não quiser conversar comigo. É por isso que temos um programa de
aconselhamento aqui em primeiro lugar. Mas eu adoraria se você...
— Você acha que eu preciso de terapia? Acha que eu estou fodida?
— Aconselhamento é para falar sobre as coisas e encontrar soluções que
funcionem. Todos podem se beneficiar com isso. Não se trata de qualquer
po de julgamento sobre sua saúde mental. Só quero ter certeza de que
você tem o apoio de que precisa.
— Eu sou a conselheira. Conselheiros não recebem aconselhamento.
— Na verdade, a maioria deles fazem. Nunca foi algo como uma rua de
mão única e com tudo o que você passou recentemente, acho que isso
poderia realmente lhe fazer bem.
— Obrigada por sua preocupação, mas tenho as coisas sob controle. De
verdade. Posso voltar lá? Danny e eu temos feito muitos progressos,
então…
— Receio que não. — Diz ela, dando-me um triste sorriso. — Seu
comportamento hoje cruzou algumas linhas com as quais realmente não
me sinto confortável.
— Ai meu Deus, você está me despedindo? — Pergunto, pulando do
meu assento. — Estou sendo demi da de um cargo voluntário?
— Não, Morgan. Claro que não. Ainda acho que você é um trunfo para
este centro. Mas, por enquanto, vou te rar do programa de
aconselhamento.
— Sério? — Sinto que vou surtar. Primeiro eu perdi o processo. Depois,
perdi a Ruby. E agora estou perdendo a única coisa que realmente ainda
me permite sen r que estou fazendo a diferença.
— Sei o quanto você gosta do seu papel aqui, e tenho outras coisas para
você fazer, mas neste momento não estou convencida de que você tenha o
espaço emocional para estar dando a outras pessoas.
— Eu tenho. Eu tenho todo o espaço. Muito espaço. Por favor. Eu
preciso disto.
— Aaron me contou sobre o resultado de sua ação judicial e o quanto
você tem lutado com isso. Tem muita coisa acontecendo fora do centro, e
me preocupo demais com você para arriscar que você se sobrecarregue.
Seria irresponsável da minha parte deixar que você assumisse mais.
— Eu não...
— Podemos reavaliar isto em algumas semanas, mas por enquanto
minha decisão se mantém. Eu adoraria que você con nuasse em outra
função, se es ver aberta a isso. Se você quiser sair mais cedo hoje, ou rar
algum tempo para pensar, eu entendo.
Sento-me ali por um segundo, de boca aberta, com a testa franzida,
deixando suas palavras afundarem na minha pele, onde podem se misturar
com todos os meus outros fracassos.
E então eu me calo porque este dia, este dia não vai me quebrar. — Eu
posso ficar por um tempo. Anika vai trazer um pouco das doações com
algumas pessoas da Sociedade de Honra esta noite. Vou ajudá-los a se
organizarem.
Izzie sorri. — Isso parece uma excelente ideia.

•••

Ruby está esperando no estacionamento depois do meu turno,


encostada no seu carro sob a luz da rua e parecendo totalmente e
injustamente beijável.
— Podemos conversar? — Pergunta ela.
— Eu não sei. Podemos?
— Desculpe por antes. — Ela suspira. — Vamos dar uma volta de carro.
Resolver isso.
— Aaron é minha carona hoje. Ele está terminando lá dentro, e depois
vamos para casa. Só saí para tomar um pouco de ar.
— Pelo menos me deixa te levar para casa, então. — Implora Ruby. —
Vou ser rápida. Só não quero deixar as coisas como estão.
— Tem certeza que quer fazer isso? — Eu pergunto. — Eu não sei se é
inteligente ser vista em público com seu segredo.
— Você sabe que não era isso que eu queria dizer. — Diz ela, levantando
a voz bem na hora que Aaron sai. Só que eu tenho certeza de que é
exatamente isso que ela quis dizer, mas tudo bem.
— Está tudo bem aqui? — Pergunta Aaron.
— Não. — Eu digo, ao mesmo tempo em que ela diz:
— Sim.
Aaron caminha em direção ao seu carro, que por acaso está do lado
exatamente oposto ao do terreno de Ruby. — Ainda quer uma carona para
casa?
Eu aceno e o sigo.
— Por favor. — Diz Ruby. — Eu estou implorando aqui.
Aaron abre a porta de seu carro, e eu ando um pouco mais rápido. Eu
posso fazer isso. Consigo manter minha posição. Mas por que sinto como
se es vesse sendo rasgada em duas?
— Morgan. — Diz ela, e parece tão lamentável que eu paro.
Aaron me observa de seu carro enquanto suspendo minha cabeça. — Na
verdade, acho que vou pegar uma carona com a Ruby.
— Você tem certeza? — Pergunta ele. Mas eu sei o que ele está
realmente perguntando: Eu me sinto segura? Preciso da ajuda dele? Será
uma boa ideia? E a resposta a todas essas perguntas é provavelmente
alguma combinação horrível de sim e não, mas não estou pronta para
enfrentar nada disso agora.
— Eu estou bem. — Eu suspiro. — Vejo você na escola amanhã.
Ele lança um olhar de aviso para Ruby. — Tudo bem, até amanhã.
Eu me inclino para frente e o abraço quando ele começa a entrar,
sen ndo-se estranhamente emocionada depois deste dia de pesadelo do
inferno. Ele me abraça apertado e sussurra em tom de brincadeira: — Diga
a palavra e a gente corre.
Eu forço um sorriso e depois me viro para enfrentar Ruby.
33
RUBY

— Você realmente quer que eu a leve para casa direto? — Pergunto


quando já estamos dirigindo há um tempo. Aaron esperou para sair depois
de nós, e agora está nos seguindo, cer ficando-se de que eu a leve para
casa. Sei que não há nada de român co entre eles, mas isso ainda me
deixa com ciúmes. Quero ser eu que cuido dela, não a que está recebendo
olhares de seus amigos.
— Eu não sei. — Diz ela. — Sim, acho que sim. O que mais há para dizer?
Você deu seu ponto na escola.
Eu esfrego minha testa e me viro para o complexo de apartamentos
dela. Aaron pisca suas luzes uma vez, mas con nua andando, e eu relaxo
um pouco.
— Sinto muito. Sei que lidei mal com tudo antes. — Eu passo pelo
apartamento dela enquanto dirigimos pelo complexo.
— Hm… Eu moro ali. — Morgan faz gestos atrás de nós.
— Pensei que poderíamos ir até a lagoa na beira do complexo para
conversar um pouco. Tudo bem? Eu dou a volta, se você quiser.
— Tudo bem, eu acho. — Diz ela, se acomodando contra o assento.
Encosto em uma vaga de estacionamento perto do lago. Morgan sai pela
porta e desce para o pequeno banco antes mesmo de eu desligar o carro.
Ela se senta perto de um dos patos adormecidos, que mal se mexe. Minha
mãe costumava me trazer aqui para alimentá-los antes das coisas saírem
dos trilhos. Quando eu ainda era sua pequena princesa.
O luar brilha na água verde enquanto Morgan pega uma pedra e a joga
no lago, mandando ondulações que tremem sobre ela. Eu respiro fundo e
saio do meu carro. Não sei como consertar isto, ou até mesmo se consigo.
Mas eu realmente quero.
— Posso sentar? — Eu pergunto.
— É um país livre. — Diz ela. — Mais ou menos. Para alguns.
Eu fico ali parada, agitada. — Não sei se isso significa sim ou ...
Morgan solta um bufo e se inclina, fixando os olhos na fonte borrifando
no centro.
— Eu entendo porque você está irritada. — Eu começo. —Você tem
todo o direito de estar...
Ela me corta. — O que eu sou para você?
— O que você quer dizer?
— Você me ama?
— Jesus, Morgan. — Digo eu, cravando meus dedos no meu joelho.
— E então? — Pergunta ela.
— Você sempre tem que pegar pesado? Estou tentando lhe dizer que
não quero terminar e você...
— Como podemos terminar, se não estamos namorando?
Eu suspiro. —Você sabe que eu não uso rótulos.
— Você. Me. Ama? — Pergunta Morgan, e eu sinto que vou ficar doente.
Porque amor é... bem, amor é uma armadilha. Amor é engravidar e ser
abandonada. Amor é a marca de mão na bochecha e toda a sua infância
envolta em tule. Amor é deixar que alguém tenha o poder de machucá-la
de maneiras que você sequer imaginou.
— É uma pergunta simples. — Diz ela.
— Não, não é.
— Como? — Pergunta ela, e não olho para cima. Não posso. Não
quando a única resposta possível que posso dar a ela é algo que eu nunca
direi. Eu não posso.
— Morgan…
— Se sou importante para você, então me responda!
— Eu não posso. — digo, apertando meus olhos para a sua respiração
afiada. Tudo fica quieto então. Até o som da fonte escurece em minha
cabeça, preso naquele minúsculo vazio de silêncio bem antes de tudo
explodir.
— Porque você não me ama, ou porque está tão presa em não usar
rótulos? — Eu ouço, a dor embaixo da raiva, ma zando sua voz com ela. Eu
faria qualquer coisa para que isso parasse. Me inclino para um beijo — se
ela me deixasse mostrar, tenho tentado desesperadamente mostrá-la
desde o início —, mas ela se afasta. — Pare com isso. Você não pode
consertar isso com seu corpo.
— Não que você tenha me deixado chegar tão longe. — Eu retruco, meu
temperamento vencendo por causa de mais uma de suas rejeições.
— Por que eu faria isso? — Pergunta Morgan, e parece que levei um
soco na boca. Não sei o que ela vê no meu rosto, mas seu rosto suaviza e
ela agarra a minha mão. — Eu não quis dizer isso como...
— Está tudo bem. — Eu digo, me afastando. Estou acostumada que as
pessoas me façam sen r menor, fazendo-me sen r indesejada. Mas não
ela. Nunca ela.
Levanto-me e ando até a beira do lago, mas ainda não é o suficiente. Eu
preciso de espaço. Uma fuga. Penso em caminhar diretamente pelo meio e
sair do outro lado, não parando até a ngir o oceano a dois estados de
distância. Pergunto-me se mesmo isso seria espaço suficiente, se espaço
suficiente poderia alguma vez exis r entre mim e o momento em que
Morgan Ma hews arrancou meu coração.
Ela se aproxima de mim e me estende a mão, mas eu a enfiei no bolso
do meu casaco antes que ela vesse oportunidade.
— Eu não queria dizer que nunca faria sexo com você ou que não quero
fazer. — Diz ela suavemente. — O que quer que você esteja pensando
agora, não é isso, eu prometo.
Eu lanço meus olhos para os dela e depois para a lagoa.
— Mas nunca fiz isso com ninguém, e não vou fazer só para que você se
sinta melhor ou para terminar uma conversa di cil.
Eu a encaro, estreitando meus olhos. — Eu nunca faria isso com você.
— Você já tentou. — Diz Morgan. — Mais de uma vez.
E volto a olhar para o lago porque ambas sabemos que ela tem razão,
mesmo que eu desejasse que não vesse.
— É só sexo. — Encolho os ombros, nem sei por que estou discu ndo a
questão. Posso ser uma idiota, mas não sou assim tão idiota. Pelo menos
eu pensava que não era.
— Não para mim. — Diz ela, e eu movo meus olhos para os dela. — Não
vou perder minha virgindade para alguém que… — Ela para.
— Alguém que o quê? — Pergunto, correndo através das dez mil
possibilidades em minha mente: alguém que dorme com todo mundo,
alguém que não tem os parafusos no lugar, alguém que é um lixo.
— Alguém que não tem certeza se me ama.
E, aí, isso dói mais do que qualquer outra coisa. Porque posso não ser
capaz de dizer as palavras, mas por que Morgan não consegue sen -las?
Como é que ela ainda não sabe?
Eu abano minha cabeça. — Como você não entende o quanto você
significa para mim? Depois de tudo! Eu não entendo.
— Eu preciso das palavras. — Diz Morgan, como se fosse tão simples
assim.
— Por que são tão importantes? É tudo uma besteira! As pessoas dizem
num segundo e mudam de ideia no outro.
— Você não! — Morgan grita. — Você não as diz. Você nem sequer diz
que ama seu carro, embora eu saiba que ama. Pode não significar muito
para a maioria das pessoas, mas significaria muito vindo de você.
— Mas você sabe o quanto eu me importo.
— Então talvez saber não seja suficiente, se eu sou a única que sabe.
— Qual é, Morgan? Você está irritada por eu não lhe dizer a palavra com
A ou está irritada por eu não anunciar em um cartaz para que todos
saibam?
— Ambos! — Grita ela.
Eu esfrego as minhas têmporas.
— Você sabia quem eu era quando começamos isso. Se queria
demonstração pública de afeto e rótulos, deveria ter perguntado a alguém
do seu precioso Clube do Orgulho. — Eu digo, o ciúmes escorrendo nessas
úl mas palavras.
Morgan me olha de relance por um segundo e, em seguida, sai
intempes vamente pelo caminho.
— Onde você está indo? — Pergunto eu, perseguindo-a.
— Para casa.
— Eu te dou uma carona.
— É logo ali na esquina. Posso ir andando.
— Mas eu quero. — Eu pego a mão dela para desacelerá-la. — Por favor.
— Não, obrigada.
— Não quero brigar com você. A razão de eu estar aqui esta noite é
porque quero que voltemos ao que éramos antes de eu agir como uma
idiota. Por favor!
— Não tem como. — Diz Morgan, me soltando.
Eu não quero acreditar nisso. Não vou acreditar.
Eu a sigo enquanto ela atravessa o pá o e vira a esquina, tudo calmo,
exceto o som dos nossos passos e o coaxar de um sapo na árvore. Morgan
desliza sua chave e abre a porta da frente, hesitando enquanto ela entra.
Dylan ainda não deve estar em casa, a julgar pela falta de luzes.
— Você vai me deixar entrar, pelo menos? — Eu pergunto.
— Tem certeza que quer? E se alguém ver?
— Meu carro está no fim da lagoa. Não é como se alguém fosse… —
Paro, percebendo tarde demais que ela estava sendo sarcás ca. —
Obviamente, eu quero entrar. Por favor.
— Fique à vontade. — Diz Morgan, puxando a porta.
34
MORGAN

Eu ro meus sapatos e acendo uma lâmpada.


Normalmente, Dylan já estaria em casa, mas estou feliz que ele não
esteja desta vez. Não preciso de um público enquanto levo um pé na
bunda pela segunda vez hoje, que é o que tenho quase certeza que
aconteceu — ou ainda está acontecendo agora —, especialmente depois
de ter sido despedida também.
Um monte de cartas foram empurradas através da nossa caixinha do
correio, então eu as recolho do chão, levo para a mesa e vou folheando
enquanto Ruby desamarra seus tênis e os deixa junto à porta. A maioria é
propaganda, mas então vejo uma carta do reitor de admissões da minha
faculdade. Ou, melhor, da minha faculdade em potencial.
— Ai, meu Deus. — Digo eu, deixando cair o envelope.
— O quê? — Ruby agarra-o do chão e lê a e queta. — É da sua
faculdade?
— Sim. — Eu digo, nossa discussão é colocada em espera, pois 100% do
meu foco é deslocado para o envelope em suas mãos.
— É leve. — Ela o balança um pouco para cima e para baixo. — É bom
que seja leve?
— Como eu deveria saber? Tudo que mandaram até agora foi por e-
mail!
Ruby o segura com um pequeno sorriso em seu rosto. — Só há uma
maneira de descobrir.
— Não consigo. — Eu abano minha cabeça. — Abra você.
— Tem certeza? É um grande momento.
— Abra. — Digo eu. — Por favor, estou morrendo.
Ruby respira fundo, abre cuidadosamente o topo e depois puxa
lentamente uma única página.
— Leia mais rápido! Vamos!
— Está bem, está bem. — Diz ela. Um sorriso se espalha pelo rosto dela
enquanto seus olhos examinam a página.
— É bom?
Rubi acena com a cabeça. — É muito bom.
— Deixe-me ver. — Eu arranco a carta da mão dela, quase rasgando o
papel no processo. Meus olhos o escaneiam rapidamente. É uma carta
muito gen l sobre o restabelecimento oficial da oferta deles e como estão
entusiasmados em me convidar formalmente para me juntar à equipe
deles.
Por um segundo tudo se encaixa no lugar e toda a felicidade é
restaurada. Vou poder estudar na faculdade dos meus sonhos; vou poder
correr na faculdade dos meus sonhos.
E então noto a data na carta — no dia seguinte ao anúncio de que minha
ação judicial foi formalmente arquivada.
É claro.
Amasso o papel com as mãos.
Tudo isso foi em vão. A ação judicial não ajudou ninguém; eu não ajudei
ninguém. Estou de volta onde comecei, como se nada vesse acontecido.
Dei um passo para mudar o mundo, e tudo o que fiz foi tornar a vida
infinitamente mais di cil para as pessoas ao meu redor.
— Morgan? O que há de errado? — Pergunta Ruby, e eu apenas... Não
consigo lidar com ela mais. Não consigo lidar mais com este círculo em que
pareço estar presa. As mesmas situações, rostos diferentes. Eu vou te
amar, mas não vou te dizer. Vou te beijar, mas tem que ser um segredo.
Sinto que vou gritar.
— Preciso ficar sozinha agora. — Eu corro para meu quarto e enterro
meu rosto nos travesseiros, tentando não chorar. A cama afunda um
momento depois enquanto a Ruby senta ao meu lado, esfregando minhas
costas. Eu fungo um pouco e me levanto. — O que você está fazendo?
— Tentando ajudar. Eu não sei o que aconteceu, mas...
— Você não sabe nada, Ruby.
— Eu sei que você acabou de descobrir que defini vamente vai entrar
na sua faculdade dos sonhos, e essas não parecem lágrimas de alegria. —
Ela limpa minha bochecha. — Não entendo. Pensei que era isso que você
queria.
— Se há algo que me foi mostrado hoje, é que o que eu quero não
importa.
Ruby olha para o lado e eu sei que meu golpe a ngiu-a.
— Vou ignorar isso. — Diz ela, como se fosse um grande favor dela ou
algo assim. — Mas isso é bom. É uma coisa boa, certo? Você está dentro.
Você tem uma bolsa de estudos.
— Sim. — Eu digo. — É uma coisa boa.
— Então o que houve?
— Olhe a data. — Digo eu, ges culando para a carta agora desamassada
em sua mão. — Eles a enviaram logo depois que o processo foi arquivado.
Logo depois que cedemos à St. Mary's. Estou sendo recompensada por ter
desis do de meus princípios. Eu pensei que poderia… — Eu abano minha
cabeça. — Tanto faz.
— Não importa o que seja. Fale comigo. Eu estou aqui. Eu quero estar
aqui.
Eu olho para ela. — Eu pensei que poderia mudar o mundo. Não é
estúpido? Eu realmente pensei que me defender teria um impacto. Mas
tudo isso foi em vão.
Ruby me dá um sorriso macio e prende um pedaço do meu cabelo
perdido atrás da minha orelha. — Não foi em vão. Você inspirou muita
gente. E você está ajudando as pessoas do centro. Ainda hoje, aposto que
você...
— Fui demi da hoje.
— Você foi demi da? Como? Por quê?
— Porque tentei obrigar alguém a sair do armário e processar a escola.
Tipo, com berros e muito estresse.
Rubi me esfrega as costas novamente. — Parece ter sido intenso.
— Sim. — Eu dou uma gargalhada amarga. — Aparentemente, só estou
qualificada para destruir as finanças dos meus pais e montar mochilas.
— Certo, bem, você tem tempo para resolver isso tudo. Não é...
— Uau, até minha namorada não acredita em mim. — Eu reviro os
olhos. — Oh, espere, não, eu esqueci. Não tenho namorada.
— Eu acredito em você! E também acredito que você merece só coisas
boas. Você merece tudo o que quer. Mas às vezes, no mundo real, o que
você merece não importa de verdade. Sinto muito que você só esteja
descobrindo isso agora.
Minha boca fica aberta em descrença. — Você acha que não sei como é
o mundo real? Eu desis da minha escola, dos meus amigos, de toda a
minha vida, só para me defender.
— E ninguém jamais poderá rar isso de você. Mas nem todos são
corajosos como você.
— Deveriam. — digo, rangendo os dentes. — Se todos tomassem uma
a tude para defender o que está certo, então…
— Nem sempre é seguro fazer isso! E as pessoas ignorantes contra as
quais você está lutando pensam que também têm razão.
— E daí? Eu deveria simplesmente desis r até que o mundo chegue a
um consenso sobre se posso ou não gostar de garotas?
— Eu não disse isso, e defini vamente não acho isso. — Diz Ruby,
passando suas mãos para cima e para baixo em meus braços. — Estou
dizendo que não importa se você não venceu o processo. Você está
ajudando as pessoas. Você me ajudou.
Eu fungo. — Como? Há pouco você estava basicamente me dizendo que
não podemos nos ver porque as pessoas estão começando a falar.
— Eu não disse que não podíamos nos ver. Só temos que encontrar uma
maneira de manter o silêncio. Talvez se eu sair um pouco mais com Tyler,
isso equilibre as fofocas.
Minha mandíbula literalmente cai. — Você está falando sério?
Ruby sorri, aparentemente alheia. — Sim, as pessoas provavelmente vão
supor que...
— Que você está fodendo ele. — Eu digo, surpreendendo até a mim
mesmo com minha dureza. Mas estou brava e magoada, não estou em
condições de brigar de forma justa neste momento.
Ela encolhe. — Não fale dessa maneira.
— É verdade, não é? — Eu me a ro para fora da cama e fico em pé em
cima dela. — Por que você sequer sugeriria isso? E o Tyler entra neste
plano conscientemente? Ou você vai machucá-lo também?
Ela pendura a cabeça. — Eu não quero machucar ninguém! Só quero
encontrar uma maneira de ficarmos juntas sem que as pessoas saibam.
— Eu quero que as pessoas saibam. — Eu resmungo. — Eu quero
rótulos e demonstração pública de afeto, alguém que não chame amor de
“a palavra com A”. E defini vamente não quero que a escola inteira pense
que você está transando com Tyler Portman, se es vermos juntas!
Ela olha para o lado, mordendo o lábio. — Eu realmente, realmente não
sei o que você quer que eu diga aqui.
— Eu literalmente acabei de dizer!
Ruby suspira e olha para mim. — Mas você sabe que eu não posso te
dar nada disso.
— Se você admira como sou “corajosa", — eu digo, chicoteando aspas
no ar para dar ênfase. — por que você não pode ser corajosa também?
— Você sabia o acordo! Você sabia. Não pode mudar as regras agora.
— Às vezes, mudar é bom. — Eu imploro. — Eu... eu preciso disso.
— Você precisa disto? Morgan, a minha saída do armário é minha. Não é
algo para colocar em sua coluna de vitórias para que possa se sen r
melhor consigo mesma.
Eu cruzo meus braços e olho para o lado.
— Você sequer está se ouvindo? É da minha vida que estamos falando.
Não pode virá-la do avesso só para ter o abalo que procura.
— Não é isso que eu estou fazendo.
— Talvez não intencionalmente, mas… olhe, por muitas razões, preciso
que ninguém se intrometa na minha vida. Está bem? Pode estragar muitas
coisas para mim.
Olho-a diretamente nos olhos. — Se você não quer que ninguém se
intrometa, então por que não há problema em fazê-los pensar que está se
envolvendo com o Tyler?
— Você sabe o porquê. — Diz Ruby, ajustando sua mandíbula.
— Não, eu não sei. Preciso que você me diga. — Eu digo, embora eu
saiba, e ouvir ela dizer pode me quebrar.
Ela abana a cabeça. — Porque Tyler é um menino. — Diz ela
suavemente. Renunciou. — E as garotas não devem gostar de outras
garotas.
— Bem, algumas garotas gostam. — Digo eu, ecoando as palavras dela
da loja.
As palavras ficam pesadas entre a gente, nenhuma de nós tem certeza
de para onde ir a par r daqui.
— Você não entende. — Diz Ruby, depois do que parece uma
eternidade. — Se minha mãe…
— Não, eu entendo. — Eu deixo cair minha cabeça. — Eu entendo. E não
vou ser a pessoa que força sua parceira a se assumir ou que faz um
ul mato.
— Obrigada. — Diz ela com um sorriso minúsculo. — Eu sabia que, se
conversássemos, poderíamos dar um…
— Mas acho que também não posso con nuar fingindo. — Eu olho para
o lado. — Prome a mim mesma que nunca mais deixaria ninguém me
empurrar de volta para o armário, mas eu realmente, realmente pensei
que poderia fazer uma exceção para você. Ou, honestamente, eu
realmente, realmente pensei que você mudaria de ideia sobre se assumir.
Eu sei que isso não é justo.
O silêncio se estende tão alto que faz meus ouvidos zumbir.
— Então, terminamos mesmo? — Ruby finalmente pergunta. E eu não
respondo, porque ambas já sabemos, e quando eu falo em voz alta... Ruby
deixa cair a cabeça contra meu ombro, suas lágrimas quentes e molhadas
contra minha pele.
— Eu te amo. — Digo eu. E ela olha para mim. — Estou apaixonada por
você desde que me entregou aquele saco de ervilhas.
O sorriso mais triste que já vi atravessa no rosto dela enquanto limpa os
olhos. — É?
— Sim. Gostaria que houvesse alguma forma...
Faróis de carro dançam através da minha parede, provavelmente Dylan
voltando para casa bem a tempo de testemunhar a catástrofe absoluta que
somos.
— Eu também. — Ruby funga. Ela pressiona sua testa contra a minha —
só por um segundo, tempo suficiente para que eu sinta que seu coração
também está rachando. — Nos vemos por aí, Ma hews.
E então ela se foi.
35
RUBY

— Merda. — Eu resmungo, deslizando por baixo do carro e batendo com


a chave no chão.
Billy olha para mim e depois volta a mexer no motor de uma motocicleta
do outro lado da oficina.
Eu me sento, pendurando meus cotovelos nos joelhos enquanto o suor
escorre pelo meu rosto. Fomos a ngidos por uma onda de calor precoce, o
que significa que está cerca de um bilhão e meio de graus aqui dentro. E eu
estou presa com as luvas porque não posso correr o risco de estragar
minhas unhas feitas tão perto do concurso. Perfeito.
Uma garrafa de água aparece na frente do meu rosto, as mãos de Billy
cobertas de gordura a agarram com força. — Vai me dizer o que está
acontecendo?
A garrafa amassa quando eu a agarro. Ele me joga um pano limpo e eu
despejo um pouco de água sobre ele e o passo sobre meu rosto e pescoço.
— O pistão do calibrador de freio ficou preso.
Ele toma um gole de sua própria garrafa, parecendo considerar
cuidadosamente suas palavras antes de seguir adiante com um simples: —
Você sabe que não é disso que estou falando, menina.
E eu sei que não é. Ele quer saber por que estou aqui na loja a cada
segundo que não estou na escola ou fazendo a preparação para o
concurso, mas não posso dizer a ele. Ele não entenderia, e se eu contasse
tudo, ele poderia até se assustar. Eu não poderia suportar isso além... bem,
além de todo o resto.
— Vamos lá, o que está perturbando você?
— Nada. — digo, caminhando para o rádio. Billy colocou uma terrível
canção clássica de rock sobre pintar coisas de preto, que é perfeita para
meu humor. Eu deixo o volume no alto e pego um trapo e um carburador
que precisa ser limpo da minha bancada de trabalho, sentada de costas
para ele.
Presumo que ele tenha voltado a trabalhar na bicicleta — Billy nunca foi
de pressionar —, até que eu o ouço baixar o rádio. Eu giro lentamente em
meu assento e o encontro me observando, completamente entre do.
— O quê? — Faço beicinho.
— Estava apenas pensando que as pessoas provavelmente dão ataques
e estouram essa música no volume máximo desde 1960, mas esta é a
primeira vez que vejo isso acontecer na vida real.
— Você nem estava vivo nos anos sessenta. — Eu bufo.
— Não significa que eu esteja errado. — Ele esguicha um pouco de
sabão em suas mãos, esfregando a graxa na pia industrial ao meu lado. —
Venha se lavar.
— Ainda estou trabalhando. — Digo bem quando um entregador se
aproxima da porta.
— Não quando o jantar chegou, não vai não. — Diz ele, indo pagar o
cara e pegar os sacos de comida. Eles são do Restaurante da Mama — já
até sei —, o que significa que provavelmente é o sanduíche especial de
rosbife da Mama. Minha boca saliva só de pensar nisso. U$8,99 por
sanduíche, é um esplendor raro.
Tiro as luvas das mãos o mais rápido que posso e depois mergulho no
banheiro para limpar um pouco mais, antes de me juntar a ele na mesa de
piquenique atrás da oficina. Ele já estava na metade de devorar o seu
lanche quando saio.
Billy desliza minha caixa até mim enquanto eu sento.
— Obrigada. — Eu dou a maior mordida que posso, minhas bochechas
incham como as de um esquilo, mas nem me importo. Billy não quer saber
se eu estou apresentável, pronta para o concurso, ou como uma dama. Ele
não se importa se eu inalo carne assada e adoro graxa e carros barulhentos
e rápidos. Ele não quer saber de nada desde que eu mantenha meu espaço
de trabalho limpo e faça um bom trabalho.
Ou assim eu pensava, mas então ele suspira e me dá um olhar que eu
nunca vi antes. Parece quase… preocupado?
— Tudo bem, já deixei isso con nuar por muito tempo. — Diz ele, como
se na verdade o es vesse matando ao dizer isto. — Você tem que me dizer
o que há de errado antes que eu tenha uma úlcera.
— Não há nada de errado.
— Ruby, você está falando com um cara com duas ex-mulheres, está
bem? Sei como é quando uma mulher está chateada. E eu também sei… —
Ele hesita. — Eu sei que sua mãe pode ser... um pouco di cil com as coisas.
Se você quiser conversar, eu...
— Não quero.
— Bem, se você quiser. — Diz ele, rando um pedaço de alface do
embrulho e mas gando-o pensa vamente. — Não estou dizendo que sou
o melhor em conselhos, mas você poderia receber piores. Só isso. Estou
aqui para você, sempre que precisar de mim.
Eu fico olhando para o meu sanduíche, piscando forte, porque isso é
provavelmente a coisa mais agradável que qualquer adulto já me disse, e
não estou preparada para isso. Eu não sei o que fazer com isso. Nem sei
como começar a me sen r a respeito.
Porque a verdade é que eu quero dizer a ele. Quero contar a alguém.
Porque isso tem sido um inferno para mim e ninguém sabe. Até tenho feito
uma cara corajosa para Everly, mesmo que ajudá-la com seu projeto Olhar
Apaixonado esteja me matando. Mas ver Morgan na escola, ter aula com
ela, agir como se tudo es vesse bem? É demais.
Na semana passada, até ve que mudar meu assento em Ciências
Polí cas porque não aguentava mais sentar de frente a ela. O garoto cujo
assento eu roubei ficou irritado até que eu lhe disse que faria com que seu
carro passasse na inspeção no próximo mês. Sabe, eu entendo isso. Eu
entendo tudo isso de uma mão lava a outra.
Mas não entendo o que é preocupar-se com alguém genuinamente,
mesmo que isso doa. Não entendo querer mudar o mundo para pessoas
que você nem conhece. E com certeza não entendo ter fé suficiente para
dizer eu te amo e ser sincera, mesmo quando a outra pessoa não pode
dizer de volta.
— Eu só preciso me manter ocupada neste momento.
Billy limpa seu rosto com um guardanapo. — Mm-hmm.
Parece que ele não acredita em mim, mas é verdade. Isso ajuda. Tenho
trabalhado aqui sem parar, tendo aulas extras no estúdio e pra cando
minhas coisas do concurso 24 horas por dia, 7 dias por semana. Charlene e
eu temos feito entrevistas e caminhadas e olhares até eu estar exausta
demais para sequer me mover, mas ainda não é o suficiente para manter
minha mente longe da Morgan.
Tudo me faz lembrar dela agora. Eu odeio isso. Não posso sequer ir à
mercearia para comprar um Cup Noodles sem passar por sua estúpida
exposição de flores e me lembrar do nosso primeiro encontro. Tenho feito
tudo que posso para ignorar a absoluta saudade que sinto por aquela
garota. Mas toda vez que paro de me mexer, tudo isso me pega.
Billy amassa seu papel, jogando-o no barril gigante que usa como lata de
lixo e levantando os braços no ar. — E a mul dão enlouquece! — Ele imita
o rugido das pessoas aplaudindo antes de ir para dentro. Eu sei que Billy
não percebeu que estava pegando uma ferida que mal está curada, mas
gostaria que ele vesse deixado-a em paz.
Con nuo dizendo a mim mesma que é melhor assim, que não estando
juntas será mais fácil para nós duas. E talvez seja para ela. Não sei. Toda vez
que a vejo, ela está com Allie e Lydia, treinando ou rindo de alguma coisa.
Acho que "viver sua verdade" tem sido bom para ela. Eu sei que deveria
estar aliviada, mas…
A corrida do estado é neste fim de semana, e aparentemente sou uma
masoquista, então estou planejando ir. Sei que ela vai ganhar facilmente.
Assim como sei que há todo um lado da vida dela do qual eu nunca
par cipei. Uma vida feliz. Uma vida da Divisão I.
Talvez eu tenha sido a coisa que estragou tudo o tempo todo.
Eu fico olhando para a mesa de piquenique, a madeira cinza que já
deveria estar manchada há muito tempo e está aqui fora apodrecendo
porque ninguém está cuidando dela. As pessoas deveriam tomar conta de
suas coisas. Seja uma velha mesa de piquenique ou… ou sua pessoa.
E, de repente, parece que vou explodir, palavras se acumulando no
peito, como se es vesse sufocando, como se não as rasse imediatamente,
me afogaria nelas.
Caminho até onde Billy está trabalhando na motocicleta, uma velha
Harley que um de seus amigos possui, pela qual ele cobra metade do
preço, embora eu saiba que ele realmente precisa do dinheiro. Eu limpo
minha garganta, e ele para, inclinando-se para trás em seu assento apenas
o suficiente para fazer contato visual e levantar as sobrancelhas.
— Talvez eu seja bi ou algo assim. — Murmuro, as palavras caindo da
minha boca como vidro e se esmagando no chão abaixo. Espero que ele aja
de forma estranha ou me diga para sair, mas ele apenas olha para mim
como se es vesse me esperando dizer mais. Mas não há mais nada. — Eu
vou embora.
— Eu meio que imaginei isso quando trouxe a garota aqui. — Diz ele,
trocando a chave inglesa. — Foi ela que te deixou toda bagunçada?
Eu congelo. — Você sabia?
Ele olha para mim enquanto aperta um parafuso. — Ela olhou para você
como se vesse pendurado a lua, e você estava com o sorriso mais brega o
tempo todo. Além disso, ela é a primeira pessoa que você trouxe aqui para
mostrar suas coisas. Eu teria suspeitado, mesmo se você não fosse péssima
em ser sú l.
— Ei, eu trouxe a Everly aqui! E Tyler!
— Sim, uma vez cada, para usar o elevador e remendar seus carros de
merda. — Ele ri. — Não para dar uma introdução e uma grande excursão.
Você nem deixou o Tyler entrar enquanto trabalhava, lembra? A senhora
do outro lado da rua chamou a polícia porque ele con nuava olhando
pelas janelas e ela achava que ele iria assaltar o lugar.
Ele me pegou aí.
— Você contou para sua mãe?
Eu balanço minha cabeça. — Não, mas ela ouviu um rumor e não ficou
contente com isso.
— Aposto que sim. — Ele olha para mim, estudando cada cen metro do
meu rosto. — Você está bem?
Eu encolho os ombros e olho para o lado.
— Ruby. — Ele se levanta, e eu posso ver uma cin lação de raiva sob os
olhos dele. — Sua mãe está te tratando bem?
Eu aceno. Dando cobertura para ela mesmo agora. Protegendo a pessoa
errada. Amando a pessoa errada. Sempre.
— Então o que foi?
— Morgan e eu terminamos. Não podia mais arriscar que a mamãe
ficasse bisbilhotando, mais a coisa toda do desfile. Eu estaria ferrada se
descobrissem.
Ele levanta uma sobrancelha. — Você odeia os desfiles.
— Odeio, mas este próximo tem uma bolsa de estudos para uma
universidade com um bom programa automo vo. Estou pensando em
talvez fazer isso, se eu conseguir.
— Programa automo vo, é? — Ele sorri.
— Sim. — eu digo, sen ndo-me estranhamente orgulhosa de mim
mesma.
Ele sussurra e murmura algo que eu não consigo ouvir na lateral da
moto.
— O quê?
— Eu disse — ele levanta sua voz. — que ainda acho que você é uma
imbecil.
Eu deixo sair um riso assustado. — Eu?
— Sim, você. — Diz ele. — Se está me dizendo que a razão de você ter
ficado flutuando no ar foi aquela garota, então você é uma imbecil por
acabar com isso, não importa como sua mãe age ou qualquer outra
pessoa. Céus, eu não tenho muito, mas você sabe que eu tenho um sofá
com seu nome a qualquer momento, pelo tempo que precisar, e não vou
perguntar merda nenhuma, a menos que você precise.
— Sério?
— Eu me divorciei da sua mãe, menina, não de você. Você sempre terá
um lugar para dormir e comida enquanto eu es ver nesta terra. Agora re
a cabeça do buraco e comece a fazer planos reais para si mesma, em vez
de apenas correr assustada por aí, fazendo o que sua mãe quer o tempo
todo.
Abro minha boca com a intenção de dizer, nem sei o que, mas tudo o
que sai é um pouco de respiração ofegante enquanto tento não chorar.
— Ei, não faça isso. — Diz Billy com um rosto exageradamente severo. —
Posso lidar com muitas coisas, mas meninas chorando na minha oficina
não é uma delas. Você não tem um carro para consertar?
— Sim. — Eu abano a cabeça, limpando o nariz. — Sim, eu tenho.
36
MORGAN

Encontro minha pista entre as outras garotas correndo o 3200. Somos as


melhores das melhores quando se trata de corrida à distância na primeira
divisão. Vejo meus pais na mul dão de espectadores e desperdiço alguns
segundos escaneando as filas ao redor deles, como se Ruby es vesse, de
alguma forma, lá. Mas é claro que ela não está.
O juiz nos diz para nos prepararmos, e me afundo em minha postura,
todo o meu corpo es cado e elétrico. Sou a única da equipe que até se
qualifica para esse calor, e não vou deixar que um pequeno coração par do
me atrase.
A arma dispara e eu também, empurrando tudo o que tenho em cada
um dos passos. Todo esse coração par do, tudo o que passei e ainda estou
passando — me alimenta. Sinto as outras garotas ficando para trás
enquanto dou meus passos. Acham que podem me alcançar? Podem
tentar.
Aqui na pista, não há nada além de mim e do som da minha respiração e
do ardor das minhas pernas.
Aqui, eu encaro minhas expecta vas e as supero.
Aqui, não decepciono ninguém com ações judiciais fracassadas ou ideias
ruins.
Aqui, estou livre.
Aqui.
Bem aqui.
Quando cruzo a linha de chegada, caio nos braços de Lydia, soluçando,
desejando que fossem os Ruby. Toda a minha equipe se apressa para me
abraçar, me dando palmadinhas nas costas e dizendo que fiquei em
primeiro lugar. E então minha mãe está lá me segurando, me abraçando
com força.
Deixei que todos pensassem que as lágrimas eram do esforço. Meninos
vomitam, meninas choram — é o que os treinadores sempre dizem.
Ninguém precisa saber a verdade.

•••

— Você vai ficar sentada em seu quarto e choramingar para sempre? —


Pergunta meu irmão, inclinado na entrada da porta.
— Não. — Eu digo sem expressão. — Tenho que ir para a escola em uma
hora.
— Legal. Então seu plano é simplesmente contagiar todo mundo que
quer aprender com seu péssimo humor? Excelente decisão. — Diz ele com
um enorme sorriso zombeteiro e dois grandes polegares para cima. Eu luto
contra a vontade de jogar algo contra ele.
Não é culpa dele que eu me sinta miserável. Ele não mudou de lugar na
aula só para evitar me olhar. Ele não faltou a minha corrida estadual.
— Só estou cansada. — Digo eu, o que não é uma men ra. Passar o dia
inteiro na escola sorrindo e agindo como se eu es vesse bem é cansa vo.
Aaron sabe melhor; já chorei com ele mais de uma vez. E Anika e Drew
con nuam me fazendo de sanduíche no corredor, tentando bloquear
minha visão dela. Até Allie e Lydia ficam me perguntando se estou bem. A
resposta é sempre "Sim, claro" e depois "mal posso acreditar que
ganhamos o estadual". O que inevitavelmente as distrai.
Mas quando estou em casa, me enrolo em uma bolinha e vejo desenhos
estúpidos no meu iPad, tento não respirar muito, porque às vezes a
respiração dói quando não se pode estar com a pessoa que se ama.
— Você dorme pra camente o tempo todo. — Diz Dylan.
— Sim, porque estou cansada. — Eu digo através de dentes cerrados.
— Isso é sobre o centro? Porque posso ligar lá e ver se consigo que você
seja reintegrada como conselheira. Se isso está te perturbando tanto,
então talvez não devesse passar tanto tempo lá.
Dylan não sabe a razão pela qual eu passo tanto tempo lá, porque é o
único lugar onde posso me sen r bem e verdadeiramente desabafar. Até
comecei a fazer aconselhamento. Izzie tem sido uma dádiva de Deus.
— Podemos falar sobre outra coisa? — Eu pergunto.
— Ó mo, que tal o fato de eu não ver Ruby há uma semana, sendo que
ela pra camente morava aqui?
— Dezessete dias. — Digo eu. — Não uma semana. — Percebo tarde
demais que saber exatamente a úl ma vez que ela esteve no meu
apartamento provavelmente não ajuda a defender quão bem eu estou.
— Como passou tanto tempo assim? A corrida estadual foi há apenas
uma semana. Se você ficasse mais acordada, talvez soubesse realmente
que dia é hoje.
— O que Ruby tem a ver com o estadual?
— Uh, porque ela estava lá. — Diz Dylan. — Ah, desculpe, ainda não
estamos reconhecendo que ela existe em público?
Eu me levanto na cama. — A Ruby estava lá?
De repente ele parece muito desconfortável. — Eu pensei que você
sabia.
— Por que você não disse nada?!
— Presumi que vocês nham saído de fininho para se pegar debaixo das
arquibancadas quando não estávamos olhando.
Eu fico olhando para ele com a cabeça girando. Por que Ruby foi? Por
que ela não me disse nada? Ela tem sido tão fria, tão boa em manter a
distância. Eu pensei que ela estava feliz. Se ela foi até lá para...
— Morgan? — Pergunta Dylan, mas o zumbido do meu alarme me salva
de qualquer outra conversa.
— Tenho que me arrumar. — Eu digo, correndo para o banheiro.

•••

Não sei o que eu esperava que acontecesse quando chegasse à escola,


ou porque pensava que a súbita revelação de que Ruby nha ido à minha
compe ção há uma semana mudaria qualquer coisa. Não muda nada.
Eu a vejo se movendo pelo prédio, procurando por brechas em seu
exterior calmo ou provas de que ela ainda se importa. Ela se senta com
Marcus e Everly no almoço, sorrindo na quan dade certa e sem olhar em
minha direção. Sento-me com Anika sob o pretexto de ajudá-la a catalogar
as úl mas doações — ela está classificando as roupas, e eu estou
organizando os enlatados e secos —, mas a verdade é que estou cansada
demais para con nuar a farsa ao redor de Allie e Lydia. Embora, a julgar
por seus rostos preocupados, não tenho certeza se estou enganando
alguém, de qualquer maneira.
— Talvez você devesse falar com ela novamente. — Diz Anika após a
décima vez que verifico se Ruby está olhando. Ela não está.
— E dizer o quê? Nada mudou.
— Não sei, mas você parece muito mais miserável agora do que antes.
Tiro três latas de feijão verde e as registro na folha na minha frente. — O
que acha? Provavelmente tem o suficiente para, o quê, mais seis ou sete
sacos com tudo isso?
— Espero que sejam oito para podermos doar igualmente para vinte… e
não pense que não notei sua pequena mudança de assunto.
— Desculpe. — Re ro o item final, uma caixa gigante de macarrão e
queijo, e depois sento na minha cadeira. — Não pensei que ficar longe dela
fosse ser tão ruim. Quer dizer, não era nada oficial!
Anika dá de ombros. — Demorei mais de um ano para superar a
primeira pessoa que eu realmente amei.
Eu registro o macarrão e o queijo na ficha e suspiro. — Está me dizendo
que ainda tenho mais de onze meses disso?
— Não, estou lhe dizendo para não ser como eu. — Diz Anika. — Acabar
com elu foi o maior erro que eu já come .
— Então por que você fez isso?
— Porque pensei que elu estava me traindo, mas, na verdade, a pessoa
com quem vi com elu era seu primo. Eu nem dei a elu uma chance de
explicar, e quando finalmente descobri a verdade, elu decidiu que não
queria mais ficar comigo. Eu quebrei a confiança delu reagindo
exageradamente e não acreditando nelu.
— Mas isso é diferente.
— Sim. — Diz Anika, dobrando um par de calças de pijama. — Mas acho
que a parte do arrependimento vai ser exatamente a mesma.
Olho novamente para Ruby, que agora está envolvida no que parece ser
uma conversa animada com Tyler. Será que estão saindo novamente? Me
pergunto se é assim que ela está seguindo em frente tão rápido. — Bem, a
Ruby parece estar indo muito bem.
A Anika olha para ela. — Não sei. Talvez ela seja apenas melhor em fingir
do que você. Ela tem toda essa experiência de concurso. Ninguém pode
estar tão feliz por ficar de biquíni em um palco.
— Ei, eu também sou boa em fingir.
— Claramente. — diz Anika com um pouco de risada.
— O que isso quer dizer?
A Anika levanta minha folha de estoque e a segura na minha frente.
— Veja a úl ma coisa que você escreveu.
— Macarrão e queijo? — Eu digo, coçando meus ombros.
A Anika balança a folha. — Tente novamente.
Eu me estremeço quando leio o que realmente está lá. — Macarrão e
Ruby. Uma caixa.
— Sim. — diz ela.
— Poderia ser, po, um sabor experimental! Eu sou uma inovadora.
— Uhum, claro.
— Estou sem esperanças. — Eu ro a folha da mão dela e corrijo.
— Mais ou menos. — Diz ela assim que o sino toca.
Ruby se levanta de sua mesa, com Tyler seguindo atrás. Nossos olhos se
encontram quando ela passa, e ela me dá o mais pequeno sorriso. Dura
apenas um segundo, e não tenho nem certeza se foi intencional, mas vou
aceitar.
37
RUBY

— Ei. — digo entrando em casa. Eu saí cedo de casa para realizar


algumas tarefas antes do concurso. Chuck ainda está dormindo, mas
mamãe já está na mesa da cozinha com seu café. Ela parece sonolenta e
calorosa, feliz de um jeito que ela só fica nas manhãs de desfile... o que
torna isso muito mais di cil.
— Bom dia. — ela diz. — Onde você estava tão cedo?
— Tive de deixar umas anotações com uma amiga.
— É algo da escola?
— Para alguém da minha aula de Ciências Polí cas. — eu puxo minha
cadeira e me sento em sua frente — Mas eu preciso conversar com você
sobre algo. E não fique brava, ok? Por favor?
Mamãe abaixa sua caneca.
— Como vou saber se vou ficar brava até você dizer?
— Bem, provavelmente vai te deixar brava. — Passo a língua pelos meus
dentes, ganhando tempo, juntando coragem para dizer. — Mas espero que
me ouça mesmo assim.
— Ruby, do que você está falando? Aquele garoto Tyler te engr…
— Não, não, eu não estou grávida.
— Ah, graças a Deus. — ela volta a tomar seu café. — Não me assuste
assim…
— Mas preciso que você saiba que não importa o que aconteça hoje, eu
não… eu não vou mais par cipar de concursos.
— Besteira. — ela diz, aumentando sua voz. — Eu não vou deixar você
desperdiçar a sua vida. Eu quero o melhor pra você. Eu…
Eu alcanço o outro lado da mesa e seguro sua mão.
— Eu não estou desperdiçando a minha vida. Tenho um plano. Existe um
ó mo programa automo vo, e eu... Concursos são o que você quer, mãe.
Sempre foram. Por favor, tente entender.
— Você é boa, querida. Você é muito boa. Eu me recuso.
— Recusa o quê? Eu tenho dezoito anos! É hora de me deixar começar a
descobrir o que eu quero, em vez de apenas...
— Apenas o quê? — Ela puxa a mão para trás, seus olhos ficando frios.
Eu desviei o olhar.
— Só estou tentando te fazer feliz. Eu sei que você desis u de muito por
mim, e sou grata, mas você realmente tem que me deixar viver minha vida
agora.
— E o que exatamente você acha que tem feito?
— Vivendo a sua vida, aquela que você perdeu quando me teve.
Lamento que isso tenha acontecido com você, mas preciso parar de te
pagar por ter nascido. Eu só… quero tomar minhas próprias decisões,
mesmo que você ache que elas estejam erradas.
— Ruby, abandonar os concursos não é apenas errado. É jogar fora tudo
pelo que temos trabalhado desde que você era uma garo nha.
— Mas eu não estou. Você sabe que não estou no caminho certo nem
para ir para o Miss América, muito menos para ganhá-lo. Não tenho um
tulo importante há anos, nem sequer estou ganhando os mais pequenos.
— Vamos trabalhar mais duro. Você ainda tem mais alguns anos de
elegibilidade e terá muito mais tempo para isso depois de se formar.
— Não. Este é o úl mo. — eu encontro seus olhos e respiro fundo. —
Mas... eu também não estou falando apenas sobre concursos.
Seus olhos se estreitam e depois se arregalam.
— O quê, então?
— Você sabe do que estou falando, mãe. Você até sabe de quem estou
falando.
— Saia da minha cozinha. — ela se levanta tão rápido que sua cadeira
tomba.
— Mãe...
— Saia da minha frente agora, Ruby. — ela diz, com as mãos tremendo.
— Vai.
Então eu saio. Corro para o meu quarto e pego as minhas coisas o mais
rápido que posso, mas ela me segue de qualquer maneira.
— Eu te criei melhor do que isso! Eu tentei o meu melhor para fazer o
certo por você! — Ela grita, pegando um troféu da minha prateleira e
jogando no chão. — Desis de tudo, de tudo, para que você pudesse viver,
e é isso que eu ganho? — Ela pega outro troféu. — Esta é a minha
recompensa por trabalhar em empregos de merda e inves r cada centavo
que eu podia nessas compe ções?
— Eu não pedi para você fazer isso! — Eu digo, me esquivando
enquanto ela joga o próximo direto em mim. — Eu não pedi para nascer!
— Talvez este tenha sido meu primeiro erro. — ela diz, e então a sala
fica em silêncio. Até os cães param de la r quando as palavras dela
pousam como mísseis ao nosso redor.
— Uau. — eu sussurro.
— Ruby, querida… — ela diz enquanto a compreensão do que ela
acabou de dizer parece tomar conta dela.
Eu corro para fora de casa.
— Querida, espere. — ela chama da varanda. — Eu não quis dizer isso.
Nós vamos dar um jeito. Assim como fizemos com Ka e. Você não
precisa...
Bato a porta do carro e saio, sufocando os soluços até chegar à casa de
Everly. Eu mal estacionei meu carro antes de bater na porta da frente dela.
Everly, com muito sono, a abre, seus olhos se arregalando assim que ela
me vê.
— Ruby?
— Posso entrar? Eu só preciso de um lugar para...
Mas eu não consigo falar mais nada antes que ela me envolva em um
abraço tão apertado que eu mal consigo respirar.
— Você nunca precisa pedir. — ela diz enquanto enterro meu rosto
contra ela. Ela passa a mão no meu cabelo e me diz que tudo vai ficar bem.
E mesmo que pareça que minha vida inteira acabou de desmoronar, de
alguma forma, eu acredito nela.
38
MORGAN

Há um único cravo roxo preso nos raios da roda da minha bicicleta, um


pedaço de papel enrolado na haste. Sento-me nos degraus da minha
varanda, olhando para ele como se fosse me morder, sem saber o que mais
fazer.
Dylan sai alguns minutos depois, sua caneca de café ainda fumegante,
pronto para o longo dia de trabalho à frente.
— Pensei que nha ido embora. Você não tem um turno no centro?
— Tem uma flor na minha bicicleta. — digo, como se isso explicasse
tudo.
— Você… você precisa que eu re para você? — ele pergunta,
claramente confuso.
— Acho que é da Ruby. — digo, ainda olhando para ele.
— Ah, ok. — Ele se senta ao meu lado na escada, e então nós dois
apenas olhamos para ela por um minuto, sem dizer nada.
Eu olho para ele.
— Você não vai se atrasar para o trabalho?
— Ele pode esperar. — Ele toma um gole de seu café enquanto olha
para minha bicicleta. — Isso parece mais importante.
Soltei um suspiro.
— O que você acha que diz o bilhete?
— Provavelmente algo bom.
— Sério?
— Não se esconde flores e bilhetes para as pessoas a menos que seja
algo bom.
— Ok. — Eu aceno, mas não saio do meu lugar.
— Ok. — ele concorda, tomando outro gole de seu café com tanta
calma, como se nós dois não es véssemos sendo ridículos, como se nós
dois já não es véssemos atrasados para as coisas e ficando mais atrasados
a cada segundo.
Esfrego minhas mãos rapidamente, tentando me animar.
— Eu vou pegá-lo.
— Bom plano.
— Realmente vou pegá-lo. — digo novamente, ainda sem me mover.
— Jogada inteligente.
— Estou indo fazer isso. — Eu me levanto. — Sério.
— Vai com tudo! — diz Dylan, e eu levanto minhas sobrancelhas. —
Demais?
— Demais.
— Que tal 'boa sorte'? 'Boa sorte' funciona?
— Funciona. — eu digo.
— Boa sorte, então.
Eu levanto meu queixo e marcho. Minhas mãos tremem quando re ro a
flor, quase deixando cair o bilhete no processo. Então eu corro de volta
para as escadas.
— Bom trabalho, soldado. — Dylan diz enquanto desdobro o papel. — O
que diz?
Eu respiro trêmula e meus olhos examinam as palavras na minha frente.
— Ela diz que eu a inspirei e quer conversar. Ela diz que entende se eu
não quiser, mas que realmente espera que eu queira.
— Como você se sente sobre isso? — Dylan pergunta.
Esfrego meu polegar sobre sua caligrafia elegante. Eu não suporto olhar
para longe.
— Eu não sei. Tenho tanta saudade dela.
— Então qual é o problema?
— Existe mesmo um sen do?
Dylan me cutuca.
— Sempre há um sen do quando você ama alguém.
— Mas não diz isso. Diz apenas que eu a inspiro, po, eu manter meus
princípios.
— Morgan, é um bilhete, não seus votos de casamento.
Eu olho para ele.
— Mas eu não quero inspirá-la. Eu quero que ela esteja apaixonada por
mim.
— Não consigo decidir se é ca vante ou irritante o quão obtusa você é.
— Dobro a nota e coloco-a no bolso do capuz enquanto Dylan se levanta
para sair. — Você quer que eu a deixe no centro a caminho da loja?
— Não. — eu digo, tentando raciocinar, tentando descobrir o que tudo
isso significa. — Acho que o passeio de bicicleta vai me fazer bem.

•••

A viagem até o centro é muito curta, principalmente porque pedalo o


mais rápido que posso, a confusão se misturando com adrenalina para me
fazer sen r a um passo de ser uma super-heroína. Uma super-heroína
muito insegura e cautelosamente o mista por causa desse bilhete... Talvez
Dylan esteja certo sobre isso. Talvez possa ser sobre amor, se você olhar
bastante.
Aaron me puxa quando eu entro, me puxando para a sala de descanso
para me entregar uma garrafa de água.
— Você está bem? — ele pergunta. — Parece um pouco estranha.
— Estou um pouco estranha. — respondo honestamente. — Mas
possivelmente no bom sen do. Ruby me deixou um bilhete.
— Hmm. — Aaron cantarola, parecendo pensa vo. — Ela também teve
uma briga de gritaria com a mãe esta manhã. Eu conseguia ouví-las da
minha casa. Por que tenho a sensação de que está relacionado?
— Ela está bem? — Eu deixo escapar.
— Não sei. Ela saiu pela garagem e foi isso.
— Aaron. — Izzie interrompe, inclinando a cabeça para a sala de
descanso. — Sua próxima visita é aqui.
Aaron parece querer dizer mais, mas obedientemente sai, me deixando
sozinha nesta sala muito pequena com uma garrafa de água e um cérebro
cheio de perguntas.
Pego meu telefone, nem mesmo hesitando antes de enviar uma
mensagem para Ruby: Recebi seu recado. Foi legal de sua parte.
E acrescento: estou com saudades.
Três pon nhos aparecem, mas depois desaparecem. Eu fico olhando
para o meu celular, meu coração na minha garganta, e espero que eles
reapareçam.
Não reaparecem.
Franzindo a testa, eu sigo para a sala comunal. Depois da escola ontem,
alguns de nós viemos aqui para deixar a úl ma das mochilas e comemorar
a conclusão do nosso projeto de fim de ano. A nova mesa de exibição
parece incrível com as sacolas de doações sobre ela.
Agora que isso foi feito, meu plano para hoje é reorganizar a estante.
Normalmente, são por ordem alfabé ca de autor, mas Izzie me deu sinal
verde para reorganizá-los por cor para o mês do orgulho. Claro, fazer um
arco-íris de livros é um trabalho estúpido, mas eu gosto disso.
Estou com uma hora de turno quando uma voz familiar me ra do
trabalho.
— Ei.
— Ei. — Eu me viro, dando a Danny um pequeno sorriso. Acho que sei
com quem foi a consulta de Aaron. Eu olho para ele, não tenho certeza se
devo me desculpar ou se pedir desculpas só vai piorar as coisas. Pelo que
eu sei, ele está vindo para me dizer o quão feliz ele está por nunca ter que
me ver novamente.
— Você está com fome? — Ele pergunta, segurando um guardanapo
com alguns biscoitos nele. Não comi um desde o dia em que perdi a cabeça
com ele.
— Obrigada. — eu digo, pegando um. Ele morde o outro, um olhar
pensa vo em seu rosto.
— O que é tudo isso?
— Estou reorganizando a estante. — digo. — Não estou mais fazendo
aconselhamento aqui, obviamente. Então, estou apenas tentando ser ú l
de alguma forma.
— Legal. — ele diz.
— Olha, eu realmente sinto muito pelo que aconteceu. Eu não deveria
ter pirado daquele jeito. Não era realmente sobre você, e eu não deveria
ter deixado meu próprio drama turvar meu julgamento.
— Está tudo bem. — diz ele. — Eu sei o que é ficar super
sobrecarregado. Se serve de consolo, sinto muito que você não seja mais
uma conselheira.
Eu encolho os ombros.
— Eu era péssima de qualquer maneira.
— Não, você não era.
— Nós dois sabemos que sou uma bagunça demais para aconselhar
alguém agora, mas obrigada.
— Às vezes, esses são os melhores conselheiros, eu acho. — diz ele. —
Além disso, quando você não estava gritando comigo para processar a NFL,
você me deu um conselho muito bom.
— Isso significa que você disse ao seu namorado como era importante
para você sair?
Danny concorda com a cabeça.
— Eu estava com medo, mas disse a ele exatamente como me sen a,
assim como você disse. Eu disse que não me importava se isso significasse
o fim da minha carreira no futebol, mas que realmente esperava que não.
E eu disse que queria que o mundo inteiro soubesse como estamos
apaixonados um pelo outro.
Eu sorrio.
— Que incrível. Agora vocês não precisam mais se esconder.
— Obrigado. Mas, na verdade, não nos assumimos.
— Mas você acabou de dizer...
— Eu disse que falei tudo o que sen a.
— Mas o problema não era que você não estava mais feliz em ser um
segredo?
Ele encolhe os ombros.
— Mais ou menos?
— Você me deixou confusa.
— Depois que eu disse a ele tudo isso, eu o deixei falar. Ficou muito
pesado. Houveram muitos gritos no início, e foi mais di cil do que pensei
que seria. Mas uma vez alguém me disse para não fugir de conversas
di ceis, então eu não fugi.
— Vocês terminaram, então? — Eu pergunto, porque isso soa muito,
muito parecido com Ruby e eu.
Ele balança a cabeça e meus olhos se arregalam.
— Percebi que minha 'verdade' ou o que quer que seja, não era mais
importante do que a realidade dele. Ele não se sente confortável fora do
armário, e sua vida familiar não é das mais favoráveis. Decidi que o amo o
suficiente para poder esperar.
— Então vocês vão con nuar men ndo? — Eu pergunto, e ele recua
com minhas palavras.
— Eu não estou men ndo. Estou protegendo a pessoa que amo da
melhor maneira que posso. E pode não funcionar; a pressão pode a ngir
nós dois. Mas concordamos que se isso acontecesse de novo, seríamos
honestos e par ríamos daí. Agora, estamos bem. Nós dois entendemos de
onde o outro está vindo. Se minha escolha é tê-lo por alguns momentos ou
em nenhum, eu escolho alguns.
— E você está bem com isso? Sério?
— Eu tenho que estar. Não vou terminar com a pessoa que amo só para
provar um ponto.
E de repente parece que alguém deixou cair uma bigorna na minha
cabeça porque… não foi isso que eu fiz, foi?
— Ah, meu Deus. — eu sussurro.
— O que?
Eu viro meus olhos para os dele.
— Eu come um grande erro.
— Não, o seu conselho foi ó mo. Eu provavelmente nunca teria do a
coragem de ser honesto com ele sem isso. Eu entrei lá todo animado,
pronto para arrancar as dobradiças do armário por sua causa. — Danny ri.
— E mesmo que isso não possa acontecer agora por uma série de razões, a
conversa nos aproximou. Se você não vesse me pressionado, eu não teria
dito nada até que es vesse tão farto que não poderíamos mais salvar o
que temos. Eu deveria estar agradecendo a você.
Eu engulo em seco, olhando para a mesa.
— Eu não escutei.
— Bem, não vou repe r. — Ele sorri. — Agora parece que você está
pescando elogios.
— Não, eu ouvi você. Mas não a garota que eu gostava. A garota de
quem gosto. Fiz exatamente o que você fez, mas não dei ouvidos. Eu a fiz
sen r como se não houvesse opção. — Eu balancei minha cabeça. — Eu
pensei que não vesse. E agora acho que talvez ela esteja tentando
consertar as coisas. Ela me deixou uma flor e escreveu este bilhete. Mas
acho que sou eu quem deveria estar tentando fazer as pazes com ela.
— Ah. — diz ele. — Que merda.
— Sim. — Eu olho para ele. — O que eu faço agora?
— Você realmente ainda gosta dela?
— Eu a amo. — eu digo com firmeza, sem hesitação.
Ele coça a sobrancelha.
— Então parece que você tem uma conversa di cil da qual não pode se
esquivar.
— Ela está em um desfile... eu não posso… devo ir? Eu devo ir, certo?
— Você deve sempre ir.
Eu estreito meus olhos.
— Espere um segundo. Isso significa que você acabou de se tornar meu
conselheiro?
— Provavelmente. — Ele sorri. — Assim... você precisa de uma carona
ou o quê?
39
RUBY

Se não foi a maneira como a porta bateu quando ela entrou correndo
durante a rodada final do concurso que chamou minha atenção, foi
defini vamente a maneira como ela prendeu o fio do microfone no pé
quando encontrou um assento na primeira fila, puxando da mão do
locutor, o que o fez meio que desajeitadamente se abaixar para pegá-lo
sem expor que a parte de trás de seu terno foi na verdade “costurada” com
fita de tecido.
E agora estou de pé no palco ao lado das outras semifinalistas — quinze
de quarenta —, postura perfeita, pescoço arqueado o máximo que dá,
perna inclinada para acentuar a fenda do meu ves do, queixo inclinado
para baixo, sorriso largo — olhando para os olhos de Morgan com o
coração batendo forte no peito como um beija-flor com metanfetamina.
Eu sou a próxima a responder à pergunta da entrevista, que
possivelmente vai decidir todo o meu futuro, e ter Morgan aqui me deixou
distraída. Consumida. Em absolutamente nenhum cenário, pensei que o
resultado do meu bilhete seria a presença dela aqui. Eu nem nha certeza
de que ela iria ler. As luzes ficaram um milhão de vezes mais quentes?
— Em seguida, temos Ruby Gold Thompson. — diz o locutor, lendo
minha biografia e todas as minhas vitórias e colocações anteriores
enquanto deslizo pelo palco. A cauda do meu ves do esvoaçava
elegantemente atrás de mim, suas contas brilhando sob as luzes. Mamãe
gastou dois contracheques inteiros neste ves do e agora ela nem está aqui
para ver. Eu engulo esse pensamento, amargo como a bile.
Eu paro ao lado do locutor quando ele termina de me apresentar — no
momento perfeito como sempre — e mostro meu melhor sorriso para o
público. Morgan está sentada bem atrás dos juízes. De alguma forma, ela
parece tão nervosa quanto eu.
O locutor levanta um aquário de vidro da arquibancada ao lado dele e o
estende para mim. Dentro há dezenas de perguntas dobradas, uma das
quais terei que responder espontaneamente com alguma aparência de
graça. Historicamente, sou péssima nisso, mas Charlene e eu temos
pra cado mais essa parte.
— Agora, querida. — diz ele. — Por favor, selecione sua pergunta.
Eu deslizo minha mão para dentro, fechando meus olhos rapidamente e
fazendo uma pequena oração para que eu consiga algo fácil. Algo onde eu
possa mostrar meu sorriso e dizer a coisa certa. Meus dedos pegam um, e
o puxo para fora e entrego ao locutor.
Ele desdobra o papel e lê:
— Conte-nos sobre a pessoa que você mais admira e como ela será sua
luz guia durante seu reinado como Miss Teen Portwood County.
Ele inclina o microfone na minha direção. Dou um passo para mais perto
dele e luto contra a vontade de limpar minha garganta —, isso seria um
número imperdoável de pontos deduzidos.
Rezo para que minha pontuação não esteja diminuindo com o meu
momento de silêncio, que eu pareça pensa va e contempla va, em vez de
totalmente apavorada. Porque eu sei o que quero dizer. E eu sei o que os
juízes querem ouvir. Mas não tenho certeza de que sejam a mesma coisa.
— Obrigada. — eu digo, ganhando alguns segundos preciosos para
endurecer meus nervos.
Ele sorri para mim de forma tranquilizadora.
— Este ano, esta primavera, na verdade, — digo, olhando para os
jurados com uma expressão que espero transmi r uma seriedade aberta.
— ve a oportunidade de conhecer alguém muito especial. Alguém que
realmente mudou minha perspec va sobre muitas coisas. Alguém que é
mais corajosa do que qualquer pessoa que já conheci e vive de acordo com
seus princípios a um nível que nunca pensei ser possível. Ela tem uma fé
inabalável em seus ideais, não importa o quanto o mundo tente arrancá-
los dela. Quase todos nós vemos coisas ruins e desviamos o olhar, mas ela
não. Não Morgan Ma hews. Ela é diferente.
Eu olho para ela apenas tempo o suficiente para ver seus olhos se
arregalarem. Tudo bem, talvez essa resposta seja um pouco mais intensa
do que eu esperava, mas é tudo o que tenho.
— Conheci Morgan quando ela foi transferida para minha escola e,
todos os dias, desde então, a observei trabalhar para tornar o mundo um
lugar melhor, não apenas para ela e para as pessoas ao seu redor, mas
também em uma escala maior.
— Morgan e eu vemos um começo di cil quando quase a atropelei
com meu carro. E então, não muito tempo depois disso, eu realmente
atropelei ela, mesmo que ela diga que caiu.
Algumas pessoas riem. Alguém tosse. Morgan fica imóvel como uma
pedra. Assis ndo.
— De alguma forma, apesar de tudo, nos aproximamos. Ela me ensinou
que amor e inclusão são o que nos torna humanos, que tudo bem ser... ser
quem você é. — Eu engulo em seco, tentando ficar equilibrada, para
permanecer perfeita, mas posso sen r os olhos de todos queimando em
mim. — Morgan vê através de mim, vê a pessoa que eu realmente sou, e
por causa disso, eu aprendi a me aceitar, a abraçar isso. A sen r orgulho. —
Eu olho para Morgan, seus olhos estão marejados, e respiro fundo. — E eu
amo isso nela. É por isso que estou escolhendo... É por isso que estou
pedindo a Morgan para ser meu farol, quer eu tenha a sorte de ser coroada
Miss Teen Portwood County ou não. Porque mesmo no pouco tempo que a
conheço, tenho visto a força para o bem que ela é neste mundo. Eu
também quero ser assim. Obrigada.
Há alguns aplausos estranhos quando volto para o meu lugar na fila de
concorrentes, nada parecido com Lilah ou Hannah depois de responder a
perguntas semelhantes com "minha mãe" e "Meghan McCain",
respec vamente.
O locutor segue em frente, agradecendo a todos e lendo os
patrocinadores oficiais enquanto os juízes marcam suas pontuações. Eu
colo meu melhor sorriso de vaselina e fico olhando para um ponto na
parede, fazendo tudo que posso para não olhar para Morgan, com medo
do que verei se a olhar.
Os nomes das dez finalistas são anunciados. De alguma forma, eu passo.
Dou minha úl ma volta ao redor do palco, sorrindo, acenando e rezando
para ficar entre as seis primeiras, antes de retornar ao meu lugar na fila.
Demora muito para os juízes se juntarem ao nosso anfitrião no palco,
seus braços cheios de faixas e buquês, e eu estou uma confusão de nervos.
O locutor troca sua lista de finalistas por três envelopes vermelhos
brilhantes, abrindo o primeiro com um sorriso experiente.
— A terceira colocada no concurso Miss Teen Portwood County é… Pia
Roth! — Diz o locutor, chamando-a como em um programa de variedades.
Todos aplaudem e comemoram enquanto ela aceita sua faixa e flores.
O resto de nós espera nervosamente em nossa fila. Agarramos as mãos
umas das outras e seguramos firme. Mais tarde, vamos voltar a ser
compe doras ferozes, mas agora, somos apenas crianças assustadas se
perguntando qual de nós o mundo mais ama.
— A primeira vice-campeã é... — ele diz, e eu aperto a mão da garota ao
meu lado. — Hannah Bronsky!
Hannah sai para pegar sua faixa e rosas e toma seu lugar ao lado de Pia.
Eu respiro fundo. Só resta uma vaga no pódio. Mas ainda há oito de nós na
fila.
— Agora, eu gostaria que todos vocês dessem uma grande salva de
palmas à nossa nova Miss Teen Portwood County... Amber Valejo!
A mul dão vai à loucura, comemorando e batendo palmas enquanto
Amber é coroada. Ela dá sua volta da vitória para “Aí Está Ela, Miss
America” enquanto as pessoas jogam rosas no palco.
É tudo muito dramá co — e lento — e luto contra o desejo de pegar as
folhas de pontuação final da mesa dos jurados.
As cor nas finalmente se fecharam e as vencedoras se afastaram, se
abraçando e chorando, enquanto o resto de nós espera pela colocação.
Restam apenas três chances para a bolsa, mas ainda há sete de nós no
palco. Um dos juízes se aproxima, checando nossas pontuações na
prancheta e apontando para várias garotas.
— Quatro. — ele diz. — Cinco.
— E seis. — Desta vez, ele está apontando para mim.
Ai, meu Deus, eu consegui. Corro para frente e o abraço enquanto ele
aponta para outra garota e diz:
— Sete.
— Obrigada, obrigada, obrigada. — digo, antes de enrolar minha saia o
melhor que posso e sair correndo para fora do palco. Eu desço os degraus
e olho para o público, procurando por Morgan, mas ela não está em lugar
nenhum. A sensação de ganhar a bolsa de estudos dá lugar à decepção, e
meus olhos ardem de dor pela onda de emoções.
Talvez ela vir aqui foi como eu ter ido à corrida estadual dela. E se ela
es vesse apenas planejando entrar e sair como um fantasma? Mas seu
texto...
Uma mão envolve meu pulso e me arrasta para uma pequena alcova
escondida. De repente, estamos cara a cara pela primeira vez no que
parece uma eternidade. Eu quero tanto beijá-la, mas não sei se ela quer
isso. Não sei se isso muda alguma coisa. Não sei se demorei muito para tê-
la de volta.
— Oi. — Morgan diz com um sorriso, e eu derreto.
40
MORGAN

Ruby não diz nada por um longo tempo, e eu mudo de um pé para o


outro, sem ter certeza se ela está feliz em me ver ou não. Mas seu discurso,
seu discurso disse "amor". Eu deslizo meu aperto de seu pulso para sua
mão, esfregando pequenos círculos em sua pele com meu polegar.
— Oi, para você. — ela finalmente diz baixinho. Seu rosto é uma mistura
de alegria e apreensão. — O que você está fazendo aqui?
— Eu estava tentando fazer um grande gesto, mas nada pode superar o
que você acabou de fazer.
— Para ser justa, não planejei isso. — diz Ruby, com a voz cheia de
nervosismo. — Então, não sei se conta.
Soltei uma risadinha.
— Defini vamente conta.
— Sério?
— Sério. — eu digo, e um sorriso hesitante aparece em seu rosto. —
Mas...
O sorriso de Ruby desaparece.
— Mas?
— Mas eu tenho pensado muito e quero que você saiba que eu estava
errada. Eu estava errada sobre muitas coisas. E não quero que você sinta
que tem que...
— Posso beijar você? — Ruby pergunta, e isso me cala. — Porque eu
realmente quero beijar você. — Eu aceno com tanta força que ela ri.
— Eu gostaria disso. — Eu mal tenho a chance de dizer as palavras antes
que sua boca esteja na minha, suave e reverente, as contas de seu corpete
raspando contra minha blusa, e por favor, por favor, por favor, deixe este
momento durar para sempre.
— Eu também sen sua falta. — ela diz, encostando sua testa na minha,
nós duas respirando um pouco mais pesado no silêncio deste espaço
secreto que eu encontrei. — Tentei responder, mas fui chamada ao palco
antes de conseguir terminar.
— Obrigada pelo bilhete. — digo, colocando uma mecha de cabelo atrás
da orelha. — E pelo discurso. Foi...
— Demais?
— Não, foi...
— Exagerado?
Eu gen lmente coloquei minha mão sobre sua boca.
— Eu ia dizer 'incrível'.
— Obrigada. — diz Ruby.
— Lamento que você não tenha ganhado. Você merecia. Trabalhou tão
duro.
Ruby sorri.
— Eu ainda consegui a bolsa, no entanto.
Minhas sobrancelhas se erguem.
— Mesmo? Meu Deus! Que incrível.
— Aham — ela diz, absolutamente irradiando felicidade. — Devo
informar que você está olhando para o sexto lugar no concurso da Miss
Teen Portwood County. Isso é uma grande coisa, sabe. Se as cinco garotas
na minha frente caírem mortas de repente, então eu assumo os deveres da
coroa.
— Uau.
— Eu sei. Posso ter que, po, cortar a fita em um rinque de pa nação no
gelo um dia ou algo assim.
— Ah, cale a boca. — eu digo. — Você conseguiu! Você está indo para o
programa automo vo! — Eu jogo meus braços em volta dela sem pensar,
mas rapidamente dou um passo para trás.
Ruby franze a testa.
— Por que você parou?
— Posso te abraçar? Eu não... Quais são as regras aqui? Tipo, você me
beijou, então pensei... Mas então...
— Depende. — diz ela com um pequeno sorriso.
— Do quê?
— De qual seria o seu grande gesto.
— Hum. — digo, apontando com a mão em torno de nós. — Mais ou
menos isso?
— Se esconder nos bas dores comigo? — ela pergunta, franzindo as
sobrancelhas.
— Tipo isso. — Eu me estremeço. — Eu estava esperando, po,
fur vamente atrair você para um lugar privado e...
— Puta merda. Todo o seu 'grande gesto' foi para ficar comigo em algum
canto escuro?
— Quando você diz assim… — eu digo, corando furiosamente.
Ruby dá uma gargalhada.
— É a melhor coisa que já ouvi.
— Cale a boca.
— Não, sério, eu respeito isso. Jogada poderosa.
Eu empurro seu ombro, tentando não rir junto com ela.
— Não era apenas para beijar, embora eu esperasse que acontecesse.
Também queria que você soubesse que sei que eu estava errada. Entendo
que nossas circunstâncias são diferentes, e se eu ver que esperar, se
precisarmos manter as coisas quietas… — Eu olho para ela, querendo que
ela veja o quanto eu quero dizer isso. — Você, com certeza, vale a pena.
Tenho estado mais infeliz nas úl mas semanas sem você do que jamais
poderia estar com você. Não quero te perder. Eu amo...
Ruby me beija então, cortando minhas palavras.
— Você é perfeita.
Eu sorrio de novo — não posso evitar —, porque isso parece muito com
fazer funcionar.
— Eu realmente não sou, mas estou aqui para você e quero estar com
você.
— Que bom. — Ela beija minha testa. — Eu acho que vou ficar com Billy
até encontrar minha própria casa ou até poder entrar em um alojamento
estudan l. — Ela respira fundo, parecendo nervosa. — Ele sabe o que eu
sinto por você, e Everly também. Mas para todas as outras pessoas, não sei
o quão rápido eu quero... Eu nem sei como me chamar ainda. Bi? Pan? A
coisa do rótulo ainda me assusta. Eu preciso de tempo para te alcançar.
— Vai ficar tudo bem. — Beijo seu rosto todo, sem me importar em
sen r o gosto da base e do spray de fixação. — Podemos ir tão rápido ou
devagar quanto você quiser. — digo entre beijos. — O que quer que
sejamos, confio em você para ditar o ritmo.
— Mesmo?
— Mesmo. — Eu aceno, uma sensação de esperança fazendo meu
cérebro formigar até parecer um sorriso de corpo inteiro. — E se es ver
ficando di cil, eu irei até você antes...
— Ei, seu irmão está em casa? — Ruby interrompe.
Eu balancei minha cabeça.
— Não, ele está no trabalho. Por quê?
— Venha, então. — Ruby agarra minha mão. — Sei outras maneiras de
nos atualizar.
41
RUBY

Estou deitada nos travesseiros de Morgan, observando-a dormir,


absorvendo cada detalhe. Como a maneira como seus cílios se entrelaçam,
só um pouco, quando seus olhos estão fechados assim. E a forma como
seus lábios se curvam ligeiramente em um sorriso — mesmo em seus
sonhos, ela está feliz. E a forma como os chupões, que eu juro por Deus
que não ve a intenção de dar a ela, floresceram em pequenos pontos
vermelhos em sua clavícula.
Já se passaram três semanas desde o concurso e muita coisa já mudou.
Tipo, eu oficialmente me aposentei da vida de concursos, o que é ó mo,
mas um pouco estranho ao mesmo tempo. Ainda ocasionalmente ajudo
Charlene com suas aulas de maquiagem, mas apenas porque é diver do
agora que não estou sendo forçada. Principalmente, eu trabalho em tempo
parcial — inclusive, na carteira de trabalho — para Billy, com planos de
começar em tempo integral no verão.
Ainda não estou falando com minha mãe, mas sei que vou precisar em
breve. Ela me deixou algumas mensagens de voz pedindo desculpas, mas
eu só... não estou pronta ainda. Enquanto isso, Billy limpou um quarto
inteiro para mim, embora eu tenha dito a ele que estava bem no sofá, e na
semana passada os pais de Morgan apareceram, não em seu próprio carro,
mas em um gigantesco U-Haul alugado. Me pediram para abri-lo e, quando
o fiz, encontrei-o com um monte de coisas que alegaram ter "achado por
aí”, em um quarto, embora houvesse uma fatura colada no colchão com
data daquela manhã.
Foram grandes gestos.
E Morgan, bem, ela já está de volta ao trabalho para mudar o mundo.
Ela e este jogador de futebol estão tentando iniciar uma aliança arco-íris de
estudantes atletas. Estão nos estágios iniciais, mas eu nunca a vi tão
animada antes. Ela está indo a comícios e até mesmo dando palestras em
GSAs17 de escolas aleatórias e outras coisas. Sua chefe, Izzie, tem ajudado
ela. Às vezes, eu até vou com ela.
Mas hoje, esta manhã, tenho algo especial planejado só para nós.
— Acorde, bela adormecida. — digo, beijando-a no nariz, na testa, no
pescoço, no ponto atrás da orelha que a faz se contorcer. Seu sorriso
sonolento se transforma em um sorriso completo quando ela abre os
olhos.
— Você está aqui. — diz ela, em sua saudação ma nal de costume.
Tento não deixar me incomodar que ela ainda se preocupe com isso. Dado
nosso histórico, suponho que seja justo.
— Não é possível se livrar de mim tão facilmente, Ma hews. — eu digo,
o que é minha resposta usual. Ela tenta me puxar para baixo das cobertas.
— Não. — Eu as afasto. — Você tem que se levantar.
— Por quê? — ela lamenta, pegando seu telefone para verificar a hora.
— São, po, nove horas da manhã.
— Prometemos à sua família que sairíamos para tomar um café da
manhã, lembra?
— Isso é só às dez! — Morgan rola, puxando o cobertor sobre a cabeça.
— Não, não. — eu digo, cutucando-a no lado onde ela tem mais
cócegas. Ela grita e se sacode na cama.
— Você é má.
— Você gosta disso. — Eu me levanto e caminho até seu armário.
— Gosto. — ela resmunga, finalmente sentando-se na cama, e é meio
fofo o quanto ela não é uma pessoa ma nal.
Eu olho algumas camisetas, optando por uma escrita BEIJE MAIS
MENINAS, o que me faz levantar uma sobrancelha quando a a ro nela
junto com um par de leggings.
— Se. Arrume. — eu digo, agarrando-a pelos tornozelos e puxando-a
para baixo da cama até que ela ria. — Eu vou tomar um banho, e é melhor
você estar pronta quando eu terminar. Quero parar em um lugar
primeiro...
— Sim, senhor. — Ela finge me saudar assim que abro a porta e vejo seu
irmão no corredor.
— Não quero saber. — diz ele.
— Bom dia para você também, Dyl. — eu digo atrás dele, mas ele
apenas me ignora com um sorriso. Grosseiro.
Não demora muito para eu voltar, meus dentes escovados com meu
dedo — não é o melhor, mas dá para o gasto —, meu cabelo preso em um
coque no topo da minha cabeça. Ela está ves da quando eu entro, olhando
em seu celular fotos minhas no concurso. Ela está meio obcecada em
reviver nosso "grande gesto épico duplo", como ela o chama. Tornou-se
uma piada recorrente agora, onde finjo que estou fazendo anotações
sempre que vemos um grande gesto em um filme — e temos visto muitos
ul mamente, graças ao seu vício em comédias român cas da Ne lix.
Morgan diz que nada jamais será capaz de superar minha entrevista no
concurso, mas veremos. Eu espero que hoje seja.
— Esse ves do é tão lindo. — diz ela, passando a mão sobre a tela como
se não es vesse pendurado no meu armário na casa do Billy para ela poder
tocar quando quiser.
— Você pode ficar com ele. — eu digo. Eu nem sei por quê.
— Devíamos doar. — diz Morgan, sempre pensando nos outros. — O
centro distribui ves dos de baile para pessoas que não podem comprá-los.
Imagine ir lá e encontrar isso.
— Ok. — Eu pego o telefone de suas mãos e o coloco sobre a cômoda.
— Nós vamos doar. Agora vá se arrumar e me encontre no carro.
Ela geme, mas posso dizer que ela está curiosa, então ela vai. E menos
de dez minutos depois, estamos saindo de seu estacionamento.
— Você vai me dizer para onde estamos indo? — Morgan pergunta.
— Não. — eu digo, apertando a mão dela.
Nós dirigimos principalmente em um silêncio confortável, ela mexendo
no rádio, aumentando o som quando uma música de Harry Styles toca.
Não demora muito para estacionarmos na biblioteca.
— Okaaaay. — Morgan me olha com curiosidade.
— Vem. — eu digo.
Morgan me segue até a pequena sala comunitária. Ela franze a testa
enquanto passamos pela placa que anuncia o show de artes da escola.
— O que é isso?
Mas eu não digo nada. Simplesmente a conduzo, passando pelas
cerâmicas e pinturas, até uma parede de fotos. O Projeto sênior de Everly,
Olhar Apaixonado. Sua professora de artes ficou tão impressionada com
ele que o escolheu como um dos poucos projetos a exibir para toda a
cidade.
— São da Everly? Ela é tão talentosa. — Morgan diz suavemente,
observando todos eles. Ela já viu algumas das fotos de Everly antes —
todas temos saído muito juntas ul mamente —, mas eu nunca mostrei
para ela a minha.
— Sim. — eu digo, esperando.
— Ah… — Morgan sussurra, e eu sei que ela me encontrou entre todas
as outras fotos. Ela dá um passo à frente, estudando a imagem antes de se
virar para mim.
— Quem você está olhando? — ela pergunta, e parece um pouco
preocupada, como se pudesse ser qualquer outra pessoa além dela.
Eu engulo em seco.
— Hum, você.
O rosto de Morgan se abre em um sorriso.
— É mesmo?
Eu concordo.
— Quando foi isso?
Eu mordo meu lábio e respiro fundo.
— Naquele dia que você bateu no meu carro e roubou meu lugar.
— De jeito nenhum. — Morgan diz. — Esse foi o meu primeiro dia.
— Sim. — eu digo, observando Morgan ler a pequena e queta ao lado
dele.

RUBY THOMPSON
Primeira Paixão
— Meu Deus. — Seus olhos parecem um pouco vidrados. — Achei que
você me odiasse!
— Eu sei. É por isso que eu queria te mostrar isso. Como eu realmente
me sen a naquela época.
— Ruby...
— O rótulo está errado, no entanto. — eu interrompo, e Morgan inclina
a cabeça. — Não é uma paixão.
— Ruby. — Sua voz fica baixa.
— Eu te amo. — eu digo, as palavras saindo antes que eu perca a
coragem. — E eu sei que isso é brega pra caramba, mas gostaria de ser sua
namorada. Oficialmente. Se es ver tudo bem.
— O que aconteceu com ‘sem rótulos’? Você não precisa...
— Eu sei. Eu quero. — Eu entrelaço meus dedos com os dela. — Parece
certo.
Ela sorri, chorando.
— Bem, isso defini vamente venceu o discurso.
— Isso é um sim? — Pergunto. Porque, pela primeira vez, sou eu quem
precisa das palavras.
— Sim. — diz ela, aproximando-se até que estejamos completamente
cara a cara. — Eu adoraria que você fosse minha namorada, Ruby. E eu
também te amo.
Me inclino para frente até sen r seus lábios contra os meus, e então eu
despejo cada grama de mim mesma em nosso beijo. Minha vida inteira
pode ser uma série sem fim de pontos de interrogação agora, mas tenho
certeza disso. Isso eu quero.
— Vamos, então. — eu digo quando finalmente nos separamos. — Eu
quero levar minha namorada para um café da manhã.
Morgan sorri, olhando para a foto mais uma vez, em seguida, estende a
mão para mim enquanto saímos. Pego sua mão e aperto como já fiz
centenas de vezes. Mas desta vez parece diferente.
Desta vez, eu não quero soltar nunca mais.
AGRADECIMENTOS

Muitas pessoas incríveis contribuíram para que este livro chegasse em


suas mãos.
Um grande ‘obrigada’ à:
Minha editora, Stephanie Pi s, por realmente entender o coração desta
história e por me ajudar a dar vida a ela. Jen Klonsky pelo seu incansável
apoio e entusiasmo; Ma Phipps por toda a sua ajuda; minha publicista,
Lizzie Goodell, junto de Felicity Vallance, James Akinaka e todo mundo de
Putnam e Penguin Teen por todo seu apoio.
Jeff Östberg por mais uma ilustração maravilhosa, e Kelley Brady por
reunir tudo em um design de capa deslumbrante.
Meu conven culo, Karen Strong e Isabel Sterling, as quais eu estaria
completamente perdida sem. Além disso, Kelsey Rodkey por
con nuamente me lembrar que os livros precisam de enredos e não
apenas beijos e angús a, e Rory Power por me manter sã e
constantemente me fornecer fotos de gatos (e Scally por ser um modelo
simpá co e às vezes relutante).
Becky A. por ser um ombro amigo/incrível líder de torcida/uma amizade
fantás ca — te amo! Sophie por manter as minhas DM’s interessantes e a
minha pele radiante, e Rachel Lynn Solomon por estar sempre com
expecta vas altas e me fazer querer ser uma escritora melhor (aquele
anuário, no entanto...)
Claribel, que me inspira infinitamente, mesmo que suas opiniões sobre
Pennywise deixem a desejar; Sarah por sempre por sempre estar comigo;
Rosey por constantes fotos de gatos e amor; e todo mundo no Kidlit que dá
espaço a autores queer, estando ou não dentro do armário.
Shannon e Jeff, que simultaneamente conseguem me bombear e
garan r que minha cabeça não fique muito grande de uma só vez. Dennis,
que é, de verdade, o melhor irmão mais velho que eu poderia pedir, e à
toda minha família por seu amor e entusiás co apoio. Joe, Brody e Liv por
sempre me inspirarem e me fazerem rir.
E por úl mo, mas não menos importante, à todos os meus leitores,
obrigada por sempre estarem aqui, esse livro é para você.
Notas

[←1]
Nota da tradução: tulo de uma música da banda Metallica.
[←2]
Nota da tradução: D1 é a categoria de escolas/faculdades de elite, as
melhores.
[←3]
Centro de convenções localizado em San José, Califórnia.
[←4]
D.A.R.E. ou Drug Abuse Resistance Educa on (Educação sobre Resistência ao
Uso de Drogas, em tradução literal) é um programa an drogas muito
semelhante ao que conhecemos no Brasil como PROERD.
[←5]
Marca americana de água gaseificada que conta com vários sabores.
[←6]
Ao pé da letra, a palavra significa estranho e sempre foi usada como ofensa a
pessoas LGBT+. No entanto, a comunidade LGBT+ se apropriou do termo e hoje
é uma forma de designar todos que não se encaixam na
heterocisnorma vidade, que é a imposição compulsória da heterossexualidade
e da cisgeneridade.
[←7]
Organização norte-americana dedicada a reconhecer aqueles estudantes que
se destacam no Ensino Médio.
[←8]
Marca de suco em pó.
[←9]
Nota da tradução: O alternador é uma peça mecânica de extrema
importância para o funcionamento do veículo.
[←10]
Nota da tradução: em inglês, a frase é “i can’t even think straight”. Foi feito
um trocadilho com a palavra “straight” que pode significar tanto “direito/linear”,
quanto “hétero”.
[←11]
Nota da tradução: A “Não Pergunte, Não Conta” foi uma polí ca do Exército
estadunidense em vigor desde 1993 que proibia homens gays ou bissexuais
assumidos de servirem para, teoricamente, manter a segurança dos militares
queer e evitar assédios, agressões e etc. Poderiam servir ao exército, desde que
escondessem sua sexualidade. Essa polí ca foi derrubada em 2011.
[←12]
A palavra dough, em inglês, significa massa, mas também é uma gíria para
dinheiro, criando um trocadilho.
[←13]
Nota da tradução: em inglês, Everly diz “You’re not thinking straight right
now”. Foi feito um trocadilho com a palavra “straight” que pode significar tanto
“direito/linear”, quanto “hétero”.
[←14]
DEFCON é um sistema de alerta u lizado pelas Forças Armadas dos Estados
Unidos. Há 5 estados de alerta e aumenta de acordo com a gravidade, sendo o
DEFCON 5 (menos grave) até o DEFCON 1 (mais grave), correspondendo várias
situações militares. O DEFCON 1 sinaliza a eclosão de uma guerra nuclear.
[←15]
Prato chinês com macarrão de trigo, legumes e algum po de carne.
[←16]
A União Americana pelas Liberdades Civis é uma ONG que visa proteger os
direitos civis dos cidadãos dos Estados Unidos.
[←17]
Aliança entre Gays e Héteros.
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