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TÍTULO: End Game – Um Spin-Off de Fair Play

AUTORA: Beatriz Garcia


PREPARAÇÃO E REVISÃO DE TEXTO: Clarissa Progin
DIAGRAMAÇÃO: Beatriz Garcia
FOTO DE CAPA: Designed by Valerii – StockAdobe.com
DIAGRAMAÇÃO DE CAPA: Caique Silva
Copyright © 2021 Beatriz Garcia
Todos os direitos reservados.
É proibida a reprodução, transmissão ou distribuição não autorizada
desta obra, seja total ou parcial, de qualquer forma ou quaisquer
meios eletrônicos, mecânicos, sistema de banco de dados ou
processo similar, sem a devida autorização prévia e expressa do
autor. (Lei 9.610/98)
 
 
 
 
 

 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Para a garota que um dia brincou de escrever,
mas deixou esse sonho de lado e achou que não era capaz,
que não podia sonhar.
Nunca foi impossível.
Sumário
NOTAS DA AUTORA
PRÓLOGO
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6

CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9

CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17

CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25

CAPÍTULO 26
CAPÍTULO 27
CAPÍTULO 28

CAPÍTULO 29
CAPÍTULO 30

EPÍLOGO
AGRADECIMENTOS
Notas da autora
E, então, aqui estamos nós.
Se você leu Fair Play, sabe que o pequeno vislumbre da Emma,
filha da Kim e do Steve, não foi suficiente para deixar o coração de
vocês e o meu aquecido. Não, ela merecia sua história. E, a partir
de agora, você está prestes a mergulhar no último capítulo dessa
“mini saga”, duologia, ou como preferir chamar, cheia de metáforas
de esporte.
Caso você tenha caído de paraquedas aqui e não saiba do que eu
estou falando, talvez seja interessante deixar esse livro guardadinho
em seu dispositivo e ler o primeiro volume, Fair Play, para entender
melhor o que vai acontecer em End Game. Recomendo também ler
o conto Overtime, uma história de Fair Play, só para não perder o
costume.
Primeiros recados dados, então, vamos aos avisos.
É importante que você se atente ao fato de que há três pontos de
vista nesse livro. O presente, intercalando entre a Emma e o Colin, e
o passado, dando voz a Kim, mãe da Emma. Então, atente-se ao
detalhe. Brenda Kim Campbell McGlam é a mãe. Emma Kim
Campbell McGlam é a filha.
Dito isso, esse livro vai abordar de forma mais profunda a questão
de descendência e ascendência coreana. Kim tem descendência
porque sua mãe veio da Coreia do Sul, e Emma tem ascendência
por conta da mãe e da avó.
Esse livro contém cenas onde a Emma falará sobre o racismo
contra amarelos-asiáticos, portanto, saiba que as opiniões
expressadas por qualquer personagem não condizem com o que
penso. Não compactuo com nenhum desses pensamentos e foi feita
uma leitura sensível para abordá-lo da maneira mais correta
possível.
Esse livro também contém cenas de sexo explícito, consumo de
bebidas alcoólicas e há uma cena de assédio. Esse tema, em
momento algum, é tratado de forma romantizada. Se algum desses
tópicos for um gatilho para você, não prossiga a leitura. Sua saúde
mental deve estar sempre em primeiro lugar.
Por fim, recomendo fortemente a leitura desse livro acompanhado
da playlist, que você encontrará logo abaixo. É um verdadeiro sonho
compartilhar com vocês mais essa história.
Uma boa leitura. Com todo o meu amor,
Beatriz Garcia.
Prólogo

— Emma Kim Campbell McGlam? — pergunta a garota à minha


frente.
— Isso mesmo.
Ela sorri, me estende uma prancheta com uma lista impressa de
nomes e pede que eu assine ao lado do meu. Eu o faço e, depois de
lhe devolver seus materiais, a garota me estende uma mochila com
o logo da Universidade da Flórida.
— Obrigada.
Agradeço gentilmente e ando na direção dos meus pais e dos meus
tios, feliz por vê-los ali, absortos em suas conversas, em seu habitat
quase natural.
— Dá para acreditar que nossos filhos estão na faculdade? — a voz
da tia Heather soa com um pouco de emoção.
— Dá pra acreditar que nós ainda temos mais uma criança cada um
para repetir esse processo? — Dessa vez, é a voz da minha mãe.
— Não consigo acreditar que eu consegui realmente ter dois filhos.
— Eu ainda quero mais um — meu pai pontua e eu logo começo a
rir ao ver a expressão da minha progenitora.
— Você quer mais um filho porque não é você que vai parir outra
criança. Eu, por outro lado, quero passar longe de anestesias,
partos normais e cesárias, obrigada.
Seguro uma risada e, ao me aproximar mais, tio Nash abre a roda
em que estão para que eu adentre.
— O que você ganhou nessa mochila, princesa?
Sorrio ao ouvir o apelido que ele usa comigo desde que sou criança.
Não bastasse ser mimada pelos meus pais e avós, eu ainda ganhei
tio Nash e tia Heather, os melhores amigos da época de faculdade
dos meus pais, as pessoas que chamo e carinhosamente de tios,
ainda que não tenhamos nenhum laço sanguíneo.
Espio a mochila rapidamente e anuncio o conteúdo:
— Um caderno, muitos folhetos, uma caneta e uma garrafinha de
água.
— Nenhum baseado? — meu pai ergue os olhos para olhar em
minha bolsa e não consigo segurar a risada enquanto minha mãe
briga com o marido.
— Você já tem quarenta anos, Steve, não dá pra querer ser
descolado agora.
— Mas eu não perguntei para parecer descolado, perguntei como o
bom pai preocupado que eu sou. Nada de drogas, ouviu mocinha?
Reviro os olhos, mas não respondo, porque tia Heather emenda um
comentário sarcástico.
— Steve, por favor, sua filha sabe do seu histórico na faculdade, não
queira pregar o que você mesmo não seguiu.
Os quatro adultos e eu começamos a rir e, em seguida, a conversa
se torna um grande acúmulo de memórias para relembrar os velhos
tempos entre eles. Meus pais e meus tios estudaram juntos, papai e
tio Nash eram melhores amigos na faculdade e tia Heather e
mamãe também.
Deixo que eles me entretenham com as histórias que já tanto ouvi
enquanto olho alguns folhetos da bolsa.
A faculdade tem uma relação de importância que é particular de
cada pessoa. Algumas sonham com isso a vida toda, outras
almejam ser as primeiras de suas famílias a conquistar um diploma
universitário. Algumas lutam a vida toda para estar em uma Ivy
League, outras não se importam de estudar em uma faculdade
comunitária, e assim por diante.
Para mim, a faculdade faz parte do meu nascimento. Quase que
literalmente. Afinal de contas, mamãe ficou grávida de mim aos vinte
e um anos, em seu último ano de graduação. Eu mudei toda a
dinâmica de vida dos meus pais e, ainda que falando assim pareça
aquele tipo de história triste em que um filho arruína os planos de
dois jovens promissores, foi o completo oposto.
Me conceber ajudou a consolidar o relacionamento dos meus pais,
fez com que vovô McGlam apostasse em novas filiais de sua
empresa e mamãe ganhasse os palcos de Nova York comigo em
seu ventre. Ela participou de uma peça em um papel principal sendo
estreante e estando grávida. O fato de ser uma protagonista
descendente de coreanos e estreante foi um grande destaque nas
críticas, ainda mais em um país que ainda recrimina pessoas por
sua origem. De todo modo, a peça foi um sucesso e isso alavancou
sua carreira e eu fui um bônus na vida dos dois.
A verdade é que sou uma primogênita e tanto. Fui mimada de todos
os lados, pelos meus avós paternos, maternos, por tio Nash e tia
Heather e até mesmo pelos membros das companhias de teatro e
elencos de séries e filmes que mamãe trabalhou. Ter uma mãe
como a minha possibilitou que eu tenha uma foto com o Jon Snow.
Um pequeno embrulho branco aconchegado nos braços do ator
mais famoso de uma das séries mais incríveis e premiadas já
gravadas. Eu tive sorte.
— Bom, acho que já podemos levar você até sua sororidade, o que
acha? — Pergunta mamãe, pegando uma mecha do meu cabelo e
colocando atrás da orelha.
— Pode ser.
— Vamos ver se encontramos Colin pelo caminho — comenta
Heather olhando para o celular. — Esse garoto mal entrou na
faculdade e já esqueceu a mãe.
— Eu jamais esqueceria você, mãe!
Meu rosto se vira em direção a voz rouca que pronuncia aquelas
palavras e sou incapaz de conter a revirada de olhos.
Colin Cooper Sullivan, senhoras e senhores.
O primeiro filho do tio Nash e da tia Heather e, particularmente, meu
inferno pessoal.
 
Capítulo 1

Colin e eu somos os primeiros filhos de dois casais de melhores


amigos. Não precisa pensar muito para entender que as
expectativas a respeito da nossa proximidade fossem altíssimas. Eu
gosto de ser uma boa filha, e gosto também de saber que meus pais
estão felizes com minhas atitudes e escolhas.
Sei que Colin, apesar de seus defeitos e brincadeiras bobas, pensa
da mesma forma. Entretanto, nós dois não tivemos problemas em
decepcionar nossas famílias quando o quesito é termos uma boa
relação.
— E aí, baixinha? Já pegou seu material? — pergunta ele, e recebe
um tapa leve no braço vindo da mãe.
Colin massageia o local, fingindo que sentiu alguma dor e logo
abraça tia Heather, os olhos castanhos estão presos aos meus e um
sorriso sacana brinca em seus lábios.
— Já sim, obrigada por se preocupar com alguém além de si
próprio. — Retruco sarcástica.
— Emma! — Minha mãe me repreende só para não perder o
costume, pois sabe que isso não muda o fato de que vamos
continuar implicando um com o outro.
— Não se preocupe, tia Kim, estou acostumado com a falta de
educação da sua filha.
Reviro os olhos e chamo a atenção de Nash e Heather.
— Sério mesmo? Tantas crianças incríveis e vocês foram adotar
justo ele?
Tio Nash e Heather começam a rir e a conversa logo se volta para o
filho que tanto amam.
Colin é o primeiro filho dos meus tios e foi adotado. Minha tia
passou pelo sistema de adoção quando era apenas um bebê e suas
duas mães, que são pessoas incríveis e por quem nutro um carinho
especial, a adotaram muito cedo. Tia Heather sempre gostou da
ideia de ter mais de um filho, mas como uma estrela do futebol
feminino, ela sabia que a gravidez ficaria como um segundo plano
de alguma forma.
Depois que se casaram, os dois decidiram entrar com o processo de
adoção. Heather queria muito fazer o mesmo que suas mães
haviam feito por ela. Demorou um bom tempo para que desse certo,
eu ainda era muito nova para entender todos os trâmites, mas me
lembro que foram alguns bons meses cobrando meus tios a respeito
da presença de uma criança para poder brincar.
E, então, Colin chegou. Não foi combinado, mas ele e eu tínhamos a
mesma idade e, a partir de então, começamos a crescer juntos.
Temos fotos juntos em todas as festas escolares, apresentações de
final de ano, viagens de férias, almoços de domingo, Ação de
Graças, Natal e Ano Novo. É difícil me lembrar de datas
comemorativas sem que nós dois estivéssemos juntos.
Apesar do desejo de que nós nos déssemos bem, isso nunca
aconteceu. Houve um período em que nós brincávamos juntos com
certa harmonia. Mas, em algum momento, as brincadeiras em
conjunto acabaram.
Colin assumiu o futebol americano como parte integral da sua vida.
Ele já gostava do esporte quando chegou à família, mas, em certo
ponto da nossa infância, o esporte se tornou o ar que ele respirava.
Acompanhei boa parte dos seus jogos  e vi sua ascensão, não
posso e nem tenho como negar que ele é uma estrela no que faz,
assim como a mãe no futebol.
— Ainda não consigo entender por que vocês não se dão bem —
comenta Nash — está escrito no “código familiar” que os filhos dos
melhores amigos precisam se dar bem.
— Lindo, de onde você tirou isso? — tia Heather comenta e sorrio.
Porque todas as vezes que ela chama o marido de lindo, eu juro que
consigo ver os olhos verdes do tio Nash se iluminarem mais.
— Da minha cabeça — ele aponta para si mesmo. — Nós quatro
planejamos tanto que nossos filhos se dessem bem, mas só
conseguimos isso com Freddie e Kyle. Agora esses dois — ele
aponta para mim e Colin — o que fizemos de errado?
— Apostamos fichas demais — responde minha mãe.
— Não é nada disso — a voz grossa de Colin interrompe a
conversa. — Nós nos damos bem, mas preferimos manter uma
distância segura, não é, Emma? — ele pisca para mim e reviro os
olhos.
— Que seja. Podemos ir? — Peço encarecidamente e todos
murmuram que sim e, em seguida, damos início a caminhada pelas
ruas largas do campus que levam até as fraternidades e
sororidades.
Muitas pessoas ainda acham que as fraternidades e sororidades
são um grande âmbito de festas: pessoas nuas o tempo todo, filhos
de pais muito ricos e os esportistas da faculdade. De fato, a grande
maioria dos alunos são pessoas com uma condição de vida elevada.
Não me encaixo em padrões de multimilionários, mas nem eu nem
Colin podemos reclamar da condição em que crescemos: sempre
estudamos em colégios particulares, porque nossos pais fazem
parte da categoria de empresários de médio porte dos Estados
Unidos e nossas mães possuem certo status de fama.
Tia Heather tem uma coleção generosa de troféus e medalhas e foi
destaque na primeira Olimpíada em que participou. E mamãe é uma
estrela dos palcos de teatro e da TV. Não é difícil que as duas sejam
paradas vez ou outra por fãs, aconteceu hoje mesmo pela manhã.
Apesar de um legado como esse, diferente de Colin que segue os
passos da mãe e de Tio Nash de certa forma, não tenho aptidão
para esportes e nem mesmo para as artes, muito menos para cuidar
dos negócios da família. Como minha mãe gosta de dizer, eu nasci
para ficar no backstage. Gírias dela.
Apesar de todo esse histórico e de não me achar muito a cara de
uma garota de sororidade, não recusei a ideia quando meus pais
sugeriram que, ao invés de morar nos dormitórios, eu me
candidatasse para morar junto com outras garotas em uma casa
menos apertada.
Colin entrou na Universidade para cursar arquitetura e garantiu uma
vaga na principal fraternidade assim que foi aceito. Depois de visitar
o campus, a sugestão dos meus pais não me pareceu uma ideia
ruim.  Conheci algumas das casas e simpatizei com a ideia de morar
em um ambiente aconchegante, limpo e com um quarto pequeno,
mas só meu. Quando você tem um irmão mais novo, a privacidade
sempre é algo a se prezar.
Paramos na frente da casa grande e, por sinal, movimentada, e fico
grata por minhas coisas já estarem em meu quarto. As quatro
pessoas mais importantes da minha vida me encaram como se eu
fosse uma boneca de porcelana e entendo o motivo: eu fui a
primeira criança no círculo de amizade deles e como já disse, fui
mimada de todos os lados.
— Não consigo acreditar que meu bebê já está na faculdade — meu
pai me puxa para um abraço e deixo que ele e toda a sua altura me
engulam.
— Dá para acreditar que seu bebê já tem dezoito anos, Sr.
McGlam? — carrego a frase de ironia e ele me dá um beliscão
fraquinho no braço.
— Não dá para acreditar que você já chegou na melhor fase da sua
vida.
— É, seu pai tem razão — minha mãe, que assistia a nós dois
abraçados, aparece ao lado do meu pai. — Vai ser incrível, querida!
E eu vou querer saber de todos os detalhes. — Minha mãe me
cutuca e começo a rir.
— Eu não quero. Guarde todos esses detalhes a que sua mãe se
refere para vocês duas.
— Combinado, pai. Só vou falar com você sobre notas, provas e
todos os professores que vão me ensinar sobre filosofia e cenário
político.
Meu pai retorce o rosto por alguns segundos e logo emenda.
— Tudo bem, talvez uma ou outra história sobre festas, para
equilibrar, sabe?
Mamãe e eu começamos a rir e juntos, damos um abraço apertado.
— Tem espaço para um abraço na minha sobrinha favorita? — A
voz da tia Heather ressoa e nos separamos.
— Sempre vai ter um abraço para você — respondo me afastando
dos meus pais e vou ao encontro de seus braços.
— Você me lembra muito da minha versão da faculdade, Emma —
ela afaga meus cabelos e continua a falar — e sei que o maior
conselho que eu deveria te dar é estudar, mas não deixe de
aproveitar, ok? E fique de olho no Colin por mim.
— Eu ouvi isso! — A voz dele me faz abrir os olhos e dou uma
piscadinha para Colin, que retribui mostrando o dedo do meio.
— Pode deixar, tia. Prometo aproveitar. — Assinto enquanto ela dá
espaço para tio Nash.
— Se cuida, princesa. Não deixe que nenhum babaca se aproveite
de você. — Nash é alto e eu adoro o fato dele também me engolir
com seus braços.
— Pode deixar, darei meu melhor.
— Meu Deus! Não houve metade dessa comoção quando eu me
mudei para cá três semanas atrás.
Colin reclama debochando e eu sou incapaz de não revirar os olhos
novamente, algo que acontece muito quando ele está por perto.
— Filho, pare de ser dramático, nós te amamos. — Ouço a voz da
Heather e, quando me afasto do tio Nash, vejo-a abraçar o filho.
Chega a ser engraçado ver a dinâmica dos dois, tia Heather e Colin
são fortes, de certa forma por conta dos esportes que praticam, mas
o filho tem muito mais altura e músculos. Colin joga numa posição
do futebol americano que faz com que precise correr muito e, por
consequência, ele tem um corpo enorme. Mas, ao lado da mãe,
engolindo-a em um abraço, ele até fica bonito.
Apesar de ser um cara considerado bonito, quando uma pessoa
passa mais da metade da sua vida te provocando e tentando te tirar
do sério, você meio que deixa de ter certo encanto por ela, assim
como o restante do mundo.
“Nem sempre, não é, Emma?”, meu cérebro me trai, mas logo
afasto o pensamento.
— Vem aqui dar um abraço no seu tio favorito. Não esqueça que fui
eu quem te deu sua primeira camisa dos Seahawks — meu pai
caminha até Colin e os dois sorriem um para o outro antes de darem
um abraço, cheio de tapas nas costas e risadinhas.
— Quanta testosterona reunida num abraço — minha mãe comenta
e Heather concorda. — Vem, deixa eles aí. Quero te levar para o
seu quarto. Heat, você vem conosco.
Assinto e me despeço por alto de tio Nash, meu pai corre para me
dar mais um abraço apertado e relembro a ele de que estamos no
mesmo estado, que eles podem me visitar quando quiserem e eu
também.
— Pegue o carro do Colin emprestado se sentir saudades de casa
— meu pai comenta.
— Quem disse que vou emprestar meu carro para ela? — Colin
cospe as palavras.
— Seu pai está dizendo — a voz grossa de Nash reverbera — e é
bom que você seja mais legal com a Emma de agora em diante.
— Não faço questão — pontuo parada olhando firme para Colin.
— Nem eu, mas não esquece, baixinha — o sarcasmo é tangível em
sua voz — estou do outro lado da rua, portanto, você vai ter que me
aguentar.
Reviro os olhos e me lembro do único defeito de morar na
sororidade Alpha Theta. Ela fica quase em frente de uma das
principais fraternidades dos jogadores de futebol americano, onde a
presença de Colin foi implorada de joelhos.
Não bastasse estarmos na mesma faculdade, ainda vamos ser
quase vizinhos.
— Por que você não foi para outra faculdade?
— Por que você não foi para outra faculdade? — Colin repete a
minha pergunta.
— Já chega vocês dois! — Minha mãe e Heather esbravejam juntas.
— Venha, Emma, quero me despedir de você sentindo saudades e
não brava porque vocês dois são incapazes de agir como dois
adultos. — A voz autoritária de minha mãe faz com que eu recue.
Kim Campbell quando quer consegue ser bem brava.
— E você, Colin Cooper, esteja aqui quando eu voltar, teremos uma
conversinha — tia Heather encara o filho e ele murmura baixo um
‘ok, mãe', mas ainda assim, tem um sorriso no rosto, porque
independente do que tia Heather diga, nós dois já sabemos o que
vai acontecer: sempre que tiver a chance, Colin vai me irritar.
Parte de mim acredita que quase não vamos nos encontrar, que ele
vai passar tanto tempo em sua redoma de esporte e sendo bajulado
pelas marias-chuteiras que me atazanar vai deixar de ser um
hobbie. E eu sinceramente torço por isso.
Subo os degraus da entrada com minha mãe e minha tia e batemos
na porta.
— Oi, Emma, que bom que chegou!

Suzane Reid, a presidenta da sororidade e uma pessoa


incrivelmente simpática, me dá um abraço breve e sorri para minha
mãe quando ela pede para me levar até o quarto.
Adentramos a casa que tem um incrível cheiro de lavanda e fico feliz
ao pensar que ela sempre tem esse cheiro agradável. Tia Heather e
mamãe andam e conversam sobre a decoração da casa enquanto
lidero o caminho até meu quarto.
Abro a porta e não consigo conter um sorriso que me escapa dos
lábios. O espaço sem nenhuma decoração a não ser por uma cama
no centro, uma mesa de cabeceira do lado direito e uma
escrivaninha na frente da janela fazem meu coração aquecer.
Amo o quarto que tenho na casa dos meus pais, amo o mural
enorme com colagens, amo a cama gigante que me deram quando
trocaram alguns móveis do quarto mas, de alguma forma, a cama
de casal bem menor que a do meu quarto me transmite uma
sensação diferente.
Liberdade.
— Vou trazer uns quadros para você pendurar aqui — pontua tia
Heather — já que o Colin não quis nada de decoração, vou suprir
essa necessidade em você.
— Pare de usar minha filha como estepe — minha mãe me abraça
de lado e não contenho a risada.
— Pode trazer, tia, prometo usar algum item.
Ela ri acompanhada de minha mãe e não contenho o pensamento
de que, agora, não estarei nos jantares, almoços de domingo ou
sextas-feiras de hambúrguer que tanto fazemos em casa.
— Estou muito orgulhosa de você, meu amor! — minha mãe toma
minha mão direita e faz um breve carinho — Vai ser incrível, pode
ter certeza disso. E se tudo der errado, saiba que seu pai e eu
estaremos aqui para te apoiar.
— Nós todos — completa Heather.
— Sei disso e amo vocês por isso.
Vejo os olhos da minha mãe e da tia Heather marejarem, mas as
duas logo tratam de se recompor.
— Queria te dar mais uma coisa — minha mãe pontua com seu
olhar de cúmplice e não contenho um suspiro.
— Por favor, mais camisinhas não.
— Que péssima mãe eu sou por dar preservativos para minha filha,
céus! — Ela coloca a mão no peito e Heather começa a rir. — Mas
já tivemos essa conversa, quero te dar outra coisa. Fiz isso aqui
para você.
Ela abre a bolsa e tira um caderno preto liso com um elástico.
Mamãe tem vários desses espalhados em casa, ela anota tudo:
seus estudos para personagens, pesquisas, seus pensamentos e
até mesmo poemas, mesmo que não deixe nenhum de nós ler.
Puxo o elástico do caderno e ao abrir, não consigo conter o sorriso.
A primeira página tem a letra inconfundível da minha mãe e o título
“caderno de histórias da Kim”.
— Preenchi esse caderno com pensamentos, memórias,
conselhos... Chame do que quiser. As páginas também estão
recheadas de fotos, mas ele não está completo — ela comenta
quando chego a pouco menos da metade das folhas e vejo que
estão em branco. — Minhas histórias são apenas exemplos para
você se inspirar, o resto é com você.
— Espero que eu esteja nessas páginas, Campbell — tia Heather
murmura baixo.
— Como se desse para contar sobre a faculdade sem envolver
você, Cooper.
As duas amigas se olham cúmplices e entendo o porquê meus pais
estão tão empolgados quanto eu pela faculdade. Ambos fizeram
amigos para a vida, viveram experiências que os transformaram e
eles desejam que eu tenha a mesma coisa. Não exatamente as
mesmas experiências, mas a mesma relação afetiva com o período
da graduação.
— Adorei, mãe! Tenho certeza de que vou viver coisas incríveis aqui
— respondo sincera.
— Você vai fazer grandes coisas, Emma Kim — minha mãe fala
com a voz levemente embargada — disso não tenho dúvidas.
Fico emocionada por ver minha mãe e sua ternura comigo e me
estico para abraçá-la. Vejo a tia Heather sorrir para nós e depois de
um tempo, puxo a mulher que foi minha outra referência desde
pequena para completar o abraço.
— Bom, mas para que você viva tudo isso, preciso deixar você
sozinha, então vamos indo. — Mamãe suspira e começa a nos
puxar em direção à saída do quarto.
Descemos as escadas falando um pouco sobre minha semana de
caloura e ao chegar ao hall de entrada, Suzane dá um último aceno
para minha mãe e abro a porta, vendo meu pai, tio Nash e Colin
ainda ali na entrada, conversando animados sobre algo quando nos
aproximamos deles novamente.
— Sua filha está devidamente instalada, Steve. Vamos para casa?
— Mamãe abraça o papai pela cintura enquanto fala.
— Vamos. Quero aproveitar que Freddie ainda está com a babá e
curtir a casa só para nós.
Fecho os olhos e balanço a cabeça em negação.
— Pai, isso só faz você parecer ainda mais uma pessoa velha.
— Princesa, seu pai sempre teve essas piadas idiotas — tio Nash
me consola.
— Me lembre novamente por que somos amigos — ele pergunta
sarcástico ao amigo e rimos todos juntos. Meu pai é uma figura.
— Se cuidem, está bem? — Tia Heather dá um último abraço em
Colin e começamos uma longa despedida novamente.
Colin se posiciona ao meu lado para acenar para os nossos pais e,
juntos, balançamos as mãos de forma ritmada enquanto assistimos
os dois carros partirem. Quando eles somem de vista, Colin
bagunça meus cabelos com a mão direita.
— Por que você sempre faz isso? — questiono enquanto arrumo
novamente os cabelos e o encaro. Colin é muito mais alto do que
eu, às vezes é irritante a forma como preciso levantar o pescoço
para olhá-lo.
— Só porque adoro te irritar — ele mostra a língua para mim e
continua — mas, e aí, alguma amiga da sororidade para me
apresentar? — Ele dá uma piscadinha para mim.
— Gosto das minhas “irmãs”, Colin — faço aspas no ar e prossigo
—, jamais faria algo tão ruim a esse ponto com elas. Qualquer uma
delas merece algo melhor do que você.
—  Quanta raiva acumulada! Você está precisando relaxar, Emma
Kim — ele cruza os braços sobre o peito musculoso e com um
sorriso branco e presunçoso continua — de qualquer forma, não vai
demorar muito até eu conhecer todas elas e aí uma coisa vai levar a
outra... Se é que me entende. — Ele pisca os cílios grossos para
mim e um sorriso perfeitamente sacana e cheio de malícia dança
em seus lábios.
— Gaste seu charme barato com outra pessoa — falo erguendo
meu queixo para tentar mostrar autoridade — e, apesar do nosso
papo ser profundamente interessante — pontuo com desdém —  eu
tenho coisas melhores para fazer do que ouvir suas baboseiras.
— Imagino como sua agenda deve estar lotada de compromissos —
Colin comenta com ironia. — Estudar, estudar e estudar. Eu
entendo, faz parte da vida de pessoas nerds ficarem estudando
antes mesmo das aulas começarem. — Ele bate com a palma da
mão na testa como se tivesse esquecido de algo importante. —
Bom, boa sorte com sua programação empolgante, baixinha.
— Obrigada, WR. — respondo usando a abreviação de Wide
Receiver, a posição em que Colin joga, e prossigo. — Aproveite o
tempo livre para treinar sua recepção de passe, assim você evita
perder um ponto importante no campeonato, sabe como é...
O comentário ácido e perspicaz a respeito de um dos últimos jogos
da temporada de Colin em nosso colégio faz com que ele estreite os
olhos para mim. Ficamos alguns segundos nos encarando, quase
numa disputa indireta de quem pisca primeiro.
Como se estivéssemos em um desenho animado, vejo seu rosto
ficar levemente vermelho e quase vejo fumaça sair de sua cabeça.
Toquei em um ponto sensível e não me importo nem um pouco com
isso, não tenho problemas em admitir para mim mesma que Colin
tem muito mais talento para me tirar do sério do que eu, portanto,
atingi-lo um pouco nesse momento faz com que eu pontue no nosso
placar imaginário.
— Você é insuportável, Emma!
Colin desce os dois degraus que separam a casa da rua e sai sem
me dar tchau, o que considero uma vitória para mim. Sorrio de leve
e aceno para suas costas enquanto vejo ele atravessar a rua. Me
declarando como vencedora da nossa breve provocação, vou em
direção a porta e adentro o ambiente que vou chamar de lar por pelo
menos quatro anos.
— Emma! — me saúda Suzane — Demi vai preparar algumas
quesadillas e chilli para nós, quer ajudar?
— Claro!
Sorrio para as meninas que me encaram com uma feição amigável
em seus rostos e dou início a minha primeira tarde oficialmente
como uma aluna da Universidade da Flórida.
Aproveito o momento para me conectar com minhas colegas de
sororidade e, logo de cara, simpatizo com Kathleen Morgan, uma
caloura que chegou no dia anterior e que está usando uma camiseta
estampada com o Kakashi, um personagem de anime que sou
apaixonada.
Ela tem os cabelos ondulados, a pele negra e seus olhos são
castanhos escuros. Kath tem uma atitude de dar inveja. Sentamos
uma ao lado da outra e fico feliz em saber que ela vai cursar
pedagogia, os alunos dela terão sorte. E, quase que
instantaneamente, nos conectamos e minha atenção se volta muito
mais para ela do que para as demais.
Fico até tarde da noite ali com elas e quando vou para o meu
quarto, já gosto mais da Universidade do que horas antes. Ando
pelo espaço, ainda contemplando-o e concordo com a tia Heather:
preciso de alguma decoração.
Decido que verei isso durante a semana e vou tomar um banho.
Mamãe me alertou que essa seria a pior parte: ter que dividir
banheiro com mais pessoas, mas respiro aliviada ao ver que tudo
parece muito limpo.
Volto para o quarto alguns minutos depois com uma toalha enrolada
no cabelo e admiro a visão da janela, consigo ver mais a lateral das
casas, mas se me inclinar um pouco, vejo a rua principal.
A fraternidade que Colin mora está agitada, as luzes acesas, o som
alto e algumas pessoas na parte da frente se amontoam. É a cara
dele estar em uma casa onde estejam festejando antes mesmo das
aulas começarem.
Balanço a cabeça enquanto observo a movimentação das pessoas
e tiro a toalha da cabeça, pego um pente e passo delicadamente por
meus cabelos. Graças à genética, tanto eu quanto mamãe temos os
cabelos lisos e escuros, a família toda por parte de mãe é assim:
cabelos escuros, olhos castanhos, o queixo mais quadrado e as
sobrancelhas anguladas, os traços sul-coreanos são visíveis em nós
e tenho muito orgulho deles.
Termino de me arrumar para deitar e acendo o abajur ao lado da
cama para ler um pouco. Pego meu Kindle mas, ao olhar para o
caderno que minha mãe me deu mais cedo naquele dia, decido dar
uma chance às suas histórias.
Puxo o elástico e sorrio ao ver a caligrafia da minha mãe e mergulho
em suas anotações. 
Capítulo 2

Pensei em muitas formas de começar esse caderno, ou que nome


daria a essas anotações: “crônicas da faculdade”? “Guia de
sobrevivência de uma universitária: loucuras e memórias de uma
atriz”?
Nenhum título me parece bom, então, vou simplesmente escrever.
Talvez você encontre conselhos, histórias engraçadas, anotações
desconexas, são infinitas possibilidades, Emma, sua mãe é uma
artista, chame essa irregularidade de “liberdade de expressão”.
Claro que o tema central aqui será a faculdade e sei o que você
deve estar pensando. Provavelmente, você julga saber tudo e mais
um pouco sobre meus anos na graduação, afinal de contas, você
esteve indiretamente presente no meu último ano.
Mas, querida, muitas pessoas poderiam encarar o que vou dizer
como algo insensível e até mesmo “errado” perante os “deveres de
uma mãe”. Mas você, melhor do que ninguém, sabe que eu não sou
uma mãe comum, eu sou uma mãe descolada.
Então, eu preciso que você saiba que eu te amo
incondicionalmente, mas você não foi o único acontecimento de
destaque na minha vida acadêmica. Nem mesmo o seu pai. Vocês,
com certeza, foram a melhor coisa que me aconteceu na vida, mas
na faculdade, antes de vocês, eu me diverti muito e fui muito feliz, é
um fato. E contra fatos não há argumentos, como você bem sabe.
Além do mais, você só surgiu na minha vida no meu último ano, há
uma linha de tempo suficiente para ter memórias e histórias de
sobra para te contar. Então, vamos do começo.
O primeiro dia de aula.
Eu duvido que as coisas tenham mudado radicalmente a ponto de
você realmente ter aulas e conteúdo de verdade nas primeiras
semanas. Quero dizer, sempre vai ter um professor em algum
congresso, um aluno monitor que vai substituir o docente
responsável e, claro, o clássico “vou apresentar o conteúdo para
vocês e começamos na semana que vem”.
E isso não significa que estamos colocando você em uma faculdade
que não leva a educação dos alunos a sério, muito pelo contrário. É
que todo mundo sabe que a programação das primeiras semanas é
muito mais para integração dos alunos, para entender o ritmo das
coisas, para a chegada daqueles que não puderam ir antes e, claro,
para a semana que delimita para muitos a semana mais importante
para os calouros.
E, por mais que eu seja uma pessoa que não recusa uma festa e
uma boa dose de diversão, acredite se quiser, mas foi uma
decepção das grandes entrar numa sala de aula quase vazia, com
meu notebook na mochila, uma coletânea de peças de dramaturgos
ingleses e saber que todos os meus professores não tinham a
pretensão de encher lousas com informações importantes logo no
primeiro dia. 
Pois é, foi decepcionante. Eu queria tanto aprender sobre teatro que
achei que iria ser bombardeada de conteúdo por todos os lados logo
no primeiro dia. Espero de verdade que você leia essas primeiras
páginas a tempo do primeiro dia de aula, isso vai evitar que você
carregue peso à toa e que se frustre logo de cara.
Parte de mim tem certeza que você vai se irritar com isso, com o
fato de não ter aulas e uma rotina de estudos delimitada logo nos
primeiros dias, mas haverá tempo de sobra para isso, querida.
Tenho certeza que você logo vai encontrar um grupo de estudos,
coletivo ou algo do gênero para chamar de seu. Amo o fato de que
todas as vezes em que penso nisso, nesse seu lado engajado com
pautas sociais, ambientais e políticas, a primeira cena que me vem
à mente é você pequena, com cinco anos de idade, brigando com
um grupo de turistas na praia porque eles haviam deixado lixo na
areia.
Lutar pelo que acredita está no seu sangue desde pequena, Emma
Kim. E eu e seu pai temos um orgulho imenso de você.
Mas, vai por mim, você vai ter tempo de sobra para se preocupar
com a faculdade, haverá grupos e mais grupos para você passar
tardes, noites e até mesmo finais de semana debatendo sobre os
mais diversos assuntos que, neste momento, você pode deixar um
pouco de lado e se permitir aproveitar.
E sabe porque digo isso? Porque foi o que eu fiz.
Depois de três dias carregando peso à toa, eu simplesmente passei
a levar um caderno pequeno para anotar o essencial e me joguei na
diversão. Fiz amizade com as pessoas certas e participei de todas
as atividades para calouros que pude.
Conheci grupos que faziam festas clandestinas fora do campus,
coletivos que comiam apenas peixe (o que, em minha opinião, ainda
não faz sentido) e tantas outras pessoas que tinham realidades,
pensamentos, vivências e experiências completamente diferentes
da minha.
E claro, aproveitei muitas festas. Depois de dias emburrada, na
primeira sexta-feira de aula, eu era uma caloura carregando sacos
de gelo para a primeira festa de faculdade que iria participar
oficialmente.
Na semana seguinte, eu me sentia mais preparada e também mais
pertencente àquela nova realidade. Foi também nessa semana que
tive o primeiro treino de futebol, e aí, você já imagina o que
aconteceu, não é? Sua tia Heather entrou em cena e veio para ficar.
Então, se isso fosse um texto motivacional ou uma fábula, onde ao
final temos uma lição de moral, eu daria a você o seguinte conselho:
aproveite seus dias de caloura!
Permita-se fazer amizades e conhecer pessoas novas, adentrar de
cabeça e de todas as formas possíveis nesse novo mundo e nova
realidade que você vai ter nos próximos quatro anos, pelo menos.
Confie em mim, em algum momento você vai entrar em um looping
de estudo e vai sentir falta da diversão, mesmo que você seja uma
garota muito mais dos livros do que das festas.
Coloca um sorriso nesse rosto e cometa loucuras, Emma Kim.
É sua mãe que está te dando permissão para isso.
Capítulo 3

Quando eu comecei a crescer, algumas coisas ficaram claras.


Primeiro que meus pais são muito novos, o que sempre contribuiu
para que nossa comunicação dentro de casa fosse mais fluida e
direta. Papai e mamãe nunca julgaram minhas atitudes e escolhas,
pelo contrário, sempre me deram ótimos conselhos e me deixaram
ser livre para escolher meu caminho. E com meu irmão mais novo
não é diferente.
Mamãe sempre foi uma ótima jogadora de futebol e isso é culpa do
vovô David. Sua paixão pelos esportes fez com que ele incentivasse
e muito a filha. Já a vovó Jina era o lado artístico da casa, amava
cantar e dar todo o tipo de suprimento que mamãe quisesse para
desenvolver técnicas de desenho e pintura. Mas tudo mudou
quando meus avós levaram mamãe para ver Cats na Broadway. Ela
se apaixonou pelos palcos e foi assim que tudo começou.
Mamãe conciliou suas duas maiores paixões — o futebol e o teatro
— até o fim da faculdade, mas quando cumpriu com os estudos, ela
aposentou as chuteiras e subiu nos palcos.
Enquanto minha mãe é a alma artística da família, papai é o cara
que tinha seu caminho destinado desde que nasceu. O vovô
McGlam cuidou do filho com muito afinco, principalmente quando
minha avó morreu, deixando um filho pequeno e o marido. 
Eles, então, formaram um time incrível juntos e vovô se orgulha até
hoje do meu pai ter assumido os negócios da família com tanto
afinco e paixão. Papai ama o que faz, tio Nash também, eles são
uma dupla e tanto juntos.
Penso a respeito de tudo isso porque, de alguma forma, apesar de
eu ser uma combinação perfeita dos meus pais, na visão de todos
que conhecem minha família, de certa forma, eu também sou
diferente deles, um ponto fora da curva na família.
No final de semana antes do início das aulas, eu li as primeiras
páginas do caderno que minha mãe me deu e, como qualquer jovem
caloura, dormi empolgada ao pensar em tudo que eu estava prestes
a viver.
Todavia, é a segunda sexta-feira desde que as aulas começaram e
eu já cansei de brincar de universitária e de recepção de calouros.
E mais do que isso: estou seriamente me questionando porque
decidi ficar em uma sororidade. Ainda estamos tendo os mais
diferentes tipos de “desafios” a serem cumpridos, tarefas bobas
como “só as calouras vão cozinhar”; quiz sobre a história da
faculdade; disputa entre times em esportes como futebol de sabão,
guerra de bexiga e todo o tipo de clichê fácil de encontrar em livros
de romance que minha mãe sempre adorou ler.
Nos primeiros dias foi divertido. Logo na primeira quarta-feira de
aula, nossa sororidade foi uma das muitas a oferecer uma festa com
bebida gratuita. Até agora, não sei dizer quantos copos de cerveja
distribui para menores de idade, simplesmente parei de pensar a
respeito depois de cumprir minhas quatro horas em pé servindo
cerveja e receber em troca a generosa quantia de “três shots de
tequila”.
Minha mãe me ligou em um dado momento na semana e contei a
ela sobre minhas “incríveis experiências”, com a voz carregada de
ironia. Diferente de qualquer mãe, ela me fez prometer que,
contanto que eu não passasse mal, ela iria fingir não saber do fato
de a filha, menor de idade, estar servindo bebida e consumindo
álcool e, claro, se divertiu às minhas custas dizendo que eu
precisava me soltar, curtir e aproveitar.
E me recomendou espaçar a leitura do caderno que meu deu, para
que as histórias fossem lidas nos momentos certos.
— Emma, está pronta? — A voz que ressoa através da madeira da
porta é de Suzane Reid.
— Estou indo. — respondo tentando manter a polidez.
— Esteja em cinco minutos na sala.
Mesmo com a porta fechada, balanço a cabeça em afirmação como
se ela pudesse me ver. Em seguida, mostro o dedo do meio para a
madeira, porque, apesar de Suzane ser uma pessoa fofa dentro de
casa, durante o que ela está chamando de “mês dos calouros”, sua
máscara de garota gentil está caindo por terra.
Eu tinha certeza que teria desculpas plausíveis para não participar
das atividades promovidas por minhas irmãs de sororidade, mas a
verdade é que: podem ter se passado anos, mas mamãe tinha
razão: ninguém estuda ou faz algo de útil nas primeiras semanas. E
as aulas inaugurais? Mamãe parecia ter descrito o meu futuro nas
folhas do caderno.
Todas as aulas e contatos que tive com professores e professoras
até agora foram péssimos. Em sua grande maioria, são pessoas
mais velhas lendo a folha de conteúdo do curso e pedindo para que
os alunos “leiam os textos” em destaque no cronograma e
explicando sobre métodos avaliativos — que são todos iguais por
sinal. Não precisei levar meu computador para as aulas, anotei tudo
em um caderno assim como minha mãe mencionou que seria. 
Apesar de tudo isso, conheci alguns grupos que, com certeza, vou
querer fazer parte, como o grupo de estudos feministas e outro que
debate sobre meio ambiente. Além, é claro, de um grupo de estudos
sobre cultura coreana, o que me empolgou muito.
Mas, posso afirmar com certeza que, fora isso, meus dias são um
completo limbo de atividades inúteis e nada construtivas.
Estou irritada, é um fato. E sei que soo como uma pessoa chata que
não gosta de diversão, e não é esse o caso. Até meia hora atrás eu
não estava me importando com qualquer atividade idiota proposta,
estava tentando aceitar meu destino, mas, sinceramente, adoraria
que a noite de hoje tivesse como programação a leitura de algum
livro, ou que eu pudesse passar algumas horas jogando meu jogo
favorito de computador, Battle Of Bastards.
Mas, hoje é sexta-feira, dia oficial de festa no campus, o silêncio não
existe na rua onde moro, a agitação toma conta das casas vizinhas
e a rua parece abarrotada.
A cereja do bolo para tornar essa sexta-feira um completo desastre
para mim fica por conta da atividade da qual eu não tinha
conhecimento. Minha sororidade tem o ritual de uma noite dedicada
a uma gincana em conjunto com a Alpha, também conhecida como
a fraternidade dos jogadores de futebol americano e, por
consequência, de Colin.
É uma tradição de anos, aquela velha bobeira de legados que é tão
presente no ambiente universitário. Todavia, compreendi
rapidamente que as relações e uniões entre as duas fraternidades
se intensificaram mais depois do namoro de Suzane com Travis
Davis, presidente da fraternidade de Colin, aluno do último ano e,
para completar o clichê: quarterback do time.
Eu poderia me recusar a participar, mas seria a única. Não quero
parecer antissocial ou coisa do tipo. Relembro das palavras da
minha mãe, sobre me divertir, aproveitar e, então, simplesmente
aceito meu destino. Por sorte, terei Kath junto comigo, ela e eu
temos estreitado nossos laços e, apesar de ser diferente da maioria
das amigas e amigos que tive ao longo da vida, me divirto muito
com ela.
Levanto-me da cama e dou uma última olhada no espelho. Está
calor e estamos na Flórida, o que significa que a noite está envolta
pelo mormaço. Saio do quarto vestindo um short curto e uma
camiseta mais curta na cintura.
Minha mãe tem uma série de fotos da época da faculdade usando
quase as mesmas peças, e apesar de sermos parecidas em certo
nível, tenho certeza que Brenda Kim estaria muito mais feliz por ir a
uma festa do que eu.
— Todas aqui? — Murmura a fiel escudeira de Suzane, Grace, ao
me ver chegar.
— Sim! — Respondem algumas meninas animadas e mil vezes
mais arrumadas do que eu.
— Então vamos! — Suzane bate palmas e anda na direção da
porta.
Uma a uma, minhas colegas de casa vão saindo pela porta da
frente, Kath me alcança depois que algumas meninas passam a sua
frente e entrelaça o braço no meu.
— Gosto da ideia de me arrumar para festas, mas, sinceramente...
Saltos? Elas sabem que se tivermos que correr ou fazer algo do
gênero, elas não vão conseguir? — Comenta Kath baixo para mim.
— Posso estar de tênis, mas me recuso a fazer algum esforço maior
do que esse. — Pontuo olhando meus pés. — Ainda não me
recuperei do futebol de sabão. Quer dizer, é muito bom quase voltar
a ser criança e tudo mais, mas eu estou exausta.
Kath me cutuca com o ombro e comenta por alto.
— Você deve ser a única caloura que não está se divertindo.
— Eu estou, não é isso, mas é muita agitação, eu sou uma pessoa
que gosta de rotinas.
— Ainda bem que você tem a mim para trazer um pouco de
diversão para essa vida monótona — brinca comigo e logo continua 
— quer dizer que hoje é o grande dia de conhecer o seu pesadelo
em forma de gente — comenta e logo sei que ela está falando de
Colin. — Ouvi dizer que ele é um dos calouros mais bonitos do time.
— Não se deixe enganar pelas aparência, Kath.
— Infelizmente, não posso prometer nada.
Dou risada de seu breve comentário e não consigo deixar de pensar
que Kath talvez seja “minha Heather”.
Andamos alguns metros até chegar à porta da fraternidade, onde
Suzane abre a porta e é recepcionada pelo namorado. Apesar da
parte da frente do quintal estar com algumas pessoas bebendo no
gramado, a parte de dentro está um pouco mais vazia. Isso faz parte
da gincana, a festa só começa de verdade para nós, membros,
depois dessa interação organizada entre os presidentes.
Entro junto com Kath e as demais garotas e não demora muito para
que eu ouça uma voz conhecida ao meu lado.
— Sentiu minha falta, baixinha?
Colin se materializa ao meu lado e me sinto até mal de ter
reclamado da semana. Porque, apesar de frustrante, desde o
sábado em que nossos pais estavam no campus, nós não nos
encontramos mais.
Faz anos desde a última vez que Colin não esteve presente em
quase todos os dias da minha vida, já que nossos pais fizeram
questão de nos colocar nas mesmas escolas. E até na faculdade,
quando achei que iria fugir disso, tanto ele quanto eu conseguimos
uma bolsa de estudos boa demais para recusar.
— Falta do seu ego enorme, Colin? — Respondo, erguendo o rosto
para encará-lo. — E como, Colin, como senti sua falta! — A frase é
carregada de sarcasmo e de um sorrisinho simpático falso.
— Adoro o jeito que você mente pra si mesma — ele sopra um beijo
para mim e, antes que diga mais alguma coisa, Colin se distrai com
uma garota que passa por ele secando-o de cima a baixo, o que faz
com que ele rapidamente lance seu melhor sorriso e uma piscadela.
— Ótimo falar com você Emma Kim, mas quanto antes fizermos
essa gincana, logo ficaremos livres.
Colin passa por mim e Kath, indo em direção à grande sala da casa,
que está cheia de garotos grandes e fortes. É um reduto de
testosterona, chega até a ser cômico.
— Nossa! Essa interação de vocês foi no mínimo inusitada —
pontua Kath com seu sotaque. — Parece aquelas histórias em que
os dois passam anos se irritando e um dia descobrem que se
amam.
— Vai sonhando, Kath — comento e reviro os olhos. — A única
coisa que sinto por Colin é irritação latente.
— Bom, eu entendo, você convive com ele a vida toda. Mas apesar
da atitude de “jogador atleta poderoso da faculdade”, ele é lindo! —
Os olhos escuros de Kath brilham e vejo que ela ainda está o
olhando.
— Até tu, Brutus? — pergunto, cruzando os braços. — Tantos
garotos, tantas garotas... Não se deixe levar por um sorriso que
parece bonito, Kath.
— Emma, garotos bonitos não são algo ao qual sou imune, e Colin
não seria exceção. — Kath mostra a língua e não contenho a risada.
Caminhamos mais um pouco para dentro da sala e paramos
próximas a um dos sofás onde nossas colegas de sororidade estão
sentadas, elas conversam animadas e logo Kath e eu nos
integramos na conversa. Não dura muito tempo porque, na
sequência, Suzane e Travis chamam nossa atenção.
— E então, todos aqui para a nossa interação entre fraternidades?
— A voz grossa de Travis reverbera pela sala e a namorada se
apresenta ao lado dele. Os dois são lindos juntos, isso não posso
negar.
Eles sorriem um para o outro quando ouvem nossa confirmação e
Suzane assume o lugar para dirigir a brincadeira.
— É algo simples, pessoal. É só para não deixarmos de cumprir
uma tradição. Nossas fraternidades fazem essa integração há mais
de vinte anos. Os tempos mudaram, as brincadeiras agora são
outras, mas algumas tradições podem ser mantidas. — Ela pausa
sua fala, como se fosse um discurso ensaiado, e Travis dá
prosseguimento.
— Como esse ano estamos com turmas agitadas e engajadas,
decidimos retomar uma gincana que já rendeu ótimas histórias. —
Travis estala os dedos chamando um cara alto e todos na sala
começam a rir, o rapaz se aproxima dele com uma caixa preta e lhe
entrega. — Nesta caixa, vocês têm uma série de desafios a serem
cumpridos.
Os burburinhos começam na sala e Kath e eu nos olhamos de
relance.
— São coisas inofensivas, mas vocês podem optar por não fazer o
quer que esteja nos papéis — Suzane assume a fala — a ideia não
é constranger vocês, mas sim nos divertirmos. Eu volto a dizer,
quem não quiser cumprir qualquer que seja o desafio, está livre para
não fazer.
Fico feliz em ouvir isso, mas não consigo deixar de pensar no que
pode ter dentro da caixa que gere a desistência de alguém. O
futebol de sabão não foi a melhor coisa a se fazer, porque me
deixou cheia de roxos no joelho, mas não foi de forma alguma
constrangedora.
Kath está falando com uma colega nossa de casa e olho ao redor da
sala, vejo Colin cochichar no ouvido de um cara e os dois dão uma
risada alta. 
— Todos prontos?
A sala responde com um “sim” animado e Suzane escolhe quem vai
começar.
A primeira menina a tirar um papel da caixa está animada e ela
desdobra a folha e diz em voz alta o desafio.
— Desafie um colega de fraternidade ou sororidade para beber três
copos de cerveja. Quem terminar primeiro, escolhe o próximo a
jogar.
Respiro de certa forma aliviada porque metade das coisas que
fazemos sempre envolve bebida, e se os outros desafios forem
como esses, não parecem ser tão complexos ou constrangedores.
A brincadeira prossegue e coisas mais bobas aparecem: um dos
garotos da fraternidade precisa dançar a coreografia de um clipe da
Beyoncé com mais dois amigos, uma colega tem que beber um shot
de tequila, outro garoto tem que seduzir uma das meninas e todo
mundo se diverte quando ele começa a fazer cantadas das mais
diversas com ela.
E então, chega a vez de Colin.
A confiança em seus passos quando é chamado é levemente
irritante, ele parece inabalável e consigo ouvir as meninas fazerem
comentários a seu respeito. Colin está usando um boné do time,
virado para trás, os cabelos castanhos bem cortados escapam um
pouco pelas laterais e ele usa uma camisa preta que marca seus
braços. Entendo os comentários das garotas e uma parte de mim
até concorda com o fato de estarem admirando sua beleza.
Entretanto, quando ele passa por algumas meninas e solta uma
piscadinha, reviro os olhos. “Exibido”, penso comigo mesma.
Ele chega até a caixa e mexe um pouco a mão até que retira um
papel e lê em voz alta.
— Faça uma lap dance em alguém — a voz grossa de Colin ressoa
pela sala e todo mundo arregala os olhos, começa a rir e os
murmúrios aumentam.
— Pegou um dos desafios mais ousados, Sullivan. — Comenta
Travis.
— Eu escolho a pessoa? — Questiona.
Travis confirma e vejo quando Colin começa a percorrer a sala com
os olhos à procura do felizardo ou felizarda que receberá um
showzinho particular. Seu olhos castanhos param em mim alguns
segundos, vejo um sorriso de desafio brilhar em seu rosto e tento ao
máximo encará-lo de forma impassível, mas por dentro, torço para
que ele não faça isso.
Não gosto de chamar atenção dessa forma e Colin sabe bem disso.
Por sorte, alguém desperta a atenção dele com um pigarro e seus
olhos se desviam dos meus. É Ashley, uma das garotas mais lindas
que mora comigo.
— Você. — ele aponta para ela e os risos se espalham pela sala. —
Posso escolher a música, Davis?
— Claro.
Travis aponta para o aparelho de som e Colin vai até o local, o
observo bater na tela de comando e logo, uma melodia sexy invade
o ambiente.
O exibido escolheu uma música clássica para striptease. E sei disso
porque assisti uma vez um filme sobre strippers homens com minha
mãe e era exatamente essa trilha sonora. Colin caminha até a
Ashley, que está em uma das poltronas individuais e logo começa a
se movimentar em cima dela.
A sala é um amontoado de assobios e gritos de incentivo, Suzane
até mesmo diminuiu a luz ambiente para ajudar no clima. Dá pra ver
que a dança é muito mais engraçada do que de fato sensual.
— Ele é muito gostoso! — Exclama Kath ao meu lado e seu
comentário fica encoberto pelos demais por conta da música alta.
— De que lado você está afinal? — Pergunto, fingindo irritação.
— Do seu, sempre. Mas um corpo é um corpo, Em! Olha bem
aquela bunda.
Olho na direção de Colin e vejo a calça levemente marcando suas
pernas e a bunda. Uma parte de mim perde tempo até demais em
seu corpo, principalmente quando ele levanta a borda da camiseta
um pouco para mostrar o abdome. Meu corpo aquece ao vislumbrar
a pele de Colin,  mas logo o momento passa porque ele não perde a
chance de arrancar um beijo de Ashley.
A sala se enche de gritos e por algum motivo estranho, acabo
passando mais tempo do que o necessário olhando a cena. Consigo
ver a língua de Colin e Ashley se encontrando, é um relance, mas
vejo.
Vejo a boca de Colin se mover com a dela e, por um breve segundo,
me vejo no lugar dela, beijando Colin, como numa premonição.
Balanço a cabeça para afastar o pensamento estranho e vejo os
dois se afastando. A sala se enche de palmas e assovios e eu
acompanho, nada animada, ainda estranhando o vislumbre que
minha mente projetou de nós dois.
— Tá legal, garoto! — Travis abraça Colin pelos ombros e o conduz
novamente para o centro da sala, onde a caixa de desafios está. —
Parece que você cumpriu bem o desafio, agora é sua vez de
escolher alguém.
Colin nem hesita, seu olho corre na minha direção na mesma hora.
— Sua vez, Emma Kim. — Ele aponta o indicador para mim e todos
os olhos da sala se voltam em minha direção.
A sensação estranha despertada pela imagem que meu cérebro
projetou é substituída pela irritação de sempre com relação a Colin.
Não gosto de ter a atenção voltada para mim, e gosto menos ainda
do tom de desafio que banha sua voz.
Ao longo dos anos, eu aprendi que não aceitar um desafio vindo
dele, seja beber a maior quantidade de refrigerante ou me recusar
neste momento a participar dessa gincana, é bem pior do que
simplesmente fazer e cometer um erro ou passar vergonha.
Colin é competitivo, se você baixa a guarda é como se ele estivesse
com o campo livre para correr para a última linha e marcar o
touchdown. Você está dando a vitória de graça.
Cumprir o desafio, aposta ou seja lá o que ele propôs significa
demonstrar não ter medo, então é melhor apenas fazer. É como tirar
um band-aid de um machucado: dói na hora, mas passa.
Sorrio, fingindo que sua atitude não me abalou ou muito menos me
irritou e, depois do aperto discreto de Kath em meu braço para
mostrar apoio, sigo na direção de Suzane e Travis.
— Pronta, Emma?
— Com certeza — respondo sem metade da confiança que minha
voz transparece.
Ela estende a caixa preta e eu coloco a mão no buraco redondo da
mesma. Sinto todos os papéis e balanço um pouco a mão para
enfim pegar um, deixo a sorte guiar o momento e puxo o punho para
fora.
Pego o papel com as duas mãos e abro para saber o desafio.
E praguejo pela milésima vez na semana as confraternizações e
atividades de calouros.
— Escolha alguém da sala para beijar.
Olho para Kath rapidamente e ela está com os olhos arregalados, e
ainda que tenhamos nos conhecido há poucos dias, reconheço no
sorriso dela que está segurando o riso.
Fico alguns segundos olhando para o papel novamente e ouço a
voz de Travis ao meu lado.
— Você pegou um dos desafios mais pesados assim como o do
Sullivan.
Ao ouvir o sobrenome, meus olhos correm até Colin e vejo que ele
está com os braços cruzados e sorrindo. Ele sabe.
Colin sabe que estou hesitando, sabe que não quero cumprir um
desafio idiota e beijar qualquer pessoa.
— Se você não se sentir confortável, Emma, não precisa fazer. —
Suzane me lembra novamente dessa condição e sei que minha cara
demonstra que quero desistir.
— É que ela nunca beijou ninguém, mas não se sinta constrangida
baixinha, todos já passamos por essa fase.
A voz de Colin sobrepõe o som ambiente e as conversas alheias e
sinto meu sangue ferver. Ele não pode simplesmente ficar na dele?
Ele sabe que seu comentário não tem fundamento, posso ser uma
pessoa discreta mas ele sabe que já fiquei com alguns caras, não é
uma lista extensa, mas ela não está em branco.
Eu me pergunto sempre qual é o prazer que Colin tem em me irritar,
porque, sinceramente, eu não tenho paciência para essas
provocações. Sempre que ele “vence” nossas discussões, faz
questão de dizer que sou muito amadora. Mas a verdade é que
acho uma grande bobeira suas tentativas de me tirar do sério.
Na grande maioria das vezes, deixo ele sair como “vitorioso”, mas,
neste momento, não vou permitir isso. Primeiro porque não é meu
primeiro beijo. Posso não ter tido todas as experiências ainda, mas
já fiz algumas coisas. Gosto de ter uma conexão com a pessoa
antes de sair enfiando a língua em qualquer boca, é algo meu e não
ligo de ser assim.
Mas quando olho em sua direção, o sorrisinho de desafio moldando
seu rosto manda meu bom senso para longe, estou pouco me
importando com minhas próprias regras. Quero tirar aquele sorriso
dali, quero mostrar que sou sim capaz de vencer um desafio, quero
mostrar a ele que suas palavras não me atingem. E, se para isso
tiver que beijar um estranho, vou fazer.
Percorro meus olhos pela sala e procuro alguém com quem eu
simpatize. Alguns caras estão segurando a risada, outros parecem
distraídos e então vejo um garoto que me olha atentamente.
Ele tem olhos castanhos e seus cabelos são bem cortados, ele está
com as mãos nos bolsos do jeans, mas quando sorri para mim, sinto
que está me dando autorização, está permitindo que eu cumpra o
desafio com ele.
Aponto o dedo discretamente para ele e um sorriso lindo se espalha
em seu rosto.
— Eu? — Pergunta ele.
Assinto e começo a dar alguns passos em sua direção, ele faz o
mesmo e, de relance, enquanto caminho, vejo o olhar levemente
surpreso de Colin. Entretanto, não é nele que me concentro, mas no
cara que, agora mais de perto, é lindo.
Ao chegar a centímetros de mim, ele sussurra baixo.
— Oi, Emma.
— Oi, é...
Não tenho tempo de perguntar seu nome, porque suas mãos tocam
em minha cintura e nossos lábios se encostam.
Estou beijando um estranho em uma festa de faculdade.
É, mãe. Você me disse para me divertir. Bom, aqui estou eu.
Capítulo 4

Você sabe que, apesar de ser a pessoa que fica na frente dos
palcos, eu adoro o backstage, não é mesmo, querida? Por isso,
acho interessante te contar que todas essas anotações são feitas
durante seu último ano de escola. A primeira eu escrevi no seu
primeiro dia de aula, ou também no último dia de ensino regular.
Como você cresceu rápido, Emma Kim!
Enquanto escrevo isso, seu pai acabou de levar você e Colin para
um evento da escola, uma festa para arrecadar dinheiro para algum
fundo escolar, o que sinceramente, nunca vou te dizer isso enquanto
não acabar a escola, mas concordo com você. Por que fazer uma
festa para arrecadar fundos, sendo que seu pai e eu pagamos uma
fortuna de mensalidade? Emma, você é perspicaz.
Mas, eventos me lembram festas, que me lembram faculdade. E
nada melhor do que essas próximas páginas serem sobre o tipo de
evento que você vai frequentar e muito nos próximos anos: festas
universitárias.
Como eu te disse anteriormente, nos primeiros dias de aula, eu
estava determinada a organizar meu tempo para estudos, ainda que
uma parte de mim também gostasse da ideia de curtir festas. Depois
da semana dos calouros, eu logo percebi que podia dar conta das
duas Kim dentro de mim: a que queria estudar e também a que
queria farrear. E vou dizer a você que deu muito certo.
Convenhamos que falar com você sobre cronogramas de estudo,
tirar boas notas, não deixar de entregar algum trabalho é perda de
tempo. Não porque você não vai me dar ouvidos, mas porque você
é excessivamente organizada com tudo isso, Emma. É um orgulho
ver que você leva tão a sério sua formação e, confia em mim, foi
delicioso ao longo dos anos comparecer a reuniões de pais e só
receber elogios a respeito da sua dedicação.
Por isso, acredito que, melhor do que falar sobre as dificuldades da
graduação, é muito mais legal comentar com você sobre diversão.
Porque a faculdade também é sobre isso.
A foto da página anterior, comigo segurando um copo vermelho, é
uma das primeiras que sua tia Heather tirou de mim, em nosso
primeiro ano. Lembro dessa festa com clareza, assim como lembro
de muitas outras. Como, por exemplo, a festa em que eu e seu pai
nos beijamos pela primeira vez, nunca vou me esquecer da
intensidade de nossos olhares e de como senti meu coração
disparar quando ele me beijou.
Apesar da história do seu pai e minha ter nascido em meio a música
alta e bebida barata, nesse momento, ao rememorar meu ano de
caloura, sou incapaz de não mencionar o primeiro garoto que beijei
na faculdade. Aconteceu algumas semanas depois do início das
aulas, em uma das primeiras festas que eu e sua tia Heather fomos,
depois de convencê-la na base da chantagem.
Como mencionei acima, nessa época eu estava começando a
aprender a conciliar a Kim festeira com a estudiosa. E querida,
acredite em mim quando digo que eu nem sempre fui essa pessoa
descolada, como você tanto gosta de brincar quando fala de mim.
Ainda que fosse uma jovem caloura com anos de aulas de
interpretação e teatro na bagagem, isso não significava de forma
alguma que eu sabia ou que dominava com maestria todas as
situações. Um exemplo claro disso é que eu era, de certa forma,
inexperiente quando o assunto eram garotos.
Na época, eu já havia dado alguns beijos e feito outras coisas, mas
eu não tinha muita atitude, essa é a verdade.  Foi durante a
faculdade e, por consequência, pelo meu amadurecimento, que me
descobri uma garota de atitude e ganhei confiança em mim mesma.
Seu pai conheceu a versão da Kim já segura de si, mas nem
sempre foi assim. E gosto de pensar que essa mudança lenta e
gradual começou a acontecer de fato nessa festa, quando comecei
a entender a importância de ler os sinais.
Era uma quinta-feira à noite, eu teria aula no outro dia, mas estava
querendo me divertir um pouco. Combinei com Heather de nos
encontrarmos no campus, já que ela morava bem perto na época e
fomos a pé para a festa. Toda festa universitária é sempre a mesma
coisa: bebida barata, que em um dado momento você para de ligar
para o gosto ruim; corpos amontoados em espaços pequenos
demais e a mesma playlist, tocando quase sempre na mesma
ordem.
Nós adorávamos beber alguns shots de algum destilado e, depois,
passar a noite dançando. Na época, sua tia não gostava de vinho
igual agora, como você bem pode perceber quando ela chega
sempre acompanhada de um tinto ou rosé. Não, na época sua tia e
eu adorávamos beber tequila, então sempre começávamos a noite
assim e nessa festa não foi diferente.
Alguns shots depois, eu estava na pista de dança improvisada,
curtindo ao som de alguma música popular na época, e então, eu
avistei um cara. Ele tinha os cabelos ruivos e estava encostado na
parede conversando com alguns colegas. Vez ou outra eu captava
seu olhar e retribuía, eu podia sentir que ele tinha alguma intenção,
eu era meio boba na época, mas não a ponto de não perceber o
interesse dele.
E, apesar de parecer aquele tipo de história onde sabemos o que
vai dar, não aconteceu nada. Eu fui embora da festa sem beijar o
garoto ruivo e não me importei nem um pouco com isso.
Entretanto, se tem uma coisa que é engraçada nessa vida, Emma, é
o destino.
Durante a semana, enquanto eu começava a finalmente ter aulas de
verdade, leituras obrigatórias, professores enchendo nossa cabeça
de anotações, tarefas, encontros de grupos de estudos, tudo aquilo
que você muito provavelmente vai enfrentar, a festa já era passado.
Até uma certa manhã em que, parada na fila de uma das
lanchonetes do campus, eu avistei o tal garoto.
Nossos olhares se cruzaram e ele deu um sorriso singelo para mim
e, à luz do dia, ele era ainda mais bonito do que a imagem que eu
tinha dele. Dessa vez, ao invés de só ficar me encarando, ele
encurtou a distância que nos separava e se juntou a mim na fila.
Ainda lembro da nossa conversa.
— Ei!
— Oi. — Saudei-o levemente tímida.
— Eu te vi na festa de quinta-feira, não consegui me apresentar.
Meu nome é Thomas, mas Tom é melhor.
— Brenda Kim, mas Kim também é melhor. — Estendi minha mão
para ele e sorri fraquinho quando elas passaram mais tempo do que
o normal juntas.
— Kim... É lindo. Como você — as palavras escorregaram de forma
doce por seus lábios e minhas bochechas coraram. — Topa tomar
um café comigo?
— Se for um suco de laranja, eu prefiro.
Tom sorriu de uma maneira linda e lembro que na época, eu não
pude deixar de pensar que aquele era um dos caras mais lindos que
eu estava conhecendo.
Isso foi antes do seu pai, é claro.
Tom e eu perdemos o segundo horário de aulas naquele dia, mas eu
gastei bastante tempo beijando a boca dele em um canto afastado
entre os prédios em que estudávamos.
Emma, você sabe melhor do que ninguém que sou uma pessoa que
não tem papas na língua, mas falar detalhadamente sobre beijos
que não foram com o seu pai me parece estranho, então vou deixar
você imaginar o que aconteceu. Ou não, talvez você seja aqueles
filhos que não gostam de pensar que os pais fazem as mesmas
coisas que vocês. De qualquer forma, vou parar aqui.
Entretanto, como você vai perceber, tudo que estiver escrito nesse
caderno tem um propósito e esse texto não foge à regra.
Você vai ter muitas oportunidades, Emma, para fazer coisas assim.
Acredite em mim, você vai encantar muitos garotos (e garotas,
mesmo que não seja necessariamente a sua praia), com seu jeito
de ser. E não custa nada dar uma chance para o acaso.
Não vai te matar beijar um garoto e dias depois você se arrepender,
não vai te matar fazer sexo casual (desde que você se cuide), não
vai ser ruim dançar com um estranho numa festa.  
Emma, a vida é muito curta. Não falo isso no sentido de morte, mas
no sentido de oportunidades, as coisas às vezes acontecem e não
damos o devido valor ou reconhecemos sua importância durante o
momento em que estamos vivendo.
Por isso, fica aqui a moral da história: aproveite sua vida! Seja feliz,
cometa loucuras e nunca se esqueça que estarei sempre aqui para
ouvir suas histórias, rir e vibrar com cada uma delas.
Se permita, Emma.
Capítulo 5

— Para a próxima aula, eu quero que vocês leiam os dois textos da


bibliografia e também o texto extra, ele pode ajudar na atividade que
vocês farão daqui a duas semanas.
O professor Haner olha para a sala lotada de alunos e dá um sorriso
cordial depois de fechar o livro que passou boa parte da aula em
mãos recitando o conteúdo. Estou com um volume semelhante em
mãos, um livro com um resumo simplificado dos principais teóricos
do século dezenove. Cada autor tem pelo menos vinte páginas para
explicar suas teorias, de resumo o livro não tem nada.
A carga de leitura é pesada e tenho ciência disso desde o momento
em que decidi cursar sociologia. Por isso, não me importo em
passar o restante do meu tempo estudando. Essa é a última aula do
dia e vou passar o período da tarde na biblioteca fazendo leituras
antes de ir para casa.
Ainda que a sororidade seja um lugar tranquilo agora, depois de
quase um mês de recepção das calouras, eu gosto de estudar na
biblioteca. Estar rodeada de livros e de todo aquele silêncio
confortável me motiva a passar mais tempo com o rosto dentro dos
livros. Não que seja um grande sacrifício para mim.
Enquanto caminho para fora da sala de aula, olho meu celular e
atualizo as notificações. Dentre elas, há uma mensagem da minha
mãe e uma do meu irmão, Kyle. É engraçado que, depois que me
mudei, ele vive me mandando mensagens.
Em casa, nós não brigávamos muito, mas não era como se
fossemos melhores amigos, afinal de contas, ele é mais novo e todo
mundo sabe que irmãos mais novos são uma pedra no sapato
quando querem. Mas Kyle agora está jogando o mesmo jogo on-line
que eu, então, sempre me manda alguma mensagem pedindo uma
dica ou coisas do tipo. De alguma forma, acho que esse é seu jeito
de demonstrar saudades.
Respondo suas perguntas sobre como passar de fase e teclo uma
mensagem para minha mãe, desejando boa sorte no teste que ela
fará em breve para uma nova peça. Mamãe é um nome requisitado
nos palcos de Nova York e, apesar de saber que ela ama a Flórida,
sei que boa parte do seu coração está na “Big Apple”.
Eu mesma transitei durante um bom tempo entre Orlando e Nova
York. Quando cresci e precisei começar a escola, eu passei a ficar
afastada da mamãe quando ela estava participando de alguma peça
ou série, mas sempre foi algo muito natural em casa. Papai acabou
parando de acompanhar a esposa em suas temporadas em Nova
York, mas isso nunca prejudicou a relação dos dois ou a nossa
como família.
Posso estar gostando da faculdade, mas isso não me impede de
sentir saudades deles todos, ainda mais depois de olhar a foto que
minha mãe me encaminhou. Sorrio ao ver meu pai, ela e meu irmão
abraçados e fazendo caretas. Amo minha família e não posso negar
que sinto falta da bagunça de casa.
Kath me envia uma mensagem dizendo que não poderá almoçar
junto comigo e decido deixar a refeição completa de lado e comer
apenas um lanche antes de me dedicar aos estudos. Levo mais
tempo do que o normal para pegar um lanche de peito de peru e um
suco, mas depois de munida de comida, caminho em direção a
parte arborizada do campus.
Sentar embaixo das árvores se tornou um ritual para mim, pelo
menos uma vez por semana faço isso, e aproveito a visão de vários
estudantes transitando de um lado para o outro enquanto como meu
lanche.
Devidamente alimentada, caminho em direção a George A.
Smathers, uma das maiores bibliotecas universitárias dos Estados
Unidos e, atualmente, meu lugar favorito no mundo. As mesas
compridas de madeira carregam anos de história e vestígios de
muitos alunos que ali estudaram, mas o silêncio e o barulho das
folhas sendo viradas é o mais próximo do conceito de paz que
posso chegar.
Cumprimento a bibliotecária que já conheço de vista por conta da
frequência com que venho aqui e vou para o canto que mais gosto
de sentar até o momento. Tiro meu notebook e livros da bolsa e
conecto meus fones para ouvir uma música baixinha enquanto leio e
faço anotações.
Absorvo o máximo que posso das palavras que estou lendo e vou
fazendo resumos dos assuntos mais importantes. O tema é denso,
entender a teoria de autores fundamentais da sociologia clássica e
decorar os pontos principais não é fácil, mas desafios assim me
instigam.
A palavra “desafio” funciona quase como um comando de
videogame para desbloquear alguma nova fase. Meu cérebro
rapidamente desvia do autor que estou lendo e as lembranças da
última festa que fui preenchem minha mente.
A festa entre minha sororidade e a fraternidade de Colin foi há
alguns bons dias, mas ainda me lembro vez ou outra do beijo que
dei no garoto que não faço ideia do nome.
Moramos na mesma rua e em casas quase em frente uma da outra,
mas até agora não o vi. Ainda assim, mesmo que não o tenha visto
mais desde que descolamos nossos lábios, ainda me lembro dele e
do momento que partilhamos.
A coragem repentina e o desejo de deixar Colin sem palavras foi
minha força motor para fazer algo que é completamente fora dos
meus padrões. Deixo o marca-texto parado na mão e admiro a
paisagem de uma das janelas próximas a mim, lembrando do
momento e do fato decorrido.
O beijo foi bom, rápido de certa forma, mas ninguém esperava um
beijo de cinema advindo de um desafio. Ainda assim, gosto da
sensação de me lembrar dele e de sentir uma fagulha em meu
corpo.
Além de cumprir o desafio, foi satisfatório observar a cara fechada
de Colin depois de me ver não apenas aceitando sua proposta,
como de quebra beijando um colega de sua fraternidade. Colin não
é de ficar sem palavras, sua língua afiada está sempre pronta para
me alfinetar, mas naquele dia em questão, provar a ele que eu era
corajosa e que podia beijar um desconhecido foi incrível.
Lembro-me das palavras recentes que li no caderno da minha mãe
e sou obrigada a concordar com ela. Mesmo que não seja algo que
eu repetiria todos os dias, foi divertido cometer uma “loucura”  —
dentro dos meus padrões. Ficar com um cara sem saber seu nome
é um feito para mim e eu provavelmente me lembraria desse
momento quando mais velha, assim como minha mãe havia feito.
De fato, às vezes, a vida é um grande amontoado de paralelos e
coincidências.
Ainda estou parada olhando a janela quando ouço uma voz baixa
chamar minha atenção.
— Desculpa, essa cadeira está...
Desvio o olhar do vidro e minha feição deve transparecer a mesma
surpresa que a dele.
O garoto da festa, protagonista do meu primeiro beijo de faculdade,
está materializado à minha frente.
— Emma! — Exclama ele com um sorrisinho nos lábios.
— Oi, é... — percebo que ainda não sei seu nome e fico sem saber
como prosseguir.
— Dylan Porter, mas pode chamar de Dylan apenas. — Responde,
ainda falando baixo por conta do ambiente onde estamos.
— Finalmente sei seu nome. — Rio sem graça e aponto para a
cadeira. — Pode se sentar, sem problemas.
Ele responde com um obrigado baixinho e se senta de frente para
mim. Agora, de perto, me lembro de nosso beijo com detalhes e de
como gostei de sentir sua mão em minha cintura, como ele me
beijou com calma, como se estivesse a cada segundo realmente se
deliciando com o momento.
— O que você estuda? —Dylan pergunta e aponta para meus livros.
— Sociologia. E você?
— Preparatório para direito.
— Corajoso. — Pontuo. — Já faz alguma ideia de que área do
direito quer seguir?
— Meu pai trabalha com civil, talvez eu siga na mesma área.
Antes que eu possa prosseguir com a conversa, alguns alunos ao
lado nos repreendem pedindo silêncio e tanto eu, quanto Dylan,
pedimos desculpas. Olho para ele novamente e há um sorriso
delicado em seus lábios, não consigo evitar o pensamento de que
eu provavelmente me interessaria por ele só por conta desse
sorriso.
Ele murmura algo como “vou estudar” e eu aceno com a cabeça
para dizer que vou fazer o mesmo. Coloco os fones novamente e
volto a me concentrar em Samuel Alexander. Grifo, anoto, redijo um
texto em meu notebook e tento assimilar sua teoria sobre tempo e
espaço e logo me perco na hora.
Tempos depois, quando levanto a cabeça para olhar para a janela,
vejo que o sol já está mais ameno, o relógio do computador não
nega que passei horas demais sentada.
Estico os braços para me alongar e flagro Dylan me olhando. Ele
pisca rapidamente e me dá um sorriso de lado. Retribuo o gesto e
consigo ler seus lábios. “Vamos?”, ele me pergunta e assinto,
começo a organizar minhas coisas assim como ele, levo um livro
para a bancada de devolução, já que não vou mais precisar dele, e
observo Dylan me esperando pacientemente. Quando tenho tudo
guardado, ele meneia a cabeça em direção a saída e começamos a
caminhar.
— Agora, sim, podemos conversar. — A voz dele sai um pouco mais
rouca, talvez por ter ficado muito tempo em silêncio e solto um riso
baixo. — Então, sobre a festa...
Sinto meu rosto aquecer com a lembrança, mas sei que não tem
como não falarmos a respeito do momento. Se não fosse pelo beijo,
provavelmente não teríamos nos conhecido e, mesmo que não
tenhamos conversado depois do ocorrido, parte de mim tem certeza
que o sorriso dele, seu olhar para mim naquele momento na festa
foram para me tranquilizar e dizer que ele topava ser escolhido para
o desafio.
— Eu queria te agradecer — começo a falar antes que ele prossiga
após a pausa breve — eu estava um pouco incomodada com o
desafio porque não conhecia muitas pessoas ali e você foi muito
solidário. Então, queria realmente te agradecer pela gentileza.
— Quem ouve nossa conversa pode achar que eu prestei um favor
— ri —, e não foi o caso, foi uma troca justa... E nenhum sacrifício.
— Eu me viro para olhá-lo e ele dá uma piscada breve. — Essas
integrações de calouros podem ser um pé no saco às vezes, e você
parecia levemente incomodada... Eu espero que não tenha induzido
você a fazer algo que não queria. — Dylan soa quase preocupado e
me compadeço.
— Não, imagina. Eu queria mostrar a mim mesma que era capaz de
fazer uma loucura dessas e foi ótimo. — Minha mente completa com
um “provar a mim e a Colin”, mas não comento isso com ele.
— “Uma loucura dessas”? — Faz aspas no ar. — Mas é só um
beijo... — pontua, segurando a risada.
— Eu sei, é só que... — pondero as palavras, tentando explicar que
não sou puritana ou até mesmo que não tenho nenhuma
experiência no assunto. — É que eu não curto beijar as pessoas
sem ao menos saber o nome delas, eu prefiro...
— Conhecê-las antes.  — complementa Dylan.
— Exatamente.
— Bom, espero que isso não nos impeça de sermos amigos.
Sorrio para ele ao ouvir as palavras e aproveito para admirá-lo mais
um pouco. Dylan tem os cabelos bem cortados e reparo que são um
pouco mais curtos nas laterais, os olhos são de um castanho médio
e ele tem uma argola singela e pequena na orelha esquerda. Ele
sorri para mim e muda o assunto para faculdade, nossos estudos e
me pergunta algumas coisas sobre minha vida pessoal.
Enquanto caminhamos, descubro que Dylan nasceu em Jacksonville
e que sua família toda fez Direito, o que tornou quase impossível
que ele não seguisse o mesmo caminho, ele parece gostar, mas
também divide seu tempo e paixão com o esporte.
Ele é um Tight end, o cara que, na maioria das vezes, ajuda na
defesa, mas que pode mudar de função de acordo com cada
técnico. Ele ainda está como reserva, mas fala com a confiança de
um atleta de faculdade que, quando os play-offs começarem, ele vai
ser chamado.
Caminhamos durante um tempo considerável, já que as ruas de
fraternidades e sororidades ficam longe da biblioteca. É um caminho
que estou acostumada a fazer, mas que com a companhia de Dylan
parece passar ainda mais rápido. É a primeira vez que estamos
conversando e o assunto entre nós não parece se esgotar.
— Sullivan comentou por cima que vocês se conhecem desde
criança.
— É. Nossos pais são amigos desde a época da faculdade e por
isso crescemos juntos. — Pontuo de maneira incisiva ao me lembrar
de Colin.
— E, pelo seu tom de voz, mesmo sem conhecer você direito,
parece que amizade não é um sentimento muito presente na relação
de vocês.
— Bem, nós não somos melhores amigos ou algo do tipo. Quando
alguém passa boa parte da sua vida sendo um pé no saco, é meio
complicado, sabe como é? Provocações e afins...
— Entendo.
Dylan muda rapidamente de assunto, tirando o foco de Colin e,
quando estamos falando sobre jogos, ele para em frente à minha
casa, fazendo com que eu me dê conta de que não quero me
despedir dele.
— Não acredito que você joga Battle of Bastards.
— Eu jogava bem mais, meu irmão agora que assumiu o posto de
viciado no jogo, vive me pedindo ajuda para passar de fase, mas
quando tenho um tempo livre, não resisto a uma partida.
— Bom, me passa seu usuário, podemos tentar jogar no mesmo
time qualquer dia. Ou, você pode me passar seu telefone e aí
marcamos um dia só para falar disso.
Dylan está sorrindo e, ao captar suas intenções, eu não consigo
evitar que meus lábios se estiquem também em um sorriso e nem
mesmo as bochechas de esquentarem.
— Me dê seu celular e eu anoto os dois.
Uma covinha profunda se forma do lado esquerdo de seu rosto e ele
consegue ficar ainda mais bonito. Ele estende o aparelho e digito
meu telefone nos contatos e adiciono meu nickname do jogo nas
informações extras, devolvo para ele e, por mais alguns segundos,
me dou conta novamente de que não quero me despedir de Dylan.
— Nos vemos por aí? Talvez para estudarmos juntos?
— Claro.
Ele assente e acena com a mão livre para mim enquanto começa a
andar novamente, espero ele atravessar a rua larga e chegar ao
outro lado, onde sua casa fica, e sorrio quando o vejo voltar a olhar
para onde estou. Acenamos mais uma vez um para o outro e então,
caminho para a entrada de casa.
Abro a porta e tudo parece silencioso. Caminho escadas acima em
direção ao meu quarto e deixo as coisas no canto de sempre, estou
com sede e também preciso comer alguma coisa. Depois de tanto
tempo estudando, é necessário repor as energias.
Desço as escadas novamente e enquanto verifico meu celular, não
reparo que há mais uma pessoa na cozinha até erguer meus olhos e
levar um susto.
E a surpresa logo é substituída por irritação, porque, parado próximo
à bancada segurando um copo de água e com o peito desnudo, está
Colin.
Infelizmente, não é no rosto dele que me concentro, mas sim em
seu tronco nu e nos músculos que não me lembrava de estarem ali.
Em que momento Colin ficou com os braços e barriga tão definidos?
Não consigo desviar o olhar e isso não passa despercebido por ele.
— Gosta do que vê, baixinha?
Sua voz me desperta como o sinal da nossa antiga escola e coloco
minha cabeça no lugar. Por que eu estava olhando para ele desse
jeito?
— O que faz aqui? — Pergunto rapidamente, dissipando os
pensamentos.
— Bom...
Colin não completa sua frase porque, atrás de mim, a voz de Ashley
Grimmes ressoa enquanto ela entra na cozinha.
— Pegou a água, gato? Ah, oi, Emma.
Aceno para ela e a assisto passear com a camiseta de Colin
cobrindo metade do seu corpo. Gosto de Ashley, ela é uma garota
legal e muito educada, mas adora um atleta, como deixou bem claro
logo na primeira noite em que cheguei. Não me surpreende que ela
tenha caído nas garras de Colin e ele nas dela, afinal de contas, ela
é linda.
Ashley passa por ele, tocando-o nos ombros e logo desliza a mão
pela barriga lisa e o movimento prende minha atenção, assim como
na festa, quando os dois se beijaram e eu fiquei segundos demais
com a atenção voltada para os movimentos que faziam.
Novamente, minha cabeça me trai, fazendo com que eu visualize a
cena comigo sendo a protagonista, com meus dedos deslizando
pela pele dele. Me pego imaginando qual a textura, o cheiro e se
Colin se arrepiaria ao sentir meu toque e por segundos, invejo
Ashley.
Balanço a cabeça novamente e minha mente fica confusa. De onde
estão vindo esses pensamentos estranhos?
Ela sussurra algo no ouvido dele e com um sorrisinho cúmplice,
Colin responde a ela com um aceno de cabeça e volta a beber seu
copo de água. Ele olha para mim enquanto Ashley caminha rumo à
saída e me lança um sorriso sedutor. Quando ela deixa o cômodo,
Colin repousa o copo na bancada com um barulho mais alto.
— Eu disse para você que era questão de tempo até que você me
visse por aqui. — Sua voz é recheada de seu usual tom de
provocação e eu entro no modo “jogadora”, que me é comum
quando estou perto dele.
— Infelizmente, estou julgando Ashley nesse momento. Ficar com
você? Tantas pessoas por aí e justamente você?
— Emma Kim, convenhamos... — ele se vira, apoiando o quadril na
bancada e isso faz com que seus músculos da barriga fiquem ainda
mais em evidência. — Esse corpo aqui não passa despercebido
nem mesmo por você. É preciso ter muita força de vontade para não
querer ficar comigo. — Ele pisca e isso só desperta ainda mais
irritação em mim. — Mas, eu entendo o que quer dizer. É um pouco
de inveja, deve ser ruim não ter ninguém que se interesse por você,
não é? — Questiona com seu tom latente de brincadeira e a raiva
lateja em mim.
— Não que seja da sua conta, mas eu acho que Dylan não me
considera uma pessoa tão desinteressante quanto você... — Colin
franze as sobrancelhas e reconheço esse movimento como
surpresa, ele sabe de quem estou falando. — Pelo contrário, acho
que beijá-lo só contribuiu para isso. — Caminho até a geladeira
passando por ele com um ar de superioridade. — Mas, como eu já
te disse algumas vezes, isso não é da sua conta. Até mais, Sullivan.
Fecho a porta da geladeira segurando uma garrafa de água e meu
pote de frutas cortadas e caminho triunfante para fora da cozinha.
Se deixar Colin sem saber o que responder fosse um esporte, com
certeza seria o meu favorito.
Capítulo 6

É comum que algumas pessoas brinquem comigo a respeito de me


acharem convencido, ou que falem sobre meu ego. Sempre que
ouvimos essa pequena palavra de três letras, ela soa como algo
negativo e não entendo o porquê disso.
Eu me acho um cara legal e sei das minhas qualidades, por que não
posso falar sobre isso? Eu não acho que seja ruim ter um pouco de
confiança em si próprio. Nós passamos tanto tempo nos colocando
para baixo, falando sobre nossos defeitos e dando mais ênfase as
coisas que fazemos de errado... Por que não fazer o oposto?
Claro que existe uma enorme diferença entre ser confiante e ser
arrogante, e sei que meu caso se enquadra na primeira opção.
Posso dizer isso com tranquilidade com base no que meus amigos,
professores, treinadores e pais me dizem.
Não piso nas pessoas, não desmereço ninguém e muito menos
passo horas falando sobre mim ou fazendo discursos sobre todas as
minhas conquistas, feitos e afins. Convivi com gente que tinha o ego
no teto e ter uma mãe como a minha me fez aprender que
humildade é importante.
Ela é uma das pessoas mais incríveis e humildes que conheço,
assim como meu pai. O orgulho que tenho dos dois transborda e
aprendo com eles diariamente sobre como ser uma pessoa melhor.
Todavia, eu sou um jogador. Sou um esportista e sei trabalhar com
as coisas a meu favor. Seja um campo com gramado ruim, uma
chuva em dia de jogo e tantos outros fatores que podem atrapalhar.
Eu amo futebol americano por vários motivos, o primeiro deles é
pelo fato de que me sinto muito conectado com minha mãe por
conta da nossa relação com os esportes.
Eu chamo de mãe uma das maiores estrelas do futebol feminino e
amo o fato de que ela foi a primeira a me incentivar a jogar, a
acreditar em mim. Nunca vou me esquecer que, no primeiro dia,
quando nos conhecemos, ainda no orfanato, ela disse que eu seria
um jogador incrível, que eu deveria seguir meu sonho. 
O segundo motivo pelo qual amo o esporte é a adrenalina que sinto
durante o jogo, correr pelo campo em disparada na tentativa de
marcar um ponto, o impacto dos corpos, a raiva que fica latente em
mim e nos meus colegas de equipe. A vontade de ganhar.
Amo o esporte e confesso que, em certas horas, fico dividido,
exatamente como minha mãe, sobre seguir uma carreira comum ou
ir para o profissional. A arquitetura e o futebol americano me
parecem dois caminhos incríveis para trilhar.
Mas eu sou só um calouro tentando conquistar seu espaço, a ideia
de ser profissional é só uma das muitas possibilidades que o destino
me reserva.
E, por mais que a temporada esteja ainda longe de começar, de
uma coisa em específico não tenho do que reclamar. Aliás, a
respeito disso, temos o terceiro item da minha lista de “motivos para
amar ser um esportista”.
As regalias.
Ser atleta é quase um atestado de status social, era assim na escola
e se intensificou ainda mais na faculdade. Se compararmos a uma
pirâmide, esportistas tem um lugar de destaque na universidade,
ficam bem no topo.
Tenho ciência de que não deveria ser assim e de que investimentos,
valorização de estudantes e demais questões deveriam ser
distribuídas de forma igualitária, mas eu não faço as regras,
infelizmente.
Uma vez, assisti a uma entrevista de uma banda que gosto e
perguntaram ao vocalista do que ele mais gostava com relação a
ser famoso e ter sucesso musical. Ele respondeu que eram as
garotas.
Claro que achei a resposta babaca, mas neste momento, meio que
entendo o cara. Estamos no meio da tarde, no meu quarto e tem
uma garota linda sentada no meu colo, rebolando de forma
sugestiva, me mostrando exatamente o que ela quer. E meu corpo
quer exatamente a mesma coisa. E tem sido assim desde que botei
os pés no campus.
— Você beija bem. — Dafiny St. James  deposita um beijo casto
antes de começar a delimitar com os lábios um caminho em direção
ao meu pescoço.
A luz da janela do meu quarto ilumina nós dois e tenho certeza de
que essa é uma das garotas mais lindas que já beijei até o
momento. A pele negra e macia é como seda em minhas mãos,
seus cachos exalam um cheiro divino de flores e ela beija bem
também.
Ela começa a descer cada vez mais os beijos e tenho certeza que
ela pode sentir a pele do meu peito nu pegando fogo, assim como o
toque da renda do sutiã que ela usa não disfarça os mamilos
eriçados.
Daf sorri maliciosa, e eu retribuo, porque sei onde ela está querendo
chegar, e quando uma garota quer colocar as mãos na sua calça e
você também quer que ela faça, não existe a remota chance de
impedir que isso aconteça.
Quando sinto os lábios de Dafiny onde tanto quero que estejam,
fecho os olhos me deleitando com o momento e não consigo evitar a
lembrança da conversa que tive com meu pai antes de ir para a
faculdade.
É estranho pensar nele numa hora como essa, mas também é bom,
porque tira o foco dos lábios de Dafiny e da sucção que eles estão
fazendo em minha pele.
Alguns dias antes de me mudar, meu pai e eu saímos para jantar
juntos, uma tradição nossa que nasceu dos períodos em que
mamãe ficava fora de casa por conta dos jogos. Temos uma
lanchonete favorita a qual vamos sempre, as caixas de som tocam
todos os clássicos do rock que eu tanto aprendi a amar por conta
dos meus pais e o hambúrguer é magnífico.
Meu pai sempre pede um café para acompanhar sua refeição e,
com o tempo, acabei aprendendo a mesma mania. Naquela noite,
ele conversou comigo sobre o que ele chamou de “deslumbramento
do primeiro ano de faculdade”.
— Sabe, Colin, você me lembra muito uma versão minha quando
mais jovem...
— Só porque curto clássicos do rock e sou bonito? — Questionei e
meu pai começou a rir.
— É, quase isso, carinha — ainda que eu tenha dezoito anos, meu
pai ainda me chama pelo mesmo apelido de quando nos
conhecemos, aos cinco anos, quando ele e minha mãe me
adotaram. — Mas quis dizer em outro sentido. Você tem uma
confiança em si mesmo que é incrível, Colin. Sua determinação para
o esporte, para os estudos. Você é um garoto de ouro, e sei que vai
se destacar em qualquer que seja o caminho que escolher. O
esporte, a arquitetura...
— Mas? Tem algum complemento nesse raciocínio que eu sei —
pontuei enquanto ele fazia uma breve pausa.
— Mas sei que toda essa confiança também é muito usada para um
assunto que eu também, na sua época, gostava e muito: garotas. —
Meu pai piscou seu olho direito para mim e logo começamos a rir.
— Sei onde você quer chegar e prometo me cuidar, pai, já faço isso.
Prometo nunca deixar o estoque de camisinhas acabar.
— Eu sei disso — comenta rindo. — Confie em mim, esse não é
meu medo ou preocupação. A questão é o quanto de atenção você
vai dar para isso e não vai priorizar o restante das coisas.
— Você diz no sentido do esporte e dos estudos? — Perguntei e ele
assentiu. — Pai, você sabe que o esporte está em primeiro lugar na
minha vida, não vou deixar que nada me atrapalhe. E, claro que
estudar entra no combo.
— Sei que estou me preocupando em demasia, mas é coisa de pai,
é meu dever. Sei o quanto você é determinado, isso é
impressionante e me faz realmente acreditar que eu e sua mãe
fizemos um bom trabalho. Mas confie em mim: já vivi a época de
faculdade, e se mesmo não sendo jogador ou nada do tipo, eu
recebia atenção das garotas, imagine você. — Meu pai balança a
cabeça de um lado para o outro, como se estivesse lembrando de
sua fase na universidade. — É fácil se deslumbrar, Colin. Mas, sabe
o que eu quero mesmo dizer a você? — Neguei e ele prosseguiu. —
Às vezes, ficamos tão deslumbrados com a facilidade com que
certas coisas vêm até nós, que não damos valor a pequenos
detalhes que parecem quase imperceptíveis. Não estou dizendo
para não aproveitar, mas esteja sempre atento a tudo à sua volta,
ok?
— Isso é uma metáfora esquisita sobre você e a mamãe? Você
acha que vou encontrar meu grande amor nos corredores da
faculdade?  — questionei-o rindo.
— Ei! Eu encontrei, seu tio Steve também, por que não pode
acontecer com você? — Ele riu juntamente comigo e deu um gole
em seu café. — Aproveite essa fase, Colin, aproveite tudo que a
faculdade vai oferecer, mas com sabedoria, está bem? Sei que por
baixo de todos esses músculos e pose, seu coração é sua maior
qualidade.
Sorri para ele e aceitei sua mão para fazermos nosso cumprimento
de sempre. Meu pai é um homem incrível e eu amo seus conselhos.
Mas, como ele bem havia dito, era difícil não se deslumbrar. Com
várias garotas jogando indiretas, amigos incríveis e festas? É, a
faculdade provavelmente seria minha fase favorita da vida.
E eu podia estar lembrando da conversa com meu pai segundos
antes, mas quando Dafiny sugou ainda mais fundo, percebi que
estava por um fio de chegar ao meu ápice. E apesar de querer muito
um orgasmo, boa parte de mim também quer aproveitar com ela.
— Gata... — toco seu queixo e ela levanta a cabeça. — Que tal se a
gente transformasse isso em algo ainda mais prazeroso pros dois?
Senta aqui — aponto para meu rosto e deixo um sorriso se espalhar
em meus lábios.
Dafiny assente e não demora muito para que o sol ilumine nossos
corpos dispostos numa das posições mais luxuriosas que eu
conheço.
Prometo não me deslumbrar, pai... Em algum momento. Por
enquanto, eu vou aproveitar.

Entro no vestiário juntamente com meus colegas de time e tudo o


que mais quero é uma boa chuveirada e descanso. O treinador nos
colocou para fazer exercícios de corrida no dia de hoje. Todo mundo
sabe que as primeiras vinte jardas são a marca do campo onde a
maioria das jogadas acontecem e, por isso, é importante que todo o
time saiba correr bem.
No meu caso, esses treinos são mais do que essenciais, já que jogo
numa posição em que é preciso correr rápido para receber a bola e
marcar o ponto. Por isso, exijo mais ainda de mim durante esses
treinos e, neste momento, estou sonhando com a minha cama.
—  Topa sair mais tarde? — A voz de John Breston, o cara de quem
mais me aproximei desde que cheguei à faculdade, ressoa ao meu
lado.
— Cara, acho que vou passar — comento ao chegar em frente ao
meu armário e começo a tirar minha camiseta e chuteira — estou
exausto e quero adiantar algumas leituras para a próxima semana.
Fora um desenho que preciso começar logo para entregar na aula
de Fundamentos e Projetos.
— Entendi, entendi — responde, simulando cansaço. — Muita coisa
para fazer. Mas, convenhamos, cansou de farrear, é? Achei que isso
não existia no seu vocabulário. — John me dá um soco nos ombros
e juntos começamos a rir.
Johnny, como eu o chamo, é um cara da defesa. Ele é forte e chega
a ser um pouco mais alto que eu, é negro, tem a cabeça raspada e
usa um brinco de pedra em uma das orelhas, é um diamante
minúsculo que brilha de forma considerável e ele vive dizendo que
esse é seu charme para atrair a atenção de garotas e garotos.
Ele é bissexual e juro que o cara consegue ser pior do que eu, ele
sim deveria ter levado o sermão do meu pai sobre estar
deslumbrado com o que a faculdade pode oferecer. O quarto dele
não tem um dia de paz, é um desfile de homens e mulheres com os
cabelos e roupas desalinhadas.
— Se até mesmo Deus precisou descansar no sétimo dia, cara,
quem sou eu para recusar uma pausa? — Comento, fingindo não ter
modéstia alguma.
Ele ri junto comigo enquanto termino de remover todo o uniforme,
indo na direção dos chuveiros, ainda ouvindo Johnny tirar uma com
a minha cara.
— Caso mude de ideia, me avise, devo sair às nove para ir a um bar
aqui perto, aproveitar que minha identidade falsa ficou pronta.
Afirmo com a cabeça e ligo o chuveiro aproveitando a ducha enorme
e quente do vestiário. Pego a embalagem de shampoo, despejo
algumas gotas na mão e começo a esfregar meus cabelos.
Os chuveiros têm um barulho alto e, por isso, precisamos falar
quase gritando uns com os outros para nos ouvirmos. No momento,
Alex e seus colegas estão tirando sarro de um outro calouro e eu
não consigo conter as risadas.
Boa parte de nós mora nas duas grandes casas na rua principal das
fraternidades, outros ficam nos dormitórios, mas é muito difícil que a
casa onde moro não esteja cheia a qualquer hora ou momento do
dia. Gosto dessa união, faz com que me sinta pertencente a algo
maior e me sinta importante. Times e esportes de maneira geral
representam isso muito bem.
Desligo o chuveiro depois de terminar o banho e enrolo a toalha na
cintura, indo em direção ao meu armário. Espirro um pouco de
desodorante nas axilas e, enquanto me troco, vejo Johnny chegar
ao armário e pegar seu celular, ele sorri, tecla algumas vezes na tela
e começa a se arrumar na velocidade da luz.
— Deixa eu adivinhar, alguém requisitou seus “serviços”? — Faço
aspas no ar ao dizer “serviço” porque é uma forma nossa de brincar.
— É o cara da minha aula de história, perguntou se eu estava por
perto.
— E já que você está livre e disponível... — cantarolo e ele pisca
para mim enquanto continua a vestir suas roupas com pressa.
Em questão de minutos, ele está pronto e se despede de mim com
um tapinha nos ombros. Termino de guardar minhas roupas e
pertences com calma e continuo a prestar atenção no assunto à
minha volta, alguns dos caras querem organizar uma festa na
piscina nos próximos dias e estão discutindo com Travis, nosso
quarterback e presidente da fraternidade, a possibilidade.
Com tudo guardado, me despeço dos meus colegas e rumo em
direção à saída do complexo esportivo. Penso no meu carro, a
picape que era do meu pai e que reformamos juntos, e como estou
sentindo falta de dirigi-la. Foi teimosia minha querer vir com ela, eu
sabia que não ia usá-la na maioria dos dias, mas de qualquer forma,
gosto de pensar que tenho liberdade para fazer o que quiser e se
precisar de carro, não vou depender de ninguém.
— Colin — ouço uma voz grossa me chamar e me viro para
encontrar Dylan. — Indo pra casa?
— Sim.
— Topa pegar um café no caminho?
— Claro.
Dylan e eu caminhamos juntos e conversamos enquanto vamos na
direção do café principal do campus, nós dois jogamos em posições
diferentes mas que possuem o mesmo objetivo. As estatísticas dele
são incríveis e estou ansioso para que nós dois possamos jogar
juntos.
Falamos um pouco sobre os treinos e logo começamos a conversar
sobre as matérias da faculdade. Dylan quer fazer Direito e por isso,
está fazendo a grade preparatória do curso. Como eu curso
Arquitetura, nossas matérias não são muito parecidas.
Entretanto, as cobranças são as mesmas. Há quem ache que o fato
de sermos atletas nos exige menos no currículo escolar, mas é uma
grande mentira. Temos que mandar bem nos campos e também
dentro de sala de aula.
Dylan e eu pegamos nossos cafés e não me surpreendo ao ver um
número de telefone anotado no copo de isopor.
— Parece que não fui o único a ganhar um número de telefone  —
comenta Dylan e mostra seu copo para mim, com a mesma
sequência numérica. — Vou voltar depois, ela parecia bem gostosa.
Dou risada e viro meu rosto para dar uma breve olhada na garota,
ela pisca e eu volto a olhar para frente. Nesse curto tempo, outras
três garotas passam por nós e é impossível não reconhecer seus
olhares.
Elas secam a mim e a Dylan. Gosto de flertes assim, mas acho bem
chato o movimento que meu colega de time faz, em virar o rosto
para olhar os corpos das meninas depois que elas passam, mas
quem sou eu para dar lição de moral no cara.
— Espero que essa fase nunca acabe, é muito bom receber atenção
de todos os lados — pontua ele.
— É, não posso negar que tenho aproveitado as regalias.
Dylan ri e continuamos a andar na direção da fraternidade, ele é um
cara legal apesar de tudo, os caras de quem ele é mais próximo são
meio babacas, mas não deixo que isso afete minha impressão sobre
ele. Entretanto, as coisas mudam quando um tópico em específico
entra em nossa conversa.
— Preciso te fazer uma pergunta... — ele sonda e eu aceno com a
cabeça para que ele prossiga. — Qual é a da sua amiga? Emma
Kim?
A pergunta me pega de surpresa porque não sei se entendi o que
ele está perguntando.
— Em que sentido?
— Ela é do grupo das ingênuas ou você diria que ela é mais
ousada?
Sinto um terrível incômodo ao ouvir essa frase. Parece algo tão
ridículo quando dito em voz alta, e por algum motivo que não
entendo, me atinge de uma forma estranha, afinal de contas, ele
está falando da Emma, a garota com quem cresci, de quem roubei
chocolates no Halloween todos os anos, filha dos meus tios
favoritos.
Internalizo que o incômodo é pelo fato de conhecer Emma desde
pequeno e não por qualquer outra coisa e respondo com desdém.
— Não sei te dizer, cara...
— Quer dizer que vocês nunca ficaram?
— Não — respondo prontamente. — Por que pensou isso?
— Sei lá, perguntei para ela sobre a relação de vocês e ela foi bem
sucinta. Achei que era alguma coisa mal resolvida do passado, de
repente, ela querer algo a mais e você não...
— Não, nada disso. A gente convive muito junto, implicamos um
pouco um com o outro, mas é isso.
— Entendi. — Dylan reflete alguns segundos. — Bom, parece que
vou ter que descobrir sozinho.
Ele dá uma piscadinha e dou um sorriso amarelo, me sentindo ainda
mais incomodado por não responder algo que o coloque em seu
devido lugar. Mesmo depois que ele muda de assunto, não consigo
parar de pensar a respeito dela.
Emma e eu não morremos de amor um pelo outro, mas isso não faz
com que eu deseje algo de mal para ela. Alguns pais poderiam
incentivar que o sentimento entre nós fosse algo próximo ao de
irmãos, mas os nossos nunca fizeram isso, pelo contrário, eles
sempre desejaram uma amizade intensa entre nós assim como a
deles.  E nós até tivemos, em algum grau durante a infância, mas
somos muito diferentes. Em um dado momento, nós só aceitamos
essas diferenças. E uma parte de mim adora irritá-la, só porque é
engraçado.
Entretanto, a forma como Dylan fala de Emma, como se fosse mais
uma conquista sua, me incomoda. E não entendo o porquê. Ela
sempre foi uma garota mais fechada e discreta, posso contar  nos
dedos os caras que ela beijou — os que sei ao menos — e não
completa uma mão. E, por ser mais retraída, eu não duvidaria se ela
nunca tivesse passado muito de uns amassos. E tudo bem, é uma
escolha dela.
Confesso que vê-la beijar Dylan durante o desafio foi uma surpresa,
ela parecia determinada a fazer aquilo e minha provocação caiu por
terra. Não desgrudei os olhos do beijo dos dois até eles se
afastarem. Fiquei surpreso e, por alguns segundos, quase me
imaginei no lugar de Dylan.
Lembro-me desse fato e logo mando o pensamento para o fundo da
mente, até porque não existe a remota chance de sentir algo por
Emma.
Mas, ao ouvir as palavras de Dylan, não consigo deixar de pensar
que ele é meio babaca, e mesmo que Emma não seja a pessoa
mais agradável do mundo comigo, sei que eles não se encaixam em
nenhum nível. Eles não têm nada em comum.
Continuo mantendo um diálogo com ele, mas minha cabeça vai para
longe, continuo pensando em Emma e no comentário feito por meu
colega de time. Mal noto que entramos em casa até olhar para a
sala e ver a TV explodindo em tiros de algum jogo que os caras
estão disputando.
— Sullivan, você tem visita. — Brandon, um colega, cantarola e me
olha de forma sugestiva.
— Quem é? — Pergunto, tentando dissipar a tensão dos
pensamentos.
— Uma garota, ela disse que tinha marcado de estudar com você.
Isso chama minha atenção, porque não me lembro de ter marcado
nada do tipo para hoje. Todo mundo presente na sala começa a rir, e
eu deixo as risadas e frases maliciosas de lado e subo as escadas
até meu quarto. E quando abro a porta, não consigo conter o
sorriso.
— Oi, Colin. — É uma aluna da minha turma de cálculo, com que
conversei na última semana. — Achei que a gente podia adiantar
nossa tarde de estudos que comentamos na última aula... Ou quem
sabe fazer mais algumas coisas além de estudar.  — Ela fala isso
soltando um dos botões da camisa florida que usa. — O que acha?
Deixo de lado mais uma vez os pensamentos sobre Emma e decido
me deleitar um pouco mais das minhas regalias como atleta. Depois
de uns amassos com a garota, nós realmente estudamos. Ela não
tarda para ir embora e, mesmo quando estou relaxando em minha
cama, uma fagulha dentro de mim ainda está incomodada com o
assunto entre mim e Dylan. E não sei o porquê.
Capítulo 7

— Festa na piscina? Kath, você está brincando comigo, né? —


Ralho com minha amiga enquanto nos sentamos numa das mesas
do restaurante universitário.
— Qual o problema? Nós moramos na Flórida, está calor e tem uma
fraternidade com piscina oferecendo uma festa com bebida à
vontade...
— Não era você que estava até dias atrás fugindo das festas assim
como o diabo foge da cruz? — Questiono, fingindo estar julgando-a,
mas muito mais com divertimento, porque Kath e eu funcionamos
assim.
— Sim, mas, infelizmente, eu estou sobrecarregada de textos para
ler e agora entendo porque universitários bebem e fazem tanta
festa: para se distrair e esquecer das obrigações — pontua
enquanto pega com o garfo um tomate do prato.
— Tudo bem, até aí eu entendo, mas... — suspiro fundo. — Festa
na piscina? A faculdade realmente é um filme do American Pie.
— Amiga, essa referência realmente foi bem velha — Kath ri da
minha cara. — Não me surpreende que você não tenha sido uma
garota popular na escola.
Mostro a língua para ela e começamos a rir juntas, porque Kath e eu
somos bem parecidas nesse quesito: ela também adora muitas
bandas e cantores mais antigos, filmes clássicos dos anos 2000 e
apesar de estar me chamando para uma festa, ela gosta da minha
companhia porque não me importo com sua mania de criar histórias
mirabolantes sobre as pessoas. E festas são seu banquete favorito
para fazer isso.
— Agora é sério, quero me divertir e algo me diz que se não for por
mim, você vai passar o restante dos anos de graduação estudando
e jogando Battle of qualquer coisa.
— Battle Of Bastards, e eu ainda vou te convencer a jogar.
— Você pode passar a festa toda tentando me convencer enquanto
bebemos e dançamos, o que acha? — Ela pisca e eu começo a rir.
Desde a recepção dos calouros, tenho evitado sair. As festas
próximas a nós diminuíram e grande parte passou a acontecer em
outros lugares, tanto dentro, quanto fora do campus. Consegui
despistar bem os convites, mas não tenho nenhuma desculpa neste
momento para dar, e gosto muito de Kath, o que significa que
recusar se torna uma tarefa bem mais difícil.
Pondero a resposta que darei a ela, mas antes que volte a falar,
meus olhos se voltam para o corredor e encontro Dylan me olhando.
Desde que estudamos aquela primeira vez na biblioteca, nos
encontramos mais duas vezes e, em ambos os dias, nossas
conversas foram amenas e amigáveis. Achei que depois de pedir
meu número de telefone ele iria me chamar para um encontro, mas
até o momento nada.
Quando ele murmura algo para um amigo e começa a andar na
minha direção, não demora mais do que alguns passos para chegar
até nós e sinto o nervosismo me consumir.
— Ei, Emma. Como vai?
— Oi, Dylan, vou bem. Essa aqui é a Kath, minha amiga.
— E aí, Dylan — Kath estende a mão e os dois se cumprimentam.
— Você estava na festa dos calouros, não estava? Foi a menina que
precisou tomar quatro shots de vodka puro, não é? — Ele pergunta
rindo.
— Eu mesma! A sorte é que me dou bem com destilados, senão
teria sido bem pior. — Responde Kath, dando uma risada e
prendendo um cacho que se soltou de seu cabelo.
— É, como já diria um amigo meu, na faculdade você aprende a
beber de um jeito ou de outro — ele dá um sorriso de lado e juro
que sinto meu estômago revirar. — De qualquer forma, vim até aqui
para te convidar para a festa da piscina que faremos... — Dylan
volta sua atenção para mim, mas logo se corrige. — Claro que o
convite se estende a você também, Kath.
— Sem problemas. — Minha amiga acena com a mão. — Eu estava
tentando convencê-la a ir comigo, mas ela está meio irredutível.
— Ah, Emma! — Dylan corre para se sentar ao lado de Kath e apoia
o rosto lindo em suas mãos enormes, começando a piscar os cílios
longos em minha direção. — Vamos, por favor! Prometo que não
jogo você na piscina se não quiser. E a Kath promete também, não
é?
— Com certeza! Vamos dançar ao som de músicas ruins, beber
cerveja barata e pegar um bronzeado na piscina.
— Viu só? Olha como você está sendo requisitada. Vamos, vai!
Dylan sorri de uma forma encantadora e vejo no sorriso de Kath que
ela está adorando a situação. Felizmente, eu também. Os olhos
castanhos de Dylan piscam ainda mais em minha direção e ele está
ridiculamente lindo sorrindo, segurando o rosto com as duas mãos
como se fosse uma criança. Ele aguarda minha resposta e me
derreto quando ele faz um biquinho com o lábio inferior.
— Tudo bem, eu vou! — Respondo, sentindo as bochechas
corarem. — Mas eu realmente não quero ser jogada na piscina.
Os dois vibram juntos como se fossem grandes amigos e não
consigo evitar a risada.
— Combinado, pedirei permissão antes para jogar você na água —
pisca e começa a se levantar. — Adoraria ficar mais tempo, mas
tenho treino em breve. Nos vemos no sábado então? — Ele
pergunta olhando para mim e Kath, mas demora seu olhar mais
tempo em minha direção.
— Sim, nos vemos no sábado — assinto e vejo Kath dar um sorriso
de lado.
— Vou nessa então. Até mais, meninas.
Ele faz uma continência usando dois dedos da mão direita e
caminha na direção da mesa onde estava antes. Kath se vira
devagar para esperar ele estar longe e, quando isso acontece, ela
dá um tapa leve em minha mão esquerda, que está espalmada na
mesa.
— Quer dizer então que se eu tivesse um metro e oitenta e tanto,
olhos e cabelos castanhos e um sorriso matador você teria aceitado
em dois tempos meu convite? — Ela comenta brincalhona e sinto
minhas bochechas esquentarem um pouco mais. — Você está
vermelha! Você está realmente a fim dele.
— Eu sei, eu sei! — Cochicho baixo. — Acho que a última vez que
me senti meio boba assim por um garoto foi antes do ensino médio.
E sei lá, é diferente, ele parece querer me conhecer, sabe? Mesmo
que a gente já tenha se beijado.
— Talvez você realmente tenha encontrado um cara legal. Mas,
sério, agora você tem ainda mais motivos para querer aproveitar
essa festa.
— Ainda bem que tenho você para ir comigo, não iria aguentar essa
pressão toda e ainda por cima ir sozinha.
— Conta comigo para segurar a vela por você. Mas só por você.
— Até parece! — Brinco com ela. — Para querer ir numa festa tanto
assim, você tem algum interesse muito bem definido — comento e
Kath abre e fecha a boca algumas vezes.
— Pouco mais de um mês e você já me conhece tanto assim? — Dá
uma garfada generosa no prato e prossegue. — Quando nos
tornamos tão íntimas?
— Bom, eu gostei de você logo no primeiro dia, aquela camiseta do
Kakashi é maravilhosa.
— O Kakashi é maravilhoso! — Kath e eu rimos e ela continua — E
eu amei quando começamos a falar sobre política e você deixou
todas nós de queixo caído.
Kath sorri para mim e aperto sua mão brevemente antes de
voltarmos a comer e conversar sobre outros assuntos. Não consigo
deixar de pensar que minha mãe e tia Heather estavam certas,
algumas amizades você simplesmente sabe que nasceram para dar
certo.
Aconteceu isso com as duas mulheres que mais gosto na vida e,
nesse momento, sinto que também está acontecendo comigo.

Estou parada em frente ao espelho olhando para o biquíni que


minha amiga me emprestou. Aparentemente, eu sou a única aluna
que não pensou em trazer trajes de banho para a faculdade, Kath
passou cinco minutos rindo da minha cara por conta desse fato, algo
que ela alegou ser um absurdo porque estamos na Flórida e esse
deveria ser motivo de sobra para me fazer carregar um biquíni onde
quer que eu fosse.
Por conta disso, estou usando um modelo preto básico que é bonito,
mas em certo ponto desproporcional. Meus peitos estão cobertos e
até parecem maiores do que são, mas a parte de baixo deixa boa
parte da minha bunda de fora.
Não tenho um corpo cheio de curvas, tenho o mesmo biotipo
corporal que minha mãe: seios pequenos e bunda pequena, não
tem muito o que “ser mostrado”. Geralmente, quando vou à praia,
uso uma camiseta de lycra para nadar e, por esse motivo, nesse
momento me sinto levemente exposta demais.
— Emma Kim, que corpo, garota! — Kath aparece ao meu lado
enquanto ajeita a parte de cima em frente ao espelho.
— Eu digo o mesmo. — Comento apontando para os seios fartos
dela que preenchem a parte minúscula de seu biquíni. — Você fica
bem melhor do que eu nesse modelo, jura que não posso mesmo
usar uma camiseta?
— Não, não pode. São anos de lutas para que nós não tivéssemos
vergonha de mostrar nossos corpos. Está vendo essa barriga aqui?
— Kath aperta seu abdome e mostra a língua. — É para ser
exaltada, amada e mostrada. Nada desse papo de essa roupa ou
esse modelo fica melhor em mim do que em você.
— Eu sei, é só que...
— Você tem inseguranças como todas nós, Em, mas confia em
mim: você é linda tanto por dentro quanto por fora, então não faz
mal nenhum mostrar um pouco de pele.
— Você é incrível, Kath. Mas, ainda assim, eu daria tudo por uma
das minhas camisetas de surfista.
Minha amiga revira os olhos e logo começamos a rir. Rendida, visto
apenas um shorts jeans e, enquanto Kath termina de se arrumar,
olho pela janela a rua em que moro, ela está infestada de jovens
usando trajes de banho indo na direção da fraternidade de Colin e
Dylan.
Parte de mim está tentando controlar os ânimos, mas ver Dylan é
cem por cento o motivo pelo qual estou animada por essa festa. Faz
tempo que não sinto interesse por alguém, me apaixonei de verdade
mesmo só uma vez e não durou muito tempo. Acho que por isso
estranho tanto esse sentimento de antecipação só por ver um cara
por quem estou interessada.
— Pronta? — Pergunta Kath, colocando seus óculos de sol.
— Pronta. — Respondo colocando meus óculos também, e ando
juntamente com ela até a porta para sairmos do meu quarto.
Nossa sororidade toda está em silêncio, algumas meninas já estão
na festa e outras estão se arrumando para ir. Já passou um pouco
da hora do almoço, mas Kath e eu comemos antes de começarmos
a nos arrumar.
Uma coisa que já aprendi nesse pouco tempo de faculdade é que é
sempre bom garantir uma boa refeição, porque nunca se tem
comida de verdade nas festas. Uma dica preciosa que mamãe me
deu, não através do cadernos, mas em uma de suas ligações.
Kath e eu saímos de casa e atravessamos a rua em direção à
fraternidade. A quantidade de pessoas é assustadora e transborda
por todos os lados, os copos se espalham pelos cantos e quando
chego à parte dos fundos, percebo que vai ser bem mais difícil
cruzar com Dylan do que pensei.
— Não esquenta, a gente vai encontrá-lo. — Kath sussurra em meu
ouvido, como se tivesse lido meu pensamento. — Quer beber algo?
— Bom, acho que já deu a hora de aprender a beber de verdade.
— Essa é a minha garota!
Kath vai me conduzindo para a parte de dentro da casa novamente
e tenho flashes da noite em que passamos boa parte do tempo
cumprindo desafios. São tantas pessoas e tantos corpos seminus
que se torna até banal olhar para barrigas saradas e garotas de
biquini.
— Vodka, uísque, tequila... O que você prefere? — Pergunta Kath
me mostrando as garrafas.
— Tequila. Minha mãe falou que foi a maior aliada dela durante a
faculdade.
— Que assim seja então, irmã — minha amiga pega dois copos de
plástico, me entrega um saquinho com sal e uma fatia de limão e
começa a nos servir.
— E aí, baixinha. Achei que nerds ficassem em casa. — A voz de
Colin ressoa no meu ouvido e não contenho o revirar de olhos.
— Você não tem mais nada melhor para fazer?  — Pergunto quando
ele para na minha frente.
E parte de mim não consegue conter o olhar por seu corpo. Cada
vez que vejo Colin, ele parece estar ainda mais malhado. A
bermuda azul está mais baixa do que deveria e sua linha V é
extremamente marcada. Por uma fração de segundo, quase me
sinto salivar, mas repreendo no mesmo instante o pensamento.
Volto meu olhar para seu rosto e vejo que ele não está concentrado
em mim, parece estar olhando também para o meu corpo e sinto
minha pele se aquecer.
— Eu tenho muitas coisas para fazer, mas se eu tenho a chance de
irritar você, por que não aproveitar? — Debocha antes de levar a
long neck que tem em mãos aos lábios. — Você vai beber isso? —
Questiona quando Kath me estende o copo pequeno de plástico
com um líquido levemente amarelo.
— Vou, algum problema? — Pergunto antes de tilintar o copo com
minha amiga, lamber o sal que tenho em uma das mãos e engolir
goela abaixo a tequila, em seguida aceitando de bom tom a fatia de
limão.
— Só não fique bêbada, não quero ter que cuidar de ninguém. —
Comenta dando de ombros, mas com a voz levemente preocupada.
— E quem disse que eu preciso que você cuide de mim? —
Resmungo e vejo que minha amiga nos assiste atenta. — Vamos,
Kath.
Minha amiga acena com a mão direita enquanto a levo para a parte
de fora novamente, sentindo a tequila queimar em meu estômago e
meu corpo ainda em chamas por conta do olhar de Colin.
Repreendo esse pensamento e foco na necessidade de encontrar
Dylan.
Algumas horas se passam, o calor é forte e eu e Kath estamos
dançando ao som de algum remix de músicas da Dua Lipa, uma
cantora que adoro e que mamãe fala que foi um fenômeno em sua
época de faculdade.
Meus olhos procuram por Dylan novamente, no lugar onde ele está
há alguns minutos. Conversando com uma garota ruiva, ele dá uma
risada com algo que ela fala e não julgo sua atenção estar voltada
para ela. Além de linda, ela tem muito mais atitude do que eu, que
estou quase parada no mesmo lugar e não faço ideia de como agir
ou do que fazer. Kath e eu acenamos quando ele nos viu, mas nada
além disso, e boa parte de mim só quer sua atenção.
— Em, se você quer chamar a atenção dele, vai ter que usar as
velhas ferramentas. — Kath fala ao pé do meu ouvido.
— O que você sugere? — Pergunto em um tom de dúvida enquanto
ela continua a me guiar nos passos de dança.
No momento em que pergunto isso, Dylan corre em disparada para
a piscina e dá um pulo para dentro da água, a galera grita e ele
emerge sorridente. A garota com quem ele estava conversando vai
em direção à cozinha e Kath aperta meu braço.
— É a sua chance. Vamos, tira esse shorts. — Ela começa a
desabotoar a peça e eu me assusto com sua pressa.
— Kath, mas o que...
— Vai até ele — ela sussurra próxima a mim — e diz para ele que
quer entrar na água.
— Mas eu não quero.
— Emma, não seja boba. — Kath puxa meus shorts pelas pernas
me deixando exposta. — É sua chance de chamar atenção do
gatinho jogador. Vamos, hora de exibir esse corpinho — ela abaixa
para remover a peça por completo e pega os óculos que estão na
minha cabeça. — Ele já está te olhando, então só entra na onda.
Me viro para olhar na direção de Dylan e vejo que ele realmente
está com os olhos fixos em mim. Dou um sorriso breve para ele e
pisco para Kath antes de sair de seu lado. Respiro fundo e tento
puxar de dentro de mim toda a confiança dos meus pais. Steve e
Kim McGlam exalam confiança de um jeito invejável e, nesse
momento, tento trazer um pouco desse jeito deles para mim.
Caminho a passos decididos até Dylan e me deleito com o olhar
dele que percorre meu corpo. Normalmente acharia isso ridículo,
mas quero chamar sua atenção, e infelizmente, ou felizmente, os
seres humanos são visuais.
Deixo de lado meu pensamento mais crítico e decido me aproveitar
disso. Ele está com os braços musculosos apoiados na borda da
piscina e quando me aproximo dele, vejo um sorriso lindo preencher
seus lábios, enquanto ele penteia os cabelos castanhos para trás. 
— Tem espaço para mais um aí? — Pergunto, deixando o chinelo
na borda e parando à sua frente.
— Para você com certeza tem. Vem! — Ele me chama e eu sento
na borda da piscina, em seguida colocando os pés na água. Faz
calor e eu estou suando, a temperatura da água está agradável e
não vai ser nada ruim me refrescar um pouco. — Entra de uma vez.
— Dylan pede e coloca as mãos gentilmente em minha cintura.
Sinto meu corpo se arrepiar com seu toque mas tento não
demonstrar as reações que só esse breve contato me causou. Entro
na piscina e sinto seu corpo firme colado ao meu, suas mãos
permanecem em minha cintura mesmo quando já estou por
completo na água.
— Que bom que veio.
— Eu disse que viria.
— É, você disse. Mas não comentou que viria “vestida para matar”
— ele comenta brincalhão.
— Fico feliz que eu não seja a única que assistiu esse filme.
— Gosto dos clássicos — dá de ombros. — Quer beber alguma
coisa?
— Claro, o que quiser — sorrio ao ver seu rosto lindo tão próximo ao
meu.
Dylan pisca para mim e em segundos, um cara aparece perto de
nós e estende duas cervejas. Aceito de bom grado, brindamos
juntos e deixo o calor e o clima de Gainesville, juntamente do corpo
de Dylan, me entreterem.
O tempo passa e me divirto com ele e suas conversas, não demora
muito para encontrarmos um assunto em comum: jogos. Passamos
um bom tempo falando sobre estratégias, designs gráficos, como
conseguir passar de fases e afins. Depois, vamos para assuntos
genéricos como música, filmes, séries e até mesmo faculdade.
Conto para ele sobre minha mãe e sorrio ao ver que ele a
reconhece de alguns trabalhos, é maravilhoso ter orgulho dos pais e
eu tenho de sobra dos meus. Comento sobre a tia Heather e ele diz
que Colin falou com os amigos a respeito, sei que Colin admira a
mãe mais do que qualquer pessoa no mundo e é legal saber que ele
reconhece e muito todo o talento dela.
O assunto acaba e por alguns segundos, ficamos em silêncio. Não
consigo evitar olhá-lo nos olhos, vejo quando as íris castanhas
caminham para meus lábios e, de alguma forma, sei que ele está
pensando o mesmo que eu.
— Emma, eu estou adorando nossa conversa, mas não consigo
evitar pensar em algo — seus lábios e seu corpo se aproximam
ainda mais, me deixando ainda mais encostada nos azulejos da
piscina.
— Também estou pensando em algo... — respondo baixo,
mostrando para ele que estou com a mesma ideia.
Dylan sorri e coloca uma das mãos em minha nuca, enquanto a
outra aperta minha cintura gentilmente. Seus lábios roçam os meus
em uma carícia lenta e suspiro quando nos beijamos, o respirar dá a
brecha para que sua língua encontre a minha e nosso beijo se
aprofunda.
Ele tem gosto de cerveja e mais alguma bebida que não reconheço
direito, mas paro de tentar decifrar o gosto quando começo a sentir
seu corpo reagir ao nosso beijo. Me sinto da mesma forma que ele,
mas apesar disso, o fato de estarmos tão expostos, com uma festa
toda nos olhando, me deixa nervosa.
Nervosismo esse que só aumenta quando a mão esquerda de Dylan
desce por meu pescoço e chega lentamente até meu seio esquerdo.
Meu corpo congela, porque apesar de uma parte minha querer,
outro lado meu entra em pânico.
Me afasto devagar dele e de seu toque e Dylan recua na hora.
— Desculpa, Em, eu não...
— Não, tudo bem, é só que... — perco as palavras, tanto porque
ainda estou extasiada pelo beijo, quanto porque ainda estou
levemente em pânico pelo contato tão rápido.
— Você precisa se conectar antes — pisca e prossegue — eu
entendo, não tem problema.
Sorrio para ele e antes que possa dizer algo, Dylan pergunta se
quero sair da piscina e respondo que sim, estamos há muito tempo
ali e a noite está começando a cair.
Ao sair, procuro por Kath, mas não a encontro, o que significa que
ela está com alguém e meus shorts e óculos foram esquecidos em
algum lugar do passado.
Deixo a vergonha de lado e aceito a mão de Dylan quando vamos
para dentro da casa, que agora, cheira ainda mais a suor e bebida.
A música está alta e há muitas pessoas dançando em todos os
cantos.
Ele me conduz para a cozinha e, junto com alguns outros colegas
dele, aceito tomar um shot de algo rosa. Tem gosto de suco de
cranberry e eu logo decido tomar outro, já que esse é o primeiro
drink que me agrada.
Tento me entreter com o assunto da roda, mas logo outras pessoas
se juntam a nós e eu começo a perder um pouco do foco no assunto
e me sentir deslocada. Eu continuo bebendo o líquido rosa e a
música parece ficar mais tolerável.
Uma garota simpática me puxa para conversarmos sobre algum
assunto a respeito de filmes e começo a perceber que minha visão
está ficando turva e minha concentração é quase zero. Continuo a
conversar com ela, dando meu melhor para compreendê-la e vejo
de canto que Dylan e uma garota loira estão conversando próximos
demais.
Sei que não temos nada sério e que não passamos de conhecidos
que já trocaram alguns beijos, mas por alguns instantes, sinto uma
terrível vontade de chamar sua atenção novamente.
— Vem, vamos dançar — a garota ao meu lado, cujo nome não me
lembro, faz o convite e em minha mente isso ressoa como uma
ótima ideia.
Mas, isso logo muda quando ela me chama para subir em uma parte
do balcão da cozinha. A garota dá um impulso certeiro e já está em
cima quando me chama novamente, os gritos altos começam a
nossa volta, todos me incentivando a fazer o mesmo que ela.
Olho para Dylan, mas não são os olhos dele que me prendem. E
sim os de Colin.
Ele me olha de certa forma cético e parece até mesmo irritado. Não
vi Colin durante boa parte da festa, mas agora, ele está parado me
encarando. Sinto-me desafiada por ele e, quando olho para Dylan,
ele também está atento aos meus movimentos. De alguma forma,
capturei sua atenção novamente e, em minha mente, isso é motivo
de sobra para prosseguir.
Ignorando o olhar de Colin e me atentando de verdade a Dylan,
aceito o convite e dou um impulso para ficar de pé na bancada.
— É isso aí, garota!
Ela me incentiva e tento, junto a ela, me mover no ritmo da música.
Sei que não sou a melhor dançarina do mundo e que meus poros
não exalam metade da sensualidade dela, mas não ligo para isso,
estou me sentindo ousada e corajosa. Caminho minhas mãos por
meu corpo e deixo a batida da música me envolver, me empolgo
com a letra sensual e os gritos de incentivo.
Me sinto entorpecida e decido virar o conteúdo do copo que ainda
tenho em mãos, quando termino, o jogo em meus pés e ouço os
gritos animados de quem nos assiste. De olhos fechados, não
percebo que estou perto demais do lustre, e também não me dou
conta de que posso bater a cabeça nele a qualquer momento.
Quando acontece, é tarde demais e minha cabeça lateja pela
pancada. Sinto-me tão zonza que simplesmente tombo para trás. É
questão de segundos quando sinto tudo rodar e aguardo meu corpo
cair no chão com um baque.
Ao mesmo tempo que tenho ciência do que está acontecendo,
também não a tenho. No entanto, sinto o impacto das minhas costas
acontecer em dois braços fortes que me recebem com firmeza.
— Não preciso cuidar de você, huh?
E aquela voz é impossível de não reconhecer, porque é a voz grave
de Colin. No entanto, antes que eu diga algo, simplesmente sinto
meus olhos se fecharem.
Capítulo 8

Quando acordei pela manhã, eu estava animado pela festa que


aconteceria na minha casa, afinal de contas, não tem nada melhor
do que uma casa lotada, garotas de biquíni e um sol agradável para
levantar os ânimos.
Todavia, as coisas mudaram um pouco depois que a festa começou
de verdade. Eu estava tranquilo em meu canto enquanto a música
ressoava alto e uma garota falava explicitamente ao meu ouvido
todas as coisas que queria fazer comigo em meu quarto.
E eu estava pronto para cumprir cada um daqueles itens que ela
listava, mas, antes, decidi ir até a cozinha pegar uma última cerveja
para aí sim ir para o quarto. Porém, ao chegar ao espaço abarrotado
de pessoas, o qual chamávamos de cozinha, encontrei Emma.
E o restante do dia se tornou um saco completo.
Primeiro de tudo, eu não entendi o porque meu corpo respondeu ao
dela de uma forma tão... suspeita. Quero dizer, eu conheço Emma
desde sempre, já fomos incontáveis vezes para a praia e tanto a
casa dela quanto a minha tem piscina mas, ainda assim, eu nunca
havia reparado em seu corpo. Não dessa forma. Talvez porque ela
sempre o cobria de alguma forma.
Mas naquele momento, eu estava realmente olhando-a, prestando
atenção, atento a cada uma de suas curvas. Os shorts jeans
delineavam suas pernas finas e deixavam marcada a curva da
bunda, a parte de cima evidenciava seus seios... E eu nunca havia
reparado tanto em seu corpo.
Numa tentativa de dissipar a tensão de observá-la com outros olhos,
provoquei-a sobre estar vindo à festa. Emma respondeu com seu
sarcasmo habitual e fiquei surpreso ao vê-la beber um shot de
tequila. Sei que não tenho obrigação nenhuma sobre ela, que não
tenho e nem quero ditar regras a ela, mas gosto muito do tio Steve e
da tia Kim para deixar que a filha deles se machuque ou algo do
tipo. Um sentimento de preocupação ficou latente dentro de mim.
O que explica o motivo de estar, neste momento, sentado na sala de
espera de uma emergência médica, usando a camiseta de um
colega de time e esperando alguém vir falar comigo. Emma não só
ficou um pouco bêbada, como subiu em cima da bancada da
cozinha com uma garota que estava tão louca quanto ela e as duas
começaram a fazer um show e tanto.
Eu estava observando de longe, não achei que Emma iria ousar
tanto, mas fui completamente surpreendido. Eu estava vidrado em
seus movimentos, atento a ela, mas fui despertado do transe com o
comentário de Dylan para Alex, que deixou meu sangue
borbulhando.
— Gosto de garotas mais soltas assim.
Lembrar das palavras dele me deixa irritado mesmo agora. Isso foi o
fim para mim.
Não precisa ser nenhum gênio para entender o significado por trás
de suas palavras. Que tipo de cara fica esperando uma garota estar
bêbada para querer transar com ela? Além disso, foi extremamente
insensível da parte dele, visto que era nítido que Emma tinha bebido
um pouco a mais e que poderia se machucar. Entre pensar isso e
algo acontecer foi questão de segundos.
Emma estava na bancada dançando com a garota, bateu a cabeça
no lustre da cozinha e começou a cair. Nem ao menos reparei nas
pessoas que empurrei para chegar até ela e pegá-la em meus
braços.
— Não preciso cuidar de você, huh?
E então, ela abriu a boca para falar e depois apagou alguns
segundos.
Quando ela despertou, eu já estava dando partida no carro em
direção ao hospital. Emma reclamou um pouco, mas chegamos
rápido à emergência. E é por isso que eu estou aqui, sentado
esperando notícias, enquanto pondero se ligo para meus pais ou se
aguardo mais um pouco.
Estou acostumado com machucados e ferimentos dos mais diversos
por conta do futebol americano, talvez eu tenha até exagerado em
trazer Emma para o ambulatório, mas misturar álcool, uma batida na
cabeça e ainda por cima um breve desmaio, me pareceu motivo de
sobra para ir até a emergência.
— Acompanhante de Emma Kim Cambpell McGlam?
A voz aguda vem de uma enfermeira que está em pé na porta de
entrada da sala, me levanto rapidamente e me prontifico a me
apresentar.
— Eu.
— Nome?
— Colin Cooper Sullivan, somos amigos de infância.
A enfermeira me olha com certo tédio, mas assente. Murmura baixo
para que eu a acompanhe e assim o faço. Andamos juntos pelos
corredores, até que entramos em uma ala com várias macas e
cortinas separando os pacientes e ela me aponta uma em
específico.
— Já volto com o doutor para liberá-la.
— Obrigado.
Abro a cortina e encontro Emma com a cabeça encostada no
travesseiro.
— E aí? — Saúdo-a enquanto adentro o espaço e sento na cadeira
que há ao lado do suporte do soro. — Qual o veredito? Seu cérebro
foi danificado?
Emma vira o rosto para me encarar e vejo a irritação percorrer seus
olhos. Não sei por qual motivo, mas isso me deixa de certa forma
feliz. Gosto de irritá-la e ver que ela está assim faz com que uma
parte de mim — não muito grande, talvez uns dez por cento —  se
acalme por vê-la bem, por perceber que ela vai ficar bem.
— Céus! Dentre tantas pessoas naquela festa, justo você para me
socorrer — comenta com desdém.
— É assim que você me agradece? Você bateu a cabeça, Emma. E
tem sorte que não liguei para o tio Steve e a tia Kim.
— Eu estava bem, Colin. Jovens bebem em festas, e daí? —
Irritada, Emma vira em minha direção e se ajeita para ficar mais na
minha altura. — Era só deitar um pouco e eu ia melhorar. Agora,
não. Por algum motivo desconhecido, você decidiu dar uma de
superprotetor comigo e eu tive que aturar os olhares julgadores das
enfermeiras. Uma garota com álcool no sangue e usando um biquíni
pequeno? Eu fui o prato cheio para as fofocas na pausa do café.
Emma bufa irritada e eu reviro os olhos, me ajeitando em silêncio na
cadeira. Ser cabeça dura é a característica mais marcante da garota
com quem convivo desde que fui adotado por meus pais.
Emma Kim sempre esteve ali. Não me lembro de nada na minha
vida que ela não estivesse envolvida, na semana em que cheguei à
minha casa, tanto ela, quanto seus pais, pessoas por quem sou
apaixonado, foram me recepcionar.
Lembro, inclusive, da primeira frase que me disseram a respeito de
Emma. “Ela não via a hora de você chegar”. Quando nos
conhecemos, nos tornamos amigos, brincamos bastante juntos. Mas
Emma sempre teve opiniões fortes, sempre gostou de discutir e
argumentar e eu, por não me sair tão bem com argumentos
eloquentes desde criança, aprendi rapidamente a lidar com isso.
Emma é ótima em conversas sérias e em convencer pessoas, eu
não duvidaria se um dia ela decidisse arriscar a carreira política, ela
tem potencial para isso. Porém, existe uma pessoa que é capaz de
desestabilizá-la: eu.
Não porque sou bom com teorias ou porque sei contra-argumentar
usando os mesmos recursos que ela. Muito pelo contrário, eu
sempre me saí muito mal nas aulas de debate.
Um professor, em especial, uma vez se irritou muito comigo porque
eu era incapaz de usar um argumento decente ou algo que
realmente tivesse a ver com o tema da aula. Em vez disso, eu ficava
fazendo provocações baratas com quem quer que estivesse do
outro lado.
No esporte chamamos isso de desestabilizar o adversário. É algo
legal de se fazer? Não. Acontece? Sempre. Eu fiz muito isso quando
era mais novo, mas conforme fui crescendo, percebi que intimidar
os adversários dessa forma baixa era horrível e que, vez ou outra,
aquilo se voltava contra você. Além disso, minhas habilidades
passaram a falar por si só. Não é convencimento, é uma verdade,
sou bom no que faço e em minha posição no futebol americano.
Entretanto, ainda que não use essa tática mais no campo, com
Emma sempre funcionou. Sempre foi um prazer pessoal irritá-la, só
pelo motivo de ser divertido. Desestabilizar suas conversas longas e
demoradas sobre algum tema chamando-a de baixinha,
comentando coisas como “tanto faz”,  inflando meu ego sempre que
estou perto dela.  Não sei dizer, mas simplesmente gosto de
provocá-la desde que somos crianças. Gosto do olhar irritado que
se expande em seu rosto.
Como o que ela está neste momento.
— Da próxima vez deixo você machucar a cabeça no lustre, assim
como algumas pessoas deixaram — pontuo me referindo
indiretamente a Dylan.
— Do que você está...
— Emma Kim Campbell McGlam? — A voz grossa ressoa ao
mesmo tempo que a cortina é aberta e um médico alto, negro e
sorridente aparece a nossa frente.
— Eu mesma.
— Vamos ver o que temos aqui — ele pega a prancheta na frente da
cama de Emma e olha para o prontuário. — Você bateu a cabeça no
lustre. Como isso aconteceu?
Vejo Emma corar e parte de mim quer evitar o constrangimento,
enquanto outra adora o fato de que uma bobeira de bebedeira tenha
a levado a estar ali. Emma sempre foi muito correta em tudo em sua
vida, é cômico que, neste momento, uma imprudência de bebedeira
tenha nos levado a estar no hospital. Tem sua cota de graça, é
verdade, mas sua expressão envergonhada me faz tomar a frente
da conversa e decido aliviar seu lado.
— Ela se empolgou um pouco na bebida, doutor — começo a falar e
sinto o olhar de Emma me fuzilar. — Estávamos dançando juntos e
ela decidiu subir na mesa, mas acabou acertando o lustre com a
cabeça. Ela apagou por alguns segundos e eu me desesperei.
— Entendo — o médico dá um sorriso gentil para mim. — Seu
namorado é um garoto bem preocupado com você, mocinha.
— Ele não é...
— Eu não sou...
— Por sorte não foi nada demais — o médico continua a falar
enquanto tentamos nos justificar e dizer que não somos um casal —
mas, foi bom que você a trouxe para o médico, filho. Bebida demais
sempre deixa o corpo desidratado, um soro nunca faz mal a
ninguém. Por sorte, a senhorita já está liberada, vou pedir para uma
enfermeira tirar seu acesso e vocês podem ir.
Emma assente em silêncio e o médico assina o prontuário enquanto
anda até mais próximo a cama. Ele pede que ela abra a boca,
coloca um palito na garganta e, depois de descartá-lo, confere os
sinais vitais e dá um sorriso gentil para nós dois.
— Vocês são um casal lindo. Cuidem-se, ok?
Abro a boca ao mesmo tempo que Emma para nos justificarmos,
mas o médico desaparece antes que possamos dizer alguma coisa.
— Um ótimo médico, pena que sugere que sejamos um casal — o
desdém em sua voz é latente.
— Eu que o diga  — respondo sem deixar barato.
O silêncio se faz entre nós e, observando tudo ao meu redor,
infelizmente, não sou capaz de desviar a atenção do corpo de
Emma, que ainda está coberto apenas pela peça de banho
pequena, seus seios estão levemente em evidência e suas pernas
parecem maiores do que realmente são.
Nunca reparei tanto nela como agora e, em um dado momento, a
imagem de suas pernas enroscadas em minha cintura se tornam
vívidas, como se eu estivesse vendo uma cena que já aconteceu.
Um dèjá-vu.
O problema é que nunca desejei Emma dessa forma.
Entretanto, nas últimas horas, perdi as contas de quantas vezes me
importei mais do que o necessário com seu bem-estar e de como
seu corpo me prendeu a atenção.
Sinto que ela percebe meu olhar e parece se incomodar, visto que
mexe as pernas como se estivesse desconfortável na cama.
Pigarreio um pouco e por sorte, a enfermeira aparece para acabar
com nosso silêncio constrangedor.
— Liberada então, mocinha?
— Por favor. Tudo o que mais quero é sair daqui.
A enfermeira sorri gentilmente e tira com cuidado o acesso da veia
de Emma, estanca o sangue com um pedaço de algodão e coloca
um curativo no pequeno furo.
— Prontinho, melhoras querida.
Emma se levanta da cama e para ao meu lado, ficando da minha
altura enquanto ainda estou sentado na cadeira. Seus pés estão
direto no chão e ela parece confusa. Só então reparo que ela não
tem sapatos e muito menos uma roupa para vestir, não pensei em
nada disso quando decidi trazê-la para o hospital, coloquei-a em
meus braços e saí em disparada.
Eu mesmo não estou completamente apresentável: a camisa do
time da faculdade não combina nem um pouco com o calção de
banho que estou usando.
— Toma — retiro a camisa rapidamente e entrego a ela. — Pode
vestir.
— Não, obrigada. Não faço ideia de quem usou isso. — Ela faz uma
cara de nojo.
— Tudo bem, você quem sabe. — Dou de ombros, vestindo a peça
novamente, e me levanto, indo em direção à saída, empurrando a
cortina. Vejo que Emma não está me acompanhando e me viro para
ela. — O que foi?
— Estou pensando na quantidade de doenças, sujeiras, germes e
tantas outras coisas que existem nesse chão. — Os olhos dela
estão levemente arregalados e há uma expressão de horror no
rosto, o que me faz segurar a risada.
— Vem, eu te carrego — as palavras saem da minha boca sem que
eu me dê conta delas de fato.
— Não, nem pensar.
— É isso ou andar até o carro descalça enfrentando todos esses
germes, bactérias, sujeiras e não só no chão do hospital, como
também no estacionamento.
A expressão de Emma se torna impagável ao se dar conta do
caminho que precisa fazer descalça, vejo seu peito subir e descer
enquanto ela pondera sobre aceitar ou não. Seus olhos se fecham
por alguns segundos até que eu perceba um leve aceno de cabeça.
Caminho até ela e a pego no colo sem dificuldade, sinto minhas
mãos aquecerem ao tocar sua pele sedosa, mas ignoro o fato.
Emma entrelaça seus braços em meu pescoço e esconde o rosto
em meu peito, não consigo evitar um sorriso e não deixo o
movimento passar despercebido.
— Pode cheirar meu pescoço se quiser, sei que vai ser uma
experiência nova para você.
— Será que você pode andar logo? Eu só quero chegar em casa.
Rio por conta de sua voz irritada, mas decido acelerar os passos e
acabar com o martírio dela. O dia foi longo, já é tarde e tenho
certeza de que a festa ainda estará rolando quando chegarmos,
mesmo que minha vontade seja apenas tomar um banho e deitar.
Pelo caminho, algumas enfermeiras e outras pessoas dão risada ou
comentam a respeito de nós dois e dou breves piscadinhas para
mostrar que está tudo bem. Emma bufa em alguns momentos, mas
não demora muito para que estejamos em frente à minha picape.
Abro a porta com Emma ainda em meu colo, o que exige um certo
malabarismo e  a coloco em segurança no banco do passageiro.
— Viu, só? Não foi tão difícil e nem tão ruim assim.
— Você vai usar isso contra mim até o fim dos tempos. —
Resmunga enquanto me afasto e fecho a porta do seu lado.
Solto uma risada baixa e vou para o lado do motorista, adentrando
rápido e, poucos segundos depois, dando partida no carro. Ao sair
do estacionamento, o único barulho possível de ser ouvido é o som
dos pneus no asfalto.
Emma parece absorta em seus pensamentos e sou quase capaz de
dizer que ela parece incomodada com algo. O silêncio é levemente
constrangedor e, por isso, decido ligar o rádio.
Uma música agitada preenche as caixas de som e eu começo a
tamborilar no volante enquanto dirijo rumo ao campus da
universidade. Quando ela acaba, uma melodia que conheço há anos
começa a tocar e desvio o olhar rapidamente para Emma, que tem
um sorriso nos lábios.
— Lembra o quanto você amava essa banda? — Questiono.
— Amava, não. Amo. Louisiana Panic[1] é uma das minhas bandas
favoritas da vida. E essa música, apesar de ser a primeira deles,
ainda é uma das mais especiais para mim.
— Eu lembro que você usou durante anos uma camiseta com o
símbolo deles, enquanto mantinha a autografada guardada dentro
de um saco para preservá-la.
— Ela ainda está lá. Tem o autógrafo dos quatro, foi naquele show
que minha mãe e a sua nos levaram, lembra? — Emma vira o corpo
mais em minha direção, animada por conta do assunto.
— Lembro. Meu primeiro show. Eu fiquei extasiado, lembro que jurei
para minha mãe que iria aprender a tocar guitarra por conta do
guitarrista.
— Jeff Burton! — pontua Emma colocando a mão sobre o peito e
suspirando. — Um dos homens mais lindos que já vi na vida.
— Ele está velho, fala sério! O cara nem é tudo isso.
— Bom, eu ainda o acho lindo. Acho todos eles lindos, na verdade,
a Shannon, o Jeff, o Zac, o Noah então...
— Entendi, groupie. Já entendi que você ainda é muito fã — brinco
com ela.
Emma revira os olhos e aumenta o volume do rádio, deixando que
“My Sweet Louisiana” preencha as caixas de som. Começo a cantar
a letra e ela também. O som, quase um country antigo, é uma
canção realmente linda e tanto eu, quanto Emma, deixamos o som
nos envolver.
Olho para ela rapidamente e, ao ver seu sorriso direcionado para
mim, não consigo deixar de pensar que momentos de calmaria
como esse entre nós são bons. Raros, muito por minha causa, mas
muito bons. A covinha tão familiar de Emma se forma em sua
bochecha e então reparo um pouco mais na pintinha que ela tem no
queixo. É lindo. Ela é linda.
Afasto os pensamentos, me dando conta do quanto é estranho
pensar em Emma dessa forma e me concentro nas músicas que
embalam nosso caminho até chegarmos ao campus. Ao estacionar
em frente a sororidade, ainda é possível ver a agitação na minha
casa, a festa ainda acontece.
— Sei que soei ingrata aquela hora no hospital, mas... Obrigada.
Obrigada por me levar. — Emma pontua assim que desligo o carro.
— Você? Me dizendo obrigado? — Abro a janela rapidamente e
coloco a cabeça para fora. — Será que vai começar a chover
agora?
— Por que você não pode ser uma pessoa normal e apenas
responder “de nada” ? — Com os braços cruzados, os seios de
Emma levantam-se um pouco e preciso me esforçar para desviar o
olhar.
— Que graça teria só agradecer? Além do mais, sei o quanto você
amou ser carregada por mim pelo hospital, afinal de contas, quem
não iria gostar? — Dou um sorriso de lado e ouço ela bufar.
— Você é insuportável.  — Emma revira os olhos e solta o cinto. —
Tchau, Colin.
Quando ela começa a descer, uma risada escapa dos meus lábios e
eu destravo a porta para acompanhá-la.
— Estou brincando, Emma, vem aqui. — toco gentilmente em seu
braço e ela se vira. — De nada. — respondo, finalmente. — Eu sei
que você ficou irritada, mas teria te resgatado de qualquer jeito,
bater a cabeça depois de beber nunca é legal, não fiz nada demais,
teria feito por qualquer pessoa. Só fui um cara decente.
— Exatamente por isso que estou agradecendo. Você agir como um
cara decente é um milagre. — O comentário ácido vem
acompanhado de um sorriso mínimo nos lábios finos e rosados de
Emma. Ela está tentando ganhar a discussão e dessa vez, decido
deixar que vença.
— Você pode falar de mim, mas é tão pior quanto eu nesse joguinho
de provocação.
Ela balança a cabeça de um lado para o outro e começa a caminhar
para a entrada, me dando as costas.
— Boa noite, Sullivan.
— Boa noite, McGlam.
Emma se vira para dar um sorriso mínimo e continua pela entrada
da sororidade. Usar nossos sobrenomes é uma memória da nossa
infância, já que nossos pais sempre nos chamavam assim durante
nossas brigas quando mais novos.
Conforme os anos foram passando, começamos a fazer a mesma
coisa para nos irritarmos. Nesse momento, sinto em sua despedida
um tom muito mais brincalhão do que de provocação de fato.
Observo ela caminhar até a porta e meus olhos não conseguem
evitar olhar para seu corpo, desço o olhar  para sua bunda, e me
repreendo no mesmo instante. Isso é estranho.
— Céus, acho que preciso ficar com alguém — murmuro baixo para
evitar racionalizar o fato de que estava secando o corpo de ninguém
menos que Emma Kim.
E isso é errado em muitos níveis, porque não me sinto atraído por
ela.
Pego o carro e vou até minha casa, estacionando no lugar de
sempre, já que, agora, com a festa mais vazia, minha vaga voltou a
estar livre. O som alto denuncia que ainda temos muita agitação
pelos cômodos.
Ao entrar, vejo alguns rostos conhecidos ainda brincando de beer
pong, alguns colegas de time se atracando com garotos e garotas e
vejo Dylan, que está se esfregando descaradamente e sem nenhum
pudor com uma garota no sofá.
Sinto novamente uma raiva me consumir, mas decido que não há
motivo para tanto, a melhor coisa a se fazer é subir e lutar para
dormir mesmo em meio ao barulho da casa. Mas, antes que eu gire
meu corpo em direção a escada, sinto duas mãos tocarem meu
abdômen e braços me envolverem em um abraço.
— Finalmente você voltou, estava te esperando.
Me viro para olhar quem é e vejo a garota do começo da festa. Ela
ainda está vestindo o biquíni verde musgo que destaca as partes
certas do seu corpo, seus cabelos estão presos em um coque alto,
mas ela ainda exala um cheiro maravilhoso e adocicado.
— Achei que já tivesse ido embora.
— Não costumo ir embora sem antes conseguir o que quero.
Ela me olha de cima a baixo e meu pau reage automaticamente.
Ainda que estivesse planejando deitar e descansar, uma proposta
para transar ser recusada novamente no dia me parece um pecado.
— Que bom, porque você é exatamente o que eu quero.
Ela sorri e a guio em direção às escadas e ao meu quarto. Depois
do dia de hoje, uma ida ao hospital e meu corpo reagindo de forma
estranha ao de Emma, nada melhor do que transar para encerrar o
dia de uma forma muito melhor.
Ela é rápida e, ao chegarmos no quarto, arranca minha camiseta e
me prensa na parede enquanto sua boca toma a minha com
velocidade e fúria. Apesar de receber atenção de sobra das garotas,
sou seletivo com quem quero ficar, a fama de pegador existe, mas
não dou a mínima pra isso, não fico contabilizando ou qualquer
coisa do tipo.
Deixo que ela assuma o controle e não demora muito para que eu
esteja colocando uma camisinha me afundando dentro dela.
Todavia, enquanto seus seios balançam em meu rosto, me pego
pensando como seria se fossem os de Emma.
E isso me assusta em níveis que não sou capaz de mensurar.
— Vem aqui, gata.
Seguro o corpo dela e nos viro para que ela esteja por baixo de mim
e acelero os movimentos, até que ela esteja gemendo alto meu
nome. Silenciando, dessa forma, o pensamento mais estranho a
respeito de Emma que já tive em minha vida toda.
Capítulo 9

Sou o tipo de pessoa que anda com um livro na bolsa onde quer
que eu vá. Perdi as contas de quantas vezes fui a jantares chatos
com meus pais e simplesmente me enfiei em um canto escondido,
acompanhada de um bom livro e de histórias que me levassem para
outra realidade.
Gosto de livros de papel, mas confesso que os aparelhos digitais e
até mesmo o celular foram meus bons aliados ao longo dos anos.
Agora, na faculdade, por mais que eu tenha um iPad, notebook e
um ótimo telefone em mãos, se tenho a chance de explorar a
biblioteca e pegar livros emprestados, faço isso sem hesitar.
Nos últimos dias, tenho usado muitos livros grossos e levemente
desgastados para esconder meu rosto pelos corredores da
faculdade. Estou me escondendo de qualquer pessoa que passe
mais do que dois segundos me olhando, porque tenho medo de que
seja alguém me reconhecendo da festa na piscina.
Ou melhor dizendo: alguém que esteja me reconhecendo por conta
da dança constrangedora na bancada.
Depois que Colin me deixou em casa no sábado, após voltarmos do
hospital, tomei um banho para limpar todas as impurezas do corpo e
vesti um pijama confortável. E foi só quando me deitei que a
realidade me atingiu.
Eu não apenas tinha ingerido uma quantidade relativamente grande
de álcool, como também havia dado uns amassos na piscina com
Dylan e, não satisfeita, tinha dançado em cima da bancada da
cozinha para chamar sua atenção.
Sinceramente, o que tinha acontecido comigo e com a Emma
discreta que eu sempre fui?
Não me arrependo do beijo com Dylan, pelo contrário, me pego
pensando nele muitas vezes. Mas é também por conta de Dylan que
estou me escondendo na faculdade, com medo de que ele me ache
ridícula por conta da atitude ousada e eu tenha perdido minha
chance com ele.
— Ainda se escondendo atrás dos livros, Em?
A voz de Kath me desperta de meus devaneios e da leitura maçante
que estava me exigindo uma concentração fora do normal.
— Não... — respondo com pouca confiança na voz e Kath se senta
ao meu lado no gramado.
— Ninguém mais se lembra, Emma, confia em mim.
— É, mas eu lembro. E toda vez que a imagem me vem à cabeça...
— fecho os olhos como se tentasse reprimir os pensamentos. — Só
consigo pensar no papel de idiota que fiz perto de Dylan.
— Deixa disso. Todo mundo faz besteira, Em, e nós somos
calouras, está no nosso código de regras que é permitido fazer
bobeiras assim, sério. E outra, tem festa o tempo todo, sempre tem
alguém para passar uma vergonha nova e fazer outra ser
esquecida.
— Isso é uma forma de fazer com que eu me sinta melhor? — cerro
os olhos em sua direção.
— Acho que sim, você pode chamar isso de “discurso motivacional
sobre como lidar com seu ano de caloura”. — Kath coloca a língua
entre os dentes e ri.
Como minha amiga adora brincar comigo, decido devolver na
mesma moeda.
— Isso é culpa sua, se quer saber — ralho fingindo estar brava e
fecho o livro de forma dramática. — Se você não tivesse
desaparecido no meio da festa, eu teria ficado do seu lado e nada
disso teria acontecido. — Kath abre a boca surpresa, mas logo
percebe que eu estou brincando.
— Verdade. Mas se eu tivesse ficado do seu lado, gastaria meu
valioso tempo conversando sobre algum tema muito importante e
sério para uma festa e não teria transado. E entre transar e
conversar, entenda, amiga, que eu sempre vou preferir a primeira
opção.
— Traíra. — Retruco, empurrando minha amiga pelos ombros e
juntas começamos a rir.
— Mas, sabe, talvez fosse bom você fazer isso. — Pontua ela,
depois de conter as risadas.
— Isso o que?
— Transar, Em. — Kath fala mais baixo e se vira para me encarar.
— Não pense você que não reparei no seu “constrangimento” ao me
contar dos beijos que você e Dylan trocaram na piscina. Sei que
você não está se resguardando ou nada do tipo, mas pode ser legal
dar uma chance, de verdade, sabe? Não seria de todo ruim se
divertir um pouco.
— Eu sei. Tenho pensando nisso. É que eu sempre fui muito
retraída no colégio, não é como se todos os meus amigos fossem
descolados e saíssem se pegando o tempo todo. Isso aí era função
do Colin — pontuo.
— Isso só me prova mais uma vez que você estava no grupo errado
e que eu sou a adesão que faltava na sua vida. — Kath dá um
sorriso gentil.
— Quanto a isso eu não tenho dúvidas — afirmo e ela aperta minha
mão de forma gentil. — De qualquer forma, eu até estava
começando a considerar essa possibilidade, mas devo ter perdido a
chance com o único cara que demonstrou interesse — reviro os
olhos e volto a sentir vergonha novamente.
— Primeiro de tudo, ele não é o único cara que demonstrou
interesse, mas sim, o cara por quem você também teve interesse
mútuo. Segundo que isso é besteira, vai por mim, Dylan não deve
mais se lembrar da festa. Os play-offs começam essa semana, ele
deve estar com a cabeça no esporte.
— Desde quando você decorou o calendário dos jogos de futebol?
— Questiono minha amiga cruzando os braços sobre o peito e
segurando a risada.
— Quando os caras mais bonitos da faculdade estão no time, você
meio que se vê obrigada a entender sobre o cronograma dos
jogos... — Kath dá de ombros e continua. —  Agora, voltando ao
assunto, esquece isso e bola pra frente, Em. Tem mais quatro anos
de faculdade para você passar vergonha —  ela se levanta e
estende a mão para mim.
— Outro ponto do seu discurso motivacional que não deu muito
certo. Talvez seja melhor mudar sua palestra — afirmo enquanto
tomo sua mão e me levanto também, me abaixando em seguida
para recolher minha bolsa e livros.
— Essa frase faz parte do discurso conformista. No sentido de
“saiba que essa não será a primeira e única vez que você vai se
sentir envergonhada na faculdade”. Tem muitas outras situações
constrangedoras para acontecer, amiga. Meu repertório de
discursos é vasto, não me subestime.
Começo a rir novamente e, juntas, caminhamos abraçadas em
direção a uma das muitas lanchonetes da faculdade.

Kath tinha uma monitoria logo depois do almoço, nos separamos


próximas a biblioteca e, neste momento, estou olhando atentamente
para as estantes a minha frente, a quantidade de títulos, edições
atualizadas e antigas dos mesmos livros é algo que me fascina.
Procuro sempre aqueles que estão em melhor estado, começo a
folhear ali mesmo e algumas olhadas no sumário e páginas
brevemente lidas, encontro o que estou procurando para fazer um
resumo sobre Webber, um jurista e sociólogo importante para a
sociologia moderna.
Continuo a ler o livro enquanto caminho e como em uma cena mal
projetada de filme, bato de frente com um corpo.
— Desculpa, eu estava...
Não sou capaz de completar a frase porque, assim como nas
comédias românticas, a pessoa em quem esbarrei é o cara que
tenho evitado encontrar, mas que tem todos os meus pensamentos
direcionados.
Dylan Porter.
— Por que não me surpreende encontrar você aqui? — A voz de
Dylan é baixa e soa aveludada. E céus, ele está lindo.
— Ei, Dylan. Como vai?
— Estou melhor agora — comenta ele e sinto meu rosto corar. —
Faz tempo que não nos vemos, por onde você esteve?
— Estudando, lendo algumas coisas, evitando bebidas, sabe como
é. — Dou de ombros, porque de qualquer forma, a última vez que
nos vimos foi na festa, ela seria assunto uma hora ou outra.
— Porque tenho a impressão de que você está falando isso com
certa vergonha? — Ele apoia o corpo em uma das estantes de
forma despojada e se torna impossível não babar um pouco mais
por ele.
— Meio óbvio, não é? — Pergunto não esperando sua resposta —
Não gosto muito de ser o centro das atenções e situações como
aquela não são a melhor forma de me manter discreta.
— Bom, o que eu posso te dizer é que isso é bobeira. — Ele afasta
uma mecha do meu cabelo para trás da orelha e fico constrangida
por sentir um simples toque como esse me arrepiar. — Fiquei
preocupado com você, eu estava indo te ajudar, mas o Colin
apareceu como um furacão...
Dylan continua se explicando e fico irritada por pensar que Colin foi
o pivô que me impediu de ser carregada pelos braços fortes de
Dylan. Divago um pouco ao pensar que é injusto me sentir assim, já
que Colin foi muito gentil comigo, e volto a prestar atenção ao que o
rapaz à minha frente fala.
— Minha cabeça está bem, nenhum dano. Quem não pode dizer o
mesmo é a minha moral.
— Deixa disso, Emma, você é uma garota incrível e linda demais
para se importar com isso.
Dylan sorri e me contagia. Estou olhando para seus olhos e algo na
atmosfera muda, sinto isso muito forte e só aumenta quando ele se
aproxima ainda mais de mim.
— Além do mais, sabe do que mais lembro no sábado? — Pergunta,
baixando a cabeça para me olhar — Do nosso beijo.
O ar falta em meus pulmões, me sinto quente e sei que não é o
ambiente, porque o ar condicionado da biblioteca é forte. Em
questão de segundos, penso nos conselhos da minha mãe e de
Kath, e reflito rapidamente a respeito de ser mais ousada.
Não no sentido de dançar em cima de uma bancada na cozinha,
mas no sentido de me divertir de verdade. E isso inclui dizer ao cara
à minha frente que, se ele se lembra do nosso beijo, eu também
revivi esse momento várias vezes na minha cabeça.
— Pensei muito no nosso beijo também — murmuro baixo e seguro
o livro com força entre as mãos.
Dylan passa a pontinha da língua por entre os lábios e percebo que
ele estuda meu rosto, um sorriso diferente dança em seus lábios e
ele se aproxima ainda mais de mim.
— Você confia em mim? — questiona e não entendo direito seu
ponto, mas de todo modo assinto — Então vem comigo.
Ele estende a mão e eu a pego decidida. Rapidamente, ele retira o
livro da minha mão direita e eu começo a falar.
— Preciso desse volume.
— Não agora — ele pisca e eu entendo na hora.
Dylan vai me puxando por entre as estantes e a ansiedade cresce
dentro de mim, sei que o vai acontecer, não sou tão tola assim, e
isso faz com que um pensamento se passe em minha cabeça: se eu
tivesse parado de me esconder antes, já teria beijado ele mais
vezes?
Ele para em um corredor deserto, em que estive poucas vezes e
olha para os lados, pisca para mim e me puxa para perto do seu
corpo.
— Por que viver de memórias quando podemos concretizá-las? —
Sussurra e, um segundo depois, seus lábios estão colados aos
meus.
Beijar Dylan é bom e quando sua língua pede passagem entre meus
lábios, parte de mim entende as atitudes da Emma bêbada, porque
o beijo dele é bom. Deixo que ele enrosque seus dedos em meus
cabelos e me deleito com a sensação de seu corpo junto ao meu.
Posso não ter vivido todas as experiências, mas isso nunca me
impediu de me divertir sozinha, e a forma como Dylan me toca
nesse momento deixa completamente superficiais as fantasias que
tives. Ele suga minha língua e meu corpo reage com um gemido
escapando dos meus lábios.
— Acho que precisamos fazer menos barulho. — murmura com os
lábios levemente encostados nos meus e eu sorrio, ainda de olhos
fechados.
Quando abro os mesmos, as íris castanhas de Dylan me observam
de forma atenta.
— Vá ao jogo na sexta-feira. — Sua voz sai com um tom de pedido.
— Vai ser legal ter você torcendo por mim e depois teremos uma
festa, podemos ir juntos.
— Vou pensar a respeito. — Respondo, me fazendo um pouco de
difícil.
— Anda, vamos! Depois prometo que te chamo para um encontro
de verdade.
A palavra “encontro” faz com que meu estômago dê uma série de
cambalhotas. Sorrio solto e vejo satisfação no olhar de Dylan.
— Tudo bem. — Respondo tentando não soar tão empolgada.
— Ótimo — sussurra e, em seguida, beija meus lábios novamente.
E, por mais alguns minutos, eu, Emma Kim, quebro meu próprio
protocolo de fazer com que bibliotecas sejam lugares sagrados de
estudo e leitura. Nesta tarde, a biblioteca se torna um lugar de tesão
e desejo acumulado, e não me arrependo nem um pouco disso.

Dylan e eu nos beijamos mais um pouco e, depois de quase sermos


pegos, desisto da ideia de continuar estudando e saio junto com ele
para fora da biblioteca. Penso que vamos andar juntos até nossas
casas, mas ele recebe uma mensagem e rapidamente se despede,
alegando que irá encontrar alguns colegas.
Ele reforça o convite para o jogo, eu afirmo que irei e, assim, nos
despedimos. Prossigo meu caminho em direção à sororidade e,
distraída, só reparo em algumas das moradoras da minha casa
sentadas na grama quando chego, de fato, à entrada.
— Ei, Emma. — Ashley é a primeira a me saudar e em seguida,
Jade, Madison e Phoebe acenam sorridentes para mim.
— Oi, gente. O que estão fazendo? — Pergunto, removendo os
fones de ouvido e olhando para a direção que detém a atenção das
minhas colegas.
E não leva mais do que um segundo para que eu entenda o motivo.
A fraternidade de Colin está com todos os carros dos moradores
estacionados na rua e boa parte dos caras está ali, fazendo uma
espécie de lava-rápido ao ar livre. Uma cena como essa poderia ser
protagonizada por garotas de biquíni e shorts curtos, enquanto
garotos ficariam encarando seus corpos.
Entretanto, a cena é o completo oposto. Minhas amigas assistem
aos garotos lavarem os carros e não consigo conter a risada.
— Sente-se com a gente e aprecie a vista, Em. — Phoebe bate na
toalha ao seu lado. Dou de ombros e aceito a sugestão.
— Eu disse para elas que estamos objetificando os caras, mas
ninguém me deu ouvidos — justifica Jade.
— Eu chamo isso de reparação histórica — enfatiza Ashley
enquanto leva sua garrafa de água até os lábios e não consigo
conter a risada.
— Que graça tem se todos eles estão de camiseta? — Brinco e
Madison, que até o momento está em silêncio e olhando fixamente
na direção da fraternidade, me responde.
— Nem todos...
Ao dizer isso, olho novamente para frente e vejo ninguém menos do
que Colin segurando dois baldes com espuma vindo na direção de
sua caminhonete.
Ele é o único sem camisa. É óbvio.
Todavia, sinto meu corpo inteiro vibrar e reagir ao olhá-lo, essa não
é a primeira vez que isso acontece e um conflito interno trava-se em
minha mente. Vi Colin incontáveis vezes sem camiseta, mas nunca
reparei tanto nele como nos últimos tempos.
— Ele é, com toda a certeza, o cara mais bonito da fraternidade —
pontua Madison.
— Olhar é bom, mas tocar... — comenta Ashley dando um breve
suspiro.
— Vocês ainda estão ficando? — A pergunta escapa dos meus
lábios e me assusta. Nunca me importei com quem Colin ficava,
mas neste momento, sinto uma curiosidade imensa me consumir.
— Não, já fiz o que queria, tenho outros alvos em mente.
A resposta dela gera em mim uma sensação de calma e muitas
risadas minhas e das minhas colegas. Entretanto, o alívio que sinto
ao ouvir suas palavras me gera ainda mais confusão em meus
sentimentos. Desde quando passei a sentir coisas assim a respeito
de Colin?
— E você, Emma — Jade chama minha atenção. — Vi você
beijando Dylan na festa da piscina...
As garotas olham atentas para mim e sinto minhas bochechas
corarem.
— É, nós meio que vamos sair na sexta... Ele me chamou para ir ao
jogo.
— Como se alguém em sã consciência fosse perder a primeira
partida deles — comenta Phoebe com ironia. — Quero dizer, é o
esporte principal da faculdade e são os caras mais bonitos do
campus.
— Só homens bonitos para me fazer assistir futebol — Jade
comenta e voltamos a rir.
Fico ali com elas mais algum tempo e vejo quando Colin olha em
nossa direção, ele tem uma esponja nas mãos e esfrega a porta do
motorista agachado, ele sorri em nossa direção e acena. Nós todas
acenamos de volta, mas sinto os olhos dele ficarem um pouco mais
presos aos meus. E um arrepio percorre meu corpo. E não entendo
porque isso acontece.
Confusa com as sensações que meu corpo está tendo e incapaz de
evitar correr os olhos pelo corpo de Colin, me despeço das minhas
colegas e entro na casa indo em direção ao meu quarto. O banheiro
está ocupado e decido me distrair de alguma forma. Mexo em
minhas redes sociais, mas nada chama minha atenção.
Decido que talvez não seja de todo ruim matar saudades um pouco
da minha rotina de casa e envio uma mensagem para meu irmão
perguntando se ele está jogando Battle of Bastards. Recentemente,
jogamos uma partida juntos e deu certo, ele foi ótimo em me dar
suporte. Sua mensagem chega em segundos e sorrio ao ver que ele
está online no jogo.
Ligo meu computador e ele decide atualizar bem agora. Aviso Kyle
que vou demorar para entrar e, enquanto espero a atualização, olho
para minha escrivaninha e vejo o caderno que minha mãe me deu.
Falei com ela hoje pela manhã e me diverti com suas histórias
malucas sobre ajudar um amigo a selecionar alguns jovens talentos
para uma peça em Nova York. Em momentos como esse, em que as
saudades de casa falam mais alto, pego seu caderno. Ainda que
não leia novas páginas, folheio as que já li para me sentir ainda
mais próxima dela.
Minha mãe comentou que eu deveria guardar as páginas para
momentos em que fosse viver uma nova experiência na faculdade.
Na sexta-feira, terei um quase primeiro encontro, o que se classifica
como algo novo. Como não tenho nada a perder, abro o caderno na
parte em que parei e sorrio ao adentrar mais um pouco nas
memórias da minha mãe.
Capítulo 10

Emma, querida.
Às vezes, eu sinto que você virá até este caderno, por vezes, em
busca de respostas sábias sobre estudo, notas baixas ou sobre
como lidar com um trabalho em grupo onde ninguém está disposto a
ajudar. E, vai por mim, eu tenho conselhos para dar a você a
respeito disso.
Posso ter sido uma garota mais descolada, festeira e ter esse meu
jeito extrovertido, mas sempre amei estudar e tenho orgulho de ter
me formado em arte cênicas com um boletim de dar inveja em
qualquer universitário.
Mas, apesar de ter conselhos para dar a você a respeito desses
tópicos, também sinto que você detém muito mais respostas sobre
esses dilemas do que eu. Sei que a faculdade nos faz questionar
sobre nosso potencial, mas não deixe isso te abalar, você é incrível.
Sei disso desde que você era pequena. Conforme você foi
crescendo, seu pai e eu percebemos que você era muito mais
centrada do que nós dois juntos. Enquanto nós apostávamos sobre
qual seria o tipo de bilhete que receberíamos de professoras e
professores, relatando algo que você fez de errado na escola, você
nos enchia de boletins com notas azuis e elogios a sua disciplina
nos estudos.
Claro que, por conta da sua ascendência, tive que repreender
alguns comentários ruins ao longo da sua vida escolar, a respeito de
já esperarem de você esse tipo de comportamento mais regrado
pelo fato de “você ser oriental”.
É, eu imagino que você esteja revirando os olhos agora enquanto lê
essas palavras porque sabe exatamente sobre o que estou falando.
O racismo enraizado, não é mesmo? 
Você é assim porque quer ser assim, e não por qualquer outro
motivo. Você nunca teve problemas em ter disciplina em tudo que se
propunha a fazer, fosse estudar, tentar aprender algum instrumento
musical (mesmo que não tenha dado muito certo), atividade física,
ou qualquer outra coisa. Tudo o que te desperte interesse, tem cem
por cento sua dedicação.
Então, se você estiver com dificuldades em alguma matéria e veio
até este caderno buscar respostas, continue a fazer o que sempre
fez. Continue estudando e dando seu melhor, seu pai e eu
confiamos em você de olhos fechados para isso.
Ainda assim, se precisar, me ligue e nós conversaremos a respeito.
O que quero dizer é que sinto que esse caderno precisa muito mais
ser seu guia para interações sociais do que outra coisa. Sei que
quando falamos de interação social, estamos falando também de
amizades, mas eu tenho para mim que esse não será um problema
para você.
A faculdade é um lugar ótimo para fazer amigos e estou baseando
essa suposição única e exclusivamente na minha experiência
pessoal. Tenho para mim, filha, que você vai encontrar sua Heather,
assim como eu, ou seu Nash, assim como seu pai. Aquele tipo de
amizade que vai ser seu alicerce para tudo.
E é claro que também estou falando de relações amorosas. Ainda
que você já tenha me contado por cima sobre alguns casos e beijos,
eu também sinto que será na faculdade que suas experiências
começarão de fato. E, dado toda a minha história, sinto que talvez
seja a hora de começar a falar sobre duas pessoas que você
conhece bem: seu pai e eu.
E falar do seu pai e não falar da faculdade é quase impossível.
Então, talvez seja a hora de imergir você mais a fundo na nossa
história que, por consequência, também é o começo da sua.
Existe uma coisa que eu só fui contar para o seu pai depois de
muito tempo juntos, mas que acho importante te falar porque
acredito que possa ajudar de alguma forma. Steve e eu só fomos
nos relacionar de fato em nosso último ano na Universidade de
Washington, e para muitas pessoas, é como se nós tivéssemos nos
conhecido só ali, quando sua tia morou com seu pai e o tio Nash na
mesma casa.
Mas a verdade é que eu conheci seu pai logo no primeiro ano de
faculdade.
Eu estava aprendendo a ser uma universitária, lidando com a vida
acadêmica e social ao mesmo tempo, e apesar de estar me saindo
bem, eu era muito mais parecida com você do que sua tia Heather
conta.
No primeiro ano, principalmente, eu era a garota que andava
sempre com um livro enfiado no rosto, focada em aprender mais
sobre o teatro, técnicas de encenação e sobre como me tornar uma
artista completa.
Eu me lembro com clareza do momento.
Era o horário de intervalo entre o primeiro período da manhã e os
corredores estavam lotados, eu tinha acabado de sair de uma aula
sobre introdução ao teatro e estava organizando meus textos na
minha bolsa, e então, alguém esbarrou em mim.
É, eu sei. Parece mentira, mas foi só o destino, Emma.
Seu pai derrubou os papéis que eu segurava, eu me abaixei para
recolher meus pertences e ele fez o mesmo.
— Não acho que seja certo fazer isso.
A voz do seu pai soou alta e eu levantei a cabeça para olhá-lo.
— O que disse?
E quando ele ergueu o rosto para me olhar,  apontou para os fones
de ouvido e eu entendi que ele estava em uma ligação. O
movimento foi rápido: ele me ajudou a recolher os papéis, se
levantou e me olhou brevemente com aqueles olhos azuis e
murmurou um “desculpe”, me deixando sozinha no corredor.
Lembro que fiquei alguns instantes parada absorvendo a beleza
dele e os lindos olhos azuis. Me lembro que, na época, não
demorou muito para que eu descobrisse quem ele era. Seu pai tenta
esconder de você e do seu irmão as coisas que fazia no passado,
mas você já é grande o suficiente para saber que ele era um
pegador de mão cheia.
E vai por mim, Emma, você vai conhecer muitos caras assim. E sei
que eu devia falar para você ficar longe deles. E de verdade, se
puder ficar longe, não hesite. Mas uma vez, quando sua tia Heather
estava pirando por conta do seu tio, eu disse a ela uma frase que,
esses dias, ela me lembrou e perguntou se eu já havia partilhado
com você.
Então, aqui está um conselho sábio meu, segundo sua tia.
“Todo mundo tem um bad boy ao longo da vida, querida”. Seu tio
Nash era um e seu pai também, os dois eram sinônimo de problema
quando mais novos, mas no final das contas, eram ótimas pessoas.
Significa que todos são assim? Não. Então, como evitar quebrar a
cara? Se arriscando, Emma.
Sei que você deve estar se perguntando porque tenho falado tanto
isso, porque a maioria das coisas que escrevo neste caderno dizem
respeito a amor, a se permitir, a viver.
É que tenho o pressentimento de que você vai viver muitas
aventuras nesse âmbito. E não posso simplesmente achar que suas
experiências serão todas boas.
Não, Emma. Você vai quebrar a cara, não só uma vez, como mais
de uma.
Mas é importante que você não desista, filha. Não desista de um
trabalho porque ele está difícil, ou de um texto complexo. Não
desista de fazer novas amizades, não desista de dar uma chance
para o amor. Se permitir também é deixar que coisas não tão boas
aconteçam para que você possa adquirir experiência.
Capítulo 11

Deposito a mochila no armário e um pouco mais devagar do que o


habitual, começo a arrumar meus equipamentos e separar minhas
roupas. É meu primeiro jogo pela faculdade e estou nervoso. Tenho
confiança no meu talento, mas nem sempre foi assim. Eu já duvidei
muito de mim mesmo e isso desde criança.
Quando eu ainda era pequeno e jogava futebol americano no
orfanato, os comentários dos garotos maiores sempre me
intimidavam, eu não acreditava no meu potencial, eu não me sentia
capaz, eu achava que não podia sonhar. Foi minha mãe e meu pai
que, desde aquela primeira tarde juntos, quando nos conhecemos,
que me mostraram que eu podia ser o que eu quisesse.
Ainda assim, anos depois, aqui estou eu, ansioso e tentando
controlar meus ânimos antes de uma partida. Além disso, não vou
jogar contra times de escola, onde eu conhecia muitos dos
jogadores, onde alguns deles nem eram tão bons, mas faziam parte
do time titular. Vou jogar com os melhores jogadores de cada
escola, são vários destaques reunidos dentro de um mesmo time.
Isso me assusta.
Começo a vestir minhas peças, pego o esparadrapo e corto
pedaços para enfaixar a ponta dos dedos, vou vestir luvas, mas
gosto de aplicar pelo excesso. O vestiário não está tão barulhento,
mas sinto a tensão entre meus colegas de time. Os play-offs não
são de fato um campeonato, mas não deixam de ser importantes,
são eles que nos selecionam para jogar o campeonato de fato.
Esse é nosso primeiro jogo, é importante ganharmos para que
possamos mostrar a que viemos, mas se perdermos, não é o fim do
mundo, ainda não temos o que temer.
Repito essa frase para mim mesmo para tentar internalizar, mas a
verdade é que quero ganhar, quero vencer esse primeiro jogo para
já começar bem minha performance na faculdade.
Continuo atento aos meus movimentos, tentando entrar na minha
bolha pessoal, mas ouço uma conversa na fileira de trás do meu
armário e um nome que conheço, vindo de alguém que também
conheço.
— Me lembre o motivo do porquê você está se esforçando por uma
garota como Emma. — é Alex, um calouro que entrou junto comigo
e Dylan.
— Digamos que gosto de pequenos desafios e ela me parece um
dos bons. E ela beija bem de todo modo, então não é como se eu
estivesse perdendo meu tempo.
— Boa sorte para aguentar suas bolas ficando roxas. Uma fila de
garotas implorando para transar e você prefere perder tempo com
uma que nem ao menos vai deixar você pegar nos peitos.
Paro o que estou fazendo para me concentrar ainda mais no que
estão falando, a falta de insensibilidade e a facilidade para soar
como um verdadeiro idiota me impressiona. Nós, homens, somos
babacas por natureza muitas vezes, mas aprendi desde cedo a
tratar as pessoas com gentileza e respeito. E esse diálogo está
passando bem longe desse padrão.
Sinto como se tivesse regredido algumas boas décadas ouvindo a
conversa entre os dois. Ouço-os falar mais baixo, tento me
concentrar nas palavras, mas meu telefone toca e mesmo que ainda
queira saber o que estão falando, sorrio ao olhar o nome no visor.
Minha mãe.
— Oi, meu amor. — me saúda com a voz cheia de carinho e quase
posso sentir seus braços me envolvendo em um abraço.
— Ei, mãe. Como você está?
— Triste por não estar aí, mas acompanhando em tempo real toda a
movimentação de vocês.
— Ainda falta uma hora para o jogo, mãe. E não precisa ficar triste
por não estar aqui, são só os play-offs.
— Você considera “só play-offs”? Ou seu coração, como eu bem
conheço, está batendo acelerado pelo medo da estreia?
Dou uma risada sem graça no telefone e minha mãe retribui, me
sento no banco próximo a mim para continuar a conversar com ela.
— Você sabe que estou um pouco nervoso, mas preciso me
acalmar de alguma forma, então…
— Quer um conselho? — pergunta de forma doce.
— Todos que você tiver para oferecer. — respondo sincero.
— Jogue com o coração, como se fosse apenas uma disputa no
quintal de casa contra mim e o seu pai.
— E o conselho de verdade? Porque esse é seu conselho de mãe,
mas eu quero o conselho da jogadora que tem duas medalhas
olímpicas em casa.
Minha mãe dá uma risada sem graça, mostrando mais uma vez um
dos lados que mais amo nela. Sua humildade. Quando me adotou,
ela já havia conquistado sua primeira medalha, mas nunca saiu
contando vantagem, ela sempre foi uma pessoa discreta e
enfatizava para quem precisasse que devia muito às minhas avós e
ao apoio de todos os treinadores e treinadoras que passaram por
sua vida.
Tenho um orgulho imenso dela, uma admiração que não cabe em
mim e um amor que transborda de todos os lados. Podemos estar a
pouco mais de duas horas de distância, considerando que ela está
em nossa casa, mas sinto como se ela estivesse ao meu lado.
— Bom, como jogadora o que posso te dizer é: respire. Se
concentre nas jogadas ensaiadas e deixe todos os problemas fora
do campo. Agora é você, seu time e a bola, nada mais importa.  E
você vai se sair bem, filho.
— Você é a melhor mãe do mundo, já disse isso?
— Algumas vezes, mas tente convencer Freddie disso, ele decidiu
me odiar hoje porque o proibi de ficar no computador até tarde.
Dou risada ao pensar no meu irmão mais novo e faço um lembrete
mental que preciso ligar para ele logo, faz tempo que não converso
com Fred e sinto sua falta. Meu irmão é bem mais novo que eu,
minha mãe o teve quando já estava perto de aposentar as chuteiras
e, diferente de mim, ele não tem nenhum interesse por esportes.
Fred também odeia lição de casa, e minha mãe adora brincar que, o
trabalho que não teve comigo, com certeza será suprido por ele.
Mas Freddie é novo e nós o amamos de todo o coração.
Continuo a conversar um pouco com ela e não demora muito para
que a ligação se torne tripla com a chegada do meu pai. Os dois
continuam a me distrair e me acalmar e quando ouço uma
movimentação maior no vestiário, me despeço deles e jogo o
telefone na mala. Como bem disse Heather Cooper, agora somos
eu, meu time e a bola. Nada mais importa.

A adrenalina no campo é insana e a torcida gritando faz com que o


fôlego para dar meu melhor seja ainda maior. Estamos jogando
contra o time da Universidade da Geórgia e estamos em vantagem.
A dez jardas da zona de touchdown, Travis, nosso quarterback,
juntamente com o nosso treinador, chama a jogada seis, uma das
muitas que ensaiamos nos treinos.
A ideia é que eu corra as dez jardas para marcar o ponto, não
parece algo difícil para quem vê de fora, mas por estarmos nos
momentos finais do jogo e muito próximos da zona de touchdown,
isso vai exigir bastante do time e de mim.
Me concentro, ignorando todos os sons a minha volta e quando a
jogada começa saio em disparada para receber a bola na zona e
marcar o ponto. Me viro para ver Travis lançar a bola com
velocidade para mim e a pego com firmeza entre os dedos, corro
ainda mais rápido e suspiro aliviado ao marcar o ponto e garantir a
vitória no meu primeiro jogo na liga universitária.
A torcida continua a gritar enquanto entramos no vestiário e a
comemoração está garantida na festa que vai acontecer em uma
das fraternidades da nossa rua. Me divirto com meus colegas de
time enquanto falamos sobre o jogo nos chuveiros.
Johnny não jogou essa noite, mas ele está feliz assim como o time
todo e se aproxima de mim rapidamente depois de se trocar.
— Você é foda, cara! Essa última recepção foi incrível.
— Valeu, cara. Logo estaremos jogando juntos em campo. —
comento com certo pesar porque sei que ele não vê a hora de
assumir sua posição.
— Deixa essa melosidade toda para as garotas que vão cair
matando em cima de você hoje.
Sorrio com sua fala e borrifando um pouco do meu perfume, penteio
os cabelos com os dedos e coloco os fios para trás. Recolho meus
pertences e caminho junto do meu amigo para fora dos vestiários.
Jogamos em casa hoje, mas o campo fica bem longe de onde moro
e depois do jogo, estou cansado demais para ter que voltar a pé
para casa, então, Johnny me acompanha até meu carro e vamos
juntos para o outro lado do campus.
A rua está agitada e o som é alto, há outras casas também fazendo
suas confraternizações e eu rapidamente estaciono o carro no meu
lugar habitual e juntos, vamos em direção a outra casa grande e
imponente que será nosso destino final.
Ao entrarmos, os tapas nas costas começam e logo me vejo
saudando mais pessoas do que consigo me dar conta. O local está
lotado e a fumaça vem de todos os lados, dos cigarros eletrônicos,
convencionais e, claro, maconha.
Olho rapidamente para uma área mais central da grande sala e vejo
um grupo espalhando com maestria uma carreira. Fico longe das
drogas não só por conta do esporte, mas porque não curto nem um
pouco.
A minha história de vida não começou apenas quando conheci
meus pais, entrei no sistema de adoção porque minha mãe teve
problemas com drogas e morreu de overdose. É triste quando penso
nisso, mas anos de terapia me ajudaram e muito a entender tudo
isso.
Além disso, um amigo meu de longa data, Chad, enfrenta problemas
até hoje por conta de um irmão viciado. Não gosto de ver drogas por
perto e por isso, passo bem longe da mesa de centro da sala.
Johnny me traz de volta a realidade e envolve o braço largo em
meus ombros e caminhamos na direção do bar, ou melhor dizendo,
do local onde as bebidas estão espalhadas. Não posso beber muito,
mas me permito pegar uma cerveja e brindo com meu amigo.
— À nossa primeira vitória! —  ele ergue o copo em minha direção.
— E às muitas que virão! — retribuo e batemos os copos juntos.
Johnny se tornou um amigo incrível desde que entramos na
faculdade, ele está fazendo história, assim como a minha mãe, mas
tem certeza de que quer seguir a docência e o admiro muito por
isso.
Eu, em contrapartida, quase me vejo no mesmo dilema da minha
mãe, com a diferença de que posso seguir os passos dela ou os do
meu pai. Posso assumir os negócios da família com ele e com o tio
Steve, já que estou cursando arquitetura, mas também posso jogar
profissionalmente.
Nenhuma das opções me faria infeliz, mas, como meus pais mesmo
não cansam de dizer, estou só no primeiro ano, minha cabeça ainda
vai mudar muito, ainda tenho muito o que me descobrir aqui e, na
noite de hoje, só quero festejar.
— Ei, aquela não é a Emma, a sua amiga?
A voz de Johnny me desperta do breve devaneio e quando olho na
direção que ele aponta, o recém gole de cerveja desce pelo lado
errado. Porque, caminhando ao lado de Dylan, a garota que
conheço desde criança está completamente diferente.
Os cabelos castanhos agora estão tingidos de um loiro quase
branco e demora um tempo para que eu processe quem é ela. Por
alguns instantes, só consigo pensar no quão linda ela está e em
como ela parece diferente, de um jeito único. Tudo na sala parece
paralisado e minha atenção e foco estão totalmente nela.
— E aí, caras — Dylan para a nossa frente e estendo o braço para
que nos cumprimentemos. Eu tento me concentrar nele e desviar os
pensamentos a respeito de Emma Kim, que caminham para
direções erradas.
— Gostei do cabelo, Emma — pontua Johnny depois de saudá-la —
De onde veio a ideia?
— Minha amiga Kath estava descolorindo o dela para pintar com
algumas mexas roxas e enquanto a ajudava pensei: “por que não?”.
Então, fiz com que ela gastasse mais um pouco do pó descolorante
e da água oxigenada que tinha e pintei.
— Eu gostei! Você está incrível. — pontua Johnny e Emma sorri,
deixando a covinha em sua bochecha mais visível.
— Tia Kim e tio Steve sabem disso? — A pergunta escorre dos
meus lábios antes que me dê conta. Não sei porque a fiz, minha
cabeça está completamente confusa e estranha.
Meu coração está levemente disparado, sinto minhas mãos
suarem... É Emma Kim, a garota com quem eu cresci. Por que estou
me sentindo assim?
Antes que Emma possa responder, Dylan dá uma risada fraca e a
puxa para perto.
— Ela está na faculdade, cara, não precisa ficar pedindo permissão
para os pais a respeito de tudo.
Meus sentimentos se tornam ainda mais conturbados, por diferentes
motivos: fiz uma pergunta sem sentido para Emma, como se
estivesse tentando provocá-la e não foi o caso, eu só… Não sabia
como agir.  E isso não faz sentido.
Depois, Dylan assumiu uma postura de defensor de Emma, dando
uma resposta levemente ácida para mim. Em qualquer outro
momento, eu não ligaria, mas quando ela olha para ele com
admiração, isso me irrita ainda mais.
Emma direciona o olhar para mim e ergue as sobrancelhas de forma
sutil, dando um sorriso que parece inocente com os lábios, mas que
tem uma mensagem por trás. Como se estivesse dizendo algo como
“bem feito”, por conta da resposta que recebi.
O assunto muda quando Johnny e Dylan começam a falar sobre o
jogo, sobre a música ou algum outro assunto, mas sou incapaz de
me concentrar, porque estou irritado de uma forma que não faz
nenhum sentido. Ela realmente acha que ele a está defendendo?
Percebo neste momento que Emma está envolvida com Dylan de
verdade. Nunca presenciei isso acontecer com ela, não dessa forma
tão séria. Ainda que tenhamos estudado e convivido juntos a vida
toda, nosso círculo de amizade sempre foi diferente. Não me lembro
de presenciar Emma ficando com alguém, eu sabia das fofocas,
mas nunca dei muita importância.
Mas, agora, aqui está ela toda derretida por Dylan, e
instantaneamente lembro da conversa entre ele e Alex no vestiário,
posso não ter ouvido tudo, mas não precisa se esforçar muito pra
ver que é uma relação unilateral.
Se Emma está encantada por Dylan, ele está muito mais curtindo o
momento. Trata-a bem, fica de abraços e sorrisinhos tortos, mas me
perguntou indiretamente o quanto teria que se esforçar para transar
com ela, como se só estivesse com ela com esse intuito.
— Quer tomar alguma coisa? — Dylan pergunta para ela e só nesse
momento saio do transe de todos os pensamentos que estão
rondando minha cabeça.
— Claro. — responde Emma passando a mão nos fios loiros e os
dois se despedem com um aceno breve para Johnny e eu.
Assisto os dois se afastando de nós e dou mais um gole na minha
cerveja, fico com os olhos pregados no braço de Dylan que envolve
a cintura de Emma e essa atenção toda não passa despercebida
por meu amigo.
— O que houve? Você ficou fora de órbita do nada.
— Nada, não.
— Cara, tem alguma coisa. — Johnny me estuda e semicerra os
olhos — Por um acaso isso tem a ver com a....
— Parabéns pela vitória, gato.
A voz de Dafiny ressoa em meus ouvidos e me viro dando de cara
com seu rosto próximo ao meu. Seus cachos definidos caem por
seu rosto e ela exala cheiro de flores e mais alguma coisa. Seus
braços me envolvem em um abraço e ela deposita um beijo ousado
e molhado no canto dos meus lábios.
— Obrigada, Daf.
Me viro para procurar por Johnny, mas tem um cara próximo a ele e
os dois conversam entre si, pela proximidade deles, não vai demorar
para que estejam se beijando e fazendo mais coisas em outros
lugares.
— O que foi? — questiona Daf —  Que cara de desânimo, qual é?
Você acabou de ganhar sua primeira partida pela faculdade, deveria
estar fazendo coisas bem melhores do que beber essa cerveja ruim.
— Estou cansado, só isso, mas logo me animo. — dou um sorriso
contido, tentando afastar de uma vez os pensamentos de segundos
atrás.
— Então vem dançar comigo que você esquece o cansaço
rapidinho.
Daf começa a me puxar pela mão e sorrio, porque ela tem razão.
Não tenho nenhum motivo para estar encostado no canto de uma
parede numa festa em plena sexta-feira depois de jogo, eu deveria
estar aproveitando. E por isso, aceito de bom grado sua proposta.
Ela me leva para o centro da sala, onde as pessoas dançam
amontoadas, Daf cola nossos corpos enquanto seguro sua cintura
com meu braço. Sou mais alto do que ela e por isso, consigo inalar
seu cheiro o tempo todo, ela cola a bunda na região da minha virilha
e nossa dança logo se transforma em algo nada inocente.
Entretanto, tudo e todas as sensações caem no esquecimento
quando desvio o olhar rapidamente e flagro Dylan e Emma
escorados na parede. Ele está com as costas apoiadas e tem Emma
em seus braços, não consigo ver o rosto dela mas imagino que
esteja conversando com ele, porque Dylan tem a cabeça baixa e o
olhar voltado para ela.
Tudo parece correr bem, mas quando uma garota passa por ele
secando-o de cima a baixo, o meu colega de time retribui o olhar.
Emma não parece perceber, porque ele logo volta sua atenção para
ela e tenta se mostrar interessado no que quer que estejam
conversando. Eles trocam um selinho rápido e entendo que Emma
deve estar indo ao banheiro, já que ela vai em direção às escadas
que levam ao segundo andar.
É a brecha perfeita para que ele saia da parede e caminhe na
direção oposta, onde a garota que acabou de passar por ele foi.
A cena dura segundos, mas a confirmação vem em forma de um
sinal muito peculiar. Dylan me flagra olhando-o e pisca para mim.
Parte de mim tenta me convencer de que é só uma piscadela entre
amigos, um sinal de cumprimento entre nós.
Mas outra parte berra em meus ouvidos dizendo que essa piscadela
teve muito mais significado. É como se, em questão de segundos,
Dylan e eu compartilhássemos um segredo. Um segredo sujo,
porque tenho certeza de que ele vai aproveitar a ausência de Emma
para ir atrás da outra garota.
A piscada me faz ser cúmplice de sua atitude. E posso não ser a
pessoa favorita de Emma no mundo, mas me sinto na obrigação de
alertá-la. Os pensamentos correm desordenados por minha cabeça
e isso me deixa ainda mais confuso.
Por que ele piscou para mim? Será que realmente foi atrás da outra
garota? Será que Emma percebeu e por isso se afastou? E a mais
latente delas: por que estou me importando tanto com isso?
Todavia, ainda que não consiga colocar todos os meus
pensamentos em ordem,  aviso ao pé de ouvido de Dafiny que vou
ao banheiro e peço para que ela me espere na parte de fora. Ela
aceita e vai para o outro lado, e eu faço o caminho oposto.
Tenho que falar com Emma.
Capítulo 12

Minha avó materna, Jina, veio quando era jovem para os Estados
Unidos, seu grande sonho era viver no país que tanto ouvia falar na
TV e nos noticiários. Para uma mulher jovem sul-coreana em
meados dos anos sessenta e setenta, ela foi corajosa o suficiente
para desafiar os pais a permitirem que ela deixasse de lado a
chance de construir uma vida na Coreia do Sul, para se aventurar
em uma cultura, língua e país completamente diferentes da sua
realidade.
Admiro e respeito muito a história da minha avó, convivemos
bastante juntas e sofri muito com sua morte, assim como minha
mãe. Apesar disso, sou grata por tudo que ela me ensinou e pelo
orgulho que ela sempre teve de sua origem, de seu país.
Vovó Jina me ensinou desde ditados coreanos, crenças, um pouco
da língua e até comidas típicas — muitas das quais aprendi a amar
e outras que não gosto nem um pouco. Ela me contou também
sobre as dificuldades, as partes não tão boas assim de nascer em
um lugar completamente diferente dos Estados Unidos. Vovó era
uma mulher incrível.
E apesar de ser até certo ponto muito bem acostumada com os
hábitos culturais do ocidente, vovó tinha em certos pontos suas
limitações, como, por exemplo, não gostar nem um pouco de
tatuagens, cabelos tingidos, piercings por todo o corpo e coisas do
tipo.
Minha mãe escondeu durante anos a pequena tatuagem que tem na
região da clavícula. Chega a ser cômico, porque é algo simples e
sem nada de extraordinário, é só uma caligrafia fina escrita
“destemida”.
Nunca tive interesse em fazer mudanças corporais, tenho um furo
em cada orelha porque foi o mais próximo que cheguei de agulhas e
estou bem assim. Entretanto, ao me olhar no espelho antes de sair
de casa, eu não poderia estar mais feliz por, de certa forma,
decepcionar minha avó.
Quando Kath me mandou mensagem, na tarde de quinta-feira,
solicitando minha ajuda em casa, eu tinha certeza de que algo grave
estava acontecendo por conta do alarde. Ao chegar no seu quarto,
ela estava toda equipada com luvas, roupas velhas, duas toalhas
extras para eventuais sujeiras e pronta para uma “revolução capilar”,
nome dado por ela para o momento.
Com o cabelo castanho escuro ondulado, Kath decidiu descolorir um
pouco algumas mechas e pintá-las de roxo. No começo achei uma
maluquice completa, mas conforme seus fios ficavam claros, uma
vontade enorme me atingiu. Que mal teria afinal de contas?
Mandei uma mensagem para minha mãe perguntando o que ela
achava e recebi como resposta uma chamada de vídeo animada de
Kim Campbell querendo saber de que cor eu queria pintar.
Ela, como uma mãe normal e preocupada que é, perguntou para
Kath se ela saberia fazer direito a descoloração, questionou se eu
não queria ir em um salão para realizar o procedimento com um
profissional, mas depois de convencida, insistiu para que eu ligasse
para ela quando estivesse feito.
E então, depois de uma tarde inteira e boa parte da noite tingindo
meus cabelos, aqui estou um, em uma nova versão de mim mesma.
E que, particularmente, estou gostando e muito.
Assistir ao jogo foi bem legal, ver o time da minha faculdade ganhar
reviveu aquele espírito de torcedora que não era ativado há algum
tempo, principalmente quando ia ver tia Heather jogando nos
estádios. Trouxe aquele sentimento de fazer parte de algo e isso é
muito bom.
Mas, nenhuma sensação se comparou com o olhar de Dylan para
mim quando nos encontramos no final do jogo. Na saída dos
vestiários, ele foi um dos primeiros a deixar o complexo e pude jurar
ter sentido seu olhar queimar sobre mim. Desde então não nos
desgrudamos.
Trocamos alguns selinhos rápidos durante o caminho, nos
encontramos com Colin e seu amigo e colega de time, Johnny, e fui
aos céus e voltei ao ver Dylan me defender. Foi algo simples,
provavelmente ele nem percebeu a importância do momento, mas
colocar Colin no lugar foi incrível.
Reflito isso enquanto espero na fila do banheiro, aguardando
ansiosamente pela minha vez para que eu possa voltar para Dylan.
Quando a porta se abre, respiro aliviada e entro no banheiro me
apressando para fazer minhas necessidades. Termino tudo e
enquanto lavo as mãos, me olho no espelho, mais uma vez
satisfeita com a imagem que ele reflete, ajeito os fios loiros e sorrio
para meu reflexo.
Pronta para sair do banheiro, destranco a porta e me assusto ao dar
de cara com Colin.
— O que faz aqui? — Questiono.
— Preciso falar com você — responde, ao mesmo tempo que seu
corpo avança em minha direção, fazendo com que eu precise dar
alguns passos para trás. Ouço o baque da porta e cruzo os braços
irritada.
— O que de tão urgente e importante você precisa falar comigo,
Colin?
A luz do banheiro é fraca, mas consigo ver com clareza as
expressões dele. Ele nunca teve muita barba, mas agora, olhando
com atenção, vejo pequenos pontinhos pretos em seu maxilar.
Colin abre e fecha a boca algumas vezes e eu não consigo entender
seus gestos. Ele passa as mãos pelos fios castanhos dos cabelos e
seu bíceps contrai um pouco.  Franzo a testa enquanto ainda nos
encaramos e ele morde a parte interna da bochecha.
— Não falei sobre a tia Kim e o cabelo de propósito, foi só uma
pergunta boba. — Sua frase soa como um pedido de desculpas e
me surpreendo.
— Está tudo bem — resmungo e dou de ombros, esperando que ele
diga mais coisas, mas ele permanece calado. O silêncio se estende
por alguns segundos e bufo.  —  Era só isso? Posso ir agora? — Me
coloco mais a sua frente e vejo que Colin não se afasta para que eu
saia do banheiro.
— Tome cuidado com o Dylan.
Absorvo suas palavras, mas não as compreendo. Essa, com
certeza, é a conversa mais estranha que Colin e eu já tivemos, não
que sejamos grandes comunicadores grande parte do tempo, mas
ele parece rodar em círculos para falar e não chega em um objetivo,
o que me irrita um pouco e me confunde.
— O que isso quer dizer?
— Ele não é muito... confiável. — Consigo ver Colin escolhendo as
palavras que vai usar. — E você não é muito esperta com relação a
garotos, então... — ele fala com naturalidade e sua falta de tato me
irrita.
— Não vou ficar aqui ouvindo ofensas gratuitas suas, Sullivan —
resmungo sem paciência andando em sua direção, encurtando
nossa distância.
Quando estendo minha mão para empurrar seu corpo, sinto os
dedos firmes de Colin segurarem meu punho, não há força, eles
apenas adornam meu pulso fino. E não sei por qual motivo sinto a
pele onde ele toca formigar.
— Estou falando sério, Emma.
— E eu também, Colin — respondo com a mesma firmeza na voz
que ele usa. — O que te faz afirmar que ele não é confiável? Ele
roubou algo seu? Foi pego no antidoping ou qualquer coisa do
gênero?
— Claro que não — a voz de Colin soa irritada e ele revira os olhos,
ainda com os dedos segurando meu pulso. — Ele só não é o tipo de
cara pra você.
— Tipo de cara para mim? — Minha voz sai aguda e me surpreendo
com a raiva que se aflora em meu interior. — E desde quando você
tem alguma coisa a ver com isso? Sinceramente, Colin, me deixe
em paz — balanço o braço para que ele me solte, e quando ele o
faz, afasto seu corpo para conseguir chegar até a porta.
Mas, diferente do que imagino, sou surpreendida ao sentir as duas
mãos de Colin em minha cintura, virando meu corpo novamente
para a frente do seu e sinto quando ele nos deixa muito próximos,
escorado na porta, me encurralando no espaço pequeno do
banheiro. Suas mãos seguram a parte da minha cintura que não
está coberta pela camiseta branca que estou usando.
O contato faz meu corpo entrar em chamas e minha cabeça correr
em direções opostas, porque, ao mesmo tempo em que uma parte
de mim gosta do seu toque, é Colin, e sentir essa sensação por
conta dele, por conta de seu contato, não faz o menor sentido.
Inspiro seu cheiro e me torno muito consciente de sua presença, do
calor de seu corpo, de como... De como Colin parece diferente. De
como tenho reagido a ele de muitas formas e em diferentes
ocasiões.
Porém, ao abrir a boca novamente, ele me lembra do porquê me
irrito com ele noventa por cento do tempo. As palavras que saem de
sua boca me tiram do sério.
— Estou falando sério, Emma. Você pode achar que o conhece,
mas está se enganando. Ele não quer nada sério. — Sinto seu rosto
próximo ao meu, ainda que nossa altura seja um abismo. Preciso
curvar o pescoço para trás para conseguir olhar seus olhos
castanhos e reprimo o arrepio que percorre meu corpo ao vê-lo tão
perto de mim.
— E o que isso tem a ver, Colin? Estou conhecendo Dylan e, se
quer saber, não me lembro de ter dito em algum momento que
queria algo sério. Sabe o que eu acho? Acho que você está irritado
porque, de repente, eu faço parte da sua bolha descolada de
amigos. Agora, ao invés deles estarem me ignorando pelos
corredores, estou chamando atenção deles. — Ergo meu queixo
para mostrar que não vou baixar a guarda e vejo que nossos rostos
estão muito próximos.
Próximos demais. E, novamente, minha imaginação me trai, ao
visualizar que essa curta distância seria facilmente quebrada se
Colin encostasse seus lábios nos meus. Afasto o pensamento
estranho e volto a escutá-lo.
— Você acha que estou preocupado com status? Qual é o seu
problema? — Sinto a raiva latente em sua voz.
— Qual é o seu problema? — Repito a pergunta. — O que deu em
você para deixar de aproveitar a festa e vir me aporrinhar com suas
besteiras? Isso não é do seu feitio.
— Estou tentando te alertar, estou tentando cuidar de você, Emma
Kim, mas se você não quer ouvir, foda-se. Não é problema meu.
Suas mãos, que seguravam minha cintura até segundos atrás, se
afastam rapidamente e no mesmo instante, meu corpo parece sentir
falta do seu toque, o que não faz nenhum sentido porque só quero
sair desse banheiro logo.
— Exatamente. Eu não sou um problema seu, Colin, então, me
deixe em paz — ralho brava e abro a porta, não me dando ao luxo
de ver se ele está atrás de mim.
Caminho a passos decididos pela festa e, no andar de baixo,
começo a procurar por Dylan. Há muitas pessoas, corpos de sobra
esbarrando em mim e começo a me sentir incomodada. Não vejo
Dylan em lugar nenhum e dura instantes, mas o pensamento me
passa pela cabeça.
Será que Colin está certo?
Quero dizer, Dylan e eu não temos nada sério, mas uma parte de
mim sabe que está esperando por um encontro de verdade e
torcendo para que ele esteja sentindo a mesma química e as
mesmas reações e sensações que eu.
“E se ele estiver certo? E se Dylan estiver apenas esperando o
momento perfeito para me humilhar, ou não esteja tão envolvido
como eu?”
Continuo andando enquanto esses pensamentos me passam pela
cabeça, o procuro com os olhos, mas não presto atenção de fato
nos rostos que encaro. De repente, a festa parece muito cheia e me
sinto claustrofóbica. Só quero ir para a parte de fora e respirar um
pouco.
Atravesso as pessoas não ligando para o fato de que nem ao menos
estou pedindo licença a elas, só estou as  afastando com os braços.
Quando finalmente chego à parte do quintal, consigo respirar
melhor, a música e o falatório ainda são altos e vejo boa parte das
pessoas dentro da piscina e algumas em uma hidromassagem
pequena, que eu não fazia ideia que estava ali.
Olho ao redor para ver se encontro Kath, mas sei que é uma
tentativa em vão. Ela foi ao jogo com um cara novo que conheceu e
nós acabamos nos desencontrando, fiquei junto das garotas da
nossa sororidade mas, depois da partida, conforme havia
combinado com Dylan, esperei-o na saída do vestiário e me despedi
das minhas amigas.
Estou sozinha na festa, não tenho muito a quem recorrer. Pego o
celular do bolso da calça que estou usando, mas antes que comece
a digitar uma mensagem, sinto uma mão tocar minha cintura.
— Estava te procurando.
Olho para trás e vejo Dylan me olhar com um sorriso simpático nos
lábios e não sei por qual motivo, duvido de suas palavras.
— Estava mesmo? — Pergunto um pouco mais baixo. — Andei
quase a festa toda e não te encontrei.
— É que um colega do time me chamou pra uma partida de beer
pong e eu acabei me envolvendo com o jogo, imaginei que a fila do
banheiro estava grande por conta da sua demora e aproveitei.
Dylan parece sincero ao falar e respiro fundo ao perceber que deixei
as palavras de Colin me corromperem, estou duvidando das
intenções de Dylan. Mas, se ele não quisesse nada comigo, não
estaria me procurando.
— Ei — seu dedo levanta meu queixo para olhá-lo mais perto. —
Você está bem? Aconteceu alguma coisa?
— Não, eu só... — minha voz soa fraca, mas decido que não vou
deixar a conversa estranha que tive há pouco me abalar. — Só um
pouco cansada da festa, sabe como é, música alta, falatório.
Ele sorri e afasta uma mecha do meu cabelo e, enquanto o admiro,
percebo pelo gesto dele que estou me preocupando à toa, não há
nada que me faça desconfiar de Dylan. Não há nada de errado na
forma como ele está me tratando, estou me divertindo com ele e não
há motivos para que eu desconfie de suas atitudes.
— Quer ir para algum lugar mais tranquilo? — Sua voz é quase uma
melodia suave, mas uma pequena fagulha me diz que essa também
pode ser uma pergunta com duplo sentido.
E, sinceramente, por que não aproveitar?
— Gosto dessa ideia.
Dylan sorri junto comigo e toma minha mão direita entrelaçando
nossos dedos. Deixo-o me conduzir pelo caminho dentro de casa e
enquanto passamos pelas pessoas, meus olhos são atraídos para
um canto da cozinha e vejo Colin se agarrando com uma garota.
A hipocrisia dele faz meu sangue ferver, pouco antes ele estava me
dizendo para ficar longe de um de seus colegas de time e
fraternidade porque ele não era confiável, e lá está ele, ficando com
uma garota sem o menor pudor. Nesse momento, me dou conta do
quão idiota a conversa foi.
Detenho meu olhar por mais tempo que o necessário na cena e
lembro das mãos de Colin em minha cintura. Sinto o rosto aquecer
com a lembrança, mas balanço a cabeça para afastar todo e
qualquer pensamento. Reviro os olhos depois de olhá-lo uma última
vez e decido esquecer de uma vez suas palavras, afinal de contas,
não é problema meu.
Dylan e eu chegamos à parte de fora da casa e suas intenções
ficam ainda mais claras quando ele começa a caminhar em direção
a sua fraternidade. A realidade me atinge de uma forma
assustadora, porque apesar de já ter feito algumas coisas, nunca
cheguei de fato a ir com um cara para seu quarto.
— Dylan — chamo-o puxando sua mão de leve. — Eu preciso te
dizer uma coisa.
— O que foi? — Ele me olha atentamente, esperando pelas
palavras.
Estamos em frente à sua casa e me sinto uma tola por ser ansiosa a
ponto de pará-lo no meio da calçada para dizer a ele as palavras
mais constrangedoras na vida de uma jovem universitária.
— Eu... Eu sou...
— Eu sei — me interrompe, e um sorriso se abre em seus lábios,
enquanto um vinco se forma em minha testa. — E não quero te
forçar a nada, sério. Podemos subir e ver um filme se você quiser,
não quero que pense que estou te trazendo aqui com segundas
intenções...
“Ouviu essas palavras, Colin?”, penso internamente, mas balanço a
cabeça novamente para afastar Colin da minha mente. Nunca dei
tanta atenção para suas palavras tolas, passei boa parte ignorando
suas provocações baratas, e agora, mesmo com Dylan me
confirmando de várias formas de que não estou sendo uma idiota,
não consigo deixar a conversa do banheiro de lado. Nada do que
aconteceu entre mim e Colin naqueles curtos minutos parece ser
passível de esquecimento para mim no momento.
As palavras duras, o toque de Colin em meu pulso, na minha
cintura, a forma como seu hálito estava próximo ao meu rosto...
“O que tem de errado comigo?”, repreendo a mim mesma e fico
constrangida ao ver que Dylan está me olhando e ainda esperando
uma resposta.
— Tudo bem, não é como se eu nunca tivesse feito nada, eu... eu
só achei que seria melhor te falar para... evitar muitas expectativas.
— Emms, não vou mentir para você e dizer que expectativas não
foram criadas. Sou um cara legal, mas você é linda demais para que
minha imaginação não crie algumas... imagens — pontua com uma
piscadela e uma risada nos lábios. — Mas vamos devagar, ok? No
seu tempo.
— Ok. — Respondo e dou um sorriso doce a ele, tendo ciência de
que minhas bochechas coraram um pouco.
— Então... Vamos? — Pergunta apontando para a casa à nossa
frente.
— Vamos.
Ele me guia até a porta da frente e vamos caminhando por dentro.
Enquanto subimos as escadas, não consigo deixar de ficar surpresa
com o silêncio. Realmente, todos ali devem estar fora e
aproveitando as festas espalhadas pelo campus.
E esse é mais um motivo que me prova que as intenções de Dylan
não são ruins, ele poderia ter ficado na festa, comemorando sua
primeira vitória por mais tempo, mas não se importou e nem ao
menos hesitou sugerir virmos para cá quando disse que estava
cansada.
Ele para em frente a uma porta e a abre devagar.
— Meu quarto pode estar um pouco bagunçado, espero que não se
importe.
Adentro o espaço e olho ao redor do quarto simples, mas que tem o
cheiro do perfume de Dylan. Decido deixar de lado minha timidez e
os receios que pairavam em minha cabeça minutos antes. Decido
também deixar a Emma de cabelos loiros e confiante, que saiu de
casa animada horas atrás, ganhar força novamente.
— Sei que falamos sobre ir devagar, mas... Isso não precisa incluir
tudo.
Os lábios dele se esticam em um sorriso malicioso e sei que ele
entendeu minhas palavras. Me puxando para a cama, ele se deita
primeiro e eu o acompanho, deixando de lado o frio na barriga que
toma conta de mim por me dar conta de que essa é a primeira vez
que estou realmente me deitando na cama de um cara.
— Que bom, porque eu quero muito te beijar.
E antes que meus pensamentos ganhem força novamente, deixo o
momento me levar e aceito os lábios de Dylan junto aos meus,
dando início a um beijo lento. A blusa que escolhi usar deixa minha
barriga exposta, o que é um convite para que ele repouse uma das
mãos ali.
E apesar de ser um momento quente, ao menos para mim, quando
sua mão me toca, não sinto metade do arrepio que me percorreu
quando Colin o fez no banheiro.
“Chega de pensar nele, Emma”, reprimo minha mente e tento me
concentrar no beijo de Dylan e nas sensações que me despertam.
Ainda que vez ou outra, minha cabeça me lembre do toque de Colin
Cooper Sullivan.
Capítulo 13

Estou escrevendo essas páginas em um domingo de manhã, e


você, mais do que ninguém, sabe o quanto esse é um dos meus
momentos favoritos da semana. Você conhece a rotina: seu pai
sempre levanta cedo para correr e preparar aqueles cafés da manhã
maravilhosos para nós, com frutas frescas, café, suco, panquecas,
ovos mexidos, abacate e torradas...
Espero que ao ler essa descrição, você sinta falta de casa porque,
apesar de não saber quando você lerá isso aqui, tenho certeza que
estarei morta de saudades suas.
Estou olhando seu pai cozinhando atento ao fogão e em momentos
como esse, não consigo deixar de pensar no quanto o amo. O
quanto amo nossa família e como sou grata por tudo ter acontecido
exatamente do jeito como aconteceu.
Às vezes, quando olho para você, não consigo acreditar que seu pai
e eu fomos capazes de gerar uma pessoa tão incrível, Emma. É
difícil acreditar que você, esse ser tão lindo e perfeito saiu de dentro
de mim. Sei que sou sua mãe, mas acho que seria sua fã número
um mesmo se não fosse por esse motivo.
Palavra de escoteira. Ainda que, de escotismo, só você de fato
entenda. Já mencionei como queria que você tivesse se tornado
escoteira mesmo? É uma pena que aquele acampamento tenha
sido traumático para você. Desculpa, estou rindo da lembrança. 
Seu pai se aproximou de mim agora e depositou um beijo em meus
cabelos. Em manhãs nostálgicas como essa, não consigo deixar de
lembrar a respeito de como tudo começou. Ele e eu começamos a
nos envolver já no final da faculdade, e sei que ele não gosta de
falar muito sobre isso, com medo de que a sua visão de pai perfeito
a respeito dele seja corrompida, mas a verdade é que seu pai era
um mulherengo de primeira categoria.
Todo mundo conhecia a dupla dinâmica formada por Steve e seu tio
Nash, todo mundo mesmo. A faculdade podia ser grande, mas
ninguém precisava de descrições detalhadas dos dois para saber
quem eram. E esse foi um dos motivos pelos quais eu demorei tanto
para aceitar seu pai em minha vida, para perceber que eu gostava
muito mais dele do que gostaria.
Eu não confiava nele, essa é a verdade.
Na época, eu queria me envolver com seu pai, mas antes de
realmente dar essa chance a ele e a mim, me preparei
psicologicamente. Sabia que seria apenas uma ficada. Você já é
grande, Emma, sabe do que estou falando. Para mim, na época, o
interesse do seu pai era puramente diversão e se eu me deixasse
sentir qualquer coisa a mais por ele, seria tola.
Mas, então, o jogo virou e tudo que eu havia “planejado” caiu por
terra. Imagine o cenário: o cara popular da faculdade desenvolvendo
um interesse repentino por mim, uma atriz em ascensão.
É engraçado falar isso porque eu pensava uma coisa, não me
permitia mergulhar de cabeça na relação com seu pai, mas
aconselhava sua tia Heather a fazer o completo oposto de mim. No
final das contas, deu tudo certo para nós. Chame de destino, de
sorte ou do que quiser. 
Mas, conhecendo você como conheço, provavelmente sua
cabecinha esteja se perguntando o motivo dessas páginas. “Qual
grande ensinamento sairá dessas páginas nostálgicas dos anos de
faculdade da minha mãe?”.
Bom, há duas coisas que quero falar com você.
A primeira delas é a respeito da confiança. Sei que você confia
muito em mim e no seu pai e acredite em mim quando digo que isso
é uma das coisas que mais tenho orgulho de ter construído com
você e com seu irmão. Sempre quis que meus filhos contassem
comigo e não tivessem vergonha ou se sentissem julgados para
falar sobre qualquer assunto que fosse.
E ainda que goste dessa nossa relação próxima, eu sei que seu jeito
mais retraído faz com que confiança seja algo que você demore a
desenvolver com relação às demais pessoas. Você se resolve muito
bem consigo mesma, Emma, você é uma garota decidida, muito
correta em tudo que faz e admiro muito você por isso, por toda essa
independência.
Mas, deixar que as pessoas se aproximem de você não é algo ruim,
filha. Não há mal nenhum nisso. Claro, você não precisa falar sobre
tudo para todos a sua volta o tempo todo, sua vida não precisa ser
um livro aberto com todas as páginas preenchidas.
Mas um livro em branco não conta história.
Alguns dos muitos filósofos que você vai estudar dizem que seres
humanos são seres sociais. E relações são construídas com
confiança, querida. Por isso, não tenha medo de se abrir, de ser
verdadeira com aqueles a quem você escolher ter por perto.
Entretanto, confiança também me remete a um ditado muito comum
e que você com certeza conhece. “As aparências enganam”. E isso
pode vir de forma negativa, mas também positiva, e para isso tenho
dois exemplos.
Viu, só? Olha aqui os meus ensinamentos de mãe!
Quando eu estava no meu segundo ano de faculdade, fiz amizade
com uma garota de uma turma de práticas cênicas. Nos
aproximamos logo na primeira aula e ela me pareceu uma garota
incrível. Na época, eu e Heather já éramos amigas inseparáveis e
eu logo pensei que aquela garota também se tornaria uma amiga
para a vida.
Porém, nós passamos um trimestre inteiro estudando juntas e ela
aproveitou a confiança e lealdade que depositei nela e abusou da
minha boa vontade em ajudá-la com os trabalhos, em assinar a lista
de presença e até mesmo com textos emprestados. No final do
trimestre, ela, ainda por cima, me prejudicou em uma apresentação
na frente da classe toda.
Se você me perguntar em detalhes o que ela fez, hoje em dia eu
não sou mais capaz de contar, mas lembro que me decepcionei
muito com ela e me afastei. Quando nos encontramos em outras
turmas, nos anos seguintes, não permiti que ela se aproximasse de
mim de novo.
Esse é um exemplo negativo sobre aparências que enganam.
E em contrapartida, o exemplo positivo de confiança tem como
protagonista o seu pai. Uma pessoa que não me passava confiança
por conta do que falavam a seu respeito, por conta de toda a pose
que mantinha, mas que se tornou meu confidente, que não hesitou
em nenhum momento em me mostrar que estava disposto a tudo
por mim. 
Sei que já disse aqui muitas vezes para você se permitir, viver a vida
sem tantas regras e de fato curtir essa sua nova fase. Mas sou sua
mãe em primeiro lugar. E ainda que esteja aqui sempre disposta a te
incentivar, ajudar e pronta para te dar colo, eu não quero que você
quebre a cara.
Quando você era pequena, talvez não se lembre, mas bastava você
levar um tombo, machucar o joelho ou ficar doente, para que eu
entrasse em desespero e começasse a falar que queria te colocar
dentro da minha barriga de novo, para te proteger de todo o mal.
E não importa que você já tenha dezoito anos, eu ainda quero fazer
isso. Seja por medo de deixar você fazer uma viagem sozinha, ou
por morar numa república com mais tantas garotas, seja por um
coração partido.
Eu quero te proteger de todo o mal do mundo, Emma Kim, mas não
posso. Não posso forçar você a fazer coisas que não quer, não
posso forçar você a gostar de baesuk[2]  (por mais que ache isso um
absurdo), e não posso e nem tenho como impedir que você se
decepcione com as pessoas, ou situações, com garotos, por conta
de amizades e tantas outras coisas.
Adoraria finalizar essas palavras com um manual de instruções
sobre como evitar que você se machuque ou que confie nas
pessoas erradas, mas a verdade é só uma e você já sabe qual é.
Não existe uma fórmula para isso, só o tempo e a maturidade vão
ser capazes de te fazer discernir a respeito disso. E, para isso, você
precisa vivenciar experiências boas e também as ruins.
O que posso te dizer, Emma, é que não há mal nenhum em confiar
nas pessoas. Assim como não há mal nenhum em quebrar a cara.
As aparências podem até enganar, e ainda que saiba que as coisas
podem dar errado, tenho fé que essas palavras e seu jeito único de
ser serão suficientes para que você saiba lidar com cada uma
dessas adversidades.
Capítulo 14

Eu estudei boa parte da minha vida no mesmo colégio, que


contemplava em seu complexo grande o ensino fundamental e
também o ensino médio. Por conta disso, tanto eu quanto meus
colegas de classe, entre eles Colin, crescemos e amadurecemos
juntos.
E, apesar de haver subgrupos dentro da sala e que estes fossem
bem definidos, havia alguns assuntos que eram comuns entre todos
nós. Um deles era a formação de algum novo casal ou quem beijava
quem.
Uma vez, um dos garotos do grupo mais descolado da classe ficou
com um garoto que fazia parte do grupo de mais introvertido, por
assim dizer. Era para ser um segredo entre os dois, mas nenhum
deles soube disfarçar, estava estampado em seus rostos e em suas
ações que algo a mais havia acontecido entre eles. Um se movia, o
outro olhava e vice e versa.
Às vezes, a feição entrega muito mais do que dizer com todas as
palavras a respeito de um fato. É quase como o ditado “uma foto
vale mais que mil palavras”.
Penso nisso enquanto o professor de introdução a antropologia
passa um slide gigantesco e cheio de textos na frente da sala. Não
estou absorvendo suas palavras, faço anotações como sempre, já
que não consigo largar mão dos estudos, mas não filtro ou absorvo
o que ele está falando, porque minha cabeça está longe.
Mais precisamente na sexta-feira em que estive no quarto de Dylan.
Se eu ainda estivesse na escola, tenho certeza que todo mundo
saberia o que estou pensando ou o que vivi, porque meu rosto me
entrega. Vez ou outra, me pego sorrindo do nada, só por conta das
lembranças. E são lembranças vívidas demais, eu as sinto em meu
corpo.
Quando disse a Dylan que estava cansada da festa e ele sugeriu
que fossemos para sua casa, eu sabia que, implicitamente, havia
um convite sendo feito.
E de fato houve oportunidades.
Ao me deitar ao seu lado e deixar que seus lábios tocassem os
meus, eu queria. Ainda agora, quando me lembro de suas mãos
caminhando lentamente por meu corpo e cada vez em que ele pedia
permissão para tocar um local novo, penso comigo que deveria ter
deixado acontecer.
Eu quero, eu realmente quero e muito. Mas alguma coisa em mim
ainda me impede, eu ainda me sinto receosa para transar. Não há
nada concreto que me prenda, eu só não sinto ainda que é o
momento, parece que falta alguma coisa e não sei dizer o que é.
Talvez seja confiança, assim como li nas páginas do caderno da
minha mãe recentemente. Às vezes, quando leio suas anotações,
parece que nada faz sentido com a minha realidade, e então, do
nada, eles se tornam ótimos conselhos. Deve ser algum tipo de
poder que as mães têm de prever situações antes mesmo que estas
aconteçam.
Mas apesar de não ter feito nada por vias de fato, Dylan e eu demos
uns amassos. E ainda que eu já tenha experienciado mãos bobas
com outros garotos, dessa vez foi diferente. Nas duas vezes que
passei mais tempo ficando com algum garoto, rolaram algumas
mãos a mais, mas sempre de forma muito apressada, parecia que
nem eu e nem eles sabíamos direito o que estávamos fazendo.
Entretanto, com Dylan foi diferente. Ele parecia saber com precisão
o que fazer, de que forma me despertar frios na barriga. Ainda
agora, eu sou capaz de ouvir a voz dele sussurrando em meus
ouvidos.
— Eu quero tanto te tocar, Emma.
Levo um susto quando o professor acende as luzes, anunciando o
final da aula, fazendo com que eu me dê conta de que não faço
ideia do que foi falado nos últimos dez minutos. Vou precisar me
esforçar um pouco mais para essa matéria, mas esse é só mais um
ponto na lista de obrigações da Emma universitária.
Tenho um intervalo curto entre essa aula e a próxima e passo em
um bebedouro para encher minha garrafa de água. E, apesar de
minutos antes minha cabeça estar voltada para os momentos que
vivi com Dylan em sua cama, outro pensamento vez ou outra se
volta contra mim numa intensidade tão forte quanto as lembranças.
Já faz quase duas semanas que estive com ele, e não nos vemos
desde então.
O que, para mim, faz com que algumas hipóteses se levantem em
minha mente, e todas elas estão diretamente ligadas. Para mim,
nossos amassos podem ter significado muito mais do que para ele,
não porque Dylan não gosta da minha companhia ou por ter sido
ruim.
Seu corpo mostrou de todas as formas que ele estava aproveitando
tanto quanto eu, mas sei que o que vivemos não é nada muito novo
para ele, ou que já não tenha feito.
Sei que ele é um cara atencioso comigo, mas também sei que tem
muitas outras garotas que podem oferecer muito mais a ele, que
teriam aceitado ir para seu quarto e não hesitariam em momento
algum transar com ele.
Do pouco que conheço Dylan, sei que ele se importa comigo em
algum grau e, por isso, o fato de não me procurar desde então faz
com que uma desconfiança cresça dentro de mim. Ele já não está
mais tão a fim quanto antes.
O que faz de mim uma tola por ainda estar rememorando cada
detalhe da nossa noite juntos.
Suspiro alto enquanto caminho mais um passo para o bebedouro e
sinto minha mente me colocar para baixo novamente. Minha
autoestima parece um jogo de ping-pong, indo e voltando em picos
altos e baixos desde então.
Neste momento, ela está no pico baixo, mas, trato de erguê-la com
rapidez. Sou uma garota incrível e, se alguém não é capaz de
perceber isso, é porque não me merece. A frase poderia ser muito
bem proferida por meu pai, mas sei que no fundo, apesar de ser um
conselho batido, não deixa de ser verdade.
O problema é que Dylan despertou interesse genuíno em mim e,
admitir que talvez não tenhamos mais nada, neste momento, é um
saco.
Termino de encher a garrafinha de água me dando por decidida e
disposta a esquecer esse assunto e me concentrar de verdade nas
aulas. Ficar remoendo o assunto ou analisando as possibilidades e
probabilidades dele vir falar comigo, ou de ter feito algo errado, só
vão fazer com que eu continue nessa montanha-russa de
sentimentos.
Sigo para a sala, me acomodo em uma das fileiras do meio e não
demora muito para que a professora apareça e dê início a aula. Por
hora, esqueço de Dylan Porter, seus lábios macios e sua mão
levemente áspera massageando minha barriga.
Ou ao menos tento esquecer.
A semana está chegando ao fim e Dylan é uma memória que eu já
deixei de lado, não por realmente querer, mas porque preciso. A
faculdade está exigindo muito e preciso colocar a cabeça no lugar.
Parte de mim sabe que o interesse dele acabou e procurá-lo nas
redes sociais, ou ficar ponderando se devo ou não mandar
mensagem, faz com que eu me sinta uma idiota completa.
Ele é só mais um cara que vou conhecer na vida, não é nem o
primeiro nem o último. Ele não está mais interessado e não serei eu
que vou insistir em algo que não é para ser. Estou numa das
melhores universidades do país e já deixei os estudos de lado por
tempo demais para os meus padrões.
Por isso, por mais que goste da Emma versão faculdade, que
parece descolada e que encara amassos com garotos de
fraternidade como algo quase corriqueiro, engaveto essa versão de
mim mesma e assumo minha postura de sempre. 
Estou saindo da sala de aula depois de me mostrar novamente uma
aluna exemplar por ter lido todos os textos que foram solicitados e,
enquanto ajeito meu notebook na bolsa, sinto meu telefone vibrar
em meu bolso da calça.
O visor mostra uma chamada de vídeo da única pessoa capaz de
me animar nesse mundo.
— Oi, pai.
— Pai? Que pai? — Ele simula estar procurando a sua volta e não
contenho a risada. — Você nem se lembra que eu existo... — meu
progenitor faz um biquinho dramático com os lábios enquanto seus
olhos brilham um pouco mais.
— De onde vem todo esse drama logo cedo? — Pergunto com tom
de brincadeira.
— Não é drama, só estou com saudades da minha bebê em casa —
dá de ombros e apoia o telefone em um suporte, me dando uma
visão maior de seu escritório. — Como você está, Emma Kim?
Estou com tantas saudades.
— Estou bem, pai, e também estou com muitas saudades suas. —
Dou um sorriso fraco para ele e me sento em um banco vazio
próximo às escadas.
— Conheço essa sua carinha... O que houve? — Vejo meu pai
fechar o notebook e cruzar os braços para olhar diretamente para a
tela do telefone. Para mim.
— Bobeira, nada com o que se preocupar. A faculdade é exaustiva,
muito estudo, muitas leituras...
— Isso é verdade. Sinto arrepio só de pensar em trabalhos em
grupo, por exemplo — meu pai balança o corpo como se as
lembranças o atingissem e dou risada. — Mas, cá entre nós, vamos
falar a verdade, a faculdade não é só sobre isso... E pela sua
carinha, eu diria que esse sorriso abatido não tem muito a ver com
carga de leitura. Estou certo?
Mordo o lábio inferior, tentando conter minhas expressões e apenas
assinto para o meu pai. Não preciso dizer com todas as palavras,
muito menos contar a ele que estou assim por conta de um garoto,
ele não é bobo. Steve McGlam sabe. Os pais sempre sabem.
Mas, mesmo me sentindo à vontade com meu progenitor, há certas
coisas que é mais difícil falar sobre. Kim e Steve são as pessoas
mais sinceras que conheço, mas nesse quesito, nasci um pouco
diferente deles, sou mais fechada para sentimentos, sou mais
contida quando se trata de falar de assuntos sobre os quais não
tenho domínio completo.
Me dê cinco minutos de conversa e eu vou explicar, com detalhes,
de quantas formas diferentes nós poderíamos ter cuidado do nosso
planeta anos atrás. Ou sobre o racismo contra amarelos-asiáticos.
Ou como aproveitar energias eólicas.
Agora, falar sobre meus sentimentos... As coisas mudam um pouco.
Ou muito, devo dizer.
— Você quer algum conselho do seu velho, porém descolado, pai,
ou só vamos mudar de assunto?
— Acho que podemos só mudar de assunto — afirmo com a voz
mais baixa. — Mas obrigada por se preocupar, pai. E de verdade,
está tudo bem, daqui a pouco passa.
— Eu sei disso, bebê. Você tem metade dos meus genes. Por mais
que sua mãe bata no peito para falar que te carregou por nove
meses, e eu a admire muito por isso, também conheço você como a
palma da mão. E você é mais forte do que pensa, Emma — os olhos
azuis do meu pai brilham mais um pouco e não me canso de ver
como ele sempre se emociona ao falar de mim ou de Kyle. — E se
precisar de algo, estou aqui, ok? Seja lá o que for, ou quem for que
esteja deixando você com essa carinha pra baixo, não deixe isso te
abalar.
— Combinado, pai.
Ele sorri satisfeito no vídeo e nossa conversa muda de tópico, com
ele começando a me botar a par dos assuntos de casa. Me conta de
Kyle, que não sai do computador por conta de Battle of Bastards,
fala sobre o recém teste que minha mãe fez e me conta mais
algumas coisas cotidianas que, agora, comigo longe de casa, fazem
com que eu me sinta próxima a eles.
Comento com ele sobre o jogo de futebol americano, omitindo o fato
de que fui assistir à partida não por conta de seu sobrinho favorito, e
sim, por conta de outro jogador em especial. Ele me pergunta sobre
Colin e se temos nos visto, e digo a ele que não muito, internamente
dando graças aos céus por não vê-lo desde então.
Primeiro porque não gostei do curso que nossa conversa no
banheiro tomou e muito também porque ainda não entendi as
reações do meu corpo ao nosso breve contato. E lembrar de Colin
faz com que essas mesmas sensações retornem. Mais um item na
lista de “coisas que estão incomodando Emma Kim”.
Entretenho meu pai com mais um assunto e sorrio quando tio Nash
aparece no vídeo e diz que amou meu novo visual. Por mais alguns
minutos, me divirto conversando com duas das minhas pessoas
favoritas no mundo.
Eles se despedem de mim e sigo para meus outros compromissos,
entre eles, uma reunião com um grupo que fala sobre a cultura sul-
coreana. Tenho adorado os debates que estamos promovendo e me
sinto muito acolhida pelo grupo, é nosso terceiro encontro e em
momentos como esse, não existem garotos, não existem sensações
estranhas, muito menos o sentimento de que sou tola.
Sou só eu, Emma Kim, conversando, aprendendo e debatendo
sobre as coisas que gosto, sobre o que defendo e sobre o que
acredito.

Já é final da tarde quando saio dos prédios da faculdade, depois do


encontro com o grupo, participei de uma tutoria que, apesar de
densa, rendeu e muito para tirar dúvidas. Meu punho está cansado
de tanto digitar, mas sei que foi por uma boa causa.
Kath me enviou uma mensagem me convocando para assistirmos o
episódio novo da série que estamos vendo juntas e fico feliz de já
ter um programa para a noite.
Caminho tranquilamente pelo campus e, com os fones de ouvido
alto, atravesso as ruas largas ouvindo a playlist de rock clássicos
que adoro. Estou tão absorta na melodia que mal me dou conta que
já cheguei em casa.
Entretanto, não sou capaz de disfarçar a surpresa ao me dar conta
da figura parada em frente à minha casa.
Dylan.
— Oi, Emms!
— Oi, Dylan — respondo, retirando os fones e por alguns segundos,
me sinto constrangida. Fiquei tanto tempo esperando que ele me
procurasse que, neste momento, não sei como agir.
— Desculpa o sumiço, fiquei preso com as coisas da faculdade, os
treinos do time estão pesados...
— Eu entendo, não tem problemas, Dylan. Você não me deve nada
— respondo sem parecer dura e tentando mostrar que não fiquei
pensando nisso durante quase duas semanas.
—  Na verdade, eu estou te devendo uma coisa sim... — ele coloca
as mãos nos bolso da calça e pisca seus cílios longos e escuros
para mim. — Estou te devendo um encontro de verdade.
E nesse momento, meu coração simplesmente para por alguns
segundos. E volta a bater como se meu baterista favorito estivesse
tocando com pedais duplos dentro dele.
Está acontecendo.
E meu sorriso entrega que estou levemente animada demais com a
ideia.
— Dylan...
— Amanhã, às oito. Te pego aqui, você topa?
Olho para ele e vejo um brilho animado em seu olhar, que talvez se
pareça com o meu. Assinto sem dizer nada, porque as palavras
fugiram, em questão de segundos perdi o dom da fala.
— Isso é um sim? — ele pergunta se abaixando um pouco para ficar
na altura dos meus olhos de fato e não contenho a risada ao vê-lo
dobrar os joelhos para fazer isso.
— Sim, eu topo.
— Legal! Use roupas confortáveis — se aproxima e posso jurar que
ele vai depositar um beijo em meus lábios, mas seu rosto desvia e
ele planta um beijo casto na minha bochecha esquerda. — Até
amanhã, Emms.
— Até. — Respondo, sentindo o rosto corar enquanto ele caminha
na direção oposta à fraternidade.
Acompanho suas costas largas andando pela calçada, os cabelos
castanhos levemente mais compridos agora e os jeans que pendem
um pouco para baixo. Contenho o sorriso quando o vejo virar para
mim e sorrir, deixando uma piscadinha solta em minha direção.
Me despeço dele com um aceno e, antes que Dylan entre em sua
casa, vejo seu rosto se demorar alguns segundos em algo.
Acompanho seu olhar e encontro o que detém sua atenção. Parado
em frente à sua picape está Colin e fica fácil deduzir que ele estava
nos olhando esse tempo todo.
Mesmo de longe consigo ver o vinco em sua testa e a expressão
fechada, ele parece bravo. Lembro de suas palavras na festa e a
felicidade perde seu lugar de destaque. Fico irritada com ele
novamente. Encaro Colin durante alguns segundos e percebo que
ele balança a cabeça de forma negativa, como se estivesse
tentando afastar algum pensamento.
Reprimo a vontade de ir até ele confrontá-lo e assisto-o entrar no
carro e dar partida em sua picape, uma guerra breve travada
apenas por nossos olhares.
Caminho rumo à entrada de casa ainda me sentindo irritada. Ver
Colin faz com que eu me lembre da conversa no banheiro e suas
palavras voltam com força.
“Ele não é o tipo de cara pra você”; “Ele não quer nada sério”. Se
ele não quisesse nada,  não teria me chamado para sair, penso
comigo mesma e decido que, ao invés de remoer as palavras idiotas
de Colin, é hora de seguir o conselho da minha mãe.
Não há mal nenhum em dar um voto de confiança para as pessoas.
E Dylan só tem me dado motivos para acreditar nele, tenho
permitido tanto que as palavras idiotas de Colin me envenenem que
não estou nem ao menos me permitindo vibrar por algo incrível que
acabou de acontecer.
Entro em casa e aceno brevemente para as colegas que vejo na
sala de estar e subo em direção aos quartos. O corredor é largo,
mas o quarto de Kath é uma das primeiras portas. Quando abro,
vejo minha amiga passando um pouco de máscara de argila no
rosto, já se preparando para nossa noite de séries.
Ela se vira para mim e dou um sorriso nada contido em sua direção.
— Que cara é essa, Emma Kim?
Jogo a mochila no chão e coloco as mãos na cintura, dando um
risinho nervoso por conta do que vou dizer.
— Fui chamada para um encontro.
Capítulo 15

É sexta-feira à noite, oficialmente o horário da semana feito para


curtir.  É dia de festa, de bebedeira, de beijar alguém, esconder a
mochila e os textos até, pelo menos, o domingo à tarde, e para
alguns, até a segunda-feira. É o passe-livre para o final de semana.
É o momento da semana que eu mais gosto. Todavia, só hoje, eu já
recusei dois convites para ir em festas, em parte porque estou
cansado dos treinos da semana, e também pelas cobranças da
faculdade.
O curso de arquitetura foi, disparado, a opção que mais se
assemelhava comigo quando fiz o teste vocacional. Eu tinha certeza
que iria me dar bem e que conciliar o esporte com os estudos seria
tranquilo, afinal de contas, eu passei boa parte da minha vida
dividindo meu tempo entre os dois. Mas, nos últimos dias, as
obrigações se tornaram densas. A confiança que eu tinha de que eu
iria tirar de letra, não existe mais com a mesma intensidade.
Sou bom nas matérias de exatas, mas essa semana foi maçante por
conta da quantidade de textos, leitura complementares e aulas
teóricas. O projeto em grupo para fazermos uma maquete também
tomou muito mais do meu tempo do que eu gostaria, bem que meu
pai alertou que trabalho em grupo não era nem um pouco divertido
na faculdade.
Fora isso, ficamos mais de três horas em treinos, todos os dias.
Fora o tempo na academia, nosso treinador passou uma dieta rígida
e estamos seguindo à risca. 
Recitei esses motivos todos ao longo da semana para justificar meu
desânimo, e boa parte de mim sabe que esse é o motivo por trás da
recusa dos convites para festas e diversão na noite de hoje.
Outra parte, bem mais expressiva na verdade, tenta se convencer
com todas as forças de que é esse o motivo.
Principalmente porque, se não for isso, se não for o esgotamento
pela rotina da faculdade, nada mais poderá justificar minha falta de
ânimo. Estou tão desligado do que está acontecendo à minha volta,
tão desanimado, que isso transparece até agora, nesse momento,
enquanto meus lábios estão colados com os de Dafiny.
Depois das aulas pela manhã, do treino e de mais um encontro com
o grupo que estou fazendo trabalho, enquanto ia para casa, Daf me
mandou mensagem perguntando o que eu iria fazer e se ofereceu
para vir até meu quarto. A mensagem agiu como uma faísca
reacendendo dentro de mim, meu fôlego parecia ter voltado.
Mas, ao chegar em casa e cruzar com Dylan saindo do banho, fez
com que meu ânimo se esvaísse novamente. Ainda não o recuperei,
e por mais que Dafiny esteja montada em meu colo e beijando meu
pescoço da forma como gosto, não consigo me empolgar. É quase
como se não sentisse nada.
É péssimo dizer isso, mas não estou curtindo de verdade o
momento. Minha cabeça só consegue pensar em um único assunto
há alguns dias.
E esse assunto tem cabelos loiros, olhos castanhos escuros, uma
pintinha no queixo e, nesse momento, está em um encontro com
meu colega de time e fraternidade.
— Não vai rolar hoje, não é, Colin?
Abro os olhos e encontro as íris de Dafiny me encarando com a
cabeça levemente tombando para o lado.
— Desculpa, gata — murmuro baixo enquanto ela se levanta
devagar e recolhe a camiseta que estava jogada no chão.
Passo as mãos pelo meu cabelo e não consigo evitar o suspiro
frustrado que me escapa dos lábios, não queria estar assim, não
queria que minha cabeça estivesse confusa e que todos esses
pensamentos esquisitos atrapalhassem meu momento com Dafiny.
—  Tudo bem — pontua ela, com a voz desanimada enquanto passa
a gola da camiseta pela cabeça e joga os cachos pelas costas. —
Acho que nenhum de nós está no seu melhor dia hoje.
— Quer conversar a respeito? — Questiono sincero, porque me
importo com ela. Daf é uma garota legal e é difícil vê-la pra baixo
desse jeito. Talvez, seus problemas possam afastar um pouco os
meus para longe e me distrair.
— Não sei... — ela mexe os lábios e se senta ereta. — E se
fizéssemos uma troca? — Pondera. — Podemos pedir uma pizza,
tomar uma cerveja e aí, nós contamos um para o outro o que tem
nos afligido. O que acha?
Sorrio para Dafiny, porque parece uma ótima ideia. Preciso
conversar com alguém, tinha pensado em fazer isso com Johnny,
mas ele estava atarefado com todas as atividades da faculdade,
assim como eu, e decidiu de última hora passar o final de semana
em sua casa, em Atlanta, na Geórgia.
— Marguerita pra mim, e pra você?
Dafiny sorri quando me vê pegar o celular em cima da mesa da
escrivaninha e se aproxima mais de mim para olhar os sabores
disponíveis no aplicativo.
A pizza demora um pouco para chegar, afinal de contas, é sexta-
feira e não somos os únicos a fazer um pedido. Enquanto
esperamos, desço na cozinha, indo até a geladeira para pegar uma
cerveja para mim e para ela.
Minha casa está mais tranquila, se comparada a outros dias, alguns
caras estão em seu habitual campeonato de videogame e boa parte
está fora. Daf desce ao meu encontro e nos distraímos com o jogo
na televisão até que a campainha toca e nossas pizzas chegam.
Oferecemos a alguns colegas, mas nenhum deles parece
interessado em comer.
Subimos novamente para meu quarto e sentamos no chão, próximo
a cama para comermos a pizza. Daf liga o som do meu notebook e
coloca uma seleção aleatória de músicas enquanto começamos a
comer, ainda em silêncio.
— Então... — começo a falar ainda com a boca cheia.
— Então... — responde Daf, olhando de canto de olho para mim e
dando uma risada baixa. — Quem de nós vai falar primeiro?
— Que tal primeiro as damas? — Questiono, lançando meu melhor
sorriso.
Dafiny revira os olhos, mas se dá por vencida e começa a contar
sua história. A irmã mais velha dela tem problemas com drogas e
está numa clínica de reabilitação pela segunda vez.
Sinto uma enorme compaixão por ela e por sua família, pelo que Daf
me conta, parece ser um problema que já assolou outros parentes
dela. Me sinto solidário e até mesmo empático pela situação, porque
o assunto é delicado.
Sempre que entro nesse tópico, lembro da história da minha mãe
biológica e também de Chad e seu irmão. Recentemente, ele me
ligou pedindo ajuda, isso já aconteceu algumas vezes, muito mais
do que eu gostaria, e ouvir Daf contar uma história tão parecida com
a do meu amigo me deixa ainda mais sensibilizado com ela.
Conto brevemente sobre o pouco que sei a respeito da minha mãe e
menciono um pouco sobre Chad, não entrando muito em detalhes,
porque, afinal de contas, não é uma história minha para poder ser
contada.
— Não tenho nada a dizer que possa te trazer conforto, Daf. Agora
entendo porque você fica toda receosa quando vê drogas por perto.
— Obrigada por compartilhar sua história também. Só me ouvir já é
muita coisa. — Ela sorri fraco e passa a mão em meus cabelos. —
Você é um cara legal, sabia? Beija bem, transa bem, joga bem e
ainda é um ótimo ouvinte... Você é um pacote completo, Colin —
comenta, me balançando pelos ombros e entendo que ela quer
encerrar o assunto — Mas e você, o que está pegando?
Respiro fundo, dando um sorriso fraco enquanto bagunço os fios
castanhos do cabelo mais um pouco. Dou mais um gole na cerveja,
como se ela pudesse me injetar um pouco de coragem para falar o
que estou sentindo.
— É uma grande bobeira para falar a verdade, porque o assunto já
foi resolvido — começo a falar e Daf se vira ainda mais para me
encarar, pousando o cotovelo na cama e apoiando a cabeça na
mão.
— Se tivesse sido resolvido, você não estaria no mundo da lua hoje.
Anda, me conta. Explanei o meu maior problema familiar, o mínimo
que você pode fazer é dividir suas angústias comigo.
Rimos e, me dando por vencido, começo a explicar a ela tudo,
desde o início. Falo sobre Emma, a garota com quem vivi a vida
toda junto, sobre nossa implicância desde criança, conto sobre a
relação entre nossos pais, como, tanto ela quanto eu, estivemos
sempre juntos.
E então, começo a explicar sobre Dylan e Emma e sobre a festa
depois do nosso primeiro jogo, a cena de ver Dylan dando em cima
de outra garota na cara dura e como me senti cúmplice do que quer
que estivesse acontecendo.
— Bom, ao que me parece foi uma atitude bem babaca mesmo. Por
que você não foi falar com ela a respeito disso?
— Eu fui, mas quando se trata da Emma e de mim... — respiro
fundo, dando sem querer uma pausa dramática na história. — Ela é
a pessoa mais cabeça dura que eu conheço. Sempre acha que sabe
mais sobre tudo do que todo mundo, o que significa que dar razão
para alguém que não seja ela mesma é quase impossível.
— Até aí, sejamos francos, Colin, você também é um pouco cabeça
dura — retorço o rosto numa careta, e ela continua — mas, enfim.
Se você falou com ela e não teve resultado, você devia falar com
Dylan. Vocês são colegas de casa e time, é importante que tenham
uma relação saudável.
— Aí é que está o ponto, eu falei com ele...
Conto a Daf sobre como demorei para decidir o que falaria com
Dylan e relembro cada uma das palavras usadas por nós dois.
Era quarta-feira à tarde, nós tínhamos voltado de um treino intenso
em campo e a casa estava de certa forma silenciosa, a maioria dos
caras estava em seu quarto, a não ser por alguns que estavam na
cozinha se alimentando. Entre os que estavam no cômodo, Dylan e
Alex conversavam entre si enquanto comiam um pouco de granola
com iogurte.
Eu havia passado a semana anterior tentando esquecer da fatídica
conversa com Emma e, por consequência, minha irritação com
Dylan. Mas, já haviam se passado dias suficientes e o assunto ainda
perdurava em minha cabeça, eu já estava exausto de me sentir
culpado sem nem ao menos entender direito o porquê.
Entrei na cozinha e percebi que o assunto entre Dylan e Alex logo
parou, algo não estava certo mesmo e eu precisava resolver aquele
incômodo de uma vez por todas.
— Dylan, podemos conversar?
Alex e ele trocaram um olhar ameno e meu outro colega de time deu
um tapinha no ombro de Dylan antes de passar por mim e fazer a
mesma coisa. Assim que ficamos sozinhos, me aproximei mais da
grande bancada da cozinha e me sentei em um dos bancos.
— E aí, cara, o que tá pegando?
Ponderei durante alguns segundos o que falar, e decidi que era
melhor apenas despejar as palavras, sem filtros.
— É sobre a festa de sexta-feira, depois do jogo — ele me encarou
sério enquanto terminava de mastigar. — Sei que você e a Emma
foram juntos, mas teve um momento, eu estava dançando com uma
garota e vi que, ainda que estivesse com Emma, você ficou secando
outra garota.
— Não estou entendendo, Colin.
— Cara, não quero que você me leve a mal, mas me senti de certa
forma incomodado com a forma que você agiu. Eu sei que não
somos cegos e percebemos quando uma garota nos dá atenção,
mas você estava com a Emma, sabe? Achei desrespeitoso.
— Acho que entendo o ponto... — ele pondera mordendo a parte
interna da bochecha e volta a falar. — Você está interessado nela?
Na Emma?
— Não, nem um pouco. — Pontuei rapidamente, sabendo que era
esse o motivo que havia me feito hesitar tantas vezes em ter essa
conversa. — Não tem nada disso, Emma e eu somos duas pessoas
que adoram se irritar. Somos amigos, em algum grau, mas não tem
mais nada além disso. É que, como a conheço há anos e os pais
dela são minha família, me sinto na obrigação de cuidar dela,
entende? — Justifiquei. — A Emma é uma garota mais... fechada,
por assim dizer, e só não quero que ela se magoe.
— Eu entendo, cara. E de verdade, admiro sua atitude.
Provavelmente faria a mesma coisa se fosse o contrário — ele dá
um sorriso contido e pega a tigela, agora vazia, e a deposita na pia.
— Mas, de verdade, não quero brincar com ela. De fato, olhei para a
garota, mas não fiz nada com ela. Saí com Emma naquela noite e
estive com ela, só com ela. E para falar a verdade, estava pensando
em chamá-la para um encontro de verdade.
Dylan se vira novamente para mim e suas palavras me pegam de
surpresa.
— Isso é legal — é tudo que consigo dizer.
Ele assente e muda rapidamente o tópico da conversa, o que faz
com que eu entenda que esclarecemos a questão e o assunto está
encerrado. Por mais que a questão dele cogitar chamá-la para um
encontro me incomode mais do que deveria.
— E o que ainda te incomoda? — Pergunta Daf ainda me olhando
atenta depois que termino meu relato.
— Não sei — suspiro. — Sinceramente, não sei, gata — respondo,
encostando minha cabeça na cama e fechando os olhos. — Ele
realmente a chamou para sair, vi ontem os dois conversando, mas...
Daf dá uma risada e eu abro os olhos para olhá-la, ela pega mais
uma fatia de pizza e morde, nitidamente sorrindo por algo que ainda
não entendi ou captei a graça.
— Você já considerou a possibilidade de isso ser... — ela estala a
língua no céu da boca antes de continuar — ciúmes?
— Não existe essa possibilidade — desdenho.
— Então que outra justificativa você teria para oferecer?
Abro e fecho a boca algumas vezes e percebo que não tenho
nenhuma resposta para dar a ela. Eu? Com ciúmes da Emma? Não
faz sentido algum considerar essa possibilidade. Daf nota a minha
hesitação e sorri triunfante.
— Não sei, ainda acho que é muito mais uma consideração ao tio
Steve e a tia Kim, uma forma de cuidado com ela do que qualquer
outra coisa. Por mais que Emma seja excessivamente chata
comigo, não deixaria de me preocupar com ela. Me preocuparia com
qualquer pessoa que fosse, em qualquer outra situação. Não
preciso morrer de amores por ela para me importar.
— Isso é verdade. Mas você não precisa dizer isso para mim, eu
acredito em você, agora, me diga a verdade — ela me olha
profundamente e ergue uma sobrancelha. — Você acredita em si
mesmo? Acredita de verdade que isso não seja ciúmes, em algum
grau que seja?
A pergunta me atinge em cheio, porque a verdade é que, depois
desses dias todos e de explanar tudo isso em voz alta... Não sei.
Estou confuso e preciso me distrair de alguma forma.
— Acredito — respondo com toda a convicção e confiança que
tenho dentro de mim. —  Mas, agora que já desabafamos, a gente
podia fazer algo mais empolgante e bem mais legal, o que acha? —
Dou uma piscadinha maliciosa para ela e Daf ri.
— Não vou ser seu rebote, Colin — estou prestes a perguntar o que
ela quer dizer com isso, mas Daf prossegue. — Na verdade, acho
que acabo de promover você a meu amigo.
— Com benefícios, né?
— Se com benefícios, você se refere a uma amizade incrível e
conselhos ótimos, então, sim.
Daf toca meu nariz e eu respiro levemente frustrado, gosto de sair e
de beijá-la, gosto também de transar com ela, mas acho que de
alguma forma, a história que acabei de contar a afugentou. Por mais
que passar o tempo com ela seja bom, gosto da ideia de ter sua
amizade, gosto de tê-la por perto, mesmo sem que haja segundas
intenções.
— Não acho que gosto desses tipos de termos — simulo uma cara
de nojo e ela começa a rir. — Mas, se é o jeito, o que eu posso
fazer?
Daf se levanta e me ajuda a recolher o lixo para levarmos até a
cozinha, ela passa mais um tempo comigo, dessa vez, conversando
sobre outros assuntos e algum tempo depois se despede. Pergunto
se ela não quer uma carona até sua casa, mas ela recusa e diz que
não vai se privar de uma boa caminhada para espairecer mais um
pouco.
Peço que ela me avise quando chegar em casa e ao nos
despedirmos com um abraço apertado, ouço ela sussurrar baixo em
meu ouvido.
— Agora que somos amigos, preciso te dizer que, apesar de você
negar, não seria nada ruim se você gostasse da Emma, seria
incrível ver um plot como o de vocês ganhar vida.
— Que plot? — pergunto enrugando a testa para ela.
— Um dos meus favoritos de todos os tempos: duas pessoas que
juram se detestar, mas que na verdade, se gostam intensamente.
Empurro-a pelos ombros de levinho e me despeço mais uma vez
com um abraço, vendo-a caminhar pela rua movimentada. Fecho a
porta de casa e me rendo a ideia de ver alguma série e descansar, o
dia foi longo e estou exausto.
Subo para meu quarto, arranco o moletom que estou usando e deito
na cama só de cueca. Ajeito o notebook na cama para ficar
confortável e retomo o episódio que estava assistindo
anteriormente.
Mas, por mais que eu tente, por mais que eu queira evitar pensar no
assunto, a voz de Dafiny ressoa em minha mente. “Você acredita
em si mesmo?”.
Penso a respeito da pergunta durante boa parte do tempo até de
fato cair no sono. E quando isso acontece, percebo que não sei se
tenho tanta confiança na resposta que dei a ela.
Capítulo 16

Saí com a sua tia Heather hoje. Depois dos dias malucos que tanto
eu quanto ela tivemos, cheios de obrigações e preocupações com
você e Colin, decidimos nos dar uma noite de folga.
O ano está passando rápido, sabemos que tanto você quanto Colin
estão preocupados com as aprovações e as tão sonhadas cartas
das faculdades. Claro que nem eu e nem sua tia diremos em voz
alta, mas nós também estamos preocupadas. Eu achei que havia
ficado ansiosa para receber a minha carta de aprovação, mas
esperar pela sua é bem pior.
Mas hoje, nós duas nos divertimos. Heather é minha melhor amiga e
você sabe disso, às vezes, eu até esqueço que só a conheci
durante a faculdade, parece que ela está na minha vida desde que
nasci, porque nossa conexão é espetacular. Sua bisavó acreditava
muito em conexões de outras vidas e com sua tia, às vezes, me
pego pensando que isso realmente deve existir.
Mas só estou citando tudo isso porque, hoje, rememoramos muito
os nossos anos de faculdade, relembramos a forma como nos
divertimos naquela época, as besteiras que fizemos e as coisas que
deixamos de aproveitar de alguma forma.
E então, eu cheguei em casa e seu pai me lembrou que, mais ou
menos nessa época, há alguns bons anos, ele e eu estávamos nos
conhecendo. Lembramos do nosso primeiro encontro. E apesar de
parte de mim querer muito deixar mais para frente essa memória, eu
sou uma romântica incurável, Emma. E não vejo a hora de ver você
vivenciar o seu primeiro encontro.
Sei que os filmes ainda nos bombardeiam com cenários incríveis de
primeiros encontros, cheios de surpresas e recheados de diálogos
fofos, hesitação na hora da despedida, mas a verdade é que, apesar
da vida imitar a arte ou vice-versa, não existe um primeiro encontro
perfeito.
Tenho certeza que você acha que conhece minha história e de seu
pai de cabo a rabo, mas há muitas nuances que não contei a você,
e que talvez nunca conte. Entretanto, algumas coisas eu posso
começar a revelar, como, por exemplo, o fato de que nosso primeiro
encontro só aconteceu por conta de um ronco alto de estômago.
Como eu já te contei, eu não botava muita fé no seu pai, parte de
mim nunca achou que nós pudéssemos evoluir para algo a mais.
Em contrapartida, o seu pai jura que sabia que ficaríamos juntos
para sempre no momento em que colocou os olhos azuis dele em
mim, no momento em que fomos apresentados oficialmente um ao
outro depois de um jogo de futebol na faculdade.
Seus tios já estavam um pouco envolvidos nessa época e, por
consequência, tanto eu quanto seu pai nos aproximamos. Eu queria
ficar com ele e não poupei esforços para que Steve me notasse na
dita noite em que nos beijamos pela primeira vez.
Não preciso dizer com todas as letras que, naquela noite, nós não
apenas nos beijamos, não é? Você já é grande o suficiente para
saber o que nós fizemos.
E quando eu acordei, no outro dia, deitada ao lado do seu pai, eu
tinha certeza que havia acabado. Nós tínhamos nos divertido muito,
mas ele não iria querer mais nada além disso. Lembro que fiquei
durante alguns minutos o olhando dormir e pensando que não
poderia haver homem mais bonito no mundo além dele.
Todos os caras perderam a graça para mim naquela manhã, Emma.
Eu só não admiti isso em voz alta ou mencionei o fato para seu pai.
Não naquele momento, pelo menos.
Porque eu achava que não podia me deixar sentir aquilo.
Então, ainda o olhando, afastei devagar uma mecha do cabelo dele
e levantei disposta a vestir minhas roupas e guardar aquele
momento como uma lembrança agradável da nossa noite.
Eu estava pronta para sair quando a voz grossa dele me chamou de
volta:
— Sai em um encontro comigo?
Ainda agora, ao me lembrar desse momento, um sorriso se esboça
em meus lábios. Quase duas décadas depois e eu ainda não
consigo controlar a empolgação latente que cresce em mim por
conta dessa memória e do amor que tenho pelo seu pai.
Mas, na época, eu virei incrédula para ele e ponderei suas palavras,
porque eu não era capaz de acreditar que ele estava falando sério.
— Não. — Respondi seca enquanto ainda vestia minha bota.
— Então ao menos tome um café comigo.
— Não estou com fome.
Mas a verdade era que eu estava faminta, e meu estômago fez
questão de me desmentir na cara dura, com um ronco alto que
preencheu o silêncio do quarto.
E então, seu pai riu e cruzou os braços sobre o peito, sorrindo
triunfante por saber que não haveria nenhuma outra desculpa para
fugir do seu convite.
— É só um café, amor.
E eu aceitei, rendida e disposta a dizer a mim mesma que aquela
seria a primeira e última vez, porque eu não queria me enganar, eu
não queria me iludir.
Nós tomamos café e passamos horas conversando, já naquele
primeiro dia. Fiz um esforço enorme para evitar sentir as famosas
borboletas no estômago, enquanto seu pai era o cara mais
atencioso do mundo comigo. Ignorando minhas respostas secas e a
minha falsa indiferença.
Quando ele me deixou em casa naquele dia, ele insistiu que
tínhamos tido um primeiro encontro. E me lembro de dizer que, se
ele achava que me levar em um encontro seria tão fácil assim,
estava tremendamente enganado.
Algum tempo depois, quando finalmente começamos a namorar, nós
realmente tivemos “um primeiro encontro” com todas as pompas: ele
me buscando em casa, todo arrumado e me levando para jantar em
um restaurante qualquer que aceitou nos atender no feriado de
Ação de Graças.
O que eu quero dizer com tudo isso é que, nem sempre será
perfeito, Emma. Eu torço para que seja, torço para que seu primeiro
encontro seja inesquecível, mas às vezes, a beleza das coisas está
nos pequenos detalhes. Talvez o primeiro não seja tão empolgante,
mas o segundo seja melhor, ou o terceiro e assim por diante.
Pode ser que seu primeiro encontro aconteça com o cara que vai
ser seu grande amor, assim como pode acontecer com o garoto
que, daqui a uns anos, você nem ao menos vai lembrar direito do
rosto. Seu primeiro encontro não precisa ser único só porque é o
primeiro, você pode ter vários deles e se divertir igualmente em
cada um.
A vida é feita de momentos, Emma, e cada um deles é único. Você
pode levantar todos os dias e ter a mesma rotina, mas nenhum dia
será igual ao anterior, porque pensamos coisas diferentes, vestimos
outras roupas, falamos com outras pessoas e, até mesmo, por mais
que façamos os mesmos caminhos, nunca pisamos nos mesmos
lugares.
Seja o primeiro encontro ou o décimo, faça todos os momentos da
sua vida serem especiais.
 
Capítulo 17

— Eu gosto dessa roupa — comenta Kath pela oitava vez. — Mas


ainda não acho que seja essa a combinação perfeita.
Respiro fundo enquanto me olho no espelho. Não era para ser
assim, eu prometi a mim mesma que não iria supervalorizar o dia
em que fosse chamada para um encontro, eu prometi que iria agir
como se fosse mais um dia qualquer, mas não é isso que está
acontecendo.
Estou com mais calor do que o normal, não quero usar essa calça
jeans, não sei o que fazer com meu cabelo, falta uma hora para as
oito da noite e estou irritada comigo mesma.
— Isso não está dando certo, Kath — pontuo, começando a
arrancar o cropped que estou usando. — Por que estou tão
nervosa? É só um encontro.
— Em, é o seu primeiro. É normal ficar nervosa. — Minha amiga
vem até mim e me abraça pela cintura. — Além disso, você sente
alguma coisa por ele, tem expectativas.
— Mas eu não quero ter, e esse é o problema — Kath se afasta e
me puxa para sentarmos na minha cama. — Fiquei duas semanas
me sentindo uma idiota por estar pensando nele, não gosto de me
sentir insegura assim e acontece muito isso quando se trata de
Dylan.
— Em, tudo bem se sentir dessa forma, sério. Se permita sentir
essas coisas todas, amiga.
Olho para ela e passo as mãos nos cabelos.
— Parece que você leu as anotações da minha mãe e fica repetindo
o que ela fala.
— Não sei se me sinto honrada por ser comparada com a sua mãe,
indiretamente, ou se me sinto velha.
Damos risadas e Kath me puxa para mais perto dela, adoro a
maneira como ela sempre arruma uma forma de me abraçar. Minha
amiga comentou que na família dela, todo mundo tem mania de
distribuir abraços por qualquer motivo que seja. Toda vez que penso
a respeito disso, só consigo pensar que seus pais devem ser
incríveis.
— Obrigada.
— Pelo quê?
— Por ser a amiga que eu não sabia que precisava ter. —
Respondo, sorrindo para ela.
— Obrigada por ser essa amiga também, Emma Kim — ela deposita
um beijo em minha bochecha e se levanta. — Agora, chega desse
afeto todo e experimente esse vestido aqui — pegando o tecido
entre as mãos, ela o ergue para analisar. — E vista-o com vontade,
olhando para si mesma com carinho e sem toda a cobrança maluca
da sua cabeça de que precisa agir com indiferença.
Assinto para ela e visto a peça de roupa. As mangas curtas do
vestido são floridas, juntamente com a parte do colo, que tem um
decote quadrado que adoro. O tom amarelo é lindo e ao me olhar no
espelho, fico satisfeita com a imagem.
— Gostei — respondo para Kath e para mim mesma enquanto me
contemplo no espelho.
— Eu também! Agora, traga essas pernas aqui porque vou fazer seu
cabelo e sua maquiagem.
Deixo que Kath use seus talentos adquiridos nos muitos tutoriais de
maquiagem que assiste na internet e, quando está quase na hora,
admiro uma última vez a imagem que o espelho reflete. Dylan
comentou que eu deveria usar roupas confortáveis, não sei o que
ele tem em mente, mas me sinto confiante e meus tênis serão meus
melhores aliados.
Meus lábios estão tingidos de vermelho, não de uma forma muito
chamativa. Enquanto aguardo, envio uma foto para minha mãe, que
responde com vários emojis de coração e me deseja um bom
encontro. Meu pai envia uma mensagem curta com um “Divirta-se
(mas não muito)” e posso imaginar a ruga em sua testa por saber
que sua filha está saindo pela primeira vez.
Steve McGlam pode ser um pai incrível e descolado, mas sou sua
protegida, como ele não cansa de dizer, então sei que, no fundo, ele
deve estar roendo a unha do indicador enquanto finge estar se
distraindo com a televisão.
Borrifo um pouco de perfume e sorrio ao ver a notificação da
mensagem de Dylan, avisando que está me esperando do lado de
fora.
— Se divirta, Emma Kim! — Cantarola Kath enquanto saímos juntas
do meu quarto.
Nos despedimos e faço um treino de respiração que minha mãe me
ensinou quando criança, para tentar acalmar as batidas do meu
coração. Como ela brinca, é uma versão menos extravagante do
aquecimento da Sharpay Evans, uma personagem clássica e
icônica, como minha mãe sempre diz. Não discordo.
Quando chego à porta, percebo que funcionou um pouco, mas ao
abri-la e dar de cara com Dylan Porter em seus jeans claros e uma
camisa estampada dobrada nos braços musculosos, percebo que
vou precisar repetir o treino de respiração algumas vezes durante a
noite.
— Oi. — Eu o cumprimento enquanto caminho até ele e vejo seu
olhar percorrer meu corpo.
— Oi, Emma — ele dá alguns passos e chega até mim. — Você
está linda.
— Obrigada, você também.
Dylan toca minha mão e sinto quando ele faz um carinho gentil na
parte de cima e me puxa para mais perto dele, a colônia masculina
é um pouco forte mas ainda assim agradável. Ele deposita um beijo
em minha bochecha e sussurra baixinho um “vamos?”.
Assinto e adentramos o carro dele, um modelo sedan preto que
cheira a couro na parte de dentro. Respiro fundo tentando me
concentrar no momento e deixar de lado todo o nervosismo que
toma conta de mim.
Dylan manteve suspense de onde iríamos durante o caminho, mas
me distraiu conversando um pouco sobre assuntos gerais e me
contando sobre sua rotina e como os estudos e treinos o estão
sobrecarregando.
Conversamos a respeito de Battle Of Bastards e isso faz com que
eu me lembre que faz um tempinho que eu não disputo uma partida
junto com meu irmão e, ao lembrar disso, faço uma nota mental
para enviar a ele uma mensagem depois.
Não conheço muito bem Gainesville, portanto, é uma surpresa para
mim quando Dylan estaciona o carro e, ao sairmos do veículo, ele
entrelaça sua mão na minha, me conduzindo até um letreiro rosa
chamativo, a entrada para o lugar onde vamos.
— Uma balada roller dancing? — comento empolgada.
— Sempre quis conhecer um lugar desses, confesso que não sou
muito bom em patinar, mas podemos tentar juntos. — Dylan tem um
sorriso travesso nos lábios e não contenho o impulso de dar um
beijo rápido neles.
— Adorei! Eu já estou adorando esse encontro.
— Não é justo. — murmura Dylan, enquanto joga uma batata frita na
boca. — Você não caiu nenhuma vez, eu achei que iríamos mandar
mal juntos, mas só eu passei vergonha.
— Minha mãe sempre gostou de patins, aprendi a andar com ela...
Me desculpa? — faço bico segurando a risada.
— É feio rir de tombos alheios, Emma Kim — cerrando os olhos,
Dylan se aproxima mais um pouco de mim e dá um risinho contido.
— Então, você andou mais de patins do que de bicicleta?
— Não necessariamente — explico, dando um gole em meu
refrigerante. — Minha mãe me ensinou a andar de patins, mas meu
pai só sabia andar de bicicleta, então acabei aprendendo os dois. —
Sorrio com as lembranças me atingindo. — Lembro que eu e Colin
aprendemos a andar juntos, foi uma das poucas vezes que aprendi
algo relacionado a esportes antes que ele.
Dylan novamente dá uma risada contida e percebo que algo, de
repente, o incomoda. Não entendo o que posso ter falado de errado,
mas antes que eu possa perguntar, ele mesmo toma a frente da
conversa.
— Preciso te perguntar uma coisa, Em — assinto para que ele
prossiga — Colin falou algo sobre mim para você?
A pergunta me pega de surpresa, sei que fui eu quem deu brecha
para que Colin virasse um tópico entre nós, mas o questionamento
me deixa curiosa. Não tenho coragem de falar para ele sobre o
confronto na festa, então respondo outra coisa.
— Não, por quê?
— Não sei, Em... Achei ele tão estranho essa semana — ele se
recosta na cadeira e vejo que morde a parte interna da bochecha. —
Ele me confrontou na cozinha, falando algumas coisas estranhas...
— Que coisas estranhas? — Pergunto, atenta às suas palavras.
— Falou que eu não deveria tentar nada com você...  Pra falar a
verdade eu nem me lembro direito — sinto meu rosto esquentar por
saber que Colin foi falar com Dylan. — Parecia que ele estava com
ciúmes de nós, sabe?
— Ciúmes? — Indago com a voz um pouco mais elevada. — Nunca.
Colin e eu temos uma história porque, afinal de contas, crescemos
juntos. Mas, não tem nada de sentimento. Sinceramente, não sei
porque ele foi conversar com você, mas de verdade, seja lá o que
ele tenha dito, não dê importância.
— Não sei, Emms... — Dylan balança a cabeça devagar para os
lados. — Não quero atrapalhar nada entre vocês, não quero apostar
minhas fichas em uma guerra perdida.
— Dylan, olhe para mim. — Estico minha mão na mesa até tocar
seus dedos longos. — Não existe motivo para isso. Não tenho
interesse nenhum em Colin, ele só gosta de me atormentar, seja
direta ou indiretamente. E não existe uma guerra a ser vencida
quando não há disputa de fato. Você já me ganhou... — falo a última
parte mais baixo, para que só ele me ouça.
Ouço a cadeira se arrastar para mais perto de mim e sinto quando
seus dedos tocam meu queixo, o erguendo para que nossos olhos
estejam na mesma altura.
— Bom saber que não preciso guerrear com ninguém. Só aceitaria
isso se estivéssemos jogando Battle Of Bastards — rindo, Dylan
puxa meu rosto para mais perto do seu.
— Você sabe que eu com certeza mando melhor que você nesse
jogo, não é? — Brinco, ignorando a latente raiva que ainda há
dentro de mim por conta de Colin.
— Não me importo com isso.
E antes que possa dizer algo, Dylan sela nossos lábios e me deixo
envolver por seu calor, seu cheiro e até mesmo pela música antiga
que toca ao fundo.
Quando ele se afasta, há um sorriso travesso em seus lábios, não
consigo deixar de admirar suas orbes escuras e faço um carinho em
seu cabelo, sentindo a textura dos fios pinicarem minha mão.
— Gosto de estar com você — as palavras saem da minha boca
sem eu me dar conta e sinto minhas bochechas corarem por conta
da confissão.
Dylan olha para mim e umedece os lábios com a pontinha da língua.
— Topa sair daqui? — Pergunta num sussurro.
Sinto meu estômago revirar, mas assinto, me perguntando se ele
está pensando a mesma coisa que eu. Espero que sim, porque,
hoje, me sinto mais confiante do que duas semanas atrás. Tivemos
um encontro incrível, me diverti muito, me sinto bonita e poderosa.
Esse momento é nosso e não vou deixar que minhas inseguranças
ou que qualquer baboseira que Colin falou não apenas para mim,
como para ele, nos impeça de viver algo incrível nessa noite.
Dylan e eu dividimos a conta, porque essa história de apenas um
pagar já é passado, ele toma minha mão com delicadeza e saímos
da balada em silêncio, caminhando pela rua já bem mais vazia do
que horas atrás.
O alarme do carro apita e entro quase que em movimento
sincronizado com ele. Quando as portas se fecham, somos só nós
novamente, em uma bolha particular, e Dylan não perde tempo em
puxar meu rosto em sua direção e selar nossos lábios novamente,
dessa vez, com o dobro de urgência.
Seguro sua nuca onde quero que ela esteja e quando nossas
línguas se tocam, um choque atinge meu corpo, como da última vez
que tivemos um contato como esse.
Dessa vez, parece que o carro apertado e o ar mais condensado
ajudam as sensações a se intensificarem mais, a boca dele
desacelera e seus lábios começam a caminhar por meu maxilar e
vão para meu pescoço.
— Emma, eu quero...
Não deixo que ele termine a frase, afasto-o devagar pelos ombros e
faço com que ele encoste novamente no banco do motorista. Deixo
qualquer pensamento idiota ou insegurança de lado e me movo
agilmente para me sentar em seu colo e me sinto triunfante quando
as mãos dele tocam minha cintura com firmeza.
— Podemos ir devagar, mas não precisamos ir tão devagar assim.
Dylan sorri de uma forma que faz meu corpo se arrepiar e captura
minha boca novamente, dando início a um beijo muito mais
selvagem, que faz meu corpo inteiro acender como chama. E
quando as mãos de Dylan sobem pelo meu vestido, eu quero que
ele chegue lá.
Ele vai subindo lentamente, como se estivesse me torturando mas
também pedindo permissão, e para mostrar a ele o que realmente
quero, desço minha mão lentamente por seu tronco, chegando ao
botão do jeans que ele usa. Uma risada escapa de seus lábios e sei
que ele entendeu.
— Numa escala de velocidade, quanto podemos acelerar?
Considerando dez quilômetros por hora fazer isso — a mão de
Dylan levanta um pouquinho meu vestido e eu suspiro ao sentir
seus lábios dando um beijo mais molhado em meu pescoço — e
cem quilômetros por hora seja eu metendo fundo em você —
murmura em meu ouvido.
As palavras sujas dançam em minha cabeça. Penso em dizer que
ele pode ir para o cem, mas parte de mim ainda trava. Talvez seja o
local onde estamos, talvez seja a expectativa, não sei dizer. Eu
quero, mas ao mesmo tempo também quero esperar, e por isso,
escolho uma resposta que seja suficiente para nós dois.
— Que tal achar a velocidade média? — Minha voz sai em um
ronronar baixo e me surpreendo com a sensualidade que exala de
mim.
— Sou bom em física.
E, com isso, Dylan me beija novamente e sobe as mãos com maior
velocidade, erguendo o vestido junto e dando um aperto nada gentil
em minha bunda deixando-a à mostra. Me pergunto se as pessoas
na parte de fora podem ver, mas não consigo me preocupar com
isso da forma como faria em qualquer outro momento,  porque seus
lábios sugam meu pescoço de uma forma torturante.
Dylan encontra a velocidade média e assim continuamos por um
tempo, embaçando os vidros do carro e soltando gemidos baixos.
Uma parte de mim, uma parcela pequena, ainda está remoendo o
fato de Colin ter tentado estragar minha felicidade de novo, mas luto
para ignorar isso.
Porque, apesar da tentativa, sei que meu primeiro encontro foi
perfeito. E porque, talvez, Dylan esteja começando a conquistar
minha confiança.
Capítulo 18

Os sábados de jogos são meus dias favoritos, seja na Universidade


da Flórida ou em algum campus de times rivais. As faculdades
param por conta da disputa. Há duas semanas, jogamos fora de
casa, fomos para o Missouri jogar contra os Tigers, uma partida
acirrada que vencemos, e depois fomos para a Carolina do Sul jogar
contra o Gamecocks, onde perdemos.
Hoje, vamos jogar em casa, e estou confiante. O clima está
agradável, o sol está mais ameno, mas isso não impede que a parte
de fora do campo esteja cheia de barracas de comida, líderes de
torcida desfilando com seus uniformes, bebidas geladas nos coolers
dos estudantes e muita música alta rolando.
Em momentos como esse, eu quase gostaria de ser um mero
estudante a caminho de um jogo.
Quase.
Porque, ao colocar todo o equipamento, sinto a adrenalina do
esporte tomar conta de mim. É uma sensação diferente, não sei
explicar em palavras, mas minha mãe diz que entende
perfeitamente o que acontece. É como se uma outra versão de mim
mesmo assumisse o controle, e nessa versão, só existisse eu e o
futebol.
— Preparado, Sullivan?  — A mão firme de Johnny toca meu ombro,
que está protegido pelo equipamento e me viro para encará-lo.
— Mais do que preparado, Breston.
Ele sorri e vamos para os bancos dispostos no vestiário para uma
última conversa com os treinadores, assistentes e também com
Travis, nosso quarterback. Apesar de ter mais torcida ao nosso lado,
vamos jogar contra um dos times de destaque da nossa
conferência.
Os Wildcats são o maior time da conferência do oeste, a defesa
deles é incrível e o nosso técnico reforça algumas jogadas
importantes que podem nos ajudar na vitória. Quando o tempo
esgota, levantamos aos gritos para entrar em campo.
As líderes de torcida estão dispostas em um corredor para nos
recepcionar e os gritos da torcida são um fôlego a mais. Entramos
sem os capacetes e fico feliz de ver o sorriso de Johnny com toda a
agitação, ele assumiu sua posição na defesa nos últimos dois jogos
e estar em campo com ele é incrível.
Cantamos o hino, nos posicionamos no campo e fecho os olhos por
alguns segundos, me concentrando nas batidas do meu coração.
Quando abro os olhos, nada mais existe.
É hora do jogo.

Ao final da partida, o vestiário é um grande amontoado de vozes,


risadas e brincadeiras. Ganhamos a partida e estamos em primeiro
lugar na liderança da conferência, o que nos dá passe livre para
festejar até o amanhecer.
Desde que os play-offs começaram, perdemos apenas um jogo,
mas estamos comemorando como se tivéssemos ficado em jejum
de vitória durante meses.
Visto a calça jeans clara, uma camiseta preta e completo com o
boné preto com o logo do time, jogando meus cabelos recém
lavados para trás. Espirro um pouco de perfume, deposito tudo
dentro da bolsa e, enquanto fecho o armário, pego o celular para
responder à mensagem dos meus pais, me parabenizando pela
vitória.
— Isso! — A voz alta e grossa de Johnny me desperta e coloco o
telefone dentro da bolsa novamente.
— Qual a boa, Johnny? — Questiono.
— Liam vai para a festa!
— O cara misterioso da aula de história que você sempre encontra?
— Ele mesmo. — Johnny sorri e dá uma breve piscada para mim. —
Ele não é muito de festas, mas decidiu vir depois que insisti um
pouco.
— Seria esse o fim da sua vida de festa e diversão? — Questiono,
sorrindo para ele.
— Se a minha farra a partir de hoje for só com Liam, não vou me
importar nem um pouco — ele responde, teclando mais uma
mensagem no celular e levanta os olhos para mim. — Mas, por falar
em farra, eu não sou o único que está com a rotina menos agitada.
Você e a Daf ainda continuam no lance de amizade ou já
desistiram?
— Cem por cento amizade — dou risada ao pensar no assunto. —
Depois de nos divertimos um bocado, deixamos de lado a pegação
e temos sido bons amigos. E não acho ruim, gosto de ter a amizade
dela.
— Isso é legal, ela é uma garota legal. Mas, me diga uma coisa, isso
tem te impedido de ficar com outras garotas por qual motivo? —
Questiona Johnny e franzo a testa com sua pergunta. — Ei, eu
notei. Você chegou na faculdade e no começo não teve um dia de
paz no seu quarto, com a Daf as coisas ficaram mais paradas e,
agora, de repente, isso muda ainda mais drasticamente. Tem
alguém na jogada, e se não é Dafiny...
— Não é nada, só estou focado no futebol.
— Suspeito, para dizer o mínimo. Mas, vamos nessa — Johnny
fecha o armário e eu faço o mesmo. — Tem um cara lindo me
esperando e uma caminhada até a festa para tentar extrair de você
alguma informação ou a verdade.
Dou risada do olhar que ele me lança e caminhamos juntos em
direção à saída dos vestiários, a maioria dos nossos colegas de time
está saindo também e é possível ver uma pequena multidão nos
esperando, os gritos animados nos saúdam quando estamos nos
corredores.
As líderes de torcida estão ali e se amontoam junto de mais tantas
outras pessoas para nos cumprimentar pela vitória. Retribuo de bom
tom os beijos e toques das garotas, cumprimento muitos torcedores
ali presentes e vejo que Johnny também está recebendo sua cota
de bajulação.
Daf disse que estaria me esperando na saída para irmos juntos para
a festa, mas ao procurá-la brevemente, não é ela quem encontro.
Mas, sim, Emma. Junto de Dylan.
Ela acena animada para ele, que está saindo do túnel dos vestiários
e noto quando ele dá um sorrisinho em sua direção e caminha entre
as pessoas indo ao seu encontro. Meus olhos ficam presos na cena.
Emma sorri, empolgada demais ao ver Dylan e, quando se
encontram, ela deposita um beijo nos lábios dele, abraçando-o pelo
pescoço com força.
De longe, consigo vê-los de corpo inteiro. Emma está usando uma
saia curta, parecida com a das líderes de torcida e quando ele a
levanta um pouco do chão, o tecido voa levemente. Eles parecem
bem em seu mundo particular, faz alguns bons dias que não
encontro com ela, e Dylan e eu não temos tido uma interação digna
de comentários e grandes análises, a maioria dos diálogos são
cordialidade ou algo relacionado ao time.
Desde a conversa que tive com ele, é quase como se pudesse
sentir que Dylan está me evitando. Talvez eu tenha interpretado de
forma errada suas intenções com Emma, e isso é bom, porque
significa que ele deixou de agir como um babaca e está sendo
alguém legal com ela.
— Disfarça um pouco, gato. Consigo sentir sua inveja daqui — a voz
de Daf ressoa ao meu lado.
Olho para a direita e vejo tanto ela, quanto Johnny, atentos a mim,
de braços cruzados, e os dois com um sorriso presunçoso nos
lábios, como se fossem cúmplices de algo que ainda não tenho
conhecimento.
— Isso é interessante! Acho que explica a ausência de atividade no
quarto dele — meu amigo comenta dando uma cutucada no ombro
de Daf.
— Explica e muito, Johnny. Só falta ele admitir — pontua minha
amiga.
— E o que eu preciso admitir? — Questiono.
— Que você está com ciúmes.
— E que talvez goste da Emma — completa Johnny. — Mas se quer
saber, eu senti isso antes, sabia?
— Sério? Você também estava desconfiado? Precisamos conversar
a respeito — Daf se vira para Johnny e os dois começam a rir.
— Primeira coisa: falar de alguém quando ela está do lado é muito
feio; segundo, eu não estou com ciúmes; terceiro e não menos
importante, eu não gosto da Emma.
— Só o fato de você ficar irritadinho diz muita coisa, amigo. — Daf
ergue os pés em meia ponta para roubar o boné que estou usando.
— Bom, amiga — estalo a língua no céu da boca — já que você vai
continuar me provocando, vai perder o direito de usar meu boné. —
Pontuo, pegando o boné recém colocado nos cachos de Daf.
— Que seja! Vamos ou não para essa festa? — Dando de ombros,
ela pergunta olhando para mim e Johnny.
— Por favor! — Implora o meu amigo. — Se for para aguentar Colin
mal-humorado, que seja com bebida junto e na companhia de um
cara gato.
Mostro o dedo do meio para os dois, mas sigo-os em direção à
saída do complexo esportivo, não sem antes dar mais uma última
olhada na direção de Emma e Dylan. Eles estão agora em uma roda
com mais alguns jogadores do time, torcedores e afins. Vejo a mão
de Dylan envolvendo a cintura fina de Emma, e não consigo
controlar o sentimento que cresce em mim.
Mas me recuso a acreditar que esteja mesmo sentindo isso. Não
pode ser.
Preciso de uma bebida. E, talvez, precise beijar alguém também.

Johnny encontrou com Liam minutos depois que entramos na festa,


fomos apresentados oficialmente e fiquei feliz em ver como eles
combinam, ver seus amigos bem é sempre algo maravilhoso e
Johnny é um cara que merece tudo de melhor que essa vida possa
oferecer, assim como Daf.
É incrível como os dois conquistaram um espaço importante em
minha vida em pouco tempo, sempre gostei de ter amigos por perto
e os dois são pessoas que quero levar para além dos muros da
faculdade.
Devidamente apresentados a Liam, ele logo entra no clima da festa
e fica à vontade conosco. Pouco tempo depois, todos nós juntos
decidimos tomar um shot de um drink que uma garota estava
preparando, a cor verde não escondia que o copo pequeno era uma
bomba alcoólica.
Como esperado, algum tempo depois, Johnny e Liam desaparecem
pela casa e decido me divertir junto de Daf.
Disputamos três partidas de beer pong até o momento que outra
dupla nos vence.
Tanto Daf, quanto eu, ingerimos uma quantidade boa de álcool e
isso faz com que eu me sinta um pouco mais leve. Diferente do
usual, a festa hoje tem uma banda ao vivo e também um DJ. Minha
amiga curte comigo o começo da apresentação deles, mas pouco
depois, encontra uma conhecida e percebo que estou sobrando na
conversa das duas.
Decido deixá-las a sós e vou aproveitar mais de perto a banda. O
grupo disposto no palco improvisado não deve ser muito mais velho
do que eu, eles mandam bem e gosto bastante do setlist.
Mas eles me conquistam mesmo quando começam a cantar Queens
Of The Stone Age. Sou fã da banda por conta da influência dos
meus pais e grito alto a letra a plenos pulmões, animado por ser
uma das minhas músicas favoritas.
Desvio o olhar da banda por alguns segundos e então, vislumbro a
outra pessoa que conheço e que também é fã da banda assim como
eu.
Emma Kim.
Ela está sozinha, mas balança a cabeça animada com a letra. Sei
que ela gosta porque crescemos juntos envoltos por muita influência
musical, nossos pais são uma grande salada mista musical e tanto
ela quanto eu, respiramos música. É uma das coisas que sei que
compartilhamos o mesmo amor.
Estamos longe, mas vejo ela mexer os lábios e sei que está
recitando cada um dos versos. A banda continua cantando, eu
continuo a cantar junto, mas minha atenção é toda dela, só consigo
olhar para Emma Kim e seus cabelos loiros lisos que escorrem por
seus ombros. Ela está linda.
Sinto minha cabeça girar por conta desse pensamento, não é a
primeira vez que me vejo admitindo o quanto acho a garota, com
que cresci junto, linda.
Não sei mais o que está acontecendo comigo, não consigo mais
controlar minhas reações ou meus olhos para que eles desviem de
Emma. Tento me repreender, mas minha mente e meu corpo me
traem.
Ela está linda. Ela é linda.
Nada faz sentido.
Dou um longo suspiro e em seguida, bebo todo o conteúdo do copo
que tenho nas mãos, a cerveja está quente, mas nem me importo. A
música que tanto gosto acaba e vejo que Emma direciona seus
olhos para os lados, à procura de alguém. E então me dou conta de
que Dylan não está com ela.
Nunca liguei muito para essa coisa de intuição ou algo do gênero,
mas uma parte de mim não consegue conter o pensamento de que
ele não está sendo esse cara todo atencioso que se mostra para
Emma, uma parte de mim só sente que tem algo errado.
E talvez seja a bebida ingerida, mas quando dou por mim, já estou
caminhando na direção dela. Me sinto atraído, como se fôssemos
dois ímãs, quem é o polo negativo ou positivo pouco importa, mas
de alguma forma, ela está me atraindo, me puxando para perto de
si.
— Ei, Emma.
— O que foi, Colin? — Pergunta, sem olhar de fato para mim.
— Eu também estou bem, obrigado por perguntar — falo com ironia
e me colocando na defensiva.
— É sério, o que você quer?
— Só vim te dar oi, por que tanta grosseria?
— Você não vem falar comigo sem que seja para me irritar e de
verdade, hoje eu não estou a fim de lidar com isso. Então...
— Por que você sempre espera o pior de mim? — Me aproximo um
passo de Emma, levemente ressentido, e vejo que ela recua.
— Não espero o pior de você, Colin, só... — ela suspira e percebo
que ainda não está me olhando. — Deixa pra lá.
— Está procurando o Dylan? — Emma não responde meu
questionamento óbvio e não me importo, porque sei a resposta e ela
também. — Não acho que você deva confiar nele, Emma Kim. Estou
falando sério — falo a última parte mais baixo, deixando minha
guarda abaixada.
Vejo que ela desvia o olhar para mim e uma risada breve sai dos
seus lábios.
— Você é realmente impossível, Colin.
— O que quer dizer com isso?
— Que a sua tentativa de me fazer infeliz não vai dar certo — ela
pontua e quando abro a boca para falar, ela me corta. — Não sei
qual foi seu objetivo com aquela conversa sobre o Dylan não servir
para mim, não ser o cara certo e todas essas baboseiras, mas não
vou cair no seu joguinho idiota.
— Jogo idiota? — Ralho, perdendo levemente a compostura, irritado
— Eu estou tentando te proteger, Emma, pelo amor de Deus.
— Então me deixa te dizer uma coisa, Colin — ela se vira por
completo para mim e pousa o dedo em meu peito. — Eu não preciso
que você me proteja, sei me virar sozinha. Me deixe em  paz. — Ela
sobe na ponta dos pés, erguendo o queixo para tentar ficar próxima
da minha altura, mas o esforço é em vão.
Continuo a olhá-la, tentando decifrar seu olhar, e dura segundos,
mas me perco em seus olhos, no traço fino de seus lábios e na
pintinha que ela tem bem no final do queixo. Estou furioso com sua
teimosia, furioso com o fato de Emma não estar percebendo algo
que me parece tão cristalino como a água.
Furioso porque, por esses curtos segundos, o pensamento e o
desejo de beijá-la me invadem. O que está acontecendo comigo?
Antes que possa dizer algo, Emma olha rapidamente para meus
lábios, mas balança a cabeça rapidamente e sai andando, me
deixando sozinho e com as emoções à flor da pele. Sinto meu corpo
ainda vibrar por seu toque, sinto raiva por suas palavras, sinto
minha cabeça girar por conta da conversa estranha que tivemos.
Mas, me sinto ainda mais irado ao ver Emma abraçando Dylan
quando o encontra e o olhar dele recair sobre mim, como se eu
estivesse fazendo algo de errado, como se estivesse bravo comigo.
Definitivamente tem algo de errado nessa história.
Minha cabeça parece estar dez vezes mais pesada do que antes, 
nada está fazendo sentido e o álcool parece ter sumido do meu
corpo. Tiro o boné e passo a mão pelos cabelos, preciso me distrair,
preciso silenciar meus pensamentos, preciso assumir a postura de
jogador que tenho dentro dos campos.
Visto o boné novamente e fecho os olhos por alguns segundos.
Quando os abro, estou disposto a tornar a noite um borrão.
Entretanto, estar disposto e de fato conseguir cumprir com esse
objetivo é algo que não consigo concretizar, por mais que eu tente.
Os flertes parecem batidos, nenhuma garota me interessa e, em um
dado momento, a cerveja parece perder a graça. A música alta
também. Meus amigos estão se divertindo e eu não estou mais no
clima de nada.
Volto para a fraternidade algum tempo depois, sóbrio, sem ter
beijado ninguém e com apenas um rosto em minha mente. E eu
posso não dizer em voz alta, mas o motivo da minha noite ter
terminado cedo e comigo deitado em minha cama olhando para o
teto é Emma Kim. 
Capítulo 19 

Sou uma pessoa muito organizada para qualquer coisa na minha


vida, gosto de estabelecer metas, de fazer anotações e adoro ir
riscando itens da lista de afazeres quando estes são cumpridos.
Fazer listas é uma maneira de mostrar a mim mesma que tenho
controle da situação, às vezes as faço até mesmo mentalmente.
Quando Dylan e eu ficamos pela segunda vez, comecei a fazer uma
lista mental dos nossos beijos. O primeiro na festa entre nossas
fraternidades, o segundo na piscina, o terceiro em meio aos livros
na biblioteca e assim por diante. Mas, neste momento, oficialmente,
perdi as contas de quantas vezes já o beijei, minha lista foi para o
espaço.
Não sei se esse é o vigésimo ou o trigésimo beijo e também não
tenho mais controle de onde as mãos de Dylan estão, porque elas já
passaram por boa parte do meu corpo. Nossos amassos chegam a
um novo patamar cada vez que nos encontramos, nunca passei
tanto tempo beijando uma pessoa assim, acho meus pulmões os
órgãos mais fortes do meu corpo, porque não fazia ideia de que era
possível ter tanto fôlego assim.
Sinto meus lábios levemente adormecidos, mas não me importo
nem um pouco. Estamos deitados na minha cama há pelo menos
meia hora, Dylan mandou mensagem e perguntou se eu estava
ocupada.
Eu até estava, tenho um trabalho de introdução à antropologia para
a próxima semana e, em breve, as provas vão começar, mas já fazia
alguns dias desde que tínhamos nos visto e eu não queria recusar
uma visita sua.
E é por isso que minha escrivaninha está abandonada e minha
cama bagunçada, nossos corpos não param de se mover e cada
vez que sinto a ereção de Dylan em minha perna, fazendo
movimentos de vai e vem, meu corpo vibra e meu estômago dá uma
cambalhota de pensar que ele está assim por minha causa.
Não conversamos muito desde que ele chegou, a frase “estava com
saudades” ficou presa em minha garganta e foi, metaforicamente,
engolida quando nossas bocas colidiram. Demorou menos de um
minuto para que meu corpo fosse parar na cama. Dylan parece
sedento e não me importo.
Sua mão direita percorre meu corpo e chega próxima ao meu seio,
ele faz um carinho devagar por ali e quando me dou conta, a mão
envolve o direito como uma concha e ele dá um aperto gentil. Gemo
em seus lábios. São novos patamares, novas sensações e estou
gostando disso.
O gemido parece incentivar Dylan a prosseguir e não demora mais
do que alguns segundos para que ele comece a descer a mão na
direção da calça de ginástica que estou usando, sinto frio na barriga
ao perceber onde ele quer chegar. E ao mesmo tempo em que
quero muito, um medo me percorre.
— Dylan... Calma — murmuro em seus lábios e minha mão, que
antes estava em seus cabelos, repousa em cima da dele.
Ele desgruda nossos lábios, seu rosto se ergue um pouco para me
estudar e vejo um lampejo de frustração e algo mais que não sei
decifrar. Dylan deposita um beijo rápido em meus lábios e sua mão
recua um pouco, mas não subindo uma distância completamente
segura.
Sua boca caminha na direção do meu pescoço e quando ele faz
uma sucção na pele, sinto outro gemido escapar dos meus lábios.
— Quero tanto sentir você, Em. — A voz dele é um ronronar sexy e
eu me derreto de novo.
Entendendo isso como um sim, ele volta a correr a mão por meu
corpo e logo, seus dedos estão adentrando o elástico da calça.
Minha cabeça está em um conflito gigante, porque quero muito que
isso aconteça, mas ainda me parece rápido demais.
— Dylan, para. 
A respiração ofegante dele em meu pescoço cessa e suas mãos
paralisam. Ele solta um suspiro baixinho e remove a mão da calça e
tomba para o lado esquerdo, se afastando do meu corpo.
— Se eu não conseguir ter filhos no futuro, vai ser sua culpa, Emma
Kim — Dylan está com o rosto escondido pelo braço direito, mas
reconheço o tom de brincadeira em sua voz.
— Que carga enorme para se jogar sobre mim — respondo me
sentando um pouco e ajeitando a camiseta amassada. — De
verdade, desculpa por... você sabe...
— Tá tudo bem, Emms — comenta mais baixo e se ajeita na minha
cama, apoiando o rosto na mão. — É que às vezes parece que não
estamos na mesma página, ou que você não gosta de mim... — ele
soa quase chateado e isso me desespera de leve.
— Não é isso! — respondo rapidamente me abaixando para ficar
mais próxima a ele — É que as coisas estão indo rápido, e você...
— hesito um pouco. — Acredite em mim quando eu digo que você é
o cara que chegou mais longe comigo.
— Coitado daqueles que vieram antes então — ele dá um sorriso
largo e uma risada alta, o que alivia a tensão que cresceu dentro de
mim quando ouvi suas palavras. — Brincadeira.
— Você é péssimo, Dylan Porter. — Faço menção de me levantar e
fico feliz quando sinto sua mão segurar meu punho de leve e me
puxar para seu peito.
— Estou brincando— ele faz um carinho lento em meus cabelos e
não contenho um sorriso. — Vamos no seu tempo, está bem? —
Responde com a voz um pouco mais baixa e levemente
desanimada.
Aceno com a cabeça e deixo que o cheiro do perfume dele invada
meu nariz, não é dos meus favoritos, mas é o cheiro de Dylan, então
desfruto como se fosse a melhor coisa do mundo. Faço círculos
imaginários com o dedo em seu peito e escuto sua respiração
baixinha, estamos em silêncio e aproveito a calmaria para
conversarmos um pouco.
— Estava com saudades suas, faz tempo que não nos vemos —
minhas palavras saem em tom de confissão.
— São os treinos, e a faculdade também está exigindo bastante —
responde e sinto seu celular vibrar no bolso.
Dylan pede espaço rapidamente para pegar o telefone e se levanta,
ficando brevemente de costas, vejo os movimentos dele e sei que
está teclando no celular. Ainda de costas, ouço quando ele pega o
tênis que tirou quando chegou e começa a vesti-lo.
— Você já vai? — Pergunto tentando disfarçar que sua ida me abala
— Pensei em pedirmos comida, passarmos um tempo juntos...
— Eu queria muito, Emma, mas preciso fazer umas coisas. Fiquei
de estudar com uns amigos da aula de filosofia. — Dylan se vira
para me olhar e faz um carinho agradável em meu rosto. — Mas
prometo recompensar, que tal um filme no sábado? Podemos
assistir aqui, pedir comida...
— Gosto da ideia — dou um sorriso para ele e me inclino para
plantar um beijo em seus lábios.
No hall de entrada, puxo-o para mais um beijo e quase o convenço
a subir novamente, mas Dylan dá risada e diz que realmente precisa
ir estudar. Libero-o, porque também preciso voltar aos meus
afazeres e, depois de nos despedirmos, subo em direção ao quarto
e volto a me concentrar nos estudos.
Ou ao menos tento, porque por alguns bons minutos, só consigo
olhar na direção da cama bagunçada e pensar nos momentos que
vivi ali com Dylan. Me pergunto se estou me apaixonando por ele, e
não sei ainda a resposta para isso. De toda a forma, estou feliz com
Dylan e isso basta para, por ora, me permitir ficar nas nuvens.

A semana seguinte marca o início do mês de outubro e a faculdade


perde por completo a vibe de início de trimestre: os professores nos
sobrecarregam com textos, trabalhos e resenhas, minha carga de
estudo aumenta potencialmente e o tempo se torna escasso.
Tento encontrar Dylan sempre que posso, mas nossos horários não
batem quase nunca, os treinos de futebol estão mais densos e as
viagens para jogar fora se tornam mais frequentes. Nossos
encontros acontecem, mas quando nos vemos, não é por muito
tempo. Sinto sua falta e Dylan também parece mais cansado.
Não sei em que pé estamos, e quando uma colega de sororidade
me pergunta isso, não sei o que responder. Dylan não me pediu em
namoro e nenhum de nós discutiu sobre algo a respeito disso.
Sempre que Dylan parece ter uma brecha de tempo, ele me procura
e vice-versa, o que me faz acreditar que ele está indo com calma
por minha causa. Parte de mim só está esperando uma boa hora, é
questão de tempo até nos acertarmos de fato.
Quando faço a última prova da semana, saio da sala de aula
respirando aliviada, como se toda a sobrecarga invisível que antes
estava em meus ombros, desaparecesse. Envio uma mensagem
para Kath avisando que estou livre, e digo a ela que vou esperá-la
em casa para uma sessão de pintura de cabelo.
Já faz quase um mês que tingi meus fios de loiro e estou
começando a ver a raiz escura. Penso em deixar o castanho voltar,
mas tenho gostado muito dessa cor, além disso, a festa de
Halloween está chegando e, se tudo der certo, estar com os cabelos
loiros vai ser essencial para minha fantasia.
Meses atrás, eu não me importava nem um pouco com festas, mas
depois das últimas semanas densas de estudo, sou obrigada a
concordar com Dylan e Kath, elas são a única forma de distração do
jovem universitário.
Recebo uma mensagem de minha amiga dizendo que vai demorar
um pouco para me encontrar em casa, e decido que hoje será
oficialmente meu dia de folga, vou voltar a me preocupar com a
faculdade amanhã. Ando um pouco mais para ir até a cafeteria que
adoro e me mimar com um café delicioso e sazonal que leva
pumpkin spice no preparo.
Depois de pegá-lo, ando pelo campus com um sorriso no rosto, me
deliciando com a bebida e aproveitando a música que ressoa em
meus ouvidos. Blondie é uma das bandas favoritas da minha mãe,
ela sempre adorou me apresentar bandas e artistas femininas que
tivessem marcado a música de alguma forma. Ela e tia Heather
possuem uma admiração gigantesca pela Debbie Harry e acabei
criando apreço por ela também.
Aproveito a música nos fones e decido enviar uma mensagem para
Dylan, já que hoje será meu dia de folga, nada melhor do que
aproveitar um pouco com ele, enquanto não encontro Kath.
Teclo a mensagem rápido e continuo a caminhar, estou entrando na
rua de casa quando recebo uma resposta.
Dylan: Não consigo hoje, Emms, vou precisar estudar :(
Fico com a mesma expressão do emoji que ele manda ao final da
mensagem e teclo uma resposta enquanto subo os degraus de casa
e abro a porta. Adentro, retirando os fones e indo em direção à
cozinha para jogar meu copo de café. Quando olho na direção do
sofá, me assusto brevemente ao ver que tem alguém ali sentado. E
que essa pessoa é Colin.
— Que susto! — Pouso a mão sobre o peito na mesma hora em que
ele fala meu nome.
— Oi, Emma. — Colin se levanta do sofá e caminha em minha
direção.
— Oi, Colin. — Respondo a ele e ficamos os dois parados, olhando
um para o outro.
Faz algum tempo que não o vejo, mais precisamente desde a última
grande festa que tivemos, por conta da vitória do time de futebol
americano. Eu estava curtindo a banda ao vivo quando Colin veio
me confrontar sobre Dylan, dizendo novamente que não achava que
ele era alguém para mim.
Briguei com ele sério, como nunca havia feito, e acho que isso fez
com que ele se afastasse um pouco. De qualquer forma, não houve
muitas outras oportunidades para nos encontrarmos, a faculdade
está densa para todos os alunos.
Entretanto, parado em minha frente nesse momento, não parece
que ele está por aqui por conta de outra pessoa, parece que ele
estava realmente me esperando.
— Café especial de outono? — A voz de Colin quebra nosso
silêncio e ele aponta para o copo em minhas mãos.
— É. Me apaixonei pela combinação.
— Também gosto bastante, minha avó Linda tem essa especiaria de
abóbora sempre no armário. Quando vamos visitá-la, ela sempre faz
café com ela, minha mãe é apaixonada.
Ele tem um sorriso levemente esticado nos lábios finos e acho fofo a
forma como fala da avó. Linda Sullivan, a mãe do tio Nash, está
sempre presente nas festividades, tanto na casa de Colin quanto na
minha, e sou apaixonada pelos doces que ela magistralmente
cozinha.
— Falar da sua avó me lembra da torta de maçã dela... — salivo ao
pensar.
— Vovó é realmente uma confeiteira incrível. — Colin coloca as
mãos nos bolsos e o movimento faz com que seus bíceps flexionem
um pouco.
O silêncio reina novamente entre nós e sinto-o tenso, quase como
se não soubesse como agir. Olho para ele e por mais que tente me
punir, não consigo evitar admirar sua beleza. A calça se ajusta às
suas pernas, ele usa um de seus muitos vans, uma marca
registrada do tio Nash e a camiseta cinza deixa seu corpo marcado
nos lugares certos.
Mas sua expressão não é das melhores e o silêncio entre nós me
incomoda. Tiro minha mochila das costas e coloco no chão, dando
uma chance para que ele fale algo, mas nada acontece e noto que
ele está estudando todas as minhas ações.
— Então... — alongo a última sílaba — O que faz aqui? —
Questiono.
— Precisamos conversar, baixinha. — Ele usa o apelido que não
gosto, mas dessa vez, estranho o tom de sua voz.
Não tem nada e nem um pouco do tom provocativo de sempre, ele
fala de um jeito completamente diferente, sem nenhuma tentativa de
me irritar.
E sinto um arrepio percorrer meu corpo.
— O que houve? — pergunto com a voz amena, numa tentativa de
dar um voto de confiança a ele.
— Você ainda está saindo com o Dylan?
E a minha tentativa, tão rápida quanto veio, vai embora.
— É sério, Colin? De novo o Dylan?
— Emma, me escute pelo menos uma vez — pede. — Ele não é
esse cara que você pensa. — Reviro os olhos enquanto ele ainda
fala e começo a caminhar na direção da cozinha. — Estou falando
com você, Emma.
— De verdade, Colin, eu estou cansada de ouvir sobre o mesmo
assunto! — Exclamo, exausta, enquanto abro o armário onde ficam
as lixeiras e jogo o copo de café com força. — Por que você não
volta a fingir que eu não existo?
— Porque, se em algum momento eu dei a entender isso para você,
é porque fui um idiota. Você existe, Emma. E me importo com você.
As palavras dele me atingem. Sei que Colin se importa comigo e eu
também sinto o mesmo por ele, afinal de contas, nós crescemos
juntos. Seus pais são as minhas pessoas favoritas no mundo, tenho
um carinho enorme por Freddie e, apesar de não termos a melhor
das relações, nunca desejei nada de ruim para ele. Só crescemos
nos irritando, é normal que haja uma desconfiança por minha parte
com relação a ele.
Entretanto, ouvir ele dizer que se importa comigo, toca em mim de
uma forma diferente, sinto meu coração disparar levemente.
— Se você se importa comigo, Colin, como está dizendo, me deixe
ser feliz. — Peço encarecidamente.
— Você não entende, Emma, eu conheço o tipo do Dylan — ele
balança a cabeça de um lado para o outro. — Ele está te
enganando e rindo pelas suas costas. Não é possível que você seja
tão idiota assim. — Ele diz as palavras e vejo que se arrepende no
mesmo instante, mas já é tarde.
— Céus! Você não consegue conversar comigo sem me ofender,
Colin! — Ralho brava, perdendo toda a calma de segundos antes.
— Qual o seu problema com o Dylan afinal de contas? O que ele fez
para você?
— Para mim, nada. Mas está na cara que ele está fazendo algo
pelas suas costas — responde com o tom também irritado. — É só
olhar mais atentamente, Emma. Eu estou aqui, onde ele está?
— Ele está estudando... Mas o que é que isso tem a ver com o fato
de você estar aqui? — Questiono, levemente confusa com aonde
ele quer chegar.
— Jogamos no mesmo time, Emma, eu não estou treinando, estou
em casa e boa parte dos caras também. As provas da maioria dos
cursos já acabaram... — ele cruza os braços sobre o peito e me
encara, erguendo as sobrancelhas. — Parece óbvio, não é?
— Ele está no preparatório de Direito, Colin. Não é porque você ou
seus amigos saíram da semana de provas que o restante do mundo
também as concluiu. Acredite se quiser, mas nem tudo gira em torno
de você.
— Você vai me chamar de egocêntrico mesmo? Justo agora? Sem
nem ao menos disfarçar?
— Você me chamou de idiota segundos atrás! — Ralho mais um vez
e me aproximo um passo dele. — E se quer saber? Eu nem queria
te ofender, eu nem queria estar tendo essa conversa, mas você me
tira do sério.
— Você também, Emma Kim! Você também me tira do sério. —
Colin esfrega as mãos no rosto e dá um passo em minha direção. —
Ele está te enganando. Dylan está com qualquer outra garota agora
mesmo e você está defendendo-o.
— Como pode ter tanta certeza disso? Você viu algo? — Colin abre
a boca para falar mas eu o corto. — Ele te disse alguma coisa?
Você chegou em casa e alguma garota estava sentada no colo
dele?
— Não, mas...
— Então pare de me encher, Colin. Se você não tem provas
concretas, não tem porque estar aqui.
— É sério isso? Você nem mesmo vai me deixar terminar?
— Não, não vou. E sabe por que? Por que não me importo, Colin. E
chega dessa conversa idiota. — Pontuo irritada e começo a andar
na direção da saída da cozinha.
Antes que eu consiga ao menos chegar até o batente, Colin para à
minha frente.
— Ele pediu você em namoro? Ou falou alguma coisa a respeito de
exclusividade? — A proximidade de nossos corpos é grande e
preciso inclinar a cabeça para olhar em seus olhos.
— Não, Colin, ele ainda não falou. — Enfatizo o advérbio para que
ele entenda.
— Então pergunte a ele, Emma. Pergunte se ele tem visto outras
pessoas. Pergunte se tiver coragem. — Sua voz soa como um
desafio.
— E por que eu não teria coragem de perguntar? — Ergo o rosto
para falar mais próxima de seu rosto.
— Porque você pode se decepcionar. — Sinto o hálito de Colin bater
próximo a minha bochecha e sinto os pelos do meu braço se
arrepiarem. — E acredite quando eu digo que não quero que isso
aconteça.
A mão de Colin, que antes estava na lateral de seu corpo, vem ao
encontro da minha cintura e o toque faz com que eu arfe um pouco.
Nunca estivemos tão próximos assim, e essa proximidade faz com
que eu sinta o cheiro de sua colônia, um aroma amadeirado com
alguma outra coisa que não consigo identificar.
Nossos olhos não se desgrudam e por uma fração de segundos,
como em uma premonição, vejo nós dois nos beijando. E, ao
mesmo tempo em que parece uma loucura, uma parte de mim quer
que isso aconteça.
— Opa! Desculpa interromper. — A voz de uma das minhas colegas
de casa ressoa ao nosso lado.
Tanto Colin quanto eu nos afastamos às pressas um do outro, a
bolha em que estávamos um segundo atrás estoura e sou trazida à
realidade. E, no mundo real, o cara à minha frente estava plantando
várias dúvidas em minha cabeça.
Vejo ele morder a bochecha internamente e o osso de seu maxilar
ficar mais em evidência, ele parece tenso pela situação, mas suas
feições duras me lembram de suas palavras anteriores.
— É melhor você ir. — Esfrego as mãos na calça que estou usando
para tentar limpar as gotículas de suor que se formaram.
— Emma...
— De verdade, Colin. Agradeço por você se importar comigo, mas
não quero mais ouvir você falar sobre mim e Dylan. Não te dei o
direito de achar que pode dar opiniões sobre minha vida amorosa.
Seja lá o que está se passando na sua cabeça, o que você
desconfia... Não me importo.
Noto o rosto de Colin transitar entre feições, quase posso jurar ver
uma certa tristeza em seu olhar, mas se havia de fato, ela logo é
substituída por sua expressão de irritação usual.
— Como quiser, Emma Kim.
Ele sai pisando duro e o assisto bater a porta da casa. Minha colega
de casa murmura um pedido de desculpas por ter nos atrapalhado,
mas logo digo que não há o que desculpar e que a conversa não era
importante.
Trocamos algumas cordialidades e tanto ela quanto eu nos
despedimos brevemente, ela vai para os fundos da casa e eu subo
em direção ao meu quarto. Jogo meu corpo na cama e fecho os
olhos, numa tentativa de dissipar os pensamentos e sensações,
mas é impossível.
Meu cérebro está em alerta.
Quando eu era criança, minha mãe sempre brincava com a ideia de
que dentro da nossa cabeça, há várias mini versões de nós mesmos
pensando e agindo das mais diferentes formas e maneiras, uma
versão Brenda Kim da animação Divertidamente. Nesse momento,
só consigo pensar que ela tem razão.
Há uma mini Emma com medo de que Colin esteja certo e que
Dylan está me enganando; há outra que tenta soar confiante e diz
que não temos nada a temer; e há uma Emma, que está gritando e
girando em círculos por não entender porque a frase “me importo
com você, Emma” e o toque de Colin em minha cintura me
despertaram tantos sentimentos e sensações.
Capítulo 20

Esfrego o rosto com as duas mãos pela milésima vez e umedeço os


lábios com a língua enquanto encaro o teto do quarto. Me tornei a
pior versão de mim mesmo. Vou da faculdade para o treino, do
treino para casa e passo boa parte do tempo dentro do quarto,
fazendo todas as minhas obrigações acadêmicas. Quando elas
acabam, fico deitado na cama maratonando alguma série e, então,
durmo.
É um ciclo que tem se repetido com frequência nos últimos dias.
O futebol deixou de ser minha maior preocupação. Não que eu
precise de fato passar boas horas do meu dia pensando nos jogos,
porque estamos indo bem nos play-offs. Mas, ainda assim, estamos
em outubro, temos jogos toda semana e, apesar da nossa
campanha incrível e de termos mais motivos para comemorar do
que o contrário, não faço mais do que o esforço mínimo necessário
para vibrar junto do time.
Minha mente desliga na hora da partida e se concentra no campo,
ainda consigo fazer a separação entre o Colin jogador e o Colin
estudante da faculdade e ser humano comum. Depois que cumpro
meu papel como Wide Receiver, tal qual um interruptor, desligo o
modo "jogador" e volto para o limbo de antes, onde meus
pensamentos são completamente dominados por ela.
O assunto que me recuso a falar mas que tem nome e sobrenome e
me pediu para deixá-la em paz.
Emma Kim Campbell McGlam.
Suspiro alto ao pensar nela mais uma vez e assusto quando a porta
do meu quarto se abre de forma abrupta.
— Vamos lá, Sullivan! Levanta dessa cama! — A ordem vem de
Johnny, que carrega nas mãos três cervejas. Logo atrás, vejo Daf
adentrar o quarto e enquanto fecha a porta, ela me dá outro
comando.
— E vista uma camiseta.
— Tem medo de não resistir ao meu corpo, gata? — Pergunto
brincalhão em direção a minha amiga enquanto pesco a camiseta
jogada na cadeira próxima a mim.
— Já tive minha cota de você, Colin, não tem nada aí que me
impressione mais.
— Outch! — Johnny simula um som de dor. — Essa doeu até em
mim.
Daf dá de ombros e, ao chegar na cama, cutuca minhas pernas para
que eu me ajeite e meus dois amigos tenham espaço para se
sentar.
— A que devo a honra dos dois em meu ilustre quarto? —
Questiono ainda no mesmo tom de piada e, em seguida, roubo uma
lata de cerveja da mão de Johnny.
— Viemos aqui com a missão de te trazer de volta à vida e
desanuviar essa sua cabeça linda — explica Dafiny, enquanto
prende os cabelos em um coque. — Você está com o humor
péssimo esses dias. E está abatido.
— Além disso, também está evitando nós dois. — acrescenta
Johnny. — Antes, eu achava que era apenas comigo e com os caras
do time, mas ao conversar com a Daf, ela me contou que você
andava sumido.
— Por isso, aqui estamos nós. Então, nos conte, o que está
acontecendo? — Pergunta ela e, na sequência, abre um pacote
grande de batatas que estava nas mãos.
— Nada, só estou cansado da faculdade. — Minto, dando de
ombros como se fosse algo normal.
Dafiny e Johnny olham um para o outro pelo canto dos olhos e,
depois, voltam a olhar para mim. Ergo as sobrancelhas quando os
dois ficam em silêncio por alguns segundos e deixo um suspiro largo
escapar dos lábios, abrindo a boca dessa vez para confidenciar a
eles a verdade. Ou ao menos parte dela.
— Estou com muita coisa na cabeça, só isso.
— E essa “coisa” teria, por um acaso, cabelos loiros? Baixa
estatura? Será que estou certo, Daf? — Johnny começa a falar e ela
emenda, como se os dois tivessem ensaiado essa conversa
previamente.
— Eu diria mais, Johnny. Diria que essa “coisa” tem traços amarelo-
asiáticos, um sorrisinho fofo e...
— Se vocês acham que já sabem o que me aflige, não tem porque
termos essa conversa. — Reviro os olhos e cruzo novamente os
braços sobre o peito. Irritado pelo fato de que meus amigos de
verdade sabem o que está acontecendo.
Mais irritado ainda por me dar conta da realidade a cada minuto .
— Podemos saber a causa, mas não sabemos o motivo — explica
Daf. — E queremos entender por completo a situação.
— Estamos aqui para te apoiar, cara. Ninguém está te julgando ou
algo do tipo, somos seus amigos e se você está pensando algo
assim, pode parar agora. — Johnny aponta para minha cabeça e dá
um sorriso acolhedor.
Mordo a parte interna da bochecha e dou um sorriso breve, me
sentindo acolhido pelos dois, assim como nas terapias em grupo em
que participei durante tantos anos. Exausto de guardar meus
pensamentos para mim mesmo, mexo nos cabelos um pouco,
deixando os fios ainda mais bagunçados e tomo coragem para
verbalizar o que tanto temo. 
— Não consigo parar de pensar na Emma — falo com a voz mais
grossa e limpo a garganta com um gole de cerveja. — Ou melhor,
não consigo parar de pensar nela e em Dylan. E acho que só estou
assim porque não confio nele, o que faz com que me sinta péssimo
por ter tanta desconfiança de um colega de time. Mas não consigo
evitar, é mais forte do que eu. —  Disparo as palavras todas de uma
vez.
— Vocês tiveram mais uma conversa estranha depois daquela
última que você me contou? — Questiona Daf séria.
— Que conversa? — Johnny olha para mim e para Dafiny. —
Preciso de contextualização aqui.
Começo a contar para Johnny e Daf toda a história, desde o início.
Falo a respeito da minha relação com Dylan, da conversa estranha
que tivemos pouco tempo depois da recepção dos calouros, após a
festa entre as fraternidades e, por consequência, de quando ele e
Emma ficaram pela primeira vez.
Detalho o diálogo que tivemos e o comentário subjetivo dele sobre
categorizar as garotas como “fáceis” ou “difíceis” e meus dois
amigos reviram os olhos ao saber disso.
Repito a história da festa, contando a Daf que, enquanto
dançávamos, vi Dylan olhando para outra garota e tive certeza de
que ele havia aproveitado a saída de Emma para ficar com outra
menina, e falo também de outros momentos em que notei seu
sumiço repentino.
Finalizo contando sobre a última vez que vi Emma e nossa briga, a
forma irritada com a qual ela se dirigiu a mim e, por alguns
segundos, enquanto termino de desabafar, me lembro do toque em
sua cintura e do calor de seu corpo junto ao meu. Lembro de como
minha mente viajou por caminhos sinuosos, mas por ora, opto por
deixar essa parte de lado.
Quando termino, sinto-me de certa forma mais leve.
— Ok, é muito mais coisa do que eu tinha pensado — afirma
Johnny. — Primeiro de tudo, tenho que dizer que concordo com
você a respeito da desconfiança com relação a Dylan.
— Por que? — É Daf quem faz a pergunta por mim.
— Porque ele tem uns amigos bem babacas e já reparei algumas
coisas — enfatiza Johnny. — Eu nunca tive problemas em falar da
minha sexualidade, por exemplo. Depois que meus pais me
aceitaram, a opinião de mais ninguém nunca importou. Entretanto,
eu não deixo de notar os comentários idiotas, olhares e afins. E já
notei como Alex, por exemplo, age na defensiva quando estou por
perto. Não posso passar perto do cara quando ele está de toalha ou
algo do gênero que ele fecha a cara...
— Como se ele achasse que você, por ser bissexual, iria atacá-lo ou
algo do gênero? — Pergunto irritado e meu amigo assente.
— Até quando as pessoas vão achar que nós, pessoas LGBTQIA+,
somos ninfomaníacos que não conseguem se segurar? — Daf ralha
com irritação na voz.
— Nós? — Pergunto surpreso — Você também é?
— Sim. Acho que nunca cheguei a comentar, mas...
— Sem problemas, Daf. Não é algo que você precise contar. Com
quem você se relaciona ou não é algo que só diz respeito a você.
— Se todo mundo pensasse assim... Nós ainda temos que lidar com
preconceito todos os dias — Daf cruza os braços e suspira,
pesarosa. — Mas, voltando ao tópico importante. Do que você nos
contou, apesar de me enviesar para o seu lado, todos os seus
relatos parecem ser apenas desconfianças, certo? Ou você já
chegou a ver algo de fato?
— Não, nunca presenciei nada, mas... — respiro fundo e esfrego as
mãos no rosto. — Nada me tira da cabeça que tem algo de errado, e
eu não aguento mais não conseguir olhar direito para a cara dele
porque fico irritado, porque só consigo pensar nos dois juntos.
Porque só consigo pensar...
— Na Emma. — Completa Johnny e dá um outro gole em sua
cerveja. —  Você consegue perceber o que está acontecendo com
relação a Emma e você?
— Não tem nada acontecendo. — Afirmo de forma categórica e vejo
Daf revirar os olhos.
— Colin, qual é o problema de você assumir o que está sentindo? —
Questiona sem paciência, mas ainda assim, de forma doce. — O
que de tão errado pode ter no fato de você gostar dela?
— Não faz o menor sentido! — Exclamo irritado e me levanto da
cama em um pulo. — Eu conheço a Emma desde pequeno, ela foi a
primeira criança com quem estabeleci uma vivência. Ela sempre
esteve lá. Festas de aniversário, viagens em família, almoços de
domingo, sextas-feiras de hamburguer... E estudei nas mesmas
escolas que ela a vida toda — continuo a falar e gesticular rápido. —
Passei a vida toda vendo-a ser um prodígio da nossa idade, falando
sobre os assuntos com a eloquência de um adulto. Enquanto eu só
queria jogar futebol, Emma já falava sobre salvar o meio ambiente,
sobre direito das mulheres e tantas outras coisas sérias. Ela sempre
foi uma garota incrível, e completamente na dela, a não ser quando
via alguma injustiça acontecer. Passei a vida tirando-a do sério,
fazendo piadinhas para provocá-la. Como? Me expliquem como, do
dia pra noite, eu simplesmente...
— Percebeu que gosta dela? — Completa Johnny, e tanto ele como
Daf me lançam um sorriso carinhoso. — Porque o amor não tem
regras, cara. Você não precisa amar desde sempre a pessoa, ou ter
um amor à primeira vista para que faça sentido...
— Ou beijar a pessoa para só aí sentir algo por ela — continua
Dafiny. — O amor simplesmente acontece, gato. Não há regras,
como o Johnny mesmo disse. Talvez você tenha passado a vida
toda reprimindo esse sentimento e não saiba. Mas aconteceu, Colin.
E esse sentimento não poderia estar mais claro do que agora.
Olho para os dois e sinto meu coração levemente acelerado,
porque, de alguma forma, o que eles estão dizendo é verdade.
Talvez eu tenha reprimido esse sentimento, talvez não tenha dado
atenção a Emma porque ela sempre esteve lá, porque sempre fez
parte da minha vida e por isso, eu não tenha dado toda a ela
credibilidade.
Coloco as mãos na cintura e fito meus pés. Fecho os olhos por
alguns segundos e repito internamente a frase que tanto temi dizer
nesses últimos tempos.
“Eu gosto da Emma”.
E, diferente do que pensei, ela soa bem. O medo ainda está
presente, mas sinto muito mais conforto do que estranhamento ao
dizer essas palavras, ainda que para mim mesmo.
E, como em um filme, várias imagens de mim e de Emma passam
pela minha cabeça. Nós dois pequenos, brincando no quintal de
nossas casas; nossa primeira viagem à Disney e o sorvete que
derramei em sua camiseta, a forma como ela gritou comigo. Todas
as pequenas discussões conforme fomos crescendo, o momento em
que nos tornamos adolescentes e as provocações bobas. Sua
presença sempre ali, nós dois sempre juntos.
E um sorriso se forma lentamente em meu rosto.
Olho para Daf e Johnny novamente e vejo que os dois estão com os
braços cruzados, como se tivessem solucionado um grande mistério
e estivessem aguardando sua recompensa.
— Bom, eu avisei que vocês dois eram um plot e tanto. — Minha
amiga comenta de forma perspicaz e pela primeira vez, não tenho
coragem de discordar dela.
Depois dos meus dias de limbo e muita reflexão, a respeito da
constatação do que Dafiny chamou de “óbvio”, decido dar um tempo
para mim mesmo e para meus sentimentos, compreender o que
realmente estou sentindo e as coisas que estou pensando.
Anos na terapia em grupo e sessões em particular, muito usadas
para falar sobre todo o processo de ser um garoto adotado, me
ensinaram a lidar bem com meus pensamentos, e mais do que isso,
a entender que nem sempre agir por impulso funciona. Nem tudo se
resolve da noite para o dia.
No esporte, por exemplo, há várias formas e estratégias para
auxiliar a realizar uma jogada. E se tem uma coisa que eu sei que
Emma não iria entender é uma atitude ou declaração repentina.
Além disso, uma parte de mim ainda insiste na ideia de que estou
maluco e que, na verdade, ficar pensando em Emma o tempo todo,
ou mesmo esse instinto de proteção, a necessidade de protegê-la
com relação a Dylan, é algo que faria por qualquer pessoa. E não
uma atitude guiada pelo fato de gostar dela.
Mas, hoje é véspera de Halloween e, por hora, eu opto por esquecer
o assunto e focar na festa que está acontecendo. Depois de um mês
conturbado e cheio de provas, trabalhos e jogos, outubro finalmente
chega ao fim e a fraternidade maior e mais antiga do campus está
promovendo sua festa mais tradicional.
Há pessoas por todos os lados, copos com bebidas, fumaças sendo
lançadas para o alto e as mais diversas fantasias. Por sinal, Johnny
e eu mandamos muito bem nas nossas. Quando ele sugeriu que
usássemos os macacões clássicos do filme Caça-Fantasmas, achei
que seria algo muito difícil de encontrar, mas Liam — que,
oficialmente, se tornou namorado de Johnny — nos ajudou na
confecção dos mesmos e tenho que dizer que ficou incrível.
Várias pessoas já nos elogiaram, inclusive Dafiny, que não poupou
esforços para escolher uma fantasia clichê e excessivamente curta.
Vestida de coelho, desde que chegamos, ela está na pista de dança
rebolando junto com algumas amigas.
Olho na direção da entrada da casa e me repreendo mentalmente,
porque já perdi as contas de quantas vezes direcionei meus olhos
para a porta grande, esperando ver Emma entrar. Até agora, não a
vi, e tampouco Dylan.
Por falar nele, continuamos a nos encontrar apenas nos horários de
treinos e durante os jogos, mas fora desses períodos, é quase como
se estivéssemos os dois evitando um ao outro.
— Eu reparei — comenta Johnny por cima da música alta. — Colin,
ficar vidrado na porta ou procurando por ela toda hora não vai
solucionar seus problemas. Ou você chega nela e fala a real ou
deixa o tempo realmente agir.
— Não posso chegar e sair despejando as coisas para ela. Nem
mesmo tenho certeza dos meus sentimentos.
— Concordo. Você realmente não pode simplesmente chegar e
despejar as coisas nela do nada. Só discordo do fato de não ter
certeza sobre os seus sentimentos. Não tem porquê ficar se
enganando, cara, e você sabe disso.
Antes que eu possa continuar nossa breve discussão, Liam
reaparece com um copo cheio de bebida e puxa Johnny para que os
dois possam dançar juntos a música que começa a tocar. Ergo meu
copo na direção deles e, quando fico sozinho, percebo que,
realmente, ficar escorado na parede de frente para a porta de nada
vai servir.
Por isso, quando avisto um colega de classe, vou até ele e tento me
entreter com o assunto dele e dos demais presentes na roda.

A festa está agitada e já bebi algumas cervejas, me sinto mais


relaxado e o ambiente parece mais divertido. Em partes, sei que em
outros tempos estaria aproveitando de outra forma, e apesar das
muitas ofertas indiretas e diretas de algumas garotas, simplesmente
não consigo.
Meu corpo reage a elas e o sinto implorar para que eu aceite a
proposta quando uma garota diz, em um sussurro no meu ouvido,
que quer me chupar no banheiro. Mas, eu simplesmente recuso a
oferta com um sorriso murcho.
Enquanto não colocar os pensamentos em ordem, não vou
conseguir transar ou mesmo ficar com outra garota. Não me lembro
quando foi a última vez, nunca fui de ficar contabilizando e pouco
me importo com isso. Só quero colocar minha cabeça no lugar.
O pensamento faz com que eu queira ficar recluso novamente, mas
ergo a cabeça e me recuso a agir assim. Inflando o peito, dou risada
de um comentário engraçado de um garoto que está na roda
comigo.
A parte dos fundos da casa está abarrotada de pessoas e o grupo
em que estou decide que é minha vez de ir buscar bebida, faço uma
breve contagem de quantas cervejas terei que trazer e vou em
direção à cozinha.
Quando chego ao local, começo a procurar, nos baldes espalhados
pela bancada, cervejas que estejam com uma temperatura
agradável e, enquanto faço isso, reconheço Alex e alguns outros
caras da república conversando, eles não notam minha presença e
tampouco me importo com o fato.
Isso até ouvir o nome que ressoa como um sino de igreja em minha
cabeça.
— Dylan vai perder dinheiro — pontua um dos caras da roda que
não consigo reconhecer quem é. — Tá na cara que essa garota não
vai ceder.
— Ele deve estar com as bolas roxas de tanto tesão reprimido. — A
voz, que agora reconheço, é de Kurt Olmes, um dos reservas da
defesa. — Não que ele esteja sem transar com mais ninguém,
mas...
Tenho vontade de gritar ao receber de forma gratuita a confirmação
que tanto desconfiava ser verdadeira. Dylan está transando com
outras garotas, o que não me surpreende nem um pouco.
Entretanto, fico em silêncio e me escondo atrás de uma das
pilastras da cozinha para que eles não me vejam e continuo a
prestar atenção na conversa.
— Eu não sei porque ele ainda está se dando ao trabalho — dessa
vez, é Alex quem fala. — Acho que é o orgulho falando mais alto,
Dylan não quer perder uma aposta...
— Qual é o prazo dele? — Pergunta Kurt depois de dar uma golada
em seu copo.
— A aposta está de pé até essa primeira semana de novembro, se
ele não conseguir transar com a Emma até essa data, vai perder
dinheiro à toa. Inclusive, para ele ter sumido, deve estar com ela
agora, tentando...
Meu corpo simplesmente congela no lugar ao ouvir as palavras. Sei
que Alex continua falando, mas sou incapaz de processar o restante
de suas palavras, e muito menos as risadas que ecoam do grupo de
babacas que fazem parte do meu time.
E então, a realidade me atinge como um raio enviado por Zeus.
Dylan não está apenas ficando com outras garotas, como também
fez uma aposta sobre quando iria conseguir transar com Emma. Os
pensamentos passeiam pela minha cabeça de forma desenfreada.
Como podem haver caras tão idiotas como ele ainda hoje? Que jogo
sujo e doentio é esse que não leva em conta os sentimentos de
outra pessoa? Como ele pode ser canalha a esse ponto? Em que
porra de século nós estamos?
Minha cabeça lateja e todo o álcool presente em meu corpo
evapora, fico sóbrio em questão de segundos. A festa a minha volta
não faz mais o menor sentido, só existe uma coisa que preciso
fazer.
“Ele não vai mexer com ela. Não desse jeito. Não se eu puder
impedir. E eu vou”.
Não vejo nada à minha frente quando começo a empurrar as
pessoas pelo caminho. Só tem um rosto que preciso encontrar, só
tem uma pessoa que preciso achar.
Emma.
 
Capítulo 21

Tem alguma coisa errada na noite de hoje.


É uma sensação estranha que tem tomado conta de mim. Me sinto
exatamente como na vez em que entrei no mar e uma água viva
queimou minha perna. Não foi nada grave e, por sorte, água
salgada e vinagre ajudaram a curar o ferimento, mas eu me lembro
que foi um dia em que eu não estava com vontade de ir à praia — o
que causou certo estranhamento, porque sou apaixonada pelo mar
— mas era quase como se estivesse pressentindo o que iria
acontecer.
Estou com essa sensação hoje, como se algo fosse dar errado.
Mas, o que poderia dar errado, afinal de contas?
— Você parece tensa, Em — Dylan me abraça pela cintura e planta
um beijo molhado em meu pescoço. — Está tudo bem?
— Uhum — respondo em um tom baixo e viro o pescoço um pouco
para olhar em seus olhos.
Dylan assente com um sorriso fraco nos lábios, mas sua mão
permanece em minha cintura, passeando de cima para baixo numa
dança lenta. Vez ou outra, ela toca levemente a lateral do meu seio,
e eu sei que em qualquer outro momento, estaria sedenta para
beijá-lo até perder o fôlego, mas estou incomodada por conta de um
comentário feito por ele.
Planejei minha fantasia junto com Kath e adorei quando ela sugeriu
que eu me fantasiasse de Daenerys Targaryen, uma das minhas
personagens favoritas de todos os tempos. Pedi ajuda da minha
mãe para encontrar o figurino e ela adorou a ideia, disse que era
bem mais original do que ela e papai que haviam se fantasiado de
diabo e anjo em seu último ano de faculdade.
Estou vestida com uma roupa semelhante à de Daenerys durante a
temporada em que ela recruta o exército dos imaculados, o tecido
azul do vestido é lindo e tem duas fendas nas laterais. Meu cabelo,
por já estar loiro, só precisou de uma trança feita pelas mãos
habilidosas de Kath que, por sinal, aproveitou sua semelhança física
para se fantasiar de Missandei, a melhor amiga da rainha dos
dragões.
Estava ansiosa para encontrar com Dylan e ver qual fantasia ele
havia escolhido para usar. Apesar de não ter sido muito original ao
escolher um pirata, ele está lindo, não posso negar. Os olhos
castanhos parecem ainda mais escuros dado o lápis preto na linha
d’água, ele tem um lenço amarrado na cabeça e até mesmo colocou
tatuagens removíveis nos braços, a pequena argola que ele tem na
orelha foi só mais um detalhe para completar o visual.
Quando ele foi me buscar, estava ansiosa para saber o que ele iria
achar da minha fantasia, e apesar do beijo caloroso, o curto diálogo
que tivemos me deixou incomodada.
— E então, o que achou?
— Você está muito gostosa nesse vestido. Você está parecida com
ela, mesmo que a Daenerys não tenha olhos puxados como os
seus.
A frase me pegou de surpresa, porque Dylan nunca havia feito um
comentário pejorativo assim. Sou neta de sul-coreanos, e ainda nos
dias de hoje, não canso de ouvir comentários a respeito dos meus
olhos, o racismo enraizado contra nós.
Isso é algo que sempre me incomodou, e para além disso, senti
como se minha caracterização de Daenerys não tivesse validade,
como se eu só pudesse me fantasiar de personagens cujas origens
são as mesmas que a minha. 
Estou até agora incomodada com sua frase e isso tem me impedido
de curtir a festa e, por consequência, de curtir com ele. Não quero
brigar com Dylan, mas sinto que se não falar o que estou sentindo,
não vou mais conseguir ficar perto dele. Nunca fiquei calada diante
de coisas como essa e decido que não será agora que vou me
silenciar.
Toco sua mão, que está espalmada em minha cintura, e me viro de
costas para as pessoas que estão em nossa roda.
— Preciso te falar uma coisa, mas não quero que você fique
chateado comigo.
— Claro, pode falar — ele responde dando um gole em seu copo e
sua atenção se volta para mim.
— Fiquei incomodada com o que você falou dos meus olhos,
quando nos encontramos. — Falo as palavras em uma velocidade
rápida, como se aquilo pudesse me livrar da sensação ruim. — Só
porque tenho ascendência sul-coreana, isso não significa que eu
tenha que me fantasiar apenas de personagens com traços iguais
aos meus.
— Emma, eu não sei o que fiz de errado, mas...
— Sei que você não sabe, e é por isso que estou te falando —
corto-o brevemente e continuo — o racismo contra os amarelo-
asiáticos muitas vezes vem de forma sutil. Passei boa parte da vida
tendo que explicar que meus olhos não são puxados e seu
comentário me deixou desconfortável.
— Desculpe, Emma. Me desculpe, de verdade — ele soa triste e
vejo seu olhar transitar por meu rosto, ele está arrependido e
consigo sentir isso. Dylan coloca uma mecha do meu cabelo atrás
da orelha e faz um carinho doce em minha bochecha. — Jamais
quis ofender você ou algo do tipo, não sou esse tipo de cara. Não
quero que você se sinta mal ou que isso desperte memórias ruins
em você. Acredite quando eu digo que você é a garota mais bonita
da festa.
Dou um sorriso para ele porque acredito que ele esteja sendo
sincero comigo, porque acredito que não tenha sido sua intenção
soar preconceituoso e porque não quero mais ficar mal com ele.
— Tudo bem.
— Podemos ficar de bem agora? — pergunta piscando os cílios
longos para mim. Dylan simula ficar de joelhos e fala um pouco mais
alto. — Oh! Mãe dos dragões, por favor, permita que eu me redima
da atitude incoerente com vossa alteza!
Dylan desperta risadas das demais pessoas na roda em que
estamos e com vergonha, apenas assinto e deixo que ele me
envolva em seus braços e me puxe para um beijo caloroso.
Aliviada por nossa primeira discussão, por assim dizer, ter sido
resolvida, decido que é hora de aproveitar de fato a festa. Quando
nossos lábios se desgrudam, pergunto baixinho perto dele.
— O que você está tomando?
Dylan sorri travesso para mim e me puxa em direção a parte de
dentro da casa para pegarmos mais um pouco de bebida.

Estou na pista de dança junto com Kath. Depois dela sumir no


começo da festa, nos encontramos novamente e agora ela está
dançando comigo. O remix de alguma música que não reconheço
toca alto nas caixas de som e a melodia soa de forma sensual,
movimento meu corpo no ritmo e passo as mãos pelo meu cabelo,
já que o calor está forte dentro da casa.
Vejo um rapaz se aproximando de Kath e, diferente dos demais, ela
se vira brevemente e deixa que ele enlace sua cintura, o contato é
íntimo e há muito sendo dito na forma como os corpos dos dois se
movem.
Sinto uma mão espalmada em meu ventre e no mesmo instante, a
voz de Dylan ressoa em meu ouvido direito.
— Você está me matando com essa dança, Emma.
O hálito dele tem cheiro de cerveja e mais alguma coisa que não
reconheço, mas não me importo, porque o toque de sua mão me
desperta um desejo. Me viro de frente para ele e beijo seus lábios.
Nos movemos de forma casta, mas o beijo vai ganhando fôlego e,
logo, minhas mãos estão tateando em busca de espaço em seu
cabelo coberto pelo lenço.
As mãos de Dylan descem por meu corpo e sinto quando ele dá um
aperto forte em minha bunda. Ele desgruda a boca da minha e
sussurra próximo dos meus lábios.
— Vem comigo?
Sinto borboletas no estômago ao ouvir sua pergunta e respondo
com um sim mais baixo. Olho para Kath, e ela dá uma piscadinha
para mim, e se vira para ficar ainda mais próxima do rapaz com
quem dança. Dylan começa a me conduzir pelo caminho e logo,
estamos na parte de fora da casa. Ele tropeça nos degraus e
percebo que talvez não esteja tão sóbrio assim.
— Ei, você está bem? — Pergunto quando ele começa a dar risada.
Abraço-o de lado, mas Dylan rapidamente me toma em seus braços
e vira meu corpo para ficar de frente para o seu.
— Estaria melhor se estivesse fodendo você.
Dylan ataca minha boca em um movimento surpresa, mas não fecho
os olhos, porque sua frase não soa nem um pouco como as
sacanagens que ele costuma falar quando estamos dando uns
amassos. Se o efeito era me despertar arrepios, não dá certo, e
esse talvez seja o sinal de que essa não é mesmo a nossa noite.
— Dylan, acho que é melhor levar você para casa — empurro-o pelo
peito, mas não tenho metade da força necessária para me afastar
de seu aperto.
— Qual é, Em! Vem aqui.
Ele cola os lábios novamente nos meus e eu, novamente, não
correspondo ao seu toque. Sua língua se move em minha boca e
não sinto emoção alguma, não estou gostando da forma como ele
está agindo.
— Para, Dylan, por favor. — Peço com a voz ainda entrecortada por
conta do beijo que ele continua insistindo em me dar. — Dylan, para!
— Peço novamente, dessa vez sendo mais incisiva.
Empurro seu peito e ele começa a resmungar algo que não
compreendo, só quero sair daqui, só quero apagar esse momento
da mente.
Leva menos de um segundo antes que eu sinta uma mão forte me
afastar de Dylan e para que eu o veja caindo no chão. Leva menos
de um segundo também para que eu perceba que, quem o afastou,
e agora, desfere socos em seu rosto, é Colin.
— Eu vou quebrar a sua cara, seu filho da puta!
O barulho de ossos batendo faz com que eu fique mais assustada,
Colin desfere uma sequência de três socos até que um cara alto e
negro, que reconheço como o amigo de Colin, John, o tire de cima
de Dylan.
— Colin, se acalma, cara! — Pede o amigo.
— Esse filho da puta estava beijando-a à força! — A voz de Colin
soa grossa e sem fôlego.
E é nesse instante que percebo que meu corpo está tremendo.
Meus olhos ainda estão presos na imagem de Dylan e seu rosto
levemente ensanguentado. Ele não reagiu aos socos de Colin,
provavelmente está mais bêbado do que eu havia imaginado.
Como, em questão de segundos, o cara gentil que dançava
sensualmente comigo, se tornou o idiota que não liga para o “não”
de uma garota?
A festa continua a acontecer, mas algumas poucas pessoas por
perto nos olham e observam a cena, um cara que não reconheço
levanta Dylan, mas não olho para ele, porque sinto uma mão tocar
meu braço.
— Emma? Você está bem? — A voz de uma garota ressoa ao meu
lado e também a reconheço de vista. Acho que já a vi com Colin,
mas não faço ideia de seu nome.
Afirmo em positivo, mas sinto uma lágrima começar a escorrer em
meu rosto.
— Quero ir embora. — Murmuro baixo e quando sinto outra mão me
tocar, ergo os olhos para encontrar Colin me olhando com atenção e
com a feição triste.
— Deixa eu te levar para casa?  — Sua voz soa como um pedido,
mas também como uma afirmação.
Respondo com um sim quase sem som, e não presto atenção em
mais nada à minha volta. Começo a caminhar na direção da minha
casa e só sei que não estou sozinha porque consigo ouvir os passos
de Colin logo atrás de mim.
A festa acontece na fraternidade mais antiga do campus, e também
a mais distante da minha, o que faz com que, conforme vamos nos
afastamos, o som fique mais baixo e logo, o silêncio toma conta da
rua. Meus passos são rápidos e sinto o vento gelado bater em
minhas pernas, estico a mão brevemente para frente e vejo que
estou parando de tremer.
Tento controlar minha respiração enquanto caminho e, ao me
aproximar da minha casa, meus passos se tornam ainda mais
rápidos. Quando estou em frente a sororidade, ouço Colin me
chamar.
— Emma...
A voz dele desperta em mim uma ira enorme, não sei de onde vem
todo esse sentimento, mas é como se tudo à minha volta fosse
tingido de vermelho. Não entendo minhas ações, mas quando me
viro, dou um soco no peitoral de Colin.
— Por que ainda está aqui, seu idiota? — Ralho brava — O que
você quer afinal de contas? Veio atrás de mim para dizer “eu te
avisei”? Para se gabar que estava certo?
— É claro que não, Emma, eu...
— Você o quê? — Pergunto, não deixando que ele continue a falar.
— Fica feliz em ver que quebrei a cara? Me avisou que ele era um
idiota? Pois adivinha só, Colin: eu sei! — Grito com todo o ar que há
em meus pulmões. — Agora eu sei que ele é um idiota, assim como
os outros!
— Por favor, Emma. Fique calma. — A voz de Colin soa rouca e
consigo sentir a tristeza e a súplica em suas palavras. — Eu sinto
tanto que isso tenha acontecido com você. Deus, eu quero quebrar
ainda mais a cara daquele idiota! — Colin fala com a voz baixa,
entre os dentes. Ele estica a mão esquerda e toca a minha com
delicadeza. — Eu preciso que você fique calma, baixinha. Por
favor...
O apelido surge novamente entre nós sem nenhuma conotação de
provocação. É a segunda vez que isso acontece. Colin usou a vida
toda o apelido para caçoar da minha baixa estatura, mas dessa vez,
não tem nada de provocativo na forma como me chama, há
preocupação em sua voz. Há doçura no tom com o qual ele
verbaliza o baixinha.
E pela segunda vez, sinto meu corpo e meu coração se aquecerem
ao ouvi-lo. A voz grossa de Colin soa de forma calma em meus
ouvidos, nossas mãos não estão se tocando por completo, apenas o
indicador e o dedo médio estão entrelaçados, estou olhando para
eles e para meus pés quando ouço a voz de Colin dizer meu nome
novamente.
— Emma Kim...
Ergo o rosto e meu coração dispara ao ver seus olhos presos em
mim, atentos em cada traço do meu rosto. 
Sinto ele hesitar em dar um passo à frente, como se não soubesse
se deve se aproximar ou não, como se estivesse com medo de me
tocar. As íris castanhas de Colin se prendem às minhas e sinto
borboletas em meu estômago. O nervosismo que antes tomava
conta de mim é substituído por uma sensação quase de
tranquilidade.
A questão é que não há nada de tranquilo quando se trata de mim e
Colin. Somos como faíscas de fogo, sempre esperando uma brecha
para incendiar o que estiver à nossa volta.
A forma como ele está me olhando agora não tem nenhum
julgamento, nenhuma conotação de brincadeira, não há nada de
Colin Cooper Sullivan, o garoto que passou boa parte da minha vida
sendo um pé no saco.
Sou apenas capaz de ver compaixão, medo, angústia, tristeza e
mais alguma coisa que não reconheço. E vê-lo agir dessa forma, ver
todos esses sentimentos entre nós, faz com que minha cabeça vá
para uma direção completamente oposta da raiva latente que havia
em mim segundos atrás.
— Baixinha... — ele sussurra baixo novamente o apelido e sinto um
arrepio me percorrer, mas não de medo.
É o completo oposto. Meu coração, que estava mais tranquilo
segundos atrás, dispara. Meus olhos ficam presos aos dele.
— Por que ainda está aqui? — Pergunto, com a voz quase falhando,
tentando entender os sentimentos que estão sendo despertados por
conta dele.
— Porque preciso saber que você vai ficar bem, Emma Kim. — Sua
voz é um murmúrio baixo, mas ainda assim, ele não tira os olhos
dos meus. — Preciso que você fique bem. Meu coração...
— Por que você se importa com isso? Por que está se importando
tanto comigo, Colin? — Me aproximo um passo dele e nossos
braços já não estão mais tão esticados, demarcando nossa
distância.
Sinto meu coração disparar mais ainda, minhas mãos formam
pequenas gotículas de suor e o ar parece se comprimir em meu
peito. Colin esfrega a mão que não está junto a minha no macacão
marrom, e noto quando seus olhos brilham um pouco mais.
A luz do poste ilumina só um lado de seu rosto e noto quando seu
pomo de Adão sobe e desce, engolindo a saliva. Noto quando um
suspiro deixa seus lábios e seus ombros ficam menos rígidos, ele
abre a boca, e as palavras que saem dela são as últimas que eu
poderia ter imaginado ouvir.
— Porque acho que gosto de você, baixinha.
Ouço quando ele limpa a garganta e noto a hesitação em seu olhar,
como se estivesse com medo e tão assustado quanto eu pelas
palavras que acabou de dizer. Ele umedece os lábios com a
pontinha da língua e percebo quando sua respiração acelera.
Seus dedos ainda estão juntos aos meus, é a única parte do nosso
corpo que está se tocando. São eles que me fazem acreditar que o
que acabou de acontecer é real.
Uma confissão.
O peito de Colin sobe e desce rápido, como se o ar faltasse em
seus pulmões. Sinto a mesma coisa. Tudo fica condensado a nossa
volta e a única coisa que sou capaz de ouvir é um looping infinito de
sua última fala.
Todas as sensações me dominam de uma vez só. Eu jamais teria
acreditado, se uma Emma do futuro, em uma viagem do tempo, me
contasse que Colin Cooper Sullivan diria em algum momento que
gosta de mim.
Esse, com certeza, não é o melhor momento para dizer essas
palavras. Mas, ao mesmo tempo, também é. Porque estamos
sozinhos e expostos, não há nada entre nós, ninguém por perto,
nenhum som além da nossa respiração.
Em segundos, é como se todos os reflexos que tive durante a vida
toda, as imagens que se formavam de nós dois ganhassem vida.
Como se não passassem de um déjà vu.
E só existe uma coisa que eu queira fazer, e ela é ainda menos
racional e coerente do que as palavras que Colin acabou de dizer.
Solto nossos dedos, acabo com a distância que ainda há entre nós
e subo na ponta dos pés, puxando seu rosto na direção do meu,
selando nossos lábios em um movimento rápido.
E de repente, como numa epifania, tudo parece fazer sentido.
Meu coração bate ainda mais forte do que antes, há um misto de
sensações em mim. Pouco tempo antes, o cara que eu achava que
havia ganhado minha confiança e por quem eu acreditava estar me
apaixonando, tentou me beijar à força, presenciei uma briga e fui o
motivo dela. E agora, os lábios de Colin estão junto dos meus. Eu o
beijei.
Me afasto devagar  e ele também. Vejo seu corpo inclinado próximo
ao meu, por conta da nossa diferença de altura. Nossas bocas ainda
estão próximas e ao tocar meus lábios com o indicador, percebo que
eles estão formigando.
— Emma. — Colin me chama e o encaro. — Não queria que fosse
assim, não era para ser desse jeito, não queria que as coisas
tomassem esse rumo, mas o que eu disse...
Não deixo que Colin complete a frase, ergo meus pés e novamente
encosto meus lábios aos dele pela segunda vez. O primeiro beijo foi
como um impulso, como se eu estivesse tentando provar a mim
mesma que essa noite não precisava ser um desastre completo,
mas agora, esse segundo beijo é completamente diferente.
Dessa vez, meu coração ainda bate descompassado, mas consigo
sentir outras sensações, como o cheiro de sua colônia mesclado ao
sereno, o gosto de seus lábios, como eles são finos e como se
encaixam perfeitamente nos meus. Eu quero tocá-lo. Eu preciso
tocá-lo.
Ao mesmo tempo em que minhas mãos vão em direção aos seus
cabelos, Colin repousa gentilmente as palmas em minha cintura, eu
quase não sinto seus dedos. É perceptível o receio que ele parece
ter por estar me tocando, mas não quero que ele tenha medo, não
quero que ele hesite em me tocar por conta do que aconteceu há
pouco.
Quando meus dedos tocam os fios castanhos de seu cabelo em um
carinho terno, Colin parece entender que realmente quero que esse
momento entre nós aconteça. É só então que sinto sua língua por
entre meus lábios, num pedido quase casto para me beijar de
verdade. Abro os lábios em uma fresta e quando elas se tocam, me
torno mais do que consciente do que está acontecendo.
Estou beijando Colin Cooper Sullivan. E isso parece certo. É como
se eu tivesse esperado por esse momento a vida toda, como se nós
simplesmente tivéssemos nascido para isso, para estarmos juntos.
É como ver o mar revolto em uma tempestade e, horas depois,
navegar pelas ondas calmas e desfrutar. É tranquilo, é pacífico, é
perfeito.
É como se eu estivesse ganhando um jogo, mesmo que nunca
tenha praticado esporte algum e saiba de fato como é o sentimento
de vitória.
O beijo dura menos de dez segundos. Sinto Colin se afastar
devagar de mim e quase solto um resmungo por tê-lo longe.
Entretanto, as palavras que deixam meus lábios fazem com que a
realidade recaia sobre nós.
— O que foi isso, Colin? — A pergunta sai como uma lamúria baixa,
como se estivesse brincando de telefone sem fio e tentasse
esconder a frase secreta dos demais jogadores.
Seu rosto e seu corpo se afastam do meu e vejo um brilho em seus
olhos castanhos. Como se Colin se transformasse em água, suas
expressões se tornam cristalinas e consigo enxergar todas as coisas
que não estão sendo ditas por nós.
Ele nunca foi de recuar, não tão rápido assim, estou esperando uma
resposta de seus lábios, mas ele responde minha pergunta com
outra.
— Você vai ficar bem?
Balanço a cabeça afirmando que sim, e decido que também preciso
recuar. Ele se afasta a passos lentos de mim, colocando, centímetro
a centímetro, uma distância entre nós, ele caminha de costas, sem
tirar os olhos de mim.
Eu, tampouco, consigo quebrar o contato. Nenhum de nós diz nada,
mas não precisamos dizer muita coisa, porque nossa linguagem
corporal parece falar por nós.
Toco meu lábio com o indicador novamente e Colin faz o mesmo. E,
nesse pequeno gesto, é como se nós compreendêssemos, como se
a realidade recaísse de uma vez só sobre os dois.
Escolhemos o pior momento do mundo para nos beijarmos. Não
poderia haver timming pior para constatarmos que essa
necessidade sempre esteve presente entre nós.
Mas sentimos a mesma coisa nessa ação.
Colin, ao chegar na borda da calçada, finalmente dá as costas para
mim. Faço o mesmo e caminho em direção a porta de casa. Abro a
mesma com a chave que havia colocado no sutiã e ao fechá-la,
deslizo pela madeira, como se estivesse em um filme de comédia
romântica clássico.
Tenho infinitas memórias de Colin, histórias de sobra sobre ele, com
ele, sobre nós, sobre nossas famílias. Passamos boa parte da vida
nos provocando, irritando um ao outro. Passei boa parte da minha
vida encarando-o como o “garoto que me tirava do sério”. Mas,
neste momento, Colin se torna o “garoto que roubou o ar dos meus
pulmões”.
Capítulo 22

Já faz um tempo desde que escrevi a última vez neste caderno, é


verdade. Mas, os dias estão passando rápido para todos nós. Tanto
é verdade, que suas cartas de aprovação na faculdade começaram
a chegar.
Cartas. No plural.
Emma, eu não sei como ainda cabe tanto amor e orgulho de você
no coração meu e do seu pai. Sua avó Jina e seu avô David
estariam muito orgulhosos de você, tanto quanto seu avô McGlam
está neste momento.
Por falar nele, me emocionei muito quando ele ligou para te dar os
parabéns e, depois, falou comigo para agradecer por ter dado a ele
uma família tão perfeita e uma neta tão especial quanto você e
também como Kyle.
Chorei ao telefone. E depois chorei mais um pouco com seu pai,
porque nem mesmo nos nossos sonhos mais malucos, nós
poderíamos imaginar que dois jovens universitários poderiam
conceber um ser tão incrível quanto você.
Quando fiquei grávida de Kyle, eu já sabia que ele seria um garoto
especial, já tinha uma bagagem sobre como ser mãe, o que fazer, o
que não fazer. Eu não tive medo algum de enfrentar uma segunda
gravidez, porque já tinha experiência no assunto.
Agora, você, Emma Kim... Você nos pegou de surpresa.
Nesses últimos meses, tem sido difícil não me lembrar da sua
história, e, por consequência, da minha história e do seu pai como
um casal.
Descobrir que estava grávida de você foi uma das coisas mais
malucas que já me aconteceu. Sei que você conhece a história, mas
todas as vezes que me lembro do momento exato em que me dei
conta de que uma vida nascia dentro de mim, ainda sou capaz de
sentir a mesma adrenalina que me atingiu naquela fatídica noite de
estreia da minha peça de teatro na faculdade, e meu quase vomito
em cima do palco.
Nunca vou me esquecer de quando fiz o teste de gravidez, na
farmácia perto de casa, junto com sua tia Heather. Ela, no ápice da
euforia por finalmente ter se acertado com Nash, mas ao mesmo
tempo, sem saber se os dois iriam ficar juntos e dar conta da
distância que começava a colocá-los em lugares opostos.
E eu, aprendendo a construir um relacionamento junto com seu pai,
prestes a estrear uma peça, a última do meu ano de faculdade, a
que teria produtores importantes nos assistindo, era o momento em
que meu futuro seria definido. E ele de fato foi, ainda em cima
daquele palco antigo da universidade.
Na semana antes da estreia, eu sabia que algo estava errado. Eu
havia notado que, desde os últimos jogos do campeonato, estava
sentindo alguma coisa estranha com meu corpo. O cansaço, o sono
repentino, alguns comportamentos não faziam sentido, mas a minha
vida estava tão agitada na época, que eu não dei a devida atenção
para os fatos.
Até o dia em que uma colega de república comentou, durante o café
da manhã, como eu parecia cansada. Tentei não me importar com o
comentário sobre minhas olheiras roxas embaixo dos olhos e me
expliquei para ela. Mas, quando uma outra colega entrou na cozinha
abatida por conta de cólicas menstruais, foi quando me dei conta.
Eu estava muito atrasada.
Naquela noite, pedi que Heather me levasse à farmácia. Fiz o teste
no banheiro apertado do estabelecimento com sua tia do meu lado,
e quando os dois risquinhos apareceram, eu sabia que não tinha
mais volta.
Passei todos os dias depois daquela noite evitando seu pai, ou
quando o encontrava, eu o tratava mal. Lembro que ele vivia me
enchendo de lanches, sucos e insistia em me levar para almoçar ou
jantar, enquanto eu lutava para disfarçar o enjoo.
Torcia para que ele entendesse que havia algo de errado, porque eu
simplesmente não tinha coragem de verbalizar as palavras. Eu
estava apavorada, Emma. Eu não fazia ideia do que aquilo poderia
implicar, não fazia ideia de como ele iria reagir, não fazia ideia de
como seus avós iriam lidar com a questão. Não fazia ideia do que
eu iria fazer.
Na noite da estreia, eu estava passando muito mal, muito mesmo.
Mas, fiz meus exercícios de respiração, minhas meditações, que, na
época, começavam a fazer cada vez mais parte da minha vida e
entrei no palco.
Porque, Emma, você sabe que o teatro é um lugar sagrado para
mim, eu jamais deixaria de me apresentar.
Sempre brinco que tenho três grandes paixões na minha vida: você
e seu irmão (no mesmo grau e intensidade, porque não existe essa
de amar mais um do que outro); seu pai e os palcos. E hoje, toda
vez que me lembro desse momento, só consigo pensar que não há
nada mais a minha cara do que passar mal devido a sua gravidez
durante uma apresentação.
Durante a peça, em um dos atos, nós precisávamos comer em
cena, era comida de verdade e eu me lembro que, ao sentir o
cheiro, tudo começou a girar, eu precisava vomitar.
Eu simplesmente travei, minha fala se perdeu em minha mente e
quando olhei para frente, seu pai estava bem ali, com um sorriso no
rosto, me incentivando, me dizendo, indiretamente, que acreditava
em mim. E então, eu saí correndo para o banheiro.
Depois, eu soube que eles improvisaram bem o incidente, mas
confesso que, quando saí pelas coxias, eu só conseguia pensar no
embrulho forte em meu estômago. Corri para o banheiro do camarim
grande que tínhamos e vomitei tudo.
Meu cabelo estava solto pelas minhas costas e quando senti uma
mão segurando-os e se abaixando até mim, eu simplesmente sabia.
Eu sabia que era seu pai.
— Você está grávida, não é, amor?
Limpei a boca com o dorso da mão e com as lágrimas despontando
nos olhos, murmurei baixo.
— Como você sabe?
E o seu pai, com seu humor único, os olhos azuis mais lindos que já
vi e o sorriso que, até hoje, me desperta frios na barriga, me disse.
— Notei seu mau humor, sua falta de apetite. E seus seios estão
enormes, não consigo parar de olhar para eles.
E em meio ao vômito e à emoção de uma peça, diante de todo
aquele turbilhão de emoções, seu pai me fez rir. Ele me ajudou a
levantar do chão, limpou meu rosto e ordenou que eu voltasse a
brilhar no palco. E eu o fiz. Finalizei a peça, fui ovacionada naquela
noite e horas depois, deitada ao lado do seu pai, eu constatei o
óbvio.
Primeiro, que eu estava grávida. E segundo, que eu estava
apaixonada por ele.
E filha, constatar essas duas coisas tão importantes, naquele
momento, me atingiram de uma forma avassaladora. Não foi fácil e,
você sabe, eu nunca romantizei o começo da sua história porque ter
dificuldades não diminuiu o amor que tenho por você, pela nossa
família ou por seu pai. Muito pelo contrário, eu diria que cada uma
dessas dificuldades fez com que o seu nascimento e a concepção
da nossa família ganhasse ainda mais significado.
E falar sobre isso me transmite uma porção de sentimentos, mas o
mais latente deles, no momento, é o amor que tenho por seu pai,
que naquela noite, provou que estava ali por mim, que me amava
numa intensidade muito maior do que eu jamais poderia ter
imaginado. Aquele homem, abraçado a mim no banheiro, sendo
forte por nós dois... Sinceramente, Emma. Seu pai é o homem mais
incrível do mundo.
Tivemos nossos altos e baixos nesse período? Tivemos. Mas, hoje,
enquanto termino de escrever essas páginas, sei o quanto isso foi
importante para a nossa história, para somar ainda mais ao nosso
amor.
O amor que tenho por ele, por você e por seu irmão é uma
constante em minha vida. Há momentos em que demonstro mais,
momentos em que demonstro menos, mas o amor não deixa de
estar ali presente. Por exemplo, enquanto escrevo aqui, seu
progenitor está sentado na cama, de banho recém-tomado, com os
óculos de armação preta no rosto e os olhos azuis pregados em um
livro, um romance daqueles que eu já te emprestei e que tanto amo.
E por ser ligada às artes, à literatura e tantas outras coisas, não
consigo deixar de pensar que, ainda que à minha forma, do meu
jeito, eu tive minha própria história digna de um romance. E ela
começou exatamente no mesmo lugar onde você em breve estará.
Na faculdade.
Algo me diz, Emma, eu não sei porque, mas sinto que você vai viver
grandes coisas, querida. Não só academicamente falando, mas fará
grandes descobertas no amor, na amizade, descobertas sobre si
própria e sobre tantas outras coisas. 
Só, por favor, não fique grávida. Deixe essa história apenas para
mim.
Capítulo 23

Nunca pensei que fosse possível viver dentro de um quarto, ainda


mais em um que não tivesse banheiro, mas, há quase uma semana,
tenho provado a mim mesma que essa é uma opção completamente
viável.
Me tornei minha própria refém e não tenho pretensão de mudar isso,
não por enquanto.
Meus trabalhos estão todos em dia, minhas leituras também e, no
momento, estou sentada lendo algo para me entreter. Cheguei da
faculdade determinada a jogar Battle Of Bastards, mas nenhum dos
meus amigos do jogo, ou mesmo meu irmão, estão online, e não
quero jogar com uma equipe que não conheço, por isso, deixei de
lado a ideia.
O livro que estou lendo tem uma escrita densa, mas não me
importo, qualquer coisa no momento é melhor do que deixar minha
cabeça retornar para a sexta-feira passada.
O celular vibra e olho para a tela de relance para ver de quem é a
notificação, o nome na tela não é da minha mãe ou do meu pai,
então simplesmente ignoro. Excluí todos os aplicativos de redes
sociais desde sábado, estou sumida e pretendo continuar assim.
Entretanto, tem uma pessoa de quem não vou conseguir fugir por
muito mais tempo. Kath tem me procurado todos esses dias, mas
sempre arrumo uma desculpa para não a encontrar, porque sei que
quando ela olhar em meu rosto, vai saber que tem algo de errado
acontecendo. Nossa relação é tão intensa que, quando ouço uma
batida na porta, eu já sei que é ela.
— Emma Kim? Eu sei que você está aí. — A voz de Kath ressoa
através da porta. — Não vai adiantar fugir mais de mim.
Respiro fundo e me levanto, indo em direção à porta e abrindo-a.
— Oi, Kath. — Cumprimento-a com um sorriso amarelo e da melhor
forma que posso.
— Bom saber que você ainda sabe meu nome — ela caminha para
dentro do quarto e senta-se em minha cama. — Senti sua falta
esses dias todos, você está me evitando.
— Não é isso. Só estou estudando bastante. Aquele professor de
pensamento político moderno que comentei com você não para de
passar textos, e se não lermos todos, parece que a aula não faz
sentido nenhum. — Comento sem olhar para ela, enquanto me
sento na cadeira da escrivaninha e coloco o livro que estava lendo
no colo, analisando as páginas, ainda me recusando a olhar para
Kath.
— Em, Tem alguma coisa errada com você. — Afirma, de forma
categórica.
— Claro que não — respondo rapidamente e me viro para olhá-la,
numa tentativa de disfarçar o incômodo. — Por que diz isso?
— Porque você está lendo Proust. — Fala como se fosse uma
conclusão óbvia.
— E isso deveria significar alguma coisa? — Pergunto.
— Gilmore Girls, primeira temporada, acho que episódio dez ou
onze — Kath faz uma conta breve com os dedos, como se tentasse
se lembrar e confirmar se a informação que está dando é certa. — A
Lorelai está saindo com o Max, professor da Rory, e pega Proust
emprestado dele. Ela fica o episódio inteiro tentando devolver o
livro, tudo para fugir de conversas sérias. — Kath ergue uma
sobrancelha e senta-se com as pernas cruzadas. — O que está
acontecendo, amiga?
Encaro-a abismada por dois motivos. O primeiro porque Kath me
conhece há apenas alguns meses e já é capaz de perceber quando
há algo de errado comigo. E segundo por usar uma referência de
seu seriado favorito para me decifrar. Kath, definitivamente, é a
amiga mais incrível que eu poderia ter.
A forma com que ela me olha faz meus olhos começarem a arder,
sei que preciso falar sobre o ocorrido com alguém, mas verbalizar
torna tudo real, tanto a parte ruim, quanto a parte boa.  Não quero
chorar, mas parte de mim não aguenta mais segurar tantas
emoções.
Kath percebe minha hesitação e estende os braços, me chamando
para um abraço. E, exausta de segurar tudo o que aconteceu dentro
de mim, encurto nossa distância e caio nos braços da minha amiga.
Desde sexta-feira e, por consequência, do Halloween, não converso
com ninguém a respeito do que aconteceu. A festa grande e agitada
fez com que o incidente entre mim, Dylan e Colin não se
propagasse ou virasse notícia, o que me deixou realmente aliviada.
Quando começo a contar a Kath o que aconteceu, não me
surpreendo ao ver que ela não fazia ideia do ocorrido. Percebo seu
corpo tensionar e o meu também ao contar sobre a tentativa de
Dylan de me beijar à força.
Relembrar o momento faz com que eu sinta tudo novamente: a
vergonha, o medo, a tristeza. E mais do que isso, faz com que eu
me sinta uma idiota por me deixar levar por ele, por suas palavras e
ações.
— Emma, eu sinto tanto! — ainda estou deitada em seu colo e Kath
massageia meus cabelos com delicadeza, o que contrasta e muito
com o tom de voz que ela usa. — Céus, eu quero quebrar a cara
daquele idiota agora! Me desculpa por não estar perto de você, eu
não deveria ter...
— Ei! Não é sua culpa! — Pontuo firme. — Não é sua culpa que
Dylan não saiba escutar não.
— E nem sua culpa, né? Você sabe disso, certo?
— Sei. — Respondo sem hesitar para ela. — Sei que não tenho
culpa por um cara não saber respeitar meu não. Infelizmente, não
sou a única a passar por isso. Eu só me sinto uma idiota por ter
caído nas conversas dele.
— Se serve de consolo, você não foi a única. Eu também acreditei
fielmente que ele era um cara legal — responde Kath com a voz
carregada de raiva. — E ele te procurou em algum momento?
— Se o fez, não sei. Exclui todos os aplicativos de redes sociais e
bloqueei o número dele.
— Boa garota! — Minha amiga deposita um beijo em meus cabelos
e prossegue. — Sei que não deve ser uma pergunta legal de se
fazer, mas... Como você... — ela hesita.
— Como eu me livrei dele? — Questiono e ela assente. — Sabe a
ideia de quebrar a cara do Dylan? Bom, Colin já fez isso por você.
— Comento com a voz um pouco mais baixa e Kath inclina o rosto
para me olhar nos olhos. — Foi ele quem me resgatou do “incidente”
— faço aspas no ar e respiro fundo. 
— Ótimo! Me lembre de agradecê-lo depois — Kath fala com
firmeza na voz e puxa meus cabelos com delicadeza enquanto
começa a fazer uma trança com os fios. — Mas por que eu sinto
que a história não acabou aí?
Me ajeito em seu colo e, dessa vez, fico de frente para ela, vejo
Kath me olhando de cima de forma atenta e fecho os olhos,
tentando reunir coragem para falar do assunto que me incomoda mil
vezes mais do que o assédio de Dylan.
— Nós nos beijamos.
— Quem?
— Eu e Colin.
— O que tem vocês dois?
— Nós nos beijamos, Kath. Eu e Colin nos beijamos! — Exclamo e
vejo a expressão de Kath ir para vários caminhos diferentes. O
choque, a dúvida e, depois, um sorriso enorme se expande por seus
lábios.
— Ok, preciso de chocolates para escutar o restante dessa história.
Kath vai até seu quarto e rapidamente volta com um pacote enorme
de M&M’s de pasta de amendoim, seu favorito, e quando se
considera pronta, pede que eu conte a ela tudo o que aconteceu. E
então, pela primeira vez na semana, me permito reviver esse
momento com detalhes.
Conto da raiva latente que tomou conta de mim quando Colin e eu
chegamos na porta da sororidade, o jeito como o apelido que ele
sempre usou para me irritar soou de forma diferente pela segunda
vez. Finalizo contando sobre a confissão dele, de como fiquei
surpresa e segundos depois, meu coração disparou forte,
despertando sentimentos que, até agora, não sou capaz de
entender.
— E então, você o beijou? — Pergunta Kath e eu assinto. — E
como foi?
— A verdade? — Minha amiga revira os olhos e balança a cabeça
em afirmação. — Acho que poucas coisas na minha curta vida
fizeram tanto sentido quanto beijar Colin...
— Mas? — Completa.
— Isso é assustador, Kath. — Levanto da cama e começo a andar
pelo quarto. — Olha tudo o que aconteceu. Foi o pior momento do
mundo para alguém declarar qualquer sentimento por outra pessoa
e, em resposta, eu decido beijá-lo, não só uma, como duas vezes.
Ainda sinto meu corpo inteiro se arrepiar ao pensar em Colin e em
seu toque, não consigo pensar no que aconteceu entre mim e
Dylan, não quero falar sobre o assunto, mas é quase como se não
tivesse acontecido, porque só consigo me lembrar de Colin me
defendendo, dele me chamando de baixinha, dizendo que gostava
de mim, do toque de seus lábios...
Me viro para olhar Kath e ela tem um sorriso no rosto, e sem dizer
nada, eu sei exatamente o que ela está pensando. Talvez não haja
nada de errado em tudo isso. E constatar o mesmo que ela faz com
que a realidade me atinja de forma quase brutal, de jeitos que nunca
imaginei que poderiam acontecer, mas que, nesse instante, fazem
sentido.
Eu gosto do Colin.
— Acho que você percebeu tanto quanto eu o que está acontecendo
aqui, certo? — Questiona Kath.
— Em partes sim... — paro no meio do quarto para encará-la e
continuo. — Mas e se foi coisa do momento? E se minha atitude de
beijá-lo foi o calor do momento? Eu estava fragilizada e tinha
acabado de me decepcionar com o cara por quem eu achava que
estava começando a me apaixonar pra valer.
— Tudo bem, você tem um ponto. Mas e o Colin? E o fato dele dizer
que gosta de você, dele se declarar, isso não significa nada?
— Não sei, Kath... — suspiro indo em direção a janela. — Ele não
me procurou desde então.
— E você também não, né? — Comenta. — Talvez ele esteja tão
confuso e inseguro quanto você. Talvez por saber que não foi o
melhor momento para isso.
— O Colin, inseguro? Eu duvido muito. — Cruzo os braços.
— Emma, eu posso levantar muitas teorias aqui, mas só você vai
conseguir descobrir a verdade. Vocês precisam conversar, só assim
você vai compreender de fato o que está sentindo e também ouvir
da boca dele a verdade.
Aceno com a cabeça em concordância e me sento novamente ao
seu lado na cama. Kath deita ao meu lado e eu faço o mesmo.
Ficamos em um silêncio confortável, até que ela volta a falar.
— Quem diria que eu estaria certa. — Minha amiga dá uma
risadinha e me viro para olhá-la.
— Certa no que?
— Sobre vocês dois — dá de ombros. — Amor e ódio são uma linha
muito tênue, e entre vocês não era nem mesmo ódio, né? Eram só
umas provocações baratas. O que, agora, faz muito sentido. Tesão
reprimido o nome.
Pego meu travesseiro e jogo em seu rosto, enquanto ela começa a
rir. Kath me abraça de lado e me entretém com suas histórias da
festa que, por sinal, são bem mais legais que as minhas.
Ela comenta sobre sua necessidade de arrumar um estágio em uma
escola infantil e me comprometo a ajudá-la, menciono que pensei
em procurar por algum emprego de meio período, talvez na
biblioteca, e Kath vibra com a ideia.
Tarde da noite, quando me deito para dormir, me sinto mais aliviada
por ter conversado com minha amiga, por me sentir um pouco mais
preparada para enfrentar o mundo real. Entretanto,  há um assunto
latente dentro de mim que implora para ser resolvido de uma vez e é
ele quem me gera mais frio na barriga.

A semana segue e a minha rotina volta um pouco ao normal depois


da conversa com Kath. Minha amiga sabe que uma parte de mim
ficou reclusa com medo de encontrar Dylan pelos corredores da
faculdade e, por isso, sem que eu peça, ela me acompanha durante
quase todo meu período de aulas e tem ido estudar comigo na
biblioteca.
Tenho adorado sua companhia e, mesmo sem dizer nada, somos
cúmplices uma da outra, não consigo deixar de pensar que a adoro
por cuidar de mim dessa forma.
Nesse momento, estamos de frente uma para a outra na minha
mesa usual da biblioteca e, apesar de estar interessada no tema do
artigo que estou lendo, minha cabeça não consegue deixar de
pensar em Colin. Antes de conversar com Kath e explicar tudo que
havia acontecido, eu estava conseguindo evitar que meus
pensamentos se direcionassem para ele.
Entretanto, depois de verbalizar sua confissão e nosso beijo em voz
alta, não consigo evitar, Colin invade minha mente sem aviso prévio.
Me lembro de seu toque, de suas palavras, da forma como ele
parecia ter medo de me tocar mas, ao mesmo tempo, parecia querer
tanto quanto eu.
Não consigo evitar me questionar porque ele ainda não me
procurou. É uma batalha de vários exércitos: um quer deixar de lado
tudo que envolva Colin; outro quer procurá-lo, olhar em seu rosto e
decifrar cada uma de suas palavras e sua breve declaração, e há
um lado que grita forte para que eu o beije de novo.
Estou tentando ignorar todos esses exércitos ao mesmo tempo, o
que está me enlouquecendo aos poucos a cada minuto.
— Ou esse texto é muito ruim, ou tem outra coisa atormentando sua
cabeça — a voz baixa de Kath me desperta do transe. — Deixe-me
adivinhar: começa com “C”, tem quase um metro e noventa de altura
e uma beleza escultural? Você beijou recentemente... Sabe como é.
— O que eu faço, Kath? — Suspiro fundo e fecho o notebook com
força. — De verdade, o que você faria no meu lugar?
— Emma, eu já te disse. Eu conversaria com ele, sem rodeios, sem
meias palavras. E, beijaria ele também — reviro os olhos e ela
prossegue. — Estou falando sério. Beijá-lo é a única forma de você
saber se todos os arrepios, sensações e afins aconteceram por
conta do seu estado de choque, ou algo que você realmente sentiu
por ser ele, por ser Colin. Eu voto na segunda opção, mas isso sou
eu...
— Bom, vamos supor que, hipoteticamente, eu decida falar com
ele... — o sorriso de Kath se expande por seus lábios em
expectativa. — Você me ajudaria?
Ela murmura baixo um “aleluia” e fecha o livro que tem à sua frente.
— Achei que você nunca iria me pedir.
Dou risada e observo atentamente quando ela começa a digitar em
seu celular com velocidade e alguns minutos depois, minha amiga
se levanta.
— Vamos?  
— Para onde? — Pergunto enquanto guardo minhas coisas às
pressas.
— Para o centro esportivo. Colin está na academia.
— Como você sabe disso?
— Ah, Emma! Um mágico nunca revela seus segredos.
Dou uma risada breve, guardo minhas coisas e sinto meu coração
começar a errar as batidas enquanto saímos.
A distância entre a biblioteca e o centro de práticas esportivas é
relativamente longa, Kath e eu andamos alguns bons minutos para
chegarmos. Em qualquer outro dia, eu poderia dizer que os locais
ficam distantes um do outro, entretanto, durante a caminhada,
enquanto vou tentando encontrar desculpas para evitar meu
encontro com Colin, o tempo não é suficiente para que apresente
todos os meus argumentos.
— O treino já acabou, Emma. Colin está na academia sozinho, é a
sua chance de falar com ele.
— Você tem certeza? E se...
— Em! — Kath me para no corredor longo que leva até a academia.
— Você pode não querer conversar com ele, e eu vou entender.
Mas colocar empecilhos onde não há não vai adiantar e nem
mesmo resolver a situação. Acabe de uma vez com essas dúvidas
todas, é a melhor coisa a se fazer.
— Você tem razão. — Respiro fundo e balanço a cabeça. — Eu só...
— Só está com medo, eu também sei disso. — Minha amiga aperta
minha mão em sinal de apoio. — Mas, aconteça o que acontecer,
estarei aqui te esperando, seja para você me dispensar porque vai
dar uns amassos com Colin, ou para me chamar para quebrar a
cara dele. Apoio entre irmãs, amiga!
— Como eu vivi tantos anos sem você, Kathleen? — Questiono,
enquanto rio da sua última fala e minha amiga me puxa para um
abraço breve, me desejando boa sorte baixinho.
Com a mochila nas costas, entro pela porta grande e pesada que
leva até a academia exclusiva dos jogadores de futebol, um espaço
menor do que a usada por todos os alunos, mas ainda assim, bem
equipada.
Por alguns segundos, acho que Kath se confundiu e não há
ninguém ali, mas ao aguçar meus ouvidos, ouço um barulho e vou
andando devagar. Adentro o espaço, dou alguns passos e noto que
só há mais uma pessoa ali, sei que é Colin e, ao reconhecê-lo ainda
de longe, sinto meu coração disparar. 
Praguejo mentalmente por precisar lidar com uma situação dessas,
não parece certo, não acho que estou pronta. Fico alguns segundos
olhando para as pernas de Colin, já que não consigo ver seu rosto
por conta do exercício que ele faz, e decido que é melhor deixar a
conversa para outro momento.
Me viro rapidamente para ir em direção à porta, mas é tarde demais.
— Emma Kim?
A voz de Colin quebra o silêncio e fecho os olhos ao perceber que
não vou mais poder fugir. Viro novamente em sua direção e,
diferente de segundos atrás, Colin não está mais deitado na cadeira
do supino, a barra de ferro está no apoio e ele está sentado,
olhando para mim enquanto expele ar com a boca aberta, com os
braços apoiados nas pernas.
— Colin. Não sabia que estava aqui. — O rosto dele se contorce
numa careta engraçada e percebo que ele segura a risada, afinal de
contas, essa foi a resposta mais idiota que eu poderia ter dado.
— Eu treino aqui, Emma — pontua baixinho e se levanta vindo em
minha direção.
Colin sempre foi mais alto do que eu, mas, neste momento, parece
ainda mais. Entretanto, enquanto ele caminha devagar, quase como
se temesse minha fuga se andasse mais rápido, ao olhar para ele
de verdade, me dou conta que seus shorts de treino estão mais
baixos do que deveriam e não consigo evitar correr os olhos pelo
abdome, que brilha devido ao suor.
As palavras somem da minha boca, a garganta fica seca e meus
olhos correm por seu corpo, pela linha V marcada, por seus braços,
e meu corpo se arrepia inteiro quando ele para a minha frente, a
centímetros de mim.
— Emma? — Ele me chama, pedindo minha atenção e, de repente,
parece muita coisa para lidar. São muitas sensações, muitos
pensamentos e não acho que vou dar conta.
— Quer saber? Eu tenho uma coisa importante para resolver, nos
vemos depois — viro rapidamente em direção à saída, mas a mão
de Colin se fecha em meu punho.
E minha pele aquece da mesma forma como naquela noite, é como
se a sensação nunca tivesse passado. Olho para sua mão e ele faz
um carinho leve na região.
Meus olhos encontram o rosto de Colin e meu coração dispara. O
cabelo está levemente bagunçado e há um leve brilho de suor em
seu rosto, os lábios finos estão um pouco rosados, assim como as
maçãs do rosto. As íris castanhas de Colin brilham um pouco e
reparo quando seus olhos transitam pelos meus lábios.
Dura segundos a constatação de que não vou conseguir fugir do
que quer que aconteça aqui, bem como dos meus sentimentos. Não
há motivo para colocar meu time em campo sendo que esta é uma
partida perdida, é o fim do jogo, mas apesar de perder, a sensação
de que estou ganhando algo muito maior se apossa de mim.
— Baixinha...
Viro meu corpo para ficar de frente para ele e quando nossos olhos
se encontram um no outro, sei que não tem mais volta.
— Eu odeio esse apelido.
— Eu adoro.
E como se fosse capaz de entender o que se passa na minha
cabeça, como se, numa conversa não dita, ele entendesse que o
apelido bobo que ele tem comigo é a última coisa com a qual me
importo no momento, Colin se inclina em minha direção e sela
nossos lábios.
E todas as sensações me inundam por completo. É tudo e nada ao
mesmo tempo. É certo e errado, é confuso e preciso. É Colin e eu.
O beijo é casto, mas não parece ser o suficiente para nenhum de
nós. Meu braço esquerdo se mexe para tirar a alça da mochila das
costas e Colin entende meu movimento, desgruda nossos lábios e
remove a alça com pressa. Lentamente, ele a pega com uma mão e
abaixa para colocá-la no chão, faz todo esse movimento sem tirar os
olhos dos meus.
Ele se ergue novamente e seu braço direito envolve minha cintura,
fazendo com que um suspiro de surpresa por sua ação escape dos
meus lábios. Mas, ao unir nossos corpos dessa forma, me torno
muito consciente do calor que emana do dele.
Minhas mãos repousam em seu peitoral e não me importo que ele
esteja suado por conta do esforço físico de minutos antes, ele
continua a cheirar bem, uma mistura de amadeirado e cítrico.
— Precisamos conversar — minha voz sai grossa e luto para
colocar um pouco de oxigênio em meus pulmões.
— Eu sei. E nós vamos... — com o rosto a centímetros do meu, ele
sussurra. — Mas não agora.
Colin me silencia novamente e tudo à nossa volta some. Me torno
consciente do calor de seu corpo, das sensações que invadem
minha mente, do toque, do cheiro, e me dou conta do quanto quis
isso todos esses dias.
É assustador perceber o quanto quis sentir as mãos de Colin em
mim, o quanto queria beijá-lo. O quanto quero beijá-lo. É assustador
me dar conta da sensação de pertencimento que sinto ao ter os
braços de Colin em envolta de mim.
É como se eu estivesse em casa. Como se chegasse exausta de
um dia de trabalho e respirasse aliviada por estar em um lugar
aconchegante como meu lar.
Minhas mãos desistem de ficar espalmadas em seu peito e vão para
o seu cabelo, sinto os fios levemente molhados, mas ignoro tudo
quando nossas línguas se tocam e um som sensual sai de seus
lábios. É um gemido, mas também é um suspiro.
E esse som faz com que eu enlouqueça de fato, porque preciso
senti-lo muito mais. As mãos de Colin adentram a blusa que estou
usando e os dedos calejados apertam minha cintura de forma
gentil,  mas ainda assim, cravando minha pele. Em questão de
segundos, meu corpo está prensado na parede, não há espaço
nenhum entre nós e isso faz com que eu sinta tudo.
O beijo é gentil, mas também é selvagem, sua boca se move de
forma lenta, mas a sensação de seu corpo contra o meu faz com
que eu o deseje mais e mais. É diferente de qualquer coisa que já
experimentei, e não sei como ainda estou de pé, porque meu corpo
está mole feito gelatina.
Quero que ele continue a me beijar, quero ver até onde vamos, mas
mais do que atender aos desejos carnais dele e aos meus, nós
precisamos conversar, precisamos esclarecer as coisas entre nós. E
é por isso que, mesmo que meu corpo, e boa parte da minha
cabeça gritem por estar me afastando, eu diminuo o ritmo de nossas
bocas até que ele entenda que precisamos parar.
Ao abrir os olhos, vejo Colin me observando, suas íris brilham e
parecem levemente mais escuras, não preciso me esforçar muito
para compreender em seu olhar que ele também queria continuar
me beijando.
Entretanto, quando ele afrouxa um pouco o aperto em minha
cintura, sei que compreende e sabe que, antes de qualquer coisa,
precisamos esclarecer o que aconteceu na sexta-feira.
— Você me espera tomar um banho? Assim podemos ir em algum
lugar conversar, tudo bem?
— Ok.
Capítulo 24

Emma está andando ao meu lado e o silêncio reina entre nós. Pedi
que ela me esperasse tomar um banho e, enquanto isso, ela avisou
a amiga, Kath, que nós iríamos sair para conversar. Porém, desde
que deixamos a academia onde eu treinava, não trocamos muitas
palavras, a não ser breves exclamações e murmúrios.
Apesar do nervosismo pela conversa que sei que teremos, uma
parte de mim está muito feliz e empolgada por Emma ter me
procurado. Passei todos os minutos desde a madrugada de sábado
pensando nela e, a essa altura, é impossível negar meus
sentimentos, é até mesmo tolice tentar dizer que não gosto dela. 
Entretanto, ainda que a tenha salvado de Dylan na noite da festa, eu
não pretendia declarar meus sentimentos por ela naquele momento,
não era nem de longe o plano, simplesmente aconteceu, as
palavras escaparam. E o beijo depois, totalmente não planejado, me
pegou completamente de surpresa.
Fiquei todos esses dias ponderando se deveria procurá-la para
conversarmos a respeito, mas estava com medo, eu temi que sua
reação tivesse sido algo do calor do momento, ou por estar em
choque com o que havia acontecido. 
Mas, agora, de frente para ela no café onde estamos, só consigo
pensar que talvez eu não seja o único a ter passado todos esses
dias pensando em nosso beijo, pensando sobre minha confissão.
Talvez eu não seja o único a perceber que tem algo a mais entre
nós. 
— O que vão querer? — A atendente vem até a nossa mesa assim
que nos sentamos.
— Um café cortado, por favor — peço e olho para Emma esperando
que ela faça seu pedido.
— Um pumpkin spice com creme, por favor.
Sorrio ao ouvir seu pedido e a atendente anota rapidamente,
comentando que volta em breve. Maneio para ela em
agradecimento e, então, cruzo meus braços em cima da mesa,
tentando ficar mais próximo de Emma.
Ela está linda e é uma transição e tanto me tornar tão consciente de
sua beleza. O cabelo loiro está liso por seus ombros, as bochechas
estão levemente coradas e os lábios também um pouco vermelhos.
Talvez seja a cor natural deles, mas só consigo pensar o quanto
quero beijá-los novamente.
Os olhos castanhos de Emma brilham um pouco e, quando ela olha
para mim, me pergunto como pude deixar que esses pequenos
detalhes, como, por exemplo, a pintinha bem no final do queixo, não
me chamassem a atenção desde sempre. Quero beijar essa
pintinha, assim como quero enroscar seus cabelos em meus dedos.
Percebo que ela me observa atenta, como se tentasse decifrar o
que está se passando em minha cabeça e, evitando que meus
pensamentos declinem para caminhos tortuosos, decido parar de
fugir do assunto.
— Como você está? — Pergunto, sem dizer todas as palavras,
esperando que ela entenda, especificamente, sobre o que se refere
meu questionamento.
— Ótima, e você? — O sarcasmo dela é perceptível, e não consigo
evitar que uma risada escape dos meus lábios. Já que vamos jogar
assim, decido partir de uma vez para a ação.
— Bem... Pensando em você todos esses dias. — Sorrio e Emma
solta um riso fraco ao ouvir minhas palavras.
— Céus! Isso é muito mais estranho do que imaginei que seria. —
As bochechas ficam levemente mais rosadas e ela afasta uma
mecha do cabelo com a mão.
— Eu sei. É um sentimento novo para mim, mas é a verdade. —
comento com uma risadinha fraca. — Sei que não foi a melhor hora
para dizer aquelas palavras, mas... Aconteceu. — suspiro, tentando
ser o mais verdadeiro e franco com ela.
— Você não é o único sem saber como agir ou o que falar. Sua
confissão me pegou de surpresa, mas a minha ação também. O
lance do beijo... — suspira, e suas bochechas coram ainda mais. —
Não sei por onde começar para ser sincera. — Emma morde o lábio
inferior e ficamos em um breve silêncio, até a atendente quebrar
nosso contato e entregar nossos cafés.
— Vamos começar pela parte mais “fácil”, digamos assim — retomo
a conversa quando ficamos sozinhos novamente, e controlo minha
raiva ao fazer a próxima pergunta. — Aquele idiota te procurou em
algum momento? — Sinto minhas mãos se fecharem de raiva.
Dylan e eu não tivemos grandes encontros desde o incidente, eu
não o encontrei em casa desde então e Johnny me contou que
ouviu uma conversa sobre Dylan se mudar para os alojamentos, o
que me deixou levemente surpreso.  Entretanto, não é apenas em
casa que nossos encontros acontecem.
Durante os treinos, nenhum de nós trocou uma palavra sobre o
incidente, ou mesmo sobre qualquer outra coisa. Sei que seu rosto
está melhor, mas não faço ideia de que desculpa ele usou para
explicar o hematoma ao treinador, afinal de contas, eu não fui
chamado em nenhum momento.
— Não — a voz de Emma sai baixa e me inclino para ouvi-la melhor.
— Bloqueei o número dele e dei um tempo nas minhas redes
sociais, então... Não tenho notícias.
— Ótimo. — Respondo, dando um gole no café.
— Como você sabia? — A pergunta me pega de surpresa e encaro
Emma. — Como você sabia que ele ia agir como um babaca? Como
sabia onde eu estava?
E é nesse momento que percebo que talvez, precise ferir Emma
mais uma vez. Não quero ter que fazer isso, mas ela precisa saber a
verdade, ela precisa saber que não foi apenas implicância da minha
parte, ou, mesmo agora, um ciúmes besta. Ela precisa saber que
Dylan não tinha nenhuma boa intenção com ela.
— Já conheci alguns “Dylans” ao longo da vida. Caras são babacas
quando querem — Emma estreita o olhar em minha direção e reviro
os olhos. — Eu sei, sou um cara, já tive minha cota de babaquice
quando mais novo.
— Só quando mais novo? — Questiona. — Não é porque nos
beijamos que vou ignorar seus “erros” ou “defeitos”. Você ainda é
bem petulante quando quer.
— Que seja. Depois podemos voltar o assunto para mim — dessa
vez, sou eu quem semicerro os olhos em sua direção. — Dylan tem
amigos babacas e não fica muito atrás, mas eu realmente tinha
motivos para desconfiar. Quando vocês ficaram, na primeira festa...
Ele veio conversar comigo — isso chama atenção de Emma e ela
passa a prestar ainda mais atenção em minhas palavras. — Ele
perguntou sobre você, perguntou se nós tínhamos nos envolvido
alguma vez e... Bom, se você era alguém que ele teria que se
esforçar ou não para... — não consigo completar as frases direito.
Não quero fazer isso e estou odiando cada minuto dessa conversa.
— Uau! Que babaca! — Emma dá um gole no café e deposita a
xícara na mesa. Ela me encara e sinto que ela está tentando
decifrar cada uma das minhas expressões. — Tem mais coisa, não
tem?
Respiro fundo novamente e esfrego as mãos nos cabelos,
desajeitando os fios, nunca pensei que teria que contar a uma
garota sobre uma aposta que envolvesse sexo. Pensar que uma
aposta como essa foi feita é tão ruim quanto ter que verbalizar
essas palavras em voz alta para Emma.
— Depois disso, eu passei a ficar de olho nele, não sentia a menor
confiança em Dylan, Emma, mas a gota d’água foi descobrir a
aposta que ele havia feito com Alex e outros garotos. Ele... — vejo
os olhos dela levemente marejados e dói muito mais do que eu
havia imaginado. — Eles apostaram sobre quanto tempo ele
demoraria para transar com você.
Falo as palavras com rapidez para tentar acabar com aquilo de uma
vez, e sinto meu coração doer ao ver os olhos de Emma se
fecharem e ela abaixar um pouco a cabeça. Sinto vontade de correr
para encontrar Dylan, Alex e o grupinho de babacas que
participaram dessa idiotice e esmagar a cara de cada um deles com
minhas mãos, ainda que eu odeie violência.
Posso não saber tudo sobre Emma, mas sei que ela sempre foi
muito reservada quando o assunto é relacionamento, sexo e coisas
do gênero. E a tensão em suas mãos em volta da xícara deixam
ainda mais claro o quanto ela está magoada.
Tudo que quero é sentar ao seu lado e trazê-la para o aconchego do
meu peito, afagar seus cabelos e dizer que estou aqui para o que
ela precisar. Toco sua mão com a minha e ela a afasta rapidamente.
— Baixinha...
— Por que você não me falou, Colin? — Pergunta, e vejo quando
morde o lábio inferior, como se tentasse segurar a raiva e as
lágrimas. — Por que você não me contou a verdade?
— Eu tentei te avisar, Emma, eu disse que não confiava nele, disse
para você não confiar nele, que ele não era o cara certo...
— Tentar me avisar me chamando de “idiota” ou falando que era tola
não é a melhor forma de avisar alguém. E não me venha com esse
papo de “não é o cara certo pra mim”, eu não sou tão boba como
você pensa, Colin. — Sua voz vem carregada de raiva e não
consigo evitar ficar irritado, mesmo que agora não seja a hora.
— Eu estava confuso, Emma. — Pontuo com a voz séria. — Eu não
tinha nenhuma prova concreta, estava começando a descobrir sobre
meus sentimentos e, toda vez que eu te procurava para
convesarmos, não era como se você estivesse cem por cento aberta
ao diálogo.
— Bom, é difícil não ter o pé atrás com alguém, quando essa
pessoa passou mais da metade da vida te irritando — ela ergue o
rosto ainda mais e seu queixo quadrado fica marcado por conta da
expressão firme.
— Posso ter sido um idiota com você boa parte da vida, mas eu
jamais faria isso. Não fui eu quem apostou sua virgindade com os
amigos.
Minhas palavras saem mais duras do que o necessário e me
arrependo na mesma hora. O rosto de Emma adquire uma
expressão de surpresa e choque, em segundos vejo a raiva
consumi-la e tenho vontade de bater minha cabeça na parede. Eu
não precisava verbalizar a verdade dessa forma, mas agora é tarde
demais.
— Baixinha... — tento tocar sua mão, mas ela está se levantando.
— Obrigada pela sensibilidade de um cavalo, idiota.
— Emma!
Eu a chamo, mas Emma se levanta brava e coloca a mochila nas
costas rapidamente, enquanto joga algumas notas na mesa e sai a
passos duros. Me viro para ir atrás dela, mas estou irritado tanto
comigo quanto com ela, de nada vai adiantar conversarmos de
cabeça quente.
Emma nem ao menos me deixou explicar que eu só soube da
aposta na noite do Halloween, não é como se eu houvesse
escondido esse segredo e esperado pelo pior acontecer.
Volto novamente à mesa e afundo a cabeça nos braços, tentando
pensar no que posso falar e fazer para reverter a situação. Meus
pensamentos confusos são interrompidos quando ouço o toque do
meu celular, pego-o rapidamente e vejo o nome da minha mãe no
visor, dou risada pelo timing dela, mas decido atender.
Conecto os fones de ouvido e arrasto o dedo pela tela aceitando a
chamada.
— Oi, filho. Como é bom ver seu rosto.
— Oi, mãe, é bom te ver também. Como você está?
— Bem, bem. — comenta com um sorrisinho escondido. — Tenho
uma novidade para te contar.
— Estou todo ouvidos — dou um gole em meu café e sorrio para a
tela.
— Recebi uma proposta para ser a técnica auxiliar do time de
Orlando.
— Finalmente! — Exclamo em voz alta e ela começa a rir. — Me
conte tudo! Como vai funcionar, quando você vai começar... Quero
todos os detalhes.
Mamãe começa a me contar sobre o novo emprego, uma proposta
que vinha sendo especulada desde o começo do ano e que ela
ponderava muito se deveria aceitar. Depois de passar boa parte da
vida dividindo seu tempo entre os gramados e a família, quando
Heather decidiu se aposentar, ela queria se dedicar a Freddie e a
vida pacata em casa.
Mas, tanto meu pai, quanto eu, tínhamos certeza de que ela não iria
aguentar muito tempo quieta. Sei que ela ama ficar com Freddie,
que ama estar em casa para receber meu pai depois do trabalho,
mas minha mãe é uma jogadora incrível e deixá-la fora dos campos
é um pedido  quase impossível de ser realizado.
Por isso, quando ela me conta empolgada sobre assumir uma nova
posição dentro do time que tanto ama, não me surpreendo nem um
pouco com a notícia e sinto um orgulho imenso por ela.
— Você vai se sair bem, mãe! Nós todos acreditamos em você.
—  Seu pai me falou a mesma coisa. Às vezes, parece que vocês
combinam os discursos — ela balança a cabeça e dou risada. —
Mas e você, estamos sem nos falar há uns dias, e essa ruga na sua
testa não me engana.
— Que ruga? — Pergunto fazendo algumas caretas no telefone e a
risada da minha mãe ecoa nos fones de ouvido.
— Essa ruguinha bem no centro da sua testa, que só aparece em
algumas situações: quando você estudava física até tarde da noite,
durante os jogos ou quando algo realmente está te incomodando.
Você sabe que estou aqui para ouvir o que quer que seja, não
sabe?
A voz doce da minha mãe, acompanhada do sorriso singelo dela
fazem com que eu quase me sinta em casa, nas muitas vezes em
que conversávamos até tarde da noite, ou nos jogos de futebol
americano no gramado de casa, um momento íntimo nosso.
Falar com ela não seria nada ruim, mamãe sempre foi incrível em
me dar conselhos. Entretanto, não sei se já estou preparado para
falar sobre Emma. A sobrinha favorita dela sempre é uma das
primeiras perguntas feitas nas ligações, não é como se eu estivesse
gostando de uma garota desconhecida.
Não sei o que ela, meu pai e meus tios vão pensar a respeito, nem
mesmo sei se vão descobrir a respeito de nós em algum momento.
Nem mesmo sei se Emma e eu somos um “nós”. Estou mais
confuso do que antes, quase sinto arrependimento por ter me
encontrado com ela hoje.
Opto por não dizer a verdade, mas decido usar outros artifícios para
pedir um conselho seu.
— Eu sei que posso conversar com você — afirmo e mexo nos
cabelos enquanto tento encontrar as palavras certas para abordar o
assunto. — É que tem um amigo meu que está com um problema
com uma pessoa.
— Um amigo, é? — minha mãe segura o riso e continua. — E essa
pessoa com quem ele está com problemas é uma garota?
— É, acho que sim. Ele não quis entrar muito em detalhes —
balanço a cabeça para evitar rir e minha mãe entende que não vou
dizer a verdade. Não vou dizer que o “amigo” em questão sou eu.
— Certo. E qual é o problema desse seu amigo?
— Ele descobriu umas coisas bem chatas que estavam fazendo
com essa... pessoa. — Engulo seco. — E ele tentou explicar para
ela a situação, mas a pessoa não entendeu da melhor maneira.
— Coisas chatas, tipo? Preciso de mais informações para tentar
ajudar — pergunta de modo sincero, numa tentativa de saber qual
melhor conselho ela pode me dar.
— Essa pessoa estava ficando com alguém e sendo enganada, era
passada para trás, sendo a única fiel na relação. A gota d’água foi
quando esse meu amigo viu essa pessoa sendo beijada à força. —
Decido não falar sobre a aposta porque, falar isso novamente em
voz alta parece ridículo e porque não sinto que posso contar algo
tão íntimo a respeito de Emma, mesmo que minha mãe não saiba
que estamos falando sobre ela.
— Nossa! Isso é bem sério — minha mãe comenta antes de dar um
gole em sua água. —  Bom, que legal que esse seu amigo quer ser
sincero com essa pessoa, isso mostra que ele se importa com ela.
Mas, uma coisa que não entendi, por que ela não entendeu seu
amigo?
— Essa pessoa é muito cabeça dura! — A frase escapa dos meus
lábios e quase esqueço que, para minha mãe, mesmo que ela saiba
que estou falando de mim, ela não sabe que a outra pessoa da
história é Emma. — Quero dizer, essa pessoa é meio desconfiada
de tudo e todos, e está magoada. Acho que por isso ela nem tentou
ouvir meu amigo...
— Bom, se for algo recente... Talvez seja bom dar um tempo para
que essa pessoa possa absorver tudo, colocar os pensamentos no
lugar, sabe?
— É melhor que eles não conversem mais? — Pergunto para ver se
entendi direito seu conselho.
— Não! Eles com certeza devem conversar. Acredite em mim, seu
pai e eu somos a prova viva de que diálogo é essencial entre
qualquer ser humano — damos risadas porque sei o que ela quer
dizer com isso. — Você sabe pelas nossas histórias que seu pai e
eu poderíamos ter ficado juntos tempos antes se tivéssemos
sentado cinco muitos para conversar. O que quero dizer é que, às
vezes, falar as coisas no calor do momento não é bom. Esse seu
amigo contou todas essas coisas ruins para ela?
— Sim, e a reação não foi muito boa, ela... Quer dizer, essa pessoa,
não entendeu muito bem — respondo à minha mãe, mas é quase
como se estivesse explicando e elencando as razões para mim
mesmo.
— Então, tem uma coisa mais importante que esse seu amigo vai
ter que fazer — minha mãe enfatiza a palavra amigo e prossegue.
— Conquistar a confiança dessa pessoa. E, às vezes, um tempo
longe ajuda.
— Mas, quanto tempo?  — Questiono, levemente desesperado. —
Quero dizer, eles já ficaram alguns dias sem conversar, e se a outra
pessoa achar que ele não está se esforçando?
— Sempre existe essa possibilidade, querido. Mas, aí, vai do seu
amigo ter tato e perceber quando é hora de deixar de lado a
distância e conversar. Pensar bem o que precisa ser dito também
costuma ajudar, planejar um pouco, huh? Assim como no esporte,
ensaiar uma jogada facilita sua execução, você sabe melhor do que
eu a respeito disso...
— É, você tem razão. — Fico alguns segundos em silêncio
absorvendo suas palavras e dou um último gole em meu café. —
Obrigado, mãe. Vou dar esse conselho para ele.
— Imagina, querido. Espero que esse seu amigo tenha sucesso em
falar com essa garota... ou melhor dizendo, pessoa.
Ela pisca para mim e damos uma risada cúmplice um para o outro.
Minha mãe é minha pessoa favorita no mundo e sempre levei muito
em consideração seus conselhos, e nesse caso, acredito que ela
esteja certa.
Falar com Emma agora só vai fazer com que nossas duas cabeças
quentes digam coisas erradas um ao outro, e não quero e nem
posso mais dizer palavras erradas para ela. Além disso, eu entendo
ela ter o pé atrás um pouco comigo, e de alguma forma, vou
precisar conquistar isso. Como eu ainda não sei, mas vou pensar a
respeito.
Encerro a chamada e fico mais um tempo sentado no café e
pensando em Emma, no beijo que tivemos ainda na academia. Suas
mãos em meus cabelos, espalmadas em meu peito, o calor que seu
corpo emanava.
Nunca pensei que poderia me apaixonar por Emma Kim, mas
aconteceu e o fato de precisar conquistá-la, de repente, se torna
não apenas um fato qualquer, mas sim uma necessidade.
Lembro das palavras do meu pai como se estivesse vivendo um
flashback. “Às vezes, ficamos tão deslumbrados com a facilidade
com que certas coisas vêm até nós, que não damos valor a
pequenos detalhes que parecem quase imperceptíveis”.
Emma Kim é meu detalhe. Passei quase a minha vida toda sem dar
atenção para a garota que estava ali desde sempre e, nesse
momento, só consigo pensar que minha felicidade só será completa
quando a tiver em meus braços. Quando puder chamar Emma Kim
de minha.
Capítulo 25

Quando pequena, eu costumava encontrar meu avô McGlam muitas


vezes em seu escritório, na casa em que mora. Ele sempre
trabalhou muito duro por tudo que construiu, talvez até demais.
Acho que foi por isso que ele sempre fez questão que meu pai
tirasse pelo menos duas férias por ano, não importava a quantidade
de trabalho que tivesse, ele sempre insistia e não aceitava não
como resposta.
Foi com ações como essa, e conversas em seu escritório, que ele
me ensinou que me afundar no trabalho não era a melhor forma de
viver, e me fez prometer que eu não usaria o trabalho como válvula
de escape dos problemas. Na época, eu apenas concordei, achei
que jamais faria algo do gênero.
Entretanto, aqui estou eu, em meu mais recente emprego de
bibliotecária, passando mais tempo do que o necessário arrumando
estantes. Entre minha conversa com Kath sobre arrumar um
trabalho de meio período e de fato consegui-lo, o intervalo de tempo
foi curto. Enquanto ela ainda está à procura de um estágio, eu nem
ao menos hesitei quando a bibliotecária com quem tenho amizade
me contou que estavam precisando de uma pessoa.
E foi a melhor decisão que tomei. Estou rodeada de tudo que mais
gosto em meu emprego: livros e um silêncio confortável. Passar o
dia guardando-os nas estantes altas e extensas da biblioteca tem
tomado boa parte do meu tempo e evitado que eu encontre com
Colin.
Não que ele esteja me procurando insistentemente, muito pelo
contrário. Depois da nossa conversa no café, ele tentou me ligar e
me mandou mensagem, mas simplesmente ignorei-o. Estou
chateada com tudo que aconteceu e mais magoada ainda com a
falta de sensibilidade de Colin.
Contei a Kath sobre a aposta de Dylan e precisei controlar minha
amiga, que ficou furiosa e jurou que se o encontrasse em qualquer
lugar que fosse, iria quebrar “o sorriso branco e dissimulado dele”.
Palavras dela, não minhas.
Minha amiga tentou colocar panos quentes com relação a minha
conversa com Colin, mas respeitou quando mencionei que
precisava de um tempo para colocar a cabeça em ordem. Já faz
alguns bons dias que essa conversa e, por consequência, o
segundo beijo entre mim e Colin aconteceu e, desde então, não o vi
mais.
Os jogos estão intensos e sei que o time de futebol americano está
se esforçando e muito para ficar em destaque na conferência. Por
isso, em partes, não estranho a ausência de Colin em me procurar.
Dylan tampouco deu um sinal de vida, é quase como se nossa
história e nosso breve envolvimento nunca tivesse acontecido.
Suspiro enquanto reflito sobre tudo isso e coloco mais um livro no
lugar.
Odeio o fato de ter me enganado com relação a Dylan. Odeio o fato
de que achei que nós tínhamos alguma coisa, odeio que tenha
pensando em transar com ele e pelas minhas costas, o sexo não
passasse de uma aposta.
Odeio mais ainda não me importar nem um pouco com a ausência
de um pedido de desculpas de Dylan, mas estar completamente
irritada com Colin por ele não ter me procurado.
Odeio estar sentindo falta dele. Odeio ter me tornado consciente
desse sentimento com relação a ele. Odeio estar gostando de Colin.
Uso a palavra ódio tantas vezes que quase me sinto recitando o
poema feito por Kat Stratford em “10 Coisas Que Eu Odeio em
Você", um clássico que tanto eu quanto minha mãe e tia Heather,
adoramos.
— Emma? — Olho para o lado esquerdo e reconheço o rosto da
garota que me chama. — Dafiny St. James, não sei se você se
lembra de mim da...
— Da festa de Halloween, me lembro — a memória me atinge
rapidamente. — Você é amiga do Colin, certo?
— Isso mesmo. — Ela dá um sorriso gentil e se aproxima. — Como
você está? A última vez que nos vimos a situação não era das
melhores...
— Eu que o diga — comento irônica. — Estou bem, tentando lidar
com um idiota de cada vez — as palavras escapam da minha boca
e percebo em seu rosto que ela sabe que estou falando muito mais
de Colin do que de Dylan.
— Sei que vai parecer que estou vindo falar com você a mando do
Colin, mas juro que não é o caso. — Ela dá um riso contido e
continua. — Quero ajudar vocês dois a se entenderem.
— Boa sorte com isso — encosto meu corpo na prateleira de
madeira alta e cruzo os braços. — Nossos pais tentam essa façanha
desde nossa infância.
— É, Colin já me contou um pouco sobre isso. Mas, agora é
diferente, os pais de vocês queriam que vocês fossem apenas
amigos mas, as minhas intenções, ao contrário disso, são muito
mais voltadas para que vocês assumam logo os sentimentos que
tem um pelo outro. — Dou risada com sua sinceridade e ela me
acompanha. — De verdade, Emma, acredite quando digo que os
sentimentos de Colin são sinceros.
Olho para Dafiny e não vejo seu rosto hesitar ao dizer as palavras,
ela não parece estar ali falando da boca para fora e muito menos
parece ter algum interesse pessoal por trás dessa conversa. Vejo
nela a mesma sinceridade de Kath quando tenta me ajudar. Vejo
uma feição amiga e meu coração bobo gosta dela quase que
instantaneamente.
— Como pode ter tanta certeza? — Questiono baixo, quase como
se estivesse fazendo uma confissão.
— Porque eu presenciei ao vivo o momento em que Colin percebeu
que gostava de você.
As palavras dela me pegam de surpresa e Daf começa a me contar
sobre a relação dela e de Colin, desde o momento em que se
conheceram numa das festas antes do início das aulas, até a
relação casual que tiveram, o que me pega de surpresa e faz com
que, de alguma forma, eu acredite ainda mais nas suas palavras,
porque ela não está envenenando minha cabeça para não acreditar
em Colin.
É o completo oposto.
Ela me confidencia a respeito da conversa que ele teve com Dylan,
a forma como tentou me defender antes mesmo de algo acontecer e
sinto meu peito aquecer ao saber disso. Daf termina falando da
festa e da conversa que tiveram depois, a respeito de me dar um
tempo para refletir sobre tudo.
— Se ele não te procurou até agora, não foi por mal, ele está tão
confuso quanto você, Emma.
— Eu acredito em você... Eu só...
— Só está com tanto medo quanto ele. — Conclui ela com uma
risadinha. — É como se todos os livros de romance que já li
ganhassem vida bem diante dos meus olhos — Daf bate palmas
baixinhas, levemente animada, e não consigo evitar rir junto com
ela.
— Você e minha amiga Kath seriam uma dupla e tanto.
— Já gosto muito da sua amiga — pisca para mim e continua. —
Procure ele, Emma. Não faz sentido vocês ficarem sem esclarecer
tudo isso.
— Fui eu quem o procurou da outra vez, estou cansada de dar o
primeiro passo.
— Cansada de dar o primeiro passo ou com medo de encarar a
verdade? Porque, para mim, vocês dois estão evitando encontrar
tempo na agenda porque, se ficarem de frente um para o outro,
terão que conversar sobre assuntos que deixam os dois
desconfortáveis.
As palavras de Daf me atingem de forma certeira, porque não deixa
de ser verdade. Parte de mim está até aliviada com o fato de Colin
não ter me procurado, porque falar sobre nós dois é complicado e
envolve muita coisa, muitas situações e muitos sentimentos.
Abro a boca para tentar encontrar justificativas, mas nada me vem à
mente, nenhuma desculpa parece plausível para evitar que
conversemos, ainda mais depois de saber tudo que aconteceu nos
bastidores, como diria minha mãe.
— É bom que ele se esforce para ser alguém incrível comigo,
porque essa vai ser a segunda e última vez que darei o primeiro
passo.
Daf dá um sorrisinho cúmplice para mim e já gosto mais um pouco
dela.

Minhas pernas balançam sem parar enquanto aguardo Colin chegar,


estou sentada em seu quarto e o cheiro de sua colônia parece estar
impregnado em cada mísero canto do espaço. Quando Daf sugeriu
que eu deveria esperar por ele em sua casa, achei que ela tinha
enlouquecido, porque a chance de encontrar com Dylan também
existia.
Entretanto, a notícia que ela me deu na sequência me tranquilizou,
porque ele pediu transferência para um dos alojamentos e já não
está mais morando na mesma fraternidade que Colin. Ao saber
disso, foi como se entendesse o porquê de não tê-lo encontrado
mais, o campus é grande e o fato de não morarmos mais tão perto
auxilia ainda mais.
Enquanto espero, olho ao redor do quarto de Colin e me pego
sorrindo novamente por ver o porta retrato acima de sua cama, ao
lado da flâmula com o logo do time de futebol americano.
São quatro fotos: uma dele com tia Heather e tio Nash, em nossa
formatura no ensino médio, outra dele segurando Freddie, um
pequeno bebê embrulhado em cobertores, uma só dele todo vestido
com o uniforme do time da nossa antiga escola e uma foto de
família, em que estou presente. Tiramos essa foto no último feriado
de Ação de Graças, quando reunimos nossas famílias na casa dos
meus pais, uma tradição nossa, intercalando cada ano na casa de
alguém.
Estamos um ao lado do outro, e como de praxe, Colin está
mostrando a língua e eu estou sorrindo, mas se olhar bem, dá para
ver que ele faz dois chifrinhos em cima da minha cabeça.
A foto retrata tão bem nós dois que chega a ser assustador.
Me despertando do transe, ouço barulhos de passos e sinto minha
mão começar a suar, não tenho nem para onde fugir dessa vez,
estou no quarto dele, não é como se pudesse escapar. Mas, antes
que o nervosismo tome conta de mim por inteiro, a porta se abre e
tanto Colin, como o amigo dele, John, entram pela porta.
— Eu só acho que naquela jogada, você deveria... — a frase morre
nos lábios de Colin quando ele me encontra sentada em sua
cadeira.
— Emma! — Exclama John com um riso nos lábios. — Quem
poderia dizer que justamente você estaria aqui...
E quando ele diz essas palavras, percebo que ele e Daf
arquitetaram esse encontro. Uma risada escapa dos meus lábios e
noto que Colin também entende que houve algum combinado do
qual ele não fez parte.
— Johnny... — ele aponta para o amigo, mas este, tão rápido
quanto entrou pela porta, começa a fechá-la.
— Me agradeça depois quando der certo.
Mesmo sem ver o rosto de Colin, sei que ele está segurando a
risada enquanto assiste o amigo desaparecer pela porta. Quando
ouço o click da maçaneta, ele se vira para mim e deixa sua mochila
no canto, próximo ao armário.
— Seu quarto não tem nenhuma personalidade — comento a
primeira coisa que me vem à mente.
— Minha mãe fala isso toda vez que me liga. Diz que eu deveria
colocar uns quadros, posters, mas não sei o que poderia usar para
decorar — explica, vindo em minha direção e se sentando na borda
da cama grande.
— Estava olhando o quadro de fotos — aponto para a parede e ele
olha na direção — não consigo acreditar que já faz quase seis anos
que o Freddie nasceu.
— É, o tempo passa muito rápido. — Ele sorri, olhando para a foto a
qual me refiro. — Mas a foto que mais gosto é a da família toda.
— Achei que você iria dizer que é a sua — falo irônica. — Se bem
que você deve querer uma maior, para representar bem o seu ego.
Colin nota meu tom de piada e balança a cabeça de um lado para o
outro. Vejo que ele tem um sorriso nos lábios, mas ao invés de dar
uma resposta esperta, ele volta seus olhos para a fotografia.
— Me peguei olhando para essa foto muito nesses últimos dias. Só
consigo pensar que meus sentimentos já estavam ali e eu era idiota
demais para me dar conta.
Um arrepio percorre meu corpo e sinto meu estômago se encher de
borboletas com a sinceridade em suas palavras e a forma rápida
como fomos de cordialidades, para o tão temido “assunto”.
— Por que diz isso? — Questiono, sentindo meu coração bater mais
rápido.
— Você não deve lembrar, mas nesse dia, foi você quem abriu a
porta para nós. Minhas avós Rose e Judy, acompanhadas da vovó
Linda, foram empolgadas para abraçar você, assim como meus pais
e Freddie. E eu lembro que, quando chegou minha vez, você me
deu um abraço sem metade da animação, o que eu não condeno,
afinal de contas, somos nós dois. Mas eu me lembro de pensar que
você estava linda. Na época, ignorei o pensamento rapidamente e,
ao invés de dar um oi como qualquer pessoa normal faria, eu...
— Você bagunçou meu cabelo. É, eu lembro — completo sua frase
e dou uma risada fraca.
— E não foi só isso. Vovó Rose me chamou de canto certa hora na
festa e disse que eu deveria parar de implicar com você. No
começo, achei que era apenas mais uma bronca qualquer, mas ela
disse que eu precisava parar de esconder meus sentimentos por
você com provocações baratas. — Colin desvia os olhos da foto e
me encara com intensidade. — Não sei se isso é alguma coisa de
sabedoria dos mais velhos, mas não consigo deixar de pensar que
talvez, isso, esse sentimento, estivesse ali, visível, há muito mais
tempo.
Mordo meu lábio inferior por estar surpresa com suas palavras, com
a sinceridade com a qual elas são ditas. Colin se torna transparente
para mim em questão de segundos, é como se eu fosse capaz de
decifrá-lo inteiro e, nesse momento, vejo verdade em sua
declaração, além do sentimento contido nelas.
Passei os últimos dias refletindo sobre a mesma coisa, ponderando
se meus pensamentos e as imagens que se formaram de nós ao
longo da minha vida, se por acaso não eram uma forma da minha
mente me mostrar o que eu estava sentindo e eu só não queria
enxergar.
— Daf veio falar comigo hoje. Ela me contou sobre tudo. — Colin
assente, dando uma risadinha ao constatar, assim como eu, o plano
de seus amigos. — Obrigada, de verdade. Obrigada por se
preocupar.
— Você não precisa agradecer, Emma. Eu deveria ter feito mais
coisas, deveria ter quebrado a cara dele mil vezes mais. Deveria ter
impedido Dylan muito antes, deveria ter entendido muito antes meus
sentimentos por você. Acho que isso é o que mais tem me matado
por dentro.
— O quê? — Pergunto, sentindo meu coração descompassar.
— Não ter percebido antes o quanto eu gostava de você. O quanto
gosto de você, baixinha.
E a forma como ele fala, como me olha, como se realmente doesse
entender que os sentimentos que tem por mim estiveram sempre ali,
fazem com que eu perceba que tanto para Colin, quanto para mim,
é tarde demais para negar qualquer coisa entre nós. Não há sentido
procurar por coerência, porque nada poderia ser mais a nossa cara
do que isso.
Somos opostos em muitas coisas, julgamos conhecer a nós
mesmos há muito tempo e, de fato, não me lembro de uma época
em que Colin não estivesse lá. Mas, a verdade é só uma: estamos
compreendendo, verdadeiramente, a importância de um na vida do
outro só agora. E tanto na dele, quanto na minha, a verdade é só
uma.
Nós nos gostamos para valer. 
— Por favor, diga alguma coisa  — seu pedido é quase uma súplica.
E ainda que eu não seja a melhor pessoa do mundo para falar de
sentimentos, muito porque gosto de coisas mais racionais, me dou
conta de que nem mesmo os pensadores de quem tanto gosto de
ler e estudar seriam capazes de explicar o que estou sentindo.
Pode ser exagero, mas eu tenho dezoito anos e estou me
descobrindo apaixonada pelo garoto que passou a vida toda me
tirando do sério, a coerência já foi embora faz tempo.
— Nunca vivi nada parecido com isso, Colin — começo a falar e me
levanto da cadeira. — E... Céus! Eu não sei nem ao menos me
expressar. — Passo a mão pelos cabelos, jogando-os pelos ombros
e me coloco à frente dele. — Nós somos o plot mais batido de todo
o universo. Passamos a vida nos provocando, e a grande verdade é
gostamos um do outro.
— Você gosta de mim? — A voz de Colin sai como um sussurro e
olho em sua direção, consciente de que não há mais volta. — Você
realmente gosta de mim, McGlam?
— Gosto. — Respondo sem hesitar. — Eu gosto de você, Sullivan.
Estou parada a poucos centímetros longe dele, e Colin faz questão
de acabar com essa distância quando me puxa pelos passadores da
calça e me coloca entre suas pernas. Ele está sentado na cama,
mas isso faz com que eu fique bem na altura do seu rosto, com uma
pequena vantagem de centímetros.
— Será que seu pai vai me perdoar? — Ele questiona e sei
exatamente ao que ele está se referindo.
— Talvez ele fique um pouco chateado, mas acho que supera. —
Massageio seus cabelos e nossos rostos estão muito próximos. —
Agora, os seus pais... Acho que você não poderia dar uma notícia
melhor para eles.
— Você é insuportável, baixinha.
Dessa vez, não sou eu ou Colin quem sela nossos lábios. Somos
nós dois, num movimento simultâneo. O toque dele é gentil, mas
meu corpo está pegando fogo e a urgência que sinto é a mesma de
uma manhã de Natal quando criança, quando esperamos a
madrugada toda para pegar nossos presentes embaixo da árvore.
Colin tem gosto de pasta de dente e sua língua quente invade minha
boca num beijo ritmado e envolvente. Não respondo por mim,
apenas me aproximo mais dele e me sento em seu colo, colocando
uma perna de cada lado de seu quadril.
— Espera. — Ele pede, com os lábios ainda juntos dos meus e
encostando nossas testas. — Preciso te perguntar uma coisa.
— O que? — Questiono, afastando meu rosto do dele.
— Vai a um encontro comigo? — Um sorriso brilhante dança em
seus lábios e meu coração acelera ainda mais. — Me deixa ser esse
cara.
— E que cara você quer ser?
— Aquele que vai fazer você se apaixonar perdidamente por mim.
Não respondo a ele com palavras, eu apenas aceno em positivo e o
beijo mais uma vez. Dizendo a ele, com ações, que aceito ir a um
encontro. Mas não digo a ele o que já sinto que aconteceu.
Pouco tempo atrás eu teria jurado que estava me apaixonando por
Dylan, porque havia acreditado em suas promessas, porque em
partes, queria saber como era sentir o coração disparar por alguém.
Mas, o que Colin tem despertado dentro de mim, as sensações, ter
consciência desse sentimento entre nós... Nunca senti isso antes. É
completamente diferente. Minha mãe escreveu muitas vezes em seu
caderno que eu precisava me permitir. E é isso que estou fazendo
com relação a Colin e eu. Estou me permitindo. Estou me permitindo
gostar dele.
Isso é se apaixonar.
Posso não dizer em voz alta, mas em algum grau, começo a
acreditar que esse sentimento entre nós também sempre esteve ali.
Capítulo 26

Tive a ideia de um encontro perfeito enquanto beijava Emma.


Eu, beijando Emma Kim.
Olho para meu reflexo no espelho enquanto um riso escapa dos
meus lábios e passo o último botão pelo buraco da  minha camisa.
E, olhando meu reflexo, percebo o quanto as coisas estão
diferentes, como tudo mudou. Emma e eu confessamos nossos
sentimentos um para o outro e eu a chamei para um encontro, não
um jantar simples numa lanchonete ou uma ida ao cinema.
Vou levar Emma para ver um espetáculo de ballet. É genial e
surpreendente até mesmo para mim, mas tudo calhou. Quando
Chad, meu amigo de longa data, disse que estaria pelos arredores
por conta do espetáculo promovido pela faculdade em que estuda,
nós tínhamos mencionado nos encontrar, disse a ele que tentaria
assisti-lo e, quando chamei Emma para sair, foi como se tudo
conciliasse.
Pedi a Chad um ingresso a mais e ele não teve dificuldade nenhuma
em conseguir. E então, aqui estou eu, terminando de me arrumar
para buscá-la na casa quase em frente à minha. É difícil não
acreditar em destino em momentos como esse, e o meu e de Emma
sempre fez questão de cruzar nossos caminhos.
— Incrível o que um pouco de pomada para cabelo e uma camisa
bem passada podem fazer com um homem. — Daf está sentada na
minha cama e também está arrumada, ela vai sair essa noite, mas
não quis me contar com quem, disse que ainda é muito cedo.
— Obrigado por toda a ajuda. — Agradeço, enquanto me viro em
sua direção e pego o perfume para borrifar no pescoço.
— Imagina, passar camisas é uma especialidade inútil que adquiri.
— Ela pisca e, tanto Daf, quanto eu, sabemos que o agradecimento
é mais do que pela camisa, mas também pela conversa franca que
ela teve com Emma.
Guardo a carteira e o celular no bolso e pego as chaves da minha
picape, meu coração bate descompassado, mas minha amiga vem
até mim e dá um abraço carinhoso.
— Você vai se sair bem. Johnny e eu confiamos em você.
— Valeu, Daf.
Caminhamos juntos em direção à porta, tranco a mesma
rapidamente e me despeço dela no hall de entrada, não olho na
direção da sororidade de Emma porque quero guardar todas as
surpresas para o momento em que estacionar em frente.
Adentro a picape depois de acionar o alarme e fico feliz ao pensar
que vou dirigir bastante hoje, como há tempos não faço. Dou partida
no carro e, depois de manobrá-lo, ando os poucos metros até a
casa de Emma.
Respiro fundo depois de desligar o motor e, enquanto saio do carro,
teclo uma mensagem para ela, avisando que já a estou esperando.
Alguns dias se passaram desde a nossa declaração e conversa, e
também desde que a chamei para esse encontro, mas tanto ela
quanto eu estamos com a rotina agitada. Vou jogar amanhã à tarde
no nosso campus e só por isso topei sair antes de um jogo, já que,
em ocasiões normais, eu ficaria recluso para me concentrar e me
preparar para a partida.
Além da minha rotina pesada de treinos, Emma também está
trabalhando na biblioteca, e ainda que nenhum dos dois queira
desrespeitar o espaço, não evitei usar alguns vácuos de horários
para ir encontrá-la e roubar alguns beijos.
Tenho segurado meus instintos, quero ir com calma com ela, quero
fazer com que Emma se sinta segura ao meu lado, ela já teve uma
experiência ruim recentemente, não precisa de mais um trauma.
Preciso que ela confie em mim. Preciso que ela perceba que não
sou mais o garoto que a tirava do sério com provocações bobas.
Dylan voltou a ficar mais ativo nos treinos. Seu rendimento havia
caído no último mês e, depois de se mudar da nossa república, ele
tem ficado mais afastado dos amigos. Não conversamos e, ainda
que mais distante da turma de amigos dele, notei algumas indiretas
direcionadas a mim, vindas de Alex e outros colegas do time, mas
não estou dando bola.
Nada neste momento importa, além da partida que teremos amanhã
e do encontro que tenho esta noite.
Estou esperando uma resposta de Emma e penso em teclar outra
mensagem quando ouço a porta da frente se abrir. E agradeço por
estar encostado no carro, porque a beleza de Emma Kim é
estonteante.
O vestido preto e liso escorre por seu corpo pequeno e para quase
nos joelhos, os cabelos loiros estão lisos por seus ombros e,
conforme ela caminha em minha direção, ouço o barulho do salto a
cada vez que ela pisa. Ela está radiante, existe uma aura ao seu
redor e eu me sinto entorpecido. Meu coração dispara.
— Ei. — Ela me cumprimenta e preciso limpar a garganta para de
fato conseguir falar.
— Você está linda! — Confesso, sem pudor. — Meu Deus, como
você é bonita!
— Esse elogio está ficando batido, você já me falou isso algumas
vezes essa semana. — O sorriso tímido dela faz com que suas
bochechas fiquem ainda mais vermelhas.
— Não vou parar de repetir porque é a verdade. E cada vez que
tomo consciência disso, as palavras saltam da minha boca —
respondo rápido e me inclino para depositar um beijo em seus
lábios, porque podemos estar em um primeiro encontro, mas os
lábios de Emma são um caminho que estou viciado em explorar.
Quando nos afastamos, sei que a noite vai ser especial, sinto que
vamos nos lembrar desse dia por muito tempo.
— Vamos? — Pergunto tentando conter minha ansiedade para
surpreendê-la.
— Vamos.
Caminho para o lado do motorista e sorrio quando Emma se
acomoda no banco ao meu lado e o vestido sobe um pouco, meus
olhos não conseguem se controlar e minha mão também, porque,
apesar de precisar trocar de marcha, repouso a mão direita na
perna de Emma e vibro ainda mais quando ela sorri e une sua mão
com a minha, deixando nossos dedos entrelaçados.
O rádio está ligado no meu aplicativo de música e quando Light My
Love, do Greta Van Fleet, uma banda que meus pais e eu amamos,
começa a tocar nas caixas de som, tanto Emma quanto eu olhamos
um para o outro. Somos cúmplices de um sentimento que é nosso.
De uma sensação que cresce a cada vez que estamos juntos.
Isso é certo.

O sorriso de Emma não desaparece em nenhum momento, pelo


contrário, ele se expande a cada minuto ao longo da noite. Ao
chegarmos ao teatro, ela fica levemente embasbacada ao saber que
vamos ver um recital de ballet, e apesar de adorar a ideia e me
achar genial, me sinto na obrigação de revelar que, na verdade,
estou ali também para rever um amigo antigo.
Conto a ela a história minha e de Chad, sobre nós nos conhecermos
por conta de terapias em grupo, por sermos dois garotos adotados e
o beijo que ela depositou em meus lábios, naquele momento, fez
com que tudo fizesse sentido.
Passo o espetáculo todo olhando para Emma, não consigo evitar,
meus olhos estão completamente voltados para ela. Sei que ela
nota, porque algumas vezes, nossos olhares se cruzam e ela dá
uma risada sem graça.
Quando Chad se apresenta, é quase que o único momento que
presto atenção, fico fascinado ao ver os movimentos dele no palco.
Sei das dificuldades dele e de todos os problemas que enfrentou e
ainda enfrenta, principalmente com o irmão. Todavia,  hoje é uma
noite feliz. Ver meu amigo no lugar de destaque que merece me
enche de orgulho. Sua perna mecânica nunca foi um fator limitante
para ele, mas ainda assim, é bonito demais vê-lo se movendo dessa
forma, principalmente conhecendo toda a jornada que o trouxe até
aqui.
Ao final, quando as cortinas se fecham, Emma e eu aplaudimos de
pé. E posso estar olhando e aplaudindo Chad e seus colegas, mas
as batidas do meu coração tem causa e nome composto.
Entrelaço minha mão com a dela e, enquanto caminhamos para a
saída, meu celular vibra e solto a mão de Emma brevemente para
visualizar a mensagem.
É Chad, e ele está pedindo que eu o encontre na lateral do teatro.
— Se importa de encontrarmos com meu amigo? — Pergunto ainda
com o telefone em mãos.
— Jamais. Vou adorar conhecê-lo.
Emma sorri e teclo uma mensagem avisando-o que estou a
caminho. Entrelaço nossas mãos novamente e caminhamos na
direção da saída lateral. Ao chegar, sorrio ao rever meu amigo de
longa data.
— É tão bom ver você! — Chad estende a mão para mim e fingimos
fazer um cumprimento formal, até que o puxo para um abraço.
— Você foi incrível no palco, cara! — Comento com ele e Chad
agradece.
Pergunto como ele está, o que tem feito e depois de algumas trocas
cordiais, apresento Emma para ele. Vejo em seu olhar que Chad
reconhece por nome a garota que mencionei algumas vezes na
terapia e nas histórias em que ela estava envolvida. Eles se
cumprimentam como se já se conhecessem há anos.
Envolvo meu braço na cintura de Emma em um dado momento e
vejo que Chad repara, quero dizer a ele o que está acontecendo,
mas a verdade é que ainda não sei o que eu e Emma somos,
apesar de dentro do meu coração, a confirmação ser a cada minuto
mais e mais óbvia.
A porta lateral se abre e meu amigo nos apresenta a April Carson[3],
uma das bailarinas que se apresentou também. E algo no jeito que
eles se olham, na forma como agem, faz com que eu acredite que
não sou o único a estar envolvido de forma amorosa com alguém.
Nos despedimos deles, dou mais um abraço carinhoso em meu
amigo, reforço a ele que pode me procurar sempre que precisar e
caminho ao lado de Emma em direção ao local onde estacionamos
o carro.
Quando nós dois entramos na picape, o silêncio é confortável,
porque sei que estamos absorvendo a presença um do outro. Me
viro para olhá-la e sem dizer nada, nos aproximamos mais, e
quando meus dedos envolvem seus cabelos, eu a puxo para um
beijo. E percebo que nada nunca mais vai ser o mesmo entre nós.
Não posso, não quero e não vou conseguir mais viver sem Emma
como parte integral da minha vida, dessa vez, para valer.
Quero tocá-la, senti-la e observar cada pequeno traço do seu rosto,
de seu corpo, quero conhecer cada segredo seu e me tornar um
especialista em ler suas expressões. Quero puxá-la para meu colo,
mas estamos estacionados na rua e meu carro não é o local mais
confortável do mundo.
Não jantamos antes de assistirmos ao recital e por isso, quando o
estômago dela ronca, não consigo conter a risada e ela tampouco.
— Desculpa. — Murmura com os lábios ainda juntos aos meus. —
Passei o dia todo quase sem comer, fiquei ansiosa.
—  Estava ansiosa para sair comigo, huh? — Comento convencido
e ela revira os olhos.
— Isso faz o seu ego ir às alturas, né, Sullivan?
— Só um pouco, McGlam — faço um carinho nos cabelos de Emma
e prossigo. — Tem alguma ideia de lugar para comermos? Confesso
que toda a minha criatividade se esgotou no momento em que
decidi te trazer no recital.
— Então você é bem pouco criativo, porque a ideia nem mesmo foi
sua por completo.
— Você não joga limpo, Emma Kim — reclamo, fingindo irritação e
ela ri.
— Estou brincando, adorei o recital — ela deposita um beijo rápido
em meus lábios e não consigo parar de sorrir. — Sei que você quis
fazer o encontro perfeito e sei que seria ainda mais elegante
usarmos essa roupa em um restaurante caro, mas... E se
seguíssemos uma tradição da nossa família, só que do nosso jeito?
— Sexta-feira é noite de hamburgada — sorrio ainda mais ao
entender o que ela tem em mente. — Que tal passarmos no drive-
thru? Batatas grandes, milkshake de chocolate, hamburguer duplo...
— Acho essa a ideia mais incrível de todas.
Os sapatos de salto de Emma estão jogados no canto da porta,
junto com meus tênis. Desabotoei dois botões da minha camisa e
ela prendeu os cabelos em um coque feito com o próprio cabelo.
Meu notebook toca baixo uma das minhas muitas playlists e,
enquanto mastigo meu lanche, Emma tenta me explicar sobre um
sociólogo que tem estudado recentemente.
Em outros tempos, eu teria arrumado alguma desculpa para cortá-la
ou para provocá-la, só porque adoro deixá-la irritada. Mas, neste
momento, só consigo me deixar embalar por sua voz e a forma
como ela fala, com convicção e como se fosse o assunto mais
fascinante do mundo.
Termino o lanche ainda ouvindo-a falar e encosto na cabeceira da
cama, olhando para ela atentamente e deslumbrado com a beleza
de Emma, ainda é chocante me dar conta de cada particularidade e
detalhe dela. Não só na questão física, mas por completo.
— Tudo bem com você? — Ela faz uma pausa em sua explicação e
dá um gole no milkshake.
— Claro, por que?
— Você não fez nenhuma gracinha, não me interrompeu para dizer
que o assunto era chato, nem parece o Colin de sempre. E não
adianta mentir, um papo como esse seria entediante para qualquer
pessoa.
— Mas para você não é — pontuo com firmeza. — E tudo que te
instiga, tudo que te fascina, me interessa, baixinha. Quero conhecer
cada detalhe seu e se para isso precisar ouvir você falar sobre Durk
qualquer coisa, eu farei.
— Durkheim. — Me corrige.
— Tanto faz. — Respondo, usando a mesma expressão que sempre
usei para irritá-la e ela ri.
Puxo Emma pelo braço e ela deposita o milkshake em cima da
escrivaninha ao meu lado e aceita de bom grado quando a deito em
cima de mim, seu rosto está a centímetros do meu e seu corpo
emana calor para o meu. As imagens se formam em minha cabeça,
mas não posso apressá-la, não quero ser esse cara.
Entretanto, sem dizer nada, Emma posiciona uma perna de cada
lado do meu tronco e seus lábios envolvem os meus em um beijo
quente. Não há como resistir a forma com que nossos corpos se
encaixam, a forma como tudo parece certo.
Minhas mãos caminham por sua cintura num carinho lento e quando
chego às suas pernas, Emma se movimenta em vai e vem e eu
perco todos os sentidos. Faz tempo desde a última vez que transei
com alguém e ter o corpo dela sobre o meu faz com que eu me
lembre rapidamente desse fato.
Em questão de segundos, sinto meu pau apertar em minha calça.
Sei que Emma também o sente, porque ela desgruda os lábios dos
meus e se senta em meu colo, o que só faz com que minha ereção
fique ainda mais latente, já que ela está bem em cima.
— Colin, eu...
— Não precisa dizer nada — me levanto, ficando sentado de frente
para ela e ajeitando-a em meu colo. — Não quero que você se sinta
pressionada ou ache que, só porque estamos no meu quarto, isso é
algum tipo de código para fazer algo.
— Eu sei, eu só...
— Acredite em mim quando digo que não tenho essa intenção — a
interrompo. — Quero dizer, eu até tenho, minha cabeça já transitou
por esse caminho muitas vezes, até mesmo antes de nos
envolvermos... — Emma ergue as sobrancelhas ao ouvir minha
declaração e antes que possa dizer algo, eu continuo — Mas, isso
não vem ao caso, eu só quero que você saiba que não estou com
pressa. Quero que você confie em mim e saiba que eu ficarei
honrado se você quiser... Você sabe... Mas não precisa ser hoje,
nem semana que vem, nem...
— Colin? — Ela me chama enquanto ainda estou falando.
— Oi?
— Lembra quando éramos crianças e você tirava sarro de quando
eu falava sem parar e perdia o fôlego? — Aceno em concordância e
ela prossegue. — É você quem está fazendo isso agora!
— Desculpa — peço e ela sorri, enquanto massageia meus cabelos.
— Só estou com medo de você interpretar as coisas errado aqui.
Sei que fui um idiota com você boa parte das nossas vidas, e nunca
vou me cansar de pedir desculpas por isso. Mas, a grande verdade
é que gosto de você — confesso novamente. — Estou apaixonado
por você, Emma Kim. E esse sentimento cresce a cada minuto que
penso em você, a cada vez que olho em seus olhos, em cada toque,
em cada beijo. Eu estou perdidamente apaixonado por cada
pequeno detalhe seu.
Os olhos de Emma percorrem meu rosto, como se ela estudasse
cada uma das minhas feições para tentar decifrar se estou sendo
sincero. Seus olhos adquirem um brilho diferente e ela tem um
sorriso singelo nos lábios.
— Então prove. — A voz sai rouca de seus lábios. — Me mostre,
Colin. Porque eu quero mostrar o quanto eu também estou me
apaixonando perdidamente por você.
Ao ouvir essas palavras, nada mais existe à nossa volta, só eu e
ela. E então, eu a beijo. Eu beijo Emma da forma como nunca beijei
ninguém, sentindo meu coração bater forte e ritmado, tocando seu
corpo da forma como deve ser.
Sinto os dedos dela abrindo devagar cada um dos botões da camisa
e em segundos, ela está jogada no chão. Me deito novamente,
trazendo Emma de encontro ao meu peito e deixo que ela me
explore, que me mostre o que quer e como quer.
Suas mãos percorrem meu abdômen e as minhas se encaixam em
suas coxas, subindo devagar o vestido que ela usa, Emma se
levanta e ergue os braços, num convite silencioso para que eu
remova a peça de uma vez.
E quando o faço, perco todos os sentidos, porque o corpo de Emma
Kim é o próprio paraíso na terra. Os seios pequenos não estão
cobertos e a única coisa que nos separa de fato é o tecido fino da
calcinha cinza.
Seguro-a pela cintura e inverto nossas posições, o movimento
rápido faz com que ela dê uma risadinha baixa e, ao olhá-la de
cima, com os cabelos espalhados por meu travesseiro, meu coração
se aquece e me sinto completo, de um jeito que experienciei poucas
vezes na vida.
Me sinto completo assim como quando meus pais me adotaram e
me deram um lar, uma família, completo da mesma forma que me
senti quando ganhei meu primeiro campeonato.
E nesse momento, completo por ter essa garota em meus braços.
Por chamá-la de minha, ainda que não tenha dito essas palavras
para ela.
— Céus! Você é lindo! — Exclama, me tirando do transe. — Mas
você precisa parar de me olhar assim — murmura e me dou conta
de que estou a encarando.
— Não consigo. Você também é linda, Emma. Você é a garota mais
linda que eu conheço e eu nunca vou conseguir deixar de dizer isso,
porque é a verdade. Preciso compensar todos os anos que deixei
essa oportunidade passar.
Encosto nossos peitos nus novamente, dessa vez sem deixar um
espaço mísero que seja entre nós. Deixo que minhas ações falem
por nós dois, a beijando avidamente, como se minha vida
dependesse disso. Percorro seu pescoço com meus lábios, ouvindo
seus gemidos baixos e também sentindo seus dedos chegarem ao
botão da minha calça.
Me viro para olhá-la novamente e não vejo hesitação em seu olhar.
— Não sei muito como fazer isso, mas eu quero. Quero como nunca
quis antes e com qualquer outra pessoa. — Sua confissão é sincera
e percebo que esse momento será importante para nós dois. Ela
está confiando em mim.
— Me mostre o caminho, Emma. Me diga o que você quer. — Beijo-
a de forma doce e vou descendo os lábios por seu pescoço.
Ela assente quando chego perto de seus seios e quando massageio
o direito e envolvo com a boca o esquerdo, seu corpo arqueia e sei
que estamos os dois aproveitando. Me delicio com a sensação por
alguns minutos e, depois, continuo a descer os beijos por sua
barriga.
Quando chego em sua calcinha, ela assente novamente e seu rosto
cora. Neste momento, sei que, assim como na primeira vez que meu
pai me ensinou a surfar, estou prestes a mergulhar em novas
sensações. Em algo completamente diferente de tudo que já vivi. 
Posso já ter feito isso algumas vezes, mas com Emma será
diferente. Retiro a peça e noto o rubor em seu rosto. Encontro seu
clitóris com a língua e faço movimentos ora lentos e ora rápidos,
acelerando à medida que seu corpo se esfrega mais em meu rosto,
sei que os gemidos dela estão altos, mas não me importo, a música
do computador ajuda a encobrir os sussurros e de qualquer forma,
não ligo nem um pouco para o fato.
O corpo de Emma começa a ter pequenos espasmos e quando
coloco um dedo devagar em sua entrada, ela puxa meus cabelos,
me mostrando onde quer que minha língua esteja. Quando ela
chega ao seu ápice, seus olhos estão fechados e os dentes mordem
com força o lábio inferior.
É a visão mais linda, luxuriosa e prazerosa do mundo.
Antes que eu possa de fato dizer algo, perguntar como ela está,
Emma se ergue e me puxa de encontro a sua boca.
— Eu quero você. Por favor!
Não sou capaz de responder, porque meu coração erra mais um
pouco nas batidas e percebo que Emma pode me pedir qualquer
coisa que eu farei, porque estou completamente rendido por ela.
Me levanto para tirar a calça e a cueca em um único movimento e
observo seu olhar percorrer meu corpo, ela consegue tirar o ar dos
meus pulmões apenas com seus olhos castanhos voltados para
mim.
Pesco na carteira um pacote prateado de camisinha, a respiração
alta de Emma quase encobre a música, mas quando ouço os
primeiros acordes de uma música em especial, tanto ela quanto eu
começamos a rir.
— Não acredito que vou transar, com você, ao som de Queens Of
The Stone Age. — Ela verbaliza e uma risada deliciosa escapa de
seus lábios.
— Isso só me prova uma coisa, baixinha. — Abro a embalagem e,
com a respiração entrecortada, coloco a camisinha e me uno
novamente a ela. — Era pra ser.
— O quê? — Me pergunta fazendo um carinho leve em meus
cabelos.
— Nós dois. Simplesmente era para ser.
Os olhos de Emma brilham e dentro de mim, há uma certeza que
me assusta no mesmo nível em que me preenche.
Talvez, eu a ame.
Nossos lábios se encontram e sinto todas as sensações contidas
em nosso beijo, a expectativa, a ansiedade, a primeira vez dela, a
nossa primeira vez juntos. Me posiciono em seu corpo e observo os
olhos dela fechados enquanto vou entrando um milímetro de cada
vez, ela ofega a cada movimento e quando eu entro por inteiro,
Emma abre os olhos e de fato tudo muda.
Não tem mais volta.
Emma e eu somos um final de jogo, mas diferente de uma partida
comum em que há apenas um vencedor, de alguma forma, eu sei
que nós dois ganhamos. Jurei boa parte da vida estar no lado
oposto ao dela, mas a verdade é que nós sempre estivemos no
mesmo time.
 
Capítulo 27

Meus olhos se abrem devagar e um fio de luz entra pela janela do


quarto, ainda que a cortina esteja fechada. Meu cérebro demora
apenas alguns segundos para processar onde estamos, e quando
isso acontece, sorrio involuntariamente.
Estou no quarto de Colin, deitada em sua cama e completamente
nua por baixo do edredom confortável e que tem seu cheiro
delicioso impregnado. Tivemos nosso primeiro encontro, tivemos
nossa primeira vez. A minha primeira vez. E, apesar de me mexer e
sentir um certo incômodo no meio das pernas, sorrio novamente por
me lembrar da noite passada e do momento mágico que vivemos.
Meu coração dispara e eu fecho os olhos rememorando os flashes
da noite.
Quando Colin disse que ouvirmos uma banda que tanto gostamos,
naquele momento, era mais um sinal de que nós dois éramos algo
que estava destinado a acontecer, eu sabia que seria especial. E foi.
Colin foi perfeito e cuidadoso comigo e, enquanto entrava devagar
em mim, eu só conseguia pensar que nunca havia planejado como
queria que minha primeira vez fosse, mas que talvez, se o tivesse
feito, teria desejado que fosse exatamente daquele jeito.
Ele me perguntou o tempo todo como eu estava me sentindo, se
estava doendo, se eu gostaria que ele parasse, me deixando no
controle da situação. Era sobre mim, mas também era sobre nós.
Pedi que ele continuasse a fazer o que estava fazendo e a gotinha
de suor solitária que escorria em sua testa, com ele se esforçando
para segurar o ritmo, os sons que ele fazia, seu rosto no mais puro
prazer... Foi incrível.
Foi incrível ver a adoração com a qual Colin tratou a mim, ao meu
corpo, permanecendo me tocando de formas diferentes até
encontrar o jeito que me agradasse, até que eu também estivesse
satisfeita, mesmo quando ele já havia encontrado seu ápice.
Estico os braços para o alto enquanto relembro os momentos e me
viro novamente na direção da janela. Quando faço isso, vejo um
bilhete entreaberto na escrivaninha. Me ergo na cama um pouco,
segurando o edredom para cobrir meus seios, ainda que não haja
ninguém no cômodo, e pego a folha nas mãos.
E com a caligrafia levemente torta, o recado de Colin ganha vida
diante dos meus olhos:

 
Bom dia, baixinha.
Não sei que horas você vai ler esse bilhete, mas, como você deve
saber, tenho jogo hoje. Você, melhor do que ninguém, sabe o
quanto eu amo futebol americano e que o esporte é a minha razão
de viver. Poucas vezes na vida — talvez eu consiga contar nos
dedos —, eu não tive vontade de jogar ou quis faltar a algum treino.
Hoje foi um desses dias.
A noite de ontem foi especial, Emma Kim. Enquanto escrevo esse
bilhete, não consigo parar de olhar para você, não consigo parar de
sorrir e muito menos sou capaz de evitar meu coração de disparar
ao lembrar de tudo que aconteceu.
Daria tudo para ficar aqui e passar o dia todo com você embaixo de
mim, em cima de mim, sentada em mim... De tantas formas
diferentes. Você me enlouquece, e agora, de um jeito totalmente
novo e muito mais fascinante do que antes.
Infelizmente, preciso ir nessa, ou vou me atrasar para o jogo. Mas,
queria propor duas coisas e aí você escolhe aquela que mais te
agradar. A primeira, é que tem uma camisa minha do time dobrada
na cadeira e se você quiser ir assistir ao jogo (caso ainda dê tempo),
vai ser incrível ver você usando meu número nas costas.
Minha mãe sempre amou ver meu pai, eu e Freddie com sua camisa
enquanto era jogadora de futebol, e acho que agora entendo o
sentimento. Vou adorar ver seu corpo coberto por ela com meu
nome estampado.
Mas, se você não quiser (e eu vou entender), você pode ficar
curtindo minha cama e me esperar chegar. Independentemente do
resultado de hoje, seja perdendo ou ganhando o jogo, só há uma
coisa que eu queira fazer e uma pessoa que eu queira ter ao meu
lado. E é você, Emma Kim.
Seja qual for sua escolha, vou aceitar. A única coisa que eu quero
de verdade é você. Quis você ontem, quero você hoje e te quero
amanhã.
Mas, se optar pela segunda opção, me espere nua, por favor ;)
Colin.
 
Dou um longo suspiro ao terminar de ler o bilhete e o grudo em meu
peito, tentando controlar o ritmo do meu coração, que bate de forma
acelerada.
Quem é esse Colin? E por que eu demorei tanto para conhecer esse
lado?
Olho mais uma vez para o papel, para acreditar que realmente
aquelas palavras estão escritas ali e, na sequência, me abaixo
rápido para pegar minha bolsa e visualizar meu celular, o jogo vai
começar em pouco mais de uma hora, mas se correr, talvez chegue
durante a entrada dos times.
Levanto rápido e visto novamente meu vestido jogado no quarto e a
calcinha, meus pés reclamam quando calço os saltos, mas só
preciso chegar ao outro lado da rua, então aguento firme. Há uma
chave na porta e eu a viro para destrancá-la, estou quase saindo
quando me lembro do elemento mais importante que estou
esquecendo.
Volto rápido para dentro e pego a camiseta de Colin na cadeira, com
um sorriso de orelha a orelha.

Digito uma mensagem a caminho do campo e aviso à Colin que


estou indo assistir ao jogo, ele provavelmente não verá agora, mas
verá depois e dessa forma, nós vamos conseguir nos encontrar.
Enviei uma mensagem para Kath também enquanto voltava para
casa e me surpreendi quando ela mencionou que também estava
indo para o jogo. Ela teve um encontro na noite anterior, assim como
eu. Kath tem saído bastante esses dias, mas ainda não me revelou
quem é a pessoa que está roubando suas horas livres no dia.
Caminho pela multidão e sinto alguns olhares em minha direção.
Talvez seja coisa da minha cabeça, mas uma parte de mim acredita
que minha aura esteja diferente. Estou sorrindo muito, isso é
verdade, acho que nunca sorri tanto como agora, nem mesmo
quando ajudei em um projeto de preservação da vida marinha.
Me sinto incrível, forte, poderosa e, mesmo que ainda não tenhamos
dito, parte de mim está exibindo o número trinta e sete e o
sobrenome “Sullivan” estampado na camisa, assim como uma
namorada faria.
Uma parte de mim, enquanto adentra o campo e as arquibancadas,
se pergunta o que Colin e eu somos. Seria cedo demais para
assumir um relacionamento? Eu quero isso? Ele quer isso?
Afasto todas essas perguntas quando sinto meu telefone vibrar e
vejo a mensagem de Kath, perguntando onde estou, vou digitando
uma resposta e erguendo o rosto para encontrá-la na multidão.
Ouço uma voz chamando meu nome e olho na direção do som, vejo
Kath acenar para mim e ao seu lado, está Daf acenando junto dela.
Subo os degraus altos que levam até onde elas estão e minha
amiga não poupa a piada quando me vê:
— Já chegamos ao patamar de usar a camiseta do namorado?
— Não começa, Kath — reviro os olhos, fingindo irritação e ela me
esmaga em um abraço.
— Estou feliz por vocês — comenta Daf depois de me abraçar
também. — Vocês são um casalzão, me surpreende que tenham
demorado tanto para perceber isso.
— Não somos um casal... Não ainda, eu acho — me embaralho nas
palavras e as duas dão uma risada. — Mas, de verdade, Daf, você
não liga pra isso? Não é estranho para você falar do Colin, já que
vocês tiveram algo?
— Nem um pouco, Emma! Colin e eu tivemos um lance legal, mas
gosto bem mais de ser amiga dele. Além disso, conhecer ele e, por
consequência, você, me trouxeram amizades e pessoas incríveis
para minha vida. — Daf tem um sorriso nos lábios e noto que ela
olha para minha amiga.
Em uma conversa que acontece entre as duas pelo olhar, vejo
quando ela toma a mão de Kath e elas entrelaçam os dedos. E
então eu entendo.
— Mas, quando isso...
Minha pergunta é silenciada pelos gritos da torcida e pela narração
do jogo, os times vão entrar em campo e a euforia me atinge. Me
viro para frente, para olhar o campo e sinto a mão de Kath em meu
ombro e sua voz um pouco mais alta em meu ouvido, para sobrepor
a torcida.
— Eu te conto sobre isso e você me conta sobre sua primeira noite
fora de casa, que tal?
— Fechado! — Exclamo ao virar para minha amiga. — Mas, de
verdade, só tem uma coisa que me importa: você está feliz?
— Muito, Em! Ainda estamos nos conhecendo, ainda é cedo pra
dizer qualquer coisa, ainda é maluco pensar que estou me
relacionando com uma garota, já que isso nunca passou pela minha
cabeça, mas sei lá, parece certo. Você me entende?
— E como! — Suspiro exageradamente e sei que Kath entende que,
assim como ela, tenho a mesma sensação com relação a mim e
Colin. De que as coisas parecem certas.
O narrador avisa que o time da nossa faculdade vai entrar em
campo e sorrio ao encontrar o mesmo número estampado na minha
camiseta, só que no centro do gramado. Já vi Colin jogar muitas
vezes, desde quando estava na liga infantil, e depois, quando
começou a jogar pela nossa escola.
Vi sua primeira final de campeonato e também presenciei suas
derrotas, mas hoje, assisto a esse jogo como se fosse a primeira
vez. Porque não deixa de ser. Estou assistindo ao cara de quem
gosto praticar o esporte que ama.
E dessa vez, me atento a beleza verdadeira do jogo. Não sou a
maior fã de futebol americano, sempre gostei mais de acompanhar
os jogos de tia Heather e outros esportes, mas acabei aprendendo
as regras de tanto ouvir as conversas em casa, e claro, por
presenciar Colin em ação nos campos.
E é incrível vê-lo correr em disparada pelas jardas, é até difícil de
acompanhar, as jogadas acontecem muito rápido e no mesmo
segundo que vemos a bola no ar, corpos se espremem na defesa.
Com os anos, me acostumei com as pancadas que Colin e os
demais jogadores tomavam, passei a saber quando realmente
precisava me preocupar.
Durante essa partida, não me preocupo com as batidas que Colin
sofre, é algo normal. O que sinto é frustração porque nenhuma das
jogadas está levando ao resultado almejado, o time da Universidade
da Flórida não consegue marcar nenhum ponto.
Quando o segundo quarto de tempo acaba, os times se recolhem
para o vestiário, para o intervalo, e mesmo de longe, vejo Colin tirar
o capacete e percebo que ele está frustrado, o esporte é importante
para ele e eu sei, mais do que ninguém, que ele não gosta de
perder.
Passei a vida toda competindo com ele e vencer é algo que o faz
feliz. Mas, nos campos, é completamente diferente das nossas
piadinhas e implicâncias de criança. O modo Colin jogador está
ativado e sei que ele não quer falhar.
— Vou buscar um refrigerante, querem algo? — pergunta Daf
enquanto se levanta.
Kath e eu pedimos uma água e, enquanto ela desce, aproveitamos
a deixa para falar sobre os dois acontecimentos mais recentes em
nossas vidas. Kath me conta que, quando Daf foi falar comigo, ela
primeiro me procurou em casa e quem atendeu a porta da nossa
sororidade foi ela. As duas começaram a conversar depois de Daf
citar meu nome e acabaram trocando telefones, num pretexto de
ajudar a mim e a Colin.
Acontece que as mensagens se tornaram muito mais um momento
para se conhecerem, e as duas saíram depois das aulas todos os
dias, depois da fatídica conversa que Daf teve comigo. Na noite
anterior, elas tinham tido seu primeiro encontro. Kath comentou que
havia vivido sua primeira experiência homoafetiva e estava nas
nuvens. 
Rimos da coincidência do destino a respeito de nós duas, porque
vivemos nossas primeiras experiências na mesma noite, e minha
amiga comemorou quando contei a ela a noite perfeita que Colin e
eu tivemos.
— Você merece ser feliz, Em! Você merece viver um clichê
adolescente como esse. De inimigos para amantes, eu já mencionei
como amo esse plot? — Empurro-a de leve pelos ombros enquanto
rimos.
— Nunca achei que poderia ser feliz assim, mas me sinto radiante,
Kath. Parece que estou brilhando, não sei explicar. E não consigo
parar de pensar em tudo, em cada toque, em cada palavra, eu... —
respiro fundo e completo. — Eu quero mais, sabe?
— Sei! — Ela alonga a palavra e sei que ela entendeu exatamente
sobre o que estou falando. — E vai por mim, agora que você já sabe
como é, você vai querer mais e mais sempre.
Sinto minhas bochechas esquentarem enquanto Kath continua a
tirar uma com a minha cara, mas logo sou salva pelo retorno de Daf
com nossas garrafas de água.
O jogo retorna e dessa vez, Colin fica no banco, o técnico o substitui
por outro Wide Receiver.  Os principais jogadores que estavam em
campo vão para os bancos, reconheço o número dezesseis de
Dylan e ele também está sentado no banco, próximo a Colin.  Faz
tempo que não o vejo, mais precisamente desde o fatídico
acontecimento, é como se ele tivesse se recolhido e se tornado
mais recluso.
Por mais que ele nunca tenha vindo falar comigo, não é ele quem
detém minha atenção, não mais. Em alguns momentos, não sei
dizer se quero um pedido de desculpas, ainda parece muito melhor
ignorar o que aconteceu do que lembrar a mim mesma que me
deixei levar por meias palavras.
Enquanto assisto a jogada em andamento, uma parte de mim se
pergunta se não estou me iludindo com Colin, se talvez ele não
esteja me enganando tal qual Dylan. Mas silencio rapidamente o
pensamento, porque me lembro de suas palavras, das declarações
que ele me fez involuntariamente e afirmo a mim mesma o quanto
isso é certo. O quanto Colin e eu parecemos certo.
Fico atenta ao jogo e mesmo em meio a derrota do nosso time, tudo
parece bem, nos conformes. Até não estar mais.
O juiz apita o início do último quarto e sabemos que não vamos
ganhar, mas o nosso time continua tentando. Todavia, não é a
jogada em andamento que me chama atenção, mas sim, a
movimentação nos bancos.
Vejo quando Colin se levanta junto de outro jogador e reconheço ser
Alex, os dois começam a se empurrar e um segundo depois, a mão
de Alex atinge o maxilar de Colin.
Os dois avançam um sobre o outro e a confusão se espalha, o juiz
apita parando a partida. O técnico do nosso time se aproxima
furioso por ver seus jogadores brigando entre si e vai apartar a
confusão. Noto, no meio dos demais caras, Dylan puxando Alex e
ralhando bravo com ele, de certa forma defendendo Colin.
Não faço ideia do que aconteceu, só vejo o técnico mandando
Dylan, Alex e Colin para o vestiário e outros jogadores vão juntos,
numa espécie de escolta. Meu coração está na boca, não penso nas
consequências e  não me importo com o jogo ainda em andamento,
apenas sigo o impulso de ir para a área dos vestiários, preciso ver
Colin.
Entretanto, é Kath quem me detém quando tento passar por ela.
— Calma! É melhor esperar até o final do jogo, falta pouco tempo.
— Preciso saber o que houve — afirmo, mesmo que já suspeite o
motivo da confusão.
— Emma...
— Por favor, Kath. — Imploro.
— Não vamos deixar você ir sozinha, vamos com você — responde
Daf firme e olha para Kath.
Sinto meu coração na boca, não consegui visualizar direito o que
houve porque foi muito rápido, mas vi o exato momento em que
Colin levou um soco no queixo, sei que agressões não são toleradas
em nenhum esporte e temo que isso prejudique seu desempenho.
Colin sempre foi um cara muito pacífico, violência sempre foi algo
que repudiou, entretanto, é a segunda vez que o vejo partir para a
agressão. Não quero que isso se torne frequente.
Kath segura minha mão e, como em um pequeno comboio, Daf vai
nos conduzindo pelas arquibancadas abaixo, o jogo continua a
acontecer, mas o placar já está perdido e por isso, muitos
torcedores começam a sair do estádio assim como nós. 
Levamos mais tempo do que o necessário para chegar à saída dos
vestiários. A última vez que estive aqui foi para encontrar Dylan, e
ironicamente, enquanto estamos adentrando ao túnel, é ele quem
está caminhando em nossa direção.
É a primeira vez que o vejo desde o ocorrido, mal o reconheço, é
como se minha mente tivesse apagado a memória dele, de seu
rosto. Os cabelos castanhos estão bagunçados e vejo a pequena
argolinha que eu tanto costumava gostar de mexer. Entretanto,
quando seus olhos castanhos encontram os meus, relembro da
noite da festa e sinto meu corpo arrepiar.
Vejo ele vindo em minha direção, mas antes que possa dizer algo,
dois corpos se colocam à minha frente.
— Se quiser bancar o babaca pra cima dela, vai precisar passar por
cima de nós antes. —  A voz cheia de ódio vem de Daf. — E confia
em mim, já lidei com caras como você, não tenho medo de lidar de
novo.
— E eu vou adorar quebrar esse seu rostinho angelical de bom
moço de merda — dessa vez, é Kath quem fala e cruza os braços
sobre o peito.
— Só quero falar com Emma, pedir desculpas por tudo o que
aconteceu. — A voz de Dylan sai mansa, me relembrando do
porquê era tão fácil acreditar nele.
— Tarde demais, garotão. — Explana Kath.
Por alguns segundos, fico grata por ter duas amigas me
defendendo, é quase como se fossemos um super trio poderoso,
com o qual posso e quero me acostumar. E, apesar de uma parte de
mim não querer falar com Dylan e adorar estar sendo defendida,
uma outra parte quer suas explicações, quer saber o que houve e
porque ele me enganou daquela forma.
Quero entender de alguma forma a que custo ele achou que seria
legal brincar com meu coração e com meus sentimentos. Preciso
fechar esse ciclo para que possa começar outro, de peito e alma
abertos e sem desconfiar de qualquer boa ação vinda de um cara.
— Gente, tudo bem. — Abro um espaço entre as duas e enfio minha
cabeça entre elas. — Quero ouvir o que ele tem a dizer.
— Emma Kim... — Kath me chama e nós nos olhamos.
— Preciso disso, amiga. Fechar ciclos é importante. Como já diria
minha avó Jina, e sua sabedoria incrível, às vezes, é importante
encararmos situações que nos deixam desconfortáveis. E essa é
uma delas, quero ouvir o que ele tem a dizer, para tirar minhas
próprias conclusões.
Kath respira fundo e, no mesmo instante, Daf se afasta, sei que ela
ouviu o que eu disse e agradeço por ela respeitar esse momento.
Minha outra amiga assente, mas diz em voz baixa que estará por
perto, observando nós dois de longe.
— Estamos de olho em você, babaca — Daf afirma,
categoricamente, e as duas saem de mãos dadas.
Sei que estão nos observando, mas ainda assim, a sensação de
estar sozinha com ele faz com que eu me sinta receosa. Sempre fui
forte para muitas coisas, nunca gostei de injustiças e sempre briguei
pelo que acreditei.
E é essa Emma que evoco de dentro de mim. A Emma que é tão
parecida com a minha mãe, corajosa e forte. A Emma que meu pai
sempre me incentivou a ser, a garota independente e que luta pelo
que defende e acredita.
— Estou ouvindo. — Começo a conversa e encaro Dylan.
— Eu sinto muito por tudo que aconteceu, Emma. — Ele segura a
alça da mala e a coloca com mais força no ombro — Sei que nada
do que eu falar agora vai justificar minhas ações, mas eu queria que
você soubesse que, naquela noite... Eu passei da conta na bebida,
não queria forçar nada de verdade. Eu não posso mais negar a
aposta porque bem, foi verdade, ela existiu...
— Como você teve coragem de fazer algo assim? — Ouvir sua voz
mansa faz com que a ira nasça dentro de mim. Minha voz sai mais
alta e, de repente, não sinto que estamos falando apenas de mim,
mas sim, de todas as mulheres no mundo. Não é só por mim, mas
por tantas outras garotas que já tiveram que lidar com idiotas como
ele. — Que ideia sádica é essa de apostar para dormir com uma
garota? Deixar que eu me aproximasse de você, me levar para
encontros, fazer com que eu confiasse em você, a custo de quê? De
uma transa para depois você me descartar? Que coisa baixa!
— Essa nunca foi a minha intenção, Emma. Eu realmente gostei de
sair com você. Me deslumbrei com a faculdade e com o que ela
tinha a oferecer. Na minha escola, o time de destaque era o de
basquete, ninguém ligava muito para o futebol americano, e quando
cheguei aqui, tudo foi diferente. As festas, as garotas, a facilidade
de tudo... Me deixei levar pelas amizades erradas... — Não preciso
me esforçar muito para saber de quem ele está falando.
— Bom, isso não justifica o que você fez comigo. — Cruzo os
braços sobre o peito e posso ter menos de um metro e sessenta,
mas me sinto tão grande quanto Dylan.
— Não mesmo, mas ainda assim, quero pedir desculpas, por tudo.
— Ele se aproxima um passo e eu recuo outro. — Espero que você
possa me desculpar algum dia.
Respiro fundo ao ouvir suas palavras e respondo de forma firme a
ele.
— Desejo tudo de melhor para você, Dylan. Espero que você
aprenda com seus erros. Minha avó Jina sempre me disse que
perdoar era muito mais nobre do que guardar mágoa, e apesar de
não gostar de decepcionar aqueles que amo, não posso dizer que te
perdoo pelo que fez, pelo menos não agora. — Minhas palavras
saem duras e vejo que Dylan não está contente, ele não parece feliz
e a frustração é visível em sua feição.
— Acho que esse é o preço que eu pago, e tudo bem, tenho que
aceitar. — Ele assente em resposta, ainda cabisbaixo. — Só queria
dizer que hoje, eu não fiz nada. Foi Alex quem começou a provocar
Colin sobre vocês dois e eu não quero mais compactuar com essas
coisas — ele suspira, e percebo que diz essas palavras com
sinceridade. — Cansei de ser esse cara, cansei de ser um babaca,
sendo que eu nunca fui.
— Espero que essa sua mudança aconteça de verdade. Porque, se
eu presenciar você sendo babaca com qualquer outra pessoa,
haverá consequências de verdade. E a respeito do Colin, uma
última coisa — o passo que eu havia dado para reduzir nossa
distância, eu dou novamente para encurtar e me aproximar dele.
Com uma autoridade que não sei de onde vem, pontuo firme. — É
bom que você não mexa com ele. Posso não saber defendê-lo com
força física, mas não vou deixar que você, ou Alex, ou qualquer
outra pessoa, prejudique o esporte que ele tanto ama. Fique longe
dele!
Quando termino de falar, é como se tivesse tirado um peso gigante
dos ombros. Fui corajosa para falar sobre nossa questão e ainda o
alertei a respeito de Colin. Porque, assim como minha mãe, há algo
que sempre tive dentro de mim.
As pessoas podem até mexer comigo, podem até me provocar ou
tentar me machucar, mas mexer com aqueles que eu gosto, com
aqueles que eu amo, não. Não permito e não permitirei.
— E o mesmo serve para a situação contrária, Porter. Fique longe
dela!
Reconheço a voz grossa que reverbera pelo corredor e vejo Colin se
aproximando a passos lentos. Conforme ele anda em nossa direção,
vejo que seu queixo está um pouco inchado e que ele tem um corte
no lábio inferior, meu coração se aperta e acelera na mesma
intensidade, porque é a primeira vez que estou vendo Colin depois
da noite de ontem.
E céus, ele é lindo, mesmo machucado. E quando sorri para mim,
sinto meu coração errar todas as batidas.
— Sei disso — como um animal acuado, Dylan responde sem olhar
para Colin e volta a me encarar. — Era isso que precisava falar com
você, Emma. Espero que fique bem e que um dia me desculpe.
Aceno com a cabeça e, quando ele percebe que não tenho mais
nada a falar, começa a caminhar para longe, em direção à saída. Ao
sair da minha frente, vejo Colin parado, me fitando.
Ele olha rapidamente para a camiseta dele que estou usando e sorri
largamente, os dentes brancos brilhando, os olhos levemente
fechados por conta do sorriso. Ele é lindo e minha cabeça parece
repetir isso em um looping infinito.
— Oi. — Ele diz, ainda longe de mim.
— Oi. — Respondo, sentindo meu coração acelerar e sem saber
como reagir.
— Você usou a camisa. — Afirma, apontando para mim com o
indicador.
— Usei.
Colin desce os olhos pelo meu corpo e sinto minha pele pegar fogo.
Tê-lo parado a minha frente faz com que eu relembre de tudo. Corro
os olhos pelo seu corpo e é quase como se o  estivesse vendo nu
na minha frente, lindo em toda a sua glória.
Preciso tê-lo assim novamente, e ter consciência disso faz com que
meu coração dispare ainda mais. Quando nossos olhos se
encontram, tanto Colin quanto eu sorrimos, o peito subindo e
descendo pela respiração levemente acelerada.
— Vem aqui, por favor! — Pede, jogando a bolsa no chão.
E eu acabo com nossa distância de uma vez por todas. Vou ao
encontro dele, do abraço que faz com que eu me sinta a garota mais
sortuda do mundo, do cara que foi minha pedra no sapato a vida
toda e, neste momento, é a pessoa que tira o ar dos meus pulmões.
Colin abraça minha cintura e me ergue do chão como se eu não
pesasse nada. Enterro meu rosto em seu pescoço e, em outro
impulso, enrosco minhas pernas em seu tronco, o que faz com que
suas mãos me segurem pela bunda. O contato me incendeia, mas
antes que eu possa fazer algo, ouço um grito vindo do fim do
corredor.
— Arrumem um quarto, seus safados! — A voz de Kath ressoa pelo
corredor extenso, e Colin nos gira de forma que consiga ver tanto
ela quanto Daf.
— Você veio com um exército para brigar junto com você, huh? —
Cochicha em meu ouvido.
— Não vim brigar, vim ver como você estava, fiquei preocupada. —
Afasto meu rosto de seu pescoço e olho diretamente para ele. —
Você está machucado, não está com dor? — Pergunto passando a
mão devagar por seu rosto, quase com medo de machucá-lo ainda
mais.
— Dor? Depois de ver você me defender? — Questiona e, na
sequência, uma risada gostosa escapa de seus lábios. —  Baixinha,
você curou todas as minhas dores. E as cicatrizou  vindo com a
minha camisa. E há quem diga que mulher brigando é algo ruim de
se ver. — Colin responde sarcástico, pois sabe que detesto esse
tipo de comentário e, em seguida, dá uma piscadinha e rouba um
beijo rápido dos meus lábios.
— Primeiro: pare de soltar comentários que você sabe que vão me
irritar; segundo: para de falar com esse ar convencido — ralho,
fingindo mais irritação do que realmente estou. — Não estava
brigando por sua causa.
— Emma Kim, não adianta esconder. Eu ouvi suas palavras e foi a
coisa mais sexy do mundo ver você ralhando toda brava com ele.
— Céus! Eu já me arrependi do que disse. Está satisfeito? — Reviro
os olhos e continuo. — Você está se divertindo às minhas custas e
vai se gabar pra sempre de que eu te defendi e isso...
E então, Colin faz o que sempre fez quando eu começava a
tagarelar. Ele me interrompe, mas dessa vez, de um jeito muito
melhor. Me beijando, de uma forma delicada, mas que
simplesmente me incendeia por completo.
— Vamos para casa? — ele murmura ainda com os lábios
parcialmente grudado aos meus.
E eu simplesmente balanço com a cabeça em positivo, porque eu o
quero. Porque qualquer lugar, onde quer que seja, será minha casa
se ele estiver comigo.
Capítulo 28

Estou me aproveitando da situação.


Não sinto nem mesmo metade da dor para que Emma tenha todo
esse cuidado comigo, mas, depois de uma péssima partida, uma
briga em campo e um corte no lábio, deixo que ela assuma o
comando e se torne quase uma enfermeira.
No momento, ela tem um saco de ervilhas congeladas na mão,
enquanto pressiona devagar sobre meu queixo e sobre o corte, para
ajudar a desinchar. Quis dizer a ela que o médico do time já havia
feito isso, mas quando ela se posicionou a minha frente e colocou
seu corpo junto ao meu, entre minhas pernas, apenas fiquei quieto.
— O que...
— Shiu! Não mexa a boca — ela me pede docemente e pressiona
um pouquinho mais o saco de ervilhas em meu lábio.
— Mas eu quero falar com você — murmuro, tentando não
movimentar os lábios, mas é quase impossível. Pareço uma criança
falando enquanto escova os dentes.
— Não dá para esperar só mais um pouquinho? Só mais uns
minutinhos.
Assinto, rendido pela garota de olhos angulados e bochechas
coradas que tem dominado meus pensamentos e minha vida de um
jeito completamente diferente. Estou sentado na beirada da cama e
ela ainda está desarrumada, não me importo nem um pouco com
isso, mas toda vez que desvio o olhar para os lençóis, me lembro da
noite anterior.
E só consigo pensar que quero repeti-la muitas e muitas vezes. De
formas diferentes, de jeitos diferentes, de tantas formas que fazem
minha cabeça girar.
Olho para Emma e noto que ela também está olhando na mesma
direção que eu, nossos olhares se encontram e eu apostaria
dinheiro que ela está pensando a mesma coisa que eu.
— O que aconteceu no campo? — Pergunta, removendo o pacote
de ervilhas da minha boca, o que entendo como uma brecha para
podermos efetivamente conversar.
Tenho vontade de segurá-la pela cintura e jogar em minha cama
para evitar que tenhamos essa conversa desconfortável, mas
conheço Emma, ela não vai permitir ficar sem saber ao menos um
pouco sobre o que aconteceu. Respiro fundo, chateado por termos
de tocar nesse assunto desconfortável novamente.
— Nada demais. Alex falou besteira. Acho que ele deve ter ouvido
minha conversa com Johnny sobre nosso encontro, e começou a
falar que meu desempenho estaria prejudicado hoje por falta de
sexo — as bochechas de Emma coram e não sei definir se é
vergonha porque transamos, ou pelo fato de sua vida sexual parecer
um assunto em pauta dentro de um vestiário masculino de
jogadores. — Tentei ignorar seus comentários, mas então, ele me
provocou mais nos bancos...
— O que ele disse? — Questiona, e eu decido em segundos que
não vou revelar, ela não merece.
— Não vou te contar, Emma — digo, um pouco mais firme, sem a
voz tão mansa quanto antes. — Não vale a pena, baixinha. Ele
queria me atingir porque todo mundo sabe que ele odeia o fato de
ser um péssimo jogador e não ter nenhum destaque no time. Já
conheci pessoas assim, Emma, ele faz isso com todo mundo. Alex
tem prazer em desestabilizar a todos, até mesmo seus amigos. Fez
isso com Dylan — ao dizer seu nome, Emma me olha confusa —
Agora entendo a questão da aposta. Dylan passou tanto tempo
tentando se mostrar um “macho alfa”, mostrar seu valor ou qualquer
coisa do gênero que se esqueceu do esporte, o rendimento dele
está péssimo e, agora que se deu conta disso, está tentando
recuperá-lo.
— A que preço Alex faz isso? — Pergunta Emma — Quero dizer, o
que ele ganha com isso? Que porra de prazer sádico é esse?
Me surpreendo ao ver Emma falar um palavrão e percebo mais
ainda o quanto esse assunto é um incômodo completo, o quanto
não vale a pena discutirmos sobre isso.
— Como já diria um personagem de quem gosto muito — limpo a
garganta e endireito a coluna — “Algumas pessoas só gostam de
ver o circo pegar fogo” — pontuo a frase com uma piscadinha e
Emma cruza os braços no peito dando uma risada, o que traz alívio
para meu coração.
— Só você para citar o Alfred, do Batman, em um momento como
esse. — Entrelaço meus braços em sua cintura e Emma relaxa um
pouco ao meu toque. — Você não vai mesmo me falar, não é?
— Não vou, Emma Kim. Não vale a pena perdermos tempo com
isso, não vale a pena perder tempo com Alex. Não me importo com
ele, nem com Dylan, nem com mais ninguém. Nada do que ele disse
vai mudar o que aconteceu entre nós ontem... — envolvo sua
cintura com minhas mãos e encontro sua íris castanhas — E o que
quero que aconteça entre nós hoje. Amanhã, depois de amanhã e
assim por diante.
Emma morde o lábio inferior e talvez seja nossa proximidade, ou
seu cheiro doce, ou mesmo os cabelos loiros que escorrem por seus
ombros e cobrem parcialmente o meu número na camiseta, mas eu
sinto a excitação correr por meu corpo.
— E o que você quer que aconteça, Sullivan? — a voz dela perde o
tom desanimado de antes e assume uma nova tonalidade.
Sedutora. Sexy. É extremamente excitante.
Puxo-a ainda mais para perto de mim e beijo seus lábios, reconheço
no toque a delicadeza, ela ainda está tentando cuidar do meu lábio
cortado, mas não estou nem aí para ele. Pratico um esporte que
gera fraturas e dores bem maiores do que um corte como esse.
O gesto delicado faz com que eu perceba, mais uma vez, porque
meu sangue ferveu ao ouvir as palavras de Alex. Gosto demais de
Emma. Estou completamente apaixonado por ela e por cada parte
que a faz ser quem é.
Espero não precisar bater em mais ninguém, porque isso não é do
meu feitio, mas quando Alex debochou sobre ela, dizendo que eu
precisaria de sorte e que provavelmente não iria transar com a
“coreaninha”, voei para cima dele. Sinto meu corpo tensionar só de
lembrar suas palavras.
Alex é um babaca, e ainda por cima um babaca xenofóbico por não
ter respeito por Emma e pela ascendência dela. Não pensei duas
vezes em socar a cara dele e não me arrependo disso, teria feito de
novo e quantas vezes fosse necessário, o que me surpreendeu foi
ver Dylan partir para cima do amigo, dizendo que não iria mais
tolerar comentários racistas como aquele.
Não duvido que Dylan tenha se deixado levar por amizades ruins,
mas isso não exclui o fato de que foi um babaca e de que não o
quero perto de Emma.
Todos esses sentimentos, lembranças e o corpo de Emma junto ao
meu fazem com que eu a queira mais e mais. Quero adorá-la da
mesma forma como fiz ontem, quero reviver as memórias e criar
novas.
Desço minhas mãos por seu corpo num caminho tortuoso,
deslizando minha língua por seus lábios, mostrando que não preciso
que ela pegue leve, que estou bem, que estar com ela é a melhor
coisa para mim.
A barra da camiseta vai até o meio de suas pernas, mas eu a
empurro para cima, até que esteja tocando sua pele. Emma tem as
mãos em meus cabelos, mas elas caminham para meus ombros e
ela me empurra gentilmente. Afasto nossos lábios e olho para ela.
— Não precisa pegar leve, Emma, eu estou bem. Esse corte não é
nada. 
— Tem certeza? — Pergunta.
— Tenho certeza, baixinha — afirmo mais uma vez e dou um sorriso
largo. — Só preciso de você agora.
Ela deposita um selinho em meus lábios e me empurra novamente
pelos ombros, me rendo ao seu pedido e deito na cama, com as
pernas ainda para fora. Emma sorri quando o faço e vejo que seu
olhar muda de alguma forma.
—  Ótimo. Porque eu também não quero que você pegue leve.
Procuro processar suas palavras e tento entender se ela quis dizer
mesmo o que acho, porque meu pau se aperta dentro da calça. E
como se respondesse meu questionamento, Emma Kim me
surpreende ainda mais ao subir em meu colo e remover a camiseta
com meu número estampado de seu corpo pequeno, mas tão lindo.
Vê-la vestida com minha camiseta foi incrível, mas ver seu corpo
perfeito adornado de um sutiã rosado e transparente é ainda melhor.
Nunca me importei muito com lingeries, eu sempre estava mais
interessado em remover as peças e transar com a garota.
Entretanto, com Emma, sinto vontade de apreciar cada momento,
cada detalhe.
Suspiro fundo e coloco minhas mãos em sua cintura e ela se deita,
colando meu corpo ao seu novamente.
— Quero você, Colin. Preciso de você.
E são esses dois verbos, mesclados, que fazem com que tudo
mude. Quero tocar Emma, quero conhecer mais de seu corpo,
quero dar prazer a ela. Quero ela por inteiro. Também preciso dela,
mais do que imaginei.
Uno nossos corpos mais um pouco e seguro-a em meus braços
enquanto inverto nossas posições, nos colocando no lugar certo da
cama. Emma ri quando sua cabeça atinge o travesseiro de forma
desajeitada e não resisto em beijar seus lábios esticados em um
sorriso, é a coisa mais linda que já vi.
Nosso beijo fica intenso, nossas mãos estão em todos os lugares e
não demora muito para que ela erga minha camiseta e eu a remova
com uma mão, jogando para o canto.
— Deus abençoe o futebol americano! — Emma exclama e não
consigo conter a risada.
— Gosta do que vê, huh?
— Gosto bastante, mas quero saber o que você pode fazer também.
Essa mulher vai me enlouquecer. De onde saiu essa Emma
provocativa e sexy? Não me importo em saber as respostas,
simplesmente devoro seus lábios novamente e deixo que ela faça o
que bem quiser.
Beijo seu pescoço com delicadeza e mesclo alguns beijos leves,
lambidas e sugadas mais profundas em sua pele. Me aproximo de
seu ouvido e sussurro de forma quente, soprando o ar e notando a
pele dela se arrepiar.
— Quando você disse que não quer que eu pegue leve, você quis
dizer...
— Quis dizer que amei a noite de ontem... — as palavras saem
como um gemido, mas ela me segura pelos ombros e faz força para
que possamos inverter as posições. Quando solto meu corpo e
deixo que ela nos gire, Emma termina de falar. — Mas, hoje, quero
que você me foda.
Talvez eu tenha engolido suas palavras, talvez ela tenha dito e eu a
beijado na mesma hora, não sei dizer. A única coisa que sei é que
meu corpo incendeia, e que aceito a sentença a respeito do nosso
final de tarde e começo da noite. E será comigo dentro de Emma
enquanto ela geme meu nome.
Abro o fecho do sutiã com apenas uma mão e me ergo para ficar
sentado com ela em meu colo, seguro firme seus seios com as duas
mãos e depois me delicio colocando o esquerdo na boca e
chupando-o com um estalo alto. Reparei na noite anterior que isso
era algo que a agradava e, para mim, é como se os portões do céu
estivessem me recebendo para que eu adentre o paraíso.
Os cabelos de Emma caem por seus ombros e os afasto para poder
vislumbrar seu corpo, cada vez mais e melhor. Envolvo-os em minha
mão e puxo-os um pouco, fazendo com que o corpo dela arqueie e
seu pescoço fique exposto para mim.
— Eu sei que já disse que você é linda, mas eu já mencionei o quão
apetitosa você é? — Sussurro em seu ouvido e me delicio em ver o
corpo de Emma se dissolver com as palavras.
— Não... Não disse.
— Então me deixa te mostrar.
Viro nossos corpos uma outra vez e logo, estou por cima dela,
continuo a beijar sua boca e quando me afasto, seus lábios estão
levemente inchados e rosados, por minha causa. Sorrio com a cena
e vou depositando beijos molhados por todo o seu peito, barriga, até
chegar ao cós do jeans.
Estive entre as pernas de Emma ontem, mas sinto que hoje vai ser
ainda melhor, removo o jeans justo que ela veste, juntamente com a
calcinha e ao olhar o rosto corado da garota deitada em minha
cama, me dou conta de que essa, com toda certeza, é minha visão
favorita no mundo todo.
— Precisa de um manual de instruções? — A provocação vem
acompanhada de uma risadinha e não consigo evitar sorrir, porque
isso é nós.
Emma e Colin, os dois amigos de infância que viviam implicando um
com o outro. Nunca vamos perder essa essência, e nem quero que
isso aconteça. De alguma forma, nossas provocações e
implicâncias nos ajudaram a chegar até aqui.
— Eu poderia me gabar e dizer que não, mas a verdade, Emma
Kim, é que eu preciso sim — digo essas palavras enquanto me deito
novamente e começo a depositar beijos na parte de dentro de suas
coxas. — Porque quero te tocar e te dar prazer do jeito certo.
E ao dizer essas palavras, toco seu clitóris com a língua e o gemido
que Emma deixa escapar dos lábios faz com que eu sorria, mesmo
com os lábios em seu corpo. Faço movimentos ora rápidos, ora
lentos, notando as respostas que seu corpo me dá, sinto leves
espasmos vindos dela e quando seu corpo arqueia um pouco mais,
uso um dedo para penetrá-la.
— Não para, por favor!
Continuo a fazer os movimentos com os dedos e língua e, quando
Emma se dissolve em minha boca, me ergo para depositar um beijo
em seus lábios. Ela ainda está ofegante, mas um riso de satisfação
escapa de seus lábios enquanto nos beijamos e não consigo evitar
sorrir por conta disso.
— Ainda preciso de manual de instruções? — Murmuro baixo e ela
envolve seus braços em meu pescoço, como se tentasse me puxar
para mais perto ainda de seu corpo.
— Você precisa de menos roupas, isso sim — as mãos dela
deslizam pelo meu dorso nu até chegar ao botão da calça. Estou
duro feito pedra, mas quando Emma enfia a mão em minha cueca e
me toca, tenho a impressão de que vou dissolver. — Quero fazer
uma coisa. — Ela fala enquanto faz movimentos de vai e vem com a
mão direita.
— Você pode fazer o que quiser, Emma Kim. — Viro nossos corpos
de lado e deixo que ela assuma o comando. — Estou ao seu dispor.
Ela sorri, deixando em evidência a pequena covinha que se forma
em sua bochecha direita e também a pintinha em seu queixo, que
eu já beijei algumas vezes e que beijo novamente. Emma desliza
para o meu colo novamente e ela nem ao menos me tocou, mas a
visão de seu corpo em cima de mim, completamente nua, é a coisa
mais sexy do mundo.
Minha calça sai lentamente e vejo que ela hesita sobre o que deve
fazer. Sou o cara que proporcionou as primeiras experiências de
Emma e isso faz com que eu me sinta muito incrível, é bobeira, mas
saber que ela confiou em mim para isso, faz com que eu me sinta
seguro com relação ao que estamos construindo. 
Emma remove minha boxer e, tão logo, estamos os dois nus. Não
tenho problema nenhum com meu corpo, felizmente, sempre tive
muita confiança nesse quesito, e quando ela observa cada
centímetro de pele exposto, lanço meu melhor sorriso sedutor.
— Se eu fizer algo de errado, me fala.
— Você não precisa fazer nada se não quiser, baixinha, mas...
Minha frase fica presa na garganta quando sinto a língua de Emma
deslizar por todo o cumprimento. Tenho vontade de dizer que se ela
fizer só isso, já será suficiente, mas deixo que ela assuma o controle
por si mesma.
Quando ela coloca sua boca por completo na cabeça do meu pau,
solto um gemido baixo e fecho os olhos. Se mantiver meu olhar no
que ela está fazendo, não vou durar um segundo. Ela suga a pele
devagar e os músculos da minha perna se contraem devido ao
prazer.
Fecho os olhos por um segundo, para me deleitar da sensação e
então, meu telefone toca.
E quando pego o aparelho em mãos e vejo o visor, o nome do meu
pai brilha na tela. A cena seria cômica se não fosse triste, meu pau
está duro feito pedra e Emma remove sua boca lentamente quando
mostro a tela para ela.
— Atende, é melhor você atender.
— Não, nem pensar. — Ralho indignado.
— Colin, você sempre fala com tio Nash e tia Heather, não é?
Principalmente depois dos jogos, não?
— Sim, mas...
— Então atende logo! — Exclama levemente acelerada.
Nervoso, deslizo o dedo pela tela aceitando a chamada apenas de
áudio. Eles me saúdam e eu demoro para aceitar a solicitação de
vídeo. Coloco o celular sobre a cama, para evitar que eles vejam
Emma e quando viro a câmera para a frontal, mostro finalmente
meu rosto.
— E aí, carinha! Como você está?
— Oi, filho — minha mãe me saúda na sequência. — Espero que
não esteja mal pela derrota.
—  Nah, estou superando. Acontece, não dá pra ganhar todo dia —
dou de ombros porque nem consigo me lembrar que perdi um jogo.
Ganhei algo muito mais importante no dia de hoje.
— O que aconteceu com seu lábio? — Pergunta minha mãe,
perspicaz como é, e eu começo a inventar uma história para tentar
maquiar o motivo verdadeiro.
Emma está sentada na cama e, se desviar os olhos um milímetro
que seja da chamada, consigo ver seu corpo nu. Ela parece prestar
atenção na conversa que estou tendo, nenhum de nós falou em voz
alta, mas sabemos que nossos pais são uma questão um tanto
quanto inusitada para discutir.
Mas para isso, preciso pedi-la em namoro. E por mais que a certeza
desse desejo já esteja em meu peito, preciso dar tempo ao tempo,
não quero acelerar nada com Emma.
Continuo a falar com meus pais sobre o jogo da tarde de hoje, até
que minha mãe muda bruscamente de assunto.
— Você tem visto a Emma?
A pergunta me pega de surpresa, mas tento agir com naturalidade.
Pela visão periférica, vejo a sobrinha querida dos meus pais segurar
a risada nos lábios e tentar fazer o mínimo de barulho possível.
— Não muito para ser sincero — minto descaradamente. — Por
que?
— Porque o Ação de Graças está chegando e seria bom se vocês
voltassem juntos — responde meu pai. — Como vocês conseguem
não se ver se moram na mesma rua e estudam na mesma
faculdade?
— Temos rotinas diferentes, pai, e além disso, eu...
Perco as palavras quando sinto a boca de Emma novamente em
meu pau. Desvio um milímetro da chamada e encontro seus olhos.
Exalando luxúria e sacanagem. Isso está mesmo acontecendo?
— Você está bem? — Questiona minha mãe.
— Claro. Por que não estaria? — Me remexo um pouco e, bem
nesse momento, Emma testa suas habilidades de me colocar mais
fundo em sua garganta. Ela não emite nenhum som. Eu, em
contrapartida, estou lutando para não gemer durante uma ligação
com meus pais.
— Você está com cara de quem está com dor. — Minha mãe
comenta e vira a cabeça para o lado, como se tentasse entender o
que está acontecendo.
Desvio a atenção dela, que logo continua a falar do dia de Ação de
Graças. Enquanto ela divaga sobre a data, fala sobre minha carona
para Emma e também sobre a visita das minhas avós.
A garota nua a minha frente continua a me chupar, e céus, ela pode
dizer que é sua primeira vez fazendo isso, mas ela sabe com
exatidão as partes certas que precisa me tocar. O ritmo acelera e
sinto que vou explodir.
— Mãe, pai, posso ligar para vocês depois? — pergunto, enquanto
estrangulo um gemido nos lábios. — Coloquei gelo no joelho e estou
com muita dor neste momento.
Sinto a risada de Emma reverberar em minha pele e mesmo sob os
protestos da minha mãe, preocupada com o filho “machucado”,
encerro a chamada e ouço quando o estalo da boca de Emma
enquanto ela solta meu pau de sua boca.
— Muita dor no joelho, Sullivan?
Ela limpa o canto dos lábios, mesmo que eu não tenha feito nada e
sorri de um jeito doce, mas também perverso e terrivelmente sexy.
— Bela jogada, Emma Kim. Mas você se esqueceu de que, nesse
nosso jogo, eu sou expert em ganhar.
E antes que ela diga algo, puxo-a para mim, grudo nossos lábios
novamente e pelas próximas horas, me enterro dentro dela, de
forma dura, rápida, lenta, devagar, de todos os jeitos possíveis. Me
deliciando, recebendo e dando prazer à garota que me tem
totalmente nas mãos.
Capítulo 29

Amanhã é seu primeiro dia na faculdade. Quero dizer, seu primeiro


dia no campus, já que as aulas só começam na segunda-feira. Tanto
eu, quanto seu pai e seus tios vamos levá-la e, sinceramente, duas
horas de distância nunca me pareceu tanto tempo, parece que você
vai para o outro lado do mundo. Quando, finalmente, vão inventar o
teletransporte?
Brincadeiras à parte, Emma, estou tão orgulhosa de você. Não dá
para acreditar que eu tenho uma filha que já está na universidade.
Estou em um dilema sobre minha idade, não sei se devo me
considerar uma mulher velha por ter uma filha no ensino superior, ou
nova por, na minha idade, ter uma filha na faculdade. Minha mente
não se reconhece como mãe de uma quase adulta. E digo “quase”
porque, para mim, você sempre será minha pessoinha.
Comentários à parte, quando você terminar de ler essas páginas,
vai encontrar o caderno em branco. Depois de enchê-lo com meus
pensamentos, fotos, minhas histórias pessoais ou qualquer outro
nome que você queira dar ao que escrevi, deixo essas páginas em
branco para você, Emma Kim.
É sua vez de contar sua história. É a sua vez de brilhar na
faculdade, de conquistar seu lugar de destaque nos estudos, de
trilhar seu futuro, de fazer amizades que vai levar para vida (ou não
e tudo bem), de conhecer novas pessoas, realidades, histórias e
tudo mais que a faculdade vai te proporcionar.
Eu te disse muitas coisas ao longo dessas páginas, querida. Disse
para você se permitir, disse que você faria grandes coisas, contei
sobre como foi meu primeiro beijo na faculdade, dei conselhos, me
expus de corpo e alma para você. E agora, é a sua vez de despir-se
em todas as vezes que escrever algo aqui.
Sem julgamentos, sem olhares tortos, sem amarras, sem se limitar.
A vida é muito curta para nos enchermos de imposições e regras,
além das já existentes. Você não necessariamente precisa escrever
tudo nessas páginas, Emma, este caderno não é para ser mais uma
obrigação na sua vida, ele é seu para o que você quiser fazer.
Você pode, de repente, preencher com suas fotos conceituais de
café e livros, ou anotar as leituras que fizer, escrever quotes ou
frases filosóficas que aprender nas aulas. Faça o que você bem
entender com ele.
Sua avó Jina sempre dizia um ditado coreano que eu adorava, que
era algo mais ou menos assim: 등잔 밑이 어둡다   (“É escuro sob
a luz”). Claro que ela falava em coreano, mas de toda forma, o
significado dele diz respeito a aproveitar o que se tem por perto.
Então, querida, fica aqui meu último recado. Viva sua vida
intensamente, filha. Seja feliz!
E nunca se esqueça de que eu amo você incondicionalmente.
 
Meu bebê:
Não tenho metade do talento que a sua mãe tem para escrever
palavras bonitas, fazer colagens de fotos ou qualquer outra coisa.
Mas, a vi escrever nestas páginas durante um bom tempo e acho
justo deixar um pouquinho de mim aqui.
Você foi a melhor coisa que aconteceu na minha vida, Emma. É
uma honra ter você como filha, é um presente do universo poder ser
seu pai e ver o ser humano incrível que você é. Sei que faz parte da
vida deixar os filhos seguirem seu caminho, mas meu coração se
aperta de saber que você estará longe de nós.
Agora, só terei Kyle para dar um beijo no meio da noite. Mas, como
sua mãe sempre diz, você é grande demais para ficar guardada
debaixo das nossas asas.
Você vai se descobrir tanto, Emma. Vai ser um período incrível da
sua vida, disso não tenho dúvidas, e caso algo aconteça e ele não
seja tudo isso, nós estaremos aqui para apoiar, para te ajudar, para
cuidar de você. Nunca se esqueça de que você tem para onde
voltar, filha. Você sempre terá a mim e a sua mãe.
Queria dizer que ver você nascer foi a coisa mais incrível que já
presenciei, mas ver você crescer é ainda mais extraordinário, ver
você se tornar essa mulher forte, cheia de opiniões, levemente
tímida, contrastando com os pais expansivos que você tem... Você é
perfeita, Emma Kim. E eu amo você!
Boa sorte na sua nova jornada, filhota!
Do único homem da sua vida (ouviu bem?),
(Super) Pai.
Capítulo 30

É sábado pela manhã e Colin me fez levantar cedo para fazermos


um programa juntos. Ele já havia mencionado na noite anterior que
precisávamos acordar cedo, o que nunca foi um problema para mim,
contanto que eu dormisse à noite. Todavia, esse não foi o caso,
porque ficamos até de madrugada acordados... Transando.
Não que eu esteja reclamando. Mas, não deixo de estar cansada.
Minha rotina nos últimos dias está corrida, fora as aulas da
faculdade e a carga de leituras e estudo, o trabalho na biblioteca,
ainda que seja muito prazeroso, toma bastante tempo do meu dia.
E, recentemente, uma adesão a mais fez com que eu precisasse
reorganizar novamente meus horários.
Colin e eu passamos boa parte da vida nos mesmos lugares sem
passarmos tempo juntos, sem darmos valor a presença um do outro.
Entretanto, nos últimos dias, isso mudou drasticamente. Cada
minuto livre é uma chance de nos vermos. Sei que a rotina dele é
tão intensa quanto a minha, ele tem treinos físicos e técnicos, teve
um jogo essa semana e entregou uma maquete incrível da qual
participei um pouco, tentando ajudá-lo a finalizá-la.
Fiquei aliviada quando ele me contou que o técnico não havia
suspenso ele por conta da briga com Alex, não queria que esse
assunto o prejudicasse mais ainda. No final das contas, ao que ele
me contou, ninguém mais o provocou, Dylan está compenetrado nos
treinos e jogos e Alex está sendo excluído por boa parte do time.
E agora, estamos a caminho de algum lugar que não faço ideia qual
seja. Colin fez questão de deixar o GPS sem som e colocar o
endereço no celular, para que eu não pudesse ver onde estávamos
indo. Ele trouxe uma mochila consigo, mas tampouco sei seu
conteúdo, ele está misterioso e tem um sorriso travesso nos lábios,
que, recentemente, descobri ser um dos meus favoritos.
O sorriso que passei boa parte da vida achando que detestava é,
agora, meu favorito. Essa transição ainda me pega de surpresa
quando reflito a respeito, mas estou tão feliz, tão bem com o que
estamos vivendo, que toda a coerência deixou de ser importante.
Ontem à noite, enquanto nos beijávamos e Colin se afundava dentro
de mim, quase disse a ele que o amo. As palavras vieram em minha
boca, mas as segurei, não sei se é muito cedo, não sei se ele está
sentindo tudo isso na mesma intensidade que eu e tenho medo de
que isso o assuste e nos afaste.
E neste momento, imaginar ficar sem Colin é desesperador.
— Estamos chegando, eu prometo. — A mão dele toca a minha
perna e eu me viro para olhá-lo.
— Afinal de contas, para onde estamos indo? — Questiono mais
uma vez.
— Só mais um pouco e você vai descobrir.
Decido que, ao invés de descansar minha vista com os olhos
fechados enquanto aproveito o som ambiente, vou ficar mais atenta
ao caminho, posso dormir depois. A picape de Colin faz um barulho
alto enquanto os pneus correm pelo asfalto, sei o quanto ele adora o
carro, uma relíquia da família, o carro que tio Nash teve durante
muitos anos.
Estamos em uma estrada com árvores por todos os lados mas, de
repente, vislumbro um pedaço azul entre a paisagem, e dou um tapa
na minha testa ao entender para onde estamos indo.
— Você está me levando para a praia? — Pergunto, me
endireitando mais no banco.
— Eu estou — ele sorri e vira o rosto para dar uma piscadinha para
mim.
— Colin! — Exclamo surpresa.
— Emma! — Responde no mesmo tom, brincando comigo. — Não
gostou da ideia?
— Está brincando? Eu amei! Mas, com que roupa... — antes de
concluir o raciocínio, viro para o banco e lembro da mochila.
— Agradeça a Kath depois.
Tenho vontade de assumir os volantes, parar no acostamento e
beijá-lo até que todo o ar do mundo se esgote. Colin tem me
despertado instintos assim quase o tempo todo, mas dessa vez, vê-
lo preparar uma surpresa dessas para mim, sabendo o quanto gosto
de praia, faz com que as três palavras fiquem ainda mais presas na
garganta.
— Não quero ficar te enchendo de elogios e bajulações, mas você
torna isso cada vez mais difícil.
— Emma Kim, você pode não falar, mas cada vez que dá esse
sorrisinho lindo, ou que um gemido deixa seus lábios, você já está
me elogiando.
— Egocêntrico. — Reviro os olhos, fingindo irritação e ignorando o
fato de que ele está certo.
Ele ri e pega minha mão para depositar um beijo nos dedos, o que
me deixa ainda mais sem ar, tamanha a delicadeza do ato.
Alguns minutos depois, a faixa de areia e a água azul se revelam à
minha frente. Apesar de ser cedo, o clima está agradável e não
consigo conter a empolgação ao ver o mar à minha frente, sou
apaixonada desde criança por praias e fico extasiada por saber que
Colin fez questão de viajar quase duas horas para me trazer para
perto do mar.
Ele me estende a mochila quando chegamos a parte dos banheiros
e eu encontro o biquíni preto que Kath me emprestou para a festa
da piscina. Visto a peça pensando que talvez tenha sido naquele
momento que as coisas começaram a mudar entre mim e Colin,
nossa noite no hospital, ele me carregando até o carro, nós dois
ouvindo música durante o caminho. Sorrio com a memória.
Termino de vestir tudo e quando saio, o olhar de Colin recai sobre
meu corpo e o sorriso que ele me dá esquenta meu corpo inteiro.
— Finalmente vou poder olhar para você nesse biquíni sem ter
medo do que estou sentindo.
— Pervertido — mostro a língua para ele e o assisto tirar a camiseta
e colocar na mochila.
Já vi Colin nu muitas vezes nesses últimos dias, mas ainda assim,
toda vez que vejo seu peitoral, minha boca saliva. Sei que estou
encarando seu corpo, mas não consigo evitar, é completamente
mais forte do que eu.
— Pervertida — repete minha última fala e então toma minha mão
com a sua. — Vamos cair na água?
Sorrio para ele em concordância com o pedido e vislumbro a praia
de novo, é possível ver um ou outro surfista indo em direção ao mar,
mas estão todos afastados, é quase como se a praia fosse só
nossa.
Colin e eu depositamos a mochila na areia, que não contém mais do
que roupas e alguns pertences pessoais e vamos para a água
juntos, de mãos dadas. Corremos da mesma forma que fazíamos
quando criança, só que dessa vez, não temos baldes nas mãos e
nem mesmo gritos de provocação um para o outro.
É a nossa nova versão de nós mesmos, correndo em direção ao
mar, desfrutando do cheiro de maresia e da companhia um do outro.
A água gelada bate em nossos pés e vamos ganhando confiança
para adentrar um pouco mais, as ondas são fortes no começo, mas
ao adentrar um pouco mais, a água fica tranquila.
Molho meus cabelos e Colin faz o mesmo, quando emergimos, nos
aproximamos ao mesmo tempo um do outro e tão logo, nossos
lábios estão unidos. Sinto o gosto salgado na boca dele e essa
provavelmente seja a minha mais nova combinação favorita.
Agradeço por não ter mais ninguém próximo a nós, porque nem
analiso a possibilidade de alguém poder nos ver, apenas envolvo
minhas pernas em sua cintura e deixo que ele me segure enquanto
nos beijamos com velocidade e paixão.
Vez ou outra, olhamos para a bolsa na areia, para ter certeza de que
está lá, e logo voltamos a nos beijar.
Em um dado momento, desgrudamos nossas bocas e ficamos
apenas ali, admirando um ao outro, sentindo o corpo um do outro,
sem dizer nada, em um silêncio confortável entre nós. Com os
braços em volta do pescoço de Colin, massageio seus cabelos
úmidos, adorando a textura deles em meus dedos.
— Você tem uma pintinha aqui — ele move os lábios para o final do
meu queixo e deposita um beijo suave — que eu adoro. Acho que é
o detalhe que mais amo em você.
Quando ele diz “amo”, sinto meu coração parar por alguns breves
segundos e voltar a bater numa velocidade impressionante.
— Colin...
— Namora comigo, Emma? — A pergunta sai de seus lábios quase
em tom de súplica e o ar se perde em meus pulmões. — Não sei se
esse é um pedido muito rápido, não sei se existe hora certa para
essas coisas, nunca fiz isso para ser sincero...
— E Patrícia Benson? Vocês não namoraram por, sei lá, três
semanas?
— Não, nós só ficamos. Não sei até hoje porque levei ela para meus
pais conhecerem... Mas isso não vem ao caso — Colin balança a
cabeça e volta a me olhar. — Nunca senti nada parecido com isso,
Emma. Mas só posso dizer que parece certo, me sinto completo
com você, fico procurando qualquer momento no dia para conseguir
te ver. Não me importo de precisar atravessar o campus inteiro só
para dar um beijo rápido, só para me aproximar e ver você sorrir
para mim como se eu fosse a coisa mais incrível em que você já
colocou os olhos. Nesses últimos dias, foi inevitável não pensar em
nós dois, em toda a nossa história, e eu podia jurar que nós sempre
estivemos de lados opostos do campo...
— Ah, não! Metáforas com esporte, sério? — Brinco com ele,
tentando conter a emoção que me domina por dentro.
— Você não vai estragar minha declaração, baixinha— ele usa o
apelido com a entonação de quando me provocava, e dessa vez,
não me importo nem um pouco. — Como eu ia dizendo, eu sempre
achei que estávamos de lados opostos, mas não penso mais assim.
Você é meu final de jogo, Emma. É o alívio do fim da partida, é
minha corrida para a end zone. É meu touchdown. A comemoração
da vitória e o acalento numa derrota. Você é tudo, Emma Kim. Eu
quero te contar todos os dias mais e mais meus segredos. Quero
saber cada detalhe sobre você, baixinha, porque amo você. Me
deixa estar na sua vida por completo, dessa vez para valer. Namora
comigo?
Mordo com força a parte de dentro da bochecha e não consigo
conter as pequenas lágrimas que escorrem dos meus olhos. Colin
dá um sorriso gentil para mim e agradeço por tudo que vivi esses
anos todos com ele, porque nos levaram a esse momento. Nossa
história vai ser algo incrível de ser contada no futuro.
Colin Cooper Sullivan vai, com toda certeza, ser minha primeira
anotação no caderno de memórias que, até esse momento, era da
minha mãe, mas agora, se torna meu. Porque essa é a minha vez
de escrever essa história, e nela, Colin não é mais um coadjuvante,
ele é o protagonista, assim como eu.
— Eu te amo, Colin — digo as palavras com todo o ar que há em
meus pulmões. — E estou entregando para você meu coração.
— E você tem o meu, Emma.
E, num beijo apaixonado, banhados pelo mar e pelo sol que
desponta no horizonte, Colin e eu recebemos de braços abertos
essa nova realidade. Somos um casal.
E mesmo sem nunca ter praticado esporte algum, na minha cabeça,
eu consigo ouvir uma torcida gritando em comemoração pelo fim do
jogo, e entendo o que Colin quis dizer com sua metáfora.
É uma sensação única ganhar. E meu prêmio é ele.

Na quarta-feira, véspera de Ação de Graças, o campus começa a


esvaziar ao longo do dia com estudantes lotando carros e ônibus
para ir visitar suas famílias. Colin está colocando minha mala no
banco de trás da picape.
Ainda não completamos uma semana inteira de namoro, mas esses
foram os melhores dias da minha vida. Assumir esse sentimento
entre nós dois é incrível e ainda uma novidade, mas é aquele tipo de
coisa que você se acostuma fácil, porque é bom.
Nossa faculdade fica a pouco mais de duas horas de casa, Colin
poderia ter ido antes, já que não teve treino, mas ele não quis ir sem
mim. Além disso, nossos pais ligaram tanto para ele quanto para
mim para falar da carona e alinhar nossos horários.
Eles não sabem que estamos namorando, não fazem ideia do que
tem acontecido nesses últimos meses e é por esse motivo que meu
namorado e eu estamos, em partes, em silêncio. Não sabemos
como agir na frente deles.
— Pronta? — Pergunta ele, depois de colocar minha mala no carro
e fechar a porta.
— Mais ou menos pronta, mas...
— Relaxa, Emma. — Colin afasta uma mecha do meu cabelo e
coloca atrás da orelha. — Eu já pensei em uma alternativa.
— E qual seria? — Questiono, levemente irritada, porque ele teve
péssimas ideias nos últimos dias.  — Me beijar na frente dos nossos
pais? — Sugiro de forma irônica.
— Não, apesar de ser uma boa ideia — ele ri e eu dou um tapa em
seu braço. — Vamos simplesmente contar, baixinha. Nós vamos
chegar, descarregar as malas, sentar para comer besteiras com
nossos pais e irmãos e aí falamos.
— Simples assim?
— Simples assim.
Encaro Colin e vejo que ele está falando sério. Mantenho os olhos
firmes nos dele e noto quando ele tenta manter a pose, mas falha ao
dar uma risadinha discreta e se abaixa rapidamente para dar um
beijo na pintinha que tenho no queixo, algo que sempre achei
normal, mas que de tanto Colin falar, passei a olhar com mais
carinho.
— Tá legal, você fala então. — Cruzo os braços no peito e ergo meu
queixo, da mesma forma como sempre fiz quando o desafiava.
— Tá no papo, baixinha.
Ele se afasta, passando pela frente do carro e eu entro no mesmo,
dando um leve impulso por conta da altura. Colin ajusta o GPS no
computador de bordo com o endereço da casa dele, já que nossos
pais vão estar juntos. Ele pergunta mais uma vez se está tudo certo
e dá partida no carro.
Como todo feriado de Ação de Graças, as estradas estão cheias e,
por isso, levamos mais do que o tempo normal para chegarmos ao
nosso destino final. Durante a viagem, Colin e eu vamos
conversando, comendo alguns doces e cantando músicas altas.
É incrível perceber a diferença do nosso relacionamento, e em
certas horas, não consigo deixar de me perguntar se nós teríamos
vivido isso antes, se tivéssemos deixado de lado nossas diferenças
e provocações bobas para aproveitar a presença um do outro.
— Você acha que poderia ter sido diferente? Nós dois?  —
Questiono a Colin quando ele desliga o carro por conta do trânsito
parado.
— Acho. — Responde, enquanto mexe nos cabelos e em seguida,
alonga os braços. — De alguma forma, acho que sempre senti algo
por você, mas era criança e bobo, então apenas ignorei. Mas,
apesar disso, sempre lembro de uma conversa que tive com meus
pais. Eles me ensinaram que não adianta lamentar pelo tempo
perdido e pelas coisas que não temos controle. O importante é o
que vamos fazer daqui em diante, e para mim, é cristalino como a
água que você estará no meu futuro, Emma.
Respiro fundo, assimilando suas palavras e aceitando sua mão
estendida para mim.
— Isso se você estiver vivo até lá. Ainda há chances do meu pai
matar você.
— Tio Steve me adora, ele jamais faria isso.
Dou uma risada ao pensar na reação do meu pai e aumentamos o
volume do rádio enquanto ouvimos uma das muitas bandas que
adoramos, e dessa forma, seguimos viagem.
Quando Colin estaciona em frente à sua casa, nós dois respiramos
fundo. Vamos precisar fingir indiferença a partir de agora até o
momento em que contarmos aos nossos pais o que está
acontecendo entre nós. Uma parte de mim está com medo, mas a
outra tem certeza de que será, no mínimo, engraçado.
— Preparada para ser minha inimiga novamente e não poder tocar
esse corpinho? — Ele brinca comigo e dou risada de sua
provocação.
— Preparado para não poder beijar essa pintinha aqui? — Aponto
para meu queixo e Colin faz uma cara de dor.
— Vamos logo antes que eu fique realmente frustrado.
Abrimos a porta do carro e começamos a pegar nossas coisas. No
mesmo instante, a porta da frente se abre e a tia Heather, junto com
minha mãe, saem pela porta. Colin tranca a picape e minha mãe me
encontra no meio do caminho e me envolve em um abraço
apertado.
— Oi, filha! Que saudades.
— Eu também, mãe, eu também!
Minha mãe deposita um beijo em meus cabelos e nos abraçamos de
novo. Logo, é minha tia Heather quem me envolve com seus braços
fortes e não consigo deixar de pensar que ela, agora, não apenas é
minha tia do coração, mas também minha sogra.
Somos conduzidos para dentro da casa e depois de deixar a mala
na sala, adentramos o espaço largo da cozinha da casa de Colin,
onde nossos pais estão, sentados à mesa com suas long necks em
mãos.
Meu pai me recebe em um abraço carinhoso e cheio de amor e
elogia o quanto estou linda com os cabelos loiros, respiro seu
perfume e dou um beijo estalado em sua bochecha. Repito o
processo com o tio Nash, que não deixa de me chamar de princesa,
como sempre faz e, depois, eu finalmente ganho a atenção do meu
irmão, que está concentrado em seu videogame.
Kyle e Freddie nos cumprimentam rapidamente e logo vão para a
sala, como sempre fazem. Apesar da diferença de idade, os dois se
dão muito bem e são companheiros inseparáveis. Colin e eu
olhamos um para o outro, sem saber direito como agir, mas
simulamos bem ao sentarmos “sem querer” próximos um ao outro.
Nossos pais pedem que contemos como tem ido a faculdade e eu
começo a contar sobre meu curso, as aulas e também sobre meu
emprego na biblioteca. Colin repete o processo contando sobre o
que está aprendendo na graduação, os projetos de arquitetura que
vem desenvolvendo por conta de um trabalho em grupo e, claro, fala
sobre o futebol americano.
Nenhum de nós conta com empolgação a respeito das nossas
rotinas, estamos apreensivos e isso é nítido.
— Esse tempo todo fora e é isso que vocês tem para nos contar? —
Questiona tio Nash. — Não se faz mais farra na faculdade como
antigamente.
— E você, por um acaso, acha que eles vão nos contar o que estão
aprontando, lindo? — Tia Heather caçoa do marido. — Não se iluda.
— Na verdade, tem uma coisa que preciso contar a vocês. — Colin
fala de forma repentina e me viro para ele bruscamente.
— Colin... — chamo-o baixinho e ele vira rápido para mim e sorri.
— O que houve? — Dessa vez é minha mãe quem pergunta.
Colin respira fundo e puxa minha mão para a dele, por baixo da
mesa, vejo que tia Heather repara o movimento e meu coração
dispara. Prendo o ar nos pulmões e ele dispara a verdade diante de
todos.
— Emma e eu estamos namorando.
A cena seria cômica se eu não estivesse tão nervosa. Meu pai para
a garrafa na boca, tio Nash fecha os olhos e os abre rapidamente,
arregalando-os em nossa direção e passa os dedos pelos fios loiros
e longos. Minha mãe transita o olhar entre mim e Colin, com uma
risadinha escondida nos lábios e tia Heather tem um sorriso de
orelha a orelha.
— Pague a aposta, Campbell! — Minha tia estende a mão e minha
mãe solta uma gargalhada enquanto balança a cabeça.
— Eu não acredito que você estava certa. — Pegando a bolsa presa
na cadeira, ela abre o zíper e pega a carteira.
— Pera aí, você já sabia, linda? — Tio Nash pergunta à esposa.
— Estava desconfiada por conta de uma ligação com Colin e da
conversa que tivemos.
— Você falou de mim para sua mãe? — Viro para ele surpresa.
— Indiretamente, sim. — Ele coça a nuca e não consigo evitar o
sorriso. — Comentei sobre “um amigo” que estava com problemas
com uma “pessoa”, mas, na verdade, era eu... — ele explica,
fazendo aspas no ar e ao mesmo tempo, segurando a risada. Eu,
infelizmente, não me contenho e gargalho baixinho.
— Isso é sério? — Dessa vez, é meu pai quem fala e o silêncio volta
a reinar na mesa. — Você e o Colin? — Ele pergunta olhando para
mim.
— Foi chocante para nós dois, mas... Aconteceu. — Dou de ombros
e sorrio para ele, piscando os cílios de forma meiga, uma tática que
usava com ele quando criança.
Meu pai alterna o olhar entre nós dois e, logo em seguida, semicerra
os olhos azuis na direção de Colin e dá um longo suspiro.
— Colin, não acredito que você vai me obrigar a te odiar.
Minha mãe, tia Heather e tio Nash começam a rir e, tanto eu quanto
Colin, acompanhamos eles, porque é a cara do meu pai fazer um
comentário desses. E é nesse momento, que sei que tudo vai ficar
bem.
Nossas mães começam a brincar entre si comentando que
finalmente vão poder se chamar de família e comprovar os laços, e
as duas dão um abraço apertado uma na outra.
—  Mas, como foi que isso aconteceu? — Pergunta tio Nash, que
ainda parece impressionado demais com tudo, assim como meu pai.
— É uma longa história... — começa Colin, tentando contornar todos
os fatos que nos aproximaram — Mas nós nos beijamos depois de
uma festa e...
— Não quero saber sobre você beijando meu bebê. — Interrompe
meu pai.
— Fale por você, Steve, eu quero saber todos os detalhes! —
Completa minha mãe animada.
— E nada de dormir juntos! — Continua meu pai, ignorando o
pedido da esposa.
— Ah, amor! Por favor, você acha que eles estão dormindo onde?
— Minha mãe se levanta e começa a caminhar até o marido.  —
Não peça que sua filha faça o que você mesmo não fez.
— Não quero saber, ela é minha bebê! — Ele exclama. — Eu falei
que era para você deixar seu filho longe da minha filha, Sullivan! —
Meu pai aponta para tio Nash.
— Ei, eu não incentivei nada disso! Que culpa eu tenho se eles se
gostam?
— Amam. — Corrige Colin e aperta minha mão. — Eu amo a
Emma, tio Steve. E você me conhece, sabe que eu jamais diria
essas palavras da boca para fora. Ter seu apoio vai ser tudo para
nós, porque tanto ela quanto eu, amamos você.
Me derreto completamente pelas palavras de Colin e minha mãe
vem para o nosso lado e abraça o sobrinho que tanto ama, ouço
quando ela comenta baixinho que está radiante por nós e meu peito
irradia diante da cena. Olho de canto para meu pai e sorrio para ele,
acenando com a cabeça para dizer a ele que é verdade tudo o que
Colin disse.
Ele dá mais um gole na cerveja e se levanta. Minha mãe tem uma
mão apoiada no ombro de Colin, e se alguém estivesse analisando
nossa linguagem corporal, diria facilmente que ela está
demonstrando apoio a nós.
Ele continua nos olhando sério, mas alguns segundos depois, os
olhos azuis pelos quais sou apaixonada brilham um pouco mais e
ele abre um sorriso gentil em nossa direção.
— É bom que você a trate bem, Colin.
— Eu vou, tio. Você tem minha palavra. — Meu namorado estende a
mão enquanto se levanta e os dois ficam frente a frente.
Meu pai pega a mão de Colin e a aperta. Um segundo depois, ele o
puxa para um abraço e os dois começam a rir juntos. 
— Graças a Deus! Eu estava começando a ter medo de não poder
ficar feliz com a notícia — comenta minha mãe e me envolve em um
abraço apertado. — Eu bem disse que a faculdade seria incrível,
não é?
— Mãe, você não faz ideia!
Ela me solta de seus braços e dá um beijo estalado em minha
bochecha. E então, a cozinha da casa de Colin se torna um
amontoado de abraços, risadas e comemorações, Kyle e Freddie
aparecem para saber o que está acontecendo e quando contamos,
os dois pedem para não nos beijarmos perto deles e não contemos
as risadas com as caretas que nossos irmãos fazem.
Ao final de todas as comemorações, Colin e eu nos abraçamos
apertado, com seus braços me engolindo da forma como eu
descobri amar. Ele deposita um beijo em minha testa e eu sei, eu
simplesmente sei, que nós seremos felizes.
Porque, de alguma forma, o garoto que me fazia revirar os olhos de
raiva é também o cara que me tem por completo. Meu amigo de
infância, o garotinho que chegou em minha casa usando uma
camiseta dos Patriots e me chamando para jogar bola. O
adolescente que adorava implicar comigo e atrapalhar meus
debates. Ele é o cara que eu amo.
— Era para ser, baixinha. — Ele comenta enquanto me segura pela
cintura.
— Era para ser, Colin.
E é dessa forma que a nossa história começa.
Epílogo  

Filhote:
Quando eu tinha a sua idade, alguns bons anos atrás, seus avós,
tanto paternos quanto maternos, me levaram num sábado
ensolarado para o campus onde eu iria estudar e morar por quatro
anos. E depois, permanecer ainda mais um tempo como mestranda
e professora substituta. Na época, eu não fazia ideia de que o
destino iria me reservar tantas surpresas boas para os quatros anos
que viriam. Coisas incríveis tanto para mim quanto para seu pai.
Sua avó Kim me deu um caderno bem semelhante a esse que você
tem em mãos agora. Sei o que está pensando: se na minha época,
os cadernos já pareciam um objeto obsoleto, hoje então, imagino
que você esteja olhando para ele e se perguntando: “por que raios
minha mãe não usou algum aplicativo qualquer para deixar essas
anotações para mim?”.
Bom, porque, como diria suas duas avós, sua mãe é uma pessoa
“das antigas”. E descolada.
É incrível como nós sempre acabamos nos parecendo com nossos
pais depois de certa idade. Vai acontecer com você, eu garanto.
Mas, eu me lembro que, diferente de você, naquela época, minha
animação era muito mais voltada para os estudos do que para a
diversão, e eu não conseguia entender o porquê meus pais falavam
com tanta euforia sobre minha entrada na faculdade, como se a vida
fosse uma antes da graduação e outra diferente depois da
passagem pelo ensino superior.
Lembro que quando li as primeiras páginas que sua avó me deixou
escrita, eu sabia que iria viver coisas incríveis, mas não tinha fé
alguma de que seria algo tão transformador. Claro que com
transformador, eu estou querendo falar sobre me descobrir, sobre
trilhar meu caminho acadêmico e profissional... E sobre o seu pai.
Assim como para sua avó Kim, falar de faculdade para ela é
impossível sem lembrar do seu avô e da gravidez; para sua avó
Heather, é impossível deixar o futebol de lado e a história entre ela e
seu avô Nash também.  
E para seu pai e eu, é impossível falar de faculdade sem citar a
nossa história de amor, que começou em meio a festas, jogos de
futebol americano da liga universitária e nossa tentativa falha de
continuarmos com nossas implicâncias de sempre. Nossa tentativa
falha em nos odiarmos.
Eu costumava não acreditar nessas baboseiras sobre caminhos
trilhados e pessoas que precisam se encontrar nessa vida, mas
depois do seu pai, foi impossível não me deixar levar pela ideia de
que, talvez, haja uma força maior que nos guie para os lugares
certos, nas horas certas e assim por diante. 
Eu sei. Eu sou uma socióloga com doutorado e estou falando para
você que, simplesmente, sem mais nem menos, acredito em
destino.
É isso mesmo. Eu acredito.
E tudo bem ter um pouco de fé em coisas que não conseguimos
comprovar de verdade. Todavia,  como tudo é possível, quem sabe
você não consiga desenvolver uma teoria genial que comprove
cientificamente eventos assim.
Entende o que quero dizer, querido? Dizer que você já sabe o que
será do seu futuro agora é não dar a chance para infinitas
possibilidades. Seu pai e eu jurávamos que seria uma tortura estar
na mesma faculdade depois de passarmos boa parte da vida
estudando juntos. Seu pai e eu tínhamos certeza de que nada além
da irritação latente entre um e o outro seria possível de se
manifestar entre nós.
Hoje, estamos levando você, nosso filho,  para seu primeiro dia na
faculdade. Nós não só nos apaixonamos um pelo outro, como
também nos casamos. Seu pai tocou os negócios da família, abriu o
próprio escritório de arquitetura, expandindo ainda mais as
possibilidades, e eu, assumi um cargo permanente no departamento
de sociologia da Universidade da Flórida.
Juntos, construímos nossa casa de frente para o mar. A minha
paixão pessoal e a sua também.
Quando sua avó me deu um caderno como esse, ela recheou este
de fotos, pensamentos e textinhos que me ajudaram muito durante a
faculdade, principalmente no primeiro ano. Além disso, ela deixou
uma quantidade generosa de páginas em branco para que eu
escrevesse a minha história.
E eu, agora, passo a tradição para você.
Use essas folhas para anotar seus pensamentos, suas ideias,
fórmulas que seja, seus desejos, suas tristezas, angústias. Use para
desenhar, fazer colagens, encha com fotos, faça o que quiser com
ele, filhote. Porque, agora, é a sua vez de escrever essa história.
Assim como seus avós escreveram as deles, eu e seu pai
escrevemos a nossa, agora é seu momento.
Deixo nas próximas páginas algumas fotos da época para te inspirar
e o restante, é com você. Seja o protagonista da sua história, filho. E
nunca, jamais, em hipótese alguma, esqueça que seu pai e eu te
amamos mais do que qualquer coisa nesse mundo.
Feliz primeiro dia de faculdade. Sua vida nunca mais será a mesma.
Eu te amo, Ethan Ha-jun McGlam Sullivan. Até a lua... Ida e volta.
Mamãe.
Agradecimentos
Como é bom chegar até aqui!
Me sinto como uma competidora de natação no mar que, ao chegar
ao final, respira aliviada. É um percurso sinuoso escrever um livro.
Quisera eu que bastasse colocar palavras em um arquivo e jogar
para o mundo. É muito mais complexo que isso, mas a jornada fica
mais interessante quando se tem com quem contar.
End Game não estaria nas suas mãos se não fossem por algumas
pessoas mais do que especiais. E vamos a elas.
Milena e Clarissa: mil vezes obrigada! Mi, obrigada por terminar de
ler Fair Play e plantar a famosa “semente da discórdia” em minha
mente a respeito da Emma. Obrigada por se empolgar comigo
quando a imagem do Colin nasceu. Clarissa, obrigada por vibrar
com a mesma intensidade e mencionar que “um Steve como pai
ciumento” era tudo que nós precisávamos. Você estava certa.
Clarissa, obrigada também por revisar este livro. Nunca se esqueça
de que você é a minha revisora. Caique, amigo querido, obrigada
por dar vida graficamente a mais essa jornada. Que você possa
produzir muitas outras capas de livros meus.
Meu squad: Caroline Dias, Fernanda Martins, Laura Vitelli e Olivia
Ayres. O que seria de mim sem vocês? Obrigada por betarem essa
história, por se empolgarem com cada revelação como se fosse
uma grande novidade (ainda que, por baixo dos panos, vocês
sempre saibam de tudo). Obrigada pela honra de compartilharmos
uma amizade incrível e por dividirem comigo a escrita de vocês.
Obrigada, Tan, minha leitora sensível, por se apaixonar pela Emma,
se reconhecer nela em muitos momentos e por me ensinar tanto.
Foi enriquecedor, gratificante e maravilhoso dividir essa história com
você antes de todo mundo.
Felipe, meu amor e companheiro de vida. Obrigada por acreditar
nessa história mais do que eu muitas vezes. Sei que você não vai
ler esse livro, porque você não lê nenhum livro, mas não poderia
deixar de colocar você aqui e enfatizar sua importância na minha
vida. Te amo.
Aos meus amigos, principalmente, Alessandra, Ana, Eduardo,
Fernanda, Natália e Thais, por simplesmente acreditarem em mim.
Aos meus pais, que participam da construção dessas histórias todas
as vezes em que me perguntam “como está o trabalho?”. Ao Júnior
e sua incessante pergunta: “mas e o seu livro?”, me fazendo
acreditar que era possível sonhar. Ao Arthur, meu irmão, que me
deu uma aula e tanto a respeito de futebol americano.
Ao Guilherme, meu primo, que, por vezes, por conta das nossas
histórias de infância, me ajudou a lembrar que mesmo com
provocações, puxões de cabelo e apelidos bobos, havia amor.
Emma e Colin, de alguma forma e em algum grau, são um retrato
nosso de anos atrás.
E, por fim, e nunca menos importante, a você leitora e leitor que
chegou até aqui. Obrigada por acreditarem em mim, por pedirem por
outras histórias, por sempre me fazerem acreditar que minha
escrita, algo tão meu, também pode ser algo tão nosso. Obrigada
por se apaixonarem por essas histórias, personagens e playlists.
Espero que possamos estar sempre juntos.
Até a próxima!
 
Sobre mim
Nascida na Grande São Paulo, Beatriz formou-se em Letras pela
Universidade de São Paulo. Quando não está escrevendo, passa a maior
parte do tempo lendo, ouvindo música, vendo filmes e planejando viagens.
Não dispensa um café quentinho, shows e uma tarde com os amigos. Não
necessariamente nessa ordem. Atualmente mora na Suécia com o marido,
seu cachorro Baleia e passando muito frio.
Suas publicações incluem: Além de Mim, escrito juntamente com sua melhor
amiga e publicado pela Editora Sinna no primeiro semestre de 2021. Fair
Play, publicação independente lançado no segundo semestre de 2021 e
Overtime, uma história de Fair Play também em 2021.
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[1] Louisiana Panic é uma banda fictícia, cuja importância e os personagens

são apresentados no livro Além de Mim, de Beatriz Garcia e Natália Loureda.


[2] É uma sobremesa típica coreana feita com pera, gengibre e pimenta.
[3] April Carson é uma personagem do universo de Soul Dancer, da autora

Laura Vitelli.

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