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Aviso de conteúdo
por thb e aurora books

Este livro inclui as tropes enemies to lovers, lovers in denial e one


bed. Além disso, os personagens principais são gays/aquileanos,
explorando sua orientação sexual, e a história aborda cenas de não
aceitação e discriminação relacionadas à orientação sexual. Há
também cenas de sequestro e resgate de um personagem
secundário, com descrições de sangue e luta. A narrativa faz
menções ao preconceito entre classes diferentes. Esses elementos
são essenciais para a trama, então, se algum deles for sensível para
você, considere cuidadosamente se esta história é apropriada para
sua leitura ou para seu público.
Para meu parceiro... x
Conteúdo
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Dedicatória
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∆∆∆

Que os Deuses da Lua iluminem o caminho entre as almas.

∆∆∆
1
Cabeça dura

— Segure a porta! — eu grito, mas o casal está muito ocupado


dando uns amassos para me ver.
As portas do 7 estão fechando e eu preciso estar naquele
metrô. Estou atrasado, claro.
— Ei! — eu grito... e ninguém ouve. De novo.
Com menos de um segundo sobrando, eu pulo pela fenda
cada vez menor. O metrô dá um solavanco antes mesmo de eu
encontrar meu equilíbrio.
— Obrigado — murmuro, mas o casal não me ouve. Eles
estão absortos, agindo como se fossem as únicas pessoas no
mundo. Como um jogo de hóquei com línguas capaz de dar
náuseas.
Que nojo.
Pelo cheiro dá para saber que são humanos, mas sério, eles
estão se beijando como um par de lobisomens recém-casados.
Tipo, vão para um quarto!
São apenas duas paradas da Grand Central até a Times
Square, mas depois de uma hora em um trem abafado da Stony
Point1, a última coisa que quero é ver dois hipsters comendo a cara
um do outro. E ainda por cima estou super atrasado para me
encontrar com Katie.
Me inclino contra um mapa do metrô, batendo o pé, e tento
me distrair rolando o feed do meu tiktoker favorito. Mas não adianta.
Posso ouvir o barulho das línguas batendo em meus fones de
ouvido.
E eu pensava que os lobos eram obcecados por parceiros.
Esses humanos dariam inveja a um casal de lobos de uma
Matilha de Elite.
Todos no mundo inteiro estão obcecados em encontrar uma
alma gêmea?
Eu sei que é um clichê. Eu não sou como os outros
lobisomens.
Mas, para mim, desenhar pedras no Central Park é muito
mais legal do que escolher porcelanas de casamento.
Se ao menos todos os outros lobos da minha matilha
pensassem o mesmo. Se ao menos esses pombinhos pensassem.
Quando entramos na 42 com Bryant Park, encarei o casal,
esperando que fosse a parada deles.
Passageiros do metrô do amor, o serviço termina aqui!
Eles estão muito entretidos para perceber.
O trem parte novamente, saindo da estação, e olho para a
hora.
Merda. Eu deveria encontrar a Katie na Times Square às 14h.
Estou quase uma hora atrasado e minha desculpa é muito
esfarrapada. Por que nunca consigo acordar antes do meio-dia no
fim de semana?
Mamãe sempre diz que vou dormir a vida toda. Eu sempre
respondo se isso significa que eu não tenho que me preocupar em
encontrar um parceiro.
No momento em que paramos na 42 com a Times Square, eu
estava me tremendo para sair desse metrô fedorento.
As portas se abrem e eu saio como um relâmpago. Me leve
pra longe daquela demonstração pública ridícula!
Me esquivo e passo pela multidão na plataforma, indo para a
saída, subindo os degraus de dois em dois.
Não é a primeira vez que dormi demais e deixei Katie
esperando.
Somos melhores amigos desde filhotes, então ela está bem
acostumada com a bagunça que é a minha vida.
Mas ela também é minha pessoa favorita no universo e eu
odeio decepcioná-la.
O sol escaldante do verão atinge meu rosto quando
finalmente irrompo à rua.
Fora da estação, como sempre, as ruas de Manhattan estão
lotadas. Por um segundo sou sufocado pelos sons do tráfego e os
cheiros dos carrinhos de pretzel.
Sentidos aguçados podem ser uma bênção. Como quando
você está tentando ter algum tempo sozinho no seu quarto, mas é
dia de lavar roupa e mamãe está a caminho de esvaziar seu cesto.
Normalmente, você pode sentir a aproximação dela com tempo
suficiente para fechar o laptop e se agarrar a um travesseiro.
Normalmente.
Mas às vezes, especialmente na cidade, o mundo pode
parecer demais. Quer saber como é o cheiro da água de cachorro-
quente de três dias? Pergunte a um lobo de Nova York.
Faço uma pausa por um segundo para readaptar.
Fecho os olhos e respiro fundo. Eventualmente, as buzinas
dos carros, as sirenes, as conversas constantes de todos os lados
se tornam um zumbido no fundo da minha mente.
Finalmente, me sinto pronto. Abro meus olhos.
Aperto os olhos através da claridade e desço a rua 43. Se eu
for rápido, estarei a apenas um minuto de distância.
Meu celular está vibrando no meu bolso, então tento retirá-lo
enquanto corro. Katie me enviou uma série de mensagens.
“Onde você tá?”
“Você dormiu demais de novo???”
“Maaaaaaaaaaaaaaaax?????”
Eu continuo correndo, tentando digitar uma resposta em
pânico quando…
Oomph!
Bati no que parecia ser uma parede de tijolos e cambaleei
para trás.
Meus pés se entrelaçam um no outro e, de maneira
espetacular, eu tropeço, caindo na calçada. Meu celular escorrega
da minha mão e – quando minha bunda bate no chão – ele se
estilhaça.
A dor irradia na minha bunda e na minha coluna enquanto eu
olho para a coisa em que esbarrei... só que não é uma coisa. É uma
pessoa. Um cara.
— Olhe para onde anda, cabeça oca.
— Me… Me desculpa — digo, fazendo uma careta. Ele está
bem na frente do sol, o que torna difícil ver seu rosto. Mas ele é alto,
veste um blazer preto com uma camiseta branca por baixo, jeans
skinny preto e botas brilhantes.
Ele não parece muito mais velho do que eu.
— Você devia ter mais cuidado.
— Eu pedi desculpa — esse cara está começando a me
irritar. Ele nem se oferece para ajudar enquanto eu pego os pedaços
do meu celular quebrado.
O mínimo que ele poderia fazer é se desculpar também.
— Aqui — o cara diz e estende a mão para me ajudar a
levantar.
Dou-lhe um olhar desconfiado, mas aceito sua oferta.
No segundo em que nos tocamos o tempo desacelera,
segundos viram uma eternidade. Os pássaros ficam congelados no
ar. As calçadas entupidas de pedestres são um borrão.
O cara me levanta como se eu não pesasse praticamente
nada. Fico cara a cara com ele e suas feições aparecem. Minha
respiração fica presa na garganta.
Seus olhos são verde-esmeralda penetrantes, compensados
por sobrancelhas escuras e angulares. Seu rosto é estreito e
simétrico, cabelos pretos caem sobre sua testa emoldurando suas
feições devastadoramente bonitas. Ele tem maçãs do rosto que
poderiam cortar aço e apenas um leve indício de sardas em suas
bochechas. Seus lábios são o tom perfeito de pêssego…
Ele parece um modelo da Abercrombie.
E o cheiro dele... o cheiro dele me atinge como um
maremoto.
Meus sentidos olfativos estão sobrecarregados por sua
mistura intoxicante de hortelã, limão e outra coisa... isso é flor de
cerejeira?
A parte de trás dos meus joelhos está formigando, minhas
pernas balançando como pudim.
Eu nunca me senti assim antes. O que é isto? Esse
sentimento... o que é?
É por causa dele?
— Você está bem, cabeça oca?
De repente, o mundo volta ao tempo real. As pessoas
passam por nós, o tráfego ruge como o oceano, o sol é brilhante e
estridente.
E esse idiota acabou de me chamar de cabeça oca! Pela
segunda vez!
— Não me chame de cabeça oca.
— Por que não... cabeça oca?
— Você quebrou meu celular!
— Você trombou em mim.
— Não parece que eu causei muito dano. Fui eu que caí de
bunda!
Quem quer que esse idiota pense que é, não lhe dá o direito
de falar com alguém assim. Não importa o quão desajeitado seja.
Ele parece estar prestes a dizer outra coisa quando é
distraído por uma rajada de vento, soprando pelas grades do metrô.
Um olhar sombrio e questionador colore sua expressão.
Por um momento ficamos em silêncio e ele me encara com
adagas.
E então, sem dizer mais nada, ele passa por mim, como se
eu nem estivesse lá, e continua andando.
— Ei! Seu idiota, você não pode simplesmente ir embora! E o
meu celular?
— Tanto faz — ele diz, sem se virar.
— Ei, espere!
Ele não espera e também não responde.
Ele continua andando.
Quando finalmente desaparece na multidão, eu percebo.
Seu cheiro... aquela sensação estranha. Algo mais... Ele
era... um lobisomem?
— Ai — eu digo quando um pedaço de vidro quebrado corta a
pele da minha palma. Eu estava cerrando o punho mais forte do que
pensava.
Meu celular quebrado me lembra...
— Katie!
Quanto mais tempo fico aqui, mais atrasado fico.
Descendo a rua, eu não consigo nem ver o ridiculamente
bonito – e possivelmente lobisomem – mas totalmente um idiota.
Me viro e começo a correr novamente.
Quem era aquele cara? Por que ele pensa que pode agir
como um idiota!?
E por que um idiota como esse me fez sentir tão... ansioso?

1. Cidade no condado de Rockland, Nova York, Estados Unidos. Faz parte da área
metropolitana da Cidade de Nova York.
2
O problema com parceiros

— Aí está você! — Katie diz quando me vê, bufando enquanto


subo as escadas vermelhas. Posso dizer que minhas bochechas
estão coradas – talvez da corrida, mas talvez do meu encontro com
um idiota irritantemente bonito – e estou super sem fôlego.
Minha melhor amiga, por outro lado, está radiante. O vento
pega em seu cabelo loiro cor de milho quando ela se vira.
Seu rosto pálido abre um largo sorriso quando me vê.
Pelo menos ela não parece zangada.
— Você demorou bastante — diz ela quando eu a alcanço.
Me curvo sobre meus joelhos, gaguejando.
— Desculpe... estou... sempre atrasado...
— Está tudo bem — diz ela, sorrindo descaradamente.
— Na verdade, não está — eu digo, finalmente capaz de falar
como uma pessoa normal. — Eu sou um idiota. Não deveria ter te
deixado esperando.
— Eu não estava esperando. Eu sabia que você se atrasaria,
então te disse para aparecer uma hora mais cedo de propósito.
Meu queixo cai.
— Isso é tão errado!
— Você acha errado, eu acho inteligente.
Não pensei que Katie pudesse ser tão desonesta!
— Vamos.
Por volta das onze horas, Katie enlaça seu braço no meu e
me leva de volta escada abaixo.
— Como está a casa nova? — pergunto.
Até dois meses atrás, Katie morava na mesma rua que eu e
meus pais. Depois que seus pais se divorciaram, ela e a mãe se
mudaram para um novo lugar no Queens.
— Está quase pronta para visitantes — diz ela.
A mãe de Katie só podia pagar por um "faz-tudo" e ela pediu
a Katie para não convidar amigos antes que estivesse arrumada.
— Bom, estou morrendo de vontade de ver.
— Você está morrendo de vontade de comer um pouco do
espaguete com almôndegas da minha mãe.
— Isso também!
Nós rimos e seguimos para o oeste em direção ao Shake
Shack, nosso restaurante favorito no centro. E, bem... em qualquer
lugar.
— Enviei um monte de mensagens antes de você chegar
aqui — diz Katie. — Por que não me respondeu?
— Ah, pelos Deuses da Lua! Quase esqueci de contar... um
babaca esbarrou em mim e derrubou meu celular.
— O que aconteceu?
— Foi completamente destruído!
— Não com o celular, com o cara — diz ela, batendo no meu
braço. Por alguma razão, minhas bochechas começaram a queimar.
Por que meu coração começa a martelar como um pica-pau
cafeinado quando penso nele?
— Era só um cara sem educação — resmungo. Sem
educação e com um cabelo lindo.
Chegamos ao restaurante e entramos na fila para fazer o
pedido. Katie e eu vamos aqui desde que éramos crianças e sempre
pedimos a mesma coisa.
Um Shack Meister com um milk-shake de banana para mim e
um Shroom Burger com um shake de chocolate para Katie. Ambos
com batatas fritas, obviamente.
— Quanto tempo temos? — pergunto, deslizando em um
assento de plástico verde. — Se aquele cara não tivesse destruído
meu celular eu mesmo poderia ver.
— Ainda temos algumas horas antes do show. Não se
preocupe, não vou deixar você se atrasar para ver Aisha Miller.
Hoje é um grande dia para Katie e para mim. Temos
ingressos para ver nossa bailarina contemporânea favorita,
estrelando uma nova peça deste grande coreógrafo de Paris.
— Bom mesmo — eu digo. — Nem terminei de pagar meus
pais pelos ingressos.
— Nem eu.
Katie toma um longo gole de seu shake. Nós fizemos aulas
de balé juntos quando tínhamos cinco anos, mas eu ficava
tropeçando nos meus próprios pés e tive que desistir. Ela ficou muito
mais tempo. Ainda gosto de balé, mas apenas como espectador.
— Nunca vou superar que uma loba do Elite Pack de alguma
forma se tornou uma das melhores dançarinas de Nova York — diz
Katie.
— Eu sei, eu me pergunto como o alfa se sente sobre isso.
É uma raridade para um lobo de uma matilha ter uma carreira
que não esteja diretamente ligada à matilha de alguma forma.
Aisha é diferente. Ela escapou. Isso é parte do motivo pelo
qual eu a amo tanto.
— Não me importo com o que o alfa pensa — diz Katie,
limpando o canto da boca com um guardanapo. — Estou feliz que
finalmente vamos vê-la pessoalmente!
— Eu também! Sério, eu estava começando a ficar com
medo de irmos parar num asilo para lobos idosos antes de
podermos vê-la.
Depois de comermos nossos hambúrgueres e shakes,
seguimos para o Central Park.
No momento em que entramos no parque, o calor do verão
me fez suar e minha camisa grudou nas minhas costas de uma
maneira desagradável.
— Parece um bom local com sombra? — digo, apontando
para um lugar na grama.
Sentamos sob a sombra de um carvalho e pego meu caderno
de desenho da mochila. Começo a traçar o contorno de uma nuvem
enquanto Katie descansa a cabeça no meu colo.
— Você está animado? — ela pergunta.
— Com o que?
— Com a lua azul que vai chegar em algumas semanas —
diz ela como se fosse óbvio.
— Ugh, minha mãe não para de falar sobre isso.
— Já recebeu seu convite para o festival?
— Ainda não — digo. — Graças aos Deuses da Lua.
De repente, Katie se senta e me encara.
— Não seja idiota.
Paro de desenhar.
— Só não estou tão interessado.
— O Festival da Lua Azul é importante — diz ela. — Só
acontece a cada dois ou três anos.
O Festival da Lua Azul é uma tradição bizarra que nossa
matilha tem. A cada lua azul, os lobos não acasalados da matilha
vão para a floresta para encontrar suas almas gêmeas.
É mega chato.
— Só pense que em algumas semanas poderemos ter
encontrado nossos parceiros! — Kate diz, seus olhos tão
arregalados e otimistas que ficou parecendo uma personagem de
anime.
— Nem brinque com isso.
— É um ritual sagrado, você não deveria ser tão descrente.
— Não é sagrado — digo, revirando os olhos. — É científico.
A lua cheia enlouquece nossos hormônios. A lua azul é uma lua
cheia extra no espaço de um mês. Então é claro que todos nós
ficamos furiosos. O festival é apenas um acampamento de verão
para lobos raivosos.
— Nem você acredita nisso — diz Katie.
— É tudo uma questão de probabilidade. Com todos aqueles
lobos empolgados em um só lugar, é claro que algumas pessoas
encontrarão seus companheiros.
— O Festival da Lua Azul é um marco importante na vida de
um jovem lobo.
Eu zombo e me inclino para trás em meus cotovelos.
— Você parece uma conselheira escolar.
— E daí? O festival é importante.
Katie cruza os braços e faz questão de não olhar para mim.
— Desculpe — digo. — Eu não queria ser um babaca. Sei
que significa muito para você.
Ela puxa a grama.
— Estou muito empolgada por irmos ao nosso primeiro
festival juntos. Sabe, não é como se você pudesse evitá-lo para
sempre.
Por mais que eu odeie admitir, Katie está certa. Todo lobo em
nossa matilha que tem mais de dezesseis anos e não acasalou deve
receber um convite para o festival. A presença não é obrigatória,
mas é esperada. Com uma melhor amiga louca por parceiros e pais
apaixonados que dedicaram suas vidas à matilha, não tenho muito a
dizer sobre o assunto.
— Você recebeu o seu convite então? — pergunto.
— Ainda não — diz ela, jogando um pouco de grama no ar.
— É melhor que eles não tenham se esquecido de nós. Minha mãe
teria uma conversa com o Alfa Jericho.
Não consigo evitar a risada ao pensar na mãe de Katie indo
de igual para igual com nosso alfa.
— Aposto que ela iria.
— Não seria estranho se acabássemos sendo parceiros? —
Katie diz, rindo sem jeito.
— Sim, muito estranho. Somos amigos desde sempre.
— Sim... estranho... — Katie para.
— Ei — digo, cutucando seu pé com meu cotovelo. — Não se
preocupe. Você vai receber o seu convite.
— Claro — diz ela.
— Mas podiam extraviar o meu.
— Você não se importa mesmo em encontrar uma parceira?
Katie não costuma pressionar tanto. Ela sabe que "parceiros"
é o meu tópico de conversa menos favorito. Então, por que ela está
agindo super estranha hoje?
— Você acha que Aisha Miller se tornou a melhor dançarina
do planeta obcecada em encontrar um parceiro? — pergunto.
Katie dá de ombros.
— Quero ser como ela um dia. Quero desenhar e viajar. Não
ficar amarrado.
— Quem disse que você não pode ter um parceiro e fazer
tudo isso?
— Meus pais se casaram no primeiro festival deles e nunca
saíram de Nova York. Sério, a única coisa mais aterrorizante para
mim do que seguir esses passos são aranhas. Você sabe o quanto
eu odeio aranhas.
— Você odeia muito aranhas.
Os ombros de Katie caíram para frente, sua expressão
otimista desapareceu. Me odeio por fazê-la se sentir uma merda.
Especialmente quando estamos prestes a ter a melhor noite de
nossas vidas. Então me sento e pego a mão dela.
— Eu sei que todas essas coisas de parceiro significam muito
para você. Prometo que quando recebermos nossos convites,
vamos para aquele festival idiota juntos e vamos nos divertir muito.
— Promete? — ela pergunta.
— Prometo de mindinho.
Ela sorri largamente e respira fundo.
— Aposto que você não vai pensar que é bobo quando
estivermos a uma hora da Corrida de Acasalamento e você estiver
cercado por um bando de lobas sensuais e nuas.
— Há! Que seja!
Ela me empurra, brincando, e eu caio para o lado. Katie se
joga e nós dois ficamos lá rindo.

Levamos cerca de vinte minutos para caminhar de volta ao


centro da cidade. O teatro fica neste elegante centro de dança
moderna perto da Broadway.
O saguão está repleto de tipos artísticos e descolados de
Nova York. Para onde quer que eu olhe, vejo uma gola alta preta,
um lábio ousado e um corte de cabelo extravagante.
Katie pega nossos ingressos e eu pego dois refrigerantes no
bar. Não temos muito tempo até o show começar, então, já que
tínhamos tudo, entramos.
O auditório enche rapidamente.
— Está na hora — Katie diz, me cutucando. Olho para ela e
trocamos um sorriso maníaco e animado. É preciso toda a minha
força de vontade para não gritar como uma colegial.
Então, pouco antes do show começar, uma sensação
estranha toma conta de mim.
Meu corpo fica tenso e um rosnado baixo rola na minha
garganta.
Entre os outros cheiros que flutuam pelo teatro, sinto um
cheiro que reconheço.
Hortelã, frutas cítricas e... flor de cerejeira.
Eu olho para uma das cabines particulares e vejo... ele!
O idiota com quem esbarrei mais cedo está sendo levado ao
seu lugar.
O idiota que me chamou de cabeça oca e não se importou
comigo caindo de bunda, que fez eu me sentir como se houvesse
uma revoada de borboletas no estômago...
...está aqui no teatro, em uma maldita sala privada!
Quem é ele?
As luzes se apagam lentamente. O show está prestes a
começar, mas não consigo tirar os olhos dele.
Assim que a cortina sobe, ele se vira, como se pudesse sentir
que eu o observava. Nossos olhos se encontram na escuridão.
O idiota está olhando diretamente para mim!
3
No balé

Fico preso em uma competição de olhares com o idiota no


camarote privado.
Ele está olhando para mim como se eu fosse um gato sujo
que surgiu na rua.
Por que ele está me olhando assim? Cheio de confusão e
sobrancelhas raivosas.
Desculpa por respirar!
Quero parar de encarar, mas por algum motivo, não consigo.
Minhas palmas ficam úmidas. Meu coração bate no peito.
E então a música começa.
As luzes se acendem no palco e por um segundo fico
distraído. Olho para os dançarinos entrando no espaço, movendo-se
com força e velocidade.
Quando olho para trás, o garoto se foi. Ele e sua expressão
severa estão fora de vista. Tudo o que resta no camarote privado é
um assento vazio.
— O que você está olhando? — Katie sussurra. — Começou.
Ah, veja! Lá está ela!
Aisha Miller fez sua entrada e está se movendo
graciosamente para o centro do palco.
Há um suspiro audível da plateia quando ela dá um salto
espetacular. É impossível não olhá-la com admiração.
Seu cabelo escuro está preso para trás, mas, ao contrário
das outras dançarinas com seus coques de balé apertados, o dela
cai em cascata pelas costas expostas em um rabo de cavalo
primorosamente encaracolado.
Ela está vestindo um figurino cor-de-rosa, com rastros finos
de tecido transparente fluindo até seus pés. A cor contrasta
perfeitamente com sua pele acobreada. Seus braços são finos e
suas pernas parecem fortes.
À medida que a música se eleva, ela começa a girar e fico
completamente hipnotizado por ela. O jeito que se move em
sincronia com a música. Ela faz você esquecer onde está.
Os outros dançarinos se aglomeram ao redor dela, mas eu
mal os noto. O foco é em Aisha.
— Ela é linda — Katie sussurra e eu concordo.
Não há como negar que ela é uma estrela. Mais do que isso,
ela representa algo para mim que eu não sabia que era possível.
A maioria dos lobos pensa que artes são uma coisa humana.
Não é algo para levar a sério e não é algo que possa se tornar uma
carreira decente.
Mas Aisha é a prova viva de que você não precisa ser como
a matilha. Você pode ser diferente.
— Esta é a melhor coisa que eu já vi — sussurro de volta no
ouvido de Katie.
O resto do show passa como um sonho. O poder e a
presença de Aisha só parecem crescer ao longo da noite.
Terminado o show, o elenco se curva. Eu me levanto,
batendo palmas como um maluco, gritando como se estivesse em
um show do BTS.
Aisha é a última a se curvar. Ela vem do fundo do palco
enquanto os outros dançarinos se separam para deixá-la passar. Ela
faz uma reverência e manda beijos enquanto o público aplaude.
Percebo que Aisha olha para a esquerda. Até o lugar vazio
onde o idiota estava sentado. Um lampejo de decepção cruza seu
rosto quando não encontra ninguém lá.
Ela conhece aquele cara? Por que ele iria embora sem vê-la?
Um cara na primeira fila entrega a Aisha um enorme buquê
de flores e ela se ajoelha para lhe dar um beijo igualmente enorme
na bochecha. Seria um namorado? Tento sentir o cheiro, mas não
consigo.
Esquisito. Geralmente sou muito bom farejar outros lobos.
Eventualmente, a cortina é abaixada e as luzes são
levantadas.
Viro para Katie, que está chorando de verdade, e lhe dou um
grande abraço. Esta noite é uma que vamos lembrar por muito,
muito tempo.
E para mim, não é só por causa do balé.

Quando finalmente chego em casa naquela noite, estou


exausto. Felizmente, meu pai me busca na estação e me leva o
resto do caminho.
A TV está ligada na sala e eu passo como se estivesse numa
nuvem.
— Como foi o balé? — mamãe pergunta sem desviar o olhar
do programa sobre cuidados com cães.
— Incrível.
— Chegou uma carta para você.
— Ah...
Mal consigo registrar o que ela acabou de dizer, estou tão
feliz e delirante que continuo flutuando pela casa, subindo as
escadas e entrando no meu quarto.
Afundo de costas na cama e caio direto no sono.

Quando acordo, sinto uma vontade intensa de desenhar.


Então rapidamente pulo pro chuveiro e escovo meus dentes.
Meu pai dá muita importância à saúde das presas desde que
eu era um filhote.
Com uma toalha enrolada na cintura e escova de dentes na
boca, fico na frente do espelho e dou uma boa olhada em mim
mesmo.
Sou pálido, magro e um pouco baixo para a minha idade.
Acima da média para um humano, mas nos lobos, geralmente
começam a crescer grandes músculos nessa idade. Meu cabelo é
uma bagunça loira-arenosa que nunca consigo domar. Meus olhos
são grandes e castanhos e há uma pinta na minha bochecha
esquerda logo abaixo do meu olho.
De repente, a imagem daquele cara olhando para mim pisca
em meu cérebro. Como se ele estivesse me encarando através do
espelho, olhando para mim com seu rosto maldoso e crítico.
— Eu não sou um cabeça oca — murmuro, cuspindo pasta
de dente e fazendo pontinhos no espelho. — Que idiota!
Quando finalmente estou vestido, pego minha mochila e um
lápis novo e desço as escadas.
— Fiz torradas — mamãe diz enquanto passo pela cozinha
pegando um pedaço de pão frio e queimado, e enfiando na minha
boca, e então saio pela porta dos fundos.
— E a sua carta?! — ela grita, mas a porta já está se
fechando atrás de mim.
Nossa casa não é grande, mas dá para um grande pedaço de
floresta. Lobos tão perto da cidade geralmente vivem perto de algum
tipo de área verde para poderem correr quando a lua estiver cheia e
tivermos energia extra de lobo.
Sou grato pela floresta. Ser adolescente significa ter
hormônios hiperativos e ser um lobo significa às vezes precisar se
transformar para liberar todas essas emoções reprimidas.
Também gosto muito de desenhar a natureza e me inspiro
muito nessa floresta.
Hoje, porém, estou inspirado por apenas uma coisa. E é a
Aisha Miller.
Não consigo tirar seus movimentos da cabeça.
Desço para o rio e encontro uma grande pedra para sentar.
Venho muito a este local. É tão quieto. Tudo o que se pode ouvir é o
vento nas árvores e a água espirrando nas rochas.
Pego meu caderno e lápis e começo a esboçar a água.
Percebo que há uma semelhança entre a maneira como Aisha se
move e a maneira como a água flui. Começo a adicioná-la aos meus
desenhos, colocando seus membros onde a água faz um
redemoinho, usando os resquícios de vegetação abaixo da
superfície para representar sua roupa esvoaçante.
Devo ter desenhado por uma hora ou mais. Continuo virando
a página e começando novos esboços, encontrando novos detalhes
no fluxo para focar.
Em algum momento, me perco completamente no processo,
e quando volto à realidade, eu olho para o meu caderno e fico
chocado ao ver o que desenhei lá.
O rosto dele!
Me encarando do caderno de desenho é uma recriação
perfeita daquela expressão arrogante.
Fecho o caderno com força, enfiando-o na mochila e fazendo
uma nota mental para jogá-lo na reciclagem.
Por que ele está assombrando meus pensamentos íntimos
assim?
Eu queria desenhar a natureza e pensar na dança da Aisha e
agora aquele idiota arruinou meu lugar tranquilo na floresta.
Só quero esquecer que esbarrei nele.
Coloco minha bolsa no ombro com um bufo e decido que é
hora de ir para casa de qualquer maneira. Meu estômago está
começando a roncar e é quase hora do almoço.
É domingo e isso geralmente significa que papai vai fazer
sanduíches de bife. O bife dele é meio famoso entre os lobos da
vizinhança.
Quando volto para o quintal, sorrio ao ver que estava certo.
Papai está de pé na churrasqueira usando um avental. Ele me vê
chegando e sorri, acenando para mim.
Levanto as sobrancelhas e aceno de volta.
A porta dos fundos bate atrás de mim, largo a mochila e vou
para a sala de estar.
— Ei, pare de me evitar — mamãe diz, descendo as escadas,
segurando o envelope. — Você viu o papai fazendo sanduíches de
bife? Uhm, delícia!
Eu sorrio e rio. Minha mãe é uma grande boba, mas eu a
amo por isso.
— Aqui — diz ela, batendo o envelope no meu peito. — Isso
chegou para você. Acho que vai querer abrir.
Pego o envelope e ela sai em direção à cozinha. Não tinha
prestado muita atenção quando ela mencionou esta carta antes,
mas agora que estou segurando, de repente meu coração começa a
sair pela boca.
Meu endereço está escrito em letra cursiva elaborada, com
tinta dourada, e no verso, a carta está carimbada com o selo real do
alfa.
Eu sei o que é isso.
Engulo em seco, e então abro a carta.
À atenção de Sir Maximillian Xavier Remus,

Você está cordialmente convidado a participar do FESTIVAL


DA LUA AZUL, que será realizado a partir de 4 de agosto, com
duração de quatro noites.
O FESTIVAL é um rito sagrado de passagem para todos os
lobos não acasalados em nossa ilustre matilha e temos o prazer de
sediar mais uma vez o evento no Retiro da Alcateia em Rochester,
Nova York.
Como de costume, a lua azul alcançará seu ápice na terceira
noite do festival, momento em que você será solicitado a participar
da tradicional Corrida de Acasalamento. Esta é uma excelente
oportunidade para encontrar uma parceira e contribuir para a
propagação de nossa espécie.
Estamos ansiosos para tê-lo lá e desejamos boa sorte para
encontrar sua parceira.
Que os Deuses da Lua iluminem o caminho entre as almas.

Em nome de Alfa Jericho,

Atenciosamente do Secretário da Matilha,


Tobias Volk

— Bem, é o seu convite para o festival? — mamãe pergunta,


enfiando a cabeça pela porta.
— Sim — eu digo, suspirando.
— Eu sabia! — os olhos de mamãe se iluminam e eu me
encolho quando ela grita. — Você não está animado?
— Aham — minto.
— Espere até eu contar ao seu pai! Marvin!
Mamãe corre para contar ao papai e eu encaro o convite em
minhas mãos.
Esse retiro pode definir o resto da minha vida e essa ideia me
aterroriza.
Mas acho que não tem como evitar isso agora.
O cheiro dos sanduíches de bife do papai entra pelas janelas.
Deveria me dar água na boca, mas, em vez disso, acho que vou
vomitar.
4
O festival começa

— Vocês devem estar tão animados — minha mãe diz em uma


voz aguda, olhando para mim e Katie pelo espelho retrovisor.
Parece que estamos dirigindo há dias, quando na verdade
foram apenas algumas horas. Katie ficou aqui ontem à noite para
que pudéssemos começar cedo.
Da minha casa até o Pack Retreat no interior do estado leva
cerca de quatro horas e meia. São quatro horas e meia da minha
vida que tive que passar com minha mãe agindo como uma pré-
adolescente, e quatro horas e meia que nunca mais vou recuperar.
Do lado de fora da janela tudo o que posso ver é a floresta.
As árvores passam com velocidade enquanto vamos em direção ao
festival.
— Nós estamos, Sra. Remus — Katie diz, me cutucando.
— Lembro do meu primeiro festival — mamãe diz. — Eu
achava tudo muito opressivo na época. E tive um problema terrível
com sanguessugas. Lembro de que voltamos de uma caminhada e
eu estava coberta dessas sugadoras gosmentas!
— Mãe, que nojo!
— Mas aí conheci seu pai e ele me mostrou como usar sal
para tirá-las e, bem, as coisas só ficaram mais loucas a partir daí…
— Nojento em dobro!
Meus pais sempre foram completamente apaixonados, de um
jeito ridículo e pegajoso. Mamãe, em particular, nunca pode deixar
passar uma oportunidade de me envergonhar com suas conversas
não recomendadas para crianças.
— Não seja tão puritano — diz ela, passando um braço para
trás para dar tapinhas no meu joelho. — O festival é a chance de
vocês encontrarem um parceiro nas melhores circunstâncias. A lua
azul em poucos dias nos livra de tanta preocupação. Toda aquela
farejamento e danças coladas. Vocês vão entender na hora.
Reviro os olhos e volto a olhar para a floresta que passa,
desejando que pudéssemos voltar.
— E quem sabe — mamãe continua. — Você pode encontrar
uma parceira bem debaixo do seu nariz.
Olho de lado para seu reflexo no espelho e a pego olhando
de mim para Katie, sorrindo sugestivamente. Ela sempre pensou
que nós dois poderíamos acabar sendo parceiros. Não que me
incomode de ficar com Katie, ela é minha melhor amiga, afinal. Mas
nunca pensei nela em um sentido romântico. Ela tem sido minha
companheira de aventuras desde que éramos crianças e minha
aliada mais feroz como uma adolescente anormal. Nós nos
divertimos muito juntos e eu a amo, mas… como uma irmã.
Finalmente, mamãe percebe meu olhar aguçado, implorando
para ela parar. Ela ri e então olha para a estrada.
— Como o Sr. Remus fez você se sentir quando se
conheceram? — Katie pergunta. Por que ela a está encorajando?
— Está perguntando como eu soube que ele era meu
parceiro? — mamãe pergunta.
— Eu… — Katie gagueja, suas bochechas pálidas ficando
rosadas. — Eu acho.
Minha mãe inclina a cabeça para o lado e pensa na pergunta,
tamborilando os dedos no volante.
— Bem... é como saltar de paraquedas, como se você
estivesse caindo, mas não estivesse com medo.
— Mãe, nenhum de nós fez paraquedismo — eu digo.
Ela ri.
— Não, vocês não fizeram. Nesse caso... é um pouco como a
sensação de quando você está com fome, só que não sabe o que
quer comer. Você olha a geladeira e nada parece que vai acertar.
Então você se lembra do pote de picles na parte de trás da
prateleira da despensa e de repente você tem certeza... Picles! Isso
é o que eu quero! Esse é o lanche de hoje.
Mamãe fica quieta, e há um olhar estranho, feliz e distante
em seus olhos.
Olho para Katie e até ela está ficando um pouco estranha
com o estado de transe da minha mãe.
— Você está bem, mãe?
Ela pisca algumas vezes e de repente está de volta no carro.
Ela reajusta o volante e ri um pouco de si mesma.
— Desculpe, esqueci o que estava fazendo por um segundo.
— Bem, mantenha os olhos na estrada, por favor — digo. —
Gostaríamos de chegar ao festival inteiros.
Olho pela janela enquanto viramos à esquerda por uma longa
rua arborizada. Devemos estar chegando.
Engulo e respiro. Minha mãe quase nos tirou da estrada
pensando em companheiros. É óbvio que toda essa situação é
perigosa.
Depois de cerca de vinte minutos, bandeiras altas e finas
aparecem, revestindo o caminho e esvoaçando ao vento. Eles têm a
insígnia da matilha impressa no meio e cores alternadas de verde a
amarelo e roxo. As cores da Matilha Elite.
Eventualmente, o caminho leva a um campo aberto, onde
centenas de carros estão estacionados. Mamãe estaciona em um
lugar vazio e nós saímos, pegando nossas malas do porta-malas e
as colocamos nas costas.
— Bem, essa é a parte em que nos despedimos — mamãe
diz, e me preocupo que ela vá chorar. — O retiro fica logo acima
daquelas árvores, vocês verão quando chegarem ao topo. Boa
sorte, crianças!
Lá vamos nós, Houston! Mamãe começa a chorar enquanto
nos puxa para um grande abraço.
— Vocês vão se divertir tanto!
Quando finalmente conseguimos nos afastar da minha mãe
super melosa, ela pega meu rosto entre as mãos e beija minha
bochecha.
— Eu te amo, garoto. Espero que os próximos dias te façam
feliz.
Reviro os olhos, mas não consigo evitar ficar um pouco
choroso. Não tenho um coração de pedra.
— Também te amo, mãe.
Depois de muitas despedidas e uma última busca em pânico
por uma escova de dentes quase esquecida, Katie e eu deixamos
minha mãe e seguimos para o topo da colina.
— Nossa, tem tanta gente aqui — Katie diz, parecendo
surpresa com todos os carros e os outros lobos, todos rodeados de
matilhas gigantes.
— Quem sabe, nossos parceiros podem por aí.
— Há, sim — digo.
Chegamos às árvores que minha mãe mencionou. Abaixo de
nós, no lado oposto da colina, fica o retiro. É gigante.
Na base da colina há uma enorme cabana, parece arborizada
e rústica, mas provavelmente é do tamanho do Madison Square
Garden. Atrás da cabine principal há pelo menos uma centena de
cabines menores e atrás delas há um campo de grama verde do
tamanho de um estádio de futebol. À direita do retiro está a margem
do lago e uma casa de barcos. A água azul-esverdeada profunda
reflete as árvores e as montanhas que a cerca. Revestindo o
perímetro do acampamento está a borda de uma floresta, que se
estende até onde posso ver, subindo até o sopé das montanhas.
Por um momento Katie e eu ficamos ali, maravilhados.
— Que daora — diz ela.
Fico chocado de verdade. Depois de tantos anos ouvindo
sobre o retiro, comecei a achar que era um acampamento de Sexta-
Feira 13, mas isso está… em outro nível.
— Vamos? — Katie diz e eu aceno novamente. Saímos
correndo morro abaixo.
Quando chegamos a uma área coberta de cascalho na frente
da cabine principal, de repente fico impressionado com a quantidade
de outros lobos que existem.
— Todos são tão... tão… — Katie gagueja, incapaz de
terminar sua frase.
— Gostosos — digo, sabendo exatamente o que ela ia dizer.
Lobos geralmente são perfeitos em questão de aparência,
sendo todos sobrenaturalmente fortes e tudo mais. Mas ver essa
coleção de deuses gregos em massa é meio... intimidador.
As garotas parecem modelos de páginas de um catálogo de
roupas esportivas e os caras parecem personal trainers de
celebridades.
Com todos esses gostosões ao redor, a chance de alguém
querer ser minha parceira é minúscula. Talvez eu consiga passar o
fim de semana nadando, comendo s’mores2 e não tendo que me
preocupar com meu destino.
— Convites? — uma voz esganiçada atrás de nós pergunta.
Katie e eu nos viramos para encontrar uma garota baixinha
de cabelos escuros, segurando uma prancheta e olhando para nós
com um sorriso cheio de dentes, tão largo que me preocupo que ela
esteja prestes a estirar um músculo.
— Oi — digo.
— Posso ver seus convites? — ela pergunta novamente.
— Ah, sim, claro.
Enfiei meu convite em algum lugar da minha mochila ao sair
de casa e esqueci completamente onde o coloquei. Aturdido, jogo
minha mala no cascalho e começo a procurar em todos os bolsos
externos antes de cavar no compartimento principal.
— Aqui — Katie diz, tendo tirado seu convite de uma carteira
de plástico presa ao zíper de sua mochila. — Katie Andrews.
Katie estende a mão e a garota com a prancheta retribui.
— Eleanor Peng — ela diz, apertando a mão de Katie com
muita força. — Prazer em conhecê-la. Sou uma das voluntárias do
festival e estou encarregada de distribuir as designações de cabine
para os recém-chegados. Vocês não estão animados para o
festival? Eu estou!
Eleanor ri sem jeito enquanto continuo procurando na minha
mochila.
— Estamos muito animados — diz Katie, acalmando a
campista doida.
— E imagine com quem você poderá acabar se acasalando!
— Pode ser literalmente qualquer um — Katie diz, fazendo o
melhor para entrar na onda, embora até esteja lutando para igualar
o entusiasmo de Eleanor.
— Sim, mas este ano pode ser alguém particularmente
especial — Eleanor se inclina para Katie com um brilho conspiratório
nos olhos. — Este ano será a primeira vez que Jasper Apollo estará
aqui.
Tiro os olhos da minha busca frenética.
Jasper Apolo. Reconheço esse nome. Claro que reconheço.
Jasper é filho de Jericho, nosso alfa. Ele é o próximo na fila para
liderar a matilha.
Por algum motivo, o som de seu nome provoca uma estranha
sensação de calor nos meus dedos dos pés e nas pontas dos meus
dedos.
— Imagine só — Eleanor continua. — Você chega aqui hoje
sem ninguém e acaba acasalado com o filho do alfa!
Ela novamente explode em sua gargalhada peculiar e eu sou
tirado do devaneio. Volto a vasculhar minha mochila.
Finalmente, encontro meu convite amassado e o entrego
para Eleanor.
— Fantástico — diz ela, tendo um colapso atrás de seus
olhos.
— Desculpe, ele… amassou.
— Não importa — diz ela, antes de desencadear outra
explosão da risada de hiena. Ela olha dos convites para a prancheta
e vice-versa.
— Katie você está na cabine B14 e Max você estará na
cabine C27.
— Ah, pensei que ficaríamos na mesma cabine — diz Katie,
desapontada.
— Lamento, mas as cabines são separadas por gênero — diz
Eleanor. — Com toda a energia extra da lua azul, não queremos
encorajar nenhum lobo a queimar a largada antes da Corrida de
Acasalamento.
— Ah, claro que não — Eleanor devolve o convite a Katie e
ela o aceita, corando um pouco.
— Bem, tenham um ótimo festival. Haverá bebidas no Salão
Alfa na cabine principal às 6, seguido de jantar e um sarau de boas-
vindas. Isso dará a vocês algumas horas para se arrumar. Eu e os
outros voluntários estaremos aqui durante todo o festival, caso
precisem de alguma coisa.
Algo me diz que os outros voluntários provavelmente não
estão levando isso tão a sério quanto Eleanor.
— Que os Deuses da Lua iluminem o caminho entre as
almas!
Eleanor acena loucamente antes de atravessar o pátio para
abordar outro grupo de recém-chegados.
Sorrio para Katie, que dá de ombros para mim e sorri de
volta.
— Acho que devemos encontrar nossos beliches — digo. —
Te encontro daqui algumas horas?
— Ah, sim, claro — diz Katie.

Levo alguns minutos vagando sem esperança antes de


encontrar minha cabine para as próximas noites. Ela fica na parte de
trás do lugar e ao lado da floresta. Dentro há quatro conjuntos de
beliches. Alguns deles já têm malas em cima. Vou para o beliche
mais próximo da janela e jogo a mochila na cama de cima.
Me levanto e imediatamente noto a vista do lado de fora da
janela. A mata e o lago, com as montanhas atrás deles, são
perfeitamente emoldurados pela moldura da janela rachada. É de
tirar o fôlego. De repente fico muito feliz por ter trazido meu bloco de
desenho. Ao menos eu provavelmente conseguirei alguns bons
desenhos deste fim de semana.
Alguns garotos entram na cabana rindo e dando tapinhas nas
costas um do outro.
— E aí cara! Meu nome é Todd! Parece que vamos ser
colegas de quarto!
Eu rolo e me sento. Todd é um cara grande, grande com pele
pálida, sardas alaranjadas e cabelos ruivos raspados. Ele é
musculoso, mas daquele jeito suave.
— Oi — digo, em um tom mais alto do que pretendia.
— Esse idiota aqui é Simon — diz Todd, batendo nas costas
de seu amigo.
— E aí? — Simon diz. O amigo de Todd é quase seu oposto
polar. Ele ainda tem músculos, mas é muito mais magro, com
cabelos pretos e pele marrom-avermelhada.
— Espero que não se importe com os roncos — diz Todd,
rindo às custas do amigo.
— Babaca, eu não ronco — Simon retruca. — Ei, eu quero o
beliche de cima!
— De jeito nenhum, cara, eu falei que queria já no carro!
— Não conta a menos que esteja no quarto, cara!
É como se eles esquecessem completamente que estou aqui,
enquanto eles começam a lutar, cada um tentando reivindicar o
beliche superior oposto ao meu.
Me deito e suspiro.
— São apenas quatro noites — digo a mim mesmo.
Mas gostaria de não ter que dividir uma cabana com um
bando de manos. Gostaria de estar em uma cabana com Katie e
mais ninguém. E gostaria que não houvesse toda essa pressão para
encontrar uma companheira.
Todo mundo parece tão animado por estar aqui. E com a
notícia de que Jasper Apollo está chegando, tenho certeza de que a
empolgação vai atravessar o teto.
Vasculho minha mochila e pego meu caderno de desenho,
antes de pular do beliche. Preciso de um pouco de ar e acho que o
Debi e o Lóide nem me viram saindo.
Vou da cabana direto para a floresta.
— Apenas quatro noites.

2. Petisco tradicional de acampamento nos EUA. São Marshmallows assados no fogo


com uma camada de chocolate entre duas fatias de biscoito.
5
O filho do Alfa chega

— Ai!
Dou um tapa em outro mosquito voando em volta da minha
cabeça e acabo me acertando no pescoço.
Há tipo, um milhão de pequenos sugadores de sangue na
floresta. Estou andando há apenas dez minutos e já estou cheio de
carocinhos.
A floresta é exuberante e verde. O dossel de árvores fornece
um ambiente sombrio e úmido para o musgo e os fungos
prosperarem. Raízes grandes e retorcidas erguem-se do solo,
enrolando-se sobre si mesmas como cobras gigantes. As árvores
são altas como arranha-céus, envoltas de trepadeiras como luzes
em uma árvore de Natal. A paisagem está cada vez mais salpicada
de pedregulhos à medida que sigo em direção à base das
montanhas.
Tenho um pouco de tempo antes de encontrar Katie, e prefiro
gastá-lo aqui desenhando do que na minha cabine com colegas de
quarto de luta livre.
Vejo uma pedra à frente que parece alta e seca o suficiente
para se sentar. Tenho que me esforçar um pouco para chegar ao
topo, mas uma vez que consigo, tento ficar confortável. Com meu
fiel lápis na mão, começo a esboçar a paisagem.
Uma brisa sopra pela floresta, espalhando folhas e
misturando-se ao zumbido dos insetos e ao chilrear dos pássaros.
Deixei-me perder no desenho. E então…
CRAC!
Um estalo alto, como um galho sendo pisado, me assusta.
Giro para ver de onde veio o som, mas me viro rápido demais e
perco o equilíbrio. Antes que eu perceba, estou caindo para trás.
Com um barulho estranho de pânico, caio em uma poça de
lama.
Deito lá e desejo que a terra me engolisse inteiro.
Então ouço risadas.
— Tão gracioso, cabeça oca — diz uma voz, uma voz que
envia arrepios de raiva ondulando em minhas veias.
Olho para cima e encontro seu rosto estúpido olhando para
mim. O idiota da cidade. Ele está aqui para o festival?
Então ele é um lobo mesmo! Eu sabia! É por isso que ele
atiçou meus sentidos.
Me levanto e faço o meu melhor para limpar um pouco da
lama do meu queixo.
— Você não tem que sempre ser um idiota sabe — eu digo.
— Você poderia ter me ajudado a levantar em vez de rir.
O idiota para de rir.
— Ver você se estabanar é muito mais legal.
Mas que babaca!
— Eu só caí porque você me assustou. O que está fazendo
se esgueirando por aqui, afinal? Não deveria estar se misturando
com os outros campistas?
— Te pergunto o mesmo.
— Eu precisava de um pouco de ar — digo, limpando mais da
lama do meu rosto. — E privacidade. Qual é a sua desculpa? Você
é algum tipo de stalker?
O idiota levanta uma sobrancelha.
— Eu estava apenas cuidando da minha vida, quando você
começou a se debater como uma galinha.
Mais uma vez, ele ri e meu rosto começa a queimar.
— Pare de rir!
— Desculpe — diz ele, tão genuíno quanto uma nota de três.
— É só que… parecia muito engraçado e… — ele fareja o ar e
franze o rosto. — Você está fedendo.
— O que?! Eu… — cheiro minhas roupas e percebo que ele
está certo. A lama em que caí não era apenas fedida. E eu estava
coberto de esgoto.
— Isto é culpa sua! — grito.
— Você nunca vai encontrar uma companheira cheirando
assim — diz ele. — Existem chuveiros atrás das cabines. Você
provavelmente deveria pensar em usar um.
— Você é tão idiota!
— Tanto faz — ele diz, dando de ombros. — Vejo você por aí,
cabeça oca.
Sem pensar duas vezes, ele se afasta, deixando-me
pingando lama em meus tênis.
— Você ainda me deve um celular! — eu grito.
— Que os Deuses da Lua iluminem o caminho entre as almas
— ele grita sarcasticamente, sem virar para trás.
Sério, esse cara é um babaca!
Não há mais nada para eu fazer a não ser pegar meu
caderno de desenho, que ficou com algumas gotas de lama na
capa, e me arrastar de volta para a cabine. A marcha da minha
cabine até o bloco do chuveiro parece uma jornada eterna. Sou
recebido com mais do que alguns olhares estranhos. Que ótima
primeira impressão!
Pelo menos o idiota tem alguma razão. Nenhuma loba em sã
consciência gostaria de ser minha parceira. Pelo menos é um
consolo.
Estou atrasado para encontrar a Katie no momento em que
consegui tirar a lama de todos os cantos do meu corpo e limpei
minhas roupas o melhor que pude.
Com meu cabelo rebelde recusando-se a se acomodar em
qualquer estilo que eu peço, corro para encontrá-la.
Katie está sozinha do lado de fora da cabine principal quando
chego lá, banhada no crepúsculo, parecendo delicada e radiante em
um vestido lilás. Está mais bonita que nunca. Tem até uma flor
combinando no cabelo dela. Ao lado de Katie, pareço uma criança
que foi autorizada a se vestir sozinha pela primeira vez.
— Desculpa, estou atrasado — digo, sem fôlego. — Você...
está maravilhosa.
— Obrigada — diz ela, corando e mordendo o lábio inferior.
— Aposto que você poderia encontrar seu parceiro esta noite
com essa aparência!
— Não seja idiota — ela diz, dando um empurrão brincalhão
no meu ombro. — Você está pronto para entrar?
— Pronto como sempre estou.
Ela enlaça seu braço no meu e nós entramos.
O Salão Alfa é maior do que eu imaginava. Longo e largo
como uma piscina olímpica e iluminado por um lustre enorme, feito
de pelo menos cinquenta pares de chifres de veado. Colunas de
madeira revestem a sala, sustentando um segundo nível que
percorre todo o perímetro. Pinturas, com pelo menos o dobro da
minha altura, estão penduradas em todas as paredes forradas de
troncos. E na extremidade, duas grandes escadas descem da
varanda.
À direita da entrada, um quarteto de cordas toca uma
elegante música de boas-vindas; garçons em camisas e coletes
brancos vagam pelo mar de lobos oferecendo bandejas de canapés
e taças de champagne – ou cidra espumante para aqueles de nós
que não têm idade suficiente para beber.
O salão está cheio de lobisomens, todos vestidos para
impressionar. Garotas em vestidos coloridos e rapazes em paletós e
camisas brancas.
Puxo minha camisa cinza, que eu combinei com um par de
jeans skinny azul claro e tênis.
— Está vendo aqueles esquisitos ali? — aponto para Todd e
Simon que encontrei do outro lado do salão.
— Aqueles que parecem que conseguem comer as salsichas
de uma vez só? — Katie pergunta.
— São meus colegas de quarto.
— Puxa, sinto muito — diz ela, rindo. — Mas eles são meio
fofos, você não acha?
— Claro, se você gostar de zumbis.
Nós vagamos mais para dentro do salão e eu pego um par de
mini quiches de um garçom que passava.
— Ah, meus Deuses da Lua! São deliciosos! — exclamo,
cuspindo migalhas.
A cada nova bandeja de aperitivos que passa, eu pego o
máximo de salgadinhos deliciosos que posso e os enfio na boca.
— Pelo menos a comida é ótima! — tento dizer, mas Katie é
incapaz de decifrar minhas palavras de boca cheia.
Fico a procura do idiota caso precise me esconder, mas ele
não está em lugar algum. Talvez ele não goste de se misturar. Isso
explicaria o passeio solitário na floresta.
— Oi, pessoal! Curtindo o comes e bebes? — Katie e eu
somos subitamente cercados por uma Eleanor animada, parecendo
muito formal em um vestido preto com uma gola branca estilo
Wandinha Addams.
— Sim, obrigada, Eleanor — Katie diz, sempre a diplomata.
— Ouvi dizer que o filho do alfa deve aparecer a qualquer
momento agora — diz ela, parecendo que está prestes a explodir de
emoção.
— Sério? — Katie diz com as sobrancelhas mais altas que eu
já vi. Isso é ótimo.
— Meu pai trabalha para o pai dele — Eleanor continua,
começando a divagar. — Bem, na verdade é mais como se eles
trabalhassem juntos, meu pai é meio importante.
— Ah, ele é Beta Castillo? — Katie pergunta. — Desculpe,
não consigo lembrar seu sobrenome.
— Ah, haha não!
— Ele é um lobo gama então? No conselho de segurança? —
pergunto, engolindo um bocado de ovo recheado.
— Não, ele não tem um posto. Mas ele é um dos
conselheiros mais próximos do alfa, na verdade, eles são mais
como amigos. Melhores amigos.
— Isso é ótimo — diz Katie, claramente ficando sem coisas
para dizer a essa líder de torcida maníaca.
— Enfim, tenham uma boa noite! — Eleanor diz, radiante.
— Você também — diz Katie.
Eleanor se vira e sai para discutir com alguns outros
convidados desavisados.
— Ela é muito... — digo.
— Ela deve estar apenas nervosa — diz Katie.
Estou sempre admirado com o quão compreensiva minha
melhor amiga pode ser. Eu sou mais de julgar livros pela capa.
— Ah, esqueci de contar quem eu encontrei…
Estou prestes a contar a Katie sobre meu recente encontro
com o idiota da cidade quando a música para. O salão fica em
silêncio e as portas do segundo andar se abrem.
Três pessoas saem, mas é difícil ver seus rostos de onde
estamos.
— Aquele é Jasper Apollo! — ouço Eleanor sussurrando
animadamente para um menino próximo.
Todos os olhos estão no herdeiro enquanto ele e seus
convidados vão para o topo da escada.
Eles ficam no topo da escada e observam a multidão abaixo
deles.
Meus olhos se arregalam. Minha boca se abre e meu
estômago cai debaixo de mim.
Não posso acreditar no que estou vendo. Não pode ser
verdade, simplesmente não pode...
Acima de mim, em um elegante terno preto, está Jasper
Apollo, só que não é assim que eu o conheço...
Para mim, ele é o idiota da cidade. O cara que quebrou meu
celular, riu de mim quando eu caí na lama e não para de me chamar
de cabeça oca.
O idiota que está me atormentando é Jasper Apollo...
...o filho do alfa!
6
Beer Pong

Ele é o filho do alfa!?


Eu o encaro incrédulo. Então é por isso que ele sempre age
como se fosse superior. Como se ser o herdeiro da matilha lhe
desse o direito de ser babaca!
Todo mundo está olhando para ele também. Mas ao contrário
de mim, todos têm admiração brilhando em seus olhos.
Seu cabelo preto está espalhado pelo rosto ridiculamente
simétrico, e ele usa uma expressão estóica e humilde. Ok, estranho.
Onde está o sorriso condescendente?
Seu terno é impecavelmente feito sob medida; ajustado aos
ombros com lapelas de cetim brilhante. Uma camisa preta justa está
enfiada em suas calças, que ele preenche perfeitamente, e o visual
é complementado com elegantes sapatos de couro envernizado.
Está parecendo um príncipe. Nem um pouco como o idiota que eu
conheço.
— Senhoras e senhores — diz o homem à sua esquerda,
lançando sua voz pelo corredor. — Lhes apresento o herdeiro do
alfa, Jasper Apollo!
A sala irrompe em aplausos. Sou o único que não parece
estar louco por esse cara.
Jasper – porque eu acho que esse é o nome estúpido dele –
estende o braço e a garota à sua direita desliza o dela para dentro.
Mal a notei enquanto eu estava como um suricato atordoado.
Ela tem cabelos castanhos escuros e ondulados que caem sobre
seus ombros musculosos expostos. Ela está usando um vestido
verde pastel que contrasta muito bem com sua pele bronzeada de
terracota. Ela é linda, mas o que me chama a atenção é o quão forte
ela parece. A definição de seus braços é ridícula. Crossfit está em
dia!
Os dois descem lentamente as escadas enquanto a música
recomeça. As pessoas começam a se mover pelo salão mais uma
vez, mas há uma nova energia na multidão, como uma respiração
coletiva presa. Todos sabem que estão na presença da realeza.
Eu agarro Katie e a puxo para o lado.
— É ele! — digo.
— Quem? O que? — ela pergunta olhando ao redor, super
confusa.
— O filho do alfa, Jasper Apollo.
— Eu sei, eles acabaram de anunciar — ela diz, olhando para
mim como se tivesse crescido um segundo par de membros em
mim.
— Não… — balanço a cabeça e tento me reorientar. —
Jasper é o cara que me empurrou na Times Square.
— Ahhhhh — diz ela, entendendo. — Foi ele?!
— Sim!
— E tem mais…
— Ah, Deuses da Lua…
— Eu o encontrei na floresta esta tarde. O chamei de stalker.
— O que você estava fazendo na floresta?
— O que? Desenhando. Isso não é importante. A questão é
que ele me odeia. O filho do alfa me odeia!
— Tudo bem — diz Katie, colocando as mãos nos quadris,
franzindo os lábios como se estivesse tentando resolver um
problema de matemática difícil. — O que deveríamos fazer?
— Eu só… temos que evitá-lo a todo custo!
— Sim, você está certo. Olhe…
Katie aponta para trás de mim e eu me viro para ver o
corredor começando a esvaziar. A multidão está passando por um
grande conjunto de portas duplas para outra sala.
— O jantar está servido! — Eleanor diz, surgindo do nada. —
Vocês vão? Lembrem-se, nada de se engraçar antes da Corrida do
Acasalamento.
— Nós… estaremos lá em um segundo, obrigado — digo.
Eleanor sai correndo e eu olho para Katie com uma
expressão de pânico e súplica.
— Está tudo bem — ela diz, soando exatamente como se não
estivesse, de fato, tudo bem. — Vamos apenas jantar. Há tantas
pessoas aqui que há todas as chances de ele nem te notar.

— Ele ainda está olhando?


Olho por trás de Katie, onde estive tentando me esconder
durante todo o jantar.
Estamos sentados em uma mesa na metade da sala. Não é
tão largo quanto o salão Alfa, mas tão longo quanto, com dois
candelabros menores pendurados acima de nós. Todos os
participantes do festival receberam assentos em mesas circulares,
cobertas com toalhas de mesa brancas que provavelmente custam
mais do que toda a minha mesada anual. Uma mesa retangular está
posicionada no fim da sala, de frente para o resto de nós. É onde
Jasper está sentado, bem no centro. A garota que entrou com ele
está à sua direita e uma seleção de lobos – crianças ricas ou os
filhos de lobos no poder, suponho – sentam-se de cada lado.
Nosso plano de jantar e esperar pelo melhor não funcionou
do jeito que pensávamos. Eu tinha acabado de dar minha primeira
mordida em uma coxa de frango suculenta quando senti seu olhar
frio pousar em mim.
— O que ele está fazendo? — sussurro do meu esconderijo.
Katie tenta sua melhor espreitadela por cima do ombro.
— Max ele está… ele não está olhando.
— O que? — me sento e arrisco uma espiada. Jasper não
está mais olhando para mim, e sim para sua comida, parecendo que
acabou de insultar a própria mãe. Não quero arriscar ser pego
encarando, então volto minha atenção para o suculento pedaço de
carne no meu prato.
Mal se passa um momento e eu já quis espiar de novo.
Quero ver o que ele está fazendo, então sem virar a cabeça
eu olho em sua direção. Ele está dizendo algo no ouvido da garota.
Ela balança a cabeça solenemente e ambos se levantam. Ele deixa
cair o guardanapo em sua refeição inacabada, acena com a cabeça
para o cara à esquerda, e eles saem do salão de banquetes.
— Huh — ele nem tinha terminado a refeição.
— Ótimo, podemos apenas comer agora? — Kate pergunta.
— Sim, eu acho.
Eu deveria terminar de comer, mas em vez disso fico olhando
para o assento vazio.
Por que ele simplesmente iria embora?

Depois do jantar, saímos para o gramado entre as cabanas.


Uma fogueira está acesa no meio de um círculo de bancos de
madeira.
O charmoso quarteto de cordas se foi, substituído por alto-
falantes tocando algumas batidas pop bregas.
Alguém passa segurando um copo vermelho e de repente é
como se todo mundo tivesse um.
As pessoas estão bebendo e dançando e começando a se
soltar. Você pode dizer que a lua azul está próxima pela quantidade
de pessoas chorando ou se beijando.
— Aqui, colega de quarto — diz Todd, entornando algo em
mim enquanto empurra um copo vermelho na minha mão.
— Ah, não, obrigado, eu não tenho idade suficiente…
— Não tem problema, mano. Nem a gente. Só não conte a
ninguém — meu colega de quarto já está louco. — Eu também
tenho um para sua amiga.
Ele tropeça um pouco enquanto tenta entregar a Katie o copo
em sua outra mão.
— Uau, se acalme, cara. Eu cuido da garota — Simon diz,
entrando e colocando um copo na mão de Katie antes que seu
amigo possa fazer isso.
— Vocês querem vir festejar? Vamos jogar beer pong perto
dos telefones públicos.
Katie e eu nos olhamos antes de sorrir e dar de ombros.
— Vamos! — digo.
Acontece que eu sou muito bom em beer pong! Ou muito
ruim. Não tenho certeza. De qualquer forma, eu bebo muito, e em
menos de uma hora, o mundo se tornou um grande e divertido
borrão.
Eu nem estou odiando sair com Todd e Simon. Sim, eles são
homens das cavernas, mas são muito divertidos e são muito bons
em festas. Katie parece estar se dando bem com os dois também.
Se o festival for apenas quatro noites disso, pode ser bom.
— Poooooonto! — Simon grita depois de afundar mais uma
bola de pingue-pongue em um dos meus copos. — Beba, beba,
beba!
Pego o copo e derramo a cerveja velha, em temperatura
ambiente, na minha garganta, derramando cerca de metade em mim
no processo. Pelo canto do olho, vejo uma garota de vestido verde e
me viro – quase perdendo o equilíbrio. Essa é a garota que estava
com Jasper antes?
Ela cruza as portas da cabine principal, em direção à
fogueira. Sem pensar, eu começo a segui-la, deixando os meninos e
Katie e beer pong para trás.
— Ei, onde você vai, cara? Nós não terminamos! — Todd
chama.
Eu o ignoro. De repente, em uma missão. É a garota de antes
e onde quer que essa garota vá, há uma chance de Jasper estar lá.
Meu eu bêbado quer dar a esse idiota um pouco do que eu penso.
Os Deuses da Lua devem estar do meu lado, porque com certeza,
eu encontro a garota de vestido verde, de pé a uma distância da
fogueira nas sombras, falando com o filho do alfa.
Eu os observo por um momento, balançando de um pé para
outro. De onde estou, parece que eles estão tendo algum tipo de
desacordo. Com a visão embaçada, é difícil entender exatamente do
que eles estão falando, mas parece que a garota está encorajando
Jasper a se juntar à festa e ele está resistindo.
— Boa sorte, namorada — eu insulto para ninguém em
particular. — Ele é apenas um grande idiota anti-social.
E isso é o suficiente para me irritar. Antes que eu perceba,
estou pisando fundo. Jasper me vê primeiro e levanta um dedo para
a garota como se dissesse para segurar esse pensamento.
— Quer alguma coisa? — ele pergunta, sem um pingo de
reconhecimento, como se ele nem soubesse quem eu sou.
— Ahhhhh, então agora que todos sabemos quem você é,
você é bom demais para me chamar de cabeça oca?
— Olivia, você pode nos dar licença? — ele pergunta à amiga
de verde.
— De jeito nenhum, chico — diz ela, levantando uma
sobrancelha, parecendo muito divertida. — Vou ficar para isso.
— Não finja que não me conhece! — digo, apontando e
quase perdendo o equilíbrio.
— Você me conheceee. Eu sou o cabeça oca! Lembra!?
— Você é o quê? — Olivia pergunta.
— Você está bêbado — diz Jasper, estendendo a mão para
agarrar meu braço. Eu não tenho certeza se ele está tentando me
manter de pé ou me puxar de lado para me impedir de fazer uma
cena, mas de qualquer forma eu não vou aceitar nada disso.
— Não, você não pode me tocar! — digo me afastando e
tropeçando para trás. — Você não pode tratar as pessoas assim só
porque você é um… um… príncipe bonito ou qualquer outra coisa.
— Bonito? — Olivia diz, rindo. — Jasper, você conhece esse
cara?
— Sim — ele rosna. — Alguém estava muito ocupado
olhando para o telefone para ver para onde estava indo e bateu em
mim na cidade algumas semanas atrás.
— Certo — diz Olivia, entendendo, mais ou menos.
— Sim, e você… você… machucou minha bunda!
Olivia começa a rir. Jasper parece mortificado e então muito,
muito bravo.
— Você fez o que, Jasper? — ela pergunta, rindo.
— Basta! — ele estala para mim. — Você precisa voltar para
sua cabine.
Ele tenta me tocar de novo e eu puxo meu braço de forma
super dramática. A força me faz tropeçar para trás e, finalmente,
tropeço e caio na grama. É a terceira vez que caio de bunda na
frente do filho do alfa, mas quem está contando, certo?
Estou tão bêbado e envergonhado que nem tento me
levantar. Eu só quero deitar lá e morrer.
— Pobre garoto — diz Olivia.
Jasper não diz nada em resposta, mas sinto um par de mãos
fortes me levantando.
Eu quero protestar e dizer a ele para tirar as mãos de mim,
mas finalmente é demais. Eu desmaio nos braços de Jasper.
7
Captura à bandeira

— Max, você está acordado? Você vai se atrasar…


A voz de Katie me traz de volta à consciência. Eu pisco meus
olhos quando acordo do sono mais profundo. Minha boca está seca
e calcária e minha cabeça está latejando. O sol está tão brilhante
que é como se eu estivesse olhando diretamente para uma luz de
holofote. Acho que nunca estive tão bêbado antes. Quem sabe onde
eu acabei caindo?
Para minha surpresa, estou no meu beliche. Estou usando as
mesmas roupas que estava na noite passada, exceto pelos meus
sapatos.
— Bom dia — Katie diz, ficando na ponta dos pés e espiando
por cima da beirada do beliche. — Você perdeu o café da manhã.
Mas eu trouxe café e um bolo para você.
— Obrigado — Eu digo, sentando, esfregando minha cabeça.
Katie me entrega o café e eu tomo um gole. Tem um gosto
bom. Branco com cerca de cinco cubos açúcares, do jeito que eu
gosto. Ela me entrega a massa, mas não tenho certeza se consigo
engolir imediatamente.
— O que aconteceu ontem à noite?
— Eu não tenho certeza, nós dois estávamos muito bêbados,
eu acho, e você se afastou. Parece que você conseguiu voltar para
sua cabine inteiro.
Eu tento lembrar o que aconteceu, mas é um borrão
completo. Então eu me lembro de algo… um vislumbre do rosto dele
e…
— Ah, não, acho que fiz algo ruim.
— O quão ruim? — ela pergunta.
— Como se eu provavelmente devesse entrar na floresta e
nunca mais ser visto.
Katie torce a boca em um sorriso estranho.
— Tenho certeza que é só a ressaca falando…
— Não, eu…
Eu começo a contar a Katie tudo sobre o que aconteceu com
Jasper, mas ela me interrompe.
— Espere, você terá que me dizer no caminho para o ponto
de encontro. Todos já estão indo para um grande jogo de captura à
bandeira.
Eu curvo meu lábio. A ideia de correr no sol quente com um
bando de lobos suados é o suficiente para fazer qualquer um querer
vomitar, ainda mais um adolescente sofrendo com a pior ressaca de
sua vida.
— Isso soa como um pesadelo.
— É obrigatório — diz Katie, sem um pingo de ironia. — Deve
ser como uma coisa de te conhecer, para ajudar a quebrar o gelo
antes da Corrida de Acasalamento.
— Posso fingir que não me sinto bem?
— Eu disse a Eleanor que me certificaria de que você
estivesse lá. Ela parecia que estava prestes a estourar um vaso
sanguíneo quando você não estava no café da manhã.
Eu abaixo minha cabeça e olho para Katie. Isso foi uma
traição completa e absoluta.
— Vamos, vai ser divertido — diz ela, gentilmente me
puxando do beliche. A contragosto, eu balanço minhas pernas para
o lado. Percebo que meus sapatos foram cuidadosamente
colocados no final da cama. Quem os colocou lá? Eu
definitivamente não teria sido tão cuidadoso em meu estado de
embriaguez.
— Oof, você definitivamente deveria se trocar e talvez
escovar os dentes — diz Katie, acenando com a mão sob o nariz. —
Você cheira a cerveja.
Eu me dou uma pequena fungada e ela está certa. Eu estou
fedendo!
— Então, a última coisa que você lembra foi Jasper te
pegando do chão — Katie diz.
Depois de um banho super rápido, saímos do camping e
seguimos por uma trilha pela mata. Estamos seguindo placas
sinalizadoras apontando na direção do ‘ponto de encontro’.
— Basicamente — eu digo.
Meu sangue quente e latejante está atraindo –
aparentemente – todos os insetos da floresta para mim. Eu tenho
que continuar a bater neles enquanto caminhamos.
— Você acha que foi ele quem colocou você na cama?
Eu quase caí na gargalhada pensando em Jasper, que não
tem sido nada além de um idiota comigo desde que nos
encontramos pela primeira vez, cuidadosamente tirando meus
sapatos e me arrumando na cama.
Mas então eu paro e penso… Se não foi ele então quem foi?
Eu bufo, rindo.
— Não, isso não pode ser o que aconteceu. Não há como
aquele idiota fazer algo tão bom.
Quando os outros campistas aparecem, estou suado e
ofegante. Estou tão fora de forma.As árvores se espalham,
circulando em torno da massa de lobos vestidos de roupas
esportivas, para formar uma clareira. Todos ficam em silêncio
enquanto observam Jasper e Olivia chegarem ao topo de uma pedra
de três andares.
Olivia está com sua cara de jogadora. Ela está vestindo
legging cinza, com um design gráfico com blocos de cor amarelo
pálido e um top de manga comprida combinando. Ela parece pronta
para ganhar o ouro nas Olimpíadas.
Jasper, por outro lado, tem a mesma expressão ilegível que
usava quando chegou ontem à noite. Assim como Olivia, ele está
vestindo calças de corrida, mas as dele são pretas, terminando logo
acima dos tornozelos. Ele está usando uma regata preta e seus
braços estão bem e verdadeiramente para fora.
Eu não posso deixar de olhar embasbacado para seus
músculos descontroladamente definidos. Aposto que poderia malhar
por mil anos e ainda não ter a mesma definição que ele. De repente
é difícil para mim engolir.
O calor deve realmente estar me afetando.
— Lobos! — Olivia diz, projetando sua voz para que
possamos ouví-la bem atrás. Ela soa como Beyoncé comandando
com orgulho em O Rei Leão. — Esta manhã vocês serão testados.
Está quente e o terreno é implacável. Para ganhar, vocês precisam
estar no auge. Sua velocidade, força e agilidade estarão em
exibição para todos verem e julgarem!
— Pensei que estávamos brincando de capturar a bandeira?
— eu sussurro em pânico no ouvido de Katie.
— Isso é o que eles disseram no café da manhã — ela
sussurra de volta —, talvez seja como uma versão de lobo.
— As regras são as seguintes — Olivia continua —, vocês
serão divididos em duas equipes. Jasper e eu seremos os capitães
das equipes. A equipe verde estará comigo e a roxa com Jasper.
Não sei o que seria pior. Ter que estar no time de Jasper ou
ter que jogar contra ele.
— Se transformar não está permitindo. Você deve
permanecer em sua forma humana pela duração do jogo. Se você
for marcado você deve sair do campo e voltar aqui. Eleanor se
ofereceu generosamente para permanecer neste ponto de encontro
com água e lanches para quem for desclassificado do jogo.
Percebo Eleanor parada na base da pedra, segurando um
saco cheio de barras de granola, parecendo extremamente satisfeita
consigo mesma.
— O jogo termina quando uma equipe captura com sucesso a
bandeira da outra equipe e a devolve à sua base. Não há zona
segura. Você pode ser marcado em qualquer local do campo de
jogo.
— Quais são os limites? — algum cara na frente pergunta.
Olivia sorri e levanta uma sobrancelha. Ela levanta as duas
mãos no ar e gesticula para as árvores.
— Você está olhando para elas.
Uma sinfonia de ‘whoas’ e ‘huhs’ ecoa pelo grupo.
— A floresta inteira está em jogo — Olivia termina. — O jogo
começa quando você ouvir esse som.
Ela pega um apito fino e brilhante pendurado em uma
corrente em volta do pescoço e sopra.
Os pássaros evacuam as árvores com o grito agudo e
reverberante. Minha cabeça lateja impiedosamente.
— Está tudo bem claro? — ela pergunta, entregando o apito
para Eleanor, que tenho certeza que sabe exatamente quando e
como assoprar a maldita coisa.
Todos acenam com a cabeça, sorrindo esportivamente para
seus vizinhos.
— Bom! — diz Olívia — Todos aqueles com uma cabine de
número ímpar você está no meu time, pares vocês estão com o
Jasper.
Um murmúrio passa pela multidão enquanto todos tentam se
lembrar do número de sua cabine.
— Certo — Jasper fala, dando um passo à frente. — Equipe
roxa comigo, estamos indo para o leste.
Ele salta da parte de trás da pedra e começa a marchar para
o leste. Todas as pessoas com cabines pares seguem seu grande
líder.
— O resto de vocês comigo — diz Olivia, indo na direção
oposta.
Katie e eu nos viramos para olhar um para o outro.
— Que pena, estamos em equipes diferentes — diz ela.
— Sim, eu provavelmente vou cair fora bem rápido se você
ficar entediada e quiser apenas ficar por aqui.
Katie coloca as mãos nos quadris e levanta a sobrancelha
para mim.
— Você deveria pelo menos tentar se divertir.
— Ok! — Eu gemo. — Te encontro mais tarde.
Partimos com nossas equipes designadas.
Minha equipe marcha para o oeste, em um declive constante
até que eu acho que minhas pernas podem cair. Pelo menos, suei a
maior parte da minha ressaca quando chegamos à base.
Encolhida atrás de algumas pedras bem colocadas, Olivia se
dirige à equipe mais uma vez. Ela começa a recitar algum plano de
jogo que tenho certeza que é incrivelmente inteligente e muito
estratégico, mas que não consigo assimilar uma única frase.
E antes que eu perceba ela bate palmas e diz:
— Certo, todo mundo sabe o que está fazendo?
Uh, certo.
— Mãos no centro, então.
Todos da equipe, inclusive eu, põem a mão no grande círculo
que formamos e, no três, todos damos um grito de guerra e jogamos
as mãos para o ar. Então o apito soa.
A equipe se dispersa em um instante, esvaziando os
arredores imediatamente.
— Bem, o que há de errado, chico?! Não fique aí parado! —
Olivia grita comigo, correndo para as árvores.
Eu giro uma vez, escolho uma direção e corro.
De repente estou completamente sozinho na floresta, esses
lobos da matilha sabem como se esconder. Vejo uma árvore caída
de lado. Raízes apontando para cima, e observo que há um buraco
no chão onde ela costumava ficar. O esconderijo perfeito. Eu pulo e
desço e me aconchego no solo.
Vou esperar aqui até que toda essa provação termine.

Uma quantidade indeterminável de tempo passa sem


intercorrências. Sento-me sob as raízes das árvores e deixo a terra
fresca acalmar a minha ressaca. Cerca de uma hora de jogo, alguns
dos meus companheiros de equipe correm, fazendo o possível para
ficarem abaixados e fora de vista. Eles não me notam.
Outra hora de paz se passa e eu me pergunto se o jogo já
terminou e todos foram para casa sem mim.
Então os gritos começam. Vozes chamam ao longe. Eu não
posso dizer exatamente de onde eles estão vindo.
Então ouço passos. Alguém está correndo nessa direção.
Está se movendo rápido… muito rápido. A terra está vibrando sob
mim.
Eu coloco minha cabeça para fora do meu esconderijo para
dar uma olhada ao redor.
Como um guepardo irrompendo pela selva, Jasper emerge,
correndo por entre as árvores. Ele salta uma raiz e desvia de uma
pedra. Para evitar um pequeno riacho, ele se agarra a um galho
baixo e balança, como um maldito Tarzan moderno.
Seu rosto é severo e determinado. Seus músculos são tensos
e seus movimentos precisos. Ele é um lobo em uma missão. E
então eu percebo…
Ele está segurando nossa bandeira. O tecido roxo está
esvoaçando ao vento.
Acho que ele me vê, mas isso não o impede de seguir seu
curso, ele segue em frente com a graça e a velocidade de uma
gazela.
— O que você está fazendo, cabeça-dura? Persiga ele!
Olivia está no encalço de Jasper, correndo pela floresta cerca
de dez segundos atrás.
Ela passa por mim e eu fico congelado. Certamente, ela não
acha que eu posso pegá-lo. Olivia claramente tem as melhores
chances.
Só que ela não está prestando atenção onde está colocando
os pés. Seu dedo do pé esquerdo se prende em uma raiz virada e
ela sai voando para frente, caindo. Eu salto para fora do meu
esconderijo e corro até ela. Ela está segurando o tornozelo,
estremecendo de dor; ela olha para mim com olhos escuros e
furiosos.
— O que você está olhando!? Vá buscá-lo!
Eu aceno e antes que eu perceba estou indo atrás de Jasper.
Instantaneamente, meus pulmões começam a queimar e os
músculos das minhas pernas ficam tensos, mas continuo correndo.
Eu corro mais rápido a cada passo e eu nem sei por quê. Acho que
não quero que Olivia perca o jogo porque eu a distraí. Ou talvez eu
não queira que Jasper ganhe.
De alguma forma, eu instintivamente sei qual caminho seguir.
Eu posso senti-lo à minha frente. De vez em quando eu sinto uma
lufada do seu cheiro. Flores de cerejeira… E toda vez que eu faço
isso eu me esforço para ir mais forte.
O sol brilha em meu rosto enquanto corro e de alguma forma
acho que estou alcançando. Jasper deve ter percebido que Olivia
não está mais atrás dele e diminuiu um pouco. Ou talvez eu seja
mais rápido do que penso! De qualquer forma, o cheiro de Jasper
fica mais forte, ele está logo à frente.
Mais como um rinoceronte do que um guepardo, eu corro
pela vegetação rasteira. Abro alguns galhos e me encontro em uma
clareira. Jasper está do outro lado prestes a desaparecer, mas ele
para e se vira. Eu derrapo até parar também.
Ele me olha confuso, como se eu fosse a última pessoa que
ele esperava ver. Então ele levanta uma sobrancelha como se
estivesse impressionado. Mas no segundo seguinte, aquele olhar
determinado e de aço está de volta e ele está correndo novamente.
Não há ar em meus pulmões, meu coração está prestes a
explodir, meus pés estão gritando de dor. Há arranhões em meus
braços aonde eles ficaram presos em galhos. E estou encharcado
de suor. Mas eu tenho que vencer. É vida e morte. Perder não é
mais uma opção.
De alguma forma eu consigo alcançar Jasper.
Estou tão perto, estendo a mão para tocá-lo, e… ele acelera.
Eu corro ainda mais rápido, mais rápido do que eu sabia que
poderia, e consigo me equilibrar novamente. Jasper olha para trás e
gesticula para mim com a cabeça, mas não sei o que ele está
tentando dizer.
E então de repente ele pula, levantando do chão pelo menos
seis metros de altura. Por que ele fez isso? Isso só vai atrasá-lo.
Mas então eu vejo o porquê.
Estou correndo em direção a um buraco enorme no chão. Um
longo vale rasga a paisagem. O som da água turbulenta e corrente
sobe da fenda na terra.
Jasper pousa graciosamente do outro lado.
Não há maneira que eu possa fazer esse salto!
Mas estou indo rápido demais, não sei se consigo
desacelerar a tempo.
Eu faço o meu melhor para fincar meus calcanhares e parar,
mas estou muito perto.
Chego à beira do penhasco e o chão abaixo de mim
desaparece.
8
A nova chegada

Não existe chão abaixo de mim, apenas água corrente e rochas


irregulares.
Eu grito quando começo a despencar, mas de repente sou
puxado para trás.
Alguém segura a gola da minha camisa e está me puxando
para trás. Alguém me iça de volta para o solo e eu caio nela antes
de cair no chão.
Olivia olha para mim, ofegante. Ela deve ter nos alcançado
bem a tempo de me impedir de cair na minha destruição.
— Obrigado — eu digo, bufando.
— Essa foi perto, chico.
Nós dois olhamos para o outro lado da ravina. Jasper está lá,
nos observando. Eu poderia ter morrido e ele sabe disso. Ele parece
meio aliviado?
Não há tempo suficiente para eu descobrir a resposta à
minha pergunta. Jasper levanta uma sobrancelha arrogantemente,
antes de correr para a floresta como um veado majestoso.
Eu pego a mão de Olivia e ela me puxa para cima.
— Você quase o pegou, cabeça oca — ela diz, me dando um
tapinha nas costas. — Você é cheio de surpresas.
— Ah, sim…
Eu ainda não tenho ideia de como eu, o garoto que
conseguiu escapar de todas as aulas de educação física desde o
ensino médio, quase alcancei Jasper. Ele é literalmente uma obra-
prima genética. Seu pai é o alfa, o lobo mais forte da matilha. Ele é
um puro-sangue e eu sou apenas um nerd dos subúrbios. Mas eu o
estava acompanhando. Como?
— Deve ser um milagre da lua azul — diz Olivia.
Ao longe, ouvimos gritos de vitória ecoando pela floresta.
Então, perdemos o jogo. Pelo menos agora podemos parar
de correr e quase morrer, certo?
Olivia e eu voltamos para o ponto de encontro. Eu pondero o
que ela disse sobre a lua azul e me pergunto sobre o fenômeno
lunar iminente. Talvez possa aumentar a velocidade de um lobo,
bem como sua libido. Ou talvez eu realmente não quisesse que
Jasper ganhasse.
Olivia ainda está mancando um pouco de quando tropeçou.
— Seu tornozelo está bem?
— Eu vou viver — diz ela e acelera.

Assim que voltamos ao ponto de encontro, encontro Katie.


— Parabéns — eu digo.
— Você parece meio cansada — diz ela, avaliando as
manchas de sujeira na minha camisa, o arranhão na minha perna e
o estado mais bagunçado do que o normal do meu cabelo. — Você
deve ter se envolvido, afinal.
— Meh, eu principalmente me escondi nos arbustos.
— Você se divertiu?
— Vamos apenas dizer que eu fiz Jasper suar para conseguir
vencer.
— De jeito nenhum — diz Katie. Sua boca se abre o
suficiente para uma baleia sair nadando.
— Mas eu não fui rápido o suficiente.
— Ah, bem, talvez você tenha outra chance de pegá-lo em
algum outro jogo.
— Talvez — eu rio. Nós nos juntamos aos outros lobos
encharcados de suor voltando para o acampamento.
Emergimos da floresta e imediatamente vejo um carro preto
estacionado em frente ao alojamento do alfa. Ao lado da traseira do
carro está uma mala Louis Vuitton.
— A quem pertence tudo isso? — eu pergunto, mas Katie
não tem resposta. Ela está tão chocada quanto eu.
Um segundo depois, um motorista sai para pegar a mala,
seguido por uma garota de pele escura, parecida com uma estátua,
com longos cabelos ondulados como uma cachoeira. Ela está
vestindo um suéter de gola alta em creme e jeans skinny branco. A
esta distância, é difícil distinguir seu rosto por trás de seus grandes
óculos de sol ostensivos.
— Aquela é…? — Katie para no meio da pergunta.
— O que? Quem é ela? — eu pergunto.
— Você não a reconhece?
Eu me viro, apertando os olhos para ver melhor, enquanto a
linda garota de nível estrela de cinema tira os óculos escuros,
balançando o cabelo em câmera lenta.
Eu arfo.
— É a Aisha Miller!
Os outros campistas continuam a passar por nós, como um
rio ao redor de uma pedra. Mas não podemos nos mover. Nossa
estrela lobisomem dançarina favorita está aqui!
— É claro que ela tem o bom senso de aparecer depois de
capturar a bandeira — eu digo.
Aisha discute algo com seu motorista antes que ele acene
educadamente e leve sua mala pelas portas da cabine principal. Eu
nem pisco duas vezes sobre o fato de que ela está hospedada no
alojamento do alfa. Porque... claro, que ela está!
Então ela se vira para nós... nós! E ela acena...
Oh meu Deus da Lua! Ela está acenando para mim?!
Timidamente, levanto minha mão e aceno de volta, assim que
alguém bate no meu ombro, me tirando o equilíbrio.
Quando olho para trás, Aisha não está mais olhando nessa
direção. De repente, tenho certeza de que ela nunca estava olhando
nessa direção. Porque Jasper está correndo até ela, devolvendo o
aceno.
Como um aluno da quinta série pouco competente, juntei dois
mais dois. Aisha está hospedada na cabine principal, onde Jasper
está hospedado. Jasper estava no balé na cidade. Ela até o
procurou quando estava fazendo sua reverência. Eles se conhecem!
Como alguém tão gracioso, alguém que pode trazer tanta
felicidade a centenas de pessoas, ser amigo de alguém tão
desprovido de emoção?
— Uau, eles parecem bem próximos — Katie diz enquanto
Jasper envolve seu braço ao redor de Aisha e a leva até a cabana
de seu pai.
Minha excitação repentina se transforma em decepção
amarga. Eu adoraria dizer oi e dizer a ela o quão ótima eu acho que
ela é. Mas não posso fazer isso se ela está com aquele idiota. Eu
posso imaginar seu sorriso condescendente. Aposto que ele acharia
patético e olharia para mim com seu nariz perfeitamente reto e
completamente proporcional.

Alguns dos voluntários do festival prepararam churrascos no


barracão das canoas.
Limpos e famintos, encontramos nosso caminho até a água.
Minha boca começa a salivar quando o aroma de carne de porco
assado flutua sob meu nariz. Meus olhos quase saltam da minha
cabeça ao ver quatro porcos inteiros sendo assados no espeto.
É um dia ensolarado e a superfície da água está calma. O
lago em si é mais largo do que eu pensava inicialmente,
desaparecendo atrás das árvores enquanto se curva.
Katie e eu caminhamos diretamente para a comida. Algumas
mesas de piquenique estão dispostas com pratos e talheres e, claro,
salada de batata. Uma fila já se formou onde um dos voluntários
está servindo suculenta carne de porco, então pego um prato e
ignoro as batatas cremosas.
Eu me junto ao fim da fila e meu estômago ronca como um
lobo que encontrou seu companheiro.
— Isso cheira tão bem — diz uma voz suave atrás de mim.
— Nem me fale — eu digo, olhando por cima do meu ombro
e congelando. A dona dessa voz é Aisha Miller. A primeira bailarina
está atrás de mim na fila do churrasco!
— Estou com tanta fome que provavelmente poderia comer o
porco inteiro — diz ela, rindo.
Eu luto para formar palavras. O que quer que eu esteja
tentando dizer sai como estranhos ruídos borbulhantes.
— Você... seu... eu... uuuhhh...
— Você está bem? — ela pergunta.
— Eu…
— Você é sempre tão articulado?
— Ele está com muita fome — diz Katie, aparecendo ao meu
lado e salvando minha vida, literalmente. — Ele quase ultrapassou
Jasper esta manhã e ainda não se recuperou.
— Uau — diz Aisha. — Isso é impressionante. Você deve ser
rápido.
— Eu sou muito rápido — eu digo, e instantaneamente quero
me dar um tapa na cara.
— Isso é ótimo. A propósito, sou Aisha. Como vocês dois
estão aproveitando o festival até agora?
— Oh, nós sabemos quem você é — diz Katie. — Na
verdade, somos grandes fãs.
— É isso mesmo?
— Sim, grandes, certo Max?
Katie me dá uma cotovelada nas costelas, forte, me trazendo
de volta à vida.
— SIM! — Eu choco a todos, até a mim mesmo, com o quão
alto isso sai. — Desculpe, sim. Somos grandes fãs. Acabamos de
ver você em Nova York há um mês.
— Ele fala — diz Aisha, sorrindo.
— Desculpe — eu digo. — Você acabou me pegando de
surpresa. Meu nome é Max e esta é minha melhor amiga Katie.
— É bom conhecer vocês dois. — Aisha olha para cima,
parecendo impaciente. — Cara, esses caras são lentos. Vou mudar
e matar alguém se não me alimentar logo.
Eventualmente, todos nós colocamos um pouco de carne em
nossos pratos e Aisha pergunta se queremos comer com ela.
— Sempre fico sobrecarregada com essas coisas, há muitos
lobos famintos para encontrar uma alma gêmea — diz ela, enquanto
encontramos um lugar para sentar em uma colina gramada e
exuberante.
— Você já esteve em um festival antes? — Kátia pergunta.
— Sim, apenas um. Cerca de três anos atrás, quando eu
tinha dezesseis anos.
— Você não encontrou seu companheiro? — Os olhos de
Katie estão nadando com devaneios românticos, e pequenos
corações de amor flutuam ao redor de sua cabeça.
— Não, mas tudo bem. Eu já estou acasalada.
Aisha pode dizer que estamos chocados pela forma como
nós dois paramos de enfiar comida em nossas bocas.
— Com a dança — diz ela, rindo. Nós dois balançamos
nossas cabeças em reconhecimento. — Estou comprometida com o
balé, não tenho tempo para algum aspirante a alfa pensando que
pode me reivindicar como sua companheira.
— Talvez você encontre um este ano — diz Katie, que nunca
desiste do amor.
Aisha dá de ombros.
— Pode ser.
— Katie está realmente envolvida em todas essas coisas de
companheiro. Ela está super animada com a Corrida de
Acasalamento — eu digo.
— Isso é ótimo — diz Aisha —, espero que funcione para
você.
Ela toca o braço de Katie, mostrando sua sinceridade, e
então se vira para mim com uma sobrancelha erguida.
— E você? Você não está animado com a Corrida de
Acasalamento?
— Eu? — eu pergunto, de repente nervosa. — Eu realmente
não pensei sobre isso.
— Max é um artista como você — Katie interrompe. — Ele
está mais focado em sua arte neste festival.
Lanço um olhar para Katie e ela balança a cabeça como se
não entendesse. Não é que eu queira que Aisha pense que estou
louco por um companheiro. Só não quero que ela pense que sou um
completo estraga-prazeres.
— Que tipo de arte você faz? — Aisha pergunta.
— Desenhos — eu digo. — Principalmente paisagens.
— Bem, eu adoraria vê-los algum dia.
Minhas bochechas esquentam quando me lembro de todos
aqueles esboços que fiz no rio. Aquelas onde desenhei Aisha
dançando e... o rosto de Jasper.
— Então você é amiga de Jasper? — Katie pergunta.
— Ah, sim, fomos para o internato juntos — diz Aisha,
encolhendo os ombros como se não fosse nada.
— É o primeiro festival dele, não é?
— Sim, Jasp é mais novo que eu, tipo, seis meses, ele ainda
tinha quinze anos quando o último festival aconteceu.
Eu tenho que me impedir de rir do apelido dela para ele.
Jasp! Eu nunca imaginei que ele seria o tipo de apelidos fofos.
— Você acha que vocês dois podem ser...? — Katie
pergunta, discretamente trazendo o assunto de volta à
companheiros.
Aisha dá uma gargalhada.
— Eu e Jasper. De jeito nenhum, amiga! Ele é como um
irmão. Nos conhecemos há muito tempo.
— Você nunca sabe o que os Deuses Lunares reservam —
diz Katie.
Não sei por que, mas estou aliviada ao descobrir que não há
nada romântico acontecendo entre Jasper e Aisha. Talvez haja uma
chance de Aisha e eu acabarmos sendo amigos. Eu não sinto uma
atração forte por ela além de pensar que ela é uma dançarina
incrível, mas estamos nos dando bem.
— Falando no diabo — diz ela, interrompendo minha linha de
pensamento.
Eu olho para cima e vejo Jasper se aproximando. Ele está
vestindo jeans pretos que afunilam em seu tornozelo, tênis novos e
uma camiseta branca perfeitamente engomada.
— Ei cara — Aisha diz, acenando para ele. — Eu estava
apenas conversando com essas crianças legais.
Jasper inclina a cabeça para que ele possa nos ver por cima
de seus óculos de sol.
— Crianças, com certeza — diz ele, bufando.
Aquele idiota! Agora ele quer me envergonhar na frente de
Aisha!
— Seja gentil, Jasp. Você sabia que Max aqui é um artista?
— Não posso dizer que sabia.
— Vamos, junte-se a nós — diz Aisha.
Estou apaixonada pelo quão relaxada ela é perto dele. Ela
fala com ele como se ele fosse apenas mais um lobo.
— Eu tenho um pouco de carne de porco que não consegui
terminar se você quiser? — eu digo, estendendo meu prato.
Percebo Aisha tentando não rir e me pergunto por que diabos
acabei de dizer isso. Ou por que de repente eu estava me sentindo
generoso. Eu queria totalmente terminar meu prato de comida e não
é como se eu quisesse que ele se sentasse conosco. Não queria?
Jasper olha para o prato de comida como se fosse um
cadáver em decomposição.
— Sou vegetariano — diz ele.
— Oh.
— Certo, pessoal! É hora da canoagem! — A voz alegre e
aguda de Eleanor interrompe a conversa. O resto dos
frequentadores do acampamento jogam seus pratos de papel sujos
na lixeira e vão até o galpão para pegar uma canoa.
— Isso soa divertido! — Diz Aisha. Jasper não parece tão
impressionado. — Não ligue para ele, ele é muito ruim em remar.
Eu tenho que me impedir de explodir de rir. Mesmo Katie não
pode deixar de rir atrás de sua mão.
— Duas pessoas por canoa! — Eleanor pronuncia. — Apenas
duas pessoas por canoa, encontre um parceiro de canoa e comece
a remar!
— Ei, Aisha — eu digo —, você gostaria de ser minha
parceira de canoa?
Estou chocado que essas palavras saíram da minha boca e
pelo jeito que Katie está olhando para mim, ela também está.
— Vocês dois não querem ir juntos? — Aisha diz, parecendo
tão estranha quanto eu me sinto.
Começo a falar, dizer que sim, claro que irei com Katie. Mas
ela se levanta e se afasta antes que eu tenha uma chance.
Instantaneamente, me sinto horrível. Acabei de esnobar
completamente minha melhor amiga e fiz isso na frente de todos.
— Isso foi realmente uma merda da minha parte — eu digo,
muito ciente de Jasper parado ao meu lado, olhando para mim como
uma formiga patética em um piquenique.
— Eu não sou muito de canoagem de qualquer maneira —
diz Aisha. — Por que você não corre e tenta consertar as coisas
com Katie?
— Boa ideia — eu digo.
Subo e corro até onde as pessoas já estão lançando seus
barcos na água.
— Katie! Katie! Me desculpe — eu digo enquanto a alcanço.
— Eu não deveria ter deixado você pendurado assim. Ainda
podemos andar de canoa juntos?
Katie se vira e o olhar em seu rosto é uma mensagem. Ela
não está pronta para perdoar e esquecer. Seus lábios estão
pressionados juntos e seu olhar é mais pedregoso do que as
montanhas ao longe.
— Não se preocupe com isso, Max, eu encontrei outra
pessoa para acompanhar.
Eleanor sai do galpão de canoas segurando um barco de
fibra de vidro.
— Você vem, parceira? — ela pergunta a Katie.
Minha melhor amiga me encara por mais um momento antes
de responder:
— Sim.
Ela ajuda Eleanor a lançar o barco na água.
A praia está tranquila agora e sinto como se todos tivessem
conseguido encontrar alguém para andar de canoa, exceto eu.
Eu me viro. Jasper e Aisha ainda estão de volta ao local do
piquenique. Acho que eles me veem olhando, mas tenho vergonha
de ir até lá e falar com eles. Não quero que Aisha pense que vou
voltar para perguntar a ela de novo e não quero que Jasper me veja
quando estou me sentindo um merda e solitário.
Aisha está falando com Jasper, gesticulando em minha
direção, mas eu não quero parecer que estou bisbilhotando, então
me viro. Decido me sentar aqui à beira do lago e observar os outros
em seus barcos e, quando Katie voltar, farei o possível para me
desculpar. Espero que eu possa fazer as pazes com ela.
Há um barulho repentino de dentro do galpão e sou
atropelado ao virar e encontrar Jasper carregando uma canoa em
direção à costa.
— Eu vou com você, vamos lá — diz ele.
— Por que? — Eu pergunto, sem tentar esconder minha
surpresa.
— Porque faz parte do meu dever garantir que todos
participem do festival. E porque Aisha está me obrigando.
Eu viro minha cabeça por cima do meu ombro – Aisha
balança as mãos em direção à água, encorajando nós dois a
seguirmos em frente.
— Você está vindo ou não?
Jasper está olhando para mim como se eu fosse a maior
imposição do mundo. Passar um tempo na água com ele também
não é minha ideia de diversão. Mas minha única outra opção é sair
correndo como um grande bebê na frente de Aisha e meu futuro
alfa.
— Ok. Contanto que você não me chame de cabeça oca.
Eu me levanto e vou para o barco, juntos nós o empurramos
para a água e pulamos assim que saímos da costa.
Pego meu remo de dentro do casco e o aperto com força.
Eu não posso acreditar que estou prestes a passar minha
tarde em um pequeno barco com Jasper. O idiota que está me
antagonizando desde antes de chegarmos a este festival estúpido.
Talvez seja o que eu mereça depois do jeito que eu deixei Katie.
Uma coisa é certa: passar esses tempo com Jasper vai ser
uma punição.
9
Splash!

Jasper está sentado na proa do barco, silenciosamente


mergulhando seu remo na água, nos impulsionando para a frente.
Seu corpo não se move, exceto pelos braços, ele não olha para a
paisagem ou para mim. E ele não fala.
Faço o possível para remar do outro lado do barco, tentando
evitar que andemos em círculos, mas acho que minha técnica de
remo pode deixar muito a desejar. E a força da minha parte superior
do corpo também pelo o que importa.
As outras equipes de canoagem estão à nossa frente, a
maioria já tendo desaparecido na curva do rio.
Meu ombro começa a doer e eu gemo levemente enquanto
mergulho meu remo, lutando para puxá-lo através da água.
— Troque — Jasper diz, quebrando nosso impasse
silencioso. Ele levanta o remo e muda de lado. Atrapalhado, corro
para fazer o mesmo antes de começarmos a girar sem parar. Sinto-
me melhor na minha nova posição.
Ele fez a troca para meu benefício? Eu duvido.
Enquanto deslizamos, começo a me sentir mais calmo, como
se tivesse deixado toda a minha ansiedade sobre Katie e Aisha na
praia. O vento acaricia suavemente meu rosto e fazemos o nosso
caminho ao redor da curva.
Depois de mais quinze minutos, Jasper chama novamente.
— Troca.
Faço o que meu líder manda.
Finalmente, o silêncio se torna demais para mim. Posso olhar
calmamente para paisagens incríveis com o melhor deles, mas não
posso fingir que não estamos aqui juntos, como se não fôssemos as
únicas duas pessoas neste barco.
— Você é mesmo… — eu digo, minha voz travando um
pouco na minha garganta — vegetariano?
Percebo a mudança de postura de Jasper como um pássaro
eriçando suas penas.
— Sim.
— Ah, isso é interessante.
Para a maioria dos lobos, é certo que você coma carne.
Inferno, nós desejamos isso. Ser um lobisomem vegetariano é
quase inédito e muito difícil. São necessárias muitas proteínas
suplementares para evitar os desejos de carne. E muita disciplina.
Esse tipo de força de vontade sempre me escapou.
— Há quanto tempo você é vegetariano?
— Desde os doze anos.
— Uau, isso é jovem. O que fez você decidir parar de comer
carne?
Mais uma vez, as penas de Jasper eriçam.
— Minha mãe era vegetariana.
— Certo.
Todos na matilha sabem que nossa ex-Luna, companheira de
Alpha Jericho e mãe de Jasper, morreu em um acidente de carro há
seis anos. Como um bando, todos nós sentimos a dor do alfa.
Demorou muito para que as coisas parecessem normais depois
disso.
— Ela era filha de Shinji Tanaka, certo? O alfa do bando em
Tóquio?
É difícil dizer por trás, mas acho que Jasper aperta a
mandíbula.
— Sim.
— Ouvi dizer que a matilha dele era ainda maior que a nossa.
Você já esteve no Japão?
Jasper levanta o remo da água e o coloca no colo, bufando.
Eu o ofendi? Provavelmente não foi uma boa ideia começar a falar
sobre sua mãe e sua família. Mas eu estava apenas tentando puxar
conversa.
— Desculpe, eu não deveria ter...
— Você faz muitas perguntas — diz Jasper em um sussurro
tão baixo e grave que é quase impossível ouvi-lo.
— Certo, sim, as pessoas dizem isso sobre mim. Eu vou
parar. Desculpe.
Eu me resigno a remar em silêncio, mantendo minha boca
fechada até que estejamos de volta à praia e eu possa encontrar
Katie para me desculpar.
A floresta passa por ambos os lados. Costas cinzentas
cobertas de seixos desaparecendo nas sombras entre pinheiros
verdes. Eu gostaria de ter trazido meu caderno de desenho para a
viagem. Embora eu estivesse com muito medo de perguntar a
Jasper se poderíamos parar de qualquer maneira.
— Eu nunca fui — diz Jasper do nada um minuto depois. —
Ao Japão, nunca fui.
— Ah.
Eu olho para a parte de trás de sua cabeça e continuo
remando.
Remamos por mais uns vinte minutos – tempo suficiente para
que meus braços estejam travando – antes de vermos as outras
equipes de canoa voltando ao acampamento. Espero que Jasper os
veja e decida que é hora de voltarmos também. Eu fiz mais
atividade física hoje do que nos últimos dezesseis anos. Mas
passamos pelos outros e continuamos de canoa por pelo menos
mais dez minutos.
Finalmente, chegamos a uma área rasa. A água debaixo de
nós é tão clara e parada que consigo ver as rochas no leito do rio e
até avistar um peixe nadando.
Jasper suspira.
— Devemos voltar.
Ele enfia o remo direto para baixo, pegando uma pedra
enquanto continuo remando, virando-nos 180 graus. Agora, de
frente para casa, começamos a fazer o caminho de volta.
O sol está começando a afundar em direção ao horizonte e
tudo tem um brilho difuso de tarde. O caminho de volta não parece
demorar tanto quanto a saída, mas meus braços estão prestes a
cair no momento em que o acampamento aparece.
No meu alívio ao ver o acampamento, estico as pernas e
acidentalmente chuto o colete salva-vidas sobressalente que está
no fundo do barco. Uma aranha mega assustadora sai correndo, me
fazendo suspirar. Suas longas pernas pretas são finas e eu congelo
de terror.
Aranhas são meu pior medo.
Este espécime aterrorizante está correndo em direção ao
meu pé.
— Ja-Ja-Jasper… — eu gaguejo.
Ele exala audivelmente como se estivesse esperando outra
pergunta idiota.
— Jasper, há uma... uma... uma...
— O que? — ele diz, virando-se para mim. Seu movimento
súbito assusta a aranha, que pula do fundo da canoa direto para
minha perna.
Instantaneamente, estou de pé tentando afastar o demônio
mordedor. Jasper está gritando algo sobre se acalmar, mas estou
em pânico, posso sentir suas pernas na minha pele.
O barco está balançando como um louco e eu perdi a noção
de onde a aranha está no meu corpo. Eu tento girar para ver onde
está e perturbar nosso equilíbrio. A canoa escorrega debaixo dos
meus pés, virando, mandando-me e Jasper para a água.
Totalmente submerso, eu chuto e me debato tentando
encontrar a superfície.
Uma mão desce e me agarra pelo colarinho, me puxando
para cima e para fora da água.
Jasper me levanta para o ar fresco e eu suspiro
freneticamente tentando obter o máximo de ar possível em meus
pulmões. Só quando sinto que posso respirar de novo é que
percebo que Jasper não está em pânico. Ele nem está pisando na
água. Ele está de pé calmamente, com a água batendo em seu
peito.
Deixo meus pés afundarem e descubro que posso ficar de pé
também.
Eu arrisco um olhar para Jasper e me deparo com a
expressão mais fria e não impressionada que eu já vi. O futuro alfa
está encharcado. Gotas estão escorrendo de seu cabelo, pingando
em seu rosto. Meus lábios se torcem em uma espécie de careta de
desculpas.
— Tão tedioso — diz ele.
Afastando-se de mim, ele pega nossa canoa virada e começa
a caminhar de volta na direção da casa de barcos. Na grama, uma
multidão de pessoas está nos observando, a maioria parece
preocupada com seu futuro alfa. Aisha e Katie estão rindo tanto que
podem se molhar.
Eu tremo na água fria da montanha e sigo Jasper em direção
à costa.

— Eu acho que você já foi punido o suficiente — diz Katie,


caminhando em direção ao alojamento do alfa com o braço ligado
ao meu. — Essa água é escoada das montanhas. Deve estar
congelando.
— Está, acredite em mim — eu digo. Depois de fazer meu
grande mergulho, fui direto para os chuveiros, onde deixei a água
escaldante devolver a vida ao meu corpo. E quando terminei, era
hora do jantar.
— Eu sinto muito mesmo assim — eu digo, pensando que
não pedi desculpas o suficiente para Katie.
— Olha, você estava animado com o brinquedo novo e
brilhante. Entendo.
— E então você ficou encantado com a Senhorita
Perfeccionista como uma companheira de barco.
— Na verdade, nos divertimos muito. Eleanor é legal quando
não está nos forçando a usar crachás. Deveríamos sair mais com
ela.
— Bem, estou feliz que você fez uma nova amiga.
— Duas novas amigas na verdade…
Entramos pela entrada dos fundos, diretamente para o salão
de banquetes. As mesas são postas com peças centrais frescas.
— Quem é a outra nova amiga? — eu pergunto.
— Enquanto você estava ensopando Jasper, eu conversei
com Aisha. Eu odeio dizer isso, mas ela é ainda mais legal
pessoalmente do que no palco.
— Eu não iria tão longe… — eu digo, mas nós dois sabemos
que estou apenas me protegendo.
— Vamos, você acha que ela é incrível. — Katie me bate de
lado. — Você pode dizer isso. Quero dizer, não é como se você
fosse acabar acasalado ou algo assim.
Nós dois ficamos quietos por um segundo, refletindo sobre as
implicações do que Katie acabou de dizer, quando a própria Aisha
se aproxima. Nós dois prestamos atenção como cachorrinhos
obedientes.
— Ei, pessoal!
— Oi! — dizemos em perfeito uníssono.
— Pronto para o jantar?
— Sim, nós provavelmente deveríamos encontrar nossos
lugares — eu digo, tentando parecer o mais legal possível.
— Ah, não precisa — diz Aisha, com um sorriso malicioso
nos lábios. — Eu puxei alguns pauzinhos e vocês vão se sentar
comigo esta noite.
— Ah, isso seria incrível! — Katie diz. — Qual é a sua mesa?
— Aquela… — Katie aponta para a longa mesa na cabeceira
da sala.
— Essa é a mesa do alfa? — eu digo. — Apenas lobos
importantes sentam lá.
— Eu sou amiga de Jasper e agora vocês são meus
amigos... então eu acho que vocês são importantes.
— Eu não acho que Jasper vai ser legal comigo–

— Não se preocupe com Jasper — diz ela, pegando a mão de Katie


e puxando-a para nossos novos assentos. — Ele é realmente um
grande molenga.

Nós tomamos nossos lugares e eu espero com uma bola de


mariposas ansiosas no meu estômago até que Jasper finalmente
chegue. Ele entra no corredor por uma porta privada ao lado,
acompanhado por Olivia.
Tento me confortar com o fato de que, embora estejamos na
mesma mesa, ainda estou separada dele por Katie, Aisha e Olivia.
Três mulheres estão entre mim e o idiota que eu joguei ao mar esta
tarde.
Jasper – sem olhar para cima uma vez desde que entrou no
salão – chega à mesa, torcendo o nariz como se tivesse sentido o
cheiro de algo repulsivo. Ele balança a cabeça na minha direção.
Então, com a mesma rapidez, ele volta seu olhar para o chão. Ele
ajuda Olivia a sentar-se, depois se senta, nunca deixando seu olhar
desviar de seus talheres.
Meus dedos estão tremendo um pouco e meu estômago está
trêmulo como molho de cranberry de uma lata.
Antes do jantar ser servido, um dos voluntários mais velhos
fica. Seu rosto pálido está manchado, seu cabelo caramelo se
enrola em um arranjo tipo ninho de pássaro em sua cabeça e ele
tem uma tatuagem de lua crescente sob o olho esquerdo.
— Esse é Marcel — Aisha sussurra, inclinando-se para Katie.
— Ele é o filho do Sumo Sacerdote. Ele está prestes a
abençoar o festival deste ano.
As luzes se apagam quando Marcel começa a cantar com
uma voz de barítono assombrosa. Katie se inclina com um olhar de
espanto no rosto.
— A língua em que ele está cantando... acho que é Lupin.
— Uau! Eu não acho que alguém sabia como falar isso.
Lupin é a língua que nossos ancestrais mais antigos falavam
nos tempos antigos. Eu pensei que era uma língua perdida, mas
aparentemente, não está tão perdida.
Marcel alcança algumas notas altas, e quando sua oração
atinge seu crescendo, o zumbido abafado das persianas elétricas
começa a zumbir.
— Pessoal, olhem para cima — diz Aisha, sorrindo.
Voltamos nossa atenção para o teto, enquanto dois grandes
painéis deslizam para trás revelando uma janela. O céu noturno se
abre acima de nós, como uma cortina de purpurina.
E a lua...
Dizer que está radiante seria um eufemismo, uma noite longe
do pico de seu ciclo – a lua é enorme. A luz prateada ilumina o salão
de banquetes, lançando um brilho cintilante nos rostos de todos os
lobos na sala.
— Você sabe o que ele está dizendo? — Katie pergunta a
Aisha sobre a oração indecifrável de Marcel.
— Ele está pedindo aos Deuses da Lua que olhem para os
rostos dos não acasalados reunidos aqui esta noite e os abençoem
com uma conexão, um caminho entre as almas.
É claro.
Eu inclino minha cabeça o máximo para trás e observo a
maravilha luminescente flutuando acima. Eu fecho meus olhos e é
quase como se eu pudesse sentir, os fios de luar descendo para
beijar minha bochecha e minha testa.
Sem querer, viro a cabeça para o lado e abro os olhos.
Ao contrário de todos os outros, olhando para o céu, a
cabeça de Jasper está abaixada, seu rosto coberto de sombras.
Todo o seu corpo está tenso.
Por que ele está agindo tão estranho?
A oração termina e as luzes são acesas novamente, eu olho
para o teto.
Marcel encerra sua oração dizendo:
— Que os Deuses da Lua iluminem o caminho entre as
almas.
Cada voz na sala responde na mesma moeda.
— Que os Deuses da Lua iluminem o caminho entre as
almas.
Minha boca faz a forma das palavras, mas nenhum som sai.
10
Lua azul, eu vi você sozinho...

A luz da lua brilha através da janela da minha cabana naquela noite


me mantendo acordada. Eu tento de tudo para ficar confortável. Eu
rolo de lado para não ficar de frente para a luz. Eu puxo meus
lençóis sobre minha cabeça. Mas nada funciona.
Estou cheio de adrenalina. Estou desde o jantar. Cada
terminação nervosa do meu corpo está em alerta máximo.
É a lua azul? Meu corpo está confuso por causa da energia
lunar?
Eu rolo de costas e é como se a lua estivesse pressionando
meu peito, me esmagando.
Meu orientador da escola me disse que eu tinha ansiedade
uma vez, quando eu estava pirando com esse teste de história, que
pensei que ia falhar. Isso é como ansiedade vezes dez.
Os outros caras na minha cabana estão todos roncando
profundamente, o que só aumenta minha frustração.
Eu rolo de volta em direção a janela e olho para a lua.
Por que eu sinto que ela está me chamando, me obrigando a
fazer alguma coisa? ...bem, o que? O que você quer que eu faça?
Eu suspiro e me sento. Estou sendo ridículo.
Ao pé da cama, meu caderno de desenho está saindo da
minha bolsa. Talvez desenhar a lua ajude a focar um pouco dessa
energia nervosa.
Eu saio do meu beliche, coloco meu moletom por cima da
minha regata e amarro meus tênis. Pego meu caderno de desenho
e lápis e saio da cabine.
Sigo para a escuridão da floresta, sabendo que a lua me
levará aonde preciso ir.
Está quieto na floresta, mas não tão assustadoramente
silenciosa. O zumbido das cigarras e o trinado dos sapos me fazem
companhia enquanto ando. As sombras são profundas, mas há luar
suficiente para que eu ande facilmente.
Em pouco tempo, emergi das árvores em uma pequena
clareira. A lua brilha à vista.
É de tirar o fôlego. Eu respiro fundo e absorvo.
— Você não deveria estar dormindo?
Eu pulo ao som de sua voz. Jasper.
Ele está sentado de pernas cruzadas, em cima de uma pedra
à minha direita, com as mãos apoiadas nos joelhos e as palmas das
mãos viradas para cima.
O que ele está fazendo aqui?
— Eu não conseguia dormir… — eu digo. — A lua está muito
brilhante.
Jasper suspira e olha para cima.
— Muito brilhante — ele sussurra para si mesmo. — Muito
brilhante e muito grande, e prestes a cair em cima de nós.
Ele esqueceu que eu ainda estou aqui?
— É realmente impressionante — eu digo, dando um passo
adiante na clareira. — Incrivelmente bonita.
— Eu acho que é horrível — Jasper cospe com os dentes
cerrados.
Estou chocado. A lua é sagrada para os lobos. Nossos
espíritos são guiados por sua luz, nossos humores governados por
sua atração. Somos como a maré subindo e descendo ao seu
capricho. É falta de educação xingar ela. Para alguns, é
completamente heresia.
Mas estou curioso. Eu nunca conheci um lobo que não fosse
meio obcecado com a lua.
— Você acha feia? — eu pergunto, um pouco hesitante.
— Feia, opressiva, você escolhe — ele zomba. — Acho
sufocante. Todas as noites, não importa onde você vá, está lá, como
um holofote. Não importa o que aconteça, você está sempre sendo
observado. É intolerável.
— Ah.
Não posso dizer que me relaciono, mas acho que o herdeiro
do alfa estaria sob muito escrutínio. Muitas pessoas estariam
esperando muito de você. É muita pressão.
— Sinto muito — diz ele. — Eu sei que não deveria falar
assim. Não quero ofender.
Estou surpreso. Ele acabou de pedir desculpas?!
— Está tudo bem — eu digo, vagando ainda mais perto. —
Acho que esse é o maior número de palavras que você já falou
comigo.
Ele ri um pouco, me fazendo sorrir por sua vez.
— Além disso, essa coisa da lua azul está fazendo todo
mundo agir de forma estranha.
Jasper ri ainda mais.
— Eu nem queria vir ao festival, para ser honesto.
— Ah, sim. — Jasper levanta uma sobrancelha em minha
direção. — Por que não?
— Eu acho... tudo parecia um pouco exagerado.
Eu posso sentir minhas bochechas esquentando e eu
começo a surtar um pouco. Por que estou corando? Por que falar
sobre companheiros com Jasper me faz sentir estranho? Por que
estou dizendo meias verdades?
— Claro — diz ele friamente. — É muito.
Eu olho para cima e Jasper está me observando com um
sorriso compreensivo. Acabamos de encontrar algum terreno
comum? É mesmo possível?
— Quero dizer, mal posso reclamar. Deve ser muito mais
para você, certo? Todo mundo está loucamente animado por você
estar aqui e se perguntando com quem você vai acabar acasalado.
Isso deve ser difícil.
— Eu suponho — diz ele, seus olhos vidrados
pensativamente. Então seu rosto fica frio, seus olhos se fixam em
um ponto e sua mandíbula fica tensa. — Mas é meu dever. Para
minha família e minha matilha.
— Ceeeeerto — digo, balançando a cabeça, fingindo que
posso até começar a compreender como deve ser a vida dele. Eu
consegui me aproximar da pedra, eu mudo meu peso e descanso
meu ombro contra ela. — Eu sinto muito.
— Por que você está pedindo desculpas?
— Parece que há muita coisa em jogo.
— Sim, e eu não tenho vontade de brincar.
— Se serve de consolo, minha mãe acha que eu e minha
melhor amiga vamos ser companheiros. Ela mal pode esperar para
começarmos a produzir netinhos lobos.
Agora Jasper ri decentemente, ele quase cai para trás de seu
poleiro rochoso, mas ele graciosamente se segura antes que o faça.
— Então, cabeça oca — diz ele, uma vez que ele se
acomodou novamente. — Por que você está aqui na floresta no
meio da noite?
— Ah, bem, eu… — Depois da nossa conversa sobre como
Jasper odeia a lua, eu realmente não quero dizer a ele que vim aqui
para desenhá-la. — Eu não conseguia dormir, então pensei em
fazer alguns esboços.
— Aisha disse que você era um artista.
Ele lembra.
— Ela disse que você é um bom garoto. — Espera, isso
significa que eles... falaram sobre mim? — E ela acha que eu fui
muito duro com você.
O queeeee???
Não posso acreditar no que estou ouvindo. Devo ter pego
Jasper com a guarda baixa.
— Você provavelmente estava apenas estressado… — eu
digo, tentando agir de forma tranquila e relaxada.
— Posso ver alguns de seus trabalhos?
Eu me afasto da pedra, meus olhos saltando para fora da
minha cabeça.
Normalmente não sou tão tímido em compartilhar meu
trabalho. Mas por alguma razão, Jasper querendo olhar meus
esboços está me deixando louca. E se ele achar que eles são
estúpidos? E se ele achar que eu sou terrível? Por que eu me
importo?
— Vamos, tenho certeza que eles são bons — diz ele, tirando
o bloco de desenho dos meus dedos escorregadios e o abrindo em
seu colo.
Meu corpo entra em colapso enquanto Jasper folheia as
páginas.
Eu fico paralisado enquanto ele passa uma quantidade
razoável de tempo em cada página, estudando os desenhos,
apreciando-os.
— Uau, cabeça oca — diz ele depois de um tempo —, eles
são muito bons. Você é talentoso.
— Hum, obrigado — murmuro, o rubor em minhas bochechas
se tornou chamas incandescentes de vergonha.
— Ah, é Aisha?
A pergunta de Jasper faz meu estômago cair. Ele alcançou os
desenhos de Aisha no lago, o que significa que está a apenas
algumas páginas de encontrar os desenhos de seu rosto!
Se ele ver esses desenhos, vai pensar que estou obcecada
ou algo assim!
— Ah, sim, você provavelmente pode parar agora, esses são
apenas, tipo, esboços preliminares, eles não estão finalizados, ou
mesmo muito bons.
Jasper olha de lado para mim.
— Você está sendo estranho.
— Estranho?! Eu não estou agindo estranho. Você está
agindo estranho!
Estou agindo completamente pertubardo. Maneira de provar
o ponto dele, idiota.
— Você deveria mostrar isso a Aisha. Ela iria amá-los.
Há uma chance de zero por cento de eu fazer isso.
Jasper vira a página e fica muito quieto. O silêncio paira no ar
entre nós como uma nuvem. Eu não posso dizer com certeza, mas
suponho que ele tenha alcançado o desenho dele. Seus olhos
percorrem a página, observando suas próprias feições, as que eu
desenhei.
Ele não diz nada. E ele não reage de forma discernível. Ele
apenas olha para o desenho por um longo, longo tempo, antes de
fechar o caderno silenciosamente.
Eu espero ansiosamente que ele me chame de psicopata ou
perseguidor, diabos, eu até aceitaria um cabeça oca agora. Mas ele
não me xinga. Ele apenas estende o caderno para eu pegar.
— Você é um artista talentoso, Max.
Meu coração está na minha garganta. Até agora, eu não tinha
certeza se ele sabia meu nome. Certamente era a última coisa que
eu esperava que saísse de sua boca. Mas aqui está ele, olhando
nos meus olhos, dizendo isso.
Eu gostaria que ele dissesse isso de novo.
— Você está bem? — ele pergunta.
— Ah, sim. — Estico a mão para pegar meu caderno de
desenho e, enquanto faço isso, nossos dedos se esfregam.
É como respirar pela primeira vez. Minha boca se abre
quando essa sensação fácil e elétrica começa no ponto de contato e
se move através de mim como uma onda, inundando meus
sentidos. Eu me sinto leve e cheio de luz. Sinto alívio, conforto e
satisfação de uma maneira que nunca experimentei.
Acho que estou prestes a desmaiar quando Jasper puxa a
mão bruscamente. Essa sensação desaparece instantaneamente e
a floresta fica de repente um pouco mais cheia de sombras do que
antes.
Eu tremo e envolvo meus braços em volta de mim. O que é
que foi isso?
— Você provavelmente deveria dormir um pouco — diz
Jasper. A maneira fria e amigável com que ele falou comigo há
pouco se foi. Aqui está o Jasper frio, estoico e insensível com o qual
estou acostumada.
— Certo — eu digo, de repente desejando estar de volta na
minha cabine, debaixo das cobertas. — Grande dia amanhã.
Ele zomba e revira os olhos.
— É claro.
— O que?
— Você é realmente como todo mundo, não é? Obcecado em
encontrar um companheiro.
Eu não tenho ideia de onde isso está vindo, mas inferno se
eu vou deixá-lo falar comigo assim.
— Eu te disse que a única pessoa que se importa com
companheiros é minha mãe obcecada por filhotes. Você não ouviu?
— Ah, então essa coisa toda é uma piada para você?
Jasper me encara com olhos penetrantes e rancorosos e,
sem pensar, meus pés começam a recuar. Automaticamente, eu
recuo em direção à floresta.
— Não, não é uma piada, mas eu pensei que você disse...
— Isso é uma grande coisa — diz ele, empurrando-se da
rocha e pousando graciosamente, como um ninja. — Você não tem
ideia do tamanho.
— Entendo, é muita pressão, mas…
— Como você pôde entender? — Jasper vira o rosto para
mim e seus olhos estão frios, indiferentes. — Você é apenas um
garoto idiota.
Minha mandíbula começa a tremer, mas de jeito nenhum eu
vou começar a chorar na frente dele. Por mais que meu corpo esteja
tentando me fazer, isso não vai acontecer.
— E você é apenas o filho burro do alfa. Você nem é o alfa,
mas está agindo como se o destino de todo o bando estivesse em
seus ombros. Você não é tão especial, você sabe!
O corpo inteiro de Jasper fica rígido e seu olhar de apatia se
transforma em desdém puro e gelado.
— Vá para a cama, Max.
— Não me diga o que fazer!
— Eu disse VÁ!
O rosnado de Jasper é feroz e ressonante. Eu sou forçado a
voltar pela força do som.
Seu rosto suaviza, ele pode dizer que me assustou. Mas mal
registro a mudança. Já estou virando, já correndo de volta para a
floresta. Corro de volta pela escuridão até chegar à cabana e
mergulhar debaixo das minhas cobertas. Estou tremendo enquanto
agarro o cobertor fino no meu peito. Por que ele acha que não há
problema em falar com pessoas assim?
E por que ele me chateou tanto?
Minha vida seria muito mais simples se eu nunca tivesse me
encontrado com ele.
Eu tento respirar e me impedir de tremer. Eu só quero que o
festival já tenha acabado.
Eu só quero ir para casa, para que eu possa esquecer tudo
sobre este lugar estúpido. E poder esquecer tudo sobre Jasper
Apollo!
11
Café da manhã com Eleanor

Estou feliz por encontrar Katie no café da manhã. Ela não está
sentada na mesa das pessoas chiques. Em vez disso, ela está
sentada em uma das mesas redondas no outro extremo da sala com
Eleanor, Simon e Todd. Jasper está longe de ser visto.
Ao contrário do almoço e do jantar, o café da manhã é a
única refeição que não é servida para todos ao mesmo tempo. Os
campistas podem passear no refeitório a qualquer momento entre
7h e 10h, para se deliciar com panquecas, waffles, ovos, frutas e
cereais.
Na mesa do bufê ao lado, eu faço uma pequena pilha, coloco
algumas frutas vermelhas, cubro as panquecas com uma montanha
de bacon crocante e despejo grandes quantidades de xarope de
bordo. Pego meu prato cheio e me junto a Katie.
— Bom dia — diz ela alegremente.
— Oi — eu digo, acenando para todo o grupo.
— E aí, cara? — Todd pergunta, enfiando os ovos mexidos
na boca.
— Nada demais — eu respondo, sentando.
— Eleanor estava me contando sobre a Corrida de
Acasalamento — diz Katie. Aparentemente, ela e Eleanor ficaram
próximas no espaço de alguns dias. Uma pontada de ciúme torce
meu coração.
— Uau — eu digo, me aconchegando.
— Eu só estava dizendo com base nas estatísticas que há
uma chance de setenta por cento de encontrar um companheiro na
corrida — diz Eleanor. Alguém tomou muitas xícaras de café esta
manhã.
Um arrepio inexplicável percorre minhas costas.
— Isso é alto.
— Se todos os lobos não acasalados estão aqui e todos
correm, como é que esse número não é ainda maior? — Katie
pergunta, apoiando-se nos cotovelos.
Ela empurra a tigela vazia para longe. Uau, ela já terminou o
de sempre – muesli e frutas – então ela estava esperando por mim
ou está realmente interessada nesta conversa.
— Nem todo lobo não acasalado está aqui — Eleanor
responde como uma enciclopédia viva e vibrante. — Todo lobo não
acasalado é convidado para o festival, mas a presença não é
obrigatória. Algumas pessoas não podem pagar ou estão fora do
estado. Alguns simplesmente não se sentem prontos para participar.
Então, como é que eu não tive escolha? Eu silenciosamente
amaldiçoo meus pais por presumirem que eu gostaria de estar aqui.
Acho que não protestei exatamente. Katie estava animada
para participar do nosso primeiro festival juntos. Achei que não seria
tão ruim, desde que estivéssemos passando tempo juntos.
Jasper está começando a me fazer desejar ter desistido.
— Certo — Katie diz, balançando a cabeça como se tivesse
acabado de descobrir a localização de Atlantis. — Mas todos que
comparecerem encontrarão seu companheiro se também estiverem
aqui, certo?
— Não necessariamente — Eleanor continua. — Em primeiro
lugar, nem todo mundo que está aqui vai correr. É esperado, mas,
novamente, não é obrigatório. E em segundo lugar, o vínculo entre
companheiros nem sempre é óbvio. Mesmo com a energia
aumentada da lua azul, às vezes a conexão não é aparente
imediatamente.
— Mas nós não corremos por aí farejando uns aos outros? —
eu pergunto. — Não vejo como dois companheiros podem acabar se
perdendo.
— É um pouco mais complicado do que isso — diz Eleanor,
desesperada para explicar melhor. — A corrida de acasalamento
ocorre na floresta e não há instruções além de mudar de posição e
correr. O Retiro do Alfa fica em aproximadamente 50 quilômetros
quadrados de terra não desenvolvida. Se você e seu companheiro
começarem a correr em direções opostas, há poucas chances de
vocês sentirem seu vínculo. A lua azul é intensa, mas não tão
intensa.
Eleanor deu uma gargalhada, rindo da “piada” que ela fez.
— Nossa — Katie diz, ficando com aquele olhar distante e
melancólico que ela dá quando ouvimos Taylor Swift ou acabamos
de devorar um pote de Ben and Jerry's Phish Food. — Espero que
isso não aconteça comigo.
Seus olhos piscam rapidamente em minha direção.
— É por isso que você precisa de um plano — diz Eleanor,
com naturalidade. — Eu planejo dar a volta no acampamento em
círculos concêntricos contínuos. Cobrindo a maior quantidade de
terra na maior quantidade de tempo. Garantido para aumentar a
probabilidade de cruzar caminhos com cada participante em
cinquenta por cento.
— Isso é inteligente — diz Katie.
Eu zombo olhando para as minhas panquecas.
— Isso é insano.
— Não seja um idiota — Katie diz, me cutucando, me
fazendo errar minha boca com meu garfo.
Eu olho e Eleanor está quieta, olhando para suas batatas
fritas inacabadas.
— Desculpe — eu digo, de repente me sentindo horrível. —
Isso soa como muito esforço.
Eleanor se anima, sacudindo o cabelo liso e preto e
corrigindo sua postura.
— Pode parecer extremo, mas estarei muito mais perto de
encontrar meu companheiro.
— Acho que pensei que companheiros eram como,
destinados a ser e tudo mais. Então, tipo, se for pra acontecer, vai
acontecer. Você não precisará forçá-lo.
Eleanor olha sombriamente para seu café da manhã
inacabado mais uma vez.
— Acho que significa mais para algumas pessoas do que
para outras — diz ela, quase inaudível.
— Você acertou.
Volto minha atenção para a pequena pilha cada vez mais
encharcada à minha frente, mas posso sentir o olhar penetrante de
Katie.
— Eu... tenho que ir — diz Eleanor, pegando seu prato e
empurrando a cadeira para trás. — Eu tenho deveres voluntários.
— Não, espere, fique — Katie diz, a simpatia fazendo sua voz
ficar estridente. — Por favor, Max só estava sendo um idiota porque
ainda não está interessado em encontrar sua companheira.
“Ainda?!” Mais para nunca!
Como se ela pudesse ler meus pensamentos, Katie se vira
para mim. Olhando como se ela estivesse prestes a mudar e morder
meu rosto.
— Hum desculpe, Eleanor. Não quis ser rude, só não dormi
bem.
— Eu realmente deveria ir de qualquer maneira, há muito que
ainda preciso fazer para me preparar para esta noite. — Com os
olhos no chão, Eleanor se arrasta para seus deveres.
Katie dá um tapa no meu braço.
— Por que você teve que aborrecê-la assim?
— Desculpe, ainda não tomei café.
— Você está estranho desde que chegamos aqui — ela diz,
baixando a voz para que os irmãos gêmeos não possam nos ouvir.
— Eu sei que este não é o cenário dos seus sonhos, mas você pode
parar de estragá-lo para outras pessoas?
— Eu não tenho arruinado isso para outras pessoas. A única
razão pela qual vim aqui foi porque você quis fazer isso e eu
concordei com tudo o que tínhamos que fazer sem reclamar uma
vez.
— Você acha que não reclamar é assim? — ela sussurra e eu
paro para pensar por um segundo. Talvez eu não tenha arruinado o
festival para todos, mas também não o tenho tornado divertido para
Katie.
Eu abro minha boca para começar a me desculpar, mas ela
continua.
— Você pode pensar que encontrar sua alma gêmea é uma
grande piada, mas para alguns de nós é sério.
— Eu nunca disse que não era sério — murmuro.
— Não, você apenas deixou claro que não dá a mínima para
isso! — A voz de Katie passou de um sussurro teatral para um grito.
Seu rosto está vermelho e ela parece que seu cabelo está prestes a
voar, liberando o acúmulo de vapor de seu cérebro.
Todd e Simon pararam de atirar batatas fritas um para o outro
com os garfos e estão olhando para nós.
— Katie, acalme-se…
Escolhi exatamente a coisa errada para dizer a uma pessoa
pouco calma, mas Katie não é do tipo que abre o bico. Ela para de
olhar para mim e volta sua atenção para o meio da mesa. Seu peito
sobe e desce com respirações intencionalmente profundas. Seu
rosto está mais vermelho do que antes, o rubor em suas bochechas
subindo em manchas. Lágrimas brotam de seus olhos imóveis.
— Olha, me desculpe, ok? Tive uma noite estranha e não
estou de bom humor…
— Você teve uma noite estranha — diz ela, balançando a
cabeça ligeiramente. — Qual é a sua desculpa para ontem, então?
— Ontem?
— Quando você me trocou por Aisha sem pensar duas
vezes.
— Pedi desculpas por isso. Eu estava animado para
conhecê-la.
Katie bufa e finalmente se vira para mim. Sua expressão
furiosa desaparece e vejo a tristeza que tem alimentado sua raiva,
vindo à tona.
— Isso é tudo? — ela pergunta, com a voz embargada.
— O que você quer dizer?
— Hoje à noite, quando participarmos da Corrida de
Acasalamento, quem você prefere descobrir que é sua
companheira? Ela ou eu?
Minhas panquecas reviram em meu estômago enquanto a
pergunta de Katie reverbera em meus ouvidos.
Ela ou eu?
A verdade honesta do Deus da Lua é que nunca pensei sobre
quem poderia ser meu companheiro. Acho que nunca pensei em
Katie dessa maneira. Somos amigos desde sempre. Nós nos
conhecemos melhor do que conhecemos a nós mesmos. Eu nunca
sequer considerei isso. Claramente, ela considerou.
Quando se trata de Aisha, o pensamento pode ter passado
pela minha cabeça. Mas apenas por um segundo, como assistir da
plataforma enquanto um trem expresso passa pela estação.
Aisha é legal e boa no balé, se eu tivesse que acabar com
um estranho como companheira, gostaria que fosse ela. Mas eu
também não odiaria se Katie e eu nos tornássemos companheiros.
Seria estranho porque ela é da família. Katie olha para mim de
forma exigente enquanto penso nisso, e em algum lugar na minha
expressão – a verdade que embora eu particularmente não quero
acabar acasalado com nenhuma delas, eu nunca considerei isso
uma opção com Katie – deve demonstrar.
— Entendo — ela diz enquanto a luz em seus olhos, o calor
que sempre me fez sentir em casa, desaparece.
— Kate…
— Não — ela diz, puxando sua mão enquanto eu vou tocá-la.
— Talvez eu seja o idiota por querer algo de alguém que não tem
ideia. Ou talvez você tenha. — Ela me olha bem nos olhos. —
Porque pelo menos não estou ansiando por uma bailarina que está
tão fora do meu alcance que nem pratica o mesmo esporte.
— O que você está falando?
— Todo mundo sabe que Aisha vai acabar acasalando com
Jasper. É óbvio.
— O que? — Esta nova informação parece ter surgido do
nada. Mesmo sabendo que Katie está atacando, tentando me fazer
sentir tão mal quanto ela, algo dentro de mim avança, uma
sensação dolorosa que não consigo explicar.
— Aisha vai ser acasalada com Jasper e você só vai ter que
lidar com qualquer garota azarada que ficar presa com você.
— Não, ela não vai! — As palavras fluem de mim como um
espírito maligno, um demônio que não consigo controlar. Coloco a
mão na boca, mas é tarde demais. O sprite desagradável saiu.
— Então é verdade? — Katie diz. — Você prefere acabar
com ela, uma estranha, do que comigo?
Não tenho ideia de como o café da manhã com Eleanor se
transformou na maior briga que Katie e eu já tivemos. Mas aqui
estamos.
— Não foi isso que eu quis dizer... — eu digo, mas a fachada
frágil de Katie já está rachando. Eu já a vi assim antes. Quando
nossa professora de balé gritou com ela por não dobrar os joelhos o
suficiente. Quando seu primeiro namorado, Eric Peterson, terminou
com ela na sétima série. Seus lábios começam a tremer, um padrão
enrugado engraçado aparece em seu queixo, seus olhos ficam rosa.
Minha melhor amiga está prestes a chorar e a culpa é minha.
— Katie...
— Pare…
Com uma determinação rápida, Katie começa a marchar em
direção à porta. Eu nem mesmo entendo como consegui aborrecê-la
tanto. Eu não tenho ideia de por que a ideia de Aisha e Jasper
terminarem juntos mexeu comigo. Honestamente, eu não poderia
me importar menos. Então, por que eu reagi assim?
Eu olho para Simon e Todd do outro lado da mesa, que estão
olhando como se eu tivesse acabado de bater meu carro e estivesse
vazando óleo.
— Vá atrás dela, cara! — Simon diz. Em um segundo estou
de pé, perseguindo Katie no pátio de cascalho.
No momento em que saio, Kate já está na beira da floresta e
não mostra sinais de diminuir a velocidade.
— Katie!
Consigo alcançá-la e vou pegar seu braço, mas ela se afasta
de mim.
— Me deixe em paz! — ela grita antes de sair pisando duro
no mato.
Sem fôlego e pensando que seria melhor dar-lhe algum
espaço, deixei-a ir. Sempre que brigamos antes, sempre foi sobre
coisas bobas e triviais – um brinquedo quebrado, um bolinho não
compartilhado –, mas isso parece diferente. Menos um tremor e
mais um terremoto destruidor de cidades. Katie não olha para trás
enquanto desaparece entre a folhagem. Só espero que sejamos
capazes de reconstruir.
12
Nadando com lobos

Desanimado depois da minha briga com Katie, eu ando como um


zumbi de volta para o refeitório e sento com a minha pilha de
panquecas pela metade.
Todd e Simon estão saindo, oferecendo um “desculpe, mano”
e um “que pena, cara”, no caminho.
Eu caio na minha cadeira e viro meus lábios para a pilha de
comida na minha frente. Parece uma pilha nojenta de mingau para
mim agora, então empurro o prato o mais longe que posso.
— Bom dia, cara — ouço Aisha dizer. Ela está se
aproximando da mesa carregando um prato cheio de waffles. —
Como está indo?
Ela para de repente quando vê minha expressão.
— Ah, nada bom, hein?
Ela desliza para a cadeira ao meu lado, a cadeira de Katie, e
coloca uma mão reconfortante no meu joelho.
— O que está acontecendo? — ela pergunta.
— Katie e eu brigamos.
— Certo. — Ela acena como uma terapeuta. — Você quer me
contar do que se trata?
A ironia de que nossa briga foi mais ou menos por causa de
Aisha e agora é ela quem está tentando me consolar não se perdeu.
Mas não era realmente sobre Aisha, eu percebo. Ela é mais
como um sintoma. A verdade da causa está em minhas entranhas
como um pedaço de pedra.
— Companheiros — murmuro.
— Entendo — diz Aisha, cruzando as pernas, ficando
confortável. — Ela quer ser sua companheira?
— Eu acho que sim. — Finalmente, tudo ficou claro para
mim. A razão pela qual Katie reagiu do jeito que reagiu ontem
quando convidei Aisha para ir à canoagem. A razão pela qual ela
estava tão animada para nós dois irmos ao nosso primeiro festival
juntos. Tenho sido tão ignorante, tão deliberadamente cego. Mas
acho que não queria que a amizade mudasse... ou acabasse.
Estou preocupado que tenha.
— E você não sente o mesmo? — Aisha pergunta
lentamente.
Eu balanço minha cabeça.
Ela suspira com carinho.
— É complicado esse negócio de acasalamento. E a Lua
Azul mexendo com os hormônios de todo mundo também não ajuda
muito.
— Você acertou.
Ela sorri quando finalmente sou capaz de fazer palavras
compreensíveis.
— Aqui está ele!
Mas sua alegria é um tanto prematura. Eu me sinto horrível.
Não só tenho ignorado os sinais claros que Katie tem me dado, mas
também tenho sido tão insensível aos sentimentos dela que ela teve
que fugir de mim. Eu caio de volta na minha cadeira e me pergunto
se estou prestes a chorar também.
Aisha me avalia, franzindo os lábios e semicerrando os olhos.
— Eu sei o que vai animá-lo — diz ela.

Quinze minutos depois, estamos de pé em nossos trajes de


banho na beira do rio.
— Não tenho certeza se isso é uma boa ideia — eu digo. —
A água estava gelada quando caí ontem.
É um dia gloriosamente ensolarado, o céu é de um azul
brilhante de desenho animado, as poucas nuvens fofas parecem
algodão-doce, as árvores são cor de esmeralda e a água parece
deliciosamente refrescante.
Mas a picada gelada do meu mergulho inesperado está
fresca em minha mente.
— A água é mais quente aqui — diz Aisha. — Está mais
estagnada.
Excelente…?
A área de natação é uma seção designada da margem do rio
a uma curta distância atrás das cabines. Há lobos chapinhando nas
águas rasas e alguns mais longe. Alguns estão balançando em um
pneu pendurado e se lançando na água.
Não pode estar tão fria se todos estão nadando nela.
— Que melhor maneira de lavar sua tristeza — diz Aisha em
uma voz cantante.
Eu fico congelado olhando ao longo da costa.
Toalhas de praia coloridas pontilham a costa de seixos como
flores retangulares. O doce aroma de pinho do ar enche minhas
narinas e ajuda a clarear minha mente.
Talvez ela esteja certa.
— Se um mergulho rápido não pode tirar essa melancolia de
seus ombros, não sei o que tirará. — Aisha sorri e começa a
caminhar em direção à água.
Ela está vestindo um biquíni preto, seu corpo atlético está
brilhando na luz do sol. Comparado a ela, me sinto como um
marshmallow, macio e pálido.
— O primeiro a chegar à plataforma é um ômega — ela fala
por cima do ombro, ganhando velocidade. No meio do lago há uma
plataforma de madeira, com uma escada coberta de algas presa ao
lado.
Aisha já está na metade da costa. Recuso-me a ficar para
trás, embora a ideia de nadar naquela água gelada esteja me
deixando com o cérebro congelado. Eu saio atrás dela.
Nós chapinhamos nosso caminho para o raso, a água
chocando meu corpo acordado. Quando o líquido frio e de tirar o
fôlego chega à minha cintura, tomo um grande gole de ar e me
preparo. Eu mergulho de cabeça primeiro e saio ofegante. A água é
tão fria que é difícil respirar.
Está definitivamente a mesma temperatura de ontem!
Aisha já está dando golpes em direção à plataforma, cortando
a superfície da água como uma espada de samurai. Eu chuto meus
pés e tento me lembrar da minha técnica de nado livre de quando
tive aulas de natação no ensino fundamental.
É difícil ganhar velocidade ou recuperar o fôlego, mas
eventualmente encontro meu ritmo. Eu bato o mais forte que posso,
chutando freneticamente, e saio para a plataforma.
Aisha, que me venceu por um quilômetro, pega minha mão e
me ajuda a subir a escada viscosa. A água fria escorre de mim,
pingando do meu calção de banho.
Sentamo-nos no convés, olhando para trás, para os outros
lobos que ainda chapinham, e deixamos o sol aquecer nossa pele.
Estamos mais longe do que eu pensava. Eu sinto que estamos tão
longe que poderíamos rosnar nossos rosnados mais altos e
ninguém nos ouviria.
— Se sente melhor? — Aisha pergunta.
— Minha cabeça parece mais clara — eu respondo e é a
verdade. Nosso pequeno mergulho me ajudou a sentir menos como
se o mundo estivesse desabando. Eu sei que Katie e eu vamos ficar
bem. Somos melhores amigos e sempre seremos. Uma luta
estúpida em um festival estúpido não pode abalar isso.
— Veja, um pouco de exercício sempre afastará a tristeza.
— Totalmente.
— Você quer falar sobre o que aconteceu?
Aisha olha para mim como se estivesse pronta para ouvir.
Estou impressionado. Nós nos conhecemos ontem e eu
basicamente praticamente deu uma de tiete. Eu não ficaria surpreso
se Aisha pensasse que eu era um maluco completo. Mas seus
grandes olhos de princesa estão cheios de preocupação genuína e
sinto como se ela quisesse ajudar.
— Acho que sempre pensei em Katie mais como uma
amiga... uma melhor amiga.
— Bem, tudo bem. Se é assim que você se sente.
— Mas eu deveria ter sido capaz de ver que ela se sentia de
uma maneira diferente. Ou eu deveria tê-la feito sentir que poderia
me contar.
— Claro, mas pode ser difícil falar sobre sentimentos. Mesmo
para as pessoas que você mais ama. Inferno, às vezes isso é mais
difícil.
— É só... bem, ela é tão obcecada por companheiros.
— Claro que ela é, ela é uma loba adolescente.
— Eu não acho que só porque você é um lobo você tem que
aceitar toda a coisa do vínculo de companheiro.
— Sim, bem, o que mais você esperaria dela? Isso é o que
todos nós somos ensinados a ser obcecados. Olhe ao redor, cara.
Todo mundo aqui está apenas esperando encontrar sua pessoa.
— Claro. — Todos na praia estão sorrindo, rindo, mas então
percebo algo também. Há um cheiro estranho no vento. Uma
mistura de suor, salgado e forte, e algo mais doce, algo como flores
silvestres, picante e sedutor. Feromônios de lobo! Todos na praia, e
provavelmente todos os lobos no acampamento, estão emitindo seu
cheiro em baixo nível, projetado para atrair o sexo oposto.
— Acho que não sou como todo mundo — digo, suspirando e
apoiando o queixo nos joelhos.
— Talvez isso não seja tudo culpa sua então — Aisha diz,
batendo de ombros comigo. — Se Katie conhece você tão bem
quanto você a conhece, talvez ela devesse saber o que importa
para você e não forçar toda a coisa de companheiro.
— Pode ser. — Aisha tem razão, mais ou menos. Mas não
basta que eu ainda não me sinta um lixo.
As ondas batem na borda de nossa plataforma, enviando
água para o convés. O frescor contra meus pés e minha bunda é um
bom alívio do sol quente batendo nas minhas costas. Aisha estica
as pernas, cruzando um tornozelo sobre o outro, e se apoia nas
mãos.
— Então você realmente não está nessa coisa toda de
“companheiros”? — ela pergunta, me olhando de soslaio.
— Nah — eu digo e me inclino para trás para que nossos
ombros fiquem próximos um do outro. — Eu simplesmente não
entendo. Tenho apenas dezesseis anos. Há coisas que quero fazer
antes de me estabelecer para sempre.
— Faz sentido — diz ela, balançando a cabeça com apreço.
— E você? — Eu pergunto. — Animada para encontrar seu
companheiro?
— Eu disse a você que já estou acasalada com a dança.
— Mas e esta noite? Você pode encontrar algum cara
durante a Corrida de Acasalamento.
— Não se eu não planejar correr — ela diz.
Eleanor disse que a corrida não era obrigatória. Que os lobos
poderiam optar por sair se quisessem. Presumi que a maioria das
pessoas vinha aqui pelo único motivo de se juntar à corrida. Acho
que Aisha também não é como a maioria das pessoas.
— Você não vai fazer a corrida de acasalamento?
— Não — diz ela.
— Por que não?
Aisha inclina a cabeça, olhando para mim através do brilho.
— Não conte isso a ninguém, ok? — Eu aceno
ansiosamente. — Não quero arrumar um companheiro, porque já
arrumei um namorado. Um namorado humano.
— O que…?
Minha boca está aberta.
— Isso te assusta? — ela pergunta. — Eu sei que muitas
pessoas acham que misturar as espécies é estranho ou nojento, ou
algum tipo de traição ou o que seja…
— Não! De jeito nenhum! Eu acho isso legal.
Meus pais me criaram acreditando que todos eram iguais.
Minha mãe está sempre falando sobre como há muitos machos alfa
comandando as matilhas, e meu pai sempre defende os direitos
humanos entre seus colegas.
— Desculpe, eu não queria parecer chocado. Eu nunca
conheci ninguém que tenha namorando um humano antes.
— Não é muito comum.
— Ou talvez eu apenas não tenha conhecido muitas pessoas.
— Eu sorrio e Aisha sorri de volta. Estou feliz que ela se sentiu
confortável o suficiente para me contar seu segredo. Talvez seja
apenas um efeito colateral de nossa ilha particular no riacho, mas
ainda me sinto privilegiado por ter entrado na vida dela assim.
— Como ele é? — Eu pergunto.
— Seu nome é Troy e ele vai para a Columbia, para estudar
biologia molecular ou algo científico. Nós nos conhecemos há
alguns anos em Nova York e desde então ele vem a todas as
apresentações que eu fiz.
Tenho um flashback momentâneo da noite no balé quando vi
Aisha dançar pela primeira vez. Lembro-me de um cara na primeira
fila entregando flores para ela. Talvez fosse Troy.
— Ele parece legal — eu digo.
— Ele é o melhor.
Um vento frio sopra em meus ombros, enquanto respiro
fundo e me inclino ainda mais para trás.
— O resto do acampamento vai ficar desapontado.
— Por que você diz isso?
— Todo mundo acha que você vai acabar sendo companheira
de Jasper.
Aisha se senta rapidamente, o riso explodindo dela como um
vulcão de comédia em erupção.
— Eu... e... Jasper...? Isso é louco!
Eu começo a rir e depois rio e então nós dois gargalhamos
como se tivéssemos perdido completamente o enredo.
Quando começamos a nos acalmar, uma nuvem cruza o céu,
bloqueando o sol.
— Então você não acha que você e Jasper seriam um bom
par? — Eu pergunto, começando a tremer um pouco.
— Nah, somos um pouco como você e Katie. Apenas bons
amigos. Além disso, não sei se você notou, mas ele é um pouco
tenso.
— Ah meus Deuses da Lua, eu sei! Tenho pena do pobre
lobo com quem ele acabar.
Aisha ri, mas se detém.
— Não devemos ser muito duros com ele.
— Por que não?
— Jasper é o futuro alfa de todo o nosso bando. O maior
bando da costa leste. Há muita pressão sobre ele. E seu pai... woo!
Ele é osso duro de roer.
— Você quer dizer o Alpha Jericho? Você deve conhecê-lo,
certo?
— Sim, eu o encontrei algumas vezes. Mas ele não fica por
perto, se é que você me entende. Não é muito falador. O que eu sei
é que ele tem grandes expectativas para Jasper e não gosta de ser
desapontado.
Jasper sempre parece tão confiante e inabalável. Ele sempre
parece tão crítico e severo. Mas nunca parei para pensar o que o
tornava assim.
— Falando no diabo — diz Aisha, olhando através da água.
— A sequência.
De volta à praia, Jasper chegou à praia. Ele e Olivia estão
vagando pelas pedras. Um caroço insuportável se aloja em minha
garganta enquanto o observo. Ele está usando um calção de banho
preto, sapatos pretos sem cadarço e óculos escuros. Seu peito
bronzeado parece mais largo do que quando ele está vestindo
roupas e cada um de seus abdominais pode muito bem ter seu
próprio código postal, eles são definidos.
E se ele vir eu e Aisha aqui? Ele vai nadar para nos
encontrar?
A ideia de ele me ver em toda a minha glória pastosa de
marshmallow me dá vontade de mergulhar no fundo do lago e ficar
lá.
— Você vê algo que você gosta? — Aisha pergunta e eu me
viro para encontrá-la olhando para mim sugestivamente. Quase caio
da plataforma.
— O que…? Não... eu...
— Ei, acalme-se. Eu só estava brincando.
— Sim, bem, eu só estava distraído porque ele me deixa tão
furioso — eu minto. — Sinceramente, não sei como você aguenta
ser amiga dele.
— Como eu disse, não seja tão duro com Jasper. Ele tem
muita coisa acontecendo.
Assim como um relógio, um homem e uma mulher vestidos
com calças camufladas e camisetas verdes cáqui vêm correndo pela
praia em direção a Jasper. Observo enquanto eles chamam a
atenção dele e começam a ter uma discussão muito silenciosa e
urgente. Em uma fração de segundo, a voz de Jasper ecoa pelo
lago.
— Todo mundo fora da água! Reunião de emergência no
anfiteatro em dez minutos! Isto não é um exercício. Todo mundo fora
da água agora!
Eu olho para Aisha enquanto o pânico inunda meus
membros.
— Isso não é bom — diz ela, já de pé e estendendo a mão
para me ajudar a levantar.
O sol desapareceu completamente atrás de um banco de
nuvens e o vento começou a aumentar.
Os lobos estão fugindo da água como uma cena de Tubarão.
Eu me preparo enquanto mergulho de volta no rio. Estou com muito
medo para notar o frio.
13
Ficando renegado

Aisha me garante que tudo ficará bem antes de sair correndo para
fazer o check-in com Jasper. Corro para minha cabine para me
vestir – mesmo em uma emergência, prefiro colocar uma camisa do
que ficar seminu.
No caminho para o anfiteatro, encontro Simon e Todd, e
chegamos lá juntos.
O teatro é construído em uma encosta um pouco longe do
acampamento. Bancos de assentos se curvam em semicírculos
cada vez menores, levando até a área do palco.
Em menos de dez minutos todos se reuniram no anfiteatro.
Alguns dos lobos do lago ainda estão de calção, com toalhas sobre
os ombros queimados de sol. Outros voltaram da caminhada com
suas botas de caminhada, com camisetas manchadas de suor.
Fico de olho em Katie, mas não consigo vê-la em lugar
nenhum.
Um cobertor de pânico de baixo nível paira sobre a multidão.
Do nosso lugar na parte de trás, noto mais lobos em trajes do
exército postados em estações a cerca de seis metros de distância;
eles formaram um perímetro ao redor dos assentos.
— Ei, o que há com os aspirantes a Rambo? — Eu pergunto
baixinho, inclinando-me para Todd.
— Guardas da alcateia no destacamento de segurança — diz
ele. — Eles geralmente ficam fora do caminho para não acabar com
o clima.
— Ouvi dizer que eles têm sua própria cabana em algum
lugar nos arredores da propriedade — acrescenta Simon, assim que
um silêncio se instala na multidão.
Jasper – que também teve o bom senso de se vestir, e agora
está vestindo uma camiseta preta com calças pretas, como sempre!
– passa para o centro da plataforma abaixo.
— Obrigado por se reunirem aqui tão rapidamente. Não vou
perder seu tempo, acabamos de receber relatos de que um
renegado foi visto na propriedade.
Um renegado?!
Sussurros agitados e vozes crescentes se unem para
enfrentar o vento crescente.
Todos nós aprendemos sobre os renegados de nossos pais.
São lobos que abandonaram ou foram expulsos de suas matilhas. A
separação de um lobo de sua matilha é um evento tão traumatizante
que esses lobos ficam enlouquecidos e violentos.
Renegados são famintos por sangue, com um apetite
insaciável por violência.
Todos nós reunidos em um lugar como este é, bem, é como
montar um bufê de lobo.
— Nossa equipe de segurança está fazendo tudo o que pode
para confirmar esses avistamentos e prender o renegado antes que
qualquer dano possa ser feito. Mas, para que façam o trabalho,
preciso da sua cooperação. Então, até novo aviso, peço a todos que
voltem para suas cabines. Tranque as portas por dentro e espere
até receber mais instruções.
— E a corrida?! — uma voz solitária chama da multidão.
Não acredito que nossas vidas podem estar em perigo e
algum idiota desequilibrado e apaixonado está preocupado em fazer
uma corrida no escuro.
— Até sabermos que é seguro, não vejo como podemos
continuar com as atividades planejadas para a noite.
Um murmúrio raivoso sobe de todos os lados. Jasper dá um
passo para trás, ele parece nervoso. Aisha estava certa. Ele é
apenas uma criança, apenas dois anos mais velho que eu e aqui
está ele lidando com situações de vida e morte honestas para os
deuses da lua enquanto tenta reprimir os hormônios hiperativos de
um bando de impulsivos, não sei o que é lobos bons para eles.
— Por favor — ele chama, tentando ser ouvido em meio à
multidão crescente. — Voltem para suas cabines. Estamos fazendo
o possível para resolver isso o mais rápido possível. Se
conseguirmos neutralizar a ameaça, reavaliaremos a situação, mas,
por favor, peço sua ajuda.
Quando penso que Jasper está prestes a perder o controle, a
multidão começa a se afastar. Acho que não ser espancado até a
morte é mais importante do que correr por aí procurando um amigo
para se aconchegar. Todos se levantam e se dirigem para as
cabines.
— Vamos, mano — diz Todd, gesticulando para que eu o
siga. Ele e Simon já começaram a voltar.
Mas conforme a multidão passa por mim, percebo que falta
alguém. Alguém que vagou pela floresta hoje cedo. Alguém que foi
embora porque eu a aborreci.
Todo o meu corpo gela, o pavor toma conta do meu coração
como uma mão de esqueleto.
Todd e Simon estão olhando para mim como se minha pele
tivesse ficado roxa.
— Vamos lá, cara — Simon diz. — Por que a demora?
— Katie ainda está por aí — eu digo.

As nuvens estouram quando um raio que quebra o céu


ilumina a floresta. Não muito longe, um trovão estala, sacudindo o
chão.
Todd e Simon me chamaram quando saí, correndo das
cabanas para a floresta. Deixe-os gritar, pensei. Prefiro que pensem
que eu sou louco do que algo ruim acontecer com Katie.
Eu sei que não é a jogada mais inteligente. Fugir sem dizer a
ninguém para onde estou indo. Mas não houve tempo antes que
meus instintos assumissem, levantando meus pés e me apontando
na direção que eu vi Katie pela última vez esta manhã.
Mesmo sob a densa folhagem do dossel da floresta, a chuva
ainda consegue salpicar o solo. É uma chuva grossa e pesada, do
tipo que faz você se perguntar se as nuvens estão se guardando
para uma ocasião especial.
Correr voltou a ser fácil para mim, assim como aconteceu
durante a Captura a Bandeira. Eu corro pela floresta em uma
velocidade que eu nem sabia que era capaz, pulando galhos
arrancados com facilidade. Agradeço à lua azul ou a qualquer
circunstância estranha que me presenteou com essa nova
habilidade atlética. A última vez que pensei que era minha
determinação de derrotar Jasper que me estimulou, talvez desta vez
seja meu desespero para encontrar Katie antes... antes...
Eu não posso nem pensar em terminar esse pensamento.
Sim, há um renegado assassino aqui. E sim, Katie está aqui sozinha
há várias horas, mas isso não significa... não significa que algo de
ruim aconteceu.
Eu limpo uma gota de chuva – ou talvez suor – da minha
testa e continuo correndo. A chuva fica mais forte à medida que me
aproximo do coração úmido e escuro da floresta. Mantenho meus
sentidos o mais alerta possível, farejando o cheiro de Katie.
A lama voa debaixo de mim enquanto eu cavo e paro de
repente. Meus olhos se fixaram em algo. Um flash de rosa na minha
periferia. Tento me lembrar desta manhã. Katie estava vestindo
rosa? Pense, Max! Você precisa pensar! Por que sou tão
desatento?
Mas então me ocorre. Sim! Ela estava vestindo rosa. Uma
fita, para amarrar o cabelo. Eu giro e corro para onde vi sua fita.
Mas fico desanimado. É a fita dela. Só que não está ligado a ela. O
pedaço fino de tecido está pendurado em um galho.
Não são más notícias, tento dizer a mim mesmo. Poderia ter
se enganchado nesta árvore e se desfeito. O que significa é que
estou no caminho certo. Katie veio por aqui.
Eu levanto meu nariz no ar e tento farejá-la, mas tudo que eu
consigo é um fedor insuportável de terra e folhagem podre. Eu tenho
que continuar correndo.
Distinguindo a linha borrada de um caminho na lama, acelero
o passo e o sigo. A chuva se transformou em um turbilhão total.
Gotas pesadas atingem meu rosto, encharcando minhas roupas e
embaçando minha visão.
Vejo a ravina de ontem e penso em diminuir a velocidade,
mas não consigo, Katie precisa de mim. Sem hesitar, preparo-me
para dar o salto e quando estou prestes a descolar ouço o meu
nome.
— Max!
Deslizo até parar e me viro para encontrar Katie parada atrás
de mim com todos os seus membros presos, completamente viva e
intocada pelo renegado.
— O que você está fazendo aqui? Você está encharcado?
Lágrimas brotam em meus olhos, mas são rapidamente
lavadas pela chuva contínua. Corro até Katie, que está de pé sob
um afloramento rochoso se protegendo da chuva.
— Você está bem — eu suspiro, tomando-a em meus braços
e puxando-a para mim. A sensação dela no meu peito, a força sólida
e tangível dela me causa arrepios de alívio.
— Estou bem — diz ela, um pouco confusa. — Estou
molhada agora graças a você, mas estou bem. Eu estava prestes a
voltar para o acampamento quando começou a chover, então pensei
em esperar.
Eu olho em seus olhos cristalinos e toco seu rosto. Ela olha
para mim como se eu estivesse sendo superestranho.
— O que está acontecendo? — ela pergunta. — Por que
você está agindo como... como se tivesse acabado de ver um
fantasma?
— No acampamento... estávamos nadando... e... reunião de
emergência... e...
— O que, Max? Qual é a emergência? — A expressão
confusa de Katie torna-se de preocupação, transformando-se em
preocupação total. — Por que você veio aqui para me encontrar?
— Jasper... convocou uma reunião de emergência — eu digo,
ainda tentando recuperar o fôlego. — E há um... à solta... um... um...
— Um renegado? — Katie pergunta enquanto a cor
desaparece de suas bochechas.
Ela não está mais olhando para mim. Ela está olhando por
cima do meu ombro.
— Como você sabia disso? — Eu pergunto, o terror subindo
pela parte de trás das minhas pernas como um par de lagartos.
— Porque... olha...
Eu me viro lentamente, mas recuo rapidamente quando vejo
o que Katie está olhando. De pé do outro lado da ravina está o
renegado. Está em sua forma de lobo e provavelmente o maior
animal que já vi. Maior até do que meu pai! Seu pelo escuro e
emaranhado está espetado em tufos, intercalados com manchas de
pele crua e cheia de crostas. Suas costelas são visíveis e seus
olhos afundados em seu crânio. A chuva cai sobre seu focinho
comprido e torto, uma cicatriz branca marca sua bochecha; há um
tom amarelo doentio em seus olhos, e suas presas pingam saliva
espessa e pegajosa.
Ele nos encara do outro lado da fenda, esperando que
façamos um movimento antes de atacar.
Estendo a mão atrás de mim e encontro a mão de Katie, e
nos abraçamos com força.
O renegado está rosnando, olhando para nós como uma fera
faminta que acabou de jantar. A iluminação cai no alto e ele estala
as mandíbulas.
— Você tem que ir — eu digo antes mesmo de saber o que
estou fazendo.
— Não, Max, podemos lutar com ele se nos transformarmos.
— Essa coisa vai nos partir ao meio antes mesmo de
conseguirmos mudar.
A mudança é rápida, considerando a grande quantidade de
anatomia que precisa ser reorganizada. Mas nos poucos segundos
que levamos para passarmos de adolescentes humildes e de
aparência doce a animais selvagens ferozes, o monstro do outro
lado da ravina terá saltado aqui e nos transformado em ração.
— Eu não vou deixar você.
— Apenas faça isso — eu digo, sibilando com os dentes
cerrados. — Eu posso fugir dele.
— Você não pode — diz Katie, lutando contra as lágrimas.
— Eu posso, essa merda de lua azul bagunçada está me
dando super velocidade. Ok? Eu sou o maldito Flash. Mas você
precisa correr de volta ao acampamento e buscar ajuda. Talvez eu
possa ficar à frente dele até que alguém chegue.
— Não, Max...
Meu corpo inteiro está tremendo de medo e adrenalina. Sinto
que meu coração está prestes a explodir, mas é minha culpa que
Katie esteja aqui fora. Para começar, é minha culpa que ela esteja
nessa situação. E por mais assustado que eu esteja, estou
determinado a tirá-la de lá.
— Quando eu disser vá, você corre de volta para o
acampamento, entendeu?
— E a ravina? O pulo! Você nunca vai conseguir.
— Sim, eu vou. — Aperto a mão dela uma última vez. — Vai!
Eu me afasto e corro para a ravina, e no segundo que corro,
o renegado salta no ar com toda a energia feroz de uma fera em
uma missão.
Uma rápida olhada atrás de mim, para verificar se Katie está
a caminho da segurança, então ganho velocidade e corro em
direção à ravina.
Eu empurro com toda a minha força, pulando no ar. O
renegado me observa enquanto minha lua crescente sobre o
desfiladeiro, pousando com segurança do outro lado.
Não há tempo para eu saborear minha vitória porque o
renegado está perto, correndo a todo vapor. Eu corro para a floresta
enquanto ele muda de direção a seguir. A cada passo que dou, ouço
sua respiração ofegante e ofegante, e a cada inspiração profunda
que dou, ouço seus pés batendo no solo.
Por um tempo, consigo manter uma boa distância entre nós,
mas a paisagem fica mais difícil de atravessar. Rochas se projetam
do solo, raízes se enrolam em torno delas como dedos gananciosos,
musgo e lama tornam difícil encontrar uma base segura. E
finalmente, eu piso em uma poça encharcada de chuva e sinto
minhas pernas escaparem debaixo de mim.
Eu caio para a frente, rolando pelo chão irregular e parando.
Eu me arrasto para trás, tentando me levantar, mas não
adianta. Não há mais tempo.
O renegado rosna, sua língua pálida e caída deslizando
luxuriosamente em sua boca, então salta para mim.
O tempo diminui enquanto me preparo para o impacto, para o
peso esmagador do malandro enquanto ele me prende no chão.
Eu grito quando ele cai em cima de mim e suas garras
perfuram minha pele. Ele recua, em seguida, mergulha suas presas
no meu pescoço.
14
De mal a pior

Uma dor quente e lancinante atinge meu ombro.


Abro a boca para gritar, mas não consigo encontrar minha
voz.
Eu aperto meus olhos fechados.
Este é o fim. Este é o fim.
Um renegado de cinquenta toneladas está prestes a rasgar
minha garganta.
Ele aperta meu ombro com ainda mais força e desta vez meu
grito é alto o suficiente para acordar os mortos. Imagino bandos de
pássaros fugindo das árvores enquanto uivo em agonia.
Então, de repente, a dor desaparece. O peso é tirado de mim.
Eu respiro fundo quando a realização surge em mim. O
renegado não está mais mordendo minha clavícula.
Hesitantemente, abro os olhos e instantaneamente começo a
rastejar para trás.
Do outro lado do caminho, o renegado está lutando com outro
lobo. Eles estão lutando, mordendo o pescoço um do outro, rolando
um sobre o outro tentando reivindicar o terreno mais alto.
É difícil distinguir o outro lobo na confusão. Mas ele é grande,
musculoso, com um casaco preto como a noite. Ele é rápido
também.
Eu recuo contra o tronco de uma árvore, incapaz de ficar de
pé ainda, e observo enquanto eles lutam. Ambos são guerreiros
ferozes, mestres de feras totais! Eu estremeço quando eles batem
um no outro de novo e de novo.
Garras semelhantes a adagas rasgam o ar tentando arrancar
os olhos, as presas são expostas e cravadas na carne.
Eles estão empatados, mas o lobo negro – seja ele quem for
– está lutando com uma determinação de aço que o renegado não
pode enfrentar.
Finalmente, o lobo negro atinge o renegado, fazendo-o voar
pela floresta. Ele atinge o chão com força e rola até parar, ele
respira com dificuldade. Mas o lobo negro ainda não acabou. Ele
pula de onde está e cai diretamente em cima do renegado,
mordendo profundamente seu ombro – o mesmo local que o
renegado me mordeu – e arranca seu braço de sua articulação. Eu
estremeço com o som de estalo.
O renegado permanece imóvel, ofegando de dor e incapaz de
se levantar, enquanto o lobo negro se vira para mim. O pânico de
repente sobe em meu peito. Minha garganta se contrai como se eu
tivesse alergia a nozes e tivesse acabado de comer uma barra de
Snickers.
Não faço ideia de quem é esse lobo. Não faço ideia se ele é
um amigo ou um inimigo mais terrível do que o anterior.
Aperto as costas contra a árvore, não tenho como escapar.
O lobo continua a se aproximar, seus lábios curvados para
trás para expor suas presas, um rosnado baixo vindo de seu peito.
— Max! — Viro-me para a esquerda ao ouvir a voz de Katie.
Ela está correndo em minha direção, com os braços estendidos.
Logo atrás dela está Olivia, acompanhada por mais dois lobos.
Katie se ajoelha ao meu lado e me puxa para o melhor
abraço de melhor amiga que eu poderia desejar.
— Ah! — Eu digo quando me lembro da minha ferida.
— Ah, desculpe — diz Katie, sentando-se. — Você está
machucado?
— Pegou meu ombro…
Katie se inclina para a frente, puxando a gola da minha
camiseta e olhando para o que presumo ser uma marca perfeita dos
dentes do malandro.
— Apenas rompeu a pele — diz ela —, você deve se curar
em algumas horas.
Agradeça aos Deuses da Lua pela rápida cura do lobo.
— Quem é aquele? — Eu pergunto, olhando para o grande
lobo negro que não está mais olhando em minha direção. Em vez
disso, ele está latindo e grunhindo em círculo com os outros dois
lobos.
Em um segundo, o par de lobos salta para a floresta e
desaparece. Talvez verificando a área em busca de mais renegados.
Olivia se aproxima do lobo negro, balançando uma mochila
em um ombro e passando-a para o animal que a leva em sua
mandíbula e passeia por trás de alguns arbustos.
Katie e eu esperamos enquanto os sons de ossos e músculos
se fundindo soam atrás dos arbustos. Antes que eu perceba, Jasper
está saindo de trás de uma árvore, vestindo shorts de ginástica e
tênis.
— Ele…?!
Jasper?! Jasper foi o lobo que me resgatou?
Ele me lança um olhar sombrio e cheio de raiva.
— Foi uma sorte — diz Katie. — Encontrei Jasper e Olivia no
meu caminho de volta para o acampamento e disse a eles que você
estava com problemas. Jasper se transformou na hora e lutamos
para acompanhá-lo; ele estava correndo tão rápido.
Minha mente está dando cambalhotas tentando juntar as
peças. Jasper, o idiota, ouviu que eu estava com problemas e veio
correndo. Ele lutou amargamente para me salvar. Ele arrancou o
braço daquele renegado!
Eu percebo que estou encarando – talvez porque estou
chocado que Jasper tenha vindo em meu socorro ou talvez porque
ele não esteja vestindo uma camisa – e volto meu olhar para o chão.
— O que você estava pensando?! — ele grita, pisando forte
em minha direção.
— Eu... eu...
— Você poderia ter sido morto!
— É minha culpa — diz Katie. — Eu vim aqui esta manhã e
Max veio me buscar.
— Isso não é desculpa — Jasper se enfurece, seu rosto está
corado, seus olhos focados como se ele tivesse lasers estilo estrela
da morte neles e ele está ligando. — Você deveria ter me contado!
Você nunca deveria ter vindo aqui sozinho!
— Jasper, dá um tempo — diz Olivia, segurando uma
camiseta. — Ele é apenas uma criança.
— Ele não é apenas uma criança — diz Jasper, pegando a
camisa e puxando-a sobre a cabeça. Estou um pouco triste por me
despedir de seu abdômen, mas estou ainda mais chateado por ele
não ter terminado de me dar um sermão.
— Eu sou responsável por cada membro deste bando. Todos
neste festival estão sob meus cuidados. O mínimo que espero é
algum respeito em troca. Você sabe o que teria acontecido se não
tivéssemos encontrado você quando o encontramos?
Eu olho para o renegado agora inconsciente a apenas alguns
metros de distância e penso em como cheguei perto de ser comido
vivo.
Devo minha vida a Jasper, com certeza, mas prefiro ser uma
ração de renegado do que ter que ouvi-lo me repreender por mais
tempo.
— Sinto muito — eu digo, cerrando os dentes, tentando me
impedir de chorar. — Eu queria proteger minha amiga.
— Mas quem vai te proteger?! Você não entende isso? Suas
ações têm consequências. Você colocou Katie e você mesmo em
perigo real.
— Eu só estava tentando…
— Nem tudo é sobre você, Max!
— O que isto quer dizer? — Eu atiro de volta. Eu posso ter
estragado tudo e me metido em problemas, mas, é claro, Jasper
encontrou uma maneira de virar essa situação para me insultar.
Para me fazer parecer um idiota e não ele.
— Você sabe o que? Eu estava errado — ele diz, colocando
as mãos nos quadris e olhando para mim de lado. — Você é apenas
uma criança. Um garotinho idiota que queria bancar o herói e quase
foi morto.
Por mais zangado que esteja, não consigo impedir que as
lágrimas caiam. Eu abaixo minha cabeça para que ele não possa
me ver chorar.
— Eu disse que sentia muito — murmuro. Katie coloca a mão
na minha perna.
— Apenas... volte para o acampamento. Olivia e eu vamos
limpar essa bagunça.
Ele está falando sobre o renegado de um braço só.
— Vamos — Katie diz, me ajudando a levantar.

— Que idiota! — Eu digo, estremecendo quando Katie aplica


desinfetante no meu ombro. Katie pegou o kit de primeiros socorros
que ela disse que sua mãe fez para ela e viemos encontrar um lugar
para nos refrescar. Estamos sentados atrás das cabanas, em um
pedaço de grama com vista para o lago.
— Fique quieto — ela repreende.
— Eu simplesmente não entendo por que ele pensa que pode
agir de forma tão superior a todos. Ele não é tão especial.
— Não sei — Katie ri. — Eu o vi sem camisa, ele é muito
especial.
— Abdômen estúpido — eu digo baixinho, ressentido com
minha falta de definição abdominal e também desejando poder tirar
a visão deles da minha mente.
Ainda não tenho certeza do que se trata.
— Ele apenas age como se o mundo inteiro estivesse em
seus ombros quando outras pessoas também têm problemas.
— Tudo pronto — diz Katie, enrolando os cotonetes usados.
Puxo a gola da camisa por cima do ombro.
— Quão ruim é? — Eu pergunto.
— Vai ficar bom antes da fogueira.
Eu gemo internamente ao pensar na fogueira esta noite. A
grande pira de sacrifício que significa o início da corrida de
acasalamento.
Eu esperava que, com todo o drama do dia, a corrida fosse
cancelada, mas a notícia já se espalhou pelo acampamento de que
a corrida estaria acontecendo.
Acho que descobriram que o renegado estava sozinho e,
agora que foi capturado, o acampamento está seguro.
É cafona desejar ter me machucado um pouco mais para
poder deixar de participar?
— Você sabe que se Jasper não tivesse sido tão rápido, seu
ombro poderia parecer muito pior.
— Eu sei — eu digo e até eu sei o quão mal-humorado eu
pareço.
— De certa forma, Jasper tem o mundo nas costas — diz
Katie, arrumando seu kit de primeiros socorros. — Se você tivesse
se machucado, as pessoas pensariam que foi culpa dele. É bom,
sabe, que ele se importe tanto.
Eu não digo nada. Eu sei que Katie está certa, de acordo.
Jasper foi duro comigo, inferno, ele caiu sobre mim como Dorothy
derrubando sua casa na bruxa malvada.
Mas ele também estava certo. Eu deveria ter ido até ele
primeiro. Eu agi precipitadamente.
— Não quero pensar no que poderia ter acontecido se eu não
os tivesse encontrado.
— Sim, foi muita sorte — eu digo.
Do outro lado do rio, o sol está apenas começando a se pôr.
Um brilho de toranja acaba de começar a atingir as copas das
árvores e refletir na superfície da água.
Cada minuto que sentamos aqui é um minuto mais perto do
resto de nossas vidas.
— Sinto muito — eu digo, virando-me para ela. — Se eu não
estivesse agindo como um idiota, você nunca teria estado naquela
floresta em primeiro lugar.
— Está tudo bem — ela responde. — Como você poderia
saber que hoje seria o dia em que um renegado apareceria
desejando o sabor da carne?
Eu rio, mas apenas por um momento.
— Sério, me desculpe. Eu não dava valor a você e não
deveria fazer isso. Eu sou o lobo vivo mais sortudo por ter você
como amiga... uma melhor amiga.
— Max, pare, você vai me fazer corar.
— Na verdade, Katie. Você é a única pessoa com quem
quero estar sentado hoje, amanhã e todos os dias no futuro.
Katie envolve seus braços em volta de mim.
— Seu idiota — ela diz e eu posso ouvir seu sorriso. — Tudo
o que eu quero é que você seja feliz. Além disso, sei que tenho
agido de forma estranha também.
— Esta lua azul está brincando com a gente — eu digo e
Katie suspira.
— Sim, mas acho que talvez tenha algo a ver com meus pais
também.
— O que você quer dizer?
— Acho que depois que eles se separaram, comecei a
questionar tudo o que achava que sabia sobre companheiros. Eu
não sabia que você poderia deixar de ser companheiro de alguém.
Aí papai foi embora e…
A fungada de Katie e eu a puxo para mais perto de mim.
— Eu simplesmente não sabia mais no que acreditar. Acho
que não queria perder você também.
— Ei — eu digo, inclinando-me para trás para que eu possa
olhar nos olhos de Katie. — Isso nunca vai acontecer.
Nós nos apertamos como se estivéssemos apertando nossa
pessoa favorita no mundo... porque estamos.
— Eu sei que nossos fios podem ter se cruzado nos últimos
dias — eu digo. — Mas se eu acabar encontrando minha
companheira esta noite, espero que seja você.
— Não, você não espera — diz ela, rindo e enxugando os
olhos. — Mas está tudo bem.
Nós nos viramos para olhar para o céu cada vez mais lilás.
— Acho que devemos nos preparar — diz Katie. — Logo vai
escurecer.
— Sim. — Nós nos levantamos e limpamos a sujeira de
nossas bundas. — Há apenas uma coisa que preciso fazer
primeiro…
— Que é? — Katie pergunta.
— Eu preciso me desculpar... com Jasper.
15
O peso do mundo

De alguma forma, consegui me perder. O alojamento do alfa é


maior do que parece, como se você estivesse dentro do tempo e do
espaço sem sentido.
A cada esquina que viro, sinto que estou ficando cada vez
mais desorientado.
Não tenho cem por cento de certeza se posso voltar aqui
além do refeitório, mas até agora a única pessoa com quem me
cruzei é uma senhora mais velha empurrando um carrinho cheio de
toalhas limpas. Ela mal pareceu me notar quando passei.
Adolescentes provavelmente parecem todos iguais para ela de
qualquer maneira.
Eu viro outra esquina e olho para outro longo corredor. O
chão é acarpetado em um rico padrão vermelho e dourado, as
paredes são forradas com uma estampa amarela canário, com fotos
penduradas a cada poucos metros ou mais.
Meu ouvido se anima ao som da voz de alguém.
Eu me esgueiro pelo corredor na direção do som. À medida
que me aproximo, começo a distinguir uma palavra estranha aqui e
ali e percebo que reconheço quem está falando. É Jasper. Eu
reconheceria sua voz irritantemente monótona em qualquer lugar.
Chego a uma porta e paro.
Talvez esta seja uma má ideia. E se ele ficar com raiva?
Estou começando a pensar que devo me virar quando Jasper
levanta a voz.
— Eu te disse, Alfa. Eu cuidei de tudo!
Ele deve estar ao telefone com o pai. Seu pai, que ele chama
de “Alfa!”
E eu achava minha família estranha.
— Eu já te expliquei o que aconteceu…
Jasper parece frustrado como se estivesse prestes a explodir,
mas não pode. Isso é bom demais. Encosto o ouvido na porta para
ouvir melhor.
— Ninguém se machucou, pai!
Jasper quase perde a calma, mas a sala de repente fica em
silêncio. Ouço Jasper dar alguns passos e me pergunto se estou
prestes a ser pego. Penso em sair o mais silenciosamente possível
quando ele fala novamente.
— Eu não sei como o renegado conseguiu passar pela
segurança da fronteira... eles são seus soldados, por que você não
pergunta a eles... Estou levando isso a sério, Alfa.
Cara, estou começando a sentir pena do pobre coitado. Seu
pai soa como se estivesse sendo muito duro e é meio que minha
culpa.
Jasper pode ter agido como um idiota. Mas eu sou a razão
pela qual ele está levando uma surra do pai.
— Eu prometo a você, pai — diz Jasper. — O problema foi
resolvido. O renegado foi detido e interrogado e não há evidências
de outros lobos não registrados nas proximidades. Ele está sendo
transportado para as instalações de espera do bando agora... Sim,
pai, quero dizer, Alfa, a corrida de acasalamento acontecerá
conforme planejado. Não haverá mais problemas... Eu assumo toda
a responsabilidade... Sinto... Sinto muito, Alfa. Eu sei que você está
contando comigo.
Há tanta angústia na voz de Jasper quando ele é forçado a
se desculpar. Parte de mim quer irromper na sala e dizer a ele para
parar. Ele não precisa se desculpar. Ele me resgatou, lutou para
afastar meu atacante.
Mas a maior parte de mim sabe que sou a última pessoa que
Jasper vai querer ver.
— Espere, Alfa, acho que alguém está lá fora...
Ah, droga!
Os passos de Jasper ficam mais altos conforme ele se
aproxima da porta. Se ele me pegar aqui, vai pensar que eu estava
ouvindo sua conversa particular, o que eu realmente estava. Mas
não posso deixá-lo saber disso. Eu corro de volta pelo corredor, mas
não há como eu virar a esquina antes que ele abra a porta e me
veja.
A maçaneta da porta chacoalha e, quando penso que estou
prestes a ser pego, alguém agarra meu braço e me puxa para outra
sala.
— Tem alguém aí? — Jasper chama. Eu olho para Aisha, que
tem o dedo pressionado contra os lábios e uma expressão
seriamente confusa no rosto. Permanecemos congelados até
ouvirmos o clique da porta de Jasper se fechando.
— Ainda não — Aisha sussurra com pressa, preventivamente
me impedindo de explodir.
Ela me pega pela mão e entra em seu quarto fechando a
porta atrás dela. Eu olho em volta para sua mobília chique e cama
de dossel ridícula. Sinto como se estivesse em uma suíte de
primeira classe no Titanic.
— Você quer me dizer o que você estava fazendo ouvindo a
conversa particular de Jasper? — Aisha pergunta.
Iceberg, logo à frente!
— Eu só vim me desculpar por mais cedo, por fugir e quase
ser espancado por aquele renegado.
Aisha levanta o quadril e estuda meu rosto.
— Eu ouvi sobre isso — diz ela. — Você tem sorte de Jasper
ser um bom lutador.
— Eu sei — eu digo. — É por isso que eu queria... você
sabe... agradecer a ele e pedir desculpas por tornar a vida dele um
pesadelo.
— Bem, tudo bem — diz ela, suavizando. — Eu acredito em
você. Mas você não deveria ter escutado.
— Eu sei, eu sou um idiota.
— Nah, você simplesmente não sabe como ficar longe de
problemas, não é?
Aisha sorri e aponta para um dos sofás, ela se senta e eu
faço o mesmo.
— O pai de Jasper parece um verdadeiro durão.
— Ele é o alfa — ela retruca.
Eu me agarro a uma almofada do sofá para me confortar e
ela exala.
— Desculpe, é essa lua azul idiota. Minhas emoções estão
em todo lugar.
— Você não é a única — eu digo.
— Mas você precisa parar de ser tão duro com Jasper e seu
pai. É muito importante liderar um bando, garantir que todos estejam
seguros. Jericho é duro com Jasper porque ele precisa ser.
— Você está certa, eu acho. Mal consigo me levantar de
manhã e muito menos lutar contra um renegado. Não consigo me
imaginar cuidando de um bando inteiro.
— Exatamente.
— Você se preocupa muito com ele, não é?
Aisha sorri e isso me lembra o tipo de sorriso que recebo
quando penso em Katie.
— Ele é meu melhor amigo.
— Ele ainda pode ser um idiota às vezes — eu digo, abrindo
meu melhor sorriso travesso.
Aisha pega uma almofada e joga em mim.
— Ok, cabeça dura...
Eu desviei seu projétil, rindo.
— Não, não comece a me chamar assim também!
— Por que não, cabeça duuuuuura? — ela brinca, alongando
o som 'u' para dar ênfase dramática.
Eu bufo e jogo uma almofada de volta para ela. Ela desvia do
ataque graciosamente.
— Você não tem uma corrida de acasalamento para se
preparar? — ela pergunta, sentando-se.
Eu olho pela janela, o sol quase se pôs completamente.
Logo estarão acendendo a fogueira e iniciando o ritual.
Meu corpo de repente parece leve, como se eu não estivesse
mais sustentando meu próprio peso. Mas não porque me sinto
aliviado. Há um frio distinto subindo e descendo pela minha espinha.
Porque sei que o inevitável está sobre mim.
Mais uma vez, Aisha está certa... o tempo acabou. Não há
nada entre mim e os acontecimentos da noite agora. Sem mais
desculpas, ou ataques de renegados, sem mais atividades tolas de
acampamento...
Chegou a hora do evento que todos esperavam. Todos
menos eu.
Eu cerro minha mandíbula e aceno.
— Boa sorte, Max. Que os Deuses da Lua iluminem o
caminho entre as almas. — Eu forço um sorriso e me levanto, mas
Aisha pega minha mão, me segurando no lugar. — Se é isso que
você quer.
Ela me dá um olhar aguçado e eu aceno. Ela entende minha
hesitação em participar do ritual, mas também entende as pressões
de ser um lobo. Talvez seja por isso que ela consegue ignorar todos
os defeitos de Jasper e ver o que há de bom nele.
Aisha me leva até uma saída e me abraça antes de me deixar
no ar fresco da noite.
Em apenas algumas horas, tudo poderia ser diferente. Meu
caminho na vida pode ser alterado, colocado diante de mim de uma
forma para a qual não posso me preparar. Estou com medo e
ansioso, mas não há como evitar. Preciso enfrentar o destino de
frente.
É hora... da corrida de acasalamento.
16
A corrida de acasalamento

Eu coloco meu moletom vermelho e pulo os dois degraus da minha


cabana para a grama.
O céu está escuro agora e as estrelas começaram a piscar
ameaçadoramente como duendes trapaceiros.
A lua está aparecendo por cima das copas das árvores. A
visão disso me faz engolir em seco. O cheiro de fumaça, vindo da
fogueira, está se espalhando pelo acampamento.
Isso está realmente acontecendo.
Sigo na direção da cabana de Katie com as mãos enfiadas
nos bolsos do moletom. Campistas estão passando por mim, indo
na mesma direção.
Algumas pessoas parecem animadas, como se estivessem
em uma exibição à meia-noite de um novo filme dos Vingadores e
estão correndo em direção ao encontro, enquanto outras estão
demorando nas cabines.
Todo mundo está meio que vestido como se estivessem indo
para um baile de formatura ou um casamento ou algo assim. Acho
que perdi o memorando.
Passo por Eleanor, usando um vestido prateado com
lantejoulas brilhando sob as luzes. Sua mandíbula está tensa e suas
mãos estão constantemente mudando de cerradas para flexionadas.
Todd e Simon passam correndo, empurrando um ao outro e
fazendo piadas sobre quem vai encontrar sua companheira primeiro.
Até meus colegas de quarto usam camisas de colarinho.
Estamos todos prestes a vagar pela floresta e ficar nus, mas
mesmo assim, eu curvo meus ombros esperando que ninguém
perceba como estou mal vestido.
Katie está esperando por mim quando chego ao final das
cabines. Ela parece super bonita em um vestido azul-petróleo que
aperta bem na cintura, antes de se soltar e parar logo acima dos
joelhos. Ela enrolou o cabelo dourado do jeito que faz nos bailes da
escola.
— Você está bem? — ela pergunta.
— Totalmente — eu minto. — Onde está o fogo?
Eu presumi que a fogueira estaria no mesmo lugar da
primeira noite, mas aparentemente não.
— Todo mundo está indo para o anfiteatro — Katie diz,
entrelaçando seu braço no meu. — Isso é menos uma festa e mais
uma situação de ritual sagrado.
Eu zombo e nos juntamos às hordas de lobos com tesão que
passam.
Tochas estão queimando por todo o anfiteatro, lançando um
brilho suave nos rostos de todos os lobos excitados, nervosos e
ansiosos que ocupam os assentos.
No meio do palco abaixo, o fogo está intenso.
Katie puxa meu braço, gesticulando com a cabeça, dizendo
que quer chegar mais perto da frente. Abrimos caminho, tentando
não pisar em ninguém e, eventualmente, encontramos um lugar.
Jasper está de pé ao lado, vestindo outro terno preto de corte
incrível e parecendo mais estoico do que nunca. Seu nariz se
contrai quando me sento e, por um segundo, ele olha na minha
direção.
Acho que ele me vê, mas seu olhar não demora.
Olivia está à sua esquerda e em frente ao fogo está Marcel.
— Parece que teremos outro hit pop indecifrável — eu
sussurro para Katie, e mesmo que ela esteja tentando agir toda
séria, eu a vejo sorrir um pouco.
Quando a lua nasce acima das árvores, todos estão reunidos
no anfiteatro.
Marcel abre os braços e a multidão fica em silêncio.
Geralmente é impossível fazer com que tantos lobos parem de latir,
mas esta noite – grilos.
— Lobos! — Marcel estronda. — Esta noite pedimos aos
Deuses da Lua que nos abençoem e esta noite, mais do que
qualquer outra, pedimos a eles que iluminem o caminho entre
nossas almas. Somos o povo escolhido de Selene, Nannar, Mani,
Igaluk e Tsukuyomi. Os seres celestiais que nos vigiam de seu
Palácio Lunar, garantindo nosso destino e nos abençoando com o
dom da camaradagem.
Eu gostaria que eles me abençoassem com uma concussão
para que eu pudesse dormir durante toda essa provação.
— Rezamos a eles e pedimos suas bênçãos.
Ele fecha os olhos e eu reviro os meus quando percebo o que
está acontecendo. Marcel está prestes a cantar. Ele abre a boca e
começa a cantar em Lupin.
Todos ao meu redor fecham os olhos e levantam a cabeça.
Suspiro e estou prestes a me juntar a eles quando percebo
que Jasper ainda não fechou os olhos. Na verdade, ele os abriu e
apontou na minha direção.
Nós trocamos olhares e de repente parece que a fogueira
está queimando dez vezes mais alto. A noite se fecha até que eu
sinto como se estivesse sentado sozinho no escuro. Não há outros
lobos. Há apenas o fogo, a lua e... Jasper.
A voz de Marcel flutua e se torna um zumbido distante, como
um suave canto de pássaro.
Minha frequência cardíaca aumenta e meu corpo vibra. Meus
dentes começam a bater e sinto que estou congelando, mas ao
mesmo tempo está muito quente.
Eventualmente, tudo se torna demais e eu fecho meus olhos.
O crepitar do fogo se foi. E assim é a oração.
Abro os olhos um de cada vez. Marcel está recuando,
deixando Jasper no centro do palco.
— Em alguns minutos — diz Jasper. — A Corrida de
Acasalamento vai começar.
Aplausos explodem, junto com gritos e gritos das
arquibancadas.
— Vamos para a floresta juntos. Mas uma vez lá, você é
encorajado a deixar o grupo, separar-se de quaisquer amigos que
possa ter feito durante o festival e encontrar seu próprio caminho.
Deixe os Deuses da Lua guiá-lo na direção certa.
Sua voz é profunda e cativante, mas ele continua olhando
para este ponto à sua frente, como se estivesse achando difícil
lembrar de todas as suas palavras.
— Quando você encontrar um lugar tranquilo, pedimos que
tire todas as roupas. Como o Grande Oficial do festival deste ano,
vou mudar e uivar significando o início da corrida. Nesse ponto,
pedimos a todos que mudem e participem da busca por
companheirismo.
Há um caroço na minha garganta e engolir não adianta.
— Esta noite é uma noite especial na vida de um jovem lobo
— Jasper continua. — Como representante de meu pai, o alfa,
desejo a todos uma corrida de acasalamento bem-sucedida. Espero
que os Deuses da Lua considerem adequado emparelhar cada um
de vocês com o companheiro perfeito.
O olhar de Jasper vacila pela primeira vez em todo o seu
discurso e eu juro por uma fração de segundo que ele está prestes a
olhar para mim novamente.
Mas ele respira fundo e ergue o olhar para algum lugar acima
da minha cabeça.
— Não há mais nada para eu dizer exceto boa sorte, e que
os Deuses da Lua iluminem o caminho entre as almas.
A multidão vai à loucura. Jasper dá um passo para trás e
Olivia pressiona uma mão reconfortante em suas costas. Para uma
cacofonia de lobos gritando e batendo palmas, eles saem do palco e
Marcel avança mais uma vez.
— Lobos, que comece a Corrida de Acasalamento!
A multidão imediatamente se levanta e, de repente, estamos
todos saindo do teatro em direção à orla da floresta.
As pessoas já estão desabotoando as camisas e soltando os
cabelos enquanto desaparecem entre as árvores.
Katie e eu paramos e nós viramos um para o outro. Pego as
duas mãos de Katie e as aperto com força.
— Aconteça o que acontecer esta noite — diz ela. — Você é
a pessoa mais importante da minha vida e eu sempre serei sua
melhor amiga.
— Katie — eu digo, preocupado que, se eu continuar falando,
vou começar a chorar. — Aconteça o que acontecer... nada vai ficar
entre nós.
Eu envolvo meus braços em torno dela e a puxo para perto
de mim.
— Espero que você consiga tudo o que deseja e muito mais
— eu digo, pressionando meu rosto em seu cabelo.
— Qualquer um teria sorte de ter você como companheiro —
ela responde.
Quando nos separamos, nós dois temos olhos brilhantes.
— Você tem que ir primeiro — eu digo, dando um passo para
trás e enxugando minha bochecha.
Katie sorri e acena com a cabeça. Ela levanta a mão e a
pressiona no meu rosto.
— Apenas tente se lembrar — diz ela —, pode haver alguém
maravilhoso esperando por você lá dentro. Não os deixe escapar.
— Promessa de mindinho — eu digo. — Agora vá.
Dou-lhe um empurrão brincalhão na direção da linha das
árvores.
— Te amo, cara espremida — diz ela.
— Também te amo, bish.
Observo enquanto Katie se vira e caminha confiante entre
dois pinheiros altos. Não há muitos lobos deixados aqui ao relento.
E não vai demorar muito até o uivo de Jasper sinalizar o início da
corrida.
Se eu não for agora, vou perder um lugar privado para me
despir. Respiro fundo e tento uma última vez engolir o caroço do
tamanho de uma bola de golfe na minha garganta. Então dou meu
primeiro passo em direção à floresta.
O destino está esperando do outro lado daquelas árvores e
não tenho ideia se estou pronto para isso.
Mas estou prestes a descobrir.
17
Correndo para o destino

A floresta é silenciosa e escura. Perco todo mundo de vista


rapidamente e me aprofundo no labirinto de árvores.
Consigo vislumbrar a lua, espreitando entre as folhas. Ela
está assistindo.
Minha pele formiga quanto mais longe eu vou e sinto que
está quase na hora. Preciso encontrar um lugar para me despir
rapidamente. Um local do qual poderei me lembrar em algumas
horas, quando for a hora de me vestir novamente.
Minha respiração está começando a ficar rápida e sei que o
tempo está se esgotando. Finalmente encontro um lugar entre uma
pedra e uma árvore. Não vou me sentir muito exposto entre os dois.
Eu deslizo entre eles, tirando meus sapatos e tropeço
enquanto tento tirar minhas meias sem pisar no solo lamacento. Eu
enrolo minhas meias e as enfio em um dos meus tênis.
Em seguida, abro o zíper do meu moletom e o adiciono à
pilha. Então eu puxo minha camiseta sobre minha cabeça e
desabotoo meus jeans antes de tirá-los. Depois de tirar todas as
minhas roupas, exceto minha cueca em uma pilha organizada, dou
um mergulho. Tiro minha cueca apertada, tentando não perder o
equilíbrio, e a coloco em algum lugar no meio da pilha.
Completamente nu, envolvo meus braços em volta de mim e
pulo para frente e para trás, de um pé para o outro.
O que estou fazendo aqui? Isso é mais do que ridículo.
De repente, meus ouvidos picam. Os cabelos da minha nuca
se arrepiam.
Um uivo ecoa pela floresta.
Em um segundo, outro vem em resposta – então outro e
outro.
A corrida de acasalamento começou.
Fecho os olhos e sinto a mudança começar na boca do
estômago. A princípio, é como se eu tivesse comido alguns frios
muito velhos, mas então o estrondo se espalha por todas as veias e
células do meu corpo. Os músculos se contraem dolorosamente à
medida que endurecem e crescem. Meus ossos chacoalham e
vibram antes de quebrar e se reformar. Pelos grossos, macios e cor
de mel crescem em todos os poros do meu corpo. Minhas unhas se
estendem, alongando-se em garras. Meu pescoço estala para trás
enquanto minhas mandíbulas se alongam, esta parte dói tanto que
eu grito de dor. Minhas presas são a última coisa a chegar e,
finalmente, totalmente deslocada, eu caio de quatro.
Sacudo meu pelo e me posiciono orgulhosamente como o
lobo que sou.
Hoje à noite, meus sentidos estão ainda mais aguçados do
que o normal. O mundo está vibrando em ondas e ondulações ao
meu redor. Visões, sons, cheiros – tudo é ultra vívido.
Eu levanto meu focinho para responder aos uivos da minha
alcateia. Meu grito ecoa por entre as árvores.
Alguém me ouviu?
Já faz um tempo desde a última vez que troquei e meus
músculos de lobo estão coçando por um bom alongamento. Meus
instintos naturais para caçar e correr estão entrando em ação. Estou
salivando pensando na noite seguinte. Estou livre da sociedade, das
tarefas e dos deveres de casa. Esta noite as únicas coisas que
importam são a lua e a floresta. Estou louco de vontade de correr.
Então eu faço exatamente isso.
Eu saio para a floresta e sinto que posso correr mais rápido
que um raio. Eu pensei que a lua azul me tornasse veloz quando eu
estava na minha forma humana, mas como meu lobo, é totalmente
selvagem. Eu disparo entre as árvores tentando quebrar a barreira
do som.
Meus membros relaxam enquanto meus músculos se
aquecem e sei que isso é super brega, mas me sinto meio animado,
meio vivo. Eu sinto... espere.
Eu cavo em minhas garras e paro. Algo chamou minha
atenção. Um cheiro... um cheiro inebriante e familiar. Levanto o
focinho e respiro com determinação.
Hortelã, limão e… flor de cerejeira!
Sem pensar, corro em sua direção.
Eu ofego e corro e ofego e corro. Meu coração de lobo
troveja em meu peito.
Finalmente, irrompo por uma linha de árvores em uma
clareira. A lua brilha em plena visão luminescente.
Eu já estive aqui antes.
Quando estou prestes a continuar correndo, outro lobo salta
por trás das árvores.
Um lobo preto e lustroso desce ao solo, abrindo uma cratera
no solo ao pousar.
E de repente todos os meus sentidos estão enlouquecidos.
Minha mente está completamente nublada pelo cheiro avassalador
deste lobo. As árvores estão girando em círculos ao meu redor.
A lua se expande e parece que pode me esmagar como um
inseto.
Minhas pernas vacilam embaixo de mim, mas consigo me
manter ereto.
O que está acontecendo?
O que esse lobo está fazendo comigo?
Eu rosno e arqueio minhas costas, dizendo ao lobo para
manter distância.
O lobo negro dá um passo em minha direção e late. O som é
como um trovão ricocheteando em meu cérebro. Ao seu comando, o
mundo para de girar, a lua volta ao normal e a floresta fica silenciosa
novamente.
Todo o meu foco está treinado, como um atirador de precisão,
no lobo negro.
Tomo outro fôlego e dou um passo à frente.
Cada osso do meu corpo está doendo para atacar ele. Quero
atacá-lo, esfregar-me contra seu corpo e deixar que nossos cheiros
se misturem.
Mas eu resisto.
Isso seria... estranho.
Claramente, a lua azul está mexendo com meus sentidos.
Por que esse lobo macho está fazendo meu estômago revirar?
O lobo bufa e sacode o focinho. O luar reflete em seu
elegante casaco preto meia-noite. Seus olhos verdes brilham contra
o brilho escuro de seu pelo.
Eu inclino minha cabeça para o lado e percebo que já vi esse
lobo antes. Eu sei quem é.
Jasper…?!
Ele bufa e levanta o focinho, mas não tenho certeza se ele
está me dizendo para me aproximar ou ficar longe.
Ele também me reconhece?
Um rosnado baixo sobe em minha garganta. Meus instintos
de lobo estão me dizendo para me proteger até que eu possa
descobrir o que está acontecendo.
Por que acabei em uma clareira com Jasper quando deveria
estar encontrando minha companheira?
Por que o cheiro dele me fazia sentir como se estivesse no
topo de uma montanha-russa prestes a cair?
Por que há uma ginasta olímpica na minha barriga fazendo
uma rotina de cambalhotas?
Por que sinto que algo estalou? Como se eu tivesse acabado
de encaixar a última peça de um quebra-cabeça?
As palavras de minha mãe voltam para mim de repente,
"Então você se lembra do pote de picles no fundo da prateleira de
cima da dispensa e de repente você tem certeza… Picles! Isso é o
que eu quero."
Eu sinto que encontrei os picles. Meus picles.
Mamãe não estava falando apenas sobre lanches, ela estava
falando sobre como se sente quando você encontra seu... seu
companheiro!
Mas Jasper é um cara! E um idiota completo! Ele não pode
ser... ele não pode...
Minha mente se inunda com imagens de Jasper. A maneira
como ele está olhando para mim, a maneira como não consigo parar
de olhar para seus braços naquela regata, ou seu abdômen... A
maneira como continuamos correndo um para o outro.
Naquele primeiro dia na cidade, quando ele me bateu na
bunda... mesmo assim eu senti. Eu senti. Eu...
Oh não... não não não não não não não...
Meus olhos se arregalam e Jasper, percebendo, inclina a
cabeça interrogativamente.
Não tem como eu comunicar o que estou pensando porque é
muito louco, é insano, é impossível...
Sou Max Remus, o garoto artista que ama Nova York e odeia
aranhas. Eu como muita pizza, assisto muita TV e nem gosto tanto
assim de picles!
Mas não posso negar a verdade óbvia que está diante de
mim. Jasper Apollo, o filho do alfa, é meu... companheiro!
18
Conhecendo meu companheiro

Jasper é meu companheiro...


Eu não posso acreditar no que estou pensando. Eu continuo
girando essas palavras na minha cabeça, como aqueles caras
esnobes fazem com vinho, tentando fazê-las fazer sentido.
Mas é muito, muito selvagem.
Ele não apenas está fora do meu alcance – ele é
praticamente da realeza e mais gostoso que Noah Centineo – mas
Jasper e eu não estamos exatamente nos dando bem. E além de
tudo isso ele é um cara. Ele é um... cara!
Eu sei que esse tipo de coisa é perfeitamente normal no
mundo humano. A maioria das crianças humanas da minha escola
que são gays ou bi já se assumiram e é super legal. Mas na cultura
do lobo não é realmente uma coisa.
Então, eu nunca pensei que poderia ser... Mas devo ser,
porque aqui estou, em frente a Jasper com uma frequência cardíaca
que aterrorizaria qualquer médico decente e com a barriga cheia de
borboletas.
Estamos olhando um para o outro, nenhum de nós querendo
se mover. Mas eu posso senti-lo. Há uma conexão entre nós agora
como ondas de rádio. Uma corrente pulsante faiscando e nos
mantendo no lugar.
Parte de mim quer voltar correndo por onde vim e mergulhar
debaixo de um arbusto. O que quer que isso signifique, vai tornar
nossas vidas extremamente complicadas.
No entanto, não importa o quão assustador seja a ideia de
ser o companheiro de Jasper, outra parte de mim, a parte maior,
quer descobrir onde isso pode levar.
Um dos meus pés avança, deslizando pelo solo. Jasper bufa
e levanta a cabeça com cautela. Mas estou me movendo agora, a
corda que está amarrada em volta do meu peito está me puxando
para frente e estou cedendo. Dou um passo adequado na direção
de Jasper.
Eu mal posso respirar. Nervosismo e formigamento estão
fazendo todo o meu corpo tremer como um liquidificador cheio
demais. Minha mandíbula está apertada e sinto que a qualquer
segundo posso explodir em um bilhão de pedaços microscópicos.
Eu dou outro passo.
Jasper abaixa o focinho. O pelo de suas costas está
arrepiado, como o moicano de um roqueiro punk.
Ele está tremendo também.
Dou mais um passo e, ao fazê-lo, uma brisa sussurra pela
clareira, enviando uma nuvem de seu perfume bem na minha
direção. Atinge meu nariz como um travesseiro delicioso e eu recuo.
Luzes irrompem e obscurecem minha visão. Não há como errar –
esse garoto está mexendo comigo!
Quando me recuperei, dou outro passo. Estou a menos de
trinta centímetros dele agora e ele ainda não se moveu.
Abaixo meu focinho em sinal de submissão, para mostrar a
ele que não sou uma ameaça. Para minha surpresa, seus lábios se
curvam e ele rosna.
É um aviso, para manter distância.
Mas nós somos companheiros. Não deveríamos estar um
sobre o outro?
Não é que de repente eu tenha acreditado em Jasper como
pessoa, mas se ele está sentindo algo como eu, não sei como ele
está resistindo.
Eu abaixo minha cabeça ainda mais e seu rosnado para.
Isso mesmo, amigo. Eu não vou machucar você.
Os olhos esmeralda de Jasper não piscam. Ele está me
observando como se eu fosse uma ameaça, o que é hilário,
considerando o quanto ele é muito maior do que eu.
Eu me aproximo um pouco mais até que nossos rostos
estejam lado a lado. Todos os meus instintos estão me dizendo para
empurrar meu rosto em seu pescoço e me enterrar em seu pelo.
Se eu pudesse tocá-lo, se eu pudesse...
Eu mexo minha cabeça e de repente, um grito perfura o ar da
noite, quebrando a tensão. Instantaneamente, nós dois saímos do
estado hipnótico.
A garota grita de novo e eu sinto como se tivesse mergulhado
em água gelada. Isso é um grito humano.
Todos deveriam estar em sua forma de lobo agora. Alguém
não se transformou? Algum caminhante se perdeu procurando seu
acampamento? Há mais de cem lobos hormonais rondando esta
floresta. Quem quer que seja, eles estão em apuros.
— Socooooorro! — ela continua gritando, e meus ouvidos
estremecem porque reconheço a voz. É a Katie!!!
Jasper é mais rápido do que eu e já saltou além da linha das
árvores quando começo a correr.
Meu coração está na garganta e há mais adrenalina em meu
sistema do que nunca. Terei sorte se chegar até Katie antes de
desmaiar.
Eu alcanço Jasper, contando com aquela supervelocidade da
lua azul. Olhamos um para o outro, compartilhando um olhar de
conhecimento de que o que quer que esteja acontecendo à frente,
temos que cuidar disso antes que possamos resolver nossa própria
situação. Por alguma razão, apenas saber que existe uma situação
faz meu coração dar uma pequena cambalhota.
A voz de Katie fica mais alta conforme nos aproximamos e o
som dos lobos aumenta para enfrentá-la. Rosnados de baixa
viscosidade são pontuados por mandíbulas estalantes e latidos
ásperos.
Jasper e eu atravessamos alguns galhos baixos e nos
encontramos no topo de uma encosta acima de um riacho.
Vejo Katie no sopé da colina. Ela está com as costas
pressionadas contra uma árvore e segurando o vestido contra o
peito. Seu rosto está manchado e vermelho e seus olhos estão
inchados de tanto chorar.
Entre mim e ela estão dois lobos. Um deles é magro,
castanho-escuro, com uma mandíbula longa e pontiaguda e
articulações afiadas o suficiente para descascar ostras. O outro é
ruivo e carrega sua estrutura maior que a média em quatro pernas
robustas. Se eu apertar os olhos, eles quase parecem familiares.
Os lobos estão lutando, circulando um ao outro, tentando
chegar a um terreno mais alto. O marrom pula e agarra o pescoço
do lobo ruivo, derrubando-o de lado. Presos juntos, eles descem a
encosta em direção a Katie. O ruivo interrompe o impulso com as
patas traseiras e joga o lobo marrom no chão.
Katie está soluçando, gritando para que parem.
Em um segundo, os lobos voltam a rosnar um para o outro.
Nenhum dos dois está recuando. O que aconteceu para fazer
esses lobos quererem tanto matar uns aos outros?
Jasper acena com a cabeça para eu ir até Katie e antes que
eu perceba, ele saltou para o meio da luta.
Eu tomo isso como minha deixa e circulo em torno dos três
machos, dando-lhes um amplo espaço enquanto desço a colina.
Jasper rosna – seu tom de comando envia um arrepio na
minha espinha – e seus súditos agitados recuam.
Aproximo-me de Katie, que me reconhece instantaneamente
e parece mais do que aliviada em me ver.
Eu me aninho contra o lado dela e ela coloca a mão na minha
nuca. Subindo a colina, o lobo marrom e o lobo ruivo ainda estão em
lados opostos de Jasper, rosnando.
Apesar de seus comandos alfa, esses lobos não desistem.
Quando o lobo marrom vai fazer outro movimento, Jasper se
lança contra ele. Ele recua, choramingando. Jasper late para ele e,
finalmente, o lobo marrom se submete, abaixando a cabeça e
recuando.
Jasper se vira e envia outro latido curto na direção do lobo
ruivo. Ele é menos resistente e rapidamente abaixa a cabeça. Com
outro latido e um uivo, Jasper instrui os lutadores a decolarem em
direções diferentes.
Eles hesitam no início, ambos choramingando e sem vontade
de virar as costas um para o outro. Mas Jasper estala a mandíbula
uma última vez e instantaneamente eles giram nos calcanhares.
Ele observa até que eles vão embora e então ele olha para
mim. Nossos olhares se encontram e, com o fim da comoção,
lembro exatamente onde estávamos antes de ouvirmos o grito de
Katie.
O que acontece agora? Não quero deixar Katie sozinha. Ela
está agarrada ao meu pelo e tremendo. Mas há tanto que não está
claro para mim sobre Jasper, sobre Jasper e eu... sobre tudo...
— Max? — Katie pergunta, sua voz trêmula. Olho para ela
brevemente e quando olho para trás, a ponta da cauda de Jasper
está desaparecendo na floresta. Ele se foi.
Eu bufo e me arrasto para frente, meus instintos de lobo me
dizendo desesperadamente para correr atrás dele.
— Max, podemos voltar para o acampamento? — Katie
pergunta. Eu fecho meus olhos.
Acabei de conhecer meu companheiro. Mas não tenho ideia
do que isso significa. E, além disso, a pessoa com quem estou
acasalado acaba sendo a única pessoa com quem não tenho ideia
de como me relacionar.
Antes de vir para cá eu não ligava para os companheiros,
nem um pouco, e agora... agora quero correr atrás do meu e
derrubá-lo no chão.
Katie funga e eu me viro.
Jasper terá que esperar porque minha amiga precisa de mim
agora.
Eu aceno para o vestido em suas mãos e me viro para que
ela possa se vestir. Ela arrepia o pelo do meu pescoço quando
termina.
— Vamos encontrar suas roupas — diz ela.
Ela mantém a mão apoiada em mim enquanto caminhamos
pela floresta, de volta ao local onde comecei a Corrida do
Acasalamento, onde ouvi pela primeira vez o uivo de Jasper.
Durante todo o tempo em que estamos andando, tudo que
consigo pensar é que Jasper está por aí em algum lugar. Meus
ouvidos ficam alertas caso eu consiga ouvir o som de sua
respiração por perto.
— Ei, Max — Katie diz, coçando atrás da minha orelha. — Foi
com Jasper que você apareceu?
Eu bufo e balanço meu focinho, grata por estar na minha
forma de lobo. Não tenho ideia de como vou explicar tudo para
Katie.
Como acabei com Jasper como meu companheiro? Jasper
aceitará o que acabou de acontecer? Ele vai me aceitar? Eu quero
mesmo isso?
Meu maior medo de vir aqui se tornou realidade. Tudo
mudou. Meu mundo mudou de eixo de uma maneira que eu nunca
poderia ter imaginado.
São tantas perguntas que passam pela minha cabeça.
Mas todos eles vão ter que esperar até de manhã.
A única coisa de que tenho certeza agora é que preciso
mesmo de um sono decente.
19
Luta na lama

Não vou conseguir dormir de jeito nenhum. Não com o coro de


lobos uivando do lado de fora da minha janela.
Eu realmente não percebi até que tentei me deitar, mas a
floresta está realmente viva com o chamado de acasalamento de
algumas centenas de campistas excitados.
Eu rolo tentando tirar a imagem do lobo de Jasper da minha
cabeça. O olhar em seus olhos antes de desaparecer está gravado
em meu cérebro.
Eu sei que tive que voltar para o acampamento com Katie.
Mas por que ele simplesmente fugiu? Por que ele conseguia manter
as patas longe de mim?
Ugh, isso é mesmo o que eu quero?
Eu bato minha cabeça contra o travesseiro. Sinto-me pesado
e exausto, mas também com elétrico. Formigamentos ainda estão
piscando em meus membros.
Com um suspiro, jogo minhas pernas para fora do beliche e
saio para ver se Katie está tendo o mesmo problema.
— Katie! — Eu sussurro quando chego fora de sua cabine.
— Max? — ela responde, turva. Ela enfia a cabeça pela porta
da cabine.
— Consegue dormir? — Eu pergunto.
— De jeito nenhum.
Descemos até a margem do rio. Ainda está escuro lá fora,
embora haja um toque lilás nas bordas do céu. Será de manhã em
breve.
Katie e eu ainda não nos conhecemos. Ela estava muito
abalada para falar no caminho de volta e eu... bem, não sei se
algum dia estarei pronto para confessar.
— Você quer me contar o que aconteceu lá? — Eu pergunto.
— Tudo bem se você não fizer isso, se você ainda estivesse muito
assustada. Parecia bastante assustador.
— Na verdade, é assustador — diz Katie. — Mas não da
maneira que você pensa.
— O que você quer dizer? Você parecia bem apavorada.
— Sim, eu estava preocupada que eles fossem se machucar.
— Espere, o quê? Você estava preocupada que aqueles
lobos pudessem machucar... um ao outro?
— Exatamente, eu sabia que eles não iriam me machucar
porquê... — Um sorriso aparece no rosto de Katie. — ...porque eles
são meus companheiros.
— O QUE?!
Olho para Katie com a boca aberta como se fosse um
bacalhau.
— Ok, garota. Conte-me toda a história. Agora.
— Tudo aconteceu muito rápido. Eu tinha acabado de mudar
quando esses dois lobos apareceram e instantaneamente fui
atingida com o quão... incrível os dois cheiravam, era como se eu
soubesse instantaneamente que eles eram meus companheiros.
Sinto uma pontada no peito por saber exatamente do que ela
está falando.
— Mas o que você quer dizer com os dois?
— Eu realmente não posso explicar isso. Não pensei que
fosse possível. Fiquei me perguntando se minha conexão com um
deles estava nublando meus sentidos ou algo assim, fazendo-me
pensar que sentia o mesmo por ambos, mas…
Katie olha para a água, um olhar melancólico familiar em seu
rosto, mas também algo mais, algo novo, uma espécie de
contentamento que eu nunca vi antes.
— Eles tinham dois cheiros muito distintos e ambos me
fizeram sentir da mesma maneira.
— Uau, então você tem dois companheiros?
Eu balanço minha cabeça maravilhado. Eu ouvi sobre isso
acontecendo. Um lobo com dois companheiros. Mas é
absurdamente raro.
Eu tenho que rir porque Katie sempre foi tão louca para
encontrar seu companheiro e agora ela tem dois! É isso aí, garota!
— Mas por que você mudou de volta?
— Bem, quando eles perceberam o que estava acontecendo,
começaram a se tornar territoriais e a lutar. Eu pensei que se eu me
transformasse de volta eu poderia acalmá-los. Foi quando você
apareceu com Jasper. Ei, você nunca me disse por que vocês dois
estavam juntos.
Eu envolvo meus braços em volta dos meus joelhos e os
aperto mais contra o meu peito.
— Nós não estávamos juntos — eu digo. — Devíamos estar
perto quando ouvimos você, só isso.
Assim que a mentira sai da minha boca, meu coração afunda.
Descanso o queixo nos joelhos.
Eu não sei o que vai acontecer entre Jasper e eu. Não sei se
ele vai querer que aconteça alguma coisa... Também não sei se eu
quero isso!
A única coisa que sei é que não estou pronta para falar sobre
isso. Talvez porque não tenho certeza se é real. Ou talvez porque
não tenho certeza de como Katie reagirá. Mas mentir para ela
também não é bom.
— Então, quem são eles? — Eu pergunto, mudando de
assunto.
Katie olha para mim com as sobrancelhas levantadas.
— Você não vai acreditar nisso…

— Todd e Simon!? — Pergunto pela quinquagésima vez esta


manhã.
Katie e eu estamos na encosta de uma colina com um grupo
de nossos companheiros de acampamento, olhando para um poço
de lama.
Meus colegas de quarto estão sem camisa e até os joelhos
na lama cor de caramelo.
— Sim — Katie responde novamente.
— Eu não posso acreditar — eu digo, balançando a cabeça.
Não acreditei em nenhuma das outras quarenta e nove vezes.
Não importa o quanto Katie repita a notícia, acho que nunca
vou acreditar quem são seus companheiros duplos. Um dos meus
colegas de fraternidade jogador de cerveja-pong teria sido louco o
suficiente, mas os dois são selvagens demais para suportar!
— Bem, está acontecendo — diz ela, encolhendo os ombros
e sorrindo. — E isso também, aparentemente…
Acontece que é uma tradição se uma loba descobrir que tem
dois companheiros, que seus pretendentes em potencial devem
competir para ganhar seu favor.
E Todd e Simon, sendo quem são, decidiram que vão lutar na
lama.
Essa é uma maneira de escolher seu parceiro de vida.
— Pretendentes, prontos! — Olivia chama da beira do poço.
Todd e Simon assumem suas poses de batalha e Olivia apita.
Eles avançam, nenhum deles se movendo particularmente
rápido na lama, agarram os ombros um do outro e começam a lutar.
Todd é o maior dos dois e tem uma vantagem clara no que
diz respeito à força bruta. Mas Simon é rápido e magro. Ele envolve
uma perna em volta dos joelhos de Todd e derruba o gigante para
trás. Os dois tropeçam, caindo juntos na lama. A pequena multidão
aplaude.
Todd e Simon escorregam e deslizam por todo o lugar,
lutando por uma fortaleza.
Não posso deixar de rir enquanto eles continuam a cair de
cara na lama, repetidamente.
— Isso é tão ridículo... — Percebo que Katie está torcendo as
mãos em uma pequena bola, observando ansiosamente, e paro de
falar. Talvez essa luta na lama seja mais séria do que eu pensava.
Uma grande alegria irrompe porque Todd conseguiu prender
Simon em uma chave de braço. Ele geme com o esforço de impedir
que o amigo se solte. Olivia conta.
— Um, dois, três, quatro, cinco!
Simon luta, mas não adianta. Todd o prendeu. Finalmente,
ele se submete, batendo na lama em desistência.
— Todd é o vencedor! — Oliva chama.
Todd solta Simon, que cai para a frente, de cara na lama. Seu
oponente derrotado, Todd levanta as mãos no ar enquanto a
multidão vai à loucura.
Olho para a direita, mas Katie não está mais lá. Ela está
descendo a colina.
Ela vai...? Minha boca se abre quando minha melhor amiga
pula direto na lama e entra no centro. Ela estende a mão e pega a
mão de Todd, entrelaçando seus dedos com os dele. Ele empurra
suas mãos para o ar.
A multidão aplaude novamente e eu não posso deixar de
sorrir. Essa coisa toda é ridícula, mas estou feliz por Katie.
Isso é tudo que ela sempre quis.
Suas mãos caem para os lados, mas permanecem
entrelaçadas.Sorridente, Todd leva Katie para fora.
A multidão começa a se dispersar e eu fico para trás para
observar um Simon exausto rastejar para fora da lama. Ele alcança
a grama e cai de costas.
Este fim de semana inteiro deveria ser um festival. Uma
celebração. Mas, assim como tudo na vida, você não pode ter um
vencedor sem perdedores. Katie e Todd venceram. Simon perdeu.
Oliva se senta ao lado de Simon, mas ela não diz nada. Ele
não reconhece a presença dela, apenas fica lá, respirando fundo e
ofegante.
Não consigo evitar que minha mente volte para aquela
clareira na floresta. Para aquele momento em que Jasper e eu
quase nós tocamos.
Eu sou um dos vencedores? E se eu sou, então por que não
sinto que ganhei?
Os cabelos da minha nuca se arrepiam.
Eu preciso falar com ele.
Assim que tenho esse pensamento, minhas pernas começam
a se mover de volta ao acampamento.
O local está mais tranquilo hoje. Todo mundo está ou
acoplado – andando de mãos dadas, aos beijos nos cantos – ou
deitados.
Eu entro no Alojamento do Alfa para encontrar Jasper quando
ouço algo.
Eu me viro e vejo Eleanor sentada no tapete no canto. Ela
está chorando. Seus pequenos soluços soando como soluços.
— Wow — eu digo. — Você está bem?
— Eu pareço bem? — ela pergunta, sua boca virando para
baixo nos cantos e seu rosto vitrificado com lágrimas.
— Na verdade, não. — Atravesso a sala e deslizo as costas
pela parede até me sentar ao lado dela.
— Você quer falar sobre isso? — pergunto, ciente de que
provavelmente sou a última pessoa com quem ela quer falar.
— Na verdade, não.
— Ok. Bem, tudo bem se eu sentar com você um pouco?
Eleanor olha para cima com uma sobrancelha franzida.
— Por que você está sendo legal?
— Você parece chateada — eu digo, cutucando-a
gentilmente. — Eu não sou um idiota completo.
— Você não entenderia de qualquer maneira.
— Me teste.
— Eu... eu corri... corri a noite toda e não consegui encontrá-
lo.
— Quem... ah. — A compreensão surge em mim. Eleanor
não encontrou seu companheiro. Ela estava tão animada, tinha toda
aquela estratégia planejada... para nada.
Cara, primeiro Simon e agora Eleanor! Quantas baixas a
Corrida de Acasalamento vai trazer?
— Você não encontrou seu companheiro, não é?
Ela balança a cabeça e continua soluçando.
— Ei, olha, não é tão ruim assim, vai ter outros festivais, né?
E quem sabe talvez você encontre alguém no mundo real.
— Você não entende — diz Eleanor. — Você não tem ideia
de como isso é importante para mim! Eu precisava disso!
Não sei mais o que dizer, então cuidadosamente coloco a
mão em seu joelho.
— Como posso ir para casa e dizer ao meu pai que não
encontrei ninguém? — ela pergunta mais para a sala vazia do que
para mim. — Minha família contava comigo.
Ela está preocupada com o que sua família vai pensar. Ela
está preocupada por tê-los decepcionado e, de repente, estou cheio
de raiva. Eu sei o quanto isso era importante para ela, e como os
companheiros são importantes para a nossa cultura, mas ninguém
deve se sentir um fracasso só porque o destino é uma cadela.
— Eles vão entender — eu digo.
Eleanor olha para mim como se eu tivesse acabado de matar
um cachorrinho.
— Não, eles não vão! — Ela se afasta da parede e se
levanta, virando-se para mim e apontando o dedo. — Você não
entende nada!
Meus ombros caem quando Eleanor sai do corredor. Eu
queria ajudá-la, mas acho que só piorei as coisas. Este festival está
causando estragos nas emoções das pessoas e não há nada que
alguém possa fazer. E tudo porque nossa sociedade trata encontrar
um parceiro como a coisa mais importante da galáxia.
A triste verdade é que eu entendo. Não tenho ideia de como
minha família vai reagir quando eu contar quem é meu
companheiro. Não tenho ideia se eles ficarão desapontados ou
mesmo enojados. Eu cerro meus punhos e os bato no tapete.
Todo esse maldito festival é injusto. Claro, algumas pessoas
podem sair sentindo-se vencedoras, mas para todos os outros, a
longa jornada para casa é cheia de vergonha e incerteza. Não está
certo. A coisa toda é apenas uma luta inútil na lama.
E eu nunca quis fazer parte disso.
Estou sendo ridículo. Devo parecer a Eleanor quando a
encontrei.
Então decido que não vou falar com Jasper. Na verdade,
agora eu quero esquecer tudo sobre ele e seus companheiros e
toda essa coisa estúpida!
Eu volto para o sol e marcho para minha cabana. Não sei o
que vou fazer quando chegar lá. Minha mãe não vem nos buscar até
amanhã e estamos tão longe da civilização que não posso
simplesmente pegar um ônibus. Tudo o que sei é que quero me
distrair de toda essa confusão.
Não quero pensar em companheiros e não quero pensar em
Jasper. Quero tirar essa cara de idiota da minha cabeça. Quero
esquecer seu cheiro inebriante e sua voz hipnótica. Ontem, ele era
basicamente minha pessoa menos favorita, então esquecê-lo não
deve ser muito difícil.
Lá fora, o sol está tão forte que preciso semicerrar os olhos.
O que significa que eu não percebo a pessoa dobrando a esquina
de uma cabana e esbarro nele.
Eu recuo como se estivesse prestes a cair, sentindo uma
sensação irritantemente forte de déjà vu.
— Cuidado — eu o ouço dizer.
Fantástico, porra!
Encontrei a pessoa exata de quem estava tentando fugir.
Jasper.
20
O gelo

— Ah, desculpe — Jasper diz, pânico crescendo em sua


expressão.
Eu esfrego minha cabeça e o observo. Meu corpo está
formigando em todos os lugares que acabamos de fazer contato –
meu braço esquerdo, minha testa, meu joelho, meu peito.
— Cara, você é péssimo em não esbarrar nas pessoas, hein?
— Eu pergunto.
Ao lado de Jasper estão Olivia e Aisha. Olivia está com uma
sobrancelha levantada de um jeito que diz “o-sujo-falando-do-mal-
lavado”, mas Aisha está me olhando com curiosidade. Eu a pego
olhando de um lado para o outro, entre mim e Jasper.
Estar tão perto de Jasper está fazendo minha cabeça
começar a nadar e eu sei que preciso sair daqui. Meus joelhos estão
fracos e minhas mãos estão desesperadas apenas para alcançá-lo
e tocá-lo.
Ele não diz mais nada. Na verdade, parece que ele pode
estar doente.
O mesmo velho Jasper.
Olho para Olivia e depois para Aisha. Talvez ele não queira
dizer nada na frente delas.
Claro, também não estou prestes a inundar meu Tiktok com
postagens proclamando que encontrei minha alma gêmea. Mas por
que ele tem que olhar para mim como se eu fosse um pedaço de um
animal atropelado?
— Tem algo no meu rosto? — Eu pergunto, impassível.
Aisha dá um passo à frente.
— Estávamos na sua cabana checando Simon.
Companheiros duplos — ela diz, erguendo as sobrancelhas.
— isso não acontece toda lua azul.
— Sim — eu digo, não quebrando o contato visual com
Jasper. — Muitas primeiras vezes este ano.
Estou tornando as coisas estranhas de propósito e não sinto
muito. Olivia parece completamente desinteressada, enquanto a
mandíbula de Jasper está tão tensa que ele poderia quebrar um
molar. Aisha está balançando na ponta dos pés, balançando a
cabeça.
— Bem, devemos voltar, certo Jasp? — Aisha diz, pegando-o
pelo cotovelo. — Há sempre um monte de papelada que o alfa
precisa depois de uma Corrida de Acasalamento.
— Claro — eu digo, mas não estou indo a lugar nenhum. Se
Jasper quer ficar em silêncio, se ele quer ignorar o fato de que
somos companheiros, isso é com ele.
— Jasp? — diz Aisha.
Eu mantenho meu olhar focado em seus olhos enquanto ele
lança seu olhar para o chão.
— Sim — diz ele, monótono como sempre. — Vamos lá.
Jasper e Olivia passam direto por mim e eu me viro para
Aisha. Minhas bochechas começam a tremer enquanto lágrimas
brotam de meus olhos. O que está acontecendo comigo?
Ela estende a mão e gentilmente segura meu pulso.
— Sente-se comigo no jantar, ok? — ela diz, baixinho.
Eu dou a ela um aceno lamentável.
Eu pisoteio o resto do caminho até minha cabana, engolindo
as lágrimas que não vou deixar cair.
Por que estou chateado? Eu decidi que não queria nada com
Jasper, ou acasalamento, ou este festival idiota. Então, por que
quando ele me ignorou, parecia que meu coração estava
encolhendo?
Dentro da cabana sou atingido por outra onda do cheiro de
Jasper. Eles disseram que acabaram de chegar.
Excelente! Reviro os olhos. Eu não posso nem ficar longe
dele em minha própria cabine.
Do outro lado da sala, Simon – recém-banhado e com roupas
limpas – está encolhido como uma bola em seu beliche, de frente
para a parede.
Estou tentado a fazer a mesma coisa, mas não quero dar
essa satisfação a Jasper. Só preciso de uma distração, só isso.
Pego meu fiel caderno de desenho e meus fones de ouvido e volto
para fora.

Passo o resto do dia à beira do lago desenhando, ouvindo


música e desejando que houvesse uma recepção melhor para que
eu pudesse pelo menos rolar a desgraça do Tiktok. Eu faço tudo o
que posso para tentar evitar que meus pensamentos voltem para
Jasper.
É muito difícil.
Toda vez que uma música romântica aparece na minha lista
de reprodução, eu a ignoro, mas descobri que há muitas músicas
sobre o amor. Toda vez que um pensamento ansioso entra em
minha cabeça, viro a página do meu caderno e começo um novo
esboço, mas rapidamente estou ficando sem páginas. Eu desenho
objetos chatos e nada românticos – uma pedra, um tufo de grama,
meu cadarço. No entanto, o que quer que eu faça, meus
pensamentos inevitavelmente voltam para ele.
O que ele está fazendo agora? Ele realmente tinha a
papelada que precisava fazer? Isso parece mentira. Será que
vamos descobrir tudo antes de irmos para casa amanhã?
Fico feliz quando o sol finalmente começa a mergulhar no
horizonte. É quase hora do jantar e Aisha me pediu para sentar com
ela. Pelo menos não terei que comer sozinho. E talvez, apenas
talvez eu possa falar com Jasper.
Por mais que eu odeie admitir, quero vê-lo novamente.
Mesmo que eu ainda esteja bravo. Talvez ele esteja tão confuso
quanto eu. Talvez ele esteja tão assustado quanto eu.
Além disso, minha família não é nada parecida com a de
Jasper. Eles são tranquilos. Sim, a ideia de dizer a eles que estou
acasalado com um cara é aterrorizante, mas no fundo tenho certeza
que eles ainda me amariam.
Pelo que ouvi do telefonema de Jasper com seu pai, não sei
se ele pode dizer o mesmo.
Então, dobro meu caderno de desenho e volto para minha
cabine para me trocar.

No refeitório, encontro Katie e Todd sentados à mesa de


sempre. Eles estão brincando de brigar e rindo. Acho que posso
morrer de sobrecarga quando Todd literalmente pega Katie e a
coloca em seu colo. Ela parece estar se divertindo, então estou feliz
por ela, mas ainda assim... totalmente, arranje um quarto.
Sentada na frente deles está Eleanor, curvada como uma
nuvem de tristeza. Simon está longe de ser visto.
Eu penso em ir, mas então vejo Aisha. Ela acena para que eu
me junte a ela.
Ainda é cedo e o refeitório está apenas começando a encher.
Aisha está sozinha na mesa do alfa.
— Ei, baby — diz ela quando eu me jogo no assento ao lado
dela.
— Oi.
— Grande fim de semana. — Não tenho certeza se é uma
pergunta ou um comentário.
— Para alguns — eu bufo.
As cadeiras ao nosso redor começam a se encher e continuo
olhando para a porta por onde Jasper costuma entrar.
— Então — diz ela. — Como foi sua primeira Corrida de
Acasalamento?
Eu rio um pouco.
— Essa é a grande questão, não é?
Nas mesas ao redor do salão, os casais se apertam ombro a
ombro.
— Você está desapontado? — ela diz, virando-se na cadeira
e baixando o olhar. Jasper disse algo para ela? Se ele fosse contar
a alguém, seria Aisha. Inferno, estou tão perto de derramar minhas
entranhas para ela eu mesmo.
Paro e penso na pergunta.
— Não — eu digo e ela sorri um pouco. Estou meio chocado
com minhas próprias palavras, mas elas são verdadeiras. Não estou
desapontado e não posso mantê-lo por mais tempo.
— A verdade é... — Aí vem minha coragem. — Eu não
esperava muito desse festival. Principalmente, eu só queria passar
por isso. E não, as coisas não saíram do jeito que eu esperava, mas
há uma bola de eletricidade crepitante no centro do meu peito que
não estava lá antes e parece... é legal.
O sorriso de Aisha se alarga quando pequenas poças de
lágrimas aparecem ao longo de sua pálpebra inferior. Ela pega
minha mão com as dela. Eles são mais quentes do que eu
esperava.
— Ah, querido — diz ela. — Só para constar, acho que
qualquer lobo teria sorte de ter você como companheiro. Eu quero
que você saiba disso, ok? Quero que se lembre de como você é
especial, Max.
— Você não precisa dizer isso... eu...
Olho por cima do ombro de Aisha. As pessoas começaram a
comer, mas não devemos começar até que Jasper esteja aqui. A
dois talheres de distância, sua cadeira está vazia.
— Ele não vem, não é?
Pela pena em seus olhos, posso dizer que Aisha sabe o que
está acontecendo. Ela sabia antes mesmo de eu me sentar que
Jasper não apareceria. E ela sabe o que isso significa para mim.
— Aquele idiota — eu digo, me afastando da mesa.
— Max! — ela chama, mas eu não me viro. — Há mais do
que você imagina!
Talvez eu devesse ouvi-la, mas estou com muita raiva. Meu
corpo está vibrando novamente, só que desta vez não é o vínculo
de companheiro, é a fúria cega.
Não acredito que ele é covarde demais para aparecer.
E eu pensei que era eu quem não se importava com toda
essa besteira de acasalamento.
Ele não é apenas indiferente, ele é baixo, um verme – um
pequeno verme frio, insensível e escorregadio.
Saio do refeitório e sou imediatamente abordada pelo brilho
da lua.
Todo o poder que ela tinha nas últimas noites desapareceu.
Agora ela parece má, como uma promessa vazia. Uma mentira
grande, cafona e com cara de cratera.
É muito.
Eu preciso me afastar disso. Então eu me viro e corro. Corro
para a floresta, querendo me perder na escuridão.
Meu plano é apenas correr até não sentir mais a presença da
lua. Mas rapidamente percebo que estou escolhendo meu caminho
com propósito. Eu sei para onde estou indo.
Eu não estou tentando escapar.
Eu não estou fugindo.
Estou marchando em direção ao meu destino. Para Jasper.
Quero enfrentá-lo, quero dizer a ele o quão covarde ele é. E
tenho um pressentimento de que sei onde posso encontrá-lo.
É fácil encontrar este lugar agora, como uma segunda
natureza. Saio para a clareira, nossa clareira, e não fico surpresa ao
ver que ele já está aqui.
Jasper está sentado no topo de sua rocha, pernas cruzadas,
olhos fechados, palmas voltadas para o céu.
Eu passo para o luar e deixo-o lavar meu rosto. Eu pensei
que estava vindo aqui para dar a ele um pedaço de minha opinião.
Eu queria chamá-lo de assustado e patético. Eu queria dizer a ele
que não me importava se éramos companheiros. Que eu não
gostaria de ser acasalado com alguém como ele de qualquer
maneira. Mas no segundo em que o vejo, todos esses pensamentos
desaparecem como se eu nunca os tivesse pensado.
Eu quero que ele fale comigo, mas estou com medo do que
ele vai dizer.
Eu o encaro, meus lábios tremendo, sem saber como
começar.
Jasper nem abre os olhos. Ele abre os lábios perfeitos e fala.
— Você não deveria ter vindo aqui.
21
Muito raramente

— Você não deveria ter vindo aqui — Jasper diz. Suas palavras
são uma adaga de gelo sendo cravada em meu coração.
Uma brisa fria sopra pela clareira.
— Por que não? — Eu tento evitar que minha voz trema
muito.
Ele nem responde.
— É esse o plano? Apenas me ignorar para sempre?
Suas sobrancelhas se arqueiam e um vinco aparece no
centro de sua testa.
— Eu não estou te ignorando… — Sua voz é monótona e
áspera, ele fala como se estivesse falando sozinho.
— Então como você chama isso? Se esconder na floresta,
sem vir jantar na última noite do acampamento?
— Eu vim aqui para meditar...
— Para fugir de mim!
As palavras saem de mim como se tivessem vontade própria.
Não quero parecer histérico na frente dele, mas não consigo evitar.
A lua é uma presença fantasmagórica gigante na clareira e,
claramente, ela ainda está aumentando minhas emoções.
Finalmente, Jasper me olha nos olhos e sinto um raio, como
um choque estático, passar entre nós.
— Max, o que você acha que vai acontecer aqui, você está
errado.
Jasper descruza as pernas e pula da pedra graciosamente.
— Você não pode simplesmente fingir que nada acontece —
eu digo.
— Eu posso — diz ele com os dentes cerrados. — Porque eu
preciso.
Jasper dá um passo como se fosse sair, mas não vai muito
longe.
— Besteira!
Ele para e eu quero me aproximar – eu quero pegar sua mão.
Quero virá-lo de frente para mim e segurar seu rosto bonito e
anguloso entre as palmas das mãos, mas estou com muito medo.
Com medo de que seja o que for, já acabou antes de começar.
— Olha, eu nunca quis vir a este festival estúpido. Eu pensei
que companheiros eram uma grande piada idiota. Um conto de
fadas que todo mundo inventou para se sentir melhor! Mas ontem à
noite, quando éramos lobos, algo aconteceu e eu sabia... eu sabia...
— O que? — ele murmura quando não consigo terminar
minha frase.
— Eu sabia que era real. É tudo real!
Jasper não se move. Ele tensiona o maxilar e cerra os
punhos.
Por que ele não me olha nos olhos?
— O que aconteceu ontem à noite não deveria ter acontecido
— diz ele. — Foi apenas um truque estranho da lua. Isso não
significa que há algo entre nós.
Ele engole.
— Isso não significa que somos companheiros.
Com cada palavra, ele soa cada vez mais enojado, como se
o pensamento de ser meu companheiro fosse repugnante para ele.
— Isso não significa que outra coisa vai acontecer agora e
definitivamente não significa que eu tenho que ouvir você.
Jasper finalmente olha para mim. Seus olhos são negros
como obsidiana, como galáxias sem estrelas, frios e vazios.
— Isso não significa nada.
Meu estômago se contorce e eu me curvo, como se tivesse
levado um soco. Eu envolvo meus braços em volta de mim,
segurando minha barriga dolorida.
Eu balanço minha cabeça. Meus lábios se movem, mas
nenhum som sai.
A lua pesa sobre meus ombros, como uma daquelas
máquinas que esmagam carros.
— Não, não…
O olhar vago de Jasper suaviza e por um segundo eu me
pergunto se ele pode até mesmo se aproximar de mim, pode até
tentar me confortar, me abraçar, qualquer coisa... Mas ele não se
move.
— Sim, Max — ele diz, a finalidade batendo em suas
palavras como terra jogada em um caixão.
Eu pressiono meus lábios e de repente sinto minha raiva
retornar.
Quem esse idiota pensa que é!?
Eu não sou uma criança que ele pode convencer a acreditar
que não há nada acontecendo. Também sou uma pessoa nisto e
estive aqui nesta clareira ontem à noite.
Eu sei o que senti – o que sinto.
— Eu sei que você sente isso também! — eu grito. — Você
pode fingir o quanto quiser. Você pode ser um idiota, você é muito
bom nisso. Mas eu sei o que você está sentindo.
— Como você pode saber o que estou sentindo?! — Jasper
ruge, girando para me encarar de frente.
Seu peito está arfando. Cada músculo de seu corpo está
tenso, as veias saltam de seus braços e testa.
— Você não tem ideia de como é a minha vida — diz ele. —
Não faço ideia do que eu passei! Eu sou o próximo alfa deste bando
e você é um garoto dos subúrbios. Como você poderia saber
alguma coisa sobre o que estou sentindo?!
Estou com medo que a cabeça de Jasper esteja prestes a
explodir, mas mesmo assim, mantenho a calma. De alguma forma,
sua raiva minou toda a minha. Não me sinto mais assustado, triste
ou solitário... me sinto confiante.
Eu dou um passo à frente.
— Eu sei o que você está sentindo porque eu também estou
sentindo.
Ele não diz nada, então dou mais um passo.
— Senti ontem à noite. Tenho sentido isso desde que nos
conhecemos naquele dia na cidade.
Outro passo.
— Esse sentimento é grande demais para ser ignorado. Não
podemos simplesmente fingir que não existe.
— Não existe — ele sibila. Eu congelo no meio do passo.
Quando ele não foge, eu cuidadosamente coloco meu pé no chão.
— Ele existe — eu digo. — Eu sei que não faz sentido e, para
ser sincero, provavelmente também não teria escolhido você, mas,
Jasper, você é meu...
— Não diga isso.
— Você é…
— Não…
— Você é meu companheiro.
Meu pé bate no chão quando a boca de Jasper se abre,
deixando escapar um rugido agudo e irregular.
Presas brotam de suas gengivas. Seu focinho se alonga e
seus olhos se afastam. Pelo preto como breu se espalha por seu
rosto. Seus ombros curvados e seus ossos parecem prestes a
explodir em sua pele.
Suas pernas estalam para trás, com um estalo de arrepiar a
espinha, e ele cai para a frente sobre as patas.
Suas roupas caras explodem em pedaços quando seus
músculos incham.
Leva menos de alguns segundos para Jasper mudar
completamente para sua forma de lobo.
Eu fico congelado.
Jasper rosna, estala as mandíbulas uma vez e então gira,
disparando para a floresta.
Ele está fugindo!
Eu não posso deixá-lo. Se eu posso enfrentar a verdade
sobre nós, ele também pode.
Eu sei que não vou pegá-lo se eu não for agora, então, sem
tirar minhas roupas, eu me mexo, rasgando o tecido do meu jeans e
rasgando meu moletom favorito.
Eu caio com um baque e sacudo meu pelo, antes de pular em
sua direção.
Seu cheiro é como uma trilha de migalhas de pão tentadoras
– visíveis aos meus olhos de lobo. Eu sigo a trilha bioluminescente
que me leva até ele.
Posso sentir sua determinação de me ultrapassar, o que só
me faz correr mais rápido.
Então, de repente, o caminho se foi.
Deslizo até parar na beira de uma poça de água escura.
Jasper está longe de ser visto, a trilha esfriou.
À minha frente, uma cachoeira escorre pela lateral do
penhasco. A água cristalina, como diamantes caindo, bate no cume
e cai na piscina.
Por um segundo, estou distraído com o quão estupidamente
lindo é, muito preso para notar Jasper me perseguindo.
Eu me viro com tempo suficiente para me preparar enquanto
ele avança, me derrubando de costas. Chuto freneticamente e tento
me endireitar.
No segundo em que estou de pé, Jasper avança novamente,
mas desta vez estou pronto. Eu golpeio com uma pata e o empurro
para o lado.
Mesmo no calor do momento, estou meio surpreso por ter
conseguido acertar um golpe no filho do alfa.
Mas minha comemoração dura pouco. Jasper corre para mim
novamente, batendo com o ombro contra o meu lado e me fazendo
voar.
Eu resmungo quando bato na terra e rolo de costas. Jasper
cai em cima de mim, me jogando no chão.
Eu deito indefeso debaixo dele.
Com medo de que ele tenha perdido o controle
completamente, faço a única coisa que consigo pensar... volto para
a forma humana.
Ele não vai arrancar minha jugular se eu estiver em forma
humana, certo?!
Eu estremeço e gemo quando meus músculos encolhem e de
repente o peso maciço do lobo de Jasper está me esmagando.
Para meu alívio, Jasper também muda. Ele retorna à forma
humana, mas ainda está em cima de mim.
Seus olhos são verde-floresta mais uma vez, seu cabelo
preto cai sobre a testa. Nossos rostos estão a apenas alguns
centímetros de distância e noto pela primeira vez as sardas pálidas
salpicando a ponte de seu nariz.
Ele está tremendo e não consegue recuperar o fôlego.
Eu tremo quando o frio do chão se infiltra em meu corpo. De
repente, estou extremamente consciente de que estou nu e Jasper
também.
Mas não consigo me mover, tudo o que posso fazer é esperar
para ver qual será o próximo movimento dele.
Estou com medo de tê-lo irritado, de tê-lo levado longe
demais. Talvez eu não devesse ter cutucado tanto quanto fiz, mas
tive que... tive que dizer a ele como me sinto, mesmo que isso
signifique que ele está prestes a me dar um soco na cara.
Ele se move e eu recuo.
Antes que ele me dê uma cabeçada, eu tenho que fazer
alguma coisa...
— Jasper, eu sinto...
Jasper pressiona seus lábios contra os meus.
Seu beijo é forte – raivoso. Eu posso sentir o cabelo na parte
de trás da minha cabeça sendo amassado no solo.
Mas eu não me importo. Meu corpo está formigando
completamente e não é do frio.
Estou flutuando e caindo ao mesmo tempo. Balançando em
um mar de arco-íris iridescente. Fluxos de cores estão passando
rapidamente – purpurina e faíscas.
Separo meus lábios e o beijo de volta.
Ele tem gosto de refrigerante de cereja.
Estendo a mão e coloco a mão na parte de trás de sua
cabeça. Sinto a protuberância em seu crânio onde encontra sua
coluna e penso em como isso é estranhamente íntimo.
Meus dedos cavam em seu cabelo macio e brilhante.
Nossos rostos estão pressionados juntos, nossos narizes
achatados contra as bochechas um do outro.
Bem quando estou começando a pensar que posso desmaiar
se não parar para respirar, Jasper se afasta.
— Pronto — diz ele amargamente. — É isso que você
queria?
Jasper se levanta sem dizer mais nada e entra na floresta.
Ele se foi em um instante.
Eu deito no chão, frio, sozinho... e nu.
22
Indo para casa, sozinho

— Ele não vem para o café da manhã, vem? — Eu pergunto.


Estou encostado na porta do refeitório, sem saber se quero entrar.
Não tenho certeza se eu poderia comer alguma coisa se
tentasse.
Aisha deixou sua tigela de frutas pela metade para vir falar
comigo.
Não sei o que é mais embaraçoso, ter que voltar nu para
minha cabana ontem à noite ou o olhar de pena no rosto de Aisha
agora.
— Ele saiu cedo esta manhã. Antes do nascer do sol.
— Claro — eu bufo.
— Se serve de consolo, ele também não se despediu de
mim. Ele acabou de me deixar um bilhete dizendo que precisava
voltar para se encontrar com o pai.
Reviro os olhos.
— Uau, um bilhete. Isso é gentil.
— Olha, Max. Eu sei que as coisas não saíram do jeito que
você queria...
— Eu nem queria estar aqui!
— Eu sei.
— Não é justo. Todo esse festival estúpido é uma bagunça.
— Estou agindo como uma criança que ouviu que não pode tomar
sorvete, então fico surpresa quando Aisha estende a mão e pega a
minha.
— Você está certo — diz ela. — Não é justo. E, só para
constar, não estou orgulhosa de como meu amigo está se
comportando.
Há uma nitidez em sua voz que eu nunca ouvi antes.
— E eu sei que você não pediu nada disso. Então consigo
entender.
Suspiro e esfrego meu tênis na parte de trás da minha perna.
— Mas estou feliz que você veio ao festival. Mesmo que você
não esteja.
— Por que? — Eu pergunto, finalmente olhando-a nos olhos.
— Porque se você não tivesse vindo, eu não teria conhecido
você. Você é um cara legal, Maximilian. Estou feliz por termos nos
conhecido.
Uma pequena mancha de calor, do tamanho de uma moeda,
começa a derreter meu coração congelado.
Aisha enfia a mão no bolso de trás e tira um pedaço de papel
dobrado.
— Aqui — diz ela. — Eu não sou o filho do alfa, então este
pode não ser o número de telefone que você estava esperando.
Mas se você quiser ficar na cidade, é só me mandar uma
mensagem.
Pego o papel, sentindo sua maciez entre meus dedos, e
sorrio.
— Obrigado, Aisha, estou feliz por termos nos conhecido
também.
Ela dá um passo para trás, levanta uma sobrancelha e franze
os lábios como se estivesse me avaliando.
— Você vai ficar bem — diz ela. — Você é um garoto durão.
Eu deixo cair meus ombros e expiro.
— Muito durão, só não me coloque perto de uma aranha.
— Definitivamente não — diz ela secamente, balançando a
cabeça. — Ei, que horas são?
Eu pego meu telefone.
— Quase 9.
— Minha carona provavelmente está esperando — diz ela.
— Você já vai? — Eu pergunto.
— Desculpe, cara. Sei que as pessoas gostam de ficar por
aqui, mas tenho que chegar em casa e resolver minha vida. Volto ao
ensaio amanhã. E a Katie? Onde ela está?
— Acho que ela já tem planos. — Ela e Todd provavelmente
estão em algum lugar trocando alianças.
Aisha aperta meu braço.
— Mantenha o queixo erguido, ok.
— Eu vou — eu digo, não tão convincente.
— Prometa — diz ela.
— Eu prometo.
— Bom. — Aisha gira para partir, mas olha para trás por cima
do ombro.
— Ei, Max. Ele não sabe o que está perdendo.
Ela acena mais uma vez e sai. Fico parado na porta, de
braços cruzados, esperando que o resto do dia passe rápido.

Depois de conseguir comer uma fatia inteira de bacon, volto


para minha cabana, ignorando as despedidas chorosas e os
abraços demorados que acontecem ao meu redor.
Andar pelo acampamento é como passear pela escola no
último dia de aula.
O Elite Coast Pack é essencialmente do mesmo tamanho de
Nova York, tão... grande. O que significa que muitos dos novos
casais aqui terão que descobrir como namorar a distância por um
tempo.
Para onde quer que eu olhe, alguém está chorando enquanto
trocam números de telefone ou agarram seu novo companheiro
como se o mundo estivesse acabando.
Pelo menos eu não tenho que passar por tudo isso.
Um dia atrás eu não teria ficado surpreso ao ver Eleanor
implorando para que as pessoas assinassem seu anuário. Mas ela
está longe de ser vista. Acho que não encontrar seu companheiro é
um verdadeiro assassino do espírito escolar.
Procuro no bolso o pedaço de papel com o número do celular
de Aisha. A única coisa boa para sair deste festival.
Uma vez que estou de volta dentro da minha cabine, fico
chocado quando Simon me puxa para um grande abraço de irmão.
— Foi um prazer, cara! — ele diz, bagunçando meu cabelo e
agindo como se não fosse o morto-vivo ontem. Ele é francamente
alegre. Talvez ele esteja tão feliz quanto eu por deixar esta fazenda
de mosquitos. Ou talvez seja mais fácil superar a perda de sua
companheira do que eu pensava. Eu só posso esperar!
Eu levo meu tempo fazendo as malas e vou até o lago mais
uma vez antes de finalmente chegar a hora de ir. Apesar de não
querer estar aqui, tenho que admitir que essa vista é tudo.
Finalmente meu telefone apita. É a mamãe me dizendo que
ela está esperando no estacionamento.
Eu coloco minha bolsa por cima do ombro e caminho pelas
cabines, de olho em Katie. Não a vi a manhã toda, mas prometi à
mãe dela que a levaríamos de volta, então preciso encontrá-la.
Quando passo por sua cabine, passo por um casal se
beijando contra a parede e dou uma olhada dupla.
Kate!
Todd tem minha melhor amiga pressionada contra as vigas
de madeira e está explorando seus molares com a língua.
Tusso o mais alto que posso para chamar sua atenção. Uma
vez, duas vezes e finalmente, na minha terceira tosse, ela se afasta
dos lábios sugadores de polvo de Todd. Sua boca está tão vermelha
que parece que ela borrou o rosto com batom.
— Mamãe está aqui — eu digo — Vou dar a vocês um
segundo para dizer adeus.
Eu viro as costas para dar a eles um pouco de privacidade e
quero tapar meus ouvidos com algodão para o fluxo de nomes fofos
de animais de estimação que se seguem.
— Eu vou sentir tanto sua falta, ursinho idiota — Katie
murmura.
— Eu vou sentir sua falta, ainda mais, princesa. Me ligue
assim que chegar em casa.
Os apelidos fofos param, substituídos pelos sons molhados e
estaladiços ainda mais enfadonhos de amassos. Eu espero o
máximo que posso.
— Mamãe diz que vai embora sem nós se não formos agora
— eu digo, girando e pegando a mão de Katie. — Prazer em
conhecê-lo, Todd.
Eu literalmente tenho que puxar Katie para longe de seus
dedos.
— Vou te mandar uma mensagem quando chegar no carro!
— Katie grita de volta.
Quando estamos um pouco distantes do acampamento e
Katie parou de se virar para olhar para trás, eu cutuco seu lado.
— Você está feliz, então? — Eu pergunto.
— Ah, Max — diz ela. — Eu gostaria que você tivesse
encontrado sua companheira para que você pudesse saber como é.
Katie encosta a cabeça no meu ombro e suspira satisfeita.
— Sim — eu digo —, eu também.
Enquanto subíamos a colina, avistei minha mãe à distância e
revirei os olhos quando ela começou a acenar freneticamente.
— Alguém parece feliz — diz ela, levantando os olhos para o
estado de Katie.
— Ah, Sra. Remus. Deve ser assim que você se sentiu
quando conheceu o Sr. Remus. Não é maravilhoso?
Honestamente, eu não ficaria surpreso se alguém pensasse
que ela estava completamente bêbada. Acho que é isso que
Beyonce quis dizer com “bêbada de amor”.
— É incrivelmente especial — diz mamãe, enquanto Katie
desliza para o banco de trás. — Eu não me lembro de meu rosto
parecer assim.
Não consigo deixar de rir da piada da minha mãe. Mesmo
agora que eles pararam de se beijar, Katie parece que está com o
rosto plantado em uma tigela de cobertura de morango.
— Então Katie encontrou seu companheiro — mamãe diz,
levantando as sobrancelhas em minha direção.
— Ahã.
— E você?
— Podemos apenas ir? — Eu digo, colocando minha bolsa
no porta-malas e fechando-a com força.
— Claro — mamãe diz, olhando para mim de lado.
Eu não menti exatamente, mas não estou prestes a sair e
dizer “Ah sim, eu encontrei meu companheiro e ele vai ser nosso
próximo alfa, mas ele me odeia, e eu mencionei que ele é um cara!”
Ainda assim, não gosto do jeito que mamãe está olhando
para mim, como se pudesse dizer que há algo que não estou
dizendo.
— O que?!?
— Nada — diz ela, erguendo as mãos inocentemente. —
Pelo menos você se divertiu?
— Foi um verdadeiro uivo.
Entro no carro e fecho a porta.
Mamãe vira a chave, acelerando o motor, e meu estômago
parece que está preso na correia do ventilador. Saímos de onde
estamos estacionados e começamos a dirigir de volta pelo caminho
em direção à rodovia.
Eu me viro em meu assento e olho para o acampamento. Já
está fora de vista, escondido atrás da colina.
Eu sinto que esqueci algo. Ou deixei algo importante na
minha cabine.
Uma última olhada, então me forço a me virar, me concentro
na estrada à minha frente.
Não adianta olhar para trás agora. Eu participei do Festival da
Lua Azul e foi tudo e nada como eu pensei que seria.
Suspiro de alívio quando entramos na rodovia e ganhamos
velocidade. Finalmente acabou.
Eu nunca quis ir e mal me diverti o tempo todo que estivemos
lá e agora acabou.
Então, por que não me sinto feliz?
Por que sinto que estou saindo da festa mais cedo?
Estendo a mão e esfrego meu ombro onde o renegado me
mordeu. A ferida cicatrizou totalmente. As cicatrizes são apenas
pontos brancos contra a minha pele cor de pêssego. Mas eu sinto
como se ele ainda estivesse me mordendo, suas presas cavando
profundamente em minha carne, segurando-se para salvar minha
vida.
E continuo esperando que alguém, meu alguém, venha me
salvar.
Conforme os sinais de trânsito passam, percebo que ele
nunca viria me salvar. E isso não importa agora.
Vou para casa, de volta à minha vida de antes. Antes do
festival e antes dele...
23
Não consigo tirar você da cabeça

— Você não deveria ter vindo aqui — diz Jasper. As estrelas são
refletidas em seus olhos negros.
As sombras da floresta pairam grandes sobre a clareira.
Meu corpo está tremendo. Meus dedos dos pés estão
cavando a grama.
Onde estão meus sapatos?
O aroma das flores de cerejeira flutua na brisa.
— Por quê?! — Grito, mas sei que ele não vai me dizer.
— Por quê?! — Grito novamente, como gritei ontem à noite e
anteontem.
Lágrimas transbordam e caem, congelando no ar e se
perdendo na grama.
— Você não pertence aqui — diz Jasper. Ele abaixa a
cabeça, com o rosto na sombra.
Eu tento alcançá-lo, mas ele está longe demais para tocar.
Tento caminhar até ele, mas quanto mais rápido eu ando,
mais distante me torno.
— Jasper!
— Vá para casa, Max.
Ele está rangendo os dentes tão forte que consigo ouvir.
— Vá para casa.
— Não! Eu vim falar com você. Porque somos companheiros.
Porque a lua disse que eu deveria.
— Que lua? — ele pergunta, sorrindo e apontando para cima.
Eu olho para cima e não há lua no céu. Apenas estrelas e
escuridão.
— Isso não é possível!
— Nós não pertencemos juntos, Max. Nunca poderíamos
pertencer juntos.
— Pare — eu digo, começando a soluçar. — Por favor, pare.
— Eu nunca poderia te querer.
Eu grito de dor, segurando meu ombro onde o renegado me
mordeu. É como se estivesse sendo mordido de novo por todo o
corpo. Eu retiro a mão e olho para o sangue pingando dos meus
dedos.
— Por que você está fazendo isso?!
— Porque você não pertence aqui...

∆∆∆

Eu arquejo e meus olhos se abrem rapidamente. Eu jogo as


cobertas para trás na tentativa de refrescar minha pele quente e
suada, respirando fundo para tentar me acalmar.
Leva um segundo até que meu coração pare de bater
acelerado.
De novo? penso, bufando e jogando minha cabeça de volta
no travesseiro.
— Todos os malditos dias — resmungo para o teto.
Já se passaram quatro semanas desde o festival e todas as
noites eu tenho o mesmo sonho. Jasper, a clareira, a mordida do
renegado. Tudo isso, se repetindo, por quatro semanas.
Por que eu não consigo simplesmente esquecer?
Tenho me esforçado ao máximo para tirar Jasper da minha
mente. Embora não tenha sido uma tarefa fácil.
Comprei um novo caderno de desenhos, mas ele ainda está
vazio na minha mesa, junto com o resto das bugigangas que jogo lá.
Pensei em desenhar. Mas sempre que tento começar algo
novo, nada vem, nenhuma inspiração. Apenas imagens dele.
Katie tem estado ocupada com o novo companheiro dela,
então não temos saído muito juntos.
E a Netflix simplesmente não tem o mesmo impacto.
Mesmo assim, consigo passar os dias. As férias de verão
estão quase acabando, então tenho me organizado para voltar à
escola.
Escolhendo as aulas e comprando material escolar.
Tenho me interessado bastante por misturar cereais de café
da manhã, tentando encontrar a combinação perfeita.
Alguns dias, nem penso nele – não de verdade.
Mas então a noite chega e estou de volta naquela maldita
clareira.
E lá está ele...
Não consigo escapar dele. Ele é como um ninja dos sonhos,
sempre se esgueirando nas profundezas obscuras do meu
subconsciente até eu estar dormindo, e então, boom! Ele ataca.
Tateio a mesa ao lado da minha cama procurando pelo meu
celular e acabo derrubando um copo de água meio cheio no
processo.
— Droga. — Me sento e olho ao redor, mas não consigo ver
meu celular em lugar nenhum. Pego a calça jeans que estava
usando ontem, jogada num monte no chão, enfio a mão nos bolsos
e encontro meu celular.
Franzo os olhos para ver as horas e resmungo – ainda não
são nem 4. Deito de volta no meu colchão rangente e algo chama
minha atenção. Um pedaço de papel saindo do bolso da minha
calça.
Estico-me para pegá-lo e o abro. É o número da Aisha.
Eu quase tinha me esquecido que ela me deu. Não me
orgulho de dizer que ignorei desde que cheguei em casa. Não
porque eu não queira ser amigo dela. Mas porque eu sei que a ver
seria apenas mais uma lembrança dele.
Olhando para o número na escuridão, começo a pensar se
uma lembrança é exatamente o que eu preciso.
Não contei a ninguém sobre o que aconteceu durante a
Corrida de Acasalamento, então, pelo que eu sei, a Aisha é a única
pessoa que sabe a verdade.
Talvez, se eu apenas puder falar sobre isso, eu possa parar
de ficar remoendo. Parar de me agarrar a isso.
Mesmo que ainda não esteja claro, começo a digitar uma
mensagem.
— Estou feliz que você tenha me mandado uma mensagem
— diz Aisha, estendendo seu frappuccino para encostar no meu. —
Mesmo que você tenha me acordado.
Estamos sentadas no Bryant Park, bem próximo à Biblioteca
Pública, onde nos encontramos. A grama está salpicada de
trabalhadores de escritório, devorando saladas durante a pausa
para o almoço, e grupos de turistas tirando selfies.
— Sim, desculpe por isso. — Eu esfrego a parte de trás do
meu pescoço. — A coisa é, eu achei que tinha perdido o seu
número e o encontrei esta manhã e acho que me empolguei.
— Por que você estava procurando às quatro da manhã? —
ela pergunta, sorrindo.
— Eu estava... limpando!
— Limpando? Às quatro da manhã?
— Eu sou madrugador.
Dou um gole no meu canudo, esperando que ela tenha
acreditado na minha mentira.
— Certo... — Ela definitivamente não acreditou. — Então,
como você tem estado, cara? Sinceramente.
Eu suspiro e arranco um tufo de grama do solo, depois o
lanço ao vento.
— Max — Aisha diz, chamando minha atenção de volta para
ela. — No que você está pensando?
Respiro fundo e mexo no cadarço do meu tênis.
— Acho que estou apenas com raiva. Estou com raiva porque
somos lobos e temos que ir para aquele estúpido festival e temos
que ter companheiros.
Respiro fundo, engulo e continuo.
— E estou com raiva do destino ou dos Deuses Lunares ou
de quem quer que seja por fazer isso comigo, e estou com raiva
porque não tenho ninguém com quem possa falar sobre tudo isso.
Estou começando a ficar agitado e minha garganta está se
apertando como se eu estivesse prestes a chorar.
— Na maior parte, estou apenas com raiva de mim mesmo.
Aisha estende a mão e envolve uma mão em torno do meu
tornozelo.
— Por que você está com raiva de si mesmo? Nada disso é
culpa sua.
— Porque eu sempre tive tanta certeza de que eu não era
como os outros lobos. Eu era diferente. Mas agora estou tão doente
por um companheiro quanto todos os outros. A única reviravolta
cruel é que meu companheiro não quer nada comigo.
Eu limpo uma única lágrima da minha bochecha com as
costas da minha mão.
Aisha fica em silêncio por um segundo, apenas pensando.
— Você deveria estar com raiva — ela diz, finalmente. — Mas
não deveria estar com raiva de si mesma por ter sentimentos que
são completamente naturais. A única pessoa com quem você
deveria estar com raiva é o Jasper. Eu sei que eu estou.
Minha boca se abre. Eu nunca pensei que Aisha seria tão
abertamente hostil em relação a ele. Ela está realmente irritada, o
que me faz rir.
— Eu sei que ele está passando por muitas coisas e sei que
o pai dele está sempre em cima dele sobre coisas. Mas isso não é
desculpa para agir assim — ela continua. — Não quando só pode
causar dor para você e para ele.
— Você acha que ele também está sofrendo?
— Não posso dizer com certeza. Ele também não falou
comigo desde o festival.
— Ah, desculpe. — Eu me sinto meio culpado, como se eu
tivesse algo a ver com o Jasper ignorando a Aisha.
Ela dá de ombros. — Eu o conheço bastante bem e sei que
quando ele está passando por algo, o primeiro instinto dele não é
buscar apoio. Então, é assim que eu sei que ele está sofrendo,
porque se não estivesse... eu teria ouvido falar dele. Diferente de
você, ele não quer falar sobre isso.
— Aisha, eu nunca quis...
— Não tem problema, cara. Eu sei que ele vai buscar contato
quando estiver pronto, não se preocupe.
— Como você consegue ser tão tranquila em relação a isso?
— Ah, eu ainda vou ficar com raiva — ela diz, inclinando a
cabeça com um ar de superioridade. — Ele vai ter problemas
quando finalmente responder às minhas mensagens, não se
preocupe.
Eu rio e sorrio pela primeira vez em mais de um mês. Mas
essa sensação leve dura apenas um segundo.
— E ei — diz Aisha. — Eu te dei meu número por um motivo.
Se você precisar conversar com alguém, estou aqui, e este... — ela
mexe os dedos como se estivesse fazendo um feitiço — é um lugar
de aceitação.
Eu rio novamente.
— Obrigada — digo.
— Se não é a loba mais sexy desde a Shakira! — Olho para
cima para ver quem nos interrompeu e vejo um cara de cabeça
raspada e um sorriso largo caminhando em nossa direção.
— Ei, querida — ele diz, sentando ao nosso lado e beijando
Aisha na bochecha.
— Ei, amor — responde Aisha antes de notar minha
expressão perplexa. — Max, esse é meu namorado, Troy.
— Prazer em conhecê-lo, cara!
Troy estende a mão, sorrindo de orelha a orelha. Não consigo
deixar de sorrir de volta enquanto aperto sua mão com tanta força
que acho que meu pulso pode quebrar.
— Sobre o que vocês dois estão conversando? É assunto
secreto de lobos?
Minha boca se abre. Quando Aisha me disse que tinha um
namorado humano, nunca imaginei que ela teria contado a ele a
verdade sobre o que ela é.
— Não, estávamos apenas reclamando de pessoas sem
educação — pisca o olho para mim.
— Algumas pessoas — Troy diz, balançando a cabeça
vigorosamente, concordando conosco mesmo sem ter ideia do que
estávamos realmente falando.
— Como foi a aula? — pergunta Aisha.
— Cara, foi incrível. Nosso professor é muito inteligente e
estava nos falando sobre comunicação intercelular.
— Nossa — diz Aisha, sorrindo e revirando os olhos.
— Pense nisso! Todas as nossas células estão se
comunicando umas com as outras.
Eu abro meus olhos e concordo com a cabeça, mas na
verdade não faço ideia do que Troy está falando.
— Eu só consigo imaginar como seriam suas células —
continua ele. — Tipo, suas células humanas conversam com suas
células de lobo? Como elas se comunicam? Isso é incrível!
Aisha ri e balança a cabeça antes de encolher os ombros
para mim.
— Cara, estou morrendo de fome. Você está com fome,
amor? — pergunta Troy para Aisha.
— Eu poderia comer — ela responde. — Max, você quer ir
até a nossa casa por um tempo?
— Sim, se estiver tudo bem.
— Claro, cara! — Troy diz, levantando-se empolgado. — É
incrível!
Pegamos o metrô mais próximo e seguimos para o Brooklyn.
Aisha e Troy moram em um apartamento em Bushwick. O prédio
deles não tem elevador, então subimos cinco lances de escada até
o andar deles.
Atrás da porta cor de ferrugem está o apartamento loft mais
legal que já vi. Parece o cenário de uma sitcom. Tijolos expostos
nas paredes e o piso de cimento polido dão ao lugar um ar
industrial, mas tapetes, almofadas e cobertores estão jogados por
toda parte, suavizando a atmosfera e tornando tudo mais
confortável. Alguns vasos de plantas pela casa trazem vida ao
ambiente.
— Fique à vontade, Max — diz Aisha, largando sua jaqueta
ao lado do sofá e se jogando nele. Eu encontro um puff em frente a
ela e me afundo nele.
— Vocês estão a fim de ramen? — pergunta Troy.
— Isso parece incrível — diz Aisha. — O Troy faz um ramen
incrível.
— Demais.
Passo o resto da tarde com Aisha e Troy. Eles são tão
descontraídos e legais, e estão sempre completando as frases um
do outro. Eles sentam lado a lado com uma perna ou um braço
apoiado no outro de uma maneira que diz “você é minha pessoa”,
sem serem grudentos ou irritantes. A energia animada de Troy é
equilibrada pela tranquilidade de Aisha. Eles não se parecem em
nada com os casais de lobos do festival.
Colocamos música e eu assisto Troy jogar Animal Crossing
enquanto ouço Aisha contar histórias sobre as garotas malucas da
sua escola de balé. Por um momento, até me esqueço de estar com
raiva ou triste.
— Uau, quando a noite chegou? — pergunto, olhando pela
janela, surpresa ao ver as estrelas. — Eu preciso ir para casa,
senão meus pais vão ficar estranhos.
Pego minha bolsa e fecho meu novo moletom com zíper.
— Foi demais te conhecer, cara — diz Troy, levantando o
punho para que eu cumprimente. — Foi incrível.
Aisha se levanta e me acompanha até a porta.
— Obrigada por me receber, acho que era exatamente o que
eu precisava.
— Ótimo — ela diz e me abraça apertado. — Me ligue ou
mande mensagem a qualquer hora que você quiser. Se precisar
conversar ou algo assim. Ok?
— Obrigada.
— Chegue em casa em segurança, cara.
Saio do apartamento de Aisha e desço as escadas. Se meus
pais não me odiassem por ficar fora até tarde, acho que nunca teria
vontade de sair. Talvez Aisha e Troy queiram me adotar.
Do lado de fora, as luzes da rua se acenderam e eu percebo
algumas folhas caídas na calçada. O verão está chegando ao fim.
Tiro meus fones de ouvido e estou prestes a ligar a música quando
ouço a voz de Aisha.
— Ei, Max! — ela chama, inclinando-se para fora da janela.
— Verifique seu telefone!
Pego meu celular. Aisha me enviou uma mensagem,
encaminhando um dos seus contatos. Abro a mensagem e meu
coração para.
Jasper Apollo
Ela me enviou o número de telefone do Jasper.
Fico olhando para ela em choque.
— Não espere muito, mas achei que você deveria ter isso!
— Eu... — Eu não sei o que dizer.
— Cuide de você, Max.
Aisha desaparece de volta para dentro da janela enquanto
uma brisa começa a soprar, levantando as folhas recém-caídas e
girando ao redor.
Durante toda a jornada de metrô para casa, só consigo olhar
para o meu telefone. Para o número dele. Todo esse tempo eu
pensei que não havia maneira de entrar em contato com ele. Eu
tinha certeza de que ele teria pedido a Aisha para não me dar o
número. Mas agora eu tenho uma linha direta com ele.
Só que eu não faço ideia se devo usá-la. Ele deixou bem
claro que não quer nada comigo.
Mas ele me beijou.
Ele. Me. Beijou.
Claro, foi um beijo amargo e cheio de rancor. Mas há uma
razão pela qual ele fugiu de mim naquela noite na clareira. Ele
também sente isso.
O que ele diria se eu mandasse uma mensagem para ele de
repente? Ele ignoraria? Me diria para não mandar mensagem
novamente? Talvez começaríamos a conversar e perceberíamos
que temos mais em comum do que pensamos.
Enquanto o metrô avança pelos trilhos, parando em cada
estação para deixar e pegar passageiros, mantenho minha cabeça
baixa. Pressiono meus lábios juntos e franzo a testa.
Começo a digitar...
24
Eu conto o meu se você me contar o seu

É oficial. Eu odeio meu telefone.


Já se passaram três dias desde que Aisha me deu o número
do Jasper. Durante esses três dias, pensei em mandar uma
mensagem para ele. Mas toda vez que começo a digitar algo, me
sinto tão estúpido.
Digito e apago, digito e apago.
Tudo o que escrevo parece tão idiota e patético. O que vou
dizer? “Oi, Jasper, aqui é o Max. Lembra de mim? O companheiro
que você rejeitou? Bem, estou mandando mensagem só para dizer
que não parei de pensar em você, mesmo você sendo um idiota
completo”.
Estou começando a desejar que Aisha nunca tivesse me
mandado esse número idiota.
Todas as noites, fico acordado compondo mensagens na
minha cabeça até que elas nem façam mais sentido. Sou o pior em
enviar mensagens da história.
Estou deitado na minha cama à tarde, encarando meu
telefone que joguei em um monte de roupas sujas no canto. Se eu
piscar os olhos com força o suficiente, talvez consiga destruir a
maldita coisa com o poder da minha mente. Concentro toda a minha
energia, imagino ela explodindo em uma pequena nuvem de
fumaça. Pisco os olhos com mais força...
A tela acende, me dando um ataque cardíaco!
Não pode ser, não é?
Eu invoquei Jasper com o poder da minha mente?
Se recomponha, Max.
Me forço a sair da cama e me aproximo sorrateiramente do
monte de roupas sujas.
Pego meu telefone e suspiro aliviado ao ver que é apenas
uma mensagem da Katie. Ela está perguntando se pode vir jantar.
Abano a cabeça e deixo os ombros caírem.
Você está sendo ridículo.
Respondo a mensagem da Katie, feliz por ter uma distração
para a noite.

— Desculpa por ter sumido um pouco — diz Katie, tirando


uma margarida da grama. Estamos sentados nos degraus do meu
deck de trás, olhando para a floresta enquanto o sol se põe.
— Tudo bem — eu minto e dou de ombros. — Você acabou
de encontrar seu companheiro, tenho certeza de que tem estado
muito ocupada.
O rosto de Katie fica vermelho como um cranberry.
— Max! Não é assim, a gente ainda não... a gente ainda não
fez isso.
— Ei, sem julgamentos aqui — eu digo, encostando em ela
para mostrar que estou apenas brincando.
— Nós conversamos sobre isso e eu disse a ele que ainda
não estava pronta, e ele tem sido muito compreensivo.
— Bom para o Todd. Eu não sabia que ele tinha esse tipo de
autocontrole.
— Não seja malvado — ela diz, batendo os joelhos nos meus
e me desequilibrando.
— Tenho certeza de que o Todd é um verdadeiro cavalheiro
— eu digo, tentando parecer sincero.
— Na verdade — diz Katie, olhando para o lado. — Eu pedi
para vir aqui porque queria te contar algo.
Ela está agindo toda enigmática e eu não faço ideia do
porquê. Só sei que ela tem o mesmo olhar que tinha quando nossa
professora do quarto ano nos pegou roubando balas de goma do
pote na mesa dela.
— Katie, o que é? Você pode me contar.
— A coisa é que eu não tenho saído com o Todd.
— O quê?
— Na verdade, tenho saído... com o Simon.
— Wow — eu digo, recuando para dar uma boa olhada na
estranha ao meu lado. Katie sempre foi tão comportada. Roubar
doces era o máximo de rebeldia que ela chegava. E ela sempre
gostou da ideia de ter uma única pessoa no mundo com quem ela
estava destinada a ficar. Para ela, isso é... é loucura.
— A questão é que ele mora muito mais perto do que o Todd,
que está preso fazendo preparativos para a faculdade em Long
Island, e ele me mandou uma mensagem uma noite perguntando se
podia vir e devem ter sido os efeitos restantes do vínculo do
acasalamento ou da lua azul, porque eu disse sim, e começamos a
sair juntos e a gente se deu super bem, tem sido tão bom, e você
me odeia?
Katie para de falar e respira. Suas bochechas mudaram de
vermelho cranberry para vermelho beterraba e seus olhos estão
ficando marejados.
— Ei, claro que não te odeio. Do que você está falando?
— Lá no festival eu escolhi o Todd, na frente de todo mundo,
e ele é um cara tão legal, mas eu não o vi desde então e, bem, o
Simon é super fofo, engraçado e beija muito bem.
— Olha, você não precisa me explicar nada, o vínculo do
acasalamento deixa as pessoas loucas.
— Mas você acha que eu sou uma vadia ou algo assim?
Eu encaro os olhos azul-cristal de Katie. Ela parece
aterrorizada. Como se eu fosse julgá-la por seguir seus impulsos
naturais. Como se eu não estivesse enlouquecendo olhando o
número de telefone de um garoto.
— Katie, eu nunca poderia pensar isso de você.
— Tem certeza?
— Claro — eu digo, pegando suas mãos e apertando. —
Você tem dois companheiros, isso não acontece todo dia. Ninguém
poderia te culpar por explorar ou ficar confusa.
— Eu acho... — Katie funga uma lágrima. — Mas a questão é
que eu meio que penso isso de mim mesma.
Duas lágrimas escorrem pelo rosto dela, deixando um rastro
brilhante, e eu pego Katie e a puxo para perto de mim. Deixo-a
chorar em meu ombro por um momento, acariciando suas costas.
Parece que você pode ter um pouco demais de algo bom.
Parece que toda essa história de acasalamento está mexendo com
a Katie também.
— Escuta — eu digo em seu cabelo —, de acordo com a
nossa cultura, você deveria passar o resto da sua vida de loba com
essa pessoa. E, ao contrário da maioria dos lobos, você foi dada
opções. Ninguém poderia te culpar por querer tomar uma decisão
informada.
Ela ri, mas não me solta.
— Não é um experimento científico — ela diz.
— Meio que é sim. De qualquer forma, não é promíscuo
gostar de dois caras ao mesmo tempo. Droga, somos adolescentes!
Se fôssemos humanos, quase seria um pré-requisito.
Katie ri novamente.
— Obrigada — ela diz, sentando-se e limpando o rosto com a
manga do cardigã. — Eu sabia que você entenderia. E desculpe...
— Por que você está se desculpando?
— Pelo fato de ter chorado em você — ela ri. — E por ter
feito todo esse alvoroço sobre ter dois companheiros quando você
não encontrou o seu.
Meu ritmo cardíaco aumenta. Ainda não contei a verdade
para Katie sobre o que aconteceu no festival. Sobre mim e Jasper.
— Quero dizer, eu sei que você não queria um e tudo mais,
mas mesmo assim...
Ela continua e começo a suar porque sei que não posso mais
esconder isso dela. Não depois de ela ter sido tão aberta e honesta
comigo. E não quando meu celular ainda está queimando um
buraco no meu bolso.
— Não quero parecer que estou esfregando na sua cara ou
algo assim...
— Eu encontrei meu companheiro!
Eu fecho a boca abruptamente. Aquelas quatro palavras
ficam entre Katie e eu como uma janela. Ela vai abrir ou fechar as
cortinas?
— Você... encontrou seu companheiro? — ela pergunta.
Engulo em seco e engulo uma bola de saliva.
— Sim.
— Max, mas você não disse nada? O quê? Como? Quem? —
Katie parece uma coruja curiosa, seus olhos estão tão grandes.
— Bem, lembra como quando Todd e Simon estavam
brigando eu vim te procurar?
— Sim, claro, e você apareceu com o Jasper... você e ele...
espera, Max... é... não. Você... o Jasper é seu companheiro?
Mordo meu lábio e espero enquanto a realização se instala.
— Você está acasalado com o Jasper!?
Se eu falar agora, provavelmente vou começar a chorar,
então eu aceno com a cabeça.
— Mas isso é possível? Ele é um... um...
— Ele é um garoto — digo, finalmente encontrando minha
voz.
Minha mandíbula treme e eu estalo os dedos.
— Mas... — Katie para, sua boca pendurada aberta. — Ah.
Aí está. A verdade. Katie está me olhando como se não me
reconhecesse. Como se eu fosse uma pessoa completamente
diferente do garoto com quem ela cresceu.
Todo o meu corpo está tremendo. A adrenalina está pulsando
em minhas veias no volume máximo. Não há nada que eu possa
fazer agora, exceto sentar e esperar para ver se ainda tenho uma
melhor amiga.
— Max — ela diz baixinho. — Por que você não me contou?
— Eu não sabia se você... eu não sabia o que você pensaria.
Ela faz essa coisa estranha de meio riso, meio soluço, e
então sorriu, grande e largo, e com dentes.
— Max! Você encontrou seu companheiro!
Katie me agarra pelos ombros e me puxa para outro abraço
incrível de melhor amiga.
Quando nos afastamos, Katie está chorando, mas eu sei que
são lágrimas de alegria.
— Estou tão feliz por você! — ela soluça. — Acho
maravilhoso!
Brincalhona, ela dá um soco no meu ombro.
— Pelo quê foi isso? — pergunto, rindo agora também.
— Você deveria ter me contado!
— Eu sei, só não tinha certeza de como você reagiria.
Katie se acalma um pouco e segura minhas mãos. Ela me
olha com aquele olhar sincero e inclina-se para frente.
— Max, eu te amo. Você pode me contar qualquer coisa.
Pela primeira vez desde o festival, sinto um pouco do peso
saindo do meu peito. Manter isso em segredo de Katie tem me
estressado mais do que eu jamais soube. Mas estou tão feliz que
ela sabe agora e que está tudo bem para ela. Acho que não deveria
ter duvidado dela.
— Eu sei — eu digo. — Eu deveria ter te contado
imediatamente. A questão é que estou em território desconhecido
com tudo isso de companheiro, e eu nem aprendi a velejar.
— Então, fale comigo agora. Como ele é? Vocês têm saído?
Vocês já se encontraram o Alpha Jericho?
Eu balanço a cabeça.
Katie inclina a cabeça para o lado como um filhote confuso.
— Por que você não parece mais animado?
— O quê?
— Você encontrou seu companheiro, mas está agindo como
se nada tivesse acontecido. Espera, o Jasper saiu cedo do festival,
não foi?
Eu olho para os meus sapatos.
— Ah, Max. Me conta tudo.
Assim que começo a falar, não consigo parar.
Conto a Katie tudo sobre a Corrida de Acasalamento e a
noite depois disso – sobre o beijo e a fuga de Jasper.
Conto como ele não quer nada comigo, mas que tenho o
número do telefone dele e não sei o que fazer.
— Me dá seu celular — ela diz, estendendo a mão plana.
— O que você vai fazer?
— Só me dá.
Eu penso que depois de três dias, se eu não tiver conseguido
decidir o que fazer com o número de Jasper, talvez seja melhor
deixar meu destino nas mãos de Katie. Pelo menos são as mãos de
alguém que se importa comigo, em quem posso confiar.
Entrego meu celular para ela.
Katie – que obviamente sabe minha senha – desbloqueia o
celular e começa a deslizar os dedos pela tela. Antes que eu
perceba, ela me devolve o telefone e olho para o que ela fez.
Em uma tela de bate-papo vazia, ela enviou uma mensagem
para Jasper. Tudo o que diz é: “Oi, Jasper. Aqui é o Max. Podemos
conversar?”. É simples e direto, e meio perfeito. Nada como as
coisas confusas, cheias de detalhes e sentimentais que eu estava
planejando enviar.
— Aí está, agora é problema dele — diz Katie.
Mas não consigo desviar os olhos da tela. Continuo
esperando que uma caixa de diálogo apareça, que aqueles três
pontinhos torturantes apareçam. Mas nada acontece.
— Talvez ele simplesmente ignore — eu digo, encolhendo os
ombros.
— Só espera — diz Katie, esfregando meu joelho.
— Crianças! Hora do jantar! — minha mãe chama da porta
dos fundos.
O jantar é frango assado, com batatas crocantes e salada, e
cheira tão bem. Coloco meu celular virado para cima ao lado do
prato, ainda formigando de antecipação, esperando que a qualquer
segundo a tela acenda.
— De jeito nenhum, garotinho. Nada de celulares na mesa —
diz mamãe.
Suspiro e guardo meu telefone de volta no bolso.
— Então, Katie — diz papai da outra ponta da mesa. —
Como foi o festival?
— Sim! Conta pra gente sobre o festival — mamãe se junta.
— Max não nos contou nada.
Katie olha na minha direção.
Por favor, não me revele para meus pais!
— Foi ótimo! — diz Katie, virando-se para meu pai com um
sorriso casual.
— E seu novo parceiro? O nome dele é Todd, não é? Como
está indo com ele? — pergunta mamãe.
— Na verdade — diz Katie, olhando para o prato e brincando
com uma batata. — Agora o nome dele é Simon.
— Ah — diz mamãe, se recostando para processar essa
nova informação. — Bem, quanto mais, melhor!
Mamãe ri de forma constrangedora, mas consigo perceber
que ela está fazendo o melhor para ser compreensiva.
— Parceiros duplos são raros — diz papai, tomando um gole
de vinho tinto. — Já li um livro sobre isso, é complicado. Ainda
assim, deve ser bom ter um pouco de escolha.
— Desculpa por você ter ficado comigo — mamãe diz
sarcasticamente para papai.
— Ainda estou descobrindo — diz Katie, desesperada para
mudar de assunto. — Esse frango está delicioso!
Depois do jantar, ajudo mamãe a colocar a louça na máquina
de lavar. Assim que está cheia, a ligo e estou prestes a voltar para a
sala de jantar quando ela me impede.
— Está tudo bem, meu filho? — ela diz, apoiando-se no
balcão da cozinha com um pano de prato sobre um ombro.
— Hã? Sim — digo, encolhendo os ombros.
— Estou preocupada com você — diz ela. — Desde o
festival, você tem estado meio... diferente. Estou me perguntando se
tem algo a ver com Katie e seus parceiros.
— Mãe. — Reviro os olhos. — Estou bem. Estou feliz pela
Katie.
Ela franze os olhos como se estivesse tentando usar visão de
raio-x para ver dentro da minha cabeça.
— Ok, meu filho.
Deuses da Lua, me tirem daqui. Faço um movimento em
direção à sala de estar.
— Você me contaria se algo estivesse errado, não contaria?
— ela pergunta antes que eu consiga me afastar.
Por um instante, fico paralisado na cozinha, pensando se
talvez devesse apenas falar a verdade. Talvez ela fosse tão
compreensiva e solidária quanto a Katie. Talvez isso aliviasse ainda
mais o peso do meu peito.
Abro a boca, sem ter certeza do que vou dizer, quando a
campainha toca.
Tanto mamãe quanto eu ficamos parados, ouvindo enquanto
papai abre a porta. Uma conversa abafada chega da sala de estar,
mas não consigo entender.
De repente, papai pigarreia alto e chama.
— Max, tem alguém aqui para te ver.
Olho de volta para mamãe, totalmente confuso, mas ela dá
de ombros e aponta para a sala de estar.
No caminho para a porta, encontro o olhar de Katie, que está
sentada no sofá. Por que ela parece tão assustada?
Algo estranho está acontecendo.
Uma sensação estranha se espalha pelo meu corpo. Estou
febril. Minhas pontas dos dedos estão faiscando.
Entro no corredor e encaro a porta da frente aberta.
Ah...meus...Deuses da Lua.
Jasper Apollo está em pé na varanda da minha casa.
O que diabos está acontecendo? Eu nunca imaginaria que
ele apareceria aqui. Mas o que é ainda mais chocante, perturbador
até, é como está sua aparência.
Seu cabelo está bagunçado e desarrumado, sua camiseta
branca está amassada, meio enfiada e meio para fora. Há olheiras
sob seus olhos e uma expressão séria e austera em seu rosto.
Ele costuma ser tão bem arrumado, tão vazio de emoção.
Algo definitivamente está errado.
Eu chego à porta e não sei o que dizer. Parte de mim quer
alcançá-lo e abraçá-lo porque consigo sentir o quanto ele está
estressado. Mas parte de mim está com medo. Por que ele está
aqui? O que minha família vai pensar?
— Jasper — finalmente murmuro. — O que... o que você está
fazendo aqui?
Ele levanta a cabeça e sou surpreendido pelo quão
vermelhos estão seus olhos. Ele estava chorando?
— Eu preciso da sua ajuda — diz ele. — Aisha desapareceu.
25
A bailarina desaparecida

— O que você quer dizer com sumiu?


Minha cabeça está girando tão rápido que estou preocupado
que vá voar para longe.
Aisha não pode estar desaparecida... será que pode? Se
Jasper apareceu aqui, com essa aparência, algo deve estar
terrivelmente errado. Mas as pessoas não simplesmente
desaparecem, pelo menos eu não achava que elas
desaparecessem.
— Onde ela pode estar? — pergunto quando o Jasper não
diz nada. Ele olha fixamente para o corredor vazio atrás de mim.
— Existe algum lugar mais... privado onde possamos
conversar?
— Claro — digo, saindo e fechando a porta atrás de mim.
Tenho a sensação de que o Jasper quer privacidade mais por causa
de como ele parece desconfortável. Suas mãos estão enfiadas nos
bolsos e os ombros estão encolhidos.
— Podemos conversar na entrada de carros. — Passo por
ele, ativando o sensor de movimento. As luzes se acendem,
iluminando a entrada. — Aquele ali é seu?
Estou olhando boquiaberto para um carro esportivo Jaguar
preto. Ele é tão rebaixado. Como ele passa por lombadas?
— Sim — diz Jasper, encostado no lado do carro.
— E então, o que aconteceu?
— Não tenho notícias de Aisha há três dias. Era para nos
encontrarmos ontem à noite e ela não apareceu.
Jasper está tremendo, como se estivesse congelando,
mesmo que esteja super quente lá fora.
— Ok, talvez ela tenha perdido o celular. Você já tentou ir até
o apartamento dela?
Ele arrasta os pés e funga, rangendo os dentes.
— Jasper, o que é?
— Eu não sei onde ela mora.
O quê? Eu pensei que o Jasper e a Aisha fossem melhores
amigos. Eu assumi que ele ia até o apartamento dela o tempo todo.
Droga, eu presumi que ele tinha uma chave reserva. Não entendo
por que ele nem sabe qual rua é.
— Brigamos uma vez quando ela se mudou, e eu disse a ela
que não poderia ir até lá.
— Eu não entendo.
— Eu... eu não concordava com a situação dela na época.
Nunca ouvi o Jasper murmurar tanto, mal consigo ouvi-lo.
— Que situação? Por que você não queria ir até lá?
— Porque ela mora com um humano.
— Ah.
Não quero admitir, mas dou um pequeno passo para trás.
Meus pais me ensinaram desde pequeno que não há nada de
errado com os humanos e nada de errado com o acasalamento
entre espécies.
Não sei por que estou surpreso. Jasper vem de uma das
famílias mais antigas da alcateia. Seu pai é o alfa. Ele é literalmente
a instituição. Eles representam tradição e o status quo. Valores
antiquados. Acho que pensei que o Jasper não seria assim.
Começo a entender por que ele pode ter reagido da maneira
que reagiu quando descobriu que era meu companheiro. Se ele não
está bem com sua melhor amiga namorando um humano, posso
imaginar como ele se sente em relação a pessoas como eu... ele...
nós.
— Não estou orgulhoso — ele continua.
— Você não precisa se explicar — digo, levantando as mãos.
— As amizades de cada um são diferentes.
— Eu sei que fui além dos limites — ele diz, rosnando um
pouco enquanto força as palavras. — Fui um idiota com ela naquela
época e gostaria de poder voltar atrás.
— Por que você não voltou?
Jasper olha para mim por entre as mechas de cabelo que
caíram sobre seu olho.
— Eu gostaria... — Seu lábio inferior treme levemente e me
sinto terrível. Sua melhor amiga está desaparecida e estou dando
trabalho a ele porque ele acreditou em algo, embora terrível, que
muitos lobos acreditam.
— Eu gostaria que as coisas fossem diferentes — diz Jasper.
— Olha, sinto muito — digo, me aproximando novamente. —
Isso tudo não importa agora. Se a Aisha está desaparecida,
precisamos encontrá-la. Só que se você não sabe onde ela mora,
como você sabe que ela não está lá, fazendo uma espécie de detox
tecnológico ou algo assim?
A ideia de ficar sem meu celular ou meu computador por mais
de quinze minutos me faz estremecer, mas sei que algumas
pessoas gostam de se privar em nome do autocuidado.
— Ela não está — Jasper faz uma careta.
— Mas ela poderia estar lá agora mesmo e você não...
— Ela está desaparecida! Eu sinto isso!
Dou mais um passo para trás, com medo de que a veia
protuberante na testa de Jasper vá explodir.
— Calma, calma — digo. — Ok, desculpe.
Ele balança a cabeça para se acalmar.
— Aisha e eu podemos ter nossas diferenças, mas ela é a
amiga mais próxima que tenho e consigo sentir quando algo não
está certo com ela. E agora sei que as coisas estão muito ruins.
— Ok — digo novamente, avançando um pouco. — Quero
ajudar, se puder. Mas por que... por que você veio até mim?
Jasper olha para cima novamente e seus olhos estão mais
escuros do que o normal.
— Você foi a última pessoa a vê-la.
— O quê?
— Vocês estavam na cidade. Saíram juntos. Ela... ela me
disse que deu meu número para você.
— Ah. — Eu esfrego a nuca, lembrando da mensagem que a
Katie mandou para o Jasper apenas algumas horas atrás. — Sim,
ela deu... eu... não sabia se você ia querer que eu... eu não usei...
— Ela te levou até o apartamento dela? — ele pergunta,
ignorando minha total falta de jeito.
— Ela me levou — digo, percebendo de repente como posso
ajudar.
— Me diz onde ela mora? — Ele já está procurando as
chaves do carro no bolso de trás.
— Eu...
Consigo ver a rua na minha mente, visualizar os degraus que
levam até a porta dela. Mas não consigo lembrar de nenhum
detalhe. Nenhum nome de rua, nenhum número de prédio, nenhum
número de apartamento. — … não me lembro.
— Você não se lembra... — Jasper começa a respirar
rapidamente, com raiva.
— Eu não me lembro do nome da rua, mas me lembro onde
é! Lembro qual porta é e tudo. Se você me levar com você, posso te
mostrar.
As engrenagens estão girando na cabeça de Jasper.
Julgando pela expressão dele, ele realmente não quer que eu o
acompanhe. Mas ele não tem escolha. Se ele quer verificar o
apartamento de Aisha, eu sou a melhor opção dele. E, por mais que
ele odeie, ele também sabe disso.
— Tudo bem — ele suspira. — Temos que ir agora.
— Só deixe eu avisar meus pais!
Eu já estou correndo de volta para casa, com o coração
batendo forte no peito.
Eu espero que Aisha esteja apenas sentada em casa, com o
celular desligado dentro de um saco de arroz. E espero que Jasper
não esteja tão irritado por me ter no carro a ponto de nos jogar para
fora da estrada.
Mas se Jasper estiver certo e algo estiver realmente errado,
eu preciso ajudar. Aisha tem sido tão incrível comigo. Jasper pode
não querer que eu vá com ele, mas ele vai ter que aguentar.
Leva um pouco de explicação e convencimento para que
meus pais concordem. Eles continuam pedindo para falar com
Jasper, que, imagino, está esperando em seu carro sem vontade de
entrar na casa da minha família. Quando finalmente consigo
pressioná-los sobre a urgência da situação, eles me deixam ir.
Eu abraço Katie e ela me beija na bochecha antes de eu
correr de volta para o carro.
Abro a porta do lado do passageiro e entro.
Com um rugido como o de um tigre, Jasper dá marcha à ré
na minha garagem e aceleramos pela área suburbana.
Jasper está dirigindo tão rápido que acho que poderíamos
nos qualificar para o Grande Prêmio. Mas suas curvas são suaves e
o ruído do motor diminui para um ronronar baixo.
O interior do carro parece estar em uma nave espacial. Uma
fina faixa de luz azul percorre o interior, dando uma atmosfera
futurista, e o painel de controle se parece com o painel da Helicarrier
do Nick Fury.
Jasper troca as marchas suavemente e sua mão se aproxima
perigosamente do meu joelho. Prendo a respiração. Devo me
afastar? Não quero ser muito óbvio.
Jasper troca as marchas novamente e seu olhar desvia,
brevemente, na minha direção. Volto rapidamente meus olhos para
a estrada e os mantenho lá pelo resto da viagem.
Finalmente, passamos lentamente pela rua de Aisha. Aponto
e grito quando vejo os degraus dela.
— Aquela ali! — digo, e Jasper estaciona em um
estacionamento vazio.
Na porta, nos deparamos com um painel iluminado com
nomes de moradores e os intercomunicadores correspondentes.
— Merda — digo —, não sei qual é o dela.
Jasper me olha furiosamente, me dizendo com os olhos para
ser mais útil.
— Vou tentar todos até alguém nos deixar entrar.
Tenho que falar com um senhor rabugento, uma mãe solteira
estressada e alguém que eu definitivamente acordei, antes de
ouvirmos o som doce da porta destrancando e abrindo.
Empurramos a porta e mal dou três passos antes de Jasper
estender a mão para me parar.
— O que... é...?
Ele levanta o nariz no ar, uma expressão séria de
concentração franzindo sua testa.
— Rápido — ele diz, e começa a subir as escadas dois
degraus de cada vez.
— O que é isso? O que você cheirou?
Não estou tão sem fôlego como esperava quando chegamos
ao quinto andar.
— Jasper, o que está acontecendo? O que você...?
— Shh — ele diz, levando um dedo aos lábios. — Lobos
estiveram aqui. Pelo menos três.
Tento captar o cheiro deles, mas só sinto um corredor com
cheiro de mofo e um curry masala cozinhando dois andares abaixo.
— Eu não consigo...
— É por aqui? — Jasper diz, caminhando na direção do
apartamento de Aisha.
— Ãh, sim.
Sigo Jasper, que vai direto para a porta de Aisha. Respiro
fundo quando vejo que ela foi arrombada. A fechadura foi arrancada
da moldura.
— Aisha!
Jasper irrompe na sala, garras prontas e presas à mostra.
Fico parado no corredor, sem saber o que fazer.
Além da porta, o quarto parece escuro e pouco convidativo.
Uma grande diferença em relação à última vez que estive aqui.
Mesmo que esteja morrendo de medo, sei que não posso
deixar Jasper entrar sozinho. Então me preparo e entro.
Meus olhos levam um segundo para se acostumarem com a
escuridão. A luz vermelha de uma placa de neon brilha pela janela,
lançando um brilho assustador no chão.
Está silencioso.
Jasper está parado no tapete, obscurecido pela sombra. Ele
está imóvel, mas consigo perceber que ele está tentando usar sua
habilidade de sentir cheiros para descobrir o que aconteceu aqui.
Seja lá o que foi, acabou. O lugar está vazio. E está uma
bagunça.
Almofadas estão rasgadas e espalhadas pelo chão. A cortina
está quebrada, há vidro quebrado no tapete. A mesa de café de
Aisha foi virada e está deitada como uma tartaruga de costas,
incapaz de se endireitar.
Me abraço, envolvendo os braços em volta do peito.
— O que aconteceu?
Mesmo sabendo que é uma pergunta fútil, não consigo deixar
de perguntar.
— Ela lutou — diz Jasper, sem pestanejar.
Ele atravessa o cômodo até a bancada da cozinha e se curva
para inspecionar.
— Sangue — ele diz.
— É... — Não consigo terminar a pergunta. É dela?
— Alguém entrou aqui e a atacou — diz Jasper, lançando
mais um olhar pelo cômodo, tentando juntar as peças da história. —
Eles a levaram.
— Mas por quê...?
Um gemido baixo interrompe e meus músculos se contraem
de terror.
Há mais alguém aqui.
— Não se mexa — diz Jasper, seus olhos fixados em um
conjunto de armários de academia. Aisha me disse que ela os
encontrou na rua e trouxe para casa para usá-los como armário. Ele
se move rapidamente, empurrando uma cadeira que já estava
virada de cabeça para baixo no caminho, e atravessando o cômodo.
Sem hesitar, ele prepara suas garras e arranca a porta do
armário das dobradiças. A porta voa pelo cômodo, batendo no
concreto. E ouço um homem gritar.
— Pare! — grito quando Jasper recua, preparando-se para
atacar. — É o Troy!
O namorado de Aisha está encolhido dentro do armário, com
o rosto contorcido de terror.
— O que você fez com ela?! — rosnou Jasper.
Troy balança a cabeça. Seu corpo inteiro está tremendo.
Entendo que Jasper está chateado, mas também sei que não há
como o cara legal e amigável que conheci aqui ter feito algo para
machucar Aisha.
— Ele está sangrando — digo, notando a mancha vermelha
na camisa de Troy e me apressando em sua direção. Pego sua mão
e o ajudo a sair do armário.
Ele parece aliviado ao me ver.
Jasper, ainda olhando desconfiado para o humano, pega uma
cadeira e a coloca de pé. Troy está tremendo intensamente
enquanto o ajudamos a se sentar.
— O que aconteceu? — exige Jasper. Troy olha para cima,
como se estivesse revivendo o evento em sua mente. O olhar de
horror em seus olhos é inconfundível.
— Eles... eles... a levaram...
— QUEM?! — rugi Jasper.
— Precisamos levá-lo para o hospital — digo, interrompendo
o interrogatório, mas consciente de que Troy está gravemente
machucado.
— Só depois de sabermos o que aconteceu — responde
Jasper.
— Está tudo bem — gagueja Troy, colocando a mão sobre a
mancha ensanguentada em seu estômago e grunhindo. — Vocês
precisam salvá-la.
— Me conte o que aconteceu — diz Jasper, se inclinando
mais perto.
— Eram três deles, caras grandes e malucos — diz Troy. —
Eles invadiram aqui e se transformaram em lobos. Um deles chegou
até mim, me cortou com suas garras, mas Aisha, ela ficou furiosa.
Ela me disse para me esconder, me empurrou para dentro do
armário e ela também se transformou. Ela lutou contra eles, todos
eles. Mas eles eram muito fortes.
As palavras de Troy se tornam cada vez mais confusas,
interrompidas pelos soluços que abalam seu corpo.
— Eles a pegaram. Depois que a pegaram, não se
importaram comigo. Então, eles apenas foram embora, mas eu... eu
não consegui detê-los. Eu não pude salvá-la. Tudo o que fiz foi me
esconder...
Ele desaba completamente e olho para Jasper, implorando
com meus olhos. Ele me dá um sutil aceno, então pego meu celular
e ligo para o serviço de emergência.
— A ambulância está a caminho — digo, encerrando a
ligação.
Troy se acalmou um pouco, mas está tremendo como se
estivesse abaixo de zero.
Jasper se ajoelha na frente dele.
— Troy, eu preciso que você me conte tudo o que viu. Preciso
saber quem são esses lobos.
— Foi tudo embaçado, cara. Eles apagaram as luzes.
Jasper resmunga de frustração. Ele se levanta e caminha de
um lado para o outro pelo cômodo.
— Deve haver algo — diz ele, passando a mão tensa pelos
cabelos.
Pego um cobertor que está jogado sobre o encosto do sofá e
o coloco sobre os ombros de Troy. Me ajoelho ao lado dele.
— Eu não pude salvá-la — ele diz para mim. — Eu não pude
fazer nada. Apenas me escondi.
— Não é culpa sua, não havia nada que você pudesse ter
feito — digo a ele. — Esses lobos teriam te matado se você
tentasse lutar contra eles.
Troy balança a cabeça. Eu gostaria que ele pudesse acreditar
em mim, mas entendo como ele se sente.
Olho para trás, mas Jasper ainda está andando de um lado
para o outro, tentando pensar em seu próximo movimento.
Olhando de volta para Troy, tento mais uma vez. Pergunto a
ele o mais calmamente possível:
— Tem certeza de que não se lembra de nada? Nada mesmo
sobre esses caras?
— Desculpe, cara. Desculpe mesmo.
— Está tudo bem — digo, suspirando, e coloco uma mão
reconfortante no ombro de Troy. Sua cabeça se ergue, seus olhos
estão arregalados como pires.
— Espere — ele diz, chamando a atenção de Jasper. — Um
deles tinha uma tatuagem no ombro. Eu consegui dar uma olhada
nela antes de ele se transformar.
— Como era? — pergunta Jasper, voltando rapidamente.
— Era como uma cabeça de lobo com um raio atravessando.
Jasper dá um passo para trás, suas narinas dilatadas e os
punhos cerrados.
— Significa alguma coisa? — pergunta Troy, desesperado.
Eu balanço a cabeça, mas olho para Jasper.
Qualquer que seja o significado da tatuagem, eu não faço
ideia. Mas pela expressão no rosto de Jasper, está claro para ele.
Eu me levanto e me aproximo de Jasper.
— O que significa? — pergunto.
— Significa que eu sei quem a levou.
— O quê? Quem?
— Renegados...
26
Na estrada

As luzes da ambulância piscam em vermelho e branco sobre o


rosto de Jasper enquanto observamos Troy sendo levado para
dentro.
Posso perceber pela maneira como Jasper aperta a
mandíbula que ele acredita que já esperamos tempo demais.
— Vamos, vou te levar para casa — ele diz, quando a
ambulância parte. Ele começa a marchar em direção ao carro, e eu
tenho que correr para alcançá-lo.
— O quê?! Não, eu vou com você!
Jasper para em frente à porta e encara o teto metálico.
— Isso não está em discussão.
— Ela também é minha amiga — digo tão firmemente quanto
consigo.
Jasper suspira audivelmente, o som se tornando um rosnado
enquanto ele rola a cabeça nos ombros.
— Você não faz ideia de quão perigosos são os renegados.
— Sim, eu sei — digo. — Lembra da vez em que um deles
estava agarrado ao meu ombro?
Ele bate as mãos no teto do carro e juro que ele faz um
amassado nele.
— Aisha está lá fora e está em perigo real! Não tenho tempo
para isso!
— Exatamente — digo. — Se você me levar até em casa, só
vai desperdiçar mais tempo.
Jasper resmunga com raiva, mas sabe que estou certo.
— Tudo bem — ele diz entre os dentes. — Entre.
Não espero nem meio segundo. Abro a porta do carro e me
sento no banco, apertando o cinto de segurança antes mesmo que
Jasper consiga colocar a chave na ignição.
Olho para ele, esperando que ele tenha percebido o quão
rápido estou sendo, o quão sério estou levando as coisas. Ele revira
os olhos e pisa no acelerador.
— Então, para onde estamos indo? — pergunto quando a
cidade já está atrás de nós. Entramos na estrada em direção ao
oeste, e de repente percebo que não faço ideia do plano de Jasper.
— Perto dos arredores de Pittsburgh, há um complexo
industrial abandonado, antigas fábricas e armazéns que fecharam
nos anos 80. É basicamente uma terra abandonada agora, mas os
renegados gostam de ficar lá.
— Pittsburgh?!
Os olhos de Jasper continuam na estrada, mas consigo ver a
fúria escondida por trás deles.
— Como você sabe que os renegados que levaram a Aisha
estarão lá?
— Depois que eles tomaram conta do local, eles montaram
uma cidade improvisada. Eles a chamam de Cidade dos
Renegados. Se tornou uma espécie de meca para renegados de
todo o país. É como a capital do estado deles, ou algo assim.
Tento engolir o nó do tamanho de uma bola de tênis que se
formou em minha garganta. Um renegado já era assustador o
suficiente. Imagine uma cidade inteira deles.
— Mas eu pensei que os renegados fossem solitários? É por
isso que são renegados, certo?
— Renegados são lobos que perderam suas alcateias. Essa
perda os torna instáveis, mas ainda são lobos. Ainda desejam uma
comunidade da mesma forma que nós.
Os nós dos dedos de Jasper ficam brancos enquanto ele
segura o volante com mais força.
— A ideia de comunidade deles é mais como uma arena de
lutas.
Eu encolho na cadeira ao imaginar como deve ser esse covil
criminoso e começo a me arrepender de ter forçado Jasper a me
trazer junto.
— E a tatuagem? — pergunto baixinho, incerto se o que eu
quero é mais explicação.
— É a insígnia de uma seita particularmente violenta de
renegados. Os lobos usam essa tatuagem para deixar os outros
saberem onde eles se posicionam.
— Onde eles se posicionam?
— Contra nós. Contra o meu pai e todo o sistema das
alcateias.
— Certo. Então é meio que um identificador. Tipo como todos
os lobos da Alcateia Elite têm um cheiro parecido? — pergunto.
Jasper olha para mim de lado.
— Não — resmunga. — Eles não são nada parecidos
conosco.
— Então é por isso que você acha que a Aisha está lá?
— É como eu sei.
Jasper pressiona mais forte no acelerador e por um segundo
acho que o carro vai decolar.
Algumas horas depois, saímos da estrada principal.
— Aonde estamos indo agora? — pergunto.
— É um atalho.
Acabamos em um longo caminho de cascalho sem luzes de
rua. Campos de poeira se estendem na escuridão de ambos os
lados.
Fico feliz que finalmente tenhamos diminuído um pouco a
velocidade, mas percebo Jasper bocejando pelo canto do olho.
— Acho que vejo algumas luzes lá na frente — digo,
espiando além do brilho dos faróis. — Deve haver um café ou algo
assim onde possamos parar para tomar café.
— Não temos tempo para parar.
Pressionando a testa contra a janela, olho com desejo
quando um café passa e fica para trás. Por mais vinte minutos,
dirigimos em silêncio.
De repente, duas luzes aparecem à frente. Faróis!
Me arrepio um pouco enquanto minha mente começa a
pregar peças em mim, me fazendo imaginar todo tipo de cenários
em que os renegados sabem que estamos chegando e esperaram
até estarmos sozinhos aqui para brincar de um jogo mortal de
desafio.
As luzes ficam mais brilhantes e começamos a desviar para a
faixa contrária. O veículo à frente entra em vista. É um caminhão do
tamanho de Megatron e está vindo em nossa direção a toda
velocidade!
O som da buzina soa alto, e olho para Jasper, cujos olhos
estão fechados. Ele está dormindo!
— Jasper! — Eu o empurro e coloco uma mão no volante
para tentar desviar.
Ele acorda, piscando, e rapidamente percebe o perigo
imediato em que estamos. Ele gira o volante com força para a
direita.
Com apenas um centímetro de graça, evitamos uma colisão
grave. Megatron passa voando por nós, enviando ondas de choque
em seu rastro. Nossos pneus chiaram, enchendo a cabine com
cheiro de borracha queimada, enquanto o carro gira.
Giramos para fora da estrada, chocando-nos contra o asfalto.
Eu seguro o painel enquanto Jasper segura o volante,
tentando retomar o controle.
Em uma nuvem de poeira e sujeira, finalmente paramos de
derrapar. Por um momento, permaneço congelado, incapaz de
respirar, preocupado que possa ter um ataque cardíaco aos
dezesseis anos.
— Você está bem? — Jasper pergunta, ofegante.
Estou tão chocado que não consigo responder.
— Você está machucado?! — ele pergunta novamente, mais
firme desta vez.
— Sim, eu, eu estou bem — gaguejo.
— Devo ter fechado os olhos por apenas um segundo e...
Jasper ainda está segurando o volante, os músculos de seus
braços estão firmes como rocha.
— Ei, está tudo bem — digo, tentando acalmá-lo. — Estou
bem.
Seu peito sobe e desce e há um tom avermelhado em seu
rosto que eu nunca vi antes.
— Eu...eu sinto muito — ele diz, sem olhar para mim.
— Está tudo bem.
— Não, foi muito perto. Muito perto.
Os olhos de Jasper se desviam como se ele estivesse
revivendo uma memória em sua mente.
Eu me pergunto...
Um dia, quando eu era criança, meu pai me levou para
patinar em uma pista de gelo. Eu estava usando luvas vermelhas
que minha mãe tinha tricotado para mim no Natal, e estava na pista
girando em círculos tentando chamar a atenção do meu pai. Ele
estava lendo um jornal e não estava observando meus movimentos
incríveis.
De repente, ele largou o jornal e se levantou, com uma
expressão de horror no rosto. Eu sempre vou me lembrar dessa
expressão. E então eu senti.
Uma sombra se acomodando em meus ombros como um
manto de tristeza. Eu comecei a chorar no meio do gelo.
Alguém, não me lembro quem, me ajudou a sair da pista e
meu pai me levou em seus braços. Eu olhei para baixo no jornal que
ele estava lendo e vi uma foto em preto e branco de um acidente de
carro.
O título dizia “Socialite de Nova York e filantropa Mitsuha
Apollo morre em acidente de carro.”
Aquele foi o dia em que a alcateia perdeu sua Luna e o dia
em que Jasper perdeu sua mãe. Eu ainda consigo sentir a tristeza
comum que vivenciamos como alcateia. Não consigo imaginar como
Jasper deve ter se sentido.
Eu me pergunto se ele está pensando naquele acidente de
carro agora que acabamos de evitar um acidente próprio.
Sentamos no carro por alguns minutos. Eu não digo nada e
Jasper não solta o volante.
Eventualmente, respirando fundo, eu estendo a mão e coloco
minha mão no braço de Jasper. Ele se encolhe com meu toque, mas
não se afasta.
— Jasper, está tudo bem. Eu estou bem. Nós estamos bem.
Devagar, ele relaxa os punhos e solta o volante.
Eu vejo uma única lágrima escorrendo pela bochecha de
Jasper enquanto ele coloca as mãos nos joelhos.
Então ele se vira para mim e diz novamente:
— Me desculpe.
Eu sorrio de volta.
— Sem problemas — digo, encolhendo os ombros, me
sentindo desconfortável e fazendo o possível para amenizar o clima.
— Mas talvez devêssemos pensar em encontrar algum lugar para
passar a noite? Você está exausto.
Jasper olha ao redor como se estivesse considerando suas
opções e depois firma a mandíbula.
— Não, não podemos parar, Aisha precisa de nós. — Ele gira
a chave na ignição e o carro ruge à vida. Eu limpo o rosto com as
mãos enquanto ele acelera, e então algo embaixo de nós estoura.
Os dois pulamos do carro e eu corro até o lado de Jasper
para encontrá-lo olhando para um pneu vazio.
— Você tem um pneu reserva? — pergunto timidamente.
— Merda! — Jasper grita e chuta o chão.
Vou considerar isso como um “não”.
Pressionando as mãos nas laterais da cabeça como se
estivesse tentando manter seu cérebro de sair voando pelos
ouvidos, Jasper geme e caminha pelo campo.
Eu o persigo, segurando-o pelo braço e o girando.
— Jasper, vai ficar tudo bem, olha — digo, apontando para o
horizonte onde outro pequeno grupo de luzes indica vida. —
Podemos ir até lá. Talvez haja um motel ou algo assim e
possamos...
— Não vai ficar tudo bem! — Jasper diz. — Você não
entende? Eles a levaram. Eles levaram Aisha.
Ele me encara com desespero feroz nos olhos e eu sei
exatamente o que ele quer dizer. Eles levaram Aisha. Ela não é
apenas a pessoa mais legal e a melhor bailarina do mundo, ela
também é a pessoa mais compreensiva, cuidadosa e empática que
já conheci.
Ela é a única pessoa para quem Jasper contou sobre mim e
ele, o que significa que ela é a única pessoa no mundo com quem
ele pode conversar.
Ela é a única pessoa em seu mundo.
— Jasper — digo, encarando-o. — Eu entendo. Eu sei o quão
importante ela é. Mas... — Eu penso, tentando pensar em algo que
possa ajudar. Mas a verdade é que Jasper está certo. Não podemos
esperar. Aisha está nas mãos de alguns lobos realmente perigosos
e qualquer tempo que perdemos é mais tempo em que ela continua
prisioneira deles... ou pior.
Mas Jasper está prestes a desmoronar. Seus olhos estão
circundados por olheiras escuras. Seus ombros estão encurvados.
Suas mãos estão tremendo.
Não podemos continuar dirigindo, muito menos infiltrar-nos
em um ninho de rogues, não com Jasper nesse estado. Ambos
acabaríamos mortos.
Precisamos descansar e precisamos consertar o carro, o que
significa que eu preciso fazer algo para mostrar a Jasper que
algumas horas a mais não farão a diferença entre a vida e a morte.
— O que você me disse na minha casa? — pergunto,
algumas peças se encaixando em minha mente.
— Do que está falando...?
— Você disse que podia sentir quando Aisha estava em
perigo porque tem algum tipo de conexão com ela? Você disse que
podia perceber quando algo não estava certo.
— Sim — ele diz, inclinando a cabeça para frente.
— Então faça isso agora. Entre em contato com ela e veja se
ela está bem.
— Max, não funciona assim, eu...
— Apenas cale a boca e faça isso — digo, surpreendendo a
nós dois com meu tom. — Apenas... tente.
— Tudo bem — ele resmunga. Ele recua e olha ao redor,
dando alguns passos em um pequeno círculo até encontrar um bom
lugar para sentar. Cruzando as pernas para que seus pés fiquem
apoiados em cima dos joelhos, ele respira fundo e fecha os olhos.
Observo enquanto ele estabiliza sua respiração. Inspira e
expira. Inspira e expira.
Eu estudo a expressão tranquila e concentrada em seu rosto.
Por um momento, sinto como se pudesse perceber o
movimento das estrelas acima de mim, senti-las girando em um
amplo arco sobre minha cabeça.
Um vento fresco sopra a grama seca.
— Ela está viva — diz Jasper. Ele abriu os olhos e seu corpo
está menos tenso do que antes. Ele soa aliviado.
— Ela está...?
— Não consigo dizer muito — ele diz, levantando-se. — Mas
ela está viva e não parece ferida.
— Bem, isso é incrível — digo.
— Ela ainda está nas mãos de um bando de renegados.
— Sim, claro — digo, esfregando a nuca.
— Mas se eles ainda não a machucaram, provavelmente têm
uma razão para isso.
— No que está pensando?
Jasper está olhando fixamente para o grupo de luzes à frente.
— Provavelmente estão usando-a para me atingir — ele diz.
— Talvez como uma forma de ferir meu pai. Ou talvez como
vingança.
— Pelo quê?
— Pelo companheiro deles, cujo braço arranquei no festival.
— Ah. — Lembro de ter visto o buraco ensanguentado onde
o braço do renegado deveria estar e começo a sentir um arrepio de
culpa percorrer minha espinha. Se eles querem se vingar de Jasper
pelo que ele fez, então eu também sou parcialmente responsável
pelo sequestro de Aisha. Se não fosse por mim, Jasper talvez não
tivesse tido que lutar contra o invasor rogue.
Acho que Jasper nota minha expressão abatida porque ele
muda rapidamente de assunto.
— De qualquer forma, você está certo. Não podemos ir a
lugar nenhum esta noite. Devemos ver se há algum lugar onde
possamos dormir adiante.
Jasper volta para o carro e pega algumas coisas no porta-
luvas.
— Vamos lá. — Ele acena para mim enquanto começa a
caminhar ao lado da estrada em direção às luzes.
Corro para alcançá-lo.
Caminhamos em silêncio, apenas com o zumbido das
cigarras como companhia, até chegarmos à pequena cidade.
Está completamente silencioso e meus arrepios estão fora de
controle. Sinto como se tivéssemos entrado em uma cena de The
Walking Dead.
— Ali — diz Jasper, apontando para uma placa de motel
adiante.
Um sino toca quando empurramos a porta de tela para entrar
na recepção e sinto como se estivéssemos entrando em uma
máquina do tempo. O lugar não foi atualizado desde os anos 70.
Norman Bates e sua mãe provavelmente estão por aí em algum
lugar.
Em um instante, uma mulher inesperadamente simpática,
com cabelos grisalhos encaracolados, vestindo um suéter rosa de
lã, entra por uma porta atrás do balcão, segurando uma xícara de
café e um controle remoto de TV.
— Vocês dois estão bem? — ela pergunta, nos olhando com
uma expressão suspeita, mas principalmente preocupada.
— Um dos meus pneus estourou um pouco mais atrás na
estrada e estávamos esperando que vocês tivessem um quarto para
passarmos a noite.
— Ah, que terrível — ela diz, colocando seu café e o controle
remoto sobre a mesa. Ela abre uma gaveta e eu me sinto aliviado
quando ela tira uma chave, presa a um grande triângulo de plástico
verde. — Vocês estão com sorte porque tenho apenas um quarto
restante. Mas vocês podem ficar com ele.
— Obrigado — diz Jasper, tirando uma carteira de couro fina
e retirando um cartão de crédito prateado.
— Meu marido provavelmente pode consertar o pneu de
vocês de manhã também. Que tipo de carro é?
Depois que Jasper explica onde o carro está e paga pelo
nosso quarto, a mulher de suéter rosa nos diz que vai chamar seu
marido logo cedo e nos deseja boa noite.
Um alívio percorre meu corpo enquanto caminhamos pela
fileira de portas até o nosso quarto. Jasper insere a chave na
fechadura e o sigo para dentro.
Acendo a luz e ambos paramos abruptamente, com a boca
aberta em terror diante da cena diante de nós.
— Só... só tem uma cama.
27
Sonhos no motel

Eu afofo meu travesseiro o melhor que posso e o coloco de volta


no tapete. Olho com saudade para a cama de onde coloquei uma
manta extra no chão.
O que eu fiz?
Por que me voluntariei para isso?
Não havia como Jasper e eu dormirmos na mesma cama, de
jeito nenhum. E acho que pensei que ele precisava descansar mais
do que eu.
Mas, apesar do carpete verde-oliva desbotado, o chão é duro
como concreto e minha bunda já está começando a doer.
Estou começando a achar que meu sacrifício foi um grande
erro, enorme.
Vai ser uma noite longa.
O jorro torrencial do chuveiro desaparece e eu olho para cima
em direção ao banheiro. Jasper deixou a porta entreaberta.
Há apenas uma fresta do tamanho de uma barra de
chocolate Snickers por onde o vapor está escapando, mas é o
suficiente. Consigo ver Jasper. Ele enrolou uma toalha na cintura e
está secando o cabelo com outra. Gotas de água salpicam seus
ombros e suas costas.
Ah, meus Deuses Lunares... não consigo desviar o olhar.
Cada músculo das costas dele se move enquanto ele esfrega o
couro cabeludo.
Meu estômago está cheio de borboletas, minha boca está
salivando...
Antes que eu perceba, ele está se virando, mas não consigo
desviar os olhos de seu torso nu...
Até que ele me vê observando e, em pânico, desvio os olhos
para o teto. Conto os insetos mortos acumulados na luminária.
A porta do banheiro se fecha com um estrondo.
Vai ser uma noite realmente longa.
Até agora, eu não tinha percebido a energia estranha entre
Jasper e eu. Estávamos distraídos demais com invasões dos
renegados e o tráfego intenso. Mas agora que estamos neste quarto
de motel úmido e mal iluminado, e tudo está silencioso, consigo
senti-la. A atração. Está mais forte do que nunca.
Preciso parar de pensar nele, imaginá-lo no chuveiro... Eu
aperto os olhos com força e me jogo sobre meu cobertor. Tento
enterrar a cabeça no travesseiro.
Um minuto depois, ouço a porta do banheiro se abrir. Não me
movo nem olho para cima, com medo de ter outro olhar que derreta
minha mente para Jasper. Tudo está quieto, exceto pelos passos
dele e depois os sons das cobertas sendo puxadas e o rangido das
molas da cama.
— Você precisa de mais travesseiros? — ele pergunta,
quebrando o silêncio.
— Ah, não, estou bem — minto. Decido arriscar e me sento.
Jasper está usando uma camiseta preta, graças a Deus, e sentado
de pernas cruzadas sob as cobertas, com as costas apoiadas na
cabeceira.
Respiro aliviado.
— Obrigado — ele diz. — Por ficar no chão.
— Ah, não tem problema. É bem confortável, na verdade.
Jasper balança a cabeça um pouco.
— Você não precisa fazer isso.
— O quê?
— Me fazer sentir melhor.
— Eu... não estava, é realmente confortável!
Ele ri um pouco, olhando para mim como se soubesse que
estou mentindo.
— Ok — ele diz. — Vou meditar um pouco antes de dormir.
Você quer que apague a luz?
— Ah, não, tudo bem. Pode deixar acesa.
Deito novamente e me contorço tentando encontrar a posição
mais confortável, finalmente me acomodando de costas.
As respirações de Jasper se tornam longas e profundas.
Eventualmente, ele apaga a luz, mas uma pergunta surge em
minha mente. Abro os olhos e o quarto está escuro, exceto por uma
faixa de luz laranja que entra pelas frestas das cortinas.
— Ei, Jasper?
Ele suspira baixinho.
— Sim?
— Por que você medita tanto?
— Preciso ter certeza de que minha mente está sintonizada
com a alcateia. Mas requer prática.
— Sintonizada como quando você pode sentir a Aisha? O
que é isso, afinal?
— Todo alfa tem a habilidade de sentir os membros de sua
alcateia. O que estão sentindo, se estão com dor. Isso nos ajuda a
saber se a alcateia está em perigo.
— Então seu pai também consegue fazer isso?
Jasper ri.
— Ele é incrível. Ele consegue identificar a localização exata
de cada lobo da Alcateia Elite. Eu não chego nem perto dele.
— Mas você consegue sentir a Aisha muito bem?
— Isso porque somos próximos. É mais fácil se eu conheço a
pessoa... se me importo com ela.
Ele engole em seco.
Eu olho para o teto desconhecido e me pergunto se ele está
fazendo o mesmo.
— Requer trabalho para estar tão sintonizado quanto meu pai
— ele diz.
— Então você não consegue sentir todo mundo?
— Ainda estou trabalhando nisso. Meu pai diz que não
pratico o suficiente.
— Acho difícil acreditar nisso.
Eu rio baixinho e Jasper também.
— Você consegue me sentir? — pergunto quando ficamos
em silêncio novamente.
Meu coração começa a bater tão forte que consigo ouvi-lo.
Por que eu perguntei isso? Idiota!
— Sim — ele diz. — Eu consigo sentir você, Max.
Silêncio. Prendo a respiração e aperto o cobertor entre meus
dedos. Um carro passa zunindo lá fora.
As molas da cama rangem enquanto Jasper se vira.
— Boa noite — ele diz, encerrando a conversa.
— … noite.

Acordo durante a noite com o som das molas da cama e


gemidos.
— Não... não... não... — Jasper geme.
Eu me sento e olho ao redor na escuridão. Nada mudou
desde que fomos dormir.
Apenas Jasper está se virando como se estivesse possuído.
— Pai... não consigo... Mãe...
Ele não para de murmurar e se contorcer, então eu jogo o
cobertor para o lado e caminho até o lado da cama.
O suor está escorrendo pela testa dele e seu rosto está
contorcido como se estivesse com dor.
— Jasper — digo novamente, um pouco mais firme.
Bem devagar, estendo a mão e seguro seu ombro. Digo o
nome dele novamente e o sacudo levemente.
Seus olhos se abrem rapidamente enquanto ele puxa uma
respiração curta e rápida pelo nariz. Nossos olhos se encontram e
ele parece confuso, como se não soubesse onde acordou.
— Sou eu — digo, retirando minha mão. — Você estava
tendo um pesadelo.
Ele suspira aliviado e relaxa no travesseiro.
— Eu te acordei? — ele pergunta.
— Na verdade, não, esse chão é realmente difícil de dormir.
— Meu lábio inferior está tremendo um pouco. — Você está bem?
Ele passa a mão pelo rosto.
— Era apenas um sonho.
— Ok, boa noite.
Eu me viro para voltar ao meu lugar no chão, mas Jasper
segura meu pulso.
Eu congelo.
Não ousa olhar para trás, então apenas fico ali parado, com
Jasper me segurando.
— Fique — ele diz.
— O quê?
— O chão não é confortável, apenas... fique.
Ele solta meu pulso e se move para o outro lado do colchão.
Eu me apresso para pegar meu travesseiro da cama no chão.
Meu pulso está acelerado como um carro de Fórmula 1
enquanto volto para a cama. Jasper já está deitado de lado, virado
para a parede oposta.
Cuidadosamente, coloco meu travesseiro contra a cabeceira
e me acomodo.
Fico deitado, de olhos bem abertos e com os braços
cruzados sobre o peito, como se estivesse deitado em um caixão.
— Boa noite — diz Jasper.
Eu piscar uma vez e depois duas. Ele está bem ali, irradiando
calor.
Meu corpo todo está tremendo.
O que aconteceria se eu movesse minha mão alguns
centímetros para a esquerda?
Ele me expulsaria ou... algo mais? Eu realmente quero isso?
Estou perdido em meus pensamentos até perceber que a
respiração de Jasper se acalmou.
Ele está dormindo.
Eu viro para o meu lado e tento esquecer o garoto atrás de
mim.
Antes que eu perceba, também estou dormindo.

De manhã, me viro e semicerro os olhos para o sol brilhando


através das cortinas abertas. Está quente, muito quente. Estou
suando como uma fatia de presunto deixada fora da geladeira.
Desesperadamente, empurro as cobertas para trás.
A cama está vazia, há um amassado no lençol ao meu lado
onde Jasper dormia.
Ele não está aqui.
Por um segundo, tenho medo de que ele tenha me
abandonado e tenha partido sozinho para resgatar Aisha. Não
duvidaria disso.
Com um bocejo, me sento e observo o quarto. É menos
assustador à luz do dia. Apenas um motel simples que já teve dias
melhores.
Minha boca está seca, então saio da cama e pego uma
garrafa de água no frigobar.
Coloque na conta do alfa.
Meu celular está sobre a mesa de centro e dou uma olhada
no horário – 7h01 – e então suspiro ao ver uma série de mensagens
não respondidas e chamadas perdidas dos meus pais. Com toda a
agitação, nunca encontrei um momento para ligar e dizer que não
estava voltando para casa.
Terei que falar com eles mais tarde, penso quando vejo um
bilhete na mesa de cabeceira.
“Fui pegar o carro”, diz o bilhete em um rabisco apressado.
Ufa. Jasper não me abandonou. O alívio que sinto é mais forte do
que gostaria de admitir.
Vou ao banheiro para me refrescar. Estou quase
completamente acordado quando ouço uma buzina do lado de fora.
Ao sair sob a luz do sol, parece que estou entrando em um
fogo literal. Tenho que proteger os olhos com a mão para ver Jasper
parado ao lado de seu carro, com o braço esticado para fora da
janela aberta, a mão no volante.
— Vamos — ele diz.
Enquanto Jasper entrega a chave na recepção, pego minhas
coisas e pulo no banco do passageiro. Envio uma rápida mensagem
para meus pais.
“Estou bem. Com o Jasper. Temos que ir pegar a Aisha em
Pittsburgh. Ligo para vocês quando voltar.”
Aperto o botão de enviar e franzo a testa, imediatamente
desligando o celular. Eu sei que eles vão ficar furiosos quando lerem
essa mensagem. A última vez que fiquei fora sem permissão deles
foi na noite de aniversário de 16 anos da Katie, quando entramos
escondidos em um bar de piano em Manhattan. Nem bebemos, mas
meus pais me colocaram de castigo por um mês.
Tentei suavizar a situação o máximo possível, mas eles não
vão ficar felizes quando descobrirem que fiz uma viagem de carro
para a Cidade dos Renegados para resgatar uma garota que mal
conheço de alguns caras bem suspeitos.
Vai valer a pena o castigo se pudermos salvar a Aisha.
Com um pneu novo e uma boa noite de sono, pegamos a
estrada.
— Como você dormiu? — pergunto assim que voltamos para
uma rodovia adequada.
— Bem — responde Jasper de forma seca.
— Parecia que você estava tendo um sonho bastante intenso
— digo, tentando parecer casual.
— Não me lembro.
Olho para Jasper, mas seus olhos não saem da estrada.
— Você precisa se lembrar. Você acordou. Você me disse
para dormir na cama.
— Yeah, você não deveria ter feito isso — diz friamente.
Eu nem queria! Foi ele quem pediu para eu ficar. Não sei por
que achei que as coisas seriam diferentes esta manhã. Deveria ter
esperado por isso de Jasper.
Ele voltou a ser um idiota.
— Então você vai simplesmente fingir que não se lembra de
nada? — pergunto.
— Não há nada para lembrar — ele diz e pisa no acelerador.
A cobertura de nuvens cinzentas se espalhou quando
deixamos a rodovia e começamos a seguir pelas estradas rachadas
e desbotadas em direção à Cidade dos Renegados. Grama e ervas
daninhas crescem ao longo das laterais do asfalto.
Não há casas, apenas ocasionalmente uma cabana no meio
de um campo.
Plumas de fumaça estão subindo logo além do horizonte.
Torres escuras e esfumaçadas, como colunas sustentando as
nuvens.
— O que são aquelas? — pergunto.
— Elas mantêm as usinas queimando para gerar energia —
responde Jasper.
— Então é isso? — pergunto.
Finalmente, a Cidade dos Renegados surge à vista. A
primeira coisa que vejo são as fábricas e os armazéns. É um
cemitério industrial. Todos os prédios parecem abandonados e em
ruínas.
É exatamente como Jasper descreveu. E se a aparência
externa for indicativo de algo, prefiro nem pensar no que está
acontecendo dentro desses prédios.
Mas então eu percebo uma mudança na paisagem. O terreno
empoeirado e infestado de ervas daninhas dá lugar a plantações –
cuidadosamente organizadas em fileiras e bem cuidadas. Milho,
tomate e outros vegetais crescem em abundância por todos os
lados.
— Isso parece uma fazenda — eu digo.
— Os renegados têm que se virar sozinhos há muito tempo.
Eles estão isolados da sociedade dos lobos, mas também não têm
lugar no mundo dos humanos.
— Isso é difícil — eu digo.
Quanto mais terras agrícolas passamos, mais começo a
pensar que isso não parece um refúgio decadente para o crime,
mas sim uma cena dos trechos em preto e branco de O Mágico de
Oz.
Não é exatamente pitoresco. Mas há vida aqui. As pessoas
devem cuidar dessas plantações. Com base no que me disseram
sobre os renegados, eu não sabia que eles poderiam sequer cortar
as unhas dos pés, muito menos dominar a agricultura.
— Você já esteve aqui antes? — pergunto a Jasper, que não
parece tão interessado nas redondezas quanto eu.
— Não, mas meu pai me contou o que acontece aqui.
— Parece milho — eu digo, olhando para um campo pronto
para a colheita. — Milho é o que acontece aqui.
— Eles são renegados — diz Jasper, rosnando. — Eles te
matariam antes que você tivesse a chance de colher uma maçã.
— Mas não parece…
— Não importa como parece. Eles são todos iguais e eles
estão com a Aisha.
Eu fecho a boca. Não acho que Jasper está prestes a mudar
de ideia sobre isso.
— Devíamos estacionar em algum lugar antes de chegarmos
perto demais da cidade.
Assinto, tentando ser encorajador, mas a verdade é... estou
começando a ficar nervoso. Nada nessa viagem foi exatamente
como eu esperava e, apesar das humildes terras agrícolas me
confundirem, eu sei que em algum lugar deste lugar a Aisha está
sendo mantida contra a vontade dela.
Jasper estaciona o carro atrás de um aglomerado de árvores,
a uma boa distância do cemitério de armazéns.
— Fique aqui — ele diz, saindo do carro e fechando a porta
silenciosamente.
O quê?!
O mais rápido que consigo, abro minha porta e pulo para
fora.
— Eu vou com você.
— Não, é muito perigoso.
Eu bufo, mas não tenho um contra-argumento. Ele está certo.
Entrar lá é super perigoso. Mas se ele está disposto a fazer o que
for preciso para trazer a Aisha de volta, eu também estou. E... eu
não quero que ele entre sozinho.
— Eu posso ajudar — eu digo. — E se algo acontecer?
— Então eu vou lidar com isso. Você só vai atrapalhar.
Eu odeio que minha mandíbula se tense e meus olhos se
nublem com lágrimas. Me sinto como uma criança mimada sendo
informada de que não pode usar o balanço.
— Mas…
— Não, Max. Por uma vez, apenas faça o que eu digo.
Eu recuo, deixando meus ombros caírem.
— Fique aqui — Jasper diz pela última vez antes de se
afastar ao longo da linha das árvores.
Eu o observo desaparecer entre dois arbustos e de repente
meu coração começa a bater forte.
Talvez seja o pensamento de ser deixado para trás para que
um renegado tropece em mim e me desmembre. Ou talvez seja a
visão de Jasper indo em direção ao perigo. Mas eu sei que não
posso ficar aqui.
Com cuidado, fecho a porta do lado do passageiro e ergo o
nariz no ar. Jasper deixou um rastro de aroma de limão e menta e
flor de cerejeira para eu seguir.
Cidade dos Renegados, aqui vou eu.
28
Os limites da Cidade dos Renegados

Sigo um pouco atrás de Jasper, parando quando ele se agacha


atrás de uma parede coberta de grafite.
Por um segundo ali, eu estava começando a achar a parte da
fazenda do território dos renegados meio fofa. Mas agora que
cruzamos a linha da terra para o cimento, tudo parece diferente.
Os prédios são dignos de um filme de desastre pós-
apocalíptico.
Onde estou? Distrito 13?
As janelas estão quebradas, com fragmentos irregulares em
forma de iceberg saindo de suas molduras. As paredes estão
escuras com a idade, rachadas com ervas daninhas brotando entre
os tijolos e cobertas por uma arte urbana pouco inspirada.
— Que cheiro é esse?
Há um odor indistinto vindo de dentro dos prédios. Uma
mistura de aromas que não reconheço. É como misturar tintas na
aula de arte. Eventualmente, todas se misturam para criar uma
tonalidade indistinguível de marrom.
Isso deve ser como cheira quando lobos de diferentes
matilhas se encontram. Os diversos aromas se fundem em uma
bagunça pungente.
— Lembra o metrô — eu digo, rindo sozinho.
Dobrando uma esquina, observo Jasper correndo em
disparada por um pátio de cimento aberto.
Estou prestes a correr atrás dele quando ouço uma voz.
— Quer jogar de novo? — Ela parece ser de um adolescente.
Será que tem crianças aqui?
Eu me viro e espio por cima da beirada de uma janela
esfarelando.
Dentro do galpão, há fileiras de barracas, roupas penduradas
em cordas ao longo das paredes e uma fogueira queimando em
uma lata de óleo enferrujada.
A primeira pessoa que vejo é um homem andando no
extremo oposto da sala. Ele está muito longe para ser dono da voz e
bem mais velho. Algumas barracas adiante, uma mulher está
deitada, dormindo em um colchão vazio. Também não é ela.
Mas essas pessoas não se parecem com os renegados que
eu conheço. Elas se parecem mais com os sem-teto que você vê
em Manhattan do que com o lobo enlouquecido que tentou arrancar
um pedaço do meu ombro.
Então me dou conta. As barracas estão desbotadas, as
roupas no varal têm buracos e manchas. Isso não é uma cidade
movimentada ou um antro de atividade criminosa. É mais como um
campo de refugiados humanos.
— Sua vez, Cassie.
Ouço a voz novamente.
— Eu distribuí na última vez, sempre sou eu — responde
uma garota, Cassie.
Me levanto nas pontas dos pés, me esticando para espiar por
cima da janela. Um rapaz e uma garota estão sentados no chão
abaixo de mim. Eles têm mais ou menos a minha idade, com
cabelos emaranhados e bochechas pálidas e afundadas. São
magros e sujos, mas estão sorrindo, batendo cartas
determinadamente em um monte.
— Bati! — Cassie grita, batendo sua mão em cima do monte.
Minha mão escorrega da janela e eu dou um passo para trás.
— O que foi isso? — o rapaz diz.
— Provavelmente só aqueles caras lá no silo de grãos, eles
estão trancados lá há semanas.
— Aqueles caras são uns idiotas — diz o garoto.
Respirando rapidamente, olho ao redor e percebo que não
consigo mais ver o Jasper.
Procuro por seu cheiro, alargando as narinas, e finalmente o
encontro seguindo na direção de um prédio ao longe. Há um tanque
conectado ao lado com um tubo parecido com um escorregador, que
o conecta a um buraco no telhado. Riscada com tinta spray
vermelha na parede lateral, há uma imagem exatamente como Troy
descreveu.
Um lobo e um raio.
Me apressei na direção do cheiro de Jasper, tentando ficar
agachado.
Atravesso a área aberta de concreto e chego ao prédio, mas
percebo uma forma escura no canto do meu olho. A curiosidade
toma conta de mim. Me viro para longe da porta de correr aberta e
encosto minhas costas na parede de blocos, me aproximando do
canto.
Espio em volta do canto, tendo cuidado caso alguém esteja
esperando ali. Felizmente, não há lobos por perto, mas há um carro
chique estacionado ao lado do silo. É um carro preto, com vidros
escurecidos e belas calotas prateadas que gritam empresário rico
de Nova York.
O que um carro assim está fazendo em um lugar como este?
Um estrondo metálico envia ondas de pânico percorrendo
minha espinha. Volto a olhar e vejo que a grande porta, meu
caminho de entrada, foi fechada com força. A fechadura encaixa no
lugar com um estrondo.
Acho que não fui avistado. Mas não faço ideia de como vou
entrar. E Jasper acaba de ser trancado.
Atrás do carro, há uma escada de incêndio de ferro forjado,
subindo pelo lado do prédio até uma porta no segundo andar.
Com um último olhar para trás, caminho em silêncio até as
escadas.
Elas rangem um pouco enquanto subo, mas parecem sólidas
o suficiente.
É difícil controlar o tremor nas minhas pernas quando chego
à porta. Giro gentilmente a maçaneta e tenho que me apoiar com
todo meu peso para fazê-la se mover. Mas respiro aliviado quando
ela se abre.
Entro e piso em uma passarela de metal, que percorre em um
quadrado ao redor da parede externa de um espaço amplo.
Acima de mim, há um painel no teto, de onde costumava
escorrer grãos, ou o que quer que seja. Agora, a única coisa que
entra é a luz do sol. Meus olhos precisam se ajustar à penumbra,
mas quando o fazem, eu a vejo. Do outro lado do galpão, Aisha está
caída no chão, apoiada em uma viga com as mãos amarradas atrás
dela.
Coloco a mão sobre minha boca para evitar que meu suspiro
involuntário chame a atenção. Porque Aisha não é a única pessoa
aqui. Bem embaixo de mim há um homem.
Esse cara parece que já esteve em uma briga de bar ou
duas. Braços bronzeados e musculosos se destacam de uma
jaqueta jeans sem mangas. O emblema da Cidade dos Renegados
está tatuado em seu ombro direito. Do outro lado dele, outro rapaz
com uma jaqueta de couro está sentado em uma cadeira,
descascando amendoins.
Me ajoelho para não ser visto e olho ao redor, me
perguntando se há mais deles.
Tem que haver mais deles, certo? E onde está Jasper? É
difícil identificar seu cheiro aqui, com o fedor dos renegados e o
cheiro de fermento do galpão.
Volto minha atenção para Aisha. Ela está caída no chão, com
um hematoma no canto direito da boca e uma pequena mancha de
sangue em suas calças. Sua cabeça está pendendo contra o peito,
e seus olhos estão fechados como se estivesse dormindo.
Como se pudesse me sentir, ela vira a cabeça para o lado e
abre um olho sonolento.
Ela ainda está viva, pelo menos.
— Ei, pessoal! — uma voz rouca ecoa das sombras. Os
outros dois ficam atentos. — O chefe chegou.
Uma torre de homem se aproxima com passos pesados.
Suas pernas são grossas como troncos, ameaçando rasgar as
costuras de sua calça jeans desbotada. Sua camiseta branca está
coberta de manchas e uma cicatriz percorre o lado de seu rosto.
Scarface? Meu coração salta para minha garganta ao ver a faca
presa em seu cinto. Aquilo parece mais uma machete.
— Onde ele está então? — responde o cara que descasca
amendoins.
— Ele está esperando no carro — diz Scarface. — Quer que
a gente traga a garota.
— Ele tem o dinheiro? — diz o cara com a tatuagem. Eu me
afasto da beirada da passarela quando Scarface se vira para seu
parceiro.
— Ele quer ver a garota primeiro.
— Isso não estava no acordo — resmunga o Tatuado,
esfregando os olhos. — Me deixe falar com ele.
Ele atravessa a sala e Scarface o segue enquanto eles saem.
Quem quer que seja o “chefe” deles, deve estar no carro da cidade.
Agora só resta o Amendoim com a Aisha. Ou talvez não. Há
movimento nas sombras atrás dela.
Como um verdadeiro ninja badass, Jasper emerge
diretamente atrás da Aisha. Ele se agacha e, enquanto o Amendoim
está distraído, Jasper estende uma de suas garras e corta a corda
que a prende.
Aisha ergue a cabeça, abrindo os olhos sonolentos, e Jasper
coloca a mão em seu braço. Seus olhos se abrem e seu corpo fica
rígido. Ela está acordada! E ela sabe que viemos resgatá-la.
Jasper se inclina perto da Aisha e sussurra em seu ouvido.
Não sei o que ele diz, mas ela assente de forma sutil, para não
chamar a atenção. Em seguida, empunhando alguma ferramenta
em sua mão – uma chave de fenda ou uma chave de boca, não
tenho certeza, nunca fiz aula de marcenaria – Jasper se levanta e
se aproxima do Amendoim por trás.
Eu sei o que ele está prestes a fazer! Ele ergue a chave
acima da cabeça e se prepara para nocautear o idiota.
Mas, antes que ele possa golpear, o Tatuado e Scarface
reaparecem.
Eu me inclino para frente, esperando que ele ouça os passos
deles, mas ele está muito focado em seu alvo. Jasper está prestes a
ser descoberto! E ele está em desvantagem numérica!
Eu sei que preciso fazer algo, então pulo para cima, meus
pés pousando pesadamente na passarela de metal.
— Jasper, cuidado!
Os olhos de todos se voltam na minha direção. Não tenho
certeza de quem está mais chocado em me ver. Amendoim, Aisha
ou Jasper.
— O que diabos...? — diz Scarface.
— Eles cheiram como ela — diz o Tatuado. — Eles são da
Matilha de Elite!
Amendoim rosna e gira, dando uma patada com a garra em
Jasper, que pula para trás.
Scarface e Tattoo vêm correndo e eu pulo de um lado para o
outro, sem saber o que fazer. Será que acabei piorando tudo?
Jasper está lá embaixo com os três e eu estou aqui em cima,
completamente inútil.
— Lá em cima! — grita Amendoim, apontando para mim, e
antes que eu saiba o que está acontecendo, o Tatuado está me
mirando. Ele salta no ar, agarrando uma viga e escalando a
estrutura como um free runner profissional.
Ele pousa pesadamente a alguns metros de distância de mim
e sorri. Seus dentes estão amarelados.
— Vou te partir ao meio — ele diz.
— Max! — grita Jasper. Parece que ele está prestes a tentar
uma acrobacia estilo Homem-Aranha, mas é interceptado por
Scarface.
Caramba, quão alto é aquele cara? Até Jasper parece
pequeno ao lado dele.
Ele tira a lâmina da bainha e golpeia Jasper. Eu gostaria de
continuar assistindo para ter certeza de que ele está bem, mas
tenho um grande problema com um renegado próprio.
— Aposto que você sangra bem bonito — diz o Tatuado,
dando um passo em minha direção.
— Na verdade, nunca fui muito bom com sangue — digo,
quase tropeçando para trás.
Eu gostaria de ter tempo para me transformar. Como lobo, eu
talvez tivesse uma chance contra esse cara. Mas se eu me
transformar, ele também vai se transformar, e tenho a sensação de
que o lobo dele poderia me engolir inteiro.
— Ah, não sei não, você me parece bem vulnerável —
provoca ele.
Olho para o chão abaixo, esperando que Jasper possa estar
vindo me salvar. Mas ele está ocupado lidando com Scarface e
Amendoim. Ele salta no ar, gira e dá um chute voador no rosto do
Amendoim. Scarface está em cima dele assim que ele pousa e
Jasper tem que se esquivar e rolar para evitar ser cortado ao meio.
Aisha está de pé agora também e, para surpresa dele, ela
pula nas costas do Amendoim, afundando suas presas em seu
pescoço. Ele grita, mas tenho que voltar minha atenção para o
renegado rosnando que avança em minha direção.
— Você vai sentir muita dor — ele diz, socando o punho na
palma da mão. — E eu vou aproveitar cada segundo.
Ele se lança contra mim. Eu grito e fecho os olhos, me
preparando para o impacto. Mas ele não vem. Em vez disso, ouço
um uivo dolorido e abro os olhos para encontrar o Tatuado
segurando a faca enfiada em sua coxa.
— Seu merdinha!
No chão, Jasper está de pé com o braço estendido,
acabando de lançar a lâmina de Scarface com precisão, derrubando
meu atacante.
— Se afaste dele — grita Jasper.
Tatuado geme enquanto se levanta. Eu viro e corro.
Há uma escada do outro lado da sala e, se eu conseguir
descer, posso me juntar a Jasper e Aisha e talvez possamos fugir.
Aisha grunhe ao bater no chão. Amendoim conseguiu tirá-la
das costas dele.
— Toma isso, vadia! — ele diz e dá um chute rápido em seu
lado.
Qualquer vantagem que Jasper tinha sobre Scarface se foi.
Eu me contorço com o som de ossos se quebrando ecoando pelas
paredes, quando o punho de Scarface atinge a bochecha de Jasper.
Não o rosto!
Na escada, encontro meu equilíbrio e estou na metade do
caminho quando uma mão áspera agarra meu pulso. O Tatuado
está se inclinando sobre a borda, me segurando tão forte que temo
que minha mão possa se soltar.
Atrás de mim, Aisha grita de dor. Amendoim chuta
repetidamente suas costelas. Jasper está em meu campo de visão,
preso em um golpe de gravata.
Esse resgate é um desastre e é tudo culpa minha.
Meus dedos são arrancados das barras de metal quando o
Tatuado me levanta no ar. Ele me segura acima da cabeça, trazendo
nossos rostos para o mesmo nível.
— Agora te peguei, pequeno vira-lata. Pena que vou ter que
te eliminar.
Estou balançando acima do chão de concreto, chutando
freneticamente minhas pernas. Em meio aos meus movimentos
desesperados, percebo a faca ainda cravada na perna do Tatuado.
Uma mancha úmida de sangue se infiltrou no jeans dele.
— Ei — digo. — O veterinário ligou. Eles vão ter que
amputar!
Aperto minha mandíbula e chuto. Meu pé entra em contato
com a faca e o Tatuado grita de dor.
Seu aperto se afrouxa e meu pulso escorrega livre. E então
estou caindo. Agito meus braços como se pudesse nadar pelo ar.
Me preparo para o impacto, mas felizmente minha queda é
amortecida. Eu caio em cima de dois corpos. De alguma forma,
Jasper, ainda preso em um golpe de gravata, conseguiu se enroscar
com o renegado em seu pescoço, debaixo de mim. Os três caem
em um monte no chão.
O choque da minha chegada é o suficiente para que Jasper
escape dos braços parecidos com uma píton de Scarface, e nós nos
levantamos às pressas.
Jasper se lança sobre Amendoim, o derrubando no chão,
enquanto eu me apresso para ajudar Aisha, puxando-a para cima.
— Você está bem? — pergunto.
— Eu consigo andar — ela responde.
Há um som de ossos se quebrando quando Jasper bate a
cabeça de Amendoim no concreto, nocauteando-o.
— Uau — digo.
— Por ali... — diz Jasper, apontando para a porta aberta.
Scarface ainda está se levantando, e o Tatuado está apenas
pela metade da escada. Temos menos de um segundo até que eles
estejam em cima de nós.
— … AGORA!!
Ele não precisa me dizer duas vezes. Eu seguro a mão de
Aisha e corremos por nossas vidas. Jasper chega ao lado livre de
Aisha e, juntos, os três saímos correndo do galpão em direção ao
sol.
De dentro vêm os arrepiantes sons de ossos se quebrando e
músculos se rasgando.
— Eles estão se transformando — digo. — Podem correr
mais rápido como lobos.
— Ela está muito fraca para se transformar — diz Jasper,
olhando para Aisha. — Temos que conseguir a pé!
— Ok. — Assinto. — Vamos!
Jasper coloca o braço de Aisha sobre seu ombro e, em um
movimento fluido, a levanta em seus braços.
Por um instante, olho para a esquerda e percebo que o carro
preto não está mais estacionado sob o silo. Para onde ele foi?
Não adianta pensar nisso agora, não quando há dois
renegados enormes e furiosos nos perseguindo.
— Rápido! — Grito, e corremos de volta em direção ao carro,
com os dois renegados logo atrás de nós.
Antes que perceba, deixamos para trás o cenário industrial
destruído e estamos correndo entre duas fileiras de árvores laranjas.
— Estamos quase lá! — Digo, quando o grupo de árvores
onde estacionamos entra em vista. Mas os renegados estão
ganhando velocidade.
— Ainda não escapamos totalmente — diz Jasper,
acelerando.
Eu acompanho seu ritmo, de alguma forma conseguindo
acompanhá-lo. Eu pensei que ser veloz fosse uma habilidade
específica da lua azul, mas aparentemente ainda a tenho.
— Entrem! — Diz Jasper assim que chegamos ao carro. Ele
abre a porta traseira e coloca Aisha lá dentro. Eu me apresso para o
lado do passageiro e mergulho.
Saímos e os renegados aparecem na poeirenta estrada à
nossa frente. Jasper agarra o volante e pisa fundo no acelerador.
— Se segure! — ele diz.
Seus olhos estão completamente negros enquanto ele
avança. Olho dele para os renegados, que não estão recuando. É o
jogo de vida ou morte que eu imaginei!
Os músculos de Jasper estão tensos e ele não está
respirando, ele não vai parar.
A um centímetro da colisão, os renegados desistem. Eles se
jogam para fora do nosso caminho, mas um deles não consegue
fazê-lo a tempo. Há um estrondo e um estalo quando o para-choque
dianteiro entra em contato com uma das patas traseiras dele. Eu
observo enquanto ele gira e cai desajeitadamente em uma fileira de
repolhos.
Saímos da trilha, levantando uma nuvem de poeira, e
voltamos para a estrada. Eu caio de volta no meu assento,
enxugando o suor da testa.
— Foi por pouco — digo.
Olho para trás uma última vez e os renegados
desapareceram, deixados para trás no horizonte. Aisha também
está olhando pela janela traseira, certificando-se de que colocamos
uma distância suficiente entre nós e eles.
Quando estamos em segurança, ela se vira para mim e eu
seguro sua mão.
— Conseguimos — digo, incapaz de conter a explosão de
riso que vem da minha alma. Aisha sorri e ri de volta para mim.
— Você conseguiu! — ela diz, radiante, mas ainda segurando
as costelas que provavelmente estão quebradas.
Deixo meu braço estendido para trás para poder continuar
segurando Aisha, pois preciso de contato físico constante, e olho
para Jasper.
Ele está calado, os olhos fixos na estrada.
— Jasper, conseguimos — digo, desejando que ele pelo
menos esboçasse um sorriso.
— O que você estava pensando? — ele diz. — Você poderia
ter nos matado.
— Eu queria ajudar.
— Bem, você não ajudou! Você colocou todos em perigo,
inclusive você mesmo. Eu disse para você ficar no carro.
— Eu pensei...
— Não, Max. Você não pensou. Você nunca pensa.
Eu recuo em meu assento enquanto continuamos a dirigir em
silêncio. Será uma longa jornada de volta para casa.
29
A casa do Alfa

— Onde estamos? — eu digo, piscando ao acordar enquanto


paramos entre duas paredes imponentes.
Está escuro lá fora e à frente um portão enorme e
ornamentado está se abrindo.
Será que acordei do lado de fora da Mansão Wayne? O
Batman está esperando lá dentro com um chocolate quente?
Devo ter adormecido em algum lugar da estrada de volta para
Nova York. Só que isso não é Manhattan nem Stony Point. Isso não
é nenhum lugar que eu reconheça.
Enquanto esperamos o portão se abrir, consigo ouvir o rugido
abafado do oceano ao longe. Mas isso não pode estar certo. Será?
— Estamos nos Hamptons — diz Jasper.
Eu me sento, balançando a cabeça. Devo estar ainda
dormindo porque isso definitivamente é um sonho.
— Nos Hamptons?! O que estamos fazendo aqui?
— Aisha precisa descansar e este é o lugar mais seguro para
trazê-la.
Aisha está dormindo no banco de trás, encostada na janela.
— Posso te levar para casa assim que ela estiver
acomodada.
— Mas que lugar é esse? — Eu olho para uma fileira de
árvores perfeitamente esféricas enquanto percorremos uma longa
entrada de cascalho.
— Esta é a minha casa — diz Jasper, engolindo em seco.
— Ah.
Continuamos deslizando até a frente da casa de Jasper
entrar em vista.
A casa tem três andares e parece ser feita inteiramente de
concreto e vidro. Brutal e minimalista, paira acima de nós –
alienígena e pouco acolhedora. Uma grande entrada é cercada por
canteiros de flores perfeitamente cuidados. Algumas palmeiras
balançam suas folhas na brisa e uma fonte borbulha no centro do
pátio.
Será que Tony Stark era o antigo proprietário?
À esquerda da porta da frente, há uma cerejeira – ainda em
flor. Pétalas rosa e brancas estão espalhadas pelo gramado como
doces.
Este lugar é demais, estupidamente demais e eu só vi o
quintal da frente!
A entrada se curva ao redor da casa, levando a uma porta da
garagem maior que a casa dos meus pais. A porta se abre enquanto
nos aproximamos.
As luzes se acendem lá dentro e entramos em um espaço
vazio entre dois outros carros. Saio do jaguar de Jasper e deixo meu
olhar vagar ao longo da fileira de veículos. Parece uma maldita
concessionária aqui dentro! Carros esportivos ao lado de SUVs,
jipes, sedans e motocicletas.
E não são apenas carros. Na parede distante, um par de jet
skis repousa em prateleiras de alta resistência. Há também
quadriciclos e carrinhos de golfe. Finalmente cai a ficha... isso não é
apenas a casa de Jasper. Esta é a casa do alfa!
Sem esperar por mim, Jasper carrega Aisha para dentro da
casa, então eu paro de admirar e sigo atrás.
No começo, é difícil absorver tudo. Parece tudo tão grande e
brilhante. Cada superfície parece impecável. Tenho medo de
arranhar meus sapatos no piso de concreto polido ou bater em uma
parede perfeitamente branca e deixar uma marca.
Há esculturas no corredor e pinturas abstratas que ocupam
paredes inteiras. Os móveis parecem intocados. A casa toda parece
saída das páginas da Architect's Digest.
Jasper nos leva até algumas escadas que dão para uma sala
de estar estéril. Quatro sofás que poderiam acomodar minha família
inteira três vezes ficam de frente um para o outro, entre uma lareira
embutida e uma parede de janelas.
Além do amplo gramado lá fora, consigo ver a encosta
ondulante das dunas de areia e, atrás delas, o mar.
Sigo Jasper por um corredor longo, passando por várias
portas, até chegarmos a um quarto escuro.
Com cuidado, ele deita Aisha na cama, onde ela se vira de
lado.
— Fique aqui — ele diz, se voltando para mim. — Vou buscar
água para ela e ver se consigo chamar um curandeiro de manhã.
Ele passa por mim, seguindo de volta na direção do corredor.
— Espere... — Ele se foi antes que eu possa fazer minha
pergunta. Quero saber se o alfa está em casa.
— Ele não quer dizer isso, sabe — Aisha diz, olhando por
cima do ombro.
— Ei, você deveria tentar dormir.
Eu me aproximo da cama e ajoelho ao lado dela, segurando
sua mão.
— Ele age assim só... — A voz de Aisha está rouca — …
porque ele está com medo.
— Quão forte você bateu a cabeça?
Aisha ri, mas suas risadas rapidamente se transformam em
tosse. Ela se senta para tentar respirar mais fundo.
— Wow, você está bem?
Ela assente e a tosse se acalma.
— Sem mais piadas — prometo. — Descanse um pouco.
Aisha assente e se deita de volta contra os travesseiros,
fechando os olhos.
Dou uma volta e observo o quarto. É grande, é claro,
provavelmente umas dez vezes o tamanho do meu quarto. A cama
é uma King Size Califórnia. Há espaço para um sofá completo e um
sistema de entretenimento, completo com o PS5. Uma grande mesa
de madeira fica em um canto e prateleiras embutidas ocupam uma
parede inteira, cheias de livros e troféus.
Este é o quarto de Jasper. Eu pensei que talvez ele nos
levasse a um quarto de hóspedes ou algo assim, mas não... Este é
o espaço dele, seu santuário interior.
Minha pele começa a formigar. Se eu fechar os olhos, posso
senti-lo, ele está em todos os lugares ao meu redor. O cheiro dele...
Não sei como não percebi antes.
Vagueio pelo quarto absorvendo cada pequeno detalhe,
tirando fotos mentais.
Não se parece em nada com meu quarto em casa. Para
começar, é muito mais arrumado. Não há pôsteres nas paredes,
nenhum bicho de pelúcia vazando enchimento de onde foram
rasgados oito anos atrás. Sem adesivos na cabeceira da cama e
sem pilha de roupas sujas.
Meus olhos percorrem os muitos, muitos prêmios, taças
douradas, placas e pequenos homenzinhos brilhantes em pedestais
com o nome de Jasper gravado neles. Ele ganhou mais prêmios do
que Meryl Streep!
A mesa dele está vazia, exceto por um laptop e uma foto em
uma moldura prateada.
Por quem ele se importa o suficiente para dar tanta
importância à foto deles? Vou até a mesa e pego a foto. É um
retrato em preto e branco de uma mulher deslumbrantemente
bonita. Eu a reconheço imediatamente.
Mitsuha Apollo, a mãe de Jasper. Seus cabelos negros estão
presos sob um chapéu de palha e ela sorri sem esforço. Ela tem as
mesmas sardas leves nas bochechas que Jasper.
— Essa é a minha mãe — diz uma vozinha atrás de mim.
Eu me viro e encontro uma garotinha parada na luz do
corredor.
Ela está usando um pijama azul claro com a Anna e a Elsa,
do Frozen, estampadas nele. Seu cabelo é escuro, como o de
Jasper. Ela parece a versão criança da mulher na foto.
— É? — eu tateio com a moldura tentando colocá-la de volta
na mesa para que não caia.
— Quem é você? — a menina pergunta, entrando
diretamente no quarto de Jasper.
— Eu? Ãh, eu sou o Max. Quem é... quer dizer, qual é o seu
nome?
— Eu sou a Jodie.
Ela dá aquele pequeno encolher de ombros fofo quando diz o
nome.
— O que você está fazendo no quarto do meu irmão?
— Eu... eu... — Por algum motivo, essa criança está me
intimidando. Deve ser por causa da linhagem alfa.
— Ei, rostinho fedorento — Jasper diz, retornando no
momento certo. — O que você está fazendo acordada?
— Eu não consegui dormir porque você não estava aqui.
Onde você estava? — ela diz.
— Eu tive que ajudar Aisha. — Ele atravessa o quarto e
coloca um copo de água na mesa de cabeceira ao lado dela. —
Você se lembra da Aisha, não é?
— Claro que sim — Jodie diz, balançando os braços para os
lados. — Ela está sempre aqui!
— Não fique com ciúmes, rostinho fedorento — ele provoca.
Então, Jasper tem uma coisa por apelidos bobos. Embora ele
não me chame de “cabeça dura” há um tempo.
— Venha aqui. — Jasper se aproxima de Jodie e se ajoelha
para abraçá-la.
Eu fico olhando em espanto. Nunca vi ele demonstrar esse
tipo de afeto por alguém. É meio desconcertante e meio adorável.
— O papai está aqui? — Jasper pergunta.
Jodie enfia um dedo na boca e balança a cabeça.
— Não.
— Ah, é por isso que você não conseguiu dormir?
Jodie franze o rosto.
— Vocês dois saíram e eu fiquei presa aqui com a Melissa.
Quem é Melissa? E o que ela fez para merecer esse olhar de
ódio?
— Eu pensei que a Melissa fosse uma boa babá — Jasper
diz.
— Ela me fez cenouras para o jantar. Cenouras! Nojento.
— Cenouras? — Jasper diz fazendo uma cara como se
tivesse acabado de comer um twinkie vencido. — Podemos fazer
melhor do que cenouras. Você quer um lanche?
Jodie assente entusiasmada e Jasper olha para mim.
— Você está com fome?
Eu nem pensei no meu estômago desde esta manhã cedo,
mas no momento em que Jasper pergunta se estou com fome, ele
começa a roncar como um lobo possuído.
— Eu poderia comer.

Jodie está sentada no balcão de granito da cozinha,


balançando as pernas e devorando um sanduíche de queijo
grelhado.
Jasper corta diagonalmente um segundo sanduíche com a
faca e desliza o prato na minha direção.
— Aqui — ele diz.
— Obrigado! — Eu pego o sanduíche e dou uma mordida
enorme. Eu solto um gemido audível e Jodie me lança um olhar
estranho e enojado. Mas esse sanduíche de queijo grelhado é o
melhor de todos! É tão gostoso. Eles devem ter algum tipo de queijo
chique porque é a melhor coisa que já coloquei na boca.
Jasper começa a preparar um sanduíche para si mesmo.
— O papai disse quando ele vai voltar, Jodes? — ele
pergunta, virando o sanduíche de queijo grelhado com um toque
profissional.
— Não — ela responde com a boca cheia.
Jasper me pega olhando para ele.
— Às vezes, o papai tem que sair de repente a trabalho. A
Melissa cuida da propriedade, então ela mora aqui e nós pagamos a
ela um extra caso precisemos que ela cuide da gente de última
hora.
Eu assinto como um louco, tentando fingir que tudo o que ele
acabou de dizer é totalmente normal.
Parece que Jericho está ausente com bastante frequência.
Não que você pudesse culpá-lo. Ele é o alfa! Ele tem toda
uma matilha para cuidar, e uma grande matilha também.
É meio óbvio que Jasper está acostumado a cuidar de sua
irmãzinha.
— Como está? — ele pergunta para Jodie, cujo rosto está
oleoso e com manchas de mostarda.
— Está bom — ela diz, acenando. — Um dos seus melhores.
Ela ri e é tão contagiante que eu começo a rir também.
Finalmente, quando ele não consegue mais evitar, Jasper começa a
rir também. Eu não consigo deixar de olhar para ele. Acho que
nunca o vi realmente rir antes. Claro, o sorriso dele é ridículo e a
única covinha que ele tem na bochecha direita é tão adorável que
meu coração pode explodir.
Eu gostaria que ele sorrisse mais vezes.
— Ok, hora de dormir, rostinho fedorento — Jasper diz
quando terminamos de comer.
— Tá bom — Jodie diz, suspirando. — Mas eu tenho que
escovar os dentes?
— Sim.
— Mas eu já escovei...
— Então você deveria ser boa nisso.
Ele a tira do balcão e começa a levá-la para fora da cozinha.
Tenho que admitir, ela é corajosa. Não muitas pessoas teriam a
coragem de enfrentar o Jasper assim.
— Ãh, ei, eu provavelmente deveria ligar para os meus pais
— eu digo. Minha mãe e meu pai devem estar tão assustados agora
que não me surpreenderia se eles tivessem chamado a guarda
costeira.
— Claro, a sala de estar é por ali. — Jasper acena na direção
de um corredor.
— Obrigado — eu digo.
Jodie segura a mão de Jasper e eles saem a caminho do
país dos sonhos.
— O Max vai nos visitar sempre agora? — Jodie pergunta
assim que eles saem do meu campo de visão.
Não consigo distinguir a resposta de Jasper.
Mas tudo bem. Estou apenas feliz por ter causado uma boa
impressão com um membro da família Apollo.
Eu entro na sala com todos os sofás, puxando meu celular e
ligando. Imediatamente sou bombardeado com mensagens de texto
e chamadas perdidas.
Afundando em um sofá, disco o número de casa.
— Alô? Max, é você?! — Mamãe grita ao telefone.
— Mãe, sou eu. Estou bem.
— Onde você esteve, Max? Estávamos preocupados demais!
Não adianta esconder nada da minha mãe, então começo do
começo e conto a ela sobre nossas aventuras com os renegados.
No meio da história, papai pega o outro telefone no escritório e
tenho que recomeçar tudo de novo.
Cada reviravolta provoca uma reação exagerada dos meus
pais. Ou eles estão aterrorizados pela minha vida, ou estão com
raiva de mim por agir impulsivamente.
Quando termino, meus pais iniciam um monólogo sobre o
quanto eles estavam preocupados e quanto estresse eu causei a
eles. Eu olho para as paredes da sala de estar espaçosa do alfa.
Não há fotos de Jasper ou Jodie aqui. Não há sinal de que uma
família sequer viva aqui.
Penso nas paredes da casa dos meus pais, cobertas com
tantas fotos embaraçosas minhas que é ridículo.
— Mãe, pai! — eu digo interrompendo-os. — Desculpe. Sinto
muito mesmo. Eu deveria ter ligado. Não deveria ter deixado vocês
se preocuparem. Mas prometo que estou bem.
Eles ficam quietos do outro lado.
— Vocês estão aí?
— Estamos apenas felizes que você está de volta e está
seguro, meu bem — mamãe diz, com a voz tensa como se
estivesse chorando.
— Vou pedir ao Jasper para me levar para casa de manhã,
certo?
— Certo, Max — diz papai. — Nós te amamos.
— Também amo vocês — eu digo e desligamos.
Esta casa é de última geração, é incrível, mas enquanto
guardo meu telefone de volta no bolso, me sinto animado sabendo
que minha casa é superior em todos os aspectos.
Fico pensando se devo esperar aqui embaixo por Jasper ou ir
encontrá-lo. Meu telefone está com pouca bateria e eu odiaria
perder outra ligação dos meus pais, então decido subir em busca de
um carregador.
Em um patamar no meio da escada, paro para olhar uma foto
na parede. É a única foto de família que vi em todo o lugar.
O alfa Jericho está em pé na praia com uma camisa folgada,
que mal consegue conter seu peito largo, e calças cáqui. Jasper,
com cara de adolescente angustiado, está à direita dele usando
uma camiseta preta e calças skinny que não são apropriadas para a
praia. Jodie está ajoelhada atrás de um castelo de areia, sorrindo
com a boca cheia de dentes de criança no meio de uma invasão da
fada dos dentes.
Há uma quarta pessoa na foto que eu não reconheço,
embora ele pareça estranhamente familiar. Ele está vestindo um
uniforme cinza e luvas de couro. Ele não parece fazer parte da
família – talvez seja um funcionário? – mas não consigo deixar de
sentir que já o vi ou alguém muito parecido com ele antes.
Exceto pelo estranho desconhecido familiar, é uma foto de
família fofa.
Subo as escadas para tentar encontrar Jasper e ouço sua
voz vindo do corredor.
Dou uma olhada dentro do quarto de Jodie e encontro Jasper
sentado em um puff ao lado de sua cama. Jodie está aconchegada
com a cabeça apoiada em um travesseiro fofinho, enquanto Jasper
lê para ela de um romance gráfico de Sailor Moon.
Essa garota tem bom gosto!
O quarto de Jodie também é enorme, mas está bagunçado
em comparação com o de Jasper. Brinquedos e livros estão
espalhados por um tapete rosa peludo. As paredes estão iluminadas
com o caloroso brilho alaranjado da lâmpada temática de “Raya e o
Último Dragão”.
Jasper lê até que Jodie adormeça. Quando ela está
dormindo, ele puxa o cobertor mais apertado ao redor dela e beija
sua testa.
Eu me apresso para voltar ao quarto dele e conectar meu
telefone na tomada.
Sem querer acordar Aisha, volto para a sala de estar. Estou
começando a suar só de andar entre os cômodos desta mansão.
Algo piscando no jardim chama minha atenção e eu olho
através da parede de vidro.
— Uau!

— Aí está você — diz Jasper olhando através da piscina. Ele


me encontrou, com as pernas encolhidas, os pés balançando,
aproveitando a água fresca.
— Desculpe, eu não queria interromper — digo. — E não
consegui resistir. Essa piscina é incrível.
É claro, eles têm uma piscina ridícula bem no quintal deles.
— Claro, mas por que você está sentado no escuro? — Ele
caminha até um pequeno galpão ao lado e entra.
As luzes da piscina se acendem, projetando aqueles padrões
retangulares alucinantes no fundo azulejado.
— Aqui — diz Jasper, aparecendo ao meu lado e estendendo
uma lata de refrigerante de laranja.
— Obrigado. — Eu abro a lata e dou um gole. — Jodie
parece legal.
— Ela é uma criança especial.
— Eu consigo perceber. Como Aisha está?
— Uma curandeira está vindo logo cedo. Mas não acho que
ela esteja muito machucada, nada que não vá cicatrizar em um ou
dois dias. Acho que ela está apenas cansada e abalada.
— Claro. — Eu dou um gole no refrigerante e penso em como
Aisha deve ter ficado aterrorizada. Fico feliz que conseguimos
resgatá-la.
— Eu quero me desculpar — diz Jasper, limpando a
garganta. — Pelo que eu disse no carro depois que a gente... bem,
você sabe.
Seus dedos estão fazendo marcas nos lados da lata.
— Eu sei que você estava apenas tentando ajudar. Não foi
legal da minha parte ficar com raiva do jeito que fiquei.
— Você estava estressado — eu digo. — Acabamos de
escapar de um bando de caras com sérios problemas de raiva. E
você estava certo. Eu deveria ter pensado melhor. Tenho tendência
a agir sem pensar nas consequências.
— Só porque você se importa.
Eu dou de ombros.
— Talvez. Ou talvez eu só não quisesse ficar para trás. Mas
de qualquer forma, obrigado, sabe, por se desculpar. Eu sei que
você tem muito acontecendo. Consigo ver isso. — Eu gesticulo em
direção à casa com meu refrigerante. — Eu não quero ser mais um
problema para você.
Baixo a cabeça e esfrego meus dedos enrugados juntos.
Todo esse tempo estive me lamentando, pensando que Jasper era
rude e egoísta por me ignorar. Mas a vida dele é louca. Depois de
apenas duas noites com ele, tive um gostinho de como deve ser
intenso. E estou exausto!
— Você não é... — ele diz, e eu olho para cima para vê-lo
olhando na minha direção. — Você não é um problema, Max.
Nossos olhos se encontram por apenas um momento antes
de ficar constrangedor demais e eu ter que desviar o olhar. Tem uma
folha no fundo da piscina. Eu a encaro, observando seus
movimentos sutis.
— Às vezes eu gostaria de ser mais espontâneo — diz
Jasper, dando um gole na bebida e chutando um pouco as pernas
na água. — Desde criança, toda a minha vida foi programada e
planejada. Jogar esse esporte, estudar muito, conhecer esse
diplomata estrangeiro. Eu mal tinha tempo para fazer amigos.
— Isso parece difícil.
— A verdade é que eu muitas vezes via crianças como você
e Aisha correndo por aí, fazendo barulho e se metendo em
confusão, e eu ficava com inveja.
Eu rio.
— Você tem inveja de mim? De jeito nenhum.
Ele balança a cabeça.
— Às vezes.
— Mas, tipo, como você pode ter inveja quando você tem
essa casa incrível e essa piscina?!
— Eu não disse que era frequente.
Eu não posso acreditar, Jasper está fazendo um biquinho, ele
está todo cerrado de mandíbula e sem contato visual.
— Podemos trocar de casa quando você quiser — eu digo, e
posso dizer que ele está se esforçando para não abrir um sorriso.
— Você é um cabeça dura — ele diz.
Eu faço uma expressão de choque fingido. Como ele se
atreve?!
— Pensei que você tivesse parado de me chamar assim.
— Nah, por que eu pararia de te chamar de cabeça dura,
quando você é um completo cabeça dura, cabeça dura?
Eu bato meu ombro no dele, tentando desequilibrá-lo.
— Paaaaara.
Ele me empurra de volta.
— Cabeça dura!
Eu viro as costas para ele de maneira muito dramática.
— Você é um idiota.
— Ei, cabeça dura, lembra daquela vez que saímos de
canoa?
O quê? Por que ele está me perguntando se eu me lembro...
Jasper me empurra e eu caio para a frente, caindo na
superfície da piscina. Eu volto à tona engasgando, agitando os
braços e cuspindo água.
— Por que você fez isso?!
— Vingança — diz Jasper, rindo.
— Isso não é justo. — Eu nado até a beirada da piscina e
seguro a perna pendurada dele.
— Não, não, o que você está fazendo? — ele pergunta, ainda
rindo.
Com todas as minhas forças, puxo. Jasper cai na piscina,
jogando água no meu rosto. Ele se aproxima de mim como um
tubarão, segurando meus ombros e me forçando para baixo.
Eu seguro os braços dele e lutamos. Nossas pernas se
enroscam enquanto tentamos manter o outro submerso.
Eventualmente, ambos voltamos à tona, ofegantes.
Tento limpar a água dos meus olhos, mas Jasper me
respinga e eu viro com uma expressão de choque de boca aberta.
Então é assim que ele quer jogar!
Eu o respingo de volta e continuo respingando até que ele
finalmente coloque as mãos para cima em rendição.
— Ok, ok! Você venceu!
Eu sorrio e fico na água, satisfeito.
Jasper ri enquanto faz movimentos circulares debaixo d'água
com os braços.
Depois de toda a nossa brincadeira, a noite parece mais
tranquila do que antes. E Jasper... Jasper está me encarando.
Gotas estão escorrendo de seu cabelo. Há mais pontinhos
espalhados em seus lábios.
Com um movimento suave, Jasper diminui a distância entre
nós. Ele nada diretamente até mim.
O que ele está fazendo?
Me preparo para ser puxado para baixo novamente, mas ele
não ataca.
Nós nos movemos para cima e para baixo na água,
ofegando, mantendo nossos olhos fixos. As estrelas giram acima de
nós em um ritmo acelerado.
Deixo as batidas suaves de minha braçada me aproximarem
de Jasper, diminuindo o espaço restante entre nós.
Ele não recua.
Eu passo uma mão pelo meu cabelo, empurrando-o para fora
dos olhos, e Jasper separa os lábios.
Cada célula do meu corpo anseia por se conectar com ele.
Nossas bocas se aproximam.
Será que isso está realmente prestes a acontecer?
Eu inclino a cabeça e me aproximo para beijá-lo.
30
A sombra do Alfa

As luzes do pátio se acendem piscando.


Jasper e eu nos separamos rapidamente, nos afastamos um
do outro e viramos a cabeça para a casa para ver quem interrompeu
quase o nosso beijo.
Eu fico na água e não consigo acreditar no que estava
prestes a acontecer.
Jasper e eu íamos nos beijar. Meu primeiro beijo e meu
primeiro beijo com meu companheiro. Até que alguém acendeu as
luzes.
Não percebo Jasper saindo da piscina até me virar e
encontrá-lo já fora, se dirigindo a sala.
Uma forma escura se move dentro da casa, chamando minha
atenção. Dois homens de terno estão parados na sala de estar.
Ambos têm a cabeça raspada e fones de ouvido.
— Saia — diz Jasper.
— O que está acontecendo?
— Meu pai chegou em casa.
— O quê? Seu pai... o alfa?!
Eu me apresso em direção à parte rasa da piscina e consigo
tirar meu corpo encharcado para fora da água. Jasper joga uma
toalha de praia nova para mim.
Minhas roupas estão encharcadas e não tenho certeza se
devo tirá-las antes de me secar, então por um segundo eu apenas
fico ali parado.
— O que você está fazendo? — pergunta Jasper, olhando
para mim como se eu não tivesse percebido que estou pegando
fogo.
— Desculpe.
Eu passo a toalha sobre os ombros e começo a esfregar o
cabelo.
— Ele está aqui fora, senhor. — Quase pulo quando ouço a
voz profunda e rouca. Um dos homens de Alfa Jericho está se
apoiando na porta dos fundos.
— Seu pai precisa falar com você — ele diz para Jasper
antes de desaparecer de volta para dentro.
Jasper olha para a porta. Ele recua os ombros e levanta a
cabeça. Ele está se preparando para o impacto.
Dentro de casa, Jasper e eu ficamos tremendo com as
toalhas sobre os ombros. A água pinga no chão enquanto
esperamos.
Dois membros da equipe de segurança de Jericho – porque
acho que é isso que eles são – estão nos observando,
especialmente a mim, com expressões indecifráveis.
Há uma pequena mudança em sua postura quando uma
sombra aparece no corredor e, um momento depois, a imensa figura
do Alfa Jericho surge.
Cada músculo do meu corpo fica tenso e aperto minha
mandíbula para tentar parar meus dentes de tremer.
O alfa se aproxima, sua estatura fazendo todos na sala
parecerem pequenos. Ele está vestido para negócios com uma
camisa azul-celeste que poderia explodir de seu peito musculoso a
qualquer momento. Sua mandíbula é quadrada perfeita e seus olhos
são surpreendentemente dourados. Apena seus cabelos grisalhos
denunciam sua idade.
Energia está pulsando dele enquanto ele se aproxima de mim
e um nó se forma em minha garganta, tão grande que tenho medo
de engasgar.
— Onde você estava ontem à noite? — pergunta Jericho a
Jasper.
Minhas pernas vacilam com o som de sua voz. Se ele falar
comigo, posso desmaiar completamente.
— Nós... eu... — Jasper vacila, com a cabeça baixa. —
Renegados levaram Aisha.
A testa de Jericho se enruga em pensamento. Ele parece
bravo quando está pensando.
Seus olhos se movem para mim.
— Quem é esse? — pergunta.
Minha boca fica seca como o deserto do Arizona.
— Ele é um amigo da Aisha — diz Jasper como se mal me
conhecesse.
Os olhos de Jericho não saem dos meus. Ele franze os olhos
e suas narinas se dilatam. Ele está me cheirando? Tentando
descobrir se sou um membro de sua matilha? Ou é algo mais? O
que mais ele pode descobrir sobre mim pelo meu cheiro?
— Vá esperar lá em cima — ele ordena.
Minhas pernas começam a se mover antes que eu possa
abrir a boca.
— Sim, senhor.
Os brutamontes da segurança me observam enquanto subo
as escadas, mas Jericho mantém seu olhar em seu filho.
Assim que estou fora de vista, paro e escuto.
— No que você estava pensando, invadindo o território dos
renegados assim? — Jericho rosna. — Sem mencionar levar civis
com você!
— Desculpe, senhor — diz Jasper.
— Eu pensei que tivesse te ensinado melhor do que isso.
Há uma pausa e por um momento não consigo ouvir nada.
Então Jericho continua.
— Você não tem o direito de colocar as pessoas em perigo.
— Ela é minha amiga, eu tinha que...
— Tinha que o quê? — A voz de Jericho ecoa pela casa. —
Você tinha que se mostrar como o adulto, não é?
— Eu não sou mais uma criança, pai.
Jericho zomba. Cara, esse cara é duro com o Jasper. Sinto
pena dele. Mas a forma como seu pai fala não é desconhecida.
Acho que é daí que o Jasper puxou.
— Não é mais uma criança, hein? Então pode explicar o que
você estava fazendo brincando na piscina tarde da noite?
— Ele escorregou... eu...
— Não quero ouvir isso, Jasper. É hora de você começar a
agir como o líder desta matilha.
Jasper não responde.
— E até então, se você tiver um problema com os renegados,
você me chama...
— Mas você não estava aqui!
Smack! O som seco e forte de um tapa deixa a sala em
silêncio.
Eu pressiono minha cabeça contra a parede. Jericho acabou
de bater no Jasper.
— Ei. — Um dos brutamontes aparece no topo da escada. —
Você não deveria estar se arrumando?
— Ah, sim. Eu estava apenas procurando um banheiro —
digo, girando como se estivesse completamente perdido.
— É por ali. — Ele faz um gesto na direção do banheiro.
— Certo, obrigado.
Começo a me dirigir para lá quando ele fala novamente.
— Nada de bisbilhotar, ok garoto?
Eu balanço a cabeça como se não tivesse ideia do que ele
está falando e dou risada de forma constrangedora. Ele não está
acreditando na minha atuação, mas continuo até que a porta do
banheiro se fecha atrás de mim com um clique.
Diante de mim está uma banheira com pés de garra e uma
bancada de mármore. Tudo neste banheiro é brilhante e sólido.
Assim como tudo nesta casa.
Eu vou me sentar na beira da banheira e aperto a toalha em
volta de mim. De repente, sinto um cansaço insano. Deve ser depois
da meia-noite e foram alguns dias monumentais.
Minhas roupas ainda estão molhadas e estou começando a
ficar com muito frio, mas não sei para onde mais devo ir. Não quero
encontrar Jericho ou um de seus capangas. E não quero que Jasper
pense que estou bisbilhotando em seu quarto. Então, me sento no
banheiro até ouvir uma batida na porta. Eu a abro um pouco,
apenas o suficiente para Jasper enfiar um punhado de roupas pela
fresta.
— Se vista — ele diz. — Vou te levar para casa.
— Ah, ok. — Eu fecho a porta e começo a me despir. Jasper
me deu um par de shorts de basquete e uma camiseta que é pelo
menos três tamanhos maior do que o necessário. Elas não parecem
ser suas roupas regulares. Talvez ele as use no dia de lavar roupa?
Procuro algum sinal de Jasper quando saio pelo corredor,
mas não encontro ninguém. A porta do seu quarto está entreaberta,
então eu entro.
Jasper está de frente para uma cômoda do outro lado do
quarto, sem camisa. Ele tem um braço sobre a cabeça e está
examinando suas costelas. Ele toca levemente e estremece.
— Você está bem? — pergunto.
Jasper abaixa o braço, mas não se vira para olhar para mim
ou responder. Ele pega uma camisa de uma das gavetas e a veste,
se movendo de forma desconfortável para acomodar suas costelas
doloridas.
Será que o renegado causou essa lesão nele ou... Jericho fez
algo mais do que apenas dar um tapa nele?
À minha esquerda, Aisha está dormindo na cama. Eu não me
importo com o que Jericho diz. Jasper fez a coisa certa indo atrás de
sua amiga. É exatamente o que eu teria feito. Estou até orgulhoso
dele por isso.
Se Jericho não consegue ver isso, então ele é um idiota.
— Você está pronto? — pergunta Jasper, vestido e se virando
para me encarar.
— Sim, só preciso do meu telefone e não sei o que fazer com
essas roupas. — Eu levanto as roupas encharcadas que eu estava
segurando.
— Aqui. — Jasper me entrega uma mochila sem pensar,
como se fosse um saco de lixo.
— Tem certeza?
— Com certeza. — Ele baixa o olhar. — Não é nada.
Eu enfio minhas roupas na mochila e pego meu celular de
onde o deixei conectado na parede.
— Tudo pronto. Tem certeza de que quer dirigir? Está bem
tarde.
Jasper está esperando junto à porta.
— Meu pai quer que eu te leve para casa.
— Sim, mas pode ser perigoso.
— Ele é o alfa — diz Jasper, girando para me encarar. — Ele
é o seu alfa. O que ele quer, ele consegue.
Eu não me mexo. Jasper está sendo ridículo. Ele quase nos
matou ao dirigir cansado. Ele não deveria ter que me levar para
casa só porque o pai dele diz isso.
— Max — ele murmura, e eu percebo que a mão dele está
tremendo.
Se não sairmos agora, eu é que estarei em apuros. Por mais
que eu odeie ver Jasper assim, não há mais nada que eu possa
fazer além de ir com ele.
— Estou indo.
Sigo Jasper de volta para o carro.
Na garagem, espero que Jasper destranque as portas antes
de jogar minha mochila de roupas no banco de trás.
Coloco um pé dentro do carro, mas congelo quando noto um
carro do outro lado do cômodo que não estava aqui antes. É um
carro preto, quase idêntico ao que vi do lado de fora do esconderijo
dos rogues. Não, é exatamente o mesmo.
Mas por que o mesmo carro estaria aqui? A menos que...
O Alfa Jericho acabou de chegar em casa.
Ele estava neste carro? Isso significa que ele estava lá na
Cidade dos Renegados quando resgatamos a Aisha?
Nada disso faz sentido.
Está tarde, estou cansado e talvez meus olhos estejam me
enganando. Balanço a cabeça enquanto minha visão fica
embaçada.
— O que você está esperando? — pergunta Jasper no banco
do motorista.
— Nada — respondo. Devo estar alucinando ou juntando
pontos que não existem. Porque a ideia de que o Alfa Jericho estava
de alguma forma envolvido no sequestro da Aisha é muito absurda
para ser verdade. É insano.
— Nada — repito e entro no lado do passageiro.
Durante todo o trajeto para casa, fico imaginando aquele
carro. Quanto mais penso sobre isso, mais convencido estou de que
era o mesmo. Mas não consigo pensar em nenhuma razão pela qual
o alfa estaria na Cidade dos Renegados. Pelo menos nenhuma
razão boa.
Jasper não fala comigo durante todo o percurso e consigo
perceber que é assim que ele quer. Também sei que ele não está
com disposição para que eu comece a fazer perguntas. Se eu
sugerisse que seu pai tinha algo a ver com o sequestro da Aisha,
ele teria mais chances de me cortar a cabeça do que ouvir. Então,
fico quieto.
Minha rua está silenciosa e vazia quando paramos em frente
à minha casa. Jasper puxa o freio de mão, mas não desliga o motor.
Nos filmes, aqui é onde o casal adolescente fofo teria um
beijo desajeitado, mas doce. Meu encontro nem mesmo olha para
mim.
— Bem, eu... — É isso. O fim da linha. Eu tenho que sair do
carro e entrar em casa, o que significa deixar Jasper.
Eu não faço ideia se ele sequer quer me ver novamente e
isso parece tão apressado. Depois de tudo o que passamos nos
últimos dias, sair agora parece muito abrupto, muito final.
Tem que haver mais.
Mas eu não sei o que dizer.
— Jasper... — ele estende a mão e abre minha porta. Minha
respiração falha no breve momento de proximidade, mas quando
Jasper se recolhe ao seu assento, só resta o ar fresco da noite me
dizendo que é hora de sair do veículo.
Eu pensei que estávamos progredindo. Quase nos beijamos,
não foi?!
Quem quer que aquele garoto fosse, aquele com quem
conversei perto da piscina, ele não está aqui no carro.
Numa única conversa com o pai, Jasper mudou, voltou a ser
a casca emocional que conheci no acampamento.
Pego minha mochila no banco de trás e coloco um pé para
fora do carro.
— Até mais — digo, olhando para trás pela última vez.
— Adeus, Max.
Jasper não olha para mim, seus olhos permanecem fixos no
volante.
Eu encaro o lado da cabeça dele, desejando que meus olhos
fossem feixes emocionais a laser para que eu pudesse transmitir
tudo o que estou sentindo diretamente para o cérebro dele.
Apenas olhe para mim, seu idiota! Apenas uma vez. Olhe
para mim!
Ele não se move.
Meu rosto se contrai. Não há sentido nem mesmo em tentar.
Eu saio para a estrada e fecho a porta com força. O motor ronca e
Jasper acelera antes mesmo de eu chegar à calçada.
Eu observo as luzes vermelhas da traseira do carro de Jasper
até que ele vire a esquina e desapareça.
Talvez para sempre.
31
Oi, velhos amigos

As próximas semanas passam num borram.


A vida volta ao normal. Como se todo o verão fosse um
sonho febril.
Não ouço mais falar do Jasper.
A Aisha manda mensagem dizendo que está se sentindo
melhor e até voltou a ensaiar.
Eu saio com a Katie, mas ela está sempre distraída
mandando mensagens para o Simon ou o Todd, tenho dificuldade
em acompanhar por quem ela está interessada.
Continuo pensando em tudo o que aconteceu. A corrida de
acasalamento, minha viagem com o Jasper, lutando contra os
renegados e conhecendo o alfa. Mas quanto mais tento me lembrar
dos eventos dos últimos meses, mais confusos eles se tornam.
Sem perceber, estou de volta à escola. Os corredores ainda
parecem os mesmos desde quando saí para as férias. Os armários
do ginásio ainda têm o mesmo cheiro. As conversas na cafeteria
são as mesmas. Mas eu não sou o mesmo.
Tento prestar atenção na aula, mas me pego olhando pela
janela ou fazendo desenhos no meu caderno. Não importa o quanto
eu tente me concentrar, meus pensamentos sempre voltam... para
ele.
Minha vida antiga parece um suéter velho que não se encaixa
mais direito.
Para piorar, a Katie não está aqui. Depois de se mudar para
Queens, a mãe dela a transferiu para uma nova escola mais perto
de casa.
Ela sempre foi meu ponto de referência lupino nesta escola
humana e eu preciso dela mais do que nunca.
Três semanas depois de voltar, a Katie me convida para sair
no fim de semana e eu agarro a oportunidade.
Nos encontramos no Parque Astoria, debaixo da Ponte
Robert F. Kennedy.
— Não acredito que sua mãe ainda não deixa você receber
pessoas! — digo enquanto a abraço.
— Ah, meus Deuses Lunares — diz a Katie, revirando os
olhos. — Ela ainda não encontrou um papel de parede para a sala
de estar e está determinada a não mostrar as paredes nuas para
ninguém.
— Ela é uma mulher exigente, sua mãe.
Eu entrelaço meu braço no da Katie e caminhamos por um
caminho, com grama verde de um lado e o Rio East do outro.
— Como está sua nova escola? — pergunto. Essa é uma
pergunta traumática para nós dois.
Ela suspira.
— Está tudo bem. Sem graça sem você. Mas fiz alguns
novos amigos.
— Ninguém tão incrível quanto eu, certo?
— Com certeza. Essa pessoa não existe. — Nós dois rimos.
— Mas fiquei surpresa em ver uma cara conhecida em algumas das
minhas aulas.
— O quê? Quem?
— Você vai ver. — Ela sorri de forma enigmática. O que ela
está aprontando? — Achei que seria legal fazer um encontro em
grupo.
Internamente, eu gemo. Quero passar um tempo de
qualidade com a Katie, não com a Katie e qualquer pessoa que ela
tenha convidado para nos encontrar. E se forem super chatos?
— Está tudo bem? — ela pergunta, lendo minha expressão
indiferente.
Tento forçar um sorriso.
— Sim, parece ótimo! Quem vamos encontrar?
— Você vai ver. — Ela bate o quadril no meu e sorri. — Antes
de encontrarmos todo mundo, me conta, você recebeu alguma
notícia do Jasper?
Toda vez que ouço o nome dele, meu coraçãozinho dispara e
meu estômago vai para a garganta. É difícil explicar. Odeio falar
sobre ele, só me lembra que ele me ignorou completamente, mas ao
mesmo tempo, é tudo o que quero falar.
— Ah, não. — Jogo a cabeça para trás dramaticamente.
— Que idiota! — Katie diz e eu tenho que rir. Ela nunca foi de
xingar muito, então até as palavras de baixo calão mais leves soam
estranhas saindo da boca dela.
— Sabe o que você deveria fazer? — ela pergunta. — Você
deveria aparecer na casa dele sem avisar um dia e exigir falar com
ele.
— Ok, claro — eu digo. — E o que eu diria a ele?
— Sei lá, conte como você se sente — ela diz, sinceramente
desta vez. — Eu sei que parece clichê, mas é tudo o que você pode
fazer.
Uma nuvem passa acima de nós, nos deixando na sombra
por um breve momento.
— Ele é um idiota se não sentir o mesmo.
Minhas bochechas ficam um pouco quentes.
— Ah, eles estão lá! — Katie aponta para o outro lado do
gramado e começa a acenar freneticamente. Eu olho na direção do
seu aceno e vejo duas pessoas sentadas em uma manta.
— Aquela é...?

— Ei, Eleanor! — digo enquanto nos aproximamos do


piquenique que já está em andamento.
— Oi, Max — ela responde. Alguém deve ter enchido o
tanque de feijão dela desde o festival porque agora ela está cheia
de energia.
Sentado em frente a ela está o Todd, com um grande sorriso
bobo no rosto e seus cabelos ruivos brilhando ao sol.
— Ei, cara — ele diz, estendendo a mão para fazer um
cumprimento estranho que eu não sei como retribuir.
— Ei.
Katie dá um abraço apertado em Todd e um beijo
desajeitado, depois se joga no cobertor.
— Ei, garota — ela diz, estendendo a mão para segurar a
mão de Eleanor.
— Desde quando vocês duas são amigas? — pergunto,
olhando entre elas.
— Acontece que a Eleanor estuda na minha escola. Temos
quatro aulas juntas! Acredita nisso?
— Matemática, inglês, economia e francês — diz Eleanor,
parecendo satisfeita consigo mesma.
— Não consigo acreditar — respondo.
— Tem sido incrível ter uma amiga de matilha este ano —
Eleanor se empolga. — Aqueles humanos simplesmente não
entendem.
Sinto uma pontada de ciúme porque Eleanor agora tem Katie.
Katie está se aninhando no peito robusto de Todd e sinto essa
sensação estranha, como se fosse uma criança e todos estivessem
monopolizando meu Nintendo.
Katie me lança um sorriso largo e começa a conversar com
Eleanor sobre seus colegas de classe. Todd também se junta à
conversa e eu me sento em silêncio, com um gosto amargo na
boca. Katie tem essa vida totalmente nova, esse novo círculo de
amigos, e eu tenho... o quê? Uma mensagem não respondida? Um
par de shorts de basquete e uma mochila?
Um quase beijo na piscina?
— Então, Todd, como vai o Simon? — pergunto. Isso deixa
todo mundo em silêncio. Eu sei que é uma jogada escrota,
totalmente injusta com a Katie, mas escapou.
Todd pigarreia e as bochechas de Katie ficam cor-de-rosa.
Ela me lança um olhar penetrante.
— Incrível, não é? — Eleanor intervém, sem perceber a
tensão entre Katie e eu. — Dois companheiros, algumas pessoas
têm toda a sorte. Mas Katie fez a escolha certa com esse aqui. —
Ela faz um gesto para Todd. — Eles são tão fofos. Não acha?
— Muito fofos — murmuro, pegando um punhado de batatas
fritas. As enfio na boca e encaro Eleanor. — Como você está se
sentindo, Eleanor?
— Desculpa, o quê? — ela pergunta e me olha como se eu
estivesse louco. Mas eu não estou louco, estou em uma missão.
— Da última vez que te vi, você estava bem chateada por
não ter encontrado um companheiro. Como você está se sentindo
agora?
Katie deixa cair o triângulo de sanduíche que estava prestes
a morder. Ela está irritada. Mas eu também estou.
Eu queria sair com ela, não com a presidente do clube de
canto.
— Estou bem — Eleanor diz, mentindo. Os músculos ao
redor da boca dela ficaram tensos e seu tom de voz subiu umas
doze oitavas. — Nem todo mundo consegue encontrar o
companheiro na primeira tentativa. Nem todos podemos ser como
esses dois pombinhos aqui. Ou o filho do alfa.
Meu fôlego fica preso na garganta e quase engasgo com as
batatas fritas com sabor de churrasco. O que ela sabe sobre o
Jasper? Olho para Katie com olhos arregalados e questionadores.
Ela contou para Eleanor sobre ele e eu?
Katie balança a cabeça o suficiente para eu entender que ela
não quebrou nossa confiança. Então o que Eleanor está falando?
— Jasper? — pergunto. — Eu não sabia que ele tinha
encontrado um companheiro.
— Ah, sim. Todo mundo está falando sobre isso.
Meu rosto está pegando fogo. O pânico está subindo no meu
estômago como água de enchente. Todo mundo está falando
sobre... mim?
— Que engraçado! — digo, rindo falsamente demais e
coçando a nuca. — Eu não ouvi nada sobre isso.
— Ah, isso é estranho — diz Eleanor. — Pensei que você e a
Aisha fossem amigos.
— O quê? — Meu pânico está rapidamente se transformando
em completa confusão.
— Sim, pensei que ela teria te contado que ela e o Jasper
são companheiros.
— Jasper e Aisha? — Solto uma gargalhada de boca aberta
enquanto as águas do pânico se acalmam. Meu estômago começa
a doer de tanto rir.
— Por que isso é engraçado? — Eleanor diz, totalmente sem
noção. — Fico feliz por eles.
— Eles não são companheiros — digo.
— É isso que todo mundo está dizendo. Pelo menos foi o que
meu pai me contou e ele conhece muito bem o alfa, então...
— Obviamente não muito bem — respondo com rispidez.
Eleanor dá de ombros como se não se importasse.
— Pensei que por isso eles dois tivessem saído mais cedo do
festival. Para ficarem juntos em particular.
Embora eu saiba que não é verdade, ainda sinto a picada do
ciúme sabendo que as pessoas lá fora acham que o Jasper está
ligado a outra pessoa.
— Max? — Katie pergunta. — Você está bem?
Eu a encaro por um tempo além do necessário.
— Sim — digo. — Estou bem. Só com sede.
Há uma lata de refrigerante de uva intocada no tapete do
piquenique, então eu a abro.
— Acho que me enganei — diz Eleanor enquanto eu tomo
um gole da bebida. — Vou ter que contar ao meu pai.
Finalmente, minha pulsação volta ao ritmo normal.
Pelo resto do piquenique, eu tento ao máximo ser amigável.
Até me pego rindo de algumas piadas bobas do Todd e sorrio
quando vejo a Katie orgulhosamente sorrindo para seu
companheiro.
No entanto, não consigo deixar de lançar olhares inquietos
para Eleanor. Ela já superou seu pequeno erro, mas ainda me sinto
abalado. Não é como se eu quisesse que o mundo soubesse sobre
mim e Jasper. Você não me pegará anunciando isso aos quatro
ventos. Mas saber o que as pessoas estão falando me deixa
desconfortável.
Quando o céu começa a ficar alaranjado, Katie diz que vai
me acompanhar até a estação de metrô mais próxima. Ela abraça
Todd e diz que o encontrará novamente ali, então o beija... com
língua. O refrigerante de uva gira no meu estômago ameaçando
voltar.
— O que foi aquilo? — pergunto quando finalmente estamos
caminhando de volta ao longo do rio.
— Você quer dizer o Todd? Eu sei que eu disse que tinha
acabado de verdade da última vez, mas então começamos a trocar
mensagens novamente e ele perguntou se poderia me ver neste fim
de semana e eu não consegui dizer não, mas ainda quero ver como
as coisas vão com o Simon e...
— Não, não é isso — interrompo. — Embora, pense mais
nisso porque preciso de mais detalhes. Estou falando do que a
Eleanor disse.
— Você quer dizer sobre Jasper e Aisha?
Eu assinto.
— Ela já mencionou isso antes e eu a deixei acreditar. Pensei
que você preferiria se as pessoas assumissem isso, então, bem... a
verdade.
— Acho que fiquei surpreso com o quanto isso me
machucou.
— Ah, Max. — Katie me abraça. — Sinto muito que as coisas
não estejam indo bem para você. — Ela para de andar. — Sabe de
uma coisa? Acho que estava certo antes.
Eu rio. Ela tem o mesmo olhar nos olhos que tinha quando
prometeu que conseguiria ingressos para Dear Evan Hansen,
mesmo que estivesse esgotado.
— Certo sobre o quê?
— Talvez você devesse ir até a casa dele e dizer como se
sente. Quem disse que ele pode controlar a conversa, não é
mesmo?
Pequenos arrepios começam a surgir em meus braços.
Houve um tempo em que eu teria discutido com a Katie e dito que
ela estava sendo ridícula. Até cerca de um mês atrás, eu estava
aterrorizado em enviar uma mensagem de texto para o Jasper. Mas
pensar em vê-lo novamente está me deixando tonto. Depois do que
passamos com os renegados, não tenho mais medo dele.
E se a Katie pode nos arranjar ingressos para ver Jordan
Fisher cantando “Waving Through a Window”, eu posso enfrentar o
Jasper.
O único problema é chegar até ele.
— Ele nem mesmo responde minhas mensagens — digo.
— Se ele não responder às suas mensagens, então você
precisa levá-la até ele. Surpreenda-o.
— Não sei se consigo simplesmente ir até a casa do alfa, a
segurança é bem rigorosa. Provavelmente têm minas terrestres e
armadilhas na frente deles!
— Você só precisa de uma boa desculpa para vê-lo. Tenho
certeza de que consegue pensar em algo.
Atrás da Katie, alguns caras estão jogando basquete em uma
quadra cercada. Um cara magro de uniforme vermelho faz uma
cesta da linha de três pontos e marca.
Bermuda de basquete e uma mochila.
É isso!
Katie está certa. Não vou ficar sentado aqui sofrendo como
tenho feito. Não quando sei como me sinto e não depois do que
quase aconteceu naquela piscina. Jasper está sentindo isso tanto
quanto eu, só que ele tem mais motivos para ignorar do que eu.
Então cabe a mim dar o primeiro passo.
E talvez eu já tenha minha desculpa.
— Sabe de uma coisa? — digo. — Acho que você está certa.
Está na hora de eu visitar o Jasper.
32
Encare os fatos

Isso é uma péssima ideia.


Me aproximar da propriedade do alfa parece como caminhar
em direção a uma prisão de segurança máxima e implorar para ser
atingido por um atirador de elite.
Tenho a mochila do Jasper pendurada em um ombro com
suas roupas lavadas e passadas dentro dela.
Esperançosamente, essa será a minha entrada.
A Katie disse que ela me cobriria e diria aos meus pais que
estávamos saindo juntos, caso eles liguem para o lugar dela para
verificar como estou. Gastei praticamente todas as minhas
economias em um táxi até os Hamptons.
Agora que estou aqui, porém, estou começando a pensar que
tudo isso foi um erro. Os portões se erguem sobre mim como se eu
fosse uma formiga, fácil de esmagar.
Há um teclado e um alto-falante em uma coluna à direita. Eu
seguro meus ombros para trás e me aproximo. Isso pode ser um
erro, mas cheguei até aqui. Não posso mais voltar atrás.
Aperto o botão de chamada e espero por uma resposta. Nada
acontece. E se eu apareci e não tem ninguém em casa? Espero por
um longo momento antes de apertar o botão novamente. Ainda
nada. Estou prestes a virar e voltar para casa quando ouço um
clique e algum ruído estático e então uma voz feminina.
— Olá, posso ajudar você?
Eu congelo. Não consigo fazer isso. Nem mesmo sei quem é
a mulher do outro lado.
Talvez se eu não disser nada, ela pensará que é uma
brincadeira e esquecerá que eu liguei.
— Eu posso te ver — ela diz. Eu olho para cima, para o topo
do portão, onde uma câmera de segurança está apontada na minha
direção. Claro.
— O-oi — eu digo, me inclinando em direção ao alto-falante.
— Posso ajudar?
— Sim, eu estava apenas querendo saber se... se... — ainda
estou surtando. Isso nunca vai funcionar. Por que eu achei que o
Jasper atenderia a porta de sua própria casa?
Lembro de algo, algo que o Jasper disse sobre a casa ter um
gerente.
— É a Melissa? — eu pergunto, cruzando os dedos.
— Sim, quem está falando?
Suspiro aliviado. Talvez isso seja minha entrada.
— Sou um amigo do Jasper. Estive aqui outro dia e peguei
emprestado algumas roupas dele. — Eu viro meu ombro para que a
mochila fique completamente visível na câmera. — Vim apenas
devolvê-las.
Há uma longa pausa cheia de chiados e então um bip e os
portões se abrem.
— Entre.
Funcionou!
Minha gola está úmida de suor quando chego ao final da
entrada. A casa parece a mesma à luz do dia. Fria e austera. À
minha esquerda, o carro preto está estacionado em frente às portas
da garagem. Os pelos dos meus braços se arrepiam.
Eu quase tinha esquecido do carro, atribuindo-o à
coincidência. Mas ao vê-lo ali, escuro e baixo no chão, meu
estômago de repente se enche de apreensão.
Em algum lugar no fundo da minha alma, eu sei que tenho
que fazer isso. Mas enquanto toco a campainha, olho para trás para
o carro.
Algo não parece certo.
Melissa abre a porta e fico aliviado ao ver como ela parece
normal. Cabelos castanhos levemente cacheados caem sobre os
ombros de sua blusa azul de lã. Ela está em pé em um pé coberto
por uma meia rosa, apoiada no batente da porta, perfeitamente à
vontade.
— Oi — ela diz, sorrindo amplamente. — Você deve ser o
Max.
Abano a cabeça incrédulo.
— Você sabe o meu nome?
— A Jodie me disse. Ela é ótima em lembrar nomes,
especialmente quando ela pode ficar acordada até tarde e comer
lanches não saudáveis com visitantes inesperados.
Sinto meu rosto corar e olho para o chão. Um dos meus
sapatos está desamarrado, deve ter se soltado durante a
caminhada.
Então o Jasper não falou sobre mim para ela.
Eu esfrego a parte de trás do meu pescoço.
— Sim, desculpe por isso.
— Não é sua culpa — ela diz, acenando com a mão
displicentemente. — É o seu amigo Jasper que deveria saber
melhor. Falando nisso...
Ela estreita os olhos para mim.
— O Jasper não costuma trazer amigos para casa. Ele está
esperando por você?
— Bem, não exatamente — eu digo. — Ele apenas me
emprestou essas coisas depois que eu caí na piscina e eu queria
devolvê-las.
— Certo — ela concorda, mas continua me olhando com um
bico suspeito. — Então, ele provavelmente ficará surpreso em te
ver, certo?
— Provavelmente — minha voz trava na garganta, fazendo
parecer que acabei de entrar na puberdade.
— Ótimo, o Jasper tem estado de mau humor ultimamente.
Talvez uma surpresa seja exatamente o que o médico receitou. Isso
ou um chute no traseiro. Venha por aqui.
Melissa abre a porta bem e me conduz para dentro.
— Você sabe o caminho até o quarto dele?
Mesmo que eu não me lembre do caminho, não importaria.
Assim que entro na casa, consigo sentir a presença do Jasper.
— Eu encontro — digo, indo em direção à escada.
— Faça um favor para mim — Melissa diz. — Não diga a ele
que eu deixei você entrar?
Eu rio.
— Claro.
A porta do Jasper está fechada quando chego, então eu bato,
mas não há resposta.
Eu giro a maçaneta. Está escuro lá dentro e o cheiro
normalmente atraente do Jasper está misturado com um odor
mofado e abafado.
— O que você está fazendo aqui?
Dou um pulo. Eu não o tinha visto na penumbra. O Jasper
está na cama, sentado de pernas cruzadas. Provavelmente
meditando.
Ele abre um olho quando eu entro. Seu quarto parece
diferente. Pratos sujos e copos meio cheios de água estão
espalhados pela mesa. Livros estão espalhados pelo chão. A roupa
suja transborda da cesta como um deslizamento de marcas de grife.
Está quase tão bagunçado quanto o meu quarto.
— Você está bem? — pergunto. Quero abrir as cortinas e
deixar entrar um pouco de luz, mas o Jasper pode me matar se eu
fizer isso.
— Estou bem — ele responde. — Como você entrou?
— Não posso dizer.
— Melissa — ele balança a cabeça em frustração e
incredulidade.
— Sim, mas não foi culpa dela. Eu disse a ela que éramos...
amigos.
— O que você quer?
O que eu quero? Quero que ele saia dessa cama estúpida e
fale comigo como uma pessoa. Quero que ele reconheça que há
algo entre nós, quer ele goste ou não. Quero que ele aja como se
sentisse algo, qualquer coisa!
— Trouxe suas roupas e sua mochila de volta.
— Você não precisava.
Nenhum de nós fala por um segundo, eu mudo meu peso de
um pé para o outro e, finalmente, deixo a bolsa aos pés da cama
dele.
Bem, eu fiz. E aqui está.
— Isso é tudo? — ele pergunta.
Não sei por que me dei ao trabalho de vir aqui. Deveria ter
sabido que seria assim.
— Sim — digo, passando a mão pelo rosto. — É isso.
Viro para ir embora, mas me seguro na porta. Se eu sair
deste quarto agora, vou me arrepender. Vou sair e ser preenchido
com o mesmo sentimento doentio e irresoluto que tive desde que o
vi pela última vez. Aquele que me tirou o apetite e me transformou
em um zumbi na escola.
Me viro e o encaro.
— Na verdade, não é isso.
Ele geme e joga a cabeça para trás.
— Jasper, precisamos conversar sobre isso. Não podemos
simplesmente ignorar.
Ele balança as pernas para fora da cama e se levanta em um
movimento fluido.
— Não há nada para conversar.
— Como você pode dizer isso? Seja lá o que isso for, está
me consumindo por dentro. Não consigo pensar, não consigo comer,
mal consigo funcionar.
— Você vai ter que aprender.
— Eu não consigo!
Jasper se aproxima de mim.
— Você não tem escolha!
Meu queixo começa a tremer. Sinto como se meu peito
estivesse desmoronando.
— Por quê? — Tento falar sem soluçar, mas é tarde demais.
Lágrimas já estão caindo no tapete muito caro de Jasper.
— Meu pai me disse para escolher uma companheira. Uma
mulher adequada para se tornar a luna desta alcateia.
— O quê?
— Em duas semanas, na Celebração da Lua da Colheita, vou
anunciar minha companheira escolhida diante de toda a alcateia.
Não tenho escolha.
Minha visão fica embaçada. Minha cabeça lateja. Meu
coração... está despedaçado.
Como isso está acontecendo? Ele vai sacrificar nossa
conexão só porque o pai dele disse para ele fazer isso.
A dor no meu peito é tão intensa que só posso imaginar como
será quando Jasper romper nosso vínculo de companheiros de vez.
— Max, você está...?
— O que há de errado com você? — grito. — Como você
pode apenas ficar aí parado e fingir que não é real?
Gotas de saliva voam da minha boca enquanto continuo a
desmoronar.
— Você não sente um vazio? Eu sinto! Sinto que nada
importa, como se a vida não tivesse sentido. Mas talvez se apenas
nos aceitássemos, se nós...
Jasper ri ironicamente e vira o rosto.
— Você não sente nada? — pergunto.
— Eu...
Ele aperta e solta a mandíbula.
— Eu sinto coisas — ele grita. — Mas o que você não está
entendendo é que não importa.
— Eu não acredito em você.
— Encare os fatos, Max! O que quer que exista entre nós é
irrelevante. A alcateia precisa de um alfa forte e um alfa forte tem
uma luna ao seu lado. É só isso.
Não sei o que mais dizer.
Jasper endireita as costas, recuperando a compostura.
— O alfa deu sua ordem e em duas semanas eu terei
escolhido uma nova companheira. Uma fêmea.
Eu cerro os punhos e meu corpo estremece com soluços.
Ficamos ali na escuridão – eu chorando e Jasper não fazendo nada
para me confortar.
— Você deveria ir embora agora — diz ele, finalmente.
— Mas você é... você é meu... — Encontro o olhar de Jasper.
Meus olhos ardem, mas os mantenho fixos nos dele. — Você é meu
companheiro.
Ele estreita os olhos.
— Não existe versão dessa história que termine do jeito que
você quer.
— Eu não posso acreditar nisso — digo.
— Acredite! Alguém como eu nunca poderia ficar com alguém
como você.
Me curvo como se tivesse levado um soco no estômago.
Jasper não se mexe.
Suas palavras são frias – vazias e finais. Não há mais nada a
dizer. Qualquer esperança que eu estava agarrando se foi.
Eu mordo, aperto a mandíbula e me viro para ir embora. Eu o
odeio por me machucar tanto e queria poder machucá-lo também.
No corredor, paro e olho por cima do ombro. Eu tenho uma
última pergunta para Jasper.
— De quem é o carro lá fora?
— O quê?
— O carro preto na frente, de quem é?
— É do meu pai — ele diz.
Passo a mão na moldura da porta de Jasper.
— Eu o vi do lado de fora do depósito quando resgatamos a
Aisha.
Ele estreita os olhos.
— O que você está dizendo?
— Seu pai estava lá, Jasper. Ele fazia parte disso.
— Isso é impossível — ele cospe. — Você não tem prova
alguma.
— Você pode sentir o que estou sentindo, certo? Parece que
estou mentindo?
Silêncio.
Antes que ele possa dizer mais alguma coisa, eu saio. Saio
da casa de Jasper com pressa, pela sua longa e estúpida entrada, e
pela ridícula grade. Só respiro quando estou do lado de fora, perto
da estrada com a grade se fechando atrás de mim.
Acho que vou desmoronar e chorar, mas não o faço. Uma
onda de exaustão me atinge e eu caio de joelhos.
Fico assim por um tempo, deixando a brisa do mar esfriar
minhas bochechas ardentes.
E finalmente, quando estou pronta para me levantar
novamente, tiro o celular do bolso e chamo um táxi.
Que se dane o custo, já perdi tudo que importa.
33
Farto

— É isso — eu digo. — Estou farto.


— Max, você tem certeza? — Katie pergunta do outro lado da
linha telefônica.
Afundo meus pés no cobertor e encosto minha cabeça na
parede do meu quarto. Pode ser segunda-feira, mas consegui
convencer meus pais de que não estou me sentindo bem, então
eles me deixaram faltar à escola.
A verdade é que eu não estou doente, mas também não
estou bem. Não saí do meu quarto desde que cheguei em casa
ontem e, agora, não tenho certeza se vou querer sair novamente
algum dia. Tudo o que quero fazer é sentar na minha cama e fingir
que nada existe.
Enviei uma mensagem para Katie dizendo algo nesse sentido
e ela ligou assim que pôde. Agora, ela está em uma cabine de
banheiro quando deveria estar na aula de biologia.
— Sim. Tenho certeza. Jasper deixou bem claro que ele não
se importa, então por que eu deveria me importar?
— Ele é o seu companheiro. Não vale a pena lutar por isso?
— Você me conhece, Katie. Desde quando eu me importo
com companheiros? — Há uma pausa longa. Acho que ouço um
som de descarga ao fundo.
— Bem... desde que você conheceu o Jasper — Katie diz em
voz baixa.
Ela está certa. Companheiros sempre pareciam algo tão
básico para se enlouquecer até eu encontrar o meu. E aquela
sensação, aquela que tivemos na floresta naquela noite, é difícil de
esquecer. Difícil de seguir em frente.
Se Jasper pode fazer isso tão facilmente, então eu também
posso.
— Seja como for. Ele vai escolher outra pessoa. Ele não me
quer.
— Você tem certeza? E se o pai dele o estiver forçando?
Você disse que o alfa é duro com ele.
Eu resmungo. Duro é um eufemismo. Beirando o abuso é
mais próximo da verdade.
— Mesmo assim, você está me pedindo para lutar por algo
quando ele já desistiu.
— Eu só acho que vale a pena tentar mais uma vez — diz
Katie e então faz uma pausa. Consigo ouvir vagamente uma porta
se abrindo.
— Você está aí?
— Sim, desculpe. Achei que alguém estava entrando. Tudo o
que estou dizendo é... você viu como tem sido difícil para mim com
o Todd e o Simon. Sou tão confusa que nem consigo escolher com
quem quero ficar.
— Sim, você vai ter problemas quando eles descobrirem que
você ainda está saindo com os dois.
— Eu sei, não me lembre disso. Mas esse não é o ponto. O
ponto é que o Jasper está na mesma situação, só que ele tem que
escolher entre o companheiro e a vida em que nasceu. Ele estaria
sacrificando tudo. Parece difícil, certo?
— Talvez — murmuro.
— Só acho que se você quer alguma coisa… e eu sei que
você quer… você deve lutar por isso.
— Eu só não tenho certeza...
— Ah não, Max, eu preciso desligar...
Ouço uma voz adulta... uma professora?... perguntando a
Katie o que ela está fazendo e então a ligação cai.
Eu resmungo e jogo meu celular na cama. Em seguida,
deslizo para o lado ao longo da parede até ficar deitado com os
joelhos puxados para o peito.
Mesmo com as cortinas fechadas, não está escuro o
suficiente. Quero que o mundo desapareça. Quero afundar no meu
colchão e nunca mais levantar.
Katie pode estar certa. Talvez Jasper esteja em uma situação
complicada, mas por que isso significa que sou eu quem tem que
fazer todo o trabalho pesado? Por que é minha luta e não dele?
Odeio o quanto quero isso. Odeio ter sido reduzido a essa
bola de ansiedade. Eu nem me importava com todas essas coisas
antes e agora é a única coisa que ocupa minha mente. Por que é
assim?
Pensava que fosse diferente.
Fecho os olhos e tento dormir quando a campainha toca. É
mais alto do que o normal, como se o mundo estivesse me
chamando de volta – incapaz de me deixar escapar.
Com esforço, mantenho meus olhos fechados e espero,
torcendo para que a pessoa vá embora. Mas ela continua tocando e
tocando. Droga, o mundo é persistente.
Finalmente, resmungo e saio da cama.
— Já vou! — lamento enquanto desço as escadas.
A campainha ainda está tocando quando abro a porta.
Aisha está parada no tapete da porta, com o dedo pairando
sobre o botão.
— Você está com uma aparência horrível.
— O que você está fazendo aqui? — pergunto.
— Achei que você poderia pegar um pouco de ar fresco.
— Aisha, não estou no hu...
— Vá colocar uma calça, vou te levar para passear.

— Nunca tive a chance de agradecer adequadamente — diz


Aisha quando estamos a uma boa distância da casa. — Por me
salvar.
Estou levando Aisha até o rio. O sol brilha através do dossel
verde-esmeralda e o canto dos pássaros na floresta é animado pra
caramba. Se eu não estivesse de mau humor, seria um dia bonito.
Mas Aisha está certa – o ar fresco está me fazendo sentir um
pouco melhor. Pelo menos no momento, não sinto vontade de
chorar.
— Não se preocupe com isso.
— Não, Max, não faça isso. Não minimize a coisa incrível que
você fez. Você foi correndo para um ninho de renegados, mesmo
sendo perigoso, só para me salvar. O que você fez foi incrível.
— Ok. — Eu coro. — De nada.
— Você e Jasper formaram uma ótima equipe. — Ela sorri de
lado e olha para mim.
— Diga isso a ele — resmungo. — Aposto que você está
convidada para a festa da Lua da Colheita ou algo assim.
— Estou. — Ela assente. — Minha família participa todos os
anos.
— Então você vai ter um verdadeiro espetáculo.
— Nem me fale — diz ela. — Quase tive um papel principal.
— O quê?
Aisha suspira e para de andar, ela puxa uma folha de um
galho próximo e a rasga ao meio.
— Jasper me pediu — ela diz, rasgando a folha. — Para ser
sua companheira.
Instantaneamente, fico tonto.
— Não se preocupe — ela diz, largando os fragmentos da
folha e estendendo a mão para me apoiar. — Eu disse não. É claro
que eu disse não.
— Ah, ok. — Meu centro de gravidade se estabiliza um
pouco.
— E falei o que pensava também.
Continuamos a caminhar.
— Você fez isso? — pergunto.
— Claro que sim. Ele não tinha o direito de me pedir para ser
a companheira dele quando eu sei muito bem que ele já tem um. E
ele sabe que estou apaixonada por Troy. Eu o repreendi por quase
meia hora.
— Então, ele ainda não encontrou uma nova companheira?
— Eu não sei. Ele pode perguntar a outras pessoas.
De repente, esse lindo dia parece um insulto. Eu debocho
dos raios etéreos de luz amarela que atravessam as folhas. O som
borbulhante da água corrente do lago próximo me deixa irritado.
Como o mundo se atreve a ser tão animador quando não há nada
para se sentir bem?
— Mas, Max, você deveria saber que essa não foi a decisão
dele. O pai dele está obrigando-o a fazer uma escolha.
— Isso é o que eu não entendo — digo enquanto chegamos
ao lago. Vou para o meu lugar habitual e me sento, afastando
algumas folhas caídas. — Por que o pai dele quer tanto que ele
tenha uma companheira?
— O Alfa Jericho tem altos padrões para Jasper. — Aisha se
senta ao meu lado e olhamos para o riacho passando. — Na visão
dele, um futuro alfa deveria estar acasalado agora. Ele tinha
dezesseis anos quando seu acasalamento foi arranjado.
— Espera, o acasalamento de Jericho foi arranjado?
— Isso é outra coisa. Acasalamentos arranjados são bastante
comuns em famílias de alto escalão. Eles gostam de manter as
linhagens o mais puras possível. Então, para Jericho, permitir que
Jasper escolha alguém é progressista.
— É bárbaro.
— Talvez. Mas estamos falando de séculos, inferno, milhares
de anos de tradição aqui. O alfa precisa de uma companheira para
dar continuidade à linhagem de sua família. E a existência inteira de
Jasper se resume a prepará-lo para assumir esse papel. Este é
apenas o próximo passo.
— Isso é péssimo.
— Eu sei. — Ela coloca uma mão reconfortante no meu
joelho. — Sinto muito.
Um pequeno e rechonchudo tordo pousa em um galho
próximo. Por um segundo, sinto pena do pequeno cara, sozinho
aqui fora. Até que um segundo tordo mergulha, pousando ao lado
do primeiro. Pássaros bobos.
— Você conhece bem o alfa? — pergunto.
— Eu o conheço a vida toda — diz Aisha. — Mas ele não é
muito de falar. Por quê?
— Eu vi o carro dele fora do galpão onde os renegados te
mantiveram.
— Você viu o... o quê?
— Eu reconheci quando estava na casa de Jasper. O mesmo
carro, com os mesmos vidros escurecidos. Estava estacionado fora
do galpão. Eu estava pensando... Você acha que o alfa pode ter
algo a ver com seu sequestro?
Aisha envolve os braços em volta das pernas e olha para um
trecho musgoso aos seus pés.
— O tempo todo eles falavam sobre o quanto estavam sendo
pagos. Discutiam se eu valia o dinheiro. Por sorte, acho que eu
valia. Caso contrário, tenho certeza de que teriam me matado ou...
algo pior.
— Sinto muito por você ter passado por tudo isso.
— Havia uma coisa que se destacou. A forma como eles
falavam sobre quem os contratou, não parecia que eles confiavam
totalmente nessa pessoa. Eu só pensei que eles estavam
paranoicos por lidar com criminosos. Mas talvez fosse porque quem
era o “chefe” deles não faz parte dos círculos habituais deles.
— Você quer dizer que não era um renegado?
— Exatamente. O que significaria que era alguém de uma
matilha.
— Você acha que Jericho poderia...
Eu paro quando vejo a lágrima escorrendo pelo rosto de
Aisha.
— Não precisamos falar sobre isso se você não quiser.
— Não, está tudo bem — ela diz, enxugando o rosto. — Eu
sabia que havia mais do que apenas um ataque de renegados
aleatório. Eles não se importavam comigo, só estavam fazendo isso
pelo dinheiro. Mas ainda não sei por que alguém iria querer me
sequestrar. Especialmente o alfa.
Aisha desenrola as pernas e as estica na frente dela.
— Eu contei tudo isso para Jericho. Ele prometeu que iria
investigar, mas até agora...
— Nada?
— Nada.
— Ele poderia estar encobrindo?
— É possível. — Ela dá de ombros. Eu sei que ela não quer
acreditar que seu alfa, o homem que deveria protegê-la e cuidar
dela, poderia ser quem pagou para sequestrá-la. Mas, pelo que
vejo, não há outros suspeitos.
— Mas por quê? — ela pergunta.
— Talvez... — Eu começo, mas então pauso e engulo em
seco.
— Tudo bem, Max. Apenas diga.
— Talvez ele não gostasse que você estivesse namorando
um humano.
— Talvez, mas por que me sequestrar? Por que não matar o
Troy?
Ambos desviamos o olhar para o rio. Ele flui, mas chegamos
a um beco sem saída em nosso raciocínio. Por que o alfa
sequestraria o melhor amigo de seu filho? Não faz sentido. Mas seu
carro o coloca no galpão.
Infelizmente, não há ninguém para quem possamos levar
essas informações. As forças de segurança da matilha respondem
todas ao alfa. Detetives humanos estariam completamente perdidos.
Jasper vai apoiar o pai, não importa o que digamos.
— Por que você não vem comigo? — Aisha pergunta
finalmente. — Para a celebração da Lua da Colheita? Posso levar
um acompanhante.
— Eu não acho que seja uma boa ideia.
— Poderíamos fazer perguntas por aí, talvez falar com
Jericho.
— Você está falando sério? Você esqueceu? Jasper vai
anunciar sua nova companheira.
— Eu não esqueci, Max. Eu estava pensando se você queria
ir mesmo assim.
Eu quase rio.
— Por que eu iria querer ver isso?
Aisha vira seu corpo na minha direção.
— Quando Jasper anunciar sua nova companheira, ele vai
marcá-la na frente de todos.
— Marcá-la? Quer dizer, como...?
— Morder o pescoço dela, basicamente. E quando ele fizer
isso, o vínculo que vocês têm será quebrado. E uma vez que for
quebrado, não há como consertar.
— E daí? Eu iria para me despedir.
— Talvez. Ou talvez você pudesse ir e lutar, assim como lutou
contra os renegados por mim... mas faça isso por ele.
Reviro os olhos.
— Eu não acho que ele queira ser salvo.
— Então faça isso por você mesmo. — Ela dá um tapa no
meu braço com as costas da mão. — Você quer passar o resto da
sua vida se perguntando o que poderia ter acontecido se você
tivesse aparecido?
Da última vez que eu apareci, Jasper me disse o que ele
realmente pensava.
— Eu entendo, ok? Mas Jasper deixou bem claro que ele não
quer ter nada a ver comigo. Ir seria apenas uma forma distorcida de
autolesão.
— Você tem tempo — diz Aisha. — Apenas pense nisso, ok?
Eu suspiro.
— Ok.
— Eu provavelmente deveria voltar.
Nós caminhamos até a casa em silêncio. O chão parece mais
instável sob meus pés do que o normal, como se o país todo tivesse
inclinado. Nada no mundo é como as pessoas dizem que é. Alfas
são inconfiáveis e parceiros te decepcionam. Eu me pergunto se
Aisha está se sentindo da mesma forma.
— Entre — eu digo, conduzindo Aisha pela porta dos fundos.
— Você quer beber algo antes de ir? Acho que minha mãe comprou
La Croix em estoque.
— Estou bem, cara. Obrigada.
Nós entramos no corredor e Aisha se vira para mim.
— Não assuma que você não pode fazer a diferença, ok,
Max? Você já fez tanta diferença para mim.
Nós nos abraçamos e enquanto a cabeça de Aisha repousa
no meu ombro, ela diz:
— O que é aquela carta?
No chão, em frente à porta, há um envelope com uma
aparência familiar.
— Parece...
Da última vez que vi um envelope assim, era do secretário
real. Meu convite para o Festival da Lua Azul.
Eu pego a carta e rasgo o selo vermelho familiar no verso.
— É um convite — digo, lendo a escrita cursiva. — Para a
Celebração da Lua da Colheita na casa do alfa. Mas minha família
nunca é convidada para eventos importantes da matilha...
Aisha está me encarando, seus olhos estão arregalados e
cheios de esperança.
— O que? — pergunto.
— Ele deve ter te convidado — ela diz, virando as coisas em
sua mente. — Ele quer você lá.
— Ele quer eu... mas por quê?
Aisha dá um passo à frente e segura minhas mãos, o convite
se amassa entre meus dedos.
— Talvez seja um sinal de que ele também está pronto para
lutar.
— Talvez seja um engano.
— Max, Jasper não faz contato com frequência. Isso é um
gesto de paz. Não ignore isso.
Eu encaro o convite. Jasper me convidou? É esse o sinal que
eu estava esperando? Devo apenas ignorá-lo como ele me ignorou
tantas vezes?
— Eu não sei o que fazer — digo.
Aisha balança a cabeça como se não pudesse acreditar no
que estou dizendo.
— É simples — ela diz. — Você tem que ir.
34
A lua da colheita

— Eu não vou.
— Por que não?! — Katie me encara por cima de uma arara
de roupas na Forever 21.
— Passei a semana inteira pensando nisso — digo enquanto
ela volta à busca de vestidos.
Na última segunda-feira, Aisha não sairia da minha casa até
que eu prometesse pelo menos pensar em ir à Celebração da Lua
da Colheita. Mas não importa o quanto eu pense nisso, não parece
certo.
— Por que eu me submeteria a isso?!
— Porque Aisha pode estar certa. Talvez Jasper queira que
você vá para que ele possa escolher você na frente de todos. Não
seria romântico? — ela diz, puxando uma coisa neon laranja peluda,
fazendo careta e a colocando de volta onde encontrou.
— Há uma chance maior de que ele pegue fogo
espontaneamente na frente de todos — digo.
— Você está sendo tão pessimista. — Ela pega um vestido
prateado brilhante, considera e o pendura de volta na arara.
— Será? Ele tem sido um idiota o tempo todo que o conheço,
e quando ele não está sendo um babaca, ele me ignora
completamente.
— Os riscos são maiores agora. E se ele percebeu o que
está prestes a perder e quer uma saída? — ela passa as mãos pela
manga de um vestido azul de veludo. — Se você não for,
basicamente está dizendo que não se importa.
— Talvez eu não me importe.
Ela para de se mover e me olha com as sobrancelhas
arqueadas.
Eu me desmorono sob seu olhar.
— Está bem, eu me importo. Mas é por isso que não posso ir.
Será muito difícil.
— Ninguém nunca disse que o amor deveria ser fácil. Ah! —
Ela puxa um vestido rosa da arara com um laço na cintura. — Isso é
perfeito!
— O que estamos fazendo aqui, de novo? — pergunto. —
Por que você precisa do vestido?
— Porque eu preciso de algo para usar quando você me
levar para a Celebração da Lua da Colheita como sua
acompanhante.
Ela gira nos calcanhares e vai em direção ao caixa.
— Katie, espere, eu não vou.
Ela para e me encara.
— Max, o amor é como fazer compras. Você procura e
procura pela roupa perfeita. Aquela que combina com o tom da sua
pele e serve como uma luva. E é um trabalho árduo. Às vezes é
uma guerra total. Mas você nunca desiste. E quando você encontra
a roupa que estava procurando — ela segura o vestido —, você
nunca a deixa ir. Você luta por ela.
Eu viro o rosto. Todo mundo está tão determinado a me fazer
ir para essa festa estúpida. E por quê? Para eu assistir Jasper
arrancar meu coração e pisar nele na frente de um bando de lobos
pomposos e julgadores.
— Eu sei que é difícil para você admitir — diz Katie,
suavizando o tom. — Mas você ama Jasper, não é?
Eu olho para ela de relance, como um cervo nos faróis.
Eu nem preciso dizer nada para Katie saber que ela está
certa.
— Então me deixe pagar por este vestido incrível — ela diz
com um sorriso sabido. — E então vamos encontrar algo para você
vestir.

— Minha camisa não fica no lugar — digo, me contorcendo


no banco do passageiro do carro da minha mãe.
— Ela não vai ficar se você não ficar quieto — diz Katie,
tentando me acalmar antes que minha mãe perceba que algo está
errado.
Minha mãe se ofereceu para nos levar para os Hamptons,
então pelo menos não precisei pagar por um táxi desta vez. Não
que não tenha havido um acordo. Sentar ao lado dela no carro por
duas horas, fingindo que não estou completamente surtando, vale
dez vezes o preço da corrida de táxi.
Felizmente, ela está tão animada com a chance de dar uma
olhada furtiva na casa do alfa que não tem prestado muita atenção.
Ela e meu pai ficaram bastante impressionados quando fui
convidado para a Celebração da Lua da Colheita. Eles nunca foram.
A lista de convidados costuma ser bastante exclusiva. Líderes
militares, lobos nos mais altos círculos políticos e grandes nomes da
sociedade dos lobos. Reviro os olhos pensando em todos aqueles
engoamdinhos que estarão lá esta noite. E o quanto vou me
destacar com meu blazer em promoção e tênis desgastados.
— Ãh, esta é a casa certa? — pergunto enquanto paramos
em frente aos portões.
— Você me diga, querido. Você já esteve aqui antes — diz
minha mãe.
A casa parece completamente diferente da última vez que
estive aqui. Cordões de luzes foram pendurados ao longo da cerca
e por toda a entrada. Balões coloridos foram arranjados em um arco
sobre a entrada da garagem.
Quase parece acolhedor.
Uma fila de carros chiques serpenteia pelo caminho. Minha
mãe ergue o queixo ao se juntar ao desfile em seu humilde Prius.
Quanto mais perto chegamos da porta, mais começo a me
remexer. Minha gola bem engomada e a gravata borboleta bordô
escolhida por Katie estão apertando minha garganta.
— Você está bem? — pergunta minha mãe, olhando de lado.
— Ãh, sim. Totalmente bem.
Dirigimos tão devagar que podemos perder o anúncio de
Jasper e ter que voltar imediatamente.
A cerejeira no gramado da frente perdeu todas as suas flores
e ficou nua, envolta em luzes de fada, ao lado de um
estacionamento com manobrista.
— Vocês podem sair se quiserem — diz minha mãe. — Isso
pode levar um tempo.
— Okay, obrigada por nos trazer, Sra. Remus — diz Katie,
pulando do banco de trás.
— Obrigada, mãe — digo, puxando a maçaneta da porta.
— Max?
— Sim.
— Está tudo bem, não é?
Tenho uma perna pendurada para fora do carro, mas não
consigo me virar. Não com minha mãe me olhando como se fosse
meu primeiro dia de aula e ela estivesse com medo de que eu não
faça amigos.
— Sim, estou bem.
— Você tem estado quieto ultimamente. Desde que voltou do
acampamento.
Ela sabe algo que não está me contando? Será que ela sente
que algo está errado?
— Não tem nada de errado, mãe. — Por que eu
simplesmente não conto a ela?!
— Bem, você sabe que pode sempre, sempre conversar
comigo e com seu pai sobre qualquer coisa, não é?
Não respondo porque, se eu falar, posso chorar e então ela
saberia que algo está errado.
— Eu estou falando sério. Sobre qualquer coisa.
Eu assinto.
— Okay, querido. Tenha uma boa noite.
— Obrigado, mãe. — Eu saio do carro.
— E Max! — Mamãe chama pela janela aberta quando me
junto a Katie. — Você está lindo!
Uma sensação de calor se espalha em minhas bochechas.
Eu queria passar despercebido, mas todos os melhores da Matilha
de Elite estão me olhando de forma estranha.
Um homem na porta verifica nosso convite antes de nos
acenar para entrar.
A casa está iluminada por velas. Balões e serpentinas
pendem do teto. Eles fizeram um bom trabalho em trazer uma
atmosfera de festa para este espaço normalmente frio e vazio.
— Está lotado — eu digo, gritando para ser ouvido sobre a
música e a conversa. Estamos cercados por um mar de ternos e
vestidos superchiques.
— Por onde vamos? — Katie pergunta enquanto passamos
por uma escultura de gelo.
Nós nos abrimos caminho a partir do hall de entrada para a
sala de estar.
Os garçons se movem entre os convidados com bandejas de
bebidas e petiscos. Eu pego alguns enquanto um garçom passa e
enfio na boca, esperando comer meus nervos.
A parede envidraçada foi aberta, tornando impossível
distinguir onde a casa termina e o jardim começa.
— Vamos lá para fora, isso é demais. — Eu aceno para Katie
me acompanhar.
O ar fresco é um alívio bem-vindo, mas ao olhar pelo quintal,
logo percebo que é onde a festa realmente se intensifica.
Fogueiras ardem em pedestais montados pelo extenso jardim
dos fundos, projetando sombras dançantes nas palmeiras. Luzes
penduradas acima. Pisos de plástico branco foram colocados para
proteger a grama, com mesas e cadeiras dispostas em uma
formação crescente ao redor. Vários bares bem abastecidos estão
montados nos cantos, um DJ está tocando ao meu lado e no final do
jardim, um palco – enquadrado por uma exagerada arrumação de
flores silvestres – foi montado.
— Parece um casamento — diz Katie de boca aberta.
Ela está certa. A propriedade do alfa foi decorada como se
estivessem hospedando o casamento mais extravagante de todos
os tempos. E isso vindo de alguém que assistiu a todas as
temporadas de 'The Bachelor”.
Olho para a multidão de socialites e líderes políticos em
movimento. Todos parecem tão elegantes e altos.
Meus ombros se encolhem e me encolho, até que Katie
entrelace seu braço no meu.
— Vamos andar.
Seguimos a passarela pavimentada em direção à piscina,
que está iluminada e brilhando em turquesa. É a mesma coisa da
última vez que estive aqui. Só que agora as pessoas estão sentadas
nas espreguiçadeiras de vestidos de baile e ternos, tomando
drinques borbulhantes e coquetéis.
— Você vê o Jasper em algum lugar? — Katie pergunta.
— Nenhum sinal dele.
Também não consigo senti-lo. Há muito perfume e feromônio
de lobo no ar.
Uma voz masculina brota atrás de nós. — Uau, querida!
Nós nos viramos e encontramos Todd e Simon vindo em
nossa direção, acenando.
— Ah, Meus Deuses Lunares — eu digo.
— Ah não — diz Katie.
A pele da minha amiga fica imediatamente manchada,
manchas vermelhas de pânico surgindo em seu peito.
— O que eles estão fazendo aqui? — ela murmura.
— Oi, querida — Todd diz, abraçando Katie. Sua tentativa de
beijá-la na boca é frustrada quando ela vira o rosto para o lado.
Seus lábios se chocam contra a bochecha dela.
— O que aconteceu, linda? — Simon tenta fazer o mesmo,
mas seu beijo cai na testa de Katie.
— Oi para vocês dois — Katie diz, como se tivesse inalado
todo o suprimento de hélio de Nova York. — O que vocês estão
fazendo aqui?
— Meu pai é um oficial do exército da matilha — diz Todd,
orgulhoso demais.
— E minha mãe trabalha no departamento de relações
públicas do alfa — diz Simon. — Quando você me disse que vinha,
perguntei se poderia ser o acompanhante dela.
— Nossa, isso é ótimo — diz Katie.
— Espere um minuto — Todd diz, se virando para seu amigo.
— Pedi a meu pai para me trazer porque Katie me disse que ela
vinha.
A boca de Katie se move como se ela quisesse falar, mas
nada sai.
— Por que Katie teria dito que ela vinha, cara? — Todd
pergunta, então se virando para Katie: — Pensei que você tivesse
parado de falar com ele?
— Eu... eu... — Katie gagueja.
— Pensei que você tivesse desistido de falar com ele! —
Simon diz.
— O que está acontecendo, Katie? — Todd diz e ambos se
viram para olhar para ela.
Katie sabia que esse dia acabaria chegando. Acho que ela só
não esperava que fosse hoje à noite.
— Talvez eu os deixe conversar — eu digo, me desculpando
de forma desajeitada. Eu gostaria de poder ficar e ajudar, mas sinto
que eles poderiam usar um pouco de privacidade. Além disso, tenho
minha própria missão.
Katie acena distraída com seu dilema atual. Eu aperto sua
mão.
— Boa sorte. Bom ver vocês de novo.
Aceno para Todd e Simon, mas acho que eles nem me
notam, ambos estão encarando Katie esperando por uma
explicação.
— Então, o que está acontecendo? — Simon pergunta
enquanto me afasto.
Coitada da Katie. Ser companheira não é fácil para ninguém.
Me afasto no meio da festa, de olhos abertos procurando por
Jasper. Ele não está em lugar algum.
Tiro meu celular e envio uma mensagem para Aisha. “Onde
você está???!!!”
“Desculpe, o ensaio terminou tarde”, ela responde. “Estou
chegando. Xxx”
Precisando desesperadamente respirar, vou em direção ao
lado da casa, onde acho que posso encontrar um lugar tranquilo
para me recompor. Assim que viro a esquina, dou um pulo para trás.
Jasper está parado nas sombras, conversando com alguém.
Ele está andando de um lado para o outro, esfregando a testa
enquanto a outra mão repousa em seu quadril. Tenho que olhar
mais de perto para ver com quem ele está falando.
Olivia está encostada na parede, com a cabeça baixa.
Jasper se aproxima e estende a mão para segurar a dela,
mas ela se afasta.
Ele quebra. Ele deixa cair o rosto nas mãos, e então passa os
dedos pelo cabelo. Ele está extremamente estressado.
Olivia respira fundo e diz algo. Cara, como eu queria saber
poder ler lábios. Jasper parece instantaneamente aliviado. Ele
segura as mãos de Olivia e a abraça.
Eu gostaria de poder fingir que não sei o que acabou de
acontecer.
Mas eu tenho uma ideia. E isso me deixa nauseada.
Quando Jasper dá um passo para trás, Olivia não olha nos
olhos dele, ela o deixa ali parado. O alívio que vi em seu rosto um
momento atrás desaparece. Ele se inclina para a frente, colocando
uma mão na parede para se manter de pé e força-se a respirar
fundo.
Antes que eu perceba, estou caminhando em direção a ele.
— Jasper.
Ele se recompõe, passando a mão pelo cabelo bagunçado.
— Jasper, você não precisa fazer isso...
— Eu não tenho tempo para isso — ele diz e passa por mim.
— Jasper, você tem que me ouvir. Eu sei por que você me
convidou aqui.
Ele congela.
— E por que é isso?
— Porque você queria que eu o impedisse. Você queria que
eu estivesse aqui para que você não tivesse que seguir em frente. E
bem, eu estou aqui.
Eu espero com as palmas das mãos abertas para Jasper,
meus braços levantados um pouco como se estivessem esperando
para recebê-lo.
Jasper ri. Uma risada fria e cruel.
— Eu não te convidei para que você me salvasse.
— Então por quê?
— Eu te convidei para que você estivesse aqui quando eu te
rejeitasse. Para que você pudesse ver por si mesmo.
Dou um passo para trás, sentindo como se tivesse levado um
tiro no peito. Eu sou uma idiota. Como pude ser tão estúpido?
Claro, Jasper não estava me enviando um pedido de ajuda
codificado. Ele estava fazendo o que sempre faz – sendo o maior
idiota que já conheci. Só que “idiota” parece ser um termo muito
generoso para o que ele fez desta vez. Não, Jasper oficialmente se
formou de idiota para completo e total babaca!
Sem querer dar a ele a satisfação de me ver chorar, eu fujo.
— Fique por perto, Max — Jasper chama. — Você não vai
querer perder o espetáculo!
35
A escolha de Jasper

Eu bato a porta da cozinha atrás de mim. O que há de errado com


ele?!
Não, o que há de errado comigo? Eu deveria ter sabido
melhor. Eu deveria ter sabido que ele...
Encosto minhas costas na porta e bato minha cabeça contra
a madeira cinza-pombo.
A cozinha está vazia, graças a Deus. Eu preciso de algum
lugar para processar o que acaba de acontecer.
As bancadas de granito preto brilham como se fossem novas.
Da última vez que estive aqui, estava com Jasper e sua irmãzinha
comendo um sanduíche. As bancadas estavam cobertas de queijo
cheddar ralado e Monterey Jack.
Nós conseguíamos conversar naquela época. Era quase
amigável.
Até que o pai dele interferiu. E então algo se quebrou.
Mas eu não me importo com o quão duro é o pai dele, e não
me importo com o quão difícil é a vida dele. Nada dá a ele desculpa
para machucar as pessoas. Não como ele me machucou.
Espalho meus dedos e pressiono minhas mãos contra a
superfície fria atrás de mim.
Todo lobo importante está nessa festa maldita. Preciso me
acalmar.
Devo encontrar Katie e dizer a ela que precisamos ir embora.
Pelo jeito que Todd e Simon estavam olhando para ela, tenho
certeza de que ela ficará feliz com um plano de fuga.
É isso que vou fazer.
Que se dane o Jasper, que ele escolha outra companheira.
E que se dane as companheiras! Eu sabia que essa história
de acasalamento era mais problema do que vale a pena.
Suspiro e passo a mão pelo rosto.
— Noite difícil?
Quem disse isso?
Escaneio a sala novamente. Eu poderia jurar que não havia
ninguém aqui.
Vejo uma pequena mesa de café da manhã no canto, Eleanor
está espiando ao redor do canto de um banco.
Caramba, alguém NÃO foi convidado para essa festa idiota?
— O que você está fazendo aqui? — pergunto.
— Eu te disse, meu pai trabalha para o alfa — diz Eleanor. —
Sempre somos convidados. Parece que você está se divertindo.
Foi sarcasmo vindo da tesoureira do comitê do anuário?
Eu me aproximo e deslizo para dentro do banco em frente a
ela.
— Vamos dizer apenas que esta não é a minha noite.
— Nem me fale — ela resmunga.
— Espere um minuto, por que você está aqui e não lá fora?
Eleanor suspira e pela primeira vez percebo como seus olhos
estão vermelhos.
— Você... você estava chorando? — pergunto.
Seus olhos se erguem, travando nos meus. Ela me encara
por um segundo e depois olha para o celular em suas mãos.
— É tão injusto — ela diz. — Algumas pessoas têm tudo tão
fácil.
Obsessivamente, ela vira o celular repetidamente. Suas mãos
estão tremendo.
— Algumas pessoas até conseguem escolher com quem se
acasalam.
— Eleanor, o que está acontecendo? Você quer conversar
sobre isso.
— Por que tem que ser minha responsabilidade encontrar
alguém? Por que eu...
— Você está bem?
— Estou bem, Max — ela responde com raiva. Ela me encara
por mais um segundo, seus lábios tremem, mas então ela se
acalma. — Só me fiz passar uma grande vergonha.
— Conheço esse sentimento. — Eu me afundo na cadeira. —
O que você fez?
Talvez eu não devesse me intrometer, mas Eleanor é
bastante embaraçosa na maioria das vezes, não consigo imaginar o
que ela poderia ter feito para se sentir assim.
— Eu... perguntei a Jasper se ele queria ser meu
companheiro.
Um arrepio percorre minha espinha e um rosnado ronrona no
fundo do meu estômago. Eu sei que Jasper vai me rejeitar, mas meu
lado lupino não consegue evitar ser territorial.
Me inclino para a frente.
— Como foi isso?
— Horroroso. — Eleanor cruza os braços. — Ele me olhou
como se nunca tivesse me visto antes. Você sabe como isso é? —
Ela começa a chorar, torcendo os cantos da boca. — Ser rejeitada?
— Tenho uma ideia — murmuro.
— Ele simplesmente me dispensou como se nossas famílias
não tivessem trabalhado juntas por gerações.
— Você nunca me disse o que seu pai faz para o alfa — digo,
tentando mudar de assunto. Uma Eleanor feliz já é complicada o
suficiente, não tenho certeza se consigo lidar com uma Eleanor
emocionalmente abalada.
— Quando você me disse que ele não estava acasalado com
a Aisha, pensei que ainda tinha uma chance — ela continua, me
ignorando completamente. — Imaginei que talvez nunca tivéssemos
nos aproximado o suficiente no festival, talvez eu pudesse... eu
pudesse... ser sua verdadeira companheira.
Eu trinco os dentes. A parte territorial de mim está
começando a se agitar.
Ela está agindo como se Jasper estivesse completamente
disponível, como se ele não fosse meu!
— Se eu fosse a companheira dele, isso mostraria para todos
— Eleanor continua, limpando um pouco de muco do nariz. —
Talvez então eu não seria ignorada. E minha família finalmente se
orgulharia de mim.
Ela nem o conhece, ela está interessada apenas por causa
do status dele. Eu não me importo com o status dele.
— É por isso que é injusto — ela diz. — Todos nós temos que
sofrer sozinhos. Ele pode escolher uma companheira e nem sequer
tem uma!
— Sim, ele tem!
Minhas mãos estão agarradas à beirada da mesa. Tenho que
lutar contra o impulso de saltar da cadeira e derrubar Eleanor no
chão.
Eu não pretendia revelar tudo. Mas depois da forma como
Jasper me tratou e ouvir Eleanor falando sobre ele como se fosse
um prêmio em uma feira – disponível para ser conquistado! – perdi o
controle.
Compreensão surge no rosto de Eleanor. Ela levanta a
cabeça e me encara.
— É...? — ela pergunta e, de repente, confiante. — É você.
Me forço a soltar a mesa, balançando a cabeça.
— Não, não é isso que eu quis dizer, eu não sou...
— Você é o companheiro de Jasper.
Eu tiro minhas pernas de debaixo da mesa e me levanto.
— Você está louca, isso não é possível. — Eu recuo. — É
como você disse. Ele não tem uma companheira.
— Max, espere...
— Eu preciso usar o banheiro, desculpe. — Eu me viro e saio
correndo.
Assim que saio de lá, percebo o idiota que fui. Por que não
consegui me controlar?
Se descobrirem que Jasper e eu somos companheiros,
acabou para ele... e para mim.
A sociedade nunca aceitaria um alfa que... não tivesse uma
Luna.
Preciso de um minuto sozinha, então escapo pela multidão
excessivamente vestida, contornando as bordas da sala, até
encontrar as escadas.
O corredor do andar de cima está vazio. Com um suspiro,
desabo contra a parede, deixando meu traseiro afundar no carpete
felpudo.
Claro, Jasper não pode me escolher. Por mais que doa, por
mais que eu desejasse que pudesse ser de outra forma, eu sei que
ele está apenas fazendo o que precisa fazer.
É o melhor para a matilha. No grande esquema das coisas,
eu não importo.
De repente, não estou mais com raiva. Sinto pena dele. Esse
tempo todo ele soube como isso ia terminar. Talvez seja por isso
que ele tentou tanto me afastar.
Deixo minha cabeça cair.
Talvez eu precise deixá-lo ir também.
— Por que você parece triste? — Lá no corredor, Jodie está
se inclinando para fora da porta do quarto dela.
Tento lhe dar meu melhor sorriso de adulto, mas minha
mandíbula começa a tremer.
Ela caminha até mim e se senta ao meu lado, deslizando sua
mãozinha na minha.
— Gosto do seu vestido — digo, segurando as lágrimas.
Jodie está usando um vestido amarelo, é totalmente inspirado na
Bela, de “A Bela e a Fera”.
— Obrigada, a Melissa escolheu para mim.
— Gosto da cor.
Ela dá de ombros.
— Eu pedi verde.
Acho que ninguém nesta casa está conseguindo o que quer
esta noite.
— Por que você está aqui em cima e não na festa?
— Todo mundo é chato — ela diz e eu rio. Ela acertou em
cheio na descrição empolada.
— Você está triste porque o Jasper precisa escolher uma
companheira?
— O quê? — Sinto meu rosto corar. — Por que você diria
isso?
Jodie apoia a cabeça em meu braço.
— Porque o Jasper também está triste. Ele tem sido chato e
melancólico há semanas, não é divertido.
— O Jasper... está triste?
— Sim. — Ela suspira, um pequeno suspiro fofo. — Ele está
triste porque não quer escolher uma companheira.
Engulo em seco. Espero não estar ultrapassando os limites
com uma garotinha de dez anos.
— Você... você sabe por que ele não quer escolher uma
companheira?
— Você é bobo. — Jodie dá um tapinha gentil na minha
perna. — É porque ele gosta de você.
— Ele... o quê? Ele disse...?
— Aí está você — Melissa diz, aparecendo no final do
corredor. — Estava te procurando. — Depois me vendo. — Ah, oi de
novo.
— Ei. — Eu aceno. Melissa franze a testa para mim e depois
para Jodie, colocando as mãos nos quadris.
— O que você está fazendo aqui em cima, querida?
— Eu estava no meu quarto brincando de Raya — diz Jodie.
Melissa olha para mim e revira os olhos.
— Bem, seu irmão está prestes a fazer seu grande anúncio.
Você quer voltar lá embaixo?
— Não, obrigada.
Não consigo deixar de rir.
— O Max também não quer.
— É mesmo? — Melissa pergunta, me lançando um olhar
curioso. — Bem, ele pode ficar aqui em cima se quiser. Você,
mocinha, precisa vir comigo, agora.
Melissa estende a mão e Jodie suspira, se levantando
relutantemente.
— Você está bem? — Melissa pergunta.
Franzo a boca e dou um pequeno aceno.
— Não fique triste, Max — diz Jodie, balançando os quadris
de um lado para o outro. — Meu irmão é um bobão às vezes.
Melissa revira a cabeça de forma exagerada e depois conduz
Jodie pelo corredor.
— Por que você diria isso? Vamos lá, você. — Depois, se
virando pela última vez. — Aproveite a festa, Max. Não fique aqui
em cima por muito tempo.
Assim que elas se vão, pressiono as mãos na parede atrás
de mim e me levanto. O anúncio está acontecendo agora. Se vou
ser rejeitado na frente dos melhores e mais brilhantes da matilha,
pelo menos devo estar lá quando acontecer.
Lá embaixo, a casa está vazia. A sala de estar foi esvaziada
e uma multidão se formou do lado de fora, voltada para o palco.
Me sentindo entorpecida e vazia e de repente esperançosa e
completamente triste e arrasada e cansada e mais desperta do que
nunca, faço meu caminho até o jardim.
Fico na ponta dos pés para espiar por cima das cabeças das
pessoas. Jericho está no palco atrás de um microfone. Melissa está
de pé ao lado, segurando a mão de Jodie.
Jasper está atrás de seu pai, com a cabeça baixa.
Jericho está falando, mas não consigo ouvir nada. Os sons
estão abafados como se eu estivesse debaixo d'água.
À minha esquerda, Katie está entre Todd e Simon, de braços
cruzados. Todos eles parecem miseráveis.
De repente, todos estão aplaudindo e Jasper se aproxima do
microfone. O mundo retorna em um turbilhão, alto demais e muito
real.
— Olá, todos — Jasper começa. O eco do sistema de som se
espalha pela multidão. Ele leva um momento para limpar a
garganta. — Obrigado a todos por virem esta noite. A Lua da
Colheita é um momento especial em nossa sociedade.
Ele mexe ansiosamente em um anel em seu dedo indicador
esquerdo. Ele parece nervoso. Mas mesmo agora, tenho que admitir
que ele parece bonito em seu terno.
Ele ainda é o meu príncipe... por mais alguns minutos.
— Para mim, esta época do ano é particularmente especial
— ele continua. — Era a estação favorita da minha mãe. Ela
adorava ver as folhas mudando de cor.
Imagino Jasper quando criança e não consigo deixar de
sorrir. Aposto que ele era adoravelmente mal-humorado.
— Todos os anos, na véspera da Lua da Colheita,
acendíamos lanternas, fazíamos um desejo e as lançávamos no
céu. Quando penso nessas noites, elas são algumas das minhas
memórias mais felizes.
A luz do fogo brilha em seus olhos enquanto ele respira
fundo. Eu sei o que está por vir e ainda não estou pronta.
— É com grande... — ele tosse — grande prazer que anuncio
que todos os meus desejos estão se realizando nesta Lua da
Colheita.
Pela primeira vez, noto Olivia esperando à beira do palco. Ela
está sussurrando para si mesma, como se estivesse se preparando
para um grande jogo.
— Senhoras e senhores, este ano encontrei minha
companheira. A pessoa que se tornará a futura Luna de nossa
matilha.
A multidão fica em silêncio, se inclinando ansiosamente para
frente.
Eles não têm ideia do que está realmente acontecendo.
— Por favor, aplaudam minha companheira, Olivia Castillo!
A futura Sra. Apollo respira fundo e sobe alguns degraus até
o palco. Jasper estende a mão para ela enquanto ela se junta a ele.
Tudo começa a girar. Sinto como se o chão tivesse sumido
debaixo de mim. Meus joelhos vacilam e sinto que vou desmaiar.
— Olivia e eu somos amigos há muitos anos. Mas foi apenas
recentemente, no Festival da Lua Azul deste ano, que nós...
Jasper é interrompido por um grito – um grito ensurdecedor e
arrepiante. Antes que eu saiba o que está acontecendo, um lobo
salta para o centro da multidão.
A besta rosnadora é enorme, com espuma grossa pendendo
de seu lábio enrolado para trás. Suas presas são amarelas, mas
afiadas.
A festa irrompe em caos.
As pessoas correm passando por mim, gritando e agitando os
braços. As mulheres levantam seus vestidos e lutam para fugir em
seus saltos altos.
Eu permaneço congelado enquanto o lobo gira, abocanhando
a multidão dispersa. O que ele está fazendo aqui? Quem é ele?
As forças de segurança de Jericho já estão se movendo, se
aproximando do intruso, quando outro grito rasga o tumulto.
Um segundo lobo surge das trevas, derrubando uma mesa
enquanto entra na confusão.
— Renegados! — alguém grita ao passar correndo.
RENEGADOS?! O que renegados estão fazendo aqui? Por
que agora?
Um terceiro renegado uiva e se choca contra uma das
fogueiras. Seu ombro colide com a braseira, derrubando-a e
lançando faíscas pelo ar.
Não sei para onde olhar quando mais dois renegados surgem
das sombras. Há pelo menos cinco deles, mas quem sabe quantos
ainda estão lá fora, esperando o momento certo para atacar.
Os convidados começam a se transformar, rasgando seus
smokings e vestidos em trapos, e se juntam à equipe de segurança
que já está lutando contra os invasores.
A festa se transformou em uma zona de guerra. O fogo se
espalha pelas toalhas de mesa, enviando uma densa fumaça preta
pelo ar. Em todos os lugares que olho, os lobos estão lutando,
rosnando e latindo como loucos.
Não consigo me mover. Estou em choque. Um segundo
antes, estava prestes a ser rejeitado pelo meu companheiro, e agora
a casa do alfa foi invadida por renegados.
O que está acontecendo?
Mais adiante, Jericho está gritando com Melissa, dizendo
para levá-la para algum lugar seguro. Olivia está puxando uma faca
de sua bota de salto, pronta para lutar. Jasper não está em lugar
algum.
Onde ele está?
Não consigo me mover até saber onde ele está.
Uma mesa pega fogo à minha direita e a fumaça bloqueia a
luz da lua.
Todd e Simon se transformaram e estão protegendo Katie.
Ao meu redor, o fogo e a luta rugem. Lobos colidem,
rasgando a carne uns dos outros. Sangue jorra pelo chão branco.
Estou sonhando? Isso deveria ser uma festa, e agora é um
pesadelo apocalíptico.
Eu encaro o frenesi, sabendo que devo me transformar,
correr ou fazer algo... e então...
— Max!
Ouço meu nome e vejo Jasper correndo em minha direção.
O que ele está fazendo? Outro fogo se desmorona, dano
colateral, enquanto dois lobos lutam em minha periferia. A explosão
está muito quente e muito perto.
— Maaaaax! — Jasper chora novamente.
Ele está vindo atrás de mim...?
Atrás de Jasper, o arco de flores silvestres acima do palco
explode em chamas. Ele se divide ao meio e desmorona.
O jardim do alfa está em completo caos, mas tudo em que
consigo me concentrar é em Jasper, correndo em minha direção.
Ele chama meu nome novamente.
Dou um passo em sua direção, mas recuo, gritando enquanto
uma dor aguda perfura a parte de trás do meu crânio. Fui atingido.
Seguro minha cabeça e tropeço para a frente.
O mundo vira de lado enquanto desabo no chão, atingindo a
terra com força. Tudo fica borrado e começo a perder a consciência.
Sombras se fecham ao redor das bordas da minha visão.
Tento ficar acordado. Tento me concentrar em Jasper. Ele
está quase aqui – correndo com a mão estendida e a boca aberta,
chamando meu nome.
Tento levantar a mão e alcançá-lo, mas as sombras se
fecham.
Dou mais uma última olhada nele... e mergulho na escuridão.
36
Uma surpresa de Renegados

A primeira coisa que percebo quando acordo é o cheiro de água


salgada. Levanto a cabeça enquanto ele flutua sob meu nariz. O
aroma familiar me ajuda a retornar na direção da consciência.
O próximo detalhe que percebo é a dor latejante na parte de
trás da minha cabeça.
Eu gemo e mexo o pescoço, verificando se ainda consigo.
Abro os olhos, mas leva um minuto para que as coisas
entrem em foco. Não há luzes acesas, exceto uma única lâmpada
fraca à minha direita.
Sombras turvam minha visão, mas estou plenamente ciente
de uma sensação estranha de balanço. Será que estou em um
barco?
Além da pulsação na minha cabeça, ouço um som suave de
ondas quebrando, como se estivéssemos perto do mar. Com
certeza estou em um barco.
Semicerro os olhos para enxergar melhor à medida que meus
olhos se ajustam. O convés se estende sob meus pés em direção a
um par de portas de vidro deslizantes.
Entre a porta e eu há uma mesa de jantar e cadeiras, o
suficiente para acomodar uma festa de doze pessoas.
Ao redor do convés, há paredes brancas brilhantes, que
chegam à altura da cintura, e além delas há a escuridão. O céu
noturno e o oceano à meia-noite se fundem em um vazio sinistro.
Estou em um barco. E não é apenas qualquer barco, é um
iate de luxo. Não que eu já tenha estado em um antes, mas assisti
reality shows o suficiente para reconhecer um quando vejo.
Meu pulso se acelera.
Fui sequestrado?
Por que eu? Por que alguém me levaria?
Dou um impulso para a frente e sou imediatamente jogada de
volta contra as almofadas à prova d'água. Minhas mãos estão
amarradas a um poste com abraçadeiras de plástico.
O que está acontecendo?
Meu lábio treme, embora eu me diga para manter a calma.
Preciso me manter calmo. Mas o pânico sobe pela minha garganta
como bile.
Uma luz se acende no interior da cabine, derramando seu
brilho no convés. Eu congelo. Meus olhos turvos acabaram de
avistar uma forma escura, em uma das extremidades da mesa de
jantar.
Semicerro os olhos na direção da luz... É o Alfa Jericho! Ele
está amarrado a uma cadeira na cabeceira da mesa, como se
estivesse prestes a jantar.
Sua cabeça grande está pendendo contra o peito. Ele está
inconsciente.
Ele também foi sequestrado. Isso significa que ele não estava
envolvido no sequestro da Aisha?
— Onde ela está? — uma voz rouca e familiar pergunta em
algum lugar atrás de mim. Parece um dos renegados da Cidade dos
Renegados. Scarface?
— Ela disse que estaria aqui à meia-noite — responde outra
voz assustadoramente familiar. Esse é definitivamente o Tatuado.
Dois dos renegados que sequestraram a Aisha estão aqui no
barco!
— Ele é mais pesado do que parece — diz Scarface,
grunhindo.
Os passos deles ecoam em algumas escadas atrás de mim,
e então um corpo cai com um baque no convés.
Jasper!
Seu corpo inconsciente está espalhado pelo convés, seu
cabelo desgrenhado cobrindo seu rosto, suas mãos amarradas nas
costas.
Eles o jogaram de cara, seus desgraçados!
Scarface e o Tatuado sobem no convés, agarrando Jasper
pelos braços e arrastando-o. Eles o deixam cair contra uma parede,
onde ele se encolhe.
Primeiro, eles sequestraram a Aisha, agora o Jasper, o
Jericho e eu. Para quem eles estão trabalhando?
— Cuidado — diz Amendoim, o terceiro mosqueteiro
renegado, emergindo da cabine com uma faca de entalhe na mão.
— Ela está chegando.
Ela?
O barulho de um motor invade minha periferia, talvez um
barco menor? Eu me inclino para trás, tentando ouvir melhor. O
motor é desligado e uma respingada de água atinge a parte de trás
do barco.
Tatuado se apressa em descer as escadas. Ouço murmúrios
e depois passos. Tatuado volta cambaleando para o convés, se
posicionando-se atrás do alfa com Amendoim. Scarface fica ao lado
do Jasper. E finalmente, seu chefe, a pessoa que eles estavam
esperando, aparece.
— Eleanor?!
O que ela está fazendo aqui, na real?!
E, opa, eu disse isso em voz alta?
De repente, todas as pessoas conscientes no barco estão me
encarando.
— Ah — ela diz. — Você acordou. Eu pensei que você seria o
último a acordar.
— Você sabia que ele estava acordado? — Tatuado pergunta
a Scarface e Amendoim, que negam com a cabeça.
Eleanor sorri e se aproxima. Ela está usando o mesmo
vestido preto da festa. Não devemos estar muito longe dos
Hamptons se ela não teve tempo de se trocar.
Ela parece a mesma Eleanor de sempre, apenas algo está
diferente.
Há uma espécie de excitação selvagem em seus olhos que
fazem minhas pernas tremerem.
— Eleanor, me deixe ir — eu digo.
Ela ri.
— Mas então você vai perder toda a diversão.
— O que você está fazendo? — eu pergunto.
— Pegando o que eu mereço. — Ela se vira para os rogues.
— Acordem eles!
Scarface e Tatuado dão tapas nos rostos de Jericho e Jasper
até que eles comecem a acordar.
Jericho é o primeiro a abrir os olhos e imediatamente começa
a lutar.
— Se acalme, meu querido — Eleanor diz, se inclinando
sobre a mesa. — Nós te sedamos. — Ela se vira para mim e
encolhe os ombros. — Nunca se sabe quando o grandão vai ficar
enlouquecido.
Jericho está tentando falar, mas sua boca não está
funcionando corretamente.
— O que houve? — Eleanor pergunta provocativamente a
Jericho. — O gato comeu sua língua? Espero que você não se
importe que tenhamos pegado seu iate, ele estava apenas aqui,
vazio.
— Pai! — Jasper grita. Ele está acordado, então
aparentemente ele e eu não merecemos um sedativo. Não sei se
devo me sentir aliviado ou ofendido.
— Jasper.
Ele se vira para me encarar e parece completamente
abalado. Ele puxa as amarras, rangendo os dentes e grunhindo,
mas é inútil.
— Essas amarras são à prova de lobos — Eleanor diz. — E
não pense em se transformar, ou atiramos em você.
Tatuado tira uma arma e entrega para ela. Jasper para de
lutar.
— O que você quer? — ele pergunta.
— Eu? — Eleanor aponta para si mesma. — Eu só quero a
mesma coisa que todo mundo. Alguém para levar para casa ao
papai.
— Você está fazendo tudo isso por um companheiro? — eu
pergunto.
Eleanor se vira para olhar para mim, mal se parecendo com
ela mesma.
— Não podemos ser todos sortudos como você, Max. O
destino não quis que eu tivesse coisas boas. Ele quis que você
tivesse. — Ela aponta a arma diretamente para o meu rosto e eu
recuo.
Quem é essa pessoa? Eu sempre achei que Eleanor fosse
um pouco desequilibrada, mas de um jeito tipo “tipo A”,
perfeccionista, não um tipo de assassina psicopata.
— Eu não entendo — eu digo.
— Claro que não. Os Deuses da Lua te deram tudo.
— Do que você está falando, Eleanor?
— Vocês dois se conhecem? — Jasper pergunta. Seus olhos
desesperados encontram os meus – eles estão frenéticos e cheios
de perguntas.
— Isso mesmo, garoto bonito — Eleanor diz. — Max e eu nos
conhecemos recentemente.
Ela se aproxima dele, apontando a arma para o peito dele.
— Você e eu, por outro lado, nos conhecemos a vida toda. E
ainda assim, Max é quem consegue se lembrar do meu nome!
Eu percebo Amendoim rindo atrás das costas de Eleanor,
mas ele para rapidamente quando ela olha furiosa na direção dele.
— Quem sou eu, Jasper? — ela grita em seu rosto. — Quem
sou eu?
Ele olha para mim antes de se virar para Eleanor com um
olhar glacial.
— Eu não sei.
Eleanor pressiona suas mãos trêmulas contra as têmporas e
grita.
— Meu pai trabalha para o seu pai, seu idiota!
Na mesa, Jericho está observando Eleanor. Seu rosto está
vermelho como ketchup e uma veia no lado de seu pescoço parece
prestes a explodir.
Seu dedo está tremendo?
Todas as vezes em que Eleanor mencionou a proximidade de
seu pai com o alfa começam a passar pela minha mente. Ela
sempre foi rápida em soltar que tinha uma conexão com Jericho
durante as conversas. Mas eu nunca soube exatamente o que o pai
dela faz.
— Meu Deus! Você é tão egocêntrico — ela continua. — Meu
pai é um homem bom. Ele tem sido motorista do seu pai desde
antes de você nascer, e você nem consegue reconhecer a filha dele.
— O motorista do meu pai? — Jasper pergunta, tentando
juntar as peças. — Você é... filha dele?
O pai de Eleanor é o motorista de Jericho! O chofer dele? Ela
deu a entender que eles eram parceiros de negócios ou amigos da
faculdade.
Algo se encaixa em minha mente. O carro da cidade dos
Renegados.
— Você sequestrou a Aisha — eu digo.
Se eu não estivesse amarrado sob a mira de uma arma,
talvez me sentisse um pouco culpado por ter suspeitado de Jericho,
mas temos assuntos mais urgentes para resolver agora.
Eleanor se vira novamente. Ela sorri para mim e arrasta a
ponta da arma ao longo de seu lábio inferior.
— Eu ia matá-la também — ela diz. — Se você não tivesse
intervindo antes que o papai pudesse fazer a troca.
— Por que você simplesmente não mandou os renegados
matá-la? — eu pergunto.
Os olhos inquietos de Eleanor se movem de um lado para o
outro.
— Não tínhamos dinheiro suficiente.
Eu olho para os renegados, os capangas contratados por
Eleanor. Quanto ela está pagando a eles para sequestrar o alfa e
seu filho?
Sinto como se estivesse fazendo um teste de álgebra para o
qual não estudei. Ainda há muita coisa que não faz sentido. O pai de
Eleanor pagou os renegados para sequestrarem Aisha para que
Eleanor pudesse eliminá-la, mas por quê?
— De qualquer maneira, sua pequena interrupção em
Pittsburgh não importou no final. Matar Aisha não teria feito muito
bem — Eleanor dá um passo em minha direção, enquanto um
relâmpago corta o céu sobre o oceano.
— Por quê? — eu pergunto.
— Porque eu sequestrei o lobo errado. Ops.
Um calafrio de reconhecimento percorre minha espinha.
Eleanor achava que Aisha era a companheira de Jasper. Ela
quer matar a companheira de Jasper... mas isso significa... eu.
— Fico feliz que tenhamos tido nosso pequeno bate-papo
antes — ela diz. — Esclareceu algumas coisas.
Minha voz trava na garganta, mas me forço a fazer a
pergunta:
— Por que você quer matar o companheiro de Jasper?
— Não está óbvio? Para ocupar seu lugar.
O quê?! ELA quer ficar com Jasper?
Deus, eu gostaria que ela parasse de balançar essa arma.
— Isso não é como funciona — Jasper diz.
— Não é? — Eleanor pergunta. — Você ia rejeitar o
pobrezinho da Max e escolher outra pessoa de qualquer maneira.
Meu Deus, que privilégio! Algumas pessoas podem escolher quem
elas querem como companheiro! Deve ser bom.
— O que eu quero dizer é — Jasper zomba — que você não
pode simplesmente substituí-lo. Eu tenho que mordê-la. E isso
nunca vai acontecer.
— Você vai me escolher — ela diz, depois aponta a arma
para mim. — Ou eu o mato.
Meus olhos se encontram com os de Jasper e consigo sentir
a energia faiscando entre nós. Eu sei que ele está tentando pensar
em uma maneira de me salvar sem sacrificar o vínculo de
companheiros. Eu posso sentir. Mas a arma de Eleanor não está lhe
dando muitas opções.
— Faça sua escolha — Eleanor diz.
Jasper olha para mim, com o rosto tomado pelo pânico e pela
confusão. Balanço levemente a cabeça o suficiente para que Jasper
veja. Neste ponto, eu preferiria ser baleada a perder nosso vínculo.
— Escolha! — Eleanor grita. Seu dedo paira sobre o gatilho,
ela se prepara para puxá-lo... mas precisa se esquivar quando a
mesa de jantar voa pelo cômodo, batendo contra a parede e se
espatifando em mil pedaços.
Eleanor dá um pulo para trás e o Alfa Jericho, liberado de
suas amarras, avança na direção dela. Seus punhos estão cerrados
e seus músculos estão tensos como nunca vi antes.
— Chega! — sua voz troveja.
Num instante, Eleanor mira sua arma nele, e seus três
capangas renegados dão um passo à frente, puxando facas de seus
cintos.
— Eleanor — Jericho diz, tentando falar calmamente. — Meu
filho pode não te conhecer. Mas eu conheço. Seu pai é um homem
bom, trabalha para mim há muito tempo, e ele não gostaria que
você fizesse isso.
Ela ri.
— Quem você acha que pagou pela escolta de renegados?
Jericho analisa os rostos dos renegados. Todos os três o
encaram como se estivessem famintos e ele fosse o peru de Ação
de Graças.
— Tivemos que economizar por muito tempo com o salário
miserável do meu pai — diz Eleanor. — Sorte nossa que você irritou
tanto esses renegados que eles concordaram em fazer um acordo
conosco.
— Nós podemos resolver isso — ele diz. — Você obviamente
está confusa.
— Confusa com o quê?
— Meu filho não tem uma companheira.
Começa como um escárnio, depois vira uma risadinha e,
finalmente, Eleanor explode em gargalhadas estilo vilã de desenho
animado. Jasper e eu trocamos olhares.
Ela está prestes a revelar nosso segredo?
— Você não sabe?! — ela pergunta.
Jasper se vira para o pai, parecendo mais assustado do que
quando a selvagem Eleanor estava apontando uma arma para ele.
— Jasper e Max são companheiros — ela diz. — É por isso
que estamos todos aqui! Pouco ortodoxo, eu sei, mas eles
formariam um casal fofo se você pensar sobre isso.
Jericho não olha na minha direção, mas fixa os olhos no filho
com mais intensidade do que uma supernova.
Eleanor ri.
— É uma pena que eu precise separá-los.
Jericho rosna, o lábio superior se enrolando para cima.
— Isso não é possível — ele diz.
— Pai... — Jasper tem lágrimas nos olhos. — ...é sim.
Jericho finalmente olha na minha direção, seus olhos se
movendo entre mim e Jasper. Algo parece se registrar em sua
expressão, alguma espécie de compreensão, em seguida, confusão,
como se ele devesse ter sabido o tempo todo, e depois decepção.
— Pai, é verdade — Jasper confirma mais uma vez antes de
se voltar para mim. Quero chorar, quero me libertar das restrições e
abraçá-lo com tanta força.
— Max... é meu companheiro.
Apesar da arma e dos renegados empunhando facas, e do
silêncio de seu pai... Jasper mantém os olhos fixos nos meus. Ele
até faz um sorriso torto que faz meu coração explodir.
— Você é meu companheiro — ele diz para mim. — A pessoa
com quem estou destinado a ficar.
Não consigo enxugar minhas lágrimas porque minhas mãos
ainda estão amarradas, mas sinto como se tivesse sido libertada de
uma prisão intangível.
Mordo meu lábio inferior e sorrio de volta para ele.
— Acho que vou vomitar — diz Eleanor, destruindo o
momento. Nossa atenção volta para ela. — Então, você vê, Jericho,
a menos que você queira que toda a sua matilha saiba o quão
decepcionante Jasper é. Você vai deixar Jasper rejeitar Max e me
escolher.
— Pai... — Jasper diz, balançando a cabeça. Eleanor se vira,
apontando a arma em sua direção e o calando.
Mas seus olhos suplicantes continuam fixos no pai.
A expressão de Jericho é indecifrável. A incredulidade está
franzindo sua testa, como se ele não reconhecesse seu próprio filho.
Como se a pessoa que ele criou, o filho que ele moldou para
seguir seus passos e liderar a matilha, o filho que se tornaria o
próximo alfa tivesse desaparecido.
E tudo por minha causa.
Meus punhos se fecham. Ele vai deixar Eleanor vencer.
Por que ele me escolheria quando há tanto em jogo?
Deixar Jasper marcar Eleanor é a única maneira dele salvar a
face perante a matilha. A única maneira de recuperar qualquer
vestígio de seu futuro ideal.
— Chega de enrolação, grandão — diz Eleanor. — Faça a
escolha.
— Você quer que eu te receba na minha família? — Jericho
pergunta a Eleanor. — Depois de apontar uma arma para o meu
filho e seu companheiro.
Seu... espera... o que ele acabou de dizer?
Jericho dá um passo à frente.
— De jeito nenhum.
Bam!
Jericho se curva, segurando a ferida de bala em seu
estômago. Fumaça se eleva do cano da arma de Eleanor. O alfa
desaba no convés, sangue jorrando dele e se acumulando no chão
polido.
— Não! — Jasper chora e luta para se libertar. Scarface o
joga de volta ao chão e Eleanor aponta a arma de volta na minha
direção.
— Que decepção — ela diz com um suspiro. — Agora, Jaspy,
você pode cometer o mesmo erro do seu pai e deixar o grandão
sangrar até a morte enquanto eu atiro em Max aqui na cabeça. Ou
você pode rejeitar Max e me escolher.
Jasper olha para mim. Seu corpo inteiro está derrotado – nós
dois sabemos que só há uma escolha que ele pode fazer.
Aceno para informá-lo que está tudo bem, mesmo que nada
esteja bem agora.
— Tudo bem — ele diz, ofegante. — Você venceu. Vou fazer
isso, só não machuque ninguém.
Jericho geme de dor, tentando se levantar, mas não
consegue. O convés está coberto de sangue do alfa.
Incapaz de me mover, assisto incrédula enquanto Eleanor
sinaliza para Scarface levantar Jasper e libertá-lo das restrições.
A faca de Scarface rasga a tira de plástico. Jasper esfrega os
pulsos e dá um passo à frente. Não há mais sentido em lutar. A
arma de Eleanor continua apontada na minha direção e o dedo dela
nunca sai do gatilho. Scarface mantém sua lâmina pressionada
entre os ombros de Jasper.
Ele é conduzido atrás de Eleanor, onde coloca as mãos em
seus ombros.
Meu rosto está em chamas e eu continuo tentando enxugar
as lágrimas dos meus olhos.
Meu coração está batendo nos meus ouvidos, meu estômago
está na garganta. O barco balança como se estivéssemos no meio
de um turbilhão.
Eu trinco meus dentes enquanto Eleanor abaixa a gola de
seu vestido, expondo o pescoço. Ela levanta o queixo e se prepara
para a picada da mordida de Jasper.
Isso está realmente acontecendo. Tudo está prestes a acabar
e não há nada que eu possa fazer.
Jasper olha para mim pela última vez, lágrimas escorrendo
por suas bochechas, e ele sussurra as palavras...
— Me desculpe.
Prendo a respiração enquanto ele estica suas presas, abre a
boca e morde...
37
A aranha na canoa

Uma luz rosa se acende sobre a água.


Jasper recua, retrai seus caninos. Ele não quebrou a pele do
pescoço de Eleanor. Ele não a mordeu.
Respiro aliviado. Todos nós olhamos para o outro lado da
água, onde a luz distrativa está subindo ao céu.
Será um foguete?
Não, deve ser um sinalizador. Mas quem o disparou?
O sinalizador alcança seu pico e explode, enviando faíscas
rosadas tremeluzentes entre as estrelas.
É a distração que Jasper precisa.
Ele rapidamente dá uma cotovelada na cabeça de Scarface e
gira, acertando um soco em seu queixo com um som surdo.
Em seguida, ele se vira e tira a arma da mão de Eleanor,
fazendo-a deslizar pelo convés.
A arma para a cerca de um metro de distância de mim.
Scarface ainda está se recuperando, mas seus comparsas
renegados, Tatuado e Amendoim – tenho que aprender o nome
desses caras, – já estão se aproximando de Jasper.
Eleanor é derrubada no chão quando os renegados se
lançam sobre Jasper. Ele luta contra eles da melhor maneira
possível, mas são três contra um.
Ele soca e bloqueia, mas eles rapidamente o dominam,
forçando-o a ficar de joelhos com a enxurrada de golpes.
Os olhos de Eleanor encontram os meus enquanto ela
procura por sua arma descartada.
Estico meus pés o máximo que posso, tentando alcançar a
arma, enquanto ela se arrasta em minha direção.
A arma está fora de alcance e não importa o quanto eu me
estique, não vou conseguir chegar mais perto. Eleanor chega e
envolve à mão ao redor do cano, mas no momento em que ela o
faz, um lobo voa por cima do lado do barco!
Eleanor é derrubada e mais uma vez a arma escapa de suas
mãos. Sua cabeça bate no convés com força e ela desmaia
friamente.
O lobo ofega e se vira para mim.
Será que é...? Eu nunca vi esse lobo antes, mas há algo
familiar em sua postura e na forma como ela mantém as patas
afastadas.
— Aisha?
Ela levanta a cabeça antes de girar e saltar no ar – tão
graciosa em sua forma de lobo quanto em sua forma humana – e
aterrissa nas costas do Amendoim.
Com as presas à mostra, ela rasga seu ombro. Ele recua,
gritando de dor.
Nesse momento, outro lobo voa por cima do barco. Esse é
grande, com pelagem cor de gengibre.
Logo atrás está outro lobo, mais elegante e escuro.
Todd e Simon!
Outro segue, dessa vez uma fêmea, com um cheiro familiar.
Olivia!
Finalmente, um quinto lobo aparece ao meu lado no topo das
escadas. Esse é pequeno e loiro.
— Katie?!
À medida que Simon, Todd e Olivia se juntam a Aisha na
batalha contra os renegados, Katie se aproxima de mim e corta
minhas restrições.
Finalmente livre, esfrego os pulsos onde o enforca-gato
cortou a pele.
— Obrigado — eu digo, e Katie acena.
Eu sei que não é a hora certa, mas é engraçado ver Katie
como lobo. Já faz um tempo desde que a vi se transformar. Tenho
certeza de que estou muito feliz em vê-la agora.
Não temos tempo para grandes reencontros, porque do outro
lado do convés, nossos amigos estão fazendo o possível para
acabar com os renegados. Eles não estão dando tempo suficiente
para que eles se transformem entre os ataques, mas mesmo em
forma humana, esses caras são fortes.
Além disso, eles têm facas.
Jasper está caído em meio à luta e, à sua direita, Jericho está
deitado imóvel. Sangue está escorrendo dele em um ritmo
alarmante.
— Precisamos tirá-los daqui — digo, e Katie concorda com a
cabeça. — Como vocês todos vieram parar aqui?
Ela levanta a cabeça, apontando para a parte de trás do
barco.
Eu olho por cima do assento. Um conjunto de degraus leva a
um convés menor logo acima da água. Amarradas à traseira do iate,
há uma lancha rápida, um barco auxiliar e alguns jet skis.
São os jet skis da garagem de Jasper!
Mas não caberemos Jasper e Jericho em um jet ski.
Então, avisto algo crucial. As chaves da lancha ainda estão
na ignição.
— Posso levá-los de volta à costa com isso — digo a Katie.
Ela late concordando.
Sem precisar discutir, ambos entramos em ação.
Eu me apresso em direção a Jasper, enquanto Katie se dirige
a Jericho.
— Jasper! — eu grito, rolando-o e sacudindo-o levemente. —
Você consegue andar?
A luta continua ao meu redor. Os rogues me viram, mas meus
amigos os mantêm afastados.
— Jasper!
— Ungh... sim, consigo andar — ele responde com um
grunhido, gemendo enquanto se senta.
Katie está puxando a camisa do canto de Alfa Jericho, mas
ele é tão grande que ela não consegue movê-lo.
— Vamos lá — digo, passando o braço de Jasper sobre meu
ombro e ajudando-o a se levantar. Cambaleamos em direção a
Jericho e são necessários nós três para mover o maldito gigante.
Jericho está consciente o suficiente e, suponho, forte o
suficiente para conseguir descer as escadas e entrar na lancha. Ele
desaba na parte de trás assim que está a bordo.
Jasper pula depois dele e, ao fazê-lo, um uivo de dor vem do
convés superior.
— Aisha! — diz Jasper.
Katie late e me empurra em direção ao barco. Ela está nos
dizendo para irmos. Ela gira e salta pelas escadas para ajudar os
outros a lidar com os renegados.
— Eu preciso ajudá-la — diz Jasper, dando um passo à frente
e quase caindo. Eu o seguro pelos ombros antes que ele caia na
água.
— Não, você está muito machucado. São cinco contra três lá
em cima e precisamos levar seu pai para um hospital!
Ambos olhamos para Jericho, cujos olhos estão apertados,
ele está segurando o lado. Sangue escuro mancha suas roupas.
— Ok — diz Jasper.
Eu entro e viro a chave na ignição, enquanto Jasper se senta
ao lado de seu pai no banco de trás. O barco ronca à vida. Pego a
corda que nos conecta ao iate, desenrolo e jogo no fundo do barco.
Estamos livres.
Assim que volto ao volante, percebo... que não faço ideia de
como pilotar uma lancha.
— É aquele ali — diz Jasper fracamente, apontando para
uma alavanca.
— Ótimo. — Envolvo meus dedos ao redor da barra de metal
e empurro.
O motor ronca mais alto e começamos a nos mover. Há luzes
ao longe, que suponho estarem penduradas no cais perto da casa
de Jasper.
Giro o volante.
Nos afastamos do iate, ganhando velocidade, mas conforme
fazemos isso, sinto um peso cair atrás de mim.
O que foi isso?
Congelo, mas continuo acelerando para o oceano aberto,
longe do iate, cortando as ondas como uma espada samurai.
Lentamente, arrisco um olhar para trás.
— Gire o barco, Max — Eleanor diz, lutando para encontrar
equilíbrio, mas segurando firmemente a arma.
Caramba, ela está determinada!
Eleanor está de pé no meio do barco, me separando de
Jasper e Jericho. Ela deve ter saltado a bordo assim que estávamos
saindo.
— Precisamos levar o alfa para a costa — digo.
Apesar da arma e da expressão selvagem e furiosa no rosto
de Eleanor, eu acelero.
Ela tropeça um pouco, mas se mantém em pé.
— Gire este barco agora! — ela grita, colocando a arma no
nível dos olhos e puxando o gatilho.
O disparo soa como um canhão de pirata. A bala passa
zunindo perto da minha orelha, me errando por menos de um metro.
Não posso ajudar Jericho se minha cabeça for explodida,
então paro o barco.
O motor fica silencioso e flutuamos suavemente na água. As
ondas batem calmamente em nossos lados.
— Bom garoto — diz ela. — Agora nos leve de volta ao iate.
— Por que você está fazendo isso, Eleanor? — pergunto. —
O alfa está morrendo! Entendo que você queira um parceiro, mas
por que toda essa confusão?
— Você acha que me importo se o alfa morrer? — ela
pergunta, balançando a arma. — Ele não é exatamente um cara
legal. Você sabe por que meu pai trabalha para ele? Porque o pai
dele trabalhava e o pai dele antes disso. Porque é isso que ele
nasceu para fazer. Não porque ele escolheu.
Dessa distância, não consigo mais ouvir a luta no iate. A noite
está calma, apenas Eleanor está furiosa contra o vento.
— Nós somos lobos, o que significa que nascemos em uma
hierarquia. Algumas pessoas — ela gira e aponta a arma para
Jasper — nascem com privilégios!
Jasper se inclina para a frente, encarando-a.
— Enquanto alguns de nós nascem sem nada. Nos dizem
que nosso único propósito é servir, como se não importássemos. A
menos... — Ela sorri maniacamente. — A menos que encontremos
um parceiro. Alguém que possa nos elevar de nossa condição. Esse
era o meu trabalho, era isso que meu pai esperava que eu fizesse
por ele e pela nossa família.
— Entendo. Sei que seu pai estava colocando muita pressão
em você, mas...
— Você sabe o que meu pai me disse? — pergunta Eleanor,
embora eu esteja bem certo de que ela vai me contar de qualquer
maneira. — Ele me disse para não voltar para casa do festival sem
um companheiro, alguém com status, que pudesse nos tirar de
nossas vidas patéticas. Quando isso não aconteceu, a única
maneira de fazê-lo se acalmar foi elaborar esse plano insano.
— Olha, Eleanor — digo. — Essa coisa de companheiros é
complicada, eu entendo, mas você não pode...
— Como você pode entender? — ela interrompe. — Você
deu sorte.
— É isso que você pensa? — pergunto. — Você acha que ser
companheiro de outro cara, ainda mais o filho do alfa, é fácil?
Dou uma olhada em Jasper, que está observando a arma
atentamente.
— É melhor do que não ter parceiro algum — diz Eleanor. —
Meu pai vai me renegar se eu não voltar com as presas de Jasper
impressas em meu pescoço.
— Sinto muito. Sinto muito mesmo que seu pai seja assim.
Mas a verdade é que todos nós estamos sob pressão. Eu nem
mesmo contei para minha família que Jasper e eu somos
companheiros. Você viu a reação de Jericho. Você não acha que
isso é difícil?
— Não é a mesma coisa!
Dou mais uma olhada em Jasper. Preciso acalmar Eleanor.
Preciso mantê-la distraída.
— Não estou dizendo que nossas famílias vão nos renegar —
continuo, tentando falar o mais calmo possível, o que, considerando
a situação, não é muito. — Mas se tem uma coisa que aprendi no
festival da Lua Azul, é que o destino é complicado.
Finalmente, Jasper começa a se mover lentamente.
— Sempre rezamos para que os Deuses da Lua iluminem o
caminho entre as almas, mas ninguém nos diz que a estrada entre
as almas é incrivelmente perigosa. É como atravessar uma maldita
selva. É difícil e dói... — Pego Jasper me observando. — … às
vezes você quer virar e correr na direção oposta. Mas a questão é
que você não pode lutar contra isso. Porque se o fizer, nunca saberá
como pode ser incrível e eletrizante.
Jasper sorri, com a testa franzida de desculpas.
— E talvez seu caminho não seja aquele que você esperava
— digo, voltando minha atenção para Eleanor. — Mas é o seu
caminho e ele é válido.
Eleanor deixa a arma cair ao seu lado.
— Eu costumava pensar que era diferente de todo mundo,
mas a verdade é que somos todos iguais. Todos estamos apenas
tentando entender as coisas e fazer o nosso melhor apesar da
pressão que sofremos.
— Eu preciso disso — diz Eleanor com os dentes cerrados.
— Claro — digo. — Entendo isso. Todos nós entendemos.
Mas há mais uma coisa que aprendi no festival.
— O quê? — ela pergunta.
— Não importa com quem você está na canoa. Se uma
aranha rastejar na minha perna, ambos vamos cair na água.
— Hã?
Jasper entende meu sinal e avança em Eleanor, derrubando
a arma de sua mão. Ele a imobiliza no fundo do barco, apesar de
seus chutes e gritos.
Pego uma corda e, com a ajuda de Jasper, amarramos seus
braços nas costas.
— Me soltem! — ela grita. — Vocês não entendem. Isso não
é justo!
— Tem alguma coisa que podemos usar para amordaçá-la?
— pergunta Jasper.
No fundo, Jericho geme e Jasper corre para o lado dele. O
alfa está pálido como um fantasma, sua testa está molhada de suor.
— Ele não parece bem — diz Jasper com medo nos olhos. —
Pai? Pai, você está me ouvindo? Fique comigo.
O alfa não está respondendo.
— Vamos voltar para a costa — digo e volto para o volante.
— Max — chora Jasper. — Depressa!
38
Só ligue para ele

Uma semana depois do fiasco da Lua da Colheita, Katie vem me


visitar.
— Você ouviu alguma coisa do Jasper? — ela pergunta,
mastigando um sanduíche de bife feito pelo meu pai. Eu a encaro.
Ela está sentada na cadeira da minha mesa, girando de um
lado para o outro. Atrás dela, meu celular está inerte na mesa.
Eu não ouvi nada de Jasper desde que ele desapareceu em
uma ambulância com seu pai.
Talvez eu devesse ter sido o lobo adulto e enviado a primeira
mensagem. Mas de alguma forma não consegui me fazer a fazer
isso.
Ainda dói algo na forma como ele estava pronto para me
rejeitar. Por que eu deveria ser o primeiro a entrar em contato? Por
que eu esperava que ele se desse ao trabalho de mandar uma
mensagem e ver se estou bem?
— Não — resmungo e recosto na minha cama.
Meu sanduíche está em um prato no tapete entre meus pés –
intocado.
Estou sendo um bebê? O pai dele foi baleado. Provavelmente
ele tem estado ocupado demais preocupado com a vida de Jericho
para me verificar.
— A Aisha me mandou uma mensagem — digo. — Jericho
está bem. A bala não atingiu os órgãos importantes e com a cura
acelerada dele como lobo, ele estará de volta ao trabalho em uma
ou duas semanas.
— Isso é uma boa notícia — diz Katie, mastigando.
— Ela também disse que a Eleanor está trancada na
instalação de detenção da matilha, mas o pai dela não foi visto
desde o ataque.
— Menos boas notícias. Ainda assim, ótimo que Jericho vai
ficar bem.
— Totalmente. — Lembro da dor que a matilha sentiu quando
a mãe de Jasper morreu. Não consigo imaginar como seria se
Jericho fosse pelo mesmo caminho.
— Se o pai dele está livre, por que você não liga para o
Jasper então?
— Alguém nunca te disse para não falar de boca cheia?
Eu rio, mas apenas por um segundo.
— Você não acha que o Jasper gostaria de ouvir de você
depois de você basicamente ter salvado a vida do pai dele e
impedido a Eleanor de forçá-lo a ser o parceiro dela?
Eu levanto a cabeça abruptamente.
— Eu fiz isso? — pergunto. — Tudo o que fiz foi dirigir o
barco. Se vocês não tivessem aparecido... E aquele sinalizador, foi
um golpe de gênio. Como vocês conseguiram chegar ao barco,
afinal?
— Quando os renegados atacaram a festa, Simon, Todd e eu
fomos para o lado da casa para nos esconder. Percebemos que a
Aisha estava chegando tarde e contamos a ela o que estava
acontecendo.
— Mas como vocês sabiam onde estávamos?
— Isso foi tudo Olivia. Ela viu os renegados capturando
vocês, então os seguiu até o barco. Ela nos encontrou escondidos
na garagem e nos contou o que tinha acontecido com vocês. Ela
tinha entrado para pegar uma moto aquática para ela mesma, mas
quando a Aisha e eu ouvimos o que aconteceu, não iríamos deixá-la
ir sozinha.
— E o Todd e o Simon?
— Eles não iriam me deixar navegar para um ninho de
renegados.
— E os outros renegados? Parecia que tinha uma matilha
inteira deles.
Katie ri.
— Uma matilha inteira de renegados. Isso não é uma
contradição?
Eu dou de ombros.
— Havia mais do que apenas os três no iate.
— Eu acho que depois que vocês foram capturados, a parte
deles da missão estava completa. A festa estava bem tranquila
quando saímos da garagem. Acho que a segurança provavelmente
prendeu alguns deles.
— Bem, sou grato a todos vocês. Como estão as coisas com
os garotos? Da última vez que os vi juntos, parecia um pouco tenso
e isso foi antes da invasão dos renegados.
Katie vira a cabeça para trás e sorri.
— Tenso é eufemismo.
Eu espero um pouco para que ela continue, mas ela está
mais interessada no sanduíche do que em ser franca.
— Ok, um pouco avarenta com os detalhes.
O rosto de Katie fica cor-de-rosa.
— Promete que não vai julgar?
— Depois de tudo o que aconteceu? Juro por minha vida.
Claro que não.
Ela coloca o prato na mesa.
— Bem, eles não ficaram felizes por eu estar saindo com os
dois, então eu perguntei se eles achavam que poderiam me deixar e
ambos disseram que não.
Eu assinto aprovando.
— Garotos espertos.
— E então eu disse a eles que é mais ou menos assim que
me sinto em relação aos dois.
— Eles aceitaram isso?
— No começo não. Eles estavam bem irritados, mas todos
nós estivemos saindo juntos nesta última semana e, bem, eles meio
que concordaram em me deixar continuar saindo com os dois.
Minha boca cai no chão.
— Só até eu ter certeza de qual é o certo.
— Então você está saindo com dois caras ao mesmo tempo?
E eles estão bem com isso?
Katie morde o lábio e acena.
— Nós somos jovens, certo? Por que deveríamos tomar
decisões que vão afetar o resto de nossas vidas? Devemos ser
imprudentes.
— Sortuda! — Não consigo deixar de rir, estou super feliz
pela minha melhor amiga.
— Você não acha que somos loucos? — ela pergunta.
— De jeito nenhum. É super moderno. Muito progressivo.
Ela suspira e pega o prato novamente.
— Só até sabermos o que é melhor — diz ela, levando o
sanduíche à boca e dando mais uma grande mordida. — Vamos ver
como as coisas vão.
Migalhas escorrem da sua boca e caem em seu colo. Não
posso acreditar que essa garota é minha melhor amiga obcecada
por encontrar um parceiro, idolatrando as princesas da Disney.
Mas estou super orgulhoso e loucamente feliz por ela.
— Acho que você deveria ligar para o Jasper — diz ela,
assim que termina de comer. — Eu sei que as coisas não estavam
ótimas, mas depois de tudo o que aconteceu, vocês ainda são
companheiros.
Deixo minha cabeça cair entre os joelhos.
— Talvez.
— Você não disse que ele admitiu no iate, na frente do
Jericho?
— Sim, mas só porque tinha uma arma apontada para a
minha cabeça.
— Ainda assim — Katie diz, se aproximando de mim e
colocando as mãos nas minhas pernas. — Aquilo exigiu coragem.
Quem sabe como o pai dele vai reagir agora que está de volta de
pé.
— Verdade.
Eu não tinha pensado nisso. Jericho pode não ter querido
que Jasper acabasse emparelhado com uma garota psicótica com
uma arma. Mas ele também não parecia muito satisfeito com o filho
sendo emparelhado com outro cara.
Com Eleanor fora do caminho, quem sabe o que Jericho está
pensando. Ele pode estar organizando uma nova parceira digna da
Lua para Jasper neste exato momento.
— Jasper pode estar passando por isso agora — diz Katie.
— Acho que estou tão acostumado com Jasper se afastando.
Como eu sei que ele simplesmente não quer me ouvir?
— Confie nos Deuses da Lua — ela diz com um brilho nos
olhos. — Ou, se não, confie em mim. É mais difícil do que você
imagina desistir de um par.
Suspiro. Talvez Katie esteja certa. Mas a ideia de ter Jasper
me rejeitando novamente é demais para suportar.
— Você vai terminar isso? — Katie pergunta, apontando para
o meu sanduíche.
Eu dou uma risada.
— É todo seu.
Uma hora depois, Katie precisa ir para casa. Sua mãe – que
finalmente decidiu o papel de parede para a sala de estar – envia
uma mensagem dizendo que os decoradores terminaram. Ela quer
que Katie veja o produto final.
— Você pode vir agora — ela diz, me abraçando na porta.
— Mal posso esperar!
— E amanhã? Vem jantar?
— Claro — eu digo.
Katie sai, mas olha para trás.
— Ligue para ele, Max. Você não vai se arrepender.
Assim que ela se vai, volto para o meu quarto. Meu celular
ainda está sobre a mesa.
Só ligue para ele!
Eu caminho até a mesa e pego o telefone. A tela está
apagada e eu a encaro, tentando me convencer a desbloqueá-la.
— Ah! — Grito quando ele vibra, acendendo. Eu gaguejo e
quase deixo cair. Mas uma vez que o choque inicial passa, seguro-o
com a mão trêmula e olho fixamente para a tela, de olhos
arregalados.
Há uma mensagem de texto de Jasper. Eu desbloqueio o
telefone e ali, debaixo da minha única mensagem, ele finalmente
enviou uma resposta.
“Deveríamos conversar. Você pode vir para a casa?”
— Eu tenho ido a essa casa mais vezes nas últimas semanas
do que em toda a minha vida — diz mamãe. Os portões da mansão
de Jasper se abrem graciosamente.
Estou triste por não poder ver a nova casa de Katie hoje. Mas
ela foi totalmente compreensiva quando soube que Jasper me pediu
para passar lá.
— Por que você disse que Jasper te convidou para visitar? —
Pergunta mamãe.
Eu mastigo o interior da minha bochecha e tento pensar em
uma boa razão. Eu deveria ter pensado em uma até agora.
Estúpido.
— Acho que ele só quer se desculpar pelo que aconteceu na
festa.
Fora da minha janela, as árvores bem cuidadas passam
rápido.
— Você não me contou muito sobre aquela noite.
— Estava tudo meio confuso — eu digo. — Um segundo
estávamos em uma festa e no próximo os renegados estavam
atacando.
Mamãe suspira e diminui a velocidade do carro quando nos
aproximamos da casa. Tenho certeza de que ela ficaria muito mais
preocupada se soubesse o que realmente aconteceu. Mas quero
poupar ela e papai da preocupação. Pelo menos, é o que estou
dizendo a mim mesmo.
— Só estou feliz que você esteja seguro. O que eles queriam,
você acha?
Mais uma vez, eu deveria ter inventado melhores mentiras
até agora. Até agora, consegui me safar com uma explicação vaga,
mas mamãe está começando a ficar desconfiada.
— Não tenho certeza.
Estacionamos na frente e desafivelo o cinto de segurança,
alcançando a maçaneta da porta.
— Por que ele quer se desculpar com você em particular,
querido? — Mamãe pergunta, e eu congelo.
— O quê?
— Ele está pedindo para todo mundo visitar pessoalmente?
Parece que isso levaria muito tempo.
— Não sei, mamãe — eu reclamo.
— E você estava se escondendo na garagem o tempo todo,
certo?
Reviro os olhos, mas por dentro estou em pânico.
— Talvez ele esteja se sentindo mal porque me convidou.
— Nesse caso, é um gesto muito gentil. Ele deve ser um
jovem extremamente atencioso.
Eu dou uma risada. Por que eu não peguei um táxi?
— Acho que é porque nós somos... — Eu não sei como
terminar essa frase.
— Vocês são o quê, querido?
Acho que estou tendo um ataque cardíaco, ou pelo menos é
assim que imagino que seja.
— Somos amigos — digo, encolhendo os ombros. — Eu e
Jasper somos... amigos.
Não é exatamente verdade, mas está mais perto do que
cheguei antes.
— Eu não sabia disso — ela diz.
— Ele não queria apenas minha ajuda com a coisa da Aisha
porque eu era amiga dela. Jasper e eu... nós saímos um pouco, no
festival.
— Ah.
Meus dedos se apertam na maçaneta da porta. Calor sobe às
minhas bochechas.
Mamãe está me olhando. Seus olhos estão brilhantes como
ficam durante a parte emocionante de suas comédias românticas.
Por que ela está me olhando assim?
Finalmente, ela sorri.
— Bem, ele tem muita sorte de ter um amigo como você.
— Ãh, obrigado — eu digo. — Posso ir agora?
Mamãe acena com a cabeça e eu finalmente abro a porta.
— Mãe — eu digo, olhando para trás. — Te amo.
— Também te amo, querido. Sempre.
Acho que mamãe está prestes a derramar uma lágrima,
então o mais rápido possível, fecho a porta e vou em direção à
casa.
Com os ombros curvados e as mãos nos bolsos, espero que
Melissa atenda a campainha.
— Isso está se tornando um hábito — ela diz, sorrindo
enquanto me conduz para dentro.
Ela está certa. Esta casa é estranhamente familiar para mim
agora, de uma forma que eu nunca pensei que seria. Nem dou uma
segunda olhada na arte abstrata oversized nas paredes, ou na
lareira envolta em uma caixa de vidro.
— Jasper está no quarto dele? — Eu pergunto.
— Sim, mas há alguém que gostaria de falar com você
primeiro.
— Há? — Engulo em seco.
Melissa me guia pela casa até uma escadaria que eu nunca
subi antes. Ela caminha um passo à frente de mim até o segundo
andar.
Caminho por um corredor, com uma parede de vidro de um
lado com vista para o oceano, e uma fileira de portas do outro.
Paramos em frente a uma porta verde-escura. Melissa bate –
duas batidas nítidas com os nós dos dedos – antes de virar a
maçaneta e me conduzir para dentro.
Instantaneamente, meus ombros se erguem e minha coluna
se endireita. O Alfa Jericho se levanta da cadeira e coloca as mãos
planas sobre a mesa.
— Alfa... Jericho — eu balbucio, abaixando a cabeça
instintivamente.
— Olá, Max.
39
O caminho entre almas

— Vou deixar vocês sozinhos — diz Melissa, tocando meu ombro


e em seguida saindo pelo corredor e fechando a porta atrás dela.
Uma vez que ela se foi, o quarto parece gigantesco. O
silêncio tem peso.
— Obrigado por vir me ver, Max — diz Jericho, o tom grave e
vibrante de sua voz ecoando em meu peito como um subwoofer.
Será que ele pensa que eu vim aqui só para falar com ele?
Desculpe, senhor, na verdade eu vim ver se o seu filho quer sair
comigo.
Ele abaixa os olhos e ergue uma sobrancelha, como se
tivesse lido meus pensamentos.
— Tenho certeza de que você tem outros assuntos para tratar
— ele diz. — Então não vou demorar muito.
Será que ele pode ler minha mente?!
Eu olho ao redor do quarto. Três das paredes são
inteiramente feitas de vidro. Céus azuis perfeitos nos cercam. Com
todas essas janelas, quase parece que estamos flutuando.
A decoração é minimalista, o que só aumenta a imensidão do
espaço. As cores são suaves, tons de cinza e verde-oliva profundo.
Um tapete monocromático fica no meio da sala, com a área
equivalente a um pequeno país.
A mesa de Jericho é iluminada pelo sol que entra pelas
janelas de vidro. As sombras a fazem parecer um altar de pedra.
Daqueles em que amarram cordeiros para sacrifício.
— Por favor — ele diz, fazendo um gesto para uma das
cadeiras desconfortáveis à sua frente. — Sente-se.
Sob seu comando, meus pés se movem. Ele me observa com
um olhar perspicaz e discernidor.
Será que ele está me julgando pela forma como ando? Será
que estou balançando demais os braços?
Afundando em uma das cadeiras, eu cruzo os braços em
volta de mim mesma e olho para o meu alpha.
Ele sorri e sussurra em tom conspiratório:
— Não se preocupe. Eu não vou te morder.
— Ah — eu dou uma risada constrangedora e forço meus
braços a se descruzarem.
Jericho ri e começo a me sentir um pouco mais calmo. Ele se
senta, colocando seus braços gigantescos na mesa e entrelaçando
os dedos, formando a forma de uma capela.
— Eu queria agradecer, Max. Pelo que você fez naquela
noite.
Eu me remexo desconfortavelmente na cadeira.
— Não foi nada, na verdade.
— Nada disso — ele diz. — Você foi muito corajoso. Talvez
eu nem estivesse aqui agora se não fosse por você.
— Bem — eu digo, sorrindo como uma idiota —, eu só fiz o
que qualquer um faria. Fico feliz que você esteja se sentindo melhor.
Jericho vira levemente a cabeça e me olha de canto de olho.
Eu seguro os braços da cadeira. Minhas palmas estão mais
suadas do que uma sopa de mariscos.
— Também quero pedir desculpas — ele diz.
Essa declaração me pega de surpresa. O que o alfa poderia
ter para se desculpar?
— O que... por quê? — eu gaguejo.
— Por semanas, tenho sentido que algo mudou na vida de
Jasper. Algo importante. E eu acho... não, eu sabia que tinha uma
ideia do que essa mudança poderia ser.
Ah Deuses da Lua, ele está falando de mim!
— Mas eu não conseguia encarar a verdade, então ignorei.
Eu até tentei forçar a situação.
Uma sombra atravessa o rosto de Jericho e por um segundo
sua barba parece um pouco menos aparada, as linhas ao redor de
seus olhos estão um pouco mais marcadas.
— Você é um bom rapaz. Seus pais o criaram bem.
— Sim, eles são ótimos.
— De fato. — Ele acena com a cabeça.
— Você... conhece meus pais?
Jericho se inclina ligeiramente para a frente, as costuras de
sua camisa social esticam à medida que seus músculos se
destacam.
— Conheço cada lobo da minha alcateia. Alguns mais
intimamente do que outros. Mas eu me preocupo com todos eles,
sem fazer distinções.
Sua sobrancelha se ergue quando ele diz a palavra
“distinções”, como se quisesse que eu entendesse sua insinuação.
Nunca fui muito bom em beisebol, então só o encaro sem entender.
De repente, Jericho se recosta, irrompendo em uma risada
sincera.
— Nós, lobos, não somos tão pré-históricos quanto você
pode pensar — ele diz no meio da risada. — Eu deveria ter visto o
que estava bem debaixo do meu nariz. Não, você não é o que eu
imaginava quando pensei na pessoa com quem meu filho ficaria
como companheiro.
Aí está, as cartas estão na mesa.
— Mas você me provou que tem o que é necessário para
apoiar meu filho.
O calor em minhas bochechas poderia incinerar aço sólido.
Eu nem contei aos meus pais sobre Jasper e eu, e aqui está o alfa
da alcateia me dando sua bênção... espere, ele está dando sua
bênção?
— Obrigado, senhor.
Espere, é por isso que Jasper me pediu para vir aqui? Porque
temos a aprovação de seu pai?
De repente, eu realmente quero ter aquela conversa com ele.
— Você é um bom rapaz, Max.
— Obrigado...?
Assim que saio do escritório do alfa, começo a correr. Já
estou ofegante quando chego ao saguão de entrada, me dirigindo
ao quarto de Jasper.
Por que essa casa é tão gigantesca?!
Chego à porta, dobrado e sem fôlego.
— Max! — Jodie grita animada e corre na minha direção. Ela
me agarra pela cintura e me abraça apertado. — Estou tão feliz que
você está bem!
Depois de um segundo de hesitação, eu a abraço de volta.
Aparentemente, agora somos melhores amigos, o que está tudo
bem para mim.
— Fico feliz em ver que você está bem — eu digo. Olho para
dentro do quarto de Jasper, esperando encontrá-lo assistindo minha
interação com Jodie, sorrindo. Mas, em vez disso, meu coração
afunda.
Jasper não está aqui.
— Ei, cara — diz Aisha. Ela está sentada na cama de Jasper
com um monte de cartas do Uno na frente dela.
— O que você está fazendo aqui? — pergunto, afastando
Jodie e entrando.
— Eu vim visitar Jasper e esse monstrinho. Queria ter certeza
de que todos estavam bem depois de toda aquela... — Ela sinaliza
as palavras — coisa dos renegados.
— Estamos bem — Jodie interrompe. — Meu papai se
machucou, mas o Max o salvou.
Eu levanto as mãos em rendição. — Uau, eu não fiz tanto
assim.
— Jasper disse que você dirigiu o barco e o ajudou a parar
aquela garota louca.
— Ele disse isso? — pergunto.
— Uh-huh!
— Você é um verdadeiro herói — diz Aisha, sorrindo para
mim.
— Bem, então você também é — digo. — Você chegou para
nos salvar como a maldita guarda costeira!
Jodie pula de volta na cama e Aisha segura minha mão.
— É muito bom te ver — ela diz.
— Você também — digo, depois cutucando o ombro de Jodie
— e você também.
— Como estão as coisas? — pergunto a Aisha, enquanto
Jodie pega suas cartas e começa a rearranjá-las.
— Está tudo bem — ela diz. — Os ensaios estão a todo
vapor, embora meu tornozelo esquerdo esteja um pouco dolorido de
quando um daqueles caras o chutou.
— Pelo menos eles estão presos agora, certo?
— Amém a isso.
— E o Troy? Como ele está?
— Nada parece deixá-lo para baixo por muito tempo. — Ela
joga o cabelo casualmente sobre o ombro. — Ele voltou ao normal,
falando sobre química biomolecular ou biomas ou eco-localização-
qualquer-coisa-do-gênero.
— Ainda fazendo ramen? — pergunto, lembrando do quão
deliciosas são as habilidades culinárias do namorado de Aisha.
— Sempre. — Ela sorri e inclina a cabeça, me olhando de
soslaio. — Mas nós não somos quem você veio visitar, não é?
Eu enfio as mãos nos bolsos, de repente envergonhado.
— Não é que não seja uma mega surpresa feliz — eu digo.
— Mas eu estava esperando conversar com o Jasper.
— Achei que fosse isso. — Aisha pisca para mim. — Ele está
na praia.
— Isso é estranho. Ele sabia que eu estava vindo.
— Melissa disse a ele que você tinha sido convocado para o
escritório do pai dele e ele...
— Ele surtou, não é?
Ela ergue um dedo e um polegar com uma lacuna do
tamanho de um grão de arroz.
— Um pouquinho.
Nós dois rimos enquanto trocamos um olhar cúmplice. Então
Aisha esfrega meu braço e diz:
— Vá buscá-lo, querido.
Eu sorrio e vou em direção ao oceano.

O vento sopra através das dunas cobertas de grama. Sigo o


caminho entre elas, deixando meus sapatos afundarem na areia.
O cheiro de sal é fresco e o rugido das ondas é constante. O
sol está começando a se pôr, lançando tons de laranja, rosa e
violeta pastel pelo céu.
Jasper está parado a meio caminho da praia, de frente para o
horizonte – seu cabelo desalinhado pela brisa do oceano.
— Jasper!
Ele olha por cima do ombro e me vê.
— Você está aqui — ele diz, como se estivesse surpreso por
eu ter ficado por perto. Seus olhos estão brilhando como o mar,
capturando reflexos de luz solar.
— Sim. — Eu esfrego a parte de trás do meu pescoço.
— Pensei que talvez meu pai...
— Você achou que ele me assustaria — eu digo. Jasper
acena sutilmente com a cabeça. — Não. A única coisa que tenho
medo são de aranhas.
Ele sorri levemente, mas não diz nada. Por um momento,
ficamos em silêncio enquanto as ondas lambem a praia. Eu o olho
com curiosidade.
— Você queria conversar.
— Sim — diz Jasper. — Eu queria me desculpar, Max.
Ok, não era o que eu esperava.
— Pelo quê?
— Eu não tenho sido... bom com você.
Ele não está errado, mas ouvi-lo dizer isso assim me deixa
desconfortável. Dou de ombros como se dissesse que está tudo
bem.
— Não, Max, eu não tenho — ele diz, de forma mais enfática.
— A verdade é que eu sabia quem você era para mim, ou quem
você seria... no dia em que nos conhecemos. Quando você
esbarrou em mim na cidade. Eu podia sentir desde o começo… que
seríamos, companheiros.
A garganta de Jasper se move quando ele engole entre as
frases.
— Mas eu não conseguia admitir, porque estava com muito
medo. Tinha medo de decepcionar meu pai, mas principalmente
tinha medo de me machucar.
Os olhos de Jasper estão fixos nos meus e começo a sentir a
praia se afastando para o meu campo de visão periférico. O som
das ondas diminui e tudo o que resta é ele e eu e a areia sob meus
tênis.
— Quando minha mãe morreu, eu não sabia se algum dia
seria capaz de me sentir bem novamente — diz Jasper, desviando o
olhar para o chão. — Levou anos até que eu finalmente me sentisse
um pouco bem. Então você apareceu na minha vida e eu vi um
vislumbre de como... as coisas poderiam ser boas. Mas então eu me
lembrei de como era ter isso tirado de mim. E eu queria evitar sentir
aquilo de novo a todo custo. Então, eu afastei você.
— Você tinha muita coisa para lidar — digo baixinho.
— Isso não é desculpa — ele afirma firmemente. — Eu fui
rude e condescendente. Fiz de tudo para tentar fazer você enxergar
que eu não sou alguém que vale a pena ter por perto.
Jasper continua cerrando os punhos, abrindo e fechando-os.
— Eu fui um idiota — ele diz, o que me faz rir. Jasper ri de
volta para mim.
Então ele dá um passo à frente.
— Mas o que eu aprendi, o que você me mostrou, Max… é
que eu não posso fingir que isso não existe. Eu não posso fingir que
você não existe e não posso ignorar esses sentimentos. Ao
machucar você, eu estava apenas machucando a mim mesmo.
As pontas dos meus dedos estão formigando, meus braços
anseiam por abraçá-lo. Meu coração está acelerado e minhas
respirações são tão rasas que fico tonto.
Jasper abaixa um pouco a cabeça e olha nos meus olhos.
— Você é meu companheiro, Max. Você é...
Antes que ele possa terminar, eu o beijo. Pressiono meus
lábios contra os dele.
Pego-o desprevenido e nossos lábios se chocam de forma
desajeitada. Mas então ele relaxa, separando os lábios e me
acolhendo.
Uma das minhas mãos encontra o lado do rosto dele e a
outra o quadril.
Encontramos nosso ritmo rapidamente, apesar de nunca
termos nos beijado antes, como se fôssemos feitos para nos
beijarmos.
Seu cabelo é macio e sedoso sob meus dedos e me encolho
ligeiramente enquanto suas mãos me envolvem – uma em volta da
minha cintura e a outra sobre meu ombro. Ele me puxa para mais
perto.
Nossas bocas se movem em uníssono, seus lábios macios
como marshmallows. O doce sabor de cereja em sua língua inunda
meus sentidos. Estrelas explodem atrás dos meus olhos, fogos de
artifício explodem e estalam no meu estômago, como se eu tivesse
comido um saco inteiro de pirulitos estalantes.
Meu corpo está em chamas, mas isso é bom... não, é incrível!
Esse beijo é melhor do que qualquer montanha-russa em que
já estive, mais satisfatório do que qualquer pedaço de pizza de
pepperoni, mais emocionante do que qualquer videogame, música
ou filme.
Não é à toa que as pessoas são obcecadas por
companheiros. Elas podem fazer isso quando quiserem!
A mão de Jasper se afunda na minha lombar e um pequeno
gemido feliz escapa da minha boca.
Eu poderia me perder nesse beijo. Eu poderia me afogar
nele.
E então... quando estou começando a pensar que posso me
afogar, Jasper se afasta.
O gosto dele permanece na minha língua. Sua mão continua
no lado do meu rosto, acariciando minha bochecha com o polegar.
— Max — ele diz.
Eu sorrio.
— Oi.
Ambos rimos e eu seguro a gola da sua camisa branca entre
meu polegar e dedo indicador e puxo gentilmente.
Este momento é mais perfeito do que eu poderia imaginar.
Então uma nuvem passa pelo rosto de Jasper e sua
expressão se torna sombria. Ele solta as mãos e se vira para longe
de mim.
— O que há de errado? — pergunto.
— Você é meu companheiro, eu posso admitir isso agora —
ele diz gravemente. — Mas você precisa saber que não podemos
ficar juntos.
Começo a balançar a cabeça, meu corpo começa a tremer.
— Não — digo. — Não, Jasper. Você sempre faz isso.
Sempre que ficamos próximos, você se afasta. Não faça isso agora.
— Eu sei — ele diz sem se virar. — Me desculpe.
— Eu não vou deixar você fazer isso dessa vez. Não depois
de tudo o que aconteceu... não depois desse beijo!
Ele dá um passo para longe e eu entro em pânico. Estendo a
mão e agarro o braço dele, girando-o violentamente para que ele
precise me encarar. Há lágrimas em seus olhos enquanto ele olha
para a areia.
— Eu não vou deixar você, Jasper! Você me escutou!? Nós
somos companheiros!
— Eu sei! — ele diz puxando o braço de volta.
— Então, o que é? — pergunto. — Qual é o seu problema?
— É porque somos companheiros que não podemos ficar
juntos.
A praia está girando ao meu redor, sinto como se estivesse
em uma roda-gigante em alta velocidade e vou ficar doente.
— Isso não faz sentido.
— Faz, Max. Você viu o que aconteceu com você, com meu
pai, com Aisha! Tudo isso aconteceu porque as pessoas usaram
meu companheiro para chegar até mim. — Jasper não para de
encarar o chão. Covarde — ele não vai parar. As pessoas sempre
vão querer o que eu tenho. Eles sempre virão atrás de mim.
— E daí?!
— Não está óbvio, Max? Estar comigo é perigoso. Muito
perigoso. Eu não posso te colocar nesse tipo de perigo.
Dou um passo para trás. Ele não pode estar falando sério,
pode?
— Isso não é decisão minha? — pergunto, enquanto meu
coração é engolido por um buraco negro.
— Não — ele diz, finalmente olhando nos meus olhos. — É
minha. E eu já tomei minha decisão. Não adianta discutir.
— Isso é porque você tem medo de que as pessoas saibam
que você se interessa por caras? Porque tem medo de decepcionar
as pessoas? Porque...
— A única pessoa que eu tenho medo de decepcionar é
você. E eu vou decepcionar. Eu sei que vou.
— Como você pode saber disso?
— Porque é isso que eu faço! A vida comigo só levará à
decepção para você.
— Não...
Minhas pernas se transformam em gelatina e preciso de toda
a minha força para não desabar na areia.
— Max. — Jasper dá um passo à frente, estendendo a mão
como se soubesse que eu poderia desmoronar a qualquer
momento. Eu afasto a mão dele.
— Como você pode fazer isso? — pergunto.
Ele pausa.
— Porque eu não sei o que faria se algo ruim acontecesse
com você.
Ele dá dois passos à frente até que seu rosto esteja a um
centímetro de distância. Ele coloca uma mão de cada lado da minha
cabeça e encosta sua testa na minha.
— Eu não quero te perder — digo.
— Eu também não quero te perder — ele diz. — Por isso
essa é a única opção. É melhor se nossa ligação permanecer em
segredo.
Eu engulo mais lágrimas, desejando que ele reconsiderasse,
desejando que ele me beijasse novamente.
— Sinto muito, Max — ele diz, e uma lágrima desenha um
rastro prateado em sua bochecha. — Essa é a única forma de te
manter seguro.
Com delicadeza, ele me dá um beijo na testa – um beijo
cheio das palavras que ele quer dizer, mas não pode, todas as
promessas que ele deseja fazer, mas não fará.
— Até logo — ele diz, em seguida se vira para partir.
Eu o observo caminhar de volta pela praia.
— Então é isso? — grito por cima do barulho do vento.
Jasper para e olha para trás.
— É assim que tem que ser — ele diz.
Eu desvio o olhar e mordo o lábio para evitar que ele trema.
— Ei, Max, você pode fazer um favor pra mim?
Jasper está me encarando atentamente, mas ele está louco
se pensa que eu lhe devo alguma coisa.
— Mantenha-se seguro, ok?
Bufo e desvio o olhar.
— Ei, não seja teimoso.
Reviro os olhos.
— Me prometa — ele diz. — Você vai ter cuidado?
Saber que ele se importa é pouco consolo, mas não adianta
mais lutar contra ele.
— Ok — digo. — Eu prometo.
— Bom.
Sua expressão suaviza e ele assente uma vez antes de
continuar caminhando.
Em um segundo, Jasper desaparece atrás das dunas.
Meu olhar permanece nos rastros dele na areia.
Eu viro para encarar o oceano e me sento. Levanto os
joelhos até o peito e observo as ondas irem e virem.
Pego um pouco de areia e deixo escorrer pelos meus dedos.
O céu está a meio caminho entre o dia e a noite. Uma
sombra azul-marinho está engolindo a luz pastel.
No horizonte, a lua está surgindo acima da água, lançando
seu brilho através das ondas, iluminando um caminho para o mar.
Um rastro amarelo cintilante, dançando na superfície da
água.
O caminho entre as almas.
Sinto como se pudesse caminhar por ele, até chegar à
superfície acidentada da lua. Longe daqui.
Mas eu não vou fazer isso.
Porque a lua já me mostrou meu caminho.
Meu destino está atrás de mim, no caminho de volta para o
quarto dele – sua mente já seguindo em frente dos pensamentos
sobre nós.
Mesmo que Jasper tenha me afastado vezes sem conta,
sentado aqui, eu sei que não posso desistir.
Outros lobos podem seguir em frente, voltar para casa e
esquecer que tiveram o verão mais louco de suas vidas. Considerar
isso como uma experiência. Quem se importa com companheiros,
não é mesmo?
Não eu. Eu não posso fazer isso. Não quando meu caminho
está traçado diante de mim.
Seguirei esse caminho com persistência cega. Vou persegui-
lo até os confins do mundo, se for preciso.
Jasper pode pensar que nossa história acabou.
Mas ele nunca conheceu um lobo como eu.
∆∆∆

Max e Jasper retornarão em Chasing...The Alpha's Son.

∆∆∆

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